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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências FERNANDO ANTONIO DA SILVA A POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS NO SÉCULO XXI: DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA À DINÂMICA DOS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

FERNANDO ANTONIO DA SILVA

A POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS NO SÉCULO XXI:

DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA À DINÂMICA DOS CIRCUITOS DA

ECONOMIA URBANA

CAMPINAS

2017

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FERNANDO ANTONIO DA SILVA

A POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS NO SÉCULO XXI:

DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA À DINÂMICA DOS CIRCUITOS DA

ECONOMIA URBANA

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE

GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE

DOUTOR EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE

AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ADRIANA MARIA BERNARDES DA SILVA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO FERNANDO

SILVA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ADRIANA

MARIA BERNARDES DA SILVA.

CAMPINAS

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES, 1490940ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3664-1518

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geociências

Marta dos Santos - CRB 8/5892

Silva, Fernando Antonio da, 1991- Si38p SilA pobreza na Região Canavieira de Alagoas no século XXI : do Programa

Bolsa Família à dinâmica dos circuitos da economia urbana / Fernando Antonioda Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

SilOrientador: Adriana Maria Bernardes da Silva. SilTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Geociências.

Sil1. Cidadania. 2. Pobreza - Alagoas. 3. Economia urbana. 4. Programa Bolsa

Família (Brasil). I. Silva, Adriana Maria Bernardes da,1967-. II. UniversidadeEstadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Poverty in the Sugarcane Region of Alagoas - Brazil in the 21stcentury : from the Bolsa Família Program to the dynamics of the circuits of urban economyPalavras-chave em inglês:CitizenshipPoverty - AlagoasUrban economyBolsa Família Program (Brazil)Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica TerritorialTitulação: Doutor em GeografiaBanca examinadora:Adriana Maria Bernardes da Silva [Orientador]Marcos Antonio de Moraes XavierCatia Antonia da SilvaMárcio Antonio CataiaRosana Icassatti CorazzaData de defesa: 23-08-2017Programa de Pós-Graduação: Geografia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: Fernando Antonio da Silva

A pobreza na região canavieira de Alagas no século XXI: do programa bolsa

família à dinâmica dos circuitos da economia urbana

ORIENTADORA: Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva

Aprovado em: 23 / 08 / 2017

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva - Presidente

Prof. Dr. Marcos Antonio de Moraes Xavier

Profa. Dra. Catia Antonia da Silva

Prof. Dr. Marcio Antonio Cataia

Profa. Dra. Rosana Icassatti Corazza

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,

consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas, 23 de agosto de 2017.

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Dedico este trabalho aos meus pais, Helena e

Geraldo.

À memória do meu amigo haitiano Francky

Altineus, ex-aluno do IG-Unicamp, que

infelizmente nos deixou tão cedo e de maneira

tão trágica.

E, por fim, à memória do meu amigo Ubiratan

Loureiro, geógrafo alagoano dos mais

esperançosos que já conheci. Infelizmente

também perdeu tragicamente a vida, mas suas

esperanças em um futuro melhor continuam

vivas nas mentes dos seus amigos.

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças à contribuição (direta e indireta; emocional,

financeira e intelectual) de muitas pessoas.

Primeiramente agradeço aos meus pais, Helena e Geraldo. É bastante difícil dizer (se é que é

possível, ou mesmo necessário) se a maior contribuição de vocês dois para este trabalho foi

emocional, financeira ou intelectual, já que vocês me ensinam sem pronunciar uma palavra

sequer, tiram recursos financeiros de onde não existe para que eu possa estudar e me dão

forças para enfrentar situações difíceis. É preciso registrar que se não fosse a coragem de um

trabalhador negro, analfabeto, para enfrentar o eito de cana de sol a sol, e a valentia de uma

mulher que enfrentou todas as privações possíveis para garantir a permanência dos filhos na

escola, este trabalho não teria jamais sido concebido.

À Professora Adriana Bernardes pela confiança depositada em mim, pela paciência e rigor na

condução do trabalho e pela amizade. Procurarei imitar a paciência e o rigor, assim como

preservar a amizade construída. Quanto à confiança, espero que o trabalho atenda pelo menos

algumas de suas expectativas...

Ao CNPq e à Capes pelas bolsas concedidas nos últimos quatro anos.

Aos Professores Márcio Cataia e Marcos Xavier pelas sugestões apresentadas durante o

exame de qualificação.

Às beneficiárias do Bolsa Família do interior de Alagoas pelas longos e emocionantes relatos

que forneceram nas entrevistas que realizamos.

Aos trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das cidades alagoanas pela

prontidão em responder aos nossos questionários.

Aos técnicos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (assim

denominado até maio de 2016), especialmente ao Sr. Bruno Câmara Pinto, pela prontidão em

fornecer esclarecimentos sobre o Bolsa Família. Neste sentido, devo agradecer também ao Sr.

Luis Henrique Paiva (Secretário de Renda de Cidadania do MDS quando de nossa visita a este

ministério em 2014) pela recepção calorosa e indicação dos técnicos que poderiam contribuir

com a pesquisa.

À geógrafa Marina Montenegro pela leitura do projeto que originou esta tese quando ele ainda

estava em construção.

Ao amigo Luciano Duarte pela elaboração dos mapas que compõem esta tese. Sua disposição,

paciência e habilidade foram fundamentais durante a etapa final do doutorado.

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À equipe da Secretaria de Pós – Graduação do Instituto de Geociências da Unicamp,

especialmente à Valdirene, Gorete, Cristina e ao Valdir.

Aos Professores Vicente Eudes Lemos e Ricardo Castillo pela oportunidade de participar

como estagiário em suas disciplinas ministradas na graduação.

Ao amigo André Pasti pela oportunidade de participar como estagiário de geografia no Cotuca

– Unicamp. O período em que estive com os alunos desse Colégio foi constituído de

momentos bastante alegres, cheios de bons debates.

À amiga Melissa Steda pela disposição de sempre em traduzir meus resumos, inclusive o

desta tese.

Aos meus irmãos Laura, Lucas (futuro geógrafo de grande talento!), Cicera, Sivaldo e Josefa,

todos sempre presentes nos momentos bons e ruins.

À minha companheira, amiga, namorada, Wedja Nubia. Mulher verdadeira, flor das mais

belas que já se viu no interior das Alagoas.

Aos familiares que viabilizaram minha permanência inicial aqui em São Paulo, especialmente

minha tia Cleonice, minha irmã Cicera e meu cunhado Marcelo.

Aos amigos-irmãos Amistson, Antônio, Kleyton e Reinaldo, por vivenciarem comigo tantos

momentos importantes da vida acadêmica. Neste sentido devo um agradecimento especial ao

Reinaldo (orientador de iniciação científica e de monografia da graduação), que me conduziu

nos meus primeiros passos da vida acadêmica na geografia.

Aos amigos ex-professores Carlos Eduardo Nobre (Cadu), Clélio Santos e Jairo Campos pelo

incentivo constante.

À queridíssima amiga-irmã Gabriela Costa, amiga de todos os momentos em Campinas.

Às amizades que construí na Universidade de São Paulo - USP, especialmente Rafael

Almeida e Isabel Perides.

Aos amigos de São José Laje Jussan, Edvaldo e Josina pela recepção calorosa sempre que

retorno a esta cidade.

Aos amigos de Santana do Mundaú Denes, Karla e Nilo pelo carinho de sempre.

Aos amigos do Grupo de Estudos Territoriais – GETERRI da Universidade Estadual de

Alagoas: Cristiane, David, Silmara, Thaís, Wildeglan, Claúdio e Gabriel.

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Aos colegas e amigos do grupo de pesquisa coordenado pela Professora Adriana Bernardes:

Cristiano, Sérgio, André, Eduardo, Raphael, Helena, Sueli, Mauricio, Gabriela, Claudiane e

Bruna. Agradeço de maneira especial à Helena, ao Raphael e Maurício pelos debates no grupo

de estudos sobre o livro “Teorias da Ação”, de Ana Clara Torres Ribeiro, fundamentais para

as reflexões que apresentamos ao longo da tese.

Aos amigos haitianos, verdadeira família aqui em Campinas: Frantz, Diumettre, Berno,

Wesner, Ismane, Philémon, Ralph, Francois, Lanousse, Tomy, Guerby, Johnny, Josaphat,

Enock, Brisson, Oreste, Mackendy, Kelan, Sudly, Chandeline e André (um brasileiro quase

haitiano).

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RESUMO

Na presente tese procuramos oferecer uma leitura geográfica do Programa Bolsa Família –

PBF, debatendo sua construção, funcionamento e implicações face à dinâmica da pobreza.

Preocupados em apreender as especificidades dessa política sem, no entanto, perder de vista o

contexto de modernização periférica no qual se insere o território brasileiro, buscamos problematizar

os significados da garantia de direitos sociais para o processo espacial no Brasil a partir de um esforço

direcionado a perceber as mudanças nos sistemas de objetos e de ações sob o processo de

racionalização capitalista.

Defendemos a tese de que a oferta de recursos, bens e serviços coletivos por parte do Estado

depende de um processo de racionalização não somente da ação social, mas do próprio espaço

geográfico. Para efetivar garantias sociais não basta apenas difundir certos valores na sociedade, é

necessário também concretizar esses valores através da presença de sistemas técnicos que devem

alcançar as pessoas nos lugares onde elas habitam. Neste caso não é suficiente, portanto, falar de ação

racional conduzida por valores, como fez Max Weber (1999), mas de um acontecer solidário

(SANTOS, 2009 [1996]), mais precisamente de um acontecer político-institucional. Sugerimos

compreender o PBF como uma manifestação desse acontecer na atual etapa de modernização do

território brasileiro.

Para fundamentar nossa tese estudamos as transformações no fenômeno da pobreza na Região

Canavieira do estado de Alagoas. Trata-se de uma das “velhas” regiões monocultoras do Nordeste, que

participando ao seu modo das sucessivas modernizações que alcançaram o território brasileiro, chegou

ao começo do século XXI como uma das regiões mais empobrecidas do País. Apresentamos as

mudanças na forma e, principalmente, no conteúdo dessa Região com o intuito de apontar como e por

que vão se acumulando as dívidas sociais. O destaque é dado para o período pós-Segunda Guerra

Mundial, quando a dinâmica da pobreza e da riqueza no Brasil se revela como “Espaço Dividido”,

cuja expressão mais fiel são os dois circuitos da economia urbana abrigados pelas cidades (SANTOS,

2008 [1975]). Dessa forma, problematizamos os significados de programas púbicos para a realidade

desse espaço dividido e compartilhado a partir da análise das transformações causadas pelo PBF na

Região Canavieira de Alagoas.

Os resultados demonstram mudanças importantes na forma como vivem, trabalham e

consomem as camadas sociais mais empobrecidas dessa Região. Essas transformações decorrem das

singularidades regionais da pobreza e da riqueza, do modo como o acontecer político-institucional

vem se conformando no Brasil e das especificidades do PBF. As populações que recebem as

transferências monetárias passaram a ter acesso a certos bens básicos, o que somente ocorreu também

em função da combinação de técnica, capital e organização particular das atividades econômicas que

vêm procurando atender a essa nova demanda. Concluímos que a falta de controle, por parte da

população beneficiária, sobre os sentidos dos sistemas de ações e sobre o funcionamento dos objetos

técnicos que operacionalizam o PBF tem dificultado sua transformação efetiva em um direito social e,

por isso, contribuído para perpetuar a subordinação das formas de trabalho desenvolvidas pelos

pobres.

Palavras-chave: cidadania; pobreza - Alagoas; economia urbana; Programa Bolsa Família (Brasil).

***

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ABSTRACT

This PhD thesis seeks to provide a geographical approach of the Bolsa Família (PBF)

Program, debating its construction, functioning and implications facing the dynamics of poverty.

Concerned with apprehending the specificities of this policy without, however, losing sight of the

context of peripheral modernization in which the Brazilian territory is inserted, we seek to

problematize the meanings of the guarantee of social rights for the spatial process in Brazil. This is an

effort aimed at perceiving changes in the systems of objects and actions under the process of capitalist

rationalization.

We defend the thesis that the supply of resources, goods and collective services by the State

depends on a process of rationalization not only of social action but of geographic space itself. To

implement social guarantees, it is not enough to spread certain values in society; it is also necessary to

materialize such values by means of the presence of technical systems that must reach people in the

places where they live. In this case it is not enough, therefore, to speak of rational action driven by

values, as Max Weber (1999) did, but rather of a solidary event (SANTOS, 2009 [1996]) or, more

precisely, of a political-institutional event. We suggest the understanding of the PBF as a

manifestation of this event in the current stage of modernization of the Brazilian territory.

In order to ground our thesis, we investigated the transformations in the phenomenon of

poverty in the Sugarcane Region of the state of Alagoas – Brazil. It is one of the “old” monoculture

regions of the Brazilian Northeast, which, in its own way, participated in the successive

modernizations that reached Brazilian territory, and reached the end of the 20th century as one of the

most impoverished regions of the country. We present the changes in the form and, mainly, in the

content of this region, with the intention of pointing out how and why social debts accumulate.

Emphasis is given to the post-World War II period, when the dynamics of poverty and wealth in Brazil

are revealed as a “shared space”, whose most faithful expression are the two circuits of urban

economy (SANTOS, 2008 [1975]). Thus, we problematize the meanings of public programs for the

reality of this divided and shared space, from an analysis of the transformations caused by the Bolsa

Família Program in the Sugarcane Region of Alagoas.

Results show important changes in the way the most impoverished social strata in the region

lives, works and consumes. Such transformations come from the regional singularities of poverty and

wealth, from the way in which political-institutional events have taken shape in Brazil and from the

specificities of the PBF. Populations that receive money transfers now can access certain basic goods,

which was also due to the combination of technique, capital and a particular organization of the

economic activities that have been trying to meet this new demand. We conclude that the lack of

control of the meanings of the systems of actions and of the operation of the technical objects that

operationalize the PBF by beneficiary population has made it difficult to effectively transform it into a

social right and, therefore, contributed to perpetuate the forms of labor subordination developed by the

poor.

Keywords: citizenship; poverty - Alagoas; urban economy; Bolsa Família Program (Brazil).

***

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Região Canavieira de Alagoas .............................................................................................. 34

Mapa 2 – Alagoas: traçado das linhas férreas segundo o período de construção .................................. 45

Mapa 3 – Região Canavieira de Alagoas: Principais rodovias por década de conclusão da

pavimentação ......................................................................................................................................... 70

Mapas 4 a 7 – Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de área colhida de cana sobre a área total

dos estabelecimentos agropecuários (1975-1995) ................................................................................. 87

Mapas 8 a 13 - Região Canavieira de Alagoas: Produto Interno Bruto (PIB) Municipal a preços de

2000 (1975-2010) .................................................................................................................................. 92

Mapas 14 a 19 - Região de Canavieira de Alagoas: imigrantes que antes residiam no Estado de

Alagoas (1960-2010) ........................................................................................................................... 104

Mapas 20 a 25 - Região Canavieira de Alagoas: População urbana (1970-2010) .............................. 105

Mapas 26 a 29 - Região Canavieira de Alagoas: aposentados e pensionistas de instituto oficial da

previdência (1991-2010) ..................................................................................................................... 110

Mapas 30 e 31 – Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e

mais (1980-1991) ................................................................................................................................ 111

Mapas 32 e 33 - Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e

mais (2000-2010) ................................................................................................................................ 111

Mapas 34 a 39 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com instalações sanitárias (1970-2010)

............................................................................................................................................................. 112

Mapas 40 a 45 - Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com água canalizada (1970-2010) ....... 113

Mapas 46 a 51 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com energia elétrica (1970-2010) ....... 114

Mapas 52 a 55 – Região Canavieira de Alagoas: hierarquia dos centros urbanos segundo o estudo

“Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões de Influência das Cidades -

REGIC” (1983, 1993, 2007) ............................................................................................................... 117

Mapas 56 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1972 ............................................... 121

Mapas 57 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1994 ............................................... 122

Mapas 58 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1971 .................................. 130

Mapas 59 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1994 .................................. 131

Mapas 60 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1972 ........................... 139

Mapas 61 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1994 ........................... 140

Mapas 62 e 63 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas e destilarias que faliram nos anos 1990 e após

2000 ..................................................................................................................................................... 148

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Mapa 64 – Alagoas: traçado dos principais cabos de fibra ótica (2016) ............................................. 158

Mapas 65 e 66 – Brasil: Estados e municípios com programas de transferência condicionada de renda

(2002) .................................................................................................................................................. 180

Mapas 67 e 68 – Mundo: Países com programas de transferência condicionada de renda (1997 e 2008)

............................................................................................................................................................. 189

Mapa 69 – Brasil: porcentagem da população beneficiária do Programa Bolsa Família (dezembro de

2015) entre a população total estimada para 2015 por unidade da federação ..................................... 201

Mapa 70 – Porto Calvo: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016) ........................ 210

Mapa 71 – União dos Palmares: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016) ..................................... 213

Mapa 72 – União dos Palmares: Rota do transporte urbano (2016).................................................... 215

Mapa 73 – São Miguel dos Campos: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016) .............................. 220

Mapa 74 - São Miguel dos Campos: Rota do transporte urbano (2016) ............................................. 222

Mapa 75 – Porto Calvo: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos trabalhadores do

circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central (2015) ................... 235

Mapa 76 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central

(2015) .................................................................................................................................................. 248

Mapa 77 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica

(2015) .................................................................................................................................................. 249

Mapa 78 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central

(2015) .................................................................................................................................................. 258

Mapa 79 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica

(2015) .................................................................................................................................................. 259

Mapa 80 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

............................................................................................................................................................. 273

Mapa 81 – Região Canavieira de Alagoas: cidades de origem das beneficiárias do Bolsa Família que

costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015) ............. 275

Mapas 82 e 83 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades de procedência dos consumidores para os

negócios do circuito inferior da economia urbana pesquisados em Porto Calvo, União dos Palmares e

São Miguel dos Campos (2015) .......................................................................................................... 278

Mapa 84 - Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de beneficiários do Bolsa Família sobre a

população total estimada para 2015 .................................................................................................... 284

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Mapa 85 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart

(2016) .................................................................................................................................................. 287

Mapas 86 a 89 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades em que atuam as empresas atacadistas

distribuidoras de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015) ...................... 291

Mapa 90 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de

supermercados que atuam na região (2015) ........................................................................................ 293

Mapa 91 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de farmácias que

atuam na região (2017) ........................................................................................................................ 296

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Região Canavieira de Alagoas - Indústrias têxteis segundo o município de localização e ano

de início do funcionamento ....................................................................................................................47

Quadro 2: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador da indústria têxtil na Região Canavieira

de Alagoas a partir de 1920 ................................................................................................................... 53

Quadro 3: Síntese de alguns índices sociais de Alagoas em 1950 ........................................................ 56

Quadro 4: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador rural na Região Canavieira de Alagoas

entre 1936 e 1937 segundo pesquisa do economista Humberto Bastos ................................................ 62

Quadro 5: alguns aspectos da condição de vida do trabalhador/morador na Região Canavieira de

Alagoas a partir de três usinas em 1971, segundo pesquisa do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas

Sociais ................................................................................................................................................... 77

Quadro 6 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em Porto

Calvo e nas cidades do entorno ........................................................................................................... 124

Quadro 7: década e formas de ocupação dos bairros de Porto Calvo - AL ......................................... 127

Quadro 8 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em União

dos Palmares e nas cidades do entorno ............................................................................................... 133

Quadro 9: década e formas de ocupação dos bairros de União dos Palmares - AL ............................ 136

Quadro 10 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em São

Miguel dos Campos e nas cidades do entorno .................................................................................... 141

Quadro 11: década e formas de ocupação dos bairros de São Miguel dos Campos - AL ................... 143

Quadro 12: Síntese de algumas informações sobre o “Acordo dos Usineiros” assinado pelo Governo

de Alagoas em 1988 e 1989 ................................................................................................................ 150

Quadro 13: Empresas alagoanas de economia mista que deixaram de existir em 2000 ..................... 155

Quadro 14: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em Porto Calvo e

nas cidades do entorno ........................................................................................................................ 162

Quadro 15: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em União dos

Palmares e nas cidades do entorno ...................................................................................................... 167

Quadro 16: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em São Miguel

dos Campos e nas cidades do entorno ................................................................................................. 171

Quadro 17: características de alguns programas de transferências de renda municipais e estaduais em

outubro de 2001 ................................................................................................................................... 181

Quadro 18: algumas características dos empréstimos feitos pelo Governo Federal ao Banco Mundial e

ao Banco Interamericano de Desenvolvimento destinados ao Programa Bolsa Família .................... 193

Quadro 19: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia

urbana de Porto Calvo – AL (2015) .................................................................................................... 230

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Quadro 20: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia

urbana de União dos Palmares – AL (2015) ....................................................................................... 239

Quadro 21: Consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da

economia urbana de São Miguel dos Campos – AL (2015) ................................................................ 253

Quadro 22: alguns dados sobre a mobilidade da população beneficiária do PBF das cidades do entorno

de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos ........................................................ 280

Quadro 23: principais características das caravanas que saem das cidades de Porto Calvo e União dos

Palmares com destino ao Atacadão de Maceió e Caruaru (PE) .......................................................... 295

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Alagoas: Número de estabelecimentos industriais e pessoal ocupado (1907-1950) ........... 47

Tabela 2 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades por Classes de Habitantes (1950) ........................ 49

Tabela 3 – Região Canavieira de Alagoas: População Economicamente Ativa por setor* (1920-1950)

.............................................................................................................................................................. .50

Tabela 4 - Alagoas: capital investido e valor da produção das fábricas têxteis em alguns anos (1907-

1931) ..................................................................................................................................................... 51

Tabela 5 - Alagoas: Evolução da produção de açúcar segundo safras selecionadas (1933/34-1987/88)

............................................................................................................................................................... 55

Tabela 6 - Região Canavieira de Alagoas: Produção de algumas culturas (1920-1960) ...................... 55

Tabela 7 – Alagoas: Alguns números sobre emigração (1940-1950) ................................................... 57

Tabela 8 – Brasil: Média de salário diário de um trabalhador de usina em alguns Estados (1942) ...... 60

Tabela 9 – Alagoas: Preço da diária do trabalhador rural em alguns municípios da Região Canavieira

de Alagoas entre 1936 e 1937 ............................................................................................................... 61

Tabela 10 – Alagoas: Estimativa de saldo migratório(1960-2010) ....................................................... 83

Tabela 11 – Região Canavieira de Alagoas: grau de urbanização (1970-2010) ................................... 83

Tabela 12 – Região Canavieira de Alagoas: número médio de hectares para cada trator (1960-1980) 88

Tabela 13 – Região Canavieira de Alagoas: porcentagem irrigada da área total dos estabelecimentos

agropecuários (1975-1985) ................................................................................................................... 88

Tabela 14 – Região Canavieira de Alagoas: principais indústrias vinculadas ao setor sucroalcooleiro

(1984) .................................................................................................................................................... 94

Tabela 15 – Região Canavieira de Alagoas: Indústrias Químicas segundo número de trabalhadores

(1989) .................................................................................................................................................... 97

Tabela 16 – Região Canavieira de Alagoas: Indústria ligadas ao beneficiamento do coco segundo

número de trabalhadores (1984) ............................................................................................................ 99

Tabela 17 – Região Canavieira de Alagoas: Número de cidades por grupos de habitantes e população

(1970-2010) ......................................................................................................................................... 103

Tabela 18 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas com destilarias anexas, usinas e destilarias

autônomas segundo o município, a localização do escritório e o número de trabalhadores em 1984 e

1994 ..................................................................................................................................................... 106

Tabela 19 – Alagoas: Dívida total e das usinas e destilarias com a Companhia Energética de Alagoas -

CEAL (1996/2013) .............................................................................................................................. 151

Tabela 20 – Alagoas: Alguns dados sobre o Banco da Produção do Estado de Alagoas – PRODUBAN

no momento de sua liquidação ............................................................................................................ 151

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Tabela 21 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Porcentagem de pessoas

consideradas pobres pelo critério da renda per capita (1991-2010) ................................................... 160

Tabela 22 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Índice de Gini (1991-2010)

............................................................................................................................................................. 160

Tabela 23 – Brasil: Valores repassados pela União, número de municípios, valor médio do benefício e

número de famílias beneficiadas do Primeiro Bolsa Escola Federal (outubro de 2000) ..................... 184

Tabela 24 – Brasil: Número de benefícios em dezembro e valores anuais repassados pelos programas

de transferência de renda criados no Governo Fernando Henrique Cardoso (2001-2003) ................. 187

Tabela 25 – Brasil: Recursos repassados pelo Governo Federal aos municípios para gestão do

Programa Bolsa Família (de abril/2006 a dezembro/2014) ................................................................. 196

Tabela 26 – Brasil: Evolução do número de famílias beneficiárias, dos valores repassados e dos

valores médios do benefício do Programa Bolsa Família (2004-2016) .............................................. 199

Tabela 27 – Brasil: Evolução dos valores e benefícios do Programa Bolsa Família (2003 – 2016) ... 200

Tabela 28 - Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Evolução do número de

famílias e valores anuais repassados pelo PBF (2004 – 2016) ............................................................ 206

Tabela 29 – Brasil: Valores destinados ao agente operador do Programa Bolsa Família* (2005 – 2015)

............................................................................................................................................................. 207

Tabela 30 – União dos Palmares: Número de carros e valores das passagens no transporte urbano

(2016) .................................................................................................................................................. 217

Tabela 31 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Principais gastos com o

dinheiro do Programa Bolsa Família – PBF por parte das famílias beneficiárias (2015) ................... 225

Tabela 32 - Porto Calvo: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF

pesquisadas (2015) .............................................................................................................................. 232

Tabela 33 - União dos Palmares: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF

pesquisadas (2015) .............................................................................................................................. 242

Tabela 34 – São Miguel dos Campos: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do

PBF pesquisadas (2015) ...................................................................................................................... 252

Tabela 35 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: % de crianças e adolescentes

de 6 a 17 anos que tiveram frequência escolar acompanhada pelo Programa Bolsa Família sobre a

população total da mesma idade (2010) .............................................................................................. 262

Tabela 36 – Alagoas: Evolução do número de estabelecimentos e pessoal ocupado nos comércios

atacadista e varejista de Alagoas (1997, 2002 e 2007) ........................................................................ 283

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Porto Calvo: Evolução da População Urbana (1960-2010) ............................................. 125

Gráfico 2 – Porto Calvo: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-2010) .. 126

Gráfico 3 – União dos Palmares: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-

2010) ................................................................................................................................................... 137

Gráfico 4 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Urbana e Rural (1960-2010) ............. 142

Gráfico 5 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor

(1960-2010) ......................................................................................................................................... 144

Gráfico 6 – Alagoas: Evolução da taxa (%) de desemprego (1995-2014) .......................................... 149

Gráfico 7 – Circuito da economia urbana onde gastam as beneficiárias do Bolsa Família de cidades

locais que costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

............................................................................................................................................................. 277

Gráfico 8 – Alagoas: Índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado – base 100: 2003

(2003-2011) ......................................................................................................................................... 282

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (década

de 1980) ............................................................................................................................................... 134

Foto 2: Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (2015)

............................................................................................................................................................. 134

Foto 3 - Ponto de transporte construído por trabalhadores do circuito inferior em União dos Palmares -

AL ....................................................................................................................................................... 216

Foto 4 – Uso de antiga estação ferroviária como ponto de transporte em União dos Palmares - AL . 217

Foto 5 – Mercadinho do circuito inferior no centro de Porto Calvo especializado na venda de cesta de

alimentos ............................................................................................................................................. 236

Foto 6 – Farmácia de União dos Palmares (início de 2000)................................................................ 241

Foto 7 – Franquia da Farmácia do Trabalhador em antigo ponto de uma farmácia local (2016) ....... 241

Foto 8 – Uso da calçada por barracas e carrinhos do circuito inferior no centro de União dos Palmares

............................................................................................................................................................. 244

Foto 9 – Venda de produtos de bomboniere em uma Casa Lotérica do centro de União dos Palmares

............................................................................................................................................................. 244

Fotos 10 e 11 – Lojinhas de preço único no centro de União dos Palmares ....................................... 245

Foto 12 – Carrinho do circuito inferior na periferia de São Miguel dos Campos ............................... 256

Foto 13 – Supermercado do circuito superior na periferia de São Miguel dos Campos ..................... 256

Foto 14 – Comercialização de doces, balas e pipocas em frente em escola municipal de Porto Calvo

............................................................................................................................................................. 267

Foto 15 – Comercialização de doces balas e pipocas dentro de uma escola municipal de União dos

Palmares .............................................................................................................................................. 267

Foto 16 – Comércio de doces e balas em frente uma escola municipal de São Miguel dos Campos . 268

Foto 17 – Atacadista distribuidor de Porto Calvo ............................................................................... 289

Foto 18 – Atacadista distribuidor de União dos Palmares .................................................................. 289

Foto 19 – Atacadista distribuidor de São Miguel dos Campos ........................................................... 290

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABF – Associação Brasileira de Franchising

ACADEAL – Associação do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado de Alagoas

ACUP – Associação de Costureiras de União dos Palmares

AMAS – Associação de Motoqueiros Autônomos de São Miguel dos Campos

ARSAL – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas

ASSOCIART – Associação das Costureiras de Porto Calvo

ATUMUP – Associação de Transporte Municipal Urbano de União dos Palmares

BACEN – Banco Central do Brasil

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIEN – Basic Income Earth Network

BIRD – Banco Mundial

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BPC – Benefício de Prestação Continuada

BSP – Benefício para Superação da Extrema Pobreza do Programa Bolsa Família

BVJ – Benefício Variável Vinculado ao Adolescente do Programa Bolsa Família

CAD.ÚNICO – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal

CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CAIXA – Caixa Econômica Federal

CARHP – Companhia Alagoana de Recursos Humanos e Patrimoniais

CASAL – Companhia de Saneamento de Alagoas

CEAL – Companhia de Eletricidade de Alagoas

CFLNB – Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil

CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco

CINAL – Companhia Alagoas Industrial

CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

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CODEAL – Companhia de Desenvolvimento de Alagoas

COHAB-AL – Companhia de Habitação Popular de Alagoas

COMAG – Companhia de Desenvolvimento Agropecuário

COMEIA – Associação das Artesãs da Usina Roçadinho

CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações

COONE – Coordenadoria Regional do Nordeste do PLANALSUCAR

CTA – Companhia Telefônica de Alagoas

DER – Departamento de Estradas e Rodagem

DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem

ECINF – Pesquisa Economia Informal Urbana do IBGE

EDRN – Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas

ELC – Estatuto da Lavoura Canavieira

ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A.

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Alagoas

EMATUR – Empresa Alagoana de Turismo S/A

EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A.

EPEAL – Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Alagoas

ETURB – Empresa de Transportes Urbanos do Estado de Alagoas

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural –

GERAN – Grupo Especial para a Racionalização da Agroindústria Canavieira no Nordeste

GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IGD – Índice de Gestão Descentralizada

II PND – II Plano Nacional de Desenvolvimento

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INPS – Instituto Nacional da Previdência Social

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MDSA – Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário

MEC – Ministério da Educação

MEI’s – Micro – Empreendedores Individuais

MPE’s – Micro e Pequenas Empresas

MS – Ministério da Saúde

NIS – Números de Identificação Social

PBF – Programa Bolsa Família

PEA – População Economicamente Ativa

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PFL – Partido da Frente Liberal

PGRM – Programa de Garantia de Renda Mínima

PLANALSUCAR – Programa Nacional de Melhoramento da Cana de Açúcar

PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PND – Programa Nacional de Desestatização

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool

PRODUBAN – Banco do Estado de Alagoas

PROGRESA – Programa de Educación, Salud e Alimentación

PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

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PTCR – Programa de Transferência Condicionada de Renda

RAIS – Relação Anual de Informações Sociais

REGIC – Regiões de Influência das Cidades

RENPAC – Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem

SEPLAN – Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas

SERGASA – Serviços Gráficos de Alagoas S/A

SIAPE – Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos

SICON/PBF – Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família

SISOBI – Sistema de Controle de Óbitos

SISVAN – Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional

SMTT – Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

SUS – Sistema Único de Saúde

TELASA – Telecomunicações de Alagoas S. A.

TELEBRÁS – Telecomunicações Brasileiras S. A.

TRANSPAM – Transportadora de Passageiros Miguelense Ltda

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

VSAT – Very Small Aperture Terminal

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Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 27

PRIMEIRA PARTE: AS FORMAS DE POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE

ALAGOAS AO LONGO DO SÉCULO XX.................................................................................. 40

CAPÍTULO 1: Os inícios da racionalização do meio geográfico e a ação política no uso dos

sistemas técnicos: as situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas (1880-

1945) ................................................................................................................................................. 41

1.1. A mecanização da produção e da circulação: a imposição de uma racionalidade externa ao

meio geográfico regional ............................................................................................................... 43

1.2. Entre o velho e o novo: transformações na rede urbana de uma região voltada para fora ..... 48

1.3. As situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas ..................................... 51

1.4. A estrutura da propriedade no campo e a predominância da pobreza rural ........................... 59

CAPÍTULO 2: A pobreza na Região Canavieira de Alagoas como Espaço Dividido (1946-

1980) ................................................................................................................................................. 64

2.1. A integração da Região Canavieira de Alagoas ao território nacional e sua nova constituição

como um acontecer homólogo ...................................................................................................... 67

2.2. A valorização de sistemas de objetos e ações externos: a proposta do acontecer político-

institucional ................................................................................................................................... 81

2.3. A instrumentalização de subsistemas de objetos e ações regionais: as grandes firmas e a

seletividade do acontecer hierárquico ........................................................................................... 91

2.4. As novas especificidades locais da pobreza: o acontecer complementar campo-cidade e

cidade-cidade ............................................................................................................................... 102

2.5. A Apreensão do Espaço Dividido: pobreza urbana em Porto Calvo, União dos Palmares e

São Miguel dos Campos .............................................................................................................. 119

2.5.1. Porto Calvo .................................................................................................................... 119

2.5.2. União dos Palmares ....................................................................................................... 129

2.5.3. São Miguel dos Campos ................................................................................................ 138

CAPÍTULO 3: A ação global/instrumental como parâmetro para a política e a naturalização

do Espaço Dividido: a Região Canavieira de Alagoas no período da Pobreza Estrutural

Globalizada (da década de 1990 até hoje) ................................................................................. 145

3.1. A aceleração do acontecer hierárquico na Região Canavieira de Alagoas: novíssimas e velhas

causas de expansão da pobreza ................................................................................................... 147

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3.2. Transformações nos circuitos da economia urbana em Porto Calvo, União dos Palmares e

São Miguel dos Campos: a expansão do circuito inferior e a renovação do seu papel no acontecer

complementar .............................................................................................................................. 160

3.2.1. Porto Calvo: entre a expansão generalizada da pobreza e as facilidades de entrada no

circuito inferior da economia urbana ....................................................................................... 161

3.2.2. A busca por acelerar o acontecer hierárquico e a necessidade de maior organização das

atividades do circuito inferior da economia urbana em União dos Palmares .......................... 164

3.2.3. São Miguel dos Campos: entre a política das empresas e a expansão do circuito inferior

................................................................................................................................................. 169

SEGUNDA PARTE: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E CIRCUITOS DA ECONOMIA

URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS ......................................................... 173

CAPÍTULO 4: A transferência de renda como acontecer político-institucional no Brasil 174

4.1. O debate brasileiro sobre transferência de renda e sua transformação em política nos anos

1990 ............................................................................................................................................. 176

4.2. A política brasileira de transferência de renda na busca por garantir direitos sociais aos mais

pobres: o Programa Bolsa Família .............................................................................................. 188

CAPÍTULO 5: A nova dinâmica dos dois circuitos da economia urbana em Porto Calvo,

União dos Palmares e São Miguel dos Campos ....................................................................... 203

5.1. Os dois circuitos da economia urbana na concretização do Programa Bolsa Família.......... 205

5.1.2. O Bolsa Família entrecruza a economia urbana portocalvense ..................................... 209

5.1.2. O Bolsa Família em União dos Palmares: entre a capacidade de orientar os fluxos do

circuito superior e a renovação do papel político do circuito inferior ..................................... 212

5.1.3. A concretização do Bolsa Família em São Miguel dos Campos em meio à busca por

normatizar elementos do circuito inferior ............................................................................... 219

5.2. O Programa Bolsa Família e as novas formas de reprodução do Espaço Dividido ............. 224

5.2.1. A reafirmação do circuito inferior na geração de trabalho e as novas formas de atuação

do circuito superior em Porto Calvo........................................................................................ 228

5.2.2. O avanço do circuito superior em áreas selecionadas e a pulverização dos pequenos

negócios no espaço urbano de União dos Palmares ................................................................ 238

5.2.3. A atuação do circuito superior no centro e na periferia de São Miguel dos Campos e a

expansão subordinada do circuito inferior .............................................................................. 251

5.3. As contradições das condicionalidades do Programa Bolsa Família na perspectiva do Espaço

Dividido ....................................................................................................................................... 261

CAPÍTULO 6: Bolsa Família e circuitos da economia na rede urbana da Região Canavieira

de Alagoas ..................................................................................................................................... 270

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6.1. Os fixos da Caixa Econômica Federal e as novas e velhas formas de empobrecimento das

cidades locais .............................................................................................................................. 272

6.2. O atacado distribuidor como nexo entre os dois circuitos da economia na rede urbana

regional ........................................................................................................................................ 282

6.3. Formas recentes de atuação do circuito superior da economia: a rede urbana regional face à

política das empresas ................................................................................................................... 292

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 299

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 306

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27

INTRODUÇÃO

“Não é tanto ao modelo econômico que devemos o extremo grau de pobreza

de uma enorme parcela da população, o nível de desemprego, as migrações

maciças em todas as direções e a urbanização concentradora gerando

metrópoles insanas. Sustentamos que tudo isso se deve, em avantajada

proporção, ao modelo de cidadania que adotamos”.

Milton Santos. O espaço do cidadão. (2007 [1987], p. 15).

“Se é possível falar de um paradoxo da sociedade brasileira, este não está

propriamente no descompasso entre a existência formal de direitos e a

realidade da destituição das maiorias, mas no que esse descompasso revela

da lógica que preside a atribuição de direitos. O paradoxo está nesse

modelo de cidadania que proclama a justiça como dever do Estado, mas

desfaz os efeitos igualitários dos direitos e repõe na esfera social

desigualdades, hierarquias e exclusões.

Vera da Silva Telles. Pobreza e cidadania. Dilemas do Brasil

contemporâneo (1993, p. 12).

discussão sobre as chamadas políticas de transferência de renda (isto é, políticas

que realizam transferências monetárias para pessoas que não contribuíram de

forma direta para algum fundo, mesmo que elas estejam capacitadas fisicamente

para vender sua força de trabalho), ganhou bastante força nos países do centro do sistema

capitalista depois dos anos 1970, em virtude da necessidade de encontrar saídas para a

desestruturação do Estado de Bem-Estar Social provocada pelo avanço do neoliberalismo.

Nessa mesma década, a ideia começou a se difundir no Brasil pela descrença na tese de que o

crescimento econômico apresentado pelo País resolveria automaticamente o problema da

pobreza e da desigualdade de renda. Mas foi somente com as novas situações de pobreza dos

anos 1990, originadas pela implantação das políticas neoliberais, que o debate sobre o tema se

robusteceu, levando à criação dos primeiros programas locais de transferência de renda em

Campinas (1995) e no Distrito Federal (1995). Dessa forma, o chamado “combate à pobreza”

terminou por se tornar a justificativa principal apresentada pela ciência e pela política para a

adoção de programas de transferência de renda no Brasil. Hoje, o País tem uma das principais

políticas desse tipo no mundo, o Programa Bolsa Família – PBF, com 13,5 milhões de

famílias beneficiárias (dados de dezembro de 2016), praticamente um quarto de toda a

população brasileira.

A

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28

Sem desconhecer as muitas contribuições que já foram dadas para a compreensão

desse Programa por diversas ciências (notadamente pela ciência política e sociologia),

assumimos na presente tese o desafio de oferecer uma leitura geográfica sobre a temática. Ao

defrontarmo-nos com esse desafio durante o desenvolvimento desta pesquisa, levantamos os

seguintes questionamentos: como analisar o Bolsa Família face à dinâmica da pobreza no

Brasil? O que o Bolsa Família significa para a dinâmica das regiões mais empobrecidas do

País? Ou melhor, o que a distribuição de recursos, bens e serviços públicos por parte do

Estado significa para a realidade da pobreza no contexto da modernização periférica

brasileira? Existe uma lógica espacial que preside essa distribuição? Em caso afirmativo, em

que medida o Bolsa Família alterou essa lógica?

Para refletir sobre tais questionamentos à luz do sistema de conceitos da geografia,

uma primeira preocupação diz respeito à própria definição do objeto de estudo dessa ciência.

Partimos da compreensão do espaço geográfico como “um conjunto indissociável de sistemas

de objetos e de sistemas de ações” (SANTOS, 2008 [1994], p. 86), que assim definido pode

ser considerado, conforme a proposta desse mesmo autor, como sinônimo de território usado,

instância social capaz de revelar a dinâmica concreta de cada sociedade historicamente

determinada. Por isso, consideramos que “os componentes do espaço são os mesmos e

formam um continuum no tempo, mas variam quantitativa e qualitativamente segundo o lugar,

do mesmo modo que variam as combinações entre eles e seu processo de fusão. Daí vêm as

diferenças entre espaços” (SANTOS, 2008 [1975], p. 20). Nesse sentido, procuramos nesta

tese contribuir para o debate sobre as especificidades do espaço geográfico no Brasil, que

decorrem da maneira como as diversas regiões desse País vêm participando das diferentes

fases do sistema capitalista.

A difusão para os países periféricos das transformações operadas pelo projeto de

modernidade europeu na economia, na política, no Estado, enfim, na ação social, assim como

a renovação dessa dinâmica a cada nova fase do capitalismo, permite tratar a modernidade

enquanto processo, que pode ser apreendido através das sucessivas modernizações que um

território acolhe. Em outras palavras, podemos considerar a modernidade no território como

“[...] o resultado de um processo pelo qual um território incorpora dados centrais do período

histórico vigente [...]” (SILVEIRA, 1999, p. 22), manifestando-se, como identificou Max

Weber (1999), pelo avanço da racionalização nas diversas esferas da vida social, isto é, pela

“[...] extensão dos domínios da sociedade que se acham submetidos aos critérios de decisão

racional”, somente possível graças à “[...] institucionalização do progresso científico e

técnico” (HABERMAS, 1997 [1968], p. 45).

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No seu texto “Reflexão Intermediária”, Max Weber (2013) destacava as tensões que o

avanço desse processo pelo tecido social originava, uma vez que a ação racional tem a

capacidade de invadir todos os interstícios da sociedade, mudando, deste modo, as

articulações entre as diversas esferas em que as relações societárias se realizam. A

problemática da ação social (RIBEIRO, 2014), caríssima aos estudos do espaço geográfico,

adquire toda a centralidade, pois permite ir além de separações aparentes geradas pelo

capitalismo, já que as modernizações no Estado, na economia, na cultura etc. condicionam e,

acima de tudo, indicam processos de racionalização da própria sociedade. Nos países

periféricos, onde o impulso modernizador vem de fora, dos países que comandam o fluxo de

capital e as técnicas mais avançadas de cada período histórico, a modernização termina sendo

social e geograficamente seletiva, isto é, nem todas as regiões, e nestas, nem todas as pessoas,

participam diretamente do processo (SANTOS, 2009 [1978], pp. 121-130; SOUZA, 2000). Aí

as tensões de que falava Max Weber têm reproduzido cisões na sociedade e no espaço (ainda

que este deva ser visto e analisado como totalidade), sendo tais cisões funcionais à reprodução

do modo de produção capitalista e reveladoras do uso do território na periferia do capitalismo.

Alterando as ações e os objetos, as modernizações autorizam novas formas de

organização técnica e social da produção e do trabalho, permitindo assim mudar os

mecanismos de produção da riqueza e sua repartição social e geográfica. É um processo que

revela toda a sua conflituosidade na capacidade desigual que os agentes envolvidos têm para

usar o território. Em outras palavras, a dinâmica dos sistemas de objetos e dos sistemas de

ações demonstra como os conteúdos da pobreza e da riqueza modificam-se a cada novo

período do capitalismo, variando também segundo a região e o país que se considere. É

imprescindível ter em conta que “[...] da mesma forma que a riqueza é ágil, e cada vez mais

volátil, a pobreza é um fenômeno complexo, dinâmico e mutante, não sendo possível a sua

compreensão como um objeto estanque” (RIBEIRO, 2001, p. 84).

Ao buscarmos explicar a pobreza por intermédio do espaço geográfico, tarefa não

somente possível como também extremamente necessária, deparamo-nos com a necessidade

de encontrar conceitos capazes de acompanhar o movimento da realidade. Nesse sentido,

entendemos que:

Os conceitos de recursos e necessidades são dinâmicos. A ideia de escassez,

um corolário dessas duas categorias, faz parte de sua própria natureza. Os

recursos postos à disposição do homem, em termos de sua posição na escala

social, mudam com o tempo e o lugar. O valor dos recursos é igualmente

relativo, dependendo em grande parte da estrutura da produção e de seus

objetivos fundamentais (SANTOS, 2013 [1978], pp. 17-18).

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Trata-se do exercício constante de situar, por exemplo, dados sobre rendimentos,

consumo, migração, condições de habitação etc., dentro da dinâmica de cada período e em

cada contexto regional, pois sem essa atualização ficamos sem saber o peso de cada variável

na definição de uma situação de pobreza, o que, no limite, impossibilita fazer comparações

entre diferentes períodos. Até mesmo as variáveis e os elementos que usamos para definir a

pobreza mudam conforme o período, e é justamente neste ponto que está centrada a presente

tese.

O processo de racionalização de que falava Max Weber (1999) conhece uma nova fase

com a implantação das tecnologias da informação e comunicação ao meio geográfico de

diversas regiões a partir do pós-Segunda Guerra Mundial. Utilizando os termos de Gaston

Bachelard (2007, p. 49), podemos afirmar que essas técnicas permitiram nada menos do que

alterar o “compasso do mundo”, que é dado “pela cadência dos instantes”, uma vez que a

partir delas tornou-se possível conduzir os sentidos da ação social e também dos objetos

geográficos à distância. Trata-se, para usar a expressão de Max. Sorre (1948), de uma

mudança nos “fundamentos técnicos” do espaço, já que para o autor tais fundamentos

envolvem tanto elementos materiais como imateriais. A tese defendida por Milton Santos

(2009 [1996], p. 293) é de que, desde então, é não só correto como também necessário falar

de uma racionalidade do próprio espaço geográfico, porque “essa informacionalização do

espaço tanto é a dos objetos que formam o seu esqueleto material, como a das ações que o

percorrem, dando-lhe vida”.

Assistimos, então, à convergência das “[...] múltiplas histórias de coisas e de homens”

(ATTALI, 1982, p. 11), ou seja, a uma verdadeira cooperação racional entre lugares e regiões,

que não é dada pelos acontecimentos naturais, mas pelos eventos sociais, onde ações e objetos

são racionalizados, sob o capitalismo, para servir especificamente a esse fim. Ao propor a tese

da existência de uma racionalidade do espaço geográfico, Milton Santos (2009 [1996])

verifica que essa interdependência entre os eventos se manifesta no território dos países

periféricos por meio dos aconteceres hierárquico, homólogo e complementar. Para o autor, na

fase atual é a partir desses aconteceres que podemos apreender o processo espacial em toda a

sua complexidade, porque eles se definem pelas especificidades dos sistemas de objetos e de

ações contemporâneos. Assim,

O acontecer homólogo é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana,

que se modernizam mediante uma informação especializada, gerando

contigüidades funcionais que dão os contornos da área assim definida. O

acontecer complementar é aquele das relações entre cidade e campo e das

relações entre cidades, conseqüência igualmente de necessidades modernas

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da produção e do intercâmbio geograficamente próximo. Finalmente, o

acontecer hierárquico é um dos resultados da tendência à racionalização das

atividades e se faz sob um comando, uma organização, que tendem a ser

concentrados (SANTOS, 2009 [1996], pp. 166-167).

À medida que as regiões vão perdendo a capacidade de comandar a dinâmica do seu

conteúdo material e social, a própria definição do conceito de região precisa ser revista. É

possível compreender o edifício regional a partir dessas três manifestações do acontecer

solidário, considerando que,

No caso de acontecer homólogo e do acontecer complementar, isto é, nas

áreas de produção homóloga no campo ou de produção homóloga na cidade,

o território atual é marcado por um cotidiano compartido mediante regras

que são localmente formuladas ou reformuladas. Neste caso, as informações

utilizadas tendem a se generalizar horizontalmente. Quanto ao acontecer

hierárquico, trata-se, ao contrário, de um cotidiano comandado por uma

informação privilegiada, uma informação que é segredo e é poder.

(SANTOS, 2009 [1996], p. 167).

Em outras palavras, a nova forma de penetração do capital internacional nos países

periféricos, alimentada pela ideologia do consumo e viabilizada pelo aparelhamento do

Estado (IANNI, 1977), levou à modernização de certas regiões, ou de parcelas destas, para

servirem quase que exclusivamente às ações de um certo número de empresas, que controlam

de fora o que se passa nesses subespaços. Nestes casos, em que um subsistema de ações

instrumentais (WEBER, 1999) encontra os objetos adequados à sua finalidade, podemos falar

de aconteceres hierárquicos. A região assim modernizada muda de conteúdo, pois perde o

comando político sobre a produção e a distribuição da riqueza ao se ver incapacitada de

controlar os sentidos de suas ações e dos seus objetos, podendo assim ser compreendida como

um acontecer homólogo. Mas a cooperação externa exige, no mais das vezes, certas relações

na contiguidade, pela necessidade que as atividades modernas instaladas na região (e

funcionalizadas nas cidades) têm de determinados serviços, bens ou insumos. Neste caso

estamos diante do acontecer complementar.

Diretamente nem todos os lugares são afetados por essa nova etapa da modernização,

mas indiretamente o são em decorrência das possibilidades abertas à circulação da informação

a serviço do Estado e das grandes empresas. Assim, o processo espacial que vimos

apresentando terminou sendo responsável pela formação de dois circuitos da economia urbana

nas cidades de países como o Brasil (SANTOS, 2008 [1975], pp. 35-48). Definidos pelo

conjunto de atividades econômicas e pela parcela da população que nelas trabalha ou então

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consome, os circuitos se diferenciam pelos graus de técnica, capital e organização de suas

atividades. No circuito superior, resultado direto da modernização tecnológica, os níveis de

capitais, tecnologia e organização são elevados, e seus elementos são os bancos, indústrias,

comércios e serviços modernos, comércio e indústria de exportação, atacadistas e

transportadores. Por sua vez, o circuito inferior resulta indiretamente da mesma modernização

e suas atividades apresentam baixo nível de capital, tecnologia e organização. Os principais

elementos desse subsistema são: os pequenos comércios, as formas de fabricação que se

utilizam de pouco capital e os serviços não-modernos fornecidos a varejo.

Problematizamos que além da seletividade social dos direitos civis e políticos,

característica da formação socioespacial brasileira antes mesmo da unificação dos mercados

regionais pelo comércio e do território pelos sistemas técnicos, a ausência de garantias sociais

tornou-se uma das principais características da população vinculada ao circuito inferior da

economia urbana, uma vez que as formas de organização das atividades desse circuito não são

tomadas como referência para a política. Por isso, o desenvolvimento da presente pesquisa foi

guiado pela ideia de que a forma de penetração do capital nos países periféricos no pós-

Segunda Guerra Mundial contribuiu para desorganizar não só a economia, mas a sociedade, o

espaço e a política, prejudicando fortemente a atualização da cidadania pelos direitos sociais.

Defendemos a tese de que a oferta de recursos, bens e serviços coletivos por parte do

Estado também depende de um processo de racionalização do espaço geográfico, porque se

baseia não somente na difusão de valores sociais como igualdade, respeito à diversidade etc.,

mas na concretização desses valores através da presença de sistemas técnicos que devem

alcançar as pessoas nos lugares onde elas habitam. Para tanto, o Estado (considerando-o na

perspectiva gramsciana) assume o processo de transformação da sociedade a partir de

alterações racionais no curso da ação social que foi naturalizada em determinada sociedade,

ou seja, ele assume a condução da vida social, abandonando a ideologia da neutralidade, e usa

o seu poder de produzir normas explicitamente para isso. Trata-se de unir a ação racional

conduzida por valores – outro tipo ideal proposto por Max Weber (1999, p. 15), onde a ação

social é determinada pela crença consciente em um valor – às formas-conteúdo específicas

dos lugares. É o que estamos chamando de acontecer político-institucional, uma forma de

cooperação racional entre os subespaços que se manifesta por intermédio de programas

públicos, principalmente pelas políticas de Estado, ainda que políticas como o Bolsa Família,

um “quase direito” (COHN, 2012) da população classificada como pobre, possam também ser

analisadas como uma manifestação desse acontecer.

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Sem esquecer a funcionalidade do Estado racional-burocrático (WEBER, 1970 [1918])

para a reprodução do modo de produção capitalista (ENGELS, 1974) (como potencialmente o

é todo o processo de racionalização da sociedade que os territórios incorporam), nem

tampouco as múltiplas contradições que disso decorrem, procuramos aqui vê-lo na sua

dialética constante com a sociedade e com o território, ressaltando como a imposição de uma

racionalidade ao espaço geográfico muda essa dialética. Neste sentido, é imprescindível

considerar o Estado não somente como produtor de normas, mas também como lócus da ação

política, ligado à sociedade pelos valores embutidos na ação social que ele fomenta

(GRAMSCI, 1978), assim como pelos sistemas técnicos atuais que permitem a comunicação

instantânea entre os lugares.

A hipótese que percorreu o desenvolvimento da pesquisa foi a de que a modernização

tecnológica no Brasil implicou a valorização de sistemas de objetos e sistemas de ações

forâneos, aqueles capazes de atender as exigências das grandes empresas, de modo que foi

apenas nos lugares onde esses agentes passaram a atuar que as garantias públicas se fizeram

um pouco mais presentes. A pobreza no Brasil, desde então, se manifesta não somente nos

baixos níveis de rendimento e de consumo da maior parcela de sua população, no volume das

migrações e nas condições de habitação. Mas, se revela também na estruturação de múltiplas

e diversas manifestações do circuito inferior da economia urbana associada, por sua vez, à

ausência de bens, recursos e serviços públicos para grande parcela da sociedade e dos lugares.

E é sobre essas condições qualitativas e quantitativas da pobreza que se difunde o PBF na

escala nacional.

Para empiricizar a tese e, ao mesmo tempo, debater e refletir sobre nossa hipótese,

investigamos as transformações na pobreza na Região Canavieira do estado de Alagoas (mapa

1), que sendo uma das “velhas regiões de monocultura açucareira” (PRADO JÚNIOR, 1975)

do Nordeste, chegou ao começo do século XXI como uma das regiões mais pobres do Brasil.

O destaque é dado para a forma como esse subespaço do estado de Alagoas participa das

últimas vagas de modernização que alcançaram o território brasileiro, perscrutando sobre

como tal modernização condicionou a garantia ou não de bens coletivos por parte do Estado.

Daí enfatizarmos o significado do PBF para a pobreza na Região.

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Mapa 1 – Região Canavieira de Alagoas

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

E, para operacionalizar a pesquisa, adotamos a posição defendida por Mary Poovey

(1998, p. 12), no seu livro A History of the Modern Fact, segundo a qual todo o processo de

desenvolvimento de uma pesquisa, desde a escolha do objeto a ser estudado até a forma de

apresentação dos resultados, é um processo teórico-empírico, pois até mesmo o levantamento

de dados primários, seja qual for a técnica utilizada, parte de uma interpretação da realidade

que acaba selecionando o que deve ou não ser contabilizado. Durante os mais de 4 (quatro)

anos de duração do doutorado realizamos: i) revisão bibliográfica sobre o tema; ii) visitas

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técnicas ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS (assim chamado

até maio de 2016); iii) levantamento de dados secundários; iv) levantamento de dados

primários, estes últimos a partir de extensos trabalhos de campo (realizados entre agosto de

2014 e setembro de 2016).

A visita ao MDS, realizada no mês de novembro de 2014, foi fundamental para

entendermos melhor as mudanças técnicas e normativas que o PBF sofreu desde 2003, bem

como seu funcionamento atual. Também foi de suma importância a troca de e-mails com

técnicos desse Ministério para o esclarecimento de questões que foram surgindo com o

avançar da pesquisa. Vale ressaltar que estamos tratando de uma política que, apesar do seu

curto período de existência, já passou por grandes alterações, sendo que o anseio de oferecer

uma leitura atualizada do Programa (o que esperamos ter alcançado, pelo menos

parcialmente) exigiu bastante esforço de nossa parte.

Quanto aos trabalhos de campo para o levantamento de dados primários, uma primeira

explicação diz respeito ao que chamamos de “Região Canavieira de Alagoas”.

Compreendendo essa porção do território alagoano como uma realidade dinâmica, tanto na

forma como no conteúdo, fizemos uma delimitação inspirada nos trabalhos de Joaquim

Correia de Andrade Neto (1984, p. 139) e Manuel Correia de Andrade (1997, p. 78). Esta

delimitação destaca, além da fragmentação interna pela criação de novos municípios, a

expansão horizontal da plantação de cana ocorrida com as políticas para o setor

sucroalcooleiro a partir dos anos 1970, processo que culminou na incorporação de novos

territórios municipais à Região. Os contornos regionais que apresentamos constituem,

portanto, uma síntese provisória, pois apesar da atividade canavieira ocasionar certo

“engessamento” do uso do território (CASTILLO, 2015, p. 98) nos municípios onde se

desenvolve, a dinâmica recente do setor tem provocado a falência de várias unidades

industriais.

Como se trata de uma Região com 52 (cinquenta e dois) municípios (mais da metade

dos municípios alagoanos, estando a capital entre eles), a realização dos trabalhos de campo

exigiu a escolha de certas cidades, através das quais pudéssemos apreender a dinâmica

regional. Essa escolha foi informada principalmente pela história da Região, como

pretendemos demonstrar ao longo da tese, e confirmada ao estabelecermos as seguintes

exigências:

(i) Desempenhar papel importante na rede urbana regional. O benefício do PBF é pago

através da Caixa Econômica Federal - CAIXA. Embora tenha havido enorme crescimento do

número e dos tipos de correspondentes desse banco nos últimos anos, há funções como

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distribuição de cartões do Programa, pagamento de benefícios sem cartão etc., que só podem

ser realizadas nas agências bancárias. Tomando como base o estudo “Região de Influências

das Cidades” (BRASIL, 2007), as principais cidades da Região Canavieira são: Maceió

(capital regional A), São Miguel dos Campos (centro de zona A), União dos Palmares (centro

de zona A), Penedo (centro de zona A) e Porto Calvo (centro de zona B);

(ii) Não fazer parte da Região Metropolitana de Maceió. Embora a Região

Metropolitana de Maceió chegue ao início do século XXI como uma das mais pobres do País

entre as capitais, as transformações pelas quais seus circuitos da economia urbana vêm

passando estão relacionadas a um expressivo número de eventos, não sendo certamente a

política do Bolsa Família o principal deles;

(iii) Por fim, ter sua dinâmica interurbana contígua explicada no contexto da Região

Canavieira de Alagoas. Nesse sentido, a cidade de Penedo, alcançada pela expansão

canavieira da década de 1970, ao passo que se vincula a cidades da Região Canavieira como

Feliz Deserto, tem sua dinâmica interurbana vinculada também à cidade de São Brás, agreste

do Estado, e Santana do São Francisco, estado de Sergipe.

Optamos, então, pelas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos. Nessas cidades aplicamos questionários às beneficiárias do Bolsa Família e aos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana, buscando assim apreender mudanças

causadas pelo PBF na dinâmica da pobreza. No total foram aplicados 329 (trezentos e vinte e

nove) questionários, distribuídos da seguinte forma:

(i) Porto Calvo: 42 (quarenta e dois) questionários para beneficiárias do PBF e 40

(quarenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia urbana.

(ii) União dos Palmares: 67 (sessenta e sete) questionários para beneficiárias do PBF e

80 (oitenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia urbana.

(iii) São Miguel dos Campos: 50 (cinquenta) questionários para beneficiárias do PBF e

50 (cinquenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia

urbana

Também nessas cidades realizamos entrevistas, a partir de roteiros semi-estruturados,

com beneficiárias do PBF, procurando ouvi-las sobre as mudanças provocadas pelo Programa

em suas vidas, o acesso aos locais de recebimento, o entendimento do Bolsa Família enquanto

direito ou não etc. No total foram 16 (dezesseis) beneficiárias entrevistadas, sendo 6 (seis) em

Porto Calvo, 6 (seis) em União dos Palmares e 4 (quatro) em São Miguel dos Campos, o que

completou pouco mais de 4 (quatro) horas de gravação.

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Ainda em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos entrevistamos

certos agentes do circuito superior da economia urbana (principalmente do comércio varejista

de alimentos e atacadista distribuidor) e do circuito inferior não contemplados pelos

questionários (principalmente presidentes de associações municipais de mototaxistas e de

sistemas de transporte por vans).

O avanço da pesquisa demonstrou a existência de um fluxo considerável de

beneficiárias de pequenos centros urbanos para as três cidades citadas no período de

pagamento do PBF, fluxo que se explicava pela impossibilidade de receber o benefício no

próprio município. Isso nos levou a aplicar um novo questionário para essas beneficiárias,

cuja quantidade ficou assim distribuída: 12 (doze) para beneficiárias de pequenas cidades que

estavam recebendo em Porto Calvo; 38 (trinta e oito) para beneficiárias de pequenas cidades

que estavam recebendo em União dos Palmares; e 25 (vinte e cinco) para beneficiárias que

estavam recebendo em São Miguel dos Campos. Posteriormente, visitamos cada uma dessas

cidades para realizarmos entrevistas, a partir de roteiros semi-estruturados, com as

beneficiárias aí residentes. Foram visitadas 12 (doze) cidades e gravadas pouco mais de 5

horas de conversas.

Por fim, fizemos um levantamento sistemático sobre a origem das associações de

mototaxistas e de transporte por vans nessas pequenas cidades, considerando o papel que elas

desempenham na mobilidade das beneficiárias que entrevistamos no período de pagamento do

Bolsa Família.

A maior parte dos dados primários são apresentados ao longo da tese em forma de

mapas, quadros, tabelas ou mesmo de texto, enquanto outras informações e relatos,

enriquecidos por leituras de livros, teses, dissertações e artigos, serviram de inspiração para

determinadas análises.

Portanto, a partir da problematização e da metodologia apresentadas procuramos

debater a construção, o funcionamento e as implicações do PBF face à dinâmica da pobreza

na Região Canavieira de Alagoas. Essa opção nos levou a trabalhar com dois planos de

análise: primeiro tratamos das mudanças que a pobreza conheceu em função dos novos

conteúdos técnicos e sociais que a Região foi incorporando ao longo do século XX; em

segundo lugar abordamos a construção política do PBF e as novas coesões geográficas

necessárias à sua concretização e/ou autorizadas pelo seu funcionamento. Dessa forma, a tese

foi organizada em duas partes, cada uma contendo três capítulos.

Na primeira parte, intitulada “As formas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas

ao longo do século XX”, propomos uma periodização para o fenômeno da pobreza nessa

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Região considerando a dinâmica dos sistemas de objetos e dos sistemas de ações. Para tanto,

procuramos levar em conta as transformações na forma e no conteúdo desse subespaço

promovidas pelas sucessivas modernizações, destacando as principais maneiras como esse

processo terminou empobrecendo a maior parcela da população. A linha de raciocínio adotada

nessa primeira parte pretende revelar nossa discordância com a bibliografia sobre Alagoas

que, destacando somente a permanência da produção sucroalcooleira como principal atividade

econômica ao longo do século XX, impede a atualização das causas explicativas da pobreza.

Nesse sentido, o primeiro capítulo aborda como, depois de quase três séculos de

transformações lentas, ritmadas pela produção realizada nos velhos engenhos de açúcar, a

Região Canavieira de Alagoas passou a conhecer, a partir das últimas décadas do século XIX,

mudanças fundamentais na produção da riqueza, autorizadas por certa mecanização do meio

geográfico, o que acabou por conferir nova dinâmica ao fenômeno da pobreza. Esta, na

ausência de regulação das condições de trabalho no campo, se manifestava pelos baixos

salários, pela fome, pelas migrações para o estado de Pernambuco e para o Sudeste etc. O

segundo capítulo trata da Região no período de racionalização do espaço geográfico, onde a

pobreza se manifesta como “Espaço Dividido”. A expulsão dos “moradores de condição” das

terras das usinas e a produção “racional” do desemprego fazem crescer o volume das

migrações, que agora se direcionam também para as principais cidades da própria Região,

alimentando o circuito inferior da economia urbana. O último capítulo dessa parte discute a

“pobreza estrutural globalizada” na Região Canavieira de Alagoas, ressaltando os fatores que

levaram esse subespaço a chegar ao final do século XX abrigando situações de pobreza das

mais graves do País.

Na segunda parte, sob o título “Programa Bolsa Família e circuitos da economia

urbana na Região Canavieira de Alagoas”, apresentamos nossa leitura sobre o PBF e as

transformações que esse Programa vem causando e autorizando na dinâmica dessa Região.

Para isso, o capítulo 4 (quatro) discute a incorporação das políticas de transferência de renda

pela formação socioespacial brasileira (SANTOS, 1977), a gênese e a conformação do PBF

enquanto um acontecer solidário de escala nacional. Cremos que com o Bolsa Família as

políticas de transferências de renda assumiram um papel na integração dos pobres aos direitos

sociais, passando a revelar, além das contradições derivadas da incompletude da cidadania no

País, as pressões oriundas do alargamento do acontecer hierárquico provocado pelo avanço da

globalização no território brasileiro. O capítulo 5 (cinco) procura avaliar as consequências do

PBF para a pobreza a partir da Região Canavieira de Alagoas. Para tanto, consideramos a

dinâmica dos circuitos da economia urbana nas três principais cidades do interior dessa

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Região, demonstrando os principais elementos desses circuitos que participam da

concretização da política e as oportunidades que tal concretização originou para os diferentes

agentes da economia urbana. O último capítulo da tese busca identificar as novas articulações

dos dois circuitos da economia na rede urbana regional, as novas formas de utilização dessa

rede urbana pelo circuito superior da economia e a reprodução subordinada do circuito

inferior.

Na conclusão retomamos brevemente algumas discussões da tese e apontamos os

principais achados da pesquisa.

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PRIMEIRA PARTE: AS FORMAS DE POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE

ALAGOAS AO LONGO DO SÉCULO XX

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CAPÍTULO 1: Os inícios da racionalização do meio geográfico e a ação política no uso

dos sistemas técnicos: as situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas

(1880-1945)

“Não tivemos todo o passado da Europa, mas reproduzimos de forma

peculiar o seu passado recente, pois este era parte do próprio processo de

implantação e desenvolvimento da civilização ocidental moderna no

Brasil”.

Florestan Fernandes. A revolução burguesa no Brasil. (1975, p. 20).

“O trem entra em terras de Alagoas, as estações fervilham de gente, cai uma

tarde poeirenta, vêm meninos vender água a cem réis o copo [...].

Passam casas de farinha, canaviais, o rio, mulungus, ingazeiros cheios de

ninhos de caga-sebo, estradas de rodagens avançam, atravessam os trilhos

de ferro, senhores usineiros viajam nos Hudsons e nos Studebakers até as

estações da Great Western, saltam dos autos como se esses carros lhes

pertencessem mesmo, tudo hipotecado, automóveis, usinas, safras, aos

fornecedores da capital, intermediários dos Geo-Squire e dos L. Smith de

USA. Para isso tanta desgraça planejada, bangüês comidos, senhores

reduzidos à miséria, e atrás de tudo o homem do eito, da bagaceira, das

limpas, das fornalhas, cambiteiros, metedores de cana, caldeireiros,

trabalhadores de enxada, mal-alimentados, malvestidos, descalços,

trabalhando noite e dia para agüentar o bangüê, pro bangüê ser devorado

pela usina e, por sua vez, o usineiro ser devorado por USA”.

Jorge de Lima. Calunga. (1997 [1935] pp. 14-15).

ntre as últimas décadas do século XIX e meados do século XX, o Estado de

Alagoas, e neste particularmente sua “velha região de monocultura açucareira”

(PRADO JÚNIOR, 1975), conheceu situações de pobreza das mais graves do Brasil.

Conforme registraram alguns pesquisadores (BASTOS (2010 [1938]; ANDRADE, 1973

[1963]; CASTRO, 1961 [1946]), a fome e a emigração, que apresentavam os piores índices

mesmo entre os estados açucareiros do Nordeste, eram manifestações comuns dessa

gravidade.

Podemos assegurar que são novas situações de pobreza, pois resultam de adaptações

locais às transformações na economia, na política e no território que alcançaram o País a

partir da segunda metade do século XIX (PRADO JÚNIOR, 1975; FERNANDES, 1975;

SANTOS E SILVEIRA, 2011 [2001]). Neste sentido, é correto afirmar que uma nova

necessidade imposta pelo sistema capitalista então em vigor, comandado a partir da Europa,

E

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encontrou resposta na transformação de uma região preexistente e criou um “espaço

derivado”1 de novo tipo (SANTOS, 2009 [1978], p. 123).

Uma nova organização técnica, política, econômica e social da produção foi

impulsionada pelas novas autorizações do meio geográfico dadas pela construção das

ferrovias, do telégrafo e melhoria do Porto de Maceió. A instalação de usinas e fábricas

têxteis alterou profundamente as formas de produção da riqueza e, ao lado da Abolição da

Escravatura, alterou também as formas de repartição espacial e social dessa riqueza. É,

portanto, uma nova organização técnica da produção possibilitada pelos condicionamentos

recíprocos dos processos de racionalização da economia, da política, da sociedade e do meio

geográfico.

Essa “fluidez relativa do território” (SANTOS, 2009 [1994], p. 292), alcançada pela

“mecanização da circulação” (SANTOS E SILVEIRA, 2011 [2001], p. 34), modifica ainda os

papéis das cidades na rede urbana (antes fortemente condicionados pela possibilidade natural

que os rios ofereciam ao transporte do açúcar para os portos de Maceió e de Recife). Sem a

constituição de um mercado propriamente nacional permanece o sentido de uma rede urbana

voltada para a exportação de açúcar, mas a nova distribuição do excedente nas cidades se dá,

em boa medida, de acordo com as vicissitudes técnicas do meio geográfico.

Se o Estado se fazia presente para subsidiar o capital financeiro inglês, para reprimir,

para normatizar algumas esferas da produção e do trabalho, pouco fazia no direcionamento de

parte da riqueza para bens e serviços coletivos. No caso do trabalhador rural a situação era

bem mais grave, porque mesmo depois do decênio de 1930 as relações de trabalho não foram

verdadeiramente reguladas. Uma parcela apreciável do comando político da produção e

distribuição da riqueza ficava ainda na própria Região. Como os diversos agentes sociais

foram atingidos diferentemente pelo novo impulso capitalista, bem como revelaram graus de

permeabilidade e adaptação diferenciados a tal impulso, tivemos como resultado situações

locais diversas de pobreza (em nenhum caso menos grave), acompanhadas de formas

particulares de perpetuá-las.

Nesse sentido, ao lado da mecanização da produção e da circulação, não haveria

também uma incipiente “racionalização por valores” (WEBER, 1999) do meio geográfico?

Senão como compreender as concessões em termos de objetos técnicos (melhores moradias,

creches, equipamentos de saúde etc.) que resultaram da luta política de trabalhadores da

1 “A cada necessidade imposta pelo sistema em vigor, a resposta foi encontrada, nos países subdesenvolvidos,

pela criação de uma nova região ou a transformação das regiões preexistentes. É o que chamamos espaço

derivado, cujos princípios de organização devem muito mais a uma vontade longínqua do que aos impulsos ou

organizações simplesmente locais” (SANTOS, 2009 [1978], p. 123. Itálico no original).

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indústria têxtil (LESSA, 2013)? Como entender o chamado “sistema de morada”

(PALMEIRA, 1977), e nele particularmente as disputas entre senhores de engenho e usineiros

por mão de obra, a partir, por exemplo, da oferta de melhores condições de moradia

(HEREDIA, 1988)?

Todavia, como algumas melhorias das condições de vida dos trabalhadores/moradores

entravam na disputa entre os agentes da produção, as situações diversas de pobreza tendiam a

se reproduzir. Uma vez que prevalecia um padrão limitado de necessidades e o desemprego

não era ainda um dado inerente à organização da produção (o que, aliás, revela o nível de

exploração dos trabalhadores, já que mesmo nessas condições a fome era das mais graves e o

número de emigrantes era proporcionalmente um dos maiores entre os estados brasileiros),

podemos dizer que forças centrípetas atuavam na perpetuação da pobreza.

1.1. A mecanização da produção e da circulação: a imposição de uma racionalidade

externa ao meio geográfico regional

Até boa parte da segunda metade do século XIX o meio técnico na “velha região”

Canavieira de Alagoas ficou praticamente restrito à mecanização da produção (DIÉGUES

JÚNIOR, 2006; SANT’ANA, 1970; CORRÊA, 1992). Em 1879, por exemplo, existiam cerca

de 632 engenhos produzindo açúcar, distribuídos por aproximadamente 16 municípios da

Zona da Mata e do litoral. Apesar da existência de alguns engenhos a vapor, a grande maioria

deles era movida à tração animal e buscava se localizar próximo aos pequenos portos, como o

de Porto Calvo, Porto de Pedras, Barra Grande (atual Maragogi) e o de Maceió (este já

começava a ganhar vulto e se diferenciar dos demais). Nessas condições, o crescimento da

produção decorria “[...] do crescimento do número dos engenhos e da expansão da área

cultivada e nunca do melhoramento da produtividade agrícola e/ou industrial” (ANDRADE,

1997, p. 30).

Segundo Florestan Fernandes (1975, pp. 24-25), é com a Independência do Brasil que

estamos devidamente autorizados a falar de uma acumulação interna do excedente. No caso

das regiões que tinham sua economia fundada na exportação do açúcar, havia pelo menos três

razões que, alimentando-se mutuamente, limitavam tal acumulação: 1) as oscilações do preço

deste produto no mercado externo; 2) a lentidão na absorção de inovações técnicas (tanto na

área agrícola como na industrial); e 3) a concorrência de outros produtores (especialmente de

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Cuba, Java e do açúcar de beterraba europeu) (FURTADO, 2005 [1959]; ANDRADE, 1973

[1963]; PRADO JÚNIOR, 1975; RAMOS, 2007).

Agregavam-se a essas razões, de caráter mais geral, particularidades da Região

Canavieira de Alagoas. Sua “situação geográfica [...] colocada entre dois importantes centros

comerciais – Pernambuco e Bahia – nunca permitiu [que] tivesse o seu comércio a expansão

que seria de esperar, correspondente ao desenvolvimento agrícola”. Isto porque “pelo interior

escoavam-se os produtos para as Províncias vizinhas; o comércio da Capital não atraía os

produtos do interior, e isto talvez tivesse na existência de estradas más a sua causa principal”

(DIÉGUES JÚNIOR, 2006, pp. 133 e 138).

Essa acumulação interna era também fortemente condicionada pela escravidão, cujo

papel na repartição social da riqueza era, de fato, imensurável (SOUZA, 2000). Neste sentido,

lembra Manuel Correia de Andrade (1973 [1963], p. 108), que o trabalhador livre já era

largamente utilizado em Alagoas antes da Lei Áurea (1888), e que havia correlações, por

exemplo, entre fatores de mercado (oscilações no preço do açúcar, concorrência externa,

maior disponibilidade de mão de obra liberada pelo algodão etc.) e o salário desse

trabalhador. No entanto, sem a universalização do trabalho assalariado, numa sociedade em

que o número de escravizados beirava a cifra dos 49.000 para uma população total de 310.585

(1879), tais fatores certamente encontravam sérios obstáculos (FERNANDES, 1975, p. 20).

Em síntese, podemos afirmar que o meio geográfico limitava a localização dos

engenhos, a circulação, a expansão da produtividade e, por isso, junto ao sistema econômico,

limitava também a acumulação; por outro lado, notadamente o sistema político-social

obstaculizava a repartição social da riqueza porventura gerada.

