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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE / FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANTÔNIO CELSO MAFRA JÚNIOR O livro didático como dispositivo: uma análise da obra Contos Infantis FLORIANÓPOLIS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE / FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANTÔNIO CELSO MAFRA JÚNIOR

O livro didático como dispositivo: uma análise da obra Contos Infantis

FLORIANÓPOLIS 2012

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ANTÔNIO CELSO MAFRA JÚNIOR

O livro didático como dispositivo: uma análise da obra Contos Infantis

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação Linha de Pesquisa: Educação, Comunicação e Tecnologia Orientadora: Profª Drª Ademilde Silveira Sartori

Florianópolis 2012

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AGRADECIMENTOS

É impossível manifestar a devida gratidão a todas as pessoas que me ajudaram na

elaboração desta pesquisa, pois a lista seria por demais extensa. Contudo, não poderia deixar

de agradecer:

A Profª Ademilde, pela atenção criteriosa quando na orientação desta dissertação;

Aos Professores do Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação da

UDESC, pelas discussões enriquecedoras durante o curso das disciplinas, bem como à

Gabriela, Noeli e Fernando, pelo auxílio no decorrer deste período;

A Profª Maria Teresa, a Profª Lucilene Lisboa e ao Profº Berthold Zilly, pelas valiosas

contribuições quando na qualificação;

Aos funcionários do Centro de Referência em Educação Mário Covas, em especial ao

Profº Diógenes Nicolau Lawand, pela atenção e auxílio quando à digitalização do exemplar de

Contos Infantis que utilizei como fonte e aos “anônimos” arquivistas e bibliotecários da

Universidade de Toronto, por tornar disponível na Internet o exemplar de La comédie

enfantine que também utilizei como fonte a esta pesquisa;

A Profª Diana Vidal, com quem pude entrar em contato quando na viagem que fiz à

São Paulo em março do ano passado e que gentilmente aceitou o convite para uma conversa,

sanando algumas das minhas dúvidas de cunho teórico;

A CAPES e ao CNPQ, pelo financiamento desta pesquisa;

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RESUMO MAFRA JÚNIOR, Antônio Celso. O livro didático como dispositivo: uma análise da obra Contos Infantis. 2012. 87 f. Dissertação (Mestrado em Educação – Área: Educação, Comunicação e Tecnologia) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2012. Com a instituição da República, no Brasil do final do século XIX, inúmeras tentativas foram empreendidas com o intuito de melhorar a Educação no país. Com a abolição da escravocracia e a adoção, pelas elites, de um modelo ancorado nos moldes burgueses, as “modernas metodologias” européias para o ensino ganharam uma nova roupagem nos trópicos. Nesse contexto, surge a publicação de Contos Infantis, de Júlia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira, em 1886. Voltada ao publico infantil, esta obra passa a pertencer os currículos escolares a partir de abril de 1891. No entanto, uma parte desta obra didática foi traduzida e adaptada a partir de uma publicação literária francesa de meados de 1860, destinada indiretamente ao publico infantil. O intuito desta investigação é perceber no dispositivo de Contos Infantis, outras possibilidades para a interpretação desta obra dentro do campo educativo brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Dispositivo. História dos Livros Escolares.

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ZUSAMMENFASSUNG

MAFRA JÚNIOR, Antônio Celso. Das Lehrbuch als Gerät: eine Analyse des Contos Infantis. 2012. 87 f. Dissertation (Mestrado em Educação – Área: Educação, Comunicação e Tecnologia) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2012. Mit der Gründung der brasilianischen Republik, in den späten neunzehnten Jahrhundert, wurden zahlreiche Versuche unternommen, um das Bildungswesen im Land zu verbessern. Nach der Abschaffung der Sklaverei und mit der Einverleibung der Eliten von einem Modell in der bürgerlichen Art und Weise begründet, gewann die europäischen "modernen Methoden" für den Unterricht ein neues Gewand in den Tropen. In diesem Kontext erscheint die Veröffentlichung von Contos Infantis, von Júlia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira, im Jahr 1886. Den Kindern gewidmet, dieses Werk wurde in den Lehrplänen ab April 1891 aufgenommen. Allerdings wurde ein Teil dieser didaktischen Schrift von einer französischen Fassung übersetzt und übertragen, um das Jahr 1860, und an die Kinder gerichtet. Das Ziel dieser Forschung ist es, in der Vorrichtung in Contos Infantis, andere Möglichkeiten für die Interpretation dieses Werkes auf dem Gebiet der Bildung in Brasilien zu verstehen.

Suchbegriffe: Bildung; Gerät; Geschichte von Schulbüchern.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................. 9

À escola de leitores, livros ...................................................................................................... 13 À procura da tradição literária ............................................................................................ 14 A emergência dos universais ................................................................................................ 21 A tradução de uma tradição ................................................................................................. 29

Capítulo 2 – Da Retórica ao dispositivo ................................................................................ 35 A retórica de Quintiliano ...................................................................................................... 38 A origem do dispositivo ........................................................................................................ 42 Na linguagem escolar ........................................................................................................... 48

Capítulo 3 – Os dispositivos em Contos Infantis .................................................................. 52 De La comedie enfantine a Contos Infantis .......................................................................... 53 O dispositivo pedagógico ...................................................................................................... 59

Conclusão ................................................................................................................................ 70

Anexos ...................................................................................................................................... 72 a)Prefácios ............................................................................................................................ 72

Á edição de La comédie enfantine .................................................................................... 72 À edição de Contos Infantis .............................................................................................. 76

b) Contos ............................................................................................................................... 78 As duas fadas ..................................................................................................................... 78 O Ninho da Patativa .......................................................................................................... 80

Referências .............................................................................................................................. 82

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L’historien d’une époque où la machine est reine,

acceptera-t-on qu’il ignore comment sont constituées et se sont modifiées les machines ?

Marc Bloch

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Introdução

Ao longo da elaboração desta pesquisa, fui relendo A Apologia da História ou o Ofício

do Historiador de Marc Bloch. Tinha muitas dúvidas sobre esta elaboração, e procurei pensar

sobre o ofício da produção intelectual, para além do conhecimento historiográfico. Dentro do

estudo da História, esta obra é um marco, porém ao longo desta releitura percebi que a

amplitude da mensagem, assombrosamente atual, não se restringe somente aos historiadores.

Fascinante, para dizer o mínimo, pois foi graças a uma pergunta de seu filho é que estes

pensamentos na forma de ensaio, ainda que inacabado, nos chegam.

Contudo, o historiador que lutou nas duas grandes guerras e observou in loco a

configuração da guerra moderna, nos deixa um legado na constituição da História como uma

ciência, com sua metodologia, objetivos e abrangência. No entanto, não deixa de advertir seus

sucessores da “sedução” pelas abordagens que convergem ao estudo da História, reforçando o

compromisso do historiador à sociedade e, sobretudo ao tempo ao qual está inserido. Para

além de Michelet, que pensava na história uma ciência dos homens, Bloch apresentava a

história como uma ciência de homens no tempo. Postulava o mestre que a abrangência do

conhecimento histórico deveria ser tão dinâmica quanto o caminho intelectual que levou

efetivamente à produção deste mesmo conhecimento, uma vez que “o historiador deve saber

falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes”. Esta afirmação me é bastante cara, pois

numa época onde a erudição se reduz à eloquência de sucessivas referenciações, a

objetividade é uma arte.

Considero esta obra como a herança mais viva que Marc Bloch nos deixa como

legado, pois é a mais apaixonada defesa da construção de uma História mais humana, e não

menos próxima de seus interlocutores. Como historiador preocupado com os processos

educativos, é impossível não esquecer o pensamento atemporal do mestre de Estrasburgo.

Com o mesmo respeito que Bloch menciona aqueles que o antecederam, como Charles

Seignobos, Fustel de Coulanges e outros tantos, o faço reverenciando o pensamento daqueles

que me antecederam, pois do contrário jamais chegaria a redigir estas linhas que se seguem.

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Que relação a escola tem hoje com os livros? Porque ainda hoje através dos livros,

estudar os livros? Que contribuições os livros podem trazer a um pensamento que faz dos

meios tecnológicos, quando voltados à Educação, por exemplo, um fim em si mesmo? Essas

perguntas me perseguiram durante um bom tempo, no entanto ao investigar sobre uma

publicação didática em uso nas escolas brasileiras durante quase meio século, pude refletir

sobre a composição de algumas práticas pedagógicas através deles, que nesta investigação

proponho. Há quem diga que o livro como objeto, físico, está com os dias contados pois hoje

em dia contamos com ferramentas informatizadas para leitura extremamente leves e portáteis,

com grande capacidade de armazenamento e com um preço acessível. A estes, recomendo

cautela. Todavia, não sou contrário ao uso de tecnologias informatizadas em sala de aula, que

inclusive foi tema de minha monografia, porém questiono determinadas utilizações feitas a

partir delas.

Ao tomar como objeto de pesquisa uma obra como Contos Infantis, não procuro

somente questionar o estatuto do livro na escola moderna, mas antes investigar a relação entre

a linguagem e a formação do senso crítico. Da mesma maneira, não pretendo com isto um

método rigorosamente estabelecido ou mais uma metodologia miraculosa que pode salvar o

ensino público brasileiro, por exemplo. O que me incomoda neste processo de incorporação

de novas tecnologias pela escola é justamente o aborto de certas experiências de leitura e

aprendizado que, por enquanto, só um livro físico pode trazer. Parece-me que, por vezes, a

ênfase no uso de determinada ferramenta tecnológica informatizada é dada mais por sua

instrumentalização do que pela compreensão do conteúdo que transmite. Lembro que o livro

também é uma tecnologia em uso da escola, assim como o quadro negro e o retroprojetor,

porém os dois últimos foram assimilados em sua totalidade, utilizados de forma plena de

acordo com suas funções.

Por este motivo, a menção que fiz a Marc Bloch não é inocente. O apelo à construção

da História como ciência parece cair no abismo do uso rebuscado da linguagem, que por si só

sequer informa, mas apenas insinua.

Meu acesso à publicação de Contos Infantis se deu através do Centro de Referência

em Educação Mario Covas (C R E). Mediante autorização dos diretores do acervo, pude

dispor das digitalizações da obra. A que utilizo nesta investigação que pesquisei corresponde

a um exemplar da 17ª edição, datada de 1927. Já a edição de Louis Ratisbonne, encontrei-a

inteiramente disponibilizada através do acervo online da Biblioteca Robarts, da Universidade

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de Toronto. Trata-se de um exemplar da 20ª edição, provavelmente editada na década de

1880.

Quanto a estruturação da dissertação, apresento três eixos norteadores a partir de três

capítulos. O primeiro trata da formação do mercado editorial no Brasil e a relação deste para

com a escola ao longo do século XIX; o segundo, sobre a constituição da retórica e o conceito

de dispositivo e o terceiro, sobre os dispositivos em poemas traduzidos em Contos Infantis.

No primeiro, procuro descrever a maneira e a natureza dos livros que chegavam à

escola. Até 1808, a censura imposta pelo governo português durante o período colonial foi um

dos principais entraves para a produção e publicação de livros no país. Ás vésperas da

Independência, a censura foi abolida e as obras passaram a ser importadas de Portugal e da

França. Meu foco com essa abordagem é a relação entre o Estado e a escola, antes e após a

instituição da República. Com a República, o incentivo à produção literária nacional para a

escola se intensifica, pois com a abolição da escravatura o analfabetismo era na ordem de

80% da população. Além disso, uma parcela considerável da literatura que circulava nas

escolas do país até meados de 1880 eram traduções feitas para o português europeu.

Essas traduções sem dúvida geravam um problema quando no meio didático, a julgar

pela diferença entre o português de Portugal e o português do Brasil. Contudo, a ordem

republicana ampliou a instrução pública no país e nesse processo surgiram obras didáticas

produzidas no Brasil, na variação brasileira do português. Esta era, inclusive, a preocupação

das irmãs Adelina e Júlia quando escreveram Contos Infantis, em 1886. No entanto, esta obra

se insere na metodologia que trouxe a lição das coisas através do método intuitivo. Com a

República, surgiu a necessidade da educação através de modelos universalistas como

possibilidade de interlocução escolar. Porém, é através desse processo que se configurou, em

território nacional, a produção de livros didáticos e infantis.

No segundo capítulo, faço o caminho inverso ao investigar sobre o conceito de

dispositivo quando no âmbito das ciências humanas, cujas raízes etimológicas e semânticas

remontam ao estatuto da Retórica de Aristóteles como campo do conhecimento. Atirei no que

vi e acertei o que não vi, pois ao chegar ao estudo da retórica pude perceber a configuração

discursiva de certas práticas textuais, uma vez que o conceito de dispositivo está diretamente

relacionada a uma das etapas da construção da elaboração retórica didatizada por Quintiliano

no século 1 d.C., como a dispositio.

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Por outro lado, durante a Idade Média a retórica como campo do conhecimento foi

perdendo suas propriedades na mesma intensidade que a fragmentação dos saberes científicos,

mais notadamente a partir do século XVI com o surgimento do método cartesiano. Ou seja,

percebi que este problema está relacionado à perda da capacidade de compreensão de um

discurso a partir de suas disposições internas. Ressalto que a relação que faço com a

linguagem para a interpretação de determinado discurso, não é a mesma que um linguísta

faria, por exemplo. Ao contrário deste, que investiga o que constitui o discurso, a

aproximação à retórica permite investigar como o discurso se constitui. Assim, apresento a

possibilidade de uma lógica interna aos discursos, independente da natureza a qual se

apresente, pois o estudo das disposições discursivas permite a interpretação dos dispositivos.

No terceiro capítulo, apresento a obra Contos Infantis quando inserida em dois

momentos: através de um lugar de enunciação relacionado ao contexto escolar brasileiro ao

final do século XIX, e a partir dos dispositivos pedagógicos apresentados pela obra, que

permitem sua inserção quando na utilização na formação de discursividades em ambientes

escolares.

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Capítulo 1 - À escola de leitores, livros

A construção da República brasileira tornou possível uma série de movimentos

reformadores, notadamente no cerne da Educação e Instrução Pública. Na instituição do

Estado republicano, a Literatura foi incorporada à Educação brasileira e através dela, uma

série de discursos e representações socio-culturais voltadas às crianças. Mais do que um

recurso retórico, a literatura na escola emerge no Brasil através de um processo civilizador

que legitimava e esclarecia, segundo uma ótica bastante específica, a mudança no sistema

político de governo.

Ao longo do século XIX, a edição de livros literários consistiu em grande parte, da

tradução de obras estrangeiras. Por outro lado, o movimento editorial que se inicia com a fuga

da Família Real portuguesa, chegará efetivamente à escola somente com a instauração da

República, mediante um processo civilizatório burguês encampado pela elite intelectualizada.

É o momento em que os referenciais da antiga ordem cedem lugar a “educação dos

universais”, imbuída de ideais notadamente positivistas. Porém, o letramento e o acesso à

educação dita “esclarecida” era algo quase inacessível a grande parte da população brasileira

do período. Era necessário formar uma nação de leitores.

Uma das grandes preocupações dos republicanos nesse período foi a instrução pública.

Pauta de debates por diversos governadores em todo o país era necessária uma reforma na

escola brasileira, principalmente no ensino primário. Através da nova ordem política,

inúmeros discursos clamavam à reforma da Educação, a uma educação que fosse completa e

universalista, que não servisse à mera repetição e que fosse útil à vida do educando. A cultura

do letramento, da leitura, era algo tão moderno à sociedade urbana quanto os melhoramentos

das capitais brasileiras do período. A Belle Époque foi o fio condutor da modernidade

burguesa no Brasil, que trouxe a novidade dos bulevares e das grandes avenidas. A

reconstitição do espaço físico das capitais republicanas representava o esforço das elites em

consolidar o discurso republicano, em oposição à monarquia, vigente politicamente até 1889.

Não obstante, a alfabetização da sociedade demandava a formação de um público

leitor que fosse esclarecido o suficiente para exercitar sua cidadania através do voto direto,

conforme determinava a Constituição de 1891. Inexistia no Brasil até aquele período um

mercado que atendesse, por exemplo, a produção de livros voltados à escola. Muitos eram

importados, poucos eram escritos por brasileiros e raros os classificados como didáticos.

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À procura da tradição literária

Os processos de formação do mercado editorial no Brasil são descritos por inúmeros

pesquisadores, tanto da área da Educação quanto da História. No entanto, com a vinda da

Família Real Portuguesa as impressões em tipografia em solo brasileiro ganharam impulso.

Num primeiro momento a censura dos portugueses constituiu um obstáculo aos anseios da

intelectualidade nacional, tanto para a produção como para a importação de livros. Porém em

1821, às vésperas da Independência, o fim da censura permtiu o estabelecimento de livreiros e

importadores.

Em decorrência deste processo, a formação de profissionais e trabalhadores

qualificados ficou restrita àqueles que podiam ir a Europa para estudar, uma vez que no Brasil

as poucas instituições universitárias eram isoladas e abrangiam somente algumas áreas do

conhecimento científico. Por outro lado, foi através das obras literárias que no decorrer do

século XIX o movimento de produção editorial no Brasil cresce, seja para obras literárias ou

científicas, e também para livros didáticos.

Grosso modo, a necessidade da formação do mercado editorial brasileiro, refletiu as

demandas da escola. Foi preciso formar uma legião de leitores, e a partir da necessidade e do

consumo destes, constituiu-se um mercado, para a importação ou produção de livros.

Por volta da segunda metade do século XIX, a leitura de textos e autores brasileiros já constituía um hábito até certo ponto arraigado entre os privilegiados assinantes dos jornais, onde os escritores mais famosos colaboravam com crônicas e jornais, folhetins de romance e crítica literária. Figuras como Machado de Assis e Olavo Bilac, consagradas nas rodas mundanas e intelectuais, faziam da vida literária um ponto de referência para a vida cultural daqueles anos. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 26).

Do mesmo modo, até a segunda metade do século XIX, a circulação de livros

didáticos para a escola primária no Brasil era em grande parte importações a partir de Portugal

e destes, uma boa parcela consistiam de traduções feitas a partir do francês para o português,

de Portugal. Somente nas últimas décadas do século XIX surgiram as primeiras obras

didáticas escolares brasileiras, intencionando um modelo educativo adequado ao país e ao

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projeto político republicano. Compreender a dinâmica editorial destes tempos nos diz muito

sobre os processos de escolarização em território brasileiro, sobretudo durante o período

imperial.

Até 1808, temendo a propagação de ideias e outros anseios de uma possível libertação

nacional, as Coroas Ibéricas restringiam ferrenhamente a edição e importação de livros e

outros materiais impressos às colônias na América. No Brasil, os livros permitidos entravam

mediante autorização e somente para uso daqueles que estudavam na Europa. Esta proibição

fazia parte da Ordem Régia de maio de 1747:

“Não imprimissem livros, obras ou papéis alguns avulsos, sem embargo de quaisquer licenças que tivessem para a dita impressão, sob pena de que, fazendo o contrário, seriam remetidos presos para o Reino para se lhes impor as penas em que tivessem incorrido (...) (MÜLLER, 1999)”

Com a fuga da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, e após o decreto régio

de Dom João VI criando um jornal oficial da Corte, é que começou a circular - de forma legal

– o Correio Braziliense. Editado em Londres esse jornal era, aliado à Gazeta do Rio de

Janeiro – “um jornal português editado no Rio de Janeiro” – e em conjunto com a Imprenssão

Régia, os principais meios oficiais de imprensa da Coroa Portuguesa no Brasil durante o

período que antecedeu a Independência (MOREL; BARROS, 2003). Trazendo questões

relacionadas a Portugal, Brasil e Inglaterra, o Correio Braziliense era a publicação mensal que

defendia, dentre outros assuntos, o livre comércio com outras nações e a abolição da

escravratura.

Por outro lado, o protecionismo ideológico português ruía ante a massiva expansão do

comércio inglês na América Latina. As guerras napoleônicas fragilizaram ainda mais a

relação já conturbada entre as metrópoles ibéricas e as colônias sul-americanas, dando

impulso aos movimentos de independência. Neste contexto, a imprensa se iniciou no Brasil,

notadamente após 1808. Entretanto, desde 1799 havia o interesse de alguns livreiros, de

trazerem algumas obras que não sofressem o crivo do governo real, como por exemplo, os

manuais de agricultura e botânica. É nesse período também que as primeiras obras em francês

começam a chegar no Brasil.

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Com a derrota de Napoleão e a restauração da monarquia, uma série de pesquisadores

e artistas franceses vem ao Brasil, evento que ficou conhecido como a Missão Artística

Francesa. Com objetivos não muito claros, esse grupo acabou por revolucionar as Belas-Artes

produzidas na Colônia e introduzir no país o sistema de ensino superior acadêmico. Sob o

Decreto Real de setembro de 1816, Dom João VI funda a Escola Real de Ciências, Artes e

Ofícios.

Segundo Wyler (2003),

As várias peripércias que cercaram a censura prévia no Brasil são contadas, em detalhes por diversos autores. Destaquemos apenas que, a partir de 28 de agosto de 1821, a publicação de escritos e a entrada de livros estrangeiros pela alfândega passaram a independer de censura, ou licença, uma medida que descortinou novos horizontes para leitores, importadores, impressores, livreiros e tradutores (WYLER, p. 83).

O francês falado tornou-se a língua franca entre a intelectualidade européia, e da

mesma forma nos anos sucederam à Independência, a influência cultural francesa se

disseminou pela corte imperial bem como entre a burguesia brasileira abastada. No entanto,

com a incorporação de uma lingua estrangeira no Brasil tendo como pilar de um modelo de

civilidade aliada a um Estado escravocrata, onde somente a minoria livre que vivia nos

centros urbanos tinha acesso à escola, caracterizou, grosso modo, o período compreendido

entre 1822 e 1889.

