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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação David Santos Pereira Chaves Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil” Rio de Janeiro 2012

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades

Faculdade de Educação

David Santos Pereira Chaves

Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no

município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”

Rio de Janeiro

2012

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David Santos Pereira Chaves

Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no município

do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Políticas Públicas e

Formação Humana, da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro.

Orientadora: Prof.a Dra. Vânia Cardoso da Motta

Rio de Janeiro

2012

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese.

___________________________________ ___________________

Assinatura Data

C512 Chaves, David Santos Pereira.

Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da

escola pública no município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil” / David Santos Pereira Chaves. – 2012.

232 f.

Orientadora: Vânia Cardoso da Motta. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Faculdade de Educação.

1. Educação – Políticas públicas – Teses. 2. Educação – Administração – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 3. Instituto Ayrton

Senna. 4. Rio de Janeiro (RJ). Secretaria Municipal de Educação. I.

Motta, Vânia Cardoso da. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.

rc CDU 37.014.5

CDU XXXX

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David Santos Pereira Chaves

Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no município

do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Políticas Públicas e

Formação Humana, da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro.

Aprovada em 11 de outubro de 2012.

Banca Examinadora:

_____________________________________________

Prof.a Dra. Vânia Cardoso da Motta (Orientadora)

Faculdade de Educação - UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto

Faculdade de Educação - UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. Aparecida de Fatima Tiradentes dos Santos

Fundação Oswaldo Cruz

Rio de Janeiro

2012

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DEDICATÓRIA

À Kelly Chaves

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao menino que nos nasceu, ao filho que se nos deu, cujo nome é maravilhoso,

conselheiro, pais da eternidade, príncipe da paz. Sem essa paz que excede a todo o

entendimento jamais conseguiria concluir mais uma árdua etapa da vida acadêmica. Ao que

era, e é, e há de vir...

Agradeço a todos os familiares, principalmente da ascendência direta (Adelino e Sylvia),

que sempre estiveram do meu lado, compadecendo-se das noites mal dormidas, das

madrugadas de leitura e do esgotamento físico e mental que são partes do sofrimento da vida

de um trabalhador brasileiro que decide se dedicar à pesquisa...

Agradeço à cidade de São Gonçalo, “namorada de NÓS os fluminenses”, minha cidade

natal, mais especificamente a todos os profissionais do Colégio Municipal Presidente Castello

Branco, local onde fui alfabetizado e conclui o ensino médio; enfim, uma segunda casa...

Doze anos de convivência com mestres, pessoal de apoio, colegas de turma...

À CAPES pela bolsa de estudos que me possibilitou ter acesso às literaturas que

compuseram esse trabalho e no financiamento dos deslocamentos para outros centros de

pesquisa que contribuíram muito para o acesso mais amplo ao campo de investigação

científica.

Agradeço a todo o pessoal da Secretaria do Programa de Pós-Graduação de Políticas

Públicas e Formação Humana, principalmente ao Felipe que sempre me atendeu em todas as

questões com todo empenho e excelência profissional. Da mesma forma, agradeço a todos os

professores do programa que contribuíram para a realização desse trabalho: Gaudêncio

Frigotto (grande fornecedor de materiais para leitura e alguém que me cativou pela

simplicidade), Emir Sader, Pablo Gentili, Esther e Ritto (discordâncias teóricas que me

fizeram amadurecer), Zacarias Gama (sábios conselhos).

Não poderia deixar de mencionar o professor Roberto Leher e o grupo de estudos que ele

coordena na Universidade Federal do Rio de Janeiro onde participamos de acalorados debates

que nos ajudaram a construir um referencial teórico-metodológico. Assim como não poderia

ficar de fora da lista de agradecimentos a professora Vera Peroni que nos forneceu um

excelente relatório realizado pelo grupo de estudos que ela coordena na Universidade Federal

do Rio Grande do Sul.

À minha orientadora Vânia Cardoso da Motta que é uma das pessoas mais incríveis que

conheci na minha vida. A liberdade de pensamento e expressão que ela permitiu que eu

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tivesse foi determinante para que desenvolvesse um trabalho de pesquisa em que pudesse me

posicionar com efetividade, independentemente das discordâncias teóricas. Grande figura

humana!

Aos colegas de turma que dividiram comigo momentos de angústia, cansaço, decepções,

euforias e acalorados debates nas disciplinas cursadas ao longo desses dois anos.

Por fim, à Kelly Chaves: amor da minha vida!

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[...] ao vencedor, as batatas.

Machado de Assis

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RESUMO

CHAVES, David Santos Pereira. Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da

escola pública no município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”. 2012.

232f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de

Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

Esta dissertação tem o objetivo geral de analisar o protagonismo que o Instituto

Ayrton Senna (organização do “Terceiro Setor”) tem alcançado na escola pública ao

funcionar como braço operativo do empresariado com “responsabilidade social” na difusão da

concepção burguesa de mundo, num contexto histórico do “Neoliberalismo da Terceira Via”.

Esta penetração dos valores empresariais na escola pública se dá através do consenso em

torno da falência do Estado na prestação do serviço público que, por sua vez, deveria ser

prestado por organizações da sociedade civil (ONGs) em função de sua suposta maior

eficiência (pautada nos moldes do mercado). O objetivo específico é identificar como o

Instituto Ayrton Senna (IAS), através da concepção de cidadania burguesa pode ressignificar

o papel social da escola pública no município do Rio de Janeiro através do desenvolvimento

do “Programa Acelera Brasil” (“PAB”). A hipótese central é que o IAS, ao aplicar o “PAB”,

ressignifica o papel social da escola pública, atuando como operador do capital ao incorporar

a lógica fabril nas escolas públicas, (identificação da “qualidade” na educação com

certificação e treinamento para a realização de avaliações como condição de cidadania)

associada a uma face mais “humana” do capital, introduzindo elementos da “noção de capital

social”, que insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a sociedade civil

(entendida como “Terceiro Setor”) e o mercado.

Palavras-chave: Instituto Ayrton Senna. Programa Acelera Brasil. Cidadania. Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

This paper aims to examine the general role that the Instituto Ayrton Senna (the

organization "Third Sector") has reached the public school to function as operational arm of

the business with "social responsibility" in spreading the bourgeois conception of the world,

in a context history "Neoliberalism Third Way". This penetration of business values in public

schools is through the consensus on the failure of the State in the provision of public service

that, in turn, should be provided by civil society organizations (NGOs) because of its

supposed greater efficiency (guided molds in the market). The specific objective is to identify

how the Instituto Ayrton Senna (IAS) through the bourgeois conception of citizenship can

reframe the social role of public schools in the municipality of Rio de Janeiro through the

development of "Program Accelerates Brazil". The central hypothesis is that the IAS, in

applying the "Program Accelerates Brazil" reframes the social role of the public school,

serving as operator of capital to incorporate the logic manufacturing in public schools

(identification of "quality" in education with certification and training conducting assessments

as a condition of citizenship) associated with a face more "human" capital, introducing

elements of the "notion of social capital," which operates, among others, a harmonious

relationship between the State, civil society (understood as "third Sector ") and the market.

Keywords: Instituto Ayrton Senna. Brazil Accelerates Program. Citizenship. Municipal

Education Secretariat of Rio de Janeiro.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Panorama Histórico IAS .................................................................... 66

Quadro 2 – Conselheiros IAS ............................................................................... 122

Figura 1 – Abrangência do Programa Acelera Brasil .......................................... 188

Quadro 3 – Critérios de Enturmação ..................................................................... 204

Figura 2 – Pesquisas Acadêmicas ........................................................................ 230

Figura 3 – Anexo da Portaria E/DGED Nº41 ...................................................... 232

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica.

ANRESC Avaliação Nacional do Rendimento Escolar.

BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento.

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento.

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

CETEB Centro Tecnológico Educacional de Brasília.

FGV Fundação Getúlio Vargas.

FHC Fernando Henrique Cardoso.

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

IAS Instituto Ayrton Senna.

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

MTPE Movimento Todos Pela Educação.

MCB Movimento Brasil Competitivo.

MEC Ministério da Educação.

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

ODM Objetivos do Milênio.

OIT Organização Internacional do Trabalho.

ONG Organização Não Governamental.

ONU Organização das Nações Unidas.

OS Organização Social.

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

PAB Programa Acelera Brasil.

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

PPP Parceria Público-Privada.

PREAL Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe.

SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

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SEDES Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

SME/RJ Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 16

1

CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES

INTERNAS EM PERMANENTE MUTAÇÃO ............................................

22

1.1 Détour: a busca pela essência das coisas ......................................................... 26

1.2

Concepção gramsciana de Estado e Sociedade Civil: contraponto à noção

de “Terceiro Setor” e à noção de “Capital Humano rejuvenecido pela

noção de Capital Social” ...................................................................................

28

1.3

Intelectuais orgânicos: função essencial, para além do âmbito econômico,

organizar e dirigir uma vontade social coletiva tendo em vista o caráter

de classe na sociedade capitalista .....................................................................

31

1.4 Indivíduo: ser social por excelência a que as políticas públicas se destinam 33

1.5

Cidadania burguesa: ordenamento social e negação da categoria

totalidade ............................................................................................................

36

1.5.1 A noção de cidadania e sua conexão com a noção de “responsabilidade social” 38

1.5.2

Identificação liberal do conceito de cidadania com a democracia enquanto

categoria política e jurídica .................................................................................

40

1.6

Terceiro Setor e sua função ideológica: “hiato” entre o Estado e o

mercado ..............................................................................................................

42

1.6.1

Inconsistências do termo “Terceiro Setor” e seu uso ideológico em favor da

manutenção do capital enquanto relação .............................................................

44

1.7

Mudanças de perspectivas das ONGs no processo de reestruturação do

capital: de articuladoras e captadoras de recursos para os movimentos

sociais de enfrentamento ao Estado à composição com o ente público na

forma de parceria público-privada .................................................................

46

1.8

Rejuvenescimento da noção de “Capital humano”: ofensiva do capital ao

trabalho e perpetuação das desigualdades sociais .........................................

47

1.8.1

“Capital social”: noção de sociedade civil voltada para a cooperação e

atenuação dos efeitos da pobreza ........................................................................

50

1.9 “Programa Acelera Brasil”: a ressurreição de Comênius ............................. 52

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1.10

Emancipação humana: ideal perseguido pelos socialistas versus

mistificação dos programas oficiais de educação da existência de uma

“democracia capitalista” ..................................................................................

56

1.11 Pricipais documentos a serem analisados ....................................................... 58

2

INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS

REFERENCIAIS TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM

A REFORMA GERENCIAL DE ESTADO ...................................................

63

2.1

Contexto histórico de surgimento do Instituto Ayrton Senna: Reforma

Gerencial ............................................................................................................

64

2.1.1

Ratificação da Reforma Gerencial: normatização das parcerias público-

privadas e qualificação das organizações sociais ................................................

76

2.1.2

Influências internacionais na construção da imagem de um capitalismo “mais

humano” e “socialmente responsável” ................................................................

83

2.2

“Terceira Via”: nova face do neoliberalismo na suposta resposta às novas

expressões da questão social na virada do milênio .........................................

88

2.2.1

“Terceiro Setor”: a transferência da lógica das lutas dos movimentos sociais

pela construção de consensos e negociação entre as ONGs e o Estado ..............

93

2.2.2

“Responsabilidade Social” e trabalho “voluntário”: a participação do

empresariado na educação pública ......................................................................

97

2.3 Reconfiguração do Estado: entre o público e o privado ................................ 99

2.4 Considerações preliminares ............................................................................. 102

3

INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O

CAPITAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS .........................................................

104

3.1

Avaliação: caminho para a transparência e revelador da “realidade da

educação pública” .............................................................................................

105

3.2 Missão do Instituto Ayrton Senna: promoção da cidadania ......................... 115

3.3

A atuação do Instituto Ayrton Senna como operador do capital na

sedimentação da hegemonia burguesa: cidadania como ordenamento

social ...................................................................................................................

119

3.4

Bases política e ideológica do Instituto Ayrton Senna: Movimento Brasil

Competitivo e Movimento Todos Pela Educação ...........................................

123

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3.4.1

“Capital Humano Rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,

“empreendedorismo”, “flexibilidade” e “qualidade total”: Movimento Brasil

Competitivo preparando o terreno para a criação do Movimento Todos Pela

Educação .............................................................................................................

123

3.4.2

Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos Pela Educação (MTPE):

sintonia fina .........................................................................................................

125

3.5 O Instituto Ayrton Senna e suas fontes de financiamento ............................ 128

3.6 Educação para o Desenvolvimento Humano .................................................. 133

3.7

Influências externas na construção do consenso da identificação da

educação de “qualidade”: correção do fluxo escolar, política de

premiações por mérito, uniformização das avaliações ..................................

139

3.8 Penetração do Instituto Ayrton Senna na sociedade política ........................ 142

3.9 Considerações preliminares ............................................................................. 148

4

“PROGRAMA ACELERA BRASIL”: A “FÓRMULA DO SUCESSO”

ESTÁ PRONTA ................................................................................................

152

4.1

Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI): ferramenta

essencial para o gerenciamento dos programas educacionais

desenvolvidos pelo IAS .....................................................................................

152

4.2

Programas educacionais do Instituto Ayrton Senna: base para o pleno

desenvolvimento do “Acelera Brasil” ..............................................................

156

4.2.1 Programa Educacional “Se Liga” ........................................................................ 157

4.2.2 Circuito Campeão ............................................................................................... 157

4.2.3 Gestão Nota 10 .................................................................................................... 158

4.2.4 Fórmula da Vitória .............................................................................................. 159

4.3 Programa “Acelera Brasil”: antecedentes da proposta ................................. 159

4.3.1 “Acelera Brasil”: estruturação interna e funcionamento ..................................... 164

4.3.2

Acelerar para economizar: adequação à Reforma Gerencial e ataque à

composição sindical ............................................................................................

165

4.3.3

Subsunção real do trabalhador ao capital expresso na educação minimalista do

Programa “Acelera Brasil” ..................................................................................

168

4.3.4 Novo papel do professor no “Programa Acelera Brasil” .................................... 171

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4.3.5 Dialética unilateral do “Programa Acelera Brasil” ............................................. 178

4.3.6

“Programa Acelera Brasil” é político: ataque à autonomia da escola na

elaboração de seu projeto político-pedagógico ...................................................

181

4.3.7

Gerenciamento profissional: supervisão e avaliação como produto e não como

meio de construção do conhecimento .................................................................

183

4.3.8

Abrangência do “Programa Acelera Brasil” e os parceiros filantrópicos

específicos para esse programa educacional .......................................................

187

4.4 Acelera Brasil e Fundação Roberto Marinho: sintonia metodológica ......... 189

4.4.1 Trabalho docente e formação continuada no Telecurso ...................................... 191

4.4.2

Formação dos educadores que utilizam o “Telecurso”: adequação à

metodologia estabelecida ....................................................................................

193

4.5

Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro: novo fundamento

político-administrativo nas escolas (parcerias público-privadas) ................

197

4.6

Critérios de enturmação do Programa Acelera Brasil nas escolas

municipais de ensino fundamental da cidade do Rio de Janeiro ..................

203

4.7 Considerações preliminares ............................................................................. 205

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 208

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 218

ANEXO A - Comitê de ética em pesquisa ......................................................... 230

ANEXO B – Anexo da Portaria E/DGED n. 41 ................................................. 232

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16

INTRODUÇÃO

A dissertação dividida em quatro capítulos procura problematizar a permissão dada

pelo poder legislativo municipal ao poder Executivo, representado pela Secretaria Municipal

de Educação da Cidade do Rio de Janeiro para estabelecer parecerias público-privadas na

execução dos programas de aceleração da aprendizagem para os alunos defasados na relação

série-idade. Com a eleição de Eduardo Paes no fim de 2008, uma nova concepção política-

administrativa foi sendo construída por intelectuais orgânicos ligados ao capital,

principalmente através dos meios de comunicação. Essa nova concepção parte do

reconhecimento do próprio Estado de sua ineficiência na prestação do serviço público e, em

função de suas limitações gerenciais, seria necessário chamar quem entende do assunto para

implementar e executar os programas de reforço escolar e aceleração da aprendizagem:

Instituto Ayrton Senna com o apoio filantrópico e intelectual dos empresários com

“responsabilidade social”.

Na concepção dos gestores do município do Rio de Janeiro (Prefeito Eduardo Paes e a

Secretaria Municipal de Educação Claudia Costin), o foco nodal do ataque à suposta má

qualidade da educação pública deveria começar por combater a repetência em massa e

promover a equalização do fluxo idade-série que é um dos componentes do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica no Brasil e do Índice de Desenvolvimento Humano.

Como alternativa ao problema da grande quantidade de repetentes na rede municipal de

educação do Rio de Janeiro foi implementado, ainda no ano de 2009, o “Programa Acelera

Brasil” sob a execução do Instituto Ayrton Senna e forte protagonismo intelectual-empresarial

na formulação da política pública de aceleração da aprendizagem através de alianças

estratégicas entre o Instituto Ayrton Senna, o Movimento Todos Pela Educação e a Fundação

Roberto Marinho, que são ONGs que possuem forte vinculação com o mundo empresarial

com “responsabilidade social”.

Ao longo dos quatro capítulos buscamos as respostas para duas questões que nos

intrigaram e foram o motor dessa pesquisa. Se encontramos, não sei. Mas realizamos um

esforço intelectual na direção de buscar as respostas. Em que medida o Instituto Ayrton Senna

tem ressignificado o papel social da escola pública, através do “Programa Acelera Brasil”,

atuado como um operador do capital dentro da escola pública no município do Rio de

Janeiro? Em que medida a missão do Instituto Ayrton Senna (“levar cidadania”) contribui

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17

para criar um ethos de educação para o conformismo na maior rede de ensino público da

América Latina? (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f).

É fundamental esclarecermos que a pesquisa não se deu numa escola específica da

rede municipal, até mesmo porque nos três anos de execução do “Programa Acelera Brasil”

não teríamos elementos suficientes para analisar sua aplicabilidade; contudo, temos exemplos

da execução desse formato de programa em outras redes de ensino pública, não só no Brasil,

que nos dão pistas do processo de refuncionalização da escola pública através da adoção desse

programa educacional.

No Capítulo 1 “CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES

INTERNAS EM PERMANENTE MUTAÇÃO”, fizemos uma revisão de literatura e

delineamos os caminhos a serem percorridos na construção dos demais capítulos no que diz

respeito aos referenciais teóricos e metodológicos a serem utilizados. Nesse primeiro capítulo

são elencadas as principais categorias, conceitos e noções que nos ajudarão a buscar a

essência dos fenômenos, o que está por trás da aparência imediata, numa análise dialética

materialista-histórica do movimento do capital para se manter hegemônico mesmo nos tempos

de crise.

O détour proposto nos permite compreender o falseamento da realidade e a

compreensão de uma concepção de Estado funcional ao capital através da difusão, por parte

de intelectuais orgânicos do capital de um “Terceiro Setor” que “representaria” a própria

sociedade civil, cheia de virtude em contraposição ao “Estado”. Ainda no primeiro capítulo,

utilizamos alguns documentos emitidos por organismos internacionais que orientam as ações

de governos que assumem o “Neoliberalismo da Terceira Via” (NEVES, 2005), e cujas

orientações são ressignificadas pelas burguesias locais para serem postos em prática em

função das resistências oferecidas pelos movimentos de base.

No capítulo 2 “INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS

REFERENCIAIS TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A REFORMA

GERENCIAL DE ESTADO”, abordaremos o momento histórico em que se deu o surgimento

do Instituto Ayrton Senna e em que bases conceituais foram desenvolvidos seus referenciais

teórico-metodológicos ou ideológico-políticos. Partimos da análise da Reforma Gerencial do

Estado Brasileiro que se efetivou no ano de 1995, mas já vinha sendo discutida desde o fim da

década de 1980 com o Tratado de Washington (1989). Nesse momento histórico, o Instituto

Ayrton Senna é criado, em 1994, em consonância com as propostas do governo federal,

autoproclamado socialdemocracia brasileira, que via a necessidade de se reformar a prestação

do serviço público das áreas tidas como não típicas de Estado, dentre elas a área social.

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18

Nesse contexto, o Instituto Ayrton Senna aparece como um dos principais parceiros do

Estado na prestação do serviço público na área educacional, tendo como referencial maior a

lógica da produtividade mercantil. O Instituto surge como uma Organização da Sociedade

Civil Sem Fins Lucrativos que passa a assinar contratos de prestação de serviço público com

o Estado em função do processo de “publicização” iniciado na Reforma Gerencial da década

de 1990. Dentro da lógica da Reforma Gerencial do Estado brasileiro, com pitadas de

atendimentos pontuais à questão social na virada do milênio, o Instituto Ayrton Senna adota

os preceitos da chamada “Terceira Via” que já vinham sendo implementados principalmente

na Inglaterra com a chegada do partido trabalhista inglês ao governo, numa tentativa de dar

uma face menos cruel do capitalismo através do atendimento pontual de serviços na área

social objetivando evitar rupturas sociais por parte dos desfavorecidos na distribuição da

riqueza.

A delegação da construção dessa nova hegemonia do capital, já na virada do milênio,

(menos cruel, chamada por Lúcia Neves de “Neoliberalismo da Terceira Via”) que

incorporava atuações pontuais na “questão social” marca uma mudança de delegação de

competência: a burguesia nacional não deixava apenas nas mãos do Estado a produção da

hegemonia. Agora, uma “sociedade civil” virtuosa (identificada como “Terceiro Setor”)

estaria mais capacitada para promover essa nova hegemonia, mesmo que a burguesia recorra

ao Estado quando há necessidade do uso da força para se manter hegemônica. Dentre as

organizações da sociedade civil que ganham destaque na produção da nova hegemonia do

capital destacamos o Instituto Ayrton Senna que atua num lócus privilegiado: a escola

pública.

No capítulo 3 “INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O

CAPITAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS”, analisamos como as políticas de avaliação

introduzidas pelo Ministério da Educação têm servido para sedimentar o consenso em torno

da “má qualidade” da educação pública. Critérios escolhidos arbitrariamente que selecionam

as habilidades a serem avaliadas revelam o óbvio na educação pública: sem investimentos na

equalização da distribuição da riqueza, os “pobres” cada vez mais veem menos significado na

escola e são muitas das vezes obrigados a deixar a escola para ingressar prematuramente no

mercado para garantir a sobrevivência. É a avaliação que atua como determinante do discurso

do fracasso do Estado em levar cidadania de forma igualitária a todos os indivíduos; nesse

caso, a concepção de cidadania é aquela que englobaria um conjunto de direitos e deveres a

serem gozados e cumpridos pelos indivíduos, dentre eles, o direito a ter uma educação de

“qualidade”.

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A partir da constatação de que a educação pública não ofereceria “qualidade” aos

cidadãos que dependem dela, discutimos a concepção de “qualidade” adotada pelo Instituto

Ayrton Senna nos seus programas educacionais que a identifica como apreensão de um

conhecimento básico: ler, escrever e contar, que se realiza por meio de pacotes e treinamentos

para fazer avaliações externas, visando resultados por produtividade. Dessa forma, treinar

alunos para fazer as provas do INEP e acelerar os alunos com defasagem de idade-série,

diplomando-os numa reprodução da lógica fabril, é a educação de “qualidade” que o Instituto

Ayrton Senna leva aos indivíduos que estariam alijados do gozo de um dos direitos

compreendidos em torno da noção de cidadania.

Nesse ponto, problematizamos a questão da missão do Instituto Ayrton Senna: levar

cidadania às crianças e jovens pobres. Abordamos a concepção de cidadania levantada pelo

Instituto Ayrton Senna como uma forma de ordenamento social à medida que incorpora os

preceitos defendidos pela UNESCO para o Desenvolvimento Humano, focado em metas que

habilitariam aos pobres saberem conviver com as dificuldades do capitalismo em crise.

Os quatro pilares da UNESCO para o Desenvolvimento Humano incorporam a noção de

“capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “flexibilidade”,

“empreendedorismo”, “qualidade total” como forma de oferecer as ferramentas para os

cidadãos terem a possibilidade de sobreviver ao capital. Contudo, o discurso e a ação do

Instituto Ayrton Senna vão ao encontro do consenso que se formou em torno do Estado falido

e da sociedade civil virtuosa (transmutada num “Terceiro Setor”) que teria o mercado como

modelo a ser seguido nas escolas públicas. A educação deveria ser encarada como qualquer

outra mercadoria e administrada por quem entende de negócios: os empresários.

É nessa aproximação do Instituto Ayrton Senna com os empresários ditos filantrópicos

(não podemos esquecer que se não há incentivos fiscais, não há filantropia), organizados

principalmente em torno do “Movimento Todos Pela Educação” que o Instituto atua como

difusor da hegemonia empresarial em seus programas educacionais dentro da escola pública,

sob o manto da “responsabilidade social” dos empresários em levar cidadania aos “pobres”

através de sua concepção de educação de “qualidade”. Nesse movimento da atuação na escola

do bairro ao estabelecimento de parcerias com o Ministério da Educação e Cultura, a

penetração dos valores que acompanham o Instituto Ayrton Senna e os empresários

“filantrópicos”, que compõem a maior parte dos integrantes do “Movimento Todos Pela

Educação”, está se constituindo na referência de como deve ser a escola pública, os elementos

a serem problematizados.

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Enquanto isso, a função social da escola de elevar as massas aos níveis mais elevados da

cultura e o acesso aos bens produzidos pela humanidade vai sendo substituída pela velha

lógica fabril capitalista de “treinamento” das habilidades que serão exigidas pelo INEP

(principalmente na “Prova Brasil”) e de diplomar a maior quantidade de indivíduos na menor

quantidade de tempo e ao menor custo possível. Essa lógica fabril ganha novo contorno ao dar

uma face mais “humana” ao capital, introduzindo elementos da “noção de capital social”, que

insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a sociedade civil (entendida

como “Terceiro Setor”) e o mercado.

No capítulo 4 “PROGRAMA ACELERA BRASIL”: A “FÓRMULA DO SUCESSO”

ESTÁ PRONTA, analisamos os programas educacionais do Instituto Ayrton Senna que

servem de suporte para o funcionamento do “Programa Acelera Brasil” (carro-chefe do

Instituto). A discussão em torno do funcionamento do “Programa Acelera Brasil” passa

necessariamente pela adoção do pacote de conhecimentos planificados chamado de

“Pedagogia do Sucesso” que é adotado pelo Instituto Ayrton Senna quando implementa seu

programa de aceleração da aprendizagem.

A problemática desenvolvida nesse capítulo gira em torno de como o “Programa Acelera

Brasil” funciona, destacando-se as contribuições da “Pedagogia do Sucesso” desenvolvida

pelo CETEB e incorporada pelo Instituto Ayrton Senna no programa e as metodologias de

ensino do “Telecurso” da Fundação Roberto Marinho. A discussão circunscreve a forma

como o conhecimento é construído, pois é apresentado pelo Instituto Ayrton Senna, através

do “Programa Acelera Brasil”, como pronto e acabado, que deve ser posto em prática

seguindo o manual prescrito na “Pedagogia do Sucesso” sob pena de por “tudo a perder” no

plano de diplomação dos indivíduos com defasagem idade-série. A questão trabalhada nesse

capítulo é o “novo” papel que o professor deverá ocupar na sala de aula: cuidar que o material

de ensino seja cumprido, sem problematizações consideradas “invencionices” sob o pretexto

de atividades criadoras.

Uma das questões centrais adotadas pela gestão do Prefeito Eduardo Paes e pela Secretaria

Municipal de Educação Claudia Costin foi o ataque aos índices elevados de repetência desde

o primeiro ano de mandato em 2009. O novo fundamento político-administrativo

implementado pela dupla Paes-Costin entre 2009 e 2012 foi-se construindo baseado num

consenso construído na sociedade civil da necessidade de um maior protagonismo da

sociedade civil (“Terceiro Setor”) com direção intelectual e moral do empresariado

“filantrópico” e responsável socialmente em função de sua eficácia gerencial.

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O capítulo confronta a concepção de indivíduo adotada pelo novo fundamento político-

administrativo imposto na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro ao adotar

critérios de enturmação arbitrários que desconsideram as condições emocionais, históricas,

psicológicas dos alunos-indivíduos que são tratados como produtos de uma fábrica de

diplomas.

Por fim, tecemos as considerações finais sobre a pesquisa desenvolvida e levantamos a

questão da necessidade de uma ciência comprometida com os interesses dos trabalhadores e a

necessidade de “descolonização” do Estado capitalista com vistas à promoção da

emancipação humana.

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1 CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES INTERNAS EM

PERMANENTE MUTAÇÃO.

Nesse primeiro capítulo pretendemos fazer uma ampla revisão de literatura, necessária

para nos indicar como olharemos teoricamente para as categorias, conceitos e noções chaves,

desenvolvidas ao longo de nosso trabalho, e o método utilizado na apropriação da teoria e sua

colocação em prática visando à transformação da realidade. Esse capítulo além de revisão

teórico-metodológica pretende fazer uma introdução geral da pesquisa.

O referencial teórico-metodológico a ser utilizado é o marxista como condutor de

investigação e análises, uma vez que a escola (que é uma instituição social) ao ser analisada,

deve ser levada em consideração em sua historicidade e base material. Tomaremos a escola

como instituição mediadora dentro da sociedade regulada pelo capital, entendendo que a

educação pode ser um importante instrumento na construção de uma nova hegemonia,

visando à superação do capital, uma vez que não nos propomos a reduzir a escola a um mero

instrumento de reprodução do capital.

[...] escola que não é por natureza capitalista no interior desse modo de produção tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por não ser inerente ou orgânica deste modo de produção, pode articular-se com outros interesses antagônicos ao capital. (FRIGOTTO, 2010, p. 35).

Adotar o materialismo histórico como referencial teórico-metodológico implica buscar

o que está por trás da aparência de um fenômeno e buscar uma ciência que esteja a serviço

dos trabalhadores. Nessa direção, tomamos o conhecimento como a possibilidade de

compreensão da realidade em sua concretude, através das conexões internas objetivas

(materiais) dos processos a serem estudados, visando à contradição, o conflito. Implica

rejeitar o que se apresenta como verdadeiro a priori e rejeitar a reificação do existente.

(KOSIK, 1976).

Analisar a escola pública, como quaisquer outros processos, sobre a ótica do

materialismo histórico é identificar que toda essência é produto histórico de relações sociais.

Daí a preocupação em identificar os processos históricos que têm levado parcelas

significativas da sociedade civil a aderir ao discurso que afirma ser de qualidade máxima a

essência do serviço prestado pelo mercado, em razão do alto grau competitividade em que se

dá, e que a essência do serviço prestado pelo Estado seria o burocratismo e a falta de

compromisso com a qualidade e os resultados.

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Quando a ciência é utilizada a serviço do capital, sua preocupação central é atuar de

maneira focalizada para resolver um problema identificado, ou seja, atacam-se as

consequências oriundas de um determinado processo ao invés de buscar as determinações

históricas que levaram ao seu surgimento. Nega-se a história e a totalidade da produção das

relações sociais com o objetivo de ocultar que o surgimento de determinados problemas

sociais (como a falta de investimentos na escola pública) têm sua origem dentro do próprio

sistema de reprodução do capital.

Uma análise dialética da parceria público/privada (PPP) entre a Secretária Municipal

de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o Instituto Ayrton Senna (IAS) para a prestação

do serviço educacional de aceleração da aprendizagem dos alunos do ensino fundamental

pressupõe conceber que a realidade não existe fora de si mesma, considerando que a própria

razão, historicamente, possui limitações. A análise dialética não busca a relação causa-efeito

como produto final de um fenômeno, mas parte da revisão desse fenômeno em direção à

busca pela sua essência na construção e desenvolvimento do conhecimento.

Caso venhamos a partir de verdades absolutas, submetendo o conhecimento à “camisa

de força” de determinados elementos fundamentais da teoria, negamos a proposta dialética de

reconhecer nos objetos que nem tudo é pura positividade nem tudo é pura negatividade. Nosso

objetivo não é discutir somente a relação causa-efeito da PPP na educação pública do ensino

fundamental no município do Rio de Janeiro, mas pensar os elementos culturais, econômicos,

simbólicos, políticos que levaram à adoção desse modelo de execução da política pública

educacional e sua legitimação diante de parte dos profissionais da educação e dos indivíduos

atendidos pelo programa educacional “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna.

Miriam Limoeiro Cardoso (1971, p. 3) ao afirmar que “a realidade que a pesquisa

pretende conhecer permanece sempre mais rica do que a teoria a que ela se refere”, nos indica

que há um papel de destaque para o sujeito na realização da pesquisa no que tange à escolha

da teoria a ser adotada e escolha perceptiva dos critérios considerados mais relevantes, e os

que são secundários para nos guiar na apreensão e interpretação do real. Não há neutralidade,

mas intervenção crítica do pesquisador nas análises do objeto de estudo.

Elegemos como ponto de partida fundamental para compreensão do nosso objeto de

estudo a adoção de uma ciência comprometida com os interesses da classe trabalhadora,

ligada à prática e revolucionária, com a finalidade de modificar o real. Entendemos ser

necessário dar o devido destaque ao indivíduo, como o ator central a quem as políticas

públicas devem se dirigir e não a sobrepujança dos interesses das relações sociais que

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perpetuam o sistema capitalista de produção, sem perder de vista a condição histórica de

sujeito numa sociedade de classes.

Em nossa busca pela compreensão da parceria público-privada (PPP) celebrada entre a

Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o Instituto Ayrton

Senna (IAS) na prestação de serviços de reforço educacional de aceleração da aprendizagem,

verificamos a necessidade de ir além do que se nos apresenta aparentemente, ir em busca da

essência do fenômeno.

Concebemos o método materialista histórico como uma forma de compreender o

mundo em sua totalidade concreta no conjunto de suas manifestações, seja no campo cultural,

simbólico, econômico, político. Como Marx pensou sua crítica ao que havia de mais

contemporâneo em sua época, que era a economia política clássica, nossa análise partirá do

que há de mais contemporâneo em termos de conhecimento: a ciência burguesa, inscrita no

contexto histórico de reestruturação do capital a partir da década de 1970.

Adotaremos uma hierarquia teórica baseada, não no surgimento sequencial dos fatos

na história, mas em função da importância em que as categorias, conceitos e noções irão

aparecendo em nosso trabalho.

Cuidando não cair em abstrações esvaziadas de significado no processo de

generalizações e naturalizar o que é histórico, constatamos a importância de estabelecer àquilo

que denominaremos de categoria, de conceito e de noção. Por categoria entenderemos

“aquelas que têm profundidade teórica, porque encaminham justamente para as

especificidades. Ajudam a localizar as diferenças e é nelas que ganham o seu sentido”.

(CARDOSO, 1990, p.8). As categorias que nos ajudarão na busca pelo real em nosso

trabalho, para análise da PPP entre a SME/RJ e o Instituto Ayrton Senna, serão a totalidade,

contradição, Estado Ampliado, alienação e práxis em função da profundidade teórica que

apresentam.

Por sua vez, os conceitos serão entendidos como generalizações do real que não

possuem a mesma profundidade teórica que as categorias e em razão disso “camuflam as

diferenças e uniformizam a diversidade. Deformam e bloqueiam a compreensão, em lugar de

favorecê-la”. (CARDOSO, 1990, p. 8). Os conceitos que utilizaremos em nosso trabalho serão

o de cidadania e indivíduo, em função da ciência burguesa os utilizar com a finalidade de

camuflar as contradições internas existentes no todo social e dar-lhes um novo significado

descolado da concretude histórica da sociedade - entendida como a totalidade das relações

sociais, com suas contradições, e não como a soma de partes autônomas.

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Na hierarquia teórica que pretendemos seguir, recorreremos, por fim, às noções que

entenderemos como generalizações que buscam elaborar constructos teóricos, porém são mais

frágeis do que as categorias e conceitos no movimento contraditório de apreensão da essência

da realidade. As noções reproduzirem espontaneamente na consciência humana como

verdades imediatas o que se apresenta como aparente, sem as mediações que nos permitirão

chegar à raiz das determinações do real. Recorreremos a importantes noções na compreensão

dos pressupostos teóricos seguidos pelo Instituto Ayrton Senna no que diz respeito à

concepção utilitarista da educação e à noção de sociedade civil como local de cooperação e

harmonia. Uma noção central em nossa análise será a de “Terceiro Setor” (identificado na

imediaticidade como a própria sociedade civil) como promotor da noção de “capital humano

rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilidade”,

“qualidade total”.

Contudo, essas categorias, conceitos e noções têm de ser saturadas de historicidade

(FRIGOTTO, 1994), pois sozinhos não dão conta de explicar a realidade; logo, faz-se

necessário estabelecer conexões internas aos fenômenos num terreno objetivo - material -

determinado, recorrer às mediações no campo econômico, político, simbólico, cultural com o

escopo de se chegar às particularidades e a uma concepção de realidade no seu conjunto.

Chamando a atenção para o papel fundamental do historicismo na formulação dos problemas

investigativos, Kosik (1976, p. 138) nos aponta a necessidade de “captar e determinar sua

relação íntima com outros problemas”. É a busca por procurar entender, por exemplo, como

um modelo educacional tecnocrático e funcionalista ao mercado, cuja característica maior é a

suplantação da autonomia didático-pedagógica, é tomado por padrão de qualidade por

profissionais da educação pública que durante décadas lutaram por maior autonomia didático-

pedagógica.

Conforme nos adverte Barata-Moura (1997), a saturação de historicidade das

categorias é fundamental na compreensão dos sistemas não como totalidades conclusas, que

colocariam a história como elemento exterior e ocultaria a ação dos homens na construção

desses sistemas. Assim, a tentativa de apresentar o sistema capitalista como etapa inevitável e

exterior à ação dos homens é um valioso argumento utilizado pelos intelectuais orgânicos do

capital com o objetivo de desmobilizar a ação revolucionária alternativa a esse sistema.

Dessa forma, utilizaremos o método dialético do materialismo histórico com a

finalidade de se chegar à raiz das determinações da realidade, procurando suas contradições,

um ir além das aparências imediatas que se nos apresentam como verdades explicativas, é

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buscar a interpretação do mundo real sem desconsiderar que o conhecimento é produzido

historicamente, portanto, é parcial.

A dialética trata da ‘coisa em si’. Mas a ‘coisa em si’ não se manifesta imediatamente ao homem [...] Portanto, a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um aspecto que cumpre instruir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto e complementar seja justamente o sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e apartado do

mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. (KOSIK, 1976, p. 13-14).

Nossa preocupação ao adotar o método dialético materialista histórico começa por não

identificar o concreto com o ponto de partida, como procuraram fazer os pesquisadores que

veem nos dados coletados e tratados, através de técnicas específicas, o maior afastamento do

sujeito e, por conseguinte, maior objetividade no achado, o que levaria ao real. Assim,

identificam o resultado de uma pesquisa baseada em dados abstratos com uma realidade

concreta1.

Objetivando evitar confusão teórico-metodológica entre o ponto de partida e concreto,

nos concentraremos a realizar o détour proposto por Kosik (1976) e que está presente também

no texto de Mirian Limoeiro Cardoso (1990). Sabendo que a ideologia é parte do problema

científico e que a soma das partes, pode até captar elementos da realidade, mas não capta suas

determinações na totalidade.

1.1 Détour: a busca pela essência das coisas.

Esse détour (KOSIK, 1976) entende o concreto como uma representação imediata do

todo na forma de caos que se torna compreensível através da mediação das abstrações,

afastando-se, cada vez mais, do que é dado a priori, submetendo à critica os conceitos e

noções que se pretendem originados na realidade. Nesse processo científico que se dá no

plano abstrato buscam-se as determinações, que partindo das mais simples às mais complexas

nos municiarão a fazer as criticas no processo inverso, repensando o que se nos apresentou

como verdade imediata.

Sabendo que o pensamento não é capaz de reproduzir a realidade em si, ressaltamos

que esse détour, como movimento contraditório nos planos concreto e abstrato, não produz a

1 Anotações de aula feitas por mim, no dia 13 de maio de 2011, das discussões coordenadas pelo professor Dr. Roberto Leher

no grupo de pesquisa em educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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realidade, mas nos permite a percepção de parte da realidade por aproximações; caso

contrário, corremos o risco de cair numa concepção idealista de ciência e identificar a

realidade com o pensamento. Não pretendemos identificar o pensamento como anterior à

realidade, mas, ao contrário, o pensamento parte da realidade na busca pela compreensão de

sua essência.

A utilização do método dialético marxista nos fornece subsídios para submeter à

crítica aquilo que se apresenta na imediaticidade como a manifestação naturalizada da

verdade. Assim, esse método nos ajuda a submeter à crítica o conceito de indivíduo

naturalizado pela concepção atomizada dentro da sociedade burguesa, reificada pela

concepção liberal – desde os contratualistas clássicos até os neoconservadores -, a crítica à

utilização ideológica do termo “Terceiro Setor” e a crítica à noção de “capital humano

rejuvenescido”.

Partindo desses conceitos e noções que se apresentam como verdades reveladas,

submetendo-os à análise, buscaremos, no plano das abstrações, identificar os determinantes

que, ao longo dos anos, procuram naturalizar os conceitos e noções que postulam o discurso

do fracasso do Estado na prestação do serviço público de qualidade e a necessidade da

contratação, via PPP, de parceiros privados mais “capazes e eficazes” na prestação desse

serviço público.

No momento posterior, munidos das determinações que podem legitimar o discurso da

necessidade da PPP, alcançadas através da utilização da teoria no plano abstrato, buscaremos

compreender as conexões internas que ligam essas determinações e voltaremos ao que nos foi

dado a priori como conceitos e noções verdadeiras da realidade com a finalidade de voltar ao

concreto inicial como um concreto pensado no plano teórico-abstrato e tratar os conceitos e

noções legitimadores da PPP sob o prisma de uma nova forma de metabolismo do capital, não

mais como a soma de partes desconexas, mas como totalidade concreta que é apreendida,

mesmo que aproximadamente, através da indagação – que é o motor da ciência.

Utilizar o método dialético do materialismo histórico é situar o debate envolvendo a

penetração do “Terceiro Setor” na prestação de serviços públicos na área social num contexto

da totalidade da reestruturação que o sistema capitalista tem passado nos últimos 40 anos. É

compreender que a ciência não se apresenta como neutra, mas, pelo contrário, está envolta às

lutas de classes, das contradições no interior da sociedade expressas nos interesses

econômicos classistas, a partir dos quais se elaboram os interesses ideológicos, simbólicos,

culturais e políticos.

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A opção por utilizar esse método de pesquisa é a busca de desenvolver uma ciência

voltada aos interesses da classe trabalhadora e seus filhos, objetivando interpretar as novas

estratégias que o capital tem se utilizado para o desenvolvimento de uma educação para o

consenso em torno da possível “inevitabilidade” do capital e da naturalização das

desigualdades sociais, apresentadas como pertencentes à essência humana. Daí a necessidade

de se pensar o método dialético materialista histórico em função da práxis revolucionária,

cujo objetivo maior seria a busca pelo fim das desigualdades sociais, transitar para um novo

modo de produção.

Como nosso trabalho trata especificamente da PPP estabelecida entre a SME/RJ e o

Instituto Ayrton Senna, através do programa de aceleração da aprendizagem “Programa

Acelera Brasil”, nosso objetivo é chegar à raiz da determinação do discurso envolvendo essa

PPP e a concepção de fazer ciência que ela tem difundido entre milhares de estudantes do

ensino fundamental das escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro. Pretendemos realizar

o détour na busca por compreender como os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica (IDEB), apresentados de forma isolada das conexões internas dos fatores

históricos e sociais, não representam a essência da realidade. (INEP, 2012).

1.2 Concepção gramsciana de Estado e Sociedade Civil: contraponto à noção de

“Terceiro Setor” e à noção de “Capital Humano Rejuvenescido pela noção de Capital

Social”

Seguindo a hierarquia do aparecimento das categorias com maior amplitude teórica em

nosso trabalho, as concepções de Estado e sociedade civil ganham destaque ao adotarmos as

reflexões gramscianas como referencial teórico.

A instituição escolar será analisada pela categoria gramsciana de Estado Ampliado

(GRAMSCI, 1968), ou seja, o somatório da sociedade política (aparelhos coercitivos de

Estado) com a sociedade civil (local onde os aparelhos privados de hegemonia disputam a

produção da ideologia dominante). Dessa forma, a escola é entendida como um desses

aparelhos privados de hegemonia e como espaço necessário à formação da nova ordem

intelectual e moral.

Entendemos que fica patente o uso do método marxista por Gramsci quando amplia a

teoria da concepção de Estado identificado não apenas como um comitê executivo da

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burguesia, mas utiliza-se da história para analisar o desenvolvimento da articulação da

sociedade civil, composta por aparelhos privados de hegemonia, com os aparelhos repressivos

do Estado – sociedade política.

Percebemos que Gramsci satura de historicidade a categoria Estado e dá-lhe um novo

significado, cuja ampliação se deu em função dos contornos históricos compatíveis com as

transformações pelas quais passavam os países ocidentais2, ou seja, esse movimento de

saturação de historicidade da categoria Estado exigiu de Gramsci um détour, cujo ponto de

partida se dá no abstrato e executa um movimento do pensamento em busca das

determinações e suas conexões internas com o objetivo de entender e captar o movimento de

como se dá a passagem de uma forma de organização estatal menos complexa para uma forma

mais complexa.

Coutinho (2007) nos indica que Gramsci estabelece um elemento primeiro que lhe

permite elaborar as categorias mais complexas e ricas de seus estudos, tais como ideologia,

hegemonia, sociedade civil e sociedade política. Esse elemento primeiro seria a distinção ente

as classes sociais antagônicas e complementares entre si. Antagônicas na distinção entre

governados e governantes e complementares porque cada uma só tem sua existência em

função da outra.

A partir desse elemento primeiro, Gramsci procura nessas distinções entre as classes

sociais antagônicas, diferenciações dentro da esfera política (superestrutural), buscando,

através da dialética materialista histórica, as determinações e suas conexões internas que

possibilitam aos aparelhos privados de hegemonia influir e perpassarem a esfera política

(aparelhos estatais de coação).

É importante observarmos que a concepção de Estado elaborada por Gramsci não

contradiz a essência da contradição entre as classes e o aparato repressivo do Estado; contudo,

em função do momento histórico em que estava vivendo, saturou de historicidade a categoria

Estado e percebeu que “a sociedade civil vai se tornando uma esfera de relativa autonomia

frente à esfera econômica e aos aparatos repressivos de Estado” (MOTTA, 2007, p. 101).

Em relação a essa reflexão, cabe ressaltar que Gramsci não só adota o método

marxista de análise da realidade como entende que o Estado é classista; portanto, o Estado

capitalista é o responsável pela manutenção do capital enquanto relação, ele não é o Estado da

burguesia industrial ou da burguesia financeira, mas é o Estado capitalista que vai garantir a

manutenção desse modo de produção, embora haja disputas intra-classistas no campo

2 Para Gramsci a divisão entre Estado ocidental e Estado oriental não possuía uma caráter geográfico, mas sim do

desenvolvimento das relações sociais do sistema capitalista de produção. Para maiores esclarecimentos, Cf. Coutinho (2007).

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ideológico entre diferentes frações da burguesia, desde que o capital enquanto relação esteja

mantida.

A gênese do Estado reside na divisão da sociedade em classes, razão por que ele só existe quando e enquanto existir essa divisão (que decorre, por sua vez, das relações sociais de produção); e a função do Estado é precisamente a de conservar e reproduzir tal divisão, garantindo assim que os interesses comuns de uma classe particular se imponham como o

interesse geral da sociedade. (COUTINHO, 2007, p. 125-126).

Na mesma direção da citação anterior, O’Donnel (1981) tem como tese fundamental

que o Estado de classes funciona como fiador da manutenção do modo de produção da classe

que domina economicamente, política e ideologicamente as demais. Nesse caso, o Estado

burguês é a garantia para a classe dominante burguesa que o capital, enquanto relação, estará

garantido pela esfera política; todavia, há uma disputa ideológica intra e extraclasse visando à

obtenção do consenso das demais classes em torno do projeto de uma classe particular

específica. Conforme observa Coutinho:

De acordo com o método dialético, Gramsci vê o movimento social como um campo de alternativas, como uma luta de tendências, cujo desenlace não está assegurado por nenhum ‘determinismo econômico’ de sentido unívoco, mas depende do resultado da luta entre vontades coletivas organizadas (COUTINHO, 2007, p.43).

A sociedade civil, vista por Gramsci com suas determinações próprias, ao conseguir

certa autonomia em relação à sociedade política, funciona como um verdadeiro campo de

batalha política e ideológica na busca pelo consenso em torno de um projeto societário

hegemônico de uma classe, mediando, através dos aparelhos privados de hegemonia, a

estrutura econômica e o Estado na sua função coercitiva.

Nossa opção pela utilização da concepção gramsciana de Estado como síntese da

sociedade política com a sociedade civil nos permite concluir que enquanto a sociedade

política funciona como o aparato de coação, a sociedade civil tem certa independência em

relação à sociedade política; entretanto, a sociedade civil perpassa a sociedade política num

funcionamento simbiótico, cuja síntese se traduz na concepção ampliada de Estado

desenvolvida por Gramsci.

Analisar a categoria gramsciana de Estado ampliado, sob a ótica do método marxista,

nos permite contrapor ao conceito de um “Terceiro Setor”, situado entre o Estado (1º setor) e

o mercado (2º setor) que seriam independentes e não comunicáveis entre si; como se a

sociedade civil não perpassasse a sociedade política, além da tentativa de se hegemonizar a

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ideia de um “Terceiro Setor” sem quaisquer ligações com os “outros dois”, como se fosse a

própria sociedade civil.

Ao adotarmos como referencial teórico a concepção de Estado ampliado de Gramsci,

realizamos um détour em busca da captura dos elementos que “legitimam” a noção de

sociedade civil como local de harmonia e cooperação, ao invés de uma arena de batalhas

ideológicas classistas. É a busca da essência da noção de “Terceiro Setor” e da noção de

“capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social”, é um ir além das aparências

fenomênicas em busca dos mecanismos utilizados pelos intelectuais orgânicos burgueses no

movimento de ocultação do fato da sociedade política e a sociedade civil serem classistas,

intercambiáveis, simbióticas.

O estudo da forma como se constroem, na sociedade, ideologias geradoras de

consenso em torno de projetos societários hegemônicos de uma classe não caminham

separado do conceito de intelectual orgânico desenvolvido por Gramsci em uma de suas obras

clássicas: “Os intelectuais e a formação da cultura”. Nessa obra, ele procura analisar a

importância dos intelectuais não só no campo econômico, mas como possuem influência no

campo superestrutural, no tocante ao papel dos indivíduos e aparelhos privados de hegemonia

na construção, manutenção e crítica da ordem social vigente.

1.3 Intelectuais orgânicos: função essencial, para além do âmbito econômico, organizar

e dirigir uma vontade social coletiva tendo em vista o caráter de classe na sociedade

capitalista.

O conceito de intelectual orgânico desenvolvido por Gramsci vai além do de uma

teoria economicista reducionista, pois ressalta que os intelectuais orgânicos têm uma função

específica da construção na consciência dos indivíduos buscando dar homogeneidade a

determinada forma de compreender o mundo. Cabe frisar que os intelectuais orgânicos são

indivíduos ou grupos sociais que estão na sociedade civil atuando como aparelhos privados de

hegemonia.

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista

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cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc. (GRAMSCI, 1982, p.3).

Por estar tão próxima das classes menos favorecidas, a escola é vista, por Gramsci,

como aparelho privado de hegemonia fundamental para instrumentalizá-las na conquista do

acesso ao saber científico e da leitura crítica da realidade afim de que as classes populares

sejam preparadas politicamente para a conquista do poder. Afinal, segundo ele, todos devem

ter direito ao papel de direção política na sociedade, por isso defende que a elevação cultural é

fundamental na superação da divisão social entre governantes e governados, dirigentes e

dirigidos.

Por isso, analisaremos a escola pública (aparelho de hegemonia) como um espaço

privilegiado para formação de uma nova hegemonia que represente a concepção de mundo

(ideologia) das camadas subalternas. Essa nova hegemonia propiciada também pela escola é

chamada por Gramsci de reforma intelectual e moral, pois promove a transformação da

sociedade através do exercício da democracia política com a participação ativa dessas

camadas na gestão do Estado.

Da mesma forma, o capital possui seus intelectuais orgânicos na construção de

concepções de mundo particularistas (ideologias) que funcionam como legitimadores dessa

relação social de expropriação. Analisaremos o Instituto Ayrton Senna, através de seu carro-

chefe na área educacional, que é programa “Acelera Brasil”, partindo da hipótese dessa

instituição estar cada vez mais se tornando um operador do capital no cenário da educação

brasileiro e internacional, ou seja, difundindo as ideias do empresariado, que financia seus

projetos educacionais, da naturalização do capital enquanto relação social. O conceito de

intelectual orgânico nos ajudará a pensar a hipótese que levantamos estabelecendo as

conexões que o Instituto Ayrton Senna e sua presidenta (Viviane Senna) possuem como

membros de destacados movimentos da sociedade civil, como o Movimento Todos pela

Educação (MTE) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

Em virtude da importância dos intelectuais na organização da cultura, o conceito de

ideologia ganha importância vital na construção de uma concepção particularista de mundo.

Gramsci dá destaque à vitalidade do conceito de ideologia que consiste em uma concepção de

mundo que precisa estar cada vez mais consolidada e coerente para tornar-se referência para a

ação e para a vontade coletiva.

Segundo Gramsci,

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[...] cada um transforma a si mesmo, se modifica na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é ponto central. Neste sentido o verdadeiro filósofo é

– e não poderia deixar de ser - nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte. (GRAMSCI, 1978, p.40).

Também são ressaltados nesse estudo os conceitos de conformismo e consciência

política, procurando situar a análise de Gramsci sobre o problema da educação e da escola no

âmbito de sua reflexão sobre a hegemonia, articulando-a a formulação de um programa

escolar, que culmina na proposição da escola cuja finalidade é promover a emancipação

política do homem a partir da formação dos intelectuais.

Gramsci (2000, p.24) afirma que “todos os homens são intelectuais, mas nem todos os

homens exercem a função intelectual”, por isso os que a exercem tais como os educadores, os

partidos políticos, os organizadores e divulgadores de hegemonias e ideologias,

respectivamente, e os intelectuais têm a função e a oportunidade de promoverem a “elevação

cultural” das grandes massas como estratégia de poder para transformá-la em poder real. Isso

se dá porque a elevação cultural significa conquistar uma consciência crítica do mundo e

compreender-se como uma força social.

Na luta contra o conformismo social propagado pelos intelectuais orgânicos do capital,

contra a naturalização da adequação das massas à relação de expropriação de sua força de

trabalho, consentida, mesmo que despercebidamente, Gramsci nos diz:

Questão do ‘homem coletivo’ ou do ‘conformismo social’: Tarefa educativa e formativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também

fisicamente tipos novos de humanidade. (GRAMSCI, 2000, p. 23).

As categorias gramscianas nos permitem fazer a contraposição com as e à “noção do

capital humano rejuvenescido" pela noção de “capital social". Temos em Gramsci o

contraponto à ideia de que a sociedade civil é local onde as classes têm a função de

solidariedade mútua em prol da superação da pobreza e do atraso econômico causados em

grande parte pela falta de escolaridade e investimento pessoal em treinamentos para o

exercício de tarefas necessárias ao mercado.

1.4 Indivíduo: ser social por excelência a que as políticas públicas se destinam.

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Adam Shaff (1966), Barata-Moura (1997), Karel Kosik (1976) e Miriam Limoeiro

Cardoso (1990) demonstram como as relações sociais de produção criam o homem com seus

valores, ideias e formas de agir, destacando que ele é muito mais do que uma parte da

natureza, vulnerável às ações transcendentais do destino, mas sim o principal autor da história

de vida que ele escreve. Essas análises nos ajudarão a compreender quem são os indivíduos

para quem as políticas públicas são dirigidas, ou seja, um ser concreto e não idealizado por

alguém que não conhece as condições reais em que se dá sua existência. O programa “Acelera

Brasil” do Instituto Ayrton Senna apresenta uma fórmula pronta de educação formal para todo

e quaisquer indivíduos, de qualquer parte do país, atomizando-os da totalidade das relações

sociais concretas, desconsiderando suas condições históricas, sociais, culturais.

Esse conceito ganha destaca ao longo do trabalho à medida que demarcarmos a

concepção de indivíduos como aqueles que mudam a história. Portanto, procuramos situar o

indivíduo como seres que vivem e produzem em sociedade, contrapondo à ideia contratualista

desenvolvida pela ciência burguesa da existência anterior do indivíduo à sociedade.

O indivíduo é o sujeito entendido como um fenômeno concreto, como produto da

sociedade existente. Nossa pesquisa procurará situar os indivíduos como agentes concretos e

históricos e, portanto, negação do homem abstrato e idealizado pelos promotores e executores

do “Programa Acelera Brasil” na área educacional. Dessa forma, o indivíduo

[...] pertence às totalidades que tem estrutura mais complexa. Se se faz abstração daqueles elementos que compõem esta complexa estrutura material e espiritual, o termo ‘homem’ ou ‘indivíduo’ torna-se extremamente abstrato e, na sua generalidade, de escassa utilidade. (SCHAFF, 1966, p. 84).

O caminho epistemológico que percorremos aponta a condição do ser humano como

sujeito que viver em sociedade, conforme aponta Mirian Limoeiro Cardoso ao afirmar

[...] que o pensamento não existe independente de alguém que pense, ao mesmo tempo só

existe como coisa pensada. O sujeito que pensa aprende a pensar dentro da sociedade em que se encontra, antes de se descobrir como ser pensante. (CARDOSO, 1971, p. 4).

As reflexões de Karel Kosik (1976) e Miriam Limoeiro Cardoso (1990), nos ajudarão

a compreender o indivíduo definido por meio das relações sociais que o envolvem,

contrapondo a ideia de um indivíduo isolado, fora do todo social, apresentada pelas correntes

liberais, tanto na sua face mais progressista quanto na conservadora.

A esse respeito, Mirian Limoeiro Cardoso nos instrui a evitarmos o equívoco

epistemológico de dar ao conceito de indivíduo uma conotação de isolamento do todo social,

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generalizando uma noção de indivíduo atomizado, isolado da totalidade social, como produto

natural das relações sociais.

Nesse sentido pensando essa sociedade como natural, pensam-se suas relações como naturais e o produto dessas relações como natural. Assim é que o indivíduo não é concebido como criação da história, mas como dado natural […]. (CARDOSO, 1971, p. 5).

Ainda nessa direção, Karel Kosik (1976, p. 194) afirma que “o ser social determina a

consciência dos homens, mas disto não resulta que o ser social se revele adequadamente na

consciência dos homens”. O homem, pensado enquanto indivíduo, é parte de uma totalidade

social ao mesmo tempo em que a reproduz na sua consciência, não se encerrando numa

subjetividade que o separaria do resto do mundo.

Enfim, o indivíduo é o sujeito uno na multiplicidade das relações sociais, ou seja, o

sujeito não desaparece como querem alguns críticos à concepção marxista que supostamente

acabaria com o indivíduo em prol da coletividade. De acordo com Barata-Moura:

Os indivíduos que concorrem para a realização de um colectivo não deixam, nesse marco de actuação, de ser indivíduos. Constroem é uma nova dimensão – o coletivo – no e pelo seu relacionamento, conjuntamente produtivo ou criador. E por isso eles são os portadores do colectivo, não enquanto multiplicidade de indivíduos isolados, mas precisamente enquanto actores/autores, realizadores, do colectivo (BARATA-MOURA, 1997, p.312.

A compreensão do papel do indivíduo na totalidade social nos permitirá analisar como

contrato de parceria público-privado assinado entre a Secretaria Municipal de Educação da

Cidade do Rio de Janeiro e o Instituto Ayrton Senna numa perspectiva que considera a

totalidade social não apenas como a soma das partes, mas como essas partes se conectam

internamente na construção da coletividade, onde os indivíduos são seres históricos dessa

totalidade social.

Assim, as políticas públicas na área educacional da cidade do Rio de Janeiro, através

do programa “Acelera Brasil”, que defendem avaliações e gestões planificadoras negam a

existência de um ser concreto, histórico e elegem um tipo de indivíduo ideal, deslocado da

totalidade social, que tem no discurso da cidadania o ordenamento social. Conforme Abreu:

Indivíduo e sociedade assumem, então, a aparência de entes distintos entre si, cujas mediações

e interdependência não são apreensíveis a partir da experiência imediata. Se a totalidade histórico-social é unilateralmente suprimida da existência individual, as complexas condições que permitem o desenvolvimento da individualidade ficam reduzidas às suas circunstâncias particulares e imediatas, assumindo a aparência de uma esfera autônoma de ação (ABREU, 2008, p.29-30).

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1.5 Cidadania burguesa: ordenamento social e negação da categoria totalidade.

Pensar a cidadania moderna desenvolvida na sociedade que se reproduz seguindo a

lógica do capital é buscar entender a passagem de uma concepção de indivíduo liberal

individualista para uma concepção de indivíduo liberal regulado pelas ações contratuais,

pautadas na positividade do direito. Conforme indica O’Donnell:

Historicamente, a cidadania desenvolveu-se conjuntamente com o capitalismo, o Estado Moderno e o Direito racional – formal. Isto não é casual: o cidadão corresponde exatamente

ao sujeito jurídico capaz de contrair obrigações livres (O’DONNELL, 1981, p.73).

Enquanto a concepção liberal individualista, ou liberalismo ético vitoriano (1840-

1880), vê no indivíduo o homem capaz de produzir seu próprio wellfare, sem maiores

intervenções do Estado, em função de se acreditar que seu próprio desenvolvimento é o de

todos da sociedade a que pertence, a receita do sucesso individual seria o mérito; por sua vez,

a concepção liberal de indivíduo regulado por um contrato com maior intervenção estatal, a

partir de 1880 (no caso inglês), vê que alguns indivíduos por seu maior “mérito” alcançaram a

riqueza, contudo, uma parcela significativa dos indivíduos vivia em condições degradantes e

ameaçavam com uma ruptura social; daí a necessidade de uma maior intervenção estatal para

garantir as condições mínimas de sobrevivência e atenuar os efeitos da pobreza crescente,

garantindo a manutenção das relações sociais existentes (BELLAMY, 1994).

Sob o manto da igualdade político-jurídica e de algumas conquistas que garantiriam as

condições mínimas de sobrevivência sob a forma exploratória do capital, o conceito de

cidadania obscurece as desigualdades econômicas (WOOD, 2003), uma vez que há uma

separação entre o momento econômico e o político-jurídico, o que não ocorrera, por exemplo,

à luz da história, na Atenas clássica quando da elevação dos camponeses à condição de

cidadãos, pois o fato de não ter que enriquecer nenhum tirano era condição de cidadania, ou

seja, o camponês não era obrigado pelo sistema de relações sociais vigentes a vender sua

força de trabalho.

A negação da categoria totalidade, muito bem desenvolvida por Kosik (1976),

encontra expressão justamente na separação entre essas esferas político-jurídica e econômica,

ou seja, buscam-se explicações e interpretações da sociedade apenas numa parte do todo,

como se essa parte fosse a representação do todo concreto ou como se a soma de partes

isoladas, sem conexões internas dessem origem ao todo concreto. Assim, nega-se a totalidade

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das relações sociais quando se analisa uma sociedade apenas pelo aspecto pseudoaparente da

cidadania como conquista da igualdade; entretanto, quando recorremos ao método de análise

marxista entendemos que a essência da cidadania é justamente a manutenção da desigualdade.

Trabalharemos com o conceito de cidadania, desenvolvida pela corrente liberal nos

últimos 200 anos, como transformação em direito positivo a garantia da manutenção dos

meios de (re)produção social da relação capital, cuja garantia fica a cargo de um ente exterior

aos indivíduos (o Estado)3 que funciona como o garantidor da manutenção da relação capital,

utilizando a força policial quando necessária à manutenção da “paz social” contra as

insatisfações do sistema de carências produzidas pela relação capital. Assim, são criados

direitos e deveres individuais que possibilitam o livre desenvolvimento do indivíduo privado e

proprietário, mas que no fundo atinge a todos os demais indivíduos.