A situação mudou bastante a partir do impulso do capital financeiro-industrial inglês

nas últimas décadas do século XIX. A bibliografia sobre o período não deixa dúvidas sobre a

profundidade das mudanças (DIÉGUES JÚNIOR, 2006; SANT’ANA, 1970; TENÓRIO,

1979; ANDRADE; 1997; LINDOSO, 2015). Os aportes do capital inglês, ao lado de novas

condições político-normativas, forneceram novas possibilidades de exploração dos recursos

naturais e da força de trabalho. Porém, uma vez que esse capital tinha como finalidade a sua

própria reprodução, viabilizá-lo significava também assegurar a drenagem de parte importante

do excedente regional na forma de juros. Trata-se de uma forma de “penetração planejada” do

capital a partir da ideologia do progresso (SANTOS, 2003 [1979], pp. 28-29), que cria na

Região um “espaço derivado” de novo tipo (SANTOS, 2009 [1978]).

À navegação a vapor nas lagoas Mundaú e Manguaba, realizada pela Companhia

Baiana de Paquetes a Vapor desde o final da década de 1860, vem juntar-se os primeiros

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quilômetros de ferrovia em Maceió (1868), a criação de novos impostos para viabilizar a

construção de ferrovias e, finalmente, a garantia de juros ao capital inglês para construção da

“Estrada de Ferro Central de Alagoas” (TENÓRIO, 1979, pp. 106-115). Essa estrada, a

princípio, ligou Maceió a Imperatriz (atual União dos Palmares) em 1884. Foram

acrescentados a esses 88 km iniciais mais 35 km até a fronteira com Pernambuco e, já no

século XX, mais 62 km até Assembléia (atual cidade de Viçosa). De acordo com o mapa 2,

estava então conformado o traçado que as ferrovias tomaram na Região Canavieira de

Alagoas. Não chegaram a representar 1% de toda a rede ferroviária nacional.

Mapa 2 – Alagoas: traçado das linhas férreas segundo o período de construção

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Ao lado da nova temporalidade imposta à circulação, inaugura-se na Região a era da

telecomunicação instantânea (CASTILLO, 1999, p. 24) com o telégrafo. Em 1884

“construídos igualmente se achavam 63 quilômetros de linhas telegráficas, com fio duplo, que

funcionavam com 7 aparelhos “Siemens” instalados provisòriamente em Jaraguá, Maceió,

Pedreiras, Cachoeira, Bom Jardim, Itamaracá e Murici” (SANT’ANA, 1970, p. 315).

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Face à modernização da navegação, o Porto de Maceió começa a ganhar vulto e se

diferenciar dos demais ao estabelecer navegação direta com o exterior em 1878 (LINDOSO,

2015; CORRÊA, 1992, p. 100). Assim, “em 1880 a Província da Bahia, e certamente também

a de Pernambuco, já deixara de ser o empório do comércio de importação e exportação de

Alagoas [...]” (SANT’ANA, 1970, p. 320). Portanto, esse novo meio técnico, fazendo

convergir em Maceió uma “circulação mecanizada” (SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001], p.

34), termina por autorizar certa acumulação de excedente na capital. Aí se alargará uma

burguesia mercantil (LINDOSO, 2015), com destaque para os “comissários do açúcar” que

financiavam os senhores de engenho (ANDRADE, 1997, p. 30), apta a aplicar o excedente de

acordo com as novas racionalidades do meio geográfico.

Mas, essas racionalidades eram, ainda, muito limitadas. Milton Santos (2009 [1996],

p. 292), ao propor sua tese de que durante o século XX o próprio espaço geográfico vai se

tornando racional, pondera que é possível

[...] como fez E. A. J. Johnson (1970), falar de racionalidade do espaço a

partir do momento em que este conhece sua mecanização. Mas a estrada de

ferro, o automóvel, o telégrafo criaram apenas uma fluidez relativa do

território, pois o âmbito geográfico de ação dessas novidades era

relativamente limitado.

Para a Região Canavieira de Alagoas essa afirmação é ainda mais verdadeira porque,

como vimos, nem mesmo todas as áreas de produção açucareira foram conectadas à cidade de

Maceió pelas ferrovias.

Assim, entre 1892 e 1950 foram instaladas cerca de 46 usinas em Alagoas (embora

algumas só tenham moído poucas safras), “[...] construídas, quase sempre, por proprietários

de engenho ou por comerciantes radicados em Maceió e ligados ao comércio exportador do

açúcar. Poucas foram construídas por capitais estrangeiros” (ANDRADE, 1997, p. 40).

Aproximadamente 45% delas estavam localizadas em municípios ferroviários, “[...] o que

indica a grande importância desempenhada por esse meio de transporte na sua localização.

Elas iriam usar largamente a Great Western como transportadora de cana dos engenhos para a

usina e do açúcar e álcool para os portos de Maceió” (ANDRADE, 1997, p. 39).

Paralelamente, havia ainda uma produção expressiva realizada nos engenhos (em número de

587 em 1935) e de usinas cuja temporalidade da produção e da circulação não conheceu

grandes modificações.

Mas, as novas vicissitudes do meio geográfico orientaram também a localização da

“[...] outra metade dos capitais disponíveis nas Alagoas [que] foi aplicada na indústria têxtil”

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(LESSA, 2013, p. 116). Se havia até 1890 apenas uma fábrica têxtil localizada em Maceió,

em função do mercado consumidor e da mão de obra aí existentes, até 1949 foram instaladas

mais 9 fábricas na Região Canavieira de Alagoas. “As fábricas procuravam estar perto dos

maiores mercados consumidores locais e das estradas que traziam o algodão do interior e

levavam tecidos para os municípios mais distantes e o Porto de Jaraguá, na capital2” (LESSA,

2013, p. 120).

Conforme a tabela 1, o número de estabelecimentos industriais e de pessoas ocupadas

aumentou expressivamente nas primeiras décadas do século XX.

Tabela 1 – Alagoas: Número de estabelecimentos industriais e pessoal ocupado (1907-1950)

Ano Estabelecimentos Pessoal ocupado

1907 44 3.775

1920 352 6.989

1940 687 14.775

1950 1.261 24.792 Fonte: BRASIL (1917; 1927; 1952; 1956)

Organização: Fernando Silva (2017)

Os dados do Censo Industrial de 1950 (BRASIL, 1956) demonstram que um total de

10.998 pessoas estavam ocupadas nas indústrias têxteis, que acusavam 106 estabelecimentos,

enquanto as indústrias de produtos alimentares (onde incluíam-se as usinas) ocupavam 8.124

pessoas em 552 estabelecimentos. Isso porque, como demonstrou João Craveiro Costa (1932),

nestas últimas havia uma quantidade significativa de pequenos estabelecimentos, que

distribuíam-se de forma muito mais desconcentrada.

2 A distribuição das fábricas têxteis nos municípios da Região Canavieira de Alagoas era a seguinte:

Quadro 1 - Região Canavieira de Alagoas - Indústrias têxteis segundo o município de localização e ano de início

do funcionamento

Município Fábrica Ano que começou a funcionar

Maceió (Fernão Velho) Fábrica União Mercantil 1863

Rio Largo Fábrica Progresso 1890

Rio Largo Fábrica Alagoana 1893

Pilar Fábrica Pilarense 1893

Pilar Fábrica Pilarense 1909

Maceió (Bom Parto) Fábrica Alexandria 1911

São Miguel dos Campos Fábrica São Miguel 1913

Maceió (Jaraguá) Fábrica Santa Margarida 1914

São Miguel dos Campos Fábrica Vera Cruz 1926

Maceió (Saúde) Fábrica Norte de Alagoas 1926 Fonte: Relatórios Anuais das Fábricas Têxteis de Alagoas apud Lessa (2013, p. 118)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Em síntese, podemos afirmar que a explicação para as novas formas de exploração e

distribuição dos recursos estão, em boa medida, na racionalidade limitada do meio geográfico

regional. Mas, na realidade, a explicação sobre a repartição espacial e social da riqueza só é

completa se considerarmos também as novas combinações na economia, na política e na

sociedade.

1.2. Entre o velho e o novo: transformações na rede urbana de uma região voltada para

fora

São, deveras, avassaladoras as transformações operadas na rede urbana da Região

Canavieira alagoana a partir das novas vicissitudes técnicas do meio geográfico (CORRÊA,

1992; GEIGER, 1963, pp. 385-386 e 392). As novas formas de repartição do excedente, da

população e da força de trabalho nas cidades não se explicam sem considerarmos a

permanência de uma economia fundada essencialmente na exportação de açúcar (o fato de

que a princípio essa exportação estivesse mais voltada ao mercado externo e, já a partir das

primeiras décadas do século XX, tenha-se voltado ao centro-sul do País não altera o

raciocínio) e das velhas estruturas sociais. Até mesmo as novas especificidades técnicas da

produção usineira sofreram certa adequação às dinâmicas sociais pretéritas (PALMEIRA,

1977; ANDRADE, 1973 [1963]; ANDRADE NETO, 1984).

Praticamente todos os autores que comentaram sobre tais transformações concordam

que a ascensão de Maceió e o declínio de cidades antigas ligadas a pequenos portos

(principalmente Porto Calvo, Pilar e Marechal Deodoro) (CORRÊA, 1992; ANDRADE, 2010

[1958]; ANDRADE, 2010 [1968]) foram o principal saldo do período. Ao tratar das cidades

do Norte de Alagoas, Manuel Correia de Andrade (2010 [1968], pp. 145-146) resumiu bem o

que ocorreu:

A construção das estradas de ferro e, posteriormente, de rodagem, fez com

que a produção do interior passasse a convergir diretamente para as capitais,

para os grandes centros, provocando, a decadência da navegação à vela, de

cabotagem e a morte dessas pequenas cidades e portos.

Quanto à ascensão de Maceió, que esteve ligada também à sua função administrativa

(DIÉGUES JÚNIOR, 2001 [1939]), os números sobre o crescimento populacional são

esclarecedores: se apenas 6,16% da população estadual vivia na capital em 1890, essa

porcentagem era de 11,07% em 1950. Isto apesar de a população estadual ter aumentado

113,74% no mesmo intervalo. Embora no período as taxas de crescimento de Maceió variem

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bastante, o que, aliás, é uma característica comum às capitais brasileiras que dependiam

economicamente da agricultura (SANTOS, 2008 [1993], p. 27), os números absolutos

demonstram que o crescimento foi sustentado. De 31.498 habitantes em 1890 alcançou

120.980 em 1950. Antes de 1890, Maceió tinha esperado dezoito anos para aumentar 3.795

habitantes quando, por exemplo, entre 1900 e 1920 a população mais que dobrou.

Conforme a tabela 2, no Censo Demográfico de 1950 a Região Canavieira, então

formada por 19 cidades, tinha quase 90% dos seus centros com um total de população que não

ultrapassava 10 mil habitantes. Dessa forma, estava delineada uma característica dessa rede

urbana que Roberto Lobato Corrêa (1992) encontrou na década de 1960: de um lado uma

forte concentração urbana em Maceió e, de outro, a existência de um grande número de

pequenas cidades, simples centros locais sem importância econômica.

Tabela 2 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades por Classes de Habitantes (1950)

Classes de

habitantes

Número de

cidades

Percentual de

cidades

População

total

% da população

total

Até 5.000 11 57,89% 38.468 19,16%

5.001 a 10.000 6 31,58% 40.795 20,32%

10.001 a 20.000 1 5,26% 16.580 8,26%

Mais de 20.000 1 5,26% 104.947 52,27%

Total 19 100,00% 200.790 100,00%

Fonte: BRASIL (1955a)

Organização: Fernando Silva (2017)

Podemos citar, no mínimo, dois fatores importantes que contribuíam para a

reprodução dessas características: 1) as relações diretas das usinas com Maceió, em função da

localização do porto, de armazéns etc. e 2) a perpetuação do chamado “sistema de morada”

surgido nos engenhos (este assunto será melhor abordado no item 1.4). Assim, se de um lado

a garantia de preços do açúcar, especialmente a partir de 1933, acelerava o fluxo de

mercadorias e de capital em Maceió; de outro, a ausência de proletarização do trabalhador

rural (ANDRADE, 1973 [1963]) limitava o crescimento dos outros centros urbanos da

Região. Neste sentido, os números sobre a população urbana são reveladores: em 1950 a

população urbana era de 31,60% de um total de 635.357 habitantes, mas para Maceió essa

porcentagem era de 86,75%. Portanto, sem incluir a capital, o grau de urbanização na Região

caía para 18,63%, mesmo que a população total alcançasse a cifra de 514.377.

A indústria têxtil, dependente de mão de obra e mercado consumidor (PRADO

JÚNIOR, 1975), não alterou a situação. Juntos, os municípios de Maceió, Rio Largo, São

Miguel dos Campos e Pilar, onde se localizavam as fábricas têxteis, somavam mais de 50%

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do pessoal ocupado na indústria (com destaque para Maceió com 33% do total). Por isso

havia apenas um centro urbano próximo a Maceió, Rio Largo, com uma população entre

10.000 e 20.000 habitantes.

Conforma-se, portanto, um quadro em que Maceió passa a concentrar os capitais, os

serviços, a população urbana da Região etc.3 Ao apreciarmos a tabela 3, isto fica bastante

nítido: enquanto Maceió acusava 33,06% de população ativa no setor secundário e 60,79 no

terciário, essas porcentagens eram respectivamente de 11,15% e 9,68% para os outros

municípios da Região. Mesmo que entre 1920 e 1950 os percentuais para estes últimos

tenham, proporcionalmente, aumentado de maneira significativa (contribuiu para isso a

instalação de usinas e de certos serviços atraídos pelas ferrovias, por exemplo) as cifras da

tabela deixam claro o papel da capital na rede urbana da Região no período em análise.

Tabela 3 – Região Canavieira de Alagoas: População Economicamente Ativa por setor* (1920-1950)

Região Canavieira de Alagoas (sem Maceió)

1920

(Total)

1920

(Percentual)

1940

(Total)

1940

(Percentual)

1950

(Total)

1950

(Percentual)

Setor

primário

109.194 86,78% 146.171 81,59% 128.512 79,16%

Setor

secundário

10.796 8,58% 16.870 9,42% 18.106 11,15%

Setor

terciário

5.841 4,64% 16.102 8,99% 15.722 9,68%

Total 125.831 100% 179.143 100% 162.340 100%

Maceió

Setor

primário

4.230

24,63% 2.338

8,72% 2.459 6,15%

Setor

secundário

6.436

37,48%

8.154

30,40%

13.217 33,06%

Setor

terciário

6.506 37,89% 16329 60,88% 24.305 60,79%

Total 17.172 100% 26.821 100% 39.981 100%

* População de 10 anos e mais, excluídos os ativos em atividades domésticas, donas de casa, estudantes e

inativos

Fonte: BRASIL (1927; 1952; 1956)

Organização: Fernando Silva (2017)

Em síntese, podemos dizer que o “meio técnico da circulação mecanizada”, aliado à

perpetuação de uma economia fundada na exportação, explicam muitos elementos sobre a

nova conformação da rede urbana regional. No entanto, com o trabalho livre e esse início de

racionalização do meio geográfico parece-nos correto pensar que, doravante, a repartição

3 De um total de aproximadamente 15 (quinze) instituições bancárias instaladas na Região entre as décadas de

1900 e 1940, 10 (dez) estavam localizadas em Maceió. As outras 5 (cinco) ou eram pequenos bancos locais, ou

agências do Banco do Brasil (CARVALHO, 2015, p. 250; MEDEIROS, 2013, várias páginas).

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social da riqueza regional passa a ser, em alguma medida, uma questão político-espacial. É o

que pretendemos demonstrar nos próximos dois itens.

1.3. As situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas

Nova causas acabariam por assegurar a reprodução da pobreza: condições favoráveis

na economia (principalmente a partir de 1933), modernizações técnicas na produção

açucareira (ainda que parciais), constituição de mercado de trabalho etc. Em uma sociedade e

um território que, como vimos demonstrando, se modernizava seletivamente (SOUZA, 2000;

SANTOS 2009 [1978]), parece sensato supor que a reprodução dessa pobreza estivesse, em

alguma medida, na ação política que o espaço condicionava e da qual resultava.

Nas fábricas têxteis, a acumulação crescente estava ligada a vários fatores, dentre os

quais: garantia do mercado regional (e externo em alguns momentos), disponibilidade de

matéria prima a baixo preço e disponibilidade de mão de obra. (LESSA, 2013; TENÓRIO,

2013). Por isso, a produção crescia e a apropriação do excedente como lucro também4. Neste

sentido, Golbery Lessa (2013, p. 125 e 142) fala de dois momentos: o primeiro, que vai do

surgimento das fábricas até as primeiras duas décadas do século XX, caracterizado pelo

“lucro capitalista e miséria operária”; e o segundo, a partir de 1920, marcado pelas concessões

do capital em função da resistência operária. As lutas dos operários haviam se convertido

“[...] na construção de casas para todas as famílias empregadas, na organização de creches, no

melhoramento de ruas e nas estruturas de lazer, como o cinema e os recreios operários” (p.

4 As 12 fábricas alagoanas chegaram a ter 8.941 operários, 3.391 teares e 112.132 fusos em 1945. Para

compreendermos melhor a evolução dessas fábricas, a tabela a seguir traz alguns dados sobre a evolução do

capital investido e o valor da produção. Vale lembrar que 9 delas estavam no que consideramos como a Região

Canavieira de Alagoas.

Tabela 4 – Alagoas: capital investido e valor da produção das fábricas têxteis em alguns anos (1907-1931)

Ano Capital (contos de

réis)

Valor da produção (contos de réis)

1907 5.489:887 x

1912 8.450:000 x

1920 15.293:870 31.079:445

1931 57.633:800 32.652:717 X – Não foi possível obter dados

Fonte: BRASIL (1936) e COSTA (1932, p. 113)

Organização: Fernando Silva (2017)

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142). Trata-se do sistema de vila operária estudado detalhadamente em Pernambuco por

Lopes (1988).

O quadro a seguir busca sintetizar alguns dos principais aspectos da condição de vida

dos operários das fábricas têxteis. A referência é a década de 1920, quando o resultado das

lutas políticas era garantido pelas próprias fábricas na distribuição de alguns bens e melhores

salários.

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Quadro 2: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador da indústria têxtil na Região Canavieira de Alagoas a partir de 1920

Relações de trabalho

Contrato As formas e condições de contrato variavam bastante, principalmente antes da década de 1930. O que era comum era o uso da

mão de obra de mulheres e crianças, bem como um disciplinamento rigoroso dos trabalhadores.

Condições oferecidas aos

trabalhadores pelas fábricas

Casa na vila operária, escola, assistência médica, creche e cinema. Não se permitia fazer roçado, como no caso dos engenhos

e usinas.

Retribuição exigida pelo

proprietário

Exclusividade do trabalho.

Habitação

Características gerais da

habitação

A maioria das casas eram construídas de alvenaria e coberta de telha. As vilas chegaram a dispor de certa infra-estrutura

como sistema de esgoto, abastecimento de água e luz etc. Em troca, às vezes, se cobrava aluguel pela moradia e as taxas de

água e luz.

Salário

Salário médio diário Entre 1$500 e 3$000 (média para o fim da década de 1920).¹

Variação do salário Há indicações de variações significativas dos salários e dos benefícios indiretos (moradia, escola, creche etc.) segundo a

fábrica. Ainda com respeito ao salário, havia variações também de acordo com as condições técnicas das fábricas, já que

problemas na paralisação de alguma seção, com a consequente paralisação do trabalho, geravam descontos no salário do

trabalhador.

Comparação do salário médio

com outros Estados do

Nordeste

Consumo

Onde compram os

trabalhadores

Armazém da vila operária

Principais alimentos consumidos e % do salário gasto com alimentação

Ceará (charque)

Bacalhau

Feijão

Açúcar bruto

Café

Farinha

Carne fresca

Rapadura

% do salário gasto com

alimentação

Geralmente chegava próximo aos 100%

Principais consequências da pobreza

Como faz em tempo de

diminuição do trabalho

Complementava os rendimentos com a pesca nas lagoas (principalmente no caso de trabalhadores de Maceió).

Medidas tomadas para lutar

contra a pobreza e exploração

do trabalho (trabalhadores)

Greves; busca de trabalho em engenhos ou usinas (onde era permitido ter um pequeno roçado) e emigração.

Medidas tomadas para

perpetuar a pobreza dos

trabalhadores (proprietários)

Nas primeiras décadas do século XX há indicações de repressões, mas depois os proprietários fizeram algumas concessões,

como: diminuição da jornada de trabalho, melhoria da moradia, das condições das vilas e da assistência médica, etc.

Principais conclusões

Relações de trabalho e

habitação

Tanto as relações de trabalho como o sistema de vila operária se colocavam como novos elementos de dominação. Os estudos

não negam as boas condições das casas fornecidas pelas fábricas, a qualidade e facilidade do acesso às escolas, creches e

assistência médica, mas ressaltam como esses elementos aumentavam o controle dos proprietários das fábricas sobre a vida

dos trabalhadores.

Salário Como todo o salário era pago em dinheiro, e também pelo fato de trabalharem mulheres e crianças, principalmente antes do

advento da CLT, havia uma maior circulação monetária nas vilas operárias. O salário, porém, mal era suficiente para o

orçamento básico (alimentação e taxas referentes à aluguel, água etc. nas vilas operárias).

Consumo Resumia-se ao essencial para sobrevivência. Como não se permitia cultivar roçados, a dependência em relação ao salário era

bem grande. Novas necessidades de consumo são criadas pelo próprio trabalho, como a necessidade de trabalhar com roupas

limpas e específicas no espaço da fábrica.

¹Média com base em relato de Otavio Brandão (2007, pp. 303-305) trazido por Lessa (2013, pp. 130-132)

Fonte: Lessa (2013 várias páginas); Tenório (2013 várias páginas); Documentário “Tramas da memória, urdidura do tempo” (disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=Zbwcmx9fOrk); Documentário: “O comendador do povo” (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WtNUBcaxsy4).

Organização: Fernando Silva (2017)

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54

Desse modo, as habitações das fábricas apresentavam condições melhores que a

grande maioria do campo, da periferia de Maceió, ou das pequenas cidades do interior

(ANDRADE, 1973 [1963], p. 123), pois além de construídas de alvenaria dispunham de

certas instalações sanitárias. Na opinião de Golbery Lessa (2013, pp. 142-143), a construção

de melhores casas “[...] tinha a função de [...] fazer o operário submeter-se ao duro regime de

trabalho fabril em troca de um teto mais bem localizado e melhor construído do que a casa da

maioria dos outros assalariados ou moradores de fazenda”. O salário era baixo, mas acima do

rural (especialmente no período pós-30) (LESSA, 2013, p. 143). Por isso, a alimentação era

deficiente e, também por depender quase totalmente do salário, se aproximava da alimentação

das populações rurais (BASTOS (2010 [1938]).

Na ausência do Estado na distribuição de bens coletivos, o resultado de lutas políticas

dos operários poderia entrar na disputa entre fábricas e usinas por mão de obra, por exemplo.

Essa disputa tem a ver com a situação diferente de pobreza nas usinas e engenhos.

A bibliografia consultada deixa claro que os inconvenientes das oscilações do preço do

açúcar no mercado externo continuaram, mas agora estavam sendo contornados pela expansão

do mercado do centro-sul (PRADO JÚNIOR, 1975; ANDRADE 1973 [1963], pp. 110-111;

RAMOS, 1991 p. 136). Dessa forma, a economia açucareira do Nordeste pôde se expandir:

até 1933 porque o Sudeste esteve mais voltado à produção do café e, depois disto, a criação

do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA garantiu um mercado para o açúcar nordestino pela

criação de cotas estaduais. Entre as décadas de 1930 e 1950, as cotas reservadas para Alagoas

giravam na média de 11% do total nacional, sendo a segunda maior entre os estados do

Nordeste, atrás apenas da média de Pernambuco (RAMOS e PIACENTE, 2010, p. 7).

Em virtude dos conflitos entre proprietários de engenho e usineiros, que a

modernização técnica desencadeou e a garantia de preços pelo IAA agravou (ANDRADE,

1973 [1963], p. 113; HEREDIA, 1988, pp. 163-170), promulgou-se também o Estatuto da

Lavoura Canavieira - ELC em 1941 (Decreto nº 3.855 de 21 de novembro de 1941) para

normatizar as relações entre fornecedores e usineiros. Mas, “se o Estatuto protegia seriamente

o produtor agrícola, o fornecedor, ele não levava em conta, senão formalmente, a grande

massa de trabalhadores rurais, visto que, apenas em seu art. 90, lhes garantiu o direito ao

salário mínimo. Salário mínimo que nunca foi respeitado com base nesse Estatuto [...]”

(ANDRADE, 1997, p. 74).

Em síntese, podemos repetir a conclusão a que chegaram diversos estudiosos dessa

situação: garantia-se a expansão da produção açucareira nordestina sem alterar suas condições

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técnicas dependentes dos capitais regionais5. Por outro lado, o comando político sobre as

condições de vida dos trabalhadores continuava na própria Região. Algumas consequências

desses dois processos foram apontadas por Manuel Correia de Andrade (1973 [1963] pp. 108-

109):

[...] o escravo que se viu liberto de uma hora para outra, sem nenhuma ajuda,

sem terras para cultivar, sem assistência dos governos, sentiu que a liberdade

adquirida se constituía apenas no direito de trocar de senhor na hora que lhe

aprouvesse. Transformou-se em assalariado, em “morador de condição”,

continuando a habitar choupanas de palha ou senzalas, a comer carne seca

com farinha de mandioca e a trabalhar no eito de sol a sol por um salário que

oscilava entre 400 e 600 réis.

Os estudiosos apontam ainda o papel que teve a incipiente racionalização do meio

geográfico no campo para a reprodução do chamado “sistema de morada”, originado nos

engenhos, especialmente na Região Canavieira de Alagoas (ANDRADE, 2010 [1958];

ANDRADE, 1997; HEREDIA, 1988; ALBUQUERQUE, 2003; PALMEIRA, 1977). Várias

parcelas das propriedades nos tabuleiros de São Miguel dos Campos, por exemplo, eram

consideradas impróprias para o cultivo da cana e, dessa forma, deixadas ao “morador de

condição”.6

5 Conforme a tabela a seguir, o crescimento da produção de açúcar em Alagoas foi constante. É somente na

década de 1970, porém, que a produção vai ter grande ímpeto, em função dos novos capitais disponibilizados

para o setor.

Tabela 5 – Alagoas: Evolução da produção de açúcar segundo safras selecionadas (1933/34-1987/88)

Ano/safra Produção (sacos de 60 kg)

1933/34 752.915

1943/44 1.706.789

1953/54 2.433.842

1958/59 3.629.546

1968/69 7.839.076

1973/74 22.011.169

1983/84 27.453.193

1987/88 24.879.165

Fonte: IAA apud Andrade (1997, p. 101)

Organização: Fernando Silva (2017)

6 Desse modo, nos municípios da Região Canavieira, pelo menos até 1950, o aumento na produção de cana não

impedia a manutenção de outras culturas, como a mandioca, o milho e o feijão. A partir daí o quadro começou a

mudar, conforme mostra a tabela a seguir.

Tabela 6 – Região Canavieira de Alagoas: Produção de algumas culturas (1920-1960)

Produção em tonelada 1920 1940 1950 1960*

Cana 1.121.063 1.766.734 1.771.495 3.600.913

Mandioca 94.484 111.672 141.697 104.311

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Beatriz Heredia (1988, p. 169), estudando exatamente essa situação, aponta ainda que

as disputas entre senhores de engenho e usineiros contribuíam para aumentar o número dos

chamados “moradores de condição”. Os senhores de engenho controlavam não somente a

terra, mas também a mão de obra: se as táticas de acesso à terra por parte das usinas

envolviam a invasão de propriedades pelas ferrovias, por exemplo, o acesso à mão de obra

envolvia a reprodução do “morador de condição”. Ofertas de melhores habitações nas usinas,

melhores salários em época de escassez de mão de obra e outros elementos que faziam parte

da condição de vida do morador também entravam nessa disputa.

Portanto, no campo encontravam-se, deveras, outras situações de pobreza, em nenhum

caso menos grave.

Em 1950, conforme apresenta o quadro 3, Alagoas estava entre os estados brasileiros

com as maiores taxas de natalidade, mas também de mortalidade. Essa dinâmica, somada às

altas taxas de emigração, apresentadas na tabela 7, explicam em boa medida o porquê de,

entre 1890 e 1950, Alagoas ter tido o segundo menor crescimento populacional entre todas as

unidades da federação: 113,74%, enquanto o Brasil cresceu 262,61%. Pelas mesmas razões

explica-se o crescimento lento, e às vezes até negativo, da população economicamente ativa.

Ente 1940 e 1950, enquanto Maceió aumentava a PEA em 49,07%, os outros municípios da

Região tiveram um decréscimo de 9,38%.

Quadro 3: Síntese de alguns índices sociais de Alagoas em 1950

Índice Média Posição entre os estados brasileiros

Natalidade por

1.000*

47 3ª Maior do Brasil, atrás apenas dos Estados do Ceará e Piauí

Mortalidade por

1.000 habitantes*

147 2ª maior do Brasil, atrás apenas do Estado do Mato Grosso

Vida média (anos)* 38,4 5º menor média entre os estados do Brasil, sendo que a média

para homem é a 2º menor (36,5), atrás apenas do estado do

Mato Grosso

% de Pessoas de 10

anos e mais que

sabem ler e escrever

23,65% A menor porcentagem do Brasil, sendo que entre a população

rural a porcentagem cai para 13,28% (a segunda pior posição

da população rural é do Maranhão, com 16,86) *Estimativa com base no decênio de 1/07/1940 a 30/06/1950

Fonte: BRASIL (1954 várias páginas; 1958, p. 11)

Organização: Fernando Silva (2017)

Feijão 6.075 6.050 4.445 2.414

Milho 14.857 13.310 15.306 14.420

*É preciso ressaltar que no decênio de 1950-60 foram instalados treze novos municípios na Região Canavieira de Alagoas

Fonte: BRASIL (1917; 1952; 1956; 1962)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Tabela 7 – Alagoas: Alguns números sobre emigração (1940-1950)

1940 1950

Saldo migratório negativo 74.773 140.575

% de natos de Alagoas fora da unidade da federação 16,81*

Número de nascidos em Alagoas vivendo em São Paulo 23.671 56.788

Número de nascidos em Alagoas vivendo em Pernambuco 43.622 60.387 *Tratava-se da 2ª maior porcentagem entre os estados brasileiros, atrás apenas do estado Rio de Janeiro.

Fonte: BRASIL (1955a; 1955b)

Organização: Fernando Silva (2017)

Na Região Canavieira, sem dúvida alguma, a pobreza se manifestava principalmente

no campo (este assunto será melhor tratado no próximo item). Em 1950, se no município da

capital apenas 13,54% dos domicílios eram rurais, e destes 39,51% tiveram a condição de

ocupação registrada como “outra condição”7, para os outros municípios da Região essas

porcentagens eram, respectivamente, de 79,28% e 79,74%. Isto quer dizer que,

provavelmente, 63,22% dos domicílios nos municípios do interior eram cedidos por

proprietários de engenhos e usinas, a maior parte no chamado “sistema de morada”. As

condições dos domicílios eram bastante precárias: 2,41% tinham energia elétrica, 1,86%

possuíam aparelho sanitário e somente 0,68% tinha água encanada (BRASIL, 1955a). Manuel

Correia de Andrade (1973 [1963], p. 123) relata que a maioria dessas casas era de palha, o

chão de terra batida e não dispunha de nenhuma instalação sanitária, o que contribuía para os

altos índices de mortalidade.

Para Milton Santos (2011 [2000], p. 54), como os processos de racionalização na

economia, na política e na sociedade eram ainda bastante limitados, a produção da riqueza e

da pobreza não podia ser imputada somente a eles. Era uma pobreza “[...] vista como

desadaptação local aos processos mais gerais de mudança, ou como inadaptação entre

condições naturais e condições sociais”, porque “a presença das técnicas, coladas ao território

ou inerentes à vida social era relativamente pouco expressiva, reduzindo, assim, a eficácia dos

processos racionalizadores porventura vigentes na vida econômica, cultural, social e política”.

Admitindo que o espaço geográfico oferece uma síntese privilegiada da incompletude

dos processos de racionalização então em curso, como compreender as soluções “[...]

privadas, assistencialistas, locais [...]” (SANTOS, 2011 [2000], p. 54) para a pobreza que,

algumas vezes, resultavam na construção de melhores habitações, escolas, ambulatórios etc.?

Visto que tais soluções eram, muitas vezes, resposta às lutas dos trabalhadores, não haveria aí

uma incipiente “racionalização por valores” (WEBER, 1999) do meio geográfico? A questão

7 Segundo a explicação metodológica do Censo (1950), abrange “outras formas de ocupação, como a cessão de

moradias a famílias de trabalhadores que freqüentemente ocorre nos meios rurais” (BRASIL, 1955a, p. XXI).

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é complexa, porque mesmo nessas situações sobressalta o problema da estrutura da

propriedade rural. Vale reproduzir a bem conhecida opinião de Celso Furtado (1964, pp. 141-

142) sobre a condição de morador na grande propriedade:

Na grande plantação, o homem que sai ou entra em sua casa está saindo ou

entrando em uma parte da propriedade. Assim, nenhum aspecto de sua vida

escapa ao sistema de normas que disciplina sua vida de trabalhador. Dessa

maneira, a experiência da vida prática não lhe permite se desenvolver como

cidadão e se conscientizar de sua responsabilidade a respeito do seu próprio

destino. Todos os atos de sua vida são atos de um agregado, de um elemento

cuja existência, em todos os seus aspectos, integra a grande unidade

econômico-social que é a plantação de cana. Aqueles homens têm pouca ou

nenhuma consciência de integrar um município ou um distrito, que são as

formas mais rudimentares de organização política; mesmo quando suas

habitações estejam grupadas em algum vilarejo, esta se encontra dentro de

uma ‘propriedade’, razão pela qual a vinculação impessoal com uma

autoridade pública perde nitidez frente à presença ofuscante da autoridade

privada.

Neste sentido, Tereza Sales (1992, p. 6), pensando especialmente nos trabalhadores

rurais das regiões canavieiras do Nordeste, fala em “cidadania concedida”, que estaria “[...]

vinculada, contraditoriamente, à não-cidadania do homem livre e pobre, que dependia dos

favores do senhor territorial, que detinha o monopólio privado do mando, para poder usufruir

dos direitos elementares de cidadania civil”. O ajustamento da modernização à manutenção da

grande propriedade, na opinião da autora, teria prolongado esse tipo de cidadania até os anos

1960, quando ocorreu de fato a proletarização do trabalhador rural e sua expulsão das grandes

propriedades.

Mais conhecido ainda é, certamente, o conceito de “cidadania regulada” de Wanderley

dos Santos (1979, p. 75 grifos nossos), proposto para “[...] entender a política econômico-

social pós-30, assim como fazer a passagem da esfera da acumulação para a esfera da

equidade [...]”. Segundo o autor, o conceito quer expressar que no caso do Brasil são

considerados “[...] cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram

localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei” e “[...] pré-

cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece”. Como bem notou Tereza

Sales (1992), o peso demasiado que o conceito de “cidadania regulada” conferiu às normas

ficou evidente quando Wanderley dos Santos, em texto posterior (1985), teve de dizer que

somente a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL rompeu com

a ordem regulada da cidadania brasileira.

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Não há dúvidas quanto à importância das normas, por isso, não seria de todo correto

igualar as situações das “profissões reguladas” àquelas do trabalhador rural no período pós-

30. Todavia, como construir uma “vinculação impessoal com uma autoridade pública” se

mesmo depois da regulamentação de algumas profissões a moradia e certos serviços

continuaram na propriedade ou na vila operária? Como a falta de regulação pesou (e ainda

pesa) na “ausência de cidadania” para alguns trabalhadores, e o quanto a vinculação pessoal

herdou das velhas estruturas sociais e se projetou nas políticas posteriores são questões

importantíssimas. Mas não se pode esquecer que a garantia de bens e recursos passa agora a

envolver um conjunto de objetos técnicos pensados para esse fim. Daí que o problema seja o

tipo de racionalização que se imporá ao espaço, se este terá ou não um sentido para a

sociedade.

Em síntese, podemos afirmar que uma parcela apreciável do comando sobre a

repartição da riqueza acabava por ficar na própria Região. Em outras palavras, o Estado não

assumia essa repartição na forma de bens e recursos tidos como públicos, até mesmo porque

isso envolveria um sistema de objetos técnicos conectados pela informação, desvinculados da

propriedade privada e, em alguma medida, valorizados pela sociedade.

1.4. A estrutura da propriedade no campo e a predominância da pobreza rural

A estrutura perversa da propriedade no campo, agravada pela criação de usinas

sequiosas por terra, é responsável, em larga medida, pela predominância das situações rurais

de pobreza. As condições favoráveis do mercado, a criação de ferrovias, a importação de

máquinas e equipamentos para produção e o refino do açúcar incompatíveis com a

produtividade agrícola, tudo isso contribuiu para uma maior concentração da propriedade

(ANDRADE, 1973 [1963], pp. 113-114; RAMOS, 1991).

Dos 22.276 estabelecimentos rurais que a Região Canavieira de Alagoas contabilizava

em 1950, 76,46% tinham área de menos de 10 hectares, mas ocupavam tão somente 5,70% da

área total. Por outro lado, os estabelecimentos de 500 hectares e mais, que representavam

1,86% do total, reuniam 53,57% da superfície total, isto é, mais da metade. Mesmo se

compararmos com os dados para Alagoas como um todo, a concentração mostrava-se elevada,

porque no Estado os estabelecimentos de menos de 10 hectares ocupavam uma área de 8,41%

e os proprietários dos maiores de 500 hectares possuíam 41,71% da área total (BRASIL,

1956; 1962).

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Vasconcelos Torres (1945), em estudo realizado na década de 1940 sobre as condições

de vida dos trabalhadores do setor canavieiro, constatou que tais condições, de maneira geral,

eram expressivamente piores no Nordeste em comparação com o Sudeste. Essa diferença se

manifestava na situação das habitações, na assistência médica e escolar fornecida pelas

empresas, nos salários e na alimentação. Ainda que o estudo não tenha incluído os estados de

Alagoas e Pernambuco, as diferenças de salários entre o Nordeste e o Sudeste são reveladoras

de como estava se dando a produção e a repartição da riqueza em cada uma das regiões.

Vejamos a tabela 8.

Tabela 8 – Brasil: Média de salário diário de um trabalhador de usina em alguns Estados (1942)

Estado Nº de usinas pesquisadas Média rural (Cr$) Média industrial (Cr$)

Rio de Janeiro 10 5,35 7,8

Minas Gerais 9 4,61 6,64

São Paulo 10 6,47 10,3

Bahia 10 3,2 4,65

Sergipe 9 3,56 4,89 Fonte: Torres (1945 pp. 129-139)

Organização: Fernando Silva (2017)

Tanto no setor industrial quanto no agrícola, a média salarial de um trabalhador

paulista chegava a alcançar mais que o dobro do que era pago a um trabalhador baiano ou

sergipano. Mesmo em relação aos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais as diferenças dos

estados nordestinos são consideráveis.

Para Alagoas, a referência que conseguimos vem da pesquisa de Humberto Bastos

(2010 [1938]), realizada na segunda metade da década de 1930. Embora o intervalo entre as

duas pesquisas não nos autorize a estabelecer comparações, Humberto Bastos (2010 [1938])

constatou que o salário de um trabalhador rural alagoano na época era igual e, às vezes, até

menor do que era pago na Paraíba, Bahia e Ceará. Desse modo, é correto supor que na década

de 1940 Alagoas estivesse em condições semelhantes às da Bahia e Sergipe.

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Tabela 9 – Alagoas: Preço da diária do trabalhador rural em alguns municípios da Região Canavieira

de Alagoas entre 1936 e 1937

Municípios Trabalhador de enxada Cortador de cana

Capela 3$000 2$500

Viçosa 2$000 2$000

Atalaia 3$000 2$500

S. José da Lage 2$500 2$500

Murici 3$000 3$000

S. Luzia do Norte 2$000 *

Porto Calvo 2$500 3$000

União dos Palmares 3$000 4$000

S. Miguel dos Campos 3$200 2$500

Porto de Pedras 2$500 2$000

*Sem informação

Fonte: Bastos (2010 [1938], pp. 104-106)

Organização: Fernando Silva (2017)

O salário variava conforme os períodos do ano, a disponibilidade de mão de obra e, até

mesmo, de acordo com o município (ainda que não de maneira expressiva, como demonstra a

tabela). Mas, no chamado “sistema de morada” o salário era somente um dos nexos de uma

relação complexa, que envolvia praticamente todos os aspectos da vida do trabalhador

(ANDRADE, 1973 [1963]; ANDRADE, 2010 [1968], pp. 134-135; PALMEIRA, 1977). A

casa, o barracão, o pedaço de terra para cultivar sintetizava na propriedade o controle das

condições de vida do morador. Neste sentido, o quadro 4 busca apresentar alguns dos

principais aspectos das situações de pobreza rurais na Região Canavieira de Alagoas no final

da década de 1930. Trata-se de uma síntese dos principais achados da pesquisa de Humberto

Bastos (2010 [1938]).

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Quadro 4: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador rural na Região Canavieira de Alagoas entre 1936 e 1937 segundo pesquisa do economista

Humberto Bastos

Informações sobre a pesquisa

Amostra da pesquisa 100 famílias

Municípios da pesquisa Atalaia, Murici e União dos Palmares

Relações de trabalho

Contrato "De boca"

Condições oferecidas pelos

proprietários

Pequeno pedaço de terra para construção de uma casa e cultivo de algumas lavouras temporárias (milho, feijão, fava, algodão

etc.)

Retribuição exigida pelo

proprietário

Exclusividade do trabalho; duas semanas de trabalho no mês "de graça"

Habitação

Características gerais da

habitação

Construída de palha ou de barro (com varas e taipa), geralmente com telhado de palha

Salário

Salário médio (diário) de

um trabalhador de enxada

3$000 (o salário varia bastante durante o ano. Para a mulher a média seria mais ou menos a metade, 1$500, e para os “menores”

chegaria até a menos da metade do que era paga às mulheres, ou seja, $500).

Variação do salário "É verdade também que, como varia de municipio para municipio, o valor do salário varia também de propriedade para

propriedade. Há usineiros que pagam mais e outros que pagam menos. Mesmo assim esses salarios, como é fácil imaginar, não

cobrem as despesas feitas" (p. 107).

Comparação do salário

médio com outros Estados

do Nordeste

Paraíba: entre 2$800 e 3$200; Ceará: entre 2$400 e 3$000; Bahia: chega até 3$500.

Consumo

Onde compra Bodega ou barracão do engenho/usina

Preços dos principais alimentos consumidos (preços de Maceió, nos barracões de usinas e engenhos o preço seria mais elevado)

Bacalhau (kg) 3$500

Farinha de mandioca (L) $800

Café de 2ª (kg) 2$800

Assucar mascavo (kg) 1$000

Feijão (L) 1$400

Carne do ceará (kg) 3$800

Outros consumos Roupa (chita, madapolão e o brim ordinário)

Alimento das crianças Mingau e garapa de açúcar bruto

Principais consequências da pobreza

Como faz em tempo de

diminuição do trabalho no

engenho/usina

Acumula dívida na bodega ou no barracão; “se vira” com suas pequenas produções

Medidas tomadas para

lutar contra a pobreza

(trabalhadores)

Principalmente emigram. Bastos constatou que em 1937 cerca de 300 famílias de uma fazenda de Murici haviam embarcado

para São Paulo

Medidas tomadas para

perpetuar a pobreza dos

trabalhadores

(proprietários)

Aumento temporário do salário (“Em 1937, porém, com a diminuição assustadora do trabalhador rural, houve usineiro que

elevou o salário para 6$000 e até 7$000 diarios. Passado o susto, a diaria desceu para a quantia normal e antiga” (p. 103));

"prender" o trabalhador à propriedade por meio de dívidas no barracão.

Principais conclusões da pesquisa

Relações de trabalho e

habitação

“Si viver 50 anos trabalhará por todo esse tempo duas semanas por mês sem receber um tostão. E não ha horario. O relogio é o

sol. Principia a tarefa ás 6 horas da manhã e termina ás 6 horas da tarde”. “[...] o proprietario teve trabalho sem dispender um

tostão [...] e continúa dono do pedaço de terra que “deu” ao caboclo... Está aí um detalhe do modo de viver do camponês” (pp.

94-95).

Salário “Um homem com a diaria de 3$000 como organizará êste orçamento?” (p. 96).

Consumo “Os mais energicos emigram. O que fica é um bagaço, osso de gente. Que será das novas gerações dos campos? Respondam os

estudiosos” (p. 98).

Fonte: Bastos (2010 [1938], pp. 93-110)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Como já mencionado no item anterior, as habitações apresentavam instalações

sanitárias desalentadoras, “[...] sendo os rios utilizados para o banho e as touceiras de mato

mais compactas, para o atendimento das necessidades fisiológicas” (ANDRADE, 1973 [1963]

p. 123). O salário era insuficiente até para uma alimentação de fome (CASTRO, 1961 [1946],

p. 49 e seguintes). Mesmo com o trabalho no roçado desenvolvido junto com a família, não

era possível sair dessa dieta de fome, e os outros consumos que porventura apareciam, como

no caso de vestimentas em épocas festivas, eram por demais restritos (BASTOS, 2010 [1938],

pp. 93-110).

Em períodos de aumento da emigração, “em um grande número de municípios

pernambucanos e alagoanos é com incrível procura que se consegue obter trabalhadores para

a faina rural. Os salários das bases militares e das fábricas de tecidos são mais elevados e as

perspectivas de melhores condições de vida são tentadoras” (TORRES, 1945, p. 40). Como

relatou Moreno Brandão (1936, p. 20 apud CARVALHO, 2015, p. 197):

A vida dos camponeses no interior de Alagoas explica essas diásporas

quotidianas. Como os operários rurais nem sempre se deixam submeter à

escravidão, nem vergar a cabeça às espoliações e aos ultrajes de que são

vítimas, emigram para a metrópole, em procura de melhorias que raros

encontram.

Dessa forma, restava ao trabalhador que pretendesse sair da condição de morador

poucas opções: trabalhar nos engenhos e usinas mas morar nas pequenas cidades do interior,

“onde não recebem qualquer assistência dos proprietários rurais [...]” (ANDRADE, 2010

[1968], p. 134) nem muito menos do Estado, ou migrar para Maceió ou para fora do estado.

Porém, fortemente condicionado pelas velhas estruturas sociais, o “sistema de morada”

prendia o trabalhador à propriedade por meio de dívidas e de repressão e, frequentemente,

essa “liberdade” de emigrar não estava à disposição de todos (ANDRADE, 1973 [1963], pp.

126-127; HEREDIA, 1988, p. 122).

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CAPÍTULO 2: A pobreza na Região Canavieira de Alagoas como Espaço Dividido

(1946-1980)

“Parece ser essencial distinguir atividade de ação. Pode-se dizer, sem a

análise do discurso, que existe um sistema de atividades, que está articulado

a um sistema técnico.

Todavia, isto é diferente da ação – a ação envolve sentido, envolve

desígnio”

Ana Clara Torres Ribeiro. Teorias da ação. (2014, pp. 78/183).

“O modelo político e o modelo cívico foram instrumentais ao modelo

econômico”.

Milton Santos. O espaço do cidadão. 2007 [1987] (p. 15).

o período pós-Segunda Guerra Mundial a pobreza terminou por ser, novamente,

uma das mais claras expressões dos novos processos de racionalização impostos à

sociedade e ao espaço na Região Canavieira de Alagoas. Às migrações, mais

volumosas e violentas, e ao crescimento populacional de Maceió, muito mais acelerado que

no período anterior, junta-se o crescimento, ainda que relativamente lento, de várias cidades

do interior. Assim, a pobreza se agrava tanto na capital como em um elenco de pequenas

cidades da Região. Em ambas as situações condicionadas pela perpetuação de uma estrutura

injusta da propriedade no campo, as cidades são chamadas a se adaptarem, não sem conflitos,

às formas de ocupação do espaço urbano possíveis a populações de baixíssimos rendimentos.

Isto somado à sazonalidade do trabalho nas usinas fazem avultar as formas de produção,

circulação e consumo dessas mesmas populações. As novas e velhas formas de manifestação

da pobreza são, desse modo, resultado do novo conteúdo social e geográfico da Região.

A maior dependência da produção açucareira alagoana do mercado interno, já desde as

primeiras décadas do século XX, aliada à pouca expressividade das ferrovias na Região,

requisitaram melhoras nos meios de transporte. Essas melhoras tornaram-se ainda mais

urgentes a partir das restrições impostas à navegação pela Segunda Guerra Mundial

(ANDRADE NETO, 1984, pp. 70-72). Mas, quando a circulação de mercadorias foi

facilitada, logo evidenciaram-se as fragilidades técnicas da produção regional e, desse modo,

novas racionalidades foram exigidas tanto na produção como nas relações sociais entre

usineiros e trabalhadores.

N

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Dessa forma, alarga-se a demanda por racionalidades. Essa demanda seria doravante

um dos principais nexos das relações entre os velhos e os novos sistemas de objetos e sistema

de ações. As novas racionalidades impostas ao meio geográfico regional possibilitaram a

ampliação sem precedentes da escala de produção das usinas, a exploração dos recursos

minerais da Região (especialmente sal-gema e calcário) e, com isso, avolumou-se a riqueza

produzida. Mas, o comando político sobre a distribuição social e espacial dessa riqueza passa

a escapar cada vez mais da Região, o que se reflete no esgotamento do “sistema de morada”,

no novo papel assumido pela rede urbana regional etc. A questão seria, então, como, quem e

de que forma se reparte a riqueza.

Essa questão, no contexto da crescente integração da Região Canavieira de Alagoas ao

mercado e ao território brasileiros (ANDRADE, 1997, p. 79 e seguintes; FURTADO, 2005

[1959]; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2011]), torna-se, sobretudo, política (FERNANDES,

1975, p. 13; BRANDÃO, 2004, p. 53; RAMOS, 1991). O Estado nacional acaba assumindo a

distribuição de alguns bens, serviços e recursos, tanto para conciliar os conflitos entre as

diversas produções regionais de açúcar, como para conciliar os conflitos entre usineiros e

trabalhadores. Isto ocorreu ao mesmo tempo em que esse Estado estava ocupado em viabilizar

uma racionalização do território brasileiro a partir de sistemas técnicos externos. Essa

racionalização se torna um convite, ora tácito ora explícito, à transferência de uma parcela do

comando sobre a vida regional para agentes externos privados.

Estaríamos em face de uma nova forma de penetração do capital internacional nos

países pobres (SANTOS, 2003 [1979], p. 29; IANNI, 1977, p. 276), que por ocorrer com a

colaboração do Estado deforma não só a estrutura da produção e do consumo, mas também

condiciona de inúmeras maneiras a oferta de recursos, bens e serviços coletivos (SANTOS,

2007 [1987]). O resultado é a formação de dois circuitos da economia nas cidades, o circuito

superior e o circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]). Embora estejam

ligados entre si através de relações de complementariedade e de concorrência, cada um dos

circuitos tem lógicas próprias e se relaciona de maneira particular com o Estado, com a

sociedade e com a cidade. No circuito superior, onde o consumo é movido pelas camadas

sociais de altos ingressos, as atividades econômicas são desenvolvidas com altos graus de

técnica, capital e organização, geralmente com o apoio do Estado. Por outro lado, as

atividades do circuito inferior são realizados com baixos níveis de técnica, capital e

organização, e sobrevivem apoiadas na dinâmica societária e nos níveis de consumo dos mais

empobrecidos da cidade. Esta, então, pode ser compreendida como um verdadeiro “Espaço

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Dividido”, evidenciado muito fortemente pela ausência de direitos sociais por parte da

população vinculada ao subsistema inferior da economia urbana.

Altera-se profundamente a dialética pretérita entre Estado – mercado e interno –

externo (SANTOS, 1997 [1988], pp. 95-101). Essa dialética se torna mais complexa, porque

mesmo no caso dos objetos e normas que atendem às solicitações políticas regionais

(inclusive dos trabalhadores do setor canavieiro), uma parte do comando político e das ações

que eles autorizam escapam ao controle da Região. Em outras palavras, as normas e os

objetos técnicos externos implantados localmente podem ter ou, no caso de representarem

interesses alheios, buscam impor um sentido à Região, mesmo que a sociedade local não os

tenha produzido nem os controle totalmente.

Se os novos objetos técnicos implantados na Região Canavieira de Alagoas, ainda que

muito restritos a alguns pontos, possibilitam um comando político por agentes externos, é

possível falar que pelos menos uma parcela do subsistema de objetos e ações locais coopera

com um sentido alheio. Mas, como pensar aqueles bens garantidos pelo Estado que resultam,

inclusive, de lutas políticas de trabalhadores, por exemplo? Esse Estado Ampliado

(GRAMSCI, 1978, p. 232) não envolveria agora, para garantir o resultado de tais lutas

políticas, vários sistemas técnicos que se misturariam ao aparato de dominação e às

instituições políticas?

Daí que uma possibilidade bastante fecunda de pensar as novas relações interno-

externo e Estado-mercado esteja na proposta do acontecer solidário apresentada por Milton

Santos (2009 [1996]). Trata-se de analisar o processo espacial a partir das qualidades dos

sistemas de ações e de objetos contemporâneos, racionalizados sob o capitalismo.

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2.1. A integração da Região Canavieira de Alagoas ao território nacional e sua nova

constituição como um acontecer homólogo

Aproximadamente a partir de 1945, a pobreza na Região Canavieira de Alagoas vai

deixando cada vez mais de constituir situações locais. Defendemos que entre as principais

causas responsáveis por isso estaria o fato de que o sistema de objetos e de ações que

cooperam localmente não mais teriam sua regulação e seu sentido dados somente por agentes

regionais.

Os mais de 180 quilômetros de ferrovias que subiram os vales açucareiros dos rios

Mundaú e Paraíba do Meio, o telégrafo e o porto de Maceió estabeleceram uma solidariedade

técnica restrita, acelerando a temporalidade da circulação somente entre algumas frações da

Região Canavieira alagoana. A disposição desses sistemas técnicos, resultado de disputas

regionais, logo revelou-se não somente insuficiente, mas também limitada para uma produção

açucareira que buscava cada vez mais se inserir no mercado interno, ainda que funcionasse

como proteção para outras produções regionais, como é o caso da produção têxtil por

exemplo.

Segundo explica Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 70-72), a Segunda Guerra

Mundial impôs restrições à exportação do açúcar alagoano para o Sudeste pelo mar. Isto levou

o Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA a autorizar a instalação de novas usinas no Sudeste, o

que para Pedro Ramos (1991, pp. 145-146) acabaria por levar ao fracasso definitivo a

tentativa desse Instituto de equilibrar produções açucareiras regionais tão díspares sem

considerar os conteúdos técnicos, econômicos e políticos dessas disparidades. Desfrutando de

condições técnicas e políticas mais favoráveis e de um contexto social menos conflituoso, a

produção paulista passou a se desenvolver impulsionada por um mercado contíguo e

volumoso, alavancando consigo a produção de equipamentos para usinas e influenciando a

produção de normas pelo IAA.

Para Milton Santos (2009 [1996]), à medida que as técnicas resultam em objetos

técnicos, e estes vão sendo acoplados ao meio geográfico, elas mesmas podem também ser

consideradas um meio. Mesmo que tais objetos funcionem em estreita harmonia com objetos

herdados da natureza (como no caso de muitas usinas e engenhos em Alagoas que tiveram de

continuar transportando seu açúcar por rios, ou por outros meios até a estação ferroviária mais

próxima), o importante é levar em conta as formas de cooperação que o novo meio,

incompletamente realizado, autoriza ou não.

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Pensando dessa maneira, podemos dizer para a situação em análise que a configuração

territorial (SANTOS, 1997 [1988], p. 75), isto é, a disposição do conjunto de objetos

existentes estava se impondo como uma verdadeira limitação às normas oficiais emitidas pelo

IAA. Isso não só indicava que novas normas jurídicas precisavam ser formuladas por essa

instituição para possibilitar, em alguma medida, o funcionamento concertado entre

subsistemas de ações de diversas regiões (como foi, aliás, a medida imediata tomada pelo

IAA); indicava mesmo a impossibilidade de alcançar um “desenvolvimento equilibrado”

diante de heranças sociais, culturais, econômicas e técnicas tão desiguais (RAMOS, 1991, p.

145).

Aprofunda-se, desse modo, a necessidade de uma maior integração da Região

Canavieira de Alagoas ao território nacional, para além da circulação de mercadorias e da

equiparação de normas (ANDRADE, 1997, pp. 53-76; IANNI, 1977, pp. 23-24; RAMOS,

1991). As complementaridades econômicas e políticas que essa Região já estabelecia,

principalmente com os estados do Sudeste, passam a exigir, cada vez mais, o funcionamento

concertado entre os sistemas de objetos e o sistema de ações (o que envolveria a articulação

crescente entre as normas e as técnicas) (ANDRADE, 1997; RAMOS, 1991).

Novas racionalidades terminariam por se impor ao meio geográfico regional com a

implantação de objetos técnicos aptos a assegurar o movimento mais rápido de pessoas e

mercadorias, assim como a circulação instantânea de informações por voz e texto. Agora

amparados por uma verdadeira “tecnoestrutura estatal” (IANNI, 1977, p. 25), que faz

convergir uma unicidade técnica, normativa e organizacional, e cujo nexo político-ideológico

é a ideia de desenvolvimento (SANTOS, 2003 [1979], p. 29), as rodovias, as linhas de

transmissão de energia elétrica partindo de Paulo Afonso, o novo sistema de telefonia e o

telex vêm juntar-se às ferrovias e ao telégrafo. Numa Região tão pobre, como seria orientada a

implantação de tais sistemas técnicos? A que tipo de cooperações econômicas e sociais

serviriam e quem comandaria os sentidos de tal cooperação?

Consideradas por Manuel Correia de Andrade (1981) como pré-requisitos para a

integração da economia do Nordeste às demais regiões brasileiras, as rodovias federais

reorientaram a circulação de pessoas e mercadorias na Região Canavieira de Alagoas a partir

da década de 1950. Viabilizadas pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagem –

DNER e impulsionadas principalmente pelo Plano de Reaparelhamento Econômico (1951-

1954) e pelo Plano de Metas (1956-1961) (IANNI, 1977, p. 153; XAVIER, 2011 [2001], p.

334), as rodovias BR – 101 (antiga BR – 11) e BR – 104 (antiga BR 10) cortaram a Região no

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sentido norte-sul, revelando no seu próprio traçado os objetivos geopolíticos do Estado

nacional.

Assim, no final de 1950 Alagoas já acusava 205 km de rodovias federais

pavimentadas, sendo quase metade na sua Região Canavieira. Essa cifra aumentou

modestamente para 254 km em 1969, saltou para 571 km em 1979 e atingiu 735 km no fim da

década de 1980 (BRASIL, 1970; 1980; 1990). Foram contempladas pelas rodovias algumas

velhas cidades açucareiras como Maceió, São Miguel dos Campos, Pilar, Rio Largo, Murici,

União dos Palmares e São José da Laje, assim como novas cidades surgiram ao longo das BR

– 101 e 104, como Teotônio Vilela, Joaquim Gomes, Novo Lino, Branquinha e Messias.

Se com a criação do Departamento de Viação e Obras Públicas em 1924 já se começa

a construir várias rodovias estaduais em Alagoas seguindo as especificações técnicas do

Ministério da Viação e Obras Públicas (SANT’ANA, 1970, pp. 312-313), é somente com o

impulso dado pelo Programa de Ação Governamental Integrada (1969-1971) e pelo Plano

Estadual de Desenvolvimento (1972-1975), agora com a viabilização técnico-organizacional

do Departamento de Estradas e Rodagem – DER (1966) e o apoio financeiro da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que grande parte dessas

rodovias ganha pavimentação (CABRAL, 2005, pp. 50-67). Assim, enquanto em 1969 havia

apenas 73 km de rodovias estaduais pavimentadas, do total de 2.273 km, esses números eram

respectivamente de 778 km e 1.964 km em 1979, e em 1989 Alagoas atingiu 1.231 km de

rodovias estaduais pavimentadas (BRASIL, 1970; 1980; 1990).

Essa nova possibilidade aberta à circulação era, no entanto, restrita, porque as estradas

municipais, apesar de constituírem ao final da década de 1980 77% dos 12.902 km de

rodovias que integravam o estado, tinham apenas 49 km do seu total com pavimentação.

Dessa forma, em larga medida as rodovias contribuíram para perpetuar a fraca articulação

entre as cidades da Região.

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Mapa 3 – Região Canavieira de Alagoas: Principais rodovias por década de conclusão da

pavimentação

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Para Luiz Cabral (2005, p. 62), as rodovias visavam beneficiar principalmente o setor

sucroalcooleiro, que necessitava escoar sua produção. Isto é verdade especialmente para o

caso dos municípios açucareiros da porção norte, como Porto Calvo, Maragogi, São Luís do

Quitunde etc., que não tinham sido contemplados pelo traçado das ferrovias. Mas, não se

pode, de forma alguma, equiparar essa situação ao que se passou no caso das ferrovias, já que

as rodovias autorizam acontecimentos que escapavam ao comando da Região (CORRÊA,

1992, pp. 108-110).

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Os objetos técnicos que seriam acoplados ao meio geográfico da Região Canavieira de

Alagoas a partir do decênio de 1950 para transmissão de energia elétrica também terminariam

modificando as relações pretéritas entre o interno e o externo que sustentavam o edifício

regional. Se o acesso à energia podia até então ser considerado um dos elementos principais

na concorrência local entre as fábricas têxteis e entre as usinas, já que as próprias empresas

produziam eletricidade (LESSA, 2013, p. 113; ANDRADE, 1997), doravante esse mesmo

acesso não garantiria vantagens importantes, porque agentes externos à Região também

poderiam utilizar tal eletricidade.

A criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) em 1945, assim

como da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (ELETROBRÁS) em 1961, completa, ao lado da

Companhia de Eletricidade de Alagoas (1961)8, o novo aparato normativo-institucional

necessário à integração de Alagoas ao sistema elétrico nacional (IANNI, 1977, p. 122;

CABRAL, 2005, p. 49).

Assim, se até o início da década de 1960 a oferta de energia elétrica nas cidades

alagoanas estava praticamente restrita a Maceió, através da Companhia Força e Luz Nordeste

do Brasil (CFLNB), empresa concessionária da American Foreign Power (AMFORP), ao

final dessa mesma década a energia elétrica estava disponível em todos os centros urbanos do

estado9. Tal rapidez foi viabilizada pelo Plano de Eletrificação do Estado de Alagoas (1959),

que encanava os anseios de industrialização que passou a guiar a construção de planos

estaduais para o setor elétrico, e não seria possível se a SUDENDE não tivesse entrado com

mais de 70% dos recursos (CABRAL, 2005, p. 36).

Cortando algumas porções do norte do estado de Alagoas no sentido leste – oeste,

partiu da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso uma Linha de Transmissão (LT) de 230 KV.

Garantiu-se a transmissão graças, ainda, à solidariedade técnica de treze subestações de 69 /

13.8 KV. Nove dessas subestações localizavam-se em municípios da Região Canavieira, a

saber: Maceió, Rio Largo, Viçosa, Capela, Atalaia, União dos Palmares, Matriz de

Camaragibe, Pilar e São Miguel dos Campos. A potência instalada na subestação de Maceió

representava, ao longo da década de 1970, cerca de 30% do total estadual e cerca de 40% do

total da Região Canavieira (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1975, pp. 180-182).

Desse modo, estamos diante de uma divisão do trabalho fortemente condicionada pela

rigidez dos sistemas técnicos elencados pelo Estado para produção, distribuição e transmissão

8 Em 1983 passou à denominação de Companhia Energética de Alagoas – CEAL.

9 Vide reportagem “Alagoas Eletrificada”. Jornal de Alagoas – Quarta Feira, 7 de maio de 1970.

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de energia elétrica, que coloca a Região Canavieira de Alagoas numa cooperação

praticamente obrigatória com outros subespaços nacionais (SANTOS e SILVEIRA, 2011

[2001], pp. 53-66). Ao mesmo tempo, o papel assumido pela CEAL na subtransmissão e

distribuição, comprando e revendendo energia da CHESF, possibilita a permanência nas mãos

de agentes regionais (especialmente do setor açucareiro) de certo comando político do setor

(CARVALHO, 2009, p. 53; MESTRE, 2015, p. 93).

No que se refere às novas possibilidades que o meio geográfico regional acabaria por

oferecer aos sistemas de ações externos, merecem destaque, sem dúvida alguma, os objetos

técnicos para comunicação à distância e circulação da informação em forma de texto. A partir

dos anos 1970, tais técnicas participariam “[...] vigorosamente do jogo entre separação

material das atividades e unificação organizacional dos comandos” (SANTOS e SILVEIRA,

2011 [2001], p. 67).

Invenção da década de 1870 (invenção de Bell em 1876), e introduzido no Brasil em

1883, o telefone começa sua história na Região Canavieira de Alagoas em 1927, quando foi

inaugurada a telefonia em Maceió. A partir daí a telefonia local evoluiu por aproximadamente

quatro décadas de maneira lenta e desconexa nas principais cidades da Região, como Maceió,

São Miguel dos Campos e União dos Palmares (CARVALHO, 2015, p. 197; MINISTÉRIO

DO INTERIOR, 1971, p. 48; MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1972, p. 27). As primeiras

possibilidades de conexão desses sistemas locais seriam abertas pela criação da Companhia

Telefônica de Alagoas - CTA (1958), mas daí em diante já estamos em face da integração da

telefonia alagoana ao sistema nacional.

Dessa forma, colaborando com os esforços do Conselho Nacional de

Telecomunicações – CONTEL (1961), através do Ministério das Comunicações (1967), a

CTA elaborou no final da década de 1960 o Projeto de Telecomunicações do Estado de

Alagoas, ativando com ele o sistema interurbano entre algumas cidades do estado (BARROS,

2005, p. 37)10. Em abril de 1970, antes mesmo de completar a execução desse Projeto, foi

inaugurada a conexão dos canais da CTA com o tronco de micro-ondas Norte/Nordeste da

Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A. – EMBRATEL (1962). Assim, enquanto

muitas cidades do interior da Região Canavieira ainda estavam sendo incorporadas lentamente

ao sistema interurbano, Maceió já se ligava ao Sistema de Discagem Direta – DDD. A

transformação da EMBRATEL (em 1972) e da CTA (em 1973), que passou a denominar-se

Telecomunicações de Alagoas S. A. – TELASA, em subsidiárias da Telecomunicações

10 Vide reportagem “Projeto de Telecomunicações do Estado”. Jornal de Alagoas – Quarta Feira, 8 de abril de

1970.

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Brasileiras S. A – TELEBRÁS (1972) completou o aparato normativo-organizacional

necessário à circulação rápida de voz entre a Região Canavieira de Alagoas e as demais.

O número de telefones instalados em Alagoas passa de 7.100 em 1970 para 72.434 em

1991. No mesmo intervalo, a relação do número de habitantes para cada telefone passou de

223,67 para 34,71. O maior crescimento foi entre 1970-80, quando a relação

habitantes/telefone despencou de 223,67 para 46,35. Em todo o período a disponibilidade de

telefones permanece bem abaixo da média brasileira e nordestina, que iniciam a década de

1990, respectivamente, com cerca de 10 e de 15 habitantes por telefone (BRASIL, 1970;

1980; 1992). A situação é agravada em Alagoas porque, embora inicialmente as diferenças

entre a capital e o interior tenham diminuído, Maceió sempre concentrou entre 60% e 70% do

total de telefones instalados.

A participação de Alagoas no novo aparato normativo-organizacional para as

telecomunicações teve como uma das principais consequências a diminuição do lapso de

tempo entre a chegada de uma nova técnica nas regiões mais industrializadas do País e na

Região Canavieira alagoana. Desse modo, o telex, que chegou ao Brasil em 1957, foi

instalado em Maceió já em 1971 (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1975, p. 196).

Com a conexão dos terminais de Maceió à Rede Nacional de Telex, criada em 1973

pela Embratel (SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001], p. 67), estariam abertas as possibilidades

político-geográficas para que empresas sediadas nos diversos estados do Brasil ou no

estrangeiro que se instalassem na Região fizessem circular facilmente documentos com suas

respectivas sedes. Por isso, na opinião de Helena Kohn Cordeiro e Denise Aparecida Bovo

(1990, p. 108), como “[...] o telex é usado quase que exclusivamente para negócios”, diferente

do que ocorre com o telégrafo e o telefone, ele “abre o espaço regional às influências

exógenas, reduzindo sua autonomia”.

Em 1975, na Região Canavieira de Alagoas, havia terminais de telex ativados somente

em Maceió. Revelando uma tendência nacional de aumento do número de terminais nas

pequenas cidades, sobretudo no Nordeste, no ano de 1986 mais seis cidades haviam sido

contempladas: União dos Palmares, Rio Largo, Murici, Matriz de Camaragibe, Porto Calvo e

São Miguel dos Campos. Nestas últimas cidades, todos os terminais estavam conectados a

centrais locais e, desse modo, realizavam chamadas por meio da central de comutação da

capital. Mas, mesmo em Maceió tratava-se de uma central sem trânsito, que necessitava de

Recife para transmitir e receber mensagens escritas para outros pontos do território brasileiro

(CORDEIRO; BOVO, 1990, p. 117).

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Em síntese, podemos afirmar que o novo meio geográfico regional estaria apto a

assegurar novas complementaridades locais campo-cidade e mesmo entre as próprias cidades

(ainda que de forma mais restrita), o que, em larga medida, terminaria atendendo às

necessidades dos usineiros da Região. Mas, ao mesmo tempo, novas possibilidades foram

abertas aos sistemas de ações externos, ou seja, estavam dadas as condições para que tais

sistemas se concretizassem localmente com certa precisão.

No limite, diríamos que estamos na presença da imposição/adoção sistemática de um

parâmetro externo não somente no âmbito da economia, da política, da sociedade, mas do

próprio espaço geográfico (PRADO JÚNIOR, 1975; FLORESTAN, 1975; SANTOS, 2008

[1975], pp. 293-305; SOUZA, 2000; BRANDÃO, 2004, pp. 85-86). Isto significa que

doravante não seriam apenas as populações que não se sujeitassem/acompanhassem o

parâmetro ocidental que empobreceriam (SOUZA, 2000, p. 266), mas os próprios lugares e

regiões estruturados por tais populações terminariam por ser desvalorizados e, portanto,

conheceriam situações de pobreza.

Por essas razões, as racionalizações impostas ao meio geográfico da Região

Canavieira de Alagoas podem ser vistas, ao mesmo tempo, como causa e consequência da

exigência de novas racionalidades na economia, na política e na sociedade.

Dependentes de uma matéria-prima oriunda de produtores que haviam incorporado

diferentes graus de técnica ao processo agrícola, estando o cultivo na maioria das situações

ainda sujeito aos tempos da natureza, e dependentes também dos esporádicos crescimentos do

mercado externo para expandir a produção, as fábricas têxteis se veem agora diante da

exigência de um novo patamar técnico-organizacional na produção (ANDRADE, 1973

[1963], p. 102; LESSA, 2013, p. 179; TENÓRIO, 2013). Desse modo, as condições regionais

que haviam num momento anterior assegurado o baixo custo da produção, a partir da segunda

metade do século XX vão se colocar como um verdadeiro empecilho à adaptação das fábricas

têxteis (OLIVEIRA, 1993, p. 47). Ainda que as relações de trabalho na indústria já tivessem

sido reguladas antes disso, até então na equação de lucros das empresas ainda continuava a

pesar bastante fatores ligados às especificidades regionais.

Com a constituição de um mercado propriamente nacional, momento a partir do qual a

organização da produção e do trabalho vigente no Sudeste do País passa a servir como

parâmetro para as demais regiões, assiste-se, então, à decadência da indústria têxtil e da

produção de algodão em Alagoas. O número de pessoas ocupadas nos estabelecimentos

industriais desse setor no estado despencou de 8.714 em 1960 para 2.669 em 1980 (BRASIL,

1960; 1984). As populações das vilas operárias agora habitariam especialmente as cidades da

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Região Canavieira (TENÓRIO, 2013, p. 73). Tudo isso ocorre em meio a disputas políticas

regionais entre agentes do setor canavieiro e do têxtil (TENÓRIO, 1995), mas está claro que a

questão de fundo não é preponderantemente setorial. Trata-se de uma questão socioespacial.

Por isso, a demanda por racionalidades acabaria transformando também as situações de

pobreza no campo.

Segundo Joaquim de Andrade Neto (1984, p. 82), no pós-Segunda Guerra Mundial a

expansão dos preços do açúcar no mercado internacional e as facilidades trazidas às usinas

pelas estradas levaram à expansão da área cultivada de cana em Alagoas, “[...] medida que se

traduziu na tomada do sítio ao trabalhador ou na substancial diminuição dos mesmos [...]”. Os

tabuleiros, antes considerados impróprios para o cultivo da cana, passariam a ser a principal

área de expansão canavieira e, quando houvesse recursos financeiros, tal fato alteraria

profundamente a geografia do entorno de São Miguel dos Campos. Tinha ganhado impulso,

então, um gradativo processo de proletarização do trabalhador rural, porque à proporção que

“[...] a área cultivada com cana vai aumentando e os proprietários não só restringem os sítios

dos moradores, tirando-lhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis

dias de serviço por semana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem

dos seus roçados” (ANDRADE, 1973 [1963], p. 123).

Mas, não apenas isso contribuiria para transformar as velhas relações sociais na qual

originou-se a “cidadania concedida” (SALES, 1992). A construção das rodovias federais e a

expansão da produção no Sudeste não tardaram a revelar as deficiências técnicas do processo

agrícola em Alagoas, assim como as “irracionalidades” econômicas do chamado “sistema de

morada” (PALMEIRA, 1977; ANDRADE, 1973 [1963]). Dessa forma, na leitura dos

usineiros alagoanos duas principais medidas seriam necessárias: 1) aprimorar os diversos

aspectos do processo agrícola (aproveitamento do solo, planejamento das safras, etc.); e 2)

evitar “[...] as táticas oficiais, que, manhosamente, vão transferindo para a alçada das

empresas, certas obrigações de caráter marcadamente sociais, escusando-se o poder público

de exercitar a sua função tutelar, para exigi-la de entidades de finalidade econômica,

impróprias, portanto, para essa atuação” (LOUREIRO, 1970, p. 34).

Os trabalhadores/moradores passam a ser expulsos das propriedades e, desse modo,

intensificam-se os conflitos. Para Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 84-86), esse processo,

que na Região Canavieira de Alagoas foi maior do que em Pernambuco, teve três

consequências principais: 1) diminuição expressiva da oferta de alimento nas cidades; 2)

crescimento dos pequenos centros urbanos da Região, pois estes passaram a abrigar os

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trabalhadores das usinas; e 3) diminuição expressiva dos padrões de alimentação do

trabalhador, que agora dependeriam exclusivamente do salário.

Buscando apresentar algumas das principais implicações das novas racionalizações do

meio geográfico regional para o fenômeno da pobreza, o quadro 5 traz uma síntese da

pesquisa “Situação sócioeconômica em áreas da zona canavieira de Pernambuco e Alagôas”

(AZEVÊDO, CALDAS E CHACON, 1972), coordenada pelo Instituto Joaquim Nabuco de

Pesquisas Sociais. Os dados de campo da pesquisa foram coletados no início da década de

1970, momento oportuno para perceber como a pobreza estava se transformando, e em

Alagoas foram investigadas as condições de vida de trabalhadores/moradores dos setores

industrial e agrícola de três usinas. Além dos aspectos “relações de trabalho”, “habitação”,

“rendimentos” e “consumo” já pontuados nos quadros anteriores (quadros 2 e 4), incluímos

também a “previdência social”, que constitui a principal novidade do período.

