UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE … · PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA...

111
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS ERIKA SIQUEIRA DA SILVA PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA CAMPINAS 2017

Transcript of UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE … · PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA...

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

ERIKA SIQUEIRA DA SILVA

PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

CAMPINAS

2017

ERIKA SIQUEIRA DA SILVA

PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde, na área de concentração, política, gestão e planejamento.

ORIENTADOR: GUSTAVO TENÓRIO CUNHA ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ERIKA SIQUEIRA DA SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. GUSTAVO TENÓRIO CUNHA.

CAMPINAS

2017

Ao povo brasileiro,

que consigamos construir a justiça social.

Agradecimentos

Aos meus pais, Rosa e Toinho, pela fonte de inspiração, fortaleza e porto

seguro.

Às minhas irmãs, Gisele e Evelyn, pelo compartilhamento de vida e de lutas.

Ao amigos e companheiros do DAMUC, por termos descortinado o mundo

juntos, pela linda trajetória de luta pelo SUS e pela educação pública e de

qualidade. Continuaremos em luta. Humberto Câmara Neto... presente!!!

Às flores do Sobradinho, pelas trocas, acolhimento e amizade. Cá, Lê e Chel,

vocês foram fundamentais para eu manter o juízo nestes anos intensos

dedicados ao Programa Mais Médicos. Muito obrigada.

À Carina, pela sabedoria, força e aconchego. Agradeço a cada abraço que

trocamos nas madrugadas que te acordei. Ah... agradeço por repetir todos os

meses que fazer mestrado e escrever era uma delícia. Quase me convenci.

À Mara, pelas trocas no mestrado, dos textos inacabados, das inseguranças,

pelos caminhos encontrados, reflexões construídas e pela trajetória de vida e

luta que temos pela frente.

À Lara, por ter me convencido da minha capacidade de escrever a dissertação

do mestrado e, ao mesmo tempo, estudar para o concurso da UFPE.

Continuaremos nossa vida e trajetória de lutas, companheira.

À Antônia, pelo aprendizado na trajetória da escrita.

Às mocinhas de Brasília: Gal, pela força e sabedoria; Lu, esse presente que

Brasília me deu, por todo aprendizado, pelas gargalhadas, pelo acolhimento e

trocas nesse caminho árido da gestão; Evellin, querida, como demorou para os

nossos caminhos se cruzarem, mas não foi à toa... nos encontramos

poeticamente nos traços de Brasília, a você meu profundo respeito e

admiração; Maria... Maguia... Maga, a você por tudo que vivi em Brasília, pelo

porto seguro, pela amizade, pelo compartilhamento e pelo amor.

Aos trabalhadores do Ministério da Saúde, da SGTES e DEPREPS pelos

aprendizados e pela luta na construção do SUS.

Às mulheres da APED por todo aprendizado e dedicação: Carla pela

competência e compromisso; Wania pelo aprendizado, humildade e força para

eu fazer o mestrado; Mariana pela força, garra na luta e por toda a troca de

textos que foram fundamentais para este trabalho; Suzzi pela competência e

compromisso, te admiro; Tatiana pela dedicação e cuidado; Denise pela troca e

calma; Moyses pela competência e compromisso.

A Tim por ter acreditado na minha competência, pelo aprendizado e amizade.

O seu convite mudou a trajetória da minha vida. À Luciana pelo aprendizado,

amizade e presença.

A Heider pelo aprendizado, amizade e principalmente pela troca nas

discussões sobre política e vida.

A Felipe Proenço pela confiança, dedicação ao trabalho e aprendizado.

A Mozart Sales pela competência e dedicação na implementação do Programa

Mais Médicos.

A Alexandre Padilha pela inteligência, humildade e liderança.

Ao SUS por ter sido o espaço de aprendizado da minha medicina, de luta e de

vida.

A Recife por ter me recebido de volta de braços abertos, pelo frevo, bolo de

rolo, pelo sotaque e por me tornar tão nordestina.

RESUMO O Programa Mais Médicos (PMM) foi instituído pela Medida Provisória nº 621,

convertida na Lei nº 12.871, em outubro de 2013, com o objetivo de enfrentar

o número insuficiente de médicos no país, minimizar a má distribuição no

território nacional e induzir mudança no perfil do profissional médico para

atender às necessidades de saúde da população brasileira. Este trabalho tem

como objetivo principal analisar o processo de formulação do Programa Mais

Médicos enquanto Política Pública. Trata-se de estudo qualitativo à luz do

método de análise de Políticas Públicas por ciclo político como referencial

teórico, com levantamento de dados a partir da pesquisa exploratória de

levantamentos bibliográficos e documentais. Utilizou-se a análise dos

documentos para reconstruir o desenvolvimento do PMM da inserção do tema

na agenda governamental à formulação da política. Os resultados encontrados

evidenciaram a escassez de médicos na Atenção Básica, a necessidade de

ampliar acesso neste nível de atenção e de profissionais com formação

adequada para atuação no SUS como cenário crítico para a emergência do

tema na arena política. Evidenciou-se, também, o Seminário Nacional sobre

Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde, o Programa de

Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), o movimento de

prefeitos (“Cadê o Médico?”) e as manifestações de junho de 2013 como

contexto relevante para a inserção do tema na agenda governamental. Outro

achado deste trabalho, consiste na resistência e postura das entidades

médicas, na pressão sob a Câmara dos Deputados, na aceitação do PMM pela

população beneficiada e nas articulações entre o governo e o poder legislativo

como fatores determinantes para a formulação do desenho final da política do

PMM. Desta forma, evidenciamos o processo complexo de formulação de uma

política pública, dando visibilidade a fatos e atores importantes na arena

política. Reiteremos a necessidade da análise de políticas públicas para o

empoderamento da sociedade brasileira acerca dos processos políticos no país

para a superação da cultura de políticas de governo e construção participativa

de Políticas de Estado.

Palavras-chave: Atenção Básica; Políticas Públicas; Programa Mais Médicos

ABSTRACT The Programa Mais Médicos (PMM) was instituted by the Provisional Measure

621, converted into Law 12,871 in October 2013, aiming to increase the

insufficient number of doctors in the country, minimize the bad distribution

throughout the national territory and induce a change in the medical

professional’s profile to answer the needs of the Brazilian population. This

research aims to investigate the Programa Mais Médicos’ creation process as a

Public Policy. It is a qualitative study using the method of analyzing Public

Policies using political cycles as a theoretical reference and uses data gathered

through bibliographical and documental research. Document analysis was used

to the PMM’s development from insertion in the government’s agenda to the

policy’s formulation. Results show a lack of doctors in Basic care, a need to

broaden access in this level of care, and a need for more adequately formed

professionals to act in SUS, configuring a critical setting for the subject in the

political arena. The Seminário Nacional sobre Escassez de Provimento e

Fixação de Profissionais de Saúde, the Programa de Valorização do

Profissional da Atenção Básica (PROVAB), the mayors’ movement (“Cadê o

Médico?”), and the popular manifestations of 2013 have also proven to be

relevant context for the insertion of the theme in the government’s agenda. This

research has also found the medical entities’ resistance, pressure on the

Chamber of Deputies, acceptance of the PMM by the population that benefited

from it, and articulations between the government and the Legislative Power

were significant factors in the complex process of formulating a public policy,

giving visibility to important facts and actors in the political arena. We once

again call attention to the need of analyzing public policies for the

empowerment of Brazilian society regarding political processes in our country in

order to overcome the notion that only the government creates policies and to

build State Policies in a more participative manner.

Keywords: Primary health care; Public Policies; Programa Mais Médicos.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Médicos por 1000 Habitantes ...................................................... 41

Ilustração 2 - Linha do tempo com principais marcos que compuseram o cenário político para o Programa Mais Médicos de 2010 a 2012 ..................... 48

Ilustração 3 - Linha do tempo com principais marcos que compôs cenário político para o Programa Mais Médicos no ano de 2013 .................................. 49

Ilustração 4 - Logomarca do Movimento Cadê o Médico? .............................. 66

Ilustração 5 - Publicidade do Movimento Cadê o Médico? .............................. 68

Ilustração 6 - Divulgação da Petição do Movimento Cadê o Médico? .............. 68

Ilustração 7 - Manifestação de médicos ........................................................... 86

Ilustração 8 - Manifestação de médicos em Recife com enterro simbólico do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha .............................................................. 86

Ilustração 9 - Médico Cubano, Juan Delgado, sendo vaiado e chamado de escravo em manifestação em Fortaleza – Ceará .............................................. 86

Ilustração 10 - Manifestação de médicos em São Paulo .................................. 87

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEM Associação Brasileira de Ensino Médico ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade AGU Advocacia Geral da União AMB Associação Médica Brasileira ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior CFM Conselho Federal de Medicina CINAEM Comissão Interinstitucional de Avalição das Escolas Médicas CNE Conselho Nacional de Educação CNRM Comissão Nacional de Residência Médica CNT Confederação Nacional dos Transportes CNTU Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados COAPES Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde CONASEMS Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde CONASS Conselho Nacional dos Secretários de Saúde CRM Conselho Regional de Medicina DAB Departamento de Atenção Básica DAMUC Diretório Acadêmico de Medicina Umberto Câmara Neto DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DEGES Departamento de Gestão da Educação na Saúde DENEM Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina DEPREPS Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de

Saúde EAD Educação à Distância FENAN Federação Nacional dos Médicos FESF Fundação Estatal de Saúde da Família da Bahia FIES Programa de Financiamento Estudantil FNP Frente Nacional de Prefeitos IES Instituição de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais MEC Ministério da Educação MFC Medicina de Família e Comunidade MPV Medida Provisória MS Ministério da Saúde MS Mandado de Segurança NOB Norma Operacional Básica OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OPAS Organização Pan-americana de Saúde OTD Overseas Trained Doctors PCCS Plano de Cargos, Carreiras e Salários PET-Saúde Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde PF Polícia Federal PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento PISUS Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde

PITS Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde PLV Projeto de Lei de Conversão PMM Programa Mais Médicos PMMB Projeto Mais Médicos para o Brasil PNAB Política Nacional da Atenção Básica PRMGFC Programas de Residência Médica em Medicina Geral de Família e Comunidade PROMED Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas Pró-Saúde Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PROVAB Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica PSE Programa Saúde na Escola PSF Programa de Saúde da Família RCTS Rural Clinical Training and Support RSB Reforma Sanitária Brasileira SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior STF Supremo Tribunal Federal SUS Sistema Único de Saúde UBS Unidades Básicas de Saúde UFPE Universidade Federal de Pernambuco UNASUS Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde UNE União Nacional dos Estudantes UPA Unidade de Pronto Atendimento

SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................. 14

1.1. O Contexto ........................................................................................................ 14

1.2. O Programa Mais Médicos ................................................................................ 17

1.3. Minhas Implicações ........................................................................................... 20

2. OBJETIVOS ............................................................................................... 23

2.1. Primário ............................................................................................................. 23

2.2. Secundários ....................................................................................................... 23

3. REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................... 24

4. METODOLOGIA ......................................................................................... 30

4.1. Trajetória metodológica ..................................................................................... 30

5. RESULTADOS ........................................................................................... 34

5.1. Contextualização e Construção da Agenda do Programa Mais Médicos ......... 34 5.1.1. Atenção Básica ......................................................................................................... 34 5.1.2. Insuficiência de Médicos .......................................................................................... 38 5.1.3. Formação Médica no Brasil ...................................................................................... 42

5.2. Principais Marcos entre 2011 e 2013 ................................................................ 47 5.2.1. Seminário Nacional de Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde ................................................................................................................................. 49 5.2.2. Programa Nacional de Valorização do Profissional da Atenção Básica .................. 56 5.2.3. Movimento de Prefeitos – Cadê o Médico? .............................................................. 65 5.2.4 Manifestações de Junho de 2013 .............................................................................. 68

5.3. Contextualização e Formulação da Política do Programa Mais Médicos ......... 73 5.3.1. A proposta do Poder Executivo: Medida Provisória nº 621 ................................. 74 5.3.2. A proposta do Poder Legislativo: Lei nº 12.871 ....................................................... 76 5.3.3. Análise da trajetória de formulação do Programa Mais Médicos ............................. 80

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 92

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 96

8. ANEXOS .................................................................................................. 105

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP .......................................................... 105

14

1. Introdução

1.1. O Contexto

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição

Federal de 1988, a saúde no Brasil sofreu fortes mudanças. O SUS, com seus

princípios democráticos, propôs diretrizes, conceitos e práticas que eram e ainda são

contra-hegemônicos na sociedade, como a universalidade, integralidade e equidade.

O sistema hegemônico traz à atenção a saúde centrada na assistência

curativa, superespecializada, fragmentada e hospitalar em consonância com

interesses econômicos, corporativos e de reserva de mercado. A substituição desse

sistema pelo SUS, que valoriza a integralidade e a saúde como direito, depende,

dentre outras coisas do perfil de formação e das práticas dos profissionais de

saúde1.

A implantação do SUS exige dos profissionais de saúde a capacidade de

participar da produção da saúde integral a partir de um conceito ampliado de saúde

e de cuidado, atuando em equipe multiprofissional e assumindo o compromisso de

centrar suas ações nos usuários. Campos7 coloca que o trabalho das equipes e das

organizações de saúde “deve apoiar os usuários para que ampliem sua capacidade

de se pensar em um contexto social e cultural”. Para o autor, “caberia repensar

modelos de atenção que reforçassem a educação em saúde, objetivando com isso

ampliar a autonomia e a capacidade de intervenção das pessoas sobre suas

próprias vidas”2.

As mudanças nas práticas de atenção provocadas pelo SUS devem ser

acompanhadas, nesse sentido, por profundas transformações na formação dos

profissionais de saúde, sem desconsiderar que o processo de formação não termina

na conclusão dos cursos e especializações, mas é parte da dinâmica organizacional

do trabalho em saúde. Para avançar no cuidado integral, com base nas

necessidades sociais por saúde, a atenção básica cumpre um papel estratégico na

dinâmica de funcionamento do SUS, por seu estabelecimento de relações contínuas

com a população e por buscar a atenção integral e de qualidade, a resolutividade e o

15

fortalecimento da autonomia das pessoas no cuidado à saúde, estabelecendo

articulação orgânica com o conjunto da rede de serviços.

A atenção básica se apresenta como importante cenário de prática para a

formação de profissionais com o perfil adequado às necessidades do SUS. A

educação em serviço contribui por trabalhar a construção desse modo de operar o

sistema, pois permite articular gestão, atenção, ensino e controle social no

enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe em seu território geopolítico

de atuação3.

Além da formação, outro grande desafio para o enfretamento da

desigualdade de atenção em saúde aos usuários do SUS é o número de médicos e

sua distribuição geográfica. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), em seu relatório de 2015 sobre a saúde, aponta que a falta de

médicos interfere no acesso e que a má distribuição destes profissionais é uma

questão política importante na maioria de seus países-membros4.

O provimento e fixação de médicos resultante do processo de escolha

individual geralmente resulta em distribuição socialmente inadequada10. Para isso, o

SUS deve analisar e monitorar a demanda e oferta de profissionais para garantir

distribuição equânime de acordo com as necessidades de saúde de cada região do

país. Desta forma, a provisão de profissionais médicos, bem como a formação

adequada para as demandas do SUS se configura como um grande desafio para

diminuir as iniquidades no acesso a serviços de saúde e ao cuidado integral.

Neste contexto, o Programa Mais Médicos (PMM) surge como resposta

do Governo Federal à necessidade de provisão de médicos em áreas vulneráveis e

para atender a demanda dos municípios brasileiros. O programa também subsidia

mudanças quantitativas e qualitativas na formação médica, como a ampliação da

integração ensino serviço, que busca garantir a integralidade e sustentabilidade do

Sistema Único de Saúde.

O Programa Mais Médicos foi instituído pela Medida Provisória n. 621, de

08 de julho de 2013, que posteriormente foi convertida na Lei n. 12.871, de 22 de

outubro de 2013, constituída por três grandes eixos: Provimento Emergencial,

Infraestrutura e Formação Médica, com o objetivo de aumentar a disponibilidade de

médicos para a atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de lançar

medidas que induzem mudança de perfil do profissional médico para atender às

16

necessidades de saúde da população brasileira, apresentando a integração ensino-

serviço como importante estratégia5.

O mote para a discussão neste trabalho é a análise do desenvolvimento

do Programa Mais Médicos enquanto Política Pública, investigando como se deu a

inserção, como prioridade na agenda governamental, do tema da provisão e fixação

de médicos no SUS e da formação médica orientada às necessidades da população

brasileira, como também a análise das escolhas estratégicas na formulação da

Programa e as articulações para a sua implementação.

No sentido de esclarecer conceitos utilizados na dissertação, no

referencial teórico, discorre-se sobre a análise de políticas públicas, a sua clássica

abordagem por ciclos políticos como também as correntes teóricas. Posteriormente,

à luz do referencial teórico, apresenta-se a trajetória metodológica trilhada para o

presente estudo qualitativo a partir de dados bibliográficos e documentais.

Já a seção Contextualização e Construção da Agenda do PMM aborda o

contexto da Atenção Básica no Brasil, o cenário de insuficiência de médicos no país

e o processo histórico da formação médica com o objetivo de apresentar o cenário

crítico para a emergência do tema na arena política. A seção seguinte discorre sobre

os principais marcos em torno do tema de escassez, provisão e fixação de

profissionais de saúde que aconteceram no período entre 2011 e 2013 com o

objetivo de evidenciar as tensões entre os atores da arena política em disputa na

inserção do tema na agenda governamental.

Na seção Contextualização e Formulação da Política do PMM,

apresentamos a Medida Provisória n. 621 e a Lei n. 12.871 para esclarecer o

arcabouço jurídico-administrativo e, posteriormente, é analisada a trajetória entre

estes dois marcos legais, considerando o contexto político, regras institucionais,

disputas entre os atores e as negociações que influenciaram no desenho final do

Programa Mais Médicos.

Por fim, nas últimas considerações, sintetiza-se o desenvolvimento do

Programa Mais Médicos, inferindo tensões, correlação de forças e disputas entre os

atores políticos. E, de tal forma, evidencia-se a complexidade para a formulação e

implementação de uma Política Pública no atual sistema político brasileiro.

17

1.2. O Programa Mais Médicos

O Programa Mais Médicos (PMM) foi instituído pela Lei 12.871, de 22 de

outubro de 2013 e tem como objetivos:

I - diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; II - fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; III - aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; IV - ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; V - fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; VI - promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; VII - aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País, na organização e no funcionamento do SUS; e VIII - estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.6

O Programa é constituído por três grandes eixos: Provimento

Emergencial, Infraestrutura e Formação Médica. O Provimento Emergencial,

chamado de Projeto Mais Médicos para o Brasil, é o eixo com maior visibilidade por

provocar disputas políticas, sendo normalmente confundido com o Programa Mais

Médicos, que se refere à política como um todo. O eixo da Infraestrutura centra sua

ação em repasse de recurso para construção e reforma de Unidades Básicas de

Saúde. E, por fim, a Formação Médica, que é o eixo mais estruturante para o SUS,

consiste na Reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de

Medicina, inversão do modelo de critérios para abertura de novos cursos de

Medicina com interiorização do ensino, criação do Contrato Organizativo de Ação

Pública de Ensino-Saúde (COAPES), Universalização das vagas de Residência

Médica até 2018, alteração das especialidade de acesso direto e o estabelecimento

da Medicina Geral de Família e Comunidade como especialidade raiz, instituição da

avaliação de progresso para a graduação de Medicina e avaliação anual para os

Programas de Residência a serem realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais (INEP) e criação do Cadastro Nacional de Especialistas5,6.

O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do

atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde. O Programa prevê um

18

conjunto de políticas e ações abrangentes que envolvem medidas estruturantes e

emergenciais e tem como objetivo aumentar a disponibilidade de médicos para a

atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de lançar medidas que

induzem mudança de perfil do profissional médico para atender às necessidades de

saúde da população brasileira, apresentando a integração ensino-serviço como

importante estratégia5.

Os componentes estruturantes do Programa são essencialmente

educacionais, tendo por objetivo ampliar a oferta de vagas em cursos de Medicina e

de Residência Médica com a implantação das novas diretrizes curriculares nacionais

que estabelecem novos parâmetros para a formação médica e regulação da

formação de especialistas para o Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o campo

de prática, fortalecendo a integração ensino-serviço por meio de Contrato

Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde entre instituições de ensino e

secretarias municipais e estaduais de saúde. O componente emergencial configura-

se pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil que visa prover médicos para atuar na

Atenção Básica na Estratégia de Saúde da Família ou em outras equipes previstas

na Política Nacional de Atenção Básica com o objetivo de diminuir as iniquidades no

acesso à saúde.

O Programa recruta médicos por editais nacionais, onde são

disponibilizadas as vagas existentes nas equipes da Atenção Básica para médicos

formados no Brasil e posteriormente para os formados no exterior para exercer

atividades em um processo de integração ensino-serviço. Após os editais, ao sobrar

vagas, há o recrutamento de médicos cubanos por meio de cooperação

internacional com Cuba por intermédio da Organização Pan-americana de Saúde

(OPAS).

A Lei n. 12.871, em seu artigo 4º, estabeleceu mudanças a serem

implementadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Medicina. A

Câmara de Ensino Superior publica, em 20 de junho de 2014, a Resolução n. 3, que

institui as novas DCN para o curso de graduação em Medicina e estabelece como

principais modificações o estágio curricular obrigatório de formação em serviço, em

regime de internato, sob supervisão, em serviços próprios, conveniados ou em

regime de parcerias estabelecidas por meio de Contrato Organizativo da Ação

Pública Ensino-Saúde com as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde,

19

conforme previsto no art. 12 da mesma Lei. A carga horária mínima de 30% prevista

para internato terá que ser desenvolvida na Atenção Básica e em Serviço de

Urgência e Emergência do SUS. Desta forma, a integração ensino-serviço se

apresenta como grande desafio e também como aposta da Política do Programa

Mais Médicos para a implantação das mudanças necessárias na graduação em

Medicina para a formação do profissional com perfil que atendam às necessidades

de saúde da população brasileira6,7.

A Lei n. 12.871 também dispõe sobre a Residência Médica no Brasil e

determina que, a partir de 2019, serão ofertadas vagas equivalentes ao número de

egressos dos cursos de graduação em medicina do ano anterior. O aporte nas

vagas se dará a partir do incremento dos programas de Residência Médica em

Medicina Geral de Família e Comunidade6. A obrigatoriedade de cursar pelo menos

um ano da Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade traz importante

desafio para a integração ensino-serviço na Atenção Básica por ser o principal

cenário de prática das mudanças implementadas pelo PMM, demonstrando a

priorização da atenção básica na política de saúde para mudança do paradigma em

busca de um sistema de saúde com atenção qualificada, considerando-se que

existem evidências que países com atenção primária forte possuem melhores níveis

de saúde e custos mais baixos8.

O Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES)

configura-se como importante instrumento para garantir estrutura de serviços de

saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade, além de

permitir a integração ensino-serviço na área da Atenção Básica. Segundo o artigo 12

da Lei 12.871, as instituições de educação superior responsáveis pela oferta dos

cursos de Medicina e dos Programas de Residência Médica poderão firmar o

COAPES com os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde, podendo

estabelecer garantia de acesso aos estabelecimentos assistenciais sob a

responsabilidade do gestor da área de saúde como cenário de práticas para a

formação6.

O profissional admitido pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil,

componente emergencial do Programa, além das atividades na Atenção Básica,

estará vinculado a curso de especialização em Saúde da Família à distância

oferecido por instituição de ensino superior (IES) brasileira. O prazo máximo de

20

permanência no país é de três anos, prorrogável por igual período caso sejam

ofertadas novas modalidades de formação. Todos os médicos deverão receber,

ainda, visitas periódicas de supervisão, que, juntamente com a tutoria acadêmica da

IES, será responsável por acompanhar suas atividades e apoiar pedagogicamente

os profissionais. Nesse sentido, a integração ensino-serviço é o mecanismo de

aperfeiçoamento dos médicos que contempla curso de Especialização, atividades de

ensino, pesquisa e extensão e supervisão acadêmica6.

1.3. Minhas Implicações

Para além de uma simples apresentação, aqui abordarei minhas

implicações, o que, neste caso, significa comprometimento; então, o meu vem do

lugar que falo: mulher, nordestina, latino-americana, feminista e de esquerda. Sou

de Recife, nascida e criada, como diz o povo por estas terras. Médica por profissão,

especialista integral em Medicina de Família e Comunidade (MFC), entretanto prefiro

a definição médica popular, por expressar melhor a escolha da contra-hegemonia.

