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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
ERIKA SIQUEIRA DA SILVA
PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA
CAMPINAS
2017
ERIKA SIQUEIRA DA SILVA
PROGRAMA MAIS MÉDICOS: A FORMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde, na área de concentração, política, gestão e planejamento.
ORIENTADOR: GUSTAVO TENÓRIO CUNHA ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ERIKA SIQUEIRA DA SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. GUSTAVO TENÓRIO CUNHA.
CAMPINAS
2017
Agradecimentos
Aos meus pais, Rosa e Toinho, pela fonte de inspiração, fortaleza e porto
seguro.
Às minhas irmãs, Gisele e Evelyn, pelo compartilhamento de vida e de lutas.
Ao amigos e companheiros do DAMUC, por termos descortinado o mundo
juntos, pela linda trajetória de luta pelo SUS e pela educação pública e de
qualidade. Continuaremos em luta. Humberto Câmara Neto... presente!!!
Às flores do Sobradinho, pelas trocas, acolhimento e amizade. Cá, Lê e Chel,
vocês foram fundamentais para eu manter o juízo nestes anos intensos
dedicados ao Programa Mais Médicos. Muito obrigada.
À Carina, pela sabedoria, força e aconchego. Agradeço a cada abraço que
trocamos nas madrugadas que te acordei. Ah... agradeço por repetir todos os
meses que fazer mestrado e escrever era uma delícia. Quase me convenci.
À Mara, pelas trocas no mestrado, dos textos inacabados, das inseguranças,
pelos caminhos encontrados, reflexões construídas e pela trajetória de vida e
luta que temos pela frente.
À Lara, por ter me convencido da minha capacidade de escrever a dissertação
do mestrado e, ao mesmo tempo, estudar para o concurso da UFPE.
Continuaremos nossa vida e trajetória de lutas, companheira.
À Antônia, pelo aprendizado na trajetória da escrita.
Às mocinhas de Brasília: Gal, pela força e sabedoria; Lu, esse presente que
Brasília me deu, por todo aprendizado, pelas gargalhadas, pelo acolhimento e
trocas nesse caminho árido da gestão; Evellin, querida, como demorou para os
nossos caminhos se cruzarem, mas não foi à toa... nos encontramos
poeticamente nos traços de Brasília, a você meu profundo respeito e
admiração; Maria... Maguia... Maga, a você por tudo que vivi em Brasília, pelo
porto seguro, pela amizade, pelo compartilhamento e pelo amor.
Aos trabalhadores do Ministério da Saúde, da SGTES e DEPREPS pelos
aprendizados e pela luta na construção do SUS.
Às mulheres da APED por todo aprendizado e dedicação: Carla pela
competência e compromisso; Wania pelo aprendizado, humildade e força para
eu fazer o mestrado; Mariana pela força, garra na luta e por toda a troca de
textos que foram fundamentais para este trabalho; Suzzi pela competência e
compromisso, te admiro; Tatiana pela dedicação e cuidado; Denise pela troca e
calma; Moyses pela competência e compromisso.
A Tim por ter acreditado na minha competência, pelo aprendizado e amizade.
O seu convite mudou a trajetória da minha vida. À Luciana pelo aprendizado,
amizade e presença.
A Heider pelo aprendizado, amizade e principalmente pela troca nas
discussões sobre política e vida.
A Felipe Proenço pela confiança, dedicação ao trabalho e aprendizado.
A Mozart Sales pela competência e dedicação na implementação do Programa
Mais Médicos.
A Alexandre Padilha pela inteligência, humildade e liderança.
Ao SUS por ter sido o espaço de aprendizado da minha medicina, de luta e de
vida.
A Recife por ter me recebido de volta de braços abertos, pelo frevo, bolo de
rolo, pelo sotaque e por me tornar tão nordestina.
RESUMO O Programa Mais Médicos (PMM) foi instituído pela Medida Provisória nº 621,
convertida na Lei nº 12.871, em outubro de 2013, com o objetivo de enfrentar
o número insuficiente de médicos no país, minimizar a má distribuição no
território nacional e induzir mudança no perfil do profissional médico para
atender às necessidades de saúde da população brasileira. Este trabalho tem
como objetivo principal analisar o processo de formulação do Programa Mais
Médicos enquanto Política Pública. Trata-se de estudo qualitativo à luz do
método de análise de Políticas Públicas por ciclo político como referencial
teórico, com levantamento de dados a partir da pesquisa exploratória de
levantamentos bibliográficos e documentais. Utilizou-se a análise dos
documentos para reconstruir o desenvolvimento do PMM da inserção do tema
na agenda governamental à formulação da política. Os resultados encontrados
evidenciaram a escassez de médicos na Atenção Básica, a necessidade de
ampliar acesso neste nível de atenção e de profissionais com formação
adequada para atuação no SUS como cenário crítico para a emergência do
tema na arena política. Evidenciou-se, também, o Seminário Nacional sobre
Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde, o Programa de
Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), o movimento de
prefeitos (“Cadê o Médico?”) e as manifestações de junho de 2013 como
contexto relevante para a inserção do tema na agenda governamental. Outro
achado deste trabalho, consiste na resistência e postura das entidades
médicas, na pressão sob a Câmara dos Deputados, na aceitação do PMM pela
população beneficiada e nas articulações entre o governo e o poder legislativo
como fatores determinantes para a formulação do desenho final da política do
PMM. Desta forma, evidenciamos o processo complexo de formulação de uma
política pública, dando visibilidade a fatos e atores importantes na arena
política. Reiteremos a necessidade da análise de políticas públicas para o
empoderamento da sociedade brasileira acerca dos processos políticos no país
para a superação da cultura de políticas de governo e construção participativa
de Políticas de Estado.
Palavras-chave: Atenção Básica; Políticas Públicas; Programa Mais Médicos
ABSTRACT The Programa Mais Médicos (PMM) was instituted by the Provisional Measure
621, converted into Law 12,871 in October 2013, aiming to increase the
insufficient number of doctors in the country, minimize the bad distribution
throughout the national territory and induce a change in the medical
professional’s profile to answer the needs of the Brazilian population. This
research aims to investigate the Programa Mais Médicos’ creation process as a
Public Policy. It is a qualitative study using the method of analyzing Public
Policies using political cycles as a theoretical reference and uses data gathered
through bibliographical and documental research. Document analysis was used
to the PMM’s development from insertion in the government’s agenda to the
policy’s formulation. Results show a lack of doctors in Basic care, a need to
broaden access in this level of care, and a need for more adequately formed
professionals to act in SUS, configuring a critical setting for the subject in the
political arena. The Seminário Nacional sobre Escassez de Provimento e
Fixação de Profissionais de Saúde, the Programa de Valorização do
Profissional da Atenção Básica (PROVAB), the mayors’ movement (“Cadê o
Médico?”), and the popular manifestations of 2013 have also proven to be
relevant context for the insertion of the theme in the government’s agenda. This
research has also found the medical entities’ resistance, pressure on the
Chamber of Deputies, acceptance of the PMM by the population that benefited
from it, and articulations between the government and the Legislative Power
were significant factors in the complex process of formulating a public policy,
giving visibility to important facts and actors in the political arena. We once
again call attention to the need of analyzing public policies for the
empowerment of Brazilian society regarding political processes in our country in
order to overcome the notion that only the government creates policies and to
build State Policies in a more participative manner.
Keywords: Primary health care; Public Policies; Programa Mais Médicos.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Médicos por 1000 Habitantes ...................................................... 41
Ilustração 2 - Linha do tempo com principais marcos que compuseram o cenário político para o Programa Mais Médicos de 2010 a 2012 ..................... 48
Ilustração 3 - Linha do tempo com principais marcos que compôs cenário político para o Programa Mais Médicos no ano de 2013 .................................. 49
Ilustração 4 - Logomarca do Movimento Cadê o Médico? .............................. 66
Ilustração 5 - Publicidade do Movimento Cadê o Médico? .............................. 68
Ilustração 6 - Divulgação da Petição do Movimento Cadê o Médico? .............. 68
Ilustração 7 - Manifestação de médicos ........................................................... 86
Ilustração 8 - Manifestação de médicos em Recife com enterro simbólico do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha .............................................................. 86
Ilustração 9 - Médico Cubano, Juan Delgado, sendo vaiado e chamado de escravo em manifestação em Fortaleza – Ceará .............................................. 86
Ilustração 10 - Manifestação de médicos em São Paulo .................................. 87
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEM Associação Brasileira de Ensino Médico ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade AGU Advocacia Geral da União AMB Associação Médica Brasileira ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior CFM Conselho Federal de Medicina CINAEM Comissão Interinstitucional de Avalição das Escolas Médicas CNE Conselho Nacional de Educação CNRM Comissão Nacional de Residência Médica CNT Confederação Nacional dos Transportes CNTU Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados COAPES Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde CONASEMS Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde CONASS Conselho Nacional dos Secretários de Saúde CRM Conselho Regional de Medicina DAB Departamento de Atenção Básica DAMUC Diretório Acadêmico de Medicina Umberto Câmara Neto DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DEGES Departamento de Gestão da Educação na Saúde DENEM Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina DEPREPS Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de
Saúde EAD Educação à Distância FENAN Federação Nacional dos Médicos FESF Fundação Estatal de Saúde da Família da Bahia FIES Programa de Financiamento Estudantil FNP Frente Nacional de Prefeitos IES Instituição de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais MEC Ministério da Educação MFC Medicina de Família e Comunidade MPV Medida Provisória MS Ministério da Saúde MS Mandado de Segurança NOB Norma Operacional Básica OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OPAS Organização Pan-americana de Saúde OTD Overseas Trained Doctors PCCS Plano de Cargos, Carreiras e Salários PET-Saúde Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde PF Polícia Federal PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento PISUS Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde
PITS Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde PLV Projeto de Lei de Conversão PMM Programa Mais Médicos PMMB Projeto Mais Médicos para o Brasil PNAB Política Nacional da Atenção Básica PRMGFC Programas de Residência Médica em Medicina Geral de Família e Comunidade PROMED Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas Pró-Saúde Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PROVAB Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica PSE Programa Saúde na Escola PSF Programa de Saúde da Família RCTS Rural Clinical Training and Support RSB Reforma Sanitária Brasileira SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior STF Supremo Tribunal Federal SUS Sistema Único de Saúde UBS Unidades Básicas de Saúde UFPE Universidade Federal de Pernambuco UNASUS Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde UNE União Nacional dos Estudantes UPA Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO
1. Introdução .................................................................................................. 14
1.1. O Contexto ........................................................................................................ 14
1.2. O Programa Mais Médicos ................................................................................ 17
1.3. Minhas Implicações ........................................................................................... 20
2. OBJETIVOS ............................................................................................... 23
2.1. Primário ............................................................................................................. 23
2.2. Secundários ....................................................................................................... 23
3. REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................... 24
4. METODOLOGIA ......................................................................................... 30
4.1. Trajetória metodológica ..................................................................................... 30
5. RESULTADOS ........................................................................................... 34
5.1. Contextualização e Construção da Agenda do Programa Mais Médicos ......... 34 5.1.1. Atenção Básica ......................................................................................................... 34 5.1.2. Insuficiência de Médicos .......................................................................................... 38 5.1.3. Formação Médica no Brasil ...................................................................................... 42
5.2. Principais Marcos entre 2011 e 2013 ................................................................ 47 5.2.1. Seminário Nacional de Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde ................................................................................................................................. 49 5.2.2. Programa Nacional de Valorização do Profissional da Atenção Básica .................. 56 5.2.3. Movimento de Prefeitos – Cadê o Médico? .............................................................. 65 5.2.4 Manifestações de Junho de 2013 .............................................................................. 68
5.3. Contextualização e Formulação da Política do Programa Mais Médicos ......... 73 5.3.1. A proposta do Poder Executivo: Medida Provisória nº 621 ................................. 74 5.3.2. A proposta do Poder Legislativo: Lei nº 12.871 ....................................................... 76 5.3.3. Análise da trajetória de formulação do Programa Mais Médicos ............................. 80
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 92
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 96
8. ANEXOS .................................................................................................. 105
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP .......................................................... 105
14
1. Introdução
1.1. O Contexto
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição
Federal de 1988, a saúde no Brasil sofreu fortes mudanças. O SUS, com seus
princípios democráticos, propôs diretrizes, conceitos e práticas que eram e ainda são
contra-hegemônicos na sociedade, como a universalidade, integralidade e equidade.
O sistema hegemônico traz à atenção a saúde centrada na assistência
curativa, superespecializada, fragmentada e hospitalar em consonância com
interesses econômicos, corporativos e de reserva de mercado. A substituição desse
sistema pelo SUS, que valoriza a integralidade e a saúde como direito, depende,
dentre outras coisas do perfil de formação e das práticas dos profissionais de
saúde1.
A implantação do SUS exige dos profissionais de saúde a capacidade de
participar da produção da saúde integral a partir de um conceito ampliado de saúde
e de cuidado, atuando em equipe multiprofissional e assumindo o compromisso de
centrar suas ações nos usuários. Campos7 coloca que o trabalho das equipes e das
organizações de saúde “deve apoiar os usuários para que ampliem sua capacidade
de se pensar em um contexto social e cultural”. Para o autor, “caberia repensar
modelos de atenção que reforçassem a educação em saúde, objetivando com isso
ampliar a autonomia e a capacidade de intervenção das pessoas sobre suas
próprias vidas”2.
As mudanças nas práticas de atenção provocadas pelo SUS devem ser
acompanhadas, nesse sentido, por profundas transformações na formação dos
profissionais de saúde, sem desconsiderar que o processo de formação não termina
na conclusão dos cursos e especializações, mas é parte da dinâmica organizacional
do trabalho em saúde. Para avançar no cuidado integral, com base nas
necessidades sociais por saúde, a atenção básica cumpre um papel estratégico na
dinâmica de funcionamento do SUS, por seu estabelecimento de relações contínuas
com a população e por buscar a atenção integral e de qualidade, a resolutividade e o
15
fortalecimento da autonomia das pessoas no cuidado à saúde, estabelecendo
articulação orgânica com o conjunto da rede de serviços.
A atenção básica se apresenta como importante cenário de prática para a
formação de profissionais com o perfil adequado às necessidades do SUS. A
educação em serviço contribui por trabalhar a construção desse modo de operar o
sistema, pois permite articular gestão, atenção, ensino e controle social no
enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe em seu território geopolítico
de atuação3.
Além da formação, outro grande desafio para o enfretamento da
desigualdade de atenção em saúde aos usuários do SUS é o número de médicos e
sua distribuição geográfica. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), em seu relatório de 2015 sobre a saúde, aponta que a falta de
médicos interfere no acesso e que a má distribuição destes profissionais é uma
questão política importante na maioria de seus países-membros4.
O provimento e fixação de médicos resultante do processo de escolha
individual geralmente resulta em distribuição socialmente inadequada10. Para isso, o
SUS deve analisar e monitorar a demanda e oferta de profissionais para garantir
distribuição equânime de acordo com as necessidades de saúde de cada região do
país. Desta forma, a provisão de profissionais médicos, bem como a formação
adequada para as demandas do SUS se configura como um grande desafio para
diminuir as iniquidades no acesso a serviços de saúde e ao cuidado integral.
Neste contexto, o Programa Mais Médicos (PMM) surge como resposta
do Governo Federal à necessidade de provisão de médicos em áreas vulneráveis e
para atender a demanda dos municípios brasileiros. O programa também subsidia
mudanças quantitativas e qualitativas na formação médica, como a ampliação da
integração ensino serviço, que busca garantir a integralidade e sustentabilidade do
Sistema Único de Saúde.
O Programa Mais Médicos foi instituído pela Medida Provisória n. 621, de
08 de julho de 2013, que posteriormente foi convertida na Lei n. 12.871, de 22 de
outubro de 2013, constituída por três grandes eixos: Provimento Emergencial,
Infraestrutura e Formação Médica, com o objetivo de aumentar a disponibilidade de
médicos para a atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de lançar
medidas que induzem mudança de perfil do profissional médico para atender às
16
necessidades de saúde da população brasileira, apresentando a integração ensino-
serviço como importante estratégia5.
O mote para a discussão neste trabalho é a análise do desenvolvimento
do Programa Mais Médicos enquanto Política Pública, investigando como se deu a
inserção, como prioridade na agenda governamental, do tema da provisão e fixação
de médicos no SUS e da formação médica orientada às necessidades da população
brasileira, como também a análise das escolhas estratégicas na formulação da
Programa e as articulações para a sua implementação.
No sentido de esclarecer conceitos utilizados na dissertação, no
referencial teórico, discorre-se sobre a análise de políticas públicas, a sua clássica
abordagem por ciclos políticos como também as correntes teóricas. Posteriormente,
à luz do referencial teórico, apresenta-se a trajetória metodológica trilhada para o
presente estudo qualitativo a partir de dados bibliográficos e documentais.
Já a seção Contextualização e Construção da Agenda do PMM aborda o
contexto da Atenção Básica no Brasil, o cenário de insuficiência de médicos no país
e o processo histórico da formação médica com o objetivo de apresentar o cenário
crítico para a emergência do tema na arena política. A seção seguinte discorre sobre
os principais marcos em torno do tema de escassez, provisão e fixação de
profissionais de saúde que aconteceram no período entre 2011 e 2013 com o
objetivo de evidenciar as tensões entre os atores da arena política em disputa na
inserção do tema na agenda governamental.
Na seção Contextualização e Formulação da Política do PMM,
apresentamos a Medida Provisória n. 621 e a Lei n. 12.871 para esclarecer o
arcabouço jurídico-administrativo e, posteriormente, é analisada a trajetória entre
estes dois marcos legais, considerando o contexto político, regras institucionais,
disputas entre os atores e as negociações que influenciaram no desenho final do
Programa Mais Médicos.
Por fim, nas últimas considerações, sintetiza-se o desenvolvimento do
Programa Mais Médicos, inferindo tensões, correlação de forças e disputas entre os
atores políticos. E, de tal forma, evidencia-se a complexidade para a formulação e
implementação de uma Política Pública no atual sistema político brasileiro.
17
1.2. O Programa Mais Médicos
O Programa Mais Médicos (PMM) foi instituído pela Lei 12.871, de 22 de
outubro de 2013 e tem como objetivos:
I - diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; II - fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; III - aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; IV - ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; V - fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; VI - promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; VII - aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País, na organização e no funcionamento do SUS; e VIII - estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.6
O Programa é constituído por três grandes eixos: Provimento
Emergencial, Infraestrutura e Formação Médica. O Provimento Emergencial,
chamado de Projeto Mais Médicos para o Brasil, é o eixo com maior visibilidade por
provocar disputas políticas, sendo normalmente confundido com o Programa Mais
Médicos, que se refere à política como um todo. O eixo da Infraestrutura centra sua
ação em repasse de recurso para construção e reforma de Unidades Básicas de
Saúde. E, por fim, a Formação Médica, que é o eixo mais estruturante para o SUS,
consiste na Reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Medicina, inversão do modelo de critérios para abertura de novos cursos de
Medicina com interiorização do ensino, criação do Contrato Organizativo de Ação
Pública de Ensino-Saúde (COAPES), Universalização das vagas de Residência
Médica até 2018, alteração das especialidade de acesso direto e o estabelecimento
da Medicina Geral de Família e Comunidade como especialidade raiz, instituição da
avaliação de progresso para a graduação de Medicina e avaliação anual para os
Programas de Residência a serem realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) e criação do Cadastro Nacional de Especialistas5,6.
O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do
atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde. O Programa prevê um
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conjunto de políticas e ações abrangentes que envolvem medidas estruturantes e
emergenciais e tem como objetivo aumentar a disponibilidade de médicos para a
atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de lançar medidas que
induzem mudança de perfil do profissional médico para atender às necessidades de
saúde da população brasileira, apresentando a integração ensino-serviço como
importante estratégia5.
Os componentes estruturantes do Programa são essencialmente
educacionais, tendo por objetivo ampliar a oferta de vagas em cursos de Medicina e
de Residência Médica com a implantação das novas diretrizes curriculares nacionais
que estabelecem novos parâmetros para a formação médica e regulação da
formação de especialistas para o Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o campo
de prática, fortalecendo a integração ensino-serviço por meio de Contrato
Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde entre instituições de ensino e
secretarias municipais e estaduais de saúde. O componente emergencial configura-
se pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil que visa prover médicos para atuar na
Atenção Básica na Estratégia de Saúde da Família ou em outras equipes previstas
na Política Nacional de Atenção Básica com o objetivo de diminuir as iniquidades no
acesso à saúde.
O Programa recruta médicos por editais nacionais, onde são
disponibilizadas as vagas existentes nas equipes da Atenção Básica para médicos
formados no Brasil e posteriormente para os formados no exterior para exercer
atividades em um processo de integração ensino-serviço. Após os editais, ao sobrar
vagas, há o recrutamento de médicos cubanos por meio de cooperação
internacional com Cuba por intermédio da Organização Pan-americana de Saúde
(OPAS).
A Lei n. 12.871, em seu artigo 4º, estabeleceu mudanças a serem
implementadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Medicina. A
Câmara de Ensino Superior publica, em 20 de junho de 2014, a Resolução n. 3, que
institui as novas DCN para o curso de graduação em Medicina e estabelece como
principais modificações o estágio curricular obrigatório de formação em serviço, em
regime de internato, sob supervisão, em serviços próprios, conveniados ou em
regime de parcerias estabelecidas por meio de Contrato Organizativo da Ação
Pública Ensino-Saúde com as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde,
19
conforme previsto no art. 12 da mesma Lei. A carga horária mínima de 30% prevista
para internato terá que ser desenvolvida na Atenção Básica e em Serviço de
Urgência e Emergência do SUS. Desta forma, a integração ensino-serviço se
apresenta como grande desafio e também como aposta da Política do Programa
Mais Médicos para a implantação das mudanças necessárias na graduação em
Medicina para a formação do profissional com perfil que atendam às necessidades
de saúde da população brasileira6,7.
A Lei n. 12.871 também dispõe sobre a Residência Médica no Brasil e
determina que, a partir de 2019, serão ofertadas vagas equivalentes ao número de
egressos dos cursos de graduação em medicina do ano anterior. O aporte nas
vagas se dará a partir do incremento dos programas de Residência Médica em
Medicina Geral de Família e Comunidade6. A obrigatoriedade de cursar pelo menos
um ano da Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade traz importante
desafio para a integração ensino-serviço na Atenção Básica por ser o principal
cenário de prática das mudanças implementadas pelo PMM, demonstrando a
priorização da atenção básica na política de saúde para mudança do paradigma em
busca de um sistema de saúde com atenção qualificada, considerando-se que
existem evidências que países com atenção primária forte possuem melhores níveis
de saúde e custos mais baixos8.
O Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES)
configura-se como importante instrumento para garantir estrutura de serviços de
saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade, além de
permitir a integração ensino-serviço na área da Atenção Básica. Segundo o artigo 12
da Lei 12.871, as instituições de educação superior responsáveis pela oferta dos
cursos de Medicina e dos Programas de Residência Médica poderão firmar o
COAPES com os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde, podendo
estabelecer garantia de acesso aos estabelecimentos assistenciais sob a
responsabilidade do gestor da área de saúde como cenário de práticas para a
formação6.
O profissional admitido pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil,
componente emergencial do Programa, além das atividades na Atenção Básica,
estará vinculado a curso de especialização em Saúde da Família à distância
oferecido por instituição de ensino superior (IES) brasileira. O prazo máximo de
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permanência no país é de três anos, prorrogável por igual período caso sejam
ofertadas novas modalidades de formação. Todos os médicos deverão receber,
ainda, visitas periódicas de supervisão, que, juntamente com a tutoria acadêmica da
IES, será responsável por acompanhar suas atividades e apoiar pedagogicamente
os profissionais. Nesse sentido, a integração ensino-serviço é o mecanismo de
aperfeiçoamento dos médicos que contempla curso de Especialização, atividades de
ensino, pesquisa e extensão e supervisão acadêmica6.
1.3. Minhas Implicações
Para além de uma simples apresentação, aqui abordarei minhas
implicações, o que, neste caso, significa comprometimento; então, o meu vem do
lugar que falo: mulher, nordestina, latino-americana, feminista e de esquerda. Sou
de Recife, nascida e criada, como diz o povo por estas terras. Médica por profissão,
especialista integral em Medicina de Família e Comunidade (MFC), entretanto prefiro
a definição médica popular, por expressar melhor a escolha da contra-hegemonia.
Professora por destino e agora de fato da Universidade Federal de Pernambuco,
lugar de formação, militância e também de desconstruções.
Após a breve apresentação comprometida, um pouco mais de minha
história/implicação, levemente permeada, já que poeta não sou, pelo conterrâneo
Manuel Bandeira.
O interesse em entender o que se passava no Brasil começou no período
de preparação para o vestibular por experiência bem pessoal. Por ter um pai
bancário, o perigo das privatizações e desemprego sempre batiam em nossa porta
no período Fernando Henrique Cardoso. Comecei a observar a preocupação de meu
pai e como ele acompanhava as votações no Congresso e seguia as orientações do
Sindicato dos Bancários de Pernambuco. A partir de então, comecei a entender que
não existe separação entre o mundo da política e o nosso cotidiano. Tudo está
interligado... afinal, somos todos atores políticos.
Passada esta fase, entro na faculdade de Medicina na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) já com o interesse de conhecer o e participar do
21
movimento estudantil. O Diretório Acadêmico de Medicina Umberto Câmara Neto
(DAMUC) foi a minha verdadeira escola, onde problematizávamos nosso lugar no
mundo, no Brasil e na própria Medicina. Neste espaço, fiz a escolha de ser Médica
de Família e Comunidade e seguir o caminho da Saúde Coletiva, como também de
me reconhecer como ator político e de consolidar a formação militante por um
mundo mais justo e equânime.
Em 2010, ingresso na Residência de Medicina de Família e Comunidade,
também na UFPE, e se consolidam os aprendizados. Me torno médica de verdade
no sentido clínico (e também no político, confesso). Apreendo a vida dentro da
Comunidade e dentro da realidade de 80% da população brasileira. “A vida não me
chegava pelos jornais nem pelos livros... Vinha da boca do povo, na língua errado do
povo” (Evocação do Recife)5. Observo... sinto... me afeto. Sofro com o SUS do
cotidiano do trabalho, procurava o SUS da paixão militante dos tempos estudantis.
Também me encanto com projeto e construções do Recife em Defesa da Vida
(modelo implementado por gestões de outrora) e descubro a Clínica Ampliada, a
Medicina Centrada na Pessoa e, principalmente, a docência.
Concluo a Residência e mergulho na aventura do processo ensino-
aprendizagem. Na preceptoria da Residência de MFC, e também do internato da
UFPE, cresço. Aprendo com o desafio de preceptorar estudantes que entram de
costas na Unidade de Saúde de Família. Aprendo, também, com o desafio de
preceptorar estudantes que entram de peito aberto na Unidade de Saúde da Família.
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação (Poética)5. Desta forma, sou
capturada pelo prazer de ensinar e aprender no cotidiano do trabalho: fazendo -
ensinado – aprendendo.
Em 2013, recebo o convite para trabalhar no Ministério da Saúde, na
coordenação pedagógica do Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção
Básica (PROVAB). Aceito o desafio: vi terras da minha terra; por outras terras andei;
mas o que ficou marcado no meu olhar fatigado, foram terras que inventei
(Testamento)5. Vivi este mergulho de cabeça na gestão federal. Entrei no Ministério
da Saúde para compor a equipe do PROVAB e tão logo começo a participar das
articulações e formulações do Programa Mais Médicos. Tornei-me, então, umas das
coordenadoras do recém-criado Departamento de Planejamento e Regulação da
Provisão de Profissionais de Saúde – DEPREPS/ SGTES/MS.
22
O Programa mais polêmico do Governo Dilma exigia dedicação em tempo
integral, além de muito estudo. O mundo da gestão se descortinava para quem até o
momento tinha vivido a assistência e a academia. O trabalho no Ministério da Saúde
na gestão do Programa Mais Médicos oportunizou aprendizados pessoais,
profissionais e políticos, principalmente na contribuição, na construção do ensino na
saúde, da integração ensino-serviço, no fortalecimento da Atenção Básica e na
consolidação de um sistema de saúde público e equânime.
Foi de grande valia o aprendizado por estar imbricada na construção de
uma Política Pública, o que mobilizou a tornar o Programa Mais Médicos objeto de
estudo no Mestrado Profissional por potencializar a produção científica aliada ao
cotidiano do trabalho, portanto não poderia perder a oportunidade de problematizar e
analisar esta Política.
23
2. OBJETIVOS
2.1. Primário
• Analisar o processo de formulação do Programa Mais Médicos
enquanto Política Pública.
2.2. Secundários
• Reconstruir o desenvolvimento do Programa Mais Médicos,
investigando como se deu a inserção do tema na agenda
governamental, bem como a formulação da política;
• Delinear os principais marcos da definição da agenda e da formulação
da política do Programa Mais Médicos;
• Realizar análise comparativa entre os dois principais marcos legais:
Medida Provisória n. 621, de 08 de julho de 2013, e a Lei n. 12871, de
22 de outubro de 2013.
• A partir dos marcos da Política do Programa Mais Médicos e da
análise comparativa entre a Medida Provisória n. 621 e a Lei n.
12.871, inferir tensões, correlação de forças e disputas entre os atores
políticos.
24
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Esta seção tem o objetivo de apresentar o marco teórico utilizado para
subsidiar a análise do Programa Mais Médicos enquanto política pública. Para tanto,
será discutido o conceito de Política Pública e a clássica abordagem de ciclos de
Políticas Públicas, como também a análise de Políticas de Saúde.
Para discutir Política Pública, é interessante abordar o conceito de
Política. Como bem apresentado por Bobbio, Matteuci e Pasquino11, política significa
tudo que está relacionado à cidade e ao cidadão. Desta forma, a política é inerente
aos estados, às pessoas e às instituições: uma atividade mediante a qual as
pessoas fazem, preservam e corrigem as regras sob as quais vivem, sendo
inseparável tanto do conflito como da cooperação, em que serão mediados valores e
opiniões diferentes, necessidades concorrentes e interesses opostos. Portanto, é o
que nos permite viver em sociedade11.
O conceito de política está intrinsicamente ligado ao conceito de poder,
pelo fato de a política consistir no conjunto de procedimentos e ações que
expressam a relação de poder na disputa das correlações de forças entre os atores
e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos.
Para o conceito de políticas públicas, não existe uma única ou melhor
definição. Considerando o processo histórico acerca de política pública, utilizaremos
o conceito apresentado no Dicionário de Política, organizado por Bobbio, Matteuci e
Pasquino11:
A Política Pública é definida como um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público, atuando e influindo sobre as realidades econômicas, social e ambiental; podem variar de acordo com o grau de diversificação da economia, com a natureza do regime social, com a visão que os governantes têm do papel do Estado no conjunto da sociedade, e com o nível de atuação dos diferentes grupos sociais (partidos, sindicatos, associações de classe e outras formas de organização da sociedade).
Existem três grandes vertentes teóricas sob as quais se pode depreender
a leitura do processo de formulação de políticas públicas: a pluralista, a marxista e a
25
neoinstitucionalista. A base para a comparação entre estas teorias é concepção da
relação entre o Estado e a sociedade.
O pluralismo centra o papel decisório na sociedade, por isso também é
chamada de abordagem societal; desta forma, o Estado é fruto da interação do jogo
de forças de grupos de interesses que procuram maximizar benefícios e reduzir
custos. Sendo assim, grupos politicamente mais fortes conseguiriam defender seus
interesses e influenciar a formulação de políticas. O equilíbrio seria dado pela
competição plural, garantia de acesso de todos à vida política12. São as demandas e
apoios (inputs) dos grupos de pressão que vão delinear as políticas públicas
(outputs). O governo e suas políticas são vistos como resultado dos inputs vindos da
sociedade. O Estado é considerado como algo neutro, cuja função é promover a
conciliação dos interesses que interagem na sociedade13. Lobato12 destaca que, por
requerer um sistema político democrático e plural, com a garantia de participação de
todos os segmentos da sociedade na arena de disputa, o pluralismo não se aplica a
países com as características do Brasil.
A teoria marxista, também chamada de abordagem estruturalista, refere-
se à influência dos interesses econômicos na ação política, pode-se dizer que a
análise marxista parte das relações entre economia, classes sociais e Estado. As
ações do Estado podem ser explicadas a partir da estrutura da sociedade capitalista,
em que o Estado contribui como meio para a manutenção do predomínio de uma
classe social. As relações de classe são essencialmente relações de poder,
constituindo o instrumento analítico para a interpretação das transformações sociais
e políticas. As políticas estatais aparecem como reflexo dos interesses da classe
dominante, uma vez que coopta o aparelho estatal13,14.
A teoria neoinstitucionalista defende que entre o Estado e a sociedade
existem as instituições, que moldam o comportamento dos atores, demandam
políticas e legitimam a ação do Estado. Não só os indivíduos ou grupos que têm
força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e
informais que regem as instituições15. As instituições buscam reproduzir a lógica de
controle sobre a sociedade, reforçando sua autoridade e poder político. Nessa
perspectiva, as decisões públicas trazem, portanto, a marca dos interesses e das
percepções que a burocracia estatal tem da realidade, como também carrega os
vícios da estrutura da máquina estatal13.
26
Cada linha teórica pode explicar, a partir de sua ótica, os rumos de uma
política pública. Este trabalho enfatiza a importância da compreensão que a análise
de uma política combina uma série de fatores dada a complexidade do cenário
político e da sociedade moderna, superando desta forma a análise puramente
descritiva. Ferreira16 propõe uma análise multicausal pela complexidade dos
sistemas políticos que emergiram a partir da industrialização, urbanização,
modernização e expansão do mercado capitalista nas sociedades ocidentais.
A análise de Políticas Públicas tem como objetivos questionar a ação
pública, seus determinantes, suas finalidades, seus processos e suas
consequências. O objeto principal de análise são os processos de tomada de
decisão no momento de construção de uma dada política ou de um grupo de
políticas. Tal análise implica: na descrição das regras institucionais e sua influência
sobre o processo decisório; na identificação dos participantes do debate político e
das coalizões que se podem formar; e na avaliação dos possíveis efeitos das
distintas coalizões sobre as decisões14.
Importante sistematização no campo da análise de políticas públicas é a
clássica abordagem do ciclo de políticas públicas desenvolvido por Harold
Lasswell17, composto por sete fases: Inteligência, Promoção, Prescrição, Inovação,
Aplicação, Término e Avaliação. Laswell introduziu a expressão análise de políticas
públicas e foi o pioneiro na formulação de ciclos de política pública para sua análise
como forma de conciliar conhecimento científico e acadêmico com a produção e
procedimentos empíricos dos governos.
A abordagem do ciclo de políticas teve grande importância como marco
analítico referencial, influenciando toda uma geração de pesquisas e promovendo o
desenvolvimento do campo teórico e o surgimento de variações da tipologia sobre
os estágios. Entretanto, outros teóricos, como Lindblom e Easton, questionaram a
racionalidade dos ciclos de política de Laswell e propuseram a incorporação à
análise de políticas públicas de outras variáveis como as relações de poder,
integração entre as diferentes fases do processo decisório, assim como inputs dos
partidos, mídia e organização civil15.
Atualmente, a tipologia mais convencional utilizada tem sido composta
pelas seguintes fases: definição de agenda, formulação de políticas, implementação
e avaliação14.
27
Definição da agenda refere-se ao processo no qual um dado problema
público é compreendido como relevante e emerge na arena política, resultante de
fatores como demandas políticas e sociais, necessidades identificadas e
compromissos políticos assumidos. Na análise de política pública, compreende a
fase de estudo e explicitação do conjunto de processos que conduzem os fatos
sociais a adquirir status de problema público18.
A fase de formulação de políticas refere-se, a partir do problema
delimitado, ao processo de elaboração e escolha de uma solução ou um conjunto
delas para o enfretamento de problema delimitado. Compreende o processo de
formulação do desenho da política pública com suas alternativas, metas, análise de
custo-benefício e definição de marcos jurídicos, administrativos e financeiros.
Já a implementação compreende o conjunto de ações que permitem o
alcance dos objetivos e metas traçadas no processo de formulação da política
pública. Refere-se, então, à execução da política, que requer planejamento e
organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros,
materiais e tecnológicos necessários18. Esta é uma fase crucial, pois pode-se
necessitar de adaptações e reformulações do desenho da política para aplicação
efetiva, que depende do entrosamento entre formuladores e implementadores (que
geralmente não são os mesmos atores), compreensão aprofundada do desenho da
política e de suas fases e as mudanças que a política irá provocar14.
A avaliação refere-se à mensuração e à análise dos resultados
produzidos na sociedade pelas políticas públicas. Compreende o processo de
monitoramento dos resultados pelo próprio governo, por outro tipo de organização
ou pela academia. Também nesta fase, novas formulações podem ser elaboradas e
a política implementada redefinida em sua trajetória, a depender dos resultados
encontrados.
A divisão da análise de políticas públicas por fases é mais uma
esquematização teórica-metodológica para facilitar o estudo dos diferentes
momentos na construção de uma política. O processo nem sempre segue a
sequência sugerida, mas as etapas mencionadas estão geralmente presentes18. Os
estágios frequentemente encontram-se intricados em um processo contínuo; um fato
pode interferir em mais de uma fase, sendo difícil diferenciar os limites entre elas.
Como bem apresentou Hill19, deve-se considerar a complexidade de se analisar
28
políticas públicas, uma vez que o problema não é apenas técnico, o clima nunca é
completamente consensual e o processo não é totalmente controlado.
Souza15 aponta que a análise de Políticas Públicas em países como o
Brasil ganhou visibilidade a partir da adoção de políticas restritivas de gasto que
passaram a dominar a agenda de países em desenvolvimento além do fato, em
especial nos países da América Latina, de que ainda não se conseguiu formar
coalizões políticas capazes de equacionar a questão de como desenhar políticas
públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a
inclusão social de grande parte de sua população.
No Brasil, a formulação de políticas públicas tem outros complicadores,
como aponta Lobato12: breves períodos de governos representativos legítimos,
exclusão de amplos setores sociais do processo político e tratamento variante entre
cooptação dominadora e coerção sobre setores populares. Estes fatores evidenciam
a fragilidade do sistema político brasileiro na articulação necessária para formulação
e implementação de política públicas que garantam desenvolvimento econômico e
justiça social.
Em relação à análise de políticas públicas de saúde, seu desenvolvimento
está diretamente relacionado a políticas de proteção social no período posterior à
Segunda Guerra Mundial. Estudos na área de políticas de saúde ocuparam lugar de
destaque uma vez que a sociedade contemporânea se tornava cada vez mais
complexa, com transformação no perfil epidemiológico, mudança populacional e
crescente incorporação tecnológica14.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é o marco do processo de
redemocratização e define legalmente a política de proteção social, sendo a base
para a instituição do Sistema Único de Saúde de caráter universal e integral. A partir
deste contexto, em meados da década de 80, os estudos de análise de políticas de
saúde centraram na formulação de macropolíticas para respaldar a reforma do
sistema de proteção social. Já na década de 90, seguindo o curso histórico, os
estudos focaram no acompanhamento do processo de implementação do SUS14.
Para além de compreender o processo de formulação e implementação
de políticas públicas no complexo sistema político brasileiro, se mantêm como
grandes desafios produzir estudos que aprofundem a análise da forma de operar os
aparatos públicos, as corporações profissionais e suas articulações, o processo de
29
interdependência entre política de saúde e política econômica e os mecanismos de
participação social14. Portanto, estudos no campo de análise de política pública, em
especial na política de saúde, têm extrema importância por contribuir no
entendimento das disputas dos diversos setores da sociedade, sejam públicos ou
privados, na construção das políticas e desta forma pode tencionar a estrutura
estatal, os diversos atores políticos e o processo decisório para garantir participação
e representatividade democrática para alcançar a cidadania.
30
4. METODOLOGIA
4.1. Trajetória metodológica
A pesquisa tem caráter qualitativo à luz do método de análise de Políticas
Públicas por ciclo político, com levantamento de dados a partir da pesquisa
exploratória de levantamentos bibliográficos e documentais. O método qualitativo é o
que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças,
das percepções e das opiniões, produtos da interpretação que os humanos fazem a
respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e
pensam. As abordagens qualitativas se conformam melhor às investigações de
grupo e segmentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos
atores e de relações para análises de discursos e de documentos.20
Por sua vez, a Pesquisa Exploratória se utiliza comumente de
levantamentos bibliográfico e documental. As principais fontes bibliográficas são
materiais já elaborados, tais como livros e artigos científicos, e as do levantamento
documental, materiais que ainda não receberam tratamento analítico, quais sejam:
documentos oficiais, reportagens de jornal e até mesmo relatórios de pesquisa.21
Nesta pesquisa, foi utilizada como referencial teórico-metodológico a
análise de Política Pública por ciclos políticos. Política Pública é definida como um
conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação
política do Estado e regulam as atividades governamentais. A análise de Políticas
Públicas tem como objetivos questionar a ação pública, seus determinantes, suas
finalidades, seus processos e suas consequências.
Já o ciclo de políticas públicas representa uma sistematização dessa
análise e permite o estudo das regras institucionais, do processo decisório, da
identificação dos atores do debate político, da formulação da política pública e de
sua implementação e impactos. Para isso, esta pesquisa utilizou a tipologia mais
convencional do ciclo de políticas públicas, composta por: definição de agenda,
formulação de políticas, implementação e avaliação14.
No presente trabalho, foi realizada análise do Programa Mais Médicos
enquanto Política Pública nas 2 primeiras fases do ciclo: definição de agenda e a
31
formulação da política. O objetivo de focar nestas fases é possibilitar o
aprofundamento no entendimento do cenário político, dos atores e das articulações
que interferiram no arcabouço final da Política. A análise de política em ciclos
possibilitou a sistematização dos estudos, mas é importante enfatizar a
compreensão da não linearidade, que os estágios frequentemente encontram-se
intricados em um processo contínuo e também que um fato pode interferir em mais
de uma fase. Também é importante destacar que a análise da dinâmica da arena
política, por ciclos, apenas é possível no contexto de democracias estáveis.
O período de estudo compreende o contexto entre os anos de 2011 e
2013. Este foi o período escolhido para análise uma vez que, a partir do ano de
2011, se convergiram eventos e debates em torno do tema da escassez e de
dificuldade de provisão e fixação de profissionais de saúde e também foi o ano em
que se iniciou o primeiro mandato da presidenta* Dilma Rousseff e do Ministro da
Saúde Alexandre Padilha. Como o estudo tem por objetivo analisar a definição da
agenda e a fase de formulação do PMM, a análise da pesquisa segue até outubro de
2013, por ser o período de homologação da Lei n. 12.871 e, portanto, representar a
conclusão da fase de formulação da política.
Os dados foram trabalhados a partir da análise documental em
apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais, relatórios técnicos,
artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e sentenças judiciais, entre
outros. Também foram utilizados como fontes de dados sites e blogs de instituições
de saúde, entidades médicas e organismos internacionais por fornecerem
informações importantes que não estão presentes em artigos científicos, dada a
contemporaneidade da Política analisada, como também por evidenciarem posição
política dos atores da arena política. Além disso, também foi utilizada como fonte de
informação a experiência da pesquisadora na gestão do Programa Mais Médicos.
Após o levantamento de fatos, eventos, programas e movimentos
políticos acerca do tema de escassez e dificuldade de provisão e fixação de
profissionais de saúde no SUS, definiu-se os marcos que foram determinantes para * A palavra presidenta será utilizada em toda a dissertação ao fazer referência à ex-presidenta da República Dilma Rousseff. Houve intensa discussão se seria correto o uso da palavra no feminino na língua portuguesa. O dicionário online Dicio define a palavra presidenta como “aquela que foi eleita para a presidência de um país, nação, instituição, ocupando o cargo mais importante dentro de uma hierarquia”22. Portanto, o uso da palavra presidenta nesta dissertação representa demarcação política e reconhecimento da primeira mulher como presidente do país e não transgressão linguística.
32
a formulação do Programa Mais Médicos. Os marcos estudados, em ordem
cronológica, foram: 1) Seminário Nacional de Escassez de Provimento e fixação de
profissionais de saúde, promovido pelo Ministério da Saúde; 2) Programa Nacional
de Valorização do Profissional de Saúde (PROVAB); 3) Movimento de Prefeitos -
Cadê o Médico; 4) Manifestações de junho de 2013; 5) Medida Provisória n. 621,
lançada pelo poder executivo federal e que institui o Programa Mais Médicos; e 6)
Lei n. 12.871, conversão da Medida Provisória em Lei.
