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Universidade do Minho Instituto de Educação e Psicologia Henrique da Costa Ferreira A Administração da Educação Primária, entre 1926 e 1995: Que Participação dos Professores na Organização da Escola e do Processo Educativo? Tese de Doutoramento em Educação Área de Organização e Administração Escolar Outubro de 2005

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Universidade do Minho Instituto de Educao e Psicologia Henrique da Costa Ferreira A Administrao da Educao Primria, entre 1926 e 1995: Que Participao dos Professores na Organizao da Escola e do Processo Educativo? Tese de Doutoramento em Educao rea de Organizao e Administrao Escolar Outubro de 2005

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Universidade do Minho Instituto de Educao e Psicologia Henrique da Costa Ferreira A Administrao da Educao Primria, entre 1926 e 1995: Que Participao dos Professores na Organizao da Escola e do Processo Educativo? Tese de Doutoramento em Educao rea de Organizao e Administrao Escolar Trabalho efectuado sob a orientao de Professor Doutor Joo Formosinho Simes E sob a coordenao de Professor Doutor Licnio Lima Outubro de 2005

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DECLARAO

Nome: Henrique da Costa Ferreira

Endereo electrnico: [email protected] Telefone: 91 944 14 37 / 273 323 935

Nmero do Bilhete de Identidade: 3638037

Ttulo da Tese de Doutoramento: A Administrao da Educao Primria entre 1926 e

1995: a Participao dos Professores na Organizao da Escola e do Processo Educativo

Orientador(es): Professores Doutores Licnio Lima e Joo Formosinho Simes

Ano de concluso: 2005

Ramo de Conhecimento do Doutoramento:

Educao Organizao e Administrao Escolar

1. AUTORIZADA A REPRODUO PARCIAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 28 de Outubro de 2005

__________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho s foi possvel com a superior orientao dos Professores Doutores Joo

Formosinho Sanches e Licnio Lima, a quem fico agradecido e em dvida, pela orientao, pelo encorajamento e pela pacincia que tiveram comigo.

Universidade do Minho, na pessoa dos seus representantes e, em particular aos

Professores do Instituto de Educao e Psicologia uma palavra de gratido por me terem acolhido e pelos incentivos que sempre me deram.

s professoras e professores do ensino primrio, Acrcio lvaro Pereira, Aida

Florbela Cruz, lvaro Lemos, lvaro Lus Moreira, Ana Maria Fernandes, Ana Maria Miguel, Branca Pereira, Fernanda Cu Portugus, Gracinda Assuno, Infncia Barreira, Irene Subtil, Manuel Antnio Gonalves, M Conceio Alves, Maria Idlia Conde, Maria Joana Lopes, Maria Lurdes Carvalho, Maria Lurdes Gil, Maria Perptua Conde, Maria Prazeres Afonso, Maria Raquel Pires, Maria Fernanda Pinheiro, Nair Adelina Caldeira, Oflia M. Lopes, Teresinha M. J. Martins por terem confiado em mim e acedido a colaborar neste trabalho.

Aos Professores Antnio Sousa Fernandes, Carlos Estvo, Almerindo

Afonso, Carlos Gomes, Leonor Torres, Ftima Antunes, Jos Augusto Pacheco, Jos Morgado, Joo Peraskeva, Srgio Machado dos Santos, Francisco Carvalho Guerra, Joo Barroso, Natrcio Afonso, Madalena Fontoura, Albano Estrela, Teresa Estrela, Jorge Adelino Costa, Jorge Arroteia, Jlia Formosinho, Francisco Cordeiro Alves e Jos Manuel Rodrigues Alves, Sofia Bergano e Graa Santos agradeo os incentivos e as preocupaes para que este trabalho tivesse fim.

minha escola, a Escola de Educao do Instituto Politcnico de Bragana

e, em particular, aos funcionrios da Biblioteca, o meu sincero obrigado. Aos funcionrios dos Servios de Imagem do Instituto Politcnico de

Bragana o meu agradecimento tambm. Finalmente, para ti, Conceio, e para vs, Ricardo e Ana, o meu muito

obrigado pelo vosso apoio e pela vossa determinao.

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A ADMINISTRAO DA EDUCAO PRIMRIA ENTRE 1926 E 1995: QUE PARTICIPAO DOS PROFESSORES NA ORGANIZAO DA ESCOLA E DO

PROCESSO EDUCATIVO?

Resumo

O nosso trabalho, intitulado A Administrao da Escola Primria entre 1926 e 1995 Que participao dos professores na Organizao da Escola e do Processo Educativo?, centra-se no estudo da participao dos Professores na Administrao da Escola Primria /1 Ciclo do Ensino Bsico.

Partindo dos estudos de Licnio LIMA (1992; 1998 e 2003) sobre a organizao e a participao na Escola Secundria Portuguesa, inventariando a construo de modos de produo de normas e de regras e de formas de participao na Escola, e propondo o confronto entre participao decretada e participao praticada, propusemo-nos, essencialmente trs objectivos:

- analisar o contributo da teoria dos sistemas polticos (Captulos II a V) e da teoria organizacional (Captulo VI) para uma teoria da participao /no-participao nas organizaes e, particularmente, nas organizaes educativas;

- analisar as formas do Estado e da Administrao Educacional Primria, no horizonte do nosso estudo (1926- 1995) luz dos contributos da teoria sobre os sistemas polticos, hipotetizando a realizao de diferenas substantivas nos dois perodos a considerar: 1926-1974, correspondendo ao Estado autoritrio e administrativo e 1974-1995, correspondendo ao Estado democrata pluralista e liberal-social (Captulos VII a IX);

- confrontar a participao decretada com a participao praticada, a partir de entrevistas a dois grupos de 10 professores: um que exerceu entre 1955 e 1985 e outro que exerceu entre 1968 e 1995 (Captulo X).

No Captulo I, o autor contextualiza a problemtica da participao enquanto estratgia de desenvolvimento pessoal e social inerente ao processo educativo e democratizao da sociedade, pondo em evidncia as ameaas do neoliberalismo e dos movimentos gestionrios para a eficincia e para a produtividade, os quais cooptam e manipulam a participao como uma tecnologia social de gesto.

Dada a extenso temporal do estudo, o autor utiliza trs abordagens tericas: a estrutural-funcional, compatvel com os sistemas racionais-

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burocrtico-mecnicos; a abordagem da aco estratgica, compatvel com aqueles sistemas e com as burocracias profissionais; e a abordagem poltica, compatvel com as burocracias profissionais e com os sistemas debilmente articulados.

Como principais concluses do estudo, emergem: 1) que a aco estratgica dos actores se sobreps aos constrangimentos impostos Escola, no 1 perodo; 2) que a liberdade relativa dos actores, no domnio pedaggico, foi preservada nesse perodo; 3) que a Escola Primria Portuguesa, no segundo perodo, tende para a burocracia profissional e para a adhocracia, no interior da Escola, e para o sistema debilmente articulado, entre escolas; 4) que estas caractersticas possibilitaram uma efectiva participao na gesto curricular/pedaggica, apenas limitada pela escassez de recursos financeiros e materiais.

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THE ADMINISTRATION OF THE PRIMARY SCHOOL FROM 1926 TO 1995 WHAT PARTICIPATION DO TEACHERS HAVE IN THE ORGANISATION OF SCHOOL AND IN THE EDUCATIONAL

PROCESS?

Abstract

Our work, entitled The Administration of the Primary School from 1926 to 1995 What Participation Do Teachers Have in the Organisation of School and in the Educational Process?, is based on the study of the participation of teachers in the Administration of the Primary School / 1st Cycle of Basic School.

The studies of Licnio LIMA (1992; 1998 and 2003) on organisation and participation in the Portuguese Secondary School represent the main basis for our study. His study made the inventory of the configuration of ways of creating rules and forms of participation in school, and proposed the dispute between announced participation and practised participation

Considering this source, the three main goals that we want to achieve in our study are the following:

- to analyse the contribution of the theory of the political systems (chapters II to V) and of the organisational theory (chapter VI) to a participation / non-participation theory in the organisations and, particularly, in the educational organisations;

- to analyse the representative forms of the State and Educational Administration in Primary school in our study. In order to achieve this, one took into account the contributions of the theory on political systems, hypothesising the existence of substantial differences in the two periods for study: 1926-1974, corresponding to the authoritarian and administrative State and 1974-1995, corresponding to the socio-liberal and democratic pluralist State (chapters VII to IX).

- to compare the official participation attributed with the practised participation, based on interviews applied to two groups of 12 teachers: one group of teachers that taught between 1946 and 1990 and the other that taught between 1960 and 1995 (chapter X).

In chapter I, the author conceptualises the problematic of the participation as a strategy of social and personal development related to the educational process and to the democratisation of society, focusing on the threats of

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Neoliberalism and managerial movements for efficiency and productivity, which co-opt and manipulate the participation as a social management technology.

Due to the temporal extension of this study, the author uses three theoretical approaches: the structural-functional approach, compatible with the rational-bureaucratic-mechanical systems; the strategic action approach, compatible with the systems just mentioned, and with the professional bureaucracies; the political approach, compatible with the professional bureaucracies and with the loosely coupled systems.

The main conclusions of this study are the ones that follow: 1) the strategic action of the actors overlap the restraints imposed to

school in the first term;2) the partial freedom of the actors in the pedagogical area was preserved in that term; 3) the Portuguese Primary School, in the second term, tends to professional bureaucracy and to adhocracy, inside school, and to the System weakly articulated, among schools; 4) these characteristics allowed an effective participation in the curricular / pedagogical management, only limited by the shortage of material and financial resources.

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DEDICATRIA Dedico este trabalho a todos os Professores do Ensino

Primrio e do 1 Ciclo do Ensino Bsico, obreiros primeiros da nossa cultura e da nossa paz, em homenagem s difceis condies em que trabalharam e em que ainda trabalham, a maior parte deles.

Dedico-o ainda aos meus orientadores, Professores Doutores

Licnio Lima e Joo Formosinho, em homenagem ao seu universalismo cultural e sua dedicao causa da educao.

Dedico-o finalmente minha esposa, Maria da Conceio,

que partilhou comigo quase toda a sua vida de professora do ensino primrio / 1 ciclo e da educao especial, e me fez despertar para a necessidade de aprofundarmos o estudo da educao na infncia como alicerce de toda a educao.