Professora por destino e agora de fato da Universidade Federal de Pernambuco,

lugar de formação, militância e também de desconstruções.

Após a breve apresentação comprometida, um pouco mais de minha

história/implicação, levemente permeada, já que poeta não sou, pelo conterrâneo

Manuel Bandeira.

O interesse em entender o que se passava no Brasil começou no período

de preparação para o vestibular por experiência bem pessoal. Por ter um pai

bancário, o perigo das privatizações e desemprego sempre batiam em nossa porta

no período Fernando Henrique Cardoso. Comecei a observar a preocupação de meu

pai e como ele acompanhava as votações no Congresso e seguia as orientações do

Sindicato dos Bancários de Pernambuco. A partir de então, comecei a entender que

não existe separação entre o mundo da política e o nosso cotidiano. Tudo está

interligado... afinal, somos todos atores políticos.

Passada esta fase, entro na faculdade de Medicina na Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE) já com o interesse de conhecer o e participar do

21

movimento estudantil. O Diretório Acadêmico de Medicina Umberto Câmara Neto

(DAMUC) foi a minha verdadeira escola, onde problematizávamos nosso lugar no

mundo, no Brasil e na própria Medicina. Neste espaço, fiz a escolha de ser Médica

de Família e Comunidade e seguir o caminho da Saúde Coletiva, como também de

me reconhecer como ator político e de consolidar a formação militante por um

mundo mais justo e equânime.

Em 2010, ingresso na Residência de Medicina de Família e Comunidade,

também na UFPE, e se consolidam os aprendizados. Me torno médica de verdade

no sentido clínico (e também no político, confesso). Apreendo a vida dentro da

Comunidade e dentro da realidade de 80% da população brasileira. “A vida não me

chegava pelos jornais nem pelos livros... Vinha da boca do povo, na língua errado do

povo” (Evocação do Recife)5. Observo... sinto... me afeto. Sofro com o SUS do

cotidiano do trabalho, procurava o SUS da paixão militante dos tempos estudantis.

Também me encanto com projeto e construções do Recife em Defesa da Vida

(modelo implementado por gestões de outrora) e descubro a Clínica Ampliada, a

Medicina Centrada na Pessoa e, principalmente, a docência.

Concluo a Residência e mergulho na aventura do processo ensino-

aprendizagem. Na preceptoria da Residência de MFC, e também do internato da

UFPE, cresço. Aprendo com o desafio de preceptorar estudantes que entram de

costas na Unidade de Saúde de Família. Aprendo, também, com o desafio de

preceptorar estudantes que entram de peito aberto na Unidade de Saúde da Família.

Não quero mais saber do lirismo que não é libertação (Poética)5. Desta forma, sou

capturada pelo prazer de ensinar e aprender no cotidiano do trabalho: fazendo -

ensinado – aprendendo.

Em 2013, recebo o convite para trabalhar no Ministério da Saúde, na

coordenação pedagógica do Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção

Básica (PROVAB). Aceito o desafio: vi terras da minha terra; por outras terras andei;

mas o que ficou marcado no meu olhar fatigado, foram terras que inventei

(Testamento)5. Vivi este mergulho de cabeça na gestão federal. Entrei no Ministério

da Saúde para compor a equipe do PROVAB e tão logo começo a participar das

articulações e formulações do Programa Mais Médicos. Tornei-me, então, umas das

coordenadoras do recém-criado Departamento de Planejamento e Regulação da

Provisão de Profissionais de Saúde – DEPREPS/ SGTES/MS.

22

O Programa mais polêmico do Governo Dilma exigia dedicação em tempo

integral, além de muito estudo. O mundo da gestão se descortinava para quem até o

momento tinha vivido a assistência e a academia. O trabalho no Ministério da Saúde

na gestão do Programa Mais Médicos oportunizou aprendizados pessoais,

profissionais e políticos, principalmente na contribuição, na construção do ensino na

saúde, da integração ensino-serviço, no fortalecimento da Atenção Básica e na

consolidação de um sistema de saúde público e equânime.

Foi de grande valia o aprendizado por estar imbricada na construção de

uma Política Pública, o que mobilizou a tornar o Programa Mais Médicos objeto de

estudo no Mestrado Profissional por potencializar a produção científica aliada ao

cotidiano do trabalho, portanto não poderia perder a oportunidade de problematizar e

analisar esta Política.

23

2. OBJETIVOS

2.1. Primário

• Analisar o processo de formulação do Programa Mais Médicos

enquanto Política Pública.

2.2. Secundários

• Reconstruir o desenvolvimento do Programa Mais Médicos,

investigando como se deu a inserção do tema na agenda

governamental, bem como a formulação da política;

• Delinear os principais marcos da definição da agenda e da formulação

da política do Programa Mais Médicos;

• Realizar análise comparativa entre os dois principais marcos legais:

Medida Provisória n. 621, de 08 de julho de 2013, e a Lei n. 12871, de

22 de outubro de 2013.

• A partir dos marcos da Política do Programa Mais Médicos e da

análise comparativa entre a Medida Provisória n. 621 e a Lei n.

12.871, inferir tensões, correlação de forças e disputas entre os atores

políticos.

24

3. REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção tem o objetivo de apresentar o marco teórico utilizado para

subsidiar a análise do Programa Mais Médicos enquanto política pública. Para tanto,

será discutido o conceito de Política Pública e a clássica abordagem de ciclos de

Políticas Públicas, como também a análise de Políticas de Saúde.

Para discutir Política Pública, é interessante abordar o conceito de

Política. Como bem apresentado por Bobbio, Matteuci e Pasquino11, política significa

tudo que está relacionado à cidade e ao cidadão. Desta forma, a política é inerente

aos estados, às pessoas e às instituições: uma atividade mediante a qual as

pessoas fazem, preservam e corrigem as regras sob as quais vivem, sendo

inseparável tanto do conflito como da cooperação, em que serão mediados valores e

opiniões diferentes, necessidades concorrentes e interesses opostos. Portanto, é o

que nos permite viver em sociedade11.

O conceito de política está intrinsicamente ligado ao conceito de poder,

pelo fato de a política consistir no conjunto de procedimentos e ações que

expressam a relação de poder na disputa das correlações de forças entre os atores

e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos.

Para o conceito de políticas públicas, não existe uma única ou melhor

definição. Considerando o processo histórico acerca de política pública, utilizaremos

o conceito apresentado no Dicionário de Política, organizado por Bobbio, Matteuci e

Pasquino11:

A Política Pública é definida como um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público, atuando e influindo sobre as realidades econômicas, social e ambiental; podem variar de acordo com o grau de diversificação da economia, com a natureza do regime social, com a visão que os governantes têm do papel do Estado no conjunto da sociedade, e com o nível de atuação dos diferentes grupos sociais (partidos, sindicatos, associações de classe e outras formas de organização da sociedade).

Existem três grandes vertentes teóricas sob as quais se pode depreender

a leitura do processo de formulação de políticas públicas: a pluralista, a marxista e a

25

neoinstitucionalista. A base para a comparação entre estas teorias é concepção da

relação entre o Estado e a sociedade.

O pluralismo centra o papel decisório na sociedade, por isso também é

chamada de abordagem societal; desta forma, o Estado é fruto da interação do jogo

de forças de grupos de interesses que procuram maximizar benefícios e reduzir

custos. Sendo assim, grupos politicamente mais fortes conseguiriam defender seus

interesses e influenciar a formulação de políticas. O equilíbrio seria dado pela

competição plural, garantia de acesso de todos à vida política12. São as demandas e

apoios (inputs) dos grupos de pressão que vão delinear as políticas públicas

(outputs). O governo e suas políticas são vistos como resultado dos inputs vindos da

sociedade. O Estado é considerado como algo neutro, cuja função é promover a

conciliação dos interesses que interagem na sociedade13. Lobato12 destaca que, por

requerer um sistema político democrático e plural, com a garantia de participação de

todos os segmentos da sociedade na arena de disputa, o pluralismo não se aplica a

países com as características do Brasil.

A teoria marxista, também chamada de abordagem estruturalista, refere-

se à influência dos interesses econômicos na ação política, pode-se dizer que a

análise marxista parte das relações entre economia, classes sociais e Estado. As

ações do Estado podem ser explicadas a partir da estrutura da sociedade capitalista,

em que o Estado contribui como meio para a manutenção do predomínio de uma

classe social. As relações de classe são essencialmente relações de poder,

constituindo o instrumento analítico para a interpretação das transformações sociais

e políticas. As políticas estatais aparecem como reflexo dos interesses da classe

dominante, uma vez que coopta o aparelho estatal13,14.

A teoria neoinstitucionalista defende que entre o Estado e a sociedade

existem as instituições, que moldam o comportamento dos atores, demandam

políticas e legitimam a ação do Estado. Não só os indivíduos ou grupos que têm

força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e

informais que regem as instituições15. As instituições buscam reproduzir a lógica de

controle sobre a sociedade, reforçando sua autoridade e poder político. Nessa

perspectiva, as decisões públicas trazem, portanto, a marca dos interesses e das

percepções que a burocracia estatal tem da realidade, como também carrega os

vícios da estrutura da máquina estatal13.

26

Cada linha teórica pode explicar, a partir de sua ótica, os rumos de uma

política pública. Este trabalho enfatiza a importância da compreensão que a análise

de uma política combina uma série de fatores dada a complexidade do cenário

político e da sociedade moderna, superando desta forma a análise puramente

descritiva. Ferreira16 propõe uma análise multicausal pela complexidade dos

sistemas políticos que emergiram a partir da industrialização, urbanização,

modernização e expansão do mercado capitalista nas sociedades ocidentais.

A análise de Políticas Públicas tem como objetivos questionar a ação

pública, seus determinantes, suas finalidades, seus processos e suas

consequências. O objeto principal de análise são os processos de tomada de

decisão no momento de construção de uma dada política ou de um grupo de

políticas. Tal análise implica: na descrição das regras institucionais e sua influência

sobre o processo decisório; na identificação dos participantes do debate político e

das coalizões que se podem formar; e na avaliação dos possíveis efeitos das

distintas coalizões sobre as decisões14.

Importante sistematização no campo da análise de políticas públicas é a

clássica abordagem do ciclo de políticas públicas desenvolvido por Harold

Lasswell17, composto por sete fases: Inteligência, Promoção, Prescrição, Inovação,

Aplicação, Término e Avaliação. Laswell introduziu a expressão análise de políticas

públicas e foi o pioneiro na formulação de ciclos de política pública para sua análise

como forma de conciliar conhecimento científico e acadêmico com a produção e

procedimentos empíricos dos governos.

A abordagem do ciclo de políticas teve grande importância como marco

analítico referencial, influenciando toda uma geração de pesquisas e promovendo o

desenvolvimento do campo teórico e o surgimento de variações da tipologia sobre

os estágios. Entretanto, outros teóricos, como Lindblom e Easton, questionaram a

racionalidade dos ciclos de política de Laswell e propuseram a incorporação à

análise de políticas públicas de outras variáveis como as relações de poder,

integração entre as diferentes fases do processo decisório, assim como inputs dos

partidos, mídia e organização civil15.

Atualmente, a tipologia mais convencional utilizada tem sido composta

pelas seguintes fases: definição de agenda, formulação de políticas, implementação

e avaliação14.

27

Definição da agenda refere-se ao processo no qual um dado problema

público é compreendido como relevante e emerge na arena política, resultante de

fatores como demandas políticas e sociais, necessidades identificadas e

compromissos políticos assumidos. Na análise de política pública, compreende a

fase de estudo e explicitação do conjunto de processos que conduzem os fatos

sociais a adquirir status de problema público18.

A fase de formulação de políticas refere-se, a partir do problema

delimitado, ao processo de elaboração e escolha de uma solução ou um conjunto

delas para o enfretamento de problema delimitado. Compreende o processo de

formulação do desenho da política pública com suas alternativas, metas, análise de

custo-benefício e definição de marcos jurídicos, administrativos e financeiros.

Já a implementação compreende o conjunto de ações que permitem o

alcance dos objetivos e metas traçadas no processo de formulação da política

pública. Refere-se, então, à execução da política, que requer planejamento e

organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros,

materiais e tecnológicos necessários18. Esta é uma fase crucial, pois pode-se

necessitar de adaptações e reformulações do desenho da política para aplicação

efetiva, que depende do entrosamento entre formuladores e implementadores (que

geralmente não são os mesmos atores), compreensão aprofundada do desenho da

política e de suas fases e as mudanças que a política irá provocar14.

A avaliação refere-se à mensuração e à análise dos resultados

produzidos na sociedade pelas políticas públicas. Compreende o processo de

monitoramento dos resultados pelo próprio governo, por outro tipo de organização

ou pela academia. Também nesta fase, novas formulações podem ser elaboradas e

a política implementada redefinida em sua trajetória, a depender dos resultados

encontrados.

A divisão da análise de políticas públicas por fases é mais uma

esquematização teórica-metodológica para facilitar o estudo dos diferentes

momentos na construção de uma política. O processo nem sempre segue a

sequência sugerida, mas as etapas mencionadas estão geralmente presentes18. Os

estágios frequentemente encontram-se intricados em um processo contínuo; um fato

pode interferir em mais de uma fase, sendo difícil diferenciar os limites entre elas.

Como bem apresentou Hill19, deve-se considerar a complexidade de se analisar

28

políticas públicas, uma vez que o problema não é apenas técnico, o clima nunca é

completamente consensual e o processo não é totalmente controlado.

Souza15 aponta que a análise de Políticas Públicas em países como o

Brasil ganhou visibilidade a partir da adoção de políticas restritivas de gasto que

passaram a dominar a agenda de países em desenvolvimento além do fato, em

especial nos países da América Latina, de que ainda não se conseguiu formar

coalizões políticas capazes de equacionar a questão de como desenhar políticas

públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a

inclusão social de grande parte de sua população.

No Brasil, a formulação de políticas públicas tem outros complicadores,

como aponta Lobato12: breves períodos de governos representativos legítimos,

exclusão de amplos setores sociais do processo político e tratamento variante entre

cooptação dominadora e coerção sobre setores populares. Estes fatores evidenciam

a fragilidade do sistema político brasileiro na articulação necessária para formulação

e implementação de política públicas que garantam desenvolvimento econômico e

justiça social.

Em relação à análise de políticas públicas de saúde, seu desenvolvimento

está diretamente relacionado a políticas de proteção social no período posterior à

Segunda Guerra Mundial. Estudos na área de políticas de saúde ocuparam lugar de

destaque uma vez que a sociedade contemporânea se tornava cada vez mais

complexa, com transformação no perfil epidemiológico, mudança populacional e

crescente incorporação tecnológica14.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é o marco do processo de

redemocratização e define legalmente a política de proteção social, sendo a base

para a instituição do Sistema Único de Saúde de caráter universal e integral. A partir

deste contexto, em meados da década de 80, os estudos de análise de políticas de

saúde centraram na formulação de macropolíticas para respaldar a reforma do

sistema de proteção social. Já na década de 90, seguindo o curso histórico, os

estudos focaram no acompanhamento do processo de implementação do SUS14.

Para além de compreender o processo de formulação e implementação

de políticas públicas no complexo sistema político brasileiro, se mantêm como

grandes desafios produzir estudos que aprofundem a análise da forma de operar os

aparatos públicos, as corporações profissionais e suas articulações, o processo de

29

interdependência entre política de saúde e política econômica e os mecanismos de

participação social14. Portanto, estudos no campo de análise de política pública, em

especial na política de saúde, têm extrema importância por contribuir no

entendimento das disputas dos diversos setores da sociedade, sejam públicos ou

privados, na construção das políticas e desta forma pode tencionar a estrutura

estatal, os diversos atores políticos e o processo decisório para garantir participação

e representatividade democrática para alcançar a cidadania.

30

4. METODOLOGIA

4.1. Trajetória metodológica

A pesquisa tem caráter qualitativo à luz do método de análise de Políticas

Públicas por ciclo político, com levantamento de dados a partir da pesquisa

exploratória de levantamentos bibliográficos e documentais. O método qualitativo é o

que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças,

das percepções e das opiniões, produtos da interpretação que os humanos fazem a

respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e

pensam. As abordagens qualitativas se conformam melhor às investigações de

grupo e segmentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos

atores e de relações para análises de discursos e de documentos.20

Por sua vez, a Pesquisa Exploratória se utiliza comumente de

levantamentos bibliográfico e documental. As principais fontes bibliográficas são

materiais já elaborados, tais como livros e artigos científicos, e as do levantamento

documental, materiais que ainda não receberam tratamento analítico, quais sejam:

documentos oficiais, reportagens de jornal e até mesmo relatórios de pesquisa.21

Nesta pesquisa, foi utilizada como referencial teórico-metodológico a

análise de Política Pública por ciclos políticos. Política Pública é definida como um

conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação

política do Estado e regulam as atividades governamentais. A análise de Políticas

Públicas tem como objetivos questionar a ação pública, seus determinantes, suas

finalidades, seus processos e suas consequências.

Já o ciclo de políticas públicas representa uma sistematização dessa

análise e permite o estudo das regras institucionais, do processo decisório, da

identificação dos atores do debate político, da formulação da política pública e de

sua implementação e impactos. Para isso, esta pesquisa utilizou a tipologia mais

convencional do ciclo de políticas públicas, composta por: definição de agenda,

formulação de políticas, implementação e avaliação14.

No presente trabalho, foi realizada análise do Programa Mais Médicos

enquanto Política Pública nas 2 primeiras fases do ciclo: definição de agenda e a

31

formulação da política. O objetivo de focar nestas fases é possibilitar o

aprofundamento no entendimento do cenário político, dos atores e das articulações

que interferiram no arcabouço final da Política. A análise de política em ciclos

possibilitou a sistematização dos estudos, mas é importante enfatizar a

compreensão da não linearidade, que os estágios frequentemente encontram-se

intricados em um processo contínuo e também que um fato pode interferir em mais

de uma fase. Também é importante destacar que a análise da dinâmica da arena

política, por ciclos, apenas é possível no contexto de democracias estáveis.

O período de estudo compreende o contexto entre os anos de 2011 e

2013. Este foi o período escolhido para análise uma vez que, a partir do ano de

2011, se convergiram eventos e debates em torno do tema da escassez e de

dificuldade de provisão e fixação de profissionais de saúde e também foi o ano em

que se iniciou o primeiro mandato da presidenta* Dilma Rousseff e do Ministro da

Saúde Alexandre Padilha. Como o estudo tem por objetivo analisar a definição da

agenda e a fase de formulação do PMM, a análise da pesquisa segue até outubro de

2013, por ser o período de homologação da Lei n. 12.871 e, portanto, representar a

conclusão da fase de formulação da política.

Os dados foram trabalhados a partir da análise documental em

apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais, relatórios técnicos,

artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e sentenças judiciais, entre

outros. Também foram utilizados como fontes de dados sites e blogs de instituições

de saúde, entidades médicas e organismos internacionais por fornecerem

informações importantes que não estão presentes em artigos científicos, dada a

contemporaneidade da Política analisada, como também por evidenciarem posição

política dos atores da arena política. Além disso, também foi utilizada como fonte de

informação a experiência da pesquisadora na gestão do Programa Mais Médicos.

Após o levantamento de fatos, eventos, programas e movimentos

políticos acerca do tema de escassez e dificuldade de provisão e fixação de

profissionais de saúde no SUS, definiu-se os marcos que foram determinantes para * A palavra presidenta será utilizada em toda a dissertação ao fazer referência à ex-presidenta da República Dilma Rousseff. Houve intensa discussão se seria correto o uso da palavra no feminino na língua portuguesa. O dicionário online Dicio define a palavra presidenta como “aquela que foi eleita para a presidência de um país, nação, instituição, ocupando o cargo mais importante dentro de uma hierarquia”22. Portanto, o uso da palavra presidenta nesta dissertação representa demarcação política e reconhecimento da primeira mulher como presidente do país e não transgressão linguística.

32

a formulação do Programa Mais Médicos. Os marcos estudados, em ordem

cronológica, foram: 1) Seminário Nacional de Escassez de Provimento e fixação de

profissionais de saúde, promovido pelo Ministério da Saúde; 2) Programa Nacional

de Valorização do Profissional de Saúde (PROVAB); 3) Movimento de Prefeitos -

Cadê o Médico; 4) Manifestações de junho de 2013; 5) Medida Provisória n. 621,

lançada pelo poder executivo federal e que institui o Programa Mais Médicos; e 6)

Lei n. 12.871, conversão da Medida Provisória em Lei.

Segundo Gil21, não são apenas pessoas vivas que constituem fontes de

dados. Muitos dados importantes na pesquisa social provêm de fontes de papel:

arquivos históricos, registros estatísticos, diários, biografias, jornais e revistas.

Então, foi realizado levantamento de dados, documentos oficiais,

relatórios e materiais disponíveis em portais eletrônicos de cada marco acima citado.

Além disso, foi realizada a análise comparativa entre a Medida Provisória n. 621,

proposta pelo poder executivo, e a Lei n. 12.871, proposta final aprovada no poder

legislativo. Todas as fontes de dados consultadas são de livre acesso à consulta

pública.

Após esta etapa, a pesquisadora procedeu à análise de conteúdo dos

documentos selecionados para poder, assim, fazer inferências e fornecer

interpretações coerentes acerca da influência de cada marco no desenho final do

Programa Mais Médicos.

Segundo Minayo20, a análise de conteúdo parte de uma leitura de

primeiro plano de falas, depoimentos e documentos, para atingir um nível mais

profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do material. Para isso, geralmente,

todos os procedimentos levam a relacionar estruturas semânticas (significantes) com

estruturas sociológicas (significados) dos enunciados e a articular a superfície dos

enunciados dos textos com os fatores que determinam suas características:

variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de produção de mensagem.

Segundo a mesma autora, a análise de conteúdo diz respeito à técnica de pesquisa

que permite tornar replicáveis e válidas as inferências sobre dados de um

determinado contexto20.

Então, a partir da abordagem qualitativa do método, enfatizando não

apenas a descrição dos dados, mas com olhar cuidadoso e crítico sobre as fontes

documentais, a pesquisadora realizou inferências e interpretações acerca de

33

disputas políticas na formulação da Política do Programa Mais Médicos, uma vez

que documentos não são produções isentas e traduzem leituras e posições políticas

de determinado grupo em dado tempo e espaço.

Também considera-se aqui a implicação do olhar interpretativo da

pesquisadora, que não é isento de escolhas e está permeado pelos determinantes

sociais, culturais, políticos e econômicos do seu tempo. A autora do projeto

trabalhou no Ministério da Saúde como coordenadora da Área Pedagógica do

Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde

– DEPREPS/SGTES/MS, departamento responsável pelo Programa Mais Médicos, o

que mobilizou a decisão de tornar o Programa Mais Médicos objeto de estudo no

Mestrado Profissional por potencializar a produção científica aliada ao cotidiano do

trabalho.

34

5. RESULTADOS

5.1. Contextualização e Construção da Agenda do Programa Mais Médicos

A fase de definição da agenda compreende o estudo do processo que

conduz os fatos sociais a adquirir status de problema público, transformando-o em

objeto de debates e de disputas políticas18.

Esta seção aborda a construção da agenda do Programa Mais Médicos.

E, para tal, apresentará o contexto da Atenção Básica no Brasil, o cenário de

insuficiência de médicos no país e o processo histórico da formação médica. O

entendimento desses três temas é fundamental para a compreensão do cenário da

necessidade de médicos na Atenção Básica como também de profissionais com

perfil para o atendimento integral no SUS.

5.1.1. Atenção Básica

A Atenção Primária à Saúde apresenta dois grandes marcos históricos: o

Relatório Dawson e a Declaração de Alma-Ata. O Relatório Dawson é considerado

um dos primeiros documentos a hierarquizar o cuidado em saúde em cuidados

primários, secundários, terciários e em organizar o cuidado de forma regionalizada,

por níveis de complexidade e ainda trazer a discussão da correlação entre serviço

de saúde e formação. Desta forma, o Relatório é considerado um dos primeiros

documentos a utilizar o conceito de Atenção Primária em Saúde. O Relatório

Dawson foi elaborado pelo Ministério da Saúde do Reino Unido em 1920 e

influenciou a criação do sistema de saúde britânico, que por sua vez serve como

referência na reorganização dos sistemas de saúde em vários países do mundo23.

A Declaração de Alma-Ata foi o documento fruto da Conferência

Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde realizada na cidade de mesmo

nome na Rússia em 1978. Esta conferência representou um marco de influência

nos debates sobre os rumos das políticas de saúde no mundo, reafirmando a saúde

35

como direito humano fundamental, tendo como centralidade a Atenção Primária à

Saúde para a garantia deste direito24.