Segundo Gil21, não são apenas pessoas vivas que constituem fontes de
dados. Muitos dados importantes na pesquisa social provêm de fontes de papel:
arquivos históricos, registros estatísticos, diários, biografias, jornais e revistas.
Então, foi realizado levantamento de dados, documentos oficiais,
relatórios e materiais disponíveis em portais eletrônicos de cada marco acima citado.
Além disso, foi realizada a análise comparativa entre a Medida Provisória n. 621,
proposta pelo poder executivo, e a Lei n. 12.871, proposta final aprovada no poder
legislativo. Todas as fontes de dados consultadas são de livre acesso à consulta
pública.
Após esta etapa, a pesquisadora procedeu à análise de conteúdo dos
documentos selecionados para poder, assim, fazer inferências e fornecer
interpretações coerentes acerca da influência de cada marco no desenho final do
Programa Mais Médicos.
Segundo Minayo20, a análise de conteúdo parte de uma leitura de
primeiro plano de falas, depoimentos e documentos, para atingir um nível mais
profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do material. Para isso, geralmente,
todos os procedimentos levam a relacionar estruturas semânticas (significantes) com
estruturas sociológicas (significados) dos enunciados e a articular a superfície dos
enunciados dos textos com os fatores que determinam suas características:
variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de produção de mensagem.
Segundo a mesma autora, a análise de conteúdo diz respeito à técnica de pesquisa
que permite tornar replicáveis e válidas as inferências sobre dados de um
determinado contexto20.
Então, a partir da abordagem qualitativa do método, enfatizando não
apenas a descrição dos dados, mas com olhar cuidadoso e crítico sobre as fontes
documentais, a pesquisadora realizou inferências e interpretações acerca de
33
disputas políticas na formulação da Política do Programa Mais Médicos, uma vez
que documentos não são produções isentas e traduzem leituras e posições políticas
de determinado grupo em dado tempo e espaço.
Também considera-se aqui a implicação do olhar interpretativo da
pesquisadora, que não é isento de escolhas e está permeado pelos determinantes
sociais, culturais, políticos e econômicos do seu tempo. A autora do projeto
trabalhou no Ministério da Saúde como coordenadora da Área Pedagógica do
Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde
– DEPREPS/SGTES/MS, departamento responsável pelo Programa Mais Médicos, o
que mobilizou a decisão de tornar o Programa Mais Médicos objeto de estudo no
Mestrado Profissional por potencializar a produção científica aliada ao cotidiano do
trabalho.
34
5. RESULTADOS
5.1. Contextualização e Construção da Agenda do Programa Mais Médicos
A fase de definição da agenda compreende o estudo do processo que
conduz os fatos sociais a adquirir status de problema público, transformando-o em
objeto de debates e de disputas políticas18.
Esta seção aborda a construção da agenda do Programa Mais Médicos.
E, para tal, apresentará o contexto da Atenção Básica no Brasil, o cenário de
insuficiência de médicos no país e o processo histórico da formação médica. O
entendimento desses três temas é fundamental para a compreensão do cenário da
necessidade de médicos na Atenção Básica como também de profissionais com
perfil para o atendimento integral no SUS.
5.1.1. Atenção Básica
A Atenção Primária à Saúde apresenta dois grandes marcos históricos: o
Relatório Dawson e a Declaração de Alma-Ata. O Relatório Dawson é considerado
um dos primeiros documentos a hierarquizar o cuidado em saúde em cuidados
primários, secundários, terciários e em organizar o cuidado de forma regionalizada,
por níveis de complexidade e ainda trazer a discussão da correlação entre serviço
de saúde e formação. Desta forma, o Relatório é considerado um dos primeiros
documentos a utilizar o conceito de Atenção Primária em Saúde. O Relatório
Dawson foi elaborado pelo Ministério da Saúde do Reino Unido em 1920 e
influenciou a criação do sistema de saúde britânico, que por sua vez serve como
referência na reorganização dos sistemas de saúde em vários países do mundo23.
A Declaração de Alma-Ata foi o documento fruto da Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde realizada na cidade de mesmo
nome na Rússia em 1978. Esta conferência representou um marco de influência
nos debates sobre os rumos das políticas de saúde no mundo, reafirmando a saúde
35
como direito humano fundamental, tendo como centralidade a Atenção Primária à
Saúde para a garantia deste direito24.
VI) Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.
No Brasil, as propostas da Declaração de Alma-Ata também inspiraram
experiências de implantação dos serviços municipais de saúde no final da década de
70 e início da década de 8025. Entretanto, as propostas ainda eram incipientes em
um contexto de um Estado não democrático, mas foram importantes para a
construção de correlação de forças para a disputa no setor saúde. Surgiu, à época,
um movimento postulando a democratização da saúde, justamente num período no
qual novos sujeitos sociais emergiram nas lutas contra a ditadura.
A Reforma Sanitária Brasileira (RSB) representou um corpo doutrinário e
um conjunto de proposições políticas voltados para a saúde que apontavam para a
democratização da vida social e para uma Reforma Democrática do Estado26.
A distensão do regime autoritário e a articulação do movimento sanitário
permitiram, no final do regime militar, a entrada no aparelho do Estado de militantes
da Reforma Sanitária, o que viabilizou a realização da 8ª Conferência Nacional de
Saúde27. Na 8ª Conferência se reafirmou a saúde como direito humano e dever do
Estado e recomendou-se a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)
descentralizado e democrático. No ano de 1988, conclui-se o processo constituinte e
é promulgada a nova Constituição do Brasil, a chamada “Constituição Cidadã”, que
garantiu, em seu art. 196, a saúde como direito universal e igualitário:
Art. 196. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de risco de doença e de
36
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Também foi garantida na Constituição de 88 a criação do SUS com rede
regionalizada e hierarquizada com a descentralização, integralidade e participação
da comunidade como diretrizes. Por sua vez, o desenho da rede de atenção à saúde
do SUS, sua organização, funcionamento e responsabilidades dos níveis de
governo, foi estabelecido pelas Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142 e por legislação
infraconstitucional.
Dentre a legislação infraconstitucional, a Norma Operacional Básica/96
(NOB/96) foi de extrema importância por ter impulsionado o processo de
descentralização do SUS e oportunizou aos municípios maior grau de autonomia.
Além disso, a NOB/96 apresenta as primeiras citações sobre a mudança do modelo
de atenção à saúde com destaque à Atenção Básica, prevendo incentivo financeiro
para o Programa de Saúde da Família (PSF) e para o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde25,28,29.
No presente trabalho, ora foi utilizado o termo Atenção Primária a Saúde,
ora o termo Atenção Básica por respeito ao termo utilizado nos documentos ao qual
se fazia referência. Há intensa discussão de qual termo é mais adequado para
nomear este nível de atenção responsável pelo primeiro contato do cidadão com os
serviços de saúde. Este trabalho não se deterá nesta discussão mas usará, a partir
deste momento, o termo Atenção Básica por ter sido escolhido pelo Ministério da
Saúde do Brasil para nomear este nível de atenção e desta forma é o utilizado nos
documentos oficiais no país25,28.
A Atenção Básica é um conjunto de ações de saúde tanto no âmbito
individual como no coletivo que abrange promoção, proteção, prevenção,
diagnóstico, tratamento e reabilitação. Tem como princípios a universalidade,
acessibilidade, vínculo e integralidade. É caracterizado como o maior nível, dentro
do SUS, de descentralização e capilaridade. E tem o papel de ser o ordenador da
Rede de Atenção à Saúde30.
Implementado em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) é um
marco na incorporação da estratégia de Atenção Básica na política de saúde
37
brasileira31, que dialoga com doutrina de cuidados primários de saúde da Declaração
de Alma-Ata24.
Desde 1999, o Ministério da Saúde definiu a Estratégia de Saúde da
Família como o modelo da Atenção Básica brasileira, anteriormente denominado
Programa Saúde da Família, com vistas a reorientar o modelo assistencial e imprimir
uma nova dinâmica na organização dos serviços e ações de saúde. A estratégia de
saúde da família incorpora os princípios do SUS e preconiza uma equipe de caráter
multiprofissional (médico generalista, enfermeiro, técnico de enfermagem e agente
comunitário de saúde) que trabalha com território adscrito, cadastramento e
acompanhamento da população residente do território sob responsabilidade31.
A partir de 2011, a Atenção Básica entra como agenda prioritária do
Governo Federal. Foi elencado no Ministério da Saúde, no início do primeiro
mandato da presidenta Dilma Roussef, quais seriam os dez desafios para Atenção
Básica para aquele governo32.
Os desafios apontados foram: 1) financiamento insuficiente da Atenção
Básica; 2) infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS) inadequada; 3)
baixa informatização dos serviços e pouco uso das informações disponíveis para a
tomada de decisões na gestão e a atenção à saúde; 4) necessidade de ampliar o
acesso, reduzindo tempo de espera e garantindo atenção, em especial para grupos
mais vulneráveis; 5) necessidade de melhorar a qualidade dos serviços incluindo
acolhimento, resolubilidade e longitudinalidade do cuidado; 6) pouca atuação na
promoção da saúde e no desenvolvimento de ações intersetoriais; 7) desafio de
avançar na mudança do modelo de atenção e na mudança de modelo e qualificação
da gestão; 8) inadequadas condições e relações de trabalho, mercado de trabalho
predatório, déficit de provimento de profissionais e contexto de baixo investimento
nos trabalhadores; 9) necessidade de contar com profissionais preparados,
motivados e com formação específica para atuação na Atenção Básica; e 10)
importância de ampliar a legitimidade da Atenção Básica junto aos usuários e de
estimular a participação da sociedade.
A partir desses desafios colocados, foi lançada a Política Nacional da
Atenção Básica (PNAB) em 2011. A partir da PNAB, foram lançados vários
Programas que visam intervir nos desafios apresentados anteriormente. Em relação
à infraestrutura, foi lançado o Requalifica UBS, um programa de transferência de
38
recurso do Governo Federal direto para o município com o objetivo de realizar
reforma de Unidades Básicas de Saúde. Também nesse período foi criado o novo
Sistema de Informação da Atenção Básica e a estratégia do e-SUS, que visa
promover mudança no uso das informações para a qualificação do cuidado,
planejamento das ações e da gestão em saúde e informatizar a AB, em consonância
com o Plano Nacional de Banda Larga. Além disso, entre os anos de 2011 e 2013
foram lançados: o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade, o
Programa Telessaúde Brasil Redes, reestruturação da Política Saúde na Escola,
Política de Educação Permanente para os profissionais da AB, nova Política
Nacional de Alimentação e Nutrição, o Programa de Valorização dos Profissionais da
Atenção Básica (PROVAB) e a última política lançada foi o Programa Mais Médicos2.
O Programa Mais Médicos, objeto de pesquisa deste trabalho, busca
intervir nos seguintes pontos, dentre os elencados como desafio acima: déficit de
provimento de profissionais médicos, mercado de trabalho predatório e contexto de
baixo investimento nos trabalhadores, necessidade de ampliar o acesso,
infraestrutura inadequada das Unidades Básicas de Saúde e necessidade de contar
com profissionais preparados, motivados e com formação específica para atuação
na Atenção Básica2.
5.1.2. Insuficiência de Médicos
O número de médicos e sua distribuição geográfica influencia na garantia
do direito à saúde como também interfere no acesso a serviços de saúde. O
provimento e fixação de médicos resultante do processo de escolha individual
geralmente resulta em distribuição socialmente inadequada10.
Número inadequado e desigualdades geográficas na distribuição de
médicos podem ser encontradas em vários países e regiões. A OCDE, em seu
relatório de 2015 sobre a saúde, aponta que a falta de médicos interfere no acesso à
saúde e que a má distribuição destes profissionais é uma questão política importante
na maioria de seus países-membro4. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS)
estima que 50% da população mundial reside em áreas rurais remotas, mas essas
áreas são servidas por menos de 25% da força de trabalho médico33.
39
A concentração de médicos é sempre maior em áreas urbanas, refletindo
também a concentração de serviços de saúde. Estudos apontam 2 fatores
importantes que interferem nesta concentração: um relacionado à vida profissional -
mercado de trabalho, oportunidades na carreira e local de realização da graduação e
residência; outro relacionado a equipamentos sociais e vida pessoal – oportunidade
profissional para o cônjuge e oportunidade de educação para os filhos4,10.
Este padrão de distribuição de médicos agrava ainda mais as
desigualdades no setor da saúde, já que os serviços de saúde não estão disponíveis
onde há maior necessidade. Desta forma, apresenta um sério obstáculo para
alcançar a equidade no direito à saúde, como também para o desenvolvimento de
sistemas públicos de saúde com garantia universal à saúde.
Vários países têm buscado estratégias para resolver o desequilíbrio de
distribuição de profissionais de saúde, especialmente médicos, e melhorar a
provisão e fixação de profissionais em áreas remotas e de maior vulnerabilidade
social33. São relatadas como estratégias: incentivo financeiro, política de serviço civil
obrigatório e algumas estratégias não monetárias como educação continuada34.
A Austrália é um exemplo de país que lançou mão de tais estratégias. O
governo australiano implementou dois programas para provisão e fixação de
profissionais de saúde em áreas remotas. O Rural Clinical Training and Support
(RCTS), que prevê financiamento para que as escolas médicas realizem seleção de
alunos oriundos de áreas remotas, realização de estágios e internato rural para
todos os estudantes de medicina e aperfeiçoamento dos sistemas de apoio
educacional para alunos e médicos rurais, e o Overseas Trained Doctors (OTD), que
é um programa de atração de médicos formados no exterior para atuarem de forma
supervisionada e com exercício restrito às regiões indicadas pelo governo
australiano com duração de dez anos34.
Após instituição do Sistema Único de Saúde, o Brasil tem demonstrado
importantes avanços no cuidado em saúde, principalmente no que diz respeito à
universalização do acesso aos serviços. Entretanto, as dimensões continentais do
país e as desigualdades regionais dificultam esta garantia de acesso.
O artigo 200 da Constituição Federal de 1988 determina que é
prerrogativa do Sistema Único de Saúde ordenar a formação de recursos humanos
em saúde. Portanto, o SUS deve analisar e monitorar a demanda e oferta de
40
profissionais de saúde, assim como induzir a formação para as reais necessidade de
saúde do país.
O Brasil implementou, ao longo do tempo, diversas estratégias para o
enfrentamento das graves desigualdades sócio-regionais na distribuição da força de
trabalho médica. Dentre estas estratégias, estão: o Programa de Interiorização das
Ações de Saúde e Saneamento (PIASS, de 1976), que preconizava a interiorização
dos serviços de saúde e expansão da cobertura de ações de saúde-saneamento; o
Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS, de 1993), que
preconizava a interiorização de uma equipe mínima, além do médico, visando à
descentralização e à municipalização do atendimento; o Programa de Interiorização
do Trabalho em Saúde (PITS, de 2001), que propunha estimular a ida de médicos e
enfermeiros para os municípios mais carentes e distantes por meio de incentivos
financeiros e de formação profissional34,35.
Mais recentemente, o governo brasileiro implementa, em 2011, o
Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB), que estimula a ida de
profissionais médicos para áreas remotas e de grande vulnerabilidade social. As
atividades dos médicos são supervisionadas, com oferta de curso de especialização
de saúde da família, bolsa paga pelo Governo Federal e com pontuação adicional de
10% na nota final dos concursos de residência médica. Em 2013, é lançado o
Programa Mais Médicos, que, em um de seus eixos, prevê o recrutamento de
médicos brasileiros aos moldes do PROVAB para áreas remotas. Em caso de
permanência de vazios assistenciais, recorre-se a médicos formados no exterior,
através de cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
No período de lançamento destas políticas, segundo estudo de
Demografia Médica publicado pelo Conselho Federal de Medicina em 2013, o Brasil
possuía 1,8 médicos por mil habitantes36. Esta relação é bem inferior à média
apresentada pelos países-membro da OCDE, como demonstra o gráfico abaixo:
41
Ilustração 1 - Médicos por 1000 Habitantes Fonte: OECD9
Além da média de relação médico/habitante do Brasil ser baixa em
comparação aos demais países do mundo, ainda há disparidades regionais, sendo
que apenas quatro Estados (SP, RJ, ES e RS) e o Distrito Federal que possuíam
média acima da nacional, enquanto cinco Estados possuíam média menor que 1
médico por mil habitantes (AC, AP, MA, PA e PI), o que agrava ainda mais as
desigualdades de acesso à saúde no Brasil. Assim, verifica-se que, além da
escassez de profissionais médicos, há má distribuição desses profissionais no
território nacional36.
Em estudo mais recente, o Conselho Federal de Medicina ratificou a má
distribuição de médicos pelo país apesar da média nacional ter subido para 2,11
médicos por mil habitantes. Mantém-se a desigualdade de distribuição entre os
Estados da federação, entre as capitais e os interiores, como também em
agrupamento de municípios por estratos populacionais37.
As regiões Norte e Nordeste estão abaixo da razão nacional, com 1,09 e
1,3 médico por mil habitante, respectivamente. Fazem parte dessas duas regiões
também os Estados com menor número de médicos em relação à população:
Maranhão, com 0,79, e Pará, com 0,91. Verifica-se também que as demais regiões
têm razão médico/habitante acima da média nacional: região Sudeste conta com o
maior número de médicos por 1.000 habitantes, 2,75, acima da região Sul, com
2,18, e da Centro-Oeste, com 2,20. Ao estabelecer um paralelo da proporção da
população com a proporção de médicos, fica bem clara a iniquidade em saúde entre
0 0,5
1 1,5
2 2,5
3 3,5
4 4,5
5
Médicos por 1000 habitantes
Méd
ia 3
,3
42
as regiões do país, como na região Sudeste estão 55,3% dos médicos e 42% da
população do país, enquanto na região Nordeste trabalham 17,4% dos médicos
brasileiros e vivem 27,8% do total da população37.
O conceito de insuficiência de médico se aplica mais à sua distribuição
que aos números absolutos. Deve-se aprofundar a análise da desigualdade do
acesso a serviços de saúde e os fatores que a determinam. Apenas a relação
numérica não é suficiente para demostrar a necessidade de profissionais. Um estudo
do Observatório de Recursos Humanos da UFMG desenvolveu índice de escassez
de médicos na AB. O pressuposto é o de que as altas necessidades de saúde,
carências socioeconômicas e dificuldades de acesso se refletem em maior demanda
de serviços médicos, agravando a situação destes profissionais.
O índice de escassez foi desenvolvido considerando três dimensões: 1)
disponibilidade/oferta de recursos humanos na Atenção Básica, calculado pela razão
da população por médico 40 horas na Atenção Básica (clínico, pediatra e médico de
família); 2) necessidade de saúde, utilizando a taxa de Mortalidade Infantil; e 3)
carências socioeconômicas, considerando a proporção de domicílios elegíveis ao
Programa Bolsa Família38.
Desta forma, classificou-se o índice de escassez em escala severa, alta e
moderada, aplicando-o a municípios não metropolitanos. Segundo este índice, a
maior parte dos municípios com escassez de médicos encontra-se no Nordeste,
onde 51,8% dos municípios não metropolitanos apresentam algum grau de
escassez38.
Portanto, regiões geográficas mais remotas e de vulnerabilidade social
apresentam maior dificuldade ao acesso à assistência médica, o que aumenta ainda
mais a vulnerabilidade social, que se retroalimenta em ciclo vicioso. Desta forma, é
imperativo a formulação de políticas públicas de saúde que enfrentem tal situação
afim de garantir o direito constitucional à vida e à saúde universal e equânime.
5.1.3. Formação Médica no Brasil
O final do século XIX é um período de avanço científico e, como
consequência disto, observa-se a substituição do empirismo pelo método científico.
Neste contexto, surge o Relatório de Flexner, que influenciou a prática médica
43
mundial, consolidando o paradigma da medicina científica, caracterizado por:
segmentação em ciclos básico e profissional, ensino baseado em disciplinas ou
especialidades e ambientado em sua maior parte dentro de hospitais39.
A atualização da educação médica aconteceu concomitantemente ao
desenvolvimento da sociedade capitalista. A incorporação tecnológica passou a
determinar tanto a organização quanto a gestão dos hospitais, das instituições de
ensino e da formação. A lógica da produtividade tomou conta da relação médico-
paciente. O ensino se concentrou decisivamente nos hospitais, constituindo o
moderno modelo hospitalocêntrico de assistência médica e de formação40.
No Brasil, no final da década de 60, com a Reforma Universitária, o
conteúdo curricular das escolas de medicina ajustou-se ao modelo flexineriano. O
ensino centra-se no hospital universitário, com separação entre ciclos básico e
profissional e com disciplinas separadas por especialidades médicas. Consolida-se,
então, um modelo mecanicista, biologicista e individualista que fragmenta o corpo
em órgãos e sistemas, estimula a especialização e atende aos interesses do
complexo médico-industrial41.
Na segunda metade da década de 70, surgia no Brasil a luta pela
redemocratização e a luta pelo fim da ditadura militar. No campo da saúde, surge o
Movimento da Reforma Sanitária como grande ator social que militava contra a
complexo médico-industrial e lutava pela instituição de um sistema público de saúde.
Com a redemocratização no Brasil e promulgação da Constituição Federal de
1988, institui-se o Sistema Único de Saúde com princípios como a universalidade de
acesso, a igualdade da assistência à saúde, a descentralização político-
administrativa que trouxeram grandes desafios, dentre os quais a integralidade. O
artigo 200 da Constituição determina como responsabilidade do SUS ordenar a
formação de recursos humanos em saúde e estabelecer políticas de articulação
entre trabalho e educação na saúde. Aliado a isso, a organização da oferta e
demanda de profissionais de saúde deve tomar como base as características do
perfil sócio-epidemiológico de cada região e a distribuição populacional.
A implantação do SUS exige dos profissionais de saúde a capacidade de
participar da produção da saúde integral a partir de um conceito ampliado de saúde
e de cuidado, atuando em equipe multiprofissional e assumindo o compromisso de
centrar suas ações nos usuários. Campos7 coloca que o trabalho das equipes e das
44
organizações de saúde “deve apoiar os usuários para que ampliem sua capacidade
de se pensar em um contexto social e cultural”. Para o autor, “caberia repensar
modelos de atenção que reforçassem a educação em saúde, objetivando com isso
ampliar a autonomia e a capacidade de intervenção das pessoas sobre suas
próprias vidas”7.
