UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA … · Ficha Catalográfica – Biblioteca Central...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTER
MESTRADO PROFISSIONAL
Marcelo Oliveira Rocha
Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia: inovação e conservadorismo político
FEIRA DE SANTANA Novembro, 2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTER
MESTRADO PROFISSIONAL
Marcelo Oliveira Rocha
Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia: inovação e conservadorismo político
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial – Mestrado Profissional, da Universidade Estadual de Feira de Santana como requisito para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial. Orientadora: Profª. Drª. Acácia Batista Dias
FEIRA DE SANTANA Novembro, 2015
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
Rocha, Marcelo Oliveira
R574p Política de desenvolvimento territorial na Bahia : inovação e conservadorismo político / Marcelo Oliveira Rocha. – Feira de Santana, 2015.
187 f. : il.
Orientador: Acácia Batista Dias. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, 2015.
1. I. Território – Políticas públicas. 2. Desenvolvimento territorial – Bahia. I. Dias, Acácia Batista, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.
CDU: 711:304(814.2)
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha grande família, farol que me alumia, em especial minha mãe e minha filha.
A Adilson, amado, disciplinador, parceiro. Com vocês sou mais feliz! Agradeço à minha
Orientadora, Acácia Batista Dias pela paciência e sincera dedicação a contribuir para este
resultado. A Jocimara Lobão, por todo incentivo e confiança. Aos colegas de curso por
momentos de diversão e construção coletivas. Aos membros da Banca Avaliadora, Tatiana
Velloso e Valdir Roque Dallabrida.
Aos meus inspiradores e dedicados construtores dos territórios de identidade da Bahia: Edson
Valadares (gratidão especial), Jerônimo Rodrigues, Ivan Leite, Wilson Dias, Ildes Ferreira,
Marília Mattos, Benito Juncal, Angela Andrade, Mary Cláudia e Thiago Xavier. Ao nosso
arquiteto territorial Humberto Oliveira. Em especial, agradeço a Ubiramar Bispo, Mazinho,
um homem de verdade, superior, o maior guerreiro pacífico desta construção. À Coordenação
Estadual dos Territórios da Bahia. A Walter Pinheiro, Zezéu Ribeiro e José Sérgio Gabrielli,
com quem trabalhei e aprendi. À Maria Teresa (Teka), mestra do compromisso pedagógico na
política. A João Alberto, Ronaldo Rodrigues e Vanduy Cordeiro, meu pai e irmãos de
caminhada. À Vasco Zugno, amado. À Cris Zomzom.
Agradeço à equipe DPT por esta longa jornada, gratidão pela companhia. Aos sempre
indispensáveis e amorosos incentivadores Zilton Rocha e Normélia Monteiro. Ao meu amado
sobrinho Gabriel Rocha pelo apoio incondicional. Ao corpo docente deste Mestrado.
À Vida, ao Aqui e Agora, ao O Que É!
RESUMO
A presente dissertação analisa a experiência da Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia, implementada pelo Governo Jaques Wagner, no período de 2007 a 2013. Foca o aspecto da participação social e os mecanismos utilizados para a realização da mesma, com vistas a analisar os resultados desse processo, ainda em construção. A participação social aqui estudada foi construída a partir do processo de territorialização do Estado da Bahia, quando o Governo criou os Territórios de Identidade e os definiu como unidades de planejamento e execução das políticas públicas. Criou-se um arcabouço institucional para operar a participação social, com base nos referidos territórios, e reproduziu-se a escuta social quando da renovação do mandato do governo, em 2011, realizando alterações no processo de escuta inicial, visando qualificá-la. A partir desta situação dada, optou-se por uma pesquisa qualitativa, através do estudo de caso, tendo na análise documental a principal fonte de pesquisa. Segundo a crítica aqui apresentada, aponta-se que, a despeito de avanços verificáveis na democratização e na descentralização da gestão pública, com a criação de um conjunto de espaços e instrumentos institucionais de escuta social e de governança territoriais, os mesmos operam de maneira superficial e estão esvaziados de poder, com baixo aproveitamento dos mecanismos institucionais criados.
Palavras-chave: Territórios. Participação Social. Política Pública. Desenvolvimento
Territorial. Governança.
ABSTRACT
This dissertation analyzes the experience of Bahia Territorial Development Policy, implemented by the Government Jaques Wagner, from 2007 to 2013. The focus is the aspect of social participation and the mechanisms used to perform it, in order to analyze the results of this process, still in construction. The social participation here studied was built from the process of territorialization of the State of Bahia, when the government created the Identity Territories and defined them as planning units and execution of public policies. It was created an institutional framework to operate social participation, based on those territories, and it was reproduced to social listening during the renewing of government mandate in 2011, making changes to the initial listening process aiming to qualify it. From this situation, it was decided to use a qualitative research based on case study, using document analysis as the main source of data to this research. However, despite progress achieved on democratization and decentralization of public administration with the creation of a set of social listening spaces and territorial governance, among others, it is observed that these spaces operate superficially and are drained of power, with low utilization of the created institutional mechanisms, according to reviews presented here.
Key words: Territory. Social Participation. Public Policy. Territorial Development.
Governance.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABONG Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais ADT Agente de Desenvolvimento Territorial BID Banco Interamericano para o Desenvolvimento BIRD Banco Mundial BNDS Banco Nacional de Desenvolvimento Social BNH Banco Nacional de Habitação CAPPA Conselho de Acompanhamento do PPA (2008 – 2011) CAR Companhia de Desenvolvimento Regional CDERS Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CEALNOR Centro de Associações do Litoral Norte CEDETER Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial CEDRS Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CEPAL Comissão Especial para a América Latina CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CETA Coordenação Estadual dos Trabalhadores, Assentados, Acampados e
Quilombolas da Bahia CET Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia CETEP Centro Territorial de Educação Profissional CMDS Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica COAS Coordenação de Articulação Social CODES Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável CODETER Colegiado de Desenvolvimento Territorial CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CONSAD Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração COREDES Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável CPT Comissão Pastoral da Terra CRA Centro de Recurso Ambiental CUT Central Única dos Trabalhadores DEM Democratas DIREC Diretorias Regionais de Educação DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca DPT Diretoria de Planejamento Territorial EFA Escola Família Agrícola EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EUA Estados Unidos da América FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura FASE Federação de Órgãos para Assistência Social FETAG Federação Estadual dos Trabalhadores Agrícolas FETRAF Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura
Familiar FIDA Fundo Internacional de Desenvolvimento para a Agricultura FMI Fundo Monetário Internacional FUNDIFRAN Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco GT Grupo de Trabalho IDE Investimento Direto Estrangeiro
IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura IFBA Instituto Federal da Bahia INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IRPAA Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada LOA Lei Orçamentária Anual MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MLT Movimento de Luta pela Terra MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MOC Movimento de Organizações Comunitárias MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas OP Orçamento Participativo PAC Plano de Aceleração do Crescimento PC do B Partido Comunista do Brasil PFL Partido da Frente Liberal PGP Plano de Governo Participativo PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PPA Plano Plurianual PPA-P Plano Plurianual Participativo PPS Partido Popular Social PROINF Projeto de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais PRONAT Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios
Rurais PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Médio e Emprego PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido Social Democrático Brasileiro PST Prestação de Serviço Temporário PT Partido dos Trabalhadores PTC Programa Território da Cidadania PTDRS Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável PTDS Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável PV Partido Verde REDA Regime Especial de Direito Administrativo SAEB Secretaria de Administração da Bahia SAF Secretaria de Agricultura Familiar SDR Secretaria de Desenvolvimento Rural SDT Secretaria de Desenvolvimento Territorial SECOMP Secretaria de Combate à Pobreza SECULT Secretaria de Cultura da Bahia SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais SEMA Secretaria do Meio Ambiente da Bahia SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia SERIN Secretaria de Relações Institucionais do Estado da Bahia SGA Superintendência de Gestão e Avaliação SIPLAN Sistema Integrado de Planejamento e Execução do Estado da Bahia SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TCE Tribunal de Contas do Estado
TI Território de Identidade UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana UNEB Universidade do Estado da Bahia UNICAMP Universidade Estadual de Campinas ZEE Zoneamento Ecológico Econômico
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Agentes e estruturas territoriais na Bahia 2015 150
Quadro2 Catalogação primária para sistematização dos documentos pesquisados 183
Quadro 3 Sistematização heurística dos documentos pesquisados 184
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Mapa dos Territórios de Identidade da Bahia 14
Figura 2 Mapa Estratégico para a gestão do Governo do Estado 2008-2011 185
Figura 3 Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Eixo 3) 186
Figura 4 Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Núcleos Temáticos) 187
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO I 21
Considerações acerca da pesquisa e da metodologia
Plano de análise da política de desenvolvimento territorial da Bahia 30
(2007 a 2013)
CAPÍTULO II 32
Embasamento teórico-conceitual
2.1 Território/Territorialidades 33
2.2 Território e Identidade 39
2.3 Território e Sustentabilidade 42
2.4 Governança territorial: gestão e concertação 44
2.5 Desenvolvimento: entre o mito e a necessidade 53
2.5.1 A teoria neoliberal e o consenso de Washington 56
2.5.2 A visão dos estruturalistas da CEPAL 61
2.5.3 A atualização do debate teórico sobre desenvolvimento 66
2.5.4 Desenvolvimento Territorial 75
CAPÍTULO III
3.1 A Abordagem Territorial do Desenvolvimento no MDA e na SEPLAN-BA 85
CAPÍTULO IV 90
Do plano das ideias ao exercício do poder de Estado
4.1 Evolução do quadro político nacional: de Fernando Henrique Cardoso 90
a Luís Inácio Lula da Silva
4.2 Contexto da sucessão política do Estado nas eleições de 2006 e 94
o Plano de Governo da Coligação Bahia de Todos Nós
4.3 A definição do modelo de regionalização e participação social através 96
da implementação do Plano Plurianual Participativo 2008-2011
4.4 O contexto e as mudanças no processo de participação na construção 104
do PPA 2012-2015
4.5 A pactuação do PPA Participativo de 2011: avanços e frustrações 108
CAPÍTULO V 114
O exercício da Política de Desenvolvimento Territorial.
5.1 A ocorrência do CAPPA e sua real efetivação no bojo da 114
Política de Desenvolvimento Territorial
5.2 O fim do CAPPA – mutilação ou integração do corpo da política territorial? 124
5.3 Os Colegiados Territoriais: as bases invisíveis do corpo 132
5.4 O CEDETER e a formação de um corpo visível para a 140
Política Territorial - entre o planejamento e a execução de políticas públicas
5.5 A CET e o dilema da Governança: 155
Participação social versus institucionalização
CONCLUSÃO 160
REFERÊNCIAS 175
ANEXOS 183
15
1 INTRODUÇÃO
A Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia refere-se a uma estratégia de
desenvolvimento com participação social. Institucionalizada a partir de 2007, com o Governo
Jaques Wagner, tem sido implementada pela Secretaria do Planejamento, objetivando a
inclusão política do conjunto do território do estado e a democratização das políticas públicas.
Como estratégia, destaca-se entre uma série de iniciativas do Estado voltadas para
inclusão e desenvolvimento sociais, com participação cidadã, dentre as quais se pode citar: as
conferências temáticas, as escutas públicas, as salas de situação, os conselhos estaduais, os
comitês de bacias hidrográficas, entre outros instrumentos democráticos, nos quais a
sociedade é convocada a participar e influenciar nos rumos das decisões do Estado.
A divisão inicial dos Territórios de Identidade da Bahia contava com 26 territórios,
sendo criado o 27° em 2010, com a subdivisão do Território Extremo Sul e o surgimento do
Território Costa do Descobrimento (vide Figura 1).
Figura 1 – Mapa dos Territórios de Identidade da Bahia
Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN, 2010)
16
Em termos conceituais, a Política de Desenvolvimento Territorial conforma uma nova
institucionalidade, uma vez que oficializa territórios de identidade como espaços
administrativos e de diálogo social. Espaços, portanto, de poder. Estes, como unidades de
planejamento, são o locus para a ocorrência da maioria das políticas públicas, servindo-lhes,
ainda, como espaço definidor de orçamento e de execução, ou, ao menos deveria servir-lhes.
Assim, as mediações existentes entre o Estado e o que se define por territórios de identidade
ocorrem entre o Governo e as representações políticas daqueles, requeridas, por sua vez,
como uma composição democrática das suas diversidades.
À medida que se instituiu os territórios de identidade, a partir da Lei do Plano
Plurianual de 2008 (Lei nº 10.705, de 14/11/2007), os mesmos passaram a ser uma realidade
diferenciada da tradição administrativa do Estado e se tornaram um desafio político para o
avanço democrático proposto pelo próprio governo. Isto porque os territórios não são mais
apenas os municípios, nem outro ente federativo. Os territórios representam novos sujeitos
políticos que emergem dentro de um arcabouço ideológico e de uma concepção de Estado, a
qual requer maior abertura política à participação social nos rumos das políticas públicas,
menos verticalidades e novas relações de poder.
Pautados pela ideia de democracia participativa, as representações dos territórios – os
Colegiados de Desenvolvimento Territorial - CODETER, reivindicam seu lugar na arena do
jogo político do Estado; buscam ser reconhecidos como lugar de concertação e passam a
discutir e reivindicar o exercício da governança social – no qual, conceitualmente, poder
público, sociedade civil organizada e poder econômico exercitam democraticamente a
construção estratégica do desenvolvimento; se esforçam para encontrar pactuações possíveis,
tendo o governo como mais um participante e, dentro do arcabouço institucional vigente no
país, como o sujeito final que deve operar as decisões, mantendo, porém, o poder
discricionário, inclusive, de não cumpri-las.
17
Neste diapasão entre o poder discricionário e a prática da governança, restam muitos
espaços de atuação específicos do Estado, que são os caminhos tradicionais ou novos (des)
arranjos da democracia representativa, capazes de esvaziar a governança. Assim, percebe-se
que a Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia, ao longo dos últimos sete anos, se
constitui em uma experiência rica para a observação dos avanços e dos conservadorismos
políticos, típicos do exercício do poder de Estado, levado à frente, neste contexto, pela
composição partidária liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), desde a tomada de posse
de Jaques Wagner no posto de governador da Bahia, em 2007.
A abordagem territorial do desenvolvimento iniciou-se na esfera federal, logo no
primeiro mandato do presidente Lula, com a nova condução do Ministério de
Desenvolvimento Agrário (MDA) e a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial –
SDT, oficializada em 2004, mas em ação desde 2003. A partir daí, o Brasil iniciou a
implementação desta estratégia no campo do desenvolvimento agrário, em todo território
nacional, com a criação dos Territórios Rurais.
A Bahia, a partir de 2007, em consonância com esta tendência, implanta a abordagem
territorial do desenvolvimento e aporta para dentro do Estado parte dos conceitos daquele
Ministério. Contudo, propõe uma inovação no cenário nacional com a instituição, não mais de
territórios rurais, aos moldes da SDT, mas de territórios de identidade. Na Bahia, estes
inferem um conceito mais complexo e integrado, apontam para um planejamento estratégico e
sistêmico do desenvolvimento, a partir de “unidades” integrando as dimensões espaciais,
culturais, econômicas e sociais. Assim, conceitualmente, no mesmo espaço integra-se a
dimensão urbana e supera o específico do rural, pelo holístico da identidade. Portanto, os
territórios rurais da Bahia são tomados como de Identidade para o Governo baiano, mas
continuam como territórios rurais ou de cidadania (quando incluídos no programa Territórios
da Cidadania) para o MDA.
Na Bahia, ainda, a política de desenvolvimento territorial é gestada a partir de uma
secretaria sistêmica, do núcleo central do poder do Estado: a Secretaria de Planejamento –
SEPLAN. Esta Secretaria vem elaborando um conjunto de instrumentos jurídico-
institucionais que conformam a estrutura oficial da política de desenvolvimento territorial.
Esta construção acontece sempre com a participação da Coordenação Estadual dos Territórios
– CET, a qual se constituiu na Bahia a partir da implantação dos territórios rurais, pela SDT e
passou a ser a porta voz dos territórios de identidade, no sentido de os representarem
politicamente junto ao governo. A CET foi quem negociou a territorialização do Estado, sem
ela não se teria conformado o que veio a se constituir como a política de desenvolvimento
18
territorial baiana. A sua ocorrência e atuação também são uma inovação no contexto nacional,
sendo ela a primeira rede estadual de territórios do país e a inspiradora da Rede Nacional de
Colegiados Territoriais.
Note-se que o arcabouço institucional que conforma a política de desenvolvimento
territorial apresenta-se, por um lado, como conquistas sociais e, por outro, como limites
burocráticos aos anseios mais “radicais” da sociedade civil; uma vez que emerge de um
processo de mediação e governança. Sua ocorrência se estabelece dentro de uma ordem
possível (de um federalismo dado historicamente), a partir de novas institucionalidades, de
acordo com os limites jurídicos e políticos de um Estado de tradição conservadora.
Portanto, o objeto central nesta dissertação é a governança, entendida como o espaço e
o exercício da concertação política e da mediação dos interesses dos poderes públicos, da
sociedade civil e do setor econômico, visando o desenvolvimento. Dentro do contexto da
política de desenvolvimento, na Bahia, a governança ganha o caráter ou a dimensão territorial,
pois implica o espaço dos territórios e os sujeitos territoriais aí incluídos. Trata-se, portanto,
de uma governança territorial, que se inicia com a instituição dos territórios de identidade,
passa pelo Plano Plurianual Participativo (PPA-P), notadamente, do seu processo de escuta
social; pelo Conselho de Acompanhamento do PPA (CAPPA); pelo Conselho Estadual de
Desenvolvimento Territorial (CEDETER) e por aqueles que se constituem como a base deste
arcabouço institucional – os Colegiados de Desenvolvimento Territorial Sustentável
(CODETER). Estes últimos são as representações políticas dos territórios de identidade, a
expressão de sua organização enquanto território, a representação de sua diversidade. Todos
juntos compões os espaços institucionais da governança territorial.
Analisou-se, pois, tais espaços institucionais de participação social e sua efetividade
na experiência da Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia. Focou-se na apuração da
coerência dos processos implantados e seus resultados, com relação aos pressupostos
definidos nos documentos oficiais da política territorial do Estado baiano e nos discursos do
Governo e da CET. Para este propósito, buscou-se um embasamento nas formulações teóricas
encontradas na literatura acadêmica sobre abordagem territorial para o desenvolvimento
sustentável, com foco nos aspectos da descentralização e da participação social na gestão
pública.
Como referência teórica para avaliar a experiência em curso, adotou-se o conceito de
rede socioterritorial de governança e sua importância para assegurar a efetividade de uma
democracia participativa, com base em territórios.
19
A riqueza da experiência da abordagem territorial e seus instrumentos institucionais
são reconhecidos. Contudo, pretendeu-se demonstrar os limites da ocorrência política do
modelo baiano.
A análise percorreu o modus operandi da política de desenvolvimento territorial do
Estado da Bahia, a fim de evidenciar os modos como se realiza o exercício da governança
territorial. Ao fim, almejou-se um panorama global da experiência, de seus avanços,
potencialidades e problemas, tendo em vista sua natureza ainda incompleta, em pleno
processo de realização. Para isso, fez-se necessário:
a) analisar os aspectos históricos e conjunturais que engendraram a política territorial
da Bahia, a partir de 2007;
b) analisar os instrumentos institucionais da Política Territorial da Bahia, a partir de
2007;
c) analisar as contradições políticas e ideológicas inerentes ao processo de
implementação da política territorial do Governo da Bahia, a partir dos estudos
sobre as ações de governo e os posicionamentos políticos dos seguimentos sociais
inseridos neste contexto, entre 2007 e 2013, a fim de apurar os elementos políticos
que dificultam o avanço desta experiência;
No primeiro capítulo aborda-se a pesquisa e sua metodologia, precedida de uma
discussão teórica sobre ambas, a partir da definição tomada pelo autor sobre o tipo de
pesquisa e de metodologia utilizadas. O segundo capítulo apresenta o apanhado teórico
conceitual das categorias utilizadas para análise do fenômeno estudado; tais categorias, por
sua vez, emergem da própria experiência estudada, de seus elementos constitutivos, que
precisam ser conceituados. Investigou-se, no contexto estudado, a conformação teórica de
território e, a partir daí, a conjunção de território com seus pares conceituais vinculados, quais
sejam: territorialidade, identidade, sustentabilidade e governança. Destaca-se a abordagem
sobre desenvolvimento, na qual se buscou estender a análise, a partir de duas bases
conceituais e ideológicas distintas: a neoliberal e a desenvolvimentista. Esta última tomada
como premissa para a abordagem territorial.
Os modelos de desenvolvimento territorial do MDA e da SEPLAN são abordados,
portanto, após este campo teórico, para se ter uma visão mais clara de suas bases conceituais e
ideológicas.
A partir do terceiro capítulo, investiga-se as origens da política territorial na Bahia e
sua relação intrínseca com a participação social no processo de elaboração e monitoramento
20
de políticas públicas. Este capítulo foi dividido em 5 partes: a primeira, trata do cenário
nacional no contexto do governo Fernando Henrique Cardoso e a sua sucessão para o governo
Luís Inácio Lula da Silva, destacando os aspectos ideológicos e as bases de suas políticas
sociais, com o propósito de registrar as diferenças entre ambos, e encontrar no segundo
governo as origens da política territorial, no MDA. A segunda parte investiga o contexto da
sucessão política na condução do Estado da Bahia, em 2006, as premissas ideológicas e os
compromissos do Governo com tais pressupostos, a partir do estudo dos dois planos de
governo das duas campanhas eleitorais do então candidato; a terceira parte aborda o processo
de implementação da descentralização em territórios de identidade, a partir da implementação
do primeiro Plano Plurianual Participativo 2008 – 2011. Revela-se como se definiu e se
implementou os territórios de identidade e como, a partir dos mesmos, instituiu-se a
participação social territorial; a quarta parte introduz o segundo PPA Participativo e visa
revelar sua nova forma de ocorrência, as mudanças operadas e seus sentidos, além de uma
abordagem crítica sobre seus alcances e procedimentos; e, na quinta parte, aborda-se sobre a
pactuação ocorrida no contexto do segundo PPA Participativo, seus elementos constitutivos e
o processo de seu abandono por parte do Estado e as consequências para a política territorial.
O quarto capítulo analisa o exercício dos três espaços de governança instituídos no
arcabouço da política de desenvolvimento territorial: o Conselho de Acompanhamento do
PPA (CAPPA), os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (CODETER) e o Conselho
Estadual de Desenvolvimento Territorial (CEDETER). Observou-se a ocorrência e a vida do
Conselho de Acompanhamento do PPA–CAPPA, buscando, a partir da análise de suas atas,
demonstrar como se deu seu exercício e revelar os pontos de tensão entre suas partes
constituintes: o fórum da sociedade civil e o Governo, além de suas questões centrais e as
contradições de seu posicionamento. Buscou-se aferir a eficiência do seu exercício, através da
comparação avaliativa de sua atividade efetiva com os seus objetivos, definidos em seu
Decreto de criação, além de analisar a relação política entre o CAPPA e o Governo e vice-
versa.
Discorre-se, ainda, sobre a extinção do CAPPA e os elementos envolvidos neste ato,
bem como os conflitos de posição entre Governo e Sociedade Civil. Em seguida, analisa-se
os Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER, as bases políticas dos territórios
de identidade; questionou-se como se constituem, qual o seu papel no arcabouço institucional
vigente, suas posições e sua forma de inserção no contexto geral da política territorial. Inferiu-
se sobre o grau de importância dos mesmos no bojo da política territorial e suas fragilidades
frente sua representação e conformação social e política. Neste ponto, tratou-se do caráter
21
político da Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, suas
posições, sua forma de ocorrência e o seu grau de organização. A partir deste conjunto de
situações, buscou-se encontrar os acertos e incongruências da política territorial, com base no
posicionamento político e ideológico do Governo e da sociedade.
Por fim, mas ainda nesse capítulo, investiga-se o Conselho Estadual de
Desenvolvimento Territorial – CEDETER: surgimento, importância e exercício de sua gestão.
Analisou-se a eficiência do seu poder, seu papel no contexto geral da política territorial e suas
divergências internas, entre governo e sociedade civil. A partir disto, as incongruências da
política territorial, os motivos ou situações determinantes foram pontuados.
Na conclusão, almeja-se uma análise crítica da situação em curso, em relação ao que
realmente se efetiva e não se efetiva no bojo do exercício de participação social na abordagem
territorial do desenvolvimento, a partir da análise dos preceitos institucionais e dos discursos
de ambas as partes: governo e sociedade. Sugestões e reflexões a respeito do futuro da política
de desenvolvimento territorial foram apresentadas, notadamente quanto à sua governança.
22
CAPÍTULO I
Considerações acerca da pesquisa e da metodologia
A política de desenvolvimento territorial da Bahia se constituiu no objeto desta
pesquisa, compreendendo-a como um caso específico de política de desenvolvimento, ainda
em curso, com uma abordagem territorial democrático-participativa, desenvolvida pelo
governo da Bahia, dentro de um período determinado: 2007 - 2013. Para tanto, optou-se por
uma metodologia qualitativa e uma estratégia de estudo de caso, e adotou-se o procedimento
de análise bibliográfica e documental. Vale ressaltar que o autor é sujeito da própria pesquisa,
pois ocupa um cargo na Coordenação de Gestão Territorial da Secretaria de Planejamento da
Bahia – SEPLAN.
Os procedimentos qualitativos no campo das Ciências Sociais datam do século XIX.
Sabe-se, por exemplo, sobre os estudos do sociólogo Le Play (1806-1882) publicado ainda em
1855, no qual discorria sobre as condições de vida de classes trabalhadoras na Europa,
utilizando-se de uma metodologia mais descritiva e indutiva, a partir de observações diretas
da realidade. (GODOY, 1995).
Importante contribuição foi dada pela Escola de Chicago, principalmente entre 1910 e
1940, a qual colaborou para definir metodologias e produziu obras de alcance internacionais,
utilizando observações e estudos intensivos de grupos e comunidades específicas, através de
um olhar holístico.
No século XX, os trabalhos pioneiros de observação direta, com permanência dos
pesquisadores durante longo período nas comunidades pesquisadas estabeleceram novas bases
para a metodologia, que mais tarde veio a se definir por interacionista, naturalista ou
qualitativa. Foram os casos dos antropólogos Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw
Malinovsky (1884-1942), entre outros. Ambos abordavam as culturas de maneira a perceber
suas expressões naturais, diretamente, indutivamente, a partir do ponto de vista dos seus
membros. (GODOY, 1995).
Enquanto a antropologia caminhava a largos passos nesta direção metodológica, a
sociologia ainda resistia, sobretudo, influenciada pelas bases quantitativistas de sua formação.
Para Godoy (1995): Sob a denominação ‘pesquisa qualitativa’ encontram-se variados tipos de investigação, apoiados em diferentes quadros de orientação teórica e metodológica, tais como o interacionismo simbólico, a etnometodologia, o materialismo dialético e a fenomenologia. (GODOY, 1995, p. 58).
23
Tais matrizes epistemológicas variadas não ofuscam sua demarcação conceitual e sua
forma específica de proceder, mas gera um cabedal rico e variado de abordagem dos
fenômenos. O amplo debate que se trava no meio científico sobre a validação da pesquisa
qualitativa e sua comparação com a pesquisa quantitativa é conhecido por todos que queiram
se lançar a produzir um produto acadêmico. Mas, atualmente este debate caminha de maneira
menos conflitiva e mais convergente, saindo de dicotomismos estreitos ou oposições
excludentes entre os tipos de pesquisa. Entende-se que ambos os métodos são importantes e
cada um tem melhor aplicação, a depender do objeto e da meta definidos em uma dada
pesquisa.
Concorda-se com Minayo e Sanches (1993), quando afirmam que: O conhecimento científico é sempre uma busca de articulação entre uma teoria e a realidade empírica. O método tem, pois, uma função fundamental: além do seu papel instrumental, é a “própria alma do conteúdo”, como dizia Lenin (1965), e significa o próprio “caminho do pensamento”, conforme expressão de Habermas (1987) (MINAYO e SANCHES, 1993, p. 240).
Uma pesquisa qualitativa, por sua natureza mais flexível e menos cartesiana, está mais
exposta às exigências metodológicas e a critérios objetivos para a sua realização. A pesquisa
quantitativa consagrou o método científico, através de suas abordagens causais e estatísticas,
utilizando de hipóteses dadas e buscando caminhos racionais e matemáticos para se chegar às
comprovações fundamentadas em cortes estatísticos, incidências e tendências dominantes e
quantificáveis, dentro de uma linha positivista. A pesquisa qualitativa segue outra direção,
exigida pela natureza complexa e subjetiva das ocorrências sociais e humanas.
Contrapondo a pesquisa qualitativa à quantitativa, a questão de partida para a
legitimidade científica da primeira, diz respeito à, segundo Minayo e Sanches (1993, p. 243):
“plausibilidade de se tratar de uma realidade na qual, tanto investigadores quanto investigados
são agentes: esta ordem de conhecimento não escaparia radicalmente a toda possibilidade de
objetivação?”. Em torno desta suspeita, a teoria sobre a pesquisa qualitativa vem produzindo
um conjunto variável de metodologias que asseguram objetividade no processo de pesquisa,
sem reproduzir caminhos quantitativos, mas assegurando caminhos consistentes de
legitimação de seus resultados indutivos. Dentre estes, a literatura especializada aponta
algumas posturas e procedimentos que devem ser garantidos para o aproveitamento científico
dos resultados.
Segundo Godoy (1995), existe características universais em uma pesquisa qualitativa,
que a definem e são típicas desta estratégia metodológica: 1) o ambiente natural como fonte direta de dados; 2) o caráter descritivo da pesquisa; 3) o significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida como
24
preocupação essencial do investigado; 4) pesquisadores utilizam o enfoque indutivo na análise de seus dados (GODOY, 1995, p. 62).
É vasta a literatura tratando das características da pesquisa qualitativa e muitas obras
são elaboradas para justificá-la ou explicá-la, revelando que, apesar de seu longo percurso
histórico e de muitos de seus resultados terem sido e ainda o são de grande valor para a
Ciência Social, ela ainda se insere no contexto científico de maneira a se justificar. Ainda que,
a cada dia, se torne mais comum e mais aplicada, inclusive com junção às pesquisas
quantitativas.
Portanto, trata-se de uma metodologia não-positivista, posição assumida por muitas
das correntes teóricas sobre a produção do conhecimento social, que rompe com o modelo
cartesiano. Os autores que promovem tal rompimento defendem uma visão aberta em relação
às hipóteses e uma construção de baixo para cima das mesmas. A pesquisa deve ser conduzida
de maneira direta e abordar os sujeitos e seus processos, através de observações, análises de
documentos, da linguagem, vendo o objeto de maneira holística e em movimento, sem
classificar as variáveis em úteis e dispensáveis.
Em artigo bem fundamentado sobre o debate: pesquisa qualitativa versus quantitativa,
Günther (2006) demonstra que muitas das classificações que tentam delimitar determinadas
categorias de procedimentos e de coleta, transcrição e análise de dados e do ato de pesquisar
em geral, não procedem, pois, na maioria das vezes, segundo o autor, tais procedimentos e
métodos são comuns às duas formas de pesquisa.
A chamada triangulação, processos que utilizam procedimentos e métodos diversos
quantitativos e qualitativos, tem sido largamente utilizada, na qual, por exemplo, pesquisas
exploratórias são qualitativas e embasam pesquisas descritivas e causais. Ou ainda, é muito
comum se perceber a utilização de questões inicialmente qualitativas em estratégias de coleta
de dados quantitativos e a (re)tradução dos resultados qualitativos para uma resposta
quantitativa (GÜNTHER, 2006). Entende-se, pois, que uma pesquisa qualitativa bem
conduzida deve se ater ao rigor metodológico e não dispensar, quando for necessário, os
procedimentos quantitativos, buscando o que toda pesquisa séria e de cunho científico almeja,
seja ela qualitativa ou quantitativa: um resultado confiável, útil ao bem-estar da sociedade e
reconhecida publicamente por sua coerência com uma postura científica.
Nesta investigação, optou-se por um a estratégia de pesquisa do tipo estudo de caso,
por entender que a mesma cumpre o modelo adequado para o objeto pesquisado. O estudo de
caso insere-se no debate acadêmico-científico no mesmo bojo das investigações
metodológicas da pesquisa qualitativa, sendo muito debatida sua validade como produto
25
científico, capaz de permitir generalizações. O mesmo é tomado, na literatura especializada,
ora como uma metodologia, ora como um objeto de estudo, ora como um delineamento de
pesquisa, ou mesmo como um tipo próprio de pesquisa. Aqui, o estudo de caso é abordado
como a estratégia para se chegar a uma análise crítico-descritiva-avaliativa do objeto em tela.
A fim de delinear melhor a sua utilização na dissertação, esclarece-se sobre pontos
fundamentais que são tidos pelos especialistas como indispensáveis para o alcance de uma
pesquisa. A primeira questão se coloca em torno daquilo que caracteriza um estudo de caso, o
que o fundamenta e lhe dá sentido. A analogia a um caso já indica muito de sua natureza, pois
remete à unicidade de uma experiência que deve ser estudada. O estudo de caso se caracteriza
por implicar uma abordagem exploratória e descritiva, reduzida ao fenômeno específico de
uma ocorrência bem demarcada e contemporânea, que se volta para uma densa descrição do
seu processo constitutivo e dinâmico, cujo objetivo intrínseco é a compreensão de uma
ocorrência significativa, complexa e bem definida no seu modo de ser.
De acordo com os preceitos científicos, estudo de caso é uma estratégia que:
“investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real, especialmente
quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
(CALIXTO, 2009, p. 93). A relação com a pesquisa qualitativa neste contexto é imediata,
tratando-se de um fenômeno em curso, através de observação direta. O rigor científico exige
do pesquisador que responda a questão: todo estudo de uma unidade ou ocorrência particular
é um estudo de caso? A fim de estabelecer um limite que possa distinguir um “clássico”
estudo de caso, de iniciativas de estudos sobre determinadas ocorrências, que não consideram
um conjunto de princípios, procedimentos e métodos, os autores especialistas conformam
alguns elementos indispensáveis. Para Mazzotti (2006): O maior problema de grande parte dos trabalhos apresentados como estudo de caso é que eles não se caracterizam como tal. Refletindo uma visão equivocada sobre a natureza desse tipo de pesquisa, esses estudos são assim chamados por seus autores pelo simples fato de serem desenvolvidos em apenas um número muito reduzido de sujeitos [...]. (MAZZOTTI, 2006, p. 639).
Segundo Mazzotti (2006), ocorrem pesquisas deste tipo, nas quais, os pesquisadores,
por exemplo, tomam uma escola para estudar, mas sem definir os motivos de ter sido esta e
não outra, parecendo que poderia ser qualquer escola. E sem estabelecer um diálogo
acadêmico metodológico que insira a pesquisa e seus resultados no contexto das discussões
científicas, para servir de elemento cumulativo na construção do conhecimento mais amplo.
Para Calixto (2009), o pesquisador que se utiliza de estudo de caso deve garantir a
testabilidade, a validação empírica e a relação com evidências como premissas indispensáveis
26
de seu objeto de estudo. As críticas mais comuns aos estudos de caso apontam a falta de rigor
na condução da pesquisa e os resultados limitados ao objeto estudado, sem possibilidade de
generalizações. De acordo com Joia (2004, p. 129): “Estudo de caso não pode ser classificado
como uma metodologia de pesquisa qualitativa. Um mixer de evidências qualitativas e
quantitativas usualmente é necessário para fundamentar o estudo de caso”.
Concorda-se com a sociologia compreensiva (MINAYO; SANCHES, 1993), que
reivindica para as ciências sociais sua autonomia em relação ao rigor metodológico das
ciências duras e o reconhecimento da subjetividade, do sentido e da motivação; em outras
palavras, do significado que move as ações sociais. O rigor do estudo de caso não deve ser seu
esforço para se tornar um estudo referente e conceitual, para generalizações e quantificações
exteriores, a partir de leis observáveis em experiências conduzidas por critérios de
distanciamento das suas variáveis motivacionais. Mas a coerência com um estudo bem
conduzido, sustentado em uma conclusão baseada em fortes evidências, com uma narrativa
consistente e atraente, capaz de convencer o leitor, revelar aspectos relevantes e definidores
do fenômeno em relação ao contexto.
Estas características apontam para outra condição da pesquisa qualitativa e do estudo
de caso, qual seja, seu caráter contextual. Caminho que segue o pesquisador em seu processo
de coleta de dados e descrições das ocorrências, incluindo as ocorrências exógenas e
endógenas da pesquisa. Tal situação requer um processo de reflexão permanente sobre os
dados e os fatos no contexto, inclusive sobre a relação mesma do pesquisador com o seu
objeto, implicando reconhecer, “a influência de crenças e valores sobre o arcabouço teórico
utilizado, sobre a escolha de tópicos de pesquisa, sobre o método e sobre a interpretação de
resultados”. (GÜNTHER, 2006, p. 203).
A possibilidade de uma relação íntima do pesquisador com seu objeto de estudo, a
partir de uma intervenção direta de observação participativa, como se configura a realidade
desta dissertação, requer uma clareza quanto à dimensão dialética da produção do
conhecimento sociológico. Requer um posicionamento bem definido no campo teórico e no
debate acadêmico. Portanto, diferentemente da pesquisa quantitativa, que se utiliza de
amostras representativas, resultantes de inserção estatística, de variedades aleatórias, causal
ou randômica, processadas, por sua vez, por um conjunto de procedimentos lógicos que
constitui a teoria da probabilidade (MINAYO; SANCHES, 1993), a pesquisa qualitativa tem
como “quantificável” fundamentalmente o seu estudo de caso e suas variáveis descritivas e
analisadas subjetivamente.
27
Assim, os instrumentos devem estar adequados aos objetos de pesquisa e de acordo
com os objetivos buscados pelo pesquisador. Para uma abordagem de estudo de caso, a
análise de documentos é uma opção irrefutável, pois ele é a fonte mais acessível e segura para
sua realização. Concorda-se com Sá-Silva et al. (2009) ao concluírem: Quando um pesquisador utiliza documentos objetivando extrair dele informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para o seu manuseio e análise; segue etapas e procedimentos; organiza informações a serem categorizadas e posteriormente analisadas; por fim, elabora sínteses [...] (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 4).
O documento como fonte de pesquisa científica foi consagrado a partir do século XIX,
com a História, quando esta reclamou para si o status de ciência. Para se firmar como tal, a
História buscou se inserir no rol das ciências já consolidadas, por sustentarem métodos
cartesianos de resultados comprobatórios de teorias e hipóteses. Para isso, definiu que o fato
histórico reconhecido como real e comprovado deveria ser aquele registrado em documentos.
Ao longo de mais de um século esta verdade se firmou como incontestável. Mas a evolução
dos tempos modernos, com a veiculação de informações e registros de ocorrências em novos
meios, como a fotografia, o cinema, o rádio, mais tarde a televisão e o que veio depois na era
digital, esta premissa caiu por terra.
Junto à canonização do documento procedia-se uma leitura acrítica ou tendenciosa do
mesmo, tomando-o como uma verdade objetiva, pelo que a fonte apresentava em seu texto
denotativo, sem se preocupar com a sua subjetividade implícita e com as condições externas à
sua confecção: o contexto social e político, a origem social de seu autor, a ideologia de quem
redigiu, as condições morais e de liberdade em que foi escrito etc. Além disso, os documentos
utilizados pelos historiadores positivistas, geralmente, eram oficiais, militares, políticos,
administrativos, deixando à margem, outros de origem popular ou produzidos em outros
espaços sociais.
Esta tendência foi fortemente contraposta a outra, mais crítica e aberta a inovações,
trazida pela Escola dos Analles, a escola moderna francesa de História, que criticou o elitismo
das fontes, seu caráter ideológico, sua verdade limitada e incompleta, sua visão deformada da
realidade histórica, que só registrava o olhar das classes dominantes e dirigentes. A partir daí,
abriu-se um vasto campo para a pesquisa documental, valorizando registros das mais diversas
naturezas, considerando documento uma gama muito mais complexa e ampla de fontes:
áudios, audiovisuais, fotografias, filmes, vídeos, cartas, manifestos, declarações, regimentos,
estatutos etc. (SÁ-SILVA et al., 2009).
28
Depreende-se daí que o mais importante é definir a idoneidade do documento, sua
origem, legitimidade e originalidade, a fim de se fazer uma leitura de algo que realmente
representa uma ocorrência real, seja ela em que tempo, situação ou condição tenha ocorrido.
A capacidade de se escolher as fontes e dela melhor fazer uso implica reconhecer os
procedimentos técnicos e as premissas teóricas envolvidas no ato da pesquisa. Para evitar
“armadilhas” que possam estar dentro dos documentos, situações que podem levar a enganos
e interpretações equivocadas, é preciso atenção por parte do pesquisador, que deve analisar o
texto de maneira criteriosa, lendo o aparente e o latente. Sobre isso, encontra-se em Sá-Silva
et al., (2009), o seguinte destaque: O autor do documento conseguiu reportar fielmente os fatos? Ou ele exprime mais as percepções de uma fração particular da população? Por outro lado o investigador deve compreender adequadamente o sentido da mensagem e contentar-se com o que tiver na mão: eventuais fragmentos, passagens difíceis de interpretar e repletas de termos e conceitos que lhe são estranhos e foram redigidos por um desconhecido. É impossível transformar um documento; é preciso aceita-lo tal como ele se apresenta, às vezes, tão incompleto, parcial ou impreciso (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 8).
Neste ponto, reforça-se a necessidade indispensável ao pesquisador de conhecer a
conjuntura social, econômica, política e cultural em que o documento foi produzido, ou
buscar uma maior aproximação destas informações, e quando elas forem de difícil acesso,
tomar, portanto, como um desafio a ser enfrentado. Do mesmo modo, há de ficar atento às
tentações e deslizes de se aplicar interpretações pessoais, ideológicas ou contemporâneas a
documentos, mas tentar retirar deles, o que eles podem trazer em si, objetiva e
subjetivamente, denotativa e conotativamente. O uso de documentos traz a historicidade dos
fatos e imprime a dimensão tempo para a compreensão social, o que permite uma visão
processual e evolutiva de instituições, indivíduos, práticas, mentalidades, comportamentos
etc. Além de oferecer uma informação duradoura, um registro, um índice ou incidência, que
pode ser analisada de maneira objetiva.
Alguns pontos a serem considerados na avaliação prévia dos documentos foram
elencados. Primeiro, o contexto histórico da produção do documento, quem o produziu, sob
quais circunstâncias, a partir de que posição social e econômica, para quem se dirigiu e qual a
condição social dos seus destinatários? O ponto de partida é o autor e dele se destrincha o
universo ao qual ele está(va) inserido. Segundo, a autenticidade e a confiabilidade do
documento, sua procedência, as condições de sua produção ou reprodução e se o autor foi
testemunha, ou não dos fatos, qual o grau de intermediação entre o fato e a escrita do mesmo.
Terceiro, os conceitos-chave e a lógica interna do texto, delimitar os sentidos das palavras e
dos conceitos, jargões e gírias, ou nomenclaturas muito específicas. Quarto, a análise
29
documental, o momento da interpretação, onde reelabora o conhecimento, produz teoria,
gerando uma interpretação própria. Portanto, os fatos devem estar sendo sempre citados e
mantidos como base das argumentações. (SÁ-SILVA et al., 2009).
Sá-Silva et al. (2009, p. 10) afirmam que: “os documentos não existem isoladamente,
mas precisam ser situados numa estrutura teórica para que seu conteúdo seja entendido”.
Depois da análise documental, procede-se à análise dos dados, parte-se para esmiuçar o texto
e debulhar suas partes, a fim de aplicar todos os itens mencionados, tendo presente a temática
ou o questionamento inicial, a fim de produzir uma interpretação consistente e coerente.
A mensagem de um documento pode ser a mais diversa e se expressar dos mais
diversos ângulos, que, por sua vez, o pesquisador deverá estar atento e conduzir a análise de
conteúdo de maneira qualitativa, buscando ler além do óbvio, nas entrelinhas, os símbolos por
detrás das letras. Trata-se de um método de investigação do conteúdo simbólico.
Cabe, neste ponto, distinguir a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. No
campo documental, a pesquisa se debruça sobre produtos diversos, fontes ainda não avaliadas,
elementos a serem ainda discutidos e validados, impressões originais e direta das ocorrências.
Já a pesquisa bibliográfica volta-se para a produção acadêmica: livros, textos, dissertações e
teses, artigos científicos, uma gama de produtos que já compõem o chamado estado da arte do
conhecimento.
Os conteúdos bibliográficos são produtos que já passaram por um crivo avaliativo e se
manifestam como conhecimento sistematizado. Muitos deles apresentam resultados de
manipulação de fontes primárias, a fim de oferecer ao meio social a acumulação resultante de
um esforço sozinho. Ambas trabalham com documentos, só que de natureza distintas. A
pesquisa bibliográfica permite uma abordagem muito mais ampla sobre o tema, que o
pesquisador em campo não seria capaz de acessar, além de colocar quem pesquisa em contato
com o vasto material existente sobre um conjunto de pontos implicados nos processos de
produção de conhecimento. Assim, o caminho metodológico estruturado para esta dissertação
implica uma opção conceitual e epistemológica, opção que assegura um fio condutor ao
trabalho e lhe dá uma ordem intrínseca e um posicionamento extrínseco, no seio da academia.
Dadas a definição do tipo de pesquisa a ser adotado, as suas premissas conceituais, a
apresentação do arcabouço metodológico a ser seguido e o instrumental a ser utilizado, passa-
se a justificar as escolhas já declaradas para a construção desta dissertação. A natureza do
objeto pesquisado implicou a escolha de uma pesquisa do tipo qualitativa, porque o seu objeto
é um processo ainda em curso e refere-se a relações sociais e políticas, com uma dinâmica
subjetiva muito intensa nas interações entre os atores estudados - o Estado da Bahia, parte da
30
Sociedade Civil e, dentro deles, um conjunto de sujeitos e instituições diferenciados entre si.
Dado que se trata de uma ocorrência ainda pouco estudada e com raros materiais acadêmicos
disponíveis, implica uma abertura para uma pesquisa exploratória e descritiva. O fato de não
se estar focando um ou outro programa ou uma ou outra política pública de cunho territorial,
mas a própria estrutura e dinâmica da política territorial no Estado da Bahia, sua natureza
política e o aspecto da governança no seu seio, requer uma investigação processual.
Investigação de um fenômeno em construção e eivado de vieses e contradições, que devem
ser analisados com vistas a uma avaliação parcial e uma descrição apurada de suas nuances,
para se revelar um modelo baiano, algo ainda não dado nem definido teoricamente.
Há entendimento sobre os limites e os problemas que uma pesquisa desta natureza
impõe, visto que se debruça sobre um objeto amplo, cujos conteúdos são por demais
subjetivos, simbólicos e de difícil categorização. Mas, registra-se que não se pretende um
resultado como parâmetro, capaz de ser tomado como ponto de partida para qualquer
generalização sobre o fenômeno abordado. Objetivou-se apenas, de acordo ainda com as
limitações do pesquisador, apreender o que está ocorrendo nos últimos sete anos no campo de
uma política de desenvolvimento territorial implementada pelo governo da Bahia,
notadamente quanto aos aspectos da participação social nos meandros desta política pública.
As condições peculiares em que o pesquisador atua no bojo da pesquisa devem ser
declaradas. Primeiro, o mesmo é membro do governo em estudo; segundo, trabalha
diretamente com o tema tratado. Trata-se, pois, de um observador participante, que se esforça
para manter o distanciamento necessário ao ato metodológico de pesquisa científica.
Reconhece-se a riqueza que uma abordagem utilizando-se, também, de entrevistas poderia
trazer a este projeto, mas optou-se por abrir mão deste instrumento, justamente por entender
que os resultados poderiam ser deformados e comprometer a pesquisa, uma vez que os
entrevistados reconheceriam o seu interlocutor como um sujeito situado dentro do contexto do
governo, ou seja, exercendo um papel ativo e posicionado em um lugar específico: a
Coordenação Estadual de Gestão Territorial da Diretoria de Planejamento Territorial, da
SEPLAN.
Desta maneira, metodologicamente, optou-se por uma pesquisa documental e
bibliográfica, para um ajuste mais adequado às condições estabelecidas. A possibilidade de
acesso a um conjunto de documentos tidos como importantes para a “leitura” do fenômeno, o
olhar mais de perto do processo em sua ocorrência cotidiana, o conhecimento de todos os
sujeitos envolvidos e o acompanhamento das ocorrências desde 2008, permite ao pesquisador
vantagens óbvias. Ainda que, pelos mesmos motivos, ofereça-lhe dificuldades importantes
31
para uma pesquisa equilibrada, posicionada de maneira a registrar e, mais importante,
interpretar os fatos de maneira técnica, acadêmica. Tal risco é aqui admitido e declarado, da
mesma forma que o compromisso com os preceitos da ciência.
Assim, o objeto de estudo é uma experiência política e social a um só tempo, uma vez
que se trata de aspectos de política pública com participação social e de organização social
para intervenções políticas no bojo das políticas públicas. Esta característica exige uma
análise holística dos atores sociais e do Estado/Governo, de suas relações no bojo da
implementação, do desenvolvimento e da condução da política pública. A despeito de outras
poucas experiências deste tipo, em outros estados brasileiros, não há, no conjunto deles, um
padrão universal de execução e gestão, ao contrário, ocorre uma variedade significativa. A
situação encontrada na Bahia é inovadora para a realidade local e diferenciada no contexto
nacional por suas partes constitutivas, apresentando elementos pioneiros e uma dinâmica
bastante específica.
O plano de análise, dentro de uma pesquisa qualitativa como esta, implica uma
abordagem do objeto para além do meramente descritivo, ainda que a descrição seja, neste
caso, uma parte fundamental da dissertação, uma vez que se propõe descrever o modelo da
política de desenvolvimento territorial na Bahia, revelar o seu “modelo” e seu modus
operandi no campo da governança - nela dada como parte integrante e indissociável da ideia
de desenvolvimento proposto pelo Estado em foco.
‘
Plano de análise da política de desenvolvimento territorial da Bahia (2007 a 2013)
Para uma melhor organização das fontes, optou-se por construir dois quadros de
análise. O Quadro 3 (Anexo 1) procura estabelecer uma organização ampla e geral das fontes,
mais de acordo com sua catalogação e localização para a manipulação dos textos. O Quadro 4
(Anexo 2), mais específico, busca organizar cada um dos documentos e estruturar seus dados
e informações para serem utilizados como reflexão, citação e para possíveis digressões
analíticas.
Para examinar o modelo de desenvolvimento territorial adotado na Bahia, a análise
documental se baseou nos seguintes itens:
a) planos de Governo apresentados nas Campanhas Eleitorais de 2006 e 2010 - a fim de
elucidar os aspectos apontados sobre o modelo de gestão administrativa. Nestes planos
encontra-se a divisão administrativa do estado, as premissas conceituais, os princípios
políticos, o entendimento sobre desenvolvimento sustentável e territorial, a
32
importância da dimensão local do espaço e da participação social no processo de
gestão pública;
b) metodologia e registros institucionais da construção dos Planos Plurianuais (PPA) de
2008-2011 e 2012-2015, com o propósito de verificar a aplicação das propostas
expostas nas campanhas eleitorais e registradas nos dois respectivos Planos de
Governo apresentados nas eleições;
c) leis dos PPA de 2008-2011 e 2012-2015, com objetivo de apurar os aspectos da
participação social em suas construções, os níveis de sua coerência com a lógica de
desenvolvimento territorial e com as premissas ideológicas apontadas nos Planos de
Governo das duas campanhas;
d) decretos institucionais do Governo, instituídos ao longo do período, para a
regimentação da Política Territorial, com vistas a pesquisar os espaços de efetivação
desta política suas atribuições e estruturas de composição;
e) atas e documentos oficiais do Conselho de Acompanhamento do PPA 2008-2012 -
CAPPA, a fim de pesquisar a efetividade de suas atribuições, a partir do decreto de
criação e regimento e o que se observa em seu exercício;
f) atas, documentos oficiais e Resoluções do Conselho Estadual de Desenvolvimento
Territorial – CEDETER, no período proposto para pesquisa, a fim de pesquisar a
efetividade de suas atribuições;
g) documentos políticos emitidos pelo Fórum da Sociedade Civil no CAPPA e pela
Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, a fim de levantar
e analisar os posicionamentos políticos da sociedade civil quanto à condução e à
efetividade da política de desenvolvimento territorial e seus espaços de concertação e
pactuação.
A partir do estudo documental e bibliográfico, o conjunto das categorias apresentadas
foi analisado e comentários críticos e avaliativos inseridos para compor um conjunto de
reflexões e sugestões ao modelo baiano, estudado entre 2007 a 1013.
33
CAPÍTULO II
Debate teórico-conceitual.
A apreensão teórica do objeto em estudo envolveu um conjunto de elementos
diversos que constituem a Política de Desenvolvimento Territorial da Bahia. Entendeu-se que
o conceito base e ponto aglutinador dos demais conceitos, para o entendimento da realidade
estudada, é o de território: elemento definidor da abordagem do desenvolvimento adotada
pelo Estado. O território como locus da ocorrência da vida política, da interação social e
ambiental do homem, da dinâmica histórica e cultural, onde se conformam as relações de
poder.
Por isso, o necessário desdobramento em outros conceitos, para explicar o exercício da
política de desenvolvimento territorial. Assim, discute-se a relação entre território e
identidade, elemento utilizado como referência para a conformação dos territórios rurais e de
identidade, no Brasil e na Bahia, respectivamente. Dado ser o território o recorte político e
administrativo do desenvolvimento, sua dimensão, porém, abrange as relações do Estado com
os sujeitos políticos em seu interior. Daí a estratégia territorial implicar na participação social
e na constante mediação entre poderes públicos e organizações sociais e econômicas. o que
exige uma teorização com vistas a uma análise do significado e da forma que se dá esta
participação. A sua condição dialógica resulta na governança e na concertação, que se
completam com a pactuação e o monitoramento em torno das políticas públicas voltadas para
o desenvolvimento. Um feixe, pois, de conceitos que precisam ser tratados para embasar o
estudo da realidade dada.
