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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS CCT CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA MARIANA ENCK DE SOUZA DIFERENTES CONCEPÇÕES DAS TERNAS PITAGÓRICAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DO TEOREMA DE PITÁGORAS JOINVILLE - SC 2016

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS – CCT

    CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

    MARIANA ENCK DE SOUZA

    DIFERENTES CONCEPÇÕES DAS TERNAS PITAGÓRICAS: ALGUMAS

    CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DO TEOREMA DE PITÁGORAS

    JOINVILLE - SC

    2016

  • MARIANA ENCK DE SOUZA

    DIFERENTES CONCEPÇÕES DAS TERNAS PITAGÓRICAS: ALGUMAS

    CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DO TEOREMA DE PITÁGORAS

    Trabalho de Graduação apresentado ao Curso

    de Licenciatura em Matemática do Centro de

    Ciências Tecnológicas, da Universidade do

    Estado de Santa Catarina, como requisito

    parcial para a obtenção do grau de Licenciatura

    em Matemática.

    Orientador: Me. Adriano Luiz dos Santos Né.

    JOINVILLE-SC

    2016

  • Ao meu pai Humberto, que me deixou no meio desta

    caminhada, mas que sempre priorizou meus estudos.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente gostaria de agradecer a Deus que é fonte de toda a minha inspiração,

    dono do meu conhecimento e da minha fé.

    Agradeço ao meu pai Humberto pelo tempo em que esteve presente durante essa

    graduação, sempre me incentivando a estudar mais e a nunca desistir. E da mesma forma,

    agradeço à minha mãe Itrauti que foi minha fortaleza nos momentos mais difíceis dessa

    caminhada, me apoiando principalmente quando meu pai veio a faltar no meio deste percurso.

    Ainda tenho que agradecer ao meu irmão Junior pelo incentivo que sempre me dá.

    Em especial, gostaria de agradecer ao professor Adriano, por aceitar me orientar e

    compartilhar todo o seu conhecimento. Acima de tudo, por toda a paciência, toda dedicação e

    todas as contribuições para que este trabalho se tornasse o que ele é hoje.

    Às professoras Silvia e Débora por aceitarem compor a banca deste trabalho e

    compartilharem comigo este momento.

    A todos os professores do Departamento de Matemática que contribuiram para minha

    formação durante esses anos incríveis que passei dentro da UDESC.

    Aos amigos do grupo “Matemáticos”, por todas as brincadeiras e todos os encontros que

    fizeram com que esses 4 anos na UDESC se tornassem mais que especiais. Também gostaria

    de agradecer à Bruninha que sempre me apoiou e incentivou, sendo que foi mais que uma irmã

    pra mim.

    Por último gostaria de agradecer a professors Regina por acreditar em mim durante esse

    período no PIBID, que foi essencial para minha formação. Você foi uma mãe para nós!

  • “Estou certo de que nenhuma outra disciplina perde mais do que

    a matemática quando dissociada de sua história”

    J. W. L. Glaisher

  • RESUMO

    Esse trabalho se caracteriza por ser uma pesquisa de caráter qualitativo com objetivo de

    organizar uma trilha histórica sobre Pitágoras tentando reconhecer especificidades do seu

    pensamento matemático. Para isso, fiz um estudo sobre os babilônios buscando encontrar

    possíveis relações desse povo com as triplas pitagóricas, e identifiquei que poderia existir

    relação entre as triplas pitagóricas com algumas placas encontradas que datavam dessa época,

    especialmente a placa denominada Plimpton 322, que apresento neste trabalho sob a perspectiva

    de alguns historiadores. Logo após, coletei informações sobre Pitágoras, sua escola e suas

    possíveis descobertas. Nesta etapa pude perceber que os pitagóricos entendiam os números

    como algo concreto, presente no dia a dia e em tudo. Outro ponto que abordo são os números

    figurados e sua relação com as triplas pitagóricas, pois sabe-se que os pitagóricos

    provavelmente estudavam as triplas através dos números quadrados e não de triângulos

    retângulos como estamos acostumados. Por último apresento como a matemática passou a ser

    tratada após as descobertas de Pitágoras e dos pitagóricos. Sendo que nessa etapa fica explícito

    que não só os pitagóricos, mas os gregos em geral foram muito importantes para a evolução da

    matemática, sendo que houveram vários filósofos e matemáticos que contribuíram para isso,

    entre eles estava Platão. Platão não era matemático, mas dava grande importância para a

    matemática sendo que venerava os números como algo presente no mundo das ideias. Euclides,

    em sua obra Os Elementos formalizou muito do conhecimento matemático grego que havia até

    o momento, inclusive trazendo a demonstração do Teorema de Pitágoras em seu livro.

    Palavras-chave: Educação Matemática. História da Matemática. Pitágoras. Pensamento

    Matemático. Ensino de Matemática.

  • ABSTRACT

    This work is characterized by being a qualitative research aiming to organize a historical track

    on Pythagoras trying to recognize specificities of his mathematical thinking. For this, I made a

    study of the Babylonians seeking to find possible relations of this people with the Pythagorean

    triples, and I identified that there could be a relation betwen the Pythagorean triples with some

    plates found that dated from that time, especially the plate called Plimpton 322, that I present

    in this work from the perspective of some historians. Soon after, I collected information about

    Pythagoras, his school and his possible discoveries. At this stage I realized that the

    Pythagoreans understood numbers as something concrete, present in everyday life and in

    everything. Another point I approach is the figure numbers and their relation to the Pythagorean

    triples, since it is known that the Pythagoreans probably studied the triples through the square

    numbers and not of triangles rectangles as we are accustomed. Finally I present how

    mathematics came to be treated after the discoveries of Pythagoras and the Pythagoreans. Being

    that in this stage it is explicit that not only the Pythagoreans, but the Greeks in general were

    very important for the evolution of mathematics, being that there were several philosophers and

    mathematicians who contributed to this, among them was Plato. Plato Plato was not a

    mathematician, but he attached great importance to mathematics by venerating numbers as

    something present in the ideas world. Euclid, in his work The Elements formalized much of the

    Greek mathematical knowledge that he had up to now, including bringing the proof of the

    Pythagorean Theorem in his book.

    Key words: Mathematics Education. History of Mathematics. Pythagoras. Mathematical

    Thinking. Mathematics Teaching.

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Figura 1 - Sistema de Numeração Babilônica através da escrita Cuneiforme.......................... 15 Figura 2 - Plimpton 322 ............................................................................................................ 17 Figura 3 - Busto de Pitágoras ................................................................................................... 24 Figura 4 - Pentágono Estrelado, insígnia da sociedade pitagórica ........................................... 28 Figura 5 - Números triangulares ............................................................................................... 32

    Figura 6 - Números Quadrados ................................................................................................ 32 Figura 7 - Números Pentagonais .............................................................................................. 33 Figura 8 - A soma de dois números triangulares seguidos forma um número quadrado ......... 34 Figura 9 - Os gnomons pitagóricos........................................................................................... 34

    Figura 10 - Representação de alguns gnomons consecutivos................................................... 35 Figura 11 - Busto de Platão ...................................................................................................... 39 Figura 12 - Euclides de Alexandria - O Pai da Geometria ....................................................... 41

    Figura 13 - Triângulo Retângulo para demonstração do Teorema de Pitágoras ...................... 42

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11

    2 BABILÔNIOS E SUA RELAÇÃO COM A MATEMÁTICA ..................... 14

    2.1 PLIMPTON 322 ................................................................................................. 16

    2.1.1 Outras Interpretações Para a Plimpton 322 ..................................... 18 2.1.1.1 Interpretação de Neugebauer .................................................. 18 2.1.1.2 Interpretação de Jöran Friberg ................................................ 19 2.1.1.3 Interpretação de Eleonor Robson ........................................... 20

    3 PITÁGORAS, SUA ESCOLA E SEUS IDEAIS ........................................... 23

    3.1 GRECIA ............................................................................................................. 23 3.2 PITÁGORAS ...................................................................................................... 24 3.3 ESCOLA PITAGÓRICA ................................................................................... 26

    3.3.1 A Descoberta das Grandezas Irracionais .......................................... 30 3.3.2 Números Figurados e Triplas Pitagóricas......................................... 31

    3.3.3 Triplas Pitagóricas e o Teorema de Pitágoras .................................. 37

    4 AS TERNAS PÓS PITÁGORAS .................................................................... 39

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 44

    REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 46

  • 11

    1 INTRODUÇÃO

    Ao longo da minha vida escolar sempre me interessei pela Matemática, o que me

    motivou a pensar em cursar Licenciatura em Matemática. Quando olho para meu passado,

    recordo-me que foi na oitava série do Ensino Fundamental que passei a me interessar pela

    Matemática. De um modo especial, um dos conteúdos que mais me despertou interesse foi o

    Teorema de Pitágoras, porém da maneira que o aprendi no Ensino Fundamental não tive a

    oportunidade de conhecer a história relacionada a este teorema, o que me motivou a estudar

    mais sobre esse assunto, até para futuramente poder utilizar da História da Matemática em

    minhas aulas. Da mesma forma, sempre tive muita curiosidade em saber de onde surgiram as

    fórmulas que usávamos e também de que maneira os matemáticos chegaram a elas.

    Acreditava que durante a minha graduação em Licenciatura em Matemática aprenderia

    isso, porém sinto que algo faltou em minha formação. Quando cursei a disciplina de História

    da Matemática minhas expectativas também não foram contempladas. Desta forma, acredito

    que este trabalho de graduação fez o papel de suprir minhas expectativas, além de ter sido uma

    oportunidade de estudar um pouco mais sobre algum assunto de meu interesse, o que ainda

    poderá ser utilizado futuramente em minha prática docente.

    Desse modo, neste trabalho de graduação trago um pouco sobre a história do matemático

    Pitágoras, trilhando principalmente sua forma de pensamento e o “seu” mais famoso teorema.

    Procurei a ligação entre os ternos pitagóricos e o Teorema de Pitágoras, uma vez que os ternos

    já eram conhecidos muito antes de Pitágoras. Por isso me questionei, como os babilônios tinham

    esse conhecimento, se não temos registros de que naquele tempo existiam usos da noção de

    ângulo em um triângulo?