As mudanças nas práticas de atenção à saúde provocadas pelo SUS
requerem, nesse sentido, profundas transformações na formação dos profissionais
da saúde. É preciso que a educação médica se estabeleça em novos cenários, onde
as práticas assistenciais acontecem mais próximas da realidade epidemiológica e
socioeconômica e não somente nos hospitais universitários. Os cenários devem ser
ampliados, com integração entre ensino, pesquisa e serviço, incluindo unidades de
atenção básica, pronto-atendimentos, centros de atenção psicossocial, serviços de
saúde coletiva, escolas dentre outros40.
Para alcançar a atenção integral, com base nas necessidades sociais por
saúde, a atenção básica cumpre um papel estratégico na dinâmica de
funcionamento do SUS por seu estabelecimento de relações contínuas com a
população e por buscar a atenção integral e de qualidade, a resolutividade e o
fortalecimento da autonomia das pessoas no cuidado, estabelecendo articulação
orgânica com o conjunto da rede de serviços. A atenção básica se apresenta como
importante cenário de prática para a formação de profissionais com o perfil
adequado às necessidades do SUS através da educação em serviço por trabalhar a
construção desse modo de operar o sistema, pois permite articular gestão, atenção,
ensino e controle social no enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe
de saúde em seu território geopolítico de atuação8.
São muitos espaços, formais e informais, que buscam reorientar a
formação médica no Brasil de acordo com as necessidades de saúde da população
e com a Atenção Básica como lugar prioritário para a transformação no ensino. Sem
desvalorizar as experiências locais, é importante enfatizar iniciativas, em sua maioria
governamentais, de indução da transformação do ensino médico no Brasil, entre
elas: Comissão Interinstitucional de Avalição das Escolas Médicas (CINAEM),
Diretrizes Curriculares, Promed, Pró-saúde, Pet-saúde, PROVAB e o Programa Mais
Médicos.
45
A CINAEM foi composta em 1991 por instituições como a Associação
Brasileira de Ensino Médico (ABEM), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a
Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM) e mais 8
instituições, incluindo as governamentais. O objetivo da Comissão era avaliar a
educação médica e fomentar o aperfeiçoamento do SUS. Os principais problemas
identificados foram os métodos pedagógicos, o sistema de avaliação docente e
discente e a proposta curricular42.
Após a avaliação realizada pela CINAEM e intensas discussões, são
publicadas, em 2011, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação
em Medicina (DCN). As Diretrizes apresentam como eixo principal o papel social do
aparelho formador e como diretrizes: a integração entre teoria e prática, pesquisa e
ensino, integração entre os conteúdos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais
do processo saúde-doença, inserção precoce no serviço de saúde do SUS e
construção ativa do conhecimento41.
Ainda em 2001, é implementado o Programa de Incentivo às Mudanças
Curriculares das Escolas Médicas (Promed). O programa tem por objetivo prestar
apoio técnico e financeiro para a implementação das Diretrizes Curriculares e, desta
forma, fomentar nas escolas médicas a integração ensino-serviço, a implementação
de metodologias ativas de ensino-aprendizagem e processos de formação crítico,
reflexivo e humanista41,42.
A experiência do Promed serviu de base para a formulação e
implementação, em 2005, do Programa Nacional de Reorientação da Formação
Profissional em Saúde (Pró-Saúde). O programa tem por objetivo dar continuidade
aos processos de mudança na graduação de medicina, fundamentado em três eixos:
orientação teórica, orientação pedagógica e cenários de práticas. Inicialmente, o
programa foi lançado para induzir mudanças nos cursos de graduação de medicina,
odontologia e enfermagem e posteriormente foi expandido para as 14 graduações
da saúde43.
Outra iniciativa interessante e que compõe uma das estratégias do Pró-
Saúde no eixo de cenários de práticas é o Programa de Educação pelo Trabalho em
Saúde (PET-Saúde). Este programa tem como pressuposto a educação pelo
trabalho e incentiva a inserção dos estudantes da graduação nos serviços da
Estratégia de Saúde da Família. O PET-Saúde oferece bolsas de estudo nas
46
seguintes modalidades: tutoria (para docentes), monitorias (para alunos de
graduação) e preceptoria (para profissionais da Estratégia de Saúde da Família). O
programa reúne contribuições que: aproximam as Universidades e os gestores do
SUS, como também a Universidade da realidade dos serviços de atenção a saúde;
incentivam a supervisão das atividades assistenciais e a capacitação das equipes
com melhoria no atendimento do usuário; e estimulam o desenvolvimento de
pesquisas e a produção do conhecimento no âmbito das práticas assistenciais42.
Neste sentido, considerando a necessidade de estimular a integração
ensino-serviço e a formação e experiência na Atenção Básica, em 2011, é lançado o
Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB). Este programa estimula a
ida de profissionais médicos para a exercer atividades de integração ensino-serviço
em Unidades de Saúde da Estratégia de Saúde da Família com atividades
supervisionadas e com acompanhamento de curso de Especialização, com a
contrapartida de pontuação adicional na nota final dos concursos de residência
médica. Esta estratégia provocou mudança importante por ter induzido a prática na
Atenção Básica dos egressos do curso de medicina e ter tencionado os critérios de
acesso a residência médica por ter incorporado a princípio de mérito social.
Utilizando também a experiência do PROVAB, em 2013, é lançado o
Programa Mais Médicos com a finalidade de formar recursos humanos na área
médica para o SUS. O Programa apresenta três eixos: provimento emergencial,
infraestrutura e formação médica.
A sua contribuição para reorientação da formação médica se baseia na
reformulação das Diretrizes Curriculares do curso de graduação de medicina, que
implicou no aumento das atividades práticas no SUS, principalmente na Atenção
Básica e em serviços de urgência, e instituiu a avaliação de progresso a cada 2
anos; aumento do número de vagas de graduação com interiorização da formação e
distribuição de acordo com necessidades de saúde; aumento do número de vagas
de residência médica e alteração no pré-requisito de acesso a especialidades,
tornando um ano obrigatório na Residência de Medicina de Família e Comunidade; e
a instituição do Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino-Saúde (COAPES).
47
5.2. Principais Marcos entre 2011 e 2013
Esta seção aborda os principais marcos em torno do tema de escassez,
provisão e fixação de profissionais de saúde no período entre 2011 e 2013.
Em 2010, foi publicada a Lei n. 12.202, que previa desconto no saldo
devedor do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) para egressos do curso
de medicina que fossem trabalhar na Estratégia de Saúde da Família em áreas
prioritárias do SUS. Isso já demonstra a sinalização da importância da provisão de
profissionais do SUS e que estratégias estavam sendo formuladas para o
enfretamento do problema44.
Entretanto, serão estudados aqui os marcos a partir do ano de 2011, uma
vez que a partir desse ano convergiram eventos e debates em torno do tema, além
deste ser sido o ano em que se iniciaram os primeiros mandatos da presidenta Dilma
Rousseff e do Ministro da Saúde Alexandre Padilha, uma vez que a análise de
políticas públicas está intrinsecamente ligada às escolhas e estratégias
governamentais.
Os marcos estudados nesta seção, em ordem cronológica, foram: 1)
Seminário Nacional de Escassez de provimento e fixação de profissionais de saúde,
promovido pelo Ministério da Saúde; 2) Programa Nacional de Valorização do
Profissional de Saúde (PROVAB); 3) Movimento de Prefeitos - Cadê o Médico; e 4)
Manifestações de junho de 2013. O desencadeamento dos marcos, entre 2011 e
2013, estão ilustrados nas ilustrações 1 e 2 para melhor compreensão do cenário
político e também do arcabouço legal do PMM:
48
Ilustração 2 - Linha do tempo com principais marcos que compuseram o cenário político para o Programa Mais Médicos de 2010 a 2012. Fonte: Adaptado a partir de arquivo da autora de apresentação do Ministério da Saúde e de Aléssio45.
Abril& Junho&
13 e 14 de abril de 2011
MS promove Seminário Nacional sobre escassez, provimento e fixação de profissionais de saúde em áreas remotas e de maior vulnerabilidade
13 de junho de 2011
Portaria GM/MS nº 1377 – Estabelece critérios para
definição de área prioritária com carência e dificuldade de
retenção de médicos, no âmbito do FIES
Setembro&
01 de setembro de 2011
Portaria nº 2087 – Institui o Programa de Valorização do
Profissional da Atenção Básica
2011&
Março&
PROVAB: 381 médicos alocados
em 205 municípios
2012&
05 de novembro de 2012
Portaria GM/MS nº 2517 - Incentivo ao Plano de Carreiras, Cargos e Salários:
apoio técnico e financeiro do MS
Novembro&
2010&
14 de janeiro de 2010
Lei 12.202 – Permite abatimento no saldo
devedor do FIES para médicos do Programa
Saúde da Família &&
Janeiro&
49
Ilustração 3 - Linha do tempo com principais marcos que compôs cenário político para o Programa Mais Médicos no ano de 2013. Fonte: Adaptado a partir de arquivo da autora de apresentação do Ministério da Saúde e de Aléssio45.
5.2.1. Seminário Nacional de Escassez de Provimento e Fixação de Profissionais de
Saúde
O Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de
Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior Vulnerabilidade representou
um importante marco no cenário político. Foi o primeiro evento a abordar o tema de
escassez de profissionais de saúde no SUS após o início do mandato da presidenta
Dilma Rousselff e do ministro da saúde Alexandre Padilha. Foi realizado pelo
Ministério da Saúde no período de 13 a 14 de abril de 2011, em Brasília, em parceria
com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional
das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e a Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS).
Ano$de$2013$
28 de janeiro de 2013!Abertura do
Encontro com novos Prefeitos e Prefeitas – Municípios fortes,
Brasil sustentável
Março$
PROVAB: 3.800 médicos alocados
em 1,3 mil municípios
Jornada de Manifestações de
junho
Homologação da Lei do Programa Mais Médicos, nº 12871, de 22 de outubro de
2013
Julho$
08 de julho Lançamento do
Programa Mais Médicos, através da Medida Provisória nº 621
31 de janeiro de 2013!Frente Nacional de Prefeitos entrega ao Ministro da Saúde abaixo-assinado do movimento Cadê o
Médico
Janeiro Junho
21 de junho de 2013 Pronunciamento da Presidente Dilma em
cadeia nacional, anunciando a vinda de milhares de médicos
estrangeiros
26 de junho de 2013 Entidades médicas
lançam carta aberta a população brasileira contra medidas anunciadas pelo
Governo
Outubro
01 de outubro Aprovação do Relatório na
Comissão Mista no Congresso Nacional
16 de outubro Aprovação em plenário no
Senado Federal
09 de outubro Aprovação em plenário na
Câmara dos Deputados
50
O objetivo do Seminário foi a discussão de propostas e ações de
viabilidade política e técnica para o desenvolvimento de uma política de provimento
e fixação quantiqualitativa de profissionais de saúde em todas as regiões do país.
Para alcançar tal objetivo, o evento partiu das seguintes diretrizes: o compromisso
com a qualidade do SUS e dos serviços prestados, na sua missão de melhorar a
saúde do país; correspondência com mudanças no perfil de morbimortalidade do
país e também das demandas e necessidades de saúde da população; reorientação
da formação dos profissionais de saúde para atender de forma humanizada e
resolutiva ao usuário; atenção à diversidade de necessidades de saúde nas variadas
regiões do país com garantia dos direitos materiais, estruturais e valorização para o
profissional que se desloca para áreas remotas e de maior vulnerabilidade46.
O Seminário contou com ampla participação de instituições do governo,
com representantes dos ministérios da Educação, Ciência e Tecnologia, Defesa,
Trabalho e da Casa Civil. Participaram também instituições de ensino e
pesquisadores, gestores do SUS das esferas municipal, estadual e federal,
parlamentares, representantes de entidades profissionais e colegiados da área da
saúde, da educação e da regulação do trabalho. A participação ampla e diversa de
atores políticos, tanto da esfera governamental como fora dela, ratifica a importância
da pauta para superar os desafios de se garantir acesso e cuidado à saúde integral
e universal a toda população.
A programação se estruturou, inicialmente, a partir de experiências
internacionais e nacionais bem-sucedidas de programas de provimento e fixação de
profissionais de saúde, com participação da OPAS e do Ministério da Saúde (MS),
através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES).
Em seguida, analisou- se a realidade do SUS e suas necessidades, nas
perspectivas dos gestores do SUS. E, posteriormente, discutiu-se as iniciativas
educacionais, tanto na graduação como na residência, com participação do
Ministério da Educação (MEC), MS e de entidades como a União Nacional dos
Estudantes (UNE) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais
de Ensino Superior (ANDIFES). Concluiu-se o evento com o debate e levantamento
de estratégias de provimento e fixação de profissionais de saúde para o SUS, que
serviu de subsídio para formulação de programas para este fim pelo Ministério da
Saúde.
51
Em busca em portais da internet, como também em bibliotecas
acadêmicas, foi possível encontrar apenas notícias em sites de entidades como
Conselho Federal de Medicina (CFM), Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS),
CONASS, CONASEMS e OPAS. Não foram encontradas notícias do Seminário em
jornais de grande circulação ou que não sejam do campo da saúde e de suas
entidades, o que evidencia que o tema de escassez de profissionais de saúde no
SUS se restringe ao meio acadêmico e às instituições e entidades da saúde.
Entretanto, o MS elaborou e publicou relatório-síntese do Seminário com
o objetivo de registrar o evento e as questões relevantes, identificar os consensos e
as divergências de opinião, assim como as principais propostas apresentadas e
debatidas sobre os diversos aspectos do tema sobre escassez e fixação de
profissionais de saúde. Seu conteúdo tinha o objetivo de, como o próprio relatório
apresenta, balizar o planejamento da política nacional de enfrentamento da
necessidade de provimento e fixação de profissionais de saúde, como parte do
objetivo estratégico* do planejamento do MS de garantir o acesso universal e com
qualidade às ações e serviços de saúde a toda a população brasileira46,48. Isso
demonstra a importância do evento para a inserção do tema na agenda
governamental.
Ao analisar o relatório-síntese do Seminário, documento elaborado pelo
governo executivo, e as notícias nos sites das entidades e instituições de saúde, é
possível inferir as diversas posições e disputas em relação ao assunto e também
perceber a ascensão do tema na agenda política.
A OPAS resgata o processo internacional de discussão de migração e
fixação de profissionais de saúde com a aprovação em Assembleia, em 2010, do
Código de Prática para o Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde†.
Este documento contribuiu para a inserção do tema de recrutamento no cenário
* O Ministério da Saúde realizava planejamento estratégico com o objetivo de planejar, avaliar e monitorar a consecução das políticas públicas. No Planejamento realizado em 2011, foram formulados 16 objetivos estratégicos que passaram a ser norteadores institucionais e a fundamentar a gestão de 2011 a 201547. † O Código de Prática de Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde foi aprovado em Assembleia Mundial de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2010. O código busca desenvolver cooperação internacional e estabelecer e promover princípios e práticas éticas para o recrutamento internacional de profissionais de saúde e aborda assuntos como capacidade e a qualidade de formação de profissionais, as políticas de apoio à fixação de profissionais de saúde, a reciprocidade dos benefícios, a coleta e intercâmbio de informações, o monitoramento e a pesquisa49.
52
mundial. A instituição reforça a necessidade de se utilizar múltiplos sistemas de
incentivos financeiros, tecnológicos e ambientais, visto que não existe uma única
receita que consiga resultados satisfatórios50. Já a UNA-SUS reafirma o
compromisso com a educação à distância para profissionais de saúde e com a
concretização das políticas de recursos humanos no âmbito do Sistema Único de
Saúde51.
O CONASEMS, como representante do conjunto das secretarias
municipais de saúde do país, destacou a falta de médicos, a dificuldade de fixá-los e
a elevada rotatividade desses profissionais. A instituição aponta que o problema não
atinge apenas municípios em áreas remotas, mas também grandes centros urbanos,
e que é necessário qualificar a demanda médica, sua distribuição e o perfil
adequado para o SUS. E, principalmente, é urgente a superação do obstáculo de
gestão, em especial aos ligados à Lei de Responsabilidade Fiscal*. O CONASEMS
enfatizou que o debate e as resoluções têm que ser tripartite e apresentou ainda
como propostas: apoio técnico e financeiro para os municípios por parte do MS;
estímulo à implementação de Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS);
aumento de vagas de residência médica; nova discussão acerca do processo de
validação de diplomas estrangeiros; reavaliação das formas de financiamento para a
Estratégia Saúde da Família e Atenção Básica53.
Já o Ministério da Saúde, que no Seminário é o principal porta-voz do
governo, afirmou que, por agregar diferentes categorias de problemas, o provimento
e fixação de profissionais de saúde ganha caráter de urgência, principalmente pela
necessidade e interesse demonstrados pelos municípios e estados, fator importante
de tensionamento para a visibilidade do problema. Em consonância, o relatório-
síntese demarca o tema como prioritário e de responsabilidade do Estado:
Na regulação e organização desses processos o Ministério da Saúde junto com o MEC, CONASS, CONASEMS estão unidos na premissa de que a regulação do perfil do profissional a ser formado é do Estado e chamam a si a responsabilidade de organizar este processo. Nesse contexto é urgente a
* Lei Complementar n. 101, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas. A Lei estabelece limite para os municípios de 60% da receita corrente líquida (RCL) para o gasto total com pessoal, o que representa obstáculo aos municípios de contratação de profissionais de saúde, em especial médicos52.
53
definição de ações e metas a curto, médio e longo prazos que realizem o provimento e fixação de profissionais de saúde considerando a heterogeneidade das micro-regiões, objetivando o acesso universal e qualificado das redes de atenção à saúde do SUS46.
Além disso, o MS ratifica que o problema da escassez de profissionais de
saúde e a má distribuição estão incluídos na agenda política como demonstra este
trecho do relatório:
Nesse contexto, é uma opção política do governo inserir na sua agenda a escassez de profissionais de saúde e investimentos na sua formação e qualificação profissional na perspectiva da sua fixação e distribuição ordenadas no sentido da superação da iniquidade [sic] e concretização do acesso universal a serviços qualificados46.
Na perspectiva do ciclo de política, o primeiro passo é o reconhecimento
de um problema como de relevância pública. Este Seminário representou um marco,
pois afirma a entrada do tema na agenda governamental, e também foi espaço de
discussão de estratégias para o enfretamento do problema, tendo sido importante
também para análise das posições de diversos setores da saúde implicados com o
tema, o que contribuiu para o desenho final da política.
No Seminário, foram discutidas questões determinantes da situação de
escassez de profissionais de saúde, com ênfase no profissional médico. Apenas
2,4% dos municípios brasileiros, dados à época do evento, não apresentavamm
escassez de profissionais de saúde e mesmo esses apresentavam regiões com
escassez46. Além do número absoluto de médicos estar abaixo do necessário para o
SUS, a escassez foi agudizada pela ampliação da rede, com a ampliação da
cobertura da Estratégia de Saúde da Família e instalação de novos serviços de
urgência e emergência, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)
e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Além disso, um aspecto relevante a considerar é que as áreas de
vulnerabilidade de saúde também são áreas de vulnerabilidade social, financeira, de
violência, desintegradas do restante do país, portanto não é apenas uma questão de
acesso geográfico à saúde456. Como demonstram Girardi et al.38 em seu estudo, há
uma correlação direta entre municípios com número de famílias dependentes do
bolsa família com o índice de escassez de médicos na Atenção Básica. Então,
fatores que interferem na distribuição e fixação de profissionais extrapolam a
54
governabilidade da área da saúde, como condições de moradia, acesso à educação,
lazer e cultura.
Outro aspecto importantíssimo discutido foi a especialidade médica como
definidora do papel social do médico, o que envolve o valor do trabalho médico no
mercado, um aspecto ideológico. Também em relação à especialidade, um fato
sensível à gestão pública responsável é o investimento público na formação dos
profissionais, principalmente pela Residência Médica, sem nenhuma regulação na
inserção destes profissionais na rede de serviços do SUS, o que implica em
investimento público para fixação de profissionais qualificados no setor privado.
Em relação às discussões acerca do desenho da política, o MS defende
que, para enfrentar o problema, as intervenções devem ser de natureza diversa e
que devem abordar: a gestão, nos âmbitos nacional, estadual e municipal; incentivos
financeiros; e reorientação da formação dos profissionais de saúde e regulação do
processo de trabalho no SUS. Desta forma, as estratégias devem articular a
organização da rede do SUS, realidades loco-regionais e características
epidemiológica e socioeconômicas, mapa de estudo da necessidade de
profissionais, processo de trabalho e salários, processos formativos condizentes com
a demanda do SUS e questões da responsabilidade fiscal dos municípios46.
As estratégias apresentadas reúnem ações e programas no âmbito
educacional tanto na graduação como na residência médica, carreira
multiprofissional e médica no SUS e serviço civil. Em relação à educação, as
propostas abordam aumento do número de vagas de graduação de medicina e
residência médica com distribuição equilibrada em relação à população,
necessidades do SUS e especificidades socioeconômicas e epidemiológicas das
diferentes regiões do país. Foi apresentada, também, a criação de pré-requisito de
atuação de dois anos em saúde da família para médicos se qualificarem para prestar
provas de residência.
A discussão sobre carreira pública no SUS abordou obstáculos que
devem ser superados, como vínculo precário, o que leva a vulnerabilidade, pressão
política, falta de mobilidade, mercado predatório entre os municípios que disputam
pelo profissional médico, pouco incentivo à fixação e precária política de educação
permanente e acompanhamento de qualidade do atendimento clínico. No Seminário,
55
foi apresentada experiência de carreira da Fundação Estatal de Saúde da Família da
Bahia (FESF), porém não foram apresentadas pelo governo propostas para a
implementação da carreira em âmbito nacional.
Em contrapartida, o MS apresentou proposta para o Serviço Civil
Voluntário ser implementado ainda em 2011. A proposta inicial seria apenas para
médicos e com a seguinte configuração: os médicos egressos passariam de um a
dois anos em equipes de saúde da família e poderiam atuar também em unidades
de urgências; os locais de atuação seriam previamente definidos por mapa de
necessidade de saúde; salário assegurado pelo município de atuação; atividades
supervisionadas presencialmente e à distância; o médico deveria realizar curso de
especialização em Saúde da Família durante suas atividades na Atenção Básica e,
no final, receberia bônus na seleção para a Residência Médica, que poderia ser em
dobro se o profissional passasse dois anos no serviço civil46.
