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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS PROJETO ESTRATÉGICO “PRÁTICAS PEDAGÓGICAS” SER PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR HOJE: ALTERNATIVAS PARA O EXERCÍCIO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA UNIVERSITÁRIA Equipe responsável pelo Projeto: Dagmar Sordi (coordenadora) Amarolinda Saccol Ana Rita Breier Denise Bandeira Ederson Locatelli Gilberto Faggion Gustavo Fischer Isamara Allegretti Maria Cláudia Dal’Igna Mirian Baldo Dazzi Silvia Polgati Colaboradores: Dinara DalPai Lucas Luz Priscila Provin Rejane Ramos Klein Viviane Klaus Texto elaborado por: Gilberto Faggion Isamara Allegretti Maria Cláudia Dal’Igna Mirian Baldo Dazzi Viviane Klaus Fevereiro 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOSPROJETO ESTRATÉGICO “PRÁTICAS PEDAGÓGICAS”

SER PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR HOJE: ALTERNATIVAS PARA O EXERCÍCIO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA

UNIVERSITÁRIA

Equipe responsável pelo Projeto:Dagmar Sordi (coordenadora)Amarolinda SaccolAna Rita BreierDenise Bandeira Ederson LocatelliGilberto FaggionGustavo FischerIsamara AllegrettiMaria Cláudia Dal’IgnaMirian Baldo DazziSilvia Polgati

Colaboradores:Dinara DalPai Lucas Luz Priscila Provin Rejane Ramos Klein Viviane Klaus

Texto elaborado por:Gilberto FaggionIsamara AllegrettiMaria Cláudia Dal’Igna Mirian Baldo DazziViviane Klaus

Fevereiro2012

SER PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR HOJE: ALTERNATIVAS PARA O EXERCÍCIO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA UNIVERSITÁRIA

Muito mais interessante e produtivo é perguntarmos e examinarmos como as coisas funcionam e acontecem e ensaiarmos alternativas para que elas venham a funcionar e acontecer de outras maneiras (VEIGA-NETO, 2003a, p.22).

Este texto tem por finalidade apresentar e discutir alguns pressupostos que

constituem a prática docente universitária, com o objetivo de estimular a reflexão

sobre a ação desenvolvida pelo professor em sala de aula. Com base na ideia em

destaque, compreendemos que, muito mais produtivo do que perguntar o que é uma

boa prática docente universitária, é analisar como ela funciona e que alternativas podemos

elaborar para que ela venha a acontecer de outras maneiras.

Importa explicar que os argumentos aqui desenvolvidos estão intrinsecamente

relacionados com os processos de reflexão dos grupos de trabalho de dois Projetos

Estratégicos da UNISINOS: “Práticas Pedagógicas”1 e “Sala de Aula do Futuro”2.

O Projeto “Práticas Pedagógicas” foi organizado em quatro etapas, tendo como

foco principal duas dimensões: o professor e o aluno.

1 O Projeto foi desenvolvido em 2011/1, sob a coordenação da professora Dagmar Sordi (área 5), pela equipe permanente de professores nomeada a seguir: Amarolinda Saccol (área 5), Ana Rita Breier (área 2), Denise Bandeira (área 6 e EaD), Ederson Locatelli (UAEC e EaD), Gilberto Faggion (área 5), Gustavo Fischer (UAGRAD e área 3), Isamara Allegretti (área 5), Maria Cláudia Dal’Igna (área 1), Mirian Dolores Baldo Dazzi (Formação Docente), Silvia Polgati (área 5 e EaD). Além do grupo acima citado, houve a colaboração importante do professor Lucas Luz, de membros da equipe de Formação Docente – Viviane Klaus, Priscila Provin e Rejane Ramos Klein – e da aluna Dinara DalPai (mestranda em Design – UNISINOS).2 O Projeto, coordenado pelo professor Gustavo Fischer (UAGRAD e área 3), está em desenvolvimento desde 2011/2. Tem como objetivo examinar a sala de aula do presente, visando a desenvolver cenários para inovar a experiência de aprendizagem em sala de aula no futuro. A seguir, nomeamos a equipe permanente de professores: Dagmar Sordi (área 5), Fabrício Tarouco (escola de Design), Isa Mara Alves (UAGRAD e área 3), Isamara Allegretti (área 5), Maria Cláudia Dal’Igna (área 1), Mirian Dolores Baldo Dazzi (Formação Docente) e Sandro Rigo (área 6). Além desse grupo, contamos com a colaboração da aluna Dinara DalPai (mestranda em Design – UNISINOS) e da professora Viviane Klaus (área 1 e Formação Docente).

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Etapa 1: “Alinhar”. Essa etapa envolveu o exame do conceito de prática

pedagógica, com o objetivo de compreender o que são e como se constituem as práticas

pedagógicas significativas. Essa questão orientou as demais etapas do desenvolvimento

do Projeto.

Etapa 2: “Conhecer”. Nessa etapa, o grupo procurou conhecer algumas das

práticas docentes desenvolvidas na UNISINOS, por meio de uma investigação

realizada com alunos e professores.