VI) Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.

No Brasil, as propostas da Declaração de Alma-Ata também inspiraram

experiências de implantação dos serviços municipais de saúde no final da década de

70 e início da década de 8025. Entretanto, as propostas ainda eram incipientes em

um contexto de um Estado não democrático, mas foram importantes para a

construção de correlação de forças para a disputa no setor saúde. Surgiu, à época,

um movimento postulando a democratização da saúde, justamente num período no

qual novos sujeitos sociais emergiram nas lutas contra a ditadura.

A Reforma Sanitária Brasileira (RSB) representou um corpo doutrinário e

um conjunto de proposições políticas voltados para a saúde que apontavam para a

democratização da vida social e para uma Reforma Democrática do Estado26.

A distensão do regime autoritário e a articulação do movimento sanitário

permitiram, no final do regime militar, a entrada no aparelho do Estado de militantes

da Reforma Sanitária, o que viabilizou a realização da 8ª Conferência Nacional de

Saúde27. Na 8ª Conferência se reafirmou a saúde como direito humano e dever do

Estado e recomendou-se a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)

descentralizado e democrático. No ano de 1988, conclui-se o processo constituinte e

é promulgada a nova Constituição do Brasil, a chamada “Constituição Cidadã”, que

garantiu, em seu art. 196, a saúde como direito universal e igualitário:

Art. 196. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de risco de doença e de

36

outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Também foi garantida na Constituição de 88 a criação do SUS com rede

regionalizada e hierarquizada com a descentralização, integralidade e participação

da comunidade como diretrizes. Por sua vez, o desenho da rede de atenção à saúde

do SUS, sua organização, funcionamento e responsabilidades dos níveis de

governo, foi estabelecido pelas Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142 e por legislação

infraconstitucional.

Dentre a legislação infraconstitucional, a Norma Operacional Básica/96

(NOB/96) foi de extrema importância por ter impulsionado o processo de

descentralização do SUS e oportunizou aos municípios maior grau de autonomia.

Além disso, a NOB/96 apresenta as primeiras citações sobre a mudança do modelo

de atenção à saúde com destaque à Atenção Básica, prevendo incentivo financeiro

para o Programa de Saúde da Família (PSF) e para o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde25,28,29.

No presente trabalho, ora foi utilizado o termo Atenção Primária a Saúde,

ora o termo Atenção Básica por respeito ao termo utilizado nos documentos ao qual

se fazia referência. Há intensa discussão de qual termo é mais adequado para

nomear este nível de atenção responsável pelo primeiro contato do cidadão com os

serviços de saúde. Este trabalho não se deterá nesta discussão mas usará, a partir

deste momento, o termo Atenção Básica por ter sido escolhido pelo Ministério da

Saúde do Brasil para nomear este nível de atenção e desta forma é o utilizado nos

documentos oficiais no país25,28.

A Atenção Básica é um conjunto de ações de saúde tanto no âmbito

individual como no coletivo que abrange promoção, proteção, prevenção,

diagnóstico, tratamento e reabilitação. Tem como princípios a universalidade,

acessibilidade, vínculo e integralidade. É caracterizado como o maior nível, dentro

do SUS, de descentralização e capilaridade. E tem o papel de ser o ordenador da

Rede de Atenção à Saúde30.

Implementado em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) é um

marco na incorporação da estratégia de Atenção Básica na política de saúde

37

brasileira31, que dialoga com doutrina de cuidados primários de saúde da Declaração

de Alma-Ata24.

Desde 1999, o Ministério da Saúde definiu a Estratégia de Saúde da

Família como o modelo da Atenção Básica brasileira, anteriormente denominado

Programa Saúde da Família, com vistas a reorientar o modelo assistencial e imprimir

uma nova dinâmica na organização dos serviços e ações de saúde. A estratégia de

saúde da família incorpora os princípios do SUS e preconiza uma equipe de caráter

multiprofissional (médico generalista, enfermeiro, técnico de enfermagem e agente

comunitário de saúde) que trabalha com território adscrito, cadastramento e

acompanhamento da população residente do território sob responsabilidade31.

A partir de 2011, a Atenção Básica entra como agenda prioritária do

Governo Federal. Foi elencado no Ministério da Saúde, no início do primeiro

mandato da presidenta Dilma Roussef, quais seriam os dez desafios para Atenção

Básica para aquele governo32.

Os desafios apontados foram: 1) financiamento insuficiente da Atenção

Básica; 2) infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS) inadequada; 3)

baixa informatização dos serviços e pouco uso das informações disponíveis para a

tomada de decisões na gestão e a atenção à saúde; 4) necessidade de ampliar o

acesso, reduzindo tempo de espera e garantindo atenção, em especial para grupos

mais vulneráveis; 5) necessidade de melhorar a qualidade dos serviços incluindo

acolhimento, resolubilidade e longitudinalidade do cuidado; 6) pouca atuação na

promoção da saúde e no desenvolvimento de ações intersetoriais; 7) desafio de

avançar na mudança do modelo de atenção e na mudança de modelo e qualificação

da gestão; 8) inadequadas condições e relações de trabalho, mercado de trabalho

predatório, déficit de provimento de profissionais e contexto de baixo investimento

nos trabalhadores; 9) necessidade de contar com profissionais preparados,

motivados e com formação específica para atuação na Atenção Básica; e 10)

importância de ampliar a legitimidade da Atenção Básica junto aos usuários e de

estimular a participação da sociedade.

A partir desses desafios colocados, foi lançada a Política Nacional da

Atenção Básica (PNAB) em 2011. A partir da PNAB, foram lançados vários

Programas que visam intervir nos desafios apresentados anteriormente. Em relação

à infraestrutura, foi lançado o Requalifica UBS, um programa de transferência de

38

recurso do Governo Federal direto para o município com o objetivo de realizar

reforma de Unidades Básicas de Saúde. Também nesse período foi criado o novo

Sistema de Informação da Atenção Básica e a estratégia do e-SUS, que visa

promover mudança no uso das informações para a qualificação do cuidado,

planejamento das ações e da gestão em saúde e informatizar a AB, em consonância

com o Plano Nacional de Banda Larga. Além disso, entre os anos de 2011 e 2013

foram lançados: o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade, o

Programa Telessaúde Brasil Redes, reestruturação da Política Saúde na Escola,

Política de Educação Permanente para os profissionais da AB, nova Política

Nacional de Alimentação e Nutrição, o Programa de Valorização dos Profissionais da

Atenção Básica (PROVAB) e a última política lançada foi o Programa Mais Médicos2.

O Programa Mais Médicos, objeto de pesquisa deste trabalho, busca

intervir nos seguintes pontos, dentre os elencados como desafio acima: déficit de

provimento de profissionais médicos, mercado de trabalho predatório e contexto de

baixo investimento nos trabalhadores, necessidade de ampliar o acesso,

infraestrutura inadequada das Unidades Básicas de Saúde e necessidade de contar

com profissionais preparados, motivados e com formação específica para atuação

na Atenção Básica2.

5.1.2. Insuficiência de Médicos

O número de médicos e sua distribuição geográfica influencia na garantia

do direito à saúde como também interfere no acesso a serviços de saúde. O

provimento e fixação de médicos resultante do processo de escolha individual

geralmente resulta em distribuição socialmente inadequada10.

Número inadequado e desigualdades geográficas na distribuição de

médicos podem ser encontradas em vários países e regiões. A OCDE, em seu

relatório de 2015 sobre a saúde, aponta que a falta de médicos interfere no acesso à

saúde e que a má distribuição destes profissionais é uma questão política importante

na maioria de seus países-membro4. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS)

estima que 50% da população mundial reside em áreas rurais remotas, mas essas

áreas são servidas por menos de 25% da força de trabalho médico33.

39

A concentração de médicos é sempre maior em áreas urbanas, refletindo

também a concentração de serviços de saúde. Estudos apontam 2 fatores

importantes que interferem nesta concentração: um relacionado à vida profissional -

mercado de trabalho, oportunidades na carreira e local de realização da graduação e

residência; outro relacionado a equipamentos sociais e vida pessoal – oportunidade

profissional para o cônjuge e oportunidade de educação para os filhos4,10.

Este padrão de distribuição de médicos agrava ainda mais as

desigualdades no setor da saúde, já que os serviços de saúde não estão disponíveis

onde há maior necessidade. Desta forma, apresenta um sério obstáculo para

alcançar a equidade no direito à saúde, como também para o desenvolvimento de

sistemas públicos de saúde com garantia universal à saúde.

Vários países têm buscado estratégias para resolver o desequilíbrio de

distribuição de profissionais de saúde, especialmente médicos, e melhorar a

provisão e fixação de profissionais em áreas remotas e de maior vulnerabilidade

social33. São relatadas como estratégias: incentivo financeiro, política de serviço civil

obrigatório e algumas estratégias não monetárias como educação continuada34.

A Austrália é um exemplo de país que lançou mão de tais estratégias. O

governo australiano implementou dois programas para provisão e fixação de

profissionais de saúde em áreas remotas. O Rural Clinical Training and Support

(RCTS), que prevê financiamento para que as escolas médicas realizem seleção de

alunos oriundos de áreas remotas, realização de estágios e internato rural para

todos os estudantes de medicina e aperfeiçoamento dos sistemas de apoio

educacional para alunos e médicos rurais, e o Overseas Trained Doctors (OTD), que

é um programa de atração de médicos formados no exterior para atuarem de forma

supervisionada e com exercício restrito às regiões indicadas pelo governo

australiano com duração de dez anos34.

Após instituição do Sistema Único de Saúde, o Brasil tem demonstrado

importantes avanços no cuidado em saúde, principalmente no que diz respeito à

universalização do acesso aos serviços. Entretanto, as dimensões continentais do

país e as desigualdades regionais dificultam esta garantia de acesso.

O artigo 200 da Constituição Federal de 1988 determina que é

prerrogativa do Sistema Único de Saúde ordenar a formação de recursos humanos

em saúde. Portanto, o SUS deve analisar e monitorar a demanda e oferta de

40

profissionais de saúde, assim como induzir a formação para as reais necessidade de

saúde do país.

O Brasil implementou, ao longo do tempo, diversas estratégias para o

enfrentamento das graves desigualdades sócio-regionais na distribuição da força de

trabalho médica. Dentre estas estratégias, estão: o Programa de Interiorização das

Ações de Saúde e Saneamento (PIASS, de 1976), que preconizava a interiorização

dos serviços de saúde e expansão da cobertura de ações de saúde-saneamento; o

Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS, de 1993), que

preconizava a interiorização de uma equipe mínima, além do médico, visando à

descentralização e à municipalização do atendimento; o Programa de Interiorização

do Trabalho em Saúde (PITS, de 2001), que propunha estimular a ida de médicos e

enfermeiros para os municípios mais carentes e distantes por meio de incentivos

financeiros e de formação profissional34,35.

Mais recentemente, o governo brasileiro implementa, em 2011, o

Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB), que estimula a ida de

profissionais médicos para áreas remotas e de grande vulnerabilidade social. As

atividades dos médicos são supervisionadas, com oferta de curso de especialização

de saúde da família, bolsa paga pelo Governo Federal e com pontuação adicional de

10% na nota final dos concursos de residência médica. Em 2013, é lançado o

Programa Mais Médicos, que, em um de seus eixos, prevê o recrutamento de

médicos brasileiros aos moldes do PROVAB para áreas remotas. Em caso de

permanência de vazios assistenciais, recorre-se a médicos formados no exterior,

através de cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).

No período de lançamento destas políticas, segundo estudo de

Demografia Médica publicado pelo Conselho Federal de Medicina em 2013, o Brasil

possuía 1,8 médicos por mil habitantes36. Esta relação é bem inferior à média

apresentada pelos países-membro da OCDE, como demonstra o gráfico abaixo:

41

Ilustração 1 - Médicos por 1000 Habitantes Fonte: OECD9

Além da média de relação médico/habitante do Brasil ser baixa em

comparação aos demais países do mundo, ainda há disparidades regionais, sendo

que apenas quatro Estados (SP, RJ, ES e RS) e o Distrito Federal que possuíam

média acima da nacional, enquanto cinco Estados possuíam média menor que 1

médico por mil habitantes (AC, AP, MA, PA e PI), o que agrava ainda mais as

desigualdades de acesso à saúde no Brasil. Assim, verifica-se que, além da

escassez de profissionais médicos, há má distribuição desses profissionais no

território nacional36.

Em estudo mais recente, o Conselho Federal de Medicina ratificou a má

distribuição de médicos pelo país apesar da média nacional ter subido para 2,11

médicos por mil habitantes. Mantém-se a desigualdade de distribuição entre os

Estados da federação, entre as capitais e os interiores, como também em

agrupamento de municípios por estratos populacionais37.

As regiões Norte e Nordeste estão abaixo da razão nacional, com 1,09 e

1,3 médico por mil habitante, respectivamente. Fazem parte dessas duas regiões

também os Estados com menor número de médicos em relação à população:

Maranhão, com 0,79, e Pará, com 0,91. Verifica-se também que as demais regiões

têm razão médico/habitante acima da média nacional: região Sudeste conta com o

maior número de médicos por 1.000 habitantes, 2,75, acima da região Sul, com

2,18, e da Centro-Oeste, com 2,20. Ao estabelecer um paralelo da proporção da

população com a proporção de médicos, fica bem clara a iniquidade em saúde entre

0 0,5

1 1,5

2 2,5

3 3,5

4 4,5

5

Médicos por 1000 habitantes

Méd

ia 3

,3

42

as regiões do país, como na região Sudeste estão 55,3% dos médicos e 42% da

população do país, enquanto na região Nordeste trabalham 17,4% dos médicos

brasileiros e vivem 27,8% do total da população37.

O conceito de insuficiência de médico se aplica mais à sua distribuição

que aos números absolutos. Deve-se aprofundar a análise da desigualdade do

acesso a serviços de saúde e os fatores que a determinam. Apenas a relação

numérica não é suficiente para demostrar a necessidade de profissionais. Um estudo

do Observatório de Recursos Humanos da UFMG desenvolveu índice de escassez

de médicos na AB. O pressuposto é o de que as altas necessidades de saúde,

carências socioeconômicas e dificuldades de acesso se refletem em maior demanda

de serviços médicos, agravando a situação destes profissionais.

O índice de escassez foi desenvolvido considerando três dimensões: 1)

disponibilidade/oferta de recursos humanos na Atenção Básica, calculado pela razão

da população por médico 40 horas na Atenção Básica (clínico, pediatra e médico de

família); 2) necessidade de saúde, utilizando a taxa de Mortalidade Infantil; e 3)

carências socioeconômicas, considerando a proporção de domicílios elegíveis ao

Programa Bolsa Família38.

Desta forma, classificou-se o índice de escassez em escala severa, alta e

moderada, aplicando-o a municípios não metropolitanos. Segundo este índice, a

maior parte dos municípios com escassez de médicos encontra-se no Nordeste,

onde 51,8% dos municípios não metropolitanos apresentam algum grau de

escassez38.

Portanto, regiões geográficas mais remotas e de vulnerabilidade social

apresentam maior dificuldade ao acesso à assistência médica, o que aumenta ainda

mais a vulnerabilidade social, que se retroalimenta em ciclo vicioso. Desta forma, é

imperativo a formulação de políticas públicas de saúde que enfrentem tal situação

afim de garantir o direito constitucional à vida e à saúde universal e equânime.

5.1.3. Formação Médica no Brasil

O final do século XIX é um período de avanço científico e, como

consequência disto, observa-se a substituição do empirismo pelo método científico.

Neste contexto, surge o Relatório de Flexner, que influenciou a prática médica

43

mundial, consolidando o paradigma da medicina científica, caracterizado por:

segmentação em ciclos básico e profissional, ensino baseado em disciplinas ou

especialidades e ambientado em sua maior parte dentro de hospitais39.

A atualização da educação médica aconteceu concomitantemente ao

desenvolvimento da sociedade capitalista. A incorporação tecnológica passou a

determinar tanto a organização quanto a gestão dos hospitais, das instituições de

ensino e da formação. A lógica da produtividade tomou conta da relação médico-

paciente. O ensino se concentrou decisivamente nos hospitais, constituindo o

moderno modelo hospitalocêntrico de assistência médica e de formação40.

No Brasil, no final da década de 60, com a Reforma Universitária, o

conteúdo curricular das escolas de medicina ajustou-se ao modelo flexineriano. O

ensino centra-se no hospital universitário, com separação entre ciclos básico e

profissional e com disciplinas separadas por especialidades médicas. Consolida-se,

então, um modelo mecanicista, biologicista e individualista que fragmenta o corpo

em órgãos e sistemas, estimula a especialização e atende aos interesses do

complexo médico-industrial41.

Na segunda metade da década de 70, surgia no Brasil a luta pela

redemocratização e a luta pelo fim da ditadura militar. No campo da saúde, surge o

Movimento da Reforma Sanitária como grande ator social que militava contra a

complexo médico-industrial e lutava pela instituição de um sistema público de saúde.

Com a redemocratização no Brasil e promulgação da Constituição Federal de

1988, institui-se o Sistema Único de Saúde com princípios como a universalidade de

acesso, a igualdade da assistência à saúde, a descentralização político-

administrativa que trouxeram grandes desafios, dentre os quais a integralidade. O

artigo 200 da Constituição determina como responsabilidade do SUS ordenar a

formação de recursos humanos em saúde e estabelecer políticas de articulação

entre trabalho e educação na saúde. Aliado a isso, a organização da oferta e

demanda de profissionais de saúde deve tomar como base as características do

perfil sócio-epidemiológico de cada região e a distribuição populacional.

A implantação do SUS exige dos profissionais de saúde a capacidade de

participar da produção da saúde integral a partir de um conceito ampliado de saúde

e de cuidado, atuando em equipe multiprofissional e assumindo o compromisso de

centrar suas ações nos usuários. Campos7 coloca que o trabalho das equipes e das

44

organizações de saúde “deve apoiar os usuários para que ampliem sua capacidade

de se pensar em um contexto social e cultural”. Para o autor, “caberia repensar

modelos de atenção que reforçassem a educação em saúde, objetivando com isso

ampliar a autonomia e a capacidade de intervenção das pessoas sobre suas

próprias vidas”7.

As mudanças nas práticas de atenção à saúde provocadas pelo SUS

requerem, nesse sentido, profundas transformações na formação dos profissionais

da saúde. É preciso que a educação médica se estabeleça em novos cenários, onde

as práticas assistenciais acontecem mais próximas da realidade epidemiológica e

socioeconômica e não somente nos hospitais universitários. Os cenários devem ser

ampliados, com integração entre ensino, pesquisa e serviço, incluindo unidades de

atenção básica, pronto-atendimentos, centros de atenção psicossocial, serviços de

saúde coletiva, escolas dentre outros40.

Para alcançar a atenção integral, com base nas necessidades sociais por

saúde, a atenção básica cumpre um papel estratégico na dinâmica de

funcionamento do SUS por seu estabelecimento de relações contínuas com a

população e por buscar a atenção integral e de qualidade, a resolutividade e o

fortalecimento da autonomia das pessoas no cuidado, estabelecendo articulação

orgânica com o conjunto da rede de serviços. A atenção básica se apresenta como

importante cenário de prática para a formação de profissionais com o perfil

adequado às necessidades do SUS através da educação em serviço por trabalhar a

construção desse modo de operar o sistema, pois permite articular gestão, atenção,

ensino e controle social no enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe

de saúde em seu território geopolítico de atuação8.

São muitos espaços, formais e informais, que buscam reorientar a

formação médica no Brasil de acordo com as necessidades de saúde da população

e com a Atenção Básica como lugar prioritário para a transformação no ensino. Sem

desvalorizar as experiências locais, é importante enfatizar iniciativas, em sua maioria

governamentais, de indução da transformação do ensino médico no Brasil, entre

elas: Comissão Interinstitucional de Avalição das Escolas Médicas (CINAEM),

Diretrizes Curriculares, Promed, Pró-saúde, Pet-saúde, PROVAB e o Programa Mais

Médicos.

45

A CINAEM foi composta em 1991 por instituições como a Associação

Brasileira de Ensino Médico (ABEM), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a

Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM) e mais 8

instituições, incluindo as governamentais. O objetivo da Comissão era avaliar a

educação médica e fomentar o aperfeiçoamento do SUS. Os principais problemas

identificados foram os métodos pedagógicos, o sistema de avaliação docente e

discente e a proposta curricular42.

Após a avaliação realizada pela CINAEM e intensas discussões, são

publicadas, em 2011, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação

em Medicina (DCN). As Diretrizes apresentam como eixo principal o papel social do

aparelho formador e como diretrizes: a integração entre teoria e prática, pesquisa e

ensino, integração entre os conteúdos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais

do processo saúde-doença, inserção precoce no serviço de saúde do SUS e

construção ativa do conhecimento41.

Ainda em 2001, é implementado o Programa de Incentivo às Mudanças

Curriculares das Escolas Médicas (Promed). O programa tem por objetivo prestar

apoio técnico e financeiro para a implementação das Diretrizes Curriculares e, desta

forma, fomentar nas escolas médicas a integração ensino-serviço, a implementação

de metodologias ativas de ensino-aprendizagem e processos de formação crítico,

reflexivo e humanista41,42.

A experiência do Promed serviu de base para a formulação e

implementação, em 2005, do Programa Nacional de Reorientação da Formação

Profissional em Saúde (Pró-Saúde). O programa tem por objetivo dar continuidade

aos processos de mudança na graduação de medicina, fundamentado em três eixos:

orientação teórica, orientação pedagógica e cenários de práticas. Inicialmente, o

programa foi lançado para induzir mudanças nos cursos de graduação de medicina,

odontologia e enfermagem e posteriormente foi expandido para as 14 graduações

da saúde43.

Outra iniciativa interessante e que compõe uma das estratégias do Pró-

Saúde no eixo de cenários de práticas é o Programa de Educação pelo Trabalho em

Saúde (PET-Saúde). Este programa tem como pressuposto a educação pelo

trabalho e incentiva a inserção dos estudantes da graduação nos serviços da

Estratégia de Saúde da Família. O PET-Saúde oferece bolsas de estudo nas

46

seguintes modalidades: tutoria (para docentes), monitorias (para alunos de

graduação) e preceptoria (para profissionais da Estratégia de Saúde da Família). O

programa reúne contribuições que: aproximam as Universidades e os gestores do

SUS, como também a Universidade da realidade dos serviços de atenção a saúde;

incentivam a supervisão das atividades assistenciais e a capacitação das equipes

com melhoria no atendimento do usuário; e estimulam o desenvolvimento de

pesquisas e a produção do conhecimento no âmbito das práticas assistenciais42.

Neste sentido, considerando a necessidade de estimular a integração

ensino-serviço e a formação e experiência na Atenção Básica, em 2011, é lançado o

Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB). Este programa estimula a

ida de profissionais médicos para a exercer atividades de integração ensino-serviço

em Unidades de Saúde da Estratégia de Saúde da Família com atividades

supervisionadas e com acompanhamento de curso de Especialização, com a

contrapartida de pontuação adicional na nota final dos concursos de residência

médica. Esta estratégia provocou mudança importante por ter induzido a prática na

Atenção Básica dos egressos do curso de medicina e ter tencionado os critérios de

acesso a residência médica por ter incorporado a princípio de mérito social.

Utilizando também a experiência do PROVAB, em 2013, é lançado o

Programa Mais Médicos com a finalidade de formar recursos humanos na área

médica para o SUS. O Programa apresenta três eixos: provimento emergencial,

infraestrutura e formação médica.

A sua contribuição para reorientação da formação médica se baseia na

reformulação das Diretrizes Curriculares do curso de graduação de medicina, que

implicou no aumento das atividades práticas no SUS, principalmente na Atenção

Básica e em serviços de urgência, e instituiu a avaliação de progresso a cada 2

anos; aumento do número de vagas de graduação com interiorização da formação e

distribuição de acordo com necessidades de saúde; aumento do número de vagas

de residência médica e alteração no pré-requisito de acesso a especialidades,

tornando um ano obrigatório na Residência de Medicina de Família e Comunidade; e

a instituição do Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino-Saúde (COAPES).

47

5.2. Principais Marcos entre 2011 e 2013

Esta seção aborda os principais marcos em torno do tema de escassez,

provisão e fixação de profissionais de saúde no período entre 2011 e 2013.

Em 2010, foi publicada a Lei n. 12.202, que previa desconto no saldo

devedor do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) para egressos do curso

de medicina que fossem trabalhar na Estratégia de Saúde da Família em áreas

prioritárias do SUS. Isso já demonstra a sinalização da importância da provisão de

profissionais do SUS e que estratégias estavam sendo formuladas para o

enfretamento do problema44.