Diante disso, faz-se necessário, na ótica burguesa liberal, levar cidadania aos “pobres”,

cujo ente público não conseguiria cumprir esse papel com eficiência. Nesse contexto, a noção

de cidadania funcionaria como um fator atenuador da ameaça de ruptura social por parte dos

indivíduos “pobres” através da elaboração de um conjunto de medidas que lhes garantissem

igualdade política e jurídica, associadas a algumas conquistas sociais. A cidadania ganhava

contornos de elemento de garantia do ordenamento e manutenção da “paz” social, mesmo

com disputas por hegemonias na construção de projetos societários, pois se davam dentro da

ordem do capital.

Abreu (2008), Tonet (2009) e Wood (2003) nos fornecem reflexões importantes para a

compreensão da noção de cidadania como selo legitimador das relações sociais do sistema

capitalista de produção, através da aceitação pelo próprio homem de um viver em condições

que são estranhas às suas próprias vontades, permitindo que seja subsumido à lógica do

capital. Nessa noção de cidadania, nosso trabalho encontra as formulações teóricas

necessárias à compreensão da cidadania proposta pelo Instituto Ayrton Senna, através do

programa educacional “Acelera Brasil”, e como suas propostas teórico-metodológicas e

pedagógicas contribuem na formação do processo hegemônico de reprodução do capital, sem

que disso decorra uma tomada de consciência da subsunção real dos indivíduos à relação

capital, pois as conquistas sociais difundidas no manual que constitui o “Acelera Brasil” (o

livro “A Pedagogia do Sucesso”) não são problematizadas sob ao ótica do conceito de

cidadania para além dos limites do capital.

3 A finalidade do Estado não é o benefício de uma capitalista específico, mas a manutenção da relação capital. Portanto,

haverá casos em as instituições políticas e jurídicas do Estado de orientação capitalista emitirão parecer favorável a um operário numa disputa trabalhista contra um empregador burguês. Mas o que chamamos a atenção é que mesmo se um

operário tem um ganho político-jurídico momentâneo, a relação capital está mantida. Cf. O’Donnel (1981).

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O método materialista histórico dialético nos possibilitará fazer um détour em torno do

conceito de cidadania e buscar compreender a realidade para além do que nos é apresentado

como dado verdadeiro da realidade, dissociado da totalidade concreta. Por exemplo, a ideia de

“pobreza” e “exclusão” quando tomadas apenas por indicadores econômicos, estão

representando uma parte da sociedade que não revela a totalidade das relações sociais ali

existentes. O conceito de cidadania quando questionada pelo pesquisador, no processo de

abstração da busca de seus determinantes e na volta ao concreto pensado, aparece não

somente como elo de igualdade jurídica e política, mas como um conceito que mascara as

desigualdades econômicas e as legitima ideologicamente, sem o uso da força.

1.5.1 A noção de cidadania e sua conexão com a noção de “responsabilidade social”

O conceito de cidadania abordado anteriormente, que tomaremos por referencial

teórico, está intimamente ligado à ideia de atenuação dos efeitos da “pobreza” promovida pelo

empresariado em geral, mas nos ateremos ao caso brasileiro, na perspectiva da

“responsabilidade social”.

Nosso recorte temporal, para falar do exercício da “responsabilidade social” por parte

do empresariado capitalista, tem início na década de 1990 (durante a Reforma Gerencial) e

continua durante os governos Lula (2003-2010) inscrita num movimento necessário de se

pensar não só a “responsabilidade social”, mas o movimento de desresponsabilização do

Estado na prestação de alguns serviços públicos, principalmente na área social,

destacadamente na educação.

Tomaremos por referencial teórico a ideia do movimento da “responsabilidade social”

como uma forma de organização do empresariado em torno da conquista de elementos

fundamentais para a manutenção da hegemonia das organizações empresariais, visando maior

atuação dessas organizações na sociedade civil. Essa maior penetração do empresariado na

sociedade civil se dá através de instituições orgânicas que são responsáveis pela disseminação

das concepções hegemônicas do empresariado na sociedade civil:

[...] propagação e disseminação dos valores relativos à unidade de conduta ética e social que as empresas devem possuir, interna e externamente, vêm sendo assumidas por um conjunto de instituições consideradas catalisadoras e orientadoras das ações sociais do empresariado [...] Tais instituições assessoram , motivam, analisam, mensuram o conjunto de ações no campo da “responsabilidade social empresarial” (CÉSAR, 2010, p.185).

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Diante dessa constatação, o empresariado tem entrado com força nas escolas públicas,

sob o rótulo da “responsabilidade social”, buscando a construção de uma concepção

hegemônica de “inserção cidadã” e dando novos contornos à ideia de sociedade civil, como

local harmonioso de combate à “pobreza” com vistas evitar quaisquer possibilidades de

ruptura social por parte dos desfavorecidos na distribuição da riqueza.

Olharemos para a questão da “responsabilidade social” como um arranjo dos

intelectuais orgânicos da classe empresarial na promoção de um diferencial competitivo das

empresas no mercado, através da adoção de selos de qualificação e “comprometimento

ambiental”. César (2010) e Paoli (2003) nos fornecem os elementos analíticos do percurso da

ação social das empresas no Brasil e como essa ação vem acompanhada do discurso da

necessidade de se levar a cidadania aos “pobres” (igual ao discurso do Instituto Ayrton

Senna).

Essas “empresas cidadãs” têm como foco principal a acumulação de mais-valia como

quaisquer outras empresas capitalistas; logo, sua entrada na área social, destacadamente na

educação, teria a função de promover a maior penetração do empresariado na formação e

conformação intelectual dos alunos de escolas públicas atendidos pelos programas

educacionais que são patrocinados pelas empresas com “responsabilidade social”.

Prosseguiremos destacando a importância de se realizar uma distinção entre o espaço

público e os interesses privados nesse movimento de “combate à miséria”, onde a cidadania

recebe um novo significado: identificação da “solidariedade” partindo de indivíduos e

empresas altruístas.

A palavra cidadania, circulando como linguagem conotativa de civilidade e integração social, e, portanto aparecendo como uma alternativa de segurança e ordem incapaz de ser fornecida pelos tradicionais modos autoritários de agir e pensar esses problemas, gerou na opinião pública uma demanda por responsabilidade apenas secundariamente dirigida ao governo. (PAOLI, 2003, p. 377).

Algumas noções ganham corpo com a atuação incisiva do empresariado quando ocupa

o lugar do Estado na prestação do serviço público, principalmente a noção de “capital humano

rejuvenescido” pela noção de “capital social”. Essa noção é fundamental para empresariado

com “responsabilidade social” na difusão da ideia em torno de uma sociedade civil como

local de cooperação e harmonia na luta contra a “miséria”, levando cidadania aos “pobres”.

A noção de “capital humano” já não passa somente pelo investimento em

escolaridade e treinamento, mas também pelo envolvimento do candidato a uma vaga no

mercado de trabalho (formal ou informalmente) com algum tipo de ações voltadas à

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solidariedade e voluntariedade; já os que estão inseridos no mercado de trabalho, com a

possibilidade de perder sua vaga, envolvem-se, “voluntariamente”, em programas

filantrópicos patrocinados pela instituição que trabalham. (SOUZA, 2008).

Para analisarmos essa mudança de agenda do capital de sua face neoliberal, marcada

pela Reforma Gerencial do Estado brasileiro (desresponsabilização do Estado pela questão

social) para a face do capital com “responsabilidade social” chamada por seus ideólogos de

“Terceira Via”, utilizaremos as reflexões do coletivo organizado por Lúcia Maria Wanderley

Neves (2005) para pensar a forma metabólica encontrada pelo capital para se manter

hegemônico diante do aumento da pobreza e das crescentes insatisfações dos “pobres” em

função do processo de esvaziamento da atuação do Estado na assistência social.

O subsídio teórico que esse coletivo de pesquisadores coordenados por Lúcia Neves

nos dá está assentado principalmente na percepção da manutenção dos pressupostos do

neoliberalismo no novo pacto social proposto pelos ideólogos da “Terceira Via” que contaria

com incrementos de medidas paliativas para aliviar os efeitos da “pobreza” e manter a coesão

social. Essa nova face do capitalismo identificada pelo coletivo como “Neoliberalismo da

Terceira Via” seria um “refinamento teórico e prático” da doutrina neoliberal. (NEVES,

2010b).

1.5.2 Identificação liberal do conceito de cidadania com a democracia enquanto categoria

política e jurídica

Para fazer a crítica ao conceito de cidadania enquanto igualdade política e jurídica,

seguiremos na trilha de Ellen Wood (2003), defendendo a ideia de que o direito de cidadania

só ganha sentido quando afeta, na democracia moderna, as desigualdades econômicas, ou

seja, quando o indivíduo-cidadão se torna livre da obrigatoriedade da venda de sua força de

trabalho para enriquecimento de um tirano qualquer.

O falseamento da realidade produzida pela ciência burguesa procura identificar

democracia com sufrágio (emancipação política) e igualdade positivada no direito. Entretanto,

assim como Wood (2003) nos indica, enquanto a relação capital prevalecer como objetivo

primário dessa democracia formal (igualdade política e jurídica) é impossível a ocorrência da

democracia em seu sentido stricto. Nessa forma de pensar a democracia e identificá-la com o

conceito de cidadania, o indivíduo não é o foco principal: não há uma substituição da lógica

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do mercado por uma nova lógica de relações sociais em que o indivíduo se vê livre da

obrigatoriedade de vender sua força de trabalho, na forma de subsunção real à relação capital

como forma de regulação da vida social.

Tomaremos como referencial teórico para analisar a categoria democracia as

concepções de Coutinho (2008), Wood (2003) e Tonet (2005), que a identifica como o

momento em que “a democracia é soberania popular” (COUTINHO, 2008, p. 151), é a

superação da alienação e a consequente “tomada de consciência por parte dos indivíduos de

sua subsunção real ao capital e a superação dessa lógica econômica de regular a vida dos

indivíduos em sociedade” (WOOD, 2003, p. 248); seria a liberdade humana que “supõe o

domínio consciente do indivíduo sobre o processo de autoconstrução genérica e sobre o

conjunto do processo histórico, significando a superação da alienação”. (TONET, 2005, p.

15).

A categoria democracia é o momento em que o indivíduo passa a ser o objetivo

primeiro das políticas públicas organizadas pelo Estado e momento da superação da alienação

do processo de autoconstrução do homem e sua subsunção ao capital. Esse posicionamento

epistemológico nos ajudará a compreender, através do método marxista, a incompatibilidade

entre o conceito de cidadania e a categoria democracia (entendida como a liberdade plena),

que tem como ponto nefrálgico “o próprio direito de propriedade que não é negado por Marx

e pelos marxistas, mas sim requalificados: para que esse direito se torne efetivamente

universal [...]”. (COUTINHO, 2008, p. 58-59).

Em função do exposto, entendemos que a lógica do capital é incompatível com a

ampliação do direito de cidadania para a esfera econômica uma vez que toca no ponto

essencial para a reprodução do capital enquanto relação social: propriedade privada e

exploração. Os autores citados nos conduzem à reflexão que a democracia só se daria numa

sociedade cuja emancipação humana (a superação da alienação) é o fio condutor das relações

sociais, cuja finalidade seria a liberdade do homem em relação ao capital.

Nossa intenção não é cair numa análise teórica descolada da realidade, numa discussão

teórica por si, portanto, pretendemos uma análise do material didático-pedagógico utilizado

pelo programa “Acelera Brasil”4 objetivando entender os limites entre a concepção de

cidadania burguesa e a categoria democracia que muitas vezes são identificadas como

sinônimos, no programa “Acelera Brasil”, e suas limitações à circunferência do capital.

4 Apostilas de orientação didático-metodológica e matrizes de exercícios.

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1.6 Terceiro Setor e sua função ideológica: “hiato” entre o Estado e o mercado

A “Terceira Via” seria identificada por intelectuais ligados à socialdemocracia como

um caminho alternativo ao neoliberalismo, embora reconheçam a importância das reformas

neoliberais. Essa ideologia da “Terceira Via” entende que a sociedade está dividida em

setores independentes e incomunicáveis entre si. Nessa perspectiva, teríamos o primeiro setor

identificado como o Estado; o segundo setor seriam as organizações do mercado; enquanto

que o “Terceiro Setor” seria composto por uma gama de organizações da sociedade civil que

não teriam fins lucrativos e nem caráter governamental. Identificado muitas vezes como a

sociedade civil em si, o “Terceiro Setor” teria por função ocupar os espaços deixados pelo

Estado no trato da questão social e que não interessassem ao mercado.

O teórico que nos tem dado o suporte dos conceitos envolvendo a “Terceira Via” é o

sociólogo inglês Anthony Giddens (2001a, 2001b) que centra suas análises na conciliação de

uma economia dinâmica num mundo globalizado, gerenciamento estatal em detrimento de um

burocratismo pouco eficiente (ganhando destaque a ideia de qualidade, cuja fonte de

inspiração seria o mercado), descentralização e solidariedade social.

Giddens (2001b) aponta as reformas neoliberais como fundamentais para o processo

de modernização de alguns países, mas destaca que o fato dos neoliberais terem ignorado os

problemas sociais aumentava o risco de uma ruptura social, o que causaria sérios problemas,

inclusive, para o pleno desenvolvimento do mercado. Em função do crescente aumento da

pobreza e das mazelas sociais, o autor defende a tese de que o Estado “pouco eficiente”

deveria passar para o mercado os serviços que este tivesse interesse em executar e transferir

para outra via alternativa de execução dos serviços públicos, cuja marca principal seria a

eficiência e o não comprometimento com o lucro, aqueles serviços que o mercado rejeitasse.

Dessa forma, a prestação dos serviços públicos deveria ser executada por uma via

alternativa: A “Terceira Via”. Essa “nova” via de prestação de serviços públicos se

materializa em organizações do chamado “Terceiro Setor” por estarem mais aptas a dar

respostas rápidas e de maior qualidade nos serviços prestados. Essas organizações do

“Terceiro Setor” teriam a capacidade de atrair investimentos não só do poder público, mas

também do empresariado movido pela “responsabilidade social”, fazendo girar a roda do

“capital social”.

A questão central, para Giddens, é a igualdade de oportunidades e não a de renda,

onde os incentivos fiscais, a noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital

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social”, “flexibilidade”, “empreendedorismo”, “qualidade total” seria fundamental para o

crescimento econômico. Essa igualdade de oportunidades, ou dos pontos de partida,

defendida por Giddens passa pelo estabelecimento de parcerias entre o Estado e organizações

do chamado “Terceiro Setor”. É importante ressaltarmos que para Giddens, a “Terceira Via” é

uma via do capitalismo oposta ao neoliberalismo e que não guardam relações: seriam pactos

diferentes.

Bresser Pereira5 nos fornece noções centrais a respeito das parcerias público/privadas

(PPP), da Reforma Gerencial do Estado brasileiro e a noção de “publicização”, o que nos

servirá de referencial teórico para análise do movimento real das PPPs no decorrer dos

últimos 15 anos, utilizando o método de análise marxista com o fulcro de passear do abstrato

ao concreto e vice-versa com a finalidade de compreender a PPP, como adaptações do

contrato social do sistema capitalista que passa por um processo de reestruturação desde a

década de 1970 e ganha força a partir da década de 1990 em meio à devastação social

provocada pelo neoliberalismo.

A celebração de contratos de parceria público-privada entre o ente público e

Organizações Privadas Sem Fins Lucrativos e Não Governamentais (ONGs) para prestação de

serviços públicos seria definida como a transferência de recursos públicos para entidades

privadas executarem o serviço. A ideia base do estabelecimento desses contratos seria a

descentralização (Estado Gerenciador das relações sociais vigentes). A Reforma Gerencial se

definiria pela substituição do burocratismo pela administração pautada em resultados e na

qualidade. Já a publicização é definida como a “transformação de serviços não exclusivos de

Estado em propriedade pública não estatal e sua declaração como organização social”.

(BRESSER PEREIRA, 1998, p. 246).

Essa “noção de um Terceiro Setor” nos permitirá compreender os elementos que

levam à legitimação do Instituto Ayrton Senna como instituição desse setor e, portanto, como

organização capaz de estabelecer PPP com o Estado na prestação do serviço público,

principalmente na área social. Baseada nessa concepção, a Secretaria Municipal de Educação

do Rio de Janeiro chegou à constatação que o Instituto Ayrton Senna seria mais eficaz na

prestação do serviço público nos projetos de aceleração da aprendizagem para alunos com

defasagem idade/série do ensino fundamental.

5 Bresser Pereira é ex-ministro do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e foi responsável pela execução do

Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado promovida durante a década de 1990.

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1.6.1 Inconsistências do termo “Terceiro Setor” e seu uso ideológico em favor da

manutenção do capital enquanto relação

Nossas análises envolvendo as parcerias público-privadas entre o Estado e as

organizações sem fins lucrativos do chamado “Terceiro Setor” identificam nessa noção uma

importante função ideológica na consolidação da nova fase de reestruturação do sistema

capitalista. Dessa forma, nos sustentamos em autores (FONTES, 2010; MONTAÑO, 2002,

2008; NEVES, 2005, 2010a, 2010b; PERONI, 2006, 2008) que fizeram uma crítica

pormenorizada ao conceito de “Terceiro Setor”, indicando seu caráter ideológico e

instrumental ao capital.

A minuciosa análise de Montaño (2002) nos permite identificar o porquê do uso do

termo “Terceiro Setor” apresentar inconsistências teóricas partindo da negação da totalidade

social, uma vez que divide o todo social em partes autônomas e incomunicáveis, depois

analisando sua funcionalidade à reestruturação do capital a partir da década de 1970, numa

forte ofensiva contra o trabalho e, por fim, trazendo à ordem do dia a discussão em torno do

caráter “não governamental” e “sem fins lucrativos”.

As críticas feitas por Montaño ao analisar cada item citado anteriormente, nos

fornecem o arcabouço teórico para desenvolver a pesquisa em torno do Instituto Ayrton Senna

(organização se intitula como uma ONG pertencente ao “Terceiro Setor”). Nossa análise parte

do debate envolvendo a generalidade dada ao termo “Terceiro Setor”, no qual o IAS se diz

pertencente em seu sítio oficial, onde várias organizações com atividades e finalidades

diversas estão inseridas. Discutiremos como esse conceito de “Terceiro Setor” se apresenta

numa perspectiva que nega as divergências classistas e nega o comensalismo existente entre o

Estado, mercado e a sociedade civil, como se um vivesse sem ser perpassado pelo outro,

como se os interesse de um fosse totalmente antagônicos ao do outro.

Prosseguimos analisando como surge o Instituto Ayrton Senna, dentro de um contexto

de reestruturação da sociedade capitalista, a partir da década de 1970, com a tempestade

neoliberal que desmontou o wellfare nos países industrializados e aumentou a concentração

de renda nos países pobres. Nesse contexto histórico abordaremos o surgimento da ideia de

um “Neoliberalismo da Terceira Via”, defendida por intelectuais dentro dos próprios

governos neoliberais, com a finalidade de atenuar os efeitos da pobreza através da entrada de

ONGs na prestação de serviços em que o Estado era “ineficaz” ou o mercado não

demonstrasse interesse.

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O surgimento do Instituto Ayrton Senna e seu programa educacional de aceleração da

aprendizagem (“Acelera Brasil”), cuja principal promessa é a maior eficiência e economia do

dinheiro “mal” gasto pelo Estado na prestação do serviço público, será analisado dentro desse

processo histórico vivido pelo sistema capitalista, no Brasil, ganhando destaque a partir da

década de 1990. Nosso debate passa pela identificação do conceito de eficiência educacional

com eficiência produtiva de mercadorias, que requer o mínimo gasto e tempo possível na

produção.

Em seguida problematizaremos a questão de o Instituto Ayrton Senna ter o caráter

“não governamental”, uma vez que os contratos de PPP assinado com a Secretaria Municipal

do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o instituto são firmados com base no artigo 24º da lei de

licitações (lei 8666/93) que isenta do certame licitatório a contratação da ONG, o que pode

levá-la a incorporar o discurso do governo contratante como verdade absoluta nos programas

educacionais, sob pena de perder os contratos de PPP.

Já a característica de “não possuir fins lucrativos” será problematizada pensando as

fontes de financiamento do programa educacional “Acelera Brasil”: governo e principalmente

o empresariado (de ramos de atuação diversos). Não podemos nos esquecer da questão

envolvendo a venda de materiais didáticos em larga escala para as prefeituras e os Estados.

Além disso, o Instituto Ayrton Senna, como qualquer organização necessita de recursos para

manter seus quadros em pleno funcionamento; logo, quanto mais recurso obtiver, melhor para

o instituto e para seu parceiro filantrópico privado que obterá maior a isenção de impostos

pagos e maior lucratividade com a associação das marcas de suas empresas com a

“responsabilidade social”, o que representaria um diferencial competitivo no mercado.

Por fim, propomos uma análise empírica do material didático e pedagógico utilizado

no programa “Acelera Brasil” e, em conclusões preliminares, constamos que material

utilizado, composto basicamente por apostilas, apresenta como soluções à questão social que

está posta, a necessidade do desenvolvimento das noções de “capital humano rejuvenescido”,

inclusive com “capital social”, através da assinatura de um novo pacto social, nos termos

defendidos por Giddens (2001b): investimento em “capital humano”, responsabilização

individual e empresarial, além do desenvolvimento da noção da solidariedade no combate às

ameaças desse novo pacto, identificadas como a “pobreza” e a “exclusão”.

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1.7 Mudanças de perspectivas das ONGs no processo de reestruturação do capital: de

articuladoras e captadoras de recursos para os movimentos sociais de enfrentamento ao

Estado à composição com o ente público na forma de parceria público-privada

Entendemos que é importante a compreensão da mudança de atuação das ONGs que

durante as décadas de 1960-70 atuavam na captação de recursos para os movimentos sociais

que atuavam na luta por direitos humanos durante o período da ditadura militar. A partir da

década de 1970 ganham destaque os movimentos sociais voltados para o acesso ao consumo

(acionistas), os que são voltados para questões pontuais de gênero, sexualidade, etnia (pós-

modernos) e os que têm uma perspectiva de emancipação humana (marxistas).

Embasados nas análises de Montaño & Duriguetto (2011) sobre as mudanças do papel

das ONGs e dos movimentos sociais, teremos o apoio teórico para compreender a fusão dos

movimentos acionista e pós-moderno numa perspectiva culturalista de negação da categoria

totalidade. Esses movimentos sociais de cunho culturalista das décadas de 1960 a 1980

tinham nas ONGs seus principais braços captadores de recursos e vinculação ideológica.

Muitas dessas ONGs tinham o papel de enfretamento ao Estado, juntamente com os

movimentos sociais na cobrança pelo atendimento de suas questões pontuais, tais como defesa

dos direitos dos negros, das mulheres, de valorização cultural. É interessante destacar que

esses movimentos sociais com ações focalizadas, compensatórias e particularistas de

valorização cultural, de forma geral, recusam à composição sindical como forma de luta

representativa dos interesses da classe trabalhadora numa perspectiva de totalidade das

relações sociais na construção de uma nova hegemonia.

Fontes (2010) numa leitura perspectiva do papel desempenhado pelas ONGs no raiar

do século XXI nos indica que o processo de “onguização”6 possibilitou a transformação da

militância dos movimentos sociais em funcionários dessas ONGs. Nesse contexto, Virginia

Fontes analisa a penetração do empresariado em áreas sociais estratégicas, como a educação,

via financiamento de ONGs que funcionariam como operadoras de um consenso em torno da

suposta “má qualidade” do serviço prestado diretamente pelo estado, quando de sua

associação em parcerias público-privadas para a execução de serviços públicos, dando uma

face menos cruel ao capitalismo em função da atuação empresarial. De acordo com Fontes

(2010, p. 257), “[...] o processo infletiu em um processo da cidadania da miséria, convertendo

6 Cristalização dos movimentos sociais em ONGs.

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as organizações populares em instâncias de ‘inclusão cidadã’ sob instância governamental e

crescente direção empresarial”.

Essa discussão envolvendo os “Novos Movimentos Sociais”7 nos fornece o suporte

teórico para debater a atuação do Instituto Ayrton Senna como organização “não

governamental” que capta recursos junto a empresários de ramos de atividades diversificados

e compõe com o ente público na prestação do serviço público, rejeitando a composição

sindical de enfrentamento ao Estado. Esse movimento histórico de criação e influência das

ONGs nos movimentos sociais da sociedade civil, ao longo da história do Brasil nos últimos

40 anos, nos ajuda a refletir sobre a necessidade de se pensar a atuação de cada ONG dentro

de seu contexto histórico de formação; caso contrário, corremos o risco de taxar todas as

organizações não governamentais da sociedade civil como braço ideológico do empresariado

em seus diversos ramos de atuação. Portanto, saturar de historicidade a atuação da ONG que é

o objeto de nosso estudo (Instituto Ayrton Senna) é condição para não cairmos em

generalizações apressadas e reducionistas ao igualarmos esse Instituto vinculado ao meio

empresarial com organizações da sociedade civil que ainda mantém o caráter combativo à

forma de organização estrutural da sociedade capitalista e sua face mais destruidora das forças

humanas.

1.8 Rejuvenescimento da “noção de Capital humano”: ofensiva do capital ao trabalho e

perpetuação das desigualdades sociais

A “noção de capital humano” que adotaremos como referencial teórico é aquela

apresentada por Gaudêncio Frigotto em suas diversas publicações, cuja ênfase não é a

pseudoteoria apresentada a partir da década de 1950, onde a “noção de capital humano” era

definida em linhas gerais como uma noção onde os “investimentos em educação redundariam

taxas de retornos sociais e individuais”. (FRIGOTTO, 1986, p. 136). Nesse período histórico,

com o perigo da expansão do socialismo para outras nações latino-americanas, como ocorrera

em Cuba (1959), a “noção de capital humano” era apresentada como forma de mobilidade

social e desenvolvimento econômico de forma geral de uma nação.

7 Chamamos de “Novos Movimentos Sociais” àqueles que surgiram nas últimas quatro décadas.

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Contudo, a “noção de capital humano”, que adotaremos como referencial teórico,

sustenta-se nas análises de Gaudêncio Frigotto (2011) desenvolvidas nos últimos 40 anos,

num contexto de reestruturação do sistema capitalista de produção, desde a década de 1970,

onde essa noção incorpora mistificações com as noções de “sociedade do conhecimento”,

“qualidade total”, “pedagogia das competências” e “empregabilidade”, “empreendedorismo”

e “capital social”.

Essas novas roupagens da “noção de Capital Humano” nos fornecem os elementos

utilizados para a compreensão das reformas que a educação tem passado nos últimos 40 anos

e a concepção de formação humana que a acompanha. Essas mistificações citadas

anteriormente nos fornecem a base de discussão de como o Instituto Ayrton Senna, com o

projeto de aceleração da aprendizagem (“Acelera Brasil”), tem se apropriado dessas noções

como ideologias que atendem ao mercado e ao aumento da exploração do trabalho.

A noção de sociedade do conhecimento tem sido bandeira de que a tecnologia é o

caminho para a superação da divisão de classes. Essa concepção nos interessa para iniciarmos

o debate envolvendo a construção de um consenso em torno da ideia que a tecnologia é cada

vez mais propriedade privada de alguns, uma ofensiva contra o trabalho à medida que os

trabalhadores remanescentes estão cada vez mais reféns da informalidade.

Outro pilar de sustentação do programa “Acelera Brasil” é a “noção de qualidade

total” que tem sido difundida entre os profissionais da educação, onde a “qualidade” do

trabalho pedagógico é medida em razão da quantidade de alunos aprovados e “acelerados” no

menor tempo possível e com o menor custo possível. Nesse particular, entendemos que cabe

uma discussão da identificação da formação humana dos indivíduos com a produção de

mercadorias.

As noções de “empregabilidade” e “empreendedorismo” são incorporadas pelo

material didático (principalmente as apostilas) nos dando suporte para uma discussão mais

profunda em torno da ideia da necessidade do trabalhador investir no próprio negócio, uma

vez que a noção do emprego estaria em crise e os poucos trabalhadores empregados deveriam

ter a flexibilidade que o mercado exige. Cabe destacar que numa análise preliminar das

apostilas do programa “Acelera Brasil 2” e “Acelera Brasil 3”8, foi observado que nem sequer

há menção da questão do direito ao trabalho e às contradições inerentes às relações sociais

8 O programa “Acelera Brasil 2” têm o objetivo de acelerar os alunos com defasagem série /idade e corrigi-la ainda no segundo segmento do ensino fundamental. Já o “Acelera Brasil 3” tem o objetivo de corrigir o fluxo série /idade promovendo o aluno ao primeiro ano do ensino médio.

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que o perpassam, destacando apenas as transformações que o mundo do trabalho tem passado

e a necessidade de “adaptação” aos “novos tempos”.

Essa discussão passa pela difusão da ideia funcionalista, que interessa às empresas que

financiam o programa “Acelera Brasil”, cujo objetivo é naturalizar a ideia do fim do trabalho

por se constituir numa etapa inevitável da história da humanidade, numa análise a-histórica.

Nesse sentido, pensar a categoria trabalho como processo em que o homem produz e se

modifica (MARX, 1983) nos permite compreender sua função como princípio educativo

fundamental que objetiva esclarecer que o trabalho é necessário à sobrevivência e deve ser

executado por todos os homens9.

Compreender essa categoria e levá-la à discussão nas escolas, que é uma instituição

mediadora, é um importante passo na conscientização da comunidade escolar no que diz

respeito ao caráter exploratório que o capital atribui ao trabalho e à criação de focos de

resistência ao sistema capitalista.

Por fim, a “noção de pedagogia das competências” funciona como a coluna vertebral

do programa “Acelera Brasil”, uma vez que tem por pressuposto estruturante a

responsabilidade individual do professor no ato de buscar as competências exigidas pelo

mercado para “fazer o aluno dar certo” (OLIVEIRA, 2005).

Essa “noção de pedagogia das competências” presume que o professor esteja apto às

necessidades postas pelo mercado, principalmente através da busca de qualificação

profissional. A esse respeito, Ramos (2006, p. 36) nos indica que “ao se falar de qualificação

profissional há de se considerar sua multidimensionalidade e as tendências do trabalho frente

à nova materialidade produtiva”. Em outras palavras, é o capital impondo formas de

intensificar a exploração da força de trabalho, inclusive na carreira do magistério.

Essa intensificação da exploração da força de trabalho ganha destaque no debate

teórico à medida que tem levado aos professores a assumirem o processo pedagógico, dentro

dessa nova configuração do capital, isoladamente dos demais profissionais da mesma

categoria, através de premiações em função das metas estabelecidas pelas instituições, como o

Instituto Ayrton Senna, que entendem que defendem o trinômio educação-treinamento-

produtividade como fator essencial para se produzir mais-valia realtiva para capital.

(FRIGOTTO, 2011). Nesse caso, o Instituto Ayrton Senna, em seus referenciais teóricos na

construção do programa de aceleração da aprendizagem defende essa política de premiações

individuais e esvaziamento das negociações coletivas.

9 Os ensinamentos passados através das gerações têm naturalizado algo que não é natural: a existência de homens que vivem

do trabalho de outros homens.

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Na discussão envolvendo a “pedagogia das competências”, o Instituto Ayrton Senna,

considera competente o professor que melhor se adaptou à necessidade do mercado, em

função do maior ou menor quantidade de aprovações. Assim, com o objetivo de conquistar

premiações individuais, os professores se desdobram nas múltiplas dimensões com o fim de

atingir as metas estabelecidas por um ente estranho ao processo pedagógico.

Essa discussão é fundamental em nosso trabalho à medida que as “noções” abordadas

anteriormente ajudam as instituições comprometidas com o capital na construção daquilo que

Neves (2005) denominou de uma “Nova Pedagogia da Hegemonia”. Nosso debate envolve o

programa “Acelera Brasil” como expressão da “noção de Pedagogia das Competências”,

através do processo de intensificação da exploração do professor com a desvalorização dos

salários e imposição do atingimento de metas exteriores, idealizados por instituições que

planificam os indivíduos e desconsideram os processos histórico-sociais de formação.

No plano pedagógico escolar e da formação profissional, a adequação reprodutora das relações sociais do capitalismo tardia dá-se pelo deslocamento da luta por uma educação básica e unitária (síntese do diverso), pública e universal, para a concepção e prática pedagógica centrada na noção de competência, oriunda de um neopragmatismo e reificadora do individualismo. (FRIGOTTO, 2009, p. 68).

1.8.1 “Capital social”: noção de sociedade civil voltada para a cooperação e atenuação dos

efeitos da pobreza

Robert Putnam10

em seus estudos dos governos regionais da Itália moderna concluiu

que as associações locais têm um papel crucial nas estratégias de desenvolvimento e de

combate à pobreza, sendo, portanto, necessário o fortalecimento dessas associações locais

também nos Estados Unidos, pois “contribuem para a eficiência e estabilidade do governo

democrático [...] incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito

público”. (PUTNAM, 2002, p. 103).

Esse autor é fundamental para a compreensão da sociedade civil como local de

solidariedade e desenvolvimento de uma nova consciência cívica, pautada na responsabilidade

individual e social, inclusive do empresariado que atuaria diretamente no financiamento de

políticas locais e fragmentadas de alívio da pobreza e manutenção da coesão social.

10 Robert Putnam foi assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e contribuiu para o avanço dos debates envolvendo o capital social e o poder local. O partido democrata estadunidense, durante o governo Clinton, procurou atenuar

os problemas sociais que se multiplicaram durante o período de instalação do neoliberalismo na década de 1980.

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Lúcia Neves (2005) nos indica que as ideias desse autor se constituíram em elementos-

chave para a compreensão da formação da “Nova Pedagogia da Hegemonia” baseada na

possibilidade de se criar um capitalismo menos cruel e mais preocupado com as causas

humanas.

Outro autor que nos fornece importante referencial teórico a respeito da “noção de

capital social” é Francis Fukuyama que centra suas análises na ideia de capitalismo

democrático através da aproximação e complementaridade entre as esferas políticas e

econômicas com a finalidade de diminuir a possibilidade de ruptura da coesão social e

garantir o desenvolvimento das economias capitalistas num mundo cada vez mais

globalizado. Nesse contexto, fez-se necessário investir em uma sociedade civil forte que

pudesse assegurar “estruturas familiares fortes e estáveis e instituições sociais perduráveis”.

(FUKUYAMA, 1996, p.16). Esse autor nos ajuda a pensar a ideia da responsabilidade social

do empresariado. Diante dessa constatação, abrem-se as portas para a entrada das chamadas

empresas cidadãs na execução e elaboração de políticas públicas na área educacional.

A “noção de capital social” foi amplamente discutida por MOTTA (2007) que

identifica a funcionalidade dessa noção à manutenção do capital à medida que procura ocultar

a relação classista que perpassa a sociedade civil e o Estado, trazendo consigo uma noção de

sociedade civil como local de cooperação e não de disputas por projetos societários entre

classes antagônicas. Essa concepção de sociedade civil será analisada como ideologia que

vêm se tornando hegemônica em torno da necessidade de difusão da ideia de um

“empresariado responsável” no tocante a financiamento filantrópico de serviços sociais e do

Estado “incapaz” de prestar o serviço público de qualidade.

Para tanto, dentro dessa “noção de capital social”, a ideia de solidariedade e civilidade

(tem funcionado como diferencial competitivo na conquista de um emprego) que emoldura a

penetração do empresariado, em campos antes restritos ao Estado, sob o manto da vinculação

de sua marca à “responsabilidade individual” e da “responsabilidade social”. Nossa análise,

busca no détour, os determinantes que têm permitido ao Instituto Ayrton Senna, com seu

projeto de aceleração da aprendizagem, se tornar um importante operador do capital nas

escolas ligado a intelectuais orgânicos do empresariado, à medida que fica refém de sua fonte

de financiamento, com a difusão em seus materiais didáticos e concepções pedagógicas dessa

identificação de sociedade civil como local de solidariedade, ocultando o caráter exploratório

do capital e criando um consenso em torno da ideia de capitalismo com justiça social.

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1.9 Programa “Acelera Brasil”: a ressurreição de Comênius

Adotaremos como referencial teórico para trabalhar especificamente o programa

“Acelera Brasil” as concepções pedagógicas do professor João Batista Araujo e Oliveira,

intelectual ligado ao primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, onde exerceu o cargo de

secretário executivo do Ministério da Educação e integrou quadros de organismos

internacionais como o Instituto de Desenvolvimento Econômico do Banco Mundial e a

Organização Internacional do Trabalho.

O programa de aceleração da aprendizagem idealizado por esse intelectual identifica o

problema da repetência e da distorção série-idade como uma questão de “má qualidade do

ensino público”. Pensando a superação desses problemas, João Batista Araújo e Oliveira,

escreve o livro “a Pedagogia do Sucesso”, no formato de uma cartilha, ensinando como fazer

um “aluno dar certo”.

As bases de sustentação teórica da “Pedagogia do Sucesso” que inspirou a criação do

programa “Acelera Brasil” está calcada nos seguintes pilares:

a) Novo papel do professor;

b) O gerenciamento deve ser profissional;

c) A solução está na aplicação dos métodos e técnicas pedagógicas

estabelecidas pelo programa de aceleração;

d) O aluno é o foco;

e) Fontes de inspiração: concepção pragmática da educação focada nos

resultados;

f) O programa é político;

Analisaremos cada item apontado acima como solução para as “causas do fracasso do

ensino público”, problematizando os seguintes aspectos:

a) O professor é tomado como um “sacerdote” que, tido como indivíduo

egoísta e isolado da totalidade social seria capaz de resolver os problemas do

“fracasso da educação pública”, independentemente de quaisquer

circunstâncias históricas, econômicas e sociais, cujo objetivo é “fazer o aluno

dar certo”. (OLIVEIRA, 2005, p. 76). Bastaria ter mais “dedicação e boa

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vontade” e aplicar o que está previsto no material selecionado pelo programa

de aceleração. Nossa análise se foca na crítica que vê no professor cada vez

mais um mero executor de atividades previamente estabelecidas, numa

concepção idealizada de sujeito pelos fornecedores do material didático. É a

clara separação de quem concebe e quem executa as atividades pedagógicas.

b) O mercado é o modelo de gerenciamento eficaz do Instituto Ayrton

Senna. É justamente nessa concepção de que a solução está fora do âmbito

público que “as empresas cidadãs” têm entrado com força no financiamento de

projetos desenvolvidos por ONGs, o que nos permite fazer a crítica do

comprometimento teórico-metodológico dessas organizações com as empresas

que fazem a filantropia e a crítica ao fato da isenção de impostos, em função da

filantropia empresarial, permitir aos “empresários cidadãos” decidirem a

localidade do município aonde o dinheiro que viria da arrecadação

compulsória dos impostos será investido.

c) Segundo o autor da “Pedagogia do Sucesso”, o grande segredo para

acabar com o fracasso é o cuidado que o professor tem que ter em seguir

rigorosamente a método, a teoria e as técnicas apontadas no livro, pois “a

criatividade é essencial para o êxito de um programa de aceleração. No

entanto, o fundamental é fazer bem feito o que está prescrito no programa e

não desviar-se do que está previsto [...]”. (OLIVEIRA, 2005, p. 13). Nossa

análise se centrará na idealização de um modelo único de ensinar tudo a todos,

atomizando os indivíduos que são concebidos numa perspectiva a-histórica e

positivista que identifica o caminho percorrido pautado no rigor metodológico,

cuja neutralidade permitiria ao pesquisador chegar à verdade através da

aplicação correta das técnicas11

.

d) O fato de o aluno ser considerado o foco do trabalho pedagógico

desenvolvido pelo “Programa Acelera Brasil”, nos leva a questionar a

identificação da aprovação por si só como a conclusão que um “aluno deu

certo”. A esse respeito, Oliveira (2005, p. 135) nos afirma que “o aluno não

aprende porque a escola não ensina de forma adequada”. Uma questão que

11 Nossas anotações das reflexões desenvolvidas no grupo de estudo “Pesquisa em educação”, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, coordenada pelo professor Dr. Roberto Leher.

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levantamos é a seguinte: já que o programa de aceleração foi estruturado para o

aluno dar certo, perguntamos quem é esse sujeito idealizado, planificado,

chamado aluno? Problematizaremos a que tipo de indivíduo essa política

educacional é destinada, partindo de uma concepção de um indivíduo como ser

social por excelência e não como sujeitos isolados que um programa

educacional desconsidera suas condições históricas, culturais e o acaso.

e) “[...] não há espaço no programa, para condescendência, para tolerância

para tarefas mal feitas, para meia-culpa, para deveres de casa não realizados ou

desculpas de qualquer natureza” (OLIVEIRA, 2005, p. 75).

f) O programa “Acelera Brasil” se autodenomina de “pragmático” no

livro “Pedagogia do Sucesso” e “vale-se de recursos conceituais,

metodológicos, técnicos e práticos que ajudem aos alunos multirrepetentes a

sair da condição de ‘fracassados’ para a de pessoas normais [...]" (OLIVEIRA,

2005, p. 67). O debate gira em torno do pragmatismo do “Acelera Brasil” que

estabelece um parâmetro de anormalidade aos sujeitos que não se enquadram

nos modelos e técnicas pedagógicas estabelecidos pelas apostilas do programa.

Mais uma vez, problematizamos a questão envolvendo a concepção idealizada

de indivíduo a que se destina esse programa educacional. Uma das condições

que o Instituto Ayrton Senna estabelece para o “sucesso” do programa de

aceleração está ligada aos resultados baseados em avaliações objetivas, mas

desconsidera os resultados objetivos do IDEB dos alunos envolvidos no

programa; logo, juntam-se os alunos “anormais” numa classe de aceleração

para que seu desempenho não apareça no IDEB e ocorra o falseamento do

resultado das avaliações objetivas da educação municipal da cidade do Rio de

Janeiro, segundo os próprios parâmetros de verdade estabelecidos pela ciência

burguesa através do IDEB.

g) Ao identificar o programa “Acelera Brasil” como um programa político

à medida que necessita da adesão de prefeitos, governadores e secretários de

educação, nossa análise passa pelo questionamento do fato dos alunos inscritos

no programa não participarem das avaliações do IDEB; portanto, os índices de

medição da “qualidade” da educação divulgada pelos políticos e intelectuais

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orgânicos do capital não refletem a “realidade” da educação num determinado

município ou Estado, já que a ideia é separar os alunos multirrepetentes dos

demais nas avaliações externas do IDEB. Utilizando o método de análise

marxista, percebemos que o próprio IDEB isolado do restante da totalidade

social é pura abstração, assim como a análise da população sem as conexões

internas da totalidade social foi o grande problema de método dos economistas

políticos, tal como Marx definiu na “Crítica à economia política”.

Na matriz de habilidades de estudos específicos desenvolvido do programa de

aceleração da aprendizagem para a área de estudos sociais se estabelece a importância da

vivência da cidadania, por isso é fundamental a problematização do conceito de cidadania

como instrumento organizador da sociedade capitalista.

Outro ponto de destaque dessa matriz é o reconhecimento dos aspectos econômicos,

sociais, políticos e culturais do Município, Estado, Região e País. Numa observação

preliminar do material didático destinado aos programas “Acelera 2” e “Acelera 3”,

percebemos a vinculação entre as medidas econômicas, sociais, políticas e culturais com as

orientações dos organismos internacionais de defesa do capital como as diretrizes do Banco

Mundial para a economia dos países que vivem no capitalismo dependente e da UNESCO

para a educação - como a necessidade da melhoria do IDEB desvinculadas de equalização

social.

As análises minuciosas de Motta (2007) das diretrizes dos organismos internacionais

de defesa do capital para a virada do milênio nos ajudam a compreender como essas diretrizes

estão em consonância com a preocupação dos intelectuais orgânicos do capital com a

possibilidade de ruptura do pacto social em razão do aumento considerável da pobreza e das

desigualdades sociais, sob o risco da ocorrência de uma crise estrutural de proporção mundial.

Nesse sentido que pontuamos o “Programa Acelera Brasil” como instrumental às

diretrizes estabelecidas pela UNESCO para a educação, pois o próprio idealizador do

programa de aceleração da aprendizagem no Brasil, depois de uma passagem no Banco

Mundial e na Organização Internacional Trabalho, reconhece o problema da repetência é

antes de tudo um problema econômico, pois aumenta o gasto público com a questão social,

especificamente a educação.

Quando um aluno avança até quatro séries num ano, isso representa economia com os

gastos sociais, ou seja, a prioridade é a retenção de mais-valia por parte do Estado para pagar

juros da dívida externa e não a formação humana que se está estabelecendo para os

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indivíduos. Portanto, defendemos que a educação eficaz é aquela que rompe com os

resultados esperados pelo capital, baseada na alienação da reprodução das relações sociais de

produção capitalista, e tem como foco principal a emancipação humana.

1.10 Emancipação humana: ideal perseguido pelos socialistas versus mistificação dos

programas oficiais de educação da existência de uma “democracia capitalista”.

Após análise do programa “Acelera Brasil”, defenderemos em nosso debate a

educação que tenha por prioridade a formação e emancipação humana dos sujeitos. Alguns

autores nos dão o suporte teórico necessário para a crítica da impossibilidade da priorização

do ser humano dentro do sistema de produção capitalista, pois o capital enquanto relação não

permite que os interesses do sujeito se sobreponham à busca pelo lucro.

A emancipação humana é um conceito central em nossas análises à medida que a

identificamos como cidadania plena e, conforme Ellen Wood (2003) só se dará no socialismo.

O conceito de cidadania nesse caso possui um enfoque diferente do utilizado pelos liberais12

.

O conceito de cidadania plena, defendido pela autora, ampliaria a igualdade, antes restrita às

esferas política e jurídica, para a esfera econômica, o que só se dará quando todos os homens

puderem gozar dos benefícios das riquezas socialmente criadas13

.

Ainda pensando a concepção de cidadania plena, o filósofo Ivo Tonet (2005) nos ajuda

a compreender a função de uma educação que priorize a cidadania plena. Dessa forma, a

cidadania plena teria por objetivo “formar pessoas que tivessem consciência dos direitos e

deveres inerentes a uma sociedade democrática; que adotassem uma postura crítica diante das

desigualdades sociais e se engajassem na sua superação [...]”. (TONET, 2005, p. 240). Nossa

proposta para o desenvolvimento de uma educação cidadã vai ao encontro da proposição de

Ivo Tonet de emancipação humana “como um momento histórico para além do capital”.

(2005, p. 241).

O conceito de emancipação humana requer o desenvolvimento da concepção marxista

de indivíduo, pois é fundamental tomá-lo como ponto de partida de nossas análises, situando-

12 O liberalismo clássico vê na cidadania uma inserção de um indivíduo como membro de uma comunidade política e jurídica. Cf. Bellamy (1994). 13 Esse conceito é fundamental para se pensar uma educação para além do capital e romper com a ideia da educação voltada para a conformação, baseada na noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social”, incorporadas pelo Instituto Ayrton Senna em seus programas educacionais.

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o como parte da natureza, dotado de inteligência para modificá-la e a si próprio, um ser social,

histórico, concreto, membro de uma classe que possui valores e ideias.

A definição de democracia como “desafio ao governo de classes”, utilizada por Ellen

Wood (2003, p.7) nos permite não somente analisar o conceito de cidadania e a categoria

democracia imbricadas nas políticas públicas da educação municipal do Rio de Janeiro, mas

também indicar que os conceitos de cidadania plena e a categoria democracia (stricto sensu)

só têm aplicabilidade numa sociedade socialista, à luz da história, pois, para que ocorram, é

necessário que a população esteja colocada em primeiro plano, ao contrário do que ocorre na

sociedade capitalista, onde o lucro está acima de tudo e todos.

Quando o homem não compreende que aquilo que dá sentido à vida é o trabalho,

animaliza-se, ou seja, não se vê como sujeito do processo; assim, dá origem ao processo de

alienação que só pode ser superado através da prática revolucionária dos homens.

(MÉSZAROS, 1981). A categoria alienação nos ajuda a perceber em que medida em que os

próprios profissionais da educação, que participam do programa “Acelera Brasil”, se

percebem como sujeitos do processo educativo de formação de indivíduos quando da adoção

dos referenciais didático, teórico e metodológico implementados pelo Instituto Ayrton Senna

através do programa educacional “Acelera Brasil”.

Conforme salienta Barata Moura (1997), para Marx, a cientificidade não se encontra

totalmente separada do horizonte ideológico. Assim, o discurso científico tanto pode ser

utilizado a serviço da emancipação humana como para legitimar práticas fascistas; dessa

forma, é mister uma profunda análise dos discursos que apontam a inevitabilidade da

competição e desigualdades econômicas entre os homens, pelo fato de fazer parte de sua

suposta essência constitutiva.

Mészáros, ao analisar como se formou o ethos capitalista na vida cotidiana procura

desmistificar a ideia da possibilidade de um “capitalismo democrático e menos selvagem”,

como defendem os intelectuais da “Terceira Via” (dentre eles João Batista Araujo e Oliveira)

ao afirmar que:

Tudo isso é parte integrante da educação capitalista pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda a parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias, como algo lógico e natural. (MÉSZÁROS, 2008, p. 82).

Em função do exposto acima, a práxis, enquanto categoria que concilia a teoria e a

prática no processo do conhecimento, desempenha um importante papel na ação

revolucionária com vistas à transformação da realidade, sendo essencial para se alcançar a

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emancipação humana, ao denunciar as falsas consciências produzidas e disseminadas pela

ciência burguesa. Não basta denunciar as ideologias que estão a serviço do capital, é também

necessário apresentar formas de superá-las e apresentar alternativas ao que está dado: a

emancipação humana.

1.11 Principais documentos a serem analisados

Analisaremos o documento que deu origem ao Plano Diretor da Reforma do Estado

Brasileiro com a finalidade de compreender a chamada passagem do Estado burocrático para

o Estado Gerencial, pautado na desregulação da relação capital-trabalho e o esvaziamento da

atuação do Estado na área social.

Observaremos os arranjos normativos consubstanciados nas leis 9.637/98 (qualifica as

Organizações Sociais), 9.790/99 (qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem

fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e

disciplina o Termo de Parceria) e 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas) como

momento metabólico do neoliberalismo para se manter hegemônico mesmo diante das

brechas deixadas pelo Estado na prestação do serviço social. Nossa proposta é observar como

esses arranjos normativos são funcionais à criação do consenso em torno da criação de um

aspecto menos cruel do capitalismo que atenderia pontualmente às questões sociais através de

ONGs como o Instituto Ayrton Senna.

No âmbito do município do Rio de Janeiro, basicamente analisaremos a lei 5.026/2009

municipal do Rio de Janeiro que dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações

Sociais que poderiam assinar contratos de parceria com o poder público. Essa lei é que serviu

de amparo legal para a contratação do Instituto Ayrton Senna para prestar serviço público de

aceleração da aprendizagem, pois em seu artigo 5º, §2 estabelece que a contratação de

organizações do “Terceiro Setor” se daria em conformidade com a lei federal das licitações.

(BRASIL, 1993). A lei de licitações, em seu artigo 24º, prevê a contratação de organizações

da sociedade civil (sem fins lucrativos) sem a necessidade de licitação para a prestação de

serviços públicos na área educacional, desde que a entidade contratada possua inquestionável

reputação ético-profissional. Portanto, caberá uma breve análise do artigo 24º da lei das

licitações.

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Outros documentos importantes a serem analisados serão os “Comunicados 104 do

IPEA”, de 4 de agosto de 2011, que trata da “natureza e dinâmica das mudanças recentes na

renda e na estrutura ocupacional brasileiras” e o “Comunicado 123 do IPEA”, de 06 de

dezembro de 2011, que trata especificamente do aumento da participação das ONGs como

protagonistas na elaboração e execução de serviços públicos ao longo dos governos Lula da

Silva (2003-2010). (IPEA, 2011a, 2011b).

Analisaremos alguns documentos emitidos por organismos internacionais e pela

presidência da república que julgamos influentes ao momento histórico de metabolismo do

neoliberalismo com uma pitada de “responsabilidade social”. Contudo, entendemos que é

importante frisar que esses documentos não são incorporados pela burguesia nacional

passivamente, mas são ressignificados em função das correlações de forças locais. Dentre os

documentos que elegemos, destacamos:

a) Documento do Banco Mundial intitulado “Atingindo uma educação

de nível mundial no Brasil: próximos passos”, apresentado por Pedro

Carneiro. Esse documento no ajuda a pensar o referencial de “qualidade” na

educação defendido pelo Banco Mundial. Esse documento dá destaque ao salto

de qualidade da educação brasileira que teria conseguido reduzir em 1 ano o

tempo de conclusão da educação básica. Esse documento nos ajudará a pensar

a atuação do “Programa Acelera Brasil” como estratégico para governos

municipais, estaduais e federal, pois atuaria como instrumento de “aceleração”

do nível de “qualidade” das redes de ensino. Outro fator de destaque desse

documento seria a associação da elevação do nível da qualidade no Brasil com

a adoção de uma política de avaliação nacional e planificada. Os professores

que ajudassem nessa elevação de nível deveriam receber bônus por seu

desempenho individual. (BANCO MUNDIAL, 2010, grifos nossos).

b) Documento do Banco Mundial, emitido em 2011, disponível no sítio do

Banco Mundial, ensinando como o poder público estabelecer parcerias com

organizações privadas. (BANCO MUNDIAL, 2011, grifos nossos).

c) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Projeto de

Cooperação Técnica BRA/99/004 - “Melhoria da Qualidade do Ensino

Fundamental e Educação Infantil” - está voltado para a implementação, no

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quadriênio 1999/2002, de um dos objetivos primordiais da política nacional de

educação: a melhoria da qualidade do ensino fundamental. (PNUD, 2009,

grifos nossos).

d) Documento das Nações Unidas denominado “Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio: uma visão a partir da América Latina e do

Caribe”. Esse documento é fundamental para pensar a educação e o combate à

pobreza como objetos que deveriam ser atingidos rapidamente sob o risco de

uma ruptura do pacto social vigente. (CEPAL, 2005, grifos nossos).

e) WORLD BANK. Learning for All: Investing in People’s

Knowledge and Skills to Promote Development. World Bank Education

Strategy 2020 – Discussed at the Board of Directors. Esse documento nos

ajudar a compreender a incorporação do preceito que associa a educação como

promotora de desenvolvimento, promotora da distribuição de reanda e da

redução das desigualdades. (WORLD BANK, 2011, grifos nossos).

f) PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Termo de Referência para a

formação da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social (SEDES) e do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social (CDES). Documento fundamental na percepção do maior

protagonismo do empresário nas decisões das políticas públicas durante os

governos Lula da Silva. (BRASIL, 2008, grifos nossos).

g) Quinta Carta de Concertação: Caminhos para um Novo Contrato

Social. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Documento chave

na compreensão da formação do consenso em torno da necessidade de se criar

um “Novo Pacto Social” (conforme os preceitos defendidos pelos ideólogos do

“Neoliberalismo da Terceira Via”) baseado na construção de parcerias do

poder público com organizações privadas. (BRASIL, 2003b, grifos nossos).

Uma observação importante a ser feita é a mudança de rumos que tivemos que

tomar em nossa pesquisa em função do das inúmeras dificuldades encontradas para ter acesso

ao contrato da parceria público-privada entre o Instituto Ayrton Senna e a Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro para executar serviços de aceleração da

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aprendizagem. Num primeiro momento, entre junho de 2010 e janeiro de 2012 tentamos de

todas as formas encontrar o referido contrato nas prestações de contas do site “transparência”

da Prefeitura do Rio de Janeiro. Nada foi encontrado durante o período citado acima.

Mudamos de postura e entramos em contato por e-mails com a finalidade de obter uma cópia

do contrato na qualidade de cidadão fiscal das contas públicas e recebemos uma negativa

oficial.

No corpo do e-mail da negativa, foi-nos informado que só conseguiríamos esse

documento, caso protocolássemos uma petição solicitando a permissão para pesquisas nas

unidades escolares de acordo com o anexo E/DGED nº 41 de fevereiro de 2009 do

Departamento Geral de Educação. No referido e-mail estava anexado um arquivo contendo

um formulário de solicitação de contratos para fins de pesquisa que ficaria a cargo da

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro julgar se a pesquisa poderia ser feita. Diante dessa

postura patrimonialista, questionamos essa situação e nos foi sugerido preencher o formulário

e dar entrada num processo administrativo solicitando permissão para a pesquisa. Assim o

fizemos, conforme protocolo 005857 de 09 de maio de 2012 e ficamos aguardando a resposta

que nunca vinha por parte da Comissão que avaliaria a possibilidade da pesquisa poder ser

feita.

Voltamos a informar que não tínhamos o interesse em fazer uma pesquisa de campo;

apenas gostaríamos de ter acesso ao contrato de prestação de serviços assinado entre o

Instituto Ayrton Senna e a Secretaria Municipal de Educação, pois o mesmo não se encontra

disponível no site “transparência” da prefeitura do Rio de Janeiro. De posse documento de

solicitação do contrato14

, os seguintes campos nos eram exigidos para o preenchimento:

a) Item 4 - Questiona se o pesquisador ou a pessoa que quer ter acesso ao

contrato é servidor municipal.

b) Item 6 - Síntese da pesquisa indicando o cunho e a metodologia da

pesquisa.

c) Item 11 - Para que o contrato seja disponibilizado e a pesquisa seja

efetivada, há a necessidade do parecer do Comitê de Ética da prefeitura.

d) Item 13 - Previsão para apresentação das conclusões da pesquisa para o

Departamento Geral de Educação.

14 Disponível nos anexos.

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Os itens apresentados nos trouxeram o temor de algum tipo de retaliação pelo fato

de pertencer ao quadro de servidores ativos da Secretaria Municipal de Educação do Rio de

Janeiro. Além desse fato, não entendemos o porquê do contrato de prestação do serviço

público não estar disponível para os cidadãos poderem fiscalizar seu cumprimento e

execução. Outro fato que chama a atenção é a disponibilização do contrato mediante um

parecer de uma comissão sobre a validade ou não de sua pesquisa, do método utilizado. Será

que a Prefeitura do Rio de Janeiro teria algo a esconder sobre os contratos de prestação do

serviço público pela Organização do “Terceiro Setor” (Instituto Ayrton Senna)? Qual seria a

necessidade de um parecer da comissão de ética do Departamento Geral de Educação para

que um cidadão faça uma simples consulta ou uma complexa pesquisa da parceria público-

privada com o Instituto Ayrton Senna?

Diante de tal postura patrimonialista, decidimos nos centrar nos aspectos

filosóficos do programa de aceleração da aprendizagem e deixamos de analisar os valores do

contrato, comparando-os com o s valores gastos por aluno da rede municipal regular de

ensino. Para nossa surpresa, quando foi promulgada a lei de acesso à informação (BRASIL,

2011) recebemos um telefonema de um servidor da Prefeitura nos perguntando se ainda

tínhamos interesse em ter acesso ao contrato. Como esse contato por telefone se deu há

apenas dois meses para o prazo da conclusão de nossa dissertação, decidimos não abordar os

termos do contrato em si, mas como foram construídos os aspectos teóricos, didáticos e

metodológicos do programa de aceleração da aprendizagem do Instituto Ayrton Senna

denominado “Programa Acelera Brasil” e como esse programa pode ser instrumental para

ressignificar o papel social da escola pública no município do Rio de Janeiro.

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2 INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS REFERENCIAIS

TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A REFORMA GERENCIAL DE

ESTADO

Nesse capítulo apresentaremos a fundação do Instituto Ayrton Senna no contexto

histórico das discussões envolvendo a “necessidade” de se promover uma Reforma Gerencial

do Estado brasileiro, iniciada na primeira metade da década de 1990. Nessa direção, a noção

de “Estado Mínimo” ganha espaço e os serviços básicos de assistência social passam a ser

executados, cada vez com maior frequência, por organizações da sociedade civil, cujas

principais características são o fato de serem não governamentais e sem fins lucrativos

(ONGs).

A partir de então, ONGs como o Instituto Ayrton Senna ganham um protagonismo na

execução de serviços públicos na área social, destacadamente na educação, através dos

arranjos normativos das leis 9.637/98 que dispõe sobre a qualificação de entidades como

organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos

e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá

outras providências e da lei 9.790/99 que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de

direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público, institui e disciplina o Termo de Parceria. Esses arranjos normativos foram

fundamentais para sedimentar na Reforma Gerencial a transferência para organizações de

direito privado (“sem fins lucrativos”) os serviços que anteriormente eram executados

diretamente pelo Estado.

Dando sequência a esse processo de publicização, através do estabelecimento de

parcerias público-privadas com o Estado, normatizadas pela lei 11.079/2004, o Instituto

Ayrton Senna celebra parcerias com o MEC, Secretarias Municipais e Estaduais de Educação

focando seus programas educacionais na otimização dos recursos públicos e na introdução de

uma cultura avaliativa de larga escala, visando obter êxito nas avaliações promovidas pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Em seguida, apresentaremos como algumas organizações internacionais e da

sociedade civil brasileira têm contribuído para a formação de uma concepção teórica e

metodológica dos programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna na

construção do que é entendido como educação de “qualidade” e quais as competências que

um indivíduo deve adquirir ao longo da vida.

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2.1 Contexto Histórico de Surgimento do Instituto Ayrton Senna: Reforma Gerencial

A criação do instituto, em 1994, está inserida nesse momento histórico de debate

envolvendo a Reforma Gerencial do Estado, identificada com a necessidade de o Estado se

concentrar nas atividades reguladoras e transferir para a iniciativa privada, quer seja

diretamente ao mercado, quer seja a ONGs, através de parcerias público-privadas (PPP) os

serviços anteriormente executados pelo Estado. Nesse ambiente de questionamento das

atividades que o Estado deveria se concentrar, os meios de comunicação formam importantes

canais de disseminação do consenso em torno da “falência” do serviço público e da maior

efetividade da prestação do serviço público, destacadamente na área social, por organizações

não governamentais.

Dentro desse conjunto de questões é criado o Instituto Ayrton Senna (IAS), em 1994,

que se define como uma Organização Não Governamental, Sem Fins Lucrativos, cujo

objetivo principal é proporcionar o desenvolvimento humano de jovens e adolescentes em

parceria com municípios, estados, empresas privadas, universidades, ONGs. (INSTITUTO

AYRTON SENNA, 2011m). O IAS é presidido por Viviane Senna15

desde sua fundação e

apresenta um grupo de conselheiros, que juntamente com a presidenta, definem as diretrizes

das propostas políticas e pedagógicas a serem adotadas pelo instituto.

Na comemoração do aniversário de 14 anos de fundação do IAS, no ano de 2008,

Tatiana Filgueiras16

destaca que as metas estabelecidas pelo compromisso “Todos pela

Educação” que visaria à obtenção da educação pública de “qualidade” até 202217

, só seria

possível com vontade política e adequação da administração pública ao modelo gerencial

implementado na burocracia estatal na década de 1990.

O aprendizado acumulado pelo Instituto Ayrton Senna ao longo dos seus 14 anos de atuação nos mostra que a educação de qualidade só acontece com investimentos articulados em três frentes: a estruturação de políticas públicas, a qualificação gerencial e o apoio pedagógico aos profissionais da educação. (FILGUEIRAS, 2008, p. 48).

15

Irmã de Ayrton Senna e membro dos seguintes comitês: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES);

Conselho Consultivo da febraban e Citbank Brasil; Conselho de Administração do banco Santander; Conselho de Educação da CNI e FIESP; Energias do Brasil (EDP), ADVB, World Trade Center e todos pela Educação; Comitê de investimento dos bancos Itaú e Unibanco; Nomeada um dos líderes para o Novo Milênio (CNN/Revista Time); Única brasileira membro do grupo “Amigos Adultos do Prêmio das Crianças do Mundo” ao lado da Rainha Silvia da Suécia, Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, e José Ramos Horta, Prêmio Nobel da Paz. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011b).

