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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO E TURISMO CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO JÚLIA CRISTIANE SCHULTZ-PEREIRA QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DA ACMR: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO E TURISMO

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO

JÚLIA CRISTIANE SCHULTZ-PEREIRA

QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS DA ACMR: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Biguaçu

2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO E TURISMO

CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO

JÚLIA CRISTIANE SCHULTZ-PEREIRA

QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS DA ACMR: um estudo etnográfico

Biguaçu

2008

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JÚLIA CRISTIANE SCHULTZ-PEREIRA

QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS DA ACMR: um estudo etnográfico

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado

Acadêmico em Administração da Universidade do

Vale do Itajaí, como requisito à obtenção do título de

Mestre em Administração.

Orientadora: Profa. Dra. Christiane Kleinübing Godoi

Biguaçu

2008

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JÚLIA CRISTIANE SCHULTZ-PEREIRA

QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DA ACMR: um estudo etnográfico

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Administração e

aprovada pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Administração, da Universidade do

Vale do Itajaí.

Área de Concentração: Organizações e Sociedade

Biguaçu, julho de 2008.

Prof. Dr. Carlos Ricardo Rossetto Coordenador do Programa

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Christiane Kleinübing Godoi - Orientadora UNIVALI – CE Biguaçu – SC

Profa. Dra. Elaine Ferreira - Avaliadora UNIVALI – CE Biguaçu – SC

Prof. Dr. Sérgio Luís Boeira - Avaliador UNIVALI – CE Biguaçu – SC

Profa. Dra. – Denise Del Pra Netto Machado Avaliadora Externa

FURB – Blumenau – SC

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Aos meus pais, Inara Aparecida Schultz e Walter

Schultz Junior, pessoas que eu amo, que me mostraram

os caminhos para vencer e a quem devo muito do que

sou.

Ao meu amor, amigo e companheiro, Marcelo

Henrique Pereira, por me amar, me inspirar, me apoiar e

investir sempre em mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que permitiu que eu pudesse chegar até aqui.

À minha orientadora, Christiane Kleinübing Godoi, que acreditou, investiu, apoiou e

se tornou essencial para a realização deste trabalho.

Aos professores que contribuíram para a formação do meu conhecimento.

Aos amigos e familiares que não faltaram com carinho e souberam entender minha

ausência.

Aos colegas de mestrado, pessoas que compartilharam dificuldades, risos e

vivências.

Aos catadores da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Florianópolis

por terem contribuído decisivamente para a construção deste projeto ao aceitarem ser

entrevistados e pelo carinho a mim dedicado.

A um aluno que se mostrou ao longo deste tempo um amigo muito especial: Thiago

Korb.

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“Um dia você aprende que realmente pode

suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito

mais longe depois de pensar que não se pode mais. E

que realmente a vida tem valor e que você tem valor

diante da vida!”

Autor desconhecido

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RESUMO

A qualidade de vida (QV) é buscada incessantemente pelos seres humanos que realizam diversas mudanças no seu dia-a-dia no sentido de ter uma vida melhor. Este trabalho é uma pesquisa sobre a QV inserida no campo social, com a população dos catadores de materiais recicláveis, trabalhadores que têm sido estudados porque realizam um trabalho importante para a limpeza das cidades e para o meio ambiente. A pesquisa foi realizada com os catadores da Associação dos Coletores de Materiais Recicláveis de Florianópolis - ACMR. Esta associação se encontra instalada na capital de Santa Catarina e é composta por pessoas que buscam uma QV melhor por meio da coleta e venda de materiais recicláveis. O objetivo geral foi procurar compreender a manifestação das categorias da QV destes catadores e, para que este pudesse ser alcançado, surgiram os seguintes objetivos específicos: Identificar a percepção dos fatores da qualidade de vida e analisar a manifestação dos fatores da qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis da ACMR. Para tanto, iniciou-se a pesquisa teórica acerca do tema QV, momento em que se verificaram as definições acerca deste, seguindo da construção teórica sobre os sujeitos catadores de materiais recicláveis, procurando entender o funcionamento do cotidiano deles, a sua rotina de trabalho, as dificuldades, os sentimentos por eles vividos e a forma como operam a sua vida. A pesquisa etnográfica, estratégia utilizada para o desenvolvimento do trabalho, norteou a pesquisa de campo que foi realizada por meio de visitas à associação. Convivendo com os sujeitos pesquisados, as sucessivas entrevistas em profundidade foram realizadas. Para entender a realidade dos nativos, houve a necessidade de buscar da visão com o olhar do outro e assim se encontrou uma forma de compreender outra realidade de um mundo que ao mesmo tempo é próximo e distante. Após a pesquisa de campo, efetuou-se a transcrição dos dados coletados e a interpretação destes, momento em que se revelou a percepção dos fatores da QV e, posteriormente, foi possível identificar e analisar a manifestação dos fatores da QV destes catadores. Após realizou-se um comparativo entre as categorias da QV segundo o entendimento dos autores estudados e as consideradas pelos catadores como fatores da QV, e ao final, foram formuladas novas definições para QV a partir da visão dos catadores.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Pesquisa Etnográfica. Catadores de materiais recicláveis.

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ABSTRACT

Quality of life (QOL) is a constant goal of human beings, who make various changes in their day-to-day lives, in order to have a better life. This work is a study of QOL in the social field, among the population of recyclable material collectors. These workers were studied because they play an important role for the cleanliness of the cities and for the environment. The study was carried out among recyclable material collectors of the ACMR – Association of Recyclable Material Collectors of Florianópolis, an association located in the capital of Santa Catarina, which is made up of people who are looking for a better QOL through the collection and sale of recyclable materials. The general objective was to understand the manifestation of the categories of QOL of these workers, and to this end, the following specific objectives emerged: to identify the workers’ views on the factors of quality of life, and to analyze the manifestation of the factors of quality of life among the recyclable material collectors of the ACMR. A theoretical study of the theme of QOL was carried out, to determine the definitions relating to this theme, according to the theoretical construction on recyclable material collectors as subjects, seeking to understand their daily lifes and working routines, the difficulties they face, their feelings, and how they live their lives. The field work, carried out through visits to the association, was guided by the strategy of ethnographic study, which was used in the development of this work. In-depth interviews were carried out, after spending time with the subjects of the study. To understand the reality of the native people, it was necessary to have an outsider’s view, through which it was possible to understand another reality of a world that is, at the same time, both near and distant. Following the field research, the data collected were transcribed and interpreted, and the workers’ views of the QOL factors were revealed. Subsequently, it was possible to identify and analyze the manifestation of the factors of QOL in these workers’ lives. A comparison was drawn between the QOL categories according to the understanding of the authors studied, and those considered by the workers as QOL, and at the end, new definitions of QOL were formulated, based on the workers' views.

Key words: Quality of life. Ethnographic research. Recyclable material collectors.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Design da pesquisa ............................................................................................ 41

Figura 02 - ACMR do Centro de Florianópolis........................................................................46

Figura 03 - Barraca e carrinhos na ACMR...............................................................................47

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Categorias da QV .............................................................................................. 19

Quadro 02 - Categorias da QV dos catadores de materiais recicláveis da ACMR ................. 68

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................. 6

2.1 QUALIDADE DE VIDA: INTRODUÇÃO À INSERÇÃO NO CAMPO SOCIAL ....................... 6

2.2 IDENTIDADE DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS ................................... 22

3 METODOLOGIA: DESIGN ETNOGRÁFICO ......................................................... 35

4 RESULTADOS DA PESQUISA ETNOGRÁFICA.................................................... 42

4.1 QUEM SÃO OS COLETORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DA ACMR........................ 42

4.2 O PRIMEIRO CONTATO.......................................................................................... 50

4.3 O DIA-A-DIA DOS CATADORES .............................................................................. 52

4.4 IDENTIFICANDO AS CATEGORIAS DA QUALIDADE DE VIDA DOS CATADORES DA

ACMR................................................................................................................ 58

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 75

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 78

APÊNDICES: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS .................................................. 83

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1 INTRODUÇÃO

O tema qualidade de vida (QV), conforme aponta Moreira (2001, p. 15), faz lembrar

que o século XX foi considerado um século de progressos, de grandes descobertas, de

desenvolvimentos e, ao mesmo tempo, um século de horrores, de convulsões, de holocausto,

de guerras mundiais. O desenvolvimento trouxe consigo também o subdesenvolvimento e, na

mesma intensidade em que o progresso foi experimentado, vieram com ele as regressões,

vivenciando nesse período o verdadeiro significado de crise, quando os perigos conviveram

com as oportunidades de mudança.

A QV tem sido preocupação constante na vida do ser humano, desde o início de sua

existência e cada vez mais se torna um compromisso pessoal e uma busca contínua de uma

vida melhor, desenvolvida à luz de um bem-estar indissociável das condições do modo de

viver, como saúde, moradia, educação, lazer, transporte, liberdade, trabalho, auto-estima,

dentre outras (SANTOS et al, 2002, p. 758). Moreira (2001, p. 11) acredita que está

disseminada uma espécie de trato com a QV em todas as áreas do conhecimento, tal como se

esta representasse a nova panacéia para os males da humanidade.

A literatura pertinente apresenta uma relação próxima entre QV e qualidade de vida no

trabalho (QVT), e, em muitos casos, é possível verificar que os conceitos de ambas são

tratados como se fossem apenas um. É possível que a ligação entre as definições possa ser

encontrada no fato de os programas de qualidade terem sido importados para o Brasil por

volta da década de 1960, e o assunto ter permanecido durante alguns anos em evidência.

É importante compreender o modo como opera a lógica da QVT. As ações

organizacionais são realizadas no sentido de promover os fins econômicos que abrangem os

interesses dos trabalhadores somente quando essa coincidência é um meio para os resultados

organizacionais. Assim, fica evidente que a lógica administrativa da QVT é instrumental, uma

vez que objetiva sobrepujar as constantes dificuldades geradas pelo conflito homem-empresa,

e o efeito esperado pela ação manipuladora do discurso da QVT torna-se claro: esta é uma

maneira eficaz de se ocultar a dominação presente na relação trabalhador-empresa

(DOURADO; CARVALHO, 2007, p. 9-16).

Dourado e Carvalho (2007, p. 5-6) notam haver um discurso por parte das empresas

que perturba os trabalhadores quando afirma desejar o bem-estar de seus funcionários,

evidenciando contradições internas na concepção da própria QV, desnudando seus

verdadeiros interesses. Nas organizações, tem-se a idéia de que não há como dissociar o

trabalhador do homem; porém, quando se fala das pessoas para a utilidade empresarial,

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mostra-se verdadeiramente o que se deseja dos homens no âmbito organizacional: a

capacidade de fornecer criatividade, dinâmica, vida, impulso e racionalidade que é,

essencialmente, o retorno esperado pelos trabalhadores.

Em verdade, o distanciamento da QVT para tentar caminhar com propostas que visem

à QV exige uma grande abertura no sentido de conseguir despojar-se de arcabouços atuais de

pensamento, de premissas até então inquestionáveis, da forma como a realidade é vista e ter

disposição de considerar uma outra maneira de entender o mundo e a vida. Assim, o maior

desafio está em caminhar na direção de mudar o modo de pensar, agir e sentir. (MOREIRA,

2001, p. 17)

O objeto deste estudo concentra-se em QV, nos seus mais variados contextos, e

pretende-se uma superação dos trabalhos instrumentais de QVT, baseados na exploração dos

fatores extrínsecos aos indivíduos e mantendo a dicotomia entre o discurso institucional e a

prática nas organizações. É possível verificar neste trabalho o aparecimento da QV

relacionada a muitos temas, construindo, dessa forma, um histórico que mostra o assunto

sendo abordado em diversos temas, tais como saúde e estresse. A QV pode ser encontrada, de

algum modo, na vida de qualquer ser humano; porém, a forma como cada pessoa compreende

o significado da qualidade de sua própria vida difere, e aquilo que para uns não é considerado

qualidade, para outros é a qualidade em essência.

No cenário específico desta pesquisa, optou-se por situar a temática da QV no âmbito

dos problemas sociais, mais especificamente com a população de catadores de materiais

recicláveis, pessoas que desempenham seu trabalho por meio da coleta seletiva e venda de

materiais recicláveis, uma vez que este trabalho se encontra dentro do encadeamento da

transposição da QV para o contexto social, buscando algo que ainda carece de estudo e

literatura.

É nesse contexto que surge a problemática dos indivíduos catadores de materiais

recicláveis expostos a uma condição de exclusão social. Dessa maneira, este estudo circula em

torno dos fatores da QV dos trabalhadores da Associação de Coletores de Materiais

Recicláveis (ACMR) de Florianópolis, que é uma asociação que já tem sido estudada por

alguns autores (AQUINO, 2007; BOEIRA et al, 2007; PIRES, 2008), visto que enfrentam

ainda muitos problemas organizacionais no sentido de ainda trabalharem buscando uma forma

mais adequada para o desempenho das funções que executam e problemas com órgãos e

pessoas da sociedade que não aceitam a imagem que passam aos turistas quando estes chegam

a Florianópolis, já que estão instalados logo na entrada da cidade.

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Na visão de Soares-Baptista (2003, p. 1), esta população têm sido estudada porque

tomou importância com o passar do tempo, a partir da observação da sua própria constituição

na sociedade, por serem pessoas que compõem uma parcela da população urbana vivendo

daquilo que é descartado. Sobrevivem por conta da recuperação de alimentos (tratados como

lixo descartável) e da coleta de materiais recicláveis, de forma que, parte do lixo gerado nas

cidades, acaba transformando-se em fonte de renda que se encaixa em esquemas econômicos

peculiares a esta categoria.

Por trás de toda a movimentação dos resíduos urbanos – desde a coleta até sua

disposição final –, Figueiredo (1995, p. 147) observa haver uma complexa rede operacional

extra-oficial de grande importância para a manutenção da dinâmica dos resíduos urbanos,

composta por milhares de catadores de materiais recicláveis e até de pessoas que não

compõem esta categoria, mas que, direta ou indiretamente, também tiram seu sustento do lixo

urbano.

De acordo com Spoladore et al (2002), o trabalho de catador de materiais recicláveis

mostra-se como estratégia de sobrevivência, pelas poucas opções de emprego no mercado

formal de trabalho e também pela ausência de qualificação profissional das pessoas que

trabalham com a catação. De modo geral, Porto et al (2004, p. 1506) notam que os catadores

buscam seu sustento no lixo, pois é o meio de sobrevivência encontrado. No local de trabalho

é possível conquistar independência e distração com a formação de um círculo de amizades. É

uma maneira de sentir-se útil e de conseguir o que se deseja honestamente.

Neste trabalho utiliza-se a palavra catador, ainda que, por alguns autores, esta mesma

palavra seja utilizada como coletor ou classificador; mas sem entrar no mérito de qual palavra

seria mais adequada para definir o ofício desses trabalhadores, acredita-se ser o mais

adequado usar a mesma utilizada pelos autores referências deste estudo ( BARBOZA, 2003;

CARMO, 2005; CARRION et al, 2006; FIGUEIREDO, 1995; FOSSÁ, 2006; JUNCÁ et al,

2000; JUNCÁ, 2004; MAGERA, 2003; MULLER, 1997; PAIXÃO, 2003; PORTO et al,

2004; RIBEIRO; LIMA, 2000; SPOLADORE et al, 2002 e VELLOSO, 2005) e pelos

próprios trabalhadores da ACMR ao falarem de si próprios: catador.

Os catadores da ACMR são, em sua maioria, pessoas que trabalhavam na roça, no

interior do estado de Santa Catarina e, devido à escassez do trabalho e à intensa exploração da

mão-de-obra a que se sujeitavam, migraram para a capital do estado na tentativa de conquistar

uma melhor QV, não sabendo exatamente o que encontrariam. Assim, famílias inteiras,

crianças, mulheres, homens, idosos, passaram a trabalhar em um mesmo ofício. Além deles,

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há os que não imigraram da roça, mas se uniram aos demais, a partir do contato com quem já

fazia parte desse sistema de catação. Com base nesse contexto, formula-se a seguinte pergunta

de pesquisa: Quais as principais categorias da qualidade de vida dos catadores da ACMR de

Florianópolis?

Para tanto, o objetivo geral que se pretende alcançar é: compreender a manifestação

das categorias da qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis da ACMR.

Fundamentando-se neste, surgem os seguintes objetivos específicos:

1. Identificar a percepção dos catadores de materiais recicláveis sobre os fatores de

qualidade de vida;

2. Analisar a manifestação dos fatores da qualidade de vida dos catadores de materiais

recicláveis da ACMR.

A metodologia empregada foi a pesquisa etnográfica. Segundo Andion e Serva (2006,

p. 166), o emprego da etnografia no estudo dos fenômenos organizacionais abre um leque de

possibilidades, formadas, tanto nas descobertas que poderão enriquecer a teoria das

organizações, quanto no avanço do conhecimento nos diversos temas que possam surgir a

partir do interesse dos pesquisadores desse campo.

Assim, a escolha do método, de acordo com Tedlock (2000, p. 456), justifica-se por

ser utilizado em diferentes áreas, incluindo educação, consultoria, estudos organizacionais,

planejamento, psicologia, enfermagem, psiquiatria, direito, criminologia, gestão e engenharia

industrial.

Na visão de Rocha et al (2005, p. 127), a observação do contexto social estudado é

primordial em uma pesquisa etnográfica, visto que os informantes não têm necessariamente,

de forma consciente, os motivos culturais que explicam seus comportamentos. Cada ator

social pode não ter consciência das razões culturais de suas práticas; mas, em certo sentido,

essas razões culturais acabam revelando-se de algum modo. Acredita-se que a visão

qualitativa, sob a forma etnográfica – envolvendo os significados construídos pelos

pesquisados e pelo pesquisador –, permita a compreensão dos vínculos entre os catadores de

materiais recicláveis e a qualidade de vida inserida no campo social.

O estudo e a compreensão da manifestação da QV dos catadores de materiais

recicláveis da ACMR requerem uma metodologia que se aprofunde na pesquisa; sendo assim,

a pesquisa etnografia cumpre esse importante papel que permite desvendar o que possa

parecer escondido, para isso, a realização da metodologia se faz com entrevistas em

profundidade, transcrição e interpretação dos dados.

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Com base na exposição acima acerca do tema deste trabalho, inicia-se com a

fundamentação teórica, abordando-se a QV inserida no campo social, a identidade dos

catadores contendo a sua história e o dia-a-dia e a metodologia empregada para estudar QV

com a população escolhida.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para fundamentar QV no campo social, investigam-se, primeiramente, definições

relativas aos fatores de QV, a correlação existente entre o tema e os catadores de materiais

recicláveis e, ao final da fundamentação, a identidade destes indivíduos.

2.1 Qualidade de Vida: introdução à inserção no campo social

Conceituar QV é uma tarefa um tanto difícil, visto não existir uma única definição,

mas semelhanças e divergências tanto em se tratando de uma mesma área que estuda o tema

quanto das diversas definições vindas de outras áreas do conhecimento. Assim, é possível

encontrar em cada autor uma forma própria de entender o tema em questão. Sob a visão de

diversos autores que contribuem para o estudo deste tema, são investigados os assuntos

relativos à QV (ADRIANO et al, 2000; ASLAKSEN et al, 1999; FIGUEIREDO, 1995;

FORTUNATO RUSCHEINSKY, 2003; FRANÇA; RODRIGUES, 1997; GUIMARÃES,

2001; GOULART; SAMPAIO, 2004; HERCULANO, 1997; HOLLAR, 2003; HUGHES,

2006; LAUER; LAUER, 2005; MARCELLINO, 2001; PASCOAL; DONATO; PICHLER,

2006; ROSÁRIO, 2001; SOUZA; CARVALHO, 2000; SILVA; GOMES, 2001; SIMÕES

2001; TREVIZAN, 2000 e ZULAR, 2006).

Para Herculano (1997, p. 79), a QV é algo que ninguém consegue definir, mas todos

compreendem o que é. Talvez por isso a ênfase dos estudos sobre este tema enfoque

predominantemente a sua mensuração, ficando inserido na escolha sobre como mensurar os

pressupostos do que se entende que venha a compor como um todo a QV.

Muitos sistemas de indicadores sociais do nível de vida de uma população podem

definir QV. As coleções de estatísticas são mantidas não por uma teoria que indica o que seria

uma vida boa, mas por um conjunto da compreensão do senso comum que esses vários

indicadores fazem. Essa definição beneficia-se da compreensão e do esforço de relacionar as

idéias aos contextos culturais, sociais e ambientais e aos sistemas locais do valor. É,

entretanto, impreciso como a QV – como percepção de um indivíduo sobre a sua posição na

vida ou em uma avaliação subjetiva – não pode simplesmente ser igualada com um estado

mental (RAPLEY, 2006, p. 49-50).

O termo qualidade refere-se a certos atributos ou características considerados

indicadores de superioridade no que se refere a determinado assunto. Já o termo vida somente

é possível de ser entendido numa perspectiva bem contextualizada; assim, é definido como

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uma categoria que inclui saúde, relações familiares satisfatórias, estabilidade financeira,

dentre outros aspectos (GOULART; SAMPAIO, 2004, p. 29). Para definir QV Hollar (2003,

p. 96) utiliza cinco indicadores: recursos econômicos, condições de trabalho, serviços e

programas de sustentação, moradia e redes sociais de sustentação e de amizade.

Para Simões (2001, p. 172), a apropriação do dinheiro, do lucro do capital, a

possibilidade de comprar imóveis, o fascínio por conquistas (materiais) são sinônimos de QV.

Esse privilégio, no entanto, é temporário ou exclusivo de um grupo, o que significa que a

sociedade estabelece metas externas ao indivíduo e a situação é controlada por meio de

recompensas sociais que, se não forem atingidas, geram frustrações, na mesma medida em

que, quando conquistadas, projetam novas necessidades e novas conquistas.

Herculano (1997, p. 92) propõe definir QV como a soma das condições econômicas,

ambientais, científico-culturais e políticas, coletivamente construídas e postas à disposição

dos indivíduos para poderem realizar suas potencialidades: inclui o acesso à produção e ao

consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem como pressupõe a existência de

mecanismos de comunicação, informação, participação e influência nos destinos coletivos,

por meio da gestão territorial que assegure água e ar limpos, questões ambientais,

equipamentos coletivos urbanos, assim como preservação de ecossistemas naturais.

Dada a complexidade da experiência humana, o foco em sentimentos positivos da

vida, como as dimensões preliminares da QV, é excepcionalmente estreito. De modo mais

complexo, essas dimensões refletem estados psicológicos do sentimento dos indivíduos por

intermédio de uma escala do negativo ao positivo (HUGHES, 2006, p. 614).

Na definição de Zular (2006), QV é um conceito amplo que envolve os seguintes

indicadores: saúde, alimentação, prática regular de exercícios físicos, boa relação com os

familiares, presença de um círculo de amizades, trabalho prazeroso, bom clima de trabalho,

contribuição com a sociedade e lazer. Essa qualidade de vida mencionada pelo autor é

bastante difícil de ser encontrada em plenitude, uma vez que o indivíduo tende a valorizar

mais um ou outro aspecto da sua vida, sendo os demais relegados a um segundo plano,

quando não inexistentes. Dessa forma, quanto mais indicadores fizerem parte de um mesmo

conceito, a tendência de encontrá-los será menor em comparação àqueles cuja abordagem é

menos ampla. Há pessoas cujo acesso à boa parte dos indicadores apontados por Zular é nulo,

a QV delas é baixa se comparada com outras classes sociais. Essa situação ocorre, em muitos

casos, por não terem um ofício ou este não lhes permitir acesso a determinados fatores da

qualidade de vida dependentes de recurso financeiro.

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Conceição et al (2004, p. 85) acreditam que a QV de uma pessoa ou de uma

comunidade é definida pelas condições de habitação. Por sua vez, os atributos que concedem

maior ou menor grau de conformidade desses requisitos às necessidades de um habitat

sustentável relacionam-se diretamente às características socioeconômicas e culturais de cada

comunidade. Nem sempre a QV perseguida pelas pessoas e comunidades concorre

favoravelmente no sentido e sustentabilidade. Assim, as cidades com melhor QV são

necessariamente as mais sustentáveis, mesmo assim são vistas como aquelas nas quais há

ausência de equidade, das desigualdades, da segregação em seu espaço.

O desejo de viver com melhor QV reflete-se no aumento de pesquisas relativas a este

assunto nas últimas décadas. Nessas pesquisas, avaliam-se as cidades e os estados

relativamente a questões como a igualdade de oportunidades, agricultura, taxas de

criminalidade, acesso à tecnologia, acesso à educação, clima, economia, oportunidades

culturais, saúde e bem-estar (LAUER; LAUER, 2005, p. 10).

Indicadores de QV que utilizam vários subconjuntos grupais tais como grupos raciais e

étnicos, grupos com rendas elevadas e baixas rendas, povos que têm bem-estar e povos que

não o têm durante determinado período de tempo procuram compreender que a definição de

QV pode variar em povos diferentes (HOLLAR, 2003, p. 96). Esta definição trazida por

Hollar defende a idéia da impossibilidade de comparar povos distintos em situações distintas.

Assim sendo, para haver precisão nas medidas de QV por meio de indicadores, seria

necessário, ao menos, haver as mesmas condições de vida para todos e, ainda assim, haveria a

questão da subjetividade – impossível de se medir estatisticamente.

É possível verificar a existência de muitas outras definições que envolvem QV. Uma

bastante presente na sociedade é sua associação ao consumo e a capacidade de melhorar de

vida. Hughes (2006, p. 619) nota que se existisse uma sociedade em que o sentimento bom

fosse o núcleo dos valores, e outros significados não fossem válidos para a vida das pessoas,

ainda assim não se poderia supor que essa seria a sorte que alguma sociedade queira viver,

Observa-se que os povos perseguem o que consideram positivo e intenso a aparente curto

prazo não parecem poder sustentar um alto nível de QV.

Na compreensão de Campos (1996, p. 127-130), a ascensão econômica e social

também faz parte do chamado nível de vida, isso porque a sociedade ainda tem a crença de

que a quantidade tenha relação muito próxima com a qualidade. Dessa forma, relacionar QV e

moradia é deparar com uma série de fatores políticos e econômicos que definem essa relação

em comunidades e épocas distintas.

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Figueiredo (1995, p. 18) aponta a existência de uma forte associação do consumo à

qualidade de vida tanto no mundo socialista quanto no capitalista, pois os indivíduos

acreditam que o sucesso almejado está na posse de bens materiais e no consumo crescente de

recursos energéticos. Aslaksen et al (1999, p. 79) acreditam que pode até parecer ambicioso

ou ingênuo querer definir QV no contexto da economia, em que esta tem associação direta às

questões de renda e consumo de bens e serviços do mercado como sendo parâmetros para se

definir uma vida boa. Assim, a QV é vista por uns como a possibilidade de comprar, de ter

acesso a determinados bens ou serviços, de que quanto mais se consegue adquirir, maior são

as condições de vida de uma pessoa e, conseqüentemente, quem tem tal poder de aquisição é

bem-sucedido.

A QV de uma população depende, segundo Adriano et al (2000, p. 54), de suas

condições de existência, do acesso a determinados bens e serviços econômicos e sociais, tais

como emprego, renda, educação, alimentação, bons serviços de saúde, saneamento básico,

habitação, transporte de qualidade. Assim, o conceito de bem-estar de QV varia de acordo

com cada sociedade e sua cultura. O acesso aos bens a que se referem os autores varia

conforme cada país. Assim, para uns será melhor ou em maior quantidade do que para outros,

porém, nem sempre isso implicará diretamente aquilo entendido por cada pessoa por QV, uma

vez que as questões culturais, assim como as histórias de vida, diferem bastante entre si.

Ainda que grande parte da sociedade insista em acreditar que o ter está ligado à QV,

Pascoal e Donato (2005, p. 97) observam que esse tipo de ideologia está sendo desmistificado.

Assim sendo, as conquistas materiais passam a segundo plano, devido a uma evolução nas

formas de valoração de outros fatores prioritariamente mais importantes do que somente o ter.

Há, na visão de Lauer e Lauer (2005, p. 11), diversas contradições na sociedade que levam às

circunstâncias incompatíveis com a qualidade de vida desejada e todos são afetados de algum

modo, embora alguns sofram mais do que outros.

Fortunato e Ruscheinsky (2003, p. 35-36) observam que a definição de QV varia em

grande medida de acordo com o rol de aspectos ambientais que nela se contemplam. Assim,

para alguns se destacam as questões relativas ao consumo e a capacidade de inclusão social, já

para outros a relevância está no ambiente social, podendo envolver questões como, por

exemplo, relações sociais, qualidade do acesso à educação, inserção no mundo do trabalho,

liberdade de expressão e participação política, condicionamentos culturais e abrangência da

democracia.

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De acordo com o exposto, é possível conceber um ambiente com qualidade desde que

este apresente satisfação pessoal ao ser humano em todas as dimensões da sua vida. Assim

sendo, atributos como sujeira, trânsito, concentração populacional demasiada, construções

desordenadas, ausência de elementos naturais como solo permeável, água e vegetação, bem

como os diversos tipos de poluição em todas as suas dimensões, são considerados fatores

degradantes de um ambiente e causadores de diferentes formas de problemas (mazelas)

sociais presentes nesse meio. Portanto, a salubridade de cada lugar não pode ser percebida

nem compreendida se não se pensar que aquele espaço está sendo produzido pelo homem e

para o homem. Este não pode ser o elemento degradante, mas reestruturante do ponto de vista

da relação homem-meio (GOMES; SOARES, 2004, p. 27-28).

Nos países desenvolvidos, Adriano et al (2000, p. 56) verificam que a preocupação

com a melhoria da QV está concentrada em intervenções que visam a mudanças do estilo de

vida das pessoas, traduzindo-se em hábitos mais saudáveis. Já em outros países, são

priorizados aspectos quantitativos de melhoria dos níveis de saúde e dos serviços, do acesso

ao saneamento básico, moradia; tudo isso sem perder de vista outras variáveis correlacionadas

à QV e à preservação do meio ambiente.

A necessidade de o estilo de vida de uma pessoa ter qualidade é abordada por França e

Rodrigues (1996, p. 112-113), pois eles acreditam haver seis aspectos importantes:

alimentação, atividade física regular, tempo de repouso adequado, espaço para o lazer e

diversão, trabalho contendo a possibilidade de realização e inserção em um grupo social (de

apoio). Para os autores, na sociedade, em face do ritmo de vida levado pelas pessoas, a

alimentação é relegada a um segundo plano por causa de compromissos inadiáveis. Existe

uma inversão por hábitos indesejáveis e nocivos ao bom funcionamento do organismo. A

atividade física também precisaria ser realizada de forma regular e com acompanhamento

médico. De igual modo, o tempo de repouso – considera-se o tempo de sono como sendo

repouso –, deveria variar de seis a dez horas diárias, de acordo com a necessidade individual.

A QV, conforme aponta Simões (2001, p. 176-177), considera ao mesmo tempo a

conservação da vitalidade e da diversidade do planeta Terra e a concentração na melhoria das

condições de vida das pessoas, baseando-se na construção de valores, economias, sociedades

diferentes da maioria existente no mundo de hoje. Baseando-se nesse pensamento, é possível

afirmar que há uma busca por melhores condições de vida tanto no âmbito dos seres humanos

quanto em uma esfera maior, em que há a consciência da necessidade da preservação do

planeta na sua totalidade.

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Intervenções que visam à elevação da QV são palco para os mais variados atores

sociais atuarem na promoção do bem-estar humano e na busca pela organização de uma

sociedade em constante melhoria, uma vez que é possível considerar o caráter

multidimensional desse conceito (SOUZA; CARVALHO, 2000, p. 517).

Aslaksen et al (1999, p. 80) observam que a expressão qualidade de vida pode ser

compreendida em contextos mais abrangentes do bem-estar, dentre eles aspectos não vistos

pela economia, estando além do senso comum, verificando haver uma qualidade de vida

subjetiva. As questões que abordam a ligação da QV com o meio ambiente e com a

preservação deste também têm conquistado espaço na produção acadêmica, visto serem

crescentes as pesquisas nesta área, assim como a necessidade de conscientização sobre a

utilização adequada dos recursos naturais.

Muitas leis nacionais e internacionais vêm sendo criadas em todo o mundo, em função

da preocupação dos ecologistas com a qualidade do meio ambiente, desejando proteger a vida.

Dessa maneira, o controle da qualidade do ar, o combate à poluição, a rejeição ao

desmatamento e o controle do consumo de energia são também considerados indicadores de

qualidade de vida (GOULART; SAMPAIO, 2004, p. 29).

Na visão de Fortunato e Ruscheinsky (2003, p. 35), para compreender a QV de um

determinado segmento populacional, faz-se necessário observar de que forma acontecem as

articulações políticas em torno de serviços nos quais haja implicações socioambientais, tais

como saneamento, moradia, trabalho, alimentação, educação, lazer, transporte, abastecimento,

já que todos estes aspectos possuem alguma conexão com a questão ambiental.

Gomes e Soares (2004, p. 29) acreditam que as cidades médias brasileiras apresentam-

se como foco de atração tanto populacional, quanto de atividades econômicas especializadas.

Muller (1997, p. 84) concorda com essa idéia ao escrever sobre migração para as cidades

brasileiras, enfatizando que esta ocorre nas cidades mais desenvolvidas e que o grande

número de migrantes atraídos levou a aglomeração da população de baixa renda a ocupar

áreas inadequadas e mal equipadas com serviços urbanos básicos, conseqüentemente,

originaram-se sérios problemas de degradação ambiental.

A propaganda da QV mais elevada em determinadas cidades leva muitas pessoas a

mudarem de região para conquistarem tal condição de vida. Por conseguinte, enquanto

algumas cidades se esvaziam, outras têm um crescimento populacional que o próprio espaço

geográfico não consegue comportar. A difusão da oferta de melhor QV leva esses centros

urbanos a passarem por intensas transformações, destacando-se, dentre elas, o processo de

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degradação ambiental pela poluição de seus recursos hídricos, o aumento da poluição

atmosférica e o extermínio de suas áreas verdes, tudo isso causado por conta de as camadas

médias da sociedade procurarem fugir dos transtornos das grandes cidades (GOMES;

SOARES, 2004, p. 29).

Essa atração, conforme notam Silva e Gomes (2001), ocorre em parte onde as

atividades turísticas desenvolvem-se e cultua-se a idéia de que o contato com a natureza leva

a uma vida mais saudável. Dessa forma, ao conhecer o lugar ainda como turista, o migrante

associa de imediato as condições naturais existentes, dentre outros elementos, a uma boa

qualidade de vida, o que para ele significa, antes de tudo, uma vida tranqüila e prazerosa e,

diante disso, muitos voltam para morar.

A degradação ambiental contribui para piorar a QV da sociedade em geral. Garcia e

Lemos (2005) acreditam que a exploração de áreas até então preservadas é realizada à medida

que haja migração de pessoas as quais, a priori, buscam uma melhoria da QV. No entanto,

estas contribuem paulatinamente para que o contrário aconteça, influenciando de alguma

forma não somente na sua vida, mas na de outras também. Assim, o acelerado

desenvolvimento urbano e a crescente quantidade de pessoas vivendo em um espaço restrito,

desenvolvendo atividades econômicas vinculadas a modernos padrões tecnológicos, têm

provocado degradação no meio ambiente. Como resultado disso, nos dias atuais e

possivelmente no futuro também, instala-se um quadro de poluição nas suas mais diversas

modalidades, tais como: o solo, a água, o ar, a acústica, culminando no comprometimento da

QV no espaço urbano.

Ao se referir às questões ambientais ligadas à psicologia, Pinheiro (2005, p. 110)

sugere que, em vez de estudar a preocupação ambiental, haja uma troca por comprometimento

ambiental, pois o interesse maior está no comprometimento das pessoas com o ambiente à sua

volta e não com a preocupação que elas têm com a degradação do meio ambiente. A

qualidade de vida, nesse sentido, encontra-se naquilo que a psicologia afirma como a

necessidade de reduzir o estresse e evitar preocupação. Assim sendo, acredita-se que é mais

válido estudar e incentivar o comprometimento ambiental, e não somente a preocupação. À

proporção que houver comprometimento com o planeta onde se vive, com as gerações futuras,

possivelmente as que mais sofrerão com a degradação ambiental caso não houver

comprometimento da geração atual, as apreensões podem se reduzir, e as pessoas passarão a

viver de modo mais tranqüilo, pois as ações serão voltadas tanto para os seres humanos

quanto para os demais seres e também para o meio ambiente.

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Enquanto os humanos não deixarem de lado a presunção de pensar que é preciso fazer

tudo pela sua própria espécie sem se preocupar com outras espécies ou até mesmo com o

ambiente, torna-se difícil falar em QV. Isto porque sem as outras espécies da cadeia

alimentar, os humanos não sobrevivem, uma vez que fazem parte dessa cadeia

(GUIMARÃES, 2001, p. 94).

Fortunato e Ruscheinsky (2003, p. 39), por sua vez, acreditam que a realização de

políticas públicas, por meio do envolvimento dos cidadãos com as questões ambientais, venha

buscar uma oportunidade de concretizar o sonho de QV. Magera (2003, p. 16) confirma essa

idéia quando declara que preservar o meio ambiente e adotar políticas de desenvolvimento

sustentável passaram de modismo ou ideologia de ecologistas para uma realidade acerca da

necessidade universal na preservação da espécie humana na terra.

A QV deve ser vista, no entendimento de Guimarães (2001, p. 92), como um direito de

todos os cidadãos (ou seres humanos) do mundo. Este direito deve ser conquistado com o

somatório de ações individuais positivas em favor ao meio ambiente, uma vez que a

problemática da QV está intimamente ligada à questão da problemática ambiental,

especialmente no momento de crise em que existem reflexões sobre questões como, por

exemplo, limite de crescimento, produção sustentável, desenvolvimento e utilização de

tecnologias, acesso ao conhecimento, cidadania, justiça/ética social e ambiental.

França e Rodrigues (1997, p. 18) notam que os movimentos mundiais, as missões

envolvendo a preservação ambiental, a promoção do estilo de vida nas organizações, os

movimentos preventistas e sindicais e, ainda, a universalização do direito à saúde

potencializam o direito à QV e são indispensáveis à vida moderna. Mas nem sempre houve a

preocupação por promover a QV e, atualmente, a busca por ela manifesta-se nas mais

variadas áreas. Em vista disso, ações empresariais, pessoais, manifestações em busca da

melhor QV têm sido cada vez mais freqüentes e, por conseqüência, mais valorizadas também.

A QV passou a ser mais valorizada, conforme apontam Ribeiro e Lima (2000, p. 61-

62), a partir da escassez dos recursos naturais, aliada aos problemas relacionados à disposição

inadequada dos resíduos no meio ambiente. Essa constatação, aos poucos, foi convencendo os

seres humanos da necessidade de se realizar a reciclagem. Esta é conceituada como um

sistema de recuperação dos recursos e reutilização dos resíduos, transformando-os novamente

em substâncias e materiais úteis para a sociedade.

Dentre as alternativas de tratamento para o lixo urbano, Medeiros e Macêdo (2006, p.

69) notam que a reciclagem mostra-se como importante elemento, permitindo haver o

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reaproveitamento de materiais descartados que retornam ao circuito produtivo, trazendo

benefícios ambientais através da economia de recursos naturais, energia e água. Além do

aspecto ambiental, é algo que possibilita ganhos sociais ao absorver no seu circuito produtivo

os catadores de materiais recicláveis.

A reciclagem, conforme observa Zalauf (2000, p. 97-98), é o conceito mais promissor

e o acontecimento mais valoroso surgido no setor de meio ambiente nos últimos anos. Pode

ser visto de maneira realista, pois é a forma de conciliar as tendências mundiais de

globalização, que inclui a tendência de universalização da sociedade de consumo e, por via de

conseqüência, a ampliação da geração de resíduos, com a ação econômica do processamento

destes.

Para iniciar a tentativa de construção de um mundo com QV, é necessário, além de

conhecer os problemas socioambientais e suas causas, pensar em que a sociedade, entendida

como o meio no qual o indivíduo está integrado, pode fazer hoje para reverter essa situação

ambiental mundial. Da mesma forma, é preciso, também, preparar as futuras gerações para

viver no planeta Terra, pois o equilíbrio de muitos ecossistemas poderia se restabelecer se

atitudes fossem tomadas a tempo, como, por exemplo, menor agressão ao meio ambiente,

educação ambiental, desenvolvimento de tecnologias que permitissem viver em harmonia

com o planeta (GUIMARÃES, 2001, p. 97).

A QV, conforme percebem Minayo et al (2000, p. 8), é uma noção eminentemente

humana, que se aproxima ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social,

ambiental e até à própria estética existencial. Parte do pressuposto de existir a capacidade de

efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que uma determinada sociedade considere

seu padrão de conforto e bem-estar. Além disso, o termo abrange muitos significados e estes

refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se

reportam em diferentes momentos, espaços e histórias; tornando-se, assim, uma construção

social com a marca da relatividade cultural.

De acordo com Pascoal e Donato (2005, p. 97) a QV envolve diferentes aspectos e

abordá-la requer tecer uma espécie de rede de significados importantes a fim de debater o

tema. Para Rosário (2001, p. 158), a QV “assume aos olhos de cada observador os contornos

desenhados pela sua sensibilidade, cultura, seus meios econômicos e, quantas vezes, por

alienações e frustrações”.

Mesmo com todos os avanços adquiridos nos últimos anos, na visão de Pascoal e

Donato (2005, p. 92), a QV ainda não pode ser considerada uma questão resolvida, segundo

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as referências que as pessoas têm sobre o tema. Enquanto para alguns está relacionada à

saúde, para outros pode ligar-se à paz de espírito, por exemplo. Pichler (2006, p. 441), ao

estudar a QV dos jovens, constatou que esta se relaciona diretamente com as medidas de

participação social. O capital social, em opiniões políticas, e o capital de participação

financeira referem-se às possibilidades de participação dos jovens na sociedade e, dessa

forma, às impressões de pertencer à sociedade.

Além de outros fatores que convergem para as definições apontada na citação acima, a

QV não é vista como algo imutável, uma vez que pode variar também conforme o momento

histórico em que as pessoas estão vivendo, bem como a sociedade e a cultura que

influenciarão nas mudanças acerca das definições.

A QV, na definição de Lauer e Lauer (2005, p. 11), vai muito além de renda. Estes

autores percebem que até é possível comprar dispositivos de segurança para proporcionar

tranqüilidade, mas não se pode comprar, por exemplo, a paz da mente quando os jornais

lembram regularmente das muitas atuações dos criminosos. Do mesmo modo, até se podem

ter recursos suficientes para comprar os melhores móveis; porém, não há sentido, se na

comunidade em que se vive, faltar oportunidades culturais para todos. É possível viver no

lugar mais caro que exista, mas ainda assim não se pode fechar em uma redoma garantindo o

ar não poluído.

A impossibilidade da ação dos humanos sobre tudo o que gostariam de modificar é

algo que mostra a imensa divergência de valores e atitudes das pessoas. Então, na mesma

proporção em que alguns lutam honestamente para melhorar suas condições financeiras,

outros desejam as mesmas possibilidades por meios violentos. Em virtude disso, a QV que

uns conquistam, outros destroem em detrimento da sua própria QV.

Rosário (2001, p. 164) acredita que a QV dependerá de uma educação diferenciada,

assente na transdisciplinaridade, cultora da liberdade criadora e responsável, na escolha de

modelos de QV que não dependerão de cifrões e estereótipos, que não sejam concebidos nem

pela obssessão de não sermos semelhantes aos outros nem pelo medo de sermos violentados

por interesses que não sejam os nossos.

Uma definição diferenciada é a de Silva (2005). Segundo ele, a possibilidade de

desenvolver o potencial criativo é uma das formas de proporcionar a QV. Não se trata de

considerar a QV como ascensão a uma classe mais abastada, mas QV como saúde emocional,

como confiança em si mesmo, como potencial para solucionar problemas e vislumbrar

possibilidades, e como conhecimento.

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A saúde está diretamente relacionada com a QV, conforme nota Buss (2000, p. 167)

ao verificar que esta inclui um padrão adequado de: (a) alimentação e nutrição; (b) habitação e

saneamento; (c) boas condições de trabalho; (d) oportunidades de educação ao longo de toda a

vida, não se limitando apenas a um período; (e) ambiente físico limpo; (f) apoio social para

famílias e indivíduos; (g) estilo de vida responsável; e (h) um espectro adequado de cuidados

de saúde.

Nesse sentido, Trevizan (2000, p. 180-181) verifica que a educação e a saúde

constituem dois pontos centrais para se construir a QV. São pré-requisitos para se conquistar

novas condições mentais e habilidades necessárias ao processo de mudança. A educação

como ciência significa a capacidade de superação dos obstáculos que impedem o processo de

busca do saber, em todos os campos do conhecimento; como nível de formação, representa

uma quantidade e qualidade de saberes capazes de iniciar um processo de transformação. A

saúde, por sua vez, estimula ou impede a ação indispensável para concretizar o processo de

mudança.

Ao estudarem um programa de saúde da família e QV, Souza e Carvalho (2003, p.

517) consideraram que uma definição adequada seria entender a QV como a condição

biopsicossocial de bem-estar, relativa a experiências humanas tanto objetivas quanto

subjetivas, considerada dentro das particularidades individuais e sociais de uma situação

singular. Assim, a definição tem caráter contextual, podendo ser entendida dentro das

especificidades de cada situação, e multidimensional, considerando os vários determinantes

da condição humana.

Dóro et al (2004, p. 129), ao estudarem a QV de pacientes portadores de câncer,

encontraram neles respostas semelhantes às de autores que estudam o tema, ou seja, mesmo

em situação de saúde abaixo daquela esperada, os pacientes que fizeram parte da pesquisa

ainda acreditavam que o conceito de QV incluía elementos com características positivas,

multidimensionais e que variavam conforme as diversas interpretações pessoais, tais como

saúde, prazer, condições econômicas favoráveis, trabalho, família, amigos, espiritualidade e

condições emocionais de bem-estar.

Existe melhor QV em países ricos e com ambientes sociais nos quais há justiça

(social) e liberdade, mas não decorrente (simplesmente) da isonomia de renda (entre as

pessoas) e da segurança social (controle da violência, paz social). Aparentemente, poderia ser

contraditório; na prática, no entanto, pelo conteúdo pesquisado e apresentado, não o é. Isso

porque uma boa situação financeira do país pode não se refletir na boa (média) situação

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financeira das pessoas que nele vivem, dadas as desigualdades de oportunidades e

capacidades individuais. Da mesma forma, pode haver um adequado sistema jurídico-judicial

(no sentido de aplicação das leis e julgamento de crimes), porém, ainda, existir criminalidade

(principalmente em ambientes ainda favoráveis à delinqüência), representando uma falta de

segurança, mesmo que parcial (VEENHOVEN, 2005, p. 10).

Ao abordarem a questão do espaço de lazer e diversão, França e Rodrigues (1997, p.

115) ressaltam que as pessoas devem procurar uma atividade na qual possam sentir-se melhor;

que, por meio dessa atividade, seja possível ter prazer. Quando se referem ao trabalho, notam

que este deve oferecer a possibilidade de render satisfação e subsistência digna. A QV

relacionada ao lazer é vista por Marcellino (2001, p. 45) como uma perspectiva terapêutica, de

forma que esta seria uma válvula de escape da falta de QV ou até da baixa QV, de uma

sociedade injusta e perversa. É raro abordar tal questão como a possibilidade da vivência de

valores diferenciados no lazer, de forma que a QV não se fizesse presente apenas nas férias,

feriados ou finais de semana, mas no cotidiano da vida das pessoas, mediante a consideração

de valores que questionem a própria ordem estabelecida.

Nem sempre é possível estabelecer uma relação favorável entre QV e lazer. O

cotidiano, por vezes, impede que as pessoas consigam dispender o tempo necessário para o

lazer e este fica limitado às situações descritas por Marcellino, ou seja, limitam-se às férias,

feriados e finais de semana. Dessa forma, torna-se complicado vivenciar a QV no lazer como

um momento que poderia ser desestressante ou terapêutico.

Vieira (1996, p. 165) considera que além do trabalho ocupar um espaço considerável

na vida das pessoas, em muitos casos, alguns acreditam que o sentido da vida seja o trabalho.

Já Marcellino (2001, p. 59) afirma que a QV das pessoas não precisa ser justificada por

critérios de produtividade, num panorama meramente utilitarista da questão, pois é uma

questão de valorização, crítica e mudança de valores.

A inserção em um grupo social contribui para receber apoio nos momentos de dor e

tristeza, para dialogar, refletir com pessoas que também possam escutar, o que é de extrema

importância em momentos nos quais é preciso tomar decisões difíceis (FRANÇA;

RODRIGUES, 1997, p. 115). Já Pascoal e Donato (2005, p. 97) acreditam que a boa QV

passa pelo equilíbrio entre o bem-estar físico, equilíbrio humano, psicológico, emocional e

espiritual – aspectos psicofísicos – e pela adequação dos contextos vivenciados pelo ser –

aspectos socioeconômicos e culturais.

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Parece estranho alguns autores estabelecerem uma diferença entre boa ou má QV, pois

há aqueles que a consideram sempre boa, no entanto, caso se considerar que ela está presente

em maior ou menor grau na vida de todas as pessoas, é possível entender essa diferenciação e

aceitar que uns têm maior (ou melhor) e outros menor (ou pior).