O desenvolvimento, por sua vez, também implica visões diversas e conceitos que
precisam ser evidenciados. Pretende-se levantar uma parte do debate teórico em torno deste
tema, entendendo-o, no contexto do objeto estudado, como processo de engendramento
civilizatório e racional, no qual a democracia é tomada como princípio e premissa.
Democracia no sentido político e econômico, abarcando as ideias de descentralização política
e desconcentração de poder, numa perspectiva de diminuir as diferenças sociais e territoriais,
com vistas à sustentabilidade. Desenvolvimento, portanto, que se exprime para além do
crescimento econômico.
Nesta dissertação, reforça-se, optou-se por tomar o exercício da governança territorial
como foco de análise. Ela ocorre, ou deixa de ocorrer, nos espaços concretos de participação
social da política de desenvolvimento territorial. Este exercício é o maior desafio colocado
para se chegar aos objetivos almejados pelo modelo, uma vez que a governança territorial é, a
34
um só tempo, o método adotado pelo Estado para o fomento ao desenvolvimento e o exercício
mesmo da estratégia deste mesmo desenvolvimento com participação social.
A governança territorial, por sua vez, prescinde do capital social como fundamental ao
modelo, uma vez que, em termos conceituais, o território é tomado como um sujeito político e
o desenvolvimento como um movimento de baixo para cima, e a partir das condições locais,
ou seja, a partir dos atores locais. Portanto, o desenvolvimento é tomado como um fim que se
almeja e como construção processual. Para isso, entretanto, se faz necessário certo nível de
organização institucional e compreensão cultural por parte dos atores territoriais para
empreender as ações territoriais autônomas e absorver, de maneira protagonista, as iniciativas
do Estado.
Com efeito, o que garantirá a transformação positiva do nível civilizatório de um
território será a capacidade de seus atores institucionais, públicos e privados, de se articularem
em torno de uma ideia de desenvolvimento. Dito de outra forma, o processo de transformação
de um nível de organização, mediação e pactuação de interesses individuais em outro nível,
de interesses territoriais, é a própria estratégia do desenvolvimento. Neste sentido, a
governança é o caminho para o amadurecimento do modelo baiano e para a própria
territorialidade, por isso seu exercício aparece como elemento síntese desta análise.
Nestas premissas teóricas, a governança é tratada como mais um elemento da política
de desenvolvimento territorial a ser conceituado, mas como elemento central desta dissertação
a mesma deve ser apreendida no conjunto do texto, a partir da descrição e análise dos aspectos
concretos de seu exercício1.
2.1 Território/Territorialidades
Para efeito desta dissertação, dentre muitas perspectivas conceituais de território,
optou-se por centrar em seus aspectos políticos e de gestão, de acordo com o objeto em
análise.
Território é um conceito geográfico que vem se atualizando com o tempo, e passa a ser
usado em diversas outras ciências sociais, exatamente por ser útil e amplo suficiente para
contribuir na tentativa de compreender uma realidade cada vez mais complexa e dinâmica. O
termo território, inicialmente, foi utilizado para tratar de um espaço delimitado e possuído,
fixado num ponto, mais adequado ao conceito de território nação ou território nacional
1 Esse tema será mais aprofundado no Capítulo IV.
35
(HAESBAERT, 2012). A geograficidade humana, definida na geografia descritiva e
empirista, estabelecia uma visão mais voltada para o que era fixo do que fluxo
(HAESBAERT, 2012). O território surge na tradicional Geografia Política, como o espaço concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente construídos), que é apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupação do território é vista como algo gerador de raízes e identidade: um grupo não pode mais ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico, “paisagem”). (SOUZA, 2014, p. 84).
Tendeu-se, nesta tradição, a confundir território com espaço, uma vez que aquele se
constituía no processo mesmo de pertencimento de longo prazo de um grupo social á este. A
Geografia Política, de posse deste conceito, o utilizou para construir a ideia de Estado-Nação,
estabelecendo um caráter ideológico ao termo, criando as condições intelectuais para a
afirmação do poder central e de sua hegemonia sobre as diferenças e diversidades políticas no
território. Durante longo tempo, a expressão território esteve vinculada à ideia de território
nacional. (SOUZA, 2014).
A visão da Geografia Regional, lablacheana, seguia tal premissa epistemológica, de
vinculação inexorável do homem ao espaço, estabelecendo a concepção de região, tomada
como: “um espaço com limites claros de fronteiras bem definidas, onde os indivíduos e
grupos sociais estariam bastante enraizados”. (HAESBAERT, 2012, p. 117). Uma ligação
dada pelo pertencimento a um meio físico. O território nacional seria, assim, “[...] um
mosaico orgânico e harmônico de “regiões” singulares.” (SOUZA, 2014, p. 84). Assim, em
1952, Eric Dardel ainda grafava a seguinte frase: “Amor à terra natal ou busca do
desenraizamento, uma relação concreta se trava entre o homem e a terra, uma geograficidade
do homem como modo de sua existência e do seu destino” (DARDEL, 1952, apud
HAESBAERT, 2012, p. 117).
Ao longo do tempo, o conceito de território foi se tornando sempre mais complexo,
esforçando-se para explicar uma presença humana no espaço, marcada por elementos fixos e
outros, crescentemente, fluxos, traço de uma modernização em curso, que abarca, de maneira
direta ou indireta, o espaço global total. Portanto, do território zona, contíguo e unificado, a
ideia de território avançou para uma realidade em mutação, interativa, com dinâmicas internas
integradoras e fragmentárias, em relação com elementos externos e marcada pela diversidade
material, física, subjetiva e institucional. Para Milton Santos, tido como inspirador do modelo
baiano, segundo o discurso oficial, o que o território tem de permanente é: “ser nosso quadro
36
de vida” (SANTOS, 2005, p. 34). No mesmo texto, o autor afirma: “o território usado são
objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado” (SANTOS, 2005, p. 34). [...] o território e a territorialidade como multidimensionais e inerentes à vida na natureza e na sociedade. Na natureza o homem vive relações. Na sociedade, o homem vive relações. [...] construindo um mundo objetivo e subjetivo, material e imaterial. [...] relações sociais, construção do território, interações e relações de poder [...]. (SAQUET, 2013, p. 49).
Portanto, território é o espaço vivo, composto por um conjunto de presenças humanas
e ações culturais, marcado pela alternância de convergências e divergências horizontais e pelo
conflito dos interesses locais com as “forças exógenas ou verticais, que atuam no seu interior”
(SANTOS, 2012, p. 36). Estas categorias “verticais” e “horizontais” definem,
respectivamente, forças exógenas com poderes para conformar territórios de fora para dentro
(verticais) e endógenas, que representam as relações de pertencimento ao local, capazes de
estabelecer equidade entre si, mais interativas e niveladas (horizontais). Em tempos de
globalização, como os de hoje, tais verticalidades se apresentam como “macroagentes”
(SANTOS, 2012), que agem de maneira reticular, descontínua, mas hegemônica,
representando as economias dominantes do atual momento histórico: As verticalidades podem ser definidas, num território, como um conjunto de pontos formando um espaço de fluxos. [...] Esse espaço de fluxos seria, na realidade, um subsistema dentro da totalidade-espaço, já que para os efeitos dos respectivos atores o que conta é, sobretudo, esse conjunto de pontos adequados às tarefas produtivas hegemônicas, características das atividades econômicas que comandam este período histórico. (SANTOS, 2012, p. 105-106).
A horizontalidade se definiria, por sua vez, por um espaço contíguo, aquele das
presenças físicas e das relações proximais. Um espaço banal, de todas as presenças e suas
diversidades. Espaços que sustentam produções localizadas. “Todos os agentes são, de uma
forma ou de outra, implicados, e os respectivos tempos, mais rápidos ou mais vagarosos, são
imbricados. [...] a partir do espaço geográfico cria-se uma solidariedade orgânica [...]”
(SANTOS, 2012, p. 109). As atividades, independentes do nível de cada uma, surgem e se
nutrem do meio geográfico local. O nível da integração horizontal e suas configurações -
muito ou pouco cooperativas; com maior ou menor nível de organização e sinergia entre os
atores econômicos, sociais e políticos; com institucionalidade territorial bem ou ainda
fragilmente construída - dependerá de um processo histórico. Este pode ser acelerado, caso
uma força política e social emerja em determinado tempo, como um bloco socioterritorial
protagonista e comprometa-se com tais situações, visando o desenvolvimento
(DALLABRIDA, 2007a).
37
Assim, o território será sempre, no processo de constituição e reprodução da divisão
do trabalho, no mundo capitalista, espaço de interação e confronto entre forças exógenas e
endógenas. As verticalidades atuariam por meio de pontos articulados reticularmente, em
redes de conexão produtiva, movidos pela lógica de uma velocidade e fluidez, cada vez
maiores (SANTOS, 2012). Em um desenvolvimento territorial, subordinado aos imperativos
de um mercado sequioso de lucros, o território estaria susceptível a riscos e ameaças
constantes de isolamento, exclusão ou mesmo anulação em relação ao processo de geração de
riquezas e sua distribuição social (BRANDÃO, 2007). Na atual cena globalizada, a força dos
agentes verticalizados é sem limites, subordinando Estados e Ciência, controlando a técnica e
a tecnologia, que se renovam constantemente, gerando mais poder de comando aos sistemas
integrados do capital. Para Santos (2012): Por intermédio dos mencionados pontos do espaço de fluxos, as macroempresas acabam por ganhar um papel de regulação do conjunto do espaço. Junte-se a esse controle a ação explícita ou dissimulada do Estado, em todos os seus níveis territoriais. Trata-se de uma regulação frequentemente subordinada porque, em grande número de casos, destinada a favorecer os atores hegemônicos (SANTOS, 2012, p. 106).
Com o avanço da modernização e das tecnologias de transporte e comunicação, da
informática e da internet, desde meados do século XX, geógrafos e outros cientistas sociais,
têm se posicionado no sentido de reconhecer uma desterritorialização humana, fruto do
desenraizamento e do processo hegemônico de fluidez da vida contemporânea. O conceito de território é retomado, nos anos 1970, em abordagens que procuram explicar a dominação social, a constituição e expansão do poderio do Estado-Nação, a geopolítica, a reprodução do capital, a problemática do desenvolvimento desigual, a importância de signos e símbolos como formas de controle na vida cotidiana e as próprias bases epistemológicas do pensamento geográfico (SAQUET, 2010, p. 53).
Vertentes marxistas e neomarxistas, psicanalíticas, subjetivistas, racionalistas, entre
outras, buscam, a partir de seus axiomas, usar o conceito de território para explicar a
territorialidade humana ou da sociedade moderna capitalista. A chegada rápida e ofensiva de
um “admirável mundo novo”, marcado por instantaneidades e telepresenças, velocidades e
desenraizamentos, redes e virtualização das relações conduziu muitos pensadores a
conclusões drásticas, apontando para uma perda total do que fosse local, tradicional,
específico ou arcaico diante das forças dominantes de uma globalização carreada pelo capital
financeiro e produtivo. Esta visão de desterritorialização pode ser entendida de maneiras
distintas e, geralmente complementares, a depender da abordagem do autor. De acordo com
Haesbaert (2012), apresenta-se uma síntese destas vertentes.
38
Numa perspectiva economicista, a desterritorialização seria deslocalização do capital
financeiro e das indústrias, através da abertura dos mercados e desregulamentações, num
movimento globalizado. Na visão de pensadores da velocidade, como Paul Virilio (1996), a
abordagem se detém na natureza do espaço, sendo esmagado pela velocidade, em uma
superação do espaço pelo tempo, em cujo centro estaria, então, a velocidade, como elemento
decisivo para a desterritorialização. Partindo destas mesmas premissas, teóricos do espaço
pensam o oposto, que a desterritorialização seria resultado de uma simultaneidade, em tempo
real, sobre a sucessão temporal. Ocorreria então uma superabundância de espaço, pois agora
se pode conectar toda a superfície da terra em tempo on line. A esta linha de pensamento,
soma-se a visão sociológica da imaterialidade das relações e dos processos, suportados por
redes digitais e telepresenças, conformando o fim do espaço para dar lugar ao ciberespaço
(LEVY, 2001).
Uma abordagem mais política entende a desterritorialização como o fim das fronteiras,
mais fixada nos Estados Nacionais, que estariam perdendo seu poder para a força
desregulamentadora do capital, que exige e impõe a livre circulação (FIORI, 1998). Outra
perspectiva sociológica, baseada em tudo isso, é a que formula a ideia de território como
elemento identitário, simbólico e, por conta desta desterritorialização, desta “liquidez”
(BAUMAN, 2005) da atualidade, estaria ocorrendo uma perda de identidade e de relação
simbólica com os lugares, ocorrendo a emergência de “não-lugares”. Portanto, a
desterritorialização deve ser entendida, no bojo do pensamento acadêmico contemporâneo, a
fim de identificar em que sentido se refere à mesma. Haesbaert (2012) sintetiza: Na verdade, parece claro, são processos concomitantes: a economia se multilocaliza, tentando superar o entrave distância, na medida em que se difundem conexões instantâneas que relativizam o controle físico das fronteiras políticas, promovendo, assim, um certo desenraizamento das pessoas em relação aos seus espaços imediatos de vida (HAESBAERT, 2012, p. 132).
Para vários autores, a globalização é um processo dialético, que produz
desterritorializações e novas territorializações, ou o recrudescimento de antigas. Para fugir
dos reducionismos, importante é manter uma visão aberta e dialética, na qual se pode perceber
os fenômenos dentro de uma perspectiva mais ampla e em movimento. Haesbaert (2012)
propõe uma des-re-territorialização, expressão, segundo o autor, mais adequada para o
movimento dialético da realidade contemporânea.
Frente aos elementos fluxos e diluidores de fronteiras, da velocidade desintegradora e
do rompimento permanente com as tradições, o território, portanto, permanece e, em muitos
casos, se recrudesce . A ideia de desterritorialização e a visão empírica da liquidez da
39
modernidade, levou à utilização do termo “rede” como recurso conceitual para tratar das
realidades marcadas pela fluidez e não-territorialidade das relações e interações permitidas
pelas tecnologias. Manuel Castells (2008) anuncia o tempo de uma nova sociabilidade,
conformada pelas redes e definidas por suas inter-relações. “As novas tecnologias da
informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação
mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais” (CASTELLS,
2008, p. 57). As redes conformam territórios, contínuos ou descontínuos, às vezes
contribuindo para uma desterritorialização específica, outras, para a conformação e
fortalecimento de territorialização. Para Haesbaert (2012): Assim como devemos distinguir entre redes desterritorializantes e (re) territorializantes, devemos distinguir entre aquelas “funcionais” ou instrumentais, voltadas para a eficácia do sistema econômico capitalista e aquelas mais simbólicas ou de solidariedade, voltadas para as territorialidades mais alternativas ao sistema dominante (de caráter comunitário, por exemplo). (HAESBERT, 2012, p. 123).
A contemporaneidade expressa uma percepção de território complexa e, muitas vezes,
conflitantes, ou suplementares. Mas observa-se a o predomínio da compreensão de que o
território é produto histórico, resultante de interações da sociedade com o espaço, conformado
por elementos fixos e fluxos. Ter-se-ia, assim, uma múltipla territorialidade, definida
historicamente, que, em seu movimento no tempo: [...] o configura a fim de reorganizá-lo espaço temporalmente, conforme as novas relações de poder e as novas formas e objetos materializados no tempo (em que predomina o instantâneo) e no espaço (em que interagem as esferas locais e globais). (ABRÃO et al., 2013, p. 76).
A dimensão tempo, por sua vez, traduz-se em termos materiais e simbólicos, de
maneira integrada, na medida em que os objetos, as técnicas e os sistemas materiais de
suporte da linguagem, dos hábitos e da produção, conformam novas mentalidades e são, em
simbiótico processo, influenciados por estas (ABRÃO et al., 2013). A configuração do
presente globalizado não pode ser pensada sem levar em conta as tecnologias da informação.
Tal estrutura material e seu exponencial desenvolvimento contemporâneo conformariam as
bases de uma sociedade informacional, constituindo um sistema, definido por Castells (2008),
como informacionalismo. Seria um marco de uma nova era civilizatória, assim como foi a
sociedade industrial e o industrialismo.
Para este autor, que escreve sobre a atual cena da globalização e suas expressões
comportamentais, tais como: interações sem fronteiras; hiperespaço de trocas simbólicas e
materiais; fluidez acentuada dos processos, virtualização generalizada das relações, a
40
identidade aparece como elemento destacado para o entendimento das manifestações culturais
humanas.
A opção, portanto, do MDA e do Governo da Bahia em utilizarem-se do conceito de
identidade para conformar os seus territórios parece estar inserida neste contexto. A despeito
dos territórios rurais serem, também, aqueles de maiores entraves ao desenvolvimento, eles
não estão excluídos desta modernização tecnológica e de suas expressões comportamentais.
Estão submetidos aos movimentos hegemônicos da economia globalizada e das políticas
nacionais e estaduais a eles subordinados ou associados, sofrendo ganhos e perdas de toda
natureza. Da mesma forma, a predominante realidade dos territórios de identidade baianos é
rural, mesmo considerando as sedes municipais, pouco urbanizadas.
Portanto, ambos estão, possivelmente, mergulhados em contradições e complexas
relações, marcados por contrastes entre o arcaico e o moderno. Entretanto, parece que, ao
buscar consolidar territórios, as duas esferas federativas estariam, assim, matizando uma
territorialidade mais política, definida por padrões econômicos, sociais e institucionais. O
fator identitário, reconheceria, outrossim, o caráter dinâmico e mutável dos territórios. A
definição destes como locus do exercício das relações de poder, por sua vez, requereria uma
territorialidade cidadã, capaz de perceber o que seja fixo e identitário e o que seja fluxo e
transformador, com capacidade potencial para fomentar o que melhor ou mais positivamente
deve ser buscado e sustentado para promover o desenvolvimento sustentável.
2.2 Território e Identidade
A identidade é um fenômeno existencial relativamente objetivo, misto de
pertencimento espacial e cultural, mas aberto em termos processuais a permeabilidades
mútuas, das quais se amalgamam características específicas e híbridas num mesmo sujeito em
relação com o mundo. De uma conceituação fixa, a identidade, portanto, passou a ser
entendida como algo em movimento, contendo elementos residuais de fixidez histórica e
fluxos de interação com o devir e o presente que se move, o que acarreta se pensar em termos
de “identidades”, ou seja, um indivíduo não deve ser reduzido em termos identitários a um ou
outro elemento definidor, tomando estes como superiores a outros tantos que o conforma
como tal (SEN, 2015). Este movimento da identidade, tanto em seu aspecto de fixidez, quanto
de fluidez, está, em relação ao espaço, conformando territorialidades diversas, pertencimentos
variados – ao espaço, à cultura, a grupos, crenças, gerações, etc. Assim, há uma relação
próxima entre território e identidade, que parece ser tomada pelo Estado da Bahia e que lhe é
41
útil, quando se trata de pensar a conformação de territórios, voltada para o desenvolvimento, a
partir de interesses coletivos, públicos e institucionais. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex. uma rua) à internacional (p. ex., a área [...] dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN); [...] dentro de escalas temporais às mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias, [...] podem ter um caráter permanente, mas também [...] uma existência periódica, cíclica. (SOUZA, 2014, p. 81).
Deste ponto de vista, o território, conformado por territorialidades das mais diversas,
em escalas espaço-temporal variáveis, aponta para sua relação com a identidade, uma vez que
esta é a expressão cultural do indivíduo, por um lado, e da coletividade, por outro, inseridos
no contexto histórico de um território demarcado por estas. Concorda-se, pois, com Castells
(2008), sobre o conceito de identidade: “[...] processo pelo qual um ator social se reconhece e
constrói significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de
atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”
(CASTELLS, 2008, p. 57-58). A afirmação de identidade, entretanto, não quer dizer a
negação necessária do outro ou incapacidade de relacionamento com o diferente. As relações
entre identidades distintas constituem uma expressão da vida social e parte da riqueza da
existência.
Para efeito da concepção de território levada à frente pelo MDA e o Governo da
Bahia, a identidade é declarada por ambos como condição imprescindível para a adoção do
território como sujeito político. Isto porque o aspecto identitário aporta o sentido de cidadania,
quando considerado numa perspectiva de intervenção territorial num contexto político e
econômico, em que a inserção local ou territorial é uma construção política. Nesta abordagem,
sem uma identidade coletiva não se tem a territorialidade implicada no cenário político que
determina o desenvolvimento. Neste sentido, a identidade pode ser compreendida “como
produto histórico, relacional, e condição para o desenvolvimento”. (SAQUET 2013, p. 59).
Cabe indagar, porém: quando se busca o recorte identitário como fator de coesão e
amálgama da unidade territorial e sua ação política, estar-se-ia tratando, como querem criticar
alguns autores, de uma “utopia” territorial? As palavras do primeiro secretário nacional de
desenvolvimento territorial do MDA refletem, em parte, tais preocupações: Identidade é também um tema relativamente polêmico. Por vezes, é citado como um ponto frágil de uma utopia denominada território, aspecto irrelevante, ou mesmo inexistente no contexto do rural brasileiro. [...] Um aspecto chama a atenção: reivindica-se fortemente a própria identidade quando se percebe alguma tentativa de negá-la ou desqualifica-la (OLIVEIRA, 2009, p. 16, grifo do autor).
42
As identidades são consideradas, tanto pelo Governo Federal/MDA, quanto pelo
Governo da Bahia/SEPLAN, como ponto de partida para a conformação dos territórios rurais
e de identidade, respectivamente. Elas são utilizadas como elementos definidores do recorte
dos territórios, antes de outros atributos. Mas, além de descrever e caracterizar o território: “o
mais importante é que a identidade orienta e ordena as estratégias de desenvolvimento ao
definir e dar suporte ao caráter das forças motoras que possibilitam avançar na conquista do
bem-estar”. (PERICO, 2009, p. 26). Por intermédio da identidade, alguns aspectos da estratégia territorial podem ser enfatizados: possibilidade de maior aderência de políticas públicas aos princípios de participação, autonomia e gestão social; fundamentação do pertencimento, solidariedade, coesão e ação conjunta; conciliação de interesses, mediação de conflitos e formulação de estratégias territoriais (OLIVEIRA, 2009, p. 16, grifo do autor).
Portanto, a identidade se reveste de importância política e organizacional, para a
ocorrência de uma cidadania propositiva, de caráter territorial e se constitui em presença
indispensável à construção de estratégias de desenvolvimento. Cabe ressaltar, todavia, que
uma identidade territorial não se faz por decreto, ou surge diante de problemas, ainda que
cruciais, só porque um governo, ou um projeto qualquer de fomento ao desenvolvimento,
necessita dela para estabelecer uma relação de concertação e controle social a fim de superá-
los. Sua construção é histórica, de acordo com uma constância e uma resiliência em torno de
uma dinâmica sócio-espacial dada. Mesmo aquelas identidades mais fluidas e suas
territorialidades mais alternadas, como em certos espaços urbanos das metrópoles (SOUZA,
2014), os territórios se conformam como dinâmicas de vida, de movimento sócio-interativo
com o espaço. Um projeto político de desenvolvimento territorial só pode, assim, reconhecer
tais territórios e com eles, gestar algum projeto de desenvolvimento, se for estabelecido a
partir de um dado momento político favorável à territorialização. Neste sentido, aqui,
identidade deve ser entendida de maneira restrita, uma vez que se trata de um substantivo
aplicável a muitas situações distintas e, muitas vezes, acompanhado de outros tantos adjetivos.
No contexto do desenvolvimento territorial proposto pela política de desenvolvimento
territorial do MDA, a mesma: [...] restringe-se [...] à sua natureza espacial, não sendo possível desconhecer que a identidade abrange (e é aplicada) a outras dimensões e expressões não-espaciais, a exemplo das características diferenciadas nas preferências religiosas, políticas, estéticas, sexuais, que também são características de identidade, mas nem sempre se manifestam restritas a um espaço. (PERICO, 2009, p.25).
Assim, todas as nuances sobre o conceito de território se ascendem e geram muitas
visões distintas. Quando se trata do aspecto do desenvolvimento territorial, certas
43
características lhe são inseparáveis, como a dimensão identitária da noção de coletividade
consciente de seu pertencimento local, elementos que engendram, por sua vez, uma ética
vinculada ao lugar, ao ambiente de pertencimento e à sua construção histórica e em
perspectiva. Neste ponto, restaria indagar sobre qual, então, deveria ser a abordagem
territorial para a inserção de territórios de economias deprimidas e de baixa tradição em
organização coletiva, como o são boa parte dos que compõem os territórios rurais no Brasil,
ou os de identidade na Bahia, no disputado mundo globalizado da economia competitiva e
sem pátria? E como tratar território numa perspectiva inclusiva, mas sem perder de vistas a
sustentabilidade?
Parece evidente, pois, que uma política pública de desenvolvimento territorial - para
territórios de pouca expressão econômica e de baixa organização social - deve ser considerada
dentro do escopo de um projeto emancipatório e voltado para a justiça social, no qual o
desenvolvimento se expressa pelo conjunto de iniciativas focadas na melhoria real de vida das
pessoas e no compromisso com as futuras gerações. Deve ter em sua conformação um forte
conteúdo político, que considere as relações horizontais e as riquezas locais, como fatores
imprescindíveis ao desenvolvimento, tais situações são elementos de conformação identitária
de útil valor à formação de um capital social.
2.3 Território e Sustentabilidade
Cabe ainda refletir sobre o aspecto sustentável do desenvolvimento territorial. Este é
um tema bem polêmico, sobretudo quando tratado do ponto de vista do desenvolvimento
econômico. Importa considerar que a territorialização é quem constrói o território. As diversas
territorialidades, ao longo do tempo, vão se apropriando do território e nele imprimindo sua
marca, uma marca humana, cultural, comportamental, que, nos moldes da história moderna,
tem gerado crises ambientais crescentes. Para Flores e Medeiros (2013): Não se trata de desconsiderar a questão ambiental, tampouco de negligenciar temáticas tão relevantes como a preservação da biodiversidade. Todavia, essa perspectiva leva em conta que a sustentabilidade – ou mesmo a falta dela – acaba por não ser restrita à soluções técnicas, ficando diretamente vinculada à maneira como as sociedades se relacionam com a natureza, ou seja, se configurando em uma questão de territorialidades (FLORES ; MEDEIROS, 2013, p. 139).
A sustentabilidade é, por natureza, multidisciplinar, envolve um conjunto de
seguimentos, campos vastos de conhecimentos, atores e ações diversos. O território, por sua
vez, pode ser um caminho para uma apreensão de conjunto mais adequada; para uma
44
integração dos sujeitos e instituições e uma abordagem mais sistemática e de longo prazo.
Concordando com Flores e Medeiros (2013), um ecossistema será estável e equilibrado se
conseguir assegurar sua resiliência ativa, garantidora de sua reprodução, daí se pensar em
termos de autosustentabilidade. A resiliência implica em considerar ação antrópica de
exploração, preservação e recuperação, integradas numa dinâmica social, política e
economicamente consciente, ou seja, em termos de territorialidade.
Assim, equacionar aspectos decorrentes das desigualdades promovidas pela
globalização; do passivo cultural de passados residuais que conformam mentalidades pouco
coletivistas e quase nada cooperativistas; das relações sociais autoritárias e exploradoras; da
degradação do ambiente, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento, é algo de grande
monta para qualquer Estado. A abordagem territorial como caminho de gestão política e
administrativa para o desenvolvimento integral das sociedades locais, e como estratégia
nacional de superação de mazelas e misérias sociais é um projeto que exige muita vontade
política e conhecimento local da realidade por parte dos agentes públicos e de suas políticas.
A despeito, porém, de se tratar de desafio que remonta a esforços municipais,
estaduais e federais, superando a visão muito restritiva de uma endogenia utópica ou
neoliberal, deve-se ter em conta que a sustentabilidade na perspectiva territorial passa por
tomar as realidades distintas dos territórios, e a elas se aplicar medidas diferenciadas, trilhar
caminhos muito específicos, de acordo com a diversidade dos territórios e das diversas
territorialidades.
Outro aspecto a se ressaltar é o fato de as políticas territoriais, hoje aplicadas no Brasil
e na Bahia, terem filiação com um projeto político desenvolvimentista. E o
desenvolvimentismo esteve voltado ao crescimento e modernização econômicos, pela via
industrial, tecnológica, dentro dos marcos do sistema capitalista (CARNEIRO, 2012). No que
pese se ter hoje, muito mais do que antes, uma compreensão mais clara dos perigos
ambientais e dos riscos planetários gerados pelos mesmos, os governos são sujeitos de ações
mais imediatistas e pautados por disputas de poder, que precisam se embasar em soluções de
curto prazo. Isso compromete em substancial os compromissos com o ambiente e as gerações
futuras. Apesar do que expressam muitos dos discursos desenvolvimentistas, continua-se apegando à fragmentação da realidade, onde a natureza segue sendo uma fonte de recursos para um desenvolvimento antropocêntrico, com estratégias que separam a economia do restante das dimensões da vida, alcançando extremos alucinantes como aquele, igualmente dominante, a apregoar: o que polui é o que paga. As propostas de integração multidimensional que caracterizam o enfoque territorial se alimentam dessa necessidade de contar com visões que partam das interdependências entre as dimensões ambientais, econômicas e políticas (PERICO, 2009, p. 33).
45
Para Ignacy Sachs (2007), o desenvolvimento sustentável se assenta no tripé composto
por três adjetivos: ambientalmente sustentável; socialmente includente e economicamente
sustentado, que representam as dimensões básicas da sociedade. Nesta perspectiva, o
desenvolvimento é tido como compromisso ético e social, não meramente de crescimento
econômico. Uma ética solidária com a geração presente (sincrônica) e futura (diacrônica),
preservando o ambiente. De outro lado, o aspecto econômico é indissociável do fazer
acontecer as coisas necessárias a este desenvolvimento e elas precisam ser viáveis deste ponto
de vista; porém “O econômico não é um objetivo em si, é apenas o instrumental com o qual
se pode avançar a caminho do desenvolvimento includente e sustentável” (SACHS, 2007, p.
23). Daí ter-se sempre, antes de qualquer ação voltada ao crescimento ou ao desenvolvimento,
que indagar se a mesma diminuirá ou aumentará a pobreza, a degradação ambiental, o
emprego; se qualquer movimento destes três itens for para cima, o caminho é de perversão
ética (SACHS, 2007).
Isso implica em se pensar em termos de distribuição primária de renda, como faz hoje
o Brasil, minimamente, mas não só isso. É necessário se buscar e consolidar um ambiente
econômico baseado no “trabalho decente”, em que a proporção do rendimento trabalho seja
maior no sistema como um todo (SACHS, 2007). Este caminho, necessariamente requer
instituições democráticas fortes e uma sociedade responsável com a gestão pública, ou seja,
comprometida em assegurar e fazer valer os espaços de controle social.
O desenvolvimento territorial sustentável sugere níveis de pactuações, do local ao
nacional, integrando-os, com metas e projetos bem estruturados de crescimento econômico,
associado aos potenciais locais e a preservação dos bens naturais. Esta condição implica em
ter uma regra do jogo bem definida, com transparência para todos os atores envolvidos, e esta
mediação ética e civilizatória é tarefa objetiva do Estado, mas indiretamente de toda
sociedade também. Referindo-se ao estado da arte sobre como deveria ser estruturado o
campo do desenvolvimento e da preservação ambiental na Amazônia, Bertha Becker assim se
pronuncia: “O Estado de direito são as regras do jogo claras e o cumprimento das regras, o
zoneamento ecológico econômico é a marcação das regras do jogo no território” (BECKER,
2007, p. 70). Portanto, sustentabilidade e território se encontrariam no ponto exato da
territorialidade cidadã, participativa e consolidada em regras institucionalizadas.
2.4 Governança territorial: gestão e concertação
46
Governança é um termo originário da literatura empresarial, referindo-se à
mecanismos corporativos de firmas para conduzir coordenações eficientes e conformação de
contratos e terceirizações. (DALLABRIDA et. al., 2013). Ao longo das últimas quatro
décadas, o termo tem sido empregado de diversas formas, em disciplinas diferentes. Refere-
se, de maneira geral, a processos de gestão para obtenção de resultados satisfatórios para as
partes componentes dos mesmos. A partir da crise do Estado de Bem Estar Social, segunda
metade da década de 1970 em diante, passou-se a analisar a natureza da crise dos Estados,
apontando para uma discrepância entre o crescimento da demanda e a falta de recurso para
atendê-la, e também a incapacidade de gestão dos modelos estatais do chamado primeiro
mundo. (DALLABRIDA et. al., 2013).
O conceito, então, passou a versar na literatura das ciências humanas e entrou para o
roll dos constructos teóricos para definição de formas democráticas de condução do
desenvolvimento local, territorial ou regional. Trata-se de um conceito ainda em processo de
apuração, de um substantivo prenhe da ideia de participação social, interação de atores,
definindo um exercício de governar, no qual relações horizontais e formas descentralizadas e
compartilhadas de exercer algum nível de poder são realizadas. Neste sentido, pode-se falar
em termos de governança territorial, já que a ideia de território, como demonstrado, envolve
os campos social e político, o empoderamento local e a participação social. Governança
territorial, por sua vez, ganha novos preceitos e se diferencia, em parte, do termo genérico.
A gestão social, por sua vez, é um constructo mais solido, com um arco significativo
de estudos e teorizações. No Brasil, principalmente, é onde tal área ganha maior visibilidade,
com centros de pesquisa, revistas especializadas e expansão das pesquisas (DALLABRIDA et
al., 2013). Porém, também é um campo teórico em construção, com dissenso entre os autores,
mas com avanços importantes (DALLABRIDA et al., 2013). Traz em sua trajetória uma
ampla discussão sobre a institucionalização do termo, uma vez que o mesmo prescinde de
uma natureza dinâmica, contextual e de acordo com as experiências concretas. O conceito
envolve gestão enquanto colaboração e competição de sujeitos posicionados de maneira a
gerir uma situação social, que, por interesses individuais e coletivos, movem-se para um
campo de relações políticas, buscando se posicionar de maneira clara, e aberto à pactuações
para se alcançar objetivos estratégicos e importantes ao bem estar (DALLABRIDA et. al.,
2013). Trata-se de garantir: “[...] tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na
inteligibilidade e transparência, buscando o entendimento e não a negociação”.
(DALLABRIDA et. al., 2013, p. 10). Este processo, porém, não tem fim, é sempre aberto,
47
acompanhando o movimento do real, devendo, sobretudo, haver autonomia dos sujeitos,
ausência de coerção e graus reconhecidos de confiança entre os mesmos.
A governança territorial, por sua vez, tem por fim precípuo: “[...] a territorialização do
desenvolvimento”. (DALLABRIDA, et. al., p. p. 336-37). Isso implica em relações políticas,
exigindo uma governação dos processos geradores de desenvolvimento, o que aproxima do
sentido da gestão social. A governança territorial é uma espécie de gestão social da escala
território, quando a mesma envolve uma conformação de redes protagonistas que conformam
a territorialidade num dado espaço e momento histórico e estas agem com autonomia,
movidas por interesses estratégicos territoriais.
O território, tomado como unidade de planejamento, como os da Bahia e do MDA, são
espaços de aplicação de políticas públicas. A sua conformação, em ambas as esferas
federativas, foi estabelecida, exatamente, para convergir e integrar a administração de
diversas políticas voltadas ao desenvolvimento. Nesse sentido, concorda-se com Brandão
(2011) ao anunciar que: O território deve cumprir o papel de catalisador da articulação sistêmica e da integração multissetorial dos investimentos, e locus da elaboração e implementação da ação pública abrangente e estruturante. O desafio da construção da referência do/no território – ponto de partida (e de chegada) das políticas públicas – deve fazer convergir ao território ex ante as estratégias estruturantes, pois ex post poderá ser mais difícil e ineficaz (BRANDÃO, 2011, p. 133).
A abordagem territorial do desenvolvimento implica se pensar em termos de
democratização do poder. Este, tomado em todos os possíveis aspectos incluídos nos
processos de formulação, aplicação e monitoramento de políticas públicas, uma perspectiva
abrangente da ideia de democracia, envolvendo no seu escopo: descentralização,
desconcentração, participação direta, transparência da gestão, diálogo como método de
relação entre Estado e sociedade, entre outros. No Brasil, desde a Constituição de 1988, a
República vem ampliando sua descentralização e desconcentração de poderes, a partir de um
amplo movimento de reivindicações e pressões sociais e políticas, pactos e ajustes
institucionais, promovendo uma territorialização mais eficaz do exercício federativo.
Uma rica malha de experiências democratizantes emergiu a partir dos anos 1980 e
alcançou conquistas importantes, como os Conselhos Constitucionais dos diversos setores –
educação, meio ambiente, desenvolvimento, segurança alimentar, etc. O Brasil tem diversos
espaços de exercício de poder formulativo e de acompanhamento e monitoramento das
políticas públicas, incluindo aqueles que não são obrigatórios por Lei, como as experiências
48
de orçamento e planejamento participativos, que ocorreram e ocorrem no país, desde a
pioneira experiência de Porto Alegre, a partir dos anos 1990.
Neste contexto sócio-político, envolvendo as lutas e os avanços democráticos, emergiu
a questão da gestão social como contra face da descentralização. Com efeito, a sociedade
brasileira reivindicava, junto com o empoderamento dos entes federados, também um
aprofundamento democrático nas relações entre poder público e sociedade civil. Isto implicou
em se pensar em termos de democracia participativa ou direta. A busca por uma democracia
mais sólida, com uma cultura participativa estava, já, presente na Constituição de 1988 e os
importantes espaços de participação criados por esta Carta Magna estão em processo de
consolidação no país. A despeito de um conjunto de avanços registrados e empiricamente
observados, o Brasil ainda se apresenta como uma jovem democracia, aprendendo a ser uma
República. [...] o estado da arte decisória no Brasil ainda carece de hábitos que estimulem o agir democratizante, de uma sociedade deliberativa. Mesmo porque a prática da democracia representativa por meio do voto ainda está em processo de aperfeiçoamento, vide a necessidade de uma “ficha limpa”. (TENÓRIO, 2011, p. 73).
Deve-se notificar, porém, que existem diversas maneiras de se pensar gestão social e,
ratifica-se, esta se opõe ao modelo neoliberal de gestão pública, pois dentro deste campo
ideológico, as iniciativas voltadas para a participação social seriam mais assistencialistas, na
condução de certas políticas públicas transferidas pelo Estado ao terceiro setor –
Organizações Não-Governamentais (ONG). O sentido aqui postulado, de acordo com a ideia
de desenvolvimento territorial apresentada, seria o da participação social nos rumos das
políticas públicas; da articulação coletiva para a solução de problemas comuns, através de
processos decisórios coletivos, em espaços de governança, envolvendo atores sociais e
poderes públicos. Seria um ato de participação e controle sociais de espaços públicos,
compreendido como “[...] gerência [...] de arranjos institucionais participativos, projetados
para promover uma matriz social de todos os concernidos a uma determinada situação-
problema-público, uma visão sociocêntrica do mundo”. (TENÓRIO, 2011, p. 74).
Portanto, a gestão social seria um componente prático da democracia participativa. O
conceito de território, por sua vez, implica a participação como elemento inseparável da
territorialidade. Esta, tomada nos processos deliberativos e administrativos da vida pública, é
o exercício participativo cidadão de uma coletividade que deve representar o território e agir
em sintonia com os espaços de concertação do mesmo. Concertação como exercício de
harmonização, convergência de diferentes, como num concerto musical. Em termos políticos,
49
portanto, refere-se a pactuar interesses de diferentes agentes sociais e públicos. Para
Dallabrida (2007b), concertação social é: [...] o processo em que representantes das diferentes redes de poder sócio-territorial, através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de forma descentralizada. É fundamental que sejam através de processos de concertação social que a sociedade [...], democraticamente, se proponha a construir consensos mínimos que representam as decisões acordadas naquele momento histórico, no que se refere à superação de seus desafios. (DALLABRIDA, 2007b, p. 48).
Mormente, tanto em descentralização, quanto em gestão social, o elemento substancial
é a cidadania ativa e positiva, capaz de inserir-se no contexto das decisões públicas. “Assim,
descentralização e gestão social seriam conceitos convergentes na medida em que ambos
propõem a democratização, por meio de processos decisórios, das relações político-
administrativas” (TENÓRIO, 2011, p. 73). Estes são os fundamentos de uma democracia
participativa. Este exercício intersubjetivo de intervenção coletiva promove uma percepção
mais ampla da realidade e se dirige para o que seja social, de bem comum, afastando-se da
“especificidade costumeira à liberdade negativa, às individualidades, à competição, ou aos
princípios do liberalismo econômico e/ou político” (TENÓRIO, 2011, p. 73).
A gestão social se traduz em ações concretas, envolvendo diversos atores em
processos decisórios públicos. Estes processos são, assim, dialógicos, pautados por mediações
e horizontalidades, com práticas de negociação, pactuação e produção de resultados possíveis,
conformados por um exercício democrático da convivência entre as diferenças. A
compreensão deste conceito: [...] implica entender a necessidade de uma organização racional por meio de arranjos institucionais que promovam o bem comum republicano. Bem comum que implica a busca pela deliberação consensual entre os diferentes agentes/atores do processo decisório e que, aliado à descentralização, promove o controle social da sociedade em relação ao Estado, democratizando, portanto, as relações sociedade-Estado. (TENÓRIO, 2011, p. 76).
A abordagem territorial do desenvolvimento é uma construção histórica, apoiada numa
perspectiva de território como sujeito político, espaço de planejamento e execução de políticas
públicas, exercício de governança e concertação, locus de vida de cidadãos. Portanto, exige-se
uma gestão em sintonia com a descentralização, a desconcentração e a cidadania, convergindo
a tríade para uma participação forte na vida pública. Os esforços em curso, de gestões
municipais e estaduais, em abrir o Estado para uma participação direta dos cidadãos - além da
indireta, pelo voto na representação política oficial - através de orçamentos e planos
plurianuais participativos são medidas direcionadas, ainda que de maneira tímida, para essa
maturidade democrática. A opção por uma estratégia territorial, por sua vez, requer assumir
50
um cotidiano participativo, uma gestão aberta à contribuição social, através de espaços
permanentes de governança. Esta seria, com efeito, a prática constante da gestão social das
políticas de desenvolvimento territorial.
O maior desafio de implementar processos de participação na gestão do
desenvolvimento e, possivelmente, em outras esferas de gestão pública, é a garantia da
permanência dos espaços e das práticas participativas, como algo engendrado social e
culturalmente, e no Estado em suas relações com a sociedade. A governança é, mormente,
esta prática cotidiana que deve se estabelecer no seio da sociedade.
Para uma melhor apreensão do significado e dos fins da governança na política
territorial implementada na Bahia, a partir de 2007, recorre-se ao conceito de governança
territorial apresentado por Dallabrida (2007b), o qual é definido como: [...] conjunto de iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais, como fonte sinergizadora do processo de gestão do desenvolvimento territorial. (DALLABRIDA, 2007b, p. 45).
Note-se que a governança territorial é uma situação historicamente construída, em
permanente reconstrução, a partir da dinâmica da confluência entre as três esferas de
interesse, cujos conflitos devem ser processual e dialeticamente dirimidos ou reduzidos por
pactos em torno das opções estratégicas para o desenvolvimento geral do território. Para esse
autor, os atores desta governança só o são de fato se contarem “com recurso de poder
suficiente para impedir ou perturbar o funcionamento das regras ou procedimentos de tomada
de decisão e de solução de conflitos coletivos” (DALLABRIDA, 2007a, p. 4).
A sociedade aqui deve ser tomada, então, como um sistema em rede, uma vez que, em
nível de território de identidade, na Bahia, deve-se inserir o elemento escala, que se torna,
nestes termos, ampliada, necessitando o território de uma existência articulada para se
apresentar como sujeito organizado e coeso em torno de objetivos comuns. Tais estruturas em
rede são, para este autor, ocorrências “através das quais os atores/agentes e
organizações/instituições territoriais atuam no planejamento e consecução das ações voltadas
à gestão territorial” (DALLABRIDA, 2007a, p. 5). O autor avança na conceituação, propondo
a utilização do termo “bloco socioterritorial”, que seria: [...] o conjunto de atores localizados histórica e trerritorialmente que, pela liderança que exercem localmente, assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território, por meio de processos de concertação público-privada que contemplem o caráter democrático-participativo. (DALLABRIDA, 2007a, p. 6).
51
Nestes termos, há de se investigar o nível de organização e existência política dos
territórios de identidade na Bahia e averiguar o grau de sua efetividade enquanto um bloco
socioterritorial, além de averiguar sua coesão e consistência social para sustentar sua condição
de unidade política, ou de ocorrência social, elementos que permitem, de fato, a governança
territorial. Parece claro que uma territorialidade como a oficializada pelo Governo da Bahia só
terá êxito se os territórios forem protagonistas da ocupação do espaço político instituído
legalmente, se tiverem uma rede socioterritorial em funcionamento e um bloco socioterritorial
conformado.
Experiências mais antigas no Brasil, de descentralização e participação social em
políticas públicas, como os Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDES, no Rio
Grande do Sul, oficialmente existentes desde 1994, também apresentam limitações no
momento de efetivarem a gestão social (DALLABRIDA, 2011). Para este autor: Poderia se dizer que a dimensão de fóruns de discussão e definição de estratégias de desenvolvimento regional, com os Coredes, tem sido devidamente contemplada. No entanto, não tem sido muitos os avanços na dimensão operacional do processo de gestão do desenvolvimento (DALLABRIDA, 2011, p. 348-349).
A governança territorial como prática efetiva de gestão compartilhada e concertação
permanente e como forma de relação Estado–Sociedade exige um nível geral de
amadurecimento civilizatório quanto aos valores e práticas democráticos. Territórios
desenvolvidos são aqueles de maior evidência do nível de maturidade geral das
institucionalidades nele presentes. Quanto a isso, Furtado (1961) já chamava atenção,
afirmando que o desenvolvimento é uma condição cultural. Os níveis de subdesenvolvimento
de determinados territórios estão, em boa medida, relacionados com sua capacidade racional e
política de se fazer presente na arena das decisões políticas. E na capacidade de
autocompreensão de seus limites e de suas potencialidades. Mas a posse de tais
conhecimentos, se ficar reduzida apenas a um corpo técnico ou burocrático, também pode não
resultar em transformações, ou influenciar a gestão para o desenvolvimento. Aqui se pode
fazer uma relação com as concepções de Putnam (1996) sobre a Itália moderna, quando o
mesmo destaca as condições culturais de uma população local e sua cultura como elementos
indispensáveis ao sucesso econômico.
Assim, uma velha questão sobressai: qual seria o papel do Estado frente a uma
situação desfavorável ao desenvolvimento? Para autores liberais e neoliberais, o Estado
deveria se ausentar e apenas gerar oportunidades ao mercado e este, sim, seria o agente
“modernizador” do território. Para outros, apenas localmente dever-se-ia implementar certas
52
medidas localistas a fim de gerar condições voltadas ao arranque territorial rumo à sua
inserção na arena global dos fluxos econômicos de importância. A crítica de Brandão (2012) a
tais posições e aos entusiastas de uma “endogenia exagerada” aponta que tais formuladores
não levam em consideração que o local não está imune às macropolíticas em escalas maiores,
como a do Estado ou da União, e que as dificuldades de se movimentar um território é muito
grande, havendo necessidade de se integrar as diversas escalas. É o que Costa (2011) também
defende: [...] o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo em grande medida expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual os interesses individuais ou externos acabam prevalecendo. Desta forma, a sua superação só pode ser concebida no quadro de um projeto político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de decisão válido, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses regionais e nacionais coletivos buscados a médio e longo prazo através do planejamento do desenvolvimento [...]. (COSTA, 2011, p. 399).
Portanto, a governança é uma condição para um verdadeiro desenvolvimento do tipo
button up. Diante disso, importa pensar como o Estado deve agir, por um lado, para não se
tornar autoritário e dirigista, burocrático e elitista e, por outro, não se tornar leviano e
irresponsável, deixando o local exposto aos ventos suaves ou tempestivos dos mercados. As
experiências brasileiras vêm refletindo todos esses aspectos e pode evoluir na direção de uma
maturidade maior. Mas esta é apenas uma possibilidade, a reação conservadora da classe
política a tais preceitos está viva e forte no Congresso Nacional e na direção da maior parte
dos estados e municípios brasileiros.
Um bloco sócio territorial histórico se constitui, sem embargo, a partir da vivência
coletiva, mas a ação de um Estado convencido de tais valores pode acelerar esta vivência e
fomentar a cultura democrática no seio da sociedade. Esta parece ser a compreensão dos
formuladores do desenvolvimento territorial, no Brasil e na Bahia. Redes sócioterritoriais
estão dadas, mais, ou menos organizadas; elas são imanentes, até o momento oportuno de
suas manifestações. Um país como o Brasil, de complexidade cultural e econômica, tem em
estado latente a possibilidade de fazer emergir ou fortalecer tais estruturas onde as mesmas
não se constituíram ainda ou estão fragilmente presentes. Para isso, um projeto político deve
ser catalizador e protagonista, e o Estado, junto com as instituições sociais são quem devem
assumi-lo. Este parece ser o desenho conceitual do MDA e, com menos clareza, o da
SEPLAN, na Bahia.
A esse respeito, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do
Desenvolvimento Agrário – SDT/MDA tem reconhecido a fragilidade de um de seus mais
53
definidos instrumentos para o desenvolvimento territorial: os Planos Territoriais de
Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS. Estes são fomentados e apoiados pela SDT
como ferramentas necessárias aos territórios, para a construção de suas estratégias de
desenvolvimento, assegurando uma visão “de dentro”, e uma participação da diversidade local
em sua construção. Portanto, como premissa para o exercício da governança territorial. Os
PTDRS seriam ferramentas fomentadas pelo e com a participação do MDA. Ocorre que a
SDT reconhece que os mesmos se tornam obsoletos e sem utilidade real, na medida em que os
Estados não os incorporam em seus planejamentos de longo, nem de curto prazo. As
iniciativas atuais do MDA - em conjunto com o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão – MPOG e mais a Casa Civil do Governo Federal – buscam efetivar planejamentos
territoriais, articulando o nível federal, com os estaduais através de Planos Plurianuais
Territoriais. Esta é uma tentativa de vinculação da escala territorial com as outras. Registre-se,
porém, que a fragilidade dos territórios e de suas representações sociais – os Colegiados
Territoriais, na escala nacional, tenha levado o Governo a fazer tal articulação pelos
Consórcios Públicos Municipais.
Fazendo uma junção sintética da dimensão da gestão social do desenvolvimento
territorial em Dallabrida (2007b), têm-se as seguintes instâncias e condições: i) histórica (o
desenvolvimento territorial resulta da ação organizada de determinados atores sociais que se
constituem em cada momento histórico); ii) ocorrência de um bloco sócio-territorial
(conformando este conjunto ativo da sociedade, com toda a sua diversidade, atuando em
diversas redes, em conflito ou em sinergia, que têm poder de hegemonizar ideologicamente
o processo de desenvolvimento territorial); iii) exercício da governança territorial
(capacidade de ação resultantes da organização dos atores conformantes do bloco sócio-
territorial, visando gestar os assuntos públicos de interesse do território); iv) realização de
pacto sócio-territorial ou concertação social (pactuações entre os projetos distintos no seio
do bloco territorial, na conformação de planos de desenvolvimento territoriais). [...] entende-se que processos de concertação social podem levar à constituição de pactos sócio-territoriais, ou seja, acordos ou ajustes entre os diferentes representantes de uma sociedade organizada territorialmente, na busca da definição de seu projeto de desenvolvimento futuro. Os aqui chamados de pactos sócio-territoriais, como acordos pactuados territorialmente, são constituintes dos planos de desenvolvimento local/regional/territorial de um determinado território ou região, construídos nos diferentes momentos de sua história. (DALLABRIDA, 2007b, p. 45).
Entende-se que estas categorias deste autor, baseadas em Gramsci, servem como
modelos teóricos para a proposição de um entendimento mais adequado da realidade
54
dinâmica dos territórios e das ações envolvidas no desenvolvimento/subdesenvolvimento
dos mesmos, ao tempo em que podem ser utilizados para a organização de uma teoria do
desenvolvimento territorial. A governança territorial resulta de um conjunto de fatores
objetivos, históricos, envolvendo várias dimensões da realidade.
Dallabrida (2007b) formula questões referentes a tais processos de gestão do
desenvolvimento territorial, que parecem ser úteis à experiência baiana: “Qual a
possibilidade de operacionalização desta concepção teórica? Que estruturas de poder
precisam estar à disposição da sociedade para a sua operacionalização?” (DALLABRIDA,
2007b, p. 45). A última questão formulada pelo autor remete à experiência dos Coredes, no
Rio Grande do Sul, mas pode ser reformulada em termos da experiência na Bahia,
substituindo o sujeito COREDES por CODETER: “A estrutura legal e a prática” dos
Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER/BA “oportunizam condições para
a operacionalização desta concepção teórica?” (DALLABRIDA, 2007b, p. 45). A questão só
poderá ser respondida com maior precisão, a partir de um estudo de caso, utilizando-se das
categorias apresentada pelo autor.
Pode-se, no entanto, utilizá-los para uma análise parcial das condições baianas da
ocorrência da abordagem territorial do desenvolvimento, é o que se exercita nesta
dissertação, ao longo da análise dos espaços institucionais baianos e, ao final, com o balanço
crítico da experiência.