O levantamento de informações envolveu dois procedimentos. Com os alunos,

foi utilizada a técnica de Grupo Focal para discutir o conjunto de elementos que, em

sua perspectiva, caracterizariam uma “boa” aula e um “bom” professor3. Buscou-se

entender, nessas discussões, como se dá a aprendizagem dos alunos, quais as metodologias

utilizadas pelos professores que permitem maior aprendizado aos alunos e como a avaliação é

realizada nas atividades acadêmicas4.

Para realizar o levantamento de informações com os professores, foi solicitada

às coordenações dos cursos a indicação de dois professores que, por meio de suas

práticas pedagógicas, favoreciam o aprendizado dos alunos. Esses professores foram

convidados a elaborar um relato de suas práticas docentes para compor a amostra da

pesquisa5.3 19 alunos das áreas 2, 5 e 6 participaram do grupo focal. 4 Apesar de compreendermos que as informações coletadas nessa etapa são relevantes e merecem ser analisadas como elementos constitutivos da prática docente universitária, não é esse o objetivo do presente texto. Por isso, ressaltamos brevemente que as ideias dos alunos sobre a prática docente não foram consideradas como verdades absolutas ou reflexo da realidade da sala de aula. Afirmamos isso com base em pesquisas realizadas com alunos, tais como a de Traversini, Balem e Costa (2007), intitulada “Outros modos de olhar, outras palavras para ver e dizer, diferentes modos de ensinar e aprender: exercitando a docência na Contemporaneidade”. Ao examinar as ideias de alunos sobre as atividades que produzem ou não aprendizagem, os autores concluem que “o aluno reconhece uma atividade como ‘boa para aprender’ quando ele consegue dar conta da tarefa proposta e se auto-reconhece como alguém competente e capaz, que atingiu sucesso na escola” (TRAVERSINI; BALEM; COSTA, 2007, p.2). Se, por um lado, pode-se afirmar que uma prática pedagógica significativa pode estar relacionada à questão da aprendizagem e ao sucesso, por outro lado, é preciso refletir sobre o processo que resulta em aprendizagem. Ou seja, o erro é parte constitutiva do processo de construção do conhecimento, e o resultado final (aprendizagem) é uma consequência do processo. 5 Dos 72 cursos da Universidade, nove não indicaram professores. O total de professores indicados foi de 103. Para todos os professores indicados, foi enviado e-mail solicitando a narrativa. Sessenta e oito narrativas foram enviadas ao grupo após duas solicitações de reforço. Importa explicar que a indicação de dois professores por curso ocorreu devido à necessidade de identificar uma amostra no

3

Etapas 3 e 4: “Orientar” e “Criar”. Tais etapas objetivaram, respectivamente:

elaborar um conjunto de princípios pedagógicos orientadores para os professores da

Universidade e criar um espaço interativo virtual onde poderão ser compartilhados

conhecimentos produzidos neste projeto e, também, práticas docentes significativas,

as quais podem contribuir para a qualificação da ação desenvolvida pelo professor

em sala de aula.

Com o objetivo de examinar alguns dos pressupostos que constituem a prática

docente universitária, apresentamos de forma resumida as reflexões produzidas pela

equipe que integrou o Projeto “Práticas Pedagógicas”, tomando como referência os

relatos elaborados pelos docentes. Nesse sentido, pode-se afirmar que o presente

texto é um produto elaborado com base nos resultados do Projeto Estratégico

“Práticas Pedagógicas”.

Antes de começar, é importante explicar como chegamos a esses pressupostos.

Durante várias reuniões examinamos excertos dos relatos, tomando como base a

pergunta orientadora: o que são e como se constituem as práticas pedagógicas significativas.

Esses movimentos analíticos permitiram mapear alguns pressupostos que constituem

a prática pedagógica universitária. Dentre eles, elegemos três para análise neste

texto: (1) conhecimento específico e conhecimento pedagógico; (2) concepção de

ensino e concepção de aprendizagem; (3) binômio teoria e prática. Tais pressupostos

– que serão discutidos a seguir – estão profundamente articulados com os princípios

pedagógicos que elaboramos ao final do texto, os quais visam contribuir para inovar

a experiência de aprendizagem em sala de aula no futuro.

interior do corpo docente da Universidade, composto por 1114 professores. Certamente, cada docente teria muito a dizer sobre as práticas pedagógicas que desenvolve nos diferentes grupos nos quais atua; entretanto, considerando os objetivos da pesquisa e o prazo determinado para o seu desenvolvimento, foi necessário realizar essa estratégia de seleção.

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1 Conhecimento específico e conhecimento pedagógico

Não basta que o professor “domine o conteúdo e saiba transmiti-lo”, é imprescindível que ele reflita – de preferência com seus pares e, de vez em quando, por que não, com seus alunos [...] (FISCHER, 2009, p.314).

O Ensino Superior é o nível de ensino por excelência no qual a docência não se

constitui a priori como uma identidade profissional. Essa é uma conclusão de muitas

pesquisas sobre a construção da identidade dos professores do ensino superior

(CUNHA, 2009; CUNHA; BROILO, 2008; FISCHER, 2009; MASSETO, 2009;

MOROSINI, 2000, 2008; PEIXOTO, 2010; PIMENTA; ANASTASIOU, 2010). Pode-se

afirmar, por exemplo, que professores universitários, ao serem perguntados sobre a

profissão, tomam como referência a sua formação inicial – a maioria identifica-se

primeiramente como administrador, advogado, biólogo, engenheiro, físico, historiador,

geógrafo e, em segundo lugar, como professor universitário.