16 Tatiana Filgueiras, coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna.

17 Ano emblemático em função do bicentenário da Independência política do Brasil.

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A ideia de qualidade na educação pública estaria ligada, principalmente, à correção da

distorção série-idade, além da diminuição da evasão escolar e da repetência; ou seja, uma

determinada rede pública seria “bem” gerenciada quando os alunos conseguissem a

progressão de série e a consequente conclusão dos estudos.

O acompanhamento gerencial e o apoio pedagógico, visando à reversão positiva de taxas como acesso à escola, aprovação e conclusão dos estudos, alfabetização e aprendizagem na idade correta, é a estratégia capaz de possibilitar a tomada de decisão em tempo real e de reverter os resultados negativos, melhorando a eficiência dos sistemas. (FILGUEIRAS, 2008, p. 49).

Percebemos que o IAS concebe seus programas educacionais como tecnologias

sociais, cuja atuação na educação formal seria o motor propulsor da superação do chamado

fracasso escolar18

. Dessa forma, o programa educacional “Acelera Brasil”19

é o fio condutor

das ações desenvolvidas pelo IAS na aplicação das políticas públicas na área educacional,

recebendo suporte dos demais programas educacionais desenvolvidos na educação formal20

.

Objetivando dar suporte ao “Programa Acelera Brasil”, foram desenvolvidos outros

programas educacionais voltados ao gerenciamento das redes de ensino, no que diz respeito à

educação formal, com alto grau de defasagem idade/série, tais como programas de suporte de

alfabetização aos alunos considerados analfabetos funcionais, com o objetivo de lhes fornecer

as mínimas condições de ingressar nos programa de correção de fluxo, ou seja, aceleração da

aprendizagem (“Acelera Brasil”).

Abaixo apresentamos um breve painel histórico disponibilizado pelo IAS, desde sua

fundação em 1994, com a finalidade de mostrar que, embora os primeiros programas

educacionais do instituto tenham se desenvolvido na educação não formal, quando o IAS

concentrou suas forças na execução de políticas públicas da educação formal, o “Programa

Acelera Brasil” passou a ditar os rumos dos demais programas que seriam desenvolvidos para

servir-lhe de suporte.

18 O fracasso escolar, segundo a visão do IAS, estaria ligado à repetência, ao abandono escolar e à distorção série idade. 19 Programa concebido para a correção da distorção série/idade. 20 Faremos a exposição dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna mais adiante.

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66

QUADRO 1 – Panorama Histórico IAS.

1994 – Ayrton Senna lança o personagem Senninha em fevereiro.

Fundação do Instituto Ayrton Senna em novembro. 1995 – Começa o atendimento a crianças e jovens com o Programa Educação pelo Esporte. 1996 - Início da estratégia de atuação em escala, aliando criação de soluções educacionais e mobilização da sociedade. 1997 – Lançado o Programa Acelera Brasil.

1998 – Início da aliança com a imprensa: 1º Grande Prêmio Ayrton Senna de jornalismo. 1999 – A base da construção do conhecimento e das ações educacionais passa a ser o Paradigma do Desenvolvimento Humano e os Quatro Pilares da Educação. Criação do portal www.senna.org.br. Lançados os programas Educação pela Arte e SuperAção Jovem. 2001 – Lançado o Programa Se Liga.

Criação do SIASI – Sistema Ayrton Senna de Informação. 2002 – As soluções educacionais são adotadas em quase todos os Estados brasileiros. Lançado o Programa Gestão Nota 10. 2003 – A UNESCO concede a chancela para a Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano.

Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011m).

Mais adiante abordaremos cada programa da educação formal, como são funcionais e

servem de suporte ao pleno desenvolvimento do programa “Acelera Brasil” (PAB). Antes

mesmo de apresentarmos o “PAB”, entendemos que é necessário fazer uma retomada

histórica do surgimento do IAS num momento de reformas políticas em que o Brasil passava

para situar alguns referenciais desse instituto quando da adoção do PAB como “fórmula do

sucesso” no ataque à má “qualidade” do ensino ministrado nas escolas públicas brasileiras.

No decorrer da década de 1980, segundo Leher (1999), ocorreram reformas

educacionais nos países latino-americanos em “desenvolvimento” de modo a se criar um

consenso em torno da ideia de qualidade unitária da educação em detrimento das

especificidades locais. A adoção, por esses países, de medidas educacionais direcionadas pelo

Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento) calcado na

ideologia da globalização seria uma forma de impedir a “marginalidade econômica, política e

cultural desses países”.

Com o colapso do socialismo real, o neoliberalismo passa a figurar como “teoria

dominante” e o BIRD assume o papel de “ministro da educação” dos países periféricos no

capitalismo, desfocando a ideia de que o caminho a ser percorrido pelos países da América

Latina para superar o atraso industrial seria o “desenvolvimento keynesiano”. A proposta

neoliberal, encabeçada pelo BIRD, passaria a não mais focar o combate à pobreza, mas sim a

tomada de medidas de aliviamento da pobreza extrema. (LEHER, 1999).

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É interessante destacarmos que o neoliberalismo é adotado como política econômica

de aliviamento da pobreza que crescia cada vez mais nos países em desenvolvimento (como o

Brasil, por exemplo); contudo, a agenda neoliberal não apontava para um fator determinante

no crescimento da pobreza: a própria lógica de reprodução do capital, com cortes acentuados

nos gastos públicos com a assistência social por parte dos governos. A primeira vista, o

combate à pobreza extrema seria uma forma menos predadora do sistema capitalista em sua

face neoliberal, mas quando procuramos os determinantes da situação da pobreza percebemos

que há uma tentativa de negação da totalidade das relações sociais de exploração produzidas

pela forma como o capital se reproduz, ou seja, ao olharmos para a história, percebemos que

aquilo que o neoliberalismo se propõe a combater é gerada dentro de sua lógica de

funcionamento.

Nesse contexto, de implementação da lógica neoliberal, a divisão internacional do

trabalho se refletiria plenamente na divisão internacional nos níveis de educação dos países

capitalistas. Enquanto o foco do BIRD, desde 1984 (quando assumiu o papel da UNESCO nos

assuntos concernentes à direção da educação), para os países desenvolvidos residia em

empréstimos voltados para a área de ciência e tecnologia, os países em desenvolvimento

deveriam focar-se no ensino fundamental21

, buscando uma nova forma de inserção no

mercado, na política e cultura mundial que já não passava mais pelo desenvolvimentismo,

mas pela inserção um mundo globalizado através da educação, retomando os preceitos da

“noção de capital humano”.

O mesmo movimento que leva o neoliberalismo à condição de teoria dominante faz a teoria do capital humano ser retomada. Com ela, o alto retorno econômico do ensino fundamental é ressaltado e sua difusão é tida como o principal passaporte para uma melhor inserção do país na chamada globalização. (LEHER, 1999, p.2).

A “noção do capital humano”, amplamente divulgada entre as décadas de 1950 até

início da década de 1970, postulava a ideia de que “investimentos em educação redundariam

taxas de retorno sociais e individuais” (FRIGOTTO, 1986, p. 136). Assim, as possibilidades

de aumento da renda de uma pessoa estariam relacionadas à maior qualificação, o que seria o

resultado de investimentos em educação e treinamentos e proporcionaria, também, ganhos

sociais através do aumento da produtividade e da geração de riqueza para um país,

independentemente da forma estrutural como o sistema capitalista de produção está

21

Um bom exemplo foi a criação, no Brasil, do Fundef (Fundo para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

e para Valorização do Magistério) na década de 1990.

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organizado. Na “noção do capital humano”, a educação é concebida como elemento

fundamental de redução da pobreza e das grandes diferenças de renda entre as classes sociais

Nessa direção, a educação foi se tornando assunto de negócio e principalmente de

segurança, uma vez que poderia funcionar perfeitamente como produtora de ideologia, onde o

desemprego em tempos de globalização nada teria a ver com as condições estruturais do

capitalismo, mas com a falta de “qualificação” do indivíduo que não foi capaz de se adequar

as exigências do mercado de trabalho. Dessa forma, atribuindo ao indivíduo a

responsabilidade por seu sucesso ou fracasso no mercado de trabalho, muda-se o foco da crise

estrutural e desenvolvem-se mecanismos de aliviamento da pobreza, colocados como

fundamentais para manter a coesão social e a segurança dos investidores.

Em meio à implementação dos preceitos neoliberais, no Brasil, que o Instituto Ayrton

Senna começa a ser pensado como uma Organização da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos

para atuar prioritariamente desenvolvendo tecnologias sociais voltadas para a educação

formal, com destaque para o “Programa de Aceleração da Aprendizagem” (PAB) cujo

objetivo principal é atacar a defasagem idade-série e a repetência no ensino fundamental. A

ideia seria certificar a maior quantidade de alunos no ensino fundamental para que (aqueles

que “possivelmente” não dariam prosseguimento nos estudos) adquirissem o mínimo de

“capital humano” para inserção no mercado de trabalho e isso se refletiria na inserção do país

na divisão internacional do trabalho num contexto de ideologia da globalização. Essa proposta

de aceleração da aprendizagem que estava sendo estruturada pelo Instituto Ayrton Senna ia ao

encontro da efetivação, no Brasil, da Reforma Administrativa de Estado e incorporação dos

ideais defendidos pelo BIRD (expansão do ensino fundamental nos países em

desenvolvimento).

Em nossa proposta dialética de análise, não nos preocupamos em estabelecer uma

relação causa-efeito no que diz respeito à determinação do sucesso ou fracasso de indivíduo

estar relacionado à quantidade de investimento em educação que cada um faz em si próprio,

mas procurando analisar essa noção de “capital humano”, que a priori se apresenta como

verdade absoluta, como ponto de partida de um fenômeno. Entendemos que a qualificação

pessoal e o constante aperfeiçoamento dos indivíduos são fundamentais para o

desenvolvimento pessoal e tecnológico de um país. Concordamos, ainda, que alguns

indivíduos, por situações diversas, não conseguiriam terminar o ensino fundamental e seriam

excluídos do mercado de trabalho (na sociedade capitalista) em função de seu “pouco”

estoque de “capital humano” e que medidas urgentes deveriam ser tomadas para mudar esse

quadro.

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O passo dado pelo Instituto Ayrton Senna foi importante porque os indivíduos que

repetem muitas vezes a mesma série podem se sentir desestimulados e, consequentemente,

abandonar a escola. Algo precisava ser feito! Todavia, num aprofundamento de nossas

reflexões ao longo desse trabalho nos questionaremos se a forma como foi pensado o “PAB”

seria a mais adequada possível para promover não apenas o acúmulo de “capital humano”,

mas também as ferramentas para formar indivíduos que busquem a crítica às relações sociais

que estão postas, dentro de uma concepção de “qualidade” na educação, atrelada às lutas

históricas defendidas pelos profissionais da educação pública.

Pensando nessa ideologia que afirma que o indivíduo deve acumular “capital humano”

ao longo de sua vida como garantia de sucesso profissional e ascensão social, deparamo-nos

com as seguintes indagações: Como um indivíduo que não tem acesso (ou o tem em

condições precárias) a serviços como saneamento básico, atendimento médico e não tem

acesso às condições mínimas necessárias de manter-se a si próprio e à sua família poderia

priorizar o investimento em educação, uma vez que seu objetivo mais imediato seria sua

subsistência? Aprofundando mais ainda nossas reflexões, indagamos: trazer para o debate a

noção de “capital humano” poderia ser uma estratégia de responsabilização do indivíduo pelo

seu sucesso ou fracasso profissional e desresponsabilização do Estado capitalista pelas crises

sistêmicas, quer sejam estruturais quer sejam conjunturais? Determinar que os investimentos

em assistência social são os causadores das crises econômicas “conjunturais” poderia ser uma

forma de naturalizar o que é histórico? Por enquanto, temos apenas questões para tentar

compreender o fenômeno que conjuga a dicotômica diminuição drástica dos investimentos na

assistência social e o ataque à pobreza extrema (proposta pelo neoliberalismo para os países

em desenvolvimento desde o final da década de 1980).

Um elemento de análise que nos chama a atenção é a naturalização daquilo que é

histórico (produzido pelas sociedades ao longo dos anos). Responsabilizar um indivíduo, e

somente ele, por seu sucesso ou fracasso na vida profissional seria uma forma de negar a

totalidade das relações sociais que se dão no capital. Para evitarmos cair nessa abstração rasa

procuramos entender a historicidade na qual a concepção de indivíduo está inserida numa

sociedade de classes. É fundamental termos o cuidado de não colocarmos o indivíduo como

exterior à história, o que ocultaria suas ações e relações com outros indivíduos no sistema

capitalista.

Realizando o détour, proposto no capítulo anterior, pensamos o indivíduo como um

fenômeno concreto, uma complexa estrutura material e espiritual, produto da sociedade

existente. (SHAFF, 1966). Portanto, quando pensamos um sistema de produção de riqueza de

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forma fechada (conclusa), o indivíduo pode ser pensado como produto exterior à história e

idealizado de forma a ser pensado como tendo sua existência anterior à própria sociedade. O

indivíduo pensado na ciência burguesa, em suas faces liberal e conservadora, está fora do todo

social, é idealizado como alguém que não está envolto às relações sociais em que se dão sua

existência, ou seja, é o único responsável pelo seu destino. Questionando essa concepção de

indivíduo nos deparamos com a negação, por parte da ciência burguesa, do princípio básico

do pensamento: o indivíduo quando nasce aprende a pensar na sociedade em que está

inserido, mesmo antes de se perceber como sujeito que pensa (CARDOSO, 1990), ou seja, as

verdades que permeiam àquela sociedade se revelam na sua consciência, mesmo que esse

pensamento se mostre no nível da aparência das coisas.

Como o “PAB” foi concebido e passou a ser executado em 1997, em meio às

concepções (neo)liberais de indivíduo, percebemos que o programa ao criar um modelo

padrão de educação, uma fórmula aplicável a qualquer indivíduo de quaisquer partes do

Brasil, revela, a priori (aparência), o indivíduo como um ser existente antes mesmo da

sociedade em que está inserida e a ciência que o empodera de “capital humano” como sendo

neutra (não estaria ligada a nenhum projeto societário de uma classe específica).

Questionando os caminhos seguidos pelo “PAB” na sua concepção de indivíduo, percebemos

que num primeiro momento (nível da aparência) um programa educacional voltado para

levantar a autoestima e possibilitar a aquisição de “capital humano” seria uma medida

interessante para inserção no mercado de trabalho.

Contudo, numa etapa posterior de abstração do pensamento, identificamos que um

modelo padrão que colocaria todos os indivíduos numa modelo pronto de certificar alunos

para a conclusão do ensino fundamental seria negar a história de cada ser e suas

particularidades culturais, espirituais e as condições materiais em que esse aluno está inserido.

Mais afundo em nossas abstrações nos perguntamos: a que grupos, que buscam a hegemonia

na sociedade civil, estaria ligado o IAS e sua concepção de indivíduo? Voltando ao que se

apresentou inicialmente como verdade (nível da aparência), pensamos que o “PAB” é um

importante instrumento da burguesia na manutenção da paz e coesão social à medida que

confere diploma indivíduos que em tese não prosseguiriam nos estudos e fornecem mão de

obra barata e obediente para os empresários que investem nos programas educacionais do IAS

(que recusam a composição sindical, a emancipação humana e investem na aquisição de

“capital humano” para sobreviver em tempos de globalização).

Noções, como a de “capital humano”, tendem a reproduzir na mente humana, de forma

espontânea, aquilo que se apresenta imediatamente como se fosse uma verdade absoluta.

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Determinar que um indivíduo não alcançou o sucesso profissional em função de sua falta de

esforço é desconsiderar as mediações simbólicas, políticas, econômicas e culturais que o

conduziram a uma determinada posição social, é negar que essas mediações são fundamentais

para a compreensão da realidade (ainda que por proximidade). O neoliberalismo ao se

apresentar como a face mais viável da salvação do sistema capitalista de produção (que

passava por uma crise conjuntural/estrutural, desde a década de 1970) fundamentava seu

argumento na necessidade de ajuste econômico, principalmente na área fiscal, através de

estudos econômicos que indicavam que os gastos sociais eram muito elevados e deveriam ser

os primeiros a serem cortados pelos governos e, em tempos de crise econômica, teria maior

capacidade de sobrevivência quem tivesse mais “capital humano”.

Seguindo essa linha de raciocínio, ao se somar os gastos sociais à falta de pagamento

das dívidas públicas e à falta de um maior comprometimento dos governos na gestão dos

recursos públicos, teríamos o porquê da situação de crise que assolava o sistema capitalista.

Entretanto, conforme Kosik (1976), a soma das partes do problema científico até podem

captar elementos da realidade, mas não captam suas determinações na realidade. Determinar

que a crise sistêmica iniciada nos anos 1970 se deu por esse ou aquele motivo é de um

cinismo tamanho à medida que tenta ocultar que o capital, entendido como relação social,

permite que um grupo de indivíduos explore a maior parte dos demais, proporcionando o

aumento da pobreza e das mazelas sociais. Dessa forma, o gasto público com serviços na área

social se dá justamente para suprir uma lacuna proporcionada pelo próprio sistema capitalista

de gerar a riqueza e promover a exploração, o desemprego e a miséria.

Dentro dessa perspectiva neoliberal de deslocamento do epicentro do problema do

desemprego, aumento da pobreza e das mazelas sociais, um mecanismo que começou a ser

empregado em larga escala tanto nos Estados Unidos de Clinton quanto na Inglaterra de Blair,

na década de 1990, foi a transferência de parte das obrigações sociais do Estado para

entidades privadas sem fins lucrativos (pelo menos teoricamente). Para tanto, seriam

necessárias reformas que possibilitassem a essas organizações da sociedade civil sem fins

lucrativos, contratadas pelo Estado, a funcionarem como operadoras do capital. No caso

brasileiro, a solução encontrada foi a realização de uma ampla reforma administrativa nos

quadros do Estado.

Adotando a dialética materialista histórica, não cremos na neutralidade da ciência;

pelo contrário, entendemos que a ciência está envolta a interesses e lutas de classes. Dessa

forma, nossa análise nos conduz à busca da contradição com o objetivo de perceber as

disputas por projetos societários que se dão na suposta necessidade de reformar o Estado

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brasileiro, principalmente nos aspectos ligados às conquistas de alguns direitos na área da

assistência social (mesmo que dentro dos limites da sociedade burguesa) oriundos de lutas

históricas e mobilizações dos trabalhadores em seus diversos órgãos de representação.

A questão da suposta necessidade de operacionalizar uma Reforma Administrativa no

Estado brasileiro, tido como ineficiente e engessado pelas “amarras patrimonialistas”

construídas pela constituição de 1988 que começara a se redesenhar no ano de 1985 (no

período de “redemocratização” dentro dos limites da sociedade burguesa), estava na ordem do

dia como expediente a ser adotado pelos países em desenvolvimento. Nos anos de 1990 e

1991, Fernando Collor de Mello no seu discurso de posse já afirmava que era impossível

governar em conformidade com aquela constituição e que reformas seriam necessárias.

A equipe de governança de Collor não teve a habilidade necessária para operar o

desmonte da constituição de 1988, que, segundo ele, o impedia de governar o país, e foi

deposto numa produção hollywoodiana que colocava em questão a capacidade de governança

de seu grupo político como operadores e garantidores do capital no Brasil22

e como

garantidores das condições mínimas de execução dos serviços públicos, principalmente na

área social visando evitar uma possível ruptura social. Guardando similaridades com a

proposta de Collor que clamava por mudanças na administração pública burocrática, o grupo

político liderado por Itamar Franco assume o governo em 1992 com a proposta da

necessidade de reformas constitucionais que permitiriam o exercício da governança.

Nesse contexto, a constituição de 1988 era vista pelo grupo hegemônico que operava

nos governos Itamar Franco e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso (FHC), entre

1992 e 1995, como um retrocesso na tentativa de promover uma Reforma Gerencial na

Administração Pública que fora implantada, no modelo burocrático, ainda baseado nos

padrões de administração da década de 1930. O retrocesso estaria assentado principalmente

no loteamento de órgãos da administração indireta como empresas públicas, autarquias e

fundações. Por mais que possa parecer estranho, a vitória sobre a ditadura daria aos partidos a

possibilidades de arranjos políticos em troca de alianças por cargos públicos.

Outra questão vista como retrocesso pelo grupo hegemônico Itamar-FHC era a questão

envolvendo o surgimento de um regime jurídico único para os servidores públicos da União,

dos Estados e dos Municípios. Era uma questão de engessamento do quadro dos servidores,

principalmente da administração indireta (destacadamente Autarquias e Fundações Públicas),

pois em muitos casos a questão não envolvia o número de servidores num determinado órgão,

22

Para O’Donnel (1981) o Estado de classes funciona como fiador da classe que domina a economia, a política e a ideologia.

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mas a possibilidade de uma redistribuição, contratação temporária para acelerar atividades

específicas em atraso e, por fim, a demissão no caso de órgãos com excesso de servidores.

A nova Constituição determinou a perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados membros e dos Municípios, e retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas

de funcionamento idênticas às que regem a administração direta. (BRASIL, 1995, p.21).

Diante dessas discussões envolvendo a “necessidade de se reformar a administração

burocrática”, o governo FHC e seu grupo político23

que operou com habilidade o desmonte da

constituição de 1988, elaboraram o Plano Diretor da Reforma de Reforma do Aparelho de

Estado de 1995, cuja proposta seria a passagem de uma administração pública burocrática

para uma administração pública gerencial, cuja característica mais marcante seria a

“flexibilização das relações trabalhistas”, do enxugamento da máquina pública e

desvalorização da máquina dos servidores públicos.

As questões levantadas pelo grupo hegemônico liderado por FHC ente os anos de

1994 e 1995 foram:

O Estado deve permanecer realizando as mesmas atividades? Algumas delas podem ser

eliminadas? Ou devem ser transferidas da União para os estados ou para os municípios? Ou ainda, devem ser transferidas para o setor público não estatal? Ou então para o setor privado? Por outro lado, dadas as novas funções, antes reguladoras que executoras, deve o Estado criar novas instituições? Para exercer as suas funções o Estado necessita do contingente de funcionários existente? A qualidade e a motivação dos servidores são satisfatórias? Dispõe-se de uma política de recursos humanos adequada? As organizações públicas operam com qualidade e eficiência? Seus serviços estão voltados prioritariamente para o atendimento do cidadão, entendido como um cliente, ou estão mais orientadas para o simples controle do próprio Estado? (BRASIL, 1995, p.25-26).

Essas questões foram fundamentais para pensar um novo modelo de administração

pública (gerencial), com a possibilidade de transferência para o mercado de serviços que este

tivesse interesse, ou para o setor público Não Estatal (formado principalmente por

Organizações da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos e Não Governamentais) que se ateria

aos serviços em que o mercado não tivesse interesse em assumir, como algumas formas de

prestação de serviços na área social.

Outro ponto que merece destaque no Plano Diretor da Reforma seria o questionamento

da eficiência do serviço público prestado pelo Estado. Essa questão é fundamental para a

23 Luiz Carlos Bresser Pereira - Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado; Paulo Paiva - Ministro do Trabalho; Pedro Malan - Ministro da Fazenda; José Serra - Ministro do Planejamento e Orçamento; Gen. Benedito Onofre Bezerra Leonel - Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Cf. Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995, p. 2).

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construção do consenso em torno da validade da eficiência do serviço prestado pelas

organizações privadas com ou sem fins lucrativos; já por outro lado o serviço público

prestado pelo Estado é questionado como pouco eficiente e pesado à sociedade. Ficava claro

que a dissociação entre Estado e sociedade civil, como instâncias estanques e independentes,

seria fundamental para legitimar o argumento em torno da suposta ineficiência estatal,

independentemente da influência do grupo hegemônico que está no governo e os grupos da

sociedade civil que o perpassavam.

Seguindo uma linha de análise gramsciana, observamos que criar um consenso na

sociedade civil (arena de disputas por projetos societários) em torno da inevitabilidade do

esvaziamento do Estado nas atividades era o foco do grupo liderado por FHC que entendia

que o Estado deveria se concentrar nas atividades policiais, fiscalizadoras e de estipular

diretrizes macroeconômicas que garantissem a estabilidade de crescimento econômico. Para

sedimentar esse consenso, alguns intelectuais orgânicos do capital foram fundamentais para

legitimar esse argumento diante da sociedade civil e da sociedade política, dando forma à

consciência e formatando a maneira como se vê o mundo. Dentre os intelectuais orgânicos

que autuaram na direção da argumentação do esvaziamento do Estado, destacamos os ex-

ministros Bresser Pereira e Claudia Costin (atual secretária de educação do município do Rio

de Janeiro).

Embora a reforma tenha sido aprovada e sancionada pelo presidente FHC em

novembro de 1995, esse tema dominou as discussões sobre a efetividade do serviço público

desde a chegada de Collor ao governo em 1990. Nesse contexto, surgem organizações não

governamentais com o propósito de suprir as lacunas deixadas pelo poder público na

prestação de determinados serviços, principalmente na área social. Uma ONG (público não

estatal) que surge nesse momento com a proposta de oferecer um serviço público de

“qualidade” na área educacional é o Instituto Ayrton Senna, cuja origem remonta ao ano de

1994.

Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em “agências autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não

estatais de um tipo especial: as organizações sociais. (BRASIL, 1995, p.44-45).

A ideia era colocar era desonerar o Estado da execução de determinados serviços, com

destaque para a área social, permitindo-lhe exercer as suas “funções inerentes”: policial,

legislativa e jurídica. Dessa forma, o Estado deveria se concentrar em questões que

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proporcionaram à economia as condições necessárias para o seu desenvolvimento econômico

e estabilização política, além de criar autarquias especiais (agências reguladoras) com o

objetivo de controlar e regular os serviços que seriam passados para o particular, seja na

forma de privatização diretamente para o mercado ou através da criação de Organizações

Sociais (OS’s) que não visariam o lucro, mas seriam mais eficientes na execução do serviço

público.

Segundo Bresser Pereira (1999, p. 6), a Reforma Gerencial deveria se concentrar em

delimitar as atividades exclusivas do Estado (aquelas que envolvem tanto a soberania

econômica, política e de segurança do país, por serem atividades estratégicas) daquelas que

poderiam ser passadas para o mercado ou para o chamado “quase mercado” (ONGs).

Estabelecendo-se essa linha divisória das atividades exclusivas de Estado das que não são,

ficaria mais fácil saber os órgãos onde se poderia implantar com a flexibilidade na contratação

dos servidores, fortalecendo a ideia da precarização das relações de trabalho, principalmente

na área social.

A Reforma Gerencial de 1995 foi definida inicialmente no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995). Neste documento, após constatar a ineficiência do serviço público existente no Brasil, desenvolve-se um quadro teórico para a reforma, inspirado nas reformas gerenciais que estão sendo implementadas desde a década de 80 em certos países da OCDE, e

particularmente na Grã-Bretanha. A reforma envolve: a) a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios; b) a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe pertencem e devem ser transferidas para o setor público não estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formulação de políticas e sua execução; e) maior autonomia e para as atividades executivas exclusivas do Estado que

adotarão a forma de “agências executivas”; f) maior autonomia ainda para os serviços sociais e científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na prática, transformados em) “organizações sociais”, isto é, um tipo particular de organização pública não estatal, sem fins lucrativos, contemplada no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, universidades, escolas, centros de pesquisa, museus, etc.); g) assegurar a responsabilização (accountability) através da administração por objetivos, da criação de quase-mercados [...] (BRESSER PEREIRA, 1999, p.6).

Entendemos que a Reforma Gerencial, que teve origem no Plano Diretor elaborado

pelo grupo hegemônico liderado por FHC, continua nos governos do Partido dos

Trabalhadores (2003-2012) graças à atuação dos intelectuais orgânicos que são fundamentais

para dar homogeneidade ao pensamento duma concepção particularista de mundo, que precisa

ser cada vez mais sedimentada, consolidada e coerente para as ações da coletividade

(ideologia). Nesse aspecto, o argumento legitimador da necessidade de se realizar a Reforma

do Estado estaria no fato dos direitos agrupados em torno da concepção de cidadania não

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estarem sendo prestados na forma de serviços públicos de “qualidade” em função da

ineficiência do Estado.

Cabe destacar também que o que estava sendo posto como problema na administração

burocrática era o fato dos cidadãos não serem tratados como clientes e consumidores do

serviço público. Esse debate surgia em função não da falta de “capacidade” do funcionalismo,

mas em função da administração burocrática não ter “capacidade” de gerenciar com eficiência

os recursos humanos que dispõe. É nesse contexto que o grupo liderado por FHC propõe e

aprova com habilidade, no congresso nacional, a chamada transição da chamada Reforma

Administrativa de Estado, com a passagem da administração burocrática para uma

administração gerencial.

Observando o histórico das atividades executadas pelo Instituto Ayrton Senna até

1995, observamos que seus programas educacionais eram voltados para a educação não

formal, principalmente para o esporte. Contudo, a partir de 1996 quando começam a ser

disputados na esfera política o consenso da sociedade civil em torno da necessidade de maior

participação da sociedade civil na prestação de serviços públicos, via Organizações Sociais

Sem Fins Lucrativos, o foco do instituto muda para a educação formal. É nesse contexto que

em fins dos anos 1990 foram normatizadas a participação de organizações da sociedade civil

sem fins lucrativos na prestação do serviço público e, em 1997, o IAS começa a desenvolver

tecnologias de intervenção social na área da educação formal em larga escala com a criação

do “PAB”, vislumbrando estabelecer parcerias com o Estado para implementação desses

programas educacionais.

2.1.1 Ratificação da Reforma Gerencial: normatização das parcerias público-privadas e

qualificação das Organizações Sociais

O grupo político dirigente durante o governo FHC efetivou o processo de

“publicização” e da qualificação das organizações sociais de direito privado que estariam

habilitadas a executarem serviços públicos na área social e na área da pesquisa científica

através da lei 9.637 de 15 de maio de 1998. O processo de “publicização”, segundo Bresser

Pereira (1998), seria a transferência dos serviços que não seriam típicos do Estado (como

seriam os serviços de fiscalização, polícia e regulação) para organizações da sociedade civil

que seriam públicas, porém não estatais. Seriam públicas porque desenvolveriam serviços

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voltados para o público (cidadão-cliente) sem objetivar o lucro e teriam financiamento estatal

e seriam não estatais porque seriam organizações privadas não controladas pelo Estado

diretamente.

A lei 9.637/98, em seu artigo 1º, estabelece os critérios que o poder público exigirá

para qualificar uma entidade como “Organização Social”. Essas organizações deveriam ser

privadas e atuar na área social, tecnológica e de preservação do meio ambiente, nas lacunas

deixadas pelo Estado,

O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica,

ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. (BRASIL, 1998, p.93).

Esse arranjo normativo (Lei 9.637/98, artigo 3º) traz como característica marcante o

fato das “Organizações Sociais” terem, necessariamente, que conter de “20 a 40% (vinte a

quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público, definidos pelo

estatuto da entidade”. (BRASIL, 1998, p.93). As Organizações Sociais, criadas pelo próprio

poder público para suprir a vacância de alguns órgãos que seriam extintos, atuariam na

prestação do serviço público e poderiam dispor de recursos orçamentários, dos bens e

instalações materiais do Estado (Lei 9.637/98, artigo 12º), além de servidores que seriam

cedidos com ônus para a origem (Lei 9.637/98, artigo 14º). Essa transferência de

responsabilidade para a organização social vem sobre o manto da eficiência na prestação do

serviço público através do estabelecimento de metas objetivas a serem atingidas.

Ratificando as diretrizes da Reforma Gerencial, a lei 9637/98 (Artigo 20º, incisos I e

II) estabelece o foco no cidadão-cliente e na ênfase dos resultados quantitativos e qualitativos

para que as Organizações Sociais pudessem desempenham com eficiência o seu papel de

executoras do serviço público. O que nos chama a atenção é o fato de os intelectuais

orgânicos do capital terem obtido êxito na construção do consenso, em grande parte da

sociedade civil brasileira, em torno da maior eficiência das Organizações Sociais na prestação

do serviço público e do “despreparado” do Estado nessa tarefa. A tese desenvolvida por

Bresser Pereira (1998) é a que entende que as Organizações Sociais executam o serviço

público com maior eficiência em função de olhar para o cidadão como cliente, nos mesmos

moldes da iniciativa privada e ter maior flexibilidade, ou seja, não terem o “peso” da

burocracia que o Estado “carregaria” consigo.

Mais uma vez, aprofundando nosso olhar para essa tese, nos deparamos com algumas

indagações: Alguns órgãos públicos estatais foram extintos porque “não” ofereciam um

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serviço de “qualidade”; mas, esses órgãos recebiam os investimentos necessários para prestar

um serviço público de “qualidade”? Caso recebessem os recursos necessários, por que esses

órgãos não “funcionavam” bem? Seria a “falta” de compromisso dos servidores?

Entrementes, muitos desses mesmos servidores foram cedidos para as Organizações Sociais.

Como culpar os servidores se eles não servem para o Estado, mas servem para as OS’s? Como

explicar os salários maiores que o poder público paga para os funcionários das Organizações

Sociais do que salário pago aos servidores estatutários de carreira para executarem o mesmo

trabalho?

Entendemos que a promulgação da lei das Organizações Sociais (OS’s) é mais uma

receita neoliberal que estava sendo adotada no Brasil com o objetivo de esvaziar o papel do

Estado na prestação de serviços públicos na área social, passando à iniciativa privada os

serviços que o mercado tivesse interesse e às OS’s os serviços voltados para a área social,

cultural, pesquisa tecnológica. A criação das OS’s vai ao encontro da lógica neoliberal de

flexibilização dos vínculos empregatícios à medida que a lei não define o regime de

contratação dos trabalhadores das OS’s, o que pode gerar uma precariedade nas condições de

trabalho, tais como a contratação temporária, desamparo aos trabalhadores em relação à

previdência e a resignação diante do achatamento salarial diante do medo da perda do

trabalho.

Na contramão dessa história, quando os servidores eram admitidos via concursos

públicos (para os órgãos que foram extintos), a possibilidade de focos de resistência à política

de achatamento salarial e a composição sindical tinham maior possibilidade de obter êxito nas

lutas por melhores condições de trabalho e salários, quer fosse pela via das paralisações, quer

fosse pela entrada efetiva em greve.

Na direção de efetivar a Reforma Gerencial do Estado brasileiro, o presidente

Fernando Henrique Cardoso (FHC) assinou a lei 9.790 em 23 de março de 1999 que dispõe

sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), institui e disciplina o Termo

de Parceria. Essa lei foi um importante instrumento utilizado por FHC e seu grupo político

para efetivar o processo de transferência para a iniciativa privada a execução de políticas

públicas, principalmente na área social. Contudo, não bastava ser pessoa jurídica de direito

privado e sem fins lucrativos, mas possuir algumas características voltadas à assistência

social, solidariedade, promoção da cidadania, incentivo ao voluntariado, conforme estabelece

o artigo terceiro da lei 9790/99.

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A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será

conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: I – promoção da assistência social [...] III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei [...] VII – promoção do voluntariado; VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito [...] XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais [...]. (BRASIL, 1999, p. 134).

A lei da qualificação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público dá

seqüência ao processo da chamada Reforma Gerencial através da transferência para as

organizações privadas sem fins lucrativos a atuação no campo da assistência social, em áreas

específicas como educação e saúde. O Instituto Ayrton Senna é uma dessas OSCIP’s que atua

na promoção da educação gratuita, recebendo financiamento de organizações privadas e

financiamento público (através de parcerias público-privadas) para desenvolver seus

programas educacionais que têm por eixo articulador o estímulo ao voluntariado, à

“responsabilidade social” de todos os membros da sociedade, principalmente das empresas,

no combate à pobreza extrema.

Falamos dessas das leis 9.637/98 e 9.790/99 em função de pontuarmos os

metabolismos que o neoliberalismo sofria para se estabelecer e manter hegemônico no Brasil

com o atendimento às demandas sociais no nível mínimo, evitando a pobreza extrema e uma

possível ruptura do pacto social por parte dos excluídos da distribuição da riqueza gerada pela

sociedade. Dessa forma, algumas organizações sociais sem fins lucrativos e sem vinculação a

movimentos sociais históricos de fiscalização e combate ao Estado, como é o caso do Instituto

Ayrton Senna, se proliferavam a partir da década de 1990, como entidades que viriam a

ocupar espaços deixados pelo Estado de orientação neoliberal na prestação do serviço na área

social, cultural, pesquisa.

Cabe ressaltarmos a diferença entre a OSCIP e a OS. A primeira diz respeito às

organizações que já são privadas e estabelecem contratos de parceria para a gestão e execução

de determinado serviço com o Estado; a segunda é organização privada criada pelo poder

público já incumbida de administrar um patrimônio público. (CURY, 2007). A criação de OS

e o estabelecimento de parcerias com OSCIP’s tem marcado as políticas dos governos federal,

estaduais e municipais nas últimas décadas como outro mecanismo de desresponsabilização

do Estado nas formas de enfrentamento da “questão social”. (MONTAÑO, 2002). Todavia

não queremos incorrer na falácia “generalização apressada” ao identificarmos o surgimento

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das Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos com as leis que qualificam as OS’s e OSCIP’s

como parceiras do Estado na execução do serviço público.

A atuação de organizações, de direito privado, não governamentais e sem fins

lucrativos na sociedade civil vem muito antes da lei que as qualifica como OS’s ou como

OSCIP’s. Durante as décadas de 1960 e 1970, algumas dessas organizações (que se

autodenominavam ONGs) começaram a se destacar na promoção dos direitos humanos, de

valorização da cultura local e de valores universais como a igualdade entre etnias, geralmente

ligadas a movimentos sociais. Portanto, é importante percebemos que algumas dessas

organizações já atuavam preenchendo as lacunas deixadas pelo poder público na prestação da

assistência social, como já ocorria em favelas que se proliferavam na cidade do Rio de Janeiro

durante as décadas de 1970/80. (SODRÉ, 2005). Entretanto, essas organizações funcionavam

como captadoras de recursos para os “Novos Movimentos Sociais”, e não como parceiras do

Estado na execução de políticas públicas, constituindo-se em núcleos de enfrentamento e

cobrança ao Estado na realização de políticas públicas.

No tocante ao papel político dos diferentes movimentos sociais no decorrer da

reestruturação do sistema capitalista a partir da década de 1970, Montaño & Duriguetto

(2011) nos fornecem os elementos centrais para a compreensão dos chamados “Novos

Movimentos Sociais” nas suas múltiplas dimensões: aqueles voltados para o acesso ao

consumo (acionistas), os que são voltados para questões pontuais de gênero, sexualidade,

etnia (pós-modernos) e os que têm uma perspectiva de emancipação humana (marxistas).

Essas análises nos permitem compreender como a fusão dos movimentos acionista e pós-

moderno têm criado uma perspectiva culturalista de negação da categoria totalidade.

Esses movimentos sociais de cunho culturalista das décadas de 1960 a 1980,

geralmente negavam a composição sindical, tinham nas ONGs seus principais braços

captadores de recursos, o que nos permite identificar a vinculação ideológica entre alguns

movimentos sociais e determinadas ONGs.

É nesse cenário, de forte ofensiva do capital contra o trabalho (crise da década de

1970), que emergem os chamados “Novos Movimentos Sociais” (MONTAÑO;

DURIGUETTO, op.cit.) na Europa e nos Estados Unidos com propostas de enfrentamento da

“questão social” que já não passavam pela dimensão econômica e política (nos limites da

exploração da força de trabalho e pela superação do sistema capitalista), mas pelo combate da

“exclusão” que incorporaria a luta para o acesso ao consumo, pela defesa de direitos

humanos, políticos e sociais. Esses movimentos fundados em “identidades particulares” de

seus membros foram incorporados no Brasil e tiveram nas ONGs seu braço funcional na

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captação de financiamento, inclusive, com organizações internacionais de defesa dos direitos

humanos, com a finalidade de contestar as demandas que “estariam fora da contradição

capital-trabalho”. Cabe ressaltarmos que no Brasil24

e no restante da América Latina25

, desde

o desencadeamento de golpes militares a partir da década de 1960, estiveram presentes dentre

os “Novos Movimentos Sociais” (NMS) aqueles que mantêm uma leitura marxista. Muitos

desses movimentos estiveram ligados ao enfrentamento da “questão agrária”, às “questões

étnicas e culturais”, mas sem perder o horizonte que o problema não se reduzia à esfera do

particularista da produção de identidades. Dessa forma, o elemento estruturador do

pensamento desses “NMS”, com leitura marxista, passava pelo enfrentamento da contradição

capital-trabalho como fonte da exploração, seja no campo ou na cidade, para se chegar aos

objetivos perseguidos: reformas no limite da exploração e, posteriormente, superação do

ordenamento estabelecido pelo sistema capitalista na geração e distribuição da riqueza.

É interessante destacar que os “Novos Movimentos Sociais” (NMS), que não possuem

orientação marxista no Brasil e na América Latina, recusam à composição sindical como

forma de luta representativa dos interesses da classe trabalhadora numa perspectiva de

totalidade das relações sociais na construção de uma nova hegemonia, ganhando destaque

ações focalizadas, compensatórias e particularistas de valorização cultural. É justamente nesse

contexto de leitura culturalista dos “Novos Movimentos Sociais” que o Instituto Ayrton Senna

centra seus valores, deixando de lado, contudo, o horizonte de superação da ordem vigente no

capital. A problemática tratada pelo Instituto Ayrton Senna envolve questões ligadas à

promoção da cidadania dentro dos limites burgueses (igualdade política-jurídica e alguns

direitos sociais de caráter compensatório e focalizados).

24 Nas décadas de 1960/70 vários grupos de guerrilhas urbanas e rurais no Brasil se formavam com o intuito de combate às ditaduras militares, com a finalidade de instaurar uma democracia nos moldes de uma sociedade socialista. Dentre os movimentos guerrilheiros de maior destaque no Brasil temos: MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro, a (ALN)

“Ação Libertadora Nacional”, a (VPR) “Vanguarda Popular Revolucionária”, e outros. Já durante as décadas de 1980 e 1990, ganha destaque, no Brasil, o “Movimentos dos Sem Terra” (MST) que tem tratado a “questão agrária” para além dos interesses corporativistas e sindicais (embora sua base seja campesina), mas tem dimensionado o movimento como conversão da luta pela terra numa luta de classes antagônicas, ou seja, identificado que o problemas da desigual distribuição de terra se dá em função das desigualdades promovidas pelo sistema capitalista de produção da riqueza. Cf. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 273-280).

25 Movimentos camponeses influenciados por questões lingüísticas, étnicas, culturais, geográficas, nacionalistas, têm

inspiração numa leitura marxista de que questões importantes como essas estão inscritas no movimento do sistema capitalista de expropriação material e espiritual dos povos visando à concentração de renda e de terras nas mãos de poucas pessoas. Podemos destacar o movimento indígena na Bolívia que proporcionou as bases para a chegada de Evo Morales ao governo, o “Movimento Zapatista”, organizado pelos camponeses mexicanos desde a década de 1960, que teve atuação fundamental no enfrentamento à imposição sistêmica do capital e subsunção real dos povos indígenas que viviam em propriedades coletivas na região do Chiapas quando o governo daquele país, ao aderir ao NAFTA, reformou a constituição e tornou possível a venda de propriedades coletivas indígenas ao capital privado. Enfrentar a privatização das terras coletivas significa mais que uma luta local e particularista, expõe o propósito do próprio movimento que é o combate à propriedade privada da terra e,

conseqüentemente, ao sistema capitalista de produzir as riquezas. Cf. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 280-282).

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Com o fulcro de analisar o processo de “onguização” dos movimentos sociais

ocorrido, principalmente na aurora do século XXI, Virginia Fontes (2010) e Paoli (2003) nos

fornecem caminhos de análise da importância do empresariado com “responsabilidade social”

na construção do consenso em torno da “falência” do serviço prestado pelo Estado, utilizando,

para tanto, a mídia, revistas especializadas em educação e ONGs que recebem apoio

filantrópico dessas empresas.

Mesmo com o processo de “onguização” dos movimentos sociais (transformação dos

movimentos sociais em cabides de empregos institucionalizados em ONGs parcerias do poder

público), cabe-nos ressaltar que ainda existem movimentos sociais que lutam pela

emancipação humana e têm sua trajetória histórica ligada às lutas dos trabalhadores contra a

exploração a que os seres humanos são submetidos na produção da riqueza do sistema

capitalista de produção (FONTES, 2010).

No nosso caso específico, o Instituto Ayrton Senna não tem sua criação ligada a um

movimento social específico, mas já desde seu nascituro se autodenominava ONG voltada

para a conquista da educação de “qualidade” e promoção da cidadania e do Desenvolvimento

Humano. Como Instituto Ayrton Senna não foi criado pelo Estado, mas realiza trabalhos em

parceria com o mesmo, é uma OSCIP que tem despontado no cenário nacional devido à

grande penetração de seus programas educacionais nos Estados e Municípios do Brasil.

Entender o Instituto Ayrton Senna como uma OSCIP que não possui seu nascimento

vinculado com algum movimento social de atuação combativa ao Estado autoritário dos

tempos da ditadura militar, ou a movimentos sociais ligados a questões étnicas e culturais, não

o exime de estabelecer parcerias com movimentos sociais mais recentes (aurora do século

XXI) que coadunam com as propostas neoliberais como são o “Movimento Brasil

Competitivo” e o “Movimento Todos Pela Educação”, criados e vinculados à manifestação

dos interesses dos empresários de ramos de atividades diversificadas na arena de disputas por

projetos societários.

Embora o regime de contratação de parcerias público-privadas obedeça aos princípios

da lei de licitações (BRASIL, 1993), governo Lula deu sequência à política de repasses de

verbas públicas às ONGs, consolidada na lei das parcerias público-privadas (BRASIL, 2004),

o que vem ampliando relevância desses atores na formulação e execução de políticas públicas.

(IPEA, 2011b). Do ponto de vista normativo, a lei 11.079/2004 busca diminuir práticas de

contratação de entidades privadas pautadas no clientelismo, o que poderia perpetuar uma

única Organização Não governamental (OS ou OSCIP) na prestação do serviço público em

parceria com o Estado.

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A criação de OS’s e OSCIP’s, segundo Bresser Pereira (1999), atenderia nesse

contexto de Reforma Gerencial que vinha sendo implementado desde 1995, aos interesses

mais imediatos da população uma vez que ambas, por serem privadas, teriam por finalidade

alcançar a chamada “qualidade total”, perseguida por empresas privadas na busca pelo lucro

no mercado; contudo, na prestação do serviço público na área social o objetivo não seria o

lucro, mas alcançar a “qualidade total” e atender aos anseios do “cidadão-cliente”. É

interessante ressaltar, como destaca Roberto Leher (2010) que as propostas da lei de parceria

público-privada foram encampadas, não apenas pelo grupo político de FHC, mas também

pelo primeiro governo Lula da Silva através do Ministro da Educação Tarso Genro e seu

secretário executivo Fernando Haddad, o que causou grande decepção em parcelas do Partido

dos Trabalhadores e em movimentos sociais que esperavam uma ruptura com a lógica do

controle por meio da avaliação e da adesão ao relatório de Jacques Delors para

UNESCO/OCDE.

2.1.2 Influências internacionais na construção da imagem de um capitalismo “mais humano”

e “socialmente responsável”

Antes mesmo de expormos algumas influências de organismos internacionais na

construção de um capitalismo menos cruel, Roberto Leher (2010, p. 372) nos adverte quanto à

armadilha do pensamento crítico cair em análises rasas e associar imediatamente as

recomendações desses organismos à colocação em prática da burguesia nacional. As

recomendações são recontextualizadas pela burguesia local em função de determinantes

históricos, políticos, culturais, econômicos e pela correlação de forças. Portanto, quando

falamos de recomendações do Banco Mundial, do PREAL, da OCDE, entre outros

organismos internacionais, não os reconheceremos como os únicos “vilões” donos de um

receituário neoliberal, desconsiderando o protagonismo das frações burguesas locais.

O Banco Mundial em seu sítio oficial dá dicas da melhor forma do ente público

estabelecer parcerias com organizações privadas para atender minimamente as questões

sociais dos pobres. (BANCO MUNDIAL, 2011). O Estado, segundo o Banco Mundial, seria o

responsável por ser o definidor das políticas públicas, responsável por “mobilizar recursos”,

além de promover um maior envolvimento da população que receberá o serviço público com

a organização privada que o prestará. No âmbito municipal, o Estado deveria ser o promotor

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de amplas discussões a respeito do serviço público a ser prestado pelo particular e

proporcionar situações de mobilização dos atores diretamente envolvidos, como fiscais da

qualidade do serviço prestado pela organização privada.

No caso brasileiro, a burguesia local recontextualizou as recomendações de como

deveriam ser estabelecidas as parcerias público-privadas no que diz respeito à atuação dos

cidadãos-clientes como fiscais da “qualidade” do serviço prestado pela ONG, pois os arranjos

normativos (lei 9.637/98 e 9.790/99) citados anteriormente não estabeleciam claramente como

se daria a mobilização e o controle do serviço prestado por essas organizações, conforme

recomendação do Banco Mundial. Foram recontextualizadas aos determinantes históricos da

pouca participação popular nos movimentos políticos da sociedade civil e pela truculência do

Estado nos momentos de participação de frações da sociedade civil (como os sindicatos) das

discussões envolvendo as parcerias.

Um dos argumentos centrais em favor das parcerias do Estado com organizações

privadas sem fins lucrativos se deve ao fato de estarem mais próximas do público a ser

atendido, serem mais céleres na prestação do serviço e facilitarem o controle da qualidade por

parte da população diretamente envolvida. (IPEA, 2011b). Observando o artigo 15º da lei

11.079/2004 (lei da PPP), vemos que compete aos Ministérios e às Agências Reguladoras a

fiscalização dos contratos de parceria público-privada nas suas áreas de competência. Diante

desse artigo da lei nos indagamos: como a qualidade do serviço seria avaliada diretamente

pela população diretamente afetada, uma vez que a lei prevê que o controle e fiscalização

caberiam ao Estado na figura dos Ministérios ou das Agências Reguladoras? Qual o espaço

reservado para a população diretamente envolvida no serviço público prestado avaliar o

desempenho da ONG? Qual o espaço de decisão que a população teria em escolher se deseja

que o serviço público seja realizado via parceria público-privada?

Em nosso entender a lei silencia sobre as questões levantadas acima e o Estado de

orientação neoliberal atua reconhecendo que é incapaz de prestar um serviço público de

“qualidade”, o que lhe estimularia a assinar parcerias público-privadas sem mesmo consultar

diretamente a população que receberá esse serviço sobre o conceito de “qualidade” que a

comunidade deseja. Como nosso objeto é uma parceria público-privada na área educacional,

analisaremos mais adiante a concepção de “qualidade” que o Instituto Ayrton Senna, que é

parceira do Estado, tem levado às escolas públicas do município do Rio de Janeiro.

Como grande promotor do consenso em torno da necessidade da aquisição de “capital

humano” adquirido ao longo da vida, o Banco Mundial promoveu uma discussão no mês de

junho de 2009, no Brasil, onde o destaque ficava por conta de como a influência que uma

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educação básica de “qualidade” atuaria decisivamente para o investimento em novos

conhecimentos e habilidades que seriam a garantia de um futuro profissional promissor,

independentemente das condições estruturais e conjunturais da economia. (BANCO

MUNDIAL, 2010). As organizações privadas seriam “mais eficazes” na promoção de uma

educação básica de “qualidade”, principalmente para as camadas mais desfavorecidas que não

teriam acesso a conhecimentos “sólidos” se o serviço fosse prestado diretamente pelo Estado.

Em função dessa linha de pensamento, estabelecer parcerias público-privadas com

organizações privadas, tais como as OSCIP’s e as OS’s seriam medidas “salutares” para o

Estado. Como Claudia Costin, atual Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro,

atuou nos quadros do Banco Mundial na década de 1990, trouxe consigo as mesmas

concepções de “qualidade” defendidas pelo Banco Mundial: melhoria nos indicadores da

educação. Esses indicadores se baseavam nas avaliações (Prova Brasil e SAEB) promovidas

em âmbito nacional pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP), mas com forte inspiração internacional do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento no final do século passado.

Com o objetivo de melhorar os indicadores de “qualidade” na educação, o governo

FHC, em 1999, assinou contrato com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento) para a execução de Projetos de Cooperação Técnica26

na gestão e na

disseminação de uma cultura pedagógica baseada em materiais didáticos de referência

internacional, outrora adotados em países que objetivavam melhorar seu Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH). Como a educação é uma dos pilares da avaliação do IDH,

passou a ser o foco de políticas públicas sociais, inclusive no governo Lula da Silva que

continuou a priorizar esse projeto (assinado por FHC) que foi encerrado em 2007.

Tendo como um de seus eixos norteadores de ação a elevação do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o Instituto Ayrton Senna tem estabelecido

parcerias com o Estado, desde a segunda metade da década de 1990, com a função de preparar

os alunos das escolas públicas para ingressarem em projetos específicos de reforço escolar,

onde os alunos são retirados da rede regular de ensino e quando são reinterados

“apresentariam” um rendimento escolar melhor, o que ajudaria a melhorar o IDEB que é um

dos índices que compõe o cálculo do IDH.

26 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. “Melhoria da Qualidade do Ensino Fundamental e Educação Infantil” - está voltado para a implementação, no quadriênio 1999/2002, de um dos objetivos

primordiais da política nacional de educação: a melhoria da qualidade do ensino fundamental. (PNUD, 2009).

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Inserir o Instituto Ayrton Senna no debate da Reforma Gerencial, que teve início na

década de 1990, nos permite pensar dois eixos sistemáticos que articulariam a concepção de

“qualidade” estabelecida pelos organismos internacionais. O primeiro eixo seria a necessidade

de se acelerar os alunos que estariam em defasagem idade-série, o que viria a ser atacado pelo

Instituto Ayrton Senna, a partir de 1997, através do programa educacional “Acelera Brasil”,

ou seja, a correção de fluxo idade-série; já o segundo eixo seria o treinamento dos alunos na

rede regular de ensino que viriam a fazer as provas do INEP de língua portuguesa e

matemática, pois servem de base para cálculo do IDEB. As duas medidas no nosso entender

traduziriam a minimização do conhecimento e hierarquização das disciplinas.

Uma das OSCIP’s que participou dessas discussões promovidas pelo Banco Mundial

sobre a educação no Brasil em 2009, conforme citado anteriormente, foi o Instituto Ayrton

Senna que vê como uma questão de garantia dos “direitos de cidadania” a oportunidade de um

aluno receber uma educação de “qualidade”, adotando materiais didáticos de referência

internacional em seus programas educacionais e a forte presença dos referenciais teóricos e

metodológicos da UNESCO elaborados por Jacques Delors27

.

Esse momento metabólico do sistema capitalista de produção marca a forte presença

de captadores de recursos junto empresariado com “responsabilidade social” atuando em áreas

estratégicas, como a educação, para elevar o IDH de um país através da sensibilização dos

homens de negócio na construção de parcerias para se chegar a uma sociedade mais justa, o

que além de garantir a coesão social do pacto vigente, agregaria valor às marcas de empresas

“socialmente responsáveis” que se preocupam com os pobres. Uma OSCIP de destaque desde

o ano de sua criação (1998) é o Instituo Ethos, pois tem funcionado como importante captador

de recursos, junto às empresas “socialmente responsáveis” tanto no Brasil quanto no exterior,

que são direcionados ao Instituto Ayrton Senna para execução de programas educacionais.

Criado em 1998 por um grupo de empresários e executivos oriundos da iniciativa privada, o Instituto Ethos é um polo de organização de conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas para auxiliar as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seu compromisso com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. É também uma referência internacional nesses assuntos, desenvolvendo projetos em parceria com diversas entidades no mundo todo (INSTITUTO ETHOS, 2012, p1.).

O Instituto Ethos tem sido uma referência internacional nos assuntos atinentes à

“responsabilidade social” porque funciona como um interlocutor junto ao mundo empresarial

de diversos ramos de atividades na captação de recursos para que organizações do “Terceiro

27

Desenvolveremos mais adiante.

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Setor” que atuem no combate à “má qualidade da educação”, à fome e à pobreza extrema, o

que possibilitaria ao mundo empresarial obter mão de obra mais qualificada e manter coeso o

pacto social (ao ajudar a “eliminar” a pobreza extrema). Caminhar na direção de combate a

pobreza seria caminhar na mesma direção dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”

estabelecidos pelas Nações Unidas no ano 2000 e colocar as “políticas sociais no centro da

estratégia de desenvolvimento”.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram adotados em 2000 pelos governos de 189 países como um compromisso para combater a desigualdade e melhorar o desenvolvimento humano no mundo. Trata-se de uma carta de navegação – com um horizonte fixado em 2015 – para erradicar a pobreza extrema e a fome, universalizar o ensino

fundamental, promover a igualdade entre os sexos, melhorar a saúde, reverter a deterioração ambiental e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento. (CEPAL, 2005, p.2).

Em 16 de junho de 2005, as Nações Unidas em seu boletim informativo específico

sobre a América Latina e o Caribe chamava a atenção para o fato de terem ocorrido avanços

no combate à fome, porém num ritmo mais lento do que se esperava e que a pobreza extrema

deveria ser totalmente exterminada em função do alto risco de ruptura social que

proporcionaria, caso os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM) não fossem

plenamente cumpridos. (CEPAL, 2005). Um dos objetivos mais urgentes, além do ataque à

“pobreza extrema”, seria o investimento no ensino fundamental, gerando “capital humano”

mediante programas sociais de transferência de renda para que as metas estabelecidas para

ODM fossem atingidas mais rapidamente.

Diante da necessidade de se atacar a “pobreza extrema” e universalizar o ensino

fundamental, a participação de todos os membros da sociedade se fazia urgente para

juntamente com o Estado criar uma “rede de solidariedade” que teria a participação especial

dos empresários de diversos ramos de atividades na promoção da filantropia direcionada à

área social. Nesse ambiente de “solidariedade” de diversos grupos sociais, algumas OSCIP’s

ganham destaque, quer seja na execução direta dos serviços públicos da área social quer seja

na obtenção de recursos junto ao empresariado, para o funcionamento de outras OSCIP’s na

tentativa de mostrar “um sistema capitalista menos cruel” na resposta à “questão social”.

A atuação do Instituto Ayrton Senna na execução do serviço de aceleração da

aprendizagem no município do Rio de Janeiro guarda relação com a totalidade das

transformações que o sistema capitalista estava passando. O objeto de pesquisa, que é

específico para a cidade do Rio de Janeiro, guarda relação com o todo das relações sociais

capitalistas; muito embora essas orientações de organismos internacionais para a área social

não tenham aplicação imediata, pois precisam ser ressignificadas e colocadas à prova na

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correlação de forças local. O que pretendemos chamar a atenção é que o momento (atuação do

IAS na SME/RJ) tem em si características da totalidade das relações sociais no mundo

capitalista, mesmo não o reproduzindo em sua totalidade, uma vez que a soma de partes

isoladas não representariam o todo.

2.2 “Terceira Via”: nova face do neoliberalismo na suposta resposta às novas expressões

da questão social na virada do milênio.

Centramos nossa análise do papel ideológico da “Terceira Via”, nas obras de Antony

Giddens (2001a, 2001b) por entendermos que se trata de um intelectual de grande

envergadura teórica na formulação de uma concepção de “Terceira Via”, como um caminho

alternativo ao modelo keynesiano e ao neoliberalismo, que não visaria o lucro e nem estaria

preso às amarras do burocratismo do Estado “ineficiente”, tampouco visaria o lucro do

mercado (“altamente eficiente”), para atendimento do serviço público às camadas sociais mais

“vulneráveis” no combate à pobreza extrema e na igualdade de oportunidades; melhor

dizendo, “igualdade de pontos de partida”.

A ideia de uma “Terceira Via” está intimamente ligada a uma divisão da sociedade em

setores autônomos e incomunicáveis entre si: Estado (1º setor), mercado (2º setor) e sociedade

civil (3º setor), como se eles não se interpenetrassem, fossem estanques, incomunicáveis e os

interesses de um setor não atravessasse o dos demais. Nesse cenário, alguns intelectuais

ligados à social democracia europeia e ganham destaque ao propor um novo modelo de “pacto

social” que identificava as reformas neoliberais como essenciais ao desenvolvimento

econômico, mas que também apontava na direção de associar desenvolvimento e estabilização

econômica com assistência social, prestada pelo Estado em conjunto com a sociedade civil.

A tese do sociólogo inglês Antony Giddens (2001a, 2001b) gira em torno da

necessidade de se dar uma resposta à “questão social”28

que se colocava na ordem do dia nos

países que haviam implementado as reformas neoliberais na década de 1980, como Estados

28

Compreendemos a “questão social” como expressões da problemática social constitutivas do Estado capitalista e resultantes da dinâmica das contradições que inserem uma sociedade de classes. Esse termo surge no século XIX “a partir da preocupação de um determinado setor da sociedade que via na pobreza acentuada e generalizada [....] advinda do processo de industrialização [....] o risco ou a ‘ameaça de fratura’ das instituições sociais existentes, tendo em vista o ingresso da classe operária no cenário político” (MOTTA, 2007, p. 241). Sendo a “questão social” constitutiva do modo de produção capitalista e situada na arena do poder, entendemos que tratar suas expressões – pobreza, desemprego, violência, etc. – separadamente retira o caráter político que lhes são inerentes e reforça um tipo de abordagem que as concebem como “disfunções sociais”

que podem ser normalizadas com aplicações técnicas ou ações sociais pontuais.

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Unidos da América e Inglaterra, através da elaboração de um novo “pacto” social, sob o risco

de ameaça de ruptura do equilíbrio social. Essa resposta não deveria ficar a cargo somente do

Estado, mas passaria pela responsabilidade individual de cada cidadão na construção de seu

futuro e por um estabelecimento de uma corrente de solidariedade para atendimento dos

indivíduos mais “vulneráveis”.

Com a chegada do partido trabalhista inglês ao governo, através da eleição do primeiro

ministro Tony Blair, as bases para esse novo contrato social proposto por Giddens (2001b)

ganha corpo: a responsabilidade pelo enfrentamento da questão social implicaria na assinatura

de um novo pacto social baseado na conciliação de uma economia dinâmica num mundo

globalizado, gerenciamento estatal em detrimento de um burocratismo pouco eficiente

(ganhando destaque a ideia de “qualidade”, cuja fonte de inspiração seria o mercado),

descentralização e solidariedade social29

.

É importante destacarmos que os intelectuais defensores da chamada “Terceira Via”

não a identificavam como uma face metabólica do capitalismo que permitira ao

neoliberalismo se manter como forma hegemônica de reproduzir o capital. Pelo contrário,

para Giddens (2001a, p.7-8) a “Terceira Via” seria um esforço da social democracia em

(re)pensar a política de forma a atenuar os efeitos na área social causados pelo neoliberalismo,

proporcionando “solidariedade e prosperidade social” como opções ao fim do socialismo real

na Europa e a desmontagem do modelo keynesiano. Esse intelectual, cujo referencial

histórico-geográfico é a Grã Bretanha das décadas de 1970-80, identifica a “Terceira Via”

como uma opção dos governos capitalistas de se organizarem de forma a manter a coesão

social através do atendimento das necessidades básicas (o que não teria sido feito pelos

governos neoliberais) para evitar a pobreza extrema e permitir a continuidade da estabilização

econômica proporcionada pelos neoliberais.

Seguindo nossa proposta de realizar um détour (KOSIK, 1976), faremos uma análise

da concepção de uma “Terceira Via” que se apresenta a priori como caminho alternativo ao

neoliberalismo partindo de indagações (abstrações) que nos levarão novamente ao que se

apresentou como verdade inicialmente (“Terceira Via” oposta ao neoliberalismo), tendo,

porém, um novo olhar sobre essa tese. Levantamos a seguinte indagação: a “Terceira Via” ao

difundir o ideal de solidariedade entre as diferentes classes sociais, camuflando as disputas

por projetos societários entre os aparelhos privados de hegemonia, estaria criando um

29 Cf. GIDDENS, Antony. A Terceira Via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record: 2001b. Nessa obra o autor aponta as reformas neoliberais como fundamentais para o processo de modernização de alguns países, mas destaca que o fato dos neoliberais terem ignorado os problemas sociais aumentava o risco de uma ruptura social, o que causaria sérios problemas,

inclusive, para o pleno desenvolvimento do mercado.