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Quadro 5: alguns aspectos da condição de vida do trabalhador/morador na Região Canavieira de Alagoas a partir de três usinas em 1971, segundo pesquisa do

Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

Informações sobre a pesquisa

Amostra da pesquisa 838 famílias, sendo 660 chefiadas por trabalhadores do setor agrícola e 178

chefiadas por trabalhadores do setor industrial

Usinas que serviram de amostra para a pesquisa Usina Cachoeira do Mirim (município de Maceió); usina Conceição do Peixe

(município de Flexeiras) e usina Santo Antonio (município de São Luís do

Quitunde)

Relações de trabalho

Contrato A maioria era regido pelo Estatuto do Trabalhador Rural

Condições oferecidas pelos proprietários Habitação, assistência médica, auxílios e donativos e, às vezes, possibilidade

de cultivar alimentos (p. 132).

Habitação

Regime de ocupação Mais de 99% das habitações eram cedidas

Estado de conservação Mais de 73% das habitações estavam mal conservadas

Material do piso, parede e cobertura Cerca de 70% das habitações tinham piso de chão batido; 81% tinham parede

de taipa e 71% eram cobertas de telha (mas ainda existia mais de 27%

cobertas de palha, sobretudo dos trabalhadores do setor agrícola).

Esgoto e procedência da água 77% das casas dispunham apenas do “mato” para necessidades fisiológicas

dos moradores e 58% utilizavam água do rio.

Rendimentos

Renda per capita (Cr$) A renda familiar média per capita era de Cr$ 38,29, sendo de Cr$ 50,46 para

os trabalhadores do setor industrial e Cr$ 34,57 para os trabalhadores do setor

industrial

Consumo

Principais gêneros alimentícios consumidos

Farinha

Banana

Açúcar

Café

Feijão

Laranja

Xarque

Pão

% dos rendimentos gastos com alimentação Em média 73,26% da renda era destinada à aquisição de alimentos, média que

chegava a 76,5% no caso dos trabalhadores do setor agrícola e caía para

67,3% no caso dos trabalhadores do setor industrial. Vale registrar que entre

as menores faixas de renda per capita (em média Cr$ 8,25) os gastos com

alimentação ultrapassavam os 100%.

Previdência social

Contribuição para o INPS (especialmente FUNRURAL) Em torno de 98% dos trabalhadores industriais e 62% dos trabalhadores

agrícolas contribuíam para a previdência. “A quase totalidade dos

trabalhadores, em ambas as áreas, contribui porém para o INPS, através do

FUNRURAL” (p. 172).

Principais consequências da pobreza

Principais medidas que os trabalhadores pretendem tomar contra a pobreza “A maioria veio de perto, porque não dispõe de condições para pretender ir

longe, almejando em geral a próxima cidade de Maceió como sua provável

esperança de êxodo, ficando o próprio Recife numa posição muito inferior,

apesar da distância não ser grande, nem os transportes difíceis” (p. 178).

“Com seu baixo nível de qualificação, suas aspirações de mobilidade vertical

surgem também precárias: a quase totalidade não deseja mudar de profissão,

até quando ela se apresenta a mais desqualificada possível, no manuseio

primitivo da terra. São poucos os especializados (motoristas, mecânico,

tratorista, operário em geral), o que evidencia um muito restrito mercado de

trabalho, que não pode enfim desportar bastante emulação. Quase todos

recebem a paga semanalmente, na clássica sexta-feira, quando a destinam ao

escasso consumo antes descrito, completando o círculo vicioso da sua vida

sem horizontes [...]” (p. 181).

Principais conclusões da pesquisa

Relações de trabalho e habitação “Frise-se que os complementos indiretos de renda, em especial no que tange à

habitação e assistência médica, concentram-se, qualitativa e

quantitativamente, em benefício dos trabalhadores industriais, diminuindo à

medida que se deslocam à periferia rural” (p. 133).

“Quase tôdas as residências colhem sua água no rio, o que explica, em grande

parte a persistência das endemias rurais, dada a poluição industrial, além do

natural deslizamento subterrâneo dos excrementos despejados em geral nas

proximidades fluviais. Também se pode suspeitar da contaminação dos poços,

uma vez que a rotação de abastecimento e dejetos se efetua num cômodo

circuito nas imediações das casas” (p. 159).

Renda per capita e consumo “Inexiste oferta suficiente e regular de alimentos, tanto ao nível de produção

quanto de comercialização, seja por conta da dedicação quase exclusiva dos

campos ao cultivo extensivo da cana-de-açúcar, seja por causa do pouco

atrativo que oferece tão frágil demanda de alimentos; as limitações de renda

impedem também a importação provinda doutras áreas”

“A referida demanda de alimentos, embora absorva parte substancial dos

rendimentos, restringe-se ao mínimo, por conta da baixa renda per capita” (p.

155). Fonte: Azevêdo, Caldas e Chacon (1972, pp. 110-186)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Em relação ao período anterior, o quadro revela permanências e transformações, tanto

nas causas como nas formas de manifestação da pobreza. A pequena proteção social e o

pedaço de terra para cultivar fornecidos pelos proprietários de usinas e engenhos aos

trabalhadores rurais tendiam a desaparecer das relações de trabalho. As habitações

continuavam a apresentar péssimas condições sanitárias, e o baixo nível dos rendimentos,

como antes, prendia o trabalhador rural ao barracão. Mas, agora uma parte dos trabalhadores

tinha suas relações com os proprietários reguladas pelo Estatuto do Trabalhador Rural (1963),

assim como contribuía para a Previdência Social.

Nessas condições, permanecer no campo implicaria um empobrecimento cada vez

maior. À semelhança do que ocorria antes, uma estrutura de propriedade extremamente

injusta estaria entre as principais causas da pobreza, mas a diferença é que o comando sobre

os diversos aspectos da vida do trabalhador não mais seria dado pelos limites da propriedade

(ANDRADE, 1997; HEREDIA, 1988). Podemos assegurar que estamos em face do

surgimento de situações complexas de pobreza, relacionadas diretamente à maneira como

cooperam os sistemas de objetos e de ações regionais.

Ao propor sua explicação para o processo de mudança das ações sociais sob o

capitalismo a partir do conceito de racionalidade, compreendendo a ação social como sendo

inescapavelmente dotada de um sentido, Max Weber (1999, p. 5) explicava como poderíamos

considerar as diferentes classes de objetos:

Todo artefato, uma máquina por exemplo, somente pode ser interpretado e

compreendido a partir do sentido que a ação humana (com finalidades

possivelmente muito diversas) proporcionou (ou pretendeu proporcionar) à

sua produção e utilização; sem o recurso a esse sentido permanecerá

inteiramente incompreensível. O compreensível nele é, portanto, sua

referência à ação humana, seja como “meio” seja como “fim” concebido

pelo agente ou pelos agentes e que orienta suas ações (grifo no original).

Mas o que dizer quando o que serve como “meio” ou “fim” à racionalidade do outro é

o próprio meio geográfico de uma região? Ou melhor, na situação em análise, não seria a

própria Região que estaria sendo chamada a cooperar com um sentido alheio, já que a

racionalidade externa busca se inscrever tanto nos sistemas de objetos como nos sistemas de

ações?

Para Milton Santos (2009 [1996], pp. 290-294), a tese (como vimos, defendida por ele

mesmo) de que existe uma racionalidade do próprio espaço geográfico só pode ser aceita se

este for considerado como um híbrido de objetos e ações, sendo a racionalidade dos objetos

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condição sine qua non para a racionalidade das ações, e vice versa. Por isso, “[...] a realidade

do “espaço racional” não seria possível sem que a técnica se desse tal como ela hoje se dá,

isto é, como “técnica informacional”” (grifo no original). Sem os objetos informacionais,

como vimos no capítulo 1, foi possível implantar uma racionalidade técnica europeia em

várias regiões da periferia capitalista, mas o controle sobre a disposição e o uso dos objetos

técnicos ainda ficava, em grande medida, nas próprias regiões. Não havia grandes

possibilidades para a circulação da informação à longa distância. Por isto, tal racionalidade

acabava sendo bastante limitada, tanto social como geograficamente.

Segundo Milton Santos (1994, p. 17; 2009 [1996], pp. 143-168), uma possibilidade de

pensar a materialidade e imaterialidade de maneira indissociável na geografia, a partir da

teoria da ação social (RIBEIRO, 2014), é dada pela teoria do evento. Os eventos,

obrigatoriamente, colocam em cooperação objetos e ações: uma manifestação contra um

governo, um congresso acadêmico, ou outro evento qualquer, todos ocorrem num espaço-

tempo específico. Para o autor, o processo de racionalização do espaço geográfico tornou

possível também colocar em cooperação regiões até mesmo distantes umas das outras,

sobretudo a partir das tecnologias da comunicação e informação. Neste caso da cooperação

entre diferentes subespaços, que implica assegurar a solidariedade ao mesmo tempo dos

objetos e das ações, seria possível falar de um acontecer solidário.

Levando em conta os fundamentos dessa cooperação (a contiguidade ou a

organização), assim como as variáveis do espaço que possibilitam que ela ocorra (as técnicas

e as normas), Milton Santos (2009 [1996], pp. 166-168) aponta três formas de acontecer

solidário no território: homólogo, complementar e hierárquico. Se os sentidos da cooperação

são dados e/ou incorporados localmente, temos o acontecer homólogo ou complementar, mas

quando ele é imposto de fora trata-se do acontecer hierárquico. O autor explica que

Numa região agrícola, esse acontecer solidário é homólogo. Mas, numa

mesma cidade, dominada por uma mesma produção industrial, é possível

identificar esse acontecer homólogo. Nas relações entre a cidade e o campo,

ele é complementar como também, nas relações interurbanas. E há, também,

o acontecer hierárquico, resultante das ordens e da informação provenientes

de um lugar e realizando-se em um outro, como trabalho (SANTOS, 2009

[1996], p. 166).

De fato, com o advento das técnicas da informação podemos dizer que estamos na

presença da imposição à Região Canavieira de Alagoas de uma racionalidade externa. Por

isso, o comando sobre a produção e distribuição da riqueza tende a escapar, cada vez mais,

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dos agentes locais. Como a Região tende a empobrecer porque uma parcela expressiva dos

seus sistemas de objetos e sistemas de ações busca cooperar com um sentido alheio, podemos

doravante defini-la como um acontecer homólogo.

Dessa forma, a nova etapa de penetração do capital a partir da ideia de

desenvolvimento (SANTOS, 2003 [1979], p. 29; MARTTELART, 1994), no pós-Segunda

Guerra Mundial, se dá por meio da imposição sistemática de uma racionalidade externa que

intenta alcançar, simultaneamente, os sistemas de objetos e os sistemas de ações. De todas as

formas possíveis, as regiões seriam pressionadas a cooperar com essa racionalidade alheia, e

as regiões e lugares que ficassem de fora (não só pela seletividade do processo, mas também

pela falta de sentido do mesmo para a maior parte das populações) seriam desvalorizados,

suas populações reprimidas ou, no melhor dos casos, “ajudadas” a acompanhar o ritmo da

modernização. A pobreza daí resultante não poderia ser mais perversa, porque além de se

manifestar numa repartição social e geográfica extremamente injusta da riqueza, se verificaria

também na desvalorização e repressão das formas de trabalho dos pobres (SANTOS, 2008

[1975]; CACCIAMALI, 1991; TELLES, 1992; SILVEIRA, 2004).

Daí em diante, portanto, a pobreza na Região Canavieira de Alagoas resultaria, em

grande medida, da “[...] tendência à racionalização das atividades [...]” a partir de um

comando e de uma organização concentrados (SANTOS, 2009 [1996], p. 167), que leva a

Região a servir como “meio” para uma racionalidade instrumental alheia. É o acontecer

hierárquico, que une a racionalidade instrumental das ações (WEBER, 1999, p. 15) à

racionalidade instrumental dos objetos (SANTOS, 2009 [1996], p. 292). Mas, como pensar os

bens, recursos e serviços cuja distribuição o Estado é levado a assumir para garantir a

cooperação entre a produção açucareira da Região Canavieira alagoana e das demais regiões,

assim como entre os trabalhadores e usineiros?

A tese que defendemos, a ser melhor desenvolvida no próximo item e na segunda

parte do trabalho, é a de que com a racionalização do espaço a cooperação entre as diversas

regiões brasileiras implica também em um acontecer político-institucional, isto é, a ação

racional conduzida por valores (WEBER, 1999, p. 15; GRAMSCI, 1976), que no limite

confere coerência a uma sociedade racionalizada sob o capitalismo, passa a ser indissociável

dos sistemas de objetos.

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2.2. A valorização de sistemas de objetos e ações externos: a proposta do acontecer político-

institucional

Tanto a aceleração da demanda por racionalidades no campo, como a necessidade de

uma racionalidade de outro tipo para contornar os conflitos que não tardaram a aparecer entre

os diversos agentes sociais, ambas passam a contribuir, cada uma de maneira específica, para

uma nova forma de apropriação e distribuição social e geográfica da riqueza na Região

Canavieira de Alagoas. Esses processos resultariam em migrações muito mais volumosas que

no período anterior para o Sudeste, em migrações campo-cidade e mesmo entre as próprias

cidades da Região. Por essas e outras razões, que serão melhor apresentadas daqui em diante,

pensamos ser correto afirmar que a reprodução da pobreza encontra suas causas também em

um acontecer político-institucional.

Para Milton Santos (2008 [1994], pp. 69-75; 2009 [1996], pp. 304-310), o processo de

racionalização do espaço geográfico no campo guarda diferenças consideráveis em relação ao

que ocorre nas cidades. Tais diferenças se relacionam, essencialmente, à especificidade da

estrutura da propriedade em cada caso, à maior rigidez dos objetos técnicos que passam a

constituir as cidades no período atual, assim como à tendência à maior concentração

populacional nas cidades. Por essas razões, de maneira geral “o campo pode adaptar-se mais

rapidamente às mudanças de uso, segundo os produtos, desde que haja recursos de capital e

inteligência” (2008 [1994], p. 70). Como tanto o campo como a cidade acabam se

subordinando a uma mesma lógica externa, é importante também compreender como são

costuradas as novas relações entre os dois.

Podemos afirmar que na Região Canavieira de Alagoas a imposição de racionalidades

ao campo encontrava três principais obstáculos, intimamente relacionados entre si: 1) as

relações sociais entre usineiros ou donos de engenho com trabalhadores/moradores, pequenos

proprietários e arrendatários; 2) a estrutura concentrada da propriedade; e 3) a escassez de

recursos financeiros (ANDRADE, 1973 [1963]; 1997; HEREDIA, 1988).

Conforme o relato de Manuel Correia de Andrade (1973 [1963], p. 127), a expansão

dos canaviais das grandes usinas para as terras antes ocupadas com culturas alimentares, ou

mesmo com cana de pequenos e médios arrendatários, levou ao surgimento de inúmeros

conflitos e de uma forte organização política em torno das Ligas Camponesas em Pernambuco

(1962). Moacir Palmeira (1963) constatou que, infelizmente, as Ligas não tiveram grande

repercussão em Alagoas, por conta da repressão violenta dos proprietários de terra.

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As lutas resultaram na promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei 4.214 de

1963), que garantiu vários direitos sociais ao trabalhador do campo11. Entretanto, medidas que

visavam à Reforma Agrária, uma das principais pautas das Ligas Camponesas, não foram

levadas adiante, como foi o caso das propostas do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento

do Nordeste – GTDN (1958)12 e do Grupo Especial para a Racionalização da Agroindústria

Canavieira no Nordeste – GERAN (criado pelo Decreto 59.033-A de 1966).

Se por razões fortemente regionais acabou não se organizando um movimento político

nas usinas e engenhos alagoanos, os usineiros locais não podiam, até certo ponto, controlar as

consequências que teriam para sua equação de lucro as novas garantias feitas pelo Estado aos

trabalhadores rurais. Neste sentido, podemos mencionar especialmente o direito à Previdência

Social. O número de segurados do Instituto Nacional da Previdência em Alagoas era de

apenas 68.303 em 1969, ano em que o número de benefícios concedidos foi de 16.655,

enquanto havia 23.637 benefícios em manutenção. Menos de vinte anos depois, em 1987,

essas cifras tinham aumentado para, respectivamente, 312.817, 39.094 e 224.348 (BRASIL,

1970; 1988).

Como mostrou Joaquim de Andrade Neto (1984, p. 83) para a situação da Região

Canavieira de Alagoas, o Estatuto do Trabalhador Rural acabou por ter consequências

contraditórias: se por um lado garantia direitos sociais importantíssimos ao trabalhador do

campo, por outro acelerou a expulsão dos moradores das terras das usinas e engenhos, uma

vez que os proprietários passaram a evitar encargos sociais e a fiscalização da Justiça do

Trabalho.

Dessa forma, os novos processos de racionalização (que são, ao mesmo tempo, sociais,

políticos e geográficos) colocados entre usineiros e trabalhadores contribuíram para elevar a

um novo patamar o fenômeno migratório na Região. Segundo os dados da tabela 10, entre as

décadas de 1960 e 1980, a emigração em Alagoas apresentou os números mais elevados de

toda a sua história. Entre 1970 e 1980, por exemplo, o saldo migratório total no estado foi de -

182.025, sendo que para o campo chegou a mais que o dobro disto (-369.991).

11 Com o Estatuto do Trabalhador Rural os trabalhadores rurais passaram a ter direito ao salário mínimo, a férias

remuneradas, ao 13º salário, à Previdência Social etc.

12 Foi no âmbito do GTDN, sob a liderança de Celso Furtado, onde surgiram as propostas de desenvolvimento

econômico para a Região Nordeste que deram origem à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –

SUDENE.

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83

Tabela 10 – Alagoas: Estimativa de saldo migratório(1960-2010)

Período Saldo migratório rural Saldo migratório urbano Saldo migratório total

1960/70 -216.975 92.897 -124.078

1970/80 -369.991 187.966 -182.025

1980/90 -132.021 81.430 -50.591

1991/2000 x x -71.983

2000/2010 x x -76.717 X – Não conseguimos dados.

Fonte: Carvalho e Garcia (2002, pp. 35-37; pp. 128-130; pp. 224-226) e Oliveira, Ervatti e O'Neill (2011, sem

página)

Organização: Fernando Silva (2017)

Novas relações começam a se estabelecer entre o campo e as cidades, porque agora

uma parcela expressiva dos fluxos migratórios destina-se não somente à cidade de Maceió,

mas também às pequenas cidades da própria Região. Nestas últimas, como mostra a tabela 11,

a porcentagem de população urbana, assim como o quantitativo total de população vivendo

nas cidades, crescem de maneira sustentada depois de 1970.

Tabela 11 – Região Canavieira de Alagoas: grau de urbanização (1970-2010)

Região Canavieira (sem Maceió)

Total Urbana % Urbana

1970 601.037 171.294 28,50%

1980 826.188 308.477 37,34%*

1991 984.651 485.502 49,31%**

2000 1.051.304 640.396 60,91%***

2010 1.154.242 805.258 69,77%****

Maceió

Total Urbana % Urbana

1970 263.670 251.713 95,47%

1980 399.300 392.265 98,24%

1991 629.041 583.343 92,74%

2000 797.759 795.804 99,75%

2010 932.748 932.129 99,93% * 6 novos municípios foram incorporados à Região em relação à década de 1970 pela expansão da plantação de

cana

** 1 novo município foi incorporado à Região por emancipação

***2 novos municípios foram incorporados à Região por emancipação

**** 1 novo município foi incorporado à Região por emancipação

Fonte: BRASIL (1972; 1982; 1991, 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

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É importante observar que entre 1970 e 1980 as pequenas cidades da Região acusaram

um aumento percentual da população urbana maior até mesmo que o de Maceió: enquanto

elas cresceram 80,09% a capital cresceu 57,54%. Mas o ritmo da urbanização nos demais

decênios foi sempre mais lento no interior, pois aí a população urbana alcançou apenas

60,91% do total no final do milênio, momento em que Maceió registrava tão somente 0,25%

de população rural. Tanto isso como a emigração têm a ver não apenas com a forma que os

trabalhadores rurais são integrados aos direitos sociais (ainda que muito parcialmente, como

veremos melhor nos próximos itens deste capítulo), mas também com o modo como os

usineiros e a estrutura de propriedade regionais passam a figurar no quadro nacional.

Na década de 1960, de acordo com a explicação de Pedro Ramos (1991), a expansão

do mercado internacional para o açúcar brasileiro, somada à necessidade de conciliar os

interesses dos usineiros do Nordeste e do Sudeste, levaram o Estado a eleger a adequação da

produção no setor a um parâmetro técnico externo como uma meta a ser perseguida pela

política econômica nacional. Por isso, esse setor acaba por conhecer profundas

transformações na sua dialética pretérita Estado-mercado. Como se não bastasse o impacto,

por demais negativo, da produção canavieira na estrutura da produção e do consumo

(especialmente com a tomada dos sítios dos trabalhadores rurais por parte dos usineiros para

plantarem cana), agora tratava-se também de mobilizar esforços coletivos e justificar o uso do

excedente gerado socialmente para “racionalizar” a produção canavieira.

Por isso, estamos autorizados a dizer que a valorização de sistemas técnicos alheios

aos quadros nacionais condicionaria, de inúmeras maneiras, a repartição social e espacial da

riqueza pelo Estado (SANTOS, 2008 [1975], pp. 161-177; IANNI, 1977, p. 276). Esse novo

nexo político-geográfico acaba se colocando, de certa forma, por cima das Regiões e nestas,

se soma à injusta estrutura de propriedade.

Alimentados por recursos oriundos da exportação de açúcar numa conjuntura

internacional bastante favorável, o Fundo de Recuperação da Agro-indústria Canavieira

(Decreto 51.104 de 1961), transformado no mesmo ano no Fundo de Consolidação e Fomento

da Agroindústria Canavieira (Decreto 156 de 1961), e o Fundo Especial de Exportação (Lei

4.870 de 1965), criaram as condições financeiras necessárias para satisfazer a demanda por

“racionalização” da produção açucareira alagoana (ANDRADE, 1997). Estamos diante da

busca pelo IAA de novas formas de cooperação entre as regiões açucareiras, que envolvem

principalmente a distribuição de recursos desses fundos por meio de programas. Como deve

ser sustada qualquer tentativa de Reforma Agrária, a tarefa agora assumida por esse instituto,

juntamente com vários ministérios, não poderia ser mais contraditória, porque no limite trata-

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se de fazer uma estrutura de propriedade e de produção “irracionais” adquirirem algum

sentido para a política econômica nacional (ANDRADE NETO, 1984, p. 115; RAMOS, 1991,

p. 189).

Implantado com o objetivo de viabilizar pesquisas no campo da agronomia e da

genética, o Programa Nacional de Melhoramento da Cana de Açúcar - PLANALSUCAR

(1971) acabou transformando a produtividade agrícola da Região Canavieira de Alagoas.

Tendo a Superintendência no município de Piracicaba – SP, esse Programa implantou

estações de pesquisa agronômica nos municípios de São José da Laje, Murici, Maceió, São

Miguel dos Campos, São Luís do Quitunde, Jacuípe e, também, em Rio Largo onde ficou

sendo a sede da Coordenadoria Regional do Nordeste – COONE do PLANALSUCAR. Dessa

forma, diante do novo patamar de “racionalidade” que dirige a dinâmica do conteúdo social e

material da Região, se redefinem as relações campo-cidade sob um comando

“organizacional”. Encontrar novas variedades de cana, difundir o uso de fertilizantes,

melhorar o aproveitamento do solo na área dos tabuleiros, estes eram os principais objetivos

do Programa em Alagoas que, na avaliação de Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 120-121),

foram satisfatoriamente alcançados.

Nessa tentativa de adequar uma parcela dos sistemas de objetos e ações regionais aos

objetivos da política econômica sem alterar a estrutura da propriedade, nada poderia ser mais

contraditório do que criar um programa denominado “Programa de Racionalização da

Agroindústria Açucareira” (1971). Visando o aumento da produtividade industrial do setor,

entre as principais medidas desse Programa estava tanto o estímulo à incorporação, fusão e

relocalização de unidades industriais dentro da região (Decreto 1186 de 1971), como a

construção do terminal açucareiro do Porto de Maceió, ações que seriam financiadas pelo

Fundo Especial de Exportação criado em 1965. Dessa forma, a concentração fundiária

contamina não somente as normativas do IAA, mas também todos os seus programas.

Racionalizar torna-se praticamente sinônimo de concentração no campo e na indústria

(ANDRADE, 1997; RAMOS, 1991).

Sem dúvida alguma, o Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL (Decreto nº

76.593 de 1975) é o que mais revela o intento de fazer as velhas estruturas regionais da

produção açucareira cooperarem com objetivos nacionais a partir da valorização de sistemas

de objetos e ações externos. Orquestrando interesses não somente dos usineiros das diversas

regiões (já que a retração do mercado mundial de açúcar na segunda metade dos anos 1970

tinha trazido uma nova crise para o setor), mas também das empresas de produção de

equipamentos para usinas e destilarias e do setor automobilístico, o PROÁLCOOL

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incentivou, com vultosos recursos financeiros, a produção de álcool no Brasil (SHIKIDA e

BACHA, 1999, p. 73). Como se buscava com isso reduzir a importação de petróleo, num

momento em que a grande alta no preço desse produto desiquilibrava completamente as

contas do Estado, o Programa podia ser apresentado também como sendo de interesse

nacional.

Entre 1975 e 1990, cerca US$ 6,6 bilhões de dólares foram aplicados pelo

PROÁLCOOL. Deste total, cerca de 8,1% foram destinados ao estado de Alagoas, alterando

completamente a geografia agrária de sua Região Canavieira, especialmente do entorno de

São Miguel dos Campos (SHIKIDA e BACHA, 1999 várias páginas; CARVALHO, 2009;

LIMA, 2006). Nove destilarias autônomas foram instaladas na Região, enquanto a área

colhida de cana praticamente dobrou. De acordo com a explicação de Manuel Correia de

Andrade (1997, p. 124),

Alagoas foi o Estado do Nordeste que recebeu maiores benefícios do

PROÁLCOOL, como fora também do Programa de Racionalização da

Indústria Açucareira. Para isso contribuiu, sobretudo, a quantidade de terras

subutilizadas, por onde os canaviais se expandiram, afastando as culturas de

subsistência, de baixo rendimento, e feitas por pequenos produtores, e as

áreas ociosas e de florestas.

Nos mapas de 4 a 7 podemos apreciar duas das principais consequências desses

programas, registradas pelos vários autores que estudaram a geografia agrária da Região: 1)

expansão da área plantada de cana nos “velhos” municípios açucareiros; e 2) incorporação de

mais seis municípios à Região Canavieira pela expansão dos canaviais para a área do entorno

de Penedo, onde até então predominava a rizicultura (MONTEIRO, 2013 [1962]).

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Mapas 4 a 7 – Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de área colhida de cana sobre a área total

dos estabelecimentos agropecuários (1975-1995)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

É importante registrar ainda que as condições técnico-normativas e político-financeiras

que vimos relatando, garantidas pelo Estado para assegurar a cooperação entre as regiões

açucareiras, permitiram o acréscimo de novos objetos técnicos ao campo, base de novas

cooperações campo-cidade na Região. O campo passa a demandar constantes consumos de

bens e serviços urbanos. Os dados sobre o número de tratores e a área irrigada podem fornecer

uma amostra desse processo.

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Em 1960 existiam apenas 254 tratores nos municípios da Região, número que saltou

para 3.090 vinte anos depois. Enquanto isso, o número médio de hectares para cada trator

diminuiu consideravelmente.

Tabela 12 – Região Canavieira de Alagoas: número médio de hectares para cada trator (1960-1980)

Ano Área total dos estabelecimentos

agropecuários (ha)

Número total de

tratores

Número médio de hectares para

cada trator

1960 907.694 254 3.574

1970 991.308 716 1.385

1980 1.188.004 3.090 384

Fonte: BRASIL (1962; 1975; 1983)

Organização: Fernando Silva (2017)

O percentual de área irrigada também conheceu um aumento significativo, passando

de 1,53% para 14,50%. Tributárias de novos serviços urbanos, tanto a utilização de tratores

como a irrigação adquirem maior expressão nas áreas dos tabuleiros.

Tabela 13 – Região Canavieira de Alagoas: porcentagem irrigada da área total dos estabelecimentos

agropecuários (1975-1985)

Ano Área total dos

estabelecimentos (ha)

Área irrigada no ano

(ha)

% da área irrigada sobre a área

total

1975 1.037.842 15.899 1,53%

1985 1.142.120 24.094 2,11%

1995 1.042.284 151.180 14,50%

Fonte: site do IPEAdata

Organização: Fernando Silva (2017)

Na opinião de Milton Santos (2011 [2000], pp. 54-55), no pós-Segunda Guerra

Mundial o processo de racionalização busca se impor nas várias instâncias sociais e, desse

modo, é a sua presença, mesmo que seletiva nos países como o nosso, que explica, em grande

parte, o fenômeno da pobreza. Isto porque tal processo foi funcional ao modelo econômico

controlado pelos monopólios, para o qual a docilidade de uma parcela expressiva dos sistemas

de objetos e ações dos países periféricos seria tão somente um meio para resolver o problema

da baixa lucratividade nos países do centro do capitalismo. No entanto, o autor acrescenta que

a evolução concomitante dos sistemas técnicos e dos valores sociais freava o alastramento da

racionalidade instrumental na sociedade e no espaço (SANTOS, 2011 [2000], pp. 48-49). Isto

possibilitou que o Estado assumisse a garantia de vários bens, buscando assegurar que as

diferenças regionais históricas não impedissem formas de cooperação entre as regiões e

populações.

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De fato, os processos de racionalização que se interpõe entre os usineiros, e entre estes

e os trabalhadores, aparecem, ao mesmo tempo, como causa do empobrecimento e como

forma de enfrentá-lo. Se os novos direitos do trabalhador rural impedem que este fique

completamente à mercê dos proprietários, o baixo nível do salário mínimo e a reação dos

usineiros com a expulsão de trabalhadores do campo e a expansão da cana para novas áreas,

propiciadas ou incentivadas também por essa racionalização, contribuem para perpetuar a

pobreza na Região.

A questão central, portanto, é como a ação instrumental e os novos valores externos

colocam em cooperação, a partir de sistema de objetos criados com finalidades especificas, as

velhas regiões açucareiras do Nordeste com o território nacional. Se “[...] toda teoria da ação

é, também, uma teoria do evento e vice-versa” (SANTOS, 2009 [1996], pp. 146-147)” tal

questão poderia ser pensada na geografia a partir da seguinte problemática: “como [...] levar

em conta o que, na linguagem sociológica, se chama uma ação racional?” (SANTOS, 2009

[1996], p. 81). Neste sentido, acreditamos que uma contribuição importante foi dada pela

socióloga Ana Clara Torres Ribeiro (2014) em suas “Teorias da Ação”13.

Para essa autora (2014, p. 250), é de suma importância considerar a distinção feita por

Max Weber entre a ação social “racional referente a fins” e a ação social “racional referente a

valores”. Max Weber (1999, p. 15 grifos no original), ao propor esses dois “tipos ideias”14

para explicar a ação social racional, explicou que, enquanto o primeiro seria determinado “[...]

por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas,

utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios [...]”,

no caso das ações orientadas por valores a determinação seria “[...] pela crença consciente no

valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação [...]”.

Na intepretação de Ana Clara Torres Ribeiro (2014, pp. 250-251), essa explicação de

Weber é fundamental porque, no limite, significa que racionalização não é sinônimo de

instrumentalização15. Enquanto a racionalização por valores acaba sendo a base das lutas que

13 A obra é a transcrição de um curso ministrado pela socióloga Ana Clara Torres Ribeiro entre os dias 18 e 22

de novembro de 2002 no Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

14 Os outros dois “tipos ideias” da ação social são determinados “3) de modo afetivo, especialmente emocional:

por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado” (WEBER, 1999, p. 15

grifos no original).

15 Segundo a explicação da autora: “o outro tipo ideal é a ação racional conduzida para valores, ou seja, eu

racionalmente tenho por meta a difusão de tal valor cultural. Eu quero difundir o valor da igualdade na minha

crença, sem o qual a sociedade é um desastre, vamos dizer assim. Isto é um valor, da mesma maneira que a

solidariedade é um valor cultural que precisa ser difundido senão não se afirma como um valor cultural. Como

eu farei para que isto aconteça? Esta é uma ação racional dirigida a difusão de um valor cultural. Portanto, nem

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visam às transformações sociais, “boa parte da ação instrumental visa pura e exclusivamente à

materialidade, ou é uma ação instrumental que se prende nos instrumentos e já não se sabe

mais quais são os seus objetivos”. Argumentamos que ao aceitar a tese da racionalização do

espaço geográfico é importante levar em conta a distinção entre uma cooperação entre

subespaços estabelecida por uma racionalidade instrumental e outra estabelecida por uma

racionalidade orientada por valores.

É bem conhecida a análise de Antonio Gramsci (1987) a respeito da “Questão

Meridional” italiana, na qual o autor vê as desigualdades e as relações entre o norte e o sul da

Itália como uma questão de classes, especificamente como tais classes, a partir das alianças

feitas entre si, passam a governar a sociedade. O autor já considerava nesse texto que somente

os interesses específicos das classes não bastavam, era preciso fazer tais interesses avultarem

como valores coletivos, sem os quais seria impossível governar a sociedade nacional.

Carlos Brandão (2004, pp. 53-54) defende a tese de que a chave para compreender as

questões regionais e urbanas/rurais no Brasil, levando em conta que o País se estruturou sobre

heranças regionais extremamente diversas e desiguais, encontra-se no conceito gramsciano de

hegemonia. Para que cada região pudesse participar da dinâmica nacional tornou-se

necessário, de certo modo, retirar parte substancial do comando político que os agentes

hegemônicos locais exerciam sobre a economia e a sociedade. Para o autor, aí também se

acharia um caminho para desvendar uma das questões mais importantes quando se trata do

Brasil: compreender o significado e o porquê da persistência de uma massa de não-cidadãos

convivendo com uma pequena minoria de privilegiados que usufruem de várias garantias

sociais (BRANDÃO, 2004, p. 147).

De nossa parte, consideramos que colocar em cooperação subespaços nacionais, ainda

mais se tratando de regiões, lugares e populações tão desiguais como no Brasil, exige que o

Estado garanta o resultado das lutas políticas assumindo a distribuição de recursos, bens e

serviços. Para isso, são necessários fundos, programas etc. executados por diversas

instituições, exigindo assim que a ação racional conduzida por valores se conecte a um

sistema de objetos técnicos. Como esses programas revelam, então, os sistemas de objetos e

ações que se está buscando valorizar em uma sociedade, propomos que se acrescente às

formas do acontecer solidário propostas por Milton Santos (2009 [1996]) o acontecer político-

institucional.

toda ação racional é uma ação instrumental. Confundir racionalidade com instrumentalização da ação é um erro

do ponto de vista weberiano” (RIBEIRO, 2014, p. 250).

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Neste sentido, pensamos ser de fundamental importância investigar a especificidade do

acontecer político-institucional no Brasil à medida que o processo de racionalização vai se

impondo ao espaço geográfico. Elegemos como uma das questões centrais da presente tese

analisar como tal acontecer solidário, ao mesmo tempo em que resulta da luta contra a

pobreza, contribui para perpetuá-la.

2.3. A instrumentalização de subsistemas de objetos e ações regionais: as grandes firmas e

a seletividade do acontecer hierárquico

O acontecer político-institucional acaba por alimentar na Região Canavieira de

Alagoas uma demanda por objetos e formas de fazer externos. Ainda que a satisfação dessa

demanda encontre limites de toda ordem numa Região tão pobre, sua existência e satisfação

pontual condicionam fortemente as migrações, a distribuição da população nas cidades, as

formas de uso dos capitais regionais, enfim, a produção e a repartição social da riqueza. De

várias maneiras, a valorização de sistemas de objetos e ações externos incentiva a utilização

de parcelas da Região como meros instrumentos para uma racionalidade alheia (WEBER,

1999, p. 15). Por isso, podemos falar que a pobreza resultaria também de um acontecer

hierárquico (SANTOS, 2009 [1996], pp. 165-168).

Entre 1975 e 1996 o Produto Interno Bruto - PIB dos municípios da Região

(considerado a preços de 2000) mais que dobrou, passando de R$ 2.438.085,32 (mil) para R$

5.982.689,49 (mil)16. Neste último ano, todavia, cerca de 66% da produção dessa riqueza

estava concentrada em Maceió e mais 13% nos municípios de Coruripe, Marechal Deodoro,

Rio Largo e São Miguel dos Campos. Conforme apresentam os mapas de 8 a 13, os maiores

acréscimos no PIB nas décadas posteriores a 1970 ocorreram na capital e nesses poucos

municípios do interior.

16 Para efeitos de comparação, o PIB brasileiro a preços de 2000 era de R$ 427.997.030,20 (mil) em 1975 e R$

869.256.194,00 (mil) em 1996.

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Mapas 8 a 13 - Região Canavieira de Alagoas: Produto Interno Bruto (PIB) Municipal a preços de 2000 (1975-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Essa forma de produção da riqueza concentrada em pouquíssimos municípios resulta,

em boa medida, dos novos consumos exigidos pelas usinas e da exploração dos recursos

minerais da Região, e não se dá sem que parcelas da economia, da sociedade, do espaço e do

aparelho de Estado sejam mobilizados como meios para a racionalidade das empresas que

passam a atuar na Região (LUSTOSA, 1997; LIMA, 2006).

Os novos consumos exigidos pela imposição de uma racionalidade ao campo não

tardaram a demandar a presença de indústrias do setor químico, metalúrgico, metal mecânico

e de material de transporte. Entre as décadas de 1960 e 1980 foram instaladas cerca de vinte

grandes e médias indústrias na Região, sobretudo em Maceió.

Enquanto o PLANALSUCAR e o PROÁLCOOL criaram as condições financeiras

necessárias para tais consumos, o Governo Estadual, através da Companhia de

Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL (criada em 1963) criou o Pólo Industrial de

Maceió17 justamente para atrair indústrias vinculadas ao consumo das usinas. Com

localização que dava fácil acesso às principais rodovias da Região (AL-101, BR – 101 e BR –

104) e ao Porto, esse Distrito Industrial, embora ocupado desde 1964, foi inaugurado

exatamente com o lançamento do PROÁLCOOL (FIEA, 2009, pp. 23-24).

Em uma área de mais de 200 ha, galpões foram construídos para locação às empresas

com recursos da SUDENE, energia elétrica foi rapidamente viabilizada a partir da subestação

de Rio Largo, assim como abastecimento de água pela Companhia de Saneamento de Alagoas

– CASAL. Como se trata de uma racionalidade que busca se impor, com bastante vigor,

também à sociedade, uma unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI/AL foi

instalada exatamente dentro do distrito para formar a mão de obra requerida pelas indústrias.

A racionalização instrumental do espaço tem como corolário seu uso corporativo (SANTOS,

1994).

Na tabela 14 apresentamos as principais indústrias ligadas ao consumo das usinas e

destilarias instaladas na Região Canavieira alagoana, destacando o ano de sua instalação e o

número de trabalhadores: 68,18% do total de empresas e 72,77% do total de trabalhadores

estavam no município de Maceió. Desse modo, observamos a Região se entrelaçar numa

cooperação hierárquica que, a partir de Maceió, alcança todos os municípios canavieiros.

17 Hoje Polo Multisetorial Governador Luiz Cavalcante, localizado no bairro Tabuleiro dos Martins, às margens

da BR - 101.

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Tabela 14 – Região Canavieira de Alagoas: principais indústrias vinculadas ao setor sucroalcooleiro (1984)

Município Início das

atividades

Indústria Setor Principais produtos Número de

trabalhadores

Maceió 1939 LAGENSE - Indústria Comércio e

Agricultura

Químico Fertilizantes, Herbicidas, Algodão em

Pluma

106

Maceió 1939 Nova Fundição Alagoana LTDA Metalúrgico Acessórios para fogões, engrenagem de

usinas

23

Atalaia 1964 Companhia Siderúrgica de Alagoas -

COMESA

Metalúrgico Laminados, lingotes 285

Maceió 1966 MPC- Mecânica Pesada Continental Metalúrgico Estruturas metálicas, turbinas hidráulicas,

fundição de ferro e bronze, pontes rolantes

283

Maceió 1967 Fives Lille Industrial do Nordeste S/A Metalúrgico Estruturas metálicas, cristalizador,

sementeiras, caldeiras

493

Pilar 1967 Irmãos Couto S. Wanderley Metalúrgico Sem informação 24

Maceió 1968 Estruturas Metálicas e Esquadrarias

LTDA

Metalúrgico Estruturas metálicas, divisórias modulares 34

Maceió 1968 Indústria e Comércio São Judas Tadeu Material de

transporte

Carroceria metálica, carreta agrícola 17

Maceió 1970 IMPLETEC LTDA Material de

transporte

Carroceria metálica, carretas, reboque,

tanque

72

Maceió 1973 AGROFÉRTIL - Indústria e

Comércio de Fertilizantes

Químico Misturas concentradas NPK 62

Maceió 1974 SOMONE - Divergel Indústria e

Comércio S/A

Metalúrgico Misturadores, peneiras 47

Maceió 1974 TRAMAG-Tratores e Máquinas

Agrícolas LTDA

Material de

transporte

Carrocerias, carretas em geral, bombas,

engates para caminhão e trator

42

Santa Luzia do

Norte

1975 PROFÉRTIL - Produtos Químicos e

Fertilizantes S/A

Químico Superfosfato de cálcio simples, ácido

sulfúrico, enxofre em bastões

112

Maceió 1975 MOTOCANA - Máquinas e

Implementos Agrícolas

Mecânico Mecânica em geral 40

Maceió 1975 PROCAR - Indústria e Comércio

LTDA

Metalúrgico Estruturas metálicas, abrigos e marquises 15

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Maceió 1976 MAGRASA - Máquinas e

Implementos Agrícolas S/A

Material de

transporte

Caçambas, Engates Automáticos,

Carrocerias Metálicas

37

Pilar 1978 MECA - Mecânica de Carroceira

Alagoas LTDA

Material de

transporte

Carrocerias 7

São Miguel dos

Campos

1978 FAMACOL - Fábrica de Molas e

Carrocerias

Material de

transporte

Molas e carrocerias 20

Maceió 1980 SANTAL - Equipamentos S/A

Comércio e Indústria

Material de

transporte

Máquinas agrícolas em geral 51

São José da Laje 1980 Agropecuária Vale do Catangy LTDA Madereiro Madeira 21

Maceió 1981 Turbipeças LTDA Metalúrgico Palhetas 17

União dos

Palmares

1981 CIC – Comercial ind. De Correntes Metalúrgico Correntes de ferro 32

Total 1840

Fonte: FIEA (1984, várias páginas)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Assim, a vocação extrovertida da atividade canavieira se renova, pois ao passo em que

empresas externas, sobretudo do Sudeste, se instalam na Região, como é o caso da Motocana

do Grupo Dedini, capitais regionais também são direcionados para o esforço de modernização

agrícola, como é o caso da Agrofértil do Grupo Carlos Lyra. Ainda podemos notar na tabela

que indústrias menos capitalizadas surgem em alguns poucos municípios do interior. De fato,

o acontecer hierárquico muda completamente a relação entre o interno e externo, porque as

formas de uso do excedente regional são pressionadas de todas as maneiras para servir a

objetivos determinados de fora.

Capitais oriundos sobretudo de grandes empresas estatais, como apontaram Leonardo

Guimarães Neto (1989) e Tânia Bacelar de Araújo (2016), também trabalharam na alteração,

ainda que muito pontual, das formas de produção da riqueza na Região Canavieira de

Alagoas.

Anunciado como a grande solução para superar o subdesenvolvimento, o Pólo

Cloroquímico de Alagoas constituiu, sem sombra de dúvidas, uma das provas mais cabais de

como poucos pontos da Região passaram a ser utilizados como meros instrumentos para uma

racionalidade alheia (LUSTOSA, 1997). Planejado para viabilizar a exploração das jazidas de

sal-gema descobertas na década de 1940, esse “foco de modernidade” (BACELAR, 2016, pp.

8-9) foi instalado no município de Marechal Deodoro pelo Decreto Presidencial nº 87.103 de

abril de 198218, alterando completamente o uso do território desse município. Buscando maior

integração da indústria química nacional dentro dos objetivos do II Plano Nacional de

Desenvolvimento – II PND (1975-1979), esforços conjuntos dos governos nacional, estadual

e municipal foram mobilizados para viabilizar essa cooperação hierárquica com a Região.

Conforme o relato de Maria Cecília Lustosa (1997, pp. 9-20), tais esforços se

iniciaram com a criação da Salgema – Indústrias Químicas S. A19. (1966) no município de

Maceió, empresa que forneceria o insumo básico (cloro) necessário às demais indústrias, e

tiveram continuidade com estudos técnicos feitos especialmente pelo Governo Estadual e do

município de Marechal Deodoro para a escolha do melhor terreno que seria destinado à

construção do Polo. Esse município, localizado a 16 Km de Maceió e servido pelas rodovias

18 A Lei Municipal nº 618, de 20/12/94, criou o Distrito Industrial de Marechal Deodoro, atual Pólo Multifabril

de Marechal Deodoro para abrigar empreendimentos de outros setores, além das indústrias do setor Químico e de

Plástico.

19 A Salgema, assim como a maioria das indústrias do Polo quando da sua instalação, tinha participação

acionária da Petrobrás Química S. A. (PETROQUISA) (subsidiária da Petrobrás), holding Nodeste Química S.

A. (NORQUISA), Companhia Petroquímica do Nordeste (COPENE) e da Empresas Petroquímicas do Brasil S.

A. (EPB) do Grupo Norberto Odebrecht (LUSTOSA, 1997, pp. 16-19). Com a inclusão do setor petroquímico no

processo de privatização na década de 1990, o controle acionário da Salgema e de outras indústrias do Polo é

assumido pelo Grupo Odebrecht.

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AL-101 sul e BR – 316, acabou por apresentar as condições técnicas adequadas. Para fornecer

infra-estrutura básica para o Polo (iluminação, afastamento etc.) foi criada a Companhia

Alagoas Industrial – CINAL (criada em 1982), que logo depois tornou-se fornecedora de

água, gás etc. para as indústrias que lá se instalassem. Por fim, normas, capitais e organização

extra-regionais vêm juntar-se aos objetos técnicos apropriados para concretizar esse acontecer

hierárquico na Região.

A tabela 15 traz a relação das empresas que foram instaladas no Pólo Cloroquímico de

Alagoas segundo o número de trabalhadores: 60% do total desses trabalhadores estava no

município de Marechal Deodoro, e o restante em Maceió.

Tabela 15 – Região Canavieira de Alagoas: Indústrias Químicas segundo número de trabalhadores

(1989)

Município Indústria Principais produtos Início das

atividades

Número de

trabalhadores

Maceió SALGEMA

Indústrias

Químicas s/a

Soda Cáustica, Ácido, Clorídrico,

Cloro, Dicoroetano, Sal Beneficiado,

Hipoclorito de Sódio

1977 819

Marechal

Deodoro

ALCLOR -

Química de

Alagoas S.A.

Epicloridrina 198? 258

Marechal

Deodoro

CPC - Companhia

Petroquímica de

Alagoas

Monocloreto de Vinila e Policloreto de

Vinila

198? 539

Marechal

Deodoro

CINAL -

Companhia

Alagoas Industrial

Serviços de infraestrutura básica para

outras empresas

1982 444

Total 2.060

Fonte: Lustosa (1997, p. 23)

Organização: Fernando Silva (2017)

Dependência de grandes grupos empresariais para investimento, imposição de

complementaridades produtivas extra-regionais e fraca capacidade de comando por parte do

órgão estadual de coordenação (Coordenação do Pólo Coroquímico de Alagoas), constituem

os principais resultados da implantação do Pólo em Alagoas (LUSTOSA, 1997, pp. 55-57;

BACELAR, 2016, pp. 8-9). Numa situação como esta, em que, por exemplo, foi viabilizada

uma linha de transmissão de energia direto da CHESF para a Salgema, empresa que passou a

consumir sozinha mais eletricidade do que toda a Região Canavieira alagoana, podemos

afirmar com Milton Santos (2003, [1975], p. 167) que estamos diante do direcionamento de

esforços e recursos coletivos para uma preocupação com o “espaço econômico” (PERROUX,

1967 [1961], p. 149), mas não com o “espaço de todos”.

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Novas cooperações locais e externas terminou conhecendo também o município de

São Miguel dos Campos com a imposição de uma nova racionalidade à exploração de suas

reservas de calcário. Ao mesmo tempo em que os programas para o setor sucroalcooleiro vão

possibilitando que a cana domine completamente a área rural desse município, a Companhia

de Cimento Atol, do grupo Pernambucano Brennand, aí se instala em 197720 para produzir

cimento Portland, impulsionada pela demanda criada pela construção de grandes sistemas de

engenharia na capital e em outros estados nordestinos. Desse modo, embora instalada em São

Miguel dos Campos, criou escritório em Maceió, de onde podia atender melhor a demanda

que levou à sua criação. Na fábrica trabalhavam cerca de 300 pessoas.

A situação das pequenas cidades do norte de Alagoas, como São Miguel dos Milagres,

Japaratinga, Porto de Pedras etc., que, segundo a detalhada descrição de Manuel Correia de

Andrade (2010 [1968], pp. 160-163), tinham nos coqueirais sua base econômica, seria

alterada sensivelmente com a instalação da Socôco S/A na cidade de Maceió em 1966. Além

da pressão advinda da expansão da cana sobre as propriedades ocupadas com os coqueirais,

formas de plantio e colheita do coco realizadas praticamente segundo o tempo da natureza são

forçadas a acompanharem os ritmos de funcionamento dessa indústria. Concentração da

propriedade, desvalorização acelerada das formas de trabalho herdadas, novas relações

campo-cidade, são o saldo desse processo (ROCHA, 2002). Uma atividade tão vinculada ao

cotidiano dessas pequenas cidades, já que o coco servia para diversos alimentos e a palha do

coqueiro era utilizada em inúmeras construções, acaba perdendo o sentido para a lucratividade

de capitais portugueses.

Duas outras indústrias, de menor porte, foram instaladas para beneficiamento do coco

na Região Canavieira de Alagoas, sendo uma no município de Pilar e outra também no

município de Maceió. Observamos na tabela 16 que 80% dos 660 trabalhadores desse ramo

industrial estavam na capital.

20 A concessão para a exploração das reservas de calcário do município foi dada à Companhia de Cimento Atol

pelo Governo Federal através do Decreto nº 80.008, de julho de 1977.

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Tabela 16 – Região Canavieira de Alagoas: Indústria ligadas ao beneficiamento do coco segundo

número de trabalhadores (1984)

Município Início das

atividades

Indústria Principais produtos Número de

trabalhadores

Escritório

Pilar 1961 Coco Alimentar de

Alagoas S/A

Óleo de coco industrial,

coco ralado, farelo de

coco

130 Pilar

Maceió 1966 SOCÔCO S/A

indústrias

alimentícias

Coco ralado, leite de

coco, óleo de coco

496 Maceió

Maceió 1976 BOMCOCO

indústria e

comércio LTDA

Leite de coco, coco

ralado, óleo de coco

34 Maceió

Fonte: FIEA (1984, várias páginas)

Organização: Fernando Silva (2017)

Em 1960 o número total de pessoas ocupadas na indústria em Alagoas era 19.759 num

total de 1.594 estabelecimentos, números que passaram para, respectivamente, 18.718 e 458

em 1970 e atingiram 39.776 e 1.802 em 1980. Dessa forma, é entre 1970 e 1980 que o valor

da transformação industrial dá um salto, saindo de 1.99.313 (mil cruzeiros) para 14.008.103

(mil cruzeiros). A queda verificada entre 1960-1970 ocorreu em virtude da falência das

fábricas têxteis (de 8.714 pessoas ocupadas nos estabelecimentos têxteis em 1960 restavam

somente 4.214 em 1970) (BRASIL, 1960; 1974; 1984).

Embora as estruturas produtivas que se erguem na Região tenham uma distribuição

muito parecida com a das fábricas têxteis, e ainda que a capacidade das elites do açúcar de

perpetuar a concentração fundiária limite, mais uma vez, a atuação de outros setores, estamos

na presença de uma situação deveras diferente21. Colocados como exigência para a

participação da Região Canavieira de Alagoas na política econômica nacional, os objetos

técnicos e as formas de fazer externos acabam servindo como parâmetro para todos os setores,

21 Araken de Lima (2006, p. 3) defende a tese de que em Alagoas “[...] a centralidade da produção açucareira na

estrutura produtiva do estado e suas determinações de cunho mercantis, conjugados a força social, política e

econômica dos grupos sociais dirigentes dessa atividade criaram um efeito de “fechamento” e isolamento de suas

estruturas de produção em relação a possíveis alternativas de organização econômica”. O autor argumenta

utilizando como comparação os estados de Sergipe, Bahia, Ceará e Pernambuco e buscando contradizer, em

parte, a ideia de Leonardo Guimarães Neto de que a integração da região nordeste ao território nacional teria

provocado mudanças substanciais na estrutura de produção nordestina sob o comando de capitais extra-

regionais, notadamente Estatais. Para Araken de Lima (2006, pp. 144-145 grifos no original). “[...] Alagoas não

passou por profundas alterações na sua estrutura econômica, a dinamização de suas atividades produtivas

continuou fortemente dependente da sua principal atividade tradicional e, ademais, a modernização desta

atividade não se deu sob o controle de capitais extra-regionais”. É difícil concordar com esta tese. Embora

Alagoas tenha se modernizado mantendo a preponderância do setor canavieiro, a economia, a política, a

sociedade e o espaço conheceram transformações profundas como resultado desse processo de integração. Além

dos “focos de modernidade” que vimos relatando, a economia urbana de todas as cidades, impulsionada pela

pobreza, mudou completamente, conforme abordaremos melhor no item 2.5.

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subespaços e populações22. Nesta situação, a disputa pela repartição da riqueza se dá ao

mesmo tempo em que a maioria dos atores regionais buscam alcançar essa racionalidade

alheia, ou seja, essa disputa significa, desde o início, uma cooperação subordinada.

De fato, como no período anterior, as modernizações continuam sendo aí bastante

pontuais (SANTOS, 2009 [1978], p. 125), a diferença é que agora se trata de adaptar, ao

mesmo tempo, a economia, a política, a sociedade e o espaço para servirem como meios à

racionalidade de agentes do centro do capitalismo.

Por um lado, o número de empregos criados por essas novas atividades cresce em

pouquíssimos municípios, sobretudo em Maceió. Por outro, o trabalho intermitente nas usinas

não é mais compensado pela existência do roçado. Se em 1970 54% da PEA estava no setor

primário, 14% no secundário e 32% no terciário, em 1991 esses números eram

respectivamente de 32%, 17% e 51%. Essa variação ocorreu, principalmente, em virtude da

nova dinâmica dos municípios do interior, uma vez que Maceió já apresentava desde 1950 um

percentual muito pequeno de sua PEA ocupada nas atividades primárias. Dessa forma, o

campo desemprega e a grande indústria emprega pouco, fazendo aumentar, ao mesmo tempo,

um terciário de baixo nível de capitalização e o desemprego (SANTOS, 2008 [1975]). Em

1991, 572.467 pessoas de 10 anos e mais, isto é, 48% do total de pessoas nessa idade, não

apresentava rendimento algum.

Estamos, então, em face de um forma de produzir a riqueza que produz,

concomitantemente, altas taxas de desemprego (SANTOS, 2008 [1975]; SILVEIRA, 2005).

Esse desemprego condiciona fortemente a repartição social e geográfica da riqueza, uma vez

que joga um papel fundamental na definição dos salários e na mediação que faz o Estado

nessa repartição.

Assim, as atividades regionais não se adaptam, nem no mesmo ritmo nem da mesma

forma, a todo esse processo. Por isso, além das relações extra-regionais obrigatórias com os

22 Os principais autores que discutiram sobre a permanência e ampliação do fenômeno da pobreza em Alagoas na

segunda metade do século XX (TENÓRIO, 1995; ANDRADE, 1997; LIRA, 1998; LIRA, 2007; CARVALHO,

2009 entre outros) concordam que isso se deveu, em boa medida, à perpetuação da forte concentração fundiária e

da agroindústria canavieira como principal atividade econômica do estado. O ingresso na modernização

tecnológica sem romper com a antiga estrutura de propriedade foi responsável, de fato, por uma pobreza das

mais perversas do País. No entanto, muitas vezes o problema é apontado como sendo preponderantemente de

caráter setorial, como se a atuação de outros setores econômicos na região, como ocorreu em outras unidades da

federação, pudesse eliminar automaticamente o fenômeno da pobreza. Defendemos que, como o comando sobre

a produção e a repartição do excedente não é mais exclusivamente dado pelos limites da propriedade, como era

em grande parte quando vigorava o sistema de morada, a pobreza deixa de ser somente local para ser ao mesmo

tempo local, nacional e mundial (SANTOS, 2011 [2000], pp. 53-57). Ao lado da Reforma Agrária, a luta contra

a pobreza deveria incorporar a resistência contra a valorização de objetos e formas de fazer externos, porque

estes significam, ao mesmo tempo, a desvalorização dos lugares que não podem acompanhar tais formas

hegemônicas.

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centros do acontecer hierárquico que a Região passa a estabelecer, novas atividades

comerciais e de serviços são convocadas a se instalar. Embora estas cooperem localmente ou

mesmo com o acontecer político-institucional, trata-se, na maior parte dos casos, de novos

aconteceres hierárquicos. Como exemplo podemos mencionar as agências bancárias. Em 1968

havia na Região 29 (vinte e nove) agências bancárias, sendo que 19 (dezenove) localizavam-

se em Maceió, enquanto o restante se distribuía pelas cidades de Capela, Rio Largo, São

Miguel dos Campos, União dos Palmares e Viçosa (SILVA et al, 1971, p. 32). Já em 1994, o

número total de agências tinha chegado a 84 (oitenta e quatro), estando 50 (cinquenta) na

cidade de Maceió e as outras 34 (trinta e quatro) distribuídas por 22 (vinte e duas) cidades

(site do Banco Central do Brasil).

A mesma adaptação parcial pode ser verificada no que se refere à sociedade. A

exigência de qualificação, assim como a possibilidade de se qualificar, acabam sendo bastante

restritas a poucas atividades localizadas em algumas cidades. Em 1970, a média de anos de

estudos das pessoas com 25 anos e mais era de 0,6 anos nos municípios do interior da Região

Canavieira e de 3,0 anos em Maceió, números que haviam subido, respectivamente, para 1,8

anos e 6,0 anos em 1991. Como nem sempre as atividades modernas esperam a mão de obra

local obter qualificação, podemos identificar a entrada de migrantes na Região, mas estes

procuram sobretudo Maceió. Entre 1960 e 1996 a Região Canavieira de Alagoas recebeu

190.564 imigrantes de outros estados, sendo que deste total 52%, ou seja, 98.172 buscaram o

município de Maceió. A porcentagem de imigrantes de fora do estado que procurou Maceió

foi aumentando ao longo das décadas: foi de 38% entre 1960-70, aumentou para 44% no

decênio 1971-80 e atingiu 64% entre 1981-90.

Parece-nos sintomático de uma sociedade que busca se constituir a partir de objetos e

ações importados que finalidades particulares de certos agentes sejam com tanta frequência

impostas como interessando à coletividade. Por isso, cria-se com bastante rapidez as

condições necessárias à concretização do acontecer hierárquico.

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2.4. As novas especificidades locais da pobreza: o acontecer complementar campo-cidade e

cidade-cidade

Os processos que vimos discutindo, ao invés de homogeneizarem as formas de

manifestação da pobreza entre os diversos subespaços da Região Canavieira de Alagoas,

resultaram em manifestações locais específicas do fenômeno. Senão entre as diversas

propriedades rurais, já que aí o processo de racionalização do espaço tende a se impor com

mais facilidade, entre as cidades da Região essa constatação é por demais verdadeira.

Se o comando sobre a repartição do excedente não é mais essencialmente local, que

fatores explicariam tais especificidades? Defenderemos que, em boa medida, elas têm a ver

com as diferentes maneiras que o campo e a cidade, assim como as cidades entre si, cooperam

localmente (às vezes por pressão das normas e/ou condicionamento das técnicas) como

resposta ao acontecer hierárquico ou político-institucional. Nesse caso, em que o processo de

racionalização do espaço geográfico cria a necessidade “[...] do intercâmbio geograficamente

próximo”, trata-se do acontecer complementar, uma vez que esse intercâmbio supõe “[...] uma

extensão contínua, na cidade e no campo, sendo a contigüidade o fundamento da

solidariedade” (SANTOS, 2009 [1996], p. 166).

Esse acontecer se expressa nitidamente através das relações geradas entre atividades

econômicas instaladas para modernizar o campo ou mesmo as cidades. Mas, se considerarmos

que, na realidade, são subespaços que estão sendo colocados em cooperação localmente a

partir de um sentido controlado de fora, veremos que a questão está para além das atividades,

pois diz respeito ao espaço e à sociedade. Como nos países periféricos apenas alguns

subsistemas de objetos e ações passam a atuar diretamente como instrumento para a

racionalidade externa, as atividades que não se adaptam totalmente à modernização, ainda que

funcionem de maneira subordinada e desvalorizada pela sociedade, podem revelar princípios

sociais e espaciais de luta política, já que não se deixam instrumentalizar completamente pela

racionalidade dos agentes hegemônicos (SANTOS, 2008 [1975]; SILVEIRA, 2005;

RIBEIRO, 2005).

No contexto da conformação de uma rede urbana nacional, uma nova hierarquia

urbana se desenha na Região, sob o comando das metrópoles de São Paulo e de Brasília.

Expressão dos fatores de concentração e de dispersão derivados da instalação seletiva do meio

técnico-científico-informacional, a nova divisão territorial do trabalho termina por redefinir as

velhas funções atribuídas aos diferentes níveis de cidade, alterando assim os elementos sociais

e materiais responsáveis pela explicação da pobreza em cada um deles.

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O número de cidades de até 5.000 habitantes na Região revelou tendência de aumento

até 1970. Entre outras razões, isto se explica pela instalação de novos municípios,

especialmente entre 1950 e 1970 quando foram emancipados 23 municípios. Já o total de

população que essas cidades abrigam cresceu apenas até 1980. A tendência das cidades com

cifras superiores é diferente. Neste caso, o crescimento populacional tende a ser mais rápido

nas cidades maiores. No decorrer do século XX, as principais cidades da Região, com exceção

de Maceió, não chegaram a ultrapassar a casa dos 50.000 habitantes, apenas no Censo de

2010 apareceram Rio Largo e São Miguel dos Campos com esse quantitativo. Na tabela 17

temos uma síntese dessa evolução.

Tabela 17 – Região Canavieira de Alagoas: Número de cidades por grupos de habitantes e população

(1970-2010)

1970 1980 1991 2000 2010

Classes de habitantes Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop.

Até 5.000 29 63.500 27 76.507 15 42.484 11 33.434 12 42.028

De 5.001 a 10.000 9 59.164 12 94.577 15 103.472 17 121.150 12 85.054

De 10.001 a 20.000 2 26.982 5 64.687 12 156.208 14 211.064 13 191.364

De 20.001 a 50.000 1 21.648 3 72.706 6 183.338 8 274.748 12 378.299

De 50.001 a 100.000 0 0 0 0 0 0 0 0 2 108.513

De 100.001 a 500.000 1 251.713 1 392.265 0 0 0 0 0 0

Mais de 500.000 0 0 0 0 1 583.343 1 795.804 1 932.129

Total 42 423.007 48 700.742 49 1.068.845 51 1.436.200 51 1.737.387

Fonte: BRASIL (1972; 1982; 1991, 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

A crescente expulsão dos trabalhadores/moradores das propriedades, os consumos

exigidos pelo campo e a distribuição demasiadamente seletiva das grandes firmas que se

instalaram na Região desencadearam, além de grandes fluxos migratórios para o Sudeste, um

processo de redistribuição da população na rede urbana regional. Podemos confirmar essa

redistribuição visualizando os mapas 14 a 19. A população urbana da Região tende a se

concentrar na capital e nas cidades de 20.000 habitantes e mais. Em 2010, estas respondiam

por 82% da população urbana total, sendo 54% em Maceió e 28% nas demais cidades. Nos

mapas 20 a 25 observamos que tal concentração passou a ocorrer, especialmente, no entorno

de Maceió e de São Miguel dos Campos (aí estavam 9 dos 15 centros de 20.000 habitantes e

mais).

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Mapas 14 a 19 - Região de Canavieira de Alagoas: imigrantes que antes residiam no Estado de Alagoas (1960-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 20 a 25 - Região Canavieira de Alagoas: População urbana (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Das 49 (quarenta e nove) cidades que compunham a Região Canavieira de Alagoas em

1991, 27 (vinte e sete) abrigavam alguma usina ou destilaria em seus municípios. Quanto aos

outros vinte e dois municípios que não sediavam nenhuma unidade industrial, embora

apresentassem uma parcela expressiva do seu território ocupada com lavoura canavieira, a

maior parte deles se localizava no entorno de Porto Calvo (7), Maceió (5), Penedo (4), União

dos Palmares (3) e Viçosa (3).

De fato, como mostra a tabela 18, os municípios do entorno de São Miguel dos

Campos foram não somente o foco da expansão da plantação de cana, mas também passaram

a sediar a maior parte das novas unidades industriais montadas após 1950. Aí estavam

também as maiores usinas e destilarias se considerarmos como critério o número de

trabalhadores: do total de 36.863 trabalhadores da agroindústria canavieira alagoana em 1994,

11.293 trabalhavam nos municípios de Boca da Mata, São Miguel dos Campos, Coruripe,

Campo Alegre, Junqueiro (a partir de 1989 em Teotônio Vilela) e Roteiro, isto é, 31% do total

estavam nestes seis municípios.

Tabela 18 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas com destilarias anexas, usinas e destilarias

autônomas segundo o município, a localização do escritório e o número de trabalhadores em 1984 e

1994

Usinas com destilarias anexas

Localização Usinas e

destilarias

anexas

Localização

do escritório

Início das

atividades

Número de

trabalhadores

(1984)*

Número de

trabalhadores

(1994)*

Joaquim

Gomes

Alegria Maceió 1974 612 582

Messias Bititinga Maceió 1937 418 239

Murici São Simeão Maceió 1967 606 629

Pilar Terra Nova Maceió 1957 400 870

Atalaia Ouricuri Maceió 1946 646 4.000

Flexeiras Peixe Maceió 1973 412 318

Porto Calvo Santana Maceió 1957 260 511

São Luís do

Quitunde

Santo Antonio Maceió 1952 511 1.400

São José da

Laje

Serra Grande Maceió 1933 1.100 2.620

União dos

Palmares

Laginha Maceió 1936 618 2.279

Rio Largo Santa Cloitilde Maceió 1967 733 1.700

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Rio Largo Utinga Leão Maceió 1940 1.221 1.413

Maceió Cachoeira do

Meirim

Maceió 1959 402 2.727

Marechal

Deodoro

Sumaúma Maceió 1962 558 639

Boca da

Mata

Triunfo Maceió 1950 1.102 1.133

São Miguel

dos Campos

Roçadinho Maceió 1952 677 920

São Miguel

dos Campos

Sinimbu Maceió 1929 1.112 3.000

São Miguel

dos Campos

Caeté Maceió 1959 923 983

Coruripe Coruripe Maceió 1925 1.291 2.506

Coruripe Guaxuma Maceió 1972 841 **

Campo

Alegre

Porto Rico Maceió 1957 970 1.485

Junqueiro Seresta Maceió 1973 996 593

Usinas sem destilarias anexas

Localização Usinas Localização

do escritório

Início das

atividades

Número de

trabalhadores

(1984)*

Número de

trabalhadores

(1994)*

Colônia

Leopoldina

Taquara Maceió 1950 300 310

Matriz de

Camaragibe

Camaragibe Maceió 1943 417 400

Atalaia Uruba Maceió 1922 577 975

Capela João de Deus Maceió 1964 485 400

Cajueiro Capricho Maceió 1944 580 713

Destilarias autônomas

Localização Destilarias

autônomos

Localização

do escritório

Início das

atividades

Número de

trabalhadores

(1984)*

Número de

trabalhadores

(1994)*

Coruripe Camaçari Maceió 1979 475 450

Coruripe Pindorama Coruripe 1956 28 *

Porto Calvo Maciape Maceió 1974 122 232

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108

Marechal

Deodoro

Massagueira ** ** ** **

Roteiro Roteiro Maceió 1977 183 223

Joaquim

Gomes

Serrana ** ** ** 106

Japaratinga São Gonçalo Maceió 1976 254 604

Colônia

Leopoldina

Porto Alegre Maceió 1977 1048 508

Penedo Paisa Maceió 1976 392 567

Igreja Nova Marituba Maceió 1980 850 828

Total geral 22.120 36.863

* Não foi possível saber se os dados sobre o número de trabalhadores foi levantado em período de safra ou não.

** Não encontramos informações no Cadastro Industrial.

Fonte: FIEA (1984; 1994, várias páginas)

Organização: Fernando Silva (2017)

Avultam, desse modo, as especificidades geográficas da agroindústria canavieira e

suas implicações para a urbanização e para as diferenciações locais da pobreza. Baseando-nos

na explicação de Ricardo Castillo (2015, pp. 97-98), queremos destacar duas dessas

especificidades: 1) possibilidade de determinada usina moer cana localizada a certa distância

da planta industrial (até, em média, 40 km ou 50 km); e 2) limitação da produção industrial ao

período da safra (já que a cana não pode ser armazenada depois de colhida). Assim, as usinas

geram muitos postos de trabalhos temporários, e mesmo um município que não possua

unidade industrial pode ter sua economia urbana bastante condicionada pela duração das

safras.

Quando o processo de racionalização só se colocava timidamente nas relações entre

usineiros e trabalhadores, essas características do setor não emergiam com tanta força como

elemento de diferenciação entre as cidades. Não é mais o que ocorre. Doravante, ser pobre

numa pequena cidade das proximidades de Porto Calvo que não possui usina mas as terras do

município estão dominadas pela cana, como é o caso de Passo de Camaragibe, não seria a

mesma coisa de ser pobre em Campo Alegre, isto em virtude dos postos de trabalhos gerados

diretamente pela unidade industrial localizada neste município. Mas não somente por essa

razão.

A oferta dos novos bens e serviços requisitados pelas usinas também condiciona,

sobremaneira, a urbanização e as diferenciações da pobreza urbana na Região. Aqui,

novamente, presenciamos Maceió se destacar em relação aos demais centros, porque

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[...] na região da mata alagoana, como ocorre nas demais regiões canavieiras

nordestinas, as cidades interioranas à exceção de umas poucas, não exercem

a função de entrepostos ou centros de convergência da produção rural. São

as usinas que exercem tal função o que reduz a dinamicidade e o poder de

comando espacial dos pequenos centros urbanos existentes na região.

Convém salientar que as relações externas das usinas são mantidas apenas

com a capital, já que é em Maceió que se localizam seus escritórios,

armazéns de açúcar, estabelecimentos bancários, o porto de embarque do

açúcar, e enfim, os serviços que a usina precisa, para seu funcionamento,

receber de centros urbanos (FIAM, 1978, pp. 16-17)23.

É preciso lembrar, porém, que além de Maceió alguns poucos centros urbanos, como

São Miguel dos Campos e União dos Palmares, produziam certos bens exigidos pelas usinas,

como vimos no item anterior. Além disso, comércios e serviços menos exigentes de capital,

como serviços de transporte de mão de obra das cidades para o campo, oficinas e serviços de

borracharia, entre outros, passaram a ser ofertados nalguns centros urbanos do interior.

Parece-nos razoável supor também que os serviços bancários, pouco a pouco,

passaram a ser buscados fora de Maceió: em 1994, das vinte e duas cidades do interior da

Região Canavieira que possuíam agências bancárias, somente cinco não tinham usinas em

seus municípios (Anadia, Viçosa, Junqueiro, Messias e Novo Lino). Por outro lado, 77% dos

municípios que não sediavam usinas não tinham qualquer agência bancária. Esse raciocínio

faz ainda mais sentido se lembrarmos que nove das trinta e duas agências bancárias do interior

eram do Banco do Estado de Alagoas – PRODUBAN, Banco sobre o qual os usineiros tinham

a maior parte do comando político (LIMA, 1992).

Nesses pequenos centros do interior originados “[...] em função de engenhos e usinas

[...]” (CORRÊA, 1992, p. 94), os direitos do trabalhador rural, agora assegurados pelo Estado,

vêm acrescentar novos elementos à diferenciação da pobreza. Neste sentido, apresentamos

nos mapas a seguir a distribuição do número de aposentados e pensionistas de Instituto Oficial

da Previdência no período de 1991 a 2010. Vemos que há maior densidade no entorno de

Maceió e São Miguel dos Campos, e certa rarefação nos municípios próximos a Porto Calvo.

Dessa forma, mais uma vez as cidades com menos de 20.000 habitantes, especialmente os

pequenos centros que não chegam a alcançar a cifra de 5.000, tendem a empobrecer e perder

população (tabela 17). Ser pobre aí significa, além de tudo o mais, não ter acesso aos bens

23 No século XXI essa dinâmica conheceria alterações não desprezíveis. O pagamento dos salários aos

trabalhadores por parte das usinas, por exemplo, antes realizado nos barracões das fazendas ou nas próprias

usinas, passaria a ser feito através de bancos, o que terminaria por aumentar as complementaridades do campo

com certas cidades do interior, ao mesmo tempo que contribuiria para o empobrecimento daquelas pequenas

cidades que não abrigam usinas em seus municípios nem muito menos agência bancária no espaço urbano.

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garantidos pelo Estado ou, por exemplo, ter que ir todo mês a uma cidade vizinha para receber

a aposentadoria.

Mapas 26 a 29 - Região Canavieira de Alagoas: aposentados e pensionistas de instituto oficial da

previdência (1991-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Na sequência de mapas a seguir, procuramos sintetizar as principais características e

especificidades locais da pobreza na Região: alto percentual da PEA sem rendimento algum,

ou com baixíssimos rendimentos, e escassez de infra-estrutura urbana básica.

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Mapas 30 e 31 – Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e

mais (1980-1991)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Mapas 32 e 33 - Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e

mais (2000-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 34 a 39 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com instalações sanitárias (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 40 a 45 - Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com água canalizada (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 46 a 51 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com energia elétrica (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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É impressionante o baixo nível de rendimento na Região: em 1980 apenas 5% das

pessoas de 10 e mais auferiam mais de três salários mínimos, porcentagem que chegou a 7%

em 1991, 9% nos anos 2000 e 7% em 2010. Por outro lado, a porcentagem da PEA com

rendimentos de até três salários mínimos conheceu mudanças importantes nas últimas duas

décadas representadas no mapa: em 2000 diminuiu para 39%, uma vez que cresceu o número

de pessoas sem rendimentos; e em 2010 aumentou para 54%, porque diminuiu

expressivamente a parcela da PEA que não auferia rendimentos. Esse crescimento nos níveis

de rendimento dos mais pobres, ocorrido durante os anos 2000, será melhor investigado na

segunda parte da presente tese.

Observamos que os serviços públicos mais dependentes da oferta municipal e/ou

estadual apresentavam situações bastante dramáticas na década de 1970 e, apesar de terem

melhorado significativamente até 2010, não lograram ainda alcançar todas as populações em

todas as cidades. Em 1970, somente 2% dos domicílios da Região apresentavam instalações

sanitárias, enquanto a porcentagem com água encanada alcançava 30%. Em 2010 essas

porcentagens eram, respectivamente, de 27% e 72%.

Quanto à energia elétrica, que com a distribuição da CEAL passou a estar disponível

em todas as sedes municipais da Região já na década de 1970, o problema do acesso se

colocava essencialmente do ponto de vista socioeconômico. Ocorria da forma como constatou

certo relatório da Secretária de Planejamento do Estado de Alagoas para os municípios

próximos a Porto Calvo: “a energia elétrica está presente em tôdas as cidades da região, mas

seu uso é limitado para os da classe média” (SEPLAN, 1968, p. 49). Por isso, apenas em

2010, com as novas possibilidades de obtenção de rendimentos por parte das populações

empobrecidas e em decorrência das políticas públicas criadas a partir de 200324, o acesso à

energia elétrica se apresentava praticamente universalizado

Em síntese, podemos afirmar que nem todas as cidades, nem nestas todos os seus

subespaços, foram diretamente instrumentais à racionalidade externa. Mas, como se tentava

inserir os lugares na dinâmica nacional a partir desse parâmetro importado, os demais

sistemas de objetos e ações são pressionados a participar de maneira subordinada. Daí que as

diferenciações da pobreza na rede urbana e no espaço urbano possam ser tratadas como

concretizações de um mesmo processo (SANTOS, 2008 [1975], pp. 345-363).