Daí decorre outra questão examinada nas referidas pesquisas. É possível

argumentar que a docência universitária é “aprendida”, na maior parte das vezes, em

exercício. Dizendo de outro modo, o professor universitário aprende a sê-lo, torna-se

docente, por meio de sua atuação em sala de aula.

Por fim, ressaltamos que as pesquisas expressam a preocupação com o fato de

grande parte dos professores que atuam no ensino superior não ter formação

pedagógica para o exercício da docência. O que os habilita para o exercício da

docência é a formação específica e a sua experiência profissional na área de atuação.

Certamente, experiência profissional e conhecimento da área (saber disciplinar) são

fundamentais. Porém, para tornar-se docente, é preciso mais. A docência caracteriza-se

por dois saberes que devem ser articulados permanentemente: saber específico e saber

pedagógico.

Importa dizer que o saber pedagógico não se reduz à didática – ao “como

ensinar”. Gauthier e Tardif (2010) dizem que o saber pedagógico é plural. Esses autores 5

fazem referência a sete saberes que compõem o saber pedagógico. Descrevemos

abaixo, brevemente, cada um deles:

– O saber disciplinar: este saber é elaborado por pesquisadores e intelectuais nas

diversas disciplinas científicas.

Em uma lógica de articulação entre ensino, pesquisa e extensão – proposta da

UNISINOS –, o professor e o aluno, além de aprender, ensinar e utilizar os saberes

concebidos por pesquisadores, são produtores de conhecimento. Tal produção dá-se

a partir da própria concepção de ensino e aprendizagem no ensino superior adotada

pela UNISINOS, questão que discutiremos mais adiante.

– O saber curricular: “uma disciplina nunca é ensinada tal qual; ela é objeto de

numerosas transformações para tornar-se um programa de ensino” (GAUTHIER;

TARDIF, 2010, p.483). O currículo é sempre uma seleção de alguns conhecimentos

em detrimento de outros. É importante sempre perguntar: por que alguns

conhecimentos foram considerados válidos – compuseram o currículo – e não outros? Muitas

pesquisas na área do currículo – como Canen e Moreira (2001), Candau (2001),

Corazza (2001), Costa (2001), Dal’Igna (2007), Fabris (2011), Fabris e Dazzi (2006),

Lopes e Fabris (2010), Garcia e Moreira (2006), Lopes (2007), Moreira e Macedo

(2002), Santomé (2008), Silva (2003, 2007), Veiga-Neto (2004, 2006, 2009) e Veiga e

Naves (2005), dentre outras – abordam a importância dessa questão, pois o currículo

não é algo natural, ou seja, não está desde sempre aí no mundo. Ele é fruto de

escolhas datadas que estão articuladas com uma proposta de ensino, de

aprendizagem e de avaliação e com um perfil de egresso, expressos em um Projeto

Político-Pedagógico. Tais concepções, bem como conhecimentos que integram o

currículo das disciplinas dos cursos – atividades acadêmicas6 dos cursos–,

modificam-se ao longo do tempo e do espaço.

6 Atividades Acadêmicas são unidades da sequência curricular. Têm caracterização/programação própria articulada com as das demais integrantes do currículo. Cada atividade acadêmica tem definidas as competências que orientam as ações do professor (planejamento, desenvolvimento e avaliação das situações de ensino e de aprendizagem). Cada atividade acadêmica, de acordo com o Projeto Político-Pedagógico do Curso, tem contribuições específicas para o desenvolvimento do perfil do profissional a ser formado pelo curso.

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A Equipe de Formação Docente da UNISINOS tem discutido semestralmente

com os professores ingressantes no Programa de Aprendizagem “Conhecendo a

UNISINOS”7 a importância de o professor compreender que a atividade acadêmica

sob sua responsabilidade faz parte de uma sequência curricular que compõe o

Projeto Político-Pedagógico do curso. Revisitar constantemente as competências –

conhecimentos, habilidades e atitudes – expressas na atividade acadêmica, a

sequência curricular, o perfil do egresso e o contexto social, econômico e político

mais amplo – que extrapola os muros da universidade – é fundamental na construção

de práticas pedagógicas significativas. É preciso perguntar: de que forma a atividade

acadêmica sob minha responsabilidade contribui com a constituição do perfil do egresso? Que

mudanças ocorrem na sociedade contemporânea que modificam os saberes produzidos pelas

Ciências? Quem são os sujeitos da educação na atualidade? De que modo aprendem? Quais

desafios a Universidade se coloca frente aos diferentes perfis de alunos do século XXI?8

Acreditamos ter ficado claro até aqui que o saber disciplinar e o saber curricular

são dois dos saberes que compõem o saber pedagógico. Do mesmo modo, discutimos

que conhecer os saberes a serem ensinados não é suficiente. É preciso compreender a

constituição do currículo, o Projeto Pedagógico do Curso, o cenário contemporâneo

mais amplo. Tendo dito isso, passamos para o terceiro saber apresentado pelos

autores.

– O saber da experiência: os autores entendem que a experiência é aquilo que o

docente faz – algo pessoal, que pode ser um momento único ou repetido várias vezes

– nos mais diversos momentos com a classe, ou seja, é o próprio fazer docente.