À excessão do Colégio Pedro II, modelo para as escolas provinciais, as demais

instituições de ensino primário e secundário do país estavam a encargo das províncias. A

ausência de interesses das elites provinciais, bem como a carência de recursos por esses

grupos foram um dos entraves para o incentivo ao acesso à escola durante esse período. A

Igreja Católica, através da iniciativa particular, se encarregou de prover o ensino secundário,

que antecedia o ensino superior. Em contrapartida, o ensino primário foi abandonado.

Para além da escolarização, a escola pública do período imperial representava também

o controle social disciplinador mediante um processo de aculturação de diferentes grupos

sociais. Conforme Costa (2007),

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Os mais preocupados, nesse momento, com a sua escolarização eram exatamente o Estado e as elites econômicas e intelectuais, frente à necessidade de controle social e da prevenção contra a “desordem”, pelo medo de revoltas de escravos ou homens livres pobres, pois exemplos não faltaram durante o século XIX, seja na Europa ou na própria América. (COSTA, p. 12).

Por outro lado, os republicanos reformadores convidaram a sociedade a aderir ao novo

projeto político. Esse processo é consoante às novas atribuições recorrentes ao Estado

brasileiro, sobretudo após 1891. Não obstante,

A nova cara política era mais parecida com a cara real do país e era por ela que se tinha que dar início à nova jornada. Uma das fraquezas das elites vitoriosas é a sua incapacidade de reproduzir novas elites adequadas para novas tarefas. Elas são as primeiras vítimas de seu próprio êxito. (CARVALHO, 1980, p. 183)

A educação era uma das bandeiras levantadas pelos republicanos e também entre os

movimentos abolicionistas. Por outro lado, é importante ressaltar que o Manifesto

Republicano de 1870, era totalmente omisso sob a questão da escravatura (MENEZES, 2009).

Os abolicionistas tinham, também, projetos para a educação dos escravos e dos libertos. O primeiro deles, que já citamos, é Joaquim Nabuco, que em seu projeto de 1880 pretendia a educação dos escravos. André Rebouças propõe a criação, em cada Engenho Central, de uma escola primária; Patrocínio, enquanto Vereador do Rio de Janeiro, apresentou projeto para educação dos libertos, proposto por André Rebouças. Ruy Barbosa apresenta o Parecer/Projeto de Reforma da Educação brasileira, em 1882; embora o projeto só se limitasse ao Município Neutro, uma vez que o ensino primário estava a cargo das Províncias, era um projeto amplo, levando em conta as últimas discussões em pedagogia, em que defendia a intervenção do Estado em Educação, obrigatoriedade, dentre outras coisas. Só que ele não se referia à educação dos escravos. Refere-se sempre aos livres, quando faz suas estatísticas; apenas chama a atenção de que o número dos livres tende sempre a aumentar. Não vincula o seu projeto a extinção da escravidão: seu projeto, que prevê inclusive a educação obrigatória, faz apelo à “civilização”. Ruy Barbosa tem em vista um Projeto Civilizatório, via educação, para a Sociedade brasileira, desde o seu posicionamento com relação ao voto de qualidade na Reforma Eleitoral, em que defende a exclusão do analfabeto da cidadania ativa. (MENEZES, p. 98-9)

Já em 1882, Rui Barbosa escrevia sobre a “irracionalidade que sistematizava o

aprendizado mecânico de uma palavra”, tratando do método de ensino por memorização. Por

outro lado, a chegada de um novo modelo político em 1889, traz intenções significativas para

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possíveis transformações sociais num sistema que não contemplava a grande parcela da

população que vivia na condição de escravos ou de escravos libertos.

No âmbito desses ideiais republicanos, saber ler e escrever se tornou instrumento privilegiado de aquisiçaõ de saber/esclarecimento e imperativo da modernização e desenvolvimento social. A leitura e a escrita – que até então eram práticas culturais cuja aprendizagem se encontrava retrita a poucos e ocorria por meio de transmissão assistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou de maneira menos informal, mas ainda precária, nas poucas “escolas” do Império (“aulas régias”) – tornaram-se fumdamentos da ecola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino e aprendizagem escolarizados. Caracterizando-se como tecnicamente ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados (MORTATTI, 2006, p.3).

José Murilo de Carvalho (1990) ao tratar sobre o período imperial, na obra Os

Bestializados cita outro fenômeno bastante recorrente ao século XIX. Nessa época, os filhos

das elites iam a Coimbra ou Lisboa, onde faziam seus estudos universitários e após concluí-

los, regressavam ao Brasil. A “Ilha de Letrados” – expressão cunhada por Carvalho, para

designar esse fenômeno típico do império brasileiro – deveria se tornar uma península com a

República.

A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça, mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro (CARVALHO, p. 10).

A reinvenção da História brasileira é recorrente à República, da mesma forma a (des)

construção dos heróis nacionais e do conjunto de significados que norteavam a sociedade do

período e se faziam presentes no imaginário comum. Mais do que promover uma mudança de

ordem política, era necessário eliminar o “atraso” de uma monarquia escravocrata e

conservadora. A resposta para isso estava na escola republicana com um currículo de

inspiração burguesa.

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o ideário civilizatório iluminista irradiava-se, a partir da Europa, para boa parte do mundo e, também, para o Brasil. Como componente central desse ideário estava a idéia da necessidade de alargar as possibilidades de acesso de um número cada vez maior de pessoas às instituições e práticas civilizatórias. O teatro, o jornal, o livro, a escola, todos os meios deveriam ser usados para instruir e educar as “classes inferiores”, aproximando-as das elites cultas dirigentes. (FARIA FILHO, 2000.p. 140)

No entanto, o acesso à leitura e ao letramento era necessário para a inserção na escola

republicana, através da ampliação da escola pública manifestava-se o ethos burguês do

período, que dentre outros evocava a moral e aos bons costumes, também componentes do

processo civilizatório encampado pelas elites. As estatísticas da época dão mostras que apenas

uma ínfima fração da população brasileira tinha acesso a escola.

Segundo Bóris Fausto (1996), em 1872 o primeiro censo feito em território nacional

mostrou que entre a população livre, o analfabetismo estava na ordem de 80%, e 86% se

fossem consideradas somente as mulheres. Por outro lado, entre os escravos, esse percentual

se aproximava dos 100%. Em outras palavras, de uma população (entre livres e escravos) de

aproximadamente 10 milhões de pessoas, apenas oito mil chegava ao ensino superior no país.

A partir da Lei do Ventre Livre, de 1871, os filhos de escravos nasciam libertos.

Porém, a lei versava também sobre as atribuições dos senhores de escravos, que deveriam

cuidar do ensino dessas crianças para que tivessem o mesmo direito de acesso à escola, tal

quais crianças livres. Na prática, excetuando pouquíssimos casos isolados, isso não ocorreu de

forma generalizada, uma vez que na mentalidade de muitos senhores de escravos a educação

dessas crianças demandaria um gasto inútil. Assim, no mesmo período em que a imigração

européia ganhava força, os filhos de escravos (que nasceram livres a partir de 1871)

chegariam ao alvorecer da República adultos e sem a mais baixa educação digna a

sobrevivência. A opção do Estado imperial por uma política racialista de enbranquecimento

da população minou com qualquer possibilidade de equidade social entre aqueles que

descendiam de escravos.

Costuma-se alegar que aos libertos nada foi concedido além da liberdade. Nem terras, nem instrução, nem qualquer reparação ou compensação pelos anos de cativeiro. Eles foram entregues à própria sorte, o que podia ser especialmente dramático para idosos e órfãos (...). No contexto da época, (...) a legislação que se esperava tinha por base a idéia de tutela do Estado sobre o liberto, forçando-o a

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continuar na propriedade em condições cujos termos deviam ser definidos pelo ex-senhor (CASTRO, 1998. p. 378).

Outros discursos componentes da construção da República brasileira ressaltam essa

contradição: a de querer construir um novo país alicerçado num ideal iluminista de orientação

positivista e concomitantemente, excluindo uma significativa parcela da população,

indesejada às elites. A instauração da República foi, sem dúvida, um divisor de águas no

“fazer educativo” no Brasil.

Desse ponto de vista, os processos de ensinar e de aprender a leitura e a escrita na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um momebnto de passagem para um mundo novo – para o Estado e para o cidadão -: o mundo público da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura, enfim, novos modos de pensar, sentir, querer e agir (MORTATTI, 2006, p.3).

Os conteúdos que deveriam contemplar a nova pedagogia republicana deveriam ser

consoantes a uma série de ditames que, propostos de acordo com o ideal burguês e

republicano, figurariam nos moldes da boa educação. A incorporação curricular de uma série

de conhecimentos ditos gerais obedece à necessidade de se trazer à escola diferentes

concepções de cultura e sociedade. O ensino deveria abrangente, de modo a valorizar e a

incentivar o conhecimento das culturas consideradas de prestígio.

No afã do esforço modernizador, as novas elites se enpenhavam em reduzir a complexa realidade social brasileira, singularizada pelas mazelas herdadas do colonialismo e da escravidão, ao ajustamento em conformidade com padrões abstratos de gestão social hauridos de modelos europeus ou norte-americanos. Fossem esses os modelos da missão civilizadora das culturas da Europa do Norte, do urbanismo científico, da opinião pública esclarecida e participativa ou da crença resignada na infalibilidade do progresso. Era como se a instauração do novo regime implicasse pelo mesmo ato o cancelamento de toda a herança do passado histórico do país e pela mera reforma institucional ele tivesse fixado um nexo co-extensivo com a cultura e a sociedade das potências industrializadas. (SEVCENKO, 1998. p. 27-28)

Através dessa mentalidade, o incentivo à leitura nas escolas era apresentado como

possibilidade inserção social. O pensamento procurava livrar o Brasil do atraso civilizatório

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erradicando o analfabetismo. A ordem republicana vai tentar apagar os vestígios daquilo que

um dia fora o império brasileiro através de um modelo educativo consoante com seus

interesses.

A emergência dos universais

A mudança nos métodos de ensino e aprendizagem foi o grande catalisador das

transformações ocorridas na educação brasileira no final do século XIX. A nova educação

republicana brasileira também precisaria abranger esse grupo, e a escolha recaiu para o

método intuitivo.

Entre as inovações vinculadas ao método de ensino intuitivo, estão a proposição que a escola deva ensinar coisas vinculadas à vida, aos objetos e fatos presentes no cotidiano dos estudantes, introduzindo assim os objetos didáticos como elementos imprescindíveis à formação das idéias. (...) A introdução dos objetos didáticos na educação tem um caráter lúdico, mas também disciplinador: um elemento novo em sala de aula torna-se o centro da atenção das crianças, instaurando assim algo que é comum a toda a classe de alunos e ao professor, é aquilo que os une no caminho do conhecimento. Mas, acima disso, traz consigo a possibilidade de uniformizar raciocínios, modos de pensar, cristalizando uma forma de apropriação das coisas exteriores num processo que é dirigido pelo professor, o representante naquela situação do legado das gerações precedentes, inclusive com seus valores e seus preconceitos. (VALDEMARIN, 2004, p. 176)

Com o método intuitivo, que pregava atavés das “lições das coisas”, a educação

brasileira abrangia agora o cotidiano das crianças, relacionando o conhecimento prévio dos

alunos com as práticas escolares, propondo assim uma metodologia integrada à vida dos

educandos.

Conforme Saviani (2006),

O método intuitivo, conhecido como lições de coisas, foi concebido com o intuito de resolver o problema da ineficiência do ensino diante de sua inadequação às exigências sociais decorrentes da revolução industrial que se processara entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Ao mesmo tempo, essa mesma revolução industrial viabilizou a produção de novos materiais didáticos como suporte físico do novo método de ensino. Esses materiais, difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países,

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entre eles o Brasil, compreendiam peças do mobiliário escolar; quadros negros parietais; caixas para ensino de cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, cartas de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, caixas com diferentes tipos de objetos como pedras, metais, madeira, louças, cerâmica, vidros; equipamentos de iluminação e aquecimento; alimentação e vestuário etc. Mas o uso de todo esse variado material dependia de diretrizes metodológicas claras, implicando a adoção de um novo método de ensino entendido como concreto, racional e ativo. O que se buscava, portanto, era uma orientação segura para a condução dos alunos, por parte do professor, nas salas de aula. Para tanto foram elaborados manuais segundo uma diretriz que modificava o papel pedagógico do livro. Este, em lugar de ser um material didático destinado à utilização dos alunos, se converte num recurso decisivo para uso do professor, contendo um modelo de procedimentos para a elaboração de atividades, cujo ponto de partida era a percepção sensível. O mais famoso desses manuais foi o do americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras lições de coisas, cuja primeira edição data de 1861, sendo reformulado e ampliado em 1870. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em 1886. (SAVIANI, 2006, p. 43)

Largamente difundido na Europa durante a segunda metade do século XIX, no auge do

movimento de renovação pedagógica, o método intuitivo tornou-se um importante expoente

para o ensino, sobretudo no ensino primário. Apresentado como inovador, este método foi

utilizado inicialmente por algumas instituições privadas no Brasil. Sua abrangência para as

instituições públicas, contudo, ocorreu somente após o Decreto 7.247, de abril de 1879.

De acordo com Souza (1998), tal método,

Consistia na valoração da intuição como fundamento de todo o conhecimento, isto é, na compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação. Pestalozzi recomendava a necessidade de psicologizar o ensino adaptando-o ao funcionamento do espírito infantil. Isto significava partir de outros princípios diferentes da lógica predominante no “método tradicional” de ensino o qual se pautava na aprendizagem com base na memória e na repetição, consistindo em uma abordagem dedutiva do saber -, defendendo um ensino que partisse do simples para o complexo, do particular para o geral. (SOUZA, 1998, p. 159)

No entanto, a adoção de um modelo teórico gerou uma série de disputas entre os

defensores de outras metodologias. Conforme Mortatti (2000) é nesse momento histórico que

surgem as disputas entre os defensores dos diferentes modelos pedagógicos para as escolhas

de novas propostas e metodologias comuns.

Ou seja, muito mais que a importação de um modelo educativo, seja na forma de

material didático ou método de ensino, as variações culturais recorrentes a cada sociedade se

refletiam nos discursos que veiculavam através dos livros. E com a adoção de um

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determinado livro didático por toda uma nação, a tendência é a homogeneização de um

discurso, apesar das resistências e conflitos entre aqueles que produzem o conteúdo, aqueles

que o aplicam e, sobretudo àqueles que estão sujeitos a essas mudanças.

Segundo Valdemarin (2006):

Assim, desde 1890 no estado de São Paulo priorizou-se a instrução pública primária com a formação de professores pela Escola Normal, a criação dos Grupos Escolares e a adoção do Método de Ensino Intuitivo com o objetivo de especificar espaços, saberes e práticas. Sendo insuficientes as escolas para formação de professores e sendo preciso conquistar a adesão dos professores já formados para as novas idéias e procedimentos o manual didático é uma das vias de resposta a essas necessidades: cria um nicho de mercado numa produção editorial ainda tímida, estimula o aparecimento de novos autores (ou tradutores) e populariza uma forma discursiva que divulga as novas concepções teóricas de modo sintetizado e organiza o conteúdo a ser ensinado, exemplifica a estrutura das lições a serem ministradas com a descrição dos passos metódicos do processo de ensino, sugerindo também a ordenação das atividades a serem desenvolvidas diariamente. (VALDEMARIN, 2006, p.2)

No entanto, compreendendo as incorporações da Literatura como movimentos dentro

do espaço escolar brasileiro ao final do século XIX, é possível perceber também as disputas

entre uma ideologia que se afirmava através do discurso republicano, que desautoriza a ordem

política anterior, bem como através das formas de se ensinar, metodologicamente falando. E

essas disputas nem sempre são antagônicas, mas por vezes pertencentes ao mesmo ideário

político.

Pode-se perceber também, a maneira como a literatura deveria chegar à escola

brasileira do final do século XIX, grande parte das vezes através de um caráter utilitarista e

balizada por uma leitura preescrita pelas obras didáticas. Não podemos nos esquecer que um

dos propósitos da construção da literatura escolar da virada do século XX, pode ser entendido

como o convite à incorporação de certos consumos culturais, e no caso das práticas de leitura,

no campo do simbólico (BOURDIEU, 2006).

De acordo com Miranda (2005),

O gosto universal passaria a ser o critério de validação do juízo estético. No entanto, a sociologia detecta que esse gosto surge de uma experiência socialmente condicionada. A experiência culta da arte, a legítima e portanto universal, exclui as

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experiências nativas por serem impensáveis aos que desejam alcançar o universal. (MIRANDA, 2005, p. 74)

Grosso modo, a consolidação dos Estados nacionais modernos modificou o uso da

linguagem, uma vez que a escrita da História, bem como da Literatura ou de outras ciências,

precisava se fazer universal àquele universo social a qual a língua partilha. Na virada do

século XX, o Estado-nação brasileiro era relativamente recente. Havia a necessidade

daconstrução de elementos que fortalecessem a unidade nacional. Na literatura ou nas

manifestações artísticas, a construção política republicana vai de encontro ao projeto nacional

idealizado pelas elites. A escrita, aqui entendida como transmissão narrativa, passou a

obedecer a ditames que extrapolam os limites da criação e da arte. Ela não deveria mais ser

decodificada, mas antes compreendida e aprimorada por aqueles que a partilham. Segundo

Michel de Certeau (1998):

O domínio da linguagem garante e isola um novo poder, “burguês”, e o poder de fazer a história fabricando linguagens. Este poder, essencialmente escriturístico, não contesta apenas o privilégio do “nascimento”, ou seja, da nobreza: ele define o código da promoção sócio-econômica e domina, controla ou seleciona segundo suas normas todos aqueles que não possuem esse domínio da linguagem. A escritura se torna um princípio de hierarquização social que privilegia, ontem o burguês, hoje o tecnocrata. Ela funciona como a lei de uma educação organizada pela classe dominante que pode fazer da linguagem (retórica ou matemática) o seu instrumento de produção (CERTEAU, 1998, p.230).

Assim, muito mais do que a adoção de um novo projeto político, as elites trataram

também de adotar os modelos para a reprodução de saberes considerados válidos à

manutenção do status quo anterior. A abolição da escravratura não alterou as condições e

regimes de trabalho, porém era preciso criar corpos docilizados que soubessem exatamente

seu lugar na sociedade, transmitindo e respondendo a uma educação propícia e condizente

com a moral burguesa e republicana. O incentivo à leitura era valorizado, desde que restrito

ao universo escolar. O método intuitivo consolidou a inserção do livro didático no espaço

escolar.

O livro didático constituiu, desde o século XIX, uma alternativa para a difícil autonomização profissional do escritor brasileiro. Essa autonomia, por sua vez,

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articula-se com questões políticas fundamentais da história brasileira: num mercado estreito, a adoção em meados de Oitocentos de manuais de pedagogia importados de Portugal, como os de João de Deus e Antônio Feliciano de Castilho, constituiu objeto de intensas polêmicas e fez com que se cristalizasse um discurso intelectual nacionalista em torno do projeto escolar. Por fim, porque os livros didáticos têm impacto social na sociedade brasileira do século XX a que mais nenhuma obra impressa pode ambicionar: para boa parte da população, este é o principal objeto em torno do qual se organizam as práticas de leitura (BELO, 2008, p. 94).

O livro didático era a primeira publicação oferecida pela escola durante o processo de

letramento e alfabetização. Para uma grande parcela, era o ponto de partida para a

constituição das práticas de leitura que se seguiriam no decorrer da vida escolar. Com a

República, o propósito da albetização tinha agora uma função política, uma vez que a

sociedade era convidada a exercer sua cidadania para a escolha de seus representantes de

tempos em tempos através de uma eleição.

O voto antes de ser direito, é uma função social, é um dever. No Império como na República, foram excluídos os pobres (seja pelo censo, seja pela exigência da alfabetização, os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as praças de pré, os membros de ordens religiosas). Ficava fora da sociedade política a grande maioria da população (CARVALHO, 1990. p. 44-5).

A tendência, por aqueles que propunham uma nova educação, republicana e ancorada

em referenciais burgueses, reside justamente no chamado “otimismo pedagógico”, que surgiu

com a instituição da Republica. Jorge Nagle apresenta esse processo como um embate entre

duas diferentes mentalidades, uma oriunda de um pensamento urbano-industrial e outra de

origem agrário-comercial. São exatamente essas interferências, motivadas por determinados

setores detentores de um saber cultural distinto àquele tempo e sociedade – ou capitais

simbólicos, conforme Bourdieu, cuja discussão será retomada – que inseriu as bases das

transformações educativas no final do século XIX.

Uma das maneiras mais diretas de situar a questão consiste em afirmar que o mais manifesto resultado das transformações sociais mencionadas foi o aparecimento de inusitado entusiasmo pela escolarização e de marcante otimismo pedagógico: de um lado, existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas

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formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileiro (escolanovismo) (NAGLE, 1974, p. 99 e 100).

A República Velha foi palco para disputas que tambem nortearam os rumos da

Educação brasileira, movimento marcante até os dias de hoje. Inexistia em algumas

instâncias, um consenso condizente a uma administração eficaz dos recursos destinados à

educação, sobretudo em caráter federal e estadual. As demandas de recursos, bem como a

escolha dos materiais pedagógicos e a produção de currículos ficou – como ainda ocorre nos

dias de hoje – a encargo de uma instância federal. Paradoxalmente, a República encampou

diferentes grupos políticos que procuravam imprimir uma marca para uma boa educação.

Se a libertação dos escravos implicava, ainda que formalmente, sua incorporação ao mercado da força-de-trabalho livre, a exigência da alfabetização, proclamada na Constituição de 1891, para acesso ao voto, restringia a participação política. Do estatuto de livre ou escravo, a distinção social deslocava-se para a oposição entre alfabetizado e analfabeto (VIDAL, 2005, p. 112).