Essas duas últimas propostas são as principais críticas do Conselho
Federal de Medicina (CFM). As entidades médicas representam a maior resistência
às propostas do governo. É importante enfatizar que o entendimento inicial do
problema é discordante, uma vez que o CFM defende que não faltam médicos no
país e que o problema está na má distribuição dos profissionais. O CFM apresenta
claramente seu posicionamento em seus portais e jornais, defendendo a carreira
nacional para médicos e outros profissionais de saúde no âmbito do SUS e
considera a carreira como principal medida para a solução para o problema de falta
de assistência em áreas remotas e de maior vulnerabilidade.
O CFM se contrapôs a propostas de serviço civil obrigatório ou facultativo,
ao argumentar que essa solução é temporária e não resolveria a questão da alta
rotatividade dos profissionais. O Conselho também apresentou objeção ao aumento
do número de médicos no país, por acreditar que existe número suficiente, gestão
em saúde por fundações públicas de direito privado e foco exclusivo em programas
de saúde da família54.
O MS identificou a divergência e consequente resistência das entidades
médicas, entretanto apresenta no relatório que há abertura para debate e construção
de novas bases para o entendimento do problema, como demonstra este trecho:
56
A atual gestão do MS vem diminuindo as resistências da corporação médica, com abertura do debate e construindo novas bases para o entendimento e superação dos problemas. A ideia do serviço civil vem sendo apresentada há algum tempo. É importante considerá-lo como uma contrapartida ao Estado daqueles que se formaram pelo sistema público, contudo sua discussão esbarra em resistências, apesar da proposta estar articulada a outras medidas como: esforços para continuidade de formação por meio de programas de educação continuada; aumento de salário (o argumento do salário mostrou não ser o mais importante); expansão da telessaúde e articulação com as forças armadas.46
Enfatizou-se a importância do debate também com o poder legislativo. No
Seminário, houve participação do Deputado Rogério Carvalho e do Senador
Humberto Costa nas mesas de discussão, ambos do Partido dos Trabalhadores
(PT). Esse diálogo é relevante por aproximar as propostas elaboradas no Congresso
com a necessidades de saúde da população e da capacidade de implementação da
política pelo poder executivo. À época, tramitavam na Câmara dos Deputados onze
projetos que tratavam de serviço civil obrigatório, além de proposta de redução de
carga horário de algumas categorias profissionais da saúde.
5.2.2. Programa Nacional de Valorização do Profissional da Atenção Básica
O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB)
foi instituído por meio da Portaria Interministerial MS/MEC n. 2.087, de 1 de
setembro de 2011, conforme critérios estabelecidos pela Portaria n. 1.377/GM/MS,
de 13 de junho de 2011, que estabelece parâmetros para definição das áreas e
regiões prioritárias com carência e dificuldade de retenção de médicos55.
O Programa tem como objetivo estimular e valorizar o profissional de
saúde que atua em equipes multiprofissionais no âmbito da Atenção Básica e da
Estratégia de Saúde da Família55. Visa, portanto, ampliar a integração ensino-
serviço-comunidade e estimular os profissionais de nível superior (médicos,
enfermeiros e cirurgiões-dentistas) a comporem as equipes multiprofissionais da
Atenção Básica da Estratégia de Saúde da Família nos municípios com elevado
percentual de pobreza e com populações em maior vulnerabilidade social, em áreas
remotas e de difícil acesso e em locais com dificuldade de provimento de
profissionais.
57
O PROVAB prevê supervisão presencial e à distância desenvolvida por
tutores de instituição de ensino superior, hospitais de ensino ou outros serviços de
saúde com experiência em ensino. Além disso, é oferecido também curso de
especialização em Saúde da Família sob responsabilidade das universidades
públicas participantes do Sistema Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde
(UNA-SUS).
Compete ao Ministério da Saúde instalar, onde houver necessidade, e
manter os Núcleos de Telessaúde nas instituições que forem responsáveis pela
supervisão dos profissionais participantes do Programa e nas unidades básicas de
saúde selecionadas pelo Programa, custear a realização dos cursos de
especialização em Saúde da Família e as atividades de supervisão. Já aos
municípios, após firmar termo de compromisso com o MS, compete contratar, pelo
prazo mínimo de 12 (doze) meses, os profissionais médicos, enfermeiros e
cirurgiões-dentistas com remuneração equivalente à praticada pela Estratégia de
Saúde da Família, oferecer moradia para a equipe contratada quando houver
necessidade e realizar o acompanhamento das atividades55.
Apenas para o profissional médico, após ser avaliado e aprovado no
processo avaliativo aplicado pela supervisão do Programa, está prevista pontuação
adicional de 10% se cumprir um ano no Programa e de 20% se cumprir 2 anos em
todas as fases do processo seletivo para a Residência Médica, conforme disposto
na Resolução n. 3, de 16 de setembro de 2011, da Comissão Nacional de
Residência Médica (CNRM)56.
A Portaria Interministerial n. 2.087 instituiu a Comissão Coordenadora
responsável pela orientação, coordenação e edição dos atos e a Comissão de
Implantação e Acompanhamento do Programa, com papel de monitoramento e de
caráter consultivo. A Comissão Coordenadora é composta pelas três esferas do
governo, com representantes do MS, MEC, CONASS, CONASEMS, além de
representantes das Instituições de Ensino e da UNA-SUS55.
O desenho e regras do PROVAB são condizentes com a proposta do
governo de serviço civil apresentado no Seminário Nacional sobre Escassez,
Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior
Vulnerabilidade. Ao revisar a proposta do serviço civil, é claramente possível verificar
58
a correspondência com o PROVAB; para isso, é relevante a análise de cada item da
proposta:
1- Um a dois anos em equipes de saúde da família, podendo
também, atuar em unidades de urgência: o PROVAB estabelece
atividade na Atenção Básica por um a dois anos, apenas não
prevê atividades em serviços de urgência.
2- Locais definidos a partir do mapa de necessidades de saúde: os
municípios de atuação do Programa foram agrupados em seis
perfis de acordo com as características socioeconômicas: Capital
ou região metropolitana, Município com população maior que
100.000 habitantes, Grupo Intermediário, População rural e
pobreza intermediária, População rural e pobreza elevada e
Populações quilombola, indígena e dos assentamentos rurais.
3- Se anteriormente aprovado em programas de Residência Médica,
o candidato poderá manter sua vaga: o trancamento da matrícula
na Residência Médica para exercer atividades no PROVAB foi
garantido, conforme art. 11 da Resolução n. 3 da CNRM.
4- Salário do profissional assegurado pela Secretaria Municipal de
Saúde onde o profissional estiver atuando: a contratação dos
profissionais do PROVAB é de responsabilidade dos municípios.
5- Bônus para um ano e em dobro para dois anos para a seleção na
Residência Médica: a pontuação adicional nos concursos de
Residência está prevista apenas para os profissionais médicos,
conforme art. 10 da Portaria n. 2.087/2011 e regulamentação pelo
art. 8 da Resolução n. 3/2011 da CNRM.
6- Supervisão da escola médica local, presencial ou à distância, com
Telessaúde (segunda opinião formativa, cursos de educação
continuada): também está assegurado no PROVAB a supervisão
para profissionais médicos por Instituições de Ensino, além de
oferta de ferramentas de educação à distância.
7- Programada Sociedade Brasileira de Saúde da Família para a
especialização em Saúde da Família: no PROVAB, é ofertado
59
curso de especialização em Saúde da Família na modalidade de
Educação à Distância (EAD), com a ressalva que no PROVAB o
curso é ofertado pelas Universidades Públicas da rede UNA-SUS.
Dessa forma, o Programa representou a resposta do governo à escassez
de provimento e fixação de profissionais de saúde e provavelmente não houve
divulgação e associação ao serviço civil pela estratégia de dirimir resistências das
entidades médicas e dos estudantes da graduação de medicina.
A Portaria n. 2.087 instituiu o Programa em setembro de 2011, porém o
regramento e adesão dos profissionais foi regulado no Edital n. 1, de 9 de janeiro de
2012, e o início das atividades, em março de 2012. Para explanar sobre o Programa,
será utilizado o termo edição 2012 para o PROVAB do ano de 2012 e assim
sucessivamente, já que houve mudança de regras ao longo do tempo.
Na primeira edição do Programa, em 2012, participaram 381 médicos,
1073 enfermeiros e 313 dentistas. A Supervisão presencial foi garantida apenas
para os profissionais médicos, enquanto os enfermeiros e dentistas ficaram com o
acompanhamento pela tutoria do curso de Especialização. Este, por sua vez, foi
ofertada nesta edição do Programa, porém não tinha caráter obrigatório57.
No primeiro ano do PROVAB, houve baixa adesão de profissionais,
principalmente médicos. Um fator determinante para a dificuldade da implementação
e efetivação do Programa foi a contratação dos profissionais pela secretaria
municipal de saúde dos municípios. Este fato trouxe muita instabilidade no vínculo
dos profissionais, principalmente para enfermeiros e dentistas que apresentam alta
oferta no mercado, o que resultou em dispensa desses profissionais57. Outra
questão relevante para a instabilidade dos profissionais nos municípios foi a
implementação do Programa em ano de eleição municipal, o que acarretou em
vulnerabilidade dos profissionais por pressão política como também dispensa das
atividades na ESF quando a gestão da situação perdia a eleição, fato ainda
corriqueiro no país.
Entretanto, para sanar o problema das contratações, o MS instituiu bolsa
federal no valor de R$ 2.384,82, na modalidade trabalhador-estudante, por meio do
Edital n. 7/SGTES/MS, de 26 de abril de 2012, para os não contratados pelos
municípios, com a condição de eles se inserirem no Curso de Especialização em
Atenção Básica pelo Sistema UNA-SUS, que até aquele momento não tinha caráter
60
obrigatório. Esta bolsa compõe o Programa de Bolsas pelo Trabalho previsto na Lei
n. 11.129, atualmente modificada pela Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 201157.
Também contribuíram para a instabilidade do PROVAB o
desconhecimento, por parte dos gestores municipais, das regras e
responsabilidades acerca do Programa, gerando insegurança nos profissionais.
Além disso, condições inadequadas de trabalho e dificuldade de comunicação entre
gestão federal, municipal e profissionais interferiram na adesão e permanência
desses no Programa57.
Com a intenção de superar as dificuldades da implementação e corrigir a
trajetória do Programa, a edição 2013 apresentou diversas modificações. A
implementação é um momento fundamental no ciclo de política pública, novas
formulações podem ser necessárias e realizadas, isso porque a política está sujeita
a fatores diversos.
Novos pactos e desenhos foram necessários, uma vez que novos atores,
muitas vezes não participantes do pacto inicial de formulação, foram na ocasião da
implementação os principais agentes de transformação da política, a exemplo dos
profissionais do Programa e as equipes de saúde da família nas quais foram
inseridos14.
É importante ressaltar que, a partir deste momento, algumas colocações
serão relatadas a partir da experiência da pesquisadora como gestora do Programa.
Em 2013, a pesquisadora se incorporou à equipe de gestão do PROVAB no
Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) da Secretaria de Gestão
do Trabalho e da Educação na Saúde do MS. Trazer esta experiência é
indispensável, já que vários processos que são decisivos para implementação e
reformulação da política ficam no plano interno da gestão e não são divulgados em
textos oficiais, embora carreguem elementos fundamentais para o entendimento das
disputas políticas, escolhas do governo e desenho final da Política Pública.
As mudanças no PROVAB para a edição 2013 aconteceram tanto no
campo do desenho da política como no âmbito da gestão. O programa era de
responsabilidade do DEGES, composto por uma coordenação geral e 8
colaboradores. Com as dificuldades na implementação e acompanhamento da
inserção dos profissionais no território dado a extensão continental do país, a
diversidade regional, bem como o caráter do programa em locais de difícil acesso,
61
era imperativo que o processo de gestão fosse próximo ao território e às suas
realidades, o que configurava um grande desafio.
No âmbito da gestão, ampliou-se a equipe para aproximadamente 48
colaboradores (entre bolsistas, concursados e gestores com cargo público) e 7
consultores*, com a gestão dividida em: coordenação geral, responsável por
representar o PROVAB nos diversos espaços de gestão interna no MS,
representação e articulação externa, como também integração entre as
coordenações; coordenação pedagógica, responsável pelo acompanhamento das
ofertas educacionais; coordenação de articulação institucional, responsável pela
articulação com os diversos atores e instituições e também acompanhamento da
gestão descentralizada; e coordenação logística, responsável pelo planejamento e
gestão dos insumos necessários e estratégicos para o Programa. O número de
componentes da equipe era tão elevado que não havia espaço no prédio do MS na
esplanada dos Ministérios, portanto foi articulada uma sala na FIOCRUZ que
comportasse toda a equipe de gestão do programa.
No sentido de se aproximar do território, é essencial destacar o papel da
coordenação de articulação institucional. Esta funcionava com referências
descentralizadas, bolsistas vinculados ao MS que estavam nos Estados
responsáveis por monitorar, acompanhar e avaliar a implementação do programa e
estabelecer o vínculo de comunicação do território com a gestão federal. Já as
referências centralizadas, que também eram bolsistas vinculados ao MS, ficavam em
Brasília monitorando e matriciando as atividades das referências descentralizadas
nos Estados.
Este processo foi imprescindível para a implementação das Comissões de
Coordenação Estadual do PROVAB. Estas foram instituídas pela Portaria n. 568, de
05 de abril de 2013, e são instâncias de coordenação, orientação e execução das
atividades necessárias à execução do PROVAB no âmbito de cada estado da
federação. A Comissão é composta por um representante do MS, que é a referência
descentralizada, representante da Secretaria Estadual de Saúde, representante do
COSEMS e representante das Instituições Supervisoras.
* Informação retirada no Relatório de Gestão do DEPREPS do ano de 2013 (arquivo pessoal da autora).
62
A Portaria n. 568 instituiu também incentivo financeiro de custeio e
execução das atividades das Comissões Estaduais, com repasse do recurso do
Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais de Saúde e do Distrito Federal,
o que representou investimento e priorização na descentralização da gestão do
programa.
Uma relevante contribuição da criação das Comissões foi agregar à
gestão do programa a esfera estadual, que não tinha papel definido até então na
política do PROVAB. As Comissões Estaduais, junto às Instituições Supervisoras,
respondem à necessidade de acompanhamento periódico das atividades dos
participantes do PROVAB nos municípios, ao fortalecimento dos espaços de gestão,
tornando-os tripartite, e à necessidade de ampliação da comunicação entre os
atores e da mediação de conflitos entre profissionais e gestores municipais.
No âmbito do desenho do PROVAB, houve mudanças estratégicas que
visaram fortalecer os objetivos do Programa e são fruto da análise realizada pelo
conjunto dos participantes a partir da experiência da primeira edição.
Para superar as dificuldades da contratação pelos municípios e diminuir a
vulnerabilidade do vínculo dos profissionais, o MS passou a pagar bolsa no valor de
R$ 8.000 para os profissionais médicos na modalidade Educação para o Trabalho,
como define o art. 15 da Lei n. 11.129, de 30 de junho de 2005, na redação dada
pela Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 2011. Para fazer jus ao recebimento da
bolsa, o curso de especialização em Saúde da Família, ofertado pela rede UNA-
SUS, tornou-se obrigatório com avaliações mensais e definiu-se a caga horária
semanal de 32 horas de atividades na Unidade de Saúde e 8 horas dedicadas às
atividades teóricas do curso de especialização.
O Edital n. 3, de janeiro de 2013, garantiu a adesão apenas para os
médicos. A dificuldade na contratação dos enfermeiros e cirurgiões-dentistas pelos
municípios pela realidade do mercado de alta oferta, o que diverge da categoria
médica, resultou em dispensa desses profissionais por parte dos municípios, o que
acarretou na não convocação e reavaliação dessas categorias profissionais no
PROVAB.
Entretanto, após análise da SGTES e do Departamento de Atenção
Básica (DAB), e também com a pressão das entidades representativas da
enfermagem e odontologia, foi repensada a inserção dessas categorias profissionais
63
no programa. Desta forma, o foco no PROVAB para enfermeiros e dentistas seria no
Programa Saúde na Escola (PSE) e no Programa Brasil Sorridente,
respectivamente.
O PSE constitui estratégia para a integração e a articulação permanente
entre a educação e a saúde, com a participação da comunidade escolar, das
equipes de saúde da família e da educação básica e vem contribuir para o
fortalecimento de ações voltadas ao desenvolvimento integral e ao enfrentamento
das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças,
adolescentes e jovens brasileiros58. A partir de 2013, houve a universalização do
PSE, tornando importante a inserção do enfermeiro do PROVAB no grupo de
trabalho municipal do PSE para o fortalecimento do programa e formação do
profissional.
Já o Brasil Sorridente consiste na reorganização da atenção em saúde
bucal em todos os níveis de atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo de
reorientação do modelo, portanto reúne uma série de ações para ampliação do
acesso ao tratamento odontológico gratuito que visam garantir ações de promoção,
prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, fundamental para a saúde
geral e qualidade de vida da população59. Desta maneira, os cirurgiões-dentistas do
PROVAB inseriram-se nas equipes de saúde da família com foco no Brasil
Sorridente.
Para enfermeiros e cirurgiões-dentistas, o curso de especialização tornou-
se obrigatório e a vinculação também era direta com o MS com pagamento de bolsa
na modalidade Educação para o Trabalho, entretanto no valor de R$ 2.384,82, sem
isonomia com a categoria médica. Além de o valor da bolsa ser praticamente um
quarto do oferecido aos médicos, também foram ofertadas vagas limitadas e em
número inferior para a participação no programa, 1.000 para enfermeiros e 590 para
cirurgiões-dentistas.
Os enfermeiros e cirurgiões-dentistas continuaram sem receber o
acompanhamento pelas Instituições Supervisoras. Para esses profissionais, era
garantida a supervisão dos tutores do curso de especialização e também da gestão
local do PSE e do Brasil Sorridente.
64
Estas diferenças no programa entre as categorias profissionais
respondem e reforçam as características do mercado, competitivo e encharcado
para os enfermeiros e dentistas, e aquecido e predatório para a categoria médica.
Os relatos de duplicidade de profissionais nas Unidades de Saúde e de
desvio de função persistiram. Sem a supervisão presencial, que poderia sanar o
problema ou matriciar o processo, toma-se a posição política de não haver mais
PROVAB para enfermeiros e odontólogos. Logo, o PROVAB teve edição para
enfermeiros e dentistas até o ano de 2014.
Desta forma, perde-se a oportunidade de ampliar o conceito de cuidado e
de incentivar o trabalho e a formação multiprofissional. Como apresenta Feuerwerker
em seu artigo que analisa o PROVAB60:
…a escassez de médicos pode ser uma boa oportunidade para se reinventarem as equipes e o trabalho interprofissional no SUS e para se reavaliar o que podem fazer as equipes em seus encontros com os usuários, no sentido da escuta, da desbiologização do viver, da produção mútua e do enriquecimento das existências. Oportunidade para desmanchar o critério médico-centrado para a legitimação de equipes!
Ainda em 2013, houve aumento do valor da bolsa para a categoria
médica de R$ 8.000 para R$ 10.000. O objetivo foi equiparar a bolsa do PROVAB ao
valor pago no Programa Mais Médicos, recém-lançado pela Medida Provisória n.
621, de 08 de julho de 2013. O objetivo da equiparação era não haver competição
entre programas de provimento do próprio governo como também tornar o PROVAB
cada vez mais atrativo para os médicos brasileiros.
O Programa Mais Médicos (PMM) foi lançado em julho de 2013, tendo
como objetivos fundamentais diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias
para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde e
aprimorar a formação médica no país. O PMM é constituído por três grandes eixos:
Provimento Emergencial, Infraestrutura e Formação Médica, o programa será mais
detalhado no item subsequente.
Deve-se, ainda, destacar o eixo Provimento Emergencial, chamado de
Projeto Mais Médicos para o Brasil. Este eixo consiste em recrutar médicos a atuar
na Atenção Básica por meio de editais com vagas disponibilizadas para médicos
brasileiros graduados no Brasil, posteriormente para médicos brasileiros formados
65
no exterior e estrangeiros e, se ainda houver vazio assistencial, convoca-se médicos
cubanos por cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
O formato do Projeto Mais Médicos para o Brasil consiste na oferta de
curso obrigatório de especialização em Saúde da Família, vinculado a bolsa-
formação paga pelo Ministério da Saúde no valor de R$ 10.000, exercício de
atividades assistenciais na Atenção Básica com carga horária semanal de 32 horas
nas Unidades de Saúde e 8 horas dedicadas às aulas teóricas do curso de
especialização e acompanhamento por supervisores médicos de Instituições de
Ensino do próprio Estado de exercício das atividades.
Dessa maneira, a estrutura do Projeto Mais Médicos para o Brasil é
praticamente a mesma do PROVAB. As dificuldades de implementação e as
mudanças estratégicas que aconteceram no PROVAB foram fundamentais para as
mediações necessárias com os diversos atores políticos, como também para a
superação das dificuldades enfrentadas pela diversidade de cenário da Atenção
Básica em um país com as características do Brasil.
É no momento da implementação que se descobre a real potencialidade
de uma política, quem são os atores que a apoiam, o que cada um dos grupos
disputa e seus interesses. Tem início um novo processo decisório, uma nova
formulação da política, agora voltada para sua aplicabilidade mais concreta14.
Logo, houve, por parte da gestão do PROVAB, precisão no diagnóstico
das dificuldades, articulações com atores políticos estratégicos e velocidade nas
mudanças necessárias para reorientação do programa, tornando-o possível e
efetivo. Por conseguinte, o PROVAB amparou a implementação de uma política da
envergadura do Programa Mais Médicos, em particular do Projeto Mais Médicos
para o Brasil, por ter calibrado as resistências políticas e ter testado o desenho
efetivo do programa a ser implementado.
5.2.3. Movimento de Prefeitos – Cadê o Médico?
O movimento Cadê o Médico? consistiu na mobilização, organizada pela
Frente Nacional de Prefeitos (FNP), dos prefeitos e de secretários municipais de
saúde, com o objetivo de dar visibilidade à dificuldade das gestões municipais de
prover médicos nas cidades, principalmente na Estratégia de Saúde da Família.
66
Além disso, o movimento tinha por objetivo pressionar e sensibilizar o governo
federal a formular medidas de enfretamento da escassez de médicos nos municípios
brasileiros.
A Frente Nacional de Prefeitos é uma entidade nacional, de direito
privado, natureza civil e sem fins lucrativos, municipalista, dirigida exclusivamente
por prefeitas e prefeitos em exercício dos seus mandatos. Sua articulação se iniciou
em 1989 por Luiza Erundina, então prefeita da cidade de São Paulo, porém a
institucionalização aconteceu apenas dez anos depois, em 1999. A FNP tem por
objetivo atuar estrategicamente nas questões municipalistas em debate no Governo
Federal, no Congresso Nacional e no Poder Judiciário, para, desta maneira, zelar
pelo princípio constitucional da autonomia dos municípios no pacto federativo61.