Porém, como Gauthier e Tardif (2010) advertem, a repetição de uma experiência

pode estabilizar-se como uma rotina, e o professor “pode acreditar que é porque ele

7 Programa de Aprendizagem do qual os professores selecionados para ingressarem como docentes na Universidade, nas diferentes áreas de conhecimento, participam com os seguintes objetivos: conhecer a cultura institucional; refletir sobre os saberes específicos da área na qual trabalham; discutir alguns elementos envolvidos no exercício da docência universitária. 8 Algumas dessas questões são examinadas em dois textos pedagógicos institucionais: O conceito de competência e seus desdobramentos didático-pedagógicos na Unisinos (UNISINOS, 2006) e Avaliação por competências: uma abordagem para a prática pedagógica universitária na Unisinos (UNISINOS, 2008).

7

faz tal coisa que os alunos aprendem, enquanto que, na realidade, a explicação está

em causas completamente diferentes” (GAUTHIER; TARDIF, 2010, p.484).

Acreditamos que duas observações poderão nos ajudar em uma discussão mais

refinada sobre o saber da experiência na área da educação. A primeira delas diz

respeito à diferença entre experimento e experiência. A segunda tem a ver com o

binômio teoria/prática.

Quando falamos em experiência, não estamos falando de um caminho seguro,

de um passo a passo, de um experimento cujas probabilidades podem ser

devidamente calculadas. O fazer docente que abre possibilidade para o saber da

experiência caminha sempre em um terreno instável, porque a experiência é

significada de diferentes formas pelos sujeitos da educação. Segundo Larrosa (2002,

p.21), “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que

se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,

porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”. O autor diz que a experiência

não pode ser confundida com a informação. Acumular informações não implica

necessariamente uma reflexão que modifique o sujeito, que possibilite pensar de

outras formas, exercitar o pensamento e a criticidade. Pelo contrário, “uma sociedade

constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é

impossível” (LARROSA, 2002, p.22). Segundo o autor, em nossos tempos, a

experiência é cada vez mais rara devido ao excesso de opinião, à falta de tempo e ao

excesso de trabalho.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p.24).

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Desse modo, mais do que o cumprimento de um programa de “conteúdos”, o

docente deve estar envolvido com estratégias de ensino que possibilitem uma

aprendizagem significativa por parte dos alunos. A rotina deve ser problematizada

permanentemente. O professor deve ter a clareza da intencionalidade pedagógica em

tudo que faz.

Antes de prosseguir, abrimos aqui um parêntese para anunciar o binômio

teoria/prática, pois este será discutido de forma pontual na sequência do texto. Tal

binômio fica evidente quando Gauthier e Tardif (2010) dizem que o professor pode

acreditar que os alunos aprendem porque ele faz determinadas coisas. É importante

ressaltar que todas as práticas realizadas estão embasadas de uma forma ou de outra

em teorias, pois “compreender minimamente o que está ocorrendo na prática implica

pensar teoricamente” (VEIGA-NETO, 2003b, p.2). Existem saberes específicos que

fundamentam uma ação pedagógica. É muito comum ouvirmos, no ensino superior,

professores dizerem que, no seu fazer docente, seguem os modelos de professores

que eles tiveram ao longo da vida – escolhem as “boas práticas” de seus professores e

procuram não repetir as “práticas ruins”. Do mesmo modo, procuram repetir, de um

semestre para outro, “práticas que deram certo”. Certamente, podemos nos valer das

“boas experiências” de nossos professores, de colegas, das nossas, enfim... Porém,

existe muita pesquisa científica na área da educação que fundamenta o fazer docente.

Ao optarmos por determinadas práticas, estamos nos valendo de saberes da tradição

pedagógica. Para ser professor, é preciso conhecer a área de atuação:

profissionalização da docência no ensino superior. Tais considerações estão

diretamente relacionadas com o próximo saber.

– O saber da ação pedagógica: Gauthier e Tardif (2010, p.484) dizem que “o saber

da ação pedagógica é aquele da experiência, enfim tornado público e passado pelo

crivo da validação científica”. Segundo os autores, muitas pesquisas foram realizadas

nos últimos 20 anos no sentido de definir quais são os saberes e as atitudes dos

docentes que favorecem a aprendizagem dos alunos. Tais pesquisas podem qualificar

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a prática docente e são necessárias para a profissionalização do ofício. Não podemos

imaginar que é “suficiente” um conhecimento da área específica, sem levar em

consideração a necessidade de um saber da ação pedagógica. Ser professor é uma

profissão. Desse modo, é preciso fazer uma série de investimentos para “tornar-se

professor”.

– O saber da cultura profissional: esse é um saber do sistema educacional, das

políticas, da organização do ensino superior e da instituição de ensino – que serve ao

docente como um pano de fundo e alimenta a sua existência profissional. Pode-se

referir aqui, por exemplo, a importância do Plano de Desenvolvimento Institucional

(PDI) e do Projeto Pedagógico Institucional (PPI). É muito importante que o

professor conheça os referidos documentos institucionais porque as atividades de

ensino, pesquisa e extensão são desenvolvidas com base em diretrizes ali definidas.