2.5 Desenvolvimento: entre o mito e a necessidade
A Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia é considerada uma abordagem
para o desenvolvimento do estado. Tal premissa requer, portanto, a problematização do
campo teórico sobre desenvolvimento, erigido, por sua vez, no bojo do capitalismo e de sua
leitura científica, notadamente pela Economia e pela Sociologia Política.
O tema acompanha a própria gênese da Ciência Econômica, desde os clássicos do
século XVIII, visto que os autores buscavam explicar a origem da riqueza das nações, como
elas se formam, se expandem ou crescem. Dos pensadores clássicos (Adam Smith, David
Ricardo, Stuart Mill) até os anos 1950, a ideia perseguida era a do crescimento econômico. As
indagações versavam sobre como as nações se tornavam ricas; através de análises que se
fechavam nos processos históricos das nações centrais do sistema, tratando de averiguar as
etapas e os processos nacionais do crescimento econômico.
55
Somente a partir da grande crise dos anos 1930 e do pós-Segunda Guerra Mundial, o
termo desenvolvimento ganha primazia teórica, conjuntura em que a Guerra Fria impunha às
potências um compromisso relativo com o progresso econômico de suas áreas estratégicas no
globo. E, também, por conta do alto e profundo desenvolvimento ocorrido nos países
cêntricos do sistema, na chamada “era de ouro do capitalismo” (1950 - 1970). A partir desta
conjuntura global, a qual incluía, ainda, a emancipação das colônias asiáticas e africanas e as
novas bases de dominação do centro sobre a periferia do sistema, surge uma reviravolta no
pensamento econômico, gerada dentro do núcleo imperialista, os Estados Unidos da América
(EUA) (Fiori, 1998). Trata-se da chamada revolução keynesiana causada pelas ideias de John
Maynard Keynes (1883 - 1946).
Após a II Guerra Mundial, o núcleo do sistema capitalista buscava articular as nações
ao seu domínio, através de novos mecanismos, combinando apoio econômico e subordinação
política, sem a ostensividade do colonialismo clássico moderno. Neste contexto, o império
buscava garantir as fronteiras capitalistas contra o socialismo soviético. Esta nova perspectiva
rompia com a ideia clássica do liberalismo econômico de equilíbrio global, desde Ricardo, e
adotava a compreensão do sistema capitalista como um sistema cíclico, de crises e de natureza
instável (Fiori, 1998). Esta possibilidade no campo teórico favoreceu a vontade de se estudar
e apresentar propostas estratégicas de indução ao desenvolvimento econômico, e de se pensar
em termos de políticas públicas anticíclicas. Para Fiori (1998), legitimou-se a preocupação
das diversas nações com os seus próprios desenvolvimentos, visto na época, segundo o autor,
como: Um processo possível de ser induzido ou acelerado politicamente e, portanto, diferente, na teoria econômica, da ideia de simples crescimento. É algo que implicaria transformações de tipo institucional, estrutural e uma aceleração do processo de crescimento, da acumulação capitalista, além da média internacional histórica anterior. (FIORI, 1998, p. 69).
Deste caldo conceitual e dessas condições históricas, portanto, se conforma uma
ideologia, que, ao mesmo tempo reconhece a natureza desigual das nações e a legitima
(FIORI, 1998). Em termos mais amplos, o conceito de desenvolvimento pode ser associado ao
impulso orgânico da modernidade de racionalizar o tempo, o espaço e as ocorrências humanas
para a obtenção de progresso material e social; para o domínio das adversidades e a afirmação
do homem sobre a natureza. Representa também uma face do antropocentrismo iluminista,
quando expressa a crença de que o homem pode ter controle e direção da história, para fazê-la
ocorrer de acordo com as suas razões, através da utilização da inteligência, da tecnologia e da
organização política, em uma palavra: da razão instrumental.
56
As abordagens teóricas sobre desenvolvimento são tão vastas quanto sua elasticidade
conceitual. Para efeito deste texto, focar-se-á, primeiro, em duas correntes de entendimento do
desenvolvimento, para, então, analisar o conceito de “desenvolvimento territorial”. As duas
correntes conceituais são distanciadas entre si por visões distintas sobre desenvolvimento,
notadamente quanto ao seu sentido, suas formas e sua composição ideológica, Tal opção
metodológica decorre do fato da política de desenvolvimento territorial da Bahia está inserida
na conjuntura histórica de alternância de um modelo de gestão tipicamente neoliberal para
outro que lhe é uma variável, com significativas distinções, apontando para uma plataforma
de cunho mais social, no Brasil e na Bahia.
A primeira corrente, portanto, é a visão liberal clássica, mais recentemente
transmutada em “neoliberal”, cuja abordagem se define por uma crença no desenvolvimento
enquanto movimento “natural” do capitalismo. Desenvolvimento tomado como resultado
inexorável da marcha da modernidade, a ser potencialmente atingido em todo o globo, a partir
de certas etapas de condições políticas e econômicas, cujo agente promotor é a economia
capitalista, o mercado e as liberdades ou liberalismos a ele atinentes e necessários.2 A segunda
é a visão crítica ao liberalismo, formulada a partir da negação da “naturalidade” do
desenvolvimento e de sua reprodução, no sentido de replicar na periferia do sistema os
modelos do centro. Em outras palavras, a crítica à ideia de que se pode alcançar os mesmos
níveis de desenvolvimento dos países cêntricos, na periferia do sistema, a partir do
movimento de expansão dessas economias e seus modelos para dentro dos países periféricos,
através de etapas lineares. Esta vertente será tratada a partir da Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (ONU), através de dois dos
mais destacados de seus formuladores: Raul Prebisch e Celso Furtado, ambos posicionados no
campo teórico do estruturalismo.
Antes de discorrer sobre as duas correntes conceituais, faz-se uma introdução, a fim de
contextualizar o cenário mais geral do debate teórico sobre o tema, com base nas referidas
linhas de pensamento.
Desde a gênese da teoria econômica e sua consolidação como ciência social, um
conjunto substancial de obras foi escrito para revelar as causas e motivações da expansão
econômica. Vivia-se um momento histórico de transição do modo de produção, quando o
capitalismo industrial iniciava sua consolidação como sistema econômico. Não por acaso, o
2 A respeito do etapismo, consultar a obra seminal sobre esta teoria, de W. W. Rostow (1959). Etapas do
desenvolvimento econômico, na qual o autor estabelece cinco etapas distintas do desenvolvimento econômico dos países, as quais seriam inexoráveis para o alcance do estágio de um país desenvolvido.
57
pensamento clássico, em sua origem, estava plenamente de acordo com a ideologia burguesa,
servindo-lhe de instrumento cultural/ideológico para alimentar as transformações políticas
necessárias à plena hegemonia do capital e da burguesia na condução da vida moderna.
Segundo Furtado (1961): A teoria do desenvolvimento econômico trata de explicar, numa perspectiva macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento persistente da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social (FURTADO, 1961, p. 19).
Este autor considera que a explicativa do desenvolvimento, na Ciência Econômica,
segue dois planos. O primeiro é o campo da análise dos mecanismos intrínsecos do
desenvolvimento, ou seja, abstrações com variáveis estáveis e quantificáveis. Refere-se à
análise, a partir de formulações abstratas, com base em modelos simplificados dos sistemas
econômicos existentes. O segundo é o campo histórico, donde se averigua a eficácia da teoria,
confrontando-a com uma realidade histórica dada.
O desenvolvimentismo, de acordo com o seu caráter ideológico dominante,
estabeleceu as bases para o conjunto hegemônico de autores se posicionarem quanto às
possibilidades de evolução positiva das civilizações. Ao longo das últimas sete décadas, os
jargões teóricos se tornaram linguagem popular, conteúdo de currículo escolar e material para
amplos debates teóricos e ideológicos. Assim, expressões como: “países desenvolvidos e
subdesenvolvidos”; “países de primeiro, segundo e terceiro mundo”; “países ricos e países
pobres”, “países em desenvolvimento ou países emergentes”, tornaram-se corriqueiras e
dominaram o ambiente do debate, do discurso político, social e cultural. Neste contexto
conceitual e ideológico se fundamentam a teoria liberal e neoliberal e a crítica à visão liberal
de desenvolvimento.
2.5.1 A teoria neoliberal e o Consenso de Washington
O liberalismo foi a primeira base teórica do sistema capitalista industrial, nasceu junto
com sua fase de industrialização na Inglaterra do século XVIII. Seus autores clássicos são
estudados e citados até os dias atuais porque estabeleceram leituras e leis universais sobre o
processo de surgimento, reprodução e expansão do capital dentro da dinâmica de mercado
livre. Desde Adam Smith, em seu clássico texto “A Riqueza das Nações”, de 1776, que a
teoria econômica liberal considera a economia como um espaço desvinculado do Estado e este
como corpo estranho à sua dinâmica mais pura e original.
58
As forças produtivas de uma sociedade – o conjunto de agentes individuais, movido
por seus desejos e interesses particulares de ganho e realização - agem egoisticamente, dentro
de um espaço de competições, no qual as competências e habilidades individuais determinam
quem ganha e quem perde no jogo da acumulação da riqueza. Mas, para os clássicos, ao final,
esta “mão invisível”, que é o mercado, acabaria por gerar uma riqueza coletiva sempre
crescente e dinâmica, resultando em riqueza social. O Estado, segundo o Liberalismo, deveria
cuidar da vida social e política e atuar pontualmente na regulação jurídica e dos interesses
nacionais, quando da competição com outras nações. Mas a mão “visível” do Estado deveria
ser menor do que a mão “invisível” do mercado.
Ao longo da história moderna estes preceitos foram aplicados com rigor, mas também
relativizados sem parcimônia pela burguesia capitalista, a depender das conjunturas,
pendulando entre o liberalismo e o intervencionismo. Muitas foram as vezes em que os
capitalistas, ou “os mercados”, recorreram a protecionismos e intervencionismos do Estado
para defender seus interesses econômicos. E ainda o faz, mesmo nas nações mais liberais,
como os EUA, sobretudo para garantir os interesses financistas e industriais contra
concorrências estrangeiras e novas reivindicações sociais que possam ameaçar suas taxas de
lucro (FIORI, 1998).
Para efeito de contextualizar o desenvolvimento territorial atual, em análise neste
texto, importa tratar da versão contemporânea do liberalismo, o neoliberalismo, que se inicia
com a crise do petróleo na década de 1970, e se torna hegemônica no comando das nações
poderosas do Ocidente nos anos de 1980. Estas são as bases que antecedem à implementação
das políticas territoriais em nível federal e estadual no Brasil, e servem como contraponto às
premissas conceituais e ideológicas de tais políticas. Como ofensiva teórica, as ideias
neoliberais aparecem ainda durante a Segunda Guerra, através da obra de Friedrich Hayek, de
1944, intitulada “O Caminho da Servidão”. Nela, o autor promove uma aberta luta contra as
ideias sociais democráticas, ao igualitarismo e ao papel do Estado como guardião do
solidarismo (ANDERSON, 1996).
Hayek chega a pronunciar em seu livro: “Apesar de suas boas intenções, a social-
democracia inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão
moderna” (HAYEK, 2010, p. 9). Aquele ano era de eleições na Inglaterra e este autor
promovia uma campanha contra o Partido Trabalhista Inglês e seu programa social-
democrata. Hayek veio a criar um clube de pensadores conservadores e ultraliberais para
formularem e combaterem as teorias keynesianas e sociais democratas, denominado de
“Sociedade de Mont Pélerin” (ANDERSON, 1996). As ofensivas neoliberais, ao longo de 20
59
anos não receberam eco da política, uma vez que o sistema capitalista vivia sua fase de ouro,
crescendo à altas taxas, em meio ao Estado de Bem-Estar Social. Porém, com a crise do
Petróleo e das dívidas, no final dos anos 1970, com a queda global das taxas de lucro, as
forças conservadoras foram ganhando espaço e chegaram ao comando dos principais Estados
ocidentais, levando à mudança da agenda econômica e da ideologia dominante no meio dos
capitalistas e dos governos.
As ideias neoliberais foram tratadas de maneira a se tornar um corolário econômico
para as nações capitalistas a partir de 1990, e foram traduzidas pelo economista John
Williamson no chamado Consenso de Washington. Segundo Williamson (1990 apud
SOARES, 2003), as políticas neoliberais se definem por: [...] um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizadas aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes. (WILLIAMSON apud SOARES, 2003, p. 19).
O contexto de ascensão do neoliberalismo foi marcado, na década de 1980, pelas
ascensões de Margareth Thatcher e Ronald Reagan ao poder de suas nações, respectivamente,
na Inglaterra e nos Estados Unidos. A partir daí, este corolário passou a ser aprofundado e
imposto às agências financiadoras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial (BIRD). As reformas, então propostas aos países cêntricos e
periféricos, notadamente a estes últimos, era para a promoção de verdadeiros ajustes e
reformas, incluindo nas Constituições nacionais, a fim de atender aos interesses do capital.
Para Soares (2003) essas reformas promoviam a desregulamentação dos mercados, o
escancaramento da abertura comercial e financeira, a privatização do setor público e a
redução do Estado. Para esta autora: O ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de uma redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais. Passa a existir outro projeto de reintegração social, com parâmetros distintos com àqueles que entraram em crise a partir do final da década de 1970. (SOARES, 2003, p. 19).
Como o neoliberalismo se assenta na conjuntura de início da globalização e da
chamada “terceira revolução tecnológica”, há estreita relações entre estas três situações, mas
não se pode dizer que as políticas neoliberais são uma decorrência vinculada das novas
tecnologias, seu desdobramento “natural” e inexorável. Segundo Fiori (2001 apud SOARES,
2003) houve uma: [...] transformação social gigantesca, mas que não foi o resultado natural, muito menos benéfico, das novas tecnologias informacionais. Foi, em grande medida, o resultado de uma reestruturação política e conservadora do capital, em resposta à
60
perda de rentabilidade e governabilidade que enfrentou durante a década de 1970. (FIORI 2001 apud SOARES, 2003, p.20)
Como modelo social de acumulação capitalista, o neoliberalismo advoga, por
definição, a informalidade do trabalho, o desemprego, o subemprego, a desproteção
trabalhista e uma nova pobreza. Portanto, a degradação social de grande parte da população
do mundo não atrapalharia a reprodução do sistema capitalista, nem deveria ser vista como
uma “aberração”, mas como realidade natural de uma luta pela vida, na qual “o mais forte e
mais apto vence e o mais fraco e menos competente sucumbe” (SOARES, 2003). Em termos
de globalização, pode-se afirmar que esta traz consigo, de maneira hegemônica, os preceitos
contidos no neoliberalismo. Ela se configura ao tempo mesmo que enfraquece os Estados
Nacionais, impondo-lhes uma política de abertura comercial e suspensão dos protecionismos
guardadores de seguimentos estratégicos para o desenvolvimento nacional. Mas os
formuladores de tal preceito acreditam numa utopia universalizante de que a prosperidade e o
desenvolvimento virão para todos os países, desde que se insiram na arena global da
competição.
Segundo Carneiro (2012), o Consenso de Washington apresentou 10 pontos centrais
para a agenda econômica dos países: redefinição das despesas públicas (leia-se redução dos
investimentos sociais e enxugamento da máquina estatal); rigor fiscal; reforma tributária;
taxas de juros livres; câmbio competitivo; abertura do mercado nacional, privatizações,
desregulação, garantia do direito de propriedade (leia-se controle das tecnologias nas mãos
das transnacionais), liberalização do Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Para Rivero
(2002): Esta convicção, que contém aspectos utópicos, apresenta a globalização como um processo irrefreável, fora do alcance da vontade humana, como se fosse a lei de gravitação universal, de cujo efeito não podem escapar pessoas, empresas e nações. O que não se diz é que, caso vigorasse esse tipo de globalização, é pouco provável que tivessem desenvolvido os Estados Unidos, a Europa e o Japão, que protegeram e promoveram suas indústrias e copiaram mutuamente suas tecnologias. (RIVERO, 2002, p. 14).
Sobre a dimensão fiscal, o neoliberalismo professava a necessidade de se evitar um
crowding out, o que somente uma disciplina fiscal poderia garantir, com a eliminação dos
déficits públicos. O Consenso não trata explicitamente em cortes de investimentos sociais, ou
do abandono da sustentação do crescimento ou sobre melhoria da renda, apenas dos déficits
(CARNEIRO, 2012). Mas a sua aplicação resultou no Estado mínimo, no qual as políticas
sociais foram restritas às parcelas dos muito pobres, e de maneira pouco eficiente. A
liberalização das taxas de juros e uma taxa competitiva de câmbio, à maneira como praticada
61
na maioria dos países, resultaram em crises de balanço de pagamento e financeira
(denominadas crises gêmeas). Para Carneiro (2012), os formuladores das medidas chegaram a
reconhecer problemas nestes dois pontos, mas a questão para a ocorrência das crises foi o fato
de tais medidas estarem sendo propostas aos países periféricos num contexto de globalização,
de alta competitividade. Segundo Carneiro (2012, p. 766), para que os países periféricos:
“conseguissem lidar com as mudanças de padrão e levassem adiante reformas exitosas [...]
teria sido necessário um grau de intervencionismo muito maior do que o admitido (pelo
consenso)”.
As medidas de abertura comercial e liberalização do IDE só seriam eficientes, ou seja,
favoreceriam a ampliação da inserção produtiva do Brasil, se fossem comandadas por uma
forte política industrial, o que não ocorreu. Para ampliar a concorrência, o consenso propunha
reduzir o papel do Estado na formação dos preços, através das privatizações das estatais e da
desregulação: redução de barreiras para favorecer a livre entrada e saída de produtos. E o
direito à propriedade, entenda-se a propriedade intelectual, impunha que as tecnologias
avançadas que entravam no país não poderiam ser copiadas, ou apropriadas pelo capitalismo
nacional. Em seu balanço crítico, Carneiro (2012, p. 767) conclui que “[...] as privatizações
significaram, mormente em países de maior complexidade econômica como o Brasil, a perda
de um importante elemento de coordenação e indução do investimento privado”.
A desregulação, por sua vez, permitiu aumentar a concorrência em alguns segmentos,
juntamente com as privatizações, que forçaram à racionalização e à modernização de algumas
empresas. Porém, não geraram o que se anunciava: desconcentração e quebra de
monopolização da economia, tomada de maneira abrangente.
As medidas neoliberais para o desenvolvimento dos países periféricos resultaram,
praticamente, em um verdadeiro retrocesso social, com preços humanos gigantescos
(SOARES, 2003). O Brasil ficou menos fortalecido em sua base industrial e em sua
autonomia. A despeito, porém, de se ter colocado um fim na ciranda da inflação que corroía
os salários e promovia uma orgia financeira. Mas as altas taxas de juros, a ausência de
investimento social, o engessamento dos salários, o aumento da dívida pública, acabou por
favorecer a um capitalismo financista especulativo e rentista, no qual, o trabalho e a produção
se submetem aos seus interesses. Esta situação, em toda América Latina, com fortes crises e a
falência de alguns países, como a Argentina, levou a uma reação geral dos povos latinos
americanos contra estes governos aliados ao Consenso, inclusive no Brasil. Para Carneiro
(2012):
62
Nos anos 2000, na América Latina e no Brasil, assistiu-se à retomada do crescimento econômico, associado à melhoria da distribuição de renda, resultantes não só de um contexto internacional benigno, mas de outras práticas de políticas econômicas progressivamente mais distantes do neoliberalismo e do Consenso, dando suporte ao ressurgimento do pensamento desenvolvimentista em alguns países, como o Brasil (CARNEIRO, 2012, p.767).
2.5.2 A visão dos estruturalistas da CEPAL.
A Comissão Econômica para a América Latina foi criada pela ONU em 25 de
fevereiro de 1948, em meio às disputas políticas da Guerra Fria. A CEPAL cumpriu um
destacado papel na teorização do desenvolvimento no contexto em que a própria ONU
buscava organizar a discussão sobre o mesmo, a partir da estratégia política do centro
imperialista americano.
Segundo Fiori (1998, p. 73), “[...] o desenvolvimento dos anos 50, do ponto de vista da
sua tentativa de teorização e formulação, é originário da potência central e faz parte do projeto
imperial de hegemonia americana nesse período”. A posição teórica que alimentava a ONU
acreditava que os processos vividos pelos países avançados poderiam ser seguidos pelos
países “atrasados”, perseguindo as etapas dos primeiros.
Porém, alguns autores cepalinos acabaram por se distanciar destas premissas e
construíram uma teoria própria para explicar a situação do “atraso” dos países periféricos. E a
partir destas novas bases conceituais, substituíram o termo “atrasado” e “avançado”, por
“subdesenvolvido” e “desenvolvido”, evitando a terminologia anterior, que imprime uma
ideia de desenvolvimento por evolução de etapas. Segundo eles, a visão etapista era linear,
marcada por uma percepção positivista do mundo, a qual desconsiderava a historicidade dos
processos de formação e desenvolvimento das nações. Premissa indispensável ao
entendimento da realidade econômica dos países subdesenvolvidos, uma vez que estes foram
resultados das relações internacionais instauradas pelo sistema em seu movimento de
expansão a partir do centro. Portanto, criticava-se a visão limitada da teoria etapista clássica
desta teoria, que buscava explicar o desenvolvimento com base apenas nos aspectos internos
de cada país, e somente os países do centro, avançando para análises históricas sobre a
composição estrutural dos países periféricos, daí serem denominados de “estruturalistas”.
Desta maneira, Celso Furtado e Raul Prebisch demonstraram que o desenvolvimento
do sistema capitalista se dava na mesma medida em que se projetava o subdesenvolvimento.
As relações estabelecidas historicamente promoveram a divisão internacional do trabalho,
desde um centro que passou acumular capital, a partir de uma industrialização com utilização
63
de tecnologias aplicadas à produção e ao comércio, que resultou no aumento extraordinário da
produtividade do trabalho. Esta condição permitiu a estes países a expansão colonialista, a
qual passou a inserir as regiões periféricas a este centro e a este sistema de mercado
capitalista, de maneira subordinada. Como explica Lisboa (2007, p. 75) sobre a visão destes
cepalinos: “Subdesenvolvimento, como especificidade histórica, era a própria forma tomada
na experiência do capital nos novos países e, se as relações centro-periferia não mudassem, o
subdesenvolvimento se eternizaria”.
As formulações dos autores estruturalistas da CEPAL e o ativismo intelectual e
político dos mesmos se concentraram ente 1949 e 1977. As obras seminais de Prebisch (1949)
e da CEPAL (1949), na qual Prebisch, Furtado e outros colaboradores apresentam um estudo
inovador sobre o desenvolvimento econômico, se constituem como referência ao tema até os
dias atuais, no que pese estes autores terem lançados outras obras, inclusive atualizando seus
pontos de vistas e adicionando novos elementos. Prebisch (1964) critica a visão liberal
clássica tradicional que era adotada como verdade no meio internacional, a qual afirmava que
o desenvolvimento dos países periféricos ao sistema seria alcançado por meio de vantagens
comparativas (Carneiro, 2012). Estas seriam advindas da inserção destes na divisão
internacional do trabalho, imposta pelo sistema capitalista, na qual participavam produzindo e
vendendo bens primários, enquanto os países cêntricos inseriam-se produzindo bens
industrializados. O texto estruturasalista demonstra em vários momentos que a incorporação
das diversas nações à divisão internacional de trabalho se dá em ondas históricas sequenciais,
mas sempre de maneira distinta e assimétrica, nunca criando condições de nivelamento com
as nações cêntricas. Segundo Carneiro (2012): A desigualdade ou assimetria ocorre porque as economias incorporadas de maneira retardatária o são de maneira peculiar como periferia. Há um centro constituído historicamente, do qual se irradia a dinâmica e ao qual são incorporadas de modo parcial, como fornecedoras de matérias-primas e alimentos, as diversas economias periféricas. (CARNEIRO, 2012, p.750).
As análises de Prebisch e da CEPAL demonstram que “os ganhos de produtividade
foram substancialmente maiores na indústria ante a atividade primária” (CARNEIRO, 2012,
p. 751). As vantagens comparativas nunca seriam vantagens de fato. Com efeito, o polo de
exportação primária permanecia limitado em sua capacidade de diversificação de produtos e,
por tabela, de mão de obra, além de demandar muito menos investimento em tecnologia.
Enquanto o centro era dinamizado constantemente pela lógica industrial da concorrência,
através de novos produtos e novas tecnologias, o que implica na qualificação e variação
também do mercado de trabalho (FURTADO, 1974). As convicções destes autores sobre a
64
inviabilidade do desenvolvimento por vantagem comparativa decorria do fato de que, segundo
explica Carneiro (2012): [...] ao contrário do que sugeria a teoria das vantagens comparativas, isso não se traduziu em uma queda de preços relativos dos bens industriais ante os agrícolas, indicando um bloqueio na propagação do progresso técnico, conduzindo à deterioração dos termos de troca entre os dois grupos de países. Tal deterioração terminava por agudizar, por meio da redução da capacidade para importar, aquela que seria a maior restrição ao desenvolvimento periférico: a restrição das divisas ou, mais propriamente, a restrição externa (CARNEIRO, 2012, p. 751)
Prebisch (1949) tratou da flexibilização/rigidez da força de trabalho nos dois grupos de
países, chamando atenção para o fato de que os preços dos produtos industrializados
tenderiam ser mais constantes, por conta da rigidez salarial. Ou seja, os salários nos países
industrializados do centro tendem a permanecer por conta do menor estoque de mão de obra,
de certas transferências de lucratividade em fases de expansão e pelo maior nível de
organização política dos assalariados. Enquanto o inverso ocorreria nos países de exportação
primária, que apresentavam maior flexibilidade salarial, sobretudo pelo amplo excedente de
mão de obra disponível e do baixo nível de organização. Para Carneiro (2012), na obra de
Prebisch (1949), a tese é a da: [...] impossibilidade de alcançar o desenvolvimento por meio do padrão hacia fuera baseado na exportação de bens primários e cuja variável dinâmica é a demanda externa. A todo momento, contrapõe a ele um outro paradigma, o dos países centrais, baseado na indústria, no progresso técnico e na capacidade de ambos de dinamizarem a demanda. (CARNEIRO, 2012, p. 752, grifo do autor).
Em Furtado (1961, 1974), encontra-se o aprofundamento das teorias estruturalistas, ao
demonstrar que, mesmo quando países periféricos do sistema capitalista alcançam a
industrialização, no bojo da divisão internacional do trabalho, ou seja, quando adentram o
estágio do desenvolvimento hacia dentro por meio da industrialização por substituição,
continuam subdesenvolvidos. Furtado (1974) esclarece sobre o mito do desenvolvimento
econômico, pormenorizando os aspectos da permanência do subdesenvolvimento, através da
industrialização por substituição.
Primeiro, Furtado (1974) esclarece as três fases históricas da expansão do sistema; a
primeira, das vantagens comparativas, indica que a produção de um excedente foi um fato,
mas seu desdobramento não significou o desenvolvimento para os países periféricos. Porque,
segundo ele: “O que cria a diferença fundamental e dá origem à linha divisória entre
desenvolvimento e subdesenvolvimento é a orientação dada à utilização do excedente
engendrado pelo incremento de produtividade” (FURTADO, 1974, p. 24). A segunda fase
corresponde à industrialização por substituição, que foi uma reação intuitiva dos países
65
periféricos, aproveitando-se dos resultados da crise de 1929 e das limitações externas geradas
pela Segunda Guerra, para produzir eles mesmos os produtos industrializados, por
substituição aos importados. A esta industrialização buscou suprir nacionalmente esta
demanda. Para Fiori (1998): Este projeto nasce e se viabiliza, na América Latina, legitimado por uma vontade política que permitiu o exercício do protecionismo e o intervencionismo estatal dos nossos países, porque vivemos entre 1950 e 1980 uma era de desenvolvimento consentido pela potência central. [...] o Estado tinha margem de liberdade para tratar da renda, da distribuição, de incentivos à demanda e ao crescimento, mantendo as regras internacionais, graças à soltura da política monetária norte-americana. (FIORI, 1998, p. 76).
A partir deste momento, para a América Latina, os investimentos seriam indiretos.
“Estava dado o pontapé inicial, e Juscelino [Kubistchek] soube compreender o espírito da
época e remanejou a estratégia. Não teve Plano Marshall, então tem Volkswagen, Ford etc.”
(FIORI, 1998, p. 79). Mas, como o centro está sempre à frente da periferia, as empresas
transnacionais engoliram as nacionais e passaram a ser as fornecedoras destes produtos, ou
desta modernização, que vem do centro, e de maneira mais barata, pois detêm o controle do
conhecimento técnico.
Furtado (1974) discorre sobre a impossibilidade de desenvolvimento ocorrer nos
países periféricos, considerando o fato de estar sempre no centro a dinamização do sistema,
revelando que a cada nível de acumulação e expansão deste, resulta uma modelação no
conjunto, donde a periferia apenas reproduz em miniatura o que ocorre no centro. Mas
registra também que as firmas destes países compõem o conjunto do sistema e lhe são
fundamentais. Estes mercados são fonte de mão de obra barata, insumos e consumo
necessário. Já nesta obra chama a atenção para a perda relativa de controle das transações das
multinacionais pelos Estados, revelando uma fragilidade destes, o que veio a ser reforçada nos
últimos anos, com o neoliberalismo e a globalização. Porém, registra a necessidade destes
mesmos Estados para as garantias necessárias ao capital: “O crescimento do aparelho estatal é
inevitável, e a necessidade de aperfeiçoamento de seus quadros superiores passa a ser uma
exigência das grandes empresas que investem no país” (FURTADO, 1974, p. 76).
Portanto, a dependência se dá de maneira sistêmica. No processo mesmo de
engendramento do desenvolvimento parcial dos países periféricos vai-se estabelecendo as
condições de manutenção de seu subdesenvolvimento, comparado com os países cêntricos.
Inclusive do ponto de vista da produção e da circulação dos bens, como esclarece o autor: “As
elites locais estiveram, assim, habilitadas para seguir de perto os padrões de consumo do
centro, a ponto de perderem contato com as fontes culturais dos (seus) respectivos países”.
66
(FURTADO, 1974, p. 80). A este comportamento o autor denomina “modernização”. Mas ele
deve ser entendido como uma contradição, uma vez que ocorre “sem o correspondente
processo de acumulação de capital e progresso nos métodos produtivos” (FURTADO, 1974,
p. 81). Portanto, quanto maior for a modernização, maior intensidade terá a pressão para
aumentar o excedente das exportações, da taxa de exploração do trabalho e dos meios
naturais.
Para Furtado, a importância da modernização para a modelação das economias dos
países periféricos fica evidente no momento em que estes penetram na fase da industrialização
por substituição. Quando deixam de produzir apenas produtos de massa e passam a produzir
para os grupos sociais modernizados. Ressalta-se que as tecnologias incorporadas às
importações não estão relacionadas com o nível de acumulação de capital presente no país
periférico, mas com o tipo da demanda das elites modernizadas. É, portanto, desta falta de
vínculo entre o progresso técnico e o nível de acumulação anteriormente alcançado que
desdobra o subdesenvolvimento na fase de plena industrialização (FURTADO, 1974). Esta
orientação, que impõe métodos produtivos de alta densidade de capital, fomenta o aumento da
taxa de exploração do trabalho. Desta constatação, Furtado (1974) deduz que: O comportamento dos grupos que se apropriam dos excedentes, condicionado que é pela situação de dependência cultural em que se encontram, tendem a agravar as desigualdades sociais, em função do avanço na acumulação. Assim, a reprodução das formas sociais, que identificamos com o subdesenvolvimento está ligada à formas de comportamento condicionadas pela dependência. (FURTADO, 1974, p. 82).
O diferencial entre esta fase e a fase anterior da vantagem comparativa é que, nesta, a
modernização era financiada pelo excedente do comércio exterior. Agora, após a
industrialização interna destes países, as disparidades ou desigualdades sociais, portanto
assimetrias dos níveis de consumo das minorias modernizadas e das massas, “deverá(ão)
incorporar-se à estrutura do aparelho produtivo” (FURTADO, 1974, p. 87). E sua
continuidade natural levará sempre a manter a relação entre o avanço do processo de
industrialização e o aumento da taxa de exploração, o que em outras palavras se traduz em
concentração de renda.
Portanto, a evolução da modernização dos grupos dominantes dos países
subdesenvolvidos produz constantemente a pressão para obtenção de progresso técnico sobre
a forma de produtos e equipamentos para produzi-los. Assim, as empresas transnacionais
passaram a ser as fornecedoras destes produtos, ou desta modernização, que vem do centro, e
de maneira mais barata, pois detêm o controle do conhecimento técnico. A aquisição das
67
tecnologias pelas empresas nacionais sairia muito caro e reduziriam o nível e a intensidade do
acesso aos bens de ponta, pelas elites locais.
Assim, os países periféricos passam a solicitar a cooperação destas empresas, uma vez
que, para o seu processo retardado de industrialização e seu desejo de manter-se em nível
técnico similar ao que prevalece nos países cêntricos, essas empresas são mais adequadas.
Elas resistem melhor aos obstáculos típicos deste tipo de economia subdesenvolvida:
pequenez do mercado, falta de economias externas e outros. Assim, resulta que as empresas
internacionais assumem o comando da economia industrial nos países subdesenvolvidos,
pautando o padrão de consumo, e dominando a cultura local (FURTADO, 1974). Daí, a
conclusão de Furtado de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento,
mas uma forma diversa do mesmo capitalismo cêntrico se engendrar e se desenvolver a partir
da inclusão dos espaços da sua periferia. Diz o autor: [...] a experiência tem demostrado que os grupos locais (privados ou públicos) que participam da apropriação do excedente, no quadro de dependência, dificilmente se afastam da visão do desenvolvimento como processo mimético de padrões culturais importados. (FURTADO, 1974, p. 90).
Para concluir o pensamento cepalino de Furtado, recorre-se aqui a Carneiro (2012): Conforme explicitado em Furtado (1969), tais restrições ao processo de desenvolvimento agravar-se-iam à medida que a substituição de importações avançava na internalização da produção de bens de maior valor unitário, os duráveis, nos quais a demanda já era, de partida, mais restrita. O resultado seria uma tendência à estagnação das economias com as citadas características. (CARNEIRO, 2012, p.754).
2.5.3 A atualização do debate teórico sobre desenvolvimento
No que pese a grande contribuição da CEPAL, o pensamento econômico brasileiro
avançou revisando as obras destes autores e recolocando as questões sobre as causas e
condições para o desenvolvimento, a partir da ótica de um país “subdesenvolvido”. A
transição da forma clássica cepalina para outras abordagens diferenciadas ocorreu, segundo
Carneiro (2012), com a obra de Tavares e Serra (1970)3. Estes discordaram da conclusão de
Furtado sobre a estagnação como fator inexorável, indicando que este autor teria confundido
uma estagnação cíclica na economia brasileira e na América Latina, com uma tendência
inescapável de estagnação estrutural.
A crise, segundo estes autores, era resultado de um boom de investimentos do Plano de
Metas da era Juscelino Kubistchek, que promovera nos anos 1960 uma ociosidade expressiva 3 TAVARES, M. C.; SERRA, J. Além da estagnação. In: TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao
capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 159-167.
68
na indústria. Mas a possibilidade dessa ocupação da ociosidade poderia ser retomada,
ampliando o mercado consumidor que, até ali, estivera restrito e por nova capacidade de
investimento, como viria a fazer mais tarde a ditadura militar, aproveitando-se do grau de
desenvolvimento do capitalismo brasileiro e da expansão do mercado interno. Porém, este foi
um processo, não de justiça social, mas uma reconcentração das rendas pessoal e funcional. A
primeira gerou demanda de consumo e a segunda o autofinanciamento parcial do
investimento. Os autores discordam também sobre o peso da variável tecnologia no processo
de crescimento, informando que esta não é a verdadeira motivação do investimento.
Neste ponto, ressalta-se outra vertente do pensamento sobre o desenvolvimento, a
teoria da dependência. Esta foi formulada, segundo seus críticos, a partir de um revisionismo
superficial dos pensadores marxistas, e aproveitando-se do pensamento dos estruturalistas da
CEPAL. Os marxistas, naquele momento, teorizavam fortemente sobre o processo
imperialista de expansão colonialista no século XIX, e apontavam para a lógica de um
desenvolvimento capitalista que é desigual e combinado. E também da perspectiva instaurada
por Tavares e Serra (1970), que apontavam, diferente de Furtado, a possibilidade de o
capitalismo brasileiro avançar no seu desenvolvimento. Desta linha de argumentação, destaca-
se aqui a obra de Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso (1984)4. Estes autores buscam
sintetizar toda a discussão cepalina e pós-cepalina, dada até o momento em que escrevem suas
teses, com as teorias marxistas sobre o imperialismo, e inserem uma visão sociológica sobre o
processo de desenvolvimento/subdesenvolvimento, desde um olhar visto de dentro dos países
periféricos (FIORI, 1998). Advinda, portanto, desse caldo cultural, esta tese, entretanto,
“arranca de uma visão pessimista sobre as possibilidades de desenvolvimento na periferia
capitalista” (FIORI, 1998, p. 77).
A teoria da dependência, da forma que foi teorizada é uma tentativa de se misturar um
conjunto de perspectivas, a partir de um recorte sociológico, o que, para o autor: [...] trata-se de uma obra inconsistente e, do ponto de vista político, inconsequente. Em particular na versão de Cardoso [...] esta contribuição [...] acabou se misturando de forma eclética com a visão cepalina e produzindo uma verdadeira geleia teórica repleta de boas intuições (FIORI, 1988, P. 77).
Para Fiori (1998), a teoria da dependência de Cardoso e Faletto contribuiu na medida
em que, do ponto de vista metodológico, situa as implicações sociológicas, políticas e de
classe, de um capitalismo tardio, periférico, e dentro de um campo de influência imediata de
uma potência mundial, os EUA. Estas análises trouxeram novamente para o centro do debate
4 CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na Ámerica Latina: ensaio de
interpretação sociológica. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984. 208p.
69
a questão da teoria sobre a revolução burguesa brasileira, num contexto de um capitalismo,
que os autores caracterizaram como dependente e associado. Segundo Fiori (1998): Para eles, a especificidade latino-americana não estava apenas na existência de uma burguesia anêmica, atrofiada, pouco revolucionária, [...] mas de uma burguesia cujos interesses de grupos, classes e coalizões de poder derivavam de uma peculiar forma de inserção num processo de desenvolvimento movido pela acelerada internacionalização do seu mercado interno (FIORI, 1998, p. 78).
É fato que o modelo brasileiro que se firmou de Juscelino Kubistchek, até os anos
1980, com variações conjunturais, foi o modelo associado, cuja estratégia se definiu pelo
tripé: associação entre o capital nacional, o internacional e o Estado. Esta peculiar situação
gerou um capitalismo muito específico, sobretudo no Brasil, que veio a alcançar o nível mais
elevado de industrialização na América Latina. Para Fiori (1998): De tal maneira que, completado aquele ciclo da industrialização, aproximadamente 40% do nosso produto industrial já era produzido pelas grandes corporações multinacionais que lideravam a produção de quase todos os setores mais dinâmicos da economia brasileira (FIORI, 1998, p.78).
Ademais, a história do país ensina que o projeto de desenvolvimento, para as suas
elites políticas e econômicas, nunca passou por uma concepção de potência nacional, mas
sempre de aproveitamento das condições hierarquicamente impostas pelo centro do sistema.
A teoria da dependência de Cardoso aponta para esta realidade: o Brasil não tem, portanto,
outra maneira de assegurar seu desenvolvimento capitalista, a não ser pela associação com
capital central do sistema. A aplicação do neoliberalismo durante seus dois governos, na
década de 1990, no Brasil, não se distanciou, portanto, dos seus escritos anteriores. Cardoso
veio, outrossim, radicalizar o efeito, negligenciando o aspecto nacional, abrindo o país, sem
reservas, para os interesses do centro.
Para Sallum Jr. (2013), a transição que o Brasil percorreu da saída da ditadura militar,
até a chegada de Fernando Henrique Cardoso foi marcada por disputas ideológicas e políticas
em torno do papel do Estado e sua relação com a sociedade e a economia, uma vez que a
Constituição de 1988, apesar de grandes avanços democráticos, não possibilitou uma
estabilidade ao país. Para este sociólogo, tal estabilidade só veio se firmar a partir de 1994,
com o Governo Fernando Henrique Cardoso e, sobretudo, com o Governo do PT, que
assumiu plenamente a pauta liberal daquele, promovendo, entretanto, o alargamento das
políticas sociais e a distribuição de renda. Para Sallum Jr (2013) o que predominava no país
era um nacional-desenvolvimentismo, advindo desde o tempo do populismo varguista,
passando pela Ditadura Militar e chegando fragilizado na conjuntura dos anos 1980, por conta
da crise da dívida e da recessão econômica. Para ele, nesta conjuntura:
70
O velho nacional-desenvolvimentismo não encontrou, de fato, defensores no plano político. As forças políticas de esquerda (PT, PD do B, PCB etc.) e uma parte da centro-esquerda nacionalista (existente no PMDB e PDT) propugnavam, não por sua continuidade, mas por sua renovação com inflexão à esquerda [...] podia significar a “desprivatização do Estado”, com o rompimento das articulações “espúrias” entre empresas estatais e empresas privadas; e/ou reorientação das políticas de Estado para a distribuição de renda. [,,,] De qualquer forma, mantinha-se a ênfase no crescimento baseado no mercado interno. Este ideário se pode denominar “desenvolvimentismo estatista e distributivo” (SALLUM Jr., 2013, p. 62).
Na oposição a tal modelo, posicionavam-se os liberais, que no contexto da ascensão
do neoliberalismo, alinhava-se a este corolário, que priorizava o combate a inflação, através
de políticas monetaristas e de um conjunto de medidas, anteriormente apresentadas, que
propugnavam a supremacia do mercado sobre o Estado. SALLUM JR., (2013) indica outra
corrente política no contexto, que também disputava os rumos da política brasileira, e
defendia uma inserção do país no mercado internacional de maneira menos passivado que os
neoliberais, a qual chamavam de “integração competitiva”. Esta tendência tem em comum
com o neoliberalismo a redução da função empresarial do Estado e a abertura do mercado
nacional para o capital externo, porém, diferentemente, de maneira cautelosa, através da
reestruturação do sistema produtivo brasileiro, tendo em vista “tornar a indústria brasileira
competitiva no plano internacional” (SALLUM JR., 2013, p.64), a mesma é conhecida pela
alcunha de neodesenvolvimentista ou liberal-desenvolvimentista, SALLUM JR., (2013).
Alguns autores desta linha consideram-se neokeynesianos, aproximando-se dos
autores internacionais com visões similares, como K. Polanyi e J. Stiglitz. Um dos maiores
expoentes atuais desta visão é Luiz Carlos Bresser Pereira, para o qual desenvolvimentismo
não pode ser confundido com populismo, como fazem, segundo ele, os ortodoxos neoliberais.
E defende que no Brasil houve sim um projeto desenvolvimentista, e que este se desdobrou
entre 1930 e 1980: “Um período de enorme crescimento e transformação da economia
brasileira” (BRESSER-PEREIRA, 2004, p. 1).
Buscando estabelecer as diferenças entre o antigo e o novo desenvolvimentismo e
entre este e a “ortodoxia convencional”, Bresser-Pereira (2004) aponta um conjunto de pontos
divergentes, reconhecendo que, a despeito do acerto do primeiro desenvolvimentismo, o país
precisaria de um novo, para acompanhar a nova realidade contemporânea da situação global e
nacional do estágio capitalista.
O antigo desenvolvimentismo estava baseado, como vimos acima, na substituição de
importações, o que decorria na proteção da conta comercial do país, além de apresentar uma
forte intervenção do Estado na composição do quadro da indústria nacional, notadamente no
setor mais estratégico e da indústria pesada, como a petroquímica e a siderúrgica. (BRESSER-
71
PEREIRA, 2004). O novo-desenvolvimentismo defende abrir a conta comercial do país,
porém sem subserviência, de maneira negociada, e a garantir suas exportações. Entende,
ainda, que, hoje, o Brasil já tem um parque industrial instalado com uma infraestrutura
econômica razoável, não teria mais necessidade de o Estado ser dono de grandes indústrias,
este deve, porém, cuidar da estabilidade macroeconômica, sobretudo por causa da realidade
globalizada de intensos fluxos de capitais. Hoje, com um Estado e um setor privado mais
robustos, a preocupação seria com o favorecimento da competição das empresas nacionais no
mercado globalizado, portanto, a adoção de planejamento mais oportunista (BRESSER-
PEREIRA, 2004).
Em síntese, a avaliação de Bresser-Pereira é a de que a lógica de desenvolvimento da
ortodoxia pela via da poupança externa é errada, uma vez que promove déficit crônico na
conta corrente, que gera, por sua vez, fragilidade financeira internacional e crises constantes
na balança de pagamento. Os resultados disso é um câmbio apreciado, que desdobra em
aumento artificial dos salários, que gera aumento do consumo, que leva à queda da poupança
interna. O autor conclui: “A partir dessa crítica, o novo-desenvolvimentismo afirma que o
desenvolvimento se financia com os próprios recursos de cada nação. O capital se faz em
casa”. (BRESSER-PEREIRA, 2004 p. 4).
Neste contexto de crítica ao velho nacional-desenvolvimentismo e ao neoliberalismo,
outra corrente de pensadores, notadamente ligados ao Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas – UNICAMP, tem posições mais críticas, aproximando da linha dos
pensadores, apontada por Sallum Jr., do desenvolvimentismo estatista e distributivo, também
denominados de desenvolvimentistas críticos. O corpo de pensadores desta linha se destaca no
cenário nacional, com nomes como Maria da Conceição Tavares, Wilson Cano, Luiz Gonzaga
Belluzo, Carlos Brandão, Luciano Coutinho, J. M. Cardozo de Mello, entre outros. Pode-se
dizer que esta escola é a principal herdeira da CEPAL, porém, apresenta críticas às suas
“limitações” e ensejam uma aproximação maior com o marxismo.
Tais autores focam a análise nas “forças produtivas capitalistas” e perseguem as
causas e condições que permitem tais forças alcançarem o que chamam de “industrialização
pesada”, a etapa superior do sistema de produção capitalista, de acordo com a fase
monopolista atual. Este conceito envolve, não apenas a indústria de base, e geradora de meios
de produção, mas todo salto tecnológico e engendrante de novos encadeamentos de produção
e circulação, novas escalas de consumo e capacidade de autodeterminação e independência do
fator externo. O foco, portanto, das análises destes autores são as condicionantes históricas
que permitem alcançá-lo ou não.
72
Ao longo das três últimas décadas este grupo de intelectuais vem promovendo um
forte debate a respeito das políticas macroeconômicas do Brasil, abrindo uma crítica
sistemática ao chamado modelo neoliberal e ao Consenso de Washington. Assim, escreve
Cano (2012): O neoliberalismo causou uma forte imobilidade da política de desenvolvimento, e isso, infelizmente, tem tido larga aceitação passiva [...] da burocracia e da classe política, ao deleite das elites, majoritariamente convertidas em rentiers da dívida pública. (CANO, 2012, p. 25, grifo do autor).
O desenvolvimento, como resultado de um capitalismo amadurecido, capaz de instituir
um forte mercado interno e se tornar autônomo em sua condução estratégica nacional, como
projetado pela escola da UNICAMP, segundo seus autores, está longe de ser atingido no
Brasil, sobretudo a partir dos anos 1990. Segundo explica Carneiro (2012), a partir da
posição de Maria da Conceição Tavares (1985)5, a industrialização pesada garantiria ao país
autodeterminação do desenvolvimento, “o que teria como contraparte a autonomia completa
ante a demanda do exterior e, inclusive, a superação da restrição externa, entendida como o
limite ao crescimento imposto pela limitação na capacidade para importar” (CARNEIRO,
2012, p. 756). Para atingir tal ponto, o país precisaria implementar um vigoroso setor produtor
de meios de produção e o investimento autônomo deveria se tornar o principal elemento
dinamizador do crescimento.
O que teria ocorrido no Brasil e na América Latina é que o capitalismo “pesado” não
se instituiu a partir do desdobramento do conjunto instalado da indústria local, mas através de
investimentos estrangeiros e da intervenção maciça do Estado. O empresariado nacional
permaneceu nas esferas da economia de menor investimento e de maior lucratividade, de
baixa tecnologia, ficando e setor “pesado” com o capital externo ou com o Estado. E a forma
de implementação de tais estruturas “pesadas” se deu de forma descontínua e concentrada.
A questão que se destaca é o fato das tecnologias – e seu processo contínuo de
renovação e abertura de novas demandas e escalas de produção, ficarem sob o controle das
multinacionais que, hierarquicamente, estão no topo do sistema, remetendo, inclusive, boa
parte dos lucros para suas matrizes e controlando a dinâmica interna do capital produtivo
local. O Instituto de Economia da UNICAMP vem, portanto, perseguindo as razões de
(sub)desenvolvimento aplicado ao caso do Brasil, acompanhando as mudanças conjunturais,
sem perder de vista as bases estruturais da dependência.
5 TAVARES, M.C.A. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp,
1985.
73
As ocorrências mais recentes, notadamente com a hegemonização do neoliberalismo,
aprofundaram os óbices ao desenvolvimento nacional, na medida em que as políticas de ajuste
e reestruturação propostas pelo chamado Consenso de Washington reduziram ainda mais a
autonomia do capital nacional, fragilizou a produção em detrimento do empoderamento
financista, abriu os mercados e retirou-se as proteções setoriais, privatizou empresas estatais e
aprofundou a dependência do controle tecnológico nas mãos das empresas transnacionais.
Wilson Cano, no prefácio do livro de Brandão (2012), esclarece: Na década de 1980 sofríamos a dura crise da dívida externa, que iniciou o debilitamento fiscal e financeiro do Estado, bem como destruiu sua base para gestão de política e planejamento econômico, que foram rapidamente substituídos pelo conjunturalismo. O resultado do decênio foi um medíocre crescimento do PIB, piora das condições sociais de todo o país e uma perda de prioridade da questão regional na Agenda do Estado. (CANO, 2012, p.24).
Na sequência desta conjuntura de “década perdida” dos anos 1980, seguiu-se o
mergulho do Estado e da economia brasileira no neoliberalismo, sobretudo a partir do
Governo do presidente Fernando Collor, 1990. E com Fernando Henrique Cardoso, o país
realizou a rigor a agenda do Consenso de Washington. A partir daqui, os economistas teóricos
do desenvolvimento brasileiro passa a formular críticas sistemáticas a esta agenda da
economia política, apontando a mesma como um grave erro para os interesses nacionais. Para
Cano (2012): [...] o cerne da política econômica foi a manutenção da elevada taxa de juros, restrição interna ao crédito, constrangimento orçamentário para preservar o pagamento de juros da dívida pública, e reformas que dilapidaram o patrimônio público, escancararam nossas defesas econômicas e retiraram direitos dos trabalhadores. Ainda mais: a debilidade fiscal do governo federal atingiu também os entes subnacionais – regionais, estaduais e municipais -, constrangendo, nos três entes, o gasto público e principalmente o investimento público [...]. (CANO, 2012, p. 25).
Não por acaso, o Banco Mundial, já em 1991, apresentava documento às nações
periféricas apoiadas por suas iniciativas, trazendo as recomendações neoliberais, criticando as
intervenções dos Estados em suas economias, através de protecionismos. Para Carneiro (2012,
p. 765): “A principal objeção do documento é a estratégia do desenvolvimento [...] com
proteção à indústria nascente e financiada por taxação, implícita ou explícita, do setor
primário”. A ideia era de fomentar a livre concorrência dos capitais e dos mercados, condição
para se atingir o que se defendia como bom funcionamento do sistema de preços. O BIRD não
descartava ali a intervenção do Estado, mas apenas como complementar ao mercado, como
garantidor dos mercados livres.
74
O aprofundamento da crise social, a estagnação produtiva industrial, a crise fiscal,
crescimento exponencial da dívida pública revelaram que o modelo neoliberal era incapaz de
garantir processos de desenvolvimento duradouros, levando ao desgaste político dos grupos
de colisão que o sustentavam, e a uma reação generalizada nos países da América Latina,
inclusive no Brasil. A partir do ano 2000, inicia-se a ascensão política de partidos com
agendas críticas ao modelo então hegemônico, e a eleição de presidentes de maior vínculo
com as populações mais carentes. Neste contexto, após duas décadas de “pensamento único”
neoliberal, as ideias desenvolvimentistas voltam a versar no continente.
No Brasil, a partir dos Governos do presidente Lula (2003-2006/2007-2010),
implementou-se uma linha desenvolvimentista, reconhecida por “estatista-distributivista”.
Apesar de fazer oposição ao neoliberalismo num contexto mais amplo, manteve as bases
macroeconômicas neoliberais, garantindo o rentismo, os juros altos e os compromissos com
os credores internacionais, associados com políticas de distribuição de renda e fomento à
formação de um amplo mercado consumidor interno. O Brasil manteve-se institucionalmente
ainda limitado para assegurar um republicanismo liberal mais avançado. Para SALLUM JR.