24 Destaca-se, nesse sentido, o “Programa Luz Para Todos”, oficialmente chamado de “Programa Nacional de

Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica”, criado pelo Decreto nº 4.873, de novembro de 2003. Até

2013, o estado de Alagoas teve cerca de 98 mil domicílios eletrificados através desse Programa. Dado disponível

em: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=219756 Acesso em maio de 2017.

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A rede urbana da Região Canavieira de Alagoas expressaria não somente as

cooperações locais exigidas pelo acontecer político-institucional ou pelo acontecer

hierárquico, mas também as formas diversas de participação nessa dinâmica dos subsistemas

de objetos e ações subordinados. A análise de Roberto Lobato Corrêa (1992, p. 93) a partir de

dados dos anos 1960, segundo a qual essa rede urbana se caracterizava pela grande

concentração demográfica em Maceió e pela presença de inúmeros centros locais sem

importância alguma, precisaria agora ser atualizada.

Os estudos “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões

de Influência das Cidades - REGIC” (1983; 1993; 2007)25, do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE, possibilitam-nos apreender alguns aspectos do intercâmbio

entre as cidades da Região, ou seja, do acontecer complementar na rede urbana26 (SANTOS,

2009 [1996], pp. 166-167). Vejamos a sequência de mapas a seguir.

25 Além desses, há mais dois estudos realizados pela Secretária de Planejamento do Estado de Alagoas –

SEPLAN em convênio com a SUDENE, sob a coordenação do geógrafo Ivan Fernandes Lima. São eles:

“Estrutura urbana de Alagoas – interação por funções urbanas” e “Estrutura urbana de Alagoas – interação por

fluxos telefônicos” (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1977a; 1977b). Ambos chegaram a resultados

muito semelhantes àqueles do IBGE, mesmo porque a base teórico-metodológica adotada foi idêntica, qual seja,

a teoria dos Lugares Centrais. Pensamos que tais pesquisas apresentam duas limitações principais. A primeira,

que de certa forma vimos apresentando nos dois itens anteriores deste capítulo, é que ao considerar-se alguns

bens e serviços ofertados por uma cidade pode-se ter a impressão de que o comando sobre uma dada região

encontra-se nesta cidade, quando na realidade ambas podem estar cooperando com subespaços longínquos

(SILVA, 2001; DIAS, 1995). A segunda limitação, que procuraremos contornar no próximo item, é reconhecida

amplamente nas explicações metodológicas do IBGE e diz respeito ao fato de a Teoria dos Lugares Centrais não

permitir compreender devidamente como os subsistemas de ações subordinados dinamizam a rede urbana de

maneira particular.

26 Há diferenças metodológicas importantes entre o estudo “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas”

(1972) e as REGICs. Por exemplo, no estudo de 1972, que não partiu da teoria dos Lugares Centrais, foram

investigados, além da distribuição de bens e serviços nos centros urbanos, relacionamentos com base na

comercialização de produtos agrícolas. Acreditamos que se a questão de fundo for tão somente identificar as

cidades do interior que passaram a se destacar na oferta de alguns bens e serviços aos centros locais da Região,

como é o que pretendemos aqui, tais diferenças não impedem de estabelecermos certas comparações entre eles.

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Mapas 52 a 55 – Região Canavieira de Alagoas: hierarquia dos centros urbanos segundo o estudo “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões de Influência das Cidades - REGIC” (1983, 1993, 2007)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração cartográfica: Luciano Duarte

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De acordo com os mapas, apesar de outras cidades terem aparecido num momento ou

noutro com certa importância (o caso mais persistente é o de Viçosa), quatro centros urbanos

despontaram no interior: São Miguel dos Campos, Porto Calvo, União dos Palmares e

Penedo. Na realidade, este último já exercia há muito tempo um papel importante na rede de

cidades do baixo São Francisco, no entanto somente com a expansão da cana e a instalação de

duas destilarias nessa área é que ficamos autorizados a incluí-lo na Região Canavieira

(MONTEIRO, 2013 [1962], pp. 92-102). Mesmo assim, fica claro quando olhamos as cidades

com as quais Penedo se relaciona que a sua dinâmica urbana está para além da Região

Canavieira, e mesmo do estado.

Dessa forma, notadamente as cidades de São Miguel dos Campos, Porto Calvo e

União dos Palmares, encravadas no meio do canavial, são pressionadas, por um lado, a

adaptarem uma pequena parcela dos seus sistemas de objetos e ações a uma racionalidade

externa e à viabilização dos direitos do trabalhador rural; por outro lado, a presença de um

número significativo de pessoas de baixos rendimentos e sem direitos sociais garantidos, tanto

do próprio município quanto migrantes de municípios vizinhos, impulsiona a adaptação da

economia, da política e do espaço dessas cidades.

É dessa forma que o acréscimo desigual de técnica e informação aos lugares se torna

responsável pelas novas cooperações campo-cidade, e entre as próprias cidades. São

cooperações devidas não somente às possibilidades oferecidas à ação humana pelo quadro

natural, ou então apenas por sistemas técnicos articulados na escala regional, conforme

ocorreu nos períodos anteriores da história da Região. Os meios informacionais desempenham

agora um papel fundamental, daí que as relações horizontais não se expliquem sem a

referência aos comandos externos. Estamos, assim, diante do acontecer complementar.

Como se manifestaria a pobreza no espaço urbano de Porto Calvo, União dos Palmares

e São Miguel dos Campos? Como as populações mais pobres iriam habitar e trabalhar? Teria

continuidade, agora fora da grande propriedade do usineiro, a percepção de uma “cidadania

concedida” (SALES, 1992), ou presenciaríamos daí em diante a lógica da “cidadania

regulada” (SANTOS, 1979) se perpetuar nas cidades do interior da Região Canavieira? Como

os diferentes subsistemas de objetos e ações que intentam adaptar as cidades se relacionam

com as pequenas cidades do entorno?

Inicialmente abordaremos essas questões no próximo item, mas elas continuarão sendo

problematizadas até o final da tese.

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2.5. A Apreensão do Espaço Dividido: pobreza urbana em Porto Calvo, União dos

Palmares e São Miguel dos Campos

Alcançadas de diferentes maneiras pelos processos de mecanização da circulação e da

produção, as cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos

acabaram participando, nos períodos anteriores, em graus diversos e em diferentes momentos

da vida urbana regional. As condições naturais ou artificialmente criadas para a circulação de

açúcar oferecidas, por exemplo, por Porto Calvo e União dos Palmares durante certo tempo,

deram às atividades e aos atores sociais que aí se instalaram possibilidades de contatos

privilegiados com outros subespaços. Nada que se comparasse, porém, às condições

oferecidas por Maceió. Em resumo, a distribuição pontual dos elementos e variáveis que

constituíam a vida urbana na Região podia ser atribuída, em larga medida, à racionalização

limitada do meio geográfico, particularmente dos meios de transporte (CORRÊA, 1992;

SANTOS, 2008 [1993], p. 9).

Os processos de racionalização do espaço geográfico derramariam sobre essas cidades,

agora de maneira sincrônica, ainda que novamente seletiva, novos conteúdos urbanos, que as

tornariam cada vez mais integradas à Região e ao território nacional (GEIGER, 1963). Como

vimos, os novos meios de transporte e de comunicação e a migração campo-cidade tornaram a

urbanização um fenômeno generalizado na Região; paralelamente, a seletividade dos

consumos exigidos pelo campo e, particularmente, a necessidade de viabilizar os direitos do

trabalhador rural passam a demandar sistemas de objetos específicos em Porto Calvo, União

dos Palmares e São Miguel dos Campos. Além disso, a pobreza passa a ser um fenômeno

sobretudo urbano, o que requer também adaptações nada desprezíveis dessas três cidades.

Acreditamos que, tratados de maneira indissociáveis, a cidade e o urbano desses três

municípios podem oferecer uma síntese privilegiada de como a realidade urbana da Região

Canavieira de Alagoas se insere no processo de racionalização do espaço brasileiro.

2.5.1. Porto Calvo

Originada de um pequeno porto para o transporte do açúcar na área canavieira mais

antiga de Alagoas, com ocupação iniciada em cima de um pequeno morro à margem esquerda

do Rio Manguaba a cerca de 20 km do litoral, a cidade de Porto Calvo, que havia perdido

expressividade urbana por não ter sido contemplada com as ferrovias, começa nos anos 1960

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a ascender como o principal centro de distribuição de bens e serviços para minúsculas cidades

extremamente pobres do norte de Alagoas.

A emancipação dos municípios de Jacuípe, Jundiá, Matriz de Camaragibe e

Japaratinga ao longo da década de 1950, que cria cidades isoladas no meio do canavial,

somada à construção da AL -101 norte27 acabam por colocar Porto Calvo no entrecruzamento

de várias estradas vicinais e de novas e velhas cidades localizadas entre a BR – 101 e o litoral

norte de Alagoas.

Adicionalmente, com a falência da usina São Francisco (1961) de São Luís do

Quitunde e da usina Santa Amália de Passo de Camaragibe (1973), Porto Calvo torna-se o

município do norte a leste da BR – 101 com maior número de unidades industriais, abrigando

a usina Santana (1957) e a destilaria Maciape (1974).

Se é possível afirmar que Matriz de Camaragibe foi no pequeno intervalo entre sua

emancipação e meados dos anos 1960 a principal cidade da porção norte da Região

Canavieira, momento em que a pavimentação da AL – 101 norte ainda estava em andamento,

a construção do Hospital Municipal São Sebastião e a instalação de uma agência do

PRODUBAN (viabilizada com cessão do prédio pela prefeitura municipal) em Porto Calvo,

no final da década de 1960, terminaram alterando essa dinâmica (SEPLAN, 1968, pp. 50-51).

O espaço urbano de Porto Calvo passava, então, a abrigar serviços que não estavam

disponíveis em nenhuma cidade do entorno.

Presenciamos, desta forma, o surgimento de uma dinâmica deveras nova no alto do

morro da cidade de Porto Calvo. Aí, primeiramente, “[...] se construíram armazéns, os

trapiches, em que se acumulavam, à espera das barcaças, o açúcar e os outros produtos de

exportação” e as “[...] casas que negociavam com produtos importados – sal, tecidos, etc. [...]”

(ANDRADE, 2010 [1968], pp. 145-16); em seguida, a feira-livre instalada nessa área, apesar

de não ser muito expressiva por conta da existência de outras feiras nas fazendas das usinas,

atraía os produtos da praia (coco e peixe) e dos pequenos roçados (SEPLAN, 1968, p. 50).

Com a instalação do Hospital e da agência do PRODUBAN podemos assegurar que estamos

em face de um intercâmbio geográfico que se explica em função da própria racionalidade do

espaço urbano sintetizada nos novos fixos.

27 Para o período em análise, estamos considerando a AL – 101 norte como consta no documento “Estudo de

Viabilidade de Estradas Vicinais” (1972), do Departamento de Estradas de Rodagem - DER AL. Aí essa rodovia

compreende o trecho que vai de Maceió até Maragogi via Porto Calvo. A pavimentação até esta última cidade,

conforme consta no mesmo documento, já havia sido concluída em 1972. Atualmente a nomenclatura mudou e o

trecho que corta Porto Calvo é denominado de AL – 105 (ver mapa 3)

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Nos dois decênios posteriores, com a instalação, também no alto do morro, de uma

agência do Banco do Brasil e um posto do antigo Instituto Nacional da Previdência – INPS

esse intercâmbio foi ratificado. Como é possível notar nos mapas 56 e 57, os principais fixos

públicos e econômicos que a cidade passou a abrigar foram instalados na mesma área.

Mapas 56 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1972

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 57 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Um bom indicativo dessa nova dinâmica é, sem sombra de dúvidas, a maneira como

foi se organizando, pouco a pouco, um sistema de transporte regular entre os pequenos

centros urbanos da área e Porto Calvo. Se algumas empresas que passaram a realizar o

transporte de passageiro de Maceió até Recife podiam servir às cidades localizadas ao longo

da AL – 101, no caso das pequenas cidades, servidas por péssimas estradas, tratava-se de um

fluxo de pessoas bastante irregular que, ao que tudo indica, teve origem com as feiras e

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123

começou a ganhar certa regularidade em função das necessidades de ir em busca de bancos,

INPS etc. Não deixou, todavia, de ser restrito a alguns dias do mês, o que criava

oportunidades para agentes econômicos locais que pudessem melhor se adaptar a essa

demanda. É o que procura mostrar o quadro 6.

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124

Quadro 6 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em Porto Calvo e nas cidades do entorno

*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos

optamos por manter os números colhidos no trabalho de campo.

** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação. Supõe-se que quando aparece “INPS” trata-se de uma linha de transporte mais antiga.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Cidade de

origem

Década do

surgimento

Linhas que perfaziam quando

surgiu

Algumas características no período

de surgimento

Perfil dos passageiros que

circulavam no período de

surgimento

Ano em que passou a

se organizar como

associação

Algumas características atuais (2016) *

Porto Calvo Década de 1980

Porto Calvo-Maceió (via Matriz

de Camaragibe, São Luís do

Quitunde e Barra de Santo

Antônio) e Porto Calvo -

Maragogi (via Japaratinga)

Na década de 1980 havia

aproximadamente 64 carros (modelo

Kombi) que se dividiam entre as

linhas Porto Calvo - Maceió e Porto

Calvo - Maragogi. Os carros saíam à

medida que completavam o número

de passageiros, cada motorista tendo

sua vez. Apesar de não estarem

organizados em associação, havia

certo controle por parte dos próprios

trabalhadores sobre a entrada e saída

de novos transportadores nas linhas.

Com destino a Maceió circulavam as

populações de maiores rendimentos,

com destino a Porto Calvo circulavam

populações de todos os rendimentos

em busca de bancos, INPS**,

hospital, feira etc.

1999

São 35 carros, sendo que 3 fazem a linha Porto de

Pedras – Maceió e 32 se dividem entre as linhas Porto

Calvo - Maceió e Porto Calvo -Maragogi. Não há linha

direta de transporte de Japaratinga nem de Porto de

Pedras para Porto Calvo. Quem viaja de Japaratinga

toma o transporte da linha Maragogi – Porto Calvo e

quem viaja de Porto de Pedras para Porto Calvo tem

que descer antes em São Luís do Quitunde. Toda a

organização das linhas é, desde 2004, feita pela

Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de

Alagoas – ARSAL.

Jacuípe Não foi possível

obter informações

Jacuípe – Porto Calvo e Jacuípe -

Palmares (PE) Não foi possível obter informações

Essencialmente populações de baixos

rendimentos: trabalhadores de usinas

e/ou seus familiares em busca de

bancos, INSS**, hospital, feira, etc.

Não há associação

São 3 carros na linha Jacuípe-Porto Calvo e 3 na linha

Jacuípe-Palmares-PE. O transporte é realizado em

carros do modelo Kombi e doblô. Não foi possível

saber se há alguma regulação da parte do poder

público.

Jundiá Não foi possível

obter informações

Jundiá - Porto Calvo, Jundiá -

Novo Lino, Jundiá Palmares e

Jundiá Maceió

Não foi possível obter informações

Populações de baixos rendimentos

(trabalhadores de usinas e/ou seus

familiares) em busca de bancos,

INPS**, hospital, feira, etc.).

Não há associação

São 4 carros na linha Jundiá - Porto Calvo, 3 na linha

Jundiá Palmares, 3 na linha Jundiá - Novo Lino e 1 na

linha Jundiá - Maceió. Não foi possível saber se há

alguma regulação da parte do poder público.

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125

Pelas informações apresentadas no quadro é possível dizer que as novas relações entre

as cidades expressam-se, sobretudo, na economia urbana de Porto Calvo, uma vez que foi

principalmente esta cidade que reuniu as condições necessárias para implementar o transporte

regular de passageiros entre as pequenas cidades do seu entorno.

Desse modo, o novo urbano de Porto Calvo é responsável, de várias formas, por um

processo de grandes mudanças nas atividades que esta cidade passa a abrigar. A redistribuição

da população total entre a cidade e o campo, assim como da população economicamente ativa

- PEA entre os setores da economia são, dentre outros, indicadores confiáveis de tais

mudanças.

Se no decorrer da década de 1960 a população urbana de Porto Calvo não conheceu

acréscimos, a partir de 1970 observamos que o crescimento da população total passa a ser

sentido, sobretudo, pela cidade (gráfico 1). Esta, adicionalmente, acolhe os migrantes do

campo, ainda que a migração campo-cidade aí ocorra lentamente devido ao peso das velhas

estruturas sociais, que contribuem para manter, ainda que com tendência ao desaparecimento,

algumas casas de moradores nas fazendas das usinas.

Gráfico 1 – Porto Calvo: Evolução da População Urbana (1960-2010)

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

Quanto à distribuição da PEA, como mostra o gráfico 2, constatamos uma dinâmica

semelhante: a participação do setor primário no total da PEA, que praticamente não se alterou

entre 1960 e 1970, começa a declinar nesta última década. Daí em diante, são os comércios e

serviços que tendem a aumentar a participação na PEA, ao passo que a parte que cabe ao setor

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126

secundário, ainda que tenha tido certo impulso entre 1970 e 1980 com a instalação da

destilaria Maciape, tende a manter-se (exceção feita a década de 1990, quando diminuiu

consideravelmente).

Gráfico 2 – Porto Calvo: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-2010)

* Excluídas as atividades não identificadas

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

O lento acréscimo nos números totais, tanto da PEA como da população total, é

revelador da gravidade da pobreza em Porto Calvo. Estamos tratando de um município onde,

desde 1980, a porcentagem de pessoas que auferem mais de três salários mínimos, entre todas

aquelas de 10 anos e mais de idade, nunca alcançou sequer 4%. Se a partir dessa mesma

década formos considerar os que auferem rendimentos superiores a 10 salários mínimos,

chegamos ao número máximo de 84 pessoas alcançado em 2000. Na realidade, as grandes

variações nos rendimentos da população portocalvense, como em toda a Região Canavieira de

Alagoas, ocorrem entre os mais pobres: a primeira se dá entre 1991 e 2000, quando a

porcentagem de pessoas de 10 e mais sem rendimentos aumenta de 50% para 58%; e a

segunda, entre 2000 e 2010, quando essa porcentagem cai para 42%.

Paralelamente aos processos que vimos descrevendo, a cidade de Porto Calvo vai

sendo moldada de maneira mais flexível por outros sistemas de objetos e ações. Trata-se de

um processo que revela as especificidades do processo de racionalização das cidades dos

países periféricos (SANTOS, 2008 [1994], pp. 69-75). Acreditamos que um bom indicador

inicial dessa flexibilidade seja a forma de ocupação dos espaços urbanos pelas populações

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pobres, ainda mais porque na situação em análise tais populações representam quase toda a

população urbana.

Pelas informações disponíveis no documento “Diagnóstico Habitacional” (FIPLAN,

1988), produzido pela Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas – SEPLAN em

convênio com a SUDENE, podemos dizer que durante a década de 1970 teve início a

ocupação de novos espaços na cidade de Porto Calvo. Vale lembrar que entre 1970 e 1980 a

população urbana desse município quase dobrou, passando de 4.977 para 8.480 pessoas.

Como o número da população urbana total ainda era pequeno, inicialmente essa ocupação

ocorreu descendo o morro em direção à várzea do Rio Manguaba. Em verdade, tratava-se da

criação apenas de novas ruas. Somente na década de 1990 é que observamos a criação do

Bairro da Mangazala e, nos anos 2000, do Oscar Cunha, ambos às margens da AL - 101.

Esses aspectos gerais da nova forma de constituição da cidade de Porto Calvo são

apresentados no quadro a seguir. Com ele, temos somente o objetivo de apontar como uma

característica do processo de racionalização das cidades brasileiras se revela nas cidades de

uma Região tão pobre.

Quadro 7: década e formas de ocupação dos bairros de Porto Calvo - AL

Bairro Década de surgimento Formas de ocupação

Centro Não foi possível obter

informações

Venda e doação de terrenos (não foi possível saber que

doou)

Mangazala Década de 1990 Doação de terrenos por parte da prefeitura e venda de

alguns terrenos por particulares

Oscar Cunha Década de 2000 Doação de terrenos por parte da prefeitura; venda de

terrenos por particulares; e Programa Minha Casa, Minha

Vida Fonte: FIPLAN (1988) e trabalhos de campo (2014-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Em resumo, podemos dizer que a própria evolução do espaço urbano de Porto Calvo,

assim como suas relações externas e internas, passam a resultar da convivência entre os

subsistemas de objetos e ações valorizados pela sociedade e todos os demais objetos e formas

de fazer. Estes últimos constituem, de longe, a grande maior parte da cidade, mas são

compelidos a se adaptar ou funcionar de maneira subordinada.

Uma expressão desse verdadeiro “Espaço Dividido” (SANTOS, 2008 [1975], p. 44) é

a diversidade de formas de organização social, espacial e política das atividades econômicas

que passam a conviver na cidade. Por isso, de acordo com Milton Santos, seria melhor de

agora em diante, tanto para fins operacionais como para buscar a compatibilidade das teorias

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128

com a nova realidade urbana dos países periféricos, diferenciar tais atividades segundo os

graus de técnica, capital e organização a partir dos quais elas funcionam. Mesmo que, por

exemplo, o pequeno comércio e a feira-livre28 passem a funcionar em Porto Calvo na mesma

rua que o PRODUBAN e o Banco do Brasil, no caso dos primeiros o nível de capital é baixo,

e disso depende, em larga medida, suas possibilidades de organização. São atividades que

pertencem, na sua maior parte, ao circuito inferior da economia urbana, enquanto os bancos

fazem parte do circuito superior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]).

Segundo o mesmo autor (2008 [1975], pp. 40-42), cada circuito pode ser definido a

partir do conjunto de atividades que abrange e da população que a ele recorre para trabalhar

e/ou para consumir. Não se trata de uma lista rígida de atividades que devem estar presentes

na cidade para que cada circuito seja delimitado, porque no caso de Porto Calvo, por exemplo,

ainda que não tenhamos o intuito de fazer um levantamento exaustivo de todas as atividades

que existiram nesta cidade no período em análise, já ficou claro que era pontual a presença do

circuito superior. Frequentemente ocorre de a população de um dos circuitos consumir um

bem ou serviço em outro, isto vai depender bastante da forma como se entrelaçam os dois

circuitos em cada contexto urbano-regional, assim como de cada época.

Os elementos do circuito superior são: os bancos, indústria e comércio urbano

modernos, indústria e comércio de exportação, serviços modernos, atacadistas e

transportadores. Cada um desses elementos relaciona-se de maneira específica com os demais,

com a cidade na qual está presente e com o outro circuito, o circuito inferior da economia

urbana. Este abrange o comércio não-moderno (geralmente de pequena dimensão), os serviços

não-modernos e as formas de fabricação que não exigem muito capital (SANTOS, 2008

[1975], p. 40).

28 Roberto Lobato Corrêa (1988, p. 72) lembra que, “no Nordeste brasileiro, os mercados periódicos ou feiras

constituem um dos componentes fundamentais da rede de localidades centrais, coexistindo com outros

componentes de localização fixa”. E que, “quanto maior for a importância da cidade, em termos de centralidade,

maior será a importância absoluta de sua feira, importância determinada segundo o número de participantes e a

área de atuação da mesma” (p. 73). Trata-se de um mercado tradicional do Nordeste, umbilicalmente ligado à

economia e à cultura dos lugares, que também se moderniza seletivamente e passa a participar ativamente da

conformação das redes urbanas nordestinas.

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129

2.5.2. União dos Palmares

Mais jovem que Porto Calvo, a cidade de União dos Palmares, surgida às margens do

Rio Mundaú numa área em que a resistência negra havia inicialmente impedido a expansão da

cana (LIMA, 1992, pp. 81-83), acompanhou um pouco mais de perto a vida urbana regional

na primeira metade do século XX em função das possibilidades de circulação que foram-lhe

abertas pela chegada das ferrovias. A estação ferroviária, a cerca de 0,5 km das margens do

Rio Mundaú onde teve início a cidade, já havia direcionado a localização de alguns fixos,

como as agências do Banco do Brasil e dos Correios, para suas proximidades. Tudo isso

termina condicionando o ingresso de União dos Palmares no período de racionalização do

espaço urbano.

Entre as décadas de 1960 e 1990 a Praça Antenor Uchôa e a Avenida Monsenhor

Clovis Duarte de Barros passaram a abrigar mais duas agências bancárias (do PRODUBAN e

do Banco do Nordeste), além de um Posto do Instituto Nacional da Previdência – INPS, um

cinema etc. Nos mapas 58 e 59 podemos observar como se distribuíam no espaço urbano os

principais fixos que foram instalados nesse intervalo de tempo.

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Mapas 58 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1971

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapas 59 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Até mesmo os fixos mais antigos estavam agora ingressando numa nova dinâmica.

Uma instituição de caridade como o Hospital São Vicente de Paulo, por exemplo, inaugurada

em 1937 para lidar com situações locais de pobreza e indigência do entorno de União dos

Palmares, teria vários equipamentos necessários ao seu funcionamento adquiridos pelo

FUNRURAL, além de uma sala específica para atender aos segurados do INPS

(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1971, p. 61). Neste caso, como em vários outros, o acontecer

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político-institucional mediava parte importante do novo papel que a cidade de União dos

Palmares passa a exercer face aos pequenos centros urbanos do entorno.

Esse papel não é compreensível sem mencionarmos a construção da BR – 104 e a

instalação da Usina Lajinha (1936) no município. Embora o vizinho município de São José da

Laje sediasse uma das mais antigas e maiores usinas da Região Canavieira, a emancipação

dos municípios de Santana do Mundaú (cuja principal estrada demandava a cidade de União

dos Palmares) e de Branquinha (a cerca de 10 km de União dos Palmares) durante a década de

1960, assim como a ampliação dos serviços bancários e de saúde sediados no espaço urbano

palmarino, confirmaram as novas formas de intercâmbio geográfico de União dos Palmares

com os centros urbanos do seu entorno.

No quadro 8 procuramos mostrar como esse intercâmbio propiciou o surgimento de

um sistema interurbano de transporte de passageiros. Vejamos.

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Quadro 8 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em União dos Palmares e nas cidades do entorno

*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos optamos por manter os

números colhidos no trabalho de campo.

** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Cidade de

origem

Década do

surgimento

Linhas que perfaziam quando

surgiu

Algumas características no período de

surgimento

Perfil dos passageiros que circulavam

no período de surgimento

Ano em que passou a se

organizar como

associação

Algumas características atuais (2016) *

Branquinha Década de 1990 Branquinha - União dos Palmares e

Branquinha - Murici

Rodavam em média 15 carros do modelo

Kombi na linha Branquinha - União dos

Palmares. Não há registro sobre a

quantidade de carros na linha Branquinha

– Murici. Para trabalhar no transporte

bastava comprar um carro e sair pegando

passageiros, não havia qualquer controle

sobre a entrada e saída de transportadores.

Essencialmente trabalhadores de usinas e

seus familiares, aposentados e

funcionários públicos que buscavam

bancos, INSS**, hospital etc.

2002 (antes disso os

trabalhadores estavam

vinculados à associação

de União dos Palmares)

São 12 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha

Branquinha - União dos Palmares. A linha Branquinha –

Murici não existe mais. Toda a organização da linha é, desde

2011, feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos

do Estado de Alagoas – ARSAL.

Santana do

Mundaú Década de 1970

Santana do Mundaú - União dos

Palmares

Os carros eram do modelo F 4.000 e D-20

(em função das péssimas condições da

rodovia AL - 205). Não há registro na

associação sobre o número de carros que

rodavam nesse período. Para trabalhar no

transporte bastava comprar um carro e

sair pegando passageiros, não havia

qualquer controle sobre a entrada e saída

de transportadores.

Trabalhadores de usinas, pequenos

agricultores e funcionários públicos. 1997

São 22 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha

Santana do Mundaú - União dos Palmares. Toda a

organização das linhas é, desde 2013, feita pela Agência

Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –

ARSAL.

Murici Década de 1980 Murici - Maceió

Só há registro na associação de que o

modelo de carro utilizado era Kombi.

Para trabalhar no transporte bastava

comprar um carro e sair pegando

passageiros, não havia qualquer controle

sobre a entrada e saída de transportadores.

Não soube informar. 1995

São 14 carros na linha Murici - Maceió e 8 carros na linha

Murici - União dos Palmares (modelos van, ducato e micro-

ônibus). Toda a organização das linhas é, desde 2010, feita

pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de

Alagoas – ARSAL.

Ibateguara Década de 1980 Ibateguara - União dos Palmares e

Ibateguara - Maceió

Rodavam em média 5 carros (modelos

caravan e veronez) dividindo-se entre as

linhas Ibateguara - União dos Palmares e

Ibateguara - Maceió. Os carros não

rodavam todos os dias, e para Maceió iam

somente 3 vezes por semana. Para

trabalhar no transporte bastava comprar

um carro e sair pegando passageiros, não

havia qualquer controle sobre a entrada e

saída de transportadores.

Funcionários públicos, trabalhadores de

usina e aposentados que buscavam

bancos, hospitais, feira e INPS**.

1993

São 20 carros, sendo 15 na linha Ibateguara - União dos

Palmares e 5 na linha Ibateguara - Maceió (todos modelos

van e ducato). Toda a organização das linhas é, desde 2011,

feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do

Estado de Alagoas – ARSAL.

São José da Laje Década de 1970

São José da laje – União dos

Palmares e São José da Laje –

Maceió

Não foi possível obter informações.

Funcionários públicos, trabalhadores de

usina e aposentados que buscavam

bancos, hospitais, feira e INPS**.

1990 (vinculada à

associação de União dos

Palmares)

São 7 carros na linha São José da Laje – Maceió e 9 carros

na linha São José da Laje – União dos Palmares (todos

modelos van e ducatos). Toda a organização das linhas é

agora feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos

do Estado de Alagoas – ARSAL (não foi possível saber

desde quando).

União dos

Palmares Década de 1970

União dos Palmares - Maceió; União

dos Palmares - São José da Laje;

União dos Palmares - Murici; União

dos Palmares - Usina Lajinha

Eram carros dos modelos caravan e

Kombi, sendo a maior parte (cerca de 50

carros) na linha União dos Palmares –

Maceió. Apesar de não estarem

organizados em associação, havia certo

controle da parte dos próprios

trabalhadores sobre a entrada e saída de

novos transportadores nas linhas.

Na linha União dos Palmares - Maceió

predominavam populações de

rendimentos mais elevados, mas nas

demais circulavam principalmente

trabalhadores de usinas e aposentados em

período de pagamento.

1990

São 44 carros na linha União dos Palmares - Maceió; e 23 na

linha União dos Palmares - São José da Laje. A linha União

dos Palmares – Murici hoje é feita por trabalhadores da

associação de Murici e a linha União dos Palmares – Usina

Lajinha foi extinta com a falência desta usina em 2013. Toda

a organização das linhas é agora feita pela Agência

Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –

ARSAL (não foi possível saber desde quando).

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A busca por adaptação à realidade de cada cidade se revelava, por exemplo, na escolha

do carro para o transporte: enquanto nas cidades localizadas ao longo da BR – 104 utilizavam-

se, principalmente, os modelos Kombi e Caravan, na linha de Santana do Mundaú, em função

das péssimas condições da estrada, predominavam os caminhões e pickups. A mudança que

essa dinâmica foi conhecendo com o tempo pode ser visualizada nas duas fotos a seguir.

Foto 1 - Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (década

de 1980)

Fonte: Arquivo Pessoal de

Dyva Silva

Adaptação: Fernando Silva

(2017)

Foto 2: Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (2015)

Fonte: Trabalho de Campo

realizado (2015)

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Ainda no quadro 8 podemos observar que, diferentemente da área de Porto Calvo, aqui

esse sistema originou-se em cada centro urbano. Essa organização, contudo, não deixou de ser

sentida, sobretudo, pela economia urbana de União dos Palmares. Como ocorre até hoje,

notamos que os transportes de Branquinha e Santana do Mundaú tinham como destino, quase

que exclusivamente, a cidade de União dos Palmares. Dessa forma, passageiros com destino a

Maceió, por exemplo, passariam antes por União dos Palmares ou seriam levados pelos carros

que partissem desta cidade.

Ganharam ímpeto, deste modo, transformações importantes na economia urbana de

União dos Palmares, delineando um diverso e amplo circuito inferior da economia urbana.

Trata-se de uma das especificidades dessa cidade face às demais do interior da Região que

estamos focando. Veremos a população urbana crescer sustentadamente, assim como

observaremos o surgimento de bairros periféricos com quadros populacionais expressivos,

somente superados na Região por Maceió (FIPLAN, 1988).

A população urbana de União dos Palmares dobrou entre 1950 e 1970 (de 8.269 para

16.753), mesmo com o desmembramento de Santana do Mundaú, e dobrou novamente entre

1970 e 1991 (passou para 34.040). O maior crescimento ocorreu durante a década de 1980,

quando foram acrescentados 11.574 habitantes à população urbana. A partir de 1991 o

crescimento se deu de maneira mais lenta: em 2010 tínhamos o total de 47.651 habitantes

morando na cidade.

De acordo com o citado documento “Diagnóstico Habitacional”, União dos Palmares,

no final dos anos 1980, já tinha 15.480 moradores vivendo em condições precárias de

habitabilidade: quase todas as habitações sem título de posse da propriedade, sem

esgotamento sanitário, sem água encanada e sem energia elétrica. Para efeitos de comparação,

esse número de moradores era de 76.704 para Maceió, 8.100 para Penedo, 1.630 para Porto

Calvo e 300 para São Miguel dos Campos. No quadro a seguir, podemos observar as formas

de ocupação dos bairros criados em União dos Palmares.

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Quadro 9: década e formas de ocupação dos bairros de União dos Palmares - AL

Bairro Década de

surgimento

Formas de ocupação

Centro Não foi possível obter

informações

Venda e doação de terrenos (não foi possível saber

que doou)

Francisco Correia

Viana (Jatobá)

Não foi possível obter

informações

Venda e doação de terrenos (não foi possível saber

que doou)

Democrático

Gracindo (Taquari)

Não foi possível obter

informações

Venda e doação de terrenos (não foi possível saber

que doou)

Várzea Grande Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Presidente Kennedy Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Alto do Cruzeiro Década de 1940 Vendas de terrenos por particulares e doação de

terrenos por parte da igreja

Cohab 1 e 2 Década de 1960 Construídas pela Companhia de Habitação Popular

de Alagoas - COHAB

Nossa Senhora de

Fátima

Década de 1960 Casas construídas e vendidas pela Fundação

Alagoana de Serviços Assistenciais

Presidente Costa e

Silva

Década de 1970 Venda de terrenos por particulares e doação de

terrenos pela prefeitura.

Roberto Correia de

Araújo

Década de 1970 A maioria dos terrenos foi doada por políticos,

prefeitura e igreja.

Santa Fé Década de 1980 "Invasão" do prédio da antiga Colônia Penal “Santa

Fé”

Abolição Década de 1990 Venda e doação de terrenos (não foi possível saber

que doou)

Nossa Senhora das

Dores

Década de 1990 "Invasões", doação e venda de terrenos (não foi

possível saber quem doou)

Conjunto Sagrada

Família

Década de 1990 "Invasão", doação por parte da prefeitura e venda de

terrenos por particulares

Santa Maria

Madalena

Década de 1990 Venda e doação de terrenos (não foi possível saber

que doou)

Padre Donald Década de 2000 Programa de Reconstrução pós enchente de 2000

Conjunto Nilton

Pereira

Década de 2010 Programa de Reconstrução pós enchente de 2010

Conjunto Nova

Esperança

Década de 2010 Programa de Reconstrução pós enchente de 2010

Fonte: FIPLAN (1988); Ministério do Interior (1971); site do Programa da Reconstrução dos Atingidos pelas

Enchentes (http://www.reconstrucao.al.gov.br/) e trabalhos de campo (2014-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Contribuem para a esse crescimento, sem dúvida alguma, as constantes enchentes na

bacia do Rio Mundaú, ou melhor, a forma como o poder público foi lidando ou não com esses

eventos “naturais”. Ocorreram, desde a década de 1960, cinco grandes cheias nos anos de

1969, 1988, 1989, 2000 e 2010 (FRAGOSO JÚNIOR, et al, 2010). Como até a década de

1970 os poucos mais de 16.000 habitantes urbanos estavam concentrados nas proximidades

do Rio Mundaú (SILVA E PIMENTEL, 2011), o saldo das enchentes era um grande número

de casas destruídas. Até o final do século XX, posteriormente às cheias ocorriam ocupações

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de terrenos, ocupações de prédios públicos (caso da antiga Colônia Penal Santa Fé) ou doação

de terrenos por parte da prefeitura, igreja ou proprietários locais. Esse processo não contribuiu

para a continuidade da percepção de uma “cidadania concedida” (SALES, 1992)? Somente no

século XXI é que as casas para os desabrigados passaram a ser construídas por meio de

programas específicos direcionados às populações afetadas.

Ao processo de flexibilização da cidade, corresponde o crescimento de um terciário de

baixíssimo rendimento, que abriga tanto a PEA desempregada permanentemente como a que

trabalha apenas durante o período de safra da Usina Lajinha29. Observamos no gráfico 3 que a

partir da segunda metade do século passado a PEA do setor terciário cresce de maneira

sustentada, enquanto a do setor secundário cresce lentamente e, às vezes, até diminui.

Gráfico 3 – União dos Palmares: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-

2010)

* Excluídas as atividades não identificadas

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

Em 1980, somente 67 (sessenta e sete) pessoas auferiam mais de 10 salários mínimos

em União dos Palmares, total que era de 137 (cento e trinta e sete) em 1991, de 341 (trezentos

29 A Companhia de Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL, antes de ser extinta em 2000, ainda criou o

Distrito Industrial Floriano Rosa na cidade de União dos Palmares (Lei 760/1989). No Cadastro Industrial de

1993-94 a principal fábrica que aparece nesse Distrito é a Indústria de Laticínios São Domingos (com menos de

100 trabalhadores). Contudo, a dinâmica que o Distrito Industrial de União dos Palmares conheceu daí em diante

se explica, sobretudo, pela aceleração do acontecer hierárquico na Região, que veremos melhor no próximo

capítulo.

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e quarenta e um) em 2000 e 172 (cento e setenta e dois) em 2010. Por outro lado, a

porcentagem de pessoas de 10 anos e mais que tinha rendimentos de até 3 (três) salários

mínimos nesse intervalo foi respectivamente de: 47%, 50%, 41%, 55%. Essa diminuição dos

anos 2000 se deu porque aumentou bastante o percentual dos sem rendimentos, ao contrário

do que verificamos em 2010.

2.5.3. São Miguel dos Campos

São Miguel dos Campos foi, sem dúvida alguma, a cidade do interior da Região

Canavieira de Alagoas que participou com mais vigor dessa nova fase da urbanização.

Embora esse centro tenha conhecido uma vida urbana importante como entreposto comercial

no século XIX, e ainda que a fábrica de tecidos de Vera Cruz tenha aí aportado alguns dos

mais novos elementos de racionalização da sociedade na primeira metade do século XX, é

somente com a viabilização dos tabuleiros para o cultivo da cana que a cidade de São Miguel

dos Campos vai assumir um papel de destaque face aos pequenos centros urbanos de suas

proximidades.

É correto afirmar que até os anos de 1960 o espaço urbano de São Miguel dos Campos

relacionava-se com o seu entorno em função, sobretudo, da existência da Santa Casa de

Misericórdia (criada em 1926), que buscava lidar com manifestações locais de pobreza

(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1972, p. 128), e de sua feira-livre tradicional. Como

explicava Manuel Correia de Andrade (2010 [1958], pp. 85/93), no final da década de 1950,

se a generalização do uso do caminhão poderia ocasionar a perda da importância de uma feira

que surgiu pelo uso do Rio São Miguel como meio de transporte, a proximidade da Usina

Caeté da cidade de São Miguel dos Campos contribuía, ao contrário, para reforçar tal

importância. Dizia o autor que, diferentemente das outras usinas da área, “a Caeté não possui

feira uma vez que, situada a 1 km da cidade de São Miguel dos Campos, podem os seus

empregados se abastecer na feira da cidade [...]” (pp. 90-91).

O grande crescimento das usinas mais antigas da área, assim como a instalação de

novas grandes usinas a partir dos incentivos fornecidos pelos programas federais, tornam a

urbanização aí mais acelerada do que em qualquer outra parte da Região Canavieira de

Alagoas. Adicionalmente, as emancipações de Boca da Mata e Campo Alegre durante a

década de 1950, e de Roteiro nos anos 1960 (todos desmembrados do território de São Miguel

dos Campos), contribuem também para alterar a geografia urbana da área, porque criam

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139

pequenos centros urbanos nas proximidades de São Miguel dos Campos que vão ficando

incapazes de atender a demanda local exigida pelo período que então se inicia.

A relação de São Miguel dos Campos com esses centros foi redefinida quando no

espaço urbano miguelense foram instalados novos fixos geográficos para atender a demanda

das populações locais. Conforme os mapas a seguir, esses fixos passaram a localizar-se a

noroeste das margens do Rio São Miguel onde teve início a cidade, sobretudo nas ruas Barão

de Jequiá e Visconde de Sinimbu.

Mapas 60 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1972

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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140

Mapas 61 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Observamos, então, o surgimento de um sistema local de transporte. Com origem em

cada uma das cidades do entorno de São Miguel dos Campos, à semelhança do que se deu na

área de União dos Palmares, a especificidade desse sistema aqui parece ser, sobretudo, o

grande número de carros que rodavam em cada linha, o que demonstra que existia um fluxo

bastante volumoso de passageiros em direção à cidade de São Miguel dos Campos. Vejamos o

quadro 10.

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141

Quadro 10 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em São Miguel dos Campos e nas cidades do entorno

*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos optamos por manter os

números colhidos no trabalho de campo.

** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Cidade de

origem

Ano ou década

aproximada do

surgimento

Linhas que perfaziam quando

surgiu

Algumas características no período de

surgimento

Perfil dos passageiros que circulavam

no período de surgimento

Ano em que passou a se

organizar como

associação

Algumas características atuais (2016) *

Boca da Mata Década de 1980 Boca da Mata - São Miguel dos

Campos

Rodavam aproximadamente 20 do modelo

Kombi, concorrendo com uma empresa

que fazia a mesma linha. Os carros iam

saído à medida que completava o número

de passageiros, não havia controle sobre o

fluxo de entrada e saída de novos carros

na linha.

Principalmente trabalhadores de usinas e

funcionários públicos que buscavam

bancos e INPS**.

1998

São 14 carros (modelos micro-ônibus, van e ducato) que

fazem a linha Boca da Mata - São Miguel dos Campos. Toda

a organização da linha é agora feita pela Agência

Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –

ARSAL (não foi possível saber desde quando).

Campo Alegre Década de 1980 Campo Alegre - São Miguel dos

Campos

Exatamente antes de fundar a associação

havia 32 carros do modelo Kombi

fazendo a linha Campo Alegre - São

Miguel dos Campos. Para trabalhar no

transporte bastava comprar um carro e

sair pegando passageiros, não havia

qualquer controle sobre a entrada e saída

de transportadores.

Principalmente trabalhadores / moradores

de usinas ou moradores de povoados

rurais (principalmente Chã da Imbira).

Buscavam bancos, INPS**, hospital e

feira.

1991

São 15 carros (micro-ônibus, vans e ducatos) que fazem a

linha Campo Alegre - São Miguel dos Campos. Toda a

organização da linha é agora feita pela Agência Reguladora

de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL (não

foi possível saber desde quando).

Roteiro Década de 1980 Roteiro – São Miguel dos Campos

Rodavam aproximadamente 18 carros do

modelo Kombi e os próprios

trabalhadores organizavam a ordem de

saída dos carros. Apesar de não estarem

organizados em associação, havia certo

controle da parte dos próprios

trabalhadores sobre a entrada e saída de

novos transportadores nas linhas.

Essencialmente trabalhadores / moradores

de usinas que moravam em fazendas ao

longo da rodovia AL - 420

1993

São 8 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha

Roteiro - São Miguel dos Campos. Toda a organização da

linnha é, desde 2014, feita pela Agência Reguladora de

Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL.

Teotônio Vilela Década de 1990

Teotônio Vilela - São Miguel dos

Campos; Teotônio Vilela - Coruripe;

Teotônio Vilela - Maceió

Rodavam em média 27 carros na linha

Teotônio Vilela - São Miguel dos

Campos; 7 carros na linha Teotônio Vilela

- Coruripe; e 7 carros na linha Teotônio

Vilela Maceió. Todos os carros eram do

modelo Kombi. Para trabalhar no

transporte bastava comprar um carro e

sair pegando passageiros, não havia

qualquer controle sobre a entrada e saída

de transportadores.

Essencialmente trabalhadores / moradores

de usinas ao longo da rodovia BR - 101. 1991

São 25 carros na linha Teotônio Vilela - São Miguel dos

Campos; 7 na linha Teotônio Vilela - Maceió; e 7 na linha

Teotônio Viela - Coruripe (todos são dos modelos van e

ducato). Toda a organização das linhas é agora feita pela

Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de

Alagoas – ARSAL (não foi possível saber desde quando).

Luziapolis

(Distrito de

Campo Alegre)

Década de 1980 Luziapolis - São Miguel dos Campos Rodavam com carros do modelo Kombi

(não foi possível obter mais informações)

Essencialmente trabalhadores de usinas e

seus familiares, que buscavam bancos,

hospitais, etc. em São Miguel dos Campos

1994

São 17 carros (modelos van e ducato) na linha Luziapolis –

São Miguel dos Campos. Toda a organização da linha é

agora feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos

do Estado de Alagoas – ARSAL (não foi possível saber

desde quando).

São Miguel dos

Campos Década de 1970 São Miguel dos Campos - Maceió Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações 1991

São 27 carros na linha São Miguel dos Campos – Maceió.

Toda a organização é agora feita pela Agência Reguladora

de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL (não

foi possível saber desde quando).

Coruripe Não soube informar Coruripe-São Miguel dos Campos Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações Não foi possível obter

informações

Apenas 1 carro (modelo ducato) faz a linha Coruripe-São

Miguel dos Campos via Jequiá da Praia. Toda a organização

da linha é, desde 2014, feita pela Agência Reguladora de

Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL.

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142

De acordo com o quadro, esse fluxo volumoso se explicava, principalmente, pelo

grande número de pessoas que moravam nas fazendas das usinas da área, ao longo das

rodovias que ligam pequenas cidades a São Miguel dos Campos. Morar em fazenda de usina

somente com direito à casa significava ter que ir constantemente à cidade para acessar os bens

básicos. Como o sistema local de transporte alimentava-se desse processo, podemos dizer que

o circuito inferior da economia urbana, ao mesmo tempo em que resultava da pobreza,

contribuía para perpetuá-la (SANTOS, 2008 [1975], p. 368).

Quanto à dinâmica interna do espaço urbano de São Miguel dos Campos, o

crescimento populacional, os fixos que visualizamos nos mapas 60 e 61 e a pavimentação da

BR – 101 passaram a condicionar um novo ritmo e uma nova direção para o crescimento da

cidade.

Desde 1970, a maior parcela do crescimento da população total do município de São

Miguel dos Campos começou a ser absorvida sobretudo pela cidade. Esta também acolheu

migrantes de municípios vizinhos. Por isso, até 2010, enquanto a população total miguelense

crescia numa média de 6.514 a cada dez anos, a população urbana crescia a um média de

10.584. São taxas superiores as de Porto Calvo e de União dos Palmares, e podem ser

consideraras altas para uma Região que no momento perdia bastante população. Observamos

no gráfico 4 que São Miguel dos Campos chegou em 2010 com 96% dos seus 54.577

habitantes vivendo na cidade. Na Região Canavieira, somente Maceió apresentava uma

porcentagem maior.

Gráfico 4 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Urbana e Rural (1960-2010)

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

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143

Inicialmente, em razão da instalação dos equipamentos de serviços e de função

institucional que mapeamos, “[...] a cidade estendeu-se até o sítio limítrofe da rodovia

regional [BR – 101], onde se encontra o loteamento Paraíso” (MINISTÉRIO DO INTERIOR,

1972, p. 48). Depois, especificamente a partir de 1966, “[...] surgiram vários loteamentos

destinados à população de baixa renda” (p. 49) que, exatamente ao contrário do que ocorreu

em Porto Calvo, começaram a subir os morros. Temos uma síntese dessa expansão no quadro

11. A especificidade de São Miguel dos Campos nesse aspecto é que aqui a maior parte dos

terrenos nos bairros em que passaram a habitar as populações pobres foi doada, de forma

organizada, pela prefeitura. De modo que os problemas de infraestrutura urbana tornaram-se

bem menores do que nas demais cidades da Região.

Quadro 11: década e formas de ocupação dos bairros de São Miguel dos Campos - AL

Bairro Década de surgimento Formas de ocupação

Centro Não foi possível obter

informações

Venda e doação de terrenos (não foi possível saber que

doou)

Rui Palmeira Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Canto da

Saudade

Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Bela vista Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Novo São

Miguel

Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Coité Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações

Bairro de Fátima Década de 1960 Construção pela Companhia de Habitação Popular de

Alagoas - COHAB

Humberto Alves Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura

Conjunto Paraíso Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura

Geraldo

Sampaio

Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura

Bairro de

Lourdes

Década de 1970 Terrenos doados pela prefeitura

Edgar Soares

Palmeira

Década de 1980 Terrenos doados pela prefeitura

Esther Soares I Década de 1980 Terrenos doados pela prefeitura

Hélio I Década de 1990 Terrenos doados pela prefeitura

Hélio II Década de 2000 Terrenos doados pela prefeitura

Hélio III Década de 2000 Terrenos doados pela prefeitura

Fonte: FIPLAN (1988); Ministério do Interior (1972); e trabalhos de campo (2014-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

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144

Em virtude de termos em São Miguel dos Campos três grandes usinas, que

empregavam em 1994 quase 5.000 trabalhadores, além de uma fábrica de cimento,

verificamos uma distribuição da PEA diferente do que ocorre nas demais cidades da Região.

Como sintetiza o gráfico a seguir, em alguns anos a parte da PEA no setor industrial quase se

equiparou à dos outros setores.

Gráfico 5 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor

(1960-2010)

* Excluídas as atividades não identificadas

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)

Organização: Fernando Silva (2017)

Porém, pelos baixos rendimentos que essa PEA sempre apresentou podemos assegurar

que a grande maioria da população de São Miguel dos Campos pertence ao circuito inferior da

economia urbana e, portanto, pode ser considerada pobre. A porcentagem de pessoas de 10

anos e mais que auferiam mais de 3 salários mínimos nesta cidade nunca chegou a 10%: foi

de 5% em 1980, 4% em 1991, 7% em 2000 e 5% em 2010.

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CAPÍTULO 3: A ação global/instrumental como parâmetro para a política e a

naturalização do Espaço Dividido: a Região Canavieira de Alagoas no período da

Pobreza Estrutural Globalizada (da década de 1990 até hoje)

“Ao reduzir os sentidos morre a vontade política, morre a vontade coletiva e

nós vamos reproduzir esta implosão de sentidos que corresponde à

hegemonia da ação instrumental”

Ana Clara Torres Ribeiro. Teorias da ação. (2014, p. 252).

“Esta exclusão atual, com a produção de dívidas sociais, obedece a um

processo racional, uma racionalidade sem razão, mas que comanda as

ações hegemônicas e arrasta as demais ações. Os excluídos são o fruto

dessa racionalidade”

Milton Santos. Por uma outra globalização. (2011 [2000], p. 57).

o final do século XX, a Região Canavieira de Alagoas apresentava situações de

pobreza que podiam ser incluídas entre as piores do Brasil. Sob o prisma de

diversos indicadores, tratava-se realmente das piores: a Região Metropolitana de

Maceió acusava o menor Índice de Desenvolvimento Humano – IDH dentre as vinte regiões

metropolitanas incluídas no Altas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, e 71% da população total da Região Canavieira

tinha renda per capita inferior a meio salário mínimo. De fato, o quadro já bastante dramático

de pobreza que vimos apresentando no capítulo anterior agravou-se a partir de 1990.

Neste capítulo, demonstraremos que a reprodução das situações de pobreza na Região

passou por mudanças consideráveis na última década do século XX. Defenderemos que tais

mudanças estão diretamente ligadas à nova qualidade dos sistemas de objetos e de ações

hegemônicos através dos quais se busca colocar em cooperação os diversos lugares e regiões.

A princípio, vemos que essa nova forma revela-se nas relações externas e internas dos

agentes dominantes, isto é, do setor canavieiro. Mas como se trata de um parâmetro que

permeia, de diversas maneiras, todas as relações Estado-Sociedade (RIBEIRO, 1998),

pensamos ser extremamente necessário investigar também como ficam as formas de

distribuição da riqueza por parte do Estado para as populações pobres30.

Para seguir debatendo a tese da racionalização do espaço geográfico (SANTOS, 2009

[1994]), podemos afirmar que se busca, de várias formas, acelerar o acontecer hierárquico na 30 Como essa questão constitui o cerne de nossas preocupações, a segunda parte da tese será dedicada

exclusivamente ao seu tratamento.

A

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146

Região. Presenciaremos o acirramento da competitividade entre os subespaços regionais,

falência de usinas e destilarias e, com isso, uma expansão deveras alarmante do desemprego.

Na verdade, a competividade assume a posição de novo paradigma catalizador das

modernizações (SANTOS, 2011 [2000]), fazendo perder de vista toda a problemática nacional

que se apoiava nos preceitos desenvolvimentistas.

Além de tudo isso, e também como resultado da extinção do IAA e das políticas por

ele desenvolvidas, os usineiros locais passam a acionar a parcela do comando político que

restou em suas mãos, drenando para o setor, em alguns casos até mesmo ilegalmente, recursos

que caberiam ao Governo Estadual repartir de forma democrática. Talvez o mais grave seja

que essa situação também passa ser usada para alimentar o discurso em favor da ação

instrumental em todas as demais relações que o Estado mantém com a sociedade.

A dinâmica econômica da Região Canavieira de Alagoas passar a nos revelar, então,

uma enorme centralização dos capitais, que somente se efetivou graças às novas articulações

políticas das principais elites regionais. Os maiores grupos empresariais que se formaram

principalmente a partir dos anos 1970, apoiados na política econômica nacional para o setor

sucroalcooleiro – como são o caso do Grupo João Lyra, Carlos Lyra, Tércio Wanderley,

Olival Tenório, dentre outros –, passam a requisitar a estrutura do estado alagoano para

soluções aos problemas econômicos particulares, aproveitando-se, para tanto, do novo

contexto político-econômico dado pela tensão entre democratização e abertura econômica.

Esse contexto é propício à projeção, na cena política nacional, de políticos como Fernando

Collor de Mello e Renan Calheiros.

Se as formas de cooperação hegemônicas na Região baseiam-se na instrumentalização

das ações, como pensar então a garantia de bens e recursos coletivos por parte do Estado? É

por isso que estamos em face não somente da expansão da pobreza, mas também do risco de

sua naturalização (SANTOS, 2011 [2001]). Daí crermos ser oportuno agora falar de uma

pobreza estrutural globalizada (SANTOS, 2011 [2001], pp. 55-57), uma vez que mudam as

formas políticas que visam garantir sua reprodução.

Nesse novo período, avança o movimento de expansão da pobreza em Maceió e em

várias cidades do interior. Por isso, pensamos que um bom caminho para analisar

concomitantemente as mudanças nas formas de manifestação da pobreza e suas novas causas

está em considerar como as novas cooperações que buscam se impor à Região transformam,

direta ou indiretamente, os elementos dos dois circuitos da economia urbana presentes nas

cidades Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.

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147

3.1. A aceleração do acontecer hierárquico na Região Canavieira de Alagoas: novíssimas e

velhas causas de expansão da pobreza

A partir de 1990, com a extinção do IAA através da lei nº 8.029, teve início um

processo de grandes consequências para as relações externas e internas da Região Canavieira

de Alagoas, que terminou transformando profundamente a organização da produção, os níveis

de emprego, a pobreza e, com isso, aportou novos conteúdos à urbanização regional. Mesmo

com equações de lucro bastante díspares, usinas e destilarias de diferentes portes, pertencentes

sobretudo a grupos empresariais da Região, podiam continuar funcionando devido aos

programas públicos e à fixação de cotas pelo IAA, como ocorria em boa parte das regiões

açucareiras nordestinas (ANDRADE, 1997). A desativação desses programas, a eliminação da

reserva de mercado para o açúcar nordestino e a liberalização, pouco a pouco, dos preços dos

principais produtos desse setor mudaram completamente a situação. Em várias dimensões do

processo agrícola, industrial e de comercialização, cada unidade industrial seria agora

responsável por melhorar sua eficiência para competir com as demais de dentro e de fora da

Região.

De acordo com os estudos de Cícero Péricles de Carvalho (2001) e Araken Alves de

Lima (2006), podemos destacar três principais consequências desses processos: a) falência de

pequenas usinas e destilarias, o que causou o aumento expressivo do desemprego; b)

fortalecimento dos maiores grupos empresariais, que passaram a concentrar a produção de

cana, açúcar e álcool, investir em outros setores da economia31 e na criação de novas unidades

industriais, sobretudo no Sudeste e Centro-Oeste do País32; e c) gravíssima crise financeira

estadual, tanto porque cresceu vertiginosamente a insolvência dos usineiros com as

instituições cujo controle político havia ficado praticamente em suas mãos (especialmente o

PRODUBAN e a CEAL), como pelo que ficou conhecido como “acordo dos usineiros”.

31 “Os grupos empresariais mais importantes diversificam radicalmente seus interesses, expandindo suas

intervenções econômicas em várias direções, transformando-se em holdings com presenças em ramos e regiões

diferentes. São vários os exemplos. Criação de gado leiteiro e beneficiamento do leite: Seresta (Leite Boa Sorte),

Roçadinho (Ilpisa), Grupo Olival Tenório (Agropecuária Porto Rico); empresas de táxis aéreos: João Lyra (Lug

Táxi Aéreo) e Carlos Lyra (Sotam Táxi Aéreo); indústria têxtil: Grupo Carlos Lyra (Fábrica da Pedra, em

Delmiro Gouveia); fábricas de fertilizantes: Grupo Tércio Wanderley (Usi-Fertil), Grupo João Lyra (Adubos JL),

Grupo Carlos Lyra (Agrofertil), Seresta (Adubos Boa Sorte) e Maranhão (Adubos Sanfertil); madeireira: Grupo

Toledo (Amadeu Barbosa); beneficiamento do coco: Seresta e Triunfo (Socôco); construção civil: Grupo Tércio

Wanderley (Cipesa) e Grupo Toledo (Epasa); engarrafamento de água mineral: Usina Sta. Clotilde; venda de

automóveis: Grupo Olival Tenório (Importadora Comercial), Nivaldo Jatobá (Toyota) e Grupo João Lyra

(Mapel); meios de comunicação: João Tenório/Triunfo (TV Pajuçara); criação de cavalos de raça: Seresta e

Grupo Olival Tenório (Haras Porto Rico).” (CARVALHO, 2001, pp. 666-667).

32 Segundo estudo da UFSCAR (2004) apud Lima (2006, p. 164), na década de 1990 os principais grupos

usineiros alagoanos investiram mais de R$ 859 milhões para instalação de 15 novas unidades industriais no

Sudeste e Centro-Oeste do País.

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148

Observamos nos mapas 62 e 63 que durante a década de 1990 faliram seis usinas e

destilarias anexas, além de cinco destilarias autônomas. Segundo o Cadastro Industrial de

Alagoas de 1994 (ano em que algumas dessas unidades industriais estavam prestes a falir e,

portanto, supõe-se que estavam com um número reduzido de trabalhadores), quase 8.000

empregos diretos foram eliminados em dez municípios da Região. Isto sem contar os

empregos gerados indiretamente pelas próprias unidades industriais e pelos fornecedores de

cana.

Mapas 62 e 63 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas e destilarias que faliram nos anos 1990 e após

2000

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Os mapas ainda mostram que a maior parte das unidades industriais que faliram estava

localizada nas áreas mais pobres da Região Canavieira. De 2000 para cá tivemos novas

falências, só que dessa vez faliram três unidades industriais de um dos maiores grupos do

estado (Grupo João Lyra), além de uma destilaria em Japaratinga que encerrou as atividades

em 2002. No total, quase 12.000 trabalhadores ficaram desempregados.

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149

Conforme é possível notar no gráfico 6 a seguir, a taxa de desemprego em Alagoas

deu um grande salto no fim do século XX, caiu a partir de 2003 e começou a subir

lentamente, ainda que de maneira sustentada, a partir de 2011 (as unidades industriais do

grupo João Lyra tiveram falência anunciada em 2012, embora já viessem apresentando

dificuldade nos anos anteriores). Dessa forma, ainda que as taxas do gráfico sejam para todo o

estado de Alagoas, sem dúvida alguma expressam bastante a nova dinâmica na qual ingressou

a Região Canavieira.

Gráfico 6 – Alagoas: Evolução da taxa (%) de desemprego (1995-2014)

Fonte: site do IPEAdata

Elaboração: Fernando Silva (2017)

Durante a década de 1990, os níveis de emprego de todo o estado foram muito

afetados pela reorganização do setor sucroalcooleiro. Como apontaram diversos autores

(VERAS, 1997; LIMA, 1998; LIRA, 1998; LIMA, 2001; CARVALHO, 2001), isto se deu

também em virtude do chamado “acordo dos usineiros”. No quadro 12 apresentamos uma

síntese desse “acordo” e de suas principais consequências para as situações de pobreza.

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150

Quadro 12: Síntese de algumas informações sobre o “Acordo dos Usineiros” assinado pelo Governo de Alagoas em 1988 e 1989

O que foi?

Dois acordos assinados pelo então Governador Fernando Collor de Mello, respectivamente em julho de 1988 e abril de 1989, com 31

usineiros, pelos quais o estado reconhecia estar em débito com estas empresas por ter cobrado ICMS sobre cana plantada em terras

próprias. Nos acordos, o estado comprometia-se a devolver às usinas todo o ICMS que teria sido cobrado indevidamente nos últimos 5

anos, que segundo os cálculos totalizaria US$ 120.000.000 (cento e vinte milhões de dólares).

Principais termos do

acordo

O dinheiro seria devolvido em forma de isenções de ICMS em 120 parcelas, durante 10 anos.

As usinas e destilarias que não utilizassem todo o crédito tributário poderiam transferi-lo para outras empresas (como muitos grupos

usineiros já controlavam empresas de outros ramos, muitos deles transfeririam o crédito para empresas do próprio grupo. Por exemplo, o

Grupo João Lyra transferiu créditos de suas usinas Laginha, Gauxuma e Uruba para Mapel Maceió Veículos e Peças, Lug Táxi Aéreo etc.).

Os valores da restituição seriam corrigidos segundo o mais alto dos índices de correção existente na economia.

Vigência e valores

pagos pelo estado

O acordo durou de 1988 até 1996, período no qual estima-se que foram transferidos para as usinas R$ 358,05 milhões, além de R$ 110,77

milhões de isenções usufruídas por empresas de outros ramos.

Ilegalidades

Como se trata de um imposto indireto, quando reconhecido direito à restituição, esta deveria ter sido feita ao contribuinte de fato (Instituto

do Açúcar e do Álcool e consumidores finais, onde repercute de fato o tributo).

Os valores foram absurdamente superestimados em virtude da utilização do maior índice existente para correção do valor. Caso tivesse sido

utilizado índices oficiais para cobrança de créditos tributários, segundo cálculos realizados por técnicos da Secretária da Fazenda em 1996,

o valor total da restituição seria de R$ 131,80 milhões, ou seja, neste mesmo ano o estado já teria pago a mais R$ 291,81 milhões.

Principais

consequências

Como o ICMS respondia pela quase totalidade das receitas tributárias do estado, estas caíram drasticamente e teve início uma grave crise

financeira da máquina pública em Alagoas.

Os serviços públicos estaduais passaram a se deteriorar e os funcionários públicos chegaram a ficar oito meses sem receber salários. Em

1997 o Governador Divaldo Suruagy renunciou e o seu vice, Manoel Gomes de Barros, assumiu o governo.

Toda essa situação foi usada para engrossar o discurso em favor das privatizações, da “racionalidade”, da eficiência etc.

Fonte: Lima (2001, pp. 87-96); Carvalho (2009, p. 53); Lira (1998 várias páginas); Veras (1997 várias páginas); Reportagem da Folha (julho de 1997) “Usineiros de Alagoas

ganharam R$ 468,8 milhões em isenção”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fol/pol/po26071.htm

Organização: Fernando Silva (2017)

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151

Nesse mesmo processo de acionar o controle político sobre a repartição da riqueza que

restou em suas mãos, os usineiros foram ficando cada vez mais inadimplentes com a CEAL e

com o PRODUBAN. Como podemos observar nas tabelas 19 e 20, os usineiros eram

responsáveis por quase metade da dívida total que a CEAL tinha a receber, e por cerca de

15% da inadimplência total com o Banco do Estado.

Tabela 19 – Alagoas: Dívida total e das usinas e destilarias com a Companhia Energética de Alagoas -

CEAL (1996/2013)

Dívida Total

2013 167,8 milhões

Dívida de usinas e destilarias

1996 40 milhões

2013 80,2 milhões Fonte: Befort (2000)33; Alves (2015)34

Organização: Fernando Silva (2017)

Tabela 20 – Alagoas: Alguns dados sobre o Banco da Produção do Estado de Alagoas – PRODUBAN

no momento de sua liquidação

Número total de agências (1996) 24 agências

Número total de funcionários (1996) 1.128 trabalhadores

Débito total que o Banco tinha a receber (2002) 2,5 bilhões

Débito de usinas, grandes redes hoteleiras, empresas públicas e políticos

conhecidos (2002)

700 milhões

Débito somente das usinas (2002) 366,3 milhões

Fonte: Banco Central apud Salviano Junior (2004, p. 20); Carvalho (2012, p. 56); Alves (2014)35

Organização: Fernando Silva (2017)

Além de tudo isso, se o chamado “sistema de morada” vinha sendo eliminado

lentamente em algumas usinas, assim como muitos trabalhadores continuavam habitando

fazendas mesmo sem direito ao roçado, a imposição de um parâmetro externo de

competividade levou os empresários a expulsarem praticamente todos os moradores de suas

terras. Estima-se que somente entre 1991 e 1995 tenham sido demolidas cerca de 40.000 casas

33 Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1012/ec1012_2.htm Acesso em agosto de 2016.

34 Disponível em: http://novoextra.com.br/outras-edicoes/2015/817/16890/ceal-cobra-na-justica-mais--de-r-80-

milhes-de-usinas Acesso em agosto de 2016.

35 Disponível em: http://novoextra.com.br/outras-edicoes/2014/795/15443/estado-pede-r-75-milhes-

pelo-produban Acesso em agosto de 2016.

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em fazendas36, o equivalente a 12% do total de moradias da Região em 1991 se

considerarmos Maceió, e 20% se não levarmos esta cidade em conta.

Um levantamento feito pela prefeitura de Maceió constatou que no curto intervalo

entre 1991 e 1995, o número de aglomerados urbanos considerados “favelas” nessa cidade

passou de 49 para 12037, um crescimento deveras impressionante. De acordo com o Atlas de

Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

PNUD, a Região Metropolitana de Maceió apresentou em 2000 o menor IDH entre as vinte

regiões metropolitanas pesquisadas. De fato, Maceió começa o século XXI como uma das

grandes cidades mais pobres do Brasil, indicando muito fielmente o que se passava numa

Região em que 71% da população total auferia renda per capita inferior a meio salário

mínimo. Se tomarmos como referência o período pós-Segunda Guerra, podemos assegurar

que a pobreza na Região Canavieira de Alagoas atingiu a situação mais grave durante os anos

1990.

Os dados da pesquisa Economia Informal Urbana – ECINF, realizada pelo IBGE nos

anos de 1997 e 2003 (BRASIL, 1999; 2005), também são bastante sugestivos da nova

dinâmica pela qual Alagoas, e muito particularmente sua Região Canavieira, chegou ao século

XXI. Nesse intervalo, o número de empresas classificadas como informais passou de 110.592

para 162.288, um aumento de 47%. Essa porcentagem só foi maior em três unidades da

federação pertencentes à Região Norte do País, mas entre todas as demais coube ao estado de

Alagoas a liderança. O mesmo podemos dizer sobre a quantidade de trabalhadores dessas

empresas, que era de 139.859 em 1997 e chegou a 205.267 em 2003. Em 1998, Fernando José

de Lira (1998, p. 101) estimou que o chamado setor informal era responsável por quase 70%

de toda a economia alagoana, porcentagem que muito provavelmente cresceu bastante até

2003. Já o circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]), que engloba

também as atividades formalizadas que apresentam baixo nível de capital, tecnologia e

organização, sem dúvida nenhuma tornou-se quase imensurável, especialmente nas cidades da

Região Canavieira que acolheram as populações do campo.

Uma vez que as economias das cidades da Região, especialmente do interior, estariam

agora, em boa parte, dependentes das medidas que adotariam os usineiros face às imposições

do novo contexto, pode parecer que voltamos àquela situação analisada no primeiro capítulo,

36 Ver reportagem de Ari Cipola “Usineiros destroem casas e criam favelas”. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/28/brasil/34.html Acesso em dezembro de 2013.

37 Ver reportagem de Ari Cipola “Usineiros destroem casas e criam favelas”. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/28/brasil/34.html Acesso em dezembro de 2013.

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153

em que o controle sobre a produção e repartição da riqueza era ainda fortemente local.

Podemos assegurar, todavia, que a nova situação não encontra semelhante na história da

Região. E isto não somente porque agora toda uma economia municipal estaria em jogo

quando da falência de uma usina (CASTILLO, 2015), mas também em virtude da exigência

de que os próprios empresários cuidem de boa parte das suas relações externas. Agora é mais

apropriado dizer que, com a disponibilidade de sistemas de engenharia construídos com a

riqueza tirada dos braços do cortador de cana, as usinas defrontam-se com uma maior

exigência/possibilidade de elaborar sua política particular. O que isso significa?

Conforme demonstra a bibliografia sobre o processo de modernização da sociedade e

do território brasileiros (FERNANDES, 1975; SANTOS, 2008 [1975]; IANNI, 1977;

SOUZA, 2000; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001]), até a década de 1980 a participação do

Estado nacional em diversos setores da economia, com sua ideologia “desenvolvimentista” e

vultosos recursos oriundos do centro do sistema capitalista, respondeu, ao mesmo tempo, à

necessidade de integração das diversas regiões à dinâmica nacional38 e de inserção de agentes

externos privados. Neste sentido, é possível dizer que muitas regiões brasileiras vinham cada

vez mais sendo governadas, ao mesmo tempo, pelo Estado e por grandes empresas (SANTOS,

1998a).

Como esclareceram, dentro outros, Celso Furtado (1968, p. 16 apud SANTOS, 2008

[1975], p. 175) e Octávio Ianni (1977, p. 272), a dominação do mercado brasileiro por

grandes firmas norte-americanas, europeias e japonesas, especialmente a partir dos governos

ditatoriais nos anos 1970, terminou conferindo a tais firmas capacidade de normatização da

vida social. De modo que as firmas passaram cada vez mais a assumir um papel comumente

reservado às instituições (papel que, aliás, iria ganhar bastante nitidez a partir das duas

últimas décadas do século XX) (SANTOS, M. 1985; ANTAS Jr., 2005). Mas, segundo nosso

entendimento, a ideia de política das empresas (e, por conseguinte, de acontecer hierárquico,

que é a sua versão geográfica) tem ainda outro elemento fundamental, a partir do qual

poderíamos compreender melhor a natureza das transformações que alcançaram o território

brasileiro notadamente nos anos 1990.

Segundo Octávio Ianni (1999), o amplo desenvolvimento da mídia de massa

transformou radicalmente as condições de exercício da política, porque possibilitou a

ascensão do “príncipe eletrônico”. No século XVI, Maquiavel havia proposto que o príncipe

seria, genericamente, uma figura política capaz de articular sabiamente suas qualidades

38 Como vimos no item 2.1 do capítulo anterior para a situação da Região Canavieira de Alagoas.

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pessoais às condições sociais e políticas adequadas visando transformar uma dada realidade.

Gramsci, quatro séculos mais tarde, diante de novas contradições do capitalismo, afirmou que

o partido político poderia ser considerado o príncipe, ao qual caberia alterar os valores sociais

para governar não só as classes aliadas, mas toda a sociedade. Para Ocátvio Ianni (1999, p.

17), com a grande mídia isso muda sensivelmente, pois ela pode atuar, de maneira sutil e em

diversas escalas, na construção de visões de mundo que facilitam, por exemplo, a aceitação de

um produto de uma grande empresa no mercado, como faz a propaganda.

A questão central, porém, é que no caso do Brasil a grande facilidade que as grandes

firmas tiveram para instrumentalizar subsistemas de objetos e ações resultou em que, “em

lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário” (SANTOS,

2007 [1987], p. 25 grifos no original). Isto porque realizou-se “[...] a metamorfose [...] do

mercado em democracia, do consumismo em cidadania” (IANNI, 1999, p. 17). Como a

sociedade poderia, então, diferenciar o acontecer político que busca unir os lugares daquele

que procura colocá-los em disputa? Em outras palavras, sob o patrocínio ideológico do

“desenvolvimentismo”, foram sendo criadas as condições políticas não somente para a

reprodução do acontecer hierárquico, mas também para a sua ampliação.

Entre as décadas de 1980 e 1990, observamos a ação instrumental alargar-se em

alguns setores da sociedade e em parcelas selecionadas do território brasileiro com certa

rapidez (RIBEIRO, 2014; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001])39. Os agentes externos

privados, notadamente as grandes firmas com o apoio dos organismos internacionais,

procuraram acelerar o avanço, social e geográfico, dos processos de globalização na

economia, na cultura e na política (SANTOS, 2011 [2000]; CHESNAIS, 2005). É a busca por

ampliar o processo de instrumentalização de subsistemas de objetos e ações para servirem aos

objetivos delineados cada vez mais a partir de fora do País.

Deste modo, estaríamos ante a aceleração do acontecer hierárquico, o que significa, na

prática, criar possibilidades para alargar a política das empresas. A questão, portanto, não é

setorial (ainda que na Região em estudo se revele sobretudo no setor sucroalcooleiro), porque

39 Ana Clara Torres Ribeiro (2014, p. 77) sugere que a intensificação do processo de globalização no Brasil,

especialmente depois da crise da dívida externa dos anos 1980, seja visto em seu sentido amplo, como um

processo de transformação social que embora demonstre todo o seu vigor na economia, não deixa de ter

consequências muitíssimo fortes para todos os sistemas contemporâneos de ação social e, muito particularmente,

para os subsistemas de ação que visam à transformação das relações sociais vigentes. A autora vê esse processo

como “[...] uma espécie de pensamento único dirigido à ação social. Não é a globalização da economia, é a ação

social que a globalização da economia estimula. Ou, por outro lado, é a ação social que facilita a globalização da

economia, mas não é o econômico stricto sensu, é o econômico naquilo que ele interage ou que se articula com a

ação social”. Essa ação foi sendo possibilitada pelo aperfeiçoamento das redes técnicas (CASTILLO, 1999;

SILVA, 2001), como veremos melhor adiante para a situação da Região Canavieira de Alagoas.

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se manifesta, ainda que diferentemente, no aparelho de Estado, na economia, na política,

enfim na sociedade e no espaço.

Até mesmo as práticas tradicionais do setor sucroalcooleiro com as instituições

estaduais alagoanas começaram a ser usadas para engrossar o discurso da neutralidade da

“racionalidade” técnica, como se nos dois casos não se tratasse do mesmo problema da

apropriação antidemocrática da riqueza produzida coletivamente. O mais grave é que esse

discurso visa deslegitimar também as políticas que resultaram de lutas coletivas e as

instituições que possibilitavam o aparelho de Estado comandar recursos estratégicos

(RIBEIRO, 1998, p. 120). Neste sentido, podemos considerar a adaptação do aparelho de

Estado e a implantação de novas redes técnicas ao meio geográfico regional como partes de

um mesmo processo.

Além da CEAL, que teve todas as suas ações transferidas ao Governo Federal e ao

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES para que assim o

Governo Estadual pudesse quitar a dívida com os funcionários; e do PRODUBAN, que foi

transformado na Agência de Fomento de Alagoas “A Desenvolve” (e assim perdeu a

possibilidade de comandar recursos financeiros regionais, já que não podia mais captar

depósitos) (CONTEL, 2006, p. 179); nove empresas alagoanas de economia mista deixaram

de existir a partir da lei n.º 6.145, de janeiro de 2000, conforme mostra o quadro a seguir.