Na visão de Figueiredo (1995, p. 17), as tecnologias nucleares aplicadas à saúde, ao

suprimento energético e à agricultura, dentre outras finalidades, geralmente contribuem para

melhorar a QV dos homens, segundo os valores atuais, e isso é capaz de provocar o

alargamento da expectativa de vida. Porém, o autor alerta existirem (geralmente) objetivos

antagônicos ao original (haja vista Hiroshima e Nagasaki), capazes de diminuir o nível da QV

quando mal utilizados.

A Organização Pan-americana de Saúde reconhece a promoção da saúde como uma

prioridade pragmática e reafirma a importância da participação da sociedade civil no sentido

de promover ações que visem à melhoria das condições de saúde geral e coletiva. Tal atitude

terá como conseqüência um impacto favorável na QV das populações (SANTOS;

WESTPHAL, 1999, 78-79).

A opção pela QV, no entendimento de Trevizan (2000, p. 184), envolve uma

obrigação maior com as condições sociais da maioria que está desamparada em relação aos

serviços oferecidos pela sociedade. Se se vive em condições ambientais em que alto grau da

população sofre as precárias condições de educação e saúde, bases do processo para o

crescimento, a sustentabilidade de qualquer outro projeto de crescimento pode estar

ameaçada.

O futuro dos relatórios de avaliação da QV estará concentrado na acurada descrição de

como a saúde influencia e é influenciada pela experiência do corpo e da mente dentro de um

contexto social e cultural. A pesquisa sobre as disparidades no padrão de saúde entre os

mundos desenvolvidos e em desenvolvimento também está começando a fundir os conceitos

de qualidade de vida e saúde. Embora os índices de mortalidade remanesçam como o único

conceito mais freqüentemente usado para analisar amplamente tais disparidades, tem-se dado

atenção a como os povos sentem e os relatórios de saúde alimentam a pesquisa tradicional

(SIRGY et al, 2006, p. 407).

No entendimento de Souza e Carvalho (2000, p. 522), a busca de uma melhor QV

implica a participação efetiva e concreta da população, requerendo para tanto o diálogo, a

troca de informações e a exposição de idéias e conhecimentos. Quando se consideram os

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interesses e as necessidades da população, acredita-se ser possível construir um sistema de

saúde pública que trabalhe realmente para elevar a QV da comunidade.

Uma questão importante avaliada por Pascoal e Donato (2005, p. 96) está na visão de

que não há o certo nem o errado absoluto acerca da conceituação do que vem a ser QV.

Assim, o que efetivamente existe é a percepção individual de cada pessoa, o que irá diferir de

uma para outra, dependendo de suas experiências ao longo de sua história.

As categorias da QV neste estudo podem ser vistas por meio do quadro síntese a

seguir, que permite visualizar os fatores apresentados pelos autores:

CATEGORIAS DA QUALIDADE DE VIDA NESTE ESTUDO

Categorias Definições Autores

Alimentação Há seis aspectos importantes relacionados à QV, dentre eles está a alimentação. (FRANÇA; RODRIGUES; 1997, p. 112-113)

QV é um conceito amplo que envolve alguns indicadores tais como alimentação. (ZULAR, 2006)

Adriano et al, 2000; França e Rodrigues, 1997 Zular, 2006.

Lazer A QV relacionada ao lazer é vista como uma perspectiva terapêutica, de forma que esta seria uma válvula de escape da falta de QV ou até da baixa QV. (MARCELLINO, 2001, p. 45)

QV está relacionada ao espaço para o lazer e diversão. (FRANÇA; RODRIGUES, 1997, p. 112-113)

França e Rodrigues, 1997; Marcellino, 2001; Santos et al, 2002; Zular, 2006.

Emprego/trabalho (serviço) Na definição de QV para os pacientes portadores de câncer, há elementos com características positivas, multidimensionais e que variavam conforme as diversas interpretações pessoais, tais como o trabalho. (DÓRO et al, 2004, p. 129).

A definição de QV varia em grande medida de acordo com o rol de aspectos ambientais que nela se contemplam a relevância para uns pode estar no ambiente social e envolver por exemplo a inserção no mundo do trabalho. (FORTUNATO; RUSCHEINSKY (2003, p. 35-36)

Adriano et al, 2000; Buss, 2000; Dóro et al, 2004; Fortunato e Ruscheinsky, 2003; França e Rodrigues, 1997; Hollar, 2003; Zular, 2006

Saúde O direito à saúde é uma das questões que potencializam o direito à QV e são indispensáveis à

Adriano et al, 2000; Buss 2000; Dóro et al 2004; França e Rodrigues, 1997, Goulart e

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vida moderna. (FRANÇA; RODRIGUES, 1997, p. 18)

A QV também pode ser relacionada com saúde emocional, como confiança em si mesmo, como potencial para solucionar problemas e vislumbrar possibilidades, e como conhecimento. (SILVA, 2005)

O futuro dos relatórios de avaliação da QV estará concentrado na acurada descrição de como a saúde influencia e é influenciada pela experiência do corpo e da mente dentro de um contexto social e cultural. (SIRGY, et al 2006)

Sampaio 2004; Lauer; Lauer, 2005; Pascoal; Donato, 2005; Figueiredo, 2005; Santos et al, 2002; Santos; Westphal; 1999; Silva, 2005; Sirgy et al 2006; Souza; Carvalho, 2000; Trevizan, 2000; Zular, 2006.

Renda (recursos econômicos) para o consumo de bens e serviços (fascínio por conquistas materiais, ascensão econômica e social)

Pode até parecer ambicioso ou ingênuo querer definir QV no contexto da economia, em que esta tem associação direta às questões de renda e consumo de bens e serviços do mercado como sendo parâmetros para se definir uma vida boa. (ASLAKSEN et al, 1999, p. 79)

A apropriação do dinheiro, do lucro do capital, a possibilidade de comprar imóveis, o fascínio por conquistas (materiais) são sinônimos de QV. (SIMÕES, 2001, p. 172)

Adriano et al, 2000; Aslaksen et al 1999; Campos, 1996; Figueiredo, 1995; Fortunato e Ruscheinsky; 2003; Herculano, 1997; Hollar, 2003; Simões, 2001.

Educação (acesso à educação, condições científico-culturais)

A educação constitui um dos pontos centrais para se construir a QV. A educação como ciência significa a capacidade de superação dos obstáculos que impedem o processo de busca do saber, em todos os campos do conhecimento; como nível de formação, representa uma quantidade e qualidade de saberes capazes de iniciar um processo de transformação. (TREVIZAN, 2000, p. 180-181)

A QV inclui questões como a educação, dentre outras (SANTOS et al, 2002, p. 758).

Adriano et al, 2000, Buss, 2000; Fortunato e Ruscheinsky, 2003; Lauer e Lauer, 2005, Rosário, 2001; Santos et al, 2002; Trevizan, 2000.

Moradia A QV inclui moradia como um dentre cinco indicadores. (HOLLAR, 2003, p. 96)

A QV de uma pessoa ou de uma comunidade é definida pelas condições de habitação. Por sua vez, os atributos que concedem maior ou menor grau de

Adriano et al, 2000; Conceição et al, 2004; Hollar, 2003; Santos et al, 2002.

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conformidade desses requisitos às necessidades de um habitat sustentável relacionam-se diretamente às características socioeconômicas e culturais de cada comunidade. (CONCEIÇÃO et al, 2004, p. 85)

Questões políticas (condições, liberdade de expressão e participação política)

Para uns a QV pode se manifestar na liberdade de expressão e participação política, condicionamentos culturais e abrangência da democracia. (FORTUNATO; RUSCHEINSKY, 2003, p. 35-36)

A ascensão econômica e social também faz parte do chamado nível de vida. Dessa forma, relacionar QV e moradia é deparar com uma série de fatores políticos e econômicos que definem essa relação em comunidades e épocas distintas. (CAMPOS, 1996, p. 127-130)

Campos, 1996; Fortunato e Ruscheinsky, 2003; Herculano, 1997; Lauer; Lauer, 2005.

Questões ligadas ao meio ambiente A QV considera ao mesmo tempo a conservação da vitalidade e da diversidade do planeta Terra e a concentração na melhoria das condições de vida das pessoas. (SIMÕES, 2001, p. 176-177)

As questões que abordam a ligação da QV com o meio ambiente e com a preservação deste também têm conquistado espaço na produção acadêmica, visto serem crescentes as pesquisas nesta área, assim como a necessidade de conscientização sobre a utilização adequada dos recursos naturais. (ASLAKSEN et al, 1999, p. 80)

Fortunato E Ruscheinsky, 2003; França; Garcia e Lemos, 2005; Gomes; Soares, 2004; Silva; Guimarães, 2001; Gomes, 2001; Goulart; Sampaio, 2004; Herculano, 1997; Muller, 1997; Pinheiro, 2005; Simões, 2001; Rodrigues, 1997.

Outros: Atividade física, Transporte de qualidade, Contribuição com a sociedade, Boa relação com os familiares, Tempo de repouso adequado, Capacidade de inclusão social, Oportunidades culturais, Igualdade de oportunidades, Agricultura, Taxas de criminalidade, Acesso à tecnologia, Estados psicológicos do sentimento, Serviços e programas de sustentação, Amizade.

A QV de uma pessoa pode ser relacionada além de outros aspectos com o tempo de repouso adequado. (FRANÇA; RODRIGUES, 1996, p. 112-113)

Alguns fatores da QV são as oportunidades culturais, agricultura, clima, taxas de criminalidade, acesso à tecnologia, dentre outros. (LAUER; LAUER, 2005, p. 10)

A atividade física regular está dentre os seis aspectos considerados como QV. (FRANÇA; RODRIGUES, 1997, p. 112-113)

Dada a complexidade da

Adriano et al, 2000, Fortunato e Ruscheinsky, 2003; França e Rodrigues, 1997, Hollar, 2003; Hughes, 2006; Lauer; Lauer, 2005; Zular, 2006.

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experiência humana, o foco em sentimentos positivos da vida, como as dimensões preliminares da QV, é excepcionalmente estreito. De modo mais complexo, essas dimensões refletem estados psicológicos do sentimento dos indivíduos por intermédio de uma escala do negativo ao positivo (HUGHES, 2006, p. 614).

Quadro 1 – Categorias da QV

A partir da construção do quadro teórico, analisa-se que buscando as definições dos

autores, não há como concluir exatamente o que seja QV, mas formar definições que sejam

aceitas por determinados grupos. Ainda assim, unindo o pensamento destes autores, é possível

dizer que QV relaciona-se principalmente com a alimentação, educação, emprego, lazer,

moradia, questões ligadas ao meio ambiente, questões políticas, renda e saúde.

Há outras questões que aparecem de modo menos relevante por serem mais específicas

a determinados estudos. Neste trabalho o foco está na QV dos catadores e para versar sobre

esta questão, primeiramente é necessário resgatar um pouco da história destes trabalhadores e

como vivem atualmente, temas abordados a seguir.

2.2 Identidade dos catadores de materiais recicláveis

Para conhecer a identidade dos catadores de materiais recicláveis, buscam-se alguns

autores que contribuem para a investigação destes sujeitos (BARBOZA, 2003; CARMO,

2005; CARRION et al, 2006; CUNHA; MELCHIOR, 2005; FOSSÁ, 2006; HUGHES, 2006;

JUNCÁ, 2004; JUNCÁ et al, 2000; MAGERA, 2003; MULLER, 2007; PAIXÃO, 2003;

PICHLER, 2006; PORTO et al, 2004; RIBEIRO; LIMA, 2000; SPOLADORE et al, 2002;

VELLOSO, 2005; ZALAUF, 2000).

No início do século XX, conforme Juncá (2004, p. 63), havia uma figura chamada

velho garrafeiro que marcava, de algum modo, o surgimento dos catadores no Brasil. Para a

autora, é a partir dos anos 1950, com o desenvolvimento da sociedade industrial, que outros

materiais, tais como o vidro, começaram a despertar interesse ao conhecido garrafeiro. Desde

então, começaram a se juntar novos personagens, como o papeleiro, o latoeiro, o comprador

de ferro velho. Gradativamente, surgiu a figura do catador de rua, lixões, aterros e,

posteriormente, a dos catadores vinculados a cooperativas e associações.

Em verdade, Ribeiro e Lima (2000, p. 63) ressaltam que a atividade dos catadores

começa a ganhar importância a partir da constatação da necessidade de preservação e

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possibilidade de escassez dos recursos naturais. A prática da coleta de materiais recicláveis

trata do reaproveitamento dos resíduos que normalmente são erroneamente chamados de lixo,

mas que deveriam sempre fazer parte de um sistema de gerenciamento integrado de lixo.

Paixão (2003, p. 272) afirma ser este trabalho indispensável tanto sob o ponto de vista

econômico quanto do ponto de vista social.

Durante algumas décadas, o lixo foi esquecido pela administração governamental e

pela própria sociedade, passando a interferir dramaticamente na qualidade de vida de todos.

Com o crescimento populacional, o aumento do consumo e a conseqüente produção de lixo,

aliando-se ao descaso com o adequado tratamento dos resíduos sólidos, surgem inúmeras

conseqüências como a proliferação de doenças, a contaminação do solo e da água e a queda

da qualidade de vida dos cidadãos (CUNHA; MELCHIOR, 2005, p. 90).

A disponibilidade dos serviços de coleta e tratamento de esgoto, conforme aponta

Muller (1997, p. 92), ocorreu lentamente mesmo em regiões mais avançadas do país. Uma

razão para isso se encontra nos altos investimentos necessários para implementá-los.

Ademais, uma forte redução no déficit sanitário dos assentamentos pobres das grandes

cidades exigiria muito esforço e criatividade, pois essas áreas têm sido negligenciadas e os

déficits são muito elevados.

Segundo Fossá (2006, p. 1), as pessoas que vivem da coleta de lixo passam a formar

uma comunidade proveniente de uma nova cultura: a cultura do lixo, a qual teve sua origem a

partir de um alto crescimento da população em zonas urbanas, gerando uma grande produção

de lixo. Esse crescimento constante da sociedade tende gradativamente a produzir mais lixo e

mais pessoas marginalizadas. Pichler (2006, p. 423-424) acredita que as redes sociais

enriquecem a vida e assim contribuem para a QV.

Ribeiro e Lima (2000, p. 61) definem lixo como um conjunto heterogêneo de

elementos descartados durante um determinado processo e, pela forma como é tratado,

assume um caráter depreciativo, sendo associado à sujeira, repugnância, pobreza, falta de

educação e outras conotações negativas. Zalauf (2000, p. 97) observa que o mundo gera

diariamente mais de três milhões de toneladas de lixo de qualquer natureza, sem contar os

resíduos industriais e rejeitos de mineração, praticamente incalculáveis. O que é descartado,

por vezes, pode ser reutilizado quando separado do que não há como reutilizar. Assim,

posteriormente, é reciclado e, muitas vezes, o que inicialmente é tratado como lixo pode ser

utilizado por muitas pessoas depois de um processo de reciclagem.

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A reciclagem do lixo, conforme pondera Magera (2003, p. 14), tem se mostrado uma

alternativa sustentada para a redução dos resíduos não-orgânicos (secos) e, em proporção

menor, os orgânicos gerados pela sociedade contemporânea. A reciclagem está sendo feita a

partir da formação de cooperativas compostas em maioria por pessoas desempregadas, sem

formação educacional, fora do mercado de trabalho, sem opção de um melhor emprego.

Essas pessoas são os catadores, que desempenham um trabalho desprezado pela

maioria da sociedade, a catação é a forma de permanecerem de algum modo nesta sociedade

como trabalhadores honestos; é no lixo que encontram a possibilidade de sustento; é com

criatividade e persistência, que resignificam aquilo que encontram e já foi descartado por

muitos, assim, para eles passa a ter utilidade, seja vendendo o material ou usando.

Juncá et al (2000, p. 13-14) observam que, catando papel, vidro, latas e qualquer outro

material possível de ser transformado em dinheiro, os trabalhadores do lixo conseguem seu

sustento. Verificam que o material desprezado por alguns acaba sendo recolhido por outras

pessoas e simboliza, em contraponto, a única possibilidade de sobrevivência, podendo ser

utilizado no consumo individual ou comercializado. Paixão (2003, p. 266) nota que os

catadores aparecem na dureza da tarefa desempenhada, mas também, falando de suas alegrias,

histórias de amor, prazeres, com humor. Essas imagens são surpreendentes porque o costume

é vê-los representados como pobres miseráveis sem história.

Homens, mulheres e crianças, que não podem encontrar opções no mercado de

trabalho capazes de suprir as suas necessidades e a garantia de sobrevivência, têm, na visão de

Juncá et al (2000, p. 15), algumas restritas escolhas como, por exemplo, a venda do corpo, a

mendicância, o roubo ou a coleta do lixo. Nas cidades, a coleta seletiva é um instrumento

concreto de incentivo à redução, reutilização e separação do material para reciclagem,

buscando uma mudança de comportamento, principalmente em relação aos desperdícios

inerentes à sociedade de consumo (RIBEIRO; LIMA, 2000, p. 63).

Assim, Magera (2003, p. 184-185) percebe que o catador atende à vontade do capital

e, ao mesmo tempo, realiza um serviço ecológico para a sociedade; no entanto, esse trabalho

tem um alto preço, pois é realizado em condições subumanas, em um local disputado por

ratos, animais peçonhentos, urubus, sem contar o alto risco de adquirir uma doença. Dessa

forma, são ao mesmo tempo agentes da modernidade e escória da sociedade. Os catadores

recolhem das ruas o que não serve mais para empresas, lojas, pessoas comuns, impedindo o

acúmulo de materiais desprezados e que podem se transformar em lixo comum, em material

sem valor comercial ou até afetar o meio ambiente.

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A atividade desempenhada, na visão de Barboza (2003, p. 79), é um trabalho

insalubre, não há o uso de luvas, a carga transportada é excessiva, os preços pagos pelos

materiais são baixos, há dificuldades de trabalhar com as adversidades do tempo, um

descrédito social e um marcante preconceito. Barboza levanta questões que são inerentes às

associações, por isso, são bastante relativas, deste modo, há associações que são realmente

precárias, mas em contrapartida há aquelas em que existe uma estrutura favorável ao

desempenho da atividade desempenhada pelos catadores.

Os catadores submetem-se a uma rotina de trabalho que, em muitas vezes, ultrapassa

doze horas ininterruptas; é uma atividade exaustiva, principalmente mediante as condições a

que estas pessoas se sujeitam com seus carrinhos, sendo puxados pela tração humana,

carregando diariamente mais de duzentos quilos e percorrendo mais de vinte quilômetros por

dia. No final, muitas vezes, são explorados pelos donos de depósito de lixo (sucateiros), que

trocam os materiais coletados por bebida alcoólica ou pagam um valor simbólico, insuficiente

para a própria reprodução como catador (MAGERA, 2003, p. 34). Medeiros e Macêdo (2006,

p. 66) notam que os catadores desempenham seu trabalho em condições bastante precárias,

sofrendo preconceitos e sendo pouqíssimo reconhecidos em face ao papel que representam na

economia e no meio ambiente, embora já tenham a profissão reconhecida.

Para Juncá (2004, p. 80), os catadores não têm diretamente um patrão, nem um vínculo

empregatício; igualmente não têm salário, a eles resta, portanto, a submissão. A relação

mantida com os sucateiros é a da subordinação, visto que estes compram o material por um

mesmo preço, assim, o catador pode escolher a quem vender seu material, mas os sucateiros

praticam o mesmo preço, dificultando a negociação. Carrion et al (2006, p. 86-87) afirmam

que os catadores têm uma forte dependência dos atravessadores que monopolizam o mercado

e, do mesmo modo, do poder público que impede o setor de se fortalecer, procurando obter

controle sobre as unidades de triagem, impedindo as associações tornarem-se mais coesas e

autônomas.

Estudando a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis do Movimento dos

Direitos dos Moradores de Rua, Carrion et al (2006, p. 74-75) observam que os catadores

vivem ou viveram nas ruas e, por isso, sentem dificuldade no cumprimento de normas e

adequação às regras, seja de convivência, seja de trabalho. Dessa forma, não se sentem como

donos do seu próprio negócio, não conseguem, a grande maioria deles, comprometer-se e

responsabilizar-se pelo seu trabalho; a dificuldade também é notada quanto à falta de

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iniciativa no trabalho. Além dessas questões, boa parte não sabe administrar a própria renda,

satisfazendo necessidades imediatas e não se preocupando com o futuro.

De acordo com Juncá et al (2000, p. 61), no lixo sempre há trabalho, havendo a

possibilidade de ganhar dinheiro todos os dias. Além disso, é uma atividade autônoma,

assegurando a liberdade de ir e vir no momento em que desejar. Para Paixão (2003, p. 277), a

autonomia no trabalho é valorizada pelos catadores, porque, mesmo atravessando longas e

penosas jornadas de trabalho, eles não têm horário, nem a quem obedecer. Também é visto

pelos catadores como um porto seguro para desempregados, para quem não conseguiria

encontrar chances de trabalho. Apesar disso, Paixão (2003, p. 175) nota que, mesmo não

tendo um chefe, o fato de não possuírem um certo grau de instrução faz com que tenham

dificuldades em questões administrativas e, assim, os coordenadores das cooperativas às vezes

são vistos como chefes.

Ao entrevistar uma catadora, Fossá (2006, p. 6) verifica que nem sempre o trabalho de

catação é uma alternativa ao desemprego, mas uma opção. Juncá et al (2000, p. 61) notam que

no lixo é possível ter contato direto com o mundo de consumo e desperdício, pois catar o que

os outros jogam fora é uma das formas de conseguir coisas de valor como relógios, rádios,

roupas, jóias ou mesmo alimentos que por vezes se encontram congelados, em embalagens

não violadas e em condições adequadas de consumo. Paixão (2003, p. 278) corrobora essa

idéia quando verifica que, do ponto de vista da economia de sobrevivência, o lixão (ou a

catação do lixo) também é uma forma de fonte de renda indireta, pois nele se encontram

produtos que podem ser utilizados na alimentação e objetos para o uso doméstico.

A atividade de catação não é um trabalho como outro qualquer, ela é um sintoma de

diferentes dimensões da sociedade contemporânea. Para Paixão (2003, p. 271), há a dimensão

simbólica do lixo: rebotalho da sociedade; a ambiental: ele vem constituindo um grande

problema nos centros urbanos e se torna tema central na área dos estudos sobre o meio

ambiente e há, por fim, dimensões econômicas: o trabalho no lixo é sintoma, de um lado está

a diminuição dos empregos (formais) na sociedade e de outro, a reciclagem como negócio.

Segundo Carmo (2005, p. 10), é chamado de pulo do gato a capacidade que o catador

adquire ao longo de sua trajetória e que proporciona uma habilidade superior à dos zeladores

de edifícios que também desempenham esta atividade. O pulo do gato também inclui saber

manejar o resíduo, visto que os catadores não têm nojo e os zeladores teriam. Em alguns

lugares, antigamente era ofício dos catadores a coleta e revenda do material, mas, atualmente,

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zeladores (que têm um emprego) e empresas têm realizado este trabalho, dificultando a

função do catador.

Fundamentando-se no descrito por Carmo, é possível verificar que o catador

reconhece que a função desempenhada não é uma tarefa fácil, é necessário tempo de

experiência para ser realizada com eficiência. Assim, mesmo quando outras pessoas que têm

emprego fixo também se pré-dispõem a ganhar um pouco mais com a coleta do material

reciclável, apenas a vontade de ganhar mais e uma ligeira noção acerca da diferença entre o

que é reciclável e o que é lixo não é suficiente para esgotar as possibilidades de renda

advindas deste trabalho.

Quando o catador fala da possibilidade de estar desempregado, é possível verificar que

a catação para ele é um emprego, o que se mostra como fator positivo. Porém, uma questão

que ainda não é bem resolvida é a importância deste ofício para o meio ambiente, o que se

expressa na fala de um catador: “Eu tô pensando é no meio do bolso mesmo e não no meio

ambiente.” (CARMO, 2005, p. 12).

Para Fossá (2006, p. 8), o significado central atribuído pelos catadores ao trabalho

também é o de sobrevivência. Mesmo assim, há casos em que os discursos refletem que, para

alguns, o trabalho é uma fonte de desenvolvimento pessoal ou até mesmo de reintegração na

sociedade. Há aqueles que estiveram durante um longo tempo sem realizar qualquer tipo de

atividade profissional e, muitas vezes, com isso perderam sua dignidade. Dessa forma, este

trabalho trouxe consigo a possibilidade de resgatar a dignidade.

A ligação com a atividade de catação é mediada pelos seus instrumentos de trabalho,

pela cooperação da família, pela relação estabelecida com os lojistas, com as ruas, com os

espaços de circulação ocupados quando coletam material, assim como pelo olhar da sociedade

construído em relação à presença do catador no cenário urbano em que se encontra e pelo

próprio olhar que ele tem de si mesmo e de seu trabalho (BARBOZA, 2003, p. 79).

A noção de estar sendo explorado, conforme aponta Barboza (2003, p. 141), é bastante

clara para os catadores em maioria, pois reconhecem que seu trabalho é mal-remunerado

pelos atravessadores, o que se expressa na fala de um catador: “Eles compram por um preço

só e pronto, estão ganhando o que querem [...]” (CARMO, 2005, p. 10).

Apesar da remuneração inferior ao que os catadores esperam um dia ter, não há muitas

formas de solucionar esse problema. Eles desconhecem possíveis alternativas que poderiam

modificar sua situação e assim permanecem vivendo de modo submisso. Os compradores, por

sua vez, não têm interesse em melhorar a oferta de compra dos produtos, a sociedade nem

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sempre está interessada em contribuir com classes de baixa renda e o governo geralmente não

oferece o apoio necessário para o desenvolvimento deste ofício.

São inúmeras as vezes nas quais há divergências relacionadas ao peso e à classificação

dos materiais ou até sobre as condições dos materiais entregues (sujos, molhados, o que

modifica o preço). Mesmo assim, dificilmente se observa um conflito maior entre catador-

sucateiro; ao contrário, o contato diário, a rede de favores que acaba se criando, os

adiantamentos recebidos criam uma espécie de laço entre eles, não deixando espaço para que

divergências possam ganhar maior consistência, assim fazendo com que as possíveis

reclamações se limitem ao âmbito de episódios isolados e sem maiores conseqüências

(JUNCÁ, 2004, p. 80).

Após a breve abordagem sobre a identidade dos catadores de materiais recicláveis,

tanto em termos históricos quanto acerca de quem são estes trabalhadores hoje, é possível

verificar como acontece a exclusão social dos catadores. É possível observar que via de regra

há um desenvolvimento desigual em sociedades que começam o processo de crescimento e

mudança estrutural com desigualdades notáveis na distribuição da renda, riqueza e

oportunidades. Nessas sociedades, uma pequena parcela da população tem acesso a

determinados bens e serviços enquanto boa parte acaba sendo forçada a viver com o restante

(MULLER, 1997, p. 83).

Carmo (2005, p. 10) observa que o lixo é visto pela sociedade como algo que carrega

uma semântica negativa em função dos significados aos quais ele possa remeter. Os catadores

estão diretamente envolvidos com a coleta do que muitos chamam de lixo e sofrem as

conseqüências de manusearem algo pejorativo que em realidade é material reciclável. Juncá et

al (2000, p. 78) verificam que eles são vistos pela sociedade com uma imagem de preguiça,

indolência, malandragem e marginalidade, sendo considerados objetos desnecessários e por

isso passíveis de descarte. E Paixão (2003, p. 271) concorda com esse pensamento, ao

observar que essa imagem se concretiza também com o fato de o lixo ser sujo e malcheiroso,

e, por conseguinte, deixa sujo e malcheiroso quem trabalha com ele, dessa maneira,

estabelece-se uma relação cruel entre os rejeitos físicos e os rejeitos humanos.

A baixa escolaridade é outro fator que também está associado à auto-imagem que os

catadores fazem de si próprios pro causa da sua profissão e posição social. Diversos associam

a carência nos estudos à condição se ver obrigado a viver do trabalho de catação, o que para

muitos representa humilhação e vergonha. Pode-se inferir que essa associação denota o

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preconceito e o descrédito que eles próprios, por vezes têm em relação à profissão que

exercem. (MEDEIROS; MACÊDO, 2006, p. 67)

O ambiente do lixo não é considerado pela sociedade como um lugar de trabalho, é

nele que se encontram sobras, restos, o que é inútil. Quando o catador assume o cenário do

lixo como seu local de trabalho, fazendo da catação a sua atividade profissional, parece

ingressar numa zona de sobras (JUNCÁ, 2004, p. 71). Conforme Fossá (2006, p. 6), o lixo e

toda a sua significação é um fardo bem pesado para os catadores, pois o lixo é tudo o que

ninguém quer para si, é o que se descarta, o que não serve mais, e trabalhar com isso é

certamente a última alternativa encontrada por eles.

Na visão de Juncá (2004, p. 14), os catadores são pessoas que parecem se confundir

com o lixo, as moscas, o cheiro ruim. A impressão inicial, no entanto, acaba sendo esquecida

quando surgem as dúvidas e inquietações como: Que modo de vida é este? O que é possível

pensar quando se olha para a disputa de material ou a avidez com a qual prontamente comem

um pedaço de pão ou fruta que encontram? De um lado parece estar a tristeza, o desespero, a

falta de esperança, a miséria, a fome, a sobrevivência a qualquer preço e, de outro,

estranhamente, está a comemoração de roupa ou sapato encontrados, o canto, a dança, a

alegria.

A aparência de descuido e sujeira dos catadores passa às demais pessoas da sociedade

uma impressão negativa muito forte sobre estes indivíduos. Isso porque tanto o nível social

destes trabalhadores quanto a sua capacidade de organização política e social são muito

baixas. Dessa forma, projetos são desenvolvidos com a intenção de promover a inserção deles

na sociedade, mediante o reconhecimento profissional, a conquista de direitos e a melhoria na

sua qualidade de vida. (SPOLADORE et al, 2002).

Os catadores, na visão de Fossá (2006, p. 3), mostram em seu discurso que há uma

constante quanto à insatisfação: a vergonha. Sentem vergonha de ser inúteis, estarem sujos, do

fato de não ocuparemm um espaço na sociedade, de acreditarem não ter inteligência para

desempenhar uma atividade mais interessante e, além disso, do contato, de alguma maneira

forçado, com um trabalho desinteressante. O sentimento de indignidade se deve à falta de

conhecimento da significação do seu trabalho em relação ao de atividades formais. Sendo

assim, sua tarefa não tem significação humana nem social, ou seja, parece não significar nada

para a família, para o grupo social nem para o quadro de um ideal social humanista e político,

fazendo com que uma baixa auto-estima se apodere do trabalhador.

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O trabalho sem reconhecimento coletivo, na visão de Carmo et al (2006, p. 13), pode

afetar tanto a auto-estima quanto a identidade profissional. A ausência de auto-estima leva o

sujeito à impossibilidade de construir confiança nas suas capacidades, reconhecê-las ou

identificá-las em si próprio. Se não as reconhece em si, não consegue também reconhecê-las

no outro; logo, torna-se difícil estabelecer relações de confiança mútua, cooperação e

reciprocidade. Ao se observar o ambiente de trabalho dos catadores, as instalações e a

dinâmica de trabalho, constata-se a existência de potencial para haver o desenvolvimento de

auto-estima e identidade profissional destas pessoas que trabalham diretamente com resíduos.

A imagem negativa que a sociedade tem dos catadores interage com a auto-imagem

que eles formam de si próprios. Quando não estão organizados em cooperativas ou

associações, são vistos como marginais à sociedade, ainda que, ao se organizarem, também

sofram discriminações (VELLOSO, 2005, p. 59).

Eles se preocupam com a imagem que passam. Para Juncá et al (2000, p. 44) talvez se

preocupem mais com a imagem do que propriamente com seu contraditório cotidiano,

camuflando problemas que rejeitam no discurso, de modo que não se tornem tão visíveis aos

outros, mostrando assim não ser este o seu retrato. Gostam de tirar fotos, aparecer nos jornais

ou na televisão desde que estejam arrumados e não com roupas de serviço, mesmo que sejam

estas roupas de serviço e até o depósito que proporcionem a eles a sustentação para se

sentirem trabalhadores e possam assim ter reconhecimento. Na mesma intensidade, quando

surgem visitas, desejam aparentar organização nas diversas situações vivencidas.

Mesmo não estando perto dos olhos do público, que muitas vezes observa com repulsa

o trabalho do catador, eles ainda sentem o problema do reconhecimento social, isso porque

não são vistos e sequer valorizados os benefícios ambientais e econômicos proporcionados

pelo trabalho de catação à sociedade. Assim, eles ainda são representados por eles próprios

como gente do lixo (CARMO et al, 2006, p. 10).

Carmo (2005, p. 14) verificou que, na visão dos catadores, o ofício desempenhado

carece de reconhecimento por parte da sociedade. Tal consideração inexiste em função das

características amorfas do lixo e dos significados atribuídos a este (semântica negativa), o que

de alguma forma, interfere na construção da imagem que o catador faz de si próprio. Paixão

(2003, p. 280) observa que os catadores ressentem-se por verificar o estigma conferido pela

sociedade ao seu trabalho. Assim, às vezes, escondem dos familiares a sua ocupação, pois se

envergonham do que fazem, causa-lhes sofrimento notar que a mídia apresenta-lhes como

animais disputando o lixo com outros animais.

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Às vezes, aponta Barboza (2003, p. 79-80), a incerteza, o desânimo e mesmo a

vergonha de ser um catador são fatores que colaboram para que eles deixem esta atividade em

busca de algo melhor, mesmo que, em muitos casos, retomem a catação depois de tentarem

alternativas encontradas no mercado de trabalho e não obterem sucesso. Mas se surge uma

alternativa mais rentável ou a possibilidade de renda complementar, eles costumam escolhê-

la, pois a sua atividade surgiu da degradação do mercado de trabalho. Juncá (2004, p. 20)

assinala que o maior problema pode não se encontrar em trabalhar com o lixo em si, mas nos

estigmas que o cercam e na forma como é exercido, produzindo armadilhas, conservando os

catadores na condição de não-trabalhadores e fazendo-os reféns da inutilidade.

O fato de estes trabalhadores serem excluídos da sociedade ocorre por diversos

fatores: o principal é a atividade desempenhada; na seqüência, é possível citar o fato de

exercerem uma ocupação informal. São, em sua maioria, pessoas sem estudo, que mostram

em sua aparência o quão difícil e sofrido é desempenhar esta atividade e, além disso, há um

desconhecimento acerca do trabalho exercido.

Quando os catadores percebem que a sociedade está valorizando o lixo e separando o

material reciclável, Carmo (2005, p. 11) aponta que uma identidade profissional parece se

manifestar, não necessariamente atrelada a uma nova semântica do lixo, mas a esses novos

atores. Indicando que, para os catadores, o trabalho desempenhado torna-se uma profissão a

partir da visão que outras pessoas que não estão diretamente inseridas neste contexto têm

acerca deles. É desta maneira que o catador passa a ter outra imagem de si próprio e da visão

que a sociedade tem sobre ele:

Eu acho que a população tem um certo receio com o catador e é assim com todo mundo, no mundo em que a gente vive hoje, né? Hoje até o carteiro bate na porta e não é bem aceito, [...] mas acho até que ta mudando um pouco isso, as pessoas já tão começando a enxergar com outros olhos. (coordenador) (CARMO et al, 2004, p. 12).

A sociedade, na visão de Carmo et al (2004, p. 14), passará a perceber o catador como

outro trabalhador qualquer, quando associar o trabalho de catação a significados sociais

positivos. A atribuição de significados positivos ao trabalho com o lixo, por meio de um

discurso de defesa ao meio ambiente, mostra-se como uma pré-condição para a inclusão

simbólica dos catadores. Essa pré-condição apontaria para um processo positivo de

construção social da identidade e de resgate da auto-estima, pois mesmo que os catadores não

consigam revelar de forma assertiva o peso do estigma da sua profissão, é pelo

reconhecimento simbólico da atividade exercida que virá o que tanto desejam ser na visão da

sociedade: um trabalhador como outro qualquer.

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O trabalho de coleta de lixo é um trabalho tão digno como qualquer outro, só pelo fato de estar trabalhando de novo, não só pelo dinheiro, que é claro que a gente precisa, mas por ter um trabalho e não ficar vagabundeando pela rua, ter que pedir. Não sei como tem gente que prefere ficar pedindo as coisas ao invés de trabalhar. (FOSSÁ, 2006, p. 8-9).

A percepção a respeito da importância da separação do lixo torna-se mais presente

quando, assim como Juncá (2004, p. 17) aponta, se atenta mais ao que é jogado fora, uma vez

que freqüentar o mesmo ambiente dos catadores permite prestar atenção no desperdício e no

fato de que o lixo não desaparece, somente é afastado para outro local em que pessoas estarão

lidando com ele. Assim, é comum surgirem preocupações como, por exemplo, onde colocar

vidro e outros objetos cortantes.

Magera (2003, p. 17) nota que a prática da reciclagem na sociedade mostra-se aos

olhos e aos ouvidos da maioria dos leigos como uma espécie de emblema de modernidade. A

mídia induz à crença de que é politicamente correto o engajamento nos esforços pela redução

de resíduos, bem como a apresentação de algo viável ao desenvolvimento econômico

sustentável.

A sociedade não está educada para a separação do material reciclável. Há algumas

pessoas que separam o lixo, porém não é algo obrigatório, ainda é uma questão de bom-senso,

de percepção acerca do ofício que outra pessoa possa estar exercendo com o que foi

descartado, de conhecimento sobre os materiais que podem ser reciclados. Quando as pessoas

conhecem um pouco da realidade vivida pelos catadores, aí sim é possível que encontrem

alguma razão para respeitarem o seu trabalho como outro qualquer e a exclusão, possa ceder

lugar à inclusão social do catador.

Há catadores que buscam o reconhecimento do seu ofício, conforme um catador

informou:

Venho aqui hoje buscar reconhecimento, porque faz 42 anos que faço esse trabalho como catadora de lixo, que agora vai ser reconhecido. A gente quer que fortaleça nossa cooperativa e associações. Nós criamos nosso próprio trabalho. Nós queremos fortalecimento nele, vimos que é valioso, temos condições, não só como catador de lixo, como moradores de rua também. Nós temos 50 ex-moradores de rua que, hoje, conseguiram resgatar sua cidadania de volta. (MAGERA, 2003, p. 19).

Essas palavras ilustram o quanto o ofício que desempenham é de algum modo valioso,

principalmente porque se torna uma possibilidade para pessoas que ficam desempregadas de

buscar sua renda na catação. Do mesmo modo, há aqueles que, de moradores de rua, se

tornam trabalhadores e passam a fazer parte de outro grupo social.

Há catadores que falam de seu cotidiano como algo ruim, o que é notado por Juncá et

al (2000, p. 36-37) quando eles falam que há tantos problemas que não se sabe qual o maior,

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mas na mesma proporção há aqueles que falam como algo bom, como se suprir as

necessidades básicas fosse estar isento de problemas. Dessa forma, a aceitação e a negação

parecem conviver num cenário em que às vezes o pouco que se tem é reconhecido e

valorizado, uma vez que supre as necessidades mais imediatas ainda que de maneira precária.

Assim, resgata-se um tempo em que algo já foi pior ou que há quem esteja passando por

maiores problemas. Porém, é essa mesma forma de comparação que faz alguns avançarem na

crítica em relação à realidade que lhes têm sido imposta.

É essa gente que se confunde com o lixo que possivelmente a sociedade brasileira

gostaria de negar. È essa mesma gente que, enfrentando um a exclusão social, não aceita

identidades atribuídas e apropria-se do cenário do lixo, re-significando-o e construindo, dessa

maneira, as bases que recuperarão a sua condição de sujeito-trabalhador. É assim que o lixo

passa de lugar de restos e sobras a um lugar de trabalho, de se poder reinventar um cotidiano

(JUNCÁ, 2004, p. 27).

Ainda que a sociedade não aceite o catador como uma pessoa que tem um ofício e

busca seu sustento como qualquer outro trabalhador, ele desempenha um trabalho digno de

reconhecimento, mesmo sem a valorização do recolhimento de cada material que sai das ruas

(ou nem chega às ruas) e é coletado, permitindo que as cidades sejam mais limpas. Sua

importância passa a ser valorizada no momento em que se verifica que faltam políticas

públicas de separação, redução e reciclagem dos resíduos, o que é mais evidente em centros

urbanos em que os caminhões das prefeituras não conseguem acessar as ruas mais estreitas ou

obstáculos no caminho, desa forma ele complementa o trabalho daqueles que fazem a limpeza

pública.

Na compreensão de Fossá (2006, p. 13), à medida que haja o reconhecimento acerca

da importância do trabalho, de coleta de material reciclável, assim como o desenvolvimento

de uma visão global sobre essa atividade é possível encontrar também a sua dimensão social.

O autor acredita que, quando é atribuído um significado amplo ao trabalho, como fonte de

crescimento e realização pessoal, o trabalho transforma o trabalhador em agente gerador de

mudança da realidade, portanto, torna-o um cidadão.

Conhecendo um pouco sobre a vida destes trabalhadores, é possível buscar um pouco

de entendimento a respeito do que seja QV para eles. Sendo assim, será explorado na

seqüência qual a importância do tema para estes sujeitos.

A pesquisa social sobre QV até a metade do século foi focada sobre avaliações

subjetivas e sobre estados emocionais experimentados pelos povos em suas vidas. Com

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algumas exceções notáveis, os investigadores ignoraram outros significados e finalidades que

animam as vidas. É necessário reformular a compreensão empírica da QV para se ir além do

aparente, as emoções e as avaliações subjetivas, a dimensão positivo-negativa do sentimento

subjetivo, assim, incluem-se os significados e as finalidades que os povos usam para gerar o

significado, a validez e a coerência em suas vidas (HUGHES, 2006, p. 611).

A melhoria de vida é percebida por alguns catadores como a possibilidade de

continuar trabalhando, poder manter a família e conseguir algumas aquisições ainda que de

baixo valor. Eles percebem o lixo como fonte de sobrevivência (PORTO et al, 2004, p. 1511).

Sabem que o lixo não tem valor somente para eles, mas para a sociedade de um modo geral, à

proporção que esta começa a se interessar por reciclados e até por produtos recicláveis, o que

até então era interesse exclusivo dos catadores (CARMO, 2005, p.11).

Algumas definições sobre QV apontam a saúde como um dos seus indicadores. No

entanto, Porto et al (2004, p. 1511) verificam que os catadores de materiais recicláveis, por

exemplo, vêem a saúde como capacidade para o trabalho, tendendo a negar a relação direta

entre o trabalho e problemas de saúde que possam ser causados por algum descuido. Se essa

associação é pouco reconhecida, não há como se ignorar que inúmeros são os riscos realmente

existentes no trabalho do catador, uma vez que estes não acreditam que sua saúde possa ser

prejudicada diante de algum descuido durante o tempo em que estão trabalhando.

Atualmente, a presença dos catadores vem crescendo, quantitativa e qualitativamente,

e chamam a atenção para o trabalho desempenhado por eles diariamente. Por meio da catação

ou de manifestações públicas realizadas, passam a ganhar maior visibilidade no cenário

urbano. Tal visibilidade remete a algumas indagações: quem são esses catadores? De onde

surgiram? Como vivem? O que catam? (FOSSÁ, 2006, p. 63).

Conhecer um pouco da atividade dos catadores de materiais recicláveis, bem como

saber quem eles são, de que maneira vivem, quais os materiais coletados em seu ofício, o que

os leva a determinados comportamentos e compreender qual a percepção de QV para eles,

serão questões abordadas no capítulo a seguir, a partir da aplicação do método e da obtenção

dos resultados.

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3 METODOLOGIA: DESIGN ETNOGRÁFICO

Para estudar o campo das ciências sociais, não se pode utilizar a mesma metodologia

aplicada às ciências naturais. Para Souza Santos (1997, p. 22), a ciência social será sempre

subjetiva e não objetiva como as ciências naturais; desse modo, é necessário utilizarem-se

métodos de investigação e até critérios epistemológicos diferentes dos utilizados nas ciências

naturais, ainda que Santos não reforce a dicotomia entre ciências sociais e ciências naturais.

Fonseca (1999, p. 58) observa o quanto os pesquisadores têm deixado de estudar com

tipologias massificantes e teorias sumamente abstratas e buscado a antropologia e, mais

particularmente, o método etnográfico como uma solução para seu dilema profissional.

Acredita ser esse um tipo de elo perdido que pode ajudar a fechar a lacuna existente entre a

teoria e a realidade. Na mesma proporção, Godoy (1995, p. 27-28) ressalta que ainda que seja

um método muito utilizado pela antropologia, atualmente também tem sido empregado na

exploração de temáticas associadas a outras áreas do conhecimento como psicologia,

educação social e administração no estudo de cultura organizacional.

Nessa busca por uma tipologia que atenda às ciências humanas, foi realizado um

estudo etnográfico com os catadores de materiais recicláveis, uma vez que, na visão de

Andion e Serva (2006, p. 147), esta modalidade têm como objeto fenômenos organizacionais.

Para alcançar a profundidade e a qualidade desejadas para o avanço dessa teoria , indica-se

que o pesquisador não se limite ao estudo da etnografia apenas como um método de

orientação para o trabalho em campo, mas que possa compartilhar a perspectiva da etnografia

como uma estratégia global de pesquisa, o que requer do pesquisador uma postura

epistemológica.

Malinowski (1976, p. 22-23) destaca que na etnografia o autor é, ao mesmo tempo,

cronista e historiador; as fontes de informação não se incorporam a documentos materiais

fixos, mas ao comportamento e à memória das pessoas. É imensa a distância entre os

resultados finais e o material bruto das informações coletadas pelo pesquisador, tomando por

base as suas observações, os depoimentos dos nativos, o caleideoscópio da vida tribal.

É necessário ir além da visão da etnografia apenas como um método de orientação

para o trabalho de campo. Andion e Serva (2006, p. 147) complementam essa idéia ao dizer

ser indispensável compartilhar a perspectiva da etnografia como sendo uma estratégia global

de pesquisa, o que requer considerá-la também como uma postura epistemológica do

pesquisador. Rocha et al (2005, p. 125) do mesmo modo acreditam que o olhar etnográfico é

que define uma postura e não apenas uma técnica. Porém, essa postura pressupõe, ela própria,

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uma compreensão da realidade, em que o real não está pré-definido. É por meio da noção de

definição da situação que é imposta a idéia de que são os próprios atores que definem a

situação na qual se encontram e, fazendo isso, estão construindo coletivamente.

A etnografia, na visão de Tedlock (2000, p. 455), envolve uma tentativa de andamento

para lugares específicos, encontros, eventos e compreensões do contexto de significação. Não

é simplesmente a produção de novas informações ou dados de pesquisa, mas a forma pela

qual informações ou dados são transformados em formas escritas e visuais. A pesquisa

etnográfica é ambos, um processo e um produto.

Van Maanen observa que a etnografia reflete uma postura tradicional do pesquisador

em relação aos indivíduos estudados. Uma etnografia realista é um relato objetivo da situação,

escrito de modo típico na terceira pessoa, com uma visão e um relatório objetivo das

informações colhidas dos participantes. O etnógrafo realista narra o estudo em uma

desapaixonada voz, e reporta o que observou ou ouviu dos participantes. O etnógrafo

relembra o passado como um onisciente repórter dos “fatos”. Também reporta datas objetivas

num estilo próprio, sem contaminação por viés pessoal, objetivos políticos e julgamentos. Ele

reporta-se aos detalhes mundanos de cada dia vivido entre as pessoas estudadas. Ao mesmo

tempo, usa categorias simples para a descrição cultural (por exemplo, vida familiar, meios de

comunicação, vida no trabalho, relacionamentos sociais, posições sociais). Reproduz as

visões dos participantes, editadas por cotações próximas e tem a palavra final sobre como a

cultura pode ser interpretada e apresentada (CRESWELL, 2007, p. 69-70).

No entendimento de Godoy (1995, p. 28), “o trabalho de campo é o coração da

pesquisa etnográfica, pois sem um contato intenso e prolongado com a cultura ou grupo em

estudo será impossível ao pesquisador descobrir como seu sistema de significados culturais

está organizado”. Tedlock (2000, p. 455) confirma essa visão quando lembra que a vida dos

etnógrafos é imersa em seu campo de experiências, de tal forma que suas interações

envolvem escolhas morais. Experiência passa a ser significado, e o comportamento humano é

gerado de uma informação, porém significada. Etnógrafos atravessam fronteiras tanto

territoriais quanto semânticas.

O trabalho de campo, na visão de Rocha et al (2005, p. 125-126), obriga o antropólogo

a levar em consideração e aprender a cultura do grupo observado, privilegiando a

investigação, o espaçado tempo junto à população estudada, a absorção dos costumes e

práticas dos grupos, debruçando-se então sobre o estranho e seu significado.

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Para Godoy (1995, p. 28), o etnógrafo é quem construirá modelos ou teorias

explicativas indutivamente, ou seja, com base na compreensão dos significados que os

sujeitos, participantes, conferem aos eventos estudados, o que não significa um descaso por

teorias anteriores ou teorias já existentes, mas uma forma idiossincrática de pesquisar.

A demarche etnográfica não se limita à técnica, pois sua construção é feita in loco, a

partir do encontro e da conexão entre pesquisador e pesquisado (ANDION; SERVA, 2006, p.

153). Malinowski sugere que o objetivo do etnógrafo poderia ser compreender o ponto de

vista do nativo, gerando uma expectativa de que a observação participante poderia levar à

compreensão humana por meio da aprendizagem dos trabalhadores de campo para ver,

pensar, sentir e, às vezes, comportar-se como um insider ou nativo (TEDLOCK, 2000, p.