(2011): Não se avançou, porém, no plano institucional; praticamente foi estancado o processo de privatização e pouco se fez na superação de gargalos conhecidos, como o previdenciário e o tributário. Embora no período Lula se acentuasse a retórica desenvolvimentista e, no seu segundo governo, tenha crescido exponencialmente o apoio do BNDES ao setor produtivo, a ênfase foi distributiva. Ênfase, é claro, na medida em que o permitiu a política macroeconômica ortodoxa, de inspiração liberal. (SALLUM JR, 2011, p. 6)
O desenvolvimento do país, segundo este autor, ainda ficou fragilizado, pois, apesar
do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, lançado pelo Governo Lula, o mesmo não
foi suficiente para promover a competitividade do capital e da indústria nacionais, apesar de
melhorar a performance dos mesmos. Ocorre que a política de juros altos e o cambio
sistematicamente valorizado jogavam contra aos resultados do PAC e dos investimentos do
BNDES no setor privado. Ora, em relação ao PIB, o investimento público ficou um pouco acima de 2% em 2009 e 2010, o que coloca o Brasil em 123º lugar entre 128 países (dados FMI). Apenas para dimensionar um pouco melhor o que isso significa, o investimento público em 26 países de perfil semelhante ao brasileiro (incluindo China, Índia, México, África do Sul, Rússia etc.) foi 6,2% em relação ao PIB entre 2000 e 2010. Quer dizer, cerca de 3 vezes maior que os do Estado brasileiro. (SALLUM JR., 2016, p. 6)
75
Porém, o período foi compensado pela alta das commodities no mercado internacional,
sobretudo pelo crescimento exponencial da economia chinesa, permitindo ao Brasil manter
suas exportações em alta. A linha de favorecimento ao consumo de massa, pela redução do
IPI de produtos industrializados, como eletrodomésticos e carros, favoreceu também o
crescimento da economia. Não por acaso, pois para esta linha de desenvolvimentismo estatal
distributivo, também denominado por alguns autores de social desenvolvimentismo, a
estratégia de crescimento econômico estaria centrada na ampliação e generalização do
consumo de massa.
Assim, no contexto das discussões em curso e das políticas sociais implementadas
pelos sucessivos governos do PT, no comando do poder executivo federal brasileiro, pode-se
sintetizar os seguintes pontos básicos da política social-desenvolvimentista em curso no Brasil
de hoje (CARNEIRO, 2012): avanço na melhoria da distribuição de renda; ampliação da
infraestrutura econômica e social; reindustrialização (relativa) via adensamento de cadeias;
expansão do setor baseado em recursos naturais. Consta, porém, que tal estratégia mantém
sensível a restrição externa do Brasil. As realizações deste modelo, até aqui, não sofreram
maiores impactos externos devido à simultânea elevação dos preços das commodities.
Mormente, ainda é preciso alcançar aquilo que a Escola da UNICAMP, os novo-
desenvolvimentistas e os social-desenvolvimentistas entendem como imprescindível para a
autonomia e constância do desenvolvimento brasileiro: a transição do atual modelo para sua
sustentação prioritária no investimento autônomo.
Afere-se, portanto, que a concepção de autores de países periféricos do sistema
capitalista sobre desenvolvimento, segundo a literatura econômica em acordo com uma ética
universal humana e crítica ao fundamentalismo liberal, parece concordar em alguns pontos
básicos. Esta concordância tem como ponto de partida o entendimento de desenvolvimento
como algo maior do que crescimento econômico. Desenvolvimento enquanto a elevação das
condições garantidoras da qualidade de vida para o conjunto da sociedade e soberania
nacional.
Para Carneiro (2012), para isso, deve-se considerar, primeiro, um forte
posicionamento nacionalista, com a presença consciente do Estado na coordenação da
economia política, subordinando o mercado ao social; segundo, a industrialização madura
(endogenamente constituída, com largo lastro tecnológico e capacidade de inovação
constante) como ponto focal do crescimento e autonomia econômicos; terceiro, formação e
ampliação do mercado consumidor interno, com a inclusão das massas e superação das
extremas heterogeneidades sociais; quarto, competitividade internacional, com formação de
76
rede de empresas nacionais em escala mundial; quinto, intensificação do setor com base em
recursos naturais; sexto, taxas de juro em níveis baixos; sétimo, controle das finanças e dos
fluxos de capitais de acordo com os interesses produtivos do país; oitavo, investimento em
educação e ciência e tecnologia. E nono, como pano de fundo para todos os outros, a ampla
garantia das liberdades individuais e coletivas, para a sustentação das oportunidades geradoras
de desenvolvimento. (CARNEIRO, 2012)
Resta refletir sobre o sentido das políticas desenvolvimentistas num país como o
Brasil. A manutenção das bases do Plano Real, desde 1995, beneficia o capital dinheiro e
rentista, mas também favorece as maiorias trabalhadoras. Por outro lado, a política
distributivista tende a ser um capital eleitoral de votos de uma massa de pobres, que ainda não
se organizaram socialmente. (SALLUM, 2013). A inclusão pelo consumo favorece milhões
de famílias, mas vai gerando no país, da forma como vem sendo feita, uma cultura
despolitizada, baixo nível de cidadania e uma alienação crescente, reforçada pelos mass
media. O que favorece a lógica partidária do país, de transformar as estratégias
desenvolvimentistas em novos fisiologismos e clientelismos. Para SALLUM Jr. (2016): Em suma, políticas desenvolvimentistas são mais complicadas de sustentar politicamente. As correntes desenvolvimentistas não conseguira desde o final dos anos 1980, fazer da expansão do investimento produtivo, da competitividade e do crescimento econômico acelerado valores centrais para a política econômica. Centrais no sentido de que a efetivação desses valores fosse considerada alavanca para a distribuição e para a estabilidade a longo prazo. (SALLUM JR., 2016, p. 9).
A abordagem territorial, por sua vez, se exprime como uma ideia de desenvolvimento
centrada no aprofundamento da democracia, em seu sentido amplo, exatamente na direção
oposta do fisiologismo Tal modelo prescinde de um capital social caracterizado por gozar de
liberdades e possuir direitos garantidos, com um amplo grau de confiança mútua, na qual os
poderes públicos participam com papel central de favorecer as condições para a articulação
territorial do desenvolvimento, contribuindo com aspectos disciplinares e institucionais
sólidos. Este é um traço característico das teorias institucionalistas que, em boa parte,
propugna pela abordagem territorial para o desenvolvimento, mas que não podem ser tratadas
sem se relacionar com o campo mais amplo acima apresentado.
2.5.4 Desenvolvimento Territorial
A dimensão espacial do desenvolvimento sempre esteve presente nas formulações dos
autores que se dedicaram a explicar as causas e os motivos do crescimento econômico e do
desenvolvimento social. Crescimento econômico e desenvolvimento se distinguem na
77
literatura especializada, sendo o primeiro termo anterior ao segundo, ora tomado como o
processo de acumulação quantitativa das economias nacionais ou regionais; ora como
sinônimo de desenvolvimento. Modernamente, a formulação em torno da ideia de
desenvolvimento, por sua vez, implica incluir os aspectos quantitativos e os qualitativos de
um avanço civilizatório de uma nação ou região, tendo como horizonte a melhoria da
qualidade de vida da população como um todo. Neste sentido, o crescimento econômico é
uma parte do processo, pensada como indispensável ao desenvolvimento, mas não seu fator
exclusivo.
Foi, sobretudo, a partir do final dos anos 1970 que as pesquisas e as teorizações
referentes à endogenia do desenvolvimento passaram a ganhar destaque no contexto mundial.
Isso decorreu por conta da crise do modo de produção fordista – de produção em larga escala,
com estoques grandes e padronização dos produtos. Este fator foi acompanhado de outros
dois: a nova base tecnológica advinda pela informática, que revolucionou os meios de
processamento, fabricação, logística, gerência, transporte e comunicação e crescente
globalização dos mercados. Junto a tudo isto, uma nova ordem econômica promoveu a
abertura dos mercados nacionais e desregulamentou o protecionismo tradicional, favorecendo
uma maior circulação de bens e capitais e dando força exponencial à concorrência dos
mercados (FILHO, 2001).
Este processo possibilitou a crise e o declínio de territórios industriais e a emergência
de outros, que sobressaíram com base em novas institucionalidades e formas de organização,
que permitiram o desenvolvimento destes territórios e sua inserção competitiva no mercado
global. Trata-se da denominada reestruturação produtiva, com flexibilização e
descentralização nos processos produtivos e organizacionais, dentro e fora das empresas e da
globalização, com a abertura dos mercados, perda relativa de poder por parte dos Estados
Nacionais e aceleração dos ritmos e das trocas comerciais e financeiras. Se, por um lado, a
exteriorização das empresas e nações ocorreu, por outro, fez com que forças políticas e
econômicas de variados territórios subnacionais ganhassem espaço econômico. (FILHO,
2001). A produção de estudos e teorias sobre este fenômeno condensou a literatura sobre as
condições e motivos do desenvolvimento local, regional ou territorial, envolvendo diversas
disciplinas das ciências sociais, com destaque para a geografia e a economia (SAQUET,
2010).
Importante destacar que este debate varia quanto aos espaços em análise, que podem
ser continentes, nações, regiões, territórios e/ou locais específicos. Dentro do escopo dos
estudos sobre desenvolvimento, assumido como fenômeno recortado em um dado espaço; três
78
categorias são utilizadas pela literatura especializada: local, regional e territorial. Para efeito
desta dissertação, adota-se, naturalmente, a dimensão territorial, de acordo com o objeto
estudado.
Dito isso, ressalta-se que muitas vezes estas categorias se imbricam; notadamente as
de local e territorial. Dallabrida (2011) chama atenção para as nuances de suas diferenças,
tomando a dimensão local do desenvolvimento, a partir de Buarque (2006), como “um
processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e assentamentos humanos
capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população”.
(DALLABRIDA, 2011, p. 111).
Já a dimensão territorial é apresentada pelo mesmo autor como sendo um processo
engendrado por uma determinada sociedade, organizada territorialmente, visando uma
mudança estrutural localizada, implicando dinamização econômica e qualidade de vida da sua
população. (DALLABRIDA, 2011). O localismo seria, assim, abordagens focadas em
aspectos de arranjos produtivos locais, distritos industriais, com escalas espaciais menores, e
centradas nas capacidades sociais para a inserção competitiva do local específico no contexto
globalizado dos mercados.
A abordagem territorial, por sua vez, centra-se em escalas variadas, conformando um
conjunto de municípios, até um conjunto de espaços interestaduais, passando por dimensões
bem menores ou subjetivas, em composição contínua ou reticular, dentro de uma perspectiva
mais abrangente das dimensões humanas para o desenvolvimento, tomando a sociedade como
um todo, e focando, além dos aspectos institucionais, também os históricos, culturais,
políticos e da participação cidadã em espaços de governança e concertação sociais para o
desenvolvimento. Em perspectiva, a dimensão territorial engloba dimensões locais ou
regionais de solução e condução de estratégias de superação aos entraves do
subdesenvolvimento. Em certa medida, pode-se entender o conceito territorial como local e
vice-versa, a depender do aceitamento da escala definida como uma ou outra. Segundo
Dallabrida (2011): Existem elementos comuns aos três conceitos: (1) refere-se a um processo de mudança estrutural localizado; (2) remete a uma responsabilidade fundamental à sociedade regional; (3) inclui a dinamização socioeconômica associada à melhoria da qualidade de vida de sua população. (DALLABRIDA, 2011, p.111).
Ainda segundo Dallabrida (2011), quatro são as principais vertentes teóricas que
articulam o pensamento sobre o desenvolvimento a partir de uma dimensão espacial local,
regional ou territorial: a que trabalha com a ideia de distrito industrial marshalliano; a
abordagem regulacionista; a de influência neoschumpeteriana de evolucionismo por etapa e as
79
institucionalistas. Todas as quatro vertentes enquadram-se, por sua vez, no campo da “Nova
Ortodoxia” ou do “Novo Regionalismo”, conformado a partir dos anos 1980 nas Ciências
Econômicas. E têm em comum o fato de levarem em conta como premissas as formulações
sobre a acumulação flexível6. Dessas, a linha que tem hegemonizado o debate conceitual
sobre o desenvolvimento territorial, é a última, a institucionalista.
Na abordagem institucionalista, é evidente a dimensão política, a qual não pode ser
separada do recorte teórico territorial. Tal desenvolvimento seria, pois, um processo integrado
do movimento do real, no qual se busca superar a abordagem setorial por outra que tome a
dinâmica geral espacial presente, a qual conforma uma territorialidade, envolvendo diversos
aspectos e atores. Nas diversas correntes de pensamento sobre o tema, é possível identificar
elementos comuns a todas elas: envolve participação social; vai além de uma abordagem
econômica, implica aspectos sociais, ambientais, culturais e institucionais e tem como
objetivo um bem-estar social geral, e a preservação ambiental (DALLABRIDA, 2011).
Portanto, trata-se também de desenvolvimento sustentável:
A abordagem territorial do processo de desenvolvimento ganha ímpeto a partir do início dos anos 1980 com base na literatura neo-marshalliana que soube identificar nos laços diretos entre atores sociais uma das razões para a formação de sistemas produtivos localizados, tão importantes para a industrialização difusa. (ABRAMOVAY, 2000, p. 1).
Para Abramovay (2000), por exemplo, referindo-se sobre os resultados das pesquisas
dedicadas a estudar os motivos pelos quais certos territórios rurais são dinâmicos e outros
permanecem em declínio, os resultados das mesmas são incertos, mas parecem convergir para
alguns aspectos importantes: os territórios dinâmicos “caracterizam-se por uma densa rede de
relações entre serviços e organizações públicas, iniciativas empresariais urbanas e rurais,
agrícolas e não agrícolas” (ABROMOVAY, 2000, p. 1). Estas constatações estão presentes
em diversas pesquisas e nos documentos das principais agências internacionais de
financiamento do desenvolvimento rural (FAVARETO, 2007), ao considerarem aspectos
institucionais, culturais, simbólicos e endógenos como definidores do desenvolvimento. Para
Abromovay (2000), por este olhar, as vantagens comparativas: setoriais ou de localização,
seriam menos importante do que: [...] o fenômeno da proximidade social que permite uma forma de coordenação entre os atores capaz de valorizar o conjunto do ambiente em que atuam e, portanto, de convertê-lo em base para empreendimentos inovadores. (ABROMOVAY, 2000, p. 1).
6 Vide a obra referencial sobre acumulação flexível, de M. Piore e C. Sabel, intitulada La Segunda Ruptura
Industrial (1993).
80
Esta perspectiva, necessariamente, remete aos aspectos sociais do lugar em que se
promove, ou não, o desenvolvimento, aos atributos da coletividade e de suas características
relacionais, tanto do ponto de vista econômico, quanto cultural. A vertente teórica que se
debruça a evidenciar tais aspectos endógenos do desenvolvimento varia quanto às correntes
paradigmáticas que utilizam para suas conclusões, mas em todas elas, há uma crença de que
os elementos históricos da formação dos laços sociais de determinado território, quando
resultam em relações de confiança e cooperação, através de instituições e práticas
colaborativas, ocorre o desenvolvimento. Dentro deste espectro conceitual se firma a
concepção de capital social. Este aspecto das habilidades sociais em promover o
desenvolvimento local/territorial vem sendo tratado amplamente, notadamente a partir dos
anos 1970, quando estudiosos italianos formularam explicações para o desenvolvimento
alcançado pela chamada terceira Itália, região centro-norte daquele país, que apresenta
características específicas de cooperação, pactuação, visão estratégica e competição
colaborativa entre as empresas, destacando entre estas a participação das pequenas e médias
firmas7.
Neste viés, mais tarde, a obra de Robert Putnam, de 1993, “Comunidade e Democracia
– A experiência da Itália Moderna” ganhou ampla aceitação e vem sofrendo também críticas
importantes. O autor se refere aos aspectos conformativos do tipo de sociedade presente na
experiência italiana e busca universalizar, a partir dela, uma teoria institucionalista sobre as
condições para o desenvolvimento.
Atualmente a abordagem territorial do desenvolvimento tem sido utilizada em diversos
países como base para a aplicação de programas e políticas públicas para o desenvolvimento
(ABRAMOVAY, 2006). As virtudes desta estratégia são reconhecidas e debatidas em
produções intelectuais. Sinteticamente, enumera-se as seguintes virtudes, com base em
Abramovay (2006): i) abandono do enfoque meramente setorial, por outro integrado, baseado
em redes de relações e interações do rural e urbano; esta perspectiva se prende às formas de
relações sociais estabelecidas; ii) percepção de crescimento econômico diferente de
desenvolvimento – para aferir causas e identificar fatores de óbices do e ao desenvolvimento,
não se restringe apenas aos aspectos econômicos e de mercado, toma-se os elementos
institucionais e históricos que estão por trás de realidades deprimidas social e
economicamente; iii) o estudo territorial passa a entender os atores e suas organizações,
empiricamente e as políticas públicas promovem a organização e cooperação dos atores; iv)
7 A respeito encontram-se as obras de A. Bagnasco (1977) e G. Becatinni (2009), precursores dos estudos
territoriais sobre a Terceira Itália.
81
relação entre sistemas sociais e ecológicos; territórios são relações sociais e, dentro delas,
ocorrem as relações de produção, que envolvem, por sua vez, relações com os sistemas
naturais que apoiam sua reprodução.
Assim, a produção e a produtividade não são elementos isolados de um amplo
contexto social, definido historicamente e conformado por uma cultura resultante das
interações sociais e ambientais humanas. A abordagem territorial do desenvolvimento é a
versão mais atualizada das iniciativas voltadas para a promoção do desenvolvimento rural em
nível mundial, denominada nos meios acadêmicos e financiadores de “nova visão.
(FAVARETO, 2007). É a partir das formulações geradas no âmbito das ciências, das agências
internacionais de fomento e das esferas de governo que se consubstancia as tendências
hegemônicas que orientam o desenvolvimento. Neste âmbito ocorre a legitimação de
conceitos, leituras, estratégias e políticas públicas. Assim tem sido desde o pós-Segunda
Guerra, variando no tempo os modelos hegemônicos adotados. (FAVARETO, 2007).
Dado o arco de elementos implicados no desenvolvimento e a inclusão dos aspectos
sociais e políticos, tem-se que a “nova visão” de abordagem territorial é tomada como uma
vertente institucionalista. Os aspectos definidores do desenvolvimento estariam dados a partir
da capacidade institucional das sociedades em articularem os atores, as iniciativas, as
oportunidades e os recursos disponíveis para gerar as condições necessárias ao
desenvolvimento. Entende-se que a abordagem institucionalista requer um grau de
complexidade grande, e a superação de modelos calcados em localismos restringentes de
ações tópicas e seletivas, focos setoriais. Ou seja, requer superar os modelos até então
vigentes em países como o Brasil.
No que pese toda uma produção científica e institucional, por parte de agências como
o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), a
Organização das Nações Unidas (ONU) através de sua Organização para Alimentação e
Agricultura (FAO) e da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), o Fundo
Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Instituto Interamericano de
Cooperação para a Agricultura (IICA), apontando para a dimensão territorial, tem-se que a
passagem da “nova visão” à ação continua sofrendo grandes óbices. (FAVARETO, 2007).
Isto porque: Embora o discurso sobre desenvolvimento territorial tenha entrado definitivamente para o discurso acadêmico e governamental na presente década (2000), até o momento trata-se de uma incorporação “por adição” dos novos temas, sem a devida mudança institucional capaz de sustentar a inovação que ela deveria significar. (FAVARETO, 2007, p. 162).
82
Para este autor, os corolários das grandes agências e a produção acadêmica têm
determinado um conjunto de políticas públicas territoriais para o desenvolvimento rural na
América Latina, mas, apesar de um discurso coerente com a nova abordagem, as estratégias
propostas ainda são fortemente setorizadas, com focos restritivos, notadamente no combate à
pobreza rural. Esta situação corrobora para a manutenção de uma partitura de ações viciadas
em práticas muito setorizadas, sustentadas, por sua vez, por uma mentalidade tradicional, que
resiste à mudanças, absorvendo a estratégia territorial de maneira superficial, “por adição”, ao
conjunto hegemônico de práticas conservadoras.
A abordagem territorial requer, portanto, a superação de instituições e práticas
restritivas, e uma intervenção articulada e coordenada territorialmente, abarcando a
diversidade das instituições e suas ações. Para Favareto (2007) e Abromovay (2006), a
produção acadêmica sobre o tema deve ir além de meras normatizações, a partir de objetos
específicos estudados, e aprofundar a investigação sobre a diversidade do real, notadamente
ao que tange à origem e comportamento das instituições presentes nos territórios. Além disso,
Favareto (2007) chama atenção para o fato de as políticas públicas implementadas estarem
ainda vinculadas a uma concepção do rural como locus específico do agrário, lugar de
pobreza e atraso tecnológico. Na medida em que se promove políticas de combate à pobreza e
de apoio à agricultura familiar, sem uma perspectiva territorial, ou seja, sem uma ampla
articulação de outras frentes, inclusive urbanas, tender-se-ia para manter o isolamento do rural
e sua acepção como lugar apenas de atividade agropecuária. Sobre isso, Favareto (2007)
observa: Num aparente paradoxo, é curioso observar como várias vertentes das teorias institucionalistas estão presentes na formulação da “nova visão” do desenvolvimento rural pelos organismos internacionais. E, no entanto, a principal falha na implementação da “nova visão”, via políticas e programas governamentais, esbarra, justamente, na dificuldade da mudança institucional (FAVARETO, 2007, p. 162)
Dadas tais premissas sobre as condições institucionais e a formação de um capital
social, como base para o desenvolvimento territorial, infere-se a seguir sobre outro aspecto
imprescindível à abordagem territorial, qual seja o processo de descentralização do Estado.
Este ocorreu, no Brasil, durante a retomada da democracia, após a ditadura militar e teve
como cenário privilegiado a formulação da Constituição de 1988. Discorre-se a seguir sobre
tal processo, a fim de demonstrar algumas das condições históricas recentes que estão na base
das dificuldades institucionais para a implementação efetiva da abordagem territorial do
desenvolvimento.
83
A dinâmica geral da sociedade que promoveu o fim da Ditadura trazia em seu bojo
fortes anseios por uma descentralização, tomada como parte do processo de redemocratização
do país. Assim, tanto forças empresariais, vinculadas às elites políticas, quanto o movimento
social geral que reivindicava o aprofundamento da justiça social, a distribuição da renda e
ampliação dos direitos, defendiam maior descentralização do arranjo federativo brasileiro.
Segundo Fonseca et al. (2013), os movimentos pró-inovação institucional buscavam um novo
pacto federativo que fortalecessem os municípios. E esta bandeira era tanto de partidos de
direita quanto de esquerda, com argumentos diferenciados e objetivos distintos.
Ao se referir a um período de demarcação mais clara e em que a linguagem dicotômica
de classificação “direita” e “esquerda” era comum e hegemonicamente aceitável, Fonseca et
al. (2013) mantém tal categoria, a qual se reproduz aqui para melhor entendimento. A direita
enfatizava os aspectos liberais, focando a dimensão econômica, tomando os municípios como
localizações capazes de empreenderem suas alavancagens econômicas. Ou seja, os municípios
deveriam deixar de ser meramente executores e se tornarem empreendedores de suas gestões.
Isso, de acordo com os interesses dos mercados, quando os municípios poderiam se tornar
mais “livres” para comporem com os objetivos dos capitais de investimento. Como avalia
Fonseca et al. (2013): Nesse caso, a emergência do município, do local, como uma escala apta a dar conta da globalização competitiva diante de um estado “moribundo”, era fundamental, mesmo sabendo da possibilidade da geração de localismos verticalizados, predatórios e fragmentadores, que ampliam as desigualdades sociais e espaciais (FONSECA et al., 2013, p. 167).
Na visão da esquerda, a descentralização ganhava o sentido da democratização, pois
possibilitaria a maior participação social nos processos de elaboração e execução de políticas
públicas, com maior controle social sobre os governos locais. Esses partidários associavam a
participação política às reivindicações de políticas mais inclusivas e descentralizadas
(FONSECA et al., 2013). Esta visão estava de acordo com uma ideia mais geral de uma
federação solidária, convergente para a sua elevação a uma nação desenvolvida e mais justa.
O desdobramento: “dessa ‘aliança esquerda-direita’ no Brasil foi uma virada
descentralizadora a favor do município a partir de 1988 e um processo gradativo de
reformulação a partir dos anos 1990” (FONSECA et al., 2013, p. 167).
Fonseca et al. (2013) trabalha com a ideia de descentralização presente e
descentralização ausente. As inovações institucionais, resultantes da junção de interesses da
direita e da esquerda partidárias no processo constituinte de 1988, resultaram em uma maior
autonomia dos municípios, que, por sua vez, passaram a ter mais responsabilidades e
84
atribuições federativas. Esta situação é o que se trata por descentralização presente. Ao que se
refere, porém, à cooperação e articulação, financiamento e colaboração federativa para
instalação de políticas públicas e, também: “[...] à ampliação da frágil base econômica da
maior parte dos municípios e à instalação de infraestrutura técnica, geraram uma
descentralização ausente” (FONSECA et al., 2013, p. 167).
Destaca-se, em conformidade com Fonseca et al. (2013), que o processo de
descentralização ocorrido no Brasil, a partir dos anos 1980, veio a fundir-se com uma tradição
local, municipalista, de oligarquias fisiologistas e clientelistas, e por relações político-
partidárias de domínio e troca de favores. Esta situação permanece, resultando em unidades
municipais precárias, tanto econômica quanto politicamente, com níveis ainda frágeis de
organização social. Isso, a despeito, inclusive, dos instrumentos de participação e controle
social legados pela Constituição de 1988, como os conselhos temáticos.
Assim, a dimensão de territórios rurais, de cidadania ou de identidade, ou mesmo a
composição de consórcios públicos municipais que estão se difundindo pelo país, dentro dos
estados federados, são alternativas ou estratégias federativas de coesão para o
desenvolvimento, diante da fragilidade dos municípios enquanto unidades administrativas.
Mas, apesar de uma real e importante inovação, tais estruturas são permeadas, ainda e em
parte, por posturas e práticas políticas, tanto de municípios, quanto de Estados, e também de
seguimentos sociais, conservadoras. [...] fatores como: [...] o municipalismo paroquial, baixa capacidade de arrecadação fiscal, falta de qualificação profissional dos servidores e falta de estruturas administrativas mais eficientes, não só interferem diretamente no processo de descentralização no Brasil, como também no conteúdo dos localismos, cooperativos ou fragmentadores. (FONSECA et al., 2013, p. 168).
A partir do final dos anos 1980, no bojo do neoliberalismo, seguiu-se uma tendência
fomentada pela globalização capitalista - de abandono das políticas de integração e construção
nacionais, com o local sendo acionado diretamente pelo global, sem a intermediação de outra
escala, a nacional (BRANDÃO, 2012). Como o Estado deveria ser “mínimo”, o mercado é
quem deveria definir, por seus caprichos e interesses, a disposição de suas estruturas
produtivas, buscando escolher os locais que melhor lhe oferecessem condições de vantagem
para a instalação de suas plantas produtivas ou de serviços. Em países que adotaram o
corolário neoliberal de maneira ampla, como o Brasil e, em geral, a América Latina como um
todo, o resultado foi o de um desmonte do projeto de desenvolvimento nacional, diluído em
uma “guerra fiscal, que passou a patrocinar verdadeiros leilões de localização de
85
investimentos, subsidiando, escandalosamente, o capital, e aceitando passivamente a piora das
condições sociais da nação e suas várias regiões”. (CANO, 2012, p. 24).
A questão é que o poder não é dividido e disseminado e em sua organização política,
ele estabelece coesões orgânicas extralocalizadas (BRANDÃO, 2012), que não se afeta,
necessariamente, pelos arranjos locais de poder. A visão da “endogenia exagerada” estaria
cega a estes pressupostos, e tende a depositar “na vontade dos atores sociais de um
determinado recorte territorial, todos os requisitos de superação do desenvolvimento”
(BRANDÃO, 2012, p. 50). Estas abordagens neoliberais, portanto, tenderia, a desconsiderar a
diversidade de um país como o Brasil, com desigualdades sociais e regionais gritantes, níveis
específicos de expressão cultural e organizacional, com enormes diferenças entre regiões e
estados.
Para autores críticos ao neoliberalismo, fica claro que o recorte epistemológico para a
análise da dimensão espacial do desenvolvimento deva ser dado a partir da divisão
internacional do trabalho, “posto que permeia todos seus processos, em todas as escalas”
(BRANDÃO, 2012, p. 69). Ou seja, não se pode tratar dos aspectos de desenvolvimento
territorial, sem se considerar que a reprodução do capital se faz dentro de uma lógica
historicamente construída pelo sistema, na qual, a constituição de novos territórios ou a
inserção de novas áreas, países ou regiões no bojo das relações capitalistas de produção se dão
por processos de reprodução de suas bases estruturantes e que seguem padrões de exploração
e domínio que lhe são inerentes. Esta vertente teórica entende que a expansão do sistema se dá
de maneira diferente e combinada, em que o centro produz sua reprodução econômica em
novos espaços periféricos, a partir de relações de dependência e dominação. Isto está posto,
tanto para uma escala internacional, quanto para outra, territorial, dentro de um mesmo país.
Note-se, pois, que a construção do desenvolvimento territorial é a assimilação do jogo
de poder numa espacialidade dada, que não pode ser ignorado, mas, ao contrário, é o insumo
indispensável do território e, portanto, de sua presença política no bojo da estratégia do
desenvolvimento pretendido. A abordagem institucionalista parte de tal compreensão,
incorporando a dinâmica viva da vida social na conformação do espaço, implicando uma
territorialidade, ou territorialidades, assumindo as diferentes escalas de relação presentes, os
fluxos verticais e horizontais, os elementos fixos, os sujeitos públicos e privados. O
desenvolvimento territorial requer uma coordenação territorial das ações, capaz de convergir
os movimentos de uma coletividade para um propósito estratégico, buscando sinergias e
cooperações. Para isso, os espaços de governança e concertação são tidos como
imprescindíveis para as pactuações necessárias dos diversos interesses em jogo.
86
CAPÍTULO III
3.1 A Abordagem Territorial do Desenvolvimento no MDA e na SEPLAN
A abordagem territorial do desenvolvimento, contida nas estratégias do Ministério do
Desenvolvimento Agrário – MDA e do Governo da Bahia está colocada historicamente, a
partir do que foi descrito anteriormente. São políticas públicas de descentralização e
integração, ao mesmo tempo, e estão de acordo com a conjuntura de arrefecimento do
neoliberalismo na América Latina e, notadamente do Brasil. A criação da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial - SDT, do MDA, em 2004, representou uma mudança de
perspectiva das políticas de desenvolvimento local, instituindo, por seu curso, uma abordagem
diferenciada, com foco no conceito de território. Como se trata de uma estrutura para o
desenvolvimento rural, a SDT tem como finalidade promover o desenvolvimento de regiões
onde predominam agricultores familiares e beneficiários de reforma e ordenamento agrários. As iniciativas da SDT buscam incentivar as capacidades humanas e da autogestão dos territórios rurais, contribuindo, desse modo, para a redução das desigualdades regionais e sociais, além da integração dos territórios rurais ao processo de desenvolvimento nacional. (BRASIL, 2015, p. 1).
Portanto, a abordagem territorial da SDT faz parte de uma política de desenvolvimento
nacional, articulada com outras iniciativas, em outros órgãos. A abordagem territorial, por sua
vez, implica um modelo de gestão participativo e esta é a marca mais distintiva da SDT.
Encontra-se neste caso um diferencial importante em relação às políticas tipicamente
neoliberais, pois se trata de uma política inserida em um contexto mais amplo de
desenvolvimento, que tem diretriz nacional e uma abordagem integrativa das políticas
públicas, além de participação social como um elemento indispensável. Para Perico (2009),
esta é uma opção política, que parte, inclusive, da constatação de que o país mudou e as
sociedades rurais não são mais as mesmas. São, agora, mais cientes de si, mais integradas à
modernidade e com maior nível de organização e consumo. Suas tensões em torno de maior
independência e autonomia são renovadas por novas categorias sociais, com maior: [...] capacidade de discernir, participar, pressionar, reivindicar. Evidencia-se que essas tensões não são exclusivas, como antes, e do interesse de poucos (os grandes proprietários rurais, caracterizados por visões e propostas políticas retrógadas e defensoras de privilégios). Emergem e ganham espaço os interesses das comunidades, dos pequenos proprietários e das sociedades locais e rurais com discursos progressistas e democratizantes. (PERICO, 2009, p. 27).
87
A abordagem territorial para o fomento ao desenvolvimento, segundo a SDT, se
articula em quatro aspectos: 1) o rural é mais do que somente a sua dimensão econômica –
agropecuária e ocupa espaços de menor densidade e de maior importância em recursos
naturais; 2) o município restringe-se numa escala muito pequena para o planejamento e a
organização das iniciativas para o desenvolvimento; 3) a escala estadual, por sua vez, é muito
ampla para dar conta das especificidades e heterogeneidades; 4) o território é a dimensão na
qual mais se evidencia os laços de proximidade entre pessoas e grupos sociais, instituições e
entes federados, que podem ser mobilizados para a condução de uma agenda voltada ao
desenvolvimento (PERICO, 2009).
Trata-se de uma estratégia para articular políticas públicas em um espaço que seja
possível o planejamento de uma ação pública capaz de integrar atores, recursos,
oportunidades, conhecimento, poderes e processos coletivos de decisão. Para isso, a SDT
definiu os territórios rurais do Brasil, a partir de tipologias estabelecidas por estudos de
indicadores diversos, e levando em conta a historicidade de tais espaços. Além da aplicação
de uma metodologia estatística, com base em dados secundários disponíveis nos órgãos afins,
e de outros levantados por estudos promovidos pela própria SDT e pelas universidades e
centros de pesquisa.
Com isso, o Ministério vem tipificando territórios no Brasil e definindo políticas
públicas de acordo com as realidades objetivas desses espaços. Esta maior precisão, por sua
vez, é reforçada através da rede de atores mobilizados dos colegiados territoriais, que é ouvida
em parte dos processos de implementação e gestão de suas políticas públicas.
Portanto, a definição de território rural adotada pela SDT “[...] foi concebida como
uma estratégia de gestão pública de programas de desenvolvimento rural sustentável”
(OLIVEIRA, 2009, p.15). Trata-se de uma abordagem inovadora, que insere em sua operação
a participação social, a partir de um recorte multifacetado – físico, cultural, econômico, social,
histórico e dinâmico. Esta dimensão diversa do objeto é o que caracteriza o território, e se
constitui nas premissas indispensáveis para o planejamento do desenvolvimento. O território
se estabelece, pois, como uma escala mais adequada para a conjunção dos elementos que
devem ser levados em consideração no plano do desenvolvimento. Assim, o MDA: Reconhece ainda o acentuado movimento de descentralização das políticas públicas e assume o território na condição de unidade mais adequada para criar e desenvolver os laços de aproximação entre as pessoas, os grupos sociais e as instituições. (PERICO, 2009, p. 75).
88
Portanto, esta abordagem estaria de acordo com uma visão de desenvolvimento em
termos de horizontalidades e o local, aqui tomado como território, assume uma perspectiva
diferenciada do tipo daquela neoliberal, definida por Brandão (2012) como “endogenia
exagerada”. Estaria também mais relacionada com a ideia de liberdade e garantia de direitos,
em que o progresso material resultaria das condições culturais e políticas garantidoras de
oportunidades para os cidadãos progredirem e fazerem a economia desdobrar em crescimento
e qualidade de vida (SEN, 2010).
Para o Governo da Bahia, a perspectiva do desenvolvimento parece se assentar nas
mesmas bases. A instituição dos territórios de identidade veio a atender uma demanda social
já colocada no seio de seguimentos sociais ligados às lutas pela terra e da agricultura familiar,
envolvidas na discussão e implementação do desenvolvimento territorial junto ao MDA, no
estado, desde 2004. E também às próprias premissas políticas já apresentadas no Plano de
Governo nas eleições de 2006. Afirma-se em publicação da SEPLAN, onde se registram as
duas experiências dos Planos Plurianuais Participativos (PPA-P): O governo Wagner, durante a transição, definiu algumas questões essenciais ao planejamento estratégico da Bahia. Entendeu que ele tinha que ser sistêmico e, portanto, transetorial, sustentável, integrando o social com o econômico e com o ecológico. Definiu também que o processo tinha de ser participativo e, para isso, nos primeiros 60 dias da gestão, definiu os Territórios de Identidade como regionalização adequada para territorializar o planejamento e a gestão estratégica da Bahia. (BAHIA, 2012, p. 12).
A abordagem territorial foi concebida no processo mesmo de construção do Plano
Plurianual – PPA 2008-2011, e a escuta social para o mesmo já se deu em termos territoriais.
Na perspectiva do planejamento, os programas de governo foram, em parte, elaborados em
acordo com a territorialidade estabelecida. Do ponto de vista da concepção, a territorialização
da gestão pública estadual estaria, portanto, de acordo com concepções políticas, vinculadas
às tendências democratizantes de participação e controle social. Em sintonia com a ideia de
desenvolvimento “de baixo para cima”: Em 2007, o PPA Participativo foi o primeiro passo do Governo da Bahia em direção à abertura de canais efetivos de diálogo com a sociedade, princípio fundamental para a construção da democracia cidadã. A realização das plenárias nos 26 territórios de Identidade – espaços privilegiados para a discussão das políticas públicas em nosso estado, com a presença de diversos seguimentos da sociedade. (BAHIA, 2015, p. 1).
O desenvolvimento concebido como processo de emancipação social e compromisso
com uma ética universal, na qual o crescimento econômico só tem sentido se estiver integrado
com a qualidade de vida do conjunto da sociedade (SEN, 2010), é o que se pode ter como
uma visão em oposição àquela tipicamente liberal. Sobretudo se comprometido com a
89
melhoria da vida dos mais excluídos e a partir das liberdades fundamentais garantidas.
“Quatro principais gramáticas definem as relações Estado versus sociedade no Brasil:
clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos”
(NUNES, 2003, p. 21). Uma política de desenvolvimento territorial, levando-se à cabo seus
princípios democráticos tenderia a desfavorecer a herança histórica fisiológica e clientelista da
tradição política brasileira, contribuindo, assim, para a consolidação de uma cultura
democrática.
O desenvolvimento nestes termos é a soma de um conjunto de aspectos, desde os
burocráticos, como a necessidade de se instituir novas institucionalidades, passando pelas
peças formais de operação do Governo e do Estado, como os planos plurianuais, até aspectos
sociais e políticos, como a criação e sustentação de espaços de governança e concertação, e os
de formação e organização dos territórios e dos sujeitos atuantes em torno das políticas
públicas. Assim, admite o governo da Bahia quanto a importância das duas experiências de
plano plurianual participativo: Com efeito, o Plano Plurianual Participativo privilegiou, por um lado, a participação de camadas excluídas do processo de decisões políticas e da definição da alocação de parte dos recursos orçamentários disponíveis, e, por outro, criou novos mecanismos de prestação de contas e de controle social sobre os governos e seus aparatos burocráticos. (BAHIA, 2012, p. 57).
O governo da Bahia, em 2009, lançou o projeto “Pensar a Bahia 2023, construindo o
futuro”. Tratou-se de um conjunto de seminários envolvendo gestores públicos, empresários,
academia e movimentos sociais para pensar os grandes desafios colocados à Bahia para o
desenvolvimento, com vistas a chegar em 2023 como um estado mais desenvolvido e justo.
As diversas mesas dos seminários debateram os principais temas envolvidos com o
desenvolvimento, desde educação, saúde e segurança, passando por tecnologias, logística,
indústria e comércio, incluindo ainda agricultura, turismo, serviços, desenvolvimento
municipal e territórios.8 A ideia era a de gerar o ponto de partida para a construção de um
plano estratégico de longo prazo. Todas as temáticas foram abordadas de maneira sistêmica,
pensando-se nos entraves e nas soluções possíveis aos mesmos. O Pensar a Bahia constitui parte do esforço de retomada, pelo Governo, do exercício do planejamento de longo prazo no âmbito do Estado, iniciativa com a qual se pretende incorporar diversas visões e enfoques dos palestrantes, bem como dos debates que tiveram lugar ao longo dos seminários. (BAHIA, 2010a, p. 9).
8 O evento ocorreu entre dezembro de 2009 a março de 2010 em Salvador, Bahia, realizando-se em quatro
módulos, abordando todos os temas tomados como estratégicos para o desenvolvimento do estado.
90
A ideia era, dando sequência ao modelo de participação já instituído no PPA 2008-
2011, estabelecer um plano de longo prazo também com escuta social. Um Grupo de Trabalho
fora instituído pelas Portarias nº 180/2009 e 181/2009 da SEPLAN, para dar conta de
transformar o projeto Pensar a Bahia 2023 num plano efetivo. Projetava-se em termos de
longo, médio e curto prazos, articulando estas dimensões dentro de um plano de ações
encadeadas pelos três PPA sequenciados entre 2012 e 2023. [...] no planejamento estratégico [...] estão contidos a visão de futuro, os macro-objetivos, os eixos de desenvolvimento e as diretrizes estratégicas. Estas últimas fazem a interface entre o plano de longo prazo e os de médio prazo, que é o Plano Plurianual (PPA) no qual se trabalha no horizonte de quatro anos. As diretrizes estratégicas incluem, também, os programas e ações. São as ações que fazem a interface entre o planejamento de médio prazo e de curto prazo, representado pelo Orçamento Anual. (BAHIA, 2010a, p. 12).
Buscava-se um plano integrado, que fosse capaz de pensar o conjunto do estado e de
cada território e macrorregião, a fim de promover as iniciativas de maneira adequada às
particularidades de cada um e, ao mesmo tempo, integrá-los a partir da logística, do
aproveitamento das particularidades e de suas articulações produtivas, comerciais, de
circulação e mobilidade. O Governo defendia ali a construção da Ferrovia Oeste-Leste como
ação de desconcentração regional e integração de territórios de identidade. Vê-se aqui que a
concepção da SEPLAN era a de fomentar a abordagem territorial, mas sem perder de vista a
visão de conjunto, de uma dimensão estadual, no sentido de que o Estado da Bahia, do ponto
de vista do planejamento, é mais do que a soma dos territórios de identidade. Visão, como a
do MDA, que leva em consideração o local, mas também sua integração de um plano macro
do planejamento.
Pode-se observar também a questão ambiental no projeto Pensar a Bahia 2023. O
governo associa o desenvolvimento à sustentabilidade nos seus documentos referentes.
Afirma-se que, para atender uma condição com desenvolvimento sustentável, é importante ter
as questões ambiental e social como prioridades (BAHIA, 2010a). Reconhece, ainda, a
necessidade de se conhecer o contexto histórico das experiências construídas nos territórios de
identidade, a fim de inseri-las na estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar. Ou
seja, a concepção de planejamento do desenvolvimento projetada pela SEPLAN não se
distancia do modelo daquela aplicada na SDT/MDA, guardadas suas particularidades e
escalas. E se apresenta teoricamente, como algo em sintonia com as tendências de
descentralização e integração.
A territorialidade seria, neste modelo, a dimensão de uma dada realidade social,
econômica e cultural, expressa em termos de situações que precisam ser consideradas pelas
91
políticas públicas de fomento ao desenvolvimento, desde os entraves ao crescimento
econômico, passando pelas dificuldades de organização de cadeias produtivas e do
escoamento de seus produtos, até a baixa capacidade de intervenção política da população
local e do seu grau de associação para superação de dificuldades ao desenvolvimento.
CAPÍTULO IV
Do plano das ideias ao exercício do poder de Estado
4.1 Evolução do Quadro Político Nacional na sua Perspectiva Democrática – De Fernando
Henrique Cardoso a Luís Inácio Lula da Silva
Do ponto de vista histórico do avanço democrático brasileiro, as garantias
constitucionais de responsabilidade política do Estado só ganham importância efetiva a partir
dos anos 1930, quando da instalação do populismo varguista na República. A partir daí, uma
primeira geração de políticas públicas e um modelo de seguridade social se definem, de
maneira tímida e autoritária, abarcando, basicamente, os trabalhadores urbanos da economia
formal. Até os anos 1980, com poucas variações no seu arcabouço ideológico e estrutural, o
Estado brasileiro permaneceu contendo direitos e atuando como protetor para parcelas
minoritárias da população nacional. A ditadura militar levou à frente as mesmas bases do
modelo populista, que era paternalista, autoritário e corporativista, voltado para a
manipulação das massas trabalhadoras. O Regime ditatorial, mesmo quando ampliou o
número de atendidos e criou um sistema estatista-privatista de seguridade social, com o Banco
Nacional de Habitação – BNH e o Fundo Nacional de Segurança Social, não promoveu a
democratização dos direitos fundamentais dos cidadãos, mantendo a tendência de
aprofundamento da desigualdade social no país.
A despeito desta modéstia democrática, o país estruturou um sistema de segurança
social, apoiado em fundos sociais potentes, que beneficiaram abertamente o capital e
restritamente os trabalhadores. [...] nosso Estado desenvolvimentista teve bastante êxito em dar impulso à industrialização e promover a transformação capitalista da estrutura social, mas o fez, como se sabe, em base a processos sociais extremamente violentos - recorde-se a selvagem modernização do campo, a rapidez da urbanização – e de um modo pouco “moderno”, nada inclusivo de incorporação social dos setores populares, pouco referido a direitos e à expansão da cidadania, limitado, na prática, aos assalariados urbanos do mercado formal de trabalho e, no plano das políticas, à regulação das relações trabalhistas e aos benefícios previdenciários. (DRAIBE, 2002, p. 68).
92
O contexto pós-ditadura militar apresentou um processo de afirmação da cidadania na
sociedade brasileira, considerada como a consciência política da participação dos cidadãos
nos processos políticos da nação. A partir dos anos 1980, a agenda reformista da Nova
República era a da democratização. Para Draibe (2002) este primeiro ciclo democratizante e
reformista encerra-se com a Constituição de 1988. Até este momento, a sociedade brasileira
entendia a necessidade de ampliar o acesso aos direitos sociais e melhorar a qualidade dos
serviços públicos. Segundo esta autora: O acerto de contas com o autoritarismo supunha um dado reordenamento das políticas sociais, o qual respondesse às demandas da sociedade por maior eqüidade e pelo alargamento da democracia social. Também a melhora da eficácia das políticas. (DRAIBE, 2002, p. 69).
Esta ordem de reformas estabeleceu as bases para uma democracia mais sólida e criou
condições objetivas para o exercício da cidadania, a despeito, porém, de não ter garantido um
patamar mínimo universal e digno para o cidadão brasileiro, como almejavam os movimentos
sociais e alguns partidos de esquerda, notadamente, o PT que, neste contexto, representou de
maneira mais ampla os anseios populares na esfera partidária. A década de 1980 foi marcada
pela ascensão dos movimentos sociais, do sindicalismo classista, pela ampla mobilização e o
“despertar” dos segmentos sociais em situação de opressão e exclusão, de forte articulação
entre as pautas corporativas e específicas com as agendas mais universais da política nacional.
Estes, através das mais diversas formas, e dos diversos seguimentos sociais, atuaram no
sentido de reivindicar e propor ao Estado medidas de democratização e de garantias de
direitos sociais.
Notadamente a partir da Constituição de 1988, um processo de construção de um
Estado Democrático parece se consolidar no país. Fundamentos jurídicos mais sólidos para a
constituição de espaços de participação política foram introduzidos, de maneira a favorecer a
chamada democracia participativa, notadamente os conselhos de políticas setoriais.
O país precisava ajustar seu aparato institucional democrático e estabelecer as bases
institucionais para a reparação da dívida social gigantesca que sua história política, autoritária
e elitista havia promovido. A Constituição de 1988 foi o resultado prático e possível deste
processo, marcando um ponto de confluência de conquistas democráticas importantes para a
nação brasileira. Os anos 1990 seguiram acolhendo exemplos importantes deste trânsito da
sociedade civil para o Estado, agora, no sentido de consolidar os espaços constitucionais de
participação social e regularização de políticas constitucionais, além de inovação de
experiências de orçamentos participativos.
93
A condução hegemônica do país, contudo, pertencia aos setores mais conservadores,
saídos do processo de abertura política do final da ditadura militar e decorreu em meio à crise
inflacionária do período. Para Sader e Gentili (1996): A crise da dívida não poupou o Brasil, porque a continuidade de seu crescimento, ao longo dos anos 70 e 80, se deu à base de empréstimos externos a juros flutuantes, assim como a encomendas do Estado. A bomba do tempo teria de explodir, como efetivamente ocorreu. Ao longo dos anos 80, a economia brasileira viveu processos de acomodamento, com a imposição da hegemonia do capital financeiro, que finalmente desembocou no neoliberalismo, iniciado no final da década, ainda no governo Sarney. (SADER e GENTILI, 1996, p. 35-36).
As medidas tomadas pelo governo de José Sarney (1982-1988) foram recessivas e
circunstanciais, com a aplicação de planos de controle inflacionário e tentativas de fomentar o
desenvolvimento, que fracassaram, aprofundando os graves problemas sociais. O primeiro
presidente eleito depois do regime de ferro foi Fernando Collor de Mello, no seu governo
iniciou-se um alinhamento mais estreito com a nova agenda política neoliberal que se iniciara
na Europa, em 1979, com a eleição de Margareth Thatcher e se tornou hegemônica nos anos
80, estabelecendo-se nos Estados Unidos, com a eleição de Ronald Reagan, em 1982. Estes
preceitos antikeynesianos e ultraliberais já versavam na América Latina, na ditadura militar
chilena, de Augusto Pinochet e, a partir de 1988, no México. Tal corolário partia dos países de
capitalismo avançado e estava voltado para recuperar as taxas de lucro do capital e combater
ideológica e concretamente o chamado Estado de Bem Estar Social, construído no pós
Segunda Guerra e em vigência até os anos 1980 nos países de capitalismo avançado. Este
havia protagonizado a chamada era de ouro do sistema capitalista, com crescimento
econômico, pleno emprego, bem estar, segurança social e liberdades políticas, comandados
pela social democracia na Europa e pelo fluxo ideológico do New Deal, nos Estados Unidos.
Esta ofensiva contra o Estado de Bem Estar Social, cujas bases se encontravam no
pensamento liberal radical anglo-saxão, acusava a social democracia e o New Deal de
responsáveis pela queda dos lucros e de promoverem o arrefecimento da competição, das
desigualdades sociais, da baixa produção e da inflação. Defendia-se abertamente o combate
aos sindicatos trabalhistas, aos gastos sociais do estado de bem estar, a estatização econômica,
o pleno emprego etc. Esta ofensiva, inaugurada com mãos de ferro por Margareth Thatcher,
na Inglaterra, acabou por solapar os governos progressistas e submeter o conjunto das nações
do Ocidente aos seus preceitos. Definido por neoliberalismo, tal modelo político se
sedimentou de tal maneira na cultura política do Ocidente que, a despeito de fracasso de suas
conquistas quanto ao almejado crescimento e retomada das altas taxas de lucro do capital
94
produtivo, continuou forte e ainda dá as diretrizes para as medidas de enfrentamento da crise
sistêmica que ele mesmo produziu e está em vigor atualmente.
O combate à inflação, a abertura dos mercados, a desregulamentação financeira, o
controle do câmbio, associados à repressão sindical, aos cortes dos gastos sociais e à
privatização das empresas estatais formaram um ideário cego, que foi aplicado nos diversos
países com enormes consequências sociais. No Brasil, o presidente Fernando Henrique
Cardoso, a partir de seus dois governos sequenciados, de 1995 a 2002, aplicou o receituário
neoliberal sem flexibilizações, levando à frente todas as receitas apontadas pelos preceitos
conservadores. Neste contexto neoliberal, ocorre o segundo ciclo de reformas constitucionais,
e políticas públicas sociais, contudo em um contexto diferente dos anos 1980.
No arcabouço ideológico neoliberal, a participação e a responsabilidade política para
resolução de problemas sociais foram tomadas como aspecto de parceria entre o Estado e a
Sociedade Civil, através, sobretudo, do chamado terceiro setor, constituído por organizações
sociais não governamentais. Enquanto se praticava o Estado Mínimo, reduzindo os
investimentos sociais, transferia-se para as Organizações Não Governamentais – ONGs,
recursos para o desenvolvimento de ações sociais pontuais. Ao final, reduzia-se a função do
Estado de gestar os interesses sociais. As estruturas de gestão públicas do Brasil se tornaram
fortemente influenciadas por esta visão política. Para Dagnino (2004, p. 100): A redefinição da noção de sociedade civil e do que ela designa talvez tenha constituído o deslocamento mais visível produzido no âmbito da hegemonia do projeto neoliberal... O crescimento acelerado e o novo papel desempenhado pelas Organizações Não-Governamentais; a emergência do chamado terceiro setor e das Fundações Empresariais, com forte ênfase numa filantropia redefinida... e a marginalização dos movimentos sociais, evidenciam esse movimento de redefinição. O resultado tem sido uma crescente identificação entre “sociedade civil” e ONG. (DAGNINO, 2004, p. 100).
Tem-se, pois, que a chegada do PT à Presidência da República, a partir de 2003,
através da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, representou, a depender da ótica e das leituras
hoje manifestas na mídia e na literatura política e sociológica, uma alternância ou uma
variável ao projeto político anterior, de cunho declaradamente neoliberal. Mas até que ponto
se diferencia daquele, é preciso profundar em momento mais oportuno, o que este texto não
poderá fazê-lo. É fato que durante os governos anteriores a maior parte dos movimentos
sociais se posicionou de forma contrária, com amplos confrontos nas ruas, mas a partir da
gestão do PT, passou a se sentir representada no poder e convergiu para uma postura de
negociação e construção conjunta do projeto político. Muitas lideranças sociais passaram,
inclusive, a ocupar cargos públicos, inserindo-se nos quadros da burocracia estatal e
assumindo posição de Governo. Neste cenário, os espaços de diálogo e negociações são tidos
95
como privilegiados para o alcance das metas reivindicadas. A partir daí, ocorre um
arrefecimento das lutas sociais com o Estado e certa perda de rumo destes movimentos,
quando são cooptados pelo governo ou não o enfrentam com maior ofensiva, buscando
preservá-lo contra os ataques da oposição.
Este Governo buscou consolidar um desenvolvimentismo, no qual se persegue o
crescimento econômico acelerado, com a participação do estado no jogo econômico, atuando
como um dos seus pilares de fomento, e com certa distribuição de renda e inclusão social,
através de políticas públicas. O aumento real do salário mínimo anualmente, a transferência
direta de renda à população mais pobre, o microcrédito e as demandas estatais para a pequena
agropecuária, os programas de financiamento de casa própria para populações de baixa renda,
programas de reparação social e combate ao racismo, ampliação do número de escolas
técnicas e universidades federais, somados ao Plano de Aceleração do Crescimento – PAC,
com obras de infraestrutura, são medidas concretas deste novo projeto político que favoreceu
a ampliação do mercado consumidor interno e a inclusão de milhões de brasileiros.