Por volta de 1889, cerca de 10% da população brasileira era alfabetizada. Em

contrapartida, a noção de analfabetismo do final do século XIX não é a mesma de hoje, e isso

decorre de uma série de fatores, dentre eles a idéia – do período – de que o analfabetismo

caracterizava a ausência de processos de escolarização. Conforme Soares (2003), que aborda

as diferentes definições relacionadas aos processos de letramento,

(...) alfabetismo, estado ou qualidade de alfabetizado; (...) alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever; (...) analfabetismo estado ou condição de analfabeto; (...) analfabeto é aquele que não sabe ler ou escrever, (...) letrado é aquele versado em letras, erudito; (...) iletrado que não tem conhecimentos literários, que não é erudito, analfabeto ou quase analfabeto. (SOARES, 2003, p. 19)

No entanto, se no século XIX, o analfabetismo caracterizava os indivíduos que não

frequentaram a escola, no século XXI, com a profusão dos meios e ferramentas

comunicativas, o analfabetismo pode também caracterizar a ausência de uma prática de

letramento, configurando o chamado analfabetismo funcional.

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Por outro lado, para Foucambert (1994),

em uma sociedade hierarquizada com base em classes sociais, a distribuição desigual das técnicas de acesso aos bens simbólicos reforça e realimenta as características excludentes dessa sociedade. Poucos são letrados (e não se busca saber o que os torna letrados), enquanto muito são apenas alfabetizados (e indaga-se por que, alfabetizados não se tornam letrados). Ma tanto os alfabetizados quanto os analfabetos são frutos do mesmo processo de exclusão, do iletrismo – que, por sua vez, resulta da exclusão de ambos das condições que lhes permitiriam participar das redes de circulação de impressos. Para aqueles que socialmente vivem essas condições de exclusão, o destino é a alfabetização ou mesmo o analfabetismo – num caso ou noutro, a não-leitura (FOUCAMBERT, 1994, p. 18).

Mais do que a transição de uma sociedade analfabeta para a sociedade letrada, era

necessário ressaltar e consolidar o recurso discursivo autorizado pelo Estado e pelas elites.

Desta maneira, surge a “roupagem” laica do discurso escolar do final do século XIX, que

procurava privilegiar a incorporação do método intuitivo em oposição a métodos por

aprendizado através da fala.

A transmissão do conhecimento através da oralidade perdia legitimidade no momento

em que o cientificismo, ancorado em outras escolas de pensamento, ganhava espaço nos

meios acadêmicos e intelectuais. A procura por uma metodologia que englobasse, não raro

através de diferentes generalidades, uma apresentação de mundo através da herança cultural e

social de matriz européia refletia na valoração de elementos globais na constituição do

indivíduo, em oposição à apresentação de temas regionais.

Uma vez que a escola é um ambiente privilegiado para a difusão desses textos, na medida em que nela se encontram os leitores-consumidores visados pelo projeto de alfabetização, a disponibilidade do mercado para o consumo por ela evidenciada justifica a repetição de fórmulas e a ênfase na missão formadora e patriótica dessa literatura para crianças. Transformando o movimento de nacionalização em nacionalismo, a literatura lança mão, para a arregimentação de seu público, do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador, conceitos que se manifestam por meio da exaltação da natureza, da grandeza nacional, dos vultos e episódios históricos e do culto à língua pátria. Nesse sentido, se por um lado a preocupação com o destinatário infantil motivou a adaptação que fez esses textos afastarem-se dos padrões europeus; por outro, o compromisso escolar e ideologicamente conservador atribuiu a essa literatura a função de modelo. (ALBINO, 2010. p. 5)

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No início do século XX, essa tendência é mais significativa através de outra obra

didática utilizada na escola primária. Em Atravez do Brasil (1910) de Olavo Bilac e Manoel

Bonfim, cujo tema é a viagem de dois meninos, por diferentes lugares do Brasil, o civismo e

os ideais nacionalistas são bastante reforçados pelos autores.

Estamos certos que a criança, com a sua simples leitura, já lucrará alguma cousa: aprenderá a conhecer um pouco o Brasil, terá uma visão, ao mesmo tempo geral e concreta, da vida brasileira, - as suas gentes, os seus costumes, as suas paysagens, os seus aspectos distinctivos. E por isso, escolhemos como scenario principal as terras do São Francisco, - grande rio essencialmente, unicamente brazileiro. (BILAC; BONFIM, 1910 p. 7 apud RODRIGUES, s/d)

Por outro lado, é possível encontrar mais referências a esse tipo de construção do

pensamento bastante consoante à historiografia daquele momento, conforme Olinto (2006).

A obra é a construção de um Brasil nação por meio de uma tipificação regional e a vitória da civilização e da ordem. As diferenças regionais têm em comum o olhar para a natureza como recurso produtivo econômico, o povo criativo, a solidariedade. Modernidade na economia, tradição nos relacionamentos interpessoais aparece como tom, ao final da leitura, ao leitor do início do século XXI. (OLINTO, 2006, p. 87)

Neste tipo de construção social, a Literatura emerge na escola integrada à outros

campos do conhecimento explorados pela escola. No caso da obra de Bilac e Bonfim, o

propósito é descrever o Brasil para os brasileiros, de uma forma genérica e consoante àqueles

que tiverem acesso a ela. É uma leitura que tenta, de fato, aproximar o Brasil entre seus

leitores apresentando a sociedade dos diferentes Estados da federação.

Segundo estudiosos, dois livros didáticos europeus do século XIX teriam inspirado o Através do Brasil. O primeiro é um livro italiano cuja tradução foi adotada em escolas brasileiras: Cuore, de Edmundo de Amicis, jornalista, militar e escritor que nasceu e viveu em Oneglia (Itália) entre outubro de 1846 e março de 1908, considerado um dos escritores que mais decisivamente influenciaram as produções literárias infantis da Europa do século XIX. O segundo é Le Tour de La France par Deux Enfants, de G. Bruno, pseudônimo de Augustine Fouillé, escritora francesa, esposa do filósofo Alfred Fouillée. (SANTOS; OLIVA, 2004. p. 105)

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De acordo com Lajolo (1988), as duas obras teriam o propósito de discutir a idéia de

identidade nacional em momentos de crise de suas respectivas sociedades, elemento que teria

gerado em Bomfim e Bilac uma espécie de simpatia, levando a dupla a produzir, no início do

século, um “similar nacional” daqueles livros.

Atravez do Brasil integrava as obras didáticas pertencentes à chamada literatura

escolar. Conforme Arroyo (1968), no contexto concomitante ao advento da República e o

incentivo à formação de escolas primárias bem como na produção de materiais de ensino

possibilitou o surgimento de uma literatura escolar no Brasil.

É a partir deste tipo de literatura escolar que surge a literatura infantil brasileira com

as publicações de Monteiro Lobato, defendendo a literatura infantil sem o estatuto do método

ou da vinculação à escola.

Entre esses dois limites crononológicos, 1920-1945, toma corpo a produção literária para crianças, aumentando o número de obras, o volume das edições, bem como o interesse das editoras, algumas delas, como a Melhoramentos e a Editora do Brasil, dedicadas quase que exclusivamente ao mercado constituído pela infância. E, se Lobato abre o período com um best-seller, o sucesso não o abandona; nem a ele, nem ao gêner a que se consagra, o que suscita a adesão dos colegas de ofício, a maior parte originária da recente geração modernista (LAJOLO; ZILBERMAN,1985, p. 46).

Desde a virada do século, editoras como a Melhoramentos já produziam obras

didáticas, muitas delas encomendadas pelo governo de São Paulo e pelos governos de outros

Estados brasileiros. Economicamente, esta era uma opção extremamente vantajosa para os

editores de materiais didáticos, uma vez que planificados os currículos e diretrizes para a

educação em território nacional, os Estados poderiam fazer a opção pela metodologia de

ensino mais adequada. Contudo, esta escolha não tinha como objetivo a construção

republicana na escola, mas antes em trazer para o ensino primário brasileiro o que as

Repúblicas desenvolvidas utilizavam. O processo de construção nacional ficou no meio do

caminho.

A tradução de uma tradição

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Em La Ciudad Letrada, Angél Rama traz a reflexão da formação da cultura latino-

americana através da classe letrada representada pelos intelectuais, ao longo dos séculos

decorrentes à dominação européia. Segundo Rama (1984), a classe letrada assumia a

responsabilidade por “educar” a população local, adequá-la aos seus interesses – o que no

primeiro momento possuía um cunho mais religioso e após as independências com um caráter

mais “cívico”. A manifestação do Estado colonial através de suas instituições como tribunais,

universidades e demais órgãos, enfatizavam o distanciamento da elite cultural em relação aos

demais segmentos da sociedade.

Através de uma leitura foucaultiana, Rama trata das “leis, classificações e

distribuições hierárquicas” (RAMA, p.54), ressaltando a valorização que os representantes

letrados das elites latino-americanas davam à retórica e à oratória, manifestando assim o

poder perante a população iletrada.

La constitución de la literatura, como un discurso sobre la formación, composición y definición de la nación, habría de permitir la incorporación de múltiples materiales ajenos al circuito anterior de las bellas letras que emanaban de las élites cultas, pero implicava asimismo una previa homogenización e higienización del campo, el cual sólo podía realizar la escritura. La constitución de las literaturas nacionales que se cumple a fines del XIX es un triunfo de la ciudad letrada, la cual por primera vez en su larga historia, comienza a dominar su contorno. Absorbe múltiples aportes rurales, insertándolos en su proyecto y articulándolos con otros para componer un discurso autónomo que explica la formación de la nacionalidad y establece admirativamente sus valores. (RAMA, 1984, p. 74)

No entanto, essas pautas civilizadoras urbanas são a tônica da consolidação da ordem

burguesa que traz o acesso à escolarização e formadora da sociedade, num sentido mais

ampliado. Os escritores brasileiros do final do século XIX perceberam na escola um meio de

promover os processos de leitura mediante a escolarização, o que resultou nos incentivos à

produção de livros didáticos encomendados pelo governo.

Contudo, conforme Teixeira (2008), que desenvolveu uma pesquisa sobre os Livros e

Compêndios utilizados nas escolas públicas da Corte Imperial, em 1834 já alertava Joaquim

Vieira da Silva e Souza, Ministro do Império, sobre as vantagens na adoção do livro para a

utilização do livro nas escolas:

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Concluirei esta parte do presente artigo, ponderando a necessidade de se fixarem os Compêndios de que se deve usar em todas as Academias, Aulas, e Escolas Publicas do Império, em quanto se não organisa hum Plano Geral de Estudos. Este objecto não he de pequeno momento: elle interessa não só à instrucção em si, mas também aos estudantes em particular, e ao Estado; áquella, desterrando das classes alguns livros, que já não estão a par da Sciencia, de que tratão, como acontece nas Aulas de Philosophia Racional, e Moral, e substituindo-lhes outros, que tem merecido a acceitação das Nações mais cultas; aos segundos, poupando-lhes os atrazos, que de ordinário sofrem, quando por qualquer motivo mudão de Professor; e ao último, firmando a certeza de que se não corrompe o espírito débil da juventude, imbuindo-o em doutrinas falsas, ou perigosas, ou por qualquer motivo prejudiciais a ella, ou à Sociedade. (TEIXEIRA, p. 24)

Por outro lado, a influência dos escritores e educadores nos primeiros anos da

República foi, de longe, muito maior do que durante o período Imperial. A falta de um

material didático planificado era decorrente da falta de um currículo escolar igualmente

planejado, em todas as Províncias e vice-versa. O “Plano Geral de Estudos” pressupõe,

necessariamente, um conjunto de obras comuns a serem aplicadas na Educação, a exemplo de

um modelo de sucesso por alguma nação mais culta.

Em contrapartida, o momento político dos primeiros anos da República, era

extremamente favorável a quem “emplacasse” uma publicação subsidiada pelo Estado, prática

que ainda se verifica atualmente. Não obstante, uma expressiva parcela das publicações

escolares na década de 1880 consistia traduções e adaptações. O efeito nacionalizante desse

período estreira as relações entre o Estado brasileiro, a escola pública e o mercado editorial.

Tratava-se, é claro, de uma tarefa patriótica, a que, por sua vez, não faltavam também os atravios da recompensa financeira: via de regra, escritores e intelectuais dessa época eram extremamente bem relacionados nas esferas governamentais, o que lhes garantia a adoção maciça dos livros infantis que escrevessem. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985. p. 29)

Somente entre as traduções feitas por Carlos Jansen, temos Contos seletos das mil e

uma noites (1882), Robinson Crusoé (1885), Viagens de Gulliver (1888), As aventuras do

celebérrimo Barão de Münchausen (1891), Contos para filhos e netos (1894) e D. Quixote de

la Mancha (1901). Enquanto isso, os clássicos de Grimm, Perrault e Andersen constam nos

Contos da Carochinha (1894), nas Histórias da avozinha (1896) e nas Histórias da baratinha

(1896), foram adaptados por Figueiredo Pimentel e editados na Livraria Quaresma

(COELHO, 1991, p. 215-216).

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Historicamente, com a invenção do sistema de imprensa de Gutemberg, no início do

século XVI, uma verdadeira revolução se inaugura na produção de livros, se pensarmos na

estrutura do códex moderno tal qual conhecemos atualmente. De lá pra cá, o livro como

objeto pouco mudou em sua forma através dos séculos, os aprimoramentos das transmissões

narrativas permitiram e inculcaram diferentes possibilidades para as diferentes produções

culturais mediadas através de práticas de leitura. E principalmente na contemporaneidade,

onde as tecnologias da informação facilitam o acesso e a difusão de obras literárias, a função

do livro foi sem dúvida, ressiginificada.

Por outro lado, se compreendemos o livro como objeto cultural, conforme Chartier, é

possivel percebermos um divisor de águas na incorporação deste pela escola brasileira através

da República.

Os autores não escrevem livros: não, escrevem textos que outros transformam em objetos impressos. A diferença, que é justamente o espaço em que se constrói o sentido — ou os sentidos —, foi muitas vezes esquecida, não somente pela história literária clássica, que pensa a obra em si, como um texto abstrato cujas formas tipográficas não importam, mas também pela Rezeptionsästhetikque postula, apesar de seu desejo de historicizar a experiência que os leitores têm das obras, uma relação pura e imediata entre os "sinais" emitidos pelo texto — que contam com as convenções literárias aceitas — e "o horizonte de expectativa" do público a que se dirigem. Numa tal perspectiva, "o efeito produzido" não depende de modo algum das formas materiais que suportam o texto. No entanto, também contribuem amplamente para dar feição às antecipações do leitor em relação ao texto e para avocar novos públicos ou usos inéditos (CHARTIER, 1991, p. 11).

Desde a Revolução Industrial e do momento histórico que registra o inchaço das

cidades industriais, sobretudo na Inglaterra e na França, houve um aumento na demanda de

publicações que contemplasse a formação infantil. Um segmento editorial que se descortina

em decorrência do pensamento liberal das Luzes dirigido exclusivamente às crianças. No

entanto, a estrutura do livro infantil como conhecemos atualmente, com referências aos contos

de fadas e às fabulas voltadas às crianças surge na França do século XVII, durante o reinado

de Luís XIV.

Charles Perrault publicou em 1697 os Contes de ma Mère l’Oye (Contos da Mamãe

Gansa), um conjunto de contos populares, compilações de narrativas orais e histórias

transmitidas não somente às crianças. Em meados do século XVIII, com a popularização das

edições de bolso em volumes baratos é que as histórias ganharam um grande público na

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França e em boa parte da Europa Ocidental. Importante ressaltar que muitas das compilações

de histórias populares foram elementos de integração social, como por exemplo, os contos dos

irmãos Grimm.

Pela primeira vez, as tradições populares são confrontadas com o saber filológico e histórico – disciplinas que, até então, só tinham olhos para a Antigüidade. É na poesia alemã antiga, nas antigas sagas normandas como a “Canção dos Nibelungos” ou o “Edda”, que se deve buscar o que há de fundamental na identidade germânica. Jacob Grimm distingue nas velhas sagas elementos factuais e não-factuais. Os primeiros falam-nos da história vivida de um povo, os últimos de seus mitos. Outra diferenciação por ele introduzida: entre poesia “natural” (efetivamente nativa, tradicional) e uma poesia “artística” (romântica, alienígena, puramente individual). Tais idéias lhe valeram a crítica de Wilhelm Schegel, para quem Grimm alimentava uma “devoção ao desimportante”. (MATA; MATA, 2006, p. 5)

Os irmãos Grimm compilaram tanto contos quanto lendas populares, tarefa essa que

de certa forma poderia ser considerada como tradutória, uma vez que muitas dessas histórias

existiam somente na oralidade e certamente, em diferentes dialetos. Curiosamente, muitas das

narrativas que Perrault recolheu na França, são bastante semelhantes às compiladas pelos

irmãos Grimm através dos Estados alemães, o que evoca a existência de uma origem comum

dessas narrativas.

Dos contos de fadas surgiram as obras infantis. Ancoradas no Iluminismo, os contos

de fábulas que estimulavam a imaginação passaram a trazer temas que fossem de utilidade à

instrução das crianças, não necessariamente escolares. Não obstante, foi somente após a

Revolução Francesa que este tipo de literatura chegaria à escola, juntamente com os métodos

de escolarização baseados em processos de leitura e letramento.

A formação moral da criança não é a única intenção pedagógica do texto infantil; a preocupação com o conhecimento cognitivo marca grande parte das obras dirigidas à criança. Sem dúvida, isto se liga à antiga vinculação do texto literário infantil com o livro didático: uma forma de ensinar divertindo. A origem desse vínculo pode ser encontrada no século XVIII, época do Iluminismo, em que se cria uma moral utilitária que enfatiza o equilíbrio da consciência para o desenvolvimento harmônico e progressista do mundo. Valores formativos, como a honestidade, a fraternidade, o amor ao trabalho passam a depender, para os filósofos da época, mais do conhecimento científico adquirido do que das convicções religiosas herdadas. (...) Formação e informação não são, portanto, dissociáveis; a segunda, geralmente, está a serviço da primeira; a informação científica não é valorizada em si, esse é um conhecimento que serve a interesses práticos e ideológicos (LAJOLO; ZILBERMAN, 1987, p.55)

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Com o estatudo da literatura infantil que se forma a partir dos contos de fadas, surge a

concepção da infância idealizada pela literatura. O discurso burguês, bem como a construção

de uma moralidade a ser incorporada pelas crianças, transpõe aos livros uma série de

significados próprios ao público a qual se destina.

A moral, veiculada através de certas formas que norteiam a literatura infantil – cujos

exemplos tentam-se demonstrar através da análise dos poemas nesta pesquisa – é tão

importante quanto o discurso que carrega, pois a valorização desses contos estava justamente

na maneira como era conduzida a mensagem, não necessiamente pelo tema apresentado. Ela

é, aliás, mais abrangente que os discursos que veicula, pois apresenta um objetivo comum de

todas as literaturas produzidas e voltadas à criança. A existência de uma retórica utilizada para

manifestar a moralidade, pode ser percebida em boa parte da literatura produzida para as

crianças durante o século XIX.

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Capítulo 2 – Da Retórica ao dispositivo

Considerações a partir da retórica aristotélica1

Trato do terreno da Retórica, conforme a definição descrita por Aristóteles. Segundo

este, a retórica (como exercício de oração, por um orador) é o terreno da arte da persuasão,

que como tal é resultado do aprimoramento dos discursos de diferentes oradores durante o

período clássico. É impossível me furtar a esse olhar, uma vez que as percepções segundo

premissas discursivas para composição da retórica entendida como o exercício da persuasão

útil às finalidades do orador se transformaram ao longo dos séculos.

Aristóteles escreveu dois tratados distintos sobre a elaboração do discurso. A sua

Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos.

A Poética ocupa-se da arte da evocação imaginária, do discurso feito para fins essencialmente

poéticos e literários (ARISTÓTELES, 2005, p. 34). Conforme os diversos pesquisadores que

se dedicaram a investigação deste tema ao longo da história, a retórica significa outro

conjunto de elementos constituintes na interpretação e decodificação da linguagem, que está

sujeita às leis inerentes a cada código linguístico, como por exemplo, a gramática. Por outro

lado, na Retórica aristotélica se encontram as diferentes categorizações para a manifestação

retórica em diferentes contextos enunciativos, elencadas de acordo com o público e visando,

sobretudo, o refinamento da arte da argumentação. Aristóteles trata a retórica como um campo

do conhecimento que abrange a formação, bem como a decodificação, do discurso que se

pretende a persuasão. Talvez existam escritos anteriores à Retórica de Aristóteles que tratem

do aprimoramento do uso de códigos linguísticos, mas este é considerado o texto basilar

dentro da formação intelectual greco-latina ocidental.

A presença da oratória, como manifestação discursiva, antecede a retórica. No período

clássico, os bons oradores eram aqueles que “falavam bem”. E esses, que aliavam o discurso a

um estilo próprio para o tema, evocando a eloquência através do refinamento enunciativo do

discurso de acordo com o público, se fizeram notórios durante este momento histórico. Ou

seja, consideravam-se os bons oradores não só aqueles que se expressavam bem (ou somente

1 Considero Retórica o conjunto de conhecimentos referentes ao pensamento da retórica conforme Aristóteles e Quintiliano. E retórica como correspondente à organização dos elementos presentes no estatuto da Retórica.

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através do emprego correto da prosódia), ou que tivessem a eloquência (ou somente através da

forma artística presentes na composição do discurso) para arrebatar as multidões, mas também

soubessem demonstrar a beleza na disposição argumentativa.

Na retórica antiga, a beleza de um discurso não se caracterizava somente pela beleza

com que um discurso era ornado através das figuras de linguagens, caracterizada dentre outros

na construção das narrativas poéticas – fato esse que hoje torna passível de dúvidas a

veracidade de certas narrativas transmitidas e construídas pela forma poética, - mas também

valorizava como estética a capacidade de organização dos componentes do discurso dentro de

uma oração. Na retórica, a distribuição dos elementos linguísticos dentro de uma construção

discursiva era tão importante quanto a mensagem que carregava ou quanto a emoção que

exprimia. E a arte argumentativa abrangia também essas características. Ou seja, o que

caracterizava a beleza do discurso retórico também passava pela disposição dos argumentos

através do arranjo dos elemenos linguísticos, internamente ao discurso.