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NDICE

INTRODUO 1-29 1. As motivaes do estudo 1 2. O objecto do trabalho de investigao 4 3. O problema 6 4. Os objectivos do trabalho 8 5. Princpios estruturantes da investigao 9 6. A operacionalizao do problema 22 6.1. As hipteses 22 6.2. As variveis 23 7. A realidade a estudar 25 7.1. Os limites temporais do estudo 25 7.2. As fontes do estudo 25 8. A metodologia 26 9. Abordagem terica tripla 27 CAPTULO I - A participao, um valor a defender 31-51 1. A participao, um valor a defender 31 2. A participao como estratgia de construo da autonomia e do

desenvolvimento pessoal, social e comunitrio e da democratizao da sociedade 44

CAPTULO II - O Estado Absoluto e a construo da soberania e

de uma teoria da no-participao 53-69 1. A instituio do Estado Moderno e a construo do conceito de

soberania nacional e absoluta. 54 2. Soberania como capacidade para o exerccio do poder e da autoridade

do Estado sobre a Sociedade Civil e sobre a Administrao Pblica. 57 3. As teorias da Soberania no Estado Absoluto ou de Imprio, e da no-

participao dos cidados na sua definio 59 3.1. Jean Bodin, a Repblica Soberana e a construo do Estado

Absoluto 60 3.2. Thomas Hobbes e o Deus Mortal 65

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CAPTULO III - A construo da soberania no Estado Autoritrio e no Estado Totalitrio e a limitao da participao 71-142

1. As teorias da Soberania no Estado Autoritrio: - participao limitada ou no participao 70

1.1. Jean-Jacques Rousseau e a transformao da soberania do Estado Democrtico em Estado e Soberania autoritrios 74

1.2. Emmanuel Kant e a infalibilidade do Monarca 79 1.3. Georg Wilhelm Friedrich Hegel e a realizao da Sociedade Civil

no Estado de Direito 84 1.4. A Contra-Revoluo, o Absolutismo Democratizado e os

Nacionalismos 92 1.4.1. A Contra-Revoluo 95 1.4.2. O Absolutismo democratizado dos cesarismos napolenicos 97 1.4.3. Nacionalismos 99 1.5. O tipo ideal da Soberania do Estado Autoritrio no Sculo XX 102 2. A Soberania Absoluta e a negao da participao no Estado

Totalitrio 110 2.1. As origens do Estado Totalitrio 110 2.1.1. Os contributos anteriores a 1830 110 2.1.2. O Contexto poltico-social e cientfico, de 1830 a 1920 112 2.1.3. Marx, a participao na Revoluo e a supresso da Sociedade

Civil 116 2.1.4. Nietzsche e a vontade do Super-homem 127 2.2. O tipo ideal da Soberania Absoluta do Estado Totalitrio 132 3. Concluso: o Estado e a Soberania no participados 140 CAPTULO IV - O liberalismo como teoria do Estado de Soberania

Limitada e como teoria da participao representativa 145-219

1. Emergncia histrica do liberalismo 146 2. O percurso histrico do liberalismo e a dinmica liberal 153 2.1. O liberalismo econmico 154 2.2. O liberalismo poltico clssico 164 2.2.1. O Pr-liberalismo comunitarista de Joo Altssio 164 2.2.2. O Liberalismo Aristocrtico 165 2.2.3. O utilitarismo Clssico 170 2.2.4. As teorias dos direitos humanos 185 2.2.5. O Ultraliberalismo 187 3. Caractersticas gerais do Estado Liberal Clssico 192

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3.1.Um estado de autonomia instituinte e de soberania limitada e contratualizada 192

3.2. O Estado de Direito e o princpio da legalidade 199 3. A soberania nacional 201 3.4. A diviso de poderes 202 3.5. Os direitos fundamentais dos cidados 210 3.6. Racionalizao e centralizao administrativas 211 4. Concluso 216

CAPTULO V - O Estado Democrtico como Estado de soberania contratualizada entre indivduos livres, iguais e cidados 221-313

1. O desafio da democracia 222 2. Origem, emergncia e percurso da democracia 232 3. Modelos de democracia 249 3.1. A Democracia Ateniense 255 3.2. O Republicanismo 257 3.3. A Democracia e a participao Directas 254 3.4. Do Liberalismo Democrtico Democracia Liberal 262 3.4.1. Emmanuel Sieys: soberania nacional, representao e mandato

livre 263 3.4.2. Benjamin Constant: liberdade dos modernos, representao

democrtica e liberdade autonomia 266 3.4.3. Alexis de Tocqueville: democracia e igualdade, ditadura da

maioria e dos administradores e autonomia comunitria 271 3.5. A Democracia Liberal 279 3.6. As revises da Teoria Liberal da Democracia e da participao 283 3.6.1. A Teoria Elitista da Democracia 284 3.6.2. A Teoria Pluralista ou polirquica da Democracia 287 3.7. A Democracia Liberal-Social 289 3.8. A Democracia Participativa/ Deliberativa 296 4. Concluso: a democracia prisioneira da liberdade? 307

CAPTULO VI - Da participao na instituio do Poder Poltico

participao nas Organizaes 315-383 1. Contributos da teoria poltica para uma tipologia da participao nas

organizaes 315 2. A extenso da participao Administrao Pblica e Sociedade 324

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3. O contributo da teoria organizacional para uma compreenso do fenmeno participativo, para uma topologia e para uma tipologia da participao 339

3.1. A participao nas organizaes vista luz dos modelos de participao da teoria poltica, aplicados aos modelos analticos e s configuraes estruturais 342

3.2. O conceito de participao e sua topologia 366 3.3. Quadro operacional de anlise e tipologia da participao 374

CAPTULO VII - Princpios poltico-administrativos e poltico-

educacionais do Estado, entre 1926 e 1995 385-436 1. A dinmica poltico-administrativa 386 1.1. O Estado Novo (1930 1974) 386 1.1.1. O Estado autoritrio, administativo e de pluralismo limitado 386 1.1.2. A teoria das elites e das desigualdades naturais 390 1.2. A Repblica Democrtica e Pluralista (desde 1974) 392 1.2.1. Os princpios da democracia poltica e da organizao

administrativa 392 2. A Evoluo do Estado e da Administrao, entre 1926 e 1995: do

Estado Autoritrio centralizado ao Estado Democrtico Pluralista Liberal Social 397

2.1. A Evoluo Poltico-administrativa 397 2.1.1. O Estado Novo 397 2.1.2 A Repblica Democrtica e Pluralista 406 2.2. A evoluo poltico-educacional 419 2.2.1 O Estado Novo 419 2.2.2. A dinmica evolutiva da Repblica Democrtica e Pluralista 425 2.3. Indicadores evolutivos 430 3. Concluso 431 CAPTULO VIII - A participao decretada pelo Estado aos

profes-sores: o governo da escola 439-502 1. A configurao organizacional da escola primria estatal 440 1.1. O estatuto da Escola face ao conjunto da Administrao da

Educao Primria 440 1.2. A escola primria, entre a burocracia mecnica e a burocracia

profissional 444 1.2.1. Os momentos mais marcantes na evoluo da relao da

Administrao com os professores 444

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1.2.2. A organizao do poder nas escolas 465 1.3. As atribuies e competncias dos professores: a fractura

administrativo-burocrtica e organizacional pedaggica 470 1.3.1. O domnio administrativo-burocrtico 471 1.3.2. A escola primria actual, de burocracia profissional limitada a

burocracia profissional prxima da adhocracia, no domnio organizacional-pedaggico 477

1.4. O estatuto scio-profissional dos professores 485 2. Concluso 502 CAPTULO IX - A participao decretada aos professores: a

organizao do processo de ensino 505-548 1. A limitao da participao no Estado Novo 506 1.1. A formulao dos objectivos educativos 506 1.2. Seleco e organizao de contedos 507 1.3. Organizao das estratgias de ensino-aprendizagem 510 1.4. A organizao dos grupos de alunos 516 1.5. A organizao do tempo escolar 516 1.6 .A organizao do espao escolar 518 1.7. A organizao dos materiais de ensino 520 1.8. A relao escola-comunidade 523 1.9. A organizao da avaliao dos alunos 525 1.10. Contradies entre o movimento de renovao educacional na

dcada de sessenta e as estratgias organizacionais utilizadas 529 2. A participao dos professores na organizao do processo de ensino

no segundo perodo (1974-1986) 533 2.1. Seleco e formulao de objectivos 533 2.2. Seleco e organizao dos contedos curriculares 534 2.3. Seleco e organizao das estratgias de ensino-aprendizagem 534 2.4. A organizao dos grupos de alunos 535 2.5. A organizao dos tempos escolares 536 2.6. A organizao do espao escolar 538 2.7. A organizao dos materiais de ensino 539 2.8. A escola servio local do estado cooptadora da comunidade 540 2.9. A organizao da avaliao dos alunos 542 3. A reforma curricular de 1989 546 4. Concluso 547

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CAPTULO X - A participao praticada pelos professores, entre 1947 e 1995 551-589

1. Introduo 551 2. As reas e objectivos da entrevista 554 3. Aspectos relevantes referidos aos domnios considerados 555 3.1. rea de administrao dos professores 555 3.2. rea de administrao da escola 562 3.3. rea de administrao do currculo 568 3.4. As relaes escola/ famlias/ comunidade 574 4. Concluso 575 Resposta-modelo entrevista 581 CAPTULO XI - CONCLUSO 591-601 1. Contributos da teoria e da sociologia poltica 593 2. A teoria poltico-administrativa 596 3. As consequncias organizacionais 597 4. A administrao da escola primria 598 REFERNCIAS 603-651 Referncias bibliogrficas no domnio scio-poltico, scio-organizacional e educacional 603 Fontes primrias sobre as teorias polticas 531 Referncias sobre o Estado Novo 637 Referncias sobre a Repblica Democrtica e Pluralista 644 NDICE DOS QUADROS Quadro n 1: Comparao entre o Estado Absoluto, o Estado Autoritrio

e o Estado Totalitrio 141-142 Quadro n 2: Formas de Democracia, participao e realizao da

Educao 311-312 Quadro n 3. Categorias polticas contextualizadoras da participao,

seus graus de intensidade e teorias polticas que as suportam 322-323

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Quadro n 4: Formas de organizao do poder decisional na administrao Pblica e sua relao com as formas de autonomia 334-335

Quadro n 5: Modelos Organizacionais de Escola, segundo Licnio Lima 347 Quadro n 6: Interaco entre modelos da Teoria Poltica,

Configuraes estruturais, Modelos analticos, Imagens organizacionais e formas de participao 368-369

Quadro n 7: Formas de participao na organizao/instituio (modelo operacional de anlise) 376

Quadro n 8: reas organizacionais da escola, suas subreas, atribuies e estruturas implicadas 377-383

Quadro n 9: Principais temas legislativos no sub-perodo 1926-1935 419-420 Quadro n10: Evoluo das habilitaes acadmicas dos portugueses,

por idades, expressas em percentagem do total da populao para cada grupo de idades 434