Quadro 13: Empresas alagoanas de economia mista que deixaram de existir em 2000

Lei de criação Sociedades de economia mista Destino

Lei estadual nº. 2.777.

Maio de 1966

Companhia de Habitação Popular de

Alagoas – COHAB-AL

Transformada na Companhia Alagoana de

Recursos Humanos e Patrimoniais - CARHP

Lei estadual nº. 4.100.

Dezembro de 1963

Companhia de Desenvolvimento de

Alagoas – CODEAL

Incorporadas pela Companhia Alagoana de

Recursos Humanos e Patrimoniais - CARHP

Lei estadual nº. 3.198.

Dezembro de 1971

Serviços Gráficos de Alagoas S/A –

SERGASA

Lei estadual nº. 3.466.

Outubro de 1975

Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural de Alagoas –

EMATER

Lei estadual nº. 4.023.

Maio de 1979

Empresa de Recursos Naturais do

Estado de Alagoas – EDRN

x Empresa de Transportes Urbanos do

Estado de Alagoas – ETURB

Lei estadual nº. 4.120.

Dezembro de 1979

Empresa de Pesquisa Agropecuária do

Estado de Alagoas – EPEAL

x Empresa Alagoana de Turismo S/A –

EMATUR.

Lei estadual nº. 5.380.

Julho de 1992

Companhia de Desenvolvimento

Agropecuário – COMAG

* Não foi possível obter informações.

Fonte: Lei estadual n.º 6.145, de janeiro de 2000 e SEPLAN (1981 várias páginas)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Além disso, as privatizações levadas a cabo pelo Governo Federal abriram ainda mais

espaço nos setores mais rentáveis para a atuação de grandes firmas. Com o Programa

Nacional de Desestatização – PND (1990) (SILVA, 2009), isso ocorreu principalmente nos

setores petroquímico e de telecomunicações. O Grupo Odebrecht terminou assumindo o

controle acionário da Salgema Indústrias Químicas S.A. - SALGEMA e da Companhia

Petroquímica de Alagoas - CPC, e com a privatização das telecomunicações a empesa

Telecomunicações de Alagoas S. A. – TELASA foi extinta.

Portanto, trata-se de um impulso que visa expandir a capacidade decisória dos agentes

privados na Região, a partir do aval do Estado em suas diversas escalas. De certa forma,

procura-se criar a possibilidade de utilizar permanentemente alguns meios específicos do

aparelho de Estado para finalidades particulares difundindo a ideia de que é desnecessário este

ente elaborar política (WEBER, 1970 [1918], pp. 61-62; RIBEIRO, 1998, p. 117).

Processaram-se, dessa forma, grandes mudanças no aparato normativo-organizacional

que viabilizava a implantação de racionalidades ao meio geográfico regional. Como a

aceleração da inovação nas técnicas informacionais vem somar-se às novas condições

políticas, aprofunda-se uma lógica que já vinha ganhando vulto com a criação das primeiras

redes técnico-corporativas: aos agentes privados é dada a possibilidade de atuar nos poucos

pontos da Região que lhes interessam (CASTILLO, 1999, p. 180).

Se até o final da década de 1970 as firmas e instituições localizadas na Região

Canavieira de Alagoas que necessitavam usar a teleinformática eram obrigadas a buscar

soluções próprias a partir do telex e da rede de telefonia, a criação pela EMBRATEL do

Serviço de Comunicação de Dados Não-Comutados, a Rede Transdata, alterou

completamente essa realidade. Esse sistema “[...] inaugurado em 1980, baseia-se em circuitos

privados ponto-a-ponto e é destinado a grandes usuários – cada um constituindo sua própria

rede” (CASTILLO, 1999, p. 173). Em 1990, Alagoas acusava 368 terminações ativadas desse

serviço, número que subiu para 497 em 1992 e começou a cair desde então (BRASIL, 1991;

1993).

Já a Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes – RENPAC,

criada também pela EMBRATEL cinco anos depois, segundo Ricardo Castillo (1999, p. 40)

encanava a busca por reduzir as desigualdades entre as diversas regiões no uso dos serviços de

transmissão de dados, porque tinha como objetivo atender “[...] pequenos e médios usuários –

clientes cujo tamanho não justifica a locação de uma rede privada de tipo Transdata [...]”. Se

em 1990 Alagoas tinha apenas 9 acessos dedicados ativados nessa Rede, esse número

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aumentou consideravelmente até o final da década, de modo que em 1999 alcançou o total de

222 acessos (BRASIL, 1991; 2001).

Em ambos os casos, porém, o Estado preocupava-se em contrabalançar a política das

empresas (DIAS, 1995), e como no interior da Região Canavieira predominavam os bancos

públicos faz bastante sentido supor que tais redes facilitaram também a efetivação de direitos

sociais pelo Estado. Todavia, a aceleração do acontecer hierárquico que vimos descrevendo

acaba por conferir maior seletividade à lógica das redes.

É o caso da comutação de dados pelo sistema Very Small Aperture Terminal – VSAT,

que se expandiu sobretudo na segunda metade da década de 1990. Esse sistema, que funciona

a partir da tecnologia do satélite, permite transmitir dados, imagens e voz para pontos remotos

do território, a partir de uma estação central e de pequenas estações pertencentes às próprias

empresas (CASTILLO, 1999, pp. 182-184). Em 1997, havia em Alagoas 13 micro – estações

VSAT gerenciadas pela EMBRATEL, sendo 7 na Região Canavieira. A concentração era

muito forte: apenas 3 cidades tinham micro – estações (Maceió, Penedo e União dos

Palmares), sendo que 5 delas estavam em Maceió (CASTILLO, 1999, pp. 291-303). Na

opinião desse autor (1999, p. 193), “considerando que os terminais VSAT não servem para

comunicar-se entre si (ao contrário dos terminais telefônicos), mas somente entre o local e a

sede da empresa (majoritariamente localizada em São Paulo), podemos afirmar que a rigidez

desta técnica reafirma o corporativismo do uso do território brasileiro” e, por isso, “os

destinos de cada lugar podem ser, assim, mais facilmente corrompidos por interesses

externos”.

Ainda que menos seletiva, sobretudo por oferecer um serviço cuja lucratividade está

relacionada à sua popularização, a telefonia celular se expande em Alagoas já expressando a

nova lógica pela qual se busca conectar as regiões e lugares. Mesmo que a exploração tenha

começado sob o monopólio estatal no início dos anos 1990 – a Banda A de telefonia celular –,

a separação desse serviço (deixada a cargo da Tele Nordeste Celular) da telefonia fixa (nesta a

Telemar era a empresa responsável) para o processo de privatização em 1997, além da criação

da Banda B que já nasce privatizada, reafirmam o novo posto que assume a política das

empresas (TOZI, 2009, p. 56). Desde o final do século XX Alagoas conheceu uma difusão

muito rápida do serviço móvel: de um total de 87 mil acessos em serviço em 1998, alcançou 1

milhão em 2005 e 3.7 milhões em 2015. Dessa maneira, dispondo de uma tecnologia mais

flexível, as estações radiobase, e de condições político-normativas favoráveis, as empresas

concessionárias de telefonia celular, segundo Fábio Tozi (2009, p. 56), foram ganhando a

permissão para uma unificação privada do território.

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É possível verificar a mesma lógica no sistema de cabos de fibra óptica implantado em

Alagoas. Esse sistema foi impulsionado pela concessão dos serviços à Aloo Telecom (criada

em 2003), empresa que passa a participar de uma complexa cooperação/competição com as

operadoras de telefonia móvel no que se refere aos serviços de telecomunicações no estado.

Conforme mostra o mapa 64, há forte concentração no entorno de Maceió.

Mapa 64 – Alagoas: traçado dos principais cabos de fibra ótica (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Por um lado, a aceleração do acontecer hierárquico aumenta a exigência de rigidez na

Região, mas, por outro, a forte expansão da pobreza demanda ainda mais flexibilidade da

grande maior parte dos sistemas de objetos e ações. Como a racionalidade instrumental

avança mais facilmente no campo, face a ambos os processos as principais cidades da

Região40 são chamadas, mais uma vez, a se adaptarem.

40 As situações de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos ante a essa nova realidade serão

analisadas no próximo item.

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Para Milton Santos (1998b), deixar que qualquer território seja conduzido por políticas

particulares de agentes privados significa, na realidade, anular a verdadeira política e procurar

esconder as dívidas históricas que a sociedade tem para com os pobres. Isto porque, como

explica Ana Clara Torres Ribeiro (2014, p. 43), a ação política “[...] é projetada para além da

reprodução, ou seja, para além da coisa como ela está agora, das relações sociais como elas

estão desenhadas neste momento”, e o que a política desses agentes visa, na grande maioria

das vezes, é tão somente à reprodução das relações atuais. Teríamos alcançado, então, “[...]

uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente produzida pelos atores

globais com a colaboração consciente dos governos nacionais [...]” (SANTOS, 2011 [2000],

p. 56). Trata-se da pobreza estrutural globalizada.

Cremos não ser exagero dizer que os novos processos com os quais o urbano da

Região Canavieira de Alagoas se depara buscam, no limite, naturalizar o “Espaço Dividido”

(SANTOS, 2008 [1975]).

Mas, esses novos processos terminaram mudando também a qualidade dos meios do

acontecer solidário, isto é, das técnicas e das normas (SANTOS, 2009 [1996], p. 167). A

telefonia celular e a internet, por exemplo, são sistemas técnicos que, diferentes das redes de

comutação de dados que apresentamos, autorizam um conjunto de ações muito amplo por

parte dos usuários (ações muitas vezes nem mesmo previstas pelas empresas que os

colocaram no mercado), mesmo que as normas tentem cada vez mais limitar suas formas de

uso (TOZI, 2012). Em outros termos, torna-se possível, mais do que antes, estabelecer formas

de cooperação entre os lugares que não são instrumentais ao acontecer hierárquico. Na maior

parte dos casos essas formas não têm sido legitimadas pelo Estado, ao contrário, têm sido

reprimidas.

Assim, se desde o término da Segunda Guerra Mundial a política passa a ter como

tarefa colocar em cooperação, ao mesmo tempo, sistemas de objetos e sistemas de ações no

processo de transformação da realidade, poderíamos dizer que o exercício da política passou

pelas mãos dos partidos, das empresas e agora se dá principalmente entre os pobres

(SANTOS, 1998b). Daí o papel político que adquirem cada vez mais os princípios sociais e

espaciais de organização das atividades do circuito inferior da economia urbana. No próximo

item, buscaremos aprofundar esta questão tratando o surgimento e as formas organizacionais

do serviço de mototáxi face à expansão da pobreza e à reorganização das economias urbanas

das cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.

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3.2. Transformações nos circuitos da economia urbana em Porto Calvo, União dos

Palmares e São Miguel dos Campos: a expansão do circuito inferior e a renovação do seu

papel no acontecer complementar

Durante os anos de 1990, observamos aprofundar-se ainda mais a tendência à maior

diferenciação da pobreza entre as cidades do interior da Região Canavieira de Alagoas, como

resultado da ausência de uma política abrangente. A porcentagem de pessoas consideradas

pobres pelo critério da renda per capita em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel

dos Campos pode fornecer uma primeira indicação desse processo. É o que traz a tabela 21.

Tabela 21 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Porcentagem de pessoas

consideradas pobres pelo critério da renda per capita (1991-2010)

Ano Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos

1991* 79,32 80,39 77,76

2000** 75,08 68,70 62,78

2010*** 37,71 36,82 28,11 *Percentual de pessoas com renda per capita inferior a 50% do salário mínimo vigente em 1º de setembro de

1991

**Percentual de pessoas com renda per capita inferior a 50% do salário mínimo vigente em agosto de 2000

***Percentual de pessoas com renda per capita inferior a R$140,00 (linha oficial de pobreza usada no Programa

Bolsa Família) a preços de agosto de 2010

Fonte: IPEAdata e Atlas de Desenvolvimento Humano - PNUD. (Vários anos)

Organização: Fernando Silva (2017)

Vale sempre relembrar que embora a porcentagem de pessoas com renda per capita

inferior a meio salário mínimo tenha diminuído entre 1991 e 2000, a porcentagem da PEA

sem rendimentos (como vimos no capítulo 2) e a concentração da renda também aumentaram.

O Índice de Gini, que já era alto, subiu ainda mais nessa década, conforme mostra a tabela 22.

Tabela 22 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Índice de Gini (1991-2010)

Ano Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos

1991 0,52 0,54 0,57

2000 0,54 0,56 0,58

2010 0,47 0,53 0,51 Fonte: site do Atlas de Desenvolvimento Humano - PNUD

Organização: Fernando Silva (2017)

Acreditamos que é possível apreciar melhor os novos elementos da realidade urbana

do interior da Região considerando a dinâmica dos dois circuitos da economia, especialmente

do circuito inferior, nessas três cidades.

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161

3.2.1. Porto Calvo: entre a expansão generalizada da pobreza e as facilidades de entrada no

circuito inferior da economia urbana

Tudo indica que, entre 1990 e os primeiros anos do século XXI, as transformações nos

elementos do circuito superior da economia urbana presentes na cidade de Porto Calvo foram

pontuais. Dentre as principais delas estão a extinção da agência do PRODUBAN e a

instalação de uma agência da Caixa Econômica Federal – CAIXA, que passou a localizar-se

na mesma rua que o antigo Banco Estadual. Se as cidades de São Luís do Quitunde e Novo

Lino já dispunham, nesse mesmo período, de agências do Banco do Brasil, somente em Porto

Calvo, dentre todas as quatorze cidades do entorno, existia agência da CAIXA, realidade que

perdurou até 2010.

Essa seletividade também contribuiu para que houvesse uma profusão sem precedentes

de atividades do circuito inferior da economia urbana, tanto em Porto Calvo como nas cidades

do entorno, assim como para que aumentassem os nexos desses pequenos centros com a

economia portocalvense. Defendemos que esses nexos passam a exigir cada vez mais a

definição local de princípios político-espaciais de organização por parte do próprio circuito

inferior da economia urbana.

Vimos no item 2.5 do capítulo anterior que ao final da década de 1990 o serviço de

transporte intermunicipal de passageiros, que havia surgido em Porto Calvo, passou a se

organizar como associação. Segundo as entrevistas que realizamos, desde então vários

aspectos técnico-organizacionais dessa atividade, como a entrada e saída de veículos, tipo de

carro, preços das passagens etc., começaram a ser regulamentados pela própria associação,

sem qualquer intervenção do poder público estadual.

O mesmo pudemos constatar no que se refere ao surgimento do serviço de moto-táxi.

Primeiramente esse serviço apareceu em Porto Calvo, por volta de 1999, e na primeira década

do século XXI passou a estar presente em quase todas as pequenas cidades próximas.

Vejamos o quadro 14.

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162

Quadro 14: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em Porto Calvo e nas cidades do entorno

Cidade de origem Ano aproximado

de surgimento Algumas características no período de surgimento

Perfil dos passageiros que circulavam

no período de surgimento

Ano em que passou a se organizar como

associação Algumas características atuais (2016)

Porto Calvo Por volta de 1999 Quando surgiu o transporte de passageiros com moto

em Porto Calvo, rodavam em média 10 motos. Em

2000, há registro de que já havia cerca de 50 moto-

táxis na cidade. A grande maioria era formada por ex-

trabalhadores de usinas, que com o dinheiro recebido

como indenização pelo tempo de trabalho conseguia

adquirir uma moto. Nunca houve qualquer regulação

da parte do poder municipal

Não soube informar Não foi possível obter informação (há cerca de

16 pequenas associações nas cidades, por isso

ficou difícil obter informações detalhadas sobre

cada uma)

Hoje existe algo em torno de 200 moto-táxis trabalhando na

cidade. Não há qualquer regulação por parte do poder

municipal, para iniciar a atividade basta ter uma moto e fundar

a própria associação, ou conseguir em qualquer uma das

associações existentes a “permissão” para rodar. Algumas

associações exigem habilitação para conceder autorização,

outras não. Com a expansão da cidade os próprios moto-

taxistas vão observando a necessidade de fundar novas

associações nos bairros periféricos. A maior parte das corridas

é com destino ao Bairro da Mangazala e Oscar Cunha,

sobretudo nos dias de feira-livre e de pagamento aos

aposentados, funcionários públicos municipais e beneficiários

do Programa Bolsa Família.

Japaratinga Por volta de 2001 A única informação que foi possível obter foi a de que

os moto-táxis sempre rodaram na cidade sem qualquer

regulação por parte doo poder público municipal

Principalmente moradores de povoados

localizados entre Japaratinga e Porto

Calvo, e moradores de Japaratinga com

destino a Porto Calvo em período de

pagamento de aposentadoria e feira-livre

Não há associação (os trabalhadores informaram

que o baixo rendimento obtido no serviço, em

torno de R$ 200,00 por mês, não compensa

fundar uma associação e estabelecer normas

para o serviço de moto-táxi, porque isto

terminaria diminuindo ainda mais tal

rendimento).

Hoje há 85 moto-taxistas na cidade, que atuam sem qualquer

regulação por parte do poder municipal. Toda a organização

(preço da passagem, requisitos para ingressar no trabalho etc.)

é definida pelos próprios trabalhadores. A maior parte das

corridas ocorre nos dias de feira, pagamento de aposentados e

do Programa Bolsa Família.

Maragogi Por volta de 2005 Rodavam entre 5 e 10 motos, sem qualquer

organização ou regulamentação do poder municipal

Não soube informar 2011 A prefeitura concedeu a permissão para rodarem 60 moto-

táxis na cidade, mas trabalham apenas entre 25 e 30. Isto

porque os rendimentos obtidos ultimamente neste trabalho

têm sido muito baixos, de modo que uma parte preferiu viajar

para trabalhar no Sudeste e Centro-Oeste do País. Quem

define praticamente toda a organização (preço das passagens,

pontos, distribuição dos pontos etc.) é a própria associação.

Não foi possível obter informações sobre as características da

clientela atual.

Matriz de

Camaragibe

Não foi possível

obter informação

Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações Há cerca de 120 moto-taxistas na cidade, distribuídos em 6

pontos (cada ponto se organiza de maneira diferente do outro).

Toda organização (preço de passagens, entrada e saída de

novos trabalhadores, localização dos pontos etc.) é feita pelos

próprios moto-táxis. A maior parte do fluxo é para os bairros

periféricos da cidade nos dias de feira-livre, pagamento aos

aposentados e aos beneficiários do Programa Bolsa Família.

Jundiá Não foi possível

obter informações

Não foi possível obter informações Devido às dificuldades de transporte para

as principais cidades do entorno (os

transportes por Kombi só circulam até

10:00hs da manhã) os moto-táxis

tornaram-se a principal opção para

qualquer pessoa que deseja ir até Porto

Calvo ou Novo Lino, por exemplo,

quando não há transporte por Kombi.

Até hoje não há associação de moto-táxi em

Jundiá.

Em Jundiá, a organização do serviço de moto-táxi é bastante

peculiar: não há qualquer regulação por parte do poder

municipal, nem da parte dos trabalhadores enquanto grupo.

Cada moto-táxi entra e sai quando deseja do trabalho,

combina os preços com o passageiro, e nenhum usa qualquer

identificação. Essa organização foi possibilitada, sobretudo,

pela generalização do telefone: o moto-táxi geralmente só sai

de casa quando recebe telefonema de alguém, normalmente

uma pessoa já conhecida, para uma corrida até uma cidade

vizinha. Por isso torna-se muito difícil saber a quantidade

exata de trabalhadores nesse serviço. A maior parte das

corridas é requisitada por pessoas que precisam resolver algo

urgente nas cidades vizinhas (aposentados e beneficiários do

Bolsa Família acabam usando pouco o serviço, principalmente

pelo alto preço em comparação com o transporte por Kombi).

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

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163

Notamos no quadro como a maioria dos aspectos referentes à organização dessa

atividade é, até hoje, definida pelos próprios moto-taxistas. Somente em Maragogi, entre as

cinco cidades da área para as quais foi possível obter informações, o poder público municipal

regulamentou a quantidade de trabalhadores, mas todas as outras questões continuaram sendo

resolvidas pela própria associação. Ficou claro durante as nossas entrevistas que, na realidade,

esse é um dos principais fatores que garantem a reprodução dessa atividade, mesmo que os

rendimentos aí auferidos sejam muito baixos. Na pequena cidade de Japaratinga um moto-táxi

afirmou: “se a gente tivesse dinheiro pra tirar habilitação e comprar moto nova de 7 em 7 anos

[exigência feita aos moto-taxistas quando da regulamentação], a gente ia tá fazendo o que

num lugar desse?” (Entrevista realizada em junho de 2016).

Edilson Luis de Oliveira (2009, p. 160) lembra que a difusão dos serviços de moto-táxi

nas cidades brasileiras se explica pela convergência de três fatores: “[...] o desemprego, as

baixas e baixíssimas remunerações dos postos de trabalho disponíveis à maioria dos

trabalhadores menos qualificados e a necessidade crescente de mobilidade no meio urbano”.

Para a situação em análise, não há dúvidas de que as facilidades de ingresso destacam-se

como um dos principais fatores responsáveis pela difusão que constatamos.

De maneira geral, “o ingresso nas atividades do circuito inferior [...] é fácil, na medida

em que, para isso, é mais necessário o trabalho que o capital” (SANTOS, 2008 [1975], p.

204). Mas, neste sentido, há variações importantes segundo o tipo de atividade e a cidade. Na

década de 1970, algumas atividades de transporte incluídas nesse circuito não exigiam do

candidato “[...] nem capital nem qualificação [...]” (p. 206). Isto parece ter mudado

sensivelmente. A moto, equipamento principal de trabalho de um moto-táxi, assim como as

kombis e demais carros usados no transporte intermunicipal de passageiros, têm preços

elevados, principalmente para os níveis de rendimento regionais.

Pelas entrevistas que realizamos podemos assegurar que, inicialmente, esses meios de

transporte só estiveram ao alcance dos trabalhadores do circuito inferior da economia urbana

da Região pela possibilidade de adquiri-los de segunda mão, assim como pela existência dos

direitos sociais do trabalhador rural. Isto porque muitos dos que hoje são moto-taxistas só

puderam ingressar na atividade com o dinheiro recebido do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço – FGTS, após vários anos de trabalho nas usinas41.

41 Somente para termos uma ideia, alguns entrevistados em Porto Calvo afirmaram ter gasto mais de R$ 1.000

com a compra da motocicleta ao final dos anos 1990, quando o salário mínimo vigente no País era de R$ 136,00.

No caso dos serviços de transporte intermunicipal, embora não tenha sido possível saber sobre valores, ficou

claro que o ingresso era praticamente impossível para um ex-trabalhador rural, mesmo que este trabalhasse por

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164

Mas, sem dúvida nenhuma, o crescimento do número de moto-táxis nessas cidades se

deu, sobretudo, em função da maior flexibilidade dos sistemas urbanos. De fato, assim como

ocorreu no caso do transporte intermunicipal de passageiros, a princípio poderíamos ver o

trabalho dos moto-taxistas tão somente como uma atividade econômica, que teve impulso a

partir de uma demanda considerada pequena e esporádica para os agentes do circuito superior

da economia urbana. Entretanto, para os trabalhadores do circuito inferior torna-se

praticamente impossível atender essa demanda sem definir localmente outras formas de uso

das técnicas e das normas. Deste modo, a circulação entre os pequenos centros urbanos e

Porto Calvo, bem como entre os subespaços desta cidade, vai deixando cada vez mais de ser

um simples resultado dos aconteceres hierárquico e político-institucional, já que a política das

associações, por exemplo, passa a ter um papel fundamental nessa cooperação.

3.2.2. A busca por acelerar o acontecer hierárquico e a necessidade de maior organização

das atividades do circuito inferior da economia urbana em União dos Palmares

No início dos anos 1990, com a instalação da Fábrica de Laticínios São Domingos no

Distrito Industrial Floriano Rosa42, União dos Palmares passou a ter a indústria urbana

moderna como outro elemento do seu circuito superior da economia urbana. Na época, essa

indústria não chegava a gerar sequer 100 postos de trabalho diretos (FIEA, 1994).

Trata-se de um Distrito que, de vários pontos de vista, inseriu-se numa dinâmica

bastante diferente da que se passou nos distritos de Maceió e Marechal Deodoro. Nestes dois

últimos casos, já havia uma demanda (respectivamente do setor sucroalcooleiro e do Pólo

Cloroquímico) que levou os governos federal, estadual e municipais a viabilizar sua criação.

Ademais, o Distrito Floriano Rosa foi criado num contexto em que a Companhia de

Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL já estava praticamente sem capacidade de

coordenar uma política industrial abrangente para todo o estado (CABRAL, 2005).

Observamos o poder público municipal de União dos Palmares empreender esforços

no sentido de atrair empresas para a área, todavia sem nenhum sucesso. Além da lei nº. 760 de

1989, que ao criar o Distrito oferecia incentivos fiscais e doação de terrenos para as indústrias

vários anos sem ser dispensado nas entressafras. Hoje em dia, as possibilidades financeiras abertas pelas

concessionários de motocicletas e veículos a esses trabalhadores transformou todo esse quadro.

42 Esse Distrito conta com área total de 95.509,39 m², e localiza-se nas proximidades do núcleo urbano de União

dos Palmares. Dispõe de lotes distribuídos por cinco quadras, com dimensões entre 8.511,27 m² e 31.726,00 m²,

tendo a via de acesso principal pavimentada (FIEA, 2009, pp. 60-61).

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165

que aí se instalassem, foram promulgadas mais duas leis neste mesmo sentido, a lei nº 829, de

1995, e a lei nº 921 de 2000. Mesmo numa cidade tão pobre defrontamo-nos, deste modo,

com a busca por acelerar o acontecer hierárquico43. Em nenhuma hipótese essa busca deixa de

ser nociva à política e ao território municipais, porque revela a tentativa de distanciar o

aparelho de Estado cada vez mais das populações pobres.

Da mesma maneira que em Porto Calvo, tivemos em União dos Palmares, ainda na

última década do século XX, a instalação de uma agência da CAIXA. Considerando União

dos Palmares e as cidades do entorno, essa agência era a única existente até 2010 (quando

então foi instalada uma agência desse banco em Murici). Isto contribuiu para renovar as

complementaridades entre União dos Palmares e os pequenos centros urbanos vizinhos.

Embora os trabalhadores do transporte interurbano de passageiros surgido nessas

cidades tenham começado a se organizar em associações já no início dos anos 1990, conforme

pudemos observar no capítulo anterior, as entrevistas que realizamos mostraram que, nessa

mesma década, começou haver uma pressão cada vez maior sobre tais trabalhadores por parte

de empresas que passaram a concorrer com essas atividades do circuito inferior da economia

urbana. O fato de a maioria das cidades estarem localizadas ao longo da BR – 104 (somente

Santana do Mundaú e Ibateguara dependem de estradas vicinais para alcançar esta BR),

facilitava a atuação de tais empresas.

Isso levou a Associação de União dos Palmares a buscar apoio no poder público

municipal, o que resultou na promulgação da lei nº. 864, de outubro de 1997, que estabelece o

Sistema de Transporte Alternativo no município de União dos Palmares. Embora a validade

dessa lei seja duvidosa44, o fato é que a entrada de novos trabalhadores nas linhas com destino

a Maceió, Branquinha e São José da Laje começou a ficar cada vez mais difícil, agora não

43 A partir de 2002, a Fábrica de Laticínios São Domingos passou a usar todas as suas instalações para produzir

para a Quaker Brasil, num acordo em que todos os insumos, parâmetros de qualidade etc., seriam delineados por

esta última empresa, que investiu inicialmente 9 milhões em equipamentos e na melhoraria das instalações.

Dessa forma, a Quaker procurava alcançar com mais facilidade o mercado do Nordeste sem ter que iniciar uma

fábrica do zero e lidar com todos fatores referentes à mão de obra (ver reportagem: “Fabricação de Toddynho no

Nordeste acirra a concorrência”. Disponível em: http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/marketing-do-

leite/fabricacao-do-toddynho-no-nordeste-acirra-a-concorrencia-15669n.aspx). Segundo nossas entrevistas, a

Fábrica de Laticínio MUU, localizada no Núcleo Industrial de Murici, pretende fazer a mesma coisa que a

Fábrica São Domingos, com a diferença de que não vai produzir somente para uma marca, mas para várias. Há,

portanto, uma tendência a que essas fábricas percam cada vez mais suas ligações com os mercados locais. Além

disso, sem aumentar a quantidade de empregos nessas cidades, os agentes externos passam a controlar vários

aspectos da dinâmica desses distritos industriais.

44 O estranho é que se trata de uma lei municipal que, na realidade, estabelece normas tanto para o transporte de

passageiros dentro do município (como o número de veículos que seriam permitidos na linha União-Distrito

Rocha Cavalcante), como para o transporte intermunicipal (como o número de veículos autorizados nas linhas

para Maceió, Branquinha e São José da Laje) (Art. 5º, lei 864/1997).

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166

somente em função do capital exigido para a compra do veículo, mas também por conta da

exigência de certa organização dos próprios trabalhadores45.

Para os nossos dias, poderíamos então relativizar a constatação de Milton Santos

(2008 [1975], pp. 206-208) sobre as facilidades de entrada nas atividades do circuito inferior

da economia urbana. Sobre isso, além dos requisitos de capital e de qualificação já apontados

por esse autor, pensamos ser necessário considerar também a exigência de organização do

próprio trabalhador. É o caso de este ter que participar de uma associação e ter carteira de

habilitação, por exemplo, pois em ambos os casos não se trata simplesmente de organização

da atividade.

No quadro 15 podemos constatar que o serviço de moto-táxi das cidades do entorno de

União dos Palmares, ainda que em menor grau que o transporte interurbano de passageiros,

revela maiores níveis de organização se compararmos ao de Porto Calvo. Mesmo nos casos

em que as próprias associações definem todos os aspectos referentes à organização do serviço,

elas estabelecem várias normas sobre a entrada e saída de novos moto-taxistas, condições das

motos, preços das passagens etc.

45 Exigia-se do transportador que fizesse parte da associação de União dos Palmares e que tivesse documento de

habilitação em dia. Sobre as exigências referentes ao veículo, trazemos o 6º artigo da mesma lei:

“Art. 6º - Para prestar serviço no SISTEMA ALTERNATIVO DE TRANSPORTE MUNICIAPL DE UNIÃO

DOS PALMARES, só será admitido o veículo que atenda as seguintes condições:

a) – Seja de propriedade de sócio residente em União dos Palmares;

b) – Ser licenciado no Município de União dos Palmares – Al., na categoria de aluguel;

c) – Estar sempre em boas condições de conservação, não podendo ter idade superior a 07 (sete) anos a partir da

data de fabricação”.

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167

Quadro 15: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em União dos Palmares e nas cidades do entorno

Cidade de

origem

Ano aproximado de

surgimento Algumas características no período de surgimento

Perfil dos passageiros que circulavam

no período de surgimento

Ano em que passou a se organizar como

associação Algumas características atuais (2016)

União dos

Palmares

Por volta de 1995 O serviço de moto-táxi começou sem qualquer

regulação do poder municipal. Havia cerca de 7

grupos, cada um contabilizando entre 5 e 10 moto-táxi,

que acabavam diferenciando-se um do outro pelo

ponto da cidade em que costumava pegar passageiros.

A associação foi fundada em 09/12/1997, momento

em que foi promulgada uma lei municipal (não

conseguimos acesso a esta lei) definindo que o número

total de moto-táxis permitido seria de 163, mas em

1997 só rodavam 80.

Não foi possível obter informação 1997 Atualmente existem 200 moto-táxi na cidade. O número de

praças foi definido e ampliado por lei municipal (não tivemos

acesso à essas leis), mas vários aspectos da circulação

continuam sendo definidos pela própria associação (valor da

passagem, distribuição dos pontos na cidade etc.). A clientela

é bastante diversificada, e o fluxo aumenta sobretudo nos dias

de feira-livre, pagamento aos aposentados e beneficiários do

Bolsa Família. Há também um número expressivo de moto-

taxistas que fazem “contratos” para levar crianças nas escolas

todos os dias.

Ibateguara Por volta de 1997 No final da década de 1990 rodavam entre 5 e 10

moto-taxistas na cidade. No início dos anos 2000

apareceu outro grupo menor (com menos de 5 motos),

e esses dois grupos deram origem à associação. Não

havia qualquer regulação por parte do poder

municipal.

Principalmente aposentados que

habitavam a área rural do município,

sobretudo nos dias de feira-livre e de

pagamento.

2002 Hoje são 27 moto-táxis. Esse número foi definido por lei

municipal (não conseguimos ter acesso a esta lei), mas vários

outros aspectos sobre o trabalho são regulados pela própria

associação (requisitos para atuar como moto-táxi, modelo da

moto, valores das passagens e distribuição dos pontos nas

cidades etc.). A maior parte da clientela é constituída por

populações pobres (aposentados, beneficiários do Bolsa

Família) que circulam principalmente nos dias de feira-livre.

Murici Por volta de 1997 Quando surgiu, rodavam dois pequenos grupos (cada

um tinha entre 5 e 10 motos), sem qualquer regulação

do poder municipal. Esses dois grupos formaram a

associação.

O fluxo principal de passageiros era para

as fazendas localizadas na área rural do

município em dias de feira-livre e

pagamento de aposentadoria.

2003 Hoje existem 84 praças para moto-táxi na cidade, mas só

rodam cerca de 60, porque uma parte dos trabalhadores viajou

para o Sudeste e Centro-Oeste do País em busca de trabalho.

Esse número foi definido pela própria associação, sem

qualquer regulação do poder municipal (há um Projeto de Lei

tramitando na Câmara Municipal para regulamentar a

profissão). Todos os aspectos do trabalho são regulados pela

própria associação (modelo de moto, valor da passagem,

distribuição dos pontos na cidade etc.). O fluxo aumenta,

principalmente, nos dias de feira-livre, pagamento do Bolsa

Família e de aposentadoria.

São José da

Laje

Por volta de 1994 Rodavam cerca de 5 moto-táxi sem qualquer regulação

por parte do poder municipal.

O fluxo principal era para a área rural do

município nos dias de feiras e de

pagamento aos aposentados.

2000 Hoje existem 80 moto-taxistas na cidade. Esse número havia

sido definido no momento da criação da associação, mas só

foi completado recentemente pelo incentivo do poder

municipal, que distribuiu o restante das permissões que não

estavam sendo usadas. De modo que há aspectos do trabalho

que são regulados pelo poder municipal (definição do número

de trabalhadores, por exemplo), enquanto outros vão sendo

definidos pela própria associação (distribuição dos pontos na

cidade, valores das passagens, modelo de moto etc.). O fluxo

maior de passageiros hoje é para a periferia da cidade,

especialmente para o bairro construído para os desabrigados

da enchente de 2010, que fica a 3 km do centro da cidade. A

população desloca-se sobretudo nos dias de feira e de

pagamento aos aposentados e aos beneficiários do Bolsa

Família.

Santana do

Mundaú

Por volta de 1998 Rodavam entre 5 e 10 moto-táxi. Na verdade, tratava-

se de algumas poucas pessoas que tinham moto na

cidade e, às vezes, eram chamados para levar alguém

numa cidade vizinha ou na área rural do próprio

município.

Principalmente pequenos agricultores da

zona rural

2008 Hoje existem 38 moto-táxis na cidade, e todas as normas

sobre o serviço são formuladas pela própria Associação de

moto-taxistas. O fluxo principal de passageiros ocorre no

período de pagamento aos aposentados e beneficiários do

Bolsa Família, e se dá entre o centro e o novo bairro

construído para o desabrigados da enchente de 2010, que fica

a 5 km do centro da cidade. O fluxo para a área rural do

município e para as cidades vizinhas ainda ocorre, mas ficou

mais restrito aos horários em que as vans não circulam mais

(depois das 17:30).

Branquinha Por volta de 2003 Rodavam entre 10 e 15 motos. O fluxo era principalmente para a área

rural da cidade (especialmente

2005 Hoje são 22 moto-taxistas na cidade, e toda a organização,

inclusive a definição dessa quantidade, é feita pela própria

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assentamentos rurais) e para as cidades

vizinhas (União dos Palmares e Murici).

associação de moto-taxistas. O fluxo principal atualmente

ocorre entre o centro e o bairro construído para os

desabrigados da enchente de 2010, localizado a mais de 3 km

do centro. O movimento é maior no período de pagamento aos

beneficiários do Bolsa Família e aos aposentados.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

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169

O serviço de moto-táxi tornou-se responsável pela circulação da grande maior parte da

população pobre no espaço urbano de União dos Palmares. Tudo indica que a procura do

poder público municipal por parte dos trabalhadores da recém fundada associação em 1997

para normatizar alguns aspectos desse serviço revela a preocupação com o rápido aumento do

número de moto-taxistas na cidade, bem como as dificuldades de conciliar os conflitos que

foram surgindo.

3.2.3. São Miguel dos Campos: entre a política das empresas e a expansão do circuito

inferior

Em 1999, as fábricas de cimento do Grupo pernambucano Brennand, incluindo a

Companhia de Cimento Atol localizada em São Miguel dos Campos, foram compradas pelo

grupo português Cimpor46. As facilidades oferecidas aos capitais estrangeiros para entrada no

País autorizaram novas concentrações nesse setor, o que conferiu ainda maior poder decisório

aos capitais forâneos sobre a riqueza produzida com os recursos naturais miguelenses.47

Entre os diversos subespaços da Região Canavieira de Alagoas, foi no entorno de São

Miguel dos Campos onde a racionalidade instrumental avançou com mais força no campo. Aí

estão as principais usinas e destilarias que passaram a liderar a modernização do setor a partir

dos processos de desregulamentação (CARVALHO, 2001), e embora desde então a área

colhida de cana tenha permanecido praticamente a mesma, as empresas passaram a demolir

inúmeras moradias de trabalhadores em fazendas48. Dessa forma, a expansão do circuito

inferior da economia urbana torna-se a consequência mais evidente do aperfeiçoamento da

ação instrumental em São Miguel dos Campos e nos municípios vizinhos.

46 Ver reportagem: “Cimpor compra três fábricas brasileiras”. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi09099911.htm Acesso em dezembro de 2016.

47 Em 2012, o Grupo Camargo Corrêa, através da InterCement, adquiriu as ações da Cimpor, buscando sobretudo

ampliar sua participação no Nordeste num momento em que a construção civil se expandia bastante nesta

Região. Ver reportagem: “Camargo Corrêa conclui aquisição da Cimpor e avança no Brasil”. Disponível em:

http://exame.abril.com.br/negocios/camargo-correa-conclui-aquisicao-da-cimpor-e-avanca-no-brasil/ Acesso em

dezembro de 2016.

48 Isso ficou claro em várias das nossas entrevistas. Por exemplo, o presidente da Associação do Transporte

Complementar de Roteiro, quando indagado sobre o fluxo de passageiros para São Miguel dos Campos na

década de 1990, explicou: “[nessa época] tinha as fazendas no caminho que a gente vinha pegando, vinha

pingando. Hoje em dia não tem fazenda em canto nenhum, se a gente carregar no Roteiro tudo bem, se não

carregar não carrega mais em canto nenhum, se carregar de cá pra lá é a mesma coisa, nós não temos o pinga

não, é pegou carregou vai embora. Porque de primeiro tinha as fazendas né, nós saia nas fazenda, ia deixando,

mas agora tá mais difícil” (Entrevista realizada em junho de 2016).

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Buscando atender a demanda crescente por circulação no espaço urbano, numa cidade

em que uma parcela razoável da população pobre tinha rendimentos fixos mas habitava áreas

distantes dos principais fixos públicos e econômicos, surgiu em 1994, na periferia

miguelense, a Associação dos Motoristas Autônomos do Bairro de Fátima. Durante a década

de 1990, toda a organização desse pequeno sistema de transporte urbano de passageiros era

feita pelos próprios associados. De acordo com as nossas entrevistas, alguns anos antes uma

média de 10 (dez) trabalhadores já realizavam esse transporte sem fazerem parte de qualquer

organização coletiva. A fundação da Associação, estabelecendo as primeiras normas sobre o

tipo de veículo, e requerendo exclusividade para os associados nessa linha, adiantou vários

aspectos organizacionais que viriam a ser ratificados pelo poder municipal no final da década.

A Lei municipal nº. 1.066, de janeiro de 1999, concedeu permissão à Associação dos

Motoristas Autônomos do Bairro de Fátima para explorar o transporte de passageiros na

cidade49. Hoje, 23 (vinte e três) carros de trabalhadores vinculados a essa Associação são

responsáveis pela circulação de pessoas dos bairros periféricos para o centro de São Miguel

(SILVA NETO, 2016, pp. 65-66)50.

Da mesma maneira, o serviço de moto-táxi, surgido nessa cidade por volta de 1995,

passou logo no início dos anos 2000 a ter o seu funcionamento regulado principalmente pelo

poder municipal. As cidades do entorno de São Miguel dos Campos são mais flexíveis nesse

sentido. No quadro 16 observamos que em Teotônio Vilela e Jequiá da Praia, por exemplo, a

organização desse serviço se assemelha ao que ocorre na área de Porto Calvo, isto é,

praticamente todos os aspectos são definidos pelos próprios trabalhadores, porque não há

sequer associações.

49 Informação obtida na Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito – SMTT de São Miguel de

Campos, em julho de 2016. Não conseguimos ter acesso a essa lei.

50 Além dos carros da associação, uma empresa local, a Transportadora de Passageiros Miguelense Ltda-

TRANSPAM, também passou a realizar a circulação de passageiros no espaço urbano de São Miguel. Trata-se,

todavia, de uma dinâmica diferente das atividades do circuito inferior que foram se organizando em associação

(SILVA NETO, 2016, pp. 69-70).

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171

Quadro 16: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em São Miguel dos Campos e nas cidades do entorno

Cidade de

origem

Ano aproximado de

surgimento Algumas características no período de surgimento

Perfil dos passageiros que circulavam

no período de surgimento

Ano em que passou a se organizar como

associação Algumas características atuais (2016)

São Miguel

dos Campos

Por volta de 1995 No ano de fundação da associação (2003), rodavam

100 moto-taxistas.

O fluxo era principalmente para os

bairros periféricos da própria cidade nos

dias de feira-livre

2003 Hoje são 250 moto-taxistas na cidade, e praticamente toda a

regulação do serviço é feita pelo poder público municipal. O

maior fluxo continua sendo entre o centro e os bairros

periféricos da cidade, especialmente nos dias de feira-livre. A

maior parte dos aposentados e beneficiários do Bolsa Família

prefere circular no transporte urbano feito por vans e micro-

ônibus, e não de moto-táxi.

Teotônio

Vilela

Por volta de 1998 Não foi possível obter informações O fluxo principal era para os povoados

das usinas (especialmente da usina

Gauxuma) nos períodos de pagamento da

usina. Nesta época, a usina ainda não

fazia pagamento através de bancos, de

forma que o fluxo de pessoas entre a

usina e a cidade era intenso.

Não há associação Hão são aproximadamente 160 moto-táxis na cidade,

distribuídos por cerca de 8 pontos. Cada ponto tem uma

organização particular: define a quantidade de moto-táxi que

vão trabalhar, as exigências para ingressar na atividade etc.

Não há qualquer regulação por parte do poder municipal, e

nem mesmo uma organização geral por parte dos moto-

taxistas que seja seguida por todos. O fluxo hoje é pequeno, e

se dá principalmente entre os bairros periféricos e o centro,

assim como para as cidades vizinhas. O período de maior

movimento é quando começa o pagamento aos aposentados e

aos beneficiários do Bolsa Família.

Coruripe Por volta de 1999 Não foi possível obter informações Trata-se de um município com muitos

povoados rurais (inclusive em torno da

Cooperativa Pindorama), por isso o fluxo

maior sempre foi com destino a esses

povoados.

Não foi possível obter informações (há cerca de

6 pequenas associações na cidade, por isso ficou

difícil obter informações detalhadas de cada

uma).

Hoje são 165 moto-taxistas na cidade. Quanto à regulação, há

alguns poucos aspectos (número de moto-táxis por ponto, por

exemplo) que são estabelecidos pelo poder público municipal,

mas a grande maior parte das normas sobre o serviço

(distribuição dos pontos, modelo e condições das motos,

valores das passagens etc.) é formulada pelas próprias

associações em cada ponto. O fluxo maior é entre o centro da

cidade e os povoados rurais, especialmente nos dias de feira-

livre, pagamento aos aposentados aos beneficiários do Bolsa

Família.

Jequiá da

Praia

Não foi possível obter

informações

Não foi possível obter informações O fluxo principal sempre foi para as

cidade de São Miguel dos Campos e

Coruripe

Não há associação Estimamos que há em média 30 moto-taxistas na cidade.

Todos os aspectos referentes à organização da atividade ficam

a cargo da própria associação, sem qualquer regular do poder

público municipal. O serviço supre (assim como faz desde o

seu surgimento) as deficiências do sistema interurbano de

transporte de passageiros, uma vez que há apenas um veículo

que faz duas vezes por dia a linha Coruripe – São Miguel dos

Campos via Jequiá da Praia. O fluxo maior de pessoas é para

Coruripe, principalmente no período de pagamento aos

aposentados e beneficiários do Bolsa Família.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

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172

Em Teotônio Vilela, por exemplo, quando perguntamos a um moto-táxi responsável

por um dos pontos se a quantidade de trabalhadores nesse serviço não era muito grande

levando em conta o quantitativo populacional da cidade, ele explicou: “É, mas o prefeito quer

né, se o prefeito não quisesse ele acabava, mas o prefeito não acaba. O prefeito diz na rádia

que quem tiver desempregado e quiser rodar de moto-táxi é só fazer um pontinho e rodar. Aí

aumenta né, que todo mundo precisa né” (Entrevista realizada em junho de 2016).

Infelizmente não foi possível obtermos entrevistas dos moto-taxistas das cidades Campo

Alegre e Boca da Mata

Como os moto-táxis cumprem, certas vezes, a função que caberia ao serviço de

transporte intermunicipal, a sua difusão parece estar associada também ao adensamento das

complementaridades entre São Miguel dos Campos e os centros urbanos vizinhos, fato que,

aliás, foi responsável pela fundação de associações de transporte intermunicipal ao longo dos

anos 199051.

A densidade bancária nessa área é bem maior em comparação à de Porto Calvo, de

modo que as cidades de Boca da Mata, Coruripe, Teotônio Vilela e, a partir de 2004, Campo

Alegre, além de São Miguel dos Campos, tinham agências bancárias, sendo Roteiro e Jequiá

da Praia as únicas cidades desprovidas desse fixo. Todavia, até 2010 havia agências da

CAIXA somente em São Miguel dos Campos e em Coruripe.

Dessa forma, enquanto as fazendas perdem população, novos fatores terminam por

acelerar o acontecer complementar entre as cidades. Neste sentido, nos deteremos na próxima

parte da tese à análise do Programa Bolsa Família.

51 O fluxo de pessoas nessa área de São Miguel dos Campos sempre foi do interesse de empresas do circuito

superior da economia urbana, sobretudo entre as cidades localizadas ao longo da BR – 101 (São Miguel dos

Campos e Teotônio Vilela). Nossas entrevistas mostraram que até os primeiros anos do século XXI isso não

havia gerado maiores conflitos, uma vez que quando essas empresas atuavam só paravam para embarque e

desembarque de passageiros nas cidades, enquanto os trabalhadores do circuito inferior iam fazendo o “pinga-

pinga” nas fazendas, na BR – 101 e nas estradas vicinais. Com a eliminação das fazendas, a princípio cresce a

necessidade de circulação entre as cidades, mas depois, com a instalação de agências bancárias, Casas Lotéricas

e, Caixa’s Aqui nesses centros acirram-se as disputas entre empresas do circuito superior da economia urbana

(geralmente de Maceió) e o transporte complementar de passageiros.

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173

SEGUNDA PARTE: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E CIRCUITOS DA ECONOMIA

URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS

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174

CAPÍTULO 4: A transferência de renda como acontecer político-institucional no Brasil

“[...] a idéia de combate à pobreza, usada por tantos, reifica a pobreza,

tornando-a um fato altamente naturalizado. Afinal, quem não quer

participar do bom combate? Quem não quer colaborar com a boa missão?

Sob este guarda-chuva pode-se abrigar um pouco de tudo”.

Ana Clara Torres Ribeiro. A face social da mudança econômica:

funções da pobreza. (2001, p. 73).

“[...] se nos definirmos por nossas ações instrumentais, somos desiguais,

dado que um é forte, qualificado ou educado, e o outro é fraco, não

qualificado ou analfabeto”.

Alain Touraine. Igualdade e diversidade. (1998, p. 70).

e nos países do centro do sistema capitalista, especialmente nos países da Europa, o

tema das políticas de transferência de renda52 se desenvolveu ligado à

problematização dos limites e possibilidades da mercantilização dos elementos da

produção (notadamente a terra e o trabalho), no Brasil (como de resto ocorreu na maior parte

dos países da periferia do capitalismo) o “combate à pobreza” constituiu tanto o leitmotiv da

discussão teórica, como a principal justificativa político-ideológico que levou à construção de

políticas dessa natureza.

Já nos anos de 1970, certos pesquisadores passaram a defender a implantação de um

Imposto de Renda Negativo no País (SILVA e SILVA, 1997; SPOSATI, 1997; FONSECA,

2001; SUPLICY, 2013 [2002]). Mas foi somente em 1991 que o Senador Eduardo Suplicy

(PT – SP) apresentou um Projeto de Lei propondo a criação de um Programa de Garantia de

Renda Mínima – PGRM de escala nacional, levando para a esfera político-institucional o

debate sobre o tema.

Desde então, extensas discussões foram travadas nas universidades, nas assembleias

de partidos políticos, em comissões do Senado Federal e em sessões da Câmara dos

Deputados. Criaram-se “teorias”, diversos Projetos de Lei, sistemas técnicos para o

52 O que a literatura, notadamente da ciência política, vem chamando de “programas transferências de renda”, ou

de “programas de garantia de renda mínima” compreende transferências monetárias para famílias e indivíduos

que não contribuíram de forma direta para algum fundo previamente, mas que estão fisicamente capacitados para

vender sua força de trabalho. Estaria, desse modo, para além dos direitos trabalhistas e da assistência social. Para

saber com certo grau de detalhamento como políticas desse tipo se inseriram na construção dos Estados de Bem-

Estar social na Europa e na América Latina ver, por exemplo, a tese de Rosa Helena Stein (2005).

S

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175

cadastramento de beneficiários etc., tudo isso para reduzir, na ciência e na política, a pobreza

às dimensões da renda e da educação.

Por isso, com a contribuição ideológica do Banco Mundial e de outras instituições

internacionais, a política de transferência de renda tornou-se consensual entre diversos

partidos quando se trata de “combater a pobreza”. Partidos de diferentes vinculações

ideológicas se alimentam na mesma concepção reificadora de pobreza para “fazer política” e,

desse modo, o combate à pobreza se torna uma causa que toda a sociedade política brasileira

procura abraçar.

Na realidade, o fazer político nesse aspecto foi ficando cada vez mais restrito à

definição de “linhas de pobreza”, de critérios exigidos para ser beneficiário dos programas, do

percentual adequado de frequência escolar para que a criança saía por si só da pobreza no

futuro, além de outras questões dessa mesma natureza. Por essas razões cremos que o

acontecer político-institucional é chamado cada vez mais a colaborar com a naturalização do

“Espaço Dividido”. Como isso ficaria com a criação do Programa Bolsa Família – PBF

(2003)?

De fato, os processos que vimos relatando no capítulo anterior pressionam as formas

de repartição da riqueza pelo Estado de várias maneiras. Não é somente uma questão

orçamentária ou normativa, embora estas sejam por demais importantes. Por isso, no presente

capítulo buscamos considerar, ao mesmo tempo, os principais fatores técnicos e políticos

responsáveis pela transformação, no Brasil, de propostas de transferências de renda em

acontecer político-institucional. Um destaque especial será dado a construção e

funcionamento do PBF.

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4.1. O debate brasileiro sobre transferência de renda e sua transformação em política nos

anos 1990

Conforme apontaram diversos autores (SILVA E SILVA, 1997, p. 112; SUPLICY,

2013 [2002], p. 167; FONSECA, 2001, p. 93), a proposta de Imposto de Renda Negativo

apresentada por Antonio Maria da Silveira em 1975, no seu texto intitulado “Redistribuição

de Renda”, pode ser tomada como marco inicial da discussão sobre transferências de renda no

Brasil. Desde então, esse autor buscou difundir a ideia em várias esferas e instituições,

sobretudo acadêmicas.

Segundo afirmou o próprio Antonio Maria da Silveira em entrevista concedida em

2002, o que o levou a defender propostas de transferência de renda com tanta veemência foi

sua descrença na tese de que o crescimento econômico traria consigo o fim da pobreza. Ele

explicou: “o sério na época [1975] era o “slogan” da espera pelo crescimento do bolo, ou pior,

o erro de que o crescimento erradicaria automaticamente a miséria. Não tinha estas saídas

comigo, pois voltava dos Estados Unidos, onde seus assemelhados diziam o mesmo, apesar

do bolo lá ter por demais crescido” (SILVEIRA, 2002, p. 154).

Podemos afirmar que a mesma razão, ainda que destacando especificamente os

empecilhos que a pobreza colocava para a democratização da sociedade brasileira, levou

Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger a também defenderem, três anos depois, o

Imposto de Renda Negativo como política para o País. Segundo a proposta dos autores

(1978), esta política deveria ser adotada em conjunto com outras de caráter estrutural, como a

Reforma Agrária por exemplo.

Cabe aqui um comentário sobre o chamado Imposto de Renda Negativo. De maneira

resumida, trata-se de realizar uma transferência em dinheiro para as pessoas que auferem

rendimentos situados abaixo de determinado patamar previamente estabelecido, sendo a

quantia da transferência igual à que falta para alcançar tal patamar. O principal defensor dessa

forma de transferência de renda foi o economista Liberal Milton Friedman. De acordo com a

explicação de Ana Maria Medeiros da Fonseca (2001, p. 94), o argumento por trás da

proposta de Friedman é o de que, “[...] se o objetivo é aliviar a pobreza, o programa deve

ajudar o pobre diretamente, ou seja, deve tratar o indivíduo como indivíduo e não como

membro de um grupo particular, seja este ocupacional, salarial, etário, sindical ou industrial”.

A mesma autora (2001, p. 139) (como, aliás, o fizeram outros pesquisadores do tema)

deixa claro que embora essa perspectiva tenha servido de inspiração inicial para o debate

brasileiro, no centro do sistema capitalista o Imposto de Renda Negativo representava

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somente a ponta liberal de um debate que problematizava os próprios limites e possibilidades

da mercantilização dos elementos da produção que o capitalismo acabou por efetivar. Era um

debate que, apesar de antigo, tinha ganhado ímpeto com a expansão do desemprego causada

pelo neoliberalismo (DRAIBE, 1997, pp. 7-8; SILVA E SILVA, 1997, p. 39). Na outra ponta,

defendia-se que o direito à renda fosse somado àqueles já garantidos pelo Estado de Bem-

Estar social. Todavia,

Confrontando esse debate com os temas colocados na discussão sobre renda

mínima no Brasil, observa-se que aqui não se alude à desestruturação do

mercado de trabalho, com elevadas taxas de desemprego, à geração de

postos de trabalhos precários, às ocupações subcontratadas, à exclusão do

mercado de trabalho de um importante contingente da população ativa

(FONSECA, 2001, p. 139).

Em síntese, podemos afirmar que no Brasil, diferentemente do que se passou nos

países do centro do sistema capitalista, o combate à pobreza passou a ser a principal

justificativa apresentada pela ciência para a adoção de políticas de transferência de renda. Na

realidade, nesta associação entre transferência de renda e o fenômeno da pobreza existe a

suposição tácita de que a situação do pobre se explica, sobretudo, pelos rendimentos. Não é

por acaso que os exercícios matemáticos que buscam definir a renda suficiente para os

consumos básicos, chamados de “linhas de pobreza”, passam a ser tão funcionais às propostas

brasileiras de transferência de renda.

Na época em que Antonio Maria da Silveira apresentou sua proposta, a continuidade

do empenho do Estado no “desenvolvimentismo”, somada às condições políticas da ditadura,

ao mesmo tempo que limitavam as possibilidades de transformar essas propostas teóricas em

política, permitiam relativizar, no debate acadêmico e nas instituições políticas, o papel que

transferências monetárias sozinhas poderiam ter na redução da pobreza.

A discussão só entrou na esfera político-institucional em 1991, quando Eduardo

Matarazzo Suplicy (SUPLICY, 2001), então eleito senador pelo Partido dos Trabalhadores,

apresentou um Projeto de Lei propondo a instituição de um Programa de Garantia de Renda

Mínima – PGRM na forma de Imposto de Renda Negativo. Conforme relatou o próprio

senador (2013 [2002], p. 33/170), o Projeto resultou da sua interação com Antonio Maria da

Silveira, que inclusive lhe auxiliou na formulação. Segundo registra a bibliografia, ao lado de

uma militância de caráter mais acadêmico em defesa das transferências, temos daí em diante

também uma militância nas instituições políticas por parte de Eduardo Suplicy.

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A partir de então, a formação socioespacial brasileira (SANTOS, 1977) (notadamente

as raízes de nossa cidadania incompleta, assim como as transformações que esta conheceu no

após-Segunda Guerra Mundial) vai moldando a proposta de Imposto de Renda Negativo

apresentada no Senado. Neste sentido, defendemos que além da valorização de objetos e

formas de fazer externos, que impregna as instituições políticas brasileiras, a pressão de

subsistemas de ações globais que visam naturalizar a pobreza nos países periféricos passou

também a contribuir para a construção da política brasileira de transferência de renda.

Podemos mencionar, nessa direção, a chamada tese da reprodução intergeracional da

pobreza. De acordo com Eduardo Suplicy (2013 [2002], p. 173), numa reunião de

economistas do PT, no mesmo ano em que ele havia apresentado seu Projeto de Lei no

Senado, José Márcio Camargo defendeu que o foco das transferências de renda fosse “[...]

famílias que tivessem crianças em idade escolar, uma vez que um dos maiores problemas

brasileiros era o número tão grande de crianças que, em virtude de seus pais não terem uma

renda suficiente para sua sobrevivência, eram obrigadas a trabalhar precocemente”. O

argumento científico por trás dessa “focalização” era o de que, se as transferências

garantissem a permanência das crianças pobres na escola, as futuras gerações, com maior

escolaridade, poderiam obter maiores rendimentos, o que equivaleria a “quebrar o ciclo da

pobreza entre as gerações”.

Ana Clara Torres Ribeiro (2001, pp. 79-80) ensina que “quando a busca de

identificação de causas da pobreza, realizada com o propósito de orientar investimentos em

políticas sociais, desconsidera a correlação de múltiplas variáveis na determinação da miséria

[...],” estamos diante da tentativa de naturalizar o fenômeno da pobreza. Para a autora,

Este é o caso, por exemplo, da hipervalorização da educação na

determinação da renda, quando é esquecido o fato de que a renda também

determina o nível educacional. Sem desconhecer a relevância da educação na

mobilidade social, é indispensável dizer que uma distribuição de renda e da

riqueza mais justa [...] traria efeitos positivos imediatos não só com relação à

educação, em sua correlação com a renda, mas, também, a todo o conjunto

de elementos da qualidade de vida.

A “teoria” de José Márcio Camargo acabou por conectar definitivamente o tema das

transferências de renda à erradicação da pobreza no Brasil. Fez isto de uma maneira que ia ao

encontro das formulações que os organismos internacionais passaram a formular na mesma

década, assim como de vários setores da sociedade política brasileira. Além disso, a proposta

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também encontrava apoio e se alimentava em movimentos de luta contra a fome, podendo

ainda ser usada em defesa da educação.

Já nos anos 1970, logo após ficar claro que o crescimento econômico se deu sem

melhoria nas condições de vida da maioria dos brasileiros, começou haver certa preocupação

da parte do governo com a área social pela recomendação e financiamento do Banco Mundial

(FONSECA, 1998, pp. 42-43), visando, sobretudo, ao aumento da produtividade dos pobres

(SILVA, 2002). E este verdadeiro planejamento da pobreza (SANTOS, 2003 [1979]) mudou

sensivelmente na década de 1990 com o avanço do neoliberalismo.

Conforme registra a bibliografia, depois que os organismos internacionais exigiram do

Estado brasileiro várias medidas que objetivavam garantir a solvência da dívida que financiou

o “desenvolvimentismo” (medidas que foram responsáveis por agravar, sobremaneira, as

situações de pobreza no Brasil), esses mesmos organismos começaram a propor e financiar

soluções parciais para a pobreza (STEIN, 2005, p. 148; UGÁ, 2008, p. 123; LEITE e PERES,

2013, p. 352).

São soluções apoiadas em pseudoteorias científicas, isto quando elas mesmas não

trazem tacitamente uma teoria, que passam a focalizar principalmente a renda e a educação

como variáveis fundamentais na explicação da pobreza. Trata-se de aumentar a renda e os

níveis de escolaridade dos pobres não mais para servir ao desenvolvimento nacional, mas com

a finalidade de que eles mesmos possam depois aumentar seus rendimentos sozinhos. Como

dessa forma abandona-se completamente a busca por integrar os pobres aos direitos sociais,

há o risco de que certos aspectos da educação que não sirvam diretamente para auferir maior

renda percam totalmente o sentido para essas populações53.

A tese da reprodução intergeracional da pobreza passou a ter o apoio de partidos

políticos das mais diferentes vinculações ideológicas na cena política brasileira. Eduardo

Matarazzo Suplicy (2013 [2002], p. 174) relata que Cristovam Buarque já vinha pensando na

relação entre política de transferência de renda e educação desde a década de 1980 e, “[...] em

1994, colocou como proposta básica de sua campanha para governador [do Distrito Federal] a

instituição de uma renda mínima para todas as famílias poderem ter as suas crianças

frequentando a escola”. Em 1995, além desta proposta ter sido transformada em política (o

chamado “Bolsa-Escola”), o prefeito do município de Campinas, José Roberto Magalhães

53 Ainda que a situação do PBF seja por nós considerada bastante diferente dos Programas construídos ao longo

dos anos 1990, esse papel que a educação assumiu inicialmente na política brasileira de transferência de renda

acabou por permanecer, e por isso será melhor abordado a partir de algumas situações concretas da Região

Canavieira de Alagoas no item 5.3 do próximo capítulo.

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Teixeira (PSDB), também iniciou um Programa de Garantia de Renda Mínima vinculado à

educação.

A partir de então, diversos programas municipais e estaduais foram propostos e

criados por diferentes partidos políticos, todos eles alimentando-se, ainda que em diferentes

graus, na tese de José Márcio Camargo. Em levantamento realizado em 2002, Maria Ozanira

da Silva e Silva, Maria Carmelita Yazbek e Geraldo di Giovanni (2008, pp. 151-152)

identificaram um total de 56 (cinquenta e seis) programas criados desde 1995, estando 45

(quarenta e cinco) sob a responsabilidade de municípios e 11 (onze) de estados54, distribuídos

conforme apresenta os mapas a seguir.

Mapas 65 e 66 – Brasil: Estados e municípios com programas de transferência condicionada de renda

(2002)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

A concentração no Estado de São Paulo é notável, aí estavam 60% dos municípios que

haviam criado políticas de transferência de renda. Isto significa que somente os municípios de

maior orçamento, e que dispunham de razoável estrutura administrativa, puderam implantar

essas políticas. Ainda assim, sua difusão para as diversas regiões brasileiras foi possível, em

54 Os autores relatam que souberam da existência do programa estadual de transferência de renda em Alagoas

por meio de terceiros. Cremos que essa informação esteja equivocada, mas não foi possível confirmá-la ou negá-

la a partir de outras fontes.

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boa medida, em função da adequação dos critérios de elegibilidade e dos valores das

transferências às condições financeiras de cada ente federativo, ou seja, o número de pobres e

os recursos necessários para “lutar contra a pobreza” poderiam ser manipulados de acordo

com a linha de pobreza utilizada.

Neste sentido, o quadro 17 nos fornece uma ideia do tamanho desses programas

trazendo o número de famílias beneficiárias de 24 (vinte e quatro) deles no ano 2001. Como

fica claro, essa número variava bastante de um programa para outro.

Quadro 17: características de alguns programas de transferências de renda municipais e estaduais em

outubro de 2001

Localidade UF Gestão* Início Nome do Programa Nº de Famílias

atendidas

Amapá AP GE 1996 Programa Bolsa Escola 1.200

Amazonas AM GE 1996 Direito à Vida 55.800

Belém PA PM 1997 Programa Bolsa Escola 4.500

Belo Horizonte MG PM 1997 PEBE - Programa Executivo Bolsa

Escola 1.640

Brasília DF DF 1995 Programa Bolsa Escola 22.700

Campinas SP PM 1995 Programa Renda Mínima 2.400

Catanduva SP PM 1997 Programa Bolsa Escola 610

Goiânia GO PM 1997 Programa Renda Mínima 160

Jundiaí SP PM 1996 Produção Associada com Garantia de

Renda Mínima 130

Mundo Novo MS PM 1998 Programa Bolsa Escola 70

Osasco SP PM 1996 Programa Renda Mínima 250

Ourinhos SP PM 1998 Programa Renda Mínima 120

Paracatu MG PM 1998 Programa Bolsa Escola 200

Piracicaba SP PM 1997 Programa Cesta Básica e Vale Escola 600

Porto Alegre RS PM 1997 NASF - Núcleo de Apoio Sócio

Familiar 740

Presid.

Bernardes SP PM 1998 Programa Renda Mínima 25

Presid.

Prudente SP PM 1997 Programa Renda Mínima 460

Recife PE PM 1997 Programa Bolsa Escola 780

Ribeirão Preto SP PM 1995 Programa Renda Mínima 1.840

Santo André SP PM 1998 Renda Mínima (Família Cidadã) 320

Santos SP PM 1998 Programa Nossa Família 70

São Luiz MA PM 1998 Programa Bolsa Escola 800

Tocantins TO GE 1996 Pioneiros Mirins 29.220

Vitória ES PM 1996 Família Cidadã 200

* GE – Gestão Estadual; PM – Prefeitura Municipal; DF – Distrito Federal

Fonte: Licio (2002, p. 68)

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Do total de 37 (trinta e sete) programas que Maria Ozanira da Silva e Silva, Maria

Carmelita Yazbek e Geraldo di Giovanni (2008, p. 154) conseguiram investigar (30

municipais e 7 estaduais), 43% tinham sido criados por propostas de políticos do PT, 24% do

PSDB, 8% do PSB e 5% do PFL, enquanto os demais partidos foram responsáveis,

individualmente, pela criação somente de 1 (um) programa. De fato, “a luta contra a pobreza”

é assumida até mesmo pelos partidos mais conservadores, e as transferências de renda

vinculadas à educação passam a “agradar a gregos e troianos”.

O mesmo podemos afirmar sobre as propostas que surgiram na Câmara Federal e no

Senado. Na segunda metade da década de 1990, novos Projetos de Lei foram apresentados

“[...] pelos deputados Nélson Marchezan (PSDB-RS), Chico Vigilante (PT-DF) e Pedro

Wilson (PT-GO), pelos senadores Ney Suassuana (PMDB-PE), Renan Calheiros (PMDB-AL)

e José Roberto Arruda (PSBD-DF), propondo que se instituíssem projetos de renda mínima

associados à educação, ou Bolsa Escola” (SUPLICY, 2013 [2002], p. 180).

Nesse intervalo, o senador Eduardo Suplicy começou a ter contato com a proposta de

renda básica, também chamada de renda de cidadania,55 por intermédio da Basic Income

European Network (BIEN)56, mas, mesmo assim, passou a contribuir fortemente para a

aprovação de um programa de transferência de renda nacional vinculado à educação. Ele

relata (2013 [2002], p. 19) que, em 1996, levou o professor Philippe Van Parijs (um dos

fundadores da BIEN) para uma audiência com o Presidente da República Fernando Henrique

Cardoso e o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, na qual “Van Parijs explicou as

vantagens da renda básica incondicional, mas mencionou que iniciar um rendimento mínimo

garantido relacionando-o com as oportunidades educacionais seria um bom começo, uma vez

que significaria um investimento em capital humano”. O resultado foi a aprovação do Projeto

do deputado Nélson Marchezan (PSDB-RS), criando o primeiro programa Bolsa-Escola de

escala nacional.

55 Trata-se de uma proposta teórica de transferência monetária que defende o acesso à renda como mais um

direito social e, para isso, problematiza a própria mercantilização da força de trabalho. Neste caso, todas as

pessoas, independente dos seus rendimentos, receberiam a transferência. Autores como André Gorz e Philippe

Van Parijs passaram a defender com ardor esta proposta diante da grande expansão do desemprego que o

neoliberalismo provocou em todos os países, inclusive europeus (SILVA, 2014, p. 110). O senador Eduardo

Matarazzo Suplicy se convenceu a tal ponto das vantagens da proposta de renda básica que, em 2001, apresentou

um novo Projeto de Lei propondo a instituição da Renda de Cidadania no Brasil. O projeto foi aprovado e

transformado na Lei n.º 10.835, de janeiro de 2004, mas a renda básica ainda não foi implantada.

56 “A BIEN foi fundada em 1986, por um grupo de economistas, filósofos e cientistas sociais, para se constituir

num fórum de debates sobre todas as experiências, no mundo, de transferências de renda, como renda mínima,

imposto de renda negativo, renda básica, renda de cidadania, crédito fiscal por remuneração recebida, seguro

desemprego, renda de sobrevivência e outras afins, e também para propugnar para que em cada país da Europa e

do mundo venha a se instituir uma renda básica incondicional” (SUPLICY, 2008 [2004], pp. 8-9). Em 2004 foi

transformada em Basic Income Earth Network.

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183

Criado pela lei nº. 9.533, de dezembro de 1997, esse primeiro Bolsa-Escola Federal,

na realidade, autorizava “[...] o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a programas de

garantia de renda mínima instituídos por Municípios que não disponham de recursos

financeiros suficientes para financiar integralmente a sua implementação” (Art. 1º). Previa-se

uma implantação escalonada do programa, de forma que os recursos seriam destinados “[...]

aos Municípios com receita tributária por habitante, incluídas as transferências constitucionais

correntes, inferior à respectiva média estadual e com renda familiar por habitante inferior à

renda média familiar por habitante do Estado” (Art. 1º, § 1º). Os próprios municípios

deveriam instituir os programas e celebrar convênio com o Ministério da Educação – MEC,

além de arcar com 50% do total destinado às famílias, podendo entrar “[...] como participação

do Município e do Estado no financiamento do programa, os recursos municipais e estaduais

destinados à assistência socioeducativa, em horário complementar ao da freqüência no ensino

fundamental para os filhos e dependentes das famílias beneficiárias, inclusive portadores de

deficiência” (Art. 3º).

No âmbito do Executivo Federal, o programa seria “[...] custeado com dotação

orçamentária específica, a ser consignada a partir do exercício financeiro de 1998” (Art. 9º).

Os repasses (que, dessa forma, só ocorreriam a partir de 1999) seriam feitos para os

municípios, e estes ficariam responsáveis por realizar a seleção dos beneficiários,

operacionalizar o pagamento às famílias e prestar contas dos recursos recebidos. Segundo as

regras estabelecidas pelo Governo Federal, as famílias beneficiárias deveriam ter renda per

capita abaixo de meio salário e crianças entre 7 e 14 anos na sua composição57. Seria exigido

destas frequência escolar de 85%. O MEC fornecia o formulário para o cadastramento, mas

como a seleção ficava a cargo dos municípios, a dinâmica do programa acabava por se

diferenciar bastante entre diferentes localidades.

Com a tabela 23 podemos apreciar a dimensão que esse programa adquiriu até pouco

antes de ser criado um outro Bolsa-Escola em 2001. Nem todos os municípios chegaram a

participar da política, além do fato de o número de beneficiários e o valor médio do benefício

serem baixos.

57 O cumprimento dessas exigências não garantia o recebimento do benefício, porque o valor deste era dado pela

seguinte fórmula: Benefício por Família = R$ 15,00 (quinze reais) x número de dependentes entre zero e catorze

anos - [0,5 (cinco décimos) x valor da renda familiar per capita. Considerando que o salário mínimo em

dezembro de 1997 era de R$ 120,00, numa família com duas crianças onde a renda per capita fosse exatamente

igual a meio salário mínimo, o valor do benefício seria igual a zero (ROCHA, 2013, p. 49).

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Tabela 23 – Brasil: Valores repassados pela União, número de municípios, valor médio do benefício e

número de famílias beneficiadas do Primeiro Bolsa Escola Federal (outubro de 2000)

UF

Nº de

municípios

pagos

Participação

da União*

Valor médio mensal do

benefício por família

em R$**

Beneficiários de

7-14 anos

Famílias

beneficiadas

AC 3 450.507,48 43,32 7.398 3.008

AL 37 4.061.558,14 43,54 71.043 34.622

AM 15 1.636.928,91 50,88 44.137 19.520

BA 210 27.075.708,09 37,93 459.857 226.427

CE 52 6.313.106,48 39,16 104.135 59.552

ES 56 5.035.027,29 44,75 81.594 38.025

GO 39 1.149.708,01 34,31 20.575 11.094

MA 60 5.456.570,27 42,02 130.809 69.616

MG 334 19.057.743,62 38,84 329.035 166.213

MS 17 517.770,81 37,94 6.119 3.378

MT 45 1.812.786,78 43,42 49.364 24.269

PA 24 1.320.723,29 49,55 60.102 23.978

PB 90 4.881.723,15 39,95 121.367 62.673

PE 82 9.918.929,32 35,21 201.342 103.028

PI 19 592.608,59 42,1 14.345 6.638

PR 72 1.342.399,11 32,6 27.072 15.524

RJ 43 2.631.254,98 33,06 62.086 35.726

RN 61 3.806.963,01 38,52 70.854 36.743

RO 3 320.288,10 19,76 6.572 2.702

RR 1 201.727,32 35,31 1.573 952

RS 77 2.242.690,70 38,02 34.904 19.432

SC 54 1.436.020,20 30,11 20.071 12.212

SE 31 2.554.287,01 40,42 42.182 20.109

SP 182 3.781.506,45 31,92 57.691 30.522

TO 17 400.088,85 41,87 10.543 5.281

Total 1.624 107.998.625,96 38,58 2.034.770 1.031.244

* Embora a autora não deixe claro, cremos se trata dos valores mensais de repasse pela União.

** Parece que a informação do MEC superestima o valor médio do benefício supondo que todos os municípios

completariam o restante do benefício em dinheiro, quando o Governo Federal autorizava os municípios a

oferecerem os 50% que lhes corresponderiam na forma de serviços.

Fonte: Comitê Assessor de Gestao do PGRM e FNDE (2000) apud Licio (2002, p. 89)

Adaptações: Fernando Silva (2017)

Segundo pôde constatar Sonia Rocha (2013, pp. 52-57), houve sérias dificuldades para

que as transferências chegassem às famílias de mais baixa renda em cada município com

regularidade. Atraso nos repasses federais aos municípios por problemas orçamentários, falta

de recursos dos municípios para completar as transferências e para realizar o cadastramento,

dificuldades técnicas em realizar o pagamento por parte das prefeituras, além da ausência de

um sistema técnico-informacional de escala nacional para o cadastro dos beneficiários

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constituíam os principais fatores, tanto de ordem político-financeira como técnico-geográfico,

responsáveis pela falta de regularidade no pagamento às famílias. Daí em diante, foi propondo

soluções para esses problemas que até mesmo os partidos mais conservadores procuraram

mostrar para a sociedade que estavam combatendo a pobreza.

Neste sentido, podemos mencionar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 67,

de agosto de 1999, apresentada pelo Senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que

propôs introduzir novos artigos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da

Constituição Federal (1988) para criar o Fundo de Combate e de Erradicação da Pobreza.

Beatriz Augusto Paiva, Maria Norma de Oliveira e Ana Lígia Gomes (2000, pp. 38-39),

concluíram que nessa proposta “[...] é possível verificar o efeito de um projeto com forte

apelo populista, de impacto na mídia, comprometendo-se muito mais com o imediatismo e o

emergencial, do que com os efeitos que possa produzir [...]”.