457).

A postura etnográfica, na visão de Andion e Serva (2006, p. 154-155), parte do caso

particular, ou seja, do individual procurando o geral; visa efetuar uma leitura eminentemente

social dos fenômenos. O objetivo maior está em reconstituir a tessitura do social, indo além

do caso particular. A pesquisa etnográfica permite retratar as dimensões tanto objetivas

quanto subjetivas dos fenômenos observados.

O etnógrafo pode utilizar uma monografia extensa baseada em uma tese ou dissertação

de doutorado. Cada capítulo abriria tópicos padronizados, tais como ambiente, relações

sociais, identidade ou visão de mundo. Posteriormente, ele pode redigir mais claramente

gêneros narrativos, que dependem da experiência de vida, têm um estilo mais linear, mais

acessível ao público. Isso inclui documentos pessoais, como biografias e histórias de vida dos

participantes, memórias e autobiografia de ambos, participantes e etnógrafos, além de diários

de campo e crônicas (TEDLOCK, 2000, p. 459).

As particularidades abordadas anteriormente, no entendimento de Andion e Serva

(2006, p. 155-156), permitem afirmar que este tipo de pesquisa fornece um caminho para a

leitura dos fenômenos, em que a complexidade não é simplificada em nome de uma pretensa

objetividade, propondo comunicar dimensões separadas, sem reduzi-las a unidades

elementares ou leis gerais. Essas características demonstram ser possível adequá-la em

estudos que levam em consideração temáticas interdisciplinares ou híbridas, a exemplo dos

cenários e das realidades organizacionais.

Harris sugere que, embora a teoria fundada em pesquisa desenvolva-se sobre o exame

de muitos indivíduos que atuam num mesmo processo, ação, ou interação, os participantes do

estudo não precisam estar sediados em um mesmo lugar ou interagindo entre si em padrões

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compartilhados e freqüentes de comportamento, crença e linguagem. Um etnógrafo está

interessado em examinar esses padrões compartilhados, e a unidade de análise é maior que

vinte ou mais indivíduos envolvidos na pesquisa. Uma etnografia incide sobre todo um grupo

cultural. Mas, algumas vezes, o grupo cultural pode ser pequeno (poucos professores, poucos

agentes sociais); tipicamente, contudo, é grande, envolvendo muitas pessoas que interagem

todo o tempo (professores da escola inteira, a comunidade total de um grupo de trabalho).

Etnografia é um plano qualificado no qual o pesquisador descreve e interpreta os padrões de

valores demonstrados e estudados, comportamentos, crenças e linguagem de um dado grupo

comum (CRESWELL, 2007, p. 68-69).

O etnógrafo, conforme apontam Rocha et al (2005, p. 128), acompanhará o dia-a-dia

do grupo, observando o comportamento dos informantes nos mais variados contextos em que

se processa sua vida social. A observação do grupo deve ser registrada em um diário de

campo, as anotações serão interpretadas e classificadas ao longo do trabalho dentro do

arcabouço teórico que o antropólogo dispõe para explicar a visão de mundo e os valores

elaborados na cultura pesquisada. Entretanto, não basta escrever minuciosamente, é

necessário compreender o motivo das ideologias e das práticas sociais. Os eventos observados

e relatados em uma descrição densa precisam ser entendidos em um sistema que faça sentido,

explicando as razões culturais dos comportamentos observados, o que não exclui nem

contradições nem conflitos.

Segundo Fonseca (1999, p. 66), o método etnográfico pode ser dividido em cinco

etapas: a primeira é o estranhamento de algum acontecimento ocorrido no campo; a segunda,

a esquematização dos dados empíricos; a terceira, a desconstrução de estereótipos

preconcebidos; em quarto, está a comparação com exemplos similares tirados da literatura

antropológica e em quinto lugar, a sistematização do material em modelos alternativos.

Já Andion e Serva (2006, p. 156) acreditam que os momentos da pesquisa etnográfica

encontram-se em três divisões: concepção do campo temático de estudo; realização do

trabalho de campo e elaboração do texto, sendo todos momentos singulares que possibilitarão

ao pesquisador a construção da tecelagem etnográfica em que tanto pontos de vista do

pesquisador quanto dos sujeitos pesquisados serão constantemente questionados.

Como um processo, Agar verifica que a etnografia envolve observações ampliadas do

grupo e, com mais freqüência, a observação participante; enquanto o pesquisador está imerso

na vida diária das pessoas do grupo, observa e entrevista seus participantes. Etnógrafos

estudam o significado do comportamento, da linguagem e a interação entre os membros do

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grupo em estudo (CRESWELL, 2007, p. 68-69). Malinowski (1976, p. 35) recomenda que o

etnógrafo, algumas vezes, deixe o seu lado de máquina fotográfica, lápis e caderno para

participar do que está acontecendo.

O design começa então com a concepção do campo temático que neste estudo se faz

presente com os catadores de materiais recicláveis da ACMR e nesta fase da pesquisa. Andion

e Serva (2006, p. 157) acreditam que uma das condições fundamentais é a sólida preparação

teórica na área de conhecimento. Do mesmo modo pensa Godoy (1995, p. 29), ao dizer que o

pesquisador precisa se manter bem informado sobre o tema em estudo e, para isso, pode

realizar uma vasta revisão de literatura.

Além da preparação teórica na área do conhecimento em que se pretende desenvolver

o estudo, há a consideração da experiência e trajetória prévias do pesquisador no referido

campo de investigação e a consideração do cenário organizacional como um espaço a

analisar. Tais dimensões são de extrema importância para contribuir com a contextualização

do fenômeno em estudo e a elaboração de um mapa cognitivo, baseando-se na premissa do

fato organizacional como um fato social total (ANDION; SERVA, 2006, p. 157).

Na seqüência, está a realização do trabalho de campo que, conforme Andion e Serva

(2006, p. 159-160), é o momento no qual o pesquisador deve ser capaz de ter um olhar com

profundidade e não apenas ver aquilo que salta aos olhos, buscando significações das

variações e dos sentidos atribuídos pelos atores. O pesquisador deve ter um olhar inquisitivo,

que é uma espécie de estranhamento que permitirá a ele se surpreender durante a pesquisa.

Além desse estranhamento, algo peculiar da postura etnográfica, o trabalho de campo

pressupõe uma interiorização por parte do pesquisador, das significações atribuídas pelos

indivíduos aos seus comportamentos, implicando, assim, a integração do observador no

campo de observação.

No momento da elaboração do texto, o pesquisador poderá repassar aos outros o que

percebeu. Nesse momento que pode ser chamado de passagem, poderá elaborar com

freqüência re-significações, construções conceituais e interpretações. Sem a escrita, o que foi

visto pelo pesquisador perderia sentido, e a organização do texto torna-se, por isso, uma

passagem merecedora de destaque na postura etnográfica. Outra questão digna de evidência é

a busca de um estilo e uma forma de elaboração do texto, pois a inserção de trechos das falas

dos pesquisados colhidas durante o trabalho de campo, no texto etnográfico, é um recurso

muito utilizado na antropologia e agora está sendo empregado também em textos de estudos

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organizacionais produzidos baseando-se no uso da etnografia (ANDION; SERVA, 2006, p.

163-165).

O êxito, na visão de Malinowski (1976, p. 24), somente será possível mediante a

aplicação sistemática e paciente de algumas regras de bom-senso e dos princípios científicos

bem conhecidos. Logo, isso não será possível por meio de descobertas de atalhos que venham

a conduzir ao resultado desejado, sem haver esforços ou problemas.

A metodologia foi realizada considerando-se a análise categórica da manifestação da

QV em conjunto com os catadores de materiais recicláveis da ACMR, tendo como base,

primeiramente, a identificação da percepção dos fatores da QV e, posteriormente, a análise da

manifestação dos fatores da QV dos catadores. Para tanto, utilizou-se a técnica das entrevistas

em profundidade porque a ausência de categorias analíticas provisórias implicou a busca por

categorias emergentes, o que ocorreu conforme os seguintes passos:

a) Entrevistas: momento em que foram realizadas as visitas e entrevistas com os catadores

(gravadas), com amostra não-probabilística por conveniência, totalizando ao final vinte e

quatro entrevistas por motivo de saturação teórica (sendo sete visitas quando a associação

estava instalada ao lado da Ponte Pedro Ivo Figueiredo de Campos e treze visitas na atual sede

no Centro), totalizando cerca de quarenta horas em campo e somando sete horas, trinta e três

minutos e dezessete segundos de gravações.

A saturação teórica, conforme acreditam Glaser e Strauss (1967, p. 61), é um critério

de julgamento para o encerramento da amostra de um grupo relacionado a uma categoria.

Saturação significa que, à medida que vá vivenciando casos similares, o investigador adquire

confiança empírica de que não mais se encontram dados adicionais que possam contribuir

para o desenvolvimento de propriedades da categoria. Quando uma categoria está saturada, o

pesquisador sai de seu caminho para buscar grupos que revelem a diversidade dos dados tanto

como seja possível, a fim de assegurar-se de que a saturação se embasa na gama mais ampla

dos dados sobre a categoria. Este critério atribui ao processo de amostragem qualitativa um

caráter de cientificidade, indiferente à aleatoriedade representativa da amostra estatística.

b) Transcrição: fase em que todas as entrevistas coletadas foram escritas, de modo que este

momento durou cerca de vinte e uma horas para posteriormente serem analisadas. As

entrevistas resultaram em Brown e Yule (1993, p. 17) constatam que, nas transcrições dos

relatos orais, se procura registrar o mais fielmente possível o que é dito, evitando-se a

inferência de polir a linguagem empregada. Conseqüentemente, em vários fragmentos

aparecem formas aparentemente agramaticais, bem como exemplos de repetição, titubeios e

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orações incompletas, fenômenos comumente encontrados nas transcrições de textos orais.

Assim, as breves aparecem assinaladas com -, as pausas mais largas com + e as pausas

prolongadas com ++.

c) Interpretação: finalização da pesquisa e encaminhamento aos resultados com a

interpretação categórica e a construção do texto com os resultados da pesquisa.

O esquema metodológico para este estudo apresenta-se da seguinte forma:

Figura 1 – Design da pesquisa

Estratégia: Pesquisa Etnográfica

Técnica: Entrevistas em profundidade

População: Catadores de materiais recicláveis

Objeto: fatores da qualidade de vida

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4 RESULTADOS DA PESQUISA ETNOGRÁFICA

Os resultados estão descritos conforme ocorreu a pesquisa etnográfica. Para iniciar,

houve o primeiro contato com o grupo dos catadores pesquisados. Depois desse contato

inicial, fez-se necessário resgatar um pouco da história e da formação da associação e, dessa

maneira, foi possível compreender o dia-a-dia das pessoas que dela fazem parte. Ao final,

buscou-se a concepção dos catadores de materiais recicláveis da ACMR a respeito de QV a

fim de estabelecer a relação existente entre as definições apresentadas na parte da

fundamentação teórica e a desse grupo.

4.1 Quem são os coletores de materiais recicláveis da ACMR

Para entender quem são os catadores da ACMR é necessário saber acerca do seu

surgimento na região. A maior parte dos catadores surgiu com a impossibilidade de continuar

a ganhar seu sustento com o trabalho no campo, haja vista a intensa exploração da mão-de-

obra por parte dos proprietários de terras. Assim, algumas pessoas que trabalhavam no Oeste

de Santa Catarina migraram para Florianópolis na tentativa de uma vida melhor e, a partir da

constatação dessa possibilidade, o convite foi estendido aos colegas e a outras famílias que,

posteriormente, tomaram a mesma decisão. Além destes, outras pessoas que moravam na

capital também passaram a trabalhar no mesmo local, com a catação, e a partir disso, um

grupo bem maior foi se formando.

Uma questão que Perin (2007, p. 79) verifica é que a atividade desempenhada pelos

catadores não foi algo planejado ou até mesmo previsto, mas a única alternativa encontrada ao

se depararem com a realidade da cidade, então a saída foi se sujeitarem àquilo que pode ser

considerado como um subemprego, mas que, ainda assim, está proporcionando a eles

melhores condições de vida.

A ACMR foi criada em 1995 (FERNANDES, 2007, p. 17), ao longo da história dos

catadores, verifica-se que algumas sedes de trabalho fizeram parte da vida da associação.

Perin (2007, p. 76-77) observou que por volta do ano de 1995 o número de catadores foi

aumentando na cidade, assim, a atividade passou a ser desorganizada, atrapalhando o trânsito

e a circulação de pedestres no centro da cidade de Florianópolis, além da utilização de praças

e espaços públicos como depósito, momento em que houve a necssidade de buscar alguma

forma de controle. Na ocasião, a solução encontrada foi a alocação de uma sede para que os

catadores pudessem realizar seu trabalho, amontoando os materiais recolhidos em um local

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mais apropriado, este lugar foi a Passarela do Samba Nego Quirido, o que não agradou os

catadores porque a passarela se encontra um pouco afastada do centro da cidade e na época

era freqüentada por diversos marginais.

No ano de 1997, a Companhia de Melhoramentos da Capital (COMCAP) e a

Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos (SUSP), constatando a insalubridade

do local onde os catadores estavam instalados estabeleceram contatos com o Departamento de

Estradas e Rodagem (DER), optando por construir emergencialmente uma sede debaixo da

Ponte Pedro Ivo Campos, momento em que outros trabalhadores se somaram, visando

constituir uma associação capaz de defender os interesses e o bem estar de seus associados,

em geral procedentes das camadas sociais mais carentes, e promover a integração social e a

destinação adequada do material reciclável procedente do centro da cidade. (PERIN; 2007, p.

77-78)

Em 2003 foi realizado pela COMCAP – Companhia de Melhoramentos da Capital -

um levantamento acerca da população estudada, momento em que se verificou que do total de

catadores, 73,3% eram homens e 26,7% mulheres, 70% vieram de Chapecó, 15% de outras

cidades do estado, 5% do Rio Grande do Sul e 1,7% não forneceram informações. Quanto a

cidadania, 83,3% apresentaram documentação incompleta, 15% tinham documentação

completa e 1,7% não apresentaram nenhuma documentação. As idades dos trabalhadores

eram bastante variadas, a pesquisa concentrou-se somente nos adultos, assim, verificou-se que

41,7% possuem idade de 21 a 30 anos, 21,7% são trabalhadores de 41 a 50 anos, 16,6% de 18

a 20 anos; 10% com faixa etária entre 31 a 40 anos, 5% de 51 a 60 anos, somente 3,3% de 16

a 17 anos e não se obteve informação de 1,7% (COMCAP, 2003).

A Prefeitura Municipal de Florianópolis, em fevereiro de 2004 diagnosticou a que a

ACMR contava com cerca de 100 catadores e movimentava em média 200t/mês n coleta de

materiais recicláveis. Esta associação tinha carência de auto-organização, ausência de uma

gestão solidária, dificuldade de gerenciamento contábil, administrativo e operacional. O

trabalho de catação e comercialização era realizado em condições precárias de instalação,

falta de equipamentos adequados, desconhecimento acerca da realidade do mercado. A esta

situação também somava-se a dependência de um único comprador que fazia a intermediação

com a indústria. (PIRES, 2008, p. 4)

No ano de 2007, os catadores passaram por algumas capacitações, uma delas foi um

programa de alfabetização com o método Paulo Freire, ministrado por professores

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especialistas em alfabetização para jovens e adultos, da Secretaria Municipal de Educação de

Florianópolis. (PIRES, 2008, p. 9)

Com o objetivo de melhorar a qualidade da separação dos resíduos coletados, os

catadores passaram por uma capacitação que serviu para que eles pudessem utilizar a esteira

de forma mais eficiente. Após a capacitação os resultados foram favoráveis quando se

verificou que houve melhoria na separação dos materiais. Outra questão que resultou em

melhorars foi a formação de convênios com empresas que passaram a separar materiais para

eles, o que resulta em uma coleta com maior qualidade do que aquela que é realizada nas ruas.

Além disso, houve uma identificação de possibilidade de que os catadores das associações

pudessem se unir na hora da venda do material, e, por disporem de maior quantidade e

qualidade poderiam comercializar diretamente com as indústrias recicladoras sem a

participação de intermediários, o que ainda está em fase experimental. (PIRES, 2008, p. 9)

Em nível gerencial também ocorreram capacitações por meio de cursos com parcerias

com o SENAC social no curso do projeto Dê a mão para o futuro e ABIHPEC nos cursos de

formação de gestão, plano de gestão e compra de equipamentos. Além disso, fora realizadas

viagens para outros estados (São Paulo, Paraná e Minas Gerais) para que eles pudessem

observar como funcionava o trabalho de outras associações, momenro em que sempre houve o

acompanhamento de técnicos da equipe do projeto, o que teve um resultado bastante positivo

porque os catadores retornavam maravilhados com as condições de trabalho das associações e

motivados a realizar mudanças em seu processo de trabalho. (PIRES, 2008, p. 11)

Quando os catadores retornaram das viagens, ao falar de como havia sido esta

experiência um catador se expressou deste modo: “Aquela viagem que nós fizemo pra

Londrina com + com trinta sócios e mais quatro técnicos a gente notou que lá funciona outro

modelo de trabalho completamente diferente do nosso aqui que lá eles são eles chamam de

ONG as associações de lá e isso torna uma central então são trinta ONGs e uma central são

vinte e nove associações que nós chamemo né só que com poucas pessoas lá tem por

associações a maior que teve lá foi treze pessoas que nós encontramo né então eles têm um

modelo de trabalho lá tem modelos na sacaria pra divulgação do do material ou seja eles

usam o modelo de saco verde que é o saco transparente e também usam o saco preto só que o

saco preto é pro lixo orgânico e o saco transparente é pro lixo seco ++ só que a

conscientização do da população de Londrina é completamente diferente da nossa capital né

então hoje se nós conseguisse de adotar um modelo de o modelo da de Londrina a prefeitura

tinha que nos apoiar vamo supor cem por cento hoje que sem o apoio da prefeitura não tem

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como a gente fazer aquele modelo a não ser que os catador saiam de porta em porta é

fazendo também a divulgação do nosso trabalho...Curitiba também tem um modelo de

trabalho que que vem a ser achemo que é bem legal esse modelo deles também de Curitiba

porque eles usam computação né na associação”. (C2)

No início da pesquisa, ano de 2007, os catadores estavam instalados ao lado da Ponte

Pedro Ivo Figueiredo de Campos, no Centro de Florianópolis. Local em que havia iluminação,

banheiros, locais pré-determinados dentro do galpão para a acomodação de alguns carrinhos,

algumas cadeiras, uma mesa principal, mesas de triagem, outros carrinhos e contentores no

pátio da associação.

Este galpão que fica ao lado da ponte tem 280m2 e a área total é de 1.900m2, quando

estavam lá instalados, contavam com cerca de 90 catadores e 50 carrinhos para a coleta.

(PIRES, 2008, p. 45 e 46). Boeira et al (2007, p. 49) verificaram que na ACMR predominava

a presença dos homens (com 66%), pessoas que, em maioria tem relacionamentos de união

informal (54,5% dos casos) e recebem mensalmente uma renda superior a R$ 400,00.

Neste local, a maior parte deles triava os materiais, a céu aberto, em 35 mesas

improvisadas, com condições de trabalho precárias, sem a utilização de equipamentos de

proteção individual. Na época utilizavam cerca de 50 carrinhos para a coleta dos materiais, 35

mesas de triagem improvisadas, uma balança eletrônica com capacidade para 1.000kg e 6

contentores de aproximadamente 30 m3 para o armazenamento dos materiais, sendo esses dois

últimos equipamentos de propriedade do comprador de papéis. (PIRES, 2008, p. 45 e 46)

No primeiro trimestre de 2007 ocorreu uma divisão na ACMR que atualmente é

composta por dois grupos de trabalho, esta ocorreu no por causa das pressões da sociedade

para a remoção da associação que se encontrava instalada ao lado da Ponte Pedro Ivo

Figueiredo de Campos, em função de questões de segurança e do impacto visual. O primeiro

grupo conta com cerca de 45 pessoas que estão instaladas ao lado da Estação de Tratamento

de Esgotos da CASAN, no centro da capital, com uma área aproximada de 3.000 m2, sem

galpão, com um terreno arenoso e em condições inadequadas de trabalho. São utilizados cerca

de 35 carrinhos de propriedade dos catadores, 20 mesas de triagem improvisadas a céu

aberto, uma balança eletrônica com capacidade para pesar 1.000 kg e 4 contentores de 30 m3

de propriedade dos compradores dos materiais. Além da falta de equipamentos e infra-

estrutura, existe uma questão muito perigosa que é o acesso dos catadores a este local visto a

necessidade de atravessar a Av. Governador Paulo Richard, avenida que contém seis pistas

bastante movimentadas. (PIRES, 2008, p. 45 – 46)

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Nesta sede também não há local próprio para as necessidades fisiológicas, não há

iluminação e nem água potável, o que causa diversos transtornos e possíveis problemas de

saúde para os trabalhadores, conforme aponta um catador quando questionado foi perguntado

sobre o que poderia melhorar por ali na associação: “Cara fazia um barracão pra todo mundo

- um barracão luz água entendeu - um lugar pra eles poder ir no banheiro - escovar o dente -

chegar tu trocar tua roupinha - saber que vai embora passar num chuveirinho antes e tomar

um banho - entendeu que aqui você vai você pega o ônibus você vai ali na beira da praia se

lava tudo mas não é aquela coisa - qualquer coisinha o pessoal tá te olhando dentro do

ônibus - então quer dizer pra que coisa melhor + tem umas barraquinha umas barraquinha

aí mais não tem conforto + isso não é vida entendeu - acho que reciclar ajudar o meio

ambiente ajudar isso tudo cara tem que ver o nosso lado também - passa perigo agora vem

inverno + no inverno cara é doído - mão ardendo de frio às vezes chuva não tem roupa que

chegue bah + olha São Pedro não manda inverno não (C13).”

Figura 02 - ACMR do Centro de Florianópolis

Cada pessoa ou grupo de pessoas que deste primeiro grupo tem sua própria mesa de

trabalho e pequenos galpões que eles próprios chamam de barracos.

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Figura 03 - Barraca e carrinhos na ACMR

Estas barracas foram construídas por eles próprios, alguns são de madeiras, outros de

metal ou plástico, são cobertos por lonas, panos ou telhas. No interior de cada um, são

encontrados os utensílios e ferramentas que possam ser úteis no dia-a-dia dos catadores, assim

é possível encontrar panelas, chaves de fenda, pneus, colchões, fogões, pratos, vasilhas,

espelhos, roupas, dentre outros.

O outro grupo conta com 38 pessoas que estão em um galpão localizado no bairro

Itacorubi tem 508 m2, tem um terreno de 1200 m2 e está instalado nas dependências do Centro

de Transferência de Resíduos Sólidos da COMCAP e está a 8 km distante do centro da

cidade. Este novo local exigiu uma grande mudança no sistema de trabalho dos associados

que passaram a trabalhar de forma coletiva e não mais individualmente. Neste novo sistema,

os catadores recolhiam com os carrinhos no Centro e levavam o material coletado até alguns

pontos determinados na cidade e posteriomente enchiam os caminhões baús da COMCAP

que, por sua vez, transportavam os materiais para o galpão do Itacorubi para ser triado e

comercializado por outro grupo de trabalhadores. (PIRES, 2008, p. 45 e 46)

No galpão do Itacorubi, a receita obtida com a venda dos materiais era dividida em

função das horas de trabalho dos triadores e presença/entrega de materiais dos catadores nos

pontos de entrega, porém este sistema de produção não satisfez a todos os associados, ainda

que os triadores, por trabalharem em local mais apropriado aprovaram a mudança e

permaneceram neste sistema, já aqueles que não se adaptaram, optaram por voltar ao centro e

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trabalhar de forma individual em condições de trabalho pior do que a situação antes da

mudança. Entre os motivos da não adaptação destaca-se: queda da renda em relação ao

sistema anterior, falta de controle sobre a quantidade de material coletado e transportado ao

galpão, cultura de trabalho autônomo/individual, mudança de sistema repentina e inadequação

da nova área de triagem. (PIRES, 2008 p. 45)

Quando perguntado como os catadores saíram de debaixo da ponte e foram para o

Itacorubi, a informação é que foram obrigados a assinar um documento comprometendo-se a

sair de lá. Além disso, alegam que os órgãos públicos não os querem por perto, o que se

expressa na fala de um catador: “Simplesmente + quem você pensar de órgão público todos

contra até a polícia militar o corpo de bombeiros DEINFRA IPUF ++ só uns são a favor de

nóis o resto tudo tudo tudo sabe o que é tudo (C4)?”. Como os catadores têm consciência de

que não são muito bem vistos pela sociedade, sabem haver um movimento para tirá-los das

vistas das pessoas; entretanto, como são unidos, conseguem novamente se estabelecer em

algum lugar que seja interessante financeiramente para eles, ainda que não tenham a certeza

de sua permanência efetiva nos locais onde se instalam.

Após a divisão, a pesquisa continuou sendo realizada com os catadores que ficaram

instaladonos Centro. Nesta sede, verificou-se que cada catador ou grupo de catadores tem um

carrinho próprio para realizar sua coleta diária. Lá, a primeira coleta é iniciada logo depois de

sua chegada à associação e retirada de seu carrinho, ou depois do descarregamento do

material coletado no dia anterior. Durante o trajeto, pré-determinado por cada um, são

recolhidos os materiais recicláveis que serão levados à associação novamente para triagem e,

posteriormente, vendidos.

Os carrinhos pesam entre 45 a 111 kg, e o balanceiro sabe (porque já se acostumou a

olhar o tamanho do carrinho e conferir o peso) quais carrinhos correspondem a determinados

pesos. De quinze em quinze dias, pesa outra vez os carrinhos para a confirmação do peso

registrado e, depois da pesagem, ele desconta o peso do carrinho, registrando somente o peso

dos materiais em um bloco de anotações. Além da diferença de tamanho entre os carrinhos,

alguns são bem simples ressaltando a armação, outros são mais completos, tendo uma pintura

diferenciada ou objetos pendurados como garrafas de água, pneu na parte traseira, fitas,

retrovisor, adesivos, placa, telas, buzina, bandeira, o que, segundo os próprios catadores, faz

parte do estilo de cada um.

Ao retornar, o catador pesa seu carrinho em uma balança para ter noção do peso dos

materiais coletados, acomoda em local previamente determinado (conforme uma numeração

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já estabelecida por ordem de ingresso na associação) e despeja o material em uma bancada

para ser triado. Há catadores que triam o próprio material coletado e há aqueles que contam

com um ou mais ajudantes que permanecem no local triando, enquanto o próprio catador

retorna às ruas para realizar nova coleta. Em média, é possível coletar de três a cinco

carregamentos diários, e cada um recebe conforme o material coletado, pois cada material tem

um preço diferente.

Aquino (2007, p. 74 – 75) verificou que os materiais coletados pelos catadores são

vendidos para intermediários, que posteriormente encaminham para indústrias recicladoras ou

outros intermediários. O que leva os catadores a vender todos os materiais para os mesmos

compradores é o fato de pagarem melhores preços devido a grande quantidade materiais

fornecidos. Estes intermediários efetuam o pagamento semanalmente, quando então se realiza

o pagamento aos associados. A exceção ocorre com os vidros porque é um material vendido

com menos freqüência devido à baixa quantidade coletada, então o pagamento à associação é

a vista. A ACMR não utiliza nota fiscal para realizar a venda de materiais.

Os papéis coletados, conforme aponta Aquino (2007, p. 76), são vendidos para a

empresa Almeida Comércio de Papéis que está situada na cidade de São José, esta empresa

realiza a coleta é realizada utilizando-se veículos com sistema roll-on roll-off, ou seja, com

carga e descarga de contentores, bem como com auxílio de veículos com carroceria gradeada

que são geralmente utilizados para coleta dos diversos tipos de papel, com exceção do

papelão, em fornecedores de menor porte. Para que a empresa vá buscar os materiais ela exige

a quantidade mínima de uma tonelada.

Os plásticos são vendidos à Plasani Reciclagem de Plástico, empresa localizada em

São José, que processa cerca de 130 toneladas por mês de diversos tipos de materiais

plásticos, tais como o PET, o PEAD, o PVC, o PEBD, o PP, o PS e o ABS. Os plásticos PE e

PP duros são encaminhados para outra unidade da Plasani Reciclagem de Plástico para

fabricação de flocos (flakes). Existe uma parceria entre a Plasani Reciclagem de Plástico e a

empresa Só Papel, visto que os plásticos moles coletados pela Plasani são encaminhados à Só

Papel, já os plásticos duros coletados por esta última são encaminhados para a primeira.

(AQUINO, 2007, p. 78-79)

Aquino (2007, p. 79 e 81) observa que os metais ferrosos e os cacos de vidro são

vendidos para a Laner Comércio de Sucatas, localizada em São José e os metais não ferrosos

são vendidos à Comércio Catarinense de Metais, conhecida popularmente por Ferro Velho

Formigueiro, também em São José.

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O trabalho é intenso, alguns chegam a trabalhar durante quinze horas por dia,

carregando, às vezes, mais de oitocentos quilos. Quando o catador tem ajudante, o trabalho

fica um pouco melhor. Segundo eles próprios, é possível ganhar um valor mais alto mesmo

que seja repartido entre os dois, uma vez que aquele que sai para coletar já tem seus pontos de

coleta ou clientes – locais em que as pessoas reservam materiais para um único catador –

assim, aquele que não tem ajudante precisa catar e, depois, triar. Logo, acaba perdendo

dinheiro, pois os pontos já têm donos e ele precisa procurar outros lugares para encontrar

materiais.

Boeira et al (2007, p. 50-51) observam que desde o fim da década de 1990 até os dias

de hoje, os catadores têm recebido o apoio de organizações profissionais de diversos órgãos,

em especial da COMCAP e de universidades, têm superado parte de suas divergências

internas, mas uma consequência disso são os novos desafios organizacionais. Encontram-se

em um estágio pré-cooperativista e a falta de políticas públicas que apóiem a reciclagem ainda

é uma realidade em Florianópolis, ainda que já se tenha trilhado algum caminho neste sentido,

especialmente em termos de levantamento de dados.

A partir da compreensão do modo como a Associação se formou, o motivo que os

levou a adentrar no mundo da catação e por que estão atualmente na situação em que se

encontram, tanto em termos de sede quanto da forma como armazenam o material e a própria

venda, é possível realizar uma contextualização sobre como foi o primeiro contato da

pesquisadora com aquela população.

4.2 O primeiro contato

O primeiro contato com o grupo levou a um tipo de desconforto, pelo fato de a

pesquisadora não saber exatamente o que ocorreria nas horas seguintes, nos dias posteriores.

A maioria dos conhecidos da pesquisadora, que sabiam da pesquisa com os catadores,

perguntavam sobre a coragem de entrar em baixo da ponte (onde estes estavam no início da

pesquisa e local em que não se encontram mais por estarem atualmente no aterro) onde

estavam os catadores, se era perigoso, se iria acompanhada ou sozinha. Essas questões,

inicialmente, provocaram desconforto; mas, por outro lado, implicaram uma melhor

preparação para o que poderia ser encontrado.

Ao chegar à ACMR, parte da idéia a respeito do local estava presente: um lugar com

algumas pessoas mal vestidas, com roupas rasgadas, sujas; uns de chinelo, outros de calçado

fechado; uns com boné e luvas, outros sem nenhuma proteção. Entretanto, alguns estavam

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bem vestidos para a função executada. Essa atitude era motivo para serem apontados pelos

demais como alguém diferente, mas com toda a liberdade de ser daquela maneira. O local era

muito abafado, pois é uma construção baixa e em condições precárias de trabalho; assim eram

comuns moscas e ratos por perto devido ao material coletado.

Algumas pessoas observaram a pesquisadora com desconfiança; outras comentaram

algo de modo que não era possível saber o que estavam dizendo; algumas pararam seu

trabalho para saber o que estava acontecendo, muitas trocaram olhares silenciosamente.

Contudo, não demorou a aparecer o presidente da associação para fazer as honras da casa e

saber o motivo da visita antes mesmo de a pesquisadora entrar no galpão principal.

Depois de saber a razão da visita, em que a pesquisadora explicou estar estudando o

funcionamento da associação e a vida dos catadores, surgiu o convite para entrar no galpão e

conhecer as instalações. Mesmo assim, muitos trabalhadores continuaram observando durante

algum tempo até o presidente da associação lhes dizer quem era a visitante e o que estava

fazendo ali. Assim, a pesquisadora foi apresentada como uma pessoa que estava estudando os

catadores e como alguém que iria lhes ajudar a melhorar a situação em que se encontravam

naquele momento. Ao entrar no galpão onde é feita a coleta, olhares curiosos daqueles que

estavam ao redor da mesa pareciam transmitir ao presidente as perguntas que ele deveria fazer

e assim foi feito. À medida que a pesquisadora contava algo sobre si própria, a sua vida e o

seu trabalho, aos poucos eles sentiam-se mais à vontade para partilhar suas vivências também.

Depois da apresentação informal ao grupo, alguns retornaram ao seu trabalho, outros

juntaram-se em volta da mesa, local em que foi oferecida a ela a melhor cadeira para sentar,

como se estivessem, de algum modo, mostrando a importância de sua visita inicial e, quem

sabe, criando expectativas acerca do trabalho a ser feito; não demorou para oferecerem

também algum alimento, demonstrando ser importante, ali, estar à vontade.

Enquanto a pesquisadora e alguns poucos catadores conversavam, outros chegavam

com seus carrinhos para pesagem e descarregamento. Havia aqueles que pareciam não querer

perder tempo e, por isso, chegavam, cumprimentavam e logo tomavam seu rumo à coleta ou à

triagem do material; outros estavam interessados na conversa e chegavam mais perto para

participar; já alguns apenas observavam em silêncio. No primeiro encontro, foi possível

começar a entender o funcionamento da associação e também a maneira como ela foi sendo

constituída, quais os materiais coletados pelos catadores, os preços de cada material, a

diferença entre esses materiais, para quem vendiam. Essas informações serão apresentadas a

seguir, na parte da história dos catadores da ACMR.

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No momento de ir embora, durante a despedida, alguns perguntaram-lhe se voltaria à

associação, trocaram o número dos telefones celulares, informaram também o número do

telefone da associação e ficaram observando-a até a saída. As visitas à associação

continuaram e, com o tempo, os catadores se acostumaram com a presença da pesquisadora

entrando e saindo, conversando com catadores diferentes, participando das brincadeiras e o

vínculo de confiança foi gradativamente se estabelecendo.

Desse modo, começava-se a utilizar o método etnográfico apontado por Rocha et al

(2005, p. 128) como o acompanhamento do dia-a-dia do grupo, observando o comportamento

dos informantes nos mais variados contextos em que se processa sua vida social e, dessa

maneira, passou-se a conhecer também a história destes catadores.

4.3 O dia-a-dia dos catadores

As visitas periódicas à associação permitiram que os catadores passassem a conhecer a

pesquisadora e sentir que ela, de algum modo, fazia parte daquele ambiente. Quando se

passavam alguns dias sem o comparecimento dela, no seu retorno, os catadores acenavam

positivamente e aproximavam-se, momento em que começavam as entrevistas.

Em muitos casos as entrevistas foram realizadas enquanto os catadores estavam

desempenhando alguma função relativa a seu trabalho, assim, em alguns momentos eles

falavam enquanto trocavam pneus dos carrinhos, caminhavam apressados, estavam triando,

registrando o peso dos carrinhos na balança, jogando material dentro dos contentores, e

poucos paravam para conversar, ou faziam isto enquanto comiam algo ou descansavam, uma

vez que parar pode representar para eles perda de tempo e dinheiro.

Com o passar do tempo, com o conhecimento do outro, a formação da Associação, até

aqueles que não fazem parte da mesma família são unidos aos demais. Como em qualquer

trabalho, cada um faz a sua parte, com o sistema de pagamento por produtividade, ganha para

si próprio ou para um grupinho de trabalho fechado (duas ou três pessoas), havendo divisão

da renda. Mesmo assim, um se preocupa com o outro e com o melhoramento da Associação,

de modo que hoje todos lutam por uma mesma causa: o direito ao trabalho.

Freqüentar o ambiente dos catadores levava a pesquisadora a sentir o que Malinowski

(1976, p. 25) aponta sobre a diferença entre relacionar-se esporadicamente com as pessoas e

estar efetivamente em contato com elas. Estar em contato significa que o pesquisador, no

início, passa por uma aventura estranha e até desagradável, algumas vezes interessantíssima e

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que, com o passar do tempo, assume um caráter natural e harmônico com o ambiente ao seu

redor.

É possível observar que cada catador tem um estilo muito próprio de se arrumar para

trabalhar. Alguns colocam roupas as mais simples possíveis, não se importam muito com a

aparência; já outros se vestem com roupas da moda, usam correntes, cores vibrantes, tênis de

marca; e as mulheres, em especial, preocupam-se com a aparência, o que se observa na fala

de uma catadora: “Ah vai chegar num lugar como tu chega em várias lojas em vários

apartamentos se tu chegar tipo - a imagem que eles fazem dos papeleiros né - sujo imundo

desarrumado - se tu chegar num lugar assim - quem é que vai te dar papel se tu chegar numa

loja aí de grife ou for entrar numa loja todo desarrumado - eles já não sai daqui não não tem

a única coisa que eles vão dizer é isso - agora se tu chegar arrumado - bem educado pronto

já era - eles te dão na hora - ah até guardo aqui pra ti pode vir pode passar uma duas vezes

por semana + tem lugares que eu pego assim já é garantido - aí é bem melhor né - porque

como é que tu vai entrar todo sujo num estabelecimento + nem eu não quero na minha casa

não vem não (risos) - eu sou realista tá sujo tá isso tá aquilo aquele outro - como é que vai

trabalhar desse jeito - não tu é pobre mas tu não é imundo né - é real (C22)”.

Importar-se com a aparência como demonstra a fala anterior não é algo apenas para

satisfação pessoal, mas também faz parte de uma estratégia para conseguir materiais

melhores, pois, se existe a consciência por parte dela de que a sociedade ainda não vê o

catador com muitos bons olhos, trabalhar bem arrumado é uma forma de ser visto como um

trabalhador digno de respeito.

É comum utilizarem a camiseta com o logotipo da associação como uniforme para

trabalhar, principalmente aqueles que coletam nas ruas porque com ela é possível ser

identificado como membro da ACMR e não como um catador independente ou como

mendigo, algo que não gostam que aconteça.

Muitos catadores eram tímidos ou não queriam ser entrevistados, alguns acabavam

surpreendendo porque olhavam para a pesquisadora transmitindo certa rejeição, mas, quando

havia a aproximação e iniciava-se uma conversa, eles passavam a se sentir mais à vontade.

Houve também aqueles que pelo olhar transmitiam a mensagem de que desejavam ser

entrevistados e assim era feito. Mesmo assim, alguns poucos não aceitaram ser entrevistados,

alegando falta de tempo ou fugindo por causa da timidez; outros brincavam com aqueles que

não haviam sido entrevistados, apontando-os para que a pesquisadora os entrevistasse

também.

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Em alguns momentos, a entrevista iniciou com a fala dos catadores, quando eles

próprios tiveram a iniciativa de começar uma conversa, uma vez que haviam visto a

pesquisadora conversar com outros catadores. Em um deles, uma senhora olhou a

pesquisadora, acenou e aproximando-se disse: “Ei vem ver a foto dos meus filho (C12).”

Permitindo que, por meio das fotos mostradas, elas pudessem dialogar sobre outros assuntos;

outra vez ocorreu quando uma catadora convidou-a para conhecer a sua barraca: “ Vem cá

ver o meu barraco - óia mora todo mundo aqui dentro - aqui tá mora os cachorro - mora

todo mundo - aqui nóis tem botijão de gás - tem fogão - aqui tem colchão tem tudo [...]

(C3)”. Esse tipo de comportamento mostra haver interesse por parte dos catadores nas

pessoas que estão realizando trabalhos com eles.

Quando se aproximava da balança onde o balanceiro registrava o peso dos carrinhos,

era comum os catadores olharem-na e comentarem alguma coisa com ela, ali também

surgiram possibilidades de novas entrevistas. Algumas vezes, eles puxavam o carrinho com

tanta força que bastava a pesquisadora emitir alguma opinião sobre o peso que carregavam

para se sentirem orgulhosos deles mesmos, da própria capacidade em fazer aquele trabalho de

puxar o material e ter força suficiente para puxar ainda mais.

É corriqueiro, no local, ver pessoas alimentando-se em momentos diferentes; alguns

catadores param e fazem rápidas refeições. Sempre que isso acontecia, ofereciam o que

estavam comendo, não somente para a pesquisadora, mas para os demais que ali se

encontravam. Cada um preparava a sua refeição ou a de mais uma ou duas pessoas, enquanto

os demais continuavam a trabalhar. Alguns aguardavam enquanto seus filhos ou esposas

vinham trazer a comida de casa; mas nem todos se alimentavam na associação, havia quem

fizesse refeição nas ruas da cidade.

Quando alguém tem algum problema, geralmente recorre ao presidente. Houve um dia

em que um catador chegou à Associação, explicando ao presidente que seu carrinho havia

quebrado perto do terminal de ônibus da cidade; este, então, começou a buscar pessoas e

ferramentas para consertar e remover o carrinho do local. Essa atitude demonstra ser ele uma

pessoa que ajuda os catadores e se importa com o que acontece, imagem compartilhada por

boa parte dos catadores.

Com a mudança de sede de debaixo da ponte para o aterro, ficou mais complicado

cozinhar na associação. Isso porque agora cada um tem o seu barraco e não mais um fogão

coletivo como antes e o acesso à água é inexistente dentro do local. Para tomarem água, é

necessário alguém do grupo sair e comprar ou conseguir na vizinhança para repartir com os

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demais. Do mesmo modo, para realizar as necessidades fisiológicas, é preciso buscar um

lugar fora do espaço de trabalho, o que incomoda muitos trabalhadores, conforme aponta um

deles: “Em baixo da ponte era melhor né - lá tinha luz tinha água tinha banheiro né - podia

chover podia trabaiá que não tinha pobrema nenhum né + e aqui - já quando chega a noite

às vezes a noite é bom de trabalha - porque é fresquinho né - como é que vou ficar

trabalhando? Não tem luz ++ quando chove nóis têm que ir tudo pra casa né - e é lógico que

rende mais que é mais fresco + durante o dia é calorão né - nós trabaiamo de noite já um

monte de vez - é bom porque é mais fresquinho que durante o dia nesse sol quente (C4) [...]”.

Boa parte dos associados que sabe onde seus colegas coletam materiais não age

desonestamente, coletando o material antes. Existe esse princípio ético entre eles, e a lei diz

que quem consegue o ponto primeiro é o dono dele; assim, nos lugares em que não há um

dono, o material é de quem chega primeiro. Contudo, há algumas raras exceções de

desrespeito a esse princípio, gerando problemas dentro da associação, como, por exemplo, o

relatado por um catador quando perguntado do que ele menos gostava: “Há + tem uns que já

tem lá uns lugar né - se tomar o lugar do outro pegar - aí briga na hora de coletar a gente

tem uma loja que é só a gente né aí a gente vai lá e vai pegar o papelão com o cara - e se ele

diz não já veio outro pegar aí né começa o rolo e aí a gente já sabe porque os papeleiros um

conta pro outro - mas aqui o pessoal mais respeita é o pessoal de fora que não respeita o

pessoal da o pessoal que não é associado tem muita pessoa que puxa papel aí que não é

daqui (C4).”

Durante o trabalho de separação do material (em especial o material vindo dos

shoppings), muitas vezes, eles encontravam objetos que podem ser utilizados por eles

próprios ou por algum colega. É comum acharem relógios, rádios, celulares, roupas, comidas,

bijuterias, maquiagens, dinheiro, dentre outros. Assim que eram encontrados, o que havia

sido considerado como lixo para uns passava a ganhar importância novamente nas mãos dos

catadores que ficavam contentes com cada coisa útil que aparecia.

Quando conversavam sobre o trabalho de catação, alguns diziam estar contentes de

poder trabalhar, de ter a família trabalhando junto, de se sentir orgulhosos em ser catador.

Outros se mostravam apáticos, sem vontade de conversar e repartir seus sentimentos, apenas

puxavam seus carrinhos como se não quisessem perder tempo ou como a desaprovar a atitude

dos que estavam conversando.

Há reuniões periódicas para discutir o melhoramento da associação ou problemas que

surgem. Às vezes, coincidia de a pesquisadora estar em um momento em que havia reunião e,

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assim que ela chegava, era convidada a participar da reunião, unindo-se ao pessoal. Algumas

vezes, até lhe pediam opinião. Esse era um dos momentos nos quais ela fazia o que

Malinowski (1976, p. 35) recomenda ao etnógrafo, deixava o seu lado de máquina fotográfica,

lápis e caderno para participar do que estava acontecendo.

Houve um dia em que estava ocorrendo uma reunião no momento em que a

pesquisadora chegou e, quando perguntou o motivo da reunião, obteve a seguinte resposta:

“Isso a gente faz né + quando tem umas coisa meio urgente - então essa reunião já era pra

ter saído já + daí é que tem uma pessoa aqui né que ela vai puxar e entrega pra outro

comprador ++ e ele tem um problema né que qualquer coisa ele sai correndo tudo e vai pra

delegacia - vai lá e denuncia denuncia a associação - qualquer coisa às vezes acontece uma

discussão com um associado ele vai lá - e denuncia a associação - não tem como a gente

mantê uma pessoa assim (C6).”

O fato de os catadores reunirem-se para discutir qual será o melhor procedimento a

tomar quando uma pessoa está destoando do grupo mostra que eles se importam com o padrão

de desempenho e atitude e, para o bem de todos, é importante que as pessoas possam agir de

maneira parecida umas com as outras. Portanto, quem não obedece a algumas regras

implícitas passa a ser problema para os demais. Esse era um dos momentos em que a

pesquisadora deixava seu lado máquina, o que era feito não somente nas ocasiões em que

ocorriam reuniões, mas também quando surgiam brincadeiras em que participava por sua

iniciativa ou quando era incluída sendo chamada para participar, quando alguém queria

mostrar sua barraca, seus enfeites e saber a sua opinião, se tinha gostado ou não; quando

alguém colocava uma roupa ou um acessório e mostrava, ou, quando, no meio do material,

surgia uma máquina ou calculadora diferente, e os catadores perguntavam como esses

equipamentos funcionavam. Desse modo, eles demonstravam a importância da pesquisadora

para eles e o quanto era considerada.

Para eles, os melhores dias de catação são aqueles em que há sol, mas não está muito

quente. Essa preferência é porque o trabalho é desgastante e exige muita força; desse modo, se

o sol está forte, aumenta o cansaço. Por outro lado, quando chove, a dificuldade torna-se

maior, pois saem, a maioria deles, sem proteção; já no frio, as mãos ardem, e isso dificulta o

trabalho. Há os que preferem trabalhar à noite porque é o período em que a maioria das lojas

disponibiliza o material para a coleta e a temperatura está mais amena, se não é inverno.

Então coletam e, no dia seguinte, pegam o material para a triagem.

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Alguns catadores que trabalham com ajudantes têm mais de um carrinho (dois ou três).

Conseqüentemente , quando completam uma carga e regressam à associação, o outro carrinho

já está vazio e eles podem retornar às ruas; há alguns poucos que saem com dois carrinhos

para as ruas e coletam em ambos. Apesar de os carrinhos parecerem muito pesados, são

facilmente puxados se estiverem em locais planos. O maior problema para carregar surge

quando precisam subir um morro ou correr com o carrinho para atravessar alguma avenida

movimentada, conforme aponta um catador: “Muitas vezes se tu ver a gente puxando

carrinho - pesado pesado não é tão pesado assim esses carrinhos já foi construído pra peso

mesmo se ele tiver em reto ele desliza mesmo ta vendo só em subida que ele pesa tu vê as

meninas ali elas que puxam o carrinho (C4).”

Cada catador tem a sua própria casa para morar, há quem more com os pais, outros

com seus filhos e há os que moram com colegas. Alguns dormem às vezes na associação,

conforme apontou uma catadora quando a pesquisadora descobriu que ela dormia lá porque na

sua barraca tinha colchão: “[...] não é sempre que a gente não dorme é só de vez em quando

agora a gente faz pouco mas antes a gente fazia muito antes a gente ficava aqui direto aí

conseguia tirar um valor bem mais alto mais que todo mundo né (C3).” Dessa maneira, como

geralmente eles cataram durante todo o dia, à noite, o cansaço é intenso e são poucos os que

catam material por noite. Aqueles que fazem isso, fazem-no porque algumas lojas ainda

disponibilizam bons materiais nesse período ou porque é o momento do dia em que a

temperatura está mais agradável.

O fato de fazerem parte da associação não impede que alguns catadores deixem de

comparecer para trabalhar, iniciando seu trabalho na metade da semana, já que o pagamento é

realizado no final desta e, para alguns casos especiais, diariamente. Assim, quando é realizado

o pagamento, alguns questionam o valor recebido quando verificam que muitos outros

ganharam valor superior. Essa atitude demonstra que alguns deles não sabem como ser dono

do seu próprio negócio, tendo dificuldade para administrar tanto o seu dinheiro quanto os dias

que resolvem ficar de folga. Mesmo assim, há os que conseguem administrar bem essa

questão ou têm a consciência de que o valor recebido é justo porque deixaram de comparecer

algum dia durante a semana.