Quadro n11: Formao da Populao Portuguesa, por NUTS I e II, expressa em graus de instruo no alcanados e percentagem relativamente ao total da populao 434

Quadro n 12: Formao da Populao de algumas regies, expressa em graus de instruo e percentagem de populao para cada grau relativamente populao total 435

Quadro n 13: Formao da populao portuguesa, segundo as NUTS I e II, expressa em graus de instruo e percentagem de populao para cada grau relativamente populao total 436

Quadro n 14. Competncias gerais dos Professores do Ensino Primrio/ 1 Ciclo, entre 1919 e 2005 478-480

Quadro n 15: Evoluo dos vencimentos lquidos dos professores, no incio e no fim da carreira, em euros 498

Quadro n 16: Evoluo percentilada do estatuto remuneratrio dos Professores do Ensino Primrio, depois de j exponenciados os vencimentos de acordo com as taxas de inflao 499

Quadro n 17: Comparao dos vencimentos anuais ilquidos dos Professores do Ensino Primrio na UE 15 (1998), em funo do custo de vida de cada pas 500

Quadro n 18: Comparao dos vencimentos anuais ilquidos dos Professores do Ensino Secundrio na UE 15 (1998), em funo do custo de vida de cada pas 501

Quadro n 19: Caracterizao geral dos dois Grupos de professores entrevistados 553

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Quadro n 20: Caracterizao individual dos professores entrevistados 577 Quadro n 21: Adequao dos contedos da entrevista aos domnios

organizacionais seleccionados 579 Resposta-modelo entrevista 581 NDICE DE ANEXOS Anexo n 1: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria

no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1919 653

Anexo n 2: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1928 654

Anexo n 3: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1930 655

Anexo n 4: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1931 656

Anexo n 5: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1932 657

Anexo n 6: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1943 658

Anexo n 7: Anos de formao, Disciplinas e respectiva carga horria no Curso de Formao de Professores do Ensino Primrio, em 1943 e em 1960 659

Anexo n 8: Organizao do Curso de Formao de Professores em 1980 660

Anexo n 9: Disciplinas do currculo do Ensino Primrio, em 1921 661 Anexo n 10: Disciplinas do currculo do Ensino Primrio, em 1927 662 Anexo n 11: Disciplinas do currculo do Ensino Primrio, em 1928 663 Anexo n 12: Disciplinas do currculo do Ensino Primrio, em 1929 664 Anexo n 13: Disciplinas do currculo do Ensino Primrio, em 1937 em

1960 665 Anexo n 14: Organizao do currculo do Ensino Primrio, entre 1976

e 2001 666

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SIGLAS USADAS

AP Administrao Pblica ASE Aco Social Escolar DDE's Direces de Distrito Escolar DE' s Direces Escolares DLE's Delegaes Escolares CAE's Centro(s) de rea Educativa (Coordenao(es) a partir de

1998) CE Conselho Escolar CNE Conselho Nacional de Educao CPTV Ciclo Preparatrio Via Televiso, sucessor, em nome da

Telescola e antecessor, tambm em nome do EBM (Ensino Bsico Mediatizado)

CRSE Comisso de Reforma do Sistema Educativo (1986-1988) D.G Dirio do Governo DL. Decreto-lei DR Dirio da Repblica DEC Decreto DESP Despacho DGAE Direco Geral de Administrao Escolar DGAP Direco Geral de Administrao e Pessoal DGCE Direco Geral das Construes Escolares DGEB Direco Geral do Ensino Bsico DGEP Direco Geral do Ensino Primrio DGEPN Direco Geral do Ensino Primrio e Normal DGP Direco Geral de Pessoal DSPRI Direco de Servios do Ensino Primrio FPCE Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao GEP Ex-Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministrio da

Educao IASE Instituto de Aco Social Escolar IGE Inspeco Geral de Ensino IIE Ex-Instituto de Inovao Educacional INCM Imprensa Nacional - Casa da Moeda ME Ministrio da Educao MEC Ministrio da Educao e Cultura MEIC Ministrio de Educao e Investigao Cientfica MEN Ministrio da Educao Nacional MEU Ministrio da Educao e Universidades MIP Ministrio da Instruo Pblica NEE`(s) Necessidade(s) Educativa(s) Especial(ais) DDE's Directores de Distrito Escolar DE's Directores Escolares DLE's Os Delegados Escolares SZE's Secretarias de Zona Escolar

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ASPECTOS FORMAIS

Chamamos a ateno para os dois seguintes aspectos na forma deste trabalho:

1. N texto principal, traduzimos os autores com obras em lngua

estrangeira. A responsabilidade da traduo nossa. No entanto, sempre que os citamos em nota, referimo-los na lngua de acesso, por vezes, tradues em Francs de livros originais, em Ingls, ou os originais nesta lngua ou em outras.

1. Sempre que acedemos a uma obra, atravs de uma publicao ou de uma

traduo ou at de uma publicao mais recente, usmos como critrio referir os autores pela data da publicao original e pela data da obra de acesso. Por ex.: ROUSSEAU (1763 1973).

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DECLARAO

Nome: Henrique da Costa Ferreira Endereo electrnico: [email protected] Telefone:91 944 14 37 / 273 323 935 Nmero do Bilhete de Identidade: 3638037 Ttulo da Tese de Doutoramento: A Administrao da Educao Primria entre 1926 e 1995: a Participao dos Professores na Organizao da Escola e do Processo Educativo Orientador(es): Professores Doutores Licnio Lima e Joo Formosinho Simes Ano de concluso: 2005 Ramo de Conhecimento do Doutoramento: Educao Organizao e Administrao Escolar

Declaro que concedo Universidade do Minho e aos seus agentes uma licena no-exclusiva para arquivar e tornar acessvel, nomeadamente atravs do seu repositrio institucional, nas condies abaixo indicadas, a minha tese ou dissertao, no todo ou em parte, em suporte digital.

Declaro que autorizo a Universidade do Minho a arquivar mais de uma cpia da tese ou dissertao e a, sem alterar o seu contedo, converter a tese ou dissertao entregue, para qualquer formato de ficheiro, meio ou suporte, para efeitos de preservao e acesso.

Retenho todos os direitos de autor relativos tese ou dissertao, e o direito de a

usar em trabalhos futuros (como artigos ou livros). Concordo que a minha tese ou dissertao seja colocada no repositrio da

Universidade do Minho com o seguinte estatuto (assinale um):

2. Disponibilizao imediata do conjunto do trabalho para acesso mundial, com reserva dos direitos de autor.

Universidade do Minho, 30 de Outubro de 2005

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INTRODUO

Sumrio do Captulo 1. As motivaes do estudo 2. O objecto do trabalho de investigao 3. O problema 4. Os objectivos do trabalho 5. Princpios estruturantes da investigao 6. A operacionalizao do problema 6.1. As hipteses 6.2. As variveis 7. A realidade a estudar 7.1. Os limites temporais do estudo 7.2. As fontes do estudo 8. A metodologia 9. Abordagem terica tripla

1. As motivaes do estudo

O tema da participao parece ser um dos mais antigos e pregnantes temas de

reflexo e investigao na rea da poltica, da organizao e da educao, ao longo do Sculo XX 1.

Usada e interpretada em diferentes domnios cientficos, a palavra participao ganha significados e valorizaes diferentes conforme a perspectiva epistemolgica e social de cada um desses domnios, os quais podero ir desde: a unio mstica, na religio e no mito; comunho da mente com o mundo das ideias, na filosofia platnica; posse de propriedade (aces e obrigaes), em economia; partilha, diviso, limitao e contratualizao de poderes, em poltica; ao envolvimento 1 Na rea da poltica, o tema ser to antigo quanto a discusso terica da diviso de poderes, a

qual, no nosso estudo, remonta pelo menos a Cromwell (1648) e a John Locke (1690). No campo da educao, o tema foi estudado pelo menos desde o incio do Sculo XX, por Maria Montessori e Ovde Decroly na perspectiva do envolvimento na aco e da energtica do comportamento, mas John Dewey quem, logo em 1916, introduz a perspectiva da participao nas decises, perspectiva alargada e explorada entre 1933 e 1940, por Kurt Lewin, Ronnald Lippit e Raplh White (1939), aos estilos de liderana. J no campo organizacional, sero Elton Mayo e seus colaboradores quem, atravs das 3 e 4 fases da Experincia de Hawthorne (1929-1932), na empresa Wester Electric, inicia o estudo da importncia da participao na perspectiva da satisfao no trabalho e da energtica do comportamento para, de seguida, a alargarem participao consultiva como forma de tomada de decises e de envolver os trabalhadores na sua execuo. Experincia que foi continuada, entre outros, por Kurt Lewin, Ronnald Lippit e Raplh White (1939).

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afectivo, cognitivo e sensrio-motor em tarefas educativas ou no trabalho nas organizaes sociais, entre elas as da educao; do contributo em ideias para melhorar o ambiente social e a produtividade nas organizaes sociais; da interveno na formulao, votao, execuo e controlo de decises polticas e poltico-organizacionais.

Sequencializando estas diferentes perspectivas, caminharamos de uma participao alienante, no mito, para a possibilidade de uma participao autnoma, afirmativa e limitativa do poder dos outros, em poltica, e nas organizaes sociais, entre elas a Administrao Pblica e a Administrao da Educao.

No domnio cientfico do nosso trabalho o Estado e a Administrao da Educao, sob o ponto de vista da participao dos professores -, a palavra participao aparece referida em contextos diversos e com valorizaes semnticas dspares, recomendando a busca de objectividade ou de intersubjectividade possvel no interior de cada campo contextual. No entanto, ser possvel sequenciar formas de participao desde o seu sentido alienante ao seu sentido mais autnomo e reivindicativo.

No raro, a participao no processo de ensino-aprendizagem entendida como envolvimento energtico-afectivo e como condio de motivao para o trabalho cognitivo e sensrio-motor inerente aprendizagem.

Outras vezes, ela associada prpria energtica da aco, individual ou colectiva, nas actividades escolares, uma condio julgada indispensvel para a aprendizagem pela necessria implicao multidimensinal da criana (bio-sensrio-cognitivo-afectivo-motora) na aco.

Outras perspectivas interpretam a prpria aco como primeiro passo do processo fenomenolgico do conhecimento, que s se realizar quando a reflexo sobre os resultados da aco permitir a tomada de conscincia da transformao da pessoa.