    Outro ponto importante abordado no trabalho é a primeira demonstração do Teorema

    de Pitágoras que aparece no livro Os Elementos, de Euclides. O matemático Euclides descreve

    a matemática em seus livros de forma mais abstrata que Pitágoras e os pitagóricos, trazendo ao

    pensamento matemático características que o torne um pouco mais difícil de ser entendido

    quando pesquisada por pessoas que não tem um grande conhecimento matemático.

    Diante deste panorama, se antes de Pitágoras encontramos saberes que se relacionam

    com o teorema que recebeu seu nome, como no caso dos babilônios, quais particularidades são

    possíveis encontrar no pensamento pitagórico?

  • 12

    Para o desenvolvimento deste trabalho realizei uma pesquisa bibliográfica de caráter

    qualitativo. O trabalho de investigação, seja teórico ou prático, bibliográfico ou de campo

    oportuniza ao pesquisador estudar algum tema ou problema com maior profundidade, fazendo

    ainda com que desenvolva sua capacidade de relatar informações, coletar dados, apresentar

    conclusões, etc (LAKATOS; MARCONI, 2003).

    Sobre a pesquisa bibliográfica pode-se destacar sua importância através de Gil (1987):

    A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao

    investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela

    que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem se torna particularmente

    importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço.

    Por exemplo, seria impossível a um pesquisador percorrer todo território brasileiro

    em busca de dados sobre população ou renda per capita; todavia, se tem à sua

    disposição uma bibliografia adequada não terá maiores obstáculos para contar com as

    informações requeridas. A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos

    históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados

    senão com base em dados secundários. (GIL, 1987, p. 72)

    Sendo assim, utilizei em minha pesquisa artigos, livros, revistas científicas, teses,

    dissertações, entre outros meios de pesquisa considerados confiáveis, que me permitiram

    refletir sobre o assunto abordado.

    O objetivo geral é organizar uma trilha histórica sobre Pitágoras na tentativa de

    reconhecer especificidades de seu pensamento matemático, passando principalmente pelo

    teorema que recebeu seu nome. Para alcançar este objetivo, faço uso de alguns objetivos

    específicos, são eles:

    Coletar informações sobre Pitágoras, sua concepção de matemática e a Escola

    Pitagórica.

    Identificar particularidades do pensamento de Pitágoras e os pitagóricos

    contrapondo-o a outras concepções como, por exemplo, a platônica.

    Reconhecer outras civilizações que já trabalhavam com ideias que se

    aproximavam do teorema que recebeu o nome de Pitágoras, apresentando

    aproximações e distanciamentos na forma de conceber tais ideias.

    Identificar especificidades no desenvolvimento da linha de pensamento que está

    relaciona com o Teorema de Pitágoras até alcançar seu primeiro registro

    utilizando o formalismo do pensamento matemático encontrado em Os

    Elementos.

    Este trabalho está divido da seguinte forma: no Capítulo 2 apresento uma pesquisa

    bibliográfica sobre os babilônios e sua possível relação com as triplas pitagóricas através da

  • 13

    Plimpton 322. No Capítulo 3 apresentarei a vida de Pitágoras, bem como sua escola, suas

    possíveis descobertas e seus ideais. Já no Capítulo 4, veremos como a matemática passou a ser

    tratada depois de Pitágoras, distinguindo aspectos das concepções de matemática de Pitágoras

    e Platão, que muitas vezes são tratadas com sendo as mesmas, ou uma continuidade uma da

    outra. Neste mesmo capítulo trarei uma discussão sobre a formalização do Teorema de

    Pitágoras no livro Os Elementos, de Euclides, no que tange a diferença do pensamento abstrato

    e o pensamento mais concreto que aparece na concepção pitagórica. Finalmente no Capítulo 5

    organizo minhas considerações finais deste trabalho e arrisco-me a apresentar uma sugestão

    para trabalhos futuros.

  • 14

    2 BABILÔNIOS E SUA RELAÇÃO COM A MATEMÁTICA

    A Babilônia, foi uma região da Mesopotâmia localizada entre os rios Eufrates e Tigre,

    local onde hoje se localiza o Iraque, no Oriente Médio. Os povos que viviam nessa região eram

    os sumérios e acadianos até o segundo milênio a.C. Após esse período, Roque (2012) destaca

    que a região foi dominada por um império e se centralizava da cidade da Babilônia, que era

    residida pelos semitas que foram os responsáveis por criar o Primeiro Império Babilônico, e

    logo após, foi comandada pelos neobabilônios, que foram responsáveis por criar o que na

    História é conhecido como Segundo Império Babilônico, e por esse motivo muitos autores se

    referem a esses povos denominando-os apenas de babilônios. A autora destaca ainda que a

    maioria dos tabletes de argila mencionados na matemática datam do período babilônico antigo.

    Segundo Galvão (2008), as principais referências do povo babilônico são datadas após

    2000 a.C., quando a civilização suméria praticamente desapareceu e surgiu o povo assírio-

    babilônico com uma figura muito marcante do monarca e legislador Hammurabi. Esta autora

    fala ainda que neste período surgiram os literatos, sacerdotes, legisladores, administradores,

    escribas e professores de línguas, literatura e matemática.

    De acordo com Cajori (2007), essa região foi um dos primeiros locais da sociedade

    humana, onde a escrita foi inventada e marcada em placas de argila mole que depois eram

    secadas ao sol ou em fornos para que durassem por mais tempo. Essas placas de argilas foram

    encontradas em sua maioria na antiga cidade de Uruk (localizada a leste do rio Eufrates), e

    duravam muito mais que os papiros criados no Egito, e por isso Boyer (1996) afirma que

    existem atualmente muito mais documentos matemáticos sobre a Mesopotâmia do que sobre o

    Egito. Para Roque (2012), o surgimento da escrita, especialmente na matemática, se deu com a

    necessidade de registrar quantidades tanto de rebanhos quanto de insumos para uma melhor

    organização da sociedade.

    Galvão (2008) fala que a matemática desenvolvida na Mesopotâmia está ligada à

    história da evolução da contagem. A autora destaca ainda os principais avanços da matemática

    neste local:

    Notação matemática posicional, sexagesimal;

    Uso do “zero” (ainda que tardio);

    Grande habilidade no cálculo com frações;

    Cálculo de raízes quadradas;

    Soluções de sistemas lineares;

  • 15

    Trabalho com triplas pitagóricas;

    Resolução de equações cúbicas usando tabelas;

    Estudo de medidas circulares;

    Utilização da Geometria.

    Embora este último autor fale sobre a utilização do zero, Roque (2012) destaca que os

    babilônios utilizavam um símbolo separador e que este símbolo pode ser considerado uma

    espécie de zero devido a sua função no sistema posicional, porém este “zero” não podia ser

    utilizado em algumas situações como sendo o último algarismo, nem como resultado de algum

    cálculo. Sendo assim, este símbolo não era considerado um zero por não servir para representar

    a ausência de quantidade, como em uma conta em que 1 − 1 = 0.

    Segundo Cajori (2007), o cotidiano dos babilônios no comércio fazia com que

    desenvolvessem a matemática através de conteúdos como aritmética, equações lineares de duas

    ou mais variáveis, equações do segundo grau, entre outras. O autor afirma ainda que a princípio

    não existia um símbolo para o número zero, sendo este representado por um espaço entre um

    número e outro, ou seja, o que diferencia o número 18 do número 108 é um espaço entre o

    número 1 e o número 8. Os números no sistema babilônicos podem ser observados na Figura

    1:

    Figura 1 - Sistema de Numeração Babilônica através da escrita Cuneiforme

    Fonte: Miranda, Online.

  • 16

    De acordo com a Figura 1 podemos observar que o símbolo que representa as unidades

    tem a forma vertical enquanto o símbolo que representa as dezenas do sistema sexagesimal tem

    a forma horizontal, ficando assim mais fácil a identificação dos números a serem representados.

    Contador (2012) destaca que entre as nossas heranças do sistema sexagesimal, são as

    medidas de ângulo, onde sabemos que a circunferência possui 360º, e também a hora, que

    possui 60 minutos e que por sua vez possui 60 segundos. Este autor também traz que muitos

    dados utilizados pelos babilônios eram armazenados nas tabelas que foram encontradas na

    antiga cidade de Uruk. Dentre as tabelas encontradas destacamos as que possuíam inversos

    multiplicativos, raiz quadrada, tabelas com potências sucessivas de determinados números,

    tabelas com os quadrados e cubos dos números de 1 a 30, que eram utilizados para resolver

    equações do segundo e terceiro grau, entre outras. Através dessas tabelas também foi

    encontrada uma com o cálculo da diagonal de um quadrado, onde havia uma aproximação para

    o valor de √2, que posteriormente seria desvendado pelos pitagóricos que esse valor

    corresponde a um número irracional. Sendo assim, vemos que os babilônios fizeram diversas

    descobertas importantes para a matemática, embora neste trabalho iremos nos ater um pouco

    mais para a Plimpton 322 que será explicada a seguir e que é de grande importância para

    entendermos alguns conteúdos específicos.

    2.1 PLIMPTON 322

    Eves (2004) nos fala que talvez seja a mais importante das tábuas babilônias que

    apresentam conteúdo matemático, e por esse motivo essa tábua é uma das mais estudadas. O

    nome desta tábua se deve à coleção a que ela pertence, que é a Coleção G. A. Plimpton da

    Universidade de Colúmbia, catalogada sob o número 322. O autor destaca ainda que essa tábua

    foi escrita entre 1900 a.C. e 1600 a.C., e os primeiros autores a estudarem e descreverem seu

    conteúdo foram Neugebauer e Sachs a partir de 1945. A Figura 2 mostra uma imagem da

    Plimpton 322:

  • 17

    Figura 2 - Plimpton 322

    Fonte: Casselman, Online

    Eves (2004) lembra que uma parte dessa tábua está comprometida do lado esquerdo e

    também foi perdida uma lasca profunda no lado direito. Exames comprovaram que existe na

    placa cristais de uma cola moderna no lado esquerdo e com isso o autor sugere que a parte que

    está perdida existe em algum lugar do mundo, o problema seria encontrá-la.