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consenso em torno de uma suposta harmonia dentro da sociedade civil, mesmo diante do

agravamento da pobreza com a adoção da doutrina neoliberal?

Um dos argumentos centrais dos defensores da doutrina neoliberal é a divisão da

sociedade em esferas autônomas e independentes, negando a categoria totalidade na sociedade

à medida que o isolamento em esferas (setores) mistificaria uma suposta homogeneidade na

sociedade civil. É a negação da sociedade civil como local de disputas por projetos societários

e a criação de um consenso em torno de uma suposta oposição entre Estado, Mercado e

Sociedade Civil (identificada como “Terceiro Setor”), fundamentada na concepção liberal de

Locke que via a sociedade civil como local de proprietários que tinham interesses antagônicos

aos interesses públicos. (BELLAMY, 1994).

Voltando ao que se apresentou a priori como verdade (“Terceira Via” como caminho

alternativo ao neoliberalismo), identificamos que a negação da categoria totalidade das

relações sociais pode falsear a interpenetração existente entre o Estado, Mercado e Sociedade

Civil, criando uma ideia de que são esferas estanques e opostas entre si, sem comunhão de

interesses. Essa tese é defendida tanto por neoliberais quanto pelos ideólogos da “Terceira

Via”. O’Donnel (1981) nos ajuda a compreender essa complexa relação de comensalismo que

existe entre o Estado garantidor (fiador) das relações sociais do grupo social hegemônico na

sociedade civil, desmistificando a ideia da sociedade civil como local de harmonia (coberta de

solidariedade). Dessa forma, após os questionamentos, aprofundando nossas reflexões sobre a

suposta dissociação de rotas apresentadas pelos ideólogos da “Terceira Via” e do

neoliberalismo, percebemos que as questões levantadas pela primeira têm sido um importante

instrumento de legitimação das ações adotadas pelos governos neoliberais para

implementação de sua doutrina30

.

O neoliberalismo seria identificado como a “nova direita”, cujos eixos estruturadores

seriam o Estado Mínimo, a Aceitação da Desigualdade, Sociedade Civil Autônoma e

Fundamentalismo do Mercado. Nessa perspectiva, a “Terceira Via” (segundo seus ideólogos)

seria um caminho alternativo ao neoliberalismo, mas que valorizava as ações implementadas

pelos neoliberais como necessárias para a garantia da estabilização econômica e diminuição

do tamanho do Estado, o que permitiria à sociedade civil ter uma participação mais ativa na

formulação e execução de políticas públicas, conforme preceitos defendidos pelos ideólogos

da “Terceira Via”. (GIDDENS, 2001a). É notório que se vistas como faces distintas do

30 Leda Paulani (2006) identifica o surgimento do neoliberalismo não como uma nova teoria, mas como uma doutrina nascida no seio liberal. Essa doutrina prescrevia medidas que deveriam diminuir o tamanho do Estado para evitar a regulações desnecessárias e estimular a competição entre os produtores internos; sua função deveria se concentrar no controle da

inflação e garantir a reprodução do capital.

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capitalismo, “Neoliberalismo” e “Terceira Via” têm o entendimento que o grande vilão a ser

combatido é o Estado no sentido keynesiano (PERONI, 2008), quer por seu tamanho e

centralização das decisões, quer por sua “ineficiência” e custos gerados na prestação dos

serviços públicos.

O reconhecimento por parte dos ideólogos da “Terceira Via” da importância das

reformas neoliberais para o crescimento de uma nação estaria na direção de se criar um

consenso em torno da inevitabilidade da etapa histórica do capitalismo neoliberal? Mais uma

vez percebemos que, ao contrário do que é apresentado à primeira vista, identificamos que as

reformas neoliberais são reconhecidas pelos ideólogos da “Terceira Via” como fundamentais

para a diminuição do Estado e maior espaço de participação política da sociedade civil

(identificada como organizações do “Terceiro Setor”). A defesa da maior participação das

organizações do “Terceiro Setor” nas discussões e execução de serviços públicos se daria

graças à diminuição do espaço ocupado pelo Estado na área social, cultural, científica e

tecnológica. A proposta da “Terceira Via” de reconhecer a importância das reformas

neoliberais nos parece um instrumento legitimador dessas reformas, diante da opinião pública,

como uma etapa histórica inevitável de superação do Estado Capitalista Keynesiano.

Enquanto o Estado Keynesiano asseguraria a coesão social de cima para baixo,

promovendo o Wellfare State a cidadãos “passivos”, receptores de assistência social; por sua

vez, os neoliberais, aproveitando-se da “queda” do espectro que rondava a Europa

(socialismo), desmontaram o sistema de bem estar social em favor da “ditadura” do mercado.

Já os defensores da “Terceira Via” entendiam que os indivíduos não deveriam ser passivos

receptores de serviços públicos à espera da intervenção do Estado, mas corresponsáveis por

seu destino profissional, baseado em suas decisões, hábitos e envolvimento proativo na

sociedade civil.

Para Giddens (2001a, p.109-111) o princípio orientador da social democracia deveria

ser a Reforma do Estado pautada na maior participação da sociedade civil através do

estabelecimento de parcerias público-privadas com ONGs (identificadas como organizações

do “Terceiro Setor”) visando à proteção aos “vulneráveis”, aumentando o grau de autonomia

e liberdade da sociedade civil (o que estimularia a participação democrática).

Desenvolvimento de uma cultura de participação democrática estaria intimamente ligada à

concepção de descentralização da formulação e execução das políticas públicas: seria a

“devolução” do poder à esfera micro.

No nível local, os laços de solidariedade poderiam ser aperfeiçoados através de

trabalhos voluntários e o impulso ao empreendedorismo seria fundamental para atacar

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problemas como o desemprego (através do autoemprego em tempos de crise) e desenvolver

uma cultura cívica de independência de um provedor centralizado. Associando-se o trabalho

dos empreendedores “socialmente responsáveis” com trabalhos voluntários, contribuiriam

para angariar os recursos materiais e humanos necessários para se manter a coesão social e

atender aos “vulneráveis” (pobreza extrema). Mais uma vez percebemos uma estrita relação

entre as proposições da “Terceira Via” com o Neoliberalismo na defesa do esvaziamento da

atuação social do Estado e no incentivo ao empreendedorismo (autoemprego) como

alternativa para inserção no mercado de trabalho em tempos de crise.

A questão central, para Giddens, é a igualdade de oportunidades e não a de renda,

onde os incentivos fiscais às empresas que financiassem projetos sociais desenvolvidos por

OS’s e OSCIP’s implementadas através da noção de “capital humano rejuvenescida” pelas

noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilização” e “qualidade total” que

seriam fundamentais para o crescimento econômico associado à manutenção da coesão social.

O investimento em “capital humano rejuvenescido” seria um eixo norteador da “Terceira

Via”, pois proporcionaria aos cidadãos as condições necessárias para que não se tornassem

reféns de programas assistencialistas do Estado em tempos de crise, onde somente os mais

qualificados teriam colocação no mercado de trabalho. (GIDDENS, 2001b, p. 167).

Outro aspecto importantíssimo no estabelecimento desse novo contrato social seria a

responsabilidade do Estado com os gastos sociais que deveriam ser estimados em relação às

suas consequências para a economia. Com uma política macroeconômica estabilizada,

dinamizada pela cultura empreendedora, Giddens (Ibid., p. 168-169) aponta que a concepção

de inclusão estaria necessariamente ligada à entrada dos indivíduos no mercado de trabalho,

mesmo que os vínculos empregatícios se dessem de forma precária (atendendo à

“flexibilização” exigida pelos novos tempos).

Diante dessa proposta de um novo contrato social, onde os indivíduos deveriam ser

corresponsáveis pelo seu destino profissional, levantamos mais um questionamento: o

estímulo da “Terceira Via” à aquisição de “capital humano”, revigorado pelas noções de

“capital social”, “empreendedorismo”, “qualidade total” e “flexibilização” poderia ser uma

forma legitimadora da suposta inevitabilidade de implementação das reformas neoliberais? A

defesa da aquisição de “capital humano” como instrumento promotor de ascensão social pode

nos conduzir a pensar que independentemente das condições estruturais da forma de gerar

riqueza, o sucesso de um indivíduo estaria na sua capacidade de investir ativos educacionais

em si.

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Contudo, em tempos de crise, além da aquisição de “capital humano”, o diferencial

para uma pessoa obter uma colocação no mercado de trabalho seria sua disposição para o

trabalho voluntário, gerando solidariedade na sociedade civil, como instrumento de

atendimento aos “vulneráveis” através da prestação de serviços sociais. Outro diferencial

importante seria a capacidade dos indivíduos de se adaptarem aos novos tempos,

principalmente me épocas de crise, adaptando-se às novas exigências do mercado de trabalho,

que passaria pela “flexibilização” dos vínculos trabalhistas e pelo empenho em atingir a

“qualidade total” na tarefa executada, além da capacidade “empreendedora”, o que ajudaria a

diminuir o número de desempregados e estimularia os indivíduos a serem donos do próprio

negócio.

A nosso ver esses argumentos dos ideólogos da “Terceira Via” em favor do “capital

humano rejuvenescido” (pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “qualidade

total” e “flexibilidade”) funcionam como perfeitos elementos de construção do consenso em

torno da responsabilização do indivíduo única e exclusivamente por sua colocação no

mercado de trabalho (através da aquisição de habilidades adquiridas na educação e da

capacidade de adaptação aos novos tempos); além disso esses argumentos favoreceriam a

desresponsabilização do Estado nas questões sociais que proporcionariam as condições dos

indivíduos menos favorecidos na distribuição da riqueza. Mais uma vez, percebemos a

ideologia da “Terceira Via” como criadora do consenso em torno da necessidade do

estabelecimento de um novo pacto social, moldado nas reformas neoliberais, mas que

atendesse minimamente aos indivíduos mais “vulneráveis”, sob o risco de ruptura social.

Em função das análises envolvendo a suposta dissociação entre as propostas da

“Terceira Via” e do Neoliberalismo, chegamos a conclusão que a primeira tem servido como

ideologia que atua no sentido de justificar as reformas neoliberais como importantes e que

deveriam ser apenas aprimoradas com um toque de atendimento das demandas sociais. É por

ser funcional às reformas neoliberais que Lúcia Neves (2005) passou a chamar esse momento

de manutenção dos ideais neoliberais com requintes de “responsabilidade social” de ideologia

do “Neoliberalismo da Terceira Via”.

2.2.1 “Terceiro Setor”: a transferência da lógica das lutas dos movimentos sociais pela

construção de consensos e negociação entre as ONGs e o Estado

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Dentro da perspectiva da “Terceira Via”, a prestação dos serviços públicos deveria ser

passada para as organizações do chamado “Terceiro Setor” (identificadas pelo autor como

aquelas que não possuem caráter governamental e fins lucrativos) por estarem mais aptas a

dar respostas rápidas e de maior qualidade nos serviços prestados. Essas organizações do

“Terceiro Setor” teriam a capacidade de atrair investimentos não só do poder público, mas

também do empresariado, de diversos ramos de atuação, movido pela “responsabilidade

social”.

Carlos Montaño (2002) num exercício teórico de descortinar o que está por trás do

“Terceiro Setor” apresenta quatro debilidades desse termo que teriam por finalidade ocultar as

contradições inerentes ao processo de reestruturação do sistema capitalista desde a década de

1970.

A primeira grande debilidade seria conceitual, uma vez que haveria uma transmutação

da sociedade civil em um “Terceiro Setor”, oposto ao Estado, mais eficiente e que poderia dar

uma resposta às lacunas sociais deixadas pelo Estado e que o mercado não estivesse disposto

a dar. A falta de rigor está no fato de não se levar em conta que os interesses da sociedade

civil perpassam o Estado e o Mercado, pois as instituições são criadas a partir da sociedade

civil e, assim, ela deveria ser considerada como o “primeiro setor”, ou seja, aquele dá origem

aos demais setores, numa clara tentativa de negação da categoria totalidade (MONTAÑO,

2002, p.54-55). Entendemos que a soma das partes não necessariamente reproduz o todo;

assim, a junção de setores autônomos e estanques, incomunicáveis não revalaria a realidade

das relações sociais; pelo contrário, é funcional ao capital à medida que ocultaria a

contradição (capital/trabalho) existente no seio dessas relações sociais.

A segunda debilidade residiria no fato do termo “Terceiro Setor” abarcar um conjunto

diversificado de instituições e com interesses difusos. O que os reuniria no mesmo grupo seria

o fato de serem organizações da sociedade civil, não terem o caráter governamental e não

objetivarem fins lucrativos. Dentro dessa perspectiva teríamos movimentos sociais, Igrejas,

clubes, OSCIP’s, OS’s e fundações ligadas a grandes empresas dentro do “Terceiro Setor”. É

seguindo essa lógica classificatória que o Instituto Ayrton Senna se intitula como uma OSCIP

pertencente ao “Terceiro Setor” por ter sua origem na sociedade civil e possuir caráter não

governamental e sem fins lucrativos.

A terceira debilidade do termo “Terceiro Setor” seria a adoção da mesma

classificação, no mesmo espaço, para entidades formais e atividades informais, organizações

ou indivíduos com interesses políticos juntamente com organizações ou indivíduos com

interesses econômicos. Dessa forma, poderíamos ter no chamado “Terceiro Setor” entidades

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como o Instituto Ayrton Senna e creches comunitárias; a FIESP e o Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra (MST); organizações representativas dos capitalistas e entidades

representativas dos trabalhadores.

A quarta debilidade do termo “Terceiro Setor” residiria no caráter “não

governamental” e “não lucrativo”. A questão envolvendo o caráter não governamental é

relativa à medida que uma ONG é escolhida para executar um serviço público em detrimento

de outra, recebe financiamento estatal em detrimento de outras, está inserida numa política

seletiva “a partir da política governamental, o que leva tendencialmente à presença e

permanência de certas ONGs e não outras e determinados projetos e não outros – aqueles

selecionados pelo(s) governo(s)” (MONTAÑO, 2002, p. 57). Dessa forma, o caráter não

governamental encobre a tendência de alinhamento aos projetos propostos pelo governo

contratante.

Por sua vez, o fato de serem Organizações Sem Fins Lucrativos é extremamente

questionável à medida que várias dessas instituições são fundações ligadas a grandes

empresas, como a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Itaú Social, a Fundação Vale do

Rio Doce, o que poderia agregar valor às marcas das empresas que as financiam,

proporcionando ganhos indiretos, pois as empresas “socialmente responsáveis” teriam melhor

aceitação no mercado pelos consumidores.

Alguns elementos estruturam e dão corpo à noção envolvendo o termo “Terceiro

Setor”; dentre eles, podemos destacar a não universalização dos serviços de proteção social,

pois as ONGs atuariam de maneira focalizada na prestação do serviço público, criando a

cultura do “possibilismo” ao invés do direito público subjetivo ao serviço. Seria a

naturalização dos preceitos defendidos pelos ideólogos da “Terceira Via”: a ascensão social

não deveria estar condicionada a nenhuma rede de proteção social universal, mas ao

investimento em “capital humano rejuvenescido”, justificando, assim, as reformas neoliberais

como necessárias.

O próprio sistema de contratação dos trabalhadores que atuarão nas ONGs parceiras

do Estado na execução do serviço público não está clara. Muitos dos trabalhadores das ONGs

possuem vínculos empregatícios precários (flexibilização), enquanto algumas dessas

organizações que recebem servidores públicos do governo contratante. Essa é uma questão

que tem suscitado muitas controvérsias entre os servidores públicos cedidas às ONGs, pois

passam a ser gerenciados por essas organizações privadas que tentam levar a lógica do

mercado para a esfera pública e atuam na tentativa da desmobilização sindical. O próprio

governo contratante da ONG pode utilizar a cessão para essas organizações uma forma de

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punição aos servidores “baderneiros”, com forte atuação sindical e que lutam contra essa

política privatista.

Diante da nova realidade acirramento da contradição capital/trabalho, as próprias

ONGs que assinam parcerias com o Estado estimulam ao empreendedorismo como forma de

atenuação ao desemprego e o investimento em “capital social” como marca distintiva dos

indivíduos para entrada no mercado de trabalho, pois as empresas teriam o interesse em ter

sua imagem ligada a pessoas que se empenham em trabalhos voluntários de assistência aos

“vulneráveis”.

Entendemos que a “Terceira Via” ao dividir a sociedade em setores independestes e

incomunicáveis entre si, mistifica a funcionalidade do chamado “Terceiro Setor” ao projeto

político neoliberal do capital que passa por uma reestruturação desde a década de 1970, pois

ocultaria a contradição capital/trabalho (socialização da produção e a apropriação privada do

produto) que se acirrou ainda mais no neoliberalismo e atuaria na justificação da desregulação

dos vínculos empregatícios, esvaziamento dos preceitos democráticos (universalização dos

serviços públicos), anulação da perspectiva de superação da ordem, precarização do trabalho e

do sistema de proteção social (estatal) ao cidadão “vulnerável”.

É importante destacarmos que os governos Lula da Silva são em sua essência a

continuidade do projeto político do grupo liderado por FHC. Todavia, quando o grupo

político de Lula da Silva assume o governo, encontra a estrutura econômica, jurídica e política

que fora montada pelo grupo político de FHC, possibilitando a colocação em prática do

projeto neoliberal da “Terceira Via” com maior proximidade do Estado com os “vulneráveis”,

conforme já vinha sendo proposto pelo Bando Mundial em seus documentos orientadores para

as “Políticas de Desenvolvimento do Milênio”.

Em suma, as ONGs, em substituição aos movimentos sociais, passam a ser as

interlocutoras tanto do Estado como dos Organismos Internacionais no que diz respeito ao

trato da “questão social”. Esse processo traz como consequência a despolitização do Estado e

o favorecimento da formatação de sujeitos alienados da forma como a lógica empresarial vai

dominando os espaços públicos de resistência ao capital. É nesse contexto de supressão dos

locais de resistência à ordem do capital que o Instituo Ayrton Senna vai formando sua

orientação ideológica e construindo seus referenciais teóricos, tendo por base alguns dos

documentos emitidos por organismos internacionais, focando sua atuação na cultura do

“possibilismo” e no atendimento pontual de um problema gerado pela própria lógica interna

de funcionamento do capital: acelerar alunos com defasagem de idade-idade que passam a

integrar o exército gerador de mais-valia cada vez mais cedo para conquistar a sobrevivência.

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2.2.2 “Responsabilidade Social” e trabalho “voluntário”: a participação do empresariado na

educação pública

Na defesa da participação do empresariado no enfrentamento da “questão social”,

Francis Fukuyama (1996) centra suas análises na ideia de um capitalismo democrático através

da aproximação e complementaridade entre as esferas políticas (Estado) e econômicas

(empresas) com a finalidade de diminuir a possibilidade de ruptura da coesão social e garantir

o desenvolvimento das economias capitalistas num mundo cada vez mais globalizado. Nesse

contexto, fez-se necessário investir em uma sociedade civil forte que pudesse assegurar

“estruturas familiares fortes e estáveis e instituições sociais perduráveis” (FUKUYAMA,

1996, p. 16).

Esse momento de transformação que o sistema capitalista passava para se manter

hegemônico em nível global também se refletiu no Brasil com a incorporação dos preceitos

defendidos pelos socialdemocratas nos governos de Tony Blair na Inglaterra e, em menor

escala, pelos democratas estadunidenses no governo de Bill Clinton. A instituição das Leis

9.637/98 e 9.790/99 foram ao encontro da proposta de intelectuais como Giddens e Fukuyama

que defendiam maior participação da sociedade civil financiando as OS’s e OSCIP’s, para

atendimento da área social que cada vez mais dependia de dinheiro oriundo de empresas

privadas para oferecer a cobertura mínima aos excluídos da distribuição da riqueza gerada.

Segundo Fukuyama (1996), com a queda do muro de Berlim, e o quase

desaparecimento do socialismo real, os governos das sociedades capitalistas deveriam

compreender o mundo não mais pela lógica da luta de classes, mas sim por um crescente

conflito cultural. Portanto, seria importante reforçar os laços de “solidariedade” da sociedade

civil para num sistema de colaboração entre Estado, empresas privadas e organizações sem

fins lucrativos, conseguir angariar recursos para superar as crises que o sistema de produção

capitalista passava (apresentadas como conjunturais) e atender às demandas sociais (nos seus

níveis mínimos) juntamente com crescimento econômico.

O reforço dos laços de solidariedade é um dos elementos estruturadores do argumento

que defende que a atuação das associações cívicas, tais como as organizações do “Terceiro

Setor”, criam uma conexão entre os costumes e a prática política. Seguindo a linha de

pensamento de Robert Putnam (2002), quanto maior fosse o envolvimento da sociedade civil

na execução dos serviços públicos, maior seria a participação dos cidadãos nas decisões locais

quanto ao caminho que deve ser adotado na execução de um serviço público, criando uma

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cultura política ativa em função da maior proximidade dos cidadãos com a organização do

“Terceiro Setor” para poder, inclusive, ter um maior poder de fiscalização no que diz respeito

ao serviço prestado.

Nesse ambiente da suposta necessidade da transferência do serviço público,

principalmente na área social, para a iniciativa privada com o fulcro de lograr a “qualidade”

na educação pública, oferecendo as “mesmas oportunidades” de conhecimento que os alunos

que estudam em escolas particulares, algumas OS’s e OSCIP’s passam a estabelecer parcerias

público-privadas com o Estado, que juntamente com a iniciativa privada, teriam o “dever” de

financiar essas organizações sem fins lucrativos, oferecendo as condições técnicas para o

êxito na prestação do serviço público.

Utilizando Antônio Gramsci para ampliarmos nosso olhar sobre a concepção de uma

sociedade civil como espaço de lutas por projetos societários, percebemos que a atuação das

ONGs (identificadas como a sociedade civil pelos ideólogos da “Terceira Via”) na construção

da hegemonia do capital referendava uma relação de dependência da população por ações

focalizadas e sob a direção neoliberal, o direito público subjetivo do cidadão passa ao “direito

do possível”, com indicações claras da desoneração do capital no que diz respeito às suas

responsabilidades sociais (recolhimento compulsivo de impostos).

O Instituto Ayrton Senna, que é uma OSCIP31

, nesse momento de Reforma Gerencial

do Estado de reconhecimento (por parte desse Estado) de sua incapacidade de prestação de

um serviço público de “qualidade”, passa a assinar parcerias público/privadas visando

executar seus programas educacionais nas redes públicas de ensino, implementando-os como

tecnologias sociais que utilizam ferramentas essenciais à superação da evasão escolar, da

distorção série/idade e da “falta” de uma política de avaliação que possibilitasse aos alunos

das escolas públicas terem o mesmo “desempenho” que “teriam” os alunos das escolas

privadas, principalmente em avaliações realizadas em larga escala pelo governo federal

(Prova Brasil e SAEB), objetivando aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB).

Para se alcançar a tão sonhada educação de “qualidade” na rede pública de ensino, o

Instituto Ayrton Senna, ainda no contexto de Reforma Gerencial do Estado brasileiro que teve

continuidade no governo Lula da Silva32

, conclama a sociedade civil a contribuir com doações

31 O Instituto Ayrton Senna se autointitula como uma ONG; contudo, de acordo com a lei 9.790/99, o instituto é qualificado como OSCIP apta a estabelecer parcerias com o poder público para elaboração e execução de serviços voltados à área social (educação, saúde) e desenvolvimento tecnológico.

32 Bons exemplos dessa continuidade são o relatório do IPEA 123/2011 relatando as transferências de dinheiro público para

OS’s e OSCIP’s no período 2003-2010 e a Lei 11.079/2004 que trata das Parcerias Público-Privadas. (IPEA, 2011a).

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filantrópicas àqueles que acreditam em seus programas educacionais, como forma de

atenuação das desigualdades sociais e encontram num grupo de importantes empresários parte

dos recursos que necessitam para implementação de seus programas, pois outra fonte de renda

viria do próprio Estado no estabelecimento de parcerias público-privadas.

2.3 Reconfiguração do Estado: entre o público e o privado.

Seguindo a lógica neoliberal que a crise não residia no capitalismo, mas no Estado

(PERONI, 2008), a administração pública deveria ser orientada pelo mercado, tomado como

padrão eficiência nos moldes da Reforma Gerencial. O Estado em si seria um dos vilões da

crise do capital desde a década de 1970, pois gastava mais do que poderia com políticas de

assistência social e não sobraria para cobrir os rombos nas contas públicas causados pela

financeirização do capital.

Como apontado anteriormente, a partir da Reforma Gerencial a “Terceira Via” é a face

do neoliberalismo que identifica o Estado como ineficiente e proclamava a necessidade da

sociedade civil tomar as rédeas da situação e passasse a ser a grande responsável pela

execução das políticas sociais. É nesse particular que gostaríamos de nos ater para procurar

entender a mudança de papel da sociedade civil em relação ao Estado quando suas

organizações passaram de fiscais e conselheiras na definição de políticas públicas a parceiras.

Em defesa da nova face neoliberal, Bresser Pereira (1999, p. 5) indica que o

argumento defendido pelo governo FHC e seu grupo político era a de que os cidadãos

apoiavam a Reforma Gerencial, pois “clamavam” por serviços públicos que fossem prestados

com a mesma “eficiência” dos que eram prestados pelas empresas privadas (2º setor),

conforme os resultados de “várias pesquisas de opinião”. Aponta ainda que não só a maior

parte da população entrevistada apoiaria a Reforma Gerencial, mas também os funcionários

do “alto escalão”, ou seja, aqueles que desempenham atividades exclusivas de Estado (fiscal e

policial).

A assistência social não fora considerada como área estratégica e típica do Estado, o

que permitiria passar a execução de serviços da área social para organizações privadas não

governamentais e sem fins lucrativos (identificadas genericamente como “Terceiro Setor”).

Essa transferência da execução dos serviços públicos para a iniciativa privada seria

concretizada através da implementação de um programa de “publicização” definida como a

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“transformação de serviços não exclusivos de Estado em propriedade pública não estatal e sua

declaração como organização social” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 246).

As organizações sociais que fizeram parte desse processo de “publicização” são

“entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização

legislativa para celebrar contrato de gestão com o poder público, e assim ter direito à dotação

orçamentária” (BRASIL, 1995, p. 60). Os contratos de gestão seriam celebrados num modelo

de parcerias público-privadas com a finalidade de lograr uma maior descentralização dos

serviços públicos e alcançar a chamada “qualidade total”, desburocratizando a concepção e

realização dos serviços pelas OS’s ou pelas OSCIP’s.

As justificativas para se chegar à “qualidade total” passariam pela maior autonomia

dessas OS’s e OSCIP’s na execução dos serviços, livre das amarras da burocracia, o que

permitiria uma maior mobilidade e rapidez na prestação do serviço ao cidadão-cliente.

Portanto, “lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade

para os dirigentes desses serviços” (BRASIL, 1995, p.47) permitiria identificar, julgar e punir

os “maus” dirigentes, proporcionando um maior controle da sociedade no que diz respeito ao

desempenho da organização social.

Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social (BRASIL, 1995, p. 47).

Analisando a concepção de controle social defendida por Bresser Pereira através dos

conselhos de administração percebemos que o Plano Diretor da Reforma do Estado não prevê

como se dariam os mecanismos que privilegiam a participação da sociedade na formulação e

avaliação da Organização Social que presta o serviço público. Indagamos: como viabilizar a

maior participação democrática da população na escolha de quem prestará determinado

serviço público se essa mesma população não participa do processo de escolha direta da

organização social? O Estado escolhe a Organização Social (OS ou OSCIP) que irá prestar o

serviço e a impõe à comunidade local, que não é ouvida diretamente através de conselhos e

debates locais, frustrando a teoria dos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via”, como

Robert Putnam, que defendiam maior participação da sociedade civil nas decisões cívicas e

políticas.

Voltando ao que se apresentou inicialmente como verdade concreta, que seria a

possibilidade de uma maior proximidade da população que receberia o serviço público com a

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OS ou OSCIP executora, percebemos que na maior parte dos casos, como o Instituto Ayrton

Senna (por exemplo), a comunidade local não possuí vinculação histórica de lutas sociais com

essa entidade, muito em função do Instituto Ayrton Senna não ter sua origem ligada a

movimentos sociais com atuações na comunidade. Então, que tipo de proximidade poderia

haver entre a ONG (OS ou OSCIP) e a comunidade a que atende prestando serviço público?

Uma possível reposta a essa indagação seria que a ONG por não ser tão burocratizada

quanto o Estado poderia fornecer respostas mais rápidas às questões sociais de uma

determinada comunidade. Mas, poderíamos contra-argumentar que o Estado de orientação

neoliberal não dá uma resposta satisfatória e rápida à questão social em função de não ser a

sua prioridade; pelo contrário, seu foco é o esvaziamento de sua atuação na área social,

criando brechas (habilmente preenchidas pelas ONGs). Pela falta de atuação efetiva e pronta

resposta do Estado neoliberal, devido a alguns fatores, dentre eles a desvalorização material e

espiritual dos servidores públicos, a redução drástica de investimentos que possibilitariam

uma resposta mais rápida e eficaz, além da legislação que privilegia os arranjos políticos, cada

vez mais se abrem brechas a serem preenchidas por ONGs.

Entretanto, cabe ressaltar que os problemas do burocratismo estatal, a desvalorização

dos servidores públicos e a falta de respostas eficazes à questão social que se apresenta têm

sua origem dentro do próprio modo de reprodução do sistema capitalista em sua face

neoliberal que vê o investimento em assistência social como gasto desnecessário (e não como

investimento) e necessita de manter o status quo que movimenta o sistema capitalista:

desemprego estrutural e combate à pobreza extrema a fim de eliminar focos de ruptura social.

No que diz respeito ao financiamento, o Estado continuaria a “financiar a instituição,

a própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar

minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações”. (BRASIL, 1995,

p. 47). Esse momento de efetivação da Reforma Gerencial, que ganhou corpo com a sanção

da lei 9.790/99 (que qualifica as Organizações Sociais de Interesse Público) marca uma

participação mais efetiva de segmentos da sociedade civil, junto com o Estado, no

financiamento dessas organizações sociais para que possam ter as condições técnicas

necessárias para seu funcionamento, visando “aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos

serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor”. (Ibid., p. 47).

O atendimento ao cidadão-cliente através da prestação do serviço pelas organizações

do “Terceiro Setor” atuaria na reconfiguração do Estado à medida que percebemos algumas

mudanças na forma de execução da política social estatal. As principais diferenças residiriam

na focalização dos serviços prestados pelas ONGs em oposição à universalização do serviço

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público; transformação do direito público subjetivo na cultura do possibilismo (favor);

precarização dos vínculos trabalhistas dos empregados das ONGs em substituição dos

vínculos empregatícios estatutário dos servidores com o Estado.

A reconfiguração da relação Estado/sociedade civil residiria justamente no papel

desempenhado por ambos na proposição, controle e execução das políticas sociais. O Estado

passava de elaborador e executor do serviço público para fiscal das ONGs que com ele

assinam parcerias público-privadas. Por outro lado, as ONGs que se notabilizaram como

captadoras de recursos para os movimentos sociais no enfrentamento ao Estado no período do

governo militar em defesa de uma política de defesa dos direitos humanos, que se

notabilizaram pela captação de recursos para cobrar do Estado a defesa de políticas públicas

de inclusão étnica e de gênero, agora, atuam como parceiras do Estado e não mais como

contraponto da sociedade civil na proposição e cobrança no planejamento e execução de

políticas públicas por parte do Estado.

2.4 Considerações preliminares

Enfim, o contexto político e histórico do surgimento do Instituto Ayrton Senna está

situado nos debates e execução da Reforma Gerencial ocorrida no Brasil na década de 1990.

Foi dentro dos preceitos de construção do consenso em torno da “incapacidade” do Estado em

prestar um serviço público de “qualidade” (nos moldes estabelecidos pelo mercado) que a

burguesia brasileira passa a utilizar as organizações da sociedade civil a ela ligadas como as

novas organizadoras do consenso em torno de uma nova hegemonia.

Se até a primeira metade da década de 1990 a burguesia delegava esse papel, em

grande parte ao aparelho Estatal, a partir da segunda metade dessa década, caberia às

organizações da sociedade civil alinhadas com o projeto burguês a construção do consenso em

torno da necessidade de um novo pacto social, de um Estado de novo tipo, cuja característica

mais marcante seria a delegação de algumas de suas atribuições a uma “sociedade civil ativa e

harmônica”, transmutada numa noção setorizada (“Terceiro Setor”). Esse projeto da burguesia

se materializaria no projeto social democrata do “Neoliberalismo da Terceira Via” que se

sustentava na ação pedagógica de alguns operadores do capital, dentre eles, destacamos o

Instituto Ayrton Senna que se autodenomina ONG do “Terceiro Setor” que não teria a

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finalidade lucrativa (que o mercado teria) e também não teria comprometimento político-

governamental (exclusividade do estado).

Atuando pedagogicamente como operador da hegemonia das relações capitalistas de

produção, o Instituto Ayrton Senna construiu seus fundamentos teóricos e metodológicos

inspirado na concepção social democrata da “Terceira Via” como uma alternativa aos

governos neoliberais. Contudo, conforme analisamos a construção teórica da “Terceira Via”,

percebemos que é uma estratégia do próprio neoliberalismo para se manter hegemônico, sem

o risco de rupturas sociais. É o que Lúcia Neves (2011) denominou de “Neoliberalismo da

Terceira Via”, que associaria os fundamentos do capitalismo neoliberal com ações focalizadas

para atenuar os efeitos da pobreza e garantir a coesão social.

Em seu trabalho pedagógico de difundir essa nova concepção de sociedade civil e de

reafirmar a noção de “capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,

“empreendedorismo”, “flexibilização” e “qualidade total”, o Instituto Ayrton Senna tem sido

um dos principais operadores do capital na escola pública, assimilando e implementando a

ideologia dos empresários com “responsabilidade social” na construção do consenso em torno

da “Terceira Via” como alternativa do capital mais preocupado com as questões sociais (se

comparado ao neoliberalismo). É o processo de manutenção do consenso em torno de uma

face mais humanizada do sistema capitalista, justamente no momento de acirramento das

contradições capital/trabalho, o que Lucia Neves (2005) denominou de “Pedagogia da

Hegemonia”.

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3 INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O CAPITAL NAS

ESCOLAS PÚBLICAS

Nesse capítulo, abordaremos a vinculação da concepção de cidadania ligada a um

conjunto de direitos e obrigações contraídas pelos indivíduos dentro dos limites da sociedade

burguesa; um desses direitos agrupados em torno da concepção de cidadania seria o acesso a

uma educação de “qualidade” para todos os cidadãos. As avaliações instituídas pelo INEP

(Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), para o ensino fundamental, que a nosso

ver estão em conformidade com parâmetros estabelecidos por organizações internacionais

(como a UNESCO), teriam por objetivo levar cidadania às camadas da classe trabalhadora

mais pobres, sustentado na ideia de “revelar a realidade”33

da “má” “qualidade” da educação

pública brasileira. (FERNANDES, 2008). Os resultados obtidos nas avaliações do INEP

passariam a definir as ações das políticas públicas para a área educacional onde o Instituto

Ayrton Senna atua como parceiro privado do Estado.

Este processo de avaliação da educação incorpora tanto a instrumentalidade e os

preceitos defendidos pelo Estado de orientação neoliberal, ao determinar as habilidades que os

indivíduos deveriam desenvolver em conformidade com as exigências do mercado de

trabalho, quanto imprime elementos que insere o novo consenso social, a exemplo das teses

defendidas pelos ideólogos da “Terceira Via” – que na nossa concepção trata-se de uma

repaginada do neoliberalismo com uma pitada mais humanizante, através de ações

empresariais “socialmente responsáveis” focalizadas em torno de alguns direitos agrupados

em torno da concepção de cidadania, sob a roupagem da preocupação com o desenvolvimento

humano.

Em seguida veremos a vinculação dos preceitos teóricos e metodológicos de avaliação

educacional, aplicada pelo Instituto Ayrton Senna a fim de mensurar a “qualidade” da

educação que está sendo oferecida nas escolas públicas. Essa ideia de educação de

“qualidade” dentro dos parâmetros seguidos pelo Instituto Ayrton Senna norteará a missão da

entidade que privilegia o pleno gozo dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania

nos limites da sociedade burguesa. A “qualidade” da educação estaria diretamente relacionada

33

Entrevista concedida por Reynaldo Fernandes, presidente do INEP, à Revista Educação em Cena (do Instituto Ayrton Senna). Nessa entrevista, na página 40, A Revista Educação Em Cena questiona o porquê da avaliação censitária proposta pelo INEP, pois a Revista afirma que a avaliação amostral materializada pelo SAEB já revelaria a realidade da educação brasileira. (FERNANDES, 2008).

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aos pilares definidos pela UNESCO (aprender a ser, conviver, fazer e conhecer) e à correção

da distorção do fluxo série-idade, combatendo a repetência e a evasão escolar (identificadas

como problemas geradores de custos para o Estado).

Para conseguir cumprir sua missão, o Instituto Ayrton Senna contaria com a

contribuição filantrópica de empresas e dinheiro público recebido diretamente do Estado no

estabelecimento de parcerias público-privadas. Dentro da análise das empresas ditas

filantrópicas, dissertamos sobre a efetivação dos preceitos defendidos pelo “Neoliberalismo

da Terceira Via” no tocante a necessidade de os empresários assumirem seu papel de

partícipes da elaboração de políticas públicas para a área educacional, fundada na

“responsabilidade social”. A maior atuação do empresariado na definição das políticas

públicas sociais (dentre elas a educação) se materializa no “Movimento Todos Pela

Educação” e pelas parcerias com setores estratégicos do Estado como o “Conselho Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social” e a “Secretaria de Assuntos Estratégicos” (ligada à

Presidência da República)34

.

3.1 Avaliação: caminho para transparência e revelador da “realidade da educação

pública”

No ano de 1990, em conformidade com a proposta do Consenso de Washington35

, o

governo Collor criou um Sistema que permitia a Avaliação da Educação Básica com a

finalidade de identificar as causas da “má qualidade” da educação pública no país e traçar

metas objetivas visando alcançar o padrão de “qualidade” nas competências relacionadas à

leitura, escrita e a resolução de problemas matemáticos para se chegar aos mesmos níveis dos

países desenvolvidos.

34

Desenvolveremos mais adiante esse maior protagonismo do empresariado tanto na sociedade civil quanto na sociedade política. 35 É um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989, por economistas de

instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacionalem 1990, quando passou a ser ‘receitado’ para promover o’ajustamento macroeconômico’ dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades”. As 10 regras estavam baseadas na Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso_de_Washington>. Acesso em: 21 de março de 2012.

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O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma avaliação externa em larga escala aplicada a cada dois anos. Seu objetivo é realizar um diagnóstico do sistema educacional

brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do aluno, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino (INEP, 2010, p.1).

É oportuno ressaltarmos que durante a década de 1980, no período de algumas

conquistas sociais e políticas, os movimentos de base discutiam medidas para se chegar a uma

educação pública de qualidade no Brasil; contudo, o governo Collor ressignificou essa

demanda na forma de uma avaliação padronizada e minimalista (SAEB), reforçando a ideia

de uma hierarquia disciplinar em nome da suposta “eficiência” e “habilidades” mais

importantes a serem apreendidas pelos alunos.

Uma das preocupações centrais do governo Collor seria “promover a equidade” da

“qualidade” do ensino em todo o país; para tanto criou uma avaliação padronizada que nos

seus primeiros anos era realizada bienalmente e forneceria os subsídios às três esferas de

governo para adotarem políticas públicas educacionais objetivando “bons” resultados no

SAEB. Enfim, as secretarias de educação passaram a redimensionar suas políticas públicas,

no ensino fundamental, para alcançar resultados objetivos no SAEB, mesmo que para isso

fosse necessário supervalorizar as disciplinas avaliadas (Língua Portuguesa, Matemática e,

nos primeiros 3 anos, Ciências Biológicas) e diminuir o tempo de aula e a importância de

outras disciplinas como História, Geografia, Educação Física, Educação Artística, Educação

Musical que passaram a patamar de “menos” importantes por não serem avaliadas pelo

SAEB.

A primeira aplicação do Saeb aconteceu em 1990 com a participação de uma amostra de escolas que ofertavam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana. Os alunos foram avaliados em língua portuguesa, matemática e ciências. As 5ª e 7ª séries também foram avaliadas em redação. Este formato se manteve na edição de 1993 (INEP, 2010, p.1).

Essas avaliações promovidas pelo SAEB até 1993, realizadas em caráter amostral,

produziram resultados que “revelariam” a “realidade” educacional dos Estados, Regiões e do

país. Os primeiros resultados identificaram defasagem de aprendizagem dos conhecimentos

mínimos exigidos para a disciplina avaliada e defasagem de idade relacionada com a série

cursada, o que gerava um custo muito elevado para a educação em função de um mesmo

aluno cursar duas ou mais vezes a mesma série. A partir de 1994, o SAEB passou a concentrar

a avaliação nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática. (INEP, 2010).

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Essas habilidades estariam inscritas na função primordial da educação aos olhos do

BIRD: estimular, nos países “em desenvolvimento”, a ampliação de acesso no ensino

fundamental, o que se refletiria no aumento da competitividade na inserção do país na divisão

internacional do trabalho (preparação de indivíduos para inserção no trabalho simples que

nesse contexto de reestruturação produtiva inseria alguma habilidade ou competência

tecnológica). A criação do SAEB estaria na direção da construção de uma hegemonia

neoliberal, atendendo aos interesses da burguesia que delegava ao Estado a construção do

consenso em torno da necessidade de reformas na administração pública, em função dos

gastos do Estado com educação não se refletirem na “qualidade” da educação definido pelo

BIRD e pela UNESCO.

Diante dessa constatação, como pensar uma avaliação padronizada, proposta pelo

SAEB, sem levar em conta os condicionantes históricos e sociais das escolas e alunos

avaliados? Aprofundando nossas questões percebemos que a construção de um discurso

neoliberal em torno do “fracasso” e da “ineficiência” da educação pública passava pela

idealização dos indivíduos, tanto alunos quanto professores, sem levar em consideração as

condições histórico-sociais em que se dá o processo educativo, tanto em seus aspectos

materiais quanto espirituais. A criação de uma forma padronizada da educação seria uma

percepção orientada pela unilateralidade e negação da contradição dialética.

Será que os alunos/professores da zona urbana de uma cidade do interior do Maranhão

e os alunos/professores de uma escola urbana da cidade do Rio de Janeiro têm acesso aos

mesmos meios materiais e humanos para aquisição das habilidades exigidas no SAEB?

Voltando ao que se apresentou na aparência imediata como uma proposta de “equidade” da

educação de “qualidade” para todo o país, identificamos que a proposta do SAEB é a negação

da valorização da história e cultura local à medida que a ideia de “qualidade” estaria associada

somente à aquisição das habilidades de domínio da leitura, escrita e resolução de cálculos

matemáticos, juntamente com a economia de gastos públicos com alunos repetentes. A

justificativa de se “levar equidade” na sua imediaticidade poderia nos induzir, pela lógica

formal, a reproduzir no pensamento a criação de uma categoria ideológica: cidadania

universal. (KOFLER, 2010).

Nessa ótica, educação de “qualidade” seria aquela em que os alunos passam de série e

tiram notas boas em português e matemática. Essa noção de “qualidade” deveria ser

expandida para todos os cantos do país como política de Estado, em sua função educativa e

formativa (“Estado Educador”), com o aval da burguesia local que delega ao Estado o papel

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de produtor de hegemonia, criador de um “conformismo social” que seja útil ao grupo

dirigente36

.

Segundo Gramsci

A revolução provocada pela classe burguesa (...) na função do Estado consiste especialmente na vontade de conformismo (...). As classes dominantes precedentes eram essencialmente conservadoras, no sentido de que não tendiam a assimilar organicamente as outras classes: a concepção de castas fechadas. A classe burguesa põe-se a si mesma como um organismo em contínuo movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível cultural e econômico; toda a função do Estado é transformada: o Estado torna-se ‘educador’...

(GRAMSCI, 2000, p.271; grifos nossos).

Ao nos questionarmos sobre quais princípios nortearam a escolha das disciplinas

língua portuguesa e matemática como as únicas merecedoras de serem aferidas pelo SAEB,

percebemos um arranjo político-educacional com o objetivo de negar a história e a totalidade

das relações sociais em que se dá o processo educativo. É funcional ao modelo neoliberal ao

ocultar o acirramento da contradição capital/trabalho, inclusive dentro da própria escola,

através da desregulamentação das atividades sociais, do afrouxamento dos vínculos

empregatícios e o conequente medo dos profissionais da educação com vínculos precários de

problematizarem questões que poderiam colocar em risco o consenso em torno da

legitimidade do projeto neoliberal para a educação.

O SAEB, além de eleger somente as disciplinas de língua portuguesa e matemática,

criando uma espécie de hierarquia de importância das disciplinas funcionais à aquisição de

habilidades minimalistas exigidas pelo papel que o Brasil ocuparia na divisão internacional do

trabalho, aguçou uma competição entre as escolas e professores para atingir melhores

resultados na avaliação marcando o “momento num interior da totalidade mais ampla”

(KOFLER, 2010, p.58) da inserção na ideologia competitiva da globalização.

A competição para alcançar notas boas no SAEB foi um dos elementos determinantes

para a inibição da composição sindical por parte dos profissionais da educação pública à

medida que o desempenho no SAEB se traduzia também em maiores investimentos nas

escolas com notas mais altas e em bonificações para os profissionais dessas escolas,

desagregando o horizonte da escola pública como local que poderia funcionar como produtora

de uma nova hegemonia com a construção de um ethos em torno de uma nova modalidade de

conquistas salariais que não passariam pelas lutas históricas coletivas, mas pela ação

36 Concepção de Gramsci sobre o Estado burguês, cuja finalidade de criar permanentemente novos tipos de civilização e a moralidade das mais amplas massas populares serviria às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção. (Cf. NEVES, 2005; MOTTA, 2007).

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individual de cada um (mérito) em substituição à ação coletiva; sendo, contudo, pautada em

ganhos flexíveis e precários: gratificações.

O Instituto Ayrton Senna ao desenvolver seus programas educacionais em

consonância com as quatro metas estabelecidas pela UNESCO visava lograr uma educação de

“qualidade”, utilizado-se dos resultados obtidos no SAEB, aplicado pelo Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) com a finalidade de se obter um

maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), não apenas de uma rede de

ensino, mas “revelar a realidade” da qualidade da educação de cada escola.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e equidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral (INEP, 2011, p.1).

Como o Instituto Ayrton Senna poderia chegar à realidade da educação pública

brasileira utilizando-se dos dados obtidos no SAEB? Uma avaliação padronizada que

desconsidera as mediações políticas, culturais e históricas pode até revelar na aparência da

imediaticidade que a educação pública é definida como tendo boa ou má “qualidade” baseada

em domínios de habilidades mínimas como a leitura, escrita e resolução de problemas

matemáticos. É uma conclusão precipitada que a priori até parece ser uma medida

interessante na tentativa de “equalizar” a “qualidade” na educação; entretanto, observamos

que há uma análise rasa e com uma concepção de “qualidade” também minimalista (educação

minimalista: ler, escrever e contar) para atender aos interesses da burguesia nacional visando

uma inserção mais competitiva do Brasil na divisão internacional do trabalho no mundo

globalizado.

Cuidando não cair em análises mecanicistas, procuramos, também, apreender as

contradições de processo de ampliação do acesso ao ensino fundamental como, também, uma

demanda das bases. Um dos grandes debates na década de 1980, no seio da efervescente

sociedade civil, envolvendo a educação pública foi a democratização do acesso ao ensino

fundamental defendida pelas bases. O problema é que essa demanda quando é “supostamente”

atendida, sob a direção da burguesia, realiza-se numa educação minimalista. Na década de

1990, essa mesma sociedade civil complexa e ativa nas lutas pela educação pública, vai sendo

golpeada, inclusive com a ressignificação de suas bandeiras. A burguesia, por sua capacidade

de assimilar e ressignificar as demandas das outras classes e “desassimilar uma parte de si

mesma” (GRAMSCI, 1968, p.147) permite ao Estado atuar operando o conformismo da

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forma como as aspirações de base vão sendo assimiladas pela sociedade civil, de acordo com

a ideologia burguesa.

A avaliação, segundo o INEP, seria uma arma fundamental não só para diagnosticar os

motivos do “sucesso” ou “fracasso” do ensino de uma escola, mas vai além: a avaliação daria

maior transparência ao processo educativo e estaria em consonância com as novas exigências

do mercado de trabalho e da nova sociedade que tem sido construída baseada no

conhecimento.

[...] os programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna têm na avaliação constante um de seus elementos estruturais. Por isso, o caráter avaliativo está presente desde a

concepção de cada um dos programas, acompanhando sua efetivação e a checagem dos resultados, seguido pela disseminação das informações obtidas (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2008a, p.18).

Em entrevista à revista “Educação em Cena”, o pesquisador Reynaldo Fernandes,

presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),

autarquia do Ministério da Educação (MEC), falou sobre os mecanismos de avaliação

adotados pelo governo federal e como os resultados, ao serem mensurados, podem oferecer

subsídios para a implementação de políticas públicas para a melhoria da educação no Brasil

(FERNANDES, 2008).

Ampliar o alcance dos resultados nos permitiu dar um salto qualitativo importante em relação à avaliação: a divulgação intensa de resultados individualizados. Esse mecanismo de divulgação dos resultados agregou à avaliação o componente da mobilização social e possibilitou o envolvimento de toda a sociedade no acompanhamento da qualidade da educação (FERNANDES, 2008, p.39).

Seguindo a mesma linha ideológica adotada pelo INEP, João Batista Araújo e Oliveira

(2005)37

indica que o SAEB é um importante instrumento de aferição do que o aluno

aprendeu nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática na 4ª e 8ª séries do ensino

fundamental regular e 3º ano do ensino médio regular. Dessa forma, os resultados objetivos

obtidos no SAEB têm orientado as políticas públicas para educação dos Estados e Municípios

do país, uma vez que é o desempenho dos alunos da 4ª e 8ª séries38

que fornecem os subsídios

para constatação do “sucesso” ou “fracasso” do modelo de educação, cuja ênfase recai no

domínio das competências “ler”, “escrever” e “fazer contas”.

37

Consultor do Instituto Ayrton Senna e Idealizador da chamada “Pedagogia do Sucesso” (manual que serve de base para a implementação do “Programa Acelera Brasil”). No capítulo IV discorrermos sobre sua formação e influência na construção teórica e metodológica dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna. 38 No nosso caso específico nos atermos ao ensino fundamental regular e, portanto, não abordaremos os resultados e importância do SAEB para os alunos do ensino médio.

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111

Os dados, obtidos com a aplicação de provas aos alunos e de questionários a alunos, professores e diretores, permitem acompanhar a evolução do desempenho e dos diversos

fatores associados à qualidade e à efetividade do ensino ministrado nas escolas. A partir das informações do SAEB, o Ministério da Educação – MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais podem definir ações voltadas para a correção das distorções e debilidades identificadas e dirigir seu apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento e a redução das desigualdades ainda existentes no sistema educacional brasileiro. Além disso, realizar avaliações e divulgar seus resultados é uma forma do poder público prestar contas da sua atuação a alunos, professores, pais e à sociedade em geral, proporcionando uma visão clara do processo de ensino e das condições em que ele é desenvolvido. Assim, o SAEB tem como

principal objetivo oferecer subsídios para a formulação, reformulação e monitoramento de políticas públicas, contribuindo, dessa maneira, para a universalização do acesso e a ampliação da qualidade, da eqüidade e da eficiência da educação brasileira39 (INEP, 2012, p. 1).

Desde sua concepção até ano de 2004, quando processados pelo sistema

computacional, os dados obtidos pelo SAEB não levavam em consideração as condições

materiais em que se encontram as escolas avaliadas, falta de professores da disciplina

avaliada, falta de material didático e, principalmente, trabalhos desenvolvidos nas demais

disciplinas de valorização da cultura local e das condições históricas de existência da

comunidade escolar. Dessa forma, objetivando chegar à “realidade” de cada escola, conforme

afirmou Reynaldo Teixeira, no ano de 2005, o SAEB foi remodelado e dividido em duas

partes: uma avaliação que mantém as características amostrais e outra que avalia de forma

censitária cada escola.

Em 2005 o SAEB foi reestruturado pela Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005, passando a ser composto por duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil. A Aneb manteve os procedimentos da avaliação amostral (atendendo aos critérios estatísticos de no mínimo 10 estudantes por turma), das redes públicas e privadas, com foco na gestão da educação básica que até então vinha sendo realizada no SAEB. A Prova Brasil (Anresc), por sua vez, passou a avaliar de forma censitária as escolas que atendessem a critérios de

quantidade mínima de estudantes na série avaliada, permitindo gerar resultados por escola. A Prova Brasil foi idealizada para atender a demanda dos gestores públicos, educadores, pesquisadores e da sociedade em geral por informações sobre o ensino oferecido em cada município e escola. O objetivo da avaliação é auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar, no estabelecimento de metas e na implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino. Na edição de 2005, o público alvo da Prova Brasil foram as escolas públicas com no mínimo 30 estudantes matriculados na última etapa dos anos iniciais

(5º ano) ou dos anos finais (9º ano) do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada nessa avaliação foi similar à utilizada na avaliação amostral, com testes de Língua Portuguesa e Matemática, com foco, respectivamente, em leitura e resolução de problemas. (INEP, 2010, p.1).

Entrementes, mais uma vez as disciplinas avaliadas foram Língua Portuguesa e

Matemática com foco na leitura e resolução de problemas (educação minimalista). Uma

39 O Ministério da Educação (MEC), através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgou um estudo comparativo dos dados obtidos no SAEB entre os anos 1995 e 2005 com base nas amostragens das avaliações de Língua Portuguesa e Matemáticas aplicadas aos alunos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental regular, além dos alunos do 3º ano do ensino médio regular (INEP, 2012).

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indagação que nos apresenta diante desse modelo de avaliação: qual o espaço reservado aos

conhecimentos corporais, históricos, espaciais, artísticos, humanísticos que nos auxiliam na

atividade criativa e problematizadora da formação humana nas avaliações promovidas pelo

INEP e nos modelos de educação “planificadas/minimalistas” desenvolvidos pelo IAS?

As atividades criativas e que problematizam a sociedade em que nos (re)produzimos

são fundamentais para pensarmos diversos aspectos da vida, como por exemplo, a criação de

seres humanos em laboratório, o que poderia levar a uma espécie de eugenia; a

problematização do aumento dos bolsões de pobreza e a forma como pretendemos tratar a

“questão social” que está posta na agenda do dia. Observamos que a falta de espaço para a

problematização dos aspectos humanos e sociais em que o homem se (re)produz contribui

para o processo de alienação desse processo perverso reprodução da lógica fabril dentro das

escolas públicas e escamoteia a luta de classe.

Enfim, mensurar a qualidade da educação, para o INEP, passaria pelo domínio das

competências voltadas para a leitura e resolução de cálculos matemáticos (expressos na

quantidade acertos nas avaliações do INEP), relegando ao esquecimento quaisquer formas de

problematização das expressões das questões sociais. Portanto, para o INEP, seria necessário

criar um Índice que medisse o Desenvolvimento Humano, no quesito educação, a partir dos

dados coletados no SAEB.

O IDEB foi criado em 2007 e um bom desempenho nas avaliações que compõem seu

índice medidor passou a ser perseguido e identificado como padrão de “qualidade” da

educação pública. Sua importância estaria no fato de poder traçar estratégias para a superação

da defasagem série-idade, do abandono escolar e se chegar à “qualidade” no domínio das

competências ler, escrever e fazer contas. (INEP, 2012).

Ainda segundo Reynaldo Teixeira, a criação do Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB) tem permitido uma maior intervenção social nas escolas que

apresentam baixos rendimentos, a partir dos resultados recebidos do repaginado SAEB, que é

mesurado através das avaliações da “Prova Brasil” e dos dados amostrais, de acordo com o

desempenho dos alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio.

Um dos argumentos centrais do Instituto Ayrton Senna, no que concerne à avaliação

na educação, é que os alunos que participam de seus programas educacionais de aceleração da

aprendizagem e reforço escolar e voltam à rede regular de ensino têm um desempenho mais

satisfatório nas avaliações promovidas pelo INEP, como a “Prova Brasil” (visando relatar a

“realidade” de cada escola), e o ANEB (que trabalha por amostragens e foca sua atenção na

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“realidade” das redes de ensino), o que, consequentemente, aumentaria o IDEB. (INSTITUTO

AYRTON SENNA, 2011a).

O IDEB é calculado através de um indicador que conjuga os dados do censo escolar,

dos resultados da Prova Brasil40

e da ANEB41

da rede pública de ensino. A proposta do

Instituto Ayrton Senna é elevar o IDEB nas redes de educação em que atua como parceiro

privado na execução de políticas públicas. Contudo, é importante ressaltar que os alunos

participantes da “Prova Brasil” e da ANEB são apenas os que estão inscritos na rede regular

de ensino, ou seja, aqueles que não estão participando de projetos educacionais, como é caso

da “aceleração da aprendizagem” do Instituto Ayrton Senna. (INEP, 2010).

Seguindo essa linha de argumentação, o IAS apresenta dados estatísticos que os alunos

que participaram de seus programas educacionais, quando reintegrados à rede regular,

apresentam melhor desempenho nessas avaliações planificadas feitas em âmbito nacional que

servem de base para cálculo do IDEB. Para ratificar a melhora do IDEB de uma rede pública

de ensino que tenha adotado suas tecnologias sociais como políticas públicas, o Instituto

Ayrton Senna divulga em seu sítio oficial números que comprovariam uma melhor posição no

ranking do IDEB. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f).

Se os alunos participantes dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna estão

fora da rede regular de ensino, como o Instituto ajudaria a elevar o IDEB de uma escola ou

rede de ensino? A informação difundida pelo instituto a priori é que sua atuação na execução

das políticas públicas ajuda a elevar o IDEB. Pensemos! Os alunos com distorção idade-série

ou que apresentam dificuldades no domínio da leitura e da escrita são inscritos em programas

educacionais do Instituto Ayrton Senna e, portanto, não realizam as avaliações que compõem

o IDEB (por estarem fora da rede regular de ensino). Retirados esses alunos com desempenho

“fraco” e com idade avançada42

, a possibilidade do desempenho no IDEB aumentar é grande,

pois os alunos que têm os melhores desempenhos e idade regular à série cursada realizarão as

avaliações.

Após a realização das avaliações e do censo escolar, o IDEB das escolas e das redes

regulares de ensino tende a aumentar em função da separação dos “maus” alunos e com

“idade avançada”. Voltando ao que se apresentou inicialmente como uma proposta

revolucionária do Instituto Ayrton Senna, percebemos que o IDEB pode melhorar em função

40 Para os municípios. 41 Para os Estados e para o próprio país. 42 A relação idade-série é um dos componentes no cálculo do IDEB. Quanto maior for a idade de um aluno em relação à série

cursada, menor será o IDEB.

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da estratégia de separar os alunos que tenderiam a baixar o índice e colocá-los em programas

de reforço escolar voltados para a alfabetização e correção da defasagem idade-série.

Quanto ao argumento de que os alunos participantes de programas educacionais do

Instituto Ayrton Senna melhoram seu desempenho nas avaliações promovidas pelo INEP,

quando retornam à rede regular de ensino, devemos ter o cuidado de analisar os elementos

determinantes dessa afirmativa. Num primeiro momento, é importante destacarmos que os

programas do Instituto Ayrton Senna contam com turmas que têm entre 15 e 25 alunos, algo

bem diferente do que observamos nas salas de aula das escolas da rede pública. Aprofundando

nossa análise, percebemos que o mesmo governo que permite uma sala de aula superlotada na

rede regular de ensino irá pagar ao Instituto Ayrton Senna e ceder seus professores para

desenvolver seus programas educacionais com número reduzido de alunos e com material

escolar apropriado para treinar os alunos a fazer as avaliações do INEP.

Outra questão que levantamos é o fato do Instituto Ayrton Senna priorizar o

treinamento dos alunos em seus programas educacionais para realizarem as avaliações do

INEP. Entendemos que a escola pública instituída na sociedade capitalista, apresenta,

predominantemente, a concepção liberal econômica de educação. Daí que sob a direção

cultural dos empresários ou de seus intelectuais orgânicos busca-se reproduzir a lógica de

funcionamento “fabril”, produtivista, cujos operários (professores) têm que atender aos

critérios da maior quantidade de aprovações no menor espaço de tempo possível. Contudo,

pelo próprio caráter de sociedade de classe, contraditoriamente a escola ainda é local que

apresenta espaços para a construção de uma nova hegemonia, situa-se numa arena do poder.

Nesse sentido, por funcionar como um verdadeiro campo de batalha das ideias, a escola passa

permanentemente por processos de ressignificação de seus procedimentos político-

pedagógicos, conforme necessidades políticas e econômicas de conjuntura e correlações de

forças políticas.

Diante do exposto, questionamos: qual seria o motivo, especificamente atual, de os

últimos governos não investirem na melhoria das condições de trabalho dos professores das

redes públicas regulares de ensino, por exemplo, reduzindo o número de alunos em sala de

aula ou criando programas específicos voltados para os alunos com algum tipo de dificuldade

de aprendizagem, preferindo repassar essa responsabilidade para organizações do “Terceiro

Setor”? Entendemos que esse ciclo vicioso faz parte de uma estratégia do “Neoliberalismo da

Terceira Via” (NEVES, 2005) de repasse à iniciativa privada de recursos públicos para a

execução de serviços na área social (desresponsabilização do Estado) partindo da suposta

ineficiência do Estado no atendimento da “questão social”.

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O não tratamento dos cidadãos como clientes por parte do Estado de orientação

neoliberal seria a negação de uma educação de “qualidade”, identificada como um dos

direitos agrupados em torno da concepção de cidadania. Portanto, os programas educacionais

do Instituto Ayrton Senna teriam por finalidade proporcionar aos cidadãos-clientes uma

educação de “qualidade”, levando cidadania para esses indivíduos. Com isso, instaura um

processo de privatização que não se limita à extração de valor, mas consolida a velha lógica

capitalista produtivista (projeto empresarial) de uma fábrica de robôs treinados a realizar as

avaliações promovidas pelo INEP e não ter o acesso irrestrito aos bens culturais

desenvolvidos pela humanidade ao longo da história.

Envolta, ideologicamente, por um processo de ampliação da democratização do acesso

à escola, o que passa a valer para a escola pública de massa na lógica do “Neoliberalismo da

Terceira Via” é “fabricar” alunos que tirem notas boas em língua portuguesa e matemática,

nos limites do ler, escrever e contar. Minimizando, ainda, a autonomia pedagógica e os

espaços de discussão dos profissionais da educação no que diz respeito à sua concepção de

educação de “qualidade” e à composição sindical, através de mecanismos de controle de

avaliação, imposição de metodologias de ensino, política de bonificações baseada nas notas

alcançadas pelas escolas nas avaliações do INEP. Tudo isso tem incentivado a competição

alienada entre escolas e professores, baseada no mérito individual.

3.2 Missão do Instituto Ayrton Senna: promoção da cidadania

Com vistas a oferecer respostas à questão social que se agravava com o crescimento da

pobreza e a falta de atenção dos governos neoliberais à assistência social, o IAS divulga que

sua principal missão é “[...] interferir positivamente nas realidades de crianças e adolescentes

brasileiros, dando-lhes condições e oportunidades para o desenvolvimento pleno como

pessoas, cidadãos e futuros profissionais” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011a, p.1). O

Instituto Ayrton Senna tem como foco prioritário o desenvolvimento de parcerias com entes

públicos e privados buscando melhorias nos índices educacionais, principalmente o IDEB das

escolas públicas brasileiras, como expressão da responsabilidade social dos empresários e

banqueiros brasileiros. Nesse sentido,

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Para dar a sua contribuição concreta ao desafio de melhoria do atual cenário da educação brasileira, desde 1994, o IAS atua em três áreas distintas. A primeira, chamada de Área de

Educação Formal, acontece por meio de programas desenvolvidos em parceria com redes de ensino municipais e estaduais, adotados como políticas públicas. Nesse grupo, estão os programas Se Liga (alfabetização de alunos defasados), Acelera Brasil (correção de fluxo), Gestão Nota 10 (gestão das redes) e Circuito Campeão (gestão das primeiras séries), uma gama de soluções educacionais voltadas à gestão, oferecendo instrumentos e metodologias de acompanhamento e avaliação para melhorar a qualidade do ensino e garantir o sucesso do aluno (FILGUEIRAS, 2008, p. 49).