– O saber da cultura geral: esse saber diz respeito à cultura mais ampla que o

docente possui. Tal cultura, ativada em sala de aula, favorece a aprendizagem dos

alunos. Tal saber é central no fazer docente na Contemporaneidade. Vivemos em um

tempo de descartabilidade, volatilidade, mobilidade, mudança contínua, enfim... O

fazer docente deve estar centrado no tempo e espaço atual. É preciso reinventar a

universidade e reinventar a sala de aula.

Fabris (2001), ao problematizar o descompasso entre a escola e o tempo/espaço

contemporâneos, contribui para a reflexão que fazemos sobre o ensino superior. A

autora diz que, “no interior da escola, os assuntos versam sobre um tempo passado e

projetos para o futuro, o presente não entra, parece que não é seu momento ainda”

(FABRIS, 2001, p.94). Essa discussão também pode ser remetida para o contexto

universitário se continuarmos entendendo que o ensino se centra somente na figura

do professor, que irá “transmitir” o conhecimento para seus alunos. Nesse sentido,

podemos nos perguntar: quais conhecimentos nossos alunos trazem hoje para a

universidade que podem ser potencializados? Que outras pedagogias podem ser pensadas para

trabalhar com os alunos do século XXI? De que forma podemos explorar as tecnologias no

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ensino superior a favor do ensino e da aprendizagem? Como possibilitar aos nossos alunos

que sejam protagonistas em seu processo de formação e não apenas sujeitos da aprendizagem?

– O saber da tradição pedagógica: “a tradição pedagógica contemporânea é feita de

uma curiosa mistura de pedagogia tradicional e de experiências inovadoras”

(GAUTHIER; TARDIF, 2010, p.485). Pode-se dizer que a formação de professores

inovadores passa pela reinvenção da tradição pedagógica. Isso nos possibilita

descolar o conceito de inovação do “novo” e o conceito de tradição do “velho”.

Giddens (2003) diz que é errôneo supor que, para ser tradicional, um conjunto de

práticas precisa ter existido por séculos. O que torna algo tradicional é o ritual e a

repetição, e aí mora o “perigo” para a área da educação, pois, “por mais que a

tradição possa mudar, ela fornece uma estrutura para a ação que pode permanecer

em grande parte não questionada” (GIDDENS, 2003, p.52).

O problema não está em valer-se da tradição, mas sim na repetição de algumas

práticas que se naturalizam. Repetimos uma série de processos nos espaços

educativos, dentre eles, a universidade, “porque sempre foi assim”. Cabe perguntar:

quais os desafios que a Universidade se coloca no século XXI, mais precisamente, no ano

corrente e no semestre em curso? Podemos nos valer da tradição, reinventá-la, contanto

que, enquanto docentes, saibamos sempre justificar as nossas opções pedagógicas.

Em um workshop realizado no Projeto “A Sala de Aula do Futuro” em 2011, a

professora Maura Lopes lançou o seguinte desafio: para que vamos à universidade e

para qual universidade vamos? A professora e pesquisadora elenca alguns tópicos que

estão diretamente relacionados com a necessidade de repensarmos as funções da

universidade na Contemporaneidade: a percepção de que estamos em outros

tempos, a permanente sensação de crise em que vivemos, a necessidade de planejar

o futuro, a necessidade de olhar e entender o presente.

Conforme já discutimos em outro momento do texto, é preciso projetar a sala de

aula do futuro fazendo a diferença no presente – presente este que nos desafia

devido às inúmeras mudanças que estão ocorrendo em nível global. Assim, para

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reinventar a tradição, não é suficiente modificar as metodologias de ensino ou

utilizar ferramentas tecnológicas. É preciso repensar as práticas a partir do saber

pedagógico, que é plural – discussão realizada ao longo do texto –, para que as

mudanças não sejam apenas de superfície. Segundo Palma e Forster (2011, p.150),

“para compreendermos a inovação didático-curricular como uma prática

contextualizada, é necessária a percepção histórica e situacional da ação docente que se

efetiva em função e na relação com os fatores concretos que a condicionam/marcam”.

As autoras (2011, p.152) dizem, ainda, que “inovação na educação vai além do novo ou

da novidade”. A inovação é entendida como uma mudança de paradigma, de

concepção. Para fazer tais opções, é preciso ter clareza da tradição pedagógica. Dessa

forma, as rupturas e/ou deslocamentos nas práticas docentes envolvem rupturas e/ou

deslocamentos epistemológicos imbricados em tais práticas (PALMA; FORSTER,

2011).

Pode-se dizer, portanto, que um professor inovador é um professor que repensa

constantemente as suas práticas docentes, situando-as no contexto social, cultural,

econômico e político mais amplo. Uma vez que “a formação não ocorre por

acumulação, mas por um trabalho de reflexividade crítica sobre o profissional e o

pessoal, sobre as práticas e a identidade pessoal, permitindo compreender a

globalidade dos sujeitos, que assumem a formação como um processo interativo e

dinâmico” (PALMA; FORSTER, 2011, p.155), os professores do ensino superior

tornam-se professores no cotidiano da universidade. Para tal, precisam revisitar suas

concepções de ensino e aprendizagem, bem como compreender teoria e prática como

duas faces de uma mesma moeda, questões que discutiremos na sequência do texto9.