O debate da PEC de Antonio Carlos Magalhães, somado à existência de um conjunto

de Projetos de Lei, em tramitação nas duas casas, tratando do combate à pobreza, levaram

alguns senadores a solicitarem a constituição de uma Comissão Mista Especial para

considerar todas as matérias em conjunto. Foi então criada a Comissão com 19 (dezenove)

senadores e 19 (dezenove) deputados federais (e seus respectivos suplentes) para, “[...] no

prazo de 90 dias, estudar as causas estruturais e conjunturais da pobreza no país e apresentar

soluções legislativas para sua erradicação” (BRASIL, 1999, p. 7). O relatório final,

apresentado pelo deputado Roberto Brant (PFL – MG), recomendava a criação do Fundo de

Combate à Pobreza para financiar transferências de renda com exigência de frequência

escolar. As causas conjunturais do fenômeno foram basicamente resumida à renda, ao passo

que o baixo nível de escolaridade dos pobres assumiu o lugar de principal causa estrutural. Na

realidade, debates foram travados, várias viagens realizadas, dados foram apresentados, tudo

para, ao final, submeter as causas da pobreza “[...] ao pragmatismo de ações focalizadas,

esquecendo-se sua dimensão estrutural” (SPOSATI, 2000, p. 46).

Vale ressaltar que a oposição, representada principalmente pelos políticos Marina

Silva (PT – AC), Eduardo Suplicy (PT – SP) e Aloizio Mercadante (PT – SP), apresentou um

relatório em separado por discordar das causas estruturais da pobreza apontadas pelo relator

(restritas unicamente ao baixo nível de escolaridade dos pobres). Na visão da oposição, a

política de transferência deveria ser somada à efetivação de demandas históricas dos

movimentos sociais brasileiros, como a reforma agrária, a recuperação do salário mínimo, a

mudança do sistema tributário etc. (SPOSATI, 2000, p. 59).

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As novas possibilidades financeiras abertas pelo Fundo de Combate à Pobreza

autorizaram a criação de um novo Bolsa-Escola, através da medida provisória nº. 2.140, de 13

de fevereiro de 2001. Como no caso anterior, caberia ao município instituir o Programa,

estabelecer convênio com o MEC e cadastrar as famílias. Mas, mudanças significativas foram

introduzidas na seleção dos beneficiários e no repasse das transferências.

Agora podemos dizer que se organizou, de fato, um sistema nacional de cadastramento

de beneficiários, instituído legalmente pelo Decreto nº. 3.877, de julho de 2001, o chamado

Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CAD.ÚNICO. Intermediando

as relações entre o MEC e os municípios, a Caixa Econômica Federal (banco público que

sobreviveu às privatizações dos anos 1990), passaria a atuar como agente operador desse

cadastro e do Programa, função que envolveria o processamento dos dados cadastrados,

identificação dos beneficiários e atribuição do Número de Identificação Social – NIS, “[...] de

forma a garantir a unicidade e a integração do cadastro, no âmbito de todos os programas de

transferência de renda [...]” (Decreto 3,877/2001, Art. 2º).

Ter renda per capita abaixo de meio salário mínimo e crianças na família continuaram

sendo os dois critérios básicos para participar do Programa, mas o valor do benefício passou a

ser calculado somente pelo número de crianças, sendo R$ 15,00 por cada uma, chegando ao

máximo de R$ 45,00. O pagamento às famílias agora seria feito através da CAIXA58. Para

Sonia Rocha (2013, p. 61):

O pagamento via cartão, tendo como agente pagador a Caixa Econômica

Federal, permitiu tirar das prefeituras o ônus da operação de pagamento em

dinheiro a cada família, cuja logística era reconhecidamente complexa,

extrapolando em muito as funções normais das secretarias de Educação

municipais. O cartão bancário magnético teve também um impacto

extremamente relevante ao tornar evidente que o benefício era um direito do

cidadão e o programa de transferência uma ação do Estado, contribuindo

assim para reduzir drasticamente as possibilidades de uso da transferência de

renda como ferramenta clientelista ou como moeda de troca política no nível

local.

58 As funções da CAIXA no âmbito do novo Bolsa-Escola Federal seriam as seguintes:

“§ 4o Caberá à Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador, mediante remuneração e condições a

serem pactuadas com o Ministério da Educação, obedecidas as formalidades legais: I - o fornecimento da infra-estrutura necessária à organização e manutenção do cadastro nacional de

beneficiários; II - o desenvolvimento dos sistemas de processamento de dados; III - a organização e operação da logística de pagamento dos beneficios; e IV - a elaboração dos relatórios necessários ao acompanhamento, à avaliação e à auditoria da execução do

programa por parte do Ministério da Educação” (MP nº. 2.1240/2001, Art. 1º).

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Desse modo, em duplo sentido a rede de fixos da CAIXA passava a assumir um papel

político: primeiro porque a sua distribuição no território nacional atuaria como norma para os

beneficiários (uma vez que, se em toda cidade há uma prefeitura, o mesmo não podemos

dizer, principalmente para o ano de 2001, sobre a rede de atendimento desse banco), que

precisariam, às vezes, se deslocar para receber a transferência; e, segundo, conforme assinalou

a autora, o uso do cartão contribuiria para convencer a população de que se trata de um bem

garantido pelo Estado (o uso do CAD.ÚNICO também contribuiria neste convencimento).

Estamos ante a construção do acontecer político-institucional.

Ainda em 2001, pela medida provisória nº 2.206-1, foi criado o Bolsa-Alimentação,

política de transferência de renda destinada “[...] à promoção das condições de saúde e

nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de seis meses a seis anos e onze meses de idade,

mediante a complementação da renda familiar para melhoria da alimentação” (Art. 2º). O

Ministério da Saúde seria responsável, no nível Federal, pela gestão do Programa, e o repasse

dos benefícios se daria por intermédio da CAIXA, como no caso do Bolsa – Escola.

Por fim, embora com um sistema de financiamento próprio, mas destinado aos

beneficiários do Bolsa-Escola e do Bolsa-Alimentação, foi criado o Auxílio-Gás (MP nº 18,

de dezembro de 2001) com o objetivo de compensar a eliminação, que se efetivaria a partir de

janeiro de 2002, do subsídio universal embutido no preço do gás liquefeito de petróleo – GLP.

Para as famílias inseridas na política, seriam transferidos R$ 15,00 a cada dois meses.

A tabela 24 apresenta o número de beneficiários e os valores repassados pelos três

novos programas de 2001 a 2003. Vejamos.

Tabela 24 – Brasil: Número de benefícios em dezembro e valores anuais repassados pelos programas

de transferência de renda criados no Governo Fernando Henrique Cardoso (2001-2003)

2001 2002 2003

Programa Benefícios

(mil) Valores

Benefícios

(mil) Valores

Benefícios

(mil) Valores

B. Escola 4.794 408.583.920 5.107 1.531.277.441 3.771 1.424.144.340

B.

Alimentação _

967 x 327 289.642.740

Auxílio Gás _

8.847 x 6.932 796.577.453

Total 4.794 408.583.920 14.921 x 11.030 2.510.364.533

X – Não possível obter dados.

Fonte: Rocha (2013, p. 77 e 150) e Santana (2007, várias páginas)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Ainda que tenham permanecidos sérios problemas existentes no Bolsa-Escola de

1997 (sobretudo relacionados ao processo de cadastramento, já que este ficou bastante

dependente das condições políticas e financeiras de cada município), todos os municípios

estavam agora participando da política, e os valores repassados alcançaram a casa dos bilhões.

A partir de 2003, novos condicionamentos internos e externos terminariam por moldar

a política brasileira de transferência de renda. Isto será analisado no próximo item.

4.2. A política brasileira de transferência de renda na busca por garantir direitos sociais

aos mais pobres: o Programa Bolsa Família

Conforme demonstraram, dentre outros autores, Rosa Helena Stein (2005, várias

páginas), Vivian Domínguez Ugá (2008, pp. 131-132) e Carla Guerra Tomazini (2010, pp.

184-186), embora vários elementos da política brasileira de transferência de renda tenham

sido definidos a partir de um debate interno, a busca por restringir cada vez a pobreza à renda

e à escolaridade está permeada, de fio a pavio, pelas influências dos organismos

internacionais, notadamente do Banco Mundial. Caberia mesmo perguntar, por exemplo, até

que ponto o exercício de discutir critérios para os beneficiários participarem das

transferências, quando a solução para a pobreza já foi previamente definida sem apoio na

realidade, pode ser chamado de fazer político.

Em 1997, havia programas de transferência de renda de escala nacional somente no

Brasil e no México. Conforme demonstram os mapas 67 e 68, onze anos depois mais quinze

países da América Latina, além de vários outros países pobres, tinham implantado programas

desse tipo.

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Mapas 67 e 68 – Mundo: Países com programas de transferência condicionada de renda (1997 e 2008)

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Ao lado da difusão de uma concepção de pobreza, o Banco Mundial (BIRD) e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) intensificaram, nos países periféricos, o

financiamento de políticas de transferência de renda vinculadas à educação a partir do final do

século XX. Os maiores empréstimos foram destinados ao programa mexicano PROGRESA

(Programa de Educación, Salud e Alimentación) pelo BID, no valor de US$ 1 bilhão em

2002, e de US$ 1,2 bilhão em 2005 (TOMAZINI, 2010, p. 186), por ser este considerado o

que mais se alinhava às concepções do Banco, sendo colocado como modelo para outros

países pelas instituições financeiras sediadas em Washington.

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Na verdade, esses empréstimos só foram concedidos depois que uma equipe de

pesquisadores avaliou, entre 1998 e 2000, os resultados que o programa tinha alcançado59.

Como a ideia era “fazer mais com menos”, a busca por eficácia e por resultados rápidos foi

usada como justificativa para empreender avaliações constantes, ao mesmo passo que

terminou se tornando a forma de construção do consenso político em torno ao PROGRESA.

Não seria correto pensar que essa mesma busca acabou se incrustando também nos sistemas

técnicos construídos para operacionalizar a política?

A partir de 2003, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da

República, o lugar que a política de transferência de renda ocupava no Brasil mudou

sensivelmente, tanto internamente como face aos organismos internacionais. Defenderemos

que doravante tal política passou a ser pensada como meio de integração dos mais pobres aos

direitos sociais, e neste marco poderíamos pensar seus limites e possibilidades. Mas, ao

mesmo tempo, à concepção estanque de pobreza herdada dos três programas anteriores, vem

somar-se a pressão por eficácia nos aspectos técnicos e políticos das transferências, o que

revela novas tensões entre as formas do acontecer solidário no território.

Procurando inserir concepções mais amplas nas ações relacionadas à pobreza, que

pudessem contemplar dimensões realmente estruturais, o Governo Lula inicialmente criou, no

âmbito do Programa Fome Zero, o Cartão-Alimentação. Instituído pela Medida Provisória nº.

108, de fevereiro de 2003, essa política de acesso à alimentação se propunha a realizar uma

transferência no valor de R$ 50,00 para todas as famílias com renda per capita inferior a meio

salário mínimo. Embora permanecesse o critério dos rendimentos, a justificativa para o

Cartão-Alimentação não estava na chamada “reprodução intergeracional” da pobreza, mas na

luta contra a fome, daí que mesmo as famílias sem crianças estivessem autorizadas a

participar como beneficiárias.

Segundo Sonia Rocha (2013, p. 89), esse foi um dos principais fatores políticos que

acabaram dificultando a construção da hegemonia em torno ao Programa, uma vez que o

argumento da frequência escolar “[...] tinha sido sempre usado para esgrimir a oposição de um

amplo continente (sic) da sociedade brasileira, que se opunha – e ainda se opõe – às

transferências de renda focalizadas”. Acrescentava-se a tal fator político outro de ordem

técnica: passou a haver quatro programas de transferência de renda, cada um com seus

critérios próprios e cartões específicos para o recebimento. Em dezembro de 2003 havia

59 Ver reportagem: “Focalizar é bom, diz economista”. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2704200303.htm Acesso em agosto de 2016.

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346.300 famílias beneficiárias do Cartão-Alimentação, e o repasse durante todo o ano foi

somente de R$ 126,4 milhões.

O Governo decidiu, então, unificar os programas. Através da Medida Provisória nº.

132, de outubro de 2003 (convertida na lei nº. 10.836, de janeiro de 2004), criou o Programa

Bolsa Família - PBF, destinado à transferência de renda para todas as famílias consideradas

pobres pelo critério da renda per capita, além de estabelecer benefícios específicos para

famílias com crianças, exigindo nestes casos frequência escolar e acompanhamento médico.

Todavia, os organismos internacionais buscaram influenciar de várias formas a

construção do PBF. Em março de 2003, a unificação das políticas de transferência de renda

foi discutida em uma reunião com os presidentes do BIRD e do BID em Brasília, na qual a

política de transferência de renda mexicana foi apresentada como modelo a ser seguido pelo

Brasil60. Como relata Amélia Cohn (2012, p. 21), à pressão dessas instituições vem juntar-se

disputas internas sobre como seria a nova política:

Foi assim que o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) disputaram, já em finais de 2003, o financiamento

do Programa Bolsa Família. No entanto, se o embate sobre o conteúdo do

Programa já não era pequeno no interior do governo, muito menos o foi

junto a essas agências, em particular junto ao Banco Mundial. Embora este

tivesse todo o interesse em financiar o empréstimo inicial para o Programa,

seus técnicos traziam junto com os recursos uma concepção radicalmente

distinta, que denominavam genericamente Programa de Transferência

Condicionada de Renda (PTCR), e para o qual apresentavam – quando não

impunham – um modelo acabado e uniforme para todos os países do terceiro

mundo.

A primeira negociação para empréstimo foi feita no início de 2004, com o Banco

Mundial. De acordo com a explicação da mesma autora (que, aliás, participou de todo o

processo), houve sérias divergências entre os técnicos desse banco e o governo brasileiro,

sobretudo no que se refere aos critérios de renda e à frequência escolar exigidos dos

beneficiários. Quanto aos primeiros, os técnicos do Banco defendiam que boa parte dos

recursos “[...] deveria ser orientada para verificar se o Programa estava bem focalizado para

os pobres até a faixa de renda per capita então definida, que deveria ser seguida à risca. Já a

concepção do governo brasileiro consistia em que deveria haver uma margem de tolerância

nesse corte [...]” (COHN, 2012, p. 21). Sobre as condicionalidades, a discordância era mais

forte: enquanto os técnicos do Banco Mundial argumentavam que elas deveriam ter caráter

60 Ver reportagem: “Lula tem aula sobre plano social focalizado mexicano”. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2704200302.htm

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punitivo, “[...] para o governo, as condicionalidades ocupavam posição de primeira linha no

desenho do próprio programa, no sentido de constituírem traçadores fundamentais para as

políticas públicas relacionadas a elas, mas também às demais” (COHN, 2012, p. 22).

De maneira geral, as análises disponíveis sobre a construção do Programa Bolsa

Família costumam apontar como permaneceram, nesses dois aspectos, as concepções do

governo brasileiro, considerando que as condicionalidades foram sendo tratadas cada vez

mais como meio de avaliar a responsabilidade do Estado na oferta dos serviços públicos,

assim como os critérios para entrada e saída de famílias no Programa passaram a considerar

certas oscilações nos rendimentos dos pobres (pelo menos até 2015) (COTTA, 2009, p. 285;

COHN, 2012, p. 29; LEITE, 2013, pp. 353-354). Pensamos ser importante problematizar essa

questão levando em conta também os sistemas técnicos construídos para viabilizar o

Programa, e a forma como estes são usados no convencimento da sociedade. Mesmo porque a

maior parte dos aspectos relacionados à renda e às condicionalidades foram amparados em

decretos, portarias, instruções normativas e instruções operacionais, portanto não tão difíceis

de serem alterados segundo o governo, as formas de construção do consenso político e as

autorizações dadas pela técnica.

Conforme podemos observar no quadro 18, o PBF recebeu dois grandes empréstimos

do Banco Mundial, em 2004 e 2010, além de outro de maior vulto do BID em 2004.

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193

Quadro 18: algumas características dos empréstimos feitos pelo Governo Federal ao Banco Mundial e

ao Banco Interamericano de Desenvolvimento destinados ao Programa Bolsa Família

Ano/Banco Valores Objetivo Prazo para

pagamento

2004/Banco

Mundial

US$ 572,2

milhões

Visou, sobretudo, a consolidar a unificação dos programas

de transferência de renda existentes (Bolsa Escola, Bolsa

Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio-Gás), dando

apoio:

“à consolidação dos programas de transferência

condicional de renda e à redução nas falhas e

duplicações em sua cobertura;

ao fortalecimento do sistema, com o objetivo de

identificar a população alvo;

ao desenvolvimento de um sistema de

monitoramento e avaliação do programa; e

à maior eficiência da operação institucional básica

do programa”61.

17 anos (incluindo 5

anos de carência)

2004/BID US$ 1

bilhão

Dentro do mesmo processo de unificação dos Programas de

transferência de renda, o empréstimo objetivou:

“expandir a cobertura do Bolsa Família a todas as

famílias elegíveis de forma eficiente e eficaz;

fortalecer o Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil;

avaliar e melhorar a qualidade dos programas

complementares da rede de segurança social; e

fortalecer o ministério recém-criado, bem como a

estrutura de assistência social descentralizada”62.

28 anos e meio

(incluindo 3,5 anos

de carência

2010/Banco

Mundial

US$ 200

milhões

Foi feito para aprimorar o gerenciamento e controle do

programa, buscando especificamente:

fortalecer “o cadastramento de beneficiários, a

gestão de benefícios e o acompanhamento das

condicionalidades;

consolidar o sistema de monitoramento e avaliação

do programa; e

integrar outros programas de proteção social com o

Bolsa Família, para promover inovações e

estratégias de saída da pobreza por meio de

investimentos em áreas como incentivos

educacionais e relações com o mercado de trabalho

e programas de produtividade”63.

30 anos (incluindo 5

anos de carência)

Fonte: site do Banco Mundial e do BID (acesso em agosto de 2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

O quadro demonstra como os recursos oriundos desses empréstimos procuraram

resolver vários problemas existentes no cadastramento das famílias beneficiárias, no

acompanhamento das condicionalidades, na gestão dos benefícios, assim como bastante

61 Disponível no site do Banco Mundial, no link:

http://web.worldbank.org/external/default/main?pagePK=34370&piPK=34424&theSitePK=4607&menuPK=344

63&contentMDK=20215498 62 Disponível no site do BID, no link: http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2004-12-

15/bid-aprova-emprestimo-de-us1-bilhao-para-expansao-e-consolidacao-da-protecao-social-no-brasil-baseada-

no-programa-bolsa-familia,1334.html 63 Disponível no site do Banco Mundial, no link: http://www.worldbank.org/pt/news/press-

release/2010/09/17/brazils-landmark-bolsa-familia-program-receives-us200-million-loan

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194

recursos foram destinados à construção de mecanismos de avaliação do Programa e à sua

integração com as políticas de Assistência Social, Saúde e Educação. Na realidade, os

contratos dos empréstimos orientaram a construção, a partir do que foi herdado dos programas

anteriores, de boa parte da estrutura institucional (uma vez que os programas anteriores

operavam em ministérios separados) e técnico-informacional do PBF.

A partir do decreto nº. 5.209, de setembro de 2004, o Ministério de Desenvolvimento

Social e Combate à Fome - MDS, criado no mesmo ano, assumiu oficialmente a gestão,

operacionalização e coordenação do PBF, “[...] que compreende a prática dos atos necessários

à concessão e ao pagamento de benefícios, a gestão do Cadastramento Único do Governo

Federal, a supervisão do cumprimento das condicionalidades e da oferta dos programas

complementares, em articulação com os Ministérios setoriais e demais entes federados, e o

acompanhamento e a fiscalização de sua execução” (Art. 2º, decreto nº. 5.209/2004).

Antes desse decreto, as informações sobre as famílias beneficiárias em todo território

nacional eram manuseadas quase que somente pela CAIXA, que fornecia relatórios ao órgão

gestor do Programa e dava retorno do cadastro aos municípios. Os municípios dispunham de

um aplicativo para entrada dos dados cadastrados, o chamado Aplicativo de Entrada e

Manutenção de Dados do Cadastro Único – Versão 5 (também conhecido como Off Line), e

outro para transmissão à base nacional do Cadastro hospedado no sítio da CAIXA, o

denominado Conectividade Social – Versão 5. Em outras palavras, havia defasagens de tempo

entre a atualização das bases de dados locais e nacional, e vice-versa, do CAD.ÚNICO, e

ficava muito difícil para o Ministério gestor do Programa saber as reais condições do

cadastramento em cada município.

À medida que o número de famílias inseridas no Cadastro foi aumentando

(principalmente porque o PBF se diferenciava dos programas anteriores por incluir todas as

famílias até determinada faixa de renda, independentemente da existência de crianças na

família, e mesmo o Auxílio-Gás tinha contemplado essencialmente as famílias já incluídas no

Bolsa-Escola e no Bolsa-Alimentação), a base técnica que operava o CAD.ÚNICO precisou

ser revista. Mas não somente por uma questão técnica.

A bibliografia aponta o ano de 2004 como sendo de crise aguda para o PBF. A grande

mídia brasileira passou a atacar o programa, divulgando que famílias que não atendiam os

critérios de renda estabelecidos nas normas estavam recebendo benefícios, e que as

condicionalidades não estavam sendo acompanhadas como deveriam. Pesquisa encomendada

pelo Banco Mundial, realizada por Kathy Lindert e Vanina Vincencini (2010), sobre a

percepção da mídia escrita brasileira a respeito das transferências de renda no período de 2001

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a 2006, revelou que entre 2003 e 2006 o número de matérias sobre o tema foi praticamente o

dobro do que foi publicado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Se em 2001 e

2002 prevaleceram as análises favoráveis às transferências, no governo Lula a mídia passou a

publicar matérias notadamente sobre fraudes no Programa, assunto que em 2004 chegou a

ocupar 50% das matérias sobre o tema (LINDERT e VINCENINI, 2010, várias páginas).64

Segundo a pesquisa desses autores, essa percepção se deve, em boa medida, aos

preconceitos que dominam o imaginário da sociedade brasileira. Para isso, o estudo aponta a

solução: a implementação “[...] de uma política social com adequados níveis de qualidade na

sua execução, não somente para a eficácia do programa, mas sobretudo para uma melhor

aceitação por parte da sociedade” (VIEIRA, 2011, p. 66). Caberia se perguntar de que

sociedade se está falando, e se tal aceitação não seria, antes de tudo, por parte do próprio

Banco e dos demais organismos internacionais.

Daí que também nas políticas sociais, os vínculos societários que alimentaram a

construção da cidadania incompleta no Brasil sejam usados para colocar, no Estado, na

sociedade e no espaço, a ação instrumental como parâmetro (RIBEIRO, 1998, p. 120), com

todas as consequências que isso pode ter para as formas de valorização dos sistemas de

objetos e ações em uma política tão sensível para as populações pobres, como é o caso do

Bolsa Família.

Desde então o MDS passou a criar novos sistemas técnico-informacionais e a

aperfeiçoar os já existentes para monitorar o CAD.ÚNICO65 e as condicionalidades do PBF.

Segundo a explicação de Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 87-159), isso só foi possível

em virtude dos recursos oriundos dos empréstimos que mencionamos, e implicou, a partir de

2005, rever as relações do MDS com a CAIXA e com os municípios no âmbito do PBF.

Nesse sentido, podemos citar a criação de uma nova versão do CAD.ÚNICO, a

denominada Versão 6. Trata-se de uma versão que permite a instalação em rede do programa

de inclusão de dados pelos municípios, conferindo a estes maiores possibilidades de manusear

os dados, gerar relatórios etc. Ao mesmo tempo, o MDS foi mudando sua relação com a base

nacional de dados do cadastro, sobretudo a partir do desenvolvimento do chamado sistema

64 Para uma boa análise dessa pesquisa, ver a dissertação de Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 63-68).

65 No começo de 2005, buscando responder às críticas da grande mídia, o MDS solicitou informações do

CAD.ÚNICO à CAIXA e realizou um Teste de Consistência da base de dados do Cadastro Único, no qual

comparou a renda declarada no Cadastro Único e a constante na Relação Anual de Informações Sociais – RAIS,

do Ministério do Trabalho e Emprego. Desse modo: “o governo federal dava sinais claros, aos municípios e às

famílias, que estava investindo em mecanismos para averiguar a fidedignidade das informações de renda, uma

vez que estas possuem caráter declaratório, sem a obrigatoriedade de comprovação, por parte da família”

(VIEIRA, 2011, p. 102).

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VISÃO66, um sistema de armazenamento de dados oriundos de diferentes fontes, que passou a

ser usado na gestão do PBF.

Como os problemas nas informações cadastrais se deviam, também, à falta de recursos

dos municípios, sobretudo dos mais pobres, para realizar o cadastramento, o MDS instituiu,

mediante a Portaria GM/MDS nº. 148, de abril de 2006, um sistema de repasse de recursos

para os municípios, denominado de Índice de Gestão Descentralizada – IGD. Este índice se

baseia na “gestão por resultados”, ou seja, os valores a serem repassados aos municípios para

a gestão do Programa são calculados a partir da qualidade das informações do CAD.ÚNICO,

da periodicidade com que atualização cadastral é feita e da atualização das informações sobre

o cumprimento das condicionalidades na área de educação e de saúde. Pela Lei nº. 12.058, de

outubro de 2009, esse “repasse por resultados” tornou-se transferência obrigatória.

É possível verificar na tabela 25 que os valores recebidos pelos municípios através do

IGD aumentou expressivamente desde quando este índice foi criado, o que indica maior

monitoramento das informações cadastrais e das condicionalidades67.

Tabela 25 – Brasil: Recursos repassados pelo Governo Federal aos municípios para gestão do

Programa Bolsa Família (de abril/2006 a dezembro/2014)

Ano Valores repassados (R$

2006 161.360.379,71

2007 230.667.982,62

2008 256.671.070,21

2009 252.958.715,31

2010 287.651.567,49

2011 299.488.145,66

2012 489.048.301,21

2013 503.117.299,62

2014 468.745.004,04 Fonte: BRASIL (2014, p. 13)

Organização: Fernando Silva (2017)

Pela forma como opera o IGD, não nos parece estar descartada a hipótese de que o

argumento do desempenho possa atuar, no discurso e na prática, como uma verdadeira

66 “O desenvolvimento teve início no ano de 2007, contemplando informações necessárias à gestão do Programa

Bolsa Família e Cadastro Único, tais como: cadastro, benefícios, cartões, operações de pagamentos e

comparações com a RAIS” (VIEIRA, 2011, p. 127).

67 Por meio da Portaria nº. 76, de março de 2008 do MDS, foi criado também um IGD para os Estados, o IGD –

E, ratificado pela mesma lei nº. 12.058. No ano de sua criação, foram repassados R$ 11,3 milhões, ao passo que

em 2010 e 2011, quando temos novamente registro de repasses, os valores alcançaram o total de,

respectivamente, R$ 8,2 milhões e R$ 11,7 milhões (BRASIL, 2014).

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ameaça: os municípios e estados que não alcançarem um bom desempenho podem ter os

recursos suspensos68.

No que se refere às condicionalidades, além das mudanças nas relações com a CAIXA

e com o MDS que vimos relatando, contribuiu para o seu constante acompanhamento a

construção de sistemas técnicos específicos. Esses somente se tornaram possíveis a partir da

Portaria GM/MDS nº 551, de 09 de novembro de 2005, que regulamenta a gestão das

condicionalidades do PBF. Essa Portaria estabeleceu as atribuições dos municípios, estados,

Ministério da Saúde - MS e Ministério da Educação - MEC no acompanhamento das

condicionalidades, assim como sanções gradativas para os beneficiários que não as

cumprissem69.

Se até setembro de 2006 a frequência escolar era registrada em um sistema

operacionalizado pela CAIXA, onde as informações sobre frequência escolar eram coletadas

em CDs e material impresso nos municípios e encaminhadas a esse banco, no mês de

dezembro do mesmo ano foi disponibilizado pelo MEC o “Sistema Presença” (LICIO, 2012,

pp. 237-238). Disponível na internet para os operadores municipais, esse sistema, diferente do

anterior, permitiu o acompanhamento de cada criança segundo a escola. Também em 2006 foi

criado um Módulo no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN

especificamente para o registro das condicionalidades de saúde do PBF. Por fim, a criação do

68 O tom de ameaça passou a dominar as publicações do ministério gestor do PBF a partir de 2016, sob o

governo do presidente Michel Temer. Sobre isso ver, por exemplo, a reportagem: “94% dos municípios

prestaram contas dentro do prazo sobre gastos com Bolsa Família”. Disponível em: http://mds.gov.br/area-de-

imprensa/noticias/2016/setembro/94-dos-municipios-prestaram-contas-dentro-do-prazo-sobre-gastos-com-bolsa-

familia Acesso em novembro de 2016.

69 Vale aqui reproduzir parte do capítulo IV dessa Portaria, que trata das sanções a serem aplicadas no caso de

descumprimento das condicionalidades:

“Art. 14. As famílias beneficiárias do PBF que não realizarem as atividades previstas nos incisos do art 3° desta

Portaria ficam sujeitas às seguintes sanções do programa, sem prejuízo da penalidade prevista no art. 14, § 1°, da

Lei n° 10.836, de 2004, e das definidas em outras normas:

I – Bloqueio do benefício por 30 dias;

II - Suspensão do benefício por 60 dias; III - Cancelamento do benefício.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela SENARC, no âmbito de suas atribuições,

podendo ser aplicadas cumulativamente.

Art. 15. O bloqueio de benefício a que se refere o inciso I obedecerá às normas e procedimentos para a gestão de

benefícios do PBF e terá efeito sobre (01) uma parcela de pagamento do benefício a que faz jus a família,

havendo o subseqüente desbloqueio do benefício, e será aplicada a partir do segundo registro de inadimplência

quanto às obrigações previstas no art. 3° desta Portaria.

Art. 16. A suspensão de benefício a que se refere o inciso II obedecerá às normas e procedimentos para a gestão

de benefícios do PBF e terá efeito sobre (02) duas parcelas de pagamento do benefício a que faz jus a família, e

será aplicada a partir do terceiro registro de inadimplência quanto às obrigações previstas no art. 3° desta

Portaria.

Art. 17. O cancelamento de benefício a que se refere o inciso II obedecerá às normas e procedimentos para a

gestão de benefícios do PBF, e será imposto exclusivamente depois da aplicação acumulada de duas suspensões

a que se refere o art. 16”.

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Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família – SICON/PBF, em 2007,

possibilitando intercambiar e consolidar os resultados das condicionalidades dos outros

sistemas, permitiu ao MDS verificar se as contrapartidas das famílias estavam sendo

realmente cumpridas.

A partir de então o PBF foi avaliado de mil pontos de vistas (inclusive por

pesquisadores do BIRD e do BID), o monitoramento feito pelo MDS passou a ser elogiado

como sinônimo de transparência e a eficácia do Programa passou a ser vista, por aqueles

bancos, como digna de ser replicada na luta “contra a pobreza” em outros países. Para Ana

Clara Ribeiro (2014, p. 76), hoje em dia

Quem financia [a política social] vai querer um relatório, então é preciso ter

um relatório. Isso vai ser dito e é chamado de transparência para a sociedade

que, todavia, não pediu nada, absolutamente nada disso. Mas, hoje o Estado

fala em nome da sociedade, algo que não há votação nem nada que

justifique, mas que virou tendência corrente. Portanto, o monitoramento da

aplicação de recursos ou a avaliação são traduzidos como transparência

democrática. No entanto, esta é muito mais uma preocupação dos gestores

do que exatamente da sociedade, porque ela nem sabe disso, mas

posteriormente isso é vendido como democracia para a sociedade.

As análises disponíveis sobre o PBF são unânimes em ressaltar como a construção dos

novos sistemas técnicos para viabilizar as transferências, no bojo desse processo de pressão

por eficácia e por resultados que assinala a autora, terminou por adquirir um duplo sentido

político. Em primeiro lugar, como vimos, tratava-se de dar respostas às críticas levantadas

pela grande mídia e pelas classes dominantes brasileiras. Segundo, como demonstrou Amélia

Cohn (2012) analisando cartas de beneficiárias do Programa dirigidas ao presidente Lula,

erros no cadastramento, por exemplo, dificultavam, até então, a percepção do benefício como

um direito, uma vez que geravam bastante instabilidade na população pobre no que se refere

ao recebimento dos repasses. Tratava-se também de enfrentar essas dificuldades.

É por isso que, impregnados por essa forma específica de construção do consenso, os

novos sistemas técnicos acabaram permitindo uma expansão jamais vista da política de

transferência de renda no Brasil. Na tabela 26 verificamos que os valores repassados às

famílias passaram de R$ 3,7 bilhões, em 2004, para R$ 28,5 bilhões em 2016, ao passo que o

número de famílias beneficiárias mais que dobrou no mesmo intervalo.

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Tabela 26 – Brasil: Evolução do número de famílias beneficiárias, dos valores repassados e dos

valores médios do benefício do Programa Bolsa Família (2004-2016)

*Quantidade referente a dezembro de cada ano.

Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

Organização: Fernando Silva (2017)

Inicialmente, o aumento nos valores repassados esteve relacionado à inclusão de novos

beneficiários, uma vez que até 2007 não houve aumento nos valores dos benefícios existentes.

A partir de então, quando vários problemas ligados à operação da Programa foram resolvidos,

tivemos tanto acréscimos no valor do benefício básico e variável, como a criação do Benefício

Variável Jovem - BVJ (2008), destinado a adolescentes de 16 e 17 anos, e do Benefício para

Superação da Extrema Pobreza – BSP (2012), que completa a renda daquelas famílias que

mesmo recebendo os outros benefícios do PBF não ultrapassam a chamada “linha da pobreza

extrema” (R$ 70,00 em 2012). Essa evolução está sintetizada na tabela a seguir.

Ano Nº de famílias

beneficiárias*

Valor total repassado em

R$

Valor médio do benefício

R$

2004 6.571.839 3.791.785.038,00 69,98

2005 8.700.445 5.691.667.041,00 62,95

2006 10.965.810 7.524.661.322,00 59,56

2007 11.043.076 8.965.499.608,00 65,87

2008 10.557.996 10.606.500.193,00 78,77

2009 12.370.915 12.454.702.501,00 86,3

2010 12.778.220 14.372.702.865,00 92,58

2011 13.352.306 17.360.387.445,00 109,26

2012 13.902.155 21.156.744.695,00 130,76

2013 14.086.199 24.890.107.091,00 151,87

2014 14.003.441 27.185.773.070,00 169,03

2015 13.936.791 27.650.301.339,00 163,06

2016 13.569.576 28.506.185.141,00 _

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Tabela 27 – Brasil: Evolução dos valores e benefícios do Programa Bolsa Família (2003 – 2016)

Valores nominais e reais em meses de repercussão na folha de pagamento (R$)

Tipo de

benefício

2003

Out.

2007

Ago.

1

BVJ/2008

Mar. 2

2008

Jul. 3

2009

Set. 4

2011

Abr.

5

2011

Set. 6

Criação do

BSP em

2012 Jun. 7

2014

Jun. 8

2016

Jun. 9

Básico 50 58 58 62 68 70 70 77 85

Variável 15 18 18 20 22 32 32 35 39

Jovens 30 30 33 38 38 42 46

BSP Variável Variável Variável

Máximo 95 112 172,00 182 200 242 306 Sem limite Sem

limite

Sem

limite

Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)/legislação do Bolsa Família

Organização: Fernando Silva (2017)

1 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.157 de 16/07/2007.

2 - Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (16 e 17 anos) instituído pela Medida Provisória n° 411, de

28/12/2007, convertida na Lei n° 11.692, de 10/06/2008.

3 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.491 de 26/06/2008.

4 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.917 de 30/07/2009.

5 – Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 7.447 de 01/03/2011.

6 – Expansão do limite de beneficiários de até 15 anos de 3 para 5 por domicílio e concessão de um benefício

variável para gestantes e nutrizes.

7 – Benefício para Superação da Extrema Pobreza na primeira infância instituído pelo Decreto n° 7.758 de

15/06/2012. Consiste na complementação da renda domiciliar per capita até a linha de extrema pobreza para

aquelas famílias que não alcançavam esse patamar mesmo recebendo os outros benefícios. Foi aplicado primeiro

nos domicílios com criança de 0 a 6 anos, em seguida ampliou-se para a faixa etária de até 15 anos e, no início

de 2013, alcançou todos os beneficiários.

8 – Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 8.232 de 30/04/2014.

9 – Alteração nos benefícios pelo Decreto nº 8.794 de 29/06/2016.

Não há nenhuma norma sobre o cálculo a ser usado para o aumento nos valores dos

benefícios, nem mesmo a respeito de sua periodicidade. É possível afirmar que tal aumento

fica então bastante dependente das prioridades de cada governo, uma vez que o instrumento

legal mais utilizado para isso é o decreto.

Como destacaram, dentre inúmeras outras, as pesquisas de Tereza Cristina Silva Cotta

(2009), Renata Mirandola Bichir (2011) e Elaine Cristina Licio (2012) o PBF, diferente dos

programas de transferência existentes até 2002, foi construído vinculado à expansão de

diversas políticas sociais, notadamente de Assistência Social, Saúde e Educação. Além disso,

as transferências foram associadas a vários outros programas. O CAD.ÚNICO, por exemplo,

passou a ser utilizado para cerca de 20 (vinte) políticas, dentre elas o Programa Minha Casa,

Minha Vida - PMCMV, Tarifa Social de Energia Elétrica, Programa Nacional de Acesso ao

Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC etc. Desenha-se, dessa maneira, uma nova fase de

busca pela integração dos pobres aos direitos sociais.

Um indicativo inicial de como o PBF se insere nessa integração é dado pela

distribuição dos beneficiários no território brasileiro. É o que trazemos no mapa 69.

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Mapa 69 – Brasil: porcentagem da população beneficiária do Programa Bolsa Família (dezembro de

2015) entre a população total estimada para 2015 por unidade da federação

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração cartográfica: Hugo Guilherme Cantanhede de Abreu

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O mapa deixa claro como as regiões e lugares mais pobres do Brasil se destacam no

que se refere à participação no Programa. No Nordeste, os estados com maior percentual de

beneficiários são Maranhão, Piauí e Alagoas, que desde 2004 alternam entre si as três

primeiras posições. Assim, um caminho que nos parece seguro para avançar na análise dos

limites e possibilidades do PBF quanto ao enfrentamento da problemática do “Espaço

Dividido” é entender como esta política vem somar-se às heranças espaciais.

Na realidade, o PBF se derrama sobre as formas diversas de manifestação dos circuitos

da economia urbana nas regiões brasileiras, conferido nova dinâmica aos elementos tanto do

subsistema superior como do inferior que participam diretamente na sua conformação. Além

disso, como tais elementos não se encontram isolados na economia urbana, nem muito menos

cada circuito pode se explicar por si mesmo, o que percebemos são novas e complexas

relações entre a pobreza e a riqueza nas cidades. Nos próximos capítulos procuraremos

demonstrar como isso vem se dando no contexto da Região Canavieira de Alagoas.

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CAPÍTULO 5: A nova dinâmica dos dois circuitos da economia urbana em Porto Calvo,

União dos Palmares e São Miguel dos Campos

“Ora, o problema que a ciência deve resolver e que é o último núcleo da

noção de racionalidade é o da correspondência entre o econômico e o não-

econômico na evolução das sociedades”

Maurice Godelier. Racionalidade e irracionalidade na economia (1969, pp.

59-60).

“A ação afetiva e a ação racional referente a valores distinguem-se entre si

pela elaboração consciente dos alvos últimos da ação e pela orientação

conseqüente e planejada com referência a estes, no caso da última. Têm em

comum que, para elas, o sentido da ação não está no resultado que a

transcende, mas sim na própria ação em sua peculiaridade”.

Max Weber. Economia e sociedade. (1999, p. 15).

uscando seguir o caminho teórico-metodológico apresentado ao longo da tese

(melhor delineado no capítulo anterior), a partir do qual cremos ser possível lançar

um olhar geográfico sobre o PBF para avançar na sua problematização, no presente

capítulo procuramos apontar como esse Programa – tanto pela forma específica como

funciona nos diversos municípios, como pelas condições que pode oferecer à realização de

novos eventos (RIBEIRO e SILVA, 2004, pp. 357-358) – transformou as economias urbanas

de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.

Se é possível dizer que, em diversos aspectos, o PBF foi moldado mais pela pressão da

ação instrumental/global do que pela referência à dinâmica concreta da pobreza, quando se

trata de compreender suas consequências para a realidade dos lugares parece-nos de suma

importância situá-lo em meio às novas possibilidades técnicas e normativas oferecidas pelo

meio geográfico regional à ação das empresas e dos pobres. Por isso, buscamos levar em

conta algumas mudanças e permanências nos principais elementos dos dois circuitos da

economia urbana presentes nas três cidades citadas, perscrutando, sempre que possível, o

sentido político-geográfico que tais mudanças podem revelar.

O papel assumido pela CAIXA como agente pagador das transferências do Bolsa

Família constitui a principal maneira pela qual atividades do circuito superior são chamadas a

participar diretamente na realização desse acontecer solidário nas cidades. Esse papel não

pode ser compreendido sem considerarmos a atuação de correspondentes que passam a prestar

B

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serviços para esse banco, sobretudo Casas Lotéricas e Caixa’s Aqui (CONTEL, 2006, p. 248).

Por isso, negócios e trabalhadores do circuito inferior em áreas periféricas de Porto Calvo,

União dos Palmares e São Miguel dos Campos também passaram a realizar parte das

atividades atribuídas à CAIXA no âmbito do PBF.

Por outro lado, o aumento do fluxo de pessoas no espaço urbano nos dias de

pagamento do PBF cria não somente novas possibilidades econômicas para trabalhadores do

circuito inferior da economia urbana, mas também exige que estes elaborem formas de

organização que atendam às especificidades de populações que recebem pequenos valores

pelas transferências e habitam as periferias das cidades. Daí que faça sentido pensar que o

papel do circuito inferior na conformação desse acontecer não seja totalmente subordinado.

O crescimento do volume das transferências terminou se tornando um convite à

instalação de atividades comerciais do circuito superior nas cidades que vimos analisando.

São comércios de ramos ligados aos consumos básicos das famílias do Programa, com lojas

direcionadas especialmente às populações de menor poder aquisitivo. Localizados em pontos

selecionados do espaço urbano, esses comércios se empenham por abocanhar parte dos

valores transferidos aos beneficiários. Desse modo, a população pobre passa a estar mais

ligada ao circuito superior por intermédio do consumo. Como a quantidade de empregos nesse

circuito não cresce na mesma proporção dos valores que ele drena, os membros das famílias

beneficiárias continuam trabalhando predominantemente em atividades do circuito inferior,

ou sazonalmente nas usinas.

Uma das principais características do Bolsa Família reside no fato de transferir

pequenos valores para um número expressivo de beneficiários. Esse fator torna-se responsável

pela pulverização de atividades do circuito inferior no espaço urbano, surgidas para atender

uma demanda que, fosse outra a combinação entre técnica, capital e organização, poderia

parecer insolvente.

Mas num contexto em que as usinas começam novamente a falir, ou a não pagar o

salário dos trabalhadores em dia (como vem ocorrendo desde 2013 na Região), ao mesmo

tempo em que a busca por mais “eficácia” no PBF gera certa instabilidade na população

beneficiária quanto ao recebimento dos recursos (fato notável a partir de 2016), as disputas

entre os dois circuitos podem se tornar mais evidentes do que as cooperações. Se é necessário

procurar o menor preço e não comprar fiado “porque o Bolsa Família é hoje e amanhã só

Deus sabe” (Entrevista concedida por beneficiária do PBF em julho de 2016), certas relações

das atividades do circuito inferior com as populações pobres são fortemente pressionadas.

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De certo modo, a tensão política entre os dois circuitos da economia urbana já era

especialmente realçada no papel desempenhado pelas condicionalidades de educação no

âmbito do PBF. Quando o grau de escolaridade requerido por uma economia seletiva é

colocado como exigência para que os pobres possam usufruir dos bens coletivos disponíveis

em uma sociedade, fica claro que essa sociedade vai continuar se constituindo de maneira

seletiva, assim como torna-se cada vez mais difícil fazer com que a educação formal sirva, ao

mesmo tempo, aos objetivos do indivíduo, do lugar e da nação (SANTOS, 2000). Por que

continuar virando as costas para os lugares, se inspirando nessa economia sem sentido para a

maior parte do País quando se trata de elaborar políticas públicas?

5.1. Os dois circuitos da economia urbana na concretização do Programa Bolsa Família

Conforme podemos observar na tabela 28, o número de famílias beneficiárias e os

valores transferidos pelo PBF nos municípios de Porto Calvo, União dos Palmares e São

Miguel dos Campos aumentou bastante desde 2004. Da mesma forma que se passou no

Brasil, inicialmente o crescimento no volume dos repasses se deveu à inclusão de novas

famílias ao Programa, e depois aos acréscimos nos valores dos benefícios.

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Tabela 28 - Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Evolução do número de

famílias e valores anuais repassados pelo PBF (2004 – 2016)

Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos

Ano

Nº. de

famílias*

Valores

repassados

Nº. de

famílias*

Valores

repassados

Nº. de

famílias*

Valores

repassados

2004 2.820 1.643.597,00 5.791 2.885.633,00 2.916 1.870.574,00

2005 2.954 2.306.338,00 6.784 4.280.135,00 3.842 2.681.946,00

2006 3.540 2.516.417,00 8.402 5.403.526,00 3.786 2.849.190,00

2007 3.466 2.831.608,00 8.100 6.414.419,00 3.602 2.923.110,00

2008 3.665 3.442.814,00 8.222 7.769.517,00 3.207 3.242.557,00

2009 3.570 4.018.394,00 8.330 9.313.109,00 5.201 4.663.509,00

2010 3.869 4.642.755,00 9.623 11.299.517,00 5.374 5.716.124,00

2011 4.047 5.586.256,00 9.441 13.487.785,00 5.721 7.382.258,00

2012 4.148 6.403.088,00 10.070 15.015.086,00 6.385 9.413.010,00

2013 4.162 6.617.000,00 9.357 15.392.282,00 6.919 10.804.766,00

2014 4.400 7.281.826,00 9.809 16.519.264,00 7.161 12.215.516,00

2015 4.042 7.456.013,00 9.365 16.991.697,00 6.691 11.885.170,00

2016 4.141 7.933.293,00 9.355 17.034.201,00 6.155 11.538.340,00

*Quantidade referente a dezembro de cada ano.

Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

Organização: Fernando Silva (2017)

A porcentagem de beneficiários é maior em Porto Calvo, chegando a mais de 50% da

população total, e menor em São Miguel dos Campos (em torno de 35% em 2015). Já União

dos Palmares, além de ter tido cerca de 45% de sua população incluída no PBF em 2015, vem

apresentando, desde 2004, o maior número de famílias beneficiárias dentre os três municípios,

assim como vem recebendo maiores volumes de recursos. Sem sombra de dúvidas, essa

realidade se explica pelas especificidades da pobreza em cada município. Cabe destacar ainda

a redução que houve no número de famílias beneficiárias dos três municípios de dezembro de

2014 para dezembro de 2015 em função da atualização cadastral que ocorreu em abril deste

último ano. Trata-se de um procedimento de rotina do Programa, já que, em realidade, o

benefício é concedido somente por dois anos, ficando sua renovação condicionada à

atualização dos dados do CAD.ÚNICO.

Como vimos demonstrando nos capítulos anteriores com o auxílio de alguns autores,

nos países periféricos as modernizações atingem o espaço das cidades de maneira pontual.

Ainda que toda a cidade seja afetada, nem todos os seus elementos participam diretamente das

modernizações. Por essa razão, acreditamos que um caminho seguro para apreender as formas

particulares pelas quais o PBF se concretiza em Porto Calvo, União dos Palmares e São

Miguel dos Campos é dado, inicialmente, pela consideração dos elementos dos circuitos da

economia urbana que participam diretamente da concretização dessa política pública.

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A participação do circuito superior da economia urbana se dá, essencialmente, pela

realização de atividades relativas ao pagamento dos benefícios. Tais atividades estão entre as

principais funções assumidas pela Caixa Econômica Federal que devem ser realizadas nos

municípios, e assim como todas as demais que esse banco desempenha no âmbito do PBF,

foram registradas em contrato de prestação de serviço negociado com o MDS70 (VIEIRA,

2011, p. 107).

Os valores que o Governo Federal vem pagando à CAIXA, em cumprimento ao que

foi estabelecido por esse contrato, têm se aproximado dos que são transferidos aos municípios

para gestão do PBF. Vejamos a tabela 29.

Tabela 29 – Brasil: Valores destinados ao agente operador do Programa Bolsa Família* (2005 – 2015)

Ano Valores pagos (mil)

2005 178.304

2006 523.980

2007 324.459

2008 191.765

2009 218.704

2010 231.294

2011 221.270

2012 _

2013 270.047

2014 _

2015 147.600

*Valores registrados na ação: “Despesas com Serviços de Concessão, Manutenção, Pagamento e Cessação dos

Benefícios de Transferência Direta de Renda”

Fonte: Sistema Integrado de Administração financeira do Governo Federal - SIAFI

Organização: Fernando Silva (2016)

É possível notar que, depois da estruturação do PBF, a despesa com o agente operador

não se elevou muito, e isto certamente se deve à estabilização do número de beneficiários e ao

70 O Decreto 5.209, de setembro de 2004, que regulou a lei de criação do PBF, estabelece as seguintes funções

para a CAIXA:

“Art. 16. Cabe à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa Bolsa Família, mediante

remuneração e condições pactuadas com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,

obedecidas as exigências legais.

§1º Sem prejuízo de outras atividades, a Caixa Econômica Federal poderá, desde que pactuados em contrato

específico, realizar, dentre outros, os seguintes serviços:

I­ fornecimento da infra­estrutura necessária à organização e à manutenção do Cadastramento Único do Governo

Federal;

II ­desenvolvimento dos sistemas de processamento de dados;

III ­organização e operação da logística de pagamento dos benefícios;

IV­ elaboração de relatórios e fornecimento de bases de dados necessários ao acompanhamento, ao controle, à

avaliação e à fiscalização da execução do Programa Bolsa Família por parte dos órgãos do Governo Federal

designados para tal fim”.

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aperfeiçoamento dos sistemas técnicos desenvolvidos para operar as bases de dados do

Programa. Mesmo assim, como notou Giselle Souza da Silva (2010, p. 120), os valores são

bem altos se compararmos, por exemplo, com os que são gastos para remunerar o agente

pagador do Benefício de Prestação Continuada – BPC, embora neste último caso o volume

repassado às famílias seja consideravelmente maior71. Isto porque o cálculo da remuneração é

feito por benefício. No PBF estão incluídas quase 50 milhões de pessoas (praticamente um

quarto de toda a população brasileira), mas o valor de cada benefício é pequeno.

Na realidade, estamos diante de uma especificidade importante do PBF que tem

repercussões não somente para as atividades do circuito superior da economia urbana (neste

caso, para as atividades da CAIXA, um banco público, na conformação da política), mas,

sobretudo, para as atividades do circuito inferior, como teremos oportunidade de analisar nos

próximos itens.

Segundo relata Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 87-110), nos anos iniciais de

funcionamento do Bolsa Família, quando o MDS tinha acesso restrito à base de dados

nacional do CAD.ÚNICO e ainda não havia um sistema de relações entre os entes da

federação para execução da política, podemos pensar que a CAIXA terminava assumindo

certas atribuições que, na realidade, caberiam ao Ministério gestor. Mas, com a criação dos

sistemas técnicos que vimos relatando no capítulo anterior, todas as atribuições da CAIXA

passaram a ser monitoradas pelo MDS. Assim, devemos considerar que as atividades

executadas por esse banco nos municípios para viabilizar as transferências têm o sentido

político dado pelo MDS.

Conforme explica Fábio Betioli Contel (2006, p. 235), a atuação da Caixa Econômica

Federal no território brasileiro mudou bastante quando o Banco Central do Brasil, em 1999 e

2000, autorizou a contratação de correspondentes para a prestação de alguns serviços

bancários. Segundo o autor (p. 247), dentre as instituições públicas, aquele banco foi um dos

que mais se utilizou dos correspondentes bancários para ofertar seus serviços, notadamente

nas áreas mais pobres do País.

Como já tiveram oportunidade de constatar algumas pesquisas (MEDEIROS, 2013,

pp. 185-190; SANTOS, 2014, pp. 103-114), na grande maioria das cidades alagoanas as

Casas Lotéricas e Caixa’s Aqui tornaram-se os principais fixos para a execução de certas

71 Entre 2006 e 2009, por exemplo, enquanto foram gastos R$ 69,85 milhões para remunerar o agente pagador do

Benefício de Prestação Continuada e da Renda Mensal Vitalícia, as despesas do PBF com a CAIXA alcançaram

R$ 1,4 bilhões (SILVA, 2010, p. 120). No entanto, mesmo levando em conta esses dados fica difícil concordar

com a conclusão dessa autora de que o PBF tem priorizado a remuneração do capital financeiro, uma vez que

todos os recursos destinados a esse Programa são relativamente pequenos se compararmos aos gastos de outras

políticas sociais.

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atividades da CAIXA. Na realidade, no que se refere ao PBF, esses correspondentes

(especialmente as Casas Lotéricas), acabaram se tornando os principais responsáveis pelas

atividades de pagamento aos beneficiários, mesmo nos municípios em que há agências da

CAIXA, e isso por uma característica do próprio PBF: a maioria da população recebe em

cartão exclusivo do Programa72, no qual o saque total precisa ser realizado em até 90 dias, e

os valores dos benefícios não são redondos, o que dificulta a realização do saque em Caixas

Eletrônicos.

Tanto na atuação das agências como dos correspondentes bancários na realização do

pagamento das transferências do PBF, pensamos que a principal vantagem do circuito

superior, em relação ao inferior, está na sua maior capacidade de orientar os fluxos de

beneficiários nos espaços urbanos, possibilitando, por conseguinte, que uma população

dispersa, de baixíssimos rendimentos, seja reunida em certos pontos da cidade. Dessa forma,

essa população pode constituir um mercado interessante para certas atividades econômicas.

Se o calendário de pagamento estabelecido pelo MDS73 todo ano acaba sendo uma

norma que atinge tanto atividades do circuito superior (uma vez que a CAIXA deve executar

o pagamento dentro desse calendário) como do circuito inferior da economia urbana, a

disposição dos fixos da CAIXA nos espaços urbanos pode atuar como norma para sistemas

locais de transporte, ao mesmo tempo em que pode aumentar ou reduzir as possibilidades

econômicas de certos agentes. Como esse banco tem a permissão de contratar seus

correspondentes, fica claro que ele acaba tendo, nas cidades, um poder de normatização que

os trabalhadores do circuito inferior não têm.

5.1.2. O Bolsa Família entrecruza a economia urbana portocalvense

Para realizar o pagamento dos benefícios do PBF existe na cidade de Porto Calvo uma

agência da CAIXA e uma Casa Lotérica (ambas localizadas na mesma rua). Podemos

observar a distribuição desses fixos no mapa a seguir.

72 De acordo com as normas do MDS, o PBF pode ser sacado com o cartão exclusivo do Programa, com o Cartão

Conta Caixa Fácil ou com a Guia Avulsa de Pagamento fornecida pela Caixa para os beneficiários que por

algum motivo estejam sem cartão.

73 A Portaria do MDS n° 532, de 03 de novembro de 2005, estabelece as regras de fixação do calendário para o

pagamento dos benefícios do Programa Bolsa Família e Programas remanescentes. De acordo com essa Portaria

(Art. 1º, § 2º): “O ordenamento das datas de pagamento terá como base a sequência dos dígitos verificadores dos

Números de Identificação Social – NIS dos responsáveis legais das famílias beneficiárias, iniciando-se com final

1 (um), seguindo ordem crescente até o final 0 (zero)”.

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Mapa 70 – Porto Calvo: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Em nossos trabalhos de campo foi possível verificar que atividades do circuito inferior

da economia urbana, notadamente o serviço de moto-táxi e de transporte complementar

interurbano, tornaram-se essenciais para realizar os deslocamentos das populações

beneficiárias até onde esses fixos estão instalados. Para sabermos como isso vem se dando é

importante, antes de mais nada, considerarmos algumas características da população incluída

no PBF na cidade de Porto Calvo.

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Um total de 41 (quarenta e uma) beneficiárias e 1 (um) beneficiário do Bolsa Família

responderam aos nossos questionários em meados de 2015. Das mulheres, 27% eram mães

solteiras, sendo que menos da metade, exatamente 36%, recebia alguma pensão alimentícia

dos pais dos seus filhos. Considerando as 42 (quarenta e duas) famílias pesquisadas,

verificamos que são pessoas com poucos anos de estudo: 7% eram analfabetas, 74% tinham o

nível fundamental incompleto, 2% o médio incompleto e 17% terminaram o ensino médio. A

grande maioria nasceu em Porto Calvo (76%) ou tem mais de 10 anos que mora nesse

município (17%).

Apesar de 26% desses beneficiários habitarem o Bairro da Mangazala, a cerca de 3 km

do centro de Porto Calvo, todos eles costumam receber os recursos na Casa Lotérica

localizada no centro. Dessa forma, podemos afirmar que a participação do circuito inferior da

economia urbana se torna praticamente obrigatória na mobilidade dessa população.

Dispondo, ao mesmo tempo, de flexibilidade técnica e normativa, o serviço de moto-

táxi em Porto Calvo acaba por criar formas de organização específicas que visam atender essa

demanda. Aos pontos de moto-táxi mais antigos, localizados no alto do morro onde fica a área

central da cidade, vem juntar-se um novo ponto localizado no Bairro da Mangazala, às

margens da AL – 105. Ainda que a sua criação não possa ser creditada somente ao fluxo de

pessoas gerado pelo PBF, ficou claro que esse Programa, ao ser responsável por uma

circulação regular de pessoas entre a Mangazala e a área central da cidade, ampliou

sobremaneira o mercado para o serviço de moto-táxi na periferia.

Diferentemente do que se passa com o circuito superior da economia urbana, os moto-

taxistas só conseguem transformar esse fluxo em uma demanda interessante pelas

possibilidades de organizarem suas atividades de forma a atender às especificidades da

população beneficiária. Ao contrário da população que se dirige à feira-livre, a população do

PBF geralmente só tem o dinheiro da corrida depois de receber o benefício, daí a necessidade

das relações de confiança entre o moto-táxi e os clientes. Mais de 40% das beneficiárias do

Bairro da Mangazala que responderam aos nossos questionários afirmaram que os moto-

taxistas confiam pagar a corrida depois de receber os recursos.

As características da população do PBF também condicionam, por exemplo, os preços

das corridas. Como nos disse certo moto-taxista em entrevista quando perguntado sobre a

necessidade ou não de aumentar tais preços, “se aumentar, como é que uma mulher que

recebe R$ 150,00 R$ 200,00 do Bolsa Família, com dois três filhos pra criar, vai andar de

moto-táxi? Nós só aumenta quando não tem mais jeito mesmo, que a gasolina tá demais”

(Entrevista concedida em janeiro de 2014). Na realidade, identificamos nessa atividade “[...]

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uma racionalidade mais ampla, social, recobrindo e organizando o conjunto das relações

sociais. [...] uma ‘correspondência’ funcional entre estruturas econômicas e não econômicas”

(GODELIER, 1969, p. 388).

A realidade é um pouco diferente para as beneficiárias que disseram se utilizar do

transporte interurbano de passageiros. Este, fazendo a linha Porto Calvo – Maceió, passa pela

periferia da cidade. Nesse caso, quase não há mais relações de confiança entre o motorista e

os clientes, e isto se deve às novas formas de organização exigidas desse transporte pelo

Governo Estadual, como pontuaremos no próximo capítulo. Daí que as beneficiárias que se

utilizam desse transporte, mas não têm o dinheiro da passagem de ida (o que é o mais

comum), nem conseguem emprestado com alguma vizinha, geralmente vão a pé, e somente o

utilizam para retornar às suas casas.

Não há dúvidas de que as novas formas de inter-relações entre os subespaços de Porto

Calvo viabilizadas pelo PBF reafirmam os papéis que vinha desempenhando a área central

dessa cidade. Por isso, a concretização desse acontecer solidário terminaria também por criar,

nessa mesma área, novas oportunidades tanto para atividades do circuito superior como para

as do circuito inferior da economia urbana.

5.1.2. O Bolsa Família em União dos Palmares: entre a capacidade de orientar os fluxos do

circuito superior e a renovação do papel político do circuito inferior

Sem dúvida nenhuma, a necessidade de novas formas de organização político-

espaciais de certas atividades do circuito inferior para viabilizar a concretização do PBF seria

bem mais evidente na cidade de União dos Palmares. Essa organização acabou sendo não

apenas condicionada pela existência de maiores periferias em comparação com Porto Calvo,

mas também pelo grande número de beneficiários das transferências (apenas em Maceió,

dentre todas as cidades da Região Canavieira, há um número maior de pessoas recebendo PBF

do que em União dos Palmares), assim como pela distribuição dos correspondentes bancários

no espaço urbano.

O mapa a seguir apresenta a distribuição desses fixos. São 3 (três) Casas Lotéricas, 2

(duas) localizadas na área central da cidade e a outra na área periférica, além de 1 (um) Caixa

Aqui instalado no centro.

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Mapa 71 – União dos Palmares: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Nessa cidade, um total de 66 beneficiárias do PBF responderam aos nossos

questionários, sendo que 33% eram mães solteiras (todas elas afirmaram não receber nenhuma

pensão alimentícia dos pais dos filhos). Dessas 66 mulheres, 9% eram analfabetas, 67%

tinham o nível fundamental incompleto, 3% concluíram o nível fundamental, 8% tinham o

ensino médio incompleto, 11% disseram ter o nível médio completo e 3% haviam terminado

algum curso de nível superior.

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Essas beneficiárias moram, sobretudo, nas áreas periféricas de União dos Palmares,

relativamente distantes do centro: 21% no Conjunto Nilton Pereira (distante cerca de 3,5 km

do centro), 15% no Conjunto Nova Esperança (3 km do centro), 12% no Conjunto Sagrada

Família (3,8 km do centro), 6% no Bairro Roberto Corrêa de Araújo (2 km do centro), 6% no

Distrito Rocha Cavalcanti (13 km do centro), 5% no Bairro Santa Fé (5 km do centro), 5% no

Bairro Nossa Senhora das Dores (2,5 km do centro), sendo que o restante habita bairros nas

proximidades do centro. Como vimos no mapa, dentre todos esses bairros periféricos apenas

no Bairro Roberto Corrêa de Araújo funciona uma Casa Lotérica desde 2011.

Ainda de acordo com os dados obtidos a partir de nossos questionários, embora essa

Casa Lotérica da periferia tenha se tornado um local importante para pagamento às

populações beneficiárias do próprio Roberto Corrêa de Araújo e de bairros vizinhos, uma vez

que 9% disseram que agora costumam buscar exclusivamente esse fixo todo mês para receber,

e mais 14% o buscam esporadicamente, para as populações das demais periferias os

correspondentes do centro continuam a ser o principal local de recebimento: 60% das

mulheres afirmaram receber na Casa Lotérica mais antiga do centro. Essa dinâmica

condicionou o surgimento de um sistema urbano de transporte de passageiros, organizado por

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana a partir de associações locais.

Vinculada à Associação de Transporte Complementar interurbano de União dos

Palmares, surgiu, em 2013, a primeira linha propriamente urbana de transporte com destino a

alguns bairros periféricos de União dos Palmares. Na realidade, os trabalhadores dessa linha

antes realizavam transporte de passageiros de União dos Palmares para a Usina Lajinha, mas a

enchente ocorrida na Bacia do Rio Mundaú em 2010 destruiu praticamente todas as casas de

moradores dessa usina. Como logo depois foram construídas habitações para os desabrigados

na periferia de União dos Palmares, os trabalhadores dos transportes viram nos fluxos de

pessoas dos novos bairros em direção ao centro novas oportunidades de rendimento.

Dois anos depois foi criada a Associação de Transporte Urbano Municipal de União

dos Palmares – ATUMUP, com o objetivo de realizar o transporte de passageiros para todas

as demais periferias da cidade. Segundo a entrevista que realizamos com o diretor dessa

Associação, a ideia de criá-la surgiu da observação de que a maior parte da população da

periferia que vinha receber algum dinheiro no centro (principalmente aposentadoria e Bolsa

Família) tinha dificuldade de voltar com compras para casa, pois a única possibilidade de

transporte existente até então era o serviço de moto-táxi. O diretor nos disse que, ainda em

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215

2015, a Câmara Municipal aprovou e o prefeito sancionou uma lei conferindo à ATUMUP

permissão para explorar os serviços de transporte urbano74.

No mapa a seguir, apresentamos o trajeto que esses sistemas de transporte perfazem.

Todas as linhas buscam as periferias da cidade, convergindo na área central, e foram

estabelecidas pelas próprias associações.

Mapa 72 – União dos Palmares: Rota do transporte urbano (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

74 Não tivemos acesso a essa Lei, e nos vários setores da Prefeitura que visitamos ninguém soube informar sobre

sua existência.

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216

Os próprios trabalhadores organizaram também pontos de embarque no centro da

cidade. No caso da linha surgida em 2013, foi construída uma cobertura de zinco para

acomodar os passageiros enquanto estes esperam o horário de saída do próximo carro,

enquanto a ATUMUP se utiliza das instalações da antiga estação ferroviária para isso. É o que

observamos nas fotos 3 e 4.

Foto 3 - Ponto de transporte construído por trabalhadores do circuito inferior em União dos Palmares -

AL

Fonte: trabalho de campo (2016)

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217

Foto 4 – Uso de antiga estação ferroviária como ponto de transporte em União dos Palmares - AL

Fonte: trabalho de campo (2016)

Na verdade, tanto esses como praticamente todos os demais aspectos da atividade

(preço de passagens, horário de saída dos veículos, condições dos veículos exigidas no

transporte etc.) são organizados pelos próprios trabalhadores. O número de veículos de cada

linha e os preços das passagens são apresentados na tabela 30.

Tabela 30 – União dos Palmares: Número de carros e valores das passagens no transporte urbano

(2016)

Bairro de destino Número de vans Valores da passagem

Conjunto Sagrada Família* 6 R$ 2,50

Nova Esperança 5 R$ 2,00

Várzea Grande 3 R$ 3,00

Padre Donald 2 R$ 2,00

Santa Fé** 18 R$ 3,00

Distrito Rocha Cavalcante 22 R$ 5,00 * Para os bairros Roberto Corrêa de Araújo e Nossa Senhora das Dores, que ficam na mesma linha, a passagem

custa R$2,00

** Nilton Pereira, que fica na mesma linha, custa R$2,50

Fonte: Trabalho de Campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Vemos que essa atividade do circuito inferior busca se adaptar à especificidade da

população que atende, constituída majoritariamente por beneficiários do Bolsa Família e

aposentados. Isso é indicado, por exemplo, pela forma como são determinados os preços das

passagens. Segundo foi possível compreender em nossas entrevistas, as associações procuram

estabelecer tais preços com base na distância de cada destino, buscando assim seguir

princípios que a população considera justos. O outro lado da moeda é que os moradores das

periferias mais distantes, em sua maioria mais pobres, terminam pagando mais caro. Uma

beneficiária que entrevistamos no Bairro Nilton Pereira explicou que, às vezes, é preciso ir

receber e voltar a pé por causa do valor da passagem:

Pesquisador: A senhora geralmente vai receber lá no centro né, quando vai

receber Bolsa Família?

Entrevistada: É.

Pesquisador: Aí tem o dinheiro da passagem ainda né, que é R$2,00 né.

Entrevistada: É R$2,50. Quando eu tenho eu vou pagando, quando eu não

tenho eu vou e venho de pé.

Pesquisador: Pra dá uma economizada né?

Entrevistada: É, quando eu tenho o dinheiro só de ir aí eu não vou pagando

não, eu vou de pé mesmo, o dinheiro de ir eu já pago quando eu voltar. É, eu

sempre sou assim. [...] Oxe, já é o dinheiro de comprar arroz, feijão, pra

inteirar porque feijão também tá carinho, uma mistura né que a pessoa num

vai comer puro né (C. A. S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de

2016).

Assim, a possibilidade que os trabalhadores do circuito inferior têm para organizar

vários elementos da atividade de transporte em União dos Palmares não deixa de carregar

consigo várias contradições. Se a capacidade de organização política confere certa

legitimidade desses agentes perante a sociedade e o poder público municipal, a quase ausência

deste último aumenta os custos fixos dos trabalhadores, o que terminará, cedo ou tarde, por

repercutir nos preços das passagens ou por inviabilizar a continuidade do sistema. A questão

central, então, é a da distribuição da riqueza por parte do poder público, sem a qual a pobreza

tende a se perpetuar.

O serviço de moto-táxi também passou a desempenhar um papel importante na

circulação de beneficiárias do PBF para os pontos de pagamento, mas neste caso algumas

exigências do poder público municipal começaram a desorganizar antigas relações dos moto-

taxistas com a população pobre. A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito -

SMTT de União dos Palmares iniciou, na segunda década dos anos 2000, um processo de

“regularização” do serviço, concedendo alvará para cada moto-taxista vinculado à Associação

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do município. Para tanto, exigia-se, por exemplo, que a moto não tivesse mais que 7 (sete)

anos de uso, e que todo o emplacamento estivesse em dia75.

Portanto, aumentaram as despesas desses trabalhadores a partir da necessidade de

renovação constante do seu principal equipamento de trabalho, ao passo que o mercado agora

seria compartilhado com o serviço de transporte por vans. A passagem começou a aumentar

(para os bairros periféricos mais distantes chega a custar R$ 5,00), ficando difícil para a

população pobre pagar os novos valores. Nesse caso, como em muitos outros, a chamada

“regularização”, mesmo que diminua a perseguição por parte do poder público (SANTOS,

2008 [1975], p. 47), significa novas formas de empobrecimento para as populações e

atividades do circuito inferior da economia urbana.

5.1.3. A concretização do Bolsa Família em São Miguel dos Campos em meio à busca por

normatizar elementos do circuito inferior

No espaço urbano de São Miguel dos Campos os dois principais fixos que executam o

pagamento do PBF localizam-se na área central da cidade, próximos aos serviços públicos

mais antigos que conferiram a essa cidade um papel de destaque na rede urbana da Região

Canavieira. Há também um correspondente Caixa Aqui no loteamento Hélio Jatobá, maior

periferia da cidade, conforme observamos no mapa a seguir.

75 Alguns dos requisitos para formalização do serviço de moto-táxi adotados localmente foram estabelecidos pela

Lei nº. 12.009, de julho de 2009, que regulamenta a profissão do moto-taxista e do motoboy. Expansão da

“cidadania regulada” (SANTOS, 1979) ou efeitos do “paradigma administrativo” (RIBEIRO, 1998) (uma vez

que a política do poder público municipal para o transporte de passageiro foi sendo reduzida à aplicação de

normas)? Como esse processo foi acompanhado pela distribuição de permissões para novos moto-taxistas, não

faltou também a percepção da “cidadania concedida” (SALES, 1992).

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Mapa 73 – São Miguel dos Campos: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Do total de 50 (cinquenta) beneficiárias do Bolsa Família que responderam aos nossos

questionários em São Miguel dos Campos, 30% eram mães solteiras, e apenas 13% destas

recebiam pensão dos pais dos filhos. O grau de escolaridade dessas beneficiárias ficou assim

distribuído: 14% analfabetas, 58% com o nível fundamental incompleto, 4% com o nível

fundamental completo, 10% com o nível médio incompleto, 10% com o nível médio

completo e 4% estavam cursando o ensino superior.

São pessoas que habitam, sobretudo, a parte alta da cidade, a cerca de 3 km do centro:

34% no Bairro Hélio Jatobá, 12% no Bairro de Fátima, 8% no Bairro Ester Soares Torres, 8%

no Bairro Novo São Miguel, 4% do Bairro Edgar Palmeira; o restante mora no centro ou em

bairros do entorno localizados na parte baixa da cidade. Somente 3% das beneficiárias

afirmaram que costumam receber no Caixa Aqui localizado no Bairro Hélio Jatobá. Dessa

forma, o fluxo de beneficiários no período de pagamento do PBF se dá, essencialmente, entre

a parte alta da cidade, onde estão os bairros mais pobres, e a parte baixa, onde ficam as Casas

Lotéricas.

Sem sombra de dúvidas, esse fluxo acabou sendo bastante facilitado pela existência

prévia de um sistema de transporte urbano realizado pelas vans da Associação dos Motoristas

Autônomos do Bairro de Fátima, à qual nos referimos no capítulo 3. Confirma esse nosso

raciocínio o trajeto que essas vans perfazem no espaço urbano, possível de ser observado no

mapa 74.

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Mapa 74 - São Miguel dos Campos: Rota do transporte urbano (2016)

Fonte: Silva Neto (2016, p. 68).

Nossos trabalhos de campo revelaram que, no período de receber o Bolsa Família, a

grande maioria das beneficiárias circula nas vans da Associação para a área central da cidade.

Cerca de 80% das respondentes que habitam a parte alta da cidade disseram optar por esse

meio de transporte. Para tal escolha contribui, sobremaneira, o preço da passagem: em 2016,

esta custava R$ 1,75 para qualquer Bairro periférico, enquanto de moto-táxi a corrida custava

R$ 3,00. Desse modo, podemos afirmar que as formas de organização de um elemento do

circuito inferior (neste caso, o transporte organizado por uma associação local), viabilizaram

também a concretização do PBF em São Miguel dos Campos.

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Todavia, nos anos recentes temos visto o poder público municipal pressionar

fortemente essa organização, como se ela não estivesse imbricada a uma combinação de

técnicas e de capitais pensada para atender às especificidades das populações pobres

miguelenses.

Se a Lei nº 1.066, de janeiro de 1999, atribuiu a SMTT o papel de administradora do

transporte público municipal de passageiros, foi somente com a estruturação dessa

Superintendência ao longo da primeira década do século XXI que a prefeitura passou a

conceder alvarás para os trabalhadores da Associação do Bairro de Fátima para “regularizar”

o transporte público no município. Pelo alvará cada trabalhador passou a pagar uma taxa

anual de R$ 58,00. Tiveram início, desde então, constantes processos de fiscalização das

condições dos veículos, da documentação dos motoristas etc.

Como a renovação do alvará é anual, a necessidade de comprar novos veículos se

tornou uma constante. Uma vez que a vinculação à Associação por si só não garante mais o

trabalho, cria-se uma tensão entre a organização da Associação e as normas públicas. O alvará

é concedido por um ano, mas a dívida com o veículo geralmente é feita para um prazo muito

maior (SILVA NETO, 2016, p. 67). Na prática, o trabalhador pode ficar sem o rendimento,

mas com as dívidas. O resultado é o empobrecimento cada vez maior dos trabalhadores do

serviço de transporte inserido no circuito inferior da economia urbana.

Tudo isso é feito utilizando-se como justificativa a necessidade de melhorar o

transporte público na cidade. Não se questiona a importância desse objetivo, mas sim o

porquê de a única solução apontada para isso ser sempre aumentar os níveis de capital da

atividade. Desconsidera-se, a um só tempo, as especificidades socioeconômicas da população

e a necessidade de que o poder público participe não somente com normas, mas também com

recursos para subsidiar o transporte.

De fato, questões como meia passagem para estudantes (já em vigor nos ônibus da

Transpam, por uma iniciativa da própria empresa), isenção para idosos, acessibilidade para

deficientes etc., precisam ser urgentemente implantadas76. Mas quem vai arcar com esses

custos? As beneficiárias do PBF, para as quais o valor de R$ 1,75 da passagem já é alto? Os

trabalhadores das vans, que já enfrentam longas jornadas de trabalho para fazer face ao

aumento dos custos fixos da atividade (SILVA NETO, 2016, p. 67)?

76 Ver reportagem: “MP recomenda estudo para melhorar transporte público em São Miguel”. Disponível em:

http://www.alagoasweb.com/noticia/40745-mp-recomenda-estudo-para-melhorar-transporte-publico-em-sao-

miguel Acesso em: junho de 2016.