Se nestas trs perspectivas sobre a participao em educao existe em comum o envolvimento, a dimenso scio- afectivo- motora ou energtica do comportamento, e a conscientizao e a auto-transformao pessoal e interpessoal, uma quarta perspectiva, ligada dinmica da relao professores-alunos, reenvia-nos, alertando-nos, para o fenmeno de uma participao dos alunos, consistindo na resposta aos estmulos do professor ou na evidenciao de interesse ou de pseudo-interesse - no decurso das actividades de ensino-aprendizagem, isto , reenvia-nos para uma participao-adeso ou para uma simulao da participao-adeso, conduzida, e potencialmente manipulada pelos professores, mas tambm pelos alunos.

Uma quinta perspectiva da participao, consiste numa dinmica de interaco entre professores e alunos, em que os professores fazem perguntas para ouvir

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opinies mas reservam para si o direito e o poder de decidirem, produzindo ou no nos interlocutores uma sensao estranha de terem sido usados, gerando-lhes eventualmente um sentimento de repulsa por tal participao, a que chamaremos participao submissiva.

Uma sexta perspectiva sobre a participao confere ao potencial participante o estatuto de interlocutor, institui formalmente o processo de intercomunicao em torno de um problema mas o coordenador do processo pode ser o professor acerca dos objectivos de uma visita de estudo - bate em retirada dizendo que vai reflectir sobre todos aqueles dados para tomar uma deciso.

Uma stima perspectiva sobre a participao estabelece que as decises so tomadas por todos os envolvidos na aco ou na situao, sob regras que eles prprios estabelecem ou no, mas a implementao das decises executada por outros ou por apenas alguns dos decisores, que podem, intencional ou inadvertidamente, desvirtuar o esprito da deciso ao longo do processo da concepo, execuo e avaliao dos resultados, como parece ocorrer, muitas vezes, com a planificao e execuo do currculo nacional e com o planeamento estratgico.

Finalmente, uma oitava perspectiva sobre a participao que a que vai ser usada neste trabalho - entende que todos os envolvidos num processo devem preparar e tomar as decises, sob regras que eles prprios estabelecem mas defende que, para haver alguma continuidade entre a concepo das decises e a sua execuo, se torna necessrio que sejam os mesmos que tomam as decises a controlar a sua execuo, havendo, mesmo assim, margens para desvios, por razes diversas.

Estas diferentes perspectivas sobre a participao evidenciam que ela continua objecto de vivos debates, tanto no que respeita aos seus fundamentos como no que respeita aos seus processos, como ainda no que respeita s relaes de poder, de autonomia e de heteronomia que, a seu pretexto, se estabelecem.

Neste sentido, com este estudo, tambm pretendemos contribuir para o debate dos significados e implicaes do conceito de participao e do processo da participao. Quisemos saber ou tentar saber se os Professores da Educao Primria, enquanto grupo profissional objecto de muitas decises do Estado e da Administrao Educativa e enquanto agentes dessa Administrao na prestao de servios educativos aos alunos e aos pais destes, tm ou no um papel co-determinante nas decises poltico-estratgicas e organizacionais da Administrao Educativa e no processo organizacional da Escola Primria e do Currculo Escolar.

Considerando a dimenso poltico-expressiva da participao, o que remete para a interaco disciplinar, entendemos que deveramos tentar abordar estas

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questes pela conjugao das reas cientficas da Teoria Poltica, da Teoria Scio-Organizacional e da Teoria Educacional.

Esta perspectiva radica no facto de entendermos que as organizaes do Projecto de Sociedade 2 e, no nosso estudo, s abordamos a organizao estatal da educao primria -, no sero scio-politicamente autnomas do poder poltico-administrativo que as coordena, ainda que possam ter desde alguma a muita autonomia relativa, conforme os graus de autonomia que lhes foram poltico-administrativamente atribudos (cf Captulo VI) ou conforme as participaes auto-instituda e praticada pelos actores.

Por outro lado, os dois factos novos dos ltimos quinze anos, a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a emergncia de um terrorismo de um novo tipo, iniciado em 11 de Setembro de 2001, recomendam-nos um olhar mais atento para o fenmeno poltico como condicionante importante do social, tanto mais que os pressupostos poltico-organizacionais do Estado, da Administrao Pblica e, dentro desta, da Administrao da Educao, do ps-II Guerra Mundial, tm sido postos em causa, de forma relativamente violenta, primeiro pela pretensa legitimao do neo e ultraliberalismo (e com eles tambm uma viso conservadora da escola), atribuda ao 11 de Setembro por alguns arautos do capitalismo mundial, e segundo pela reemergncia dos temas securitrios e autoritrios na reorganizao interna e externa dos Estados, com perigos anunciados para, pelo menos, trs dos direitos fundamentais do liberalismo e da democracia, a saber, a liberdade, a tolerncia e a segurana. 2. O objecto do trabalho de investigao

Com a investigao que aqui apresentamos foi nosso propsito estudar a organizao da Administrao da Educao Primria (1 Ciclo da Educao Bsica, a partir de 1973/74), entre 1926 e 1995, e particularmente a participao dos professores nessa administrao, incidindo particularmente na administrao da escola e do currculo.

Com base em Licnio LIMA (1992), partimos do pressuposto da impossibilidade de analisar eficazmente o problema da participao dos professores

2 Em Administrao Pblica e em Administrao da Educao, a tomada em considerao do

conceito de Projecto de Sociedade parece-nos fundamental na medida em que os seus valores permitir-nos-o avali-lo face aos requisitos formais de uma administrao democrtico-participativa e permitir-nos-o tambm avaliar a administrao realizada face aos valores de tal Projecto de Sociedade. Este devemos tom-lo como o conjunto de princpios, de orientaes e de valores que uma sociedade organizada em Estado-Comunidade deliberou instituir, atravs da sua Administrao Pblica e atravs, pelo menos, das suas organizaes no-estatais de interesse pblico, devendo ainda procurar estend-los s organizaes n-estatais de interesse privado.

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na organizao da escola e do currculo no mero mbito da autonomia e da participao decretada ou formal (Licnio LIMA, 1992: 283; Joo BARROSO, 1995) pois tal abordagem no considera: nem os desvios de traduo interpretativa, nem as infidelidades normativas (Licnio LIMA, 1992: 171), nem a autonomia e a participao praticada (Licnio LIMA, 1992: 160-163 e 1813; Joo BARROSO, 1995) nem ainda a actuao estratgica dos actores (as quais podem confirmar ou desmentir a realizao da autonomia e da participao decretada), nem, por fim, aquilo a que chamaremos participao auto-instituda pelos professores, consistindo na criao de princpios e regras de aco que no se instituem por oposio ou por desvio participao formalmente prevista mas ocupando espaos de liberdade ainda no preenchidos ou resultantes das omisses e ambiguidades da lei e dos regulamentos.

Tomamos pois a participao auto-instituda como variante da participao praticada, conceito suficientemente abrangente para englobar aquela, com o enfoque que acabmos de referir, e que permite transformar a escola num locus de produo de normas4 (Licnio LIMA: 1992: 169-170).

3 Os conceitos de infidelidade normativa e de participao praticada obtivmo-los tambm

em Lima (1992). O primeiro, como significando contraponto ao normativismo burocrtico (p. 171), que pode chegar fuga deliberada ao normativismo (Idem). O segundo como significando ateno ao plano da aco organizacional, com estruturas e regras (...) tradicionalmente designadas por informais (pp.160-161) e atribuidoras de significados sociais e simblicos emergentes das interaces dos indivduos, grupos e subgrupos (pp. 161-162). Considerando a participao praticada, a anlise organizacional da escola completa-se pela considerao do plano da aco organizacional efectiva; pelo estudo das suas estruturas manifestas, das regras actualizadas e dos desempenhos dos actores. Transita-se das orientaes, do domnio do que deve ser, qualquer que seja a sua referncia e o tipo de regras que toma como base, para o domnio daquilo que , ou seja, para o domnio das regras efectivamente actualizadas (p. 163). E o autor explicita ainda a ideia: Trata-se de uma participao que, pelo menos, acrescenta sempre algo participao formal e participao no formal, podendo ser orientada em sentidos diversos aos apontados por aquelas. Ao actualizarem uma participao informal pode-se afirmar que os actores participam de uma outra forma, elegem objectivos ou interesses especficos, no definidos formalmente, orientam-se, em certos casos, por oposio a certas regras estabelecidas (...), (cf. p. 181)

As expresses a negrito so-no por nossa opo para transmitir a ideia do autor que, no texto original, as escreveu a itlico para as distinguir do resto do texto.

4 Este outro conceito que obtivemos em Licnio Lima (1992), no estudo j referenciado. O autor explana-o em diversos momentos da sua obra, deixando antever aos actores uma relativa margem de liberdade na execuo das directivas vindas do topo da organizao, seja pela destas ambiguidade, seja pelas suas contradies, seja ainda pela sua impossibilidade de tudo regulamentarem. E, mesmo no caso de uma execuo em conformidade, a execuo redunda quase sempre em uma reinterpretao, estando condicionada por mltiplos factores ( canal de comunicao, extenso e carcter da mensagem, redes de comunicao interorganizacionais, contexto organizacional e suas influnciasno contedo da mensagem, etc.. (Lima, 1992, p.170).Ora, de uma aco organizacional em consonncia com estas reinterpretaes podem resultar prticas informais que criam novas regras. Neste sentido, diz o autor, a escola no ser apenas um locus de reproduo, mas tambm um locus de produo, admitindo-se que possa constituir-se tambm como uma instncia (auto) organizada para a produo de regras (no formais e informais) (Lima, 1992, p. 170)

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A anlise da participao dos professores na Administrao da Escola e do Currculo o nosso tpico final mas, para o atingirmos, julgmos instrumental a realizao de outros tpicos.

Entre eles: - a contextualizao actual da importncia da participao em educao e na

administrao e, designadamente, no processo de construo da autonomia e desenvolvimento individual e social (Captulo I);

- a construo de um quadro de anlise da administrao e da participao baseado na conjugao entre a Teoria Poltica, a Teoria organizacional; e a Teoria educacional, conjugao que procuramos elaborar no Captulo VI, sendo a Teoria da Soberania e a Teoria Poltica sido desenvolvidas nos Captulos II a V;

- a anlise das polticas educativas, das da formao dos professores e das relativas ao estatuto scio-profissional destes.

Com o estudo que empreendemos, pretendemos contribuir para a compreenso da realidade organizacional do ensino primrio, em dois perodos pressupostamente opostos poltico-administrativamente (1926 -1974 e 1974 - 1995), mas para os quais a anlise evidenciar as rupturas e as continuidades.