Um possível traço de construção recorrente a esse tipo específico de retórica

universalizada sejam os ditados e provérbios populares, cuja ressignificação ao longo do

tempo não faz com que suas “propriedades” discursivas se percam. Elas sem dúvida se

alteram, mas ainda assim compõe uma forma de transmissão bastante eficaz (sobretudo de

exemplos cotidianos), na concessão de um ato comunicativo a uma parcela significativa dos

falantes de determinado idioma, indiferentemente da cultura.

Poderíamos ainda, pensar a respeito da origem da palavra Comunicação, cuja

etimologia latina vem de communis, e da grega common, e que atualmente é compreendida

quando representa o sentido de comum. Por comum, podemos compreender a noção de

comunidade de pessoas que partilham dos mesmos interesses e por consequência das mesmas

representações comunicativas (nesse caso, da fala). Não raro, isso pode ser verificado durante

os processos de formação dos Estados nacionais modernos, o incentivo à estruturação da

língua foi uma das primeiras preocupações daqueles que governavam evento esse que

Foucault trata quando na governamentalidade2. Para além da estrturação de uma linguagem

comum que possa ser partilhada por diferentes grupos pertencentes a uma mesma estrutura de

poder, a retórica representa as diferentes disposições para as construções da linguagem

utilizada conforme aquele que profere a mensagem.

2 Conforme o capítulo XVI de Microfísica do Poder.

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No entanto, a organização de tais disposições implica num posicionamento de juízo

argumentativo por parte daquele que profere tal mensagem. O estatuto do orador, conforme

Aristóteles faz depender àquele que enuncia, preza pelo uso responsável do sistema retórico

por parte daquele que profere cuja qualidade da apresentação discursiva (boa ou ruim, por

exemplo) independe da retórica empregada, mas antes do arranjo das disposições que

precedem o discurso. Por este motivo, as diferentes atribuições à retórica se ressignificaram,

na medida em que a formação intelectual humana foi sendo compartimentada. Foucault, em

As palavras e as coisas, aborda em alguns muitos pontos do livro, o momento dessa

compartimentação da produção do saber (bem como dos discursos), através do

desenvolvimento das ciências modernas e de como esse estabelecimento acarretou num

processo de ressignificação da linguagem e do próprio estatuto da linguagem como saber

científico. Através da leitura de Foucault, não é demasiado evidente o momento ou o lugar

onde esse processo se desenrola, por outro lado, o autor oferece alguns indícios que permitem

precisar esse momento entre o século XVII e XVIII,

Nada mais há em nosso saber nem em nossa reflexão que nos traga hoje a lembrança desse ser. Nada mais, salvo talvez a literatura — e ainda de um modo mais alusivo e diagonal que direto. Pode-se dizer, num certo sentido, que a “literatura”, tal como se constituiu e assim se designou no limiar da idade moderna, manifesta o reaparecimento, onde era inesperado, do ser vivo da linguagem. Nos séculos XVII e XVIII, a existência própria da linguagem, sua velha solidez de coisa inscrita no mundo foram dissolvidas no funcionamento da representação; toda linguagem valia como discurso. A arte da linguagem era uma maneira de “fazer signo” — ao mesmo tempo de significar alguma coisa e de dispor, em torno dessa coisa, signos: uma arte, pois, de nomear e, depois, por uma reduplicação ao mesmo tempo demonstrativa e decorativa, de captar esse nome, de encerrá-lo e encobri-lo por sua vez com outros nomes, que eram sua presença adiada, seu signo segundo, sua figura, seu aparato retórico. (FOUCAULT, 2000, p. 53-4)

Inserida num processo histórico de ampla duração, a julgar pela importância a qual a

retórica se insere quando na compreensão e estudo dos textos greco-latinos, a presença da

retórica nas diferentes áreas do conhecimento foi ganhando um contorno próprio à produção

das diferentes formas de expressão, próprias entre aqueles que partilham dessas mesmas áreas

do conhecimento. Ou às práticas que visam a formação de um ethos próprio.

As incorporações à retórica como disciplina ainda se mantém em algumas áreas do

conhecimento, e um exemplo para essa formação própria da retórica, através da retórica e

para a retórica – construída e instituída entre aqueles que procuram imprimir a difusão (bem

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como a persuasão) e a partilha de um determinado saber –, pode ser percebida na instituição

da Diplomática, responsável pela organização e emissão de documentos de ordem

diplomática, não necessariamente pertencentes ao campo da diplomacia.

A retórica de Quintiliano

Em Fedro, Platão questiona o uso da retórica não só para finalidades argumentativas

(o que não contradiz o pensamento de Aristóteles, mas antes o complementa), e reafirma os

elementos retóricos como constituintes para a compreesão filosófica e psicagógica (ou

referente à arte de “conduzir as almas”). Platão apresenta outra maneira de se perceber as

manifestações discursivas, através dos diálogos e, sobretudo em oposição aos filósofos que

faziam uso da retórica como doutrina técnica quando na constituição do pensamento.

Em suma, Platão reinvindica um caráter condutor da retórica, que deve ser explicito

em detrimento da exposição dialética dos filósofos (dialética essa de caráter lógico). O

estabelecimento da filosofia aos gregos pressupõe uma condição de mundo cuja disposição

dos elementos discursivos esteja, mediante comprovação argumentativa (e aí se enquadram as

premissas arranjadas de acordo com a percepção de mundo), organizadas de tal maneira a se

formar um conhecimento comum, dentro daquele universo restrito de possibilidades. É dessa

formação de um conhecimento comum partilhado por um determinado grupo, que se forma

um ethos particular a um determinado grupo detentor de um saber específico, por exemplo.

É dessa formação do ethos que os filósofos procuram imprimir que está a crítica de

Platão, quando em Fedro. Os filósofos procuram na retórica uma maneira de manifestar seu

ethos, argumentando e persuadindo conforme sua constituição enquanto grupo, não

estabelecendo, portanto, qualquer brecha para um contato entre saberes compartilhados

plenamente entre aqueles que partilham do processo comunicativo, conforme a postulação

aristotélica da retórica. Platão escreve Fedro através de figuras de linguagem – não só pelos

diálogos – para impressionar o público (e assim demonstrar a retórica dos filósofos) como

também levando a preocupação moral do uso da linguagem através das diferentes disposições

retóricas, que deveriam antes possibilitar a comunicação entre pessoas de diferentes opiniões

e visões de mundo.

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Confrontando a leitura de Platão sobre a de Aristóteles, é possível perceber um mesmo

estatuto atingido por duas formas diferentes. Platão, utilizando dos diálogos como forma de

linguagem própria da retórica e Aristóteles, que utiliza da retórica uma forma de linguagem

para um diálogo. As duas formas de comunicação são intercambiáveis, da mesma forma que

se pode, ao analisar uma poesia, perceber detalhes do conteúdo mediante uma expressão

comunicativa ao passo que de uma expressão comunicativa, um conteúdo.

Do “edifício” a qual se ocupava a retórica greco-latina, somente algumas das

propriedades constituintes sobreviveram ao longo da Idade Média, fase em que a filosofia

teológica se desenvolve. Durante esse período, marcado pela forte influência ideológica da

Igreja Católica, o próprio conceito de retórica se alterou, decorrendo um progressivo processo

de deslegitimação da Retórica enquanto campo de conhecimento.

No entanto, considerando a retórica conforme os princípios dispostos por Aristóteles,

temos o seguinte (ARISTOTELES, p. 35):

• A distinção de duas categorias formais de persuasão: provas técnicas e provas não

técnicas;

• A identificação de três meios de prova, modos de apelo ou formas de persuasão: a

lógica do assunto, o caráter do orador e a emoção dos ouvintes;

• A distinção de três espécies de retórica: judicial, deliberativa e epidítica;

• A formalização de duas categorias de argumentos retóricos: o entimema, como

prova dedutiva; o exemplo, usado na argumentação indutiva como forma de

argumentação secundária;

• A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na construção dos

argumentos: tópicos especificamente relacionados com cada gênero de discurso;

tópicos geralmente aplicáveis a todos os gêneros e tópicos que proporcionam

estratégias de argumentação, igualmente comuns a todos os gêneros de discurso;

• A concepção de normas básicas de estilo e composição, nomeadamente sobre a

necessidade de clareza, a compreensão do efeito de diferentes tipos de linguagem e

estrutura formal, a explicitação do papel da metáfora;

• A classificação e ordenação de várias partes do discurso.

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Essas são premissas que caracterizam os elementos presentes na retórica, que visam a

persuasão, ou por argumentos discursivos ou por discursos argumentativos. Aristóteles

ofereceu uma maneira de pensar a constituição do discurso oratório que foi difundida por

Quintiliano, já no século I d.C. em Roma. Com Quintiliano, em Institutio Oratoria,

organização dos elementos que compõe a elaboração e execução de um discurso retórico

também conforme Aristóteles consistia na seguinte: eresis ou inuentio (invenção; achar o que

dizer); taxis ou dispositio (disposição; pôr em certa ordem o que se tem a dizer); lexis ou

elocutio (elocução; colocar os ornamentos do discurso); hypocrisis ou pronuntiatio

(pronunciação; proferir o discurso, tendo em vista a dicção e a gesticulação adequadas);

mneme ou memoria (memória; confiar o discurso à memória).

A divisão de Quintiliano à estrutura retórica permitiu a configuração das etapas de

construção discursiva. Através dessa estruturação, a retórica passou a ser um meio para a

compreensão e o desenvolvimento para interpretação dos discursos oratórios na antiguidade.

No entanto, muito pouco desta retórica clássica nos chegou através dos métodos de ensino ao

longo dos séculos, resultado da verdadeira revolução que se desenvolveu no campo da

epistemologia entre os séculos XVI e XVII.

Em linhas gerais, a Retórica greco-latina mantém a retórica de Aristóteles. Por outro

lado Cicero, considerado o maior orador de Roma à época de Quintiliano, defendia a inversão

das disposições do discurso prezando pela inventio ao final, motivo este que levou à adoção

do modelo retórico de Cícero pelos demais oradores. Não obstante, durante os séculos

seguintes a preocupação para com o ensino da Retórica perde influência e terreno, através da

destituição do seu objetivo pragmático imediato. Do ensino da arte da persuasão, a retórica

entendida como a produção de discursos, passou a se ocupar apenas da inventio e da elocutio,

tornando possível a associação da retórica com a expressão do gênero literário. No século

XIX, com o desaparecimento da Retórica nos currículos escolares, outras disciplinas

surgiram, como a estilística, a análise do discurso e a linguiística. Conforme Citelli (2002) em

Linguagem e Persuasão,

A retórica foi, porém, transformando-se em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando até um certo tom pejorativo. Um pouco desta postura se deve a certas visões da retórica, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, para quem já não se tratava mais de uma questão de método compositivo, mas sim de buscar o melhor enfeite, a palavra mais bela, a figura inusual, a expressão inusitada, à moda do ideário estético dos parnasianos. (CITELLI, 2002, p. 8)

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Progressivamente a retórica perdeu seu estatuto, se tornando relegada ao uso estrito

para a formulação de enunciativos onde a beleza e a forma são componentes mais importantes

que o conteúdo que carrega. Um exemplo interessante deste fenômeno pode ser interpretado

pela apresentação de José Murilo de Carvalho, em História intelectual no Brasil: retórica

como chave de leitura. Ali, o autor trata do emprego da eloquência retórica pelos magistrados

brasileiros no período imperial como uma distinção característica daqueles que iam a Coimbra

e pertenciam à Ilha dos letrados. Carvalho aponta uma relação entre “verbalismo e

bacharelismo”, componentes dos discursos daqueles que voltavam para o Brasil. Pois, percebe

nas reformas currícular das universidades portuguesas uma possível gênese para a formação

desta cultura retórica brasileira. Este pensamento abre a interpretação para considerações

acerca do ensino da retórica nas universidades portuguesas, como por exemplo, na disposição

desta disciplina dentro dos currículos universitários.

Carvalho (2000) apresenta este pensamento através da produção de Manoel Bonfim,

que antes de Atravez do Brasil, publicou América Latina, Males da origem, em 1905. Bonfim

era um crítico ferrenho da forma de discurso dos bacharéis, cujo conteúdo considerava “oco e

vazio de sentido”.

Por toda a parte, a verbiagem oca, inútil e vã, a retórica, ora técnica, ora pomposa, a erudição míope, o aparato de sabedoria, uma algaravia afetada e ridícula, resumem toda a elaboração intelectual. O verbocinante é o sábio. [...] Vem daí esta mania de citação, tão generalizada nas elucubrações dos letrados sulamericanos; quem mais cita mais sabe, um discursador é um homem apto para tudo. Aceitam-se e proclamam-se — os mais altos representantes da intelectualidade: os retóricos inveterados, cuja palavra abundante e preciosa impõe-se como sinal de gênio, embora não se encontrem nos seus longos discursos e muitos volumes nem uma idéia original, nem uma só observação própria. (BONFIM, 1993 apud CARVALHO, p. 129)

Para concluir esse pensamento, retorno a Carvalho (2000), que considera esta

característica comum das disposições dos discursos de muitas pessoas públicas no Brasil

novencentista, inclusive por professores. Essa ênfase à elocução, também pode ser encontrada

em Citelli (2002), conforme mencionamos. Nas palavras de Carvalho:

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Não seria difícil multiplicar observações do mesmo gênero. Elas correspondem ao que no século passado se chamava, no discurso político, de “declamação”. A declamação equivale em retórica à parte chamada de elocução, que era sem dúvida do conhecimento dos políticos, professores e advogados da época. Mas o que mais chama a atenção na citação de Manoel Bomfim não é a crítica à retórica vazia. É o estilo retórico em que a crítica é feita. O autor, apesar de sua formação médica, supostamente técnica e baseada no oposto do bacharelismo, isto é, na observação dos fatos e não no brilho da palavra, gasta sete páginas para falar mal da verbiagem e o faz no melhor estilo retórico, florido e cheio de redundâncias e repetições. (CARVALHO, 2000, p. 130)

A origem do dispositivo

A origem do dispositivo como conceito é atribuída inicialmente a Foucault. Ao

investigar a Arqueologia do Saber e numa perspectiva mais ampla, os lugares de manifestação

do poder, Foucault apresenta uma convergência das contingências históricas à

disciplinarização dos indivíduos, na sua relação com o governo – personificado na figura do

Estado –, mas, sobretudo à composição das práticas discursivas em suas subjetivações, uma

vez que a partir do século XVIII, o poder do Estado se amplia na coerção das práticas sociais.

O conceito de dispositivo emerge da polissemia discursiva recorrente à diferentes

áreas do conhecimento científico, não raro se apresentando de forma distinta a essa

classificação enquanto nome, mas antes descrevendo de um modo geral as mesmas funções e

atribuições as quais lhe originaram, ou que pelo menos o cânone histórico lhe atribui a

primazia. Na esteira de vários autores que já se debruçaram a descrever o fenômeno da

disposição do discurso - como Heiddegger, Agamben, Foucault, Peirce, Deleuze, dentre

outros – pretendo aqui uma aproximação entre dispositivo e a dispositio, presentes na retórica

latina clássica. A dispositio, dentro da Retórica, ocupa o lugar da organização do discurso,

pois conforme Aristóteles, a disposição dos elementos discursivos é tão importante quanto o

conteúdo que carrega (inventio), o que por sua vez é mais importante que a forma com que o

discurso se apresenta (elocutio).

Foucault (2000) considera, quando na formação do pensamento lógico cartesiano, uma

reorganização da ordem do discurso mediante as práticas científicas do período, apontando no

desenvolvimento da cientificidade um progressivo combate ao pensamento naturalista,

retomado por alguns contemporâneos, como por exemplo, John Milton. Também em As

palavras e as coisas, Foucault apresenta uma possibilidade para interpretar o nascimento do

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saber através da transformação dos discursos científicos a partir do século XVI ou

simplesmente, na “arqueologia do saber”.

A crítica cartesiana da semelhança é de outro tipo. Não é mais o pensamento do século XVI inquietando-se diante de si mesmo e começando a se desprender de suas mais familiares figuras; é o pensamento clássico excluindo a semelhança como experiência fundamental e forma primeira do saber, denunciando nela um misto confuso que cumpre analisar em termos de identidade e de diferenças, de medida e de ordem. Se Descartes recusa a semelhança, não é excluindo do pensamento racional o ato de comparação, nem buscando limitá-lo, mas, ao contrário, universalizando-o e dando-lhe assim sua mais pura forma. Com efeito, é pela comparação que encontramos “a figura, a extensão, o movimento e outros semelhantes” — isto é, as naturezas simples — em todos os sujeitos onde elas podem estar presentes. E, por outro lado, numa dedução do tipo “todo A é B, todo B é C, logo todo A é C”, é claro que o espírito “compara entre si o termo procurado e o termo dado, a saber, A e C, através dessa relação segundo a qual um e outro são B”. (FOUCAULT, 2000, p. 70-1)

Em suma, a crítica cartesiana estabeleceu um padrão de pensamento mediante uma

metodologia científica que é verificável em algumas áreas do conhecimento humano,

permitindo a construção de “generalizações”, ou a indução ao pensamento mediante uma

generalização. Esse movimento tende a considerar a existência de padrões – comprovados

metodologicamente – inseridos numa ampla gama de possibilidades, o que nem sempre

refletem a realidade. Portanto, no que nos interessa ao estudo da linguagem, este pensamento

induz o significante ao significado, o nome à significação, a forma e o sentido, a parte em

relação ao todo.

No entanto, e ainda em Foucault, percebe-se uma consonância com o pensamento de

John Milton acerca da produção do conhecimento. Apesar de O paraíso perdido ser

considerada sua obra mais expressiva, em 1644 John Milton publica Da Educação. Esta obra,

considerada uma reação ao pensamento escolástico incorporado pelo cientificismo cartesiano,

tem como influência e alvo o pensamento de Juan Luis Vives e Comenius, que pregavam "o

estudo das coisas em vez de palavras, e a natureza ao invés de livros”, conforme Lewalski

(1994).

Ao contrário de Comenius e Vives, que pregavam a educação através da observação

empírica e mediante a formação do caráter moral favorável ao estudo da natureza, Milton foi

rejeitado na época por defender um modelo educativo baseado na leitura da grande literatura

clássica, integrando-a nas “artes orgânicas” como a retórica e a lógica. Essas artes se

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encontram na obra de Milton antes como uma finalidade para o aprendizado do que como um

estudo meramente introdutório. Milton foi um dos últimos pensadores a considerar o estatuto

da retórica no ensino, utilizando o ferramental “teórico” da Retórica como finalidade de

ensino, como meio para se ensinar e compreender o mundo mediante a disposição da

linguagem. O descrédito ao pensamento de Milton inaugura o início da extinção da Retórica

dentro da pedagogia moderna, progressivamente desprestigiada pelas futuras metodologias de

ensino, baseadas em larga medida através de Comenius.

Para além de Foucault, o estudo das disposições discursivas numa determinada oração

está diretamente relacionado tanto à Retórica (entendida como campo de conhecimento) como

ao conceito de dispositivo, conforme se configura em diferentes autores. Na mesma medida,

essas diferentes leituras teóricas são orientadas para variados meios, de forma que é possível

encontrar no campo da Comunicação diferentes leituras orientadas para as produções audio-

visuais ou através da semiótica, por exemplo.

No entanto, pretendo a aproximação entre a natureza das disposições que orientam os

dispositivos quando em produções textuais, que nesta pesquisa se configuram através de

contos poéticos presentes em uma obra literária transformada em livro didático. Trata-se,

portanto, de dispositivos presentes em textos literários. Giorgio Agamben em O que é um

dispositivo? faz uma leitura análoga a Foucault através da formação do pensamento cristão

através da Santíssima Trindade, percebendo no estabelecimento da economia divina

(oikonomia) a gênese para uma disposição do pensamento cristão.

Agamben reconhece na formação discursiva dos textos sagrados, a construção de uma

ordem do discurso que não se perde em si mesma, mas que ao contrário, se complementa. A

racionalização da Trindade divina nas narrativas bíblicas tornou-se indissociável em si

mesma, de modo que não existe a separação entre Deus, Jesus e Espírito Santo, ou Pai, Filho

e Espírito Santo. Por outro lado, é possível perceber uma aproximação do pensamento de

Agamben com relação à teoria de Bourdieu sobre a Economia das Trocas Línguísticas,

quando este trata da formação de um habitus linguístico.

Quando, no decorrer do segundo seculo, se começou a discutir sobre uma Trindade de figuras divinas, o Pai, o Filho e o Espírito, houve, como era de se esperar, no interior da igreja uma fortíssima resistência por parte dos seus mentores que pensavam com temor que, deste modo, se arriscava a reintroduzir o politeísmo e o paganismo na fé cristã. Para convencer a estes obstinados adversários (que foram

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finalmente definidos como "monarquianos", isto é, partidarios do governo de um só) teólogos como Tertuliano, Hipólito, Irineu e muitos outros não encontraram melhor maneira do que se servirem do termo oikonomia. O argumento destes era.o seguinte: "Deus, quanto ao seu ser e a sua substancia, e, certamente, uno, mas quanto a sua oikonomia, isto e, ao modo pelo qual administra a sua casa, a sua vida e o mundo que criou, e, ao invés, tríplice." Como um bom pai confiara ao filho o desenvolvimento de certas funções e de certas tarefas, sem perder para este o seu poder e a sua unidade, assim Deus confia a Cristo a "economia", a administração e o governo da história dos homens. O termo oikonomia foi assim se especializando para significar de modo particular a encarnação do Filho e a economia da redenção e da salvação (por isso em algumas das seitas gnósticas Cristo termina por se chamar "o homem da economia", ho anthropos tes oikonomias). Os teólogos se habituaram pouco a pouco a distinguir entre um "discurso - o logos - da teologia" e um "logos da economia" e a oikonomia converteu-se assim no dispositivo mediante o qual o dogma trinitário e a idéia de um governo divino providencial do mundo foram introduzidos na fé cristã. (AGAMBEN, 2007, p. 12)

Agamben percebe nessa disposição um ponto de convergência ao pensamento de

Foucault, Hegel e Heidegger. No entanto, apesar de não mencionar o estatuto clássico

atribuído à retórica de Quintiliano - que justamente dispôs o espaço para a construção dos

discursos – traz na disposição do pensamento cristão medieval o cerne da mentalidade que

norteou boa parte da filosofia autorizada pela Igreja Católica. Ainda conforme Agamben, essa

disposição tal qual se verifica nas diferentes leituras de distintas épocas, pressupõe um terreno

comum de expressão, onde os falantes, mesmo de códigos linguísticos diferentes, estejam,

grosso modo, de comum acordo quanto a certos propósitos da mensagem transmitida,

subjetivamente.