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No ano de 2012, teve início também o processo de “regularização” do serviço de

moto-táxi77. Somente os moto-taxistas vinculados à Associação de Motoqueiros Autônomos

de São Miguel dos Campos - AMAS foram autorizados pela SMTT a realizar o transporte de

passageiros com motos na cidade, e os demais passaram a ser declarados “ilegais”. No

momento da “legalização”, além da necessidade de toda documentação da moto estar em dia,

era exigido que ela tivesse no máximo 7 (sete) anos de uso. Como no caso do transporte

realizado pelas vans, com uma norma o poder público acabou pressionando para baixo os

rendimentos dos motoqueiros ao criar a necessidade de renovação constante do seu principal

equipamento de trabalho. Mais uma vez, o circuito inferior não é notado pela sua capacidade

política (por mais que esta seja evidente), mas como um problema a ser enfrentado.

5.2. O Programa Bolsa Família e as novas formas de reprodução do Espaço Dividido

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais –

IBASE (2008) com 5 mil titulares do cartão do PBF, em 229 municípios selecionados dentre

as regiões brasileiras, constatou que o dinheiro das transferências faz aumentar

expressivamente o nível de consumo das beneficiárias. Estas (como, aliás, confirmaram

inúmeras outras pesquisas) destinam os valores que recebem para a compra de alimentação,

material escolar, vestuário, remédios, gás e pagamento de contas de água e energia elétrica. O

gasto com alimentação é, dentre todos eles, o principal: 87% dos entrevistados pelo IBASE

afirmaram que destinam o dinheiro para esse fim, porcentagem que na Região Nordeste

alcançou 91%.

A partir de nossos trabalhos de campo realizados em Porto Calvo, União dos Palmares

e São Miguel dos Campos chegamos a dados bastante semelhantes, com algumas

especificidades para cada cidade. Na tabela 31 vemos que o gasto com alimentação, por

exemplo, tende a ser maior em União dos Palmares e Porto Calvo em comparação com São

Miguel dos Campos, cidade onde as despesas com material escolar ocupam o primeiro lugar.

Outro aspecto que merece destaque é a utilização do Bolsa Família para pagar escolas para

filhos com menos de 5 anos de idade. Se por um lado isto indica como o Programa vem

contribuindo para generalizar a preocupação com a escolaridade entre as populações pobres,

revela também o acesso precário dessas mesmas populações aos demais direitos sociais.

77 Ver reportagem: “SMTT inicia processo de regularização de mototaxistas em São Miguel dos Campos.

Disponível em: http://www.alagoasweb.com/noticia/17068-smtt-inicia-processo-de-regularizacao-de-

mototaxistas-em-sao-miguel-dos-campos Acesso em: junho de 2016.

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Tabela 31 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Principais gastos com o

dinheiro do Programa Bolsa Família – PBF por parte das famílias beneficiárias (2015)

Destino do dinheiro % de beneficiários que destina o dinheiro para esse fim

Porto Calvo* União dos Palmares** São Miguel dos Campos***

Alimentação 67% 74% 60%

Material escolar**** 52% 62% 62%

Vestuário 52% 45% 44%

Remédios 17% 2% 2%

Gás 10% 12% 20%

Escola privada para filho

pequeno

10% 2% 6%

Luz 7% 12% 10%

Água 7% 12% 8%

Aluguel 5% 0% 0%

Móveis e eletrodomésticos 0% 2% 0%

Pagamento de faculdade 0% 0% 2%

*As porcentagens foram calculadas com base no total de 42 beneficiárias que responderam ao questionário.

** As porcentagens foram calculadas com base no total de 66 beneficiárias que responderam ao questionário

***As porcentagens foram calculadas com base no total de 50 beneficiárias que responderam ao questionário

**** Engloba também fardamento escolar.

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

É importante mencionar que de todas as 158 (cento e cinquenta e oito) beneficiárias

que responderam aos nossos questionários nessas três cidades, apenas 17% em Porto Calvo,

6% em União dos Palmares e 12% em São Miguel dos Campos afirmaram que, antes do PBF,

já compravam tais bens com outro rendimento, e por problema de desemprego passaram a

participar do Programa. Uma beneficiária que entrevistamos na cidade de Porto Calvo, no

Bairro da Mangazala, resumiu bem como era difícil ter acesso aos bens mais básicos antes do

Bolsa Família:

[...] porque naquela época que a gente não tinha Bolsa Família a gente num

comprava o que a gente quer pros filhos da gente né. Hoje a gente [compra]

um remédio, eu mesmo compro remédio por meus filhos, compro calçado,

compro uma roupa pros meus filhos, já pago bojão né, às vezes eu não tenho

outra renda, já vou no dia e recebo e já compro uma mistura pra dentro de

casa né. Aí isso eu não vou dizer [que não é bom], eu gavo [elogio] o Bolsa

Família [...] Aí sempre o Bolsa Família melhorou a minha situação porque

naquela época que ninguém tinha Bolsa Família ninguém [comprava], a

gente comprava uma roupa quando né, quando às vez tinha um dinheiro a

mais, a gente cortava cana nera? Eu cortei muita cana naquela época, eu não

vou lhe dizer [que não], cortei muita, cortei e amarrei pra ajudar [em casa]. E

hoje em dia graças a Deus é o Bolsa Família né, eu não vou mentir. Eu

compro um perfume pra um, uma roupa pra um, um calçado pra outro (C. A.

S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

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Em outras palavras, a maior parte dos que hoje são beneficiários do Programa na

Região não consumia regularmente os bens considerados básicos (como seguramente ocorria

em boa parte do Nordeste brasileiro). Mas, como o valor de cada benefício é pequeno, esse

consumo não é feito em grandes quantidades. Foi o que explicou uma beneficiária do Bairro

Nossa Senhora das Dores, periferia de União dos Palmares, quando perguntamos como ela faz

para passar um mês inteiro com apenas R$ 77,00: “De tudo eu compro um pedacinho: eu

compro mei rabo de sardinha, mei pedacinho de carne, e assim eu vou passando né” (J.M.S.,

53 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Dessa forma, não há dúvidas quanto ao fato de que o PBF causa uma ampliação

significativa dos níveis de consumo em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos, tanto porque torna-se praticamente impossível para qualquer beneficiária poupar

parte do valor que recebe por este ser muito baixo, como pela grande quantidade de famílias

que se tornaram beneficiárias nesses três municípios.

Inúmeras avaliações já foram realizadas no Brasil procurando “medir” as diversas

consequências econômicas do PBF78, como sintetizou Juliana Carolina Frigo Baptistella

(2012, pp. 10-14). A essas vieram somar-se estudos sobre os chamados impactos da

condicionalidade de saúde na nutrição e no peso das crianças beneficiárias, assim como da

condicionalidade de educação no desempenho escolar e na redução do trabalho infantil

(CAMPELLO e NERI, 2013). Da mesma maneira, como notaram, dentre outros, Walquiria

Leão Rêgo e Alessandro Pinzani (2013), não estão as mudanças na cidadania dos

beneficiários entre os principais efeitos do PBF? Tratando este Programa como um acontecer

político-institucional, qual dessas consequências devemos ressaltar?

Os autores que trataram a noção de evento ressaltaram que este, ao mesmo tempo em

que modifica a realidade pré-existente, enquanto dura fornece sua contribuição para novas

transformações na realidade (WHITEHEAD, 1994, p. 72; ELIAS, 1998, p. 57;

BACHELARD, 2007, p. 23). Neste sentido, Milton Santos (2009 [1996], p. 160) afirma que

“[...] um evento é uma causa de outro”, pelo fato de que um acaba se tornando um pré-

requisito para a existência do outro. O autor ressalta que só é possível analisar o evento dessa

78 Por exemplo, o estudo “Gasto com política social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda”, do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2011) constatou que cada R$ 1,00 transferido pelo PBF

implica em um aumento de R$2,25 na renda das famílias, valor que para o Benefício de Prestação Continuada –

BPC e para o Regime Geral da Previdência Social é de, respectivamente, R$ 2,20 e R$2,10. Dados como esses

vêm sendo usados na construção do discurso que visa a legitimar o programa perante a sociedade. Sem

desconsiderar os avanços que PBF conseguiu se apoiando nessa forma de construção da legitimidade, é

necessário sublinhar que esse discurso se alimenta em processos que buscam naturalizar o “Espaço Dividido”: no

limite transmite-se a ideia de que é possível acabar com a pobreza gastando pouco, sem alterar as formas de

apropriação da riqueza.

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maneira se considerarmos o mundo como totalidade em movimento, porque embora os efeitos

de um acontecimento sejam sentidos somente em certos lugares (e mesmo quando se fazem

sentir em amplas escalas, seus efeitos não deixam de ser mais fortes em alguns lugares do que

noutros), o aproveitamento das oportunidades que sua concretização gerou hoje está à

disposição de agentes que atuam na escala planetária.

Ana Clara Torres Ribeiro e Catia Antonia da Silva (2004) explicam mais

detalhadamente essa relação entre causa e efeito no âmbito da dinâmica da totalidade ao

destacarem a ideia de duração organizacional dos eventos apresentada por Milton Santos. Por

exemplo, a privatização de uma empresa pública tem efeitos de longa duração sobre

determinada dinâmica socioespacial, uma vez que para que isso ocorra torna-se necessário

modificar leis, mexer no orçamento etc., além da necessidade de convencer a população de

que privatizar é a melhor solução. Como voltar atrás mais tarde? Dessa forma, ao se tornar

“[...] fato ou fatalidade, absorvido em leis, normas e referências institucionais para a conduta”,

o evento abre algumas possibilidades, mas fecha outras, ou seja, “[...] o evento que

desestrutura deve ser lido em sua capacidade de transformar-se em causa de novas mudanças,

tendo amplificados os seus impactos, por sua possibilidade de se tornar fato, ou seja, condição

–e, até mesmo, causa– de novos eventos” (RIBEIRO e SILVA, 2004, pp. 357-358 grifos no

original).

Para Howard Becker e Irving Horowitz (1977, p. 171), “[...] a determinação de causas

para os eventos tem um aspecto político”, porque quando se liga “[...] uma causa a um evento

ou a um estado de coisas, ao mesmo tempo lhe atribuem a culpa por ele”. É por isso que,

“uma análise adequada de como as coisas permanecem as mesmas é, assim, ao mesmo tempo,

uma análise de como mudá-las” (p. 174). Os autores afirmam que essa análise de como um

evento se torna a causa de outro traria à tona as intersecções entre a sociologia e a política.

Nós poderíamos afirmar que seria também entre a geografia e a ação política.

Em suma, nenhum evento que está em funcionamento é neutro. Não é este o foco da

análise marxista sobre o Estado (ENGELS, 1974), quando ressalta que uma lei, assim como

todo o aparato estatal preparado para garantir que ela se cumpra, é condição sine qua non para

a acumulação capitalista? Quando uma norma autoriza a privatização de uma empresa

pública, quem vai utilizar tal evento como oportunidade de lucro?

No caso do acontecer político-institucional, porém, a situação é diferente, porque o

próprio Estado (se o considerarmos na perspectiva gramsciana) assume o processo de

transformação da sociedade a partir de alterações racionais no curso da ação social que foi

naturalizada em determinada sociedade, ou seja, ele assume a condução da vida social,

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abandonando a ideologia da neutralidade, e usa o seu poder de produzir normas

explicitamente para isso (GRAMSCI, 1978, p. 235; WEBER, 1970 [1918]); GRUPPI, 2000,

p. 67; RIBEIRO, 2014, p. 181). Com a imposição de racionalidades ao próprio espaço

geográfico essa condução implica utilizar eventos nos lugares como condição para um novo

tipo de cooperação entre os subespaços nacionais.

Desse modo, propomos que o acontecer político-institucional seja avaliado na sua

capacidade de servir ou não como condição ou causa de perpetuação do “Espaço Dividido”,

ou seja, em que medida ele possibilita alterar a realidade ou se apoia no que já está

naturalizado na sociedade e no território. Não é o caso de minimizar mudanças de menor

vulto nos sistemas urbanos de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos

condicionadas pelo PBF, mas de problematizar como tais mudanças se inserem na reprodução

da pobreza.

5.2.1. A reafirmação do circuito inferior na geração de trabalho e as novas formas de

atuação do circuito superior em Porto Calvo

Atualmente, segundo apontou Maria Laura Silveira (2009), a ampliação dos níveis de

consumo nos lugares mais pobres do País tem grandes consequências para a dinâmica dos

dois circuitos da economia urbana. A autora revela que as atividades do circuito superior

tendem a diminuir, por vários meios, a necessidade de utilização de mão de obra. Mas, por

outro lado, essas mesmas atividades terminam por se interessar pela demanda criada pela

elevação dos rendimentos dos mais pobres. Para conquistar os novos mercados os agentes do

circuito superior da economia se utilizam da informação (principalmente da propaganda) e de

produtos financeiros específicos. Observamos, desse modo, esse circuito construir novas

relações com as cidades brasileiras, alterando também a distribuição de seus estabelecimentos

nos espaços urbanos.

Conforme demonstrou Marina Regitz Montenegro (2011) para as situações de São

Paulo, Brasília, Fortaleza e Belém, o circuito inferior tende a arcar com o ônus desse

processo, porque além de perder uma parte da clientela, os preços praticados pelo circuito

superior, assim como os novos gostos por este difundidos, acabam servindo como parâmetro

para os pequenos negócios. Os pobres passam a ter jornadas mais longas de trabalho,

consumir mais no circuito superior e, por conseguinte, a empobrecer cada dia mais.

Como resultado dessas novas formas de concorrência e complementaridade entre os

dois circuitos, segundo revelou a pesquisa de Marcos de Moraes Xavier (2009), todo o

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sistema de distribuição de produtos (notadamente de mercearia básica) assumido por

atividades pertencentes ao circuito superior, mas dependente dos pequenos comércios para

chegar ao consumidor final, precisa se adaptar completamente para assegurar sua reprodução.

A partir dos dados levantados em nossos trabalhos de campo foi possível constatar que

a demanda criada pelo PBF por certos bens básicos possibilitou novas relações das

populações mais pobres de Porto Calvo com determinados comércios do circuito superior por

intermédio do consumo. Podemos observar no quadro 19 que as atividades desse circuito

passaram a atuar especialmente na venda de produtos alimentares e escolares, ramos nos quais

se concentra a maior parte dos gastos das beneficiárias do Bolsa Família.

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Quadro 19: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia

urbana de Porto Calvo – AL (2015)

Consumo de alimentação

Onde compra* % que compra

no comércio

Motivo % que alegou o

motivo

Comércio do circuito superior filiado à

Rede Smart 60%

Menor preço 67%

Existência de crediário

próprio do estabelecimento

20%

Faz entrega 13%

Comércios do circuito superior

independentes 20%

Menor preço 60%

Existência de crediário

próprio do estabelecimento

20%

Faz entrega 20%

Comércios do circuito inferior 20% Menor preço 20%

Compra fiado 80%

Material escolar

Onde compra** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou o

motivo

Comércios do circuito superior

independentes 69%

Menor preço 36%

Existência de crediário

próprio do estabelecimento

55%

Não informou 9%

Comércios do circuito inferior 31%

Menor preço 20%

Compra fiado 60%

Não informou 20%

Vestuário

Onde compra*** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou o

motivo

Comércios do circuito inferior 100% Menor preço 81%

Compra fiado 19%

Remédios

Onde compra**** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou o

motivo

Comércios do circuito superior

independentes

44% Menor preço 100%

Comércios do circuito inferior 56%

Menor preço 40%

Compra fiado 40%

Proximidade da residência 20%

Gás

Onde compra***** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou o

motivo

Supermercado do circuito superior

vinculado à Rede Smart

100% Faz entrega 100%

*25 beneficiárias, do total de 28 que usam o dinheiro para comprar alimentação, disseram onde compram

**16 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram

***16 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram

****9 beneficiárias, do total de 13 que usam o dinheiro para compra de remédios, disseram onde compram

*****1 beneficiária, do total de 4 que usam o dinheiro para compra do gás, disse onde compram

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

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231

Os preços praticados e as formas de crédito ofertadas são os fatores que mais pesam na

escolha das beneficiárias. Nos ramos em que o circuito superior consegue oferecer preços

mais baixos, ao circuito inferior resta uma pequena parcela dessa nova demanda. Assim, com

exceção do consumo de vestuário, que tem se dado preponderantemente nos pequenos

negócios, é a possibilidade de se utilizar do fiado que ainda faz com que uma parte das

beneficiárias compre alimentação, material escolar e remédios nos comércios do circuito

inferior, mesmo que às vezes seja preciso pagar preços mais elevados.

Para o consumo de alimentação, um supermercado local filiado à Rede Smart é o mais

procurado. De acordo com Marcos de Moraes Xavier (2009, p. 153), essa Rede foi criada no

ano 2000 pelo Grupo Martins, uma das maiores empresas do ramo atacadista distribuidor do

Brasil surgida em Uberlândia-MG, com o objetivo de conceder aos varejistas independentes

apoio nas áreas de comercialização, tecnologia e capital, garantindo assim a reprodução da

clientela do seu atacado. Além de usar a marca Smart em suas propagandas na Rádio Calabar

e em carros de som pelas ruas da cidade, esse supermercado de Porto Calvo pratica um preço

que é, inclusive na opinião dos seus principais concorrentes, o mais baixo da cidade. Dessa

forma, a busca desenfreada pelo menor preço que verificamos entre as populações mais

pobres de Porto Calvo, justificada pelo baixo valor do benefício do PBF, facilita a política

dessa empresa.

Os supermercados do circuito superior da cidade também vêm ofertando formas

particulares de crédito que, segundo o que foi possível percebermos em entrevistas,

corresponde a uma espécie de “formalização do fiado”. Em um deles, por exemplo, o

proprietário criou um sistema online para registrar os dados dos clientes que compram para

pagar a prazo, onde constam dados como endereço, números de documentos de identificação

e valores de débito dos clientes. Para termos uma ideia da importância desse sistema, cerca de

250 (duzentos e cinquenta) pessoas compram para pagar mensalmente um total aproximado

de R$ 100.000,00, o que equivale à quase 20% das vendas totais do estabelecimento. É

importante mencionar que, do total de beneficiárias que responderam aos nossos

questionários, somente 29% possuíam cartão de crédito, que usavam regularmente para a

compra de alimentação, e mais 14% compravam em cartão de amigos. Daí que no

supermercado citado o volume de vendas no crediário próprio seja cerca de 20% superior às

vendas no cartão de crédito.

Por outro lado, são sobretudo as atividades do circuito inferior da economia urbana

portocalvense que oferecem ocupação e renda aos chefes das famílias beneficiárias do Bolsa

Família. Vejamos a tabela 32.

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232

Tabela 32 - Porto Calvo: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF

pesquisadas (2015)

Trabalho Total

Trabalhadores/proprietários de pequenos negócio do

circuito inferior

5

Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e

serviços do circuito superior (com carteira assinada)

1

Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira

de Trabalho assinada)

5

Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de

Trabalho assinada)

5

Trabalhadores que vivem de bicos em diversas

atividades

4

Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho

assinada)

4

Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho

assinada)

6

Pedinte de rua 1

Desempregado 4

Donas de casa 6

Não informou 1

Total 42 Fonte: trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

A grande maioria, como fica claro, trabalha em atividades pertencentes ao circuito

inferior da economia urbana. A partir de uma combinação específica de técnica, capital e

organização verificamos que esse circuito também busca atender a demanda criada pelo PBF,

todavia veremos que se trata de uma combinação que se baseia no uso intensivo de mão de

obra. São outras formas de relação com o sistema urbano de Porto Calvo, revelando-nos que

mesmo quando não estão organizados em associações, por exemplo, os pobres não deixam de

fazer política.

Segundo dados da Receita Federal (BRASIL, 2016a), em 2007 existia um total de 226

Micro e Pequenas Empresas – MPE’s em Porto Calvo, número que em 2016 era de 932. Os

maiores percentuais desse total eram do ramo do comércio varejista de artigos de vestuário e

acessórios (13%), do comércio varejista de produtos alimentícios (8%), e do comércio

varejista de mercadoria em geral com predominância de produtos alimentícios (8%). O

número de Micro – Empreendedores Individuais, por sua vez, que era somente de 32 em

2010, alcançou o total de 419 em 2016: 15% desse total comercializava artigos de vestuário e

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233

acessórios, 9% produtos alimentícios e 5% estavam classificados no ramo do comércio

varejista em geral com predominância de produtos alimentícios79.

Do total de 40 (quarenta) proprietários de pequenos negócios que pesquisamos em

Porto Calvo, a maior parte iniciou a atividade por conta de desemprego ou para complementar

a renda (57%), sendo que a escolha do tipo e do ramo da atividade se deu, sobretudo, por já se

ter um conhecimento prévio sobre como desenvolver o trabalho (45%), em função do

aumento da demanda na cidade (20%) e pela menor exigência de capital para iniciar o

trabalho (5%). Constatamos, assim, que mesmo o grau de escolaridade formal desses

trabalhadores sendo baixo (50% têm ensino fundamental incompleto, 7% fundamental

completo, 33% médio completo, 5% superior completo e o restante não informou), isto não

impede que as formas de trabalho que eles sabem desenvolver estejam em plena sintonia com

as necessidades da grande maior parte da população de Porto Calvo.

Quanto ao capital necessário para iniciar o trabalho, 75% começaram com capital

próprio, e somente 10% obtiveram empréstimo em banco. Vale mencionar que 5% iniciaram a

atividade praticamente sem nenhum capital, somente alugando um ponto no centro de Porto

Calvo (o restante não informou).

A flexibilidade do sistema urbano portocalvense facilitou a instalação de atividades do

circuito inferior na área central da cidade: 20% dos trabalhadores pesquisados utilizam a

calçada como ponto (geralmente com um pequeno carro móvel, que desloca para casa ao final

de cada dia), mesma porcentagem que se utiliza da própria residência (já que no centro de

Porto Calvo os prédios são usados tanto para a habitação como para o trabalho), enquanto os

60% restantes desenvolvem o trabalho em pontos exclusivos para esse fim. Mas, mesmo no

caso destes últimos, somente metade paga aluguel. Os valores pagos pela locação dos

imóveis, embora altos para atividades pouco capitalizadas, são acessíveis: 58% pagam menos

de R$ 700,00 por mês, e somente 1 trabalhador informou pagar mais de R$ 1.000,00 de

aluguel.

Lembramos que se a procura do menor preço pelas beneficiárias do PBF se converte

em uma subordinação indireta do circuito inferior ao circuito superior é somente pelo fato de

ambos os circuitos disputarem um mercado único (embora segmentado), e essa mesma

disputa termina se convertendo em uma subordinação direta das pequenas atividades, porque

estas necessitam, na maior parte dos casos, comprar do sistema superior os produtos e

insumos com os quais trabalham. Para Maria Laura Silveira (2015, p. 256), trata-se de uma

79 Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.

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234

complementaridade hierárquica entre os dois circuitos, porque embora um atacado

distribuidor ou um banco, por exemplo, precise do circuito inferior para continuar obtendo

altos lucros, este último circuito somente segue os prazos, as condições de pagamento, os

juros etc., estabelecidos por aqueles agentes. Nessa complementaridade, lembra a autora, as

normas públicas não são neutras, uma vez que são indispensáveis para garantir que as

empresas não sejam “incomodadas” na sua ação instrumental.

As cidades de origem dos produtos comercializados no circuito inferior portocalvense

estão representadas no mapa 75 (além do próprio município de Porto Calvo, que apareceu em

38% das respostas). De maneira geral, Porto Calvo, as demais cidades da Região Canavieira,

bem como Arapiraca, aparecem principalmente no ramo do comércio de produtos

alimentícios80, enquanto que das cidades de Pernambuco (especialmente Caruaru e Toritama)

vêm os produtos para o pequeno comércio varejista de vestuário. As demais cidades

participam com produtos de outros ramos, que são comprados através de representantes e pela

internet.

80 Abordaremos sobre o desenvolvimento do ramo atacadista distribuidor em algumas cidades da Região

Canavieira de Alagoas no próximo capítulo.

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235

Mapa 75 – Porto Calvo: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos trabalhadores do

circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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236

Os trabalhadores pagam esses produtos principalmente à vista (78%), no boleto

bancário (33%) e no cartão de crédito (10%), sendo o uso do fiado (3%) e do cheque (3%)

bastante restrito. Essa realidade é bem diferente quando tratamos das relações horizontais

(SILVEIRA, 2015, p. 256) do circuito inferior com sua clientela: 83% das pequenas

atividades pesquisadas no centro de Porto Calvo vendem fiado, sendo que em 27% destas

mais da metade das vendas totais é realizada para pagar mensalmente na confiança. Por outro

lado, somente 20% delas aceitam pagamento através de cartão de crédito, e muito menor

ainda é a porcentagem em que predomina esta forma de pagamento: 3%.

É por isso que na dependência de distribuidores do circuito superior encontram-se, a

um só tempo, as possibilidades de reprodução e as causas de empobrecimento dos pequenos

negócios. Ilustra bem essa contradição a situação de um pequeno mercadinho localizado no

centro de Porto Calvo, que registramos na foto 5.

Foto 5 – Mercadinho do circuito inferior no centro de Porto Calvo especializado na venda de cesta de

alimentos

Fonte: trabalho de campo (2015)

O mercadinho foi montado praticamente sem nenhum investimento inicial: seu

proprietário, depois de alugar um ponto que serve, ao mesmo tempo, para o trabalho e para a

residência, começou a comprar produtos alimentícios de atacadistas distribuidores de Porto

Calvo, União dos Palmares, Maceió e Arapiraca para pagar mensalmente no boleto bancário.

Para conseguir mercado para seus produtos, o trabalhador, com a ajuda da sua esposa que

cuida do ponto, monta as cestas básicas e sai pela área rural de Porto Calvo e dos municípios

vizinhos para vender fiado. Para isso teve de comprar uma moto, e chega a trabalhar mais de

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12 (doze) horas por dia. Ele tem perto de uma centena de clientes, vende mensalmente cerca

de R$ 60.000,00 (praticamente 100% fiado), mas até agora não conseguiu obter lucro algum

por conta das despesas que adquiriu com a compra da moto e com a manutenção desta. Sem

falar que há um descompasso entre as exigências dos atacadistas e as especificidades de sua

clientela: quando, por algum motivo, algum cliente não pode pagar toda a dívida no prazo

combinado, fica difícil pagar o boleto em dia e, em consequência, levar uma nova cesta básica

para o cliente. Não resta muitas opções: endivida-se cada vez mais ou perder clientes, o que

muitas vezes pode significar perder também as amizades e o trabalho. Por outro lado, os

clientes que confiaram na possibilidade de comprar fiado em alguma eventualidade podem

ficar, ao mesmo tempo, sem dinheiro e sem alimentos.

Dessa forma, a complementaridade hierárquica com o circuito superior tende a

pressionar as relações tradicionais que une as atividades às populações do circuito inferior por

intermédio do consumo. Esse processo, ao passo em que nos esclarece sobre a intensidade da

exploração contemporânea do circuito superior sobre o circuito inferior, torna mais nítido

como não somente do lado do consumo, mas também do trabalho, a dinâmica do sistema

inferior está colada à realidade da sociedade e do território portocalvenses. Nas atividades

pesquisadas trabalham, em média, 3 (três) pessoas em cada uma, e em 53% delas usa-se mão

de obra familiar. Pode-se argumentar que essa média é baixa, “[...] mas, em compensação, o

número global de pessoas ocupadas é considerável” (SANTOS, 2008 [1975], p. 45). Na

realidade, podemos afirmar que a reprodução das atividades do circuito inferior se baseia cada

vez mais na utilização da mão de obra disponível (MONTENEGRO, 2011, p. 247).

Nos casos em que os próprios agentes do circuito inferior da economia urbana são

responsáveis pela distribuição e comercialização dos seus produtos, ou até mesmo pela

produção, observamos uma situação bastante diferente. O exemplo principal nesse sentido são

os pequenos comércios de fardamentos escolares, produzidos na própria cidade81, e de peças

de vestuário em geral, que são comprados diretamente nas cidades pernambucanas de Caruaru

e Toritama. Em ambos os casos os negócios do circuito inferior podem oferecer o menor

preço e sofrer, na sua relação com as populações pobres, menos interferência do circuito

superior. Abordaremos melhor como isso vem se dando a partir da situação de União dos

Palmares, onde o processo tomou, sem sombra de dúvidas, proporções bem maiores.

81 A produção de fardamento escolar em Porto Calvo é realizada principalmente pela Associação das Costureiras

de Porto Calvo – ASSOCIART. Criada em 2004, essa associação reúne 36 costureiras que trabalham tanto na

sua sede, localizada em um prédio cedido pela prefeitura municipal, como em suas próprias residências. Segundo

as informações que obtivemos com as costureiras, a fabricação de fardamento escolar representa parte

significativa da produção total da Associart, havendo demanda até de municípios vizinhos, como Matriz de

Camaragibe e Maragogi.

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238

5.2.2. O avanço do circuito superior em áreas selecionadas e a pulverização dos pequenos

negócios no espaço urbano de União dos Palmares

A distribuição dos gastos das beneficiárias do PBF de acordo com o circuito da

economia urbana em União dos Palmares assemelha-se ao que vimos para a cidade de Porto

Calvo, conforme é possível observar no quadro 20.

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239

Quadro 20: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia

urbana de União dos Palmares – AL (2015)

Alimentação

Onde compram* % que compra no

comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércio do circuito superior

pertencente à rede de lojas

32% Menor preço 100%

Comércios do circuito superior

independentes 66%

Menor preço 82%

Proximidade de onde recebe

PBF

7%

Existência de crediário próprio

do estabelecimento

7%

Não informou 4%

Comércios do circuito inferior 27%

Menor preço 18%

Compra fiado 55%

Proximidade da residência 27%

Material escolar

Onde compram** % que compra no

comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior

independentes 66%

Menor preço 90%

Existência de crediário próprio

do estabelecimento

5%

Não informou 5%

Comércios do circuito inferior 34%

Menor preço 46%

Compra fiado 9%

Proximidade da residência 36%

Não informou 9%

Vestuário

Onde compram*** % que compra no

comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior de

Maceió

4% Menor preço 100%

Comércios do circuito superior

independentes

10% Existência de crediário próprio

do estabelecimento

100%

Comércios do circuito inferior

86%

Menor preço 96%

Compra fiado 4%

Gás

Onde compram**** % que compra no

comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior

vinculados a distribuidores

100% Existência de crediário próprio

do estabelecimento

100%

Remédios

Onde compram***** % que compra no

comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior

vinculados a redes (franquias)

100% Menor preço 100%

*41 beneficiárias, do total de 49 que usam o dinheiro para compra de alimentação, disseram onde compram

**29 beneficiárias, do total de 42 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram

***28 beneficiárias, do total de 30 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram

****3 beneficiárias, do total de 7 que usam o dinheiro para compra de gás, disseram onde compram

*****2 beneficiárias, do total de 3 que usam o dinheiro para compra de remédios disseram onde compram

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

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240

Todavia, em União dos Palmares, se o grande mercado gerado pelo PBF acabou

despertando o interesse de firmas regionais e nacionais, a distribuição desse mercado por

grandes periferias, somada às dificuldades de transporte, tornaram-se o motor de uma

verdadeira pulverização das atividades do circuito inferior no espaço urbano, principalmente

das atividades comerciais82. Podemos ver no quadro que as beneficiárias do Bolsa Família

gastam no circuito inferior não apenas pela possibilidade de comprar fiado e de conseguir o

menor preço, mas também pela maior proximidade do comércio em relação às suas

residências.

Criado em 200683 pelo Grupo Walmart, a rede de Supermercados Todo Dia inaugurou

uma loja em União dos Palmares em 2012. Trata-se de um comércio projetado para a

população de menor poder aquisitivo, que aposta na oferta de baixos preços e na

desburocratização do crédito para conquistar o mercado constituído pelas populações mais

pobres. Desde a inauguração dessa loja, um carro de som circula pelas ruas da cidade

divulgando as principais ofertas, e alguns trabalhadores do supermercado assumiram

exclusivamente a função de oferecer e encaminhar pedidos de cartão de crédito. Ainda assim,

as nossas pesquisas revelaram que as compras das beneficiárias do PBF nesse supermercado

são, sobretudo, à vista, em virtude do medo de se endividar e do baixo valor do benefício do

PBF: 27% das beneficiárias que pesquisamos possuem cartão de crédito, sendo que mais 18%

usam, eventualmente, o cartão de crédito de amigas. Em ambos os casos elas compram,

essencialmente, alimentação.

É também em virtude do menor preço que as compras de remédios são realizadas

principalmente na Farmácia do Trabalhador do Brasil. Essa rede de farmácias surgiu na

cidade de Garanhus (PE), e mira, sobretudo, a população mais pobre da Região Nordeste,

82 Escrevendo na década de 1970, Milton Santos (2008 [1975], pp. 214-215) explicou que “[...] tal pulverização

das atividades de comércio tem explicações geográficas e socioeconômicas. De um lado, os habitantes dos

bairros pobres compram no local; o preço dos transportes não lhes permite ter acesso ao comércio moderno,

freqüentemente situado no centro das cidades ou nos seus arredores. A densidade e a distribuição das lojas estão

calcadas nas possibilidades de deslocamento a pé da clientela. De outro lado, a dimensão dos comércios é uma

adaptação a um consumo pequeno e irregular. A venda em microvarejo permite ao cliente pobre, que só dispõe

de magras rendas no dia-a-dia, abastecer-se em pequenas quantidades. Mas, é sobretudo o crédito, mais

difundido em certas zonas residenciais que no centro, que permite a vida do pequeno comércio”. Hoje em dia

tudo indica que o consumo das populações mais pobres de União dos Palmares se divide cada vez entre o

pequeno comércio do próprio bairro e os comércios do circuito superior da área central, e para que isso ocorra o

PBF contribui de maneira significativa.

83 A primeira loja do Supermercado Todo Dia foi inaugurada em Alagoas em 2011 em Maceió, em um dos

bairros mais populosos e pobres desta cidade. No Brasil, existem um total de 179 lojas, sendo 127 na Região

Nordeste e 13 no Estado de Alagoas (dados disponíveis no site da empresa). Trataremos da topologia desse

supermercado na Região Canavieira de Alagoas no próximo capítulo.

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buscando oferecer remédios e medicamentos a baixo preço. Desde 2014, a Farmácia do

Trabalhador atua também por meio de franquias (franchising)84. Para poder utilizar uma

marca que ficou conhecida como sinônimo de baixo preço, é preciso deixar a decisão sobre

vários aspectos da combinação técnica, organizacional e de capital do estabelecimento nas

mãos da matriz dessa empresa. Em União dos Palmares existem dois estabelecimentos dessa

farmácia, sendo que um deles, que já atuava antes no ramo farmacêutico, funciona no sistema

de franquia. Desse modo, a política de uma empresa (SILVEIRA, 2016, pp. 37-40),

autorizada por uma norma pública e viabilizada pelo uso intensivo da propaganda, tem

possibilitado que uma grande parcela do gasto com remédios das beneficiárias palmarinas seja

drenado para uma grande rede de farmácias.

Foto 6 – Farmácia de União dos Palmares (início de 2000)

Foto 7 – Franquia da Farmácia do Trabalhador em antigo ponto de uma farmácia local (2016)

Fonte: José Marcelo (arquivo pessoal) Fonte: trabalho de campo (2016)

Essas novas formas organizacionais de atuação do circuito superior (SILVEIRA, 2004,

p. 8) na cidade são bastante poupadoras de mão de obra, uma vez que se aproveitam, muitas

vezes, da infra-estrutura dos comércios já existentes, e mesmo quando constroem novos

estabelecimentos, estes são por demais simples. A grande maioria das beneficiárias do PBF

que pesquisamos informou que suas famílias sobrevivem de atividades do circuito inferior da

economia urbana, como podemos notar na tabela 33:

84 O sistema de franquias foi regulado pela Lei nº. 8.955, de dezembro de 1994. Segundo esta lei, “franquia

empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente,

associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente,

também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional

desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique

caracterizado vínculo empregatício” (Art. 2º.)

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Tabela 33 - União dos Palmares: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF

pesquisadas (2015)

Trabalho Total

Trabalhadores/proprietários de pequeno negócio do

circuito inferior

10

Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e

serviços do circuito superior (com Carteira de Trabalho

assinada)

3

Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira de

Trabalho assinada)

12

Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de

Trabalho assinada)

10

Trabalhadores que vivem de bicos em diversas

atividades

11

Funcionários públicos 2

Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho

assinada)

2

Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho

assinada)

6

Pedinte de rua 1

Desempregado 6

Donas de casa 3

Total 66

Fonte: trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Somente 3 (três) delas disseram que os chefes de famílias trabalham em atividades que

constatamos pertencer ao circuito superior da economia urbana palmarino. Tudo isso, somada

à falência da Usina Lajinha, decretada em 2012, conferem um papel importantíssimo aos

pequenos negócios na geração de ocupação e renda. Sem sombra de dúvidas, essa é uma das

cidades da Região Canavieira de Alagoas, depois de Maceió, em que o circuito inferior mais

vem crescendo.

Em 2007, tínhamos um total de 651 Micro e Pequenas Empresas – MPE’s em União

dos Palmares, número que em 2015 era de 2.504, ou seja, houve um aumento de quase quatro

vezes. A maior parte dessas empresas é do ramo do comércio varejista de vestuário e

acessórios (13%), do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de

produtos alimentícios (10%), e do comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e

fumo (9%). Verificamos uma distribuição semelhante no caso dos Micro – Empreendedores

Individuais – MEI’s. Em 2010 existiam 204 MEI’s nessa cidade, enquanto que em 2015 já

eram 1.332, sendo 14% do comércio varejista de vestuário e acessórios, 10% do comércio

varejista de mercadorias em geral com predominância de produtos alimentícios e 8% do

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comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e fumo (BRASIL, 2016a)85. Em ambos

os casos (com exceção dos serviços de cabeleireiro, manicure e pedicure que no caso dos

MEI’s ocupam a segunda posição) trata-se das maiores porcentagens entre os diversos ramos

dos pequenos negócios formalizados.

Os pequenos negócios em União dos Palmares concentram-se principalmente em duas

áreas: no centro e nas principais ruas do Bairro Roberto Correia de Araújo, periferia da

cidade.

Do total de 47 (quarenta e sete) proprietários de pequenos negócios que responderam

aos nossos questionários na área central, 45% começaram o trabalho por conta do

desemprego, 19% para complementar a renda, 6% pela vontade de ter o próprio negócio e o

restante relatou outros motivos. Justificando a escolha do tipo e do ramo da atividade, esses

trabalhadores apontaram principalmente o aumento da demanda na cidade (34%), o

conhecimento prévio que eles já tinham sobre como desenvolver o trabalho (28%), a

indicação de amigos ou parentes (15%), a maior facilidade de entrada por conta da menor

exigência de capital (2%) e a possibilidade de trabalhar na própria residência (2%) (o restante

apresentou outras justificativas). A grande maioria deles deu início ao trabalho com capital

próprio (62%), sendo a porcentagem dos que obtiveram empréstimo bancário para isso (13%)

muito próxima da dos que começaram sem capital algum (11%). Além dos 5% que não

informaram, o restante obteve empréstimos com pessoas de confiança.

Já na periferia da cidade pesquisamos um total de 35 (trinta e cinco) negócios, dos

quais 54% tiveram início devido ao desemprego, 29% para complementar a renda, 9% pela

vontade de ter o próprio negócio e o restante por outras razões. Nesse caso, o conhecimento

prévio do ramo foi apontado como justificativa por 51% dos trabalhadores para escolha do

trabalho, seguido pelo aumento da demanda na cidade (17%) e pela maior facilidade de

entrada em termos de exigência de capital (6%). O restante citou outros motivos. Nessa área

da cidade 69% dos negócios foram iniciados com capital próprio, enquanto que o empréstimo

bancário foi usado em 13% dos casos. A porcentagem dos que conseguiram empréstimo com

alguém de confiança foi igual à dos que começaram sem nenhum capital (9%).

Nas duas situações a escolaridade dos trabalhadores mostrou-se um pouco mais

elevada do que em Porto Calvo, e do total de 82 (oitenta e duas) atividades pesquisadas ficou

assim distribuída: 6% de analfabetos, 40% com nível fundamental incompleto, 2% com

ensino fundamental concluído, 9% apresentaram o grau médio incompleto, 29% concluíram o

85 Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.

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ensino médio, 4% estavam cursando o ensino superior e 10% já haviam terminado um curso

de nível superior. Esses dados indicam que, hoje em dia, é cada vez mais nesse subsistema

econômico que tanto os trabalhadores analfabetos, ou apenas com a educação básica

concluída, como uma parte importante da mão de obra qualificada de União dos Palmares tem

encontrado ocupação e renda. Isso ocorre porque no circuito inferior a educação formal não é

utilizada como um fator de exclusão ou inclusão do trabalhador. Daí que as ameaças de

instrumentalização da educação estejam muito mais distantes do que no caso do circuito

superior.

Sendo, ao mesmo tempo, causa e consequência da pobreza, a existência de grandes

áreas periféricas em União dos Palmares passou a revelar cada vez mais a sua importância

para a reprodução dos pequenos negócios. Se na área central 69% dos trabalhadores que têm

despesa com aluguel pelo uso do local onde desenvolvem a atividade pagam até R$ 500,00,

essa porcentagem chega a 86% no Bairro Roberto Correia de Araújo. Sem falar que neste

Bairro periférico 29% dos negócios funcionam na própria residência, porcentagem que é de

apenas 11% no caso do centro. Devido à valorização do centro pelo avanço do circuito

superior, observamos que em certas ruas tem restado às atividades pouco capitalizadas a

possibilidade de uso das calçadas (17% no caso do centro, contra 6% na periferia), ou mesmo

de atuar como vendedor móvel, como é o caso de um comerciante de balas, doces e pipocas

que encontramos que vai atrás dos beneficiários do PBF dentro da própria Casa Lotérica.

Foto 8 – Uso da calçada por barracas e carrinhos do circuito inferior no centro de União dos Palmares

Foto 9 – Venda de produtos de bomboniere em uma Casa Lotérica do centro de União dos Palmares

Fonte: trabalho de campo (2016)

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Nas duas situações a convivência “pacífica” com elementos do circuito superior da

economia urbana é assegurada por certa flexibilidade das normas públicas municipais, que

não impõem restrições à atuação dos agentes do circuito inferior. Também em ambas exige-se

dos trabalhadores jornadas diárias mais longas e mais duras: por exemplo, percorrer todo dia

cerca de 7 km a pé empurrando um carrinho com os equipamentos e produtos de trabalho da

residência até o centro, e vice-versa, ou ficar o dia inteiro andando pelas ruas do centro em

busca de clientes.

Foi no ramo de comercialização de vestuário que verificamos maiores possibilidades

de os pequenos negócios se instalarem na área central de União dos Palmares, assim como de

atraírem a maior parte do consumo das beneficiárias do PBF. Aqui o circuito inferior oferece

deveras o menor preço. Constatamos que o Bolsa Família vem condicionando uma mudança

importante nos comércios desse ramo na Região Canavieira, que toma grandes proporções em

União dos Palmares: trata-se da instalação das lojinhas de preço único, as chamadas “lojinhas

de R$5,00 e de R$ 10,00”. Se em Porto Calvo detectamos a existência de 2 (duas) lojas desse

tipo, e um total de 3 (três) em São Miguel dos Campos, em União dos Palmares

contabilizamos uma dezena delas, sendo 9 (nove) na área central e 1 (uma) na periferia da

cidade instalada ao lado da Casa Lotérica justamente para atrair as beneficiárias do PBF.

Fotos 10 e 11 – Lojinhas de preço único no centro de União dos Palmares

Fonte: trabalho de campo (2016)

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A proprietária de uma dessas lojinhas que respondeu aos nossos questionários paga

R$1.000,00 de aluguel e ainda assim consegue obter lucro. Para iniciar o negócio foi

necessária a quantia de R$ 8.000,00, gastos quase totalmente em peças de vestuários

compradas na cidade de Caruaru (PE). Ela explicou que embora as peças sejam vendidas por

um preço baixo, fazendo com que o lucro obtido em cada peça seja pequeno, o que importa é

o volume total das vendas, assim como o fato de praticamente toda clientela, constituída

majoritariamente por beneficiárias do PBF, pagar à vista. É um mercado cativo, pois como

essa proprietária afirmou, quase sempre as clientes que recebem Bolsa Família afirmam: “se

não fosse o Bolsa Família e essas lojinhas eu não sei como ia vestir meus filhos”.

De vários pontos de vistas essa realidade revela-nos mudanças importantes na

dinâmica das atividades de comercialização de vestuário inseridas no circuito inferior da

economia urbana de União dos Palmares, bem como das demais cidades da Região Canavieira

de Alagoas. Da venda fiado nas feiras-livres da cidade, ou mesmo no comércio que se

realizava na Usina Lajinha até o início dos anos 2000 (sobretudo para receber de acordo com

o calendário de pagamento desta empresa e da Previdência Social), à venda à vista nas

lojinhas de preço único, principalmente nos dias de pagamento do PBF, as transformações são

vistas não somente na localização e nas formas de uso do espaço urbano, mas também na

equação de lucro desses agentes e na relação com a clientela. No primeiro caso o lucro era

elevado por unidade e pequeno no conjunto (SANTOS, 2008 [1975], pp. 244-248), devido ao

pequeno número de clientes para cada vendedor; enquanto no segundo caso o lucro é obtido

por uma equação inversa, embora globalmente seja também pequeno, mesmo porque

aumentam as despesas fixas e o número de vendedores, inicialmente reduzido, tende a

crescer. Essas formas convivem, ainda, com lojas do circuito superior surgidas na própria

cidade, que disponibilizando formas próprias de crediário à população pobre disputam pelo

mesmo mercado. Dessa maneira, é muito difícil compreender a renovação das relações do

agreste pernambucano com os circuitos da economia urbana palmarinos sem considerarmos o

papel do acontecer político-institucional na reprodução do Espaço Dividido.

Foi na comercialização de fardamento escolar que constatamos maiores possibilidades

de os negócios do circuito inferior tecerem relações horizontais com a população pobre sem

grandes perturbações do circuito superior, pois aí geralmente os próprios trabalhadores do

circuito inferior, a partir dos insumos comprados em Caruaru (PE), produzem e vendem o

fardamento. Além de três negócios individuais que contabilizamos (sendo 2 na área central e

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1 na periferia da cidade), e da Organização Mirim86 que também produz e comercializa

fardamentos escolares, verificamos que essa atividade passou a ser desenvolvida

principalmente pela Associação de Costureiras de União dos Palmares – ACUP. Criada em

2009 a partir de uma parceria entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresa – SEBRAE, que viabilizou a doação das máquinas de costuras, e a prefeitura de

União dos Palmares, que cedeu um prédio no centro da cidade com todas as despesas pagas,

essa Associação reuniu costureiras que já trabalhavam no ramo dispersas pelas periferias da

cidade, abrindo maiores possibilidades de mercado para essas trabalhadoras. Vale lembrar,

todavia, que mesmo nesse caso a capacidade do PBF em dinamizar a produção no circuito

inferior é limitada, uma vez que as compras de fardamento escolar por parte das beneficiárias

são esporádicas, geralmente concentradas nos meses iniciais de cada ano.

São, sobretudo, os comércios de produtos de mercearia básica do circuito inferior que

se pulverizam no espaço urbano, mas aqui as relações com a clientela sofrem bastante

interferências do circuito superior, principalmente pela necessidade de se abastecer neste

circuito. As cidades de procedência das mercadorias e insumos podem ser vistas no mapa a

seguir. Destacam-se as cidades de União dos Palmares, Maceió e Arapiraca no fornecimento

de produtos alimentícios, enquanto o Agreste de Pernambuco fornece especialmente as peças

de vestuário.

86 A Organização Mirim é uma instituição filantrópica de União dos Palmares que atende crianças em situação

de rua. Para completar seu orçamento, promove várias atividades econômicas, como fabricação de móveis,

sovertes e fardamentos. Informações disponível no site da instituição, no link:

http://organizacaomirim.com.br/index.html Acesso em abril de 2017.

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Mapa 76 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central

(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapa 77 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica

(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Se 74% dos negócios pesquisados, tanto no centro como na periferia, vendem fiado

aos clientes, quando se trata de se abastecer somente 11% compram alguma mercadoria ou

insumo para pagar na confiança. Para o abastecimento predominam as compras à vista (73%)

e no boleto bancário (21%), sendo o uso do cartão de crédito (11%) geralmente restrito às

compras realizadas pela internet a vendedores de estados mais distantes. Já a utilização do

cheque mostrou-se inexpressiva (1%). Em um contexto em que a ocupação e o rendimento

nas usinas têm se tornado bastante instáveis, é cada vez mais o PBF que assegura que as

populações mais pobres paguem suas dívidas aos comércios do circuito inferior, e que estes

continuem se abastecendo. Uma beneficiária do Bolsa Família relatou:

Beneficiária: Porque eu tenho duas filhas que recebe Bolsa Família né, os

maridos delas trabalha mas quando vem receber num tem graça, nas usinas,

tem vez que não tem nada pros meninos comer às vez ela recebe já faz umas

comprinhas. Oxe, é uma felicidade. Trabalha mas a usina atrasa né, triste

dela se não fosse essa Bolsa Escola.

Pesquisador: Qual é a usina?

Beneficiária: Eles trabalha na Utinga [município de Rio Largo]. [...] Aí

pronto, as coitadas... a minha filha que mora nos Frios, quando atrasa ela tem

ali um supermercado, que ela conhece a menina do supermercado, aí ela já

faz umas comprinhas fiado, quando ela recebe Bolsa Família ela paga. Oia,

tem vez que passa mais de 15 dias sem meu genro receber, é coisa séria, e os

meninos só não passa fome porque essa Bolsa Escola ajuda (M. S., 57 anos.

Entrevista concedida em julho de 2016).

Desde 2016, porém, à essa instabilidade vem somar-se uma grande incerteza quanto ao

recebimento do Bolsa Família, agora não mais em virtude de problemas nos sistemas técnicos

que operacionalizavam o Programa, como ocorria até 2007 (COHN, 2012), mas, ao contrário,

em função do pleno funcionamento de tais sistemas87. Sobre isso, outra beneficiária

confessou:

Eu vou lhe dizer uma coisa: oie, quando eu vou receber o Bolsa Família eu

digo “meu Deus, tomara que meu dinheirinho teje lá”. Porque oie cortando

essa Bolsa Família minha que eu tiro hoje é mesmo que cortar minha duas

mãos, porque me ajuda muito, me ajuda num papel de água, num papel de

energia, comprar um caderno pros meninos, comprar uma roupa, um

87 No segundo semestre de 2016, sob o Governo de Michel Temer, o ministério gestor do PBF iniciou um

processo de cruzamento dos dados do CAD.ÚNICO com seis bases de dados do Governo Federal (Relação

Anual de Informações Sociais - RAIS; Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED; Sistema de

Controle de Óbitos - SISOBI; Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; Sistema Integrado de Administração

de Recursos Humanos - SIAPE; e Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ) com base no discurso de que

há irregularidades no Programa e de que é necessário maior controle dos recursos. 469 mil benefícios foram

cancelados (11.482 em Alagoas) e outros 654 mil bloqueados (19.246 em Alagoas) (site do Ministério de

Desenvolvimento Social e Agrário). O cruzamento com essas bases de dados passou a ser mensal, além de

tornar-se uma exigência para o ingresso de cada novo beneficiário no Bolsa Família. Sistemas técnicos são

mobilizados, discursos são construídos para cancelar um benefício de uma família porque esta, por exemplo,

aufere durante poucos meses do ano R$ 5,00 ou R$ 10,00 a mais do que o permitido para ingresso no Programa.

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calçado, entendeu? E assim vai levando a vida. Porque eu tiro R$134,00,

mas me ajuda muito, eu não vou mentir, me ajuda muito mesmo, aí é assim

(C. A. S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Dessa forma, as várias contradições que permeiam a construção do acontecer político-

institucional no Brasil, da “cidadania concedida” (SALES, 1992) ao “paradigma

administrativo” (1998), são sintetizadas na trajetória do Bolsa Família na busca por se tornar

um direito. Pode o PBF ser considerado uma garantia do Estado, ou é uma política temporária

para que os pobres alcancem o circuito superior?

Pra mim tem duas respostas: seria bom se fosse pra sempre né, continuasse

sempre, e o temporário depende da cabeça deles lá né, dos grandãos né, que

ninguém num sabe da consciência deles, mas se fosse pra sempre seria bom

sim. Mas ninguém num sabe o pensamento de ninguém né, pra eles se disser

assim “vou cortar hoje”, corta e acabou né. Quem somos nós pra mudar?

Uma andorinha só não faz verão né (N. S., 28 anos. Entrevista concedida em

julho de 2016).

Esse processo vem contribuindo para que ora as populações pobres se endividem cada

vez mais com os comércios do circuito inferior, ora para que estes percam parte importante de

sua clientela, isso quando as duas coisas não ocorrem ao mesmo tempo. Se os proprietários

dos mercadinhos só podem vender “aquele tantinho” que as beneficiárias podem pagar

mensalmente e, por outro lado, não é possível confiar no recebimento do Bolsa Família, “[...]

por que comprar fiado se no Todo Dia é mais barato”? (C. A. S., 39 anos. Entrevista

concedida em julho de 2016). Nos dois casos a instabilidade do PBF vem juntar-se à ação do

circuito superior para perturbar ainda mais a coerência das relações socioeconômicas que se

desenrolam no seio do circuito inferior.

5.2.3. A atuação do circuito superior no centro e na periferia de São Miguel dos Campos e a

expansão subordinada do circuito inferior

Mesmo em São Miguel dos Campos, onde o número de usinas é maior do que nos

outros dois municípios que vimos analisando88, nossos trabalhos de campo revelaram que a

grande maioria das famílias beneficiárias do PBF sobrevive de atividades do circuito inferior

da economia urbana.

88 Em 2014 começou a funcionar em São Miguel dos Campos uma fábrica da empresa GranBio, a primeira no

Brasil destinada à produção de etanol a partir da palha e do bagaço da cana em escala comercial. Para instalação

da indústria foram obtidos R$ 300 milhões em financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social –

BNDES, que participa como sócio com 15% das ações através do BNDESPar. Informações disponíveis em:

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,granbio-inicia-producao-de-etanol-2g-imp-,1565785 Acesso em

outubro de 2016.

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Tabela 34 – São Miguel dos Campos: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do

PBF pesquisadas (2015)

Trabalho Total

Trabalhadores/proprietários de pequenos negócios do

circuito inferior

10

Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e

serviços do circuito superior (com Carteira de

Trabalho assinada)

1

Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira

de Trabalho assinada)

9

Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de

Trabalho assinada)

8

Trabalhadores que vivem de bicos em diversas

atividades

3

Contratados da prefeitura 3

Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho

assinada)

6

Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho

assinada)

0

Pedinte de rua 0

Desempregado 4

Donas de casa 6

Não informou 0

Total 50

Fonte: trabalho de campo (2015-2016)

Organização: Fernando Silva (2017)

Desde 2013, com a demissão de quase todos os trabalhadores da Usina Roçadinho89,

assim como de várias outras usinas do entorno de São Miguel dos Campos, a importância do

circuito inferior na geração de trabalho e renda vem se acentuando ainda mais: 24% das

beneficiárias nos informaram que os chefes de famílias trabalhavam anteriormente em usinas,

porcentagem que atualmente, de acordo com a tabela acima, caiu para 12%. A realidade dos

dois circuitos da economia urbana em São Miguel dos Campos no século XXI mostra-nos,

mais do que em Porto Calvo e União dos Palmares, como o PBF vem juntar-se aos

condicionamentos trazidos pelas usinas para a dinâmica do trabalho e do consumo das

famílias mais pobres.

Vejamos no quadro 21 como se distribui o consumo das beneficiárias do PBF de

acordo com o circuito da economia urbana.

89 Ver reportagem: “Usina Roçadinho demite mais de 300 funcionários”. Disponível em:

http://www.alagoasweb.com/noticia/28653-usina-rocadinho-demite-mais-de-300-funcionarios Acesso em

outubro de 2016.

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Quadro 21: Consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da

economia urbana de São Miguel dos Campos – AL (2015)

Consumo de alimentação

Onde compra* % que compra

no comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércio do circuito superior

pertencente a redes

19% Menor preço 100%

Comércios do circuito superior

independentes 59%

Menor preço 74%

Existência de crediário próprio

do estabelecimento

13%

Proximidade da residência 13%

Comércios do circuito inferior 22%

Menor preço 17%

Compra fiado 50%

Proximidade da residência 17%

Não informou 17%

Material escolar

Onde compra** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior

independentes

56% Menor preço 100%

Comércios do circuito inferior 44%

Menor preço 75%

Compra fiado 13%

Não informou 13%

Vestuário

Onde compra*** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito inferior 100% Menor preço 83%

Compra fiado 17%

Gás

Onde compra**** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércio do circuito superior vinculado

a grande distribuidores

100% Existência de crediário próprio

do estabelecimento

100%

Remédios

Onde compra***** % que compra

no comércio

Motivo % que alegou

o motivo

Comércios do circuito superior

vinculados a redes (franquias)

67% Menor preço 100%

Comércio do circuito superior

independentes

33% Compra fiado 100%

*27 beneficiárias, do total de 30 que usam o dinheiro para comprar alimentação, disseram onde compram

**18 beneficiárias, do total de 32 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram

***12 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram

****4 beneficiárias, do total de 11 que usam o dinheiro para compra de remédios, disseram onde compram

*****3 beneficiária, do total de 5 que usam o dinheiro para compra do gás, disseram onde compram

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

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Embora as atividades comerciais pertencentes a grandes redes que atuam na cidade

localizem-se principalmente na área central, existem comércios do circuito superior surgidos

na própria cidade que estão presentes também nas áreas periféricas, notadamente na

conhecida “Avenida do Luizinho”, que corta o Bairro de Fátima e o Bairro Hélio Jatobá.

Conforme o quadro, a porcentagem de beneficiárias que disse comprar alimentação em

comércios do circuito superior em virtude da maior proximidade do estabelecimento em

relação à sua residência (13%) foi praticamente igual à que afirmou gastar em comércios do

circuito inferior pela mesma razão (17%). Veremos que o circuito superior não apenas

abocanha uma parte do mercado do circuito inferior, como também condiciona a localização

dos pequenos negócios no espaço urbano.

Os dados sobre as atividades formalizadas como MPEs e MEI, embora não abarquem

todo o subsistema econômico mobilizado pelos pobres em São Miguel dos Campos (somente

31% das atividades pesquisados na área central e 20% na periferia estavam formalizados),

podem fornecer-nos indícios sobre como o circuito inferior busca atuar na demanda criada

pelo PBF. Em 2007, tínhamos 549 MPEs nessa cidade, número que chegou a 2.303 em 2015

(BRASIL, 2016a). As três maiores porcentagens deste total eram do ramo do comércio

varejista de vestuário e acessórios (10%), do comércio varejista de produtos alimentícios,

bebidas e fumo (8%) e do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de

produtos alimentícios (7%). Depois dessas, apenas as MPE’s que oferecem serviços de

cabeleireiro, manicure e pedicure chegam a uma porcentagem próxima (6%). Quanto ao total

de MEI’s, em 2010, ano para o qual temos os primeiros dados, eram 82, enquanto em 2015 já

tínhamos 1.213. Neste caso, depois do ramo do comércio varejista de vestuário e acessórios

(14%), vem o de cabeleireiro, manicure e pedicure (13%), de forma que os Micro

Empreendedores Individuais do ramo de comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas

e fumo (11%) e do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de

produtos alimentícios (6%) ocupam, respectivamente, o terceiro e o quarto lugares90.

Dos 35 (trinta e cinco) proprietários de pequenos negócios que responderam aos

nossos questionários no centro da cidade, 66% deles iniciaram o trabalho por conta de

desemprego, 14% para complementar a renda, 3% para ter o próprio negócio e o restante

(17%) relatou outras razões. No que se refere à escolha do tipo e do ramo da atividade, 26%

justificaram pela maior facilidade de entrada em termos de exigência de capital, 23%

afirmaram já dispor do conhecimento prévio necessário ao trabalho, 14% citaram o aumento

90 Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.

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da demanda na cidade, 9% receberam indicação de amigos e parentes e os 29% restantes

apresentaram outros motivos. A grande maioria começou com capital próprio (93%), somente

3% fizeram empréstimo bancário, mesma porcentagem que iniciou com empréstimos de

amigos ou parentes e sem capital algum.

Na periferia da cidade pesquisamos um total de 15 (quinze) negócios. Os

trabalhadores destes informaram ter começado a atividade principalmente em virtude do

desemprego (60%) e da necessidade de complementar a renda (13%), enquanto o restante

apresentou outros motivos (27%). Para a escolha do ramo a indicação de amigos e parentes

apareceu em primeiro lugar (27%), seguida da existência de conhecimento prévio sobre como

desenvolver o trabalho (20%). O aumento da demanda na cidade (7%) e a maior facilidade de

entrada em termos de exigência de capital (7%) apareceram nas últimas posições, enquanto o

restante relatou outras razões. É importante frisar que embora os trabalhadores destacassem só

uma dessas justificativas, percebemos durante as conversas que, muitas vezes, duas ou mais

se misturavam, revelando-nos a grande adaptabilidade do circuito inferior ao território e à

sociedade miguelenses. Sobre a origem das atividades, 73% desses negócios foram iniciados

com capital próprio, geralmente bastante reduzido, 13% começaram com empréstimo

bancário e o restante com empréstimo a pessoas de confiança.

Em comparação com Porto Calvo e União dos Palmares, verificamos em São Miguel

dos Campos maior dificuldade econômica de as atividades do circuito inferior se instalarem,

isto em função dos altos valores do aluguel de um ponto em certas ruas. No centro, embora

70% dos 10 trabalhadores que têm despesas com locação de imóvel paguem aluguéis entre R$

200,00 e R$ 500,00, para 20% esse valor é de mais de R$ 2.000,00. Já na Avenida do

Luizinho, ainda que 80% (5 disseram que têm despesas com locação do ponto) paguem menos

de R$ 500,00, não encontramos nenhum aluguel com um valor menor que R$ 200,00 (na

periferia de União dos Palmares 29% estavam abaixo desse valor).

Por isso, o uso das calçadas pelos agentes do circuito inferior tem se generalizado. No

centro, 34% das atividades funcionam nas calçadas, e mesmo na periferia, onde a utilização

da própria residência para o trabalho é comum (27%, contra 6% no centro), a instalação de

uma barraca ou de um carrinho se tornou a única possibilidade para 20% dos negócios

pesquisados funcionarem. Assim, a própria distribuição dos estabelecimentos do circuito

superior pelo espaço urbano, mediada pelo mercado imobiliário local, termina subordinando a

localização das atividades do circuito inferior. Trata-se de uma rigidez econômica, que o

circuito inferior somente pode contornar por certa flexibilidade das normas públicas.

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Foto 12 – Carrinho do circuito inferior na periferia de São Miguel dos Campos

Foto 13 – Supermercado do circuito superior na periferia de São Miguel dos Campos91

Fonte: trabalho de campo (2016)

No centro, essa subordinação é acentuada pela presença de um circuito superior

forâneo, que passou a atuar na cidade com o apoio direto do poder público municipal. Além

de uma loja da rede de Farmácias do Trabalhador do Brasil, que abocanha parte importante

dos gastos das beneficiárias com remédios, existe dois estabelecimentos da rede de

supermercados UniCompra, ambos localizados na área central. Essa rede, de origem na cidade

de Arapiraca na década de 1970, vem conhecendo, no século atual, um processo de expansão

considerável na Região Canavieira de Alagoas. Em 2011, foi inaugurada em São Miguel dos

Campos uma das maiores lojas dos supermercados UniCompra, sendo que sua instalação só

foi possível porque a Prefeitura Municipal doou o terreno onde foi construído o prédio. O

discurso utilizado para justificar essa doação se apoiou no número de empregos que seriam

gerados, em torno de 200 (duzentos) postos diretos de trabalho92.

Buscando fidelizar sua clientela, essa empresa oferece à população um cartão de

crédito próprio, o Cartão UniCompra, que só pode ser utilizado em suas lojas. Dessa forma,

mesmo os pequenos negócios pesquisados no centro que aceitam pagamento através de cartão

de crédito (11%) não podem se aproveitar do instrumento financeiro criado pelo UniCompra.

Não se trata de desconsiderar o número de empregos criados pela construção desse comércio,

91 É importante destacar que nos bairros periféricos de São Miguel dos Campos, assim como ocorre em União

dos Palmares e Porto Calvo, as igrejas evangélicas aparecem como um das principais estruturas sociais

orientadoras da ação, tendo grande importância no condicionamento das formas de consumo dos mais pobres.

Essa realidade faz lembrar a explicação de Alain Touraine (1998, p. 67) sobre as possibilidades de expansão da

ação instrumental sob o capitalismo: “é porque tal racionalidade não é mais objetiva, substancial, mas formal,

instrumental, e portanto se situa no plano dos meios e não mais dos fins, que ela pode se combinar com

finalidades culturais ou psicológicas em cada ator individual. Não se pode ser ao mesmo tempo cristão e ateu ou

muçulmano, mas nada impede ser ao mesmo tempo especialista em informática ou vendedor e cristão,

muçulmano ou ateu”. 92 Ver reportagem: “Prefeita Rosiane Santos visita obras do novo hipermercado Unicompras”. Disponível em:

http://www.saomiguelweb.com.br/noticia/9116-prefeita-rosiane-santos-visita-obras-do-novo-hipermercado-

unicompras Acesso em outubro de 2016.

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mas de avaliar até que ponto tais empregos compensam as consequências negativas derivadas

de sua instalação e funcionamento para a economia urbana como um todo. Além de a

valorização dos aluguéis no entorno dificultar a instalação dos pequenos negócios em um

ponto fixo, a oferta desburocratizada de crédito denuncia o interesse dessa empresa pelo

potencial de consumo das populações mais pobres de São Miguel dos Campos.

Quando analisamos as formas de abastecimento dos pequenos negócios, observamos

que o ônus com o qual os pobres têm de arcar não para por aí. Vejamos a procedência das

mercadorias e insumos para o circuito inferior da economia urbana de São Miguel dos

Campos nos mapas 78 e 79:

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Mapa 78 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central

(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Mapa 79 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos

trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica

(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Em comparação a Porto Calvo e União dos Palmares, o mais notável aqui é a maior

participação da cidade de Arapiraca - AL. Essas mercadorias e insumos são comprados

principalmente à vista (70%) e no boleto bancário (16%), sendo os usos do fiado (14%) e do

cartão de crédito (8%) mais comuns nos casos das atividades que trabalham com

pequeníssimos estoques. Mas, quando se trata da venda ao cliente final, a realidade é bem

diferente: 54% vendem fiado. Assim, com exceção das atividades de comercialização de

peças de vestuário em geral e de fardamento escolar93 em que a necessidade de se abastecer

no circuito superior é bem menor, os trabalhadores do circuito inferior acabam ficando com o

trabalho pesado e com os riscos de inadimplência.

Desde 2016, além da incerteza com relação ao emprego e ao salário nas usinas, o

próprio recebimento do PBF tem se tornado instável para os mais empobrecidos da Região.

Se a ação instrumental é tomada como parâmetro para a política, ou melhor, se o acontecer

político-institucional se assemelha cada vez mais ao acontecer hierárquico, a quem as

populações pobres podem recorrer? Uma beneficiária do Bairro Hélio Jatobá que vem tendo

problemas constantes em relação ao recebimento do benefício relatou-nos:

Quando eu cheguei na Secretaria [de Assistência Social] que a moça disse

“venha daqui a três meses”, menino eu botei as duas mão na cabeça e se

ajoelhei no pé da minha cama e disse “meu Deus, o que será desses

meninos?”, porque uma quando chega do colégio diz “mamãe a tia tá

pedindo isso”, o outro chega do colégio diz “mainha tem trabalho pra fazer,

precisa de dinheiro”, eu digo “pronto meu Deus, o que será de mim com

esses meninos. Aí parece que Deus é tão bom que, eu nem me lembro

quando foi, sei que foi dia de sexta feira a carta [com um novo benefício do

Bolsa Família] bateu na minha casa (J. S., 34 anos. Entrevista concedida em

julho de 2016).

Hoje em dia torna-se cada vez mais nítido que o circuito superior da economia não

somente distorce a criação de ocupação e renda nas cidades, mas também, ao ser tratado pelo

Estado como referência para a ação social e formas de fazer desejáveis para a sociedade, às

quais todas as populações e lugares devem se adequar (por força ou por hegemonia), impede a

garantia de direitos sociais para todas as pessoas. Isso fica mais evidente quando analisamos

sob o prisma do “Espaço Dividido” as condicionalidades do Bolsa Família, assunto do

próximo item.

93 Em São Miguel dos Campos constatamos que é principalmente na Associação das Artesãs da Usina

Roçadinho – COMEIA que os fardamentos escolares são produzidos. Criada em 2003, a Associação tem esse

nome porque surgiu na Usina Roçadinho, mas atualmente funciona em um prédio na Avenida do Luizinho, no

Bairro Hélio Jatobá. Reúne 15 costureiras, e todas máquinas foram doadas pela prefeitura municipal de São

Miguel dos Campos.

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5.3. As contradições das condicionalidades do Programa Bolsa Família na perspectiva do

Espaço Dividido

As chamadas condicionalidades do PBF, conforme mencionamos no decorrer do

capítulo 4, são exigências ou contrapartidas que as famílias beneficiárias devem cumprir para

permanecer recebendo as transferências. Inspirando-nos, sobretudo, nas principais discussões

sobre o tema e nas situações de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos,

iremos defender que as condicionalidades revelam como a valorização de sistemas de objetos

e ações externos impede a garantia de direitos sociais para todas as populações em seus

lugares, contribuindo assim para perpetuar a existência dos dois circuitos da economia urbana.

Na área de educação, exige-se das crianças e adolescentes de 6 a 15 anos frequência

escolar mínima de 85%94, frequência que é de 75% para os adolescentes de 16 e 17 anos

(estes, desde 2008, recebem um benefício específico, o Benefício Variável Vinculado ao

Adolescente – BVJ). Já com relação à saúde, as gestantes e nutrizes se comprometem a

comparecer às consultas de pré-natal e/ou participar de atividades educativas sobre

alimentação e saúde das crianças; enquanto as crianças menores de 7 anos devem cumprir o

calendário de vacinação e estarem presentes nas atividades de crescimento e desenvolvimento

infantil. Desde 2005, com a integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –

PETI ao PBF (Portaria GM/ MDS nº 666, de 2005), há também condicionalidades na área de

assistência social para as crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retiradas de

trabalho infantil: estes devem ter frequência mínima de 85% nos serviços socioeducativos e

de convivência (Portaria GM/MDS Nº 321, de 2008)95.

Dentre todas as condicionalidades, a de educação constitui, sem sombra de dúvidas, a

principal delas, não somente pelo papel que desempenhou no processo de transformação das

propostas de transferência de renda em acontecer solidário no Brasil, mas também pela grande

quantidade de estudantes que passaram a ter a frequência escolar acompanhada. Em maio de

2010, por exemplo, um total de 14.292.345 crianças e adolescentes em todo o Brasil

cumpriram as condicionalidades de educação, aproximadamente 36% de toda a população

94 Amélia Cohn (2012, p. 23) relata que essa porcentagem foi uma herança do Bolsa Escola: “[...] no caso da

condicionalidade vinculada à educação, acabou por persistir, no Bolsa Família, uma aberração proveniente do

programa Bolsa Escola, que era a exigência de 85% da frequência escolar das crianças e adolescentes, enquanto

a legislação específica do MEC a respeito exige somente 75% de frequência para a aprovação do aluno.

Indagava-se por que filhos de famílias beneficiárias do Bolsa teriam obrigação de uma frequência escolar maior.

No entanto, acabou prevalecendo a permanência das regras anteriores”.

95 É importante lembrar que os beneficiários do PBF que somente recebem o benefício básico, destinado para

todas as famílias que se encontram na chamada situação de “extrema pobreza” (com renda per capita de até R$

85,00 mensal), não precisam cumprir nenhuma condicionalidade.

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entre 6 e 17 (IBGE, 2010). Para a Região Nordeste essa porcentagem chegou a 55%.

Trazemos os dados para Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos na tabela

35. Vemos que União dos Palmares se destaca novamente: quase 80% de toda a população

total entre 6 e 17 anos teve a frequência escolar acompanhada.

Tabela 35 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: % de crianças e adolescentes

de 6 a 17 anos que tiveram frequência escolar acompanhada pelo Programa Bolsa Família sobre a

população total da mesma idade (2010)

Município Total de crianças e

adolescentes

Crianças e adolescentes

acompanhados na frequência

escolar*

% de crianças e adolescentes

acompanhados sobre o total

Porto Calvo 6.725 4.327 64%

União dos

Palmares

15.425 12.141 79%

São Miguel dos

Campos

12.520 6.034 48%

* Maio de 2010

Fonte: BRASIL (2010) e Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família, site do MDS

Organização: Fernando Silva (2016)

O acompanhamento das condicionalidades é feito pelos municípios, sendo um dos

elementos avaliados para a transferência de recursos do Governo Federal para os entes

municipais através do IGD. Este índice, além de levar em conta o número de cadastros válidos

e o percentual de cadastros atualizados pelo menos a cada dois anos, baseia-se também no

número de crianças e adolescentes com informações sobre o acompanhamento da frequência

escolar dentre o total que deve cumprir condicionalidades, bem como no número de famílias

acompanhadas na condicionalidade de saúde dentre o total que deveria ter a saúde

acompanhada. Assim, podemos dizer que as condicionalidades permeiam também todas as

relações inter-federativas construídas no âmbito do PBF.

Além disso,

[...] não há como negar que o fato de o Bolsa Família ser um programa de

transferência condicionada de renda favoreceu o apoio da sociedade a ele,

em que pesem os preconceitos dessa mesma sociedade quanto a qualquer

medida – seja ela um direito ou não – que implique transferência de recursos

para os pobres sem a contrapartida direta e imediata do trabalho (COHN,

2012, p. 30 grifo no original).

Já vimos como as condicionalidades foram utilizadas amplamente como argumento

científico e político para o convencimento de parte da sociedade e da grande mídia sobre a

necessidade de criação de programas de transferência de renda. Tudo isso demonstra que não

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é possível minimizar o papel das condicionalidades na compreensão do PBF enquanto

acontecer solidário, uma vez que se trata de um elemento constitutivo dessa política.

Não se trata aqui de desconsiderar a importância dos estudos a respeito dos impactos

que tem o acompanhamento da saúde e da educação dos mais pobres, pois estes servem tanto

para responder a críticas enviesadas, como para demonstrar como o acesso a bens públicos é

fundamental para reduzir as desigualdades socioespaciais. Porém, a questão que nos parece

central se refere aos limites que as condicionalidades colocam à efetivação do PBF como uma

garantia pública, contribuindo assim para manter subordinada parte sociedade e suas formas

de organização econômicas e espaciais. O Bolsa Família chega a alcançar populações e

lugares que não haviam usufruído plenamente diversos direitos sociais anteriores. Mas, se

para merecer as transferências é necessário cumprir certas exigências (cumprimento no qual

os entes federados devem se empenhar e que, ademais, justifica científica e politicamente o

Programa), como falar de garantia pública?

Maria Ozanira da Silva e Silva e Maria Virgínia Moreira Guilhon (2014, pp. 82-85)

apontam que existem três compreensões principais sobre as condicionalidades no âmbito das

transferências de renda no Brasil. A primeira delas vê as “condicionalidades enquanto acesso

e ampliação de direitos”. Trata-se da compreensão oficial (pelos menos até 2015), na qual as

condicionalidades são vistas como formas de ratificar as obrigações que o Estado tem para

com todos, assim como um “[...] mecanismo que objetiva combater a transmissão

intergeracional da pobreza mediante inversão em capital humano por medidas de educação e

saúde em articulação com o objetivo imediato de alívio da pobreza representado pela

transferência monetária para famílias pobres e extremamente pobres” (p. 83). Já a segunda,

que compreende as “condicionalidades enquanto negação de direitos”, enfatiza as

contradições entre direito e condicionalidades. “O entendimento é de que a um direito não se

deve impor contrapartidas, exigências ou condicionalidades, visto que a titularidade do direito

jamais deve ser condicionada [...]” (p. 84). A obrigação deveria ser somente do Estado, jamais

dos beneficiários. Por fim, existe ainda a versão das “condicionalidades enquanto questão

política e imposição moralista conservadora”, onde a culpa pela pobreza é colocada nos

pobres, daí o “[...] entendimento de que ninguém, principalmente os pobres, pode receber uma

transferência do Estado sem contrapartida direta” (p. 84).