Isto foi realizado sem, contudo, ameaçar os interesses mais substanciais do grande
capital financeiro, nem abalar a ordem do latifúndio, mas favorecendo ao grande capital
nacional e à própria lógica fisiológica do sistema partidário e do Congresso Nacional
brasileiros. Este modelo foi realizado através de um amplo movimento de alianças políticas
no Congresso Nacional e por medidas que beneficiaram tanto o capital especulativo,
mantendo as altas taxas de lucro e não mexendo na legislação financeira, quanto o capital
produtivo, com políticas de incentivo à indústria.
A partir de 2007, este mesmo projeto político é assumido pela direção do Estado, na
Bahia, e sua gestão, no plano geral, ocorre nas mesmas bases da esfera federal, encerrando
contradições similares, porém com particularidades evidentes.
4.2 Contexto da sucessão política do Estado nas eleições de 2006 e o Plano de Governo da
Coligação Bahia de Todos Nós
A Bahia, nas eleições estaduais de 2006, vivenciou uma campanha política de nítida
polarização ideológica, com a disputa pelo Governo do Estado acirrada por dois projetos
distintos. De um lado, o Partido da Frente Liberal – PFL, atual Democratas (DEM), liderado
pelo então Senador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães e seu candidato à reeleição, Paulo
Souto; do outro, a frente de esquerda, liderada pelo PT, com a candidatura do então deputado
federal pelo PT, Jaques Wagner. A oposição elegeu como slogan de campanha: “Por uma
96
Bahia de Todos Nós”, fazendo alusão à necessidade de alterar o modelo político em vigência,
que, segundo seus mentores, era centralista, concentrador de riqueza e voltado para os
interesses de poucos. O candidato da oposição se apoiava no primeiro governo do Presidente
da República, Luís Inácio Lula da Silva, que realizara um mandato com grande apoio das
massas sociais mais humildes, através de programas sociais e iniciativas inovadoras na gestão
das políticas públicas e sua diversificação, com foco nas camadas mais pobres da população
do país.
No Plano de Governo, registrado pela Coligação Bahia de Todos Nós, composta pelo
PT, PSB, PC do B, PMDB, PV e PPS9, encontra-se a seguinte crítica ao então Governo da
situação: Não basta crescer, é preciso observar a qualidade desse crescimento, sua capacidade de melhorar a vida da população, de se transformar em desenvolvimento social. Na Bahia, sob o governo do PFL, o crescimento econômico sempre esteve dissociado do desenvolvimento social. A economia baiana cresceu, mas os benefícios desse crescimento não foram socializados. (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 4).
Naquele cenário, o candidato de oposição era impulsionado pela fragilidade do seu
grupo político opositor, naturalmente desgastado por longos anos de hegemonia e domínio
das máquinas do Estado e da maioria das prefeituras e pela alteridade que ocorreu no cenário
nacional, levando a população mais humilde e certa parcela da população esclarecida a
rejeitar o modelo liberal conservador do PFL e do Partido Social Democrata Brasileiro
(PSDB). A campanha política ocorreu com forte apelo de mudança e renovação, de
democratização e inclusão social, levando à frente velhas bandeiras da esquerda, de
participação social e democracia participativa.
A Coligação Bahia de Todos Nós era fortemente hegemonizada pelo PT e o conteúdo
da plataforma política do candidato a governador trazia, majoritariamente, as premissas
ideológicas e as experiências políticas deste partido. O Brasil é um dos países pioneiros na
América Latina na implementação de instrumentos participativos de gestão pública. E o PT
foi o primeiro partido, quando no poder, a colocar em prática esta experiência. A cidade de
Porto Alegre tornou-se um marco de Orçamento Participativo e depois o próprio estado do
Rio Grande do Sul, sob o governo do PT. Até hoje, este estado é referência em organização
participativa para a gestão social das políticas públicas. A este respeito, o mesmo Plano de
Governo anunciava: A democratização da gestão governamental, acumulada no Brasil em diferentes experiências, tanto no âmbito municipal quanto estadual, confirma a possibilidade
9 Partido dos Trabalhadores, Partido Socialista do Brasil, Partido Comunista do Brasil, Partido do Movimento
Democrático Brasileiro, Partido Verde e Partido Popular Social, respectivamente.
97
de garantir eficiência e eficácia na gestão orçamentária com a democracia participativa. Esse novo modelo de gestão pública combinará a realização do Orçamento Participativo (OP) com outros mecanismos de participação popular como as Conferências e os Conselhos Estaduais. (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 5).
O Plano de Governo se comprometia em cumprir tais compromissos e apresentava
mecanismos para esta participação: “A elaboração do orçamento obedecerá à consecução de
objetivos coletivamente construídos, a partir da organização de plenárias por regiões da Bahia
e de plenárias setoriais” (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 7). Apontava-se ali a escuta popular
através de plenárias e da regionalização do estado. Declarava-se a necessidade de
descentralizar e regionalizar o desenvolvimento e a participação, mas o modelo desta
regionalização não estava de todo pronto, indicava para um diálogo social, a fim de definir o
mesmo: [...] A nova divisão das regiões será discutida com o movimento popular e com a sociedade civil organizada. Nela será considerada a realidade social e econômica, um diagnóstico das vocações produtivas existentes, a dimensão ambiental, as tradições culturais e a formulação de pertencimento do povo. Tanto o planejamento público e econômico, como as Conferências, os Conselhos e as Assembleias do OP, levarão em conta essas mesmas referências regionais (COLIGAÇÃO..., 2006, p. 7).
Fica evidente, portanto, que o grupo político que almejava ao poder do Estado tinha
uma ideia de democratização do mesmo, através da implementação de mecanismos de gestão
social e de descentralização do território baiano. No conjunto desta peça de campanha,
inúmeros compromissos com novas atitudes e ações voltadas para a transparência da máquina
pública e para a inclusão social, a partir do reconhecimento da diversidade e das
desigualdades sociais e regionais foram observados.
Desde, pois, o seu Plano de Governo, o grupo político que ascendeu ao poder do
Estado da Bahia, em 2007, já apontava para um alinhamento com as concepções
contemporâneas de democracia participativa, gestão social, governança e concertação sociais,
de maneira que suas realizações implementadas na condução do Estado, como política
pública, estão, parcialmente, de acordo com estas premissas.
4.3 A definição do modelo de regionalização e participação social através da implementação
do Plano Plurianual Participativo 2008 – 2011
Já na transição de Governo, no final de 2006, a equipe do grupo vitorioso nas eleições,
responsável pela coordenação do processo transitório, deu início ao diálogo social com
representações da sociedade civil. Tais representações eram vinculadas à agricultura familiar,
98
e vinham implementando, desde 2003, o recorte territorial do Governo Lula, com o Ministério
do Desenvolvimento Agrário – MDA, através de políticas territoriais implantadas pela
Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT. Este grupo possuía pessoas vinculadas ao
Partido dos Trabalhadores, atuantes junto às representações políticas que haviam ocupado
cargos na transição e que, em seguida, vieram a ocupar cargos executivos no governo baiano.
Neste momento, a opção por adotar uma nova divisão administrativa, de acordo com o
enunciado no Plano de Governo estava presente em seguimentos petistas que se aproximaram
do planejamento e, imediatamente, vinculou-se a construção de uma nova divisão
administrativa à noção de território, trazida pelos segmentos do campo, embasados pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A experiência deste segmento com a
dimensão territorial e seus conceitos era significativa, visto ter sido o processo de revelação
dos territórios rurais, bastante intenso, com amplas discussões, consultas sociais e parâmetros
técnicos para efetivar os recortes dos ditos territórios na Bahia, levada à frente pelo MDA. O
Governo declarou esta contribuição no PPA 2008-2011: “O conceito de Território de
Identidade surgiu a partir dos movimentos sociais ligados à agricultura familiar e à reforma
agrária [...]” (BAHIA, 2007, p. 58).
Até aquele momento, as articulações da Secretaria do Desenvolvimento Territorial
(SDT), do MDA, com a Bahia se faziam diretamente com os órgãos federais e com as
organizações sociais, visto que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável-
CEDRS, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado, não apoiava tais iniciativas,
mantendo-se distante deste processo (DIAS et al., 2006).
O MDA, através da Secretaria do Desenvolvimento Territorial – SDT, instituiu o
Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais – PRONAT, com
o objetivo de “promover o planejamento, a implementação e a autogestão do processo de
desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e o fortalecimento e dinamização de sua
economia” (BRASIL, 2006). Neste contexto, foram revelados na Bahia, a princípio, cinco
territórios: Sisal, Chapada Diamantina, Litoral Sul, Velho Chico e Irecê, que, ao final,
receberam aprovação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, em 2003.
Em síntese, o PRONAT promove o apoio institucional ao território, ofertando assistência
técnica ao seu processo de articulação e organização do espaço de representação política,
definido pelo MDA por Colegiado Territorial; além do apoio para a construção de seu Plano
Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS e investimentos nas cadeias
produtivas e infraestrutura rural, através do Programa de Apoio a Infraestrutura dos
Territórios Rurais – PROINF.
99
A implementação do PRONAT na Bahia foi marcada por intenso debate, segundo os
participantes do processo10. Houve um debate inicial quanto ao número de territórios para a
Bahia, considerado, naquele momento, insuficiente, pelos representantes baianos.
Para dar conta desta tarefa de revelação dos territórios, o MDA realizou oficinas e, na
primeira delas, em julho de 2003, foi criado um Grupo de Trabalho (GT), com a finalidade de
coordenar o processo. Inicialmente composto por órgãos públicos federais (MDA/SDT e o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), órgãos estaduais (Secretaria
de Combate à Pobreza – SECOMP e o Centro de Recursos Ambientais – CRA) e
organizações sociais (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais –
ABONG, Pastoral Rural, Movimento de Organização Comunitária – MOC, a Central de
Associações do Litoral Norte – CEALNOR, o Movimento Estadual de Trabalhadores
Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia – CETA e o Fórum de Entidades). Este GT
tinha como finalidade, segundo Dias et al. (2006, p. 9): “montar uma proposta que, de um
lado, mapeasse todos os territórios do estado e, de outro, criassem critérios para a
incorporação de novos territórios”.
Os trabalhos decorreram ao longo do segundo semestre de 2003 e no mês de
novembro, realizou-se uma segunda oficina, na qual se delineava, já, 24 territórios. O GT
trabalhou com o cruzamento de diversos mapas, dentre os quais destacam-se: os de atuação
dos Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração – CONSAD, regiões
econômicas da Bahia, polos sindicais da Federação Estadual dos Trabalhadores Agrícolas –
FETAG, regionalização administrativa da Secretaria Estadual de Educação, idem da
Secretaria Estadual da Saúde e da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário, das dioceses
da Igreja Católica. Além dos municípios de atuação das principais ONGs do estado, das
bacias hidrográficas da Bahia, das concentrações de assentamentos rurais e acampamentos de
famílias sem terra, territórios consolidados, emergentes e prioritários da pesquisa
SEI/IICA/SAF 2002/2003. (DIAS et al., 2006).
A partir daí, passou-se à consulta junto aos municípios, para confirmação ou não dos
mesmos nos respectivos territórios traçados. Havia municípios que estavam indicados em
mais de dois territórios e somente a consulta poderia definir e, todos, inclusive, poderiam
negar ou requerer outro posicionamento. A terceira oficina teve caráter deliberativo, e foi
composta por dois representantes por território, eleitos em sessões plenárias dos mesmos.
10 Descrito na publicação: “Territórios de Identidade, um caminho para o desenvolvimento rural sustentável na
Bahia”, do MDA, em parceria com o Movimento de Organização Comunitária – MOC e a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, de novembro de 2006.
100
Estes traziam o posicionamento local dos vários municípios sobre qual território deveria
pertencer. Segundo Dias e colaboradores (2006, p. 11): “Daí surgiu, então, o primeiro mapa;
modificado apenas em 2006, com o aparecimento do Território de Itaparica”.
Destaca-se, neste processo o surgimento da Coordenação Estadual dos Territórios de
Identidade da Bahia – CET, durante a terceira oficina realizada: A CET constituiu-se informalmente como uma instância política de representação do desenvolvimento de territórios rurais para o estado da Bahia, inclusive reconhecida pela SDT/MDA. A CET passou então a concentrar uma participação mais ampliada de representantes dos movimentos sociais em torno das categorias como agricultores familiares e assentados de reforma agrária. (DIAS et al., 2006, p. 11).
Esta Coordenação nascera para conduzir o processo dali para frente e se tornou o
principal interlocutor da Bahia junto ao MDA, para as políticas territoriais. Sua composição
era mista, com presenças do Governo Federal: SDT, INCRA, Departamento Nacional de
Obras Contra a Seca – DNOCS, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco –
CODEVASF, Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC e Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Do Governo Estadual: SEPLAN,
Secretaria de Combate à Pobreza – SECOMP, Centro de Recursos Ambientais – CRA e a
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais – SEI; dos Movimentos Sociais –
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG, Federação Nacional dos
Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF, Movimento dos Sem
Terra – MST, Movimento de Luta pela Terra – MLT, Coordenação Estadual de Trabalhadores
Assentados – CETA e Central Única dos Trabalhadores – CUT. Das Organizações Não-
Governamentais: Associação Brasileira de Organizações não Governamentais – ABONG,
Movimento de Organização Comunitária – MOC, Serviço de Assessoria a Organizações
Populares Rurais – SASOP, Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco –
FUNDIFRAN, Central de Associações do Litoral Norte – CEALNOR, Federação de Órgãos
para Assistência Social e Educacional – FASE, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Terra
Viva e o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA.
Na evolução do processo, com a consolidação do apoio do Estado da Bahia à política
de desenvolvimento territorial, a articulação que deu origem à CET foi-se esmaecendo, até a
mesma se tornar, na prática, uma representação da sociedade civil dos territórios. A despeito
desta situação, a CET passou a ser a representação política do conjunto dos territórios,
tornando-se a porta voz dos interesses coletivos dos mesmos e a sua ferramenta de operação
para a consolidação da lógica territorial, junto ao Governo.
101
Como demonstrado, a partir de 2007, o Governo baiano reconheceu a legitimidade da
divisão territorial que fora conformada e a adotou como unidade de planejamento das políticas
públicas do Estado. Mas, pelo fato de estar sendo tratada no nível do planejamento, dentro de
uma ótica mais sistêmica, a divisão do estado da Bahia foi tomada como uma estratégia de
desenvolvimento integrado. Segundo Pomponet (2012): Um conjunto de motivos foi apresentado para justificar a opção do Governo do Estado pelos Territórios de Identidade. O mais evidente deles é de natureza política: integrante do mesmo partido do presidente da República reeleito, o governador Jaques Wagner (PT) optou por vincular a estratégia de desenvolvimento das diversas regiões baianas aos programas tocados pelo Governo Federal [...]. (POMPONET, 2012, p. 58).
Do ponto de vista da gestão do Estado, portanto, a abordagem territorial seria a forma
de sintonizar as suas políticas públicas com aquelas da União, como se pode constatar no PPA
2008-2011: A utilização do conceito de Território de Identidade facilitará a articulação entre as ações desenvolvidas pelo Governo do Estado e os programas federais, com rebatimento no território baiano, bem como a diretriz de integração entre governo e sociedade (BAHIA, 2007, p. 53-55).
A compreensão da SEPLAN na ocasião estava pautada também no diagnóstico,
apresentado no próprio PPA 2008-2011, sobre o grau de concentração econômica e política
do estado e no compromisso assumido desde o Plano de Governo, em 2006, de favorecer a
democratização dos investimentos e das oportunidades. As razões para a adoção da
territorialização, portanto, iam além de oportunidades e interesses meramente políticos.
Segundo Pomponet (2012): No âmbito econômico, partiu-se do diagnóstico que a extrema concentração na produção de riquezas na Bahia gerou um cenário em que a Região Metropolitana de Salvador, que corresponde a apenas 0,48% do território baiano, respondia por 43% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual em 2004 [...]. Essa imensa desigualdade exigia a adoção da dimensão territorial como elemento da estratégia de desenvolvimento, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento territorial (POMPONET, 2012, p. 60)
A equipe do Governo resolveu ampliar o conceito de território, já nas negociações
para a sua implementação administrativa, retirando o elemento restritivo do “Rural”, e
inserindo outro, que respondesse, segundo os atores envolvidos nesta concertação, por toda a
realidade dos territórios, e indicasse seu caráter humano e cultural, além dos aspectos urbanos
e estratégicos (BAHIA, 2007). Assim, ficou pactuado ali a definição destas unidades
administrativas como sendo Territórios de Identidades. O conceito dos mesmos é revelado,
em parte, na publicação do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011:
102
O território é um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial. (BAHIA, 2007, p. 37).
Esclarece-se que o conceito de Território de Identidade também é a premissa para a
conformação dos territórios rurais do MDA. Porém, neste Ministério, a identidade é tomada
para a conformação de ruralidades diversas ou territorialidades relacionadas ao rural.
Importante destacar ainda que a institucionalização dos Territórios de Identidade não
significou outra territorialização em relação aos Territórios Rurais. Na Bahia, há apenas uma
divisão territorial: os Territórios de Identidade, que são tomados pelo MDA como territórios
rurais, quando da aplicação de suas políticas, com exceção, apenas, do Território
Metropolitano de Salvador. E nove deles – Litoral Sul, Chapada Diamantina, Irecê, Sisal,
Baixo Sul, Itaparica, Semiárido Nordeste II, Sertão São Francisco, são incluídos no Programa
Territórios da Cidadania (PTC), conhecidos comumente como “territórios de cidadania”.
Destaca-se que o processo que se deu na Bahia para a revelação dos Territórios de
Identidade, é um tanto questionado por intelectuais acadêmicos, notadamente das áreas de
geografia e sociologia. As indagações referem-se ao processo de conformação dos mesmos,
discordando quanto às suas identidades, uma vez que este critério exigiria um processo muito
mais longo e mais participativo para se encontrar os territórios conformados por identidades
historicamente constituídas. Aqui, concorda-se, em parte, com tais posições, uma vez que um
território para ser definido como de identidade, requereria uma averiguação muito mais
complexa de seus processos constitutivos, que resultasse de interações dinâmicas de redes
socioterritoriais e se conformassem com base em um amplo e histórico campo de interações
de interesses e conflitos, cujo desdobramento revelasse um lhame convergente de ações
voltadas para o desenvolvimento daquele espaço e daquela territorialidade.
A despeito de tais considerações, é fato que o Governo do Estado implementou os
Territórios de Identidade, com apoio de setores sociais e institucionais vinculados àquele
processo de construção territorial acima descrito, não sendo um ato meramente discricionário
e impositivo. Aliás, o termo mais utilizado pelos Governos em suas publicações, tanto a
União, quanto o Estado, é “revelação”. Assim, o trabalho desenvolvido teria sido para revelar
territórios potencialmente dados. Parte da Academia, entretanto, considera-os, no caso da
Bahia, como unidades administrativas, instituídas por interesse e demanda técnica do Estado.
103
O Governo estava ciente do significado político que o modelo territorial implicaria em
longo prazo: ao inserir os territórios de identidade, aportava-se para dentro da gestão pública
uma relação permanente de concertação, cujos atores seriam os Colegiados de
Desenvolvimento Territorial. Estes estavam em processo de conformação no estado, alguns já
consolidados e outros ainda por se constituírem. Tal situação é descrita no PPA 2008-2011,
quando o Governo afirma o seu apoio para garantir a estruturação dos mesmos.
O Plano Plurianual 2008 – 2011, instituído pela Lei nº 10.705 de 14 de novembro de
2007, foi construído nessas bases e deu início ao arcabouço jurídico-institucional que veio em
sequência para constituir este modelo territorial. Em 2007, o Governo estreante tinha por
obrigação legal proceder à execução do Plano Plurianual 2008 – 2011, que a Secretaria do
Planejamento tem o know how para fazer, com técnicos versados no ofício e com as condições
necessárias. Mas o compromisso político do novo Governo implicava mudanças de forma. A
metodologia visava criar o PPA Participativo – PPA-P, ou seja, a escuta social para a
elaboração do Plano Plurianual. Cinco etapas foram estruturadas para isso, as quais são a
seguir descritas (BAHIA, 2012, p. 32-33):
a) Adoção de um Mapa Estratégico de Governo, que deveria ser tomado como referência
e premissa para o Plano Plurianual e para a escuta social (vide Figura 1, p. 16). O
PPA-P utilizou-se dos dois eixos estruturantes do mapa e de suas linhas de ação, para
captar as propostas populares, que deveriam, por sua vez, ser integradas nos eixos
específicos, a partir de subtemas. Eixo de Desenvolvimento 1: Desenvolvimento com
Inclusão Social e Equidade – Prioridade para Educação e Saúde; Eixo de
Desenvolvimento 2: Produzir e Crescer Repartindo – Crescimento Econômico
Sustentável com Geração de Emprego e Distribuição de Renda. Ver Mapa Estratégico
na sessão Anexos (Figura 2, p. 185);
b) enfoque Territorial dos Processos de Planejamento resultou na divisão do estado em
26 Territórios de Identidade, tomados como unidade de planejamento. A intenção era
promover a territorialização da programação orçamentária e sua execução;
c) envolvimento das Secretarias de Estado na implementação do PPA-P, visava envolver
todas as secretarias no processo de construção da consulta social, distribuindo entre
elas o financiamento e o apoio logístico para a realização das plenárias territoriais de
consulta;
d) qualificação dos Servidores Estaduais para Moderação das Plenárias Territoriais, 50
servidores foram capacitados em facilitação de grupos para moderarem as plenárias.
104
Depois, foi publicado o Decreto nº 11.729, de 25 de setembro de 2009 da Bahia,
transformando este grupo no Núcleo de Moderadores do Estado da Bahia;
e) transparência, criação do Conselho de Acompanhamento do PPA - CAPPA, a partir de
quatro representantes, por cada território, eleitos nas plenárias territoriais do PPA-P. O
CAPPA, de natureza consultiva e propositiva, teria a função de acompanhar a
execução do PPA e sua territorialização.
Entretanto, a metodologia adotada pelo Governo, apesar de pensada em etapas, não
favoreceu a uma ampla preparação anterior dos Territórios de Identidade para contribuírem
com o PPA. O ineditismo da experiência e o curto espaço de tempo que dispunha o Governo
para realizar a escuta e o PPA não permitiu um amadurecimento no seio da sociedade civil e
nem mesmo dos agentes públicos estaduais. Como contribuir com peças orçamentárias
públicas, e sua natureza técnica, com especificidades de linguagem e funcionamento, sem
uma preparação dos colaboradores antecipadamente? Esta questão ficou sem respostas na
escuta social do PPA, em 2007. Feito em ritmo acelerado, sem nenhum antecedente igual e
com uma equipe, que parte dos gestores iniciava sua primeira experiência à frente da máquina
pública, o PPA Participativo de 2007 realizou 17 Plenárias, abarcando os 26 territórios de
identidade: As plenárias do PPA Participativo ocorreram entre os dias 11 de maio e 17 de junho com pessoas dos 26 Territórios de Identidade que compõem o novo mapa do desenvolvimento do Estado. Somando-se as dezenas de reuniões prévias, seminários e debates em vários municípios com os 12. 343 representantes dos segmentos sociais credenciados nas plenárias do PPA Participativo, cerca de 40 mil pessoas foram envolvidas diretamente neste processo de diálogo territorial. (BAHIA, 2007, p. 63).
Destaca-se a participação de autoridades municipais e estaduais – 17% do total. Este
público, nas plenárias de escuta, formou os Grupos Institucionais, que também apresentaram
suas propostas. Ao final, concluída a jornada de escuta, somaram-se 8.343 propostas,
advindas de indivíduos e organizações sociais, gestores públicos municipais, estaduais e
federais. Este volume impressionante de propostas continha, entretanto, uma enorme parcela
delas sem aplicabilidade ao instrumento PPA. Todas foram registradas e lançadas num portal,
por território e por eixo estratégico do PPA, para consulta social posterior. A SEPLAN fez
uma validação das mais adequadas e as consolidou como válidas.
A gestão da governança do PPA Participativo ficou para o Conselho de
Acompanhamento do PPA – CAPPA. Eleito no bojo das plenárias territoriais de escuta social,
este Conselho foi instituído por Decreto e se apresentou no cenário nacional como uma
105
inovação política no campo do controle social de políticas públicas. O exercício do CAPPA e
os resultados alcançados serão tratados no capítulo V.
4.4 O contexto e as mudanças no processo de participação na construção do PPA 2012 – 2015
No PPA 2012 – 2015, elaborado a partir de 2011, último ano de vigência do PPA
anterior, o Governo, reeleito em 2010, buscou adequar a escuta social a uma versão mais
sóbria e construída com mais premissas antes das plenárias territoriais. Em sintonia com as
iniciativas da União, o Governo da Bahia pretendeu alinhar o novo PPA ao modelo federal.
Buscou-se transformar o PPA em um plano estratégico, retirando dele o excesso de ações e
programas e os detalhes de execução por ação. No PPA 2012, lê-se: Alinhados aos conceitos formulados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, compreendemos os temas como áreas do conhecimento relevantes e estratégicos para a atuação governamental. Organizado em temas, o planejamento incorpora a lógica intersetorial e transversal das políticas públicas, permitindo uma maior articulação entre os níveis estratégico, tático e operacional. (BAHIA, 2011, p. 38).
Um esforço foi feito para alinhar as secretarias ao novo modelo, com salas temáticas e
amplas discussões daquilo que deveria ser mais importante a ser considerado como entrega
das políticas públicas. Ou seja, como transformar o PPA em um instrumento de planejamento
efetivo, com produtos objetivos a serem medidos na hora da avaliação e como vincular tais
produtos ao Orçamento, à Lei Orçamentária Anual – LOA. A autocrítica quanto às falhas do
PPA 2008-2011 foram evidenciadas pelo Governo, como se pode conferir abaixo na
publicação da SEPLAN sobre a realização dos dois PPA Participativos: Não dialoga com a dimensão estratégica; não cumpre o papel da dimensão tática, mas sim da operacional;resulta da consolidação de programas setoriais; dificulta a compreensão da extensão da Política Pública; dificulta a gestão e mensuração dos resultados alcançados; programas são organizados em função de problemas; não esclarece os desafios para a implementação das políticas, de forma articulada com os resultados. (BAHIA, 2012, p.40).
Do ponto de vista técnico-administrativo, o PPA 2012–2015 dava um passo à frente,
para se tornar um instrumento capaz de gerar maior eficiência da gestão pública, notadamente,
para sua utilização como plano estratégico, objetivo e voltado para os resultados sociais. Ou
seja, os resultados que devem contar na hora de uma avaliação da eficiência das políticas
públicas: sua capacidade de transformar a realidade sócio-econômica-ambiental no sentido
positivo, para a melhoria de vida dos cidadãos. Ao menos essa era a meta da reformulação,
que pode ser conferida abaixo:
106
No âmbito das suas competências institucionais, os órgãos setoriais inscrevem nos programas temáticos os seus compromissos detalhando objetivos e metas a serem cumpridos ao longo do quadriênio, relacionando entregas ou iniciativas a serem desenvolvidas, que [...] refletem o elo de integração com os orçamentos. (BAHIA, 2011, p. 39).
Com uma estrutura mais ajustada e revisada a partir do aprendizado do PPA anterior, o
Governo elaborou o PPA 2011-2015 num amplo movimento interno de alinhamento
conceitual e operativo. A segunda versão do PPA Participativo (PPA-P) também foi aprovada.
Agora, a nova versão da escuta social e seu desdobramento ganharia uma feição modificada.
O resultado deveria estar de acordo com o aprendizado da experiência em curso, a partir das
críticas do CAPPA, e de acordo com o espírito mais parcimonioso dos gestores frente às
ambições de um PPA-P, após realizada a primeira experiência. No Governo, internamente, a
SEPLAN, a Secretaria de Relações Institucionais (SERIN) e a Casa Civil concordaram quanto
à necessidade de reduzir a participação nas plenárias a 200 participantes e qualificá-los
previamente para atuação nas mesmas (BAHIA, 2012). O critério adotado foi o da
representatividade, ou seja, para participar, a pessoa deveria representar uma entidade jurídica
social, ou um seguimento econômico, ou ainda ser representante de algum órgão público
federal, estadual ou municipal e não falar de per si. A questão, então, era definir como mediar
esta seleção nos territórios de identidade. Segundo se lê em impresso oficial do Estado: “Este
acordo foi debatido com a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia –
CET, com o CAPPA e com os Colegiados Territoriais, tendo logrado êxito” (BAHIA, 2012,
p. 39).
Aqui, pode-se aferir um processo mais coerente com aquilo que se define por uma
governança territorial, segundo a literatura especializada disponível. A metodologia aplicada
seguiu o princípio do diálogo, constante em todas as fases de elaboração do Plano. Primeiro,
realizou-se um grande seminário interno de Governo, com as diversas secretarias, onde se
apresentou a metodologia do PPA, associada à do PPA-P, que ficou assim desenhada:
a) formação dos Grupos de Trabalho Territoriais (GTT), compostos por “nove
integrantes: cinco da sociedade civil, inclusive dois membros do CAPPA, e quatro
representantes de órgãos públicos” (BAHIA, 2011, p. 33);
b) seminário e Oficina de capacitação dos GTT, a fim de prepará-los para mobilizar as
bases sociais, econômicas e públicas dos territórios e conferir qualificação ao processo
de escolha das propostas. Estas emergiriam de uma discussão prévia nos territórios,
através de pré-plenárias intermunicipais, nas quais se deveriam discutir, antes de
aprovar as propostas, a adequação das mesmas ao instrumento PPA e à dimensão
107
territorial. Para isso, na oficina dos GTT, três características a serem perseguidas nas
propostas foram consolidadas. As mesmas deveriam ter: 1- Foco no desenvolvimento
Territorial (evitando particularismos, municipalismos, e pautando-se pelo bem do
território); 2- Foco no Caráter Estratégico das Proposições (impactos no
desenvolvimento do território e análise dos pontos de alavancagem sobre os quais
deveriam atuar); 3- Foco na Inclusão da Diversidade de Interesses e segmentos, o que
implicaria na própria mobilização para a participação da plenária territorial;
c) pré-plenárias intermunicipais, que deveriam mobilizar ampla participação das
representações municipais, apreciar os Planos Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável (PTDS) de cada território que os tivessem, a fim de vincular as propostas
aos mesmos e eleger a representação municipal para a plenária territorial;
d) plenária territorial, composta de 200 participantes, aptos a apresentarem as propostas,
com representatividade e legitimidade, a partir de uma dinâmica criada para isso;
e) utilização do Núcleo de Moderadores do Estado para mediar os Grupos de Trabalho
das plenárias, através de uma metodologia específica, criada para este fim pela
Universidade Corporativa do Servidor, Coordenação da Secretaria de Administração
do Estado da Bahia – SAEB;
f) utilização da Matriz Temática para a captação das propostas. A Matriz foi
confeccionada pela SEPLAN e substituiu o Mapa Estratégico, utilizado no PPA-P
anterior. Esta era composta de três Eixos Estruturantes Centrais: 1- Inclusão Social e
Afirmação de Direitos; 2- Desenvolvimento Sustentável e Infraestrutura para o
Desenvolvimento; 3- Gestão Democrática do Estado. Cada eixo, por sua vez, foi
composto pelos seus Núcleos Temáticos, o primeiro e o terceiro tinham seis cada um,
o segundo tinha oito. Os Núcleos foram subdivididos em subtemas e as propostas
encaixadas nos subtemas. A título de exemplo tem-se: Eixo: Inclusão Social e
Afirmação de Direito – Núcleo: Educação – Subtema: Educação do Campo (vide
Figuras 3 e 4 em Anexos);
g) sistematização e validação das propostas. A SEPLAN analisaria as mesmas, as
validaria, excluindo aquelas repetidas e/ou inadequadas ao instrumento. Depois as
digitariam e devolvê-las-iam aos territórios em mídia digital;
h) PPA-P NET. Um site aberto a contribuições permanentemente durante o período de
escuta, para os cidadãos escolherem os temas e subtemas prioritários para os seus
territórios.
108
Como se observa, houve uma qualificação geral do processo de escuta social, na
medida em que conferiu aos territórios de identidade maior presença no processo de
elaboração da metodologia, criou-se grupos de trabalho compostos por representações civis e
públicas, realizou-se oficinas e seminários municipais e fomentou-se uma articulação das
propostas com os PTDS. A decisão de reduzir o número de participantes na plenária territorial
implicou redução das contribuições que, por outro lado, deveriam ser mais qualificadas e
aproveitáveis para o Plano.
A participação do CAPPA e dos Colegiados Territoriais em todas as etapas foi um
exercício concreto de Governança e concertação sociais, uma vez que se dialogavam em torno
de todos os produtos e procedimentos. Neste momento, o Governo utilizou de seu
instrumental institucional para firmar uma política de democracia participativa, a partir de
uma reflexão crítica da experiência anterior, indo além. Se, em 2007, houve participação da sociedade civil somente na etapa de consulta, indicação de prioridades temáticas e eleição dos membros do Conselho de Acompanhamento do PPA (CAPPA) [...] essa participação se ampliou, com o envolvimento da sociedade em todas as etapas de construção do plano. (BAHIA, 2011, p.33).
A devolução das proposições colhidas em cada plenária para as lideranças sociais dos
territórios, a fim de servir para monitoramento e acompanhamento das mesmas representou
mais um compromisso claro com a gestão social. A Coordenação Estadual dos Territórios de
Identidade da Bahia – CET reconheceu o êxito do PPA Participativo 2012-2015: Na nossa avaliação, as Conferências Territoriais realizadas até o momento estão acontecendo de forma satisfatória, com ampla participação dos Colegiados Territoriais, organizações populares, instituições públicas, que têm apresentado proposições bastante objetivas para o PPA (COORDENAÇÃO..., 2011, p. 1).
Entretanto, em meio à realização das Plenárias da escuta, o debate sobre uma
pactuação objetiva para a execução das demandas estava ocorrendo e no mesmo ofício
dirigido ao Gabinete da SEPLAN, a CET também solicitava: [...] temos de reconhecer que a tarefa não termina com a realização das Conferências Territoriais. Igualmente importante é a tarefa de sistematização das propostas e a utilização destas como base fundamental, pelas Secretarias Estaduais e outros órgãos de governo, para elaboração e sistematização final do PPA. (...) Desejamos com isso fazer o acompanhamento futuro do PPA, juntamente com o CAPPA, e garantir que o rico processo de escuta da população baiana se faça no futuro (na LDO e LOA). (COORDENAÇÃO..., 2011a, p. 1).
A CET e o CAPPA vinham amadurecendo uma convicção de que o processo de
governança territorial estaria sempre mutilado, caso não se chegasse ao nível de uma
pactuação. Nos marcos da Bahia, esta deveria se dar em termos da execução orçamentária das
109
propostas da sociedade para o PPA. O pacto seria para “[...] que possamos acordar e pactuar a
estratégia de acompanhamento sistemático por parte da CET e CAPPA de todo o processo de
sistematização final do PPA e recepção/utilização por parte das Secretarias de Estado”
(COORDENAÇÃO..., 2011a, p. 2). Neste momento, o desenho de um Pacto ainda não estava
pronto, o que veio a ser elaborado mais tarde. Mas já estava anunciado pela CET a
necessidade de se chegar até o orçamento. Para esta Coordenação, a participação social na
elaboração do PPA só teria sentido se a mesma se revertesse objetivamente em execução no
orçamento, o que está descrito em suas reivindicações como “utilização por parte das
Secretarias do Estado”.
4.5 A pactuação do PPA Participativo 2012-2015: avanços e frustrações
Uma negociação ocorreu entre a SEPLAN, a CET e o CAPPA, durante o período que
antecedeu, decorreu e procedeu às plenárias de escuta do PPA, e no qual estava à frente da
SEPLAN o Secretário Zezéu Ribeiro11. Este processo se deu no seio do CAPPA e do
Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial – CEDETER, com ampla discussão sobre
o caráter e o conteúdo de um pacto entre o Estado e a sociedade civil em torno da execução
orçamentária de parte das demandas das plenárias do PPA Participativo. A experiência do
PPA Participativo anterior apontava para a necessidade de se criar um instrumento que
obrigasse o conjunto das secretarias de Estado a se comprometer em executar nos respectivos
territórios parte das demandas advindas das suas bases. Outras tentativas de vincular as
demandas sociais do PPA ao orçamento haviam sido tentadas anteriormente, sem resultados –
este ponto será tratado no capítulo V, na sessão sobre o CAPPA.
O Governo assumiu o discurso de realizar ao final da construção do PPA o Pacto do
PPA-P, assegurando que um avanço concreto em relação ao PPA-P anterior deveria ser
realizado, através de um pacto que garantisse o cumprimento de parte das reivindicações das
plenárias. Este pacto do PPA-P seria constituído por prioridades territoriais, eleitas a partir do
ponto de vista da sociedade e das condições objetivas do Governo e deveria ser consolidado a
cada ano, na LOA, a partir de concertações a serem feitas entre os Colegiados Territoriais e as
Secretarias de Estado, através de salas de concertação. Nele constaria as bases para a garantia
de cumprimento de parte das proposições retiradas das plenárias territoriais. Dessa forma, um 11 A SEPLAN esteve sob comando dos Secretários Walter Pinheiro de 18/03/2009 a 01/04/2010, Antonio
Valença de 01/04/2010 a 18/01/2011, Zezéu Ribeiro de 18/01/2011 a 09/03/2012 e José Sérgio Gabrielli entre 09/03/2012 e 01/01/2015. Atualmente está sob coordenação do Secretário João Leão, empossado no dia 01/01/2015.
110
conjunto de prioridades seriam definidas para cada território, escolhidas dentre o conjunto
apresentado em cada uma das plenárias territoriais de escuta do PPA. Os atores escolhidos
para fazer tal seleção deveriam ser os 27 Colegiados Territoriais.
Através de um documento protocolado oficialmente na SEPLAN, em 09 de junho de
2011, pela CET e pelo CAPPA, estas duas instâncias apresentaram um texto contendo as
bases detalhadas do Pacto, com uma proposta efetiva para o modelo de operação da pactuação
do PPA Participativo 2012-2019, o que foi acatado pela SEPLAN. Neste Documento, os
protagonistas esclarecem que as propostas ali apresentadas visavam garantir a realização
orçamentária e financeira de parte das demandas advindas das escutas sociais, além: [...] da incorporação das manifestações públicas do Senhor secretário, durante as Plenárias Territoriais, onde afirmou o necessário caráter participativo na definição do PPA e o reconhecimento da necessidade de se realizar uma pactuação entre Governo do Estado e a Sociedade para efetivar este princípio. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 1).
Este documento, após ser debatido, foi levado ao CEDETER, que o aprovou com
pequenas ressalvas, e assinado também pelo Gabinete da SEPLAN. Nele, o CAPPA e a CET
apresentam críticas ao andamento da PPA e apresenta o conteúdo que deveria compor a
pactuação. Destaca-se: A pactuação, portanto, será o resultado de um entendimento do que seja mais estratégico, somado ao que seja mais de acordo com os anseios da população. Cada Território de Identidade possui dinâmicas econômicas, potencialidades latentes, suas condições sociais e políticas, articulado com a dinâmica geral do Estado da Bahia e busca pactuar as propostas mais efetivas e estruturantes para a garantia de seu desenvolvimento sustentável, rumo ao que se apresenta ao Bahia 2023. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p.3).
A sociedade civil buscava pactuar os interesses estratégicos do Estado com os mais
imediatos dos Territórios de Identidade, a fim de criar uma sinergia entre as duas dimensões.
A SEPLAN e o CEDETER estavam de acordo e entendiam que as 20 (vinte) prioridades
retiradas pelos Colegiados Territoriais poderiam ser negociadas ao longo das salas de
concertação. Isso significaria que parte dessas prioridades poderiam não ser viáveis, mas se
poderia “trocá-las” por outras da lista da escuta do PPA, em cada território.
A CET e o CAPPA tinham clareza do processo e propunham ao governo, primeiro, um
acerto interno, entre as Secretarias de Estado, para depois se proceder ao pacto com os
Colegiados Territoriais. É o que fica evidente no documento da pactuação, elaborado por estas
duas instâncias: Neste sentido, acreditamos que o centro do Governo deve apontar quais das propostas apresentadas pela sociedade estão mais de acordo com o que se aponta no Bahia 2023 e pactuar isso com o conjunto das Secretarias e órgãos de governo para
111
montagem final do PPA-P 2012-2015. Após esta pactuação interna, a SEPLAN, Casa Civil, SEFAZ e a SERIN devem, igualmente, pactuar com os Colegiados Territoriais a partir de uma mediação entre as escolhas do Governo e as dos Colegiados Territoriais, os compromissos e as entregas dos programas (estas definidas por cada LOA) por Território. Desta pactuação deve sair ainda um modelo de monitoramento e controle social para o PPA-P e, mais especificamente, para os produtos do Pacto. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 3).
Dentre os itens pactuados, constam os seguintes: Instalação e funcionamento da Mesa de Pactuação, composta por SEPLAN, SERIN, SEFAZ, CASA CIVIL, CET e CAPPA (até 20/07/2011); As entregas dos programas devem ser apresentadas de forma territorializada; A pactuação deve ser dividida por LOA, distribuindo-se previamente as ações [...] por ano orçamentário; O pactuado deve ter a chancela do governador e a ratificação de todos os secretários envolvidos. (BAHIA, 2012, p.53).
Tomando-se este documento como exercício da governança e da concertação sociais, é
possível reconhecer no mesmo um momento de maturidade e avanço de posição de ambas as
partes – governo e sociedade. Os aspectos requeridos para se reconhecer um objeto como
elemento de gestão social e governança territorial, nos moldes da moderna teoria da política
de gestão pública, estão presentes. Pois o Governo pactuou diretamente com as bases
territoriais, através das duas representações específicas dos territórios – CAPPA e Colegiados
Territoriais (através da CET), e após as plenárias territoriais de um PPA Participativo,
territorializado.
Ademais, com as salas de concertação do Pacto, ter-se-ia uma permanência da
concertação e da gestão social do PPA, até o seu final. E se desdobraria a participação social,
partindo do PPA, até o Orçamento e a execução propriamente, firmando um ciclo de
participação, desde a elaboração das políticas públicas, sua aplicação e seu monitoramento e
avaliação. Este Pacto, uma vez consolidado, contribuiria decididamente para afirmar os
Colegiados Territoriais como redes socioterritoriais, nos moldes que Dallabrida (2007) se
refere. Isto porque, estes espaços passariam a ter um exercício de poder objetivo, tornando-se,
assim, de interesse para os diversos grupos e redes presentes nos territórios e fomentando a
sua inserção na disputa e pactuação de políticas públicas.
O pacto é um instrumento imprescindível aos processos participativos no âmbito das
políticas de desenvolvimento sustentável. No modelo de Territórios de Identidade,
implementado pelo Governo da Bahia, a pactuação ganha contornos indispensáveis, uma vez
que os 27 territórios têm representações políticas admitidas oficialmente, através do Decreto
112
12.354, de 25 de agosto de 2010, denominadas de Colegiados Territoriais12. Cada Colegiado,
representando um território com muitas especificidades e distinções em relação aos outros,
tem um pacto a fazer a cada período, a fim de articular as políticas públicas para o seu
desenvolvimento. Além do que, as plenárias do PPA-P foram territorializadas exatamente
para atender a estas diferenças e planejá-las. Mas o ciclo da governança só se fecha com a
pactuação, senão fica-se com o processo de concertação em aberto. Dallabrida (2007a),
refere-se à expressão pacto socioterritorial, como: [...] acordos ou ajustes decorrentes de processos de concertação social [...] relacionados à definição de seu projeto de desenvolvimento futuro [...] protagonizados pelos representantes das chamadas redes de poder socioterritorial. (DALLABRIDA, 2007a, p. 9).
A pactuação seria o salto de qualidade que faltava ao modelo baiano de participação
social territorial, segundo a CET e o CAPPA. Após terem vivenciado o longo processo de
tentativa de gestão social do PPA Participativo 2008-2011, e a partir de constantes debates
sobre as dificuldades de se fazer cumprir a territorialização do PPA e de sua execução, bem
como sobre o monitoramento e avaliação desta mesma execução, a representação civil dos
territórios queria um ponto de ancoragem e confiança para iniciar um novo ciclo. É o que se
pode constatar em outro trecho do documento da pactuação: Para nós, estas são as condições de manter confiabilidade no PPA-P 2012-2015, buscando, inclusive, uma forma de superar as frustrações com o PPA-P 2008-2011 e consolidarmos uma parceria entre Governo e Sociedade mais efetiva, indo além das escutas públicas e efetivando o discurso da democracia participativa. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 3).
Porém, no que pese os avanços ocorridos no PPA Participativo 2012-2015 em relação
ao PPA-Participativo 2008-2011, o Governo não logrou garantias para aquilo que fora
planejado e pactuado. Em seguida à pactuação, no início de 2012, ocorreu a saída do
Secretário Zezéu Ribeiro da SEPLAN e, com ela, o abandono do Pacto. Na sequência da
exoneração de Zezéu Ribeiro, que havia pessoalmente e publicamente se comprometido em
efetivar a pactuação, houve mudança de alguns postos estratégicos na SEPLAN, e o novo
Gabinete, de José Sérgio Gabrielli, que veio a tomar posse em março de 2012, entendeu que o
PPA pronto era, em si, o Pacto, uma vez que fora feito com as contribuições sociais e
apresentava metas territorializadas em parte de seus Programas, devendo o Governo promover
um balanço de sua execução por território e uma prestação de contas aos mesmos.
12 A partir de dezembro de 2014, este Marco Legal foi substituído pela Lei Estadual 13. 214/2014. A mesma
regulamenta a política de desenvolvimento territorial e sua base participativa.
113
Esta decisão foi encaminhada, sem haver uma discussão com as bases sociais dos
territórios, notadamente o CAPPA e a CET. O primeiro fora extinto com o fim do PPA 2008-
2011, e a segunda não teve espaço para reverter a decisão ou mesmo negociar em outras bases
o Pacto. O espaço primordial que podia ser o palco de tal negociação – o Conselho Estadual
de Desenvolvimento Territorial – CEDETER, ficou inativo por um ano e meio. A CET
buscou garantir a ocorrência das reuniões do CEDETER, pois tinha pontos inadiáveis a se
tratar no mesmo, como a Pactuação do PPA Participativo, a imediata execução do Convênio
da SEPLAN com o MDA, amarrado no processo burocrático há meses, a retomada do
CAPPA, entre outros. A pressão da sociedade civil para consolidar o Pacto do PPA
Participativo foi constante. Em junho de 2011, um ofício encaminhando os termos do mesmo
à deputados da base do Governo declarava: Tendo em vista a urgência do tempo que estamos trabalhando para garantir o que cabe à Sociedade Civil na construção do Pacto do PPA-P 2012-2015, de acordo com o documento protocolado na SEPLAN, em anexo, solicitamos o apoio de V. Srª para garantir a territorialização do Orçamento, com base, também, e muito prioritariamente, nas propostas apresentadas pela Sociedade Civil nas Plenárias do PPA-Participativo, realizada pelo Governo do Estado, em parceria com as organizações sociais. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011a, p. 1).
Em setembro de 2012, dirigindo-se à SEPLAN, a CET informa a esta Secretaria que a
mesma tem papel estratégico para garantir a implementação das ações necessárias à Política
de Desenvolvimento Territorial. E cita em primeiro plano na lista delas: “Executar a
Pactuação do PPA-P 2012-2015” (COORDENAÇÃO..., 2012, p. 2). Em outras
oportunidades, a mesma cobrança ao Governo se fez presente, como na “Nota Pública da
Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia Sobre os “Diálogos Territoriais”
do Governo do Estado”, divulgada na mídia em abril de 2013. No texto, que fora escrito no
contexto da suspensão das reuniões do CEDETER e diante da dificuldade inicial de um
entendimento com o novo secretário da SEPLAN – José Sérgio Gabrielli, a Coordenação
reconhece os avanços promovidos pelo Governo, recordando que este: “[...] assinou um
documento intitulado ‘Pacto do PPA-P’, no qual se comprometia no atendimento de vinte
prioridades definidas participativamente nos Colegiados Territoriais” (COORDENAÇÃO...,
2013a, p. 1).
Mais adiante, na mesma nota pública, depois de elencar as iniciativas representativas
dos avanços, denuncia que: “O Governo da Bahia vem esvaziando todas as suas iniciativas e
descumpre todos os acordos e compromissos com os Colegiados Territoriais”
(COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). E nos exemplos que se elencam para demonstrar tais
descompromissos estatais, o primeiro que abre a lista é, justamente, sobre o Pacto: “Não
114
cumpriu os termos do Pacto do PPA-P” (COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). No final deste
mesmo mês, em ofício de nº 027/2013, dirigido ao Governador Jaques Wagner, com uma
“Pauta estratégica para a consolidação da Abordagem Territorial na Bahia”, notifica ao Chefe
do Executivo a necessidade de: “Efetividade do Pacto assinado em 2011 (com instalação
imediata das mesas de negociação e monitoramento entre os Colegiados Territoriais e as
Secretarias envolvidas)” (COORDENAÇÃO..., 2013b, p. 1).
Na SEPLAN, um dispositivo tecnológico havia sido desenvolvido pela
Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA para aperfeiçoar o Sistema de Planejamento e
Gestão do Governo – SIPLAN, a fim de permitir a visualização das demandas da sociedade
advindas da escuta do PPA Participativo dentro do mesmo. Isto porque no PPA anterior não
se tinha tal mecanismo. Agora, uma vez lançadas no sistema, as demandas sociais poderiam
ser visualizadas pelas secretarias e sua eventual execução orçamentária seria também
identificada pela SEPLAN, que poderia tirar facilmente um relatório de prestação de contas
aos Territórios/Colegiados.
Mas o mecanismo final para este procedimento chegar até o fim também foi
abandonado, e as demandas sociais ficaram sem monitoramento objetivo, pois a operação
final do mecanismo de monitoramento, que permitiria a SEPLAN averiguar, no próprio
sistema, o acolhimento ou não acolhimento das prioridades pelas Secretarias, não foi
concluída. Fato que impediu também a geração de relatórios precisos. Nestes termos, o
conjunto das demandas ficou armazenado em arquivo oficial, cada território de identidade
recebeu o seu conjunto e tudo foi disponibilizado no site da SEPLAN.
Mais tarde, entre abril e junho de 2013, estas prioridades foram tratadas nos encontros
do Segundo Diálogos Territoriais, quando a SEPLAN voltou aos territórios para prestar
contas e fazer um balanço da execução do Governo nos dois anos de vigência do PPA 2012-
2015. Mas a devolutiva foi parcial, porque não se tinha uma visão clara do que fora executado
das demandas do PPA Participativo, nem mesmo das 20 prioridades; a equipe da DPT buscou
na imensa lista de realizações, encontrar aquelas que aproximavam das demandas da
sociedade. O resultado final foi pouco útil ao sentido da pactuação, pois não se pôde apurar
detalhadamente o quanto foi ou não realizado das prioridades territoriais. E, claro, não se
instituiu as salas de concertação, nem se definiu por uma revisão do PPA, que poderia abrir
oportunidade para os territórios negociarem suas prioridades.
115
CAPÍTULO V
O exercício da Política de Desenvolvimento Territorial.
5.1 A ocorrência do CAPPA e sua real efetivação no bojo da Política de Desenvolvimento
Territorial
A eleição do Conselho de Acompanhamento do Plano Plurianual 2008 – 2011 – CAPPA,
realizada durante as plenárias da escuta social do referido PPA, ao longo dos meses de maio e
junho de 2007, foi uma inovação destacada no cenário nacional. Além de realizar a escuta
social para a construção do PPA, o Governo criou um Conselho popular estadual vinculado à
sua execução, a fim de exercer o controle social do PPA. Sua eleição, realizada no bojo das
acaloradas plenárias territoriais do PPA Participativo, ocorreu sem maiores critérios quanto ao
perfil mais adequado para a função de conselheiro – estar presente na plenária e ser maior de
16 anos, e para apurar o nível e a qualidade da representação dos candidatos e suas
legitimidades frente à tarefa de conduzirem um objetivo pioneiro e importante. Segundo
Pomponet (2012): Nas primeiras plenárias, no entanto, foi definido como critério para eleição a participação do candidato em alguma entidade da sociedade civil, a exemplo de associações, sindicatos, organizações não-governamentais ou outras entidades da sociedade. O objetivo [...] era assegurar a representatividade do fórum, evitando que servidores públicos sem vínculos com entidades da sociedade civil (não houve restrições a dirigentes de sindicatos de servidores públicos), agentes políticos no exercício de mandato ou ocupantes de cargos de confiança fossem candidatos. A medida foi justificada pela necessidade de manter a representatividade do fórum, assegurando a condição de conselheiros aos representantes da sociedade e reduzindo a influência de agentes com vínculos com o Estado (POMPONET, 2012, p. 71).
Assim, a despeito da forma apressada e sem maiores aprofundamentos, a escuta de
2007 caracterizou-se como uma grande manifestação popular de apoio à democratização do
Estado, à democracia participativa e promoveu grandes expectativas sociais, na perspectiva de
ver seus pleitos atendidos.