Penso tambem que, atraves desta exposição sumária, vocês tenham se dado conta da centralidade e da importancia da função que a noção da oikonomia desempenhou na teologia cristã. Em particular, ela se funda com a noção de providência, e vai significar o governo salvífico do mundo e da história dos homens. Pois bem: qual e a tradução deste fundamental termo grego nos escritos dos padres latinos? Dispositio. O termo latino dispositio, do qual deriva o nosso termo "dispositivo", vem, portanto, para assumir em si toda a complexa esfera semantica da oikonomia teológica. Os "dispositivos", dos quais fala Foucault, estão de algum modo conectados com esta herança teológica, podem ser de algum modo reconduzidos a fratura que divide e, ao mesmo tempo, articula em Deus ser e praxis, a natureza ou a essencia eo modo em que ele administra e governa o mundo das criaturas. À luz desta genealogia teológica, os dispositivos foucaultianos adquirem uma importancia ainda mais decisiva, em um contexto em que estes se cruzam nao somente com a "positividade" do jovem Hegel, mas tambem com a Gestell do último Heidegger, cuja etimologia e analoga aquela da dis-positio, dis-ponere (o alemao stellen corresponde ao latim ponere). Quando Heidegger, em Die Technik und die Kehre, escreve que Ge-stell significa comumente "aparato" (Gerät), mas que ele entende com este termo "o recolher-se daquele (dis)por (Stellen), que dis(põe) do homem, isto é, exige dele o desvelamento do real sobre o modo de ordenar (Bestellen)", a proximidade deste termo com a dispositio dos teologos e com os dispositivos foucaultianos e evidente. Comum a todos esses termos e a referencia a uma oikonomia, isto e, a um conjunto

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de praxis, de saberes, de medidas, de instituições cujo objetivo e de administrar, governar, controlar e orientar, em um sentido em que se supõe util, os comportamentos, os gestos e os pensamentos dos homens. (AGAMBEN, 2007, p. 13)

Ainda que a análise de Agamben traga luz à presença das disposições no âmbito dos

discursos teológicos, lança questionamentos para a reflexão de temas contemporâneos,

ancorados em temas transversais interdisciplinares. A partir da mesma leitura de Foucault,

Deleuze (1990) apresenta o dispositivo como uma determinada subjetivação que transmuta a

interação entre a linguagem e o discurso, mas antes a algo que constitui o próprio discurso. O

dispositivo se reinventa conforme as disposições a qual o discurso – como objeto, como

sentido e como meio – se apresenta. Por último, Deleuze nos lembra que estamos todos, de

algum modo, ligados a dispositivos e neles agimos. E que o dispositivo, agente motriz do

mundo, mas também sempre resultado desse mundo, tende à atualização ao novo. Por isso,

pode-se dizer que a atualidade de um dispositivo é sempre a novidade de um dispositivo em

relação aos que o precederam (BRUCK, 2012).

O novo é o atual. O atual não é o que somos, mas aquilo em que vamos nos tornando, aquilo que somos em devir, quer dizer, o Outro, o nosso devir- Outro. É necessário distinguir, em todo o dispositivo, o que somos (o que não seremos mais) e aquilo que somos em devir: a parte da história e a parte do atual. (DELEUZE, 1990, p.160)

Tanto Foucault quanto Deleuze apresentam o dispositivo a partir das instituições para

a coerção social, cuja ordem de discurso se reflete em construções onde o Estado se

materializa como agente de coerção ou ainda através das práticas subjetivadoras com mesmo

fim. No entanto, os dispositivos podem ser percebidos também quando na produção de uma

retórica específica. Mediante determinadas disposições discursivas, os dispositivos podem ser

percebidos como um signo interpretativo, não necessariamente padronizado e datado mas

antes integrado às formas e disposições a qual serve.

No texto A gênese do conceito de dispositivo e sua utilização nos estudos midiáticos,

Otávio Klein apresenta um levantamento sobre o conceito nas ciências da comunicação, cuja

abrangência se dá através dos estudos que tratam de produções audio-visuais.

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A utilização do conceito tem, em diferentes campos do conhecimento, uma espécie de véu que cobre a sua gênese. A maioria dos autores nas ciências de comunicação, por um lado, pressupõem a sua origem e não a explicitam e suas elaborações. Por outro, o conceito é utilizado, principalmente, na sua forma unidimensional. Por grande parte dos autores que o utilizam nos estudos sobre os media, ele é confundido como sendo algo estritamente técnico ou tecnológico. Em outros o conceito deixa de ser técnico-tecnológico, mas ainda aparece como sendo unidimensional, destacando uma das outras dimensões. Ora ele aparece em sua dimensão socioantropológica, ora se destaca como linguagem. (KLEIN, 2007 p.215)

Neste mesmo texto, também aponta em Foucault a gênese para o conceito, pois os

dispositivos carregam as constituições discursivas através de um amplo discurso social, Klein

apresenta a perspectiva de Daniel Peraya como inserida numa perspectiva mais ampla,

ancorada na tríade entre a sociedade, a tecnologia e a linguagem. A abordagem de Peraya para

os dispositivos é a que mais se aproxima com a nossa investigação, uma vez que esta é mais

tangível aos estudos comunicativos presentes em fontes textuais. Ademais, a proposta de

Peraya está também relacionada à teoria de Peirce. Conforme Klein,

Os estudos de Daniel Peraya (1999) apresentam uma perspectiva teórica que ultrapassa a unidimensionalidade do dispositivo midiático, ou seja, acrescenta um passo importante numa perspectiva mais ampla. Sua proposta para os dispositivos midiáticos é triádica, onde estão em destaque a sociedade, a tecnologia e a linguagem. O dispositivo aparece como um lugar das interações entre os três universos: uma tecnologia; um sistema de relações sociais; um sistema de representações. A proposta de Peraya se limita em destacar as diversas dimensões, mas ainda com um sentido de fechamento. Não reconhece que as operações que se dão no interior de cada uma, já são, uma presença relacional das outras dimensões. A teoria triádica de Charles Sanders Peirce é a base que buscamos para compreender a multidimensionalidade dinâmica do dispositivo. Em sua teoria geral dos signos o filósofo da lógica apontou diversas tríades como forma de explicar os fenômenos na sociedade. A primeira delas apresenta três categorias elementares: a primeiridade (qualidade); a secundidade (realidade da existência); e a terceiridade (mediação, generalidade, representação e interpretação). Entre as três, existe uma profunda implicação, ou seja, a primeiridade está implicada na secundidade e ambas na terceiridade. Uma outra chave da teoria triádica de Peirce é revelada na formulação da semiótica para a teoria social contemporânea, onde “todo o significado consiste em um contínuo processo sígnico de atos comunicativos orientados para fins últimos (. . . ). Um sígno consiste na representação triádica de algum objeto para um signo que interpreta, ou interpretante” (ROCHBERG-HALTON, 1986, p. 6). Há ainda outra classificação triádica em Peirce, muito simples. Trata-se dos símbolos, índices e ícones. Os símbolos transmitem significados em razão de uma convenção ou regra, exemplo disso são os simbolos lingüísticos. Os índices transmitem informação ao serem modificados por seus objetos, como exemplo, temos a biruta, que indica a direção do vento. Os ícones transmitem informação ao incorporar qualitativamente o seu objeto, exemplificando, temos a pintura que representa a si mesma em suas

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próprias qualidades. Portanto, a teoria triádica de Peirce é a multidimensionalidade em relação. (KLEIN, 2007 p. 217-18)

A multidimensionalidade de Peirce é a própria disposição discursiva, mediante

símbolos linguísticos os índices se convertem numa tipologia semelhante a uma classificação,

tal qual um modelo taxionômico dinâmico e que se modifica conforme os processos

enunciativos.

Na linguagem escolar

Em termos de tecnologias em uso na escola é possível encontrar o conceito de

dispositivo quando na abordagem de meios e recursos disponíveis à educação em sala de aula.

Inseridos num pensamento mais amplo, essas aproximações tendem a perceber as

incorporações tecnológicas a partir da escola, através da instrumentalização dos recursos que

aperfeiçoam o aprendizado escolar. Por outro lado, nossa abordagem com esta discussão é

trazer luz ao uso deste conceito também através do estudo da linguagem, visando uma

interpretação crítica mediante a decodificação das disposições textuais.

No contexto pedagógico, as diferentes ferramentas utilizadas para o ensino ou o

conjunto de técnicas dispostas à ação pedagógica podem ser considerados também

dispositivos. Bernstein (1990) traz a reflexão acerca da organização de um modelo de análise

que permita o reconhecimento de uma gramática do discurso, através das disposições lógicas

em cuja transmissão opera os dispositivos. Para Bernstein, é necessária a distinção entre o que

é transmitido, o que entendemos como a mensagem transmitida e as maneiras de transmissão,

que compreende as disposições do discurso, internas à mensagem.

O pensamento de Bernstein que visa o reconhecimento de uma gramática da ordem do

discurso dialoga com o que propõe Martín-Barbero quando estuda literatura de cordel (1991)

na Espanha e o colportage na França, ambos surgidos no século XVI. Nesse momento

histórico, segundo ele, esse tipo de literatura que surge voltada a uma parcela da população

iletrada, fez emergir outra tipologia da leitura através da recepção coletiva.

Pero no sólo es medio; el pliego de cordel es mediación. Por su lenguaje, que no es alto ni bajo, sino la revoltura de los dos. Revoltura de lenguajes y religiosidades. En

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eso es que reside la blasfemia. Estamos ante otra literatura que se mueve entre la vulgarización de lo que viene de arriba y su función de válvula de escape a una represión que estalla en tremendismo y burla. Que en lugar de innovar estereotipa, pero en la que esa misma estereotipia del lenguaje o de los argumentos no viene sólo de las imposiciones que acarrea la comercialización y adaptación del gusto a unos formatos, sino del dispositivo de la repetición y los modos del narrar popular. (MARTÍN-BARBERO, p. 113)

Conforme Martín-Barbero, tomando a literatura de cordel como exemplo, a mediação

é o meio, o meio como o discurso se apresenta é o que determina sua recepção. Todavia,

Martín-Barbero percebe, nas mudanças nas disposições dos signos textuais ao longo dos

séculos, uma progressiva exclusão das sociedades quando na produção de discursos de ordem

identitária. Um dos motivos que aponta como causa para este fenômeno, está na perda da

relação entre produtor cultural e o produto culturalmente produzido. As narrativas populares

perderam o sentido em si mesmas. As disposições, na ordem da construção tipográfica

relacionada ao mercado editorial, acabaram por codificar as produções narrativas – de

maneira proposital e articulada às próprias contingências históricas a qual foram inseridas – a

partir da fragmentação dos discursos. De certa forma, este pensamento dialoga com Foucault

(2000):

A linguagem não é o que é porque tem um sentido; seu conteúdo representativo que, para os gramáticos dos séculos XVII e XVIII terá tanta importância a ponto de servir de fio condutor para suas análises, não tem aqui papel a desempenhar. As palavras agrupam sílabas e as sílabas, letras, porque há, depositadas nestas, virtudes que as aproximam e as desassociam, exatamente como no mundo as marcas se opõem ou se atraem umas às outras. O estudo da gramática repousa, no século XVI, na mesma disposição epistemológica em que repousam a ciência da natureza ou as disciplinas esotéricas. As únicas diferenças são: há uma natureza e várias línguas; e, no esoterismo, as propriedades das palavras, das sílabas e das letras são descobertas por um outro discurso que permanece secreto, enquanto na gramática são as palavras e as frases de todos os dias que, por si mesmas, enunciam suas propriedades. A linguagem está a meio caminho entre as figuras visíveis da natureza e as conveniências secretas dos discursos esotéricos. É uma natureza fragmentada, dividida contra ela mesma e alterada, que perdeu sua transparência primeira; é um segredo que traz em si, mas na superfície, as marcas decifráveis daquilo que ele quer dizer. É, ao mesmo tempo, revelação subterrânea e revelação que, pouco a pouco, se restabelece numa claridade ascendente. (FOUCAULT, 2000, p. 47).

As narrativas populares, retomando a Martín-Barbero, surgiram no mesmo momento

histórico em que se inicia a fragmentação do conhecimento humanista, na formação dos

Estados Modernos, na constituição de estatutos e temáticas limítrofes entre os campos do

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conhecimento. Com a instituição das disciplinas escolares, emerge o ethos próprio a cada

ciência recém-constituída, cujos princípios estão na ordem da objetividade e do rigor ao

método científico, conforme o modelo cartesiano. As práticas narrativas se ressignificam de

acordo com os grupos sociais detentores dos modos de produção científica. O conhecimento

tradicional e o saber populares são deslegitimados na mesma intensidade que o cartesianismo

se consolida como modelo científico.

A proposta teórica de Martín-Barbero para a Educação trata do âmbito da

reconfiguração das práticas discursivas, pela reformulação das produções culturais e da

necessidade de restituição da produção de sentidos comunicativos por aqueles que dele foram

excluídos. Ou seja, promover uma reconversão cultural das práticas comunicativas, buscando

na constituição da alteridade dos grupos socialmente marginalizados quando na produção das

práticas comunicativas um fortalecimento para a compreensão das práticas sociais

agregadoras mediadas através da Educação. Por este motivo, a abordagem de Martín-Barbero

apresenta, na recepção e na transformação da comunicação de massa, um meio para a

emancipação política.

Venimos de una investigación en comunicación que pagó durante mucho tiempo su derecho a la inclusión en el campo de las legitimidades teóricas con el precio de la subsidiaridad a unas disciplinas, como la psicología o la cibernética, y que ahora se apresta a superar esa subsidiaridad a un precio mucho más caro aún: el del vaciado de su especificidad histórica por una concepción radicalmente instrumental como aquella que espera que las transformaciones sociales y culturales serán efecto de la mera implantación de innovaciones tecnológicas. La posibilidad de enfrentar adecuadamente esa coartada pasa por la capacidad de comprender que "el funcionamiento del aparato tecnológico-institucional que se está preparando con la reconversión depende en gran medida de una reconversión paralela de la utilización social de la cultura. Por esa razón un conflicto, hasta ahora tenido por superestructural, se va a solventar a nivel de la estructura misma de producción". Pasa entonces más que por unas "políticas de comunicación", por una renovación de la cultura política capaz de asumir lo que hoy está en juego en las políticas culturales. En las que no se trata tanto de la administración de unas instituciones o la distribución de unos bienes culturales, sino de "un principio de organización de la cultura, algo interno a la constitución de lo político, al espacio de producción de un sentido del orden en la sociedad, a los principios de reconocimiento mutuo". (MARTÍN-BARBERO, 1991, p. 227)

Em Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire ressalta a necessidade do educador em

buscar a dialogicidade com os educandos, esabelecendo uma relação de criticidade entre esses

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e o mundo. Afinal, a educação não é mercadoria e o professor não é somente um instrumento

disciplinador.

Quanto mais se adaptam as grandes maiorias às finalidades que lhes sejam prescritas pelas minorias dominadoras, de tal modo que careçam aquelas do direito de ter finalidades próprias, mais poderão estas minorias prescrever. A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram como eficientes instrumentos para este fim. Daí que um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos dos que a realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico. Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos “conhecimentos”, no chamado “controle de leitura”, na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há, sempre a conotação “digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro. Entre permanecer porque desaparece, nma espécie de morrer para viver, e desaparecer pela e na imposição de sua presença, o educador “bancário” escolhe a segunda hipótese. Não pode entender que permanecer é buscar ser, com os outros. É con-viver, simpatizar. Nunca sobrepor-se, nem sequer justapor-se aos educandos, des-simpatizar. Não há, permanência na hipertrofia. Mas, em nada disto pode o educador “bancário” crer. Conviver, simpatizar implicam em comunicar-se, e o que a concepção que informa sua prática rechaça e teme. Não pode perceber que somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isto, o pensar daquele não pode ser um pensar para estes nem a estes imposto. Daí que não deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em torno, repitamos, de uma realidade. (FREIRE, 1994 p. 36-7)

Portanto, para Paulo Freire, educar é comunicar. E em seu pensamento, o comunicar

não se trata somente em decodificar os discursos, mas descodificar a linguagem através das

disposições do mundo e o mundo através das disposições da linguagem. Através do

pensamento de Paulo Freire e Jesus Martín-Barbero, compreendo nos dispositivos lugares de

questionamento, de produção de sentidos e, sobretudo, na decodificação dos discursos através

da linguagem.

Neste movimento, a prática comunicativa chega a aqueles que aprendem, não

reproduzindo, mas produzindo infromação. Com isto, a consciência de mundo se amplia na

medida em que o conhecimento e a maneira como se produz é decodificada. Perceber a

ressignificação dos meios comunicativos em práticas educativas permite compreender a

constituição dos discursos, e consequentemente das finalidades com que foram desenvolvidos.

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Capítulo 3 – Os dispositivos em Contos Infantis

A significativa produção de obras escolares ao final do século XIX foi vital para a

consolidação do mercado editorial de livros didáticos. No Brasil, a produção desse tipo de

literatura, voltada a um público infantil, surge quase às vésperas da República como resposta

às traduções oriundas do francês que chegavam através de traduções feitas em Portugal.

Didaticamente, a Literatura foi o fio condutor das mudanças que se operavam à nivel da

instrução e dos meios de ensino e aprendizagem num período onde a quase totalidade da

população não era alfabetizada.

Num mercado que dispunha apenas das adaptações e traduções dos clássicos infantis

europeus em edições portuguesas, através de um código linguístico bastante distante do

português usado no Brasil, havia a necessidade urgente de uma adaptação à variação brasileira

da língua portuguesa. Como elementos agregadores a este processo, os livros escolares

produzidos no Brasil são extremamente valorizados por intelectuais e educadores que

ressaltavam a relevância de uma produção didática voltada ao público infantil. Nesse sentido,

se, por um lado, a preocupação com os futuros leitores levou ao afastamento das matrizes

européias, por outro reafirmou a essa literatura a função de modelo.

A partir de meados da década de 1880, o panorama editorial no Brasil começou a

mudar, com a tradução e a adaptação de várias obras estrangeiras, dentre elas, Contos Infantis,

escrito por Adelina Lopes Vieira e Júlia Lopes de Almeida. Inspiradas em uma publicação

literária francesa datada da década de 1860, as autoras escrevem uma obra voltada às crianças

numa linguagem acessível e familiar ao público infantil. A produção literária de Adelina e

Júlia Lopes, em Contos Infantis foi objeto de estudo de inúmeros pesquisadores, sobretudo no

campo da História da Educação. No entanto, chama a atenção à maneira como esta obra,

representante de um gênero literário bastante específico, chega à escola brasileira do final do

século XIX.

Este capítulo trata da obra Contos Infantis a partir do conceito de dispositvo

pedagógico, que pode abarcar o objeto e as práticas que o constituíram, não somente em

âmbito escolar.

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De La comedie enfantine a Contos Infantis

Júlia Lopes de Almeida foi viveu parte da infância em Campinas (SP). Em 1881,

quando as mulheres mal iniciavam carreira literária em jornais no Brasil, inciou sua carreira

publicando no semanário A Gazeta de Campinas. Posteriormente, também colaborou em

diversos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, como O País, Jornal de Comércio,

Ilustração Brasileira, dentre outros. Foi escritora de grande sucesso, de romances, crônicas e

peças de teatro.

Adelina Lopes Vieira, irmã de Júlia, foi escritora, contista e teatróloga. Formou-se

professora pela Escola Normal do Rio de Janeiro, também colaborou em periódicos do Rio de

Janeiro e escreveu inúmeras obras infantis. Publicado em 1886, inicialmente em Portugal e

posteriormente no Brasil, Contos Infantis é uma obra escolar constituída por 58 contos,

dividida em 31 poemas assinados por Adelina e 27 histórias escritas por Júlia. Dos 31

poemas, 17 são traduções de La comédie enfantine, um livro de poesias infantis escrito por

Louis Ratisbonne por volta de 1860.

A influência de La comédie enfantine sobre a produção das autoras, bem como a

disposição dos poemas adaptados em Contos Infantis, se faz visível na intenção emancipatória

e moralizante que se tenta imprimir:

No livro de Ratisbonne podiam-se encontrar poemas com mais de 50 versos. Talvez as irmãs os soubessem de cor. Os versos traduzidos tinham um conteúdo moralizante que podia ou não remeter a uma cultura religiosa, mas que difundia um ideal civilizatório, como de resto toda La comédie enfantinne, e, mesmo, Contos Infantis. O fato de serem aprendidos de cor, como unidades inteiras, e de partilharem como o livro brasileiro uma mesma referência instrutiva e moral pode ter colaborado na redisposição dos poemas no interior de Contos Infantis. Julia e Adelina não conservaram nem a sequência nem a disposição dos poemas do original de Ratisbonne. Intercalaram-lhe narrativas e poemas de sua própria lavra e misturaram poemas dos quatro livros de La comédie enfantinne (VIDAL, 2005, p.101 e 102).