Entretanto, serão estudados aqui os marcos a partir do ano de 2011, uma

vez que a partir desse ano convergiram eventos e debates em torno do tema, além

deste ser sido o ano em que se iniciaram os primeiros mandatos da presidenta Dilma

Rousseff e do Ministro da Saúde Alexandre Padilha, uma vez que a análise de

políticas públicas está intrinsecamente ligada às escolhas e estratégias

governamentais.

Os marcos estudados nesta seção, em ordem cronológica, foram: 1)

Seminário Nacional de Escassez de provimento e fixação de profissionais de saúde,

promovido pelo Ministério da Saúde; 2) Programa Nacional de Valorização do

Profissional de Saúde (PROVAB); 3) Movimento de Prefeitos - Cadê o Médico; e 4)

Manifestações de junho de 2013. O desencadeamento dos marcos, entre 2011 e

2013, estão ilustrados nas ilustrações 1 e 2 para melhor compreensão do cenário

político e também do arcabouço legal do PMM:

48

Ilustração 2 - Linha do tempo com principais marcos que compuseram o cenário político para o Programa Mais Médicos de 2010 a 2012. Fonte: Adaptado a partir de arquivo da autora de apresentação do Ministério da Saúde e de Aléssio45.

Abril& Junho&

13 e 14 de abril de 2011

MS promove Seminário Nacional sobre escassez, provimento e fixação de profissionais de saúde em áreas remotas e de maior vulnerabilidade

13 de junho de 2011

Portaria GM/MS nº 1377 – Estabelece critérios para

definição de área prioritária com carência e dificuldade de

retenção de médicos, no âmbito do FIES

Setembro&

01 de setembro de 2011

Portaria nº 2087 – Institui o Programa de Valorização do

Profissional da Atenção Básica

2011&

Março&

PROVAB: 381 médicos alocados

em 205 municípios

2012&

05 de novembro de 2012

Portaria GM/MS nº 2517 - Incentivo ao Plano de Carreiras, Cargos e Salários:

apoio técnico e financeiro do MS

Novembro&

2010&

14 de janeiro de 2010

Lei 12.202 – Permite abatimento no saldo

devedor do FIES para médicos do Programa

Saúde da Família &&

Janeiro&

49

Ilustração 3 - Linha do tempo com principais marcos que compôs cenário político para o Programa Mais Médicos no ano de 2013. Fonte: Adaptado a partir de arquivo da autora de apresentação do Ministério da Saúde e de Aléssio45.

5.2.1. Seminário Nacional de Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de

Saúde

O Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de

Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior Vulnerabilidade representou

um importante marco no cenário político. Foi o primeiro evento a abordar o tema de

escassez de profissionais de saúde no SUS após o início do mandato da presidenta

Dilma Rousselff e do ministro da saúde Alexandre Padilha. Foi realizado pelo

Ministério da Saúde no período de 13 a 14 de abril de 2011, em Brasília, em parceria

com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional

das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e a Organização Pan-

Americana de Saúde (OPAS).

Ano$de$2013$

28 de janeiro de 2013!Abertura do

Encontro com novos Prefeitos e Prefeitas – Municípios fortes,

Brasil sustentável

Março$

PROVAB: 3.800 médicos alocados

em 1,3 mil municípios

Jornada de Manifestações de

junho

Homologação da Lei do Programa Mais Médicos, nº 12871, de 22 de outubro de

2013

Julho$

08 de julho Lançamento do

Programa Mais Médicos, através da Medida Provisória nº 621

31 de janeiro de 2013!Frente Nacional de Prefeitos entrega ao Ministro da Saúde abaixo-assinado do movimento Cadê o

Médico

Janeiro Junho

21 de junho de 2013 Pronunciamento da Presidente Dilma em

cadeia nacional, anunciando a vinda de milhares de médicos

estrangeiros

26 de junho de 2013 Entidades médicas

lançam carta aberta a população brasileira contra medidas anunciadas pelo

Governo

Outubro

01 de outubro Aprovação do Relatório na

Comissão Mista no Congresso Nacional

16 de outubro Aprovação em plenário no

Senado Federal

09 de outubro Aprovação em plenário na

Câmara dos Deputados

50

O objetivo do Seminário foi a discussão de propostas e ações de

viabilidade política e técnica para o desenvolvimento de uma política de provimento

e fixação quantiqualitativa de profissionais de saúde em todas as regiões do país.

Para alcançar tal objetivo, o evento partiu das seguintes diretrizes: o compromisso

com a qualidade do SUS e dos serviços prestados, na sua missão de melhorar a

saúde do país; correspondência com mudanças no perfil de morbimortalidade do

país e também das demandas e necessidades de saúde da população; reorientação

da formação dos profissionais de saúde para atender de forma humanizada e

resolutiva ao usuário; atenção à diversidade de necessidades de saúde nas variadas

regiões do país com garantia dos direitos materiais, estruturais e valorização para o

profissional que se desloca para áreas remotas e de maior vulnerabilidade46.

O Seminário contou com ampla participação de instituições do governo,

com representantes dos ministérios da Educação, Ciência e Tecnologia, Defesa,

Trabalho e da Casa Civil. Participaram também instituições de ensino e

pesquisadores, gestores do SUS das esferas municipal, estadual e federal,

parlamentares, representantes de entidades profissionais e colegiados da área da

saúde, da educação e da regulação do trabalho. A participação ampla e diversa de

atores políticos, tanto da esfera governamental como fora dela, ratifica a importância

da pauta para superar os desafios de se garantir acesso e cuidado à saúde integral

e universal a toda população.

A programação se estruturou, inicialmente, a partir de experiências

internacionais e nacionais bem-sucedidas de programas de provimento e fixação de

profissionais de saúde, com participação da OPAS e do Ministério da Saúde (MS),

através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES).

Em seguida, analisou- se a realidade do SUS e suas necessidades, nas

perspectivas dos gestores do SUS. E, posteriormente, discutiu-se as iniciativas

educacionais, tanto na graduação como na residência, com participação do

Ministério da Educação (MEC), MS e de entidades como a União Nacional dos

Estudantes (UNE) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais

de Ensino Superior (ANDIFES). Concluiu-se o evento com o debate e levantamento

de estratégias de provimento e fixação de profissionais de saúde para o SUS, que

serviu de subsídio para formulação de programas para este fim pelo Ministério da

Saúde.

51

Em busca em portais da internet, como também em bibliotecas

acadêmicas, foi possível encontrar apenas notícias em sites de entidades como

Conselho Federal de Medicina (CFM), Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS),

CONASS, CONASEMS e OPAS. Não foram encontradas notícias do Seminário em

jornais de grande circulação ou que não sejam do campo da saúde e de suas

entidades, o que evidencia que o tema de escassez de profissionais de saúde no

SUS se restringe ao meio acadêmico e às instituições e entidades da saúde.

Entretanto, o MS elaborou e publicou relatório-síntese do Seminário com

o objetivo de registrar o evento e as questões relevantes, identificar os consensos e

as divergências de opinião, assim como as principais propostas apresentadas e

debatidas sobre os diversos aspectos do tema sobre escassez e fixação de

profissionais de saúde. Seu conteúdo tinha o objetivo de, como o próprio relatório

apresenta, balizar o planejamento da política nacional de enfrentamento da

necessidade de provimento e fixação de profissionais de saúde, como parte do

objetivo estratégico* do planejamento do MS de garantir o acesso universal e com

qualidade às ações e serviços de saúde a toda a população brasileira46,48. Isso

demonstra a importância do evento para a inserção do tema na agenda

governamental.

Ao analisar o relatório-síntese do Seminário, documento elaborado pelo

governo executivo, e as notícias nos sites das entidades e instituições de saúde, é

possível inferir as diversas posições e disputas em relação ao assunto e também

perceber a ascensão do tema na agenda política.

A OPAS resgata o processo internacional de discussão de migração e

fixação de profissionais de saúde com a aprovação em Assembleia, em 2010, do

Código de Prática para o Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde†.

Este documento contribuiu para a inserção do tema de recrutamento no cenário

* O Ministério da Saúde realizava planejamento estratégico com o objetivo de planejar, avaliar e monitorar a consecução das políticas públicas. No Planejamento realizado em 2011, foram formulados 16 objetivos estratégicos que passaram a ser norteadores institucionais e a fundamentar a gestão de 2011 a 201547. † O Código de Prática de Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde foi aprovado em Assembleia Mundial de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2010. O código busca desenvolver cooperação internacional e estabelecer e promover princípios e práticas éticas para o recrutamento internacional de profissionais de saúde e aborda assuntos como capacidade e a qualidade de formação de profissionais, as políticas de apoio à fixação de profissionais de saúde, a reciprocidade dos benefícios, a coleta e intercâmbio de informações, o monitoramento e a pesquisa49.

52

mundial. A instituição reforça a necessidade de se utilizar múltiplos sistemas de

incentivos financeiros, tecnológicos e ambientais, visto que não existe uma única

receita que consiga resultados satisfatórios50. Já a UNA-SUS reafirma o

compromisso com a educação à distância para profissionais de saúde e com a

concretização das políticas de recursos humanos no âmbito do Sistema Único de

Saúde51.

O CONASEMS, como representante do conjunto das secretarias

municipais de saúde do país, destacou a falta de médicos, a dificuldade de fixá-los e

a elevada rotatividade desses profissionais. A instituição aponta que o problema não

atinge apenas municípios em áreas remotas, mas também grandes centros urbanos,

e que é necessário qualificar a demanda médica, sua distribuição e o perfil

adequado para o SUS. E, principalmente, é urgente a superação do obstáculo de

gestão, em especial aos ligados à Lei de Responsabilidade Fiscal*. O CONASEMS

enfatizou que o debate e as resoluções têm que ser tripartite e apresentou ainda

como propostas: apoio técnico e financeiro para os municípios por parte do MS;

estímulo à implementação de Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS);

aumento de vagas de residência médica; nova discussão acerca do processo de

validação de diplomas estrangeiros; reavaliação das formas de financiamento para a

Estratégia Saúde da Família e Atenção Básica53.

Já o Ministério da Saúde, que no Seminário é o principal porta-voz do

governo, afirmou que, por agregar diferentes categorias de problemas, o provimento

e fixação de profissionais de saúde ganha caráter de urgência, principalmente pela

necessidade e interesse demonstrados pelos municípios e estados, fator importante

de tensionamento para a visibilidade do problema. Em consonância, o relatório-

síntese demarca o tema como prioritário e de responsabilidade do Estado:

Na regulação e organização desses processos o Ministério da Saúde junto com o MEC, CONASS, CONASEMS estão unidos na premissa de que a regulação do perfil do profissional a ser formado é do Estado e chamam a si a responsabilidade de organizar este processo. Nesse contexto é urgente a

* Lei Complementar n. 101, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas. A Lei estabelece limite para os municípios de 60% da receita corrente líquida (RCL) para o gasto total com pessoal, o que representa obstáculo aos municípios de contratação de profissionais de saúde, em especial médicos52.

53

definição de ações e metas a curto, médio e longo prazos que realizem o provimento e fixação de profissionais de saúde considerando a heterogeneidade das micro-regiões, objetivando o acesso universal e qualificado das redes de atenção à saúde do SUS46.

Além disso, o MS ratifica que o problema da escassez de profissionais de

saúde e a má distribuição estão incluídos na agenda política como demonstra este

trecho do relatório:

Nesse contexto, é uma opção política do governo inserir na sua agenda a escassez de profissionais de saúde e investimentos na sua formação e qualificação profissional na perspectiva da sua fixação e distribuição ordenadas no sentido da superação da iniquidade [sic] e concretização do acesso universal a serviços qualificados46.

Na perspectiva do ciclo de política, o primeiro passo é o reconhecimento

de um problema como de relevância pública. Este Seminário representou um marco,

pois afirma a entrada do tema na agenda governamental, e também foi espaço de

discussão de estratégias para o enfretamento do problema, tendo sido importante

também para análise das posições de diversos setores da saúde implicados com o

tema, o que contribuiu para o desenho final da política.

No Seminário, foram discutidas questões determinantes da situação de

escassez de profissionais de saúde, com ênfase no profissional médico. Apenas

2,4% dos municípios brasileiros, dados à época do evento, não apresentavamm

escassez de profissionais de saúde e mesmo esses apresentavam regiões com

escassez46. Além do número absoluto de médicos estar abaixo do necessário para o

SUS, a escassez foi agudizada pela ampliação da rede, com a ampliação da

cobertura da Estratégia de Saúde da Família e instalação de novos serviços de

urgência e emergência, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)

e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

Além disso, um aspecto relevante a considerar é que as áreas de

vulnerabilidade de saúde também são áreas de vulnerabilidade social, financeira, de

violência, desintegradas do restante do país, portanto não é apenas uma questão de

acesso geográfico à saúde456. Como demonstram Girardi et al.38 em seu estudo, há

uma correlação direta entre municípios com número de famílias dependentes do

bolsa família com o índice de escassez de médicos na Atenção Básica. Então,

fatores que interferem na distribuição e fixação de profissionais extrapolam a

54

governabilidade da área da saúde, como condições de moradia, acesso à educação,

lazer e cultura.

Outro aspecto importantíssimo discutido foi a especialidade médica como

definidora do papel social do médico, o que envolve o valor do trabalho médico no

mercado, um aspecto ideológico. Também em relação à especialidade, um fato

sensível à gestão pública responsável é o investimento público na formação dos

profissionais, principalmente pela Residência Médica, sem nenhuma regulação na

inserção destes profissionais na rede de serviços do SUS, o que implica em

investimento público para fixação de profissionais qualificados no setor privado.

Em relação às discussões acerca do desenho da política, o MS defende

que, para enfrentar o problema, as intervenções devem ser de natureza diversa e

que devem abordar: a gestão, nos âmbitos nacional, estadual e municipal; incentivos

financeiros; e reorientação da formação dos profissionais de saúde e regulação do

processo de trabalho no SUS. Desta forma, as estratégias devem articular a

organização da rede do SUS, realidades loco-regionais e características

epidemiológica e socioeconômicas, mapa de estudo da necessidade de

profissionais, processo de trabalho e salários, processos formativos condizentes com

a demanda do SUS e questões da responsabilidade fiscal dos municípios46.

As estratégias apresentadas reúnem ações e programas no âmbito

educacional tanto na graduação como na residência médica, carreira

multiprofissional e médica no SUS e serviço civil. Em relação à educação, as

propostas abordam aumento do número de vagas de graduação de medicina e

residência médica com distribuição equilibrada em relação à população,

necessidades do SUS e especificidades socioeconômicas e epidemiológicas das

diferentes regiões do país. Foi apresentada, também, a criação de pré-requisito de

atuação de dois anos em saúde da família para médicos se qualificarem para prestar

provas de residência.

A discussão sobre carreira pública no SUS abordou obstáculos que

devem ser superados, como vínculo precário, o que leva a vulnerabilidade, pressão

política, falta de mobilidade, mercado predatório entre os municípios que disputam

pelo profissional médico, pouco incentivo à fixação e precária política de educação

permanente e acompanhamento de qualidade do atendimento clínico. No Seminário,

55

foi apresentada experiência de carreira da Fundação Estatal de Saúde da Família da

Bahia (FESF), porém não foram apresentadas pelo governo propostas para a

implementação da carreira em âmbito nacional.

Em contrapartida, o MS apresentou proposta para o Serviço Civil

Voluntário ser implementado ainda em 2011. A proposta inicial seria apenas para

médicos e com a seguinte configuração: os médicos egressos passariam de um a

dois anos em equipes de saúde da família e poderiam atuar também em unidades

de urgências; os locais de atuação seriam previamente definidos por mapa de

necessidade de saúde; salário assegurado pelo município de atuação; atividades

supervisionadas presencialmente e à distância; o médico deveria realizar curso de

especialização em Saúde da Família durante suas atividades na Atenção Básica e,

no final, receberia bônus na seleção para a Residência Médica, que poderia ser em

dobro se o profissional passasse dois anos no serviço civil46.

Essas duas últimas propostas são as principais críticas do Conselho

Federal de Medicina (CFM). As entidades médicas representam a maior resistência

às propostas do governo. É importante enfatizar que o entendimento inicial do

problema é discordante, uma vez que o CFM defende que não faltam médicos no

país e que o problema está na má distribuição dos profissionais. O CFM apresenta

claramente seu posicionamento em seus portais e jornais, defendendo a carreira

nacional para médicos e outros profissionais de saúde no âmbito do SUS e

considera a carreira como principal medida para a solução para o problema de falta

de assistência em áreas remotas e de maior vulnerabilidade.

O CFM se contrapôs a propostas de serviço civil obrigatório ou facultativo,

ao argumentar que essa solução é temporária e não resolveria a questão da alta

rotatividade dos profissionais. O Conselho também apresentou objeção ao aumento

do número de médicos no país, por acreditar que existe número suficiente, gestão

em saúde por fundações públicas de direito privado e foco exclusivo em programas

de saúde da família54.

O MS identificou a divergência e consequente resistência das entidades

médicas, entretanto apresenta no relatório que há abertura para debate e construção

de novas bases para o entendimento do problema, como demonstra este trecho:

56

A atual gestão do MS vem diminuindo as resistências da corporação médica, com abertura do debate e construindo novas bases para o entendimento e superação dos problemas. A ideia do serviço civil vem sendo apresentada há algum tempo. É importante considerá-lo como uma contrapartida ao Estado daqueles que se formaram pelo sistema público, contudo sua discussão esbarra em resistências, apesar da proposta estar articulada a outras medidas como: esforços para continuidade de formação por meio de programas de educação continuada; aumento de salário (o argumento do salário mostrou não ser o mais importante); expansão da telessaúde e articulação com as forças armadas.46

Enfatizou-se a importância do debate também com o poder legislativo. No

Seminário, houve participação do Deputado Rogério Carvalho e do Senador

Humberto Costa nas mesas de discussão, ambos do Partido dos Trabalhadores

(PT). Esse diálogo é relevante por aproximar as propostas elaboradas no Congresso

com a necessidades de saúde da população e da capacidade de implementação da

política pelo poder executivo. À época, tramitavam na Câmara dos Deputados onze

projetos que tratavam de serviço civil obrigatório, além de proposta de redução de

carga horário de algumas categorias profissionais da saúde.

5.2.2. Programa Nacional de Valorização do Profissional da Atenção Básica

O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB)

foi instituído por meio da Portaria Interministerial MS/MEC n. 2.087, de 1 de

setembro de 2011, conforme critérios estabelecidos pela Portaria n. 1.377/GM/MS,

de 13 de junho de 2011, que estabelece parâmetros para definição das áreas e

regiões prioritárias com carência e dificuldade de retenção de médicos55.

O Programa tem como objetivo estimular e valorizar o profissional de

saúde que atua em equipes multiprofissionais no âmbito da Atenção Básica e da

Estratégia de Saúde da Família55. Visa, portanto, ampliar a integração ensino-

serviço-comunidade e estimular os profissionais de nível superior (médicos,

enfermeiros e cirurgiões-dentistas) a comporem as equipes multiprofissionais da

Atenção Básica da Estratégia de Saúde da Família nos municípios com elevado

percentual de pobreza e com populações em maior vulnerabilidade social, em áreas

remotas e de difícil acesso e em locais com dificuldade de provimento de

profissionais.

57

O PROVAB prevê supervisão presencial e à distância desenvolvida por

tutores de instituição de ensino superior, hospitais de ensino ou outros serviços de

saúde com experiência em ensino. Além disso, é oferecido também curso de

especialização em Saúde da Família sob responsabilidade das universidades

públicas participantes do Sistema Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde

(UNA-SUS).

Compete ao Ministério da Saúde instalar, onde houver necessidade, e

manter os Núcleos de Telessaúde nas instituições que forem responsáveis pela

supervisão dos profissionais participantes do Programa e nas unidades básicas de

saúde selecionadas pelo Programa, custear a realização dos cursos de

especialização em Saúde da Família e as atividades de supervisão. Já aos

municípios, após firmar termo de compromisso com o MS, compete contratar, pelo

prazo mínimo de 12 (doze) meses, os profissionais médicos, enfermeiros e

cirurgiões-dentistas com remuneração equivalente à praticada pela Estratégia de

Saúde da Família, oferecer moradia para a equipe contratada quando houver

necessidade e realizar o acompanhamento das atividades55.

Apenas para o profissional médico, após ser avaliado e aprovado no

processo avaliativo aplicado pela supervisão do Programa, está prevista pontuação

adicional de 10% se cumprir um ano no Programa e de 20% se cumprir 2 anos em

todas as fases do processo seletivo para a Residência Médica, conforme disposto

na Resolução n. 3, de 16 de setembro de 2011, da Comissão Nacional de

Residência Médica (CNRM)56.

A Portaria Interministerial n. 2.087 instituiu a Comissão Coordenadora

responsável pela orientação, coordenação e edição dos atos e a Comissão de

Implantação e Acompanhamento do Programa, com papel de monitoramento e de

caráter consultivo. A Comissão Coordenadora é composta pelas três esferas do

governo, com representantes do MS, MEC, CONASS, CONASEMS, além de

representantes das Instituições de Ensino e da UNA-SUS55.

O desenho e regras do PROVAB são condizentes com a proposta do

governo de serviço civil apresentado no Seminário Nacional sobre Escassez,

Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior

Vulnerabilidade. Ao revisar a proposta do serviço civil, é claramente possível verificar

58

a correspondência com o PROVAB; para isso, é relevante a análise de cada item da

proposta:

1- Um a dois anos em equipes de saúde da família, podendo

também, atuar em unidades de urgência: o PROVAB estabelece

atividade na Atenção Básica por um a dois anos, apenas não

prevê atividades em serviços de urgência.

2- Locais definidos a partir do mapa de necessidades de saúde: os

municípios de atuação do Programa foram agrupados em seis

perfis de acordo com as características socioeconômicas: Capital

ou região metropolitana, Município com população maior que

100.000 habitantes, Grupo Intermediário, População rural e

pobreza intermediária, População rural e pobreza elevada e

Populações quilombola, indígena e dos assentamentos rurais.

3- Se anteriormente aprovado em programas de Residência Médica,

o candidato poderá manter sua vaga: o trancamento da matrícula

na Residência Médica para exercer atividades no PROVAB foi

garantido, conforme art. 11 da Resolução n. 3 da CNRM.

4- Salário do profissional assegurado pela Secretaria Municipal de

Saúde onde o profissional estiver atuando: a contratação dos

profissionais do PROVAB é de responsabilidade dos municípios.

5- Bônus para um ano e em dobro para dois anos para a seleção na

Residência Médica: a pontuação adicional nos concursos de

Residência está prevista apenas para os profissionais médicos,

conforme art. 10 da Portaria n. 2.087/2011 e regulamentação pelo

art. 8 da Resolução n. 3/2011 da CNRM.

6- Supervisão da escola médica local, presencial ou à distância, com

Telessaúde (segunda opinião formativa, cursos de educação

continuada): também está assegurado no PROVAB a supervisão

para profissionais médicos por Instituições de Ensino, além de

oferta de ferramentas de educação à distância.

7- Programada Sociedade Brasileira de Saúde da Família para a

especialização em Saúde da Família: no PROVAB, é ofertado

59

curso de especialização em Saúde da Família na modalidade de

Educação à Distância (EAD), com a ressalva que no PROVAB o

curso é ofertado pelas Universidades Públicas da rede UNA-SUS.

Dessa forma, o Programa representou a resposta do governo à escassez

de provimento e fixação de profissionais de saúde e provavelmente não houve

divulgação e associação ao serviço civil pela estratégia de dirimir resistências das

entidades médicas e dos estudantes da graduação de medicina.

A Portaria n. 2.087 instituiu o Programa em setembro de 2011, porém o

regramento e adesão dos profissionais foi regulado no Edital n. 1, de 9 de janeiro de

2012, e o início das atividades, em março de 2012. Para explanar sobre o Programa,

será utilizado o termo edição 2012 para o PROVAB do ano de 2012 e assim

sucessivamente, já que houve mudança de regras ao longo do tempo.

Na primeira edição do Programa, em 2012, participaram 381 médicos,

1073 enfermeiros e 313 dentistas. A Supervisão presencial foi garantida apenas

para os profissionais médicos, enquanto os enfermeiros e dentistas ficaram com o

acompanhamento pela tutoria do curso de Especialização. Este, por sua vez, foi

ofertada nesta edição do Programa, porém não tinha caráter obrigatório57.