Recebido com grande entusiasmo, o CAPPA foi instituído pelo Decreto nº 11.123, de
30 junho de 2007 e tomou posse em 27 de fevereiro de 2008. Com quatro (04) representantes
de cada um dos 26 Territórios de Identidade, o CAPPA era composto por 104 conselheiros,
que formavam o Fórum da Sociedade Civil, sendo metade deles de suplentes, e pelos
secretários do Planejamento e de Relações Institucionais (BAHIA, 2008a). A Portaria
conjunta da SEPLAN e da SERIN, Portaria nº 001, de 08 de julho de 2008, nomeou
oficialmente os conselheiros eleitos. Uma rubrica específica do orçamento público foi
116
instituída na Superintendência de Gestão e Avaliação da SEPLAN para custear as reuniões do
Conselho. A constituição deste Conselho de Acompanhamento deveria cumprir o papel mais
concreto de viabilizar o controle social do PPA, como fica claro no primeiro artigo do referido
Decreto: Art. 1º - Fica criado o Conselho de Acompanhamento do Plano Plurianual – PPA 2008-2011, com a finalidade de subsidiar e aconselhar o Governo do Estado da Bahia quanto à execução do PPA 2008-2011 e propor às instâncias governamentais competentes a adoção de medidas e ajustes necessários para a implementação do PPA (BAHIA, 2008, p. 1).
Note-se que não se tratava de Conselho meramente consultivo, mas com um papel
também propositivo. Destaca-se, ainda, que o Conselho é uma instância de caráter temporal
circunscrito à vigência do PPA 2008-2011, devendo findar-se ao término deste plano. O
CAPPA ficou vinculado à Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA, da SEPLAN. Não
foi encontrado na literatura referente, até 2007, nenhuma estrutura igual ao CAPPA. Seu
ineditismo contribuiu para a indefinição de seu papel e do seu modo de operar, questões que
estão presentes ao longo de sua ocorrência, registradas em diversas atas de suas reuniões
(POMPONET, 2012).
No seu Decreto de criação, é reconhecido o Fórum, destacando-o do Conselho
propriamente dito, que só se conformava quando havia a presença das duas secretarias de
Estado. Entretanto, o Decreto não se refere ao papel do Fórum, apenas normatiza o papel dos
conselheiros: Art. 8º - Caberá aos representantes da sociedade civil no Conselho de Acompanhamento do PPA 2008-2011 as seguintes atribuições:
I - organizar reuniões em cada Território de Identidade, para fins de acompanhamento das ações correspondentes aos mesmos;
II - reproduzir junto aos Territórios as diretrizes estabelecidas pelo Conselho. (BAHIA, 2008a, p. 2).
Da mesma forma, o Regimento Interno, instituído pela Portaria Conjunta da SEPLAN
e da SERIN, nº 02, de 18 de Julho de 2008, não se refere ao Fórum. Este fato deixou o
coletivo da sociedade civil sem papel efetivo. Na prática, o Fórum era o corpo da sociedade
civil na função do controle social, através da intervenção dos conselheiros em seus
respectivos territórios. Como coletivo, independente das duas secretarias, se reunia sempre
antes das Plenárias do Conselho, para articular seus interesses, amadurecer e articular
posições. Já a instância da Coordenação do CAPPA, composta pelos dois secretários (da
SEPLAN e da SERIN), tinha ampla responsabilidade, desde o planejamento, a convocação e a
117
coordenação das reuniões, passando pela divulgação, zelo de conduta dos conselheiros,
promoção de materiais de subsídio ao trabalho dos conselheiros, até a representação do
Conselho nas diversas instâncias. Ocorre que os secretários nunca assumiram, eles mesmos,
este trabalho, ficando o mesmo a cargo, basicamente, da Secretaria Executiva do CAPPA –
que pertencia à SEPLAN, da equipe da Superintendência de Gestão e Avaliação – SGA,
também da SEPLAN, e com apoio da Coordenação de Articulação Social, da SERIN
(COAS).
A instância da Comissão Executiva, por sua vez, deveria ser composta por cinco (05)
titulares e cinco (05) suplentes entre os membros do Conselho. Contudo, na prática, foi
composta durante todo o mandato do CAPPA, somente pela sociedade civil, assessorada pela
Secretaria do Conselho. O Regimento deixa transparecer o otimismo presente na época de sua
elaboração, quando prevê para a Comissão Executiva um mandato de um (01) ano, sem
direito a reeleição dos titulares. Esta situação indica uma crença na farta disponibilização de
conselheiros com perfis adequados a esta função ou na possibilidade de uma formação
constante deles para a função, sem prejuízo de continuidade e eficiência. Havia ainda um
critério de rotatividade entre os territórios para assumirem tais cargos.
Dentre as funções da Comissão Executiva estava a disposta na alínea b, do Artigo 13:
“b) Articular, apoiar e acompanhar as atividades dos(as) conselheiros(as) nos territórios.” Esta
função foi normatizada, sem qualquer garantia aos seus membros de fornecer a infraestrutura
para a mesma. O mesmo problema se refletiu no momento em que os conselheiros se
depararam com suas tarefas institucionais. Este fato foi, repetidas vezes, tratado pelos
Conselheiros ao longo da existência do CAPPA. Já na sua primeira reunião ordinária, registra-
se proposições dos conselheiros quanto ao tema: “Garantir logística mínima para execução do
processo de acompanhamento [do PPA]” (ATA..., 2008a, p. 3). Na segunda reunião ordinária,
realizada nos dias 19 e 20 de dezembro de 2008, registra-se na Ata: “Durante o debate, a
garantia de espaço institucional em eventos oficiais e a necessidade de infraestrutura e de
capacitação dos representantes dos territórios dominaram as falas dos conselheiros” (ATA...,
2008b, p. 1).
Além da ausência da infraestrutura necessária ao cumprimento do papel dos
conselheiros, a dúvida ou pouca clareza quanto ao papel dos conselheiros é registrada ao
longo de toda a existência do CAPPA, desde a primeira reunião ordinária do conselho, até o
seu último semestre de vigência (POMPONET, 2012). Pomponet debruçou com profundidade
nas atas do Conselho e acompanhou presencialmente diversas reuniões do mesmo:
118
Dois anos depois, já em 2011, quando o mandato do conselho estava expirando, ainda se discutia a questão do papel do conselheiro. Em oficina realizada em reunião ordinária no dia 05 de agosto, um trabalho coletivo apontou para alguns entraves existentes, entre os quais a pouca clareza em relação ao papel do CAPPA. (POMPONET, 2012, p. 110).
A SEPLAN, por sua vez, buscou criar condições para o exercício do acompanhamento
do PPA, pelos conselheiros. Na primeira reunião ordinária, no dia 07 de junho de 2008, a
Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA) realizou uma oficina com os conselheiros, na
qual: O processo de concepção, implementação, acompanhamento, monitoramento, avaliação e retroalimentação do PPA 2008-2011 foi apresentado, tanto nos seus aspectos conceituais e operacionais, como no seu rebatimento nos territórios. A programação anual territorializada foi discutida a partir das especificidades dos territórios e para cada território foi disponibilizado um Relatório da Programação anual Territorializada. (ATA..., 2008a, p. 6).
Nesta oficina ficava claro outra dificuldade do Estado para o cumprimento de sua
própria estratégia de desenvolvimento territorial, pois foi demonstrado que: Com base nas informações disponibilizadas, que podem ser alteradas pelas modificações orçamentárias, a programação do PPA para 2008 envolve R$ 4,6 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões foram programados na categoria Estado e portanto não serão territorializados. (ATA..., 2008a, p. 6).
A baixa territorialização do PPA reduzia o escopo das ações que eram prioritárias para
o CAPPA acompanhar, o que não significa, entretanto, que eram poucas as territorializadas.
Além de serem reduzidas, as ações orçamentárias não eram relacionadas diretamente às
demandas dos territórios, mesmo quando eventualmente estas estavam sendo atendidas.
Pomponet chama atenção sobre o volume das ações orçamentárias no PPA 2008-2011 e a
dificuldade de um monitoramento por parte da sociedade civil: O fato de não ter sido desenvolvida uma metodologia para o acompanhamento do plano dificultou a atuação dos conselheiros, o que também foi apontado em reunião. O problema torna-se maior principalmente quando se considera que o PPA foi composto por 105 programas finalísticos e mais de duas mil ações orçamentárias. Essa amplitude e complexidade tornam o acompanhamento mais difícil, sobretudo quando não se dispõe de uma metodologia adequada. (POMPONET, 2012, p. 114).
Some-se a isso, o fato de as propostas advindas das escutas sociais dos territórios não
terem sido inseridas em um sistema integrado de planejamento, ficando aportadas na
SEPLAN, mas sem vínculo objetivo com os Programas e Ações das Secretarias. A SEPLAN
trabalhou com uma lógica de bifurcação da construção do PPA 2012-2015. De um lado,
processou a montagem do Plano, através de seu aporte técnico, do Mapa Estratégico que já
tinha desenhado, das orientações do Governo Federal quanto às novas definições para o PPA
119
da União, envolvendo o conjunto das secretarias do Estado, definindo os conceitos e as bases
dos programas e do orçamento, qualificando o modelo em relação ao PPA anterior. Por outro,
iniciou a escuta social, para a construção do PPA Participativo, em paralelo, sem se preocupar
com a necessidade de se ter em mãos, primeiro, as demandas sociais, para depois se construir
os Programas. Assim, a escuta social foi tomada como o PPA Participativo, dando-se um
tratamento a este como se o mesmo fosse à parte do PPA propriamente dito. O resultado das
escutas territoriais, portanto, ficou “de fora” da confecção das Diretrizes, dos Programas e das
Metas do PPA. Assim, as inserções das propostas sociais deveriam ser atendidas
indiretamente, ou serem absorvidas por vontade política dos secretários em suas respectivas
pastas.
Quando ocorria de atender tais demandas, a apuração do cumprimento deste
atendimento não era claramente evidente. Pois nenhum dispositivo foi implementado para
informar, no sistema de informação do Estado (SIPLAN), quais e quando as propostas sociais
foram adotadas pelas secretarias específicas; e nem houve uma condução centralizada para
fazer as secretarias cumprirem os pleitos da população, ou mesmo um estudo de viabilidade e
adequação dos mesmos; ou, ainda, uma seleção mais criteriosa e com o fito de reduzi-los a
um operacional possível de aproveitamento dos mesmos. Com milhares de propostas, a
sociedade, por sua vez, não priorizou nem pactuou uma base mínima de execução, para ser
negociada com objetividade ao longo dos quatro anos.
Resta ainda analisar o fato de que os territórios ainda não tinham seus Planos
Territoriais de Desenvolvimento Sustentável, parte deles estava em processo de construção.
Assim, o ponto de aterrissagem das políticas públicas no território não fora criado antes, nem
depois, ficando soltas as propostas, frouxos os compromissos, precários os instrumentos de
planejamento e confusos os instrumentos de monitoramento, que desse ao CAPPA condições
mínimas de acompanhar a execução. O Sistema Integrado de Planejamento e Execução do
Estado – SIPLAN não tinha uma linguagem e uma operacionalidade acessíveis aos
conselheiros. Somada esta situação com a inexperiência dos conselheiros, seu baixo nível de
articulação com os Colegiados, o ineditismo da experiência, e a insuficiente organização
política da sociedade no campo do monitoramento das contas públicas, o resultado efetivo da
gestão social do PPA 2008-2011 ficou prejudicado.
A análise das Atas do CAPPA revela um Conselho em atuação permanente, mas com
uma produção efetiva de sua tarefa, quase nula. Consumido por ausências de instrumentos
adequados e informações pouco objetivas ao seu trabalho, por debates e iniciativas que
giravam em torno de sua legitimidade, do seu valor ou da sua desvalorização e pouco
120
reconhecimento por parte do conjunto do governo, o CAPPA tentou ocupar um espaço
político que não tinha e nem era capaz de realizar, uma vez que sua atuação ficou
desvinculada, na maioria das vezes, dos Colegiados Territoriais e do conjunto da política
territorial. Parte de seus representantes não tinha uma vivência territorial, nem participava da
militância das esferas do controle social. Todas as reivindicações do amplo arco da política
territorial passavam por ele, mas sem diretrizes e embasamento de organização social para
realizar suas estratégias.
A alta rotatividade e a baixa participação nas reuniões e seminários de formações de
boa parte dos conselheiros não ajudou a elevar a performance do Conselho (POMPONET,
2012). Ademais, esta realidade revela a precipitação da montagem de um conselho desta
natureza no bojo das plenárias territoriais, quando se iniciava o processo participativo
territorial. A CET se colocou, inclusive, contrária a este método, e propunha à época eleger os
conselheiros nos Colegiados, em outro momento, com mais critério, o que o Governo não
acatou.
Não se tinha uma maturação social instalada nos territórios, que estivesse dada no
momento das plenárias e organizada para assumir o cargo de conselheiro do CAPPA. Esta
tarefa poderia ter sido construída com maior cautela e dentro de um processo mais discursivo
e com critérios. Dallabrida (2007) teoriza sobre o aspecto da capacidade social para a
condução de seus interesses hegemônicos, ao formular o conceito de “redes de poder sócio-
territorial”. Este conceito tem como hipótese o fato dos indivíduos terem motivações
diferentes, induzidas por desejos e necessidades individuais, mas os mesmos vivem em
grupos, se relacionam e conformam interesses coletivos e passam a se articular no entorno
destes, formando as redes. Assim, segundo Dallabrida (2007a): Criam-se, então, as condições de exercício do poder, podendo direcionar suas demandas comuns às instâncias onde são tomadas as decisões. Assim, nos diferentes processos de concertação social, constitui-se um conjunto de lideranças possuidoras de posição hegemônica localmente, que passam a formar o chamado bloco sócio-territorial. (DALLABRIDA, 2007a, p. 8).
O CAPPA não chegou a ser uma expressão de um nível de organização sócio-
territorial. As redes presentes nos territórios de identidade na ocasião não estiveram em
condições de se organizarem para ocupar este espaço. Assim, o Conselho foi constituído em
bases precárias, com pouca capacidade de intervenção. A pulverização da representação e a
falta de uma articulação das redes representadas no Conselho, a partir de uma base territorial,
esvaziou o Conselho do poder necessário que precisava ter para ser um instrumento real de
pressão política
121
A despeito desta situação, parte dos conselheiros se esforçou para cumprir a sua tarefa
e fiz seu papel na medida das condições objetivas disponibilizadas. Muitos deles tinham
clareza da situação e cobravam enfaticamente do governo as posições necessárias para o
complemento do modelo. O trabalho de Pomponet (2012), com base em análise minuciosa
das atas do CAPPA aponta um conjunto destas cobranças e críticas dos conselheiros, como a
destacada abaixo: As primeiras dificuldades, no entanto, foram percebidas ainda na primeira reunião ordinária, realizada em junho de 2008. Um dos grupos da oficina de trabalho solicitou “Definir com clareza as ações dos órgãos de governo para os territórios” e também “Definir com clareza o orçamento estadual por secretaria para os municípios e territórios”. (POMPONET, 2012, p. 86).
A regionalização das ações do Estado não foi devidamente programada e a estrutura
regional instalada não sofreu nenhuma adaptação ao novo recorte territorial. Segundo
Pomponet (2012), no PPA 2008 - 2011: [...] cerca de três quartos dos recursos estimados para a execução do plano, ao longo de quatro anos, estão alocadas no item “Estado”. A Constituição Federal de 1988 determina que todos os recursos alocados no PPA devem estar regionalizados. Ocorre, porém, que a alocação no item “Estado” é considerada regionalização. Na prática, isso significa que somente investimentos em obras costumam estar devidamente regionalizados. A aquisição de produtos diversos e os recursos aplicados no pagamento de pessoal encarregado com atividades finalísticas nem sempre são regionalizados, o que gera distorções no acompanhamento. Apenas 25% dos recursos estão distribuídos entre os 26 Territórios de Identidade, excetuando-se o item “Estado”. (POMPONET, 2012, p. 80).
Por sua vez, o Plano Plurianual é um instrumento de planejamento e não obriga,
necessariamente, a execução financeira e orçamentária do que traz no seu bojo. Em geral, no
Brasil, o orçamento, quando materializado na Lei Orçamentária Anual – LOA, geralmente,
não está de pleno acordo com o planejado no PPA, nem em conteúdo, nem em metas. Com o
foco no PPA, o controle social ficou reduzido e não chegou a controlar o nível de coerência
entre um instrumento e outro.
Na gestão de Walter Pinheiro à frente da SEPLAN houve um esforço para uma
intervenção do CAPPA no Orçamento, através da inclusão de propostas na LOA de 2009.
Registra-se a fala deste Secretário na ata da reunião ordinária do CAPPA, realizada em 10 de
julho de 2009: [...] o orçamento não deve funcionar como uma caixa fechada, o que implica a necessidade de maior participação da sociedade [...] não adianta a participação da sociedade no Plano Plurianual, sem que o processo tenha continuidade quando são elaboradas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Com base nessa constatação, o Secretário orientou os conselheiros do CAPPA a promover plenárias nos respectivos territórios com o objetivo de colher sugestões para a LOA 2010. (ATA..., 2009a, p. 1).
122
O Secretário do Planejamento estava ciente das distorções entre o PPA e o Orçamento,
e buscava agir para corrigir tais procedimentos. E cobrou dos conselheiros este compromisso:
“Walter Pinheiro disse que a crise torna ainda mais necessário incluir no orçamento apenas o
que está previsto no PPA” (ATA..., 2009a, p. 1). Os conselheiros foram solicitados a
escolherem três ações prioritárias a serem inseridas diretamente na LOA, com base numa
eleição a ser realizada em plenárias territoriais. Estas ações deveriam, como exposto pelo
Secretário do Planejamento, ser retiradas das proposições já apresentadas nas plenárias da
escuta territorial do PPA Participativo. Mas o pouco tempo e as dificuldades de se reunir
alguns colegiados para tal pleito foi tratado pela Comissão Executiva do CAPPA, em sua
reunião de 24 de julho de 2009: [...] fala da escassez do tempo para a realização de grandes assembleias nos Territórios e que no Sertão do São Francisco, por exemplo, não se tem como reunir nem mesmo o Colegiado antes do dia 13 de agosto. Diz que a Executiva precisa deliberar sobre qual será o fórum que irá deliberar sobre as prioridades dos territórios, para evitar confusão. (ATA..., 2009b, p. 2).
Novamente, o CAPPA apresentava-se com dificuldades para realizar a gestão que lhe
cabia. O prazo para entrega oficial do PPA à Assembleia Legislativa era 30 de agosto de
2009. O tempo era curto e muitos conselheiros não tinham influência, nível de comunicação
ou habilidade para reunir uma plenária territorial, ou mesmo a plenária do Colegiado
Territorial. A Comissão Executiva resolveu agir com pragmatismo. Na mesma reunião,
registra-se: “Fica deliberado, por consenso, que o fórum deliberativo é o Colegiado e, na sua
ausência, a sua coordenação executiva” (ATA..., 2009b, p. 2-3). Assim, a forma como muitas
das prioridades foram escolhidas foi questionável, registrando-se alguns casos de escolha feita
pelo próprio conselheiro.
Em nova reunião extraordinária da plenária do Conselho, realizada no dia 08 de agosto
de 2009, os conselheiros trouxeram as prioridades dos seus respectivos territórios,
registrando-se a ausência de três territórios. Neste momento ocorre uma reflexão do papel do
Conselho novamente. Entregar as prioridades à SEPLAN estaria cumprida a responsabilidade
do CAPPA? Um conselheiro provoca a reflexão com o seguinte argumento: “Os trabalhos não
podem se encerrar somente com a listagem das prioridades, pois é inadmissível os
conselheiros viajarem, se hospedarem, gerando um custo elevado para o Estado, só para trazer
suas prioridades” (ATA..., 2009c, p. 3). Outro conselheiro chega a perguntar: “o que é preciso
fazer a mais que as prioridades?” (ATA..., 2009c, p. 3). Esta passagem deixa evidente a pouca
compreensão do Conselho quanto ao seu papel, mesmo diante da oportunidade de se inserir
123
diretamente na LOA prioridades dos territórios. A resposta veio a seguir, pelo mesmo
conselheiro que havia provocado a discussão: “[...] é preciso saber em que momento serão
tratadas estas prioridades e se as secretarias viabilizarão a recepção das mesmas. Em caso de
mediação [...] acompanhar as discussões e ter retorno sobre o andamento, sugerir alternativas”
(ATA..., 2009c, p. 3).
As propostas foram todas sistematizadas pela SEPLAN, distribuídas por território e
por secretaria, inclusive por programa do PPA, tudo foi planilhado e entregue às Secretarias
Setoriais, um tanto intempestivamente, com pouco tempo para processar. O mesmo foi
entregue aos Colegiados Territoriais para acompanharem. Porém, o mais importante a
destacar é que, não houve, mais uma vez, uma centralização que obrigasse as secretarias a
cumprí-las e o processo de sua inclusão foi pouco efetivo, resultando em baixa realização.
Diante destas frustrações, o CAPPA chegou a propor ao Governo que definisse um percentual
orçamentário por território e por secretaria, que devesse ser executado, a partir da negociação
setorizada com cada território e secretaria, mas o Governo entendeu este caminho como
inviável.
O CAPPA pleiteava uma reunião com o Governador do Estado da Bahia para colocar-
lhe os problemas enfrentados no exercício de seu mandato e as questões mais gerais referentes
à política de desenvolvimento territorial. Na reunião de 10 de julho de 2009, o então
Secretário de Relações Institucionais, Rui Costa, garantiu aos conselheiros esta agenda: “[...] a
palavra foi franqueada novamente para o Secretário Rui Costa, que prometeu uma reunião
entre o governador e a Executiva do CAPPA para agosto” (ATA..., 2009a, p. 2).
O encontro com o Governador foi agendado para o dia 25 de agosto de 2009, das
18:00h às 19:30h, com a confirmação também dos dois Secretários membros do Conselho. A
Comissão Executiva se reuniu antes, pela manhã, para definir como deveria encaminhar a
reunião com o Governador, e depois, para avaliar a mesma. No Conselho, a discussão da
estratégia para o encontro com o chefe do Executivo baiano havia indicado a articulação da
Comissão Executiva com a Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia –
CET, entendendo que a mesma também deveria participar da reunião, articulando ambos os
interesses que, entendia-se, eram os mesmos. Mas a CET não priorizou este encontro, apenas
um de seus membros compareceu à reunião da Comissão, para a qual havia sido convidada,
nem se fez presente na reunião com o Governador. Este fato retirou desta importante
oportunidade seu conteúdo mais politizado e mais abrangente, uma vez que a CET tinha
maior habilidade para tratar com as autoridades e maior domínio sobre a perspectiva mais
ampla da política de desenvolvimento territorial.
124
Este momento representou o ponto mais alto da relação institucional do CAPPA. Estar
em diálogo específico com o Governador e dois dos seus secretários, por uma hora e meia era
uma oportunidade ímpar. A discussão na reunião de preparação, da Comissão Executiva,
perpassou pelos temas rotineiros no Conselho e estes foram consolidados numa pauta
acanhada. Registra-se abaixo algumas falas desta reunião, que demonstram a perspectiva da
Comissão Executiva para o momento: [...] diz que este Governo desejou este modelo de Territórios, mas quem está no Governo parece que desconhece o CAPPA. [...] disse que as iniciativas em relação à infraestrutura é o ponto de maior importância [...] questiona o fato de o CAPPA não ter acesso às informações prévias sobre as obras e ações do Governo nos Territórios, nem dos eventos políticos, envolvendo o Governador em suas visitas locais, diz que reivindicará ao Governador o direito de participação do CAPPA e da CET nas mesas, com direito à fala. [...] por que os deputados de oposição têm direito de falar nos eventos e o CAPPA não? [...] o CAPPA é tratado com importância política nos discursos [...] mas a maioria das secretarias não sabe, sequer, que ele existe. (ATA..., 2009d, p. 2).
Depois de amadurecerem seus pontos de vista, a Comissão Executiva definiu pelos
seguintes itens a serem tratados: i) Política de Desenvolvimento Territorial – envolvendo na
discussão a necessidade de reconhecimento do CAPPA pelas autoridades do Estado e pelas
Secretarias; Participação do CAPPA nos eventos oficiais com reconhecimento público do
papel dos conselheiros; Comando do Governador para as secretarias trabalharem com a lógica
territorial; ii) estrutura e condição material para o trabalho do CAPPA – sala de trabalho,
transporte, diárias; iii) participação do Governador na reunião ordinária do CAPPA no final
do ano de 2009; iv) posição contrária do CAPPA aos regimes de contratação especial pelo
Estado – Prestação de Serviço Temporário (PST) e Regime Especial de Direito
Administrativo (REDA); v) assegurar o cumprimento do PPA e vi) política de informação ao
CAPPA.
O Governador reconheceu as dificuldades do Governo, como um todo, entender a
lógica territorial e relacionar com os espaços e atores envolvidos nela e na participação social,
refletindo que este é um problema de mudança de mentalidade, que se processa com certo
tempo. E ainda: “reconhece que não tem chegado a si maiores informações de quais são as
obras do PPA [participativo] e afirma ser muito importante esta informação, para fazer jus às
demandas populares, no momento da inauguração das obras” (ATA..., 2009d, p. 2).
O Governador se comprometeu, ainda, em incluir os membros do CAPPA na
programação dos eventos públicos nos territórios, e também se declara aberto a rever o apoio
aos trabalhos dos agentes territoriais, que “deve ser visto com cuidado necessário para não
infligir a Lei, mas o que for possível ser feito, o Governo entende que será bom para a
125
organização social” (ATA..., 2009d, p. 2). Seguindo os pontos da discussão, o Governador se
dispôs a participar da reunião do CAPPA e explicou porque o Estado ainda continua adotando
regime especial de contratação de funcionários: “[...] pessoalmente também é contra ao PST e
ao REDA, mas como gestor tem de submeter às condições concretas da máquina pública, mas
que seu Governo tem feito esforço para utilizar o mínimo de tais instrumentos” (ATA...,
2009d, p. 2).
Na reunião de avaliação, a Comissão Executiva ponderou que o resultado foi
satisfatório, que todos se posicionaram com “temperança e firmeza”. Concordaram que as
respostas do Governador, em parte, foram genéricas, mas de concreto, segundo avaliaram,
firmaram duas das reivindicações: “a primeira foi a inclusão do CAPPA nos eventos oficiais
nos Territórios, a segunda foi o pedido de agendamento junto à sua secretária para a sua
participação na reunião ordinária do CAPPA, em dezembro de 2009” (ATA..., 2009e, p. 1).
Entretanto, os pontos mais de acordo com a função restrita do CAPPA não foram
amadurecidos na Comissão, nem com o Governador. Para Pomponet (2012): Na reunião com o governador Jaques Wagner, por exemplo, os membros do conselho não conseguiram elaborar uma pauta prévia que se relacionasse às atividades de acompanhamento do plano. Foi-se, então, com uma pauta genérica que não se traduziu em resultados concretos. Isso apesar dos vários meses solicitando uma audiência com o Chefe do Executivo. (POMPONET, 2012, p. 103).
O CAPPA poderia ter apresentado uma proposta objetiva de um pacto orçamentário
em torno dos territórios de identidade com um processo de monitoramento mais eficiente,
como veio a propor, conjuntamente com a CET, mais tarde. Mas a Comissão Executiva do
CAPPA não tinha as condições necessárias para construir tal proposta. Quando veio a ocorrer
esta articulação, o CAPPA já estava em seu último semestre de vida legal, caminhando para o
seu encerramento institucional.
Assim, o PPA 2008-2011 transcorreu seus quatro anos de vigência sem revisão, ou
ajuste para uma territorialização mais efetiva. Sem, também, um monitoramento eficiente,
nem uma avaliação consistente de seus resultados. Programas novos foram criados ao longo
da gestão Wagner, sem estarem previstos no PPA, surgidos a partir da dinâmica sociopolítica,
como foi o caso dos Programas Saúde nas Estradas e o Pacto pela Vida, dentre outros, mas
sem inserir o tão debatido recorte territorial. No que pese as inúmeras reuniões ordinárias e
extraordinárias do CAPPA, de um conjunto de capacitação oferecido pela SEPLAN a este
Conselho, o mesmo, a despeito de sua rica experiência, não alcançou o êxito previsto na sua
criação.
126
5.2 O fim do CAPPA – mutilação ou integração do corpo da política territorial?
Durante a gestão de Zezéu Ribeiro à frente da SEPLAN, em 2011, ocorreu a
realização do segundo Plano Plurianual Participativo 2012-2015 – PPA-P e, a partir dele, se
configurou as bases para uma pactuação entre o Governo e os Colegiados Territoriais,
articulada pelo CAPPA e pela CET, envolvendo a SEPLAN e o CEDETER. Neste período,
no bojo da pactuação, ainda no final da gestão deste secretário, o Governo também assumiu o
compromisso de manter o CAPPA funcionando e apontou para a confecção de um projeto de
Lei que instituísse um sistema de participação social no Estado, criando, assim, um marco
legal mais sólido e sistêmico para a participação social, nele incluída a política territorial.
Várias minutas de um instrumento legal foram desenhadas neste período, buscando conferir
um caráter sistêmico aos processos de participação. Depois, concluiu-se que não havia
condições políticas objetivas para um sistema de participação, que incluísse o regime de todas
as conferências temáticas, os diversos conselhos, fóruns e outros espaços de participação.
Reduziu-se, então, a delinear um instrumento jurídico que normatizasse apenas a dimensão
territorial da participação social e do desenvolvimento sustentável, em conjunto.
A primeira e única vez que houve uma articulação concreta em torno de um objetivo
claro, através de uma ação definida, entre o CAPPA e a CET foi no momento de construção
do Pacto do PPA Participativo. Na escuta social do PPA Participativo 2012-2015, ocorrida em
2011, o CAPPA conquistou um lugar destacado nas plenárias, a partir dos consensos antes
estabelecidos entre este Conselho, a CET e o Governo. Sua fala foi garantida em todas as
plenárias. Quatro representações foram definidas como permanentes nas aberturas oficiais das
plenárias da escuta social do PPA Participativo 2012-2015: da SEPLAN, da CET, do
Colegiado Territorial e do CAPPA.
Antes deste momento, o CAPPA havia tido espaço formal em evento público estadual
somente em 2007, quando acompanhou o Governador na entrega do PPA 2008-2011 à
Assembleia Legislativa e durante o primeiro Diálogos Territoriais - plenárias territoriais em
que o Governo retornou aos territórios para prestar contas da execução do PPA, ocorridos
entre abril e junho de 2010. Porém, mesmo nestes momentos, as falas dos conselheiros, com
poucas exceções, foram pouco politizadas, sem uma articulação construída em torno de uma
meta coletiva, sem se atentar para a própria pactuação que estava, naquela altura, sendo
discutida com a SEPLAN.
Nesta altura da pactuação, discutia-se também o destino do CAPPA. O Governo abrira
a discussão sobre a inadequação da existência de dois conselhos para uma mesma política de
127
desenvolvimento territorial: o CAPPA e o CEDETER. O argumento era de que o CEDETER
era o espaço de concertação geral da política, o locus do planejamento e ajustamentos
estratégicos, bem como da macrogestão social da política e que, portanto, a gestão do PPA
deveria ocorrer em seu interior. Além do que, o reconhecimento dos Colegiados de
Desenvolvimento Territorial – CODETER, e sua homologação pelo CEDETER – ação
política que estava em curso, fortalecia este argumento. Os CODETER poderiam ser a ponta
da articulação entre o Governo e a sociedade nos territórios, devendo eles mesmos assumirem
a gestão local do PPA, e tratarem dos seus eventuais ajustes junto ao CEDETER, composto,
por sua vez, pelas representações dos próprios CODETER e das Secretarias de Estado. Para
isso, propunha o Governo, o CAPPA deveria ser transformado numa Câmara Técnica
permanente do CEDETER, com o mesmo papel de fazer a gestão social e controle público do
PPA.
Esta proposta, apresentada oficialmente ao CAPPA, foi rebatida de pronto pelos
conselheiros. Argumentava-se que acabar com um conselho de 104 representantes da
sociedade civil e substituí-lo por uma simples câmara técnica dentro de outro conselho, era
um retrocesso. O Governo argumentava em contrário, afirmando que seria mais empoderado,
pois estaria se relacionando diretamente com oito secretarias de Estado, dentro de um
conselho paritário. Os conselheiros do CAPPA e a CET se articularam para defender sua
posição e se organizaram para isso. Apresentaram propostas de instrumentos legais para
assegurar a permanência do CAPPA, até uma definição mais clara de como estruturá-lo.
Depois, buscaram compor uma proposta do referido sistema de participação social, e ainda
outro, tratando da sua preservação específica, independente das outras instâncias. Todo
esforço foi feito a fim de garantir a virada do ano de 2011 com a permanência do CAPPA. Os
conselheiros temiam pelo fim deste Conselho, a partir do que estava posto pelo Governo,
como fica claro na preocupação de um conselheiro, registrada em ata da reunião do Conselho: [...] manifestou preocupação com a evolução recente do conselho e opinou que o Governo não quer a continuidade do CAPPA, porque existe certa frieza e distanciamento. Ele observou que surgem comentários que o conselho será extinto e não há um posicionamento oficial sobre a questão e ressaltou que não foi convocado para discutir nenhuma proposta até então. Ele defendeu a construção de um modelo de conselho que favoreça a participação, a mobilização e a ação e apontou a necessidade do atual conselho elaborar um relatório sobre os quatro anos de atividades. (ATA..., 2011a, p. 1).
Nos diversos momentos que ocorreram no segundo semestre de 2011, em que o
CAPPA e a CET sentaram juntos com a SEPLAN para buscar um consenso, a sociedade civil
ali representada não abriu mão do Conselho. As duas instâncias chegaram a colocar em
128
discussão um texto, apresentando argumentos em favor da manutenção dos dois conselhos e
reconhecendo suas especificidades, intitulado: “Argumentos a favor de um Sistema Unificado
de Participação Política e Controle Social Territorial, a partir da Existência de Dois
Conselhos”. Nesta altura, o foco estava somente na dimensão territorial da participação,
depois de desistir de criar um sistema geral de participação. Neste documento, o CAPPA e a
CET buscavam convencer o Governo de que os dois conselhos eram de natureza distinta e
complementares, devendo se manter a coexistência de ambos a partir de 2012 Destaca-se no
documento, primeiro, o reconhecimento dos avanços democráticos do Governo até ali: A decisão do primeiro Governo Jaques Wagner em implementar o PPA Participativo e, junto com ele, os Territórios de Identidade e o Conselho de Acompanhamento do PPA – CAPPA, bem como a abertura que vem sendo sustentada para o diálogo com os colegiados Territoriais e a Coordenação Estadual dos Territórios – CET é uma demonstração pratica e corajosa de uma postura democrática, inversa ao que se tinha na tradição política do estado [...] Em nenhum estado da federação se tem uma aparato institucional territorial mais expressivo e efetivo do que na Bahia. Esta conquista é de todos nós, Sociedade Civil e Governo. E representa a principal vitória política desta geração que combateu o autoritarismo elitista e chegou ao comando do Estado pela vontade popular. (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 1).
Na sequência, o documento destaca os riscos de se perder as conquistas democráticas,
e alerta para a natureza rotativa do poder do Estado, que poderá retornar às mãos de grupos
hegemônicos conservadores e, principalmente, levar ao esfacelamento das conquistas: “[...]
conjunturas podem evaporar no ar e mudar completamente o quadro situacional das forças
políticas e dos humores do eleitorado, temos de [...] trabalhar para consolidar princípios e
estruturas que os assegurem” (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 1). O
documento ainda critica o Governo por não assumir a política de desenvolvimento territorial
como um projeto estratégico, engendrado na máquina do Estado, permanecendo restrita a
espaços específicos.
Para os autores do texto, a forma dada com dois conselhos era corajosa e avançada,
porém representava: “menos uma decisão racional de estruturação de uma estratégia
articulada dentro do projeto político do grupo hegemônico do Estado, e mais um arranjo
levado a frente por alguns de seus membros, notadamente dentro da SEPLAN”
(COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).
O documento parece combater a ideia de um CAPPA merecedor de ser extinto por
conta de sua incapacidade de cumprir seu papel, tal incapacidade, denunciavam, era mais por
conta das posturas do próprio Governo: “não se mexeu na estrutura da SGA/SEPLAN, nem
nos procedimentos da SPO, a fim de este Conselho cumprir sua tarefa [...] funcionou como
129
um espaço de denuncia e cobranças daquilo que o próprio Governo não cumpria”
(COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).
Quanto às naturezas diferenciadas dos dois conselhos, o documento apresenta um
conjunto de características de ambos, nas quais o CEDETER se enquadra como o espaço da
estratégia territorial e o CAPPA como o espaço do controle social (COORDENAÇÃO... e
CONSELHO..., 2011b): O CAPPA é um Conselho, basicamente, composto pela sociedade civil, como deve sê-lo, por conta de sua natureza de controle social. E encerra o maior número relativo de representantes da sociedade civil numa estrutura institucional. Uma conquista histórica para a Bahia. Seu papel é o de manter vigília na execução das políticas públicas, de garantir aos territórios o direito de pressionar pelos compromissos do PPA-P [...] A sua separação do CEDETER é mais do que lógica, e necessária. Ele é um Conselho da esfera da fiscalização das contas públicas, vinculado à política orçamentária e dedicado à sua correção e condução ética. [...] O CEDETER [...]tem o papel de promover a reflexão estratégica da política territorial, bem como as concertações necessárias à mesma e o fomento de novas iniciativas e de políticas públicas. Localiza-se, portanto, no campo estratégico e de planejamento e seus certames políticos dizem respeito a dinâmica do jogo de forças políticas e de interesses divergentes em torno das decisões de investimento e de formas de desenvolvimento da política territorial. Seu campo de atuação é mais vasto do que o do CAPPA, mas não mais importante, apenas diferente, ainda que seu espectro de atuação seja maior (COORDENAÇÃO... e CONSELHO..., 2011b, p. 2).
Note-se que a intervenção social na perspectiva de assegurar o CAPPA foi
significativa. Ao final das discussões, o Governo, através da SEPLAN, declarou que manteria
o CAPPA enquanto conselho. A minuta de um Decreto foi elaborada, tratando,
provisoriamente apenas do CAPPA. Projetava-se em 2012 elaborar e aprovar uma Lei
envolvendo toda a dimensão territorial, na qual se regulasse o CAPPA, o CEDETER, os
CODETER e a CET.
Entretanto, o ano de 2011 chegou ao fim, realizando a previsão mais pessimista dos
conselheiros quanto ao destino do Conselho: 31 de dezembro de 2011 foi também o fim do
CAPPA. O mesmo ocorreu de maneira abrupta, sem justificativa oficial, sem prestar-lhe
agradecimento pelo seu exercício, sem um discurso oficial em sua despedida. O Conselho
findou-se, achando os conselheiros que o mesmo iria continuar. Com a minuta do Decreto de
sua continuidade no prelo para ser publicada no Diário Oficial do Estado, após ter sido
pactuada com a SEPLAN e o Secretário Zezéu Ribeiro, o CAPPA foi extinto abruptamente,
por ordens alheias à SEPLAN.
Posteriormente, o Secretário José Sérgio Gabrielli veio a garantir a promulgação da
Lei 13.214, de 2014, estabelecendo o Marco Legal da Política de Desenvolvimento
130
Territorial, e, nela, a presença do CAPPA como Comitê de Acompanhamento do Plano
Plurianual do CEDETER. Seus membros passaram a ser os representantes da sociedade civil
titulares do próprio CEDETER.
A instância de participação é uma premissa da democracia participativa. As formas
diversas que tais instâncias podem tomar são resultado dos processos históricos de cada
território, das experiências políticas emanadas de suas territorialidades. Na Bahia, a
experiência de uma territorialização da gestão pública do desenvolvimento, implementada por
um Estado, dirigido por forças políticas progressistas e conservadoras, a partir da
institucionalização de espaços de governança, participação e controle social, tendo por base a
divisão do estado em 27 territórios de identidade, é uma ocorrência de valor histórico,
importante para o estudo no campo do desenvolvimento.
Primeiro, porque se trata de um dos maiores estados da nação, com uma grande
diversidade, marcado por desigualdades sociais e regionais profundas, por culturas também
heterogêneas. Segundo, porque a tradição política baiana sempre foi marcadamente
autoritária, patrimonialista e clientelista. E a gestão pública, tradicionalmente, estabeleceu um
modelo centralizador, concentrador e voltado ao litoral e à capital. Desta forma, instituir uma
nova cultura da relação Estado-sociedade, institucionalmente pautada em diálogo e voltada
para a inclusão da diversidade, para a descentralização e a desconcentração econômica e
política, considerando a dialética daí decorrente, com todos os vieses e com toadas as
contradições que possam ser encontrados, implica numa experiência a ser, no mínimo,
descrita e observada.
Portanto, a partir de 2007, o PPA Participativo, juntamente com um conjunto de outros
espaços e processos de diálogo direto entre o Estado e a sociedade, na Bahia, inauguraram
uma experiência política nova no estado, uma vez que encerram contradições reveladoras do
estado da arte da cultura política vigente e das condições materiais e institucionais para o
engendramento de uma modernização democrática. Mais do que julgar ou reduzir a análise
aos aspectos ideológicos, deve-se buscar analisar as condições históricas dadas, a partir de um
olhar multe escalar e interdisciplinar dos fenômenos.
É substancial aos estudos das dinâmicas territoriais do exercício do poder político
perceber a forma dialética como se engendra tais processos de modernização. No caso aqui
em análise, tem-se um Governo de alternância da tradição política do estado, que implementa
um conjunto de ações na direção da democratização do mesmo, na perspectiva da democracia
participativa, através de uma estratégia territorial. Tal estratégia, destaca-se, sendo, ela
mesma, algo pouco experimentado no país, conceitualmente ainda em construção intelectual e
131
técnica, normativamente ainda verde e sem marcos legais consolidados. Não se trata apenas
de uma versão liberal de promover uma escuta social isolada para uma ação específica do
Estado. O Governo baiano exercita, com todas as dificuldades dadas, limitações e
contradições, um modelo de democracia participativa, ora com um vanguardismo
incontestável – sobretudo no campo da normatização e do estabelecimento dos espaços de
governança; ora com incapacidade de compreender a própria obra, ou de assumi-la, por conta
de falta de visão estratégica ou conservadorismo político.
A criação do CAPPA, no bojo da implementação dos territórios de identidade e de um
PPA Participativo, foi, ao mesmo tempo, uma inovação política considerável e um
pioneirismo institucional que apontava para a transformação do modelo político tradicional.
Sua gestão, porém, não acompanhou o intento de sua criação. O ideal, naturalmente, voa,
enquanto o material, também naturalmente, “marcha em terreno pedregoso”. O CAPPA
pareceu uma criação sem paternidade por parte da sociedade, e sem maiores cuidados por
parte do Estado. Atuou dentro dos espaços institucionais criados para o seu trabalho,
promoveu, pois, gastos públicos para o seu funcionamento, envolveu trabalho de diversos
órgãos e pessoas, o esforço pessoal e coletivo dos conselheiros, gerou documentos e registros
oficiais, traçou uma trajetória, fez história.
Cabe, entretanto, perguntar: o que ficou desta experiência para a sociedade e o
Governo? Que importância efetiva teve ao longo de sua breve existência? Sua ocorrência
promoveu maior transparência no exercício dos recursos públicos? Gerou estofo político para
os territórios no campo do controle social? As respostas a tais perguntas ainda precisarão ser
construídas, a partir de estudos dedicados às institucionalidades presentes na sociedade, para
entender de que maneira e em que nível se organizam e são capazes de intervir
territorialmente na dinâmica do poder político, nos rumos das políticas públicas. Abromovay
(2006) ao tratar da contribuição marshalliana para a compreensão do desenvolvimento, chama
atenção para o fato de que: A abordagem territorial, além disso, exige a análise das instituições em torno das quais se organiza a interação social localizada [...]. Se é assim, o estudo empírico dos atores e de suas organizações torna-se absolutamente crucial para compreender situações localizadas. É claro que estes atores provêem de vários setores econômicos e possuem origens políticas e culturais diversificadas [...]. (ABROMOVAY, 2006, p.2, grifo do autor).
Numa plenária ampla e irrestrita como foram as do PPA Participativo 2008-2011, sem
um amadurecimento prévio sobre o objeto a ser tratado, sem uma estratégia anterior às
mesmas para construir a ideia do CAPPA e aprofundar seu papel e sua importância e,
132
sobretudo, com uma territorialidade que estava, junto com o próprio PPA Participativo,
apenas iniciando, não se podia esperar constituir um conselho sólido em sua representação
social, nem em sua capacidade operativa. Por sua vez, a tradição política não permitia uma
condição melhor do que a que veio a ter o Conselho, não com o modelo e metodologia
utilizados para sua constituição.
Os gestores que o conceberam talvez esperassem que as capacitações e o avanço da
lógica territorial fossem suprir tais limitações. Era tudo inicial, e feito no tempo do Estado e
suas obrigações legais. A CET ainda tentou adiar o momento e encontrar outra forma de
eleger o CAPPA, talvez esperasse que os Colegiados estivessem em melhores condições para
fazê-lo. Mas estes estavam institucionalmente e como representantes dos territórios, reduzidos
a seguimentos rurais, pouco diversificados e verdes no campo do controle social dos recursos
públicos e assim ainda permanecem. O edifício territorial institucional lançava suas bases,
mas elas refletiam mais a real situação de fragilidade institucional dos territórios e do próprio
governo do que as projeções conceituais e técnicas deste último.
Assim, a gestão social e a democracia participativa foram apenas parcialmente
exercitadas nesta experiência baiana, que construiu um pioneiro instrumento de controle
social, com base em uma estratégia territorial de desenvolvimento. O CAPPA deve ser visto,
não apenas como o espaço do controle social do PPA, ele era uma peça do arcabouço da
política de desenvolvimento territorial da Bahia, uma face do mesmo, aquela em que os
territórios exerceriam o controle social sobre o planejamento do Estado, notadamente daquilo
que rebatesse na esfera dos territórios.
Sua extinção deixou o corpo do arcabouço da política de desenvolvimento territorial
faltando um pedaço importante e necessário. O período que transcorreu entre o seu fim, até a
aprovação da Lei 13.214, de 29 de dezembro de 2014, que o retomou na forma de Comitê do
CEDETER, decorreram exatos três anos. De 108 representantes territoriais destinados a
cumprir a função específica de conselheiros do PPA, o Estado da Bahia terá, agora, onze
conselheiros que tratarão das questões estratégicas da política de desenvolvimento territorial e
também do monitoramento do PPA. Porém, o comitê não será mais, como fora o CAPPA,
restrito ao exercício de um PPA específico, sua existência é contínua. O aspecto estratégico e
o pragmático estão unidos, agora, num mesmo corpo institucional, sob a responsabilidade de
um mesmo organismo de concertação social e participação política territoriais – o CEDETER.
Outro aspecto relevante é o fato de que o PPA Participativo é o exercício da
participação social na esfera do planejamento do Estado, não na própria execução; ou seja,
não se trata de orçamento participativo. Este fato muito objetivo gerou uma dificuldade
133
permanente no exercício do CAPPA, uma vez que os territórios eram chamados a
contribuírem com sugestões e demandas para um plano e não se definiu claramente se o
compromisso do Governo chegaria a uma espécie de pactuação orçamentária em torno das
demandas sociais.
Este hiato consumiu a relação do CAPPA com o Governo e determinou todos os
conflitos, as confusões e os desgastes ocorridos no seio do Conselho e em sua relação com o
Governo. Eleito como um conselho de acompanhamento de um planejamento público, o
CAPPA buscou agir como um Conselho de acompanhamento de um orçamento público.
Neste desencontro, nem o CAPPA, nem o Governo acertaram o passo e o resultado foi que
nem o PPA, nem as Leis Orçamentárias Anuais foram de fato monitoradas e aconselhadas
como pretendiam o Governo e o CAPPA, respectivamente. Neste sentido, a reflexão de Rover
e Mussoi (2011) pode ajudar a entender os resultados desta experiência baiana: Chamar os atores sociais para uma maior participação na decisão sobre as políticas públicas sem construir condições efetivas de que esta participação tenha algum poder de decisão sobre as peças orçamentárias que são destinadas a cada território local, pode resultar numa deslegitimação dos novos espaços de gestão social. (ROVER e MUSSOI, 2011, p. 76).
5.3 Os Colegiados Territoriais – As bases invisíveis do corpo
Na Bahia, uma leitura da institucionalidade estatal da política de desenvolvimento
territorial parece apontar que os Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER são
coletivos políticos que representam a diversidade social, política e cultural dos Territórios de
Identidade, e configuram as estruturas centrais do arcabouço da Política de Desenvolvimento
Territorial. Legalmente e teoricamente compostos por representações civis e dos poderes
públicos de cada Território de Identidade, os CODETER constituem, no arcabouço jurídico, o
corpo representativo dos interesses da diversidade dos territórios e atuam para fomentar,
articular, conquistar e defender políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento
sustentável dos territórios. Fundamentados a partir dos princípios de diversidade,
representatividade e legitimidade, estas estruturas colegiadas são dinâmicas e móveis,
pensadas para acompanhar a evolução da organização e das mudanças na sociedade dos
territórios.
Do ponto de vista da concepção do modelo baiano, os CODETER são compostos por
representantes dos seguimentos sociais, assim como dos poderes públicos municipais,
estadual e federal que estejam presentes nos territórios. São as sínteses institucionais da
existência da Política Territorial; sem eles não se pode afirmar que haja territórios, uma vez
134
que representam o compromisso político e social com a afirmação destes espaços e a
existência oficial dos mesmos.
Mas há que se avaliar até que ponto tais premissas estão sendo cumpridas e de que
maneira funciona o conjunto da política de desenvolvimento territorial, sobretudo no que
tange ao exercício da governança, elemento chave para o sentido dos CODETER. As
articulações e organizações coletivas, em parte dos territórios de identidade, já estavam em
processo de efetivação, antes do Governo instituí-los. Esta realidade se apresentava nos locais
de maior presença de instituições de classe, de seguimentos produtivos rurais, de cooperativas
e associações produtivas locais ou regionais. Quando da implementação dos territórios rurais
do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, os grupos mais organizados e
participantes do processo de revelação dos mesmos se puseram a dialogar com o Governo
Federal e participar ativamente da revelação dos territórios.
Surgiram os Conselhos de Desenvolvimento Sustentável (CODES), tipicamente rurais,
mas com o intuito de se firmarem como redes de governança territoriais, ou seja, espaços de
convergência territorial dos diversos seguimentos econômicos, sociais, culturais,
institucionais. A partir daí, em um primeiro momento, um forte movimento se organizou para
a estruturação dos territórios e de suas redes. Uma rede estadual foi constituída, em forma de
Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia – CET, para coordenar no
estado o processo de implementação dos territórios, envolvendo organizações sociais, poderes
públicos estadual, federal e municipal. Em seguida, a partir de 2007, com a institucionalização
dos territórios de identidade, oficialmente são denominados de Colegiados de
Desenvolvimento Territorial, notadamente a partir do Decreto 12.354 de 25 de agosto de
2010, que instituiu o Programa Território de Identidade, o Conselho Estadual de
Desenvolvimento Territorial – CEDETER, e os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável – CODETER: São Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs os fóruns consultivos de discussão local das ações e projetos de desenvolvimento territorial, compostos paritariamente por representantes dos poderes públicos estadual e municipal, e pela sociedade civil organizada, presentes na esfera de cada território. (BAHIA, 2013, p. 29).
De acordo com esta norma, os CODETER são reconhecidos institucionalmente e
passam a ter a prerrogativa de serem os espaços privilegiados para a concertação territorial.
No mesmo documento, consta a definição de dois critérios para o reconhecimento dos
CODETER junto ao CEDETER, ou seja, para o reconhecimento legal da representação
política dos territórios:
135
I - diversidade dos seus membros, assim entendida a pluralidade da participação do conjunto dos atores públicos e privados pertencentes aos territórios de identidade; II - representatividade da sua composição, que deve reunir segmentos regionalmente organizados (BAHIA, 2013, p. 29).
As premissas da diversidade e da representatividade como condição para o
reconhecimento legal é um ato coerente com os conceitos oficiais de território de identidade e
indica uma coerência interna no arcabouço legal, para a afirmação de um modelo novo de
democracia participativa. O Estado não interfere no processo de constituição dos CODETER,
não o conduz, e participa do mesmo, a partir de uma ampla negociação local para a sua
composição – paritária, ou não, e diversa. Ao se analisar o conjunto das premissas
institucionais da política de desenvolvimento territorial da Bahia, observa-se um arcabouço
legal instituído intencionalmente para promover o desenvolvimento territorial e um processo
de governança das políticas públicas de desenvolvimento sustentável e inclusão sócio
produtiva. O Decreto Nº 12.354 decreta a instituição do referido programa Territórios de
Identidade com o propósito de “colaborar para a promoção do desenvolvimento econômico e
social dos Territórios de Identidade” (BAHIA, 2013, p. 28).
Segundo a Secretaria de Planejamento da Bahia, a adoção dos territórios de identidade
objetiva: “Identificar oportunidades de investimento e prioridades temáticas definidas a partir
da realidade local de cada território, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e
sustentável entre regiões [...]” (BAHIA, 2008d). Território aqui não se restringe a espaços
meramente físicos, mas unidades definidas a partir de uma suposta identidade das populações
e de seu protagonismo coletivo, cujo sujeito político, para o Estado, é o território e sua
representação legítima, os colegiados territoriais. Esta parece ser a questão definidora do
modelo baiano, uma vez que se insere no cenário político e institucional novos atores, cujos
interesses se pautam dentro de uma nova agenda política, qual seja, a do desenvolvimento
sustentável territorial. Este novo sujeito político requer espaços de poder e institui uma
gramática política nova, ao tratar de territorialidade e não de município, ou região,
potencialmente alterando a dinâmica das conquistas e barganhas de obras e investimentos,
tradicionalmente à cargo de prefeitos e deputados.