Através dessa afirmação, podemos refletir sobre a própria produção de Contos Infantis

através de La comédie enfantine, não somente sobre os contos em poesias, mas também

aqueles em prosa. Contudo, mesmo com a distância temporal do objeto e bem como do

código linguístico predominantemente utilizado nas publicações brasileiras daquele período,

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tenho a intenção de não cair na armadilha da composição de uma análise do discurso que

preze pela situação do texto em seu lugar enunciativo.

Neste caso, porém, trata-se da tradução de uma obra literária infantil em francês em

uma obra didática da escola brasileira. Apesar de La comédie enfantine tratar de temas

relacionados às crianças, esta era uma publicação dirigida às mães. Esta intenção se apresenta

logo no prefácio da obra3, escrita por P.J.Stahl, pseudônimo do editor Pierre-Jules Hetzel.

Hetzel, quando na publicação de La comédie enfantine, já era um respeitado editor de

obras infantis. E Louis Ratisbonne, que além de A Divina Comédia de Dante Alighieri,

também traduziu Der Struwwelpeter, de Heinrich Hoffmann e também editada por Hetzel.

Contudo, chama atenção o fato de Ratisbonne utilizar o pseudônimo TRIM ao assinar a

tradução. Ao que indicam as fontes do acervo digitalizado da Bibliothèque nationale de

France4, pode ser que a tradução de Der Struwwelpeter seja a primeira incursão de Louis

Ratisbonne à literatura infantil, também por volta de 1860.

Der Struwwelpeter é uma obra infantil tão conhecida na Alemanha quanto os Irmãos

Grimm, por exemplo. Próximo ao natal de 1844, Heinrich Hoffmann foi até Frankfurt

procurando um presente para seu filho, então com três anos de idade. Procurava ele uma

história para crianças, mas que não fosse moralista ou com narrativas entediantes. Chegando à

cidade, não encontrando nenhum livro do seu agrado, retorna para casa com um caderno em

branco e decide escrever um livro para o filho. E escreveu, sem nem pensar em se tornar

escritor de obras infantis. Assim surgiu, em 1845 Lustige Geschichten und drollige Bilder für

Kinder von 3–6 Jahre. Porém, este título mudou na 4a edição, chamando-se definitivamente,

de Strowwelpeter.

Porém, no Brasil este título foi traduzido como João Felpudo ou Histórias divertidas

com desenhos cômicos do Dr. Heinrich Hoffmann. O nome João Felpudo remete ao

personagem da capa, que aparece tanto nas edições alemãs quanto brasileiras: um menino que

não tomava banho, não cortava as unhas e que por consequência disto, não tinha amigos ou

pessoas próximas, horrendo. Este é um dos contos da obra, os outros tratam da menina que ao

brincar com fósforos morre queimada ou do garoto que brincava com o pé da cadeira se

balançando na mesa e perde o equilíbrio derrubando tudo, e etc.

3Disponível nos anexos desta pesquisa. 4 Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5476770t.image.f1.langEN. Acesso em 28/02/2012.

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A editora Melhoramentos começou a editar esta obra, com tradução de Guilherme de

Almeida, a partir de 1942. Até 1950, com a 5ª e última edição, a tiragem total seria de 36 mil

exemplares. Contudo esta não é a primeira edição brasileira, pois 8 edições desta obra foram

publicadas pela editora Laemmert, também ao final do século XIX5 e contemporâneas aos

Contos Infantis de Adelina e Júlia.

Quando no artigo sobre a tradução de Lições de coisas, de N.A.Calkins por Rui

Barbosa, Luciano Faria Filho aponta a necessidade de um trato mais atento dos pesquisadores

na área da Educação acerca dos processos tradutórios em textos de ordem pedagógica. A

publicação de Lições de coisas data de 1886, contemporânea a Contos Infantis.

O campo de pesquisa sobre tradução é, hoje, uma área de investigação já bastante consagrada e em franco desenvolvimento. Um dos indícios disso é, sem dúvida, o volume de publicações dedicadas ao tema. Observa-se, no entanto, que, no Brasil, se é razoavelmente fácil encontrar estudos sobre a teoria da tradução em geral e sobre a tradução literária, em particular, os trabalhos sobre alguns outros temas, como a história da tradução no Brasil ou sobre a tradução pedagógica, são escassos ou, praticamente, inexistem. A respeito da tradução de textos pedagógicos, mesmos os estudos dedicados à investigação de textos didáticos pedagógicos e científicos para uma história cultural da escolarização e das culturas escolares em nosso país, importância essa que pode ser estimada tanto pelo volume das traduções quanto, sobretudo, pela importância relativa de alguns aspectos que poderiam ajudar a melhor precisar um novo objeto de investigação na área da história da educação brasileira. (FARIA FILHO, 2007, p. 600)

Esta afirmação é bastante oportuna a esta investigação, pois os processos tradutórios

explicam, de certa forma, a escolha por determinadas disposições discursivas. Como exemplo,

nas traduções em Contos Infantis, boa parte das escolhas lexicais feitas pelas autoras preza

pela sonoridade do texto, prezando pela rima e a métrica.

Outra discussão interessante é a diferença entre adaptação e tradução. As autoras,

Júlia e Adelina, adaptaram os contos de Ratisbonne, deram nomes brasileiros aos

personagens, acrescentaram versos aos poemas para adequar às rimas e apresentaram as

possibilidades de leitura que julgaram mais adequadas. Porém, compreendemos a adaptação

quando inserida num processo tradutório que pressupõe uma dialogicidade cultural, mediada

entre a voz do narrador do texto fonte e a voz do tradutor (O’SULLIVAN, 2006 p. 98).

5 Estas informações constam na página do acervo do Centro de Referência em Educação Mário Covas. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=infantil01. Acesso em 28/02/2012.

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Sobre o ato tradutório em poesias, é interessante ressaltar a sensibilidade ao tradutor às

suas escolhas, o que pode também caracterizar um determinado estilo tradutório. Por este

motivo trago a definição de Maria João Pires (2001), que investigou a tradução da poesia de

Shakespeare, Poe, Baudelaire, dentre outros.

Pressupõe-se pois na escrita poética o emprego especial de uma dada língua natural que a diferencia de escritas ditas de outros tipos, obrigando evidentemente o tradutor a ter em consideração um conjunto de características distintivas. Por assentar em técnicas de prosódia e versificação, mais ou menos presentes segundo as correntes ou movimentos subjacentes, por partilhar o seu meio de expressão – as palavras – com outras formas de comunicação, a poesia tem sido desde sempre o centro da controvérsia sobre a possibilidade ou impossibilidade da tradução. Lembremos a este propósito Coleridge: “in poetry, in which every line, every phrase, may pass the ordeal of deliberation and deliberate choice, it is possible, and barely possible, to attain the ultimatum which I have ventured to propose as the infallible test of a blameless style; namely: its untranlatablenes in words of the same language without injury to the meaning”. (PIRES, p. 61)

Na tradução dos poemas para uma formatação didática no texto escolar, podemos

perceber nas escolhas tradutórias das autoras a partir do original em francês, uma

interpretação balizada pelos elementos sonoros, como a rima e a prosódia.

A escola forma, em seu espaço próprio, sujeitos que lêem, escrevem, mas também ordenam o mundo conforme as categorias que o corpus dos textos e a palavra do professor tornam quase naturais. Comunidade de interpretação inaugural, a escola é obrigada a produzir uma recepção compartilhada dos textos, pelo único fato de que, sem a certeza do sentido, não haveria nem ensino possível, nem aprendizagem. As aprendizagens iniciais não são, portanto, como se acredita, saberes neutros, puramente instrumentais, prontos para qualquer uso. (HÉBRARD, 2007 p. 77)

Através da leitura de Jean Hébrard, ao tratar da composição das metodologias e

materiais didáticos na França do século XIX, pude perceber que Contos Infantis não se

apresentava de maneira muito distinta às demais publicações escolares francesas do mesmo

período. Na realidade, poderíamos refletir sua publicação no Brasil quando inserida num

processo de produção editorial mais amplo. Hébrard apresenta a produção de um determinado

tipo de literatura produzida para a escola francesa, quando na virada do século XIX. Esta

abordagem permite situar Contos Infantis, como um dispositivo pedagógico, quando inserido

num contexto escolar mais amplo, próprio do seu tempo e marcadamente universalista.

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Nos anos 1900, uma vez que tivessem aprendido a decifrar em um “método” (assim chamado o livrinho do curso preparatório, no qual se efetuavam as primeiras aprendizagens), os alunos dispunham geralmente de um manual único, o “livro de leituras”, no qual eram reunidos todos os saberes úteis ao escolar. Um exemplo é o Leituras correntes, várias vezes reeditado, cujo subtítulo (“o que se deve saber”) mostra bem sua pretensão. Seu conteúdo (moral, higiene, história, ciências físicas e naturais, viagens, economia doméstica, arquitetura, escultura, cerâmica, pintura) parece um inventário surrealista, desprovido de qualquer lógica. As informações dadas em certos prefácios deixam entrever o “modo de usar” previsto. Cada leitura quotidiana era também uma nova lição, numa sucessão semanal de temas (cada segunda-feira, uma lição de moral, cada terça-feira, uma lição de higiene etc.). Os alunos deveriam ler e reler em turno, em voz alta, depois responder às frases do professor, com frases tiradas, palavra por palavra, de um texto cuja dificuldade e comprimento aumentavam, quando se passava do curso elementar ao médio, e depois ao superior. Encontramos, assim, num livro para o ensino católico, a seguinte exposição: “A análise do texto dá as grandes divisões. O professor retomará, inspirando-se nos parágrafos e até nas frases principais: Há um Deus? Como se apresenta a sua existência? Esta verdade apóia-se sobre provas?”. Para as demais lições, com conteúdos profanos (noções de ciências naturais, agricultura, economia doméstica, relatos históricos e anedóticos etc.), o procedimento era o mesmo. Nos manuais para as escolas laicas, desapareceram os conteúdos religiosos, mas a forma pedagógica ainda era a do catecismo (ler para aprender e recitar). Cada lição era uma unidade completa e fechada, como um artigo de dicionário. Os saberes abordados pertenciam tanto às várias prescrições de “bom comportamento” quanto às curiosidades científicas e culturais, cuja tradição remonta o século XVIII6. No século XIX, essa veia foi explorada em livros preparados pelos grandes editores (Hetzel, Hachette), mas também em periódicos instrutivos para uso da juventude. Depois de ter agradado o público culto, seguido pelas crianças da burguesia, esse gênero literário transtormou-se naturalmente em manual escolar para as crianças do povo. A organização quotidiana das aulas era particularmente apta à coexistência dos saberes instrutivos com as exortações morais, dos conselhos higiênicos com as descrições de “usos e costumes”, sem a preocupação com a coerência geral. (HÉBRARD, 2007 p.59-60)

Esta afirmação é bastante interessante a esta investigação, pois permite desvelar outros

processos de incorporação de obras literárias à escola, uma vez que a literatura infantil do

público francês de 1860 chega como manual à escola pública brasileira da virada do século

XIX. A partir dos elementos descritos por Hébrard como característicos a essas obras de

cunho escolar, podemos considerar algumas pistas para a definição dos dispositivos

pedagógicos presentes em Contos Infantis: o prefácio, composto pelas autoras e prescritivo à

utilização dos textos; as lições, que se apresentam na forma de contos em prosa e poesia e as

6 Conforme a nota da autora a esta edição, Le spetacle du monde do Padre Pluce (8 volumes, uma vintena de edições e reimpressões entre 1732 e 1770) é o protótipo desta literatura de vulgarização para o público culto, escrita na forma de diálogos entre um padre sábio, um casal de aristocratas curiosos e um jovem cavaleiro precisando ser instruído. Os quatro primeiros volumes tratam de ciências propriamente dita (história natural, geografia, astronomia); os demais tratam do homem em sua sociedade e sua relação com Deus.

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perguntas norteadoras, referentes a cada conto. Em Contos Infantis, por conta da natureza do

texto, os dispositivos se apresentam também de outra maneira.

Sobre o prefácio à obra de Louis Ratisbonne, podemos considerar para além da

produção literária meramente mercantil, a preocupação com a formação moral das crianças

deveria partir dos pais. Contudo, Contos Infantis foi uma obra que se destinava às crianças em

idade escolar, em processo de escolarização.

Posta no prefácio, a dedicatória “a minhas filhas” harmoniza-se ao texto de Stahl. Por fim um alerta às mães concluía a introdução do volume7. O texto se iniciava com, um canto à formação pura do espírito infantil. Os dois primeiros poemas, “O espelho” e “Ser e parecer”8, reforçavam à crítica à vaidade, seja na admiração da própria imagem pela pequena Laura, seja na ambição de ser grande de Eduardo ao subir à mesa. Tanto a menina, que desejava ser bela e corria o risco de ser fútil, quanto o menino, que almejava ser importante sem esforço, podendo tornar-se desonesto, eram condenados. A lição era a mesma: cabia ao cultivo da alma e da inteligência da criança pelos adultos. (VIDAL, 2005, p. 74-5)

De obra literária infantil voltada às mães para obra didática escolar, o movimento se

desloca, pois arte literária destinada ao consumo cultural restrito a casa, à família e ao âmbito

do privado, se desloca para o meio escolar, estatal e no âmbito do público. Dada esta

necessidade, a arte literária na escola surge neste momento histórico com um propósito

argumentativo, à luz do método intuitivo. Ao prólogo de Contos Infantis, escrevem as autoras.

Por decisão da Inspectoria Geral da Instrução Primaria e Secundaria da Capital Federal dos Estados-Unidos do Brasil, em 14 de abril de 1891, foi approvado este livro para uso das escolas publicas primarias ; em vista do que mandámos fazer esta segunda edição, que vae illustrada com gravuras para maior aprazimento das crianças e com um pequeno questionario em seguida a cada conto, segundo o methodo adoptado nas obras de ensino elementar, prescripto pela mesma Inspectoria. Repetimos, pois, o que dissemos na primeira edição: Os Contos Infantis são umas narrações singellas, em que procurámos fazer sentir aos pequeninos paixões boas, levando-os com amenidade de historia a historia. Alguns episodios podem ser tidos como não naturaes ; são aquelles em que as flores fallam e os animaes raciocinam ; mas isso mesmo o fizemos como tactica subtil, para tornarmos

7 Conforme a citação da nota de rodapé do texto de Vidal: “Mamãe, que são então as fábulas? / São contos razoáveis / que se ensinam às crianças pequenas / E que são compreendidos pelos adultos. / Mas eu vou, eu, ensiná-las a ti / Para que possas ler e compreender”. (“Maman, qu’est-ce donc que des fables? / Ce sont des contes raisonnables / qu’on apprend aux petits enfants, / Et qui sont compris par les grands. / Mais je m’en vais, moi, t’en apprend / Que tu pourras dire et comprendre”). 8 “Le miroir” e “Être et paraître”, em francês.

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animaes e flores comprehendidos e estimados pelas criancinhas. Assim, todas as nossas historias são simples ; narrações de factos realizados, muitas. Julgamos que quanto mais approximado fôr da verdade o assumpto, mais interesse desperta em quem o lê. D’esta arte o pequeno leitor seguirá, entretido, a historia de uma menina pobre ; de uns pombinhos mansos ; de uma velha engelhadinha e tremula ; de um burrinho trabalhador ; ou de uma mãe carinhosa, - parecendo-lhe ver : na menina pobre, a filha de um vizinho ; nos pombos mansos, uns que lá vão a miude ao seu jardin, e aos quaes nunca mais fará mal ; na velhinha, a sua avó querida ; no burrinho trabalhador e paciente, o pobre burro magro de um carroceiro bruto ; e, finalmente, na mãe carinhosa, a sua própria mãe! Elle verá então com sympathia os que soffrem, affeiçoando-se assim à grande familia dos infelizes ! O nosso fito é a educação moral e esthetica ; um desejo que, por ser bem intencionado, nos deve ser permittido. (VIEIRA e ALMEIDA, 1927 p. 5-6)

Contudo, importante ressaltar que a apresentação da publicação da primeira edição de

1886 se alterou a partir da segunda edição, de 1891. De “destinado” às escolas primárias o

livro passa a ser “adoptado”, tendo como mudanças principais a inserção de ilustrações e dos

questionários ao final de cada conto. Esta mudança pode estar relacionada à aprovação da

obra junto ao Regulamento de Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal,

Quanto à redistribuição das poesias no volume, não se pode afirmar que tenha sido guiada por uma orientação pedagógica. Não respeitava a voga dos preceitos intuitivos no que concernia a iniciar os contos por questões mais próximas ou conhecidas do universo infantil, nem organizava os textos em ordem de dificuldade crescente, fosse de aquisição do código linguístico, fosse de complexidade dos temas narrados. (VIDAL, p. 94-5)

No entanto, todos os contos apresentavam agora um elemento em comum.

O dispositivo pedagógico

As mesmas disposições discursivas, objetos da retórica como campo do conhecimento,

abordadas no capítulo anterior, também figuram na organização e apresentação das diferentes

metodologias para o ensino em sala de aula. No caso desta investigação, nosso exemplo é uma

publicação utilizada nas escolas públicas brasileiras, daí a reflexão sobre o livro didático

como dispositivo pedagógico.

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Conforme Benito Escolano (2001), o livro didático pode ser considerado um lugar de

memória dentro dos estudos que englobam a História da Educação ao passo que transmite,

simultaneamente, uma representação da escola que o acolhe, bem como retrato da sociedade

que o produz e faz uso dele. Entretanto, é justamente através dos programas curriculares, bem

como do ethos que procura imprimir socialmente, é que o livro didático precisa ser

comprendido através dos ditames que precedem sua utilização na escola, sendo eles

componentes de um amplo conjunto de valores, buscados socialmente por aqueles que o

concebem.

Para além de relacionar o livro como o modo de ler em cada época, podemos também relacioná-lo com o mundo dos autores, com o mundo dos editores e o de todas as outras atividades que se ligam à produção do livro. Qualquer livro, em qualquer época, seja ele impresso ou manuscrito, traz em si, para além das marcas de um trabalho intelectual, marcas de uma relação com o poder ou com outros individuos, marcas de um produto destinado a ser vendido ou trocado, marcas do estatuto social de seus autores, marcas da relação do texto com o leitor, marcas de um uso da língua, enfim, marcas de um proprietário ou mesmo de um ato de leitura. Tudo o que está no livro, em qualquer livro, nos reenvia para fora dele. (BELO, 2008, p. 104)

De acordo com o que já mencionamos em outros momentos, até o final do século XIX

as publicações escolares eram, em grande parte, traduções. Contudo, nem todas as obras

traduzidas eram de cunho escolar, ou foram desenvolvidas para a escola. O exemplo de

Contos Infantis é singular neste sentido, pois traz temas que originalmente surgiram em uma

publicação francesa com histórias para crianças cujo público alvo era as mães, por trazer

temas abonadores às crianças, se tornou literatura no Brasil e posteriormente foi adequado ao

público escolar brasileiro ao final do século XIX.

Portanto, não se trata de perceber a obra mediante seu uso ou através da recepção desta

ao ambiente escolar. O objetivo é, antes, perceber o livro como objeto pedagógico, portador

de dispositivos determinantes para a ação educativa, pois como veremos adiante, os

dispositivos pedagógicos designam um conjunto de práticas que engendram a consciência de

si, através de diferentes meios de produção e recepção. Mediado por práticas culturais que

incidem ou refletem a disposição dos saberes a serem conduzidos pela atividade docente, o

livro didático é um dos instrumentos de subjetivação primordiais ao contexto escolar

brasileiro à instituição da República.

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Através da ficcionalidade que as narrativas literárias oferecem, a obra literária com

caráter artístico adquire uma pretensa funcionalidade quando são destinadas a um público. O

mesmo ocorre com um livro didático, pois é na produção de discursos veiculados a um

determinado grupo que se deslocam às subjetividades inerentes àqueles que veiculam, o que

configura uma relação de poder. Dessa pretensa funcionalidade se criam os horizontes de

expectativa, ou seja, expectativas da correspondência de uma discursividade instituída a partir

daquele que enuncia a mensagem.

Antes de o leitor existir, a escrita foi pensada para produzir nele determinados efeitos persuasivos, encadeando-se o discurso de determinada maneira, empregando-se metáforas e outras figuras de estilo, ou seja, utilizando-se uma retórica. (...) Na retórica deste texto que está lendo estão tambem implicitas certas imagens do leitor ou leitores a que ele se dirige, por exemplo, a de que ele tanto pode ser um especialista em historia do livro como um não especialista. (BELO, 2008, p.55)

Em textos literários de ordem didática que tem por finalidades as condutas morais em

sociedade, os dispositivos pedagógicos surgem acompanhados de um processo dialógico,

onde ambos os individuos que comunicam são interlocutores e ambos exercitam a consciência

de si mediante uma pretensa neutralidade. Contudo, a presença destes elementos em

publicações desta natureza dificilmente vem isolada, mas antes acompanhadas de certos

protocolos de leitura e compreensão que endossam a finalidade discursiva dos textos literários

em livros didáticos.

Do contrário, um texto literário sem seus devidos protocolos em um livro didático é

somente mais um texto literário, cuja leitura não pressupõe a prescrição na transmissão de

algum conhecimento. Por este motivo, a leitura, em uma obra como Contos Infantis, surge

através da mediação entre o texto literário e a prática pedagógica, caracterizada pela

interpretação prescrita pelo livro didático através da atividade docente. As práticas de conduta

social surgem com a ação docente aliada às recomendações para a interpretação dos discursos

literários.

A presença de certas perguntas relacionadas aos temas abordados pelos contos induz

uma leitura “possível” ao professor, pretendida pelas autoras. Contudo, esta leitura aprensenta

a possibilidade educativa à interpretação dos contos, ao inserir a poesia a outros contextos de

aprendizado. Conforme Diana Vidal constava no prólogo da primeira edição:

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approvação autorisada e franca dos illustrados senhores Barão de S. Felix, Barão de Paranapiacaba, Dr. Victorio da Costa, que, entre outros distinctissimos escriptores, nos ouviram n’uma leitura feita no Rio de Janeiro, em casa do nosso amigo e mestre, Dr. José Maria Velho da Silva, a quem d’aqui agradecemos essa amável festa de que tão gratas recordações guardaremos sempre (VIEIRA e ALMEIDA, 1886 apud VIDAL, p. 91)

De 1886 a 1891, Contos Infantis era uma literatura infantil, que não estava na escola.

