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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
VANESSA MOREIRA CRECCI
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS
PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA
E UNIVERSIDADE
CAMPINAS 2016
VANESSA MOREIRA CRECCI
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS
PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA
E UNIVERSIDADE
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.
Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Dario Fiorentini
O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA VANESSA MOREIRA CRECCI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. DARIO FIORENTINI.
CAMPINAS 2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
VANESSA MOREIRA CRECCI
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE EDUCADORES MATEMÁTICOS
PARTICIPANTES DE UMA COMUNIDADE FRONTEIRIÇA ENTRE ESCOLA
E UNIVERSIDADE
Autora: Vanessa Moreira Crecci
COMISSÃO JULGADORA:
Prof. Dr. Dario Fiorentini
Profa. Dra. Cármen Lúcia Brancaglion Passos
Profa. Dra. Dilma Maria de Mello
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado
Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2016
A minha gratidão...
Ao Felipe, pelo incomensurável apoio em todos esses anos de generosa convivência, e, a nossas
famílias por nos ensinarem a conviver em comunidade. Em especial, aos meus pais, pela
compreensão incondicional e à minha irmã, pelas trocas afetivas e pedagógicas.
Ao professor Dario, pela generosa orientação, amizade e por ter compartilhado comigo as ideias
que estão reificadas neste estudo.
À Fapesp, pelo apoio financeiro para o desenvolvimento deste estudo.
Aos professores do comitê de avaliação deste estudo: Prof. Dr. Dario Fiorentini, Profa. Dra.
Dione Lucchesi de Carvalho, Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos, Profa. Dra. Cármen Lúcia
Brancaglion Passos, Profa. Dra. Dilma Maria de Mello, Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo
Prado, Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato, Profa. Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade
Megid e Profa. Dra. Adriana Varani.
À leitura cuidadosa das professoras Dione e Lauri, que estiveram presentes na banca de
qualificação.
Aos professores Dilma, Cármen, Guilherme e Lauri, que participaram da banca de defesa.
Aos participantes do grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM).
Aos participantes do Grupo de Sábado (GdS), em especial, a Eliane, Roberto e Dario, pela
generosidade de compartilhar suas vidas e seus sonhos comigo.
Aos professores que participaram da primeira fase deste estudo.
Aos professores do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática
(GEPFPM), pelas inúmeras aprendizagens.
Aos professores da Faculdade de Educação da Unicamp, em especial, aos professores da área de
Educação Matemática com os quais convivi: Profa. Dra. Anna Regina Lanner de Moura, Prof.
Dr. Antonio Miguel, Prof. Dr. Dario Fiorentini, Profa. Dra. Dione Lucchesi de Carvalho, Profa.
Dra. Maria Ângela Miorim, Prof. Dr. Sérgio Lorenzato.
À Profa. Dra. Paola Sztajn, por me receber no College of Education, da North Carolina State
University.
Aos membros do Centre for Research for Teacher Education and Development (CRTED), em
especial, à Profa. Dra. Jean Clandinin, à Profa. Dra. Janice Huber e à Profa. Ms. Jinny Menon.
À Profa. Dra. Maria Cecília Martins e ao grupo TIME, do NIED.
À Profa. Leda, pela cuidadosa e paciente revisão do texto.
Aos funcionários da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Em especial aos funcionários da
Pós-graduação: Luciana, Nadir e Diego.
À família de Patrícia Rijavec, Dennis Leclair e suas adoráveis filhas, Marie-Helene, Jasmine e
Olivia, pela estadia em Edmonton, no Canadá.
A Ingrid, Priscila, Jenny, Juscier, Marina, e, à tantos outros estudantes de graduação e pós-
graduação que por ali passaram, pela bem-humorada convivência no Centro de Estudos, Memória
e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM).
Aos amigos e amigas que, no coletivo, tornam o cotidiano mais leve e bem-humorado! Não ousaria
denominá-los para não correr o risco de injustos esquecimentos, eles e elas sabem quem são!
Aos queridos colegas da academia pelas manhãs descontraídas e por me ensinarem a gostar de
atividades físicas.
À Dra. Magda pela compreensão e cuidados com minha saúde de mulher nesta fase de minha
vida.
À vida que tem me dado tanto!
Resumo
Este estudo tem por objetivo compreender as experiências de desenvolvimento profissional
e a constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma
comunidade fronteiriça, entre escola e universidade, denominada Grupo de Sábado (GdS).
Surgida em 1999, congrega professores, formadores de professores, pesquisadores e
futuros professores que se reúnem para investigar e refletir sobre o ensinaraprender
matemática. Os textos de campo são constituídos por um diário com notas das reuniões do
grupo, materiais publicados sobre e pela comunidade, memórias e transcrições de
encontros do grupo e entrevistas com os participantes da pesquisa. A metodologia deste
estudo ocorreu com base na pesquisa narrativa, que compreende um processo
tridimensional de produção e análise dos textos de campo e de pesquisa, envolvendo
temporalidade (diacronia), interações pessoais e sociais e o lugar (cenário) onde se situa o
fenômeno a ser investigado e narrado. Para isso, em uma perspectiva diacrônica, a
pesquisadora tomou como referência sua própria experiência dentro dessa comunidade e,
sobretudo, sua convivência com três de seus participantes, ao longo de oito anos. Para
composição dos textos de pesquisa, foram constituídas narrativas das experiências de
desenvolvimento profissional e de constituição da profissionalidade dos três participantes
do estudo. Essas narrativas foram analisadas com base em três eixos analíticos: 1)
mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2)
compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade
fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça. Os
resultados apontaram para aspectos que são específicos às experiências constituídas em um
espaço que não tem a regulação e o controle institucional da escola e da universidade. Nessa
comunidade, os participantes narram suas experiências vividas em diferentes espaços
relativos às suas vidas pessoais e profissionais, tecem outras experiências e produzem
diferentes compreensões sobre o ensinaraprender matemática. As reverberações
decorrentes da participação nessa comunidade fronteiriça se evidenciam, intrinsecamente,
nos próprios modos de ser/estar como educadores matemáticos, destacando-se a postura
problematizadora e investigativa sobre a própria prática, sobre as políticas públicas que a
condicionam e também sobre as possibilidades e os limites dos conhecimentos científicos,
curriculares e didáticos pedagógicos tanto da própria escola como de outros contextos. As
reverberações extrínsecas são evidenciadas pelas constituições de outras comunidades,
pelas sistematizações, teorizações e publicações dos participantes, as quais ajudam a
promover mudanças: na prática de ensinaraprender matemática nas escolas, tornando-a
mais exploratória, problematizadora e inclusiva, sobretudo para estudantes das escolas
públicas; na formação inicial e continuada de professores de matemática, motivando-os a
serem estudiosos e investigativos em comunidades docentes; na formação de novos
pesquisadores, com destaque para a pesquisa sobre a própria prática.
Palavras-chave: Desenvolvimento profissional; Profissionalidade docente; Postura
investigativa; Educação matemática.
Abstract
This study aims to understand the experience of professional development and the
professionalism constitution of math educators who participate in a borderland community,
between school and university. Called Saturday Group (GdS) which Emerged in 1999,
congregating teachers, teachers’ educators, researchers and future teachers that come
together to investigate and to think about the mathematics teachinglearning. The field texts
are constituted by a field notes diary of the group meetings, publications about and by the
community, memories and transcriptions of group meetings and interviews with the
research participants. The methodology of this study is based on the narrative inquiry, which
consists of a tridimensional process of production and analysis of the field texts, involving
temporality (diachrony), personal and social interactions and the place (scenery) where is
the phenomenon to be investigated and narrated. For this, in a diachronic perspective, the
researcher took as reference her own experience inside this community and, above all, her
relationship with three community participants, over eight years. For the composition of the
research texts, narratives of the experience of professional development and of
professionalism constitution of the three participants of the study were constituted. These
narratives were analyzed based on three analytical axes: 1) the mapping of spaces of
professional development experience; 2) the understandings about the professional
development experience in a borderland community; and 3) reverberations of the
participation in a borderland community. The results showed aspects that are specific of
experiences constituted in a space that does not have the institutional regulation and
control of school and university. In this community, the participants describe their
experiences in different spaces in their personal and professional lives, they compose other
experiences and produce different understandings about the mathematics
teachinglearning. The reverberation resulting from the participation in this borderland
community is evidenced, intrinsically, in its owns ways of being as mathematics teachers,
detaching the problematical and investigative position about its own practice, about public
politics that put it in proper condition, also about the possibilities and the limits of scientific,
curricular and pedagogical didactic knowledge in the school and in other contexts as well.
The extrinsic repercussions are evidenced by the constitutions of other communities, by the
participants’ systematizations, theorizations and publications, which help to promote the
changes: in the practice of mathematics teachinglearning in the schools, becoming more
exploratory, problematical and inclusive, above all for students in the public schools; in the
initial and continuous training of mathematics teachers, motivating them to be studious and
investigative in teaching communities; in the formation of new researchers, highlighting the
research about their own practice.
Keywords: Professional development; Teaching professionalism; Inquiry as stance; Math
educators.
Lista de Siglas
ADUNICAMP - Associação de Docentes da Unicamp
Anped - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BNCC - Base Nacional Curricular Comum
CRTED - Centre for Research for Teacher Education and Development
CEMPEM - Centro de Estudos Memória e Pesquisa em Educação Matemática
CAp/UFRJ - Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
COTUCA - Colégio Técnico de Campinas
Capes - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
COLE - Congresso de Leitura do Brasil
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COCEN - Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa
EM - Educação Matemática
Enem - Encontros Nacionais de Educação Matemática
ETI - Escola de Tempo Integral
EMeLP - Espaço Matemático em Língua Portuguesa
Faal - Faculdade de Administração e Artes de Limeira
FE - Faculdade de Educação
FORPRED - Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em
Educação
Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Famaf - Grupo Colaborativo da Universidade de Córdoba
GCEEM - Grupo Colaborativo de Estudos em Educação Matemática
Grucomat - Grupo Colaborativo de Matemática
GCMM - Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática
GEPFPM - Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de
Matemática
Getemat - Grupo de Estudo e Trabalho Pedagógico de Ensino de Matemática
Grupad - Grupo de Estudos Alfabetização em Diálogo
Forpromat - Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação de Professores que
Ensinam Matemática
Gepee - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Estatística e Matemática
EMFoco - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática
GEPEC - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada
GEPFPM - Grupo de Estudo, Pesquisa sobre Formação de Professores de
Matemática
Grepem - Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática
Gepemf - Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da Faal
Geoom - Grupo de Estudos Outros Olhares para a Matemática
GPAAE - Grupo de Pesquisa em Álgebra Elementar
Gpefcom - Grupo de Pesquisa Formação Compartilhada de Professores – Escola e
Universidade –
GPNEP - Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores
GdS - Grupo de Sábado
HIFEM - História, Filosofia e Educação Matemática
HTPC - Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo
IC - Iniciação Científica
IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
IM - Investigações Matemáticas
IDESP - Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEL - Instituto de Estudos da Linguagem
IMECC - Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica
MEC - Ministério de Educação
MMM - Movimento da Matemática Moderna
Nied - Núcleo de Informática Aplicada à Educação
OBEDuc - Observatório da Educação
Prapem - Prática Pedagógica em Matemática
PIBID - Programa de Iniciação à Docência
PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação
PECIM - Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e
Matemática
PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Seesp - Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
SHIAM - Seminários Nacionais de Histórias e Investigações de/em Aulas de
Matemática
Apeoesp - Sindicado dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
Sindutemg - Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
Saresp - Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
Sbem - Sociedade Brasileira de Educação
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UofA - Universidade de Alberta
UPF - Universidade de Passo Fundo
Unicamp - Universidade Estadual de Campinas
UNESP - Universidade Estadual Paulista
Unifei - Universidade Federal de Itajubá
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UFSCar - Universidade Federal de São Carlos
UFU - Universidade Federal de Uberlândia
UFPA - Universidade Federal do Pará
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Lista de Figuras
Figura 1 - No Campo (1997), Beatriz Milhazes ........................................................................... 21
Figura 2 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 1 .................................................................................. 22
Figura 3 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 2 .................................................................................. 36
Figura 4 - Fiorentini e Carvalho (2015, p. 28) .............................................................................. 38
Figura 5 - Abertura Enem, Salvador, 2010 .................................................................................. 43
Figura 6 - Cortesia (2000), Beatriz Milhazes ............................................................................... 49
Figura 7 - Grupo de Sábado, Entre dois mundos ...................................................................... 110
Figura 8 - Santo Antonio Alburquerque (1994), Beatriz Milhazes ........................................... 114
Figura 9 - Reunião no CRTDE ..................................................................................................... 128
Figura 10 - Beleza Pura (2006), Beatriz Milhazes ...................................................................... 145
Figura 11 - SHIAM, 2008 ............................................................................................................ 148
Figura 12 - Serpentina (2003), Beatriz Milhazes ...................................................................... 236
Figura 13 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Roberto ............................................... 241
Figura 14 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Eliane ................................................. 241
Figura 15 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Dario ................................................... 242
Figura 16 - Reverberações ......................................................................................................... 277
Figura 17 - Sinfonia Nordestina (2008), Beatriz Milhazes ........................................................ 289
Sumário
Introdução .................................................................................................................................. 15
Organização do texto de pesquisa ............................................................................................. 18
Capítulo 01 – Encontro com o Grupo de Sábado ....................................................................... 22
Narrativa inicial ....................................................................................................................... 22
Experiências investigativas e profissionais .............................................................................. 28
História e estudos sobre o Grupo de Sábado .......................................................................... 36
Interlocução com outros Grupos Colaborativos ..................................................................... 42
Capítulo 2 – Desenvolvimento Profissional e Profissionalidade em Comunidades de
Aprendizagem Docente .............................................................................................................. 50
Desenvolvimento Profissional Docente .................................................................................. 51
Desenvolvimento Profissional do Formador ........................................................................... 61
Profissionalidade Docente ...................................................................................................... 66
Profissionalidade do Formador de Professores ...................................................................... 76
Comunidades de Aprendizagem Docente ............................................................................... 78
Pressupostos das Comunidades de Aprendizagem Docente .................................................. 86
Experiências de Desenvolvimento Profissional e Constituição da Profissionalidade em
Comunidades Fronteiriças..................................................................................................... 102
Capítulo 03 - Caminhos dessa Pesquisa Narrativa .................................................................. 115
Um breve panorama das pesquisas narrativas desenvolvidas no PRAPEM ......................... 119
Experiência e o Processo de Pesquisar Narrativamente ....................................................... 122
Construção do Objetivo e da Questão Investigativa ............................................................. 126
Escolha dos participantes da pesquisa .................................................................................. 130
Composição e Análise dos Textos de Campo e de Pesquisa ................................................. 131
Tridimensionalidade da Pesquisa Narrativa .......................................................................... 136
Aspectos Éticos desta Pesquisa Narrativa ............................................................................. 142
Capítulo 04 - Narrativas de Experiências de Desenvolvimento Profissional .......................... 146
Experiências que se encontram em uma Comunidade Fronteiriça ...................................... 148
Experiência de Desenvolvimento Profissional de Roberto ................................................... 156
Experiências de Desenvolvimento Profissional de Eliane ..................................................... 175
Experiência de Desenvolvimento Profissional de Dario ........................................................ 202
Capítulo 05 – Cartografias, Compreensões e Reverberações das Experiências de
Desenvolvimento Profissional ................................................................................................. 237
Mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional ..................... 239
Compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade
fronteiriça .............................................................................................................................. 252
Reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça ........................................ 276
À Guisa de concluir... ................................................................................................................ 290
Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 303
Apêndice 01 .............................................................................................................................. 322
15
Introdução
No momento em que precisei definir uma data para o início desta pesquisa,
dei-me conta de que ela começou em uma manhã de fevereiro de 2007, na sala LL03,
do Centro de Estudos Memória e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM).
Naquele momento, iniciava minha participação no Grupo de Sábado (GdS), como
bolsista trabalho1, aluna do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizando atividades de gravação,
transcrição e relato dos encontros do grupo. Alguns anos depois, no contexto do
GdS, definiria o objeto de estudo desta tese.
No mestrado, mediante ingresso no grupo Prática Pedagógica em
Matemática (Prapem), sob a orientação do professor Dario, tinha como objetivo
investigar como os professores de matemática se desenvolvem profissionalmente e
constituem a profissionalidade docente mediante participação em grupos de
estudos que seriam analisados com base na ideia de comunidades investigativas de
Cochran-Smith e Lytle (1999, 2009).
Após distribuir um questionário, obtive o retorno de 27 professores,
participantes de 8 diferentes grupos de estudos, constituídos de modos
heterogêneos. Após a análise desses primeiros dados da pesquisa, que foram
tratados e publicados (CRECCI; FIORENTINI, 2013), compreendi que conhecia mais
meu campo de pesquisa do que os dados pareciam me dizer. Por essa razão, após
anos de trabalho, envolvimento e intensa interlocução com o Grupo de Sábado,
resolvi que era preciso assumir um lugar próprio nesta pesquisa. Para isso, optei pela
pesquisa narrativa, embasada, sobretudo, nos estudos de Clandinin e Connelly2
(2011) e Clandinin (2013).
1 Destinada a alunos de graduação, independente do seu ano de ingresso. O critério para a concessão da bolsa é socioeconômico, por meio de participação no Processo Seletivo Anual. 2 Agradeço à Profa. Dra. Dilma Maria de Mello o envio do livro Pesquisa narrativa – experiências e história em pesquisa qualitativa, de Jean Clandinin e Michael Connelly, traduzido sob sua coordenação pelo Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores (GPNEP), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
16
A opção por este tipo de pesquisa foi especialmente influenciada pelas
interlocuções com o professor Dario e pelos estudos e pesquisas de participantes do
grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), dentre os quais inúmeras teses
e dissertações. Outros momentos importantes marcaram esse movimento que
chamarei de “virada narrativa”. Em março de 2012, apresentei partes desta tese no
Prapem, em um momento que temos chamado de pré-qualificação, no qual
apresentamos nosso texto de pesquisa para uma banca constituída por integrantes
do grupo. Naquela ocasião as participantes Cândida3, Dione4 e Eliane5 foram parte
da banca para qual submeti meu texto. Foram muitas as contribuições recebidas
nesse momento. Uma, em especial, convergia: a necessidade de colocar-me mais em
meu próprio texto. Em maio do mesmo ano, essa também seria uma indicação da
professora Laurizete6, no momento da banca de qualificação.
Em 2014, por ocasião do 19º Congresso de Leitura do Brasil (COLE),
organizamos o minicurso intitulado “A Análise Narrativa na Pesquisa sobre
Aprendizagem e Desenvolvimento Profissional Docente”. No processo dessa
organização, entrei em contato com as leituras de Clandinin e Connelly (2011).
Após a qualificação, com a indicação da banca e a passagem para o
doutorado, haveria mais tempo. Decidimos, então, que seria pertinente realizar um
estágio de pesquisa no exterior. Julgamos pertinente uma estadia no Centre for
Research for Teacher Education and Development (CRTED), na Universidade de
Alberta (UofA), sob supervisão da professora Jean Clandinin.
Desse momento em diante, com as contínuas interlocuções com o professor
Dario e com a supervisão das professoras Jean Clandinin e Janice Huber, vinculadas
ao CRTED, esta pesquisa tomou diferentes rumos: passei a falar a partir de minha
experiência no GdS e da convivência com outros três participantes.
3 Profa. Dra. Maria Cândida Muller (UNIR), que na ocasião realizava estudos de pós-doutoramento no Prapem e era participante do GdS. 4 Profa. Dra. Dione Lucchesi de Carvalho, professora (Unicamp) participante do Prapem e do GdS. 5 Profa. Dra. Eliane Matesco Cristóvão (UNIFEI), participante do Prapem, do GdS e GEPFPM. 6 Profa. Dra. Laurizete Ferragut Passos (PUC-SP).
17
Naquele contexto foi Janice quem, em especial, chamou-me a atenção para o
fato de que não só os professores aprendiam em uma comunidade com a dinâmica
do GdS. Era algo que já reconhecíamos, mas que não era foco de nossas pesquisas.
Na interlocução com Janice, ela revelou que gostaria de saber quais seriam as
aprendizagens e de que modo pesquisadores e formadores se desenvolviam
profissionalmente. Seu comentário chamou-me a atenção, pois parecia fazer sentido
ampliar nosso olhar, uma vez que, após o texto do professor Dario publicado em
2013, estávamos começando a compreender o grupo como comunidade fronteiriça,
sem regulações da escola ou da universidade.
Os estudos sobre Pesquisa Narrativa, as indicações da banca de pré-
qualificação e qualificação constituídas pelos professores Dario, Laurizete e Dione,
minha relação com o campo, os comentários de Janice e a compreensão do grupo
como comunidade fronteiriça fizeram com que ampliasse o objetivo deste estudo: o
objeto deixou de ser o desenvolvimento profissional e a constituição da
profissionalidade docente em diferentes comunidades investigativas e passou a ser
“as experiências de desenvolvimento profissional e a constituição da
profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma comunidade
fronteiriça denominada Grupo de Sábado (GdS) ”.
Ao invés do uso dos questionários e da seleção de sujeitos de diferentes
comunidades investigativas, como o GdS constituía uma comunidade fronteiriça,
decidi que seria adequada a inclusão de participantes que viviam em diferentes
“mundos” e que conviviam comigo em uma mesma comunidade. Por essa razão
escolhi três participantes que têm a educação matemática como campo científico
e/ou profissional: Roberto, professor da escola; Eliane, formadora, pesquisadora e
professora da escola básica; Dario, formador e pesquisador.
18
Organização do texto de pesquisa
No primeiro capítulo, situo o lugar – contexto - desta pesquisa, isto é o Grupo
de Sábado (GdS). Desse modo, apresento sua história, produção escrita e o modo
como tem estabelecido interlocução com outras comunidades de educadores
matemáticos. Como, também, é próprio da pesquisa narrativa, neste capítulo
também narro minha relação, minha história e minhas percepções sobre esse
espaço.
No segundo capítulo, teço revisões e discussões teóricas sobre o
desenvolvimento profissional e a constituição da profissionalidade por meio da
participação em comunidades de aprendizagem docente. Neste mesmo capítulo,
discuto as ideias subjacentes às comunidades de aprendizagem docente.
No terceiro capítulo, exponho as razões que me levaram a realizar uma
pesquisa narrativa: narro os caminhos desta pesquisa, sua metodologia e seus
aspectos éticos. Teço, ainda, um breve levantamento sobre as pesquisas que
utilizaram narrativas realizadas no contexto do Prapem, apresento o modo de
análise desta pesquisa e seus conceitos epistemológicos.
No quarto capítulo, tendo por base transcrições de entrevistas, memórias dos
encontros, escritos do GdS, produções dos participantes deste estudo e minhas
interações com outros três participantes do grupo, narro suas histórias de
experiência de desenvolvimento profissional e a constituição de suas
profissionalidades no GdS.
E, no quinto capítulo, retomo as narrativas com base em eixos transversais:
1) mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2)
compreensões sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma
comunidade fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade
fronteiriça.
À guisa de concluir, algumas considerações são tecidas, tendo vista as
possibilidades da compreensão das comunidades fronteiriças como espaços
19
autônomos de experiências de desenvolvimento profissional e de constituição da
profissionalidade. Por fim, dou a ver o modo como percebo meu próprio
desenvolvimento profissional mediante a realização deste estudo.
De partida, destaco alguns termos aqui utilizados. Em se tratando do título
deste estudo, tomando por base a noção de Fiorentini e Lorenzato (2006),
compreendo como educador matemático o profissional que atua no campo
científico e profissional da área. Segundo esses pesquisadores, o educador
matemático é aquele que concebe a matemática como um meio, pois ele educa
através da matemática – suas atividades se desenvolvem nas escolas, nas Secretarias
de Educação e na formação de professores. Em se tratando do campo científico, suas
pesquisas são realizadas, utilizando essencialmente fundamentação teórica e
métodos das Ciências Sociais e Humanas. Tendo em vista as experiências de Roberto,
Eliane e Dario, compreendi que o qualificativo que os aproximava era “educador
matemático”.
Os dois formadores participantes deste estudo possuem dedicação exclusiva
e atuam como professores em universidade estadual e federal. Por essa razão,
formação, pesquisa e extensão estão relacionadas a suas carreiras. Portanto, quando
me referir a Dario e a Eliane como formadores, estarei falando de profissionais que
atuam nesse tripé.
Acerca da leitura do GdS enquanto uma comunidade fronteiriça, Fiorentini
(2013a) tem destacado que neste tipo de comunidade, normalmente, os
participantes possuem “mais liberdade de ação e de definição de uma agenda
própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela
universidade” (FIORENTINI, 2013a, p 04-05). Este, portanto, constitui-se como “um
lugar livre e, por isso também de perigo, de transgressão do instituído, de aventuras
na construção e problematização do conhecimento” (ibidem). Como destaco no
capítulo teórico, esse tipo de uma comunidade está relacionado à constituição de
comunidades investigativas, por essa razão, em diversos momentos, os estudos das
autoras Cochran-Smithe e Lytle (1999, 2009) são referenciados e discutidos nesta
tese.
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Nessas comunidades fronteiriças, costuma ocorrer a reunião de
“interessados de comunidades diferentes que definem suas agendas de estudo e
trabalho, podendo ser também investigativas” (FIORENTINI, 2013a, p. 05). Sem a
regulação da Universidade ou da escola, o GdS tem se constituído a partir das
experiências que seus participantes trazem de outras comunidades, por essa razão,
temos compreendido esse espaço como uma comunidade fronteiriça.
Um outro termo bastante utilizado por mim nesse estudo que pode, em um
primeiro momento causar estranhamento, é a palavra composta ensinaraprender.
Emprego esta palavra composta para expressar, de acordo com Carvalho e Fiorentini
(2013, p.11), “a complexidade e a dialética de como percebemos a relação entre o
ensino e a aprendizagem”. Ou seja, “o ensino só tem sentido, se promover
aprendizagens”. Além disso, “embora o professor, ao ensinar, tenha como meta uma
determinada aprendizagem, (...) as aprendizagens podem ser múltiplas e nem
sempre alinhadas às expectativas que o professor estabelece para o estudante”.
As obras artísticas que antecedem cada um dos capítulos dessa tese são da
artista brasileira Beatriz Milhazes e são acompanhadas de poemas, canções e
excertos da literatura brasileira e latino-americana. Escolhi as obras de Milhazes,
pois seus círculos sobrepostos uns aos outros, lembram-me as tantas comunidades
e espaço que participamos ao longo do tempo e influenciam nosso desenvolvimento
profissional. Lembram-me, também, as tantas comunidades que estão sobrepostas
em uma comunidade fronteiriça.
21
Figura 1 - No Campo (1997), Beatriz Milhazes
E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz
pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é
apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca
se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não
se chega senão através dela e com ela.
Clarice Lispector, A Paixão Segundo G. H. (1964)
22
Capítulo 01 – Encontro com o Grupo de Sábado
Figura 2 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 1
Neste capítulo, narro minhas primeiras aproximações com o Grupo de Sábado
(GdS), cenário privilegiado deste estudo e de encontro com os protagonistas Eliane,
Roberto e Dario. Relato também aspectos de minha trajetória acadêmica e
profissional que se relacionam com os interesses de estudo desta tese. Em seguida,
trago um histórico, descrevo os estudos sobre o GdS e, ao final, destaco
interlocuções com outros grupos colaborativos.
Narrativa inicial
Pesquisadores narrativos são chamados a começar suas pesquisas com
explicações de sua relação com o puzzle do estudo, isto é, com o problema de suas
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pesquisas. No caso deste texto, compreendo que devo narrar minha relação com a
intenção de pesquisar a “compreensão das experiências de desenvolvimento
profissional e a constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que
participam de uma comunidade fronteiriça” denominada Grupo de Sábado (GdS).
Para Clandinin (2013), as justificativas relacionadas ao puzzle são importantes
por diferentes razões: primeiro porque devemos compreender nossa posição na
pesquisa. Em segundo lugar, porque, sem a clareza do que nos traz ao estudo,
corremos o risco de iniciar um processo no qual não estabeleceremos relação
alguma. Terceiro, porque, sem a compreensão de quem somos, corremos o risco de
não compreender as experiências de nossos participantes. Por essa razão, a história
que segue relata minha própria relação com esse espaço, aqui tratado como uma
comunidade fronteiriça entre a escola e a universidade.
No ano de 2006, ao final do primeiro ano do curso de Pedagogia, após um
período trabalhando como professora auxiliar na educação infantil, na rede privada
de ensino7, fui contemplada com uma bolsa-trabalho8, que tem como proposta a
participação de estudantes de graduação em projetos de professores da
universidade.
Naquele período havia apenas dois projetos disponíveis na área de ciências
humanas: um que se envolvia análise de livros didáticos de português, no Instituto
de Estudos da Linguagem - IEL, e outro que se desenvolvia na Faculdade de Educação,
no grupo denominado “Grupo de Sábado” (GdS). O bolsista deveria comparecer aos
encontros e gravá-los, transcrevê-los e elaborar uma “memória”, indicando os
principais acontecimentos.
Para mim, não havia problemas ir à universidade aos sábados nem tampouco
fazer transcrição de diálogos... O problema é que se tratava de um grupo voltado
para a matemática, disciplina que eu havia vivido, na maior parte de minha
7Uma versão modificada dessa narrativa pode ser conferida em Crecci (2009, p. 59-68). 8Destinada a alunos de graduação, independente do seu ano de ingresso. O critério para a concessão da
bolsa é socioeconômico, por meio de participação no Processo Seletivo Anual.
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escolarização, dentro do paradigma do exercício, aquele modelo de ensino da
matemática baseado em resoluções de exercícios repetitivos, segundo o qual só há
uma resposta correta. Assim, sobretudo após os anos iniciais, como para Silvia
Orthof (p. 1987, p. 101), “essa coisa abstrata de símbolos que viravam teoremas,
letras, x, e frações para mim eram um verdadeiro suplício”.
Em razão dessa relação difícil com a matemática escolar de uma perspectiva
procedimental, a princípio, nem considerei ingressar como bolsista-trabalho em tal
projeto. Dessa forma, restando-me somente o outro projeto, fui até o IEL procurar
pela professora responsável por ele. O prazo para entregar o plano de atividades
assinado pelo orientador da bolsa já estava se encerrando, e o contato com a
professora foi impossível. Contrariada, resolvi procurar o professor Dario Fiorentini,
responsável pelo “Grupo de Sábado”. Consegui a assinatura do professor e fiquei
satisfeita tão somente por ter garantido a bolsa.
Quando iniciei minhas atividades, estava sem muitas expectativas de me
identificar com o grupo. No primeiro encontro de 2007, o professor Dario começou
fazendo uma retrospectiva do que vinha sendo o grupo de sábado, e ressaltou que:
[...] o grupo constitui-se em uma comunidade de professores e investigadores interessados em assumir, eles próprios, os desafios de melhorar a prática do ensino de matemática nas escolas e de desenvolver-se profissionalmente, tendo como aportes a reflexão, a colaboração, a investigação e a escrita sobre a prática do ensino da matemática nas escolas. Ou seja, no GdS, os professores aprendem e desenvolvem-se profissionalmente pelo simples fato de participar e compartilhar ativamente suas experiências, reflexões e investigações sobre a prática do ensino da matemática nas escolas. (Excerto da memória do encontro do dia 10/02/2007).
Dando um destaque à questão da colaboração entre os diferentes sujeitos
que participam do grupo, o professor acrescentou que uma alternativa para
enfrentar os problemas trazidos pelos professores da escola e a mudança da prática
escolar é a parceria entre professores formadores, professores da escola e os futuros
professores, em um trabalho colaborativo. Os professores formadores podem
colaborar com “os aportes teóricos e metodológicos que promovem a análise e o
estranhamento das práticas dos professores, e as experiências e conhecimentos
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relativos à educação matemática e à educação”, enquanto os futuros professores
podem colaborar com o “domínio da informática, da matemática e da didática
atual”. E os professores da escola colaboram com “o conhecimento experiencial
relativo ao ensino nas escolas atuais em diferentes contextos”. Ainda, segundo o
professor, essa comunidade de prática de trabalho colaborativo se pauta no “diálogo
cultural, científico e profissional, tendo como foco de estudo problemas e desafios da
prática docente na escola”.
Após tais explanações, foi a vez de cada participante se apresentar e indicar
o que gostariam de discutir no ano de 2007. A partir de situações do cotidiano de
práticas pedagógicas vivenciadas em diferentes contextos escolares, os professores
indicaram os seguintes assuntos: condições dos professores da escola pública,
alunos defasados em idade e aprendizado, alunos com necessidades especiais,
progressão continuada, relação professor titular e professor especialista em
educação especial, estatística na educação de jovens e adultos, currículo, formação
de professores, ensino para deficientes auditivos, fracasso escolar e escrita no
ensino-aprendizagem da matemática.
Logo no primeiro encontro, percebi que não estava em um grupo de
matemáticos preocupados em encontrar apenas o valor de “x” ou “y”, visão que eu
tinha, até então, da matemática. Desmistificado o que tanto receava, comecei a
compreender que se tratava de um grupo de professores de matemática e
formadores preocupados em investigar e compartilhar suas práticas de sala de aula.
E assim fui me animando.
Minha identificação com essa prática do grupo de levantar problemas para
investigá-los, perceptível logo no primeiro encontro, não teria sido por acaso.
Quando penso em minha relação com o conhecimento escolar, como professora ou
estudante, expressões como “sentido”, “pesquisa”, “trabalhos em grupo” vêm a
minha memória... Em especial, lembro-me, com nostalgia e carinho, das propostas
de trabalho de duas professoras, Marilda e Sônia.
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A primeira fora minha professora nos anos iniciais do ensino fundamental,
mais precisamente o que seria hoje o terceiro ano, em uma escola pública da rede
estadual de Campinas. Com ela, aprendíamos, por exemplo, frações, dividindo maçãs
e chocolates. Naquela época, a matemática era doce! Lembro-me, também, das
exposições culturais que realizávamos na sala, nas quais podíamos levar e contar
narrativas sobre os brinquedos que faziam parte de nosso cotidiano, ainda vivido na
simplicidade da rua. Leituras, quantas leituras deliciosas que recomendava! Também
eram frequentes as interrupções, em suas aulas, para acompanharmos fenômenos
sociais ou naturais. Eleições, greves, condições de vida e de trabalho dos professores
eram assuntos frequentes em suas aulas. Lembro-me de um eclipse solar que certa
vez acompanhamos. Meu pai, serralheiro, levou até a escola as placas usadas nas
máscaras de proteção de solda, para que pudéssemos olhar a lua sobrepondo-se ao
sol. Naquele dia, eram contas e mais contas que fazíamos, sonhos que criávamos,
imaginando como estariam nossas vidas no próximo eclipse solar. Marilda, como
ninguém, criou verdadeiros espaços de letramento em meus anos iniciais de
escolarização.
Sônia, por sua vez, fora minha professora no segundo ano do ensino médio.
Ela me apresentou a clássica literatura brasileira. Através de sua mediação, eu
adentrava o mundo dos adultos, compreendendo a complexidade das relações
humanas pela literatura. Em trabalhos propostos, investigávamos a vida de
personagens literários, compreendíamos seus contextos, suas histórias e seus
sentimentos. Tínhamos debates calorosos sobre o famoso Dom Casmurro, de
Machado de Assis. Nos intervalos, eu me lembro de ficar aborrecida com colegas que
defendiam Bentinho! Lia e relia o livro, procurando indícios de que eu tinha razão,
de que Capitu não o traíra, mostrando que na narrativa só conhecemos a perspectiva
de um personagem.
Certa vez, Sônia dividiu a sala em grupo, propôs a leitura de diversos livros.
Ao meu grupo coube a leitura da coletânea Várias histórias, de Machado de Assis.
Com uma atenção especial, se dirigiu ao meu grupo, disse para prestarmos atenção
e sermos cuidadosos com aquele trabalho, pois esse livro estava na lista da Unicamp,
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o que, até então, não dizia muita coisa para mim. O trabalho consistia na leitura
cuidadosa de cada conto, descrevendo o enredo, os principais personagens e o
contexto. Ao final, Sônia nos chamou e mostrou surpresa com a discussão que
tínhamos realizado. Disse que aquele parecia ser um trabalho de nível acadêmico.
De algum modo, essa foi a primeira vez que cogitei seriamente da possibilidade de
prestar o vestibular na Unicamp. Até então, a universidade não era um desejo ou um
sonho para mim ou para a maior parte daqueles alunos do ensino médio do início
dos anos 2000, filhos da “torta progressão continuada paulista”9, de décadas de
governo tucano. Com um pequeno gesto de Sônia, eu mudaria minha perspectiva
sobre literatura e, sobretudo, minha perspectiva sobre mim mesma.
Essas experiências de levantar problemáticas para investigá-las, embora
raras, também não eram inéditas para as estudantes do curso de pedagogia.
Sobretudo nas disciplinas de estágio, éramos convidadas a problematizar o contexto
escolar em suas diferentes faces. Mas, como cheguei ao grupo no início do segundo
ano do curso, em que são privilegiadas as disciplinas de fundamento no currículo
(Sociologia da Educação, História da Educação e Filosofia da Educação), fiquei
encantada por finalmente ter contato com a realidade escolar. Talvez essa seja a
palavra mais adequada para o que aconteceu naquele encontro – encantamento.
Volto a falar daquele primeiro contato com o GdS: passamos ao planejamento
dos próximos encontros, e observei que não havia uma relação hierárquica estática
estabelecida no grupo, uma vez que a coordenação dos encontros, assim como as
revisões das memórias (atas dos encontros) seriam feitas num sistema de rodízio
entre os participantes dispostos a colaborar.
Dizem que são as primeiras impressões que ficam. Neste caso, o ditado fez
sentido. Ao longo de nove anos, pude, de fato, vislumbrar um ambiente
colaborativo, inclusive, com tensões próprias e relações de poder que, volta e meia,
foram contornadas pelo bom senso do grupo e pela liderança de Dario e Dione. O
fato é que, em uma comunidade como essa, conflitos também podem e devem ser
9 Ao utilizar a expressão “torta progressão continuada paulista” faço referência à falta de eficácia desse tipo de programa no Estado de São Paulo que se converteu em aprovação automática.
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postos “na mesa”. As decisões, como a agenda de trabalho do semestre ou o nome
de um palestrante a ser convidado para os eventos que são organizados, são
negociadas em um movimento no qual nossas vozes se misturam, em um espaço que
se estabelece nas fronteiras de nossas vidas acadêmicas, afetivas, profissionais e
pessoais.
Em estudos recentes, o professor Dario tem denominado o GdS como uma
comunidade fronteiriça. Penso que esse é o adjetivo mais adequado para o que
temos vivido naquele espaço. Comunidades com essas características “possuem,
normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem
serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade”
(FIORENTINI, 2013a, p. 04-05).
Naquela dinâmica colaborativa, fui cada vez mais me sentindo integrada
àquela comunidade, envolvida nas discussões, construindo coletivamente ideias,
projetos, narrativas e utopias de um modo de ensinaraprender matemática mais
inclusivo e de um “mundo” no qual professores e acadêmicos tenham condições
parecidas de vida e suas posições sejam igualmente valorizadas pelas políticas
públicas... Colaborava para além de minhas funções como bolsista.
Experiências investigativas e profissionais
Em 2008, participei da elaboração e da gestão de um blog do Grupo de
Sábado10 no qual pudemos publicar notícias dos encontros do grupo, bem como
atividades realizadas em sala de aula. Engajada pela repercussão do blog, procurei o
Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied)11 para realizar uma pesquisa de
iniciação científica. A bem da verdade, naquela época, ainda por certa insegurança
com o conteúdo matemático, propriamente, achava que, por estar me formando em
pedagogia, não haveria espaço de pesquisa e trabalho para mim em uma
10 http//: www.grupodesabado.blogspot.com 11 O NIED é uma unidade especial de pesquisa, vinculada diretamente à Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa – COCEN, da Universidade Estadual de Campinas (Campinas).
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comunidade de educadores matemáticos. Assim, meio por questões práticas,
procurei outros espaços.
No NIED, dentro de um projeto financiado pela Fapesp, desenvolvi práticas
de formação com professores da escola para o uso das novas tecnologias e mídias
interativas12, no contexto de um projeto maior do Programa Melhoria do Ensino
Público13. Para saber o que aprenderam e como se desenvolveram profissionalmente
a partir das práticas que desenvolvi, realizei entrevistas semiestruturadas com as
professoras participantes do projeto. De certo modo, a perspectiva de escutar o que
os professores tinham a dizer não era uma novidade para quem já vinha de uma
prática colaborativa como a do GdS.
No ano seguinte, em 2009, entusiasmada pelas discussões sobre currículo no
GdS14, procurei o professor Dario para orientar meu trabalho de conclusão de curso
(TCC). Escrevemos, então, um projeto para a Fapesp, intitulado: “A profissionalidade
docente e a gestão do currículo em face às políticas públicas no Estado de São Paulo
- o caso São Paulo faz escola". A partir da aprovação, concomitante ao
desenvolvimento do TCC de mesma temática, desenvolvemos uma pesquisa
(CRECCI, 2009; CRECCI; FIORENTINI, 2014) em que investigamos como os professores
do segundo segmento do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio
utilizaram o material a eles enviado pela Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo (Seesp) no contexto da implantação do programa “São Paulo faz Escola”; como
fizeram a gestão do currículo proposto por esse programa; e quais as implicações
12Os resultados dessa pesquisa, que contou com a orientação da pesquisadora Dra. Maria Cecília Martins, podem ser conferidos em: Crecci (2010). 13 Iniciado em 1996, esse Programa financia pesquisas aplicadas sobre problemas concretos do ensino
fundamental e médio, em escolas públicas paulistas. Elas deverão ser desenvolvidas por meio de parceria entre instituições de pesquisa e escolas da rede pública (estadual e municipal), visando desenvolver experiências pedagógicas inovadoras que possam trazer benefícios imediatos à escola. (Fonte: http://www.fapesp.br/46). 14No contexto da implementação da proposta curricular “São Paulo Faz Escola” e das posições dos gestores da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, no Grupo de Sábado (GdS), os professores articularam-se para escrever e publicar a carta “E os professores... O que pensam de sua secretária?”:http://grupodesabado.blogspot.com/search/label/Políticas%20Públicas
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dessa política no processo de desenvolvimento profissional do professor e na
constituição de sua profissionalidade docente.
Os sujeitos dessa pesquisa foram professores que lecionavam matemática na
rede estadual de educação do estado de São Paulo. Os dados foram obtidos, numa
primeira fase, pela aplicação de questionários a professores da região de Campinas
e, numa segunda fase, por entrevistas semiestruturadas e visitas às instituições em
que atuavam, para observação da sua prática cotidiana. Os resultados do estudo
apontaram que, se a intenção da Seesp foi mobilizar os professores para que
implementassem, em todas as escolas, um currículo mínimo de matemática, a
presente pesquisa mostrou que, na prática, isso foi pouco eficaz.
Ao finalizar esse estudo, em síntese, consideramos que os professores
investigados, embora pressionados para pôr em prática tal proposta curricular,
demonstraram capacidade de resiliência15 diante das pressões externas, sobretudo
quando contavam com apoio de grupos de estudo ou da própria comunidade
escolar. Outro resultado, mais subjetivo foi o fato de ter iniciado um processo de
escuta sensível nas entrevistas semiestruturadas que realizei com professores da
escola por ocasião dessa experiência. Em cada entrevista, uma vida de professor se
revelava em seu devir. Lembro-me, com respeito e carinho, dos momentos em que
generosos professores me receberam para contar suas histórias.
Após concluir o curso de Pedagogia, em 2010, tornei-me professora de
informática em uma Escola de Tempo Integral (ETI), na rede pública estadual
paulista. Essa experiência docente, por si só, renderia muitas páginas. Por um lado,
é possível que as relações de alteridade com professoras e professores
aprendidas/vividas no GdS tenham sido importantes para o estabelecimento de
vínculos com a comunidade discente e docente, vínculos esses que fizeram com que
eu não apenas passasse pela escola, mas que a vivesse plenamente, mesmo em um
15 De acordo com Vergara (2008), “resiliência”, para a psicologia, é a propriedade de uma pessoa recuperar-se e manter um comportamento adequado após um dano. É a propriedade que ela tem, não de voltar à sua forma original, como os objetos da física, mas de minimizar ou dominar os efeitos nocivos da adversidade, em uma resposta ao risco.
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curto período. Por outro lado, as práticas investigativas observadas no grupo
também me davam ideias para desenvolver com os estudantes.
Certa vez, em ano de eleição, com o propósito de ensinar os estudantes a
usarem o Excel, eles foram a campo, investigaram as preferências de candidatos de
acordo com idade, gênero e renda. Ao final, comparávamos com os dados oficiais
divulgados por agências de pesquisa como IBGE e Vox Populi. Mas por qual razão
consultávamos dados de agências diferentes? Nos meses anteriores a essa
experiência, recebemos no GdS a visita do Prof. Paulinho Niterói, do Instituto de
Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), a convite da participante
Juliana. Na ocasião, ele nos alertou para as diferentes metodologias e os diferentes
espaços nos quais as pesquisas eram realizadas pelas diferentes agências. Por essa
razão, poderia haver discrepâncias influenciadas por questões socioeconômicas
relacionadas à origem dos entrevistados. Em síntese, problematizamos que haveria
diferenças entre entrevistar trabalhadores em um terminal de ônibus e transeuntes
em um shopping de um bairro nobre. Levei, então, esse tipo de discussão para os
estudantes. Naquele processo de medição e comparação, problematizávamos o
perfil socioeconômico dos entrevistados. Desse modo, especulávamos a correlação
entre o perfil socioeconômico dos entrevistados e as preferências ideológicas dos
candidatos.
Nesse período, também, comecei a atuar como formadora de professores.
Como contratada de uma consultoria, trabalhei em um município da região de
Campinas. A minha função era dirigir-me às escolas para ensinar aos professores a
integrar as tecnologias da informação e comunicação em suas aulas. Em parceria
com uma amiga, também pedagoga, propúnhamos práticas interativas, promovendo
a participação ativa dos envolvidos na criação de animações em softwares
específicos, por exemplo. Apesar disso, eu sabia que vários dos professores para os
quais dávamos o curso teriam condições de fazer melhor, com mais conhecimento
da realidade de suas escolas. E muitos deles, na formação, manifestavam esse
desejo. Para mim, não fazia nenhum sentido a atuação de alguém externo como
formadora naquela realidade. Apesar da boa remuneração para uma recém-
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formada, resolvi que aquela situação não tinha razão de continuar e, no ano
seguinte, resolvi não mais atuar naquela consultoria.
Em 2011, com meu ingresso no mestrado, no grupo Prática Pedagógica em
Matemática (Prapem), sob a orientação do professor Dario, a partir de uma
convergência de interesses de estudo, constituímos o projeto que integra a presente
pesquisa, submetido e aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp), cujo título inicial era “A Constituição da Profissionalidade
Docente em Comunidades Investigativas”. O objetivo era investigar como os
professores de matemática se desenvolvem profissionalmente e constituem a
profissionalidade docente em comunidades investigativas.
Em meio a essa experiência, professor Dario e eu também escrevemos um
projeto de estágio de pesquisa no exterior: “Concepções de Desenvolvimento
Profissional de Professores que Ensinam Matemática”, realizado no departamento
de Elementary Educacion do College of Education (North Carolina State University),
sob a generosa supervisão da professora Dra. Paola Sztajn. O principal objetivo desse
estudo foi analisar e compreender conceitos de desenvolvimento profissional além
de vivenciar outros processos de investigação nessa área de estudo. Uma revisão
bibliográfica sobre os estudos desenvolvidos em comunidades de aprendizagem
docente, orientada pela professora Paola, está presente no capítulo teórico desta
tese.
Na qualificação de mestrado, em maio de 2013, a banca indicou a passagem
para o doutorado. Uma vez aceita por mim, teria mais tempo para organizar a versão
final desta pesquisa. Tempo e reflexões que levaram, inclusive, a repensar o objeto
deste estudo. Nesse período eu também desenvolvia uma experiência que considero
ter sido de natureza investigativa, em parceria com o professor Dario, no trabalho
com a disciplina Práticas Pedagógicas em Matemática, do curso de licenciatura em
Matemática, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fui auxiliar docente,
no contexto de um programa da Universidade, para colaborar com os professores e
ter alguma experiência de docência no desenvolvimento das disciplinas da
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graduação. A proposta didático-pedagógica daquela disciplina consistia na
realização, pelos licenciandos, de estudos e análises de diferentes práticas de
ensinaraprender matemática na Escola Básica.
Em 2013, tentamos desenvolver a disciplina, tendo como principal objetivo a
problematização e a análise de práticas sociais de ensinaraprender matemática,
trazidas e documentadas pelos próprios licenciandos em diferentes contextos
escolares. Para assumir esse desafio, nós, como formadores, precisávamos
abandonar nossa zona de conforto, onde tínhamos controle sobre as
problematizações e as análises das práticas com base em literatura prévia
selecionada, tendo em vista um enquadramento teórico predefinido. Passamos, a
partir de então, a convidar os estudantes a visitar diferentes tipos de escola, com o
intuito de documentar práticas e experiências de ensinaraprender tradicionais ou
inovadoras e, depois, analisá-las e problematizá-las, tendo como aportes a literatura
profissional e acadêmica disponível e mais conveniente para cada caso. Os
estudantes, em seguida, deveriam escrever um artigo no qual analisavam um
episódio da prática observada no contexto escolar, tendo por base a literatura
indicada (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).
Apesar de ter prazer em realizar e desenvolver trabalhos que exigiam algum
tipo de pesquisa, nunca fui dada a cópias enfadonhas, a exercícios sem sentido, a
repetições e memorizações. Como pedagoga, viria a aprender, nas palavras de
Charlot (p. 158-159), que “só aprende quem tem uma atividade intelectual”. E “o
aprendiz tem de encontrar um sentido para isso. Um sentido relacionado com o
aprendizado, pois, se esse sentido for completamente alheio ao fato de aprender,
nada acontecerá”.
Naquele período entre a passagem do mestrado para o doutorado, retornei
à rede estadual paulista como professora alfabetizadora de alunos dos anos iniciais.
Fui contratada para trabalhar em um projeto que funcionava como uma espécie de
reforço para os alunos que apresentavam dificuldades na leitura e na escrita. A
princípio, tentava seguir uma linha crítica, visando à leitura de mundo, selecionava
notícias de jornais para que os alunos tivessem contato com a “realidade”.
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Obviamente, não escolhia quaisquer notícias, mas aquelas relacionadas ao cotidiano
deles, como o aumento da passagem do ônibus. Rapidamente, percebi que, por um
lado, não adiantaria trabalhar apenas com textos longos e, por outro lado, eram
crianças e deveriam ser felizes no espaço escolar. A crítica deveria ser parte da
escolarização, assim como o prazer em aprender. Foi aí que notei, mobilizada pela
ideia de participação em comunidades de prática, outra influência do GdS. Poderia
propiciar práticas de participação em ambientes de aprendizagem e, ao mesmo
tempo, práticas que engajariam e mobilizavam prazer.
Essas ideias também foram influências das leituras que realizávamos no
contexto de preparo e desenvolvimento da disciplina de Estágio Interdisciplinar I,
outro curso no qual auxiliei o professor Dario, no ano de 2013. A leitura de Charlot
(2013, p. 159) me fazia compreender que “só aprende quem encontra alguma forma
de prazer no fato de aprender. Quando digo ‘prazer’ não estou opondo a esforço.
Não se pode educar uma criança sem fazer-lhe exigências. [...] Não há contradição
entre prazer e esforço”
Foi, então, que aprendi a trabalhar com o lúdico e com a imaginação. Como
se tratava de uma escola em um bairro rural, de repente, estávamos todos no chão:
sentamos, escrevendo com giz na quadra, brincando de escrever quais eram os
animais que víamos ao redor da escola ou quais eram nossas comidas prediletas,
pretexto para discutirmos boas práticas alimentares. De repente, estávamos lendo
contos de fadas para depois modificar o final ou, até mesmo, a moral da história.
Certa vez, Maria Clara largou o príncipe para se casar com um cantor de
rapper. Um dia, Lucas, menino franzino que falava baixinho, começou a ficar com a
postura ereta e a olhar em meus olhos no momento de tentar ler a composição das
letras. Juliano começava a colecionar os jornais de preço do mercadinho do bairro
para compormos listas de compra nas aulas de reforço. De repente, estava
novamente envolvida em cenários de letramento – a sensação que tinha era
parecida como aquelas das aulas da professora Marilda.
Seis meses após a passagem do mestrado para o doutorado, o projeto foi
aprovado pela Fapesp. O valor da bolsa era pelo menos três vezes superior ao salário
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que recebia na rede estadual, sem contar os benefícios para o desenvolvimento da
pesquisa, com a reserva técnica e a possibilidade de estágio no exterior. Em um
mundo com tamanha fluidez, com o tempo vamo-nos acostumando com recomeços.
Eu não tinha muito o que dizer às crianças. Além do mais, em se tratando de
professores, elas já estavam acostumadas com recomeços. Quando contei que sairia
da escola, ficaram muito tristes. Abraçavam-me com força! A tristeza era tamanha
que dali alguns minutos, para minha paz de espírito, estavam correndo, correndo
felizes pelo pátio da escola.
Foi, então, que vieram a dedicação exclusiva ao doutorado e o estágio de
pesquisa no Canadá, que será narrado com mais detalhes no capítulo metodológico,
pois foi naquele contexto que os rumos desta pesquisa ficaram mais delineados. Por
ora, posso afirmar que, com a participação em diferentes comunidades, fui
constituindo minhas experiências de desenvolvimento profissional e minha
profissionalidade em diferentes cenários. Durante esses anos, mantive-me
participante atuante no Grupo de Sábado. Concomitantemente, estive ora na escola
como professora, ora atuando como formadora de professores, ora na universidade
como pesquisadora, ora no mundo da escola e da universidade. Os espaços
fronteiriços não me são estranhos. Na verdade, eu gosto deles, pois não há do que
se entediar na passagem. Talvez daí venha meu encantamento pelo espaço que
conecta os três personagens principais deste estudo – o Grupo de Sábado, aqui
compreendido como uma comunidade fronteiriça.
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História e estudos sobre o Grupo de Sábado
Figura 3 - Encontro GdS. Acervo Pessoal 2
O Grupo de Sábado (GdS) foi fundado em 1999 pelo professor Dario, por 2
professores que ensinavam matemática na escola básica (Rodrigo e Juliana) e 2 pós-
graduandos (Alfonso e Renata). Atualmente, o grupo realiza diversas atividades.
Quinzenalmente temos encontros aos sábados pela manhã, na FE/Unicamp.
Atualmente, contamos com a presença de cerca de 12 participantes por encontro.
Desde 2006, a cada 2 anos temos realizado os Seminários Nacionais de Histórias e
Investigações de/em Aulas de Matemática (SHIAM). O grupo também já conta com
6 livros publicados, com histórias e narrativas escritas por professores ou formadores
sobre o ensinaraprender matemática.
Assim como o grupo Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), o GdS
também é coordenado pelos professores Dario e Dione. Em recente capítulo de livro
publicado, para eles, o processo de aprendizagem e de formação que ali ocorre
[...] não é baseado em cursos, como tem sido tradicionalmente concebidos e desenvolvidos pela universidade e pelas agências públicas, mas na realização de práticas de estudo, reflexão, análise e problematização sobre o que ensinamos e aprendemos em
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diferentes espaços educativos (FIORENTINI; CARVALHO, 2015, p. 15).
Como destaquei no início deste capítulo, usualmente, no primeiro encontro
de cada semestre, é realizada uma avaliação e elaborado o cronograma do grupo. A
constituição dessa agenda de atividades é compartilhada por professores e
acadêmicos. A partir das questões que os professores trazem das escolas, os
encontros são organizados, tendo em vista a problematização da complexidade das
práticas docentes, mediante seus diversos contextos, e a busca por alternativas ao
ensino e à aprendizagem da matemática nas escolas. Nesse movimento que emerge
das práticas são estabelecidas interlocuções com referenciais teóricos da educação
e da educação matemática. Assim, a prática docente se torna objeto de investigação
e de ação do grupo. Portanto, levar para o grupo os problemas do campo prático não
implica
[...] que os estudos acadêmicos não tenham lugar no processo de formação continuada dos participantes do GdS. Eles continuam importantes, não como verdades absolutas ou referenciais a serem utilizados e aplicados nas práticas dos professores, mas como mediação ou caixa de ferramentas que ajudam os professores a perceberem outras relações da prática e, portanto, compreenderem melhor o mundo do trabalho docente e perspectivar mudanças e melhorias da mesma (FIORENTINI; CARVALHO, 2015, p. 16).
De acordo com o professor Dario, uma das motivações que levaram à
formação desse grupo colaborativo foi a tentativa de reduzir a distância entre a
pesquisa acadêmica e a prática de ensinar e aprender matemática nas escolas.
Destaca que, como formadores e pesquisadores da universidade, assumiram, como
hipótese de trabalho, que os professores da escola e da universidade, mestrandos e
doutorandos e futuros docentes podiam, juntos, aprender a enfrentar o desafio da
escola atual, negociando e construindo outras práticas de ensinar e aprender
matemática potencialmente formativas aos alunos que despertem neles o desejo de
aprender e de se apropriar dos conhecimentos fundamentais à sua inserção social e
cultural (FIORENTINI, 2009).
Atualmente, em razão das referências bibliográficas que temos utilizado,
temos substituído, nas produções escritas, o termo “grupo colaborativo” por
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“comunidade”. Mas, quando nos referimos aos encontros, não substituímos a
palavra “grupo”. Na figura 04, Fiorentini e Carvalho (2015) referem-se ao GdS como
uma comunidade investigativa. Na mesma figura é possível conhecer o suposto
objetivo comum das comunidades que fazem parte do GdS.
Figura 4 - Fiorentini e Carvalho (2015, p. 28)
Uma especificidade dessa comunidade é a voluntariedade da participação.
Segundo Fiorentini (2013a, p. 5), uma comunidade na qual os participantes não
possuem vínculos institucionais, tal como ocorre no GdS, pode ser caracterizada
como fronteiriça, em que há mais liberdade de ação e de definição de uma agenda
própria, podendo se tornar “um lugar livre e, por isso também de perigo, de
transgressão do instituído, de aventuras na construção e problematização do
conhecimento”.
Em consonância com essa característica, um espaço dentro do encontro que
tem sido especial momento para trocas mais pessoais têm sido os cafés. Em todo
encontro, ao final do primeiro bloco, fazemos um intervalo no qual é possível
39
socializar aspectos para além de nossas vidas profissionais. Nesse momento, é
comum escutarmos histórias de outras comunidades como, por exemplo, da família.
Acerca das publicações, atualmente, o grupo tem seis livros publicados
contendo histórias e narrativas de experiências e práticas de sala de aula que tiveram
como foco o ensinaraprender matemática. Nesses livros, professores da escola
básica que ensinam matemática e, até mesmo, formadores narram suas experiências
sobre o ensinaraprender matemática, tomando por base episódios acontecidos em
sala de aula que foram problematizados por eles no GdS.
Em 2001, o então Grupo de Pesquisa em Álgebra Elementar (GPAAE), lançou
seu primeiro livro (FIORENTINI et. al., 2001), intitulado “Histórias de aulas de
matemática: trocando, escrevendo, praticando e contando”. Participavam, então, do
grupo, 14 professores das redes pública e particular de ensino da cidade de
Campinas e região, dois doutorandos e o professor Dario. As cinco narrativas desse
primeiro livro, caracterizam-se por serem relatos de experiências de episódios de
aulas de matemática. Nenhum dos textos trazem referências bibliográficas
explicitas. Apesar de curtas, os relatos publicados traziam significações de
professores e de estudantes sobre os assuntos abordados.
O segundo livro do grupo (FIORENTINI; JIMENEZ-ESPINOSA, 2003) segue a
mesma linha do primeiro. Nele encontramos dez histórias de aulas matemática e um
texto escrito por acadêmicos sobre a dinâmica do GdS. Na maioria das narrativas,
encontramos diálogos com a literatura sobre educação matemática.
Lançado em 2006 (FIORENTINI; CRISTOVAO, 2006), o terceiro livro foi dividido
em duas partes: 1) Histórias de Reflexão sobre o Ensino de Matemática, e, 2)
Investigações Matemáticas em Aulas da Escola Básica. Lançado em 2006, a primeira
parte foi constituído por sete capítulos que discutiam: a escrita no processo de
aprender matemática e outros contextos. Enquanto que a segunda parte foi
dedicada a discussão de atividades e aulas investigativas.
Acompanhei a organização e a escrita dos últimos três livros, a dinâmica de
escrita desses tem sido bastante formativa. Uma primeira versão do texto é lida no
40
grupo. Nessas ocasiões, podemos relatar nossas percepções sobre o texto, bem
como, apontar o que julgamos que deve ser modificado. Em alguns casos, até mesmo
uma segunda versão do texto tem sido apresentada no grupo.
O quarto livro (LUCCHESI; CONTI, 2009), publicado em 2009, foi dividido em
duas partes. Na primeira já começam a aparecer mais as práticas dos formadores,
isto é, professores que estavam na fronteira entre a escola e a universidade, como o
caso de Monike (BERTUCCI, 2009). Por ocasião de sua pesquisa de mestrado,
constituiu um grupo colaborativo em uma escola dos anos iniciais. Assim, na primeira
parte do livro, estão estudos sobre práticas colaborativos na formação do professor
que ensina matemática. Na segunda parte, encontram-se práticas de reflexões e/ou
investigações de/sobre aulas de matemática.
Os livros quinto (CARVALHO; LONGO; FIORENTINI, 2013) e sexto (FIORENTINI;
FERNANDES; CARVALHO, 2015) foram lançados em um momento em que estávamos
mais interessados nos sentidos e significados do ensinaraprender matemática,
inclusive esse foi o tema do V SHIAM. Os dois últimos livros do grupo, tiveram como
foco as narrativas de práticas de ensinaraprender matemática. Nos últimos, pode-se
dizer a partir de 2009, não tivemos o foco em uma metodologia em especifico, como
foi o caso das investigações em aulas de matemática ou a escrita em aulas de
matemática. O quinto livro foi dividido em duas partes, a primeira intitula-se “sobre
o ensinaraprender álgebra elementar”. A segunda parte está intitulada “sobre
estimar, medir e comparar”.
O sexto livro teve como foco a formação de professores, tanto na formação
inicial como na continuada e, também, está dividido em duas partes. A primeira
intitula-se “narrar e refletir sobre o ensino dos conteúdos escolares como prática de
formação de professores que ensinam matemática”, ao passo que a segunda parte
está intitulada: “O papel da colaboração na reflexão, investigação e aprendizagem
dos professores sobre as práticas de ensinaraprender matemática”.
Desde o surgimento do grupo, muitos estudos são realizados tendo o grupo
como contexto, sendo esse o foco de estudo ou contando com seu apoio. Desde
41
1999, na coordenação de projetos ou em produções, como artigos e capítulos de
livros, publicados em parceria com outros pesquisadores ou como único autor, o
professor Dario tem tomado a aprendizagem docente, a constituição da
profissionalidade e o desenvolvimento profissional como focos de suas pesquisas.
Também Alfonso Espinosa-Jimenez (2003) investigou o processo de
ressignificação e de reciprocidade de saberes, ideias e práticas, em um contexto de
reflexão e partilha com o Grupo de Pesquisa Ação em Álgebra Elementar (GPAAE).
Em seu trabalho, compreendeu que a “ressignificação aparece através do processo
interlocutivo onde a escuta, a argumentação e a contra-argumentação são levadas
em conta na prática de um discurso com características de lúdico e/ou polêmico”
(ESPINOSA-JIMENEZ, 2003, p. VIII). Sua pesquisa também tornou evidente a
importância da reflexão coletiva tanto para os professores escolares quanto para os
acadêmicos. Observou ainda, na mesma página, que, quando “o objeto da reflexão
é a prática discursiva que acontece em sala de aula, as discussões tornam-se mais
ricas e contributivas para os processos de ressignificação e de reciprocidade de
saberes da ação pedagógica em matemática”.
Renata Pinto (2002), em uma perspectiva sociocultural, investigou como três
professores de matemática se tornaram produtores de textos escritos sobre suas
experiências em sala de aula. A pesquisadora percebeu que a mobilização para a
escrita era o significado que atribuíam ao ato de escrever. Também destacou a
importância na colaboração no processo da escrita.
A dissertação de Juliana Castro (2004) foi o primeiro estudo acadêmico
realizado por uma professora do ensino básico contando com a colaboração do
grupo. A professora investigou sua própria prática e desenvolveu atividades
investigativas com o auxílio do próprio GdS. Nesse estudo, Castro analisa o papel
desempenhado pelas experiências pedagógicas com investigações matemáticas em
sala de aula em seu processo de constituição profissional como professora de
matemática. O material de análise foram seus registros em diário de campo,
gravações em áudio de suas aulas na escola e de encontros de discussão, reflexão e
análise do GdS sobre suas experiências e ensaios com investigações matemáticas.
42
Em síntese, seu estudo mostrou que a experiência de planejar, vivenciar, escrever e
refletir a respeito de investigações matemáticas em sala de aula foi extremamente
formativa para a professora-pesquisadora.
O estudo mais recente foi o de Merca Luz Hernandez-Vázquez (2015), que,
por sua vez, analisou as trajetórias de aprendizagem docente de três participantes
do Grupo de Sábado. Sua pesquisa teve por objetivo narrar o processo de
participação de professores que ensinam matemática, além de identificar e
descrever as aprendizagens resultantes desse processo. Para isso, teceu breves
narrativas sobre as percepções relacionadas à participação de três professores do
Grupo de Sábado (GdS).
Interlocução com outros Grupos Colaborativos
Com o passar do tempo, compreendia que o grupo não é uma comunidade
isolada, através de seus participantes o grupo estabelece relações com diversas
comunidades. Desse modo, o grupo influencia e é influenciado por tantos outros
espaços. Sobre isso, compreendo que a constância dos professores formadores
vinculados à Unicamp, instituição que cede o espaço dos encontros do grupo, têm
sido o de dar sustentabilidade ao grupo.
Como a participação é voluntária, por um lado, os professores e futuros
professores variam. Por outro lado, durante meu período de participação, Dario e
Dione se mantiveram como articuladores do espaço junto a Universidade, assim,
suas presenças foram constantes. Com o tempo e mediante participação em outras
comunidades, pude perceber que o compromisso deles com a educação matemática
transcendia as fronteiras do Grupo de Sábado ou, até mesmo, do Prapem. O que faz
com, de certo modo, esses grupos ganhem projeção em outros contextos.
43
Estava recém-formada no curso
de Pedagogia e havia há pouco menos
de seis meses ingressado na rede
estadual como professora, quando
participei de um ENEM em Salvador,
aquela havia sido a décima edição. A
reunião impressionou-me pela
quantidade de pessoas presentes e
pelas temáticas tão diversas que eram
contempladas em sessões de comunicação, em palestras, em mesas redondas e em
conferências. Dione, que nos acompanhava já havia sido uma das militantes mais
atuantes e uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Educação (Sbem),
praticamente nos introduzia naquela comunidade, apresentando eu e meus colegas
para pesquisadores e professores de todos os cantos do Brasil.
A medida que observava o quanto os professores da FE-Unicamp com quais
convivia estavam eram referenciados e conhecidos daquela comunidade, dava-me
conta de que meus professores tinham uma história anterior ao vinculo profissional
que nos conectava. Ficava evidente que para além dos muros de uma determinada
universidade, questões maiores os uniam a um determinado campo cientifico e
profissional. Seja nas interações ou nos escritos, eles, também, iniciavam a mim e
aos meus colegas naquela comunidade mais ampla.
Foi, assim, que a medida que participava de espaços e comunidades que
transcendiam as fronteiras do GdS, como os Encontros Nacionais de Educação
Matemática (Enem), que ocorrem bienalmente em diferentes capitais brasileiras, e
os Seminários Nacionais de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática
(Shiam), organizado pelo GdS, percebia o quanto a área de educação matemática
brasileira é mobilizada.
Participando desses espaços, observava que o Grupo de Sábado (GdS) não é
uma comunidade isolada. Apesar de sua autonomia em relação a outros grupos e
comunidades, a história de sua fundação acompanha as trajetórias de Dario e,
Figura 5 - Abertura Enem, Salvador, 2010
44
também, de Dione que atuaram de modo orgânico na fundação da Sociedade
Brasileira de Educação Matemática. Foi em 1988, na cidade de Maringá, no Paraná,
que a SBEM foi fundada, por um grupo majoritariamente de formadores de
professores experientes ou em início de carreira, recém-saídos da escola básica ou
que viviam na fronteira do ensino básico e do ensino superior. Começava, assim,
consolidar-se uma nova fase da história da educação matemática brasileira.
Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009) o surgimento da Educação Matemática
(EM) no Brasil, teve início a partir do movimento da matemática moderna (MMM),
final dos anos 70 e início dos 80. Logo em seguida, como já citado, a SBEM foi
fundada. Os mesmos autores dividem o surgimento da educação matemática no
Brasil em quatro fases:
1. Gestação da EM como campo profissional (período anterior à década de 1970)
2. Nascimento da EM (década de 1970 e início dos anos de 1980)
3. Emergência de uma comunidade de educadores matemáticos (década de 1980)
4. Emergência de uma comunidade cientifica em EM (anos de 1990)
(FIORENTINI e LORENZATO, 2009, p. 16)
De modo sintetizado, tomando por base os estudos de Fiorentini e Lorenzato
(2009), na primeira fase, a educação matemática (EM) não se encontrava claramente
configurada. Para Fiorentini e Lorenzato (2009), “o movimento ‘escolanovista’,
desencadeado a partir da década de 1920 no Brasil, seria de grande consequência
para a EM”. Começam, assim, a surgir os primeiros – por assim dizer – educadores
matemáticos, como Euclides Roxo e Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan). A
características dos educadores matemáticos dessa fase foi escrever materiais
didáticos, com livros didáticos, paradidáticos e apostilas. Ainda nessa fase, tendo em
vista o Movimento da Matemática Moderna, começavam a surgir os primeiros
congressos. As pesquisas, no entanto, eram escassas.
45
Na segunda fase, “surgem os primeiros sinais da existência de um novo
campo profissional”. Desse modo, também, começam a surgir as primeiras pesquisas
em âmbito de pós-graduação strictu sensu. Na terceira fase, a medida que ocorria
redemocratização e a abertura política no país, na década 1980, amplia-se a
concepção de EM (ibidem). De acordo com Fiorentini e Lorenzato “novos problemas
e novas perguntas surgem em EM e com eles novas formas de investigação” (p. 26).
Em 1984, na UNESP de Rio Claro, surge o primeiro programa brasileiro de pós-
graduação em educação matemática. Nesse período, os programas de pós-
graduação da Unicamp, UFSCar e UFPE também se destacam como reduto de
pesquisas desenvolvidas nas linhas de educação matemática. Essa fase, também, é
marcada pelo desenvolvimento de projetos junto ao Ministério da Educação e as
secretarias de ensino estaduais. Os eventos em educação matemática começam a
acontecer nacionalmente, como o ENEM. Começam, também, o surgimento e o
fortalecimento de grupos de estudos voltados ao ensinaraprender matemática.
Segundo Fiorentini e Lorenzato (2009):
Embora esses grupos e eventos tenham se notabilizado mais pelo ativismo que pela reflexão sistemática sobre o processo de ensino e aprendizagem, esse movimento contribuiu para que muitos professores do ensino de 1º e 2º graus, com significativa experiência em sala de aula, passassem a fazer parte de grupos de estudos, chegando, muito deles, a realizar mestrado ou doutorado em área relacionada ao ensino. Foram justamente esses professores que trouxeram, para o âmbito da reflexão sistemática da pós-graduação, as interrogações e os problemas concretos por eles vividos no dia a dia da sala da aula. Esses profissionais, inclusive, constituem hoje o principal grupo de apoio e sustentação da comunidade nacional de educadores matemáticos (p. 31).