No primeiro ano do PROVAB, houve baixa adesão de profissionais,

principalmente médicos. Um fator determinante para a dificuldade da implementação

e efetivação do Programa foi a contratação dos profissionais pela secretaria

municipal de saúde dos municípios. Este fato trouxe muita instabilidade no vínculo

dos profissionais, principalmente para enfermeiros e dentistas que apresentam alta

oferta no mercado, o que resultou em dispensa desses profissionais57. Outra

questão relevante para a instabilidade dos profissionais nos municípios foi a

implementação do Programa em ano de eleição municipal, o que acarretou em

vulnerabilidade dos profissionais por pressão política como também dispensa das

atividades na ESF quando a gestão da situação perdia a eleição, fato ainda

corriqueiro no país.

Entretanto, para sanar o problema das contratações, o MS instituiu bolsa

federal no valor de R$ 2.384,82, na modalidade trabalhador-estudante, por meio do

Edital n. 7/SGTES/MS, de 26 de abril de 2012, para os não contratados pelos

municípios, com a condição de eles se inserirem no Curso de Especialização em

Atenção Básica pelo Sistema UNA-SUS, que até aquele momento não tinha caráter

60

obrigatório. Esta bolsa compõe o Programa de Bolsas pelo Trabalho previsto na Lei

n. 11.129, atualmente modificada pela Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 201157.

Também contribuíram para a instabilidade do PROVAB o

desconhecimento, por parte dos gestores municipais, das regras e

responsabilidades acerca do Programa, gerando insegurança nos profissionais.

Além disso, condições inadequadas de trabalho e dificuldade de comunicação entre

gestão federal, municipal e profissionais interferiram na adesão e permanência

desses no Programa57.

Com a intenção de superar as dificuldades da implementação e corrigir a

trajetória do Programa, a edição 2013 apresentou diversas modificações. A

implementação é um momento fundamental no ciclo de política pública, novas

formulações podem ser necessárias e realizadas, isso porque a política está sujeita

a fatores diversos.

Novos pactos e desenhos foram necessários, uma vez que novos atores,

muitas vezes não participantes do pacto inicial de formulação, foram na ocasião da

implementação os principais agentes de transformação da política, a exemplo dos

profissionais do Programa e as equipes de saúde da família nas quais foram

inseridos14.

É importante ressaltar que, a partir deste momento, algumas colocações

serão relatadas a partir da experiência da pesquisadora como gestora do Programa.

Em 2013, a pesquisadora se incorporou à equipe de gestão do PROVAB no

Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) da Secretaria de Gestão

do Trabalho e da Educação na Saúde do MS. Trazer esta experiência é

indispensável, já que vários processos que são decisivos para implementação e

reformulação da política ficam no plano interno da gestão e não são divulgados em

textos oficiais, embora carreguem elementos fundamentais para o entendimento das

disputas políticas, escolhas do governo e desenho final da Política Pública.

As mudanças no PROVAB para a edição 2013 aconteceram tanto no

campo do desenho da política como no âmbito da gestão. O programa era de

responsabilidade do DEGES, composto por uma coordenação geral e 8

colaboradores. Com as dificuldades na implementação e acompanhamento da

inserção dos profissionais no território dado a extensão continental do país, a

diversidade regional, bem como o caráter do programa em locais de difícil acesso,

61

era imperativo que o processo de gestão fosse próximo ao território e às suas

realidades, o que configurava um grande desafio.

No âmbito da gestão, ampliou-se a equipe para aproximadamente 48

colaboradores (entre bolsistas, concursados e gestores com cargo público) e 7

consultores*, com a gestão dividida em: coordenação geral, responsável por

representar o PROVAB nos diversos espaços de gestão interna no MS,

representação e articulação externa, como também integração entre as

coordenações; coordenação pedagógica, responsável pelo acompanhamento das

ofertas educacionais; coordenação de articulação institucional, responsável pela

articulação com os diversos atores e instituições e também acompanhamento da

gestão descentralizada; e coordenação logística, responsável pelo planejamento e

gestão dos insumos necessários e estratégicos para o Programa. O número de

componentes da equipe era tão elevado que não havia espaço no prédio do MS na

esplanada dos Ministérios, portanto foi articulada uma sala na FIOCRUZ que

comportasse toda a equipe de gestão do programa.

No sentido de se aproximar do território, é essencial destacar o papel da

coordenação de articulação institucional. Esta funcionava com referências

descentralizadas, bolsistas vinculados ao MS que estavam nos Estados

responsáveis por monitorar, acompanhar e avaliar a implementação do programa e

estabelecer o vínculo de comunicação do território com a gestão federal. Já as

referências centralizadas, que também eram bolsistas vinculados ao MS, ficavam em

Brasília monitorando e matriciando as atividades das referências descentralizadas

nos Estados.

Este processo foi imprescindível para a implementação das Comissões de

Coordenação Estadual do PROVAB. Estas foram instituídas pela Portaria n. 568, de

05 de abril de 2013, e são instâncias de coordenação, orientação e execução das

atividades necessárias à execução do PROVAB no âmbito de cada estado da

federação. A Comissão é composta por um representante do MS, que é a referência

descentralizada, representante da Secretaria Estadual de Saúde, representante do

COSEMS e representante das Instituições Supervisoras.

* Informação retirada no Relatório de Gestão do DEPREPS do ano de 2013 (arquivo pessoal da autora).

62

A Portaria n. 568 instituiu também incentivo financeiro de custeio e

execução das atividades das Comissões Estaduais, com repasse do recurso do

Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais de Saúde e do Distrito Federal,

o que representou investimento e priorização na descentralização da gestão do

programa.

Uma relevante contribuição da criação das Comissões foi agregar à

gestão do programa a esfera estadual, que não tinha papel definido até então na

política do PROVAB. As Comissões Estaduais, junto às Instituições Supervisoras,

respondem à necessidade de acompanhamento periódico das atividades dos

participantes do PROVAB nos municípios, ao fortalecimento dos espaços de gestão,

tornando-os tripartite, e à necessidade de ampliação da comunicação entre os

atores e da mediação de conflitos entre profissionais e gestores municipais.

No âmbito do desenho do PROVAB, houve mudanças estratégicas que

visaram fortalecer os objetivos do Programa e são fruto da análise realizada pelo

conjunto dos participantes a partir da experiência da primeira edição.

Para superar as dificuldades da contratação pelos municípios e diminuir a

vulnerabilidade do vínculo dos profissionais, o MS passou a pagar bolsa no valor de

R$ 8.000 para os profissionais médicos na modalidade Educação para o Trabalho,

como define o art. 15 da Lei n. 11.129, de 30 de junho de 2005, na redação dada

pela Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 2011. Para fazer jus ao recebimento da

bolsa, o curso de especialização em Saúde da Família, ofertado pela rede UNA-

SUS, tornou-se obrigatório com avaliações mensais e definiu-se a caga horária

semanal de 32 horas de atividades na Unidade de Saúde e 8 horas dedicadas às

atividades teóricas do curso de especialização.

O Edital n. 3, de janeiro de 2013, garantiu a adesão apenas para os

médicos. A dificuldade na contratação dos enfermeiros e cirurgiões-dentistas pelos

municípios pela realidade do mercado de alta oferta, o que diverge da categoria

médica, resultou em dispensa desses profissionais por parte dos municípios, o que

acarretou na não convocação e reavaliação dessas categorias profissionais no

PROVAB.

Entretanto, após análise da SGTES e do Departamento de Atenção

Básica (DAB), e também com a pressão das entidades representativas da

enfermagem e odontologia, foi repensada a inserção dessas categorias profissionais

63

no programa. Desta forma, o foco no PROVAB para enfermeiros e dentistas seria no

Programa Saúde na Escola (PSE) e no Programa Brasil Sorridente,

respectivamente.

O PSE constitui estratégia para a integração e a articulação permanente

entre a educação e a saúde, com a participação da comunidade escolar, das

equipes de saúde da família e da educação básica e vem contribuir para o

fortalecimento de ações voltadas ao desenvolvimento integral e ao enfrentamento

das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças,

adolescentes e jovens brasileiros58. A partir de 2013, houve a universalização do

PSE, tornando importante a inserção do enfermeiro do PROVAB no grupo de

trabalho municipal do PSE para o fortalecimento do programa e formação do

profissional.

Já o Brasil Sorridente consiste na reorganização da atenção em saúde

bucal em todos os níveis de atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo de

reorientação do modelo, portanto reúne uma série de ações para ampliação do

acesso ao tratamento odontológico gratuito que visam garantir ações de promoção,

prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, fundamental para a saúde

geral e qualidade de vida da população59. Desta maneira, os cirurgiões-dentistas do

PROVAB inseriram-se nas equipes de saúde da família com foco no Brasil

Sorridente.

Para enfermeiros e cirurgiões-dentistas, o curso de especialização tornou-

se obrigatório e a vinculação também era direta com o MS com pagamento de bolsa

na modalidade Educação para o Trabalho, entretanto no valor de R$ 2.384,82, sem

isonomia com a categoria médica. Além de o valor da bolsa ser praticamente um

quarto do oferecido aos médicos, também foram ofertadas vagas limitadas e em

número inferior para a participação no programa, 1.000 para enfermeiros e 590 para

cirurgiões-dentistas.

Os enfermeiros e cirurgiões-dentistas continuaram sem receber o

acompanhamento pelas Instituições Supervisoras. Para esses profissionais, era

garantida a supervisão dos tutores do curso de especialização e também da gestão

local do PSE e do Brasil Sorridente.

64

Estas diferenças no programa entre as categorias profissionais

respondem e reforçam as características do mercado, competitivo e encharcado

para os enfermeiros e dentistas, e aquecido e predatório para a categoria médica.

Os relatos de duplicidade de profissionais nas Unidades de Saúde e de

desvio de função persistiram. Sem a supervisão presencial, que poderia sanar o

problema ou matriciar o processo, toma-se a posição política de não haver mais

PROVAB para enfermeiros e odontólogos. Logo, o PROVAB teve edição para

enfermeiros e dentistas até o ano de 2014.

Desta forma, perde-se a oportunidade de ampliar o conceito de cuidado e

de incentivar o trabalho e a formação multiprofissional. Como apresenta Feuerwerker

em seu artigo que analisa o PROVAB60:

…a escassez de médicos pode ser uma boa oportunidade para se reinventarem as equipes e o trabalho interprofissional no SUS e para se reavaliar o que podem fazer as equipes em seus encontros com os usuários, no sentido da escuta, da desbiologização do viver, da produção mútua e do enriquecimento das existências. Oportunidade para desmanchar o critério médico-centrado para a legitimação de equipes!

Ainda em 2013, houve aumento do valor da bolsa para a categoria

médica de R$ 8.000 para R$ 10.000. O objetivo foi equiparar a bolsa do PROVAB ao

valor pago no Programa Mais Médicos, recém-lançado pela Medida Provisória n.

621, de 08 de julho de 2013. O objetivo da equiparação era não haver competição

entre programas de provimento do próprio governo como também tornar o PROVAB

cada vez mais atrativo para os médicos brasileiros.

O Programa Mais Médicos (PMM) foi lançado em julho de 2013, tendo

como objetivos fundamentais diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias

para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde e

aprimorar a formação médica no país. O PMM é constituído por três grandes eixos:

Provimento Emergencial, Infraestrutura e Formação Médica, o programa será mais

detalhado no item subsequente.

Deve-se, ainda, destacar o eixo Provimento Emergencial, chamado de

Projeto Mais Médicos para o Brasil. Este eixo consiste em recrutar médicos a atuar

na Atenção Básica por meio de editais com vagas disponibilizadas para médicos

brasileiros graduados no Brasil, posteriormente para médicos brasileiros formados

65

no exterior e estrangeiros e, se ainda houver vazio assistencial, convoca-se médicos

cubanos por cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).

O formato do Projeto Mais Médicos para o Brasil consiste na oferta de

curso obrigatório de especialização em Saúde da Família, vinculado a bolsa-

formação paga pelo Ministério da Saúde no valor de R$ 10.000, exercício de

atividades assistenciais na Atenção Básica com carga horária semanal de 32 horas

nas Unidades de Saúde e 8 horas dedicadas às aulas teóricas do curso de

especialização e acompanhamento por supervisores médicos de Instituições de

Ensino do próprio Estado de exercício das atividades.

Dessa maneira, a estrutura do Projeto Mais Médicos para o Brasil é

praticamente a mesma do PROVAB. As dificuldades de implementação e as

mudanças estratégicas que aconteceram no PROVAB foram fundamentais para as

mediações necessárias com os diversos atores políticos, como também para a

superação das dificuldades enfrentadas pela diversidade de cenário da Atenção

Básica em um país com as características do Brasil.

É no momento da implementação que se descobre a real potencialidade

de uma política, quem são os atores que a apoiam, o que cada um dos grupos

disputa e seus interesses. Tem início um novo processo decisório, uma nova

formulação da política, agora voltada para sua aplicabilidade mais concreta14.

Logo, houve, por parte da gestão do PROVAB, precisão no diagnóstico

das dificuldades, articulações com atores políticos estratégicos e velocidade nas

mudanças necessárias para reorientação do programa, tornando-o possível e

efetivo. Por conseguinte, o PROVAB amparou a implementação de uma política da

envergadura do Programa Mais Médicos, em particular do Projeto Mais Médicos

para o Brasil, por ter calibrado as resistências políticas e ter testado o desenho

efetivo do programa a ser implementado.

5.2.3. Movimento de Prefeitos – Cadê o Médico?

O movimento Cadê o Médico? consistiu na mobilização, organizada pela

Frente Nacional de Prefeitos (FNP), dos prefeitos e de secretários municipais de

saúde, com o objetivo de dar visibilidade à dificuldade das gestões municipais de

prover médicos nas cidades, principalmente na Estratégia de Saúde da Família.

66

Além disso, o movimento tinha por objetivo pressionar e sensibilizar o governo

federal a formular medidas de enfretamento da escassez de médicos nos municípios

brasileiros.

A Frente Nacional de Prefeitos é uma entidade nacional, de direito

privado, natureza civil e sem fins lucrativos, municipalista, dirigida exclusivamente

por prefeitas e prefeitos em exercício dos seus mandatos. Sua articulação se iniciou

em 1989 por Luiza Erundina, então prefeita da cidade de São Paulo, porém a

institucionalização aconteceu apenas dez anos depois, em 1999. A FNP tem por

objetivo atuar estrategicamente nas questões municipalistas em debate no Governo

Federal, no Congresso Nacional e no Poder Judiciário, para, desta maneira, zelar

pelo princípio constitucional da autonomia dos municípios no pacto federativo61.

O movimento Cadê o Médico? tinha como principal reivindicação a

contratação imediata de mais médicos para a saúde pública brasileira e colocava

como proposta para o governo federal a contratação de médicos formados em

outros países. Apesar de o Movimento ressalvar que era favorável ao

estabelecimento de critérios rigorosos para a vinda desses médicos, como, por

exemplo, trabalhar na área da Atenção Básica e fixação em áreas com maior

carência de profissionais.

A FNP realizou mobilização intensiva com publicação de blog

específico para o movimento, que divulgava informações, notícias e pesquisas sobre

o tema da escassez de médicos nos municípios como também criação de logomarca

de identificação do movimento, conforme a ilustração 4:

Ilustração 4 - Logomarca do Movimento Cadê o Médico? Fonte: FNP62

Foi realizada mobilização pela FNP durante o Encontro Nacional com

Novos Prefeitos e Prefeitas, que aconteceu em Brasília entre 28 e 30 de janeiro de

2013, sendo coletada, em apenas três dias de evento, mais de 4600 assinaturas

67

para um abaixo assinado que foi entregue ao Ministro da Saúde, Alexandre Padilha,

no final do evento, com a reivindicação de contratação imediata de médicos para o

SUS. Além disso, a FNP lançou também petição pública com o objetivo de ampliar a

participação do público geral, para ser entregue à Presidência da República com a

reivindicação de contratação imediata de médicos formados fora do país.

Como resposta, a presidenta Dilma Rousself, em seu discurso no

Encontro de Prefeitos, enfatizou o desafio de garantir o atendimento digno à saúde

para todos os brasileiros. Entretanto, a presidenta enfatizou que esse desafio era de

todos, União, Estado e municípios e que o seu governo assegurava o diálogo sobre

a questão complexa da oferta e fixação de médicos no interior do país e nas

periferias das grandes capitas62.

Com a municipalização do SUS, viabilizada a partir da NOB-96, e a

promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000, que estabeleceu

limites legais para despesas com recursos humanos, os municípios apresentaram

cada vez mais dificuldade de prover profissional médico na rede municipal, em

especial na Atenção Básica. O movimento Cadê o Médico? reflete as dificuldades

encontradas, uma vez que reivindica contratação de médicos de forma direta pelo

Ministério da Saúde. Esse, por sua vez, lançava, à época da reivindicação dos

prefeitos, bolsa federal para médicos do PROVAB, como explanado anteriormente, o

que serviu como ensaio para a formulação de programa que atendia a reivindicação

dos prefeitos, O Programa Mais Médicos.

Então, o movimento exerceu pressão política no governo federal,

mantendo o tema da escassez de médicos na arena política. Ademais, o movimento

contribuiu para dar respaldo ao governo federal para lançar um programa robusto

como o Programa Mais Médicos, que propunha o exercício na Atenção Básica

também de médicos formados no exterior, além de médicos brasileiros, tema este

que enfrentou grande resistência das entidades médicas.

As ilusrtações abaixo exemplificam a forte campanha organizada pela

FNP para mobilizar os prefeitos (ilustração 5) e a população geral (ilustração 6):

68

Ilustração 5 - Publicidade do Movimento Cadê o Médico? Fonte: NFP62

Ilustração 6 - Divulgação da Petição do Movimento Cadê o Médico? Fonte: FPN62

5.2.4 Manifestações de Junho de 2013

Em junho de 2013, o Brasil vivenciou uma série de protestos por todo o

país. As manifestações tiveram início em São Paulo, contra o aumento do valor em

vinte centavos das passagens do transporte público. Inicialmente organizadas pelo

Movimento Passe Livre (MPL), e por sua característica de mobilização, as

manifestações tomaram as ruas de forma direta e descentralizada, com radicalidade

nas ações e foco nos aumentos tarifários67.

Após forte repressão policial, que atacou manifestantes e jornalistas com

violência em São Paulo no dia 13 de junho, o movimento atraiu atenção e

solidariedade do grande público67.

Com a reivindicação do transporte como direito, que se estende aos

demais por garantir acesso aos serviços públicos, o movimento contra o aumento

das tarifas foi vitorioso, pois o aumento foi revogado em mais de cem cidades do

país62. Entretanto, os protestos continuaram e não mais respondiam à organização

69

do MPL. Várias manifestações começaram a acontecer por todo o país, embora com

características difusas, sem liderança e sem bandeira determinada.

Os protestos mobilizaram milhões de pessoas, por mais de 350

municípios do Brasil. André Singer64, após avaliar as pesquisas que buscaram

caracterizar o perfil dos manifestantes, os sintetizou em dois blocos relativamente

equivalentes, um formado por jovens e adultos jovens de classe média e outro

pertencente à metade inferior da estrutura social, por ter menor escolaridade média,

porém com a mesma faixa etária64.

Segundo o mesmo autor, a mudança ideológica e a fragmentação da

pauta de reivindicações refletem tanto os anseios de uma classe média tradicional

inconformada com diferentes aspectos da realidade nacional quanto do novo

proletariado, trabalhadores, geralmente jovens, que conseguiram emprego com

carteira assinada na década lulista* (2003-­‐2013), mas que padecem com baixa

remuneração, alta rotatividade e más condições de trabalho64.

Outras pautas, como o rechaço à classe política e à corrupção, críticas ao

gasto público com grandes eventos internacionais como a Copa do mundo e as

Olimpíadas e a demanda por melhores serviços públicos se somaram à

reivindicação por redução das tarifas de transporte. Uma pesquisa nacional com

mais de 1000 entrevistados realizada pela Confederação Nacional da Indústria, junto

com o IBOPE, demostrou que 77% dos entrevistados mencionaram a melhoria do

transporte público como principal razão dos protestos. Entretanto, quando

questionados acerca dos três maiores problemas do Brasil, a saúde foi a mais citada

(78%), seguida pela segurança pública (55%) e pela educação (52%)66,67.

A diversidade social dos protestos refletiu na heterogeneidade das

reivindicações no sentido ideológico, que variou do socialismo ao fascismo,

passando pelo reformismo e liberalismo64. Entretanto, duas bandeiras estavam

sempre presentes: saúde e educação públicas e de qualidade. Mesmo ao considerar

as reivindicações justas, uma questão observada nas manifestações era a escassez

de propostas para combatê-las. Sabia-se o que estava incomodando e que os

* O lulismo é um fenômeno político denominado pelo cientista político André Singer. Segundo o autor, o lulismo se constitui uma rearticulação ideológica com grande pacto social conservador, que combina a manutenção da política econômica liberal com fortes políticas distributivistas. Portanto constrói agenda da redução da pobreza e da desigualdade, mas sob a égide de um reformismo fraco65.

70

problemas deveriam ser resolvidos pelo Governo, todavia os manifestantes não

conseguiram articular propostas para resolvê-los e, portanto, não exigiam

claramente políticas públicas que garantissem cidadania68.

Em resposta, representantes do Governo deram declarações. A ministra

da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, relatou que “a presidenta

Dilma Rousseff considera que as manifestações pacíficas são legítimas e próprias

da democracia e que é próprio dos jovens se manifestarem”, enquanto o ministro da

Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relata preocupação do governo

com os protestos em entender os anseios e disponibilidade ao diálogo com os

movimentos69.

Entretanto, as respostas ainda eram vagas, o que demonstrava a

tentativa do governo de entender as reivindicações para tomar posicionamento

político. Então, no dia 21 de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff faz

pronunciamento em rede nacional para abordar as manifestações e a Copa do

Mundo. O pronunciamento foi enfático na questão do combate à violência e da

manutenção da ordem nas manifestações, como demonstra esta passagem: “eu

tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os

segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a

democracia”70.

Ainda no pronunciamento, a presidenta aborda o entendimento do

Governo acerca das reivindicações das ruas, o combate à corrupção e de desvio de

recursos públicos e a exigência de serviços públicos de mais qualidade: escolas,

atendimento de saúde, transporte público e segurança. A presidenta anuncia a

intenção na construção da reforma política ampla e profunda para ampliar a

participação popular. A presidenta Dilma Rousseff anuncia, também, as propostas

do Governo para atender as reivindicações das manifestações, Plano Nacional de

Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte público, destinação de cem por cento

dos recursos do petróleo para a educação e trazer de imediato milhares de médicos

do exterior para ampliar o atendimento do SUS70.

O pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff aconteceu no dia 21 de

junho às 21 horas; no dia seguinte, a equipe da Secretaria de Gestão do Trabalho e

da Educação na Saúde da qual a pesquisadora fazia parte recebe comunicado para

ficar de sobreaviso porque o Ministro Alexandre Padilha estava em reunião no

71

Palácio do Planalto para discutir as propostas da saúde. Então, foi convocada

reunião com a equipe da SGTES para o dia seguinte. No dia 23 de junho, em um

domingo pela manhã, aconteceu reunião, no Ministério da Saúde, na qual a equipe

foi comunicada e convocada para o lançamento do Programa Mais Médicos. Na

reunião, foi discutida a conjuntura política do Brasil, o cenário da saúde e definido o

processo de trabalho para as próximas semanas para garantir a formulação de todo

o aparato burocrático para lançamento do PMM.

No dia 24 de junho de 2013, Dilma Rousseff se reuniu com prefeitos e

governadores para debater a situação política e as manifestações no país com

objetivo de buscar apoio e formulações de resposta aos protestos. Na reunião,

estavam presentes 26 prefeitos e 27 governadores71.

A presidenta propôs cinco pactos como resposta do Governo à sociedade

brasileira. O primeiro pacto é pela responsabilidade fiscal para garantir o controle da

inflação e a estabilidade da economia. O segundo pacto é pela reforma política, com

objetivo de ampliar a participação social e de garantir a cidadania através da

convocação de plebiscito popular que autorize a Constituinte exclusiva para a

reforma política.

O terceiro pacto é pela saúde: a presidenta propôs aumentar

investimentos em UPAs, hospitais e unidades básicas de saúde, além de ampliar a

troca de dívidas dos hospitais filantrópicos por atendimento. Além da melhoria da

estrutura física, foi apresentada a ampliação de vagas nos cursos de medicina e da

residência médica. Neste pacto, também foi proposta a contratação de médicos

estrangeiros para trabalhar exclusivamente no SUS, onde não houver

disponibilidade de médicos brasileiros.