Por outro lado, a nossa anlise no considera a participao exterior escola,

designadamente atravs de associaes e confederaes sindicais, ainda que, pontualmente, possa referir-se a elas. Fizemos esta opo no s porque, no Estado Novo, isso seria impossvel, aps 1932, retirando a anlise coerncia interna ao trabalho, mas tambm porque considermos a tarefa irrealizvel, no plano do horizonte temporal de desenvolvimento deste trabalho. Ainda que ela fosse extremamente importante nos planos poltico e emprico da anlise.

3. O problema

O problema do presente trabalho foi formulado nos seguintes termos: - sendo a Administrao da Educao um subsistema da Administrao

Pblica e constituindo esta a expresso das orientaes poltico-administrativas do Estado, nas suas relaes com a Sociedade Civil;

- constituindo-se os princpios poltico-administrativos do Estado Portugus, nos 70 anos do estudo (Estado Corporativo e de Autoridade Administrativa, entre 1926 e 1974, e Repblica Democrtica Pluralista e Estado de Direito Democrtico, entre 1974 e 1995), em princpios organizacionais quer da Administrao Pblica, quer da estrutura da Administrao da Educao, enquanto subsistema daquela;

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- decorrendo, pressupostamente, o desenvolvimento organizacional da Administrao da Educao Primria, nos seus diferentes nveis organizativos e funes administrativas, daqueles princpios organizacionais;

- tendo sido tais princpios traduzidos em objectivos pretendidos como sistemas de resposta s percepes sobre as necessidades e interesses da Sociedade Civil (no mbito do prprio conceito de Administrao Pblica e de Administrao da Educao), e sobre as presses do ambiente geral no qual decorrem as aces poltico-administrativas e organizativas, tendentes satisfao do interesse pblico e/ou do Estado;

- devendo, luz dos princpios da concertao e contrato sociais, a construo desses objectivos para a actividade organizativa, derivar de uma necessria interaco entre Estado, Sociedade Civil, agentes e destinatrios da administrao, expressa pela participao nas decises, nos processos organizativos e no seu controlo, no sentido de que os princpios e objectivos organizativos respondam aos interesses e representaes dos agentes envolvidos;

- sendo os professores (neste caso, os do ensino primrio), os agentes de administrao da educao mais prximos das populaes e, por isso mesmo, os melhores conhecedores das necessidades educativas das mesmas populaes;

Pergunta-se:

QUAL A EVOLUO E CONGRUNCIA ENTRE OS PRINCPIOS POLTICO-ADMINISTRATIVOS DO ESTADO, EM CADA UM DOS SEUS DOIS PERODOS, ENTRE 1926 E 1995, O PROCESSO ADMINISTRATIVO DA EDUCAO PRIMRIA E A POSSIBILIDADE / FORMAS DE PARTICI-PAO / NO PARTICIPAO DOS PROFESSORES DO MESMO NVEL DE EDUCAO NAS DECISES POL-TICO-ESTRATGICAS e ORGANIZATIVAS e NO CON-TROLO DA EXECUO DAS DECISES, QUER EM TERMOS DE PARTICIPAO DECRETADA QUER EM TERMOS DE PARTICIPAO PRATICADA E AINDA NA SUA VARIANTE DE PARTICIPAO AUTO-INSTITUDA?

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4. Os objectivos do trabalho

Os grandes objectivos e respectivos subobjectivos do nosso trabalho so os que seguem.

1. Contextualizar a importncia da participao: enquanto processo de preparao para a cidadania / democracia; enquanto processo de tomada de decises, de implementao de polticas, programas, projectos e aces e do seu controlo, no plano poltico-organizacional; e enquanto tomada de conscincia reflexiva e de desenvolvimento pessoal e social, no plano educacional e social (Captulo I).

2. Analisar a dinmica histrica da instituio do Estado e da sua Administrao Pblica, desde a Modernidade, no sentido de identificar os elementos contribuintes para uma teoria da participao (anlise longitudinal aos Captulos II, III, IV e V):

2.1. interpretar o processo de construo das ordens social, religiosa e poltica, desde a emergncia da modernidade (anlise longitudinal aos quatro captulos);

2.2. evidenciar a interaco entre as trs ordens: a) na construo da evoluo desde a poliarquia medieval para o Estado Absoluto, deste para o Estado Autoritrio, deste para o Estado Liberal e deste para o Estado Democrtico (Captulos III a V; b) na construo da legitimidade da soberania do Estado sobre a Administrao Pblica e sobre a Sociedade Civil (Captulo II);

2.3. caracterizar estes tipos de Estado no que respeita: aos princpios organizativos da Administrao Pblica; participao dos cidados na tomada de decises no estabelecimento do poder do Estado e da Administrao Pblica; autonomia conferida sociedade civil; ao papel do Estado no desenvolvimento econmico e social; e aos princpios organizativos da educao.

3. Identificar, na Teoria Organizacional, os principais elementos contribuintes para uma perspectiva interpretativa da participao nas Organizaes Sociais e, dentro destas, problematizar a eventual diferenciao entre a participao nas Organizaes do Projecto de Sociedade e nas Organizaes de Projecto Privado, ao longo do Captulo VI.

4. Estabelecer uma relao entre os modelos poltico-administrativos e a teoria da participao poltica e modelos e participao scio-organizacionais no pressuposto da dependncia relativa destes face queles, tambm ao longo do Captulo VI.

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5. Analisar a evoluo poltico-administrativa e poltico-educacional do Estado Portugus, no perodo considerado (1926- 1995), comparando os dois subperodos (1926- 1974) e 1974 1995), ao longo do Captulo VII: 5.1. Descrever e analisar os princpios poltico-administrativos

estruturantes do Estado, enfocando a anlise, sobretudo, para a possibilidade de participao;

5.2. Identificar os princpios organizativos da poltica educativa e os meios da sua implementao.

6. Analisar a Administrao da Educao Primria face possibilidade de participao dos professores na definio poltico-estratgica da Administrao e das Polticas Educativas, na organizao da escola (Captulo VIII) e na organizao do currculo (Captulo IX): 6.1. identificar as atribuies e competncias dos professores e caracterizar

as relaes de poder no interior da escola; 6.2. analisar os estatutos de formao e scio-profissional dos professores

na perspectiva da sua compatibilidade com as atribuies e competncias que lhes so atribudas;

6.3. caracterizar as formas de participao/no participao decretada dos professores luz da categorizao apresentada no Captulo VI, tanto na organizao da escola (Captulo VIII) como do processo curricular (Captulo IX).

7. Analisar a participao praticada na organizao da escola e do processo curricular, procurando verificar pontos de coerncia ou contradio entre a autonomia e a participao decretadas e a autonomia e a participao praticadas (Captulo X): 7.1. analisar os domnios e as formas da participao praticada e auto-

instituda, representada pelos professores entrevistados; 7.2. comparar os domnios e as formas da participao decretada, da

participao praticada e ainda da participao auto-instituda.

5. Princpios estruturantes da investigao

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A busca de um quadro conceptual para a anlise do fenmeno da participao dos professores conduziu-nos, como dissemos antes, interaco entre a teoria poltica, a teoria organizacional e a teoria educacional.

Conceptualizmos o fenmeno da participao no s como processo de co-construo e de interestruturao do poder mas tambm de co-construo e de interlimitao da soberania ou do poder.

A nvel poltico, esta concepo implica ou a partilha do poder com os outros ou a limitao do poder dos outros, atravs da formulao e tomada de decises, por concertao ou por votao, e do controle da execuo de tais decises.

A nvel organizacional, esta concepo realizar-se- pela democratizao do governo das organizaes, acarretando a possibilidade de os actores, funcionrios do Estado no nosso estudo, serem dotados de autonomia poltico-organizacional ou, no mnimo, organizacional (domnio da gesto), para poderem perseguir interesses prprios, ou para prosseguirem a implementao de concepes e de prticas que julguem mais consentneas com a natureza dos objectivos da organizao.

Mas a participao, a nvel organizacional, tambm pode ser vista como capacidade para influenciar e modificar os objectivos e a orientao das decises atravs da prpria participao na execuo. Neste caso, no estaremos perante um processo de participao exigindo um colgio de participao directa e universal ou de participao indirecta e representativa, onde haveria uma deciso democrtica, mas sim perante o poder dos prprios intervenientes na execuo que assim reorientariam esta noutras direces e noutros objectivos, de natureza vria.

Estes dois modos de concretizao da participao participao na deciso democrtica e participao estratgica na execuo tm consequncias organizacionais diferentes. O primeiro conduz democratizao do processo de tomada de deciso, ao nvel da direco e da gesto ou a um dos nveis, e consequente fragmentao do poder nas organizaes, estruturando-as em grupos de concepes profissionais e ou de interesses. O segundo conduz a uma estruturao dos processos da organizao e da execuo com base em competncias profissionais conferindo poderes especficos aos seus detentores. Nestes termos, as competncias dos actores so poderes organizacionais prprios, equivalentes aos direitos polticos, no plano da cidadania.

Enquanto expresso de orientaes formais, as competncias organizacionais dos actores, tal como as orientaes oficiais de objectivos e de aco, podem ser contraditas pelas prticas dos mesmos actores. Estas podero desenvolver-se tanto em convergncia como em divergncia com as orientaes, sendo que os processos da divergncia podem mesmo ser claramente assumidos, praticados clandestinamente ou, pura e simplesmente, decorrer em espaos de liberdade no (ou ainda no) regulamentados.

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Nos planos poltico e poltico-organizacional formais, a participao implicar pois a definio, a nvel legal e regulamentar, de quadros normativos e de domnios e processos de participao. A nvel organizacional, ela implica ainda a atribuio formal de domnios de autonomia no processo de desenvolvimento organizacional aos actores /funcionrios.

Porm, ainda a nvel organizacional, existe margem suficiente para que a participao possa ocorrer: por contraveno aos programas e s normas; por simples adaptao e modificao dos mesmos; ou ainda por criao de novas normas e programas, ocupando espaos no-regulamentados ou manipulando as ambiguidades, contradies e subjectividades das normas. E, no entanto, sendo no formal, isto , sendo praticada e real, assumida ou mesmo clandestina, no deixar de constituir novos domnios de afirmao do poder, de limitao do poder dos outros ou de auto ou de interinstituio de novos poderes.

Esta possibilidade de ruptura entre princpios polticos e princpios poltico-organizacionais legais-formais e prticas de desenvolvimento organizacional, no seu todo ou em alguma das suas etapas, remete-nos para a necessidade de ampliarmos o significado da participao desde a possibilidade de interveno no processo da preparao e da tomada de decises para a possibilidade de participao na execuo e no controlo da realizao de tais decises.