O dia-a-dia dos catadores passou a ser compreendido à proporção que ocorriam as

conversas e as entrevistas eram gravadas; assim como pela observação das atitudes deles, pela

forma de se portar, pelos olhares, os sorrisos, os sinais. Com base nisso, foi possível adentrar

no campo da qualidade de vida e entender de que modo esta se manifesta entre eles.

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4.4 Identificando as categorias da qualidade de vida dos catadores da ACMR

Para entender a QV dos catadores, era preciso antes de tudo adentrar no mundo deles,

conhecer sua história, o que os levava a estar ali, conhecer a vida que levavam, compreender

as categorias da QV dos catadores, aprender sobre o funcionamento da associação. Isso levou

a pesquisadora a conversar sobre alguns assuntos e a fazer perguntas como, por exemplo:

Qual a melhor parte do seu dia? Qual a pior parte do seu dia? O que costuma fazer nas horas

de lazer? Trocaria este lugar por outro? Desejaria este trabalho para os seus filhos? Dessa

forma, identificou alguns pontos que podem ser associados à QV trazida pelos autores

pesquisados.

Uma questão observada foi a relacionada à alimentação, vista por alguns autores

(Adriano et al, 2000; França e Rodrigues, 1997; Zular, 2006;) como categoria de QV, a qual

se revela do mesmo modo para os catadores quando eles constatam que podem se alimentar

da mesma forma que outras pessoas da sociedade. Sendo assim, alimentam-se e sentem prazer

em poder usufruir do alimento conforme suas preferências. Ao ser indagado sobre onde

gastava o dinheiro recebido, um catador informou: “Ah - eu como bem + eu todo final de

semana o meu churrasco eu faço - se não tiver uma carne comigo não tem - não tá bom

(C20)”. O que se mostra presente também na seguinte fala: “[...] nós eu e minha mulher né -

nos comemo bem - meu peso tem que ta cheio de carne - comprá os melhores produto né +

por exemplo linguicinha - que nem nós compramo uma linguicinha porque era mais barato

um pouco - não prestô + e vai come uma coisa que não gosta? O pobrema é só a carne - tem

que tê carne - tendo carne carne né carne boa carne de porco gado galinha frango tudo

quanto é tipo ne - tem de tudo vive só pa comida e comer bem”. (C8)

Um outro catador, por ter sido privado de muitas coisas durante a sua infância, disse

que, quando vai ao supermercado, permite a seu filho escolher tudo o que deseja. E, quando

questionado sobre o tipo de produto que o garoto costuma pedir para comprar, ele respondeu:

“[...] quando vai no mercado é iogurte é coisa meu pequeninho quando vai ele pega o que ele

quer + sei lá a gente como me criei com pouca coisa minha mãe não pôde me dar então eu

penso - eu passava vontade um monte comer um chocolate sabe minha mãe não tinha

condições de comprar pra mim então eu penso que agora - pro meus filho eu não quero que

eles igual passar como eu passei né que eu não tinha como eles tem hoje né [...] (C4)”.

Assim como há autores (França e Rodrigues, 1997; Marcellino, 2001; Zular, 2006) que

apontam lazer como definição de QV, os catadores também vêem esse momento como tal,

ainda que possa ser confundido com o momento de descanso. Quando estavam embaixo da

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ponte, havia um espaço onde os catadores jogavam futebol diariamente após o almoço. Na

sede atual, não é possível praticar tal esporte, pois o local não é propício em termos de espaço

físico, nem nas condições do solo. Outros encontram seu lazer nos finais de semana.

Então, as respostas sobre o questionamento acerca da hora de lazer concentram-se em

sair, visitar os filhos, beber, dormir, como aponta um catador : “ [...] nós tem que se divertir

também né viver só trabalhando tem que trabalhar e fazer festa né - trabalha pra trabalha o

que sobra a gente a gente vai num parque vai na piscina com as crianças sorvete é tudo

quanto é coisa é isso é aquilo né é bom dar pra eles agora que agora eles não tem

responsabilidade ainda responsabilidade eles não tem ainda né nessa parte de dinheiro ainda

pegar o dinheiro na mão então muitas coisas agora que é mais novinho é bom que eles

tenham aí mais pa frente (C4).” E outro: “Ah eu saio dançar + a gente faz festa é isso que eu

procuro fazer né - é ficar em casa eu não consigo + daí como eu tenho várias amigas assim -

vários amigos a gente marca com a galerinha toda e se manda - só aparece no outro dia é

triste (risos) (C22).” Mas, alguns dizem não ter momentos de lazer, só trabalham ou passam

seu tempo de lazer apenas em casa descansando, conforme aponta uma catadora quando

perguntada sobre essa questão: “Ai dormi - dormi é tão bom dormir cara - olha meu sono tá

atrasado dormir é a melhor coisa pra se fazer - durmo durmo que é a melhor coisa que a

gente faz - ah não tá louco.” (C13)

Como o trabalho de catação é uma atividade extremamente cansativa, o lazer parece se

revelar para eles com o que Marcellino (2001, p. 45) classifica como válvula de escape da

falta de QV ou até da baixa QV, de uma sociedade injusta e perversa. É raro abordar tal

questão como a possibilidade da vivência de valores diferenciados no lazer, de forma que a

QV não se fizesse presente apenas nas férias, feriados ou finais de semana, mas no cotidiano

da vida das pessoas, mediante a consideração de valores que questionem a própria ordem

estabelecida.

Há autores (Adriano et al, 2000; Buss, 2000; Dóro et al, 2004; Fortunato e

Ruscheinsky, 2003; França e Rodrigues, 1997; Hollar, 2003; Zular, 2006) que relacionam o

emprego ou trabalho a QV. Para os catadores, não é tão importante definir se a catação é um

emprego, um trabalho ou profissão, o que realmente importa é a possibilidade de, com este

serviço, conseguirem renda, porque é com esta que podem fazer contas, comprar coisas para

os seus filhos e, catando, conseguem o dinheiro necessário. Um catador respondeu desta

forma ao ser questionado sobre considerar este trabalho um emprego: “É pra mim é um

emprego - que eu faço minhas conta compro pro meus fio compro carçado pro meus fio - sei

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que eu cato eu ganho tem conta pra pagá né (C17).” E quanto a possibilidade de sentir

vergonha pelo trabalho que desempenha informou: “Não - não tenho vergonha + tenho

vergonha de pedir ++ eu fico assim imaginando comigo quando encontro assim as pessoas

pedindo - que eu não fazeria a mesma coisa não - eu perfiro trabaiá aqui do que pedir [...]

(C17).” E outro completou: “Eu não [...] Porque eu não tô roubando né nada - tô

trabalhando no papelão - a gente tem que ter vergonha quando é pá roubar né (C19).”

Uma questão inerente ao trabalho é a forma como este é realizado, algo que faz com

que muitos catadores permaneçam no mesmo lugar durante anos: a autonomia, que é algo que

se mostra muito importante para os catadores – o fato de não terem a quem obedecer, de

estarem isentos de muitas regras inerentes às empresas comuns ou de não ter de prestar contas

do seu trabalho, tudo isso traz a eles significativa satisfação. Portanto, autonomia no trabalho

pode ser vista também como QV, conforme se pode observar na fala de um catador: “Ah eu

gosto de puxar papel + o melhor é não ter ninguém pra ficar mandando o cara trabalha a

hora que quer quando não quer não trabalha + eu eu gosto de trabalhar nesta área (C7)”. A

liberdade de ter um trabalho no qual eles possam cumprir poucas regras coletivas e

trabalharem conforme melhor lhes convêm é motivo para permanecer nele e na atividade

exercida, não é tão presente a relação de subordinação a um chefe.

E, quando perguntados se trocariam o trabalho de catação por algum outro, assim se

expressam: “Não + eu - eu não tenho patrão que me mande né - mas não é por aí - pode

aparecer um patrão por aí que diga que vai pagar por dia cem real pra mim - eu largaria e ia

trabalhar pra ele só o poblema é o seguinte - o poblema é que eu não trocaria + não trocaria

- assim tá bom ++ ah assim tá bom demais pra mim [...](C24).” E outro catador igualmente

não trocaria este trabalho por outro, justificando da seguinte maneira: “Porque assim a gente

tá acostumada né - eu nunca trabalhei assim assim em coisa fichado aqui é melhor [...]

Porque assim aqui ganha bem - entra e sai na hora que quisé trabalha na hora que quisé

(C14).”

Acostumar-se com o trabalho de catação, assim como com a autonomia que este lhes

traz, também leva os catadores a não desejarem estar em um outro trabalho. Nesta sua

atividade, são donos do seu próprio negócio, como confirma um catador quando fala os

motivos que o levam a acreditar ser a catação melhor que outro trabalho: “Ah sei lá - sei que

é melhor - que a gente não é mandado né - a gente sempre trabalha por conta né - conforme

a gente trabalha ganha né - daí eu gosto de trabalhar (C15)”.

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Predomina entre os catadores a opção por continuarem fazendo o mesmo trabalho, o

que certamente ocorre por falta de melhores opções e carência de escolaridade. (BOEIRA et

al, 2007, p. 49). Esta idéia está presente na fala de alguns com a justificativa de que já se

acostumara com o trabalho, uma vez que se saem para buscar um emprego formal, por falta

de escolaridade serão submetidos a um trabalho desgastante e com baixa renda e a catação

tem a vantagem de ser realizada de modo autônomo “Ah não troco por outro não troco + sei

que é doído que é coisa mas não troco”. (C13)

A saúde representa QV para vários autores (ADRIANO et al, 2000; BUSS 2000;

DÓRO et al 2004; FRANÇA; RODRIGUES, 1997, GOULART; SAMPAIO 2004; LAUER;

LAUER, 2005; PASCOAL; DONATO, 2005; FIGUEIREDO, 2005; SANTOS et al, 2002;

SANTOS; WESTPHAL; 1999; SILVA, 2005; SIRGY et al 2006; SOUZA; CARVALHO,

2000; TREVIZAN, 2000; ZULAR, 2006) que abordam questões ligadas à preocupação com a

saúde e a possibilidade de que a saúde venha a potencializar melhor QV.

Quando os catadores se preocupam com determinados problemas que podem ocorrer

com eles, tais como doenças que podem surgir em face a insalubridade do local que estão

instalados. Um catador respondeu ao ser perguntado sobre possíveis problemas de saúde: “Ah

doença - o que pode dar é a doença do rato só né + porque as vezes a gente pega alguma

coisa assim meio estranha aqui - dá ruim né aqui tem muito rato e coisarada que junta - que

nem aqui dá muito rato aqui né - que passa um canal de esgoto pelo Centro debaixo das

árvore ali e tamo perto do mar né - daí junta bastante rato por ali o mais perigoso é isso aí.”

(C15)

Alguns catadores entendem que mesmo tendo alguns problemas de saúde é possível

trabalhar, porque estes não chegam a ser empecilhos para o seu afastamento, o que pode ser

notado nesta fala: “Dá sim - que se eu pego o sol me incha o rosto - dói as perna - cansa -

canseira dá gripe - ataca garganta semana passada não conseguia nem falar porque tava aí

puxando né - daí tá com o corpo suado daí toma garoa - daí faz mal.” (C17) Ou seja, os

problemas existem mas são desconsiderados por eles enquanto problemas, como se fizessem

parte do seu cotidiano. Boeira et al (2007, p. 50) verificam que há catadores que afirmam não

ter nenhum problema de saúde.

É possível observar que alguns têm a consciência de que quando realizam um trabalho

de modo exagerado, submetendo o corpo a horas acima do que suportaria, é inevitável o

surgimento de problemas, conforme expressa um catador: “[...] as vezes fica muita gente com

dor nos pé né - dor nas perna - e aí dão uns problema maior - mas também pegam cedo e

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largam dez hora da noite né ++ só pode mesmo dar problema nas perna - na musculação”.

(C8)

Outros acreditam que, como o trabalho é autônomo, há possibilidade de optar por

preservar a saúde ou não, uma vez que é possível compensar o trabalho em dias vindouros,

não se expondo as intempéries do tempo: “Não - saúde não prejudica não o dia que tiver

chovendo se eu quiser me molhar eu vou - se eu não quiser eu não - vou e aí que tá a

vantagem né.” (C20)

Além destas questões já mencionadas acerca da QV relacionada aos catadores, há

algumas que surgem, mas são menos freqüentes, tais como a importância da inclusão social

por meio de projetos, bolsa família, escolas, cursos e têm importância para alguns associados,

conforme esta fala: “[...] eles dão né ganham bolsa escola - daí dá dezoito real por mês cada

um + eles ficam aqui no Centro - eles entram as oito e meia da manhã saem as cinco e

meia”. (C17) Deste modo, entendem que é possível aproveitar os benefícios que recebem do

governo ou do estado, e que também são formas de lhes proporcionar uma vida com melhor

qualidade.

Verificou-se que há catadores que alegam estar trabalhando porque têm contas e essas

contas são de compra de eletrodomésticos, passeios, cartão de crédito, casa própria, roupas,

calçados, dentre outros. Dessa forma, a possibilidade de adquirir algo, de ter dinheiro e poder

gastá-lo, ou seja, as necessidades fisiológicas inerentes ao dinheiro que podem ser alcançadas

por meio da renda e também consumo de bens e serviços, mostram-se como um sinônimo

de QV, definição que vem ao encontro do que alguns autores pesquisados sobre definições de

QV defendem. (Adriano et al, 2000; Hollar, 2003; Herculano, 1997; Simões, 2001;

Figueiredo, 1995; Aslaksen et al 1999, Fortunato e Ruscheinsky; 2003; Campos, 1996).

Quando perguntados sobre o motivo que os levava a estar ali e não em outro lugar,

eram comuns respostas em torno do dinheiro porque com a catação há possibilidade de

adquirir muitas coisas. Há alguns catadores que, antes ou depois de algum tempo de catação,

trabalharam em empresas com serviços gerais, motorista, ou com costura em casa, na roça,

mas alegaram que nada disso proporcionaria a eles o dinheiro conseguido na venda do

papelão. Um deles chegou a dizer que ali ele ganhava bem e quando perguntado “o que é

ganhar bem?”, ele respondeu: “Ganhar bem é ganhar dinheiro eu ganho bem no papelão

(C4).” E vários catadores informavam que não trocariam este serviço por outro, sendo um dos

principais motivos a renda.

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O dinheiro que ganham varia conforme o material coletado. Quem tem pontos fixos

para pegar o material consegue material de melhor qualidade; por outro lado, os que não têm

os pontos ou têm poucos pontos não conseguem materiais bons. Mesmo assim, é difícil

encontrar algum catador insatisfeito com o valor semanal recebido. Eles sabem que, para

ganhar bem na sua profissão, é preciso ter esforço, pontos para pegar papel e sorte (sorte para

eles significa a possibilidade de encontrar no material reciclável algo de maior valor ou

materiais de melhor qualidade).

Há catadores que aceitam receber materiais, roupas, móveis; porém, para eles, isso não

representa mendicância. Em se tratando de receber comida, eles não encaram do mesmo

modo, alguns acreditam estar sendo confundidos com coitados, com mendigos, outros têm

medo de que o alimento possa lhes causar algum tipo de problema, então jogam fora ou

alimentam seus animais de estimação. Há ainda os que aceitam a comida quando alguém

entrega nas mãos deles porque entendem como um agrado.

Houve um trabalhador que voltou da Sede do bairro Itacorubi para o Centro da cidade

e justificou sua decisão com base no valor semanal obtido e, quando a pesquisadora perguntou

como era a renda lá, disse o seguinte: “Ah - a renda de lá é horrorosa ih não conseguiria

ganhar nada nada nada na primeira semana que a gente foi pra lá a gente ganhou trinta

reais aí a gente tentou tentou mas não dava cem reais dava oitenta cem por semana

[...](C3).” E questionado sobre a diferença de renda complementou: “Nossa ++ é enorme

imagina na primeira semana eu pagava babá eu comprava as coisas da minha filha então dá

em torno de cem reais isso toda semana a gente não conseguiu fazer nada e aqui dá bem

(C3).”

Não são todos os catadores que gostam e aceitam falar sobre a renda, então desviavam

o assunto; outros falavam abertamente e havia os que preferiam, por algum motivo, ocultar o

valor recebido. Se indagados sobre a possibilidade de trocar a catação por outro lugar, mais de

um catador dizia que não, ou que não valeria a pena: “Ah depende né se se levar o que eu

ganho aqui né que dê pra acompanhar o preço o salário que eu ganho daí sim pode ser que

eu pegue agora se é pra mim sair daqui e ganhar menos aí já não vô (C15).” Eles têm

consciência de que é muito difícil, sem ter estudo, conseguir trabalhar em algum lugar

ganhando o mesmo valor recebido na catação .

O dinheiro da maioria dos catadores serve para o consumo imediato, há quem compre

carro, casa, moto, mas muitos gastam o dinheiro com roupas, tênis, eletrodomésticos, pintura

do cabelo, presentes (dentre outros) ou consomem o dinheiro em festas, jogos, bebidas,

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shows. Conseqüentemente, quando passa o final de semana, novamente iniciam a dura jornada

para se restabelecer financeiramente para o final de semana seguinte; então há momentos em

que estão sem dinheiro e se obrigam a buscar no material coletado algo para saciar a fome.

Um catador em especial alegou estar guardando dinheiro para sua aposentadoria, porque sabe

que não terá uma aposentadoria comum, mas precisará de dinheiro para seu sustento. Assim

sendo, ele deposita a maior parte do valor recebido para que quando não puder mais trabalhar

ter a possibilidade de usufruir do que conseguiu enquanto catava.

Há pessoas que começaram a trabalhar lá ainda crianças ou quando eram adolescentes

para ajudar no sustento da família ou para poder adquirir o que desejam comprar. Uma

catadora diz que não sairia da catação, pois começou quando ainda era bem pequena e se

acostumou com o trabalho a ganhar um salário alto em relação à maioria das pessoas com o

mesmo nível de instrução dela e, como sabe que, para ter outro trabalho com a mesma renda

obtida na catação seria preciso mais estudo, prefere ficar onde está.

Ter renda para o consumo de bens e serviços é algo que buscam ainda que em um grau

bem menor do que classes sociais um pouco mais elevadas. Na fala de alguns catadores, é

possível constatar essa questão. Um adolescente que estava trabalhando justificou-se dizendo

que ali estava porque precisava pagar suas contas, seu curso, pagar roupa e tênis, então

estudava de manhã e catava à tarde porque ainda era de menor. Mas, quando tivesse seu

diploma do curso de informática e fizesse dezesseis anos, poderia conseguir um emprego que

já havia sido oferecido a ele; mesmo assim, tem consciência de que neste emprego ganhará

bem menos do que na catação, porém deixará de catar porque na sua visão é um trabalho sem

futuro. Um outro catador, ao ser questionado sobre onde gasta seu dinheiro, disse: “Conta

conta conta - eletrodomésticos + cabelo + supermercado e assim vai indo - passeio + dá pra

sobreviver (C3).” Esse consumo está além das necessidades básicas, mas é visto como fator

de QV porque proporciona satisfação a eles.

A educação também é vista como sinônimo de QV por alguns autores (ADRIANO et

al, 2000; FORTUNATO; RUSCHEINSKY, 2003; HERCULANO, 1997; LAUER; LAUER,

2005) e é compartilhada do mesmo modo pelos catadores. Pelo fato de eles próprios não

terem tido condições de estudar, assim, estão proporcionando tais condições aos seus filhos.

É comum vê-los desejando um futuro e um trabalho diferente aos filhos, conforme assevera

um catador: “Não não não quero que eles trabalhem aqui - porque eu dou estudo pra eles -

pra eles aprenderem porque eu trabaio porque eu tenho que trabalhá - eu não tenho estudo

entende? Eu não tenho estudo - então eu quero dar estudo pra eles pra eles não trabalhar

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aqui catando - pra eles não trabalhá aqui que é muito sofrido - eu eu tenho que gostá porque

eu não tenho como eu vou lá na firma e não vou arrumar emprego. (C17)”. E outro: “[...]

pra eles vamo querer uma coisinha bem melhor né eles podem estudar não precisam

trabalhar + já e eles podem com dezoito dezenove anos estar estudando né eles - tem renda

pra isso porque o que o pai deles deixou pra eles eles - não vão precisar trabalhar só saber

administrar”. (C4)

Mesmo assim, há na catação algumas famílias em que trabalham pais e filhos. Muitos

começaram ainda quando crianças ou adolescentes, porque o dinheiro que conseguem é mais

fácil e rápido do que se estivessem estudando e houve incentivo ou permissão por parte dos

pais. No grupo pesquisado, há um adolescente que os pais não desejam que ele trabalhe com a

catação, mas, como há muitas contas para pagar, segundo os pais, às vezes, ele cata material

mesmo a contragosto deles. Outros freqüentam o local e deixam de ir para a escola, então

começar a catar é uma questão de tempo.

Ter uma moradia ou até as condições em que uma pessoa tem a sua moradia é notada

por alguns autores (ADRIANO et al, 2000; CONCEIÇÃO et al, 2004; HOLLAR, 2003;

SANTOS et al, 2002) como QV, de modo que quanto melhores as condições da moradia,

melhor é a QV, do mesmo modo, há catadores que acreditam que QV seja sinônimo de

moradia e lutam para conquistar um lugar para morar: “Importante é juntar dinheiro - que eu

quero ter o meu carrinho ainda né + tive tal mas agora não tenho mais - e ter minha casa

própria sabe - porque aonde eu moro é desse carinha que eu trabalho junto”. C10

Ter um lugar para morar mostra-se sinônimo de QV para os catadores tanto na fala

quanto e na expressão facial deixam transparecer a felicidade que sentem em ter um lar e o

orgulho por terem conquistado, por meio do seu esforço pessoal, a sua casa, conforme

exprime na seguinte fala: “[...] uma casa boa pra mim é é pra mim e pra minha filha eu

comprei agora depois do natal a gente conseguiu comprar paguei dois mil uma casa com três

peças um banheiro tem um terreno bom pra mim e pra ela ta bom + ela não dorme sozinha

não precisa de quarto pra ela dorme comigo o importante pra mim não é nem a casa é o que

a gente tem dentro porque se a gente tem uma casa feia com coisa feia dentro é pior ainda né

a minha casa por dentro é bonita por fora é um barraquinho a gente comprou tudo novo

também”.(C3)

Há quem tenha a sua casa própria mas sinta vontade ou necessidade de fazer

manutenções, conforme aponta este catador: “ [...] tenho que fazer uma reforma lá em casa

sabe a casa ta velha vou ter que fazer uma reformazinha”.(C22) E mais um quando diz: “[...]

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hoje nós temo a nossa casa + a minha casa dá nove por sete e meio - minha casa é madeira

de pinheiro mesmo araucária - como dizem aquele pinheiro que dá pinha pra ser mais bonito

pra você né + e é uma casa grande né - nossa casa tem dois quarto grande - um banheiro de

material - e a sala é uma só mas é um salão daquele como aquele barraco [...] daqui um

tempo quando nós conseguir se livrar um pouco das coisas - nós vê que vai dar - que nós

conseguir ver que vai engrenar a coisa - quero fazer uma casa de dois piso + quero fazer

tudo no meu terreno - no meu terreno entra um carro lá dentro sabe ++ quero fazer a casa

assim mais ou menos - dar uns vinte por doze - não não dá uns dez por uns quinze quadrado

no meu terreno - eu quero fazer um porão grande - ponha o carro lá drento de baixo - daí

quero fazer o piso e levantar pra cima + tá ficando só casa boa em roda né + a minha casa é

uma casa bem bonita pintada - toda pintada.” (C8)

Outra questão relativa a QV apontada pelos autores (CAMPOS, 1996; FORTUNATO;

RUSCHEINSKY, 2003; HERCULANO, 1997; LAUER; LAUER, 2005) está na

participação política, na liberdade de expressão, nas lutas que se enfrentam no dia-a-dia,

indo de encontro ao que os catadores acreditam que seja a sua própria liberdade de expressão

e manifestação pública, quando buscam o seu espaço na sociedade “ [...] tivemos mais de

quinze reunião que não tinha e pressionando nóis pra levar nóis pra levar o pessoal lá e não

tinha jeito + um dia eu fui lá na COMCAP e disse óia não tem jeito nós vamos espalhar pior

o pessoal - se o senhor não quer que vire num inferno essa cidade papeleiro pra lá papeleiro

pra cá - já tinha papeleiro em baixo da ponte Hercílio Luz tinha papeleiro na Beiramar tinha

papeleiro lá no canto de lá tinha papeleiro aqui tinha papeleiro na Phipasa tinha papeleiro

em toda parte - imagina nóis com cento e poucas pessoas - tava né na época nós fizemos área

de - área tirada ali não teve jeito um dia resolvi paremo sessenta + setenta por cento mais ou

menos da associação ++ vortei pra ponte me meteram a polícia em cima e eu metí-lhe a

televisão + a ora que chegou a polícia chegou a televisão junto já filmando + não puderam

com nóis( C8)”

As participação política também está presente no ambiente de trabalho, por meio das

eleições que a associação realiza, momento em que ocorrem brigas por causa de cargos e

opiniões divergentes, o que se expressa na fala deste catador: “É agora - agora essa época aí

é tudo de briga né - um faz uma chapa outro faz outra mas é só na hora da eleição mesmo -

que daí um quer pegar o cargo outro não quer - negócio é ficar esperto. (C15).” Em

contrapartida há aqueles que entendem que cada um tem o direito de escolher e até mesmo de

se candidatar para algum cargo, conforme aponta este associado: “[...] é um direito que ele

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tem - cada um tem o direito né - eu acho ruim ele fica intrigando no caso de ganha algum

voto né fica intrigando a gente os associado - então eu acho isso errado né - eu nunca fiz isso

eu já deixo a liberdade pra ele - cada um vai ver quem que cada um vai escolher + eu deixo a

liberdade ele já não - promete aquilo promete isso e já tem muito associado que vem e que

me fala né.”(C6)

O meio ambiente é tema que determinados autores (FORTUNATO;

RUSCHEINSKY, 2003; FRANÇA; GARCIA; LEMOS, 2005; GOMES; SOARES, 2004;

SILVA; GUIMARÃES, 2001; GOMES, 2001; GOULART; SAMPAIO, 2004;

HERCULANO, 1997; MULLER, 1997; PINHEIRO, 2005; SIMÕES, 2001; RODRIGUES,

1997) apontam como QV no que se refere as questões ligadas a preservação e a utilização

correta de recursos naturais e, do mesmo modo, é uma preocupação dos catadores, pois eles

entendem que uma das questões que faz da catação um trabalho importante é o fato de

preservarem a natureza, de contribuírem com práticas que evitam a degradação ambiental, o

que se reflete nesta fala: “Mas imagina - é o que a gente mais sabe porque se não fosse a

gente trazer todos os materiais o que que seria da nossa cidade hoje e os aterros sanitários

como é que estariam e a nossa natureza que já não é muito bonita o que seria da nossa mata

nosso verde.” (C3)

Os catadores entendem que o trabalho que executam está relacionado a reciclagem e

esta, por sua vez, relaciona-se com a preservação, a reutilização, o cuidado com os recursos

naturais conforme aponta este catador: “[...]essa caixa aqui pode ter passado na nossa mão

antes já né - ela tá de volta - então é - é beneficiamento pro meio ambiente ou seja pra

natureza - e eu acho que é ótimo isso.”(C8)

Um trabalhador ao referir-se sobre a forma como a sociedade encara o trabalho dos

catadores, reflete acerca de questões que envolvem a importância do seu trabalho para o meio

ambiente e para a sociedade: [...] a gente tá limpando a cidade - uma coisa que vai ser vai ser

enterrado vai ser pro lixo aí pô - olha só ta catando eles vão reciclar vão fazer tudo

novamente sem ter que desmatar a natureza - sem ter que destruir mais né - eu acho assim

que eles deviam dar um pouquinho mais de valor [...]” (C22)

A contribuição com a sociedade por meio do trabalho que realizam também pode ser

verificada quando se expressa este catador: “É - se tu for ver cada material que tem ali ó -

cada material reciclável cada um deles eles se transformam na mesma mercadoria que sai

daqui entendeu - então se tu for abrir uma empresa disso daí tu pode dar serviço pra todo

mundo entendeu - o misto é misturado mas ele vai passar por retrocesso entendeu ele vai sair

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daqui até chegar no destino dele ele vai comprador compra aqui depois vende pra outro

vende pra outro até ele chegar chega lá + o que que eles fazem botam naquelas máquinas lá

fazem uma seleção ou lavam fazem o diabaquatro daqui a pouco você vai ver - tá naqueles

rolos lá que a gente já viu papel de presente várias coisas.” (C13) Esta fala permite verificar

que ele entende que seu trabalho têm importância para a sociedade e contribui para a QV de

muitas pessoas.

As oportunidades culturais também estão presentes dentre as atividades que os

catadores participam, tais como shows, pois é o tipo de evento que qualquer pessoa da

sociedade poderia participar, logo, quando eles participam, sentem que são capazes de buscar

onde escolherem o que entendem por QV, conforme um catador exprime: “[...] quando tem

show nós vamo no show daí esse show do Amado Batista nós fomo - foi a metade daqui”.

(C16)

Além destas, um catador falou da mudança de cidade de Porto Alegre para

Florianópolis em busca de menos violência, ou seja, de uma QV melhor no que diz respeito as

taxas de criminalidade, conforme se expressa: “Aqui é claro que em todo lugar tem - mas lá

lá tá horrível + lá tá demais + então eu fugi da violência - porque eu não preciso ver - a a

violência já levou dois da minha família né ++ então eu não queria ser o próximo no caso -

não queria ver ninguém mais da minha família morrer sabe - violência por causa de nada né

- ah fugi + vim embora e o meu pessoal sabe que tô aqui - entrei em contato com eles essa

semana.” (C24)

Após verificar os fatores da QV para os catadores e analisar como estes se

manifestam, visualiza-se no quadro a seguir as categorias de QV conforme a compreensão dos

autores estudados, e aquelas que os catadores compreendem como sendo QV e a manifestação

na fala deles. Do mesmo modo, é possível verificar em que momentos a QV revela-se tanto

entre autores quanto entre os catadores de modo convergente, e os momentos em que se

mostram divergentes:

Categorias de QV conforme autores

Categorias emergentes da QV para os catadores

Discursos

Alimentação Alimentação como QV está em comer bem e comer o que deseja.

“Ah - eu como bem + eu todo final de semana o meu churrasco eu faço - se não tiver uma carne comigo não tem - não tá bom”. (C20)

“[...] quando vai no mercado é iogurte é coisa meu pequeninho quando vai ele pega o que ele quer”.] (C4).

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“[...]nós eu e minha mulher né - nos comemo bem - meu peso tem que ta cheio de carne - comprá os melhores produto né + por exemplo linguicinha - que nem nós compramo uma linguicinha porque era mais barato um pouco - não prestô + e vai come uma coisa que não gosta? O pobrema é só a carne - tem que tê carne - tendo carne carne né carne boa carne de porco gado galinha frango tudo quanto é tipo ne - tem de tudo vive só pa comida e comer bem”. (C8)

Lazer Lazer como momento para diversão ou descanso.

“ [...] nós tem que se divertir também né viver só trabalhando tem que trabalhar e fazer festa né - trabalha pra trabalha o que sobra a gente a gente vai num parque vai na piscina com as crianças sorvete é tudo quanto é coisa é isso é aquilo né é bom dar pra eles agora que agora eles não têm responsabilidade ainda responsabilidade eles não têm ainda né nessa parte de dinheiro ainda pegar o dinheiro na mão então muitas coisas agora que é mais novinho é bom que eles tenham aí mais pa frente”. (C4)

“Ah eu saio dançar + a gente faz festa é isso que eu procuro fazer né - é ficar em casa eu não consigo + daí como eu tenho várias amigas assim - vários amigos a gente marca com a galerinha toda e se manda - só aparece no outro dia é triste (risos)”. (C22)

“Ai dormi - dormi é tão bom dormir cara - olha meu sono tá atrasado dormir é a melhor coisa pra se fazer - durmo durmo que é a melhor coisa que a gente faz - ah não tá louco.” (C13)

Emprego/trabalho (serviço), autonomia no trabalho.

Emprego ou trabalho de modo que este represente um meio de buscar a sustentação. Dentro desta questão pode-se verificar também a autonimoa no trabalho.

“É pra mim é um emprego - que eu faço minhas conta compro pro meus fio compro carçado pro meus fio - sei que eu cato eu ganho tem conta pra pagá né”. (C17)

“Ah eu gosto de puxar papel + o melhor é não ter ninguém pra ficar mandando o cara trabalha a hora que quer quando não quer não trabalha + eu eu gosto de trabalhar nesta área”. (C7)

“Porque assim a gente tá acostumada né - eu nunca trabalhei assim assim em coisa fichado aqui é melhor [...] Porque assim aqui ganha bem - entra e sai na hora que quisé trabalha na hora que quisé”. (C14)

“Ah sei lá - sei que é melhor - que a gente não é mandado né - a gente sempre trabalha por conta né - conforme a gente trabalha ganha né - daí eu gosto de trabalhar”. (C15)

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“Não + eu - eu não tenho patrão que me mande né - mas não é por aí - pode aparecer um patrão por aí que diga que vai pagar por dia cem real pra mim - eu largaria e ia trabalhar pra ele só o poblema é o seguinte - o poblema é que eu não trocaria + não trocaria - assim tá bom ++ ah assim tá bom demais pra mim”.(C24)

Saúde Cuidados com a saúde e possíveis problemas de saúde que possam vir a ter.

“Ah doença - o que pode dar é a doença do rato só né + porque as vezes a gente pega alguma coisa assim meio estranha aqui - dá ruim né aqui tem muito rato e coisarada que junta - que nem aqui dá muito rato aqui né - que passa um canal de esgoto pelo Centro debaixo das árvore ali e tamo perto do mar né - daí junta bastante rato por ali o mais perigoso é isso aí.”(C15)

“Até hoje ninguém se queixou né + as vezes fica muita gente com dor nos pé né - dor nas perna - e aí dão uns problema maior - mas também pegam cedo e largam dez hora da noite né ++ só pode mesmo dar problema nas perna - na musculação”. (C8)

“Dá sim - que se eu pego o sol me incha o rosto - dói as perna - cansa - canseira dá gripe - ataca garganta semana passada não conseguia nem falar porque tava aí puxando né - daí tá com o corpo suado daí toma garoa - daí faz mal.” (C17)

“Não - saúde não prejudica não o dia que tiver chovendo se eu quiser me molhar eu vou - se eu não quiser eu não - vou e aí que tá a vantagem né.” (C20)

Renda (recursos econômicos) para o consumo de bens e serviços (fascínio por conquistas materiais, ascensão econômica e social)

Possibilidade de adquirir o que deseja, sendo ou não destinado às necessidades básicas.

“Conta conta conta - eletrodomésticos + cabelo + supermercado e assim vai indo - passeio + dá pra sobreviver”. (C3)

“Ah eu fiz mais conta - eu tenho conta também - faço meu curso de computação eu tenho minha roupa - meu tênis”. (C23)

“Ganhar bem é ganhar dinheiro eu ganho bem no papelão”. (C4)

“Ah depende né se se levar o que eu ganho aqui né que dê pra acompanhar o preço o salário que eu ganho daí sim pode ser que eu pegue agora se é pra mim sair daqui e ganhar menos aí já não vô”. (C15)

Educação (acesso à educação, condições científico-culturais)

Educação para os filhos, já que eles próprios que não puderam estudar.

“[...] pra eles vamo querer uma coisinha bem melhor né eles podem estudar não precisam trabalhar + já e eles podem com dezoito dezenove anos estar estudando né eles - tem renda pra isso porque o que o pai deles deixou pra eles eles - não vão

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precisar trabalhar só saber administrar”.(C4)

“[...]não quero que eles trabalhem aqui - porque eu dou estudo pra eles pra eles aprenderem porque eu trabaio porque eu tenho que trabalhá - eu não tenho estudo entende?[...]” (C17)

“Tô fazendo de tudo - dou o que ele precisa pra não ver ele dentro de um carrinho puxando + pra mim eu gosto mas ele eu quero que ele cresça - freqüente uma universidade”. (C13)

Moradia Lugar para morar, condições de habitação.

“[...]uma casa boa pra mim é é pra mim e pra minha filha eu comprei agora depois do natal a gente conseguiu comprar paguei dois mil uma casa com três peças um banheiro tem um terreno bom pra mim e pra ela ta bom + ela não dorme sozinha não precisa de quarto pra ela dorme comigo o importante pra mim não é nem a casa é o que a gente tem dentro porque se a gente tem uma casa feia com coisa feia dentro é pior ainda né a minha casa por dentro é bonita por fora é um barraquinho a gente comprou tudo novo também”(C3).

“Importante é juntar dinheiro - que eu quero ter o meu carrinho ainda né + tive tal mas agora não tenho mais - e ter minha casa própria sabe - porque aonde eu moro é desse carinha que eu trabalho junto”. (C10)

“ [...] tenho que fazer uma reforma lá em casa sabe a casa ta velha vou ter que fazer uma reformazinha”.(C22)

“[...] hoje nós temo a nossa casa + a minha casa dá nove por sete e meio - minha casa é madeira de pinheiro mesmo araucária - como dizem aquele pinheiro que dá pinha pra ser mais bonito pra você né + e é uma casa grande né - nossa casa tem dois quarto grande - um banheiro de material - e a sala é uma só mas é um salão daquele como aquele barraco [...] daqui um tempo quando nós conseguir se livrar um pouco das coisas - nós vê que vai dar - que nós conseguir ver que vai engrenar a coisa - quero fazer uma casa de dois piso + quero fazer tudo no meu terreno - no meu terreno entra um carro lá dentro sabe ++ quero fazer a casa assim mais ou menos - dar uns vinte por doze - não não dá uns dez por uns quinze quadrado no meu terreno - eu quero fazer um porão grande - ponha o carro lá drento de baixo - daí quero fazer o piso e levantar pra cima + tá ficando só casa boa em roda né + a minha casa é uma casa bem bonita

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pintada - toda pintada.” (C8)

Questões políticas (condições, liberdade de expressão e participação política)

Liberdade de expressão, participação política, acesso ao direito ao trabalhar, cidadania.

“ [...] tivemos mais de quinze reunião que não tinha e pressionando nóis pra levar nóis pra levar o pessoal lá e não tinha jeito + um dia eu fui lá na COMCAP e disse óia não tem jeito nós vamos espalhar pior o pessoal - se o senhor não quer que vire num inferno essa cidade papeleiro pra lá papeleiro pra cá - já tinha papeleiro em baixo da ponte Hercílio Luz tinha papeleiro na Beiramar tinha papeleiro lá no canto de lá tinha papeleiro aqui tinha papeleiro na Phipasa tinha papeleiro em toda parte - imagina nóis com cento e poucas pessoas - tava né na época nós fizemos área de - área tirada ali não teve jeito um dia resolvi paremo sessenta + setenta por cento mais ou menos da associação ++ vortei pra ponte me meteram a polícia em cima e eu metí-lhe a televisão + a ora que chegou a polícia chegou a televisão junto já filmando + não puderam com nóis”. ( C8)

“É agora - agora essa época aí é tudo de briga né - um faz uma chapa outro faz outra mas é só na hora da eleição mesmo - que daí um quer pegar o cargo outro não quer - negócio é ficar esperto.” (C15)

“[...] é um direito que ele tem - cada um tem o direito né - eu acho ruim ele fica intrigando no caso de ganha algum voto né fica intrigando a gente os associado - então eu acho isso errado né - eu nunca fiz isso eu já deixo a liberdade pra ele - cada um vai ver quem que cada um vai escolher + eu deixo a liberdade ele já não - promete aquilo promete isso e já tem muito associado que vem e que me fala né.” (C6)

Questões ligadas ao meio ambiente

Consciência da necessidade de preservação do meio ambiente.

“Mas imagina - é o que a gente mais sabe porque se não fosse a gente trazer todos os materiais o que que seria da nossa cidade hoje e os aterros sanitários como é que estariam e a nossa natureza que já não é muito bonita o que seria da nossa mata nosso verde.” (C3)

“[...]essa caixa aqui pode ter passado na nossa mão antes já né - ela tá de volta - então é - é beneficiamento pro meio ambiente ou seja pra natureza - e eu acho que é ótimo isso.”(C8)

“[...] a gente tá limpando a cidade - uma coisa que vai ser vai ser enterrado vai ser pro lixo aí pô - olha só ta catando eles vão reciclar vão fazer tudo novamente sem ter que desmatar a natureza - sem ter que destruir mais né - eu acho assim que eles deviam dar um pouquinho mais de valor”.

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(C22)

Outros: Atividade física, Transporte de qualidade, Contribuição com a sociedade, Boa relação com os familiares, Tempo de repouso adequado, Capacidade de inclusão social, Oportunidades culturais, Igualdade de oportunidades, Agricultura, Taxas de criminalidade, Acesso à tecnologia, Estados psicológicos do sentimento, Serviços e programas de sustentação, Amizade.

Contribuição com a sociedade, oportunidades culturai, inclusão sócia, taxas de criminalidadel.

“É - se tu for ver cada material que tem ali ó - cada material reciclável cada um deles eles se transformam na mesma mercadoria que sai daqui entendeu - então se tu for abrir uma empresa disso daí tu pode dar serviço pra todo mundo entendeu - o misto é misturado mas ele vai passar por retrocesso entendeu ele vai sair daqui até chegar no destino dele ele vai comprador compra aqui depois vende pra outro vende pra outro até ele chegar chega lá + o que que eles fazem botam naquelas máquinas lá fazem uma seleção ou lavam fazem o diabaquatro daqui a pouco você vai ver - tá naqueles rolos lá que a gente já viu papel de presente várias coisas.”(C13)

“[...] quando tem show nós vamo no show daí esse show do Amado Batista nós fomo - foi a metade daqui”. (C16)

“[...] eles dão né ganham bolsa escola - daí dá dezoito real por mês cada um + eles ficam aqui no Centro - eles entram as oito e meia da manhã saem as cinco e meia”. (C17)

“Aqui é claro que em todo lugar tem - mas lá lá tá horrível + lá tá demais + então eu fugi da violência - porque eu não preciso ver - a a violência já levou dois da minha família né ++ então eu não queria ser o próximo no caso - não queria ver ninguém mais da minha família morrer sabe - violência por causa de nada né - ah fugi + vim embora e o meu pessoal sabe que tô aqui - entrei em contato com eles essa semana.” (C24)

Quadro 2 – Categorias da QV dos catadores de materiais recicláveis da ACMR

A construção deste quadro teórico permite formular algumas possíveis definições do

que seja QV para os catadores de materiais recicláveis da ACMR:

1) Qualidade de vida é encontrar na catação um trabalho honesto e por meio dela

conseguir os recursos necessários para a sua vida. 2) Qualidade de vida é a possibilidade de

ganhar de modo autônomo o sustento a partir da coleta de materiais recicláveis. 3) A catação é

uma prática que contribui para a preservação do meio ambiente, deste modo contribui para

haver QV. 4) Conseguir comprar uma casa ou reformá-la proporciona maior QV. 5) Com o

dinheiro que a catação proporciona é possível comprar os alimentos necessários para

satisfazer a fome é sinônimo de QV. 6) Poder consumir o alimento que desejar, se

alimentando do que representa o desnecessário também é QV. 7) É por meio do trabalho que

se consegue participação política nas decisões internas da associação, nas decisões externas

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que envolvem a associação e, poder decidir e se expressar como qualquer pessoa é ter QV. 8)

Trabalhar para investir na educação dos filhos é desejar melhor QV para o futuro deles e

possivelmente garantir que também possam ter melhor QV. 9) Nos momentos de lazer, poder

freqüentar lugares que outras pessoas da sociedade freqüentam se divertindo é ter QV. 10) Ter

QV é conseguir trabalhar apesar dos possíveis problemas de saúde que a catação traz, pois o

trabalho proporcionará QV por meio do lazer, alimentação, aquisição de bens ou serviços.

Após o encontro dos fatores da QV e a análise destes fatores da QV da ACMR,

seguem as considerações finais deste trabalho.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da pesquisa etnográfica unida à QV juntamente com os sujeitos

catadores de materiais recicláveis permitiu a compreensão da manifestação das categorias da

qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis da ACMR, pessoas que fazem parte

de uma mesma classe social, cujos costumes, hábitos, assim como a forma de pensar e agir

são comuns, em função da vida que levam.

Conhecer a QV dos catadores mostrou-se como um desafio porque adentrar em uma

população desconhecida (como era o caso da pesquisadora) poderia trazer diversos resultados

que não são possíveis de se mensurar. Durante a pesquisa, muitas pessoas questionavam a

escolha do tema relacionado aos catadores e perguntavam se realmente era possível conseguir

encontrar QV estudando tais sujeitos, pois esta seria mais facilmente identificada em uma

classe social mais elevada, então seria bem mais cômodo encontrar outra população a

enfrentar tal desafio.

As visitas iniciais foram tomadas pelo estranhamento que Fonseca (1999, p. 66)

aponta como sendo a primeira fase da pesquisa etnográfica e Serva (2006, p. 159-160)

complementa dizendo que este é um olhar inquisitivo que permite que o pesquisador se

surpreenda durante a pesquisa. Além desse estranhamento, o trabalho de campo pressupõe

uma interiorização por parte do pesquisador, das significações atribuídas pelos indivíduos aos

seus comportamentos, implicando, assim, a integração do observador no campo de

observação.

Uma questão que chamou à atenção foi o desconhecimento de todos os materiais que

os catadores coletavam, pois acreditava-se que seriam somente garrafas plásticas, papelão e

jornais e a partir do conhecimento de todos os materiais por eles coletados e a compreensão

da importância de cada material coletado, foi possível que a pesquisadora passasse a separar

os materiais recicláveis do lixo, algo que não fazia parte da sua educação, cultura e rotina,

mas passou a fazer.

As sucessivas visitas levaram a pesquisadora a se ambientar, ser aceita pelo grupo e

em muitos momentos experimentar as mesmas sensações que os nativos pareciam sentir, o

que acontecia toda vez que encontravam no material reciclável algo de valor e resignificavam

o que estava chegando a suas mãos, sendo tomados por uma alegria proporcionada pelo

momento, ou quando em um dado instante contavam as suas dificuldades ou repartiam

alegrias que estavam vivendo. Ora por perto, no mesmo ambiente, ora mais distante, nas

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imediações, era possível observá-los e vivenciar cada um daqueles momentos com o sabor de

alguém que passava a compreender o que estava acontecendo.

Com o passar dos meses era possível notar que os catadores sentiam falta da

pesquisadora quando ficava algum tempo sem comparecer, assim que retornava era comum

que os catadores a recebessem de modo carinhoso demonstrando todo o seu afeto, e na

seqüência desejando saber como estava o andamento do trabalho e qual o motivo que levou a

ficar tanto tempo (que geralmente se resumiam a quatro dias, mas em alguns momentos foram

meses) sem vir à associação. Esta atitude demonstrava o apreço que os catadores sentiam e a

necessidade de ter pessoas que não fazem parte da associação por perto.

Ao se deparar com sujeitos cuja vida e a própria manifestação dos fatores da QV são

tão diferentes daqueles em que a pesquisadora estava acostumada a encontrar, mostrava-se

difícil verificar a existência da QV apontada por alguns autores estudados. Dessa maneira, foi

imprescindível despojar-se de definições pré-concebidas e observar que, com a realização da

pesquisa, foi identificada a percepção dos seguintes fatores da QV: alimentação, educação,

emprego/trabalho, lazer, renda para o consumo e autonomia no trabalho.

Estudar a etnografia foi algo que se construiu a partir do convívio com os catadores, da

aceitação do grupo. A pesquisadora também passava a ser considerada como alguém que fazia

parte da associação e com a sua própria percepção de que se tornava aos poucos também uma

nativa, conseguindo por vezes buscar o olhar e procurar sentir do mesmo modo que os nativos

da ACMR. Cada associação de catadores tem a sua própria cultura, em alguns pontos podem

se assemelhar como em outros se tornar distantes. Na ACMR, o que os move a estar juntos

nesta associação é a busca constante pela QV.

Para os catadores, a QV pode ser vista como toda e qualquer possibilidade de melhorar

as condições em que se encontram no momento atual, pois são pessoas que buscam sempre

uma vida melhor, o que foi possível identificar no momento em que se faz a retomada

histórica da vinda dos catadores para a cidade e nas sucessivas lutas por seu espaço na

sociedade.

Depois da construção da tecelagem etnográfica, a pesquisadora verificou que o ponto

de vista do nativo, muitas vezes, confundia-se com o seu próprio ponto de vista, pois passou a

olhar estes sujeitos e, em especial os da ACMR, de outro modo que provavelmente não seria

possível conceber se não tivesse convivido com os catadores e se envolvido com o meio em

que eles se encontram de modo a se preocupar com os seus problemas, as suas conquistas, o

seu dia-a-dia e a própria QV constatada a partir da pesquisa.

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Se antes de pesquisá-los, a pesquisadora olhava-os não como mendigos, mas lastimava

ao observá-los desempenhar tal serviço, acreditando que este trabalho mal lhes proporcionava

o básico para seu sustento diariário, após conhecer a história, o cotidiano, a vida e a QV deles

e analisando a manifestação desta QV, sabe ser possível olhá-los de modo bastante diferente:

como trabalhadores que ainda não tiveram seu reconhecimento por parte da sociedade, mas

lutam diariamente por isso e que são dignos de admiração porque buscam a cada momento a

sua felicidade naquilo que é descartado pela sociedade.