Os entraves para que o Brasil garantisse uma educação de “qualidade” a todos os

cidadãos, diagnosticados pelo Instituto Ayrton Senna, centrar-se-iam principalmente na falta

de capacidade gerencial dos administradores educacionais e do alto grau de distorção série-

idade, o que levaria à evasão escolar, maior gasto público por aluno multirrepetente, alto grau

de analfabetismo e baixa qualidade na aprendizagem. (FILGUEIRAS, 2008).

A tese central do Instituto Ayrton Senna é a que defende que o rigor e métodos

avaliativos deveriam funcionar nos mesmos parâmetros de eficiência da iniciativa privada e

“revelar” a “realidade” da educação que é oferecida aos indivíduos mais pobres, que precisam

da escola pública e, assim, o problema não seria apenas daquele indivíduo isolado, mas de

toda a sociedade, pois uma educação pública de “qualidade” poderia igualar os pontos de

partida tanto dos pobres quanto da classe média e do ricos. O lema seria igualdade do ponto

de partida e não igualdade econômica.

Dentre os direitos agrupados em torno da noção de cidadania, destacamos a ideia de

educação pública de “qualidade” com um desses direitos. Como o Estado de orientação

neoliberal se reconhece como incapaz de assistir ao indivíduo na prestação do serviço de

educação de “qualidade”, o empresariado com “responsabilidade social” vê nessa brecha

deixada pelo Estado uma boa forma de penetração na escola pública, via financiamento de

ONGs (OS e OSCIP) parceiras do Estado na execução do serviço público, para difusão de sua

concepção particularista de mundo como se essa fosse a única válida para toda a sociedade –

universal.

Sob o argumento de levar cidadania aos pobres, as empresas com ação social, ao

financiarem OSCIPs como Instituto Ayrton Senna, estariam cumprindo sua parte no ataque às

desigualdades de oportunidades e fortalecendo o argumento que a “responsabilidade social”

seria uma demonstração de solidariedade por parte dos empresários. O Instituto Ayrton Senna

ao executar seus programas educacionais, com destaque para o “Programa Acelera Brasil”, dá

ênfase à concepção de uma sociedade civil como local de solidariedade e união de esforços

por uma educação “melhor” e ressignificando a ideia de uma sociedade civil como arena de

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disputas por projetos societários por uma noção de sociedade civil como local de harmonia,

cooperação e paz social, escamoteando o conflito de classes.

A ênfase pedagógica dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna recai

sobre a escrita, a leitura e a repetição de cálculos matemáticos, identificados como os grandes

“vilões” da “má qualidade” do serviço educacional prestado pelo Estado. Tatiana Filgueiras

(2008, p. 51) afirma que a avaliação constante é um dos pilares do Instituto Ayrton Senna e

que os alunos que participam do “Programa Acelera Brasil” realizam avaliações constantes

promovidas pela Fundação Carlos Chagas, baseada nos resultados do SAEB da rede regular

de ensino. Tatiana Filgueiras afirma:

A constatação foi de que os alunos multi-repetentes atendidos pelo Acelera Brasil apresentavam o mesmo resultado das demais crianças que não haviam repetido anteriormente. O Programa estava, portanto, apto para ser implantado nas redes de ensino que assim o

desejassem (FILGUEIRAS, 2008, p. 51).

O parâmetro das avaliações externas promovidas pelo Instituto Ayrton Senna no

“Programa Acelera Brasil” é o SAEB. Como as avaliações do SAEB concentram-se nas

disciplinas de língua portuguesa e matemática, o “Programa Acelera Brasil” concede um peso

maior à leitura e escrita, pois parte da premissa que os alunos não aprendem os conteúdos das

demais áreas do conhecimento, inclusive a interpretação dos problemas matemáticos, porque

são mal alfabetizados e o programa educacional

Acelera Brasil garante o direito á educação que passa pelo direito a ler, escrever (combate ao analfabetismo), aprender, passar de ano e cursar a série correspondente a sua idade (correção

de fluxo) para dar continuidade à trajetória escolar (sucesso do aluno). (FILGUEIRAS, 2008, p. 50).

Esses alunos, por não terem a aquisição de certas habilidades (como a leitura, a escrita

e a resolução de cálculos matemáticos), teriam o direito à educação de “qualidade” negada

(um dos direitos, agrupados em torno da noção de cidadania). É nessa perspectiva que o

Instituto Ayrton Senna se apresenta como expressão da responsabilidade social empresarial e

foi vista como uma ótima OSCIP para receber investimento do empresariado filantrópico e

difundir a concepção de mundo burguesa: igualando-se os pontos de partida (educação de

“qualidade” para todos), as demais diferenças sociais residiriam no talento e esforços

individuais.

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A igualdade dos pontos de partidas seria, também, fundamental para a promoção de

mudança de “classe social”43

, ascensão econômica social, uma vez que essa ascensão se

justificaria apenas pelo esforço individual de cada cidadão (mérito), pois, ao se igualar o

acesso ao conhecimento, a diferença residiria justamente no talento, nas qualidades e nos

esforços individuais para que se possa lograr numa sociedade onde a competição por postos

de trabalho está cada vez mais acirrada.

Os indivíduos ao receberem uma educação defasada em termos de conhecimentos

científicos e tecnológicos estariam em desvantagem competitiva e tenderiam a ocupar os

postos de trabalho que exigem menor qualificação no mercado de trabalho. Dessa forma, toda

a sociedade sairia perdendo, pois dentre os direitos agrupados em torno da concepção

burguesa de cidadania está o do acesso aos níveis mais elevados do conhecimento científico e

tecnológico. Esses saberes da sociedade do conhecimento, da informação automática, seriam

de grande utilidade para a superação de trabalhos degradantes e seriam a pedra de toque que

colocaria fim ao abismo social, diminuindo as desigualdades.

Em suas várias análises sobre a ideia de a aquisição de habilidades tecnológicas seriam

a ponte para a salvação de trabalhos degradantes e a superação do abismo social, Gaudêncio

Frigotto (2003, 2009, 2011) refuta tal ideologia assentada na noção de “capital humano

rejuvenescido” pela noção de “sociedade do conhecimento”, uma vez que o desenvolvimento

tecnológico não trouxe soluções para o desemprego e a promessa da diminuição do abismo

social não foi cumprida; ao contrário, as disparidades sociais continuam a aumentar, pois os

poucos postos de trabalho com valor tecnológico agregado são ocupados por uma minoria,

formando cinturões de setores de capitalismo avançado envoltos por uma massa que se

mantém na informalidade/desempregados.

A análise de Márcio Pochmann sobre as bases da economia brasileira na atualidade

(commodities, setor de serviço – campeão de informalidades – e desindustrialização) mostra o

quanto estamos longe do que é colocado como sociedade do conhecimento no tocante à

produção; predominantemente nossos postos de trabalho, para a grande massa de

trabalhadores, não possuem valor tecnológico agregado. Como também o maior índice de

desemprego está entre os jovens. (IPEA, 2011a).

Em síntese: as missões do Instituto Ayrton Senna estariam voltadas, justamente, para

dar uma resposta social na questão do ensino básico, oferecendo materiais didáticos de

43

Utilizo o termo “classe social” entre aspas em função de o Instituto Ayrton Senna identificar esse termo com o de estratificação social, ou seja, uma classificação burguesa baseada no poder de compra dos indivíduos e não da contradição

capital/trabalho.

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“qualidade” e propostas educacionais de superação da cultura da repetência e instauração da

“Pedagogia do Sucesso”, atacando a repetência, a evasão escolar e “dando oportunidades” aos

pobres continuarem os estudos, saindo de uma condição de “pobreza extrema” e conquistando

seu espaço no mercado de trabalho em função do “capital humano” que conseguiram

acumular ao concluir a educação básica. O porvir dependeria do talento e esforços individuais

de cada um (mérito). A necessidade de levar cidadania aos indivíduos pobres seria um dos

eixos estruturadores dos referenciais teóricos do Instituto Ayrton Senna desde sua criação em

1994, em meio às discussões sobre a Reforma Gerencial brasileira.

3.3 A atuação do Instituto Ayrton Senna como operador do capital na sedimentação da

hegemonia burguesa: cidadania como ordenamento social

O Instituto Ayrton Senna desenvolve seus programas educacionais padronizados de

modo a serem adotados em qualquer lugar do Brasil seguindo a mesma cartilha. O importante

seria seguir o modelo do programa, independentemente das condições históricas em que se

(re)produzem os indivíduos que serão atendidos. Na experiência imediata, a concepção de

indivíduo pode se manifestar na consciência de forma independente da sociedade, mas quando

analisamos as condições históricas em que se dá a cidadania, percebemos que ela se

desenvolve conjuntamente com o capitalismo que vê na transformação do indivíduo um

sujeito jurídico capaz de contrair obrigações (cidadão). Através de mediações como a

positividade do direito que se consubstancia no do Estado Moderno, identificamos a

interdependência do indivíduo jurídico (cidadão) com as relações sociais de produção da

riqueza.

Atuando como operador do capital nas escolas públicas em que atua como parceiro

privado do Estado, o Instituto Ayrton Senna focaliza sua atuação na preparação dos alunos

para a aquisição das habilidades ler, escrever e fazer contas como condição de “levar

cidadania aos pobres”. Como o Instituto Ayrton Senna traça metas para que os alunos

oriundos de seus programas educacionais, ao retornarem à rede regular, possam conseguir

notas melhores nas avaliações que darão origem ao IDEB, a ênfase recai em treinamentos nas

disciplinas língua portuguesa e matemática. Essa ênfase no treinamento reforça o argumento

de que quanto maior o IDEB, maior seria a “qualidade” da educação (um dos direitos

agrupados em torno da noção de cidadania). Levar cidadania aos pobres, nesse contexto dos

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programas do Instituto Ayrton Senna, seria levar uma educação de “qualidade” que os

permitisse tirar notas boas nas avaliações que dão origem ao IDEB (velha concepção

capitalista de educação de qualidade; porém, agora, ganha requintes de “capital social” graças

aos empresários filantrópicos, dando uma face mais humanizada ao capital).

Analisando a missão do Instituto Ayrton Senna, ganha destaque a ideia de que levar

cidadania e estimular a democracia seria proporcionar aos cidadãos os mesmos pontos de

partida. Explico! Segundo essa lógica, se os alunos das redes públicas de ensino tivessem o

mesmo treinamento que os alunos das escolas privadas de “sucesso”, teriam as mesmas

possibilidades de “sucesso” nas avaliações planificadas aplicadas pelo INEP. A partir daí o

diferencial seria o empenho individual (mérito) que determinaria a colocação de cada no

mercado de trabalho de trabalho, pois a promessa de inserção do diplomado seria substituída

pela ideia da formação para ser postulante a uma vaga no mercado em tempos de crise.

Como falado anteriormente, o cidadão é o indivíduo capaz de contrair obrigações

legitimadas pela positividade do direito e que teria em troca dessas obrigações o

reconhecimento da coletividade da igualdade política e jurídica das concessões que o capital

permite para a manutenção das condições mínimas de existência dos indivíduos explorados.

Dessa forma, o argumento que gira em torno da necessidade de se proporcionar a igualdade

dos pontos de partida, defendido pelos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via” como

“igualdade de oportunidades” e incorporado pelo Instituto Ayrton Senna, mascara o fato da

transformação do indivíduo em cidadão ser uma forma de naturalizar as desigualdades

econômicas, à luz do clássico pensamento liberal.

A naturalização da concepção de cidadania como a separação do indivíduo político e

jurídico do indivíduo econômico é a negação da categoria totalidade, pois a cidadania

contribuiria para perpetuação da naturalização daquilo que é histórico: o desenvolvimento do

indivíduo privado e proprietário. Negar que as mediações econômicas fazem parte do todo

social é funcional ao capital como legitimação das desigualdades sociais. Vejamos a

contradição. A transformação do indivíduo em cidadão que em tese teria a função de lhe

garantir igualdade diante dos demais indivíduos é a fator legitimador das desigualdades

econômicas entre eles.

A cidadania difundida pelo Instituto Ayrton Senna reside justamente no fato de todos

os cidadãos terem acesso à mesma “qualidade” na educação promotora de Desenvolvimento

Humano, o que se refletiria nas avaliações que compõem o IDEB. Como o cálculo do IDEB

tem como base a aferição das habilidades de domínio da língua portuguesa e da resolução de

cálculos matemáticos, o Instituto Ayrton Senna restringe a problematização da concepção de

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cidadania na sociedade regulada pelo capital; a nosso ver, por dois motivos principais. O

primeiro motivo seria porque a discussão da concepção de cidadania não ajudaria a elevar

diretamente o IDEB de uma escola ou rede de ensino; já o segundo estaria no fato do Instituto

Ayrton Senna contar com parceiros filantrópicos e com parceiros produtores de hegemonia

(Movimento Todos Pela Educação, Fundação Roberto Marinho) que não veriam com bons

olhos a discussão em torno da ampliação da concepção de cidadania para além da igualdade

política e jurídica, que vislumbrasse a produção de uma nova hegemonia em torno da

emancipação humana.

Atuando como disseminador dos valores dos empresários com “responsabilidade

social”, o Instituto Ayrton Senna, em seu sítio oficial, divulga que sua visão é o

estabelecimento de alianças estratégicas com o poder público e com empresários “com

responsabilidade social” que possam contribuir com doações filantrópicas para o investimento

em programas educacionais que proporcionem, aos indivíduos, o gozo do direito à educação

de “qualidade” (um dos direitos agrupados em torno da concepção burguesa de cidadania).

Alguns empresários que contribuem filantropicamente com os programas educacionais do

Instituto Ayrton Senna são chamados a ter atuação mais decisiva nas diretrizes que o Instituto

passará a dar aos seus programas educacionais através da participação em seu conselho

consultivo (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011a).

O conselho consultivo do Instituto Ayrton Senna tem a finalidade de determinar as

diretrizes e referencias ideológicos norteadores das ações do Instituto na execução de políticas

públicas. Portanto, é fundamental conhecer os conselheiros do Instituto Ayrton Senna e as

instituições a que estão ligados, conforme quadro abaixo:

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122

QUADRO 2 – Conselheiros IAS.

Antonio Maciel Neto Presidente da Suzano Papel e Celulose

Antonio Roberto Beldi Presidente da Splice do Brasil Telecomunicações e Eletrônica

Chico Pinheiro Jornalista da Rede Globo de Televisão

David Barioni Neto Presidente do Grupo Facility

Élcio Aníbal de Lucca Fundador-presidente da LUCCRA – Lucro com Responsabilidade

Fábio Coletti Barbosa Presidente do Conselho do Santander

Gustavo Ioschpe Fundador-presidente e sócio-proprietário da G7 Cinema

Ives Gandra da Silva Martins Jurista

Jackson Schneider Presidente da ANFAVEA

Juscelino Fernandes Martins VP da Martins Comércio e Serviços de Distribuição S/A

Luiz Fernando Furlan Presidente do Conselho de Administração da Concórdia Holding

Osmar Elias Zogbi Presidente da EAZ Participações Ltda.

Philippe Prufer Area Director Europe da AMCHAM

Walter Piacsek VP Executivo do Banco Votorantim S/A

Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011b).

O conselho consultivo do Instituto Ayrton Senna é composto por representantes da

sociedade civil, de diferentes áreas, mas com predomínio de empresários ligados a empresas

com “responsabilidade social” que estariam dispostas a ajudar filantropicamente o Instituto

Ayrton Senna para cumprir sua missão: “levar cidadania” aos jovens e adolescentes “pobres”.

Em função de sua concepção de cidadania restrita à igualdade política e jurídica,

fundamentada na igualdade dos pontos de partida de cidadãos de diferentes estratos sociais

(ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”), o Instituto Ayrton Senna tem sido um

importante operador do capital no que diz respeito à difusão da hegemonia neoliberal, com

grande penetração na escola pública através de parcerias público-privadas difundindo que sua

missão é “levar cidadania” aos jovens e adolescentes “pobres”, mas contando com a ajuda dos

empresários que são “responsáveis socialmente”, que se “preocupam” com os desfavorecidos

na distribuição da riqueza.

Um aspecto muito forte nesse processo é colocar o empresariado como salvador, única

figura que reuniria as características fundamentais para promover uma sociedade mais

“igualitária”. Essa concepção de cidadania tem ajudado a fortalecer o consenso em torno da

igualdade dentro dos limites do capital, funcionando como elemento de ordenamento social,

garantia da “paz” social, pois os cidadãos são convencidos a procurar o sucesso dentro do

projeto societário do capital (apresentado como o único possível).

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3.4 Bases política e ideológica do Instituto Ayrton Senna: Movimento Brasil

Competitivo e Movimento Todos Pela Educação

O Movimento Brasil Competitivo (MBC) e o Movimento Todos Pela Educação

(MTPE) têm sua origem na parcela da sociedade civil que disputa a hegemonia no campo das

ideias em favor dos grupos empresariais de diversos ramos de atividade.

Utilizando as análises de Antônio Gramsci (2011) a respeito da importância da

construção do consenso na produção de uma visão particular de mundo (que é apresentada

como se fosse a única alternativa), o MBC, atuando como intelectual orgânico (organizador

da cultura), defende a tese de que o caminho para o Brasil se tornar mais competitivo em

relação aos países que adotam o modo capitalista de produzir a riqueza passaria

necessariamente pela construção de uma cultura pautada na “noção de capital humano

rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilidade” e

“qualidade total”

A forma que os empresários conseguiriam disseminar seus ideais diretamente na área

da educação seria através da incorporação dos preceitos defendidos pelo MBC num

movimento da sociedade civil que os aplicasse e influenciasse as OS’s, OSCIP’s e mesmo a

Sociedade Política personificada na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da

República e no Ministério da Educação. Entendemos que a criação do MTPE é esse braço

operativo do MBC especificamente para a área da educação, uma forma de operacionalizar os

preceitos da “noção de capital humano rejuvenescido” dentro da escola pública.

3.4.1 “Capital Humano Rejuvenescido” pelas noções de “capital social”

“empreendedorismo”, “flexibilidade” e “qualidade total”: Movimento Brasil Competitivo

preparando o terreno para a criação do Movimento Todos pela Educação

Uma das OSCIPs mais proeminentes que surge no ano de 2001 é o Movimento Brasil

Competitivo (MBC), cujo principal objetivo seria aumentar a competitividade brasileira no

cenário internacional, visando contribuir para o desenvolvimento econômico do Brasil.

Entretanto, não bastaria haver uma iniciativa privada empreendedora para que o Brasil

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alcançasse um patamar satisfatório de competitividade, mas seria fundamental o compromisso

político do Estado.

Para cumprir o papel de construtor de capital social, o MBC sustenta a ética, o foco em resultado e a transparência como valores fundamentais [...] Um dos objetivos do MBC é transformar a cultura empreendedora e competitiva [...] para a população brasileira. (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011, passim).

Apresentando-se como construtor de “capital social” e difusor do ideal

“empreendedor” (autoemprego), o MBC informa que sua visão está voltada para a

implementação da cultura da gestão eficiente, adaptação aos tempos de crise (flexibilização

dos vínculos trabalhistas) e de uma cultura de avaliação permanente das instituições públicas,

incluindo premiações para aquelas que alcançarem as metas traçadas, com a finalidade de se

chegar à “qualidade total” do serviço prestado nas instituições públicas.

Uso disseminado de tecnologias de gestão nos setores público, privado e terceiro setor, com promoção do desenvolvimento sustentado [...] Sistema de avaliação da gestão obrigatório em todas as organizações federais; Sistema de reconhecimento do nível de gestão disseminado nas organizações públicas; Premiação da qualidade do governo federal difundida em todos os níveis de governo; Uso de mapas de benchmarking como ferramenta da competitividade em cadeias e arranjos produtivos locais e regionais; Cultura da medição e avaliação amplamente disseminadas [...] (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011, passim).

Um dos projetos desenvolvidos pelo MBC, cuja finalidade é o aumento dos índices de

competitividade do Brasil, é o “Projeto Gestão Pública”. “Entre os principais objetivos desse

projeto está o aumento da receita, a redução dos gastos correntes e a melhoria de índices em

áreas como Saúde, Educação e Segurança Pública”. No estatuto social do MBC, em seu artigo

4º, incisos VII e VIII, fica clara a preocupação na difusão dos preceitos da “qualidade total”,

“competitividade” e “produtividade”; a área social escolhida para pôr em prática esses

preceitos seria a educação, com uma preocupação exclusiva de formar novos lideres difusores

desse pensamento. (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011).

Esse movimento empresarial reúne um grupo de intelectuais orgânicos que pensam as

transformações que o sistema capitalista tem passado nas últimas quatro décadas. Alguns dos

intelectuais ligados ao MBC foram importantes construtores de consenso na formulação do

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que conclama a todos os setores da sociedade

a enfrentar os problemas da educação básica como uma iniciativa da sociedade civil,

composta, em sua grande maioria, por um conjunto de empresários de ramos de atividades

diferentes por meio da filantropia empresarial (“responsabilidade social das empresas”),

difundindo seus ideais como sendo os de interesse do público através de algumas instituições

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operativas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna, da Fundação Roberto Marinho, da

fundação Victor Civita e do Grupo Gerdau. (LEHER, 2010).

Nessa direção de redução dos gastos sociais e maior ênfase na adoção de uma

administração eficiente preconizada pelo governo FHC durante a Reforma Gerencial, o MBC,

presidido por Jorge Gerdau Johannpeter44

, começava a pensar na forma de constituir um braço

operativo da classe empresarial na educação: “Movimento Todos Pela Educação”.

3.4.2 Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos pela Educação (MTPE): sintonia fina

Embora não seja nosso objetivo principal analisar o “Movimento Todos Pela

Educação” em por menores, entendemos ser necessário pontuarmos seu surgimento como um

processo de desdobramento da Reforma Administrativa do Estado brasileiro, ocorrida ainda

na década de 1990, à medida que identificava o Estado como pouco eficiente na prestação de

serviços públicos, principalmente na área social como a educação; porém, acrescido de

“responsabilidade social” de quem sabe administrar: os empresários.

O processo de maior controle e aferição da “qualidade” da educação tem passado por

um aprimoramento dos processos avaliativos da educação básica que foram sendo

implementados no Brasil desde a década de 1990 e culminou com o IDEB em 2007. Esse

processo de controle da “qualidade” da educação veio acompanhado pela Reforma

Administrativa que passava o Estado brasileiro em meio ao vento neoliberal que predominou

durante a década de 1990.

A concepção de parcerias público-privadas origina-se, no Brasil, da Reforma

Gerencial do Estado conduzida pelo então Ministro Bresser Pereira, no governo de Fernando

Henrique Cardoso, através das Leis nº 9.637/1998 e nº 9.790/99, e de um novo arranjo

normatizado realizado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, através da Lei nº 11.079, de

30 de novembro de 2004, que trata diretamente das parcerias público-privadas.

Nesse contexto histórico, em setembro de 2006, foi criado o “Movimento Todos Pela

Educação” (MTPE), surgido por iniciativa de parcelas da sociedade civil (majoritariamente

pelo empresariado) com a finalidade de garantir um maior protagonismo da sociedade civil

(transmutada em organizações do “Terceiro Setor”) no sentido de atuar como fiscal dos gastos

44

Presidente do grupo empresarial Gerdal e presidente do Movimento Todos Pela Educação.

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públicos na gestão dos recursos destinados à educação básica, visando alcançar aos padrões

de “qualidade” estabelecidos para o bicentenário da independência do Brasil. Dessa forma, a

missão do MTPE é “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à

Educação Básica de qualidade até 2022”.

O MTPE, presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, define-se como um movimento

nascido por iniciativa da própria da sociedade civil, sem vínculos diretos com quaisquer

governos, tendo financiamento de cidadãos e “empresas cidadãs”, “socialmente

responsáveis”, preocupados com o alcance de uma educação básica de “qualidade”.

[...] financiado exclusivamente pela iniciativa privada, que congrega sociedade civil organizada, educadores e gestores públicos que tem como objetivo contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à Educação Básica de qualidade (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011a, p.1).

Com a finalidade de alcançar a “qualidade” na educação, foram traçadas cinco metas

pelo “MTPE”, baseadas nos indicadores educacionais coletados das avaliações da educação

básica realizadas ao longo das últimas duas décadas. As cinco metas visam servir de

monitoramento, pela sociedade, e servir de parâmetros de “qualidade” para a educação do

século XXI.

Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; Meta 3: Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; Meta 4: Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; Meta 5: Investimento em

Educação ampliado e bem gerido (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011b, p.1).

Como a questão da qualidade da educação é um tema bastante complexo, o “MTPE”

entende que concentrar apenas nas mãos do Estado essa tarefa não seria suficiente para mudar

o atual quadro de “fracasso” na educação pública. Para tanto, seria necessária uma maior

participação da esfera privada nos debates envolvendo os rumos que a educação básica

deveria tomar para tornar o Brasil, inclusive, um país mais competitivo no quadro da

economia capitalista mundial.

A questão que sobressalta aos olhos é como se daria essa melhoria na “qualidade” da

educação básica. A resposta estaria nas metas anteriormente citadas para estar de acordo com

os parâmetros de “qualidade” na educação estabelecidos durante a Reforma Gerencial da

década de 1990 que vê na regularização do fluxo série-idade e gestão profissional os quesitos

fundamentais para determinar a “qualidade” de uma rede de educação. Os programas de

aceleração da aprendizagem seriam fundamentais para o alcance dessas metas, associados

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com administração gerencial nas escolas por quem entende do assunto: os empreendedores do

setor privado.

Seguindo essa linha de pensamento, o MTPE informa em seu sítio oficial quais são as

organizações que partilham dos mesmos objetivos que ele e fazem acontecer as ações do

movimento. (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇAO, 2011c). São apresentados os

patrocinadores, os parceiros e os apoiadores do MTPE na seguinte sequência:

a) Patrocinadores: Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Banco

Santander, Instituo Unibanco, Grupo Odebecht, Grupo Gerdau, Grupo

Dpaschoal, Instituo Camargo Correia, Suzano Papel e Celulose.

b) Parceiros: Grupo ABC de Marketing, Rede Globo de Televisão,

Instituto Ayrton Senna, Grupo DD9 Propaganda e Marketing (uma das

maiores empresas de marketing do mundo), Rede Sinergia (uma das maiores

empresas de energia elétrica do Brasil).

c) Aliados: Grupo SM (é um grupo de Educação de referência na Espanha

e na América Latina liderado pela Fundação SM), Fundação Victor Civita,

Rede Record de Televisão, Microsoft, Canal futura, Fundação Santillana,

Amigos da Escola, Instituto Paulo Montenegro (ação social do IBOPE).

Os patrocinadores são as organizações privadas que financiam projetos e pesquisas

voltadas para área da educação com a finalidade de proporcionar as condições técnicas

necessárias para o funcionamento do MTPE. Os parceiros seriam aqueles que ajudam a

aplicar e divulgar efetivamente as ações do MTPE; já os aliados seriam organizações capazes

de difundir os ideais do MTPE entre os membros da sociedade civil, atuando como

organizadores da cultura.

No nosso caso específico, muito nos interessa conhecer a parceria entre que o Instituto

Ayrton Senna e o “MTPE” desenvolvem com o fulcro de se atingir a chamada “educação de

qualidade” para o século XXI.

Observando a estrutura hierárquica organizacional do MTPE, abaixo da presidência

vem o conselho de governança (responsável por traçar diretrizes para as ações do

movimento). (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011d). Dentre os ilustres

conselheiros, destaca-se Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna que, no dia 28

de abril de 2011, em regime de parceria com o MTPE lançou o site o site

www.paramelhoraroaprendizado.org.br.

O portal faz parte do projeto ‘Caminhos para melhorar o aprendizado’ que tem o objetivo de contribuir para a implementação de políticas públicas possíveis e positivamente impactantes

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no aprendizado. O evento aconteceu no SESC Vila Mariana e contou com a apresentação da representante do Banco Mundial para programas educacionais na América Latina, Barbara

Bruns e o pesquisador Ricardo Paes de Barros, coordenador do projeto (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO 2011e, p.1).

Essa interatividade entre o “MTPE”, o Instituto Ayrton Senna e as diretrizes

educacionais de organizações internacionais, como é o caso do Banco Mundial, dá-se em

função do compartilhamento de pesquisas nacionais e internacionais sobre as práticas

pedagógicas e modelos de gestão que deveriam ser adotadas nas escolas públicas brasileiras.

A sintonia entre as propostas do “Movimento Todos Pela Educação” (forte protagonismo

empresarial na definição das políticas públicas para a educação) e o Instituto Ayrton Senna se

dá na formulação de um receituário para se chegar à “qualidade”, focando-se nas metas

estabelecidas pelos empresários para a educação até 2022: o importante seria a certificação de

indivíduos, acabar com a “cultura da repetência” e “acelerar” os alunos que estariam com

idade avançada em relação à série cursada. Promover a aceleração de indivíduos defasados e

acabar com a “cultura da repetência” seria, antes de tudo, uma questão de economia de gastos

do Estado com a educação.

3.5 O Instituto Ayrton Senna e suas fontes de financiamento

Segundo seu sítio oficial, o IAS tem por principais fontes de financiamento as rendas

oriundas dos licenciamentos das marcas Senna, Seninha e da Imagem do piloto Ayrton Senna,

cujos royalties são totalmente doados pela família do piloto ao instituto. Além dessas fontes

de financiamento, o IAS divulga em seu sítio que recebe doações de pessoas físicas e

empresas com “responsabilidade social”, preocupadas com o Desenvolvimento Humano de

futuras gerações (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011c).

O Instituto Ayrton Senna possui parceiros sociais (empresas ou pessoas físicas que

financiam seus programas educacionais) e aliados (empresas ou grupo de empresários capazes

de mobilizar parcelas de empresariado com “responsabilidade social” para a captação de

recursos) que são fundamentais para proporcionar o suporte financeiro para o funcionamento

dessa ONG.

Um importante aliado do Instituto Ayrton Senna na captação de recursos junto aos

empresários com “responsabilidade social” é o LIDE – Grupo de Líderes Empresariais /

Desenvolvimento Humano que se define como um “grupo de líderes empresariais de

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organizações de origem, porte e setores bastante distintos e que, no seu conjunto, representam

uma fração importante da economia nacional” (LIDE, 2011). A forma encontrada pelo grupo

LIDE para intervir na “questão social” que se apresenta no Brasil do século XXI foi a ação

conjunta de várias empresas no financiamento de ONGs voltadas para a educação em virtude

da complexidade e do tamanho do desafio a ser encarado na atenuação do crescimento da

“pobreza”. Por isso “a magnitude e a complexidade da questão social em nosso país

ultrapassam a capacidade de qualquer organização empresarial que se proponha a agir

isoladamente” (LIDE, 2011).

O grupo LIDE- Líderes Empresariais / Empresários pelo Desenvolvimento Humano

tem como grande desafio “trabalhar e lutar para que o mundo empresarial brasileiro ascenda a

um patamar inédito de participação proativa, construtiva e solidária de contribuição para o

enfrentamento do desafio social brasileiro”. (Ibid., p.1). Trata-se de se por em prática em novo

contrato social, onde a responsabilidade pelas mazelas sociais deve ser enfrentada por todos,

inclusive pelos empresários em colaboração com o Estado, visando conter a ameaça de quebra

do contrato social pela classe expropriadas dos meios de produção. Essas ideias vão ao

encontro de alguns dos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via”, dentre eles

destacamos Fukuyama (1996).

Nessa perspectiva de união de esforços para responder à “questão social” que se

apresenta como uma ameaça de ruptura social e, consequentemente de prejuízos da produção

econômica, o grupo LIDE defende um conceito de Aliança Social Estratégica que

[...] traduza o conceito de co-responsabilidade em que empresas, instituições públicas e

organizações do terceiro setor assumem o seu compromisso pelo futuro do país, visando o incremento e a busca de sinergia no desenvolvimento de ações voltadas ao desenvolvimento humano das novas gerações (LIDE, 2011. p.1).

O conceito de Aliança Social Estratégica que foi apresentado acima corrobora a

concepção de que o crescimento das “mazelas sociais” é antes de tudo um problema de todos

e deve ser enfrentado não só pelo Estado, mas também por empresários “socialmente

responsáveis” que atuariam no financiamento de instituições do chamado “Terceiro Setor”,

como é caso do Instituto Ayrton Senna. Financiar os programas educacionais do IAS é

entendido pelo grupo LIDE como resposta à “questão social”, pois o Instituto valorizaria o

pleno desenvolvimento humano dos jovens e adolescentes como pessoas produtivas, capazes

de desenvolverem seus potenciais em prol de sua ascensão econômica e social individual e

contribuição para uma sociedade mais proativa.

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Os Programas educativos do Instituto Ayrton Senna são tecnologias sociais criadas, implementadas, avaliadas, sistematizadas e disseminadas por todo o Brasil. Com soluções

criativas, flexíveis, eficazes, aplicadas em escala, os Programas estão tornando possível a uma geração de crianças e jovens, dentro e fora da escola (na educação formal e na complementar) a redação da própria história como seres humanos capazes e plenos de potenciais. Estas tecnologias funcionam como ‘vacinas’ para os problemas que impedem o desenvolvimento humano do universo infanto-juvenil (LIDE, 2011, p.1).

O principal problema apontado pelo grupo LIDE para o Desenvolvimento Humano de

jovens e adolescentes seria a “má qualidade” da educação pública prestada pelo Estado. A

prova dessa “má qualidade” se refletiria nas altas taxas de repetência, o que traria como

consequências a distorção série-idade e o abandono escolar. A questão que está posta é, antes

de qualquer coisa, econômica: um aluno que repete vários anos gera mais custo para o Estado

e este repassa à sociedade civil através do aumento de impostos.

As crianças brasileiras conseguem entrar na escola. Porém, gastam mais tempo que o necessário para sair dela. O Brasil tem 34.438.000 crianças matriculadas de 1 a 8 a séries na rede pública de ensino; 7.438.000 estão fora da faixa etária adequada, de 7 a 14 anos. Em

média, estes alunos gastam 10,8 anos para concluir o ensino fundamental e apenas 3,4% terminam a 8 a série com 14 anos (LIDE, 2011, p.1).

A forma para combater esse grande problema seria a adoção dos programas de

aceleração da aprendizagem, destacadamente o programa educacional “Acelera Brasil”,

desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna desde 1997. É em torno desse argumento que o

grupo LIDE tem conseguido angariar recursos no meio empresarial, em seus diversos ramos,

para financiamento filantrópico dos programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto

Ayrton Senna e adotados como políticas públicas em Estados e Municípios do Brasil.

Combater a defasagem escolar e fazer com que as crianças recuperem os anos perdidos em repetência é um dos maiores desafios do país. O movimento Grupo de Líderes Empresariais/Empresários pelo Desenvolvimento Humano, decidiu atacar o problema direto

na fonte – ou seja, na rede de ensino fundamental -, e foi buscar inspiração na experiência de trabalho bem-sucedida do Instituto Ayrton Senna. (Ibid., p.1).

Combater os males sociais, principalmente na educação, passa, também, por assumir

uma direção ideológica sobre o que se deve ensinar e problematizar nas escolas públicas. A

“responsabilidade social” vem acompanhada por investimentos em organizações do “Terceiro

Setor” que desenvolvem tecnologias de gestão alinhadas com a mesma visão ideológica

defendida pelas empresas filantropas.

Visão de que, mais do que financiar assistência a universos delimitados de destinatários, o importante é mobilizar recursos estruturais e intelectuais, como tecnologia de gestão de empreendimentos sociais, gerados a partir de ações conjuntas (LIDE, 2011, p.1).

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O Instituto Ayrton Senna não menciona como fonte de renda a venda de material

didático às secretarias de educação e o financiamento de dinheiro público através da

celebração de parcerias público-privadas com prefeituras, governo estadual e federal. Dentre

os principais financiadores dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna, destacam-

se pessoas jurídicas com atuações em ramos de atividade diferenciados, conforme lista abaixo

de seus parceiros sociais (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011d):

a) Parceiros cinco estrelas:

Bradesco Capitalização, Credicard, LIDE-Educação, Nestlé.

b) Parceiros quatro estrelas:

Grupo HP, Itautec, Suzano Papel e Celulose.

c) Parceiros três estrelas:

Globo.com, Instituto Coca-Cola Brasil, Editora MOL, Droga Raia,

Copersucar – Açúcar e Etanol para um planeta sustentável, Renosa S/A

(empresa do Grupo Coca-Cola), JWT (ou J. W. Thompson) é uma agência

de publicidade multinacional, NC Energia – Grupo Neoenergia, Cosern –

Companhia Energética do Rio Grande do Norte, Coelba – Companhia de

Eletricidade do Estado da Bahia, Coelba – Companhia de Eletricidade do

Estado da Bahia, Celpe – Companhia Energética de Pernambuco.

d) Parceiros duas estrelas:

Grendene, Microsoft, Oracle, Nívea, Top Cau, Tecnol, Trousseaul, Proneer,

Umbigo do Mundo, Airis, Crystal Nordeste. O IAMAR – INSTITUTO

ALAIR MARTINS é uma instituição de natureza socioambiental,

cultural e educacional constituída sob a forma de associação civil, sem

fins econômicos e lucrativos, fundada em 08/06/2005, com a missão de

desenvolver o potencial de adolescentes e jovens para construir visões

do futuro e transformá-las em realidade por meio da Educação para o

Empreendedorismo, contribuindo para o seu crescimento nos campos

pessoal, social e produtivo e na promoção de uma cultura de

preservação ambiental, Hublot (famosa marca internacional de

relógios), Interbrilho S/A, representada pela marca Rodabrill (limpeza

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automotiva e higiene de animais empresa com responsabilidade social e

ambiental), GUF Indústria Química e Farmacêutica S.A. (fabricante do

sabonete seninha), Minichamps, SennaStore, Avon.

e) Parceiros uma estrela:

Agropecuaria Schio, Alcatel-Lucent, Aloes Indústria, Apti Alimentos, Becker

& Mayer, Citale Brasil, Conecta, Divercenter, Editora Anotações, Galzerano,

Goodyear, IFA, Ind.Com.Cepera, Kalunga Com.Ind.Gráfica, Leading Hotéis,

Linka, Mexbras, Multiplus, Nortefrut, Petbril, Piziitoys, Republic Vix,

Shopping Cidade Jardim, Sid Mosca, Velocitá, Sanhidrel.

As empresas com “responsabilidade social”, acima citadas, como parceiras do Instituto

Ayrton Senna na captação de recursos, justificam a necessidade de adoção de um novo “pacto

social” cuja finalidade seja a promoção de uma educação voltada para o desenvolvimento

humano que prepare os indivíduos para enfrentar as dificuldades que o mercado de trabalho e

a sociedade da informação automática os impõem.

As diferentes gradações na parceria se devem à quantidade de recursos que um

parceiro investe diretamente ou atua como captador de recursos junto ao mundo empresarial,

em seus diversos ramos de atividades, visando o financiamento dos programas educacionais

do Instituto Ayrton Senna. Quanto maior a quantidade de recursos que uma empresa ou grupo

empresarial captador de recursos investe nos programas educacionais do instituto, mais

estrelas terá na relação de importância e “responsabilidade social” estabelecida pela ONG.

A filantropia empresarial que num primeiro olhar poderia parecer uma interessante

forma de suprimir as brechas sociais deixadas pelo Estado está inscrita no processo

metabólico do neoliberalismo para se manter hegemônico. Esse processo passaria pelo maior

protagonismo dos empresários com “responsabilidade social” atuando no financiamento às

organizações do “Terceiro Setor” para o atendimento pontual da “questão social” no lugar do

Estado através das parcerias público-privadas.

Aprofundando nossa reflexão, percebemos que o atendimento focalizado (pontual) da

“questão social” faz parte da ideologia do “Neoliberalismo da Terceira” para se manter

hegemônico. Dessa maneira, a filantropia empresarial teria por função manter a hegemonia

neoliberal sem que o sistema de produção capitalista como um todo corresse riscos de

rupturas sociais, devido às crescentes insatisfações com o esvaziamento da atuação do Estado

na área social, incorporando uma face mais humana ao capital.

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A hegemonia do “Neoliberalismo da Terceira Via” se manteria com a participação de

intelectuais orgânicos capazes de difundir a importância do empresariado como mantenedor

de organizações do “Terceiro Setor” que atuariam prestando o serviço público de forma

pontual e focalizada nas camadas mais pobres da classe trabalhadora. Diante do exposto,

destacamos duas questões fundamentais a serem pensadas no que diz repeito à filantropia

empresarial: a agregação de valor às marcas das empresas filantrópicas e a questão da isenção

de impostos.

A empresa com “responsabilidade social” não deixa de ter a essência da busca pelo

lucro e a filantropia pode ser uma aliada no aumento das receitas de uma empresa. As

empresas que têm suas marcas associadas com ações filantrópicas de atendimento das ações

sociais tendem a ter maior aceitação dos consumidores, muito em função da forte ofensiva

propagandística dos meios de comunicação que atuam como aparelhos privados de hegemonia

e difusores de ideologia.

O outro ponto é a utilização da isenção de impostos como um instrumento de

desresponsabilização do capital na contribuição compulsória à medida que o Estado concede

incentivos fiscais às empresas filantrópicas e deixa de arrecadar diretamente os impostos. A

filantropia pode trazer sérios problemas para a universalização do atendimento do serviço

social, pois quem decide onde e como será investido o recurso filantrópico é o empresário

doador e não o Estado. Diante dessa constatação, o empresário filantrópico pode decidir

investir em programas educacionais que lhe proporcionarão maior visibilidade e alinhamento

ideológico da organização do “Terceiro Setor” que receberá o recurso e que presta o serviço

público.

3.6 Educação para o Desenvolvimento Humano

O foco do Instituto Ayrton Senna é a aplicação, em seus programas educacionais, das

noções de “responsabilidade pessoal” na construção de seu futuro, independentemente das

condições estruturais de como está organizada a sociedade e das crises conjunturais de oferta

do trabalho. O conceito de desenvolvimento humano adotado, no campo social, “corresponde

à expressão ‘desenvolvimento pessoal e social’, adotada pelo Instituto Ayrton Senna para

indicar seu compromisso com o desenvolvimento de potenciais das novas gerações como

visão e missão” (ANDRÉ; COSTA, 2004, p.25).

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Antônio Carlos Gomes da Costa elaborou os Paradigmas do Desenvolvimento

Humano, tendo por base publicações do IPEA-EPNUD e na sua experiência e estudos sobre o

tema; dessa forma, procurou construir as concepções sustentadoras do Instituto Ayrton Senna

no que diz respeito ao Desenvolvimento Humano.

1) A vida é o mais básico e universal dos valores [...] 2) Nenhuma vida vale mais do que outra [...] 3) Toda pessoa nasce com potencial e tem direito de desenvolvê-la [...] 4) Para desenvolver seu potencial, as pessoas precisam de oportunidades[...] 5) O que uma pessoa se torna ao longo da vida depende de duas coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez [...] 6) Além das oportunidades, as pessoas precisam ser preparadas para fazer escolhas [...] 7) Cada geração deve legar para as gerações vindouras um meio ambiente igual ou melhor do que recebido pelas gerações anteriores [...] 8) As pessoas, as organizações, as comunidades e as sociedades devem ser dotadas de poder de

participar nas decisões que as afetem [...] 9)A promoção e a defesa dos DIREITOS HUMANOS são o caminho para uma vida digna para todos [...]10) O exercício consciente da cidadania é a melhor forma de fazer os DIREITOS HUMANOS transitarem da intenção à realidade. Cidadania entendida como direito de ter direitos e dever de ter deveres; 11) A política do desenvolvimento deve basear-se em quatro pilares: liberdades democráticas, transformação produtiva, equidade social e sustentabilidade ambiental [...] 12) A ética necessária para por em prática o Paradigma do Desenvolvimento Humano é a Ética da co-responsabilidade [...] (ANDRÉ, COSTA,

2004, p. 26-27).

O Desenvolvimento Humano de um indivíduo passaria pelas escolhas que fez ao longo

de sua vida, tais como investimento em educação e treinamentos (“capital humano”); todavia,

uma pessoa só seria capaz de se desenvolver plenamente como ser produtivo apto a ocupar

um posto no mercado de trabalho caso tivesse as mesmas oportunidades de acesso a uma

educação de “qualidade” que os alunos das escolas privadas de “sucesso” teriam. O sucesso

estaria no desempenho das avaliações do INEP, o que por si só proporcionaria as mesmas

condições de concorrência por postos no mercado de trabalho. É a lógica da ideologia do

“Neoliberalismo da Terceira Via” de que se igualarmos os pontos de partida as diferenças se

dariam no desempenho individual (mérito).

Essa tese, além de reforçar que o “sucesso” só é capaz de ser alcançado dentro dos

limites do capital, desconsidera as condições sociais e históricas do indivíduo. Se, por

exemplo, um indivíduo tiver que entrar no mercado de trabalho prematuramente para ajudar

nas despesas de sua família, como concorrerá em pés de igualdade com os privilegiados na

distribuição da riqueza que poderão se concentrar apenas em estudar e se preparar para ocupar

os postos mais elevados no mercado de trabalho? Conforme Wood (2003), caso não haja

igualdade econômica, a cidadania baseada na igualdade política-jurídica legitimará as

desigualdades sociais sob a roupagem da suposta “igualdade de pontos de partida”.

Tatiana Filgueiras (Coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto

Ayrton Senna) afirma que o Instituto Ayrton Senna procura desenvolver seus programas

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135

educacionais em consonância com as orientações da UNESCO para a realização de uma de

educação de “qualidade”. Para tanto, o Instituto desenvolveu os 12 itens citados anteriormente

e concentra-se em associá-los à promoção dos quatro pilares apontados pela UNESCO como

condição necessária para o pleno desenvolvimento das crianças: aprendera conhecer, aprender

a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Aprender a SER você mesmo e construir o seu projeto de vida; Aprender a CONVIVER com as diferenças e com o meio em que vive, cultivando novas formas de participação social;

Aprender a FAZER atuando produtivamente para ingressar e permanecer no novo mundo do trabalho; Aprender a CONHECER apropriando-se dos próprios instrumentos de conhecimento e colocando-os a serviço do bem comum. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011e, p. 1, grifos do autor).

As aprendizagens fundamentais definidas pelo relatório da UNESCO passaram a ser

adotadas em diversos países do mundo com o objetivo de se alcançar a “qualidade” na

educação. Conforme apresentação de Jorge Werthein, representante da UNESCO no Brasil,

do livro “Educação para o desenvolvimento humano”, a educação de “qualidade” passa por

um amplo envolvimento da sociedade civil “mediante uma política de alianças e parcerias”

(ANDRÉ, COSTA, 2004, p.9).

[...] fundamentada nos pilares do relatório de Delors, registra-se também o crescimento da participação da sociedade civil, com destaque para o setor empresarial que começou a organizar-se e dar forma ao que hoje chamamos de terceiro setor. (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.9).

A concepção de desenvolvimento humano adotada pelo Instituto Ayrton Senna se

apóia numa necessidade de colaboração entre as 3 esferas da vida social: mercado, Estado,

organizações do “Terceiro Setor”. Essas três grandes esferas seriam independentes entre si e

corresponsáveis pelo desenvolvimento humano na garantia dos direitos humanos, da

diminuição das desigualdades sociais e na promoção do “processo de ampliação de

oportunidades e opções dadas a esses indivíduos para que ele possa de fato desenvolver seus

potenciais” (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.14). Não poderíamos deixar de registrar o

protagonismo que o empresariado ganha na elaboração de concepções de mundo nessa

perspectiva de desenvolvimento humano proposto pela UNESCO.

Viviane Senna, presidenta do IAS, afirma que no campo educacional os quatro Pilares

da Educação para o século 21, desenvolvidos por Delors para UNESCO, possibilitam ao

Instituto empreender programas educacionais que tenham por norte o desenvolvimento dos

indicadores, competências e habilidades que são exigidas pelo mercado de trabalho,

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136

possibilitando equidade no acesso ao conhecimento e, por conseguinte, “igualdades de

oportunidades”.

[...] grande balizador pedagógico do instituto foram os Quatro Pilares da Educação para o Século 21. O desafio do Instituto Ayrton Senna, aqui, consistiu em partindo da descrição um tanto genérica dos grandes campos de aprendizagem, chegar à definição de competências, atitudes e habilidades e à construção de um conjunto de indicadores capazes de dar conta de

sua mensuração (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.14).

O comprometimento teórico, didático e metodológico do Instituto Ayrton Senna com

as diretrizes estabelecidas pela UNESCO para a educação possibilitou ao Instituto a conquista

da “Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano, por ser uma referência mundial nessa

área como um centro de reflexão, de pesquisa e de produção de conhecimento. O título é

inédito para organizações não governamentais” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011e).

Com a conquista da referida Cátedra, o Instituto Ayrton Senna troca informações com outras

instituições ligadas à UNESCO e que atuam na área de educação, desenvolvimento humano,

pesquisa e intervenção social, trazendo experiências vivenciadas em outros países.

Assim, a meta “aprender a ser”, estabelecida pela UNESCO, tem por objetivo fornecer

aos cidadãos o discernimento necessário para que compreendam seus talentos e que são

senhores de seu destino, não importando as crises estruturais ou conjunturais da sociedade em

que estão inseridos. É a elaboração de um novo “pacto social”, onde os indivíduos são

responsáveis pelo seu futuro e não meras vítimas do acaso ou dos condicionantes sociais, e a

construção do futuro passa pela capacidade de iniciativa de cada um, não esperando

passivamente do Estado uma resposta para as questões sociais.

Jacques Delors, afirma que esse imperativo (“Aprender a Ser”) não é individualista,

mas pelo contrário é um importante motor para o desenvolvimento tecnológico de uma

sociedade à medida que “a diversidade das personalidades, a autonomia e o espírito de

iniciativa, até mesmo o gosto pela provocação, são os suportes da criatividade e da inovação”.

(DELORS, 1999, p. 89-102, passim). O que nos chama a atenção é o fato de Delors, no

mesmo texto, identificar a necessidade de se dar uma maior ênfase aos aspectos culturais do

que os aspectos utilitaristas que, segundo o autor, têm sido o foco da educação de muitos

países; entretanto, a preocupação de Delors com o desenvolvimento tecnológico revela que os

aspectos utilitaristas ganham peso nessa meta à medida que focam no espírito de iniciativa

(empreendedorismo), a necessidade dos indivíduos se adaptarem a um novo pacto social e

uma nova forma de viver e perceber o mundo do trabalho (flexibilização dos vínculos

trabalhistas para inserção no mercado de trabalho).

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A segunda meta (“Aprender a Conviver”) está relacionada ao convívio com outros

seres vivos e novas formas de participação social. “Aprender a Conviver” representa uma

nova leitura do mundo pela humanidade à medida que o equilíbrio biológico e social do

planeta depende de ações de indivíduos preparados e conscientes de seu dever de atenuar as

rivalidades históricas entre as nações e as desigualdades sociais que, com o fim do socialismo

real, nos termos de Fukuyama (1996), seriam consideradas muito mais como desigualdades

culturais. Uma ruptura social provocada pelo descontentamento dos menos favorecidos

economicamente colocaria em risco a própria existência humana, uma vez que o ódio contra

os mais favorecidos desencadearia a violência generalizada e impediria o desenvolvimento

científico.

A solidariedade, neste contexto, ganha papel central como nova forma de participação

social dos indivíduos, pois além da responsabilidade pessoal de cada um na definição de seu

futuro; os indivíduos também são co-responsáveis por atenuar os sofrimentos da classe social

menos favorecida economicamente, seja através da doação de tempo aos projetos sociais

desenvolvidos em áreas pobres, seja através da doação de dinheiro para esses projetos. É

importante destacar que o indivíduo solidário, que possui atuação em projetos sociais, é visto

de forma diferenciada por uma parcela significativa de empresários quando concorre a uma

vaga no mercado de trabalho, pois há uma tendência mundial de associação da imagem das

“empresas socialmente responsáveis” com a imagem de funcionários, também, com

“responsabilidade social”. O funcionário refletiria a imagem da empresa.

A “responsabilidade social”, tanto do empregado quanto do empregador, faz a roda da

solidariedade e do espírito humanitário girar e gerar “capital social”, o que é fundamental para

atenuar a tensão existente entre as classes sociais e impedir uma ruptura social, o que levaria a

uma frenagem do desenvolvimento tecnológico da humanidade.

Graças a prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através de experiência e do prazer do esforço comum! A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos,

ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações [...] (DELORS, 1999, p. 89-102, passim).

Percebemos nessa meta o incentivo à aquisição de “capital social” como fator

compensatório às desvantagens econômicas de determinados grupos e isso seria positivo,

ajudaria indivíduos sem “proteção social” a adquirirem “capital humano”. Esse movimento de

solidariedade seria muito bom não apenas para o indivíduo isoladamente, mas para toda a

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sociedade, pois proporcionaria ganhos individuais e ascensão social àqueles que se

encontravam em situação de desvantagem econômica45

. É “capital social” atualizando a noção

de “capital humano” proposto entre as décadas de 1950-70 baseado no trinômio educação-

treinamento-produtividade, onde o sistema capitalista (em metabolismo nos últimos 40 anos)

não foi capaz de cumprir a promessa de inserção aos diplomados (GENTILI, 2002). Esse

requinte de solidariedade agregado ao “capital humano” poderia se constituir num diferencial

competitivo por um lugar no mercado.

A meta “Aprender a Fazer” conjuga uma gama de competências necessárias para

serem adquiridas por um indivíduo a fim de se adaptar às diferentes situações do mercado de

trabalho. A questão central é de como fazer um aluno por em prática os conhecimentos

adquiridos na educação formal e transportá-los para o mundo do trabalho de forma a se

adaptar às novas exigências de “flexibilidade”, capacidade de iniciativa,

“empreendedorismo”, “qualidade total” e dinamismo da economia informal, principalmente

dos países em desenvolvimento, propiciada pelo grande crescimento do setor de serviços.

Diante dessas novas exigências, as qualidades buscadas pelos empregadores no futuro

empregado vão além dos conhecimentos técnicos relacionados à atividade material em si. A

ideia de esse pilar incorporado pelo Instituto Ayrton Senna é criar uma atmosfera legitimadora

da precariedade das relações trabalhistas, do risco do desemprego como algo positivo, pois

desencadearia o espírito de inovação e o “empreendedorismo”, que dariam uma nova

roupagem à noção de “capital humano” baseada em educação-treinamento-produtividade e

“capital social”.

Os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência de uma qualificação ainda muito ligada, de seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido

estrito, adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco [...] Noutros países em desenvolvimento existe, ao lado da agricultura e de um reduzido setor formal, um setor de economia ao mesmo tempo moderno e informal, por vezes bastante dinâmico, à base de artesanato, de comercio e de finanças que revela a existência de uma capacidade empreendedora bem adaptada às condições locais (DELORS, 1999, p. 89-102, passim).

Por fim, a meta “Aprender a Conhecer” se refere aos conhecimentos adquiridos ao

longo de toda a vida, contribuindo para a formação de um conhecimento geral essencial para

o enfrentamento das novas dificuldades impostas pela vida moderna através do estímulo à

criatividade e ao pensamento científico que abarque áreas diferentes do conhecimento.

45

Nossas anotações de aula da professora Drª Vânia Cardoso da Motta no grupo de estudos coordenado pelo professor Dr.

Roberto Leher na Universidade Federal do Rio de Janeiro em outubro de 2010.

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Dentro dessa meta (“Aprender a Conhecer”), ganha destaque uma nova qualidade

(“Aprender a Aprender”) importante para o homem do século XXI superar as dificuldades e

se adaptar às novas realidades do mundo do trabalho. “Aprender a Aprender” é a qualidade

que o homem deve ter em saber utilizar os conhecimentos adquiridos ao longo da vida em

favor de seu futuro pessoal e profissional, uma vez que é o principal responsável pela

construção de seu futuro e da sociedade em que está inserido. Esse ethos que legitima a

responsabilidade individual, a nosso ver, é mais uma forma de o “Neoliberalismo da Terceira

Via” desresponsabilizar o Estado de sua atuação no ataque à questão social e intensificar a

hegemonia em torno da inevitabilidade da obtenção do “sucesso” profissional apenas dentro

dos limites do capital.

As metas apresentadas acima são as “vias para o desenvolvimento humano” que de

alguma forma deve ser medido por avaliações estruturadas por organismos internacionais

como a UNESCO, OCDE, PREAL e pelo próprio Banco Mundial. No item a seguir

apresentaremos a relação da avaliação com o momento vivido no sistema capitalista mundial

no que concerne à necessidade de o indivíduo adquirir “capital humano repaginado por capital

social” e o Estado gastar o mínimo possível com a “questão social”.

3.7 Influências Externas na construção do consenso da identificação da educação de

“qualidade”: correção do fluxo escolar, política de premiações por mérito,

uniformização das avaliações

É importante frisarmos, mais uma vez, que a burguesia nacional não recebe

passivamente os documentos emitidos pelos organismos internacionais que dão as diretrizes

para a educação no Brasil. Esses documentos são postos em prática pela burguesia nacional

ressignificados em função das correlações de forças. Por exemplo, a proposta de bonificações

aos professores que melhoram o IDEB das escolas estimulada pelo Banco Mundial tem sido

fortemente combatida pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de

Janeiro (BANCO MUNDIAL, 2010).

A preocupação em atingir as metas nas avaliações promovidas pelo INEP em língua

portuguesa e matemática garantiu ao Brasil papel de destaque em relatório apresentado pelo

Banco Mundial em dezembro de 2010, pois apresenta o país como sendo um dos que mais

evoluíram no quesito universalização do ensino fundamental e aumento da cobertura do

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ensino médio. Mas o que ganhou maior realce no relatório foi o fato do país ter dado

continuidade às políticas públicas implementadas, desde 1995, no momento da

(contra)Reforma Gerencial. Essas avaliações objetivas de língua portuguesa e matemática

“revelam” que o Brasil tem se tornado um líder global, se comparado aos países da América

Latina e Ásia membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico) no monitoramento do desempenho educacional, destacadamente com a criação

do SAEB e do IDEB (BANCO MUNDIAL, 2010).

O Brasil teria conseguido diminuir o tempo de cada aluno na escola para a conclusão

do ensino básico em um ano, contudo, os índices ainda eram baixos se comparados a outros

países da América Latina e com a China. Portanto, programas de aceleração da aprendizagem

(principalmente o “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna) não só estariam ajudando o

país a diminuir o tempo de permanência do aluno na escola, como estaria reduzindo o custo

desse aluno para o Estado e aumentando o nível de escolaridade do futuro trabalhador (o que

não se refletiria em maiores salários e ascensão social). Enfim, a mudança mais radical não

seria o acesso ao ensino fundamental, mas a promoção de série ao invés da repetência. E essa

mudança proporcionou ao Brasil um salto de “qualidade” no ensino básico, segundo o

relatório citado acima.

Ainda de acordo com o estudo apresentado pelo Banco Mundial (BANCO

MUNDIAL, 2010), a receita para se obter uma educação de “qualidade” passaria por uma

ampla reforma que privilegiasse o sistema de bônus para os professores “realmente

comprometidos” com os resultados nas avaliações padronizadas promovidas em âmbito

federal, estadual e municipal, cuja metodologia e inspiração estão pressentes nos preceitos do

Banco Mundial sobre a concepção de uma “boa” educação.

A melhoria da qualidade dos professores no Brasil exigirá o recrutamento de indivíduos de mais alta capacidade, o apoio ao melhoramento contínuo da prática, e a recompensa pelo desempenho. Tanto o governo federal quanto alguns governos estaduais e locais já iniciaram reformas nessas áreas, com programas de bônus para professores nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo e no município do Rio de Janeiro. Com o apoio da equipe de educação do Banco Mundial, esses sistemas escolares também estão usando métodos padronizados de observação em sala de aula desenvolvidos nos países da OCDE para olhar dentro da “caixa-preta” da sala de aula e identificar quais são os exemplos de boas práticas de

professores que podem ancorar os seus programas de desenvolvimento profissional. Em Minas Gerais, Pernambuco e no município do Rio de Janeiro, dados mostram que enquanto a norma da OCDE para cada hora de instrução usada eficazmente com atividades de aprendizagem é de 85 por cento, nenhum dos sistemas brasileiros estudados passa de 66 por cento (BANCO MUNDIAL, 2010, p. 5).

O Banco Mundial continua ditando as normas do que seria uma educação de

“qualidade” na promoção do desenvolvimento econômico de um país. Em documento

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apresentado pelo Banco Mundial, em 12 de abril de 2011, para discussão sobre estratégias

para a educação até 2020 (WORLD BANK, 2011), a “noção de capital humano

rejuvenescido” ganha destaque (como um investimento em indivíduos que se qualificam

constantemente para enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho, tais como a

capacidade de se autoempregar, a flexibilização das relações trabalhistas e a aquisição de um

“estoque” de capital social) associada a uma ideia de crescimento produtivo (econômico). O

treinamento dos alunos, prioritariamente da educação básica, para os testes envolvendo a

língua nacional e noções de cálculo matemático se destacam como fatores que podem elevar o

patamar de desenvolvimento de uma educação de “qualidade” através dos indicadores do que

deve ser apreendido estabelecido por organizações internacionais com experiência em gestão,

como é o caso do Banco Mundial.

Adquirir “capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,

“empreendedorismo” e “flexibilidade” seria fundamental para o indivíduo melhorar sua

condição financeira e ascensão social, o que melhoraria as condições de vida da sua família e

da nação com um todo com a diminuição da pobreza e do risco de uma ruptura social por

parte dos menos favorecidos na distribuição da riqueza gerada.

Education improves the quality of people‘s lives in ways that transcend benefits to

the individual and the family, including the benefits of economic prosperity and less

poverty and deprivation […] (WORLD BANK, 2011, p.1).

A idealização dos indivíduos nesses documentos orientadores emitidos por

organizações internacionais sedimentam a ideia de que teriam um tempo determinado para

concluir a educação básica, o que fundamenta as bases do programa de aceleração da

aprendizagem do Instituto Ayrton Senna defensor da tese de que o aluno não dá certo porque

o professor não foi suficientemente capaz de utilizar os materiais didáticos e nem aplicar a

metodologia com eficiência (OLIVEIRA, 2005, p. 76), ou seja, independentemente de

qualquer coisa, todos os alunos teriam o mesmo tempo de aprendizagem. Portanto, o

professor (que é o mesmo que está na rede pública) ao seguir a cartilha metodológica e o

material didático deveria receber bonificações pelo seu trabalho, pois contribuiu para a

otimização dos recursos públicos ao diminuir o tempo de permanência dos alunos na escola.

Essa prática de acelerar os alunos considerados defasados, mesmo que por um único

dia, são incluídos no “Programa Acelera Brasil” no município do Rio de Janeiro e a política

de bonificações defendida pelo Banco Mundial está em voga no município, condicionada aos

resultados obtidos no IDEB.

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3.8 Penetração do Instituto Ayrton Senna na sociedade política

Da mesma forma que atua como importante articulador de grupos empresariais da

sociedade civil, como é o caso do “Movimento Todos pela Educação”, o Instituto Ayrton

Senna cresce em influência nas esferas governamentais, destacadamente na Secretaria de

Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e no Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social (CDES), representado através na figura de sua presidenta Viviane Senna.