    Uma tripla pitagórica (ou terno pitagórico), é representada por três números inteiros

    onde os dois primeiros representam os catetos de um triângulo retângulo e o último representa

    a hipotenusa.

    Segundo Garbi (2010) essa tábua apresenta uma relação de 15 pares de números onde

    um deles é a hipotenusa e o outro é o cateto de um triângulo retângulo. O autor destaca ainda

    que somente em 300 a.C. Euclides publicou as triplas pitagóricas que são encontradas através

    de fórmulas utilizando dois parâmetros, sendo que é muito difícil encontrar essas triplas através

    de tentativa e erro.

    Para Eves (2004) existem 4 exceções nas colunas que não representam pares de

    hipotenusa e cateto de triângulo retângulos, sendo que três dessas exceções são facilmente

    explicadas:

  • 18

    É difícil explicar a exceção da segunda linha, mas nos outros casos isso pode ser feito

    facilmente. Assim, na nona linha, 481 e 541 aparecem como (8,1)1 e (9,1) no sistema

    sexagesimal. Obviamente a ocorrência do 9 em vez do 8 pode ter sido um mero lapso

    cometido com o estilo ao se escreverem esses números em escrita cuneiforme. O

    número na linha 13 é o quadrado do valor correto e o da última linha é metade do

    valor correto. (EVES, 2004, p.64)

    2.1.1 Outras Interpretações Para a Plimpton 322

    Embora a interpretação mais aceita para a Plimpton 322 seja que os números nela

    representados são triplas pitagóricas e , existem ainda outras versões para o que poderiam

    representar tais números. Nos dias atuais, a interpretação mais aceita para a Plimpton 322, é a

    interpretação de Eleonor Robson, sendo que existem outras versões anteriores a essa.

    2.1.1.1 Interpretação de Neugebauer

    Neugebauer foi um dos primeiros historiadores a estudar a Plimpton 322, sendo que até

    o momento em que ele passou a estudá-la ela não se passava de uma placa comum, como tantas

    outras.

    Otto Eduard Neugebauer era um matemático austríaco, nascido no ano de 1899, e veio

    a falecer no ano de 1990, com 90 anos de idade. Estudou principalmente sobre História da

    Astronomia e Ciências Exatas na Idade Média e Antiga, sendo que seu estudo teve foco nas

    tábuas de argila, onde acabou estudando, além da Plimpton 322, diversas outras tábuas

    babilônicas.

    Marques (2011) nos fala que segundo Neugebauer na quinta coluna encontramos a

    sequência de números naturais de 1 a 15 enquanto na segunda coluna existe a interpretação do

    título comprimento. Já na terceira coluna o título se refere a palavra diagonal enquanto na

    primeira coluna é impossível decifrar o título, uma vez que já foi mencionado que existe um

    pedaço faltando na placa.

    O autor afirma ainda que segundo a interpretação de Neugebauer os babilônios tinham

    a intenção de encontrar triângulos retângulos onde os lados tivessem comprimentos com

    1 O símbolo (8,1) significa 8.60 + 1 = 481 na nossa notação. Da mesma forma, (4,3,5) significaria 4.602 +3.60 + 5 = 14.585

  • 19

    representação finita na base sexagesimal. Outro ponto a ser destacado é que o triângulo

    retângulo da primeira linha teria um dos ângulos igual a 45º, e da segunda linha em diante esse

    ângulo diminuiria um grau a cada linha, sendo que na última linha da tabela estaria representado

    o triângulo retângulo que tivesse um dos ângulos igual a 31º. Essa interpretação de Neugebauer

    induziu outros historiadores a uma série de falsas suposições, e o autor afirma ainda que o que

    nos leva a crer que essa interpretação está errada é que Eleonor Robson, historiadora que iremos

    apresentar mais adiante, garante que na época que a tábua foi criada não existia o conceito de

    ângulo. Também podemos perceber que a única palavra presente na tábua que nos lembra uma

    relação com a geometria é a palavra diagonal.

    Outro ponto que o autor destaca ainda são algumas correções que Neugebauer teria feito

    para que a sua suposição fosse verdadeira:

    Na linha nove, onde aparece [9:1], deveria estar então [8:1], e neste caso Neugebauer

    justifica o erro como um equívoco de transcrição.

    Na linha treze, o valor [7:12,1]2 é o quadrado de [2:41], que seria o valor correto, e

    como tal, uma incongruência simples de justificar, uma vez que nesta tábua também

    aparecem os quadrados dos respectivos números (segundo esta conjectura).

    Na linha quinze [53], deveria ser [1:46], que é precisamente o seu dobro.

    Finalmente na linha dois, onde figura [3:12,1], deveria encontrar-se [1:20,25]. No que

    diz respeito a este último erro surgiram várias sugestões de como teria sido cometido,

    mas nenhuma suficientemente convincente para aqui ser referida. (MARQUES, 2011,

    p. 40-41).

    Marques (2011) fala que mais tarde, Neugebauer passou a admitir que os babilônios

    teriam o conhecimento das triplas pitagóricas na forma (𝑝2 + 𝑞2, 𝑝2 − 𝑞2, 2𝑝𝑞), e também que

    eles escolhiam valores para p e para q de maneira que obtivessem números regulares. A autora

    destaca ainda que os erros destacados por Neugebauer se justificam caso o conteúdo realmente

    seja sobre as triplas pitagóricas, uma vez que os erros são corrigidos em outras colunas da

    tabela.

    2.1.1.2 Interpretação de Jöran Friberg

    Jöran Friberg é um historiador matemático, sueco, nascido em 1934, que é especialista

    em estudar a influência da matemática babilônica para o desenvolvimento da matemática grega.

    2 A notação utilizada por Marques entende que [7: 12,1] = 7 +

    12

    60+

    1

    602≅ 7,2002. De fato é igual ao quadrado

    de [2: 41] = 2 +41

    60≅ 2,6833, donde 2,68332 ≅ 7,2002.

  • 20

    Marques (2011) traz também a interpretação de Jöran Friberg para a Plimpton 322, que

    dizia que a tabela não passava de um auxílio ao professor que a utilizava para construir

    exercícios envolvendo triângulo retângulo e saber antecipadamente a resposta. Sendo assim, a

    autora sugere um exercício que poderia ser proposto pelo professor:

    [...] se um professor pretendesse colocar um problema do tipo: “Uma escada de

    comprimento c encontra-se encostada a uma parede, com uma distância ao nível da

    base b da mesma. Determine até que altura da parede se consegue subir pela escada?”.

    Escolhendo os números b e c na tábua de Plimpton, o professor estaria seguro de que

    a resposta à questão seria possível e “simpática”, isto é, um número com representação

    sexagesimal finita, que segundo a definição de Neugebauer se designa, como já

    mencionamos, por um número regular. (MARQUES, 2011, p. 42-43).

    A autora também lembra que existiram tábuas com números quadrados, cubos, inversos,

    que funcionariam como máquinas de calcular para os babilônios, sendo que essas tábuas

    provavelmente eram utilizadas nas Escolas de Escribas, que ensinavam os alunos a escrever,

    fazer cálculos, entre outras competências essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade.

    É importante destacar também que essas placas de resolução de problemas serviam

    principalmente para sistematizar a resolução de cada tipo de problema, ou seja, não importava

    tanto o resultado do problema, mas sim como se chegou a esse resultado, e isso percebemos

    quando essas placas muitas vezes apresentavam contas em que era descrita a multiplicação por

    uma unidade, ou seja, não precisava mostrar a multiplicação por um já que sabemos que 1 é o

    elemento neutro da multiplicação, porém era importante mostrar esse passo para que em outro

    exercício essa unidade fosse substituída por outro valor. Esse fato ajudou a sustentar a teoria de

    Jöran Friberg por algum tempo.

    2.1.1.3 Interpretação de Eleonor Robson

    Marques (2011) diz que conforme os anos passaram e não surgiram outras propostas

    mais convincentes que a proposta de Neugebauer, a tábua Plimpton 322 passou a ser

    interpretada de acordo com a teoria deste historiador e isso fez com que os autores passassem a

    publicar essa versão em seus livros esquecendo de mencionar que tratava-se de uma hipótese

    ainda não comprovada. Dessa forma, os autores esqueciam-se de trazer a tábua em sua versão

    original e passaram a apresentar a versão “corrigida” de Neugebauer como se esta fosse a

    verdadeira tábua. Porém, em 1997, Eleonor Robson contrapôs Neugebauer quando afirmou que

  • 21

    era improvável que a Plimpton estivesse apresentando ângulos, uma vez que os textos referentes

    a matemática da época mostravam que os babilônios não tinham a noção de ângulo.

    Eleonor Robson, é uma arqueologista, nascida em 1969, especializada em História da

    Ciência, sendo que é autora de diversos trabalhos em História da Matemática e cultura

    mesopotâmica.

    Marques (2011) afirma que Robson chama a atenção para que a Plimpton seja

    interpretada no contexto em que estava inserida, e não no contexto em que nós estamos

    inseridos, onde a matemática já avançou muito. Robson falou ainda que os historiadores que

    analisaram a Plimpton viram o que queriam ver e não o que estava exposto, e assim a

    “domesticação” da placa fez com que ela não fosse mais apresentada com seu conteúdo original,

    mas com as correções realizadas por algum historiador que achou que ficaria melhor dessa

    forma.

    Sobre a interpretação de Eleonor Robson para a tábua Plimpton 322, Marques (2011)

    destaca:

    Tal como Neugebauer, Eleonor refere também conteúdo dos lados e das diagonais dos

    triângulos, no entanto questiona o porquê das colunas possuírem como cabeçalhos as

    palavras quadrado, diagonal e comprimento, quando na realidade as restantes entradas

    da tabela só contêm comprimentos de linhas. Segundo ela, a resposta reside no fato

    de em Acádio a palavra “mithartun” derivar do verbo “mohärun”, que define o “ser

    igual a simultaneamente ser oposto”, o que significa literalmente “coisa que é igual e

    oposta a si própria ao mesmo tempo”. Em Acádio e em outras línguas, a palavra

    “quadrado” também se pode referir ao seu lado, ou seja, à sua raiz quadrada.