Em verdade, o que de fato interessa no estudo do nativo, conforme aponta Malinowski

(1976, p. 374, é sua visão das coisas, a realidade vivida por ele. Ao se captar a visão essencial

dos outros, com a reverência e verdadeira compreensão que se deve mesmo aos selvagens,

estamos contribuindo para alargar a nossa própria visão.

Para entender a realidade dos nativos, foi necessário buscar uma visão com o olhar do

outro e, por meio deste, encontrar uma forma de compreender uma realidade diferente,

bastante distante de tantas outras realidades que até então já conhecia, permitindo-se

mergulhar em um mundo que ao mesmo tempo é próximo e distante do seu, de modo que, por

meio da pesquisa etnográfica, essa nova realidade passou a fazer parte não apenas das suas

pesquisas, mas também da sua vida.

Uma limitação encontrada foi a impossibilidade da maioria dos catadores pararem de

trabalhar para responder as entrevistas, como cada minuto de trabalho é muito importante, as

vezes parar um tempo pode custar caro, então a maioria falava, respondia, fazia brincadeiras,

perguntava, mas trabalhava ao mesmo tempo.

Este estudo pode ser visto como mais uma ferramenta para a compreensão do

funcionamento de uma população sob o olhar etnográfico. Desse modo, uma sugestão para

trabalhos futuros, que pode contribuir para a continuidade deste, encontra-se na busca da QV

em outras associações de catadores de materiais recicláveis, no sentido de conhecer mais

profundamente estes sujeitos, visto que as pesquisas sobre os catadores ainda são recentes.

Finalmente, “nada nos pode ensinar melhor lição nesse assunto de máxima

importância do que o hábito mental que nos permite tratar as crenças e valores de outro

homem do seu próprio ponto de vista.” (MALINOWSKI, 1976, p. 374).

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APÊNDICES: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Entrevista 1

P – Quando você chegou aqui?

C1 – Era - no finalzinho de noventa e três noventa e quatro.

P – E como é que veio pra cá?

C1 – A minha irmã que convidou.

P – E o que ela disse pra que o senhor se interessasse em vir?

C1 – Trabalhei vinte e nove ano na roça e aqui é melhor - lá é muito difícil aí cada um que

vinha aqui vinha puxando outro e outro.

P – Nessa época vocês colocavam o papel no aterro?

C1 – É dali nós fomo pra passarela e fomo pra debaixo da outra ponte e viemo pra cá sempre

mandando nós pra outro lugar aí deram esse terreno pra nós e nessa época nem sabia o que

que era uma associação com presidente tesoureiro como tem hoje isso foi em noventa e oito

noventa e nove tava ainda do outro lado noventa e sete aí começaram um movimento tal e

coisa sei que a Ângela Amim era a prefeita Ângela Amim sei que fechou do outro lado da

ponte fechou o lado de lá e nós entregava tudo pra dois o Alemão e o Ricardo tudo pra eles

nós ficava até tarde da noite uma hora duas hora da manhã direto aqui aí o que que nós fazia

então ta aí tinha a nossa associação né era igual do outro lado e aqui era o pátio da associação

tudo onde nós deixava o material nós não espalhava tudo como ta hoje aí no final de semana

tinha um guarda né um guarda aí de repente surgiu aquele apagão queimou tudo os fio aí veio

tudo pra cima de nós tem que tirar os papeleiro de baixo da ponte.

P – Por que?

C1 – Por causa do medo do incêndio de vorta aí foi a vez que eles abrigaram nós ali só que

fizeram tão mal que ainda não é visto o nosso serviço não é visto até hoje - até hoje não é bem

visto nosso serviço daí é o seguinte passamo pra cá e tamo aqui até hoje só que nunca nunca

vem bom material vem tudo misturado vendem.

P – Quem vende?

C1 – O local onde nós vamo pegar o material bom vende tudo.

P – Qual é o material bom pra vocês?

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C1 – Papel branco pet papelão é o alumínio o papel que tem folha assim né eles tão vendendo

tudo.

P – Os papéis têm preços diferentes?

C1 – Tudo tem preço diferente o preço desse papel que nós tamo escrevendo aqui é trinta e

cinco centavos.

P – Vamos por partes explica pra mim o que é cada papel, cada produto?

C1 – Tem o papelão o papel branco plástico fino plástico duro o papel misto alumínio o cobre

a caixinha de leite.

P – O que é o papel branco?

C1 – É esse papel assim de caderno.

P – E revista?

C1 – Revista é misto.

P – Caixa de sapato é papelão?

C1 – Não é misto.

P – E o papelão é o que?

C1 – É caixa de papelão mais grosso - as pessoas não sabem a população eles não sabem e

não separam.

P – Qual a diferença entre o plástico fino e o plástico duro?

C1 – Plástico fino é é essa sacola plástico duro é tem esse balde.

P – Então o pet não é plástico fino nem plástico duro?

C1 – pet é pet né.

P – O que aquele caminhão ta fazendo lá?

C1 – Aquele recolhe o rejeito é da COMCAP esse aqui ó pega fogo aí vai pro rejeito.

P – Na hora de separar em casa as pessoas colocam isso no lixo seco né?

C1 – Não é as pessoas não entendem disso aí tem um copinho que é plástico e outro copinho

que é pet.

P – E como é que eu fico sabendo disso pra separar?

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C1 – + Ta escrito em baixo do copinho (vira o copo de cabeça para baixo mostrando) tá

vendo?

P – O papelão qual que é o valor?

C1 – É dezessete centavos o quilo.

P – E o papel branco?

C1 – É trinta e cinco.

P – E o pet?

C1 – dezessete - ou dezoito por exemplo esse aqui tem um valor esse outro tem outro valor

esse outro valor e esse outro valor mas vende tudo junto como plástico.

P – E qual o valor do plástico?

C1 – O plástico é vinte e três.

P – Tudo é vendido por quilo?

C1 – Tudo é por quilo.

P – O alumínio?

C1 – O alumínio - é o perfil aquele tipo de janela.

P – Mas latinha de cerveja também é de alumínio né?

C1 – Mas tem diferença no preço o perfil é três e cinquenta.

P – Tem mais algum tipo de alumínio?

C1 – Tem esse aqui.

P – Esse é difícil de arranjar?

C1 – É.

P – E o cobre?

C1 – Daí + o cobre tem três valor o bom é aquele descascado.

P – Quais os valores?

C1 – Tem o cobre de quarta que é seis real.

P – O que é o cobre de quarta?

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C1 - Cobre de quarta é - aquele de ar condicionado.

P – Quer um pouco?

C1 – O que é isso?

C1 – Leite com farinha torrada.

P – E é bom?

C1 – É - quer um pouco? É como um pirão.

Entrevista 2

P – Está tudo bem por aqui ou precisa mudar alguma coisa?

C2 – Sempre tem né - é craro que a gente tem que mudar né.

P – Como foi a viagem que vocês fizeram pra Londrina?

C2 – Aquela viagem que nós fizemo pra Londrina com + com trinta sócios e mais quatro

técnicos a gente notou que lá funciona outro modelo de trabalho completamente diferente do

nosso aqui que lá eles são eles chamam de ONG as associações de lá e isso torna uma central

então são trinta ONGs e uma central são vinte e nove associações que nós chamemo né só que

com poucas pessoas lá tem por associações a maior que teve lá foi treze pessoas que nós

encontramo né então eles têm um modelo de trabalho lá tem modelos na sacaria pra

divulgação do do material ou seja eles usam o modelo de saco verde que é o saco transparente

e também usam o saco preto só que o saco preto é pro lixo orgânico e o saco transparente é

pro lixo seco ++ só que a conscientização do da população de Londrina é completamente

diferente da nossa capital né então hoje se nós conseguisse de adotar um modelo de o modelo

da de Londrina a prefeitura tinha que nos apoiar vamo supor cem por cento hoje que sem o

apoio da prefeitura não tem como a gente fazer aquele modelo a não ser que os catador saiam

de porta em porta é fazendo também a divulgação do nosso trabalho.

P – E aí quando vocês voltaram pra cá quiseram mudar alguma coisa?

C2 – É + a gente teve algumas experiência levando o grupo pra São Paulo um grupo de

bastante gente é experiência de levar agora pra Londrina e Curitiba né aonde há várias

associação Curitiba também tem um modelo de trabalho que que vem a ser achemo que é bem

legal esse modelo deles também de Curitiba porque eles usam computação né na associação

né usam uma forma de trabalho conjuntal então o pessoal são muito unido né é em Londrina

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falando de novo em Londrina a grande reação que o pessoal teve e orgulho já dizemo assim é

que a união deles é muito respeitada né eles têm quatrocentos cerca de quatrocentos sócio né é

dentro das ONG e quinhentos ambulante que é mais ou menos cerca de novecentos catador a

cidade é pequena mesmo assim né um respeita o outro ou seja é eles formam grupos de

bandeira que se chama bandeira formalizando dentro do espaço da cidade então eles fazem

essas bandeira coletam com o carrinho fazem as bandeira de frente dos bairro e depois o

caminhão da terceirizado da prefeitura passa recolhendo né então é outra forma de trabalho né

que o pessoal tem carrinho mas só pra coletar pra trazer perto não trazem direto pras ONG

deixam na bandeira como se fosse milho tipo no nosso caso nós trazemo pra associação vamo

pro shopping pra Beiramar que é longe e trazemo pra associação então vamo supor assim que

eu não vou pra Beiramar certo e vou pensar no que eu vou fazer ah mas nós temo aquela

praça certo lá no shopping tem a praça sabe a praça nós vamo ocupar um pedaço só um

bocadinho deixar tudo ensacadinho tudo certinho aí vem o de lá colocar outro na Mauro

Ramos por exemplo daí perto da secretaria fazem outra e venho vindo daí depois passa o

caminhão pegando essa é a diferença só que lá a diferença é que eles não não misturam a

população é educada a prefeitura educou então o apoio lá da prefeitura é cem por cento e tem

oito técnicos da fiscalização tipo assim a Nedir ela recicla material eu levei dois saco pra ela

reciclar material certo só que a Nedir colocou num saco desse papel higiênico e papel branco

e papel misto que nem vem pra nós aí eu pego ó esse saco da Nedir não não não fica ali aí eu

pego e ó pros fiscal ô fiscal aqui ó a dona da casa que é a dona Nedir não sei o que que deu

ela colocou isso isso isso e não vou levar pega e sai e o pessoal vai lá e multa pergunta o que

que ta acontecendo alguma coisa que que ta fazendo isso dessa vez eu vou só advertir a

senhora da próxima vez paga uma multa é essa caso que eu falei pro Dário eu falei pro Dário

Berger falei pro prefeito isso aí o prefeito disse que uma hora dessas ele ia conhecer

pessoalmente ele e o Juquinha falaram né o presidente da COMCAP vão conhecer de repente

o modelo deles e eu também né falei pra eles que eu gostaria de mostrar pra eles como é que

funciona em Londrina né a fiscalização e o apoio da prefeitura é cem por cento - super bom

né.

P – Vocês gostariam de implementar um modelo mais ou menos como o de Londrina?

C2 – Se nós adotássemos - tentasse né fazer isso aí levar fazer uma audiência pública em cada

comunidade ou convocando né os presidente de comunidade pra educar dar palestra né seria

muito especial hoje né é uma divulgação do trabalho porque não ajuda só a renda familiar

ajuda bastante o meio ambiente que hoje nós tamo é o lixo não tem mais lugar pra lixo na real

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né porque não é os papeleiro quem faz lixo quem faz lixo é a comunidade é o as pessoa é

condomínio é prédio residencial é é tudo né é se comprar um pacote de bolacha no

supermercado já ta fazendo lixo porque vai pro lixo o pacote então a prefeitura devia de ter a

consciência de conscientizar os próprios da comunidade né.

P – Você percebeu alguma mudança no comportamento dos seus colegas que foram lá pra

Londrina?

C2 – Eles mudaram bastante né + porque eles viram que a a mudança é muito importante por

causa da cadeia produtiva né porque lá os preços são outros o material que nós vendemo a

quatro centavos aqui lá ta vinte e quatro centavos + porque eles têm uma cadeia positiva que é

a melhoria no material reciclável né ou seja é material seco e bem classificado né hoje pra

muitos catadores trabalhar ganhar dinheiro é só pegar o carrinho e puxar classificar e jogar

vender pro outro não a cadeia produtiva nós devemo de aprender a classificar e vender pra ser

a cadeia produtiva ou seja tirar os atravessadores da jogada e vender direto pra empresa e o

pessoal aqui melhorou muito né.

P – Tu te sentes bem dizendo que é um catador?

C2 – Ah com certeza né - eu não tenho vergonha do que eu faço e faço isso há quase dez anos

também desde a década de noventa né - eu sou muito - sempre catando material né só aqui no

centro de Florianópolis - hoje eu sou orgulhoso eu como catador semi-analfabeto que eu sou

tô subindo na vida tô aprendendo né então sou feliz pelo que eu faço.

Entrevista 3

C3 - Vem cá ver o meu barraco - óia mora todo mundo aqui dentro - aqui tá mora os cachorro

- mora todo mundo - aqui nóis tem botijão de gás - tem fogão - aqui tem colchão tem tudo -

tem comida tem tudo - mas ai se alguém meter a mão sem pedir porque aí a briga tá feita +

nós dorme aqui o nosso ônibus só tem até dez e quarenta - perdeu o de dez e quarenta aí tem

que pegar o Abraão - tem que andar um pedaço muito grande aí então não vale a pena aí a

gente dorme aí né.

P – às vezes vocês dormem aqui, mas vale a pena trabalhar também à noite?

C3 – Vale.

P – Mas vocês não dormem?

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C3 – Não + mas não é sempre que a gente não dorme é só de vez em quando agora a gente faz

pouco mas antes a gente fazia muito antes a gente ficava aqui direto aí conseguia tirar um

valor bem mais alto mais que todo mundo né.

P – Vocês voltaram do Itacorubi também?

C3 – A gente foi - mas voltou.

P – E será que a renda de lá é boa?

C3 – Ah - a renda de lá é horrorosa ih não conseguiria ganhar nada nada nada na primeira

semana que a gente foi pra lá a gente ganhou trinta reais ai a gente tentou tentou mas não dava

cem reais dava oitenta cem por semana.

P – E a diferença de lá pra cá?

C3 – Nossa ++ é enorme imagina na primeira semana eu pagava babá eu comprava as coisas

da minha filha então dá em torno de cem reais isso toda semana a gente não conseguiu fazer

nada e aqui dá bem.

P – Trocaria esse lugar por outro com carteira assinada?

C3 – Não só ganhando mais que eu ganho - e eu como tenho o primeiro grau incompleto

como é que eu vou chegar lá e vão me dar um emprego ta eu vou ganhar um salário dois por

mês imagina o que é que eu faço com setecentos reais.

P – Gasta com o que o dinheiro daqui além da babá?

C3 – Conta conta conta - eletrodomésticos + cabelo + supermercado e assim vai indo -

passeio + dá pra sobreviver.

P – Considera este teu trabalho bom?

C3 – Não é que seje bom - é o que mais dá dinheiro pra gente né mas a gente faz assim e

acostuma - são muitos anos eu era desse tamanhinho assim (faz gesto mostrando uma altura

de cerca de um metro) tinha sete oito anos a gente começou quando era lá do outro lado da

ponte recém tinha começado tinha uns dez catadores de rua ficava lá em cima perto daquele

estacionamento da ++ escritolândia a gente já se acostumou e - pra nós nem parece que é

pesado não é preciso muita força é preciso prática é jeito de erguer os monte de papel.

P – E isso não traz problemas de saúde pra vocês?

C3 – Trazer traz dores aqui - dores ali - não dorme de noite - mas o que se pode fazer?

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P – Como são as pessoas aqui?

C3 – Tem muita gente falsa aqui + vi isso desde que eu comecei a trabalhar aqui é normal

furar pneu roubar papel queimar material acontece com todo mundo.

P – E com vocês é assim?

C3 – Às vezes é - mas se precisar comigo não tem tempo ruim se for pra se pegar com homem

a gente se pega e pronto + minha mãe também é assim.

P – Mas depois não fica uma coisa chata?

C3 – Não tem problema nenhum - não olho não olha e não se provoca e tá bom + não é

porque trabalha no mesmo espaço que tem que ser todo mundo amigo tipo a maioria é com as

mulheres homem é muito de se gabar mas a mulher esse é o grande problema mas o que a

gente pode fazer a gente tem que trabalhar mas elas são muito fofoqueiras muito falsas só

porque a gente porque é soltera porque tem marido porque isso porque aquilo nem todas sabe

- algumas algumas dá pra conversar a gente vai relevando mas o resto não vai muito com

nossa cara porque a gente produz.

P – Durante o teu dia qual é a parte que você menos gosta?

C3 – O que eu menos gosto ++ sei lá acho que quando vai chegando no finzinho da noite que

a gente já ta cansado louco pra ir embora e ainda tem que tirar o material dos prédios acho que

isso aí é o pior.

P – É perigoso dormir aqui?

C3 – Dormir aqui não a gente já morou - a gente já morou assim sabe aqui a gente não mora

só tem o barraco ali porque tem que ter né - pra guardar as coisas mas a gente morou tipo no

começo quando a minha mãe separou do meu pai a gente moramo em baixo da ponte do outro

lado depois de lá a gente trocaram a gente botaram a gente aqui na passarela a gente morou ali

até meus onze anos até onze anos eu não sabia que tipo tinha saído da casa mas vivia super

bem.

P – O que era viver super bem?

C3 – Ah + porque quando a gente é criança tudo é bom né eu tava junto da minha mãe que é a

coisa que eu mais gosto então ali a gente trabalhava a gente tinha as coisa tinha um pessoal

que ia levar as coisa pra gente sabe sábado tinha café da manhã que eles davam pra gente era

assim sem amigos coisa que não rolava era briga eu achava a vida legal aí depois quando eu

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completei onze anos daí compramo uma casinha pequena e fomos morar lá - hoje voltei pra

casa onde é que eu morava antes aí agora não vou mais lá é uma casa boa pra mim é é pra

mim e pra minha filha eu comprei agora depois do natal a gente conseguiu comprar paguei

dois mil uma casa com três peças um banheiro tem um terreno bom pra mim e pra ela ta bom

+ ela não dorme sozinha não precisa de quarto pra ela dorme comigo o importante pra mim

não é nem a casa é o que a gente tem dentro porque se a gente tem uma casa feia com coisa

feia dentro é pior ainda né a minha casa por dentro é bonita por fora é um barraquinho a gente

comprou tudo novo também.

P – Você tem o cabelo todo ajeitado, unhas pintadas né?

C3 – + A gente trabalha no lixo, mas tem que se arrumar um pouco - imagina trabalhar no

meio do lixo e não se arrumar que horror que não fica.

P – E o pessoal não olha vocês do avesso? Atravessado?

C3 – Sempre tem né + fazer o quê.

P – Esse material de vocês fica aí e ninguém pega?

C3 – Não - porque eles conhecem a gente eles conhecem a boca que a gente tem.

P – O que é melhor nesse trabalho que vocês fazem?

C3 – Ganhar dinheiro ++ eu acho que tudo é interessante pra gente tipo a população não tem

tanta consciência assim né mas a limpeza da cidade a grande maioria é a gente.

P – Então tu sabes a importância do teu trabalho pra cidade?

C3 – Mas imagina - é o que a gente mais sabe porque se não fosse a gente trazer todos os

materiais o que que seria da nossa cidade hoje e os aterros sanitários como é que estariam e a

nossa natureza que já não é muito bonita o que seria da nossa mata nosso verde.

P – Querem tirar vocês daqui?

C3 – O prefeito e geral né - todos órgãos públicos assim tipo eles não dão muita bola pra

gente tipo a gente deixa como é que eles dizem um aspecto mau pra cidade poluição visual

atrapalha trânsito etc etc eles não dão muita importância pra gente mas a gente vai levando já

faz anos que ta assim né tira daqui tira dali mas eles não conseguem.

P – Parece que vão colocar um galpão um barracão aqui, será?

C3 – - De boca eu não acredito em mais nada de promessa nem santo vive né.

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P – Mas tem quem acredite?

C3 – Tem - aqui dentro tem - imagine eu só acredito depois que vejo depois que sair o

barracão sim.

P – E a tua filha? Ela não sente falta?

C3 – Sente né - mas se eu não trabalhar quem é que vai sustentar ela.

P – Final de semana tu passeias com ela?

C3 – Final de semana ela vem pro Centro vem sábado aí pergunta pra onde é que ela vai onde

é que você quer ir - pro Centro lá no meio do calçadão gastar porque ela conhece o pessoal

das lojas né ah é sempre assim ela é pequeninha mas ela sabe o pipoqueiro ela conhece de

longe.

P – E esse aparelho dos dentes colocou com o dinheiro daqui?

C3 – Sim - já é a segunda vez que eu tô usando na primeira vez eu fiquei um ano e nove

meses tava com dezessete anos.

P – Então com dezessete anos você já trabalhava aqui?

C3 – Já fazia tempo - comecei quando eu era novinha antes da associação aquele senhor lá

começou antes do que nós - dois anos antes uns começaram antes mas saíram.

P – Por que algumas pessoas saem?

C3 – Talvez porque - acham que não dá dinheiro recém começa não dá dinheiro eles desistem

e a gente já ta há anos tem muita loja que a gente pega no Centro né eles guardam lá no

depósito a gente chega e retira mas as vezes vem o orgânico e a gente tem que tirar tudo eles

não pegam e separam aí manda muito lixo mesmo até em condomínio que eles dizem que

separam né mas pó pra gente o vidro não é reciclável o isopor não é não é todo tipo de vidro

que é reciclável mas dá pra tirar bem dá pra sobreviver trazendo o lixinho deles a gente vai

tentar fazer uns folder alguma coisa assim pra conscientizar mais a população muitos sabem

separar não fazem porque não querem - eu acho que é isso porque - poxa todo mundo sabe o

que é reciclável e o que não é né até na escola hoje acho que sabem saber que o plástico é

reciclável o papel porque que vão colocar orgânico junto isso não é reciclável isso acaba

estragando o material se a gente deixar muito tempo ali a borra de café mancha todo o papel

branco não dá mais o branco vira misto aí vende por bem mais barato esse vale vinte centavos

o quilo papelão é até mais fácil agora esse aí ó o branco tem que separar.

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P – E no final de semana o que tu gostas de fazer?

C3 – Além de trabalhar? No sábado vou no banco passeio.

P – Você puxa papel e sua mãe e sua irmã triam, então a grana tem que repartir em três?

C3 – Sim.

P – E desse jeito vale a pena?

C3 – Ah vale - é uma coisa lucrativa eu disse eu saio do papelão o dia em que eu me formar e

pra isso eu vou ter que estudar bastante.

P – Está estudando?

C3 – Esse ano não consegui + faz três anos que não consigo esse ano eu queria, mas não

consegui.

P – Mas será que o pessoal formado ganha mais do que vocês?

C3 – Eu vou né quero me formar em medicina é meu sonho desde criança.

P – Mesmo? Pra ser médica você deixava isso aqui?

C3 – Ah deixava ++ mas até lá eu continuo aqui.

Entrevista 4

P – Como é que funciona o trabalho aqui de vocês?

C4 – Nóis dois puxa e nós dois tria.

P – Gosta de fazer este trabalho?

C4 – Tudo tem seus lado negativo e seus lado positivo.

P – Pode falar pra mim o que é o lado negativo?

C4 – O lado negativo + é assim ta trabalhando debaixo da chuva debaixo do sol e positivo é o

dinheiro né aqui você ganha bem.

P – O que é ganhar bem?

C4 – Ganhar bem é ganhar dinheiro - eu ganho bem no papelão.

P – Mas não trabalha muito?

C4 – Trabalhar trabalha - pra você ganhar dinheiro tem que trabalhar.

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P – Como o pessoal da cidade olha vocês?

C4 – Ah isso é coisa que nem importa - o que importa é o nosso trabalho né vamos atrás dos

outros porque é óbvio a gente tem o uniforme da da associação né tem uns que fica meio

assim sabe - má eu não dou bola acho que é ótimo se trabalha não to roubando não to nada to

trabalhando né.

P – Por que vocês não ficaram no Itacorubi?

C4 – Eu acho que uma família duas família que ganha seiscentos setecentos pau vai querer ir

lá pra ganhar cem - cem por semana?

P – Por que, lá ganha menos?

C4 – Não tem organização né + simplesmente catou todo mundo e ninguém ninguém trabalha

junto ninguém ainda tem coletividade tá entendendo? Aí pega um monte de pessoal que

sempre trabalhou cada um pra si e joga tudo junto claro que vai dar errado não tem

organização foi tudo muito rápido né eu fui pra lá duas semanas só - o problema é que não

tem organização não tem suporte pra isso ainda não adianta você pegar você querer um monte

de pessoal que nunca trabalhou junto não tem como dentro de uma empresa tem que ter

coletividade se não - não rende o serviço.

P – E isso não ocorre lá?

C4 – Ah um trabalha menos do que o outro porque todo mundo sabe que ganha a mesma

coisa né - aí uns são acostumados a trabalhar mesmo trabalha normal e outros não daí não

adianta daí só faz coisa errada.

P – E esse trabalho não é pesado?

C4 – Muitas vezes se tu ver a gente puxando carrinho - pesado pesado não é tão pesado assim

esses carrinhos já foi construído pra peso mesmo se ele tiver em reto ele desliza mesmo ta

vendo só em subida que ele pesa tu vê as meninas ali elas que puxam o carrinho.

P – Há diferença entre os valores que o pessoal recebe? Quem puxa mais ganha mais e quem

puxa menos recebe menos? Isso dá algum rolo?

C4 – Claro - não cada um pra si quem trabalhar ganha tipo eu e ela pega os papel pesa nosso

papel e ganhamo e não tem ninguém que reclamar nada.

P – Esse papel acumulado aqui tem algum perigo de ser roubado?

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C4 – Não tem guarda - eu não acumulo papel de mais de dois dias se não começa a estragar

muito eu entrego tudo já no máximo até amanhã.

P – Qual é a melhor parte do dia pra você? O que você mais gosta?

C4 – A rotina né + agora depende quando tá esse tempo chuvoso é ruim tem uma vantagem e

tem uma desvantagem às vezes molha o papel e você acha que ta ganhando muito mas não ta

ganhando tanto assim.

P – E o que você menos gosta?

C4 – Rolo.

P – Que rolo?

C4 – Há uma hierarquia.

P – Como assim hierarquia?

C4 – Há + tem uns que já tem lá uns lugar né - se tomar o lugar do outro pegar - aí briga na

hora de coletar a gente tem uma loja que é só a gente né aí a gente vai lá e vai pegar o papelão

com o cara - e se ele diz não já veio outro pegar aí né começa o rolo e aí a gente já sabe

porque os papeleiros um conta pro outro - mas aqui o pessoal mais respeita é o pessoal de fora

que não respeita o pessoal da o pessoal que não é associado tem muita pessoa que puxa papel

aí que não é daqui.

E – Você não usa luvas para triar?

C4 – Aqui não + aqui não adianta trabalhar com luvas atrapalha pra caramba muitas vezes no

papel - pra pegar o papel atrapalha.

P – Se aparece uma comida boa separada dentro do material o que você faz?

C4 – Joga fora + ou damo pros cachorrinhos que tem aí às vezes pensam que papeleiro é

coitado que ganha uma merrequinha por semana né a maioria das pessoas.

P – E onde é que vai o dinheiro de vocês?

C4 – Ah gasta né + comida - coisa de casa - calçado pras crianças - roupa + às vezes material

de colégio né - o carro que nós pagamo ++ só com o dinheiro da reciclagem tem bastante

catador que tem carro.

P – Você sempre trabalhou aqui?

C4 – Eu eu não - sou de São Paulo to aqui faz três anos.

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P – E lá em São Paulo não tinha nada melhor?

C4 – Lá eu trabalhei em empresa - mas tem pessoas que não gostam muito de ser mandado -

assim trabalhar numa empresa + eu tenho sete anos de carteira - trabalhei de auxiliar técnico

em informática - de cobrador de ônibus.

P – E isso aqui é melhor?

C4 – A renda é melhor aqui + a maioria tá por causa da renda.

P – Esse trabalho traz dores nas costas, mãos, pés?

C4 – Não porque a gente acostuma - é bom a gente tem que saber ganhar dinheiro + tem gente

que trabalha pra caramba e não ganha o que nós ganha - mas também ganha dinheiro.

P – O que vocês fazem no final de semana?

C4 – A depende o final de semana a gente sai pra caramba viaja.

P – E teus filhos vão querer trabalhar com catação?

C4 – Não - pra eles vamo querer uma coisinha bem melhor né eles podem estudar não

precisam trabalhar + já e eles podem com dezoito dezenove anos estar estudando né eles - tem

renda pra isso porque o que o pai deles deixou pra eles eles - não vão precisar trabalhar só

saber administrar ++ mas o pessoal aqui vive bem.

P – O que é viver bem pra você?

C4 – Quando eu falo em viver bem - a pessoa tem a pessoa não vive - tem onde bucar uma

renda né ter como se manter na vida né + o pessoal vive bem elas três falaram quanto que elas

ganham? Elas ganham bem + um e duzentos por semana, mas é segredo.

P – O dinheiro daqui vai em quê?

C4 – Quem ganha bem gasta bem também + o dinheiro aqui é fácil né é difícil quem não

ganha bem aqui - é difícil ficar sem dinheiro aqui.

P – Mas gastam em quê?

C4 – Parcela do carro + e o mercado - a gente vai no mercado uma sacolinha do mercado é

cara pra caramba o mercado faz todo final de semana - quando vai com criança junto é doce é

tudo - quanto é coisa roupa de criança uma aqui uma ali é duzentos reais comida também ++

quando vai no mercado é iogurte é coisa meu pequeninho quando vai ele pega o que ele quer

+ sei lá a gente como me criei com pouca coisa minha mãe não pôde me dar então eu penso -

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eu passava vontade um monte comer um chocolate sabe minha mãe não tinha condições de

comprar pra mim então eu penso que agora - pro meus filho eu não quero que eles igual

passar como eu passei né que eu não tinha como eles tem hoje né.

P – E pros teus filhos? O que você quer?

C4 – Que vão estudar pra ser alguma coisa sabe - eu quero que ela estude e se não quiser

trabalhar na terra dela que ela estude - e que ela ganha bem a gente se forma no segundo grau

né + a gente não tem dinheiro né pra fazer uma faculdade - e pra se manter uma faculdade é

seiscentos ++ nós podia ter passado numa federal estadual mas e ela quando tiver dezessete

dezoito anos ela vai ter dinheiro e não precisar trabalhar né.

P – Vocês economizam pra ela fazer uma faculdade depois?

C4 – Ela + ela tem o dinheiro do pai dela né que o pai dela deixou pra ela.

P – As pessoas de fora olham vocês atravessado?

C4 – Não importa - se der bola pra todo mundo ta danado + muitas vezes falam assim - ó ô

lixeiro ali mas muitas vezes ela não tá ofendendo - é que ela não sabe que ele é um reciclador

que ele - não carrega lixo ele carrega papel reciclável - então muitas vezes as pessoas são

desinformadas + não samo lixeiro.

P – À noite vocês catam onde? Ainda sobra papel?

C4 – À noite é quando dá mais papel - porque as loja fecha tudo né ali no Centro.

P – E o lixeiro ganha menos que vocês? Trabalha menos que vocês.

C4 – Mas isso aí também não é relevante - porque a gente trabalha a hora que a gente quiser +

se a gente quer chegar dez horas da manhã - eu chego ninguém manda em nós - se quiser

chegar dez horas da manhã eu chego - se eu quiser vim hoje ou se quiser ficar dormindo em

casa eu pego e fico dormido.

P – O que a família de vocês acha de vocês trabalharem aqui?

C4 – Isso não é importante + o importante é dinheiro ganhar alguma coisa.

P – É melhor trabalhar aqui no aterro ou embaixo da ponte?

C4 – Embaixo da ponte era melhor né - lá tinha luz tinha água tinha banheiro né - podia

chover podia trabaiá que não tinha pobrema nenhum né + e aqui - já quando chega a noite às

vezes à noite é bom de trabalha - porque é fresquinho né - como é que vou ficar trabalhando?

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Não tem luz ++ quando chove nóis tem que ir tudo pra casa né - e é lógico que rende mais que

é mais fresco + durante o dia é calorão né - nós trabaiamo de noite já um monte de vez - é

bom porque é mais fresquinho que durante o dia nesse sol quente.

E - E os teus filhos?

C4 – Minha menina depois de meio-dia ela vai pro colégio - e meu piá fica junto com a minha

prima hoje é capaz da minha menina trazer ele junto.

P – Então às vezes viram a noite aqui?

C4 – Ah - eles dormem no sofá sempre + trago um cobertor um travesseiro e eles ficam ali.

P – E vocês?

C4 – E nós fica trabaiando + às vezes amanhece trabaiando também no outro dia tá ta acabado

né - com sono - canseira né - mas agora não fazemo mais.

P – E o tempo assim como hoje meio chuva meio sol é bom ou ruim?

C4 – Ah esse tempo a gente pega meio gripe né - ta aqui trabalhando vai puxar - depois pega

uma chuva no corpo quente - é um veneno né.

P – Que problemas têm por aqui?

C4 – O grande problema é que ganham muito dinheiro + e como o pessoal assim são do mato

né - a maioria do pessoal é tudo do oeste - então o pessoal não sabe gastá - aqui é uma cidade

+ Florianópolis é uma cidade que ganha dinheiro - mas aqui também se gasta que é caro aqui.

P – Como assim o pessoal não sabe gastar?

C4 – Não sabe ++ não sabe administrar o dinheiro - fazem muita coisa - então muitas vezes

você ganha dinheiro você não - não tem muita experiência onde gastá onde economizar - todo

mundo é compulsivo quase + compra o que quer gasta onde quer guarda bem pouco bem

pouco dinheiro se guarda sabe por quê? Porque ganha daquele jeito - o pessoal sabe que se

eles pegarem oitocentos reais aqui + tipo nós dois nos vamo final de semana tipo nós vamo

trocar dois pneu do carro - ah tem um mais barato lá na não compra o mais caro porque

porque nós sabe que mês que vem nós vamo lá e mais de novo e ganha de novo ++ to falando

pra você trabalhá no papel dá dinheiro mas só que ninguém sabe gasta dinheiro.

P – Às vezes vocês saem pra fazer um lanche?

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C4 – Quanto nós gastamos aquele dia? Foi cem pau cem pila - nós saímo na noite e nós

gastamo cem pila nós bebe bebida cara tem que se diverti também né não é só pensar no

dinheiro.

P – Então trabalha pra se divertir?

C4 – Não nós tem que se divertir também né viver só trabalhando tem que trabalhar e fazer

festa né - trabalha pra trabalha o que sobra a gente a gente vai num parque vai na piscina com

as crianças sorvete é tudo quanto é coisa é isso é aquilo né é bom dar pra eles agora que agora

eles não têm responsabilidade ainda responsabilidade eles não tem ainda né nessa parte de

dinheiro ainda pegar o dinheiro na mão então muitas coisas agora que é mais novinho é bom

que eles tenham aí mais pa frente.

P – Vocês dão dinheiro pra eles?

C4 – Não + nós gasta o dinheiro pra eles - compra pra eles + se deixar eles torram tudo - o

que deixa na mão dela - se tem cem pila quinhentos pila ela gasta tudo em roupa carçado às

vezes eu brigo com ela - mas tu não sabe onde que ta o dinheiro brigam pra ganhá nós regula -

ela não recebe roupa todo final de semana né - tipo aí quando não tivé o que ela vai pensa -

então é tudo regulado.

Entrevista 5

P – Oi!

C5 – Oi.

P – Essa carga aqui é toda sua?

C5 – Não + é do meu irmão.

P – Puxa sozinha?

C5 – Não + com meu irmão.

P – Trabalhas aqui há muito tempo?

C5 – Sim.

P – Gosta de fazer esse trabalho?

C5 – + Normal.

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P – Tem algo melhor que isso?

C5 – Não ++ não adianta.

P – Não adianta?

C5 – - Antes eu trabalhava de babá com o meu tio.

P – Era bom?

C5 – Era.

P – O que é melhor, aqui ou de babá?

C5 – De babá.

P – Por quê?

C5 – Sei lá + é mais legal cuidar de criança.

P – E a renda, onde é melhor aqui ou lá?

C5 – Aqui né.

P – Por quê?

C5 – Porque é melhor.

P – Aqui trabalha o mesmo tanto que trabalhava de babá?

C5 – Não - aqui é mais.

Entrevista 6

P – Como é que você virou presidente?

C6 – Eu era - vice do tio Carlos.

P – Na primeira vez que você se candidatou já ganhou?

C6 – Na primeira vez eu era vice - e agora presidente.

P – Tá gostando de ser presidente?

C6 – Sei lá + acho que me acostumei.

P – O que você faz como presidente?

C6 – Ah - eu tenho que correr né atrás do - do - tem que responder né pela associação.

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P – E essa reunião que o pessoal disse que terá, é sobre o quê?

C6 – Isso a gente faz né + quando tem umas coisa meio urgente - então essa reunião já era pra

ter saído já + daí é que tem uma pessoa aqui né que ela vai puxar e entrega pra outro

comprador ++ e ele tem um problema né que qualquer coisa ele sai correndo tudo e vai pra

delegacia - vai lá e denuncia denuncia a associação - qualquer coisa às vezes acontece uma

discussão com um associado ele vai lá - e denuncia a associação - não tem como a gente

mantê uma pessoa assim.

P – Sempre foi assim?

C6 – Sempre foi assim ++ mas agora ele tá passando dos limite - ele já não ta falando coisa

com coisa né - falando nome então antes que aconteça alguma coisa né aí depois.

P – E como vão resolver isso?

C6 – Vamo conversá com ele né + até o pessoal decidiu né dá uma uma uma chance pra ele -

má pra isso ele vai ter que entra nas regra né - mais um tropeço dele + se ele quisé né - se ele

não quisé ele vai ter que parar de entregar pro outro comprador entrar junto no grupo ++ e e

não fazer mais o que ele faz né - eles não gostam de qualquer coisinha fica indo pra justiça eu

acho ruim - tá errado da parte dele não tem como ele puxá leva coisa da própria associação

não cabe né.

P – Você não sai para buscar material e fica por aqui ou resolvendo outras coisas, então você

é assalariado, vale a pena financeiramente?

C6 – + Sabe que as vezes dá vontade até de a gente pará assim sabe - porque ó é uma

incomodação - e qualquer coisinha que acontece é o presidente - qualquer coisa é o presidente

- e tem pessoas que não reconhece -acha que é fácil + acha que é fácil - aí agora a gente tá

montando uma chapa agora - e vamo ponha aqueles que acham que é fácil né - pra na

diretoria né - só pra vê teve uns tantos lá que entraram mas não demorou muito saíram +

pensá bem vale mais a pena puxar carrinho do que fica como presidente.

P – Como o pessoal daqui te vê?

C6 – Vê - tem alguns que gostam - mas tem uns que não gostam ficam falando dos outros tal

e + vamo vê na eleição.

P – Quem é que está concorrendo com você?

C6 –Tá eu e o Dorival.

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P – E agora?

C6 – Agora + vamos a luta.

P – É ruim ele disputar com você?

C6 – Não acho - é um direito que ele tem - cada um tem o direito né - eu acho ruim ele fica

intrigando no caso de ganha algum voto né fica intrigando a gente os associado - então eu

acho isso errado né - eu nunca fiz isso eu já deixo a liberdade pra ele - cada um vai ver quem

que cada um vai escolher + eu deixo a liberdade ele já não - promete aquilo promete isso e já

tem muito associado que vem e que me fala né.

P – E você já conversou sobre isso com ele?

C6 – Não sobre isso ainda nem + é porque agora ele até semana passada surgiu uma conversa

- aí nós andamos meio que se desentendendo - só que aí ele foi lá pro Itacorubi duas semanas

que ele não aparece aqui + ta trabalhando lá agora + mas aí vamo ter que conversa aí.

P – E se acaso você sair da presidência o que vai fazer?

C6 – Eu vou + vou puxar papel.

P – O que você mais gosta deste trabalho aqui?

C6 – O que eu mais gosto + é vê todo mundo rindo contente satisfeito.

P – E na tua vida o que mais gosta?

C6 – O que eu mais gosto + é fica no meio do mato socegado tranqüilo sem barulho nenhum

+ o som apenas dos passarinhos gritando por roda.

P – E qual é a pior parte?

C6 – Pior - é quando vê as pessoas brigando + qué vê mesmo quando começa a baixar o

produto dos material mesmo - daí o pessoal tudo vem pra cima - querem saber por que está

baixando.

P – Pra cima de ti? Mas é tu quem está comprando?

C6 – Não + mais é eu que sou responsável - só que se ele me passa um preço eu não tenho

como eu pagá mais - sou obrigado a também não tenho como fazê se caso a indústria baixou

pro comprador então aí eles querem - eles baixam vai falar então vamo procurar outro

comprador vamo procurar outro vamo procurar outro mas eles não acham outro que pague

mais as veis um só bota todos pra - pra se revolta aqui.

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P – Queres que os teus filhos trabalhem mais tarde aqui com esse trabalho?

C6 – Vai depender deles ++ mais eu prefiro que eles estudem mesmo - se eles quisé eles não -

sei se vão ser que nem eu - eu tenho orgulho disso que nem agora né eu tenho orgulho de ser o

que eu sou hoje sabendo da importância da do nosso serviço - tempo atrás a gente andava se

escondendo.

P – Por que se escondiam?

C6 – Vergonha de de puxar papel + que era feito catá lixo ++ então a maioria aqui que

começou aqui ficava assim né - chegava vinha por longe vinha - começava a triá não queria

sair pra rua com os carrinhos que era feio - mas hoje em dia já virou uma profissão mesmo.

P – Consideras a catação um emprego?

C6 – É uma profissão.

P – Qual a importância desse trabalho?

C6 – Pra muitas coisas é importante + primeiro é tá ajudando no sustento da da de várias

famílias + tem preservação do meio ambiente - economia pra os órgãos públicos né -

prefeitura é única coisa que te de ruim hoje - é que o pessoal ainda não vê assim a gente como

dignos né - eles sei lá alguns acha feio acho falta de consciência deles né.

P – Vocês se importam com a forma como os outros vêem vocês?

C6 – Eu não ligo - eu não ligo que se alguém olha de cara feia + mais é os carro as vezes a

gente ta no trânsito e alguém alguma vez xinga + até a gente converso também com o pessoal

que tão atravessando aqui - aí os carros buzinam e eles ficam fazendo gesto feio - não é bom

se eles buzinarem - peça desculpa pra ele elogia ele - é mais bonito do que a xingada que eles

deram - eu sempre to passando isso pra eles se te xingarem elogia eles.

Entrevista 7

P – Por que vocês trabalham com a catação de papel?

C7 – Ah + precisa né cara.

P – Mas por que trabalha com este trabalho e não com outro?

C7 – Porque trabalhá com outro serviço é muito pouco por mês e aqui dá mais.

P – Mas aqui não trabalha mais?

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C7 – Aqui trabalha menos e ganha mais.

P – Como é o trabalho aqui?

C7 – É difícil né cara + mais também é bom.

P – Qual é a melhor parte do seu trabalho?

C7 – Ah eu gosto de puxar papel + o melhor é não ter ninguém pra ficar mandando o cara

trabalha a hora que quer quando não quer não trabalha + eu eu gosto de trabalhar nesta área.

P – Está há quanto tempo aqui?

C7 – Faz - acho que uns sete anos.

P – Esse trabalho é pesado?

C7 – Aqui é né.

P – E causa algum problema em vocês, alguma dor?

C7 – Dá né - dá dor no músculo da perna e as costas também um pouco a coluna - a coluna

quanto mais veio mais sofre aí depois só com bengala (risos).

P – Por que estão fazendo este trabalho tão pesado e não estão num lugar fechado com um

serviço mais leve?

C7 – Aí que tá né cara - tá difícil serviço se não tem bom estudo não pega.

P – Trocaria este trabalho por outro?

C7 – É - se pegava um serviço que ganhasse mais ou menos dava - se ganhasse assim um

tanto assim por mês dava né.

P – O que é ganhar um tanto assim por mês?

C7 – Ah uns oitocentos por mês já tava bom + já trabalhei ganhando quinhentos seiscentos

era bom só que era só ficar parado né - doze hora por noite dia sim dia não.

P – Deixou lá para vir pra cá?

C7 – Não dispidiram todo o pessoal - assim encerramento do trabalho ali da construção da

Beiramar do continente trabalhei seis meis fichado.

P – Você considera a catação um emprego?

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C7 – É emprego - porque o cara só vai e já pega né - cara só mesmo se o cara não tive lugar

pra pegá - mesmo assim o cara pegando o carrinho só vai lá e busca o material e - pega é um

emprego mais quando o cara vai lá e trabalha.

P – Vale a pena ser catador?

C7 – Eu acho que vale + fatura né semana.

P – E o que você mais gosta de fazer?

C7 – Eu gosto de faze - quando chega final de semana é beber cento e cinqüenta duzentos por

semana bebendo.

P – O que você menos gosta?

C7 – A pior parte é segunda + pegar tudo de vorta né - a parte de arrumá também - o bão

mesmo é puxa só puxa.

P – Então não gosta de triar?

C7 – Não gosto porque é um serviço que não rende + e eu puxa eu rendo mas é a vida é assim

ganha dinheiro gasta.

P – E bom gastar dinheiro?

C7 – Claro que sim né + tu vai assim jogar uma sinuca um torneio já gasta cem cento e

cinqüenta duzentos.

P – Vale a pena gastar nisso?

C7 – Eu acho que vale o cara ta brincando direitinho tudo certinho né + agora dá uma

entrevistada nele aí (apontou para outro catador) que eu vou lá.

Entrevista 8

P – Quais as novidades?

C8 – Novidade é a seguinte não vou poder ir pra Colômbia né + que daí o congresso mundial

que vai sair eu não vou poder ir.

P – Por que?

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C8 – Não tenho visto - nem passaporte né - pra daí pra ir pra lá tinha que ter no mínimo visto

passaporte essas coisa toda né - mas e o resto tá tudo ++ mas sabia eu fui na banca do Israel

no mestrado dele quando ele foi?

P – E como foi na banca do Israel?

C8 – Lá no mestrado do Israel os cara não fechava com nóis - não fechava com o trabalho

meu - e eu to lá sentado bem na frente eu levantei a mão ele pergunto o que que foi - eu digo

não não é do jeito que o senhor ta falando - fui obrigado a falar isso sabe tava errado memo

vai querer me ensinar o padre a rezar a missa da onde né + foi foi foi isso que eu fiz menina

no mestrado do Israel + disse ensinei pros cara lá - verdade Júlia ensinei pro cara a professora

Thyrza a hora que conversar com ela - a Thyrza menina só sei dizer procê assim ó eu digo não

não é assim.

P – E o que o professor falou?

C8 – Ele falou alguma coisa sobre reciclagem que era daquele jeito que não era daquele jeito

o Israel tinha que fazer desse jeito + não negativo é do jeito que é aqui ó desse tipo daí eu

falei o que que era - falei um monte.

P – E qual foi a reação dele depois?

C8 – Pararam conversaram + aí a professora Thyrza disse ó esse é um catador me apresentou

que eu sou representante do estado coisa e tal eles tem vinte ano de história de trabalhar

dentro da cidade com material reciclável e é pra mim a coisa mais satisfaçória a professora

acha que é a defensora + a coisa mais satisfaçória é uma pessoa que nem o Dorival - sou um

catador que põe a mão na massa que ta ensinando a valsa - e daí pegou e chacoalhou o véião

lá né um careca e mais um outro lá e mais um outro é sei que a coisa era grande digo não

simplesmente que não era do jeito que tão falando + é por aqui e não por aí ih sou

ambientalista eu dou aula né então mais a coisa não é do jeito que vocês estão falando é assim

assim e assim expliquei né como é que é o nome dos bois + o véio desdobrando que era de

outro jeito né eu achei que iam rodar o homem lá o Israel + eu digo não não é desse tipo o

trabalho dele ta corretamente certo + que ele fez pesquisa dentro da nossa base não só dentro

da nossa base como estadual e eu acompanhei - acompanhei memo eu digo que eu tive com

tudo na mão e sempre passando pra ele conforme é o nosso trabalho da reciclage e foi ele foi

o mestrado ambientalista né ++ daí pararam depois eu fui pedir desculpa lá pro piá + não

Dorival você me ajuda aqui se sabe o que é o cara tá na arquibancada e se meter com os cara

lá da mesa (risos) mas fiz memo - fiz memo que tava errado.

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P – Isso não é comum.

C8 – Ah não é?

P – Não é normal.

C8 – Ah me meti mesmo - sem saber o que eu tava fazendo mas pô Júlia - se você tá

aprendendo ou querendo ensinar - por exemplo ele é teu aluno e você quer ensinar se for

sobre reciclagem se tá errado eu sou obrigado a te cobrar - tá errado Júlia é por aqui e não por

ali né querer ensinar nóis? Mas nóis temo prática muitos anos né - que eu não entendo do

linguado né tal e coisa mas falou em coisa grossa - material grosso - trabalho com isso falei

pro professor mesmo - não senhor o senhor está errado.

P – O que é bom e o que é ruim pra vocês?

C8 – É a renda é muito boa pra nós - a renda o nós viemo pra cá o mesmo aqui é só renda o

terreno é bom o espaço é bom a renda é boa o que não é bom falta água falta luz banheiro

barracão infraestrutura total isso não é bom + não tem - não tem infraestrutura boa + casa azul

pretinha (risos) se não fazer piada vai morrer do mesmo jeito né fazer o que tem que rir do

mesmo tipo que mais que não é bom aqui ++ dia de chuva não é bom.