Na quarta fase, na década de 90, muitos educadores matemáticos doutoram-
se no Brasil ou no exterior. Surgem mais programas, linhas de pesquisa referentes a
educação matemática, periódicos específicos, uma área de ensino de ciências e
matemática é criada na Capes, os programas continuam se consolidando. É dessa
década a criação de grupos como o Prática Pedagógica em Matemática (1995) e o
Grupo de Sábado (1999).
46
A partir do ano 2000, é possível falar do estreitamento da comunidade
científica de educadores matemáticos com as comunidades escolares. Por um lado,
houve uma mudança no paradigma do que compreendemos como pesquisa do
professor. Também há um reconhecimento das comunidades acadêmicas sobre a
necessidade de maior articulação e interlocução com as comunidades escolares. Por
outro lado, é provável que esse processo também tenha sido influenciado por
políticas como Programa de Iniciação à Docência (PIBID), Observatório da Educação
(OBEDuc) etc.
Outro fator que marcou esse período foi o crescimento dos programas de
pós-graduação e o surgimento dos mestrados profissionais. É nesse cenário que,
inspirados nas experiências de grupos já existentes e em razão, sobretudo, do
aumento da presença de professores da escola básica na universidade, têm surgido,
cada vez mais, grupos com a participação de professores, formadores de
professores, formadores de professores, pesquisadores e, até mesmo, futuros
professores.
Com a constituição do Simpósio Nacional de Grupos Colaborativos e de
Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, foi possível conhecer outros
grupos que se organizam mediante a parceria entre universidade e escola. A ideia de
organizar esse simpósio, anexo ao SHIAM, ocorreu em uma reunião do GdS, em
2012.
Na edição anterior, no III SHIAM, em 2010, no último dia tivemos a mesa
intitulada “Aprendizagens e desafios em comunidades colaborativas de
professores”, da qual participaram Dione (coordenadora), Maria do Carmo de Souza
(UFSCar), Paulo Penha (Grucomat), José Walber Ferreira (EMFoco) e Eliane Matesco
Cristovão (GdS). As falas versavam sobre as histórias de participação e as dinâmicas
das comunidades que congregavam professores da escola, formadores de
professores e pesquisadores.
A partir de então, sentimos a necessidade de ter mais espaço para as falas
referentes aos grupos colaborativos. Para isso precisaríamos de organização e
47
recursos. Assim, solicitamos a inclusão de recursos no projeto de financiamento do
IV SHIAM, coordenado pela professora Dione, para possibilitar a presença de
representantes de 13 grupos colaborativos (12 brasileiros e 1 argentino). Naquele
período, fomos contemplados com recursos da Capes e do CNPq, que viabilizaram a
realização do evento.
Estiveram presentes os grupos: Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação
de Professores que Ensinam Matemática (Forpromat); Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Estatística e Matemática (Gepee); Grupo Colaborativo (Famaf); Grupo
Colaborativo em Modelagem Matemática (GCMM); Grupo de Pesquisa Formação
Compartilhada de Professores – Escola e Universidade – (Gpefcom); Grupo de
Estudos e Práticas em Educação Matemática (Grepem); Grupo de Estudos
Alfabetização em Diálogo (Grupad); Grupo de Estudo e Trabalho Pedagógico de
Ensino de Matemática (Getemat); Grupo de Estudos Outros Olhares para a
Matemática (Geoom); Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da Faal
(Gepemf); Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (EMFoco) e
Grupo Colaborativo de Matemática (Grucomat).
Nesse simpósio, foi redigida uma carta, reivindicando, entre outras coisas, o
reconhecimento da participação de professores e futuros professores nos grupos
colaborativos e maiores recursos para pesquisas vinculadas aos estudos das práticas
desenvolvidas nessas comunidades.
A partir dessa experiência no simpósio, foi organizado um e-book
(GONÇALVES, LIMA, CRISTOVAO, 2014) no qual se encontram a carta e capítulos
escritos por cada um dos participantes dos grupos, que descreveram as dinâmicas,
os modos como se constituíam, as produções do grupo etc.
Desde então, ocorreram mais dois simpósios, contando, inclusive, com a
participação de outros grupos. Tendo em vista a organização dessas comunidades
em eventos e publicações, penso que talvez já seja possível falarmos do início de um
movimento de comunidades colaborativas de educadores matemáticos, das quais
48
participam professores da escola, formadores, pesquisadores, futuros professores e
pesquisadores.
A partir de questões emergentes desse contexto de colaboração entre
professores e formadores, no próximo capítulo, discuto teoricamente as concepções
teóricas presentes neste estudo. Ali serão problematizados os conceitos de
profissionalidade, desenvolvimento profissional e comunidades de aprendizagem
docente, para revisar, discutir e reconsiderar o objeto de estudo desta tese.
49
Figura 6 - Cortesia (2000), Beatriz Milhazes
Esta língua não é minha, qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras, vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima, quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua. A língua que eu falo trava
uma canção longínqua, a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa, eu, meio, eu dentro, eu, quase.
Paulo Leminski, Invernáculo (1996)
50
Capítulo 2 – Desenvolvimento Profissional e
Profissionalidade em Comunidades de Aprendizagem
Docente
Para compreender o objeto de estudo desta tese, optei por revisar a literatura
e discutir conceitualmente três tópicos que se inter-relacionam: desenvolvimento
profissional, profissionalidade e comunidades de aprendizagem docente. Tendo em
vista os diversos pressupostos das comunidades constituídas por professores e
formadores, optei por um termo mais abrangente para realizar essa revisão e
discussão teórica: comunidades de aprendizagem docente. Para isso, tomei por base
os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), que discutem as diferentes finalidades
desses espaços.
Acerca da organização deste capítulo, inicio com a revisão bibliográfica sobre
desenvolvimento profissional. Quanto à revisão sobre a constituição da
profissionalidade, por tratar-se de um tema bastante explorado, mas pouco
problematizado conceitualmente nas pesquisas sobre formação docente, optei por
dar continuidade à revisão bibliográfica realizada em outra pesquisa sobre a
profissionalidade docente e a gestão do currículo (CRECCI, 2009).
Na ocasião em que realizava meu TCC, dei-me conta do uso disperso do termo
“profissionalidade”. A fim de problematizar esse uso, a literatura sobre
profissionalidade é dividida em quatro eixos: 1) as origens do termo e do conceito;
2) a profissionalidade docente como competências necessárias ao exercício da
docência; 3) a profissionalidade como identidade; e 4) os diferentes sentidos de
profissionalidade.
Em seguida, são discutidos possíveis pressupostos das comunidades de
aprendizagem docente, tendo em vista suas ideias de aprendizagem,
desenvolvimento profissional, profissionalidade docente e papel do formador, para,
então, focar nas comunidades investigativas.
51
Fiorentini (2013a) tem qualificado as comunidades investigativas em escolares,
acadêmicas e fronteiriças. Desse modo, ao considerar especificamente o contexto
de encontro dos protagonistas deste estudo, ao final do capítulo, problematizo a
constituição do desenvolvimento profissional e da profissionalidade em
comunidades fronteiriças.
Apesar de não compreender as referências teóricas como um cinturão
epistemológico para minhas ideias, dialeticamente, as perspectivas reificadas por
outros e por mim lidas e estudadas, seja individual ou coletivamente, estão
presentes em minhas escolhas, na compreensão do objeto e em sua própria
constituição. Se, na composição dos textos de pesquisa, por um lado, os jargões
acadêmicos e as longas citações podem até ser um lugar seguro e, por vezes, mesmo,
enfadonhos, acredito que, por outro lado, dão a ver ideias que nos inspiram.
Quero ainda destacar que muitas discussões, inclusive de natureza teórica,
presentes na tese, são oriundas de interlocuções e publicações realizadas em
conjunto com o professor Dario. Por essa razão, em alguns trechos, utilizo o recurso
da primeira pessoa do plural e faço citações de produções publicadas ou no prelo.
Desenvolvimento Profissional Docente
Em uma perspectiva sociocultural de pesquisa, o contexto é relevante para
conhecermos em quais condições de produção histórica nosso objeto de estudo está
situado. Segundo Clandinin e Huber (2010), a problemática investigada, o puzzle,
após relacionado à história de vida do pesquisador tal como fazemos nas narrativas
iniciais, por um lado, deve ser relacionado ao seu campo científico e, por outro lado,
relacionada ao contexto conjuntural que o envolve.
Por essas duas razões, para discutir esse conceito polissêmico, quando iniciei
os estudos sobre desenvolvimento profissional, busquei saber como esse
movimento estava sendo compreendido nas normativas do Ministério de Educação
(MEC) que dispõem sobre a formação docente, na literatura e em contextos diversos.
52
A seguir, discuto diferentes faces do desenvolvimento profissional, desde aquelas
que o compreendem como sinônimo de formação continuada, até aquelas que o
tomam como experiências ao longo da vida.
Faces do Desenvolvimento Profissional
Nos Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 1999) divulgados
pelo MEC, a formação do professor é compreendida como um processo contínuo,
sendo o desenvolvimento profissional parte de toda carreira docente:
A formação é aqui entendida como processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional, o que pede do professor disponibilidade para a aprendizagem; da formação, que o ensine a aprender; e do sistema escolar no qual ele se insere como profissional, condições para continuar aprendendo. Ser profissional implica ser capaz de aprender sempre. (BRASIL, 1999, p. 63)
O MEC (BRASIL, 2002) também propõe que secretarias estaduais e municipais
apostem em uma perspectiva de desenvolvimento profissional na qual professores
e gestores se engajem em estudos coletivos, na avaliação dos resultados e no
planejamento pedagógico dentro das próprias escolas nos horários dedicados à
jornada extraclasse.
Apesar dessas proposições, em estudo anterior realizado por mim e pelo
professor Dario (FIORENTINI; CRECCI, 2012), compreendemos que o Horário de
Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), institucionalizado na rede estadual paulista
desde o final da década de 1980, tornou-se um espaço controlado burocraticamente
pelos gestores escolares, geralmente obrigados a reportar às diretorias de ensino
relatórios, por exemplo, sobre o desempenho de alunos nas avaliações externas.
Logo, notamos que as políticas enfocadas nos testes têm comprometido esse tipo de
desenvolvimento profissional previsto nos referenciais, que fica à mercê de uma
prestação de contas inspirada nas políticas educacionais dos Estados Unidos, em
detrimento da realização de estudos que tomam a prática de ensinar como objeto
de reflexão e investigação. Comprometimento semelhante já foi identificado por
53
pesquisadores dos Estados Unidos (COCHRAN-SMITH et al., 2013; HARGREAVES,
2010; RAVITCH, 2012).
No contraditório contexto brasileiro, chamou-me a atenção o não
cumprimento, por diversos estados e municípios, da Lei nº 11.738, que prevê um
piso nacional aos professores e determina que 1/3 da jornada de trabalho seja
dedicado a atividades extraclasse16. No contexto dessa não implementação,
professores de diversas partes do País, organizados nos sindicatos, em grupos de
estudo ou colaborativos, reagiram ao não cumprimento da lei17. No Grupo de Sábado
(GdS), organizamos um manifesto18 dirigindo críticas à Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo (Seesp), que, ao invés de cumprir a jornada prevista na lei e
apostar na capacidade de os professores se organizarem em espaços de formação
contínua, oferecem cursos parcialmente presenciais de especialização,
descontextualizados da prática docente que, de acordo com o manifesto,
[...] não tomam como referência os desafios postos ao professor de matemática na escola atual, não acompanham de perto a implementação de alternativas metodológicas e o desenvolvimento curricular nas unidades escolares. Ao contrário, reforçam um único aspecto da formação, propondo-se a “ensinar mais matemática aos professores”. O professor inserido neste programa, é visto como um profissional que não correspondeu às expectativas do Estado dentro de sua sala de aula e por este motivo, necessita de um “reforço”. Este profissional que já era desvalorizado socialmente sente-se cada vez mais desmotivado e realiza esses cursos em horário oposto ao de sua jornada de trabalho o que não oferecerá o suficiente para o aprimoramento de sua prática, pois este modelo de formação,
16 De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em 2012, 14 estados
não cumpriam a Lei 11.738, que determina o pagamento do piso nacional do magistério e a implantação
de 1/3 da jornada como hora-atividade.
17 No documento intitulado “1/3 da jornada do/a professor/a para a hora-atividade é essencial para uma educação de qualidade”, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindutemg) destacou a importância da lei e o não cumprimento de Minhas Gerais (Disponível em: http://www.sindutemg.org.br/novosite/janela.php?pasta=files&arquivo=3255 Acesso em: 11 jun. 2012). Já o artigo “A aritmética da Secretaria da Educação e o mundo real”, de Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicado dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), critica e expõe a estratégia da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (Seesp) para aplicar a lei em que modifica a duração da jornada docente para 48 horas-aula de 50 minutos, organizando o trabalho do professor em 32 horas-aula com alunos e o tempo restante em atividades fora da sala de aula (Disponível em: http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/opiniao-apeoesp/a-aritmetica-da-secretaria-da-educacao-e-o-mundo-real/ Acesso em: 11 jun. 2012). 18 Disponível em: http://www.grupodesabado.blogspot.com.br/search/label/Manifestos Acesso em: 05 maio 2012.
54
denominada como formação continuada, em algum momento se interrompe. (Manifesto Grupo de Sábado, 2010)
A opinião que tecemos acerca dos cursos oferecidos pela Seesp vai ao
encontro do que Fiorentini (2008, p. 59-60) aponta como modelo estrutural de
formação continuada. Nessa perspectiva, a formação estrutura-se na concepção da
racionalidade técnica, e o processo de formação organiza-se a partir de um modelo
que pressupõe apropriação prévia de conhecimentos, geralmente distanciados das
práticas dos professores, para depois serem aplicados na prática escolar. Mesmo no
caso da formação continuada, neste modelo, é prevista uma atualização prévia dos
conhecimentos considerados fundamentais para o exercício docente, sem que sejam
levadas em consideração as questões trazidas pelos professores. Cursos pontuais,
sem muita articulação com a realidade escolar, têm predominado nos municípios
brasileiros (DAVIS et al., 2011).
De outra parte, o modelo construtivo de formação docente, apontado por
Fiorentini (2008), pressupõe a existência de um processo contínuo de reflexão
interativa e contextualizada sobre as práticas pedagógicas e docentes, articulando
as práticas formativas e as profissionais. Isso implica uma relação de parceria entre
formadores e professores da escola básica, que podem atuar colaborativamente
tanto na busca de compreensão dos problemas e desafios do trabalho docente no
contexto atual, quanto na construção de alternativas de intervenção na prática
escolar. É comum, nesse contexto, a formação de grupos de estudo e de pesquisa-
ação, os quais analisam as práticas vigentes e inovadoras, elaboram conjuntamente
projetos de intervenção na prática, seguidos de momentos de
registros/documentação das atividades educativas e de reflexão/análise sistemática
sobre elas. Ou seja, no modelo construtivo, o ponto de partida e de chegada da
formação docente são as práticas e os saberes que os professores trazem, produzem
e mobilizam nos diferentes contextos de prática escolar.
O modo construtivo de compreender a formação continuada de professores,
converge com as reivindicações dos professores do GdS, quando indicam que,
nos grupos, os estudos são diretamente voltados para as práticas em sala de aula permitindo não apenas a relação entre teoria e prática,
55
mas também os momentos para a reflexão dessas relações. Acreditamos, por nossa própria experiência, na parceria entre professores escolares, futuros professores e acadêmicos em comunidades colaborativas, reflexivas e investigativas. O caráter diversificado dessas comunidades tem um papel importante à medida que torna possível a ressignificação das experiências de maneira crítica e criativa, valorizando o conhecimento do estudante, dos acadêmicos, mas também o conhecimento e os saberes docentes dos professores que atuam em sala de aula. (Manifesto Grupo de Sábado, 2010)
A perspectiva manifesta pelos professores pressupõe uma relação dialética
entre teoria e prática, de forma que ambas possam ser mutuamente
problematizadas. Isso parece vir ao encontro das concepções de Cochran-Smith e
Lytle (2009), quando enfatizam o trabalho com a dialética na formação docente, em
que pesquisa e prática passam a ter uma relação simbiótica.
Quanto à possibilidade de criação de grupos colaborativos ou grupos de
estudos, na contramão das políticas públicas, cabe ressaltar que iniciativas como
essas têm surgido no Brasil, envolvendo parceria entre professores universitários e
professores da escola básica e voltados à reflexão sobre as práticas de ensinar e
aprender na educação básica. Tal fato foi decorrente da mudança de concepção das
práticas de formação de professores, tendo em vista a relação entre formação
acadêmica e prática profissional. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), no
caso dos grupos voltados à educação matemática, destaca-se a inserção crescente,
em grupos acadêmicos de pesquisa, de professores que ensinam na escola básica,
na maioria, ligados à Pós-Graduação stricto sensu.
Apesar de ter um contexto diferente do nosso, em seus estudos, Sowder
(2007) aponta que, muitas vezes, nos Estados Unidos, os recursos direcionados para
o que, em sua compreensão, é o desenvolvimento profissional de professores, são
gastos com oficinas e workshops que lhes proporcionam aprendizagens superficiais.
Pode-se afirmar que algo semelhante ocorre no Brasil.
Na contramão dessas práticas mais comuns de incentivos ao
desenvolvimento profissional, Darling-Hamond e Lieberman (2012) destacam que,
em diversos países, consolidam-se práticas articuladas ao desenvolvimento
56
curricular, tais como planejamento colaborativo, Lesson Studies19 e realização de
diferentes tipos de pesquisa-ação. Ou seja, os professores, ao realizarem essas
práticas, têm oportunidade de compartilhar experiências e conhecimentos e, nesse
processo, desenvolvem-se profissionalmente. Configura-se, assim, a ideia de que a
aprendizagem docente e o desenvolvimento profissional resultam de
empreendimentos coletivos, ao invés de individuais.
Sztajn (2011), em diálogo com os estudos de Sowder (2007) e Darling
Hammond (2009), destaca que, embora essas listas de características do que torna
o desenvolvimento profissional eficaz sejam úteis para pesquisadores e formadores,
também são muitos vagas. Sztajn (2011) afirma que muitos termos utilizados na
literatura sobre desenvolvimento profissional de professores de matemática podem
ser interpretados de várias maneiras. E, além disso, enfatiza a necessidade de
esclarecimentos a respeito da linguagem utilizada nos estudos e da concepção de
um modelo de desenvolvimento profissional de professores de matemática, com
definição de metas; teorias; contextos e estruturas.
Outro aspecto que chama atenção é que não basta apenas investimento em
espaços potenciais de desenvolvimento profissional, pois “a melhoria da formação
continuada é um fator importante no desenvolvimento profissional docente, mas
não é único” (GATTI; BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 196) uma vez que “fatores como
salário, carreira, estruturas de poder e de decisão, assim como clima de trabalho na
escola são igualmente importantes” (ibidem). Em síntese, “não se pode aceitar a
explicação simplista de que basta melhorar a formação docente para que se consiga
melhorar a qualidade da educação” (ibidem).
19 De acordo John Elliot (2012), o conceito de Lesson Studies surgiu no Japão e compreende a elaboração coletiva de aulas por professores e especialistas, as quais são depois observadas e analisadas por eles.
57
Experiências de Desenvolvimento Profissional
Aproximando a formação continuada da ideia de desenvolvimento profissional,
Passos et al. (2006) consideram:
[...] a formação docente numa perspectiva de formação contínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um processo pessoal, permanente contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo da vida, compreende também a formação profissional (teórico-prática) da formação inicial – voltada para a docência e que envolve aspectos conceituais, didático pedagógicos e curriculares – e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de formação continuada após a conclusão da licenciatura. A formação contínua, portanto, é um fenômeno que ocorre ao longo de toda a vida e que acontece de modo integrado às práticas sociais e às cotidianas escolares de cada um, ganhando intensidade e relevância em algumas delas (PASSOS et al., 2006, p. 195).
A compreensão diacrônica de Passos et al. (2006), ao longo da vida, que perpassa
diferentes instâncias formativas, de formação contínua e desenvolvimento
profissional, leva-me a compreender esse desenvolvimento como experiência,
tópico que desenvolvo a seguir.
Nas últimas décadas, em diversos estudos, assumiu-se que os professores
aprendem e se desenvolvem profissionalmente mediante a participação em
diferentes práticas e contextos nem sempre intencionalmente voltados para a
melhoria da docência. Por exemplo, admite-se que aprendemos a ser professor em
contextos formais e não formais de ensino (DAY, 2001). Sabemos que muitos
sentimentos, afetos e valores que agregamos ao nosso ser professor, ou até mesmo
formador, são impregnados das interações que temos em outras comunidades,
como as famílias ou, até mesmo, comunidades religiosas.
Nesse sentido, Fiorentini (2008, p. 4-5) concebe o desenvolvimento
profissional “como um processo contínuo que tem início antes de ingressar na
licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos
múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais,
familiares, institucionais e socioculturais”.
58
Day (2001, p. 20) também entende o desenvolvimento profissional como um
processo que envolve múltiplas “experiências espontâneas de aprendizagem” e
participação em atividades planejadas conscientemente e “realizadas para
benefícios, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem,
através deste, para a qualidade da educação na sala de aula”. Além disso, ao apontar
alguns indicadores de desenvolvimento profissional dos professores, concebe-o
como um
[...] processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais (DAY, 2001, p. 20-21).
Nesse sentido, o termo “desenvolvimento profissional” tende a ser associado
ao processo de constituição do sujeito. Um processo, portanto, de vir a ser, de
transformar-se ao longo de tempo.
Em uma perspectiva mais subjetiva, Ponte (1998) compreende o
desenvolvimento profissional como um movimento de “dentro para fora”, no qual o
professor ou o futuro professor se desenvolve, como pessoa e como profissional.
André (2011, p. 26), por sua vez, ao discutir o campo de estudo sobre formação de
professores, aponta que tem encontrado, em anos mais recentes,
[...] o conceito de desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada (Nóvoa, 2008; Imbernón, 2009; Marcelo, 2009). A preferência pelo seu uso é justificada por Marcelo (2009, p. 9) porque marca mais claramente a concepção de profissional do ensino e porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução e continuidade, rompendo com a tradicional justaposição entre formação inicial e continuada.
Entretanto, cabe destacar que o próprio conceito de formação também
possui diferentes acepções, sendo algumas delas próximas ao conceito de DPD e
outras mais distantes (FIORENTINI; CRECCI, 2013). Bondia-Larrosa (2002), por
exemplo, concebe a formação como uma ação de “dentro para fora”, ação
protagonizada pelo próprio sujeito sobre si (autoformação) para que venha a
59
adquirir uma forma projetada pelo próprio sujeito da formação, tendo em vista seus
desejos e projetos de vida, sendo esse processo, entretanto, condicionado pelas
circunstâncias sociais e políticas. Assim, para Bondia-Larrosa (2002), uma
experiência autenticamente formativa pode ser comparada metaforicamente a uma
viagem aberta, na qual pode acontecer qualquer coisa, e não se sabe aonde vai
chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar.
Espaços e Práticas de Desenvolvimento Profissional
Uma vez compreendido o desenvolvimento como um processo ao longo do
tempo, a literatura tem destacado alguns espaços e, apesar de o conceito ser amplo,
alguns autores, de forma propositiva, apontam práticas que julgam eficazes ao
desenvolvimento profissional dos professores. Esse é o caso de Sowder (2007) que,
em vasta revisão bibliográfica, sintetiza que as perspectivas bem-sucedidas de
desenvolvimento profissional de professores de matemática compreendem: a
participação dos professores para decidir aspectos sobre a intervenção; o apoio das
várias partes interessadas; o envolvimento na resolução colaborativa de problemas;
a continuidade ao longo do tempo; a avaliação formativa e a adequada instrução.
Na mesma direção, Darling-Hammond et al. (2009) propõem que práticas que
promovem o desenvolvimento profissional têm determinadas características, como:
ocorrem de modo intensivo e contínuo; são conectadas às práticas; têm o foco na
aprendizagem dos alunos; são planejadas para atender aos conteúdos curriculares
específicos; são alinhadas às prioridades e às metas de melhoria do ensino; e são
projetadas para construir relações fortes entre os professores.
No Brasil, tanto a concepção como a prática de desenvolvimento profissional
de professores de matemática, articulado ao desenvolvimento curricular, vêm sendo
contempladas por alguns grupos de pesquisa, desde o final dos anos de 1990. Esse é
o caso, por exemplo, dos Grupos de Pesquisa com sede na Unicamp: Prática
Pedagógica em Matemática (PRAPEM), Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação
de Professores de Matemática (GEPFPM) e Grupo de Sábado (GdS):
60
Nossa trajetória de trabalho e pesquisa no Brasil tem consistido em articular os problemas e desafios da formação e do desenvolvimento profissional de professores com o desenvolvimento do currículo escolar. Isso nos trouxe a convicção de que pesquisadores de universidades, professores da escola e futuros professores podem juntos, aprender a lidar com a diversidade e heterogeneidade da escola, visando à qualidade de uma educação possível para o grande contingente de alunos de classes menos favorecidas. Nessa comunidade, os professores da escola trazem seus problemas e desafios e os formadores de professores e futuros professores tentam atuar/trabalhar em função dessas demandas. [...] Essa inter-relação entre formação docente e mudança curricular nos levou [...] a assumir uma postura política e epistemológica, que consiste em reconhecer e investir na capacidade de os professores promoverem o conhecimento profissional, as mudanças curriculares e o desenvolvimento profissional, de forma colaborativa e investigativa (FIORENTINI et al., 2011, p. 214-215).
A partir dessa revisão, é possível notar que, embora o conceito de
desenvolvimento profissional seja amplo, estudos nacionais e internacionais
acordam sobre a necessidade da participação plena dos professores, seja por meio
da elaboração de práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional
e/ou a partir de demandas que os professores trazem de seus próprios contextos
escolares. Nesta pesquisa, temos o interesse de situar o desenvolvimento
profissional em comunidades investigativas.
Em pesquisa meta-analítica sobre 11 dissertações/teses acadêmicas
produzidas no Brasil cujo objeto de estudo era o desenvolvimento profissional de
professores de matemática, Passos et. al. (2006) identificaram e analisaram pelo
menos 3 diferentes tipos recorrentes de práticas consideradas potencialmente
catalisadoras de desenvolvimento profissional do professor de matemática: as
práticas reflexivas, as práticas colaborativas e as práticas investigativas. Sobre as
práticas reflexivas, os autores analisaram cinco trabalhos, nos quais “a reflexão
compartilhada foi considerada como prática promotora de desenvolvimento”
(PASSOS et al., 2006, p. 202). As práticas colaborativas foram contexto do
desenvolvimento de 5 dos 11 trabalhos. Sobre esses espaços, por meio das
pesquisas, foi possível levantar que
os estudos evidenciaram que o trabalho colaborativo apresenta resultados altamente favoráveis ao desenvolvimento profissional. Entretanto, este é um processo de formação contínua do professor,
61
que envolve um pequeno número de docentes, os quais necessitam de condições materiais e tempo livre para que possam participar de modo efetivo das atividades desenvolvidas pelo grupo. Além disso, os trabalhos revelam a necessidade de um tempo relativamente longo e contínuo para que estas práticas sejam capazes de promover transformações na cultura escolar e profissional. Trata-se, portanto, de uma modalidade de formação contínua que, no Brasil, está na contramão das políticas públicas neoliberais de formação do professor em serviço, pois estas têm como meta atingir uma grande massa de
docentes a um custo mínimo e em tempo reduzido. (PASSOS et al., 2006, p. 205).
Sobre as práticas investigativas, os pesquisadores identificam “a pesquisa que
o professor produz em sala de aula e traz para ser compartilhada no grupo” (PASSOS
et al., 2006, p. 206) e a “pesquisa que o professor realiza sobre a sua própria prática”.
Sintetizam, dizendo, nessa mesma página, que “as práticas investigativas encontram
no grupo um contexto favorável para que os professores discutam, analisem e
compartilhem as pesquisas que realizam em suas salas de aula”. Também nessa
meta-análise identificam a importância das práticas investigativas para professores
e formadores: “estas permitiram, para aqueles que as desenvolveram, uma maior
problematização e compreensão do processo de ensinar matemática ou de formar
professores, trazendo mudanças significativas à prática tanto dos professores
quanto dos formadores de professores” (ibidem, p. 206).
Desenvolvimento Profissional do Formador
Para discorrer sobre o desenvolvimento profissional do formador, há de se
esclarecer sobre seu contexto de atuação. Como destaquei na introdução, no caso
desta pesquisa, os dois formadores participantes possuem dedicação exclusiva e
atuam como professores em universidades estadual e federal. Por essa razão,
formação e pesquisa estão relacionadas à suas carreiras. Portanto, quando aqui
tratar do formador, estarei falando desse perfil profissional. Mas essa não é a
realidade que predomina nos cursos de Licenciatura.
Atualmente, no Brasil, a expansão do ensino superior “em ritmo acelerado
não foi acompanhada de medidas e de políticas que assegurassem a realização de
62
um trabalho de qualidade por parte dos professores formadores que atuam nos
cursos de licenciatura” (ANDRÉ et al., 2010, p. 194).
Gonçalves (2000, p. 18) afirma que “usualmente se fala que os professores do
EFM [ensino fundamental e médio] são mal formados, mas as reflexões e as
interrogações acerca dos formadores e de sua formação quase não têm sido feitas
nas universidades de forma sistemática”. Para Gonçalves e Fiorentini (2005), a
formação e o desenvolvimento profissional de professores formadores de
professores é ainda um campo de investigação praticamente inexplorado, sobretudo
no Brasil. Fiorentini e Oliveira (2013, p. 934) entendem que, para uma “perspectiva
de mudança nos processos de formação docente, o formador emerge como figura
de importância fundamental”.
Fiorentini et al. (2002), em um universo de 112 dissertações e teses,
identificaram pesquisas que tiveram como foco a formação ou o desenvolvimento
profissional do formador. Na revisão sistemática realizada, ficou evidente que é
necessário:
[...] (1) investir numa formação matemática mais ampliada ou diversificada do formador de professores que atua em disciplinas de formação matemática. Que essa formação não seja estritamente técnico-formal, mas também exploratória e investigativa em relação à matemática pura e aplicada, envolvendo estudos de natureza histórica, filosófica, epistemológica e didático-pedagógica, relacionados ao saber matemático em diferentes contextos ou práticas sociais (principal fonte: Gonçalves, 2002);
(2) constituir grupos colaborativos de formadores de professores para estudar, analisar, discutir e projetar práticas inovadoras no ensino de disciplinas tais como Cálculo, Análise, Álgebra, Geometria etc, tendo como norte a formação matemática e pedagógica mais apropriada do professor de matemática da escola básica (Principais referências: teses de Souza Jr. (2000) e Guérios (2002);
(3) constituir um grupo de formadores de professores realmente preocupados e engajados com o projeto pedagógico da licenciatura. Que tal grupo seja heterogêneo, congregando educadores matemáticos e matemáticos de modo que possam, conjuntamente, pensar e avaliar os rumos do curso e sua contribuição para a formação do professor de matemática (Principais referências: tese de Carneiro (1999) e dissertação de Martins (2001) (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 930).
63
Em levantamento mais recente de teses e dissertações entre os anos de 2001
e 2012, coordenado pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de
Professores de Matemática (GEPFPM), também ficou evidente a baixa quantidade
de trabalhos que tiveram como foco a formação ou o desenvolvimento profissional
do formador do professor que ensina matemática. Mesmo nas pesquisas produzidas
sobre o GdS, temos refletido pouco sobre a formação e o desenvolvimento
profissional dos próprios formadores do grupo, embora narrativas sobre processos
formativos já tenham começado a ser problematizadas, sobretudo na organização
do último livro (FIORENTINI, FERNANDES e CARVALHO, 2015).
Para além da ausência de pesquisa e da pouca atenção ao papel dos
formadores, por um lado, “as instituições de ensino superior, de modo geral, não
têm a cultura da formação continuada de seus docentes, deixando unicamente a eles
a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional” (TRALDI JR.; PIRES, 2009,
p. 50). Por outro lado, “os formadores de professores de matemática têm sido
acusados, com frequência, de não atualizarem os cursos de licenciatura e de não
viabilizarem uma efetiva formação contínua que rompa com a tradição pedagógica”
(FIORENTINI, 2003a, p. 10).
Em pesquisa recente, Traldi Jr. e Pires (2009, p. 50) constataram que “parece
não ser comum a organização de grupos de estudo e de pesquisa constituídos por
professores que atuam nas graduações para investigar problemas específicos desses
cursos”.
Na ausência de espaços formativos dentro das próprias instituições, é
comum que os formadores se desenvolvam profissional na prática, mediante o
confronte de questões emergentes de seu cotidiano. Para Melo (2010, p. 39),
os processos de formação continuada informal que ocorrem durante o desenvolvimento profissional do formador estão mais relacionados aos conflitos e tensões vivenciados no cotidiano das instituições e raramente são percebidos pelos próprios formadores. Estão associados às astúcias e estratégias levadas a cabo na luta pela sobrevivência profissional e acadêmica travada no interior das ações e práticas assumidas e desenvolvidas cotidianamente.
64
O pesquisador, em seu estudo de doutoramento, ao analisar histórias de vida
formadores de professores de matemática, compreende que esses
[...] não tiveram oportunidades para refletir sobre a própria prática, tampouco passaram por experiências que de algum modo pudessem contribuir efetivamente para seu desenvolvimento profissional como formador de professores de matemática para a Educação Básica. Assim, a constituição de outros saberes requeridos para o campo de formação do formador - que envolve articulações entre saberes técnico-científicos, saberes pedagógicos e saberes experiências - acontece, conforme apontam as narrativas de histórias de vida dos sujeitos deste estudo, a partir do engajamento e efetiva participação no campo de formação durante o processo de atuação como professor formador (MELO, 2010, p. 263).
Outra realidade na formação do formador é a dicotomia entre os
conhecimentos específicos e pedagógicos. Como enfrentamento a essa realidade
problemática da formação do formador de professores que ensinam matemática,
Fiorentini e Oliveira (2013, p. 934) sugerem que uma possibilidade se dá na
constituição de “grupos de estudo de formadores que congregam matemáticos e
educadores matemáticos preocupados e engajados em atuar e investigar,
conjuntamente, a formação docente”. Desse modo, essa comunidade seria dedicada
[...] tanto no que se refere à formação matemática quanto à formação didático-pedagógica relacionada ao ensino e à aprendizagem da matemática, isto é, inter-relacionando o que e o como se ensina e avalia (didática) com as finalidades, potencialidades e as consequências formativas desse ensino (pedagogia). (p. 934)
Gonçalves, em sua tese de doutorado, realizou um estudo com professores
responsáveis pela formação matemática de futuros professores de matemática na
UFPA. Tendo como foco a formação e desenvolvimento profissional, evidenciou, em
síntese, que
[...] sua formação acadêmica, enquanto profissionais do Ensino Superior, foi predominantemente técnico-formal, com ênfase quase exclusiva na formação matemática. Esta foi, até a década de 70, mais próxima da matemática escolar e, após a década de 80, mais voltada à formação do matemático profissional, visando mais a continuidade dos estudos acadêmicos dos licenciandos em cursos de mestrado e doutorado em matemática pura ou aplicada do que a formação para a docência no EFM (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 84).
Em se tratando das transformações na formação dos professores, Gonçalves
e Fiorentini (2005, p. 70) destacam, a partir de suas experiências:
65
A nossa experiência na coordenação de cursos de licenciatura na Universidade Federal do Pará (UFPA) e na Universidade de Passo Fundo (UPF) indicava que as mudanças curriculares dos cursos de licenciatura em matemática poderiam ser inócuas, se não houvesse também um investimento na formação e no desenvolvimento profissional dos formadores que atuam nos cursos de licenciatura.
Diniz-Pereira (2011, p. 213) também aponta que, por mais que a legislação
educacional brasileira tenha avançado, ao insistir no princípio da indissociabilidade
teoria-prática, e que tenha determinado um aumento significativo da carga horária
teórico-prática nas licenciaturas, em síntese, “isso não garante que as nossas
instituições de ensino superior seguirão tal princípio e traduzirão em propostas
curriculares tal ideia”. Assim, parece não bastar apenas mudar ementas ou
reestruturar grades curriculares. Compreende-se que
uma prática colaborativa e investigativa conjunta entre formadores, professores da escola básica e futuros professores, envolvendo análises sistemáticas de problemas e práticas de ensinar e aprender matemática, na escola e em sala de aula, proporciona aprendizagens não apenas aos professores da escola, mas, também, aos formadores, que aprendem sobre a complexidade do trabalho pedagógico dos professores, em diferentes contextos de prática docente, e sobre outras formas e dinâmicas de formação docente, na qual a formação matemática do professor desenvolve-se a partir da mobilização e da análise do saber matemático de relação que é produzido e mobilizado na prática escolar e das interações discursivas em sala de aula (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 935).
Foi esse tipo de experiência que fez com me envolvesse com o estudo de
experiências de desenvolvimento profissional vividas em uma comunidade
fronteiriça que reúne, em um mesmo espaço, professores, formadores e, até
mesmo, futuros professores. Cabe, ainda, destacar que atualmente o formador é
aquele é que atua nos cursos de Licenciaturas presencial ou a distância, nas
universidades, faculdades, institutos, centros universitários; na formação
continuada; e, muitas vezes, nas assessorias e nas redes de ensino. No contexto
deste estudo, estou discutindo as experiências de desenvolvimento profissional e de
constituição da profissionalidade do formador que atua na universidade nos cursos
de licenciatura em Matemática. Portanto, estou a discutir o desenvolvimento
profissional de um formador que tem a pesquisa como parte de sua jornada de
trabalho.
66
Profissionalidade Docente
Ao revisar este conceito, dou continuidade a estudos realizados no
desenvolvimento de outras pesquisas, (CRECCI, 2009; CRECCI; FIORENTINI, 2014),
em que constatamos a polissemia do uso desse termo, cujas interpretações vão
desde a ideia de identidade docente até o entendimento das competências
necessárias ao exercício da profissão.
Dessa maneira, optei por organizar a revisão bibliográfica sobre esse conceito
em quatro eixos: no primeiro, trago as origens do termo e do conceito de
profissionalidade; no segundo, relaciono a profissionalidade docente com a ideia de
competências necessárias ao exercício da docência; o terceiro eixo aborda as
relações entre identidade docente e profissionalidade; e, por fim, no quarto eixo,
discuto os diferentes sentidos de profissionalidade.
Acerca das origens do termo e do conceito de profissionalidade
À medida que realizava esta revisão bibliográfica, dei-me conta da polissemia
do termo “profissionalidade”. Descobri, então, alguns referenciais que se
reportavam aos seus significados. De acordo com Weiss (1983 apud BOURDONCLE;
MATHEY-PIERRA, 1995), o conceito de profissionalidade mantém uma dose de
complexidade, provavelmente devido a todas as suas potenciais interpretações.
Acredito que seriam necessários mais estudos para aprofundar a investigação sobre
as origens dessa palavra e seus diversos significados.
Sobre a origem do termo, Altet, Paquay, Perrenoud (2003, p. 56) destacam
que foi criado a partir da noção italiana de profissionalità, que significa o caráter
profissional de uma atividade, compreendendo as capacidades profissionais, os
saberes, a cultura e a identidade. Apontam ainda que, em francês, o termo
profissionalité é próximo ao conjunto de competências desenvolvidas no contexto
da passagem da condição de ofício para a de profissão.
67
Na língua inglesa, o termo “profissionalidade” foi introduzido por Hoyle (1975
apud EVANS, 2008) para identificar dois aspectos distintos da vida profissional dos
professores: o profissionalismo e a profissionalidade. O primeiro deles, segundo
Hoyle, refere-se aos elementos relacionados ao trabalho docente, enquanto
“profissionalidade” faz referência aos elementos do trabalho que constituem o
conhecimento, as habilidades e os procedimentos que os professores utilizam em
seu trabalho (apud EVANS, 2008, p. 8).
Curiosamente, Hargreaves (1994), na obra Changing teachers, changing times
– teachers work and culture in the post modern age, utiliza o termo professionalism,
que, na tradução literal para o português, seria “profissionalismo”. No entanto, a
versão desse livro em português, lançado em 2001 em Portugal e intitulado Os
professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na Idade
Pós-Moderna, utiliza a palavra “profissionalidade” como tradução de
professionalism. Essa mudança na denominação talvez tenha sido influenciada pela
versão em espanhola de 1996 dessa mesma obra: Profesorado, cultura y
postmodernidad – Cambian los tiempos cambia el professorado, em que
encontramos a palavra profesionalidad, correspondente a professionalism.
Evans (2008) também se dedica a investigar o termo professionality. Segundo
a autora, a concepção de profissionalismo é relativa à cultura profissional,
representando uma noção coletiva, como uma pluralidade compartilhada por
muitos. No entanto, os componentes básicos e os elementos constitutivos do
profissionalismo são essencialmente singulares, uma vez que refletem a
individualidade, representando os indivíduos que estão na circunscrição da
profissão. A unidade singular do profissionalismo – e um dos seus elementos
constitutivos essenciais – é, segundo Evans, a profissionalidade.
Outro autor que também procura fazer distinção entre esses termos é
Contreras (2002). Para ele, o profissionalismo fundamentalmente pode ser
entendido como um movimento de autodefesa corporativa de certas ocupações que
tiveram a possibilidade de justificar tal postura na posse de um conhecimento
especializado e exclusivo. O autor argumenta que o profissionalismo pode servir
68
mais a interesses corporativistas, em detrimento dos interesses da comunidade.
Devido a essa constatação, alguns autores preferiram evitar esse termo e optaram
por utilizar a palavra “profissionalidade” para destacar as funções inerentes ao
trabalho da docência.
Bourdoncle e Mathey-Pierra (1995) trazem outras perspectivas sobre a
origem do termo “profissionalidade”: apontam que tal conceito surgiu nas
reivindicações coletivas de sindicatos italianos preocupados com os fatores que
tornavam as profissões específicas e com o status social delas.
Ao discutir a relação dialética entre profissionalidade e profissionalismo,
Nùñez e Ramalho (2008, p. 04) concluem que “o duplo aspecto da profissionalização,
em suas dimensões interna (profissionalidade) e externa (profissionalismo), é um
processo dialético de construção da identidade profissional e do desenvolvimento
profissional que se articulam uma ao outro”. E ali também indicam que a
profissionalidade “expressa a dimensão relativa ao conhecimento, aos saberes,
técnicas e competências necessárias à atividade profissional”, enquanto o
profissionalismo seria
[...] expressão da dimensão ética dos valores e normas, das relações, no grupo profissional, com outros grupos. É mais do que um tema de qualificação e competência, uma questão de poder: autonomia, face à sociedade, ao poder político, à comunidade e aos empregadores; jurisdição, face aos outros grupos profissionais; poder e autoridade, face ao público e às outras profissões ou grupos ocupacionais. É uma construção social na qual se situa a moral coletiva, o dever ser e o compromisso com os fins da educação como serviço público, para o público (não discriminatória) e com o público (participação). O profissionalismo se associa ao viver-se a profissão, às relações que se estabelecem no grupo profissional, às formas de se desenvolver a atividade profissional. (NÙÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 04,)
Ao considerarem os conceitos de profissionalidade e profissionalismo como
constituintes da profissionalização, problematizam, indicando que
[...] é um movimento ideológico, na medida em que repousa em novas representações da educação e do ser do professor no interior do sistema educativo. É um processo de socialização, de comunicação, de reconhecimento, de decisão, de negociação entre os projetos individuais e os dos grupos profissionais. Mas é também um processo político e econômico, porque no plano das práticas e das organizações induz novos modos de gestão do trabalho docente e de relações de
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poder entre os grupos, no seio da instituição escolar e fora dela. (NÙÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 04)
Consideramos também a importância de Bourdoncle e Mathey-Pierra (1995),
ao destacarem que as palavras carregam fortes questões sociais e estão submetidas
a contextos muito diferentes. Sublinham que o conceito de profissionalidade parece
instável e que, apesar de ter nascido nos sindicatos italianos, tem sido amplamente
adotado pelo discurso empresarial, o que torna o seu significado ainda mais incerto.
Por fim, concluem que há múltiplas conotações para esse conceito ambíguo.
Competências Profissionais e Profissionalidade
Assim como na língua portuguesa, o termo “profissionalidade” não é de uso
corrente na língua francesa. No entanto, pode-se considerar, de modo geral, a partir
dos estudos dos autores que trabalham com a literatura francesa sobre a temática,
que a profissionalidade é compreendida como o conjunto de competências
necessárias ao exercício de uma profissão.
Na perspectiva das competências, tomando por base autores franceses,
Lüdke e Boing (2004, p. 1173) associam a profissionalidade docente “às
instabilidades e ambiguidades que envolvem o trabalho em tempos neoliberais, e
geralmente vem colocado como uma evolução da ideia de qualificação”. Adiante,
também reconhecem a polissemia do termo e o relacionam com a ideia de
competências, destacando referências francesas:
Com todos os riscos de trabalharmos com um termo fronteiriço e polissêmico, acreditamos que as competências sejam um caminho que necessita ser discutido com base na ideia de profissionalidade. Nessa perspectiva, gostaríamos de retomar e explicar dois conceitos de Courtois et al. (1996), aos quais nos referimos muito rapidamente: competência coletiva e operador coletivo. A competência coletiva está relacionada à possibilidade de construção de modos operacionais e modos de ação coletiva inéditos, tendendo a rearticular as posições dos diferentes atores nos grupos. Já o operador coletivo diz respeito a um grupo que, tentando resolver um problema inédito, engaja-se na mudança, ultrapassando a simples mobilização de procedimentos conhecidos e disponíveis para elaborar modelos de ação novos e coletivos. Aplicadas à educação, essas duas competências superam
70
várias dicotomias que têm travado demasiadamente o desenvolvimento profissional docente, quando não contribuído para o agravamento das precárias condições de trabalho dos professores. É preciso abrir a discussão para além das possibilidades dualistas, operando com ambas as competências, de acordo com os problemas a serem enfrentados. (LÜDKE; BOING, 2004, p. 1176)
Discutindo os conhecimentos necessários ao exercício da docência, Ramalho,
Nùñez e Gauthier (2004) compreendem que, por meio de sua profissionalidade, os
professores adquirem conhecimentos que
são os saberes das disciplinas e também os saberes pedagógicos. De posse desses saberes, na sua prática ele vai construindo as competências para atuar como profissional. Se conseguíssemos parar o processo de profissionalidade e tirássemos uma fotografia, iríamos identificar um conjunto de características que distingue o trabalho docente. Observando as ações do professor, destacaríamos traços que marcam sua prática. Isto constitui um processo de racionalização. Podemos então observar, analisar, comparar maneiras diferentes de ensinar. Mediante a formalização e a racionalização, percebemos que há uma maneira mais ou menos igual de trabalhar. (RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2004, p. 52).
Acerca do conceito de competências, cabe destacar que alguns autores, como
Altet, Paquay, Perrenoud (2003), alertam que essas não podem ser necessariamente
compreendidas como uma lista de habilidades particulares, como concebe o modelo
behaviorista. No sentido proposto, as competências podem ser interpretadas como
um conjunto de recursos cognitivos e sociais necessários ao exercício da função;
recursos ativados, postos em prática nas situações de formação. O processo de
construção da profissionalidade é tomado, portanto, como o modo pelo qual os
professores adquirem tais competências profissionais.
Identidade e o processo de constituição da profissionalidade
Outros autores, entretanto, compreendem a profissionalidade como um
processo de negociação e constituição da identidade docente a partir de suas
especificidades. Essas perspectivas permitem um movimento que culmina em
imagens interpretativas e subjetivas da docência. Em termos gerais, a
71
profissionalidade consistiria nos modos subjetivos de um professor ser/estar na
profissão.
Dessa maneira, Gimeno-Sacristán (1995, p. 65), ao discutir a especificidade
do trabalho docente, busca suporte no conceito de profissionalidade, entendida por
ele como “[...] a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto
de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem
a especificidade de ser professor”.
Ainda que qualifique a profissionalidade docente, como veremos adiante,
Contreras (2002) também destaca que discuti-la não é encontrar ou descrever
características do que deve realizar um bom professor, uma vez que “as qualidades
profissionais que o ensino requer estão em função da forma em que se interpreta o
que deve ser o ensino e suas finalidades e, evidentemente, sobre este ponto abre-
se um leque de posições e análises” (CONTRERAS, 2002, p. 75).
Fiorentini (2005), apesar de conceber uma representação da
profissionalidade em comunidades reflexivas e investigativas, também a concebe
como um modo de produzir e projetar o trabalho e a profissão, que expressa uma
qualidade, tendo em vista as demandas sociais e políticas dos alunos e o
compromisso político do professor. Mas essas demandas são históricas e variam em
função do tempo e do lugar das práticas educativas, isto é, dependem das
características e das circunstâncias dos sujeitos nelas envolvidos; são, portanto,
complexas e multifacetadas. Nessa perspectiva, para Nóvoa (1996, p. 16),
[...] a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.
Acerca da relação entre os conceitos de identidade e profissionalidade,
Fiorentini (2009, p. 249), tomando por base Monteiro (ano) e o conceito de
identidade de Hall (ano), aproxima-os e aponta a interdependência entre eles. Assim,
se tomarmos este conceito como base, não podemos mais pensar em uma única e
coerente identidade que explique o ser professor. Ao contrário, temos que admitir a
72
existência de múltiplas identidades, que variam de acordo com a subjetividade de
cada professor e de seu pertencimento a uma comunidade de prática docente, com
a qual se identifique.
Diferentes sentidos de profissionalidade
A compreensão da profissionalidade como um processo de negociação e
constituição da identidade permite que diferentes interpretações sejam tecidas.
Nesse sentido, seja a partir de estudos de caso ou de sistematizações acerca de
representações da docência, alguns autores assumem projeções do que pensam ser,
ou como pensam que deve ser, a prática profissional de professores; e qualificam a
profissionalidade docente de acordo com suas constatações empíricas ou ensaios
teóricos.
Nesse sentido, Hoyle (1980, p. 44, apud CONTRERAS, 2002, p. 64) interpreta
a profissionalidade docente como “as atitudes em relação à prática profissional entre
os membros de uma ocupação e o grau de conhecimento e habilidades que
carregam”. Assim, formula, para fins de discussão, dois sentidos hipotéticos de
profissionalidade docente: “restrita” e “estendida”. Na concepção de
profissionalidade restrita, os docentes, no exercício de sua profissão, baseiam-se na
intuição e na experiência prática, enquanto os docentes que assumem uma
profissionalidade estendida se preocupam em respaldar teoricamente sua profissão
(HOYLE apud EVANS, 2008, p. 8).
Contreras (2002, p. 74) relaciona a profissionalidade “às qualidades da prática
profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo”. E
esclarece que não se trata apenas da descrição do desempenho no trabalho de
ensinar, mas também dos valores e das pretensões que se pretende alcançar no
contexto da profissão. Nesse sentido, o autor (Contreras, 2002) apresenta três
dimensões da profissionalidade docente, nas quais destaca a perspectiva ético-
política da prática docente:
73
1. Obrigação moral: preocupação com o bem-estar dos alunos e com a ética.
“Esta consciência moral [do trabalho do professor] traz emparelhada a
autonomia como valor profissional”. (p. 76-77)
2. Compromisso com a comunidade: intervenção nos problemas sociais como
compromisso moral.
Neste sentido a moralidade não é apenas uma questão pessoal, é também uma questão política (HARGREAVES, 1994b). A educação não é um problema da vida privada dos professores, mas uma ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente [...] o professor só pode assumir o seu compromisso moral a partir da autonomia. (p. 78-82)
3. A competência profissional é complexa, requer habilidades, princípios e
consciência do sentido e das consequências das práticas pedagógicas,
mas [...] não se refere apenas ao capital de conhecimento disponível, mas também aos recursos intelectuais que dispõe com objetivo de tornar possível a ampliação e desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade. Nesse sentido, a análise da reflexão sobre a prática profissional que se realiza constitui um valor e um elemento básico para a constituição e desenvolvimento da profissionalidade dos professores (p. 82-85).
O autor conclui essas três dimensões da profissionalidade, destacando que
[...] estas três exigências do trabalho de ensinar podem ser concebidas e combinadas de maneiras diferentes em função das concepções profissionais das quais se parta, e que dependem, por sua vez, da forma em que se entenda o ensino: seu contexto educacional, seu propósito e sua realização (p. 85).
Essa conclusão destaca a subjetividade de cada professor no exercício das
três dimensões da profissionalidade. O professor exerce sua profissão por meio de
seus próprios referenciais. Cabe destacar que Contreras (2002) considera a
autonomia como característica fundamental para o exercício da profissionalidade.
Morgado (2005) também se dedica a investigar a profissionalidade docente.
Em sua compreensão, há três perspectivas de profissionalidade: técnica, reflexiva e
crítica. O professor como profissional técnico é aquele que tem competência na
74
resolução instrumental de problemas, mediante a aplicação rigorosa de um
determinado conhecimento teórico e técnico previamente produzido, enquanto o
professor, na perspectiva reflexiva, é compreendido como capaz de refletir e
solucionar problemas situados no âmbito de sua prática. Até aqui, temos o
delineamento de duas perspectivas de profissionalidade: de um lado, o professor é
aplicador de um conhecimento concebido por outro; de outro lado, produz
conhecimento de forma situada. Criticando ambas as perspectivas, Morgado (2005)
discorre sobre o professor como intelectual crítico. Segundo o autor, nessa terceira
perspectiva, a investigação do professor deve discutir dialeticamente fatores
externos e internos ao seu contexto particular.
Em relação às diferentes apreensões de profissionalidade, Fiorentini (2009)
distingue pelo menos dois sentidos diferentes de profissionalidade docente: um,
perspectivado pelas políticas educacionais neoliberais marcadas pelo discurso das
competências e pela lógica da qualificação; outro, que defende a construção de uma
“profissionalidade interativa e deliberativa”, que atribui aos docentes autonomia,
pluralidade de saberes e capacidade de analisar e avaliar seu trabalho em uma
comunidade crítica, deliberando sobre os rumos de sua prática e os valores a serem
cultivados.
Fiorentini (2009), analisando a constituição da profissionalidade docente dos
professores no interior de um grupo colaborativo, afirma que há evidências de
constituição, nesses grupos, de um modo singular de ser/estar na profissão, o qual
se destaca por ser interativo, reflexivo e investigativo. Segundo o autor:
As práticas colaborativas envolvendo professores de diferentes áreas do conhecimento ou professores da escola e formadores da universidade, ou ainda, profissionais e pesquisadores, emergem como possibilidade de construção coletiva de uma profissionalidade docente interativa e que se renova e se atualiza permanentemente (FIORENTINI, 2009, p. 251)
Nesses grupos colaborativos os professores constituem sua profissionalidade
docente discutindo, analisando, escrevendo, refletindo, investigando e
compartilhando as questões subjacentes ao exercício da profissão docente, tendo
formadores de professores e acadêmicos da universidade como parceiros críticos.
75
Na pesquisa que realizamos (CRECCI; FIORENTINI, 2014) com professores de
matemática, identificamos pelo menos três tipos diferentes de profissionalidade
docente entre os professores investigados: a interativa e deliberativa; a técnica ou
pragmática; e a afetiva.
Tendo por objeto de estudo a constituição da profissionalidade docente
mediante a gestão do currículo proposto pela rede estadual paulista,
compreendemos que, ao se reunirem em comunidades de práticas colaborativas de
reflexão e investigação, para projetar uma forma – autônoma, plural, reflexiva,
investigativa e continuamente avaliativa das práticas de ensinar e aprender – de
ser/estar na profissão , os professores tendem a assumir uma profissionalidade
interativa e deliberativa.
Outros professores, no entanto, tenderam a assumir uma perspectiva de
profissionalidade que chamaremos de técnica ou pragmática: adotaram e
projetaram uma profissionalidade docente comprometida com o ensino de
conteúdos que consideram benéficos ao futuro de seus alunos, sobretudo no que diz
respeito à sua aprovação em avaliações escolares ou em concursos públicos ou
privados, como os vestibulares.
Já a profissionalidade marcada pela afetividade foi uma característica
marcante de uma das professoras investigadas, que via na relação professor-aluno
uma forma de promover a inclusão escolar e também social dos alunos. Coerente
com os princípios dessa profissionalidade, a professora – sujeito da pesquisa – deu
prioridade à formação de valores, como respeito, amizade, boas maneiras etc., ao
invés de ensinar conteúdos com os quais os alunos não se identificavam ou aos quais
não conseguiam atribuir sentido.
Cochran-Smith e Lytle (2009), apesar de não utilizarem o termo
profissionalidade, reconhecem a capacidade intelectual coletiva dos professores e
concebem a investigação como postura para descrever as posições tomadas por
professores inseridos em comunidades investigativas, em relação ao conhecimento
e a suas relações com a prática. Mais do que o professor realizar uma pesquisa
76
esporádica, em um determinado período, as autoras propõem que desenvolvam
uma postura investigativa, mediante participação em comunidades investigativas.
Nessa perspectiva, a prática educacional não é compreendida apenas em sua
instância instrumental, mas também em seus aspectos sociais e políticos. Para as
autoras, trabalhar com uma postura investigativa, envolve um processo contínuo de
problematização e deliberação no cotidiano escolar. Isso implica admitir que parte
do trabalho dos professores consiste em participar de mudanças educacionais e
sociais, tendo por base um processo contínuo, colaborativo e crítico de analisar
dados da prática e questionar e utilizar criticamente resultados de estudos
acadêmicos relativos à prática de ensinar e aprender nas escolas.
Profissionalidade do Formador de Professores
Acerca da profissionalidade do formador de professores, André e Almeida
(2009, p. 03) discutem que “o ofício de professor formador não é tarefa simples, pois
é algo pouco definido e em processo de constituição”. Nesse mesmo sentido, Costa
e Passos (2010, p. 610) apontam que a “profissionalização docente [do formador] é
um caminho cheio de lutas, conflitos, hesitações, recuos, dilemas e supõe o
envolvimento ativo dos profissionais do ensino. Não se trata de um conceito pronto,
ainda está em fase de elaboração”.
Em tom narrativo, Cochran-Smith (2005) utiliza a expressão “trabalhando
com a dialética” associada à sua função de formadora. Para ela, formação docente e
pesquisa possuem relações recíprocas e simbióticas. Ser formadora e pesquisadora,
para ela, é como atuar em uma espécie de fronteira. No mesmo artigo, destaca que
escrever sobre formação de professores é como escrever sobre sua vida. A
pesquisadora sugere que parte da tarefa do formador é a de pesquisar a sua prática.
No entanto, reconhece que existem pontos de vista divergentes sobre o valor deste
tipo de pesquisa: por um lado, há mais pesquisas sobre formação de professores
sendo conduzidas pelos próprios formadores; por outro lado, em certos contextos,
77
essas pesquisas não são consideradas rigorosas, por serem da própria prática e não
produzirem generalizações. Um aspecto importante, que nos chama atenção, refere-
se ao fato de que o formador precisa ter um conhecimento vasto de questões
relacionadas a investigação e de seu papel na construção da prática e de políticas.
Fiorentini (2004a) identifica, ao menos, três tipos de formadores: 1) o
professor-investigador; 2) o investigador-professor e 3) o formador-prático.
1) Denominamos formador-investigador o professor universitário que coloca a docência como função principal de seu trabalho na universidade, tendo a investigação como suporte fundamental para realização e desenvolvimento dessa função.
2) De outro lado, denominamos de investigador-professor aquele trabalhador do ensino superior que coloca a investigação de sua área de conhecimento em primeiro plano e a docência como atividade complementar e uma das possibilidades de socialização dos conhecimentos que produz.
3) Por último, denominamos formador-prático tanto o professor contratado provisoriamente e com tempo parcial para cobrir a falta de docentes, quanto o professor eventual – geralmente docente escolar, também chamado de “formador de campo” – o qual é convidado a colaborar esporadicamente nos cursos de licenciaturas, seja na tutoria de estagiários na escola ou na participação eventual em alguma atividade formativa na universidade (FIORENTINI, 2004, p. 15-16).
Gonçalves e Fiorentini (2005) destacam que, embora as três categorias de
profissionais sejam importantes para a formação do futuro professor, os
formadores-pesquisadores, “deveriam constituir o grupo base de um curso de
licenciatura, pois, por possuírem conhecimentos dos conteúdos no ensino, são mais
qualificados, teórica e metodologicamente, para desenvolver profissionalmente o
futuro professor” (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 03). No entanto, o que se
observa na prática é que “essa categoria é ainda minoria nos cursos brasileiros de
licenciatura em matemática. Isso, entretanto, não impede que os formadores-
práticos e os pesquisadores-formadores possam, com o tempo, vir a ser formadores-
pesquisadores” (compor a referência adequada).
Em se tratando do processo de constituição profissional do formador,
o vir a ser professor e formador evoca as aprendizagens e experiências do passado e do presente e o que é considerado relevante para este campo de atuação é mobilizado, potencializado e posto em funcionamento no processo de constituição da profissão docente. No
78
entanto, a necessidade de aperfeiçoamento e de uma melhor qualificação é manifestada a partir da procura de uma formação que, do ponto de vista formal, acontece em programas de pós-graduação e, do ponto de vista informal, acontece na atuação e participação do formador durante o exercício profissional (MELO, 2010, p. 3-4).
Em relação aos formadores experientes, Jaworski (2008) aponta que, em
muitos casos, os formadores de professores de matemática têm, eles próprios,
trazido profundas experiências para seus trabalhos na formação docente. Para a
pesquisadora, essa experiência traz consigo credibilidade: os professores podem ver
que os formadores de professores se confrontam com as realidades práticas da sala
de aula e com as demandas sistêmicas que os professores enfrentam.
Comunidades de Aprendizagem Docente
As comunidades de aprendizagem docente costumam ser espaço onde
formadores e professores se encontram e, em alguns casos, como no GdS, os
pesquisadores se encontram. Esse contexto, nas últimas décadas, tem sido cenário
de muitas pesquisas que discutem o desenvolvimento profissional em comunidades
de aprendizagem docente (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002). Nesses estudos, as
comunidades têm recebido diferentes nomenclaturas: comunidades de prática,
comunidades investigativas, comunidades de professores, comunidade de
aprendizado profissional etc.
Se não bastassem essas variadas adjetivações, a polissêmica palavra
“comunidade” pode ser usada para designar uma série de coletividades, como
espaços físicos (ex. comunidade carente) ou grupos (ex. étnicos ou religiosos).
Embora muito usado em outros campos, como na linguística, na filosofia, na
sociologia e na antropologia, “o termo comunidade é relativamente novo na
literatura tradicional sobre formação docente, desenvolvimento profissional e
mudança educacional” (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002, p. 2462, tradução nossa).
Subjacente a esse termo há uma variedade de sentidos atribuídos por estudiosos de
diferentes campos científicos.
79
No campo da filosofia, Chaui (1994, p. 377) entende uma comunidade como
“um grupo ou uma coletividade onde as pessoas se conhecem, tratam-se pelo
primeiro nome, possuem contatos cotidianos ‘cara a cara’, compartilham os mesmos
sentimentos e ideias e possuem um destino comum”. Para a autora, o tempo na
comunidade possui um ritmo lento, as transformações são raras e, em geral,
causadas por um acontecimento externo que as afeta. De forma antagônica, a
sociedade é uma coletividade internamente dividida em grupos e classes sociais, na
qual há indivíduos isolados.
Grossman, Wineburg e Wooworth (2001) apontam que a associação entre a
ideia de comunidade e uma vida coletiva harmoniosa atravessa religiões, tradições
culturais e filosóficas, em que os indivíduos trabalham coletivamente para o bem
comum.
Discutindo o uso dessa concepção idealizada da filosofia, Abbagnamo (2012)
destaca que o conceito de comunidade inclui conotações que pouco se prestam ao
uso objetivo, pois parece claro que não existe nenhuma comunidade pura e
nenhuma sociedade pura:
[...] e que a necessidade de fazer uma distinção nesse sentido não é sugerida pela observação, mas pela aspiração a um ideal. Portanto, ao ser utilizado pelos sociológicos posteriores (Simmel, Cooley, Weber, Durkheim e outros), esse significado foi sofrendo transformações, até assumir o uso corrente na sociologia contemporânea, de distinção entre relações sociais de tipo local e relações de tipo cosmopolita, distinção puramente descritiva entre comportamentos vinculados à Comunidade restrita em que se vive e comportamentos orientados ou abertos para uma sociedade mais ampla. (ABBAGNAMO, 2012, p. 192)
Nessa perspectiva, Abbagnamo, nesse mesmo estudo, informa que esse
conceito sofreu modificações, passando a ser usado quando se faz referência a
comunidades restritas ou a sociedades mais amplas.
De acordo com os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), na teoria literária
o termo “comunidade interpretativa” tem sido usado por Stanley Fish, ao se referir
a uma rede de pessoas com perspectivas semelhantes de significados, enquanto, na
sociolinguística, a expressão “comunidade de fala” tem sido empregada por
antropólogos em referência a grupos de pessoas que se engajam em contextos
80
específicos. Na revisão que realizam, as autoras também apontam as “comunidades
discursivas”, que se caracterizam como agrupamentos de leitores e escritores que se
tornam redes de citações e alusões. Quanto às comunidades de aprendizagem
docente, Cochran-Smith e Lytle assim apontam
[...] referem-se tanto a um espaço intelectual quanto um grupo particular de pessoas e, algumas vezes, um espaço físico. Neste sentido, comunidades são configurações intelectuais, sociais e organizacionais que apoiam o crescimento profissional contínuo dos professores, possibilitando oportunidades para os docentes pensarem, conversarem, lerem e escreverem sobre seu trabalho diário, incluindo os seus contextos sociais, culturais e políticos de forma planejada e intencional. (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 2002, p. 2462-2463, tradução nossa)
Conceitualmente, as autoras ressaltam que a ideia de comunidade tem sido
usada de diferentes modos na teoria e na pesquisa educacional e que, nas ciências
sociais, o termo denota grupos de pessoas envolvidas em determinados tipos de
trabalho ou atividade, ligadas por um propósito comum. Nessa perspectiva, os
membros da comunidade, em geral, constroem significados e partilham signos e
ideias sobre o empreendimento em que estão engajados. Perspectiva semelhante
foi apontada por Wenger (2001), que identificou três características básicas do que
se constitui como comunidades de prática: o compromisso mútuo, uma prática
conjunta e o interesse comum que une os membros participantes. A expressão
“comunidade de prática” foi introduzida por Lave e Wenger (1991) para designar a
prática social de um coletivo de pessoas que comungam de “um sistema de
atividades no qual compartilham compreensões sobre aquilo que fazem e o que isso
significa em suas vidas” (FIORENTINI, 2009, p. 237).
A partir de Wenger (2001) e Lave e Wenger (1991), autores como Nóvoa
(2009); Jaworski (2008); Fiorentini (2009, 2010); e Imbernón (2009) têm se
apropriado do conceito de comunidade de prática para investigar e propor
alternativas ao campo da pesquisa e da prática de formação de professores.
A partir das características básicas apontadas por Wenger (2001) como
constituintes das comunidades de prática, Fiorentini (2009) analisou um grupo
colaborativo de professores que ensinam matemática. Para o autor, o compromisso
81
mútuo reside na participação nas práticas conjuntas de reflexão e investigação sobre
a prática de ensinar e aprender matemática nas escolas (interesse comum). Segundo
Fiorentini (2010), a participação, na perspectiva de Wenger (2001), compreende o
processo pelo qual os sujeitos de uma comunidade compartilham, discutem e
negociam significados sobre o que fazem, falam, sentem, pensam e produzem
conjuntamente. Dessa maneira, participar em uma comunidade de prática significa
engajar-se na atividade própria da comunidade como membro atuante e produtivo.
Isso implica apropriar-se da prática, dos saberes e dos valores do grupo.
De acordo com Imbernón (2009), uma comunidade de prática de formação
docente permanente seria um grupo de professores e professoras que
intercambiam, refletem e aprendem mutuamente sobre sua prática. A comunidade
pode ser considerada formativa, se os professores que dela participam são capazes
de elaborar uma cultura própria no seio do grupo, e não apenas reproduzem de
forma padronizada a cultura social ou acadêmica dominante.
Nóvoa (2009), por sua vez, aponta a necessidade de reforçar as comunidades
de prática de formação docente, que devem se constituir em um espaço formado
por educadores comprometidos com a pesquisa e a inovação, no qual se discutem
ideias sobre o ensino e a aprendizagem e se elaboram perspectivas comuns sobre os
desafios da formação dos alunos.
Tendo em vista que a concepção de Wenger (2001) dispõe acerca de uma
proposição analítica de práticas cotidianas – escolares ou não escolares – em seu
sentido mais amplo, compreendemos que, para além de propor comunidades de
prática, fazem-se necessárias a qualificação e a análise desses espaços e das práticas
emergentes nessas comunidades.
Grossman, Wineburg e Wooworth (2001), considerando experiências
realizadas em escolas, também discutem o desenvolvimento profissional de
professores em comunidades. Para os autores, as comunidades devem ser
presenciais e propiciar momentos de diálogo e de confiança, propiciando o olhar
para os múltiplos contextos que implicam o trabalho dos professores. Reconhecem
82
ainda que os grupos precisam constituir uma história conjunta, configurando-se
como uma “comunidade de memória” na qual os membros tecem “narrativas
constitutivas” do grupo. Participar de uma comunidade, de acordo com esses
estudos, envolve acordar e discordar de forma democrática.
Aprofundando as discussões sobre comunidades e formação docente,
Hargreaves (2010) preocupa-se em qualificar objetivos de comunidades de
aprendizagem profissional e destaca que já há um reconhecimento da importância
do desenvolvimento desses espaços em livros, programas de treinamento e guias.
Mas essas comunidades podem tanto aumentar a capacidade de reflexão dos
professores como elevar a pontuação dos alunos em testes, muitas vezes em
detrimento de seu letramento. Por essa razão, Hargreaves identifica e analisa
diferentes versões de comunidades de aprendizado profissional em dois subgrupos:
(1) comunidades de contenção e controle e (2) comunidades de empowerment20. No
primeiro grupo, estão as comunidades que embasam suas práticas visando ao
controle dos professores e da prática docente, enquanto, no segundo grupo, se
incluem aquelas que engajam o coletivo em tomadas de decisões relacionadas às
práticas escolares.
Cochran-Smith e Lytle (2009) compreendem que o conceito de comunidade
de aprendizagem docente se tornou muito comum e sugerem que tal popularidade
tem levado a novas e importantes oportunidades para professores aprenderem uns
com os outros, mas também à proliferação de iniciativas altamente diretivas, como
as comunidades de contenção e controle citadas por Hargreaves (2010).
Sobre isso, segundo relatam Fiorentini e Crecci (no prelo), Cochran-Smith nos
alerta que as comunidades podem ser chamadas de diversas maneiras, mas que tais
nomenclaturas não nos dizem como elas operam, nem revelam se podem ser
consideradas boas ou ruins por si sós. Logo, é necessário observar o que acontece
dentro dessas comunidades e quais perguntas se fazem dentro delas. Cochran-Smith
destaca, ainda, que a forma como as comunidades são implementadas, por vezes,
20Sem tradução literal, a palavra empowerment significa o fato de coletivos se engajarem em tomadas de decisões.
83
acaba por compor estruturas vazias, em que todos os tipos de coisas podem ocorrer,
algumas positivas, outras não.
As autoras, também destacam que, a partir de suas experiências com o
desenvolvimento de programas de formação de professores, percebem grandes
lacunas entre o discurso da universidade e a realidade cotidiana das escolas. Ao
vivenciarem esses dilemas, passam a rejeitar a ideia de que os especialistas –
externos à comunidade escolar – devem ser os agentes primários das reformas
escolares. Percebem, ainda, que os acadêmicos não são os únicos críticos acerca dos
arranjos políticos e sociais da escola. Com essa experiência, concebem de forma
propositiva a perspectiva de comunidades investigativas e a ideia de um modo de
ser professor, tendo por base a investigação como postura.