    (MARQUES, 2011, p. 47).

    Dessa forma, a autora destaca que “mithartun” deve ser traduzido como “lado do

    quadrado” ou ainda “raiz quadrada”, e na época em que foi escrita a tábua, existia uma lógica

    métrica, ou seja, existiam medidas distintas para dimensões distintas, que era o caso de

    comprimentos e áreas, sendo assim, era impossível um escriba não perceber a diferença entre

    um e outro conteúdo em que estivesse trabalhando.

    Marques (2011) destaca ainda que Eleonor Robson não considerava os erros

    encontrados por Neugebauer da mesma forma, pois ela menciona que três desses supostos erros

    (pois Robson não considerava que fossem erros) foram apenas assim considerados devido a

    interpretação dada pelo historiador.

    Segundo Marques (2011), para Eleonor Robson, a Plimpton não passava de uma tábua

    com noções de geometria de áreas, que juntando com outras tábuas datadas da mesma época

    acabam sendo um auxílio para professores proporem apenas problemas resolúveis aos alunos.

  • 22

    Depois de ter trazido todos estes elementos sobre a matemática babilônica,

    principalmente no que tange às chamadas triplas pitagóricas, passarei para o próximo capítulo

    em que poderei falar mais sobre o trabalho de Pitágoras e seus discípulos, deixando para retomar

    o trabalho dos babilônios nas minhas considerações finais.

  • 23

    3 PITÁGORAS, SUA ESCOLA E SEUS IDEAIS

    3.1 GRECIA

    A Grécia é um país localizado ao sul da Europa, onde a matemática teve um grande

    avanço a partir do sétimo século a.C. Para Marques (2011), o povo grego originou-se da união

    de vários povos que migraram para a península balcânica a partir do início do terceiro milênio

    a.C. A autora destaca ainda os Jogos Olímpicos, que iniciaram a partir de 776 a.C., como uma

    atividade cultural comum na Grécia, sendo de grande importância, uma vez que o povo chegava

    a interromper guerras entre cidades durante os Jogos que aconteciam de quatro em quatro anos.

    Segundo Cajori (2007) nessa época havia troca de ideias além de mercadorias entre a

    Grécia e o Egito, sendo que vários gregos já haviam procurado sacerdotes egípcios em busca

    de instrução. O autor afirma ainda que a cultura grega não é original, uma vez que se baseou

    em linhas de pensamentos egípcios.

    Para Boyer (1996), ainda que a matemática grega estivesse atrasada em relação ao

    desenvolvimento literário, no sexto século a.C. apareceram Tales e Pitágoras como

    personalidades que contribuíram para o desenvolvimento da matemática. O avanço da

    civilização grega é descrito por Eves (2004), da seguinte forma:

    Os últimos séculos do segundo milênio a.C. testemunharam muitas mudanças

    econômicas e políticas. Algumas civilizações desapareceram, o poder do Egito e da

    Babilônia declinou, e outros povos, especialmente os hebreus, os assírios, os feníncios

    e os gregos, passaram ao primeiro plano. A Idade do Ferro que se anunciava trazia

    consigo mudanças abrangentes no que se refere à guerra e a todas as atividades que

    exigiam instrumentos ou ferramentas. Inventou-se o alfabeto e se introduziram as

    moedas. O comércio foi crescentemente incentivado e se fizeram muitas descobertas

    geográficas. O mundo estava pronto para um novo tipo de civilização. O aparecimento

    dessa nova civilização se deu nas cidades comerciais espalhadas ao longo das costas

    da Ásia Menor e, mais tarde, na parte continental da Grécia, na Sicília e no litoral da

    Itália. A visão estática do Oriente antigo sobre as coisas tornou-se insustentável e,

    numa atmosfera de racionalismo crescente, o homem começou a indagar como e por

    quê. (EVES, 2004, p.94).

    Sendo assim, o autor afirma ainda que o homem começou a questionar certas verdades

    matemáticas, como por exemplo “Por que os ângulos da base de um triângulo isósceles são

    iguais?”, ou ainda “Por que o diâmetro de um círculo divide esse círculo ao meio?”. Os estudos

    até então sabiam responder perguntas na forma de “como”, mas isso não bastava, uma vez que

    o homem passou a questionar o “Por quê”.

  • 24

    Marques (2011) destaca que os egípcios e babilônios já utilizavam diversos resultados

    matemáticos na forma de aplicações práticas de seu cotidiano, e essa matemática foi importada

    pelos gregos que não se contentaram apenas em utilizá-los, mas queriam também enunciar e

    fundamentar os resultados que haviam sido utilizados por outras civilizações.Nessa época, a

    matemática grega começou a se destacar, a princípio através do matemático Tales e logo após,

    por Pitágoras e outros tantos filósofos e matemáticos.

    3.2 PITÁGORAS

    Falar de Pitágoras não é uma tarefa fácil, uma vez que a maioria dos autores tem dúvidas

    sobre o que é ou não é real. No entanto, para falar um pouco sobre esse grande matemático

    pretendo construir parte do seu pensamento levando em consideração o que a maioria dos

    autores acredita ser verdade. A Figura 3 mostra uma imagem do matemático Pitágoras que

    comumente pode ser encontrada em enciclopédias e sites da internet.

    Figura 3 - Busto de Pitágoras

    Fonte: Enciclopédia Culturama, Online

    Acredita-se que Pitágoras nasceu por volta de 580 a.C., em Samos, ilha do mar Egeu,

    localizada na Grécia. De acordo com Garbi (2010), quando Tales de Mileto veio a falecer,

  • 25

    Pitágoras tinha por volta de 20 anos de idade, sendo, portanto, possível que Pitágoras tenha sido

    atraído para o campo da Matemática pela fama de Tales. O autor ainda afirma que é possível

    que os dois matemáticos tenham tido contato, embora alguns historiadores acreditem o

    contrário. O que é certo é que as ideias de Tales influenciaram os estudos de Pitágoras,

    primeiramente porque a partir de Tales os historiadores apontam a existência de uma nova

    mentalidade responsável pela coordenação racional dos dados da experiência sensível,

    buscando integrá-los numa visão compreensiva e globalizadora (SOUZA, 1996), algo que está

    muito presente na maneira de Pitágoras compreender o mundo.

    Podemos perceber ainda que Pitágoras dá considerável valor ao estudo dos gnomons –

    que mais adiante irei falar a respeito – e que é algo que foi introduzido na Grécia por

    Anaximandro, quem assumiu a escola de Mileto em meados do século VI a.C. Além disso,

    Pitágoras nasceu na cidade de Samos, que na época era rival comercial da cidade de Mileto

    (Ibidem), o que nos permite ainda pensar que tal rivalidade possa ter gerado certo intercâmbio

    de conhecimento, mesmo informalmente, entre as cidades e, com isso, alcançando Pitágoras.

    Já Marques (2011) afirma que Pitágoras teve uma boa educação quando era jovem,

    sendo que para esta autora Pitágoras teve contato com Tales, de quem recebeu influências no

    campo da matemática e astronomia. Além de Tales, Pitágoras foi considerado aluno de Pericles3

    na infância, além de ter sido orientado por Anaximandro que, como já mencionei, era discípulo

    de Tales, e isso se deve a idade avançada de Tales.

    Boyer (1996) afirma que Pitágoras foi além de matemático, um profeta e místico, e o

    que mais o assemelha a Tales de Mileto é o fato de ter ido ao Egito e à Babilônia para estudar

    matemática, astronomia além de religião, fazendo com que os dois matemáticos tivessem

    diversas semelhanças em seus estudos. O autor afirma ainda que a vida de Pitágoras é um

    mistério devido à perda de vários documentos da época em que ele viveu, pois, várias biografias

    haviam sido escritas, sendo uma delas escrita por Aristóteles.

    De acordo com Gomes (2010), após o período em que estudou principalmente no Egito

    e na Babilônia, Pitágoras retornou à Grécia e fixou-se em Crotona, região sudeste da Itália,

    chamada de Magna Grécia, e obteve o patrocínio de Milo4 para fundar a famosa Escola

    Pitagórica. A autora afirma ainda que tudo indica que Pitágoras veio a se casar com Teano, filha

    de Milo, que além de esposa viera a ser também sua discípula na Escola. Em seu artigo é

    destacado ainda que Pitágoras veio a falecer, talvez assassinado, na cidade de Metaponto, para

    3 Péricles pertencia a uma das mais nobres famílias de Atenas, além de ter sido eleito estratego, cargo que é

    conhecido atualmente como de um general. 4 Milo era considerado o homem mais rico da cidade de Crotona.

  • 26

    onde teria fugido após sua Escola ter sido destruída e, dessa forma, não deixou nenhum registro

    de seu trabalho.

    3.3 ESCOLA PITAGÓRICA

    Por volta de 540 a.C. Pitágoras fundou a Escola Pitagórica, em Crotona, Itália, que

    segundo Eves (2004), era um centro de estudo de filosofia, matemática e ciências naturais, local

    que era considerado por seus integrantes uma irmandade unida por ritos secretos e cerimônias.

    Isso me permite identificar que a matemática para Pitágoras e sua escola estava

    intimamente associada com sua visão de mundo e suas crenças, o que são elementos para

    reconhecer melhor seu pensamento. Para Souza (1996), Pitágoras, ao chegar em Crotona, criou

    o que o autor chama de sistema global de doutrinas, onde tinha a finalidade de descobrir a

    harmonia existente no cosmo, harmonia essa garantida pela presença do divino, e assim traçar

    com ela regras para os indivíduos e governos. O autor sugere que outra novidade introduzida

    pelos pitagóricos foi o processo de liberdade da alma, onde a purificação se daria através do

    trabalho intelectual, descobrindo a estrutura numérica das coisas e tornando a alta semelhante

    ao cosmo, em harmonia, proporção e beleza.