Em conformidade com a lógica interna do arcabouço da política de desenvolvimento
territorial, os CODETER seriam tomados como fóruns privilegiados de governança, nos
moldes tratados por Dallabrida (2007). Isso porque, a instituição dos mesmos, por
ordenamento jurídico estatal, como corpo representativo das bases do planejamento e
execução das políticas públicas, requer protagonismo e mediação constantes e de acordo com
136
os projetos de desenvolvimento do Estado, não somente com os processos internos e
espontâneos de cada território. Neste desenho, o poder público deveria levar as grandes
questões determinantes para o desenvolvimento sustentável, tratando-as nos espaços dos
CODETER, com o conjunto da diversidade representativa, sem foro privilegiado para nenhum
dos seguimentos. E acolheria as proposições coletivas, pactuadas e aprovadas pela diversidade
representativa, a fim de balizar seus planos e suas políticas públicas.
Esta condição está sendo considerada até aqui de maneira superficial, por parte do
Estado. O Governo tem praticado apenas a escuta social territorializada do PPA. Em tese, o
PPA representa o compromisso do Governo para com o conjunto da sociedade, sem
discriminações ou hierarquias. As escutas sociais foram feitas em plenárias ampliadas, que
não se reduziam aos Colegiados. Apenas ao remeter aos CODETER a escolha das 20
prioridades para a pactuação do PPA Participativo 2012-2015, o Governo assumiu, na prática,
estes espaços como fóruns privilegiados de concertação. Ocorre, porém, que, as escutas não
foram de fato pactuadas, não se preocupou em definir critérios, respeitando a paridade das
propostas entre os diversos seguimentos, entre o rural e o urbano. Também não se permite
apreciar com profundidade os grandes projetos de logística, mobilidade, infraestrutura,
energia e transporte nos espaços dos CODETER. Estes projetos são tratados à parte, em
esferas fechadas de decisão e, quando ocorre escuta, a mesma se dá em forma de audiências
públicas, através da mediação do Ministério Público, como fica evidente na construção do
Porto Sul, em Ilhéus.
No que pese esta situação, um cotidiano transcorre e alimenta os CODETER. Diversas
demandas pontuais do Governo são levadas aos atores que estão à frente dos mesmos, tais
como mobilizações diversas de pessoas e organizações para participarem de eventos oficiais,
ou para compor um público alvo de certa política pública, ou ainda, para dá legitimidade a
processos de participação social, ou ajudarem na massificação de um procedimento que
precisa ser amplamente introjetado na sociedade. São essas lideranças, ainda, em sua maioria,
que compõem o corpo de militância da base social do Governo. As políticas públicas que
mais são introjetadas pelos CODETER, discutidas e acompanhadas são aquelas referentes à
agricultura familiar. Isto por conta do público presente nos mesmos serem hegemonicamente
ligados às causas rurais e as políticas participativas advirem do MDA.
O Estado acredita, porém, na parceria com os CODETER e os territórios. Inclusive
quando da construção do PPA Participativo 2012-2015, a estratégia envolvendo o CAPPA, os
CODETER e servidores estaduais, nos Grupos de Trabalho Territoriais, que se constituíram
para mobilizar, realizar reuniões locais, divulgar o PPA e sua metodologia, articular os atores
137
e ajudar na realização das plenárias da escuta, foi tida como bem sucedida para o
aprofundamento da relação de governança territorial e aproximação entre Estado e sociedade
civil: Nesse processo, os integrantes do Conselho de Acompanhamento do PPA e os colegiados territoriais desempenharam papel fundamental, seja na articulação do processo, na mobilização social e na discussão das propostas elaboradas. Essa participação mais ampla converge com o propósito do Governo do Estado de fortalecer a parceria com a sociedade, o que constitui uma tendência na gestão das sociedades democráticas modernas, favorecendo a implementação do controle social e o exercício da cidadania (BAHIA, 2012, p. 36).
O reconhecimento público do Colegiado como sendo o sujeito coletivo oficialmente
autorizado pelo Estado para mediar o desenvolvimento do Território é a condição necessária
para dar corpo institucional e político, de fato, aos territórios, ou então não o dará
efetivamente. Pois, se o Estado tratar cada seguimento dentro do Território, de maneira a
situá-los numa dimensão territorial, mas atendê-los predominantemente de maneira
segmentada, não corroborará para a coesão e consolidação do território. Fato que ocorre
ordinariamente, quando, por exemplo, se estabelece mesas de negociação com os diversos
movimentos sociais ligados à reforma agrária e à agricultura familiar, estabelecendo agendas
oficiais para atender as suas pautas específicas. Nestes momentos, os movimentos não tratam
de questões estratégicas e territoriais, mas tão somente das suas demandas mais imediatas.
Esta prática, inclusive, vem levando os movimentos a se retirarem dos Colegiados
Territoriais, pois estes não são espaços efetivos de deliberação e definição orçamentária por
parte do Governo.
Ademais, como ficou evidente na reunião do CAPPA com o Governador em 2010, o
Governo não estabeleceu uma relação com os Colegiados de maneira a fortalecê-los dentro da
arena política. Boa parte das ações realizadas pelo Governo, quando advinham das escutas,
nem mesmo o Governador era informado (RELATÓRIO..., 2010a), nem se publicizava este
fato. O próprio Governo, portanto, não reconhecia nem capitalizava tal fato, o que abria
espaço para os parlamentares e prefeitos fazê-lo: A principal queixa apresentada pelos membros da comissão que compõe o Colegiado é que não existe reconhecimento pelas demandas apresentadas pelo fórum quando são executadas. Conforme reclamação corrente, deputados estaduais e federais se fazem presentes às solenidades de inauguração, capitalizam as realizações para os respectivos mandatos e não se reconhece o trabalho de discussão e reivindicação dos Colegiados (RELATÓRIO..., 2010a, p. 1).
Este fato permanece e configura a fragilidade dos Colegiados. A despeito de o
Governador ter assumido junto ao CAPPA que passaria a registrar as origens das obras
quando estas fossem advindas das escutas sociais e de incluir a representação territorial nos
138
atos oficiais, mas isso não correu. Nos Diálogos Territoriais de 2010, registra-se em relatório:
“Outro problema apontado é que as iniciativas propostas pelo Colegiado, quando executadas,
não são atribuídas à mobilização do órgão ou às suas sugestões, o que dificulta a consolidação
do Colegiado junto à sociedade, assim como sua maior legitimidade” (RELATÓRIO...,
2010b, p. 1).
Já em 30 de abril de 2013, a CET encaminhava ofício ao Governador e à SEPLAN,
agradecendo a confirmação da presença do mesmo na reunião do CEDETER, agendada para o
dia 08 de maio de 2013, na qual seriam apresentados dois documentos:
A Pauta Estratégica para a consolidação da Abordagem Territorial na Bahia e [...] a Nota Pública da Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia, recentemente publicada nos jornais de grande circulação e na Rede Nacional de Colegiados Territoriais (COORDENAÇÃO..., 2013b, p. 1).
Na Nota Pública, denunciava-se que o Governo não apresentava firmeza na decisão
estratégica de: “[...] fortalecer o controle social das ações governamentais, confiando
unicamente nas relações federativas e partidárias, estabelecidas a duras penas e com grande
comprometimento ideológico” (COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 1). Aqui, a CET se remetia à
pouca atenção do Governo para com as demandas sociais, os espaços e as representações da
governança territorial. A Nota ainda segue denunciando: “Não cumpriu os termos do ‘Pacto
do PPA-P’; O CAPPA foi sumariamente extinto sem qualquer discussão; O CEDETER está
vergonhosamente, congelado, sem se saber os motivos técnicos ou políticos para isso”
(COORDENAÇÃO..., 2013a, p. 2). Abromovay (2006), ao refletir sobre a necessidade de
tomar o rural brasileiro enquanto territorialidade, para avançar na compreensão de suas
potencialidades enquanto lugar de vida e economia, conclui: “Constituir novas instituições
propícias ao desenvolvimento rural consiste, antes de tudo, em fortalecer o capital social dos
territórios, muito mais do que promover o crescimento desta ou daquela atividade econômica”
(ABROMOVAY, 2006, p. 16).
Parece evidente que a reunião com o Governador, e, antes dela, com a SEPLAN,
ocorreu por força da repercussão na mídia da referida Nota Pública. A CET ainda não havia
levado à arena midiática uma ofensiva ao Governo até ali. Esta atitude de maior confronto se
deu no contexto da inatividade do CEDETER e na iminência de realização dos Segundo
Diálogos Territoriais, previsto para ocorrer entre março e junho de 2013, sem diálogo com a
CET. Assim, os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – CODETER têm, a
despeito de sua fragilidade representativa e de seu pouco poder político, marcando posição
constantemente, através da CET. É fato também que, apesar das limitações do Governo em
139
absorver a política de desenvolvimento territorial e assumir os seus espaços de concertação e
governança territoriais, também não a abandona.
Entre a elaboração do PPA 2008-2011 e o ano de 2013, houve avanços significativos,
com uma maior territorialização dos Programas e das entregas do PPA 2012-2015. Criou-se o
CEDETER; revelou-se o 27º território de identidade – Costa do Descobrimento, operou-se um
convênio da SEPLAN com o então Instituto das Águas – INGÁ no valor de R$ 3. 417.326,00
para apoiar a organização dos Colegiados Territoriais e os Comitês de Bacia (este convênio
foi interrompido quando se havia investido a metade dos recursos). Reconheceu-se os
CODETER como os sujeitos prioritários de interlocução com os territórios de identidade;
deu-se início a homologação dos CODETER junto ao CEDETER; o Plano de Longo Prazo
Bahia 2023 dedicou uma parte somente para a política de desenvolvimento territorial; criou-se
uma diretoria de territorialização das ações na Superintendência da Agricultura Familiar; a
Superintendência de Ensino Profissionalizante estabeleceu os Centros Territoriais de
Educação Profissional, a Secretaria da Cultura instituiu-se fundamentada na territorialidade
dada; foram realizados dois Diálogos Territoriais – abril a junho de 2010 e abril a junho de
2013. E, já em dezembro de 2014, um Marco Legal foi promulgado, garantindo-se todo o
arcabouço que estava em voga e ampliando o controle social do CAPPA (enquanto Comitê do
CEDETER) para além do PPA, chegando até a Lei de Diretrizes do Orçamento – LDO e a Lei
Orçamentária Anual – LOA.
Portanto, a situação referente aos aspectos políticos é bastante complexa e
contraditória, não se pode tomar a experiência apressadamente como uma ocorrência muito
avançada e dentro de uma ideia, como afirmava o Governo da Bahia, de “Revolução
Democrática”. Mas também não se deve tomá-la como uma farsa ou uma política meramente
populista e de fachada, como querem alguns críticos do Governo. É fato que a
implementação de uma lógica territorial no planejamento do Estado implica algum nível de
compromisso com o rompimento do fisiologismo político e do particularismo, comuns nos
processos tradicionais de implementação das políticas públicas. E, como ocorre, mesmo não
assumindo até as últimas consequências a lógica do modelo, o Governo sustenta uma
experiência rica, apoiada e compartilhada por parte da sociedade civil, que pode estar
contribuindo para uma nova relação Estado-sociedade e para o amadurecimento de uma
consciência social participativa no território da Bahia como um todo e nos territórios de
identidade, em particular.
Estas contradições, explicam o fato de, hoje, os Colegiados serem, ainda, pouco
diversificados, com pouca capacidade de intervenção local, em seu conjunto, e indica a
140
necessidade de o Governo agir no sentido de seu fortalecimento, o que implica reconhecer seu
papel representativo e forçar situações de deliberação do investimento público no âmbito
territorial. Isto, naturalmente, forçará um movimento para dentro dos Colegiados. Quem tem o
poder para isso é o Governo e não os sujeitos sociais simplesmente, muitas vezes enviesados
que estão de seus atarefamentos corporativos, fisiologismos, corporativismos e egoísmos. Há,
portanto, uma decisão estratégica de construção contra hegemônica, que está nas mãos do
Governo. Em outras palavras, a pauta territorial é o compromisso efetivo com a plataforma
progressista contemporânea e ela prescinde de uma opção clara de rompimento, ao menos
relativo, com os processos de “troca de favores eleitorais”. É uma estratégia de consolidação
de bases sociais organizadas e protagonistas, para além de uma gestão de governo.
Este novo amálgama é substancial para a construção estratégica contra hegemônica,
visando elevar o estado da arte das gestões estadual e municipal dentro da Bahia para uma
qualidade superior em termos da efetividade das políticas públicas. Em termos de resultados
de curto e longo prazos para o desenvolvimento sustentável e a descentralização da riqueza e
das oportunidades. Afinal, ao se colocar em um Plano Territorial de Governo as diretrizes do
PPA, vinculadas ás demandas sociais, e ao fomentar que os Territórios sentem-se, discutam e
elaborem seus Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – PTDS, é de se esperar
que o desdobramento natural seja um tratamento convergente das questões centrais, num
movimento governamental sólido e articulado para implementar o “caminho do meio”,
definido como o bom senso, o pacto mínimo para o bem geral daquele território
Portanto, o que se deve ter como premissa elementar para o funcionamento do
arcabouço territorial da política de desenvolvimento na Bahia é a realidade da composição
social dos 27 CODETER. Esta tem sido a questão de fundo para a definição de muitos pontos
que estão fragilizados no contexto desta política. Sendo os CODETER as bases do edifício
territorial, as questões que lhe dizem respeito afetam todo o conjunto.
A dialética observada é a seguinte: o Governo não assume politicamente os espaços de
concertação territorial para além da escuta do PPA, e não pactua no orçamento a realização de
qualquer parte destas escutas – nenhum programa até 2013 efetivamente foi submetido à
qualquer nível de deliberação nos CODETER; não se considera os Planos Territoriais de
Desenvolvimento Sustentável – PTDS como parte do Planejamento da SEPLAN; não se faz
propaganda institucional sobre os territórios e sua lógica democrática; mas exige-se dos
mesmos CODETER que sejam representativos, contenham a diversidade social e produtiva do
território, atuem com visão estratégica, capacidade técnica e habilidade política.
141
Sem aporte de poder deliberativo, os CODETER permanecem como espaços pouco
valorizados pelo conjunto social e, sem representação social adequada ao modelo. Não são
tomados na prática, pelo Governo, como espaços com força política suficiente para mediarem
ou concertarem as políticas públicas. Por isso, o Governo não os tem como atores de barganha
efetiva. Por conta desse conjunto de situações a homologação dos mesmos junto ao
CEDETER vai sendo prorrogada, na espera da solução do problema. Desde o Decreto de
criação do CEDETER, que indica a homologação dos CODETER, publicada em 26 de agosto
de 2010, até o momento, nenhum Colegiado Territorial foi ainda homologado: “A primeira
homologação dos CODETER deverá ser realizada pelo CEDETER no prazo máximo de 01
(um) ano, a partir da data de publicação deste Decreto [...]” (BAHIA, 2010b, p. 28).
A despeito de situações como esta, Rover e Mussoi (2011) afirmam:
A cultura política nacional ainda existente, com vícios históricos, como o patrimonialismo e os procedimentos clientelistas no trato da coisa pública, potencializa as forças tradicionais dominantes dos territórios. Estes vícios serão, ainda algum tempo, fatores limitantes de processos que realmente levam a uma gestão pública mais democrática e integrada. (ROVER e MUSSOI, 2011, p. 77).
5.4 O CEDETER e a formação de um corpo visível para a Política Territorial - entre o
planejamento e a execução de políticas públicas
A criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial, a partir do Decreto
de número 12.354, de 25 de agosto de 2010, foi um desdobramento intrínseco do movimento
geral da criação da política de desenvolvimento territorial na Bahia. A primeira peça
institucional a efetivar os territórios foi a Lei 10.705, de 14 de novembro de 2007, que
instituiu o Plano Plurianual 2008-2011. A primeira aparição institucional do termo “ território
de identidade” está grafada na apresentação da mesma, assinada pelo Governador Jaques
Wagner: As plenárias do PPA Participativo foram realizadas nos 26 territórios de identidade que compões o novo mapa do desenvolvimento do Estado e foram delimitados a partir do sentimento de pertença da população e da teia de relações sociais e econômicas a partir daí estabelecidas, o que permite o planejamento e a execução de políticas condizentes com as necessidades e potencialidades locais. (BAHIA, 2007 p. 12).
Depois, surpreendentemente, no corpo da Lei, o termo território não aprece. Quando se refere a especialização dos investimentos, utiliza-se o termo “região”:
Art. 4º - O Poder Executivo encaminhará ao Poder Legislativo Relatório Anual da avaliação para apreciação da execução do plano plurianual com o objetivo de apresentar os resultados alcançados com a execução do plano, comparando com a
142
proposta inicial, com destaque para os atributos: valores, produtos região e município. (BAHIA, 2007, p. 18)
Os territórios estavam dados, o CAPPA havia já sido eleito, e toda a argumentação do
Governo era em torno da descentralização administrativa e da desconcentração do
desenvolvimento, para o qual foram criados os territórios de identidade. Mas a Lei não
registra o locus geográfico do investimento como sendo estes; região é uma expressão, neste
contexto, vago. O que fica mais desencontrado ainda quando no corpo da peça do PPA, o
texto técnico referente à “Estratégia de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Bahia”
(BAHIA, 2007, p. 45), se discorre sobre as “Diretrizes Estratégicas” e, dentre elas, figuram as
“Diretrizes Estratégicas Territoriais”. De saída, o texto reconhece: “Para a formulação e
implementação das ações do Governo, adotou-se a priori o conceito de Território de
Identidade utilizado pela Coordenação dos Territórios e Movimento da Agricultura Familiar e
MDA” (BAHIA, 2007, p. 53). Mais à frente, esclarece sobre a diferença entre o conceito
baiano e o do MDA e da necessidade de se engendrá-lo no Estado:
Como esses territórios foram originalmente delineados para atender a um programa específico do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) cujo foco era a Agricultura Familiar, para que se defina e utilize os Territórios de Identidade como unidade de planejamento e de intervenção de políticas públicas é fundamental que se amplie e se aprofunde com as populações envolvidas a diversidade e a dinâmica econômica dos espaços rurais e urbanos. (BAHIA, 2007, p. 55).
O texto aponta sutilmente para um continuum do processo de implementação dos
Territórios e da necessidade de uma construção dialógica, que perpasse pelo engendramento
das bases conceituais e integre o urbano e o rural. Mas a visão estratégica fica demonstrada no
parágrafo seguinte, revelando uma compreensão articulada por parte do Governo quanto aos
motivos de se adotar a abordagem territorial para o desenvolvimento: Uma das prioridades do atual governo da Bahia é a redução das disparidades socioeconômicas e da pobreza que atinge de forma e com intensidade diferenciadas os diversos territórios do Estado. Daí a necessidade de se incorporar na formulação e na implementação do Plano de Governo uma estratégia de desenvolvimento que inclua a dimensão territorial, na qual a ação multi-setorial precisa acontecer de forma coordenada. Assim, os 26 territórios de identidade baianos requerem estratégias diferenciadas de intervenção, que respondam adequadamente aos seus problemas, necessidades e potencialidades. (BAHIA, 2007, p. 55)
Note-se que território é um conceito que implica um aperfeiçoamento da gestão,
através da integração das políticas públicas, alcançada por uma coordenação planejada das
mesmas, em cujos territórios de identidade, elas se materializem. Esta estratégia serve, pois,
para aproximar as ações de Estado junto às realidades locais e suas especificidades,
143
diminuindo a distância entre o real e o planejado. Além dos aspectos da desconcentração dos
investimentos e da democratização das políticas, o Governo entendia a estratégia territorial
também como modelo de participação social permanente: Um dos objetivos específicos da estratégia do Governo visa estabelecer o debate permanente e participativo entre o poder público e os vários seguimentos da sociedade (organizada) acerca de suas reais necessidades, assim como das perspectivas do planejamento e desenvolvimento territorial e do Estado. (BAHIA, 2007, p. 55).
Mais uma vez, o discurso do Governo aponta para um regime institucional que garanta
a co-gestão pública através da sociedade civil organizada, e da gestão social do planejamento
territorial. Neste ponto, a necessidade de criação de espaços de diálogos estratégicos fica
clara. Assim, depois da Lei do PPA 2008-2011, o próximo instrumento institucional do
arcabouço territorial veio a ser o Decreto 11. 123, de 30 de junho de 2008, que criou o
CAPPA. Neste, reconhece-se os territórios novamente, quando trata da representação da
sociedade civil no Conselho: o Fórum de Acompanhamento do PPA 2008-2011 composto por
2 representantes de cada um dos, até então, 26 Territórios de Identidade eleitos nas audiências
públicas de elaboração do PPA 2008-2011, e seus respectivos suplentes. Em 2010, ocorreu
uma divisão do Territórios Extremos Sul, ficando sua porção norte denominada de Território
Costa do Descobrimento.
Mas não há neste Decreto nada que vincule os conselheiros ou os subordine aos
Colegiados Territoriais. Estes, até aquele momento sequer são citados nos instrumentos
legais, ainda que o diálogo entre eles e o Governo esteja se dando cotidianamente, desde a
transição de governo, no final de 2006. Por sua vez, ficava a cargo dos conselheiros fazer as
reuniões nos territórios para fins de acompanhamento do PPA e repassar as diretrizes do
CAPPA. O Governo ainda não havia se atentado, ao que parece, para o fato de, ao reconhecer
os territórios de identidade, se reconhecia novos entes políticos, pois que dentro do conceito
territorial, território implica relação política e de poder. Estes deveriam ser tratados como
agentes políticos de fato, o que implicava reconhecer-lhes uma representação política. A
eleição do CAPPA não representou este reconhecimento, pois fora feita nas plenárias abertas
da escuta do PPA 2008-2012, nas quais, os Colegiados Territoriais estavam diluídos no bojo
da participação irrestrita das plenárias.
Em seguida, o próximo instrumento normativo do arcabouço territorial foi a Portaria
Conjunta da SEPLAN e da SERIN, de número 001, de 08 de julho de 2008, que nomeou os
conselheiros eleitos nas plenárias. Ali, com apenas dois artigos, nomeia-se os cidadãos que
irão monitorar a execução do PPA. O Governo resolve: “Art. 1º - Designar os representantes
144
dos Territórios de Identidade eleitos nas audiências públicas de elaboração do PPA 2008-
2011” (BAHIA, 2008b). Também se cala sobre os Colegiados Territoriais. As relações com
os territórios passavam pela intermediação da Coordenação Estadual dos Territórios de
Identidade da Bahia – CET, e pontualmente com representantes de Colegiados específicos
para assuntos também pontuais de Governo ou trazidos pelos territórios. Relações não
normatizadas por instrumentos legais.
A CET estava, desde o primeiro momento, ciente da necessidade de criação de um
espaço estadual de concertação territorial. E entendia que este deveria ser um conselho
estadual. As discussões se estenderam durante os dois primeiros anos da primeira gestão
Wagner, e mais oito meses, até que foi publicado o Decreto nº 12.354 de 25 de agosto de
2010, que instituiu o Programa Território de Identidade e, dentro dele, dois elementos
fundamentais ao arcabouço do modelo territorial de desenvolvimento: a criação do
CEDETER e o reconhecimento oficial dos CODETER. O corpo da política territorial ficou,
assim, de pé, com as partes constituintes necessárias ao seu funcionamento explicitadas aos
olhos jurídicos do Estado: Art. 3º - Fica instituído o Conselho Estadual de desenvolvimento Sustentável – Cedeter, fórum permanente de caráter consultivo, com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas e estratégias integrantes do programa Território de Identidade. [...] Art. 10º - São colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável – Codeters os fóruns consultivos de discussão local das ações e projetos de desenvolvimento territorial, compostos paritariamente por representantes dos poderes públicos estadual e municipal e pela sociedade civil organizada, presente na esfera da cada Território (BAHIA, 2012, p. 66-67).
Agora, os Territórios de identidade passavam a ter uma representação política de fato e
de direito. Este reconhecimento, entende-se, é a base estrutural do arcabouço da política de
desenvolvimento territorial, uma vez que, sem ele, a divisão do estado seria mera repartição
geográfica do espaço baiano, sem um significado político-social.
Depois disso, no Decreto do PPA Participativo 2012-2015, de n° 12.578, de 08 de
fevereiro de 2011, passa, então, a aparecer a referência aos Colegiados Territoriais: [...] O PPA–P deverá considerar em toda a sua execução [...] O território de Identidade como o espaço de representação para a contribuição social, levando em conta as propostas dos Colegiados Territoriais referentes às políticas públicas de interesse comum dos territórios de identidade (BAHIA, 2012, p. 69).
A despeito de o CEDETER ter sido implementado, e os Colegiados Territoriais,
reconhecidos, através da criação de um Programa de Governo – o Programa Territórios de
Identidade, o restante deste nunca foi executado como tal. Os seus pressupostos decretados
145
foram sumariamente ignorados, ficando as estruturas de participação funcionando à revelia do
Programa, tendo seus custos sendo bancados, no caso do CEDETER, pela SEPLAN, como
previsto no Decreto, e dos CODETER, através de convênios da SEPLAN com o MDA, de
outras fontes do MDA. Até a promulgação da Lei 13.214, de dezembro de 2014, os
CODETER não constavam institucionalmente no orçamento público estadual, no PPA.
O Programa Territórios de Identidade, note-se, não era do corpo do PPA, nem foi
incorporado por este após revisão, porque, inclusive, esta não veio a ocorrer. Em 30 de abril
de 2013, a CET encaminhava ao Governador e à SEPLAN a já referida “Pauta Estratégica
para a Consolidação da Abordagem Territorial”, e, entre os 11 pontos reivindicados, constava:
“Execução do orçamento do Programa Territórios de Identidade (SEPLAN)”
(COORDENAÇÃO..., 2013b, p.2). Portanto, no que pese a SEPLAN vir mantendo o apoio
aos CODETER e ao CEDETER, o Programa Territórios de Identidade não foi tomado pelo
conjunto do Estado como tarefa sua, nem mesmo pela SEPLAN, ou a SEDIR, à frente do
CEDETER, da maneira que poderia sê-lo, pois não houve apostes financeiros em nenhuma
iniciativa sistêmica e integrada aos territórios, a não ser através de Convênio firmado pela
SEPLAN com o MDA.
O CEDETER tornou-se o espaço estadual da concertação territorial e sua principal
autoridade estratégica. O conselho passou a ter a seguinte composição: representação paritária
entre Secretarias de Governo e representantes dos CODETER, sendo oito (08) representantes
de cada. E mais um representante do MDA (o Delegado do Desenvolvimento Agrário) e um
do Ministério da Integração Nacional. Este último nunca foi indicado, mantendo a sua vaga
garantida até a promulgação da Lei 13.214, de 2014, quando foi retirada.
O Conselho, segundo seu Decreto de criação, tem nove grandes competências a
desempenhar, dentre elas se destacam: propor diretrizes e estratégias para o Programa
Territórios de Identidade; definir critérios para a conformação de possíveis novos territórios e
para a admissão de eventuais mudanças de território por interesse dos municípios; criar
procedimentos para homologação dos CODETER; promover apoio institucional para atração
de investimentos; analisar propostas dos CODETER referentes ao seus desenvolvimentos.
Como se ver, um conjunto importante de atribuições, cujas decisões finais cabem ao
Governador. A SEPLAN preside o CEDETER e mantém a sua Secretaria Executiva, e a
Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional – SEDIR ocupa a vice-presidência.
Depois da Lei 13.214, de 2014, a SEDIR veio a ser extinta e se criou a Secretaria de
Desenvolvimento Rural (SDR), que passou a ocupar a vice-presidência, e a composição ficou
com onze secretarias e onze representantes dos territórios.
146
Este instrumento também é pioneiro no cenário nacional, destacando-se seu caráter
paritário e propositivo, envolvendo-se com as dimensões estratégicas e com a divisão
administrativa do Estado. Quanto à ocorrência dos CODETER, o Decreto os normatizam de
forma bastante genérica e garantindo amplas autonomias aos mesmos, normatizando apenas
que os seus membros não serão remunerados e, no Artigo 10, § 2° determina: Caberá aos Codeters elaborar e aprovar, em plenária especialmente convocada para este fim, através do voto da maioria simples de seus membros constitutivos, seus regimentos internos, a serem homologados pelo CEDETER, nos quais constarão os deveres e atribuições dos seus componentes, a organização e a forma de seu funcionamento. (BAHIA, 2012, p. 67-68).
A normativa mais detalhada para a homologação dos CODETER ficou a cargo da
Resolução n° 002, de 25 de fevereiro de 2011, do CEDETER. Nesta, aproveitou-se, então,
para normatizar com maior detalhamento a existência dos CODETER, sua forma de
organização e seu papel no arcabouço da política de desenvolvimento territorial. Define-se o
que são os CODETER, quais as suas atribuições, as condições para sua normatização, os
critérios para sua composição e o seu funcionamento, o modelo genérico de sua forma de
organização e, finalmente, os passos para sua homologação. Destaca-se nas considerações
introdutórias da Resolução 002: “A necessidade de consolidação, de forma democrática, dos
Colegiados Territoriais enquanto espaços de decisões estratégicas do desenvolvimento”
(BAHIA, 2011. p. 1). A Resolução considera, ainda, “a necessidade de normatização dos
CODETER, visando a qualificação e inovação do planejamento e gestão das políticas
públicas” (BAHIA, 2011, p. 45).
O Estado reconheceu de maneira ampla o papel dos Colegiados Territoriais, definindo
seu espectro de atuações de maneira a torná-los os protagonistas da política territorial em
nível local, além de representantes oficiais dos territórios. Destaca-se das atribuições dos
mesmos: articular e coordenar os sujeitos territoriais; articular, acompanhar os arranjos
institucionais para implantação de projetos, programas e políticas no território; estruturar e
apoiar redes territoriais de caráter econômico, social e cultural; representar o território perante
entes públicos e privados, articulando ações federativas para o desenvolvimento (BAHIA,
2011). Quanto ao funcionamento, destaca-se pela importância: Art. 9°- Os CODETER deverão buscar a ampliação e o aprofundamento de temas que perpassem pelo planejamento e gestão, trazendo para debate questões estratégicas para o desenvolvimento sustentável, não se restringindo à operacionalização de programas e políticas públicas. (BAHIA, 2011, p.47).
Ocorre que o Governo não tem, até este momento, seus próprios planos territoriais,
nem tem acatado os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável (PTDS), fomentados
147
pelo MDA e, até aqui, somente na agenda de ações futuras do Estado baiano. Isso ficou
registrado na primeira reunião do CEDETER com o Secretário José Sérgio Gabrielli, quando
interrogado por uma conselheira da sociedade civil sobre o que pensava da Política de
Desenvolvimento Territorial, entre suas respostas consta: O secretário José Sérgio Gabrielli afirmou que o Governo do Estado avançou na governança da política territorial, criando mecanismos para ouvir a sociedade, refletindo-se em um avanço democrático, afirmando também que falta o segundo passo, que é, a partir dos recursos existentes, sistematizar a política territorial para cada território. Isso o Governo do Estado ainda não tem, considerando-se que cada Território de Identidade é uma realidade com suas peculiaridades. [...] apesar dessa precariedade, os Diálogos Territoriais II, que estão sendo realizados em todos os 27 territórios de identidade, poderão contribuir para a construção dessas políticas territoriais. [...] o Território de Identidade não é só agricultura familiar. Faltam o comércio, serviços, o diálogo com as prefeituras municipais, com os consórcios públicos, dentre outros segmentos. (ATA..., 2013a, p. 2).
A definição de questões estratégicas de planejamento e gestão são aquelas que
definem a natureza da articulação territorial do desenvolvimento, e lhes dão sentido. De
acordo com a visão do Governo e da CET, reproduzida nos discursos do CEDETER, os
territórios são tomados como locus do planejamento estratégico e espaço de execução de
políticas públicas, devendo estes estarem de acordo com as realidades específicas dos
territórios e voltados para a solução dos óbices ao desenvolvimento, através do diálogo e da
cooperação entre governo e sociedade civil. Como a necessidade do território é exatamente
evitar o municipalismo dos investimentos e sair das armadilhas dos fisiologismos localistas,
para uma esfera estratégica, seu sentido é o de articular as políticas públicas e os atores a elas
relacionados, promover a cooperação dos entes federados, colaborar na definição das
prioridades territoriais, informar sobre as nuances do território e suas necessidades e
características mais importantes, tomando o conjunto dos municípios e das situações a serem
enfrentadas para a melhoria da vida no território.
Para este fim coletivista e de caráter integrativo, a Resolução 002 recomenda ao funcionamento dos CODETER:
[...] deverão empreender dinâmicas de trabalho e funcionamento, traduzidos por uma capacidade institucional adequada aos desafios inerentes à proposição, monitoramento e gestão de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento territorial sustentável, tendo, para isso, que implementar processos democráticos de coordenação e decisão, de modo a consolidá-los como espaços afetivos de gestão social dos Territórios de Identidade da Bahia. (BAHIA, 2011, p. 47).
Eis aqui um dos mais importantes problemas da política de desenvolvimento territorial
na Bahia. A composição dos CODETER deve se adequar a tal tarefa. A “capacidade
institucional adequada aos desafios” a que se refere a Resolução 002, remete a um nível de
148
maturidade social que não está dado na realidade baiana, na maioria, senão na totalidade dos
territórios. Ademais, esta é a questão de fundo a ser resolvida no arcabouço desta política de
desenvolvimento territorial. Concorda-se com Abromovay (2000) quando define territórios: [...] não são entidades dadas de uma vez por todas por qualquer tipo de mão mágica ou de dotação natural. Eles são o resultado de formas específicas de interação social, da capacidade dos indivíduos, das empresas e das organizações locais em promover ligações dinâmicas, capazes de valorizar seus conhecimentos, suas tradições e a confiança que foram capazes, historicamente, de construir. (ABROMOVAY, 2000, p. 7).
Portanto, não se resolve tal fragilidade dos CODETER por decretos, ou mesmo por
políticas pontuais de algum seguimento ou setor da economia ou da sociedade. A
homologação dos CODETER, estabelecida dentro de prazos restritos, acabou sendo adiada
por várias vezes, pois os Colegiados Territoriais não conseguem se superar a contento para
conterem uma diversidade, representatividade e legitimamente constituídas, que dêm conta do
conjunto amplo das variações sociais, econômicas e culturais do território. O prazo está aberto
para a homologação, ainda em 2015.
Em 2015, O CEDETER consensuou em homologar os CODETER que cumprissem as
normativas estabelecidas pelo Conselho e que apresentassem uma composição “minimamente
aceitável”. Mas com o compromisso de promover políticas para superar esta fragilidade
representativa. Esta decisão, até o momento, garantiu a homologação da maioria dos
CODETER.
Ao discutir o problema das instituições, em seu livro seminal sobre desenvolvimento
rural: Paradigmas do Desenvolvimento Rural em Questão (2007), Arilson Favareto aponta
que as teorias institucionalistas e culturalistas, hoje, são a base para as novas ofensivas das
agências internacionais para o desenvolvimento rural e o combate à pobreza. O chamado
“novo rural”, termo comumente utilizado por tais atores, intelectuais e gestores públicos, deve
ser apreendido agora – notadamente dos anos 1980 para cá, a partir de uma abordagem
territorial.
As institucionalidades presentes nos Territórios de Identidade não são todas
conhecidas, nem delas se processou um estudo sistemático para apurar o estado da arte
institucional dos territórios. O Governo da Bahia não tem um estudo dedicado a conformar
um mapeamento integrado dos territórios de identidade, para obter uma visão mais complexa
dos mesmos. A Superintendência de Estudos e Informação (SEI), da SEPLAN, possui estudos
setorizados, e muito poucos possui dados territorializados. Com efeito, parece não priorizar
tais estudos.
149
Destas instituições, muitas são reconhecidas e mapeadas, e outras tantas se relacionam
diretamente com o Governo, no bojo de políticas públicas específicas, ou para encaminhar
interesses particulares. Mas não se tem uma apreensão de conjunto com dados e informações
capazes de nortear as ações públicas de maneira consistente. De maneira a se ter o que
Abromovay (2000) e Favareto (2007) apontam: estudos consistentes sobre o comportamento e
a realidade institucional dos territórios.
O fato é que os CODETER estão fragilizados em sua representação da diversidade
social e de institucionalidades diversas. Estão, atualmente, basicamente compostos de
organizações da agricultura familiar, de comunidades tradicionais, movimento negro, órgãos
estaduais vinculados ao desenvolvimento rural e em menor escala à educação, prefeituras,
associações de mulheres, algumas ONGs e uma variedade de outras categorias em menor
presença (RELATÓRIO..., 2013a).
O CEDETER vem tomando boa parte do seu tempo em tentar resolver a questão da
homologação, mas sempre acaba por encaminhar tentativas de solução por dentro dos
Colegiados, ou seja, impondo-lhes prazos, pressionando as lideranças e os agentes de
desenvolvimento territorial – ADT, da própria SEPLAN, a trabalharem com maior esforço
para ampliarem o espectro da representação nos CODETER. Mas os resultados não têm
mudado.
Mais recentemente, em 2014, após o Programa financiado pelo Banco Mundial de
apoio ao desenvolvimento rural, denominado Bahia Produtiva, ter definido que os Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) e os CODETER são os espaços de
chancela dos projetos a serem financiados e executados pela Companhia de Ação Regional
(CAR), a SEPLAN defendeu no CEDETER, e este acatou, que os CODETER que não forem
homologados não terão direito à chancela.
Ao agir desta maneira, o CEDETER busca acelerar o processo de homologação e
pressionar determinados grupos que se posicionam de maneira a hegemonizar alguns
CODETER e resistir a mudanças, ou desconfiam de certos atores e instituições, consideradas
por eles como ameaçadoras, notadamente aquelas de cunho empresarial ou universidades e
institutos tecnológicos. Tal situação remete a se pensar em como fomentar o desenvolvimento
institucional dos territórios, de que maneira atuar para favorecer uma apropriação do
desenvolvimento por parte da sociedade? A reflexão de Favareto (2007) novamente é útil para
se pensar em respostas: Os agentes da inércia ou da mudança institucional são motivados por interesses, e para fazê-los prevalecer jogam com recursos acumulados em diferentes esferas da vida social em uma luta incessante. A mudança pode, assim, ocorrer tanto em
150
decorrência de longo processo incremental como pode, a depender do êxito nas estratégias dos agentes nestas lutas pela imposição de seus interesses, ser motivada por rupturas ou transições mais aceleradas. (FAVARETO, 2007, p. 163).
A constatação de que ambientes os quais já têm determinadas morfologias sociais
locais, com um histórico de maior divisão dos diversos capitais – humano, cultural,
econômico, simbólico - são mais aderentes à mudanças institucionais, no sentido de
abertura à maior interação e dinamização da vida, (FAVARETO, 2007) demonstra que
fazer avançar um capital social “ali onde ele não existe” (ABROMOVAY, 2006) é muito
mais complexo e difícil. Caso da maior parte dos territórios de identidade na Bahia, hoje.
Favareto (2007) aponta duas lições aprendidas pela experiência de fomento ao
desenvolvimento levada à frente nas duas últimas décadas: a primeira diz respeito ao
fomento de formas descentralizadas de produção e à diversificação das economias locais.
A segunda é que: Mudança institucional pode até ser induzida, mas somente através de mecanismos cuja repercussão só se manifesta em termos de médio e longo prazo, seja pela via do aprendizado, seja pela via do acúmulo e conversão dos recursos mobilizados na direção da mudança. (FAVARETO, 2007, p. 163).
Para Favareto (2007) a questão central a que as iniciativas institucionalistas acabam se
esbarrando é o fato de as mudanças institucionais pela via da lógica territorial por elas
pretendidas serem “marcadas pelos limites de uma incorporação ‘por adição’ [...] e não como
um sinal de mudança institucional” (FAVARETO, 2007, p. 165). Abromovay (2006), por sua
vez conclui que a falta de estudos sistemáticos que gerem avaliações e estabeleçam certas
tipologias sobre o alcance e os limites da atuação das organizações de desenvolvimento rural
é: “um sério obstáculo para o avanço da reflexão a respeito” (ABROMOVAY, 2006, p. 12).
A preocupação de Abromovay pode ser estendida para a dimensão territorial dos
territórios de identidade na Bahia. As organizações sociais nestes espaços estão em estado
ainda pouco capaz de protagonizar uma articulação de interesses e conformar redes produtivas
que gerem lhames territoriais para uma intervenção mais empoderada.
Redes sócio-territoriais, com pactos territoriais e gestão territorial, a partir de uma
governança, tal qual formula Dallabrida (2007), dentro da realidade da política de
desenvolvimento territorial da Bahia, é algo colocado como possibilidade de futuro, como
projeto de seguimentos sociais e políticos não hegemônicos. Porém, a base institucional e a
definição dos espaços para a governança estão dados, e, em certa medida, funcionando. Sua
conformação legal é, destacadamente, avançada para a realidade brasileira.
151
O que se observa é um exercício de escuta social constante e intenso nestes espaços, O
CEDETER, a despeito do tempo que ficou congelado, retornou à sua frequência normativa de
reuniões a cada três meses; todos os atuais 27 territórios de identidade têm, de uma maneira
mais organizada e consistente, ou de maneira ainda frágil, um embrião de CODETER. O
Contrato de Repasse entre o MDA e a SEPLAN, em execução, tem previstos 208 eventos,
envolvendo reuniões, oficinas, cursos, encontros estaduais, contemplando os 27 territórios..
Além deste, outros repasses do MDA com ONGs, também em curso, garantem mais recursos
e agentes espalhados pelos territórios.
A Bahia foi o Estado que nos últimos oito anos mais realizou Conferências Temáticas
Territoriais, o Estado tem, hoje, em ação ou já em previsão de atuar, a soma de 202 agentes
territoriais colocados em campo para articular políticas públicas, apoiar os CODETER, fazer
gestão social e de inclusão produtiva dos territórios, promover a cultura e as questões de
gênero, pesquisar e diagnosticar a realidade dos mesmos, entre outras ações.
Quadro 1 - Agentes e estruturas territoriais na Bahia 2015
Cargo/Órgão/Núcleos Secretaria
responsável Territórios que
atuam Situação atual
27 Agentes Desenvolvimento Territorial (ADT)
SEPLAN 27 Defasagem de 5
27 Representante Territorial de Cultura (RTC)
SECULT 27 Quadro completo
Assistentes Territoriais do Projeto Bahia Produtiva (AT)
SDR/CAR 27 Quadro completo, dando
início às atividades
14 Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial
(NEDETE) com 2 componentes em média cada um
MDA/CNPQ 19
Compostos de equipes com 4 ou 5
componentes, sendo o coordenador vinculado a
instituição de Ensino Superior, dando início às
atividades Projeto Margaridas (27 agentes
territoriais de promoção da mulher rural)
Secretaria de Promoção da
Mulher (SPM) 27
Previstas no Projeto, mas ainda não funcionando
Serviço Territorial de Apoio à Agricultura Familiar (SETAF) SDR 27
Em processo de implementação
Centros Territoriais de Educação Profissional
Secretaria de Educação-
31
Em pleno funcionamento com diversos cursos, de
acordo com as vocações econômicas do território
sede Fonte: ROCHA, 2015
152
Destaca-se entre estes agentes, os 27 ADT da SEPLAN e os 27 representantes
territoriais de cultura da Secretaria de Cultura (SECULT), que são funcionários públicos,
contratados para cargos especificamente territoriais, vinculados, por sua vez a uma
Superintendência de Territorialização da Cultura. A presença destes atores cumpre um papel
importante para assegurar a presença mais constante e de maneira mais próxima do Estado
nos territórios, uma vez que eles residem nos seus respectivos territórios de trabalho. Os ADT
são solicitados por diversas secretarias e agem como um articulador geral dos sujeitos
territoriais e entre o Estado e os CODETER. Há uma reivindicação destes, assumida também
pela CET, de realização de concurso público para este cargo, uma vez que são contratados em
Regime de Dedicação Especial – REDA, com validade de dois anos, renovável por mais dois.
No momento de finalização deste texto, a CAR contratou mais 27 funcionários, a
partir de seleção pública, para exercerem o papel de Assistente Territorial, um em cada um
dos 27 territórios.
Mas é certo que, sem uma definição estratégica de conformar os territórios de
identidade, utilizando-se da influência mais efetiva do Estado para mobilizar os sujeitos
territoriais e oferecê-los oportunidades de governança real sobre conteúdos concretos, com
impacto orçamentário, dificilmente os territórios serão mais do que são. As iniciativas para
construir Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável vêm ocorrendo, sem as
presenças efetivas do Estado. Por outro lado, o MDA, que os financia, não tem empenhado
esforço político suficiente para torná-los objeto de negociação federativa. Na Bahia, 11
territórios têm seus PTDS reconhecidos pelo MDA: Irecê, Sisal, Chapada Diamantina, Litoral
Sul, Sertão do São Francisco, Velho Chico, Baixo Sul, Itaparica, Sertão Produtivo, Bacia do
Rio Corrente, Bacia do Jacuípe, mas estão defasados ou necessitando de ampla qualificação.
Uma experiência recente apontou para a possibilidade de construção de um desses
planos, envolvendo o Governo, o grande empresariado e o CODETER. Isto ocorreu no
Extremo Sul, território relativamente organizado, com conflitos marcados em torno dos temas
sociais e ecológicos, e com a presença de grandes multinacionais de celulose. O Conselho de
Desenvolvimento Sustentável do Estado (CODES-BA) negociara, em separado com a
empresa de celulose FIBRIA, sem a participação da SEPLAN e do CODETER, um Plano de
Desenvolvimento denominado de Plano de Desenvolvimento Sustentável da Costa das
Baleias, em 2013, abrangendo os municípios que a empresa tem presença. Quando, então, ao
tomar conhecimento, o CODETER provocou o Governo e disse não aceitar um Plano, por
mais que tivesse sendo feito com base em assessoria qualificada, que não ouvira o Colegiado,
nem considerou todo o acúmulo do mesmo até ali. Isso fez o Governo retroceder e incluir o
153
CODETER no bojo da construção. O resultado foi, pela primeira vez, a construção de um
PTDS com a participação do grande capital e dos seguimentos sociais da pequena agricultura,
movimentos ecológicos, sindicatos, organizações não governamentais, representados pelo
CODETER. Portanto um fato político e administrativo novo e de grande valor para a
estratégia de desenvolvimento territorial.
O CODES-BA ficou de montar o modelo de governança do Plano. Mas este processo
está parado, sob pressão do CODETER para que a SERIN monte o Comitê de Governança do
Plano. Aqui, chama-se atenção para o fato da exclusão da SEPLAN do processo, algo que
revela a pouca coesão interna do Governo em relação à política de desenvolvimento
territorial. Esta é uma oportunidade de construir um piloto para uma governança em bases
mais objetivas, haja vista que no acordo com o Governo, um recurso de R$ 4,5 milhões já está
pactuado. A depender de como funcione este modelo e seu resultado, pode-se tomá-lo como
um modelo a ser adaptado em outros territórios.
O Governo tem em mãos uma boa oportunidade, uma vez que, no processo de
construção do plano, com participação do CODETER, houve uma aproximação mais
qualificada dos atores envolvidos. Pôde-se dizer o que cada um pensa; a empresa ouviu os
protestos ecológicos e os ecologistas pôde ouvir a empresa de maneira direta e com base em
uma abertura para se pactuar soluções para o desenvolvimento sustentável. Para Dallabrida
(2007b): É fundamental que seja através de processos de concertação social que a sociedade de uma determinada região organizada em suas redes de poder sócio-territorial, democraticamente, se proponha a construir consensos mínimos que representem as decisões acordadas naquele momento histórico, no que se refere à superação dos seus desafios. Isso implica na participação cidadã dos diferentes atores sociais, econômicos e institucionais, como protagonistas do processo (DALLABRIDA, 2007b, p. 48).
A postergação da esfera de gestão do Plano, de maneira, inclusive, descuidada, sem
explicações ou elementos claros que a justifiquem, demonstra a ausência de interesse, ou falta
de percepção para um processo rico e que envolveu dezenas de atores e um esforço coletivo
grande, no qual o próprio Governo fora o mediador. Até aqui, portanto, a execução das
políticas de desenvolvimento permanece diluída no PPA, sem base técnica e estudos mais
aprofundados e sem planos territoriais complementares ou suplementares ao PPA. Este, por
conta de sua dimensão participativa e territorial tem sido tomado pelo Estado como o plano
geral da política territorial. Esta situação ficou clara na fala do secretário José Sérgio
Gabrielli, ao responder o que entende quando o Estado afirma serem os Territórios de
Identidade locais de planejamento e execução de políticas públicas, em reunião do
154
CEDETER, realizada em 18 de março de 2013: “Considerar o Território de Identidade como
unidade de planejamento, quer dizer um planejamento de PPA, cíclico. Nesse momento a fase
é de executar. Nessa fase o papel do CEDETER é diferente, pois o PPA está consolidado”
(ATA..., 2013a, p. 4).
Nos registros da relatoria do “Seminário de Consolidação da Política de
Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia”, realizado entre os dias 06 e 07 de maio de
2013, a fala do referido Secretário, ocorrida no dia 07, discorre sobre a Política de
Desenvolvimento Territorial e as confusões que existem - tanto por parte de algumas equipes
de Governo, quanto dos Colegiados e da CET, sobre sua forma de operação. Gabrielli chamou
atenção para o seguinte: “A execução da Política Territorial não é responsabilidade do
Conselho [CODETER], mas sim de órgãos como a Empresa Baiana de Agropecuária
(EBDA), CAR, Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), etc.” (RELATÓRIO..., 2013, p.2).
Enquanto outro membro do Governo entende que os CODETER são: “Conselhos criados pelo
Estado para fortalecer a democracia participativa, os conselhos fazem parte da estrutura de
gestão do Estado, não administrativa direta, mas de gestão das políticas públicas”
(RELATÓRIO..., 2013, p.3). Um representante da sociedade civil formula a mesma questão
de outro modo; para ele os CODETER são: “locais de encontro das demandas da sociedade
com as ofertas de atuação governamental, auxilia na administração das ações do Estado”
(RELATÓRIO, 2013, p.3).
Percebe-se, pois, a natureza ainda confusa dos entendimentos de mútuas as partes sobre a
gestão territorial do desenvolvimento. Não por acaso, registra-se no relatório que o objetivo do
mesmo era, exatamente: “Ajudar no alinhamento conceitual dos integrantes de CODETER,
CEDETER, gestores públicos [...]” (RELATÓRIO, 2013, p.1). Neste seminário, a CET buscava
apurar os conceitos e os entendimentos, para sua posterior e já agendada reunião com o
Governador. Registra-se: “O que é estratégico deve ser trazido para a reunião com o Governador,
a questão é como legitimar a Política Territorial, através de uma Lei ou não” (RELATÓRIO,
2013, p.4). No mesmo seminário, parece ficar consensuado que a questão central a ser tratada
com o Governador é: “buscar a legitimação política” (RELATÓRIO, 2013, p.4). Outro
participante explica com maior clareza: Deve-se pensar em instrumentos legais, leis, políticas, ao invés de Programa Estadual de Desenvolvimento Territorial, pois novos governantes geralmente tendem a criar seus próprios programas e abandonar os programas anteriores existentes. (RELATÓRIO, 2013, p. 4).
A questão mais evidente é a divergência entre o Estado e os CODETER quanto suas
matrizes genéticas. Para o Estado, CEDETER e CODETER são estruturas de Estado,
155
submetidas aos trâmites legais e vinculadas à sua autoridade, atuando como espaços de
concertação e mediação, monitoramento e controle de políticas públicas, mas estabelecendo
um vínculo institucional, tal qual os Conselhos Temáticos Constitucionais. A diferença estaria
em sua maior autonomia, uma vez que o Estado não impõe critérios para suas composições, a
não ser os princípios da diversidade, legitimidade e representatividade, de maneira genérica.
Para os CODETER e a CET, os Colegiados são autônomos em sua vida política;
pertencem aos territórios; são livres para qualquer posicionamento político, estabelecendo,
porém, uma relação institucional com o Estado, submetendo esta relação a uma regra
institucional necessária a este. Por outro lado, o que mais reclamam do Estado é que este lhes
financie suas despesas de custeio, apoie seus quadros representativos, garanta seus
funcionamentos. Mas, no que pese as diferenças, para o Governo, o fato de pertencerem à sua
jurisdição não quer dizer sua total absorção pelo Estado. O Secretário José Sérgio Gabrielli,
assim se posiciona: “O CODETER não pode se tornar um aparelho do Estado. O CODETER
e o CEDETER são organizações do Estado nos quais a sociedade participa. Um conselho é
um objeto de interação do Estado com a sociedade” (RELATÓRIO..., 2013, p. 2).
É nítido o aspecto inacabado do arcabouço geral da política de desenvolvimento
territorial na Bahia e a conformação de um campo político ainda em construção, marcado por
vieses e contradições e, sobretudo, por algumas indefinições institucionais e políticas por
parte do Estado e de clareza e homogeneidade da situação entre os CODETER e a CET. Hoje,
portanto, o modelo da Política Territorial da Bahia articula as instâncias representativas da
sociedade civil, as representações das esferas públicas e os espaços institucionais de
planejamento e gestão do Estado, caracterizando uma estrutura de democracia participativa e
de controle social de políticas públicas com potenciais nada desprezíveis para vir a ser uma
estratégia de contra-hegemonia ao conservadorismo hegemônico que ainda persiste na cultura
política do estado.
Entretanto, o Governo não está utilizando estes instrumentos e seu potencial
transformador como precisa e pode ser utilizado. A base desta Política Territorial – os
CODETER apresentam-se, no conjunto, com grande fragilidade representativa e
organizacional, carecendo de maior capacidade técnica e conhecimentos práticos de gestão. A
máquina do Estado planeja superficialmente com base nos territórios e o nível de execução
orçamentária territorial do PPA segue a mesma tendência. A maioria das secretarias, sequer
compreende a lógica e a estratégia dos territórios. Na sua já referida “Pauta Estratégica para a
Consolidação da Abordagem Territorial na Bahia”, a CET pontua, no tópico “Compromisso
governamental”, os seguintes itens para serem resolvidos:
156
Recomendação direta do Governador aos dirigentes para incorporação da abordagem territorial nas secretarias e órgãos públicos; incluir os Colegiados Territoriais nos processos de concepção e execução das políticas públicas; territorialização dos órgãos públicos (EBDA, ADAB, DIREC, DIRES, CAR, outros) (COORDENAÇÃO..., 2013, p. 2).