Dentro dessa perspectiva de participação empresarial no enfrentamento da “questão

social”, a agenda “Pós-Neoliberal”46

teria por desafios conciliar a estabilização econômica

com a redução dos descontentamentos em função da redução de políticas sociais. Eli Diniz e

Renato Boschi (2007, p.10) atuando como intelectuais orgânicos difusores da ideologia

neoliberal da “Terceira Via” (ou agenda Pós-Neoliberal, assim por eles definida) identificam

que havia uma grande preocupação dos empresários brasileiros com a chegada de Lula ao

governo em 2003. A grande preocupação dos empresários se daria principalmente pelo fato da

agenda neoliberal ter esgotado sua capacidade de se manter hegemônica e pela desconfiança

da capacidade do grupo hegemônico liderado por Lula da Silva em conseguir congregar a

manutenção da estabilidade econômica com a “Nova Agenda Pós-Neoliberal” que era

“definida por uma preocupação com a retomada do crescimento, sob a égide do

desenvolvimento no qual as políticas sociais assumem papel estratégico”.

O governo Lula da Silva não decepcionou o empresariado brasileiro que, ao contrário

do que pensava e esperava parte considerável da sociedade civil, passou a ter papel

preponderante na definição de políticas públicas, inclusive na área social. O empresariado

passou a ter maior protagonismo em áreas decisórias, o que incluía não apenas no Congresso

Nacional, mas também nos Conselhos e Comissões econômicas, como o Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), porém,

sem a tutela estatal e em sintonia com um discurso favorável do mercado sobre a política. Observa-se, portanto, certa mudança de lógica de ação coletiva do empresariado em direção a uma estratégia política de independência, porém sem isolamento do ator-empresário, mas, ao contrário, estreitando os vínculos e redefinindo alianças com os centros de poder (DINIZ; BOSCHI, 2007, p.95).

46 A chamada “agenda Pós-Neoliberal” é identificada por nós ao longo desse trabalho como “Neoliberalismo da Terceira Via”. Para maiores aprofundamentos da preocupação do empresariado no estabelecimento da “Agenda Pós-Neoliberal” para

o desenvolvimento brasileiro. Cf. Diniz e Boschi (2007).

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O diálogo dos empresários com o governo se transformou num ponto importante na

construção de alianças empresário-governo. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e

Social funcionaria como um órgão gerador de consenso com a finalidade de traças as

diretrizes a serem seguidas por áreas diferentes do governo. Observando sua composição,

percebemos que a maior parte dos membros do conselho até 2010 (fim do governo Lula da

Silva) é composta de empresários ou membros de ONGs que indiretamente tem algum tipo de

vinculação ideológica com as empresas filantrópicas que as patrocinam.

Esse estabelecimento de alianças do empresariado com o governo é identificado por

Maria Célia Paoli (2003) como um movimento de aproximação da filantropia empresarial

com a noção de uma cidadania estruturada na neutralidade ideológica e na convicção de que a

união de esforços seria fundamental para a garantia da harmonia e paz social no combate à

pobreza. Sob o argumento que o consenso diretor para as políticas públicas teria sido

construído no CDES (que supostamente teria representantes de diversos ramos da sociedade

civil), o empresariado “socialmente responsável” aponta para a harmonia existente nos

diferentes aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil, ocultando a “exclusão social”

como fruto das políticas públicas desenvolvidas pelo governo de orientação neoliberal.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi fundado em 2003

com o objetivo da criação de um “novo pacto social” buscando dar voz aos atores de

diferentes segmentos da sociedade civil como empresariado, movimentos sociais,

organizações do “Terceiro Setor” para debater os temas centrais que colocariam o Brasil na

rota do desenvolvimento econômico associado com maior distribuição de renda.

O Conselho é um órgão majoritariamente da sociedade civil, de caráter consultivo da Presidência da República, que relaciona o Executivo com distintas representações do empresariado, do terceiro setor, dos movimentos sociais e do mundo do trabalho. O Conselho

buscará propor políticas específicas e concertar ações sobre temas relevantes, para remover os entraves administrativos, legais e financeiros, para o desenvolvimento econômico e social do país (Brasil, 2008, p. 1).

O CDES é composto por 102 membros, sendo 90 da sociedade civil e 12 ministros e

poderá definir grupos Temáticos Permanentes ou Especiais. Os grupos temáticos sobre a

educação, que foram constituídos desde a fundação do CDES, seguiram na direção de

entender a educação como um importante veículo de mobilidade social à medida que

possibilita ao indivíduo acumular “capital humano”, como um importante fator de

competitividade no processo de desenvolvimento econômico do Brasil e de igualdade de

oportunidades no acesso e conclusão da educação básica (BRASIL, 2007).

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144

Adotar a equidade como o critério a presidir toda e qualquer decisão dos poderes públicos. (...) Ampliar substancialmente a escolaridade média da população brasileira, com ênfase na

universalização do acesso e conclusão da educação básica (do infantil ao médio) abrindo possibilidades para a profissionalizante, mediante o estabelecimento de metas anuais progressivas de qualidade do ensino, submetidas a rigoroso processo de avaliação e amplo controle da sociedade e a implementação de ações que incidam sobre: a valorização do magistério (formação e remuneração); a transformação da escola em espaço físico atrativo (infra-estrutura, equipamentos); a promoção da inclusão digital, e a equalização das condições de permanência e rendimento escolar de alunos socialmente desfavorecidos (BRASIL, 2007, p. 23).

O programa de aceleração da aprendizagem do Instituto Ayrton Senna (que se vê

representado no CDES por sua presidenta Viviane Senna) identifica que o processo de

avaliação continua, conforme citado acima, permitiria à população brasileira ter um controle

efetivo sobre a “qualidade” da educação oferecida, principalmente, aos menos favorecidos na

distribuição da riqueza. A partir da cultura da avaliação em escala, poder-se-ia equalizar os

pontos de partidas no que tange à “qualidade da educação”, o que permitiria aos indivíduos

exercerem um dos direitos básicos da noção de cidadania: conclusão do ensino fundamental e

ingresso no ensino médio.

Um dos debates que o CDES influenciou decisivamente na ratificação do consenso em

torno da necessidade do estabelecimento de parcerias público-privadas se deu no Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE). Dentre essas parcerias, estão as que foram celebradas

pelo Instituto Ayrton Senna que se tronou referência até mesmo para a UNESCO na prestação

de serviços públicos na área educacional por organizações do “Terceiro Setor”.

[...] o PDE incorpora um dos principais consensos do CDES, qual seja a priorização da Educação como estruturante para o desenvolvimento, demandando articulação com outras políticas públicas e a responsabilização compartilhada entre governos e iniciativa privada (BRASIL, 2008, p.1).

Observando a composição do CDES percebemos que dos cento e dois conselheiros,

doze são ministros ligados à Presidência da República, contudo, dos noventa restantes, metade

deles são empresários de ramos de atividades diversificados. A outra metade esta dividida

entre pessoas ligadas aos seguintes setores da sociedade civil: movimentos sociais, entidades

do “Terceiro Setor” e personalidades do meio artístico-intelectual (BRASIL, 2007).

Muitos dos conselheiros do ramo empresarial e personalidades formadoras de opinião

vinculadas a organizações do “Terceiro Setor” estão ligados ao “Movimento Brasil

Competitivo”, ao “Movimento Todos pela Educação” e ao “Instituto Ayrton Senna”.

Podemos indicar pelo menos três conselheiros que se destacam na formulação de debates

envolvendo a educação: Viviane Senna (presidenta do Instituto Ayrton Senna), Jorge Gerdau

e Abílio Diniz (Empresários Cofundadores do “Movimento Todos Pela Educação”).

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145

Tanto o MBC quanto o MTPE dão ênfase à educação como meio de promover mais

rapidamente o desenvolvimento econômico de um país através do investimento em mão de

obra qualificada. Para tanto, organizações do chamado “Terceiro Setor”, como o Instituto

Ayrton Senna, seriam o braço operativo dentro das escolas públicas proporcionando uma

educação de “qualidade” aos menos favorecidos na distribuição da riqueza e promovendo a

“equidade de oportunidades”.

Como o CDES não é nosso objeto de estudo específico, nos concentramos nos

documentos produzidos por seus conselheiros visando o desenvolvimento econômico e social

do país com centralidade na educação. Destacamos a 5ª Carta de Concertação (dezembro de

2003) que objetivava produzir uma “Agenda Nacional para o Desenvolvimento” através da

construção do consenso em torno da necessidade de se estabelecer Parcerias Público-Privadas

(PPPs) na execução de serviços públicos, o que veio a se materializar na lei 11.079/2004, que

caminhava na direção das leis de criação das OS’s (9.637/87) e OSCIP’S (9.790/99),

permitindo às organizações privadas do “Terceiro Setor” a execução do serviço público.

[...] deve caber também à própria sociedade assumir, mesmo que parcialmente, os

compromissos da agenda social. Muitas empresas já têm consciência de suas responsabilidades sociais, investindo em educação, meio ambiente, cultura e outros setores [...] Parte do desafio de hoje consiste em formar uma nova parceria, sem que o Estado se aliene das tarefas públicas. Em tal parceria, os investimentos requeridos pela sociedade, seja no campo da produção, seja nas áreas sociais ou de infraestrutura, devem ser de responsabilidade conjunta entre o governo e as empresas. E o advento da PPP (parceria público-privada) parece ser um bom caminho nesse sentido (BRASIL, 2003, p.1).

Uma recente parceria estabelecida pelo Estado com o Instituto Ayrton Senna foi a

celebrada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ligada à presidência da República,

com o Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos pela Educação. Nessa parceria o

Ministro Moreira Franco (responsável pela SAE) ressaltou que o poder público necessita

dessas parcerias para construir uma sociedade melhor, nos moldes do referencial cidadão-

cliente implementado na Reforma Gerencial de Estado. O site “Caminhos para melhorar o

aprendizado” criado pelo Instituto Ayrton Senna, com apoio técnico em financeiro do

“Movimento Todos Pela Educação”, agora, contará com o a SAE para obter

[...] cooperação técnica e apoio para manutenção e atualização do site ‘Caminhos para melhorar o aprendizado’ e avaliação dos programas de educação nas escolas, originários do

Instituto Ayrton Senna são ações do IAS que passam a contar com o apoio da Secretaria de

Assuntos Estratégicos da Presidência da República – SAE (GOUVEIA, 2011, p.1).

No site “Caminhos para melhorar o aprendizado”, o Instituto Ayrton Senna juntamente

com o MTPE “buscou reunir, sistematizar e compilar a literatura científica nacional e

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internacional referente ao impacto de diversas variáveis relacionadas ao dia a dia das escolas e

das secretarias de educação sobre o aprendizado do aluno” (GOUVEIA, 2011, p.1). As

referências internacionais na busca pelo padrão de “qualidade” passam pela correção de fluxo

e ataque à repetência como os grandes vilões da “realidade” da educação pública de “má

qualidade” o que geraria a falta de equidade de oportunidades, conforme salienta Viviane

Senna em seu discurso na assinatura da parceria47

.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos inclusive passará a avaliar comparativamente as

secretarias de educação que adotam algum programa educacional do Instituto Ayrton Senna

com as que não adotam nenhum programa do Instituto, pois, segundo o secretário Ricardo

Paes de Barros, da subsecretaria de Assuntos Estratégicos da SAE, o Instituto Ayrton Senna

tem sido fundamental para discutir os grandes problemas envolvendo o país e tem se tornado

referencia no quesito “qualidade” na prestação de serviços educacionais48

.

A SAE também vai ajudar na avaliação do impacto dos programas desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna nas escolas, comparando o desempenho dos alunos dos municípios beneficiados por essas ações com outros, com características semelhantes, que não recebem nenhum programa do IAS (GOUVEIA, 2011, p.1).

Segundo o Ministro da SAE (Moreira Franco), avaliar e analisar os programas

educacionais que o Instituto Ayrton Senna desenvolve é fundamental para pensar as políticas

públicas voltadas para uma educação de “qualidade”. A SAE tem dedicado especial atenção a

congressos e discussões promovidas pelo Instituto Ayrton Senna e pelo MTPE sobre a

“qualidade” na educação pública, visando à propositura de políticas públicas focadas em

resultados “objetivos”, tais como “indicadores educacionais”, por meio de avaliações

“eficientes” que realmente identificam se um aluno detém ou não as competências básicas

esperadas, nos moldes das avaliações promovidas pelo INEP.

O Congresso Internacional ‘Educação: uma Agenda Urgente’ reuniu representantes49 das áreas educacional, acadêmica e política, além da sociedade civil, para debater importantes

temas da educação que possam ajudar o país a avançar em seus indicadores educacionais, por meio de políticas públicas mais direcionadas e eficientes (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011b, p.1).

47 Cf. discurso de Viviane Senna na assinatura da parceria com a SAE em 28 de setembro de 2011. (GOUVEIA, 2011) 48 Discurso do secretário Ricardo Paes de Barros, da subsecretaria de Assuntos Estratégicos da SAE no ato da assinatura da parceria com o Instituto Ayrton Senna. (GOUVEIA, Ibid.,)

49 Cf. discurso do secretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Ricardo Paes de Barros na abertura do Congresso Internacional “Educação: uma Agenda Urgente”, promovido pelo movimento Todos pela Educação. (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011b).

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147

Essa parceria estabelecida pelo IAS e o Movimento Todos pela Educação com a SAE

já colhe seus primeiros frutos: estudos realizados pelo projeto “Caminho para Melhorar o

Aprendizado” que têm servido de subsídio para as ações a serem adotadas nas políticas

públicas na área educacional. Dois estudos têm servido de base para a SAE pensar as políticas

públicas voltadas para a educação: a “qualidade” dos professores e a quantidade de alunos por

turma.

Alunos que estudam com um professor que está entre os 20% melhores, durante um ano,

podem aprender 68% a mais do que aqueles que frequentam aulas de docentes que estão entre

os 20% piores. Esse é um dos resultados do estudo ‘Caminhos para Melhorar o Aprendizado’,

fruto de uma parceria entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

(SAE), o Instituto Ayrton Senna e o movimento Todos pela Educação. A pesquisa, que visa

subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas à promoção do aprendizado em escolas e

sistemas educacionais brasileiros [...] Também é possível perceber que há evidências

científicas de que a redução do tamanho da turma tem impacto profundo na proficiência dos

alunos. Uma turma com 15 alunos tem um aprendizado 44% maior do que se estivesse em

uma sala com 22 alunos (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011a, p.1,

grifo do autor).

Esse entendimento em torno da necessidade da diminuição da quantidade de alunos

por turma é uma demanda das bases que vem sendo discutida desde a década de 1980 com o

fim da ditadura militar e a efervescência de projetos societários. O Instituto Ayrton Senna em

seus programas educacionais exige do ente público contratante que as turmas tenham poucos

alunos para que o trabalho pedagógico seja bem desenvolvido. O que nos chama a atenção

nesse caso é o fato das demandas das bases na luta contra a superlotação das turmas das

escolas públicas não são atendidas pelos governos de orientação neoliberal, mas quando a

exigência é feita por uma ONG, com a influência de seus parceiros filantrópicos, tudo muda.

Um bom exemplo é o que ocorre nas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro que

adotaram o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna.

Além da forte presença nas macropolíticas definidoras de políticas públicas voltadas

para a educação, o Instituto Ayrton Senna (contando com o auxílio do MTPE) também se faz

presente na sociedade política através da celebração de parcerias público-privadas com

secretarias municipais e estaduais de educação por todo o país. É nesse ponto específico que

situamos nosso objeto de interesse: a parceria estabelecida com a Secretaria Municipal de

Educação da cidade do Rio de Janeiro, que é a maior “rede de ensino público da América

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Latina com 1068 escolas” (RIO DE JANEIRO, 2012, p.1), na prestação do serviço de

aceleração da aprendizagem.

3.9 Considerações preliminares

O que podemos extrair dessas análises é que a avaliação tem sido um elemento

balizador para os ideólogos do neoliberalismo na construção e difusão do consenso em torno

da ineficiência do Estado na administração da escola pública. Nessa direção, são criadas

avaliações planificadoras partindo do governo federal, cujo propósito (em tese) seria “levar

cidadania” a todos os brasileiros através “equalização” da “qualidade” da educação oferecida

nos diferentes cantos do Brasil.

À primeira vista, as avaliações do INEP “revelariam” a “realidade” da educação

pública brasileira: a negação da educação de “qualidade” aos cidadãos-clientes (entendida

como um dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania). Portanto, as avaliações

promovidas pelo INEP seriam reveladoras daqueles que necessitariam “receber” cidadania,

pois o Estado ao não oferecer uma educação de “qualidade” estaria negando esse direito aos

indivíduos.

É nessa constatação da ineficiência do Estado, medido pelas avaliações promovidas

pelo INEP, que a direção intelectual e moral das escolas públicas deveriam passar para as

mãos de quem sabe administrar: os empresários. Contudo, esses empresários teriam atuação

de bastidores, pois atuariam como agentes filantrópicos das organizações do “Terceiro Setor”

prestadoras do serviço público educacional que coadunassem com sua forma particularista de

ver o mundo. É nesse sentido que os empresários se organizam em movimentos como MBC e

MTPE procurando operacionalizar seus ideais fabris dentro das escolas públicas: formar mão

de obra para o trabalho simples a fim de tornar o Brasil mais competitivo na divisão

internacional do trabalho.

Dessa forma, o Instituto Ayrton Senna é visto como parceiro ideal desses movimentos

empresariais à medida que incorpora os quatro pilares da UNESCO para a educação do século

XXI: “aprender a ser”, “aprender a fazer”, “aprender a conviver” e “aprender a conhecer”.

Esses pilares, cujo propósito seria promover o “Desenvolvimento Humano” dos indivíduos

em seus potenciais para entrada no mercado de trabalho e adaptação aos novos tempos de

crise.

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A noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social” ganha

corpo no pilar “Aprender a Conviver” à medida que a formação de indivíduos dóceis,

solidários, é apontada como uma forma de minorar as desigualdades econômicas ao

proporcionar oportunidades aos indivíduos menos favorecidos de adquirirem “capital

humano”. O pilar “Aprender a ser” incorpora o preceito da corresponsabilidade dos

indivíduos na construção do seu futuro, juntamente com um Estado esvaziado na prestação do

serviço público na área social e com os membros da sociedade civil com “responsabilidade

social”. Já o pilar “Aprender a fazer” traz consigo duas noções extremamente funcionais ao

neoliberalismo: “flexibilidade” e “empreendedorismo”. Esse pilar destaca que os indivíduos

devem estar preparados para a nova realidade do mundo do trabalho (crises) e, por isso, têm

que desenvolver formas de adaptação para sobrevivência, quer seja na “flexibilização” das

relações trabalhistas, quer seja através do autoemprego (“empreendedorismo”). Por fim, o

pilar “Aprender a Conhecer” traz consigo uma nova qualidade (“Aprender a Aprender”) que

se traduz em aprender a utilizar todo o cabedal de “capital humano” adquirido ao longo da

vida como forma de estar apto a concorrer pela entrada na vida produtiva.

Como o Instituto Ayrton Senna incorpora em seus programas educacionais os quatro

pilares da UNESCO para o século XXI, que traz a reboque a noção de “capital humano

rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “flexibilidade”, “competitividade” e

“empreendedorismo”, o MBC e seu braço na educação o MTPE veem no Instituto Ayrton

Senna um importante organizador da cultura empresarial nas escolas públicas, atuando como

parceiro do Estado.

Diante disso, os empresários ligados ao MBC e ao MTPE conseguem no Instituto

Ayrton Senna um difusor do novo contrato social estabelecido pelos “Neoliberais da Terceira

Via”: associar desenvolvimento econômico com uma face mais humana ao capital. Esse novo

contrato social passaria pelo maior protagonismo do empresariado em conselhos decisórios do

Estado, ampliando espaços de interlocução do empresariado-governo, principalmente com

criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), com a chegada de

Lula da Silva ao governo federal em 2003.

O CDES é um espaço de interlocução, gerador de consensos (DINIZ; BOSCHI, 2007).

Tendo sua representante no CDES até 201050

, o Instituto Ayrton Senna atua como um

importante construtor de consenso e difusor da identificação da filantropia empresarial com a

promoção dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania. O comprometimento

50 Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna desde o ano de sua fundação.

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ideológico da noção de cidadania restrita a igualdade política e jurídica estrutura o programa

de aceleração da aprendizagem do Instituto (carro-chefe dos programas educacionais).

Essa identificação da noção de cidadania, inscrita nos preceitos da igualdade de

pontos de partida (dentro dos limites da sociedade burguesa) é a contradição básica que

legitima as desigualdades econômicas ao falsear a realidade, desconsiderando os

condicionantes históricos e sociais de cada indivíduo. Se um indivíduo não tem as mesmas

condições econômicas de permanecer estudando para ocupar os mais altos postos de trabalho

em função de sua entrada prematura no mercado de trabalho, não tem o mesmo ponto de

partida (não há igualdade). A igualdade só seria possível se não houvesse a dissociação da

esfera política-jurídica da esfera econômica (WOOD, 2003). Portanto, o conjunto de direitos

agrupados em torno da noção de cidadania, restritos à igualdade política e jurídica, funcionam

como elementos ordenadores do capital à proporção que divulgam que as desigualdades

sociais residem no mérito individual e não na distribuição da riqueza.

Em relação a questão envolvendo a “qualidade” da educação anteriormente debatida,

entendemos que a ampliação do atendimento do ensino fundamental foi um importante passo

para o exercício da cidadania (dentro dos limites da sociedade burguesa), mas essa ampliação

no nosso ponto de vista não pode se identificada como “qualidade” por ter alcançado a alguns

indivíduos outrora excluídos do ensino fundamental. Marx reconhecia a importância da

conquista da igualdade jurídica com o surgimento da sociedade moderna em substituição à

sociedade estamental (feudal) como passo para a próxima conquista que seria o direito ao

sufrágio universal; contudo, essas conquistas não poderiam mascarar o horizonte maior da

luta dos trabalhadores: a emancipação humana.

A educação de “qualidade” defendida pelo Instituto Ayrton Senna (dentro dos limites

da igualdade político-jurídica burguesa) estaria restrita à aquisição de habilidades

minimalistas para a inserção do indivíduo no dinamismo do mercado, como produtor e

consumidor em potencial. Essa concepção de “qualidade” que encontrou legitimação na

centralidade das avaliações promovidas pelo INEP tem modificado o papel social da escola

pública, pois embora esteja imersa na sociedade capitalista, a escola pública não é

essencialmente capitalista; há espaços para a discussão, para o debate envolvendo novas

formas de sociabilidade (antagônicas ao capital).

Dessa forma, a função social da escola pública é funcionar como espaço que prepara

os indivíduos para inserção na vida produtiva, mas também é o local de elevação intelectual

das massas com vistas a produzir uma nova hegemonia que tenha por horizonte máximo a

emancipação humana, um sujeito além do trabalhador alienado, além do indivíduo imerso nas

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relações sociais que reificam a concepção de mundo burguesa. Passagem do sujeito unilateral

para o sujeito omnilateral.

O Instituto Ayrton Senna, ao desconsiderar a história, oculta que as avaliações

promovidas pelo INEP por si próprias são produções dos homens, com adoção de critérios

arbitrários, também escolhidos pelo homem, a serviço da ciência burguesa uma vez que seu

foco é o treinamento de alunos-indivíduos para realizarem provas, sem mexer nas estruturas

da sociedade regulada pelo capital, ao invés de pensar as contradições das relações sociais que

geram as próprias mazelas que rondam a escola pública, como a falta de investimento dos

governos capitalistas.

Dessa forma, o Instituto Ayrton Senna atua operando o conformismo social, nos

termos gramscianos, de forma a reificar o capital como natural, com ações focalizadas para

evitar rupturas sociais, dando ao capital uma face menos cruel, ao invés de buscar os

determinantes que levam uma escola, rede de ensino ou aluno a repetirem a série ou

abandonarem a escola pública. Enfim, o Instituto Ayrton Senna atua como operador dos ideais

empresariais nas escolas públicas, fortalecendo a ideia de que não há necessidade de se mexer

na estrutura do capital para que um indivíduo tenha “sucesso” e possa estar apto a ser inserido

no mercado. Pelo contrário, vê no mercado a saída para estabelecer uma “equidade de

oportunidades”; dos pontos de partida.

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4 PROGRAMA ACELERA BRASIL: A FÓRMULA DO SUCESSO ESTÁ PRONTA

O programa educacional “Acelera Brasil” (PAB) é o carro-chefe dos programas da

educação formal que o Instituto Ayrton Senna tem adotado como política pública educacional

de aceleração da aprendizagem em vários Estados e Municípios do país. Esse capítulo se

propõe a analisar o PAB em sua dimensão teórica, didática e metodológica que foi sendo

construída juntamente com os referenciais do Instituto Ayrton Senna desde a década de 1990.

Entretanto, para compreender o funcionamento desse programa educacional, é mister

apresentarmos o SIASI (Sistema Ayrton Senna de Informações) que é o software responsável

por todo organizar as informações coletadas nas escolas e fornece os subsídios relativos a

frequência, desempenho nas avaliações, informações pessoais dos alunos (como data de

nascimento). É com base nas informações inseridas nesse sistema que o Instituto Ayrton

Senna identifica as carências a serem supridas para a introdução do “Programa Acelera

Brasil”.

Após a apresentação do SIASI, é importante termos, resumidamente, uma noção do

funcionamento e concepção dos demais programas educacionais do Instituto Ayrton Senna

como tecnologias de intervenção social “robustas” (assim denominadas pelo Instituto)

capazes de dar o suporte funcional necessário para o pleno desenvolvimento do “Programa

Acelera Brasil”.

4.1 Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI): ferramenta essencial para

o gerenciamento dos programas educacionais desenvolvidos pelo IAS

A partir de 2001, quando o “Programa Acelera Brasil” passou a ser desenvolvido de

forma autônoma pelo IAS51

, o Instituto celebrou uma parceria para prestação de serviços de

informática com a empresa AUGE Tecnologia & Sistemas com o fulcro de utilizar

ferramentas tecnológicas para melhor gerenciamento de seus programas educacionais, o que

permitiria uma melhor visão da “realidade”, revelada nas avaliações do INEP, através dos

51

Mais adiante veremos que de 1997 até o ano 2000 o programa de aceleração da aprendizagem foi desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna com a colaboração do Centro Tecnológico Educacional de Brasília (CETEB) para obtenção do apoio técnico-educacional. A partir de 2001 o programa de aceleração da aprendizagem “Acelera Brasil” passou a se desenvolver

de forma autônoma.

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dados coletados e armazenados em bancos de dados, o que auxiliaria na identificação dos

aspectos que precisam ser revistos. Sendo esse ponto, o gerenciamento eficiente, a grande

diferença dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna para a gestão da

administração pública.

É fundamental destacar que esse importante diferencial do Instituto Ayrton Senna em

relação a outras organizações do chamado “Terceiro Setor” na execução de serviços públicos

voltados para a área educacional é a criação do Sistema Instituto Ayrton Senna de

Informações (SIASI), cuja finalidade é facilitar a coleta de dados que possibilitam o controle

da frequência, do desempenho e dos resultados dos programas educacionais desenvolvidos. O

objetivo é identificar as áreas de vulnerabilidade da prática educacional que impedem o

sucesso do aluno, sendo o SIASI essencial para o alcance das metas estabelecidas pelas

instituições que promovem a avaliação da educação básica (como o INEP, por exemplo), uma

vez que esse software armazenaria os dados que “reproduziriam” a “realidade” de sala de

aula.

O Sistema Ayrton Senna de Informações (SIASI), que reúne uma série de dados em uma plataforma eletrônica, permite recriar o perfil dos alunos atendidos pelo Instituto, bem como monitorar, à distância, todas as etapas percorridas por eles nas salas de aula, uma vez que todas as turmas atendidas têm suas informações nele inseridas [...] O SIASI transformou-se

em uma ferramenta essencial para o gerenciamento dos Programas desenvolvidos em parceria com o Instituto Ayrton Senna. Os dados nele reunidos retêm a realidade das salas de aula, as conquistas e dificuldades encontradas no caminho, o que o torna um elemento fundamental para o alcance das metas definidas para cada indicador do sucesso de todos os alunos (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2008c, p. 58-59).

Com base nos dados armazenados no SIASI “podem ser feitas comparações entre

diferentes turmas e diferentes escolas de uma mesma região, a fim de descobrir se

determinadas dificuldades ocorrem de maneira localizada ou generalizada” (INSTITUTO

AYRTON SENNA, 2008c, p. 58). O objetivo da criação de um sistema de armazenamento de

dados coletados de avaliações internas (feitas pelo próprio Instituto Ayrton Senna) e externas

(feitas por órgãos avaliadores da educação básica, como o INEP) é alcançar a “realidade” de

cada escola, na sua particularidade, revelando qual escola tem alcançado o padrão de

“qualidade” estabelecido pelos órgãos avaliadores oficiais da educação básica52

e pelos

organismos internacionais voltados para a educação e cultura como a UNESCO.

O diagnóstico da “realidade” escolar de determinada comunidade é realizada com base

nos dados coletados, tratados e interpretados a partir do SIASI, desenvolvido e aperfeiçoado

52

No nosso caso específico, o ensino fundamental.

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pela empresa Auge Tecnologia e Sistemas que realiza a avaliação diagnóstica para o Instituto

Ayrton Senna.

Chamamos a atenção para construção do consenso em torno do qual os números falam

por si sós. Os números se tomados fora da totalidade social não apenas números não ajudam a

compreender as contradições que existem nas relações sociais de em que os homens se

(re)produzem. Trabalhar com números como “reveladores” da realidade é desconsiderar as

condições históricas em que esses números foram produzidos. Por exemplo, são

desconsiderados os determinantes na vida familiar que prejudicaram o desenvolvimento de

um aluno na escola que se refletiu na repetência da série cursada. Essa análise a-histórica é

clássica da ciência burguesa que defende sua origem na busca da neutralidade na coleta,

tratamento dos dados estatísticos e síntese daquilo que os dados numéricos falariam por si.

É importante pontuarmos que o software de controle de dados estatísticos pode ser

uma ferramenta facilitadora na identificação de alguns problemas vividos pela escola, tais

como o desempenho dos alunos nas atividades propostas, frequência e abandono escolar

desde que contextualizados historicamente, não tendo a pretensão de revelar a realidade pelos

dados em si, mas como ferramenta auxiliar. Destacamos esse ponto para não cairmos numa

análise “dialética” unilateral53

.

A empresa AUGE Tecnologia & Sistemas, que atua na gestão dos dados informados

ao SIASI, apresenta em seu sítio oficial os valores que norteiam a atuação da empresa no

mercado educacional, destacando-se a confiança na capacidade do indivíduo de contribuir

para o sucesso da empresa em que trabalha e para a sociedade como um todo, ao incorporar

“capital humano e social” sob as roupagens da qualificação profissional, como motor para a

ascensão social, a confiança, colaboração entre os indivíduos na promoção do

autodesenvolvimento, cujo objetivo final seria a promoção da cidadania e de uma sociedade

baseada em princípios “legais, morais e éticos”.

Instituições importantes, como a Fundação Banco do Brasil, o Instituto Ayrton Senna e diversos governos Estaduais e Municipais, também têm a AUGE em alto conceito, por reconhecerem que seus valores são sua marca registrada na condução de negócios e no relacionamento em todos os níveis. Um dos indicadores expressivos deste conceito é o

próprio crescimento do número de clientes da empresa na área pública, agregado por clientes da iniciativa privada (AUGE, 2012a, p.1).

Os principais objetivos da AUGE Tecnologia e Sistemas Ltda são “melhoria do ensino

e preservação ambiental, para oferecer a um enorme contingente de jovens brasileiros a

53

Nossas anotações de aulas do professor Dr. Zacarias Gama na disciplina Seminário de Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em outubro de 2010.

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oportunidade de inclusão social, digital e de cidadania” (AUGE, 2012a, p.1). As ações da

empresa, que possui larga experiência em utilizar tecnologias em projetos educacionais, visam

à melhoria da “qualidade” do ensino “conciliando crescimento empresarial com o senso de

‘responsabilidade social’ e estímulo à participação de colaboradores e parceiros: isso é

cidadania” (AUGE, 2012a, p.1). A empresa estabelece que sua missão é

[...] contribuir para a melhoria do desempenho das instituições e empresas clientes, desenvolvendo, implantando, dando suporte e mantendo soluções de tecnologia da

informação, comunicação e gestão, com percepção de benefícios para a sociedade e oportunidades para os colaboradores. No segmento educacional [...] Atuar com soluções de colaboração, ensino a distância, gestão de rede de ensino, gestão de programas educacionais, melhoria de processos e gestão de projetos (AUGE, 2012b, p. 1; grifos nossos).

Interessante ressaltar que a empresa AUGE Tecnologia e Sistemas Ltda apresenta

soluções educacionais diferentes para escolas públicas e privadas. O foco da AUGE soluções

para a escola pública é o desenvolvimento de um “sistema dedicado aos programas de

melhoria educacional, tais como: redução de distorção idade-série, alfabetização e melhoria

de processos de gestão educacional” (AUGE, 2012d, p.1). A empresa parte da premissa que a

gestão educacional nas escolas públicas não é eficiente e o sistema público de ensino não

estaria promovendo a alfabetização adequada aos alunos, o que no futuro promoveria

defasagem do aluno mal alfabetizado, levando esse aluno à repetência e à distorção idade-

série, sendo, portanto, necessário desenvolver um sistema computacional voltado para a

superação dessa distorção.

A solução AUGE para instituições privadas é um sistema, que diferentemente da

solução prevista para as escolas públicas, não tem por foco a correção de fluxo série-idade,

mas o gerenciamento de pessoas e de fluxo financeiro (AUGE, 2012c, p.1). O software

desenvolvido pela AUGE para as escolas privadas parte da premissa de o que tem que ser

melhorado ou refeito não envolve a parte pedagógica, como gerenciamento de correções de

processos mal sucedidos de alfabetização e distorção, ou seja, o que precisa de melhoramento

é parte da gestão financeira e dos funcionários, incluindo os professores.

A importância de conhecer a visão empresarial defendida pela AUGE Tecnologia e

Sistemas Ltda vem ao encontro das teses defendidas pelo Instituto Ayrton Senna sobre a

necessidade de se gerenciar melhor a parte administrativa e pedagógica das escolas públicas

atendidas pelos seus programas educacionais. Dessa forma, o Sistema Instituto Ayrton Senna

de Informações (SIASI) é concebido a partir da noção de falência do ensino público (não só

do ponto de vista da gestão financeira, mas também da falência das diretrizes pedagógicas) e

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da necessidade de correção do fluxo escolar em função de proporcionar altas taxas de evasão

escolar e maior gasto público, pois um mesmo aluno faria a mesma série uma ou várias vezes.

O SIASI é um software criado justamente para atender ao “Programa Acelera Brasil” à

medida que é pensado como ferramenta tecnológica “robusta” que atacaria dois pontos

fundamentais: a suposta “má” gestão da escola por servidores públicos e uma mudança de

ação pedagógica fundada na “cultura da repetência”.

4.2 Programas educacionais do Instituto Ayrton Senna: base para o pleno

desenvolvimento do “Acelera Brasil”.

Os programas educacionais do Instituto Ayrton Senna estão divididos entre aqueles

destinados à Educação Formal, à Educação Complementar e à Educação e Tecnologia.

Os programas educacionais desenvolvidos dentro da educação formal são o “Acelera

Brasil”, o “Se Liga”, o “Gestão Nota 10”, o “Circuito Campeão” e a “Fórmula da Vitória”.

Esses programas educacionais voltados para educação formal têm objetivo de

[...] superar os principais problemas que impedem o sucesso dos alunos, como o analfabetismo, a defasagem idade e série e o abandono escolar, através de propostas

organizacionais e ferramentas eficazes disponibilizadas às secretarias de educação e unidades escolares, de forma a otimizar os recursos humanos, materiais, financeiros e pedagógicos disponíveis (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011g, p.1).

Baseado nos Quatro Pilares da Educação, do Relatório da UNESCO elaborado por

Jacques Delors, o Instituto Ayrton Senna desenvolve seus programas da educação formal em

consonância com os preceitos da Reforma Gerencial da administração pública ocorrida no

Brasil no ano de 1995: os recursos devem ser otimizados e os cidadãos devem ser tratados

como clientes.

Embora a centralidade desse estudo esteja no programa “Acelera Brasil”, que será

desenvolvido detalhadamente, faremos uma breve exposição dos demais programas da

educação formal desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna com o intuito de entendermos

como os programas se interpenetram numa espécie de comensalismo pedagógico que dá

suporte ao funcionamento do programa de aceleração da aprendizagem (“Acelera Brasil”),

quando adotados como políticas públicas.

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4.2.1 Programa Educacional “Se Liga”

O programa educacional “Se Liga” é destinado aos alunos do primeiro segmento do

ensino fundamental que não completaram o ciclo de alfabetização e não dominam a técnica da

leitura, além de contribuir com a diminuição da evasão escolar.

Esse programa tem relação direta com o “Acelera Brasil” (PAB), pois “em um ano,

alfabetiza crianças que repetem, porque não sabem ler nem escrever, para que possam

frequentar o ‘Acelera Brasil’ e, depois, retornar à rede regular”. O programa “Se Liga” atua

com o objetivo de alfabetizar os alunos para que tenham as condições mínimas de ingressar

no “PAB” e adquiram as condições necessárias para avançar de uma série para outra dentro

do primeiro segmento do ensino fundamental ou até mesmo avançar diretamente para o

segundo segmento do ensino fundamental.

Assim como o “PAB”, até o fim do ano de 2010, todos os estados do Brasil, exceto o

Acre, possuíam municípios que adotaram o programa “Se Liga” como política pública

executada pelo IAS. Isso nos remete à simbiose existente entre esses dois programas, uma vez

que o programa “Se Liga” prepara alunos com analfabetismo total ou funcional54

e com

defasagem de série-idade para ingressarem no “Acelera Brasil” (INSTITUTO AYRTON

SENNA, 2011f, 2011h).

O Se Liga é política pública nas redes de ensino da Paraíba, de Pernambuco, do

Piauí, de Roraima, do Rio Grande do Sul, de Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

Está presente em 802 municípios de 25 Estados e DF [...] Números do Programa

em 2010: Crianças e jovens atendidos: 71.661; Educadores formados: 4.475;

Municípios atingidos: 802 de 25 Estados e Distrito Federal. (Id., 2011f, p.1, grifos do autor).

4.2.2 Circuito Campeão

Esse programa educacional está diretamente ligado à gestão do ensino com o fulcro de

se chegar à “qualidade” da educação, implantado nos primeiros anos do ensino fundamental

utiliza “ferramentas de gestão da aprendizagem como soluções concretas para estancar a má

qualidade de ensino” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011i).

54 Aqui entendidos os alunos que possuem graves deficiências no domínio da leitura e da escrita.

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O programa tem como prioridade o primeiro segmento do ensino fundamental e atua

em consonância coma a Reforma Gerencial proposta pelo governo FHC, focando a

administração na gestão de resultados objetivos, tais como o número de alunos promovidos de

série, a diminuição da evasão e coordenação dos alunos que necessitam ser introduzidos nos

projetos “Se Liga” e “Acelera Brasil”.

O programa tem grande penetração no território brasileiro sendo “adotado como

política pública nos seguintes Estados: Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima e

Tocantins. Está presente em 596 municípios de 22 Estados” (INSTITUTO AYRTON

SENNA, 2011i). Os estados que não adotam o programa como política pública são o Acre,

Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal.

Os números do programa, assim como do “Se Liga” impressionam pela abrangência até o fim

do ano de 2010. O programa apresenta os seguintes números: “crianças e jovens atendidos: 538.763; Educadores formados: 19.624” [...] (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011i, p.1; grifos do autor).

4.2.3 Gestão Nota 10

Esse programa educacional é dirigido aos diretores das escolas e tem a finalidade de

fornecer ferramentas tecnológicas para implantação de um modelo administrativo gerencial,

pautada em resultados objetivos, como o número de aprovados de determinada série, por

exemplo.

O objetivo é traçar metas para a superação do “fracasso” da gestão da educação

pública, o que tem gerado um elevado número de alunos repetentes e, por consequência,

aumentado a distorção série-idade e elevado os gastos públicos com a educação.

O Gestão Nota 10 trabalha com indicadores e estabelece metas a serem parceladas e cumpridas pelas escolas e secretarias de educação, devidamente ajustadas a cada ano letivo a partir da realidade dos resultados obtidos no ano anterior. Suas ações estão diretamente ligadas aos diretores de escola e equipes de secretaria de educação (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011j, p.1).

Esse programa fornece aos diretores de escola as diretrizes e metas que devem ser

perseguidas para se alcançar uma administração gerencial, ou seja, a regularização do

binômio idade-série e a superação da “cultura da repetência”, identificadas como a noção de

“qualidade” na educação. Nesse ponto, esse programa é extremamente funcional ao

desenvolvimento do programa educacional “Acelera Brasil”, pois uma de suas metas para se

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chegar à “qualidade” na educação é a superação da distorção idade-série com o auxílio de

uma administração gerencial.

4.2.4 Fórmula da Vitória

Esse programa educacional é destinado aos alunos do segundo segmento do ensino

fundamental (6º ao 9º ano) que apresentam total ou parcial dificuldade no domínio da leitura e

da escrita. É fundamental para instrumentalizar os alunos que apresentam distorção série-

idade e que não dominam a leitura e a parte escrita para que possam ingressar no programa

“Acelera Brasil” específico do segundo segmento do ensino fundamental (INSTITUTO

AYRTON SENNA, 2011l). Os números do programa também são expressivos, uma vez que

atua somente em dois municípios: 3.569 jovens atendidos e 212 educadores formados.

O Fórmula da Vitória conta com material específico de Língua Portuguesa organizado a partir de gêneros textuais, que despertam a curiosidade, o interesse e o desejo de ler e escrever nos adolescentes e facilitam a aprendizagem da leitura e escrita por se tornarem objetos reais de comunicação. A proposta favorece a comunicação entre os alunos e o fácil envolvimento da família e da comunidade [...] o Fórmula da Vitória é política pública na rede de ensino dos municípios do Rio de Janeiro/RJ e de São Roque/SP (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011l, p.1).

Fórmula da Vitória tem sido importantíssimo para o desenvolvimento e

implementação do “PAB” no segundo segmento do ensino fundamental (6º ao 9ª ano), pois

tem servido de triagem para selecionar os alunos que estão preparados para participar do

programa de aceleração da aprendizagem, ou seja, aqueles que detenham o mínimo domínio

da leitura e da escrita, para que possam alcançar o “sucesso” ao invés do “fracasso”,

simbolizado pela repetência e pela evasão escolar.

4.3 Programa “Acelera Brasil”: antecedentes da proposta

O Instituto Ayrton Senna ao adotar a tese de João Batista Araújo e Oliveira (2005) de

que o suposto fracasso da educação pública era devido a problemas gerenciais, passou a

redimensionar a forma de gestão da educação, focando seus projetos educativos no resultado

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dos alunos e na substituição da “pedagogia do fracasso” (repetência, evasão, distorção série-

idade) pela “pedagogia do sucesso” (correção da defasagem série-idade e superação da

“cultura da repetência”). A expressão maior dessa pedagogia se materializaria num manual

prático de funcionamento do programa de aceleração da aprendizagem para o CETEB,

posteriormente publicado como livro “A Pedagogia do Sucesso” pela Editora Saraiva e pelo

Instituto Ayrton Senna.

O professor João Batista, durante a década de 1990, integrou os quadros do Instituto

de Desenvolvimento Econômico do Banco Mundial, da Organização Internacional do

Trabalho, além de ter sido Secretário Executivo do Ministério da Educação e do Desporto

(MEC), no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Adotando como

referenciais de qualidade as metas estabelecidas por esses organismos internacionais, João

Batista desenvolveu sua proposta de um programa de aceleração da aprendizagem que não

apenas se propunha a corrigir a distorção idade-série, mas que atacasse os sintomas que

geravam a “má qualidade” do ensino na educação pública: a) o elevado índice de repetência;

b) a distorção série-idade; c) os baixos índices de aprendizagem “confirmados” através do

desempenho dos alunos no SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico)55

.

Esse modelo de “Pedagogia do Sucesso” proposto por João Batista Araújo e Oliveira

fortemente inspirado nas avaliações de larga escala pelo governo federal, numa tentativa de

planificar a “qualidade” da educação em todos os cantos do Brasil, iniciado no governo Collor

a partir de 1991, teve forte inspiração no modelo estadunidense implantado pelo presidente

George HW Bush entre 1991 e 1993 sob a direção Diane Ravtich, responsável pela

implantação das avaliações de larga escala naquele país, secretária-assistente de Educação e

Conselheira de Alexander Lamar (Secretario de Educação na administração do presidente

George HW Bush).

Ela foi responsável pelo Gabinete de Investigação em Educação e Aperfeiçoamento do

Departamento de Educação dos EUA. Como secretária adjunta, ela liderou o esforço federal para promover a criação do estado voluntário e nacionais padrões acadêmicos (RAVITCH, 2012, p.1; tradução nossa).

Diane Ravitch, após duas décadas da implementação dessas avaliações em escala pelo

governo federal estadunidense, veio a público e reconheceu, em entrevista ao jornal Estado de

São Paulo (IWASSO, 2010), que a política pública educacional estadunidense implementada

55 Quando a “Pedagogia do Sucesso” foi desenvolvida por João Batista Araujo e Oliveira, o INEP ainda não havia criado o IDEB, sendo o SAEB o único sistema de avaliação realizado em larga escala pelo MEC na educação básica.

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durante sua gestão não apresentou melhorias qualitativas na educação, mas apenas

desenvolveu uma forma de treinamento para realizar avaliações. A premissa organizadora da

política pública educacional que fora adotada na década de 1990 nos Estados Unidos estava

baseada na mensuração do mérito conquistado em provas objetivas. Esse formato de política

pública educacional focado em atingir notas 10 tem influenciado vários países em

“desenvolvimento”, dentre eles o Brasil através de alguns programas educacionais que foram

e estão ainda em vigor nesses países como políticas públicas, como é o caso do programa

educacional “Nenhuma Criança a Menos”.

Secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação na administração de George Bush, Diane foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para assumir o National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes federais. Ajudou a implementar os programas No Child Left Behind e Accountability, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em medição e mérito, para melhorar a educação

(IWASSO, 2010, p.1).

Influenciado por essa ideia de “qualidade” pautada na mensuração de resultados de

provas objetivas, o IAS vem aprimorando o “PAB” com a finalidade de preparar os alunos

oriundos do programa para que, ao retornarem á rede regular de ensino, venham a atingir os

mesmos parâmetros de nota dos alunos que já cursam a serie correspondente à sua idade na

rede regular de ensino. Treinar alunos para fazer uma prova e “tirar nota 10” é a meta de

avaliação que norteia o “PAB”, pois quando o aluno retornar à rede regular de ensino deverá

ter condições de realizar esse treinamento recebido para obter notas “boas” nas avaliações

promovidas pelo INEP com a finalidade de aumentar o Índice da Educação Básica de uma

escola ou rede de ensino.

A “Pedagogia do Sucesso” desenvolvida por João Batista Araújo e Oliveira para o

“Programa Acelera Brasil”, como está alicerçada na obtenção de resultados da quantidade de

aprovações ao fim de cada letivo, encontrou na metodologia implantada nos Estados Unidos,

da década de 1990, uma fonte de inspiração para, junto com os empresários da sociedade

civil, modificar o quadro de “fracasso” das escolas públicas em função de não fazerem o

“aluno dar certo”. Essa expressão traz consigo muita significação, mas conota,

principalmente, aprovação acompanhada de domínio da leitura e do fazer cálculos

matemáticos.

Viviane Senna, na apresentação do livro escrito por João Batista Araújo e Oliveira em

sua 16ª edição (2005, p. 5) declara que a educação brasileira já tem apresentado evolução, no

que diz respeito à qualidade, em função da atuação de entidades privadas (como a Fundação

Roberto Marinho – ligada ao Grupo Globo de Comunicação – através do “Telecurso 2000”),

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dos investimentos dos empresários com “responsabilidade social” e dos investimentos da

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, pois essas organizações privadas já trariam

consigo desde seu nascimento “sua dedicação, sua ousadia de seu espírito inovador”.

Como presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna reconhece que a atuação

de empresas privadas, via fundações sem fins lucrativos por elas criadas, é um importante

caminho para a superação do fracasso escolar (distorção série-idade, repetência, abandono

escolar), pois as organizações privadas já nasceriam com o objetivo de atingir metas pré-

estabelecidas, principalmente a obtenção de altos índices em avaliações realizadas em escala,

como a “Prova Brasil” e as avaliações por amostragens do SAEB. Como outro ponto

importante, além da capacidade competitiva que as empresas privadas trazem consigo,

destaca-se, também, a virtude inovadora e a empreendedora (que o Estado não teria em sua

origem nem como objetivo final).

Destacamos que o programa “Acelera Brasil”, já nasce imbricado na noção de

“empreendedorismo” como fator de desenvolvimento da “qualidade” da educação pública

brasileira, pois o espírito inovador dos empreendedores privados possibilitaria investimentos

em programas educacionais “revolucionários” (como o “Acelera Brasil”), que desafiariam a

lógica da cultura do “fracasso” como sendo algo natural. O empreendedorismo seria um

caminho para a transposição das barreiras tidas como naturais e imutáveis: repetência,

abandono escolar e defasagem idade-série. Essa lógica seria a constatação de que a educação

teria um salto de “qualidade” se fosse administrada por quem entende do assunto: os

empresários empreendedores (dispostos a correr o risco no investimento), com espírito

inovador.

Com os resultados das provas que compõem o SAEB em mãos e com o apoio

financeiro de empresários “socialmente responsáveis”, preocupados com os rumores da

educação no Brasil, o Instituto Ayrton Senna procurou adotar a fórmula do sucesso

desenvolvida por João Batista Araújo e Oliveira: o programa educacional “Acelera Brasil”.

Contando com parcerias envolvendo a Petrobras, MEC/FNDE, BNDES, o Instituto Ayrton

Senna recorreu ao Centro Tecnológico Educacional de Brasília (CETEB) para obtenção do

apoio técnico-educacional para o funcionamento e implementação, no ano de 1997, do

programa “Acelera Brasil”.

Criado em 1968, o Centro de Ensino Tecnológico de Brasília – CETEB acumula mais de 44 anos de experiência no desenvolvimento de soluções educacionais diversas, com o emprego

de metodologias e tecnologias pioneiras no país. Filiado à Fundação Brasileira de Educação – FUBRAE, o CETEB oferece vários serviços educacionais por meio de suas escolas e de parceria com outras instituições, empresas e órgãos governamentais [...] (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012a, p.1).

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Em seu sítio oficial o CETEB informa que ao longo desses mais de 40 anos de

experiência na área educacional, várias parcerias foram firmadas com instituições públicas

(secretarias de ensino) e privadas (com ou sem fins lucrativos), objetivando a “excelência” de

uma educação de qualidade nos diversos níveis de ensino através da oferta de capacitação

para profissionais da educação.

O CETEB oferece cursos de Ensino Fundamental e Médio, Técnicos Profissionalizantes, de Educação Continuada, de Pós-Graduação e de Preparatórios para Concursos [...]. Unindo

excelência acadêmica à prática profissional, o CETEB conta com Equipe Técnica constituída de Mestres e Especialistas para realização de consultoria nacional e internacional, para desenvolvimento de programas educacionais diversos e para capacitação de profissionais da Educação (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012a, p.1).

Após detectar que o “fracasso” na educação da escola pública residiria no alto grau de

repetência, o que por sua vez geraria a distorção série-idade e, por fim, o abandono escolar, o

CETEB desenvolveu um programa de aceleração da aprendizagem cujo foco seria atacar o

problema da defasagem e possibilitar aos alunos (antes fadados ao fracasso) que prossigam

até os graus mais elevados de instrução. O programa de aceleração da aprendizagem do

CETEB foi implementado no Brasil, sob a recomendação do MEC, a ser adotado como

política pública.

O Programa de Correção de Fluxo Escolar – Aceleração da Aprendizagem, desenvolvido desde 1995, em 23 estados brasileiros, no Distrito Federal (2005) em 4 países da América Latina – Colômbia (1999), El Salvador (1999), Venezuela (2002) e República Dominicana

(2004), visa resolver o problema da defasagem idade-série, consequência de reprovações sucessivas. Beneficiou aproximadamente 3 milhões de alunos, possibilitando a muitos deles a continuidade de estudos até o nível superior. Recomendado como tecnologia Educacional pelo MEC, em 2009, pelo êxito alcançado ao longo dos anos, o Programa possui material didático específico, aplica metodologia dinâmica, capaz de conduzir o aluno defasado de sua série original (1ª, 2ª ou 3ª) para a 5ª série, caracteriza-se como solução educacional inovadora e constitui uma das prioridades da Política Educacional do MEC, cujo objetivo consiste em reduzir a defasagem idade-ano (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE

BRASÍLIA, 2012b, p.1).

O programa de aceleração da aprendizagem desenvolvido pelo CETEB foi

implementado em 1995 nos Estado do Maranhão (governo Roseana Sarney) e de São Paulo

(governo Mário Covas), de forma autônoma e, a partir de 1996, passou a ser desenvolvido em

conjunto com o Instituto Ayrton Senna e recebeu a denominação de “Programa Acelera

Brasil”. O Instituto Ayrton Senna recorreu à experiência CETEB através de orientações

metodológicas e pedagógicas para o desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” durante o

período de 1997 até o ano 2000.

Com base nessa experiência e em materiais e orientações desenvolvidas nos anos de 1995 e 1996, foi consolidado o programa Acelera Brasil, lançado oficialmente no ano de 1996 com a

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participação de 15 municípios localizados em diferentes pontos do país, e posteriormente expandido para 24 municípios e duas redes estaduais (OLIVEIRA, 2005, p.13).

O CETEB apresenta publicações relativas à aceleração da aprendizagem, no período

da parceria 1997-2000, atuando como agência formadora de recursos humanos através de

treinamentos e capacitações. Destacam-se as publicações bimestrais do “Jornal Sucesso, que

fora distribuído em todo o Brasil, no período de 1997 a 2000, em decorrência do Projeto

Acelera Brasil, em parceria com o Instituto Ayrton Senna” (CENTRO DE ENSINO

TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012c, p.1).

O CETEB informa ainda que possui uma equipe técnica especializada em fornecer

soluções educacionais para secretarias de educação (municipais e estaduais), para empresas

privadas com fins lucrativos e ONGs, através de consultoria e adoção de material didático,

como livros e apostilas orientadas pelo caráter multidisciplinar. Dentre as soluções propostas

pelo CETEB, a que ganhou maior destaque foi a “Pedagogia do Sucesso”, elaborada por João

Batista Araújo e Oliveira com o objetivo de superar a chamada “pedagogia do fracasso”, ou

seja, a repetência que geraria a distorção série-idade e seria um dos motivos do abandono

escolar.

A metodologia do Programa exige que os profissionais envolvidos: diretores, técnicos, pedagogos e professores estejam bem-preparados e dominem técnicas didáticas que possibilitem ao aluno reconstruir sua autoestima e sejam capazes de acelerá-lo para a série adequada à sua idade. O curso visa preparar teórica e metodologicamente os envolvidos no processo (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012d, p.1).

O PAB, em sua concepção, teve por referencial teórico e pedagógico a “fórmula do

sucesso” desenvolvida João Batista Araújo e Oliveira que a partir de 2001 passou a ser

consultor do Instituto Ayrton Senna. Em 2001, o PAB deixou ser oferecido na forma de

parceria com o CETEB e o Instituto Ayrton Senna começou a se aplicado de forma autônoma,

como tecnologia educacional para as secretarias de educação que contratavam o instituto na

forma de parceria público-privada para execução de serviços de aceleração da aprendizagem.

4.3.1 “Acelera Brasil”: estruturação interna e funcionamento

O “Programa Acelera Brasil” possui algumas premissas que garantem sua estruturação

e funcionamento como tecnologia de intervenção social. Dentre as principais, destacamos a

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análise de sua dimensão econômica, a expressão da educação minialista na subsunção real do

trabalhador ao capital, o novo papel do professor na aceleração da aprendizagem, a “dialética”

unilateral, seu caráter “político” e gerencial.

Abordaremos como cada uma das premissas apontadas acima dá suporte estrutural ao

funcionamento do “Programa Acelera Brasil”. Em seguida, veremos como o “Telecurso” da

Fundação Roberto Marinho influencia diretamente no funcionamento do “Programa Acelera

Brasil” através do fornecimento de materiais didáticos e concepções de formação continuada

dos professores.

Por fim, um breve comentário sobre os critérios de enturmação estabelecidos pelo

Instituto Ayrton Senna, através do “Programa Acelera Brasil”, para as escolas públicas do

ensino fundamento do município do Rio de Janeiro. Nesse ponto, analisaremos a concepção

de indivíduo que perpassa os critérios de seleção dos alunos que comporão o “Programa

Acelera Brasil” no ano de 2012.

4.3.2 Acelerar para economizar: adequação à Reforma Gerencial e ataque à composição

sindical

Segundo Oliveira (2005, p.11), durante a década de 1990, em função do alto índice de

repetência que “variam de 15 a 50% [...] mais de 60% dos alunos do ensino fundamental

acumulam dois ou mais anos em relação à série que deveriam cursar”. Dentro desse enfoque o

autor destaca que a “má qualidade” do serviço público que era prestado gerava gastos

desnecessários e volumosos, ou seja, baseado na lógica da Reforma Gerencial, seria

inadmissível o desperdícios de dinheiro público com alunos repetentes. Algo deveria mudar

para “fazer esses alunos darem certo”: substituir a “cultura da repetência” como algo normal

pela “cultura do sucesso” (a promoção de série), além da concentração de recursos e

prioridades na correção do fluxo série-idade. O problema da repetência seria, antes de tudo,

um problema econômico à medida que aumentaria os gastos públicos.

Dessa forma, num contexto de Reforma Gerencial do Estado brasileiro, promovido

pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser

Pereira, o “Programa Acelera Brasil” que foi criado em 1996, em 15 municípios

(INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1), é pensado de forma diferenciada de programas

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anteriores de aceleração da aprendizagem, pois, segundo o Instituto Ayrton Senna, a sua

preocupação central não reside na

[...] aceleração de alunos, que é a atitude mais comum na maioria de programas que foram desenvolvidos no país desde 1995. Trata-se, portanto, de um programa de mudança de vetor na política educacional, comprometido com resultados permanentes, e não de uma mera inovação ou intervenção pedagógica (OLIVEIRA, 2005, p.179).

O programa permite ao aluno a realização de duas a quatro séries num único ano letivo

e tem por objetivo “[...] contribuir para que o aluno, em um ano, alcance o nível de

conhecimento esperado para a primeira fase do Ensino Fundamental, de maneira que possa

avançar em sua escolaridade” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1). Pensemos! Se

um aluno considerado defasado avançasse de duas até quatro séries num único ano, haveria

uma economia significativa com gastos públicos; contudo, a proposta do “Acelera Brasil”

para o primeiro segmento do ensino fundamental tem uma concepção de qualidade reduzida a

saber ler, escrever e fazer contas (educação minimalista). Segundo Tatiana Filgueiras (2008,

p. 59), que a é a coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna:

[...] o Acelera Brasil garante o direito à educação que passa pelo direito a ler, escrever (combate ao analfabetismo), aprender, passar de ano e cursar a série correspondente a sua

idade (correção de fluxo) para dar continuidade à trajetória escolar (sucesso do aluno).

É interessante ressaltarmos que o programa “Acelera Brasil”, a partir de 2011, no

município do Rio de Janeiro, não se restringiu apenas ao primeiro segmento do ensino

fundamental, uma vez que tem se voltado, também, para a aceleração de alunos com

defasagem no segundo segmento do ensino fundamental (5º ao 9º ano) e sua promoção ao

ensino médio, corrigindo o fluxo série-idade.

A tese de João Batista Araújo e Oliveira (2005) é que a “cultura” da repetência estaria

se naturalizando, causando enormes prejuízos para a economia de um país, pois o dinheiro

gasto com um aluno repetente poderia ser revertido em melhores salários para os profissionais

da educação e melhorias estruturais da escola. Apresentada, mais uma vez como um negócio,

a educação é vista pelo idealizador do “Programa Acelera Brasil” somente pela dimensão

econômica.

Indagamo-nos: será que a economia de dinheiro público com os alunos repetentes seria

revestida em melhorias salariais para os professores e/ou investimentos estruturais para as

escolas? Entendemos que o Estado de orientação neoliberal tem como um dos pressupostos a

redução dos investimentos em atividades que não seriam típicas de Estado (como a educação),

ou seja, poderiam ser repassadas para o mercado ou para organizações do “Terceiro Setor”. Se

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a lógica da doutrina neoliberal é cortar custos na área social, seria contraditório o

investimento do dinheiro público com melhores salários e planos de carreiras do magistério e

estrutura física das escolas.

Gustavo Ioschpe, um destacado intelectual orgânico do capital, em entrevista ao Jornal

Nacional da Rede Globo de Televisão, declara a possível influência que os investimentos em

salários dos professores poderiam trazer para a melhoria da qualidade da educação:

Minha área de pesquisa é a economia da educação, que não se baseia em teorias ou opiniões e sim em resultados de estudos reais, com bancos de dados de milhares de casos e estabelecendo relações através de metodologias sofisticadas de estatística e econometria. E o que estes estudos revelam e são centenas, tanto no Brasil quanto no exterior, é que o salário do professor não é uma variável estatisticamente significativa ou relevante na determinação

do aprendizado dos alunos. A partir de um certo patamar de salário atingido, e acho que no Brasil já foi atingido desde a época do Fundef, mudanças salariais não tem se transformado em melhorias da qualidade da educação [...]Como política pública, o Brasil deveria estar mais preocupado em implantar medidas que tenhamos relativa certeza de que terão resultado e custo relativamente baixo do que continuar insistindo no caminho do aumento do salário dos professores, que até hoje não se mostrou efetivo nem na história recente da educação brasileira e nem na literatura especializada (IOSCHPE, 2011, p.1).

Tanto Gustavo Ioschpe (conselheiro do Instituto Ayrton Senna) quanto João Batista

Araújo e Oliveira (consultor do Instituto Ayrton Senna e idealizador do programa “Acelera

Brasil”), atuando como intelectuais orgânicos do capital (na função de consultores de ONGs),

têm se destacado como intelectuais que influenciam na formação política e escolar brasileira

em aparelhos privados produtores da “nova pedagogia da hegemonia”. Muitos dos estudantes

dos cursos de pós-graduação em políticas públicas voltadas para a educação têm sido nutridos

dessa concepção particularista de mundo, que atende ao projeto burguês de educação

produtivista: “produção” da maior quantidade de diplomados ao menor custo e tempo

possível.

A Fundação Getúlio Vargas56

(FGV), local onde Claudia Costin (atual Secretaria de

Educação do Município do Rio de Janeiro) fez mestrado em economia e doutorado em

políticas públicas, seria um aparelho privado de hegemonia fundamental na consolidação do

consenso em torno da disseminação da “responsabilidade social” dos empresários,

corporificados na ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”: projeto político da direita

para o social (NEVES, 2010a).

São esses aparelhos privados de hegemonia do capital que procuram legitimar o

discurso da concepção de educação de “qualidade” que não passaria pela composição sindical

na busca por melhores salários e planos de carreiras que atendessem às demandas dos

56 Outro intelectual ligado à FGV é o condutor da Reforma Gerencial da década de 1990: o professor Luiz Carlos Bresser

Pereira.

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profissionais da educação e nem por um projeto de pedagogia política. Mas, pelo contrário,

cada profissional da educação deveria melhorar seu salário individualmente (mérito),

trabalhando no treinamento de indivíduos para realizar provas planificadoras, esvaziadas de

historicidade e sentido crítico. É uma estratégia de negação da categoria totalidade das

relações sociais, ocultando as tensões de classe e transpondo para o professor a

responsabilidade pelo seu salário em função do desempenho de seus alunos nessas provas

planificadoras promovidas pelo INEP.