Somente a partir de 1891, quando foi aprovado para uso nas escolas primárias, é que essas

perguntas são acrescentadas à obra. Conforme Vidal, a poesia “Deus”, traduzida de Louis

Ratisbonne, e “as flores amam”, de Adelina Lopes Viera, foram subtraídas ao conjunto e os

títulos redistribuídos ao longo do volume, guardando apenas o primado de intercalar poesia e

prosa (p. 91).

Ao fim de cada texto, em poesia ou prosa, havia questões sobre o entendimento da narrativa, sobre o vocabulário utilizado, e também sobre o desdobramento de temas abordados e regras gramaticais, tomadas com base em elementos da história, ou sobre ciências naturais, sugeridas pelo recurso a personagens dos reinos animal e vegetal, “segundo o methodo adoptado nas obras de ensino elementar, prescripto pela mesma Inspectoria” (p. 5), que conferiam ao livro o tom de lição. Inexistente na primeira edição, o questionário pode ter sido incluído na segunda como forma de obter o selo de aprovação oficial. (VIDAL, 2005, p. 90)

Além do prefácio à segunda edição, onde podemos inferir que as autoras são

responsáveis pela formulação das perguntas ao final de cada texto, e que neste prefácio não

verifica a possibilidade de alteração nas traduções dos contos (o que me leva a crer que o

texto da primeira edição é o mesmo da segunda edição, somente com as alterações de cunho

pedagógico na relação entre o texto e a sua composição, nesse caso a inserção das ilustrações

e das perguntas), podemos considerar que a intencionalidade dos contos poéticos traduzidos é

diferente dos contos poéticos escritos pelas autoras. (grifo meu).

Na esteira deste pensamento, a aproximação ao objeto através das práticas curriculares

e pedagógicas, parte de um caminho teórico que compreende o livro didático como símbolo, e

a inserção deste num conjunto de práticas culturais integradas à escola. O livro didático neste

caso apresenta marcas discursivas do tempo histórico, narra um uso da linguagem.

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De acordo com Barbosa (2009):

Trata-se de buscar as práticas humanas do passado ou do presente que se materializam sempre em atos comunicacionais. O que em história se faz é seguir pistas, traços, rastros, vestígios que indicam que os homens do passado passaram por aqui. Essas pistas estão sempre expressas em atos comunicacionais que fixam marcas duráveis. O que se faz em comunicação é colocar em evidência os processos comunicacionais numa época comum, o presente vivido, para tentar não apenas explicar essas narrativas, mas compreender as ações desses homens do presente. Ações que só se constituem pelo ato narrativo. (BARBOSA, 2009, p. 13)

Portanto, à composição dos currículos escolares, às disposições desta publicação

dentro de um conjunto integrado de práticas de mesmo fim, ou seja, estabelecer o

conhecimento de forma ampla; o estabelecimento e prescrição de normativas para o uso de

certos elementos (símbolos e práticas sociais e culturais) à escola, como por exemplo, o

Regulamento da Inspetoria de Instrução Pública e que, portanto abrange as possibilidades para

a compreensão da situação do objeto ao seu tempo.

Inserida nesta situação, que a autora apresenta dentre outros exemplos na recepção das

autoras ao objeto, ou seja, decodificando no conjunto de práticas de leituras adquiridas pelas

irmãs, o acesso à publicação como a aquisição dos capitais simbólicos necessários à

composição de Contos Infantis; e, na interpretação destes, a relação com o mundo escolar

brasileiro do período, ou seja, interpretando os símbolos culturais quando inseridos num

universo de conhecimento escolar que sofre as interferências sócio-culturais recorrentes às

sociedades às quais pertencem; dentre outras. Contudo, sem esta leitura, que tange à

abordagem histórica ao livro Contos Infantis, inserida em referenciais teóricos convergentes à

interpretação a partir da História da Educação e notadamente ancorada nos Estudos Culturais,

não poderia, nesse trabalho, tencionar a uma outra possibilidade de interpretação deste objeto.

Rosa Maria Bueno Fischer desenvolve o conceito de dispositivo pedagógico de mídia

ao estudar os produtos da mídia, entendidas aqui como produtos culturais, conforme afirma:

(...) “dispositivo pedagógico da mídia” significa tratar de um processo concreto de comunicação (de produção, veiculação e recepção de produtos midiáticos), em que a análise contempla não só questões de linguagem, de estratégias de construção de produtos culturais (no caso aqui referido, de programas televisivos), apoiada em teorias mais diretamente dirigidas à compreensão dos processos de comunicação e

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informação, mas sobretudo questões que se relacionam ao poder e a formas de subjetivação. (FISCHER, 2002 p. 155)

O conceito da autora me ajuda a compreender o não-lugar do conceito de dispositivo

pedagógico, conforme pode-se apreender de Larrosa:

Um dispositivo pedagógico será, então, qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se modificam as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo. Por exemplo, uma prática pedagógica de educação moral, uma assembléia em um colégio, uma sessão de um grupo de terapia, o que ocorre em um confessionário, em um grupo político, ou em uma comunidade religiosa, sempre que esteja orientado à constituição ou à transformação da maneira pela qual as pessoas se descrevem, se narram, se julgam ou se controlam a si mesmas. Tomar os dispositivos pedagógicos como constitutivos da subjetividade é adotar um ponto de vista pragmático sobre a experiência de si. Reconhecer a contingência e historicidade desses mesmos dispositivos é adotar um ponto de vista genealógico. Dessa perspectiva, a pedagogia não pode ser vista já como um espaço neutro ou não-problemático de desenvolvimento ou de mediação, como um mero espaço de possibilidades para o desenvolvimento ou a melhoria do autoconhecimento, da auto-estima, da autonomia, da autoconfiança, do autocontrole, da auto-regulação, etc., mas como produzindo formas de experiência de si nas quais os indivíduos podem se tornar sujeitos de um modo particular. A prática educativa de educação moral que comentei acima não pode ser tomada como dirigida ao autoconhecimento, como um mero espaço para o desenvolvimento do autoconhecimento, mas como definindo de forma singular e normativa o que significa autoconhecimento enquanto que experiência de si e como produzindo as relações reflexivas que o tornam possível. (LARROSA, 1994 p. 57)

A partir da definição de Larrosa, pode-se afirmar que um dispositivo pode ser

pedagógico sem estar situado na escola, por outro lado, podemos também entender como

dispositivo de caráter pedagógico produções culturais não escolares. Através de Larrosa,

podemos compreender a leitura deste objeto, o livro Contos Infantis, como símbolo, como

prática cultural ou social, como dispositivo de caráter pedagógico. O dispositivo com esta

natureza pode ser pensado como um meio para a formação de um pensamento frente às

subjetividades características às sociedades. Esta abordagem se aproxima bastante com o

pensamento de Martín-Barbero, conforme já mencionado no capítulo anterior.

A genealogia das práticas que concernem o uso dos dispositivos, quando integrados a

contextos educativos escolares, apresenta a possibilidade interpretativa a esse fenômeno à

situações que concernem o objeto quando integrado em sua historicidade, do símbolo ao

objeto, ou seja, de acordo com a inserção de dispositivos externos ao contexto escolar como

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meios metafóricos que podem ser oportunos a utilização em um contexto de ensino e

aprendizagem mediado pela escola.

A afirmação permite perceber:

• O dispositivo conforme Foucault, Deleuze e Agamben, quando na percepção das

formas de transmissão da linguagem, mediante uma discursividade inerente à sua

formação, acionado de acordo com o poder instituído. Ou, do conjunto integrado de

elementos discursivos apresentados pelo texto como portador de uma discursividade, e

cuja interpretação é feita a partir das disposições que, como texto apresenta, é oriundo

da situação relacionada ao lugar de enunciação do conjunto de práticas às quais está

inserido num determinado ambiente.

• O dispositivo pedagógico conforme Larrosa, quando na constituição de práticas que

permitem descodificar elementos de cunho educativo, cuja decodificação e

interpretação envolvam um conjunto de saberes que podem vir a ser educativos, ou

que se apresentem como educativos num outro contexto de enunciação que extrapola a

dimensão do contexto, não somente para uma perspectiva genealógica.

Em suma, o dispositivo permite a percepção da forma como o texto narra a si mesmo

através das disposições de linguagem nos atos comunicativos e da maneira como são

estabelecidos padrões em comum. Por este motivo, concluo que o dispositivo de caráter

pedagógico de Contos Infantis são as perguntas que passaram a figurar ao final de todos os

contos, em prosa e poesia, a partir de 1891, engendrando possíveis argumentações necessárias

para a constituição das práticas pedagógicas no contexto escolar. No Brasil, a publicação dos

contos de Ratisbonne atendeu duas funções distintas, como literatura e num momento

posterior, como recurso didático em uso na escola.

Em Contos Infantis, para além da tradução dos contos e a existência destes para a

formação de um saber pedagógico, a alteração da estrutura do livro, conforme Vidal (Op. Cit.,

p. 92), ou, na própria disposição dos contos em verso e prosa presente na obra, poderíamos

tratar da formação de outra discursividade? Não descarto a possibilidade de intencionalidade

das autoras, ou de quem quer que tenha alterado a apresentação dos contos à partir da 2ª

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edição, que se tornou a definitiva. Contudo, a compreensão deste fenômeno em um sentido

mais amplo extrapola as disponibilidades das fontes recorrentes ao fato.

Para ilustrar este exemplo, apresento a tradução de um poema de Ratisbonne9.

As perguntas

— Carlos, vá-se despindo e dobre a roupa toda. — Quem foi que adivinhou que a gente precisava vestir-se, Marieta ? usar roupa da moda ? — Foi alguem, respondeu Marieta, que andava zangado por ter frio, ou cheio de vergonha, por estar sempre nú. Ande, Carlinhos, ponha as mãos e as orações repita sem demora. — E quem inventou as rezas, Marieta ? — Provavelmente alguem, que uma angustia secreta ou immensa ventura opprimiria. Agora guarde para amanhã o resto, sim ? Cuidado, ageite a cabecinha e durma socegado ; assim: como é bonito! agora dê-me um beijo. — Mas quem foi que inventou o beijo, queridinha ? fa-se atrapalhando a linda criadinha, já lhe accendia a face a rubra flor do pejo, quando a mamãe entrou: Meu filho, quem primeiro deu o beijo melhor, o beijo verdadeiro, foi a mãe, aqui tens, ó criança adorada, o meu ! Carlos dormiu sem parguntar mais nada. ___________________________________________________________________________ 1ª É defeito ser curioso ? – 2ª Em que pontos devemos ser curiosos ? – 3ª Que quer dizer pejo ? – 4ª Dê-me duas palavras synonymas de pejo ? – 5ª Melhor, é comparativo de que ?

Em Contos Infantis, as perguntas ao final de cada conto dão indicações à forma como

o livro deve ser lido e interpretado pelo professor. Podemos compreender neste espaço, o de

perguntas, o lugar onde o método intuitivo era mais presente. Contudo, conforme Larrosa

(2007),

9 Nos anexos a esta investigação, há as transcrições de um conto em prosa, de Júlia de Almeida e de um conto em poesia, de Adelina Lopes Vieira.

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Obviamente, o comentário escolar, pedagógico, tem também essa forma básica: o discurso pedagógico dá a ler, estabelece o modo de leitura, tutela-o e avalia-o ou, dito de outra forma, seleciona o texto, determina a relação legítima com o texto, controla essa relação e ordena hierarquicamente o valor relativo de uma cada das realizações concretas de leitura, distinguindo entre “melhores” e “piores” leituras. Ainda que a forma geral desse dispositivo esteja fortemente ancorada na nossa cultura, a concreção de suas regras varia historicamente. De fato, uma história da educação poderia consistir em analisar também as variações na seleção dos textos (as mudanças na construção do que se pode chamar o cânone de cada uma das disciplinas escolares) e em analisar também as transformações nos princípios que determinam a produção dos discursos que os repetem, glosam, comentam e transformam. O que muda são os textos e o que se faz com eles, ou seja, as regras que estabelecem como se devem lê-los. (LARROSA, p. 117)

Um exemplo de dispositivo de caráter pedagógico pode ser encontrado nas diferentes

maneiras de transmissão do saber (ou, o lugar de transmissão das discursividades, o lugar de

memória conforme Escolano (op cit.)), e que perpassa a dimensão de uma escolaridade

formal, pode ser verificado através das formas de aprendizado e ensino entre artesãos, num

período anterior as máquinas da Revolução Industrial. A maneira como esses antigos mestres

de ofício transmitiam seu saber, sem sombra de dúvida entrou em conflito quando no

surgimento da transmissão da mensagem escrita e com aqueles que tinham o conhecimento

para decodificar esse texto impresso cujo conteúdo era disposto entre um mesmo código

linguístico necessário para a aquisição do conhecimento. Por este motivo, o conflito entre

aqueles que tinham o conhecimento prático, mas que não passaram por processos de

incorporação de leitura, ou seja, o saber acumulado era de ordem prática, empírica e

transmitida através do ensino de um determinado ofício; e aqueles que acessaram o

conhecimento do saber acumulado através dos livros, o que não necessariamente pressupõe

um conhecimento prático, ou empírico, uma vez que o livro passava a conter métodos para

uma demonstração eficaz da experiência e, portanto, falho como objeto único na transmissão

de um determinado saber, como já apontava Comenius (op. cit. Lewalski).

Porém, os mestres de ofício que transmitiam o conhecimento aos seus aprendizes,

através da oralidade (por ainda constituírem práticas de sociabilidade num ambiente onde

havia a ausência de práticas de leitura) num momento anterior à massificação da leitura, se

viram confrontados com o papel da escrita à transmissão do saber. A implantação do códex e

da organização sistemática dos livros permitiu um acesso ao saber que compartimenta um

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determinado saber disposto de forma descritiva, como são os livros desde Gutemberg e com

ainda hoje são.

Assim, ao se questionar sobre a produção, circulação e apropriação de um livro escolar, Contos Infantis, quis-se compreender as diferentes dimensões de um objeto cultural e, entrecruzando essa perspectiva, perceber como nele se materialiazaram aspectos das disputas sociais no fim do século XIX e início do XX no Brasil, articuladas por seus sujeitos. Tentou-se vislumbrar também matizes das práticas escolares de leitura como produtos da cultura escolar da dupla face em que instituíram: assumindo como componente curricular a função de transmissão da cultura, gestando próprios do fazer escolar, que por sua vez penetraram, moldaram e modificaram a cultura da sociedade (VIDAL, 2005, p.122)

Nosso intento a esta investigação foi perceber, na constituição das discursividades

recorrentes aos conteúdos dos contos, um ponto de encontro dos saberes que envolvem a

leitura do texto do ponto de vista literário e quando se apresenta o ponto de partida para a

constituição das práticas pedagógicas. Conforme a definição de Larrosa, as perguntas ao final

de cada texto materializam o dispositivo de caráter pedagógico quando preescrito por uma

prática educativa determinada de caráter escolarizante. Aí, em Contos Infantis, se verifica

uma relação de poder em âmbito pedagógico, pois constitui um ponto de interação entre

professor e aluno.

A pergunta em Hébrard10, quando na constituição dos métodos escolares franceses por

volta de 1900 e seus instrumentos, é estranhamente semelhante no que concerne, sobretudo, à

constituição das práticas por ambas as sociedades. O processo de produção editorial de obras

voltadas à infância no Brasil e na França é praticamente análogo. A sobrevivência dessas

publicações no mercado é reflexo de uma política de inclusão de práticas literárias numa

relação de dominação: a literatura da escola era aquela que já foi burguesa.

No contexto francês, o incentivo ao consumo de publicações literárias se inicia já com

a constituição do estado burguês recorrente à Revolução de 1789. Em 1860, à época da

publicação de La comédie enfantine, a prática da leitura já era disseminada por uma ampla

parcela da população francesa, ou seja, havia um mercado consumidor consolidado ao

consumo deste tipo de literatura que prescreve o bom comportamento (VIDAL, 2005 p. 120).

Processo que pode ser melhor interpretado na leitura de Norbert Elias, como no Processo

10 Referente à página 56 a esta investigação.

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Civilizador, a formação do habitus burguês passava pela construção de práticas discursivas de

distinção, fenômeno também explicado por Bourdieu. Como aponta Hébrard, a disposição da

obra literária se ressignifica dentro da sociedade, indo do publico culto, para a produção dos

saberes escolares.

No contexto brasileiro, a obra que foi lançada como literatura em 1886, tem uma única

edição em 5 anos, feita em Portugal pela Typographia Mattos Moreira. Em 1891, esta mesma

obra passa a constar no ról de obras aprovadas pela Inspectoria Geral da Instrucção Primária e

Secundária da Capital Federal, apresentando uma disposição de seus discursos a partir da

relação pedagógica entre os questionários ao final de cada conto, elaborados através da

constituição de conhecimentos à luz do método intuitivo. Em 1891, Contos Infantis passa a

ser publicada pela Laemmert, atingindo quatro edições até o final do século XIX. Em 1909 a

Editora Francisco Alves compra a livraria Laemmert, continuando a editar Contos Infantis até

1927. Contudo, até a 8ª edição de 1910, trazia a referência a Laemmert & Cia. como casa de

publicação (VIDAL, 2005 p. 86).

Contudo o dispositivo pedagógico inserido à publicação de 1891 foi determinante na

constituição de práticas pedagógicas que garantiram sua manutenção quando na prescrição do

Estado ao seu uso em ambientes escolares até a 17ª e ultima edição, em 1927. Não se trata de

questionar a eficácia do instrumento pedagógico (ou a sua validade de acordo com

determinada finalidade), contudo antes, a inserção das perguntas de cunho pedagógico a esta

2ª edição, que lhe garantiu a alteridade necessária pelo Estado para sua inserção nos

currículos escolares, está relacionada à disposição do propósito educativo segundo uma

prescrição institucional, o que caracteriza uma relação de poder.

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Conclusão

Quando na identificação da constituição de certas práticas pedagógicas, os dispositivos

podem se apresentar de diversas maneiras, na semiótica, na comunicação, na filosofia, na

retórica. Contudo, o conceito apresenta em comum a todas as áreas do conhecimento a

capacidade de apresentação enquanto fenômeno integrado a um conjunto de práticas culturais

de cunho pedagógico, de forma ampliada e para além da dimensão do espaço escolar. A

escola é o lugar de formação da crítica, bem como de formação de si em relação ao mundo, é

o lugar de aquisição das ferramentas simbólicas necessárias à convivência em sociedade.

A produção editorial brasileira para a escola só se tornou um projeto político com a

República e um negócio extremamente rentável àqueles editores que tivessem uma obra

aprovada para uso nas escolas públicas. A casa Laemmert apresentava, à mesma época, duas

obras que podem ter uma relação mais próxima do que se imagina: a tradução de Contos

Infantis e a tradução de Der Struwwelpeter. Infelizmente não cheguei a investigar sobre esta

publicação da editora Laemmert, tampouco descobri quem assinava esta tradução, mas

permaneço com a dúvida: teria essa tradução sido feita a partir do texto alemão de Hoffmann

ou do texto francês de Louis Ratisbonne? Afinal, boa parte das obras literárias que circulavam

no Brasil nesse período ou eram de escritores franceses ou de traduções feitas para o francês.

A construção retórica entre o francês e o português deste período em particular,

permitia uma ampla incorporação em termos linguísticos do francês ao português. Por este

motivo, pretendi a aproximação ao objeto a partir da natureza das disposições que ordenam os

discursos que são portadores, por este motivo a passagem da obra literária para o livro

didático através de um elemento agregador à literalidade da obra: são contos literários que

surgem inseridos numa metodologia ancorada no método intuitivo. São as perguntas de cunho

generalizante, inspiradas nos universais, que disparam as significações próprias à sua

interpretação, quando prescritas.

Se ao longo desta investigação tracei um caminho através da Retórica e do

pensamento retórico, o fiz por perceber na Literatura e na constituição da Literatura como

disciplina um meio para a emancipação através das práticas decodificantes do discurso. Por

este motivo a aproximação ao pensamento dialógico de Paulo Freire: a recepção é partiicpante

da produção do discurso, integrado ao meio onde o discurso se apresenta.

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Através do pensamento de Hébrard sobre os conjuntos constituintes das práticas

culturais escolares francesas por volta de 1900, percebi um mesmo movimento dentro desse

fenômeno, que liga as experiências da escola brasileira e francesa como simultâneas no que

era concernante à produção de obras didáticas para a escola. Por outro lado, a função

dispositiva na obra de Ratisbonne – na condição de obra literária voltada às mães –, se

apresenta como na disposição de caráter pedagógico, de acordo com a definição de Larrosa,

Foucault e outros autores já mencionados.

Com esta investigação, concluo que o dispositivo pedagógico que se apresenta em

contextos comunicativos de ordem escolar através do meio impresso do livro didático, pode

trazer importantes contribuições à constituição de práticas pedagógicas através de uma relação

de dialogicidade entre seus interlocutores. A partir do estudo retórico, as disposições dos

elementos discursivos em um determinado contexto vão identificar o grau de apresentação de

um certo código linguístico, e vice-versa.

Afinal, “o historiador de uma época em que a máquina é rainha aceitará que se ignore

como são constituídas e modificadas as máquinas?”