Nessas comunidades investigativas, professores realizam investigações,
tendo objetos e perguntas de estudo provenientes da prática docente. De acordo
com Cochran-Smith, como revelam Fiorentini e Crecci (no prelo), os participantes de
comunidades investigativas incentivam-se para não apenas fazer suposições sobre a
prática docente, mas para propor questões uns aos outros, como: “Quais suposições
você está fazendo sobre as habilidades de seus alunos?”.
Cochran-Smith e Lytle (1999) destacam que os professores aprendem quando
geram conhecimento local, ao problematizam a prática, trabalhando dentro do
contexto de comunidades investigativas, teorizando e construindo seu trabalho de
forma a conectá-lo às questões sociais, culturais e políticas mais gerais. Nessa
perspectiva, o conhecimento da prática ao longo de toda a vida profissional é gerado
pela transformação da sala de aula e das escolas em locais de pesquisa, por meio do
trabalho colaborativo em comunidades investigativas. O objetivo é compreender a
construção conjunta do currículo, o desenvolvimento do conhecimento local e a
tomada de uma perspectiva crítica com relação a teorias e pesquisas de outros
profissionais.
Na perspectiva de Cochran-Smith e Lytle (1999) e Fiorentini (2009, 2010), as
comunidades investigativas envolvem geralmente a parceria colaborativa de
84
professores e pesquisadores, que trazem diferentes tipos de conhecimento e
experiências para o trabalho coletivo do grupo. Não há peritos nem novatos – a
premissa é a de que os envolvidos trabalhem em parceria, trazendo suas
perspectivas para contribuir com as investigações sobre as complexidades do ensinar
e aprender.
Embora este estudo não estabeleça o cruzamento das percepções dos
professores com a natureza das comunidades de que participam, acreditamos ser
importante destacar, nesta revisão teórica, o estudo de Fiorentini (2013a) que
identifica três tipos básicos de comunidades investigativas: escolares, acadêmicas e
fronteiriças.
Assim ele caracteriza, na página 4 do estudo referido, as comunidades
investigativas acadêmicas: “por serem monitoradas/governadas institucionalmente
pela universidade, podem ser endógenas (voltadas aos seus problemas teóricos, sem
vínculo com as práticas escolares), colonizadoras das práticas escolares, ou
colaborativas”; E diz que as comunidades investigativas escolares, “por serem
governadas a partir do território escolar, também podem ser endógenas, abertas à
colaboração e parceria da universidade, ou serem colonizadas pela universidade, a
qual assume o papel de transmitir e inculcar os saberes acadêmicos”. E, sobre as
fronteiriças, destaca que “possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de
definição de uma agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela
escola ou pela universidade”.
E, por ser “comunidade fronteiriça” o termo que atribuímos ao GdS, contexto
desse estudo, desenvolvo com mais profundidade esse conceito ao final do contexto.
Para a presente pesquisa, considero pertinente essa qualificação, tendo em vista que
delineia avanços no conceito e na problematização de comunidade investigativa, que
apresenta diferentes formas de organização e configuração.
Outro aspecto relevante na discussão sobre comunidades investigativas
ocorre quando questionamos sua função política. A esse respeito, Fiorentini (2011,
p. 07) destacou sobre a criação do Grupo de Sábado (GdS):
85
Enquanto formadores e pesquisadores da universidade assumimos, com esse grupo, o princípio epistemológico - e também político, tendo em vista seu caráter emancipatório (Carr e Kemmis, 1988) - de que os professores da escola e da universidade, mestrandos e doutorandos e futuros docentes podiam, juntos, aprender a enfrentar o desafio da escola atual, negociando e construindo outras práticas de ensinar e aprender matemáticas que sejam potencialmente formativas aos alunos, despertando neles o desejo de aprender e de se apropriar dos conhecimentos fundamentais à sua inserção social e cultural.
Nessas comunidades, os professores são compreendidos como os legítimos
agentes das mudanças necessárias à educação, mediante a reflexão da práxis (CARR;
KEMMIS, 1988). De acordo com Carr e Kemmis, um grupo de professores deve
considerar não apenas o domínio de suas práticas, mas toda a ação educativa. Isto
é, a estrutura educacional que está além da educação.
Esse sentido político também foi apontado por Cochran-Smith e Lytle (1993),
ao destacarem que, quando grupos de professores têm a oportunidade de trabalhar
conjuntamente como docentes investigadores altamente profissionalizados,
tornam-se muito perceptivos aos problemas de equidade, de hierarquia e de
autonomia e tendem a constituir-se em intelectuais transformadores, conforme a
concepção de Aronowitz e Giroux.
Recentemente, Cochran-Smith – revelam Fiorentini e Crecci (no prelo) –,
questionada sobre a situação atual da docência, em que a prática pedagógica vem
sendo condicionada pelas políticas embasadas nos testes, relacionou a participação
em comunidades investigativas com o compromisso com a justiça social e enfatizou
que as comunidades investigativas são um dos poucos espaços em que as
pessoas podem obter apoio para o comprometimento social, pois estão sustentando
suas ideias em um grupo, e alguns desses grupos de professores se tornam grupos
de ativistas. Apontou, ainda, que as pessoas podem se unir e obter o apoio de outros
para o que estão tentando fazer e que algumas escolas se tornam escolas orientadas
pela justiça social.
Se, há alguns anos, as perspectivas behavioristas e as embasadas na
racionalidade técnica previam práticas individuais de desenvolvimento profissional,
86
atualmente parece emergir a valorização de perspectivas de aprendizagem e de
desenvolvimento profissional permeadas por práticas coletivas.
A relevância dos estudos citados, sobretudo os de Cochran-Smith e Lytle
(2002), de Hargreaves (2010) e de Fiorentini (2013a), permite concluir que, mais do
que uma nova maneira de refletir sobre alternativas ao desenvolvimento profissional
de professores e formadores, refletir sobre as comunidades é também pensar nos
sentidos subjacentes que as engajam. Logo, um questionamento necessário é acerca
das ideias inerentes às práticas de formação docente, sejam essas em comunidades
ou não.
Pressupostos das Comunidades de Aprendizagem Docente
As comunidades de aprendizagem docente são motivadas e iniciadas por
modos muito diferentes de compreensão sobre o significado de “saber mais” e
“ensinar melhor” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002). E a forma como as comunidades
de aprendizagem docente se organizam projeta modos variados de desenvolvimento
profissional, modos diferentes de atuação dos formadores e podem produzir modos
individuais ou coletivos de ser/estar na profissão.
De acordo com os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), três ideias
principais sobre o conhecimento do professor, a aprendizagem docente e a prática
profissional coexistem mundialmente na política educacional, na pesquisa e na
prática e são invocadas, por agentes diferentemente posicionados, para justificar
abordagens muito diversas, afim de melhorar o ensino e a aprendizagem por meio
de comunidades. Cochran-Smith e Lytle (1999, 2002) explicam que tais ideias podem
ser
[...] simplificadas a partir da função que elas teriam em relação à prática ou ao trabalho do professor em sua prática de ensinar e aprender e que expressamos, ainda com base nas autoras, da seguinte forma: produção/aprendizagem de conhecimentos PARA, NA e DA prática de ensinar e aprender. (FIORENTINI, 2011, p.02)
Na concepção de aprendizagem PARA a prática de ensinar e aprender,
especialistas constroem conhecimentos e professores os aplicam em suas práticas.
87
Já na segunda concepção, pressupõe-se que a aprendizagem e os conhecimentos
sejam construídos NA prática, isto é, de maneira tácita. Sobre a terceira concepção,
Fiorentini (2011, p.02) sintetiza:
[...] no conhecimento e aprendizagem DA prática – não há uma separação entre conhecimento prático e o formal ou teórico. Presume-se que o conhecimento que os professores precisam para ensinar bem é produzido quando os professores tomam sua própria prática como campo de investigação ou análise e tomam como instrumento de interpretação e análise conhecimentos produzidos por outros especialistas (acadêmicos ou não).
Segundo Cochran-Smith e Lytle (1999), essa terceira concepção pressupõe
que o conhecimento que os professores devem ter para ensinar bem emana da
investigação sistemática sobre o ensino, sobre seus estudantes e sobre o
aprendizado desses. E pode ser construído coletivamente em comunidades locais,
desde que não isoladas de outras mais amplas, como é o caso da comunidade
acadêmica.
Para fins de discussão da literatura, relacionei as perspectivas de Cochran-
Smith e Lytle (1999, 2002) com o desenvolvimento profissional, a constituição da
profissionalidade docente e o papel do formador. Entretanto, apesar da
diferenciação entre as perspectivas de aprendizagem: conhecimento e prática
profissional (para – na - da) em nível de discussão teórica, a significação das
comunidades ocorre mediante processo de interação entre elas e os sujeitos. Por
isso, assim como Cochran-Smith e Lytle (1999) alertam sobre a relação das
concepções de conhecimento e de aprendizagem do professor, destaco que
nenhuma das iniciativas de desenvolvimento profissional
[...] deve ser considerada exemplar de uma concepção ou sua realização como “tipo puro”. Ao contrário, cada uma delas reflete o que entendemos ser as ideias dominantes que animam a iniciativa e que reflete a maneira singular através da qual tais ideias são encenadas em contextos específicos e em momentos definidos (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p.253, tradução GEPFPM)
Na maioria dos casos, essas ideias não estão explícitas nas proposições de
desenvolvimento profissional e, muitas vezes, os responsáveis pela gestão dessas
88
práticas não se propõem a questionar seus próprios pressupostos nem o modo como
eles interferem em suas decisões e iniciativas.
Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional
para a Prática
Nas últimas décadas, muitas pesquisas internacionais e nacionais passaram a
criticar perspectivas de desenvolvimento profissional embasadas em processos de
aprendizagem individual, o que levou à solicitação e ao reconhecimento de uma
perspectiva de aprendizagem em comunidades de aprendizagem docente. À
primeira vista, apenas a modificação nas estruturas das práticas de desenvolvimento
profissional garantiria alterações substanciais, porém, atualmente, há diferentes
concepções e práticas de desenvolvimento profissional, mesmo quando ocorrem em
comunidades (HARGREAVES, 2010).
Numa perspectiva de desenvolvimento profissional para a prática, ter acesso
aos conhecimentos formais e saber mais conteúdo, teorias educacionais e
estratégias concebidas por especialistas, possibilita aos professores ensinar melhor.
Essa visão conduz a comunidade de aprendizagem docente a promover
conhecimentos, a ajudar os professores a se desenvolverem profissionalmente,
acessar e implementar esses conhecimentos – enfim, a traduzir e colocar em prática
o que adquirem de especialistas de fora da sala de aula (COCHRAN-SMITH; LYTLE,
2002).
A prática docente prevista nessas comunidades envolve o uso adequado e
competente de conhecimentos adquiridos a priori (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).
Logo, a profissionalidade do professor deve ser iluminada pelas teorias acadêmicas
e pelos conhecimentos sistematizados pela comunidade acadêmica:
A ideia aqui é que a prática competente reflete o “estado da arte”; isto é, professores muito habilidosos têm conhecimento profundo de suas disciplinas e das estratégias de ensino mais eficazes para criar oportunidade de aprendizado para seus alunos. Os professores
89
aprendem este conhecimento através de várias experiências de formação que dão acesso à base de conhecimento. (COCHRAN-SMITH;
LYTLE, 1999 p. 254, tradução GEPFPM)
Nessa perspectiva, os professores são usuários aptos e não geradores de
conhecimentos (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999), admitindo que a sua ação se
resume à aplicação de decisões tomadas por especialistas.
Morgado (2005, p. 34) identificou esse modo de projeção da docência como
profissionalidade técnica: prevê um professor que “aplica as regras que derivam do
conhecimento científico, para se atingirem determinados fins predefinidos”. Parte-
se da premissa de que “as regras técnicas devem orientar a ação do sujeito. Ensinar
resume-se à mera aplicação de normas e de técnicas derivadas de um conhecimento
especializado” (p. 35). E os professores se limitam a “práticas meramente
reprodutivas, utilizadas para que os estudantes concretizam os objetivos que guiam
o seu trabalho” (p. 38).
Quando professores são envolvidos em comunidades que têm por objetivo
aprender coletivamente estratégias e técnicas para a melhoria do desempenho de
alunos em testes externos, conforme identificou Hargreaves (2010), tais
comunidades de desenvolvimento profissional adotam a perspectiva de
conhecimento PARA a prática. Relacionado a esse aspecto, Cochran-Smith, em
Fiorentini e Crecci (no prelo), aponta que comunidades obrigatórias dificilmente
funcionam como investigativas e críticas, mas, ao contrário, atribuem aos
professores o papel de consultar dados dos testes e descobrir como melhorá-los. E,
embora possam existir comunidades investigativas que considerem os resultados
dos testes, precisariam ter uma perspectiva crítica, sistemática e ligar os testes a
contextos amplos.
Ao participar de práticas de desenvolvimento profissional enfocadas na
compreensão do professor como técnico e aplicador de conhecimentos gerados por
especialistas, é provável que esse profissional encontre dificuldades para “abordar e
resolver os dilemas imprevisíveis e as situações conflituosas com que se depara no
decurso da ação educativa” (MORGADO, 2005, p. 40). Por essa razão, passou-se a
90
vislumbrar outras concepções de profissionalidade docente, como o professor
reflexivo, que discutiremos no próximo subitem.
A perspectiva de ensino não é diferente da ideia de educação bancária de
Freire (1986), para quem o sujeito, nessa relação de ensino e aprendizagem, se torna
receptor passivo de informações que lhe são delegadas por outrem. O formador,
dono do conhecimento, nesse caso, é o sujeito que deposita o conhecimento que o
professor, considerado uma tábula rasa, recebe.
Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional
na prática
Quando a aprendizagem e o conhecimento dos professores ocorrem na
prática, pressupõe-se que os conhecimentos sejam construídos de maneira tácita.
São esses os conhecimentos mais importantes para o exercício da profissão. Para
aprimorar o ensino e para que os professores se desenvolvam profissionalmente
nesta perspectiva pragmática, é preciso trabalhar em comunidades com outros
professores, “para melhorar, tornar explícito e articular o conhecimento tácito
embutido na experiência e na sábia ação de profissionais competentes” (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, 2002, p. 2464, tradução nossa). Presume-se que os professores
aprendam quando refletem sobre boas práticas: escolhem estratégias, organizam
rotinas de sala de aula, tomam decisões, criam problemas, estruturam situações e
reconsideram as próprias realizações (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).
A prática dos professores é compreendida como uma artesania, de modo que
a profissionalidade docente se constrói mediante reflexão NA prática: “os
professores competentes sabem, na medida em que é expressado ou veiculado na
arte da prática, nas reflexões do professor sobre a prática, nas investigações sobre a
prática e nas narrativas sobre a prática” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). Ensinar é
compreendido, nessa perspectiva, como um processo de
91
[...] agir e pensar sabiamente na imediatez da vida em sala de aula: tomar decisões em fração de segundos, escolher entre maneiras alternativas de transmitir conteúdo, interagir apropriadamente com estudantes, e selecionar e focar dimensões específicas dos problemas da sala. Para fazer isto, professores excepcionais se baseiam na experiência da prática ou, mais precisamente, nas suas experiências e ações prévias, bem como em suas reflexões sobre tais experiências.
(COCHRAN-SMITH; LYTLE, p. 262, 1999, tradução GEPFPM)
Se, na perspectiva anterior, os professores eram usuários do conhecimento,
nesta são “entendidos como os designers e arquitetos desta ação” (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, p. 262, 1999, tradução GEPFPM). Essas ideias encontram ressonância
na compreensão de Schön acerca do professor como profissional reflexivo. Sua
profissionalidade se constrói mediante esse processo de reflexão na ação, em que
[...] um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efetua uma experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar do aluno. Este processo de reflexão-na-ação não exige palavras (SCHÖN, 1992, p. 83).
Essa perspectiva de desenvolvimento profissional, baseado na reflexão,
gerou algumas críticas. Em primeiro lugar, reconhece-se que houve um uso excessivo
da palavra “reflexão” relacionada à formação docente, o que, segundo Morgado
(2005), muitas vezes não resultou em experiências concretas, tendo na maioria dos
casos se convertido em uma expressão de slogan e vazia de conteúdo. Em segundo
lugar, os estudos de Schön foram criticados por não terem concebido “um modelo
que abarcasse a mudança institucional e/ou social, centrando-se apenas em torno
de práticas individuais” ( MORGADO, 2005, p. 48).
Atualmente temos visto nos Estados Unidos, bem como em outros lugares,
questionamentos sobre a qualidade dos programas de formação inicial de
professores (COCHRAN-SMITH et al., 2012). Ganham força propostas que focam o
desenvolvimento profissional dos professores exclusivamente nas comunidades
escolares, sem interlocuções substanciais com a comunidade acadêmica. Como
92
justificativa a essa tendência, atualmente ocorre um cruzamento de dados entre a
formação dos professores e o desempenho de seus alunos em testes externos.
Estudos têm concluído que não há diferenças substanciais no desempenho de alunos
de professores com formação específica e de alunos de profissionais habilitados para
a docência21 (COCHRAN-SMITH et al., 2012).
Os formadores, em geral, têm como função organizar os espaços de formação
para que os professores conversem sobre suas questões. Muitas vezes, a postura é
mais de escuta das discussões e de estímulo do que de proposição ou opinião.
Profissionalidade e Desenvolvimento
Profissional da prática
A terceira abordagem diz respeito à aprendizagem e aos conhecimentos DA
prática, na qual se supõe que seja gerado o conhecimento que os professores
precisam para ensinar bem, quando tratam suas salas de aula e escolas como locais
para investigação intencional, ao mesmo tempo que tomam os conhecimentos
produzidos por outros como material gerador para investigação e interpretação:
[...] o conhecimento emerge do entendimento conjunto de professores e outros que estão comprometidos com observação e documentação sistemáticas, e de longo prazo, dos estudantes e de seu processo de atribuir significados. Para gerar conhecimento que dê conta de múltiplas camadas de contexto e múltiplas perspectivas de significado, os professores dependem de um largo espectro de experiências, e de sua história intelectual, dentro e fora das escolas.
(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p. 278, tradução GEPFPM).
Nesse contexto, “redes de professores, comunidades investigativas e outros
coletivos escolares nos quais os professores e outros somam esforços para construir
21 Nos Estados Unidos, em diversos estados e distritos, profissionais com as mais diversas formações podem realizar especializações para lecionar.
93
conhecimento são o contexto privilegiado para o aprendizado do professor”
(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p. 279, tradução GEPFPM).
Assume-se, então, que os professores aprendem e se desenvolvem
profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do
trabalho em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho
conectando ao contexto social, cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002,
p. 2465, tradução nossa).
De acordo com Cochran-Smith e Lytle (1999), na concepção de conhecimento
da prática, os professores e outros colaboradores (como os acadêmicos) trabalham
em conjunto para investigar suas próprias suposições, o modo como ensinam, o
desenvolvimento do currículo, práticas e políticas de suas escolas e comunidades.
Assume-se, assim, que o professor aprende e se desenvolve
profissionalmente mediante participação em comunidades que adotam como
prática a investigação sistemática e intencional do ensino e da aprendizagem. Nesse
caso, a comunidade investigativa deve ser espaço para problematizar os múltiplos
aspectos que envolvem a docência. Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 279, tradução
GEPFPM) compreendem que,
quando o trabalho em comunidades se baseia no conhecimento da prática – seja o trabalho referente à pesquisa do professor, pesquisa-ação ou investigação dos praticantes, o objetivo não é a pesquisa nem a produção de “descobertas”, como é geralmente o caso das pesquisas de universidades. Ao contrário, o objetivo é a compreensão, a articulação, e, ao final, a transformação das práticas e das relações sociais de forma a trazer mudanças fundamentais nas salas de aula, escolas, distritos, programas e organizações profissionais. Na base deste compromisso se encontra uma responsabilidade profunda e apaixonada em relação ao aprendizado dos estudantes, de suas chances na vida, e em relação a uma transformação das políticas e estruturas que limitam o acesso dos estudantes a estas oportunidades.
Neste contexto, a profissionalidade docente se baseia em uma postura
investigativa e crítica. Em uma relação política com a profissão, há aumento da
responsabilidade em relação às comunidades em que os professores estão
envolvidos. A premissa desta abordagem é que os professores podem gerar
conhecimento e aprendizado de forma colaborativa em comunidades locais. Podem
94
constituir posturas críticas em relação a teorias concebidas fora de seus contextos,
alterando as relações de poder entre escolas e universidades. Esse tipo de
profissionalidade encontra fundamentação nos estudos de Giroux (1997), que
compreende os professores como intelectuais transformadores:
Para os intelectuais transformadores, a pedagogia como forma de política cultural deve ser compreendida como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais através das quais diferentes tipos de conhecimento, conjuntos de experiências e subjetividades são construídas. (GIROUX, 1997, p. 31)
Com base nos estudos de Gramsci, Giroux (1997, p.186) afirma que “o
intelectual é mais do que uma pessoa das letras, ou um produtor e transmissor de
idéias. Os intelectuais são também mediadores, legitimadores e produtores de ideias
e práticas sociais; eles cumprem uma função de natureza eminentemente política”.
Essa perspectiva também encontra ressonância nos estudos de Freire (1986, p. 38)
sobre a práxis pedagógica, que consiste na “reflexão e ação dos homens sobre o
mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimidos” Na perspectiva desses autores, a prática educacional não é
compreendida apenas em sua instância instrumental, mas também em seus
aspectos sociais e políticos.
A pesquisa do professor pode ser realizada de diferentes formas: em
comunidades que se reúnem nas escolas, nas universidades ou em espaços não
institucionais. Temos observado que muitos professores que se envolvem em
processos de sistematização da prática docente encontram suporte em grupos
acadêmicos. E podem realizar pesquisas de mestrado e de doutorado da própria
prática.
Nessa perspectiva, o formador tende a ter uma postura colaborativa. Os
participantes de uma comunidade com essas características, podem trabalhar
juntos. O professor reconhece o excedente de visão do formador, e o formador, por
sua vez, reconhece o excedente de visão do professor. Inclusive, segundo Fiorentini
(2004b), o verbo “colaborar” deriva de “laborar”, que significa “trabalhar”.
95
Além disso, em razão das perspectivas de carreira, das condições de trabalho
e da possibilidade de inserção em comunidades acadêmicas de pesquisa, temos visto
em nossos estudos que professores do sistema público brasileiro, que projetam essa
profissionalidade investigativa e participam de comunidades investigativas
acadêmicas, tendem a seguir carreiras acadêmicas, em detrimento da continuidade
do trabalho na escola básica. Logo, configura-se aí um limite desse tipo de
profissionalidade docente, à medida que os professores passam a não se reconhecer
mais na comunidade escolar – sobretudo, em contextos fortemente controlados
pelas políticas de padronização curricular e de testes. A estrutura escolar tradicional
e os sistemas atuais de ensino no Brasil parecem não acolher diferentes modos de
interpretação da docência, que não sejam o da profissionalidade técnica.
Em razão das políticas educacionais pautadas nos testes, do baixo status
social da profissão e do alto índice de evasão de professores, Cochran-Smith, como
reportam Fiorentini e Crecci (no prelo), também reconhece que tem sido fácil
defender a pesquisa do professor e as comunidades investigativas em meio às
políticas embasadas nos testes, mas vislumbra que esses espaços podem oferecer
uma das poucas possibilidades para que os professores se organizem e reivindiquem
mudanças no sistema escolar. Cochran-Smith também defende a união dessas
comunidades com outros movimentos sociais, como os sindicatos.
Profissionalidade e Desenvolvimento Profissional em
Comunidades Investigativas
Nas comunidades investigativas, as experiências de desenvolvimento
profissional perpassam questionamentos sobre as práticas de professores e
formadores e de sistematização delas. Práticas investigativas em comunidades
investigativas permitem aos professores e aos formadores planejar atividades a
serem realizadas em sala de aula, desenvolver material didático, escrever narrativas
sobre os modos de ensinar e aprender, compartilhar atividades desenvolvidas,
96
realizar estudos sobre questões emergentes da prática pedagógica, (re)significar a
literatura da área etc. Assim, em comunidades investigativas, os professores e
formadores:
[...] trabalham colaborativamente para reconstruir as disciplinas e o currículo; examinar criticamente os conteúdos e as avaliações, bem como atuar como leitores críticos e conscientes consumidores de materiais e programas; além de desenvolver abordagens válidas para identificar e interpretar uma série de resultados educacionais significantes (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 131, tradução
GEPFPM).
Os membros buscam e constroem novos conhecimentos, ao examinarem os modos
de ensinar e aprender nas escolas. Cochran-Smith e Lytle (2009) apontam que, nas
últimas décadas, muitas discussões têm debatido se ensinar é ou não é uma
profissão e se os professores podem ou não ser legitimamente considerados
profissionais. Paras as autoras, professores já são profissionais, ainda que muitos não
acreditem que possam ser assim considerados, ou mesmo que estejam empregados
em condições de trabalho opressivas. São profissionais envolvidos em atividades
diárias, relacionais e incertas, que acontecem sob condições de mudanças
constantes. Os autores ressaltam a necessidade de uma nova noção de prática
profissional na educação e concebem o construto que chamam de postura
investigativa.
A partir dessa noção, reconhecem a capacidade intelectual coletiva dos
professores e apontam que, inseridos em comunidades investigativas, eles assumem
a postura investigativa em relação ao conhecimento e à sua prática. As autoras
propõem que os professores vão além de realizar uma pesquisa esporádica em um
determinado período: sugerem que desenvolvam um modo de ser docente
investigativo.
Para isso, discorrem sobre quatro aspectos relacionados à ideia de postura
investigativa: 1) concepção de conhecimento local em contextos globais; 2) visão
ampliada da prática; 3) comunidades investigativas como meio ou mecanismo
primário para adotar uma teoria da ação; e 4) justiça social.
97
Sobre o primeiro aspecto, Cochran-Smith e Lytle (2009) destacam que, ao
teorizar a concepção de postura investigativa, querem unir, não dividir, o
conhecimento local e os contextos globais, pois reconhecem que o conhecimento
local gerado pelos professores em comunidades investigativas pode ser resposta
para questões amplas, que afetam outros professores.
O segundo aspecto, a visão de prática ampliada, “abrange a aprendizagem
dos estudantes, bem como as investigações contínuas dos estudantes, professores
e líderes nos aspectos da construção dos conhecimentos social, cultural, intelectual,
relacional e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 143). As autoras apontam,
ainda, que essa ideia de prática é mais semelhante à ideia de práxis, na qual a prática
educacional sempre envolve uma síntese de reflexão crítica e de ação:
A visão de prática que estamos sugerindo aqui inclui a ideia de que as pedagogias e as estratégias para a mudança transformativa são inventadas, reinventadas, e continuamente negociadas com aprendizes, colegas e famílias, nas salas de aulas, escolas, comunidades e outros ambientes educacionais. Também inclui uma visão ampliada de professores em exercício que, além de trabalharem a partir do diálogo com os alunos, também o fazem com colegas e líderes escolares, além de professores K-12, estudantes de graduação e outros membros do corpo docente e assistentes, com o intuito de tratar de assuntos fundamentais para a educação. (COCHRAN-SMITH;
LYTLE, 2009, p. 147, tradução GEPFPM).
A partir dessa concepção de prática, para as autoras, “a investigação do
professor tende a mudar as supostas dicotomias entre investigação e prática, entre
ser um professor e ser um pesquisador” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 147,
tradução GEPFPM).
Sobre o terceiro aspecto, Cochran-Smith e Lytle (2009) apontam que,
mediante a participação em comunidades investigativas, os professores têm a
possibilidade de constituir o que chamam de “teoria de ação”, que não envolve
apenas indivíduos, mas também coletividades. Nesse sentido,
[...] os propósitos e funções essenciais das comunidades investigativas são os de fornecer contextos ricos e desafiadores para a aprendizagem do professor ao longo de sua vida profissional, bem como disponibilizar locais produtivos capazes de vincular as comunidades de educadores aos grandes esforços de mudanças, tanto nacionalmente
98
como internacionalmente. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 148,
tradução GEPFPM)
Por fim, como quarto aspecto da postura investigativa, consideram que, ao
participarem de comunidades investigativas, os professores-pesquisadores em
exercício
[...] estão trabalhando a favor e contra o sistema – um processo em curso, partindo do interior, problematizando hipóteses fundamentais sobre os propósitos do sistema educacional existente; sendo esse trabalho realizado a partir do levantamento de questões difíceis sobre os recursos educacionais, processos e resultados. Conjuntamente, os professores em exercício que realizam trabalhos de investigação como postura questionam o efeito do currículo existente, a instrução e as práticas de avaliação e as políticas. Sendo assim, consideram como as organizações do ensino e da liderança escolar desafiam ou sustentam as desigualdades profundas inscritas no status quo. Como podemos ver, o propósito final da investigação como postura – sempre e em todos os contextos – é aprimorar a aprendizagem do aluno e as suas chances na participação e contribuição para uma sociedade diferente
e democrática. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 154, tradução
GEPFPM)
Portanto, os professores que trabalham com uma postura investigativa, que
envolve o questionamento crítico e contínuo, “estimulam o desenvolvimento de
alunos que, por sua vez, fazem o mesmo. Os professores que são bem informados
fazem perguntas e apresentam problemas; o mesmo fazem seus alunos” (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, 2009, p. 164, tradução GEPFPM).
Cochran-Smith (2005), em tom narrativo, destaca também que as
comunidades investigativas são espaços importantes, onde futuros professores,
professores experientes e formadores podem aprender juntos e gerar conhecimento
em movimentos emocionantes. Os participantes são incentivados a se engajar em
estudos da própria prática, self-study, pesquisa-ação e outras formas de
investigação. Na experiência vivida por Cochran-Smith (2005), aconteceram muitos
fóruns locais, nacionais e internacionais, nos quais os participantes relatavam suas
investigações, experiências, compartilhavam ideias e podiam aprender com o
trabalho dos outros.
99
Produções constituídas em Contextos de Comunidades
Investigativas
Durante esses anos que venho participando de comunidades com
características de investigativas, como o PRAPEM e o GdS acompanhei o
desenvolvimento de uma série de pesquisas. No PRAPEM. Algumas, parecidas com
essa, estudos acadêmicos que investigam questões como a profissionalidade
docente, o desenvolvimento profissional ou a aprendizagem docente (ex:
FIORENTINI, 2013; CONTI, 2015; CRISTÓVÃO, 2015 e HERNANDEZ-VÁZQUEZ, 2015).
Esse tipo de pesquisa é, frequentemente, desenvolvido pelos pesquisadores e/ou
formadores que participam do grupo. Sobre isso, como já destaquei, no Brasil o
formador universitário, caso vinculado a uma universidade pública, é
necessariamente um pesquisador. Isso se deve ao regime de trabalho (ensino,
pesquisa e extensão). Em algumas universidades norte-americanas ou canadenses,
o pesquisador não atua necessariamente na graduação, isso varia de acordo com o
regime de trabalho.
Em 1990, tomando por base os estudos de Shulman, Cochran-Smith e Lytle
apontaram que as pesquisas em educação poderiam ser categorizadas em dois
paradigmas: 1) o processo-produto, envolvendo pesquisas que correlacionavam o
comportamento dos professores com o desempenho dos estudantes, e 2) o
qualitativo ou interpretativo, contemplando pesquisas provenientes (ou fortemente
vinculados aos campos) da sociologia, da antropologia e da linguística, e que se
propunham a descrever detalhadamente as práticas do ensino e de seus contextos.
Para elas, ambos os paradigmas tornavam os professores invisíveis enquanto
criadores de conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem na prática escolar.
Foi, então, sob influência dos estudos de Giroux, Goswani, Stenhouse e Elliot,
que Cochran-Smith e Lytle compreenderam que faltava, à base de conhecimentos
sobre educação, as vozes, as perguntas, as narrativas, as pesquisas e as
compreensões sobre a prática profissional produzidos e sistematizados pelos
100
próprios professores. Situação essa que limitava as prerrogativas do ensino aos
critérios e julgamentos tão somente da comunidade acadêmica. Para transformar
esse cenário, passaram a discutir a diferença entre a pesquisa do professor e
pesquisa acadêmica, destacando que não se tratava de hierarquizá-las, mas de
reconhecer as peculiaridades e importância de cada uma delas (COCHRAN-SMITH;
SUSAN LYTLE, 1990).
Acerca da natureza da investigação produzida em comunidades de
aprendizagem docente, podemos começar a falar daquelas produzidas pelos
acadêmicos, muitas vezes, os próprios formadores, mestrandos ou doutorandos.
Como é o caso dessa pesquisa, há o interesse na compreensão de como ocorre o
desenvolvimento profissional, a formação e a aprendizagem.
Sobre a pesquisa do professor produzido, de acordo com Fiorentini (2011),
não há ainda uma tipologia definida ou sistematizada pela literatura acerca da
pesquisa docente, embora alguns pesquisadores – como Cochran-Smith e Lytle
(1999 e 2002), Fiorentini (2004), Diniz-Pereira e Zechner (2008); Lüdke et al. (2009)
– já tenham tentado sistematizá-la e teorizar acerca.
Entretanto, apresento aqui uma tentativa de síntese feita por Fiorentini
(2011), tendo por base principalmente Cochran-Smith e Lytle, sua interlocução junto
aos grupos de pesquisa Prapem (Prática Pedagógica em Matemática) e GEPFPM
(Grupo de Estudo, Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática) e suas
experiências de trabalho e investigação em grupos colaborativos de professores em
diferentes níveis de ensino, os quais tinham como foco de estudo/análise a própria
prática de ensinar e aprender. Nessa síntese, são distinguidas quatro modalidades
de pesquisa de professores que têm como foco de estudo sua prática:
1) diários/narrativas dos professores que, na verdade, são narrativas reflexivas
e interpretativas de aulas, produzidas com base em notas etnográficas nas quais os
professores mesclam descrições, análises e interpretações de registros escritos pelo
professor e/ou pelos alunos, comentários e análises de experiências;
101
2) processos de investigação oral-colaborativa sobre um caso/episódio especial
ou um problema particular da prática pedagógica. Isso exige coleta/registro
cuidadoso de atividades ou episódios de aula, de modo que os professores possam,
oralmente e conjuntamente, realizar análises e interpretações, produzindo
compreensões sobre o caso. Essas análises e interpretações são gravadas e depois
transcritas, podendo (ou não) serem retomadas pelos próprios professores, em
forma de meta-análise;
3) investigações de aulas que usam processos de coleta de materiais e de análise
sistemática que se aproximam daqueles privilegiados pela pesquisa qualitativa
acadêmica, sobretudo de abordagem etnográfica e interpretativa;
4) pequenos ensaios dos professores que, normalmente, constituem-se em
trabalhos de sistematização ou teorização tecidas a partir de um conjunto de práticas
ou de pequenas investigações empíricas. Ou seja, esses trabalhos diferem dos
anteriores por não explorarem/analisarem, de maneira sistemática, dados empíricos
próprios. Ao contrário, procuram tecer análises de ideias ou produzir meta-estudos.
São trabalhos geralmente de natureza conceitual, filosófica, argumentativa e
reflexiva, podendo se apoiar em experiências ou casos ocorridos em sala de aula ao
longo do tempo. (FIORENTINI, 2011, p. 10).
Outra modalidade que tem tido destaque, nos últimos anos, são as pesquisas
acadêmicas realizadas por professores sobre a própria prática em dissertações e
teses. Essas pesquisas têm assumido a perspectiva da investigação da própria
prática, seja através da pesquisa-ação ou de abordagem etnográfica.
Cochran-Smith e Lytle (1999) rebatem as críticas que desqualificavam a
pesquisa do professor em detrimento da acadêmica. Assim, indicam que, apesar da
lentidão das mudanças nas universidades, já era possível observar evidências de que
a pesquisa do professor teria tido efeito transformador na cultura acadêmica.
102
Argumentam que a investigação da própria prática passou a fazer parte da formação
inicial e do desenvolvimento profissional docente. Isso teve impacto também na
pesquisa do professor universitário, pois perceberam que havia aumentado o
número de docentes do ensino superior que tomavam suas práticas profissionais
como objeto de estudo.
No caso das comunidades fronteiriças, a pesquisa é ou não é parte da
participação de professores e acadêmicos. No caso do GdS, essa prática não é um
requisito para participação no GdS, não há regulações sobre isso. Em diferentes
situações e momentos, como serão narrados no capítulo 04, os três participantes
deste estudo realizaram pesquisa, aqui chamadas de investigações.
Experiências de Desenvolvimento Profissional e
Constituição da Profissionalidade em Comunidades
Fronteiriças
O menino contou que o muro da casa dele era da altura de duas andorinhas. (Havia um pomar do outro lado do muro.)
Mas o que intrigava mais a nossa atenção principal Era a altura do muro
Que seria de duas andorinhas. Depois o garoto explicou:
Se o muro tivesse dois metros de altura qualquer ladrão pulava Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão pulava.
Isso era. Manoel de Barros, O Muro, 2004
Para analisar e interpretar o desenvolvimento profissional e a
profissionalidade de educadores matemáticos que se encontram em uma
comunidade fronteiriça, foi preciso constituir teoricamente um olhar próprio para
esses dois fenômenos que se inter-relacionam. Após a exposição e discussão de
diferentes perspectivas sobre temas relacionados a este trabalho, nesta sessão
103
discuto alguns estudos que problematizam perspectivas próximas de minhas
compreensões acerca das temáticas pertinentes ao objeto de estudo desta tese.
À medida que constituía meu objeto e minha problemática de estudo, dava-
me conta de que esta, também, era uma pesquisa sobre o encontro de diferentes
sujeitos, comunidades de prática e seus respectivos mundos, figurados em uma
comunidade dedicada a investigar e a refletir os modos de ensinaraprender
matemática. Portanto, caberia compreender melhor noções como alteridade,
identidade e espaços fronteiriços, relacionando-os aos conceitos de experiência de
desenvolvimento profissional e de profissionalidade.
As noções de dialogismo, constituição da identidade e relações de alteridade
são centrais nos estudos de Mikhail Bakhtin. Nascido na Rússia do final século XIX,
Bakhtin foi um filósofo e pensador que teorizou sobre a cultura europeia, as artes e
a linguagem humana. Ao realizar seus estudos, tornou-se autor de uma série de
conceitos literários, como polifonia, polissemia, cronotopo, carnavalização e
menippea. Além disso, também foi responsável pela criação de teorias como estilo e
gênero discursivo. Diferenciando-se de outros filósofos da linguagem, para ele,
analisar a língua significava compreendê-la em seu contexto de produção e
significação. Atualmente, seu trabalho continua influente na área de teoria literária,
crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e semiótica.
Embora este não seja um trabalho que centre foco na linguagem, temos sido
sobredestinatários dos estudos de Bakhtin. Ou seja, apesar de não sermos os
destinatários supostos (estudiosos da linguagem) dos estudos do autor, temos
utilizado alguns de seus conceitos para compreender encontros que acontecem em
uma comunidade fronteiriça (FIORENTINI, 2009, 2013a). Nesse sentido, enquanto
sobredestinatários, liberamos
[...] o texto das limitações de seu contexto, projetando-o naquilo que Bakhtin nomeia grande temporalidade: um tempo futuro, desconhecido e imprevisível em que o texto poderá ser acolhido e, ao mesmo tempo, reconstruído de outro modo. Acredito poder dizer que o destinatário suposto remete a uma dimensão histórica e única do texto, enquanto o sobredestinatário atesta seu trabalho em direção a uma dimensão universalizante. (AMORIM, 2002, p. 9-10)
104
Portanto, para além dos direcionamentos dos construtos de Bakhtin, como
sobredestinatários temos (re) significado suas concepções para compreender
conceitos como alteridade, diálogos, convivência em comunidade, encontro e
identidade.
Sobre relações dialógicas, Bakhtin (2011, p. 413) afirma que “em todas as
coisas, ouço vozes e sua relação dialógica”. Nessa toada, mediante relações de
alteridade e dialogia, os sujeitos vão se constituindo nas diversas relações – e por
elas – que estabelecem. Para Bakhtin (2011, p. 348),
a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.
Brait (2005, p. 94), parafraseando Bakhtin, aponta, por um lado, que “o
dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e
harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma
comunidade, uma cultura, uma sociedade”; por outro lado, que “o dialogismo diz
respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos
discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram
e são instaurados por esses discursos”.
Ao refletir sobre essa relação com o outro, Bakhtin (2011, p. 21) também tece
considerações sobre encontros e incompletudes: “quando contemplo no todo um
homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente
vivenciáveis não coincidem”. Uma vez que, “em qualquer situação ou proximidade
que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei
algo que ele, da sua posição fora e diante de mim não pode ver”. No momento do
encontro, “quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos
nossos olhos”.
Nesse encontro de pessoas, mundos diferentes, “esse excedente da minha
visão, com meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em
face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singularidade e pela
105
insubistitutibilidade do meu lugar no mundo”. Então, “nesse momento e nesse lugar,
em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os
outros estão fora de mim” (BAKHTIN, 2011, p. 21).
Bakhtin e Volochinov (2004, p. 112) também relacionam a constituição da
identidade do sujeito a sua materialidade em um mundo social.
Na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito.
As tônicas da incompletude e do diálogo são, também, encontradas na filosofia
de Paulo Freire (1996, p. 50, p. 53), para quem “o inacabamento do ser ou sua
inconclusão é própria da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento” E
destaca: “gosto de ser gente, porque, como tal, percebo afinal que a construção de
minha presença no mundo, que não se faz no isolamento”. É, portanto, no diálogo
que os sujeitos encontram seu próprio significado, uma vez que “o diálogo é, pois,
uma necessidade existencial” (FREIRE, 1980, p.42).
O movimento dialético entre mundo pessoal e mundo social também é
problematizado por Holland et al. (1998), que concebem a noção de mundos
figurados: são fenômenos culturais que funcionam como contextos de significado.
As atividades desses mundos figurados – espaços socialmente organizados – são
determinadas por épocas e lugares. Assim, dentro desses mundos, os habitantes
aprendem uns com os outros de diferentes maneiras e as pessoas estão distribuídas
de acordo com a as atividades que exercem.
Em síntese, “um mundo figurado é uma produção social e cultural construída
em um reino de interpretação, no qual um conjunto de personagens e atores são
reconhecidos, significados e que têm certos atos atribuídos” (BARTLETT; HOLLAND,
2002, p. 12). Bartlett e Holland (2002) citam como exemplo o mundo figurado da
cultura letrada, o qual supõe a existência de iletrados, iletrados funcionais e bons
leitores que estão lutando para se mostrarem leitores competentes.
106
Com base em estudiosos como Vygotsky e Bakhtin, Holland et al. (1998)
assumem que a identidade é uma forma de nomear densas interligações entre
espaços íntimos e públicos que são permeados pelas práticas sociais. Assim,
compreendem a identidade como a configuração do mundo íntimo ou pessoal no
interior de mundos coletivos, culturais e sociais. Esses autores seguem a premissa de
que as identidades são vivas, constituídas em mundos figurados.
Tendo em vista essa perspectiva de incompletude e alteridade, temo-nos
perguntado: o que acontece, quando formadores de professores, pesquisadores e
professores da escola básica se encontram em uma comunidade fronteiriça? O que
acontece, quando essas três comunidades, provenientes de diferentes mundos
figurados, se encontram em um espaço fronteiriço entre a escola e a universidade?
Já há alguns anos, os estudos do professor Dario têm como objetivo questões
dessa natureza. Em 2009 Fiorentini analisou, com base na concepção de excedente
de visão de Bakhtin, o encontro de professores da escola básica com acadêmicos no
Grupo de Sábado, contexto deste estudo. Por um lado, com as experiências
constituídas no ambiente escolar, os professores (re)significam as teorizações
advindas da academia:
Embora os porta-vozes da academia tragam ao grupo questões que ajudam a produzir estranhamentos e problematizações à prática dos professores da escola básica, estes, ao tomarem como referência seus lugares nas escolas, manifestam um excedente de visão sobre os acadêmicos, por possuírem um saber de experiência relativo ao ensino da matemática nas escolas públicas e privadas. Além disso, conhecem as condições de produção do trabalho docente nessas escolas, vislumbrando o que é possível ou não realizar na prática escolar e denunciando os limites e as idealizações frequentes dos acadêmicos, que geralmente não conhecem por dentro – isto é, experiencialmente – a complexidade de ensinar matemática na escola atual (FIORENTINI, 2009, p. 234 - 235).
Por outro lado, quando os acadêmicos se encontram com professores da
escola básica, imprimem um excedente de visão em relação a eles, relacionado aos
aportes teórico-científicos
[…] oriundos das ciências educativas e, em particular, dos estudos acadêmicos em educação matemática, interpretações e compreensões que os primeiros estabelecem sobre práticas,
107
experiências e saberes dos segundos. Penso, porém, que o maior excedente de visão dos acadêmicos seja o domínio dos processos metodológicos de pesquisa e a problematização ou desnaturalização das práticas escolares vigentes (FIORENTINI, 2009, p. 235).
Nessa comunidade, tanto professores quanto acadêmicos dão indícios de
“construção e desenvolvimento de uma profissionalidade docente, interativa e
reflexiva” (FIORENTINI, 2009, p. 251). Essa perspectiva de desenvolvimento
profissional vem ao encontro daquela perspectiva de aprendizagem da prática,
quando Cochran-Smith e Lytle (2002) assumem que participantes de comunidades
de aprendizagem docente geram conhecimentos locais da prática por meio do
trabalho em comunidades, ao teorizar e construir seu trabalho conectando-o ao
contexto social, cultural e político.
A noção de comunidade investigativa tem sido (re) significada nos estudos do
professor Dario desde 2013, quando identificou três tipos básicos de comunidades:
escolares, acadêmicas e fronteiriças (FIORENTINI, 2013a). Sobre as comunidades
fronteiriças, destaca que:
[...] possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade. É, portanto, um lugar livre e, por isso também de perigo, de transgressão do instituído, de aventuras na construção e problematização do conhecimento. Elas podem reunir interessados de comunidades diferentes que definem suas agendas de estudo e trabalho, podendo ser também investigativas. Tendo em vista as diferentes origens de seus participantes, os encontros tendem ser entremeados por narrativas de acontecimentos que ocorrem nas comunidades de origem de cada um. Entretanto, o que se produz e se aprende nessa comunidade tem forte impacto na vida pessoal e profissional de cada participante (FIORENTINI, 2013a, p. 04-05).
No caso das comunidades fronteiriças, não estamos falando de limites que
separam dois territórios diferentes entre si. Estamos falando, na verdade, do espaço
fronteiriço que se forma no encontro de dois mundos diferentes. Mesmo a noção de
fronteira, tal como conhecemos, como o limite entre dois territórios diferentes, pode
ser problematizada.
Segundo Zientara (1989, p. 307), o termo fronteira “indicava a parte do
território situada in fronte, ou seja, nas margens” Destaca, assim, que a noção de
fronteira como separação entre duas regiões é equivocada. Para o autor, “as
108
fronteiras separam comunidades humanas, mas podem também determinar um
novo género particular” (p. 307). As populações que “vivem em uma zona de
fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interesses particulares,
mantêm entre elas, do lado de cá e do lado de lá da fronteira, uma intensa
comunicação; vivem frequentemente de contrabando” (ZIENTARA, 1989, p. 309).
Anzaldúa (1987) aponta que esse lugar entre as fronteiras se constitui como
um espaço indeterminado, criado pelo resíduo emocional de um limite e em um
constante estado de transição. Clandinin e Rosiek (2006), ao tomarem por base a
ideia de Anzaldúa, compreendem os espaços fronteiriços como não claros ou
límpidos, mas borrados por regiões que se sobrepõem e se fundem. Algumas
perspectivas da geografia também consideram o espaço fronteiriço como indefinido,
com dinâmicas próprias:
São espaços nos quais o local e o internacional se articulam, estabelecendo vínculos e dinâmicas próprias, construídas e reforçadas pelos povos fronteiriços. Neles estão presentes as identidades e as culturas nacionais de cada um dos países envolvidos, que constroem, reelaboram e constituem uma outra cultura e identidade diferenciada, capaz de recriar um novo lugar, com aspectos regionais. São regiões que não respeitam as barreiras existentes, já que há ação e interação dos agentes fronteiriços, estimulando dinâmicas fronteiriças informais (SOUZA, 2009, p. 106 – 107).
No poema de Manoel de Barros, o muro tem a altura de duas andorinhas,
simbioticamente, a altura e a distância do voo de duas andorinhas. Caso tivesse dois
metros, facilmente um ladrão pularia, segundo o garoto narrado pelo eu-lírico do
poema. Talvez essa também seja nossa ideia de fronteira. Na verdade, não se trata
de uma linha divisória de fronteira, isto é, não estamos tratando de um espaço que
nos divide artificialmente, mas de um espaço fronteiriço no qual as diferenças se
encontram. Nessa perspectiva, para Martins (2012, p. 02), “na atualidade, o conceito
de fronteira não está mais ligado ao limite, mas à porosidade e ao trânsito de um
lado e de outro, configurando culturas híbridas”.
Ao discutir as fronteiras das comunidades de prática, Wenger (2001, p. 135)
também aponta que essas não podem ser compreendidas como isoladas do mundo,
uma vez que “suas histórias não são internas, mas de articulação com o resto do
109
mundo”. De acordo com pesquisador, é pela participação e pela coisificação22 em
comunidades de práticas que se pode contribuir para a descontinuidade de limites.
Concebe, ainda: a ideia de “objetos de fronteira”, aqueles trazidos por diferentes
comunidades para organizar a conexão em uma única; o conceito de
“intermediários” (brokering), pessoas que levam elementos – os objetos de fronteira
– de uma prática a outra.
Segundo Wenger (2001, p. 140), um objeto de fronteira não é necessariamente
um artefato ou uma informação codificada: “um bosque pode ser um objeto de
fronteira em torno do qual os excursionistas, os interessados madeireiros, os
ecologistas, os biólogos e os proprietários organizam suas perspectivas e buscam
maneiras de coordená-las”. Por sua vez, os intermediários podem estabelecer novas
conexões entre comunidades de prática, facilitar a coordenação e acordar as
perspectivas, quando bons corretores podem inclusive promover “novas
possibilidades de significados” (p. 142).
Assim, podemos relacionar o mapa desses espaços fronteiriços à ideia do
aberto e conectável em todas as suas dimensões, “desmontável, reversível,
suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido,
adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um
grupo, uma formação social” (DELEUZE; GUATARI, 1996, p. 22).
Mas o que dizer sobre o desenvolvimento profissional e a profissionalidade
em um espaço fronteiriço? Fiorentini e Carvalho (2015) consideram que no Grupo
de Sábado – contexto deste estudo – não há os que ensinam e os que aprendem,
todos ensinam e todos aprendem, a partir de seus horizontes. Cada um de nós tem
seu próprio horizonte. Na Figura 1, o Grupo de Sábado está disposto entre a escola
e a universidade, porém não é regulado por nenhum dos dois contextos, uma vez
que tem suas próprias normativas.
22 Por “coisificação”, Wenger (2001) significa a forma concreta da experiência, como, por exemplo,
escrever um livro, criar um método, etc. (WENGER, 2001).
110
Figura 7 - Grupo de Sábado, Entre dois mundos
Na comunidade fronteiriça (Grupo de Sábado) há, portanto, encontro de
culturas institucionais, sobretudo das culturas escolares e acadêmicas. Há, também,
o encontro de diferentes comunidades de prática, representados pelos participantes
de outros espaços que se encontram no espaço fronteiriço. Assim, ocorrem
encontros de experiências subjetivas por meio das histórias de vida, narradas por
cada um de seus participantes e constituídas em diferentes cenários de práticas.
Sztajn et al. (2014), com base em Wenger (2001), analisam o desenvolvimento
profissional como encontro de fronteira entre professores e formadores. Mediante
a análise do trabalho de campo realizado em encontros de formações de professores
dos anos iniciais, os pesquisadores concluíram que professores e formadores
retornam para suas comunidades de origem modificados pela experiência da
fronteira. Para eles,
[...] encontros de fronteira permitem que os membros da comunidade examinem e, potencialmente, mudem, as maneiras pelas quais eles experimentam e pertencem às suas comunidades. Mais importante, participantes envolvidos em comunidades diferentes, que estão envolvidos em encontros de fronteira, negociam e significam através da fronteira e dentro de suas comunidades originais (SZTAJN et. al., 2014, p. 204).
Neste estudo, também temos compreendido que não são apenas os
acadêmicos, incorporados pelas figuras dos formadores e pesquisadores, os únicos
que trazem contribuições do mundo da academia para os encontros de trabalho e
aprendizagem docente na/da comunidade fronteiriça. Nesse espaço, todos são
compreendidos como educadores matemáticos, uma vez que têm como objetivo
Comunidade
Escolar
Comunidade
Acadêmica
Comunidade
Fronteiriça
111
comum o ensinaraprender matemática, na perspectiva do ensino e da pesquisa,
desenvolvem-se profissionalmente e projetam e constituem profissionalidades.
Em relação aos formadores, Nacarato; Grando; Mascia (2013, p. 38)
reafirmam a ideia de que não apenas os professores se desenvolvem
profissionalmente nas comunidades. Segundo as autoras, como formadoras, elas
aprenderam com sua participação em projetos com professores:
[...] ao dar voz aos professores e ouvi-los, tem possibilitado compreender os constrangimentos que surgem nos cotidianos escolares e a falta de autonomia existente nas escolas, diante dos documentos prescritivos e do controle do trabalho docente. Além disso, a convivência com professores e mestrandas tem possibilitado tanto conhecer a complexidade do cotidiano escolar, como também identificar as singularidades do grupo, a importância da alteridade para a aprendizagem docente e a interlocução com diferentes teorias.
Nessa pesquisa, considero as experiências de desenvolvimento profissional de
educadores matemáticos (professores, pesquisadores e formadores que têm como
campo profissional e científico o ensinaraprender matemática) que ocorrem pela
interconexão de diferentes práticas, mediante participação em contextos
intencionais, ou não, à aprendizagem docente. Para isso, tenho assumido,
juntamente com Fiorentini (2008, p. 4-5), tais experiências como um “processo
contínuo que tem início antes de ingressar na licenciatura, estende-se ao longo de
toda sua vida profissional e acontece nos múltiplos espaços e momentos da vida de
cada um, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais”.
Sabemos que o sentido de desenvolvimento profissional docente tem sido,
muitas vezes, reduzido à simples descrição ou proposição de atividades, cursos ou
estratégias de formação continuada. Ele também tem sido associado “a um aumento
de competências, a um acréscimo de conhecimento ou, na melhor das hipóteses, a
um somatório de conhecimentos em diversos domínios” (GUIMARÃES, 2004, p. 183).
Atualmente, reconhece-se a importância de relacionar a biografia do professor com
seu desenvolvimento, “abordando a evolução profissional diacronicamente” (p.
183), uma vez que já sabemos que
[...] as carreiras, esperanças, sonhos, propósitos e aspirações passam a ser, também vistos, não só como aspectos importantes para o
112
empenho e entusiasmo do professor, mas igualmente considerados constitutivos do seu desenvolvimento. Reconhece-se a importância do percurso escolar do professor e das suas experiências passadas e a influência do seu percurso biográfico, nas crenças sobre o ensino e aprendizagem, na relação que estabelece com o saber e com a sua transmissão e, em geral, com a profissão (GUIMARÃES, 2004, p. 184).
Em uma perspectiva que valoriza as diferentes experiências vividas pelo
professor – no caso deste estudo, participantes de uma comunidade fronteiriça –,
projetamos que o desenvolvimento profissional envolve mais que uma mudança de
comportamento e de conhecimento. Conforme Guimarães (2004) e Fiorentini e
Crecci (2013), implica, sobretudo, transformações globais das pessoas ao longo do
tempo e mediante participação em diferentes comunidades.
Em relação ao conceito de experiência, Bondia-Larrosa (2002, p. 21)
compreende que a experiência autenticamente formativa é “o que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que
toca”. Em determinado momento de sua explanação, o autor cita Heidegger (1987),
que relaciona experiência com transformação. Repassando a leitura de Heidegger,
Bondia-Larrosa (2002, p. 21) afirma que o sujeito da experiência é aquele que,
quando alcançado, é tombado, derrubado: “Não um sujeito que permanece sempre
em pé, ereto, erguido e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança aquilo que
se propõe ou que se apodera daquilo que quer; não um sujeito definido por seus
sucessos ou por seus poderes”.
Ao relacionar as histórias de vida com a formação de educadores matemáticos,
neste estudo vinculamos o desenvolvimento profissional às experiências de cada um
dos participantes. Em outras circunstâncias, Dewey (1997, p. 25) problematiza essa
relação, destacando que “entre todas as incertezas existe um quadro permanente
de referência: nomeadamente, a conexão orgânica entre a educação/formação e a
experiência pessoal”. Acerca da coletividade dessas experiências, Dewey (1997, p.
38) afirma que “toda experiência humana é essencialmente social: envolve contato
e comunicação”.
Clandinin e Connely (2011, p. 85, tradução nossa), ao tratarem da experiência
no contexto da Pesquisa Narrativa, como destacarei no próximo capítulo, têm John
113
Dewey como principal referência, segundo os autores o educador “fornece um
esboço para pensarmos a experiência além da ‘caixa preta’, isto é, além da noção de
experiência sendo irredutível de forma que não se pode investigá-la”.
Com esse conceito de experiência, os autores criam a noção de
tridimensionalidade da pesquisa narrativa, em que são consideradas localidade,
sociabilidade e temporalidade na composição da narrativa. Considero essa
tridimensão presente em cada uma das narrativas dos participantes desta tese. Essa
compreensão de experiência inclui situações formais e informais de
desenvolvimento profissional. Day (2001, p. 18) afirma que o professor se
desenvolve a todo momento e que esse movimento inclui
[...] a aprendizagem iminentemente pessoal, sem qualquer tipo de orientação, a partir da experiência (através da qual a maioria dos professores aprendem a sobreviver, a desenvolver competências e a crescer profissionalmente nas salas de aula e nas escolas), as oportunidades informais de desenvolvimento profissional vividas na escola e as mais formais oportunidades de aprendizagem “acelerada”, disponíveis através de atividades de treino e de formação contínua, interna e externamente organizadas.
Neste estudo, também, estou interessada em compreender os diferentes
espaços nos quais emergem experiências de desenvolvimento profissional e de
constituição da profissionalidade; o modo como essas experiências reverberam em
outras comunidades; e quais são as especificidades da participação em uma
comunidade fronteiriça.
114
Figura 8 - Santo Antonio Alburquerque (1994), Beatriz Milhazes
E nas margens do rio San Juan, o velho poeta me disse que não se deve dar a
menor importância aos fanáticos da objetividade.
– Não se preocupe – me disse.
– É assim que deve ser. Os que fazem da objetividade uma religião, mentem. Eles
não querem ser objetivos, mentira: querem ser objetos, para salvar-se da dor
humana.
Eduardo Galeano, Celebração da Subjetividade (1991)
115
Capítulo 03 - Caminhos dessa Pesquisa Narrativa
Quando penso na palavra narrativa, uma polissemia de significados vem em
meus pensamentos lembro-me, sobretudo, de histórias escritas ou orais que podem
nos encantar apaixonar, amedrontar ou entristecer. Em todo caso, narrativas que
nos levam a algum modo de reflexão.
Cresci convivendo com diferentes religiosos, talvez, a narrativa da criação do
universo tenha sido uma das primeiras histórias com a qual tive contato. O curioso é
que recentemente, em um museu em Belo Horizonte, conheci narrativas parecidas
com a judaico-cristã. Em uma exposição sobre a origem da vida, estavam nessa
amostra explicações cientificas e culturais, assim conheci uma série de eventos e
personagens semelhantes as narrativas de Adão e Eva, emergidas em outros
contextos.
Já havia algum tempo que, praticamente, não me importava com a veracidade
da história judaico-cristã de criação do mundo. Em todo caso, deparar-me com
aquelas narrativas que poderiam ter sido fonte de inspiração para a história que
tanto ouvi quando criança, deixou-me, no mínimo, intrigada e curiosa.
Aliás, por alguma razão que não sei explicar, lembro-me bem de uma das
primeiras narrativas que escutei em contexto escolar. Não sei precisar qual seria
minha idade naquela época, mas lembro bem daquela manhã chuvosa, a professora
havida colocado os colchonetes para que pudéssemos descansar um pouco mais.
Consigo até hoje visualizar a dimensão daquele espaço, como era alto aquele teto
da sala de aula, muito diferente do conjunto de apartamentos populares no qual
havia passado meus dias até então! Com uma voz suave, aquela professora do jardim
da infância, descreveu o que acontecia no céu naquele dia, segundo ela Jesus lavava
os pés de Maria e, por essa razão, chovia tanto naquela manhã.
Essas reminiscências me fazem pensar sobre quão poderosas são as narrativas
em nossas vidas. Explicam, descrevem ou criam razões para nossa existência, nossos
sentimentos, acontecimentos que nos cercam ou fenômenos naturais. São histórias
contadas através de uma sucessão de fatos, que nos levam a refletir, relatar e
116
representar, produzir sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e
dizemos; e como isto vai mudando ao longo da prática e da vida.
O fato é que do momento em que acordamos passando, até mesmo, pelo
momento em que estamos dormindo, criamos e reproduzimos histórias, narrativas
expressas por diferentes linguagens (oral, escrita, visual, teatral etc.) que expõem
fatos interligados, com mais ou menos coerência, reais ou imaginados. A todo
instante, diferentes narrativas perpassam nossas vidas, através delas vamos nos
constituindo enquanto sujeitos sociais. Narrativas individuais e coletivas “dos povos,
das épocas, da própria história, com seus horizontes e ambientes” (BAKHTIN, 2011,
p. 395) fazem parte do nosso cotidiano.
O interesse dos pesquisadores nas narrativas, histórias que contamos,
enquanto textos de campo para estudos etnográficos, sociológicos ou
antropológicos, surgiu a partir do interesse nos movimentos sociais do século XX. A
"virada narrativa" surge, então, na contramão dos modelos positivistas de
investigação e das grandes narrativas teóricas (ex. Marxismo); o movimento de
valorização da literatura e da cultura popular; as discussões sobre identidade; os
movimentos de emancipação de negros, mulheres, gays e lésbicas, e outros grupos
marginalizados; e a crescente cultura terapêutica (RIESSMAN, 2008) influenciam a
ascensão desse tipo de investigação.
No Brasil, nas últimas décadas, influenciadas em sua maioria pelos estudos de
Ludke e André (1986), as pesquisas sobre formação docente têm sido realizadas
majoritariamente de modo qualitativo. A partir dos anos 2000, um modo vem
ganhando espaço entre as pesquisas qualitativas. Com a denominação de
investigação narrativa ou pesquisa narrativa, influenciadas pelos estudos de
Clandinin e Connelly (2000 e 2011) e, mais recentemente, por autores brasileiros
(por exemplo: MELLO, 2004; FREITAS, 2006; FREITAS e FIORENTINI, 2008;
NACARATO; PASSOS; SILVA, 2014), uma série de pesquisas passou a utilizar a
narrativa como modo de escrita dos textos de pesquisa e/ou de campo.
Nesta pesquisa, minha opção metodológica foi pela Pesquisa Narrativa. Desse
modo, a pesquisa de campo do presente trabalho atinge um período de nove anos,
117
tempo de minha participação e investigação no GdS. Comunidade na qual considero
ter aprendido a desenvolver uma “escuta sensível” (FIORENTINI, 2012) em relação a
histórias de vidas de educadores matemáticos que se encontram para narrar práticas
de ensinaraprender matemática nas escolas.
Motivados pela minha pesquisa de doutorado e principalmente pelos estudos
precedentes realizados sobre essa metodologia de investigação (FREITAS;
FIORENTINI, 2008; FIORENTINI; MEGID, 2012; FIORENTINI, 2012, 2013), dentre
outros desenvolvidos no âmbito dos grupos de pesquisa PRAPEM e GDS, oferecemos
(professor Dario e eu), em julho de 2014, por ocasião do 19º COLE23, um minicurso
intitulado “A Análise Narrativa na Pesquisa sobre Aprendizagem e Desenvolvimento
Profissional Docente”.
Em meio ao preparo desse minicurso e tendo em vista minha pretensão de
escrever narrativas de desenvolvimento profissional em minha tese, tive contato
com diferentes autores, tais como Bruner (1991); Bondia-Larrosa (2002); Clandinin e
Connelly (2000), estudados previamente pelo professor Dario em sua interlocução
inicial com pesquisas portuguesas e, sobretudo, com seus próprios orientandos.
Enfatizando o uso das narrativas na área da educação, destaco a tentativa de Bruner
(1991) para compreender experiência de modo narrativo. Para o autor, há dois
modos distintos e complementares de organização da experiência e de construção
da realidade: o narrativo e o lógico-científico.
Tomando por base a síntese realizada por Fiorentini (2012), o modo narrativo,
para Bruner (1991), nos ajuda a produzir uma versão da realidade, e sua aceitação
depende mais da convenção, da verossimilhança, da necessidade e dos sentidos que
atribuímos a ela do que de sua verificação empírica ou de seus argumentos lógicos.
O modo lógico-científico, por sua vez, apoia-se em argumentos lógicos e funciona
como uma tentativa de atingir um sistema formal de descrição e explicação, que
lança mão de procedimentos, de conceptualização e das operações pelas quais as
23 19º Congresso de Leitura do Brasil, com o tema: “Leituras sem margens”, aconteceu na UNICAMP, no período de 22 a 25 de julho de 2014. Esse congresso é internacionalmente conhecido por reunir profissionais da universidade e da escola para discutir aspectos do ensino e aprendizagem.
118
categorias são estabelecidas e relacionadas umas às outras, para formar um sistema
logicamente não contraditório.
Trouxemos, também, os autores internacionais mais conhecidos entre nós
em relação à pesquisa narrativa. Na década de 90, os canadenses Clandinin e
Connelly começam a se destacar com teorizações sobre Inquiry Narrative, expressão
traduzida para o português como Pesquisa Narrativa, no livro publicado em 2011, a
partir do projeto da professora Dilma Maria de Mello, da Universidade Federal de
Uberlândia.
Essa experiência de estudo e de realização do minicurso, que foi bem aceito
pelos participantes, motivou-me a realizar um período de estágio em um centro de
pesquisa no qual teria contato com especialistas em pesquisa narrativa. Foi, então,
que, entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, tive a oportunidade de realizar
estágio de pesquisa na Universidade de Alberta, Canadá. Nesse período, contei com
a supervisão das professoras Jean Clandinin e Janice Huber, vinculadas ao Centre for
Research for Teacher Education and Development (CRTED).
As interlocuções com o grupo de pesquisa canadense e as contínuas
interlocuções com meu orientador causaram mudanças significativas neste projeto.
Ao compartilhar e discutir partes deste estudo com o grupo de pesquisa canadense,
dei-me conta de que pouco olhava para a minha própria história de aprendizagem
dentro do Grupo de Sábado e também pouco focava as aprendizagens dos
formadores e dos pesquisadores. Essa interlocução ajudou a reconfigurar o objeto
de estudo desta pesquisa que passou a ser: “o desenvolvimento profissional e a
constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de
uma comunidade fronteiriça”.
Na primeira parte deste capítulo, para situar esta pesquisa, teço breves
reflexões sobre a utilização das narrativas nos estudos realizados nos contextos do
grupo Prapem. Em seguida, em diálogo com estudos sobre pesquisa narrativa, narro
a constituição do foco, da problemática, do objetivo e da questão investigativa desta
tese.
119
Um breve panorama das pesquisas narrativas desenvolvidas no
PRAPEM
Realizo este estudo em um programa de pós-graduação que incentiva a
participação em grupos de pesquisa. Portanto, ao falar de sua metodologia, é preciso
destacar a experiência acumulada do grupo Prapem. Esta pesquisa e a utilização
desta metodologia possuem uma história própria. Há mais de dez anos,
pesquisadores vinculados ao grupo desenvolvem estudos utilizando as metodologias
de análises narrativas e/ou pesquisas narrativas. Dentre as pesquisas, destacarei
aquelas concluídas por Castro (2002), Jaramillo-Quiceño (2003), Castro (2004),
Freitas (2006), Megid (2009), Fiorentini (2013a), Cristovão (2015) e Gonçalves
(2015). Tais estudos tomaram como referência autores como Bondia-Larrosa,
Brunner e Galvão, Clandinin e Connelly, Josso, Ricouer, Riessman.
Ao realizar a leitura dessas pesquisas, observo diferentes modos de escritas
narrativas desenvolvidas no contexto do Prapem. Penso que podemos compreendê-
las as pesquisas em, ao menos, três modos de uso das narrativas: 1) narrativas de
sujeitos como textos de campo; 2) análises narrativas com base em dossiês
constituídos dos sujeitos da pesquisa; 3) relatórios (teses e dissertações) escritos de
modo narrativo.
Dentre os estudos que utilizam as narrativas dos sujeitos como textos de
campo, podemos considerar aqueles que solicitam aos sujeitos que escrevam suas
narrativas para serem utilizadas como material de análise. Megid (2009) tomou
como corpus de análise de sua tese as narrativas de estudantes do curso de
pedagogia. Tendo como contexto a formação inicial da professora que ensina
matemática nos anos iniciais, sua tese teve por objetivo principal investigar o modo
como as estudantes do curso de pedagogia aprendem e ressignificam o sistema de
numeração decimal e das quatro operações aritméticas básicas. Para fundamentar a
utilização das narrativas na formação, a pesquisadora tomou por base os aportes
teóricos de Josso, Freitas e Suárez. Embora tenha escrito um memorial inicial e tenha
120
desenvolvido uma pesquisa da própria prática, Megid (2009) não produziu um
relatório final em forma de narrativa.
Entre as pesquisas que desenvolveram análises narrativas baseadas em
dossiês constituídos dos sujeitos da pesquisa, podemos relacionar a pesquisa de
Fiorentini (2013a) que, utilizando a conceituação de análise narrativa de Riessman,
narrou a história de aprendizagem e desenvolvimento profissional da professora
Eliane mediante sua participação em comunidades de aprendizagem docente. Para
isso, o pesquisador analisou transcrições de encontros dessas comunidades,
materiais escritos pela professora e entrevistas realizadas ao longo do tempo. Esse
também parece ter sido o caso de Castro (2002) que, através de entrevistados e de
observações etnográficas em atividades na universidade e na escola, compôs
análises narrativas de dois estudantes do curso de licenciatura. A pesquisadora teve
por objetivo compreender como o futuro professor se constitui na prática, no
contexto da disciplina Prática de Ensino de Matemática e Estágio Supervisionado.
Nessa mesma perspectiva, podemos relacionar o trabalho de Freitas (2006),
investigou como estudantes do curso de licenciatura em matemática, futuros
professores, participam e respondem à experiência de uma disciplina que privilegia
o registro escrito de seus pensamentos e ideias. De posse de um extenso trabalho
de campo constituído por autobiografias, atividades desenvolvidas na disciplina
(cartas, bilhetes, relatórios, projetos), entrevistas semiestruturadas, questionários e
textos de mensagens eletrônicas, Freitas compôs narrativas dos futuros professores
que participaram da pesquisa.
Para fundamentar a metodologia de sua tese, Freitas chamou os estudos de
Clandinin e Connelly (2000). Desse modo, todo o relatório é realizado de modo
narrativo, o que inclui o estudo de Freitas (2006) no conjunto de trabalhos que
desenvolvem relatórios inteiros escritos de modo narrativo. Esse também foi o caso
dos trabalhos de Jaramillo Quiceño (2003), Castro (2004), Gonçalves (2015) e
Cristovão (2015).
121
Dentre os trabalhos completos (teses e dissertações) escritos de modo
narrativo, observo uma diferenciação quanto ao trabalho de campo: há aqueles que
constituem o que chamarei de cenários de experiência para construir suas pesquisas,
como Freitas (2006) e Jaramillo Quiceño (2003), pois, embora o objeto de estudo se
relacione com as narrativas iniciais de cada uma das pesquisadoras, elas utilizaram
fontes de informações em contextos que não eram da própria prática formativa.