O movimento Cadê o Médico? tinha como principal reivindicação a
contratação imediata de mais médicos para a saúde pública brasileira e colocava
como proposta para o governo federal a contratação de médicos formados em
outros países. Apesar de o Movimento ressalvar que era favorável ao
estabelecimento de critérios rigorosos para a vinda desses médicos, como, por
exemplo, trabalhar na área da Atenção Básica e fixação em áreas com maior
carência de profissionais.
A FNP realizou mobilização intensiva com publicação de blog
específico para o movimento, que divulgava informações, notícias e pesquisas sobre
o tema da escassez de médicos nos municípios como também criação de logomarca
de identificação do movimento, conforme a ilustração 4:
Ilustração 4 - Logomarca do Movimento Cadê o Médico? Fonte: FNP62
Foi realizada mobilização pela FNP durante o Encontro Nacional com
Novos Prefeitos e Prefeitas, que aconteceu em Brasília entre 28 e 30 de janeiro de
2013, sendo coletada, em apenas três dias de evento, mais de 4600 assinaturas
67
para um abaixo assinado que foi entregue ao Ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
no final do evento, com a reivindicação de contratação imediata de médicos para o
SUS. Além disso, a FNP lançou também petição pública com o objetivo de ampliar a
participação do público geral, para ser entregue à Presidência da República com a
reivindicação de contratação imediata de médicos formados fora do país.
Como resposta, a presidenta Dilma Rousself, em seu discurso no
Encontro de Prefeitos, enfatizou o desafio de garantir o atendimento digno à saúde
para todos os brasileiros. Entretanto, a presidenta enfatizou que esse desafio era de
todos, União, Estado e municípios e que o seu governo assegurava o diálogo sobre
a questão complexa da oferta e fixação de médicos no interior do país e nas
periferias das grandes capitas62.
Com a municipalização do SUS, viabilizada a partir da NOB-96, e a
promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000, que estabeleceu
limites legais para despesas com recursos humanos, os municípios apresentaram
cada vez mais dificuldade de prover profissional médico na rede municipal, em
especial na Atenção Básica. O movimento Cadê o Médico? reflete as dificuldades
encontradas, uma vez que reivindica contratação de médicos de forma direta pelo
Ministério da Saúde. Esse, por sua vez, lançava, à época da reivindicação dos
prefeitos, bolsa federal para médicos do PROVAB, como explanado anteriormente, o
que serviu como ensaio para a formulação de programa que atendia a reivindicação
dos prefeitos, O Programa Mais Médicos.
Então, o movimento exerceu pressão política no governo federal,
mantendo o tema da escassez de médicos na arena política. Ademais, o movimento
contribuiu para dar respaldo ao governo federal para lançar um programa robusto
como o Programa Mais Médicos, que propunha o exercício na Atenção Básica
também de médicos formados no exterior, além de médicos brasileiros, tema este
que enfrentou grande resistência das entidades médicas.
As ilusrtações abaixo exemplificam a forte campanha organizada pela
FNP para mobilizar os prefeitos (ilustração 5) e a população geral (ilustração 6):
68
Ilustração 5 - Publicidade do Movimento Cadê o Médico? Fonte: NFP62
Ilustração 6 - Divulgação da Petição do Movimento Cadê o Médico? Fonte: FPN62
5.2.4 Manifestações de Junho de 2013
Em junho de 2013, o Brasil vivenciou uma série de protestos por todo o
país. As manifestações tiveram início em São Paulo, contra o aumento do valor em
vinte centavos das passagens do transporte público. Inicialmente organizadas pelo
Movimento Passe Livre (MPL), e por sua característica de mobilização, as
manifestações tomaram as ruas de forma direta e descentralizada, com radicalidade
nas ações e foco nos aumentos tarifários67.
Após forte repressão policial, que atacou manifestantes e jornalistas com
violência em São Paulo no dia 13 de junho, o movimento atraiu atenção e
solidariedade do grande público67.
Com a reivindicação do transporte como direito, que se estende aos
demais por garantir acesso aos serviços públicos, o movimento contra o aumento
das tarifas foi vitorioso, pois o aumento foi revogado em mais de cem cidades do
país62. Entretanto, os protestos continuaram e não mais respondiam à organização
69
do MPL. Várias manifestações começaram a acontecer por todo o país, embora com
características difusas, sem liderança e sem bandeira determinada.
Os protestos mobilizaram milhões de pessoas, por mais de 350
municípios do Brasil. André Singer64, após avaliar as pesquisas que buscaram
caracterizar o perfil dos manifestantes, os sintetizou em dois blocos relativamente
equivalentes, um formado por jovens e adultos jovens de classe média e outro
pertencente à metade inferior da estrutura social, por ter menor escolaridade média,
porém com a mesma faixa etária64.
Segundo o mesmo autor, a mudança ideológica e a fragmentação da
pauta de reivindicações refletem tanto os anseios de uma classe média tradicional
inconformada com diferentes aspectos da realidade nacional quanto do novo
proletariado, trabalhadores, geralmente jovens, que conseguiram emprego com
carteira assinada na década lulista* (2003-‐2013), mas que padecem com baixa
remuneração, alta rotatividade e más condições de trabalho64.
Outras pautas, como o rechaço à classe política e à corrupção, críticas ao
gasto público com grandes eventos internacionais como a Copa do mundo e as
Olimpíadas e a demanda por melhores serviços públicos se somaram à
reivindicação por redução das tarifas de transporte. Uma pesquisa nacional com
mais de 1000 entrevistados realizada pela Confederação Nacional da Indústria, junto
com o IBOPE, demostrou que 77% dos entrevistados mencionaram a melhoria do
transporte público como principal razão dos protestos. Entretanto, quando
questionados acerca dos três maiores problemas do Brasil, a saúde foi a mais citada
(78%), seguida pela segurança pública (55%) e pela educação (52%)66,67.
A diversidade social dos protestos refletiu na heterogeneidade das
reivindicações no sentido ideológico, que variou do socialismo ao fascismo,
passando pelo reformismo e liberalismo64. Entretanto, duas bandeiras estavam
sempre presentes: saúde e educação públicas e de qualidade. Mesmo ao considerar
as reivindicações justas, uma questão observada nas manifestações era a escassez
de propostas para combatê-las. Sabia-se o que estava incomodando e que os
* O lulismo é um fenômeno político denominado pelo cientista político André Singer. Segundo o autor, o lulismo se constitui uma rearticulação ideológica com grande pacto social conservador, que combina a manutenção da política econômica liberal com fortes políticas distributivistas. Portanto constrói agenda da redução da pobreza e da desigualdade, mas sob a égide de um reformismo fraco65.
70
problemas deveriam ser resolvidos pelo Governo, todavia os manifestantes não
conseguiram articular propostas para resolvê-los e, portanto, não exigiam
claramente políticas públicas que garantissem cidadania68.
Em resposta, representantes do Governo deram declarações. A ministra
da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, relatou que “a presidenta
Dilma Rousseff considera que as manifestações pacíficas são legítimas e próprias
da democracia e que é próprio dos jovens se manifestarem”, enquanto o ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relata preocupação do governo
com os protestos em entender os anseios e disponibilidade ao diálogo com os
movimentos69.
Entretanto, as respostas ainda eram vagas, o que demonstrava a
tentativa do governo de entender as reivindicações para tomar posicionamento
político. Então, no dia 21 de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff faz
pronunciamento em rede nacional para abordar as manifestações e a Copa do
Mundo. O pronunciamento foi enfático na questão do combate à violência e da
manutenção da ordem nas manifestações, como demonstra esta passagem: “eu
tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os
segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a
democracia”70.
Ainda no pronunciamento, a presidenta aborda o entendimento do
Governo acerca das reivindicações das ruas, o combate à corrupção e de desvio de
recursos públicos e a exigência de serviços públicos de mais qualidade: escolas,
atendimento de saúde, transporte público e segurança. A presidenta anuncia a
intenção na construção da reforma política ampla e profunda para ampliar a
participação popular. A presidenta Dilma Rousseff anuncia, também, as propostas
do Governo para atender as reivindicações das manifestações, Plano Nacional de
Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte público, destinação de cem por cento
dos recursos do petróleo para a educação e trazer de imediato milhares de médicos
do exterior para ampliar o atendimento do SUS70.
O pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff aconteceu no dia 21 de
junho às 21 horas; no dia seguinte, a equipe da Secretaria de Gestão do Trabalho e
da Educação na Saúde da qual a pesquisadora fazia parte recebe comunicado para
ficar de sobreaviso porque o Ministro Alexandre Padilha estava em reunião no
71
Palácio do Planalto para discutir as propostas da saúde. Então, foi convocada
reunião com a equipe da SGTES para o dia seguinte. No dia 23 de junho, em um
domingo pela manhã, aconteceu reunião, no Ministério da Saúde, na qual a equipe
foi comunicada e convocada para o lançamento do Programa Mais Médicos. Na
reunião, foi discutida a conjuntura política do Brasil, o cenário da saúde e definido o
processo de trabalho para as próximas semanas para garantir a formulação de todo
o aparato burocrático para lançamento do PMM.
No dia 24 de junho de 2013, Dilma Rousseff se reuniu com prefeitos e
governadores para debater a situação política e as manifestações no país com
objetivo de buscar apoio e formulações de resposta aos protestos. Na reunião,
estavam presentes 26 prefeitos e 27 governadores71.
A presidenta propôs cinco pactos como resposta do Governo à sociedade
brasileira. O primeiro pacto é pela responsabilidade fiscal para garantir o controle da
inflação e a estabilidade da economia. O segundo pacto é pela reforma política, com
objetivo de ampliar a participação social e de garantir a cidadania através da
convocação de plebiscito popular que autorize a Constituinte exclusiva para a
reforma política.
O terceiro pacto é pela saúde: a presidenta propôs aumentar
investimentos em UPAs, hospitais e unidades básicas de saúde, além de ampliar a
troca de dívidas dos hospitais filantrópicos por atendimento. Além da melhoria da
estrutura física, foi apresentada a ampliação de vagas nos cursos de medicina e da
residência médica. Neste pacto, também foi proposta a contratação de médicos
estrangeiros para trabalhar exclusivamente no SUS, onde não houver
disponibilidade de médicos brasileiros.
Em relação a essa última proposta, ciente da resistência das entidades
médicas, a presidenta já adiantava que haveria um “bom debate democrático” e que
não se trata de medida desrespeitosa aos médicos brasileiros. Ressalta que a
proposta é emergencial, haja vista os vazios assistenciais, principalmente em áreas
remotas e periferias de grandes cidades.
O quarto pacto referia-se ao transporte público, com proposta de
implementação de metrôs, veículos leves sobre trilhos (VLTs) e corredores de
ônibus, com o objetivo de garantir acessibilidade e qualidade nos serviços. O quinto
pacto referia-se à educação pública e abordava educação em tempo integral, ensino
72
técnico profissionalizante, universidade de excelência, e investimentos em pesquisa,
ciência e inovação. Entretanto, a proposta concreta apresentava a destinação de
100% dos royalties do petróleo* e 50% dos recursos do pré-sal, a serem recebidos
pelas prefeituras, pelo governo federal, para serem investidos na educação.
No dia 26 de junho de 2013, as entidades médicas, em resposta às
propostas formuladas pelo governo no campo da saúde, publicaram a “carta das
entidades médicas aos brasileiros”. A carta trazia duras críticas, classificava as
medidas do governo como paliativas, inócuas ou de resultado duvidoso e dizia que
não respondiam à expectativa real da população, que consistia em acesso a
serviços de saúde bem estruturados com equipes bem preparadas. Além disso,
definia como irresponsável a vinda de médicos estrangeiros por meio de Programa
Federal sem aprovação prévia no Revalida e a abertura de novas escolas médicas.
As entidades médicas criticaram também a forma de contratação dos
médicos, que era por meio de bolsa federal, por não apresentar garantias
trabalhistas claras e por não solucionar a questão dos contratos precários. Como
contraproposta, as entidades defenderam a carreira de Estado com condições
adequadas para exercer a profissão e estímulo profissional para a migração e
fixação no interior e periferias das grandes cidades. A carta ainda anunciava que
haveria questionamento jurídico das propostas do governo, o que aconteceu,
posteriormente, com o Mandado de Segurança n. 32238, no Supremo Tribunal
Federal (STF), formulado pela Associação Médica Brasileira (AMB) impetrado contra
ato da presidenta da República, Dilma Rousseff, que institui o Programa Mais
Médicos.
A análise das manifestações a partir do Programa Mais Médicos,
demonstra que este momento político representou uma dupla janela de oportunidade
política para o Governo. Primeiramente, existia um problema, o de escassez de
médicos no SUS, que já estava na agenda prioritária do Governo com discussão de
estratégias com atores políticos envolvidos e formulação de estratégias para seu
enfrentamento desde do início do governo em 2011, inclusive com estratégias em
processo de reformulação como o PROVAB. Logo, o Governo tinha um Programa
elaborado para apresentar, com celeridade, como resposta aos anseios das
* Compensação financeira paga ao Governo (no caso do Brasil) por empresas, nacionais ou estrangeiras, que realizam a extração de petróleo.
73
reivindicações no âmbito da saúde. Somado a isso, as manifestações também
cumpriram o papel de dar respaldo ao Governo de lançar um Programa de grande
impacto assistencial, garantindo saúde em regiões que nunca tiveram assistência
médica, porém com proposta sensível a conjuntura no campo da saúde, como a
importação de médicos, contribuindo com o enfretamento das resistências,
principalmente das entidades médicas.
Dessa forma, o Programa Mais Médicos foi lançado por meio da Medida
Provisória n. 621, em evento no Palácio do Planalto, no dia 08 de julho de 2013. O
processo de formulação do Programa, assim como seu desenho e resistências, será
pormenorizado no item subsequente.
5.3. Contextualização e Formulação da Política do Programa Mais Médicos
Nesta seção, será abordado o processo de formulação do Programa Mais
Médicos. Esta fase compreende a decisão política e sua formalização por meio de
norma jurídico-administrativa.
A formulação é, no ciclo político, o momento em que, dentro do governo,
se desenvolvem soluções para um dado problema e se desenham as metas a serem
atingidas, os recursos a serem utilizados e o horizonte temporal da intervenção.
Portanto, é uma fase importante porque se define o desenho da Política Pública com
princípios e diretrizes e, dessa forma, explicitam-se as escolhas políticas. Já essas
são influenciadas pelo contexto socioeconômico, político e cultural como também
são moldadas pelas regras instituicionais14.
O objetivo desta seção é abordar justamente o contexto político, as regras
institucionais, os marcos legislativos, os conflitos e as negociações que
influenciaram na formulação do Programa Mais Médicos. Para tanto, a seção foi
dividida em três partes. A primeira e a segunda tratam, respectivamente, da Medida
Provisória n. 621, que foi proposta pelo poder executivo, e da Lei n. 12.871 e tem o
objetivo de apresentar esses marcos legais para compreensão do desenho
formulado pelo governo e da proposta final aprovada pelo Congresso Nacional.
74
Após a compreensão de cada marco legal, a terceira parte da seção
analisa comparativamente a Medida Provisória n. 621 e a Lei n. 12.871 e faz
inferências acerca do processo de aprovação da também o processo de resistência
das entidades médicas por ter sido relevante no formato final da política pelos
embates ideológicos e judiciais e disputas pela opinião pública.
5.3.1. A proposta do Poder Executivo: Medida Provisória nº 621
O Programa Mais Médicos foi instituído em 8 de julho de 2013 pela
Medida Provisória n. 621 como resposta do governo federal às reivindicações de rua
acontecidas em junho de 2013, apesar de o tema já estar na agenda prioritária do
governo e discutido desde o início do mandato em 2011.
O PMM proposto pelo poder executivo tem como objetivos: diminuir a
carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as
desigualdades regionais; fortalecimento da Atenção Básica; aprimorar a formação
médica no país; aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde e
na organização e funcionamento do SUS; promover troca de experiência entre
médicos brasileiros e estrangeiros e estimular a pesquisa aplicada ao SUS. Para
alcançar tais objetivos, a Medida Provisória propôs: reordenação da oferta de cursos
de medicina e vagas para residência médica, estabelecimento de novos parâmetros
para a formação médica no País e promoção de a atuação de médicos na Atenção
Básica, nas regiões prioritárias do SUS, inclusive por meio de intercâmbio
internacional48.
A Medida Provisória (MP) foi composta por 3 eixos: autorização para
funcionamento de cursos de medicina, formação médica no Brasil e Projeto Mais
Médicos para o Brasil.
A autorização para o funcionamento de cursos de medicina referia-se
apenas às Instituições de Educação Superior Privadas. A principal mudança foi o
processo de autorização passar a ser por edital de chamamento público.
Primeiramente, realiza-se seleção de municípios, por edital nacional, que
apresentem necessidade social e relevância para oferta de curso de medicina e
também que possuam em sua rede municipal serviços de saúde adequados com
exigência mínima de ações e programas na Atenção Básica, urgência e emergência,
75
atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em
saúde.
Após seleção dos municípios, procede-se ao chamamento público de
propostas, das Instituições de Educação Superior Privada especializada em cursos
de saúde, para autorização de funcionamento de curso de medicina. As propostas
vencedoras passariam por procedimentos avaliativos necessários ao
acompanhamento e monitoramento do curso.
A proposta para a educação médica referia-se a dividir a formação em
dois ciclos distintos e complementares. As alterações entrariam em vigor apenas
para ingressantes no curso de medicina a partir de janeiro de 2015. O primeiro ciclo
seria composto pelo curso formal de seis anos no formato já garantido pelas
diretrizes curriculares nacionais em vigência. Após o término do primeiro ciclo, o
estudante de medicina seria certificado pela instituição de ensino superior e seria
concedida permissão para o exercício profissional de medicina apenas para as
atividades do segundo ciclo de formação.
O segundo ciclo seria o treinamento em serviço, exclusivamente na
Atenção Básica no âmbito do SUS. Este ciclo integraria grade curricular obrigatória
do curso de graduação em medicina, inscrito no histórico escolar do estudante, com
duração mínima de 2 anos. Era preconizada supervisão técnica das atividades por
médicos com título de pós-graduação. O segundo ciclo não dispensaria o internato
desenvolvido nos dois últimos anos do primeiro ciclo.
Durante a realização do segundo ciclo, os estudantes de medicina
receberiam bolsa federal pelo Ministério da Saúde. O diploma de médico e o número
do CRM, que garante o exercício definitivo da profissão, somente seriam expedidos
após aprovação no segundo ciclo.
Em relação ao provimento de médicos, a MP instituiu o Projeto Mais
Médicos para o Brasil, que consistia em atividades de integração ensino-serviço na
Atenção Básica em áreas prioritárias no SUS. As vagas disponíveis neste nível de
Atenção seriam oferecidas por meio de edital de adesão com ordem de prioridade
para médicos formados no Brasil e, posteriormente, para brasileiros formados no
exterior. No caso de as vagas não serem preenchidas, seriam oferecidas a médicos
estrangeiros formados no exterior; previa-se, inclusive, cooperação internacional.
76
O Projeto Mais Médicos para o Brasil previa que as atividades
assistenciais seriam desenvolvidas sob supervisão médica de Instituições de Ensino,
como também aperfeiçoamento mediante oferta de curso de especialização. O
Projeto teria duração de três anos, podendo ser prorrogável por igual período.
Existiam peculiaridades para os médicos formados no exterior, chamados
pelo Projeto de médicos intercambistas. Para esses, o exercício da medicina era
exclusivo no âmbito das atividades do Projeto Mais Médicos para o Brasil e para tal
fim a revalidação do diploma estava dispensada. Para os médicos intercambistas,
seria emitido, pelo Conselho Regional de Medicina, registro provisório e que teria
validade restrita à permanência do médico intercambista no Projeto.
A Medida Provisória previa também concessão de bolsa para médicos
preceptores que desenvolvessem atividades de formação para cursos de graduação
e residência médica ofertados pelas instituições federais de educação superior ou
pelo Ministério da Saúde. Além disso, previa contratação de professor temporário
para as instituições de ensino federais para suprir demandas decorrentes de
programas e projetos de aperfeiçoamento de médicos na área de Atenção Básica
em regiões prioritárias para o SUS.
5.3.2. A proposta do Poder Legislativo: Lei nº 12.871
A Lei n. 12.871 foi homologada em outubro de 2013 e instituiu
definitivamente o Programa Mais Médicos. O desenho final da política se mantém
substancialmente em relação à autorização para o funcionamento de cursos de
medicina e ao Projeto Mais Médicos para o Brasil. Entretanto, houve mudança
radical no que se refere à formação médica. Para melhor compreensão da política,
serão focadas, aqui, as mudanças ocorridas no Programa após aprovação no
Congresso Nacional.
Em relação à autorização para funcionamento de cursos de medicina, foi
instituído que, além de Instituições de Ensino, unidades hospitalares podem abrir
cursos de graduação de medicina desde que possuam certificação como hospitais
de ensino, residência médica em no mínimo dez especialidades e mantenham
processo permanente de avaliação e certificação da qualidade de seus serviços1.
77
Para a autorização e renovação de autorização de cursos de medicina,
foram acrescentados critérios de qualidade para as Instituições de Ensino no
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES): exigência de
infraestrutura adequada, acesso a serviços de saúde, clínicas ou hospitais com as
especialidades básicas indispensáveis à formação dos alunos e metas para corpo
docente em tempo integral, para titulação acadêmica de mestrado e doutorado e
para a capacidade de desenvolvimento de pesquisa e produção acadêmica.
Foram acrescentados também critérios em relação aos municípios onde
os cursos de medicina serão ofertados. Será considerado para o município e região
a relação do número de habitantes por médicos, a rede de cursos de graduação na
área da saúde e programas de extensão que atendam à população em
vulnerabilidade.
A grande mudança no desenho da política foi no capítulo Formação
Médica no Brasil. O segundo ciclo que acrescentava mais dois anos na formação do
médico para o exercício pleno da profissão, em atividades na Atenção Básica, gerou
forte resistência das entidades médicas, como também das instituições e entidades
de educação médica. Esta proposta, neste formato, não foi apresentada nem
debatida nos espaços de discussão sobre provimento e formação de profissionais de
saúde para o SUS e foi questionada até pelos setores mais progressistas dentro da
educação médica, principalmente pela terminalidade da formação do médico na
graduação de seis anos.
