UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, … · 2017. 11. 14. · FIGUEIREDO, Telmo José...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS ESTUDOS JUDAICOS E ÁRABES TELMO JOSÉ AMARAL DE FIGUEIREDO Um nome que faz toda diferença: análise literária de Gênesis 32,23-33 VERSÃO CORRIGIDA São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS

ESTUDOS JUDAICOS E AacuteRABES

TELMO JOSEacute AMARAL DE FIGUEIREDO

Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33

VERSAtildeO CORRIGIDA

Satildeo Paulo

2016

TELMO JOSEacute AMARAL DE FIGUEIREDO

Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33

VERSAtildeO CORRIGIDA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Judaicos e Aacuterabes do

Departamento de Letras Orientais da Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

Universidade de Satildeo Paulo como parte dos

requisitos para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Letras

Orientador Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio

Satildeo Paulo

2016

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 Tese de Doutorado apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Letras

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Dedico este trabalho primeiramente agrave minha

querida matildee Maria Aparecida Amaral de Figueiredo

por sempre ter-me apoiado e desejado o bem Outra

pessoa fundamental para que eu tivesse obtido

sucesso em meus estudos foi a minha querida tia

Sumie Matai de Figueiredo que me acolheu em sua

proacutepria residecircncia Dedico esse estudo tambeacutem a

uma pessoa que muito me inspirou e incentivou a

intraprender esse caminho refiro-me ao Prof Dr

Carlos Daghlian (in memoriam) E finalmente ao

clero de minha Diocese de Jales (SP) e ao povo de

Deus daquela regiatildeo que sempre acreditou na forccedila

do Bem e do Amor

AGRADECIMENTOS

Ao Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio meu querido orientador que sempre me

motivou vigiou pela minha perseveranccedila e dedicaccedilatildeo a esta tese

Aos meus bispos D Luiz Demeacutetrio Valentini (emeacuterito) e D Joseacute Reginaldo Andrietta

por terem confiado em mim e permitido afastar-me de minhas funccedilotildees na diocese de Jales (SP)

para poder consagrar-me a este estudo

Agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas pela oportunidade de realizaccedilatildeo

desse trabalho de pesquisa que foi fundamental para o meu amadurecimento como professor e

estudioso de literatura biacuteblica

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) que me

concedeu uma valiosa e necessaacuteria bolsa de estudos para que eu pudesse consagrar-me

totalmente aos estudos e pesquisas

Pouco a Leste do Jordatildeo

Registram os Evangelistas

Um Ginasta e um Anjo

Lutaram longa e violentamente ndash

Ateacute que a manhatilde tocou a montanha ndash

E Jacoacute cada vez mais forte

O Anjo pediu permissatildeo

Para o Desjejum ndash e voltar ndash

Assim natildeo disse o astuto Jacoacute

ldquoNatildeo o deixarei ir

A menos que me abenccediloerdquo ndash Estrangeiro

E este aquieceu ndash

A luz volteou os velos de prata

Aleacutem das colinas de ldquoPenielrdquo

E o aturdido Ginasta

Descobriu que derrotara a Deus

(DICKINSON Emily sd)

(Trad Carlos Daghlian)

RESUMO

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2016

Esta tese tem por objetivo analisar a periacutecope de Gecircnesis 3223-33 que constitui um dos

elementos estruturantes do conhecido ldquociclo de Jacoacuterdquo que integra a histoacuteria dos patriarcas de

Israel na Biacuteblia Hebraica Jacoacute eacute tomado como um dos principais ancestrais do povo judeu natildeo

obstante sua tradiccedilatildeo em alguns periacuteodos da histoacuteria ter ficado em plano inferior agravequela de

Moiseacutes por exemplo Em Jacoacute convergem as esperanccedilas de uma parte da naccedilatildeo que natildeo se vecirc

contemplada pela religiatildeo oficial que administra um culto a YHWH distante da realidade vivida

pelas famiacutelias tribais que habitam no interior em pequenos vilarejos e no campo O nome dado

a Jacoacute em meio a uma luta eacute significativo e revelador Afinal ele natildeo eacute nem de longe a figura

perfeita ideal que as tradiccedilotildees religiosas dominantes exigiam para algueacutem ser considerado um

ldquoverdadeiro israelitardquo temente ao Senhor Sua lideranccedila e dignidade chegam mesmo a ser

questionadas pelo profetismo Natildeo obstante tudo isso eacute sua pessoa que encarnaraacute atraveacutes de

um nome recebido do proacuteprio ser divino os destinos de Israel Personagem e indiviacuteduo se

mesclam propositalmente no epocircnimo ldquoIsraelrdquo a fim de revelar a verdadeira vocaccedilatildeo daquele

povo

Palavras-chave Jacoacute Israel Mudanccedila de nome Onomaacutestica biacuteblica