Em relação a essa última proposta, ciente da resistência das entidades

médicas, a presidenta já adiantava que haveria um “bom debate democrático” e que

não se trata de medida desrespeitosa aos médicos brasileiros. Ressalta que a

proposta é emergencial, haja vista os vazios assistenciais, principalmente em áreas

remotas e periferias de grandes cidades.

O quarto pacto referia-se ao transporte público, com proposta de

implementação de metrôs, veículos leves sobre trilhos (VLTs) e corredores de

ônibus, com o objetivo de garantir acessibilidade e qualidade nos serviços. O quinto

pacto referia-se à educação pública e abordava educação em tempo integral, ensino

72

técnico profissionalizante, universidade de excelência, e investimentos em pesquisa,

ciência e inovação. Entretanto, a proposta concreta apresentava a destinação de

100% dos royalties do petróleo* e 50% dos recursos do pré-sal, a serem recebidos

pelas prefeituras, pelo governo federal, para serem investidos na educação.

No dia 26 de junho de 2013, as entidades médicas, em resposta às

propostas formuladas pelo governo no campo da saúde, publicaram a “carta das

entidades médicas aos brasileiros”. A carta trazia duras críticas, classificava as

medidas do governo como paliativas, inócuas ou de resultado duvidoso e dizia que

não respondiam à expectativa real da população, que consistia em acesso a

serviços de saúde bem estruturados com equipes bem preparadas. Além disso,

definia como irresponsável a vinda de médicos estrangeiros por meio de Programa

Federal sem aprovação prévia no Revalida e a abertura de novas escolas médicas.

As entidades médicas criticaram também a forma de contratação dos

médicos, que era por meio de bolsa federal, por não apresentar garantias

trabalhistas claras e por não solucionar a questão dos contratos precários. Como

contraproposta, as entidades defenderam a carreira de Estado com condições

adequadas para exercer a profissão e estímulo profissional para a migração e

fixação no interior e periferias das grandes cidades. A carta ainda anunciava que

haveria questionamento jurídico das propostas do governo, o que aconteceu,

posteriormente, com o Mandado de Segurança n. 32238, no Supremo Tribunal

Federal (STF), formulado pela Associação Médica Brasileira (AMB) impetrado contra

ato da presidenta da República, Dilma Rousseff, que institui o Programa Mais

Médicos.

A análise das manifestações a partir do Programa Mais Médicos,

demonstra que este momento político representou uma dupla janela de oportunidade

política para o Governo. Primeiramente, existia um problema, o de escassez de

médicos no SUS, que já estava na agenda prioritária do Governo com discussão de

estratégias com atores políticos envolvidos e formulação de estratégias para seu

enfrentamento desde do início do governo em 2011, inclusive com estratégias em

processo de reformulação como o PROVAB. Logo, o Governo tinha um Programa

elaborado para apresentar, com celeridade, como resposta aos anseios das

* Compensação financeira paga ao Governo (no caso do Brasil) por empresas, nacionais ou estrangeiras, que realizam a extração de petróleo.

73

reivindicações no âmbito da saúde. Somado a isso, as manifestações também

cumpriram o papel de dar respaldo ao Governo de lançar um Programa de grande

impacto assistencial, garantindo saúde em regiões que nunca tiveram assistência

médica, porém com proposta sensível a conjuntura no campo da saúde, como a

importação de médicos, contribuindo com o enfretamento das resistências,

principalmente das entidades médicas.

Dessa forma, o Programa Mais Médicos foi lançado por meio da Medida

Provisória n. 621, em evento no Palácio do Planalto, no dia 08 de julho de 2013. O

processo de formulação do Programa, assim como seu desenho e resistências, será

pormenorizado no item subsequente.

5.3. Contextualização e Formulação da Política do Programa Mais Médicos

Nesta seção, será abordado o processo de formulação do Programa Mais

Médicos. Esta fase compreende a decisão política e sua formalização por meio de

norma jurídico-administrativa.

A formulação é, no ciclo político, o momento em que, dentro do governo,

se desenvolvem soluções para um dado problema e se desenham as metas a serem

atingidas, os recursos a serem utilizados e o horizonte temporal da intervenção.

Portanto, é uma fase importante porque se define o desenho da Política Pública com

princípios e diretrizes e, dessa forma, explicitam-se as escolhas políticas. Já essas

são influenciadas pelo contexto socioeconômico, político e cultural como também

são moldadas pelas regras instituicionais14.

O objetivo desta seção é abordar justamente o contexto político, as regras

institucionais, os marcos legislativos, os conflitos e as negociações que

influenciaram na formulação do Programa Mais Médicos. Para tanto, a seção foi

dividida em três partes. A primeira e a segunda tratam, respectivamente, da Medida

Provisória n. 621, que foi proposta pelo poder executivo, e da Lei n. 12.871 e tem o

objetivo de apresentar esses marcos legais para compreensão do desenho

formulado pelo governo e da proposta final aprovada pelo Congresso Nacional.

74

Após a compreensão de cada marco legal, a terceira parte da seção

analisa comparativamente a Medida Provisória n. 621 e a Lei n. 12.871 e faz

inferências acerca do processo de aprovação da também o processo de resistência

das entidades médicas por ter sido relevante no formato final da política pelos

embates ideológicos e judiciais e disputas pela opinião pública.

5.3.1. A proposta do Poder Executivo: Medida Provisória nº 621

O Programa Mais Médicos foi instituído em 8 de julho de 2013 pela

Medida Provisória n. 621 como resposta do governo federal às reivindicações de rua

acontecidas em junho de 2013, apesar de o tema já estar na agenda prioritária do

governo e discutido desde o início do mandato em 2011.

O PMM proposto pelo poder executivo tem como objetivos: diminuir a

carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as

desigualdades regionais; fortalecimento da Atenção Básica; aprimorar a formação

médica no país; aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde e

na organização e funcionamento do SUS; promover troca de experiência entre

médicos brasileiros e estrangeiros e estimular a pesquisa aplicada ao SUS. Para

alcançar tais objetivos, a Medida Provisória propôs: reordenação da oferta de cursos

de medicina e vagas para residência médica, estabelecimento de novos parâmetros

para a formação médica no País e promoção de a atuação de médicos na Atenção

Básica, nas regiões prioritárias do SUS, inclusive por meio de intercâmbio

internacional48.

A Medida Provisória (MP) foi composta por 3 eixos: autorização para

funcionamento de cursos de medicina, formação médica no Brasil e Projeto Mais

Médicos para o Brasil.

A autorização para o funcionamento de cursos de medicina referia-se

apenas às Instituições de Educação Superior Privadas. A principal mudança foi o

processo de autorização passar a ser por edital de chamamento público.

Primeiramente, realiza-se seleção de municípios, por edital nacional, que

apresentem necessidade social e relevância para oferta de curso de medicina e

também que possuam em sua rede municipal serviços de saúde adequados com

exigência mínima de ações e programas na Atenção Básica, urgência e emergência,

75

atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em

saúde.

Após seleção dos municípios, procede-se ao chamamento público de

propostas, das Instituições de Educação Superior Privada especializada em cursos

de saúde, para autorização de funcionamento de curso de medicina. As propostas

vencedoras passariam por procedimentos avaliativos necessários ao

acompanhamento e monitoramento do curso.

A proposta para a educação médica referia-se a dividir a formação em

dois ciclos distintos e complementares. As alterações entrariam em vigor apenas

para ingressantes no curso de medicina a partir de janeiro de 2015. O primeiro ciclo

seria composto pelo curso formal de seis anos no formato já garantido pelas

diretrizes curriculares nacionais em vigência. Após o término do primeiro ciclo, o

estudante de medicina seria certificado pela instituição de ensino superior e seria

concedida permissão para o exercício profissional de medicina apenas para as

atividades do segundo ciclo de formação.

O segundo ciclo seria o treinamento em serviço, exclusivamente na

Atenção Básica no âmbito do SUS. Este ciclo integraria grade curricular obrigatória

do curso de graduação em medicina, inscrito no histórico escolar do estudante, com

duração mínima de 2 anos. Era preconizada supervisão técnica das atividades por

médicos com título de pós-graduação. O segundo ciclo não dispensaria o internato

desenvolvido nos dois últimos anos do primeiro ciclo.

Durante a realização do segundo ciclo, os estudantes de medicina

receberiam bolsa federal pelo Ministério da Saúde. O diploma de médico e o número

do CRM, que garante o exercício definitivo da profissão, somente seriam expedidos

após aprovação no segundo ciclo.

Em relação ao provimento de médicos, a MP instituiu o Projeto Mais

Médicos para o Brasil, que consistia em atividades de integração ensino-serviço na

Atenção Básica em áreas prioritárias no SUS. As vagas disponíveis neste nível de

Atenção seriam oferecidas por meio de edital de adesão com ordem de prioridade

para médicos formados no Brasil e, posteriormente, para brasileiros formados no

exterior. No caso de as vagas não serem preenchidas, seriam oferecidas a médicos

estrangeiros formados no exterior; previa-se, inclusive, cooperação internacional.

76

O Projeto Mais Médicos para o Brasil previa que as atividades

assistenciais seriam desenvolvidas sob supervisão médica de Instituições de Ensino,

como também aperfeiçoamento mediante oferta de curso de especialização. O

Projeto teria duração de três anos, podendo ser prorrogável por igual período.

Existiam peculiaridades para os médicos formados no exterior, chamados

pelo Projeto de médicos intercambistas. Para esses, o exercício da medicina era

exclusivo no âmbito das atividades do Projeto Mais Médicos para o Brasil e para tal

fim a revalidação do diploma estava dispensada. Para os médicos intercambistas,

seria emitido, pelo Conselho Regional de Medicina, registro provisório e que teria

validade restrita à permanência do médico intercambista no Projeto.

A Medida Provisória previa também concessão de bolsa para médicos

preceptores que desenvolvessem atividades de formação para cursos de graduação

e residência médica ofertados pelas instituições federais de educação superior ou

pelo Ministério da Saúde. Além disso, previa contratação de professor temporário

para as instituições de ensino federais para suprir demandas decorrentes de

programas e projetos de aperfeiçoamento de médicos na área de Atenção Básica

em regiões prioritárias para o SUS.

5.3.2. A proposta do Poder Legislativo: Lei nº 12.871

A Lei n. 12.871 foi homologada em outubro de 2013 e instituiu

definitivamente o Programa Mais Médicos. O desenho final da política se mantém

substancialmente em relação à autorização para o funcionamento de cursos de

medicina e ao Projeto Mais Médicos para o Brasil. Entretanto, houve mudança

radical no que se refere à formação médica. Para melhor compreensão da política,

serão focadas, aqui, as mudanças ocorridas no Programa após aprovação no

Congresso Nacional.

Em relação à autorização para funcionamento de cursos de medicina, foi

instituído que, além de Instituições de Ensino, unidades hospitalares podem abrir

cursos de graduação de medicina desde que possuam certificação como hospitais

de ensino, residência médica em no mínimo dez especialidades e mantenham

processo permanente de avaliação e certificação da qualidade de seus serviços1.

77

Para a autorização e renovação de autorização de cursos de medicina,

foram acrescentados critérios de qualidade para as Instituições de Ensino no

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES): exigência de

infraestrutura adequada, acesso a serviços de saúde, clínicas ou hospitais com as

especialidades básicas indispensáveis à formação dos alunos e metas para corpo

docente em tempo integral, para titulação acadêmica de mestrado e doutorado e

para a capacidade de desenvolvimento de pesquisa e produção acadêmica.

Foram acrescentados também critérios em relação aos municípios onde

os cursos de medicina serão ofertados. Será considerado para o município e região

a relação do número de habitantes por médicos, a rede de cursos de graduação na

área da saúde e programas de extensão que atendam à população em

vulnerabilidade.

A grande mudança no desenho da política foi no capítulo Formação

Médica no Brasil. O segundo ciclo que acrescentava mais dois anos na formação do

médico para o exercício pleno da profissão, em atividades na Atenção Básica, gerou

forte resistência das entidades médicas, como também das instituições e entidades

de educação médica. Esta proposta, neste formato, não foi apresentada nem

debatida nos espaços de discussão sobre provimento e formação de profissionais de

saúde para o SUS e foi questionada até pelos setores mais progressistas dentro da

educação médica, principalmente pela terminalidade da formação do médico na

graduação de seis anos.

Diante deste cenário, a proposta do segundo ciclo foi reconsiderada e a

Lei n. 12.871 instituiu alterações importantes para a graduação, residência médica e

implementou o Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES).

Para a graduação de medicina, foi instituída a obrigatoriedade de no

mínimo 30% da carga horária das atividades do internato serem desenvolvidas na

Atenção Básica e em serviços de urgência e emergência do SUS. Foi instituída

também avaliação, a cada dois anos, dos cursos de graduação de medicina com o

objetivo de avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes. Para estas alterações na

graduação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) teve prazo de 180 dias para

apresentar a resolução com as adequações necessárias às diretrizes curriculares

nacionais da graduação de medicina1.

78

Em relação à residência médica, foi instituído que as vagas de acesso

direto*, anualmente, devem ser equivalentes ao número de egressos de cursos de

medicina do ano anterior, isso significa universalização das vagas de residência que

deve ser implementada, gradualmente, até dezembro de 2018. Para tanto, o aporte

nas vagas se dará a partir do incremento dos Programas de Residência Médica em

Medicina Geral de Família e Comunidade (PRMGFC), com vagas complementares

nas seguintes especialidades: genética médica, medicina do tráfego, medicina do

trabalho, medicina esportiva, medicina física e reabilitação, medicina legal, medicina

nuclear, patologia e radioterapia1.

Foi estabelecido, também, que o primeiro ano do Programa de Residência

em Medicina Geral de Família e Comunidade será obrigatório para o ingresso nas

seguintes especialidades: clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia

geral e psiquiatria. E, para as demais especialidades, será obrigatório um ou dois

anos na medicina geral de família e comunidade, a ser regulamentado pela

Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).

Isso torna o PRMGFC especialidade raiz e a formação na Atenção Básica

comum a todos os médicos, independente da especialidade, o que contribui para a

quebra de paradigma do cuidado fragmentado, uma vez que está previsto no

currículo do PRMGFC contemplar especificidades do SUS, como a atuação nas

áreas de urgência e emergência, atenção domiciliar, saúde mental, educação

popular em saúde, saúde coletiva e clínica geral integral em todos os ciclos de vida.

Além disso, a residência de medicina de família e comunidade passa a

ser coordenada pelo Ministério da Saúde, como também poderá receber

complementação financeira da bolsa-formação. Foi instituída, também, avaliação

anual específica para cada Programa de Residência Médica a ser implementada

pela CNRM.

A Lei n. 12.871 implementou o Contrato Organizativo da Ação Pública

Ensino-Saúde (COAPES), que objetiva reordenar a estrutura de serviços de saúde

como campo de prática suficiente e adequado para as atividades de integração

ensino-serviço. Para isso, o Contrato deve garantir acesso a todos os

estabelecimentos assistenciais sob a responsabilidade do gestor da área de saúde

* Refere-se às especialidades em que o médico pode se inscrever sem exigência de especialidade prévia.

79

como cenário de práticas para a formação no âmbito da graduação e da residência

médica e estabelecer responsabilidades e contrapartida entre os gestores do SUS e

as Instituições de Ensino1.

Em relação ao Projeto Mais Médicos para o Brasil, foi adicionado um

módulo inicial de acolhimento e avaliação com carga horária mínima de 160 horas.

O módulo abordará conteúdo relacionado a: legislação, funcionamento e atribuições

do SUS, notadamente da Atenção Básica; protocolos clínicos de atendimentos

preconizados pelo Ministério da Saúde; língua portuguesa; e código de ética médica.

A participação do médico no Projeto está condicionada à aprovação no módulo1.

O período de participação do médico intercambista no Projeto continua

sendo de três anos, com a dispensa de revalidação do diploma e exercício da

profissão exclusivamente no âmbito do Projeto, porém tornou-se obrigatória a

revalidação do diploma para renovação das atividades no Projeto por mais três

anos.

O Ministério passa a emitir o número de registro único para o médico

intercambista participante do Projeto, o que o habilitará para o exercício da Medicina

no âmbito do Projeto, não sendo mais necessária a emissão pelo Conselho Regional

de Medicina. Entretanto, esse ainda é responsável pela fiscalização do exercício

profissional; para isso, o MS fica responsável de comunicar a lista de médicos

vinculados ao Projeto em cada Estado e seus respectivos números de registro. A

fiscalização do exercício da profissão é exclusiva do Conselho Regional de

Medicina. A atuação e a responsabilidade do supervisor e do tutor acadêmico, para

todos os efeitos de direito, são limitadas à atividade de supervisão acadêmica e

suporte pedagógico.

Foi acrescentada, também, na Lei n. 12.871, a regulamentação referente

ao PROVAB. Desta forma, instituiu-se que médicos que desenvolvessem pelo

menos um ano de atividades de aperfeiçoamento na Atenção Básica receberão

pontuação adicional de 10% (dez por cento) na nota de todas as fases ou da fase

única do processo de seleção pública dos Programas de Residência Médica. Dessa

maneira, fortaleceu o PROVAB, que até então era legislado apenas por portarias

ministeriais, arrefecendo as resistências a esse programa.

Também foi incluído na Lei que a atividade de preceptoria em serviços do

SUS integraria as diretrizes de avaliação na carreira docente das Instituições de

80

Ensino Federais, o que representa valorização e fortalecimento da integração

ensino-serviço. Ainda foi assegurada implementação de medidas para formação de

preceptores de residência médica.

Por fim, foi acrescido o limite de número de estrangeiros participantes no

PMM em no máximo 10% do número de médicos brasileiros com inscrição definitiva

nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Foi estabelecido, também, prazo de

cinco anos para adequação da infraestrutura e fornecimento de insumos de

qualidade nas unidades básicas de saúde do SUS. Além disso, foi assegurada a

representação judicial aos supervisores e tutores pela Advocacia Geral da União

(AGU), o que garantiu respaldo aos colaboradores do PMM.

5.3.3. Análise da trajetória de formulação do Programa Mais Médicos

Para melhor compreensão da trajetória de formulação do Programa Mais

Médicos, é importante o esclarecimento acerca dos processos legislativos previstos

no Estado Democrático Brasileiro. Para isso, faz-se necessária explanação do

processo de conversão de uma Medida Provisória em Lei.

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 62, a Medida

Provisória (MPV) como instrumento que pode ser adotado pelo presidente da

República em casos de relevância e urgência, devendo ser submetida de imediato

ao Congresso Nacional. A Medida Provisória tem força de lei e tem vigência por

sessenta dias, prorrogáveis apenas uma vez por igual período72.

Ao chegar ao Congresso Nacional, é criada uma comissão mista, formada

por deputados e senadores, que é responsável por examinar a Medida Provisória e

emitir parecer. Em seguida, o texto segue para apreciação e votação no Plenário da

Câmara dos Deputados e, posteriormente, para votação no Plenário do Senado

Federal72.

As Medidas Provisórias, por possuírem força de lei, já passam a vigorar a

partir da data de publicação. Entretanto, perderão eficácia se não forem convertidas

em lei no prazo de sessenta dias ou de sua prorrogação, devendo o Congresso

Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas

decorrentes72.

A Medida Provisória passa a tramitar como Projeto de Lei de Conversão

(PLV) se o seu conteúdo for alterado durante tramitação no Congresso Nacional.

Após aprovação na Câmara e no Senado, a Medida Provisória é enviada à

81

Presidência da República para sanção. Caso discorde de alguma alteração realizada

no Congresso, a presidência poderá vetar o texto parcial ou integralmente. Então,

posterior à sanção presidencial, a Medida Provisória torna-se definitivamente Lei72.

No caso do Programa Mais Médicos, ao somar-se a dificuldade de

alocação de profissionais de saúde em áreas de maior vulnerabilidade social e

econômica às necessidades das populações que vivem nas capitais e regiões

metropolitanas, associadas às reivindicações das manifestações de rua de junho de

2013 e ao fato de que ações e serviços de saúde são de relevância pública, como

assegura o art. 197 da CF 198872, a presidenta Dilma Rousseff publica a Medida

Provisória n. 621, no dia 08 de julho de 2013, que instituiu o Programa Mais

Médicos. Foi instituída a comissão mista de deputados e senadores com o Deputado

Rogerio Carvalho (PT-SE) como relator. Após publicação da MPV, houve intensas

resistências e disputas, tornando a arena política complexa.

Como a Medida Provisória tem força de lei, o MS estava autorizado a

implementar o programa. Foram publicados, então, também no dia 08 de julho de

2013, a Portaria Insterministerial MS/MEC n. 1369, que dispõe especificamente

sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil, o Edital da SGTES n.

38, que dispõe sobre a adesão dos municípios, e o Edital da SGTES n. 39, que trata

da adesão dos médicos ao Projeto.

Ressalta-se que o PMM, por ter sido instituído por Medida Provisória,

apresentou processos de formulação entre poder executivo e legislativo

concomitante à implementação pelo executivo. Logo, entende-se que o estudo de

Políticas Públicas por ciclo político cumpre o papel didático-organizacional,

entretanto, nesta análise de trajetória, o processo não é linear e serão abordadas a

formulação e a implementação simultaneamente, para não incorrer em

fragmentação da análise14. Destaca-se que a própria implementação se configurou

como estratégia para as disputas na formulação e desenho final da política do

Programa.

Os marcos legislativos e administrativos da trajetória de formulação e

implementação entre a MPV e a Lei n. 12.871 centram no Projeto Mais Médicos para

o Brasil, por este ser o eixo emergencial do PMM. Entretanto, as disputas políticas

também aconteceram no campo da formação médica, tanto no âmbito da

82

graduação, principalmente relativo ao segundo ciclo, da formação de especialistas e

da centralidade na Atenção Básica.

A Portaria interministerial MS/MEC n. 1369, dispõe sobre a

implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB). O Projeto será

executado em cooperação entre os três níveis de governo, as instituições de

educação superior brasileiras, programas de residência médica, escolas de saúde

pública e outras entidades privadas e com instituições de educação superior

estrangeiras e organismos internacionais73.

A Portaria prevê seleção de médicos por meio de edital e de celebração

de instrumentos de cooperação com instituições de educação superior estrangeiras

e organismos internacionais. A ocupação das vagas segue a seguinte prioridade:

médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma

revalidado no país, médicos brasileiros formados em instituições de educação

superior estrangeiras com habilitação para exercício da medicina no exterior e

médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior73.

As vagas não preenchidas serão ocupadas por médicos a partir de

cooperação internacional. Tanto para médicos intercambistas como por cooperação,

a adesão ao Projeto está restrita a profissional habilitado para o exercício da

medicina em país que apresente relação estatística médico por mil habitante igual

ou superior a 1,8, conforme Estatística Mundial de Saúde da Organização Mundial

da Saúde. Esta exigência tem a finalidade de garantir o não agravamento do déficit

de profissionais médicos em países com situação mais grave do que a do Brasil e

para atender recomendações do Código Global de Práticas para Recrutamento

Internacional de Profissionais da Saúde da OMS73.

A Portaria instituiu ainda o valor da bolsa-formação de R$ 10.000 para o

médico participante do Projeto e, para garantir as atividades de supervisão às ações

de integração ensino-serviço, foi garantida também bolsa para médicos supervisores

e tutores nos valores de R$ 4.000 e R$ 5.000 respectivamente. Desta forma, estão

garantidas as atividades de supervisão que são complementares ao

aperfeiçoamento pelo curso de especialização em Saúde da Família. Como as

atividades desenvolvidas são de aperfeiçoamento e os participantes recebem bolsa-

formação, as atividades desempenhadas no âmbito do Projeto não criam vínculo

empregatício73.

83

O edital da SGTES n. 38 dispõe sobre a adesão do Distrito Federal e

municípios ao PMMB. Tanto a adesão de municípios como a de médicos cumpriam

ciclos por editais. Primeiro, publicava-se edital de municípios para adesão ao projeto,

por meio do qual o gestor municipal assinava termo de compromisso, assumindo

responsabilidade com as obrigações determinadas pelo projeto. Após a adesão dos

municípios, sabia-se a real necessidade de médicos na Atenção Básica.

Posteriormente à adesão dos municípios, as vagas são disponibilizadas para os

médicos por meio de edital de chamamento público. O edital da SGTES n. 39 dispõe

sobre a adesão de médicos no Projeto.

