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Universidade de São Paulo

2014

O que é arqueologia http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/47550

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o QUE É ARQUEOLOGIA

Paulo DeBlasis

Todo mundo tem uma ideia do que seja arqueologia.Ao serem indagadas, as pessoas geralmente evocamuma ideia romântica de arqueologia, envolvendo

aventuras, tesouros e objetos exóticos em países longínquos, antigascidades ma ias e os túmulos de faraós egípcios, entre outros achadosespetaculares. Os estereótipos das aventuras dos arqueólogos explo-rando relíquias valiosas de antigas civilizações, sendo atacados pormúmias (re)criadas pela indústria cinematográfica norte-americana sófizeram reforçar essas imagens, por vezes divertidas, mas quase sem-pre falsas, do trabalho do arqueólogo que, como seria de se esperar, ébastante diferente do imaginário criado em torno dele.

A arqueologia é habitualmente vista como uma disciplinadirigida para a compreensão dos estilos de vida e da evolução dogênero humano, por meio dos aspectos materiais de sua cultura.Trata-se, assim, de uma ciência humana, mezzo histórica mezzoantropológica, que visa a entender as sociedades humanas, muitoespecialmente aquelas do passado mais remoto, anteriores ao ad-vento da escrita. Essasculturas anteriores à introdução da escrita sópodem ser acessadas por meio dos vestígios materiais que essas dei-xaram nos locais em que viveram (chamados sítios arqueológicos),isto é, o que restou das coisas que as pessoas fabricaram e usaramao longo da vida.

Assim, o que a arqueologia tradicionalmente faz é estudarsistematicamente esses remanescentes materiais de antigas socieda-

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des (os quais chamamos de registro arqueológico) que se encontramenterrados no solo, em cavernas e abrigos rochosos, enfim, dispersosnas diversas paisagens do planeta, por toda parte por onde a huma-nidade tem passado. Os vestígios arqueológicos permitem compre-ender como essas sociedades viviam e se organizavam, quantos eram(demografia), de onde vieram (migrações), como se relacionavamcom o meio ambiente (adaptação), suas bases econômicas e tecnoló-gicas, por que desapareceram, e assim por diante.

É claro que, quanto mais antigos forem esses vestígios deantigas culturas, menos se encontram bem-preservados, e mais difícilserá compreender o modo de vida. Por exemplo, de um corpo se-pultado em terreno aberto, depois de poucos anos sobrarão apenasos ossos; com mais tempo ainda, apenas os dentes, até não sobrarmais nada, a não ser que existam condições que possibilitem queesse corpo se fossilize. Por isso, para entender como os humanos seadaptavam aos ambientes antigos (restos associados à evolução hu-mana podem alcançar mais de 4 milhões de anos), os arqueólogosprecisam dialogar também com a geologia e o estudo dos paleoam-bientes (isto é, ambientes antigos).

Atualmente, a arqueologia adquiriu uma perspectiva maisampla. Hoje, o foco de estudo são os diferentes ambientes do pla-neta e a sua historicidade. Como não existem paisagens que não te-nham sido afetadas pela longa convivência com as sociedades huma-nas, os arqueólogos investigam de que maneira os grupos humanosocuparam essas diversas regiões da Terra, modificando-as ao mesmotempo em que se adaptavam a elas, em uma relação quase semprelongeva e de influências e transformações mútuas.

Como os ambientes do planeta foram se transformando aolongo do tempo, assim como as sociedades humanas que neles vive-ram, a arqueologia, junto à ecologia, busca examinar essa longa his-tória em que a espécie humana, ao mesmo tempo em que se adaptaa esses diversos ambientes, os transforma de acordo com seu própriointeresse. Ao longo desse processo, deixa as marcas de sua presença,e as transformações que realizou, impressas na própria paisagem,na forma de objetos abandonados, que depois são enterrados como tempo, ou mesmo construções duradouras, como os castelos daEuropa medieval ou as fortalezas dos incas.

No entanto, os vestígios da presença humana vão além dosobjetos e utensílios abandonados e casas e construções públicas (pra-ças, templos, etc.) que as sociedades humanas deixaram, coisas essasque os arqueólogos chamam de cultura material. Os arqueólogos eecólogos estudam vestígios bem mais sutis, como a variação da com-

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Cena de escavaçãono Abrigo Vermelho,Rondonópolis, MT.1998.Foto: Paulo DeBlasis

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posição das formações vegetais ao longo do tempo, muitas vezesinfluenciada pela ação humana, ou a presença de níveis enterradosde carvão indicando queimadas, ou, ainda, modificações intencio-nais das formas naturais do terreno causadas por estradas, canais,etc. Com as modificações naturais (climáticas, erosão, etc.), essasmo-dificações sutis, impressas na paisagem, informam aos pesquisadoresde que maneira determinada região adquiriu a fisionomia que temhoje, fruto tanto de mudanças naturais como de intervenções antró-picas (isto é, feitas pelo homem).