    De acordo com Zaniratto (2009), a “filosofia” da Escola Pitagórica era “Tudo é

    Número”, pois Pitágoras acreditava que qualquer medida podia ser representada através de uma

    razão de números inteiros. Livio (2012) destaca o pensamento pitagórico sobre os números da

    seguinte forma:

    Para os pitagóricos, números eram tanto entidades vivas quanto princípios universais,

    permeando tudo desde os céus até a ética humana. Em outras palavras, números

    tinham dois aspectos distintos, complementares. De um lado, tinham uma existência

    física tangível; do outro, eram prescrições abstratas em que tudo era fundamentado.

    Por exemplo, a mônada (o número 1) era interpretada tanto como a geradora de todos

    os outros números, uma entidade tão real quanto a água, o ar e o fogo que participavam

    na estrutura do mundo físico, como também como uma ideia – a unidade metafísica

    na origem de toda a criação[...] Logo, números não eram simplesmente ferramentas

    para denotar quantidades ou quantias. Melhor dizendo, números tiveram de ser

    descobertos e foram os agentes formativos que estão ativos na natureza. Tudo no

    universo, desde objetos materiais como a Terra até conceitos abstratos como justiça,

    foi número do início ao fim. (LIVIO, 2012, p. 32)

    Através dessa passagem percebemos o quanto os pitagóricos veneravam os números,

    sendo que o autor ainda destaca que achar os números fascinantes não é surpreedente, uma vez

    que vários números comuns do dia a dia têm propriedades interessantes.

  • 27

    Para representar esse pensamento, o autor traz uma série de exemplos, sendo que um

    deles traz a proposta dos pitagóricos para o que eles chamavam de números perfeitos. Os

    números perfeitos são números que possuem a propriedade de serem iguais a soma de todos os

    seus divisores próprios, um exemplo é o número 28, pois 28 = 1 + 2 + 4 + 7 + 14, e os 4

    primeiros números perfeitos são 6, 28, 496 e 8218.

    Ainda sobre o pensamento de Pitágoras a respeito dos números podemos destacar o que

    é dito em Souza (1996):

    Os números não seriam, portanto — como virão a ser mais tarde —, meros símbolos

    a exprimir o valor das grandezas: para os pitagóricos, eles são reais, são a própria

    "alma das coisas", são entidades corpóreas constituídas pelas unidades contíguas.

    Assim, quando os pitagóricos falam que as coisas imitam os números estariam

    entendendo essa imitação (mímesis) num sentido perfeitamente realista: as coisas

    manifestariam externamente a estrutura numérica que lhes é inerente. (SOUZA, 1996,

    p. 22)

    Através desse autor percebemos o quanto os pitagóricos veneravam os números,

    fazendo com que os mesmos fossem responsáveis pela existência não só do homem mas de

    todas as coisas, inclusive do próprio universo. Souza (1996) destaca ainda que Pitágoras

    provavelmente chegou a essa conclusão de que tudo é número através do estudo da música,

    mais especificamente do monocórdio5, onde o som varia conforme o tamanho da corda sonora,

    ou seja, o som está diretamente relacionado à extensão, e desta forma a música relacionada à

    matemática.

    Pitágoras concebe a extensão como descontínua: constituída por unidades invisíveis

    e separadas por um "intervalo". Segundo a cosmologia pitagórica, esse "intervalo"

    seria resultante da respiração do universo, que, vivo, inalaria o ar infinito (pneuma

    ápeiron) em que estaria imerso. Mínimo de extensão e mínimo de corpo, as unidades

    comporiam os números. (SOUZA, 1996, p. 22)

    Eis aí um ponto extremamente importante da filosofia pitagórica que dá base para a

    ideia do “Tudo é número”. Pouco antes de Pitágoras, o culto ao deus Dionísio era comum entre

    as manifestações religiosas da época. Orfeu seria quem teria recebido algumas revelações deste

    deus e confiava o conhecimento de seus mistérios a alguns de seus iniciados na forma de

    poemas musicados (Ibidem, p. 21), então a música passa a estar relacionada com aquilo que é

    “divino”.

    Perceba que quando Pitágoras estabelece uma dependência da música em relação à

    matemática, esta harmonia que há na música, e se manifesta aos nossos ouvidos, está na verdade

    5 Monocórdio é um antigo instrumento musical composto por uma caixa de ressonância e uma corda com a qual

    era estudado o cálculo das relações entre vibrações sonoras.

  • 28

    na matemática, então através da matemática passa-se a poder reconhecer a harmonia que

    constitui o cosmos e, com isso, estabelecer as regras para conduzir a vida privada e o governo

    das cidades. É quando Pitágoras tira a posição de Dionísio como sendo o deus que ajuda a alma

    a se libertar do ciclo de reencarnações infinitas e coloca em seu lugar a matemática.

    É interessante que muitas vezes encontramos textos falando de Pitágoras e o

    monocórdio dando atenção, principalmente, para colocá-lo como precursor do estudo da música

    através da matemática, entretanto a “potência” do monocórdio está na base para a ideia do

    “Tudo é número”, levado adiante pela escola pitagórica.

    Uma vez instituída esta ideia, uma série de outras relações, muitas delas cheias de

    misticismo, foram estabelecidas pelos pitagóricos. O símbolo utilizado pelos pitagóricos para

    ficar na entrada da escola, por exemplo, era um pentágono estrelado, como mostro na Figura 4,

    uma primeira observação que faço em relação a esta figura é o fato de que para os pitagóricos

    o número 5 simbolizava a união, ou o casamento, entre os números 2 e 3 o primeiro número par

    e o primeiro número ímpar, que para os pitagóricos eram vistos, respectivamente, pela

    representação do feminino e do masculino, e simbolizava a criação. (MARQUES, 2011). O

    número 1 não é considerado um número como seus sucessores, pois ele é a representação da

    unidade que constitui o cosmo, veremos a seguir, por exemplo, que é dele que “nascem” todos

    os números figurados.

    Figura 4 - Pentágono Estrelado, insígnia da sociedade pitagórica

    Fonte: Carvalho, 2008. (Online)

    Outra propriedade do pentágono estrelado é a sua auto propagação, ou seja, ao traçarmos

    as diagonais do pentágono regular podemos perceber que no centro se forma outro pentágono

    regular, e ao traçarmos as diagonais deste, mais uma vez obtemos um pentágono regular ao

    centro, e isso se dá infinitamente, sendo sempre um pentágono proporcional ao outro.

  • 29

    E, por fim, os pitagóricos já tinham conhecimento que a medida da diagonal do

    pentágono regular e a medida de seu lado estão em média e extrema razão, ou como nos

    referimos atualmente, a razão áurea estava presente. O que mais chama atenção dos pitagóricos

    é que se trata de um resultado que é característico da “natureza” da própria figura (o pentágono

    regular), não foi algo intencional que se buscava ao construí-la.

    Então podemos observar que não faltavam razões para atribuir ao pentágono estrelado

    atributos especiais, como divino e harmônico, por exemplo, fortalecendo a imagem mística da

    escola.

    Ainda sobre a Escola Pitagórica, Marques (2011) destaca que:

    A Escola era constituída por matemáticos, alunos internos aos quais não era permitido

    possuir bens próprios, partilhando os seguintes princípios:

    A Natureza é matemática até ao seu mais profundo nível;

    A filosofia pode ser usada para purificação espiritual;

    A alma pode partilhar uma união com o divino;

    Alguns símbolos têm significado místico;

    Todos os seguidores da ordem devem manter lealdade e segredo. (MARQUES, 2011, p. 104)

    Quanto ao último item citado pela autora, significava que nenhum aluno da Escola

    poderia falar ou comentar o que acontecia nela. De acordo com Gomes (2010) a escola

    pitagórica era considerada uma sociedade secreta que tinha um código de conduta muito

    rigoroso onde seus membros ao entrarem juravam não revelar suas descobertas, sendo que

    qualquer descoberta era atribuída a Irmandade e não a um membro. Porém, Marques (2011)

    destaca que tudo o que se fazia na Escola Pitagórica era atribuído por respeito ao Mestre

    Pitágoras, por isso existe uma dificuldade de descobrir se os resultados a ele atribuídos eram

    realmente por ele descobertos, ou se eram de outros alunos da Escola.

    Segundo Contador (2011), os pitagóricos foram os responsáveis pela descoberta de

    diversos números como os números perfeitos, números amigáveis, números racionais, triplas

    pitagóricas, números irracionais, etc. Os números amigáveis são aqueles que somando os

    divisores próprios de um dos números você encontra o outro, sendo um exemplo os números

    220 e 284, onde 220 tem como divisores os números 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110 que

    somando é igual a 284. Já o número 284 tem como divisores os números 1, 2, 4, 71 e 142 que

    somando chegam a 220. As triplas pitagóricas e os números irracionais serão destacados nos

    próximos subtítulos.

  • 30

    3.3.1 A Descoberta das Grandezas Irracionais

    Como já mencionei anteriormente, a filosofia pitagórica pregava que “Tudo é número”,

    pois os pitagóricos acreditavam que se entendessem a relação entre os números inteiros,

    entenderiam todos os segredos “espirituais” do Universo. Para eles, a essência de tudo estava

    nos números inteiros e suas razões, ou seja, os números racionais, representados na forma de

    fração 𝑝

    𝑞 na notação moderna, onde p e q são números inteiros, e q é diferente de zero. (GOMES,

    2010).

    Segundo Eves (2004), e saindo um pouco da filosofia pitagórica, os números inteiros

    são abstrações utilizadas para contar coleções finitas de objetos, e que utilizamos em nossa vida

    diária para medir diversas quantidades. Porém, existem algumas quantidades que necessitam

    outros tipos de números além dos números inteiros, para isso utilizamos as frações que

    representam os números racionais, especialmente para medirmos algumas quantidades como

    peso, comprimento e tempo.

    O que os pitagóricos não imaginavam era que existiam números além dos números

    inteiros e racionais, a esses números chamamos de números irracionais, que neste caso fugiam

    do raciocínio dos pitagóricos.