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Anexos

a)Prefácios

Á edição de La comédie enfantine

PRÉFACE

Nous n'apprendrons pas aux mères, à qui ce livre est adressé, sinon destiné, combien

sont rares les ouvrages qui méritent de rester chers à la jeunesse et à l'enfance. Il n'est ni père,

ni mère, en effet, qui, après avoir examiné un à un la longue série d'ouvrages insipides qui

usurpent ce beau nom de Bibliothèque de l'enfance, ne se soit dit avec un véritable

découragement, en les rejetant tous ou presque tous : « Eh quoi ! pas une page sortie du coeur

dans tout cela! Mais les gens qui écrivent n'ont donc ni femme ni enfants? »

Cette lamentation, je l'ai retrouvée sur les lèvres de tous les parents attentifs, de tous

ceux qui savent qu'il ne faut nourrir l'esprit de l'enfant, comme son corps, que du lait le plus

pur, que des mets les plus sains, et qu'un grain d'ivraie mêlé au bon grain suffit à empoisonner

une moisson.

Je crois pouvoir dénoncer ici la raison de la stérilité de notre littérature en ce qui

concerne les livres destinés à l’enfance. Il n'appartient à personne, pas même au génie,

de se dire, en prenant une plume, de l'encre et du papier : « Ce papier va devenir un livre pour

les enfants; je vais, je veux écrire pour les enfants. » On peut à toute force, en se frappant le

front, en faire jaillir une oeuvre qui convienne à tous les âges, et écrire, de parti pris, un livre

qui emporte l'approbation des hommes ; mais un livre digne de l'enfance, nul, à coup sûr, ne

l'a jamais écrit, nul ne l'écrira jamais exprès, c'est-à-dire de propos prémédité.

Les quelques écrits qui peuvent être considérés comme les classiques de l’enfance sont

des oeuvres spontanées, des oeuvres trouvées et non cherchées, écloses un beau jour dans un

coeur épris des enfants, dans un esprit touché pour un moment d'une grâce particulière, dans

une âme rendue, pour une heure peut-être, à l'ingénuité de ses premiers ans.

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Un oiseau traversant l'azur laisse tomber de son bec, sur un rocher durci par le temps,

une semence inconnue ; la pierre s'attendrit, une fleur apparaît : tels doivent être les livres qui

conviennent à l'enfance : des fleurs inattendues, des fleurs qu'on n’a point semées.

Et c'est pourtant de ces livres, en quelque sorte involontaires, c'est de ces livres qu'on

s'est, de tout temps, évertué à établir de véritables manufactures. Ce sont ces livres que des

libraires, hommes de sens peut-être pour tout le reste, vont demander, que dis-je? commander,

non pas aux plus forts, ni aux meilleurs, ni aux plus délicats parmi les écrivains dont s'honore

notre littérature, mais aux fruits secs de l'éducation, à des professeurs sans élèves, à des

institutrices sans emploi, à des hommes de lettres avortés.

On ne saurait avoir trop d'humeur contre ces plumes mercenaires qui, n'ayant pas

même le sentiment de la difficulté de l'entreprise qu'on leur confie, font métier d'écrire au

courant de la plume et à la douzaine ces livres sans goût ni parfum, ces livres plats et sans

relief, ces livres bêtes, je veux dire le mot, auxquels semble réservé le privilège immérité de

parler les premiers à ce qu'il y a de plus fin, de plus subtil et de plus délicat au monde, à

l'imagination et au coeur des enfants.

Je voudrais décourager ces malencontreux écrivains; je voudrais bien leur faire

comprendre que lorsqu'on écrit pour les petits enfants, la tâche n'est pas, comme ils semblent

le croire, de se rapetisser, de s'abaisser, de descendre, mais bien au contraire, et je parle même

pour les plus grands, de monter encore, de monter aussi haut que puisse atteindre Pesprit

humain, c'est-àdire jusqu'à l'âme de l’enfant, jusqu'aux sphères supérieures qu'elle habite et

qu'elle habitera tant que la science de la vie ne l'en aura pas fait descendre pour la clouer

comme la nôtre ici-bas.

L'Académie donne des prix pour des livres de toute sorte, livres d'histoire, de

philosophie ou de science : je voudrais qu'elle réservât tous les ans une de ses couronnes,et la

plus riche, pour les livres heureux qui doivent charmer l'enfance; je voudrais qu'elle signalât

par des ovations extraordinaires le passage d'un de ces oiseaux rares : un livre vraiment

aimable, à l'usage des petits enfants.

Je voudrais que ce fût un concert autour de ces livres innocents comme j'en ai entendu

autour de livres qui ne l'étaient pas ; je voudrais enfin — est-ce trop demander? — que la

Comédie Enfantine de M. Louis Ratisbonne, par exemple, eût cet honneur, malgré ses mérites

particuliers, malgré son caractère original dont nous dirons un mot tout à l'heure, d'éveiller

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l'attention de la critique, comme le pourrait faire la venue au monde d'un vaudeville trop

égrillard, ou d'un mélodrame trop terrible, ou d'un roman trop audacieux11.

La Comédie enfantine, en effet, a, sans parler de ses autres qualités que Tauteur ne me

laisserait pas louer selon mon gré à cette place, la première des grâces qu'on doive exiger dans

les livres destinés aux enfants. C'est bien là un livre rencontré, un livre familier, un livre où ne

se sentent ni l'apprêt, ni la recherche. L'auteur, évidemment, l'a écrit sans le vouloir, presque

sans le savoir, et au jour le jour, sans songer surtout, et j'en sais quelque chose, au public

nombreux qui l'attend.

Il faut que les enfants à qui ce livre, qui les peint si bien, sera donné, en prennent leur

parti : la Comédie enfantine n'a pas été faite pour eux; elle a été expressément écrite pour

quatre charmantes et bonnes petites filles, qui ne se doutaient pas qu'on leur ravirait un jour,

pour les imprimer, ces beaux petits contes, qui d'abord n'appartenaient qu'à elles.

Si un certain libraire de ma très-intime connaissance n'était pas entré un soir dans leur

maison, comme un braconnier à l'entrée de la nuit dans un bois, jamais les jolies choses qui

vont suivre n'auraient vu le jour.

— Eli quoi ! a dit, ce soir-là, le traducteur du Dante à l'éditeur du Magasin des

Enfants, vous voulez pour de bon imprimer tout cela? Mais vous n'y pensez pas ; songez donc

qu'il est de ces contes qui sont faits pour une jeune personne de trois ans et demi. Laissez mes

petites histoires à mes filles; elles ont été faites pour elles, elles ne peuvent être bonnes que

pour elles. N'est-ce pas, Louise, n'est-ce pas, Odette, n'est ce pas, Madeleine et Marie, que

vous voulez garder pour vous seules les contes et fables de votre papa?

— Mademoiselle, dit le libraire bien inspiré, à la petite Odette, voulez-vous me redire

le dernier vers du joli conteque vous récitiez tout à l'heure, et qui s'appelle, je crois,la Prière et

fAumône?

Mademoiselle Odette monta sur son tabouret et leva les yeux au plafond pour y

chercher sa mémoire.

Elle y trouva le joli vers que voici:

Joindre les mains, c'est bien; mais les ouvrir, c'est mieux.

11 On sait jusqu'à quel point le voeu exprimé ici a été exaucé. La Comédie enfantine a été couronnée par l'Académie française, et la bienveillance de la critique a été égale à l'empressement du public.

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Qu'auriez-vous fait, lecteur, à la place de l'auteur de la Comédie enfantine ? Auriez-

vous donné un démenti à votre propre morale? — Non, sans doute.

Le congrès était tout formé (heureux congrès!). Le père consulta ses petites filles, qui

se rendirent généreusement devant la promesse que de très-belles images seraient dessinées à

côté des contes de leur papa, et qu'un exemplaire doré sur toutes les tranches serait donné à

chacune d'elles aussitôt que le livre serait imprimé.

C'est à la suite de cette grave conférence que les petits

contes qu'on va lire s'envolèrent de Favenue de Saint-Cloud, où ils étaient nés, pour se

répandre dans Paris et autres lieux environnants.

Voici donc, ami lecteur, la Comédie enfantine.

Comédie ! c'est le vrai nom de ce livre. L'auteur aurait pu rintituler : Fables et poésies

enfantines. On y trouve, en effet, des poésies faites pour être comprises et apprises par

l'enfance, et des fables proprement dites où l'on entend, suivant l'usage, parler les animaux et

même les fleurs, fables d'une morale toujours claire, qui ne sont

pas d'observation purement satirique comme maint apologue fameux écrit contre les grands et

méchants enfants que nous sommes, et dont on charge au hasard la mémoire

innocente du premier âge.

Mais le titre de Comédie enfantine exprime, mieux que tout autre, le caractère propre

du plus grand nombre des pièces de ce recueil, sorte d'affabulations d'un genre tout nouveau ,

courts récits ou dialogues où l'auteur a mis en scène les moeurs,, reproduit le parler de ces

êtres instinctifs qu'on appelle des enfants, sans autre modèle que les enfants eux-mêmes, que

la nature prise sur le fait.

Il a connu les trésors cachés de la naïveté enfantine; il a surpris au passage et fixé

simplement et familièrement dans ses vers tanlôl la poésie, tantôt le comique de cette

ingénuité enchanteresse.

Voilà à côté de la conclusion morale qui s'y trouve toujours, l'attrait original qui a

frappé l'éditeur de ce recueil que l'auteur hésitait à lui livrer, l'ayant écrit, disait-il, sans

prétention au public, sous la dictée de ses quatre anges, au sourire de leur maman, d'une main

de père plutôt que de poëte.

P, J. Stahl.

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À edição de Contos Infantis

Prologo da 2ª Edição

Por decisão da Inspectoria Geral da Instrução Primaria e Secundaria da Capital Federal

dos Estados-Unidos do Brasil, em 14 de abril de 1891, foi approvado este livro para uso das

escolas publicas primarias; em vista do que mandámos fazer esta segunda edição, que vae

illustrada com gravuras para maior aprazimento das crianças e com um pequeno questionario

em seguida a cada conto, segundo o methodo adoptado nas obras de ensino elementar,

prescripto pela mesma Inspectoria.

Repetimos, pois, o que dissemos na primeira edição:

Os Contos Infantis são umas narrações singellas, em que procurámos fazer sentir aos

pequeninos paixões boas, levando-os com amenidade de historia a historia. Alguns episodios

podem ser tidos como não naturaes ; são aquelles em que as flores fallam e os animaes

raciocinam ; mas isso mesmo o fizemos como tactica subtil, para tornarmos animaes e flores

comprehendidos e estimados pelas criancinhas.

Assim, todas as nossas historias são simples ; narrações de factos realizados, muitas.

Julgamos que quanto mais approximado fôr da verdade o assumpto, mais interesse desperta

em quem o lê. D’esta arte o pequeno leitor seguirá, entretido, a historia de uma menina pobre

; de uns pombinhos mansos ; de uma velha engelhadinha e tremula ; de um burrinho

trabalhador ; ou de uma mãe carinhosa, - parecendo-lhe ver : na menina pobre, a filha de um

vizinho ; nos pombos mansos, uns que lá vão a miude ao seu jardin, e aos quaes nunca mais

fará mal ; na velhinha, a sua avó querida ; no burrinho trabalhador e paciente, o pobre burro

magro de um carroceiro bruto ; e, finalmente, na mãe carinhosa, a sua própria mãe!

Elle verá então com sympathia os que soffrem, affeiçoando-se assim à grande familia

dos infelizes !

O nosso fito é a educação moral e esthetica ; um desejo que, por ser bem intencionado,

nos deve ser permittido.

Diligenciámos dar á forma e ao estylo simplicidade e correcção, naturalidade e

sentimento, coisas que se devem alliar principalmente nas paginas de proposito escriptas para

crianças. A clareza dos conceitos e a verdade são elementos saudaveis para o seu espirito, que

se vae assim formando sem esforço, bebendo seiva natural e vivificadora.

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Não cremos que este pobre livro alcance em absoluto o nosso intento, msa temos a

convicção de que não será inutil ; porque, se não basta a boa vontade para se escrever uma

obra que impressione e que corrija erros, são incontestavelmente de grande valor, para o

espirito mobil das crianças, umas phrases bondosas, em que a virtude derrame o seu perfume

suave, capaz de modificar impetos de genio e indifferença pelo soffrimento alheio.

Que uma unica das crianças, que nos lerem, pratique, imitando um de nossos heroes,

uma ação boa, e ficaremos bem pagas da canceira.

Temos lido muitos livros injustamente classificados, ou antes, destinados para a

infancia. Que conteem, na sua maior parte? Historias insulsas e banaes, ou phantasias

absurdas e intrincadas, que só uma intelligencia amadurecida pode entender.

Para a comprehensão das crianças toda a violencia é má. So lêem com attenção,

fatigam-se em busca da verdadeira idea occulta entre os labyrinthos da phrase ; se não lêem

com attenção, se o fazem machinalmente, perdem um trabalho, que as enfada, e que nada de

bom lhes deixa.

É preciso ter-se consciencia de tudo o que se faz.

Diz P. J. Stahl, no prefácio do delicioso livro de Luiz Ratisbonne – Comédie enfantine

– que é necessario alimentar o espirito das crianças, como o seu corpo, com o que há de mais

puro e são.

E é bem certo isso.

Condemna com justiça esse escriptor os livros feitos ás dúzias, ao correr da penna, e

destinados á infancia ; livros sem relevo, sem aroma, e aos quaes está reservado o direito de

fallar em primeiro logar e ao que ha de mais subtil, de mais fino e delicado neste mundo, — á

imaginação e ao coração das crianças !

« Eu desejaria desanimar esses pobres escriptores continúa elle, fazer-lhes

comprehender bem que , quando se escreve para as crianças, a tarefa não é, como parece

acreditarem, o diminuirem-se, abaixarem-se, descerem ; ao contrario, a tarefa é subirem,

subirem sempre, subirem tão alto, quanto possa attingir o espirito humano, isto é, até á alma

da criança, até as espheras superiores, que ella habita e habitará, emquanto a sciencia da vida

a não tiver feito descer para prendel-a á terra, como a nossa.

« A Academia premeia livros de toda a especie : de historia, de philosophia e de

sciencias em geral. Eu quizera que ella reservasse annualmente uma das suas corôas, e a mais

rica para as composições felizes, que devem encantar a infancia ; quizera que assignalasse

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com ovações extraordinarias a passagem de uma d’essas aves raras : um livro deveras

estimavel para uso das crianças. »

Apresentando ao publico o nosso modesto trabalho, dizemos com o escriptor francez :

Desejaramos ver saudados com enthusiasmo em nosso paiz livros, já se vê, escriptos

por pennas mais abalizadas que as nossas, e com direito a ovações, mas, como este,

destinados ao uso das criancinhas.

b) Contos

As duas fadas

Uma corrente de indefinivel doçura prende á velhice a infancia; como que se reflectera

um no outro os dois crepusculos: o que precede o dia e o que precede a noite.

Ao lado de uma velhinha engelhada e tremula, brilha quasi sempre a imagem radiosa

de uma criança.

Bemdicto seja Deus, que junto a tudo o que ha de mais triste, poz tudo o que ha de

mais bello ! Por isso nos tumulos cantam maviosos passaros e desabrocham rosas, e, por

sobre as aguas mortas das lagôas insalubres, nascem, cheios de candidez, os brancos

nenuphares.

Conheci uma velha muito feia, tremula quasi cega, mas que attrahia as crianças, como

a flor da madre-silva atrae as abelhas. Sabia muitas historias das coisas encantadas, onde

brilhavam, numa scintilação esplendorosa, rainhas cobertas de brilhantes, reis em thronos de

crystal illuminados por focos de luz electrica ; pagens louros, vestidos de setim, cantando

amores sob os balcões floridos ; fadas cercadas de nuvens ; mulheres brancas, scismadoras,

aéreas, que surgiram á meia noite inundadas de luar, dos pergumosos calices das lacteas

açucenas e voavam pára as estrellas embalsamando o ar...

Era a essencia da flor divinisada !

A avózinha, como lhe chamavam todos, sabia, pois, muitas coisas, e contava-as aos

netinhos, que a ouviam religiosamente.

A’s vezes, conto descahia do predilecto tom phantastico ; os olhos da avózinha

brilhavam mais e a voz esmorecia até o suspirar de um ai !

Seriam saudades?

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As crianças não o indagavam ; contentavam-se com dizer :

— A historia hoje não foi tão bonita !

Davam-lhe as boas noites e um beijo, e iam-se embora.

Ella ficava então silenciosa, com a cabeça pendida e os olhos apagados. Contar

historias era recordar a mocidade, directa ou indirectamente : reverdecer na alma a gloriosa

flor azul dos seus vinte annos : folhear cheia de amor, cheia de carinho, as paginas soltas de

toda a sua vida ; penetrar em um tumulo illuminado para beijar seu querido morto, o passado.

E é por isso que as velhas gostam de contar historias, e de inventar lendas !

Teem uma satisfação intima e egoísta, em filtrarem na alma das criancinhas o nectar

das suas venturas e de vel-as chorar as suas grandes tristezas.

Uma noite a avózinha contou ás adoradas netas esta historiazinha :

— Meus amores.

Nasceram no mesmo dia duas fadas. Uma era linda, linda, a outra era feia, feia !

— Desgraçada de ti, dizia a primeira, que não és formosa, como eu ! A mim dará a

terra os seus mais bellos cantos, serei a suprema ventura, o supremo ideal. E tu?!

— Eu, respondeu a segunda com um sorriso angelico, embellezarei a alma d’aquelles

a quem nao tiveres embellezado o rosto. Lembrar-me-ei dos que esqueceres ; e se esperas

merecer os louvores da terra, eu, que te bemdigo, espero merecer os louvores do céu !

— Enganas-te ! Tu não serás louvada ; serás ignorada e incomprehendida, isso sim !

Conversabam d’este modo as duas fadsa, quando lhes appareceu um anjo aureolado de

estrellas, que, abrindo sobre ellas as brancas azas, disse que fallara por ultimo :

— Chamar-te-ás – BELLEZA – e reinarás com verdadeira soberana. Será juncado de

corações o teu caminho, pisal-os-ás sem dó ! Serás amada, mas não farás felizes ! Os teus

dons serão de pouca duração ; murcharão como as flores, apagar-se-hão como a luz. Serás

ficticia e breve, vaidosa e fria, mas brilhante e desejada. O teu reino é poderoso. Vae !

— Agora tu, disse á outra fada o anjo, chamar-te-ás – BONDADE. – Serás suave e

meiga. Fortalecerás os frageis, ampararás os desgraçados. O teu dom não terá a vida das

flores, nem as intermittencias da luz ; brilhará sempre ! Occultar-te-ás modesta e serás, apezar

de humilde, a mais nobre e a melhor das fadas. Vae !

Desde então andam as duas fadas pelo mundo a espargir os seus dons. Raras vezes se

encontram á beira do mesmo berço ; mas quando isso acontece, como fazem feliz a criança

que protegem !

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Pisando corações numa indifferença magestosa, vive a Belleza, ouvindo todos os

louvores todos os hymnos da terra ; mas do céu, é á Bondade que descem os raios da estrella,

e as bençãos do Senhor !

_____________________________________________________________________

1ª Que é crepusculo ? – 2ª Que significa proceder ? – 3ª O verbo proceder é regular ? – 4ª Quaes são, os verbos irregulares ? – 5ª Quaes são os defectivos ? – 6ª É uma desgraça ser feia ? – 7ª Qual é preferivel : ser bella ou ser boa? – 8ª Conte a historia das duas fadas.

O Ninho da Patativa

Laurinha andava cançada

de correr pelo pomar,

atraz de azul e doirada

borboleta ;

ficou afinal sentada,

tão quieta

a travessa feiticeira .

em baixo de uma romeira,

a scismar...

Nem podia respirar.

Talvez Laurinha quizesse

Numa fructa pôr a mão

e meditando escolhecesse,

caladinha,

a que mais lhe apetecesse.

Ó Laurinha !

Não hesites, colhe aquella,

a mais vermelha e mais bella,

que senão

vem colhel-a o teu irmão.

Laurinha nem se movia,

olhava com fixidez

para o mais alto raminho

e pensava ;

Como é lindo aquelle ninho !

Gorgeava

bem perto uma patativa.

ave que a attenção captiva

tanta vez !

Mãe da ninhada, talvez....

Nisto a mamãe da janella :

— Laura, vem cá, minha flôr,

chegou a prima Arabella,

quer beijar-te.

Laura diz com voz singella :

— Vou deixar-te,

mas não penses que te esqueço,

passarinho ; se adormeço,

sonho, amor,

com teu ninho encantador.

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No mesmo ramo pousado

espera, que eu hei de vir

trazer-te o melhor bocado

do almoço.

Em teu ninho perfumado

que alvoroço !

Que immenso contentamento !

Nunca mais um só lamento

se ha de ouvir ;

não vás agora... fugir.

Laura subiu. Noite adeante

um medonho furacão

com seu açoute cortante

poz em terra

o ninho... A mãe cruciante

dôr aterra ;

vôa tresloucada, a esmo,

té que teve o vento mesmo

compaixão

e arremessou-a ao chão.

E foi ao pé dos filhinhos

que a patativa morreu.

Entreabriram os biquinhos

num desejo

de expiarem unidinhos

num só beijo,

talvez ! As azas de uma ave

nos mostram quanto é suave

lá no céu

o amor dos anjos. Correu

Laurinha, toda contente,

depois do almoço, ao pomar ;

levava um bolo excellente

entre flores !

Imaginae , vendo em frente

seus amores

inertes, inanimados,

a dôr, a magua, os cuidados,

o chorar,

d’essa formosa sem par !

Guardou o ninho, lembrança

da alegria fugitiva

da sua affeição primeira,

aquella loura creança !

e á sombra de alta mangueira

ás aves deu sepultura.

Sobre essa campa cultiva

a flor da tristeza, a escura

saudade roxa. Saudosa,

esquece as maguas, que és rosa,

encantada jardineira.

_____________________________________________________________________

1ª Que quer dizer cruciante dôr ? – 2ª Que significa vôa a esmo ? – 3ª Qual o equivalente d’essa locução ? – 4ª Qual é o fructo da mangueira ? – 5ª Que sentimento exprime o procedimento de Laurinha ?

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