Jaramillo Quiceño (2003), por exemplo, teve por objetivo principal identificar os
elementos constitutivos do ideário pedagógico do professor de Matemática – ao
longo de sua vida – sobre a matemática, seu ensino e sua aprendizagem, e sobre o
trabalho docente em geral. A pesquisadora também utiliza o referencial de Clandinin
e Connelly (1996). O contexto de sua pesquisa foram as disciplinas de Prática de
Ensino e Estágio de Matemática da FE/Unicamp. E Freitas (2006) realizou seu estudo
em uma disciplina da área de matemática do curso de licenciatura.
Os trabalhos de Castro (2004), Gonçalves (2015) e Cristovão (2015)
diferenciaram-se por terem sido realizados em contextos que chamarei de
experiência como cenário. Na tese de Gonçalves (2015), em um contexto de estágio
supervisionado pelo professor da escola em um colégio de aplicação, o pesquisador
teve por objetivo investigar a formação do professor durante o estágio e o papel do
formador (supervisor) da escola. No contexto do estudo realizado, o autor foi, ao
mesmo tempo, o professor supervisor e o pesquisador, que realizou uma pesquisa
narrativa com base em Paul Ricoeur.
Juliana Castro (2004), tendo como foco sua própria experiência como
professora de matemática, realizou um estudo narrativo de sua prática, com o
objetivo de analisar o papel desempenhado, pelas experiências pedagógicas com
investigações matemáticas em sala de aula, em seu processo de constituição
profissional como professora de matemática. Tomando por base a perspectiva de
narrativa de Josso, o relatório final de pesquisa é escrito de modo narrativo.
Cristovão (2015) recentemente investigou a aprendizagem situada de
professoras de matemática que participaram de uma comunidade fronteiriça
122
permeada por uma prática social de letramento docente. Nesse caso, a pesquisadora
já participava do grupo, antes mesmo de iniciar sua pesquisa.
Ao considerar minha participação no GdS, pondero que esta pesquisa toma
as experiências de interlocução que constituí nessa comunidade fronteiriça, em
especial, em relação a três participantes como cenário investigativo. Apesar de o
trabalho de campo de ter sido realizado para o desenvolvimento da pesquisa, não
precisei criar um contexto para seu desenvolvimento, não precisei criar um grupo de
estudo, ou algo parecido. Mello (2004, p. 89) aponta que “uma pesquisa narrativa
pode ser desenvolvida pelo contar de histórias ou da vivência de histórias”.
Entretanto, mesmo sendo participante de grupos que valorizam e desenvolvem esse
modo de pesquisa, não foi simples assumir um lugar neste estudo e contar esta
história. A seguir, narro de que modo cheguei à pesquisa narrativa.
Experiência e o Processo de Pesquisar Narrativamente
Nós colaboramos para construir o mundo em que nos encontramos.
Não somos meros pesquisadores objetivos, pessoas na estrada
principal que estudam um mundo reduzido em qualidade do que
nosso temperamento moral o conceberia, pessoas que estudam um
mundo que nós não ajudamos a criar. Pelo contrário, somos cúmplices
do mundo que estudamos. Para estar nesse mundo, precisamos nos
refazer, assim como oferecer à pesquisa compreensões que podem
levar a um mundo melhor. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 97)
Em junho de 2015, participei de uma semana de trabalho intenso, na
Universidade de Alberta, em um evento intitulado Academic Homeplace,
direcionado a pesquisadores que já passaram pelo Centre for Research for Teacher
Education and Development. Em meio à viagem de retorno ao Brasil, tive a
oportunidade de conversar com a professora Dilma24.
24 Como já citei, Profa. Dra. Dilma Maria de Mello, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), especialista em pesquisa narrativa, responsável e organizadora da tradução do livro Pesquisa Narrativa – experiência e história em pesquisa narrativa (2011), de Jean Clandinin e Michael Connelly.
123
A pesquisadora, didaticamente, explicou-me que, de modo geral, caso um
pesquisador tivesse o carnaval como objeto de estudo25, em uma perspectiva
etnográfica tradicional brincaria por um certo período junto com os foliões,
entretanto, ficaria na arquibancada na maior parte do tempo e escolheria um
aspecto do carnaval para analisar. Nesse sentido, o etnógrafo até “pode sambar um
pouco na avenida, mas prefere ficar na arquibancada observando os outros foliões
no desfile” (Dilma). Já o pesquisador de uma orientação fenomenológica, “sambaria
o tempo suficiente para obter algumas narrativas, as quais serão por ele analisadas
e, em seguida, separadas da experiência de origem” (Dilma).
Por outro lado, “o pesquisador narrativo passa o tempo todo com os foliões,
tornando-se um folião e vive o desfile intensamente. Depois escreve suas narrativas
(de forma relacional com os participantes) e compõe sentidos sobre a experiência
vivida” (Dilma). Para este pesquisador, não bastaria observar “o grupo por um certo
período para entender como a vida das é pessoas é delineada” O mais importante
seria “ouvir as histórias das pessoas, [...], a partir da perspectiva do participante”
(MELLO, 2004, p. 93). Na pesquisa narrativa, “as pessoas são vistas como a
corporificação de histórias vividas” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 77).
Nesse sentido, caso consideremos uma pesquisa sobre o modo como os pais
delineiam a vida dos filhos, na perspectiva da pesquisa narrativa, “filmar algumas
situações das famílias dos participantes não é suficiente, já que os pais e o
pesquisador podem ter interpretações diferentes das experiências vividas” (MELLO,
2004, p. 93). Desse modo, “a forma como os membros de uma família interagem não
é mais importante do que a forma como as pessoas sentem as interações, porque,
de acordo com a perspectiva de pesquisa narrativa, os significados que alguém
constrói ou compõe é interno (de dentro) e externo (para fora) e é por isso que
precisamos ouvir as histórias das pessoas” (p.93).
Na mesma conversa, Dilma explicou-me que, diferentemente do que ocorre
na pesquisa narrativa e na pesquisa etnográfica, o fenomenólogo descreveria o
25 Dilma ressaltou que Clandinin e Connelly utilizam a metáfora da Parada, como no Brasil associamos esta expressão ao período da Ditadura Militar, ela optou utilizar a metáfora do Carnaval.
124
carnaval como fenômeno dependente de sua interpretação ou dos participantes.
Nesse sentido, “o pesquisador pode ter o fenômeno emergindo com seu próprio
significado, completamente desligado dos primeiros pensamentos do pesquisador,
apesar das ideias dos participantes a respeito do mesmo”. O fenômeno, nesse caso,
não seria “individual/pessoal ou socialmente construído” (ibidem), e, sim, “algo
inserido na vida existencial” (MELLO, 2004, p. 93).
Em relação à posição do pesquisador narrativo, Dilma destacou que ele
poderia se comportar com um folião em relação a seu objeto de estudo – no caso, o
próprio carnaval. Em suas palavras, o pesquisador narrativo brincaria o carnaval,
como um membro insider daquela comunidade. Ora, se ainda restasse algum tipo de
insegurança em assumir essa metodologia, não havia mais dúvidas de que esse seria
o caminho mais “natural” desse estudo. Com essa narrativa, com essa história, voltei
mais segura para o Brasil, convicta de que estava no caminho certo para contar a
minha história. Já havia, inclusive, realizado o estágio no CRTDE, feito uma série de
leituras, mas ainda restavam algumas dúvidas. Ainda faltava a confirmação, a
validação.
Assumir-me como parte dessa experiência não foi simples. Afinal, como de
costume e quase sem estranhamento, tudo tem sido muito rápido em minha
trajetória. A graduação em Pedagogia, as disciplinas que me encantavam, as
disciplinas que me desencantavam, as iniciações científicas, um mundo de
possibilidades se abrindo no contexto acadêmico, na Unicamp. A passagem pelo
sistema privado de ensino na educação infantil. O encantamento, inicialmente quase
ingênuo por um grupo colaborativo de professores que ensinam matemática,
seguido por uma visão crítica da educação e pelo desejo de compreensão
epistemológica daquele campo. A passagem pela rede estadual paulista como
professora, sucedida pelo ingresso no mestrado e a consequente passagem para o
programa de doutorado. Um tanto de viagens locais e internacionais financiadas por
projetos de pesquisa. Dois estágios no exterior. Uma série de coisas publicadas e
participações em relatórios, projetos, eventos etc.
125
Pela rapidez de todas essas experiências, estava muito relutante em escrever
este texto na primeira pessoa do singular de modo narrativo. Era como se os olhares
desconfiados sobre a minha experiência me definissem. Não reconhecia a razão para
colocar-me como um “eu” que tem uma história para contar. Era como se, para ter
sentido, a narrativa precisasse vir diretamente do professor experiente, sem
intermediários.
Aceitar que a vida acadêmica também poderia constituir uma experiência a
ser narrada não foi imediato. As interlocuções com o grupo PRAPEM e as indicações
da banca de pré-qualificação e de qualificação puseram-me a questionar: o que,
afinal, significava a experiência que havia constituído na trajetória desta pesquisa?
Foi então que passei a estudar o sentido de experiência.
De acordo com Clandinin e Rosiek (2006), há muitos sentidos filosóficos
diferentes na palavra “experiência”, passando pela metafísica dualista de
Aristóteles, na qual conhecimentos particulares e universais foram considerados
separadamente; pelas concepções empiristas e atomistas de experiência; pelas
concepções marxistas de experiência distorcida pela ideologia; pelas noções
behavioristas de estímulo e resposta; e, por fim, chegando às noções pós-
estruturalistas que indicam que nossa experiência é produto de práticas discursivas.
Em todo caso, se “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que
nos toca (BONDIA-LARROSA, 2002, p. 21)” e tendo em vista que “viver significa
participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc.” e que “nesse
diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida com os olhos, os lábios, as mãos,
a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (BAKHTIN, 2011, p. 348), considero que
escutar e contar histórias de desenvolvimento profissional de educadores
matemáticos é uma vivência que merece ser relatada por um “eu”.
Esse significado dado à experiência veio ao encontro dos estudos de Clandinin
e Connelly (2011, p. 27), tomando por base os estudos de Dewey:
[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e no contar dessas histórias se reafirmam. Modificam-se e criam novas histórias. As histórias vividas e contadas educam a
126
nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém-pesquisadores em suas comunidades
Essas compreensões de experiência me fizeram entender minha participação
em uma comunidade fronteiriça e a relação com os participantes desta pesquisa de
modo narrativo. Após três anos, percebi que seria inútil tentar escrever esta tese a
partir de minha experiência. Do mais, é no próprio desenvolvimento pessoal e
profissional que é favorecido nesse processo de investigar a experiência (RODRIGUES
e PRADO, 2015). Desse modo, apesar de não ser propriamente uma pesquisa sobre
minha própria prática, compreender um cenário que me era familiar fazia cada vez
mais sentido.
Construção do Objetivo e da Questão Investigativa
Até o momento da qualificação, meu objetivo era compreender o
desenvolvimento profissional e a profissionalidade docente em comunidades
investigativas de professores que ensinam matemática. Como parte do trabalho de
campo, inicialmente, por meio de anais de congresso, realizei um mapeamento de
oito diferentes grupos colaborativos que congregavam professores da escola,
formadores da universidade. Em seguida, via e-mail, foram distribuídos
questionários para os professores de matemática que participavam desses grupos.
Vinte e oito questionários foram respondidos pelos professores, e 15 deles eram de
professores vinculados ao Grupo de Sábado.
Em parceria com o professor Dario, realizei uma análise das respostas dos
professores. Com os dados dessa fase da pesquisa, identificamos e categorizamos
pelo menos três diferentes práticas consideradas pelos professores como
promotoras de aprendizagem e de transformação da prática pedagógica nas escolas:
(1) práticas de escrita e compartilhamento de narrativas sobre a própria prática, (2)
práticas de reflexão e compartilhamento de experiências de sala de aula e (3)
práticas de análise e de investigação da prática pedagógica. A partir das percepções
e considerações dos professores participantes, descrevemos e analisamos os modos
127
de participar e aprender no grupo e suas contribuições para o desenvolvimento
profissional dos professores (CRECCI; FIORENTINI, 2013).
Depois de identificar os professores que destacaram práticas de análise e de
investigação da prática pedagógica, selecionei quatro professores para a condução
de entrevistas semiestruturadas. Após a realização dessas entrevistas, em uma
perspectiva diacrônica, comecei a compor narrativas de histórias de
desenvolvimento profissional de cada educador matemático, mediante participação
em sua respectiva comunidade investigativa.
Na qualificação, com a passagem para o doutorado, a história desta pesquisa
começaria a mudar. Haveria mais tempo para aprofundar meus estudos.
Paralelamente a esse desejo e à necessidade de mudanças do projeto em
desenvolvimento, iniciava meus estudos sobre pesquisa narrativa. Foi então que me
dei conta de que, por um lado, eu poderia manter a metodologia qualitativa
delineada inicialmente, com base em questionários abertos e entrevistas
semiestruturadas, deixando minha participação e as percepções como subtextos.
Por outro lado, lembrava-me da fala da professora Laurizete: “Sua experiência
persegue seu objeto”. Compreendi que, se olhasse para minha própria experiência
dentro de uma dessas comunidades, no caso o Grupo de Sábado, poderia conhecer
mais e melhor o objeto em questão, obtendo inclusive mais dados para a pesquisa.
A opção por aprofundar o olhar a partir de minha experiência no Grupo de Sábado
parecia a mais adequada, tendo em vista que, ao longo de nove anos de participação,
compus um extenso diário de campo e pude organizar um acervo com diversos
dados de pesquisa.
Em um de nossos encontros de orientação no Centre for Research for Teacher
Education and Development (CRTED), no momento em que apresentei para Janice
partes deste trabalho, essa questão ficou ainda mais evidente. Fui questionada por
Janice se somente os professores se desenvolviam naquela comunidade fronteiriça.
Entre outras coisas, ela destacou que gostaria de saber como eu via meu próprio
128
desenvolvimento profissional e como refletia sobre as outras comunidades que
perpassam essa comunidade.
Figura 9 - Reunião no CRTDE
Após a leitura de um texto do professor Dario (FIORENTINI, 2013a), Janice
confessou também que gostaria de saber as razões que o levaram a constituir aquela
comunidade. Mediante esse questionamento, dei-me conta de que pouco sabia
sobre as percepções do professor Dario sobre aquela comunidade, mesmo após
tantos anos de convivência. Conhecia sua produção sobre o grupo, mas pouco sabia
de suas razões pessoais, embora não ache possível separar razões pessoais das
razões acadêmicas.
Em todo caso, ao ser questionada por Janice sobre as razões de o professor
Dario organizar aquela comunidade, uma série de artigos, cenas de palestras, alguns
tantos capítulos de livro, prefácios ou outras produções acadêmicas vieram à minha
mente. Dei-me conta de que nunca havíamos conversado sobre suas razões. Depois
de muitos diálogos com o professor Dario, de ter feito revisão da literatura sobre
narrativa e após as recentes interações com Janice Huber e Jean Clandinin,
finalmente compreendi que poderia colocar-me nessa história, pois a "experiência
acontece narrativamente. A pesquisa narrativa é uma forma de experiência
129
narrativa" (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 19, tradução nossa). Afinal, “a
generalização, a objetividade e a distância entre investigador e investigado, tão
privilegiadas nas pesquisas positivistas não fazem sentido na investigação narrativa”
(RODRIGUES; PRADO, 2015, p. 93).
Todas essas questões viriam ao encontro da compreensão do Grupo de
Sábado, como uma comunidade fronteiriça entre a escola e a universidade. Desse
modo, compreendi, então, que o objeto de estudo desta tese também poderia ser
reconfigurado. Por um lado, atenderia uma reivindicação da banca para que eu me
posicionasse mais no estudo. Por outro lado, tendo em vista a conceituação de
comunidade fronteiriça, recentemente desenvolvida pelo professor Dario
(FIORENTINI, 2013a), parecia fazer sentido ampliar a noção do sujeito que se
constitui mediante participação em comunidades com aquelas características.
Desse modo, o objetivo principal de estudo desta tese se configurou assim:
“Compreender as experiências de desenvolvimento profissional e de constituição
da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma
comunidade fronteiriça”. Para alcançar este objetivo, formulei duas questões
investigativas:
1) De que modo educadores matemáticos, participantes do GdS,
desenvolvem-se profissionalmente e constituem sua profissionalidade?
2) Como as experiências de desenvolvimento profissional e de constituição
da profissionalidade dos educadores matemáticos, participantes nesta
comunidade fronteiriça, cruzam e contrastam com experiências em
outras comunidades e espaços?
Por “educador matemático”, passei a utilizar a noção de Fiorentini e
Lorenzato (2006), para quem o educador matemático é aquele que concebe a
Matemática como um meio: ele educa por meio da matemática. Seu objetivo é a
formação do cidadão e, devido a isso, questiona qual matemática deve ser ensinada
a estudantes, professores e futuros professores. Para os autores, as atividades do
130
educador matemático se desenvolvem nas escolas de ensino fundamental e médio,
nas Secretarias de Educação e nos centros de formação de professores. Em síntese,
em se tratando do campo profissional, é o educador matemático um profissional
responsável pela formação educacional e social de crianças, jovens e adultos, dos
professores de matemática (de nível fundamental e médio) e também pela formação
dos formadores de professores. Em se tratando do campo científico, suas pesquisas
são realizadas, essencialmente, com fundamentação teórica e métodos das Ciências
Sociais e Humanas26.
Pela própria conceituação dos autores, é possível pensar em um profissional
que está em um espaço fronteiriço, onde se cruzam o ensino básico, a formação de
professores e a pesquisa. Em face disso, pareceu-me adequado tomar essa
concepção como a noção de participante do Grupo de Sábado.
Escolha dos participantes da pesquisa
Assim como em outros métodos qualitativos, também precisamos justificar
nossas escolhas na pesquisa narrativa. Em relação à escolha dos participantes,
esclareço que, para compreender as experiências de desenvolvimento profissional e
de constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que se encontram
em uma comunidade fronteiriça, busquei selecionar, para a presente pesquisa, três
participantes que estariam em “mundos” diferentes da relação entre universidade e
escola: o professor Roberto, por estar atuando apenas na escola básica e ser o
membro mais antigo nessa condição; a professora Eliane, por atuar na escola básica
e no Ensino Superior; e o professor Dario, por ser o membro mais antigo do grupo a
atuar exclusivamente na universidade.
No capítulo 04, é descrito cada um desses participantes, bem como suas
narrativas de experiências de desenvolvimento profissional. No capítulo 05, essas
26 Verbete publicado em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mydownloads_01/singlefile.php?cid=46&lid=2820. Acesso em: 10 mar. 2015.
131
narrativas serão analisadas através dos seguintes eixos transversais: 1) mapeamento
dos espaços de experiências de desenvolvimento profissional; 2) compreensões
sobre as experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade
fronteiriça; e 3) reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça.
Composição e Análise dos Textos de Campo e de Pesquisa
Eu sou uma dessas pessoas que refletem de modo mais pleno sobre a experiência diante de uma folha de papel ou um teclado. Acho que eu aprendo mais escrevendo do que em qualquer outra atividade, porque o processo de escrever me obriga a recriar a experiência, aprender a partir do que eu já sei.... Aprender a aprender com a experiência, muitas vezes, repensando eventos e encontros anteriores. (BATESON, 2000, p. 229)
A opção pela pesquisa narrativa veio ao encontro de meu desejo de tecer um
modo “humano e sensível de olhar e narrar a vida de homens e mulheres em suas
práticas cotidianas, e de compreendê-los em suas singularidades e em seu contínuo
devir” (FIORENTINI, 2012, p. 12). Para isso, seria necessário optar por caminhos
metodológicos que valorizassem os sentidos que os educadores matemáticos
apreendem em relação à participação no Grupo de Sábado. Encontramos na
narrativa a potencialidade “enquanto procedimento teórico-metodológico, que
favorece a explicitação do vivido como também possibilita a teorização do vivido,
transformando-o em conhecimento acadêmico” (RODRIGUES; PRADO, 2015, p. 101).
Freitas (2007), embora não trate da pesquisa narrativa, também me ajuda a
explicar a opção por esse tipo de pesquisa:
Refletindo sobre a realidade do homem e do mundo contemporâneo, nesse momento de barbárie criada pelas relações postas pela sociedade capitalista, numa globalização que mais fragmenta que une, e buscando alternativas viáveis de restaurar no homem sua humanidade, procuro para as ciências humanas referenciais que não tenham deles expulsado o sujeito, mas que, centrando-se no sujeito, o vejam inserido no mundo e na história. Portanto, abordagens que focalizem a realidade humana em uma perspectiva de totalidade e nela se impliquem buscando formas alternativas de superação. (FREITAS, 2007, p. 06)
132
Foi a partir da perspectiva epistemológica e ontológica de Dewey que
Clandinin e Connelly (2000) criaram o conceito de pesquisa narrativa. Para Dewey,
“toda experiência é constituída através de interação entre sujeito e objeto, entre um
ego e seu mundo, não sendo algo meramente físico, nem meramente mental, e sem
importar o quanto um fator predomina sobre o outro” (apud CLANDININ; ROSIEK, p.
2006, p. 39, tradução nossa).
No contexto do grupo PRAPEM, usualmente, temo-nos orientado pela
perspectiva sociocultural. Segundo essa concepção, que tem sido usada em diversos
campos, como educação, psicologia e sociologia, o sujeito é compreendido em seu
meio social. Nesse sentido, “os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem
focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender
os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto”
(FREITAS, 2002, p. 26). Tal perspectiva, adotada pelo grupo, tem o materialismo
histórico-dialético como pano de fundo. Sobre o “olhar” para educação desse modo,
Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 66-67) sintetizam:
[...] a educação, em particular, é vista como uma prática inserida no contexto das formações sociais que resulta de condicionamentos sociais, políticos e econômicos, reproduzindo, de um lado, as contradições sociais, mas, de outro dinamizando e viabilizando as transformações ao garantir aos futuros cidadãos o efetivo acesso ao saber.
Com base nos estudos sobre comunidades de aprendizagem docente, temos
sustentado que o conhecimento em prática é produzido pela participação legítima
em comunidades (FIORENTINI, 2013a). Nesse sentido, temos optado por trabalhar
de modo narrativo. E, na perspectiva da pesquisa narrativa, em uma perspectiva
sociocultural, temos refletido sobre as experiências vividas. Dessa maneira, a
pesquisa narrativa nos auxilia a narrar e também a aprimorar a concepção do objeto
de pesquisa, uma vez que o “foco da pesquisa narrativa, não é só a valorização das
experiências individuais, mas também a exploração de narrativas sociais, culturais e
institucionais, dentro das quais os indivíduos constituem experiências” (CLANDININ;
ROSIEK, 2006, p. 42, tradução nossa).
133
Por essa razão, o contexto é valorizado nesse tipo de pesquisa. Assim, temos
compreendido os participantes como sujeitos que falam a partir de determinados
espaços, períodos e lugares. Nossos participantes têm histórias, vivem em sociedade
e têm seus próprios horizontes. Eu acredito que, embora diferentes em suas matrizes
epistemológicas, a perspectiva sociocultural e a pesquisa narrativa podem se
aproximar. Mesmo em contextos marcados pelas diferenças, sempre é possível
construir diálogos.
Textos de campo
Na perspectiva da pesquisa narrativa, textos de campo podem ter variadas
fontes de dados para que possamos “falar sobre o que é considerado dados de
pesquisa” (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 143). Para Clandinin e Connelly (2011), os
dados das pesquisas narrativas podem ser notas de campo da experiência, registros
em diário, transcrições de entrevistas, observações, relato de histórias, cartas,
autobiografias e documentos, como planos de aula e boletins informativos,
anotações pessoais etc.
Muitas vezes, não nos damos conta de que o processo de produção desses
dados é também interpretativo e envolve análise do pesquisador. No contexto do
PRAPEM, a professora Dione há muito vem chamando atenção para isso. Clandinin
e Conelly (2011, p. 134) destacam que:
[...] considerando que os textos são nossa forma de falar sobre o que é considerado como dados na pesquisa narrativa e tendo em vista que os dados tendem a carregar uma ideia de representação objetiva de uma experiência de pesquisa, é importante notar quão imbuídos de interpretação são os textos de campo.
Nesta pesquisa, os textos de campo compreendem um diário de campo com
notas das reuniões do GdS; memórias27 das reuniões do GdS, escritas de 1999 a 2015;
materiais publicados sobre a própria comunidade e por ela; transcrição de encontros
27 São textos escritos sobre os acontecimentos dos encontros. Como têm um tom mais narrativo, habitualmente, passamos a chamar as atas de “memórias”.
134
do grupo entre os anos de 2007 e 2015; transcrição de seis entrevistas
semiestruturadas com os participantes da pesquisa; e documentos gentilmente
cedidos pelos próprios participantes da pesquisa (anotações pessoais, relatórios e
publicações).
Textos de pesquisa
Um dos desafios que vivemos, quando nos aventuramos pelos caminhos da
pesquisa narrativa, é transformar os textos de campo em material ou textos de
pesquisa. Isso implica tratar esses textos (material de pesquisa) de modo narrativo,
isto é, interpretá-los e analisá-los narrativamente.
Clandinin e Connelly (2011) afirmam que, durante a composição do texto de
pesquisa, é comum que as justificativas, a compreensão do fenômeno, o método, a
interpretação, a análise, as confrontações teóricas e a própria opção pelo tipo de
texto de pesquisa que o pesquisador deseja compor, passem a ocupar atenção
especial do pesquisador narrativo. Isso exige dele cuidado ético, dando início a outro
processo, também complexo, de negociar a saída do campo. Quando compomos
textos de pesquisa, criamos “muitas vezes, cenários próprios de significação e
compreensão nos quais os professores são protagonistas principais” (FIORENTINI,
2012, p. 15).
Em outro aspecto, Bakhtin tem me auxiliado a compreender os limites que
rondam nosso ato de pesquisa. Segundo esse autor, o objeto das ciências humanas
não pode ser coisificado. Nesse sentido, é o ser expressivo e falante que se
autorrevela e não pode ser tolhido ou forçado (BAKHTIN, 2011). Daí a consciência do
limite do acabamento estético que, como pesquisadores, tecemos. Quando
textualizamos narrativas – no meu caso, de educadores matemáticos que participam
de uma comunidade fronteiriça –, obviamente, ficamos no limite do texto. O
movimento da narrativa não deixa de ser um modo de tentar amenizar nossas
135
limitações. É na narrativa que tempo, espaço e interação social se misturam na
trama.
Dentro do processo de compor os textos de pesquisa, em se tratando do
relatório final de pesquisa, a composição desta tese ocorreu de maneira que eu
pudesse introduzir os capítulos para situar o leitor em relação ao sentido de cada um
deles no contexto geral. Esse modo de organizar o relatório de pesquisa auxiliou-me
a estruturar a composição desta tese e a apresentar ao leitor as razões da criação de
cada um dos capítulos. Quanto ao mais, ao longo dos anos, tenho percebido que,
para desenvolver o quer que seja, preciso compreender os sentidos subjacentes ao
processo de criação.
Para compor as narrativas as experiências de desenvolvimento profissional,
fui inspirada pelo movimento do documentário de histórias de vidas (cenas
introdutórias + entrevista com o participante + passagens de sua história de vida +
cenas do personagem + passagens de sua obra + comentários sobre sua obra).
No início de cada uma dessas narrativas, são explicados minha relação com o
participante e o modo como elas foram produzidas. Em síntese, além dos textos de
campo já relacionados na sessão anterior, foram realizadas duas entrevistas com
cada um dos sujeitos. Por fim, as narrativas foram enviadas para que eles pudessem
corrigir eventuais equívocos ou, até mesmo, incluir ou suprimir informações, se
assim o desejassem.
No quinto capítulo, seguinte ao das narrativas, , elas são analisadas com base
nos três eixos transversais, que aqui rememoro: 1) mapeamento dos espaços de
experiências de desenvolvimento profissional; 2) compreensões sobre as
experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça; e 3)
reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça. À medida que
narrava cada uma das experiências de desenvolvimento profissional, era possível
compreender continuidades, encontros, semelhanças e diferenças nas três histórias.
Foi, então, que, em conversa com o professor Dario, optamos por construir um
136
capítulo que atravessasse de modo transversal – e analisasse – as narrativas dos
participantes da pesquisa.
Tridimensionalidade da Pesquisa Narrativa
Ming Fang He, orientada por Michael Connelly, em sua pesquisa de
doutorado estudou a formação da identidade e a transformação cultural de três
professoras chinesas: em síntese, realizou um intensivo estudo sobre a vida de Shiao,
Wei e Ming Fang, no qual rastreou “suas vidas do final dos anos 1950 por uma série
de transtornos políticos e culturais na China, sua mudança para o Canadá, e
posteriores transtornos que experienciaram ao viverem no Canadá” (CLANDININ;
CONNELLY, 2011, p. 88).
À medida que Connelly orientava esse estudo, começava a se questionar
sobre seu passado, sobretudo em relação a um personagem de sua infância.
Connelly cresceu em uma pequena comunidade rural no oeste do Canadá. Nesse
período, os chineses continuavam chegando para trabalhar na construção das
ferrovias canadenses. Em uma cidade vizinha à de Connelly, ele conheceu Long Him,
dono do armazém.
Ao passo que Michael lia e relia as histórias de Ming Fang, Shiao e Wei sobre crescer na China, ele veio a compreender algo sobre como o tempo e o lugar moldaram suas vidas e as histórias que contavam sobre si. Quanto mais Ming Fang trabalhava para compreender a relação entre suas memórias de vida e as paisagens em que as vidas das três chinesas se desenvolveram, mas Michael percebia o quão limitado era o seu conhecimento sobre Long Him, e que o pouco que sabia era oprimido pelas qualidades culturais peculiares da paisagem de sua infância. [...] Long Him era, na história de Michael, quase que completamente construído a partir da experiência de Michael sobre ele quando de sua chegada na paisagem canadense rural de Michael. Michael tinha uma visão, de observador distante e estereotipada. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 89)
A pesquisa de Ming fez com que Connelly compreendesse que Long Him fora
sua primeira experiência multicultural: “Ming Fang trouxe Michael de volta a essas
experiências e somente agora ele está começando a tentar resolver suas próprias
137
atitudes, simpatias e visões em relação a pessoas de outros cenários” (CLANDININ;
CONNELLY, 2011, p. 87). Os autores destacam que pesquisadores narrativos se
deslocam entre o introspectivo, o extrospectivo, o retrospectivo, o prospectivo e
estão situados em um lugar. Os termos pessoal e social (interação); passado,
presente e futuro e lugar estão presentes nessa perspectiva de pesquisa. Michael,
por intermédio da pesquisa de Ming, fora “um ‘viajante do mundo’ no sentido
atribuído por Lugones (1987). Foi necessária praticamente uma vida para que ele ao
menos questionasse o fato de se tornar um viajante do mundo ao universo de Long
Him” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 89).
Nessa relação, Connelly e Ming se encontram no espaço tridimensional da
pesquisa narrativa, os lugares são perpassados por paisagens canadenses e chineses.
O tempo são os passados e os presentes de Ming e Connelly. A sociabilidade está nas
percepções multiculturais que estabelecem durante a realização da pesquisa.
Essa relação tridimensional dá a ver a complexidade da narrativa que “amplia-
se quando os relatos revelam as múltiplas vozes entrelaçadas durante a narração,
devendo explicitar sua estrutura através da descrição do cenário e da trama,
localizados em um tempo e em um espaço” (MARQUESIN; PASSOS, 2009, p. 223).
Nesta pesquisa, no capítulo quatro, por um lado, as experiências de
desenvolvimento profissional dos participantes Eliane, Dario e Roberto são narradas
de modo tridimensional, isto é, os espaços, os lugares e os aspectos sociais desses
movimentos são destacados ao longo da narrativa. Por outro lado, no quinto
capítulo, as experiências desses três participantes que se encontram no GdS são
analisadas, dando a ver os cenários de práticas, os espaços, os lugares e os aspectos
sociais que se encontram nas três narrativas. Nesse sentido, a tridimensionalidade
está na metodologia e na compreensão do fenômeno. A narrativa é o método de
pesquisa e, ao mesmo tempo, o fenômeno pesquisado.
138
Temporalidade
Um dos aspectos mais presentes da pesquisa narrativa é a temporalidade das
situações vividas, contadas e (re) contadas. Para Clandinin e Connelly (2011, p. 63),
“localizar as coisas no tempo é a forma de pensar sobre elas”. Clandinin e Huber
(2010) apontam que pesquisadores narrativos precisam observar a temporalidade
de seus participantes, bem como a temporalidade de espaços, lugares e eventos.
Ainda, segundo as autoras, a importância da temporalidade na pesquisa narrativa
vem das visões filosóficas de experiência.
Bondia-Larrosa (1996) aponta que a experiência envolve a narrativa, e
narrativamente cada um expõe sua experiência. Clandinin e Connelly argumentam
que os acontecimentos estudados estão em transição temporal, e os autores têm
como questão central a temporalidade, uma vez que têm como “certo que localizar
as coisas no tempo é a forma de pensar sobre elas”. Adiante, apontam: “quando
vemos um evento, pensamos sobre ele não como algo que aconteceu naquele
momento, mas sim como uma expressão de algo acontecendo ao longo do tempo”
(CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 63).
Acerca da temporalidade, Abbagnano (2012, p. 1112) expõe as diferenças
entre sincronia e diacronia. Segundo o historiador, os termos foram introduzidos por
Ferdinand de Sausurre na linguística e usados depois em outros campos. Por um
lado, a sincronia denota o eixo da simultaneidade, no qual se exclui a intervenção do
tempo e as sucessões. Por outro lado, a diacronia corresponde ao eixo ao longo do
tempo e das sucessões, “no qual é possível considerar apenas uma coisa por vez,
mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo [sincrônico] com suas
mudanças” ao longo do tempo. Ao considerar as narrativas de experiências de
desenvolvimento profissional ao longo do tempo, a temporalidade das narrativas é
marcada por sua dimensão diacrônica.
Freitas (2006) ajuda-me a compreender as aproximações da metáfora de
espaço tridimensional com a perspectiva de chronotope de Bakhtin (1988).
139
[...] Bakhtin (1988) que, elegendo a linguagem como centro de suas preocupações, se servia do chronotope como uma “ponte” explicitando a necessária eliminação de barreiras para compreender o mundo. Para este autor, o “tempo” e o “espaço” parecem ser essenciais para a compreensão do conhecimento advindo de uma experiência. Assim, ele nos diz que associa o termo “chronotope” (literalmente, “tempo-espaço”) à ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura (BAKHTIN, 1988, p. 84). (FREITAS, 2006, p. 96)
De acordo com Freitas (2006, p.96), “o chronotope, para Bakhtin, parece operar em
dois níveis: primeiro como meio pelo qual o texto representa história; e segundo,
como a relação entre imagens de tempo e espaço no texto, pela qual a
representação da história deve ser construída”. Em inglês, essa perspectiva foi
publicada em 1988, em um ensaio.
Nós daremos o nome de chronotope (literalmente "espaço tempo") para a ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura. Este termo (tempo-espaço) é empregado em matemática, e foi introduzido como parte da Teoria da Relatividade de Einstein. O significado especial que ela tem na teoria da relatividade não é importante para nossos propósitos, estamos tomando-o emprestado para a crítica literária quase como uma metáfora (quase, mas não totalmente). O que conta para nós é o fato de que ele expressa a inseparabilidade do espaço e do tempo (tempo como a quarta dimensão do espaço). Entendemos o chronotope como categoria formalmente constitutiva da literatura, não vamos lidar com o chronotope em outras áreas da cultura. (BAKHTIN, 1988, p. 84, tradução nossa).
Entretanto, cabe destacar que há o tempo da narrativa que construímos, o
tempo histórico das narrativas e a percepção de tempo dos participantes. Quando
escrevo uma narrativa, não estou necessariamente preocupada com enredos
lineares; as narrativas de experiência de desenvolvimento profissional aqui contadas
percorrem diacronicamente as vidas dos participantes, sem compromisso com o
linear. Afinal, “os paradoxos que afligem nossa experiência humana do tempo vão
mais além do caráter puramente linear e cronológico – ou antes cronométrico – do
tempo” (RICOEUR, 2012, p. 301). Desse modo, esta pesquisa narrativa acompanha a
“tentativa de elaborar a relação dialética entre passado, presente e futuro, e a
relação dialética entre parte e todo temporal” (p.301).
140
Carr (1986) aponta que temos falado de tempo humano, como o tempo
configurado em virtude da estrutura dos eventos, das experiências e das ações da
existência humana, o que tem significado falar de começo, meio e fim. Em termos
de realidade, as narrativas são privadas de coerência.
Acerca da percepção de tempo dos participantes, pesquisadores narrativos
participam das formas temporais dos pontos de vista dos participantes em relação
ao passado, presente e futuro das pessoas, dos lugares, das coisas e dos eventos em
estudo. Bakhtin (2011, p. 394) defende que “o indivíduo não tem apenas meio e
ambiente, tem também horizonte próprio”. Ouvir o que os participantes de nossas
pesquisas têm a nos dizer pode nos levar à compreensão da “expressão do indivíduo
e a expressão das coletividades, dos povos, das épocas, da própria história, com seus
horizontes e ambientes” (p. 395).
Nesta pesquisa, optei pela diacronia – fatos contados ao longo do tempo. As
histórias têm presente, passado e sonhos, projetos, que são contados pelos
participantes e narrados em suas histórias de experiências de desenvolvimento
profissional. Não há compromisso com o linear, idas e vindas são permitidas na
tessitura de cada uma delas.
Sociabilidade
Assim como a temporalidade, a sociabilidade também deve permear as
narrativas, nessa perspectiva. Para Clandinin e Huber (2010, p. 05), pesquisadores
narrativos atendem simultaneamente as condições pessoais e sociais. Por condições
pessoais, elas compreendem “os sentimentos, esperanças, desejos, reações
estéticas e dispositivos morais dos participantes”.
E, por “sociabilidade”, as autoras se referem aos contextos nos quais as
experiências pessoais são constituídas, compreendidos em termos de narrativas
culturais, sociais, institucionais e linguísticas. Uma segunda dimensão de
sociabilidade vincula-se ao fato de que os pesquisadores narrativos não podem
141
subtrair a eles próprios da pesquisa. Esse tipo de pesquisa acontece em relação ao
outro, considerando o sujeito nas interações de que participa.
Vários contextos perpassam este estudo e podem ser constatados ao longo
do texto. Cada uma das narrativas pode ser observada contornos institucionais,
sociais e culturais. O contexto comum é uma comunidade fronteiriça, o Grupo de
Sábado, e desse cenário serão tecidas as análises no capítulo 05.
Ainda que com alteridade e com as amenidades possíveis pelas negociações
com os participantes da pesquisa, “a consciência do autor é consciência de uma
consciência” (BAKHTIN, 2011, p. 32). Parece-me, assim, que os limites estéticos da
minha pesquisa, da minha perspectiva, das minhas visões e interações, coadunam
com o fato de que não se pode reificar as interações vividas realmente – esta é, sim,
uma atividade de reconto. A completude de um fato ou de uma trajetória é, assim,
para Geraldi et al. (2006, p. 192),
[...] inacessível, porque mesmo depois da vida seremos histórias contadas nos tempos de sobrevivência nas memórias esparsas. Esquecidas as individualidades privadas, estará um tempo – uma época – que será lido de diferentes maneiras, e ressuscitarão outras porque os sentidos são construções e não permanências. Como nós, os sentidos são sócio históricos.
O que conto neste estudo é uma versão das histórias de experiências de
desenvolvimento profissional dos participantes. A verdade sobre o objeto de um estudo
é, de fato, uma utopia.
O diferencial da pesquisa narrativa é que reconhecemos que viver, contar e
recontar é um processo artesanal, por sua gênese, único para compreender
experiências vividas. O que não se pode é subtrair o autor do estudo: por um lado,
voltando-nos para nosso interior, devemos compreender nossas emoções, nossas
reações estéticas e responsabilidades morais; por outro lado, voltando-nos para
nosso exterior, devemos compreender o que está acontecendo, os eventos, as
pessoas e suas experiências (CLANDININ, 2013).
142
Local
Em 2006, Clandinin e Connelly definiram lugar como “o local específico e
concreto, físico e de fronteiras topológicas, locais e sequência de locais onde a
pesquisa e eventos acontecem” (p. 480). Para Clandinin e Huber (2010),
pesquisadores narrativos possuem suas identidades inexoravelmente conectadas
com as experiências constituídas em determinados locais e com as histórias que são
contadas em locais específicos ou com as histórias que contamos sobre as
experiências que vivemos em determinados contextos. O ponto de encontro das
experiências dos participantes desta pesquisa é uma comunidade fronteiriça, o GdS.
Aspectos Éticos desta Pesquisa Narrativa
Ultimamente, a comunidade brasileira de educadores tem discutido com
maior atenção a regulação da ética da pesquisa em ciências humanas. Atualmente,
os projetos submetidos aos comitês institucionais são apresentados previamente à
Plataforma Brasil, vinculada ao CONEP e ao Ministério da Saúde. Segundo as
discussões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED, 2015), no entanto, considera-se “fundamental que tal regulamentação seja
realizada em outra instância, tal como está sendo proposto pelo Fórum das
Associações de CHS e pelo Grupo de Trabalho do CNPq, encarregado de elaborar
uma proposta de Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para as áreas de Ciências
Humanas e Sociais”.
Segundo Clandinin e Huber (2010), pesquisadores narrativos devem cumprir
os aspectos legais e processuais das instituições de pesquisa em que atuam. Por essa
razão, parece necessário esclarecer que, no momento em que realizei o trabalho de
campo, não havia uma recomendação explícita do PPGE-Unicamp a esse respeito.
Apesar da ausência de uma normatização da área de ciências humanas e da própria
143
instituição, elaboramos termos livre e esclarecido (Apêndice 01), e as narrativas
foram validadas pelos participantes da pesquisa.
Foram três os fatores que me levaram a optar por manter os nomes reais dos
participantes: em primeiro lugar, essa foi uma necessidade metodológica, pois desse
modo garantiria as referências autorais de suas produções no decorrer das
narrativas; em segundo lugar, e principal razão dessa opção, os próprios
participantes optaram por manter seus nomes reais; em terceiro, pela própria
natureza do objeto dessa pesquisa, parece-nos inútil manter um suposto anonimato.
Nesse sentido, Souza (2006, p. 145) compreende que o aspecto ético “envolve, em
primeira instância a negociação do contrato, do trabalho com o grupo envolvido”.
Acerca da manutenção dos nomes reais, o autor compreende que
a utilização e a publicização das identidades dos sujeitos envolvidos em processo de pesquisa e/ou de investigação-formação exige, do ponto de vista ético, uma aproximação e reaproximação das singularidades e subjetividades, bem como a adoção de alguns critérios: assinatura do termo de autorização (carta de cessão); explicitação dos procedimentos de análise e de como serão utilizadas as fontes na pesquisa; devolução e leitura do trabalho com o grupo e, conseqüentemente, revisão e autorização para utilização da narrativa. (p.146)
Em se tratando de pesquisa narrativa, consideramos que apresentar as
narrativas aos participantes para que tenham tempo de lê-las, propor adequações e,
inclusive, desistir da publicação, se for o caso, garantiu os aspectos éticos desta
pesquisa.
Com a reconfiguração do objeto de estudo, cada vez mais, parecia-me fazer
sentido que o professor Dario também fosse entrevistado. Se o pesquisador se
implica com a sua totalidade em uma pesquisa narrativa, não nos pareceu absurdo
a presença do orientador como participante do estudo. Também é provável que
minha experiência nos Estados Unidos e no Canadá tenha dado o distanciamento
necessário, pois foi, sobretudo, a interlocução com o grupo canadense que me
ajudou a “sair do campo”.
144
No próximo capítulo, trago as narrativas das experiências de
desenvolvimento profissional dos participantes deste estudo. É provável que os
aspectos metodológicos aqui discutidos, possam ser mais bem compreendidos com
a leitura dessas narrativas.
145
Figura 10 - Beleza Pura (2006), Beatriz Milhazes
Melhor do que a criatura, fez o criador a criação. A criatura é limitada. O tempo, o espaço, normas e costumes.
Erros e acertos. A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio. Projeta-se no Cosmos
Cora Coralina, Considerações de Aninha (1983)
146
Capítulo 04 - Narrativas de Experiências de
Desenvolvimento Profissional
Neste capítulo, por meio do relato de um episódio ocorrida no II SHIAM,
apresento um momento de encontro dos personagens desta história. Em seguida,
reporto as narrativas de experiências de desenvolvimento profissional de Eliane,
Dario e Roberto28, participantes do Grupo de Sábado29, que possuem diferentes
trajetórias no campo científico e profissional da Educação Matemática.
A partir de uma perspectiva de desenvolvimento profissional sensível às
experiências pessoais, apresento as narrativas de cada um deles, destacando
episódios de participação no GdS; suas trajetórias e suas práticas de investigação e
desnaturalização do ensinaraprender matemática; e sua atuação em outras
comunidades.
Foram três os fatores que levaram à escolha destes três participantes. Em
primeiro lugar, à medida que passamos a compreender o GdS como comunidade
fronteiriça (FIORENTINI, 2013), julguei que seria adequado olhar, além do
desenvolvimento profissional docente, também o desenvolvimento dos formadores
e pesquisadores, já que, afinal, não há uma única categoria profissional nessa
comunidade. Em segundo lugar, essa decisão foi reforçada pela interlocução com a
professora Janice Huber (supervisora do programa de estágio no exterior), que, após
a leitura de uma versão da narrativa de Roberto, questionou-me sobre o
desenvolvimento profissional dos formadores. Janice, mediante a leitura de
Fiorentini (2013a), revelou que gostaria de saber as motivações de Dario para a
constituição de um grupo como esse. À medida que refletia sobre a conceituação de
28A partir daqui os citarei pelo primeiro nome quando me referir a suas pessoas na narrativa. Oportunamente, em se tratando de referências bibliográficas, serão citados, respectivamente, como Cristovão, Fiorentini, Barbutti. As cartas de autorização assinadas por eles deverão ser anexadas na versão definitiva da tese. 29Dos três participantes, em razão de compromissos profissionais e mudanças, Eliane é a única que atualmente não participa presencialmente dos encontros, mas sua presença é constante nas ações, nos e-mails, nos eventos e nas nossas lembranças.
147
comunidade fronteiriça, os questionamentos de Janice pareciam fazer sentido. Por
essas razões, além de Roberto – professor experiente e participante do GdS –, optei
por manter Eliane que, no momento de desenvolvimento desta tese, já se
encontrava atuando no ensino superior, e por incluir a narrativa de Dario neste
estudo. Em terceiro lugar, conforme situava minha própria condição nessa
comunidade descrita na narrativa inicial, compreendia que não seria possível me
situar apenas na condição de professora.
Em todo caso, a opção por incluir Dario fora, sem dúvida e por razões óbvias,
a mais debatida entre orientador e orientanda. Tentamos pensar em outras
possibilidades. Entretanto, pela natureza do objeto de pesquisa que se configurou,
acabamos concordando que faria sentido incluir sua experiência de
desenvolvimento profissional neste estudo. Inclusive, pelo fato de que eu havia
optado por uma metodologia de pesquisa narrativa que permitia esse tipo de
negociação e presença. A decisão de incluí-lo, também foi facilitada pelo
afastamento e pela visão periférica propiciada pela experiência de estudo no CRTDE.
Ao escrever as narrativas deste capítulo, me inspirei no movimento do
documentário de histórias de vidas (cenas introdutórias + entrevista com o
participante + passagens de sua história de vida + cenas do personagem + passagens
de sua obra + comentários sobre sua obra). Cabe, ainda, destacar que nesse capítulo
a interlocução com a literatura se dá através da trajetória dos personagens,
entretanto, visando a uma escrita mais fluida, optei por realizar no próximo capítulo
o diálogo com a literatura específica de desenvolvimento profissional.
148
Experiências que se encontram em uma Comunidade Fronteiriça
Figura 11 - SHIAM, 2008
Foi numa tarde relativamente fria do final de julho de 2008, na Unicamp, que
aconteceu, com um título sintetizado por Dione e negociado em um de nossos
encontros dedicados à organização do II Seminário de Histórias e Investigações
de/em Aulas de Matemática (SHIAM), a mesa intitulada “Grupos colaborativos como
forma de resistência ao movimento homogeneizador das práticas escolares em
matemática”.
Especialmente naquele ano, no GdS, estávamos preocupados com os rumos
dos programas da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (Seesp). No início
de 2008, a Seesp havia ampliado os programas de avaliação em larga escala e seriam
difíceis as consequências para as escolas, que só teriam aumento de verbas, caso
atingissem as metas definidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação do
Estado de São Paulo (IDESP), resultantes das avaliações de Matemática e Língua
149
Portuguesa, mensuradas no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo (Saresp), combinadas com as taxas de aprovação, reprovação e
abandono escolar.
Vinculado a essa política, nesse mesmo período, a Seesp enviou a todas as
escolas o material denominado “São Paulo Faz Escola”, constituído por cadernos
apostilados voltados aos professores e aos alunos. No GdS, organizamos encontros
com pautas para estudar e discutir aquela situação. Foi, então, que começamos a
questionar se não seria mais interessante melhorar a atratividade da carreira e
incentivar a participação de professores em comunidades nas quais eles próprios
pudessem criar o currículo. Apostávamos, inclusive, que a avaliação pudesse ser
muito mais ampla do que aquela que estava sendo proposta. Acreditávamos que as
escolas deveriam constituir e submeter seus próprios projetos para o recebimento
de recursos para implementação.
Na redação de um manifesto amplamente divulgado na mídia, dizíamos, com
base em nossa experiência e em nossos estudos, que acreditávamos em modos mais
colaborativos de trabalho na escola e que poderia ser mais consistente e duradoura
a medida que promovesse mudanças efetivas relacionadas ao ensino, à cultura
escolar e ao desenvolvimento profissional dos professores.
Mediante aquele contexto, decidimos que iniciaríamos aquela edição do
SHIAM com uma mesa na qual professores apresentavam possibilidades de trabalho
colaborativo. E, para a finalização do evento, decidimos que seria adequado
questionar os programas vigentes, que tanto afetavam as práticas dos professores.
Assim, como parte das atividades de encerramento do II SHIAM, sob a
coordenação de Dario, contamos com a participação dos então professores da rede
estadual paulista Fernando30 e Eliane e a professora e formadores de professores
Cármen31.
Após meses de trabalho que precederam a organização desse evento para
cerca de 350 professores, futuros professores e pesquisadores da área de educação
30 Atualmente o Prof. Ms. Fernando Luís Pereira Fernandes atua na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 31 Profa. Dra. Cármen Lúcia Brancalion Passos (UFSCar)
150
matemática, lembro que, ao seu final, estava tomada por cansaço e satisfação com
o sucesso do seminário, sentada em um dos assentos laterais do lado esquerdo, do
auditório III do Centro de Convenções da Unicamp.
Dario iniciou a coordenação da mesa justificando o tema, com considerações
acerca do programa de formação continuada elaborado pela Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo (SEESP) denominado "Teia do Saber". Destacou que aquele
fora mais um projeto embasado no modelo da racionalidade técnica e que se
materializava na forma de curso na rede estadual paulista. E ressaltou que, como
consequência já esperada, essa iniciativa de formação não promoveu significativas
melhoras nos resultados em matemática das avaliações externas do sistema paulista
de educação. Por essa razão, o foco da SEESP passaria a ser, naquele momento, o
investimento em material curricular.
Dario, na abertura daquela mesa, parecia suspeitar o que veríamos acontecer
nos próximos anos: passados seis anos, o que temos constatado é a insistência em
destinar recursos para a compra de materiais curriculares no formato de apostila.
Naquele dia, Dario finalizou sua parte com diversos questionamentos tecidos
por ele considerando as discussões que havíamos feito nos encontros no GdS:
� Será que todos os alunos das escolas paulistas se encontram em um mesmo
nível de formação e de necessidade de recuperação em conhecimentos e
competências matemáticas?
� O que está por trás dessa política homogeneizadora das práticas escolares?
� A intenção seria treinar nossos alunos em habilidades e conhecimentos para
apresentarem melhor resultados nas provas do Saresp e na Prova Brasil?
� Ou seria uma estratégia que permitiria medir a competência dos professores
e das escolas na aplicação dos materiais preparados pelos especialistas,
premiando os que conseguirem apresentar melhores resultados?
� A SEESP ouviu os professores, antes de impor esses materiais?
� Algum grupo colaborativo foi procurado para saber o que estão fazendo para
melhorar a qualidade da aprendizagem de seus alunos?
151
� Os professores da escola tiveram oportunidade de participar da elaboração
(ou, pelo menos, da discussão) desses materiais?
� Os professores puderam estudar e discutir os materiais antes de aplicá-los?
� Quais as consequências dessa política para o desenvolvimento do professor,
sobretudo para o desenvolvimento de sua capacidade de produzir uma prática
curricular que atenda às necessidades de sua escola e de seus alunos?
� O que pensam, afinal, os professores das escolas e os formadores da
universidade a respeito dessa política homogeneizadora da Seesp?
� O que a experiência acumulada dos grupos colaborativos pode sinalizar a
respeito dessa política?
Em seguida, apresentou e passou a palavra aos outros convidados da mesa.
Foi, então, que o professor Fernando destacou sua experiência com o "Jornal do
Aluno" proposto pela SEESP, um dos primeiros materiais apostilados que chegaram
à rede com base na proposta “São Paulo Faz Escola”, para uma recuperação de 45
dias no início do ano. Em sua fala, questionou o fato de esses materiais terem sido
produzidos por especialistas que pouco conhecem o chão da escola.
Na sequência, a professora Eliane iniciou sua fala, destacando o contexto no
qual essas reformas curriculares têm sido realizadas. De acordo com ela, começaram
a surgir “nos últimos anos, em todo o mundo, reformas curriculares, configurando
uma nova ortodoxia educacional que padroniza saberes, habilidades e competências
a serem adquiridos pelos jovens”. Nesse sentido, Eliane destacou que “esses padrões
são impostos através de avaliações e de sistemas de responsabilidades e
monitoramento que recompensam as escolas bem-sucedidas e proporcionam apoio,
ou, por outro lado, ameaçam de fechamento as que insistem em fraquejar”.
Na sequência, apontou que, como professora da rede pública de ensino do
estado de São Paulo há 17 anos, eram muitas as experiências vividas durante a
carreira no magistério. Em relação aos cursos de formação continuada da rede
estadual, ressaltou que as práticas eram todas formativas de algum modo.
Entretanto, em suas palavras, “diferentes tipos de ações podem gerar em nós
152
diferentes sensações”. Por um lado, algumas práticas formativas seriam capazes de
“nos colocar em situação de completo desânimo e revolta”, sobretudo
quando nossos saberes são desprezados em detrimento de uma homogeneização de práticas e currículos, os quais são impostos por especialistas que não conhecem a realidade de nossas escolas e que sequer abrem espaços de discussão onde nossas vozes possam realmente ser ouvidas.
Por outro lado, “outras são de prazer, de contentamento, quando nossos
saberes profissionais são valorizados e reconhecidos e nos incentivam a compartilhar
com outros profissionais da área as nossas experiências, promovendo o
desenvolvimento profissional de todos”.
Apontou que, se, por um lado, a participação em dois grupos colaborativos
(GdS e GCEEM) fazia com que sentisse que seus saberes e conhecimentos eram
valorizados e que tinha espaço para a constituição de seu próprio currículo, por outro
lado, sentia um profundo desrespeito por parte da SEESP, que não considera sua
prática no momento de propor programas curriculares. Destacou, então, que, para
ser ouvida e desenvolver-se profissionalmente de modo crítico, precisava abrir mão
de seu espaço de lazer, pois a participação em grupo colaborativo não havia sido
reconhecida pela SEESP.
Em síntese, Eliane questionou a política homogeneizadora e colonizadora da
SEESP, que desconsiderava a diversidade cultural e cognitiva dos alunos da escola
pública; não consultava seus professores; não valorizava seus saberes docentes
construídos a partir de reflexões e/ou investigações sobre suas práticas; não
acreditava que os professores pudessem construir seu próprio currículo.
Ao final de sua fala, foi possível notar que muitos dos professores presentes
se identificavam com suas afirmações. Terminou, destacando que “a colaboração
tem sido defendida como um contraponto à formação engessada e ineficaz do
estado, porém é marginalizada pelas políticas públicas que se negam a reconhecer
sua importância”.
Eliane falava com base em sua própria experiência como professora e
participante de grupos colaborativos. Dona de uma fala eloquente, Eliane nos
despertou reações apaixonadas. Um sentimento de reconhecimento com suas
153
palavras tomou o auditório do Centro de Convenções da Unicamp. O momento era
de catarse: uma professora tomava a voz dos professores da rede estadual paulista
que não foram respeitados na concepção da iniciativa que se configuraria nos anos
seguintes do programa curricular de São Paulo Faz Escola. Atualmente, Eliane é
formadora de professores em uma universidade federal e tem se constituído como
uma liderança importante no movimento dos grupos colaborativos de professores
que ensinam matemática.
Após a fala de Eliane, foi possível observar que o professor de matemática
Roberto acompanhava muito atento e emocionado aquela mesa. Lembro que teceu
um breve comentário para mim sobre o que acabara de ouvir e sobre o quanto se
identificava com as palavras críticas de Eliane em relação à formação continuada
“oficial”.
Em seguida, a professora Cármen trouxe para o debate sua visão de
formadora de professores que ensinam matemática. Apontou que as políticas
públicas de formação continuada não valorizam ambientes que privilegiam os
professores como principais protagonistas de seu desenvolvimento profissional.
Questionou a concepção de políticas públicas e o modo como interferem nas práticas
curriculares da escola e na formação continuada de seus professores e o modo como
promovem a gestão escolar.
Defendeu, então, que os próprios professores se constituam nos principais
protagonistas de seu desenvolvimento profissional e da renovação curricular,
desenvolvendo investigações no interior das escolas, podendo ter a colaboração de
formadores da universidade. Trazendo a visão dos professores, para isso, mostrou
alguns dados de pesquisa acerca das questões que motivam ou desmotivam a
participação dos professores em cursos de formação continuada. Afirmou que ser
ativo no processo formativo é um dos fatores que motivam os professores a
participar. Chamou, então, nossa atenção para a participação de formadores de
matemática ligados à Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) junto ao
Ministério da Educação.
154
Os quatro participantes da mesa tinham como característica comum a
participação em comunidades investigativas, chamados naquele momento de
“grupos colaborativos”, que congregam professores e acadêmicos interessados em
escrever, refletir e investigar sobre o ensinaraprender matemática na escola.
Tanto Eliane quanto Fernando eram professores da rede estadual paulista,
com várias publicações referentes a atividades explotário-investigativas em aulas de
matemática. Não era de estranhar que mantivessem uma postura contrária à
homogeneização de suas práticas pela Seesp. Afinal, eles próprios tinham um
histórico de se constituírem protagonistas de suas práticas pedagógicas.
Naquela tarde, o que eu ainda não poderia imaginar é que dividia o espaço,
as reflexões, as preocupações e as emoções com os três sujeitos deste estudo. Dario,
publicamente, atualizara mais uma vez suas preocupações de formador e
pesquisador sobre desenvolvimento profissional de professores de matemática, ao
realizar uma leitura sobre o contexto da rede estadual paulista. Há mais de 30 anos,
tem sido reconhecido pela comunidade acadêmica e também por professores da
escola básica, que se identificam com suas produções e seus interesses de pesquisa.
Por essa razão, sua atuação tem sido orgânica nas comunidades de educadores
matemáticos e formadores de professores no Brasil e no exterior.
Naquele evento, Roberto já havia participado da mesa “Perspectivas e
possibilidades da colaboração para (re)significar o ensino de matemática e suas
práticas”, no qual apresentou o trabalho colaborativo que desenvolvia em sua escola
com as professoras dos anos iniciais. Em sua fala, Roberto chamou atenção aos
aspectos que julgava necessários ao trabalho colaborativo, relatando as
singularidades da escola pública na qual atuava. Revelou que contava com
disponibilidade de tempo para o estudo e tinha dedicação exclusiva, espaço físico
adequado, projetos de parceria com a Universidade e gestores que participavam e
incentivavam. Ressaltando as parcerias resultantes, destacou que em sua escola
havia espaço para “conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento
curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo”.
155
Ao final de sua fala, naquele primeiro dia de evento, Roberto, com o bom
senso que lhe é próprio, disse algo que não podemos perder de vista: destacou que
não acreditava que os grupos colaborativos pudessem ser a panaceia da educação.
Pelas experiências na relação com os três participantes, ouso dizer que é
provável que esses encontros caibam na definição “de relacionamento como o
conhecimento”, de Bateson (1984, p. 292-293). Segundo a antropóloga, isso é
“alcançado através de intercâmbio de ideias - por meio de conversas e de comunhão
... como se fôssemos as partes do todo único” O “único”, nesse caso, tem sido o GdS,
como uma comunidade fronteiriça.
Daqui por diante, trarei as narrativas de desenvolvimento profissional de
Eliane, Roberto e Dario. Escrever essas narrativas colocou-me o difícil desafio da
equilibrada distância. Nesse sentido, a tensão foi para mover-me “retrospectiva e
prospectivamente entre o completo envolvimento e o distanciamento” (CLANDININ;
CONNELLY, 2011, p. 121).
156
Experiência de Desenvolvimento Profissional de
Roberto
Cambia el modo de pensar Cambia todo en este mundo
Cambia el clima con los años [...]
Y así como todo cambia Que yo cambie no es extraño
Cambia el rumbo el caminante Aúnque esto le cause daño
Y así como todo cambia Que yo cambie no es extraño
Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia Cambia, todo cambia
Julio Numhauser, Todo Cambia (1973)
Em 2007, logo no primeiro encontro de que participei no GdS, encontrei-me
com Roberto. Desde então, tenho observado seu envolvimento com o grupo. Mas
essa não é a única comunidade da qual participa. Durante nossas interações, tenho
escutado atentamente as histórias sobre sua participação na comunidade escolar,
na sua comunidade familiar, na qual se destaca sua filha, por estar em idade escolar.
Escuto também as histórias de sua turma de pescaria e de sua equipe de bocha,
prática que faz jus à sua origem italiana.
Há mais de 15 anos, Roberto é professor na rede municipal de Campinas.
Atualmente, leciona matemática para os anos finais do segundo segmento do ensino
fundamental, “em uma pequena escola”, como gosta de frisar nas conversas
ocasionais. No GdS, temos observado um professor preocupado com o processo de
aprendizagem e as condições sociais de seus estudantes. Em nossos encontros, no
Grupo de Sábado, o professor, com mais ou menos frequência, compartilha suas
experiências de sala de aula. Além do registro das interações quinzenais no GdS,
realizei duas entrevistas com Roberto. Para escrever esta narrativa, tomei como
principal referência a primeira delas, por envolver um período de quatro anos (2012
– 2015).
157
Assim como nas narrativas de Dario e Eliane, também consultei memórias e
transcrições dos encontros do GdS e materiais publicados. Inclusive Roberto, Helô
(outra participante do GdS) e eu temos um capítulo publicado em um e-book, no qual
discorremos sobre as práticas do GdS (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, ., 2013) e
destacamos uma de suas experiências de sala de aula. Apesar da pressão dos comitês
de ética, um trabalho realizado na perspectiva da Pesquisa Narrativa como este –
colaborativo e pautado na confiança mútua – ficaria inviável, caso fosse mantido o
anonimato. Afinal dividimos a coautoria de partes publicadas deste estudo. Não
consigo vislumbrar modo mais adequado de realizar um trabalho como este, através
da constituição de espaços de coautoria, como os que temos tido.
A seguir, trago a narrativa da experiência de desenvolvimento profissional de
Roberto. Enfatizo sua participação no GdS, bem como dou destaque à sua
participação em outras comunidades indicadas por ele como espaços privilegiados
de sua constituição profissional. Inicialmente, apresento um episódio no grupo no
qual Roberto projetou outro significado para a avaliação. Em continuidade, narro sua
história de professor e sua relação com o GdS.
Avaliação escolar – mobilizando outros sentidos e significados
Após os participantes do GdS apontarem as temáticas a serem privilegiadas
nos estudos e investigações do grupo no ano de 2007, organizamos os encontros de
modo que pudéssemos conhecer práticas de sala de aula e também o que a literatura
especializada sobre determinados assuntos diz a respeito. Em um dos encontros de
agosto, Roberto estudou e apresentou o texto “Avaliação e aprendizagem”, escrito
por Marta Maria Pontim Darsie (1996).
O professor iniciou sua fala, destacando que aquele estudo havia feito com
que refletisse sua perspectiva de avaliação. Revelou que, até então, compreendia a
avaliação como um produto de mensuração. No entanto, a partir desse estudo,
percebeu que não se pode falar em mudanças no ensino, sem considerar mudanças
158
na avaliação. Em seguida, foi Dario quem destacou que, sendo o ensino processual,
a avaliação deve acompanhar essa perspectiva.
Roberto – Pude concluir que em uma prova o que se pode medir é o desempenho do aluno e não seu aprendizado [...]. Um aluno pode ter aprendido, mas não estar bem emocionalmente no dia da prova. Dario – O ensino é processual e a avaliação precisa acompanhar esse movimento.
Roberto, então, complementou, dizendo que, em uma perspectiva
processual, a avaliação deve ser um parâmetro para transformação da ação, por
meio da reflexão sobre os resultados. Foi, então, que Dario chamou a atenção para
o fato de que a avaliação, tendo como objetivo a reflexão sobre a ação do professor,
ainda é pouco considerada. Gilberto, outro participante do GdS naquele período,
destacou a avaliação como instrumento de poder do professor.
Gilberto – A avaliação tem relação com poder também. Escutamos frases do tipo: “olha, vocês vão fazer prova”.
Roberto ainda chamou a atenção para o fato de que a avaliação deve ser no
processo, e não tida como um produto, ao final de todo trabalho pedagógico do
professor; e deve, também, fazer com que o aluno se sinta responsável pelo seu
próprio aprendizado. Enfatizou que não é a nota que o professor concede, mas a
nota que o aluno atingiu. Em seguida, estudamos as fichas de avaliação que as
participantes Conceição e Adriana (LIMA; MARTINS, 2009) desenvolviam com seus
alunos, nas quais era possível encontrar diferentes aspectos avaliativos
(comportamento, atividades realizadas em sala de aula, atividades realizadas em
casa, atividades realizadas em grupo, prova).
Dario ponderou, então, que, como as fichas especificam a nota final do aluno,
este tem possibilidades de conhecer seu próprio processo de aprendizagem, e há
uma valorização do que o aluno evoluiu e também uma autorregulação do que
aprendeu e do que ainda precisa melhorar.
Dario – Essa ficha tem possibilidades de o aluno conhecer e regular seu próprio processo de aprendizagem. Na avaliação tradicional é sempre olhado de fora, neste outro processo de avaliação é valorizado o que o aluno evolui e o que ele ainda precisa evoluir. O aluno precisa conhecer e perceber em que aspectos ele precisa evoluir. Às vezes pode até haver uma negociação, dar condições para que o aluno pense seu próprio processo de aprender e de conhecer. E a aprendizagem passa de fato
159
a ser de forma significativa. Ele pode autorregular, isto é, deter um próprio controle de aprendizagem.
Maria – O aluno torna-se agente do seu processo de aprendizagem. O que eu posso fazer para melhorar? Essa pergunta é bem interessante.
Dario – Essa é a pergunta fundamental. Quem preenche essa ficha são os alunos.
Adriana – No meu caso teve um aluno que tentou modificar sua nota, mas foi só para os pais. Porque nós temos essas anotações também, então, no geral, os alunos são bem sinceros na autoavaliação.
Gilberto – Eu gosto da ideia de discussão pós-prova. Se o aluno tirou quatro, ele vai pegar a prova dele e vai procurar o erro. Sempre fiquei com essa vontade de discutir com o aluno em que ele errou, entender por que ele errou aquilo.
A partir dessas considerações, Dario lembrou de um método utilizado em
Portugal, denominado “avaliação em duas fases”: o aluno realiza a prova, e, após a
correção do professor, o estudante tem oportunidade de refazê-la e justificar ou
argumentar sobre seus próprios erros. Então, o professor junta a primeira nota com
a segunda nota, para calcular a média final do aluno.
Uma tentativa de desenvolver algo inspirado nesse tipo de avaliação seria
descrita por Roberto em um dos relatórios do projeto “Escola Plural – Ações
Singulares”:
[...] havia pedido que todos refizessem a primeira prova, resolvessem somente as questões erradas e escrevessem porque erraram. Esta metodologia para correção da prova tinha como objetivo principal que os alunos aprendessem com os próprios erros: buscassem os erros assinalados, tentassem entendê-los e corrigi-los. Podiam, para isto, consultar todo material pedagógico que possuíam, conversar com os colegas ou procurar ajuda comigo. Como já havia empregado outros métodos que não deram resultados satisfatórios para despertar o interesse dos alunos, resolvi atribuir uma segunda nota à prova pela correção (motivação extrínseca). (BARBUTTI, 2008, p. 03)
Na segunda entrevista que realizamos, questionei Roberto se essa ideia havia
surgido das discussões ocorridas no GdS, sobretudo, dos comentários de Dario sobre
a “avaliação em duas fases”. O professor revelou não se lembrar do termo, disse que
não se lembrava ao certo de onde havia surgido aquela ideia.
Adiante, em seu relatório, Roberto também descreveu um outro modo de
desenvolver sua avaliação, elaborado por influência de colegas do GdS:
Uma professora do Grupo de Sábado socializou sua experiência em
160
utilizar fichas de avaliação onde os alunos marcavam e acompanhavam as notas que obtinham por suas atividades, também realizavam o fechamento da própria média do bimestre. O que mais me chamou atenção nesta ficha foi a avaliação atitudinal, nunca havia pensado em conteúdos atidudinais (Zabala, 1999) e utilizar este critério de avaliação com meus alunos. Já realizava, desde 2006, o fechamento das médias junto com os alunos em sala de aula, como metodologia para que valorizassem mais o que faziam e vissem a média como um resultado de tudo que faziam e não uma nota que o professor dava. Mas, diante da dificuldade que os alunos apresentavam em reconhecer e registrar o que realizavam, resolvi empregar, neste ano, uma ficha avaliativa, incluir, também, um conceito atitudinal e outro de auto avaliação. Vejo, nesta ficha, uma possibilidade, também, de estabelecer um instrumento de diálogo com a família, visto que esta fica colada no caderno do aluno, o que permite aos pais acompanhar o desempenho de seus filhos no dia-a-dia de minhas aulas. É claro que muitos alunos não conseguem preencher, ainda, corretamente a ficha ou simplesmente esquecem de registrar e muitos pais nem olham os cadernos dos filhos. Mas, vejo tudo isto também como um aprendizado e, como todo aprendizado, leva tempo e diferente para alunos, pais e professor. Este é apenas o primeiro ano! (BARBUTTI, 2008, p. 07)
Roberto referia-se à ficha apresentada pela professora Conceição no GdS. Na
primeira entrevista que realizei, em 2012, pedi a Roberto que destacasse atividades
específicas desenvolvidas em sala de aula que foram levadas do GdS. Foi nesse
momento que o professor me contou que passou a utilizar fichas de avaliação em
que os próprios alunos fazem o registro e o controle de suas atividades, o que é uma
tentativa de mostrar que “o conceito não é uma atribuição feita pelo professor, mas
o resultado de tudo que os alunos fizeram durante o trimestre e o ano”.
Nesse movimento de reflexão e estudo, compreendeu que “muitas vezes
devo ter cuidado não com o resultado, isso é uma coisa que nós da matemática pura
queremos: o resultado”. Entretanto, a partir das experiências do GdS, “o que mais
vejo agora é como esse aluno está pensando”.
Em entrevista, Roberto faz questão de dizer “aplico prova? Aplico prova. Tem
exercício de ‘resolva’? Tem exercício de resolva. Mas meu olhar principal não é mais
esse, mesmo minha prova, eu trabalho com consulta”. Revela, também, que, antes,
“não tinha essa ideia de ver o modo como o aluno resolveu as questões, quais as
relações que estabeleceu e se ele realmente está fazendo”.