    Para Eves (2004), descobrir os números irracionais foi um dos grandes feitos dos

    pitagóricos, que fizeram essa descoberta ao perceberem que não existia nenhum número

    racional que representava a diagonal de um quadrado cujos lados mediam uma unidade. Souza

    (1996) nos diz que não existia razão comum para o valor da diagonal do quadrado de lado

    unitário, o que possibilitou o surgimento de um valor incomensurável que atualmente

    representamos por √2, que é um número irracional.

    Sendo assim, Zaniratto (2009) nos diz que se provarmos que √2 é um número não

    racional passamos a entender que existe um novo conjunto numérico que era desconhecido até

    o momento. Por mais que os pitagóricos não tivessem uma representação para os irracionais,

    nem um símbolo para trabalhar com ele, eles se depararam com uma medida que não era

    considerada inteira nem racional e, com isso, colocava em cheque a ideia de unidade que os

    pitagóricos tinham, além da ideia de que tudo é número, pois se deparavam com um número

    que era totalmente estranho aos seus conhecimentos.

    Assim, para demonstrar que √2 não era racional, o autor propõe uma redução ao

    absurdo, o que seria mais provável que os pitagóricos tenham feito, pois seria mais fácil, e

    também lógico, dizer o que esta medida não era, ou seja, mostrar que não era racional. Uma

  • 31

    forma de fazer isso é supormos que √2 =𝑝

    𝑞, sendo que p e q são números inteiros, primos entre

    si, ou seja, não tem divisores comuns. Para extrair o número 2 da raiz quadrada, vamos elevar

    ambos os lados ao quadrado, e ficaremos com 𝑝²

    𝑞²= 2, que podemos escrever da seguinte forma

    𝑝2 = 2𝑞², onde podemos afirmar que p é par, pois está representado na forma 𝑝 = 2𝑧, onde z

    é também um número inteiro.

    Substituindo o valor de p na equação que tínhamos, teremos (2𝑧)2 = 2𝑞2 ⇒ 4𝑧2 =

    2𝑞2 ⇒ 𝑞2 = 2𝑧², e pelo mesmo raciocínio anterior, concluímos que q é par, ou seja, um

    absurdo, pois supomos inicialmente que p e q eram primos entre si. Assim, podemos afirmar

    com certeza que √2 não é um número racional.

    De acordo com Eves (2004) e Souza (1996), a descoberta dos números irracionais

    parecia ir contra o pensamento pitagórico, os quais acreditavam que tudo dependia dos números

    inteiros. Os autores afirmam ainda que o “escândalo lógico” foi tão grande que por algum tempo

    essa descoberta ficou em sigilo. A princípio acredita-se que √2 foi por um bom tempo o único

    número irracional conhecido, sendo que mais tarde, provavelmente o pitagórico Teodoro de

    Cirene mostrou também que √3, √5, √6, √7, √8, √10, √11, √12, √13, √14, √15 e √17 são

    números irracionais.

    3.3.2 Números Figurados e Triplas Pitagóricas

    É criação da Escola Pitagórica também os números figurados, onde Roque (2012) nos

    mostra que cada número tem um arranjo diferente, sendo que formam ligações próprias. Essas

    ligações formam figuras como triângulos, quadrados, pentágonos, entre outras formas

    geométricas. A autora afirma que esses números eram figuras formadas por pontos idênticos

    aos pontos de um dado. A Figura 5 representa alguns números triangulares, os quais as coleções

    de bolinhas formam triângulos:

  • 32

    Figura 5 - Números triangulares

    Fonte: Site de Curiosidades. (Online)

    O primeiro número triangular é o número 1, representado por uma bolinha, o segundo o

    número 3, três bolinhas, em seguida o 6, depois o 10, o 15, e assim por diante, sempre, a partir

    do 1, criando a forma de um triângulo, como apresento na Figura 5. Em linguagem moderna

    podemos escrever a lei de formação dos números triangulares através da soma dos termos de

    uma progressão aritmética com primeiro termo igual a 1 e a razão 1, 1+2+3+4+..., que pode ser

    expressa pela fórmula 𝑛(𝑛+1)

    2. Em que n é a ordem do número triangular.

    Utilizando o mesmo raciocínio Pitágoras constrói os números quadrados. A Figura 6

    mostra os quatro primeiros números quadrados, os números 1, 4, 9 e 16. Para encontrar os

    números quadrados, podemos utilizar a fórmula 𝑃(𝑛) = 𝑛², onde n é um número natural.

    Figura 6 - Números Quadrados

    Fonte: Uol. (Online)

  • 33

    Com raciocínio análogo obtém-se os números pentagonais, mais uma vez começando

    do 1, depois vem o 5, 12 e 22, ..., conforme mostra a Figura 7. Esses números podem ser

    encontrados utilizando a fórmula 𝑃(𝑛) =𝑛(3𝑛−1)

    2, com n=1, 2, 3...

    Figura 7 - Números Pentagonais

    Fonte: Uol. (Online)

    Com o mesmo raciocínio utilizado para os números triangulares, quadrados e

    pentagonais, é possível obter números poligonais de todas as ordens, e esse processo se estende

    também para o espaço tridimensional gerando os chamados números poliedrais.

    Um ponto a ser destacado é a presença do número 1 no grupo dos números triangulares,

    quadrados, pentagonais e, de uma forma geral, nos números poligonais e até poliedrais. Como

    mencionei anteriormente, o 1 não se tratava necessariamente de um número como os demais,

    ele era unidade geradora do cosmo, e neste caso particular, dos números figurados.

    Segundo Roque (2012) é possível enxergar nos números figurados a primeira ocorrência

    do estudo de sequências numéricas, porém, para os pitagóricos essa sequência numérica partia

    da observação visual, que é diferente do que praticamos hoje em dia.

    A autora sugere que podemos tirar algumas conclusões como, por exemplo, que todo

    número quadrado é composto por dois números triangulares consecutivos, como mostro na

    Figura 8.

  • 34

    Figura 8 - A soma de dois números triangulares seguidos forma um número quadrado

    Fonte: Falando de Matemática, 2014 (Online)

    A junção do número 3 com o número 1, forma o número quadrado 4, os números 6 e 3

    para formam o número quadrado 9, 10 e 6 formam o 16, e assim por diante.

    Roque (2012) menciona ainda que é possível passar de um número quadrado para o

    quadrado posterior acrescentando uma sequência de números ímpares. Para entender melhor

    esta ideia vamos observar a Figura 9, em que os números ímpares se dão a partir dos contornos

    em forma de “L”, os quais eram chamamos de gnomons pelos pitagóricos.

    Figura 9 - Os gnomons pitagóricos

    Fonte: Brolezzi, 2011 (Online)

  • 35

    De acordo com Roque (2012), é provável que os pitagóricos chegaram às chamadas

    triplas pitagóricas através dos gnomons, pois eram sinônimos de números ímpares formados

    pela diferença de números quadrados sucessivos. Na Figura 10 o gnomon 3 é obtido pela

    diferença dos quadrados 4 – 1 = 3, o gnomon 5 é 5 = 9 – 4, 7 = 16 – 9 e 9 = 25 – 16.

    Figura 10 - Representação de alguns gnomons consecutivos

    FONTE: Roque, 2012.

    Os gnomons, que podem ser vistos como esquadros, forneciam uma técnica para a

    realização de cálculos. Observando a Figura [9], podemos calcular a sequência dos

    quadrados com o deslocamento do esquadro, procedimento equivalente a somar a

    sequência dos números ímpares.

    Por exemplo, para obter o 4 a partir do 1, adicionamos o gnomon de três pontos; para

    obter o 9 a partir do 4, adicionamos o próximo gnomon, que é o próximo número

    ímpar, 5. Seguindo esse procedimento, chega-se a uma figura na qual o gnomon

    também é um número quadrado, constituído por nove pontinhos. Obtém-se, assim, a

    igualdade 16 + 9 = 25, que dá origem à primeira tripla pitagórica: (3, 4, 5). (ROQUE,

    2012, p. 113)

    A autora afirma que esses seriam os procedimentos aritméticos utilizados pelos

    pitagóricos para encontrar as famosas triplas pitagóricas, enquanto a fórmula de Pitágoras era

    utilizada no contexto dos números figurados. Tradicionalmente, poucas triplas são

    mencionadas, sendo que (3, 4, 5) são consideradas fundamentais, pois mais uma vez há uma

    forma de unir um número masculino com um feminino, 3 e 4, para obter o 5.

    Se dermos continuidade ao pensamento apresentado por Roque (2012), o próximo

    gnomon que é um número quadrado é o 25 que, em forma de “L”, pode ser acrescentado ao

    número quadrado 144 (12 por 12), que nos dará como resultado o quadrado 169, ou seja, 144 +

    25 = 169, gerando assim a tripla (5, 12, 13).

    Observando esse método, percebemos que as triplas pitagóricas que mais tarde nos

    levam ao famoso Teorema de Pitágoras foram descobertas através dos números figurados e não

    exatamente através de triângulos retângulos, o que nos faz pensar de outra forma a matemática

    que estamos ensinando aos nossos alunos. Se as triplas pitagóricas e consequentemente o

  • 36

    Teorema de Pitágoras vieram dos números figurados, porque nós, professores, insistimos em

    relacionar este teorema apenas a figura do triângulo retângulo? Penso que este problema tenha

    relação com a sobrecarga de trabalho que o professor tem que cumprir em sala de aula, o que

    implica em pouco tempo ou disposição para refletir sobre sua prática, além de o livro didático,

    que retrata essa forma de proceder a partir do teorema, torna-se uma das únicas ferramentas

    para auxiliar o professor em sala de aula.

    Isto é algo que pode ser pensado no ensino de matemática, pois quando ensinamos este

    famoso teorema aos nossos alunos, nos preocupamos apenas em utilizar fórmulas prontas e

    aplicá-las no triângulo retângulo quando poderíamos utilizar o contexto histórico envolvido,

    mostrando aos alunos os números figurados, que dificilmente algum professor de ensino

    fundamental apresenta esse conceito, e a partir desses números mostrar ao aluno que o famoso

    teorema atribuído a Pitágoras não necessariamente está relacionado apenas com triângulos, mas

    com os números quadrados.