No entanto, dois problemas se levantaro relativamente extenso da participao execuo. O primeiro tem a ver com a impossibilidade da participao dos actores em todos os processos da execuo numa organizao complexa. O segundo que a participao na execuo levantaria um problema formulao e exerccio do controlo: entre os objectivos da participao decretada e os objectivos da participao praticada pelo actor, que critrios de controlo seriam introduzidos? E o contributo da teoria poltica, com o princpio da diviso de poderes, recomendar que no seja o executante a avaliar-se e a controlar-se a si prprio.

Com efeito, se limitarmos o conceito de participao possibilidade de decidir nos domnios poltico e poltico-organizacional, ficar todo o restante processo de desenvolvimento organizacional a descoberto de uma possvel implementao de orientaes e de programas, em desconformidade com os objectivos das decises polticas.

Esta observao das limitaes da participao na deciso, quando confrontada com a implementao de decises e de programas especficos de uma vontade poltica ou poltico-organizacional outra, evidencia o poder (explcito ou oculto) do actor / administrao executiva quando, como os liberais clssicos chamaram a ateno, no se estabelecem limites interpretao e aco dos actores/poder

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executivo (Michel CROZIER e Erhard FRIEDBERG, 1977; Erhard FRIEDBERG, 1995).

O que nos reenvia para a necessidade de associar participao na deciso o poder de controlo da implementao desta em conformidade com os seus objectivos e orientaes, sem conseguir anular todavia, de uma forma definitiva, uma margem relativamente ampla de liberdade de interpretao e contextualizao por parte dos actores que executam. At porque a prpria intercomunicao cria um espao simblico de percepes e de representaes que re-instituem a aco social e organizacional.

Significa isto que no possvel garantir a eficcia da participao em termos de levar prtica o objecto e o esprito das decises quando no so os prprios decisores aqueles que executam as decises? As teorias da racionalidade limitada, o prprio efeito de Halo e todos os distraidores de uma permanncia de valores na apreciao da realidade evidenciam-nos que nem mesmo quando os decisores e os agentes da execuo coincidem existem garantias absolutas de conformidade entre a deciso, a percepo, a interpretao e a aco.

Daqui conclumos que a participao na deciso s limita parcialmente o poder. Pode limit-lo mais associando-lhe a gesto e o controlo do processo de desenvolvimento organizacional. Ou seja, transformando o actor tambm em decisor. Ou, no mnimo, garantir uma participao na deciso, na superviso e no controlo.

Mas a dificuldade de uma limitao total existe quer porque as circunstncias da execuo no so sempre as mesmas quer porque a ateno e a percepo dos actores variam em funo dos contextos, situaes, interesses e valores, quer ainda porque as representaes da aco e as suas motivaes se alteram na dinmica da comunicao e da interaco social, por vezes, de um momento para o outro.

Estas possveis descontinuidades e incongruncias entre deciso poltica e aco organizacional sero tendencialmente maiores quanto maior for a distncia (fsica, temporal e escalar) entre os decisores e os executores, mesmo em sistemas ditos centralizados ou at autoritrios. No s porque as leis e os regulamentos no podem regular ao metro e ao cronmetro, mas tambm porque, mesmo que tal acontecesse, haveria sempre espaos de ambiguidade e contradio entre os normativos. Ou no sero as greves de zelo uma temvel forma de protesto justamente pela explorao da ditadura do sentido explcito e da reinterpretao destes sentidos pelos actores?

Numa perspectiva participativa explcita, as leis e os regulamentos devero ser

enquadradores da aco e no seus controladores. Foi assim que os liberais clssicos conceberam a lei. Compatvel com a autonomia e com a liberdade. Mas a luta

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humana por estas no se esgota num quadro formal explcito de enquadramento das possibilidades da participao, em qualquer das suas formas.

Os actores das organizaes podero sempre utilizar estes quadros formais para neles inserirem prticas no previstas por quem criou estes quadros de aco e, at, boicotarem, activa ou passivamente, o cumprimento das ordens e da misso. Podem, do mesmo modo, reinterpretar o sentido das ordens, prestar-lhes uma interpretao diferente do sentido do dever a cumprir, adequ-las a um contexto pouco estruturado em termos de significao e de enquadramento da aco.

Neste sentido, a participao na execuo de operaes relativas a programas ou a planos de aco est longe de poder considerar-se uma no participao. A participao na execuo, na qualidade de membro do corpo profissional que executa (funcionrio ou trabalhador que ele seja), mesmo no sendo uma participao em grupo, ou no requerendo um processo de deciso democrtica, fornece a este membro uma possibilidade real de alterar significativamente a orientao da deciso que lhe superior.

Em consequncia, o prprio funcionrio detm um poder especfico que lhe foi confiado por lei ou por regulamento (o estatuto, no caso dos professores) que o torna membro, agente e actor de determinados papis e funes, os quais pode reinterpretar, contextualizar ou manipular.

No que respeita vida interna das organizaes, a participao poder

verificar-se em trs domnios ou nveis organizacionais: direco, gesto e execuo. A direco correspondendo formulao de polticas, de orientaes estratgicas e de objectivos e preparao, aplicao, tratamento e avaliao dos meios e resultados de superviso e de controlo. A gesto correspondendo elaborao de projectos / programas e seus meios e processos de realizao e superviso. A execuo correspondendo realizao destes programas com maior ou menor flexibilidade contextual.

No entanto, a organizao ganhar maior conscincia crtica e maior capacidade participativa se a superviso e o controlo forem disseminados por todos estes trs nveis organizacionais, em formas congruentes e articuladas, como contribuindo para uma clarificao e para uma confrontao entre as orientaes e os objectivos intencionados e as orientaes e os objectivos realizados.

Este confronto, sendo til na perspectiva da coerncia organizacional, permite levantar uma outra questo, que a do poder estratgico da participao. A associao entre participao e deciso democrtica, prpria da teoria poltica, tem reduzido a participao a um processo de tomada de decises em colgio. Porm, a perspectiva que a aqui se adopta a de que a participao, no interior das

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organizaes, ocorre tambm em contextos no colegiais e no grupais, podendo ocorrer por deciso individual de agir de forma diferente das orientaes superiores.

Nestes termos, fica em causa a pressuposio de que uma participao na direco mais participativa (isto , confere mais poder) do que uma participao na gesto e de que a participao na gesto mais participativa do que a participao na execuo. Estas pressuposies parecem-nos relevar dos modelos racionais burocrticos mecnicos, nos quais suposta uma lgica de racionalidade e de sequenciao entre ideias ou planos intencionados e aces realizadas. E que, em qualquer dos casos, est ligada a situaes onde os actores gozam de poucas margens de liberdade na execuo.

Na realidade, a participao na execuo pode oferecer um poder mais real do que a participao na direco. na execuo que as ideias so realizadas ou no e os resultados so construdos ou no, podendo ali inverterem-se a lgica e as orientaes da direco. Os actores podem ter, de facto, um poder substancial na organizao enquanto os agentes da direco podem ter um poder meramente formal de definio poltica, o qual, se no for acompanhado da superviso e do controlo pode transformar-se num poder vazio de poder efectivo.

O processo da participao na execuo dever ento ser conceptualizado como um conjunto de possibilidades de realizao que os actores executantes pem em prtica, por razes diversas: polticas, profissionais, de interesses pessoais ou de grupo, por solidariedade, etc..

Globalmente, as motivaes dos actores podero traduzir-se numa execuo em conformidade com os objectivos e com as orientaes oficiais (formais) de aco ou, ao contrrio, em desconformidade, instituindo os actores, eles prprios, neste caso, novas orientaes e regras, explcitas e consagradas ou implcitas e informais.

Uma execuo em conformidade resultar de uma participao concordante, activa e convergente com os objectivos e orientaes oficiais, a qual representar uma adeso voluntria queles objectivos e orientaes. Tem sido chamada de participao cooptativa mas este adjectivo pe a nfase na entidade que estabelece os objectivos e as orientaes. Por isso, preferimos cham-la de execuo em conformidade.

J uma execuo em desconformidade, isto , divergente em relao aos objectivos e orientaes formais, pode ter vrias origens.

Em primeiro lugar, pode ter origem numa participao passiva dos actores que preferem no se expor, deixar andar, a ver no que d. Para eles, esta participao tambm no til porque no lhes permite ir ao encontro de objectivos prprios mas representa uma participao divergente em relao aos objectivos oficiais.

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Em segundo lugar, pode resultar de uma participao activa, de resistncia e de boicote, explcitos ou dissimulados, representando uma afirmao de objectivos divergentes em relao aos oficiais.

Em terceiro lugar, pode resultar de concepes profissionais, ticas, cvicas, polticas, etc., diferentes das difundidas oficialmente, exprimindo-se em modos diferentes de exprimir e de realizar as funes e as tarefas propostas. Tratar-se- de uma participao profissional, divergente.

Em quarto lugar, os actores podem imprimir execuo objectivos estratgicos prprios que vo de encontro aos seus interesses ou s suas estratgias pessoais. Esta participao consistir numa participao estratgica na execuo, afirmando-se como participao poltica, divergente.

Uma participao divergente ser sempre no-formal porque no respeita as regras estabelecidas a nvel oficial. Pode resultar de relaes meramente informais geradas a partir dos prprios contextos de execuo ou em outros factores no formais, ou pode resultar de uma participao auto ou interinstituinte, consagrando regras no formais.

Do que acabmos de expor deduz-se que as formas de participao em conformidade, de participao passiva, de participao informal, de participao no-formal consagrada e de participao resistente clandestina so possveis mesmo em regimes polticos e organizaes autoritrios. Enquanto que as outras formas de participao exigem contextos organizacionais menos estruturados. Nas burocracias profissionais e nas adhocracias, estes contextos so mesmo remetidos para a profissionalidade dos actores, podendo estes introduzir na aco outras orientaes, desde estratgicas a polticas e a micropolticas.

A questo da convergncia / divergncia da participao face aos princpios formalmente definidos como enquadradores da aco parece-nos fundamental porque ela consubstancia um dos aspectos de dissonncia entre a teoria poltico-constitucional e a teoria organizacional. Com efeito, a teoria poltico-constitucional define princpios de actuao de indivduos autnomos e livres, pelo menos no quadro dos Estados Liberal e Democrtico.

J a anlise organizacional no poder ser dissociada do estatuto profissional do participante e da relao entre participante e proprietrio / gestor. Seja no domnio estatal - das organizaes do projecto de sociedade -, seja no domnio no-estatal das organizaes de projecto privado -, existir um contrato de trabalho que definir linhas de actuao, direitos e deveres que condicionaro a liberdade de divergir por parte do funcionrio/ empregado e que no deixaro de ter estrutura formal e profissional.