161
Trajetória Escolar e Acadêmica
Na primeira entrevista, Roberto revelou que toda sua escolarização foi
realizada em escolas públicas. Já na segunda entrevista, dei-me conta de que não
havia conversado com Roberto sobre outros aspectos de sua escolarização. Curiosa
por compreender as experiências de desenvolvimento profissional ao longo da vida,
pedi que descrevesse fatos que o marcaram em sua escolarização. Sobre o ensino
fundamental, revelou que considerava ter aprendido pouco. Demonstrou nostalgia,
quando se lembrou de uma turma do primeiro ano do Ensino Médio. Relatou uma
situação na qual seu professor de matemática, “um desses tradicionais e bom”, saiu
da sala no meio da prova e ninguém colou. Depois dessa experiência, nenhum
professor precisava ficar presente durante as provas.
Com saudades daquela turma, Roberto lembrou-se de que eram unidos e que
se reuniam para estudar as disciplinas. Ao final do Ensino Médio no COTUCA, escola
técnica da própria Unicamp, tentou engenharia elétrica, para dar prosseguimento à
sua formação técnica. No estágio que realizava em uma empresa do ramo, havia
inclusive a possibilidade de efetivação. Na primeira vez que prestou vestibular, o
professor não conseguiu a vaga.
Foi depois desse período que Roberto se voltou para a Filosofia. De acordo
com ele, a opção por esse curso foi ocasionada pelo seu desejo de se aproximar da
área de humanas, devido ao fato de ter realizado curso técnico na área de exatas.
Morador do distrito de Barão Geraldo, desde que nasceu até os dias atuais, tinha
também como sonho estudar na Unicamp. Em suas palavras, a universidade era
praticamente o “quintal de casa”. Na primeira entrevista que realizamos, questionei
se teve dificuldades com o curso, e Roberto apontou que gostou do curso de
Filosofia, pois, por ter cursado latim, passou a “compreender melhor o português”.
No entanto, como atuava no comércio de sua família – um atacado de
alimentos conhecido da cidade – não foi possível concluir o curso, que exigia
dedicação em período integral. O trabalho no atacado era bem cansativo, pois
precisava acordar praticamente de madrugada para carregar caixas e caixas de
verduras e legumes a serem distribuídos para os feirantes.
162
Embora não soubesse ao certo o significado da palavra “Licenciatura”, foi em
razão de sua atividade profissional e de sua facilidade com os conteúdos da área de
exatas que prestou vestibular para o curso de licenciatura em matemática, no
período noturno, na mesma universidade. Segundo o professor, essa decisão foi
mesmo “meio tiro no escuro”.
Naquele contexto, Roberto destacou-se por sua eficiência, ao conseguir ser
aprovado com boas notas nas disciplinas especificas da matemática, tendo
ingressado no mestrado em matemática Pura logo após a conclusão da graduação.
Como não teve reprovações – feito raro no instituto onde cursou sua graduação –
deduzi, e posteriormente confirmei, o fato de que Roberto concluiu o curso com um
dos melhores coeficientes de rendimento da turma. Nessa época, o professor
também – segundo revela – nem sabia a diferença entre matemática e educação
matemática. Das disciplinas da Faculdade de Educação confessa não se lembrar
significativamente.
Ingresso na rede pública
Já naquela época – década de 90, o valor da bolsa de estudo não correspondia
às necessidades e às responsabilidades de um jovem profissional. Foi por essa razão
que Roberto não conseguiu concluir o mestrado e precisou voltar a trabalhar no
negócio familiar e, concomitantemente, lecionar matemática em um cursinho na
cidade de Campinas.
Com o passar do tempo, Roberto revela, começou a ter a sensação de que
“está batendo a idade” e veio aquele desejo de constituir família. Foi, então, que
começou a lecionar em um cursinho da cidade. Ao trabalhar nesse contexto e
receber alunos com muitas dificuldades, tinha uma percepção equivocada da rede
municipal, “julgava muito os professores e não entendia como aqueles alunos
haviam passado pelo ensino fundamental e médio”. Suas percepções e julgamentos
mudaram significativamente quando conheceu a realidade da rede municipal.
Em sua busca de estabilidade, resolveu prestar o concurso para professor de
matemática na Rede Municipal de Ensino de Campinas. Ao ingressar na rede,
163
percebeu que o tipo de formação com que havia tido maior contato até então,
marcado pelo “paradigma do exercício e por uma abordagem mais algorítmica ou
sintática do que semântica (de produção e negociação de significados) dos
procedimentos e ideias da matemática escolar” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p.
917) foi posto à prova por ocasião de seu ingresso como professor de matemática
em uma rede municipal. Nessa outra comunidade, constatou que sua formação
inicial, com toda “aquela matemática”, não foi suficiente para lidar com a
complexidade que encontrou em sala de aula, sobretudo em relação às dificuldades
de aprendizagem e à diversidade social e cultural dos estudantes. Confessa que, ao
preparar as primeiras aulas, foi ao livro didático e selecionou o que seria dado e a
sequência dos conteúdos do ano inteiro.
Relações sociais e políticas vinculadas à Docência
No Grupo de Sábado, volta e meia, Roberto chama atenção para as condições
de vida de seus estudantes. Certa vez, para a elaboração de um projeto coletivo
sobre o ensino e a aprendizagem de matemática, em de junho de 2012, os
participantes deveriam se reunir em grupos, para, em seguida, identificar e relatar
diferentes dificuldades vividas pelos professores no contexto escolar.
O primeiro e o quarto grupos apontaram as dificuldades de trabalhar com
alunos que não estão plenamente alfabetizados, o que acarreta dificuldades na
interpretação de problemas matemáticos. Já o segundo grupo destacou as
dificuldades de trabalhar com alunos que aprenderam por meio de abordagens
procedimentais, levando a que não compreendessem, por exemplo, o significado do
“vai um”. O terceiro grupo apontou as dificuldades que os alunos têm com a
aprendizagem de geometria. E, enfocando o ensino superior, o quinto grupo
destacou a formação problemática dos professores das séries iniciais para o ensino
da matemática. Por fim, o sexto grupo apresentou um texto sobre as dificuldades
que iam de aspectos cognitivos a socioeconômicos.
164
Nesse encontro, para além das contribuições dos grupos, Roberto fez questão
de chamar atenção aos problemas sociais dos alunos, que implicam em seu fazer
docente. Segundo ele, são questões anteriores ao aprendizado matemático:
[...] as carências afetivas que estas crianças trazem para a escola e que implicam no seu comportamento e em suas atitudes diante dos outros envolvidos neste espaço: educadores, colegas e funcionários. Essas crianças consideram normal resolver tudo com agressão verbal ou física. Não sabem ouvir e falar no momento certo. Até gostam da escola, mas não como um lugar de aprendizado; é mais um ou o único espaço de encontro com os amigos e onde são valorizados. (Roberto, excerto da memória do encontro do dia 9 de junho, GdS, 2012)
O professor Roberto continuou destacando que
[...] não fazer as atividades propostas é uma prática comum. E o número de alunos que pensam e agem assim está aumentando e ocorrendo cada vez mais cedo, podendo ser identificados casos já nos anos iniciais. O mais agravante é que a escola, como instituição, não está preparada e nem vem sendo preparada para lidar com estas crianças: não possui profissionais; nem espaço e tempo para atendê-las; não oferece uma disciplina específica para trabalhar valores e nem os professores recebem formação para contemplar valores em suas aulas. Não há parceria funcional e sistematizada com outras instituições públicas - assistência social, serviço médico e conselho tutelar - que atenda estas novas necessidades e nem mesmo uma parceria com as famílias destes alunos numa busca comum de soluções. Os pais e a escola estão cada vez mais distantes. (Roberto, excerto da memória do encontro do dia 9 de junho, GdS, 2012)
Ao problematizar as dificuldades vividas como professor, com sensibilidade
descreveu aspectos das transformações sociais ocorridas com as políticas de
universalização do ensino que incidem diretamente em seu fazer docente. Assim,
Roberto destacou questões de natureza social.
Ele parece reconhecer que sua percepção e seu engajamento social foram
constituídos ao participar de um grupo de estudo. Desde que passei a considerar a
vida e o desenvolvimento profissional desses sujeitos em outras comunidades,
comecei a pensar quais seriam os outros espaços que influenciariam Roberto.
Interessada em compreender a influência de outras comunidades em seu
desenvolvimento profissional, em conversa recente que tivemos, questionei quais
seriam as outras comunidades que, de algum modo, influenciavam seu olhar para as
165
crianças. Roberto, então, revelou que sua formação religiosa pode ter influenciado
sua relação social com a escola. Inclusive, relatou ter pensado na possibilidade de
seguir o sacerdócio, com o intuito de “ajudar o próximo”. Certamente, esse olhar
afetivo foi fortemente influenciado pelo projeto de que participou, “Escola Singular,
Ações-Plurais” do qual tratarei adiante.
O professor entende que essa percepção foi constituída com sua participação
no Grupo de Sábado (GdS), onde compreendeu que
[...] entendendo o contexto, temos uma visão mais ampla do ensino. De repente, eles resolvem fechar uma sala, então passei a procurar o “porquê”. Eu acho que, ao participar do grupo, aprendi a ter essa visão do geral para questionar políticas públicas que afetam minha prática.
Roberto também destaca, como aprendizagem no grupo, que “podemos e
devemos lutar para ter uma política pública de ensino adequada à realidade e que é
possível conseguir mudanças através desta luta”.
Na segunda entrevista, Roberto destacou: “eu continuo participando do GdS
para não me esquecer de quem eu sou”. Na escola, revelou que “não tenho o controle
que a outra professora tem, mas gosto de ganhar meu aluno pelo lado humano”.
Escrita em Aulas de Matemática
Mas não só a percepção social e política de Roberto seria marcada pela
experiência de participar do GdS. Em narrativa publicada por Roberto, Helô e eu
(BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014), narramos um processo vivido pelo professor.
Em 2012, realizando uma prática conhecida do grupo, Roberto trabalhou com a
escrita em aulas de matemática. Inicialmente, o professor disparou o seguinte e-mail
na lista:
Estou com dois 6ºs anos este ano e como já era esperado apresentam
muita dificuldade com o algoritmo da divisão. Não estou nem
pensando na ideia da divisão, mas apenas no domínio e entendimento
do algoritmo. Estou retomando as “casas decimais”, já que o nosso
algoritmo trabalha com a divisão separada por cada casa. Também
peço que eles escrevam passo a passo como fazem a divisão, na
tentativa de que reflitam sobre o que fazem. Quero utilizar o material
dourado e/ou o ábaco de hastes, para que eles visualizem no algoritmo
166
aquilo que fazem naturalmente em uma divisão. Alguém tem alguma
outra sugestão? (E-mail Roberto, 10 mar. 2013)
Em seguida, interagimos com algumas ideias e questões.
[...] D’Ambrosio tem discutido a noção de pensamento matemático
quantitativo e qualitativo, destacando que é inadmissível pensar hoje
em aritmética e álgebra sem a plena utilização de calculadoras. (E-mail
Vanessa M Crecci, 24 mar. 2013).
Tenho acompanhado as discussões com muito interesse, pois
abordamos a questão do ensino da divisão com materiais
manipuláveis numa disciplina de Alfabetização Matemática. Até as
próprias professoras que frequentaram o curso têm dificuldades em
entender como funciona o algoritmo de divisão. Quando o fizemos
com o auxílio do material dourado mostrando as destrocas e trocas,
a divisão em grupos iguais para tentar estimar o quociente e
analisamos o auxílio que a tabuada (multiplicação) nos oferece nesse
momento, elas passaram a compreender melhor [...]. (E-mail Monike
Bertucci, 26 mar. 2013).
A preocupação de Roberto com seus alunos e suas aprendizagens, lançada na
lista de e-mail do grupo, mobilizou seus membros, que interagiram, desencadeando
várias reflexões, trocas, sugestões. Em outro momento, Roberto escreveu:
Tentarei colocar um pouco das minhas observações e
impressões sobre a divisão, ou melhor, sobre o nosso algoritmo
da divisão. Claro que considero importantes os vários conceitos
e ideias envolvidas nela, mas não é este o objeto de minhas
inquietações. Professores, que já deram aula para um 6º ano,
sabem das dificuldades que os alunos apresentam com o
algoritmo da divisão. [...] Tenho até uma hipótese sobre esta
dificuldade: penso que o algoritmo da divisão necessita de um
domínio apurado da multiplicação (e/ou adição) e da
subtração. (E-mail Roberto, 23 mar. 2013)
Em síntese, na lista do grupo, as discussões geradas versam sobre diferentes
aspectos do ensino da divisão: questionamentos sobre o ensino do algoritmo; processo
mecânico; uso da calculadora; expectativas da família; o que os professores querem que
seus alunos aprendam; tipos de avaliação que os alunos realizam; formação inicial de
professores; conceitos de divisão; outras experiências e sugestões de leituras e de
material concreto (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014).
As colaborações mobilizadas por diferentes participantes no e-mail foram
apresentadas nos encontros presenciais do GdS. Naquele período, organizamos
167
encontros para que Roberto expusesse as atividades desenvolvidas em duas turmas de
sextos anos, abordando o algoritmo da divisão, o uso do material dourado e do ábaco
na realização da divisão. Um aspecto interessante é que, em cada uma dessas atividades,
realizadas em grupos, os alunos também tiveram que escrever como fizeram a divisão
(BARBUTTI; PROENCA; CRECCI, 2014). Em um dos encontros de abril daquele ano,
Roberto apresentou as produções escritas dos alunos:
Roberto – Comecei a pedir para que as crianças escrevessem sobre como fazem a divisão. Fica muito marcante aquele procedimento tradicional, abaixa número, procura na tabuada. Percebo que eles não têm entendimento do que está acontecendo no algoritmo.
Dario – Quando eles escrevem, você percebe isso?
Roberto – Sim, aparece.
Dario – Então, expressam um modo mais procedimental do que de compreensão conceitual da divisão.
Roberto – Para compreender que eles conseguem fazer a divisão, desenvolvi atividades com o material dourado. E sabemos que socialmente eles convivem com a divisão. Os alunos fizeram as trocas normalmente, disse que não poderia sobrar nenhuma peça. Nos escritos dos alunos apareceram os procedimentos: “procuro na tabuada”, “coloco embaixo da chave”, “multiplico”, “coloco embaixo, tiro e abaixo o número”. Percebo que são expressões que não falam do significado do que fazem.
Tomando os escritos dos alunos, o professor teceu diversos questionamentos:
Como surgiram as falhas de procedimentos dos alunos? Os alunos estão preparados para entender as abstrações do algoritmo? Será que conhecem a multiplicação e subtração suficientemente? E o nosso sistema de numeração com base 10? Não seria esse um “vilão” para os alunos? Será que os alunos compreendem que, no algoritmo, a separação é feita por cada “casa” numérica?
A partir das análises das atividades no GdS, o professor conclui que “dividir é um
conceito construído nas relações sociais”. Para Roberto, conseguir a resposta correta do
algoritmo da divisão “é uma questão de compreender os diferentes valores atribuídos
ao que vai ser dividido” (BARBUTTI; PROENÇA; CRECCI, 2014, p. 75).
Em decorrência desse trabalho com a escrita, no I Simpósio de Grupos
Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, o professor
destacou que “a construção da divisão nos 6º anos está em processo ainda. Por isso
168
tenho que trabalhar, pelo que percebi, mais o nosso sistema de numeração. Será que o
ábaco é o melhor material? Mas isso é outra questão para o GdS”.
Esse tipo de experiência constituída por Roberto no contexto do GdS levou-me a
questioná-lo sobre que tipo de mudanças vislumbrava ter ocorrido em sua prática, como
participante no GdS.
Vanessa – Roberto, quais mudanças você vislumbra em sua prática? Roberto – Acredito que o principal aprendizado é o olhar sobre o aluno. Não vejo mais apenas o resultado final que aluno apresenta em vista daquilo que foi planejado e marcado como objetivo. Diria até que, muitas vezes, o resultado final fica em segundo plano. Agora, valorizo o caminho que o aluno fez na tentativa de chegar àquele objetivo. Aprendi a olhar para a riqueza deste processo de aprendizado.
Diferentes Espaços Formativos e a Desnaturalização sobre o
Ensinaraprender Matemática
Em entrevista, Roberto revela, ainda, que durante a graduação não se deu conta
sobre a importância das disciplinas pedagógicas. Segundo ele, foi no GdS que encontrou
respaldo teórico para seu campo de atuação.
Vanessa - Você disse, certa vez, que no grupo encontra respaldo teórico para a sua prática, como é essa teoria? Em que ela ajuda? É a mesma do IMECC? Dos filósofos? Dos sociólogos da educação? Que teoria é essa que você encontra no grupo? Roberto - No meu caso, eu nem sabia a diferença entre matemática e educação matemática. Para você ter uma ideia, passei quatro anos de licenciatura sem saber essa diferença. É isso que me deu vontade de estar conhecendo o que é a educação matemática. Eu gosto da matemática pura, tanto que fui para o mestrado. Eu acho bonita a matemática! Mas isso me fez questionar muito, aquele sonho de professor que gosta de matemática, que quer que o aluno seja matemático, que o aluno demonstre e ache bonito aquilo. Então, quando eu me dei conta de que existe a educação matemática, comecei a questionar, a matemática é bonita para quem? De repente, esta não é a visão do aluno.
169
Questionado sobre mudanças em sua postura, Roberto diz que, na rede de ensino
onde atua, fala-se muito em formação continuada, mas na formação continuada, os
cursos são muito rápidos e pouco conversam com a realidade escolar.
Vanessa - E como que você mudou? O que levou você a mudar? Roberto - Então, eu acho que é participar de um grupo ou de sempre se estar atualizando, conhecendo o que está ocorrendo, as formas como estão ocorrendo. Eu faço uma crítica à prefeitura, pois se fala muito em formação continuada, mas, para eles, formação continuada é você se inscrever naqueles cursos rápidos que oferecem. Mas isso não é formação continuada. Acho que formação continuada é você participar, por exemplo, do GdS. Eu até coloquei isso, neste ano, como sugestão. Aí, defendi esse tipo de formação.
Acerca dos desafios enfrentados com a indisciplina de seus alunos, Roberto
encontrou no projeto denominado “Escola Singular: Ações Plurais” (03/13809-0),
coordenado pelos professores da Ana Maria de Aragão e Guilherme do Val Toledo
Prado, da FE-Unicamp32, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação
Continuada (GEPEC), um rico espaço de reflexão sobre sua relação com os alunos.
De acordo com a descrição do projeto, esse era um projeto de trabalho
compartilhado entre a universidade e a escola, onde buscava-se discutir com o corpo
docente estratégias de ação para superação de problemas relacionados a
comportamentos dos alunos,
[...] tendo como ponto de partida os dilemas cotidianos, a reflexividade docente e o trabalho interdisciplinar na escola, o presente projeto tem como objetivo promover o desenvolvimento profissional docente na busca coletiva de superação de dilemas cotidianos a partir da reflexividade, bem como na construção compartilhada do projeto pedagógico da escola voltado para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Para tanto foram definidos três eixos de trabalho a serem desenvolvidos até dezembro de 2005, sendo que o primeiro e o segundo já foram iniciados. [...] 1. Etapa de caracterização dos dilemas, problemas e temáticas provenientes da comunidade escolar [...]; 2. Realização de inúmeras reuniões entre pesquisadores da universidade, da escola e assessores da Secretaria Municipal de Educação para definição de pressupostos de elaboração do projeto político pedagógico escolar; 3. Discussão e execução das estratégias de ação previstas no ambiente escolar a partir do próximo ano letivo, sendo seus principais aspectos: - Realização de reuniões semanais de estudo e discussão e de seminários mensais, visando a promoção do desenvolvimento da reflexividade dos membros da comunidade escolar e da universidade; - Inserção de
32O projeto “Escola Singular: Ações Plurais” foi coordenado pela Profa. Dra. Ana Maria de Aragão e pelo Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, da Faculdade de Educação (FE), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na linha ensino público.
170
estagiários de cursos de formação de professores (pedagogia e licenciaturas) provenientes da universidade; - Reorganização do trabalho da escola por trimestre com o desenvolvimento de projetos interdisciplinares envolvendo a escola toda em torno de temáticas únicas; - Implantação de assembleias de lasse como fórum de debates; - Implantação dos Projetos Recreio (merenda escolar oferecida em esquema de auto-servimento) e Rádio "Espaço-Aberto" e ainda, a organização do Grêmio Estudantil; - Realização de outras entrevistas com a comunidade escolar, no final, do ano letivo de 2005. Com base nestas considerações, acredita-se que com a viabilização deste projeto será possível trilhar caminhos na construção de uma nova escola, redimensionando sua função social não só enquanto instituição transmissora de conhecimento e formadora de valores, mas também como centro que produz sua própria cultura, seus próprios saberes de forma coletiva e reflexiva33.
Foi, então, que naquele cenário, iniciou junto com colegas e acadêmicos,
reflexões sobre o projeto pedagógico e estratégias para alterações nas relações
interpessoais no interior de sua comunidade escolar, tendo passado
[...] a valorizar e a investir na relação afetiva com meus alunos, a entender que um grito, uma conversa em hora não apropriada, uma resposta mal educada, uma disputa direta, um querer ser sempre ao contrário, um choro e tudo aquilo que muitas vezes chamamos de indisciplina, poderia ser um sinal de que algo estava errado. A parte afetiva estava abalada e, consequentemente, a cognitiva. E se este algo não fosse resolvido não teríamos provavelmente o tão esperado aprendizado. (BARBUTTI, 2008, p. 10)
Nesse espaço, Roberto demonstra ter (re)significado a relação afetiva com seus
alunos, passando a compreender diferentes implicações no processo de ensino e
aprendizagem. Foi nesse projeto que Roberto soube do GdS, tendo se interessado
imediatamente em participar, considerando sua necessidade de envolvimento com um
grupo especificamente voltado a discussões sobre ensino e aprendizagem de
matemática. Iniciou sua trajetória nesse grupo no ano de 2006 e continua participando
até os dias atuais.
No GdS, revela acreditar que “encontrei meu semelhante. Percebi que as
dificuldades que temos em sala de aula, que achava que eram minhas apenas, são
gerais. Isso dá um pouquinho mais tranquilidade para trabalhar”. Sobre esse ambiente
33 Informações obtidas na Biblioteca Virtual da Fapesp in: http://www.bv.fapesp.br/pt/auxilios/30864/escola-singular-acoes-plurais/. Acessado: 13/05/2015.
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de diálogo e análise da prática, Roberto aponta, com certa crítica, que “não ocorre na
Escola e não é oferecido pela rede municipal um espaço para isto” e, além disso, declara
que é no grupo que “sou valorizado como profissional”.
Acerca de seu sentimento sobre participar do GdS, despontam aspectos de
diferentes naturezas, revelando que, nesse espaço,
Posso compartilhar minhas experiências e ouvir outras, questionar e tirar dúvidas sobre minha prática, obter subsídios teóricos e indicações de leituras. Receber informações diretas sobre a gestão pública do ensino e de suas novas tendências, discutindo e tentando interferir nestas políticas. Posso desabafar e falar sobre minhas angústias de professor.
Roberto parece não só ter modificado o “olhar” para o aluno ou para a
matemática. Em sua fala sobre os primeiros planejamentos de aulas realizados, o
professor indica: “eu fui no livro didático e selecionei o que seria dado e a sequência dos
conteúdos do ano inteiro”. Após participar do projeto em sua escola e engajar-se em um
grupo de estudo, aponta que, em suas aulas, “agora, não é mais aquele pacote fechado”.
Revela, ainda, que, conhecendo experiências de colegas, “passei a utilizar
sistematicamente materiais como o Cuisenaire e Material Dourado em minhas aulas”.
Entretanto, pela interlocução com acadêmicos do grupo, compreendeu os limites do uso
dos materiais concretos. Percebeu que, dependendo do modo como esses materiais são
utilizados, os alunos podem se prender a aspectos secundários, como as cores das peças
do ábaco. Também indica que essa interlocução e as “interessantes cutucadas” dos
acadêmicos modificaram o modo como compreendia o conceito de fração. Essa parceria
– ele compreende – é constituída em vias de mão duplas, da seguinte maneira:
Os professores universitários têm um conhecimento teórico maior, que podem justificar e/ou dar apoio às nossas práticas de sala, o que permite ter um novo olhar sobre nossos alunos e pensar em novas práticas. De outro lado, permite ao professor universitário conhecer a realidade das escolas através dos professores da escola básica e assim rever a formação dos futuros professores. (Entrevista Professor Roberto, data?)
Esse tipo de parceria com acadêmicos, que encontrou no grupo, Roberto
também constituiu com as professoras dos anos iniciais de sua escola. Como parte de
sua jornada de trabalho, coordena e desenvolve com elas atividades de formação,
envolvendo principalmente atividades matemáticas. Segundo o professor, essa parceria
172
resultou em “conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento curricular e de
aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo”.
Roberto era o único professor de matemática da escola. Como tinha dedicação
exclusiva, conseguiu desenvolver um grupo de estudo com professoras de séries iniciais.
À medida que novas ideias surgiam no contexto no GdS, a forma de ensinar matemática
da escola foi mudando, como um todo. Os resultados desse trabalho colaborativo foram
apresentados por Roberto, ao participar de uma mesa-redonda no III Seminário de
Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática (SHIAM).
Em relação aos limites do grupo, comenta: “eu vejo muitas ideias boas, mas você
vê pessoas que trabalharam tão bem durante dois anos na escola e que a abandonam.
Ou, então a escola mudou, o professor precisou largar a experiência e os alunos não
eram mais a mesma coisa”. Roberto destaca que precisamos analisar essas experiências
também do ponto de vista das políticas públicas. Sintetiza, dizendo que “gostaria de ter
mais tempo para se dedicar aos estudos em comunidades como do GdS”.
Sobre o que mobiliza sua participação no grupo, resume: “Acho que participar
de um grupo como o GdS implica ser questionado sempre. Estamos sempre sendo
cutucados. Agora, se você sair dele e ficar só na escola, você acaba ficando com alguns
vícios. Queira ou não, esse modelo de escola nos sufoca”. Aproveitando a deixa, em
seguida, o questiono:
Vanessa – A que tipo de vícios você se refere? Roberto - De procedimento mesmo, de atitude que tem com os alunos, de julgar e de dizer que o culpado é o aluno e de não olhar para a própria aula. Mas, aí você vê que professores que têm essa postura têm uma jornada grande de Estado e Prefeitura, estão cansados. Às vezes têm quatro escolas. Se não tiver alguém cutucando, motivando.... Nessa escola, eu tenho vários professores que estão se aposentando. Eu até entendo, estão cansados. E sabem que mudanças dão trabalho. Preparar aula, eu até respeito a atuação docente deles. Mas, aí, se você não tem nada que incentive, acaba indo junto. (Entrevista Professor Roberto, data?)
Roberto destaca, ainda, sobre seu envolvimento em um grupo fora da escola,
que considera muito “importante este olhar externo, pois muitas vezes, por estarmos
envolvidos diretamente no processo, não conseguimos perceber detalhes importantes. E
esse estranhamento consigo ter em meu grupo de estudo”.
173
Motivado pela prática colaborativa que encontrou no GdS, constituiu com as
professoras dos anos iniciais de sua escola um pequeno grupo colaborativo. Essa função
de formador de professores em serviço faz parte de sua jornada atual de trabalho e
consiste no desenvolvimento e no estudo de atividades matemáticas com as
professoras, envolvendo conversas, estratégias, formação conjunta, planejamento
curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do ciclo (entrevista).
Nos últimos anos, a parceria de Roberto com as professoras dos anos iniciais foi
interrompida, pois algumas classes em que atuava foram fechadas. Logo, Roberto
precisou completar sua carga em outra escola, o que o impossibilitou de continuar a
contribuir com suas colegas. As notícias mais recentes são de que Roberto já se encontra
adaptado à nova escola, uma escola pequena, como gosta de frisar, em que pode
conhecer seus alunos desde “pequetititos”.
Tanto na matemática pura, como na educação matemática, Roberto poderia ter
optado por seguir a carreira acadêmica. Inclusive, na rede em que atua, Roberto poderia
ter optado por atuar como formador de professores.
Sobre a vida do professor, é preciso dizer que o professor atua em uma rede que
tem um dos melhores salários do Brasil, apesar de as condições de trabalho serem
complexas como na maior parte das redes de ensino desse país, Roberto acredita que
tem boas condições de trabalho. O professor, inclusive, conta atualmente com espaços
formativos voltados à educação matemática. Por suas condições de carreira e por opção,
apesar das oportunidades de se tornar formador ou acadêmico, Roberto tem se
sustentado como professor de matemática da escola básica.
Na entrevista, fiz questão de chamar atenção para algo importante que Roberto
levantou em sua fala no III SHIAM.
Vanessa – Você disse algo no SHIAM que acredito que não podemos perder de vista: os grupos não podem ser compreendidos como panaceias. Roberto - Na área de exatas, eu sempre procurava uma solução. Na educação não tem uma única solução... Quer dizer, a solução é aceitar a subjetividade de cada escola, dos alunos. Então você tem que entrar com várias formas para tentar atingir tudo. É por isso que eu falo, não existe a solução. A solução é aquela que você tem que descobrir que irá dar certo naquela escola, naquele momento.
Roberto revela, também, dois aspectos que temos problematizado pouco, em
minha opinião. Por um lado, aponta a função terapêutica do grupo, destacando que
174
“quando você não está legal, você pode vir aqui e desabafar. Acho que tem isso
também”. Por outro lado, menciona também a falta de sustentabilidade de alguns
professores, participantes de grupos colaborativos na escola, dizendo: “eu vejo muitas
ideias boas, mas você vê pessoas que trabalharam tão bem durante dois anos na escola
e que abandonam a escola”. E prossegue: “[...] ou, então a escola mudou, ou o professor
precisou deixar os alunos”.
Sobre seu sonho como professor, na primeira entrevista, Roberto destacou que
“é conseguir fazer meus alunos gostarem de matemática”. Em particular, como projeto,
revela que gostaria de continuar realizando o trabalho com o grupo dos anos iniciais.
Terminei a nossa primeira entrevista, questionando se poderia utilizar seu nome
original. Roberto, então, lembrou-se das falas de Guilherme34 sobre Bakhtin. Segundo
Roberto, a autoria do que falamos vem dos outros. Em seu relatório, faz a seguinte
síntese:
A ideia de Bakhtin é que a minha fala, na verdade, não é minha, mas é resultado da fala dos outros e que eu me aproprio das palavras dos outros e, na interação com estas, surge o que falo. Esta ideia deu, para mim, possibilidades de responder à questão da autoria. Se pensarmos assim, os trabalhos escritos, independente de quem os escreveu, são resultados das falas de todos os integrantes do projeto e estas de interações com outros (não necessariamente de dentro da escola). Portanto, não faria sentido a definição de apenas um autor ou, no mínimo todos seriam autores. Em uma visão macro, consequentemente, teríamos a socialização do conhecimento onde ninguém poderia comprar direitos de autoria, por ser criação de todos.
Assim, Roberto me ajuda a recordar que esta tese só é possível de ser escrita
em razão da generosidade de meus interlocutores e dos sujeitos participantes deste
estudo. Embora este texto possa gerar um título que será atribuído a mim, o processo
de sua produção é todo social.
34 Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado (FE/Unicamp), coordenador do GEPEC e, como já citei, um dos professores da universidade que participaram do projeto “Escola Plural”.
175
Experiências de Desenvolvimento Profissional de
Eliane
Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida e não desistir da luta,
recomeçar na derrota, renunciar a palavras
e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos
e ser otimista. Creio na força imanente
que vai gerando a família humana, numa corrente luminosa
de fraternidade universal. Creio na solidariedade humana,
na superação dos erros e angústias do presente.
[...] Aprendi que mais vale lutar do que recolher tudo fácil.
Antes acreditar do que duvidar Cora Coralina, Ofertas de Aninha (1997)
Eliane, atualmente, é professora doutora, formadora de professores e
pesquisadora de uma universidade federal no sul de Minas Gerais. Desde que nos
conhecemos no GdS, em 2007, acompanho a trajetória de uma educadora
matemática que se destaca por seu compromisso com a escola pública, com os
grupos colaborativos, por suas produções sobre aulas exploratório-investigativas e,
mais recentemente, sobre aprendizagem do professor que ensina matemática.
Constantemente, Eliane tem sido convidada a falar sobre o direito de os
professores participarem de práticas alternativas de desenvolvimento profissional,
como no episódio que abre este capítulo, no qual defende o reconhecimento da
participação em grupos colaborativos. Sobre isso, segundo ela, “tudo o que me move
nessas questões políticas, vamos dizer assim, é tentar fazer com que seja reconhecido
oficialmente aquilo que me transformou como professora” (entrevista).
176
Mas não é apenas por suas falas eloquentes e reivindicatórias que Eliane tem
tido seu trabalho reconhecido na comunidade de educadores matemáticos. Como
veremos nesta narrativa, Eliane também tem se destacado como pesquisadora e
pelo protagonismo de suas ações como professora e, atualmente, como formadora
de professores que ensinam matemática.
Para além de reivindicações, essa educadora matemática propõe e realiza
mudanças. Desde o momento em que passou a atuar como formadora de
professoras, suas preocupações também têm sido relacionadas à conceituação do
letramento e da aprendizagem docente do professor que ensina matemática.
Ao longo de quatro anos, além de nossas interações em três diferentes grupos
de pesquisa (GdS, PRAPEM e GEPFPM), entre os anos de 2012 a 2015, foram
realizadas duas entrevistas. No início de 2012, realizei a primeira entrevista com
Eliane, na própria Unicamp. Para atender uma orientação de Dario e para cumprir o
que gosto de fazer em minhas entrevistas, iniciei com questionamentos mais
pessoais. Para isso, tomei como base o memorial da dissertação de Eliane: selecionei
excertos para compreender sua trajetória de educadora matemática (Apêndice 01)
e solicitei que Eliane realizasse comentários sobre eles. Em seguida, teci
questionamentos para tentar compreender como Eliane começou a participar do
GdS e para conhecer suas percepções sobre o grupo. Após retornar do Canadá,
concluí que seria pertinente realizar outra entrevista.
No momento em que iniciei a escrita da narrativa, busquei produções escritas
sobre experiências vividas no GdS e em outros contextos e consultei memórias e
transcrições de encontros do grupo. Em um primeiro momento, relato aqui um
episódio no qual se pode compreender a forma como ela se destaca por sua
trajetória investigativa no contexto do GdS. Nesse momento, em parceria com
colegas, produz materiais, pesquisa, analisa atividades dos estudantes e publica os
resultados. Em uma segunda parte da narrativa, narro momentos nos quais as aulas
exploratório-investigativas eram motivo de discussão no grupo e influenciariam os
estudos e as contribuições de Eliane em relação à temática, sobretudo na
177
conceituação de aulas investigativas. Também se destaca ali a importância que
Eliane dá para a escrita em aulas de matemática.
Na segunda entrevista que realizei, ao final de 2015, visando compreender
sua trajetória de desenvolvimento profissional, minha intenção era compreender
melhor sua relação com outras comunidades e com uma postura de dedicação aos
estudos. Em um terceiro momento, Eliane e eu também conversamos sobre a
narrativa constituída.
No relato que segue, tomei como fio condutor a primeira entrevista que
realizamos – trechos que estão marcados por aspas ou transcritos na íntegra, pela
riqueza de seu conteúdo. Nesse movimento, também, trago outros documentos
como partes de nossa interlocução – excertos citados. A partir de uma perspectiva
de desenvolvimento profissional, que se pretende sensível às histórias pessoais e às
experiências vividas, narro aspectos da vida de Eliane que me ajudam a compreender
o fenômeno do desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça.
Matrizes, determinantes e sistemas, ou sistemas, matrizes e determinantes?
Em 2009, os temas estudados no GdS foram especialmente diversos. Para que
pudéssemos desenvolver projetos voltados à diversidade de interesse do grupo, que
naquele ano estava com um número grande de participantes, cerca de 25 por
encontro, tomamos a decisão de constituir subgrupos. Os temas levantados pelo
grupo foram: álgebra linear, medidas para os anos iniciais, frações, funções, arte e
matemática.
Sendo assim, naquele ano, parte dos encontros foi destinada a reuniões
desses subgrupos, e cujos estudos foram pautados pela literatura específica de cada
tema, pelas práticas de sala de aula e, por vezes, pela análise de material curricular.
Esse foi o caso do grupo de álgebra linear. A professora Lílian propôs o estudo de
álgebra linear, incluindo matrizes, sistemas e determinantes. Para ela, esses são
assuntos geralmente abordados de modo separado, mas que conceitualmente
podem ser trabalhados conjuntamente. O interesse de Lílian era continuar um
projeto desenvolvido no Colégio de Aplicação, da Universidade Federal do Rio de
178
Janeiro (CAp – UFRJ), onde atuava como professora do ensino médio. Naquele
período, Lílian, em seu então projeto de doutorado, já previa que
[...] recentemente, o MEC divulgou a Matriz de Referência para o novo Enem. Esse documento (que provavelmente norteará os conteúdos priorizados no ensino médio nos próximos anos) sequer cita matrizes e determinantes. Do que se vem estudando tradicionalmente em álgebra linear nas escolas, só aparecem os sistemas lineares. Mesmo que o estudo de Matrizes e Determinantes seja completamente retirado do ensino médio, penso que a reflexão que se fará junto aos professores servirá para o aprofundamento dos conteúdos matemáticos e servirá como exemplo do que se pode realizar em outras áreas do conhecimento matemático. (SPILLER, 2010, p. 8)
A partir da percepção de que matrizes e determinantes poderiam ter outras
abordagens e que se fazia necessária uma reflexão sobre esses conteúdos, Lílian
constituiu, inicialmente, uma parceria com Eliane, que desenvolveu com os
estudantes do ensino médio as tarefas elaboradas pelo subgrupo. Em seguida,
agregaram-se ao subgrupo Fernando e Renata, que também se interessaram pela
temática.
Inicialmente, o grupo estava interessado em discutir a pertinência sobre a
ordem a ser seguida no ensino dos conteúdos matrizes, determinantes e sistemas,
conforme apontou Eliane no início da apresentação de seu subgrupo ao GdS:
[...] a nossa preocupação maior está sendo no ensino, não no como eles [os alunos] aprendem, mas no modo como ensinamos, esse foi nosso maior foco. Eu começo colocando aqui: matrizes, determinantes e sistemas, ou sistemas, matrizes e determinantes? Colocamos esse título porque o primeiro insight do trabalho era tentar inverter um pouco o que é trabalhado, geralmente, nos livros didáticos. Queríamos dar mais importância aos sistemas em relação às matrizes e fomos buscar na literatura se essa concepção estava sendo discutida. (Eliane, transcrição encontro 26 set. 2009)
No contexto desse subgrupo, os participantes se propuseram a elaborar uma
sequência didática que foi utilizada, como destaquei, por Eliane. No último encontro
de setembro de 2009, a experiência desenvolvida em sala de aula foi socializada e
discutida no GdS. Segundo Eliane, “queríamos iniciar o trabalho com os alunos com
sistemas, para depois ensinarmos matrizes e fomos, então, buscar na literatura se
essa concepção estava sendo discutida” (transcrição encontro 26 set. 2009). A
professora, então, contou como foi o desenvolvimento desse trabalho no subgrupo:
179
[...] no início, tentamos elaborar uma sequência didática, queríamos compreender o que seria mais adequado, dar um problema primeiro ou dar uma explicação primeiro? Então, tentamos montar uma sequência e as nossas primeiras percepções foram que esses conteúdos não são estanques, não dá para trabalhar só sistemas, só matrizes, só determinantes, pois estão relacionados e a importância era dar significados, não adiantaria trabalhar um de cada vez sem saber o que significam. E ao tentar elaborar essa sequência, percebemos que é muito mais tenso que qualquer livro didático, que qualquer proposta tenta apresentar, envolve muito mais do que vemos nos livros e a nossa ideia com a sequência era tentar promover uma visão do todo (Eliane, transcrição encontro 29 set. 2009).
Com influência da semiótica, conceito estudado por Eliane em um curso de
especialização que fizera em anos anteriores, o subgrupo teve a intenção de
entender as diversas formas de representação de um mesmo conceito. Com isso, ao
idealizar a sequência didática, o objetivo foi “evidenciar uma relação entre os
conteúdos, tentando proporcionar ao aluno uma real compreensão dos conceitos,
através da relação entre seus diversos registros de representação semiótica (DUVAL,
2003)” (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 05). No encontro, o subgrupo apresentou as
situações problema propostas aos estudantes, dentre as quais:
A1. Vamos iniciar o estudo de Sistemas Lineares, Matrizes e Determinantes. Para isso, começaremos resolvendo alguns problemas! P1. Luciano usou apenas notas de R$ 20,00 e de R$ 5,00 para fazer um pagamento de R$ 140,00. Descubra quantas notas de cada tipo ele usou, sabendo que no total foram 10 notas. P2. No início de uma reunião, o número de homens era 3 a menos que o de mulheres. Duas horas depois o número de homens havia aumentado em 8, o de mulheres havia dobrado e a quantidade de homens e de mulheres era a mesma. Quantos homens e quantas mulheres havia no início da reunião? P3. Pedro resolveu comprar um tênis e, para tal, foi conferir a quantia que possuía em seu cofre. Nesse cofre, ele guardava moedas de R$ 0,25 e R$ 0,50. Após conferir tudo, Pedro constatou que possuía 568 moedas, totalizando um valor de R$204,00. Deste total, quantas moedas são de R$ 0,25 e quantas são de R$ 0,50? (CRISTÓVÃO; SPILLER, 2006, p. 12)
Eliane explicou que, para resolver esses problemas, os estudantes foram à
lousa, mostrar como realizaram. Nesse momento,
[...] eu não trabalhei com eles a obrigação de criar todas as equações, os alunos precisariam apenas resolver os problemas, pelos caminhos
180
que eles quisessem, inclusive, alguns fizeram por tentativas em questão de segundos, outros montaram uma tabela para organizar as tentativas, outros tentaram montar a equação, mas resolver o problema por um sistema de equações, ninguém resolveu, eles usaram outros caminhos (Eliane, transcrição encontro 26 set. 2009).
Para estes primeiros problemas, segundo Eliane, apareceram três tipos de
resoluções: 1) feitas por tentativas sem organização em sistemas, 2) organizadas em
esquemas e, também, 3) tentativa de montar sistemas. Sobre a correção, no texto
escrito em parceria com Lílian, a professora explicou que
[...] vários alunos expuseram suas diferentes formas de pensar e houve uma intensa participação da classe, buscando entender como seus colegas haviam pensado. Porém, os sistemas não apareceram. Apenas um grupo de três alunas, que normalmente têm as melhores notas da turma, chegou a tentar montá-los, mas encontrou muita dificuldade (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 06).
Foi, então, que a partir das formas como eles foram apresentando as
resoluções, Eliane foi associando aos sistemas, montando as equações relativas a
cada problema para resolver, organizando aqueles que estavam desorganizados.
A professora descreveu, então, que apresentou a resolução dos problemas
utilizando sistemas e representação gráfica, mesmo tendo ultrapassando o tempo
planejado para a atividade:
[...] ao partir dos raciocínios dos alunos, passando pela montagem e resolução do sistema através dos métodos da substituição e adição e por sua representação gráfica, percebi que o tempo previsto para a resolução dos problemas em muito seria ultrapassado. Mesmo assim, resolvi levar adiante a ideia, gastando seis aulas apenas para a realização dessas correções/construções coletivas. Acredito que valeu a pena, pois os alunos puderam comparar sua maneira de pensar com as equações montadas e compreender o significado atribuído às letras em cada equação. (CRISTOVÃO; SPILLER, 2009, p. 06).
Sobre o tempo dispensado por Eliane à atividade, Dario destacou que,
[...] quando você trabalha de uma maneira mais exploratória e observadora, o aluno vai perceber que sempre está pensando, em cada caso, para ver se aquilo tem validade mesmo ou não. E aí exige do aluno muito mais capacidade de refletir, de analisar, de produzir sentidos sobre o que está estudando no momento. Isso é muito mais importante no ponto de vista da formação do aluno, mas, claro, você abandona aquela perspectiva mais tradicional. (Dario, transcrição encontro 26 set. 2009).
181
Sobre a resolução da passagem dos estudantes em sistema, Eliane apresentou
graficamente as respostas para eles. Eliane destaca que, apesar do tempo dedicado
à explicação,
[...] a interpretação da representação gráfica não foi tranquila. Muitos alunos não entendiam que as duas retas eram a representação gráfica das duas equações e que o ponto de interseção entre elas correspondia à solução algébrica encontrada. Durante as seis aulas, fui tentando mostrar, de diversas formas, que cada ponto de uma reta era uma possível solução para uma das equações do sistema, mas que nem sempre o ponto satisfazia a outra equação (CRISTOVÃO; SPILLER, 2009, p. 06).
No encontro, Dione destacou que “o problema não é o conceito, mas a tarefa
escolar”, uma vez que “a tarefa escolar que eles tinham feito era de comparar
funções e aqui era uma tarefa de pegar cada sistema e ver o que acontecia com as
retas”. Segundo ela, “foi a tarefa escolar que eles não entenderam, não foi o
conteúdo. Para você perceber essa função, tem que jogar sistema por sistema”
(Dione, transcrição encontro 26 set. 2009). Sobre isso, Eliane apontou que uma
dificuldade encontrada foi “interpretar o sistema como uma equação matricial,
problemas de otimização também usam sistema de equações lineares, definição de
determinantes, porque faz determinante para decidir se a matriz tem solução ou
não”.
Ao final da experiência vivenciada pelo subgrupo sobre o ensino de Matrizes,
Eliane e Lílian concluíram que “esse ensino deve ser paralelo ao ensino de sistemas,
para auxiliar na sua compreensão, como ferramenta na resolução e interpretação de
problemas, e não como um tópico isolado da matemática” (CRISTOVÃO; SPILLER,
2009, p. 06). Ainda sobre a aprendizagem dos estudantes, Lílian acrescentou que:
Se conseguirmos fazer com que os alunos saiam sabendo o essencial em cada série, talvez a seguinte seja menos problemática. As equações sem solução ou indeterminadas são trabalhadas? Mostramos dois ou três exemplos desse tipo de equação e depois só se trabalha com equação que tem solução. Acredito que temos que trabalhar com situações que não têm solução ou que têm múltiplas soluções, pois assim quando os estudantes chegarem às situações abstratas na matemática, eles não vão achar estranho. (Lílian, transcrição encontro 26 set. 2009).
182
As experiências de colaboração, relação com outras comunidades, reificação
e socialização vividas por Eliane, protagonista desta narrativa, em parceria com
colegas do GdS, no estudo desenvolvido com o subgrupo de álgebra linear, foram
parte de tantos outros movimentos de desenvolvimento profissional protagonizados
por ela durante seu período de participação no grupo. Nesta narrativa, foi possível
apresentar alguns desses movimentos vividos por ela no GdS ou que chegaram a essa
comunidade de alguma maneira.
Licenciatura, a alternativa...
Assim como na vida de muitos outros professores brasileiros, a docência
chegou para Eliane sem ter sido uma escolha consciente. Proveniente de uma família
de trabalhadores do interior paulista, Eliane é a mais velha de três irmãos e fez parte
da primeira geração que teve acesso ao nível superior de ensino. Na primeira
entrevista que realizei com ela, lembrou-se de que só foi “fazer Matemática para
fazer faculdade, esse era o único curso noturno da Unicamp e gostava da disciplina”.
Completou dizendo que, em razão de sua condição social, “a oportunidade de
estudar numa universidade era o mais importante”. Revelou, também que foi apenas
depois de ingressar na faculdade que veio a saber o significado da palavra
licenciatura.
Estudante egressa da rede estadual paulista, foi na escola que veio a conhecer
a possibilidade de estudar em uma universidade pública. No memorial de sua
dissertação de mestrado, ela destacou que desconhecia a existência desse tipo de
universidade. Ao relacionar com a sua, então, atuação como professora, destacou
que “como a maioria dos alunos com os quais convivo hoje, na rede pública estadual,
eu não me preocupava muito com qualquer escolha; fazer uma faculdade não fazia
parte das minhas perspectivas” (CRISTOVÃO, 2007, p. 06).
Foi, então, que se lembrou da importância de dois professores, em sua
trajetória, que a orientaram em relação à possibilidade de ingresso na universidade.
Segundo ela, foi o professor Washington que a apresentou à Unicamp, por uma
183
convocação para a Olimpíada de matemática, mas foi, mesmo, pela história de
superação do professor ao relatar as dificuldades que passou no tempo da graduação
que Eliane ficou motivada a pensar em cursar uma faculdade. A professora Valéria,
por sua vez, ajudou-a a desconstruir a ideia de que, para alunos de escola pública,
ingressar na Unicamp não era uma possibilidade viável.
No início dos anos 90, o ingresso no curso de licenciatura em matemática na
Unicamp foi uma surpresa para ela. Eliane relata que “me dei conta da falta da minha
bagagem cultural e científica quando fiz parte do batalhão que enfrentou o temido
vestibular” (CRISTOVÃO, 2007, p. 06). Mas os desafios só estavam começando, pois,
enquanto estudante do curso de matemática, destaca que, apesar de conseguir ser
bem-sucedida nas disciplinas pedagógicas, nas disciplinas “da matemática,
propriamente ditas, as lembranças mais fortes são as lágrimas derramadas durante
muitas aulas de cálculo do 1° ano” (CRISTOVÃO, 2007, p. 07).
Sobre isso enfatizou que o “encantamento” com o curso veio na Faculdade
de Educação, uma vez que, se fosse “olhar pelo lado das disciplinas que eu fazia no
Instituto de matemática, eu teria desistido” (entrevista). Esse encantamento vivido
por ela ressoa em uma sequência didática constituída por Eliane, que foi gentilmente
concedida por ela a mim. Em razão da disciplina de Didática da Matemática,
ministrada pela professora Maria Ângela Miorim, Eliane realizou uma sequência
didática para o ensino de equações do 2º grau. No extenso relatório, Eliane já
compreendia que “é muito importante, durante o período de planejamento, ter
acesso a uma grande quantidade de material com informações sobre o tópico a
tratar, para que se possa sintetizar o melhor do que há em cada livro, apostila,
proposta, etc.” (CRISTOVÃO, 2007, p. 22).
Outro fator decisivo para a conclusão do curso de matemática veio no terceiro
ano de curso: “Em 1992, diferentemente da situação atual, as aulas de matemática
eram abundantes na rede pública. Mesmo sendo estudante iniciante do terceiro ano
da faculdade, consegui aulas livres na própria escola onde havia estudado”
(CRISTOVÃO, 2007, p. 08). Foi nesse momento que “comecei também a aprender
184
Matemática, aquela matemática que me faltava para fazer as disciplinas do IMECC”
(entrevista).
O início da docência e a especialização...
Nesse mesmo ano, outros fatores também viriam a mudar a vida de Eliane
definitivamente: “num só ano me tornei professora, engravidei, casei, virei mãe,
esposa e ainda aprendi a estudar... Era tanta mudança de uma vez só... Tudo meio
aos atropelos, inclusive a nova profissão” (CRISTOVÃO, 2007, p. 08). Em nossa
primeira conversa, pedi que ela me contasse sobre essa fase de mudanças, conforme
transcrito no excerto abaixo.
Vanessa - Conta mais sobre essas mudanças que relata em seu memorial. Eliane – Em 1992, acho que foi em março, que me tornei professora. Eu deixei meu cargo de auxiliar administrativa em uma transportadora e comecei a ser professora de matemática. Acho que um mês depois, eu engravidei. Após três meses, eu me casei. Tudo acontecendo junto. Quando eu falo sobre aprender a estudar, é porque começando a dar aula e tendo minha própria casa, o meu espaço, eu conseguia estudar. Eu, também, dava aula na rede estadual, mas não era o dia todo, como quando eu trabalhava na transportadora. Aí eu comecei a ter tempo para estudar, encarei aquilo como um desafio porque era a terceira vez, terceiro ano (as disciplinas eram anuais) que eu estava fazendo Cálculo I. Eu fiz Cálculo I, no primeiro ano reprovei; fiz Cálculo I no segundo ano, reprovei; estava fazendo pela terceira vez. Eu pensei "Não - agora ou eu passo nesse Cálculo I ou eu desisto de vez!". E eu não queria desistir, porque eu estava me tornando professora. Eu percebi, então, que ou eu sentava e fazia exercício, ou eu não conseguiria passar em Cálculo. Então, como eu estava grávida, tinha casado, tinha começado a lecionar, foi o ano que eu optei por pegar duas noites só, eu peguei uma disciplina pedagógica e só o Cálculo. Abandonei todas as outras disciplinas. Então eu tinha tempo para estudar. Eu fiz muitos exercícios!
Mas não era só um espaço físico que Eliane conquistava. Complementar a
esse movimento, ela encontrou um sentido para profissão, uma vez que, sendo
professora do ensino básico, vislumbrou novos motivos para enfrentar as
dificuldades quase naturalizadas das disciplinas específicas de matemática de seu
185
curso de graduação. Eliane passava, também, a se reconhecer e a ter seu espaço
como profissional:
Vanessa – Fala mais sobre esse início da docência. Eliane - E aí você vai se encantando, justamente por perceber que naquele espaço você se torna um profissional. Por mais que fosse no início da carreira, sentia que era uma profissão [...]. Fui percebendo que aquela profissão estava me dando base para fazer o curso que gostaria de fazer, mas não estava conseguindo dar conta. Vendo-me como uma profissional, fui conseguindo aprender para dar conta do curso.
Identifiquei-me com o processo pelo qual Eliane passou, ao ingressar na rede
estadual de ensino. Parece-me que, assim como eu, ela faz parte de uma realidade
social na qual ser professor é, de certo modo, ter acesso à estabilidade e a direitos
que, infelizmente, ainda não são garantidos a toda classe trabalhadora brasileira.
Sobre os primeiros anos de docência, Eliane explica que tentava reproduzir o
modo como fora ensinada na escola. Também revelou que “as aulas eram baseadas
unicamente em livros didáticos” (entrevista). Como muitos professores iniciantes, a
professora parece ter inicialmente embasado sua prática em seus saberes
experienciais. Quando questionei sobre como eram suas aulas no início da carreira,
Eliane contou que desde o início fora preocupada com o preparo de suas aulas e, até
mesmo, com certa diversidade ao consultar diversos livros didáticos.
Vanessa – Conta como eram suas aulas no início da carreira. Eliane - Desde o início, por mais tradicional que fosse a minha aula, eu sentia falta de ouvir os alunos. Então, eu estou sempre dialogando. [...]. Quando eu comecei a dar aula, a minha preocupação era terminar o conteúdo. Eu tinha que pegar aquele currículo, aquele planejamento que eu tinha feito no início do ano e dar conta de tudo aquilo. Eu preparava aulas com quatro, cinco livros didáticos na minha frente. Mas eu tinha que dar conta de tudo.
O tempo e as diferentes experiências vividas, tanto em cursos diversos de
especialização como no GdS, fariam com que se tornasse mais flexível, não que isso
a tornasse menos preocupada com suas aulas. Ao contrário disso, atualmente, Eliane
se considera ainda mais exigente com sua própria prática. De acordo com ela, “com
o grupo e com as discussões, com a especialização, acho que eu fui percebendo que
cumprir o conteúdo não era suficiente” (entrevista). Assim, cumprir o plano “deixou
186
de ser a prioridade” (entrevista), e “a prioridade passou a ser construir com os alunos
aquele conceito trabalhado, e perceber se eles tinham realmente aprendido, se eles
tinham entendido” (entrevista).
Sobre a especialização que citou, essa ocorreu após o último ano do curso de
licenciatura em matemática. Informada pelos colegas de curso, Eliane decidiu se
candidatar a uma vaga para participar da Especialização em Ciência, Arte e Prática
Pedagógica. O curso, coordenado por Dario e Ângela Miorim35, denominado
Especialização em Ciência, Arte e Prática Pedagógica, destinava-se aos professores
em exercício das disciplinas de Artes, Física e Matemática, tendo por objetivo
“aprofundar aspectos prático-teóricos do trabalho pedagógico dentro de uma
perspectiva cultural” (FIORENTINI; MIORIM, 2001, p. 19). Naquele contexto, Eliane
se engajaria em mudanças “significativas em meu modo de ver o ensino e a
aprendizagem” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09). Esse movimento ocorreu quando teve a
iniciativa de participar de “uma experiência em que reflexão e ação, teoria e prática
caminharam juntas” (p. 09).
No contexto dessa especialização, os professores participantes deveriam
desenvolver projetos “inovadores, no sentido de ser algo diferente do que os
professores estavam acostumados a realizar em sala de aula” (CRISTOVÃO, 2007, p.
21). Acerca do desenvolvimento do curso foram, então, refletidos e problematizados
coletivamente dois momentos: “um relativo à trajetória estudantil e profissional e,
outro, à experiência inovadora” (p. 21). Foi, então, que sob a orientação dos
formadores, cada professor desenvolveu, descreveu e avaliou um projeto de
pesquisa sobre um tema de sua própria prática.
Essas fases, para Eliane, seriam sintetizadas em “uma que retrata meu quebra-
cabeças de reminiscências estudantis e outra que, de tão recente e inovadora pelo
seu teor de pesquisa reflexiva, foi para a memória até mais confusa que a primeira”
(CRISTOVÃO, 2001, p. 55). A então professora da rede estadual e recém-egressa do
curso de Matemática realizaria, pela primeira vez, uma narrativa sobre sua trajetória.
35 Profa. Dra. Maria Ângela Miorim coordena o grupo História, Filosofia e Educação Matemática (HIFEM), da FE-UNICAMP.
187
E apresentaria, nessa mesma narrativa, o desenvolvimento de atividades nas quais
explorou o uso do tangram, do geoplano e de vídeos para problematizar e explicar
conceitos de geometria e medidas para seus alunos de quinta série (atual 6º ano).
Curiosa por compreender o que a fez buscar esse tipo de formação, perguntei
a Eliane por qual razão havia escolhido participar desse curso, e ela revelou que esse
foi um modo de se aproximar das discussões pedagógicas e que “retornar à
Faculdade de Educação (FE) foi um prazer diferente e, como eu já estava lecionando
há quatro anos, senti essa necessidade mesmo, de pensar, de sala de aula, de fazer
o curso - foi maravilhoso” (entrevista). Para ela, “o curso mostrou a importância do
trabalho coletivo e da interação entre educadores na busca da reflexão sobre sua
prática” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09).
Parte daquela turma de especialização buscou desenvolver um processo de
ação-reflexão mediante a realização de ações inovadoras. Para isso, debruçou-se no
desenvolvimento de atividades que trabalhassem com negociação de significados.
Como parte dessa experiência, foi publicado o livro Por trás da porta, que
matemática acontece? (FIORENTINI; MIORIM, 2010). Eliane, inclusive, teve
participação na síntese do título que, segundo ela, faz alusão à ideia de que, dentro
de quatro paredes, cada professor tem liberdade para desenvolver aquilo que julga
mais adequado com os estudantes.
Sobre esse período, Eliane destacou que foram dois anos de reuniões “em que
cada um podia contar com a contribuição de todos para (re)significar a história de
sua própria constituição profissional, desde a graduação até a experiência de
inovação da prática pedagógica vivida na especialização” (CRISTOVÃO, 2007, p. 09).
Sobre esse período, conclui que foi extremamente formativo e rico em colaboração,
por vezes, “pareceu árduo e cansativo [...], mas seu fim gerou um sentimento de
vazio que levaria muitos de nós a procurar alguma forma de suprir a falta daquela
vivência”.
188
Participação no GdS – Aulas e Atividades Exploratório-Investigativas...
Após relatar seu envolvimento com essa especialização, questionei se havia
sido daí que surgiu o interesse de Eliane por participar do GdS. Ela disse que veio a
saber do GdS, mas que seu interesse em participar do grupo aconteceu no momento
em que começou a atuar num projeto de reforço escolar, denominado “Números em
ação”, promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE-
SP), que propunha a utilização da informática por professores e estudantes de 5ª e
6ª séries (atualmente 6º e 7º ano). Com essa experiência, Eliane ficou instigada em
conhecer o que havia por detrás daquela política. Em contato com Dario, foi
convidada a participar do GdS.
Foi assim que, no ano de 2003, Eliane passou a frequentar o GdS. Mas é
preciso destacar que, antes de iniciar sua participação nessa comunidade, a
professora constantemente participou de outros espaços formativos:
[...] sempre estive em contato com o meio acadêmico de outras universidades por meio de cursos oferecidos pelo Estado ou de cursos particulares, fossem eles presenciais, semipresenciais ou on-line. Em 2003, apesar da vivência desses cursos, devido à falta de um espaço de reflexão como o que vivenciei durante a elaboração do livro, voltei à Unicamp, onde reencontrei, no Grupo de Sábado (GdS), aquele mesmo trabalho colaborativo. (CRISTOVÃO, 2007, p. 09)
Sobre essa participação em outras comunidades, questionei, na segunda
entrevista, como ela compreendia esse seu desejo de estudar. Eliane, então,
lembrou-se de que no Ensino Médio, mesmo com as aulas suspensas por conta de
uma greve que durou três meses, em razão de seu interesse, contou com a
colaboração de professores que auxiliavam com os estudos para o vestibular.
Lembrou-se, então, que ia até a casa da professora de biologia para estudar genética
e que também procurou a professora Valéria, de matemática, para auxiliar na
resolução de problemas que estava estudando para o vestibular.
Na primeira entrevista, questionei se observava mudanças diretas em sua
prática após passar a participar do GdS. Eliane lembrou-se de uma atividade na qual
trabalhou com o uso do software Winplot para ensinar geometria. Sobre isso,
afirmou que a ideia de trabalhar o software em sala de aula surgiu mediante
189
participação em uma oficina no I SHIAM. Entretanto, segundo ela, foi no grupo que
percebeu outras maneiras de trabalhar com essa ferramenta, ao refletir sobre como
estava trabalhando e ao tomar contato com as aulas exploratório-investigativas.
Em 2008, Eliane levou o software ao conhecimento do GdS. Em um de nossos
encontros de maio daquele ano, na sala de informática da FE, Eliane e Fernando –
apresentado na narrativa introdutória desse capítulo – introduziram possibilidades
do uso dessa ferramenta em uma perspectiva investigativa. Os participantes, então,
desenvolveram atividades que visavam a essa exploração do software. De modo
interativo, discutimos possibilidades de trabalho nas escolas, na perspectiva que
acreditávamos ser a mais exploratória dos sentidos matemáticos.
A partir desse estudo, que relacionou a perspectiva da atividade exploratório-
investigativa com o software e a proposta curricular “São Paulo Faz Escola”, ela
desenvolveu um projeto que intitulou “Investigações no Winplot – um outro olhar
para as funções polinominais”.
De acordo com o relato dessa experiência escrita e publicada por ela no blog
do GdS36, em um primeiro momento, Eliane explicou para seus alunos o que seriam
as aulas exploratório-investigativas. Iniciou expondo que “existem aulas que não
podem ser enquadradas no que chamamos de ‘modelo tradicional’ (professor
explica - aluno aprende e resolve exercícios - professor corrige)”.
Em seguida, tomando por base suas próprias produções no contexto do GdS
e os estudos de Ponte (2003), destacou que, nessas aulas, “as tarefas não são como
os exercícios e problemas que resolvemos normalmente” (CRISTOVÃO, 2008b, p.
05). De acordo com a professora, “estas ‘tarefas’, como são chamadas, não têm uma
resposta única”. Destacando o papel do aluno, apontou que será justamente “criar
questões, levantar conjecturas (hipóteses), inspirado pelo conteúdo da tarefa, além
de testar e buscar comprovar as conjecturas levantadas” (p. 04).
Após essa explicação, Eliane apresentou as atividades e expôs como seriam
desenvolvidas essas aulas. Os grupos, de até quatro alunos, deveriam se organizar
de modo que houvesse funções definidas: dois relatores, um redator e o
36http://grupodesabado.blogspot.com.br/winplot. Acesso em: 20ago. 2014.
190
coordenador do grupo. Todos os integrantes deveriam colaborar “na formulação de
questões, testes de conjecturas, demonstração dos resultados e registros escrito da
produção do grupo”. A avaliação da atividade seria realizada mediante a análise do
relatório e da apresentação oral. Desse modo, seriam considerados: organização do
trabalho, descrição e justificativa dos procedimentos utilizados, correção e clareza
dos raciocínios, correção e clareza da linguagem utilizada e criatividade.
Em seu relato, Eliane faz questão de destacar que, apesar dos contratempos
encontrados na escola pública, decidiu enfrentar o desafio e levar seus “alunos à sala
de informática para explorar as funções polinomiais de uma forma diferente das que
geralmente são trabalhadas em sala de aula” (CRISTOVÃO, 2008b, p. 07). Por fim,
aponta que “os resultados da investigação foram socializados por meio de relatórios
e apresentações orais”. Na apresentação socializada com o GdS, via e-mail, foi
possível observar a qualidade da produção dos estudantes, que conjecturaram,
elaboraram hipóteses e representaram as funções graficamente por meio do uso do
Winplot, conseguindo perceber regularidades nos comportamentos das funções
estudadas e destacar o papel de cada coeficiente na alteração desses
comportamentos.
Apesar dessas experiências que rompem com o ensino tradicional, com o bom
senso que lhe é característico, Eliane revelou: “eu não consigo a todo o tempo ser
uma professora que leva atividades diferentes, aquelas investigativas, isso é
impossível” (entrevista).
Sobre esse movimento de desenvolver atividades em sala de aula, também
em entrevista, contou que “você começa e leva determinada atividade para uma sala
de aula, depois você reflete sobre como realizou a atividade no grupo” (entrevista),
em seguida, “vai vendo outras maneiras de se trabalhar” (entrevista). Eliane também
destacou que as aulas investigativas foram incorporadas em sua prática por sua
participação no GdS. Segundo ela, “a partir do contato com o Grupo de Sábado, fui
ver como é que funciona isso na prática da sala de aula. O fato de ter um pesquisador
na minha sala, que no caso foi o Fernando, que realizou iniciação científica, foi o que
concretizou o desenvolvimento das aulas investigativas” (entrevista).
191
Sobre essa parceria com Fernando, ela se refere a uma experiência vivida em
2004. Em razão de um projeto de iniciação científica, orientado por Dario, foram
desenvolvidas por Fernando e por ela tarefas investigativas em duas turmas de 6ª
séries (atual 7º ano). A intenção desse projeto era “investigar as potencialidades
pedagógicas das investigações matemáticas (IM) no ensino da álgebra elementar,
identificando, sobretudo, indícios de formação e desenvolvimento da linguagem e
do pensamento algébricos de alunos ao iniciarem o estudo deste tópico escolar”
(FERNANDES; CRISTOVÃO; FIORENTINI, 2006, p. 05).
Para isso, foram desenvolvidas atividades com duas turmas de uma escola
estadual de uma cidade do interior de São Paulo, na qual Eliane lecionava. Nesse
processo, foram produzidos como dados de estudo os registros escritos dos alunos,
os diários de campo de Eliane e Fernando, bem como gravações em áudio e vídeo.
Sobre essa experiência, Eliane sintetiza e recorda o apoio do GdS no momento da
elaboração e da revisão das tarefas:
[...] realizei um trabalho com duas sextas séries da rede estadual de ensino, como professora parceira de um aluno da graduação, Fernando, que desenvolveria, nessas classes, seu projeto de Iniciação Científica. As tarefas foram preparadas por ele e, com o apoio do grupo, foram aperfeiçoadas até se adequarem ao que entendíamos por tarefa investigativa. Os resultados alcançados em sala de aula foram muito bons e, a partir deles, foram escritos dois artigos enfocando os conceitos de variável e de generalização. Esses artigos foram apresentados em congressos e um deles foi publicado (CRISTOVÃO, 2007, p. 10).
Sobre essa parceria com o GdS, retomei, em artigos publicados pelo trio, a
informação de que “a discussão no grupo foi enriquecida pelos múltiplos olhares e
saberes experienciais dos professores participantes” (FIORENTINI; FERNANDES;
CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Ainda sobre a colaboração, eles destacaram a
importância do olhar e da colaboração da professora parceira, no caso, Eliane, uma
vez que
considerando a realidade da escola pública brasileira, foram feitas várias sugestões de reformulação e adaptação das tarefas e a recomendação, sobretudo por parte da professora parceira, para reduzir a apenas duas tarefas. As tarefas, a partir das discussões no grupo, adquiriam um caráter mais aberto e
192
exploratório-investigativo”. (FIORENTINI; FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08).
No contexto dessa iniciação científica, após o desenvolvimento das atividades
nas turmas da professora Eliane, “os registros e o material coletado durante a
pesquisa de campo também tiveram um momento de socialização e discussão no
Grupo de Sábado” (FIORENTINI; FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Naquele
contexto, “foi possível fazer uma classificação dos relatórios elaborados a partir das
interpretações realizadas pelos alunos” (p. 07-08). Dessa pesquisa, algo os instigava:
“Por que alguns alunos desenvolveram mais do que outros, se nenhum deles havia
tido contato anterior com as investigações matemáticas e, menos ainda, com a
Álgebra?” (p. 07-08). Aprofundando esses questionamentos, pouco tempo depois,
Fernando viria a se debruçar sobre a temática do letramento algébrico em seu
mestrado (FERNANDES, 2011).
Dois aspectos problematizados no GdS – escrita narrativa e as atividades
exploratório-investigativas – viriam a perpassar a dissertação de mestrado de Eliane,
que as relacionou com a temática da inclusão, tendo por intenção compreender as
possibilidades e as contribuições que uma prática exploratório-investigativa poderia
trazer para os processos de ensino e aprendizagem da matemática de alunos de
classes de Recuperação de Ciclo II, no que se referia à inclusão escolar (CRISTOVÃO,
2007).
O estudo de Eliane foi realizado em classes de recuperação de ciclo. Sua
questão investigativa era “que possibilidades e contribuições uma prática
exploratório-investigativa, mediada pela colaboração de um grupo de professoras,
pode trazer para o ensino e a aprendizagem da matemática de alunos de classes de
RC II, sobretudo para sua inclusão escolar?” (CRISTOVAO, 2007, p. 02).
A partir de um extenso trabalho de campo, com o qual constituiu o grupo
colaborativo denominado Grupo Colaborativo de Estudos em Educação Matemática
(GCEEM), inspirada por sua participação no Grupo de Sábado e interessada no
desenvolvimento e na discussão de tarefas exploratório-investigativas, Eliane
estabeleceu uma parceria colaborativa com a professora de matemática, Renata,
que lecionava em uma classe de recuperação de ciclo da rede estadual paulista.
193
Eliane acompanhou, então, o desenvolvimento das atividades nas classes de Renata.
Após um trabalho colaborativo e sensível entre Eliane, a professora Renata e
os estudantes, mediado pela participação em um grupo colaborativo, foi possível
concluir que as atividades e a abordagem desenvolvidas poderiam favorecer a
participação e a inclusão escolar do estudantes, “tornando-os protagonistas do
processo ensino-aprendizagem da matemática e alertaram para a necessidade de
repensar o que entendemos por fracasso escolar e de mudar o olhar que temos para
as práticas de nossos alunos considerados fracassados” (CRISTOVAO, 2007, p. XV).
Essas experiências, como as anteriormente narradas sobre a relação de Eliane
com as atividades de natureza exploratório-investigativa, levam-me a compreender
a própria história e a dinâmica do contexto desta pesquisa, o Grupo de Sábado. Em
um período que antecedeu a cena que abre este capítulo e minha participação no
GdS, entre 2002 e 2006, houve um momento de bastante influência e discussão de
um modo de ensinaraprender matemática que vinha ao encontro dos anseios
daquela comunidade de realizar uma prática mais significativa.
Como destacado na narrativa de Dario, desde a década de 90, ele tomou
conhecimento das tarefas investigativas, em razão de sua interlocução com o grupo
de João Pedro da Ponte, em Portugal. Mas foi em 2002 que o grupo começou a
demonstrar interesse nas investigações matemáticas. Naquele ano, Juliana Castro
analisou o papel desempenhado pelas experiências pedagógicas com investigações
matemáticas em sala de aula em seu processo de constituição profissional.