P – Por quê?

C8 – Porque móia nóis né + mais é bom porque móia material fica pesado - e só de papel fica

cem quilo de carga e se moia - dá trezentos.

P – E na hora de vender?

C8 – Normal né - não pode descontar porque é chuva né.

P – Então vende mais pesado mesmo assim?

C8 – Mas vende + tem que vender uma folha assim dá um quilo né - se moia dá três.

P – E ele compra por três?

C8 – É obrigado - que não é não temo estrutura né + quer comprar compra.

P – Todos os catadores foram mandados para o Itacorubi? E o que aconteceu pra vocês

deixarem o Itacorubi e virem pra cá?

C8 – Pois óia menina eu vou dizer procê - depois daquela vez que nós tivemos ali naquela

dificuldade ali lembra né? Nós fizemos um levantamento e caiu cinqüenta e seis por cento

nossa produção + nós fomos todos pra lá pro Itacorubi né e na estrutura que nós tinha nós

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peguemo fizemos convênio com a COMCAP peguemo fiquemo com cinco ponto na cidade +

ponto assim de transbordo né que faz o quadradinho ali daí trazia até ali o caminhão levava lá

pro Itacorubi + sei que não teve jeito não não rendeu a coisa né - daí peguemo trabalhemo

trabalhemo trabalhemo e teve semana que não rendia cara não ia mesmo - nós trabalhamo

quatro dia nós tiramo trinta e um real cada um + imagina né aí vamo ver onde é que tá o furo

né - aí peguemo o pessoal e eu fui pra cima né vamo ver onde é que caiu + fiquei uma semana

correndo com eles achemo os furo né - o pessoal não tinha prática de lidar na esteira né + pa

triar tem que ter mãnha né - são acostumados a lidar em mesinha assim né pegando o material

rapidinho daí foi indo foi indo foi indo foi indo não teve jeito - desistimo apartou um pouco

do pessoal - fomo tudo ali pra o cestão do povo ali ficaram ali um monte - e eu vinha pra li

vinha pra lá e ajeitava lá e vinha pra cá e desse jeito nóis tava né + e reunião dali e reunião da

COMCAP e reunião lá na prefeitura e reunião no Ministério Público + e sei dizer que tivemos

mais de quinze reunião que não tinha e pressionando nóis pra levar nóis pra levar o pessoal lá

e não tinha jeito + um dia eu fui lá na COMCAP e disse óia não tem jeito nós vamos espalhar

pior o pessoal - se o senhor não quer que vire num inferno essa cidade papeleiro pra lá

papeleiro pra cá - já tinha papeleiro em baixo da ponte Hercílio Luz tinha papeleiro na

Beiramar tinha papeleiro lá no canto de lá tinha papeleiro aqui tinha papeleiro na Phipasa

tinha papeleiro em toda parte - imagina nóis com cento e poucas pessoas - tava né na época

nós fizemos área de - área tirada ali não teve jeito um dia resolvi paremo sessenta + setenta

por cento mais ou menos da associação ++ vortei pra ponte me meteram a polícia em cima e

eu metí-lhe a televisão + a ora que chegou a polícia chegou a televisão junto já filmando +

não puderam com nóis.

P – Como é que tu meteu a televisão?

C8 – Cara ++ liguei olhei RBS né - a hora que eu fiz um comboio de vinte e poucos carrinhos

do centro pra lá né - fiz o comboio já pra chegar e embocar todo nundo né - e já tinha um

pessoal me esperando - uma parte lá drento aí já liguei pra televisão - porque eu sabia que eles

iam mandar a polícia né - já tinha um cara que tava assim ne mim né - aí me ligaram bem na

hora + e se você meter o pessoal lá vou meter a polícia em seguida ++ então pode meter que

eu já to indo - quando eles acharam da polícia chegar primeiro pra meter o cassete nem nós +

já a televisão filmando ++ três televisão SBT Record e RBS - aí eu já eu que não sou muito de

hoje né - já truxe o pessoal do Rio Grande do Sul né do movimento né que nós tamo

acostumado a lidar com o movimento - aí já truxe o pessoal do movimento de lá já coloquemo

a música dos catadores né - coloquemo ali estratégia minha + tirei tudo o material larguei tudo

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no chão dentro do barracão enchi de carrinho vazio aqui coloquei dois pit bul na porta + e

entra que eu quero ver + e a polícia onde é que tá o líder onde é que tá o líder - a muierada

tomaram a peito né - não tem nenhum líder aqui o negócio é o seguinte - aqui samos todos

sócios se levar um nosso leva todo mundo + nós tava em quarenta - cinqüenta acho na hora ali

e daí foi chegando carro de polícia e caminhão de COMCAP pra carregar as coisas e o bicho

pegou + e entre que eu quero ver e daí negociemo né não não tem conversa com vocês só o

Ministério Público que se vocês põe a mão aqui eu processo vocês - eu ainda tinha o

documento em mãos e não tem essa segunda-feira parece o Ministério Público diz o que que

deu deu isso isso isso - apresentei o que aconteceu + não mas na ponte agora é uma lei +

agora não pode ficar na ponte não pode ficar na ponte mas vamos tirar terreno vazio e nós

vamos ocupar aí fomo lá - negociemo nós tava lá e de lá nos viemo pra cá virou num favelão

(risos) só mansão mas vamo fazer o que né - tiraram nós daonde nós tinha estrutura né - com

banheiro refeitório e não era bom mas dava pro cara pelo menos comer decente né tinha mais

ou menos algumas coisas legal né beneficiava nóis pra tomar um banho lavar a mão

barracãozinho com coisas legal e levaram nóis pra aquele cantão - eu disse pra eles não

adianta - roncou a barriga não tem quem fique + mesma coisa você ta ganhando cinco mil por

mês e vim ganhar trezentos pila - é a mesma coisa então é o seguinte não dá + nóis vamo ficá

do jeito que tá - agora ameaçaram tirar nóis daqui fui no Ministério Público de novo.

P – Quem ameaça vocês?

C8 – A COMCAP - prefeitura e uns certo que tão ameaçando - daí o seguinte né eu fiz um

congresso agora + foi em dia vinte e três parece temo marcado de novembro do ano passado e

nóis fizemo um jeito de conversar com presidente dos catadores- presidente lá do congresso

de Brasília né e é do desenvolvimento social dos catadores né - então nós chamemo o cara na

responsa e conseguimo de ganhar os terreno federal assim - mas eu preciso de levantar o

mapeamento daqui é que nem no oeste do estado onde esses trilho ferroviário que tá

desativado os catador pode ocupar entendeu - então tem muitos lugar que vai beneficiar os

catadores - e aqui é federal aqui é da união - então o que que significa este terreno tá parado

nóis podemo utilizar - então quando a prefeitura veio com essa eu larguei essa - não nós já

tamo e tamo mesmo reindicando lá em Brasília o terreno + pra nóis sair daqui só se nóis zarpa

+ vamo pra ponte se tirar daqui então eles não tão com poder de tirar daqui - agora eles quer

que nóis faça um barracão entendeu - mais eles não querem me dar o uso do terreno - eles tem

que me dar o uso do terreno que daí nóis vamo fazer + tivemo outra reunião na prefeitura

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ameaçaram de dar um terreno pra nóis quando tava negociando esse terreno pra nóis em frente

ao cestão do povo pro lado de trás.

P – E ali é bom?

C8 – Imagina - Deus o livre - o risco que nós corremo nessa BR aí né caso de atravessar a BR

+ só que os horários né tamo acostumado com os horário - agora da parte da manhã até as

nove e pouco é fogo passar ali - mas passou das nove até meio dia e de tarde até umas três

duas hora duas hora e meia o trânsito é assim mais depois passa de novo - agora passa legal

até agora não aconteceu nada graças a Deus ++ e o resto ta a correria agora não tamo nem aí

tamo tirando o nosso dinheiro trabaiando vamo lá.

P – Como é que tiraram vocês ali de baixo da ponte?

C8 – Nós temo convênio né + convênio assinado.

P – Mas obrigaram vocês a assinar?

C8 – Simplesmente + quem você pensar de órgão público todos contra até a polícia militar o

corpo de bombeiros Deinfra Ipuf ++ só uns são a favor de nóis o resto tudo tudo tudo sabe o

que é tudo?

P – E no Itacorubi vocês não queriam ficar por causa de quê?

P – Por que caiu a renda - e a partilha não dá trabalhar partilhado + porque tem aqueles que

trabaia bem tem aqueles que trabaia menos - daí de repente a minha mulher ganha cem conto

sozinha no dia lá ela vai ganhar cem conto mais vai dividir com quatro - daí vai dar vinte pila

por dia então - então não tem jeito e lá nós fizemos um convênio com a COMCAP e nós só

tria - só triagem fizemo um convênio com a COMCAP eles me colocaram sessenta mil quilos

por mês lá né e mais os convênio que eu fiz por fora - então hoje nós tamo assim e quem ta lá

hoje só tria + daí temo só um caminhão na rua um ou dois catador pegando nos local o

Tribunal de Justiça Receita Unimed Areporto Shopping essas coisas assim cinco ou seis

convênio né - só coisa boa.

P – E aqui como é que funciona?

C8 – Sistema antigo + cada um no seu cada um puxa o seu - entrega - deixa a porcentagem

pra diretoria - ali a diretoria faz administração de pagamento - mesmo sistema de antigamente

++ aqui tá ruim só por causa que nóis não temo luiz e água né aí temo que ir ali do lado.

P – E se tivesse luz e água?

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C8 – Seria ótimo né - e o barracão ++ e o que você ta fazendo aqui?

P – Estou pequisando vocês, quero entender como as coisas funcionam aqui.

C8 – Pra você entender você tem que vim coletar papel + coletar - triar aí você vai entender

melhor - ó meter a mão na massa ó - colocar luvinha aqui menina ó - esse é tal esse é tal esse

é tal - tem um tipo dois tipo três tipo quatro tipo cinco tipo de material.

P – Tem um monte de carrinho parado aí né?

C8 – Tem porque - de manhã cedo normalmente pouca gente tem um localzinho a maioria

vem de noite aqui né - de tarde - trabalham até nove dez eu não trabalho + mais o pessoal

trabalha daí não tria só traz o material pra triar + agora por exemplo esse material aqui é de

ontem a noite - esse - esse aqui - um pouco aquele lá isso tudo de ontem a noite né daí nos

trabalhemo assim - daí de noite coleta traz larga aqui e depois tria.

P – Vocês ainda vendem pro Almeida?

C8 – É nóis vendemo pro Almeida + mas aqui ó esse projeto aqui que nós tava desenvolvendo

ó + projeto de rede de catadores né de Santa Catarina - então nós tamo o que que nós tamo

tentando montá - tentando ainda né - tamo em desenvolvimento - é por exemplo o município

de Florianópolis hoje nós tamo com a ARESP com o Rio Vermelho com a Pinheira com São

José com os Ingleses - nós tamo tentando montar uma rede né - tamo tentando fazer um

trabalho assim de vender direto pra indústria xis material.

P – E como é que fica o Almeida?

C8 – Nóis com o Almeida + não tamo nem aí pro Almeida - ele vai continuar pegando mas o

nosso pensamento é assim ó - de não cortar tudo o material pro Almeida por exemplo vai

cinco cinco tonelada de papelão por dia + mandar quatro e tirar uma deixar no estoque até que

nóis consiga ter uma + uma manter um giro capital de giro pra poder administrar tudo aí fica

mais fácil entendeu.

P – Vocês me disseram uma vez que pesavam material aqui mandavam pro Almeida e o peso

dava diferente?

C8 – Antigamente tava dando isso aí.

P – E hoje?

C8 – Hoje parou.

P – Por que?

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C8 – Parou porque não tem mais desconto né - eu penso que é isso né - desconto é que falta

né material - por exemplo dá um peso aqui na nossa balança e lá dá outro porque de repente

eles descontam.

P – E o que tu achas dessa história de dar um peso aqui e outro lá?

C8 – Olha pra mim + sinceramente deveria de ter um balanço - um balanção etiquetado - vou

saber lá se o motorista do caminhão vai levar reto pra empresa - e se ele faz um desvio chega

aí num depósito pequeno aí - ó quer comprar um pouco do papel aí tira trezentos quatrocentos

quilo fora + então nós tamo na confiança dele de negociador mas vai saber + que nem diz

aquela música vai saber né - eu sinceramente é é uma administração que tinha que ser tocada

com um balanção - tinha que ter um balanção um balanção etiquetado + pesou o caminhão

vazio saiu carregado pesar de novo né aí se faltar é pobrema do motorista.

P – Vocês estão procurando outros compradores?

C8 – Com certeza né + nóis tivemo que nem falei hoje - o Israel o - Israel que tem a que foi

escolhido pra pelo CNPQ - ele viajou todo o país né São Paulo Porto Alegre todo o estado de

Santa Catarina Paraná - pra ver onde é que ta os melhores preços né - então nós temos contato

hoje com o Brasil inteiro - esse - esse projeto foi feito de - pra fazer a rede pro estado de Santa

Catarina - ele beneficeia de um modo mas do outro ele quase fica igual - porque tem aqueles

comprador que só pega por exemplo + só o pet certo - já não pega o plástico mole + tem

aquele comprador que pega só o misto - já não pega outro material + tem aquele comprador

que só quer o branco só material bom - já não pega o branco segundo né + no caso então a

coisa é difícil - não tem jeito de trabalhar porque é mais preferido nós vender tudo junto e

vender pra um só - do que vender a coisa espalhada e outra coisa escolhida do pagamento + o

pagamento tem que ser dinheiro vivo - não tem essa de cheque essas coisa aí não não funciona

muito com nóis.

P – Houve uma época que o pessoal ia receber por conta bancária não?

C8 – É ++ não é confiável né.

P – Por quê?

C8 – Porque nós + o nosso pessoal ele gosta de ter o dinheiro todo dia todo toda - dois dia por

exemplo duas vez por semana né + e esse negócio de conta bancária só a cada quinzena né

não funciona ++ e vamo supor que nóis trabalhamo quinze dia entregando material pra uma

pessoa - prum comprador e o comprador não deposita nada + esse nosso material já era.

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P – Vocês confiam nesse comprador?

C8 – Hoje nós confiamo ++ tem que dizer assim no Almeida eu não sei né - nós confiamo

porque faz tantos ano né - faz mais de dez ano que nós trabalhamo com ele - quase doze ano

já.

P – Haveria possibilidade de ele estar há dez anos enganando vocês?

C8 – Eu não vou dizer que ele teje enganando porque eu não tenho prova né + eu não tenho

prova - mas o mundo é dos espertos - eu não tenho prova pra dizer isso mas o mundo é dos

espertos - se ele tá pra nós ta bom a gente acha que ta bom né - mas eu acho que é muita

consciência né - o que vale é a consciência do comprador - eu acho que ele sabe o nosso

trabalho - sabe a dificuldade eu acho assim que ele valoriza o nosso trabalho mesmo que eles

ganhe mais mas é tudo o que tudo tem que ganhar né + é triste mas o jogo é assim mesmo -

mas um dia nós vamo colocar um balanção + daí vai ser do nosso modo - quer comprar é do

nosso jeito - um dia nada após o outro.

P – Antes de ser catador você trabalhava na roça? Cortava madeira?

C8 – Sim ++ derrubava muita derrubei muita - fui muito marvado com a natureza + nossa

senhora ++ e hoje eu to pagando pá repor o que eu derrubei - é engraçado né mas a gente

quando é do interior né era pobre bem pobre + daí nós cortava lenha - nó de pinha + já ouviu

falar em no de pinha? Juntava nó de pinha - trabaiava com erva mate conhece erva mate? Não

né?.

P – Mas o trabalho da roça não era melhor?

C8 – Não - o trabaio da roça é muito triste + carpi corta lenha roça a roça - é dinheiro não dá

bem pouquinho - muito ruim - aqui não - aqui dá dinheiro dois dia direto cento e sessenta - a

gente gasta dinheiro porque é cidade ne + o custo de vida é mais caro ne - bem mais caro.

P – O que significa dinheiro pra vocês?

C8 – Ô Deus o livre + sem dinheiro nós não somo ninguém - imagina ne o mundo vira em

torno de dinheiro + mora bem - come bem - faze eu não gosto de praia ne - mas a muié ne ir

pra piscina final de semana - dinheiro é tudo ne - este ano ai este verão ta mais difícil que o

ano passado + ano passado nos levava as criança quase todo final de semana parque aquático -

e esse ano não deu - esse ano ai tá mais apertado - esse ano é mais é conta ne - é ela tem um

caminhãozinho 608 em estado bom ta la na tia.

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P – E nos supermercados, lojas, quando vocês vão fazer compras vocês procuram o produto

como? É o produto melhor, é o mais barato? O que vocês preferem?

C8 – Varia ne + nós eu e minha mulher né - nos comemo bem - meu peso tem que ta cheio de

carne - comprá os melhores produto né + por exemplo linguicinha - que nem nós compramo

uma linguicinha porque era mais barato um pouco - não prestô + e vai come uma coisa que

não gosta? O pobrema é só a carne - tem que tê carne - tendo carne carne né carne boa carne

de porco gado galinha frango tudo quanto é tipo ne - tem de tudo vive só pa comida e comer

bem ++ peguei uma daquela - vinte e três pau o quilo - trinta e três conto acho - mas é assim

nós que trabalhamo pesado e coisa assim tem que comer bem né + uma é passar bem não é

comer bem + é passar bem + a gente trabalha bastante - daí chegar em casa e comer uma coisa

que não tu gosta não adianta - nos samo meio enjoado na minha família + e meu pai é de uma

família que sempre teve - e tendo uma casinha um carro pra volta e meia dar uma saída ++

mas agora meu carro tá parado + estraguei o motor de arranco dele é e é meio caro né - agora

não tô podendo né - tá guardado - tá na garagem ++ e esse negócio de fazer herança pra filho

isso aí é bobagem depois aí os pais se matam + nós dois quando eu e ela casemo nós só tinha

nós dois e dois saco + eles que tratem de se virarem e trabalharem pra aprender de onde que

vem - porque eles pega tudo muito fácil não não dá certo - as vezes pega as coisas fácil daí

eles não valorizam e aí eles ter que trabalhar também eles vão valorizar as coisas também -

porque eu tenho exemplo lá em casa + meu pai é velhinho se incomoda um monte porque fez

um pouco de coisa - e hoje em dia os fio - meu Deus do céu brigam por causa do que o pai

tem.

P – Como é o trabalho aqui da tua turma?

C8 – Aqui é difícil de lidar + difícil ainda mais porque é noventa e oito por cento parente né +

e falta dinheiro ganhar bem - o mundo vira em volta de dinheiro + e enquanto o pessoal tiver

ganhando bem - vai andar de boa né.

P – O que é mais importante pra ti nesse trabalho todo de catação? O que te motiva a ser um

catador?

C8 – Olha + na verdade eu gosto né + coisa que eu sempre gostei de fazer - porque uma que é

um dinheiro assim que a gente não paga né - pra trazer não é comprado não é nada - é uma

coisa que vem lucro - tudo isso é dinheiro ++ uma é por isso - por causa da renda por causa da

renda que é boa + e outra por causa que eu acho que tem que existir catador por causa do – do

- do nosso planeta mesmo né + do meio ambiente - tu já pensou se não existisse catador? O

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que que era nosso mundo de hoje + a globalização hoje tá derretendo tudo quanto é gelo lá

não sei aonde ++ no pólo norte né + por causa da desmatação - então quantas árvores tu + nós

tivemo lendo um livro assim que saiu no movimento - deve ter até num site aí - cada mil quilo

desse papelão salva sessenta árvore entendeu ++ mil quilo de material é sessenta madeira que

você não precisa derrubar né - então tu pensa bem cada cem tonelada + eu tive somando não

sei se é cem tonelada não sei o que que é - eu tenho que somar - sei dizer que por mês nós

tamo salvando na base de dezoito mil árvore por mês + os catador daqui do Centro.

P – E todo mundo sabe disso será? O pessoal daqui?

C8 – Uma boa parte sabe + mas se tem que responder responde mesmo só eu - porque deve de

algum motivo né - que nem é difícil deles saber disso - pouca gente assim passou pela

capacitação do movimento né + e sabe que as coisas mais pesada assim sempre é comigo né +

comigo e com o Preto né + e se nós ir fazer uma pergunta hoje prum cidadão - o cidadão nem

sabe o que que é o papelão + tem muita gente que não sabe que é reciclável ++ mas não sabe

por que que é reciclável - por que que é a caixa de papelão essa caixa aqui pode ter passado na

nossa mão antes já né - ela tá de volta - então é - é beneficiamento pro meio ambiente ou seja

pra natureza - e eu acho que é ótimo isso.

P – Mas como é que vocês acham que as pessoas enxergam vocês?

C8 – Antigamente era mais discriminado + hoje já ta mais mudadinho um pouquinho + hoje

eles me vêem como um catador né - antigamente pra muita gente era lixeiro + bêbado ou

drogado né + ou cachaceiro + ladrão né ++ ainda tem muito disso - que ainda tem muita

madame que tapa o nariz pra passar perto né ++ e ela quando morrer vai ser mais fedida que

nós junto - isso é uma realidade - é eu já passei perto de gente que fazia assim + ô dona se a

senhora tá se sentindo mal a senhora deve de morar no ar - o mundo é assim mesmo nós temo

de trabalhar - nós não nascemo com berço de ouro né + não samo marajá - não samo

latifundiário né.

P – Você ganha um valor por semana e outra pessoa ganha outro valor por semana, isso não

dá um rolo?

C8 – É - é isso aí dá um pouquinho - porque daí eu trabalhei mais - se eu ganhar mais - se eu

tiver trabalhando mais eu vou ganhar mais - se eu ficar o dia inteiro parado eu não vou ganhar

nada + e você tá trabalhando não existe desconfiança porque o material é selecionado e

pesado + então a diferença tá aí.

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P – E todos vêem o valor que os outros ganham? Como funciona isso?

C8 – Não + eu conto pra você se eu quero - porque eu acerto conta sozinho e o presidente não

tem que á falando + o presidente + o tesoureiro ou aqueles que paguem né + a pessoa que faz

o pagamento não tem que tá falando pra ninguém quanto que eu ganhei + que isso é falta de

ética né - e daí aí o pau pega ++ se eu ganhei cem conto no dia é poblema meu - acho que

uma ética dum pagamento das pessoa deve ser sigiloso - eu não preciso saber quanto que você

ganha + nem eu quero saber quanto você ganha - então hoje trabalha dentro de um período

assim de ética - que pá acerta conta se você quer ficar comigo você fique né - e sempre tem

um as veis que gosta - que a gente gosta - pode tá junto ali - vê quanto que o cara ganha e não

dá nada - mas tem gente que né que não gosta - e eu acho que tem que ser respeitado né - esta

parte né ++ hoje os pagamento ta sendo feito pelo computador né - e armazena tudo nossos

pagamento é legal é legal - daí nos tamo com senha - todo mundo tem a senha - chega no dia

quem chegou primeiro pega e distribui pro pessoal - o um - o dois - o três - o quatro até o

último + daí também temo organização - é muito legal sabe - não sei né eu penso um dia

assim de - eu não eu vou continuar na diretoria hoje e até quando Deus quiser + mas pro meus

filho eu não quero não esse trabalho ++ eu gosto desse trabalho - mas pro meus filho eu não

quero esse trabalho.

P – Tu não gosta desse trabalho?

C8 – Eu gosto + mas pro meus filho eu não quero esse trabalho ++ ah não né eu quero que

eles pegam um emprego carteira assinada.

P – Mas isso aqui não é um emprego?

C8 – Pra mim é + mas eu gosto coisa e tal - que nem eu e minha esposa - eu ela pra nós tá

tudo certo - mas pros filho não penso - eu quero meus filho num trabalho diferente entendeu?

Eu já tô dando o que eu posso pra eles + que nem agora um já vai terminar o curso de

computação já tudo + eu já penso pra ele de repente - futuramente ele entra né - num e ser um

técnico ambiental entendeu? Já que eu tenho conhecimento que eu sempre tô passando pro

meu piá tudo o que eu tô aprendendo + tudo quanto é coisa eu vou ensinando - eu penso nisso

eu penso futuramente ele ser um técnico que trabalha nisso - mas não meter a mão na massa

++ mais tu vê ó um orgulho prum catador - há tantos anos e hoje eu ensino como é que tem

que ser como é que não tem que ser - então essa é uma das coisas que eu vou tentar fazer e ver

né - se é isso que ele quer também né ++ de repente não é + a gente faz um plano Deus faz

outro - e ele também né pelo menos ele né - eu penso assim né eu - penso assim.

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P – O que vocês fazem com a renda que ganham? Onde costumam gastar?

C8 – Ah eu não costumo gastar né + cartão de crédito - os cartão come tudo hoje - a dona aí

gasta no mercado - loja + ela ta me racionando (risos) nós temo conta né - hoje nós tamo

pagando mil e duzentos acho que por mês mais ou menos na prestação do meu carro -

máquina de lavar - geladeira - cartão de mercado - ih essa semana temo quatrocentos pra

pagar ++ vai dar o bicho + vai dar o bicho quatrocentos ++ e nós não trabalhamos segunda +

são quatro dias pra arrancar quatrocentos.

P – Por que não trabalharam segunda? Estavam de folga?

C8 – Não porque deu ventaval + aquele que derrubou tudo nossas casa - aí tive que dá direto -

tive que levantar o barraquinho de novo - aí segunda-feira passei o dia fazendo isso e esse

chão é duro.

P – Tem filhos?

C8 – Não ++ tenho só cinco (risos).

P – E gasta com eles?

C8 - Ê - isso é uma fortuna ++ claro tem mais isso aí né - essa é a fortuna do - a riqueza do

pobre é os filho né + então hoje tá assim sabe + o dinheiro que a gente ganha vai a maioria pra

conta né ++ eu agora parei um pouco de viajar mas esses dias fui pra Belo Horizonte porque

tinha um festival lá fui de avião + papeleiro entojado né + vai de avião (risos) três vezes já

andei de avião - três quatro vez - a primeira vez tava meio com medo né - normal - mas é

muito feia a terra né ++ meu Deus do céu de lá de cima - é uma piralzeira feio pra caramba.

P – E os outros souberam?

C8 – Souberam claro + eu faço reunião todo mundo - comento deram risada + acharam

engraçado papeleiro andando de carro e de avião né ++ é difícil né - só que o movimento

nosso todos né quando é urgente mesmo + tipo eu tô aqui hoje ninguém ligô - de repente o

movimento acha que tem que fazer uma coisa assim + já pagam tudo.

P – E papeleiro não pode andar de avião?

C8 – Pode né ++ mas tem muita gente assim - que pensa assim e eu uso ainda a camisa do

movimento né ++ tem muita gente assim né.

P – Assim como? Me explica.

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C8 – Fica é - que nem assim o movimento nacional dos catadores de materiais recicláveis né

+ tem muita gente que filma - que vê né catador andando de avião né - acha estranho né -

claro porque avião é uma coisa de chique + é só pra gente que tem né grana + pra nós agora é

comum (risos) ++ mas é legal o conhecimento que eu tenho né - coisa de três quatro anos que

eu tô no movimento - se eu não tinha esse conhecimento eu tinha me incomodado - nós já

tinha perdido muita coisa ++ porque hoje eu sei entrar dentro de uma prefeitura e sei dizer o

que que é e o que que não é ++ hoje eu brigo separado né - antigamente eles vinham pra nóis

e nóis ficava assim ó (abaixa a cabeça) com vergonha + com medo - cabeça baixa - há oito

anos atrás - antes de conhecer o movimento mesmo né - menos + quatro cinco anos assim.

P – E por que vocês ficavam assim?

C8 – Ficava assim porque nóis achava que era do jeito que eles diziam né ++ chegavam aqui

drento por exemplo e diziam isso e isso e nóis ficava assim humilhado + imagina né hoje não

- hoje pra mi dizer eu não chamo senhor prefeito - senhor fulano de tal - é prefeito e deu - é

você que é nosso empregado - eu não sou teu empregado rapaz - você que tem que fazer as

coisas não é nóis + então hoje eu negocio desse termo com ele.

P – E por que tu pensas assim?

C8 – Eu penso assim porque eu aprendi - o movimento nacional nos ensinou né - o nosso

movimento ensina muita coisa pra eu chegar e ser um líder hoje + eu comecei a minha

capacitação em Porto Alegre e terminei em Brasília pra você ter uma idéia né + então hoje o

meu pensamento é diferente - completamente - todos os líder da - da coisa é inimigo do

governo né - nóis - nóis antigamente não sabia como é que era - os engravatado falava e nóis

ficava quieto - e hoje não - hoje pra me mandar óia guenta aí que eu vou falar + e é assim que

funciona né - eu acho que há um respeito - há uma um acordo tem a negociação boa - e tem a

negociação que é a que não vai dar certo + então quando eles tão vindo eu já tô voltando ++

cada golpe que eles querem me dar eu tô sabendo já - então não tem mais conversa porque

isso porque aquilo porque nóis vamo fazer isso porque vocês tem que fazer isso porque se não

nóis não vamo dá isso + por exemplo eles disseram pra mim se não eu vou lá pra largar o

Ministério Público + se quiser largar larga o problema é teu - o Ministério Público tava a

favor deles no começo - bem a favorzinho deles - eu perguntei pra eles o senhor é dos direitos

humanos ou o senhor é do que ++ o senhor é dos direitos humanos ou é da prefeitura + eu

falei mesmo.

P – Dá algum problema de saúde catar com esses carrinhos?

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C8 – Até hoje ninguém se queixou né + as vezes fica muita gente com dor nos pé né - dor nas

perna - e aí dão uns problema maior - mas também pegam cedo e largam dez hora da noite né

++ só pode mesmo dar problema nas perna - na musculação - mas tem muié que tem mais

força que homem ++ se bobear tu não baixa um carrinho e elas pegam dão risada - elas ali são

todo dia em três - e vinte quatro horas elas trabaiam direto - são trabalhadeira mesmo mas

fazem conta aí - mas vai ver tem casa de dois andar - tem duas ou três casas no morro - tem

quatro cinco televisão nova - geladeira - essas coisinhas - computador esse negocinho (aponta

para o pen drive) tudo isso.

P – E tu tem tudo isso?

C8 – Ah não + eu não nós somo pobre ++ não é que não queira - é que não sobra + o guri

mais velho tá terminando o curso de computação + e quer porque quer um computador - mas

e agora tem que comprar né ++ por enquanto ainda não dá - mas no final do ano tem que

comprar - e lá vai nóis trabalhar um pouco.

P – Vocês vão trabalhar pra dar o computador pra ele?

C8 – Com certeza.

P – Por quê?

C8 – Como é que nóis vamo tirar da onde? Tem que comprar.

P – Então ele pede e vocês compram?

C8 – Não não é que ele pede e nóis compra ++ ele vai terminar o curso e tem que comprar um

computador pra ele ter + se não ele termina agora o curso - e se ele não tiver um computador

assim com certeza até ele pegar a idade pra pegar um emprego ele vai perder um pouco - aí

entra a nossa exploração né - vamo aprender com ele um pouco - mas é assim mesmo nós

vamo comprar o computador pra ele ++ mas hoje nós temo a nossa casa + a minha casa dá

nove por sete e meio - minha casa é madeira de pinheiro mesmo araucária - como dizem

aquele pinheiro que dá pinha pra ser mais bonito pra você né + e é uma casa grande né - nossa

casa tem dois quarto grande - um banheiro de material - e a sala é uma só mas é um salão

daquele como aquele barraco.

P – Quer continuar com essa casa?

C8 – Não + daqui um tempo quando nós conseguir se livrar um pouco das coisas - nós vê que

vai dar - que nós conseguir ver que vai engrenar a coisa - quero fazer uma casa de dois piso +

quero fazer tudo no meu terreno - no meu terreno entra um carro lá dentro sabe ++ quero fazer

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a casa assim mais ou menos - dar uns vinte por doze - não não dá uns dez por uns quinze

quadrado no meu terreno - eu quero fazer um porão grande - ponha o carro lá drento de baixo

- daí quero fazer o piso e levantar pra cima + tá ficando só casa boa em roda né + a minha

casa é uma casa bem bonita pintada - toda pintada.

P – Queres mudar tua casa por causa das outras?

C8 – Não + quero mudar porque se nóis vim morar em Florianópolis de ficar mesmo como já

tamo aqui - daí nóis vamo fazer uma casa boa né + ter aposentadoria e aproveitar né -

entendeu?

P – Sonhas com a aposentadoria?

C8 – Não que eu sonho com a aposentadoria + o que eu penso assim ó fazer uma casa boa pra

futuramente - quando tiver velhinho - ter uma casa boa entendeu + tem que pensar na frente e

depois de velho ++ e daí daí não dá né.

P – O que te deixa mais feliz?

C8 – Olha ++ vê o pessoal feliz né cara + vê o pessoal tudo de dinheirinho no bolso né +

pagando suas continhas - triste eu fico quando não dá pra pagar conta né - o pessoal não pagar

uma conta né - tem muita gente que tem cartão de crédito - tem conta em loja - tem - tem de

tudo né - tem gente que você vai na casa e na casa mesmo onde mora assim você fica + não é

que é catador vocês olham o carro - pode tar na garagem tem capacidade assim esse negócio

de ficar - aí ai meu Deus não dá nada + choram fazem o bicho mas é dá - dá - trabaiando com

chuva sol dá sim - hoje tá numa média boa + dá trezentos quatrocentos quinhentos aí por

semana.

P – Mas tem que catar muito pra dar isso?

C8 – É e não é também né - porque tem muita gente que já tem - mais os mais velhos sempre

tem o local garantido né - dá pra pegar e o pessoal já guarda - e eu depois que fui pro

Itacorubi fiz um monte desses convênio né - Unimed - Shopping - vários local aí né - e tu vê

tô aqui - mas to sempre né batalhando pelo pessoal + que nem agora ó já vou lá pro Besc -

agora vou ver se faço um convênio lá com - pro Estado inteiro + toda rede Besc passar o

material pra nós.

P – O que vocês fazem no final de semana?

C8 – Ah eu vou pro bar jogar sinuca - sexta-feira é dia de nóis ir no x salada - lá no lanche na

sexta é sagrado + os cara lá os drive como é que chamam né - vai nóis tudo - a família as

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crianças + chegou a sexta-feira já dizem - ó mana não é pra fazer comida viu porque hoje é o

dia do nosso cachorro-quente.

P – Mas isso não gasta mais?

C8 – Mas só que eles acostumaram + e agora chega sexta-feira e ninguém quer comer + é tipo

um programa - porque chega sexta - arrecebem e é sagrado a sexta-feira - daí também né - a

gente não faz outra coisa mesmo + a muié é evangélica e eu não sô né + eu vou jogar sinuca

ela vai pra igreja + quando eu saio mas eu saio a maioria pra jogar sinuca né ++ eu jogo

torneio.

P – O que que é se valorizar pra ti?

C8 – Se valorizar é ter prazer de fazer - pegar carrinho e ir no Centro - e não ter vergonha do

que tá fazendo - eu sou catador e eu vou na televisão - e sou catador não tem problema eu sou

reciclador - eu vou dentro de uma loja e o que que o senhor faz + eu trabalho com reciclagem

+ antigamente falava uma coisa dessas e já saia.

P – Todos aqui tem orgulho disso?

C8 – Não sei todos + mas eu né - pelo menos eu garanto eu tenho eu gosto de ser isso - tem

gente nossa que não usa camisa quando vai pra casa por exemplo + já tem vergonha parece +

eu - se eu tô de camisa eu tava trabalhando - eu acho que o orgulho que eu tenho porque e sou

- eu me considero um cara que trabalha e não venha me punir né + se falar alguma coisa e

contrário + porque qual é a diferença do seu trabalho + tu sabe bater no computador parabéns

pra ti - que eu sei lidar com reciclagem esse é meu trabalho fazer o quê + qual é a diferença do

trabalho - de repente a tua a tua é diferente - você tem um patrão e eu não tenho - você não se

governa e eu me governo - se eu quiser ir agora lá tomar cerveja ou ir no morro eu vou - vou

ali no Centro - se eu quiser ir lá tomar um caldo de cana eu vou - se eu quiser comer um

churrasco agora meio dia eu vou.

P – Ela está usando luvas né? Mas usava antes?

C8 – Agora por causa do perigo né + porque o costume da turma não é usar - mas perigoso

mesmo é vidro e o papel higiênico né - vem muita coisa que misturam - porque tem gente que

não classifica o material direitinho + mas isso aí não guenta né - porque estoura - e antes o

pessoal não usava porque não conheciam + ou não se adapta usar luva - ou não gosta mas é

um ferramental.

P – O que vocês encontram no material que separam?

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C8 – vem muita coisa ++ vem roupa - vem calçado - vem relógio - brinco - pulseira - essas

coisas tudo aí - não é sempre mas vem - e o que interessa a gente usa - dá pra piasada + vem

dólar – dinheiro ++ uma vez achei seiscentos dólares - não sei se colocaram ou perderam - no

papel do shopping acham muita coisa - celular - celular vem toda vida - meu primo achou três

relógio - relógio lá em casa tem uns quinze acho.

Entrevista 9

P – É melhor ficar aqui no controle da balança ou puxar?

C9 – Durante o dia aqui né + a noite tem vez que eu vou fazer uma carga - duas carga.

P – Mas por que a noite?

C9 – Mais fresquinho né - e dá mais papel de noite - dá mais material.

P – Mas você já tem o trabalho da pesagem e recebe por isso certo?

C9 – É né.

P – E puxa mesmo assim por quê?

C9 – Muito pouco né - um pouquinho que ganha aqui - outro que ganha ali.

P – Se fosse só puxar ganharia mais?

C9 – Acho que dá quase a mesma coisa - ganha um tanto por semana - dá seiscentos conto por

semana ficá aqui pesando - aqui daí mais o que eu cato na rua.

P – Preferia trocar e puxar o dia todo?

C9 – Ah não né - muito ruim puxar de dia aí + assim ó caso eu parasse de trabalhar aqui eu

vou puxar de noite e arrumar de dia + melhor né a maioria faz isso - puxam de noite e

arrumam durante o dia.

P – E essa história do associado que tá dando problema?

C9 – Vamo ver na reunião - ele é folgado mesmo.

P – Vocês deixaram uma pessoa folgada vir pra cá?

C9 – Não ele já era membro da associação + só que ele entrega pa outro né - antes ele

entregava pa nóis - daí teve aquela separação - fomo pro Itacorubi lá - daí ele passou a

entregar pa outro - e não pára né.

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P – Como descobriram que ele estava entregando pra outro?

C9 – Ah + o caminhão vem buscar aqui.

P – O que pretendem com a reunião?

C9 – Vê se ele vai entrega pa - pa mesmo que nós entregamo - pa senão + senão daí vamo ter

que tira ele ++ daí vai ser pela maioria que é que decide.

P – E por que não querem que ele entregue para outro?

C9 – Que daí é ruim né + só um incomodando né - o resto tudo entregando pa um só e o outro

sozinho entregando pa outro + daí fica aquela complicação de entrar caminhão aqui né.

P – O que tu mais gosta do teu dia?

C9 – Ah - a hora do almoço né (risos).

P – E qual a pior parte do teu dia?

C9 – Ficá aqui pesando né.

P – Então tu não gosta desse trabalho?

C9 – Não é - complica um pouco a cabeça - tem vez que eu dou uma errada aqui + esqueço de

marcar na nota.

P – O que é melhor entre puxar ou pesar?

C9 – Pesá né ++ pesa e puxá.

Entrevista 10

P – O senhor sempre trabalha com música aqui?

C10 – Tem que ser né moça - se não não dá - só escutando o barulho do papel não dá.

P – O senhor cata e puxa também?

C10 – Não eu só arrumo né - tem outro colega que puxa.

P – É bom este trabalho?

C10 – Olha + pra mim não é minha profissão né ++ mais não posso mais fazê trabaiá na

minha profissão - então eu tô aqui pra quebra galho - mas eu gosto muito não - gosto não - só

pra distraí e não ficar parado - é - ruim não é né.

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P – Por que não é?

C10 – Por que é bom ta aí no meio dos colega - trabalha um pouco - um pouco conversa - vai

passando o tempo assim.

P – O senhor disse que não gosta muito mas o que que o senhor não gosta?

C10 – Olha + eu não gosto porque sei lá ficar trabalhando no meio de nojeira aí - mas tem que

fazê né - tem que fazê e o carinha que puxa aqui as vezes ele pega muito na receita ali - então

do edifício assim vem muita porcaria - aí as vez vem um pouco de lixo assim - mas todo

mundo tira de letra.

P – Qual é a parte boa disso tudo?

C10 – Olha a parte boa é quando chega sexta-feira + e eu vou pra casa - e pego o dindim + é

essa é a parte melhor.

P – A renda como é?

C10 – Olha aqui é o seguinte - cada um trabalha pra si e depende o total que dá no final da

semana - aí eles recebem - cada papel tem um preço + não sei se já falaram pra você - e eu até

nem sei o preço direito porque o meu negócio é vim e eu nem me interesso por isso aí - e eu

ganho cem cento e pouco por semana - depende do que dá aqui também né.

P – Para o senhor isso é bom ou não?

C10 – Olha - não não é ruim não não é ruim + que antes eu trabalhava de servente - era nessa

base de cem cento e vinte.

P – Disse que não podia trabalhar mais na sua profissão?

C10 – É motorista + só que daí deu poblema de vista - eu quebrei a perna - caí de moto né - aí

quebrei a perna + tenho dois pino na perna - aí não dá pra correr - não dá pra tá trepando -

coisa né então - se bem que assim incomoda um pouco - no final do dia ela incha e tal né

então - mais dá pra ir levando.

P – O senhor tem filhos?

C10 – Sou separado + tive cinco.

P – E o senhor gostaria desse trabalho pros seus filhos?

C10 – Não é - eu sou - moro sozinho em casa - aí pra mim tá bom porque tenho um

barraquinho lá - moro sozinho - tá bom.

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P – O que é importante pro senhor?

C10 – Pois olha ++ tem um monte de coisa que é importante (risos).

P – Então fala pra mim uma por uma.

C10 – Importante é juntar dinheiro - que eu quero ter o meu carrinho ainda né + tive tal mas

agora não tenho mais - e ter minha casa própria sabe - porque aonde eu moro é desse carinha

que eu trabalho junto - mas é que já faz mais de nove ano que a gente tá sempre junto

trabalhando e tal + então já deu quase pra acostumar né - que a minha família não mora aqui -

então o mais importante era ter uma casinha - uma casa minha mesmo + a gente faz o que

bem entende.

P – O senhor vai conseguir comprar?

C10 – Se Deus quiser né.

P – Está economizando?

C10 – É + devagarinho eu quero ver se chego lá.

P – E final de semana o que o senhor faz?

C10 – Olha final de semana é conversando com os colega - tomando umas caipira - uma

cervejinha.

P – O senhor tria, mas preferia puxar ou triar?

C10 – Eu prefiro arrumar aqui do que puxar.

P – Por quê?

C10 – Porque - precisa dizer moça? Eu já trabalhei no saco aqui - já trabalhei no expresso

beiramar - trabalhei no malote com a Caixa Econômica - trabalhei entregando nessas loja + eu

puxá um carrinho desse aí.

P – Como assim? Explica melhor.

C10 – Na rua porque é o seguinte - eu sou um pouco envergonhado - tem um monte de gente

lá que sou filho de colono sou da serra ta + tem um monte de rapaz que estuda aqui moça e

conhecido lá - então eu saí de lá pra ter uma vida melhor sabe - pra não trabalhá na roça -

trabalhava com trator lá e tal - então não vou sair lá da inchada pra vim aqui puxá carrinho

aqui no Centro + de vez em quando esbarro aqui com um deles - e daí vão ver ô negão saiu de

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lá da roça lá pra vim aqui puxa carrinho.+ tenho vergonha ++ não vou não - eu já disse pra

todo - mundo não puxo.

P – Mas o senhor tem vergonha do trabalho aqui?

C10 – Não - vergonha não - porque tô pra trabalhar - não tenho vergonha é o que eu digo -

não tenho vergonha do serviço que tudo é serviço - não tá roubando - só que não serve pra

mim puxá lá fora não - prefiro ficar aqui dentro.

P – Então o senhor tem vergonha do pessoal conhecido te reconhecer?

C10 – É.

P – E a imagem que a sociedade tem de vocês qual é?

C10 – Olha moça isso aí eu não posso respondê - quem pode respondê melhor é o carinha ali

ó - é o Preto - aquele outro lá.

P – O senhor se importaria se alguém soubesse que está nessa profissão?

C10 – Não porque eu digo no que que eu trabalho - só que eu não puxo no Centro + sei lá.

P – Esse trabalho que vocês fazem é importante?

C10 – Eu acho que é pra todo mundo - porque a gente tá fazendo limpeza né moça - porque já

pensou essas imundice toda aí na cidade aí + sem contar o que a gente pega aí de resto de

comida e coisa fedendo né - se deixar aí a COMCAP não vai dar conta de levar isso tudo.

P – As vezes vem comida boa dentro do material?

C10 – As vezes acho + as vezes né.

P – E o que vocês fazem?

C10 – Nós temo um porco em casa - aí peguemo - botemo dentro da caminhonete - e levemo

pra ele - pão aí a gente leva faz lavagem né.

P – Mas se tiver bem limpinho e tiver separado vocês não pegam?

C10 – Não porque a gente não sabe de onde veio.

P – E se alguém entregar assim nas mãos de vocês?

C10 – Ah não - daí é outra coisa né.

E- O teu trabalho é perigoso?

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C10 – Eu de vez em quando eu acho que - é deve ser né - que aparece muita seringa - agulha -

essas coisa - sei lá as vez pode o cara dar uma espetada - vidro quebrado né.

P – E o senhor não gosta de usar luva?

C10 – Não já usei - mas é que escorrega muito o papel - daí fica ruim.

Entrevista 11

P – A senhora gosta de se arrumar?

C11 – Eu gosto.

P – Trabalha aqui há muito tempo?

C11 – Faz tempo - eu trabalho na reciclage já faz dezesseis anos.

P – Como é esse trabalho?

C11 – É bom.

P – Por que é bom?

C11 – Dá pra nós ganha dinheiro né.

P – E não tem outro lugar que dá pra ganhar dinheiro?

C11 – Ah que tem tem né - mais é difícil porque a gente não tem estudo né.

P – O que a senhora mais gosta desse trabalho?

C11 – Tudo né.

P – E o que é tudo?

C11 – Gosto de separá - gosto de puxá né.

P – Trabalha sozinha?

C11 – Eu e meu marido né - daí eu trio aqui.

P – Qual a parte mais legal da sua vida, do seu dia?

C11 – O que eu gosto mais é de manhã né - de manhã é mais fresco né.

P – E qual a parte que a senhora menos gosta?

C11 – Não tem.

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P – Nada?

C11 – É ruim - assim porque o tempo né mas se tivé o barracão ++ porque assim no tempo é

ruim né.

P – A senhora tem filhos?

C11 – Tenho - o meu tá com dez anos.

P – A senhora gosta de trabalhar aqui?

C11 – Gosto.

P – E vai querer que ele trabalhe aqui também?

C11 – Não né - ele tem que né - não pra eles eu quero uma coisa melhor né - pra eles não eu

quero que ele trabalhe em outro lugar - que tenha uma profissão e pegue algo melhor né - isso

aqui é bão né - mas pra quem ta acostumado já a trabalhar assim né.

P – Por que a senhora não sai daqui?

C11 – Porque não tem maneira de arrumar um outro serviço né - não tenho estudo né daí.

P – Isso aqui é uma profissão pra senhora?

C11 – É.

P – A senhora sente vergonha de estar nesse trabalho?

C11 – Eu não - ter vergonha de trabalhá - a gente tem que ter vergonha de roubá né

trabalhando não dá pra ter vergonha né - de trabalha.

P – Qual é a imagem que a sociedade tem de vocês?

C11 – Eles acham bonito né - a gente tá trabalhando.

P – Isso aqui é um emprego?

C11 – É pra nós é né - não tem outro emprego.

P – A senhora trabalha quantos dias da semana?

C11 – De segunda a sexta.

P – E o que a senhora faz quando não está trabalhando?

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C11 – Quando tô em casa a gente lava roupa né - limpa a casa né - a gente nunca fica sem

serviço né - que a gente trabalha a semana inteira né -daí chega o final de semana a gente ta

cheio de serviço pa fazê em casa né.

P – Mas a senhora não se diverte se distrai com alguma coisa?

C11 – As vezes a gente sai vai na casa dos parente né - ma quando tem tempo também.

P – E o dinheiro que se ganha aqui é bom ou ruim?

C11 – É bom né - que dá pra gente compra as coisa né comprá as coisa pra dentro de casa né -

criança estudando né - e gasta bastante com roupa calçado.

P – Precisa trabalhar assim arrumada cheia de brinco, pulseira, anel, corrente?

C11 – (Risos) É que a gente acostuma né - e que que adianta tá trabalhando e anda mal

arrumada né - que nem uma mindinga - daí não dá né - se encontram a gente na rua daí vão

dizê ó lá aquela mindinga lá ó - e a gente tando bem arrumadinha não + ah eu nunca gostei de

andar mal arrumada - toda vida eu gostei de andar bem bem bonitinha né ++ não é porque a

gente trabalha né que precisa anda estraçalhada né.

P – As vezes na separação do material vem comida?

C11 – Vem as veis vem separado as veis.

P – E o que vocês fazem?