4.3.3 Subsunção real do trabalhador ao capital expresso na educação minimalista do

Programa “Acelera Brasil”

Seguindo a linha de pensamento, João Batista Araujo e Oliveira defende a urgência na

adoção de medidas que aumentassem a escolaridade dos cidadãos. Quanto menor o nível de

escolaridade, o cidadão “ganha menos e, dessa forma, afeta a produtividade da empresa e do

país”. (OLIVEIRA, 2005, p. 32). A noção de “capital humano” funciona como um dos eixos

estruturadores da tecnologia de intervenção social chamada “Programa Acelera Brasil” à

medida que defende que a repetência gera a exclusão da escola e, esta, por sua voz, gera a

exclusão do mundo do trabalho. Enfim, quanto maior investimento no nível de escolaridade, o

aluno-cidadão passaria a “ganhar mais” e ser “mais produtivo” para as empresas, o que

ajudaria a economia do país a crescer e ele a ter uma mudança de “classe social”.

Analisando a relação da educação com o mundo do trabalho, percebemos que o

“Programa Acelera Brasil” concebe a educação como elemento que deve ser subsumido aos

interesses do capital (reprodução da força de trabalho como mercadoria). Os conhecimentos

são apresentados em módulos prontos e compactados, cujo objetivo é permitir ao indivíduo a

aptidão a concorrer uma vaga no mercado de trabalho. Mínimo de conhecimento aos pobres:

apenas o essencial para a venda sua força de trabalho como mercadoria.

Numa análise perspectiva do projeto burguês para a educação do final século XVIII,

Marise Nogueira Ramos (2006, p. 31) identifica que o Estado deveria promover e incentivar

aos pobres a aquisição de conhecimentos essenciais, tais como: aprender a ler, escrever, fazer

contas e ter noções de geometria mecânica. Essa educação minimalista (ler, escrever, fazer

contas) guarda muita relação com a noção de “qualidade” da educação adotada pelo Instituto

Ayrton Senna, abordada no capítulo anterior, e que é levada para o “Programa Acelera

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Brasil”. “Assim, a educação dos trabalhadores mais pobres teria por função discipliná-los para

a produção [...] para fazer do trabalhador um cidadão passivo, que apesar de tudo, tivesse

alguns poucos direitos”. É em torno dessa noção de cidadania restrita à positividade do direito

que o “Programa Acelera Brasil” se autojustifica como um meio eficaz de levar aos cidadãos

pobres, excluídos de uma educação de “qualidade”, o direito de concluir o ensino fundamental

e habilitá-lo a exercer determinadas funções no mercado.

A crítica que Marise Nogueira Ramos faz ao papel da educação no projeto burguês do

final do século XVIII poderia ser aplicada à concepção de educação do “Programa Acelera

Brasil”, uma vez que a preocupação central no combate à repetência é permitir ao aluno-

cidadão adquirir “capital humano” para torná-lo mais produtivo para as empresas e para a

sociedade em que está inserido. Em outras palavras, o foco é a formação para o mundo do

trabalho (como extração de mais-valia) e não a formação humana do sujeito para a

compreensão do trabalho como atividade ontocriativa.

A superação da repetência é o pilar maior da chamada “Pedagogia do Sucesso” (“fazer

o aluno dar certo”: passar de ano) que estrutura o funcionamento do “Programa Acelera

Brasil”, pois a repetência não estaria apenas criando um aluno fracassado, mas “cria

profissionais e cidadãos fracassados em todas as dimensões da cidadania, como eleitor,

consumidor, contribuinte e ser produtivo” (OLIVEIRA, 2005, p.31).

Quanto à concepção de “aluno fracassado”, o “Programa Acelera Brasil” identifica

como fracassados aqueles alunos que repetem o ano, gerando a distorção série-idade, ou

abandonam a escola (OLIVEIRA, 2005). Analisemos. Quais mediações estão sendo

consideradas para determinar que um aluno seja fracassado? Um aluno pode não ser aprovado

em um determinado ano por uma série de fatores, tais como: a) problemas psicológicos

causados pela perda de um ente querido; b) fatores culturais causados pela dificuldade de

adaptação de alunos que migram do interior para as grandes cidades c) fatores históricos

como a falta ou troca de professores de determinada disciplina no ano cursado. Defendemos

que decretar o “fracasso de um aluno” sem analisar as mediações simbólicas, históricas,

culturais, psicológicas é reduzir a totalidade das relações sociais que perpassam a educação a

uma questão de “negócio”, a uma questão de economia de gastos “desnecessários”, ou à falta

de mérito do aluno.

Um fato que nos chama a atenção é a relação causa-efeito estabelecida no programa ao

relacionar a repetência com surgimento de “cidadãos fracassados”. O que seria cidadão

fracassado na ótica do idealizador do “Programa Acelera Brasil”? Num primeiro olhar,

discernimos que a cidadania a que o autor do programa “Acelera Brasil” se refere é aquela

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voltada para o gozo de alguns direitos (dentre eles a educação de “qualidade”) e a obrigação

de contrair alguns deveres, passando pela igualdade política e jurídica.

Como abordado no capítulo anterior, é o agrupamento de alguns direitos em torno da

noção de cidadania que organiza a sociedade capitalista, evitando rupturas sociais,

conformando os “pobres”, que recebem uma educação baseada em habilidades minimalistas,

preparando-os a estar apto a concorrer a uma vaga no mercado de trabalho (venda da força de

trabalho na forma de mercadoria). Dessa forma, o “cidadão de sucesso” seria aquele que

possui as habilidades mínimas para a entrada no mercado e se torna um indivíduo mais

produtivo para sua empresa e um consumidor potencial.

Como na concepção burguesa de cidadania, a igualdade entre os indivíduos se daria no

campo jurídico e político (nos limites da democracia burguesa), mas excluiria o campo

econômico, a educação voltada para aumentar a escolaridade dos pobres (defendida acima por

João Batista Araújo e Oliveira) não promoveria a chamada “igualdade dos pontos de partida”

(promessa não cumprida pelo “Neoliberalismo da Terceira via”) à medida que os pobres, ao

receberem as habilidades mínimas para inserção no mercado de trabalho, conformar-se-iam

com o “destino” reservado aqueles que não tiveram o mérito de “estudar mais” e ocupar

“melhores” postos de trabalho.

Como analisado no capítulo anterior, os pontos de partida não são iguais em função de

algumas mediações que não são consideradas pelo escritor do manual do “Programa Acelera

Brasil”. Uma mediação que não pode ficar de fora dessa análise é a desigualdade promovida

pelas diferenças econômicas que obrigam os “pobres” a entrar prematuramente no mercado de

trabalho e abandonar a escola; além disso, as habilidades minimalistas levadas pelo

“Programa Acelera Brasil” não tem por objetivo proporcionar às massas o acesso aos níveis

mais elevados da cultura, promovendo uma elevação cultural e maior conscientização política.

A proposta do “Acelera Brasil” é formar cidadãos com habilidades mínimas para se tornarem

candidatos a entrada no mercado de trabalho, para torná-los mais produtivos, entretanto cada

vez mais passivos na compreensão e enfrentamento da expropriação de suas forças materiais e

espirituais, conformando-os ao capital.

A alienação entendida como processo de perda da “essência humana” (MÉSZÁROS,

1981, p.16) é um dos componentes da ideologia chamada “Pedagogia do Sucesso”,

materializada no “Programa Acelera Brasil”, cuja proposta de formar seres produtivos, que

não se percebem como parte daquilo que produzem e aceitam passivamente a expropriação de

suas forças materiais e espirituais, é fundamental para que a reprodução metabólica do capital

se dê com poucas ranhuras (correlação de forças), sem grandes rupturas do pacto social

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vigente. Nessa proposta pedagógica, a educação é vista como uma mercadoria reificada que

requer a padronização, que recusa os determinantes e contradições que perpassam sua

realização.

4.3.4 Novo papel do professor no “Programa Acelera Brasil”: despolitização do seu papel

político

Iniciaremos esse tópico apresentando o papel que o professor deve ocupar no processo

pedagógico que foi desenvolvido por João Batista Araújo e Oliveira (idealizador do

“Programa Acelera Brasil”) no livro “A Pedagogia do Sucesso”. Em seguida, dividiremos em

análises pontuais cada argumento utilizado por esse intelectual ao apontar o novo papel que o

professor deverá ocupar para fazer um aluno “dar certo”.

Algumas considerações a serem feitas no que diz respeito ao novo papel atribuído ao

professor pelo “Programa Acelera Brasil”.

a) Outro eixo estruturador do “Programa Acelera Brasil” é a

funcionalidade que o professor ganha como instrumento “capaz” de fazer um

aluno “dar certo”. Desenvolver o “Programa Acelera Brasil” com professores

“excepcionais” que seriam “capazes de operar milagres mesmo nas

circunstâncias mais difíceis” não é a meta do programa; mas, pelo contrário, a

meta é estabelecer estratégias que permitam a “pessoas ‘normais’ ou ‘médias’,

com uma formação adequada e dosagem moderada de competência e

motivação, consigam resultados satisfatórios de forma sistemática”

(OLIVEIRA, 2005, p. 55).

Questionamos: o que seria um professor excepcional? Existe alguma ligação direta

causa-efeito entre a concepção de professor excepcional e os resultados obtidos nas

avaliações? No que consistiria a operação de um milagre na “Pedagogia do Sucesso”?

Aprofundando nossas indagações sobre o que seria um professor excepcional, nos

questionamos sobre no que consistiria a concepção de pessoas normais ou médias.

Percebemos que existe uma ligação intrínseca entre a concepção de um professor

excepcional e a avaliação, uma vez que o “profissional milagroso” seria aquele capaz de

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“fazer um aluno dar certo”. O aluno que dá certo nessa concepção pedagógica é aquele que

consegue executar tarefas previamente estabelecidas no manual (“Programa Acelera Brasil”)

e, depois de muitas repetições, seria capaz de fazer avaliações. Essa relação direta causa-

efeito entre professor excepcional e sucesso nas avaliações promovidas pelo “Programa

Acelera Brasil”, no nosso entender, pode ser uma forma de estimular o professor a ser um

“verdadeiro adestrador” para receber o título de “excepcional”.

Explico! O “Programa Acelera Brasil” ao fazer a leitura teórica do papel do professor

como aquele que treina alunos repetentes para realizarem avaliações, oculta um dos principais

papéis (numa perspectiva gramsciana) que é o de elevar o cabedal cultural das massas,

fornecendo-as os elementos teóricos necessários a pensar sua subsunção real ao capital, com o

objetivo de elaborar uma nova hegemonia (que atenderia aos interesses das massas).

Os chamados professores “normais ou médios”, por não serem excepcionais, para

conseguirem que seus alunos cheguem a resultados sistemáticos nas avaliações precisariam de

“uma dose moderada de competência e motivação”. Observando essa afirmativa percebemos

um equívoco conceitual na adoção da palavra competência usada como sinônimo de

capacidade. Todo o professor devidamente habilitado e em dia com suas obrigações

financeiras com os respectivos conselhos regionais a lecionar uma disciplina tem a

competência por força da positividade do direito de exercer a profissão do magistério. O

equivoco teórico reside na sinonímia identificadora da competência como a capacidade de

realizar uma determinada tarefa.

No que diz respeito à motivação, entendemos que quaisquer profissionais precisam

estar motivados para realizarem seu trabalho. Agora, o que nos chama a atenção é o fato da

motivação do professor, perspectiva do “Programa Acelera Brasil”, girar em torno da

necessidade de diplomar alunos e não de proporcionar aos alunos o acesso aos saberes

científicos e culturais produzidos por sua sociedade como ferramenta crítica na compreensão

do trabalho como extração de mais-valia. A motivação da compreensão da contradição

existente na categoria trabalho57

não aparece nas discussões do “Programa Acelera Brasil”,

está inscrita no campo da ideologia (como se não existisse o processo dual de extração de

mais-valia).

A motivação para as discussões e debates entre docentes e discentes reside no trabalho

como forma de o homem interagir com a natureza. A nosso ver a motivação é um

57 Classificamos “Trabalho” como categoria quando aparece numa perspectiva de contradição de classes, extração de mais-valia (onde existe um processo dual) baseados em nossas anotações de aula nas discussões do grupo de Pesquisa em Educação, coordenado pelo professor Dr. Roberto Leher, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em maio de 2011, tendo

por base o texto do capítulo 4 “o método da dialética”. Cf. KOFLER, 2010.

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determinante que poderá indicar os caminhos que um programa educacional pretende seguir:

perpetuação das relações sociais existentes ou a criação de uma nova hegemonia criada a

partir da elevação cultural e consciência política das massas na compreensão do processo dual

de extração de mais-valia.

b) Para que a “cultura da repetência” fosse superada pela “cultura do

sucesso” (aprovação e regularização do fluxo série-idade), o programa de

aceleração da aprendizagem idealizado por João Batista Araújo e Oliveira para

o CETEB (“Acelera Brasil”) desenvolveu “estratégias programáticas para

ensinar o professor a dar certo” e com o apoio financeiro do MEC58

, através do

Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), passou a

priorizar a produção de um material didático que atacasse a repetência.

(OLIVEIRA, 2005, p.63).

Partimos do seguinte questionamento: o que seria “um professor dar certo” na concepção

pedagógica do “Programa Acelera Brasil”. Observando os argumentos defendidos por João

Batista de Araújo e Oliveira, percebemos, mais uma vez, a relação causa-efeito entre o

professor ser considerado “bom” quando o aluno está preparado para a realização das

avaliações propostas pelo programa “Acelera Brasil”. O que diríamos se um aluno não se saiu

bem nas avaliações propostas pelo programa em função de determinantes históricos,

socioeconômicos e psicológicos? Afirmaríamos com toda a convicção que o professor é ruim

ou fracassou na sua tarefa “sacerdotal” de “fazer o aluno dar certo”?

A exposição dos argumentos que dão sustentação ao “Programa Acelera Brasil”

comumente caem em análises rasas, com pouca profundidade teórica, estabelecendo relações

de causa-efeito e desconsiderando as mediações simbólicas, históricas, socioeconômicas, o

que dificulta um olhar crítico sobre a realidade. O aluno não é uma “coisa” idealizada, um

sujeito isolado. Numa pesquisa muitas vezes é necessário isolar alguns fatos do todo para

melhor captar suas determinações mais simples com a finalidade de compreender o conjunto

das relações do nosso objeto de estudo que compõem a totalidade. Embora podemos afirmar

58 Contando o apoio pessoal do Ministro Paulo Renato, um dos maiores entusiastas do governo Fernando Henrique Cardoso na priorização dos programas de aceleração da aprendizagem como instrumentos de superação da repetência e dos baixos índices coletados nas avaliações do INEP, como o SAEB, por exemplo. Em recente acordo assinado com o Instituto Ayrton Senna em maio de 2012, o Ministro Moreira Franco da Secretaria de Assuntos Estratégicos ligada à Presidência da República

se mostrou muito empolgado com os resultados obtidos pelo instituto.

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que isolamos alguns fatos, não o isolamos, pois serão novamente incorporados à totalidade

social para elaboração da explicação.

Os fatos quando analisados isoladamente guardam relação com a totalidade das

relações sociais. É em função dessa constatação que criticamos o “Programa Acelera Brasil”

que isola os elementos mediadores da totalidade social, sem, contudo, incorporá-los

novamente ao todo na elaboração da explicação, visando a maior proximidade possível da

realidade. O “Programa Acelera Brasil” ao se ater no isolamento da constatação causa-efeito,

não consegue explicar a totalidade das relações sociais, pois desconsidera suas mediações.

c) O aluno só vai “dar certo” quando o professor assumir um novo papel.

“Seu desafio principal não é dar aulas ou cumprir o programa – é fazer o aluno

dar certo. O material de ensino cuida do programa. O professor cuida que o

aluno aprenda o material de ensino [...]” (OLIVEIRA, 2005, p. 76). O

professor não pode se deixar levar pelas circunstâncias, pois não há espaço

para “tarefas mal feitas ou desculpas para o não cumprimento das tarefas

propostas”, baseadas nos conteúdos mais relevantes centrados principalmente

nas competências ler e resolver problemas matemáticos.

Para cumprir o foco do programa (“fazer o aluno dar certo”) o professor também

precisaria “dar certo” e para tanto, contaria com uma ajuda imprescindível: material de ensino

que, se seguido à risca, cumpriria o foco do programa. O que nos chama a atenção é a

concepção do “Programa Acelera Brasil” idealizar um professor refém do material de ensino,

um mero executor de tarefas previamente estabelecidas no programa para qualquer aluno em

quaisquer partes do país. Sua função política problematizadora das relações sociais vigentes,

da forma como os homens se (re)produzem enquanto seres sociais, é, na ótica do “Programa

Acelera Brasil” “abandonada” ou vista por essa concepção particularista de mundo como uma

função específica de técnicos da educação, como por exemplo, Cláudia Costin (Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro), Gustavo Ioschpe, João Batista Araújo e Oliveira

(consultores de ONGs).

Entendemos que uma das finalidades de programas educacionais como o “Acelera

Brasil” (que o professor é concebido como executor de pacotes de conhecimento fechados) é

minar o processo de reflexão de como se produziu esse conhecimento, a qual interesse de

classe atenderia e em que circunstâncias históricas, mesmo em meio às resistências,

contradições, questionamentos à ideia da transmissão de saberes exteriores ao próprio

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professor. Nesses pacotes teríamos um kit de conhecimentos gerais mínimos capazes de

permitir ao aluno (futuro trabalhador?) executar uma função simples no mercado de trabalho.

O professor nessa concepção de educação perderia seu caráter de intelectual orgânico

difusor e/ou construtor de uma nova hegemonia. Contudo, cabe-nos ressaltar que a educação

não se reduz ao ideológico (FRIGOTTO, 2010, p. 28), é prática mediadora do que se dá no

interior do sistema capitalista, onde se disputam espaços por interesses antagônicos. É

fundamental percebemos que tanto em relação às análises que estabelecem vinculações do

tipo causa-efeito entre educação e estrutura quanto a relação que dissocia essa vinculação

totalmente, abandonam a análise dialética.

Em função do exposto acima é importante captar a relação

[...] dialética entre infra e superestrutura; da expansão mais rápida do trabalho improdutivo

em face do trabalho produtivo como resultado do processo da dinâmica do processo de produção capitalista cujo objetivo não é satisfazer necessidades humanas, mas produzir para o lucro (FRIGOTTO, 2010, p.27).

A prática educativa estabelece mediações importantes com o modo capitalista de

produção à medida que estabelece a vinculação entre o comensalismo existente entre o

trabalho produtivo e o trabalho improdutivo na sociedade capitalista. Necessário é perceber

que essa interdependência do trabalho produtivo em relação ao trabalho improdutivo faz parte

de um movimento maior da totalidade das relações capitalista de produzir a riqueza59

.

O aumento da produção do trabalho produtivo passa pela nova instrumentalidade que

o trabalho improdutivo fornece ao capital à medida que o aumento da escolarização tanto em

sua dimensão de qualificação mínima para a entrada dos alunos (futuros trabalhadores?) no

mercado de trabalho na realização de trabalhos simples, quanto na sua dimensão mais

sofisticada dos conhecimentos elaborados pela humanidade para aqueles que ocuparão cargos

estratégicos na reprodução do capital. Ambas as dimensões estariam atendendo aos interesses

mais imediatos do capital, pois

A escola será um lócus que ocupa – para um trabalho ‘improdutivo forçado’ – cada vez mais gente e em maior tempo e que, embora não produza mais-valia, é extremamente necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização da mais-valia; nesse sentido, ela será um trabalho produtivo (FRIGOTTO, 2010, p.38).

Após a exposição acima, percebemos que a afirmativa que o material de ensino cuida

do programa e o professor cuida que o aluno aprenda o material de ensino dos conteúdos mais

59 Nossas anotações das observações feitas pelo Professor Dr. Gaudêncio Frigotto após as discussões de nossa banca de

qualificação do projeto de pesquisa. Agosto de 2011.

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relevantes é mais uma forma de ocultar a relação que se estabelece entre a escola que realiza

trabalho improdutivo gerando cada vez mais mão de obra geradora de mais-valia; ou seja,

indiretamente a escola está atuando produtivamente, ainda que não o esteja na forma imediata.

Será que o material de ensino fornecido pelo programa teria força tal que faria um

aluno aprender os conteúdos mais relevantes? Após a observação inicial, percebemos que o

material de ensino (coisa) passa a ser o foco do processo educativo, enquanto os indivíduos

(humanos) são deixados a um segundo plano. A relação entre seres humanos e coisas se

produz socialmente. Portanto, questionamos: será que os conteúdos considerados mais

relevantes pelos idealizadores do “Programa Acelera Brasil” deixam claro aos indivíduos que

estarão em contato com o material de ensino como foram selecionados os conteúdos ditos

mais relevantes? Observando mais uma vez, percebemos que os indivíduos receptores do

material de ensino até podem compreender que a própria produção do saber é construída

socialmente, nas correlações de força existentes na sociedade, mas, para tanto, a visão crítica

de um professor seria fundamental para intermediar o contato dos alunos com os

conhecimentos apresentados como verdades universais e imutáveis pelo “Programa Acelera

Brasil”.

Outra questão bastante relevante é a atuação do professor como fiscal que cuida para

que não haja brechas nem desculpas para tarefas mal feitas pelos alunos. Essa afirmativa nos

permite tecer um comentário. Estaria o “Programa Acelera Brasil” reduzindo as múltiplas

dimensões de atuação do professor (sua função intelectual formadora de opinião, seu papel

político) a uma função de burocrata, fiscal dos alunos que fazem os exercícios propostos pelo

material de ensino?

Não desconsideramos a importância dos exercícios no processo de apreensão de

determinados saberes, mas entendemos que o professor é mais do que um burocrata do ensino

que cuida que o aluno cumpra todas as tarefas propostas pelo programa. A sobrepujança que o

material de ensino ganha nesse processo é tão destacada que cada vez mais o professor se vê

obrigado a fiscalizar se o que foi programado para aquela aula pelo “Programa Acelera

Brasil” está sendo cumprido rigorosamente. Sua função problematizadora das relações sociais

em que os homens se (re)produzem, seu papel de intelectual formador e divulgador de visão

de mundo vai sendo subsumido à “nova função” de fiscal que não deve levar em consideração

quaisquer tipos de desculpas apresentadas pelos alunos, ao mesmo tempo em que também é

“fiscalizado”, controlado pelas avaliações ou resultados empreendidos.

Levantamos outra questão: ao desconsiderar as condições históricas, psicológicas,

socioeconômicas de um aluno para o não cumprimento de uma tarefa previamente

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determinada no material de ensino, estaria o “Programa Acelera Brasil” criando um tipo ideal

de aluno? Pensamos que, mesmo com fiscalização dos superiores hierárquicos, há correlação

de forças entres os professores e a comissão supervisora que verifica se o programa está sendo

cumprido na íntegra. Os professores não são sujeitos passivos que incorporam os preceitos

defendidos pelo “Programa Acelera Brasil” sem quaisquer tipos de questionamentos (mesmo

que não os exponham).

Contudo, se não se perceberem como sujeitos políticos, agentes de formação e

divulgação de uma nova hegemonia (contrária à que serve de esteio ao “Programa Acelera

Brasil”), podem legitimar a cada dia mais o “novo tipo ideal” de professor que vem sendo

desenhado por alguns programas educacionais: desempenho de muitas atribuições

burocráticas e diminuição do tempo para reflexão de como o conhecimento é construído,

quais correlações de força, quais projetos societários estão envolvidos na produção do saber.

Perda de sua relativa autonomia polítco-didática.

d) A avaliação deverá ser adotada pelo professor não apenas como mais uma

mera formalidade a ser cumprida, mas como um instrumento de verificação de

domínio das competências básicas exigidas pela sociedade em que estamos

inseridos, além de saber se o produto de cada projeto se traduziu efetivamente

em conhecimentos adquiridos pelos alunos. Para que tanto a avaliação quanto o

novo papel do professor funcionem de modo a evitar “desvios do programa”, o

planejamento das atividades se torna condição fundamental para o sucesso do

“Programa Acelera Brasil”.

A nosso ver, a avaliação seria o fio condutor do processo de “refuncionalização” da

escola pública e do papel do professor, pois a velha lógica capitalista de certificação ao menor

custo e tempo possíveis estaria associada à ajuda de empresários filantrópicos que se

“preocupam” com o treinamento de indivíduos “pobres” para realizarem as avaliações, sob o

manto de levar cidadania. A tarefa de avaliar estaria restrita a verificar se o aluno domina as

competências exigidas pela sociedade regida pelo capital, fornecendo mão de obra com maior

qualificação para atender ao mercado de trabalho. O interessante desse ponto é que o

professor só cumpriria plenamente sua função se não se desviasse do programa, do que está

previsto para a avaliação das etapas do “Acelera Brasil”.

Quando adotamos o termo “refuncionalização” não estamos afirmando que o novo

papel do professor inserido no programa é ser um agente que contribui indiscriminadamente

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para a reprodução do capital; cremos que há tensões na aplicação do “Programa Acelera

Brasil” por parte dos professores e é com base nisso que destacamos a preocupação do

idealizador do “Programa Acelera Brasil” com possíveis intervenções dos professores que

viessem a fugir do que estava prescrito no manual do programa. João Batista Araújo e

Oliveira (2005) relembra a todo o tempo a necessidade do professor fazer o aluno “dar certo”.

Entrementes, o professor que “abraça” o programa deve ser voluntário e estar preparado para

não desviar-se do foco do programa para possíveis intervenções criativas, “principalmente na

sessão da leitura, que é o carro-chefe do programa” (OLIVEIRA, 2005, p. 96).

O que seriam os desvios criativos que tanto preocupam o elaborador do “Programa

Acelera Brasil”? É nesse sentindo que acreditamos que mesmo sem funcionarem como braços

operativos do capital dentro da escola, esse processo vem acompanhado pela constituição de

um ethos definidor do professor como executor de tarefas previamente agendadas, cuja

preocupação principal é saber se o aluno domina as habilidades focais do programa: leitura e

resolução de cálculos. No “Programa Acelera Brasil” não teria espaços para discussões

promovidas por professores ou alunos que fugissem do previsto; dessa forma, muitos

professores (que não vislumbram a práxis revolucionária), mesmo compreendendo a essência

do programa (forma precípua de formação de mão de obra simples e certificação da maior

quantidade de indivíduos na menor quantidade de tempo possível), contribuem para a

penetração da lógica fabril na escola sem que necessariamente sejam agentes diretos

operadores do capital.

O que estamos tentando compreender é como o novo papel do professor, atribuído por

instituições operadoras do capital na escola (como o Instituto Ayrton Senna) tem contribuído

para a formação de um ethos legitimador dessa concepção única de atuação. É a construção de

uma pedagogia que teria por finalidade diminuir os espaços de debate de como é processado o

conhecimento: é a substituição da lógica da compreensão de como o saber é constituído

(processo) pelo empacotamento de conhecimentos prontos e acabados (produto).

4.3.5 “Dialética” unilateral do “Programa Acelera Brasil”

As políticas educacionais patrocinadas pelo MEC/FNDE, destacadamente as de

aceleração da aprendizagem não seriam atos de uma mente iluminada que descobrira o

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caminho para o sucesso na educação, aquilo que pesquisadores levam anos tentando saber;

mas “são processos sociais, dialéticos e complexos” (OLIVEIRA, 2005, p.136).

É no que diz respeito ao caráter dialético da concepção do “Programam Acelera

Brasil” que gostaríamos de nos ater. Precisamos compreender o que o autor da “Pedagogia do

Sucesso” (manual teórico-metodológico do “Programa Acelera Brasil”) entende por processo

dialético na construção de sua teoria.

Observando a construção do argumento central que legitima a adoção do “Programa

Acelera Brasil” como tecnologia social capaz de fazer o aluno “dar certo”, percebemos que a

concepção da dialética adotada por João Batista Araújo e Oliveira é aquela que remonta à

“arte do diálogo” na Grécia Antiga que “aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo,

demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente

os conceitos envolvidos na discussão” (KONDER, 1986, p.7).

Entendemos que o “Programa Acelera Brasil” foi elaborado a partir de dois

argumentos centrais: defasagem idade-série e “cultura da repetência” (“cultura do fracasso”).

Esses argumentos se desenvolveriam em torno da premissa organizadora do discurso que

defende que tanto a defasagem idade-série quanto a “cultura da repetência” se dariam em

função da administração burocrática estatal ser muito ineficiente e não ter por finalidades o

alcance de metas objetivas, como teria a iniciativa privada (aqueles que em tese saberiam

administrar bem e conseguir bons resultados econômicos).

É através dessa premissa que a “Fórmula do Sucesso” é apresentada como uma tese a

ser comprovada no diálogo, com a exposição dos argumentos. Trata-se da luta por vencer

através da argumentação e não a tentativa de procurar as contradições daquilo que se

apresenta como verdade na busca pela realidade.

Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação (KONDER, 1986, p. 7).

Ao desconsiderar o todo na busca da realidade, a dialética que se dá na disputa por

argumentos mais aceitáveis pelo público, independentemente dos critérios de verdade na

construção desses argumentos, o “Programa Acelera Brasil” cai numa perigosa

“unilateralidade não dialética” (KOFLER, 2010, p. 55). Esse tipo de análise que vê no

argumento em si o critério de validade, que não procura as contradições que levam à

construção da suposta verdade apresentada através dos argumentos não captam a essência da

elaboração do conhecimento como construção histórica. Segundo Gaudêncio Frigotto (1994,

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p. 73), “isso implica dizer que as categorias totalidade, contradição, mediação, alienação não

são apriorísticas, mas construídas historicamente”.

Quando o “Programa Acelera Brasil” é apresentado como uma “Fórmula de Sucesso”

para qualquer escola e alunos em realidades históricas, psicológica e social diferentes

desconsidera o papel que essas mediações têm na construção do conhecimento que é

oferecido como um “pacote” pronto a ser consumido (a verdade em si). Esse tipo de análise

que serviu de base para a elaboração do “Programa Acelera Brasil” conduz à adesão de sua

concepção de mundo baseada na “eficiência” e “responsabilidade social” dos empresários

(ideologia) transposta para as escolas públicas.

É com base na negação das categorias totalidade, alienação e mediação que

entendemos que a dialética adotada pelo “Programa Acelera Brasil” é uma via de mão única

que se sustenta em argumentos cujo critério de verdade está na aceitação do argumento

estruturador do programa pelo público, o que pode levar à adesão em prol de uma suposta

imparcialidade ideológica do “Programa Acelera Brasil” adotado como ferramenta de

intervenção social (num Estado fracassado na prestação do serviço público) pelo Instituto

Ayrton Senna. Na dialética adotada pelo programa, “a crítica não assume efetivo papel

histórico quando se constitui em mediação para travessia para novas formas de mediações

sociais” (FRIGOTTO, 2001, p.42).

É justamente por negar a condição histórica e as correlações de forças que atravessam

a construção desse saber “empacotado” (“Programa Acelera Brasil”) que a totalidade das

relações sociais é deixada de lado em prol de problematizações que dão destaque à

inevitabilidade do capital após a crise do socialismo real (FUKUYAMA, 1992), centrando as

análises em diferenças culturais, de etnia, de fatos da vida cotidiana; sem, contudo,

estabelecer as relações que esses aspectos possuem com as diferenças econômicas numa

perspectiva histórica ampliada, cujo objetivo é chegar à totalidade das relações sociais.

A afirmação desse ethos da inevitabilidade do capital e de sua não problematização

tem nos chamado a atenção, pois os indivíduos participantes do “Programa Acelera Brasil”

terão contado com materiais de ensino (“que são os responsáveis pelo ensino”) que atomizam

os indivíduos, não estabelecendo sua relação com a totalidade das relações sociais (inclusive a

econômica). Ao invés disso, a problemática recai nas diferentes formas de “enxergar” os

aspectos culturais, da vida cotidiana, dos fatos históricos, como querem os pesquisadores pós-

modernos (FRIGOTTO, 2001).

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181

4.3.6 “Programa Acelera Brasil” é político: ataque à autonomia da escola na elaboração de

seu projeto político-pedagógico

Segundo João Batista Araújo e Oliveira (2005), antes de ser uma proposta pedagógica,

o programa de aceleração da aprendizagem (correção de fluxo escolar) é uma proposta de

política educacional que deve ser encampada como compromisso político de prefeitos,

governadores e secretários. Entretanto, não bastaria apenas compromisso político se o

gerenciamento das escolas não fosse profissional, ou seja, administrado por pessoas com

qualificação na área administrativa ao invés de professores readaptados que “quebrariam

galhos” nas secretarias das escolas. É a defesa da implantação dos pressupostos da Reforma

Gerencial que defendia a transferência da gestão e execução de atividades sociais (educação

pública) a instituições privadas (sem fins lucrativos) em razão de sua “maior” capacidade

administrativa na gestão dos recursos públicos.

Em função dessa suposta falta de compromisso político com o resultado das políticas

públicas, o “Programa Acelera Brasil” pretende atacar o problema no seu cerne: a “cultura

pedagógica” que vê na repetência algo normal, transformando-se numa cultura educacional.

Para tanto, o “Programa Acelera Brasil” deve se “concentrar, durante um tempo determinado

não superior a quatro anos, no foco da política educacional na regularização do fluxo escolar”

(OLIVEIRA, 2005, p. 56). Enfim, o “Programa Acelera Brasil” se apresenta como uma

tecnologia “robusta” de intervenção da “realidade” capaz de traçar uma estratégia cuja

finalidade é a regularização do fluxo escolar transformando a cultura do fracasso (repetência)

na cultura do sucesso (aprovação).

No que diz respeito ao conceito de “comprometimento político” do governo

contratante do serviço de aceleração da aprendizagem, prestado pelo Instituto Ayrton Senna,

observamos que esse conceito está intimamente ligado a uma política econômica em dois

aspectos fundamentais: a) Aporte financeiro dos governos contratantes à ONG executora do

“Programa Acelera Brasil” (Instituto Ayrton Senna); b) O programa estaria a serviço do

governo contratante como instrumento de economia de gastos públicos com a educação.

A “Cultura do Sucesso” seria implementada na rede pública de ensino contratante do

“Programa Acelera Brasil” à medida que o Instituto Ayrton Senna recebesse aporte financeiro

para pôr em prática a cartilha do programa, pois o dinheiro investido na aceleração da

aprendizagem se refletiria em economia para o governo contratante, pois os alunos

“fracassados” não teriam que cursar a mesma série duas ou mais vezes. Para que o programa

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seja adotado com êxito, é necessário que haja comprometimento dos políticos contratantes na

adesão total dos métodos preconizados pelo “Programa Acelera Brasil”, uma vez que

quaisquer desvios do material de ensino poderiam pôr tudo a perder (OLIVEIRA, 2005).

Observando o argumento defendido pelo “Programa Acelera Brasil” de que a “cultura

do fracasso” (repetência) é tida como algo normal na rede pública de ensino, gostaríamos de

tecer alguns comentários. Na análise dialética (provar uma tese no e/ou pelo diálogo,

independentemente do critério de verdade) defendida por João Batista Araújo e Oliveira as

mediações das categorias totalidade, alienação e contradição, ao serem desconsideradas como

instrumentos de análise na busca da realidade conduzem o público a “comprar” a ideia de que

a escola pública gerenciada pelo Estado nada faz para que os alunos tenham acesso aos

saberes historicamente produzidos pelas sociedades.

É uma tentativa de camuflar que muitos dos problemas ocorridos na escola pública,

como a repetência e o abandono escolar não se dão numa relação direta causa-efeito entre

dedicação e falta de dedicação aos estudos pelos discentes ou pela relação que tenta se

estabelecer entre professores estatutários (com estabilidade probatória) com falta de vontade

de ensinar. Ao ignorar, por exemplo, a capacidade do capital em gerar miséria por ter

esgotado sua capacidade civilizatória60

, João Batista Araújo e Oliveira estaria

desconsiderando as contradições econômico-sociais que fazem com que o aluno que deveria

estar na sala de aula tenha que entrar prematuramente no mercado de trabalho para executar

trabalhos mal remunerados pelos próprios empresários com “responsabilidade social” que

financiam o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna. Esses mesmos alunos

abandonam ou não são aprovados de série na escola porque os profissionais são ruins?

Acreditamos que não!

Numa perspectiva dialética materialista histórica, defendemos que o

comprometimento político dos governantes deve ser acompanhado com o sentido público,

entendido como bem comum, efetivamente universal, garantia aos sujeitos de gozar dos bens

culturais da educação, sem nenhuma restrição. Por sua vez, o Instituto Ayrton Senna exige

dos governos contratantes atenção total ao “Programa Acelera Brasil” que atua de maneira

focalizada, em algumas escolas; dessa forma, a atenção dos políticos no que diz respeito ao

financiamento poderia se concentrar apenas nas escolas em que o programa é desenvolvido.

Roseana Sarney, citada como exemplo de comprometimento político por João Batista

Araújo e Oliveira (2005), então candidata ao governo do estado do Maranhão em 1994,

60 Nossas anotações de aula do Professor Dr. Gaudêncio Frigotto. Agosto de 2010.

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solicitou ao CETEB a elaboração de uma tecnologia de intervenção social na área educacional

cujo compromisso seria tirar o Maranhão do ranking negativo dos cinco piores Estados

brasileiros na avaliação realizada pelo SAEB. Após sua eleição, Roseana Sarney teria adotado

o programa de aceleração da aprendizagem como política pública prioritária no combate à

cultura da repetência, objetivando regularizar o fluxo escolar e economizar dinheiro público

com os custos gerados pela repetência.

O exemplo de comprometimento político defendido pelo “Programa Acelera Brasil” é

aquele que vê na vontade do político em melhorar o ranking de sua rede de ensino nas

avaliações promovidas pelo INEP. A questão não passa em saber o porquê da repetência ou

do abandono escolar, quais determinantes estão envolvidos nesse processo; mas pela

aprovação dos alunos com idade avançada para a série cursada e pelo treinamento dos alunos

da rede regular (aqueles que não participam de programas educacionais) para realizar as

provas do INEP. Nossa discussão centra-se no fato do entendimento em torno do

comprometimento político não passar por uma discussão mais ampla que envolveria a busca

pelos determinantes que levam a altos índices de repetência e abandono escolar e pela

autonomia política e pedagógica das escolas.

Por se tratar de um programa político que requer adesão total do governo contratante do

serviço, o “Programa Acelera Brasil” tem seu próprio projeto político pedagógico que

funciona paralelamente ao ensino regular, pois o programa tem seus objetivos pré-

determinados de forma uníssona para qualquer escola em qualquer Estado da federação.

Questionamos-nos: como possibilitar à escola ter a autonomia na formulação de seu projeto

político-pedagógico uma vez que o “Programa Acelera Brasil” já possuí o seu

independentemente dos anseios da comunidade escolar, das condições históricas, econômicas,

sociais, culturais da escola em que está sendo desenvolvido?

Concluímos que é a escola que têm que se adaptar ao programa e não o contrário. “A

Fórmula do sucesso está pronta”. Por isso, um dos pré-requisitos para a implementação do

“Programa Acelera Brasil” seria a adesão total de seus preceitos e fórmulas prontas pelo

governo contratante sob o manto do “comprometimento político com a educação”.

4.3.7 Gerenciamento profissional: supervisão e avaliação como produto e não como meio de

construção do conhecimento

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Um gerenciamento profissional colocaria o aluno como foco das políticas públicas

voltadas para a educação. Através de uma concepção “pragmática”, o “Programa Acelera

Brasil” seleciona os conteúdos mais relevantes, como teria feito o Telecurso 2000 (que

fornece material didático ao programa) ao constatar que o “currículo pode e deve se limitar ao

essencial; o importante é ensinar pouco e bem” (OLIVEIRA, 2005, p.70). Ensinar aos alunos

as competências exigidas pela sociedade em que está inserido é uma forma de garantia de

direitos de ser uma pessoa “normal”.

O programa de aceleração da aprendizagem apoia-se de uma concepção pragmática.

Vale-se de recursos conceituais, metodológicos, técnicos e práticos que ajudem os

alunos multirrepetentes a sair da condição de ‘fracassados’ para a de pessoas

normais, competentes e bem sucedidas com todos os direitos e reconhecimento que

merecem (OLIVEIRA, 2005, p. 67).

A primeira questão que nos salta aos olhos é a concepção “pragmática” do “Programa

Acelera Brasil”. Diante da afirmativa de que o programa é “pragmático” levantamos a

questão: até que ponto esse pragmatismo confunde verdade com utilidade? Essa questão

muito nos inquieta à medida que percebemos a construção de um ethos produtivista para que a

escola passe a ter valor. Não estamos afirmando que a escola é um local de reprodução em si

do sistema capitalista; compreendemos a escola como local de cruzamentos de projetos

societários em disputas, mas que cada vez mais está voltada para atender às demandas do

capital mesmo que indiretamente.

À medida que o “Programa Acelera Brasil” tem por proposta pragmática certificar a

maior quantidade de alunos na menor proporção de tempo possível, mesmo enfrentando

resistências nas escolas, o capital (enquanto relação social) ocupa lugar especial nesse

programa educacional adotado como política pública, pois a escola para ser produtiva tem que

ser útil e sua utilidade estaria, não em gerar mais-valia, mas em diplomar geradores de mais-

valia. A identificação do pragmatismo com a utilidade da escola em formar mão de obra

encontra terreno fértil no senso comum; entrementes, isso pode gerar um grave problema: a

dissolução do “teórico no útil” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 241).

A identificação do pragmatismo do “Programa Acelera Brasil” como aquilo que é útil

se corporifica na negação da práxis enquanto categoria essencial para não apenas formular

teorias, mas atuar na prática com vistas a revolucionar a realidade que se apresenta. Esse

ponto é central na análise da identificação do “Programa Acelera Brasil” na manutenção e

reprodução do capital, pois o foco recai na utilidade que o ensino teria para que a engrenagem

do capital continue a funcionar, sem a perspectiva do que está além do imediatismo que se

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revela no senso comum. Para tanto, o programa defende que se deve ensinar pouco, apenas o

“essencial”, sem que haja uma proposta de uma nova hegemonia em prol dos filhos dos

trabalhadores: ensinar apenas o mínimo possível para diplomar indivíduos, conformando-os

ao que o “destino” os reservaria.

A estrutura de funcionamento do “Programa Acelera Brasil” zela por um

gerenciamento profissional, para tanto, mantém uma equipe composta por um supervisor para

cada grupo com dez professores, cada município tem um coordenador diretamente ligado ao

prefeito e com bom trânsito na Secretaria de Educação, cada conjunto de municípios tem um

assessor, existe uma equipe técnica que dá suporte para que ocorra o bom funcionamento do

programa, além de o Instituto Ayrton Senna estabelecer compromissos e cobrar diretamente

do prefeito o seu cumprimento.

Cabe ressaltarmos que as avaliações que o “Programa Acelera Brasil” promove se

dividem entre as que são elaboradas pelos professores e as que já chegam num pacote,

elaboradas pela Fundação Carlos Chagas. Nas avaliações promovidas pelos professores que

executam o programa, há orientações de supervisores e coordenadores quanto ao que avaliar e

a forma de correção, uma vez que um único professor (multidisciplinar) é o responsável por

ministrar as aulas, ou seja, um professor polivalente.

Essa ideia do professor polivalente, que apenas cuida do material estabelecido pelo

“Programa Acelera Brasil” é outro eixo estruturante do funcionamento do programa que se

divide em vários projetos, cujo “desafio” é o elemento estimulador da curiosidade dos alunos.

Para o professor, o desafio “consiste em manter os alunos na rota do desafio – sem se desviar

em caminhos paralelos” (OLIVEIRA, 2005, p.81). O autor da “Pedagogia do Sucesso” chama

a atenção para o fato dos professores não caírem numa suposta criatividade que venha a

mudar os rumos já pré-estabelecidos pelo manual de um aluno que dá certo.

Há dois pontos importantes a serem abordados no tocante à estrutura funcional do

“Programa acelera Brasil”: a) a quantidade de supervisores e coordenadores à disposição do

programa; b) a ideia de um professor polivalente.

Chama a atenção o fato de o “Programa Acelera Brasil” contar com especialistas em

educação na área de supervisão e coordenação, atuando nas escolas públicas e toda essa

estrutura montada paga com o dinheiro público do governo que estabelece a parceria público-

privada. Levantamos outra questão: quais seriam os motivos desses mesmos governos

contratantes da ONG não abrirem concursos públicos para especialistas como supervisores e

coordenadores? Nesse particular encontramos características gerais do “Neoliberalismo da

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Terceira Via” na particularidade do “Programa Acelera Brasil” justamente no esvaziamento61

do Estado na prestação do serviço público com a finalidade de passar às instituições do

“Terceiro Setor” (Instituto Ayrton Senna) a prestação do serviço público na área social.

Outro ponto a ser considerado é a relação da ideia de professor polivalente com a

ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via” que defende que os gastos com a área social

deveriam ser otimizados: cortar gastos. Dessa forma, um único professor lecionando várias

disciplinas ao mesmo tempo geraria economia salarial, uma vez que se evitaria pagar salários

a cada professor por disciplina. Nessa perspectiva do “Neoliberalismo da Terceira Via” a

lógica privada de que a escola deveria produzir ao menor custo possível deveria ser levada às

redes públicas de ensino.

Nos dois tópicos abordados acima, a particularidade do estudo (parceria público-

privada entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e o Instituto Ayrton

Senna para prestação de serviço público de aceleração da aprendizagem) guarda relação com

as doutrinas mais amplas da ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”. Essa parceria

público-privada é um momento que está inscrita na totalidade das relações sociais capitalistas.

Em função de compreendermos essa relação “momento-todo”, procuramos não amarrar nossa

exposição apenas aos fatos sem antes observar e questionar os pressupostos teóricos que

englobam a concepção do “Programa Acelera Brasil” que busca a verdade na lógica formal da

exposição dos fatos em sua imediaticidade.

Ainda com relação a atuação dos supervisores, Vera Peroni (2011) identifica com

bastante propriedade que a autonomia dos professores em sala de aula é esvaziada à medida

que o “Programa Acelera Brasil” deve ser cumprido na íntegra; caso algo fuja no de que está

prescrito, o professor é penalizado pelo supervisor responsável por acompanhar suas aulas e

sua avaliação fica comprometida, o que viria a se refletir no salário pela lógica das

premiações das escolas e professores que seguem à risca o que está previsto no programa e

conseguem levá-lo até o fim sem “desvios”, certificando a maior quantidade de alunos no

menor tempo possível. Lógica fabril nas escolas!

Apontada como a elaboradora das avaliações externas que os alunos do programa

deverão passar, a Fundação Carlos Chagas, em seu sítio oficial, divulga que o Instituto Ayrton

Senna é um dos seus principais clientes no que diz respeito à confecção de provas para

verificar a eficácia dos programas educacionais do instituto (FUNDAÇÃO CARLOS

CHAGAS, 2012). Um dos argumentos estruturadores do “Programa Acelera Brasil” é que

61

Falta de concursos públicos, arrocho salarial, saída em massa de profissionais do magistério que migram para outras áreas

em busca de melhores salários e planos de carreira.

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uma política constante de avaliação nas áreas de leitura, escrita e resolução de problemas

matemáticos seriam os melhores indicadores de aferição se um aluno recebeu ou não uma

educação de “qualidade”.

Uma questão que salta aos olhos no tocante à chamada “política constante de avaliação”

é o foco no produto final e não na forma como foi construído o conhecimento. Apresentado

como pacote fechado e que tem que ser cumprido à risca, as avaliações do “Programa Acelera

Brasil”, fornecidas pela Fundação Carlos Chagas, mede o produto final e não dá o devido

peso no processo avaliativo de como o conhecimento foi produzido, dentro de um sistema de

correlação de forças, mas é apresentado como verdade universal que precisa ser internalizada

pelos alunos, que após vários treinamentos, tenham um resultado final que “revelaria” a

própria realidade educacional.

Essa forma de avaliação planificadora elaborada pela Fundação Carlos Chagas, adotada

pelo “Programa Acelera Brasil” é arbitrária quanto ao que se deve ou não discutir na escola e

oculta a influência das desigualdades sociais (ideologia não orgânica)62

no que diz respeito às

condições socioeconômicas, históricas, culturais de cada aluno.

A aplicação de um teste padrão, partindo de qualquer escolha arbitrária , no caso feita com técnicos adestrados nos organismos internacionais que definem a qualidade (total!) esperada, vai mostrar uma brutal desigualdade que as pesquisas vêm apontando há décadas, no

desempenho de acordo com a materialidade de condições sociais (extra-escolares) e das condições institucionais (intra-escolares). No plano social, basta tomar os dados das disparidades da distribuição de renda no Brasil para saber que vamos encontrar alunos com condições de educabilidade profundamente desiguais (FRIGOTTO, 1995, p. 85-86).

4.3.8 Abrangência do “Programa Acelera Brasil” e os parceiros filantrópicos específicos para

esse programa educacional

O Instituto Ayrton Senna em seu site oficial divulga os dados do “Programa Acelera

Brasil”, quanto à sua abrangência apenas até dezembro de 2010 (INSTITUTO AYRTON

SENNA, 2011f). O programa está presente em 727 municípios de 25 estados e no Distrito

Federal e é adotado como política pública pelos estados do Espírito Santo, da Paraíba, de

Pernambuco, do Piauí, de Roraima, do Rio Grande do Sul, de Sergipe e do Distrito Federal. O

único estado brasileiro em que o “Programa Acelera Brasil” ainda não penetrou em nenhum

62 Frigotto (1995, p. 77) explica a diferença entre ideologia orgânica e não orgânica utilizando-se de uma análise gramsciana. A ideologia não orgânica seria aquela que procura ocultar interesses historicamente antagônicos entre classes, com a finalidade de perpetuação da dominação de uma classe sobre outra.

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município é o estado do Acre. No ano de 2010, foram atendidos 63.944 alunos e

3.554 educadores treinados no programa em todo o país.

Figura 1 – Abrangência do Programa Acelera Brasil

Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011f)

Os resultados do programa:

Em cinco anos, 52% dos alunos que estudaram no Acelera Brasil na Paraíba saltaram de série, ajudando a rede a corrigir o fluxo escolar. Em Pernambuco, a taxa de abandono no Acelera (3,2%) é menor que a média do Brasil (10,3%) e do Estado (14,8%). No Tocantins,

99,5% dos alunos que concluíram o Acelera Brasil foram promovidos em 2008 (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1).

Nossa intenção era mapear cada escola do município do Rio de Janeiro que adotou o

“Programa Acelera Brasil”, contudo, como explicado anteriormente, a Prefeitura Municipal

de Educação do Rio de Janeiro nos trouxe várias dificuldades para conseguirmos obter o

contrato de parceria público-privada da Secretaria Municipal de Educação com o Instituto

Ayrton Senna (executor do programa). Outra questão que gostaríamos de levantar é o fato de

o Instituto Ayrton Senna não disponibilizar em seus canais oficiais de comunicação os dados

do programa no ano de 2011.

O “Programa Acelera Brasil” tem uma penetração tão grande no território nacional

que possui parceiros filantrópicos específicos para o programa. Dentre eles destacamos o

LIDE – Educação, Nestlé, Instituto Coca-Cola Brasil, Suzano Papel e Celulose e Grupo

Renosa (integrante do grupo Coca-Cola). Todos os parceiros que financiam o programa se

intitulam como empresas ou grupo de líderes empresariais com “responsabilidade social” que

veem no “Programa Acelera Brasil” uma tecnologia de intervenção social capaz de reduzir as

desigualdades de oportunidades.

O capital não conseguiria acabar com as desigualdades de oportunidades uma vez que

igualar os pontos de partida não seria apenas certificar indivíduos em nove anos no ensino

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fundamental com educação minimalista. Esses indivíduos teriam as mesmas condições de

saúde, saneamento básico, econômicas (distribuição da riqueza), acesso ao bem cultural

produzido pelos seres humanos ao longo da história e à forma como conhecimento é

produzido numa perspectiva classista? Acreditamos que essa é uma contradição que o capital

tenta ocultar para manter-se hegemônico, pois se os indivíduos desfavorecidos na distribuição

da riqueza tiverem acesso aos bens culturais e históricos, através de uma educação que tenha

por objetivo sua elevação cultural e formação política para a superação da ordem existente, o

capital teria um de seus pilares de sustentação ruído: a alienação.

Mais uma vez, a partir da particularidade do “Programa Acelera Brasil” encontramos

relações gerais que permeiam o sistema capitalista de produção no seu momento de

reestruturação (desde a década de 1970) com sua face do “Neoliberalismo da Terceira Via”:

“responsabilidade social” dos empresários com os pobres visando evitar o aumento das

insatisfações com a miséria, o que poderia originar uma ruptura do pacto social vigente. A

ideia é manter o capital hegemônico enquanto relação social, associando a velha lógica fabril

a toques de “capital social”, fortalecendo a imagem de um sistema capitalista menos cruel e

mais humanizado.

4.4 Acelera Brasil e Fundação Roberto Marinho: sintonia metodológica

O programa “Acelera Brasil”, tanto no primeiro quanto no segundo segmento do ensino

fundamental, utiliza-se de material didático e metodológico do “Telecurso” da Fundação

Roberto Marinho (livros, apostilas, cadernos pedagógicos e teleaulas) que tem como

“principal objetivo a construção de uma educação cidadã”63

(FUNDAÇÃO ROBERTO

MARINHO, 2010). É necessário pontuarmos a concepção de cidadania que estaria em jogo

no “Programa Acelera Brasil” e no “Telecurso” da Fundação Roberto Marinho. No capítulo

anterior, analisamos que noção de cidadania está envolta ao gozo de alguns direitos, dentre

eles o de educação de “qualidade” e que no modo de produção capitalista em sua face do

“Neoliberalismo da Terceira Via” muitas das vezes é confundida com filantropia, mas

63 O Caderno de Metodologia foi concebido e supervisionado pedagogicamente por Vilma Guimarães para a Fundação Roberto Marinho que tem servido de apoio didático e metodológico para os professores utilizarem, no programa “Acelera Brasil”, os livros apostilas, cadernos pedagógicos e teleaulas. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p.5).

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principalmente defendemos a tese que atua como ferramenta de ordenamento social do

capital, evitando rupturas sociais.

A sintonia fina entre o Instituto Ayrton Senna e a fundação Roberto Marinho

(proporcionar cidadania) tem se destacado, também, no que tange à preocupação com a

evasão e a repetência dentro da escola pública e a consequente distorção idade-série. O

material pedagógico da Fundação Roberto Marinho tem sido de grande utilidade para o

desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” no combate ao “fracasso escolar”, uma vez

que é voltado “para o mundo do trabalho, para o desenvolvimento de competências, e para a

formação da cidadania, o que viabiliza o acesso à conclusão da Educação Básica e de forma

acelerada”64

(FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010).

O ideário da ciência burguesa vê a necessidade de ajustes para acompanhar o

desenvolvimento. Dentro dessa linha de pensamento, tanto o “Programa Acelera Brasil”

quanto o “Telecurso” defendem que o desenvolvimento de um país estaria intimamente ligado

a ajustes econômicos na área social (acelerar alunos para economizar), mas também formar

mão de obra geradora de mais-valia para o mundo do trabalho através de um conceito de

cidadania ligado à filantropia empresarial. Essa formação para o mundo do trabalho se dá

numa sociedade cheia de antagonismos e nesse ponto a “noção de capital humano” acrescida

de elementos da noção de “capital social” é funcional ao capital à medida que esconde as

relações de exclusão (FRIGOTTO, 2010) e aponta na direção das habilidades que cada

indivíduo deveria ter no mundo do trabalho e na sociedade.

As habilidades variariam de acordo com a classe social do indivíduo (RAMOS, 2006,

p.31). É aquela velha história “ensinar pouco e bem” (OLIVEIRA, 2005). Os filhos da classe

desfavorecida na distribuição da riqueza deveriam receber o mínimo possível de habilidades

(ler, escrever, calcular), sem ter por horizonte a elevação cultural das massas (numa

perspectiva gramsciana), contribuindo para formar trabalhadores dóceis, que não questionam

a forma de (re)produção das relações sociais vigentes.

Quando se refere aos processos de trabalhos desenvolvidos pelos professores, o caderno

de metodologia do “Telecurso” destaca que algumas competências devem ser desenvolvidas

com a finalidade de adaptação aos “novos” tempos do trabalho e da vida em sociedade na

virada para o século XXI, baseando sua estrutura teórico-metodológica nos quatro pilares para

uma educação de qualidade estabelecida pela UNESCO. É fundamental aos professores atuar

64 A Fundação Roberto marinho deixa claro sua preocupação com a formação de estudantes em risco de abandono da escola para o mundo do trabalho de forma acelerada. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010).

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[...] promovendo o interesse pela pesquisa, o fortalecimento da autoestima, da iniciativa e da criatividade; viabilizam a aplicação imediata do conhecimento construído e o

desenvolvimento das competências voltadas para o ser saber fazer, o saber conviver e o saber empreender65 (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p. 7).

Essas habilidades prescritas nos referenciais teórico-metodológicos do “Telecurso”

vão na mesma direção dos defendidos pelo Instituto Ayrton Senna no “Programa Acelera

Brasil” à medida que defendem a formação adaptável às crises do capital: o

empreendedorismo (autoemprego), a formação polivalente (não só dos alunos, mas dos

professores também) que prepare para realizar as tarefas propostas pelo programa (saber

fazer), a formação para o convívio pacífico entre as diferentes classes sociais na construção

solidária do “desenvolvimento” de uma nação sem antagonismos (saber conviver). A lógica

da formação para a exclusão recebe toques de “capital humano rejuvenescido” pelas noções

de “capital social” e “empreendedorismo”, ganhando destaque o novo pacto proposto pelo

“Neoliberalismo da Terceira Via” que transfere para os indivíduos as responsabilidades para

sua inclusão e diminuição das responsabilidades do Estado na área social.

4.4.1 Trabalho docente e formação continuada no Telecurso

O trabalho docente passa pela formação continuada e pela atuação do professor como

mediador dos conhecimentos que os alunos já trazem consigo. Todo o processo de formação

continuada passa por treinamentos que combinam forma presencial e virtual. (FUNDAÇÃO

ROBERTO MARINHO, 2010).

[...] como mediador da aprendizagem na sala de aula e na consequente ampliação dessa prática [...] Todas as ações vivenciadas nesse processo tomam como referência a prática do professor na sala de aula e têm o firme propósito de possibilitar a compreensão e a utilização adequada da metodologia (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p.5).

A proposta metodológica do Telecurso é, antes de tudo, uma perfeita vinculação com

o “Programa Acelera Brasil”, uma vez que está voltada para superação da distorção série-

idade, pois é uma “proposta de inclusão, de valorização, de reconhecimento da dívida social

que o governo e a sociedade têm para com a parcela da população, cuja experiência escolar

carrega uma história de repetência e evasão dentro da escola pública” (FUNDAÇÃO

65 Nesse caso percebemos os elementos constitutivos do “capital humano” rejuvenescido pelas noções de “empreendedorismo”, de “capital social” e das noções estabelecidas pelos pilares da UNESCO: saber ser, saber fazer e saber

conviver.

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ROBERTO MARINHO, 2010, p. 6). Cabe destacar que o Telecurso não foi concebido

somente para atuação no ensino fundamental, mas também está presente em programas

educacionais do ensino médio.

Os projetos de trabalho desenvolvidos pelo “Telecurso” passam pela adoção da

“transdisciplinaridade e pela interculturalidade” (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO,

2010, p.5), ou seja, um único professor é o responsável pela mediação de todas as áreas do

conhecimento, sendo o trabalho pedagógico elaborado em módulos e eixos temáticos. Essa

forma de transdisciplinaridade é adotada pelo “Programa Acelera Brasil” no projeto “Ginásio

Experimental Carioca”66

(GOMES, 2010). A “nova função” do professor é ser um mediador

entre o que os alunos já trazem consigo e o que podem aprender utilizando a metodologia do

programa (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p. 14).

O que chama a atenção nesse processo de polivalência do professor é sua “nova

função” como mediador de uma sociedade sem antagonismos de classe social, mas a função

de um mediador dos conflitos culturais, de etnias, de gênero, ocultando o caráter exploratório

que o capital submete às pessoas, redução à educação a uma questão técnica dissociada de seu

papel político e social. O professor atua como mediador do capital, mas isso não quer dizer

que ele não tenha espaços nas escolas públicas para atuar na proposição de uma nova

hegemonia, pois a escola pública é local privilegiado de entrecruzamentos de projetos

societários.

Outro ponto importante a ser abordado é o esvaziamento dos saberes docente e

disciplinar, ocultando a ideia de que o conhecimento é um processo a ser construído, mas,

nesse caso, é apresentado como produto acabado; portanto, não haveria necessidade da

divisão disciplinar. O saber disciplinar é importante na captação de especificidades do saber,

mas sempre o relacionando com os antagonismos de classe que perpassam essa construção.

Graças ao saber disciplinar que os estudos da genética chegaram a resultados específicos e

complexos sobre as células-tronco, por exemplo.

Sob a roupagem dos termos “transdisciplinaridade” e “interdisciplinaridade” que estão

na moda, o professor é esvaziado de seu saber disciplinar e docente. O saber disciplinar é

abandonado em prol de uma suposta superação da divisão do conhecimento, o que justificaria

o fato do “Programa Acelera Brasil” adotar a ideia de um único professor (polivalente) que

66 O programa “Ginásio Carioca” está sendo implantado rede municipal de educação do Rio de Janeiro, ao longo de 2011, nos alunos do 6º ao 9º ano, visando que as escolas do “Ginásio Experimental Carioca atenderão jovens de todas as regiões da cidade, atuando como núcleo animador de um movimento de qualificação da educação no segundo segmento, sendo fonte de inovação em conteúdo, método e gestão”. Cf. GOMES, 2010.

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atuaria nessa direção de ser um mediador de conflitos culturalistas. Já o saber “docente”

perderia espaço para os conhecimentos apresentado pelo “Programa Acelera Brasil” e pelo

“Telecurso” como pacotes prontos e acabados, bastando ao professor polivalente administrar

a aplicação do material de ensino, pois sua participação na construção do saber é descartada e

tida como inútil, como suposta criatividade que foge à fórmula do sucesso.

4.4.2 Formação dos educadores que utilizam o “Telecurso”: adequação á metodologia

estabelecida

A formação dos professores que irão utilizar o material didático do “Telecurso”, como

é o caso dos docentes que participam do “Programa Acelera Brasil”, está dividida em duas

partes: presencial e à distância. O processo de formação presencial “se desenvolve com foco

na estrutura e funcionamento da proposta, na fundamentação teórico-metodológica, no uso

das mídias pedagógicas e na avaliação da aprendizagem no processo” (FUNDAÇÃO

ROBERTO MARINHO, 2010, p. 7). Já a formação à distância tem o objetivo de fortalecer o

processo por meio de um ambiente virtual.

O treinamento dos professores passa pela adoção de eixos temáticos que valorizem

aprendizagens significativas e para o fortalecimento da simbiose entre o pedagógico e o

administrativo, onde os gestores das escolas devem discutir a proposta pedagógica ao fim de

cada módulo dos projetos de ensino. Ao longo dos projetos há uma supervalorização das

competências voltadas para a leitura e a resolução de cálculos matemáticos, o que se refletiria

numa melhora do aprendizado das demais áreas do conhecimento. Dessa forma, “a leitura e a

interpretação de textos, gráficos e tabelas é o foco principal desse trabalho” (FUNDAÇÃO

ROBERTO MARINHO, 2010, p.9).

A redução do aprendizado à captação das habilidades ler, escrever e fazer contas mais

uma vez é destacada como ponto de chegada do “Programa Acelera Brasil”, utilizando-se do

“Telecurso”. Essa “educação minimalista” traria consigo a promessa de certificação do

indivíduo (com certas habilidades) para inserção no mercado de trabalho. Contudo, conforme

analisou Pablo Gentili (2011, p.78), a partir da crise do capital que se iniciou na década de

1970, houve “uma alteração substantiva da função econômica da escolaridade”, a escola que

tinha por finalidade a formação de indivíduos para o emprego passou a formar para o

desemprego.

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A ideia seria formar mão de obra, produtora de mais-valia, porém, a promessa

integradora da escola (inserção no mercado) atribuída ao Estado (aumento da renda individual

redundaria no aumento da riqueza social), no contexto do nacional-desenvolvimentismo,

estaria sendo substituída pela lógica de que o indivíduo que deveria adquirir as competências

necessárias para a “empregabilidade” (quer seja através da formação flexível, quer seja

através do autoemprego) e não mais a suposta garantia do trabalho. Seria a passagem da

lógica coletivista da proposta de formar indivíduos com stock de “capital humano”, que traria

retornos à sociedade como aumento da riqueza individual e, consequentemente coletiva, para

a lógica privada da empregabilidade (GENTILI, 2011, p.78-81).