    De acordo com Proclus (apud ROQUE, 2012) existiam dois métodos para se encontrar

    as triplas pitagóricas, um método de Pitágoras e outro de Platão. O método de Pitágoras inicia

    com os números ímpares, onde esse número deve ser o menor lado de um triângulo retângulo,

    e quando elevado ao quadrado, subtraímos uma unidade e dividimos por 2, e assim se obtém o

    outro lado. Para se obter a hipotenusa, adicionamos uma unidade ao segundo lado.

    Exemplificando, pegamos o número 3 como número ímpar representando o primeiro lado do

    nosso triângulo, assim elevamos ao quadrado e obtemos o número 9. Em seguida, subtraímos

    uma unidade de 9, obtendo assim o número 8 que será dividido por 2. Dessa forma encontramos

    o outro lado do triângulo retângulo que será 4, e para obtermos a hipotenusa basta adicionarmos

    1 ao segundo lado, desse modo teremos 4+1=5. Logo, os catetos desse triângulo serão 3 e 4 e a

    hipotenusa será 5. Atualmente, Roque (2012) mostra que o método de Pitágoras pode ser

    traduzido da seguinte maneira: escolhemos um número inicial “a”, sendo que esse número deve

    ser ímpar, assim encontramos o outro cateto e a hipotenusa do nosso triângulo calculando 𝑎²−1

    2

    e 𝑎2+1

    2. Vamos utilizar o número a=35, para mostrar que o exemplo é válido. Utilizando as

    fórmulas, teremos 35²−1

    2=

    1225−1

    2= 612, e o outro valor será

    352+1

    2=

    1225+1

    2= 613, sendo

    assim, formamos a tripla (35,612,613).

    Se quisermos iniciar utilizando um número par, temos que usar o método que é atribuído

    à Platão, assim escolhemos um número par para ser o primeiro cateto do nosso triângulo, e

    dividimos esse número por 2, elevamos ao quadrado. Do número encontrado subtraímos uma

  • 37

    unidade para encontrar o outro cateto do triângulo e somamos uma unidade para obter a

    hipotenusa. Para exemplificar esse método, escolhemos o número 6 como número par inicial,

    e aplicando o método platônico, dividimos 6 por 2, obtendo 3, e elevamos ao quadrado, onde 3

    elevado ao quadrado é igual a 9, diminuímos uma unidade para encontrar o outro cateto, logo,

    9-1=8, e somamos uma unidade para encontrar a hipotenusa, 9+1=10, e formando assim a tripla

    (6,8,10). Trazendo também esse método para a atualidade, escolhemos um número “a”, sendo

    esse número par e o primeiro cateto do nosso triângulo, o outro cateto encontraremos calculando

    (𝑎

    2)

    2

    − 1, já a hipotenusa encontraremos calculando (𝑎

    2)

    2

    + 1. Para mostrar que a fórmula é

    válida, escolheremos como número inicial a=54, e utilizaremos (54

    2)

    2

    − 1 = 729 − 1 = 728,

    e a hipotenusa será dada por (54

    2)

    2

    + 1 = 729 + 1 = 730, sendo assim formaremos a tripla

    (54, 728, 730).

    3.3.3 Triplas Pitagóricas e o Teorema de Pitágoras

    Ao se lembrar de Pitágoras é quase impossível dissociá-lo do famoso teorema que leva

    o seu nome. O Teorema de Pitágoras que pode ser descrito como: “A soma dos quadrados dos

    catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa”, pode não

    necessariamente ter sido provado por Pitágoras, mas por qualquer outro pitagórico, uma vez

    que já mencionamos que tudo que se descobria na Escola Pitagórica era atribuído como

    descoberta de todos os pitagóricos ou apenas de Pitágoras, o mestre que conduzia a escola.

    De acordo com Roque (2012) há indícios que o teorema, na forma de triplas pitagóricas,

    já era conhecido por diversos povos mais antigos que os gregos e que talvez fosse até um saber

    comum na época de Pitágoras. O que parece ser original dos pitagóricos é encontrar a relação

    com os gnomons ímpares.

    Para Burkert (apud Roque (2012), o teorema de Pitágoras era um resultado mais

    aritmético que geométrico, e quando tratamos de aritmética falamos de padrões numéricos que

    estão relacionados aos números figurados. O autor ainda afirma que provavelmente não houve

    um teorema geométrico demonstrado por Pitágoras e seus discípulos, mas sim um estudo das

    conhecidas triplas pitagóricas. As triplas pitagóricas, ou seja, um conjunto de números (a, b, c)

    que obedecem a regra a²=b²+c², ou satisfazem o teorema de Pitágoras.

  • 38

    Embora alguns autores acreditem que o Teorema de Pitágoras seja um resultado

    aritmético encontrado pelos pitagóricos, através das triplas pitagóricas, este teorema está

    intimamente relacionado com a geometria nas escolas de ensino fundamental, e especialmente

    com a figura do triângulo retângulo.

    Para Roque (2012), o que ocorre nas escolas hoje é que é comum os professores

    mostrarem as definições para só depois apresentarem os teoremas e demonstrações que utilizam

    tais definições, e muitas vezes por último são apresentadas as aplicações, (isso quando os

    professores apresentam aplicações), sendo que muitas vezes seria mais fácil o aluno entender a

    aplicação ou problema, e depois aprender como resolver esse problema.

    A autora afirma ainda que essa forma de apresentar o conteúdo muitas vezes traz

    dificuldade para o aluno, pois ele se questiona o porquê de um triângulo retângulo merecer tanta

    atenção, por que o aluno deve medir os lados de um triângulo ou ainda para quê saber a relação

    entre os lados desses triângulos, e que as respostas a essas perguntas ainda não ficam claras

    para os mesmos, uma vez que nós, como professores, utilizamos apenas as fórmulas prontas e

    muitas vezes não nos preocupamos em analisar os resultados relacionados a essas fórmulas.

    Isso se deve também ao fato de que a matemática que estudamos através dos livros ainda

    é muito abstrata, apesar de estar sendo reorganizada constantemente, assim Roque (2012) nos

    fala que existem muitos pedidos para que ela se torne mais concreta, mais ligada ao cotidiano

    de todos, porém isso ainda é um desafio, uma vez que ela é vista como um saber abstrato.

    Deixarei mais algumas considerações sobre o ensino deste tema para o final deste

    trabalho, passarei agora para o próximo capítulo em que apresento alguns elementos referentes

    à matemática grega após Pitágoras, trazendo algumas distinções de seu pensamento em

    comparação aos platônicos.

  • 39

    4 AS TERNAS PÓS PITÁGORAS

    Entre os anos 600 a.C. e 300 a.C. consideramos que houve um grande avanço na

    matemática através dos gregos. Além da escola pitagórica, teve também a escola jônica de Tales

    de Mileto e vários outros centros de estudo em matemática que contribuíram para o avanço da

    matemática.

    Outra figura importante para o desenvolvimento da matemática grega foi Platão. Platão

    nasceu por volta de 428 a.C. em Atenas e veio a falecer por volta de 348 a.C, a Figura 11 nos

    mostra uma representação do busto de Platão.

    Figura 11 - Busto de Platão

    Fonte: Doughert, 2004. (Online)

    Platão foi o filósofo que fundou a Academia de Atenas, considerada a primeira

    instituição de ensino superior do mundo ocidental, onde é provável que tenha surgido a ideia

    de demonstrações matemáticas indiretas, o que conhecemos hoje por Método de Redução ao

    Absurdo ou Prova por Contradição. Garbi (2010) diz que esta é uma das ideias mais criativas

    de demonstração matemática e que nos mostra o pensamento grego “que já se dispunha a voar

    há mais de 24 séculos”. Este método é útil em casos onde nos falta recursos para demonstrar

  • 40

    algo diretamente. De acordo com Garbi (2010), este foi o método utilizado por Hipasus,

    discípulo de Pitágoras, em cerca de 470 a.C. para se demonstrar a existência dos números

    irracionais. Existem ainda muitas lendas a respeito dessa descoberta que teria sido feita por

    Hipasus, pois se afirma que Pitágoras poderia estar vivo quando essa demonstração foi feita, e

    que ele poderia até ser o autor dessa demonstração, e o fato de ser atribuída a Hipasus se dá

    devido a ter sido ele o primeiro a divulgá-la. Outras lendas também falam sobre o que teria

    acontecido a Hipasus devido a divulgação dessa demonstração, algumas delas dizem que ele

    teria sido lançado ao mar pelos pitagóricos, causando o afogamento dele, e outras lendas dizem

    ainda que ele veio a falecer em um naufrágio, sendo castigado pelos deuses.

    Segundo Garbi (2010), Platão embora não fosse matemático, soube reconhecer o valor

    da matemática por ser indispensável à compreensão do mundo e também por incentivar seus

    estudiosos a conduzir o raciocínio de maneira lógica, e devido a isso, sua passagem na história

    representou um grande impulso para a matemática. Para Cajori (2007), Platão tinha uma

    filosofia natural que era parcialmente baseada na dos pitagóricos, pois ele também buscou na

    aritmética e na geometria a chave do universo.

    Vejo que a diferença em Pitágoras e Platão se dá quando o primeiro pensa nos números

    como algo concreto, algo que está ao nosso alcance, uma vez que os pitagóricos acreditavam

    que tudo é número, como me referi muitas vezes no capítulo anterior. Já Platão via os números

    como algo perfeito, algo que estava apenas no mundo das ideias, ou seja, não era concreto.

    Parece-me que Platão foi quem fez uma transição do concreto presente na matemática de

    Pitágoras para toda a formalização abstrata presente na matemática de Euclides.

    Euclides (Figura 12) foi um matemático platônico, possivelmente grego, conhecido

    como “Pai da Geometria”. Ficou famoso com a escrita de diversos livros sendo o livro Os

    Elementos o mais famoso deles, onde Euclides traz a demonstração para diversos problemas de

    geometria, sendo um desses problemas o famoso Teorema de Pitágoras. Até o livro de Euclides

    não se sabe se existiu uma prova geométrica para o teorema de Pitágoras nos moldes mais

    rigorosos como desta obra, mas o fato é que Euclides o provou em seu livro6.