9 Para quem quiser saber mais sobre as Teorias do Currículo, sugerimos a leitura de Silva (2007). 12

2 Concepção de ensino e concepção de aprendizagem

No campo da educação, muitos são os significados atribuídos ao ensino e à

aprendizagem. Aqueles mais comumente problematizados são os que concebem o

ensino como transmissão de conhecimentos e a aprendizagem como memorização

e/ou aquisição dos conhecimentos transmitidos pelo professor.

Tais teorizações entendem o conhecimento como algo natural e o ensino como o

caminho que permite que o aluno decifre, da forma mais objetiva possível, o que já

estava dado antes da decifração (VEIGA-NETO; NOGUERA, 2009). Para a aquisição

de conhecimento, seria preciso “ouvir, ver e reproduzir”, ou seja, tal aquisição não

estaria envolvida com um exercício de pensamento que pressupõe pensar, criar,

produzir, construir, discutir, problematizar, solucionar, descobrir (FISCHER, 2009).

Para refinarmos os nossos entendimentos sobre ensino e aprendizagem,

pensamos ser necessário diferenciar conhecimento e saber. O conhecimento tem

relação com a questão da razão e da objetividade. Tomado como algo natural — que

está desde sempre aí no mundo —, o conhecimento tem o status de verdade

inquestionável, de modo que se perde a sua materialidade histórica. Nesse caso, o

professor deve traçar um método que permita que o aluno acesse o conhecimento —

acesse a verdade. O saber, por sua vez, “deriva da forma latina, que significa ‘ter

sabor, saborear, discernir pelo paladar ou pelo olfato’” (VEIGA-NETO; NOGUERA,

2009, p.1). Assim sendo, uma prática pedagógica significativa deve fazer sentido para

os alunos. Os sentidos manifestam-se das mais diversas formas, pois são da ordem

do sujeito. Em uma sociedade da informação, a universidade pode fazer a diferença,

pois é o espaço por excelência da criticidade e do exercício de pensamento.

Faz sentido aos estudantes vir à universidade para ouvir informações já publicadas, inclusive em rede de conexão digital? Faz sentido acompanhar um raciocínio (o do professor) para resolver um problema muitas vezes fora de contexto (Um dia vocês irão entender a razão de estarem estudando este conteúdo)?

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Há significado em vir à aula para constatar dados numa tabela (interpretada pelo professor)? Qual o interesse em ouvir narrativas textuais que poderiam ser lidas em casa? (FISCHER, 2009, p.311).

Caberia perguntar ainda: o que diferencia os espaços de educação formais –

escolas, universidades – de outros espaços educativos? E, na sequência:

A universidade não deveria ser o locus privilegiado para despertar capacidades adormecidas ao longo da trajetória escolar? Não seria a etapa da graduação um tempo em que o estudante poderia se defrontar com desafios instigantes? Onde pudesse se deparar com alguns inusitados, com alguns aparentes inexplicáveis? Não seria a universidade um dos espaços mais adequados para discussões coletivas, problematizações e busca de soluções originais para o campo profissional e para a sociedade em geral? (FISCHER, 2009, p.311).

O que temos feito em nossas salas de aula? Como temos lidado com os sujeitos do século

XXI10? Afinal de contas, “mudaram os alunos, mudaram os mestres, mudou a vida”

(FISCHER, 2009, p.312). Compreender tais mudanças não significa uma simples

adequação da sala de aula aos alunos que aí estão, mas sim um conhecimento do

cenário no sentido de planejar uma intervenção pedagógica qualificada. No ensino

superior, precisamos ensinar os alunos a serem acadêmicos. Imaginamos que os

alunos entram na universidade com o perfil esperado. Porém, habilidades, atitudes e

conhecimentos (saberes) devem ser desenvolvidos. Concordamos com Fischer (2009,

p.312) quando ela diz que existem dois equívocos comumente aceitos na academia:

“o primeiro, que afirma ser a universidade frequentada por adultos e que adultos

sabem o que querem. Portanto, o professor na universidade não precisa preocupar-se

10 “Já não se fazem alunos como antigamente, dizem os professores que iniciaram sua trajetória docente em meados do século XX ou até antes [...]” (FISCHER, 2009, p.313). Porém, devemos lembrar sempre que vivemos “neste tempo e espaço” e temos em sala de aula “diversos perfis de alunos”. Para aprofundar essa discussão, sugerimos a leitura de alguns autores que discutem quem são os sujeitos da educação do século XXI, dentre os quais, destacamos: Allegretti (2011), Bauman (2011), Costa (2006) e Fischer (2008).

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com pedagogias. E o segundo, que apregoa que para ‘dar aula’ no ensino superior o

docente apenas precisa dominar o conteúdo e ter uma boa comunicação”.

Ensinar pressupõe: provocar situações que possibilitem que o aluno estabeleça

inúmeras relações com o objeto em estudo; provocar o crescimento intelectual, e não

apenas memorizar informações, que muitas vezes não fazem sentido; que o aluno,

diante de situações novas, seja capaz de buscar alternativas e argumentar

teoricamente em favor de suas escolhas; desafiar o aluno à autonomia de

pensamento.