Nesse sentido, ao final do ano de 2013, o Projeto Mais Médicos para o

Brasil possuía 4.027 municípios aderidos ao Projeto, o que gerou demanda de

15.640 vagas solicitadas. O edital da SGTES n. 39 dispõe sobre a adesão de

médicos brasileiros e estrangeiros ao PMMB. Os editais eram publicados por ciclos

de acordo com o preenchimento das vagas. Nesse processo inicial de adesão,

18.450 médicos realizaram inscrição, destes 16.530 possuíam registro profissional

no Brasil e 1.920 tinham registro profissional em outros países (61 nacionalidades

diferentes). Do total de médicos com registro no Brasil, 8.307 cadastraram números

do registro em Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) inconsistentes e 1.270

médicos estavam inscritos em programas de residência médica, isso gerou a

necessidade de ampliação dos prazos previstos nos editais.

As inscrições maciças de médicos brasileiros, principalmente com dados

inconsistentes, reforçam a tese de boicote por parte da categoria médica. Desde o

lançamento do PMM e dos editais de adesão, mensagens em redes sociais

orientavam inscrição em massa e posterior desistência, com o objetivo de

sobrecarregar o sistema e atrasar o início das atividades do Projeto, como também

provar que não há déficit de médicos no Brasil.

O Ministério da Saúde solicitou à Polícia Federal (PF) investigação de

possíveis sabotagens. O CFM, por sua vez, afirmou desconhecer qualquer

movimentação contra o PMM, como também de não ter originado nenhum comando

em relação as inscrições do Projeto74 O Governo se posicionou de forma

contundente à possibilidade de boicote como demonstra as falas dos Ministros da

Secretaria de Relações Institucionais, da Saúde e da Justiça:

84

"Só poderemos lamentar se isso efetivamente estiver acontecendo porque seria uma forma de sabotagem ao direito legítimo da população de ter um atendimento médico garantido, de ter médico". Declaração da Ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais Ideli Salvatti75. “Se existem tentativas ilegais de boicotar programa do governo, seguramente a polícia agirá com rigor. O inquérito já foi aberto, já foi determinada a abertura. A Polícia Federal está fazendo investigações necessárias para que analisem esse processo”. Declaração do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo76. “Não queremos ninguém que esteja fazendo qualquer tipo de sabotagem para atrasar um programa que visa oferecer médicos para a população”. Declaração do Ministro da Saúde Alexandre Padilha75.

O MS mudou as regras de inscrição no edital, os médicos brasileiros

vinculados ao PROVAB ou a residência médica terão que apresentar documento

declarando o desligamento nesses programas para desenvolver as atividades no

PMMB; além disso, foi proibida por seis meses nova inscrição de médicos que

homologarem sua participação no Projeto e não comparecerem ao município para o

início das atividades.

Ao final do primeiro ciclo de adesão de municípios e de médicos, o PMM

apresentava uma demanda de 15.640 vagas na Atenção Básica em 4.027

municípios. Apesar de 18.450 médicos iniciarem o processo de inscrição, 16.530

com registro no Brasil e 1.920 com registro profissional no exterior, no final somente

1.096 brasileiros e 522 intercambistas iniciaram suas atividades nos municípios

brasileiros*.

Tendo em vista que o número de médicos homologados no PMMB

correspondia a apenas 10% da demanda dos municípios, o Ministério da Saúde

firmou com a OPAS o 3º Termo de Ajuste (TA) ao Termo de Cooperação Técnica

(TC) 80† para a atuação de médicos cubanos na atenção básica de municípios e

Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). O TA prevê a inserção de metas e

recursos para prover as ações de provimento de médicos cubanos, capacitação,

monitoramento, avaliação e registro dos resultados relacionados ao Projeto Mais

Médicos para o Brasil77.

* Por divergência encontrada nos números dos diversos documentos e também reportagens, a autora usou os dados do relatório de gestão do DEPREPS (arquivo pessoal). † Termo celebrado entre Ministério da Saúde e a Organização Pan-americana de Saúde com o objetivo de promover a cooperação técnica entre países Sul-Sul e assim viabilizar o “Programa de Cooperação Técnica da Organização Pan-americana da Saúde para a participação de médicos cubanos no Projeto Mais Médicos para o Brasil”77.

85

Inicialmente, chegaram ao Brasil 400 médicos cubanos com o começo

das atividades na Atenção Básica, após aprovação no Módulo de Acolhimento, em

16 de setembro de 2013. No decorrer no ano, demais ciclos foram lançados com o

objetivo de ocupar todas as vagas disponibilizadas para o Projeto. Dessa maneira,

no ano de 2013 chegaram mais 2.600, totalizando 3.000 médicos cubanos. A

chegada dos médicos cubanos foi acompanhada de intensa cobertura da mídia e

também muitos protestos da categoria médica.

As entidades médicas convocaram manifestações por todo o país. Após

reunião das entidades AMB, ANMR, CFM e FENAM, no dia 26 de junho de 2013, em

São Paulo, foi divulgada a Carta dos Médicos na Luta em Defesa da Saúde

Pública78. A carta convocava toda a categoria a realizar passeatas, protestos,

caminhadas, atos públicos e assembleias em todos os Estados, exigia a aprovação

urgente da PEC 454*, defendia a derrubada do Decreto Presidencial n. 7562†, se

posicionava contra a importação de médicos estrangeiros sem revalidação de seus

diplomas e declaravam o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como persona non

grata por adotar medidas eleitoreiras.

As mobilizações foram intensas por todo o Brasil. Entretanto, carregadas

de conteúdo xenófobo, racista e de interesse de classe, a exemplificar o caso de

médicos cubanos que foram vaiados e chamados de escravos no Ceará. Essa

postura nas manifestações incoerente com o discurso de defesa da Saúde Pública

foi decisiva para a opinião pública que cada vez mais era favorável ao PMM. As

ilustrações 7, 8, 9 e 10, a seguir, demonstram o conteúdo das manifestações.

* Proposta de Emenda à Constituição estabelece diretrizes para a organização da carreira única médico de Estado. A proposta foi apresentada em dezembro de 2009 e até o presente momento não foi apreciada pelo Plenário do Congresso79,. † Decreto n. 7562, de 15 de setembro de 2011, que dispõe sobre a composição da Comissão Nacional de Residência Médica. Neste Decreto, foi adicionado à Comissão o CONASS e o CONASEMS, com o objetivo de ter representantes dos gestores do SUS nas discussões acerca da especialização médica.

86

Ilustração 7 - Manifestação de médicos. Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria80.

Ilustração 8 - Manifestação de médicos em Recife com enterro simbólico do Ministro da Saúde,

Alexandre Padilha. Fonte: Terra81.

Ilustração 9 - Médico Cubano, Juan Delgado, sendo vaiado e chamado de escravo em manifestação

em Fortaleza – Ceará. Fonte: Carta Capital82.

87

Ilustração 10 - Manifestação de médicos em São Paulo. Fonte: Soares83.

As disputas em torno do Programa Mais Médicos também foram travadas

no âmbito do Poder Judiciário. Por parte das entidades médicas, foram protocolados

Mandado de Segurança (MS) n. 32.238 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)

nº 5035, ambas ações movidas pela AMB contra a MP n. 62145. Ainda houve um

Mandado de Segurança impetrado pelo Deputado Jair Bolsonaro e uma ADI, pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados

(CNTU). As ações judiciais foram apreciadas e indeferidas pelo Supremo Tribunal

Federal. Em manifestação, o Ministro do Supremo Ricardo Lewandowski apontou

que o PMM “configura uma política pública da maior importância social, sobretudo

ante a comprovada carência de recursos humanos no SUS” e, ao contrário do que

pede a ação, há “existência de periculum in mora inverso, ou seja, o perigo na

demora de fato existe, porém milita em favor da população”84. As decisões a favor

do Programa tiveram papel decisivo para a segurança jurídica, não havendo mais

instâncias a recorrer para os setores de resistência ao PMM.

Houve embates também no ambiente acadêmico. Para exercer o curso de

especialização e, principalmente, a supervisão dos médicos, era necessária a

adesão de universidades brasileiras ao programa, o que provocou intensos debates

nas universidades. As três mais respeitadas faculdades de medicina do país se

posicionaram contra o Programa (USP, UNIFESP e UNICAMP), apesar desta última

ter realizado adesão ao Programa posteriormente85.

Para estabelecer as articulações necessárias, garantir a adesão de

número suficiente de universidades e também diminuir as resistências, aconteceu

em Brasília reunião dos reitores das universidades federais com os ministros da

88

Saúde, Alexandre Padilha, e da Educação, Aloizio Mercadante. Além do processo

de adesão, houve enfretamentos internos nas Universidades, principalmente com

foco nos professores que se tornaram tutores e, portanto, responsáveis pelas

atividades do PMM dentro da universidade.

No estado de Pernambuco, os dois professores da Universidade Federal

com função de tutores do PMM foram denunciados pelo Sindicato dos Médicos ao

Conselho Regional de Medicina por infração do código de ética médica, por se

oporem aos interesses das categorias86. Esse cenário de disputas e perseguições

contribuiu para a inserção na PLV de artigo que garante defesa de supervisores e

tutores do Programa pela AGU. Também estava garantido na PLV a valorização de

atividades de integração ensino-serviço na carreira docente e cursos de formação de

preceptores.

Outro grande embate aconteceu em torno dos registros para o exercício

da medicina no Brasil. A MP n. 621 previa que o Conselho Regional de Medicina

emitiria registro provisório para médicos intercambistas e que teria validade restrita à

permanência no Projeto. Os CRMs, por sua vez, entraram com ações civis-públicas

para não serem obrigados a fornecer o registro temporário. Entretanto, a justiça

entendeu que o Programa Mais Médicos era política pública de relevância social e

que negar o registro aos médicos do programa causaria desamparo aos cidadãos

das camadas mais pobres de nossa sociedade, como também visava reserva de

mercado que vitimizava os usuários do SUS45. Como exemplifica a decisão da

Justiça Federal de Minas Gerais:

...a MPV 621, de 2013, que Institui o Programa Mais Médicos, configurando o ato normativo impugnado, sem qualquer sombra de dúvida, política pública de saúde da maior relevância social de sorte que o bem da vida, que está sob perigo real e concreto, deve ter primazia sobre todos os demais interesses juridicamente tutelados87.

...o órgão de fiscalização da classe ao decidir pela não admissão do registro temporário dos médicos intercambistas, ajuizando a presente demanda para desobrigá-lo de efetuar o referido registro provisório pretende instaurar uma verdadeira “batalha” visando a preservação de uma reserva de mercado aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, em que as vítimas, lamentavelmente, são os doentes e usuários dos órgãos do sistema público de saúde.87

89

O Ministério passa a emitir o número de registro que habilitará o médico

intercambista para o exercício da medicina no âmbito do projeto, não sendo mais

necessária a emissão pelo Conselho Regional de Medicina. A autorização ao

Ministério da Saúde para emitir o registro único foi adicionada na PLV como também

publicado no Decreto n. 8.126.

Uma disputa importante no cenário da educação médica é a centralidade

das propostas do PMM na formação na Atenção Básica. Superada a proposta do

segundo ciclo, que não dialogava com o processo histórico da educação médica

desde da CINAEM, nem com a terminalidade da formação no médico na graduação,

o PMM torna a residência de Medicina Geral de Família e Comunidade uma

especialidade raiz. Desta forma, há a disputa na formação do médico ao colocar a

Atenção Básica no centro da formação de especialistas.

Ainda é muito prevalente o conceito de especialista como a excelência na

medicina, tanto na sociedade como no meio médico. Portanto, a formação

especializada carrega preceitos ideológicos88 e o PMM enfrenta tal paradigma ao

valorizar a Atenção Básica na formação tanto na graduação como na Residência

Médica, reforçando a capacidade de participar da produção da saúde integral a partir

de um conceito ampliado de saúde e de cuidado.

Desta forma, entende-se que o confronto está no entendimento da

categoria médica do direito do exercício liberal da profissão, que dialoga com

interesses privados e de mercado89, em contraponto à regulação pelo Estado como

estratégia de garantia do direito à saúde universal, integral e equânime, consolidado

a partir de políticas públicas90.

Logo, o programa não foi entendido como garantia de acesso ao direito

universal à saúde da população brasileira, como garantido na Constituição, mas sim

como uma afronta direta e pessoal aos médicos do Brasil, culpabilizando-os pelos

serviços de saúde insuficientes e preterindo-os frente aos médicos estrangeiros45.

Ao mesmo tempo que toda essa arena política se confrontava, os

médicos do Programa chegavam aos munícipios. Diferente das demais políticas

públicas, o PMM foi de implementação imediata e a população já sentia seus efeitos

e o benefício de acesso aos serviços de saúde com os médicos em suas

comunidades. A aprovação do Programa pela sociedade cada vez mais aumentava.

Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT)

90

aprovação do Programa Mais Médicos cresceu durante os meses de julho (49%) e

setembro (73%), finalmente alcançando 84,3% em novembro91,92.

O processo de implementação concomitante ao de formulação entre os

poderes executivo e legislativo configurou importante estratégia para o sucesso do

programa. Havia pressão assistencial, a população vivenciou e percebeu

rapidamente os efeitos da implementação do programa. Havia pressão política: com

os médicos já prestando assistência nos municípios, os deputados eram

pressionados a aprovar o PLV, uma vez que a negativa do Congresso significaria

desassistência imediata na Atenção de inúmeros municípios, o que provocaria

também perda de base política dos deputados nos Estados.

O poder executivo e sua base de governo no Congresso Nacional

aproveitou este momento crucial para realizar e articular modificações no PLV que

fossem mais efetivas e dialogassem com as dificuldades encontradas na

implementação do PMM e diminuíssem as resistências. Então, o PLV foi a

oportunidade também de incluir, por exemplo, a regulamentação por Lei do

PROVAB, a avaliação seriada dos cursos de medicina e instituição do COAPES.

Pode-se depreender deste processo de formulação de uma Política

Pública que a complexidade da arena política requer fortes articulações políticas

associadas a conhecimento técnico do problema a ser enfrentado, assim como dos

trâmites políticos, administrativos e legislativos para sua efetiva implementação

enquanto política de Estado.

No âmbito do poder legislativo, o relatório da Comissão Mista é aprovado

no dia 09 de outubro de 2013, após 567 emendas parlamentares, três audiências

públicas e reuniões do relator, Deputado Rogério Carvalho, com vários atores da

arena política, como a comissão de especialistas do MEC, comissão de reitores das

universidades federais, Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições

Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Federação Nacional dos Médicos (FENAM)

e ABEM.

Em 16 de outubro de 2013, o PLV é aprovado em plenário da Câmara dos

Deputados e, no dia 16, é aprovado no Senado Federal. E, com celeridade, dada a

importância do tema e a urgência da população brasileira por assistência à saúde na

Atenção Básica, o Programa Mais Médicos é homologado, no dia 22 de outubro de

2013 pela presidência da República e torna-se Lei.

91

92

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa Mais Médicos conseguiu garantir, em espaço curto de tempo,

mais de 18.000 médicos para prestar assistência na Atenção Básica, beneficiando

mais de 63 milhões de brasileiros93. São inegáveis a contribuição e o impacto do

PMM na ampliação do acesso à saúde neste nível de atenção e na garantia de

saúde como direito nas regiões de maior vulnerabilidade94.

Pela importância do Programa para o SUS, a pesquisa objetivou analisar

o processo de formulação do PMM enquanto Política Pública. Para tal, o meu recorte

recaiu sobre a análise da inserção do tema de escassez, provisão, fixação e

formação de profissionais de saúde no SUS na agenda governamental, a sua

formulação e formalização enquanto política pública.

A partir de pesquisa bibliográfica e documental sobre o Programa,

construí a linha do tempo de 2011 a 2013 e destaquei os eventos principais que

influenciaram na inserção do tema na agenda governamental, os marcos de

formulação e atos legais para sua formalização. Foram analisados, também, os

embates políticos, as tensões e correlações de forças e disputas entre os atores da

arena política.

Os resultados encontrados evidenciaram a escassez de médicos na

Atenção Básica, a necessidade de ampliar acesso neste nível de atenção e de

profissionais com formação adequada para atuação no SUS como cenário crítico

para a emergência do tema na arena política.

Evidenciou-se, também, o Seminário Nacional sobre Escassez de

Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde como primeiro evento, após o início

do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousselff e do ministro da saúde

Alexandre Padilha, a abordar o tema de escassez de profissionais de saúde no SUS

e a discutir, com os diversos atores políticos, propostas e ações de viabilidade

política e técnica, para o desenvolvimento de uma política de provimento e fixação

quantiqualitativa de profissionais de saúde.

O PROVAB, por sua vez, amparou a implementação de uma política da

envergadura do Programa Mais Médicos. As dificuldades enfrentadas pelo PROVAB

pela diversidade de cenário da Atenção Básica em um país com as características

93

do Brasil, pelas mudanças estratégicas que tiveram que ser implementadas e pelas

mediações necessárias com os diversos atores políticos foram fundamentais para

calibrar o desenho da política do PMM e para arrefecer as resistências políticas.

Já o movimento Cadê o Médico? exerceu pressão política no governo

federal, mantendo o tema da escassez de médicos na arena política e também

contribuiu para dar respaldo ao governo para lançar o Programa Mais Médicos.

Neste sentido, as manifestações de junho de 2013 representaram dupla janela de

oportunidade política para o governo: já existia um programa elaborado para

apresentar, com celeridade, como resposta aos anseios das reivindicações no

âmbito da saúde e as manifestações também cumpriram o papel de dar respaldo

para o lançamento do PMM com grande impacto assistencial.

Na fase de formulação, pudemos inferir vários fatores como

determinantes no desenho final do PMM. O lançamento do programa por Medida

Provisória, o que permitiu a implementação concomitante, foi importante estratégia

para as disputas e embates políticos. A postura carregada de xenofobia, racismo e

de interesse de classe da categoria médica e de suas entidades foi decisiva para a

opinião pública, que cada vez mais era favorável ao PMM. Decisões, no poder

judiciário, a favor do Programa foram fundamentais para garantir sua segurança

jurídica. Além disso, a pressão assistencial por parte da população que já se

beneficiava dos cuidados dos médicos do Programa, somada à pressão política dos

municípios, foi determinante para a aprovação do PLV no Congresso Nacional.

Evidenciamos também, principalmente ao comparar a MP n. 621 e a Lei

n. 12.871, que a articulação entre poder executivo, a partir de sua base no

Congresso, e o poder legislativo foi fundamental, pois aproximou as propostas

elaboradas no Congresso das necessidades de saúde da população e da

capacidade de implementação da política pelo executivo.

Um cenário importante de disputa provocado pelo PMM foi em torno da

centralidade da Atenção Básica na formação do médico. Por valorizar este nível de

atenção, o PMM enfrenta a formação especializada para alcançar o cuidado integral.

Além disso, há o confronto no entendimento da categoria médica do direito do

exercício liberal da profissão em contraponto à regulação pelo Estado como

estratégia de garantia do direito à saúde universal, integral e equânime, consolidado

a partir de políticas públicas.

94

Logo, a resistência, postura e disputas das entidades médicas, a pressão

sob a Câmara dos Deputados, a aceitação do PMM pela população beneficiada e as

articulações entre o governo e o poder legislativo foram fatores determinantes para a

formulação do desenho final da política do PMM.

Pode-se depreender deste processo de estudo de definição de agenda e

de formulação do Programa Mais Médicos que a complexidade do sistema político

brasileiro requer fortes articulações políticas associadas a conhecimento técnico do

problema a ser enfrentado, assim como dos trâmites políticos, administrativos e

legislativos para a efetiva implementação de uma política pública enquanto política

de Estado.

Por que falar do PMM na perspectiva da política e não a partir dos seus

impactos nos indicadores de saúde, como esperado para uma pesquisa em Saúde

Coletiva? No período que passei na gestão do Ministério da Saúde, pude perceber a

complexidade da arena política, da máquina burocrática e dos processos legais para

a construção de uma política pública. Neste mesmo período, o país enfrentava, e

ainda enfrenta, instabilidade política com muitas manifestações que reivindicavam,

principalmente, saúde e educação, porém sem a maturidade nas reivindicações de o

que exatamente queremos e qual a melhor forma para a concretização desses

direitos.

A partir disso, pesquisar e registrar o processo de construção do PMM se

fez necessário. É imperativo, para a sociedade brasileira, o empoderamento acerca

dos processos políticos para alcançarmos a participação crítica na definição das

prioridades do governo e no desenho das políticas públicas para enfrentar os

problemas. Precisamos superar a cultura do Sebastianismo, que traduz a

inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa da resolução

milagrosa na personificação de um Salvador95.

A análise de políticas públicas é de extrema importância para a

compreensão da complexa dinâmica sócio-política do Brasil. Ainda temos muitos

desafios, mas nós, pesquisadores, devemos ter o compromisso de contribuir para

essa compreensão, aproximando da população a discussão das políticas públicas,

em especial a defesa do Sistema Único de Saúde, superando o academicismo, para

alcançarmos a construção responsável de políticas, a garantia de direitos humanos

fundamentais e a efetivação de uma Democracia participativa.

95

"Velhas questões institucionais, não tendo sido resolvidos nem superadas, continuam sendo os principais fatores de atraso e, ao mesmo tempo, os principais motores de uma revolução social… Como não há nenhuma garantia confiável de que a história venha a favorecer, amanhã, espontaneamente, os oprimidos… torna-se tanto mais imperativa a tarefa de alcançar o máximo de lucidez para intervir eficazmente na história a fim de reverter sua tendência secular. Esse é o nosso propósito”96

96

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bandeira M. Estrela da vida inteira. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2009. 2. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: uma estratégia para intervir na micropolítica do trabalho em saúde. Saúde Coletiva. 2006; 2(2):147-60. 3. Campos GWS. Paidéia e modelo de atenção: um ensaio sobre a reformulação do modo de produzir saúde. Olho Mágico. 2003; 10(2):7-14. 4. OECD. Health at a Glance 2015. [s.l.]: OECD Publishing; 2015.

5. Brasil, Ministério da Saúde. Programa mais médicos – dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.

6. Brasil, Ministério da Saúde. Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e n. 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília: Casa Civil; 2013. 7. Brasil, Ministério da Educação. Resolução do Conselho Nacional Educação / Câmara de Educação Superior n. 03/2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Casa Civil; 2014. 8. Campos GWS, Gutiérrez AC, Cunha GT, Guerrero AVP. Reflexões sobre a Atenção Básica e a Estratégia de Saúde da Família. Atenção básica em sistemas públicos de saúde: uma estratégia em busca da universalidade, equidade e integralidade. In: Campos GWS, Guerrero AVP, organizadores. Manual de Práticas em Atenção Básica: Saúde Ampliada e Compartilhada, 2° Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2010 9. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004; 14(1):41-65. 10. Póvoa L, Andrade MV. Distribuição geográfica dos médicos no Brasil: uma análise a partir de um modelo de escolha locacional. Cad. Saúde Pública. 2006; 22(8):1555–64. 11. Bobbio N, Matteuci N, Pasquino G. Dicionário de Política. Brasília: UNB, Imprensa Oficial do Estado; 1995. 12. Lobato L. Algumas considerações sobre a representação de interesses no processo de formulação de políticas públicas. In: Saraiva E, Ferrarezi E, organizadores. Coletânea Políticas Públicas, vol.1. Brasília: ENAP; 2006

97

13. Rocha CV. Neoinstitucionalismo como modelo de análise para as Políticas Públicas: algumas observações. Civitas - Revista de Ciências Sociais. 2005; 5(1):11-28. 14. Viana ALA, Baptista TWF. Análise de Política de Saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. 2ª ed. [s.l.] FIOCRUZ; 2012. pp. 59-87. 15. Souza C. Estado da arte da pesquisa em Políticas Públicas. In: Hochman G, Arretche M, Marques E,organizadores. Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. pp. 65-86. 16. Ferreira M. Modelli di Solidarieta. Bologna: Il Mulino; 1993. 17. Laswell HD. Politics: who gets what, when, how. Cleveland: Meridian Books; 1936. 18. Saravia E. Introdução à teoria da política pública. In: Saravia E, Ferrarezi E organizadores. Políticas Públicas, Coletânea, vol.1. Brasília: ENAP; 2006. pp. 21-42. 19. Hill M. The policy process: a reader. Hertforsdhire: Harvester Wheatsheaf; 1993 20. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014 21. Gil AC. Métodos e Técnicas de pesquisa social. 2ª ed. São Paulo: Atlas; 1989. 22. Dicionário Online de Português. Presidenta. [Internet, s/d, acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: https://www.dicio.com.br/presidenta/. 23. Lavras C. Atenção primária à saúde e a organização de redes regionais de atenção à saúde no Brasil. Saúde e Sociedade. 2011; 20(4):867–74. 24. Organização Mundial da Saúde. Declaração de Alma-Ata. Alma-Ata: OMS; 1978 [acesso em 2 abr 2016]. Disponível em: http://www.opas.org.br/declaracao-de-alma-ata/. 25. Gil CRR. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cad. saúde pública. 2006; 22(6):1171–81. 26. Paim JS. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para compreensão e crítica. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. 27. Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. 2ª ed. [s.l.] FIOCRUZ; 2012. 28. Simão E, Albuquerque GL, Erdmann AL. Atenção Básica no Brasil (1980-2006): alguns destaques. Rev. RENE. 2007; 8:50–9.