C11 – Nós coloquemo no lixo porque não dá pa come né - só quando vem bem fechadinho né

daí dá.

P – Esse trabalho é importante na visão da senhora?

C11 – Pra nós é bom né.

P – E pra sociedade?

C11 – Pra eles também é né - a gente limpa + limpa a rua né tira da cidade né - a maioria nós

peguemo né.

Entrevista 12

C12 – Ei vem ver a foto dos meus filho.

P – Esses são seus filhos?

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C12 – Esses são + óia que lindos (momento em que as fotos foram mostradas na máquina

digital).

P – O que o presidente faz pra senhora gostar dele?

C12 – Que que ele faz - que que ele faz que ele é uma pessoa humilde ora - não é uma pessoa

estúpida ignorante - sabe tratar as pessoas.

P – Ele tem ajudado vocês em alguma coisa?

C12 – Não não tem.

P – No que ele ajuda vocês?

C12 – Ué em tudo né + tudo o que é preciso sabe ele tá correndo de um lado de outro corre.

P – Quando é a eleição?

C12 – Em em maio dia dez dia quinze né filha - dia dez dia quinze treze acho que é.

P – Já fizeram eleição alguma vez?

C12 – Fizemo - lá em baixo da ponte.

P – O Dorival é candidato a eleição né?

C12 – Não tô sabendo de nada.

P – A senhora gosta de trabalhar aqui?

C12 – Gosto + melhor que ficar sentadinha costurando que é a minha profissão.

P – E não é melhor costurar do que trabalhar aqui?

C12 – Não - ficava estressada.

P – Estressada com o que?

C12 – Cansa né + tem uma hora que cansa - tudo uma hora cansa.

P – E esse trabalho aqui não cansa?

C12 – Não muito né - que tu não tem que trabalhar com a cabeça ++ que nem a costura tem

que trabalhar com a cabeça ali enfiada em tudo quanto é coisa né.

P – Por que a senhora trabalha com a catação?

C12 – Por que gosto - e que dá dinheiro também né enquanto tu vai ali - enquanto tu ganha

um salário de de quatrocentos reais que tu ganha num mês nós ganhamo numa semana.

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P – E a senhora gasta o dinheiro com o quê?

C12 – Sou mãe de seis filho nega + tem três no colégio - a mais velha vai fazer um curso

agora eu compro calçado - roupa - material pra eles - não ganho ajuda de lado nenhum.

P – Com o dinheiro daqui é possível dar tudo pra eles?

C12 – É - é sim + não ganho ajuda de lado nenhum nunca fui dependente de bolsa escola + de

PET - essas coisas graças a Deus nunca quis + e também se vem com coisa pros meus filho eu

vou lá no colégio e meto a boca - eu não aceito porque projeto eu não + duzentos por cento

dessa piazada que estavam no projeto há três anos atrás hoje tudo são bandido tão assaltando

tão matando e meus filho eles não tem necessidade de anda em projeto - ah mãe mais tu vai

gastá e no projeto dá quinze reais quinze reais pra mim não é dinheiro - cansei de dizê pra eles

mesmo ô mãe quinze reais quinze reais pra mim não é dinheiro - qué agora eu pego e te dou

ah mais três filhos teu dá quarenta e cinco reais isso aí pra mim ganhá quarenta e cinco reais

eu vou e ganho dou pra vocês - mas mãe você tem que por no projeto não coloco não coloco

pode me enfiá na justiça no que quisé - não coloco obrigado nesses projeto tudo o que não

morreu tá bandidinho - lá onde eu moro não dá pra olhá prum menino desse e pedir dá licença

que já engrossam - é olha o que aconteceu com o meu irmão + foi uma situação assim.

P – E falando de coisas boas, o que a senhora mais gosta da sua vida?

C12 – Eu gosto de trabalhá.

P – Trabalha todos os dias?

C12 – Todos os dias.

P – Final de semana?

C12 – Não + pára né daí não tem como né - eu tenho meus filhote né - pára né.

P – E o que a senhora faz então no final de semana?

C12 – Final de semana fico em casa.

P – O que a senhora menos gosta da sua vida, do seu trabalho?

C12 – Não tem nada pra não gostá.

P – O trabalho que a senhora faz dá algum tipo de problema de saúde?

C12 – Não + o mais é chuva - o frio - vento - sol normal - mas dor não.

P – Tem algum dia que o pessoal faz alguma festa, alguma coisa diferente?

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C12 – Final de ano.

P – Ouvi dizer que sexta-feira tinha carne?

C12 – Ah sexta-feira eles trazem a carne deles né + depois fazem tudo a limpeza deixam tudo

limpinho arrumam a mesona deles - aí colocam música e passam a tarde toda assim.

P – E financeiramente como é?

C12 – É boa + ninguém pode dizer que não é que é boa né - não adianta nós mentir pra você

porque eu sei que você está a par de muita coisa aí.

P – A senhora gostaria que seus filhos fizessem este trabalho?

C12 – Não não - quero que meus filhos mais tarde tenham um futuro no escritório -

computador né pagar um curso de computação - vou querer coisa melhor - condição melhor

pra eles.

P – Mas a senhora disse que gosta desse trabalho?

C12 – Ah mais eu sou eu - eles já são eles.

P – Será que eles iam gostar?

C12 – Não não - nem vou incentivar eles - pra eles quero outra coisa pra eles.

Entrevista 13

P – Trabalhas aqui na triagem ou na catação?

C13 – Nos dois.

P – Qual dos dois é melhor?

C13 – Ah eu pra mim é puxar - eu sou mais pra puxar.

P – Trabalha em trio?

C13 – É trabalha eu as duas + agora na realidade elas tão trabalhando pra mim - eu pago cem

real por dia pra elas + aquela ali é birrenta porque ela tá grávida - daí pra ela não ficar em casa

quer pegar o carrinho vou puxar daí pra ela não puxar eu tenho que concordar com tudo o que

ela fala né.

P – Gosta desse trabalho aqui?

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C13 – Ah não troco por outro não troco + sei que é doído que é coisa mas não troco ++ sabe

aquele negócio assim cê trabalha num lugar e outro lá faz isso - ah cê não fez direito entendeu

então já a gente ta acostumado já a chegar chega na sexta sabe tu tem duzentos reais mas tu

tem na mão aí ce trabalha trinta dias cara pa ganhá o que cê ganha numa semana entendeu -

numa semana - se trabalha bem já dá trezentos reais mas tem que suar né.

P – Aqui vocês três trabalham dividindo?

C13 – Não aqui antes era dividido mas aí começou a dar uns rolo - uns rolinho aí eu achei

melhor cada um trabalhar pra si - daí não guentaram o tranco daí voltaram de novo - aí viram

que aqui tem café no bule né cara - daí eu não troco né + ó eu trabalhei na Reunidas um ano e

três meses todo dia vinte pegava o vale de duzentos né chegava no final do mês ia ser

descontada aquela coisa toda + é é ruim porque tu não tem teus direitos né cara carteira

assinada tu se machuca hoje - hoje eu cortei ali mas se fosse um corte mais fundo se tivesse

que os né que botá ponto não mexê com o braço né - quer dizer cê corre risco né com um

monte de material aqui que choveu + muita chuva muito vento o que aconteceu com o

material - apodreceu o material aí se eu to mexendo ali pega uma aranha um bicho sei lá

porque aqui na beira da praia você fica assim.

P – Já aconteceu isso?

C13 – Não aqui graças a Deus não + mas uma vez tava trabalhando na ARESP nem sei mais

até esqueci onde é que foi aqui ó na ARESP me cortei com um caco de vidro - então quer

dizer eu fiquei praticamente eu fiquei trabalhando por que trabalhava na prensa lá é uma

associação mas não é de carteira assinada cê corre isso aí - mas fazê o que entendeu - mesmo

assim eu não troco.

P – Financeiramente rende?

C13 – Ah com certeza ++ aí semana assim ó antes antes o papeleiro ele não tinha valor - quer

dizer até entre aspas até hoje - mas se tu prestar bem atenção cara vamo supor a COMCAP

fica em greve tá aí os catador vamo fazer assim vamo entrar em greve também como é que vai

ficar Floripa? Turbinado cara - turbinado de lixo - porque na realidade tem catador aí que é

pago pá tira o lixo do restaurante + quer dizer o papeleiro ele tem valor por mais que ele mexa

no lixo - por mais que ele anda sujo entendeu - mais discriminação é demais a gente vai com a

camisa da associação na loja ó assim eu quero como na semana passada semana retrasada fui

comprá um cobertorzinho pro nenê que tá pra nascer né daí eu vi o cobertor que eu queria -

daí vem aquela piadinha ah não tem um mais em conta que olha pra você se tô no Centro de

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roupa suja por que eu vou ter medo de entrar numa loja entendeu eu olhei pra mulhé cara - e

digo assim ó minha senhora negócio é o seguinte não é porque eu tô com uma camisa da

associação que eu trabalho no lixo que vocês chamam de vagabundo etc etc eu disse que não

quero aquele lá eu quero esse aqui ó esse aqui que eu vou querer - a mulhé entendeu tipo

assim ó quero eu vou levar daí a mulhé ficou toda espantada né daí veio pediu desculpa -

desculpa não vai resolver a situação - a senhora pode ganhar bem mais que os catadores e que

o próprio funcionário público que tem carteira assinada daí ela assim nossa você tem altas

cabeça por que cê tá trabalhando no lixo por que eu quero vou ter que dar explicação por que

que eu to trabalhando no lixo - pô meu entendeu ô cara até nisso meu - porque catador tem

que ser não tem que ser nada eu trabalho quer olhar meu carrinho olha entendeu + como esses

dia teve um negócio de roubo no Centro mas na verdade não foi nem um roubo cara eu acho

assim ó que se eu passo na rua e tem um - vamo supor tem uma cadeira ali eu vou esperar se

ninguém for pegá se eu tô vendo que vai pro lixo vou lá boto no carrinho e vou embora - e

aconteceu isso com um colega nosso - ele foi até preso eles largaram um ar mas nem comenta

com eles - largaram o ar condicionado ali entendeu velho trocaram daí foi trouxe aquele foi

voltou pra fazer mais uma carga e no mesmo lugar que o cara deu tinha outro o que o cara vai

imaginar vai fora - quem acabou se ferrando? Quer dizer a gente passa cara - a gente passa um

cortado.

P – O que as pessoas pensam de vocês?

C13 – Olha cara - quer saber bem a verdade? Lixeiro desocupado entendeu - lixeiro

desocupado - mas só que eles não sabem que o lixeiro desocupado faz um bem pra eles um

bem pra pra negócio da negócio de limpeza entendeu + de repende a gente vive bem mais

melhor que eles.

P – Mas acontece de nem olharem pra vocês?

C13 – Bah + tem muita gente aí que olha - nossa eu tiro o chapéu meu Deus cara tem umas

pessoas que ligam pra mim ó Ester tem material - ah hoje tal dia tem daí eu pego na carioca

cosméticos dia sim dia não - o dia que eu não vou eles já pegam já ligam pra mim né aí é dá

um produtozinho uma coisinha pra agradá - porque tu vai lá tira o material tu deixa limpinho

entendeu então esses tem que pegar e tirar o chapéu + não esses que passam aqui e viram a

cara ou até mesmo gospe aí - eu penso assim ah porque tu tava trabalhando lá tava tão bem

trabalhei um ano e três mês na Reunidas entendeu - e na seguridade trabalhei mais de um ano

- então quer dizer eu tenho a minha não adianta tá trabalhando ganhando por mês era dez

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funções em cima de uma pessoa - é pegá a água bota a água é presta atenção nos banheiro

porque vai passageiro lá e eles não tão nem aí pra ti - só porque tá sendo pago uniformizado +

não troco não troco e não troco.

P – O que mais gosta de fazer?

C13 – Na hora de pesar e receber - na hora de pesar e receber + fora isso minha amiga é suado

e as vezes assim fica na beira da praia uma pesca dá pra se virar legal.

P – E o que menos gosta de fazer?

C13 – Trabalhá (risos) + não não é mentira o que eu não gosto acho que tu não tem que gostá.

P – Mas se tivesse alguma coisa que pudesse melhorar?

C13 – Cara fazia um barracão pra todo mundo - um barracão luz água entendeu - um lugar pra

eles poder ir no banheiro - escovar o dente - chegar tu trocar tua roupinha - saber que vai

embora passar num chuveirinho antes e tomar um banho - entendeu que aqui você vai você

pega o ônibus você vai ali na beira da praia se lava tudo mas não é aquela coisa - qualquer

coisinha o pessoal tá te olhando dentro do ônibus - então quer dizer pra quê coisa melhor +

tem umas barraquinha umas barraquinha aí mais não tem conforto + isso não é vida entendeu

- acho que reciclar ajudar o meio ambiente ajudar isso tudo cara tem que ver o nosso lado

também - passa perigo agora vem inverno + no inverno cara é doído - mão ardendo de frio as

vezes chuva não tem roupa que chegue bah + olha São Pedro não manda inverno não.

P – O que tu faz nas horas de lazer?

C13 – Ai dormi - dormi é tão bom dormir cara - olha meu sono tá atrasado dormir é a melhor

coisa pra se fazer - durmo durmo que é a melhor coisa que a gente faz - ah não tá louco.

P – O que você faz com o dinheiro que ganha?

C13 – Gasto ++ cheia de conta pra pagá entra uma entra outra aí fica uma continha aqui

quebra um carrinho ali que sou obrigada a arrumar entendeu - chega na segunda-feira as vezes

não tem um real na carteira pra comer.

P – E aí como é que faz?

C13 – Aí é apelar pra ver se cata latinha - ferro e guentá até na próxima sexta.

P – Então as vezes passa fome?

C13 – As vezes passa fome.

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P – Trabalhando aqui?

C13 – Trabalhando aqui + tu vê as pessoas comerem e tu não ter nada pra comer - as vezes até

achando dentro do saco de lixo - vou lá acho fruta pão eu não tenho vergonha que aqui é cada

um pra si de Deus por todos.

P – As pessoas aqui não se ajudam?

C13 – Olha cara é raro - a não ser que tenha uma amizade muito grande que a maioria aqui é

tudo família e nós aqui não somo - antes me pisavam mas depois que viram que eu faço parte

de uma associação e trago material pararam de pisá.

P – O que é pisar?

C13 – É - ô tu vai ter que tirar o material daqui - agora ó vai ter que vender ali pra nós e deu

pra bola entendeu - então quer impor na associação então comigo eles quebraram a cara aí um

dia fizeram uma manifestação + e ninguém queria falar e eu falei cara - na frente do prédio da

prefeitura - se um dia precisar fazer passeata só me chamar (risos) aí quando eles viram que o

negócio comigo é mais em baixo eles pararam.

P – Isso pra ti é um emprego?

C13 – Olha pra mim é um serviço né.

P – E por que não é um emprego?

C13 – Emprego é de carteira assinada que tem todos os direitos - e aqui trabalha tu tem não

trabalha tu não tem.

P – Mas isso aqui é uma profissão?

C13 – É - se tu for ver cada material que tem ali ó - cada material reciclável cada um deles

eles se transformam na mesma mercadoria que sai daqui entendeu - então se tu for abrir uma

empresa disso daí tu pode dar serviço pra todo mundo entendeu - o misto é misturado mas ele

vai passar por retrocesso entendeu ele vai sair daqui até chegar no destino dele ele vai

comprador compra aqui depois vende pra outro vende pra outro até ele chegar chega lá + o

que que eles fazem botam naquelas máquinas lá fazem uma seleção ou lavam fazem o

diabaquatro daqui a pouco você vai ver - tá naqueles rolos lá que a gente já viu papel de

presente várias coisas.

P – Você tem filhos?

C13 – Tenho - tenho um só.

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P – Esse trabalho você gostaria pro seu filho?

C13 – Não por isso que eu boto - botei ele no colégio e no projeto + aí de manhã ele vai pro

projeto a tarde vai pro colégio - depois do colégio ele vai pra casa depois fica esperando eu

chegar + que isso aqui não é vida pra criança.

P – E depois que ele crescer?

C13 – Tô fazendo de tudo - dou o que ele precisa pra não ver ele dentro de um carrinho

puxando + pra mim eu gosto mas ele eu quero que ele cresça - freqüente uma universidade

que ele faça o que ele quer entendeu que ele diga assim ó - pô a minha mãe trabalhou no lixo

mas ela fez de tudo pra que eu não fosse lá entendeu + as vezes ele vem ele faz ele ah mãe eu

vou puxar - esses tempo aí ele andou puxando aí eu pó pará pó pará então quer dizer - o que tu

tá passando agora tu não vai querer pros teus filho entendeu por mais que seja legal tu faz

amigo tu - mas não é vida pra ele.

E- Como é a tua relação com o pessoal aqui?

C13 – Ai ++ esses cara me perturbam - mas é de vez em quando a gente se pega aí né - mas

tudo tranquilo.

Entrevista 14

P – No que você trabalha?

C14 – Trabalho na reciclage.

P – Na triagem?

C14 – É na triagem.

P – E não puxa?

C14 – Não só arrumo.

P – Trabalha em trio?

C14 – Sim.

P – E quem puxa?

C14 – É a mãe dela - a Rosa.

P – Gosta de fazer este trabalho?

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C14 – Eu gosto.

P – Por que gosta de fazer este trabalho?

C14 – Porque assim é mais fácil né.

P – Como é a renda?

C14 – A renda antes era mais alta - que agora baixou né.

P – É melhor trabalhar aqui ou em outro lugar?

C14 – Eu acho melhor trabalhar aqui.

P – Por quê?

C14 – Porque assim a gente tá acostumada né - eu nunca trabalhei assim assim em coisa

fichado aqui é melhor.

P – Melhor que outro serviço?

C14 – Porque assim aqui ganha bem - entra e sai na hora que quisé trabalha na hora que quisé.

P – Qual a melhor parte do teu trabalho do teu dia?

C14 – Semana inteira né.

P – E tem algum dia em que você pense que é o melhor de todos?

C14 – Sexta-feira né.

P – Por que sexta?

C14 – Nas sexta tu chega assim é o dia de receber né.

P – Trabalha aqui quantos dias por semana?

C14 – Só dia de semana.

P – O que faz no final de semana?

C14 – Final de semana fica em casa né.

P – Sai também?

C14 – Sim.

P – Pra onde?

C14 – Ah pruns lugar assim.

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P – Tem filhos?

C14 – Tenho - mas não mora comigo mora com a tia dele.

P – Esse trabalho te dá algum problema de saúde?

C14 – Não.

P – Não trabalha com luva por quê?

C14 – Que é quente né.

P – O trabalho que vocês fazem é importante?

C14 – É.

P – Por quê?

C14 – Porque assim junta papel - pra vê quanto é que vai ganha né quem que vai manda né.

P – Esse material aqui é mais do Bob’s, vocês tem convênio com eles?

C14 – A gente pega da rua né - branco assim é tudo separado - esse aqui é colorido né.

P – Mas tem empresas que separam o material pra vocês?

C14 – Não que abaixô o preço.

P – E quando teu menino crescer vai querer que trabalhe aqui também?

C14 – Eu vou.

P – Tem vergonha desse trabalho?

C14 – Não - acostumada.

P – Esse trabalho é um emprego pra ti?

C14 – Eu acho.

P – Tem alguma coisa que te incomoda aqui?

C14 – Não.

P – Nem o tempo?

C14 – Não.

P – Trocaria isso aqui por outro lugar?

C14 – Não.

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P – Por quê?

C14 – Porque não - porque é melhor mais nóis trabalhava no barracão perto da rodoviária daí

tiraram nóis dali vinhemo pra cá - e agora tão querendo tira nóis daqui.

P – E porque querem tirar vocês daqui?

C14 – Ah não sei - que carregamo o lixo né.

Entrevista 15

P – O senhor trabalha aqui há muito tempo?

C15 – Ah - eu já vai fazer uns sete anos.

P – O senhor gosta desse trabalho ou não?

C15 – Ah eu gosto né não sendo na mamata tá bom - eu já podia tar trabalhando fichado né -

mas eu trabalhei um tempo - aí não gostei.

P – Trabalhou com o que antes?

C15 – Logo que eu vim de Chapecó trabalhava no num depósito desse papelão mesmo - só

que era num depósito mesmo - trabalhei três anos.

P – E por que é melhor aqui do que lá?

C15 – Ah sei lá - sei que é melhor - que a gente não é mandado né - a gente sempre trabalha

por conta né - conforme a gente trabalha ganha né - daí eu gosto de trabalhar.

P – Esse trabalho aqui dá algum tipo de doença de problema de saúde?

C15 – Ah doença - o que pode dar é a doença do rato só né + porque as vezes a gente pega

alguma coisa assim meio estranha aqui - dá ruim né aqui tem muito rato e coisarada que junta

- que nem aqui dá muito rato aqui né - que passa um canal de esgoto pelo Centro debaixo das

árvore ali e tamo perto do mar né - daí junta bastante rato por ali o mais perigoso é isso aí.

P – E outras coisas como dor ou gripe?

C15 – Ah gripe é normal né - as vezes a gente trabalha com chuva pega uma chuva daqui a

pouco pega um sol aí já é mais fácil dar uma resfriada né - mas no mais é isso aí.

P – E o sol, como é que vocês conseguem trabalhar debaixo desse sol?

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C15 – Ah tem que ir degavar né - com esse solão aí vem cedo faz um vai mais de tardezinha

vai na sexta.

P – O senhor trabalha dia de semana e final de semana, como que é?

C15 – Não eu trabalho só de segunda a sexta - daí no agora eu peguei um servicinho no

Centro aqui que eu tenho que tirar o lixo de uma casa noturna ali né - daí eu venho no sábado

e no domingo + mas é questão de uma hora só tem que tirar o lixo da rua né e trazer prum

outro lugar que não pode deixar na frente da casa - mas tem vez assim que aperta e temo que

trabalhar no final de semana né - mas é uma vez ou outra - eu nunca trabalhei não gosto não.

P – O que faz no final de semana?

C15 – Ah a gente fica mais dentro de casa né - as vezes sai jogar uma sinuca coisa ou outra.

P – O senhor tem filhos?

C15 – Tenho.

P – Quantos?

C15 – Quatro.

P – E o senhor deseja que seus filhos trabalhem aqui também?

C15 – Não né - tão tudo no estudo né.

P – Mas o senhor não gosta desse trabalho?

C15 – Ah eu gosto né - mas eu não quero levar este serviço - a não ser o futuro deles eu eu

geralmente eu nunca trago né minhas crianças - nunca truxe aqui nem mulher nunca vem

trabalhar só eu mesmo.

P – Então ela não trabalha aqui?

C15 – Não ela trabalhava né - antigamente quando ela era solteira trabalhava aí - mas comigo

ela nunca veio faz seis anos que eu tô com ela já.

P – O senhor aqui trabalha sozinho?

C15 – Trabalho sozinho e tem aqui esse meu irmão que vem me ajudar aqui a tarde - ele

estuda de manhã e vem aqui a tarde.

P – Você puxa ou tria?

C15 – Eu puxo e ele tria.

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P – Qual é a imagem que a sociedade tem de vocês?

C15 – Ah tem uns que se agradam -tem uns já que não gostam né - tem muita gente que não

gosta né - mas tem muita gente que dá apoio pra nós - não gosta do serviço né.

P – Mas vêem vocês com bons olhos ou maus olhos?

C15 – Ah sempre tem alguém que é meio ignorante assim - mas sempre tem quem passa diz

adeus - conversa com a gente - tudo tranqüilo - mas sempre tem quem é mais ignorante né.

P – O senhor tem vergonha desse trabalho?

C15 – Não + eu eu não tenho vergonha do que eu faço logo que eu vim eu ficava meio assim -

aí né mas não adianta também + o cara acostuma né e eu não tô roubando - tô nada -

trabalhando.

P – Qual a melhor parte do seu dia, da sua vida?

C15 – E agora + só quando a gente tá descansando mesmo - quando tá descansando é bom né

- as vezes a gente tá na rua aí ganha um material bom a gente fica faceiro - nem tá andando

muito + isso vai da sorte né.

P – E qual a pior parte?

C15 – A pior parte quando sai aí e não acha nada + tem dia aí que tu sai com o carrinho e não

traz nada + anda por tudo aí e não acha nada né.

P – Vocês costumam encontrar coisas boas junto com o material reciclável?

C15 – Ah acha bastante coisa boa - só que isso aqui agora vai muito da sorte né - as vezes tá

indo aqui chega numa casa aí tão fazendo umas faxina sai um monte de material bom - agora

tem vez que tu passa aí e tu não acha nada + só vem uns recicladinho.

P – E coisas de valor acham?

C15 – Olha tem vez que a gente ganha dos outros - nessa semana eu ganhei um uma mesa de

som de um carro né - a caixa de traz foi na reciclagem tava trabalhando né daí eu passei na

casa lá perto do shopping aí cara me deu auto-falante né.

P – As vezes acha comida junto com o material?

C15 – Eu nunca achei + se achar também aí eu nem pego - a não ser se eu ganho - vorta e

meia a gente passa na rua aí e ganha de um de outro né eu as vezes + pára um carro dá uma

cesta básica a gente pega e leva né.

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P – Esse trabalho aqui é importante pra sociedade?

C15 – Ah no meu ver acho que é né - porque tudo tem reciclado se não tivesse os catador aí

essa cidade era mais poluída né - que tem hora que dá aquela chuvarada desce tudo pra ralo

tranca esgoto essas coisarada - e assim a gente puxando aí acho que ajuda a sociedade.

P – A renda como é?

C15 – Ah isso aí é isso vai da sorte também né - se leva dá tranqüilo a gente leva aí em média

de trezentos quatrocentos por semana quando trabalha né - não adianta eu dizê que ganha tudo

isso aí se não trabalhar né vai da sorte.

P – Isso aqui para o senhor é um emprego?

C15 – Ah eu pra mim é né - eu não pretendo pegar serviço fichado ficar no papelão até

quando puder puxar né.

P – E se o senhor pudesse pegar um emprego trocaria?

C15 – Ah depende né - se se levar o que eu ganho aqui né que dê pra acompanhar o preço o

salário que eu ganho + daí sim pode ser que eu pegue - agora se é pra mim sair daqui e ganhar

menos aí já não vô.

P – Como é o relacionamento aqui entre o pessoal?

C15 – Aqui graças a Deus tudo se dão bem né - a maior parte deles são tudo parente né mas

tem hora que dá uma desavença - mas é depois de um dia de outro já tão tudo em paz de novo.

P – E as eleições que estão pra acontecer agora?

C15 – É agora - agora essa época aí é tudo de briga né - um faz uma chapa outro faz outra

mas é só na hora da eleição mesmo - que daí um quer pegar o cargo outro não quer - negócio

é ficar esperto.

P – E o churrasco que ocorre toda sexta-feira?

C15 – Esse aqui foi da coleta do vidro porque nós não temo venda de vidro - o vidro que vem

na reciclagem garrafa de vidro aí a gente traz uma caixa vai colocando na caixa daí quando dá

uma carga eles levam e fazem um churrasquinho né - que vem bastante vidro e jogavam tudo

no lixo nós não tinha venda daí saiu uma caixa ali - aí nós vendemo.

P – Qual a coisa mais importante da sua vida?

C15 – A coisa mais importante - ficar em casa descansando com a minha família.

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Entrevista 16

P – Trabalhas só na triagem ou na catação também?

C16 – Na triagem.

P – Na catação não?

C16 – Não - na catação meu esposo.

P – Gosta de fazer esse trabalho aqui?

C16 – Gosto.

P – Por que tu gostas?

C16 – Eu gosto - é legal.

P – Qual a melhor parte do teu dia?

C16 – A hora de ir embora.

P – E qual a pior parte?

C16 – Não tudo é bom - porque a gente trabalha - conversa do lado um com o outro - daí não

tem o que ficar reclamando + mas a melhor parte é a hora de ir embora né - mas eu gosto de

vim aqui - quando não venho aqui se eu fico um dia sem vim parece que fiquei um mês longe

de todo mundo - um dá risada um com o outro né ++ teve outras pessoas aqui fazendo

pergunta também do Banco do Brasil duas mulhé.

P – O que é importante pra ti?

C16 – Humm ++.

P – Tem filhos?

C16 – Tenho.

P – Quantos?

C16 – Uma menina.

P – O que você faz final de semana?

C16 – Eu saio - vou no bar do meu tio - daí meu marido fica jogando sinuca eu vou na casa

dos parente - quando tem show nós vamo no show daí esse show do Amado Batista nós fomo

- foi a metade daqui ++ a mulhé disse quando perguntou por que que a gente não trabalha ca

luva né que não dá pra catá o papel seria melhor se fosse aquela igual dos médico né.

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P – Esse trabalho é pesado?

C16 – Eu acho na rua - aqui porque a gente faz fazemos barraquinha né mas tem gente que

não tem barraquinha - seria importante também a gente ta lutando por uma cobertura também

né.

P – Se pudesse mudar alguma coisa por aqui o que tu mudarias?

C16 – Ah o modo que a gente trabalha né - quando chove que alaga tudo né tem que trabalha.

P – E como é a renda?

C16 – Boa só que caiu muito o papel - e antes era três bolsa né uma de misto uma de plástico

uma de branco - agora tá com sete bolsa - também a gente não vende direto pra fábrica né a

gente vende pra atravessadores né - e daí se vendesse direto daí era mais ganho - só que aí não

seria por semana aqui a gente ganha por semana ++ lá no Itacorubi tem lá também é ACMR

também - só que lá eles trabalham na partilha né.

P – E o que é melhor?

C16 – Aqui - cada um pra si porque na partilha não tira o tanto que tira aqui.

P – Tira aqui uma quantidade boa ou não?

C16 – Tira + o menor que tira é uns trezentos quatrocentos reais.

P – Por que você está fazendo este trabalho e não outro trabalho?

C16 – Porque eu me acostumei - e dependendo do serviço meu marido é ciumento - também

eu não não gostava sabe eu sempre gostei de lidar com o povo sempre trabalhei com fast food

restaurante essas coisa não tem atendimento + daí é mais por ciúme.

P – E se não fosse por ciúme tu deixavas este trabalho?

C16 – Deixava.

P – Então tu não gostas desse trabalho?

C16 – Eu gosto - mas eu queria ter uma carteira assinada todos os meus direitos mais tarde ter

meus direitos - poder me aposentar assim.

P – E pra tua filha quando ela crescer, quer que ela faça este trabalho?

C16 – Nem pensar.

P – Por que, não tu não gostas?

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C16 – Eu gosto porque eu vejo as pessoas - mas não o gostar assim quero isso pra minha filha

entendeu? Eu quero que ela estude trabalhe e tenha outro trabalho + eu gosto porque eu tô

acostumada mas se eu pudesse eu não trabalharia - poder eu posso né tenho idade tenho tudo

pra procurar outro trabalho mas é ruim de serviço aí fora + a gente pensa me acostumei toda

semana eu tenho dinheiro + se eu for trabalhar é num mês me mato pra ganhar o que eu tiro

numa semana - e aqui ninguém manda em ninguém né é cada um por si.

P – O que te motiva a estar neste trabalho?

C16 – Necessidade.

P – Que tipo de necessidade?

C16 – Comprar as coisas pra casa - pagar conta - comprar roupa.

P – Já pegou algum tipo de doença por trabalhar aqui?

C16 – Não.

P – E o teu esposo por trabalhar na rua?

C16 – Gripe.

P – Quantas horas por dia vocês trabalham aqui?

C16 – Trabalhalhamos das oito da manhã até as oito da noite.

P – Como a sociedade enxerga vocês?

C16 – Como um bando de lixeiro ++ é o que eles falam pra nós - eles enxergam a gente com a

vergonha ++ porque um dia eu fui no salão fui pintar meu cabelo daí tinha um home lá daí

pegou e falou mas ele não sabia que eu era papeleira né ele pegou e falou bem assim aquele

lixão ali no perto do Centrosul tá uma vergonha pra entrar em Florianópolis - e eu deixei ele

falar né daí eu bem assim é uma vergonha não - e nós não somos lixeiro - nós trabalhamos

com material reciclável não trabalhamos no meio do lixo - daí eu peguei e falei pra ele pode

crer que o teu pagamento vem do nosso papel que a gente puxa enquanto você se mata o mês

inteiro pra tirar quatrocentos eu tiro numa semana e as vezes é mais digno que o teu serviço

++ eles julgam a gente muito errado a sociedade não enxerga além só enxerga pela frente mas

só tem casca + isso é tão importante que o governador o Dário queria que a gente trabalhasse

tipo uma microempresa que eles lucrassem também - eles crescem o olho que eles sabem que

dá dinheiro aqui - não são tolos - eles queriam que tirassem a porcentagem deles também.

P – Tu te importas com a forma como a sociedade te olha?

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C16 – Me importo ++ fico chateada.

P – Como é que tu querias que eles te enxergassem?

C16 – Isso é um trabalho - que nem se fosse outro + preconceito é o que mais tem né no

Brasil - nunca vai acabar né.

P – Será que tem quem enxergue vocês como catadores de materiais recicláveis?

C16 – Tem bastante gente.

P – Isso aqui pra ti é um emprego?

C16 – Não é porque eu não tenho os meus direitos.

P – Mas é uma profissão?

C16 – É + no mundo inteiro hoje em dia tem catador - qualquer esquina que tu vai tu encontra

alguém assim.

P – Tens vergonha de fazer este trabalho?

C16 – Não + e não tenho vergonha de dizer onde eu trabalho.

P – Vocês as vezes encontram no material reciclável alguma coisa que é possível aproveitar?

C16 – Bastante.

P – O quê por exemplo?

C16 – Roupa - celular - relógio - coisa pra casa.

P – E o que fazem quando encontram essas coisas?

C16 – Alguns vendem - alguns leva pra casa.

P – As vezes encontram comida também?

C16 – Encontra separadinho assim - já se encontra comida assim dá pros cachorro.

P – Não é possível comer?

C16 – Não - quando é pra comer eles deixam separadinho e entregam na mão mesmo que daí

a gente sabe que não é lixo né.

Entrevista 17

P – Oi, posso falar com a senhora?

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P – Pode.

P – Esse material aí que a senhora tem o pessoal guarda pra senhora?

C17 – Não.

P – Eles não conhecem a senhora?

C17 – Não eles conhecem eu - claro que conhece só que eles não são de guardá assim né -

aquele que passar pega.

P – A senhora puxa e tria?

C17 – Eu puxo e trio.

P – E ela separa?

C17 – Ela só separa - eu cato a noite + só cato a noite - porque tenho problema no meu rosto

não posso pegar o sol.

P – Então esse trabalho aqui dá problema de saúde?

C17 – Dá sim - que se eu pego o sol me incha o rosto - dói as perna - cansa - canseira dá gripe

- ataca garganta semana passada não conseguia nem falar porque tava aí puxando né - daí tá

com o corpo suado daí toma garoa - daí faz mal.

P – A senhora dorme aqui?

C17 – Não eu tenho a minha casa - minhas crianças.

P – Mas a senhora disse que cata a noite?

C17 – Eu cato a noite - mas vou pra casa trago os carrinhos e vou pra casa eu tenho meus

pequeno - tenho dois.

P – A senhora gosta desse trabalho?

C17 – Gosto.

P – Por quê?

C17 – Caso que a hora que eu quero sentar eu sento - a hora que eu quero trabaiá trabaio a

gente tem que trabaiá né.

P – A senhora já trabalhou em outra coisa?

C17 – Ah eu tirava erva roçava - capinava.

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P – E o que é melhor, o trabalho da roça ou daqui?

C17 – Daqui.

P – Por quê?

C17 – Que aqui a gente + lá tava muito ruim aqui não.

P – Como é a renda aqui?

C17 – Tira base duzentos por semana - não é lá essas coisas mas dá pra sobreviver.

P – Trocaria isso aqui por outro trabalho?

C17 – Não.

P – Por que não?

C17 – Porque não.

P – Não por que não?

C17 – Faz onze anos que eu trabaio aqui.

P – Mas será que teria outro lugar que ganhasse melhor, trabalhasse melhor?

C17 – Mas não pego - não tenho estudo né não pego - já fui fazê ficha ficha na hora de passá

eu não tenho nada - pra responder daí não tem eu trabalhei lá na Reunidas mas daí na hora de

assinarem a carteira que eu fui trabalhá pro mó deu trabalhar lá os cara perguntô eu não sei o

que respondê - respondo qualquer coisa daí não dá me botaram no serviço + os da roça

trabalhavam melhor que os que tinha estudo.

P – A senhora prefere puxar ou triar?

C17 – Ah é assim melhor nenhum é né - nem puxar nem arrumar - que ficar o dia inteiro aqui

de pé e de noite catando + eu tenho dia que eu to exausta - tem dia que eu tô me dói toda

assim minhas perna parece que vão estourar.

P – Qual é a melhor hora do dia pra senhora?

C17 – Ah tem que vim bem cedo pra não pegar sol né - vim bem cedo.

P – Esse trabalho que a senhora faz é importante?

C17 – É.

P – Por quê?

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C17 – Porque eu gosto.

P – E é importante pra sociedade?

C17 – É né - por caso que que nem onde eu pego papel assim quando eu não vou eles já

reclamam né que eu não fui e outros já não são de confiança lá nas loja onde eu pego né.

P – Qual é a imagem que a sociedade tem de vocês?

C17 – Eu acho que pra eles é bom - nós ta puxando papel né limpa tudo né pra eles né pra eles

não tem que ficar esperando ali - daí tem loja que a gente vem tira o papel né.

P – E as pessoas que passam por aí e olham vocês o que passa pela cabeça deles?

C17 – Algum nem olha nóis né + chama de burro né - chama nóis das carroça a carrocinha vai

passando vai pegar o lixo - tem alguns de umas loja que são malcriado também - vão pegar o

lixo pegar o lixo - não é o lixo é papel né - é reciclado.

P – E vocês se chateiam com isso?

C17 – Não nós não fazemo nada né - nós fica quieto agora outro dia eu tava lá na esquina

carrinho parado que eu pego lá na daí veio uma criança e se agarrou no carro né daí a mulher

disse assim ai ui solte esse lixo aí ela disse - eu olhei ela não disse nada a gente não pode se

apóia nos erro dos outros - isso aqui não é lixo é um serviço nós ganhamo né.

P – Pra senhora isso aqui é um emprego?

C17 – É pra mim é um emprego - que eu faço minhas conta compro pro meus fio compro

carçado pro meus fio - sei que eu cato eu ganho tem conta pra pagá né.

P – E quando teus filhos crescerem a senhora vai querer que eles trabalhem aqui na catação?

C17 – Não não não quero que eles trabalhem aqui - porque eu dou estudo pra eles - pra eles

aprenderem porque eu trabaio porque eu tenho que trabalhá - eu não tenho estudo entende? Eu

não tenho estudo - então eu quero dar estudo pra eles pra eles não trabalhar aqui catando - pra

eles não trabalhá aqui que é muito sofrido - eu eu tenho que gostá porque eu não tenho como

eu vou lá na firma e não vou arrumar emprego.

P – Se a senhora pudesse trocaria isso aqui?

C17 – Ah se se eu tivesse estudo tudo bem né - se eu tivesse estudo daí tudo bem.

P – E se surgisse a possibilidade de trabalhar em outro lugar a senhora iria?

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C17 – Ah se fosse coisa que tivesse como daí tudo bem - mas não tem eles não eles precisam

de estudo eles querem estudo + primeira coisa quando chego numa firma eles pedem estudo -

que nem quando morreu meu pai eu tinha doze anos daí nós tinha que trabaiá pra nós comer

nós não tinha como nós viver - daí um dia nós ia no colégio noutro dia nós ia na trabaiá - nós

estudava as vez até meio-dia depois nós ia trabaiá é era muito sofrido na roça a minha mãe

ficou com cinco filho pequeno quando meu pai morreu.

P – A senhora tem vergonha de fazer este trabalho?

C17 – Não - não tenho vergonha + tenho vergonha de pedir ++ eu fico assim imaginando

comigo quando encontro assim as pessoas pedindo - que eu não fazeria a mesma coisa não -

eu perfiro trabaiá aqui do que pedir + aonde eu vou sempre assim dão coisas pras criança -

caderno - material no conselho tutelar - lá eles me ajudaram muito + quando eu tinha as

criança pequena - quando eram tudo pequena né - agora tão tudo casado - dava roupa carçado

daí eles me ajudaram muito mas agora não - agora tenho só dois - daí só pego material pra

eles - e daí caso que eles dão né ganham bolsa escola - daí dá dezoito real por mês cada um +

eles ficam aqui no Centro - eles entram as oito e meia da manhã saem as cinco e meia - ficam

ali na no Celso Ramos + tenho um de doze outro de onze - daí de noite eles vão ali comigo

daí dali eu trago os carrinhos e depois vamo pra casa.

P – As vezes a senhora encontra comida no material reciclável?

C17 – Encontro.

P – E o que fazem com a comida que encontram?

C17 – Jogamo no lixo.

P – E se alguém pára vocês na rua para dar alguma comida boa, aceitam?

C17 – Aceita + sempre tem a gente que dá assim uma comida na sacolinha - na marmita pra

nós + sempre encontra.

P – E vocês aceitam?

C17 – Aceitemo + e lavemo a mão e comemo ++ ontem nós vinha vindo daí tava um dois

casal três casal comendo cachorro quente - deram comemo e hoje tem sopa né + toda sexta-

feira tem - eles sempre tão na praça quinze conhece já nóis - antes vinham debaixo da ponte

mas tiraram lá nós de lá.

P – O que a senhora faz nas horas de lazer?

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C17 – Ah não só eu trabalho - até sábado de tarde - daí tem só o domingo - daí no domingo eu

fico na minha casa + é muito difícil ir na casa de um filho fico só em casa - caso que a gente

cansa né e aí tem que descansá.

Entrevista 18

P – O senhor trabalha aqui há muito tempo?

C18 – Olha faz uns catorze anos.

P – Tudo isso?

C18 – É - desde que eu vim pra cá.

P – O senhor morava onde antes?

C18 – Morava na Vila Aparecida lá no Coqueiros ali.

P – O senhor faz o quê aqui?

C18 – Eu puxo.

P – E tria também?

C18 – É - de vez em quando.

P – Trabalha quantos dias por semana?

C18 – Segunda a sexta.

P – O que faz sábado e domingo?

C18 – Fico em casa dormindo.

P – Só fica em casa?

C18 – Descansá né - semana inteira trabalhando.

P – Mas passeia?

C18 – Muito difícil.

P – Não vai jogar sinuca como o pessoal?

C18 – Não não gosto.

P – A renda aqui como que é?

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C18 – É razoável - é boa + não dá pra se queixar não.

P – O senhor já trabalhou em outro lugar?

C18 – Não.

P – Sempre trabalhou com isso aqui?

C18 – Sempre - desde quando vim de lá.

P – E o senhor nunca pensou em trabalhar em outro lugar?

C18 – Até tentei - mas eu desisti - depois teve esse concurso da COMCAP eu tentei fazer -

mas daí eu desisti.

P – Por que o senhor desistiu?

C18 – Ah não sei a gente é acostumado né - sem ter patrão sem ninguém mandar né aí é por

isso assim.

P – Esse trabalho dá algum problema de saúde?

C18 – É perigoso + que a doença do rato - o cara ficar gripado tudo essas coisas assim - agora

a gente tem que vim igual - tem que ir igual.

P – O senhor gosta desse trabalho?

C18 – Gosto.

P – Por quê?

C18 – É muito tempo que eu faço isso né - eu já me acostumei com isso - daí eu gosto de

fazer esse.

P – Qual a melhor parte do teu dia?

C18 – E agora ++ eu acho que é toda hora né - o pessoal assim brincando + o que eu mais

gosto de fazer assim do serviço?

P – Pode ser, qualquer hora.

C18 – Ah eu gosto de jogar futebol.

P – E costuma jogar?

C18 – É - vez em quando eu ia jogava toda segunda + mas agora foi adiado - agora parece que

vai ser no domingo.

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P – Joga com quem?

C18 – Jogo assim com meus parente - time de parente.

P – Esse trabalho que vocês fazem é importante?

C18 – É é importante pra natureza - pro meio ambiente - apesar que aqui nós tamo bem

desorganizado né + mas um dia vai melhorar né - mas é bem importante.

P – Como é que a sociedade enxerga vocês?

C18 – Tem muito tempo atrás eles enxergava nós como maconheiro - ladrão essas coisas - e

agora eles tão já mais mais acostumado - mais acostumado com a gente assim - e tem alguns

que ainda não - é lixeiro - é maconheiro - é ladrão essas coisas - tem gente que ainda chama a

gente disso aí é.

P – E vocês se chateiam com a forma como a sociedade vê vocês?

C18 – Ah a gente fica chateado né - a gente fica + nós não somos nada disso esse tipo de

coisa - ninguém é ladrão - a gente fica chateado - daí tem gente ainda que que fala esse tipo de

palavra pra gente e a gente fica chateado + nós não fizemos isso - a gente só trabalha somos

trabalhador - vim lá de Chapecó e lá a gente é acostumado a trabalhar + daí fica chateado aí.

P – O senhor tem vergonha de fazer este trabalho?

C18 – Não.

P – Este trabalho é um emprego pro senhor?

C18 – É.

P – Por quê?

C18 – Porque a gente sustenta a família da gente né - trabalha - ajuda o meio ambiente - essas

coisas assim né - pra mim é um emprego.

P – O senhor tem filhos?

C18 – Tenho - tenho duas meninas.

P – O senhor vai querer que elas trabalhem com a catação?

C18 – Não - eu vou dar estudo pra elas pra elas arrumar uma coisa assim mais melhor pra

elas.

P – Mas o senhor disse que gosta de trabalhar com a catação!?

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155

C18 – É eu gosto - mas só que isso aqui é não tem carteira assinada - não tem eu pago INSS -

essas coisas - então isso aí é um pouco ruim né + eu gosto só que pra elas não vou querer uma

coisa melhor né - ter um salário carteirinha assinada - paga tudo - uma coisa bem melhor pra

elas + então tô dando estudo pra elas já mais tarde elas ter algum mais importante + aqui é

sem carteira assinada é ruim - mas eu eu gosto do serviço.

P – Qual é a pior parte desse trabalho da sua vida, o que o senhor menos gosta?

C18 – O que eu menos gosto o que eu acho ruim só assim o tempo - atravessar a BR assim

que é perigoso pode acontecer de um carro pegar e matar alguém + mas no mais acho que

nem tem sei lá pra gente é sempre divertido aqui - sempre tá brincando um com o outro aí

então acho que é isso aí.

P – E nas horas de lazer o que o senhor faz?

C18 – Eu não eu não faço nada - só durmo fica - só dormindo.

P – Então onde é que o senhor gasta o seu dinheiro?

C18 – A a gente compra um - isso pra casa compra um negocino pros outros - paga uma conta

- paga outra - é onde que vai o dinheiro.

P – Vale a pena fazer este trabalho?

C18 – Eu acho que vale.

P – Trocaria este trabalho por outro?

C18 – Ah eu pensaria muito.

P – Por quê?

C18 – Porque um que já sou acostumado né - outro que eu não iria dá certo - já se acostumou

com isso né + e aqui o salário é melhor que empregado.

P – Mas aqui trabalha mais do que o empregado?

C18 – Trabalha - trabalho se quero né - se eu quiser trabalhar meia horinha ganho ganho

quase a mesma coisa que empregado - por isso.

Entrevista 19

P – A senhora trabalha aqui há muito tempo?

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C19 – Uh - faz dez anos pra mais.

P – Gosta desse trabalho?

C19 – Gosto.

P – Por que a senhora gosta?

C19 – Ah dá mais né + e a gente ganha coisas também assim no lugar que a gente pega papel.

P – A senhora há trabalhou em algum outro lugar?

C19 – Trabalhei lá em Chapecó - na erva roçada - carpida - fazia de tudo um pouco.

P – É melhor o trabalho da roça ou daqui?

C19 – Daqui.

P – Por quê?

C19 – Aqui é melhor né - a gente trabalha do jeito que a gente quer e - e lá era por dia.

P – Como é aqui?

C19 – Aqui é por nós mesmo né.

P – A senhora puxa e tria?

C19 – Sim.

P – Trabalha sozinha?

C19 – Trabalho eu mais ele.

P – Mas a senhora também puxa?

C19 – Puxo - daqui a pouco já to indo de novo.

P – Prefere puxar ou triar?

C19 – Os dois né - é pra gente mesmo.

P – Como que é a renda aqui?

C19 – Ah eu já tiro cento e pouco por semana - duzentos + conforme trabalhar é o que tu

ganha.

P – Mas vale a pena fazer este trabalho?

C19 – Vale.

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P – Por quê?

C19 – Porque dá mais né - quanto mais trabalhar mais ganha - trabalhar pouco ganha pouco

né.

P – A senhora tem filhos?

C19 – Tenho - tenho um que é pequeno tenho esse grandão ali - tenho mais uma moça e mais

um que levou um tiro e tá de cadeira de roda + faz uns seis mês já ++ daí eu que trabalho pra

sustentar eles - tem duas crianças e a mulher - eu ajudo ele.

P – O que a senhora mais gosta de fazer nesse trabalho?

C19 – Pra mim tudo é bom.

P – Mas tem alguma coisa que a senhora prefere?

C19 – Como assim?

P – Prefere puxar, triar ou fazer outra coisa?

C19 – Os dois - pra mim tudo é bom.

P – E o que é ruim então?

C19 – Nada.

P – Não tem nada ruim?

C19 – Só sobre - sobre nós na rua né que não é coberto - não tem nada - a única coisa daí

trabalha no sol na chuva no frio.

P – A senhora não tem barraquinha que nem os outros?