A avaliação proposta pelo “Telecurso” para os cursos de aceleração da aprendizagem

está baseada numa matriz referencial desenvolvida pela equipe pedagógica da Fundação

Roberto Marinho que procura subsidiar professores e gestores nas diferentes formas de

utilização do material pedagógico buscando “garantir aos jovens e adultos brasileiros que não

acompanharam a educação básica na idade certa real oportunidade de participação na vida

social” (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2011, p.5) As habilidades exigidas aos alunos

no momento da avaliação estão no plano do “saber fazer” nos moldes da proposta de Jacques

Delors no relatório que fez para a UNESCO, conforme abordado no capítulo anterior.

A centralização no ataque à distorção idade-série é a característica mais marcante do

material didático fornecido pela Fundação Roberto Marinho (através do “Telecurso”) ao

Instituto Ayrton Senna na execução do programa de aceleração da aprendizagem. A

aceleração dos alunos defasados seria uma forma de garantia dos direitos agrupados em torno

da concepção de cidadania. Contudo, questionamos: o acesso a níveis mais elevados da

cultura e dos saberes da ciência por si só garante a apropriação desses saberes?

Entendemos que possibilitar aos indivíduos com idades avançada cursar o ensino

fundamental é urgente; todavia, conhecimento apresentado num “pacote” minimalista, sem a

problematização das contradições que envolvem seu próprio processo de produção não

proporcionaria a esses alunos uma formação política voltada para a superação dos direitos

agrupados em torno da concepção de cidadania e a caminhada na direção da superação da

exploração, na direção do regaste de sua humanidade (emancipação humana em relação ao

capital).

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Além do material pedagógico do Telecurso, o “Programa Acelera Brasil” utiliza-se do

livro “Tecendo o Saber”67

(FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2006), cujo foco está no

primeiro segmento do ensino fundamental e sua base teórica está contida na educação de

jovens e adultos através da articulação trabalho, cultura e conhecimento, e é dividido em

módulos que se propõe a promover um maior intercâmbio de setores da sociedade civil na

discussão, formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a educação, com

base na educação problematizadora de Paulo Freire.

Tecendo o Saber é uma expressão metafórica que engendra, no conteúdo, no método e na forma, o núcleo central da concepção da ‘Pedagogia do Oprimido’ de Paulo Freire (1983), e visão gramsciana de educação e conhecimento [...] Não se trata, todavia, de uma relação linear e nem de subordinação [...] Nesse processo educativo e de construção do conhecimento, o ponto de partida é a centralidade do sujeito jovens e adultos no processo educativo e o ponto

de chegada é a ampliação e universalização do conhecimento que permita uma leitura crítica da realidade humana em todas as dimensões e a superação da situação de oprimidos (FRIGOTTO, 2006, p.24-25).

A identidade cultural nos processos de escolarização ganha destaque, no livro

“Tecendo o Saber”, à medida que se propõe a pensar “a construção da humanidade do ser

humano em suas diferentes feições” (SOUZA, 2006, p.32), levando-se em conta o caráter

histórico-cultural na busca pelos conhecimentos, que só teria sentido adquirir as habilidades

exigidas pela escola, caso viessem acompanhadas por mudanças sociais. Nessa perspectiva, o

domínio crítico dos conteúdos seria um importante instrumento para o ser humano

compreender sua situação dentro do contexto social e cultural em que está inserido,

subsidiando-o na luta pela transformação das relações sociais de dominação cultural e das

relações sociais que provocam a exploração associada à desigualdade social.

A premissa organizadora do livro “Tecendo o Saber” encontra-se na concepção de

diversidade cultural como “diálogo e a interação de culturas na construção de uma nova

cultura” (SOUZA, 2006, p.36). A Construção dessa nova cultura, através do diálogo entre as

diferenças, permitiria aos setores subalternizados das sociedades nacionais e até mesmo na

relação com outras nações dar uma resposta aos desafios colocados pela “pós-modernidade”.

A aquisição dos conteúdos de maneira crítica permitira aos indivíduos perceberem a condição

de submissão na sua formação humana, cultural, política e pedagógica inseridas na dominação

de classes.

67 A Fundação Roberto Marinho, em conjunto com a Fundação Vale do Rio Doce e colaboração do Instituto Paulo Freire, desenvolveu o programa educacional do Projeto Tecendo o Saber, visando escolarizarem jovens e adultos nos anos iniciais do ensino fundamental. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2006).

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Diante das exposições acima sobre a questão envolvendo a “Pedagogia do Oprimido”

(superação da condição de oprimido ou colonizado), levantamos uma questão: como a

superação da condição de opressão, de colonização cultural (ideologia), são apropriadas pelo

“Programa Acelera Brasil” e desenvolvidas com o auxílio do material de ensino “Tecendo o

Saber”?

Na sua defesa de uma educação como instrumento de natureza política, Freire (1987)

aponta na direção da superação da “educação bancária” (professores são os donos do saber e

os transmitem a alunos passivos) pela concepção de uma educação libertadora onde há

espaços para educadores e educandos interagirem na construção do conhecimento, através de

uma educação problematizadora, de compartilhamento de experiências. Em face do exposto,

entendemos que há uma clara contradição na concepção metodológica do “Programa Acelera

Brasil” e a concepção teórica do material de ensino “Tecendo o Saber” à medida que no

primeiro (como visto anteriormente) nem educadores, nem educandos são construtores do

saber; pelo contrário, o saber vem pronto nos livros e apostilas do programa e o professor não

pode fugir do que está previsto nas matrizes referenciais sob o risco de levar o aluno ao

fracasso. Problematizações e discussões que fujam do previsto devem ser desconsideradas,

pois a fórmula do sucesso já estaria ponta!

Oura contradição que percebemos na incorporação pelo “Programa Acelera Brasil” do

material de ensino “Tecendo o Saber” é a questão envolvendo a superação da visão

ideologizada de mundo que o aluno-oprimido tem das relações sociais que o cercam. Em que

medida seria interessante ao “Programa Acelera Brasil”, cujos referenciais teóricos e

metodológicos estão alinhados ideologicamente com seus patrocinadores filantrópicos

(empresas) teria por finalidade a promoção de uma educação voltada para a superação da

alienação e proposição de uma nova hegemonia que valorizasse a humanidade dos indivíduos

ao invés do capital?

Observando que embora o material de ensino “Tecendo o Saber” divulgue em seu

caderno de apresentação teórica uma perspectiva crítica das relações sociais vigentes, o

“Programa Acelera Brasil” não deixa espaços para problematização do papel desumanizador

exercido pelo capital. A discussão de diferenças culturais é importante desde que não se perca

o horizonte maior da pedagogia libertadora: a compreensão do processo de desumanização do

sujeito e sua subsunção ao capital. É a partir dessa compreensão que se poderia desenvolver a

filosofia da práxis com vistas à elevação cultural e política dos sujeitos com o propósito de se

chegar à emancipação humana.

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Essa contradição nos leva a pensar que o “Programa Acelera Brasil” está

ressignificando o material de ensino “Tecendo o Saber” e adaptando-o à sua formatação

teórica e metodológica. Dizer que o material de ensino tem uma proposta baseada nas

concepções de Paulo Freire e de Gramsci sobre a educação não significa que essas teorias são

postas em práticas pelo “Programa Acelera Brasil”; pelo contrário, se apropria de construções

históricas contra-hegemônicas no campo da educação e as ressignificam de forma

conservadora e autoritária.

Conforme Gramsci,

Toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjunto de civilizações nacionais e continentais

(GRAMSCI, 1978, p.37)

4.5 Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro: Novo fundamento político-

administrativo nas escolas (parcerias público-privadas)

A eleição de Eduardo Paes para a prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 trouxe à tona a

concepção de Estado que já vinha se delineando desde a Reforma Administrativa do Estado

Brasileiro desde meados da década de 1990: a transferência das atividades executadas pelo

Estado na prestação do serviço público na área social, principalmente educação e saúde, para

organizações privadas do chamado “Terceiro Setor”.

Para o cargo de Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o prefeito

Eduardo Paes convidou Claudia Costin que houvera participado como Ministra na Reforma

Administrativa de Estado, conduzida por Bresser Pereira no governo Fernando Henrique

Cardoso e, posteriormente, como Secretaria Estadual de Cultura do Estado de São Paulo no

governo de Geraldo Alckmin.

Em matéria publicada no jornal “O Globo”, Cláudia Costin (Secretaria Municipal de

Educação do Rio de Janeiro) enfatizou a necessidade de reformar a administração das escolas

do município e para tanto, as parcerias público-privadas com a sociedade civil seriam vitais

(COSTIN, 2009, p. 1). A lógica gerencial deveria ser levada às escolas com o objetivo de

economizar com os gastos “desnecessários”, baseando seu funcionamento na lógica gerencial

da empresa privada, conforme já vinha sendo delineado nos governos do Estado do Rio de

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Janeiro (representado na figura de Sérgio Cabral Filho) e Federal (durante os dois governos de

Lula da Silva).

O processo de penetração das organizações do “Terceiro Setor” nas escolas municipais

do Rio de Janeiro fica clarividente à medida que já no início do ano letivo de 2009, a

Prefeitura contrata o Instituto Ayrton Senna, em convênio com o MEC, “para preparar

material didático, provas e avaliações dos alunos da rede pública de ensino” (COELHO, 2009,

p.1), com o objetivo de demonstrar a falência do serviço prestado pelo Estado e a premente

necessidade de organizações privadas prestarem o serviço público de educação com maior

“eficiência”.

A primeira medida de impacto adotada pelo Prefeito Eduardo Paes e sua Secretária de

Educação, Claudia Costin, foi pôr fim à chamada “aprovação automática” materializada no

sistema de ciclos nos dois segmentos do ensino fundamental. A gestão anterior do prefeito

César Maia havia estendido o sistema de ciclos dos três primeiros anos para todo o ensino

fundamental através do decreto 28.878/2007. O prefeito manteve o sistema de ciclos apenas

para os 3 primeiros anos do ensino fundamental, pois o argumento central dessa nova

proposta estaria no fato de que os alunos com idades entre 6 e 8 anos teriam tempos diferentes

de aprendizagem e mudou para o sistema de seriação do 4º ao 9º ano.

No início de 2009, o prefeito Eduardo Paes acabou com a aprovação automática [...] ao procurar fazer um diagnóstico da situação, com a primeira prova bimestral e uma avaliação

sobre o grau de alfabetização dos alunos de 4º a 6º anos, constatamos não apenas déficits sérios de aprendizagem, como cerca de 40% das crianças precisando de reforço de matemática, como a existência de 28 mil analfabetos funcionais na rede de escolas públicas da cidade do Rio. Frente a um dado tão triste, não podíamos ficar parados. Decidimos realfabetizar, inicialmente os de 4º e 5º anos, o que nos trouxe resultados impressionantes. Com a ajuda do Instituto Ayrton Senna, recomendado pelo MEC, nossos professores realfabetizaram com sucesso 12 mil crianças destas séries (COSTIN, 2010, p.1).

Outra medida que causou impacto no primeiro ano do governo de Eduardo Paes foi a

adesão da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro ao “Movimento Todos Pela

Educação” de maneira oficial, conforme fora noticiado no jornal “O Globo” publicado em 15

de janeiro de 2009.

O Rio de Janeiro é a primeira capital a aderir formalmente ao movimento. Segundo o presidente-executivo do movimento, Mozart Neves Ramos, o Todos pela Educação deverá atuar como agente facilitador da implementação dos projetos da secretaria, viabilizando, por exemplo, parcerias com institutos e fundações da iniciativa privada (JORNAL O GLOBO, 2009a, p.1).

Sob o argumento da convergência de interesses entre a Secretaria Municipal de

Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o “Movimento Todos Pela Educação” (MTPE) –

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alcançar uma educação de “qualidade” para todos os brasileiros através da elevação do IDEB

– a assinatura da adesão da SME/RJ ao MTPE pressupunha o comprometimento com as 5

metas estabelecidas pelo MTPE para o alcance dessa “qualidade” na educação no bicentenário

da independência do Brasil em 2022.

Com a assinatura, a cidade se compromete com as cinco metas para a educação, que devem ser alcançadas até setembro de 2022. São elas: Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até 8 anos; Meta 3: Todo aluno com

aprendizado adequado a sua série; Meta 4: Todo jovem com Ensino Médio concluído até os 19 anos; Meta 5: Investimento em Educação ampliado e bem gerido. (JORNAL O GLOBO, 2009a, p.1).

O alcance dessa educação de “qualidade” nas escolas públicas do Rio de Janeiro se

daria através da execução dos serviços públicos por organizações privadas que teriam uma

maior eficiência na prestação do serviço público do que o Estado. Essa transferência para a

iniciativa privada (publicização) se deu no município do Rio de Janeiro graças a lei 5.026, de

19 de maio de 2009 que “Dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações

Sociais e dá outras providências”. Essa lei estava em consonância com a lei 11.079/2004 que

institui normas gerais para licitação e contratação de Parceria Público-Privada (PPP), no

âmbito da Administração Pública. Uma OSCIP que ganhou bastante espaço na SME/RJ em

função de um novo modelo de avaliação centralizada que seria adotada foi o Instituto Ayrton

Senna através da celebração de PPP.

A atuação do Instituto Ayrton Senna na execução de políticas públicas na cidade do

Rio de Janeiro tornou-se possível com a aprovação da lei municipal que dispõe sobre a

qualificação de entidades como Organizações Sociais. (RIO DE JANEIRO, 2009c). O Poder

Executivo Municipal do Rio de Janeiro foi autorizado a estabelecer contratos de parcerias

público-privadas para a atuação de entidades sem fins lucrativos na gestão e execução de

programas educacionais. A lei municipal 5.026, de 19 de maio de 2009 (art. 5º, §2º),

estabelece que o regime de contratação das Organizações Sociais dar-se-á em conformidade

com os casos especificados no artigo 24º da lei 8666/93 onde a licitação é dispensada (RIO

DE JANEIRO, 2009c).

Os critérios estabelecidos na legislação nacional (BRASIL, 1993) para dispensa da

licitação na contratação de instituições privadas, pelo ente público, para a execução de

serviços públicos são: as instituições privadas contratadas não podem ter fins lucrativos, os

serviços contratados devem ser voltados para o ensino, a pesquisa, para o desenvolvimento

científico, desde que detenham inquestionável reputação ético-profissional. Entendemos que é

necessário discutir os critérios adotados: a) a questão da organização do “Terceiro Setor” não

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possuir fins lucrativos, estar voltada para a área do ensino, pesquisa e desenvolvimento

científico; b) A questão subjetiva quando se refere à inquestionável reputação ético-

profissional.

Conforme discutimos anteriormente, a questão da organização do “Terceiro Setor” não

ter fins lucrativos, é relativa à medida que algumas instituições são criadas, principalmente a

partir da década de 1990, com o objetivo específico de assinar parcerias público-privadas.

Não estamos caindo na falácia “generalização apressada” em afirmar que todas as instituições

do “Terceiro Setor” surgiram dissociadas dos movimentos sociais, com propósito específico

de funcionar como parceiras e prestadoras de serviço para o Estado. Existem exemplos de

ONGs que já atuavam na defesa dos direitos humanos no Brasil desde a década de 1960.

Entretanto, a partir da Reforma Gerencial brasileira e a introdução do processo de

“publicização” há uma “explosão” de ONGs que passam a assinar parcerias público-privadas

para executarem o serviço público; para tanto, recebem dinheiro do Estado e dos investidores

privados filantrópicos que acreditam e se identificam ideologicamente com a proposta da

ONG na execução do serviço público.

Nesse ponto específico, entendemos que o caráter “sem fins lucrativos” do Instituto

Ayrton Senna pode ser relativizado à medida que recebe dinheiro público e privado para a

execução do serviço público na área educacional. Montando uma forte estrutura empresarial,

o Instituto Ayrton Senna tem por modelo de gestão a lógica privada da maior produção ao

menor custo de dinheiro e tempo possível; daí, o “Programa Acelera Brasil” funcionar como

carro-chefe dos programas educacionais do Instituto. A vinculação ideológica com o mundo

empresarial estabelecida através do MTPE e do Grupo LIDE – Líderes empresariais, por

exemplo, são facetas do Instituto na captação de recursos cada vez em maior escala. A busca

por parcerias com Estado tem se consubstanciado em outra meta do Instituto que está presente

em praticamente todo o território nacional.

Entendemos que o critério ético-profissional, por ser subjetivo, não esclarece o porquê

da escolha de uma instituição privada em detrimento de outra na execução de um serviço

público em regime de parceria. Segundo Ferreira (1993, p. 235), “ética é o estudo dos juízos

de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal”; dessa forma,

a escolha de uma instituição poderá estabelecer como “boas parceiras” aquelas que estão de

acordo com as mesmas orientações políticas e econômicas do governo contratante, o que

poderá facilitar a perpetuação das mesmas instituições privadas na execução de serviços

públicos. Esse argumento em torno da boa reputação ético-profissional poderia funcionar

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201

como legitimação da convergência ideológica da ONG executora do serviço público com o

governo contratante, possibilitando questionarmos o caráter não governamental da ONG.

No dia 04 de março de 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro

(SME/RJ) publicava a Resolução SME 1010 que criava um novo formato para a avaliação dos

alunos da rede através da centralização na secretaria de uma prova bimestral de língua

portuguesa e matemática que teriam peso 2 na composição da avaliação final dos alunos em

cada bimestre, enquanto que as avaliações elaboradas pelo professor regente das turmas teria

peso 1. (RIO DE JANEIRO, 2009a). Essa resolução gerou uma repercussão muito negativa

junto ao Sindicado Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE/RJ) e a Secretaria

Municipal de educação do Rio de Janeiro, imediatamente, substituiu-a pela Resolução SME

1014 que retirava o artigo 3º da resolução 1010 que previa o peso dois nas avaliações

centralizadas que eram enviadas para as escolas (RIO DE JANEIRO, 2009b).

A reação do SEPE/RJ é um belo exemplo da escola como local de entrecruzamentos

de projetos societários de professores, alunos, do governo, de sindicatos, empresários

(parcelas da sociedade civil) e que as imposições do capital, por quaisquer vias, inclusive

organismos internacionais, para se chegar a chamada educação de “qualidade”, não são

assimiláveis sem quaisquer resistências. Ao contrário, a burguesia local (brasileira)

ressignifica essas orientações e se impõe pela hegemonia no campo das ideias e, se

necessário, pelos aparelhos policiais do Estado. Dessa forma, a proposta da Secretária

Municipal de Educação, Claudia Costin, de atribuir um valor menor às avaliações realizadas

pelo professor que está em sala de aula, após ampla resistência, foi ressignificada, sem,

contudo, perder a diretriz planificadora de avaliações direcionadas a alunos idealizados.

Essas provas centralizadas que a SME/RJ envia para as escolas foram elaboradas pelo

Instituto Ayrton Senna, numa parceria que contou com o apoio financeiro do MEC, baseada

nos moldes das avaliações nacionais aplicadas pelo INEP, o que resultou em médias abaixo

do nível esperado pelo próprio INEP gerando um consenso em torno da necessidade de se

aplicar reforço escolar para os alunos que não lograram nesse exame.

Conforme Frigotto (1995, p.85-87), a política avaliativa defendida pelo MEC nas

redes públicas de ensino se baseiam em escolhas arbitrárias de técnicos ligados aos

organismos internacionais em que são desconsideradas as condições históricas, culturais,

sociais da sociedade e dentro da própria escola. Essa diretriz avaliativa que contou com o

Instituto Ayrton Senna revelou o óbvio no que diz respeito ao desempenho dos alunos em

condições de desfavorecimento social na distribuição da riqueza.

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202

O jornal “O Globo” publicava no dia 31 de março de 2009 que a Secretaria de

Educação do Município do Rio de Janeiro declarava que, após a avaliação diagnóstica

realizada pelo Instituto Ayrton Senna, o município teria “315 mil alunos que precisam de

reforço escolar”, ou seja, cerca de 70% dos alunos do 3º ao 9º ano do ensino fundamental que

obtiveram conceito regular ou insuficiente. Diante desse quadro, a SME/RJ, através de

simulados preparados pelo Instituto Ayrton Senna, passou a “treinar” ou alunos para fazer as

avaliações promovidas pelo INEP, principalmente a “Provas Brasil” e o SAEB que servem

para calcular o IDEB. A meta seria fazer o IDEB do Rio de Janeiro crescer e,

consequentemente “aumentar a qualidade” da educação, segundo Cláudia Costin.

Uma das estratégias criadas por Claudia Costin para melhorar o IDEB foi criar uma

índice similar que servisse para mensurar o desenvolvimento dos alunos SME/RJ que servisse

de treinamento para a realização das provas do INEP que servem de base para o calculo do

IDEB. Dessa forma, foi criado o IDE-Rio, no mês de maio de 2009, “baseado no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é medido em todos os municípios

brasileiros através da Prova Brasil, aplicada pelo Ministério da Educação (MEC)”. (JORNAL

O GLOBO, 2009b). Os alunos selecionados para fazer as provas que servem para medir o

IDE-Rio foram os do 3º e 7º anos do ensino fundamental, pois segundo Claudia Costin,

[...] daqui a dois anos este grupo de alunos fará a Prova Brasil. Dessa maneira, a secretaria terá como acompanhar o desenvolvimento dessas crianças neste período, tendo assim subsídios para melhorar o ensino (JORNAL O GLOBO, 2009b, p.1).

O IDE-Rio, além de servir de treinamento para as provas promovidas pelo INEP, serve

como parâmetro de mensuração do esforço dos professores em melhorar os índices da

educação do município.

Estamos trabalhando para dar um salto de qualidade na Educação do Rio. Essa avaliação é fundamental para avaliar o desenvolvimento dos alunos e do nosso ensino. Vai mostrar, ainda, o quanto professores e as equipes de cada escola trabalharam para melhorar a aprendizagem

de nossas crianças – afirma a secretária Claudia Costin (JORNAL O GLOBO, 2009b, p. 1).

Objetivando aumentar o IDEB das escolas do município do Rio de Janeiro, a SME/RJ

constatou que o grande vilão dos baixos índices alcançados nas avaliações do INEP estaria na

cultura da repetência e no abandono escolar, conforme afirmação de Claudia Costin publicada

no jornal “o Globo” de 08 de maio de 2011.

A secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin, diz que a defasagem idade-série contribui muito para que os estudantes decidam sair da escola. Para ela, fazer parte de uma turma com o qual não se identifica e aprender conteúdos sem linguagem apropriada à respectiva faixa etária deixa qualquer estudante infeliz: — Quando o aluno sente que não está

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aprendendo, quando não percebe aquele conhecimento como útil para a sua vida, ele sai — diz Claudia (WEBER; BENEVIDES, 2011, p.1).

A melhoria da qualidade da educação passaria, “necessariamente”, na ótica de Claudia

Costin, em acordo com as metas estabelecidas pelo “MTPE”, pela superação da defasagem

série-idade através de programas de educacionais específicos de aceleração da aprendizagem.

É nesse cenário que o programa educacional “Acelera Brasil” desenvolvido pelo Instituto

Ayrton Senna passa a ser visto como a solução para a superação da “cultura da repetência”

pela “Pedagogia do Sucesso”.

Alunos que estivessem com defasagem de série/idade seriam enturmados no projeto

educacional “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna para que pudessem avançar até 4

séries em um único ano letivo. Da mesma forma, os alunos identificados como analfabetos

funcionais participariam do programa “Se Liga” no primeiro segmento do ensino fundamental

e do “Realfabetização” no segundo segmento do Ensino fundamental. É importante frisar que

esses alunos incluídos nos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna não

participariam das avaliações propostas pelo INEP, pois um dos requisitos estabelecidos pelo

próprio INEP é o aluno pertencer à rede regular de ensino.

4.6 Critérios de enturmação do Programa Acelera Brasil nas escolas municipais de

ensino fundamental da cidade do Rio de Janeiro

A Resolução SME nº 1161 de 10 de outubro de 2011 que define os projetos

estratégicos de correção de fluxo do Sistema Municipal de Ensino da Cidade do Rio de

Janeiro se concentra nos alunos defasados objetivando favorecer sua “inserção social”.

Reproduziremos na íntegra o artigo 2º da referida resolução por tratar dos critérios de

enturmação de cada aluno dos projetos estratégicos de correção de fluxo que o Instituto

Ayrton Senna desenvolve nas escolas da SME/RJ. “Consideram-se defasados os alunos que

não se enquadrarem nas situações abaixo descritas (data de nascimento) em relação ao ano de

escolaridade regular indicado para 2012, segundo seu resultado final” (RIO DE JANEIRO,

2011b, art.2º).

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204

QUADRO 3 – Critérios de enturmação.

ANO DE ESCOLARIDADE OS NASCIDOS ATÉ

3º ANO 31/03/2002

4º ANO 31/03/2001

5º ANO 31/03/2000

6º ANO 31/03/1999

7º ANO 31/03/1998

8º ANO 31/03/1997

9º ANO 31/03/1996

Fonte: Rio de Janeiro (2011b, art.2º)

Observando os critérios de enturmação para os alunos no “Programa Acelera Brasil”

(chamado “Autonomia Carioca” na cidade do Rio de Janeiro e aplicado pelo Instituo Ayrton

Senna com apoio do material de ensino da Fundação Roberto Mainho) levantamos a questão

que nos parece mais estarrecedora: qual seria o critério para determinar que um aluno que

nasceu no dia 31 de março de um determinado ano é defasado em relação a um aluno que

nasceu em 01 de abril do mesmo ano?

Uma das justificativas para a contratação de ONGs para executar o serviço público

seria sua maior proximidade com a população atendida. Diante disso, nos questionamos se o

Instituto Ayrton Senna consultou a comunidade das escolas municipais do Rio de Janeiro na

hora de separar alunos que estudam juntos há vários anos e serão separados por questão de um

dia na sua data de nascimento. Parece-nos que os elementos emocionais, culturais, de história

de vida são desconsiderados em prol de uma fórmula pronta de enturmação, baseada nas

metas determinadas pela UNESCO e apropriada pelo MTPE para regularização de fluxo.

Questionamos-nos qual seria a concepção de indivíduo a que as políticas públicas da

Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro são dirigidas. Percebemos que o

indivíduo não é o sujeito visto em sua concretude histórica, psicológica, espiritual, material;

ao contrário, é identificado como um sujeito capaz de representar dados estatísticos que

podem fazer ou não uma escola ou rede de ensino subir num ranking do IDEB, em função de

acertarem mais questões de português e matemática nas provas ou de estarem alunos cursando

a série correspondente ao ano, mês e dia de nascimento estabelecido por técnicos da educação

de forma arbitrária.

Os projetos de Aceleração da Aprendizagem no município do Rio de Janeiro recebem

o nome de Autonomia Carioca Aceleração pela Subsecretaria Municipal de Educação de

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205

Ensino. A Gerência de Educação da 9ª Coordenadoria Regional de Educação (9ª CRE) emitiu

documento estabelecendo diretrizes de organização do “Projeto Autonomia Carioca”. Esse

comunicado chama a atenção para o fato de as duas primeiras semanas do Projeto serem

dedicadas à acolhida e à integração do aluno à metodologia do “Telecurso”, ao conhecimento

do professor sobre a turma e à avaliação diagnóstica de entrada, sendo utilizado o material

distribuído pela Fundação Roberto Marinho, durante formação realizada no período de 07 a

11 de fevereiro de 201168

(RIO DE JANEIRO, 2011c).

Em outro comunicado que se refere ao “Projeto Autonomia Carioca”, a Gerência de

Educação da 9ª CRE informa “que é imprescindível aos professores que atuam com a turma

[...] sigam a metodologia do projeto69

” (RIO DE JANEIRO, 2011d). Seguir a metodologia do

projeto é fundamental para o seu sucesso, pois quaisquer desvios metodológicos podem por a

perder a “fórmula organizacional” desenvolvida pelo Instituto Ayrton Senna para os Projetos

de Aceleração da Aprendizagem.

Esses comunicados cristalizam o desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” ma

rede municipal do Rio de Janeiro com as orientações para que os professores (estatutários

cedidos à ONG) sigam as diretrizes metodológicas do programa, pois caso haja algum desvio

do que está previsto, toda a “Pedagogia do Sucesso” poderia ser comprometida. Conforme

desenvolvemos nos capítulos anteriores, o programa vem empacotado e pronto para ser posto

em prática, com seu próprio projeto político-pedagógico (paralelamente ao da escola em que

está sendo aplicado).

4.7 Considerações preliminares

Concluímos em nossas análises sobre “Programa Acelera Brasil” e sua “fórmula do

sucesso” que, com a finalidade de criar um consenso na sociedade civil em torno da falência

da escola pública no município do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes já no seu primeiro

ano de mandato (2009) contratou o Instituto Ayrton Senna para elaborar avaliações que

mensurassem o nível de aprendizado dos alunos da rede em língua portuguesa e matemática.

Esse consenso foi sendo construído com base nos resultados obtidos nessa avaliação e com

68 Recado distribuído a todos os diretores, diretores adjuntos, coordenadores pedagógicos e professores regentes do projeto de todas as escolas da que possuem programas de aceleração da aprendizagem. 69 Recado distribuído a todos os diretores, diretores adjuntos, coordenadores pedagógicos e professores regentes do projeto de

todas as escolas da que possuem programas de aceleração da aprendizagem.

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206

discursos de intelectuais orgânicos do capital como Gustavo Ioschpe, João Batista Araújo e

Oliveira (idealizador da “Pedagogia do Sucesso”) e a Secretária de Educação do Município

(Claudia Costin) nos meios de comunicação ligados o grande capital, como os veículos

ligados ao Grupo Globo de Comunicação que atua filantropicamente através da Fundação

Roberto Marinho, idealizadora do “Telecurso” (fornecedor de material de ensino para o

“Programa Acelera Brasil”).

Diante da veiculação incessante na mídia do “fracasso” escolar no município do Rio

de Janeiro, a proposta apresentada pelo prefeito e aprovada pela Câmara que estabelecia os

critérios que definiam as Organizações Sociais que poderiam assinar contratos de parceria

público-privada para prestação do serviço público, dentre eles o de aceleração da

aprendizagem dos alunos com defasagem idade-série. Nesse contexto, o “Programa Acelera

Brasil” passa a ser adotado como política pública no município do Rio de Janeiro com vistas a

levar “cidadania” (possibilidade de término do ensino fundamental) aos indivíduos

“fracassados” na escola (repetentes).

Percebemos que de uma forma direta ou indireta, todos os demais programas

educacionais do Instituto Ayrton Senna atuam como suporte para o funcionamento do

“Programa Acelera Brasil” (carro-chefe do Instituto). Quer sejam criados para dar o suporte

na área do reforço escolar da escrita, da leitura e da resolução de cálculos matemáticos, quer

sejam criados para atender à área administrativa, os programas são desenvolvidos perseguindo

a “educação de qualidade”. Essa concepção de qualidade aborda uma educação minimalista,

intimamente ligada à ideia de “produtividade” fabril com retoques de “capital social” e de um

pragmatismo que confunde o que é prático ao que é útil.

Seguindo a direção da lógica fabril na escola baseada na maior produtividade de

diplomados na menor quantidade de tempo e ao menor custo possível, o Instituto Ayrton

Senna recorre aos preceitos defendidos pelo MTPE que é formado em sua maior parte por

empresas com “responsabilidade social”, ou seja, já tem experiência na maximização dos

lucros ou no corte dos gastos. Um dos argumentos para a implementação do “Programa

Acelera Brasil” é a redução dos gastos com alunos multirrepetentes, para tanto, o Instituto

Ayrton Senna recorreu à Fundação Roberto Marinho para a adoção do “Telecurso” como

material de ensino do “Programa Acelera Brasil” que incorporou a noção de professor

multicompetente ou polivalente (um professor lecionaria todas as disciplinas sob o manto de

uma suposta transdisciplinaridade ou interdisciplinaridade).

No “Programa Acelera Brasil”, o esvaziamento do saber disciplinar se junta à

desqualificação do saber docente que é relegado ao esquecimento em prol da aplicação do

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material de ensino, tido como a “fórmula do sucesso” que deve ser seguida à risca, sem

quaisquer intervenções “criativas” dos professores sob o risco de por toda a metodologia

desenvolvida pelo programa a perder. Nesse sentido, o professor é visto pelo Instituto Ayrton

Senna como um indivíduo aplicador do material de ensino, idealizado como alguém que não

trás consigo uma concepção de mundo, valores e incapaz de atuar filosoficamente quer seja

difundindo ou elaborando uma visão de mundo contra a ideologia dominante.

Essa concepção de educação defendida pelo “Programa Acelera Brasil” está presente

em boa parte do território nacional e, finalmente chegou a maior rede pública de educação da

América Latina com 1064 (Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro). Uma das

medidas tomadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro para a

“regularização” do fluxo escolar foi o estabelecimento dos critérios de enturmação, ou seja,

definiram-se os critérios para que um aluno pudesse permanecer na rede regular de ensino ou

passar a integrar os quadros do “Programa Acelera Brasil”. O que chama a atenção é o fato de

indivíduos nascidos no mesmo ano terem classificações diferentes segundo o critério de

defasagem.

Esse fato nos remete à lógica fabril de produção de diplomados em massa no menor

tempo possível e ao menor custo, sem considerar os laços de amizade, culturais, psicológicos

que norteiam indivíduos que estudam juntos há vários anos, que construíram histórias juntos.

A imposição de separar alunos pelo mês de nascimento, mesmo que tenham nascido no

mesmo ano, é mais um determinante que um programa educacional que atende aos interesses

do capital à medida que se fixa na aparência exterior do fenômeno da ideia de “qualidade”

como “regularização de fluxo idade-série”, em índices arbitrariamente escolhidos para

melhorar a posição de uma rede num ranking (também arbitrário) e desconsidera a essência

da função social da escola: local de entrecruzamentos de projetos societários e elevação

cultural das massas, preparando-a para a elaboração de uma nova hegemonia, cujos aspectos

culturais, sociais e históricos dos indivíduos são levados em consideração.

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208

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O “novo fundamento político-administrativo” da Secretaria Municipal de Educação do

Rio de Janeiro iniciado com a gestão do prefeito Eduardo Paes e da Secretaria Claudia Costin,

em 2009, fundamenta-se nas novas roupagens que o capital tem se revestido (“Neoliberalismo

da Terceira Via”) para superar a crise que se estende desde a década de 1970. Nesse contexto,

as parcerias público-privadas aparecem como “soluções” para se alcançar a chamada

educação de “qualidade”, principalmente com a correção do fluxo escolar (série-idade), em

consonância com os organismos internacionais e com as políticas educacionais conduzidas

nos últimos governos no plano federal.

Nossa discussão passa necessariamente pela análise do “Programa Acelera Brasil”,

executado nas escolas municipais do Rio de Janeiro pelo Instituto Ayrton Senna, procurando

perceber como o desenvolvimento desse programa pode ressignificar o papel social da escola

pública na medida em que, no contexto do “Neoliberalismo da Terceira Via”, tal concepção

econômica liberal tenta atribuir uma face mais humana ao capital, introduzindo elementos da

“noção de capital social”, que insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a

sociedade civil (entendida como “Terceiro Setor”) e o mercado. Entendemos que o “Programa

Acelera Brasil”, também, cristaliza a tradicional concepção capitalista de que as diferentes

classes sociais devem receber educação de tipo diferente. A concepção de educação do

programa para os desfavorecidos na distribuição da riqueza é aquela pautada na aquisição de

habilidades minimalistas (ler, escrever e fazer contas).

Idealizada por intelectuais orgânicos ligados a movimentos empresariais com

“responsabilidade social”, a difusão dessa face mais humana do capital conta com o Instituto

Ayrton Senna (operador do capital) ao aplicar o “Programa Acelera Brasil” que atua como

operador do capital na escola pública à medida que difunde a visão particularista de mundo do

empresariado e desonerando o capital (política de incentivos fiscais às empresas com

“responsabilidade social”).

Ao defender a adoção de um novo pacto social calcado na ideologia do

“Neoliberalismo da Terceira Via”, o Instituto Ayrton Senna, na aplicação do “Programa

Acelera Brasil”, reafirma a cultura do “possibilismo” (do favor) e cristaliza o maior

protagonismo do empresariado na formulação e execução de políticas públicas para uma

educação voltada para o conformismo (tentar o sucesso dentro dos limites da cidadania

burguesa). É com base numa concepção de cidadania que englobaria alguns direitos, dentre

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eles o de ter acesso a uma educação de “qualidade” (aumento dos índices medidores do IDEB

e que servem de base para os relatórios de organismos internacionais como o Banco Mundial)

que a avaliação legitima a atuação de quem entende de melhoria da gestão: os empresários.

Conceber a educação em função dos critérios que serão avaliados pelo IDEB é reduzir

o saber a critérios que são escolhidos arbitrariamente e desconsideram a materialidade em que

os dados foram produzidos. Treinar os alunos para se saírem bem nas avaliações promovidas

pelo INEP e acelerar os alunos com defasagem série-idade, adotando a “Pedagogia do

Sucesso” (certificação) subverte a concepção de como o saber é produzido e o apresenta como

um pacote pronto e acabado, representando a verdade em si (substituição do processo pelo

produto final).

Ter acesso à educação de “qualidade” (melhorar as notas do IDEB e aumentar a

quantidade de diplomados no ensino fundamental) passaria pela avaliação que atua na

sociedade burguesa como um elemento medidor do nível de cidadania que um indivíduo

estaria gozando. Dessa forma, vai-se criando um ethos na escola pública de que ela só seria

útil se fosse produtiva, se treinasse os alunos nas disciplinas que realmente fariam os índices

medidores da educação serem elevados; sua função problematizadora e de promover uma

nova moral, acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade sem restrições é

substituída pelo treinamento para a realização de avaliações que garantiriam o gozo da

cidadania.

Nessa perspectiva, a noção de “qualidade total” está intimamente ligada ao domínio de

certas habilidades para que o aluno com defasagem de idade-série tenha os requisitos mínimos

para estar apto a concorrer a uma vaga no mercado de trabalho. Todavia, como a “promessa”

de uma educação para a inserção não foi cumprida pelo Estado neoliberal, o “Programa

Acelera Brasil” objetiva não apenas fornecer “capital humano” como forma de superação das

desigualdades individuais, mas rejuvenescê-lo com elementos que os tornariam produtivos

mesmo em tempos de crise, quer seja pela noção de “flexibilidade” dos vínculos trabalhistas,

quer seja pela noção de “empreendedorismo” (autoemprego), quer seja (principalmente) pela

adoção da noção de “capital social” como diferencial competitivo para e entrada e

permanência no mercado.

É interessante percebermos que a noção de “capital humano rejuvenescido” não

abalaria a estrutura excludente do capital e sua capacidade em produzir miséria. É nesse

sentido que a noção de “capital social” é fundamental para manutenção do ordenamento

social; evitando, assim, rupturas sociais por parte dos desfavorecidos na distribuição da

riqueza. Essa educação defendida pelo “Programa Acelera Brasil”, cujo objetivo maior seria

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certificar a maior quantidade de pessoas ao menor custo e no menor espaço de tempo, estaria

levando a lógica fabril para a escola pública.

Essa lógica fabril que o Instituto Ayrton Senna tem levado à escola pública através do

“Programa Acelera Brasil” nos ajuda a compreender que a expansão da oferta do ensino

àqueles se encontram com defasagem idade-série não implica necessariamente numa

educação, cujo sentido público seja efetivamente o gozo dos bens culturais realizados pela

humanidade, sem restrições impostas pelo capital para a manutenção da ordem capitalista.

Entendemos que essa lógica fabril de certificação de sujeitos que recebem uma

educação minimalista faz da escola pública (que em tese realizaria um trabalho improdutivo)

uma fábrica de produção de mão de obra geradora de mais-valia. Dessa forma, a escola que

recebe o “Programa Acelera Brasil” é identificada como produtiva à medida que fornece

diplomados com as mínimas habilidades exigidas pelo mercado, o que por si só não garante

sua “inserção”, mas os habilita a concorrer por uma vaga em tempos de crise. A ideia do

indivíduo produtivo está assentada na valorização exacerbada do individualismo exigido pelo

mundo empresarial e o mercado funcionaria como elemento organizador da vida social; nessa

situação não haveria espaços para formações alternativas de sociedade (FRIGOTTO,

CIAVATTA, 2003).

Dentro dessa perspectiva, estar certificado pelo “Programa Acelera Brasil” seria um

fator que daria igualdade de pontos de partida na ótica burguesa; contudo, ao se desconsiderar

as condições sociais, econômicas, históricas dos indivíduos desfavorecidos na distribuição da

riqueza, a responsabilidade pela inserção no mercado de trabalho passa a ser do indivíduo

(que deve estar preparado para autoemprego, para relações flexíveis de trabalho, ser detentor

de “capital social”, para diferenciá-lo nessa brutal concorrência), pois a noção de “capital

humano rejuvenescido” defende que a crise é conjuntural e não estrutural.

Na sua essência, o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna é mais um

operador dos ideais do “Neoliberalismo da Terceira Via” quando introduz nas escolas

públicas um pacote de conhecimentos prontos e acabados, apresentados como verdades

absolutas, a serem consumidos pelos indivíduos, cujo capital, enquanto relação social, é

apresentado como etapa inevitável da história da humanidade (naturalização do que é

histórico). O programa não aponta para a problematização da forma como os homens se

produzem e reproduzem, desconsiderando as desigualdades na distribuição da riqueza como

fator de manutenção da lógica vigente, pois o próprio saber é visto como uma sucessão de

fatos e processos verdadeiros.

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211

Gramsci (1978) assinala que toda linguagem, mesmo a denominada científica, é

ideológica. Na direção oposta, em entrevista ao jornal “O Globo”, publicada em 21 de julho

de 2006, João Batista Araújo e Oliveira (elaborador da “Pedagogia do Sucesso”) afirma que

um “método adequado” por si só validaria uma concepção de mundo como verdadeira,

desconsiderando as condições históricas em que esse conhecimento foi elaborado.

[...] os cientistas têm ideias. Testam suas ideias seguindo métodos adequados. As ideias que

passam no teste são consideradas como fatos científicos. As outras viram história. No Brasil ficamos com a história e desprezamos os fatos (OLIVEIRA, 2006, p.1).

Temos uma preocupação muito grande com os rumos que educação do Município do

Rio de Janeiro pode seguir ao implementar o “Programa Acelera Brasil” que desconsidera a

essência da construção do conhecimento, eliminando a problematização de como se processa

o objeto desse saber, das contradições e até mesmo das correlações de forças nas disputas por

projetos societários. O conhecimento é apresentado como produto e não como processo;

verdades são apresentadas falseando a realidade dos fatos que por si só não são a expressão do

real.

Como a “fórmula do sucesso” já está pronta no “Programa Acelera Brasil”, o saber

docente e o saber disciplinar são relegados ao esquecimento em prol de uma metodologia dita

universal e de uma suposta “transdisciplinaridade” e/ou “interdisciplinaridade” do programa.

Não que sejamos contra a comunicação entre as diversas áreas do conhecimento, até mesmo

uma simbiose dos saberes, mas entendemos que o saber disciplinar é fundamental para o

aprofundamento do conhecimento. A questão é como esse saber disciplinar é reconduzido à

totalidade, intercambia-se com os demais saberes em prol de uma ciência comprometida com

os trabalhadores. Já o saber docente é visto pelo programa como “desvio” que pode por toda

a fórmula do sucesso a perder.

O saber docente e o saber disciplinar são postos de lado pelo “Programa Acelera

Brasil”, inclusive por uma adequação ao “Neoliberalismo da Terceira Via”: economizar com

os gatos públicos; sem, contudo, deixar de prestar o serviço em seus níveis mínimos. Como

no programa um único professor é o “mediador” do aluno com o material de ensino,

economiza-se com o pagamento de salários de outros professores. O programa prevê que o

professor é um aplicador do material de ensino e deve cuidar para que não haja desvios dele;

sua função política é considerada como nociva ao bom andamento do programa.

Considerando que a escola pública capitalista, pela própria natureza desse modo de

produção e civilizatório, é local onde se entrecruzam projetos societários, mesmo com as

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tentativas de dominação das mentes, valores e concepções de mundo pelo capital, há espaços,

ainda, para a construção de um novo conhecimento como base crítica aos saberes postos como

prontos e acabados. E nesse caso, seguindo a linha do pensamento gramsciano, “todos os

homens são intelectuais” porque o próprio ato de pensar faz parte do ser humano, “mas nem

todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”; os professores, por

desempenharem uma função de intelectuais elaboradores e/ou difusores de concepções de

mundo, são sujeitos fundamentais na elaboração e/ou difusão de uma nova hegemonia, uma

ideologia contra a ideologia dominante no capital (GRAMSCI, 1982).

Não aceitar o modelo de empacotamento de saberes adotado pelo “Programa Acelera

Brasil” é fundamental, mas esse ato por si não muda a visão de mundo daqueles que são

desfavorecidos na distribuição da riqueza, pois “os filósofos têm apenas interpretado o mundo

de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 1982, passim). Pensar

uma teoria com vistas a romper com a forma de sociabilidade dominante “se dá na e pela

práxis” (FRIGOTTO, 1994, p. 81), concebendo a ciência, o conhecimento, como útil à

medida que está a serviço da transformação da realidade (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007), em

contraposição ao “Programa Acelera Brasil” que identifica o útil com o prático.

Professores da educação básica podem atuar como formuladores de concepção de

mundo ou como divulgadores. Podem contribuir na mediação da consolidação da hegemonia

de um projeto conservador ou propor outra direção intelectual e moral. Uma mediação

fundamental da escola pública na proposição de uma nova hegemonia se dá justamente na

compreensão da concepção de cidadania como ordenamento social regulado pelo capital, pois

a tese fundamental do Instituto Ayrton Senna, concretizada no “Programa Acelera Brasil” é

que ao certificar indivíduos com defasagem idade-série, estaria levando cidadania aos

“pobres”, “desfavorecidos”, dando-lhes a igualdade no ponto de partida. Uma democratização

mínima, rasa, à luz da democracia burguesa.

A cidadania propagada pelo Instituto Ayrton Senna através do “Programa Acelera

Brasil” é aquela que a identifica com um conjunto de direitos e deveres que garantiriam a

igualdade política e jurídica, “legitimando” as desigualdades econômicas. Não estamos aqui

jogando no lixo a importância das conquistas, a duras penas pelos trabalhadores, no campo da

cidadania burguesa (igualdade política e jurídica); mas ressaltamos que a atividade

pedagógica não deve estar restrita a educar para a cidadania na concepção burguesa, pois as

desigualdades sociais se perpetuariam sob o manto da liberdade (burguesa) que os indivíduos

deveriam ter em buscar por seus próprios méritos o acúmulo de riqueza.

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213

Nesse ponto, o “Programa Acelera Brasil” assenta uma de suas bases teóricas (educar

para a cidadania e a meritocracia) e serve como instrumento que contribui a favor da

alienação, pois a cidadania como igualdade política e jurídica não garante a participação dos

sujeitos de forma crítica na ordem social vigente, não garante a superação da alienação; a

cidadania assentada na igualdade jurídica e política é apresentada como condição natural que

se sobrepõe às condições históricas em que os homens produzem e se reproduzem em

sociedade, negando a categoria totalidade à medida que naturaliza aquilo que é histórico,

reifica as forças que fazem com que os seres humanos continuem a crer que o capital

transcende à ação dos indivíduos (produto da sociedade) e ocultam que as condições materiais

determinam a consciência dos homens, os valores que lhe são introjetados.

Defendemos a educação para além do capital, da igualdade formal, restrita aos campos

jurídico e político (MÉSZÁROS, 2008). Nosso compromisso é com a defesa da escola

pública mediadora de uma educação que apresente como projeto societário a emancipação

humana a partir da discussão da concepção de cidadania burguesa e sua função ideológica.

Como dito anteriormente, mesmo na sociedade capitalista, a escola pública é um local

privilegiado para a formação de uma ideologia contra a ideologia dominante, para a

proposição de uma nova hegemonia através da elevação cultural dos indivíduos concretos e

não idealizados por um projeto burguês operacionalizado nas escolas públicas por uma ONG.

Essa defesa da escola pública se choca com a concepção de educação difundida e

aplicada pelo Instituto Ayrton no “Programa Acelera Brasil” que difunde a tese de que a

escola só tem valor se for eficiente na produtividade de mão de obra geradora de mais valia.

Contudo, o programa não se propõe a formar cidadãos politizados e críticos da realidade que

os cerca; a educação de “qualidade” passaria pela certificação da maior quantidade de

indivíduos no menor espaço de tempo possível sob a promessa de “inserção social” no

mercado; como a promessa não é cumprida em função da própria essência do capital, o

“Programa Acelera Brasil” cumpre o papel de reforçar a quantidade de diplomados

“adaptados” aos novos tempos de crise do capital, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade

pelo seu “fracasso” ou pelo seu “sucesso” nesses “novos tempos”.

A adoção da “Pedagogia do Sucesso” pelo Instituto Ayrton Senna teria por

justificativa maior “levar cidadania aos pobres” e contribuir para a consolidação do processo

democrático, pois os indivíduos “fracassados” na escola não estariam no pleno gozo dos

direitos agrupados em torno da concepção de cidadania. Para tanto, “certificar” esses

indivíduos seria uma oportunidade de fazê-los participantes plenos do processo democrático

dentro dos limites do capital. Mészáros (2008) nos dá os indícios necessários para pensarmos

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que enquanto os valores do capital estiverem presentes nas mentes dos sujeitos e não houver

uma ruptura com a sociedade capitalista, a cidadania burguesa atuará como fonte legitimadora

do processo de aceitação passiva do capital.

Conforme analisa Ivo Tonet (2005, p. 89-124), para Marx, a cidadania se resumiria na

emancipação política, que tem sua importância nas conquistas dos trabalhadores ao longo da

história da humanidade, mas também teria o lado negativo ao reificar a alienação, uma vez

que a cidadania se constituiria num obstáculo à emancipação humana, chamada por Carlos

Nelson Coutinho (2008) de “cidadania plena”. A concepção de educação do “Programa

Acelera Brasil” contribui para a perpetuação do capital quando funciona como maquinaria de

transmissão dos valores da cidadania burguesa que legitimam a classe dominante

(MÉSZÁROS, 2008), que legitimam as desigualdades econômicas.

Entendemos que uma função social da escola é atuar como mediadora da cidadania,

sendo a emancipação política como etapa para conscientização dos sujeitos de sua

desumanização na execução de seu trabalho com vistas a chegar à emancipação humana. Por

exemplo, se o professor aplicador do “Programa Acelera Brasil” não se perceber como parte

do processo de repetição de conteúdos vazios de significados, apenas cumpre um protocolo

(alienado) e contribui para a reprodução do capital, através da transmissão de seus valores.

Mesmo os professores que vislumbram a mudança da concepção de mundo para além do

capital através da mediação da escola precisam ter em mente que a educação por si só não

cumpriria a função de “descolonizar” os Estado de orientação capitalista.

Compreendemos que a “descolonização” de um Estado regulado pelo capital não se dá

apenas numa vitória nas eleições para a efetivação da transição para um Estado socialista.

Partindo do princípio de que o Estado não está unicamente restrito ao governo, mas vai além

de sua manifestação material. A forma como o Estado se nos apresenta cauterizado em nossas

mentes se cristaliza num conjunto de instituições materiais “neutras” que regulariam as ações

da coletividade. É nesse ponto que Mirian Limoeiro (1990) e Kosik (1976) nos indicam que a

tarefa teórica dos movimentos sociais e dos partidos políticos é construir uma base de reflexão

que avance para além do que se apresenta como verdadeiro na imediaticidade das aparências.

Não presumimos que esta tarefa seja fácil, mas é necessária; sair dos níveis de

abstração mais baixos e avançar para níveis de abstrações mais profundos, mais distantes do

que se apresenta como concreto (realizando um verdadeiro détour) e construir uma nova

proposta hegemônica de sociedade que busque a construção de um novo concreto, só que não

mais aquele concreto inicial que se nos apresenta (inevitabilidade do capital enquanto relação

reguladora e organizadora da sociedade), mas um concreto pensado, procurando se aproximar

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da realidade e identificar os determinantes que nos fazem sentir e compreender o Estado

contemporâneo como esse conjunto de instituições detentoras dessa suposta neutralidade

ideológica.

Alguns determinantes de nossa percepção, no exercício do détour, depois de

analisados segundo esse movimento do real, nos indicam que o Estado é muito maior que a

sua dimensão material. Portanto, o exercício teórico-metodológico é fundamental para um

governo de esquerda conquistar os espaços do Estado enquanto instância de manutenção das

relações capitalistas de produção não só no mundo material, mas também nas forças

espirituais que orientam nossa percepção das coisas.

O Estado em sua dimensão material é representado pelas instituições. Contudo, cabe

ressaltar que não se restringe a elas. Álvaro Garcia Linera70

(2010) nos indica que o Estado

também é estrutura ideal de concepções, correlação de forças e monopólio da força. Nesse

sentido, os políticos e partidos de orientação socialista e com base de apoio nos movimentos

sociais, ao assumirem o governo, devem ter em mente que não basta derrubar a máquina

institucional para implementação de políticas públicas com enfoque socialista, é necessária a

conquista da hegemonia, através do consenso, na arena de lutas por projetos societários que é

a sociedade civil.

As categorias gramscianas hegemonia, consenso e ideologia são fundamentais para a

compreensão desse dilema vivido pelos partidos socialistas. O Estado é idealizado por nós à

medida que ao longo dos anos, nas disputas pelo consenso na sociedade civil, criou-se em

nossas percepções uma forma hegemônica de ver o Estado como ele se apresenta na

sociedade capitalista: inevitável e garantidor do capital enquanto relação que organiza a

sociedade. Entendemos que Estado não é o fiador do capital, mas o garantidor do grupo

hegemônico que o opera, que detém o consenso.

Entendendo o Estado como relações de poder, para além de sua demarcação

geográfica, os partidos socialistas que conquistam o governo no jogo eleitoral não podem

desconsiderar a importância dos movimentos sociais associadas às ações do governo na

realização de transformações das bases materiais em que o Estado se manifesta. As condições

para essa transformação, conforme Coutinho (2008, p. 165), estão presentes quando a

promessa de um padrão de vida decente não se efetiva na realidade, ou seja, “há uma

contradição entre os valores introjetados e a experiência real do dia a dia. E isto traz a

desagregação social, a revolta inconsequente, o banditismo, etc”.

70 Vice-Presidente da Bolívia desde 2006 e responsável por pensar a teoria política do governo de Evo Morales.

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Uma análise com pouca profundidade teórica apontaria a conquista do governo como a

consequente conquista do Estado. Através do exercício teórico-metodológico, percebemos

que o Estado é perpassado pela sociedade civil, local onde ocorrem as disputas pela direção

material e intelectual desse mesmo Estado. Numa tentativa de identificar o Estado como ente

estranho à sociedade civil, intelectuais como Antony Giddens e Francis Fukuyama numa

análise que nega a totalidade e interdependência das relações sociais - negam o comensalismo

entre o Estado, mercado e a sociedade civil e a identificam como local de colaboração e

solidariedade, ao invés de uma arena de disputas pelo controle material e ideológico do

Estado em suas múltiplas dimensões.

Numa análise metodológica, reduz-se a problemas ao nível de abstração mais baixo ao

estabelecer na imediaticidade a relação causa-consequência, desconsiderando as condições

históricas que levaram determinada escola a não funcionar como se esperava dela pela

sociedade civil. Realizar o détour é avançar para um nível de compreensão que se afaste cada

vez mais, no plano abstrato, daquilo que se nos é dado na imediaticidade. Assim, a busca dos

partidos socialistas não é identificar os males que o capitalismo causa à humanidade, mas

buscar os elementos determinantes que permitem ao sistema capitalista se manter como forma

de produção hegemônica mesmo quando um governo de esquerda (orientação socialista)

assume o poder.

É fundamental a conquista do governo, mas o dilema que se coloca é justamente como

se dará a conquista do Estado no modelo que nos está introjetado (mantenedor do da ordem

vigente). Essa necessidade de penetrar “as armaduras do Estado” com vistas à operação de

mudanças estruturais passa pela disputa hegemônica, na formação do consenso em aparelhos

privados de hegemonia, tais como a igreja, o exército, os partidos políticos, a escola, os

movimentos sociais (GRAMSCI, 1982).

É o processo de descolonização capitalista do Estado, ou seja, modificação das

ferramentas que o operaram internamente com o fulcro de analisar os movimentos sociais e

circunscrevê-los dentro de um sistema maior de reivindicações que também os abarcam, mas

que precisam se transformar na chamada “grande política”, nos termos gramscianos, para

promover uma efetiva transição das relações sociais em que a vida se produz e reproduz, onde

o ser humano seja colocado no primeiro plano na elaboração das políticas públicas.

Analisando a categoria gramsciana de Estado Ampliado, Virgínia Fontes (2010, p.

138-139) indica que o Estado incorpora demandas das classes subalternas como ocorrera com

a participação política; mantendo, contudo, a dominação de classe. Essa superação se daria

com a ruptura da lógica do capital de subsumir as pessoas não apenas economicamente, mas

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em todos os aspectos da vida cultural71

, dos valores. O processo de “descolonização” (ruptura)

dos sujeitos em relação ao capital seria fundamental para a promoção da organização

intelectual com vistas à propositura de uma nova hegemonia que tivesse por objetivo a

emancipação humana.

A emancipação humana só se dará numa sociedade efetivamente democrática; não

naquela assentada na cultura do “possibilismo” da prestação do serviço público pelas ONGs.

Cabe frisarmos que nosso entendimento de democracia é aquele defendido por Ellen Wood

(2003, p.7) “desafio ao governo de classe”. Enquanto os indivíduos não forem postos como a

prioridade das políticas públicas, o capitalismo continuará ditando as normas da acumulação

da riqueza, colocando os indivíduos a quem as políticas públicas são dirigidas numa posição

de subalternidade aos seus interesses.

Como nossa proposta de trabalho não é apenas criticar as bases que sustentam a face

do capitalismo denominada “Neoliberalismo da Terceira Via”, aspiramos à democracia como

desafio ao capitalismo que tenta ocultar as contradições sociais através de um conjunto de

direitos e deveres pautados na positividade do direito (cidadania como ordenamento social),

identificado pelos burgueses como a maximização dos direitos democráticos; contudo, estão

restritos à esfera formal da igualdade política e jurídica. Nesse sentido, “a democracia pode

ser sumariamente definida como a mais exitosa tentativa até hoje inventada de superar a

alienação na esfera política” (COUTINHO, 2008, p. 50), é a conquista da “cidadania plena”:

extensão da igualdade política e jurídica para a esfera econômica, contribuindo para que todos

os indivíduos possam gozar os bens produzidos na sociedade.

A conquista da “cidadania plena” (COUTINHO, 2008, p.50) se realizaria na formação

de um novo coletivo, não um conjunto de indivíduos atomizados na sociedade, mas na

formação de um coletivo que seria a multiplicidade de indivíduos que já guardariam em si as

características do novo coletivo no seu relacionamento produtivo e criador (BARATA-

MOURA, 1997). Esse novo coletivo libertador da alienação permitiria ao indivíduo superar a

ideia de um conformismo social que se desenvolve através da introjeção de valores do capital

através do Estado Educador.

71

Campo privilegiado para a conquista da hegemonia. Cf. Coutinho (2010).

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230

ANEXO A - Pesquisas Acadêmicas

I- DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA:

1- Carta de Apresentação da Universidade (contendo o título e nome do Professor Orientador da pesquisa), assinada

pela Coordenação do curso ou professor orientador.

2- O PROJETO: Texto descritivo sobre a pesquisa contendo, no mínimo, os seguintes itens:

I-Título

II- Área de Abrangência

III- Objetivos

IV- Resumo da Pesquisa

V- Relevância do Estudo

VI- Metodologia

VII- Instrumentos que serão utilizados

VIII- Cronograma

IX- Motivo da escolha da Rede Pública Municipal de Ensino para a pesquisa

XI- Prazo para o retorno da conclusão da pesquisa à SME

3- Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa, quando o pesquisador utilizar

questionários e/ou entrevistas.

4- Anexo único da Portaria E/DGED n° 41 de 12/ 02/09. (O item 14, a data e assinatura devem ficar em branco, pois é a

parte que a Coordenadora da CED autoriza).

II- PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE:

1- Abrir processo com a documentação acima, preferencialmente na Coordenadoria de Educação (E/CRE) onde a

pesquisa vai ser realizada.

2- O processo será encaminhado para a SME / E/SUBE/CED, para análise da Equipe Técnica conforme temática

apresentada.

3- Se o parecer for favorável, o pesquisador será imediatamente contatado a fim de comparecer a E/SUBE/CED para

assinar a ciência do processo, o “Termo de Compromisso”, bem como receber o “Termo de Autorização para

Pesquisa” que deverá se levado a E/CRE correspondente, a fim de que sejam indicadas as Unidades Escolares que

participarão da pesquisa.

4- Caso a pesquisa não seja imediatamente autorizada, o pesquisador será chamado para ciência, bem como para

realizar possíveis ajustes para a consecução do trabalho.

5- A autorização será publicada em D.O.

6- Após este procedimento, o processo ficará sobrestado na Coordenadoria de Educação (E/SUBE/CED), até que a

pesquisa seja concluída. o pesquisador deverá apresentar relatório conclusivo que será encaminhado à Equipe

Técnica para ciência e, posteriormente, o processo será enviado à E/ SUBE/CRE de origem para arquivamento.

7- Caso os resultados da pesquisa sejam publicados através de Artigos ou em Congressos, o pesquisador deverá enviar

correspondência à SME, notificando sua publicação.

8- Os processos inaugurados nas E/SUBE/CRE também ficarão sobrestados na (E/SUBE/CED) até sua conclusão,

aguardando o relatório final.

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OBSERVAÇÕES:

1- As pesquisas que envolvem seres humanos em entrevistas, filmagem e questionários, deverão, necessariamente,

ter parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade, de acordo com a resolução N. º 196/1996 do

Conselho Nacional de Saúde.

2- Caso a Universidade não tenha Comitê de Ética em Pesquisa, o parecer poderá ser obtido através do Comitê de

Ética em Pesquisa da PCRJ, através do site www.saúde.rio.rj.gov.br/cep

a. Este Comitê se manifestará quanto à possibilidade de inquérito ou filmagem com seres humanos,

mediante autorização da SME (sala 412) na FOLHA DE ROSTO impressa a partir do acesso ao site

citado acima.

3- Nosso contato – 2976-2296 [email protected]

Figura 2 – ANEXO A

Fonte: Rio de Janeiro (2009d).

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ANEXO B - Anexo Da Portaria E/DGED Nº 41

DEPARTAMENTO GERAL DE EDUCAÇÃO

Solicitação para realização de pesquisa acadêmica nas Unidades Escolares da Rede Pública municipal de Ensino

1. Identificação da Instituição: ________________________________________ 2. Área de conhecimento da pesquisa: _________________________________

3. Nome do Pesquisador / Tel.: ______________________________________

4. Professor da Rede Municipal: ( ) Não ( ) Sim

5. Orientador da Pesquisa: __________________________________________

6. Síntese da Pesquisa: explicando o cunho e a metodologia da mesma. _______________________________________________________________

_______________________________________________________________

7. Carta de apresentação: ( ) Sim ( ) Não 8. Utilização de questionário: ( ) Não ( ) Sim

Em caso positivo, indicar em quem será aplicado ______________________

9. Do planejamento da pesquisa consta gravação ou filmagem?

( ) Não ( ) Sim - gravação

10. Os resultados serão individualizados por aluno? ( ) Não ( ) Sim

11. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP

( ) Não ( ) Sim

12. Tempo de realização: ________________________________________ 13. Previsão para apresentação das conclusões da pesquisa ao E/DGED:

__________________________________________________________

14. Parecer Final: ______________________________________________ __________________________________________________________

Rio de Janeiro, de de 2012.

Figura 3 – ANEXO B

Fonte: Rio de Janeiro (2009d).