Sabemos, apesar disso, que a liberdade possvel dos actores no se esgota a. Sabemos no s que a probabilidade de dissonncia entre comportamentos formais

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previstos e comportamentos reais realizados existe, como tambm que pode resultar ou de utilizaes possveis de domnios de aco no-regulamentada ou de interpretao de espaos de ambiguidade legal ou regulamentar, ou ainda desvios assumidos frontalmente ou praticados informal e ocultadamente.

No plano formal, a divergncia face aos objectivos e aos processos organizacionais dificilmente ser assumida explicitamente, a menos que se trate: 1) de organizaes do projecto de sociedade, onde este projecto esteja vinculado aos ethos liberal e democrtico e que os funcionrios no corram riscos na assuno da divergncia; 2) de domnios de aco e procedimentos previstos, genrica ou especificamente como meios para alcanar os fins oficiais, em contextos burocrtico-profissionais ou adhocrticos.

Neste sentido, o estudo do estatuto profissional dos possveis participantes ser um pea fundamental na anlise da condies para a participao, reenviando tanto para a anlise das relaes institucionais de trabalho e contratuais como do modelo poltico-administrativo das organizaes, como da natureza e estrutura do poder nestas institudo como ainda das atribuies e competncias dos actores/funcionrios.

No contexto do Estado Autoritrio, a delimitao do poder dos subordinados pela descrio das competncias, a centralizao da deciso e a estrutura hierrquica parecem compatveis com os modelos da administrao taylorista e organizacional burocrtico em que a construo da ordem social se processa por heteroinstituio.

O desapossessamento da propriedade por parte dos funcionrios e o seu estatuto de pessoas ao servio de objectivos e interesses de outrem remetem para formas de participao formal no-poltica e no-estratgica, compatveis com domnios de aco e procedimentos previstos, genrica ou especificamente e com tcnicas de gesto para gerar convergncias de perspectivas, adeso aos objectivos, coeso organizacional, etc., ficando apenas espao de participao nas margens de liberdade derivadas de domnios no-regulamentados, de contradies entre normativos e para as participaes informal, clandestina e dissimulada.

No contexto do Estado liberal, a construo da ordem social processa-se por aco interinstituinte entre indivduos livres e iguais, na base da propriedade ou dos poderes prprios. Os modelos organizacionais compatveis parecem ser os modelos poltico e corporativo-representativo. O estatuto profissional dos indivduos ser ento um de entre: co-gestores, auto-gestores em grupo, scios de cooperativa, detentores de sociedade por aces.

Neste Estado Liberal e nestes modelos organizacionais a construo das dimenses poltica e estratgica processar-se- por representao e luta de interesses, conduzindo, regra geral, prevalncia dos mais fortes, procurando estes

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plasmar em normativos o seu poder, com o qual, enquanto actual, tentam limitar o poder (soberania) dos outros.

Tambm aqui as possveis descontinuidades e contradies entre conceptores e executores conduzem quer emergncia do poder dos gestores como artfices operacionais das polticas/ opes estratgicas e obstaculizadores/ enviezadores, muitas vezes, de uma implementao em conformidade (com os mritos e desvantagens possveis), quer possvel reinterpretao e reorientao de tarefas e procedimentos em funo de interesses e concepes de gestores intermdios e actores, o que no deixa de constituir tambm uma possibilidade de reorientao estratgica da aco.

O Liberalismo e o Estado Liberal legaram-nos pois a mensagem de que necessrio adequar as organizaes aos interesses, necessidades e esprito das comunidades e das populaes, instituindo-se um estado Coordenador Central que permita o mximo de autonomia e de liberdade nos escales intermdios e mais baixos. O corporativismo, o associativismo, o comunitarismo, o municipalismo, a devoluo de poderes e a descentralizao so pois tpicos das agendas liberal e liberal-democrtica. No centro da sua discusso e justificao esto a representao, a associao e a luta por interesses. Neste sentido, a concepo da participao como representao e luta de ou por interesses, individuais ou em grupo, um tpico liberal.

O Estado Democrtico, a partir de finais do Sculo XVIII, constituiu-se pela sntese entre Estado Autoritrio e Estado Liberal. Sendo necessrio apaziguar as relaes sociais em conflito em consequncia da luta pela posse de riqueza e de poder e em consequncia dos males sociais que essa luta causava, era imperioso criar uma ordem social baseada na partilha de um projecto de valores que salvaguardasse a liberdade de aco individual e de grupo mas que permitisse, ao mesmo tempo, a construo de uma casa comum onde todos pudessem viver com um mnimo de direitos e garantias.

A reinveno democrtica contempornea teve pois o mrito de abrir a porta resoluo de grande parte das desavenas da modernidade, instituindo mecanismos formais de construo e reviso dos acordos e contratos sociais pela via da imposio e universalizao da lei, importando a sua liberdade e autonomia do Estado Liberal e a sua soberania do Estado Autoritrio. No admira, por isso, que os plos contrrios que deram origem a esta sntese tenham tendncia a manifestar-se atravs da vitria do poder de um ou mais grupos de interesses em conflito, atravs da legitimao /formalizao abstracta e impessoal desses interesses como projecto universal, plasmado no Direito (Constitucional, Administrativo, Civil e Penal); atravs da actuao dos Juzes e da Administrao Pblica.

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Provavelmente, os defensores dos mais pobres tiveram de ceder aos liberais a aceitao dos direitos naturais em troca da possibilidade da construo da casa comum, cedendo ainda na consignao da igualdade de oportunidades perante a lei. Mas ter sido justamente esta consignao a cavar o fosso entre democracia poltica e democracia social j que esta s se revelaria possvel pelo controlo econmico e poltico daquela. E este controlo, por sua vez, e como fica demonstrado pela marcha neo e ultraliberal dos ltimos 15 anos, s se revelaria possvel num contexto de ameaa externa (o socialismo comunista), obrigando coeso social interna. E que, uma vez resolvida essa ameaa, estariam reunidas as condies para nova revoluo neoliberal.

Esta ocorrncia, na nossa interpretao, evidenciou as dificuldades e as fragilidades da democracia social, enquanto projecto congregador e integrador de interesses, valores, religies, classes sociais, comunidades tnicas, etc. na casa comum, salvaguardadora de direitos polticos e sociais mnimos para todos.

E evidenciou-as porque, no tendo conseguido uma alternativa para o paradigma kanteano do imperativo categrico, isto , baseando a democracia social em princpios morais, designadamente, nos deveres de paz, de igualdade, de justia e de filantropia, teve de imp-los autoritariamente, atravs da lei, face aos egosmos e interesses dos mais fortes, pouco preocupados com os males dos outros. Apelou primeiro auto-instituio dos valores e das normas democrticas mas sabendo da impossibilidade da identificao rousseauneana entre indivduo e todo social, teve de recorrer interinstituio, plasmando-a no imprio da lei.

Teria podido ser de outra maneira? Na medida em que a sociedade , originariamente, luta natural pelo poder e por interesses, dificilmente. Mas, ao ser assim, o projecto democrtico-social, consumado nas e pelas organizaes do projecto de sociedade, de natureza predominantemente estatal ou coordenadas pelo Estado, foi operacionalizado como ideal a atingir, como referente imposto pela Lei que, formalmente, obriga todos a uma conduta e a uma participao mnima em conformidade com esses ideais e referentes.

Em consequncia, pelo menos em termos formais, nas organizaes do projecto de sociedade, existe pouca margem de liberdade para uma participao poltico-estratgica dado todas ou quase todas as orientaes desta natureza estarem definidas pelo Estado, e dado as atribuies e competncias dos actores /funcionrios estarem delimitadas. No entanto, ao mesmo tempo, tambm constituem domnios de aco e direitos de poder salvaguardados por esse mesmo imprio da lei que abrem a porta para outras realizaes.

A autonomia e a liberdade dos actores/ funcionrios poder consubstanciar-se no processo de desenvolvimento organizacional, caso o Estado lhes devolva a

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estrutura do poder (poder e recursos) inerente quele processo. Mas ser que o Estado lha pode (deve) devolver sem salvaguardar o interesse dos administrados?

Quando so os prprios administrados o objecto do interesse, em nome do interesse geral, a resposta parece obviamente sim. No duvidaremos do interesse da autonomia organizacional de uma autarquia, de uma associao de moradores, de uma associao de pais e de outras do gnero. Porm, quando o interesse a proteger no o dos membros da organizao/ administrao mas sim o dos seus usurios/ beneficirios/ clientes, a pergunta ser: qual a melhor forma de garantir os direitos do projecto de sociedade queles administrados?

Na perspectiva liberal, a participao assenta na defesa dos interesses do indivduo e dos grupos e na sua concertao com os outros indivduos e grupos. Conceber a participao em nome de um ideal a atingir ou em nome do alcance de um fim que s indirectamente nos diz respeito parece descabido na perspectiva liberal. Do mesmo modo, os restantes factores de desenvolvimento da participao tais como a estrutura do contexto, o conhecimento e as culturas organizacionais, no sero factores condicionantes mas to s instrumentais da participao com vista ao interesse final.

Porm, nas perspectivas democrtico-social e democrtico-participativa, tambm conectadas com a teoria liberal dos direitos humanos, a anlise da participao, tomada como autonomia e liberdade organizacional dos actores/ funcionrios das organizaes do projecto de sociedade, em que os fins e grandes objectivos, pelo menos, so determinados externamente organizao, o interesse do actor/ membro da organizao/ administrao, enquanto mbil da participao, ser kanteanamente transformado em comunidade com o interesse do administrado, usurio/ beneficirio/ cliente da organizao/ administrao. E essa transformao pressupe a estrutura do contexto, o conhecimento e a cultura organizacional como factores estruturantes da participao.

Neste quadro, a participao dos actores/ funcionrios do Estado no ocorre em seu prprio nome mas em nome do Estado/ patro, coordenador do projecto de sociedade. Os detentores do poder do Estado interrogar-se-o se o interesse do administrado fica mais bem salvaguardado se for o Estado a regular a prestao do servio que responde a esse interesse ou se, pelo contrrio, tal servio ser mais bem prestado com a autonomia organizacional dos actores/ funcionrios.

A resposta a cada uma destas duas questes, no contexto das organizaes estatais do projecto de sociedade, depender do modelo poltico-administrativo implementado.

Os detentores do poder organizador no Estado Democrtico centralizado, ciosos do seu poder e crentes de que no lhes basta o controlo final mas tm tambm de controlar a concepo e a execuo, adoptaro o modelo organizacional

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burocrtico, impondo, em inteno, uma concepo e uma execuo universal e uniforme, baseada na estandardizao de procedimentos, seja pela definio da tarefa, seja pela sua regulamentao, execuo uniforme jamais, no entanto, verificada pelos factos. Este Estado tomar a forma de modelo autoritrio ou autoritrio paternalista e impedir os actores/ funcionrios de evolurem democraticamente, na sua autonomia, na sua responsabilidade e na sua preparao contnua para a cidadania e para a vivncia democrtica porque os julga impreparados cientfica e tecnicamente para a autonomia e para a responsabilizao.