Desse modo, é preciso elaborar estratégias de ensino e estar atento ao processo

de aprendizagem – avaliação como um diagnóstico que apresenta subsídios

importantes para o planejamento do professor. A prática pedagógica não deve ser

focalizada apenas em um dos polos: ensino ou aprendizagem. Fazemos tal referência

devido à crença que perdurou – perdura? – por um longo tempo na área da educação:

“é suficiente transmitir o conhecimento para que os alunos aprendam”. Se o aluno

não aprender, é porque não “se esforçou suficientemente”. Ao professor, cabe

“ensinar bem”, e a aprendizagem fica sob a responsabilidade do aluno. Porém, é

preciso admitir que a linguagem não é cristalina, ou seja, nem tudo que dizemos é

compreendido como gostaríamos, pois os códigos são mediados pela cultura, e cada

um pode interpretar de modo diferente o que está sendo dito, por mais que

tenhamos a pretensão do sentido comum11. Para que a aprendizagem ocorra, uma

série de saberes pedagógicos precisa ser revisitada permanentemente. Conforme já

discutimos, tais saberes extrapolam em muito a didática e as metodologias de ensino.

Por outro lado, muitos professores acabam por centrar suas práticas na

aprendizagem, esquecendo-se das estratégias de ensino. Essa é uma leitura

“apressada” do que seria um professor mediador. Mediação não pode ser entendida

11 Explicando a virada operada pelo pensamento de Ludwig Wittgenstein, Mauro Condé (1998) diz que, no contexto da chamada virada linguística, se abandona o entendimento de que à linguagem, como instrumento neutro, corresponde a função de representar as coisas que existem no mundo. Ela deixa de ser entendida como espelho do mundo ou como manifestação do pensamento, para ser considerada como constitutiva do social. Assume-se, assim, a centralidade da linguagem na organização social e da cultura. Para uma discussão sobre essa questão, ver Condé (1998).

15

como uma intervenção mínima na aprendizagem do aluno. Pelo contrário, mediação

pressupõe que o professor assuma sua autoridade, “que deve ser fruto não só da

dedicação e aprofundamento diante de seu objeto de estudo, mas que surge também

de sua postura de compromisso perante a sociedade no preparo dos jovens cidadãos

e profissionais de que ela tanto necessita” (FISCHER, 2009, p.313). As estratégias de

ensino são fundamentais na constituição de sujeitos autônomos, inovadores e

empreendedores.

Ensino e aprendizagem, assim como teoria e prática, devem andar juntos, pois

são indissociáveis.

3 Binômio teoria e prática

Tal binômio já foi explorado, de uma forma ou de outra, em vários momentos

do texto. No entanto, pensamos ser importante marcar duas questões que envolvem

esse binômio, que, por vezes, aparece de forma desarticulada: no saber pedagógico

propriamente dito e na efetivação das práticas pedagógicas em sala de aula.

Quando fazemos referência ao saber pedagógico, retomamos, de certa forma, o

que foi discutido até o presente momento: o professor precisa estudar e refletir sobre

a sua prática, pois ela está embasada em uma ou mais teorias da tradição pedagógica.

Veiga-Neto (2003b, p.2) diz que:

O que me parece mais importante é referir que, apesar das muitas diferenças entre as várias vertentes epistemológicas atuais, todas elas são unânimes em afirmar que não há como dar qualquer sentido ao que se passa no mundo sem uma ou mais teorias que nos faça(m) compreender o que estamos observando, vendo, medindo, registrando. Em outras palavras: sem um esquema ou arcabouço teórico, isso que chamamos mundo das práticas – ou, simplesmente, práticas – não faz nenhum sentido e, assim, nem é mesmo observado ou visto e nem, muito menos, medido ou registrado. Inversamente, se dá o mesmo: sem alguma experiência, algum acontecimento nisso que chamamos mundo das práticas, não há como pensar, formular ou desenvolver uma ou mais teorias.

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Tais considerações ajudam-nos a refletir sobre as práticas que desenvolvemos

em nossas salas de aula. O termo prática não necessariamente precisa restringir-se à

atividade de um sujeito. Quando nos referimos à prática, estamos abrangendo um

campo mais amplo que orienta a atividade que o sujeito desenvolve, ou seja,

consideramos a existência de certas regras a que esse sujeito está submetido desde o

momento de sua ação. Essas regras não estão iluminadas por determinada teoria,

pois essa dicotomia não dá conta de explicar diferentes possibilidades de ações que o

sujeito pode desenvolver. Prática e teoria, portanto, serão tomadas como

indissociáveis para mostrar que se constituem por campos de saberes que regulam e

controlam os sujeitos e suas ações. Nesse sentido, prática abarca a teoria porque é

constituída por ela e, ao mesmo tempo, a constitui.

A dicotomia entre teoria (objeto epistemológico) e prática (o que se realiza como

objeto de trabalho) fragmenta a formação de nossos alunos, uma vez que uma não

existe sem a outra. Entra aqui, mais uma vez, a importância de o aluno compreender

o percurso que faz ao longo do curso e o quanto cada atividade acadêmica está

diretamente relacionada com a sua formação profissional.

É preciso desnaturalizar determinadas verdades que vêm legitimando a

dissociação entre momentos teóricos em sala de aula e desenvolvimento de

atividades práticas fora da sala de aula – questão que se tornou um imperativo no

desenvolvimento do que se poderia chamar de uma boa prática pedagógica.