Eliane mesmo se recorda de que, em 2004, participou de uma oficina
ministrada por Juliana, também participante do GdS, e então começou a se envolver
mais com a abordagem investigativa de ensino. Eliane aponta que esse foi um
período de estudo, pois “não pretendíamos apenas aplicar tarefas investigativas
elaboradas por outros educadores matemáticos. Queríamos, também, enfrentar o
desafio de aprender a criar nossas próprias tarefas investigativas” (CRISTOVAO,
2007, p. 10).
194
Nesse mesmo ano, o grupo contaria com a participação de João Pedro da
Ponte, especialista português em Investigações Matemáticas. O objetivo era
estabelecer parcerias a serem desenvolvidas no Projeto Luso-Brasileiro de estudos e
experiências com investigações matemáticas em sala de aula. E, de fato, o grupo não
ficaria apenas na aplicação de propostas.
Eliane, como também Juliana (CASTRO, 2003), tentou sistematizar a
expressão “aula investigativa”, principalmente para explicar aos próprios alunos. Em
2006, Eliane sistematizaria esse movimento em um capítulo de livro no qual descreve
como foi esse processo de ressignificação de um conceito. Intitulado “Aulas
investigativas – só mais um modismo? ”, Eliane destaca que foi com o movimento de
tentar diferenciar investigação de exploração, que “o professor Dario levantou a
hipótese de que a questão: ‘quantos números existem entre o zero e o um? ’,
dependendo do nível de exploração atingido pelos alunos, poderia tornar-se
investigativa” (CRISTOVÃO, 2006, p. 127). Foi, então, que, “após ter trabalhado com
meus alunos o tema conjuntos numéricos, senti-me instigada a propor essa questão
a eles, pedindo para que cada aluno escrevesse em uma folha e entregasse, em
seguida, uma possível resposta” (p. 127).
Tomando por base as respostas dos alunos, inicialmente a professora tentou
analisá-las de acordo com cinco categorias. Mediante discussão em um dos
encontros realizados em agosto de 2005, os participantes do GdS, então, apontaram
que Eliane poderia transcender esse modo de interpretação dos dados. Por essa
razão, ela compreendeu que poderia optar por uma descrição mais narrativa. Desse
modo, dentre as respostas de seus alunos, resolveu “destacar as mais
representativas, sobretudo as que expressam o movimento de pensamento e de
significação dos alunos sobre a existência de uma quantidade infinita de números no
intervalo de zero e um e sobre a natureza desses números” (CRISTOVÃO, 2006, p.
129).
Com essa experiência, percebeu que
o envolvimento com as investigações é importante para aprendermos, junto com nossos alunos, a investigar e lembrei-me novamente de Juliana, porque concordo com ela quando afirma que a compreensão do que sejam as tarefas investigativas
195
e a atividade investigativa só vem quando aliamos a teoria e a prática (CRISTOVÃO, 2006, p. 135).
Por fim, respondendo à pergunta: “O que mudou: a turma é melhor ou a
professora está diferente?”, Eliane argumenta que “o contato com as aulas
investigativas tem mudado muito meu modo de ver o ensino da matemática e
também minha relação com os alunos” (CRISTOVÃO, 2006, p. 136). Inicialmente, a
preocupação parecia ser mais com o fato de a atividade ser ou não investigativa.
[...] com o auxílio do professor Dario, fomos construindo, no grupo, um conceito próprio – o de “prática exploratório-investigativa” – que passamos a utilizar com mais freqüência em lugar de investigação matemática. Assim, nossa preocupação deixou de ser a classificação de uma tarefa como investigativa ou não. Passamos a nos preocupar em elaborar tarefas que permitissem aos alunos envolver-se numa prática exploratório-investigativa. Após muitas discussões, principalmente aquelas mediadas por Juliana Castro, havíamos concluído que uma tarefa proposta, por mais aberta que fosse, dependia do envolvimento dos alunos e da postura do professor para tornar-se uma investigação (CRISTOVÃO, 2007, p.11).
A partir de produções, atividades desenvolvidas e discussões coletivas, ao
longo do tempo, Eliane, em parceria com participantes do GdS, ressignificou o
conceito de atividade exploratório-investigativa. Assim, a dinâmica colaborativa no
grupo parece favorecer o desenvolvimento de um modo de ser professora mais
flexível em relação à prática de sala de aula e também em relação à literatura
acadêmica, uma vez que essa é ressignificada no confronto com a realidade escolar.
Os modos de compreender a escrita no GdS
No contexto do GdS, houve dois momentos significativos nos quais o grupo
se interessa pelo uso da escrita. Em um primeiro momento, ao usar a escrita para
contar experiências de sala de aula, em um movimento concomitante à necessidade
de escrever sobre a própria prática – um modo narrativo de pensar a produção
docente começava a ser discutido. Isso ocorreu logo no início da década de 2000,
quando o grupo começou a refletir sobre a própria escrita.
Nessa primeira fase, amplamente investigada por Renata Anastácio Pinto
(2002), foi notado que os professores se envolviam na escrita à medida que
196
mobilizavam o sentido e o associavam à própria prática. Nessa fase, em parceria com
Dario, seu orientador de doutorado, Renata apresentou ao grupo textos que
discorriam sobre escrita de professores, narrativas de professores e teorizações
sobre narrativas. Assim, o grupo começou a tomar conhecimento de autores como
Clandinin e Connelly (1996).
Nesse período, por um lado, o grupo também se debruçou sobre a literatura
portuguesa apresentada por Dario, a partir da interlocução com o grupo coordenado
por Ponte et al. (1997); por outro lado, o grupo se interessou pelo estudo da
literatura norte-americana sobre narrativas de professores que ensinam
matemática. Esse interesse foi motivado pelo estudo de uma das narrativas do livro
organizado por Schifter (1996), traduzida e trazida por Renata, de seu estágio de
pesquisa no exterior, no grupo da professora Beatriz D’Ambrosio.
Embora, tanto no momento da especialização que gerou o livro Por trás da
porta – que matemática acontece?, como no encontro com a cultura de escrita do
GdS, Eliane não estivesse participando dos encontros, obteve, nas narrativas, um
modo profícuo de contar suas experiências de sala de aula e de pesquisa.
Foi também pelas leituras de Michel de Certeau, que Eliane provavelmente
pareceu encontrar na narrativa o tom para “não apenas narra(r) as táticas, mas é,
em si, uma tática utilizada por quem escreve para trazer à tona a sua interpretação.
E foi neste ‘fazer textual’ que me reencontrei, produzindo meu próprio fazer e
constituindo-me como pesquisadora” (CRISTOVÃO, 2007, p. 2).
Em outro aspecto, a escrita também passou a ser de interesse do GdS e, sobre
isso, Eliane, em sua entrevista, parece romper com a ideia de que as questões
discutidas no grupo partem ou da prática dos professores ou das teorias acadêmicas.
De acordo com sua fala, ela e alguns colegas haviam assistido a uma comunicação
no COLE sobre a escrita em aulas de matemática, e, como gostaram, decidiram levar
para o GdS. Relata ela: “assistimos a uma comunicação no COLE falando desse uso
da escrita e aí surgiu a ideia de ler sobre a escrita no grupo. Então, mesmo não
partindo de um problema da sala de aula, havia partido de um encantamento nosso.
Assistimos a uma comunicação, gostamos” (entrevista).
197
Lembro que, em determinando momento de nossa entrevista, fiquei
pensativa, em especial, com esta afirmação de Eliane: “as coisas se misturam um
pouco, porque estar no grupo faz com que você esteja também em outros espaços -
participar de congressos, participar de outras coisas que você não participaria se você
não estivesse no grupo. [...]. Mobiliza você a estar em outras comunidades”. Sem que
nos déssemos conta no momento, Eliane parecia estar desconstruindo, de certo
modo, a ideia de que a teoria vem da universidade e a prática, da escola. No caso do
congresso, foram os professores que “se encantaram”” pelo uso da escrita, a ponto
de levarem para discussão no GdS. Segundo Eliane, nesse movimento, “você acaba
adquirindo autonomia de fazer coisas também para levar ao grupo”.
Desse modo, “a partir da reflexão, decidimos, então, levar a escrita para a
sala de aula!”. De acordo com Eliane, questionamentos surgiram: “como é que a
gente faz aluno escrever em aula de Matemática?”. Foi, então, que “cada um trouxe
o que tinha de texto, o Dario também trouxe sugestão, a gente leu e bolou uma
atividade para levar para a prática. O grupo faz esse movimento, de você olhar para
a prática, mas estar também preocupado com o que a teoria diz” (entrevista).
Docência e Formação, uma trajetória que se constitui na fronteira...
No momento em que realizei essa pesquisa, Eliane já se encontrava na
fronteira entre a escola e a universidade. Quando conversamos pela primeira vez,
em 2012, ela havia acabado de se desligar das atividades do ensino básico, para se
dedicar ao doutorado e à função de formadora de professores, em uma faculdade
particular. Sobre esse processo, com ponderação, Eliane destaca que, ao sair da
escola, sentiu-se “mais tranquila”, pois, segundo ela, “estava sentindo que ocupava
um lugar que eu não merecia mais. Eu acho que para ocupar aquele lugar você tem
que merecer e se dedicar, eu não estava dedicando o quanto ele precisava”
(entrevista).
Para ela, “estar em dois mundos - o mundo da formação básica e da formação
de professores – fez com que compreendesse que não poderia conciliar as coisas”
198
(entrevista). Com o tempo, para ela, “o mundo da formação de professores, por estar
pensando nisso inclusive no doutorado, me sugava tanto que eu me sentia em dívida
com a escola básica. Não me sentia merecedora de estar na escola” (entrevista).
Foi, então, que, quando a questionei sobre a presença do GdS em sua prática
como formadora, Eliane apontou que "pensando na sala de aula do ensino superior,
toda a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em questionar as
formas de apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à escrita - tudo
isso acaba sendo incorporado em minha prática de professora formadora"
(entrevista).
Inclusive, na instituição particular em que atuava como professora e
coordenadora no curso de licenciatura em Matemática, Eliane fundou um grupo de
estudo. Em suas palavras,
diante das defasagens de conteúdo matemático e até mesmo das dificuldades com a escrita, apresentadas por boa parte dos alunos com os quais eu mantinha contato, passei a me questionar se os professores oriundos de cursos oferecidos por diversas faculdades particulares teriam condições, sozinhos, de buscar/promover a quebra do ciclo de exclusão da escola pública que passou a me incomodar no mestrado (CRISTOVÃO, 2015, p. 42).
À medida que realizava estudos sobre a atratividade da carreira docente e lecionava
em faculdades particulares, compreendia que eram aqueles alunos para quem
lecionava, que seriam professores no sistema público de ensino. Ao confrontar
aquela realidade com seus estudos em nível de mestrado, Eliane percebia que a
exclusão adiada chegara ao nível superior e que, de certo modo, poderia voltar à
escola básica, convertendo-se em um ciclo. Desse modo, questionava-se sobre quais
“aprendizagens, ocorridas em que contexto, seriam necessárias para tornar os
professores conscientes desse processo de exclusão e de reprodução da escola
pública?” (CRISTOVÃO, 2015, p. 42). Foi, então, que,
pensando, como professora-pesquisadora-formadora, nesse processo de exclusão velada, capaz de gerar um ciclo vicioso de formação deficitária e de tornar o sistema público ainda mais perverso, senti a necessidade de intervir nessa realidade e, no final de 2009 propus a criação de um grupo de estudos que pudesse ajudar os licenciandos, para os quais eu lecionava, na construção de uma postura crítica e
199
reflexiva, tornando-os capazes de lutar contra esse ciclo vicioso. (CRISTOVÃO, 2015, p. 42 - 43)
Com o passar do tempo, o grupo constituído no curso de licenciatura em que
lecionava e o grupo GCEEM se uniram. Para Eliane, esse movimento foi “a
concretização do sonho de expandir o tipo de trabalho vivenciado junto ao GdS, na
Unicamp, para o espaço de uma faculdade particular”.
No ano de 2013, Eliane prestou concurso na Universidade Federal de Itajubá
(UNIFEI) e assumiu o cargo em maio do mesmo ano. Atualmente, atua como docente
no curso de licenciatura Matemática, coordenando o subprojeto de Matemática do
PIBID e um Grupo de Estudos Interdisciplinares. Continua vinculada aos grupos da
Unicamp: PRAPEM e GEPFPM (FE/Unicamp). Seus temas de interesse e pesquisa são:
aulas exploratório-investigativas, letramento, comunidades de aprendizagem e
formação de professores.
Como formadora, sua angústia está a relacionada ao fato de ainda não ter
conseguido formar, na universidade, um grupo de estudos para professores de
matemática, nos moldes do GCEEM, que coordenava, ou do GdS, de que participava.
Entretanto, a experiência com o PIBID e, recentemente, com a coordenação de um
projeto de extensão sobre letramento científico e tecnológico, para professores e
alunos da educação básica, tem sido seu principal foco de atuação, além das aulas
da graduação. Apesar de outras experiências e da participação em outras
comunidades, para Eliane sua participação no GdS foi o que trouxe “essa consciência
do que é pesquisar, do que é olhar para a sua prática à luz de uma teoria; do que é
você contar para as pessoas o que você faz enquanto grupo. A primeira vez que eu
me vi num congresso foi quando o Dario chamou os integrantes do Grupo de Sábado”
(entrevista). Eliane também valoriza o fato de ter acesso a referenciais teóricos que
acabam auxiliando “a explicar, com palavras significativas, a prática do professor”
(entrevista).
Acerca de sua postura enquanto professora, revela que, tanto na sua
participação no grupo quanto na especialização, foi possível olhar para sua “prática
de forma mais consciente, observando o que ela tem de bom e o que ela tem de ruim”
(entrevista). Confessa: “eu acredito que no começo não tinha muito essa consciência
200
(eu desenvolvia uma prática e acabou)” (entrevista). Usando um termo da teoria
sobre comunidades investigativas, incorporado em seu cotidiano, Eliane revela que
essa postura investigativa, “esse modo de olhar para trás e questionar o que não
está dando certo – porque é que eu estou fazendo desse jeito, porque é que eles não
estão entendendo, porque é que a dificuldade deles é aqui – é isso que o grupo vai
construindo na gente” (entrevista). Sintetiza, dizendo que “não que ele te torne um
professor perfeito; mas ele te torna um professor que questiona o que faz. Acho que,
nesse sentido, o grupo te transforma” (entrevista).
Finalizamos a primeira entrevista com Eliane, destacando a importância de
pessoas que cruzaram seu caminho. Revela-se grata por ter um marido como o Sílvio,
bem conhecido em nosso grupo pela simpatia e pelo apoio conferido a Eliane; por
ter encontrado professores como Washington, Valéria e Dario, que a fizeram, de
diferentes maneiras, enxergar seu próprio potencial. Por fim, revela que seu sonho
é deixar sementes pelos lugares por onde passa e, talvez por isso, sua angústia por
ainda não ter constituído o grupo na universidade.
Desde que foi para a Unifei, Eliane não tem participado presencialmente dos
encontros do GdS, mas, em diferentes aspectos, sua participação continua
influenciando e marcando as ações do grupo. Se o sonho de Eliane é deixar
sementes, esse sonho é conquistado cada vez que realiza suas falas mobilizadoras
ou passa por um grupo colaborativo, universidade ou escola. Eliane, por meio de
diferentes marcas, deixa sua presença. Seja por meio de suas reificações escritas ou
de suas ideias compartilhadas, volta e meia lembramos de sua presença no GdS.
Recentemente, assisti a sua defesa de doutorado. De certo modo, o objeto de
estudo desta tese – as experiências de desenvolvimento profissional e de
constituição da profissionalidade em uma comunidade fronteiriça –, apresentou-se,
naquele dia, vivo, na pessoa de Eliane.
O objeto de estudo de Eliane no doutorado foi a aprendizagem profissional
docente num contexto de práticas de letramento de uma comunidade fronteiriça e
foi norteado pela questão investigativa “Que aprendizagens são evidenciadas na
análise de práticas de letramento de uma comunidade de professoras de
201
matemática?”. Para isso, tomou como campo o grupo constituído por ocasião de sua
pesquisa de mestrado, que havia agregado futuros professores do curso de
graduação de matemática em que Eliane atuava. O Grupo Colaborativo de Estudos
em Educação Matemática (GCEEM) mais uma vez esteve presente em uma de suas
pesquisas, assim como sua história de vida, seus estudos, sua postura investigativa
e sua defesa da participação de professores em comunidades. Afinal, Eliane é
“aquela mulher, a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e não desistir
da luta”, de Cora Coralina.
202
Experiência de Desenvolvimento Profissional de Dario
Miguilim espremia os olhos. [...]
Este nosso rapazinho tem a vista curta. [...]
E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o
jeito.
- Olha agora!
Miguilim olhou. Nem podia acreditar!
Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas,
as árvores, as caras das pessoas. Via grãozinhos de areia, a pele da
terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de
uma distância.
E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo [...]
Coração batia descompassado.
Guimarães Rosa, Manuelzão e Miguilim, 2001
Há mais de 30 anos, Dario atua na formação de professores que ensinam
matemática. Como professor e pesquisador da Faculdade de Educação, atua na
Unicamp há mais de 20 anos. Proveniente de uma comunidade rural, no interior do
Sul do Brasil, como muitos intelectuais de sua geração que se dedicaram às
humanidades, antes de cursar a licenciatura teve uma formação clássica e tradicional
em um seminário religioso.
Antes mesmo de concluir o curso de Matemática e de ser formador de
professores, gosta de lembrar da importância de ter sido professor da escola básica
no início de sua carreira. Embora reconheça que a escola mudou muito depois que
passara a atuar somente no Ensino Superior, reconhece que aquele tempo foi
fundamental para conhecer os dilemas e os desafios que vivenciam os professores
no cotidiano escolar.
Atualmente, Dario é reconhecido na comunidade acadêmica por sua
produção cientifica nas áreas de educação matemática e formação docente. Tem
uma série de livros, artigos e capítulos de livros publicados. Além de sua produção,
também tem participação na história de construção da educação matemática como
campo científico e profissional. Nos anos mais recentes, atuou como coordenador
203
do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Unicamp. Nesse período,
participou do Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação
em Educação (FORPRED), da ANPEd, tendo importante participação nos debates
sobre o mestrado profissional da área.
Ao final de 2006, como narrei no primeiro capítulo, havia apenas dois projetos
disponíveis para atuar como bolsista-trabalho na área de humanas. Como fui
contemplada com esse tipo de bolsa pelo sistema social da universidade, entrei em
contato com os professores responsáveis pelos projetos. Dario, prontamente,
respondeu ao meu e-mail. Foi, então, que combinamos como seria meu trabalho.
Por ser período de férias, dezembro e janeiro, não haveria encontros do GdS. Assim,
assumi, durante as férias, a organização dos materiais que estavam em sua sala, na
Faculdade de Educação, da Unicamp.
Desse modo, minha função seria organizar seus arquivos impressos (artigos e
capítulos de livros), de modo que pudessem ser encadernados, bem como os livros
de sua sala. Como ainda estaria no início do curso de Pedagogia, naquele momento,
termos como “desenvolvimento profissional”, “formação continuada”,
“profissionalidade docente”, além de outros que viriam a fazer parte dos meus
objetos de estudo nos anos que se seguiriam, me pareciam tão próximos entre si que
precisei do auxílio de Dario para categorizá-los. Quando questionado por mim sobre
os significados daqueles artigos, Dario, atencioso, explicava-me tais conceitos e
assim passei a conhecê-los e a discuti-los.
Em meio à organização de tantos arquivos dispersos, distraída e curiosa,
como nada era segredo, não eram raros os momentos em que me pegava lendo
aqueles materiais, inclusive, uma dezena de ementas de disciplinas, projetos, atas
de reuniões etc. Lembro-me das ementas datilografadas das disciplinas que Dario
lecionava nos cursos de Matemática e Pedagogia. Claro, eu sempre tinha opiniões e
dúvidas a respeito de tudo aquilo. O que não poderia imaginar é que, anos mais
tarde, dividiríamos em três diferentes momentos algumas daquelas disciplinas – ele
como professor e eu, como estagiária docente.
204
Nove anos mais tarde, ao compor esta tese, retomei alguns daqueles
arquivos, sobretudo as memórias (atas) e as transcrições dos encontros de três
diferentes grupos (GdS, PRAPEM e GEPFPM). Além disso, para narrar a experiência
de desenvolvimento profissional de Dario, realizei entrevistas, bem como consultei
sua própria produção bibliográfica, em especial, um artigo-entrevista no qual narra
sua trajetória acadêmica e profissional. Devo, ainda, reconhecer que esta narrativa
será, em especial, marcada por tantas outras, sobretudo aquelas contadas nos
grupos. Por essa razão, em diversos trechos, uso marcas como “nos contou que”; ao
usar a primeira pessoa do plural sinalizo as histórias contadas no contexto dos
grupos.
Como já destaquei, a opção por incluir Dario foi, sem dúvida, a mais debatida
e decorreu de meu estágio de pesquisa no Canadá. Com a reconfiguração da
pesquisa, sua presença se tornava pertinente e necessária. Minha intenção, ao
narrar seu processo de desenvolvimento profissional, é apresentar aspectos do
processo de teorização de um campo de sua prática – no caso, o GdS – para, em
seguida, tomar como referência a primeira entrevista que realizamos e suas próprias
produções bibliográficas. Inicialmente, trago um episódio de sua participação no
GdS.
GdS, Episódio de Aula de Matemática, Comunidades de Práticas
Diferentes Interpretações
No ano de 2009, à medida que a quantidade de participantes aumentava no
GdS, sentíamos a necessidade de refletir sobre as razões da existência de um grupo
com aquela dimensão. Chegamos a ter encontro com 25 participantes. Lembro que
me incomodava o fato de que era perceptível que alguns novos participantes
entendiam o grupo como “porta de entrada” para ingressar nos programas de
mestrado ou doutorado. Hoje, mais experiente com a vida acadêmica, compreendo
o quanto a universidade é excludente e seletiva. Nesse sentido, esse tipo de
participação, pode ser um processo legítimo de inclusão nos estudos pós-graduados.
205
Considero, ainda, que essa diversidade de interesse de participação faz com que o
GdS se torne ainda mais uma comunidade fronteiriça.
Entretanto, naquele período, eu era uma das participantes preocupadas com
o crescimento do grupo e solicitei ao Dario que apresentasse um capítulo recém-
publicado em um livro pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de
Professores de Matemática (GEPFPM). Esperava, assim, refletir e problematizar as
finalidades de um grupo como aquele. O capítulo tinha por objetivo:
Narrar e descrever o processo de formação e de desenvolvimento de uma comunidade de prática que se constituiu a partir do encontro de professores que ensinam matemática na escola básica e de professores formadores e acadêmicos da universidade que atuam no campo da educação matemática (FIORENTINI, 2009, p. 223).
Na discussão desse texto no GdS, em setembro daquele ano, tivemos a
oportunidade de confrontar duas perspectivas possíveis de leitura da concepção
teórica de comunidades de prática. Em um primeiro momento, Dario nos apresentou
a história do GdS e a compreensão da dinâmica do grupo, sob a ótica antropológica
de Jean Lave e Ettienne Wenger, destacando as aprendizagens e o desenvolvimento
profissional de uma comunidade reflexiva e investigativa de professores. Em um
segundo momento, o professor Rodrigo relatou uma experiência de sala de aula em
que constituiu, com os estudantes de uma turma do primeiro ano do ensino médio,
um grupo colaborativo que poderia ser caracterizado como uma comunidade de
aprendizes de matemática.
Iniciando com o histórico do grupo, Dario, então, apresentou o texto
intitulado “Quando acadêmicos da universidade e professores da escola básica
constituem uma comunidade de prática reflexiva e investigativa”, dizendo que o
“Grupo de Sábado começou em 1999, estamos comemorando esse ano dez anos de
GdS”. Inicialmente, “éramos aqui da universidade, quatro formadores, eu como
professor da Unicamp, três doutorandos: Alfonso Gimenez, a Renata Pinto e o
Gilberto Melo”; e “professores de matemática da escola que tinham interesse em
estudar e aprender e me procuravam para fazer algum curso de formação
continuada, como a Juliana e o Rodrigo”. Dario, em sua percepção atual, chama a
206
atenção para o fato de que o grupo, durante os primeiros encontros, não era ainda
uma comunidade
[...] fronteiriça porque juntar professores da universidade ou acadêmicos que estão fazendo doutorados com professores da escola não forma, de imediato, uma comunidade de prática. Inicialmente, eles não têm algo muito em comum, não têm um discurso comum, um pensamento comum, não havia uma prática comum. São muito diferentes, embora discutam sobre a mesma coisa. Eles se reuniam para falar, compartilhar, refletir, estudar, ler e escrever sobre a prática pedagógica em matemática nas escolas, sobre ensinar e aprender matemática nas escolas. Ou seja, já tinham um domínio comum, mas ainda faltavam outros elementos que constituem uma comunidade de prática, como uma identidade do grupo e uma prática discursiva comum (Dario, transcrição 12 set. 2009).
Em sua apresentação, Dario também destacou o processo pelo qual o grupo
passou, até se constituir uma comunidade de prática. Revelou que “as pessoas, após
se reunirem várias vezes, começam a desenvolver e a criar um discurso comum.
Numa comunidade de prática, quando alguém fala, para que o outro entenda, basta
dizer meia palavra que o outro já sabe o que você quis dizer, pela convivência, ao
longo do tempo”.
Continuou narrando a história do grupo, dizendo que inicialmente as posições
eram mais diferenciadas e marcantes. Os acadêmicos traziam referenciais teóricos
da universidade; os professores, suas práticas de sala de aula. Com o tempo, “essa
diferença foi diminuindo”. Apesar de os participantes se aproximarem, Dario
destacava que, fora do grupo, “vivemos em mundos diferentes, cada um de nós
pensa, olha e fala a partir de seu mundo de origem. Mas, apesar das diferenças, não
há uma hierarquia na comunidade do GdS – todos somos ensinantes e aprendentes,
ao mesmo tempo”.
A fim de que compreendêssemos melhor a perspectiva da teoria das
comunidades de prática, Dario ressaltou que, para Jean Lave e Etienne Wenger, uma
comunidade de prática é um sistema de atividades no qual os participantes
compartilham compreensões sobre aquilo que fazem e o que isso significa em suas
vidas e comunidades (LAVE; WENGER, 1991). Para Dario, no GdS, nosso objetivo
comum é analisar e compreender o ensinar e aprender matemática nas escolas, isto
é, a prática didático-pedagógica em matemática.
207
Dario enfatizou que a aprendizagem em comunidades de prática não ocorre
porque alguém deliberadamente ensina algo para outro, mas porque:
[...] as pessoas vão participando dessa comunidade e construindo uma identidade com o grupo, ou seja, vão se identificando com aquilo que acontece e percebe. E o que aí se diz tem relação com o que fazemos e pensamos. Nessa perspectiva, a aprendizagem é um fenômeno social que decorre da participação. Você aprende o significado das coisas ao participar das práticas do grupo, discutindo e refletindo sobre o que narramos e trazemos. Nesse movimento de aprender, você vai se desenvolvendo profissionalmente (Dario, transcrição 12 set. 2009).
Ressaltou que a identidade de uma comunidade não é fixa: muda com o
tempo, com a saída e a entrada de novos participantes. Dario também
problematizou o conceito de “participação periférica legítima”, dizendo que “dentro
de uma comunidade, a participação inevitavelmente se transforma à medida que
vamos nos envolvendo com o funcionamento da comunidade”. Segundo Lave e
Wenger (1991), o conceito de participação periférica legítima diz respeito aos
processos pelos quais um novato se torna membro de uma comunidade de prática.
Eliane, então, complementou:
Às vezes, fica nítida essa noção de que a aprendizagem em uma comunidade se dá pela participação, pela forma de participação. Mas, às vezes, temos integrantes que percebemos que não comungam dos mesmos pensamentos. Eles vão aos encontros, mas não é o mesmo, parece que não caminham na mesma linha de pensamento. A pessoa vive outras coisas e não se abre, nem para receber e nem para compartilhar a sua forma de pensar (Eliane, transcrição 12 set. 2009).
A partir do comentário de Eliane, Dario destacou:
Algumas pessoas não entram em comunhão com aquilo que acontece no grupo. Toda comunidade tem algo em comum. Aquilo que é próprio da comunidade é compartilhado com todos. O participante periférico legítimo refere-se ao novato que entra no grupo e procura se engajar (fazer o que o grupo faz) ainda sem ter domínio da prática do grupo. Mas, com o tempo, passa a tornar-se um membro atuante pleno. Mesmo aqueles que ficam à margem, quer dizer, estão lá, aprendem coisas, mas por não se identificarem e não se envolverem nas práticas, tendem, em pouco tempo, a abandonar o grupo. Para ser participante, não basta ser apenas ouvinte. Ele também tem que produzir, tem que discutir e ser ensinante, também (Dario, transcrição 12 set. 2009).
Dione, então, chamou nossa atenção para o fato de que, em uma comunidade
de participação não obrigatória, como é o caso do GdS, a questão da participação
marginal era amenizada, uma vez que aqueles que, de fato, não se identificam com
208
o grupo não precisam abrir espaço em suas vidas para participar dessa comunidade.
Acrescentei que, caso contrário, caso a participação fosse obrigatória, poderíamos
não saber como lidar com as demandas daqueles que não se reconhecem com a
perspectiva inclusiva, por exemplo, de ensinar e aprender matemática.
Em seguida, Dario passou a nos apresentar as características necessárias, de
acordo com Wenger (2001), da aprendizagem ecomo participação social: 1)
significado, 3) prática, 4) comunidade e 5) identidade. Em meio aos nossos
questionamentos, fazendo relação com o contexto no qual nos encontrávamos,
Dario explicaria cada uma dessas características.
Em sua explicação, com base nos estudos de Wenger (2001), significado
referia-se à nossa capacidade de aprender produzindo significados acerca daquilo
que falamos, vivemos, experienciamos. No nosso caso, como ensinamos ou
trabalhamos matemática em sala de aula, produzimos e negociamos significados
sobre a prática de ensinar e aprender matemática na escola básica. Ou seja, na
comunidade GdS, “nós aprendemos fazendo, discutindo, refletindo, investigando,
escrevendo, lendo. Essas coisas são práticas. Leitura é uma prática. Teorizar sobre
isso também é uma prática” (Dario, transcrição 12 set. 2009).
O conceito de comunidade, por sua vez, refere-se à nossa afiliação a uma
configuração social em que nossos empreendimentos se definem como valiosos e
nossa participação é reconhecida como competência. Quando Dario terminou de
explicar o conceito de comunidade, comentei que “aqui no grupo, não temos apenas
uma comunidade de prática”. Então, complementou que “levamos coisas de uma
comunidade para outra” e ressaltou que temos subcomunidades dentro de uma
mesma comunidade. Lembrou-se de um texto de Boylan (2010), no qual o autor
contava que, numa sala de aula, havia um grupo de afro-caribenhos que formava
uma pequena comunidade entre eles, pois se comunicavam com batuquinhos na
mesa, já que não podiam falar. Por meio de batuques, eles se comunicavam de uma
forma que os outros não conseguiam entender. Em seguida, continuou destacando
a questão da identidade, sendo que essa, para Wenger (2001), refere-se ao modo
como nos constituímos – com histórias e aprendizagens pessoais – no contexto de
209
nossas comunidades. “Cada um de nós aqui tem a nossa comunidade, mas, quando
chega no grupo, usa uma linguagem diferente daquela usada na escola ou em outras
comunidades de prática como a igreja, o clube, a família etc.” (Dario, transcrição 12
set. 2009).
Naquele dia, Dario expôs as características básicas para que uma comunidade
de prática se constitua: ter um grupo engajado, um compromisso mútuo e uma
prática conjunta.
Ao final de sua fala, Dario ressaltou um importante aspecto que podemos
mobilizar, ao participar de um grupo. Para ele, seja como formadores ou professores,
ao compartilhar as práticas de sala aula “desnaturalizamos” o cotidiano, pois “vamos
repetindo nossas práticas ano a ano, dia a dia e elas se naturalizam. Não percebemos
que não existem práticas perfeitas, é verdade, mas não podemos ser míopes a ponto
de não percebermos as limitações de nossas práticas”. Sobre isso, ressaltou a
importância de participar em grupos nos quais se pode colocar em revelo as práticas
de ensinar e aprender matemática nas escolas.
Anos mais tarde, abordando questões semelhantes, Dario aprofundaria essa
questão com base em Foucault (1977), discorrendo sobre a necessidade de
promover uma formação contínua de professores, que tenha como foco de estudo,
análise e problematização as práticas dos professores envolvidos, tendo em vista que
[...] as práticas cotidianas (com seus procedimentos, discursos e conhecimentos) são carregadas de valores, finalidades e saberes que, embora sejam plenos de sentido e significado para a formação e o desenvolvimento humanos, podem, devido à naturalização e à rotina das mesmas – como destaca Foucault (1977) – ter-se tornado naturais e válidas por si mesmas, ocultando desvios, ideologias e relações de poder. (FIORENTINI, 2013a, p.158)
Após a fala de Dario, o professor Rodrigo apresentou a narrativa intitulada
“Aulas de matemática num grupo colaborativo: tem dois apótemas? ”, na qual
relatava uma experiência de sala na aula, envolvendo a constituição de grupos
colaborativos.
210
A narrativa de Rodrigo relatava episódios nos quais seus alunos, a partir de
momentos de dúvidas, engajaram-se no ensinaraprender matemática em práticas
coletivas propiciadas pelo professor.
Ao me aproximar da sala de aula, naquela manhã, alguns alunos vieram ao meu encontro dizendo – todos juntos e confusamente – que não tinham entendido a diferença entre o apótema da base e o apótema da pirâmide. Mostravam, em seus cadernos, algumas pirâmides desenhadas e alguns cálculos. Cercado por esses alunos tive dificuldade para entrar na sala. Pedi para que me acompanhassem até a lousa – afinal, a lousa havia se transformado no lugar do diálogo sobre os pensamentos e ideias mais urgentes, do esclarecimento das dúvidas e do treino da argumentação falada que, depois, poderia se transformar em escrita. (LOPES, 2009, p. 01)
À medida que os estudantes apresentavam suas dúvidas na lousa, eram
reproduzidas algumas das pirâmides que estavam nos cadernos e, consultando o
material que o professor havia sido indicado, os estudantes puderam compreender
que, “em pirâmides regulares, o apótema da pirâmide é a altura de uma face lateral
(altura relativa à base do triângulo isósceles), cuja medida geralmente é indicada por
‘g’ e que apótema da base é o segmento que vai do centro da base ao ponto médio
de um de seus lados, cuja medida geralmente é indicada por ‘m’”. Rodrigo, em sua
narrativa, explicava-nos que
[...] esse “entendimento” das características de cada apótema, não foi instantâneo... Foi preciso discutir, olhar atentamente as pirâmides desenhadas na lousa, assim como aquela que o material didático trazia e destacar os dois apótemas com cores diferentes. Eu ajudava alguns alunos e aqueles que compreendiam a diferença, começavam a ajudar os outros. Não eram todos os alunos da classe que participavam da discussão. Aqueles que não estavam conosco, começavam a formar seus respectivos grupos e iniciavam a resolução das tarefas propostas no roteiro intitulado “Geometria em até três dimensões - Pirâmides”. (LOPES, 2009, p. 02)
Com o desenvolvimento da narrativa, passamos a compreender que esse tipo
de trabalho não era inédito na rotina docente de Rodrigo, “quando essa discussão
inicial, na lousa, terminou, os grupos ficaram completos e o trabalho recomeçou.
Como assim: ‘recomeçou’? Essa classe já conhecia a proposta de aula com grupos
colaborativos” (LOPES, 2009, p. 03). De acordo com o professor,
[...] eles experimentavam essa proposta há mais de um ano quando aconteceu a aula que aqui descrevo. Nela, os alunos recebem um Roteiro de tarefas que devem cumprir em um prazo pré-determinado.
211
Desta forma, os alunos já sabiam que deveriam montar os grupos e “recomeçar” o trabalho a partir do item no qual o haviam interrompido na aula passada ou a partir do item combinado. Vivenciando essa proposta, eles começavam, também, a descobrir um novo papel e significado que os personagens e objetos envolvidos na prática educativa ganhavam: o professor, o aluno, os colegas de grupo, os colegas da classe, o caderno, a lousa, o material didático, entre outros. (LOPES, 2009, p. 03)
Em seguida a essa organização, o professor relatou que circulava de grupo em
grupo para retomar o que tinham conversado. Questionava em que parte do roteiro
os alunos estavam na realização das atividades. Analisava os cadernos dos
estudantes. Corrigia o que tinham feito e esclarecia dúvidas. Um detalhe é que,
quando apareciam dúvidas, o grupo era convidado a ir à lousa para apresentá-las e
discuti-las. Em síntese, em sua narrativa, o professor ressaltou e revelou que, ao
propor aulas em grupos colaborativos, saiu da classe com muitas observações e
anotações sobre como cada grupo havia desenvolvido a atividade.
E, embora a aula tenha terminado devido ao seu limite temporal e espacial, ela continua em meus pensamentos e acabo por modificar continuamente o roteiro inicial, incluindo novos itens como pesquisas, leituras, escritas, exercícios, problemas e outras tarefas que venham complementar e melhorar o progresso de cada grupo. E foi assim, analisando as possibilidades para tentar melhorar o roteiro e a aprendizagem, que aquela aula que terminou continuou em mim. (LOPES, 2009, p. 03)
Ao desenvolver esse projeto com grupos colaborativos, Rodrigo ressaltou, ao
final, que não conhecia a teoria das comunidades de prática. Na verdade, o que o
professor tentava reproduzir com seus estudantes era um ambiente que acreditava
ser privilegiado para sua própria aprendizagem. Embora Rodrigo tenha sido um dos
fundadores do Grupo de Sábado – inclusive a sigla GdS foi cunhada por ele –, teve
que afastar-se do grupo por algum tempo, tendo retornado em 2009.
Naquele encontro, após a leitura da narrativa de Rodrigo, iniciamos uma
conversa sobre sua prática. Dione questionou: “eu gostaria de saber algumas coisas:
é usual o trabalho em grupos na escola?”. Rodrigo, então, respondeu que o trabalho
em subgrupos era usual em suas aulas. Juliana complementou, dizendo: “achei
interessante porque a gente tem mania de achar que uma aula bem dada tem que
ser com outros recursos. Eu achei muito interessante, pois você (re)significou o uso
212
do caderno, do livro, do giz e da lousa”. Rodrigo destacou que “essa questão do
caderno quem fala muito é o Bigode. No início, usava o caderno, mas aí entrou a
lousa”. Dario, então, relacionou o texto de Rodrigo com que tínhamos discutido até
então:
Isso é próprio de uma comunidade de prática, pois a prática vai sendo incorporada. Aqui eu queria destacar duas coisas. Por exemplo: ler e discutir não é uma prática usual em aula de matemática. As duas estão muito fortes em seu texto. A opção de “discutir na lousa” é uma decorrência disso. O que importa é que houve leitura de texto, interpretação e discussão. Essa é a prática de uma comunidade de prática que compartilha ideias, negocia significados e, nesse processo, os alunos aprendem muita matemática. (Dario, transcrição 12 set. 2009).
Curiosa por saber mais sobre a organização das turmas de Rodrigo, perguntei
como eram formados os grupos. Rodrigo, então, explicou que
[...] o grupo tem que ser montado de uma forma que permita colaboração. Eu não gosto de falar para montarem os grupos, aí eu perco o fator pedagógico do grupo e ao mesmo tempo eu não gosto de falar para irem um com o outro etc., sem ouvir com quem o aluno gostaria de fazer. Minha prática com eles para montar os grupos era assim: eles iriam escrever um papel colocando o nome e dizendo com quem havia feito grupo. Na próxima vez de montar grupo, ele não poderia fazer com quem já tinha feito. Tinha também a pergunta de com quem eles gostariam de fazer grupo e aí tinha mais três ou quatro nomes. Aí era uma loucura para montar esse quebra-cabeça até formar um grupo. Eu combinei que não daria para atender todos os grupos, que eu iria atender um grupo. Assim eu acho que funciona porque a pessoa escolhe com quem quer trabalhar. (Rodrigo, transcrição 12 set. 2009)
Ao relacionar a experiência de Rodrigo com a teoria das comunidades de
prática, Dario apontou que
[...] a função deve ser a de promover aprendizagens. Os professores e alunos assumem tarefas comuns [...]. Normalmente os papéis do professor e do aluno são muito distintos, o do aluno é aprender e do professor é ensinar, fazer perguntas, apresentar matéria. Mas quando aluno participa também da construção das ideias, da discussão, da interpretação, os alunos exercem também a função de professor, que ajuda aquela comunidade a aprender matemática. Quando um grupo de alunos vai à lousa para socializar as discussões, eles também estão exercendo o papel da docência, do professor, comunicando suas ideias. Então, os papéis do professor e dos alunos se misturam e passa a existir uma convergência dessas práticas de ensinar e aprender matemática em sala de aula (Dario, transcrição 12/09/2009).
213
Naquele dia, em síntese, Dario iniciou o encontro nos apresentando uma
outra perspectiva de compreensão do Grupo de Sábado, perspectiva essa que falava
sobre participação, aprendizagem, identidade e comunidade. Sobre como
poderíamos nos identificar e participar naquela comunidade. Assim, um novo termo
nos era atribuído: “comunidade de prática”. Uma perspectiva do grupo que tratava
de engajamento, participação, comunhão... Até então, a maior parte de suas
produções falava de grupo colaborativo, ao se referir ao GdS.
Em um espaço fronteiriço, duas perspectivas de compreensão de uma
determinada teoria ficaram em evidência. De algum modo, aprendemos algo com
base em nossos mundos produzidos socialmente. O que aprendemos no imediato,
no momento, talvez não seja possível dizer. Mas o que participar dessa comunidade
tem produzido no desenvolvimento profissional e na constituição da
profissionalidade de Dario?
Perspectiva Docente e Escuta Sensível
Na produção científica mais recente de Dario, há ao menos dois aspectos
constantes que chamam minha atenção. Por um lado, a presença da perspectiva
docente marcada pelas narrativas de professores que participam de comunidades
como o Prapem e o GdS. Nesses contextos, o pesquisador tem narrado a
aprendizagem, o desenvolvimento profissional e práticas docentes. O artigo no qual
narra a história de Eliane (participante desta tese), intitulado “Aprendizagem e
desenvolvimento profissional do professor de matemática em comunidades
investigativas”, publicado em 2013, é para mim um exemplo desse aspecto. Nele,
Dario tem por objetivo compreender as aprendizagens e o desenvolvimento
profissional do professor que participa de comunidades investigativas. Para isso,
analisa o caso de Eliane, que participa de três diferentes comunidades, tomando
por base a teoria de aprendizagem social de Lave e Wenger (1991). Em análise
narrativa da história de Eliane, compreende que:
[...] mediante colaboração de parceiros críticos de comunidades investigativas, sejam elas acadêmicas ou profissionais, desenvolveu, como um dos indícios de aprendizagem e desenvolvimento
214
profissional, uma profissionalidade com postura investigativa, desvendando continuamente outros saberes e possibilidades sobre o que se ensina e se aprende nas escolas, tendo também mudado o modo de trabalhar e de relacionar-se com os alunos e com o conhecimento matemático e didático pedagógico, sobretudo em classes de alunos com dificuldades de aprendizagem. (FIORENTINI, 2013a, p. 01)
Por outro lado, nota-se um senso de compromisso com a construção de um
campo científico e profissional. Assim, lembro-me, por exemplo, de artigos como
“A pesquisa e as práticas de formação de professores de matemática em face das
políticas públicas no Brasil”, publicado em 2008.
Naquele momento, no GdS, discutíamos os desmandos da Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEESP). Ao colocar em evidência
políticas públicas brasileiras no campo da educação e analisar seus
desdobramentos e impactos sobre cursos, programas e processos de formação de
professores que ensinam matemática, concluía, com tom engajado, que
[...] a SBEM precisa se mobilizar como um todo e tentar estabelecer parcerias com outras entidades científicas e instituições congêneres, visando constituir um movimento em condições de intervir com responsabilidade nas políticas públicas do país. O que temos visto, ultimamente, são participações isoladas de colegas que, na maioria das vezes, são cooptados financeiramente para promover as políticas vigentes e não para transformá-las e melhorá-las, tendo em vista a promoção profissional dos professores que atuam em sala de aula. (FIORENTINI, 2008, p. 66)
Intrigada com essas características que vislumbro em seus estudos,
sobretudo em relação à presença da perspectiva dos professores em sua produção,
iniciei a primeira entrevista, questionando:
Vanessa – Conta um pouco sobre quais experiências você acha que o fizeram desenvolver essa escuta sensível para a perspectiva dos professores.
Dario – Minha história começa na escola básica. Vejo, com frequência, formadores que terminam o doutorado sem terem passado pelo ensino básico como professores, perdendo a oportunidade de desenvolverem esse saber na prática, que é importante. Na fase que fui professor, aprendi muito sobre esse saber na prática. Aprendi a problematizar esse saber por mim mesmo. Fazia leituras, refletia e observava que muitas das coisas que aprendia na formação inicial não faziam
215
sentido para minha realidade. Logo, quando comecei a trabalhar na formação inicial e continuada de professores, lá no Sul, costumava pedir aos professores que relatassem suas experiências. Eu diria que ter participado de uma comunidade escolar, como professor, fez bastante diferença. Acredito que isso me ajudou a desenvolver algumas sensibilidades ou percepções sobre o que é ser professor da escola. Embora, hoje, a escola seja outra, aquilo que aprendi, na escola como professor, sobre cultura escolar, me ajuda a estabelecer interlocução com os professores.
A pergunta que realizei referia-se à escuta do pesquisador que, para Dario,
não consiste “apenas em ouvir o que o professor diz, mas escutar o que está além, o
que está nas entrelinhas do discurso do professor – o que é singular a cada um ou a
‘verdade’ de cada um” (FIORENTINI, 2012, p. 16). Segundo Dario, essa participação
em comunidades, com a participação de professores, formadores de professores e
futuros professores... tem reverberado fortemente em sua produção acadêmica e
na atuação como formador de professores e de pesquisadores.
Como formador, atualmente, além de ser responsável pela interlocução do
GdS com a Unicamp, leciona as disciplinas de Prática Pedagógica em Matemática,
Estágio Interdisciplinar e Cultura Matemática Escolar e organiza Seminários na Pós-
Graduação. Como pesquisador, conta com uma série de orientações de mestrado e
doutorado no currículo, além de livros, capítulos de livros e artigos publicados.
Atualmente seus temas de interesse são desenvolvimento profissional,
aprendizagem docente, saberes e prática-didático pedagógica do professor que
ensina matemática. Mas sua história como formador não começa na Unicamp: ao
chegar em Campinas, Dario já tinha uma história anterior de trabalho voltado à
formação de professores no interior do Rio Grande do Sul.
Experiências de outras paisagens, outros tempos...
O mais velho de sete irmãos, Dario teve uma infância marcada por práticas
típicas do mundo rural. Lembra-se com nostalgia de sua primeira infância,
principalmente de brincar de esconde-esconde, jogar bola, caçar passarinho, nadar
216
em um pequeno riacho, catar pinhão... Desde cedo, mostrava-se curioso por aquele
universo, querendo saber os porquês das coisas como, por exemplo, por que as
galinhas punham ovos multicoloridos, mas suas gemas eram todas amarelas? Ao vê-
las comer milho amarelo, levantou a hipótese de que a razão disso vinha daí...
Adorava também ouvir as histórias que sua mãe lia, e isso lhe despertou o desejo de
estudar e aprender a ler e escrever suas próprias histórias.
Original do Rio Grande do Sul, gaúcho de família italiana, nasceu no interior
do estado, em uma pequena comunidade. Aos 6 anos de idade, iniciou sua
escolarização, na cidade de Maravilha, em Santa Catarina, “[...] para ir à escola,
caminhava diariamente 6 km através de uma estrada cercada pela mata nativa, onde
mal passavam carroças” (FIORENTINI, 2013b, p. 217). Desde menino, mostrava-se
esforçado e dedicado aos estudos; aprendeu a ler e escrever “com muito esforço e
‘reguada’, devido à alta miopia e sem óculos [...]. Frequentava a escola pela manhã,
ajudava os pais na roça à tarde e à noite, à luz de lamparina, aproveitava para fazer
as lições. Como gostava de estudar, conseguiu superar essas dificuldades iniciais” (p.
217).
Logo no primário, sua relação com a matemática fora marcada pelo contato
com o professor Riboldi, “um senhor culto e respeitado na comunidade, que
desenvolvia suas aulas a partir de problemas. Embora tivesse preferência pela
matemática, não deixava de explorar a leitura e a escrita, e inclusive estudos sociais,
a partir de situações-problema” (FIORENTINI, 2013b, p. 217).
Após cursar o primário, numa época na qual a escolarização não era um
direito assegurado aos cidadãos brasileiros, o seminário católico foi o caminho
possível para que Dario prosseguisse seus estudos. Caminho esse que fora, também,
desejo de Dona Maria, sua mãe, desde o momento de seu batismo, segundo conta.
Em tom de nostalgia, certa vez nos relatou que ela contava que, quando foi batizado,
ele havia sorrido para o sacerdote, e este então teria brincado, dizendo que seria um
futuro padre. Isso fez com que sua mãe levasse a sério a predestinação do menino,
fato que o levou, anos mais tarde, a ingressar em um seminário católico.
217
No contexto do seminário, a escolarização de Dario foi clássica e tradicional
e, tendo como professores sacerdotes alemães e franceses, estudou disciplinas
como grego e latim. No que se referia à matemática, lembra-se de ter estudado
geometria euclidiana, com teoremas e demonstrações, no 2º ano ginasial (hoje 6º
ano do ensino fundamental) (FIORENTINI, 2013b).
Curioso que sempre foi, revela que, apesar da escolarização tradicional, a
experiência mais significativa com a escola ocorreu no terceiro colegial. Naquela
época, o professor de sociologia havia aberto espaço para que realizassem uma
pesquisa de tema livre. Foi então que resolveu investigar o celibato e, para isso, ele
e um colega saíram perguntando para padres e leigos da cidade: “Os padres devem
casar?”.
Segundo Dario, “em 1969, o celibato era um tema polêmico, e a própria
sociedade – naquele momento de liberação sexual, quando muitos padres
renunciavam ao sacerdócio para se casar – passou a discuti-lo amplamente”
(FIORENTINI, 2013b, p. 218). Portanto, não foi difícil encontrar o tema em livros,
revistas e jornais. O resultado, no entanto, surpreenderia, uma vez que 75% dos
seminaristas, 60% dos leigos e 40% dos padres eram favoráveis ao casamento. Na
época, o estudo causou espanto no corpo docente e dirigente da instituição de
ensino:
O nosso estudo estourou como escândalo, pois, além de tratar-se de assunto “tabu” entre os padres, os resultados apontavam para uma direção contrária aos cânones da Igreja Católica. Foi o único trabalho lido publicamente e severamente criticado, tanto do ponto de vista ideológico como do metodológico. Recebemos a pior nota da classe, mas isso não nos abalou, porque todos sabiam que aquele trabalho tinha valor e que a nota baixa se devia a outras razões. Particularmente, para nós autores, essa foi uma experiência gratificante e de grande aprendizagem, tendo nos transformado durante a pesquisa, sobretudo, nossa maneira de pensar e compreender o problema do celibato. (FIORENTINI, 2013b, p. 218)
Ao refletir sobre seu processo de conhecimento, Dario aponta indícios do
modo com o qual se relaciona com os processos investigativos e com a perspectiva
exploratório-investigativa que defende em sua produção sobre o ensinaraprender
matemática até os dias atuais:
218
Ao analisar as experiências que foram significativas em minha trajetória estudantil, hoje posso afirmar que foram aquelas marcadas pela problematização, pela exploração e pela investigação. Foram experiências que não apenas me levaram de um estado de menos para mais conhecimento. Elas transformaram meu modo de pensar e de relacionar-me com o problema – objeto de conhecimento (FIORENTINI, 2013b, p. 218).
As experiências que mobilizavam o menino intrigado com as coisas do mundo
rural ou o garoto interessado em discutir um latente tema de seu cotidiano no
seminário viriam ao encontro de seus estudos futuros, que privilegiaram, no
ensinaraprender matemática, a investigação, o sentido e a exploração.
Em um de seus conhecidos artigos, momento em que teve forte influência
dos estudos histórico-críticos, discute diferentes modos de ver e conceber o ensino
da matemática no Brasil; destaca que essa área de conhecimento, a matemática,
“não pode ser concebida como um saber pronto e acabado, mas, ao contrário, como
um saber vivo, dinâmico e que, historicamente, vem sendo construído” (FIORENTINI,
1995, p. 31). Em uma leitura temporal, aponta que a matemática, com o passar do
tempo, se tornou formal, precisa e rigorosa, “distanciando-se daqueles conteúdos
dos quais se originou, ocultando, assim, os processos que levaram a matemática a
tal nível de abstração e formalização” (p. 32). Nesse sentido, começar o ensino de
um conteúdo matemático “pelo produto de sua gênese, isto é, pelas definições
acabadas, dissociadas do verdadeiro processo de formação do pensamento como
geralmente ocorre nas tendências formalistas e tecnicistas, significa sonegar ao
aluno o acesso ao efetivo conhecimento” (p. 32).
Certamente, essa percepção de Dario não seria produto apenas de reflexões
teóricas e fundamentos críticos. Traçando uma trajetória orgânica de ação e reflexão
no campo da educação matemática, sua experiência como professor da educação
básica e formador de professores marca significativamente sua produção acadêmica
e sua trajetória de desenvolvimento profissional.
Na década de 70, após a conclusão do colegial, Dario ingressou no curso de
Filosofia na Universidade de Passo Fundo (UPF), tendo iniciado, assim, uma história
de vínculo com essa instituição. Ao final do primeiro ano, desistiu do seminário e
resolveu também mudar seu curso de graduação, pois, embora gostasse muito de
219
Filosofia, o futuro professor temia por sua carreira, devido ao fato de o regime militar
ter retirado a disciplina de Filosofia do currículo escolar. Foi, então, que seu gosto
pela matemática falou mais alto e, em 1971, ingressou no curso de licenciatura, com
habilitação nas áreas de Ciências e Matemática. Sobre seu tempo de graduação,
recorda-se dos professores e das temáticas que o marcaram:
Tive ótimos professores que contribuíram para minha formação didático-pedagógica e conceitual em matemática. Dentre outros, destaco Maria Fialho Crusius, na disciplina de fundamentos de matemática elementar, quando tomei conhecimento da teoria piagetiana. Lembro-me de seu entusiasmo durante as aulas sobre desenvolvimento mental da criança e da construção do conceito de número e que poderia ensinar matemática com auxílio de materiais concretos e jogos; das aulas clássicas de cálculo do professor Spalding; das explorações e belas ilustrações do professor Geraldo no ensino da geometria; do tratamento sistemático do professor Mendonça nas aulas de lógica e álgebra; das experiências de física com o professor Ir. Santos (FIORENTINI, 2013b, 219)
Na segunda entrevista que realizamos, eu quis saber mais detalhes sobre o
curso de licenciatura em Matemática no qual se graduou. Dario contou que era um
curso tradicional, parecido com o que conhecemos, com densa carga de conteúdos
específicos da matemática. Questionei como era seu relacionamento com o curso, e
ele revelou que, para encontrar sentido para tantos exercícios, teoremas e
fórmulas... teve que dedicar-se muito aos estudos. Mais uma vez, afirmou que, para
aprender, precisava encontrar sentido no que estudava.
Logo no terceiro semestre de curso, ainda estudante de graduação, começou
a lecionar, na rede estadual do Rio Grande do Sul, as disciplinas de matemática e
física. Foi, então, questionado pela diretora do colégio se conhecia “aquela tal de
Matemática Moderna? ”. Caso conhecesse, poderia ter dois contratos com a escola.
O ano era 1972, em meio à Guerra Fria e à corrida espacial, sob a influência dos
Estados Unidos. A Matemática Moderna era a tendência de ensino privilegiada no
período; mesmo em lugares afastados dos grandes centros, havia influência dessa
perspectiva de ensino.
Como pesquisador do campo, anos mais tarde, Dario viria a compreender que
“essa proposta de ensino parecia visar não à formação do cidadão em si, mas à
220
formação do especialista matemático” (FIORENTINI, 1995, p. 14), capaz de aplicar
estruturas matemáticas e desenvolver tecnologia.
Na primeira entrevista que realizei, recordou-se desse tempo com certa
graça, pois, naquela ocasião não tinha claros muitos dos conceitos que perpassavam
aquela tendência de ensino, porém, animado com a possibilidade de ascensão na
carreira, jovem e já “se virando” na cidade, curioso, foi, então, estudar. Iniciava-se,
assim, desde cedo em um espaço fronteiriço entre a docência no ensino básico e a
formação de professores.
Após um período atuando na Universidade de Passo Fundo como formador
de professor, afastou-se de sua função para fazer o mestrado em Análise Numérica,
na Unicamp. Sua intenção era realizar o mestrado para lecionar as disciplinas de
análise matemática e topologia, na UPF. Relata que, apesar de ter realizado alguns
estudos preparatórios, levou seis meses de “intenso estudo para chegar ao nível dos
demais colegas do Estado de São Paulo” (FIORENTINI, 2013b, p. 220) e que seu curso
de mestrado “foi um período de intensa formação estritamente técnico-científica,
sem receber qualquer formação complementar no campo das humanidades –
formação, esta última, de que sentiu falta logo que voltou a atuar como formador
de professores de matemática na UPF” (p. 220).
Após período de intensa dedicação ao mestrado em matemática aplicada,
retornou ao Sul. Academicamente, Dario voltou mestre em matemática aplicada,
especialista em mecânica dos fluidos. Profissionalmente, seguiria sua carreira de
formador de professores. Pelo lado afetivo, por sua vez, voltava com sua esposa,
Dora, e seu primeiro filho, família constituída em Campinas.
Em Passo Fundo, assumiu as disciplinas específicas da matemática e também
as de estágio. Por um lado, as situações vividas na disciplina de Análises Matemática
fariam com que sua perspectiva de ensinaraprender matemática se modificasse
significativamente. Dentre as disciplinas específicas da matemática que lecionava,
estava a de Análise Matemática. Com o final do curso se aproximando, os resultados
das avaliações apontavam que os estudantes não haviam compreendido a maior
parte dos conteúdos ministrados por ele. Ao invés de reprovar a turma, como Dario
221
julgava necessário, a coordenação do curso de licenciatura propôs que a disciplina
fosse reoferecida por ele, em 11 dias, durante as férias.
O desafio de ministrar a disciplina em 11 dias o estimulou a mudar sua prática
formativa: ao invés de exposições na lousa, optou por preparar cinco tarefas (um
enunciado de teorema, uma demonstração, dois exercícios e uma questão voltada
ao ensino básico e relacionada à Análise Matemática) para cada estudante,
explorando uma abordagem mais semântica (de produção de significados) dos
procedimentos analíticos. Os alunos, após estudarem e tentarem resolver as tarefas,
deveriam apresentá-las na lousa, para toda a classe. Seriam aprovados aqueles que
demonstrassem compreensão e significação satisfatórias das cinco tarefas.
Ao dar voz e significação aos alunos, percebeu, de um lado, onde havia
falhado como formador e, de outro, constatou uma abordagem mais significativa e
contributiva para a formação matemática do futuro professor. Depois dessa
experiência, suas aulas de matemática nunca mais foram as mesmas.
Por outro lado, sua participação nas disciplinas de estágio supervisionado
também trouxe contribuições para essa mudança de postura em relação à formação
de futuros professores, sobretudo ao acompanhar os alunos das disciplinas de
estágio e assistir às aulas que ministravam nas escolas. Apesar de se empenhar, nas
aulas de análise, para que os estudantes se apropriassem dos conteúdos
matemáticos acadêmicos, percebia, em suas visitas de estágio às escolas,
[...] que esses mesmos licenciandos eram incapazes de explorar e problematizar o saber matemático elementar na perspectiva dos alunos de 1º e 2º graus, conforme nomenclatura da época, de modo a torná-la significativa e instigante aos estudantes. (FIORENTINI, 2013b, p. 220)
Nessas experiências, aprendeu que “os licenciandos precisam se apropriar de
uma outra matemática; de uma matemática não hermética e formal que escamoteia,
oculta ou encobre o conteúdo vivo das ideais matemáticas” (FIORENTINI, 2013b, p.
220).
Em 1984, Dario foi coordenador do curso de licenciatura em Matemática, na
UPF. Sob sua coordenação aconteceu a reformulação do curso, com a introdução de
novas disciplinas, como, por exemplo, História da Matemática. Entretanto, lembra-
222
se de que, quando chegou a vez de ser oferecida essa disciplina, não havia professor
com conhecimento de história da matemática para assumi-la. Resolveu, então,
assumir “o desafio de aprender com os alunos” e convidou uma colega para
desenvolver juntos “esse empreendimento arriscado” (FIORENTINI, 2004, p. 03).
Conta que, no primeiro dia de aula, relatou aos alunos o problema da falta de
professor e comunicou que ambos (Dario e a colega) estavam “dispostos a
desenvolver um programa de estudo conjunto com eles” (p. 03). Discutiram e
negociaram “a seleção de temas da história da Matemática” que julgavam
“fundamentais à formação profissional do professor” e dividiram a classe em grupos.
Cada grupo, sob nossa orientação, realizou durante quase três meses uma pesquisa histórico-bibliográfica, tendo sido produzida no final uma monografia e realizado um seminário – que, na verdade, transformou-se em aulas ministradas pelos próprios alunos – de socialização dos resultados. Lembro com saudades do envolvimento de todos na realização daquele trabalho. Formadores e formandos aprendendo uns com os outros. Os alunos nos mostrando com entusiasmo suas descobertas sobre a história do surgimento e da evolução de símbolos matemáticos como, por exemplo, os de adição, de subtração, de radical, de integral etc. Anos depois, um dos alunos dessa classe se tornaria o professor efetivo dessa disciplina no curso... (FIORENTINI, 2004, p. 03)
Segundo Dario, a partir de uma experiência investigativa, os estudantes
daquela disciplina experienciaram outros modos de aprender matemática, em que
foram valorizadas perspectivas histórico-culturais do conhecimento matemático,
sobretudo como “vem sendo produzido atendendo às necessidades sociais. [...] obra
de várias culturas e milhares de sujeitos que, movidos pelas necessidades humanas,
construíram a Matemática que conhecemos hoje” (FIORENTINI, 2004, p. 04).
Essas experiências constituídas na licenciatura em matemática o levaram a
dar uma virada epistemológica, por assim dizer, uma vez que percebeu que não
bastava que os futuros professores tivessem somente o domínio do conteúdo
específico, “sendo também necessário o domínio de conhecimentos relativos ao
campo das relações humanas e sociais” (FIORENTINI, 2013b, p. 220). Em um
movimento no qual, por um lado, passava a significar sua atuação como formador
de professor e, por outro, reencontrava os fundamentos humanísticos adquiridos no
seminário e no iniciado curso de filosofia. Essas experiências também foram
223
decisivas em sua opção pelo curso de doutoramento em Educação, na Unicamp, com
ênfase em educação matemática.
Tem gente que chega pra ficar...
Após um ano e meio no doutorado, foi aprovado em concurso para lecionar
nos cursos de Pedagogia e Matemática da Unicamp. Ao organizar seus arquivos, em
sua sala, certa vez me deparei com as avaliações de um curso da disciplina
Metodologia do Ensino da Matemática, ministrada por Dario, no ano de 1990, na
Pedagogia, da Unicamp. No item que avaliava o professor, as estudantes utilizaram
expressões como “aberto”; “atento às reivindicações dos estudantes”; “crítico”.
Como pesquisadora, chamou minha atenção o fato de que essa postura
“aberta”, atribuída pelas estudantes, fora identificada anos antes de sua participação
nas comunidades investigativas que descrevo nesta narrativa. Ora, será mesmo que
as comunidades são tão poderosas como imaginamos em transformar professores,
pesquisadores e formadores? Será que há, em cada um de nós, participantes de
grupos, características socialmente construídas a priori de nossa participação em
grupos e que nos tornam mais ou menos colaborativos? Por essa razão, retomei
essas avaliações no momento da entrevista.
Vanessa – Essas avaliações são de 1990, antes de sua participação em GdS, Prapem, Gepec ou GPFPM, as estudantes usam expressões como “aberto”; “atento as vozes dos estudantes”; “engajado”. De que modo você acha que se constituiu esse formador? Dario – Eu era um matemático, deveria ser daqueles tradicionais. Quando voltei do IMECC (Unicamp) para a Universidade de Passo Fundo, assumi duas disciplinas de Análise Matemática. Numa turma de trinta e cinco alunos, apenas quatro passaram. Mas, também, lecionei disciplinas de prática de ensino e estágio e acho que essa interlocução fez com que me aproximasse da educação. Comecei, então, a preocupar-me com o saber para a docência. Na verdade, sem saber o que é um saber para a docência. Empiricamente, sobretudo nos estágios, observava que aquilo que eu ensinava não fazia sentido para o futuro professor. Eu tentava trabalhar muito os sentidos e os significados dos conteúdos matemáticos. A prática matemática do IMECC, por outro lado, privilegiava a formalização e uma abordagem axiomática, mas eu sempre procurava entender o
224
sentido e o significado dos conceitos. Talvez, o seminário tenha me ajudado a perseguir esse entendimento. Lembro que as aulas de matemática no seminário eram ministradas por padres franceses e estes privilegiavam uma abordagem mais semântica do que sintática. Na disciplina de Física, o professor enfatizava o estudo dos fenômenos físicos e não os exercícios e problemas mediante uso de fórmulas.
Durante o doutoramento, sob orientação de Ubiratan D’Ambrosio, realizou
disciplinas de diferentes campos, filosofia, sociologia, psicologia, história,
metodologia da pesquisa, etnomatemática etc. Dario recorda-se de ter realizado
dois cursos com o professor Demerval Saviani e outros com os professores Décio
Pacheco, Joaquim Severino, Ubiratan D’Ambrosio, Newton Balzan, Amélia
Domingues de Castro e Evaldo Vieira.
Nos anos 1980, período de seu ingresso no doutorado, a Educação
Matemática, como campo científico, buscava consolidar-se cada vez mais com o
surgimento de linhas em educação matemática nos programas de pós-graduação em
Educação (FIORENTINI; LORENZATO, 2006). Nesse contexto, em sua pesquisa de
doutorado, Dario realizou um estudo do tipo estado da arte, tendo como corpus as
dissertações e as teses defendidas no campo da educação matemática no Brasil até
o final do ano de 1990. Seu foco de estudo era compreender as tendências temáticas
e teórico-metodológicas das pesquisas, principalmente suas indagações (perguntas
ou problemas) (FIORENTINI, 1994). Em relação à formação de professores e à prática
pedagógica em matemática, essa pesquisa revelou que
[...]os estudos brasileiros adotavam uma postura epistemológica técnico-instrumental e colonizadora, marcada por explicações causais e negativistas da prática escolar e do trabalho do professor, não reconhecendo a comunidade escolar como capaz de produzir conhecimento e de transformar a escola e o ensino, tendo a colaboração de professores universitários. (FIORENTINI, 2013b, p. 221)
Inicialmente, esse não era seu tema de estudo. Dario revelou-me que essa
preocupação surgiu mediante seu desejo de colaborar com a construção de um
campo.
Vanessa – Conta sobre como foi sua participação na fundação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). Dario - Foi no final da década de 1980. Eu era o representante da Região Sul. Aconteceram alguns encontros para a
225
elaboração do regimento. Íamos com nossos próprios recursos, éramos mobilizados pelo sonho de ter uma comunidade independente, desvinculada dos matemáticos. Era um grupo que começava a se identificar e comungar das mesmas ideias. Eu tinha uma preocupação de tentar fundamentar epistemologicamente esse campo e isso me levou a mudar minha pesquisa relativa à tese de doutorado. Minha pesquisa inicial era sobre o ensino de matemática nas escolas comunitárias ou paroquiais do Sul. Tinha uma perspectiva histórica. Mas com meu envolvimento na construção da SBEM, passei a interrogar esse possível campo profissional e científico. Questionava, principalmente, sobre o que significava pesquisar em educação matemática. Vanessa – Em determinado momento de sua trajetória, você busca referenciais teóricos que o auxiliam a compreender sua prática. Em outros momentos, você realiza estudos relacionados ao seu compromisso político com um campo. Dario – Bom, como surgiu meu interesse por esse campo? Eu cursei a disciplina do professor Décio Pacheco, que sugeriu que lêssemos e analisássemos teses e dissertações que se aproximassem de nossos projetos de pesquisa. Eu comecei a me interessar sobre o que significa realizar uma pesquisa em educação matemática. O que era aquele campo? Comecei, então, a fazer esse levantamento. Achei que não encontraria mais que 30 trabalhos, mas cheguei ao final de 1990 com uma relação 204 dissertações e teses relativas ao campo da educação matemática. Então, comecei a me interessar pela história da pesquisa, quando surgiu a pesquisa em educação matemática no Brasil e no exterior.
Além dos estudos do tipo Estado da Arte (FIORENTINI, 1994), Dario também
começava a discutir em sua produção acadêmica o conhecimento matemático sob
uma perspectiva histórica. O artigo “Alguns modos de ver e conceber o ensino da
matemática no Brasil” (FIORENTINI, 1995) discute seis concepções de ensino de
matemática: 1) “formalista clássica”, 2) “empírico-ativista”, 3) “formalista moderna”,
4) “tecnicista e suas variações”, 5) “construtivista” e 6) “socioetnocultural”. Em cada
uma dessas tendências foram identificados: a concepção de matemática; a
concepção do modo como se processa a produção do conhecimento matemático; os
fins e os valores atribuídos ao ensino de matemática; as concepções de ensino e de
aprendizagem; a cosmovisão (visão de mundo) subjacente; a proposta de relação
professor-aluno; e a perspectiva de estudo/pesquisa, visando à melhoria do ensino
226
da matemática. Sobre esse estudo, na primeira entrevista, questionei qual seria a
influência dos estudos históricos críticos.
Vanessa – Sobre seus estudos publicados em “Alguns modos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil”, percebo uma grande influência dos estudos histórico-críticos. Dario – Sim, naquela época, havia realizado duas disciplinas com o professor Dermeval Saviani. Daí a influência deste autor na busca de compreensão do ensino da matemática no Brasil. Hoje, eu diria que estou mais próximo dos estudos socioculturais.
No início dos anos de 1990, seu olhar começou a tomar seu próprio universo
profissional como campo empírico de suas pesquisas. Após um período em que sua
atenção se voltou, por um lado, para estudos do tipo estado da arte nos quais visava
compreender o campo da educação matemática e, por outro lado, para aqueles que
problematizavam a matemática em uma perspectiva histórica – sobretudo os
estudos sobre educação algébrica com Antônio Miguel e Maria Ângela Miorim –,
Dario iniciaria uma longa trajetória de pesquisa no campo da formação do professor
que ensina matemática.
À medida que sua produção intelectual era significada por sua atuação como
formador de professores, a interlocução de Dario com diferentes comunidades
também acontecia, de modo paralelo. No final da década de 1980, participaria
ativamente da fundação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM).
Na década de 1990, ao menos, quatro grupos de estudo e pesquisa perpassariam a
sua atuação e produção acadêmica.
Experiências de desenvolvimento profissional em Comunidades
Sua atuação como formador de professores e o estudo das práticas
profissionais faria com que fundasse o grupo Prática Pedagógica em Matemática
(PRAPEM), que iniciou suas atividades em 1995, no contexto do Programa de Pós-
Graduação de Educação (PPGE) da Unicamp, tendo como objeto de estudo a
atividade pedagógica e docente em matemática (saberes, práticas e inovações,
produzidos sob uma epistemologia de prática reflexiva e investigativa) e os
processos de formação e desenvolvimento profissional de professores.