Em consequncia e em congruncia, tendero a implementar o modelo burocrtico-mecanicista, no exclusivo do Estado autoritrio, e tambm compatvel com a administrao centralizada e uniforme do projecto democrtico.

Em contrapartida, os detentores do poder do Estado que julguem que profissionais motivados e com capital social de confiana so mais dedicados e mais participativos; que julguem que na prestao de servios pblicos h sempre uma margem de liberdade necessria na adaptao a contextos, situaes e problemas especficos e concretos que recomendam programas e actuaes diversas e diferenciadas; que julguem que os dfices de formao podem ser resolvidos com orientaes de organizao e de formao contnua; que julguem que a participao e a auto-responsabilizao so condies sine qua non da preparao para a vivncia democrtica; que julguem que na relao com os usurios/ beneficirios / clientes, a formao cvica adquirida transmitida e reforada; e que julguem que o controle final fornece indicaes suficientes para intervir, reparar e reciclar, ento esses governantes e dirigentes tendero a desenvolver um modelo organizacional baseado na burocracia profissional e tendencialmente adhocrtico, conferindo s organizaes do projecto de sociedade autonomia organizacional, e controlando o cumprimento dos objectivos do servio pblico implementador do projecto de sociedade.

Em tal circunstncia, teramos um modelo organizacional hbrido, resultante da interaco das caractersticas dos modelos poltico, democrtico e colegial e dos modelos burocrtico-profissional e adhocrtico.

Os modelos de organizao poltica do Estado fornecem-nos assim modelos de participao organizacional: participao cooptativa na execuo de polticas e de programas, nas organizaes conformes s caractersticas do Estado Autoritrio e do Estado Democrtico Centralizado; participao poltico-estratgica e participao gestionria, nas organizaes conformes s caractersticas do Estado Liberal; e participao estratgico-gestionria, nas organizaes conformes s caractersticas do Estado Democrtico-Social e do Estado Democrtico-participativo.

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Dado que os modelos organizacionais s em teoria realizam os pressupostos tericos acabados de referir, pode acontecer a verificao de mais que um modelo. Na realidade organizacional, dificilmente existem em realizao modelos tericos puros.

Por exemplo, na actualidade, e no caso das Escolas de Educao No-Superior, o domnio do Projecto Curricular de Escola inserir-se- na lgica de uma participao congruente com a concepo liberal, enquanto que a participao na gesto do currculo nacional se inserir numa lgica democrtico-social. Do mesmo modo, enquanto que a participao dos professores na defesa dos seus interesses profissionais face ao Ministrio da Educao se insere numa lgica liberal-corporativa, j a participao dos professores na gesto operacional da escola se insere, em grande parte, numa lgica democrtico-social. E dizemos em grande parte porque h reas de gesto burocrtico-mecnica como a contabilstica e a do expediente burocrtico que se inserem numa lgica burocrtico-mecanstica.

Tudo o que acabmos de referir ser compatvel com a organizao formal, instituda e regulamentada pelo Estado, atravs do Ministrio da Educao. Porque nas aces informais e reais, podemos ver invertida grande parte da lgica formal das organizaes e assistir ao desenvolvimento de programas e aces contrrios, por infidelidade normativa ou adultrio normativo, por prossecuo de interesses prprios, pela reinterpretao e atribuio de significados diferentes aos objectivos e aos processos, pela adaptao das aces s situaes concretas, pela partilha e vivncia de valores contrrios aos formalmente previstos.

Antes de terminarmos esta seco, importar especificar o contedo do objecto

de descrio e interpretao do nosso estudo, na perspectiva da participao dos professores, a saber: a administrao da educao primria / 1 ciclo do ensino bsico; a administrao da escola; e a administrao do currculo.

A dissociao entre os trs elementos meramente analtica. Com efeito, partilhamos da concepo segundo a qual o segundo e o terceiro elementos esto contidos no primeiro como suas dimenses substantivas. E que o primeiro elemento instrumental dos outros dois, conferindo-lhes dinmica interactiva atravs dos objectivos e organizao do modelo poltico-administrativo e das orientaes de poltica educativa e curricular.

No entanto, esta concepo no deixa de ter presente que ao assumir a administrao da educao como macro-organizao envolvendo toda a disperso geogrfica das estruturas organizativas, deixa espao para a considerao das Escolas /reas Escolares e Agrupamentos de Escolas como possveis meso-organizaes e os Ncleos Escolares e as salas de aula como possveis micro-organizaes.

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No deixa de ter igualmente presente que estes trs nveis de amplitude organizacional realizam ou devem realizar, de maneira diversa todas as reas organizacionais inerentes administrao da educao.

No entanto, as trs dimenses antes referidas so objecto de anlise individual para indagar a hiptese da existncia de subdimenses poltico-estrategicamente autnomas em cada um dos nveis de amplitude organizacional, relativamente a cada uma das dimenses. Isto porque entendemos que a considerao exclusiva do nvel administrao da educao central da educao enquanto nvel de definio estratgica-organizacional dos programas de aco e da estrutura organizativa seria inviabilizadora da indagao daquela hiptese. E, desde logo, da anlise da participao poltica e organizacional em nveis mais elevados.

Assim, a anlise da dimenso administrao da educao englobar a componente poltico-legislativa - que autnoma da Administrao Central -, e a componente regulamentar que pode estabelecer interface entre as duas.

A anlise considerar as orientaes presentes nestas duas componentes relativamente a: processos de construo e concertao poltico-estratgica de polticas, de orientaes e de programas; organizao poltico-administrativa da administrao da educao; sua estrutura/ anatomia departamental/ funcional e de tomada de decises, vista luz da autonomia poltico-estratgica e organizacional; atribuies e competncias dos professores; orientaes de poltica educativa; orientaes de administrao de recursos humanos (designadamente o estatuto scio-profissional dos professores, sobretudo nas suas variveis de polticas de formao, de remunerao e de reconhecimento social dos professores), e de recursos educativos; e polticas e processos de controlo da execuo.

A anlise da administrao da escola considerar: as atribuies e competncias dos professores, analisadas luz dos valores dos diferentes nveis de intensidade participativa e das diferentes naturezas da participao, e nas seguintes reas da escola: administrao dos professores; administrao da escola; administrao do currculo e dos elementos com ele conexos; administrao da informao e registos burocrticos; administrao da relao entre a escola e outras instituies.

Esta anlise far-se- na dupla perspectiva de autonomia decretada (espao de participao decretada e formal) que pode ou no ser ocupado e intervindo pelos professores e de autonomia praticada, englobando a participao praticada e a participao autoinstituda, informal ou clandestinamente.

A anlise da administrao do currculo considerar: as atribuies e competncias dos professores analisadas luz dos valores dos diferentes nveis de intensidade participativa e das diferentes naturezas da participao, e nas seguintes reas: concepo e formulao das orientaes estratgicas; concepo e desenho;

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formulao dos objectivos gerais e especficos; concepo, organizao e execuo dos mtodos, das estratgias de ensino-aprendizagem, dos materiais pedaggicos e das actividades de ensino-aprendizagem; concepo e organizao da avaliao dos produtos do ensino, do processo do ensino-aprendizagem; concepo dos espaos e dos tempos curriculares; monitorizao da informao avaliativa e sua utilizao em novas tomadas de decises; concepo e organizao dos grupos de alunos, da organizao do processo de ensino e dos modelos de progresso na escolaridade; concepo e implementao da organizao dos professores e da sua formao; concepo e organizao dos equipamentos curriculares e pedaggicos; concepo e organizao da orientao escolar e dos processos de diversificao e diferenciao curricular e pedaggica.

Esta anlise far-se- tambm na dupla perspectiva de autonomia decretada (espao de participao decretada e formal) que pode ou no ser ocupado e intervindo pelos professores, e de autonomia praticada, englobando a participao decretada praticada e a participao conquistada, informal ou clandestinamente. 6. A operacionalizao do problema 6.1. As hipteses

O nosso trabalho assenta nas seguintes hipteses que seguem. 1. Os princpios poltico-administrativos de cada tipo de Estado em estudo

fornecem contributos tericos para uma reelaborao dos modelos organizacionais da Administrao da Educao e da Participao.

2. Os princpios poltico-administrativos de cada tipo de Estado em estudo conformam, no todo ou em parte, as respectivas organizaes da Administrao da Educao e as respectivas polticas educativas.

3. No Estado Novo (1926-1974), existe forte congruncia entre os princpios da relao entre Estado e Sociedade Civil, poltico-administrativos e poltico-educacionais do Estado Forte, da centralizao, da obedincia, do professor apstolo, da escola elitista e uniformista e as estratgias organizativas da estrutura administrativa da educao primria; as polticas educativas; as formas menos intensas de participao decretada, expressas no estatuto profissional do professor, nas suas atribuies e competncias; na normativizao das funes docentes, da organizao do processo de ensino e do controle do cumprimento das normas, o que compatvel com formas de no participao, de

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participao na execuo, no deixando, no entanto, de se verificarem prticas de participao praticada informal e, at mesmo, estratgica e auto-instituda.

4. Na Repblica Democrtica e Pluralista, (1974-1991), verifica-se congruncia, pelo menos relativa, entre os princpios de relao entre Estado e a Sociedade Civil, os princpios poltico-administrativos da autonomia, da descentralizao, da participao, da concertao, do contrato social, do pluralismo e da igualdade; e as estratgias de estruturao da administrao da Educao Primria, o estatuto profissional e atribuies e competncias dos professores, e ainda os espaos de autonomia organizacional e curricular conferidos escola, permitindo a emergncia de prticas de autonomia e participao auto-institudas, podendo verificar-se, em qualquer dos casos, nveis de diferente intensidade na participao, desde participao meramente cooptativa na execuo at participao auto-instituda activa e mobilizadora.

5. Ao longo do Estado Novo, houve mudanas nas polticas educativas, de formao de professores e de considerao do estatuto scio-profissional dos professores, no sentido de uma aproximao escola de massas, sobretudo a partir do incio da dcada de 60 do Sculo XX, mas tais mudanas no se reflectiram significativamente nem na estruturao da administrao, nem na possibilidade e formas de participao dos professores.

6. Ao longo da Repblica Democrtica e Pluralista, a instituio formal da Gesto Democrtica, logo em 1974, e o descondicionamento estrutural do processo curricular possibilitaram espaos de autonomia organizacional e de liberdade curricular que