ABSTRACT

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de A name that makes all the difference literary

analysis of Genesis 32 23-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras

e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

This thesis aims to analyze the pericope of Genesis 3223-33 which constitutes one of the

structuring elements of the well-known Jacob cycle that integrates the history of the patriarchs

of Israel in the Hebrew Bible Jacob is taken as one of the chief ancestors of the Jewish people

in spite of his tradition at some periods in history to have remained lower than that of Moses

for example In Jacob converge the hopes of a part of the nation that is not seen contemplated

by the official religion that administers a cult to YHWH far from the reality lived by the tribal

families that inhabit in the countryside in small villages and in the field The name given to

Jacob in the midst of a struggle is significant and revealing After all he is by no means the

perfect ideal figure that prevailing religious traditions demanded for someone to be considered

a true Israelite who feared the Lord His leadership and dignity even come to be questioned

by prophetism Notwithstanding all this it is his person who incarnates through a name

received from his own divine being the destinies of Israel Character and individual deliberately

merge into the eponymous Israel in order to reveal the true vocation of that people

Keywords Jacob Israel Name change Biblical Onomastics

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEC Antes da Era Comum = aC

BH Biacuteblia Hebraica

BJ Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia)

c Coluna

Cf cf Confira conferir

EC Era Comum = dC

Ed

gr

Editor Editado por

grego

heb Hebraico

n Nota de rodapeacute

Org Organizado por Organizador Organizaccedilatildeo

p Paacutegina

p ex Por exemplo

seacutec Seacuteculo

Trad trad

t

Traduccedilatildeo ou tradutor

Tomo

v Versiacuteculo (da Biacuteblia) ou Volume (nas citaccedilotildees bibliograacuteficas)

vv Versiacuteculos (da Biacuteblia)

LISTA DE ABREVIATURAS DOS LIVROS BIacuteBLICOS1

Ab Abdias

Ag Ageu

Am Amoacutes

Ap Apocalipse

At Atos dos Apoacutestolos

Br Baruc

Cl Colossenses

1Cor 1ordf Coriacutentios

2Cor 2ordf Coriacutentios

1Cr 1ordm Crocircnicas

2Cr 2ordm Crocircnicas

Ct Cacircntico dos Cacircnticos

Dn Daniel

Dt Deuteronocircmio

Ecl Eclesiastes = Qoheacutelet

Eclo Eclesiaacutestico

Ef Efeacutesios

Esd Esdras

Est Ester

Ex Ecircxodo

Ez Ezequiel

Fl Filipenses

Fm Filecircmon

Gl Gaacutelatas

Gn Gecircnesis

Hab Habacuc

Hb Hebreus

Is Isaiacuteas

Jd Judas

Jl Joel

Jn Jonas

Joacute Joacute

Jo Evangelho segundo Joatildeo

1Jo 1ordf Joatildeo

2Jo 2ordf Joatildeo

3Jo 3ordf Joatildeo

Jr Jeremias

Js Josueacute

Jt Judite

Jz Juiacutezes

Lc Lucas

Lm Lamentaccedilotildees

1 As abreviaccedilotildees seguem o sistema proposto pela Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia) que eacute um dos mais

empregados em estudos biacuteblicos A disposiccedilatildeo segue a ordem alfabeacutetica para facilitar a busca

Lv Leviacutetico

Mc Evangelho segundo Marcos

1Mc 1ordm Macabeus

2Mc 2ordm Macabeus

Ml Malaquias

Mq Miqueias

Mt Evangelho segundo Mateus

Na Naum

Ne Neemias

Nm Nuacutemeros

Os Oseias

1Pd 1ordf Pedro

2Pd 2ordf Pedro

Pr Proveacuterbios

Rm Romanos

1Rs 1ordm Reis

2Rs 2ordm Reis

Rt Rute

Sb Sabedoria

Sf Sofonias

Sl Salmos

1Sm 1ordm Samuel

2Sm 2ordm Samuel

Tb Tobias

Tg Tiago

1Tm 1ordf Timoacuteteo

2Tm 2ordf Timoacuteteo

1Ts 1ordf Tessalonicenses

2Ts 2ordf Tessalonicenses

Tt Tito

Zc Zacarias

TRANSLITERACcedilAtildeO DOS CARACTERES HEBRAICOS2

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a acutealef acute

b becirct (sem daguesh)3 b

B becirct (com daguesh) B

g guimel (sem daguesh) g

G guimel (com daguesh) G

d dalet (sem daguesh) d

D dalet (com daguesh) D

h hecirc h

w waw w

z zayin z

x Het H

j daggeret dagger

y yod y

k $ (forma final) kaf (sem daguesh) k

K kaf (com daguesh) K

l lamed l

m ~ (forma final) mem m

n (forma final) nun n

s samekh s

[ `ayin `

p pecirc (sem daguesh) p

P (forma final) pecirc (com daguesh) P

2 O esquema de transliteraccedilatildeo e banco de dados foi desenvolvido por Matthew Anstey para uso em BibleWorks

Este banco de dados baseou-se na base de dados eletrocircnica CCAT Michigan-Claremont-Westminster Ela foi usada

livremente com a permissatildeo da Sociedade Biacuteblica Alematilde O BibleWorks eacute um programa (software) para exegese

biacuteblica e pesquisas neste campo Eacute um produto da BibleWorks LLC de Norfolk (VA) nos Estados Unidos da