227
Integram esse grupo, desde sua fundação, os professores Dario e Dione e
alunos de mestrado e doutorado. Durante alguns anos, os professores Maria Ângela
Miorim, Maria do Carmo Domite, Anna Regina Lanner de Moura e Sérgio Lorenzato
também participaram deste grupo de pesquisa. De acordo com Dario, o grupo surgiu
da insatisfação de docentes e pós-graduandos da Área de Educação Matemática da
FE/Unicamp em relação a duas tendências até então dominantes de investigação da
prática pedagógica em matemática: a técnico-instrumental, que adotava a forma de
explicações científicas objetivas, isto é, explicações causais, seguindo o modelo da
racionalidade técnica; e a prático-pragmática, que negava a reflexão teórico-
epistemológica e ético-política, limitando-se a descrever e interpretar
superficialmente e genericamente a prática pedagógica.
Desde sua fundação, essa comunidade investigativa tem sido espaço-tempo
de formação de pesquisadores, tendo dado suporte ao desenvolvimento de, pelo
menos, 32 dissertações de mestrado e 27 teses de doutorado. Boa parte desses
estudos foi desenvolvida por professores da escola básica, que tiveram como objeto
investigativo problemáticas de sua própria prática pedagógica, com destaque para
os processos e os modos de ensinar e aprender matemática nas escolas.
Com a extinção da área de concentração em Educação Matemática no PPGE-
Unicamp, em 2007, o grupo passou a ser vinculado à área de Ensino e Práticas
Culturais e à linha de Pesquisa em Educação em Ciências e Matemática. Os encontros
ocorrem quinzenalmente, e a coordenação das atividades tem sido compartilhada
entre os docentes e os pós-graduandos. Em todo início do semestre é realizada a
programação dos encontros, que têm como principal objetivo auxiliar teórico-
metodologicamente o desenvolvimento dos projetos de pesquisa dos integrantes do
grupo.
No período de 2010 a 2015, no contexto do grupo, Dario coordenou o projeto
“Aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores que ensinam
matemática ”, cujo objetivo é descrever e analisar, sob uma perspectiva histórico-
cultural, as aprendizagens docentes e o processo de desenvolvimento profissional e
228
de constituição da profissionalidade docente em diferentes contextos de prática e
de formação docente. Esta tese de doutorado integra esse projeto maior.
Em 1996, no âmbito da formação continuada, Dario e Maria Ângela
desenvolveriam o curso citado por Eliane em sua entrevista, que culminaria na
organização do livro Por trás da porta, que matemática acontece? (2001). Entre o
curso destinado a professores em exercício no ensino fundamental e médio e a
organização do livro, o projeto durou cinco anos. Em uma perspectiva
interdisciplinar, o curso era voltado para professores de artes, matemática e física.
Seriam selecionados dez professores da área de matemática. Segundo Dario e
Ângela, “embora, naquele momento, não tivéssemos conhecimento ainda dos
trabalhos de Connelly e Clandinin (1995), estávamos, sem saber, utilizando uma
metodologia de investigação muito próxima” (FIORENTINI; MIORIM, 2010, p. 22).
No contexto do curso “as narrativas trazidas/produzidas pelos professores
constituíam-se em fenômeno ou objeto de estudo e reflexão pelo grupo”
(FIORENTINI; MIORIM, 2010, p. 23). Em depoimento sobre suas aprendizagens, Dario
revela que, nessa experiência, aprendeu “a ouvir mais as histórias dos professores e
a tentar não mais colonizar os professores, mas a buscar e negociar conjunta e
colaborativamente outras possibilidades de ensinar e aprender matemática na
escola” (anotações Dario). As anotações de Dario comprovam a importância
histórica desse curso: a primeira vez que tentou “experienciar essa prática
colaborativa foi em curso de especialização desenvolvido na FE/Unicamp no final dos
anos de 1990” (anotações Dario).
Ao propor à colega Ângela Miorim uma dinâmica de trabalho e orientação
para os cinco professores que fariam os trabalhos de conclusão de curso, revela ter
negociado com os professores que os trabalhos de conclusão de curso seriam
desenvolvidos ao longo de dois semestres,
sob uma dinâmica inicial de problematização coletiva da prática de cada professor, e a partir daí, a escolha de uma unidade do currículo escolar em torno da qual tentariam desenvolver uma experiência exploratória e de negociação de significados, e documentando com registros as práticas de sala de aula, sobretudo as explicações por escrito que os alunos produziam durante a atividade matemática de sala de aula. Esse material era analisado e discutido conjuntamente
229
com todos os participantes, cabendo posteriormente a cada professor textualizar, em forma de análise narrativa, esse processo de trabalho e de aprendizagem tanto dos alunos como dos professores. Esses escritos, foram posteriormente metanalisados e sistematizados, visando à publicação do livro “Por trás da porta, que matemática?”. (anotações Dario).
Também na década de 1990 Dario estabeleceria interlocuções com o Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC). Em parceria com as
professoras Elisabete Pereira e Corinta Geraldi, organizariam o livro Cartografias do
trabalho docente (GERALDI; FIORENTINI; PEREIRA, 1998). De acordo com os autores,
a história desse livro sintetiza o percurso de um grupo de estudos. No contexto de
um Seminário de Pesquisa, registrado como disciplina do PPGE/Unicamp,
observaram que as orientações teórico-metodológicas para realização de projetos
de pesquisa, em outra perspectiva de prática pedagógica e
formação/desenvolvimento profissional do professor, eram difusas. Com o término
do Seminário, foram mapeadas as questões emergentes e, assim, constituídos três
subgrupos: educação continuada, professor reflexivo e/ou pesquisador e saberes
dos professores. Sob a coordenação de Dario ficou o grupo de saberes do professor.
Para constituição do livro, foram organizados três seminários com mesas-redondas,
nos quais os subgrupos apresentaram e discutiram suas produções. Os textos
produzidos contavam, assim, com apreciação crítica de todos os presentes.
O processo de organização desse livro, que contou com a participação de
pesquisadores brasileiros e estrangeiros, por um lado, viria a influenciar a
compreensão de Dario sobre saberes, conhecimentos, pesquisa e trabalho do
professor. Por outro lado, o próprio processo de organização do livro influenciou seu
modo de trabalho colaborativo, que também ressoou naquela comunidade no
momento de elaboração do livro. Questionei Dario sobre como iniciou sua relação
com o GEPEC.
Vanessa – Como você começa a participar do GEPEC? Pergunto, pois muitas das questões que vemos, de algum modo, reificadas no GdS, estão presentes nas discussões do livro que vocês organizaram, como pesquisa-ação, saberes docentes, pesquisa do professor. Dario – A minha participação no GEPEC veio de minha aproximação com a professora Corinta. Tínhamos certa
230
aproximação desde o Sul, ela vinha da Unijuí, uma universidade com forte perspectiva crítica e voltada ao desenvolvimento regional. Quando venho para cá, fico próximo da Corinta. Inclusive, a pedido dela, realizei um trabalho na Secretaria Municipal de Campinas, envolvendo professores de matemática do anos finais do ensino fundamental. Corinta pediu para desenvolver uma proposta curricular para o município. Nós (Sandra Freire e eu) preferimos desenvolver um projeto de pesquisa-ação colaborativa com os professores. Era uma proposta para eles desenvolverem projetos experimentais em sala de aula. Constituíram-se oito subgrupos de professores de matemática do Ensino Fundamental II. Foi nesse momento que estreitou minha aproximação com o GEPEC. Acho que minha participação no grupo durou cinco anos. Muitos orientandos meus, do final dos anos de 1990, também participavam.
Ao final desse período, alguns orientandos de Dario e outros participantes do
Grupo PRAPEM, que não conseguiram, em 1999, por falta de espaço, ingressar no
Projeto com o GEPEC, sentiram a necessidade de constituir um grupo próprio de
estudos, que, mais tarde, passaria a denominar-se Grupo de Estudo e Pesquisa sobre
Formação de Professores de Matemática (GEPFPM). Segundo Dario, a formação do
grupo foi motivada pela necessidade que esses estudantes tinham de realizar
estudos que trouxessem aportes teórico-metodológicos acerca da investigação
sobre formação e desenvolvimento profissional de professores de matemática. Mais
tarde esse grupo se institucionalizou e se tornou interinstitucional. É, atualmente,
um dos grupos mais ativos e importantes do Brasil, e tem como foco de estudo o
professor que ensina matemática. Um dos projetos atuais do grupo, em pleno
desenvolvimento (2013 a 2016), envolve 32 pesquisadores de todo o Brasil e do
exterior e tem por objetivo mapear e descrever o estado da arte das pesquisas
brasileiras produzidas no âmbito dos programas de Pós-Graduação stricto sensu das
áreas de Educação e Ensino, no período de 2001 a 2012, tendo como foco de estudo
o professor que ensina matemática.
Entre os anos de 2010 e 2014, Dario atuou como coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Educação da FE-Unicamp. Acompanhei esse trabalho de
perto, uma vez que havia períodos nos quais eu o auxiliava na elaboração do
relatório DataCapes. Mais uma vez, observava seu jeito colaborativo de fazer as
coisas, procurando sempre conversar sobre o andamento do trabalho... Mesmo em
231
um contexto onde decisões precisam ser tomadas quase de imediato, penso que
realizou, na medida do possível, um trabalho colaborativo, em que as decisões eram
negociadas e construídas coletivamente e de modo transparente...
Nesse período, também participou do Fórum dos Coordenadores, tendo,
inclusive, participado ativamente da constituição de uma proposta da área da
educação para os mestrados profissionais. Como eu conhecia essa trajetória, estava
ansiosa para que refletisse sobre a influência do GdS nessa proposição.
Vanessa – Como você acredita que participar do GdS influencia sua participação na proposição do mestrado profissional? Dario – Acho que influencia muito. A participação no GdS nos dá uma ideia do lugar da própria universidade em relação aos profissionais que estão na escola. Se esses profissionais, com o mestrado profissional, podem ter uma formação mais especializada para quem já tem conhecimento do campo profissional, uma formação mais avançada. Os formadores do mestrado profissional precisam saber receber profissionais, no sentido de acolher e trabalhar em cima da perspectiva do professor. Não é para acolher para colonizar, mas para saber trabalhar com aquilo que ele já faz e que pode ser sistematizado e melhorado e divulgado aos demais professores. É diferente de quando alguém chega ao mestrado acadêmico e geralmente abandona as problemáticas que traz do campo profissional. Ao realizar o mestrado profissional, ele tem a oportunidade de compreender melhor sua prática profissional e de transformá-la ou melhorá-la.
Sua produção científica e sua recente participação nas discussões sobre
o mestrado profissional, de certo modo, lembram-me da frase lapidar de
Magda Soares: "Nós, os da área da Educação, estamos permanentemente
diante de um apelo para a compreensão, acompanhado de um apelo para a
ação"37.
37 Disponível em: http://www.mcti.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/jIPU0I5RgRmq/content/leia-o-discurso-de-magda-soares-ao-receber-o-premio-almirante-alvaro-alberto;jsessionid=8684DEE68420446E08535A832BB29A0D. Acesso: 05/12/15.
232
Constituição e Vivência no GdS
Foi também no ano de 1999 que Dario fundou o Grupo de Pesquisa-Ação em
Álgebra Elementar (GPAAE), atual Grupo de Sábado (GdS). A motivação para formar
o grupo nasceu de suas experiências anteriores em relação à formação continuada
de professores. Algumas malsucedidas e outras bem-sucedidas. Segundo ele, “as
malsucedidas foram aquelas que tentei colonizar os professores e suas práticas,
dizendo o que deveriam fazer para ensinar melhor matemática”. Nesses cursos, não
se tinha por base “a prática cotidiana dos professores, sobretudo suas dificuldades,
desafios, possibilidades e experiências e saberes de experiências construídos ao
longo dos anos, mas as teorias e pesquisas acadêmicas”. Em determinados
contextos, revela que chegou “a preparar sequências de tarefas interessantes que
mobilizavam a participação dos professores, mas, no dia seguinte, quando os
professores retornavam às suas salas de aula, tudo parecia continuar como antes”
(anotações Dario).
Ao mesmo tempo que o grupo se constituía, “novas leituras sobre
pensamento e saber do professor ou sobre professor reflexivo e pesquisador de sua
prática, junto ao GEPEC e ao Grupo de Pesquisa Prapem” ocorriam. Tais estudos o
ajudariam a questionar e problematizar sua própria prática como formador de
professores tanto na formação continuada como na inicial. Desse modo, à medida
que Dario participava de uma experiência inovadora de formação continuada em
parceria com Ângela Miorim, da qual resultou o livro Por trás da porta, que
matemática acontece?, também participava da construção coletiva, no grupo de
pesquisa GEPEC, de um livro sobre a pesquisa do professor..
Essas experiências aconteciam quando, juntamente com dois orientandos de
doutorado (Alfonso e Renata), discutiram a possibilidade de constituir um grupo de
estudos que tivesse como foco de estudo a álgebra escolar, devido aos problemas
que encontravam no ensino desse conteúdo na escola básica e à alta demanda de
cursos que abordavam essa temática.
233
Certa vez, Dario, inclusive, relatou a experiência de um de seus filhos, que, à
época, estava iniciando o estudo da álgebra na escola e começou a se desinteressar
pelo estudo da matemática, devido à abordagem acentuadamente mecânica e
procedimental das expressões algébricas. Tal abordagem privilegiava a sintaxe, em
detrimento da semântica da linguagem algébrica. Dario, então, deu-se conta, como
pesquisador, pai e formador de professores, daquela situação problemática. Esse foi
mais um motivo para a constituição de um grupo sobre a temática.
Dario relata que, no final de 1998, para compor o futuro grupo, levantaram
“possíveis interessados e, em 1999, começamos a trabalhar, tendo sido definido o
sábado de manhã como um horário mais viável à maioria” (anotações Dario).
Segundo Dario,
a metodologia de trabalho colaborativo do Grupo, entretanto, levaria um certo tempo para se consolidar. Inicialmente lemos e estudamos, de um lado, processos de pesquisa-ação colaborativa (CARR; KEMMIS, 1988) e, de outro outro, estudos recentes sobre ensino e aprendizagem de álgebra sob uma perspectiva de produção e negociação de significados e também discussão e análise das práticas de ensino de álgebra trazidas pelos professores participantes. (anotações Dario)
Dario conta que, ao mesmo tempo que discutiam episódios de aula e
problemas e desafios trazidos pelos professores, tentavam “negociar
conjuntamente outras possibilidades de intervenção em suas práticas escolares.
Essas novas práticas eram trazidas e narradas, mobilizando todos os participantes
a problematizá-las, analisá-las e escrever sobre essa experiância formativa”
(anotações Dario).
Em nossos estudos sobre o grupo, temos focado nossas análises sobre o que o
professor aprende, como se desenvolve profissionalmente mediante participação
naquele contexto e como constitui sua profissionalidade docente. Recentemente,
tenho refletido sobre as aprendizagens e o desenvolvimento profissional de todos;
por essa razão questionei Dario acerca de sua participação no grupo e perguntei,
na entrevista, como observava o empoderamento de seu discurso naquele
contexto.
234
Vanessa – No último livro do GdS, vocês falam sobre o empoderamento dos professores mediante participação no grupo. Mas como os pesquisadores têm seus discursos empoderados, ao participar dessa comunidade? Dario – Você tem me feito pensar mais sobre isso. Não tenho uma resposta pronta. Eu acho que o empoderamento dos professores fica claro. Acerca dos pesquisadores, eu acho que empodera uma perspectiva epistemológica, uma perspectiva ou concepção de formação e de aprendizagem docente. Eu não gosto de teorizar por teorizar... Acho que a participação em um grupo como esse, de algum modo, dá sustentação para nossas ideias, para nossas crenças epistemológicas. Ou seja, teorizamos com base em uma determina prática. As teorizações que tenho feito são pautadas em cima de uma experiência concreta de formação docente, tanto na graduação, como na formação em serviço, e junto com os professores e futuros professores. Desde a experiência na prefeitura, deixei de acreditar em cursos formais ou de treinamento de professores, por mais práticos que sejam. Mesmo no Sul, tinha dificuldade de dar cursos, gostava de envolver os professores em projetos e instigá-los a refletir e analisar seus resultados. Havia teorias, mas sempre relacionadas aos projetos que desenvolviam. Talvez, isso tenha relação com os movimentos participativos que são fortes no Sul. Tenho que dar esse crédito a uma formação mais comunitária e participativa que é própria do Sul, processo que eu provavelmente tenha incorporado e trazido como herança.
Assim, em diversos espaços – dentre os quais, um espaço fronteiriço –,Dario
vai se constituindo pesquisador e formador para além da zona de conforto dos
muros acadêmicos, compartilhando espaço com professores que se engajam na
investigação e na reflexão de suas práticas. Nessa convivência, tem valorizado as
histórias de vida de professores.
Ao prefaciar um livro constituído por narrativas e por análises dessas, disse
que tem sido lugar-comum os governantes, a sociedade, os meios de comunicação
e até a universidade responsabilizarem os professores pelo fracasso escolar dos
alunos. E questiona:
Mas será que conhecemos quem são esses professores e como vivem, pensam e sentem sua prática e condição docente? Como vêm lutando esses professores e professoras para dar conta de seu compromisso de educar as novas gerações? Sabemos, por exemplo, como esses professores vêm tentando garantir a todos os jovens e crianças das escolas públicas – em sua diversidade social e cultural – o acesso ao conhecimento matemático fundamental à sua inclusão social e
235
cultural? Sabemos, ainda, como vêm conseguindo engajar os novos alunos na atividade matemática relevante socioculturalmente, apesar das políticas públicas neoliberais se negarem a oferecer as condições sociais, econômicas e culturais necessárias para tal? (FIORENTINI, 2012, p.13)
Ao final da entrevista, questiono Dario sobre quais seriam seus sonhos.
Coerente com sua trajetória acadêmica e profissional e com seus estudos, Dario
revela que gostaria de ver os professores como protagonistas das mudanças da
educação. Gostaria que as mudanças partissem dos professores, não dos desmandos
dos governos, como temos visto nos últimos anos.
Assim como Miguilim, de Guimarães Rosa, Dario também saiu de sua
comunidade rural, no Sul do Brasil. Foi para cidade grande. Também corrigiu a
miopia e passou a enxergar melhor o mundo! Senão o mundo todo em seu sentido
literal, pelo menos o “mundo” figurado da pesquisa e das práticas do professor que
ensina matemática.
236
Figura 12 - Serpentina (2003), Beatriz Milhazes
Vida vida que amor brincadeira, vera Eles amaram de qualquer maneira, vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar (...)
Eles partiram por outros assuntos, muitos
Mas no meu canto estarão sempre juntos, muito
Qualquer maneira que eu cante esse canto
Qualquer maneira me vale cantar
Milton Nascimento e Caetano Veloso, Paula e Bebeto, 1975
237
Capítulo 05 – Cartografias, Compreensões e
Reverberações das Experiências de Desenvolvimento
Profissional
Neste estudo, coloquei-me na posição de ouvinte e narradora das histórias de
Roberto, Eliane e Dario. Com cada um deles, adentrei em outros tempos, espaços e
interações. Revivemos juntos interrupções e continuidades de suas histórias de vida.
Como todos nós, ao longo dos anos, eles constituíram enredos complexos por
caminhos que, por vezes, coincidiram. Em um processo de confiança mútua, nos
diálogos estabelecidos ao longo do tempo, revivemos a complexidade de suas
histórias e, ao mesmo tempo, refletimos sobre suas vivências, produzindo novos
sentidos.
Em meio a esse processo interativo, o desafio foi tentar dar um acabamento
estético às histórias que os participantes escolheram contar sobre suas experiências
de desenvolvimento profissional. As histórias que narravam versaram sobre
diferentes aspectos de suas vidas, sobretudo tempos-espaços vividos na
comunidade fronteiriça comum aos três e a mim. Nessa tentativa, aceitando os
limites de minhas palavras, trago à tona versões daquelas experiências.
Nesses movimentos, à medida que esta pesquisa foi se desenvolvendo,
compreendia que, para além de práticas ou situações específicas de
desenvolvimento profissional, conversávamos sobre experiências de
desenvolvimento profissional e de constituição de modos de ser/estar educadores
matemáticos. Ao tomar como foco essas experiências, passei a compreendê-las
como um processo ao longo do tempo, que “tem início antes de ingressar na
licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos
múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais,
familiares, institucionais e socioculturais” (FIORENTINI, 2008, p. 4-5).
238
Essas experiências, aqui interpretadas como complexas e dinâmicas,
envolveram a participação e a interação dos três protagonistas deste estudo, em
diferentes espaços, ao longo do tempo. Desse modo, a tridimensionalidade
(sociabilidade, temporalidade e local) dessas experiências é, ao mesmo tempo,
método de pesquisa e fenômeno a ser investigado. Nesse sentido, os termos
[...] pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinados à noção de lugar (situação) [...] cria um espaço tridimensional para investigação narrativa, com a temporalidade ao longo da primeira dimensão, o pessoal e o social ao longo da segunda dimensão e o lugar ao longo da terceira (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 85).
Tendo por base esse espaço tridimensional, tentei construir, no capítulo
anterior, as narrativas de experiências de desenvolvimento profissional e de
constituição da profissionalidade dos três participantes da pesquisa: Roberto, Eliane
e Dario. A fim de dar a ver as adjacências dessas três narrativas, ainda com base
nessa tridimensionalidade, procurei, neste capítulo, analisar e interpretar as
narrativas de experiências de desenvolvimento profissional dos três participantes
desta pesquisa a partir de três eixos analíticos: 1) mapeamento dos espaços de
experiências de desenvolvimento profissional e pessoal; 2) compreensões sobre as
experiências de desenvolvimento profissional em uma comunidade fronteiriça e 3)
reverberações da participação em uma comunidade fronteiriça.
Sobre o primeiro eixo, ao tentar seguir a coerência da conceituação de
desenvolvimento profissional aqui trabalhada, realizei um mapeamento dos
diferentes espaços de experiências de desenvolvimento pessoal e profissional,
citados pelos participantes da pesquisa nas entrevistas ou nas interações
estabelecidas com eles, ao longo do tempo. No segundo eixo, o meu interesse foi
compreender aspectos específicos das experiências de desenvolvimento profissional
que ocorrem na comunidade fronteiriça na qual se encontram. Quanto ao terceiro
eixo, minha intenção foi levantar possíveis reverberações da participação dos
protagonistas no Grupo de Sábado, tanto em relação à sua constituição profissional,
com destaque para seus modos de ser/estar como educadores matemáticos, quanto
de sua participação em outros espaços. Por essa razão, a partir das narrativas dos
239
participantes da pesquisa, são interpretadas reverberações em seus aspectos
intrínsecos e extrínsecos.
Mapeamento dos espaços de experiências de desenvolvimento
profissional
Nessa trama investigativa, ao narrar cada uma dessas histórias de
desenvolvimento profissional, foi possível dar a ver espaços nos quais os
participantes consideram ter passado por experiências formativas que os tocaram e,
assim, se (trans)formaram (BONDÍA-LARROSA, 2002).
Com o passar do tempo, com a composição das narrativas, passei a
compreender que as experiências de desenvolvimento profissional podem ser
interpretadas como fenômenos que acontecem em cenários diversos, envolvendo
interconexões com múltiplas comunidades de prática e espaços diversos. Nas
palavras de Bondía-Larrosa:
A vida, como a experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser. A vida é experiência de vida, nossa forma singular de viver. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência (e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa, senão, que sublinhar sua implicação com a vida, sua vitalidade. Mas como? Sobretudo, de que
outro modo? (BONDÍA-LARROSA, 2010, p. 87-88).
Na experiência de realizar esta pesquisa narrativa, foi possível compreender o
desenvolvimento profissional desses educadores matemáticos como tramas que
acontecem em diferentes cenários. Como já destaquei no capítulo 02, Day (2001, p.
18) afirma que o professor se desenvolve profissionalmente a todo momento e que
esse movimento inclui “a aprendizagem iminentemente pessoal, sem qualquer tipo
de orientação, a partir da experiência”. Ao viver em diferentes coletivos, ao longo do
tempo, acredito que, em diferentes espaços e momentos, professores e formadores
são marcados por experiências que modificam seus modos de ser/estar no contexto
240
profissional e elaboram seus próprios conhecimentos. Sobre isso Clandinin e
Connelly apontam que
[...] entender o conhecimento profissional abrangendo uma paisagem exige uma noção de conhecimento profissional como constituído de uma ampla variedade de componentes e influenciado por uma ampla variedade de pessoas, lugares e coisas. Uma vez que vemos a paisagem do conhecimento profissional como constituída de relações entre pessoas, lugares e coisas, nós a consideramos tanto uma paisagem moral como intelectual. (CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.5, tradução nossa)
A fim de refletir sobre esses diferentes espaços, baseando-me em uma
perspectiva de desenvolvimento profissional que o compreende como um processo
complexo envolto por diversas experiências, constatei que, ao interpretar as
narrativas, seria possível mapear (figuras 13, 14, 15), ao menos, oito diferentes tipos
de espaços que tiveram importância nas vidas dos protagonistas desse estudo.
� Comunidades acadêmicas (em verde)
� Espaços escolares e sistemas de ensino (em azul)
� Cursos de especialização (em salmão)
� Projetos universidade-escola (em rosa)
� Entidades representativas (ex: Anped, Sbem, Adunicamp, Apeoesp, Sindicato
dos Professores) (em amarelo)
� Comunidades imaginadas (matemáticos; educadores matemáticos;
professores de matemática) (em vermelho)
� Comunidades fronteiriças (em verde escuro)
� Espaços de natureza pessoal (família, amigos, lazer, igreja) (em roxo)
241
Figura 13 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Roberto
Figura 14 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Eliane
242
Figura 15 - Espaços de Desenvolvimento Profissional, Dario
As comunidades acadêmicas são aquelas nas quais, ao longo do tempo, os
participantes realizaram cursos de graduação, pós-graduação,
participaram/participam de grupos de pesquisa e, no caso de Dario e Eliane, atuam
como formadores. Nesse caso, a participação nesse tipo de comunidade, por um
lado, contribuiu parcialmente38 para o processo de profissionalização docente dos
três protagonistas deste estudo, concedendo-lhes titulações necessárias para
atuação em suas respectivas comunidades profissionais. Por outro lado, nessas
comunidades os participantes desenvolveram ou tiveram a intenção de desenvolver
38 Não acredito que a formação inicial (ou continuada) garanta o processo de profissionalização por completo do professor ou do formador. Segundo Núnez e Ramalho (2008, p. 3-4), “o termo ‘profissionalização’ apresenta diversos sentidos, segundo os contextos específicos de seu uso, definindo-se pelas relações dialéticas das características objetivas e subjetivas que pautam os processos de construção de identidades profissionais. A profissionalização é uma forma de representar a profissão como processo contínuo/descontínuo ao longo da história da docência”.
243
pesquisas de natureza acadêmica. No caso de Dario e Roberto, pesquisas
relacionadas, respectivamente, ao campo da matemática aplicada e pura. No caso
de Eliane e Dario, pesquisas relacionadas ao campo da educação matemática.
Sobre a formação inicial, Eliane e Roberto foram contemporâneos no curso
de licenciatura em Matemática na Unicamp, no início da década de 1990. Dario, por
sua vez, cursou sua formação inicial no Rio Grande do Sul, em meados da década de
1970. Embora haja um espaço de 20 anos entre a graduação de Dario e as de
Roberto e Eliane, é possível encontrar, nas três narrativas, indícios de que passaram
por cursos de licenciatura que compreendiam “a prática de ensino da matemática
como campo de aplicação de conhecimentos produzidos, sistematicamente, pela
pesquisa acadêmica” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920).
Eliane, ao ingressar no curso, precisou se mobilizar para compreender um tipo
de conhecimento que lhe parecia estranho. Ela destaca que, enquanto estudante do
curso de matemática, apesar de conseguir ser bem-sucedida nas disciplinas
pedagógicas, nas disciplinas “da matemática, propriamente ditas, as lembranças
mais fortes são as lágrimas derramadas durante muitas aulas de cálculo do 1° ano”
(CRISTOVÃO, 2007, p. 07). Entretanto, ao ingressar na rede estadual como
professora, em concomitância com a graduação, encontrou sentido para se formar
e se engajou em concluir o curso. Naquela perspectiva de prática e formação
docente, o lugar da matemática
[...] continua sendo considerado central e fundamental, porém, ainda fortemente distanciado das práticas escolares, pois a aplicação desses conhecimentos passa por um processo de racionalidade técnica e/ou de transposição didática do saber sábio ou científico para o saber a ser ensinado e, finalmente, em objeto de ensino, conforme teorização de Chevallard (1991). Em síntese, nessa concepção de prática pedagógica do educador matemático, só existe a Matemática (com letra maiúscula), aquela que vem dos matemáticos profissionais, mas que pode ser transposta/adaptada para o contexto de ensino e aprendizagem. Além disso, nessa perspectiva, o processo formativo enfatiza mais a dimensão técnica e didática (relações entre professor-aluno-conteúdo e métodos de ensino) do que a pedagógica (o sentido, a relevância e as consequências do que ensinamos) (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920).
244
Apesar de não ter encontrado grandes dificuldades para concluir seu curso,
foi somente após ingressar na rede municipal de educação que Roberto se deu conta
de que sua “sólida imersão teórica em termos de conhecimentos matemáticos”
(FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 920) não seria suficiente para sua atuação como
docente.
Dario, embora de outra geração, realizou, ao que me parece, um curso de
licenciatura semelhante ao de Roberto, com forte ênfase na sintaxe, mas talvez um
pouco menos formal. Pelo seu relato, afirma ter estudado muito, para além das aulas
que recebia, para atribuir sentidos aos conteúdos matemáticos e compreender os
significados dos exercícios e dos teoremas e das demonstrações. Sua relação com a
matemática privilegiada nos cursos de licenciatura em matemática mudaria
radicalmente, ao observar que os estudantes de licenciatura, quando em campo de
estágio, não conseguiam explorar, de modo compreensivo e significativo aos seus
alunos, os conteúdos matemáticos elementares que tentavam ensinar. Só então
percebeu a grande desconexão que havia entre o saber matemático privilegiado no
ensino superior e aquele praticado e ensinado na escola. A partir dessa constatação,
passou a investir e a discutir qual matemática seria necessária à formação do
professor. Mas isso pressupõe conhecer com profundidade a atividade matemática
praticada nas escolas. Esse empreendimento o levaria, em 1999, a formar um grupo
colaborativo (GdS), envolvendo professores da escola, formadores da universidade
e futuros professores, com o propósito de discutir, conhecer e transformar a prática
matemática na escola básica. Como um dos resultados dessa experiência, passou a
conceituar a prática pedagógica em matemática “como prática social, sendo
constituída de saberes e relações complexas que necessitam ser estudadas,
analisadas, problematizadas, compreendidas e continuamente transformadas”
(FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 923).
O GdS tem sido um espaço autônomo no qual os participantes podem se
articular para manifestar suas opiniões de modo coletivo. Nesse sentido, temo-nos
posicionado em eventos públicos e publicado artigos e manifestos, divulgando
nossas opiniões sobre determinados programas e políticas de governo. Após sete
245
anos de existência, a comunidade GdS decidiu organizar, bienalmente, os
“Seminários de Histórias de Investigações de/em Aulas de Matemática” (SHIAM),
tendo como objetivos “socializar, compartilhar, discutir experiências, propostas e
investigações de/em aulas de Matemática do Ensino Fundamental, Médio e
Superior” (Caderno de Resumos do I SHIAM, 2006, p. 6). O SHIAM tornou-se um
espaço-tempo de participação comum, no qual se reúnem, bienalmente, pelo menos
três comunidades de profissionais: os formadores de professores que ensinam
matemática, os professores que ensinam matemática e os futuros professores que
ensinam (ou ensinarão) matemática.
Especialmente na narrativa que abre o capítulo quatro, foi possível
acompanhar as preocupações mobilizadas por Dario e Eliane com o, então, contexto
da rede estadual paulista que propunha um programa curricular padronizado e
avaliações de larga escala que desconsideravam o protagonismo dos professores.
Naquela mesa, Eliane foi indicada pelo grupo para ser a “porta-voz” do GdS para
problematizar o programa curricular “São Paulo Faz Escola” e a formação dos
professores naquele contexto. Dario, por sua vez, coordenou a mesa. Iniciou
apresentando questionamentos levantados no grupo sobre aquela nova proposta
curricular. Nesse mesmo evento, Roberto já havia apresentado a dinâmica de um
grupo de estudo que se reunia na própria escola. O professor, que atua na rede
municipal e, na ocasião, possuía jornada completa em uma só escola e, portanto,
dispunha de tempo e espaço para a constituição de um grupo. Com isso, naquele
evento, também foi possível observar as diferenças de carreira entre as redes
estadual e municipal. No contexto do GdS, o SHIAM tem sido um espaço-tempo de
interlocução com outras comunidades.
Uma das semelhanças entre as três experiências de desenvolvimento
profissional refere-se ao fato de os três participantes terem sido professores em
diferentes sistemas públicos de ensino. Dario reconhece que da época em que foi
professor para hoje, a escola mudou bastante. Eliane, recentemente, ingressou no
ensino superior. Roberto, atualmente, dentre os três participantes desta pesquisa, é
o único que tem a escola pública como campo de atuação profissional, cenário no
246
qual produz cotidianamente seu trabalho. Dario e Eliane, apesar de atuarem na
universidade, reconhecem a fundamental importância desse tempo e espaço em
suas vidas, sobretudo em razão de suas funções atuais como formadores.
Sobre ser um formador com experiência no ensino básico, Dario acredita que
aquele tempo-espaço vivido, tem sido referência importante até os dias de hoje.
Segundo ele, “na fase que fui professor, aprendi muito sobre esse saber na prática.
Aprendi a problematizar esse saber por mim mesmo. Fazia leituras, refletia e
observava que muitas das coisas que aprendia na formação inicial não faziam
sentido para minha realidade” (entrevista).
A valorização que os participantes do estudo dão ao campo prático lembra-me
o que a literatura tem chamado de conhecimento prático pessoal (CONNELLY;
CLANDININ, 1995). Esse tipo de conhecimento está presente na mente, no corpo,
nos planos e nas ações futuras do professor e também do formador. Trata-se de um
tipo de conhecimento da docência que perpassa por um conjunto de convicções,
sejam elas conscientes ou inconscientes, que surge da experiência íntima, social e
tradicional e que se acha expresso nas ações da pessoa.
Jaworski (2008) problematiza a relação entre a experiência e a atuação dos
formadores. Segundo a pesquisadora, em muitos casos, os formadores de
professores de matemática têm, eles próprios, trazido profundas experiências da
escola básica para seus trabalhos na formação docente, e essa experiência traz
consigo credibilidade: os professores podem ver que os formadores de professores
se confrontam com as realidades práticas da sala de aula e as demandas sistêmicas
que os professores enfrentam.
Nas três narrativas aparecem referências a cursos de especialização. Desde o
início de sua carreira, no Rio de Grande do Sul, Dario mostrou-se insatisfeito com o
modelo de cursos voltados para a prática, aqueles nos quais especialistas
transmitem conhecimentos teóricos empacotados para que professores os apliquem
em suas práticas. Sobre esse tipo de formação, Clandinin e Connnely (1995) utilizam
a metáfora do conduíte para ressaltar que, em determinados tipos de formação,
247
supõe-se que os conhecimentos passem por espécies de canos para que cheguem
aos professores.
Estes conhecimentos teóricos são, então, empacotados para professores em textos, materiais curriculares e oficinas de desenvolvimento profissional. Com efeito, essa ação de empacotar o conhecimento teórico aproxima-se da metáfora do conduíte [...]. Para a maior parte, uma conclusão retórica é embrulhada e transmitida via conduíte para a paisagem do conhecimento profissional dos
professores. (CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.9, tradução nossa)
Ao apostar em outro modo de formação docente, Dario projetou, em parceria
com a professora Maria Ângela Miorim e um grupo de formadores da FE/Unicamp,
um curso de especialização que foi comentado por Eliane em entrevista e culminou,
em 2001, na organização do livro Por trás da porta que matemática acontece?
(FIORENTINI; MIORIM, 2010).
Tendo em vista a trajetória do curso e sua conceituação, considerei esse
projeto como uma parceria universidade-escola. Outro modo de parceria
universidade-escola foi citado por Roberto, ao se referir ao projeto “Escola Singular:
Ações Plurais”, coordenado por dois professores da FE-Unicamp, membros do Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada (GEPEC).
Nos dois casos citados por Roberto e Eliane, os professores produziram
conhecimento a partir de suas práticas. Mediante participação no curso de
especialização na universidade voltado para professores, Eliane revela ter, pela
primeira vez, escrito e publicado algo sobre sua história de professora e sua prática
docente, tendo tecido reflexões sobre o uso exploratório do tangram, do geoplano
e de vídeos, para problematizar e desenvolver conceitos de geometria e medidas
com seus alunos de quinta série.
No projeto desenvolvido na escola em que atuava, Roberto participou do
grupo de estudo formado pela comunidade escolar e por acadêmicos ligados à
FE/Unicamp, tendo realizado leituras e produzido relatórios. Destaca, inclusive, ter
apresentado essa experiência e os resultados dessa formação no II Seminário
Nacional de Histórias de/em Aulas de Matemática (SHIAM). Avalia, como um dos
principais resultados da participação nesse projeto, a modificação da relação afetiva
248
com seus estudantes. Nessa perspectiva diferenciada de formação, na qual os
professores puderam investigar e analisar sua própria prática, Roberto, Eliane e
Dario apresentam indícios de terem aprendido e produzido conhecimentos da
prática, no sentido de Cochran-Smith e Lytle (1999). Nesse processo de
aprendizagem e produção de conhecimentos, conforme essas autoras, não há
separação ou distinção entre conhecimento prático e teórico (ou formal). Essas
autoras presumem que o conhecimento que os professores “precisam para ensinar
bem é produzido quando os professores tomam sua própria prática como campo de
investigação ou análise e utilizam como instrumentos de interpretação e análise
conhecimentos produzidos por outros especialistas (acadêmicos ou não) ”
(FIORENTINI, 2011, p. 2).
Entretanto, no contexto profissional de Roberto, como relatei em sua
narrativa, no capítulo anterior, o professor acredita não existir cursos de
especialização em condições de problematizar sua prática docente. Segundo
Roberto, fala-se muito em formação continuada na rede em que atua, mas, para ele,
formação continuada naquele contexto são cursos geralmente muito rápidos e que
não conversam com a realidade cotidiana do professor. Roberto menciona ter
encontrado cursos de especialização denominados de formação continuada, mas
que, como entende Fiorentini (2008, p. 61), são, na verdade, descontínuos
em relação à sua prática docente na escola, pois não a toma[m] como ponto de partida e objeto de estudo e problematização nos encontros de formação. Descontínua também em relação à frequência, pois é oferecida de tempos em tempos, com grandes intervalos de interrupção.
Eliane, em contrapartida, ressalta que as práticas dos cursos de
especialização da SEESP são todas formativas, de algum modo. Mas mostrou-se
desapontada com o fato de que, muitas vezes, seus saberes de professora, “são
desprezados em detrimento de uma homogeneização de práticas e currículos, os
quais são impostos por especialistas que não conhecem a realidade de nossas
escolas e que sequer abrem espaços de discussão onde nossas vozes possam
realmente ser ouvidas” (Eliane, II SHIAM, 2008).
249
As entidades representativas também fazem parte das experiências de
desenvolvimento profissional dos três participantes desta pesquisa. Embora nem
todas tenham sido relatadas diretamente nas narrativas, por ter conhecimento da
participação de Roberto, Eliane e Dario nesses espaços, considerei pertinente incluí-
los nesse mapeamento. Sobretudo, porque essas conexões foram validadas pelos
participantes.
Os espaços de organizações representativas de categorias profissionais, como
os sindicatos, muitas vezes, favorecem sentimentos de pertença a determinados
grupos e o engajamento nas reivindicações por melhores condições de produção do
trabalho. Nesse sentido, ao problematizar a reivindicação dos professores por
profissionalismo, Contreras (2002) aponta que, por um lado, os professores
reivindicam “condições de trabalho como a remuneração, horário de trabalho,
facilidade para atualização como profissionais e reconhecimento de sua formação
permanente”. Por outro lado, clamam por “reconhecimento ‘como profissionais’,
isto é, como dignos de respeito e como especialistas em seu trabalho e, portanto, a
rejeição à ingerência de ‘estranhos’ em suas decisões e atuações. Isso significa, ao
menos em um certo sentido, ‘autonomia profissional’ [...]” (CONTRERAS, 2002, p.
54).
No entanto, as comunidades relacionadas a campos científicos, como
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Sociedade
Brasileira de Educação Matemática (Sbem) e Espaço Matemático em Língua
Portuguesa (EMeLP), possuem papel importante na construção e no debate de
políticas e programas de governo.
Acerca das experiências dos participantes do estudo nessas entidades
representativas, a partir de seus relatos no GdS, tomamos conhecimento do
engajamento de Roberto na proposição de modos alternativos de formação de
professores da rede municipal de Campinas. Eliane, por sua vez, desde o tempo em
que atuava na rede estadual, costuma manter interlocução com o sindicato de sua
categoria docente. Além disso, tem participado da gestão da Sbem, na regional de
São Paulo. Atualmente, no nível superior, atua em defesa da continuidade do PIBID
250
como programa de uma política pública de apoio à formação inicial e continuada de
professores. Dario tem tido importante participação em organizações como Anped,
Sbem, EMeLP e Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação
em Educação (Forpred). Na Anped e no Forpred tem participado ativamente das
discussões sobre o mestrado profissional para professores e gestores da escola
básica.
Contreras (2002, p. 227) destaca que “não é possível falar de autonomia de
professores sem fazer referência ao contexto trabalhista, institucional e social em
que os professores realizam seu trabalho”. Ao se posicionarem sobre as diversas
questões em seus contextos profissionais, os participantes deste estudo aparentam
ter constituído uma postura autônoma. Essa noção participativa de docência vem ao
encontro da conceituação de prática docente de Cochran-Smith e Lytle (2009):o
destacam que ela também inclui uma visão ampliada do exercício profissional dos
professores, que, além de trabalharem a partir do diálogo com os alunos, “também
o fazem com colegas e líderes escolares, além de professores do ensino básico,
estudantes de graduação e outros membros do corpo docente e assistentes, com o
intuito de tratar de assuntos fundamentais para a educação” (p. 147). Em todos os
encontros do GdS, temos um intervalo de café comunitário. Nesse espaço
intersticial, narramos outros aspectos de nossas vidas pessoais e profissionais, como:
opções e experiências de lazer, a situação escolar de nossos familiares, nossas
rotinas, hábitos, desejos e preferências pessoais. Trata-se de um momento rico de
estreitamento de relações pessoais e afetivas que vai além do mundo profissional ou
acadêmico. É nesse espaço intersticial que damos a ver outras comunidades que
também participam de nossa constituição e que perpassam as relações com nossas
famílias e com nossos amigos.
Experiências diversas apareceram nas narrativas e nas interações formais e
informais que tive, ao longo do tempo, com os três participantes deste estudo.
Acredito que pensar o desenvolvimento profissional em sua completude envolve,
também, refletir sobre as condições de tempo que os profissionais têm para a
convivência e a participação em espaços dedicados à família, aos amigos, às
251
atividades de lazer, à prática esportiva, aos espaços culturais etc. Envolve, também,
refletir sobre como nossas experiências são moldadas pelas mais vastas narrativas
sociais, culturais e institucionais constituídas nesses diversos espaços, uma vez que
[...] cada um de nós se encontra já imerso em estruturas narrativas que lhe preexistem e que organizam de um modo particular a experiência, que impõem um significado à experiência. Por isso, a história de nossas vidas depende do conjunto de histórias que temos ouvido, em relação às quais temos aprendido a construir a nossa (LARROSA, 1996, p. 471-472).
Pensar no desenvolvimento profissional, em sua totalidade, é pensar em
condições materiais de produção do trabalho, bem como em qualidade de vida e
condições para desenvolver nossa sensibilidade como docentes e formadores.
Afinal, a gente quer ser por “inteiro e não pela metade”39. Clandinin e Connelly
(1998) observam que uma vida se educa ao longo de um processo contínuo.
As vidas das pessoas são compostas ao longo do tempo: histórias de vida ou biografias são vividas e contadas, recontadas e (re) vividas. Para nós, a educação está entrelaçada com a vida e com a possibilidade de recontar nossas histórias de vida. Como pensamos sobre nossas próprias vidas e as vidas de professores e crianças com as quais nos envolvemos, vemos possibilidades de crescimento e mudança. À medida que aprendemos a dizer, escutar e responder a histórias de professores e de crianças, imaginamos consequências educacionais significativas para crianças, professores e acadêmicos em escolas e universidades, através de relações mútuas entre escolas e universidades. (CLANDININ; CONNELLY, 1998, p. 246-247, tradução nossa)
Mais e mais, parece-me que discutir as experiências de desenvolvimento
profissional implica compreendê-las imbricadas com as histórias de vida de
professores e formadores.
Wenger (2001) ressalta que as comunidades de prática também podem ser
imaginadas: seriam aquelas em que, embora os participantes estejam fisicamente
distantes, possuem características e objetivos comuns e compartilham práticas e
competências sobre um domínio comum. Nas três narrativas podem ser
39 Referência à música “Comida”, gravada pelos Titãs, composta por Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.
252
identificadas ao menos três comunidades imaginadas nas quais os três participantes
se encontram.
Roberto, durante anos, foi o único professor de matemática da escola em que
atuava. Mas nem por isso deixou de pertencer a uma comunidade de professores de
matemática. Eliane e Dario, embora atualmente não lecionem no ensino básico,
passaram por ritos e práticas que os habilitaram a lecionar matemática, tendo sido
professores efetivos de matemática na escola e, portanto, também se sentem
pertencentes à comunidade imaginada de professores de matemática. Essa mesma
habilitação, no caso de Dario em nível de graduação e mestrado, que pressupõe a
passagem por uma série de ritos historicamente instituídos no curso de matemática,
faz com que os três participantes deste estudo pertençam, no imaginário social, à
comunidade de matemáticos.
A história de participação de Eliane, Roberto e Dario em comunidades
dedicadas a refletir e a investigar os modos de ensinaraprender matemática faz com
que também pertençam à comunidade imaginada de educadores matemáticos.
Ressaltando novamente que, para Fiorentini e Lorenzato (2006), o educador
matemático é o profissional responsável tanto pela formação educacional e social
de crianças, jovens e adultos, quanto pela formação de professores de matemática
(de nível fundamental e médio) e de formadores de professores.
Compreensões sobre as experiências de desenvolvimento
profissional em uma comunidade fronteiriça
O Grupo de Sábado é a comunidade comum e de encontro dos educadores
matemáticos participantes desta pesquisa. No caso dessa comunidade específica, o
“domínio comum de interesse e de significação são a educação matemática e o
trabalho docente na escola básica” (FIORENTINI, 2009, p. 238). Isso faz com que não
sejam quaisquer as experiências trazidas por seus participantes, mas aquelas
relacionadas aos focos temáticos de interesse do grupo.
253
Ao contrário do que acontece, com frequência, nos espaços de formação
docente, sobretudo naqueles sob o modelo da racionalidade técnica, o principal foco
ou objeto de estudo do GdS são as experiências profissionais dos participantes, os
quais se sentem motivados a compartilhar as experiências que trazem de outros
espaços e comunidades. Como já foi dito anteriormente, nas comunidades
fronteiriças há mais “liberdade de ação e de definição de uma agenda própria, sem
serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela universidade”
(FIORENTINI, 2013a, p. 04). Desse modo, existem mais condições de negociação no
que se refere à agenda e à dinâmica dos encontros. Afinal, “a fronteira é um lugar
livre onde podem se reunir interessados de comunidades diferentes que se
aventuram na construção e problematização do conhecimento, podendo ser
também investigativas” (FIORENTINI, 2013a, p. 162).
Nessa perspectiva, são frequentes os momentos em que as experiências
vividas em outros espaços, em outros mundos figurados, são contadas, (re)contadas,
problematizadas e revividas no contexto do grupo. E, à medida que ganham outras
relações e significações, dão origem a outras histórias e experiências de formação.
Nesse espaço-tempo de suas vidas, nos quais contam suas histórias, os participantes
podem constituir um tipo de saber esculpido por situações por eles construídas e
reconstruídas, ao viver histórias narradas e (re)narradas em um ambiente de
reflexão.
Para compreender o processo de problematização e ressignificação que
acontece no GdS, envolvendo participantes provenientes de diferentes mundos,
Fiorentini (2009) tem utilizado o conceito bakhtiniano de excedente de visão. Para
Bakhtin (2011, p. 23),
eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento.
254
Esse movimento significa a possibilidade que temos de ver mais aspectos dos
outros do que em relação a nós mesmos, em razão da posição exotópica que
ocupamos, isto é, da posição exterior que ocupamos em relação aos outros. Roberto,
ao destacar a importância de participar do GdS, dá indícios de estimar a relação com
o outro, na medida em que valoriza o “olhar externo, pois muitas vezes, por estarmos
envolvidos diretamente no processo, não conseguimos perceber detalhes
importantes. E esse estranhamento consigo ter ao participar do GdS”. Em uma
interessante passagem de sua entrevista, não só reconhece a importância de lidar
com as diferenças no GdS, como também identifica com o que pensa contribuir e o
que pensa receber de contribuição.
Segundo Roberto, por um lado, os professores universitários “têm um
conhecimento teórico maior que podem justificar e/ou dar apoio às nossas práticas
de sala de aula, o que permite ter um novo olhar sobre nossos alunos e pensar em
novas práticas”. A partir da interlocução com o grupo, o professor reconsiderou
aspectos de sua atuação docente, como o próprio sentido de avaliação. Ele também
considera que participar de um grupo “permite ao professor universitário conhecer
a realidade das escolas através dos professores da escola básica e, assim, rever a
formação dos futuros professores”, bem como suas teorizações.
Nessa “ressonância entre histórias” (BATESON, 2000, p. 243), as percepções de
Roberto vêm ao encontro dos estudos de Dario, quando aponta que “[…] os
professores da escola básica, desde a formação do grupo, têm negociado significados
e perspectivas com os formadores e os acadêmicos da universidade sobre questões
da prática pedagógica em matemática e do trabalho docente nas escolas públicas no
contexto atual” (FIORENTINI, 2009, p. 234-235). Em seus estudos, tem
compreendido que
Embora os porta-vozes da academia tragam ao grupo questões que ajudam a produzir estranhamentos e problematizações à prática dos professores da escola básica, estes últimos, ao tomarem como referência seus lugares nas escolas, manifestam um excedente de visão sobre os acadêmicos, por possuírem um saber de experiência relativo ao ensino da matemática nas escolas públicas e privadas. Além disso conhecem as condições de produção do trabalho docente nessas escolas, vislumbrando o que é possível ou não realizar na prática
255
escolar e denunciando os limites e as idealizações frequentes dos acadêmicos, que geralmente não conhecem por dentro – isto é, experiencialmente – a complexidade de ensinar matemática na escola atual (FIORENTINI, 2009, p. 234-235).
Como já apontei neste texto, quando realizei a primeira entrevista, Eliane havia
recentemente se desligado do ensino básico para atuar exclusivamente no ensino
superior. Durante o período em que participava de ambos os mundos (da escola e
da universidade), Eliane compartilhava com o grupo experiências desses dois
contextos de prática. Por essa razão, reafirmo que ela tinha uma posição que se
diferenciava no grupo, podendo posicionar-se como uma insider em ambos os
mundos.
Ao longo do tempo, temos compreendido que no grupo se produzem outras
experiências de significação e compreensão sobre as experiências mobilizadas ou
trazidas pelos participantes a partir de seus mundos, sobretudo da escola e da
academia. Clandinin e Connelly (2011, p. 27), tomando por base os estudos de
Dewey, ressaltam que
[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e no contar dessas histórias se reafirmam. Modificam-se e criam novas histórias. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém-pesquisadores em suas comunidades.
No GdS, também estabelecemos interlocução: com leituras diversas (livros
didáticos, paradidáticos, teses e dissertações, narrativas de professores etc.); com
outras comunidades de educadores e educadores matemáticos (grupos
colaborativos ou de pesquisa nacionais e internacionais e entidades
representativas); com programas e políticas de governo, no que se refere à formação
continuada de professores ou ao ensinaraprender matemática; com outros mundos,
outros tempos e contextos que, ao serem discutidos e contrastados com as
experiências pessoais e coletivas dos participantes, proporcionam ampliação de
sentidos e significados às práticas e conhecimentos dos participantes.
Esses movimentos me lembram as palavras de Bakhtin (2011, p. 348), para
quem a “vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:
interrogar, ouvir, responder, concordar, etc.”. Nesse diálogo é que o homem
256
“participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o
espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra
no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal” (p. 348).
No contexto do GdS, através do encontro e do diálogo com outros
participantes e com reificações diversas, como a literatura da educação e da
educação matemática, os protagonistas deste estudo, por um lado, puderam
compartilhar suas compreensões dos contextos da docência e da formação do
professor que ensina matemática. Por outro lado, constituíram novos significados
para o ensinaraprender matemática por meio da investigação e da reflexão.
Sobre as compreensões dos contextos da docência, sabe-se que as histórias de
professores e formadores, mudam à medida que novas situações são
experimentadas. Essas histórias também mudam, no momento em que novas
políticas e programas de governo são criados. Nos encontros do GdS, nos últimos
anos, temas como o sentido da escola para o jovem, programas curriculares e
condições da carreira docente também fizeram parte das pautas. Nesse sentido,
temos estudado os contextos dos sistemas de ensino, das escolas e da educação
matemática.
Optei por abrir o capítulo 04 com a narrativa de um episódio no qual os
protagonistas desse estudo se encontram. No GdS, em 2008, estávamos envolvidos
nas discussões sobre os novos programas curriculares “São Paulo Faz Escola”. O
grupo, aquele ano foi marcado pela escrita de um manifesto no qual criticávamos as
novas propostas da SEESP para o currículo. Seguindo uma tendência de reformas
baseada em programas meritocráticos, a SEESP implementou políticas de metas para
as escolas estaduais baseadas na prova do Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) e vinculou o bônus dos servidores ao
desempenho dos alunos nessa avaliação. Naquele período, entre outras iniciativas,
o governo estadual enviou às escolas materiais com características de apostila
através do programa “São Paulo Faz Escola”. Nossa defesa, entretanto, era a de que
os próprios professores da rede fossem protagonistas da construção do currículo.
Não simpatizávamos com a ideia de que materiais escritos por especialistas, muitos
257
deles alheios à realidade das escolas estaduais paulistas, fossem os autores dessas
mudanças.
Naquele contexto, ao organizar o II SHIAM, optamos por levar essas discussões
a esse tempo-espaço que transcende as fronteiras dos espaços dos encontros
quinzenais do grupo. Assim, compusemos uma mesa-redonda intitulada “Grupos
colaborativos como forma de resistência ao movimento homogeneizador das
práticas escolares em matemática”, ocorrida no terceiro e último dia do evento.
Naquela edição do evento, foi Dario quem coordenou essa mesa, tendo
apresentado, na abertura, questionamentos sobre as ações da secretária com base
em discussões que havíamos tido nos encontros do GdS. Entre outras coisas,
questionávamos qual seria o papel dos grupos colaborativos naquela reforma
curricular. Como todos os estudantes podiam seguir materiais padronizados, se
possuem diferentes níveis de letramento escolar? O que estaria por trás daquele
programa? Qual a intenção dessa política de governo? Mostrar apenas resultados na
progressão escolar ou melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem? Até que
ponto esse programa poderia contribuir para o desenvolvimento profissional dos
professores? Os professores da rede puderam, de fato, participar da construção
desta proposta? Foram, pelo menos, ouvidos?
Cochran-Smith e Lytle (2009) destacam que os participantes de comunidades
investigativas estão trabalhando a favor e contra o sistema, uma vez que
problematizam “hipóteses fundamentais sobre os propósitos do sistema
educacional existente; sendo esse trabalho realizado a partir do levantamento de
questões difíceis sobre os recursos educacionais, processos e resultados”
(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009, p. 154, tradução GEPFPM). Nesse sentido, ao tecer
discussões no GdS e propor aquela mesa, não se tratava de sermos contrários a
reformas curriculares; o que questionávamos eram os modos como esses programas
foram concebidos, o papel da comunidade escolar no processo, a forma como
chegavam às escolas e as possibilidades de desenvolvimento profissional que se
abriam aos professores. De fato, como ponto de partida, trabalhávamos contra e a
favor do sistema.
258
Naquele episódio, Eliane havia sido indicada pelo grupo para ser a “porta-voz”
do GdS, em relação aos desmandos da SEESP, ao propor uma mudança curricular
com a qual o grupo não se alinhava e à qual tinha sérias críticas. A partir de sua
experiência no GdS e em outros grupos, Eliane tem defendido, junto às secretarias
de educação, o reconhecimento dos grupos colaborativos como instância legítima
de desenvolvimento profissional do professor que atua na rede pública. Naquele dia,
ao confrontar suas experiências vividas em grupos colaborativos com as experiências
que vivia na rede em que atuava como professora, Eliane questionava a política
homogeneizadora e colonizadora da SEESP. Criticava a não valorização dos saberes
docentes construídos a partir de reflexões e/ou investigações sobre as práticas de
ensinar e aprender.
Cochran-Smith e Lytle (2009) acreditam que uma ideia amplamente aceita é
a de que os professores, além de serem determinantes para a qualidade de ensino,
são também peças-chave para as reformas. Entretanto, essa não parecia ser a ideia
da SEESP. Como sabemos, a reforma curricular e a imposição daqueles programas
meritocráticos não foram foco de discussões coletivas com as comunidades
escolares da rede estadual. No período, o que ocorreu foi uma consulta on-line para
saber a opinião dos professores da rede de ensino sobre a proposta curricular “São
Paulo Faz Escola”. Segundo Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 149, tradução GEPFPM)
“infelizmente, embora haja uma variedade de alternativas promissoras, o
mecanismo primário para tal [reforma do ensino] tem sido controlar o seu trabalho
através de um sistema de monitoramento atento e de responsabilidade pública
rigorosa”.
Roberto, por sua vez, no primeiro dia daquele II SHIAM já havia participado
da mesa intitulada “Perspectivas e possibilidades da colaboração para (re)significar
o ensino de Matemática e suas práticas”, na qual narrou sua participação no projeto
“Escola Singular: Ações Plurais”, parceria universidade-escola, bem como o modo
como constituiu, com as professoras dos anos iniciais de sua antiga escola, um grupo
colaborativo sobre a prática de ensinaraprender matemática. Nesse grupo, passou a
259
coordenar e a desenvolver atividades de formação, principalmente atividades
matemáticas.
Se, por um lado, Eliane apontava as dificuldades encontradas na rede
estadual para ter espaço, por outro, Roberto encontrou, na jornada completa na
rede municipal, espaço para constituir um grupo colaborativo. As experiências
trazidas à aquela edição do SHIAM, lembram-me que, para Cochran-Smith e Lytle
(2009, p. 156, tradução),
quando os professores em exercício são inseridos na mudança educacional, então, a teoria corrente de ação torna-se um tipo de palimpsesto; ou seja, ao se criarem novas hipóteses sobre a influência poderosa de tais professores , substituem-se não apenas as perspectivas muito visíveis e deficitárias sobre os professores como trabalhadores de baixo status, como também a ideia desdenhosa e amplamente divulgada de ensino como profissão; perspectivas e ideias essas que têm acompanhado os professores por muito tempo. Esta abordagem articula-se ao que chamamos em nosso livro anterior de uma perspectiva “de fora – de dentro” que coloca o conhecimento e a competência, no que se refere à prática, fora dos contextos da prática nos quais esse conhecimento deverá ser usado.
Em contrapartida, no que se refere às experiências de desenvolvimento
profissional, nessa discussão sobre os contextos dos sistemas, das escolas e da
Educação Matemática, tanto Roberto como Eliane parecem ter realizado
movimentos “de dentro” da escola para fora de suas comunidades escolares. Desse
modo, naquela edição do SHIAM, criticaram práticas vigentes e deram a ver quais
seriam os contextos privilegiados ao desenvolvimento profissional dos professores.
Roberto, a partir de sua experiência, apresentou-nos uma alternativa ao
desenvolvimento profissional baseada na experiência colaborativa de um grupo de
professores situados na escola. Apesar de não encontrar uma formação continuada
que dialogasse com a sua prática em seu contexto profissional, aproveitando-se da
necessidade de completar sua jornada de trabalho na rede municipal, ele mesmo
criou, na escola, um ambiente colaborativo de aprendizagem profissional, tendo
como referência suas experiências anteriores de desenvolvimento profissional em
comunidade.
260
Como destaquei em sua narrativa, Roberto entende que sua percepção da
docência como um espaço político foi constituída a partir de sua participação no
Grupo de Sábado (GdS), onde compreendeu que
[...] entendendo o contexto, temos uma visão mais ampla do ensino. De repente, eles resolvem fechar uma sala, então passei a procurar o “porquê”. Eu acho que, ao participar do grupo, aprendi a ter essa visão do geral para questionar políticas públicas que afetam minha prática. [...] podemos e devemos lutar para ter uma política pública de ensino adequada à realidade e que é possível conseguir mudanças através desta luta (entrevista Roberto).
Roberto, em síntese, destaca que, ao participar do GdS, passou a vislumbrar
possibilidades de mudanças macroestruturais na educação: “a partir da participação
no grupo, penso que podemos e devemos lutar para ter uma política pública de
ensino adequada à realidade e que é possível conseguir mudanças através desta
luta” (entrevista Roberto).
Ao trabalharem em comunidades investigativas, Coochran-Smith e Lytle (2009,
p. 135) apontam que “as paredes das salas de aula, escolas e outros locais de
trabalho profissional não mais delimitam os compromissos desses professores”, e
eles podem, assim, ultrapassar os limites dos contextos locais.
Eliane, por sua vez, parecia trabalhar contra e a favor do sistema, ao dar a ver
sua realidade de professora em uma rede que passava por um processo de reforma.
Para ela, “tudo o que me move nessas questões políticas, vamos dizer assim, é tentar
fazer com que seja reconhecido oficialmente aquilo que me transformou como
professora” (entrevista Eliane).
Naquela ocasião, ainda que estivéssemos em um evento realizado por uma
comunidade fronteiriça que conta com a participação de professores, futuros
professores, pesquisadores e acadêmicos, Dario ocupava um espaço “de dentro” da
academia. De certo modo, ao que me parece, a partir de sua “cátedra” realizava
questionamentos levantados em uma comunidade fronteiriça por professores,
formadores, pesquisadores e futuros professores. Wenger (2001, p. 135) destaca
que as comunidades não podem ser compreendidas como isoladas do mundo, uma
vez que “suas histórias não são internas, mas de articulação com o resto do mundo”.
261
Através de Dario, nossas questões foram apresentadas aos participantes
daquela edição do SHIAM e, inclusive, problematizadas pelos participantes que
escolhemos para compor a mesa, dentre os quais Eliane. Se considerarmos os
programas curriculares como um objeto de fronteira de discussão no GdS, o papel
de Dario foi levantar essas discussões e levá-las para além da fronteira do GdS, isto
é, ao espaço-tempo público do SHIAM. Na condição de um acadêmico que vive em
contato com o mundo da escola por meio das experiências significadas e trazidas
pelos professores, Dario tem sido, de algum modo, um intermediário (brokering),
indivíduo que leva elementos de uma comunidade de prática a outra (WENGER,
2001).
Sobre isso, Wenger (2001, p. 140) destaca que um objeto de fronteira não é
necessariamente um artefato ou uma informação codificada, “um bosque pode ser
um objeto de fronteira entorno do qual os excursionistas, os interessados
madeireiros, os ecologistas, os biólogos e os proprietários organizam suas
perspectivas e buscam maneiras de coordená-las”. Por sua vez, os intermediários
podem estabelecer novas conexões entre comunidades de prática, facilitar a
coordenação e acordar as perspectivas, quando bons corretores podem inclusive
promover “novas possibilidades de significados” (p. 142).
Após aquele encontro, no qual diferentes experiências de desenvolvimento
profissional se encontravam e continuamente se constituíam, algumas coisas
mudaram. Roberto não coordena mais o grupo colaborativo com as professoras dos
anos iniciais. Daquela escola em que atuava, ficaram a saudade e a lembrança de um
tempo que não lhe pertence mais. Com o fechamento das salas de aula, precisou
mudar sua sede, ampliou sua jornada e não possui mais espaço-tempo e ambiente
profissional40 para esse tipo de iniciativa.
Em outro contexto, Eliane prossegue com seu compromisso com os grupos
colaborativos. Em sua narrativa, ela destaca que foi a falta de incentivos à sua
carreira como professora da escola básica e a pouca valorização de espaços
40 É possível que a escola que Roberto atuava apresentasse um clima diferenciado, pois havia sido cenário de um projeto linha ensino público da Fapesp, conforme já citei.
262
formativos e das práticas investigativas, como ocorre nos grupos colaborativos, que
a motivaram a seguir a carreira acadêmica. Atualmente, tenta constituir, em sua
universidade, um grupo colaborativo com os estudantes do curso de licenciatura em
Matemática.
Dario, por sua vez, mantém seu trabalho junto ao GdS. Com mais experiência
no campo científico da Educação Matemática, ele tem tido acesso a certas instâncias
deliberativas que nós, como acadêmicos em início de carreira ou até professores
experientes, ainda não temos. Continuamente, tem sido consultado sobre
programas e políticas de governo. Não que ele se aproprie das vozes dos professores,
mas o fato de conhecer a perspectiva desses profissionais sobre as políticas e os
programas, o tem colocado em uma posição fronteiriça e, muitas vezes,
intermediária, de mediação entre os professores e os acadêmicos ou gestores de
políticas e programas públicos.
Exemplo disso tem sido sua atuação no Forpred, tendo-se envolvido,
juntamente com outros colegas, na proposição e na concepção de um programa de
mestrado profissional para a Área de Educação na Capes, concepção essa
fortemente influenciada por sua participação no GdS e no GEPFPM. Segundo Dario,
sua participação no GdS tem, de fato, influenciado significativamente sua postura
em relação a uma concepção de mestrado profissional. Ele acredita que os
professores devem ter uma formação especializada articulada aos conhecimentos
do campo profissional. Nesse sentido, em sua proposta, “caberia aos formadores,
trabalharem ou atuarem em função da perspectiva dos professores”. O mestrado
profissional, conforme suas palavras, “não é para colonizar, mas para trabalhar a
partir de questões que os professores já sabem ou trazem para aprofundamento,
investigação e, inclusive, teorização da própria prática, durante seus estudos na pós-
graduação” (Entrevista).
A partir dessa experiência no GdS e das interlocuções que tem estabelecido ao
longo do tempo com outras comunidades de educadores matemáticos, Dario
também tem realizado diversas teorizações sobre o professor que ensina
matemática. Como destaquei em sua narrativa, em sua produção científica mais
263
recente, há ao menos dois aspectos constantes que chamam minha atenção. Por um
lado, a presença da perspectiva docente marcada pelas narrativas de professores
que participam de comunidades como o Prapem e o GdS. Por outro lado, nota-se um
senso de compromisso com a construção de um campo científico e profissional. Em
entrevista, revelou que o contato com os professores da escola tem dado referência
e sustentação para suas ideias, ao longo de sua trajetória. Em suas palavras,
eu não gosto de teorizar por teorizar... Acho que a participação em um grupo como esse, de algum modo, dá sustentação para nossas ideias, para nossas crenças epistemológicas. Ou seja, teorizamos com base em uma determinada prática. As teorizações que tenho feito são pautadas em cima de uma experiência concreta de formação docente, tanto na graduação, como na formação em serviço, e junto com os professores e futuros professores (entrevista Dario).
A participação em uma comunidade fronteiriça, portanto, parece lhe trazer
subsídios empíricos para teorizar sobre a formação e as aprendizagens docentes, a
partir de uma prática colaborativa entre universidade e escola, ou entre formadores,
professores escolares e futuros professores, sobretudo quando constituem
comunidades de educadores, podendo, estas ser fronteiriças ou não na relação
escola-universidade. Na abertura da narrativa de Dario há um episódio no qual ele
apresenta um capítulo de livro, que tem por objetivo
narrar e descrever o processo de formação e de desenvolvimento de uma comunidade de prática que se constituiu a partir do encontro de professores que ensinam matemática na escola básica e de professores formadores e acadêmicos da universidade que atuam no campo da educação matemática. (FIORENTINI, 2009, p. 223)
Naquele encontro do grupo, Dario nos apresentou a história do GdS e a
compreensão da dinâmica do grupo sob a ótica antropológica de Jean Lave e
Ettienne Wenger, destacando as aprendizagens e o desenvolvimento profissional
daquela comunidade. Para Dario, havia no grupo um compromisso comum com a
reflexão e a investigação sobre o ensino e a aprendizagem da matemática nas
escolas. Segundo o pesquisador, na comunidade GdS aprendíamos mediante
participação. No grupo, “aprendemos fazendo, discutindo, refletindo, investigando,
escrevendo, lendo. Essas coisas são práticas. Leitura é uma prática. Teorizar sobre
isso também é uma prática” (Dario, transcrição 12 set. 2009).
264
À medida que Dario descrevia o grupo como uma comunidade de prática,
tecíamos comentários sobre sua leitura. Lembro de ter destacado que éramos
constituídos, não por uma, mas por várias comunidades de prática. Em um
determinado momento, Eliane questionou os diferentes modos como os
participantes se envolviam com o grupo. Segundo ela, “às vezes, fica nítida essa
noção de que a aprendizagem em uma comunidade se dá pela participação, pela
forma de participação” (Eliane, transcrição 12 set. 2009). Entretanto, destacou que
há “integrantes que percebemos que não comungam dos mesmos pensamentos.
Eles vão aos encontros, mas não é o mesmo, parece que não caminham na mesma
linha de pensamento” (Eliane, transcrição 12 set. 2009).
A partir daquele comentário, Dario tentou problematizar o sentido de
participação em uma comunidade, na qual “algumas pessoas não entram em
comunhão com aquilo que acontece no grupo”. Para isso, buscou apoio no conceito
de participação periférica legítima (LAVE; WENGER, 1991), o qual
refere-se ao novato que entra no grupo e procura se engajar (fazer o que o grupo faz), embora ainda não tenha domínio da prática do grupo. Mas alguns novatos são mais silenciosos, no início. Pouco se manifestam oralmente, porém estão atentos a tudo o que acontece no grupo. Fazem anotações em suas agendas. Procuram ler os textos sugeridos para leitura ou produzidos pelo grupo. E, em pouco tempo, se tornam também participantes plenos. (FIORENTINI, 2009, p. 224)
Em meio a esse diálogo sobre o sentido de participação em uma comunidade
como aquela, Dione ressaltou o fato de que, em uma comunidade de participação
não obrigatória, como é o caso do GdS, a questão da não participação era atenuada,
uma vez que aqueles que, de fato, não se identificam com o grupo não sentem
necessidade de abrir espaço em suas vidas para participar dessa comunidade.
Como já destaquei diversas vezes, atualmente, em sua produção, Dario tem
compreendido o GdS como uma comunidade fronteiriça, onde há mais liberdade no
modo de participação, uma vez que não há a regulação ou o controle da escola ou
da universidade. Ao que me parece, ao participar de uma comunidade fronteiriça,
mobilizamos interesses diversos. Os sentidos que atribuímos à participação em uma
265
comunidade variam de acordo com as percepções que constituímos, ao longo do
tempo, sobre essa comunidade.
Não é possível afirmar que Dario começaria a olhar para o GdS como uma
comunidade fronteiriça em razão de nossos questionamentos sobre sua leitura do
grupo como uma comunidade de prática. Em um primeiro momento, a leitura do
grupo sob essa perspectiva, pode ter nos parecido mais orgânica do que o modo
como vislumbrávamos aquelas relações. Por essa razão, tecíamos diversos
questionamento no momento da apresentação no GdS de seu texto.