Diante deste cenário, a proposta do segundo ciclo foi reconsiderada e a
Lei n. 12.871 instituiu alterações importantes para a graduação, residência médica e
implementou o Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES).
Para a graduação de medicina, foi instituída a obrigatoriedade de no
mínimo 30% da carga horária das atividades do internato serem desenvolvidas na
Atenção Básica e em serviços de urgência e emergência do SUS. Foi instituída
também avaliação, a cada dois anos, dos cursos de graduação de medicina com o
objetivo de avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes. Para estas alterações na
graduação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) teve prazo de 180 dias para
apresentar a resolução com as adequações necessárias às diretrizes curriculares
nacionais da graduação de medicina1.
78
Em relação à residência médica, foi instituído que as vagas de acesso
direto*, anualmente, devem ser equivalentes ao número de egressos de cursos de
medicina do ano anterior, isso significa universalização das vagas de residência que
deve ser implementada, gradualmente, até dezembro de 2018. Para tanto, o aporte
nas vagas se dará a partir do incremento dos Programas de Residência Médica em
Medicina Geral de Família e Comunidade (PRMGFC), com vagas complementares
nas seguintes especialidades: genética médica, medicina do tráfego, medicina do
trabalho, medicina esportiva, medicina física e reabilitação, medicina legal, medicina
nuclear, patologia e radioterapia1.
Foi estabelecido, também, que o primeiro ano do Programa de Residência
em Medicina Geral de Família e Comunidade será obrigatório para o ingresso nas
seguintes especialidades: clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia
geral e psiquiatria. E, para as demais especialidades, será obrigatório um ou dois
anos na medicina geral de família e comunidade, a ser regulamentado pela
Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
Isso torna o PRMGFC especialidade raiz e a formação na Atenção Básica
comum a todos os médicos, independente da especialidade, o que contribui para a
quebra de paradigma do cuidado fragmentado, uma vez que está previsto no
currículo do PRMGFC contemplar especificidades do SUS, como a atuação nas
áreas de urgência e emergência, atenção domiciliar, saúde mental, educação
popular em saúde, saúde coletiva e clínica geral integral em todos os ciclos de vida.
Além disso, a residência de medicina de família e comunidade passa a
ser coordenada pelo Ministério da Saúde, como também poderá receber
complementação financeira da bolsa-formação. Foi instituída, também, avaliação
anual específica para cada Programa de Residência Médica a ser implementada
pela CNRM.
A Lei n. 12.871 implementou o Contrato Organizativo da Ação Pública
Ensino-Saúde (COAPES), que objetiva reordenar a estrutura de serviços de saúde
como campo de prática suficiente e adequado para as atividades de integração
ensino-serviço. Para isso, o Contrato deve garantir acesso a todos os
estabelecimentos assistenciais sob a responsabilidade do gestor da área de saúde
* Refere-se às especialidades em que o médico pode se inscrever sem exigência de especialidade prévia.
79
como cenário de práticas para a formação no âmbito da graduação e da residência
médica e estabelecer responsabilidades e contrapartida entre os gestores do SUS e
as Instituições de Ensino1.
Em relação ao Projeto Mais Médicos para o Brasil, foi adicionado um
módulo inicial de acolhimento e avaliação com carga horária mínima de 160 horas.
O módulo abordará conteúdo relacionado a: legislação, funcionamento e atribuições
do SUS, notadamente da Atenção Básica; protocolos clínicos de atendimentos
preconizados pelo Ministério da Saúde; língua portuguesa; e código de ética médica.
A participação do médico no Projeto está condicionada à aprovação no módulo1.
O período de participação do médico intercambista no Projeto continua
sendo de três anos, com a dispensa de revalidação do diploma e exercício da
profissão exclusivamente no âmbito do Projeto, porém tornou-se obrigatória a
revalidação do diploma para renovação das atividades no Projeto por mais três
anos.
O Ministério passa a emitir o número de registro único para o médico
intercambista participante do Projeto, o que o habilitará para o exercício da Medicina
no âmbito do Projeto, não sendo mais necessária a emissão pelo Conselho Regional
de Medicina. Entretanto, esse ainda é responsável pela fiscalização do exercício
profissional; para isso, o MS fica responsável de comunicar a lista de médicos
vinculados ao Projeto em cada Estado e seus respectivos números de registro. A
fiscalização do exercício da profissão é exclusiva do Conselho Regional de
Medicina. A atuação e a responsabilidade do supervisor e do tutor acadêmico, para
todos os efeitos de direito, são limitadas à atividade de supervisão acadêmica e
suporte pedagógico.
Foi acrescentada, também, na Lei n. 12.871, a regulamentação referente
ao PROVAB. Desta forma, instituiu-se que médicos que desenvolvessem pelo
menos um ano de atividades de aperfeiçoamento na Atenção Básica receberão
pontuação adicional de 10% (dez por cento) na nota de todas as fases ou da fase
única do processo de seleção pública dos Programas de Residência Médica. Dessa
maneira, fortaleceu o PROVAB, que até então era legislado apenas por portarias
ministeriais, arrefecendo as resistências a esse programa.
Também foi incluído na Lei que a atividade de preceptoria em serviços do
SUS integraria as diretrizes de avaliação na carreira docente das Instituições de
80
Ensino Federais, o que representa valorização e fortalecimento da integração
ensino-serviço. Ainda foi assegurada implementação de medidas para formação de
preceptores de residência médica.
Por fim, foi acrescido o limite de número de estrangeiros participantes no
PMM em no máximo 10% do número de médicos brasileiros com inscrição definitiva
nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Foi estabelecido, também, prazo de
cinco anos para adequação da infraestrutura e fornecimento de insumos de
qualidade nas unidades básicas de saúde do SUS. Além disso, foi assegurada a
representação judicial aos supervisores e tutores pela Advocacia Geral da União
(AGU), o que garantiu respaldo aos colaboradores do PMM.
5.3.3. Análise da trajetória de formulação do Programa Mais Médicos
Para melhor compreensão da trajetória de formulação do Programa Mais
Médicos, é importante o esclarecimento acerca dos processos legislativos previstos
no Estado Democrático Brasileiro. Para isso, faz-se necessária explanação do
processo de conversão de uma Medida Provisória em Lei.
A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 62, a Medida
Provisória (MPV) como instrumento que pode ser adotado pelo presidente da
República em casos de relevância e urgência, devendo ser submetida de imediato
ao Congresso Nacional. A Medida Provisória tem força de lei e tem vigência por
sessenta dias, prorrogáveis apenas uma vez por igual período72.
Ao chegar ao Congresso Nacional, é criada uma comissão mista, formada
por deputados e senadores, que é responsável por examinar a Medida Provisória e
emitir parecer. Em seguida, o texto segue para apreciação e votação no Plenário da
Câmara dos Deputados e, posteriormente, para votação no Plenário do Senado
Federal72.
As Medidas Provisórias, por possuírem força de lei, já passam a vigorar a
partir da data de publicação. Entretanto, perderão eficácia se não forem convertidas
em lei no prazo de sessenta dias ou de sua prorrogação, devendo o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas
decorrentes72.
A Medida Provisória passa a tramitar como Projeto de Lei de Conversão
(PLV) se o seu conteúdo for alterado durante tramitação no Congresso Nacional.
Após aprovação na Câmara e no Senado, a Medida Provisória é enviada à
81
Presidência da República para sanção. Caso discorde de alguma alteração realizada
no Congresso, a presidência poderá vetar o texto parcial ou integralmente. Então,
posterior à sanção presidencial, a Medida Provisória torna-se definitivamente Lei72.
No caso do Programa Mais Médicos, ao somar-se a dificuldade de
alocação de profissionais de saúde em áreas de maior vulnerabilidade social e
econômica às necessidades das populações que vivem nas capitais e regiões
metropolitanas, associadas às reivindicações das manifestações de rua de junho de
2013 e ao fato de que ações e serviços de saúde são de relevância pública, como
assegura o art. 197 da CF 198872, a presidenta Dilma Rousseff publica a Medida
Provisória n. 621, no dia 08 de julho de 2013, que instituiu o Programa Mais
Médicos. Foi instituída a comissão mista de deputados e senadores com o Deputado
Rogerio Carvalho (PT-SE) como relator. Após publicação da MPV, houve intensas
resistências e disputas, tornando a arena política complexa.
Como a Medida Provisória tem força de lei, o MS estava autorizado a
implementar o programa. Foram publicados, então, também no dia 08 de julho de
2013, a Portaria Insterministerial MS/MEC n. 1369, que dispõe especificamente
sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil, o Edital da SGTES n.
38, que dispõe sobre a adesão dos municípios, e o Edital da SGTES n. 39, que trata
da adesão dos médicos ao Projeto.
Ressalta-se que o PMM, por ter sido instituído por Medida Provisória,
apresentou processos de formulação entre poder executivo e legislativo
concomitante à implementação pelo executivo. Logo, entende-se que o estudo de
Políticas Públicas por ciclo político cumpre o papel didático-organizacional,
entretanto, nesta análise de trajetória, o processo não é linear e serão abordadas a
formulação e a implementação simultaneamente, para não incorrer em
fragmentação da análise14. Destaca-se que a própria implementação se configurou
como estratégia para as disputas na formulação e desenho final da política do
Programa.
Os marcos legislativos e administrativos da trajetória de formulação e
implementação entre a MPV e a Lei n. 12.871 centram no Projeto Mais Médicos para
o Brasil, por este ser o eixo emergencial do PMM. Entretanto, as disputas políticas
também aconteceram no campo da formação médica, tanto no âmbito da
82
graduação, principalmente relativo ao segundo ciclo, da formação de especialistas e
da centralidade na Atenção Básica.
A Portaria interministerial MS/MEC n. 1369, dispõe sobre a
implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB). O Projeto será
executado em cooperação entre os três níveis de governo, as instituições de
educação superior brasileiras, programas de residência médica, escolas de saúde
pública e outras entidades privadas e com instituições de educação superior
estrangeiras e organismos internacionais73.
A Portaria prevê seleção de médicos por meio de edital e de celebração
de instrumentos de cooperação com instituições de educação superior estrangeiras
e organismos internacionais. A ocupação das vagas segue a seguinte prioridade:
médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma
revalidado no país, médicos brasileiros formados em instituições de educação
superior estrangeiras com habilitação para exercício da medicina no exterior e
médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior73.
As vagas não preenchidas serão ocupadas por médicos a partir de
cooperação internacional. Tanto para médicos intercambistas como por cooperação,
a adesão ao Projeto está restrita a profissional habilitado para o exercício da
medicina em país que apresente relação estatística médico por mil habitante igual
ou superior a 1,8, conforme Estatística Mundial de Saúde da Organização Mundial
da Saúde. Esta exigência tem a finalidade de garantir o não agravamento do déficit
de profissionais médicos em países com situação mais grave do que a do Brasil e
para atender recomendações do Código Global de Práticas para Recrutamento
Internacional de Profissionais da Saúde da OMS73.
A Portaria instituiu ainda o valor da bolsa-formação de R$ 10.000 para o
médico participante do Projeto e, para garantir as atividades de supervisão às ações
de integração ensino-serviço, foi garantida também bolsa para médicos supervisores
e tutores nos valores de R$ 4.000 e R$ 5.000 respectivamente. Desta forma, estão
garantidas as atividades de supervisão que são complementares ao
aperfeiçoamento pelo curso de especialização em Saúde da Família. Como as
atividades desenvolvidas são de aperfeiçoamento e os participantes recebem bolsa-
formação, as atividades desempenhadas no âmbito do Projeto não criam vínculo
empregatício73.
83
O edital da SGTES n. 38 dispõe sobre a adesão do Distrito Federal e
municípios ao PMMB. Tanto a adesão de municípios como a de médicos cumpriam
ciclos por editais. Primeiro, publicava-se edital de municípios para adesão ao projeto,
por meio do qual o gestor municipal assinava termo de compromisso, assumindo
responsabilidade com as obrigações determinadas pelo projeto. Após a adesão dos
municípios, sabia-se a real necessidade de médicos na Atenção Básica.
Posteriormente à adesão dos municípios, as vagas são disponibilizadas para os
médicos por meio de edital de chamamento público. O edital da SGTES n. 39 dispõe
sobre a adesão de médicos no Projeto.
Nesse sentido, ao final do ano de 2013, o Projeto Mais Médicos para o
Brasil possuía 4.027 municípios aderidos ao Projeto, o que gerou demanda de
15.640 vagas solicitadas. O edital da SGTES n. 39 dispõe sobre a adesão de
médicos brasileiros e estrangeiros ao PMMB. Os editais eram publicados por ciclos
de acordo com o preenchimento das vagas. Nesse processo inicial de adesão,
18.450 médicos realizaram inscrição, destes 16.530 possuíam registro profissional
no Brasil e 1.920 tinham registro profissional em outros países (61 nacionalidades
diferentes). Do total de médicos com registro no Brasil, 8.307 cadastraram números
do registro em Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) inconsistentes e 1.270
médicos estavam inscritos em programas de residência médica, isso gerou a
necessidade de ampliação dos prazos previstos nos editais.
As inscrições maciças de médicos brasileiros, principalmente com dados
inconsistentes, reforçam a tese de boicote por parte da categoria médica. Desde o
lançamento do PMM e dos editais de adesão, mensagens em redes sociais
orientavam inscrição em massa e posterior desistência, com o objetivo de
sobrecarregar o sistema e atrasar o início das atividades do Projeto, como também
provar que não há déficit de médicos no Brasil.
O Ministério da Saúde solicitou à Polícia Federal (PF) investigação de
possíveis sabotagens. O CFM, por sua vez, afirmou desconhecer qualquer
movimentação contra o PMM, como também de não ter originado nenhum comando
em relação as inscrições do Projeto74 O Governo se posicionou de forma
contundente à possibilidade de boicote como demonstra as falas dos Ministros da
Secretaria de Relações Institucionais, da Saúde e da Justiça:
84
"Só poderemos lamentar se isso efetivamente estiver acontecendo porque seria uma forma de sabotagem ao direito legítimo da população de ter um atendimento médico garantido, de ter médico". Declaração da Ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais Ideli Salvatti75. “Se existem tentativas ilegais de boicotar programa do governo, seguramente a polícia agirá com rigor. O inquérito já foi aberto, já foi determinada a abertura. A Polícia Federal está fazendo investigações necessárias para que analisem esse processo”. Declaração do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo76. “Não queremos ninguém que esteja fazendo qualquer tipo de sabotagem para atrasar um programa que visa oferecer médicos para a população”. Declaração do Ministro da Saúde Alexandre Padilha75.
O MS mudou as regras de inscrição no edital, os médicos brasileiros
vinculados ao PROVAB ou a residência médica terão que apresentar documento
declarando o desligamento nesses programas para desenvolver as atividades no
PMMB; além disso, foi proibida por seis meses nova inscrição de médicos que
homologarem sua participação no Projeto e não comparecerem ao município para o
início das atividades.
Ao final do primeiro ciclo de adesão de municípios e de médicos, o PMM
apresentava uma demanda de 15.640 vagas na Atenção Básica em 4.027
municípios. Apesar de 18.450 médicos iniciarem o processo de inscrição, 16.530
com registro no Brasil e 1.920 com registro profissional no exterior, no final somente
1.096 brasileiros e 522 intercambistas iniciaram suas atividades nos municípios
brasileiros*.
Tendo em vista que o número de médicos homologados no PMMB
correspondia a apenas 10% da demanda dos municípios, o Ministério da Saúde
firmou com a OPAS o 3º Termo de Ajuste (TA) ao Termo de Cooperação Técnica
(TC) 80† para a atuação de médicos cubanos na atenção básica de municípios e
Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). O TA prevê a inserção de metas e
recursos para prover as ações de provimento de médicos cubanos, capacitação,
monitoramento, avaliação e registro dos resultados relacionados ao Projeto Mais
Médicos para o Brasil77.
* Por divergência encontrada nos números dos diversos documentos e também reportagens, a autora usou os dados do relatório de gestão do DEPREPS (arquivo pessoal). † Termo celebrado entre Ministério da Saúde e a Organização Pan-americana de Saúde com o objetivo de promover a cooperação técnica entre países Sul-Sul e assim viabilizar o “Programa de Cooperação Técnica da Organização Pan-americana da Saúde para a participação de médicos cubanos no Projeto Mais Médicos para o Brasil”77.
85
Inicialmente, chegaram ao Brasil 400 médicos cubanos com o começo
das atividades na Atenção Básica, após aprovação no Módulo de Acolhimento, em
16 de setembro de 2013. No decorrer no ano, demais ciclos foram lançados com o
objetivo de ocupar todas as vagas disponibilizadas para o Projeto. Dessa maneira,
no ano de 2013 chegaram mais 2.600, totalizando 3.000 médicos cubanos. A
chegada dos médicos cubanos foi acompanhada de intensa cobertura da mídia e
também muitos protestos da categoria médica.
As entidades médicas convocaram manifestações por todo o país. Após
reunião das entidades AMB, ANMR, CFM e FENAM, no dia 26 de junho de 2013, em
São Paulo, foi divulgada a Carta dos Médicos na Luta em Defesa da Saúde
Pública78. A carta convocava toda a categoria a realizar passeatas, protestos,
caminhadas, atos públicos e assembleias em todos os Estados, exigia a aprovação
urgente da PEC 454*, defendia a derrubada do Decreto Presidencial n. 7562†, se
posicionava contra a importação de médicos estrangeiros sem revalidação de seus
diplomas e declaravam o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como persona non
grata por adotar medidas eleitoreiras.
As mobilizações foram intensas por todo o Brasil. Entretanto, carregadas
de conteúdo xenófobo, racista e de interesse de classe, a exemplificar o caso de
médicos cubanos que foram vaiados e chamados de escravos no Ceará. Essa
postura nas manifestações incoerente com o discurso de defesa da Saúde Pública
foi decisiva para a opinião pública que cada vez mais era favorável ao PMM. As
ilustrações 7, 8, 9 e 10, a seguir, demonstram o conteúdo das manifestações.
* Proposta de Emenda à Constituição estabelece diretrizes para a organização da carreira única médico de Estado. A proposta foi apresentada em dezembro de 2009 e até o presente momento não foi apreciada pelo Plenário do Congresso79,. † Decreto n. 7562, de 15 de setembro de 2011, que dispõe sobre a composição da Comissão Nacional de Residência Médica. Neste Decreto, foi adicionado à Comissão o CONASS e o CONASEMS, com o objetivo de ter representantes dos gestores do SUS nas discussões acerca da especialização médica.
86
Ilustração 7 - Manifestação de médicos. Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria80.
Ilustração 8 - Manifestação de médicos em Recife com enterro simbólico do Ministro da Saúde,
Alexandre Padilha. Fonte: Terra81.
Ilustração 9 - Médico Cubano, Juan Delgado, sendo vaiado e chamado de escravo em manifestação
em Fortaleza – Ceará. Fonte: Carta Capital82.
87
Ilustração 10 - Manifestação de médicos em São Paulo. Fonte: Soares83.
As disputas em torno do Programa Mais Médicos também foram travadas
no âmbito do Poder Judiciário. Por parte das entidades médicas, foram protocolados
Mandado de Segurança (MS) n. 32.238 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
nº 5035, ambas ações movidas pela AMB contra a MP n. 62145. Ainda houve um
Mandado de Segurança impetrado pelo Deputado Jair Bolsonaro e uma ADI, pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados
(CNTU). As ações judiciais foram apreciadas e indeferidas pelo Supremo Tribunal
Federal. Em manifestação, o Ministro do Supremo Ricardo Lewandowski apontou
que o PMM “configura uma política pública da maior importância social, sobretudo
ante a comprovada carência de recursos humanos no SUS” e, ao contrário do que
pede a ação, há “existência de periculum in mora inverso, ou seja, o perigo na
demora de fato existe, porém milita em favor da população”84. As decisões a favor
do Programa tiveram papel decisivo para a segurança jurídica, não havendo mais
instâncias a recorrer para os setores de resistência ao PMM.
Houve embates também no ambiente acadêmico. Para exercer o curso de
especialização e, principalmente, a supervisão dos médicos, era necessária a
adesão de universidades brasileiras ao programa, o que provocou intensos debates
nas universidades. As três mais respeitadas faculdades de medicina do país se
posicionaram contra o Programa (USP, UNIFESP e UNICAMP), apesar desta última
ter realizado adesão ao Programa posteriormente85.
Para estabelecer as articulações necessárias, garantir a adesão de
número suficiente de universidades e também diminuir as resistências, aconteceu
em Brasília reunião dos reitores das universidades federais com os ministros da
88
Saúde, Alexandre Padilha, e da Educação, Aloizio Mercadante. Além do processo
de adesão, houve enfretamentos internos nas Universidades, principalmente com
foco nos professores que se tornaram tutores e, portanto, responsáveis pelas
atividades do PMM dentro da universidade.
No estado de Pernambuco, os dois professores da Universidade Federal
com função de tutores do PMM foram denunciados pelo Sindicato dos Médicos ao
Conselho Regional de Medicina por infração do código de ética médica, por se
oporem aos interesses das categorias86. Esse cenário de disputas e perseguições
contribuiu para a inserção na PLV de artigo que garante defesa de supervisores e
tutores do Programa pela AGU. Também estava garantido na PLV a valorização de
atividades de integração ensino-serviço na carreira docente e cursos de formação de
preceptores.
Outro grande embate aconteceu em torno dos registros para o exercício
da medicina no Brasil. A MP n. 621 previa que o Conselho Regional de Medicina
emitiria registro provisório para médicos intercambistas e que teria validade restrita à
permanência no Projeto. Os CRMs, por sua vez, entraram com ações civis-públicas
para não serem obrigados a fornecer o registro temporário. Entretanto, a justiça
entendeu que o Programa Mais Médicos era política pública de relevância social e
que negar o registro aos médicos do programa causaria desamparo aos cidadãos
das camadas mais pobres de nossa sociedade, como também visava reserva de
mercado que vitimizava os usuários do SUS45. Como exemplifica a decisão da
Justiça Federal de Minas Gerais:
...a MPV 621, de 2013, que Institui o Programa Mais Médicos, configurando o ato normativo impugnado, sem qualquer sombra de dúvida, política pública de saúde da maior relevância social de sorte que o bem da vida, que está sob perigo real e concreto, deve ter primazia sobre todos os demais interesses juridicamente tutelados87.