Assim, examinando essesvestígios, muitos dos quais sobre-vivem longamente ao passar do tempo (chegando aos dias de hoje),os arqueólogos tentam entender a relação das sociedades humanascom os ambientes em que vivem, sua história e as maneiras comofizeram isso (tecnologia, economia, organização social, etc.). Paracontar essas histórias vale tudo, desde vestígios impressionantes napaisagem, como as pirâmides egípcias ou os sambaquis, mas tambémevidências bem mais discretas, como restos de pequenos acampa-mentos de caça, ou sutis mudanças no perfil da vegetação de umaregião. Os arqueólogos podem, assim, entender como determinadosambientes e o conjunto das sociedades que neles existem ou existi-ram (ou seja, a paisagem) evoluíram, em um processo de mudança etransformação em que a presença humana exerce sempre um papelativo e dinâmico, nunca passivo.

Assim, a arqueologia hoje estuda a história do planeta demaneira total, atenta ao mesmo tempo ao impacto das mudançasambientais (clima, vegetação, etc.) nas sociedades humanas, e comofizeram para elas se adaptarem, mas, principalmente, às maneirascomo, por meio de sua criatividade tecnológica e da percepção do

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Pesquisadora analisandorestos esqueletaishumanos em laboratório.São Paulo, SP.Foto: Paulo DeBlasís

mundo à sua volta, essassociedades transformaram o mundo, adap-tando-o a seus próprios fins.

É por essa razão que a arqueologia não pode prescindir deum enfoque multidisciplinar, lidando tanto com as ciências da terra(geologia, geografia, climatologia, etc.), quanto com as ciências hu-manas (antropologia, sociologia, história), das quais, tendo no ho-mem o foco de atenção, ela mesma faz parte.

Para alcançar seus objetivos, a arqueologia congrega umavariedade de metodologias. As mais conhecidas e diretamente liga-das ao trabalho do arqueólogo são aquelas direcionadas para a re-cuperação e análise da cultura material, vestígios deixados na paisa-gem (construções e sua arquitetura, antigas aldeias e os artefatos aliencontrados, etc.), pesquisados através de estudos de distribuiçãoespacial (isto é, como se encontram dispersos em um dado território

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o que é arqueologia

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e o que isso significa) e escavações, quando os arqueólogos recupe-ram vestígios mais antigos enterrados no solo.

Dessa forma, os arqueólogos estudam tanto as edificações(por exemplo, uma cidade antiga, um castelo medieval, etc.) quantoos artefatos (objetos fabricados e usados pelas pessoas) recupera-dos nas escavações, mas também estruturas impressas na paisagem,como antigos canais para transportar água, terraços para agricul-tura, solos enriquecidos artificialmente com a adição de materiaisorgânicos, entre outras coisas. Assim, é difícil perceber, hoje, algumlugar do mundo que não tenha sido transformado, em maior oumenor grau, pela agência humana.

Com a expansão da arqueologia em grande escala por to-dos os países, e ao estudar os mais diversos ambientes, a arqueolo-gia vem conseguindo, cada vez mais, detectar padrões de adapta-ção e transformação cultural, praticados pelas diferentes socieda-des humanas ao longo do espaço e do tempo, em escala planetária.Dessa forma, vem se conseguindo examinar a correlação entre ahistória humana e os eventos macroambientais, a exemplo dos ci-cios climáticos de larga escala, como nunca se fez antes, abrindoespaço para estudos de grande impacto e para perspectivas de pla-nejamento futuro.

A arqueologia é, hoje, uma das mais importantes ciênciashumanas, lidando com dados antropológicos e ambientais de manei-ra integrada. Não apenas mostra a longa história do relacionamentohumano com o planeta, como conduz a um profundo conhecimentodos seus ambientes e de como as tecnologias humanas os impacta-ram ao longo dos muitos milênios dessa história de convivência etransformações mútuas. Os estudos arqueológicos, integrados aosestudos de ecologia, mostram os caminhos da Humanidade até opresente e deixam, assim, indicações preciosas de como a caminhadapara o futuro não pode ser irresponsável, mas baseada nos conheci-mentos e no saber acumulados, nas experiências e sucessos, inclusivecom os fracassos, ao longo desse extenso trajeto.

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