Seguramente, ele não modificou suas percepções a partir de um único
encontro no GdS. Entretanto, do mesmo modo que os professores produzem
estranhamentos e ressignificações sobre suas práticas, ao torná-las públicas em uma
comunidade, também os pesquisadores e os formadores têm suas teorizações
ressignificadas e transformadas, ao compartilhá-las e discuti-las na própria
comunidade de origem.
Cochran-Smith (2005) utiliza a expressão “trabalhando com a dialética” ao
associar a pesquisa à sua função de formadora. Para ela, formação docente e
pesquisa possuem relações recíprocas e simbióticas. Ser formadora e pesquisadora,
para ela, é como atuar em uma espécie de fronteira. No mesmo artigo, destaca que
escrever sobre formação de professores é como escrever sobre sua vida. A
pesquisadora sugere que parte da tarefa do formador é pesquisar a sua prática. O
mesmo parece acontecer, ao longo dos anos, com Dario. À medida que investiga a
formação do professor que ensina matemática, também tem investigado sua própria
atuação.
Quanto às experiências de investigar e refletir sobre o ensinaraprender
matemática constituídas no GdS, no episódio que abre a narrativa de Roberto, o
professor apresenta considerações sobre os sentidos de avaliar, a partir de um artigo
sobre a temática. Naquele momento, Roberto revelou que, até então, compreendia
a avaliação como um produto de mensuração. No momento, naquele dia, o
professor nos chamou a atenção ao fato de que a avaliação precisa ser (re)significada
266
(para ele) como processo, e não como um produto ao final do trabalho pedagógico.
Cabia a ele, portanto, como professor, fazer com que os alunos se sentissem
responsáveis pelo seu próprio aprendizado.
O que me chamou atenção, naquele momento, é que Roberto já fazia
referência às fichas de avaliação apresentadas pelas colegas de grupo Conceição e
Adriana (LIMA; MARTINS, 2009). Essas fichas permitiam avaliar diferentes aspectos
do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem em uma disciplina
(comportamento, atividades realizadas em sala de aula, atividades realizadas em
casa, atividades realizadas em grupo, prova). Anos mais tarde, em 2012 e 2015, vim
a saber que Roberto continua utilizando essas fichas em suas aulas.
Sobre a constituição da experiência de avaliar de modo processual, o
professor afirma que a participação no GdS lhe possibilitou compreender que
“muitas vezes devo ter cuidado não com o resultado, isso é uma coisa que nós da
matemática pura queremos: o resultado”. Depois das experiências do GdS, “o que
mais vejo agora é como esse aluno está pensando”. Roberto também fez questão de
reafirmar o que, de fato, mudou em sua prática: “aplico prova? Aplico prova. Tem
exercício de ‘resolva’? Tem, exercício de resolva. Mas, meu olhar principal não é mais
esse, mesmo minha prova, eu trabalho com consulta”. E complementa: antes “não
tinha essa ideia de ver o modo como o aluno resolveu as questões, quais as relações
que estabeleceu e se ele realmente está fazendo” (Entrevista Professor Roberto).
Apesar de eu ter dado um zoom em um determinado momento da
participação de Roberto no GdS, é evidente que suas percepções sobre avaliação
foram modificadas ao longo do tempo, tanto no contexto do GdS como em outros,
propícios à reflexão e à investigação sobre a temática. Em uma perspectiva
diacrônica, é possível perceber que o professor passou por um processo de
transformação não apenas pela leitura de um texto, como pode sugerir sua fala de
apresentação do episódio trazido. Ao que me parece, o processo de transformação
de Roberto ocorreu mediante estudo e reflexão, no diálogo com colegas e
conhecimento de outros modos de avaliar, no estranhamento de sua prática e na
(re)significação das mesmas.
267
É provável que Roberto, ao chegar ao GdS, soubesse uma série de
procedimentos sobre avaliação e também conhecesse bons métodos para avaliar
seus estudantes. Entretanto, esses saberes construídos pelos professores na prática,
apesar de serem “plenos de sentido e significado para a formação e o
desenvolvimento humano, podem, devido à naturalização e à rotina da prática –
como destaca Foucault (1977) – ter-se tornado naturais e válidos por si mesmos,
ocultando desvios, ideologias e relações de poder” (FIORENTINI, 2013a, p. 158). Por
essa razão, uma comunidade responsiva faz-se necessária ao professor, bem como
ao formador e ao pesquisador, que também necessitam aprimorar continuamente
suas práticas e seus conhecimentos.
Uma outra experiência vivida por Roberto no contexto do GdS refere-se a uma
investigação da própria prática (BARBUTTI, PROENÇA e CRECCI, 2014). Conforme sua
narrativa, ao identificar as dificuldades dos estudantes em compreender os sentidos
inerentes à operação de divisão aritmética, Roberto solicitou auxílio ao grupo para a
compreensão desse processo. Ao propor problematizar a questão, Roberto já
trabalhava com uma prática destacada na narrativa de Eliane – a escrita em aulas de
matemática. Sobre isso, Eliane relatou, em sua entrevista, que ela e alguns colegas
haviam assistido a uma comunicação no COLE sobre a escrita em aulas de
matemática e, como gostaram, decidiram levar para o GdS.
[...] assistimos a uma comunicação no COLE falando desse uso da escrita e aí surgiu a ideia de ler sobre a escrita no grupo. Então, mesmo não partindo de um problema da sala de aula, havia partido de um encantamento nosso. Assistimos a uma comunicação, gostamos (entrevista).
Roberto, após o estudo dessa perspectiva no GdS, resolveu inseri-la em seu
planejamento pedagógico. Em um e-mail enviado à lista do grupo, relatou que, a
partir da escrita dos estudantes, percebeu que eles compreendiam os
procedimentos, mas não os sentidos subjacentes ao processo de resolução do
algoritmo da divisão. Daquele e-mail disparado por Roberto, surgiram várias
interações, reflexões e sugestões de trabalho...
268
No I Simpósio de Grupos Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que
Ensina Matemática, durante o IV SHIAM, o professor destacou que “a construção da
divisão nos 6º anos está em processo ainda. Por isso tenho que trabalhar, pelo que
percebi, mais o nosso sistema de numeração. Será que o ábaco é o melhor material?
Mas isso é outra questão para o GdS”. Segundo ele, no contato com experiências de
colegas do grupo, “passei a utilizar sistematicamente materiais como o Cuisenaire e
Material Dourado em minhas aulas”, apesar de também ter compreendido seus
limites a partir da interlocução com alguns acadêmicos do grupo que já haviam
investigado o uso desses materiais.
Ao longo do tempo, Roberto tem experimentado diferentes possibilidades de
ensinaraprender matemática. Como destaquei em sua narrativa, no contexto do
GdS, Roberto destaca que pôde “compartilhar minhas experiências e ouvir outras,
questionar e tirar dúvidas sobre minha prática, obter subsídios teóricos e indicações
de leituras” (entrevista Roberto).
A trajetória reflexiva e investigativa do professor no GdS lembra-me as palavras
de Contreras (2010, p. 79), ao defender que a formação de professores deve sempre
considerar, em primeiro lugar, “a experiência, de modo que cada um possa
encontrar uma linguagem que lhe ajude a pensar, olhar para o que o ajuda e para o
que atrapalha; para cada um, cada uma, cultivar a sua abertura para o outro”.
As compreensões de Roberto sobre o ensinaraprender matemática e suas
relações construídas no GdS demonstram o quão podem ser significativas, para seus
participantes, as comunidades que tomam as experiências de seus membros como
ponto de partida. Roberto, ao narrar suas experiências no GdS, pôde contar com a
reação dos participantes para suas histórias. Nesse processo, as narrativas dos
participantes tornam-se prenhes de sentidos, abrindo possibilidades para
compreensões da própria prática.
[...] o desenvolvimento da nossa autocompreensão dependerá de nossa participação em redes de comunicação onde se produzem, se interpretam e acontecem histórias. A construção do sentido da história de nossas vidas e de nós mesmos nessa história é, fundamentalmente, um processo interminável de ouvir e ler histórias, de mesclar histórias, de contrapor umas histórias a outras, de viver
269
como seres que interpretam e se interpretam em tanto que estão se constituindo nesse gigantesco e agitado conjunto de histórias que é a cultura. (BONDIA-LARROSA, 1996, p. 471-472)
Em seu processo de desenvolvimento profissional, Roberto revela, em síntese,
que ele mudou seu entendimento e sua prática em relação à avaliação, tendo
passado a utilizar fichas compartilhadas por colegas do grupo. Passou a utilizar
também a escrita discursiva em suas aulas, sobretudo para analisar melhor o
processo de ensinaraprender o algoritmo da divisão. No contexto do GdS, não houve
imposição para que aderisse à escrita ou às fichas de avaliação. Isso aconteceu,
provavelmente, porque experienciou e se identificou com essas práticas, tendo
transformado seu modo de ser e atuar como professor.
Em suas próprias palavras, a principal aprendizagem foi “o olhar para o aluno”.
Segundo Roberto, atualmente, sua preocupação está mais nos processos do que nos
resultados que os estudantes apresentam na avaliação. Foi, também, no contexto
do GdS que Roberto deu início a uma investigação de sua própria prática sobre o
ensino do algoritmo da divisão. Isso nos remete a Cochran-Smith e Lytle, quando
afirmam que, em comunidades investigativas, os participantes aprendem “quando
identificam e são capazes de lançar um olhar crítico sobre suas próprias experiências,
hipóteses e crenças”. Ou seja, a própria prática, no sentido ampliado como descrito
acima, é o principal lócus para a investigação do professor (COCHRAN-SMITH; LYTLE,
2009, p. 157, tradução GEPFPM).
Em relação a Eliane, foram vários os momentos que se implicou em investigar
e em refletir sobre sua prática. Como relatei em sua narrativa, na primeira entrevista,
questionei se observava mudanças diretas em sua prática após passar a participar
do GdS. Foi, então, que a professora se lembrou de uma atividade na qual trabalhou
com o uso do software Winplot para ensinar geometria. Em uma oficina que
participou no I SHIAM, a professora levou o software ao conhecimento do GdS. Ao
conhecer essa ferramenta, apresentá-la ao grupo em parceria com um colega,
resolveu relacionar a perspectiva da atividade exploratório-investigativa com o
software e a proposta curricular “São Paulo Faz Escola”.
270
No momento de trabalhar as atividades com os estudantes, buscou na
literatura subsídios para apresentá-las e desenvolvê-las com eles. Ao assumir uma
postura investigativa, apropriou-se de teorias do campo da educação matemática
para (re) significar sua prática. Tomando por base suas próprias produções no
contexto do GdS e os estudos de Ponte (2003), destacou, na introdução de sua aula
com os estudantes, que “as tarefas não são como os exercícios e problemas que
resolvemos normalmente” (CRISTOVÃO, 2008b, p.06). De acordo com a professora,
“estas ‘tarefas’, como são chamadas, não têm uma resposta única”. Destacando o
papel do aluno, apontou que será justamente “criar questões, levantar conjecturas
(hipóteses), inspirado pelo conteúdo da tarefa, além de testar e buscar comprovar
as conjecturas levantadas”. Após essa explicação, apresentou as tarefas e comentou
como pretendia desenvolver essas aulas.
Como destaquei em sua narrativa, Eliane compartilhou com o GdS a produção
dos estudantes, que conjecturaram, formularam hipóteses e representaram as
funções graficamente através do Winplot. Nessa produção, é possível perceber
regularidades nos comportamentos das funções estudadas e destacar o papel de
cada coeficiente na alteração desses comportamentos.
Ao analisar a trajetória investigativa da própria Eliane, constituída em
comunidades investigativas (fronteiriças e acadêmicas), tomando por base a teoria
social de aprendizagem de Lave e Wenger (1991), Dario compreendeu que
[...] mediante colaboração de parceiros críticos de comunidades investigativas, sejam elas acadêmicas ou profissionais, [Eliane] desenvolveu, como um dos indícios de aprendizagem e desenvolvimento profissional, uma profissionalidade com postura investigativa, desvendando continuamente outros saberes e possibilidades sobre o que se ensina e se aprende nas escolas, tendo também mudado o modo de trabalhar e de relacionar-se com os alunos e com o conhecimento matemático e didático pedagógico, sobretudo em classes de alunos com dificuldades de aprendizagem. (FIORENTINI, 2013a, p. 152)
No contexto do GdS, Eliane viria a desenvolver uma série de reflexões e
investigações sobre sua prática. No episódio que abre sua narrativa no capítulo
anterior, destaquei sua parceria com membros de um subgrupo do GdS. A iniciativa
para o desenvolvimento desse projeto decorreu da percepção de que matrizes e
271
determinantes poderiam ter outras abordagens e que se fazia necessária uma
reflexão sobre esses conteúdos. A partir dessa constatação, o subgrupo criou uma
sequência didática. Eliane foi quem desenvolveu com os estudantes do ensino médio
as tarefas elaboradas pelo subgrupo. Para construção dessa sequência, apropriaram-
se de um conceito estudado por Eliane em um curso de especialização que fizera em
anos anteriores. Desse modo, o objetivo da sequência foi “evidenciar uma relação
entre os conteúdos, tentando proporcionar ao aluno uma real compreensão dos
conceitos, através da relação entre seus diversos registros de representação
semiótica (DUVAL, 2003)” (CRISTOVÃO; SPILLER, 2006, p. 05).
Essa experiência de investigar o currículo envolveu as etapas de elaboração de
tarefas exploratórias, seu desenvolvimento com os estudantes, registro e
documentação das atividades em sala de aula e sua posterior apresentação e análise
com o apoio do GdS, culminando com divulgação dos resultados e conclusões em
congressos e publicações em periódicos ou livros do Grupo de Sábado.
Esse processo de estudo e investigação desenvolvido por Lílian e Eliane, tendo
o GdS como contexto de discussão e validação, tem forte impacto na prática dos
participantes e contribui para o desenvolvimento curricular da comunidade mais
ampla de educadores matemáticos. Essa prática desenvolvida em uma comunidade
fronteiriça, traz, subjacente, a ideia de que os professores podem renovar e
construir, em conjunto, o currículo com os estudantes, em parceria com outros
professores, investigando suas próprias experiências, buscando recursos culturais e
linguísticos e integrando fontes de conhecimentos textuais, entre outros (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, 2009). No âmbito pessoal, as reflexões e as investigações de Eliane
sobre a própria prática também refletiram em sua atuação como formadora.
Esse episódio nos mostra que, à medida que os participantes de uma
comunidade fronteiriça constituem projetos investigativos e desenvolvem, ao longo
de um período, pesquisas intencionais e sistemáticas e divulgam os resultados,
produzem conhecimentos que transcendem os limites de sua comunidade.
Contribuem, por exemplo, para desenvolver o corpo de conhecimentos do campo
ao qual estão vinculados – no caso, a Educação Matemática. Em síntese, Dario e
272
Eliane trazem evidências de que suas teorizações sobre a formação do professor que
ensina matemática e sobre o ensinaraprender matemática são inspiradas e
fortemente influenciadas por suas participações na comunidade fronteiriça
constituída pelo GdS.
Sobre o processo de investigação acerca do ensinaraprender matemática, na
narrativa de Eliane, pode-se compreender o desenvolvimento do conceito de
atividades exploratório-investigativas, no contexto do GdS. Foi com a participação
de Dario em uma comunidade internacional de educadores matemáticos, na
Universidade de Lisboa e na Associação Portuguesa de Professores de Matemática,
que ele veio a conhecer a perspectiva de ensinaraprender matemática por meio de
atividades investigativas. No início do ano 2001, trouxe essa alternativa para
conhecimento, experimentação e discussão no GdS.
Quando Dario apresentou aquela perspectiva de ensinaraprender matemática
ao GdS, as tarefas e atividades investigativas eram aquelas elaboradas e
desenvolvidas em salas de aulas europeias. Por intermédio de participantes do GdS,
foi conhecer as possibilidades dessa perspectiva em escolas públicas e particulares
brasileiras, estabelecendo contornos próprios e mais adequados à nossa realidade.
Nesse processo de apropriação ou incorporação de práticas e procedimentos
externos ou estrangeiros, a investigação e a produção de conhecimento locais
passam a ser importantes para o desenvolvimento da autonomia dos professores.
A professora Juliana Castro foi a primeira integrante do GdS a se interessar
pelas investigações matemáticas, tendo desenvolvido experiências e investigações
que foram discutidas e analisadas no/pelo GdS. Cabe destacar também que Juliana
produziu, no Brasil, a primeira dissertação de mestrado sobre a temática das
investigações matemáticas (CASTRO, 2004).
Foi nessa mesma perspectiva que, anos mais tarde, Eliane e Fernando
Fernandes (aluno de IC na época) formariam uma parceria para desenvolver uma
investigação que tinha por objetivo “investigar as potencialidades pedagógicas das
investigações matemáticas (IM) no ensino da álgebra elementar, identificando,
sobretudo, indícios de formação e desenvolvimento da linguagem e do pensamento
273
algébricos de alunos ao iniciarem o estudo deste tópico escolar” (FERNANDES;
CRISTOVÃO; FIORENTINI, 2006, p. 05).
Em um movimento de planejamento de tarefas, desenvolvimento de
atividades e problematizações no GdS, estudariam e desenvolveriam o conceito de
tarefas e atividades investigativas, uma vez que puderam conhecer suas
possibilidades, limitações à “realidade da escola pública brasileira” (FIORENTINI;
FERNANDES; CRISTOVÃO, 2005, p. 07-08). Nesse sentido, “foram feitas várias
sugestões de reformulação e adaptação das tarefas e a recomendação, sobretudo
por parte da professora parceira, para reduzir a apenas duas tarefas. As tarefas, a
partir das discussões no grupo, adquiriam um caráter mais aberto e exploratório-
investigativo” (p.07-08). Em síntese, Eliane destaca que,
[...] com o auxílio do professor Dario, fomos construindo, no grupo, um conceito próprio – o de “prática exploratório-investigativa” – que passamos a utilizar com mais freqüência em lugar de investigação matemática. Assim, nossa preocupação deixou de ser a classificação de uma tarefa como investigativa ou não. Passamos a nos preocupar em elaborar tarefas que permitissem aos alunos envolver-se numa prática exploratório-investigativa. Após muitas discussões, principalmente aquelas mediadas por Juliana Castro, havíamos concluído que uma tarefa proposta, por mais aberta que fosse, dependia do envolvimento dos alunos e da postura do professor para tornar-se uma investigação. (CRISTOVÃO, 2007, p.11)
Acerca daquela experiência de teorizar sobre a própria prática, Eliane viria a
conhecer uma abordagem de ensinar matemática que perpassaria diversas de suas
produções acadêmicas. Conforme consta em sua narrativa, em 2004 participou de
uma oficina ministrada por Juliana, passando, então, a se envolver mais com essa
abordagem exploratório-investigativa de ensino. Nos anos seguintes, mediante
participação no GdS, em parceria com Fernando e Dario, a professora viria a
aprofundar questões relacionadas a essa temática. Para Day (2001, p. 20-21), as
experiências de desenvolvimento profissional envolvem participação em espaços
formais e informais de aprendizagem, um processo
[...] através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional,
274
essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais.
A experiência de desenvolvimento profissional que envolveu teorização sobre
o ensinaraprender matemática, pela qual passaram Eliane e Dario, em parceria com
outros participantes do GdS, envolveu o conhecimento de um novo modo de
estabelecer relação com a matemática e, portanto, de ensiná-la e aprendê-la na
escola. Envolveu, também, o desenvolvimento de atividades em sala de aula; a
problematização das atividades desenvolvidas; e a publicação dos resultados de seus
estudos em artigos e capítulos de livros.
Em síntese, para além das reflexões e das aprendizagens que impactaram a
prática dos professores e dos formadores envolvidos, os participantes dessa
investigação sobre atividades exploratório-investigativas sistematizaram
conhecimentos que puderam influenciar outras comunidades de educadores
matemáticos.
Se, por um lado, os participantes do GdS foram influenciados pelos estudos
portugueses, por outro, os participantes (re) significaram e constituíram
conhecimentos próprios. Cochran-Smith e Lytle (2009) chamam esse tipo de
conhecimento de “transcontextual”, no sentido de que esse é “frequentemente
tomado emprestado, interpretado e reinterpretado em outros contextos locais. Ao
examinar o conhecimento local gerado por comunidades locais, então, é importante
considerar o que é localizado e o que é globalizado” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2009,
p. 132).
Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 137) destacam, além disso, que os
participantes de comunidades investigativas podem produzir “contra narrativas
poderosas sobre a prática como práxis que desafia o discurso do professor em
exercício como técnico, consumidor, destinatário, transmissor e executor do
conhecimento produzido por outros”.
Fiorentini e Oliveira (2013) têm apostado na parceria entre professores e
formadores, tendo em vista a possibilidade de formação e aprendizagem de ambas
as comunidades às quais pertencem.
275
Uma prática colaborativa e investigativa conjunta entre formadores, professores da escola básica e futuros professores, envolvendo análises sistemáticas de problemas e práticas de ensinar e aprender matemática, na escola e em sala de aula, proporciona aprendizagens não apenas aos professores da escola, mas, também, aos formadores, que aprendem sobre a complexidade do trabalho pedagógico dos professores, em diferentes contextos de prática docente, e sobre outras formas e dinâmicas de formação docente, na qual a formação matemática do professor desenvolve-se a partir da mobilização e da análise do saber matemático de relação que é produzido e mobilizado na prática escolar e das interações discursivas em sala de aula. (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 935).
As reflexões e investigações sobre a própria prática, no caso de Eliane,
também seriam refletidas em sua atuação como formadora. Como destaquei em sua
narrativa, quando a questionei sobre a presença do GdS em sua prática como
formadora, Eliane apontou que "pensando na sala de aula do ensino superior, toda
a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em questionar as formas de
apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à escrita – tudo isso acaba
sendo incorporado em minha prática de professora formadora" (entrevista).
Aparentemente, tanto para Dario quanto para Eliane e Roberto, experienciar a
participação em uma comunidade na qual diferentes comunidades se encontram,
torna-se um espaço privilegiado de compartilhamento, problematização e
ressignificação, do qual podem resultar “contra narrativas”. O que vejo é que são
diversas as reverberações que acontecem a partir dessas experiências de
desenvolvimento profissional constituídas em uma comunidade fronteiriça. A partir
das narrativas do quarto capítulo, essas diferentes reverberações são discutidas e
problematizadas a seguir.
276
Reverberações da participação em uma
comunidade fronteiriça
O mapa de uma comunidade fronteiriça tem um desenho “desmontável,
reversível, suscetível de receber modificações constantemente” (DELEUZE;
GUATTARI, 1996, p. 22). A partir de seus participantes, essa comunidade agrega
influências de outros espaços e comunidades e também os influencia.
O sentido aqui apreendido de reverberação se refere ao fenômeno que se
propaga ou à ação de refletir. Assim, à medida que as narrativas foram sendo
constituídas, com o auxílio do professor Dario, pude observar as reverberações sob
duas perspectivas ou naturezas: uma intrínseca e outra extrínseca.
Ao analisar diacronicamente as narrativas dos participantes, foi possível
encontrar indícios de reverberações mais diretas e objetivas, as quais adjetivei como
extrínsecas. Essas reverberações extrínsecas podem ser evidenciadas pela
participação de Roberto, Eliane e Dario em outras comunidades e espaços (em
amarelo na Figura 12), bem como por suas investigações, sistematizações e
teorizações (em verde na Figura 12) constituídas no contexto do GdS e que, ao
tornarem-se públicas, transcenderam aos espaços dessa comunidade fronteiriça.
277
Figura 16 - Reverberações
Eliane, por exemplo, a partir de sua participação no GdS, teve a ideia de criar
uma outra comunidade fronteiriça. O Grupo Colaborativo de Estudos em Educação
Matemática (GCEEM) surgiu no contexto do desenvolvimento de sua dissertação de
mestrado. Essa é também uma comunidade fronteiriça, com características
parecidas com o GdS, cujos encontros ocorrem em espaços não formais e reúnem
acadêmicos e professores de matemática. Como destaquei em sua narrativa, Eliane
realizou, em seu mestrado, um estudo em classes de recuperação de ciclo, tendo,
para isso, constituído um grupo colaborativo denominado GCEEM, inspirada por sua
participação no Grupo de Sábado. Quando começou a lecionar em um curso de
licenciatura em Matemática, em uma instituição do interior de São Paulo, Eliane
278
fundou também o Grupo de Estudos e Práticas em Educação Matemática da FAAL
(GEPEMF).
Sua pesquisa de doutorado, realizada sob a orientação de Dario, teve por
questão investigativa “Que aprendizagens são evidenciadas na análise de práticas de
letramento de uma comunidade de professoras de Matemática?”. Por ocasião desse
projeto de pesquisa, as duas comunidades (GCEEM, GEPEMF) se uniram,
configurando o contexto do trabalho de campo dos estudos de doutoramento de
Eliane.
Em seu mais recente contexto profissional, no ano de 2013, Eliane prestou
concurso em uma universidade federal. Como formadora e a partir de sua atuação
no PIBID, atualmente inicia o processo de constituição de um grupo nessa instituição.
Roberto, por sua vez, motivado pela prática colaborativa que encontrou no
GdS e no projeto “Escola Singular: Ações Plurais”, constituiu, com as professoras dos
anos iniciais de sua antiga escola, um grupo colaborativo sobre a prática de
ensinaraprender matemática. Como parte de sua jornada de trabalho, passou a
coordenar e a desenvolver, com as professoras dos anos iniciais, atividades de
formação, envolvendo principalmente atividades matemáticas. Segundo o
professor, essa parceria resultou em “conversas, estratégias, formação conjunta,
planejamento curricular e de aula e desenvolvimento de atividades com os alunos do
ciclo” (Entrevista).
Com base nas experiências constituídas no GdS, Eliane e Roberto puderam
criar, em outros contextos, comunidades com dinâmicas semelhantes. Cochran-
Smith e Lytle (2009, p. 198, tradução GEPFPM) apontam que “aprofundar o local de
trabalho de investigação do professor significa sustentar e intencionalmente
proliferar e conectar intelectualmente e socialmente comunidades engajadas e
redes de vários tipos”.
Conforme já foi levantado, o SHIAM tem sido o espaço-tempo que tem
conectado os participantes do GdS a outras comunidades de educadores
matemáticos. Durante o IV SHIAM, foi constituído o I Simpósio de Grupos
279
Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que Ensina Matemática, que contou
com a participação de diversos grupos colaborativos do Brasil e da Argentina. Os
Simpósios dos grupos colaborativos já estão em sua terceira edição, tendo se
tornado um evento independente do SHIAM. No Brasil, esses espaços têm sido lócus
de resistência às políticas e aos programas homogeneizadores da prática docente
em matemática. Cochran-Smith e Lytle (2009, p. 176, tradução GEPFPM) apontam
para a importância de as comunidades se constituírem enquanto redes:
Sabemos que muitos, se não a maioria, dos professores em exercício experienciam uma pressão exacerbada para embarcarem nas novas ortodoxias de responsabilidades baseadas em testes, sendo que alguns estão isolados em suas próprias escolas. [...] As culturas de intimidação podem, como sabemos, às vezes, reprimir efetivamente a oposição. Entretanto, o fortalecimento das ligações com a comunidade local e com as redes nacionais permite uma defesa estratégica e um ativismo em nome dos estudantes e das famílias. Professores em exercício e grupo de professores em exercício precisam continuar a identificar outros grupos de professores que poderão ser seus aliados nessa luta. Necessitam também, criar estruturas colaborativas que promovam reciprocidade, co-aprendizagem e ações com universidades e organizações comunitárias, trabalhando em prol da equidade e justiça na educação.
Em relação ao professor Dario, a participação no GdS e o contato com outras
comunidades de educadores matemáticos, como já dissemos aqui, o têm colocado,
como pesquisador acadêmico, em uma posição intermediária entre os professores
do ensino básico e os especialistas que concebem as políticas e os programas de
formação e de currículo. As evidências desse tipo de reverberação extrínseca estão
em dois acontecimentos recentes. Em entrevista, revela suas participações nos
debates sobre o mestrado profissional, na Anped e no Forpred, e, mais
recentemente, na proposição de um mestrado profissional em ensino, em rede
nacional, coordenado pela Área de Ensino da CAPES. Suas posições e sugestões de
currículo para esses cursos de formação profissional, em nível de pós-graduação
stricto sensu, foram influenciadas por sua participação no GdS e no GEPFPM. Para
ele,
a participação no GdS nos dá uma ideia do lugar da própria universidade em relação aos profissionais que estão na escola. Acredito que esses profissionais, com o mestrado profissional, podem ter uma formação mais especializada e voltada à
280
problematização, investigação e sistematização de suas práticas e de seus conhecimentos profissionais.
Sobre as políticas e os programas curriculares, como representante da
Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), Dario tem participado das
discussões sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) em encontros com
representantes do Ministério da Educação. De acordo com seu relato, questionou a
pouca presença, na primeira versão da proposta apresentada à sociedade no
segundo semestre de 2015, das perspectivas e dos conhecimentos curriculares
construídos por professores escolares que têm tomado suas práticas como objeto
de pesquisa.
Acontecem, também, reverberações extrínsecas reveladas em investigações,
sistematizações e teorizações que se tornam públicas. Desde a especialização, Eliane
tem cultivado o hábito de refletir, investigar e sistematizar sobre sua prática. Desde
que iniciou sua participação no GdS, tem o hábito de trazer questões de sua prática,
seja como formadora, seja como professora. Algumas questões eram de natureza
mais reflexivas, e não havia, por parte da professora, preocupação em tecer
interlocuções com outras pesquisas ou, até mesmo, em escrever sobre elas. Outras,
entretanto, foram sistematizadas e investigadas. No contexto do GdS, em sua
narrativa, optei por descrever os episódios nos quais se dedicou aos estudos de
matrizes, determinantes e sistemas e, também, relatar estudos sobre a leitura e
escrita em aulas de matemática e sobre as atividades exploratório-investigativas.
Como já destaquei, a experiência que realizou, em parceria com um
subgrupo, sobre matrizes, determinantes e sistemas passou por diversas fases
(elaboração de tarefas exploratórias, seu desenvolvimento com os estudantes,
registro e documentação das atividades em sala de aula, sua apresentação e análise
no GdS, divulgação dos resultados e conclusões em congressos e publicações).
Cochran-Smith (2005), com base em sua experiência como formadora que
participa de comunidades investigativas, destaca que esses são espaços onde
diferentes comunidades (professores, futuros professores, pesquisadores e
formadores) podem aprender juntos e gerar conhecimento. Nas experiências de que
281
tem participado, os membros dessas comunidades investigativas são incentivados a
se engajarem em estudos da própria prática, desenvolvendo, entre outras formas de
investigação, estudos do tipo self-study e pesquisa-ação.
Em um espaço privilegiado de interlocução com professores da escola básica,
como pesquisador, Dario tem tido a oportunidade de participar de uma comunidade
na qual as teorizações são confrontadas com a materialidade do cotidiano escolar.
O mundo figurado que projeta das práticas escolares é colocado em questão, à
medida que se depara com os professores que efetivamente as vivenciam. Foi nesse
movimento que, em parceria com Juliana, Eliane e Fernando, desenvolveu o conceito
de tarefas e atividades exploratório-investigativas.
O GdS também tem sido o campo privilegiado de Dario para teorizações sobre
a formação do professor que ensina matemática: nos últimos anos, sua produção
acadêmica, entre outros assuntos referentes ao campo da educação matemática,
versou sobre a participação, a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de
professores em grupos colaborativos, comunidades investigativas e, mais
recentemente, comunidades investigativas compreendidas como comunidades
fronteiriças.
Apesar de esse ser um grupo fronteiriço, onde não há a obrigatoriedade de
realizar estudos sistemáticos, seus participantes, ao longo dos anos, constituíram
trajetórias investigativas. De acordo com Cochran-Smith e Lytle (1999), na
concepção de conhecimento da prática, os professores e outros colaboradores
(como os acadêmicos) trabalham em conjunto para investigar suas próprias
suposições, o modo como ensinam, o desenvolvimento do currículo, práticas e
políticas de suas escolas e comunidades.
Assume-se, assim, que o professor aprende e se desenvolve
profissionalmente mediante participação em comunidades que possuem como
prática a investigação sistemática e intencional do ensino e da aprendizagem. Nessas
investigações, a comunidade investigativa deve ser espaço para problematizar os
282
múltiplos aspectos que envolvem a docência. Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 279,
tradução GEPFPM) compreendem que,
quando o trabalho em comunidades se baseia no conhecimento da prática – seja o trabalho referente à pesquisa do professor, pesquisa-ação ou investigação dos praticantes – o objetivo não é a pesquisa nem a produção de “descobertas”, como é geralmente o caso das pesquisas de universidades. Ao contrário, o objetivo é a compreensão, a articulação, e, ao final, a transformação das práticas e das relações sociais de forma a trazer mudanças fundamentais nas salas de aula, escolas, distritos, programas e organizações profissionais. Na base deste compromisso se encontra uma responsabilidade profunda e apaixonada em relação ao aprendizado dos estudantes, de suas chances na vida, e em relação a uma transformação das políticas e estruturas que limitam o acesso dos estudantes a estas oportunidades.
Desse modo, ao que parece, essas reverberações ajudam a promover
mudanças: na prática de ensinaraprender matemática nas escolas, tornando-a mais
exploratória, problematizadora e inclusiva, sobretudo para estudantes das escolas
públicas; na formação inicial e continuada de professores de matemática, em que
podem também motivar outros professores a serem estudiosos e investigativos em
comunidades docentes; na formação de novos pesquisadores, com destaque para a
pesquisa sobre a própria prática.
Em nossos estudos temos tentado compreender as diferenças entre a
constituição de posturas reflexivas e investigativas (CRECCI; FIORENTINI, 2013;
FIORENTINI; CRECCI, no prelo). Cochran-Smith (apud FIORENTINI; CRECCI, no prelo)
acredita que
[...] as pessoas que desenvolvem a investigação como postura sobre a própria prática estão sendo reflexivas. Mas a investigação é algo maior que a reflexão, e acredito que nem todo mundo que é reflexivo está necessariamente assumindo a investigação como postura. O significado cotidiano de refletir ou de reflexão significa ser pensativo, pensar sobre as coisas, prestar atenção. [...] A investigação inclui isso. Inclui também uma gama maior de atividades. Inclui, por exemplo, a sistematização sobre o que se está refletindo. Eu posso ter tido um dia ruim como professora, no qual as crianças não estavam aprendendo o que eu tentava ensinar. Posso pensar sobre isso no meu caminho para a casa: “O que deu errado? O que estava acontecendo ali? Eu não acho que eles entenderam a atividade. Talvez não tenha dado explicações suficientes. Foi muito difícil. Eles não sabiam? ” Isso é ser reflexivo, penso eu. Você está fazendo perguntas sobre o que aconteceu em sua sala de aula, está tentando ser aberto às possibilidades. Você não está apenas assumindo que, por ter ensinado, então os estudantes devem
283
ter aprendido. Mas, se estou comprometida com a investigação como postura, poderia questionar a natureza do ensino de uma forma muito mais sistemática.
Cada vez mais, tenho compreendido que a linha entre esses dois tipos de
atitude mediante a docência na escola ou no ensino superior é ainda mais tênue em
uma comunidade fronteiriça, na qual não há um compromisso regulado com a
sistematização. O que tenho visto é que, quando a sistematização ocorre de modo
mais frequente, está relacionada à profissão, como no caso dos acadêmicos e dos
professores vinculados aos colégios de aplicação; ou, até mesmo, a projetos de vida,
como no caso de professores que pretendem se projetar na carreira acadêmica. Por
essa razão, em minha opinião, a pesquisa e a sistematização deveriam ser, também,
parte da carreira docente e de todos que atuam na formação de professores.
Na trajetória de Roberto, podemos problematizar as linhas imaginárias que
dividem reflexão e investigação, ou seja, a aprendizagem na prática e a
aprendizagem da prática, no sentido de Cochran-Smith e Lytle (1999), na medida em
que compreendemos suas condições de carreira na rede municipal. No contexto do
GdS, embora se tenha envolvido continuamente em processos reflexivos e
desenvolvido uma atitude investigativa mediante a sua prática, Roberto não
sistematiza as reflexões que tece sobre sua prática docente com a mesma frequência
com que Dario e Eliane têm realizado ao longo dos anos. Há uma razão precisa para
essa diferença: o tripé ensino, pesquisa e extensão não é parte da maioria da carreira
dos professores que estão na escola básica. Como destaquei, para maior parte dos
professores da escola básica, como trabalhadores, não há direitos ou deveres para a
realização da prática da pesquisa.
A Roberto, acredito que lhe falte o direito a ter tempo para desenvolver
pesquisas. Atualmente, ele possui jornada completa de 44 horas, em uma rede que
não cumpre a lei de um terço da carga horária para dedicação ao preparo das
atividades de sala de aula e para estudo. Apesar disso, voluntariamente, traz ao GdS
reflexões, questões e posicionamentos sobre sua condição docente, sobre a
aprendizagem e a realidade de seus alunos. Recentemente, Roberto foi chamado
para ser formador em sua rede e disse que não tinha como assumir a função. Na
284
segunda entrevista que realizei, revelou que, caso tivesse sistematizado suas
experiências com mais frequência, provavelmente teria assumido a função. Ao que
me parece, são as comunidades de educadores e de educadores matemáticos que
perdem com o fato de Roberto não ter tempo de sistematizar suas reflexões e
experiências com frequência.
Tendo em vista as trajetórias investigativas constituídas pelos participantes
ao longo do tempo, há outro tipo de reverberação menos visível e que passa por
experiências do passado, do presente e, até mesmo, pela “memória de futuro”
(BAKHTIN, 2011) de professores e formadores que participam de uma comunidade
fronteiriça. Neste estudo, chamei essas reverberações de intrínsecas.
Em nossos estudos, partimos de uma concepção de profissionalidade que se
relaciona à ideia de identidade. Clandinin e Connelly (1999), baseados na metáfora
de parada de Geertz, destacaram que as identidades se mobilizam no transcorrer da
parada, não que professores e pesquisadores precisem de novas identidades, mas
que precisam de mudanças em suas histórias, em suas identidades e em suas
possibilidades.
As reverberações decorrentes da participação nessa comunidade fronteiriça se
evidenciam, intrinsecamente, nos próprios modos de ser/estar como educadores
matemáticos, envolvendo professores e formadores em sua totalidade. Desse modo,
em uma comunidade fronteiriça não me parece possível dividir perspectivas de
aprendizagens. A partir das experiências de desenvolvimento profissional e de
constituição da profissionalidade, os conhecimentos constituídos por professores e
formadores em comunidades investigativas perpassam aspectos pessoais e
profissionais de suas vidas. Essa perspectiva de conhecimento se assemelha à ideia
de conhecimento prático pessoal.
Com o termo conhecimento dos professores nos referimos àquele corpus de convicções e significados, conscientes e inconscientes, que surgiu a partir da experiência (íntima, social e tradicional) e que se expressa nas práticas de uma pessoa [...] Ele é um tipo de conhecimento que surgiu a partir de circunstâncias, práticas e ocorrências que possuíam, em si, conteúdos afetivos para a pessoa em questão. Portanto, a prática é parte do que chamamos de
285
conhecimento prático pessoal [...] quando olhamos para a prática, vemos o conhecimento prático pessoal em funcionamento
(CLANDININ; CONNELLY, 1995, p.7, tradução nossa).
Desse modo, em uma comunidade fronteiriça, esse conhecimento prático
pessoal pode perpassar reflexões, problematização e investigação. Nesse sentido,
dentre as experiências dos participantes deste estudo, destaca-se a postura
problematizadora e investigativa sobre a própria prática e as políticas públicas que
a condicionam e sobre as possibilidades e os limites dos conhecimentos científicos,
curriculares e didático-pedagógicos tanto da própria escola como de outros
contextos.
Atualmente, Eliane destaca que, "pensando na sala de aula do ensino
superior, toda a dinâmica do grupo, as discussões, as ideias produzidas em
questionar as formas de apresentar um conteúdo, discutir um autor, o incentivo à
escrita – tudo isso acaba sendo incorporado em minha prática de professora
formadora" (entrevista).
Como tratado em sua narrativa, acerca de sua postura como professora,
revela que, tanto a partir de sua participação no grupo quanto na especialização, foi
possível olhar para sua “prática de forma mais consciente, observando o que ela tem
de bom e o que ela tem de ruim” (entrevista). Confessa: “eu acredito que no começo
não tinha muito essa consciência (eu desenvolvia uma prática e acabou)”
(entrevista). Ao usar um termo da teoria sobre comunidades investigativas,
incorporado em seu cotidiano de professora-formadora-pesquisadora, Eliane revela
que “essa postura investigativa, esse modo de olhar para trás e questionar o que não
está dando certo – porque é que eu estou fazendo desse jeito, porque é que eles não
estão entendendo, porque é que a dificuldade deles é aqui – é isso que o grupo vai
construindo na gente” (entrevista).
A partir da leitura da narrativa de Roberto, é possível compreender que o
professor mudou sua perspectiva de avaliação. Ele também tem questionado, com
frequência, o modo como os alunos aprendem os conteúdos curriculares. Caso
emblemático foi sua investigação relacionada à aprendizagem do algoritmo da
286
divisão. Reconheceu, também, a partir da participação no GdS, ter começado a
atentar ao contexto político que envolve sua vida profissional.
Em entrevista, destaca que “participar de um grupo como o GdS, implica ser
questionado sempre. Estamos sempre sendo cutucados. Agora, se você sair dele e
ficar só na escola, você acaba ficando com alguns vícios. Queira ou não, esse modelo
de escola nos sufoca”. Quando o questionei sobre a quais tipos de vícios se referia,
destacou que seriam aqueles relacionados a “procedimento mesmo, de atitude que
tem com os alunos, de julgar e de dizer que o culpado é o aluno e de não olhar para
a própria aula”. Na segunda entrevista que realizamos, revelou: “eu continuo
participando do GdS para não me esquecer de quem eu sou”.
Mediante participação em comunidades investigativas, não são apenas os
professores que se colocam em mobilização por outras formas de formação docente.
Para Dario, o GdS tem sido espaço privilegiado no qual se atualiza em relação ao
mundo da escola e à vida cotidiana dos professores. Sobre isso, apesar de ter sido
professor escolar por um período de cinco anos, Dario reconhece que a escola
mudou desde sua época. Como formador nas disciplinas que ministra no curso de
licenciatura em matemática, é comum fazer referência ao trabalho desenvolvido
pelos professores do GdS. Como pesquisador e participante de congressos nacionais
e internacionais, também tem feito referência frequente, em seus artigos e
palestras, ao Grupo de Sábado.
Em síntese, a profissionalidade do formador e do professor, denominados
neste estudo de educadores matemáticos, tem sido constituída de modo contínuo e
permanente. Nessa comunidade fronteiriça, o eixo principal tem sido problematizar
as múltiplas experiências dos educadores matemáticos que dela participam. Desse
modo, naquele contexto, “a prática pedagógica da matemática é vista como prática
social, sendo constituída de saberes e relações complexas que necessitam ser
estudadas, analisadas, problematizadas, compreendidas e continuamente
transformadas” (FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 921).
287
Nesse espaço, a constituição de uma postura investigativa ocorre ao longo do
tempo e requer confiança para que possamos dar a ver nossas diferentes faces em
uma comunidade que responde à nossa participação. A partir de uma perspectiva de
profissionalidade que se relaciona à identidade, observamos um modo de ser
educador matemático que interroga, reflete, investiga e está comprometido com o
campo científico e/ou profissional relacionado ao ensinaraprender matemática na
escola básica. Esse modo de ser educador matemático fica evidente nas três
narrativas.
No contexto do GdS, temos princípios inclusivos em relação ao
ensinaraprender matemática, temos defendido a compreensão e o ensino dos
sentidos subjacentes aos conteúdos curriculares. Recusamos, entretanto, a
existência de um modelo de bom professor ou de bom formador. Felizmente, não
existe um modo único e verdadeiro de ser professor ou educador. É provável que a
não regulação do espaço e a liberdade de atuação e manifestação em uma
comunidade fronteiriça favoreçam a exposição e a autonomia dos participantes.
Sobre isso, Cochran-Smith e Lytle (1990, p. 100, tradução nossa) apontam que,
[...] quando o ritmo de trabalho de uma comunidade não é urgente e quando os membros do grupo se comprometem a resolver assuntos complexos durante algum tempo, as ideias têm oportunidade de se desenvolverem, a confiança cresce no grupo e os participantes se sentem à vontade para levantar questões delicadas e correr o risco de revelar algo de si próprios.
À medida que percorria as experiências dos protagonistas desta pesquisa,
compreendia que, provavelmente, a postura investigativa constituída mediante
participação no GdS tenha sido influenciada por uma espécie de confiança mútua
constituída ao longo do tempo entre os participantes. A postura investigativa ocorre
no modo de refletir privilegiado pelo grupo, que inclui análise de práticas narradas
oralmente ou por escrito e que gera alguma sistematização (também oral ou escrita).
Essa sistematização é, geralmente, decorrente da forma de organizar os encontros
de estudo e leitura, de análise das práticas de ensinaraprender trazidas pelos
professores. Essas análises e sistematizações geram compreensões e
ressignificações não somente para quem disparou a reflexão no grupo, mas para
288
todos os participantes que se engajaram e experienciaram esse processo de
problematização e ressignificação da prática.
Além disso, quando essas sistematizações são escritas e publicadas41, essas
publicações, quando utilizadas nos cursos de formação inicial e continuada de
professores, reverberam também no processo de formação, conhecimento e prática
de outros professores ou futuros professores. Aliada à potencialidade de ser um
espaço de reflexão e investigação, é provável que a potencialidade de uma
comunidade fronteiriça esteja na possibilidade de revelar os diferentes modos de
ser/estar educador matemático. Talvez, a potencialidade de uma comunidade
fronteiriça venha do fato de se constituir em um espaço no qual os sujeitos se
revelam em sua totalidade, dando a ver seus ânimos, seus desânimos, suas virtudes,
suas fraquezas, seus conhecimentos, seus desconhecimentos, a falta de esperança
que às vezes nos toma, bem como os momentos que nos revitalizam e as utopias
que nos fazem caminhar!
41 Como destaquei no capítulo 01, o GdS publicou, até 2015, seis livros.
289
Figura 17 - Sinfonia Nordestina (2008), Beatriz Milhazes
Sou pescador de ilusões Se eu ousar catar
Na superfície De qualquer manhã
As palavras De um livro
Sem final, sem final Sem final, sem final
Final
O RAPPA, Pescador de Ilusões (1996)
290
À Guisa de concluir...
A vida, como a experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser. A vida é experiência de vida, nossa forma singular de viver. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência (e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa, se não, que sublinhar sua implicação com a vida, sua vitalidade. Mas como? Sobretudo, de que outro modo? (BONDÍA-LARROSA, 2014, p. 74).
Alguns aspectos têm sido frequentes nas discussões sobre programas,
espaços e experiências, em geral, de desenvolvimento profissional docente. Em
2011, uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas (DAVIS et al., 2011, p.
833) buscou identificar “como se configuram, atualmente, as ações de formação
continuada nas redes públicas de ensino, especialmente no que diz respeito às
modalidades e práticas empregadas”. Essa pesquisa envolveu 19 secretarias de
educação (06 estaduais e 13 municipais) e concluiu que há diversos tipos de práticas
de formação continuada vigentes nos municípios e nos estados. No entanto, os
resultados apontaram que as políticas de formação continuada da maior parte das
secretarias de educação investigadas centram-se “em práticas vistas como ‘clássicas’
(CANDAU, 1997), ou seja, em cursos preparados por especialistas para aprimorar os
saberes e as práticas docentes” (DAVIS et al., 2011, p. 838).
O quadro apontado por essa pesquisa citada parece ser uma realidade
inclusive levantada por Roberto, Eliane e Dario, seja nas entrevistas ou em falas
apresentadas em eventos como o SHIAM. Apesar disso, nos últimos anos, houve um
aumento de formações realizadas em espaços coletivos, como em comunidades de
aprendizagem docente ou, até mesmo, em comunidades investigativas. A partir
desse aumento da quantidade de programas voltados ao desenvolvimento
291
profissional realizados em coletivos, como nas comunidades, enquanto
pesquisadores, educadores em geral e professores, começamos a questionar as
finalidades desses espaços. Sobre essa diversidade dos espaços coletivos, sobretudo
de comunidades, Cochran-Smith (no prelo), em entrevista concedida a nós (Dario e
eu), destaca que as comunidades têm sido chamadas de diversas maneiras
[...] comunidades de aprendizagem profissional, comunidades investigativas, comunidades de aprendizagem docente. Mas seus nomes não nos dizem como elas operam e não são boas ou ruins por si sós. Depende do que acontece dentro dessas comunidades e quais são as perguntas que fazem e tentam responder. Mas a forma como essas comunidades são implementadas, por vezes, são estruturas vazias, e todos os tipos de coisas podem acontecer nessas comunidades, algumas delas positivas e outras não (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).
Nessa mesma perspectiva de discussão acerca do desenvolvimento
profissional em comunidades de aprendizagem docente, Cochran-Smith e Lytle
(2002) relacionam três concepções de aprendizagem com as dinâmicas desses
espaços. Tomando por base os estudos destas autoras, no capítulo teórico, discuto
imagens de desenvolvimento profissional, profissionalidade docente e função dos
formadores em comunidades de aprendizagem docente. Naquele momento, partia
do pressuposto de que as comunidades eram motivadas por ideias e modos muito
diferentes sobre o que significava “saber mais” e “ensinar melhor” (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, 2002).
Nesse sentido, discuti que, na perspectiva de aprendizagem para a prática, a
profissionalidade (os modos de ser/estar) do professor deveria ser iluminada pelas
teorias acadêmicas e pelos conhecimentos sistematizados pela comunidade
acadêmica. Segundo Cochran-Smith e Lytle, na perspectiva da aprendizagem para a
prática, a ideia é que os professores sejam “muito habilidosos” e tenham
“conhecimento profundo de suas disciplinas e das estratégias de ensino mais
eficazes para criar oportunidade de aprendizado para seus alunos” (COCHRAN-
SMITH; LYTLE, 1999, p. 254). A partir dessas concepções, o desenvolvimento
profissional deveria acontecer em formações do tipo curso, ainda que oferecidas por
comunidades renomadas. Desse modo, caberia ao formador o papel de transmitir
292
conhecimentos a serem aprendidos e utilizados, posteriormente, na prática dos
professores.
Em relação à perspectiva da aprendizagem baseada na prática, compreendi
que os conhecimentos da docência são, na verdade, construídos na própria prática
do professor, de maneira tácita. Nesse sentido, imaginava-se que, para aprimorar o
ensino e para que os professores se desenvolvam profissionalmente, seria preciso
trabalhar em comunidades com outros professores, “para melhorar, tornar explícito
e articular o conhecimento tácito embutido na experiência e na sábia ação de
profissionais competentes” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 2464, tradução
nossa). Nesta perspectiva de desenvolvimento profissional, em geral, há uma
compreensão de que os formadores atuam como organizadores de espaços coletivos
e são bons ouvintes dos professores.
Em relação ao desenvolvimento profissional e à aprendizagem da prática,
entendi que se assume que os professores aprendem e se desenvolvem
profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do
trabalho em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho
conectando ao contexto social, cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002,
p. 2465, tradução nossa). O formador, neste caso, atuaria mais como um parceiro
crítico em espaços coletivos de desenvolvimento profissional. Esse tipo de
desenvolvimento profissional, normalmente envolveria investigação da prática
docente e constituição de comunidades investigativas. Sobre esses espaços, ao ser
questionada por nós (sobre o que torna uma comunidade investigativa, Cochran-
Smith questiona e responde:
[...] o que a torna investigativa? Para mim, o que torna uma comunidade investigativa são as perguntas que vêm dos praticantes, dos professores, e que não são impostas a eles. Em comunidades investigativas, há ativos questionamentos dos pressupostos, das hipóteses, investigações de práticas comuns, há uma tentativa de ser sistemático e há uma cuidadosa consideração às múltiplas perspectivas (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).
Ao discutir as dinâmicas dessas comunidades investigativas, Fiorentini
(2013a, p. 4) compreendeu que elas podem ser acadêmicas, escolares e fronteiriças.
293
Como já apresentei, de acordo com o autor, as comunidades investigativas
acadêmicas, “por serem monitoradas/governadas institucionalmente pela
universidade, podem ser endógenas (voltadas aos seus problemas teóricos, sem
vínculo com as práticas escolares), colonizadoras das práticas escolares, ou
colaborativas”. Porém, as comunidades investigativas escolares, “por serem
governadas a partir do território escolar, também podem ser endógenas, abertas à
colaboração e parceria da universidade, ou serem colonizadas pela universidade, a
qual assume o papel de transmitir e inculcar os saberes acadêmicos”, e as
fronteiriças “possuem, normalmente, mais liberdade de ação e de definição de uma
agenda própria, sem serem monitoradas institucionalmente pela escola ou pela
universidade” (p. 4).
Quando realizei essa revisão bibliográfica, já imaginava que, embora, em nível
de discussão teórica, se pudessem diferenciar as três perspectivas de aprendizagem
de conhecimento (para – na – da) prática profissional, no nível das práticas de
formação e aprendizagem docente, o desenvolvimento profissional ocorre mediante
processo de interação entre essas três perspectivas.
Ao final do presente estudo, posso concluir que, independente das
características subjacentes às comunidades, não podemos perder de vista que as
experiências de desenvolvimento profissional ocorrem na relação de professores,
formadores e, no caso de GdS, futuros professores entre si, envolvendo diversos
aspectos que perpassam as comunidades, como ideologias, crenças, conhecimentos,
saberes e experiências.
Desse modo, apesar de os espaços serem constituídos a partir de certos
pressupostos, não é possível prever as aprendizagens e as compreensões de seus
participantes nem a forma como constituirão suas trajetórias nessas comunidades.
Isso não significa dizer que devemos relativizar os modos como esses espaços são
constituídos ou achar que não há nada a ser feito, uma vez que dependerá da
disposição de cada envolvido. Pelo contrário, considerando que não temos total
controle de quais serão as relações que formadores e professores estabelecerão
294
nessas comunidades, é preciso cuidar para a constituição de ambientes nos quais
todos tenham condições de se expor e de dar a ver suas diversas faces.
Ao longo do desenvolvimento deste estudo, compreendi que não se pode
pensar em motivações para que os educadores matemáticos, participantes desta
pesquisa, envolvam-se nas desnaturalizações de suas práticas, seja como
acadêmicos ou professores. Quando discutimos a participação em uma comunidade
fronteiriça, parece-me que estamos discutindo aspectos referentes à “mobilização
pessoal” dos participantes. Para Charlot (2000, p. 55), o conceito de mobilização
supõe a ideia de movimento:
Mobilizar é pôr em movimento; mobilizar-se é pôr-se em movimento. Para insistir nessa dinâmica interna é que utilizamos o termo de “mobilização”, de preferência ao de “motivação”. A mobilização implica mobilizar-se (“de dentro”), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (“de fora”). É verdade que, no fim da análise, esses conceitos convergem: poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me. [...] Mobilizar-se, porém, é também engajar-se em uma atividade originada por móbiles, porque existem “boas razões” para fazê-lo. Interessarão, então, os móbiles da mobilização, o que produz a movimentação, a entrada em atividade.
A condição necessária para os participantes se mobilizarem em uma
comunidade fronteiriça me parece que é o desejo de saber e o desejo de aprender
(CHARLOT, 2000) e, sobretudo, colocar-se em movimento. A depender de sua
condição em outras comunidades, o sujeito pode ter mais – ou menos – incentivos
para se engajar em uma comunidade fronteiriça. Por exemplo, ter incentivos na
própria carreira para realizar investigações parece favorecer a participação de
pesquisadores em uma comunidade fronteiriça. Como já levantei, a pesquisa é um
direito garantido do ponto de vista trabalhista e, ao mesmo tempo, um dever de suas
carreiras.
Desse modo, à medida que tecia compreensões sobre as experiências de
desenvolvimento profissional e de constituição da profissionalidade de Roberto,
Eliane e Dario, notava o quanto as trajetórias constituídas em um espaço fronteiriço
podem ser diversas. Em todos os casos investigados, como apresentado no capítulo
295
05, foi possível levantar reverberações diversas, sejam elas extrínsecas ou
intrínsecas.
Roberto (re)significou práticas de sala de aula, teceu novas compreensões e
reflexões. Trouxe aprendizagens e questões do contexto escolar. Em sua narrativa,
é possível, inclusive, observar que ele desnaturalizou certas práticas de seu cotidiano
docente, como a avaliação. Em relação às reverberações extrínsecas, constituiu uma
outra comunidade em sua escola, na qual problematizava o ensinaraprender
matemática com as professoras dos anos iniciais. Quanto às reverberações
intrínsecas, o que mais se nota é que o professor se tornou um problematizador de
sua prática docente. Mais uma vez, relembro o que afirma Roberto: “continuo
participando do GdS para não me esquecer de quem sou” (Entrevista Roberto), isto
é, continua sendo a pessoa e o professor que se tornou ao participar dessa
comunidade fronteiriça.
Sua trajetória e sua frase emblemática lembram-me as discussões de
Clandinin e Connelly (1999) sobre identidade. Para eles, as identidades se mobilizam
no transcorrer das experiências, não que professores e pesquisadores precisem de
novas identidades. Em síntese, professores e formadores precisam de mudanças em
suas histórias, em suas identidades e em suas possibilidades.
Eliane também foi mobilizada a constituir outra comunidade fronteiriça. Ao
longo dos anos, compôs uma postura investigativa a partir de reflexões e
investigações da própria prática. Nos comentários de sua narrativa, ela destaca que,
ao defender seu doutorado, no qual teve por questão: “que aprendizagens são
evidenciadas na análise de práticas de letramento de uma comunidade de
professoras de matemática?”, pôde dar a ver sua “trajetória de luta em busca de um
desenvolvimento profissional que a escola pública, ou mesmo a particular, não
incentiva seus professores a buscarem”. Desse modo, para ela, “a tese que defendo
é um resumo de minha própria trajetória de desenvolvimento”. Conforme descreve
em sua narrativa, Eliane encontra no GdS um espaço para problematização,
investigação e teorização de sua própria prática. Em seus comentários,
296
[...] o motivador para a tese que defendi, foi principalmente a falta de incentivo para este desenvolvimento. Os incentivos são muito poucos e limitados para a obtenção do título, pois não há reconhecimento desse profissional como alguém que possa contribuir para a formação de outros professores na própria educação básica, o que o leva a buscar o ensino superior para ser valorizado financeiramente e profissionalmente.
Pelo depoimento de Eliane, é possível conjecturar que a escola se tornou um
não lugar para o professor pesquisador. De acordo com suas palavras, sua
experiência não foi valorizada na formação de outros professores na própria
educação básica. É provável, também, que a identificação de Eliane com as práticas
investigativas e os incentivos profissionais tenha sido tamanha, que, depois de um
certo tempo vivendo em uma comunidade fronteiriça, precisou realizar uma opção.
Eliane, da mesma forma que Roberto, embora pudesse fazer investigação, como o
fez, esse direito adquirido para fazer pesquisa na própria escola não lhe foi dado nem
apoiado e suportado pela escola ou pela SEESP. Foi um investimento pessoal e
provavelmente motivado por sua participação na comunidade fronteiriça do GdS. A
prática da pesquisa não é prevista na escola e nem uma exigência do contrato de
trabalho. Mesmo na comunidade fronteiriça, a pesquisa não é uma exigência ou
condição de pertença. Entretanto, o ambiente de questionamento e
problematização das práticas e a presença de acadêmicos na comunidade mobilizam
os professores participantes a realizar pesquisa, pois esta é uma prática muito
valorizada pela comunidade fronteiriça.
Dario, por sua vez, há mais tempo, antes de Eliane, também passou por um
processo parecido. Atuou, durante seis anos, no ensino básico no interior do Rio
Grande do Sul, antes de ingressar no ensino superior. Reconhece, inclusive, que essa
experiência escolar tem influenciado, até os dias atuais, sua prática como formador
e como pesquisador. Entretanto, reconhece que sua atuação como formador de
professores e de pesquisadores, nos últimos 16 anos, tem sido (re)significada e
fortemente marcada por sua participação na comunidade fronteiriça do GdS, sem
descartar, é claro, sua participação e interlocução com outras comunidades e grupos,
297
como o Prapem, o GEPFPM, o Gepec, o GT de Formação de Professores da SBEM e a
ANPEd, entre outros.
Ao refletir sobre a diversidade das trajetórias constituídas em uma
comunidade fronteiriça, as palavras de Bakhtin e Volochinov (2004, p. 112) parecem
fazer sentido em um cenário fronteiriço: “na maior parte dos casos, é preciso supor
além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação
ideológica do grupo social e da época a que pertencemos [...]”.É provável que a
maior força de uma comunidade fronteiriça como o GdS esteja no encontro de
diferentes grupos sociais e na forma como esse encontro constitui diferentes
reverberações.
Na trajetória de Eliane e, há mais tempo, na de Dario, seus grupos sociais
passaram a ser os dos formadores que possuem como carreira o tripé ensino,
pesquisa e extensão. A escola perdeu uma professora, perdeu um professor. A
universidade, em diferentes momentos, ganhou uma formadora e ganhou um
formador, ambos conhecedores da escola. De diferentes maneiras, a escola vem
sendo influenciada até os dias atuais, através do encontro de Dario e Eliane com
professores como Roberto, e tantos outros que participam de comunidades
fronteiriças entre escola e universidade. Comunidades que se organizam pelo
encontro – e a partir dele – de diferentes comunidades de prática, mundos figurados
e grupos sociais. Nessas relações, a construção de suas presenças no mundo “não se
faz no isolamento” (FREIRE, 1980, p. 53).
À medida que observava as diversas experiências dos protagonistas deste
estudo, em determinado momento, apropriei-me das palavras de Bondía-Larrosa
para discutir as experiências que constituímos, ao longo do tempo, em relação ao
desenvolvimento profissional. No excerto (epígrafe desta seção), Bondía-Larrosa
(2010, p. 87-88, tradução nossa) propõe que a vida é relação, isto é, relação “com o
mundo, com a linguagem, com o pensamento, com os outros, com nós mesmos, com
o que se diz e o que se pensa, com o que dizemos e o que pensamos, com o que
somos e o que fazemos, com o que já estamos deixando de ser”. Ao final, o autor
questiona de que outro modo podemos repensar a relação educativa com a
298
experiência. Suas ponderações pareceram-me fazer sentido, à medida que eu
problematizava as dinâmicas e as trajetórias dos protagonistas deste estudo em uma
comunidade fronteiriça.
Ao longo desta pesquisa, compreendi que as especificidades de uma
comunidade fronteiriça residem no fato de que esse pode ser um espaço privilegiado
para quem dele participa, compartilhando narrativas de experiências de vida pessoal
e profissional, estudando, (re)significando e, inclusive, desnaturalizando
experiências constituídas em outros espaços. Experiências essas que são
provenientes do presente, do passado e, até mesmo, das projeções que tece para o
futuro.
No caso deste estudo, ao que me parece, talvez não seja tão adequado
discutirmos os tipos de aprendizagem, os tipos de desenvolvimento profissional e os
tipos de conhecimentos constituídos em uma comunidade fronteiriça, como faço no
capítulo teórico, ao discutir esses aspectos de acordo com a dinâmica das
comunidades. Mas parece apropriado, sim, atentar para o modo como professores
e formadores agregam a essas comunidades seus conhecimentos, experiências e
saberes e como esses são (re)significados e, muitas vezes, desnaturalizados. Sobre
esse tipo de conhecimento mais plural e diverso agregado à comunidade fronteiriça
por seus participantes, Clandinin e Connely (1995, p. 07, tradução nossa) destacam
que esse seria o
[...] corpus de convicções e significados, conscientes e inconscientes, que surgiu a partir da experiência (íntima, social e tradicional) e que se expressa nas práticas de uma pessoa [...] Ele é um tipo de conhecimento que surgiu a partir de circunstâncias, práticas e ocorrências que possuíam, em si, conteúdos afetivos para a pessoa em questão. Portanto, a prática é parte do que chamamos de conhecimento prático pessoal [...] quando olhamos para a prática, vemos o conhecimento prático pessoal em funcionamento.
Ao concluir este estudo, há outro aspecto que gostaria de destacar e que se
refere à relação entre as comunidades fronteiriças e os programas e políticas de
formação docente. Durante alguns anos, a partir da percepção da importância
desses espaços para o desenvolvimento profissional do professor que deles
participa, engajei-me na luta pelo reconhecimento de espaços como o do GdS, por
299
parte das redes públicas e privadas de ensino. Em algumas de nossas proposições,
acreditávamos que a participação no GdS poderia ser computada como atividades
de formação contínua. Ao conhecer melhor os programas e as políticas de governo,
compreendi que esses envolvem – e acho que devem envolver, por serem de
natureza pública –, regulações e devolutivas para a sociedade, como forma de
prestação de contas.
Na entrevista que realizamos com Cochran-Smith (FIORENTINI; CRECCI, no
prelo), fizemos o seguinte questionamento: “Como as políticas de formação de
professores podem ser baseadas no conceito de ‘comunidades investigativas’? É
possível realizar projetos como esse em larga escala?”. E tivemos como resposta:
Há alguns lugares onde estão fazendo isso em uma escala maior, e eles têm políticas que exigem que todos os professores participem. Agora, aqui está o problema. Não é só porque você exige que os professores se reúnam em torno de algo que podemos chamar de comunidade que eles vão se envolver em investigação. Por isso, em larga escala, é mais prudente chamar de comunidades de aprendizagem profissional do que de comunidades investigativas. Em Cingapura, por exemplo, a maioria dos professores trabalha em comunidades de aprendizagem profissional em suas escolas. No verão passado, fui para Cingapura e realizei um workshop para diretores, e foi para essa “obrigação” que olhamos. Olhamos a investigação que eles estavam fazendo, mas pouco do que estava acontecendo nessas comunidades era realmente benéfico ao ensino. Não é só porque as pessoas se reúnem em espécies de comunidades de aprendizagem que serão investigativas (FIORENTINI; CRECCI, no prelo).
Tendo em vista os resultados pouco efetivos de programas ou políticas de
formação de professores que tentaram implementar as comunidades investigativas
como instância ou contexto de desenvolvimento profissional de professores,
acredito que seja mais prudente incentivar e apoiar iniciativas de grupos de
professores e formadores para a configuração dessas comunidades, dando-lhes a
prerrogativa de se organizarem e autorregularem. Essa poderia ser uma forma de as
políticas públicas atenderem ao direito de os professores realizarem pesquisa na
escola.
Anzaldúa (1987) aponta que, no lugar constituído entre as fronteiras, cria-se
um espaço indeterminado, nascido do resíduo emocional de um limite. Para a
300
autora, esse espaço está em constante estado de transição. No GdS, segundo
Carvalho e Fiorentini (2015), todos são ensinantes e aprendizes. Neste estudo,
portanto, mais do que falar de dois formadores e de um professor e das
especificidades de suas funções, minha intenção foi dar a ver suas experiências,
através de seus enredos e tramas complexamente constituídos ao longo do tempo.
Em síntese, eu concluiria que a identidade de Roberto não pertence
inteiramente à escola. Afinal, em suas palavras, ele frequenta o GdS para não
esquecer quem ele é... Do mesmo modo, por suas trajetórias de luta e investigação
em um determinado campo de conhecimento e prática profissional, eu diria que as
identidades de Dario e Eliane também não se circunscrevem exclusivamente ao
mundo da universidade. Imagino que foi a partir desse “resíduo emocional” do limite
entre escola e universidade que os protagonistas deste estudo tenham encontrado
no GdS oportunidade para se sustentar como educadores matemáticos
investigativos, reflexivos, críticos e comprometidos com a melhoria das condições de
desenvolvimento profissional do professor e de sua prática de ensinar matemática.
Quanto a pesquisadora que optou por narrar essas histórias de vida, a partir de seu
encontro com uma comunidade fronteiriça, posso dizer que sua identidade está nos
espaços fronteiriças nos quais pode dar a ouvir sua voz.
Por fim, cabe destacar que, no momento de defesa desta tese, um dos
pedidos da banca foi para que eu destacasse meu próprio desenvolvimento
profissional. Lembro de ter argumentado que, supostamente, minha constituição
profissional perpassaria todo o processo de realização desta pesquisa. Após alguns
dias, aproximando-se o prazo final para a entrega da versão final, resolvi que era
hora de refletir um pouco mais sobre aquela solicitação. Lembrei-me que, no
momento da defesa, o professor Dario sugeriu para que eu discorresse sobre o
processo de realização deste estudo.
Durante os anos de realização desta tese, como membro do GdS e do
PRAPEM, participei ativamente da organização de eventos e da elaboração de
projetos e de relatórios científicos e institucionais; atuei na formação inicial de
professores; participei de congressos e comunidades científicas nacionais e
301
internacionais; publiquei artigos, capítulos de livro e trabalhos em anais em parceria
com o professor Dario. E estive envolvida, não sem tensões, em representações e
em diversas comissões de organização de eventos.
Mais do que elaborar uma lista de atividades realizadas, cabe destacar que
todas essas atividades estiveram intimamente relacionadas à minha crença de que –
a julgar pelo que nos é conhecido da formação docente –, há um “mundo”
socialmente mais justo na comunidade fronteiriça que foi contexto deste estudo. À
medida que participava do GdS, descobria um modo alternativo de formação
docente que envolvia o encontro do ensinaraprender matemática com a
investigação, a reflexão, a desnaturalização e as diferentes comunidades que por ali
estão.
Refletir sobre os aspectos aprendidos neste estudo, também, fez com que
retomasse a narrativa de Marilyn Cochran-Smith (2012), intitulada Composing a
research life, na qual autora reflete sobre o que aprendeu como pesquisadora do
campo da formação docente. Cochran-Smith destacou a importância de nos
atentarmos as críticas, segundo ela, são essas que melhoraram seu trabalho. Em sua
trajetória, compreendeu a importância de participarmos de encontros,
conhecermos novas concepções teóricas e métodos, bem como, entrarmos em
contato com pesquisadores nacionais e internacionais. A pesquisadora, também,
considerou ser necessário pensarmos em nossos projetos como parte de quadros
teóricos, projetos maiores ou agendas políticas. Para ela, tornou-se preciso consultar
os trabalhos já existentes sobre as temáticas que pesquisou ao longo de sua
trajetória, em suas palavras, não havia razões para tentar inventar a roda.
Também, Cochran-Smith (2012) supões a necessidade de reconhecermos que
a pesquisa é, em parte, uma questão de poder e política, o que não é uma fraqueza
do projeto de pesquisa ou um inconveniente, mas uma realidade; por isso,
considerou relevante refletirmos sobre a quem os interesses são servidos pela a
investigação realizada, cujas vozes são ouvidas ou silenciadas, cujas perspectivas e
tradições de conhecimento são ou não são valorizadas. Por fim, a pesquisadora
sugeriu que devemos descobrir as temáticas com as quais nos importamos de fato.
302
Lembro-me que à medida que lia a narrativa de Cochran-Smith, emocionei-
me ao lembrar que havia sido orientada por alguém, também, experiente; ciente de
suas crenças, no que se refere a formação do professor que ensina matemática; e,
focado. Não por acaso, um pesquisador proeminente de seu campo de atuação, que
me mostrou as passagens dos experientes, ao mesmo tempo, que me deu liberdade
para encontrar outros caminhos, alguns desconhecidos por ele.
Por vezes, orientada pelo professor Dario; por vezes, por vontade própria,
durante o processo de realização desta tese, como descrito nas páginas anteriores,
participei de diferentes comunidades nas quais encontrei interlocutores críticos.
Refleti sobre as vozes presentes ou silenciadas da pesquisa. Atentei-me às agendas
políticas e para os projetos maiores que envolvem a formação docente. Revisei a
literatura sobre as temáticas aqui abordadas. Durante os anos de realização desta
tese, aprendi que o mais importante é compreender com o que se importa, o
restante acaba sendo consequência. Descobrir as crenças e os afetos que
envolveram a realização desta tese, fizeram com que me engajasse intrinsicamente
em sua realização.
303
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