98

29. Brasil. Portaria n. 2.203, de 5 de novembro de 1996 [acesso em: 5 abr 2016]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1996/prt2203_05_11_1996.html. 30. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasilía: Ministério da Saúde; 2012 31. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Senna MCM. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública. 2007; 21(2–3):164–76. 32. Pinto HA, Sousa ANA, Ferla AA. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: faces de uma política inovadora. Saúde em Debate. 2014; 38(special):358-72. 33. Araújo E, Maeda A. How to recruit and retain health workers in rural and remote areas in developing countries: a guidance note. 2013 [Internet; acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.who.int/workforcealliance/knowledge/resources/wb_retentionguidancenote/en/. 34. Oliveira FP, Vanni T, Pinto H, Santos JTR, Figueiredo AM, Araújo SQ et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface. 2015; 19(54):623-34. 35. Maciel Filho R, Branco MAF. Rumo ao interior: médicos, saúde da família e mercado de trabalho. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2008. 36. Conselho Federal de Medicina. Demografia Médica no Brasil. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2013. 37. Conselho Federal de Medicina. Demografia Médica no Brasil [Internet]. 2015 [acesso em 11 jan 2017]. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25867 38. Girardi SN, Carvalho CL, Araújo JF, Farah JM, Maas LW, Campos LAB. Índice de escassez de médicos no Brasil: estudo exploratório no âmbito da Atenção Primária. In: Pierantoni CR, Dal Poz MR, França T, organizadores. O Trabalho em Saúde: abordagens quantitativas e qualitativas. Rio de Janeiro: CEPESC:IMS/UERJ:ObservaRH; 2011. pp.171-86 39. Gonçalves RJ, Soares RA, Troll T, Cyrino EG. Ser médico no PSF: formação acadêmica, perspectivas e trabalho cotidiano. Revista Brasileira de Educação Médica. 2009; 33(3):382–92. 40. Amoretti R. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Rev bras educ méd. 2005; 29(2):136–46.

99

41. Nogueira MI. As mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Revista Rev bras educ méd. 2009; 33(2):262–70. 42. Haddad AE, Brenelli S, Michel J, Nunes MPT, Bucci MPD, Campos FEA. Educação Médica no Contexto da Política Nacional de Educação na Saúde. In: Marins JJN, Rego S, organizadores. Educação Médica: gestão, cuidado e avaliação. São Paulo: Editora Hucitec, 2011. pp. 19-41. 43. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. A educação permanente entra na roda. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 44. Brasil, Ministério da Saúde. Lei n. 12.202, de 14 de janeiro de 2013. Altera a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES (permite abatimento de saldo devedor do FIES aos profissionais do magistério público e médicos dos programas de saúde da família; utilização de débitos com o INSS como crédito do FIES pelas instituições de ensino; e dá outras providências). Brasília: Casa Civil; 2010. 45. Aléssio MM. Análise da implantação do Programa Mais Médicos para o Brasil [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015. 46. Brasil, Ministério da Saúde. Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior Vulnerabilidade: relatório síntese [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seminario_escassez_profissionais_areas_remotas.pdf. 47. Brasil, Ministério da Saúde. Planejamento Estratégico do Ministério da Saúde, 2011-2015: resultados e perspectivas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/planejamento_estrategico_ministerio_saude_resultados.pdf. 48. Brasil. Medida Provisória n. 621, de 8 de julho de 2013. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. Brasília: Casa Civil; 2013. 49. Organização Mundial da Saúde. WHO Global Code of Practice on the International Recruitment of Health Personnel: Draft guidelines on monitoring the implementation of the WHO Global Code [Internet]. Geneva: Who; 2011 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.who.int/hrh/migration/draft_guidelines.pdf. 50. Organização Pan-Americana de Saúde. Seminário Nacional discute fixação de profissionais de saúde em áreas remotas [Internet]. [s/d; acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em:

100

http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=1986:seminario-nacional-discute-fixacao-profissionais-saude-areas-remotas&Itemid=381. 51. Universidade Aberta do SUS. Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais em Áreas Remotas e de Maior Vulnerabilidade [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.unasus.gov.br/noticia/seminario-nacional-sobre-escassez-provimento-e-fixacao-de-profissionais-em-areas-remotas-e. 52. Brasil, Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: Casa Civil; 2000. 53. Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde. Notícias Municipais: Seminário discute a fixação de profissionais da saúde em áreas remotas [Internet]. [s/d; acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.conasems.org.br/seminario-discute-a-fixacao-de-profissionais-da-saude-em-areas-remotas-2/. 54. Conselho Federal de Medicina. CFM defende carreira para médicos no SUS em seminário do Ministério da Saúde [Internet]. Brasília; 2011 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21571:cfm-defende-carreira-para-medicos-no-sus-em-seminario-do-ministerio-da-saude&catid=3:portal. 55. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria Interministerial n. 2.087, de 1 de setembro de 2011. Institui o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. Brasília: Casa Civil; 2011. 56. Brasil, Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução N. 3, de 16 de setembro de 2011. Dispõe sobre o processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica. Brasília: Casa Civil; 2011. 57. Carvalho MS. Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica: um olhar implicado sobre sua implantação [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 58. Brasil, Ministério da Saúde, Ministério da Educação. Passo a Passo Programa Saúde na Escola: tecendo caminhos da intersetorialidade. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. 59. Brasil, Ministério da Saúde. Passo a Passo das Ações da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2016. 60. Feuerwerker LCM. Médicos para o SUS: gestão do trabalho e da educação na saúde no olho do furacão! Interface. 2013; 17(47):929-30.

101

61. Frente Nacional de Prefeitos. Histórico e Visão [Internet]. Versa sobre a história do movimento Frente Nacional de Prefeitos. [s/d; acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://fnp.org.br/fnp/historico. 62. Frente Nacional de Prefeitos. Blog “Cadê o Médico?” [Internet]. 2013 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://cadeomedico.blogspot.com.br. 63. Movimento Passe Livre São Paulo. Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo. In: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil [Internet]. Harvey D, Maricato E, Davis M, Braga R, Žižek S, Vainer C et al., organizadores. São Paulo: Boitempo; 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: https://ujceara.files.wordpress.com/2014/01/cidadesrebeldes-passelivreeasmanifestac3a7c3b5esquetomaramasruasdobrasil.pdf. 64. Singer A. Brasil, junho de 2013: classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos – CEBRAP. 2013; (97):23-40. 65. Singer, André Vitor. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras; 2012. 66. Braga R. Sob a Sombra do Precariado. In: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil [Internet]. Harvey D, Maricato E, Davis M, Braga R, Žižek S, Vainer C et al., organizadores. São Paulo: Boitempo; 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: https://ujceara.files.wordpress.com/2014/01/cidadesrebeldes-passelivreeasmanifestac3a7c3b5esquetomaramasruasdobrasil.pdf. 67. Confederação Nacional da Indústria. Pesquisa CNI–IBOPE: avaliação do governo (novembro 2013). Brasília: CNI; 2013. 68. Dagnino R. As manifestações e as políticas públicas. In: Jornadas de Junho: repercussões e leituras. Souza CM, Souza AA. Campina Grande: EDUEPB; 2013. 69. Lourenço L. Dilma: manifestações são legítimas e próprias da democracia [Internet]. Agência Brasil; 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-17/dilma-manifestacoes-sao-legitimas-e-proprias-da-democracia. 70. Portal do Planalto. Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e TV [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/pronunciamento-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv. 71. Portal do Planalto. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante reunião com governadores e prefeitos de capitais [Internet]. 2013 [acesso 7 fev 2017]. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-

102

planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-reuniao-com-governadores-e-prefeitos-de-capitais. 72. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado; 1988. 73. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria Interministerial n. 1.369, de 8 de julho de 2013. Dispõe sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Brasília: Casa Civil; 2013. 74. Paraguassu L. Contra boicote, ministério altera edital do Mais Médicos: candidatos em residência médica ou ligados ao Provab terão de comprovar que estão desligamento desses programas para homologar inscrição. Estadão [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,contra-boicote-ministerio-altera-edital-do-mais-medicos,1054890. 75. Sampaio R. Após denúncia de boicote, ministério acrescenta regras ao 'Mais Médicos':candidato que faz residência terá que declarar que vai desistir da vaga. Programa quer levar médicos estrangeiros e brasileiros ao interior do país. G1 [Internet]. 2013 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2013/07/apos-denuncia-de-boicote-ministerio-acrescenta-regras-ao-mais-medicos.html. 76. Jornal Extra. PF agirá com rigor contra sabotagem ao Mais Médicos, diz Cardozo [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://novoextra.com.br/so-no-site/politica/10240/pf-agira-com-rigor-contra-sabotagem-ao-mais-medicos-diz-cardozo. 77. Brasil, Ministério da Saúde. Terceiro Termo de Ajuste ao 80º Termo de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento de Ações Vinculadas ao Projeto "Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde". Brasília: Ministério da Saúde; 2013. 78. Conselho Federal de Medicina. Lideranças médicas anunciam mobilização nacional contra proposta do Governo [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23911:liderancas-medicas-anunciam-mobilizacao-nacional-contra-proposta-do-governo&catid=3?debug=true. 79. Caiado R, Paiva E. PEC 454. Altera o Título VIII, Capítulo II, Seção II - “Da Saúde” -, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Estabelece diretrizes para a organização da carreira única de Médico de Estado [Internet]. Brasília; 2009 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=399A2710AFF239727F1320DD5A7709DD.proposicoesWebExterno1?codteor=727136&filename=PEC+454/2009.

103

80. Associação Brasileira de Psiquiatria. Entidades Médicas criticam medidas do programa “Mais Médicos para o Brasil” [Internet]. 2013 {acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.abp.org.br/portal/entidades-medicas-criticam-medidas-do-programa-mais-medicos-para-o-brasil/. 81. Terra Notícias. Médicos fazem paralisação em pelo menos 12 Estados: os profissionais fazem nova greve para protestar contra o programa federal Mais Médicos [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: https://noticias.terra.com.br/educacao/medicos-fazem-paralisacao-em-pelo-menos-12-estados,d7070577d0d00410VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html. 82. Carta Capital. "Não somos escravos", diz cubano vaiado por médicos [Internet]. 2013 [acesso me 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-somos-escravos-diz-cubano-vaiado-por-medicos-7384.html. 83. Soares L. Servidores recebem extra e dinheiro do táxi para participar de protesto médico: entidade pagou táxi, dispensou seus funcionários mais cedo e ainda se dispôs a remunerar com hora extra quem participasse de protesto. Pragmatismo Político [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/07/medicos-recebem-hora-extra-e-dinheiro-do-taxi-para-protestar.html. 84. Supremo Tribunal Federal. Indeferida liminar em mandado de segurança que questiona Programa Mais Médicos [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=244250. 85. Cruz EP. Governo conduz de forma "autoritária e precipitada" debate do Mais Médicos, diz Unicamp. Agência Brasil [Internet]. 2013 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-07-19/governo-conduz-de-forma-autoritaria-e-precipitada-debate-do-mais-medicos-diz-unicamp. 86. Universidade Federal de Pernambuco. Denunciar médico por estar em programa federal é perseguição, diz analista [Internet]. 2013 [acesso em: 7 fev 2017]. Disponível em: https://www.ufpe.br/agencia/clipping/index.php?option=com_content&view=article&id=13887:denunciar-medico-por-estar-em-programa-federal-e-perseguicao-diz-analista&catid=334&Itemid=243. 87. Ribeiro JB, Justiça Federal de Minas Gerais. PROCESSO N.º 41956-23.2013.4.01.3800. Belo Horizonte; 2013. 88. Campos GSW, Chakour M, Santos RC. Análise crítica sobre especialidades médicas e estratégias para integrá-las ao Sistema Único de Saúde (SUS). Cad. Saúde Públ. 1997; 13(1):141-4.

104

89. Campos GWS. Os médicos e a política de saúde: entre a estatização e o empresariamento: a defesa da prática liberal da Medicina. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC; 2006. 90. Ceccim RB, Armani TB, Oliveira DLLC, Bilibio LF, Moraes M, Santos ND. Imaginários da formação em saúde no Brasil e os horizontes da regulação em saúde suplementar. Ciência & Saúde Coletiva. 2008; 13(5):1567-78. 91. Confederação Nacional do Transporte. Relatório 2 [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://cnt.mdapesquisa.com.br/relatorio2.php. 92. Aquino A. Apoio da população ao Programa Mais Médicos alcança 84,3% na pesquisa CNT. Agência Brasil [Internet]. 2013 [acesso em 7 fev 2017]. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-11-07/apoio-da-populacao-ao-programa-mais-medicos-alcanca-843-na-pesquisa-cnt. 93. Campos GWS, Pereira Júnior N. A Atenção Primária e o Programa Mais Médicos do Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2016; 21(9):2655–63. 94. Campos GSW. Mais médicos e a construção de uma política de pessoal para a Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS). Interface. 2015; 19(54):641-2. 95. Carvalho JM. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 12ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2009. 96. Ribeiro D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2006.

105

8. ANEXOS

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Programa Mais Médicos: a formação de uma Política Pública

Pesquisador: ERIKA SIQUEIRA DA SILVA

Área Temática: Versão: 1

CAAE: 60857616.5.0000.5404

Instituição Proponente: Faculdade de Ciências Medicas - UNICAMP

Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 1.842.839

Apresentação do Projeto: O Brasil vem passando pela construção, desenvolvimento e adequação

do Sistema Único de Saúde (SUS) que tem demonstrado importantes avanços,

principalmente no que diz respeito à universalização do acesso aos serviços e à

redução de desigualdades sociais. Para garantir acesso universal e cuidado integral,

o SUS precisa enfrentar dois grandes desafios: o número insuficiente de médicos e

sua distribuição geográfica desigual e a formação de profissionais com o perfil

adequado às necessidades do SUS. A atenção básica se apresenta, então, como

importante cenário de prática para a formação de profissionais com o perfil

adequado às necessidades do SUS através da educação em serviço, pois permite

articular gestão, atenção, ensino e controle social no enfrentamento dos problemas

concretos de cada equipe de saúde em seu território geopolítico de atuação

(Ceccim; Feuerwerker, 2004). Entretanto, a centralidade do cuidado no médico e sua

constante dificuldade de fixação e interiorização geram impacto na Atenção Básica e

um descompasso entre os aspectos demográficos e necessidades sociais em

relação à disponibilidade de médicos e perfil adequado para este nível de atenção

106

(CFM, 2013). Neste contexto, o Programa Mais Médicos (PMM) surge como

resposta do Governo Federal ao enfretamento de tal desafio e foi instituído pela Lei

nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, com o objetivo de aumentar a disponibilidade

de médicos para a atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de

lançar medidas que induzem mudança de perfil do profissional médico para atender

às necessidades de saúde da população brasileira. O mote para a discussão neste

trabalho é a análise do desenvolvimento do Programa Mais Médicos enquanto

Política Pública. Este trabalho tem como objetivo principal investigar como se deu a

inserção, como prioridade na agenda governamental, do tema da provisão e fixação

de médicos no SUS e da formação médica orientada às necessidades da população

brasileira, como também a análise das escolhas estratégicas na formulação da

Programa e as articulações para a sua implementação. Trata-se de Estudo

qualitativo à luz da método de análise de Políticas Públicas por ciclo político, com

levantamento de dados a partir da pesquisa exploratória de levantamentos

bibliográficos e documentais. Será utilizado, centralmente, a Medida Provisória nº

621, de 08 de julho de 2013, e a Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013 para

análise das propostas e disputas entre o poder executivo e legislativo para a

determinação da configuração final da política como também documentos oficiais e

notas publicadas pelos atores políticos envolvidos na formulação do Programa.

Objetivo da Pesquisa: OBJETIVO PRIMÁRIO

Analisar o processo de formulação do Programa Mais Médicos enquanto

Política Pública.

OBJETIVO SECUNDÁRIO

5.1 Reconstruir o desenvolvimento do Programa Mais Médicos, investigando como

se deu a inserção do tema na agenda governamental, bem como a formulação da

política; definir os principais marcos da definição da agenda e da formulação da

política do Programa Mais Médicos;

5.2 Realizar análise comparativa entre os dois principais marcos legais: Medida

Provisória nº 621, de 08 de julho de 2013 e a Lei nº 12871, de 22 de outubro de

2013. E a partir dos atos dos atores políticos ocorridos entre a Medida Provisória e a

homologação da Lei, inferir as disputas.

107

5.3 A partir dos marcos da Política do Programa Mais Médicos inferir tensões e

correlação de forças entre os atores políticos.

Avaliação dos Riscos e Benefícios: Riscos:

Constrangimentos decorrentes da exposição de opiniões; perdas profissionais ou

pessoais pelo tempo despendido nas atividades da pesquisa.

Benefícios:

Identificação de potencialidades e desafios na construção e formulação de Política

Pública em Saúde; oportunidade de reflexão e análise crítica sobre

responsabilidades, posições e disputas entre atores políticos e da sociedade civil na

formulação do Programa Mais Médicos.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Trata-se de um trabalho que irá constituir a Dissertação (Mestrado) de uma aluna

matriculada no curso de Mestrado Profissional do Departamento de Saúde Coletiva-

Faculdade de Ciências Médicas-Unicamp, orientada por um docente desse

Departamento, e a ser realizado com financiamento próprio. O cronograma

apresentado mostra que este trabalho terá início em 20Outubro2016 (com

Levantamento Documental) e término em 20Janeiro2017 (com elaboração do

Relatório final). A autora do projeto trabalhou no Ministério da Saúde como

coordenadora da Área Pedagógica do Departamento de Planejamento e Regulação

da Provisão de Profissionais de Saúde – DEPREPS/SGTES/MS, departamento

responsável pelo Programa Mais Médicos, o que mobilizou a tornar o Programa Mais

Médicos objeto de estudo no Mestrado Profissional por potencializar a produção

científica aliada ao cotidiano do trabalho. A pesquisa terá caráter qualitativo à luz do

método de análise de Políticas Públicas por ciclo político, com levantamento de

dados a partir da pesquisa exploratória de levantamentos bibliográficos e

documentais. Os dados do presente estudo serão trabalhados a partir da análise

documental em apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais,

relatórios técnicos, artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e

sentenças judiciais, entre outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à

consulta pública. Após levantamento e organização dos materiais disponíveis,

108

seguirá a leitura de todos os documentos para seleção daqueles que apresentam

dados importantes para a investigação. Após esta etapa, a pesquisadora procederá

a análise de conteúdo dos documentos selecionados, para poder assim fazer

inferências e fornecer interpretações coerentes, tendo em vista a temática e o

questionamento inicial. O Método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história,

das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões,

produtos da interpretação que os humanos fazem a respeito de como vivem,

constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam... as abordagens

qualitativas se conformam melhor às investigações de grupo e segmentos

delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e

para análises de discursos e de documentos. (Minayo, 2014). A Pesquisa

Exploratória se utiliza comumente de levantamentos bibliográfico e documental. As

principais fontes bibliográficas são materiais já elaborados, tais como livros e artigos

científicos, e as do levantamento documental, materiais que ainda não receberam

tratamento analítico, quais sejam: documentos oficiais, reportagens de jornal e até

mesmo relatórios de pesquisa. (Gil, 1989). A proposta é a realização de análise

comparativa entre a Medida Provisória nº 621, proposta pelo Poder Executivo, e a

Lei nº 12.871 proposta final aprovada no Poder Legislativo, além de levantamento e

análise de documentos, notas e reportagens acerca do cenário político e atores e as

articulações que interferiram no arcabouço final da Política do Programa Mais

Médicos. A pesquisa terá como referencial teórico-metodológico a análise de Política

Pública por ciclos políticos, classicamente introduzida por Harol D. Laswell,

associada a outros teóricos como Lindblom e Easton, que questionaram a

racionalidade dos ciclos de política de Lasweel e propuseram a incorporação à

análise de políticas públicas outras variáveis como as relações de poder, integração

entre as diferentes fases dos processo decisório, assim como inputs dos partidos,

mídia e organização civil. Também considera-se aqui a implicação do olhar

interpretativo da pesquisadora, que não é isento de escolhas e está permeado pelos

determinantes sociais, culturais, políticos e econômicos do seu tempo.

Metodologia de Análise de Dados Segundo Gil (1989) não são apenas pessoas

vivas que constituem fontes de dados. Muitos dados importantes na pesquisa social

provêm de fontes de papel: arquivos históricos, registros estatísticos, diários,

biografias, jornais e revistas. Após levantamento e organização dos materiais

109

disponíveis, seguirá a leitura de todos os documentos para seleção daqueles que

apresentam dados importantes para a investigação. Após esta etapa, a

pesquisadora procederá à análise de conteúdo dos documentos selecionados, para

poder assim fazer inferências e fornecer interpretações coerentes, tendo em vista a

temática e o questionamento inicial. Segundo Minayo, (2014) a análise de conteúdo

parte de uma leitura de primeiro plano de falas, depoimentos e documentos, para

atingir um nível mais profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do material.

Para isso, geralmente, todos os procedimentos levam a relacionar estruturas

semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados

e a articular a superfície dos enunciados dos textos com os fatores que determinam

suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de

produção de mensagem. Segundo a mesma autora, a análise de conteúdo diz

respeito à técnica de pesquisa que permite tornar replicáveis e válidas as inferências

sobre dados de um determinado contexto. (Minayo, 2014) Então, a partir da

abordagem qualitativa do método, enfatizando não apenas a descrição dos dados,

mas com olhar cuidadoso e crítico sobre as fontes documentais, a pesquisadora fará

inferências e interpretações acerca de disputas políticas na formulação da Política

do Programa Mais Médicos, uma vez que documentos não são produções isentas e

traduzem leituras e posições políticas de determinado grupo em dado tempo e

espaço.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Foram apresentados a Folha de Rosto, assinada pelo Diretor da Faculdade de

Ciência Médicas-Unicamp, o documento com Informações Básicas do Projeto e o

Projeto detalhado. A pesquisadora solicitou dispensa do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Segundo informações da pesquisadora contempladas no documento anexado

"PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_783288.pdf 07/10/2016 15:02:04

":" Os dados do presente estudo serão trabalhados a partir da análise documental

em apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais, relatórios técnicos,

artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e sentenças judiciais, entre

110

outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à consulta pública" e " O

presente estudo propõe dispensa de TCLE por não propor abordagem, recrutamento

ou qualquer intervenção a indivíduos. A pesquisa utilizará dados a partir de análise

documental de apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais,

relatórios técnicos, artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e

sentenças judiciais, entre outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à

consulta pública.". Cabe ao Comitê de Ética em pesquisa (CEP) avaliar os

protocolos de pesquisa que envolvam seres humanos de forma direta ou indireta.

Segundo a Resolução 510/16 em seu parágrafo único. "Não serão registradas nem

avaliadas pelo sistema CEP/CONEP:

II- pesquisa que utilize informações de acesso público, nos termo da Lei nº12.527 de

18 de novembro de

2011;

III- pesquisa que utilize informações de domínio público;

V- Pesquisa com banco de dados, cujas as informações são agregadas, sem

possibilidade de identificaçãoindividual; e

VI- pesquisa realizada exclusivamente com textos científicos para revisão de

literatura científica.

Diante do exposto, não cabe ao CEP avaliar este protocolo de pesquisa.

Considerações Finais a critério do CEP: Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados: Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situaçã

o Informações Básicas do Projeto

PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_783288.pdf

07/10/2016 15:02:04 Aceito

Outros AtestadoMatriculaUnicamp.pdf 07/10/2016 15:01:34

ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito

Projeto Detalhado / Brochura Investigador

ProjetoMestradoUNICAMPErikaSiqueira.pdf

07/10/2016 15:00:46

ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito

Folha de Rosto FolhadeRostoErikaSiqueira.pdf 26/09/2016 19:19:13

ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito

111

Situação do Parecer: Retirado

Necessita Apreciação da CONEP:

Não

CAMPINAS, 30 de Novembro de 2016

___________________________________________________ Assinado por:

Renata Maria dos Santos Celeghini (Coordenador)