C19 – É eu truxe até umas tauba até ali pra mim mandá fazer um barraquinho pra mim - que é

muito ruim né que o sol não é tão ruim como a chuva né - o sol não deixa doente a chuva pega

uma gripe fica doente.

P – Qual é a imagem que a sociedade tem de vocês?

C19 – Oi?

P – Como é que as pessoas vêem vocês quando estão lá na rua?

C19 – Vêem - tratam bem né.

P – Tem alguém que não trata bem?

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C19 – Não - tudo trata bem nós.

P – A senhora tem vergonha de fazer este trabalho?

C19 – Eu não.

P – Por que não?

C19 – Porque eu não tô roubando né nada - tô trabalhando no papelão - a gente tem que ter

vergonha quando é pá roubar né.

P – Como é o relacionamento do pessoal aqui, as pessoas se dão bem se dão mal?

C19 – As vezes se dão mal - as vezes se assartam aí - mas se dão bem também.

P – E com a senhora já aconteceu de alguém tratar mal ou fazer alguma coisa ruim?

C19 – Não - tudo parente né.

P – As vezes encontra coisas boas no material reciclável?

C19 – Sim - roupa - calçado as vez acha algum pouco - as vez não agora tá difícil.

P – Por que a senhora está fazendo este trabalho e não outro trabalho?

C19 – Porque eu não tenho estudo.

P – Mas se tivesse?

C19 – Ah eu não ia querer né também - porque aqui dá mais.

P – A senhora vai querer este trabalho pros seus filhos?

C19 – Ah ele já trabalha aqui comigo né.

P – E a senhora gosta que ele trabalhe aqui?

C19 – Eu gosto - melhor do que ta na rua fazendo arte como muitos fazem lá no morro +

fazem ainda atiram os pai de família e não podem mais trabalhar.

P – O que a senhora faz na hora de lazer?

C19 – Ai eu não fico em casa - eu fico fico sabe direto aqui - só no domingo que eu vou lá pra

casa do meus filho - sábado eu venho direto aqui.

P – Tem algum problema de saúde que esse trabalho causa?

C19 – Não - a única coisa que me incomoda é meu pé quebrado - quando eu puxo muito peso

dói minha cesária só.

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Entrevista 20

P – Não lembro do senhor por aqui!

C20 – É que eu fui fazer o curso de novo pra habilitar a carteira né - ai tem que fazer tudo de

novo.

P – E porque o senhor tava fazendo a carteira de motorista, precisa de carteira pra dirigir o

carrinho?

C20 – (Risos) Ah eu tenho meu carro né - tenho meu carrinho né aí - eu tenho que sair né

tenho carteira + já há trinta anos.

P – O senhor trabalha aqui na catação há quanto tempo?

C20 – Dois anos.

P – Trabalhava onde antes?

C20 – Ah eu trabalhei em muitos lugar.

P – Em que lugares pode dizer?

C20 – Ah trabalhei Depisa - trabalhei na Seg - trabalhei na Maranata aqui em Florianópolis né

- trabalhei em grandes churrascarias em São Paulo - sou assador né - no Rio Grande do Sul

também - trabalhei em muitos lugar + minha carteira já duas ou três que eu já tirei tá tudo

cheia + eu não paro em lugar + deu um ano eu pulo fora - já to quase caindo já aqui também -

já to quase caindo + já tive bar mercearia na Vila Aparecida já.

P – Por que o senhor trocou essas empresas pela catação?

C20 – Não é trocar né - é a situação no momento né.

P – Mas o senhor disse que aqui também já ta pensando em sair?

C20 – Já - eu tô abrindo uma lanchonete - eu sempre tive negócio né sempre trabalhei no

comércio né - é que a gente quebra as perna - e daí tem que pra não ficar parado - comer tem

que comer né - aí o cara tem que pegar qualquer coisa + eu pego qualquer coisa.

P – O senhor gosta desse serviço aqui?

C20 – Gosto - ninguém me manda venho quando eu quero - quando eu venho eu trabalho dá

pra tirar o a semana.

P – Vale a pena fazer este trabalho?

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C20 – Vale né + vale a pena que a gente tá fazendo muita coisa útil né - eu acho que a gente

faz muita coisa útil.

P – Esse trabalho é importante pra sociedade?

C20 – É importante pra pra sociedade - pro governo - pro nosso país né - eu acho que é no

meu entender né - porque isso aqui é a limpeza do meio ambiente né - se fica tudo isso aí na

rua aí que tá né.

P – Esse trabalho dá algum problema de saúde pro senhor?

C20 – Não pra mim não né - só o medo.

P – Medo do quê?

C20 – Medo dos rato né + que tem muitos ++ não pega um saco de noite de dia que não tá

todo picado de merda de rato e mijo de rato - não tem um um que não pegue trabalho porque a

gente precisa trabalhar - mas eu tenho medo.

P – É só isso não há outro problema de saúde?

C20 – Não - saúde não prejudica não o dia que tiver chovendo se eu quiser me molhar eu vou

- se eu não quiser eu não - vou e aí que tá a vantagem né.

P – Qual é a melhor parte do seu dia?

C20 – A a minha melhor parte do dia - é quando eu levanto de manhã pego o carro e venho

pra cá.

P – O senhor gosta?

C20 – Gosto.

P – Por quê?

C20 – Não sei - depois que eu tô trabalhando aqui eu tô desanimando.

P – Mas pra vir ta animado?

C20 – Tô animado faceiro - chego faço uma carga de manhã no capricho de tarde vou pra

fazer a outra conforme o morro que eu venho subindo eu venho já pensando em desistir - é

por isso o meu poblema - eu desanimo das coisas direto né o único poblema que eu tenho.

P – Qual que é a pior parte desse trabalho da sua vida?

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C20 – Pior parte é quando bota duzentos trezentos quilo de lixo em cima dum carrinho desse e

vai subir o morro - aí dói as perna dói as costa tem que trazer né - essa é a pior parte onde é

que desanima.

P – Ser catador é um emprego para o senhor?

C20 – Pra mim é - não é uma fonte de de renda - pra mim é um emprego pra mim eu

considero como um emprego.

P – O senhor tem vergonha de fazer este trabalho?

C20 – Não nem um pouco + tinha.

P – Tinha por quê?

C20 – Quando eu tinha o meu bar e a minha mercearia na Vila Aparecida que a minha filha

saiu de casa com quinze anos se juntou com o irmão do Didi que ela desceu pra vim pro

papelão catar lixo eu chorei ++ pensei - pô criar uma filha com tanto carinho tanto amor pra

agora ir catar lixo na rua tendo tudo dentro de casa + eu chorei + chateei mesmo ++ depois

veio as conseqüências né - acabando tudo e eu desanimando da vida - eu perdi a minha

mulher né - aí a gente vai desanimando desanimando eu fiquei com cinco filho né + fiquei

com uma pequenininha de quarenta e dois dias recém nascida que hoje tá com doze anos - vai

fazer treze arteira arteira arteira e eu trabalho ainda - trabalho por causa das duas que tenho

em casa que as outras são casada - mas essas duas que tão em casa - ainda trabalho por causa

delas se não eu não trabalhava mais - parava de trabalhar.

P – E ia viver como?

C20 – Ah eu sou aposentado né - tenho uma rendinha - tenho mais a pensão da minha mulher

né - eu não ganho muito mas ganho dois salário mínimo sem trabalhar aqui.

P – Então por causa delas o senhor ainda trabalha?

C20 – Eu ainda trabalho pra dar o melhor pra elas.

P – E pra essas que estão em casa o senhor deseja esse trabalho aqui?

C20 – Não não - olha eu as vez a pequeninha vem pra cá comigo vem pra cá pra não deixar

em casa sozinha eu já fico brabo + porque eu não quero isso aqui eu quero que elas estudam

porque sem estudo é que nem acontece aí ó - esse bando de criança tudo pra ir pro colégio e

ninguém vai pro colégio fica tudo aí + tem duas ou três que amanheceram essa noite aí em

cima do papel - amanheceram + tão caindo de sono lá trás pra quê? Vão estudar - moça bonita

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vão estudar vão fazer um curso datilografia computador agora não tem mais datilografia agora

é computador né - vão fazer um curso é o que eu quero pros meus filho - se elas não quiserem

estudar eu já disse pra elas - vão limpar bunda de criança vão trabalhar de de como é que se

diz - doméstica - dona de casa - trabalhar pros outros - limpar bunda de criança se elas não

quiserem estudar - é o que eu digo pra elas direto - eu não tenho estudo tô aqui porque não

tenho estudo - se eu tivesse um pouquinho de estudo eu não tava aqui + o meu estudo é a

sétima série muito mal muito mal.

P – A imagem que vocês passam pra sociedade qual que é?

C20 – Ah eu acho que eles enxergam + cada lugar que eu passo que eu pego o papel - prédio

condomínio - repartições públicas - eu sou bem-vindo - eu me sinto que eles me tratam bem +

não sei os outros - mas a minha pessoa eles me tratam bem que eu sei que eu sinto né.

P – E outras pessoas da sociedade não os lugares que o senhor pega assim, pessoas que não

fornecem nada pra vocês, pessoas da rua, pessoas que vocês vêem por aí como é que vocês

acreditam que eles enxergam vocês?

C20 – Nunca uma pessoa me chamou me disse um palavrão por causa que eu tô catando lixo

na rua + nunca - só os taxistas + esses têm um pavor de nós - eles chama nós de burrinho sem

rabo - cavalo pangaré - é o que eles chamam nós mas é só os taxistas - as pessoas buzinam e

fazem assim ó (sinal de positivo) pra gente - os carro eu sou um eu tô passando na estrada eu

tô andando com o carrinho na rua vem um carro atrás de mim eu procuro no momento que eu

puder desvio a metade do carrinho pra cima de uma calçada e espero os carros passar - tem

muitos que já não fazem isso né - muitos que continuam na estrada - e fica atrás se quiser -

eles não tão nem aí + eu não né eu procuro ser mais educado - que ficava chato pessoa que

tem mais de cinqüenta anos nas costas ser mal educado na rua né.

P – E a renda aqui como que é?

C20 – Não me queixo - eu não me queixo - até agora não me queixo - deu pra comer sobrou

pra fazer conta - dá pra gastar fazer festa - e hoje tem Teodoro e Sampaio a noite.

P – Vai pra lá?

C20 – Mas e o que que você acha (risos) moro lá - eu moro lá na boca.

P – E o que o senhor faz pra se divertir?

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C20 – Eu não faço nada - nem saio é dificilmente eu sair eu projeto uma coisa - ó domingo eu

vou num baile + domingo eu ligo a televisão eu olho o Didi - olho outro filme e deito num

sono - me acordo cinco seis horas da tarde não saio.

P – Então onde é que o senhor gasta o dinheiro que ganha aqui?

C20 – Ah - eu como bem + eu todo final de semana o meu churrasco eu faço - se não tiver

uma carne comigo não tem - não tá bom - gasto muito com gasolina - carro véio vai bastante -

eu ontem acabei de gastar cento e cinqüenta pau - ontem só no pára-brisa eu me divirto né -

conta eu tenho bastante.

P – Conta de que?

C20 – Ah (risos) - tenho bastante conta né - roupa pras meninas - loja - empréstimo do carro +

agora ontem eu fiz mais uma de uma moto bis + porque eu gasto quatrocentos conto de lá

aqui por mês de gasolina - dá pra pagar duas bis se analisar bem - eu gasto vinte pila de

gasolina por dia com aquela fiorino lá - vinte conto por dia eu de bis vou gastar três por dia –

ih ontem eu fui fui aprovado - já assinei a documentação ontem - terça-feira já pego a bendita

+ aí já melhora né.

P – Qual é o principal motivo de o senhor estar aqui?

C20 – Dinheiro né ++ a gente ganha bem - desculpe mas ganha bem - não tiro menos que

quatrocentos quinhentos por semana - ganho bem é por isso que não saio daqui + eu tenho

uma caminhonete C10 - tenho caminhonete C10 posso trabalhar com frete durante o dia - eu

tenho aquela fiorino e uma outra que é um drive sem motor só a carroceria só o quadradinho

atrás que tem um quiche de X salada e cachorro quente atrás - e eu não páro aqui pra ir pra lá

fazer isso porque eu não vou ganhar o que eu ganho aqui - até posso de repente até posso -

durante o dia fazer um fretezinho outro e a noite instalar o meu X salada.

P – Aqui o senhor trabalha quantos dias por semana?

C20 – Ah eu trabalho todo dia.

P – Sábado e domingo também?

C20 – Não + sábado e domingo é da família né - limpar a minha casa né sábado e domingo é

só eu e as minhas meninas ++ doze anos.

P – São cinco meninas?

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C20 – Não - eram cinco filhos + o guri faz dois anos que faleceu + bateu com a moto na Ivo

Silveira ali no poste - e as duas é casada - e as duas solteira em casa - uma de quinze outra de

treze - é a de quinze e a de treze anos - a casada ta com vinte e oito - a casada com o filho dele

com o irmão dele - e a outra ta com vai fazer vinte e um agora.

P – Aqui vocês tem algum problema de relacionamento com o pessoal?

C20 – Como assim?

P – Brigas, rivais, rolo?

C20 – Tem gente que é bastante rivais.

P – Mas isso acontece com o senhor também?

C20 – Não porque eu me meto no meu cantinho - ó pode ver tem chave no meu quartinho -

tudo ali ó - tenho cama tenho fogão - tenho tudo ali ó tá as minhas coisas ali e não peço nada

pra ninguém.

P – O senhor trabalha sozinho?

C20 – Trabalha eu e o negão - o negão foi pra Lages ver a mãe dele que tá meia doente e

ainda não voltou + eu e o negão.

P – Ele é quem mora com o senhor né?

C20 – Mora na minha casa há nove anos ++ ele praticamente que criou as meninas quando eu

comecei a trabalhar + aquele cara é bêbado - pode ser o que for mas eu boto a mão no fogo

por ele - carregava as guria nas costas pra poder ir pro colégio quando eu morava em Águas

Mornas - ele levava até a o local onde o ônibus passasse pra botar dentro do ônibus + e as vez

ele não vinha embora de volta porque era muito longe dele caminhar - ficava dormindo no

ponto de ônibus até meio dia quando as gurias voltassem do colégio pra trazer embora + e eu

trabalhando aqui no Centro + e na época eu trabalhava no condomínio Argus era zelador lá né

- tenho curso de zelador - tenho curso de padeiro e confeiteiro - tenho bastante uma montueira

de diploma dentro de casa - o negão olha pra aquelas paredes lá em casa diz - meu Deus do

céu juntando lixo com tudo isso aí + não é né eu perdi a vontade - eu trabalho quatro cinco

meses num lugar saio - perco a vontade perco completamente a vontade trabalhar numa firma

+ pra ganhar quinhentos seiscentos conto num mês inteirinho - se eu venho aqui se eu

trabalhar bem trabalhadinho numa semana eu ganho isso - então desanima a gente né.

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Entrevisa 21

P – Quanto tempo você trabalha aqui?

C21 – Ah - um ano e sete meses.

P – Teu trabalho é triar e puxar ou só um dos dois?

C21 – Não é só triar.

P – Gosta de fazer este trabalho?

C21 – Gosto.

P – Por que gosta de fazer este trabalho?

C21 – Ah - porque não é um serviço pesado né é um serviço bom.

P – A renda daqui é boa?

C21 – Mais ou menos.

P – Trocaria esse trabalho por outro?

C21 – Não.

P – Por que não?

C21 – Ah eu porque não - é um serviço bom.

P – No que ele é bom?

C21 – Como posso dizer - ai não sei não é porque não é só o serviço pesado - é um serviço

que não tem patrão - trabalho pra mim mesmo não tem ninguém mandando.

P – Tem alguém que puxa pra você?

C21 – Tem meu irmão.

P – Gosta de trabalhar com isso?

C21 – Não é muito assim - gostar eu gosto - mais é um pouquinho ruim por causa dos lixo no

meio do papel muitas coisas que tem cheiro ruim + é isso.

P – Esse trabalho dá algum problema de saúde?

C21 – Não em mim nunca deu mas - pode dar.

P – Que tipo de problema que pode dar?

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C21 – Ah sei lá - ser mordido por algum bicho ou até prejudicar a saúde com cheiro ruim + é

isso aí.

P – O que tu mais gosta de fazer do teu dia?

C21 – Aqui?

P – Aqui, fora daqui.

C21 – Aqui é reciclar - é o que é o mais melhor + e fora daqui não sei é como assim num

outro serviço?

P – Pode ser, ou na hora que tu não estás trabalhando.

C21 – Ah com certeza gosto de sair pra dançar - ficar em casa assistindo televisão.

P – Tens filhos?

C21 – Não - mas muitas gente daqui tem filho não tem creche - aí é obrigada a trazer o filho -

se não tem creche.

P – Vocês as vezes acham alguma coisa boa no material reciclável?

C21 – Ah de vez em quando sim.

P – O que por exemplo?

C21 – Hum agora como é que posso dizer - as vezes eles ganham na rua - é um armário - pia

essas coisas assim - até roupa nova veio uma vez.

P – Qual é a imagem que a sociedade tem de vocês?

C21 – Não sei.

P – Quando vocês estão na rua quando as pessoas olham o que eles falam?

C21 – Ah é um serviço honesto - tem gente que diz que que é um serviço honesto - que não

ninguém tá roubando né - é um serviço bom e pelo contrário também tá limpando a cidade.

P – Esse serviço é importante então?

C21 – É importante pa caramba.

P – Por quê?

C21 – Preserva a natureza.

P – Vocês trabalham quantos dias da semana?

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C21 – É de segunda a sexta - tem gente que trabalha também no sábado - no sábado pra tirar

lugar que tem pra pegar né - mas provavelmente é de segunda a sexta.

P – Qual é a pior parte desse trabalho?

C21 – Mexer no lixo + é - é isso daí - é mexer no lixo.

P – E tu já trabalhou em outros lugares antes daqui?

C21 – Ah eu já.

P – Aonde?

C21 - Trabalhei na casa duma moça que eu fazia faxina - é ela trabalhava também não

trabalhava aqui.

P – E é melhor aqui do que lá?

C21 – Ah não + lá era melhor - aqui tem que mexer no lixo coisa assim.

P – E saiu de lá por que quis?

C21 – É sim - sei lá não consigo deixar de trabalhar aqui porque é um serviço que não é

pesado - não tem ninguém gritando contigo - mandando em ti.

P – E se tivesse oportunidade de voltar ou trabalhar em outro lugar tu vais?

C21 – Ah eu iria.

P – Valeria a pena financeiramente?

C21 – Mais ou menos - acho que valeria.

P – Tens vergonha de fazer este trabalho?

C21 – Mais ou menos.

P – Como assim mais ou menos?

C21 – Tenho e não tenho - sei lá é que as vezes eu não tenho porque é um serviço que eu não

tô trabalhando honestamente né - não tô nas ruas principalmente - e vergonha eu tenho porque

sei lá o lixo é nojento - tem que tá mexendo no lixo.

P – A catação é um emprego pra ti?

C21 – É um emprego - várias famílias tem aqui né trabalhando - precisam não tem estudo pra

pegar um serviço aí eles pegam aqui - é um emprego pra mim é um emprego.

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P – Você não usa luva né?

C21 – Não geralmente tinha que usar né - mas eu não gosto não uso não.

P – Nunca se machucaram por não usar luva?

C21 – Já por causa dos vidro.

P – Mas não se preocupa em se cortar?

C21 – Sim a gente vai no posto de saúde - as vezes pode até pegar uma infecção tudo no

machucado.

Entrevista 22

P – O que uma moça tão bonita faz catando?

C22 – Trabalhei aqui catorze anos né - nisso aqui desde criança trabalhando aqui com o pai e

com a mãe - aí só que agora meu pai não trabalha ele só vinha ajudar a mãe né - aí na real a

minha mãe trabalha - ela o primeiro monte enorme que ta lá na frente aí trabalhei catorze anos

- daí agora voltei fiquei um ano trabalhando registrada né na Casa China como vendedora -

como agora fiquei sem serviço agora voltei pra não ficar em casa parada né - assim eu recebo

os dois eu recebo do seguro e do papel + mais assim que eu arranjar outra coisa eu pulo fora.

P – Então tu não gostas de fazer esse trabalho?

C22 – Gostava + não gosto mais não.

P – Por quê?

C22 – Antes era mais divertido - tudo mais assim pra trabalhar agora + ah eu não sei eu já

perdi a vontade de trabalhar no papelão - é catorze anos né a pessoa enjoa também - aí tô

trabalhando mesmo pra não ficar em casa né - ganhar pelo menos alguma coisa porque o

corpo acostuma se ficar em casa sem fazer nada (risos) - daí pronto acabou daí depois pra

pegar no serviço tem que pegar no tranco (risos).

P – Então estás procurando alguma outra coisa?

C22 – É tô procurando serviço - aí agora vou tirar a minha carteira de motorista vou ver se eu

arranjo porque tipo pra com a carteira de motorista uma moto é bem melhor de conseguir é

bem melhor pra emprego né é - o que eles mais precisam - no entanto larguei currículo em

tudo quanto é lugar mas só me chamam pra fazer a entrevista e não + ah tal dia te chamo

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nunca mais - é faz dois meses que eu tô esperando esse tal dia que eu te chamo já era + você

só tem experiência de vendedora e repositora o restante eu tô com vinte e sete anos - tu vê era

pra mim ter experiência com bem mais pela minha idade mas nunca me interessei porque o

papel sempre me deu bem eu gostava de trabalhar no papel aí a partir da hora que começou a

dar pouco que todo mundo foi trabalhar junto foi que eu pulei fora - aí que eu trabalhei

registrada aí eu acho que eu acostumei a trabalhar assim sabe - não foi é outra coisa assim

trabalhar não pra ti porque cada vez se tu trabalha pra ti tu quer trabalhar cada vez mais ser a

tua própria patroa tu sabe que se tu trabalhar tu vai ganhar bem mais - aí é onde tu quer aí um

pouco eu já tava esgotada também - daí acostumei a trabalhar assim fichado sabe - ter horário

pra entrar ter horário pra sair - não tem aquela de trabalhar até mais tarde aí acostumei - voltei

pro papelão fiquei até assim + mas fazer o quê.

E - Vocês acham coisas legais no lixo, coisas boas?

C22 – Olha antes a gente achava bastante - agora é meio difícil mas dá sim - ou ganha.

P – O que vocês acham?

C22 – Tipo acha peças de computador - acha peças de impressora que pode vender também

dá um dinheirinho a mais também - ou então acha secador - acha forno muitas vezes as

pessoas jogam forno televisão fora - acha acha bastante coisa sim - aí acha brinquedo roupa

calçados acha bastante + é o lixo daqui é bem rico + também antes era bem mais mas não não

deixou de ser + as pessoas economizam mas ainda esbanjam muito jogam bastante coisa fora

+ tu vê eles vão vender pra móveis usados eles não querem pagar aquele preço - aí se eles for

vender uma coisa que eles compraram por duzentos reais vão querer vender os móveis usados

ultimamente estão querendo pagar dez reais - ah então eu prefiro jogar fora do que vender ou

então dar pra alguém é assim que eles - ah ó aí já dão ou eles deixam assim no lixo perto das

casas assim que as pessoas passam e já levam que sabe que alguém vai aproveitar - não é o

móveis usados que vai lucrar com isso - por isso é assim que eles pensam + quantas pessoas

vinheram me dar algumas coisas que eu tenho até hoje + pegar um guarda-roupa com uma

moça lá no prédio que ela foi falar ela levou o moço de móveis usados lá e o moço queria dar

dar vinte reais pelo guarda-roupa que ela pagou quinhentos - ela ficou louca aí ela disse não

então deixa não aí - ela me encontrou na rua ai menina queria falar contigo tu quer um

guarda-roupa assim assim assim que eu prefiro dar do que vender por vinte pelo menos eu sei

que tu vai usar e que tu não vai tá pagando horrores porque eles querem pagar uma miséria

pra gente mas querem cobrar um absurdo - eu disse não então tá certo eu fico tranqüilo claro

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que eu quero - ainda brinquei com ela ah o quarto da minha filha tá precisando de um guarda-

roupa mesmo.

P – Vocês acham materiais perigosos como faca, lâmina, materiais que cortam, seringas?

C22 – Não seringa não - porque se for lixo hospitalar é bem difícil vim hospitais farmácias

esses lugar assim eles já têm uma programação certa pra eles não fazerem pra qualquer lixo

né - aí já é bem com tanta pô nas antiga até achava - mas com tanta repercussão que acabou

dando isso eles acabaram ou pessoas quando sujam assim eles se conscientizaram e eles

embalam eles guardam e jogam num lixo próprio de - nas farmácias tem tem carros que

passam pra pegar o lixo de esses lixos próprios de médicos né - aí é mas o que a gente mais se

machuca é com vidro - que as pessoas não embalam direito muitas vezes é pra eles colocarem

numa caixinha de leite num jornal né enrolar passar uma fitinha alguma coisa por mais que

seja - eles não - eles pegam ou muitas vezes eles só jogam no lixo - e é onde a gente vai pegar

o saco eu já vi até um colega meu que trabalha na própria COMCAP que foi pegar o saco

assim - e passou na perna abriu a perna.

P – E o que vocês fazem quando se cortam com vidro?

C22 – Quando se corta a gente passa remédio e passa uma faixa + e vamos trabalhar toca o

barco + não tem nem como pedir atestado né (risos).

P – E a renda como é?

C22 – No papel eu tiro uns porque trabalha eu e a minha tia junto - a gente tira na faixa de uns

seiscentos reais por aí - por mês.

P – Não é mais do que quando trabalhava registrada?

C22 – Não - eu trabalhava registrada eu ganhava setecentos e uns quebrado com hora extra

tudo - ia quase a uns novecentos.

P – Por mês?

C22 – Por mês.

P – E esse valor que tu tiras aqui é por mês ou por semana?

C22 – Por mês - se fosse eu sozinha eu tirava tirava uns duzentos a trezentos por semana -

mas é como é eu e minha tia nós temos que repartir entendeu que ela não vem que ela também

trabalha fora né - aí já dificulta a situação mas também se tivesse trabalhando direto era bem

mais.

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P – O que tu mais gosta de fazer do teu dia aqui, fora daqui?

C22 – No papelão?

P – Pode ser.

C22 – Bom no papelão eu gosto eu gosto de trabalhar no papelão por causa de uma coisa -

que a gente conhece uma boa parte das pessoas né o Centro todo - a gente passa ah oi tudo

bem - todo mundo conhece a gente a gente conversa pára conversa - papelão é bom porque

tem essa liberdade - pode parar conversar com as pessoas tudo faz várias amizades assim - é

bem livre - mas daí é eu gosto de andar pra tudo que é lado - agora ficar muito fechada é meio

complicado né.

P – E qual que é a pior parte?

C22 – Pior parte - trabalhar com chuva pior parte trabalhar com chuva ou então arrumar papel

- que eu não gosto - eu só gosto de catar agora arrumar papel é complicado meu Deus ah não

+ esses dias minha tia faltou eu inventei de eu arrumar papel - fiquei três horas em três

saquinhos de papel - ela começou a rir um monte tu não presta pra arrumar papel - eu disse eu

não presto (risos) eu não gosto - quase morri chorando na mesa - eu não quero dureza.

P – Tens filhos?

C22 – Tenho - tenho três.

P – Deseja esse trabalho pros teus filhos?

C22 – Ah não.

P – Por que não?

C22 – Ah ah olha só é assim ó - é muito bom esse serviço assim porque pô tu não tem patrão

nem nada - se tu trabalhar ganha bem mais - quando eu trabalhava sozinha eu ganhava bem -

tirava em torno de trezentos quatrocentos por semana - mas é assim tu se maltrata bastante

sabe - vem Centro é no sol é na chuva tua pele já fica horrível toda ressecada vira no que é

aquilo aí a pessoa também se pegar chuva já anda fica gripada não adianta - trabalha um dia

pra ganhar dinheiro - trabalha cinco pra comprar remédio é bom - mas em compensação tem

seu lado ruim também né - aí eu não desejo isso pra eles por isso que eu digo - no momento os

meus dois filhos faz um ano e meio eles foram morar com a avó deles + foram passar as férias

do colégio e ficaram não quiseram voltar que a vó paparica até as últimas - aí os meus dois

mais velhos a menina tem onze anos e o menino tem nove mas a minha de sete tá comigo é de

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pai separado aí essa não - não quis ficar por lá não quis ficar junto comigo aí essa mora -

comigo mas eu já digo pra ela - estuda minha filha estuda que tu não vai trabalhar no mesmo

ramo que a tua mãe não - digo isso pra ela não porque olha só eu trabalhei catorze anos aqui

se eu tivesse trabalhado com catorze anos de carteira assinada em alguma coisa por mais que

seja pouco que eu tivesse ganhado - mas já era alguma experiência e já era catorze anos né eu

já tinha - eu já tava seguro ali.

P – E o que tu faz nas horas de lazer?

C22 – Oi -?

P – O que tu faz pra te divertir nas horas de lazer?

C22 – Ah eu saio dançar + a gente faz festa é isso que eu procuro fazer né - é ficar em casa eu

não consigo + daí como eu tenho várias amigas assim - vários amigos a gente marca com a

galerinha toda e se manda - só aparece no outro dia é triste (risos).

P – O que te motiva a estar trabalhando neste lugar?

C22 – O que motiva?

P – É o que te leva a vir pra cá trabalhar na catação?

C22 – É - então mais é é como eu disse pegar os dois dinheiros - o dinheiro do seguro e o pra

mim não gastar o dinheiro do seguro - que tenho que fazer uma reforma lá em casa sabe a

casa ta velha vou ter que fazer uma reformazinha - aí pra não gastar ficar em casa sem fazer

nada o corpo acostuma daí piora a situação - então eu já vim trabalhar e pegar o dinheiro

ambos os lados - que fica com o dinheiro do seguro e o dinheiro do papel.

P – Qual que é a imagem que a imagem que a sociedade tem de vocês?

C22 – Lixeiros ++ uma moça veio falar ontem comigo tava pegando num apartamento aí ela

na portaria do prédio ela bem assim - ô moça posso falar contigo eu bem assim fala - ela bem

assim o que que uma moça tão bonita com tudo os dente na boca ta fazendo no papelão - aí eu

bem assim - meu Deus olha a imagem que ela tem né - aí eu pensei ó moça eu trabalhei

catorze anos no papelão - não tenho vergonha disso não - só não gosto de trabalhar no papelão

por causa do tempo que eu tenho que ficar aí exposta ao tempo direto eu disse - mas eu olhei -

pra mim não faz mal - até eu conseguir um outro serviço o papelão tá bom - pelo menos é um

modo de eu ganhar dinheiro - aí ela bem assim ah mas tenta conseguir outra coisa porque isso

não é vida tudo mais + aí tá ela pegou e saiu - aí fiquei pensando pô olha só a imagem que

eles têm dos papeleiros + pra ser papeleiro tem que ser banguelo feio e sujo né - aí fiquei

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pensando pô não adianta - esse serviço nunca vai - eles nunca vão dar valor sempre vai ser o

lixerio - ó sempre vão jogar a gente de um lado pro outro - sempre vão vão tá chutando - ah é

lixeiro lixeiro a frente isso aí - é tem aquela né não adianta - eles vão ter sempre essa opinião -

todos lugares que eu chego ou entrevista que eu faço pra emprego assim - eu não digo que

trabalhei de papeleiro porque se eu falar isso já era - ninguém mais nem me pega muitas vezes

também tem alguns papeleiros que aprontam sabe - pegam entulho de um lado jogam do outro

daí as pessoas ficam meio que queimados né pô essa gente não faz nada certo aí + por causa

de uns os outros pagam - aí é complicado.

P – E essa imagem que a sociedade têm de vocês te incomoda?

C22 – Ah incomoda - incomoda porque pô eu queria tanto dizer ah já fui papeleira já fui já

cuidei porque é um meio ambiente que a gente tá fazendo aqui - a gente tá limpando a cidade

- uma coisa que vai ser vai ser enterrado vai ser pro lixo aí pô - olha só ta catando eles vão

reciclar vão fazer tudo novamente sem ter que desmatar a natureza - sem ter que destruir mais

né - eu acho assim que eles deviam dar um pouquinho mais de valor que eu teria orgulho

assim se eles dessem valor - eu teria orgulho + ah olha eu sou papeleira eu faço isso aí ó eu

que ajudo a limpar a natureza - mas como que vai fazer isso se todo papeleiro é lixeiro + tá

complicado né.

P – Tens vergonha de fazer este trabalho?

C22 – Não vergonha não tenho - só tenho vergonha de falar nos lugares que eu vou entregar

currículo tudo e de dizer que eu trabalhei com reciclado - eu não preciso nem dizer que eu

cato papelão é só eu dizer que trabalhei com reciclado pronto - não pegam mais + é parece

assim que rasga a folha e joga fora - essa aí eu nem quero enxergar na reta - bem complicado

a primeira vez que eu fui procurar serviço foi isso + aí descobri que a discriminação era

grande sabe - falam ah o que tu tem de experiência - olha daí eu já inventava ah já trabalhei de

vendedora isso aquilo aquele outro - tu vê daí me chamavam - se não não.

P – Consideras esse trabalho importante?

C22 – Oi?

P – Esse trabalho aqui é importante?

C22 – Ah eu considero importante - é como eu te falei né - ele pô é um meio de limpar a

natureza que vai ser enterrado vai ser jogado fora - pra quê melhor do que isso - pelo menos tá

reciclando ou várias vezes tu passa cinco seis vezes que vai ser feito a mesma coisa - mas pelo

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menos não vai ser derrubado uma árvore - matado porque na natureza morrem tantos animais

aí que a gente nem conhece sabe - é difícil aí mais tarde no futuro dos filhos não vai ter nada

de natureza vai ter só essa cidade + que nem em São Paulo algumas fotografias que tu tira de

lá tu vê como é que é o céu - não sei se tu já reparou mas o céu de lá é preto tu tira algumas

fotografias assim dum ângulo alto de um prédio ele fica aquele aquela fumaça preta marrom

sabe aí fica esquisito - e lá tu só vê prédio tu só vê rua só vê não vê nada de planta é bem

difícil uma praça com uma árvore alguma coisa assim - por isso que eu digo ah não quero isso

aí pros meus filhos não quero que eles olhem assim - ah meu Deus olha só não tem nada de

natureza pelo menos alguma coisa eles tem que quando crescer né - e assim por diante.

P – Tu estás trabalhando toda arrumada né?

C22 – Ah vai chegar num lugar como tu chega em várias lojas em vários apartamentos se tu

chegar tipo - a imagem que eles fazem dos papeleiros né - sujo imundo desarrumado - se tu

chegar num lugar assim - quem é que vai te dar papel se tu chegar numa loja aí de grife ou for

entrar numa loja todo desarrumado - eles já não sai daqui não não tem a única coisa que eles

vão dizer é isso - agora se tu chegar arrumado - bem educado pronto já era - eles te dão na

hora - ah até guardo aqui pra ti pode vir pode passar uma duas vezes por semana + tem

lugares que eu pego assim já é garantido - aí é bem melhor né - porque como é que tu vai

entrar todo sujo num estabelecimento + nem eu não quero na minha casa não vem não (risos)

- eu sou realista tá sujo tá isso tá aquilo aquele outro - como é que vai trabalhar desse jeito -

não tu é pobre mas tu não é imundo né - é real.

Entrevista 23

P – Oi!

C23 – Oi.

P – Você não é filho do Dorival?

C23 – Sô.

P – E o que está fazendo aqui rapaz?

C23 – Fazê o quê - é a vida né.

P – Como assim? Teu pai está no Itacorubi, por que não estás junto com ele?

C23 – Não eles não deixam - sou de menor.

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P – E aqui deixa?

C23 – Aqui nós somo livre né.

P – Mas teu pai me disse que não queria os filhos dele trabalhando aqui, ele sabe que tu estás

aqui?

C23 – Sabe.

P – E deixa?

C23 – Tem que deixa né - as conta apura - o cara tem que vim né.

P – Conta? Como é que tens conta?

C23 – Ah eu fiz mais conta - eu tenho conta também - faço meu curso de computação eu

tenho minha roupa - meu tênis.

P – Você trabalha aqui há muito tempo?

C23 – Três ano acho.

P – Estás fazendo curso de computação?

C23 – É vou pegar o diploma no final do mês - aí quando fizer dezesseis anos já tenho

emprego no curso lá - vão arrumar um emprego pra mim.

P – E tira uma grana boa aqui?

C23 – Tira né + bem mais que eu sei que vou ganhar.

P – E vai valer a pena deixar isso aqui pra fazer outra coisa?

C23 – Vai.

P – Por quê?

C23 – Ah não sei - aqui não tem futuro.

P – Gosta desse trabalho?

C23 – Eu gosto.

P – Tem alguma coisa que tu não gosta?

C23 – Não.

P – O que que tu mais gosta daqui?

C23 – Sei lá - que não é mandado por ninguém.

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P – Mas se trabalhar com computação não será mandado por alguém?

C23 – E agora + sei lá tem que aceitar.

P – Qual é a pior parte desse trabalho?

C23 – Pior parte é que nós não temos um lugar fixo nosso né.

P – E a melhor?

C23 – Que ganha bem.

Entrevista 24

P – Quanta coisa no seu carrinho, o senhor não sente dor puxando tudo isso?

C24 – Na reta não né - mas se pegar qualquer subidinha Deus o livre - na reta é só

equilibrando ele - só assim ó - só com dois dedo ++ lá e Porto Alegre com esse carrinho aqui

eu botei um fuça atravessado assim ó - dentro dele sem as roda - as roda dentro dele.

P – O senhor trabalhava em Porto Alegre?

C24 – É eu vim de lá com ele + a pé.

P – Sério?

C24 – Sério sério - eu vim de lá.

P – E tem até retrovisor seu carrinho?

C24 – Tem tudo - tem até buzina eu tirei a buzina - mas tinha.

P – Por que o senhor veio de Porto Alegre pra cá?

C24 – Na verdade eu não ia ficar aqui - na realidade eu ia subir pra São Paulo mas como eu e

a minha esposa - nós fomo assaltado em Laguna no carnaval de Laguna - aí nós paramos aqui

pra tirar os documento + aí eu vi que a reciclagem que tem aqui era rica né - é muito rica e

tem sobrando - tá na madrugada aí pega muita coisa aí + aqui não trabalho de madrugada.

P – Por que não?

C24 – Porque não - acontece que eu gosto mais de trabalhar no máximo até umas nove e meia

dez da noite - aí depois eu vou dormir.

P – Vocês moram perto?

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C24 – Nós mora bem pertinho - bem pertinho + mas é bom aqui é bom.

P – Gosta de fazer este trabalho?

C24 – Gosto + faz vinte e três anos - isso aqui já vem de herança já - meu falecido pai

trabalhou há muito - meu falecido pai nunca fez nada na vida - nunca pagou um centavo

sequer de de de contribuição do INSS - e se aposentou com três salário mínimo - claro agora

já é falecido né - a falecida da minha mãe agora até pouco tempo agora fazer um ano que ela

faleceu que ela tava - ela tava recebendo né - ele nunca trabalhou na vida - ele ele puxava na

época não tinha carrinho assim em Porto Alegre - ele puxava de saco assim - de sacaria de

saco - aí depois surgiu uns carrinho assim de madeira comprido assim de uma roda só de pau

roda de pau aí + dali em diante foi se modernizando foi se modernizando aí eu fui pegando a

manha.

E- Trabalhou com ele também?

C24 – Cheguei a trabalhar com ele - muito pouco mas trabalhei - um outro irmão meu quem

mais trabalhou com ele - foi o outro irmão meu - eu trabalhei muito pouco com ele.

P – Este trabalho vale a pena?

C24 – É + eu eu graças a Deus hoje não eu não tenho queixa não - não passo fome eu pago a

minhas conta + só não sobra né - é difícil sobrar é muito raro sobrar.

P – Será que haveria um outro trabalho que sobrasse?

C24 – Acho que não existe - acho que não não.

P – O senhor já trabalha há vinte e três anos com isso por quê?

C24 – Há vinte e três anos - e nesses vinte e três anos dentro disso eu ainda trabalhei dezesseis

anos como motorista de caminhão e não deu certo - porque depois que eu saí não consegui

mais pegar + olha a idade que eu tenho quarenta e três anos qual a empresa que vai me pegar?

Nenhuma entendeu - como é que é aí eu optei carregar papel - carregar lata - carregar plástico

carregar o que tiver pela frente - só não carregar roubo né - roubo não.

P – O que motiva o senhor a trabalhar com catação?

C24 – O motivo + ah sei lá me dá mais vontade - me dá mais ânimo eu sinto mais prazer de

trabalhar assim do que trabalhar preso numa firma.

P – Preso?

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C24 – É preso + vamo dizer assim empregado de carteira assinada - quem trabalha de carteira

assinada tá preso - e eu me sinto livre livre livre que nem um pássaro - não tem ninguém que

me mande é autonomia.

P – O senhor está aqui há quanto tempo?

C8 – Aqui assim em Florianópolis eu cheguei dia dez de fevereiro + eu saí de lá - veja bem eu

saí de Porto Alegre dia dezesseis de novembro - e cheguei aqui dia dez de fevereiro deste ano

+ mas só que claro eu não vim direto né eu parei - eu parei.

P – Como é que foi quando o senhor chegou aqui?

C24 – Foi né - fui bem recebido só que no começo eles ficavam meio estranho comigo - não

quiseram me aceitar a minha carga eu tive que vender lá do outro lado - aí eles viram que era

demais - aí me aceitaram mesmo assim sabe - fora disso aí fui recebido super bem - super

bem + e até hoje sou bem recebido por eles - não por eu ser por eu fazer parte aqui da

associação dos catador - mas o pessoal aí são legais.

P – Você que veio de fora e chegou agora na associação vê de que maneira o grupo?

C24 – Ah o grupo é - é bem participativo né - o pessoal se sabe se unir né - até teria que ter

uma organização - teria que ter uma organização tipo assim um galpão.

P – O senhor não chegou a conhecer a antiga sede então onde tinha um galpão?

C24 – Faz poucos dias que eu estou aqui - mas era lá onde eu moro a sede - mora eu minha

esposa e a cachorrinha que veio junto na viagem.

P – Quanto tempo o senhor levou fazendo esta viagem?

C24 – Eu saí de lá dezesseis de novembro + cheguei dia dez aqui - de fevereiro três meses

+ claro eu não vim direto né - se eu viesse direto eu ia levar no mínimo uns vinte dias - eu não

vim com peso no carrinho eu truxe só umas panelas - bule - chaleira - uns plásticos - garrafa

um colchão - só vinha catando parava nos lugar - catava vendia - parava + o lugar que eu mais

parei foi Pinhal - noite de Natal e passei o ano novo lá - depois que saí de Pinhal parei em

Torres - depois parei em Tubarão - depois de Tubarão parei em Laguna - essas parada - essas

parada que eu tô falando pra você é as parada que eu parei pa trabalha + outras parada que eu

parei assim eu parei pra dormi + eu parava de dia tipo assim quatro hora da tarde e depois

ficava até outro dia cinco hora da manhã entendeu - então olha quantas parada mesmo pra

trabalho foi ++ Pinhal - Capão de Canoa - Torres - Tubarão e Laguna + seis parada - a minha

intenção era seguir até São Paulo + mas aqui tá bem melhor que lá.

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P – Como é que o senhor sabe?

C24 – Eu já morei em São Paulo - morei - morei dois anos e oito meses acho - mas na época

trabalhava em transportadora né.

P – Por que saiu de Porto Alegre?

C24 – Olha - posso ser bem sincero? Eu fugi da violência lá.

P – Mas aqui não tem violência?

C24 – Aqui é claro que em todo lugar tem - mas lá lá tá horrível + lá tá demais + então eu fugi

da violência - porque eu não preciso ver - a a violência já levou dois da minha família né ++

então eu não queria ser o próximo no caso - não queria ver ninguém mais da minha família

morrer sabe - violência por causa de nada né - ah fugi + vim embora e o meu pessoal sabe que

tô aqui - entrei em contato com eles essa semana.

P – Qual a diferença entre a vida de lá e a vida aqui?

C24 – A vida - todo lugar é um lugar - todo lugar é o seu lugar né - claro a única coisa que

muda aqui pra mim é o sotaque - porque a convivência é a mesma - a reciclagem é a mesma -

a amizade a gente faz em qualquer lugar né - então eu acho assim ó - convivência convivência

mesmo não tem diferença uma da outra - ou seja de um lugar pro outro pra mim não não tem

diferença nenhuma - a única diferença pra mim como eu disse né só o sotaque - é só o

sotaque.

P – Clima, tempo é tudo igual?

C24 – Clima é tudo igual - aqui até o clima é um pouquinho mais melhor aqui - lá a praia

mais próxima de nós cento e dez quilômetros - cento e trinta quilômetros aonde foi a primeira

parada minha lá - foi em Pinhal - então quanto ao resto + quanto ao resto é tudo igual - só o

clima aqui que nós tamo rodeado de mar né - então o clima aqui é um pouquinho mais suave -

o ar é mais puro que lá - lá é muito poluído - uma terra muito suja + aqui a todas as praças tu

não vê uma folhinha de papel no chão - a grama aparadinha a Beiramar ali - a Beiramar hoje

eu andei por ali + e ali é rico em beleza natural - em beleza - assim em Porto Alegre não tem

nada disso + só violência o pessoal muito ganancioso lá - tudo querem ganhá querem ganhá

querem ganhá - então eu sinceramente eu - eu tô melhor - já conhecia aqui quando viajava no

transporte.

P – Trocaria esse trabalho pelo transporte se tivesse oportunidade?

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C24 – Não + eu - eu não tenho patrão que me mande né - mas não é por aí - pode aparecer um

patrão por aí que diga que vai pagar por dia cem real pra mim - eu largaria e ia trabalhar pra

ele só o poblema é o seguinte - o poblema é que eu não trocaria + não trocaria - assim tá bom

++ ah assim tá bom demais pra mim + se um dia aparecer uma com melhores condições que

isso aqui ++ tem época que eu dou uma parada - fico aí quarenta cinqüenta sessenta dias

parado aí - porque meu dinheiro eu guardo - não boto fora - compro aí um velho barreiro

sexta-feira e dura dura - só tomo um golinho assim antes das refeições né - só pra abrir o

apetite - então dura - um litro daquele de sexta a sexta - só que é caro né - vai oito reais mas é

melhor que fumar maconha - cheirá uma pedra - cheirá cocaína - sei lá.

P – O senhor tem filhos?

C24 – Eu tenho um neto + um neto ++ se eu tenho neto é claro que eu tenho filho - eu tenho

um único filho só do meu primeiro casamento - tem a idade da minha esposa - vinte e três

anos - tenho uma netinha - se não for duas (risos) é eu digo assim né - porque de repente né.

P – Ele também cata?

C24 – Não - não ele trabalha em ele trabalha na Prosseg - negócio de banco de segurança né +

mas ele tem uma outra uma microempresa dele.

P – E o senhor não quis ir trabalhar com ele?

C24 – Não porque é né área de construção - marcenaria não - eu não sei trabalhá com

marcenaria - meu trabalho é mesmo esse aqui - é montar móveis - eu adoro montar móveis -

faço móveis em geral - qualquer um + novo usado velho eu gosto de trabalha - montar uns

móveis.

P – O senhor estudou até que série?

C24 – Eu tenho o segundo grau completo + uma coisa que meu pai me ensinou né - uma coisa

que meu pai nunca estudou na vida - a única coisa que ele gostaria de ver os filho dele pelo

menos sabê lê - e ele me passou isso aí pra mim - e eu passei pro meu filho sabe + o meu filho

também tem segundo grau e hoje ele tá bem graças a Deus - tá muito bem - tem a casinha

dele.

P – O senhor desejaria a catação pra ele?

C24 – Catação pro meu filho não.

P – Por quê?

Page 193: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍsiaibib01.univali.br/pdf/Julia Cristiane Schultz Pereira.pdf · ACMR: um estudo etnográfico Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção

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C24 – Ele ele ele nunca gostou assim do serviço de reciclagem assim - ele tem admiração tem

um pai assim né - ele com quatro anos de idade sabia ler e escrever - então se ele quisesse

podia pedir transferência - porque aqui tem a mesma empresa que ele trabalha a mesma acho

+ que tem no Brasil todo - já vi em um monte de lugar - a mesma empresa.

P – Qual a pior parte do seu dia?

C24 – Nenhuma né - não tenho - não tenho - isso aqui é um prazer pra mim + é que nem eu

falei pra você isso aqui eu me sinto livre.

P – Trocaria isso aqui por outra coisa?

C24 – Não não troco - eu não tenho por que trocar.

P – Nas horas que não trabalha faz o que?

C24 – Tô descansando - deito e durmo né.

P – Trabalha sábado e domingo?

C24 – Sim domingo eu gosto de trabalhar - não trabalho na segunda segunda-feira só trago a -

só trago o que eu coleto sábado e domingo.

P – E onde o senhor gasta esse dinheiro se só fica trabalhando?

C24 – Deposito.

P – Deposita pra quê?

C24 – Pro meu futuro mais tarde quando me aposentá + me aposentá não vou me aposentá né

- mais aí eu - aí eu já pego uma coisa garantida né - vamo dize assim que eu já tenho sete mil

reais.

P – Vai trabalhar até que idade?

C24 – Vou trabalhá até quando dá + se Deus não tirar minhas perna eu vou indo + a minha

esposa não - a minha esposa não - ela só fica em casa - ela me ajuda em casa né quando vai

pra reciclar ela fica reciclando ali.