...o órgão de fiscalização da classe ao decidir pela não admissão do registro temporário dos médicos intercambistas, ajuizando a presente demanda para desobrigá-lo de efetuar o referido registro provisório pretende instaurar uma verdadeira “batalha” visando a preservação de uma reserva de mercado aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, em que as vítimas, lamentavelmente, são os doentes e usuários dos órgãos do sistema público de saúde.87
89
O Ministério passa a emitir o número de registro que habilitará o médico
intercambista para o exercício da medicina no âmbito do projeto, não sendo mais
necessária a emissão pelo Conselho Regional de Medicina. A autorização ao
Ministério da Saúde para emitir o registro único foi adicionada na PLV como também
publicado no Decreto n. 8.126.
Uma disputa importante no cenário da educação médica é a centralidade
das propostas do PMM na formação na Atenção Básica. Superada a proposta do
segundo ciclo, que não dialogava com o processo histórico da educação médica
desde da CINAEM, nem com a terminalidade da formação no médico na graduação,
o PMM torna a residência de Medicina Geral de Família e Comunidade uma
especialidade raiz. Desta forma, há a disputa na formação do médico ao colocar a
Atenção Básica no centro da formação de especialistas.
Ainda é muito prevalente o conceito de especialista como a excelência na
medicina, tanto na sociedade como no meio médico. Portanto, a formação
especializada carrega preceitos ideológicos88 e o PMM enfrenta tal paradigma ao
valorizar a Atenção Básica na formação tanto na graduação como na Residência
Médica, reforçando a capacidade de participar da produção da saúde integral a partir
de um conceito ampliado de saúde e de cuidado.
Desta forma, entende-se que o confronto está no entendimento da
categoria médica do direito do exercício liberal da profissão, que dialoga com
interesses privados e de mercado89, em contraponto à regulação pelo Estado como
estratégia de garantia do direito à saúde universal, integral e equânime, consolidado
a partir de políticas públicas90.
Logo, o programa não foi entendido como garantia de acesso ao direito
universal à saúde da população brasileira, como garantido na Constituição, mas sim
como uma afronta direta e pessoal aos médicos do Brasil, culpabilizando-os pelos
serviços de saúde insuficientes e preterindo-os frente aos médicos estrangeiros45.
Ao mesmo tempo que toda essa arena política se confrontava, os
médicos do Programa chegavam aos munícipios. Diferente das demais políticas
públicas, o PMM foi de implementação imediata e a população já sentia seus efeitos
e o benefício de acesso aos serviços de saúde com os médicos em suas
comunidades. A aprovação do Programa pela sociedade cada vez mais aumentava.
Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT)
90
aprovação do Programa Mais Médicos cresceu durante os meses de julho (49%) e
setembro (73%), finalmente alcançando 84,3% em novembro91,92.
O processo de implementação concomitante ao de formulação entre os
poderes executivo e legislativo configurou importante estratégia para o sucesso do
programa. Havia pressão assistencial, a população vivenciou e percebeu
rapidamente os efeitos da implementação do programa. Havia pressão política: com
os médicos já prestando assistência nos municípios, os deputados eram
pressionados a aprovar o PLV, uma vez que a negativa do Congresso significaria
desassistência imediata na Atenção de inúmeros municípios, o que provocaria
também perda de base política dos deputados nos Estados.
O poder executivo e sua base de governo no Congresso Nacional
aproveitou este momento crucial para realizar e articular modificações no PLV que
fossem mais efetivas e dialogassem com as dificuldades encontradas na
implementação do PMM e diminuíssem as resistências. Então, o PLV foi a
oportunidade também de incluir, por exemplo, a regulamentação por Lei do
PROVAB, a avaliação seriada dos cursos de medicina e instituição do COAPES.
Pode-se depreender deste processo de formulação de uma Política
Pública que a complexidade da arena política requer fortes articulações políticas
associadas a conhecimento técnico do problema a ser enfrentado, assim como dos
trâmites políticos, administrativos e legislativos para sua efetiva implementação
enquanto política de Estado.
No âmbito do poder legislativo, o relatório da Comissão Mista é aprovado
no dia 09 de outubro de 2013, após 567 emendas parlamentares, três audiências
públicas e reuniões do relator, Deputado Rogério Carvalho, com vários atores da
arena política, como a comissão de especialistas do MEC, comissão de reitores das
universidades federais, Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Federação Nacional dos Médicos (FENAM)
e ABEM.
Em 16 de outubro de 2013, o PLV é aprovado em plenário da Câmara dos
Deputados e, no dia 16, é aprovado no Senado Federal. E, com celeridade, dada a
importância do tema e a urgência da população brasileira por assistência à saúde na
Atenção Básica, o Programa Mais Médicos é homologado, no dia 22 de outubro de
2013 pela presidência da República e torna-se Lei.
92
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa Mais Médicos conseguiu garantir, em espaço curto de tempo,
mais de 18.000 médicos para prestar assistência na Atenção Básica, beneficiando
mais de 63 milhões de brasileiros93. São inegáveis a contribuição e o impacto do
PMM na ampliação do acesso à saúde neste nível de atenção e na garantia de
saúde como direito nas regiões de maior vulnerabilidade94.
Pela importância do Programa para o SUS, a pesquisa objetivou analisar
o processo de formulação do PMM enquanto Política Pública. Para tal, o meu recorte
recaiu sobre a análise da inserção do tema de escassez, provisão, fixação e
formação de profissionais de saúde no SUS na agenda governamental, a sua
formulação e formalização enquanto política pública.
A partir de pesquisa bibliográfica e documental sobre o Programa,
construí a linha do tempo de 2011 a 2013 e destaquei os eventos principais que
influenciaram na inserção do tema na agenda governamental, os marcos de
formulação e atos legais para sua formalização. Foram analisados, também, os
embates políticos, as tensões e correlações de forças e disputas entre os atores da
arena política.
Os resultados encontrados evidenciaram a escassez de médicos na
Atenção Básica, a necessidade de ampliar acesso neste nível de atenção e de
profissionais com formação adequada para atuação no SUS como cenário crítico
para a emergência do tema na arena política.
Evidenciou-se, também, o Seminário Nacional sobre Escassez de
Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde como primeiro evento, após o início
do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousselff e do ministro da saúde
Alexandre Padilha, a abordar o tema de escassez de profissionais de saúde no SUS
e a discutir, com os diversos atores políticos, propostas e ações de viabilidade
política e técnica, para o desenvolvimento de uma política de provimento e fixação
quantiqualitativa de profissionais de saúde.
O PROVAB, por sua vez, amparou a implementação de uma política da
envergadura do Programa Mais Médicos. As dificuldades enfrentadas pelo PROVAB
pela diversidade de cenário da Atenção Básica em um país com as características
93
do Brasil, pelas mudanças estratégicas que tiveram que ser implementadas e pelas
mediações necessárias com os diversos atores políticos foram fundamentais para
calibrar o desenho da política do PMM e para arrefecer as resistências políticas.
Já o movimento Cadê o Médico? exerceu pressão política no governo
federal, mantendo o tema da escassez de médicos na arena política e também
contribuiu para dar respaldo ao governo para lançar o Programa Mais Médicos.
Neste sentido, as manifestações de junho de 2013 representaram dupla janela de
oportunidade política para o governo: já existia um programa elaborado para
apresentar, com celeridade, como resposta aos anseios das reivindicações no
âmbito da saúde e as manifestações também cumpriram o papel de dar respaldo
para o lançamento do PMM com grande impacto assistencial.
Na fase de formulação, pudemos inferir vários fatores como
determinantes no desenho final do PMM. O lançamento do programa por Medida
Provisória, o que permitiu a implementação concomitante, foi importante estratégia
para as disputas e embates políticos. A postura carregada de xenofobia, racismo e
de interesse de classe da categoria médica e de suas entidades foi decisiva para a
opinião pública, que cada vez mais era favorável ao PMM. Decisões, no poder
judiciário, a favor do Programa foram fundamentais para garantir sua segurança
jurídica. Além disso, a pressão assistencial por parte da população que já se
beneficiava dos cuidados dos médicos do Programa, somada à pressão política dos
municípios, foi determinante para a aprovação do PLV no Congresso Nacional.
Evidenciamos também, principalmente ao comparar a MP n. 621 e a Lei
n. 12.871, que a articulação entre poder executivo, a partir de sua base no
Congresso, e o poder legislativo foi fundamental, pois aproximou as propostas
elaboradas no Congresso das necessidades de saúde da população e da
capacidade de implementação da política pelo executivo.
Um cenário importante de disputa provocado pelo PMM foi em torno da
centralidade da Atenção Básica na formação do médico. Por valorizar este nível de
atenção, o PMM enfrenta a formação especializada para alcançar o cuidado integral.
Além disso, há o confronto no entendimento da categoria médica do direito do
exercício liberal da profissão em contraponto à regulação pelo Estado como
estratégia de garantia do direito à saúde universal, integral e equânime, consolidado
a partir de políticas públicas.
94
Logo, a resistência, postura e disputas das entidades médicas, a pressão
sob a Câmara dos Deputados, a aceitação do PMM pela população beneficiada e as
articulações entre o governo e o poder legislativo foram fatores determinantes para a
formulação do desenho final da política do PMM.
Pode-se depreender deste processo de estudo de definição de agenda e
de formulação do Programa Mais Médicos que a complexidade do sistema político
brasileiro requer fortes articulações políticas associadas a conhecimento técnico do
problema a ser enfrentado, assim como dos trâmites políticos, administrativos e
legislativos para a efetiva implementação de uma política pública enquanto política
de Estado.
Por que falar do PMM na perspectiva da política e não a partir dos seus
impactos nos indicadores de saúde, como esperado para uma pesquisa em Saúde
Coletiva? No período que passei na gestão do Ministério da Saúde, pude perceber a
complexidade da arena política, da máquina burocrática e dos processos legais para
a construção de uma política pública. Neste mesmo período, o país enfrentava, e
ainda enfrenta, instabilidade política com muitas manifestações que reivindicavam,
principalmente, saúde e educação, porém sem a maturidade nas reivindicações de o
que exatamente queremos e qual a melhor forma para a concretização desses
direitos.
A partir disso, pesquisar e registrar o processo de construção do PMM se
fez necessário. É imperativo, para a sociedade brasileira, o empoderamento acerca
dos processos políticos para alcançarmos a participação crítica na definição das
prioridades do governo e no desenho das políticas públicas para enfrentar os
problemas. Precisamos superar a cultura do Sebastianismo, que traduz a
inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa da resolução
milagrosa na personificação de um Salvador95.
A análise de políticas públicas é de extrema importância para a
compreensão da complexa dinâmica sócio-política do Brasil. Ainda temos muitos
desafios, mas nós, pesquisadores, devemos ter o compromisso de contribuir para
essa compreensão, aproximando da população a discussão das políticas públicas,
em especial a defesa do Sistema Único de Saúde, superando o academicismo, para
alcançarmos a construção responsável de políticas, a garantia de direitos humanos
fundamentais e a efetivação de uma Democracia participativa.
95
"Velhas questões institucionais, não tendo sido resolvidos nem superadas, continuam sendo os principais fatores de atraso e, ao mesmo tempo, os principais motores de uma revolução social… Como não há nenhuma garantia confiável de que a história venha a favorecer, amanhã, espontaneamente, os oprimidos… torna-se tanto mais imperativa a tarefa de alcançar o máximo de lucidez para intervir eficazmente na história a fim de reverter sua tendência secular. Esse é o nosso propósito”96
96
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105
8. ANEXOS
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: Programa Mais Médicos: a formação de uma Política Pública
Pesquisador: ERIKA SIQUEIRA DA SILVA
Área Temática: Versão: 1
CAAE: 60857616.5.0000.5404
Instituição Proponente: Faculdade de Ciências Medicas - UNICAMP
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 1.842.839
Apresentação do Projeto: O Brasil vem passando pela construção, desenvolvimento e adequação
do Sistema Único de Saúde (SUS) que tem demonstrado importantes avanços,
principalmente no que diz respeito à universalização do acesso aos serviços e à
redução de desigualdades sociais. Para garantir acesso universal e cuidado integral,
o SUS precisa enfrentar dois grandes desafios: o número insuficiente de médicos e
sua distribuição geográfica desigual e a formação de profissionais com o perfil
adequado às necessidades do SUS. A atenção básica se apresenta, então, como
importante cenário de prática para a formação de profissionais com o perfil
adequado às necessidades do SUS através da educação em serviço, pois permite
articular gestão, atenção, ensino e controle social no enfrentamento dos problemas
concretos de cada equipe de saúde em seu território geopolítico de atuação
(Ceccim; Feuerwerker, 2004). Entretanto, a centralidade do cuidado no médico e sua
constante dificuldade de fixação e interiorização geram impacto na Atenção Básica e
um descompasso entre os aspectos demográficos e necessidades sociais em
relação à disponibilidade de médicos e perfil adequado para este nível de atenção
106
(CFM, 2013). Neste contexto, o Programa Mais Médicos (PMM) surge como
resposta do Governo Federal ao enfretamento de tal desafio e foi instituído pela Lei
nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, com o objetivo de aumentar a disponibilidade
de médicos para a atenção básica em locais longínquos e desassistidos, além de
lançar medidas que induzem mudança de perfil do profissional médico para atender
às necessidades de saúde da população brasileira. O mote para a discussão neste
trabalho é a análise do desenvolvimento do Programa Mais Médicos enquanto
Política Pública. Este trabalho tem como objetivo principal investigar como se deu a
inserção, como prioridade na agenda governamental, do tema da provisão e fixação
de médicos no SUS e da formação médica orientada às necessidades da população
brasileira, como também a análise das escolhas estratégicas na formulação da
Programa e as articulações para a sua implementação. Trata-se de Estudo
qualitativo à luz da método de análise de Políticas Públicas por ciclo político, com
levantamento de dados a partir da pesquisa exploratória de levantamentos
bibliográficos e documentais. Será utilizado, centralmente, a Medida Provisória nº
621, de 08 de julho de 2013, e a Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013 para
análise das propostas e disputas entre o poder executivo e legislativo para a
determinação da configuração final da política como também documentos oficiais e
notas publicadas pelos atores políticos envolvidos na formulação do Programa.
Objetivo da Pesquisa: OBJETIVO PRIMÁRIO
Analisar o processo de formulação do Programa Mais Médicos enquanto
Política Pública.
OBJETIVO SECUNDÁRIO
5.1 Reconstruir o desenvolvimento do Programa Mais Médicos, investigando como
se deu a inserção do tema na agenda governamental, bem como a formulação da
política; definir os principais marcos da definição da agenda e da formulação da
política do Programa Mais Médicos;
5.2 Realizar análise comparativa entre os dois principais marcos legais: Medida
Provisória nº 621, de 08 de julho de 2013 e a Lei nº 12871, de 22 de outubro de
2013. E a partir dos atos dos atores políticos ocorridos entre a Medida Provisória e a
homologação da Lei, inferir as disputas.
107
5.3 A partir dos marcos da Política do Programa Mais Médicos inferir tensões e
correlação de forças entre os atores políticos.
Avaliação dos Riscos e Benefícios: Riscos:
Constrangimentos decorrentes da exposição de opiniões; perdas profissionais ou
pessoais pelo tempo despendido nas atividades da pesquisa.
Benefícios:
Identificação de potencialidades e desafios na construção e formulação de Política
Pública em Saúde; oportunidade de reflexão e análise crítica sobre
responsabilidades, posições e disputas entre atores políticos e da sociedade civil na
formulação do Programa Mais Médicos.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Trata-se de um trabalho que irá constituir a Dissertação (Mestrado) de uma aluna
matriculada no curso de Mestrado Profissional do Departamento de Saúde Coletiva-
Faculdade de Ciências Médicas-Unicamp, orientada por um docente desse
Departamento, e a ser realizado com financiamento próprio. O cronograma
apresentado mostra que este trabalho terá início em 20Outubro2016 (com
Levantamento Documental) e término em 20Janeiro2017 (com elaboração do
Relatório final). A autora do projeto trabalhou no Ministério da Saúde como
coordenadora da Área Pedagógica do Departamento de Planejamento e Regulação
da Provisão de Profissionais de Saúde – DEPREPS/SGTES/MS, departamento
responsável pelo Programa Mais Médicos, o que mobilizou a tornar o Programa Mais
Médicos objeto de estudo no Mestrado Profissional por potencializar a produção
científica aliada ao cotidiano do trabalho. A pesquisa terá caráter qualitativo à luz do
método de análise de Políticas Públicas por ciclo político, com levantamento de
dados a partir da pesquisa exploratória de levantamentos bibliográficos e
documentais. Os dados do presente estudo serão trabalhados a partir da análise
documental em apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais,
relatórios técnicos, artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e
sentenças judiciais, entre outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à
consulta pública. Após levantamento e organização dos materiais disponíveis,
108
seguirá a leitura de todos os documentos para seleção daqueles que apresentam
dados importantes para a investigação. Após esta etapa, a pesquisadora procederá
a análise de conteúdo dos documentos selecionados, para poder assim fazer
inferências e fornecer interpretações coerentes, tendo em vista a temática e o
questionamento inicial. O Método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história,
das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões,
produtos da interpretação que os humanos fazem a respeito de como vivem,
constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam... as abordagens
qualitativas se conformam melhor às investigações de grupo e segmentos
delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e
para análises de discursos e de documentos. (Minayo, 2014). A Pesquisa
Exploratória se utiliza comumente de levantamentos bibliográfico e documental. As
principais fontes bibliográficas são materiais já elaborados, tais como livros e artigos
científicos, e as do levantamento documental, materiais que ainda não receberam
tratamento analítico, quais sejam: documentos oficiais, reportagens de jornal e até
mesmo relatórios de pesquisa. (Gil, 1989). A proposta é a realização de análise
comparativa entre a Medida Provisória nº 621, proposta pelo Poder Executivo, e a
Lei nº 12.871 proposta final aprovada no Poder Legislativo, além de levantamento e
análise de documentos, notas e reportagens acerca do cenário político e atores e as
articulações que interferiram no arcabouço final da Política do Programa Mais
Médicos. A pesquisa terá como referencial teórico-metodológico a análise de Política
Pública por ciclos políticos, classicamente introduzida por Harol D. Laswell,
associada a outros teóricos como Lindblom e Easton, que questionaram a
racionalidade dos ciclos de política de Lasweel e propuseram a incorporação à
análise de políticas públicas outras variáveis como as relações de poder, integração
entre as diferentes fases dos processo decisório, assim como inputs dos partidos,
mídia e organização civil. Também considera-se aqui a implicação do olhar
interpretativo da pesquisadora, que não é isento de escolhas e está permeado pelos
determinantes sociais, culturais, políticos e econômicos do seu tempo.
Metodologia de Análise de Dados Segundo Gil (1989) não são apenas pessoas
vivas que constituem fontes de dados. Muitos dados importantes na pesquisa social
provêm de fontes de papel: arquivos históricos, registros estatísticos, diários,
biografias, jornais e revistas. Após levantamento e organização dos materiais
109
disponíveis, seguirá a leitura de todos os documentos para seleção daqueles que
apresentam dados importantes para a investigação. Após esta etapa, a
pesquisadora procederá à análise de conteúdo dos documentos selecionados, para
poder assim fazer inferências e fornecer interpretações coerentes, tendo em vista a
temática e o questionamento inicial. Segundo Minayo, (2014) a análise de conteúdo
parte de uma leitura de primeiro plano de falas, depoimentos e documentos, para
atingir um nível mais profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do material.
Para isso, geralmente, todos os procedimentos levam a relacionar estruturas
semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados
e a articular a superfície dos enunciados dos textos com os fatores que determinam
suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural e processo de
produção de mensagem. Segundo a mesma autora, a análise de conteúdo diz
respeito à técnica de pesquisa que permite tornar replicáveis e válidas as inferências
sobre dados de um determinado contexto. (Minayo, 2014) Então, a partir da
abordagem qualitativa do método, enfatizando não apenas a descrição dos dados,
mas com olhar cuidadoso e crítico sobre as fontes documentais, a pesquisadora fará
inferências e interpretações acerca de disputas políticas na formulação da Política
do Programa Mais Médicos, uma vez que documentos não são produções isentas e
traduzem leituras e posições políticas de determinado grupo em dado tempo e
espaço.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Foram apresentados a Folha de Rosto, assinada pelo Diretor da Faculdade de
Ciência Médicas-Unicamp, o documento com Informações Básicas do Projeto e o
Projeto detalhado. A pesquisadora solicitou dispensa do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Segundo informações da pesquisadora contempladas no documento anexado
"PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_783288.pdf 07/10/2016 15:02:04
":" Os dados do presente estudo serão trabalhados a partir da análise documental
em apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais, relatórios técnicos,
artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e sentenças judiciais, entre
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outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à consulta pública" e " O
presente estudo propõe dispensa de TCLE por não propor abordagem, recrutamento
ou qualquer intervenção a indivíduos. A pesquisa utilizará dados a partir de análise
documental de apresentações e documentos oficiais, legislações nacionais,
relatórios técnicos, artigos de jornais em meio eletrônico e artigos de blogs e
sentenças judiciais, entre outros. Todas as fontes consultadas são de livre acesso à
consulta pública.". Cabe ao Comitê de Ética em pesquisa (CEP) avaliar os
protocolos de pesquisa que envolvam seres humanos de forma direta ou indireta.
Segundo a Resolução 510/16 em seu parágrafo único. "Não serão registradas nem
avaliadas pelo sistema CEP/CONEP:
II- pesquisa que utilize informações de acesso público, nos termo da Lei nº12.527 de
18 de novembro de
2011;
III- pesquisa que utilize informações de domínio público;
V- Pesquisa com banco de dados, cujas as informações são agregadas, sem
possibilidade de identificaçãoindividual; e
VI- pesquisa realizada exclusivamente com textos científicos para revisão de
literatura científica.
Diante do exposto, não cabe ao CEP avaliar este protocolo de pesquisa.
Considerações Finais a critério do CEP: Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados: Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situaçã
o Informações Básicas do Projeto
PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_783288.pdf
07/10/2016 15:02:04 Aceito
Outros AtestadoMatriculaUnicamp.pdf 07/10/2016 15:01:34
ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito
Projeto Detalhado / Brochura Investigador
ProjetoMestradoUNICAMPErikaSiqueira.pdf
07/10/2016 15:00:46
ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito
Folha de Rosto FolhadeRostoErikaSiqueira.pdf 26/09/2016 19:19:13
ERIKA SIQUEIRA DA SILVA Aceito