    6 Vale mencionar aqui que estou me referindo à Euclides como autor de Os Elementos, mas o vejo muito mais

    como alguém que compilou os vários saberes que já circulavam sobre geometria no mundo grego – trazendo,

    com certeza, algumas contribuições relevantes –, do que o “gênio” que escreveu tudo sozinho.

  • 41

    Figura 12 - Euclides de Alexandria - O Pai da Geometria

    Fonte: Santana. (Online)

    Roque (2012) destaca ainda que boa parte do conhecimento matemático desenvolvido

    na Grécia podemos encontrar no livro Os Elementos de Euclides, sendo que alguns autores

    dizem que Os Elementos trazem apenas uma compilação de conhecimentos matemáticos. Sobre

    o livro de Euclides, Roque (2012) traz ainda que:

    Os Elementos de Euclides são um conjunto de treze livros publicados por volta do ano

    300 a.E.C.7, mas não temos registros da obra original, somente versões e traduções

    tardias. Um dos fragmentos mais antigos de uma dessas versões, encontrado entre

    diversos papiros gregos em Oxy rhy nque, cidade às margens do Nilo, data,

    provavelmente, dos anos 100 da Era Comum. Nos Elementos são expostos resultados

    de tipos diversos, organizados de modo particular. (p. 151-152)

    Assim, vemos que Euclides pode ter trazido em sua “coleção de livros” uma compilação

    de demonstrações formais e abstratas para aquilo que os matemáticos da época já conheciam.

    A demonstração do Teorema de Pitágoras está presente no livro I, como sendo a

    Proposição 47, sendo esta a primeira demonstração formal, encontrada em algum documento

    histórico, para este teorema.

    7Tatiana Roque utiliza a expressão “antes da Era Comum” (a.E.C.) no lugar de “antes de Cristo” (a.C.), com o

    objetivo de neutralizar conotações religiosas.

  • 42

    Figura 13 - Triângulo Retângulo para demonstração do Teorema de Pitágoras

    Fonte: Kilhian, 2011 (Online)

    Euclides enunciou o Teorema de Pitágoras como sendo: “Em todo o triângulo retângulo

    o quadrado feito sobre o lado oposto ao ângulo reto, é igual aos quadrados formados sobre os

    outros lados, que fazem o mesmo ângulo reto” (Figura 13).

    Para demonstrar geometricamente o teorema de Pitágoras Euclides utilizou o triângulo

    retângulo ABC da Figura 13, cujo ângulo reto é em BAC. Sendo assim, formaremos um

    quadrado com vértices BDEC cujo lado tem o tamanho de BC, outro quadrado de vértices

    BFGA com lado igual a BA e por último o quadrado AHKC onde o lado mede AC. Desse

    modo, o que queremos provar é que a área do quadrado formado pelo lado BC é igual á soma

    das áreas dos quadrados formados por BA e AC.

    Para isso vamos traçar um segmento de reta paralelo a BD e CE com ponto de partida

    em A e ponto final em L. Ligaremos também, através de segmentos de retas, os pontos A e D,

    além de F e C. Como os ângulos BAC e BAG são retos, podemos afirmar que CA e AG são a

    continuação uma da outra, e da mesma forma podemos afirmar que BA e AH são a continuação

    uma da outra. Temos ainda que DBC e FBA são retos, portanto, congruentes. Juntando o ângulo

    ABC ao ângulo DBC ou FBA teremos que FBC será congruente a ABD. Olhando para os

    triângulos ABD e FBC, além de possuírem os ângulos congruentes que acabamos de identificar,

  • 43

    eles também têm os lados AB congruente a FB, e BD congruente a BC, logo, pelo critério

    ângulo, lado e ângulo (ALA), eles são congruentes.

    Mas temos também o paralelogramo BMLD com o dobro da área do triângulo ABD,

    pois está sobre a mesma base BD e entre as mesmas paralelas que são BD e AL; e também o

    quadrado GABF tem o dobro da área do triângulo FBC, pois tem a base em comum FB e estão

    entre as mesmas paralelas FB e GC. Logo, a área do paralelogramo BMLD é igual à área do

    quadrado GABF.

    Da mesma forma, se pegarmos os segmentos AE e BK, podemos mostrar que a área do

    paralelogramo CMLE é igual à área do quadrado HKCA. Dessa forma, a área do quadrado

    BDEC, que está sobre o lado BC e é oposto ao ângulo reto BAC, deve ser igual à soma das

    áreas dos dois quadrados GABF e HKCA que se formam sobre os lados BA e AC e que fazem

    o mesmo ângulo reto BAC.

    Segundo Bicudo (1998), não encontramos nos documentos antigos dos egípcios nem

    dos babilônios traços que se pareçam com demonstrações matemáticas formais, apenas

    problemas interessantes com suas devidas soluções. Sendo assim, quando Euclides escreveu Os

    Elementos foi como apagar os rastros que o precederam, pois ele demonstrou e formalizou

    axiomas e teoremas de forma que ninguém havia formalizado até então.

    Sendo assim, percebemos que o trabalho de Euclides foi importante para materializar os

    registros do que se conhecia sobre o pensamento matemático grego assumindo o caráter formal

    expresso através de seus livros.

  • 44

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Ao iniciar este trabalho falando sobre os babilônios, percebi que talvez Pitágoras não

    fosse o “único dono” do teorema que leva seu nome, uma vez que existem fortes indícios de

    eles já conhecerem as triplas pitagóricas, o que nos faz pensar como chegaram nelas e porque

    chegaram nelas.

    Sobre Pitágoras, vejo que existem muitas suposições, pois nada havia que comprovasse

    suas descobertas. A ideia de que tudo é número, nos mostra o quanto os pitagóricos veneravam

    os números. Para eles, os números eram agentes formativos da natureza e não objetos ou

    símbolos que representavam apenas quantidades

    A pergunta que coloquei na introdução deste trabalho foi: quais especificidades são

    possíveis encontrar no pensamento pitagórico? Penso ter conseguido elementos para

    respondê-la neste trabalho quando falei tanto sobre os pitagóricos quanto os babilônios terem

    conhecido as triplas pitagóricas. Esta é a primeira aproximação que trago dos babilônios com

    os pitagóricos. Pela interpretação que temos atualmente das tábuas babilônicas, especialmente

    a Plimpton 322, vemos que os babilônios já tinham conhecimento das triplas pitagóricas,

    embora pareciam ser mais utilizadas como consulta de resultados do que como “fenômeno”

    particular que as triplas poderiam apresentar.

    Por outro lado, os pitagóricos trabalhavam com as triplas a partir do que pareceu ser

    uma observação sobre uma formação muito específica dos números figurados, os gnomons.

    Como mostrado no Capítulo 3 deste trabalho, foi analisando o crescimento da construção dos

    números quadrados através dos gnomons, que os pitagóricos olharam para os gnomons ímpares

    que eram números quadrados para obter uma lei de formação para os ternos. Eis então, um

    distanciamento entre o que sabemos sobre as triplas pitagóricas “dos” babilônicos e as triplas

    pitagóricas “dos” pitagóricos.

    Quando observamos o teorema de Pitágoras, identificamos que o mesmo não parece ter

    sido demonstrado por Pitágoras, e nem mesmo pelos pitagóricos, entretanto a observação dos

    gnomons para obter as triplas mostra uma grande originalidade e sabedoria da Escola Pitagórica.

    Sendo assim, a demonstração que aparece em Os Elementos parece ser bem diferente daquilo

    que se originou dos gnomons.

    Contrapondo os Capítulos 3 e 4 deste trabalho, pude perceber que tanto Pitágoras como

    Platão tinham estimado valor pela matemática, entretanto, seus pensamentos não são uma

    continuação um do outro. Como mencionei, Pitágoras entendia que os números eram a ordem

  • 45

    do universo, que “tudo é número”, mas ao mesmo tempo, os números formavam a natureza e,

    desta forma, eram entes materiais.

    Já Platão entende que há um mundo mais perfeito que este material em que estamos,

    inalcançável para nós, e os números (e seu estudo), por mais importantes que fossem, eram uma

    representação dos entes ideais neste mundo, ou seja, os números que trabalhamos em

    matemática não são os números em si, como para os pitagóricos.

    Além disso, com o trabalho de Bicudo (1998) é possível perceber que Platão era mestre

    de muitos matemáticos famosos como Teeteto e Eudoxo, entretanto ele muito mais apreciou do

    que produziu resultados.

    Portanto penso ter conseguido atingir o objetivo geral desta pesquisa que era o de

    organizar uma trilha histórica sobre Pitágoras na tentativa de reconhecer

    particularidades de seu pensamento matemático, passando principalmente pelo teorema

    que recebeu seu nome.

    Ao final deste trabalho, identifico que como os gnomons pitagóricos são saberes

    matemáticos, além de serem originais e engenhosos, que tem relação com o teorema de

    Pitágoras, por isso, talvez pudéssemos pensar em como utilizá-los em sala de aula. Assim, fica

    uma sugestão para realização de pesquisas que possam discutir como este saber pode trazer, se

    é que traz, potencialidades para ensinar o teorema de Pitágoras.

  • 46

    REFERÊNCIAS

    BICUDO. I. Platão e a Matemática. Letras Clássicas, São Paulo, n. 2, p. 301-315, 1998.

    BOYER. C. B. História da Matemática. Tradução: Elza F. Gomide. 2 ed. São Paulo: Editora

    Edgard Blucher, 1996.

    BROLEZZI. A. C. Fundamentos Teóricos e Metodológicos Sobre Ensino-Aprendizagem

    de Números e Medidas. (Online). 2011. Disponível em:

    Acesso em: 10 out. 2016

    CAJORI, F. Uma História da Matemática. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda.,

    2007.

    CARVALHO. J. J. de. Razão Áurea. (Online). 2008. Disponível em:

    Acesso em: 18

    out. 2016.

    CASSELMAN. B. The Babylonian Tablet Plimpton 322. (Online). Disponível em:

    . Acesso em: 05 nov.

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