Este espectro de pendências permanece de maneira relativa no seio do CEDETER,
compondo seu pano de fundo, à frente do qual se encena os avanços e os conservadorismos da
política de desenvolvimento territorial da Bahia. O processo de territorialização dos órgãos
públicos ficou congelado até a gestão Rui Costa, a partir de 2015, realizar a reforma
administrativa, mas o fez de maneira parcial. Quanto ao esperado “comando central” do
Governo para que as setoriais obriguem-se a operar dentro da lógica territorial, o que implica
participarem ativamente dos CODETER e estabelecer concertações permanentes com os
mesmos, além de planejarem e executarem com base nos territórios, este continua sendo
reivindicado. A despeito de possuir oito secretarias em sua composição13, o CEDETER ainda
não ocupou o espaço político que precisa, para engendrar uma estratégia de desenvolvimento
territorial que vá além da realização do PPA.
5.5 A CET e o dilema da Governança: participação social versus institucionalização
A Coordenação dos Territórios de Identidade da Bahia (CET) vem desempenhando
importante papel na construção da política de desenvolvimento territorial, desde seu
surgimento em 2003. Atuou, inicialmente, como uma rede de governança, no processo de
implementação dos territórios de identidade, conjugando as percepções e os interesses dos
seus componentes, resultando na configuração do mapa dos 26 territórios de identidade.
Depois, num processo de baixo para cima, um movimento surgido no território Extremo Sul,
levou à divisão deste e ao surgimento do 27° território de identidade, denominado de
Território Costa do Descobrimento, que veio a ser oficializado pelo CEDETER em 04 de
maio de 2011e incluído no PPA 2012-2015: O plenário deliberou pela aprovação do pleito, conforme consenso para publicação de Resolução que: aprova o pleito de constituição do território autodenominado “Costa do Descobrimento”, composto inicialmente pelos seguintes municípios: Belmonte, Eunápolis, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro (ATA..., 2011b, p. 2).
A CET é o principal interlocutor territorial com o Estado e sua atuação tem ajudado a
definir o conjunto do arcabouço da estrutura institucional e parte dos rumos da política de 13 Com a Lei 13.214 de dezembro de 2014, passaram a ser 11 Secretarias de Estado e 11 representantes de
CODETER na composição do CEDETER.
157
desenvolvimento do Estado. Esta coordenação não tem identidade jurídica, funcionando como
uma rede de articulação, mobilização, organização e representação dos Colegiados
Territoriais (CODETER). Neste aspecto da representação se encerra, hoje, algumas
contradições ou incongruências na vida política da CET. Ao longo dos últimos oito anos, a
relação do Estado com a CET foi-se adaptando às circunstâncias objetivas. Era clara sua
feição de rede de governança no seu início. Mas ao longo do tempo, o esvaziamento dos
órgãos públicos federais e estaduais, e a redução da participação das prefeituras em seu seio,
tem fragilizado esta forma de rede de governança. Porém, a CET não abre mão de afirmar que
seja uma rede.
No momento de criação do CEDETER, o debate sobre sua natureza foi apresentado
pelo Estado, pois a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial parecia
cumprir o papel da rede de governança, uma vez que se tratava de um espaço de composição
paritária entre Estado e CODETER e ainda com a presença do Governo Federal. Quem
representaria os Colegiados nesta estrutura? A CET foi considerada, então, a representação da
Sociedade Civil no CEDETER, e acabou por aceitar esta situação, mas mantendo a
contradição presente, pois não mudou seu regimento nem o seu discurso de rede de
governança. No regimento está grafado: Art. 1° - A Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia (CET) será composta por Organizações Populares, Movimentos Sociais, Entidades e Instituições não-governamentais e governamentais que tenham trabalhos pautados em desenvolvimento sustentável nos Territórios, nas seguintes categorias: a) Representantes dos Colegiados Territoriais (membros de entidades da sociedade civil ou poder público); b) Representantes de entidades, movimentos ou organizações da sociedade civil de caráter estadual/nacional e instituições públicas de caráter estadual/federal, na proporção de 70% e 30%, respectivamente (COORDENAÇÃO..., 2011c, p. 1).
Este caráter de rede, sobretudo com a participação de órgãos estaduais, implica uma
certa contradição, uma vez que, como representante da sociedade civil no CEDETER e em
geral em face a seus posicionamentos, muitas vezes de pressão sobre o Governo, com
posições divergentes, a CET toma posição em favor dos CODETER. E ao tomar tal posição, o
faz em nome dos territórios. Mas, um membro do Estado que possa estar ocupando lugar na
CET, não pode se posicionar em contrário a este, uma vez que é um servidor e não pode
prescindir de sua condição corporativa de membro do Estado, que, inclusive, é submetido a
hierarquias claras.
Tudo estaria dirimido se a governança fosse dentro de uma lógica meramente formal,
ou baseada em regime corporativista, do tipo totalitário ou populista/varguista. Mas não o é.
Outra incongruência é a sua condição de liderança política dos CODETER – que são as redes
158
de cada território, composta por sociedade civil e poderes públicos, na hora de mediar com o
Governo Estadual os interesses da sociedade civil. Não fica muito claro quando se deve
separar sociedade civil de rede de governança. Ora a CET é uma representação de uma
governança geral e dada em todas as esferas do edifício territorial, ora é apenas porta-voz da
sociedade civil. Para um de seus membros esta situação dupla não compromete a CET: O conselheiro Ubiramar Bispo, Mazinho questiona: qual o papel da CET? E afirma que os representantes da CET no Cedeter são da sociedade civil e que a CET representa a governança do poder público e da sociedade civil, apresentando-se como uma Rede de Governança (ATA..., 2013b, p. 4, grifo nosso).
Outro fato que precisa ser melhor definido é a sua natureza política. Sem Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), a CET existe como uma livre associação dos CODETER
e dos órgãos públicos que queiram a ela se filiar. Em tese, ela não tem uma existência legal, a
qual possa permitir uma relação mais jurídica com o Estado. Esta dificuldade ficou patente no
processo de discussão sobre o Marco Legal da política territorial, em 2014. O Estado defendia
que a eleição dos conselheiros do CEDETER advindos dos CODETER fosse feita em uma
Conferência Territorial Estadual, convocada pelo Governador, a fim de legitimar tal processo
e inseri-lo na institucionalidade necessária à suas relações.
A CET defendia que se deixasse como já era, a eleição dos conselheiros dos
CODETER deveria se dar numa plenária da sua base. Ao final, o Estado acabou prevalecendo
e a Lei 13.214/2014 estabelece que a eleição dos ditos conselheiros se dará em conferência
convocada pelo Governador. Este fato institucionaliza ainda mais a relação do Estado com os
CODETER e retira da CET certo poder, ainda que, nos quadros de hoje, pode-se afirmar que
uma conferência de CODETER seguirá os mesmos padrões políticos atuais, tendo as
lideranças da CET à frente da condução da mesma e mantendo a liderança política desta
Coordenação.
A CET inspirou a criação da Rede Nacional de Colegiados Territoriais, que
conformou-se no Brasil, articulando todos os Colegiados do país, representantes dos
territórios rurais do MDA. Uma das lideranças mais atuantes para a criação da Rede Nacional
foi Ubiramar Bispo dos Santos, mais conhecido por Mazinho, um dos criadores da CET que
atua ainda em sua Coordenação Executiva, como uma das maiores lideranças deste processo
baiano. A Rede Nacional também é reconhecida pela Secretaria de Desenvolvimento
Territorial (SDT/MDA) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura
Familiar – CONDRAF, estabelecendo diálogos permanentes e praticando uma governança
ativa frente aos rumos das políticas públicas desta secretaria.
159
A SDT também dialoga diretamente com a CET, visto ter sido esta estabelecida nos
primórdios da criação dos territórios rurais na Bahia, assumindo o papel, inclusive, de
interlocutora local com o MDA. A CET está dentro do arcabouço da governança territorial na
Bahia, tanto para os interesses rurais da SDT, quanto para os interesses globais do Estado
baiano. Sua presença foi e tem sido até o momento marcante para a determinação de tudo que
vem sendo construído neste campo e suas posições têm sido demarcadas com clareza tanto na
esfera federal quanto na estadual. Como rede, ou como representação da sociedade civil dos
Colegiados, a CET é a maior expressão da capacidade institucional dos territórios baianos,
isso mesmo considerando suas fragilidades enquanto coordenação. É, ainda, um ator novo no
cenário político, porque totalmente constituída da territorialidade estabelecida pelos territórios
de identidade e rurais. Quanto as capacidades institucionais e novas institucionalidades,
Tatiana Velloso (2012) esclarece: Os recursos organizacionais ou institucionais é o que se denomina de governança territorial. Trata-se de um conjunto de ações que expressam a capacidade das instituições de maneira cooperativa de praticarem a gestão social pública. Essas experiências de descentralização marcam a política de gestão dos territórios rurais, como uma nova institucionalização orientada por diferentes arranjos institucionais na formação de espaços de governança paritários entre as representações do Estado e das organizações da sociedade civil. (VELLOSO, 2013, p. 209).
A fragilidade dos CODETER enquanto redes territoriais é fato e já foi tratada, mas não
se pode duvidar da força política que a institucionalização da CET vem cumprindo no cenário
do desenvolvimento territorial na Bahia. E isto decorre de decisão destes Colegiados de se
manterem coesos em torno de uma articulação política, sem CNPJ, mas que tem uma
existência quanto se tivesse e, talvez por isso mesmo, não sofreu até agora disputas acirradas
por seu controle e nem, em decorrência, rupturas ou divisões. Esta situação permite à CET
uma legitimidade sem abalos, cuja força tem servido para construir o edifício territorial e seus
meandros.
Quanto ao seu aparente sombreamento com o CEDETER, pode ser identificado alguns
objetivos que lhe são regimentais com aqueles do Conselho. São, exatamente, aqueles que lhe
conferem papel de formulação estratégica e de espaço de governança. Destaca-se abaixo
alguns desses objetivos: I - propor políticas e diretrizes para o desenvolvimento sustentável e solidário dos territórios de identidade da Bahia; [...] III - funcionar como facilitador para a captação de recursos para o desenvolvimento dos territórios; [...]
160
VI - otimizar a operacionalização e a integração de políticas e ações entre os diferentes órgãos e instituições relacionadas à promoção do desenvolvimento sustentável; [...] X - ordenar o processo de organização e composição dos territórios de identidade e funcionamento dos Colegiados Territoriais (COORDENAÇÃO..., 2011c, p. 2-3).
A CET, portanto, tem um caráter representativo, e uma feição de rede. Sua absorção
no CEDETER como sociedade civil organizada, limita sua condição, tornando-a, na prática da
governança, menor do que deseja ser. A despeito disso, porém, prossegue articulando os
Colegiados integralmente, e não somente suas populações civis, confirmando sua natureza de
rede, negando-se a ter CNPJ, representando CODETER com ou sem CNPJ. As representações
territoriais em suas plenárias, geralmente, são quatro por território e geralmente vêm
representantes do poder público e da sociedade civil. Esta situação indefinida se remete
também ao Estado que, depois de promulgar a Lei 13.214/2014, em tese, estabelece uma
relação orgânica com os CODETER, tratando-os como estruturas de Estado. Como, então,
sendo integrantes do Estado, um CODETER pode ter um CNPJ próprio?
Questões como estas estão sem soluções definitivas ainda, mas em plena discussão no
seio da política de desenvolvimento territorial. Ao que parece, mantendo-se a mesma, o tempo
é quem escreverá sobre o resultado a longo prazo desta experiência. Uma nova
institucionalidade e suas implicações desdobram-se em mudanças processuais e cumulativas,
na esfera da gestão, do poder, das relações e dos aspectos subjetivos e simbólicos envolvidos.
161
6. CONCLUSÃO
Os termos em que se dá uma gestão política é algo complexo, com muitas variáveis e
nuances. A apreensão de sua totalidade, por um estudo ou pesquisa que busque decifrá-la,
torna-se improvável. Entretanto, os contornos que delineiam o seu trajeto podem ser
percebidos, ainda que de maneiras distintas, a depender de como e de quem olha, ou de que
ângulo são observadas as situações. O que aqui se apresentou é apenas um dos muitos
ângulos. O olhar de dentro, de quem coordena a política de desenvolvimento territorial, sobre
este mesmo campo onde se trabalha, é apenas um possível, não, necessariamente, o melhor,
portanto, tem se aqui um trabalho, cujo ângulo de observação pode ser muito particular. Mas,
acredita-se, serve ao propósito de abrir algumas janelas no vasto salão dos fatos.
O desenvolvimento, por sua vez, define-se por meio da gestão política e da economia,
ao mesmo tempo. E implica resultados sociais. Portanto, um vasto fenômeno a ser
investigado, com muitas variedades. Esta dimensão da vida civilizada está presente em todos
os tempos, de maneira consciente e teorizada, ou simplesmente ocorrendo, sem que a
sociedade expresse uma formulação teórica sobre o fato. Toda civilização desenvolve,
estabelece um sistema social e econômico, evolui a partir de seu movimento sistêmico, atinge
apogeu e declina. Assim tem sido há milênios.
Nos tempos modernos, o desenvolvimento passou a ser o próprio sentido das
sociedades existirem. A crença no progresso como algo imprescindível à felicidade e ao senso
de autorealização de um povo; como um ethos fundante de uma civilização, tornou-se os
fundamentos da humanidade tomada em seu conjunto hegemônico. No esteio desta crença,
um conjunto de esforços intelectual, físico e tecnológico é colocado a trabalhar para que a
vida social supere, a cada dia, o passado. E se alimente de um futuro totalizante, que dá
sentido a esta marcha, impelida, por sua vez, a consumi-lo cada dia mais rápido, e a cada dia
mais freneticamente.
Nesta trajetória da modernidade, o motor gerador de todos os motores que fazem a
vida social acelerar cada vez mais rápido, é o capital e sua reprodução. Cada vez mais célere,
o progresso segue sumindo com florestas, rios, animais, solos férteis, diversidades de vidas, ar
puro, silêncio, etnias, culturas ancestrais e outros atributos da vida do planeta. Matiza-se um
ambiente asfáltico, englobado por circuitos e vias, logísticas e infraestruturas que promovem
uma artificialização permanente do modo de viver. Paul Virilio (1996) alerta em sua filosofia
da catástrofe sobre a natureza contraditória das tecnologias: suas conquistas positivas trazem
sempre embutida uma catástrofe associada. A ideia de desenvolvimento sustentável parte
162
desta premissa, mas encerra em si contradições, muitas delas, ainda sem soluções claras. O
desenvolvimento territorial nasce dentro deste ciclo, cumpre o papel histórico de apresentar
inovações, e busca se firmar como alternativa às visões clássicas e liberais de crescimento
econômico.
A gestão política dos Estados, por sua vez, encerra-se em curtos espaços de tempo e
resulta, por sua vez, de grupos políticos que assumem o poder para, no fluxo do rio do
progresso, administrar soluções e desastres, sempre em curto prazo. Para assegurar o fluxo do
que é e para inovar com o que não é, ainda. Mas a gestão política está contida no mesmo
motor do capitalismo, é parte do sistema humano, e, como espaço de poder, constitui-se em
força útil ao sistema e à sua possível alteridade. Esta é a dialética política, o Estado como
espaço de poder, da ordem e da conservação, também possui forças antissistema, ou, ao
menos, alternadas, que podem tender a mudar sua lógica hegemônica de conduta. Mudar,
portanto, o rumo do desenvolvimento.
É neste sentido que o desenvolvimento se torna crucial para a contemporaneidade e
para o futuro das sociedades, ou do planeta. Gestar o Estado é inserir-se num dos centros
motores do sistema, aquele centro que direciona o movimento político do progresso e sua
qualidade. Mudar a direção do movimento operador do sistema, ainda que em um ângulo
muito fechado, num grau pouco expressivo, é algo complexo, que não se faz por decreto, ou
apenas por vontade política. Requer projeto, força, sustentação e legitimidade. Ainda assim,
com todos esses recursos, a mudança pode ser frustrante.
Isso porque, o que foge inteiramente à corrupção do poder são apenas as ideias que se
faz dele. O seu exercício concreto, porém, será sempre, em graus que podem se diferenciar, a
própria contradição entre o discurso e a prática política do exercício de poder do Estado. Esta
é a eterna arena onde se confrontam os princípios e os interesses, os projetos e sua execução,
os discursos e o exercício mesmo do poder. Esta contradição é insuperável enquanto o poder
político existir. Ele requer aceitação, força, adesão, cumplicidades, escolhas, condições,
favorecimentos, trocas de favores, predomínio de interesses, mandos e hierarquias. Por isso,
inclui também resistência, reação, oposição, revolução, golpes, sucessão, alternância. Não há
como exercitá-lo sem vivenciar estes meios, ainda que a causa de quem chegue no comando
possa ser nobre ou teoricamente universalista. Resta a real política, o exercício mesmo do
poder, o jogo, a estratégia, o relativismo, as alianças, as perdas e os ganhos, sempre limitados
no arco do círculo do seu exercício.
A perspectiva de mudança, entretanto, caminha junto com o tempo. Ela se assenta na
dialética da transformação, naquilo que muda constantemente, com momentos mais intensos e
163
resultados mais largos, ou com momento de permanência de resultados estreitos, mas que
informa mudanças. Assim, gerações se debatem em torno do poder de Estado, da política
partidária, das diversas verdades dos seguimentos sociais ou das corporações, das ideologias e
dos sonhos. A obra que vai sendo construída não tem fim, faz-se, desfaz-se, refaz-se. A cada
conjuntura, novos abalos, novas saídas, velhas frustrações, esperanças renovadas. E mais
crise. O que se está construindo parece ser, para quem está no comando da construção em
dado momento, o possível ou o ideal. A política de desenvolvimento territorial aqui analisada
está dentro deste movimento, é, a um só tempo, utópica e pragmática. Tida por uns como
alternativa ao modelo hegemônico de dominação e controle políticos vigente, para outros
como mero enquadramento administrativo e outros, ainda, como mero mise em scéne
populista.
Historicamente, a abordagem territorial surge no seio da gestão pública no Brasil,
como alternativa aos modelos de desenvolvimento rural até então implementados pelos órgãos
públicos e as agências financiadoras, em parceria com organismos internacionais de fomento
e pesquisa. E se configura, desde 2007, como alteridade ideológica e prática do modo de
promover o desenvolvimento. De lá para cá, a SDT estabeleceu as bases teóricas, as
estratégias governamentais e as políticas públicas da abordagem territorial.
Na Bahia, este estudo aponta que, a partir de 2007, a abordagem territorial também
passou a ser tomada como uma estratégia para o desenvolvimento; uma base para o
planejamento e a execução de políticas públicas, representando também uma alteridade de
forma e conteúdo ideológico.
A inserção da mesma na SEPLAN esteve de acordo com as premissas expostas nos
planos de governo das duas candidaturas vitoriosas lideradas pelo PT, na medida em que ali, a
concepção de território estava coerente com uma abordagem sistêmica do modelo. Portanto,
para ser uma política sistêmica do Estado, no corpo do planejamento e do ciclo orçamentário.
A compreensão apresentada nos documentos de governo pesquisados, indica que a Bahia
inovou no cenário nacional, realizando aquilo que, na esfera federal se discute até hoje: uma
abordagem territorial desta natureza não pode ficar insulada numa repartição finalística
menor. A opção por se instituir territórios de identidade e não rurais expressou esta clareza
por parte dos operadores do planejamento no Governo baiano naquela altura.
O caminho percorrido de 2007, até 2013, período aqui analisado, demonstra uma
construção ainda em curso, que ainda não chegou à sua maturidade e enfrenta muitas
dificuldades, de diversos níveis e natureza. Demonstra, ainda, que a construção é
contraditória e cheia de vieses. A territorialidade, como se evidenciou aqui, não é um projeto
164
político claro do grupo que a leva à frente, não é uma estratégia claramente definida no seio
do stabilichment do Estado baiano, mas apenas por sujeitos e repartições isoladas dentro do
Governo. Ela parece ser resultado de um conjunto de fatores que a determinam, por um lado,
como um avanço significativo no quadro da política do Estado e, por outro, como uma
demonstração da incapacidade do mesmo grupo político que a viabilizou de levá-la à termo,
de levar seus princípios e diretrizes ao nível de uma política forte, definida pelo centro do
poder, compreendida e estabelecida para se chegar a um fim.
Note-se que o fim ao qual se quer chegar nunca foi esclarecido. O Governo não tem
nada escrito sobre isso. Não tem um porta-voz de peso político que saiba tratá-la, defendê-la e
colocá-la no centro do debate político. A CET também não consegue formular teórica e
politicamente seu projeto, apesar de fazer importantes inserções neste campo e defender com
persistência os princípios da democracia participativa. Poder-se-ia dizer que muitas outras
políticas importantes também sofrem do mesmo problema. E é verdade. Mas a política de
desenvolvimento territorial envolve uma contradição maior, pois ela só tem sentido real se for
tomada como um plano geral para as outras políticas se encaixarem. A abordagem territorial é
uma estratégia, e como tal, não se reduz ao imediato, ao setorial, nem ao restrito, ela é, de
fato, a negação de tudo isso, seu oposto. Porém, são exatamente estes atributos que lhe faltam
na prática, ainda que com consideráveis nuances em contrário, sobretudo ao se considerar os
aspectos legais e institucionais.
Entretanto, não houve um estudo prévio, de base técnica, que apontassem os
territórios a serem constituídos, segundo uma ampla revisão da regionalidade dada até então, e
de relatórios consistentes com dados mais densos, ou mesmo um Zoneamento Ecológico
Econômico (ZEE), ou, ainda, um Plano de Desenvolvimento Social do estado. Mormente, tais
peças vieram a ser encomendadas a posteriori.
Neste sentido, a aferição do grau de maturidade dos capitais sociais nos territórios de
identidade também não foi levada à cabo no momento de sua implementação. Ainda que se
reconheça em alguns dos Territórios de Identidade uma presença mais evidente de certo grau
de organização institucional, através de instituições e movimentos de trabalhadores e
pequenos produtores, articulados em torno de projetos produtivos locais, com aspectos de
sociabilização, como se pode averiguar no território do Sisal, por exemplo.
A maior evidência da contradição entre o institucionalmente dado e a prática efetiva
desta mesma institucionalidade é o PPA Participativo. A escuta social/territorial efetivada aí,
não se desdobra em governança nem mesmo em compromisso assumido pelas Secretarias de
165
Estado. Compromisso entendido como orçamento e execução de proposições apresentadas
pela sociedade.
Chama atenção, entretanto, a despeito do embasamento da territorialidade nas peças
orçamentárias do Estado, o fato de que os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável
(PTDS) dos territórios de identidade não terem sido, ainda, utilizados como peças
componentes do planejamento mais amplo. Estes se encontram, outrossim, presentes como
projetos a serem ainda consolidados. Atualmente, enquanto se escreve esta conclusão, os
mesmos estão para serem financiados pelo Banco Mundial, e no Programa Bahia Produtiva,
da Companhia de Desenvolvimento Regional – CAR. Fato é que, em mais de sete anos de
política de desenvolvimento territorial, o governo não absorveu estas peças e seu significado
político para dentro de sua governança territorial.
Resta, pois, que os elementos do planejamento do desenvolvimento, até o momento,
na Bahia, estão circunscritos aos PPA participativos, e a dinâmica da governança deste
desenvolvimento tem-se reduzido aos dilemas referentes às suas escutas sociais - dos seus
resultados objetivos, ou a ausência deles, na execução orçamentária por território. Neste
sentido, restaria se pensar em termos de uma pactuação territorial, com base nas escutas e no
PPA propriamente dito, como fórmula de fazer a concertação mais ampla, aportando no
orçamento aquelas propostas levantadas nas escutas do PPA. Este pacto para o
desenvolvimento local, entretanto, nunca foi materializado. A despeito disso, porém, uma
parte das demandas sociais foi executada, mas sem uma demonstração clara ao público e ao
próprio governo, pois faltam instrumentos adequados para apuração e gestão destas
informações. Destaca-se que, no momento da escrita deste texto, o Governo baiano, através da
SEPLAN, está construindo um processo de monitoramento e avaliação dos programas do
PPA e concebendo o novo PPA (2016-2019), tomando iniciativas para se resolver esta
questão, vinculando, no momento da formulação das metas e compromissos dos programas,
as demandas sociais, territorializadas.
Portanto, o desenvolvimento territorial é menos destacado, na Bahia, do que a
democracia participativa territorial. Os elementos de participação são mais sólidos e louvados,
na prática e no discurso do governo baiano, do que os de gestão efetiva dos territórios. Não
existe, para além do PPA, nenhum outro instrumento de planificação das ações globais
territorializadas, no Estado. Existe, outrossim, um conjunto de planos temáticos, em diversas
áreas e secretarias, mas sem uma costura sintética por território. O governo contratou o ZEE
junto com a elaboração dos Planos Mestres, que seriam definidos em escalas menores,
166
incorporando a territorialidade dos territórios de identidade, mas mudou-se o contrato e estes
planos foram suspensos.
A inexistência de discursos midiáticos e campanhas institucionais sobre os territórios e
sua democracia participativa são também reveladoras desta contradição. O Governo apenas
publicou quatro materiais sobre o tema até o momento. Um impresso sobre as realizações do
PPA 2008-2011, quando da realização do Primeiro Diálogo Territorial; um vídeo institucional
sobre os dois conselhos territoriais – CAPPA e CEDETER; dois folderes sobre os espaços de
participação territorial, mas a lógica da abordagem nunca foi debatida publicamente através
de material institucional. Não se publicou formulações no âmbito da SEPLAN, nem da SEI,
nem de qualquer outro órgão estadual sobre o conceito, a lógica e a metodologia territorial
para o desenvolvimento, muito menos sobre seus fins e metas.
Os materiais publicados versam sobre os territórios e seus espaços de participação
democrática e governança. E são materiais mais de divulgação e mobilização do que de
fundamentação. A única publicação que deu alguma visibilidade a isso foi da SEPLAN,
referente apenas aos PPA de 2008-2011 e 2012-2015, descrevendo os seus processos de
elaboração e destacando o aspecto da participação.
Uma apreensão mais apurada do fenômeno, contudo, ao ser analisado criticamente,
demonstra avanços importantes em seu arcabouço institucional e na construção de espaços
concretos de participação e concertação sociais, com inovação de formas e processos. O
planejamento de políticas públicas está, assim, segundo os instrumentos institucionais do
Estado, aberto à participação ativa dos cidadãos dos territórios de identidade, organizados em
torno de sua representação social, os colegiados territoriais. O próprio CEDETER está
composto sob esta premissa, pois é constituído em bases paritárias, com representações do
Estado e dos Colegiados.
Estas bases políticas apontam para uma compreensão da territorialidade baiana como
um modelo de gestão participativa, ao menos no contexto dos espaços oficiais e na esfera da
institucionalidade. Esta realidade está, em parte, de acordo com a ideia de território enquanto
localidade política, ou seja, enquanto locus de poder, de protagonismo social e político das
localidades. Dialogando com este fato, ao tratar das novas institucionalidades que representam
a abordagem territorial do desenvolvimento rural brasileiro, a professora Tatiana Velloso
(2014), escreve: Na abordagem territorial foi construída estratégias de inserção de participação representativa nos espaços de governança para formulação e implementação de políticas públicas e de programas governamentais em um ambiente que tenta confrontar a limitação municipal e setorial. Entretanto, esse confronto se depara com
167
aspectos institucionais que possibilitam ou não a operacionalização das políticas de caráter intermunicipal e multidimensional. (VELLOSO, 2013, p. 104).
Na Bahia, a observação direta da experiência também revela um baixo grau de
efetividade desta mesma concertação e do monitoramento social pretendidos, com insuficiente
aproveitamento das contribuições sociais nos dois âmbitos, pois os mecanismos de
governança e concertação sociais operam de maneira superficial e estão esvaziados de poder.
Esta contradição leva ao comprometimento do modelo e sua capacidade de consolidar as
pretendidas descentralização e democratização da gestão pública por via da territorialização
do estado da Bahia.
Levá-la à cabo, como prescrito nos próprios instrumentos legais do Estado baiano, é
assumir os CODETER como sujeitos políticos. Afinal, a intermunicipalidade só pode agir
politicamente, se houver um espaço instituído para tal. Na política territorial, este espaço não
pode ser simplesmente os consórcios públicos intermunicipais, ainda que sejam importantes
para a territorialização do desenvolvimento. Os consórcios públicos desta natureza cumprem
papel de executores de políticas, sob o comando dos gabinetes dos prefeitos. Apesar dos
mesmos serem conformados de acordo com a lei dos consórcios, que indica a necessidade de
se ter um conselho civil para garantir-lhes controle social, até o momento não são espaços de
concertação nem de pactuação civil/públicos.
A gestão pública apontada pelo governo definia em seu discurso institucional a
transformação política da Bahia numa “terra de todos nós” e a condução do desenvolvimento
territorial por ela proposta afirmava incorporar esta dimensão. Contudo, ao se analisar os
processos e procedimentos adotados, conclui-se que, para tal, esta política ainda prescinde de
um compromisso forte com os princípios de uma democracia participativa, na qual a
representação territorial seja tomada de fato e de direito como os novos sujeitos políticos na
arena das formulações e deliberações das políticas públicas. Novos sujeitos políticos, na
medida em que se institucionalizaram os territórios de identidade enquanto novas esferas de
planejamento e execução de políticas públicas e reconheceu-se a sua representação política,
através da institucionalização dos Colegiados de Desenvolvimento Territorial – CODETER,
desde a publicação do Decreto nº 12.354, de 25 de agosto de 2010.
A premissa aqui defendida foi a de que ocorrem contradições importantes entre o
programa de Governo apresentado e, de maneira mais ampla, entre a plataforma política do
Partido dos Trabalhadores e a efetividade aferida nos processos de governança territorial, ou
da democracia participativa, através do modelo territorial baiano. Portanto, as incongruências
apresentadas no modelo de desenvolvimento do Governo da Bahia, parecem se manifestar
168
mais claramente no campo político, revelando contradições em relação aos preceitos
ideológicos, através da confluência entre elementos da democracia participativa e evidentes
elementos tradicionais, fisiológicos. Tais contradições são mais visíveis quando se considera
os procedimentos efetivos do Governo na aplicação do modelo territorial, por ele mesmo
definido como meio para a renovação da cultura política e a sua inversão para um estágio
mais maduro, moderno e atualizado; como a ruptura com a mentalidade autoritária e elitista
em prol de uma democrática e participativa. O Governo pratica uma relação utilitarista com os
Colegiados Territoriais e não aporta nos mesmos um mínimo de empoderamento político,
para além da escuta do PPA. Mantem-se no conservadorismo ao não pensar a abordagem
territorial numa perspectiva contra-hegemônica.
Portanto, esta participação se apresenta de maneira ambígua. Encontra se no bojo deste
cenário político por que passa a Bahia e o Brasil, no qual confluem no mesmo fluxo histórico
forças progressistas (democrático-desenvolvimentistas) e conservadoras (fisiológicas e
neoliberais), de “esquerda e de direta”, dentro de um mesmo Governo. Mas esta é apenas
uma aparência mais óbvia da realidade. É fato que o próprio Partido dos Trabalhadores
enquanto partido, também ignora solenemente a lógica territorial e pouco age no sentido de
fazê-la avançar. Apenas seguimentos petistas na gestão pública é que garantem um discurso e
uma prática territoriais de fato.
Por sua vez, a rede de governança territorial – CET vem passando por um
esvaziamento significativo de órgãos públicos em sua representação e há em seu seio certa
confusão quanto à sua natureza. Representa a sociedade civil no CEDETER, mas reclama
para si o status de uma rede territorial de governança, composta, também, por representações
de poderes públicos. O Governo, por sua vez, se posiciona de maneira a entender que o
CEDETER seria este espaço de governança e que a CET seria a instância de articulação,
reconhecida oficialmente, dos interesses da sociedade civil, no âmbito dos territórios, dentro e
fora do CEDETER. Tal situação gera constantes debates e cria dificuldades de se definir qual
posição deve ficar a CET em relação ao apoio institucional, inclusive financeiro, para esta
Coordenação. É visível a necessidade de maturação da experiência nos dois lados envolvidos
na mesma: governo e sociedade.
A situação baiana, rica em contradições, favorece à formulações de perguntas, dentre
elas: quais as possibilidades de avançar na institucionalização da política territorial? Como
favorecer à conformação de blocos socioterritoriais? Em que medida deve se dar a
intervenção do Estado para o fortalecimento do capital social dos territórios de identidade?
Quais as condições gerais para a sobrevivência desta política para além deste governo?
169
Perguntas que precisam ser respondidas com mais estudos, focados, por sua vez, em
possibilidades de respostas. Aqui, o esforço foi o de clarear o objeto, definir melhor suas
nuances. O conceito de bloco socioterritorial de Dallabrida (2007) nos parece um bom
caminho para se pensar em termos daquilo que mais fragiliza o modelo baiano: a inexistência
de capital social territorial capaz de disputar e influenciar nos rumos das políticas públicas
para o desenvolvimento. Capaz, inclusive de forçar uma posição mais avançada do Governo.
Comparativamente, a experiência do Rio Grande do Sul é mais antiga, com maior
densidade política – já atravessou décadas, e sobreviveu a alteridades de partidos e governos
distintos. Lá, diferente da Bahia, a tradição da gestão territorial para o desenvolvimento está
vinculada ao orçamento participativo, enquanto aqui, se dá através do Plano Plurianual
Participativo. Na experiência gaúcha, há vinculação dos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento (COREDE) com universidades regionais, além de uma legislação restritiva
quanto à suas composições, definindo quais e quantos são os componentes dos COREDE, a
solidez da representação e sua diversidade são mais fortes e, naturalmente, mais enraizadas no
seio da sociedade. Além do que, nasceram em outra conjuntura nacional, não estando
vinculados às políticas de desenvolvimento rurais imprimidas pelo MDA, como é o caso da
Bahia.
Mas do ponto de vista da gestão territorial do desenvolvimento e daquilo que importa
ser pensado em termos de governança territorial, parece haver correspondência na proposição
do autor sobre as possibilidades de uma gestão territorial embasada na participação social e na
abordagem territorial, tanto em relação à experiência do Estado sulino quanto do Estado
baiano. Nesta parte dedicada à conclusão, não se tratará de revisitar o longo processo histórico
de conformação teórica sobre as possibilidades e condições para um desenvolvimento
recortado ao local, regional ou territorial. Parte dele já foi aqui apresentado nesta dissertação.
Mas esforça-se no sentido de se fazer uma síntese crítica da experiência baiana.
Em seu introdutório, Dallabrida (2007a) traz à relevo diversas visões teóricas sobre
aspectos referentes ao exercício da democracia deliberativa e da gestão social, a fim de
levantar premissas indispensáveis para se pensar a governança territorial. A democracia, para
além de um regime, é uma relação entre Estado e cidadãos que, em sua versão
contemporânea, avança para a garantia de direitos de cidadania, além dos direitos políticos
(DALLABRIDA, 2007a). Isso implica na modernização dos espaços de participação cidadã
nos processos políticos da gestão pública que, por sua vez, devem garantir livre expressão
entre os diferentes, igualdade de oportunidade e mecanismos de impedimento às
170
possibilidades de domínio e hegemonização de tais espaços por forças políticas
economicamente mais fortes.
Os teóricos, segundo Dalalbrida (2007a), que formulam sobre uma nova relação entre
Estado e sociedade, parecem apontar para uma necessária reestruturação da dinâmica política
do Estado de Direito, na qual se consolidem espaços abertos, plurais e capazes de administrar
conflitos. Este modelo deve reconhecer e incorporar uma segunda esfera pública, composta
por uma miríade de organizações de caráter comunitário e de auto-organização social, que
atuam no sentido de promover a organização local, setorial, de seguimento social ou
produtivo, cultural etc. Para autores progressistas, esta reestruturação do Estado deve se
identificar claramente com as lutas pela hegemonia do campo popular, com vista à
conformação de um novo bloco no poder. (DALLABRIDA (2007a).
A consolidação de espaços de participação social nos rumos das políticas públicas, nos
processos decisórios e formulativos do Estado requerem, portanto, uma construção cuidadosa,
que zele por princípios e mecanismos que garantam ao máximo possível a independência de
tais espaços em relação aos mandatários de cargos políticos e às relações hierárquicas
definidas pelas condições econômicas e sociais dos integrantes dos mesmos. O exercício é,
exatamente, o de inverter a tendência atualmente hegemônica de as decisões políticas da
esfera do Estado ser capturadas pelos mais poderosos economicamente.
Do ponto de vista de uma política de desenvolvimento voltada para o aprofundamento
da participação social nos processos políticos, com vistas ao aprofundamento da democracia,
a governança seria a conjunção deliberada de atores sociais e públicos, a fim de resolver
problemas e criar oportunidades (DALLABRIDA, 2007a). Assim, ela é um resultado do nível
de envolvimento social nas questões públicas e do compromisso do poder público para com o
controle social do poder de Estado.
A realidade baiana, de acordo com os documentos analisados e a observação das
práticas envolvidas na estratégia territorial, demonstra um arcabouço legal avançado e
garantidor de tais preceitos, mas uma efetividade baixa dos mesmos. Esta contradição é de
ordem, sobretudo, política, uma vez que a compreensão da importância do modelo para o
avanço das relações entre Estado e sociedade está presente nos textos institucionais e nas
próprias peças do ciclo orçamentário. Falta, entretanto, diretividade política e comando forte
do centro do poder do Estado para se consubstanciar uma experiência transformadora da
condução política do Estado e da participação política da sociedade. Esta ausência é de cunho
ideológico e pragmático. O Governo não estabelece uma fronteira clara entre suas alianças
conservadoras e seu projeto transformador da sociedade, ao menos como escrito em seus
171
textos políticos partidários. É evidente a falta de um projeto mais definido de transformação,
social e do aprofundamento de uma prática política diferenciada do fisiologismo partidarista
da velha tradição brasileira. A abordagem territorial assim o requer, mas se consome nos
meandros menores, por falta de uma posição mais avançada entre os dirigentes maiores do
Estado.
A governança territorial baiana, de acordo com os seus próprios preceitos, exige uma
mudança profunda no modo de se fazer a gestão pública, requerendo uma posição política
radicalmente democrática, pois ela deve exprimir uma forma e um conteúdo globais, que
envolvam o conjunto do poder público e suas relações com a sociedade civil. Em termos de
desenvolvimento territorial, a governança ocupa o espaço necessário ao exercício da
territorialidade política, ou seja, da intervenção dos agentes presentes no território e sua
capacidade de articulação, proposição, pactuação e gestão social. Esta radicalidade não
ocorreu até aqui e os resultados concretos são, ainda, de baixa intensidade para a
transformação que se anunciou pretender alcançar com o governo do PT na Bahia.
Vê-se, pois, que, nesta linha de análise, não se pode pensar em termos de governança
territorial, sem se pensar, antes, em capital social territorial ou bloco socioterritorial
(DALLABRIDA, 2007b). Afere-se, a partir dos estudos realizados, que o grau de organização
social nos territórios de identidade, em torno de suas esferas de participação política e
representação local é ainda pouco expressivo. Os CODETER são experiências em construção,
e requerem, para o seu pleno exercício territorial, de amplos investimentos políticos e
culturais. Tanto por parte do Estado, quanto por parte da sociedade civil. A experiência do
CAPPA é reveladora quanto a isso, pois nem mesmo em torno de uma situação concreta como
a de formular proposições para o PPA e monitorar sua execução ou exclusão no orçamento foi
realizado a contento. Mais importante ainda é o fato de o baixo e, muitas vezes, inexistente,
cumprimento dos compromissos do Governo nas esferas participativas, não acarretar uma
ofensiva organizada dos territórios, capaz de gerar um fato político importante.
Os territórios de identidade enquanto sujeitos políticos são constituídos ainda por
poucos seguimentos sociais e, dentre eles, a maior parte é vinculada à base política do
governo que os instituiu. Este fato define, em parte, a pouca ressonância dos conflitos aí
existentes. O governo vem sustentando-os como expressões de sua plataforma
democratizadora do estado baiano, porém, mais como retórica do que exercício efetivo de um
novo modelo de relação Estado-sociedade. Este parece ser o maior óbice para se instituir o
processo de gestão territorial, ou a governança territorial de fato. O sentido de “bloco” aqui
faz alusão a uma hegemonia de concepções e ideias que se afirma na medida em que a
172
sociedade, ou a maior parte dela, ou a parte dela que tem o poder de formar opiniões, absorve
e reproduz uma ideia comum em termos de visão política. Assim, a construção do bloco
socioterritorial é algo que se dá em movimento histórico, e, dentro do que representa a política
de desenvolvimento territorial para a tradição fisiológica e patrimonialista da cultura política
da Bahia, representaria um processo de contra-hegemonia no momento político que se vive no
país hoje. Não há, portanto, bloco socioterritorial na Bahia. Ele pode estar em gestação.
Ocorre que, sem conteúdos significativos para uma governança territorial, os
CODETER permanecem esvaziados de uma diversidade e representatividade social
expressiva, sem os atores capazes de realmente interferirem nos rumos das decisões da
política estadual. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) vem produzindo relatórios sobre esta
situação e apresentando os resultados para o Governo, chamando atenção para a necessidade
de se materializar mecanismos de governança e o cumprimento da execução orçamentária
daquilo que foi escutado nos PPA.
A própria experiência do Rio Grande do Sul, como algo rico e já bastante
experimentado, ainda não se tornou uma realidade hegemônica, capaz de promover a lógica
da governança global à condição da gramática política hegemônica. Na Bahia, a experiência
da política de desenvolvimento territorial está nesta mesma condição, com menos tempo de
experiência e, ainda, vinculada a um único governo, ou frente partidária que sustenta a
mesma. Seu destino dependerá muito das sucessões do comando do Estado daqui para frente.
Mas é fato que as contradições presentes na experiência baiana são típicas de uma
situação de modernização conservadora, bem ao jeito do Brasil. Resultante de transições por
composição partidária, que se dá de maneira clássica no caso brasileiro, por oportunismos
eleitorais e sem maiores zelos pela agenda política e o plano de governo defendidos nas
eleições. Disso decorre uma gestão pública difusa ideologicamente, sem um projeto central
forte, nem uma diretriz clara e ideologicamente marcada na esfera estatal.
Não é por acaso que a política de desenvolvimento territorial na Bahia fica sem um
lastro político forte nos governos que a vem realizando. E acaba ocorrendo de maneira
contraditória, ora demonstrando avanços inquestionáveis, como no caso das regras legais; ora
vivendo reveses conservadores, como no exercício prático da governança no seio dos
CODETER. A radicalidade necessária à consolidação de uma governança territorial não foi
alcançada. Ela requer do governo mais determinação e foco na gestão da política territorial. O
fato de a mesma estar na SEPLAN é um ponto afirmativo neste sentido, mas o problema é que
a SEPLAN não tem sido um espaço realmente determinante no núcleo duro do poder, na
Bahia.
173
O espaço de gestão direta da política de desenvolvimento territorial, na SEPLAN,
permanece o mesmo desde o início da gestão Wagner: uma simples diretoria, composta de
duas coordenações e um corpo técnico pífio para o tamanho do desafio que tem de enfrentar,
eis aqui um sintoma claro desta incapacidade do Governo. A proposta de transformar a DPT
em uma superintendência vem sendo discutida desde o início e foi colocada para a gestão Rui
Costa (que se iniciou em janeiro de 2015), no bojo de sua reforma administrativa, mas não foi
absorvida.
Resta se pensar em termos do projeto do próprio Partido dos Trabalhadores (PT), que
historicamente defende e já praticou orçamentos participativos. O Partido não tem, hoje,
qualquer interferência nos rumos desta política, no Estado. Somente na última eleição do
diretório estadual, realizada em 2014, que se criou uma coordenação territorial. Mas esta até o
momento não realizou nenhuma articulação política, ou eventos e debates que evidenciem a
importância desta estratégia e seu potencial contra-hegemônico. Nem no alto escalão do
Governo, nem do Partido a abordagem territorial faz eco. Estes operam predominantemente
na lógica fisiológica e ainda muito clientelista, mantendo a relação bancária da velha
gramática política brasileira.
Ainda que se se considere necessário o exercício da velha gramática política, para
assegurar governabilidade e ganhos eleitorais, a possibilidade de um projeto de governo que
fortaleça as bases sociais e sua autonomia, que caminhe seguramente para afirmar uma nova
cultura política, expressada pela prática e as regras da governança, poderia ser operada com
mais determinação e resultados. A abordagem territorial aponta para este fim, mas isso não é
feito. O conjunto da máquina do Estado permanece alheio à lógica territorial, absorvendo sua
face meramente administrativa, quando muito, ao territorializar parte das iniciativas e metas
do PPA. Mas nenhum secretário de Estado se obriga, ou é obrigado, a realizar governança
territorial das políticas públicas de suas pastas. O Partido dos Trabalhadores, ao se
burocratizar e assumir a condição de Governo, vem se afastando destes princípios de
fortalecimento de uma base crítica e empoderada, o que a longo prazo poderá lhe trazer
grandes prejuízos, uma vez que sua identidade ideológica foi aí construída e tendo em vista
que o controle do poder do Estado não é perene.
Ao tempo de redação desta conclusão, a SEPLAN está finalizando a composição do
PPA Participativo 2016-2019. Neste, um claro esforço está sendo feito no sentido de
territorializar as metas dos programas e levar as Secretarias a associarem as demandas da
escuta social realizadas às suas ações orçamentárias. A média de adesão à territorialização é
de 46% do total do PPA (BAHIA, 2015). Nestas metas territortializadas, a maior parte não
174
está, necessariamente, aderente aos pedidos das escutas. O Governo atual não possui, como
também o anterior, um plano estratégico de longo prazo. O planejamento centra-se no plano
de médio prazo, que é o PPA. Não existe um banco de dados geral sobre os territórios nem
um modelo de monitoramento e avaliação do PPA que tome os territórios como as unidades
de planejamento e execução de políticas públicas. Há uma discussão e uma construção em
torno desta necessidade na SEPLAN, no momento em que se escreve esta conclusão.
Entre 2007 e 2013, por sua vez, os Planos Territoriais de Desenvolvimento Sustentável
(PTDS) não foram concluídos e os que foram confeccionados não serviram para o
planejamento estratégico do Estado. As escutas sociais do PPA poderiam ser estes mesmos
planos, uma vez que os mesmos, caso fossem feitos com apoio do Estado e em parceria com a
sociedade civil, seriam uma fonte mais tecnicamente qualificada para o PPA. As escutas
sociais poderiam se dar em torno deles. Mas estes estão, em sua maioria, defasados e
fragilizados tecnicamente. A maior parte dos CODETER que os possuem (apenas 11), não se
apropriam dos mesmos com a necessária profundidade.
A sociedade civil segue reduzida e restrita nas representações dos CODETER. O
esforço que vem sendo realizado pela DPT/SEPLAN para homologar os CODETER no
CEDETER não consegue superar tais limitações. Esta é a questão central para os rumos da
política de desenvolvimento territorial. Sem um capital social maduro e capaz de se expressar
como um bloco socioterritorial, a governança territorial fica fragilizada. Somando-se este fato
com a já tratada incapacidade de o Governo estabelecer a abordagem territorial como uma
política forte, a situação fica como está. Os avanços vêm ocorrendo graças, sobretudo, à
existência da CET e da presença de alguns sujeitos localizados no Governo, que atuam
insistentemente para isso.
A performance política da CET, entretanto, é pouco expressiva, seus quadros são
pouco preparados para fazerem frente às disputas no Governo e na sociedade. As poucas
lideranças assumem diversas outras tarefas além da condução da Coordenação, e são poucas.
Nos territórios, os CODETER são estimulados pelo Estado a buscarem diversificar suas
composições, atraírem novos seguimentos sociais, as prefeituras e os empresários. Mas as
condições objetivas para isso não são criadas. Nenhum programa de governo foi levado aos
CODETER para se submeter à governança territorial; somente agora, em 2015, com a
implementação do Projeto Bahia Produtiva, da SDR, que se tem oficialmente a
obrigatoriedade de submeter os projetos a serem financiados à chancela dos CODETER. Por
sua vez, os deputados e prefeitos são atendidos e negociam seus interesses particularistas
junto às secretarias e órgãos do Estado, ignorando a lógica territorial. Não há um plano de
175
formação instituído com a finalidade de engendrar a lógica territorial no seio da sociedade e
do próprio Estado.
Sem campanhas institucionais, sem discursos das autoridades maiores em sua defesa,
sem formação, sem o que governar em suas instâncias de concertação, os CODETER vivem
das pequenas ações do MDA e da agitação em torno dos PPA Participativos. A cada PPA
Participativo se renovam esperanças e o governo promete avançar. A pactuação do PPA, que
fora defendida pela CET e o CAPPA para o PPA que está findando este ano (2015) teria sido
um passo decidido na direção da consolidação da governança territorial. Porém, sua anulação
inviabilizou esta conquista e isso sequer resultou em um desgaste político para o Governo.
Como não é prejuízo também todo o ruído dos CODETER em torno das negligências do
Governo para com os mesmos. Sem uma apropriação social da causa do desenvolvimento e da
governança territoriais, capaz de formar uma intervenção empoderada de concepção e metas
territoriais, não se terá um avanço historicamente novo e realmente diferenciado na cultura
política da Bahia.
O que se tem até aqui é um exercício dos mais importantes nesta direção. Ele não está
parado, nem se deve abandoná-lo. Suas potencialidades são muitas e o que já vivenciou até
aqui gerou um caso específico e uma experiência que serve como espelho ao MDA e aos
outros estados. As condições para o seu amadurecimento estão dadas. O tempo de
engendramento de algo novo e desafiante como a política de desenvolvimento territorial é de
largo prazo, sobretudo em sociedades como a baiana, de longa tradição autoritária e
fisiológica. Mas é fato também que os governos que a gestam pode fazer muito mais na
direção de sua consolidação. O conservadorismo, inclusive, não é só do governo, está presente
também na sociedade civil.
A possibilidade de permanência da experiência será um desafio associado à
capacidade de avançar o estado da arte. Este avanço, por sua vez, será fruto da apropriação do
sentido político e estratégico desta abordagem, do quanto governo e sociedade serão capazes
de se comprometer com ele e inovar em sua construção. Esta possibilidade é um caminho de
contra hegemonia política, uma construção de combate ao fisiologismo e ao patrimonialismo
da velha tradição brasileira. Todo risco, porém, está dado. A própria construção da abordagem
territorial é ameaçada diariamente por posturas e oportunismos de parte dos atores políticos
que a constrói, de suas contradições ideológicas e do pragmatismo de quem aposta todas as
fichas no controle do poder de Estado, na arena institucional da disputa de projeto de
sociedade. A abordagem territorial do desenvolvimento é o processo mesmo de experimentar
dividir o poder e criar e sustentar mecanismos para isso.
176
REFERÊNCIAS
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183
VIRILIO, Paul. A Arte do Motor. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. 134p.
184
ANEXOS
Quadro 2 – Catalogação primária dos documentos para sistematização (exemplo)
Natureza documento Tipo documento Origem documento Data documento Destinatário documento
INSTITUCIONAL Atas
CAPPA CEDETER
CET SEPLAN
Resoluções CEDETER
Portarias SEPLAN
Publicações Governo Bahia
Governo Federal/MGA CONDRAF
Decretos Governadoria
Leis Governadoria
Publicações Oficiais Caderno do PPA SEPLAN 12/2012 Público em geral
Reivindicatório Carta Aberta ao Governo da
Bahia CET 10/2011
Governo da Bahia e público em geral
Imprensa Propostas dos candidatos a
governador para os territórios de identidade
Jornal A Tarde 09/2010 Público em Geral
Fonte: ROCHA, 2015
185
Quadro 3 – Sistematização heurística dos documentos (exemplo)
Documento Data Objeto Contexto Relevância para
dissertação Recorte citação Local de
inserção na dissertação
Conotação na política territorial
Ata CAPPA 6 e 7 de junho de
2008
Instalação do CAPPA,
apresentação do planejamento
geral do Estado; Primeiras
indagações dos conselheiros
Início da gestão Wagner, início da experiência
do CAPPA
Informação sobre os pontos de vistas originários do Governo e da
Sociedade Civil no início da experiência
“Em seguida passou a palavra para o Secretário do planejamento do Estado,
Dr. Ronald Lobato, que discursou sobre o foco do conselho de acompanhamento
do PPA. Informou ainda sobre a proposta de discussões em forma de
conferências”.
Capítulo II (sobre o CAPPA)
Níveis de compromissos de governo com o
modelo adotado e desenho inicial do
modelo
Ofícios do CAPPA
Diversas (localizar)
Comunicado ao gabinete da SEPLAN
Diálogos territoriais
Posição do CAPPA sobre o nível de
execução das prioridades territoriais
Trecho sobre o baixo nível de atendimento das demandas no orçamento
Capítulo V da
dissertação
Conflito entre expectativas dos
territórios e atuação no governo
Decreto de Criação do
CAPPA 30/06/2007 Criação do
CAPPA
Início da implementação
da política territorial
Registro institucional
Aconselhar o Governo da Bahia quanto à execução do PPA 2008-2011 e propor as instâncias governamentais a adoção de
medidas
Capítulo V da
dissertação
Empoderamento da sociedade civil
(...)
Fonte: ROCHA, 2015
186
Figura 2 – Mapa Estratégico para a gestão do Governo do Estado 2008-2011
Fonte: SEPLAN, Bahia, 2007
187
Figura 3 – Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Eixo 3)
Fonte: SEPLAN, Bahia, 2011
188
Figura 4 – Modelo Estrutura do PPA-P 2012-2015 (Núcleos Temáticos)
Fonte: SEPLAN, Bahia, 2011