Depois dessas ponderações, as autoras afirmam que compreendem as “[...]

condicionalidades enquanto possibilidades de garantia de direitos sociais básicos, buscando

potencializar impactos positivos sobre a autonomização das famílias atendidas”, mas

consideram que as contrapartidas poderiam ser concebidas “[...] como recomendações às

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famílias beneficiárias do BF e como dever do Estado na proteção social de seus cidadãos e no

oferecimento de serviços sociais básicos, com destaque à educação e à saúde” (SILVA E

SILVA e GUILHON, 2014, p. 85). Trata-se de uma opinião bastante equilibrada sobre o

tema, que considera as várias influências que o PBF recebeu no decorrer de sua formulação e

funcionamento.

De fato, como demonstrou Tereza Cristina Silva Cotta (2009, p. 282), as muitas

divergências em torno das condicionalidades podem ser creditadas à própria maneira como o

PBF foi sendo construído. Amélia Cohn (2012, p. 29) resumiu esse processo do seguinte

modo:

Do ponto de vista da formulação e da concepção do Programa, as

condicionalidades estão vinculadas, de um lado, à possibilidade do

rompimento da reprodução intergeracional da pobreza e da miséria, e de

outro, a se estabelecer um círculo virtuoso entre o Bolsa Família e o acesso a

esses serviços essenciais. Mas elas também estão vinculadas a uma

concepção da necessidade de corresponsabilidade das famílias nesses

processos, partindo-se do pressuposto de que essa “obrigação” condicionada

ao benefício estaria preenchendo uma lacuna – a da existência de um certo

grau de displicência ou “não cuidado” dos pais pobres com relação à saúde e

à educação de seus filhos. Este entendimento sobre a importância das

condicionalidades consistia numa vertente herdada dos programas pré-

existentes – Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. E ele se contrapunha a uma

outra vertente de compreensão da sua função, já mencionada, e que

prevalecia na proposta original do Programa Bolsa Família: de as

condicionalidades se constituírem num traçador para avaliação e

monitoramento da eficiência das demais políticas públicas, e nesse sentido

estarem mais voltadas para as gestões governamentais.

Em ambos os casos as condicionalidades acabam por revelar-nos a especificidade dos

beneficiários do PBF diante da esfera político-institucional da sociedade. A garantia de bens e

recursos por parte do Estado ganha legitimidade a partir da construção de uma justificativa

apresentada à coletividade. A especificidade do PBF é que as condicionalidades entram como

parte dessa justificativa.

Para Milton Santos (2000 [1987], p. 7), “o simples nascer investe o indivíduo de uma

soma inalienável de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. [...] Direito a

um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, à chuva, as intempéries;

direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna”. Com o desenvolvimento

dos Estados nacionais e o posterior avanço dos processos de racionalização na sociedade e no

espaço geográfico, podemos dizer que as lutas sociais buscam garantir esses direitos pelo

simples fato de se fazer parte de uma nação. Para o autor (2000 [1987], p. 19), trata-se do

conteúdo político-territorial da ideia de cidadania. No limite, sem essas garantias nos próprios

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lugares onde as pessoas vivem cotidianamente, “[...] os direitos civis e políticos tornar-se-iam

inócuos” (FONSECA E LEITE, 2009, p. 6).

Não são esses os argumentos por trás da proposta de renda básica de cidadania? Na

opinião de Josué Pereira da Silva (2014, p. 141), para seguir essa proposta

[...] aqueles que querem avaliar o Bolsa Família, ou qualquer outro programa

de transferência de renda, procurando realçar sua dimensão emancipatória,

devem considerar os benefícios distribuídos como direitos de cidadania, cuja

cessão deve estar condicionada apenas à condição de cidadão ou cidadã.

Emancipação aqui deve, portanto, significar o fim das condicionalidades,

não seu reforço.

Mas, segundo Eduardo Suplicy (2008, p. 8), no Brasil a perspectiva da renda básica

encontra fortes objeções, até mesmo dos setores mais progressistas da sociedade. A principal

delas seria a seguinte: “[...] como pagar a renda-mínima a todos, quando o importante é

destiná-la aos que pouco ou nada têm”? O próprio autor confessa que demorou para se

convencer de que a renda incondicional seria a melhor opção de política de transferência de

renda para o Brasil, considerando nossas enormes desigualdades sociais e a necessidade de se

pensar políticas sociais para reduzi-las96.

De certo modo, pensamos que as resistências enfrentadas pela proposta de renda

básica no Brasil são compreensíveis. A defesa do direito à renda se baseia em leituras críticas

sobre as mudanças gerais no rumo do capitalismo nas últimas décadas, leituras inspiradas,

sobretudo, na realidade dos países do centro do capitalismo. No entanto, na formação

sócioespacial brasileira tais mudanças já encontraram um “Espaço Dividido”. Uma proposta

científica de política pública que não considera essa realidade não se efetiva, porque esse

espaço prévio acaba atuando como um condicionante. Em boa medida, a instalação e a rápida

expansão do PBF se devem à busca constante por adaptação desse Programa à realidade do

País. A questão central é se tal adaptação objetiva ou não transformações políticas.

Não é outra a razão pela qual o PBF reascendeu o debate sobre focalização e

universalização em políticas sociais. Se durante os governos de FHC a extrema focalização

96 O autor argumenta: “Será de fato o melhor chegarmos à incondicionalidade e virmos a garantir a toda e

qualquer pessoa o direito a uma renda básica, até mesmo às mais ricas? Sim, pois estas contribuirão para que elas

próprias e todas as demais venham a receber. Desta maneira, eliminaremos enormemente a burocracia envolvida

em se ter que saber quanto cada um ganha, no mercado formal ou informal. Eliminaremos o estigma ou

sentimento de vergonha de alguém precisar dizer “eu só recebo tanto e preciso tal complemento de renda”. Mais

importante, do ponto de vista da dignidade e liberdade do ser humano será muito melhor para cada pessoa saber

previamente que nos próximos doze meses, e daí para frente a cada ano, progressivamente mais com o progresso

do país, ela e cada pessoa na sua família irá ter o direito de receber uma renda modesta, na medida do possível

suficiente para atender suas necessidades vitais” (SUPLICY, 2008 [2004], p. 10).

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dos programas de transferência de renda nos mais pobres expressava a subordinação das

políticas sociais ao ajuste fiscal (SILVA E SILVA, 2001, pp. 12-13; FONSECA, 2001),

podemos verificar em vários aspectos do Bolsa Família a preocupação com a noção de direito

social (BICHIR, 2011, pp. 90-91). Mas sendo este um Programa que continua voltado às

parcelas mais pobres da população, e que ainda objetiva “romper o ciclo inter-geracional da

pobreza”, como justificá-lo a partir da noção de cidadania?

Aqui avulta toda a problemática política do “Espaço Dividido”. Por um lado, fazer

parte da nação não assegura a fruição dos direitos sociais conquistados, mesmo porque do

ponto de vista político-institucional essa nação é seletiva (RIBEIRO, 1997, p. 19). Por outro,

como a pobreza deve ser combatida e eliminada, ser pobre também não constitui condição

legitima para obtenção de garantias específicas. Os pobres devem ser transformados não

somente do ponto de vista econômico, mas também sócio-político e espacial. Isto impede, no

limite, que as formas de fazer e de ser dos mais de 50 milhões de pessoas inseridas no PBF

sejam legitimamente reconhecidas como dignas de direitos. Assim, acreditamos que a própria

forma como o PBF foi direcionado às populações mais pobres dificulta sua efetivação

enquanto direito. Mesmo quando se trata de acentuar o papel do Estado no cumprimento das

condicionalidades, estas expressam como os pobres participam de maneira subordinada da

sociedade nacional.

Para Amélia Cohn (2012, p. 175) as condicionalidades de saúde e de educação

articulam-se de maneira diferente com o Bolsa Família. No caso da saúde, “[...] o benefício

vem complementar as insuficiências ainda presentes no SUS, em particular recursos para a

compra de medicamentos e/ou pagamento de transporte para outro local onde haja o serviço

demandado pela enfermidade”. Já no caso da educação, [...] o benefício significa ter

condições de comprar material escolar, calçado, alimentação, ou mesmo o uniforme exigido

pela escola para que as crianças possam frequentá-la”. Em outras palavras, é o consumo

possibilitado pelas transferências que termina garantindo a permanência das crianças pobres

na escola. Dessa maneira, embora não haja qualquer exigência de as famílias prestarem conta

do gasto do benefício, a contrapartida da frequência escolar acaba tendo um papel

determinante no consumo.

Em interessante pesquisa realizada no interior do estado da Paraíba com crianças

beneficiárias do PBF, Flávia Ferreira Pires (2013) constatou que as mulheres, além de

gastarem com material escolar, reservavam uma parcela das transferências para as próprias

crianças, uma vez que na visão da família os filhos terminavam por assumir certa

responsabilidade na continuidade do benefício. As crianças utilizavam o dinheiro para a

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compra de doces, balas, pipocas etc. Se o benefício pertence à família, se pergunta a autora,

porque as crianças e adolescentes têm prioridade? Para Flávia Pires (2012, pp. 12-13), isto

acontece, em primeiro lugar, porque o PBF é compreendido como sucessor do Bolsa-Escola,

Programa em que as transferências eram destinadas exclusivamente às crianças; em segundo,

em virtude de “[...] o PBF utiliza-se da condicionalidade escolar como forma de garantia do

benefício, o que acaba por enfatizar o papel das crianças e dos adolescentes no recebimento

do dinheiro”.

Em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos observamos que o

dinheiro que as beneficiárias separam para as crianças cria oportunidades importantes para

pequenas atividades do circuito inferior da economia urbana. Trata-se de atividades que são

movimentadas, sobretudo, pelos centavos que as mães dão diariamente aos seus filhos quando

recebem o Bolsa Família, uma verdadeira “economia dos centavos” (MONTENEGRO, 2011,

p. 238). Dessa forma, devido à especificidade da demanda criada pelo consumo das crianças e

adolescentes, os pequenos comércios do circuito inferior se pulverizam dentro e nos arredores

das escolas municipais e estaduais, como podemos notar nas fotos a seguir. Mas, mais uma

vez, o circuito inferior da economia urbana termina estabelecendo diferentes nexos de

subordinação com o circuito superior pela forma como precisa se abastecer.

Foto 14 – Comercialização de doces, balas e pipocas em frente em escola municipal de Porto Calvo

Foto 15 – Comercialização de doces balas e pipocas dentro de uma escola municipal de União dos

Palmares

Fonte: trabalho de campo (2015)

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Foto 16 – Comércio de doces e balas em frente uma escola municipal de São Miguel dos Campos

Fonte: trabalho de campo (2015)

Tanto nessas situações como no consumo de material escolar, cremos que a

priorização do consumo das crianças e adolescentes se explica pelo papel político das

condicionalidades. De maneira geral, acontece como resumiu uma beneficiária do PBF de

Porto Calvo: “Às vezes eu deixo de comprar comida pra comprar material [escolar] pros meus

filhos porque eu quero os meus filhos né, que eles estudam né, pra ser alguém na vida” (M.S.,

36 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Todavia, para “ser alguém na vida” é necessário participar de uma economia

extremamente seletiva, e é aí que as condicionalidades revelam todas as suas contradições

políticas. Depois de passar vários anos priorizando o consumo dos filhos, com o objetivo de

que eles chegassem algum dia a ser “gente”, uma beneficiária de União dos Palmares

mostrava-se decepcionada: “[...] o meu menino aí vai fazer 19 anos, ele tá terminando o

terceiro ano. Pronto, quando terminar oh meu Jesus Cristo, vai ficar só em casa. Quando

arrumar um dia pra tirar laranja ou limpar mato vai né, quando não tiver vai ficar em casa

mesmo. Porque é assim, minha Nossa Senhora, é só sonho”. Por outro lado, “ele [o filho] diz

“oie mãe, eu não sei pra que eu estudei, eu estudei tanto pra quê?”” (N.P., 38 anos. Entrevista

concedida em julho de 2016).

Sem desconsiderar os efeitos positivos que o PBF teve na escolaridade dos mais

pobres, é necessário pontuar que ao valorizar as formas de fazer e de ser requeridas pelo

circuito superior da economia urbana esse Programa não só impede a universalização de

direitos como também ameaça instrumentalizar a educação. A questão central seria ver os

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pobres na sua capacidade de elaborar política. Enquanto isso não ocorre, reproduz-se o espaço

dividido, sendo os dois circuitos da economia urbana uma de suas expressões mais fiéis.

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CAPÍTULO 6: Bolsa Família e circuitos da economia na rede urbana da Região

Canavieira de Alagoas

“Pensar o tempo é enquadrar, localizar a vida; não é tirar da vida uma

aparência particular, que se captaria de modo tanto mais claro quanto mais

se tiver vivido. É quase fatalmente propor que se viva de outro modo, que se

retifique antes de tudo a vida e em seguida que se a enriqueça”.

Gaston Bachelard. A dialética da duração. (1994, p. 76).

“A rede urbana não tem, portanto, o mesmo significado para as diferentes

camadas socioeconômicas”.

Milton Santos. O espaço dividido. (2008 [1975], p. 339).

o presente capítulo demonstraremos que os diferentes níveis de cidade da Região

Canavieira de Alagoas participam de maneira específica da concretização do PBF.

Esse fato terminou por condicionar o desenvolvimento das articulações entre os

dois circuitos da economia urbana no subsistema regional de cidades. Procuramos analisar

como velhos e novos elementos de ambos os circuitos se envolvem nessas articulações,

buscando assim revelar como o Bolsa Família transforma (diretamente ou ao autorizar) a rede

urbana da Região. Nesse sentido, consideramos a rede urbana, esta “verdadeira armação de

cada região” (GEORGE, 2005, p. 206), como reflexo, condição e meio (CORRÊA, 1989, pp.

48-50) para a realização do acontecer solidário.

Cada um dos circuitos da economia urbana participa de maneira particular na

conformação da rede urbana regional. Podemos afirmar que, “cada cidade tem, portanto, duas

zonas de influência de dimensões diferentes, e cada zona varia em função do tipo de

aglomeração, do mesmo modo que o comportamento de cada um dos circuitos” (SANTOS,

2008 [1975], p. 353). A atuação do circuito superior é seletiva na rede urbana, ainda que sua

influência e consequências se façam sentir em todos os níveis de cidade. Dependente da

instalação dos vetores do meio técnico-científico-informacional, a presença das atividades

desse circuito diminui das maiores e mais complexas aglomerações urbanas em direção às

menores. O inverso ocorre com as atividades do circuito inferior da economia urbana, pois

sua zona de influência é maior nas cidades locais. Essa dinâmica é aqui tomada como sendo,

ao mesmo tempo, causa e consequência da hierarquia urbana regional e do empobrecimento

de certas cidades que tal hierarquia revela.

N

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A distribuição da rede de fixos da CAIXA mediaria a participação das cidades na

concretização do PBF. Por um lado, a particularidade das agências no pagamento dos

benefícios (como vimos, para os beneficiários sem cartão magnético só é possível receber nas

agências) reforçaria a importância de cidades como Porto Calvo, União dos Palmares e São

Miguel dos Campos. Por outro, a presença de Casas Lotéricas e/ou Caixa’s Aqui em

praticamente todos os pequenos centros urbanos da Região permitiria que esses centros

atuassem também diretamente no repasse das transferências às famílias. Todavia, as

limitações dos correspondentes no que se refere à capacidade de realizar todas as atividades

exigidas pelo Bolsa Família nos municípios contribuiria para adensar o fluxo de pessoas para

as principais cidades da Região.

Quando esse fluxo ocorria principalmente para o recebimento de aposentadorias e

demais benefícios do INSS, o problema da mobilidade era minimizado pela existência de um

sistema de transporte relativamente adaptado às condições socioeconômicas da população,

assim como pela estabilidade do benefício. Porém, desde 2003, a política do Governo

Estadual de Alagoas vem reduzindo a capacidade normativa que tinham as Associações de

Transporte municipais, o que termina por perturbar as relações desses trabalhadores com sua

clientela. De um lado, vemos aumentar a rigidez do sistema de transporte e, de outro, temos

certa instabilidade quanto ao recebimento do Bolsa Família. Não são incomuns as situações

em que as beneficiárias pedem emprestado o dinheiro da passagem para ir receber o benefício

em outra cidade, mas, ao chegar lá, o benefício encontra-se bloqueado. Sem falar que, às

vezes, a passagem chega a representar cerca de 16% do valor do Bolsa Família.

A forma particular como os diversos escalões de cidades participam da realização

desse acontecer político-institucional criou oportunidades diferenciadas para o

desenvolvimento das atividades do circuito superior e do circuito inferior da economia

urbana. Nas cidades locais floresce o pequeno comércio do ramo de alimentação, do vestuário

etc., onde consomem tanto as beneficiárias que recebem nesses centros urbanos quanto

aquelas que, mesmo tendo que ir receber em centros maiores, costumam comprar

cotidianamente, às vezes fiado, no comércio do circuito inferior local. Já em Porto Calvo,

União dos Palmares e São Miguel dos Campos, enquanto o circuito inferior busca aproveitar

tanto o crescimento do nível de consumo da população citadina como das cidades vizinhas,

observamos o circuito superior crescer e agregar novos elementos, como é o caso dos

atacadistas distribuidores. Dessa forma, as transformações nos dois circuitos da economia

tornam-se, ao mesmo tempo, causa e consequências de novas relações entre as cidades.

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Nas principais cidades também vemos se expandir um circuito superior forâneo, que

atua a partir de formas organizacionais projetadas para as populações de baixa renda.

Autorizadas pelas condições técnicas e políticas do período, franquias, grandes redes do ramo

supermercadista e farmacêutico podem, a partir dessas cidades, abocanhar parte das

transferências recebida pelas populações de cidades locais. A política das empresas, destarte,

ganha cada vez mais importância nos fluxos descendentes de bens (SANTOS, 2008 [1975], p.

334) na rede urbana da Região. O circuito superior amplia sua área de influência, roubando

parte do mercado dos pequenos negócios localizadas nas cidades de nível inferior.

Assim, buscamos mostrar que, de vários pontos de vista, a pobreza na Região

Canavieira de Alagoas tem sido pressionada para se adequar as formas de fazer requeridas

pelo circuito superior. Devemos destacar como positivo o fato de que tudo isso se fez

principalmente através do acontecer político-institucional, isto é, de políticas públicas, única

forma de assegurar bens coletivos e a participação política dos pobres nas políticas sociais.

6.1. Os fixos da Caixa Econômica Federal e as novas e velhas formas de empobrecimento

das cidades locais

Nossos trabalhos de campo revelaram que as atividades que cabem à Caixa Econômica

Federal realizar nos municípios no âmbito do PBF implicou em mudanças importantes nas

relações entre os diferentes níveis de cidade da rede urbana da Região Canavieira de Alagoas.

Constatamos que, em boa medida, tais mudanças decorrem da participação dos

correspondentes bancários na execução de parte dessas atividades. Por serem fixos bancários

mais flexíveis quanto à localização, os correspondentes podem estar presentes nos diversos

escalões urbanos.

No mapa 80 temos a distribuição da rede de fixos da CAIXA na Região Canavieira

alagoana. Observamos que, embora as agências estejam concentradas nos principais centros

urbanos, os correspondentes Casa Lotérica e Caixa Aqui estão presentes em praticamente

todas as cidades.

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Mapa 80 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Segundo Fábio Betioli Contel (2006, pp. 236-238), os correspondentes bancários se

expandem rapidamente nas diversas cidades brasileiras por duas razões principais. Primeiro

porque eles se localizam em pontos comerciais já em funcionamento, assim não há

necessidade de investimentos em infra-estrutura, como se dá no caso da instalação de uma

agência. Em segundo lugar, os correspondentes buscam atender a um público que até então

não tinha acesso aos serviços bancários, e que habita justamente os locais onde tais pontos

geralmente funcionam. Por isso, certos serviços bancários passaram ser ofertados tanto em

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áreas urbanas menos valorizadas como em cidades locais muito pobres. Foi o que procuramos

mostrar com o mapa acima.

Quanto à realização das atividades exigidas pelo PBF nos municípios, os

correspondentes (notadamente os Caixa’s Aqui), apresentam um certo número de limitações

que decorrem de três fatores principais. O primeiro deles está ligado às especificidades desse

Programa. Como vimos, há situações em que existe a necessidade de sacar o benefício sem o

cartão magnético, o que só é possível fazer em uma agência. Além disso, o grande número de

beneficiários em pequenas cidades pobres (como é o caso das cidades locais da Região

Canavieira de Alagoas) geralmente gera filas enormes nos locais de pagamento, quando não

torna impossível realizar o pagamento de todos os benefícios dentro do calendário

estabelecido pelo antigo MDS. Isso nos remete ao segundo fator, relacionado às instalações

físicas simples utilizadas principalmente pelos Caixa’s Aqui. Torna-se difícil manusear o

volume de recursos necessário ao pagamento do Bolsa Família dispondo de tais instalações,

mesmo porque o número de trabalhadores também é reduzido. Por fim, a própria

especificidade de certas cidades locais limitam a atuação do correspondentes. Muitas vezes

são cidades de difícil acesso, onde o número de assaltos é bastante alto, o que impede o

manuseio de altos valores.

Durante nossas pesquisas nas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São

Miguel dos Campos entrevistamos um total de 75 (setenta e cinco) beneficiárias de pequenas

cidades do entorno que estavam ali para receber o benefício: 59% delas explicaram que

precisaram se deslocar por problemas de falta de dinheiro e de natureza técnica (manutenção

do sistema, Caixa Aqui quebrado, ou algo do tipo) no correspondente de sua cidade, 13% em

virtude da existência de grandes filas (filas que tornam praticamente impossível receber o

benefício no mesmo dia), 12% vieram com o intuito de fazer compras nessas cidades maiores,

3% pela necessidade de acessar outros serviços públicos, 3% porque estavam sem cartão

magnético e os 10% restantes por outros motivos. O mapa 81 apresenta as cidades de origem

dessas beneficiárias.

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Mapa 81 – Região Canavieira de Alagoas: cidades de origem das beneficiárias do Bolsa Família que

costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

É importante mencionar que, segundo as respostas que essas beneficiárias forneceram

aos nossos questionários, a maior parte delas, especificamente 56%, não costumava se

deslocar para essas cidades antes de ser beneficiária do Bolsa Família, e mesmo o restante que

já se deslocava o fazia nos dias de feira-livre, quando havia sistemas de transporte mais

baratos. Podemos afirmar então que se trata de uma parcela da população que, devido à sua

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condição socioeconômica, estava prisioneira da cidade em que vivia, com todas as

dificuldades que isso colocava para o acesso aos bens públicos mais básicos.

Em seu estudo sobre o “Espaço Dividido”, Milton Santos (2008 [1975], pp. 336-339)

chegou à conclusão que nos países periféricos noções como a de rede urbana não têm “[...]

validade para a maioria das pessoas, pois o seu acesso efetivo aos bens e serviços distribuídos

conforme a hierarquia urbana depende do seu lugar socioeconômico e também do seu lugar

geográfico” (SANTOS, 2007 [1987], p. 11). Segundo o autor, temos, de um lado “[...] a

imobilidade de certos bens e serviços” (devido ao nível da demanda que eles exigem) e, de

outro, “[...] a imobilidade de certos indivíduos, por diversas razões incapazes de se deslocar

para onde esses bens e serviços podem ser adquiridos” (SANTOS, 2008 [1975], p. 336).

Como resumiu Roberto Lobato Corrêa (1988, p. 79),

A população de baixo status possui limitada mobilidade espacial. Para ela,

não existe de fato uma hierarquia urbana, utilizando apenas os centros locais

para satisfação de sua reduzida demanda: na realidade, a hierarquia de

localidades centrais existe apenas em função da população de médio e alto

status.

Podemos assegurar que, na Região Canavieira de Alagoas, o PBF alterou alguns

aspectos dessa realidade. Se a capilaridade dos correspondentes bancários permite que uma

parcela importante das beneficiárias de cidades locais receba o benefício na própria cidade, a

impossibilidade de esses fixos atenderem toda a demanda dos municípios onde se localizam

faz com que a outra parte seja praticamente obrigada a se deslocar regularmente para cidades

maiores. Observamos que na opção por se deslocar pesam diversos fatores, tais como: a

perspectiva de que o pagamento seja efetuado ou não na própria cidade, a urgência do

dinheiro, os custos do transporte (aqui também é considerada a possibilidade de conseguir

emprestado o dinheiro da passagem), o valor do benefício etc.

Dessa maneira, novas oportunidades são criadas em cidades como Porto Calvo, União

dos Palmares e São Miguel dos Campos tanto para as atividades do circuito superior como do

circuito inferior da economia urbana, que podem ser consideradas como novas causas de

empobrecimento das cidades locais. Das beneficiárias pesquisadas, 31% afirmaram que

costumam gastar o dinheiro do PBF somente na cidade aonde vão receber, 37% somente na

cidade onde moram e 32% gastam nas duas cidades. No gráfico a seguir apresentamos o

circuito da economia urbana onde compram aquelas beneficiárias que disseram gastar algum

dinheiro nas cidades aonde vão receber.

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Gráfico 7 – Circuito da economia urbana onde gastam as beneficiárias do Bolsa Família de cidades

locais que costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Semelhante ao que vimos para o consumo das beneficiárias de Porto Calvo, União dos

Palmares e São Miguel dos Campos, notamos aqui que o circuito superior da economia

urbana aparece principalmente no ramo de alimentação, onde se concentra o gasto das

beneficiárias, enquanto o circuito inferior atua, sobretudo, no ramo de vestuário. Observamos

ainda que este último circuito também aparece com certo destaque no consumo de material

escolar, sendo citada principalmente a feira-livre.

Localizados na área central desses principais centros urbanos da Região Canavieira,

supermercados do circuito superior independentes e pertencentes a redes de lojas

(notadamente o Todo Dia e o UniCompra), ofertando preços mais baixos, acabam roubando

parte do novo mercado criado pelo PBF nas cidades locais. O mesmo podemos dizer sobre as

redes de farmácias. Consideramos esse processo como “[...] um indício do fortalecimento do

circuito superior e da ampliação da brecha que o separa da baixa capitalização do circuito

inferior. Permanecem as interdependências entre ambos os subsistemas, mas o circuito

inferior é, a cada dia, mais subordinado” (SILVEIRA, 2015, p. 256).

A atuação do circuito inferior nessa demanda é, em boa medida, condicionada pelas

possibilidades de localização dos pequenos negócios nas áreas centrais dessas cidades, visto

ser aí onde as beneficiárias do PBF recebem o benefício e, portanto, por onde circulam (o que

explica porque a feira-livre foi bastante citada). Os trabalhadores do circuito inferior que

pesquisamos nos centros de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos nos

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informaram que suas clientelas são constituídas também por populações dos municípios

vizinhos, que aumenta nos dias de pagamento aos aposentados, beneficiários do Bolsa Família

e de feira-livre. Já na periferia de São Miguel dos Campos e União dos Palmares a clientela de

outros municípios é pequena, sendo maior nesta última cidade pois aí se realiza uma feira-

livre aos domingos. É o que trazemos nos mapas 82 e 83:

Mapas 82 e 83 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades de procedência dos consumidores para os

negócios do circuito inferior da economia urbana pesquisados em Porto Calvo, União dos Palmares e

São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Observamos que há ainda pequenos gastos que as beneficiárias realizam quando vão

receber em outras cidades, onde o circuito inferior encontra um mercado importante. São

gastos com lanches, doces, balas, pipocas etc., principalmente porque, muitas vezes, as

crianças acompanham as mães nesse deslocamento. É comum que tais atividades localizem-se

nos pontos de saída e chegada dos transportes.

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É no fluxo de pessoas para Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos que os serviços de transporte do circuito inferior da economia são chamados a

participar diretamente na concretização do PBF na rede urbana regional. Porém, o Governo do

Estado de Alagoas vem, a partir de sua política de transporte, forçando alterações no grau de

capital e de técnica dessas atividades, o que termina por perturbar suas formas políticas de

organização e as relações que esses serviços estabelecem com as populações pobres que

necessitam de mobilidade.

Através do Decreto nº 1.171, de março de 2003, o Governo buscou regulamentar o

serviço complementar de transporte rodoviário intermunicipal, atribuindo à Agência

Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL o papel de órgão

responsável por toda regulação, planejamento e fiscalização do transporte. Desde então, os

trabalhadores que estavam vinculados a Associações Municipais passaram a depender de

permissão concedida por essa agência, que além de estabelecer tarifas e itinerários, passou a

delimitar também o número de carros em cada linha e o tipo de veículo a ser utilizado no

serviço. Nesse sentido, o Decreto estabeleceu que os veículos deveriam ter no máximo 7

(sete) anos de uso.

Dessa forma, com o discurso baseado na necessidade de “racionalizar” o serviço de

transporte, estudos foram feitos, normas foram promulgadas, tudo isso para deslegitimar as

formas de organização dos trabalhadores do circuito inferior. Fazer parte de Associações não

constitui mais garantia alguma de trabalho, além do mais a exigência de veículos novos

causou um endividamento geral desses trabalhadores. Sem falar que a dívida adquirida com a

compra do veículo às vezes dura mais do que o período da concessão fornecida pela Agência

Reguladora, o que significa que é real a possibilidade de se ficar somente com a dívida, mas

sem o rendimento.

Não desconsideramos a necessidade de se pensar uma política abrangente para o

serviço de transporte, mas questionamos o porquê de se fazer tão pouco caso das formas

políticas de organização já existentes nas Associações, assim como da combinação entre

técnica e capital que estava umbilicalmente ligada a tais formas. Os acréscimos de capital

exigidos pela política estadual de transporte têm pressionado a equação de lucro dos

trabalhadores do circuito inferior, exigido aumentos constantes das passagens e, além do mais,

cerceado relações de confiança que se davam entre motoristas e passageiros. A necessidade de

pagar prestações fixas do veículo, por exemplo, impede que uma passagem seja deixada no

fiado, mesmo que muitas vezes esta seja a única forma de uma beneficiária do Bolsa Família

se deslocar para receber o benefício em outra cidade.

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Dentre as beneficiárias que responderam aos nossos questionários, foi possível

constatar que uma parcela significa do benefício acaba sendo gasta com passagens. É o que

apresentamos no quadro 22.

Quadro 22: alguns dados sobre a mobilidade da população beneficiária do PBF das cidades do entorno

de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos

Entorno de Porto Calvo

Trajeto Distância Valor da passagem

(ida e volta)

Menor valor do PBF das

beneficiárias entrevistadas

% da passagem

sobre o PBF

Matriz do

Camaragibe-Porto

Calvo

25 km R$ 7,00 R$ 77,00 9%

Jundiá-Porto Calvo 33 km R$ 17,00 R$ 233,00 7%

Porto de Pedras*-

Porto Calvo 29 km R$ 14,00

R$ 147,00 10%

Entorno de União dos Palmares

Trajeto Distância Valor da passagem

(ida e volta)

Menor valor do PBF das

beneficiárias entrevistadas

% da passagem

sobre o PBF

Santana do Mundaú

- União dos

Palmares

28 km R$ 12,00 R$ 77,00

16%

São José da Laje -

União dos Palmares 23 km R$ 12,00

R$ 142,00 8%

Branquinha-União

dos Palmares 12 km R$ 9,00

R$ 147,00 6%

Entorno de São Miguel dos Campos

Trajeto Distância Valor da passagem

(ida e volta)

Menor valor do PBF das

beneficiárias entrevistadas

% da passagem

sobre o PBF

Roteiro-São Miguel

dos Campos 15 km R$ 7,00 R$ 134,00

5%

Jequiá da Praia**-

São Miguel dos

campos

17 km R$ 8,00 R$ 147,00 5%

Boca da Mata - São

Miguel dos Campos 40 km R$ 13,00

R$ 112,00 12%

Campo Alegre*** -

São Miguel dos

Campos

24 km R$ 9,00 R$ 77,00 12%

* A distância e o valor da passagem se explicam pelo fato de que as beneficiárias desse município tentam receber

primeiro em Matriz de Camaragibe, Porto Calvo acaba sendo procurada numa segunda tentativa.

** São beneficiárias que habitam o povoado da Usina Sinimbu, às margens da BR – 101.

*** São beneficiárias que habitam o Distrito de Luziápolis, às margens da BR – 101.

Fonte: site da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Alagoas – ARSAL (fev. de 2016) e trabalho de

campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

Como podemos notar, em algumas situações a passagem chega a representar 16% do

benefício que vai ser sacado. O que nos chamou a atenção foi que quase metade das

beneficiárias que responderam aos nossos questionários (exatamente 47%) pega dinheiro

emprestado com alguém de confiança para arcar com a passagem de ida até a outra cidade ou,

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às vezes, o motorista confia fiado para pagar na volta. No entanto, com a recente instabilidade

do Programa essas soluções têm se tornado complicadas. Por exemplo, uma beneficiária que

entrevistamos de Matriz de Camaragibe tomou dinheiro emprestado a uma vizinha para ir

receber em Porto Calvo, mas ao chegar lá seu benefício tinha sido bloqueado. Como pagar o

dinheiro da vizinha, ou antes disso, como voltar para casa?

Mais difícil ainda é, sem sombra de dúvidas, a situação de beneficiárias que habitam

cidades em que o transporte, além de muito caro para os níveis de rendimento das populações

urbanas, é irregular. Nesse sentido, podemos citar o caso de uma beneficiária que

entrevistamos na cidade de Jundiá, no entorno de Porto Calvo. Trata-se de uma cidade que

dispõe apenas de um Caixa Aqui, e diariamente saem 4 (quatro) carros às 6 horas para Porto

Calvo e 3 (três) para Novo Lino, sendo que as passagens de ida e volta custam,

respectivamente, R$ 17,00 e R$ 14,00. Quando questionada como faz para receber o Bolsa

Família diante de problemas constantes no correspondente da cidade e do baixo valor do

benefício, essa beneficiária explicou:

Entrevistada: Tem vez que eu vou de pé mais as meninas aqui pra Novo

Lino.

Pesquisador: A pé?

Entrevistada: Sim, eu já fui umas quatro vezes ou foi mais, foi não [marido]?

De pé.

Pesquisador: Tem que sair cedinho?

Entrevistada: É, tem que sair cedinho.

Pesquisador: Da quanto tempo, umas 2 horas?

Entrevistada: Da mais, dá umas três horas. Foi eu, minha vizinha e meu

menino.

Pesquisador: Mas quando vem a senhora vem de carro?

Entrevistada: Aí quando vem o menino conhece nós aí dá carona a nós.

Pesquisador: Carro é meio difícil né?

Entrevistada: É viu.

Pesquisador: A não ser de moto táxi né?

Esposo da entrevistada: Mas mototaxistas é no dinheiro, eles cobram R$

20,00 daqui pra lá oia. A pessoa vai receber um dinheiro pouco aí volta sem

nada [se for de moto táxi].

São 12 km de distância, ou seja, 24 km de ida e volta caso a carona não seja

conseguida!

Tudo isso que vimos apontando é pouco considerado quando se discute acerca do

PBF. Cremos que tratá-lo como acontecer solidário nos lembraria que “uma política

efetivamente redistributiva visando a que as pessoas não sejam discriminadas em função do

lugar onde vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial” (SANTOS, 2007

[1987], p. 141).

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6.2. O atacado distribuidor como nexo entre os dois circuitos da economia na rede urbana

regional

Desde 2003, o Índice de Vendas do Comércio Varejista de Alagoas, segundo dados do

IBGE, cresceu em ritmo acelerado. É o que observamos no gráfico 8. Vale ressaltar que, entre

os estados do Nordeste, Alagoas apresentava em 2011 o segundo maior índice, atrás apenas

do Maranhão (nos anos de 2004, 2009 e 2010 Alagoas esteve em primeiro lugar).

Gráfico 8 – Alagoas: Índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado – base 100: 2003

(2003-2011)

Fonte: Pesquisa Mensal do Comércio – PMC do IBGE

Elaboração: Fernando Silva (2017)

Isto levou a uma expansão sem precedentes dos comércios varejista e atacadista

alagoanos, segundo mostra a tabela 36:

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Tabela 36 – Alagoas: Evolução do número de estabelecimentos e pessoal ocupado nos comércios

atacadista e varejista de Alagoas (1997, 2002 e 2007)

Comércio atacadista Comércio varejista

Ano Estabelecimento Pessoal ocupado Ano Estabelecimento Pessoal ocupado

1997 384 3.777 1997 8.421 33.109

2002 440 5.343 2002 9.918 35.046

2007 569 7.990 2007 15.442 70.623 Fonte: Pesquisa Anual do Comércio – PAC do IBGE

Organização: Fernando Silva (2017).

Embora entre 1997 e 2002 os números de estabelecimentos e de pessoal ocupado em

ambos os comércios tenham aumentado, é somente a partir deste último ano que o aumento

tem sido mais expressivo. O impulso para tanto foi dado não apenas pelo PBF, mas também

pelo aumento do salário mínimo e pelas demais políticas elaboradas a partir do Governo de

Luiz Inácio Lula da Silva. A singularidade do PBF está na sua capilaridade. A porcentagem

de beneficiários desse Programa é maior justamente nas cidades mais pobres (mapa 84), que

geralmente apresentam um menor número de aposentados e de trabalhadores de usinas com

Carteira de Trabalho assinada.

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Mapa 84 - Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de beneficiários do Bolsa Família sobre a

população total estimada para 2015

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Contudo, como a rede urbana regional termina mediando a concretização do Bolsa

Família, temos novos fatores de concentração e dispersão do consumo por todos os níveis de

cidade da Região Canavieira. Dada a seletividade espacial das atividades do circuito superior,

as atividades comerciais do circuito inferior da economia urbana se pulverizam nas pequenas

cidades.

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Segundo dados da Receita Federal (BRASIL, 2016a), o número de Micro e Pequenas

Empresas – MPEs nas cidades locais do interior da Região (ou seja, sem considerarmos as

cidades da Região Metropolitana de Maceió nem os principais centros do interior) passou de

4.181 em 2007 para 20.212 em 2015, um aumento de quase quatro vezes. Num período mais

curto, o número de Micro - Empreendedores Individuais cresceu ainda mais: de apenas 1.572

em 2010 alcançou 10.698 em 2015. A grande maioria desses negócios era do ramo de

comercialização de produtos em geral, com predominância de produtos alimentícios, de

comercialização de vestuário e acessórios e do comércio de produtos alimentícios. É claro que

esses dados não revelam todo o crescimento do circuito inferior, mas sim como a política de

formalização dos pequenos negócios veio se misturar com esse crescimento. Por isso mesmo

não deixam de ter grande importância para analisarmos a dinâmica do circuito inferior nas

cidades locais da Região no século atual.

A necessidade de se abastecer desses comércios, principalmente dos que vendem

produtos de mercearia básica (já que a maior parte dos trabalhadores que comercializam

vestuário se abastecem no agreste de Pernambuco), acabou dando um novo ímpeto às

atividades dos atacadistas distribuidores do estado de Alagoas. Uma reportagem do Jornal

Gazeta de Alagoas97, de agosto de 2015, trazia como título: “Setor atacadista alagoano supera

usinas de açúcar”. A reportagem menciona que, naquele ano, enquanto o setor atacadista

deveria faturar cerca de R$ 3,5 bilhões, o faturamento dos usineiros ficaria em torno de R$ 2,2

bilhões, destacando que cada um dos três maiores atacadistas distribuidores, localizados na

cidade de Arapiraca - AL, tem, individualmente, um faturamento equivalente ao de 4 (quatro)

usinas. A reportagem destaca ainda que, desde 2003, com a expansão do consumo e com a

concessão por parte do Governo do Estado de uma tributação diferenciada para o setor, esses

atacadistas passaram a se organizar politicamente, a investir em logística e em tecnologia da

informação para concorrerem com empresas de outros estados, notadamente de Minas Gerais

e Pernambuco. Hoje em dia, com um expressivo número de vendedores, de caminhões e

sistemas informatizados de distribuição, atacadistas de Arapiraca e Maceió conseguem fazer

entregas rápidas não somente em todos os 102 municípios alagoanos, mas também em

municípios de estados vizinhos.

A dispersão territorial de pequenos comércios que necessitam renovar seus estoques

com certa frequência, em um contexto em que grandes redes supermercadistas passam a atuar

97 GONÇALVES, Maurício. “Setor atacadista alagoano supera usinas de açúcar”. In: Jornal Gazeta de Alagoas.

Maceió: 02 de agosto de 2015. Disponível em:

http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=270742 Acesso em julho de 2016.

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em áreas e cidades que outrora eram atendidas majoritariamente por comércios do circuito

inferior da economia urbana, exige, segundo defende Marcos de Moraes Xavier (2009), uma

verdadeira reorganização do setor atacadista brasileiro. Novos graus de capital, técnica e,

sobretudo, de organização são requeridos das empresas desse setor para que elas possam

manter o papel de elo que desempenham entre a indústria e o pequeno varejo. De acordo com

a explicação do autor, essa modernização termina por ampliar as funções das empresas

atacadistas distribuidoras, visto que estas passam também a prestar certos serviços e a gerir o

pequeno varejo.

Nesse processo de renovação dos nexos entre os dois circuitos da economia urbana

brasileira participam atacadistas de diferentes portes. Neste sentido, Marcos de Moraes Xavier

(2009, pp. 22-29) propõe, inspirado em Milton Santos (1998), uma tipologia das empresas do

setor com base no grau de capital, tecnologia e no alcance territorial. Primeiro vêm os

atacadistas do macro -circuito, que “[...] correspondem às empresas de grande porte que são

capazes de agir em todo o território brasileiro ou em mais de uma das grandes regiões” (p.

26). Estão entre as maiores do setor, como o Grupo Martins e o Grupo Peixoto que a partir de

Uberlândia – MG atuam nas diversas regiões do País. Já “os atacadistas do meso-circuito

apresentam as mesmas feições das empresas do macro-circuito, porém são menos

capitalizadas e seu campo de atuação é restrito às parcelas do território de menor extensão

[...]” (p. 26 grifos no original). Nesse caso o autor cita como exemplo, dentre outros, o Asa

Branca, maior atacadista de Alagoas localizada em Arapiraca. Por último vêm os atacadistas

do micro-circuito, que “são empresas de pequeno porte cujo alcance de suas ações é local” (p.

27). Lembra o autor que embora não se trate de atividades do circuito inferior da economia

urbana, esses negócios dependem da existência de um mercado contíguo, visto que não

dispõem de tecnologia e de capital para tirar proveito do crescimento do consumo de toda

uma região, por exemplo.

A distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart na Região Canavieira de

Alagoas pode fornecer-nos uma ideia sobre a atuação dos atacadistas do macro-circuito.

Conforme o mapa 85, 11 (onze) cidades têm lojas filiadas à essa rede, sendo 4 (quatro) na

Região Metropolitana de Maceió. Mais da metade das lojas filiadas (12 de 23) estão em

Maceió.

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Mapa 85 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart

(2016)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Algumas das empresas que ascenderam nas cidades de Arapiraca e de Maceió podem

ser consideradas como atacadistas do meso-circuito, pois atuam em todos os municípios do

estado de Alagoas. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS

(BRASIL, 2016b), do total de 1.434 estabelecimentos de comércio atacadista existentes em

Alagoas em 2016, 60% se localizavam em Maceió e mais 20% em Arapiraca. Esses

estabelecimentos empregavam 12.663 trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada,

sendo 54% em Maceió e 33% em Arapiraca. Nestas duas cidades está a grande maioria das

empresas que fazem parte da Associação do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado de

Alagoas – ACADEAL, principal associação que representa os interesses políticos do setor no

estado.

Em nossos trabalhos de campo constatamos ainda a existência de 4 (quatro)

atacadistas distribuidores nas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos

Campos, que pelas suas características podem ser tratados como atacadistas do micro-circuito

da Região Canavieira.

Criado no ano de 2002, o Mercantil Andrade é um atacadista distribuidor da cidade de

Porto Calvo do ramo de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios.

Iniciou suas atividades como um pequeno atacado, abastecendo comerciantes da própria

cidade, mas a expansão do mercado em Porto Calvo e nas pequenas cidades do entorno levou

a empresa a aumentar o estoque e a investir também na distribuição. Hoje esse atacadista

distribuidor possui 2 (dois) prédios para armazenar mercadoria, um total de 21 (vinte e um)

funcionários e 2 (dois) caminhões para realizar entregas. Vende suas mercadorias no boleto e

no cheque, sendo o boleto a forma de pagamento mais utilizada pelos clientes. Realiza

propagandas em uma rádio local.

Também em Porto Calvo surgiu, no mesmo ano que o Mercantil Andrade, o

Comercial Cordeiro, atacadista distribuidor que também disputa pelo novo mercado criado

pela expansão do consumo de produtos alimentícios no Litoral Norte de Alagoas. Localizada

no centro da cidade, essa empresa possui 4 (quatro) depósitos e um total de 38 (trinta e oito)

funcionários, que trabalham desde a recepção da mercadoria até a entrega ao pequeno varejo.

Do ponto de vista do alcance territorial, o maior atacadista do micro-circuito que atua

no interior da Região Canavieira de Alagoas surgiu na cidade de União dos Palmares, no ano

de 2013. Trata-se da empresa Real Distribuidora. Dispondo de uma frota de 3 (três)

caminhões, um total de 20 (vinte) funcionários e um prédio localizado às margens da BR –

104, esse atacadista consegue realizar entregas em 30 (trinta) cidades da Região em cerca de

dois dias depois da realização do pedido. Ao alcançar os pequenos comércios até mesmo do

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Litoral Norte, acaba disputando não somente com atacadistas do macro e do meso-circuito,

mas também com os do micro-circuito localizados na cidade de Porto Calvo.

Por fim, mencionamos o Bonzão Atacado, surgido também em 2013 na cidade de São

Miguel dos Campos. Com um total de 15 (quinze) funcionários e 2 (dois) caminhões, essa

empresa, localizada às margens da BR – 101, realiza entregas em algumas cidades do entorno

de São Miguel dos Campos, mas o prazo dessas entregas depende do volume dos pedidos

realizados pelos clientes, assim como da distância de cada cidade. Em termos de capital,

tecnologia e de alcance territorial trata-se do menor atacado dentre os 4 (quatro) que

identificamos, e acreditamos que a maior proximidade de Arapiraca, de certa forma, limita

sua atuação nas cidades do entorno.

Foto 17 – Atacadista distribuidor de Porto Calvo

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Foto 18 – Atacadista distribuidor de União dos Palmares

Fonte: Trabalho de campo (2015)

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Foto 19 – Atacadista distribuidor de São Miguel dos Campos

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Apresentamos as cidades em que esses atacadistas atuam na sequência de mapas a

seguir. Destacam-se a Real Distribuidora e o Bonzão Atacado por terem, respectivamente, o

maior e o menor alcance territorial.

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Mapas 86 a 89 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades em que atuam as empresas atacadistas

distribuidoras de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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Em suma, são empresas que pelo grau de técnica, capital e capacidade logística têm

um campo de atuação restrito a certas porções da Região Canavieira de Alagoas. Não deixam,

contudo, de subordinar pequenos comércios do circuito inferior da economia urbana,

especialmente aqueles localizados nas cidades locais.

6.3. Formas recentes de atuação do circuito superior da economia: a rede urbana regional

face à política das empresas

Não nos parece possível compreender a dinâmica atual dos dois circuitos da economia

na rede urbana da Região Canavieira de Alagoas sem considerarmos a capacidade que

grandes firmas vêm demonstrando em aproveitar as possibilidades criadas pelo PBF nos

diferentes níveis de cidade. Se, por um lado, essa capacidade evidencia a reprodução

subordinada do circuito inferior, por outro não deixa de revelar como a formação

socioespacial brasileira vem autorizando cada vez mais as políticas das empresas.

Legitimadas pela forma como o País ingressou na modernização tecnológica e robustecidas

pela abertura neoliberal dos anos 1990, essas políticas terminam por demonstrar, a partir de

2003, todo seu poder em reduzir potenciais efeitos positivos de programas públicos

endereçados às regiões mais pobres.

Principalmente nos setores supermercadista e farmacêutico, empresas com capacidade

de atuar em todo território brasileiro passaram a se interessar pela expansão do consumo na

Região Canavieira alagoana. Ao mesmo tempo, firmas surgidas no próprio estado, ou mesmo

em estados vizinhos, redesenharam sua topologia, abrindo novas lojas para também

disputarem pelos acréscimos dos rendimentos dos mais pobres. Todas essas empresas buscam

localizar seus estabelecimentos nas principais cidades da Região e, além disso, detêm certo

controle sobre as variáveis centrais do período (MONTENEGRO, 2011) – notadamente sobre

o crédito institucional e a propaganda -, apesar de apresentarem capacidades diferenciadas de

se utilizar de tais variáveis. Essas diferenciações vêm somar-se à especificidade do mercado

regional para explicar a diversidade de formas organizacionais adotadas pelas diferentes

firmas.

No mapa 90 representamos a distribuição das lojas das principais redes de

supermercados. Observamos que nas cidades do interior destacam-se dois grupos empresarias:

o Grupo UniCompra (como vimos, de origem na cidade de Arapiraca) e o Grupo Walmart,

através dos supermercados Todo Dia.

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Mapa 90 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de

supermercados que atuam na região (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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O Grupo UniCompra privilegia as cidades em que as populações apresentam maiores

níveis de rendimento. Do total de 19 (dezenove) lojas desse Grupo, 9 (nove) estão instaladas

em cidades da Região Canavieira de Alagoas, quase todas em Maceió (6) e em São Miguel

dos Campos (2). Fora dessa Região há lojas do UniCompra em Arapiraca (são oito lojas nesta

cidade, além do centro de distribuição do Grupo), Palmeira dos Índios (1) e Caruaru (PE)98. O

Cartão UniCompra, que mencionamos no capítulo anterior, contava em 2016 com mais de 20

mil clientes99.

Já o Todo Dia, embora atue em um número maior de cidades, se interessa

principalmente pelas cidades do entorno de São Miguel dos Campos e pelas periferias mais

populosas da capital, sendo União dos Palmares a única cidade fora dos pontos mais ricos da

Região Canavieira. A empresa Walmart100, à qual pertencem os supermercados Todo Dia, é a

terceira maior do setor supermercadista no Brasil, posição que assumiu a partir da aquisição

de várias redes regionais no início dos anos 2000 (XAVIER, 2009, p. 33)101.

Os demais supermercados têm lojas somente em Maceió. Em nossos trabalhos de

campo constatamos que mesmo nestes casos o circuito superior demonstra sua capacidade de

atrair para o consumo populações pertencentes ao circuito inferior que habitam cidades

menores. Identificamos em Porto Calvo e em União dos Palmares alguns trabalhadores que

passaram a transportar as populações dessas cidades para fazerem compra no Atacadão. Para

termos uma ideia da dimensão dessas caravanas, apresentamos no quadro 23 algumas de suas

principais características.

98 Segundo dados do site Supermercado Moderno, trata-se do maior supermercado alagoano. Em 2016 possuía

2.349 trabalhadores nas suas 19 lojas, ano em que teve um faturamento de pouco mais de R$ 405 milhões.

Disponível em: http://www.sm.com.br/ Acesso em abril de 2017.

99 Dados de um propaganda disponível no site da empresa.

100 Trata-se de uma das maiores empresas de lojas de departamento do mundo, tendo lojas nas Américas, Europa,

Ásia e África. Sua sede fica no Estado de Arkansas, nos Estados Unidos.

101 Dados de 2016 mostram que o Walmart manteve-se como 3ª maior empresa supermercadista, atrás apenas do

Carrefour Comércio e Indústria LTDA e da Companhia Brasileira de Distribuição. Nesse ano eram 485 lojas e

65.229 funcionários. O faturamento foi de R$ 29,4 bilhões (dados do site Supermercado Moderno:

http://www.sm.com.br/ Acesso em abril de 2017). Para uma discussão sobre o tema ver a tese de Marcos de

Moraes Xavier (2009).

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Quadro 23: principais características das caravanas que saem das cidades de Porto Calvo e União dos

Palmares com destino ao Atacadão de Maceió e Caruaru (PE)

Cidade de

origem

Tempo que

existe o serviço

Nº e modelo dos

carros

Frequência Valor da

passagem

Cidade da

Compra

Porto Calvo 3 anos São 5 carros,

sendo 2 ônibus, 1

micro-ônibus, 1

ducato e 1 doblô

Os ônibus vão 1 vez a

cada 2 meses. Os

outros carros vão uma

vez por semana

R$ 50,00 Maceió

União dos

Palmares

7 anos 1 ônibus 1 vez por mês (até

2013 saía uma vez por

semana)

R$ 30,00

para Maceió

e R$ 40,00

para Caruaru

(PE)

Maceió e

Caruaru

(PE)

Fonte: trabalho de campo (2015)

Organização: Fernando Silva (2017)

Vale dizer que se trata do número de motoristas que conseguimos identificar, por isso

não descartamos a possibilidade de existirem outros. Ainda que não seja uma quantidade

muito expressiva, interessa-nos aqui destacar como esse processo vem se dando. Pelas

entrevistas que realizamos com os motoristas que organizam essas viagens ficou claro que são

principalmente as pessoas de menor poder aquisitivo, que habitam as periferias urbanas ou até

mesmo as pequenas cidades vizinhas, as que mais procuram o serviço. Essas pessoas

geralmente justificam a viagem pela busca do menor preço nas compras de alimentação.

Dessa maneira, os comércios do circuito inferior desses centros urbanos perdem parte

da clientela, mas, ao mesmo tempo, novas oportunidades de trabalho são criadas para o

serviço de transporte desenvolvido no âmbito do mesmo circuito. Observamos que para os

proprietários dos veículos essas viagens servem para complementar os rendimentos. Em Porto

Calvo, os dois proprietários de ônibus geralmente prestam serviço às usinas no período da

safra, transportando trabalhadores rurais das cidades para as áreas canavieiras. Já os

motoristas do micro-ônibus e do ducato transportam regularmente pessoas para comprarem

confecções no agreste pernambucano, enquanto o proprietário do doblô é taxista em Porto

Calvo. Já o proprietário de ônibus que realiza as viagens em União dos Palmares trabalha a

cerca de 20 (vinte) anos transportando feirantes e sacoleiras para comprarem confecções no

agreste de Pernambuco. O faturamento médio de uma viagem realizada por ônibus é de R$

1.000,00, sendo o lucro por volta de R$ 500,00.

Quanto à atuação das empresas do setor farmacêutico na Região Canavieira de

Alagoas, vejamos o mapa 91:

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Mapa 91 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de farmácias que

atuam na região (2017)

Organização dos dados: Fernando Silva

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

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As Farmácias do Trabalhador do Brasil apresentam maior capilaridade nas cidades do

interior, com lojas em 3 (três) cidades fora da Região Metropolitana de Maceió. Já vimos que

se trata de uma rede que tem lojas próprias e também atua pelo sistema de franquias. Dados

de 2016 da Associação Brasileira de Franchising - ABF102 mostram que se trata da 14º

(décima quarta) maior marca franqueadora do Brasil, com um total de 985 unidades. Para

Maria Laura Silveira (2016, p. 40), a capacidade diferenciada dos agentes da economia urbana

em criar e adotar inovações organizacionais pode ser vista, hoje em dia, na utilização do

sistema de franquias, pois este revela, por exemplo, o poder que uma empresa tem em criar e

difundir uma marca. Os dados da ABF demonstram claramente que, do ponto de vista da rede

urbana brasileira, esse poder é bastante concentrando nas cidades do Estado de São Paulo,

notadamente na capital103. Todavia, as especificidades dos gostos e do mercado em cada

região também abrem espaço para marcas de outros estados, sendo as Farmácias do

Trabalhador, com sede em Pernambuco, um exemplo disso. O modo como diferentes agentes

participam dessa forma organizacional das atividades comerciais demonstra como a posse das

variáveis do período “[...] permite participar de un circuito superior, aunque sea de forma

vulnerable y provisoria como en su porción marginal” (SILVEIRA, 2016, p. 40).

A distribuição das lojas das Farmácias Permanentes também revela como firmas

regionais buscam se adaptar ao imperativos do período. De origem na cidade de Garanhuns

(PE) na década de 1980, essa rede iniciou no final dos anos 1990 sua expansão para o Estado

de Alagoas e, depois, para os estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Hoje são 70 (setenta)

farmácias nesses 4 (quatro) estados, além de dois centros de distribuição, sendo um em

Caruaru (PE) e outro em Maceió. A rede tem aproximadamente 1.300 trabalhadores. Na

Região Canavieira de Alagoas, além de estar presente em Maceió, instalou lojas em Marechal

Deodoro, Penedo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos, ampliando assim seus

mercados e seus lucros104.

Por fim, foi inaugurada em 2017, em União dos Palmares, uma loja das Farmácias

Pague Menos. Trata-se de uma empresa oriunda do Estado do Ceará, que hoje está entre as

102 Dados disponíveis no site da ABF: http://www.abf.com.br/ Acesso em abril de 2017. Ainda segundo esta

Associação o investimento inicial para abrir uma franquia da Farmácia do Trabalhador é de R$ 195.000,00.

103 Em 2016, do total de 3.039 redes franqueadoras existentes no Brasil, 53% eram do Estado de São Paulo,

sendo que o Rio de Janeiro, Estado que vinha em seguida, aparecia com 11%. Todavia, São Paulo detém apenas

36% das unidades franqueadas, e a expansão destas nos últimos anos tem se dado principalmente nos estados do

Nordeste. Em 2015, por exemplo, o crescimento das franquias em Alagoas foi de 10,7% em relação ao ano

anterior, enquanto no Brasil esse aumento foi de 8,3% (dados disponíveis no site da ABF).

104 Informações disponíveis do site da empresa.

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três maiores farmácias do Brasil com um total de 1.015 lojas instaladas em todas as unidades

da federação. Em 2016 teve um faturamento de R$ 5,8 bilhões, e encerrou o ano com um total

de 20.694 trabalhadores. Como vemos no mapa, a loja de União dos Palmares foi a primeira

do interior da Região Canavieira de Alagoas105.

Por esses dados podemos afirmar que o circuito superior na Região aumenta os graus

de capital de suas atividades, adota novas formas organizacionais e, com isso, aumenta sua

capacidade de alcançar as populações pertencentes ao circuito inferior. Para usar as

expressões de Maria Laura Silveira (SILVEIRA, 2015, p. 257), o subsistema superior cresce

tanto intensiva (como demonstram os dados sobre o faturamento das empresas) como

extensivamente (como revela a distribuição de suas lojas), e embora não atue diretamente em

todas as cidades, sua ação se faz sentir nos diversos escalões da rede urbana, tendendo “[...] a

desvalorizar as demais formas de trabalho”.

Assim, as novas formas de combinação entre técnica e organização das atividades do

circuito superior podem ser vistas como fortes indícios de fortalecimento deste circuito, ao

contrário do que ocorre no âmbito do circuito inferior, onde as adaptações estão ligadas

essencialmente à sua condição subordinada na dinâmica econômica. Não se trata aqui de

desconsiderar as oportunidades de trabalho criadas para o subsistema inferior quando, por

exemplo, as populações pobres das cidades interioranas se deslocam para fazer compras em

lojas de grandes redes na capital. Mas se trata, na realidade, de apontar a drenagem do

dinheiro (já escasso) que chega aos centros locais da Região através das políticas sociais,

empobrecendo assim os pequenos negócios cuja atuação se restringe à escala do lugar.

105 Informações disponíveis do site da empresa.

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CONCLUSÃO

“Pesquisador: A senhora acha que o Bolsa Família é um direito do povo ou

não?

Entrevistada: Eu num sei dizer não. Eu só acho que se cortar o Bolsa

Família é tanta gente morrer de fome. Tem muita gente que não tem nada na

vida, nada, nada, nada, só se acha com o coitado do Bolsa Família”.

M. A. S., 54 anos. Entrevista concedida em julho de 2016.

“Fazer história não é toda a ação de pensar e agir na contracorrente; é o

pensar e o agir que força a corrente a desviar-se de seu curso “natural”.

Sujeitos históricos são todos os rebeldes competentes”.

Boaventura de Sousa Santos. Somos todos anticapitalistas. In: Outras

Palavras (25 de outubro de 2016).

efendemos a tese de que com os acréscimos de técnica, norma e informação ao

território das diferentes sociedades a existência da cidadania passa a depender de

um processo de racionalização do espaço geográfico, que respeitando as formas de

fazer e de ser de todos os grupos, assegure, através de recursos, bens e serviços coletivos, a

permanência dos valores cívicos definidos em lei. A possibilidade de que poucos agentes

utilizem essa base técnica para se apropriarem dos recursos coletivos coloca em risco

princípios de igualdade e liberdade, além de constituir uma verdadeira ameaça ao direito à

vida. Por isso, cremos ser muito difícil, senão impossível, construir um país a partir da

competição entre as pessoas e lugares, versão geográfica da “ação racional determinada pelos

fins” de que falava Max Weber. Assim, além dos aconteceres hierárquico, homólogo e

complementar propostos por Milton Santos, podemos falar também de um acontecer político-

institucional quando estamos diante de uma política como o Bolsa Família.

Especialmente nos países periféricos, a possibilidade de controlar os sentidos das

ações e dos objetos à distância terminou por alterar a face política da pobreza, pois esta

deixou de ser local para ser, ao mesmo tempo, local, nacional e, cada vez mais, global

(SANTOS, 2011 [2001], pp. 54-57). Ainda que essa mudança se expresse no funcionamento

das atividades econômicas, trata-se, na verdade, de perceber como a modernização

tecnológica conferiu possibilidades desiguais de ação aos distintos agentes da economia e da

política, autorizando novas formas de produzir a pobreza, assim como de perpetuá-la.

D

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300

Esforçamo-nos em enxergar algumas especificidades da formação socioespacial

brasileira diante desse novo período histórico. Sem sombra de dúvidas, a seletividade social e

espacial das garantias públicas (SANTOS, 2007 [1987]; TELLES, 1993; BRANDÃO, 2004)

apareceu como um dos principais resultados da racionalização do espaço geográfico no Brasil,

uma das evidências políticas mais claras do “Espaço Dividido”. Às tentativas de anulação

pela violência da diversidade de objetos e ações representativa das bases da formação

nacional (RIBEIRO, 1995), seguiu-se a institucionalização de objetos e formas de fazer

funcionais a uma economia seletiva, que busca anular aquela diversidade também através de

um processo sistemático de desvalorização econômica, cultural, social e geográfica,

perpetuando, com base em mecanismos sofisticados de convencimento e de poder, a

representação ideológica da sociedade no Estado (RIBEIRO, 1997, p. 19). É assim que os

pobres não têm acesso a todos os bens assegurados pela Constituição Federal aos cidadãos

brasileiros nos lugares onde eles habitam, realidade que se mantém tanto pela violência como

pelo convencimento, e só raramente por políticas que procuram se apoiar na pluralidade de

objetos e ações que os lugares continuam a abrigar.

O que todo esse processo de racionalização do espaço geográfico significou para a

dinâmica das regiões mais empobrecidas do País? O que dizer sobre essa dinâmica diante da

abertura do território nacional aos vetores da globalização nas últimas décadas do século XX?

Como compreender a incorporação das políticas de transferência de renda pela formação

socioespacial brasileira diante das tentativas de reduzir ao máximo o já incompleto, porque

social e espacialmente seletivo, Estado de Bem-Estar Social? Como o funcionamento, o

desenho e o papel dessas políticas foram transformados a partir do PBF, e qual o significado

disto para a realidade da pobreza?

Figurando entre as velhas regiões açucareiras do Nordeste, a Região Canavieira de

Alagoas participa das sucessivas modernizações que alcançaram o território brasileiro,

misturando a inércia de certos elementos que lhes deram origem às novidades de cada período

histórico. É nessa dialética onde percebemos o acúmulo de dívidas sociais, a renovação da

dinâmica da pobreza, onde encontramos situações reveladoras do papel do espaço na

elaboração dos vínculos clássicos de uma cidadania incompleta, da sua reelaboração

espacialmente seletiva a reboque de uma modernização tecnológica avassaladora, e onde, no

período atual, enxergamos a capacidade dos pobres de construir solidariedades entre os

lugares, embora o Estado teime em não reconhecê-las.

Até aproximadamente meados do século XX, a pobreza nessa Região era um

fenômeno sobretudo local. Técnicas surgidas na Europa, notadamente ligadas à produção e à

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circulação, são coladas ao meio geográfico regional, e estabelecendo complementariedades

diversas com os rios e lagoas, terminam por alavancar a capacidade produtiva em

determinados subespaços, sendo responsáveis, desta maneira, pelo empobrecimento de outros.

Como a maior parte da população trabalhadora habitava a propriedade das usinas e, além

disso, as condições de trabalho no campo não eram reguladas pelo Estado, esse

empobrecimento repercutia principalmente nas condições de vida do trabalhador. A pobreza

se manifestava nos baixos salários, nas migrações, no consumo no barração etc. É

especialmente na grande propriedade que encontramos não apenas as causas econômicas da

pobreza, mas também suas causas sociais e políticas.

No pós-Segunda Guerra Mundial a pobreza se manifesta como “Espaço Dividido”,

podendo ser apreendida a partir das diferentes formas de trabalho e de consumo abrigadas

pelas cidades da Região. Observamos, por um lado, a busca por adequar uma estrutura de

propriedade extremamente concentrada, completamente irracional, aos objetivos da política

econômica nacional, e por outro, a instalação de grandes empresas em pouquíssimas cidades,

ambos os processos viabilizados por uma nova estrutura do Estado em seus diferentes níveis.

As mudanças no papel do Estado, assim como a brutal transformação nas geografias agrária e

urbana da Região Canavieira são reveladoras da dinâmica da riqueza e da pobreza nesse

período. Em função do reduzido número de empregos gerados pelas empresas, apenas uma

pequena parcela da população regional passa a ter acesso aos direitos conquistados pelos

trabalhadores industriais, ao passo que os direitos dos trabalhadores rurais, conquistados

depois de muitas lutas, acabam tendo seus efeitos reduzidos pela sazonalidade do trabalho nas

usinas. Os baixos salários e o desemprego constituem a face mais evidente da apropriação e

drenagem seletiva dos recursos regionais, redundando em um crescimento deveras

impressionante das atividades realizadas com baixo nível de técnica, capital e organização que

se utilizam das partes mais deterioradas das cidades. A ausência de garantias estatais aos

trabalhadores dessas atividades revela a impossibilidade de efetivar direitos em uma situação

de apropriação tão desigual da riqueza.

O avanço das políticas neoliberais no território brasileiro na última década do século

XX, ao abrir novas oportunidades para as políticas das grandes empresas, reduzindo o Estado

na oferta de bens públicos e fortalecendo-o no amparo às ações privadas de certos agentes,

pode ser lido como tentativa de naturalização do Espaço Dividido. Daí podermos falar de uma

pobreza estrutural globalizada (SANTOS, 2011 [2001], p. 55). Neste período, a pobreza na

Região Canavieira de Alagoas conheceu situações das mais graves. A ação instrumental se

alastra no Estado e na economia, e ao se misturar com os conservadorismos das elites

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regionais não poderia resultar em algo mais irracional. A privatização e falência de empresas

públicas assim como a falência de usinas, somadas à apropriação ilegal de recursos dos cofres

públicos, levaram a um crescimento do desemprego e do circuito inferior da economia urbana

sem precedentes na história da Região. Todavia, a flexibilidade das técnicas do período

permitiu a esse circuito construir novas cooperações entre os lugares, de modo que a

capacidade de elaborar política dos pobres se tornou cada vez mais evidente.

Essa vaga de modernização condicionou, de diversas maneiras, a oferta de recursos,

bens e serviços coletivos por parte do Estado brasileiro. Cremos que a forma como as

propostas de transferência de renda foram transformadas em políticas no País revela muitos

desses condicionamentos. O chamado “combate à pobreza”, de forma racional, com poucos

recursos e por pouco tempo, veio a ser a principal justificativa apresentada pela ciência e por

certos partidos políticos para a criação de programas de transferência de renda. A chamada

tese da “reprodução inter-geracional da pobreza” acaba servindo perfeitamente a esses

objetivos. A forma como diversos partidos, notadamente os mais conservadores, passaram a

se empenhar no “enfrentamento da pobreza” revela-nos como a ação instrumental acaba se

tornando um verdadeiro parâmetro para a ação política (RIBEIRO, 2014).

O Programa Bolsa Família representa mudanças fundamentais na política de

transferência de renda no Brasil, que se expressam na busca por transformar esse Programa

em um direito. Cresce enormemente o número de beneficiários e o volume das transferências,

ao mesmo tempo em que os sistemas técnicos e normativos que operacionalizam as

condicionalidades e as transferências são aprimorados, o que resulta em certa estabilidade

dessa política pública. Mas a construção do PBF, não somente em virtude das heranças

deixadas pelo Bolsa Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio Gás, mas também pela pressão dos

organismos internacionais e das elites brasileiras através da grande mídia, indica-nos também

os condicionamentos da ação instrumental, que acabaram, contraditoriamente, contribuindo

para a sua rápida expansão.

Trata-se de uma nova dinâmica da formação socioespacial brasileira, em decorrência

da qual a pobreza na Região Canavieira de Alagoas conhece mudanças importantíssimas. As

populações mais empobrecidas dessa Região, depois de saírem das terras dos usineiros e

ficarem quase sem proteção alguma do Estado, passaram, neste século XXI, a ter acesso às

transferências de forma regular. A importância dessas transferências diante da gravidade das

situações regionais de pobreza é deveras imensurável, pois como resumiu certa beneficiária,

“se não fosse essa Bolsa Família as pessoas nunca ia ter nada” (J. A. S., 38 anos. Entrevista

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concedida em julho de 2016). Neste sentido, o PBF promoveu o acesso principalmente aos

seguintes bens básicos:

i) Alimentos: conforme demonstramos na primeira parte do trabalho, a fome constituiu,

durante o século XX, uma das principais consequências da pobreza na Região Canavieira de

Alagoas. Mesmo considerando que os valores dos benefícios do PBF são baixos, é possível

afirmar que com eles essa realidade mudou significativamente, pois a compra de alimentos,

ainda que em pequenas quantidades, passou a ser realizada regularmente pelas beneficiárias

do Programa;

ii) Vestuário: a vergonha de sair de casa por falta de vestimentas adequadas e o andar

descalço eram uma constante na vida das populações pobres da Região antes do PBF. Como

afirmou certa beneficiária, “naquele tempo a gente só comprava roupa de vez em quando pras

festas de fim de ano e andava descalço pra não gastar o chinelo. A gente remendava o chinelo

inter não dá mais” (M. F. S. 43 anos. Entrevista concedida em julho de 2016);

iii) Material escolar: trata-se, em boa medida, de um consumo exigido pelas

condicionalidades do PBF, cuja importância reside em assegurar a permanência das crianças

mais pobres na escola. Antes do Programa, as crianças que estudavam tinha que ir à escola

“[...] com bolsa chia chia, não tinha roupa pra ir pra escola, e hoje os meninos de tudo têm, as

mães compra bolsa e tudo pros fios” (M. S., 57 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Por essas razões, é possível afirmar que na Região Canavieira de Alagoas o consumo

conheceu uma expansão sem precedentes neste século XXI, gerando novas oportunidades

para as atividades de ambos os circuitos da economia urbana. Em Porto Calvo, União dos

Palmares e São Miguel dos Campos percebemos as formas de reprodução subordinada do

circuito inferior da economia urbana, tanto em decorrência das relações que este subsistema

necessita estabelecer com o circuito superior, como em virtude de certas políticas públicas

que, apesar de reconhecerem a importância das formas de trabalho desenvolvidas pelos

pobres, fazem pouco caso da capacidade que estes demonstram em atuarem conforme a

realidade dos lugares.

Na rede urbana regional observamos as consequências dessa subordinação do circuito

inferior da economia para a mobilidade das beneficiárias do PBF, que necessitando com

urgência do dinheiro das transferências não podem acessá-lo nos municípios onde habitam.

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Por um lado, os correspondentes não executam todas as atividades exigidas pelo Bolsa

Família nos municípios e, por outro, a política estadual para o serviço de transporte tem

elevado os custos da circulação intermunicipal na Região. Em meio a novas e velhas formas

de empobrecimento das cidades locais, novas relações de complementaridade, subordinação e

concorrência entre os dois circuitos da economia desenvolvem-se na rede urbana.

É importante pontuar também que outros gastos realizados pelas beneficiárias do PBF,

ainda que não apareçam entre os de maior relevância nas despesas das famílias pesquisadas,

revelam a precariedade do acesso aos demais direitos sociais por parte dos mais pobres. São

exemplos nesse sentido o pagamento de escolas para filhos menores de 5 (cinco) anos de

idade, ou então de faculdade para os filhos de 18 anos ou mais. Como vimos demonstrando ao

longo da tese, a ausência de garantias sociais no próprio lugar onde as pessoas habitam

termina por empobrecer cada vez mais os trabalhadores do circuito inferior da economia

urbana, seja pela necessidade de se deslocar para outra cidade para acessar um serviço

público, ou mesmo por ter que adquirir tal serviço em atividades do circuito superior da

economia urbana. A perpetuação de uma cidadania incompleta ficou evidente quando

observamos como “cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor,

consumidor, cidadão, depende de sua localização no território” (SANTOS, 2007 [1987], p.

107).

Essa cidadania incompleta também se manifesta no PBF de outra forma. Se o

tratarmos como acontecer político-institucional é necessário levar em conta como a população

beneficiária participa ou não na conformação dos sistemas de ações (definição do orçamento,

critérios e valores dos benefícios, necessidade ou não das condicionalidades etc.) e controle

dos sistemas de objetos (formas de uso da base de dados do CAD.ÚNICO, necessidade ou

não do sistema de condicionalidades, cruzamento ou não do CAD.ÚNICO com outras bases

de dados etc.). Nesse sentido, infelizmente vem ocorrendo (muito especialmente desde 2016)

como nos relatou uma beneficiária: “muita gente acha bom né, quando recebe que sai aquele

dinheirinho pra comprar o material de escola dos meninos, e assim vai. Agora quando diz que

tá cortando aí pronto, que bloqueia, aí fica difícil, fica muito complicado demais” (E. S. 28

anos. Entrevista concedida em julho de 2016). Outro diálogo com algumas beneficiárias

deixou claro o porquê dessa complicação. A conversa foi sobre o bloqueio do benefício de

uma delas:

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Entrevistada 1: Eu não entendo porque que essa menina [vizinha] não

recebe, porque eu não sei como é que bota no cadastro dessa menina, como é

que acusa lá que ela tem um benefício, tem renda, sem ela ter nada.

Pesquisador: Lá na Secretaria [de Assistência Social] lhe explicaram o que

aconteceu?

Entrevistada 2: Eu disse assim “oh minha fia por que você botou renda?”, aí

ela disse “não foi a gente que botou não, deu no sistema, a gente não pode

fazer nada”. [...] eu disse “oie minha fia esse dinheiro servia tanto que se

fosse R$ 50,00 pra mim era R$1.000,00”. Aí ela foi disse assim “é, sinto

muito” [começou a chorar].

Entrevistada 1: Faça alguma coisa por ela, foi uma crueldade que fizeram

com ela. Se o senhor fizer eu vou ficar muito grata viu, e Deus vai lhe

ajudar.

(V. A. S., 38 anos; L. S. 44 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

A incerteza em relação ao recebimento do benefício tanto enfraquece o circuito

inferior da economia urbana pela instabilidade do consumo dos mais pobres, como reduz a

possibilidade de estes virem a se tornar cidadãos plenos, já que impede a transformação do

PBF em um direito. Porém, a trajetória desse Programa não deve deixar dúvidas quanto ao

fato de que fortalecer a figura do consumidor não significa necessariamente fortalecer a figura

do cidadão. Mesmo que se trate de uma política de transferência de renda, o controle por parte

da população beneficiária sobre o sentido dos sistemas de ações e sobre o funcionamento dos

sistemas de objetos no âmbito do PBF é imprescindível. A autonomia vem daí, não do

simples acesso às transferências. O fortalecimento ou não do circuito inferior da economia

urbana pode ser tomado como um dos principais indícios de construção dessa autonomia.

Os resultados e discussões apresentados ao longo desta tese nos fazem acreditar que

compreender as chamadas políticas públicas como um acontecer solidário pode contribuir de

maneira significativa com os esforços de construção democrática da sociedade brasileira,

principal forma de enfrentarmos a problemática do Espaço Dividido.

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