O desafio é pensar teoricamente sobre a prática e teorizar como um fazer

prático. Acreditamos que o espaço de sala de aula deve estar articulado com a

carreira e suas urgências, contribuindo para aproximar a universidade do mundo

contemporâneo no qual vivemos.

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Para finalizar... Alguns princípios para a docência universitária

A crise que se sente na educação é a manifestação de uma crise maior, mais ampla: a grande crise de esgotamento de valores, das formas de pensar e estar no mundo que foram constituídas na modernidade (VEIGA-NETO, 2008, s/p).

Apresentamos abaixo alguns princípios que são fundamentais para o exercício

da docência universitária no mundo atual. Gostaríamos que cada princípio fosse

visto como um desafio que precisa ser revisitado a cada semestre letivo:

• (Re)inventar a tradição com o objetivo de formular soluções diferenciadas

para problemas conhecidos;

• Adotar uma postura reflexiva sobre as mudanças e permanências nos

processos de inovação;

• Romper com a dicotomia teoria e prática;

• Examinar constantemente a sala de aula do presente para qualificar as ações

futuras;

• Analisar a relação entre formação específica e formação pedagógica;

• Elaborar práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento do perfil

desejável para o aluno do futuro;

• Exercer a docência apoiando-se em um terreno menos seguro, mais incerto,

provisoriamente escolhido, permanentemente problematizado;

• Compartilhar experiências pedagógicas com o aluno e com o colega de

trabalho;

• Experimentar percursos orientados que auxiliem o aluno a conferir

significados aos acontecimentos com que se depara no cotidiano;

• Criar atividades diferenciadas que rompam com as práticas pedagógicas

homogêneas.

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Todos os princípios estão diretamente relacionados com os pressupostos que

foram examinados no decorrer do texto e trazem como principal desafio a

problematização constante do fazer docente. Como diz Veiga-Neto (2003a, p.29), a

“hipercrítica está sempre em movimento; não em busca de um ponto de fuga que

seria o núcleo da verdade e com base no qual fosse possível traçar a perspectiva das

perspectivas, mas que simplesmente se desloca sem descanso, sobre ela mesma e

sobre nós”.

Não existe espaço para verdades absolutas e para certezas quando o assunto é

“práticas pedagógicas significativas”. Fischer (2009, p.314) diz que, “nos dias atuais,

a orientação pedagógica recomenda que o professor substitua os pontos finais de sua

aula por pontos de interrogação”. Do mesmo modo, uma prática significativa deve

ser constantemente submetida a interrogações, de forma a romper com o movimento

binário que visa a classificá-la como boa ou ruim, acarretando um julgamento.

Acreditamos não ser possível dizer que uma prática docente é boa – ou não –

em si mesma, visto que é preciso examinar a intencionalidade pedagógica do

professor na relação ensino e aprendizagem. Além disso, não há como examinarmos

práticas docentes de forma descontextualizada, pois elas fazem sentido nos contextos

onde são desenvolvidas. Assim, o que consideramos como sendo práticas

pedagógicas significativas constitui-se tanto a partir das orientações institucionais da

UNISINOS, quanto de pesquisas na área educacional sobre o ensinar e o aprender,

apoiando-se, ainda, nos relatos de práticas docentes feitos por alguns professores da

UNISINOS.

Nessa direção, assumimos o pressuposto de que uma prática docente não é

natural. Isso significa dizer que ela é produzida a partir de distintos campos de

saberes e que não há como pensar ou desenvolver práticas sem teorias que lhes deem

sustentação.

Ao mesmo tempo, compreendemos não ser possível definir e/ou categorizar de

forma binária o que “tem significado” e o que “não tem significado”. Os significados

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são produzidos no interior de práticas que se constituem no contexto histórico, social

e cultural mais amplo. Desse modo, pode-se dizer que a atribuição de significados é

sempre uma questão contingente. Muitos elementos, enunciados e interpretações

constituem uma prática pedagógica. O desafio é justamente problematizar nossas

práticas pedagógicas permanentemente.

Em resumo, pode-se afirmar que o movimento de estudo permitiu ao grupo

questionar a expressão "boas práticas" porque: (a) uma prática docente não é natural,

ou seja, ela é produzida a partir de distintos campos de saberes. Não há como pensar,

formular ou desenvolver práticas sem teorias que lhes deem sustentação; (b) uma

prática docente não é boa em si mesma, ou seja, é preciso examinar a

intencionalidade do professor na relação ensino e aprendizagem e considerar as

diferenças individuais de aprendizagem do aluno; (c) uma prática docente não pode

ser descontextualizada, ou seja, a ela é atribuído sentido no contexto onde é

desenvolvida.

Com base nesses pressupostos teóricos, não se pretendeu aqui partir de um

juízo de valor prévio. Nosso objetivo foi apresentar e discutir alguns pressupostos

que constituem a prática docente universitária, visando a estimular a reflexão sobre a

ação desenvolvida pelo professor em sala de aula. Ao fazê-lo, esperamos ter

contribuído para o diálogo, a revisão, o redirecionamento, a ampliação e a criação de

práticas pedagógicas coerentes com os desafios do mundo em que vivemos.

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