Ameacuterica 3 Os massoretas empregavam um ponto ou pequeno sinal dentro de letra denominado daguesh para indicar a)

que a consoante em questatildeo pode ser geminada (duplicada) neste caso o daguesh eacute forte b) no caso das letras

ambiacuteguas do grupo t p k d g b aquela com o ponto eacute a oclusiva (chamado de daguesh lene) a que carece de

ponto eacute a fricativa c) que um h final natildeo deve ser considerado como vogal mas como consoante com significado

morfoloacutegico (esse tipo de hecirc final eacute denominado de mappicircq (cf LAMBDIN 2003 p 28-29)

C (forma final) tsadecirc c

q qof q

r resh r

f sin S

v shin š

t taw (sem daguesh) t

T taw (com daguesh) T

Letras

(vogais e semivogais)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a shewaacute (audiacutevel) uuml

a shewaacute (mudo)

a pataH a

x pataH furtivo4 ordf

agt Hadaggeref-pataH aacute

a qamets auml

h qamets com final vocaacutelico

(ou qamets hecirc) acirc

a segol e

h segol com final vocaacutelico

(ou segol hecirc) egrave

y lt segol formando ditongo

(segol yod) Ecirc

a Hadaggeref-segol eacute

ae tserecirc euml

y E tserecirc yod (ditongo) ecirc

h E tserecirc com final vocaacutelico

(tserecirc hecirc) Euml

ai hiriq breve i

ai hiriq longa igrave

yai hiriq yod (ou hiriq Male =

completo) icirc

a qamets Hadaggeruf5 o

a Hadaggeref-qamets oacute

4 A transliteraccedilatildeo ocorre acima da linha diferenciando da vogal pataH 5 Pode haver uma confusatildeo quando se lecirc um texto hebraico natildeo transliterado porque ambas vogais qamets e

qamets Hadaggeruf satildeo morfologicamente iguais A regra geral indica que se lecirc ldquoordquo portanto qamets Hadaggeruf em uma

siacutelaba fechada e natildeo acentuada Uma siacutelaba fechada normalmente termina em shewaacute p ex yrImv (lecirc-se šomricirc)

Em algumas partes onde pode haver confusatildeo usa-se o meacuteteg um traccedilo vertical curto colocado debaixo de uma

consoante e agrave esquerda do sinal vocaacutelico se houver Quando haacute o meacuteteg entatildeo se lecirc com ldquoardquo

ao Holem ouml

hao Holem hecirc ograve

wO Holem waw ocirc

au qibbuts breve u

au qibbuts longo ugrave

W shureq ucirc

Outros

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

X (sem pontuaccedilatildeo ndash caso raro

p ex Gn 3018)

sin shin J

| meacuteteg6 Acento indicando siacutelaba

tocircnica acute

6 Cf a nota anterior

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

1 A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA 06

1 O NOME PROacutePRIO 06

11 O que eacute o nome proacuteprio 10

12 A que serve o nome proacuteprio 13

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio 15

2 DIFERENTES ABORDAGENS DO NOME PROacutePRIO 18

21 Semioacutetica 18

22 Psicanaacutelise 24

3 O NOME PROacutePRIO NA LITERATURA 25

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens 26

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo 26

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo 26

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra 26

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas 29

4 UMA ANAacuteLISE ANTROPOLOacuteGICA DO NOME PROacutePRIO 40

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas 41

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social 45

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios 46

2 NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA 51

1 O NOME PROacutePRIO EM CIVILIZACcedilOtildeES CONTEMPORAcircNEAS A ISRAEL 51

11 Mesopotacircmia 51

12 Egito 60

13 Greacutecia e Roma 63

2 ONOMAacuteSTICA BIacuteBLICA 65

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica 65

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas 70

221 Circunstacircncias particulares do nascimento 70

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo 71

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila 72

224 Nomes de animais 72

225 Nomes de plantas 73

226 Nomes teofoacutericos 73

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome 79

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica 80

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor 80

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina 81

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa 82

3 ETIOLOGIAS BIacuteBLICAS 83

3 GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE 87

1 O TEXTO EM SI 87

2 ALGUMAS NOTAS DE CRIacuteTICA TEXTUAL 88

3 CONTEXTOS DA PERIacuteCOPE 91

4 A FORMACcedilAtildeO DO PENTATEUCO E O CICLO DA HISTOacuteRIA DE JACOacute 101

5 DELIMITACcedilAtildeO E ESTRUTURA 124

4 MUDAR DE NOME PARA QUEcirc 132

1 PARALELISMOS INTERNOS Agrave BIacuteBLIA 132

2 ASPECTOS INTERNOS Agrave PERIacuteCOPE 138

3 COMO FOI INTERPRETADA A MUDANCcedilA DE NOME DE JACOacute 142

4 O QUE SIGNIFICA ISRAEL 150

CONCLUSAtildeO 189

BIBLIOGRAFIA 196

1

INTRODUCcedilAtildeO

A Biacuteblia Hebraica (doravante BH) eacute literatura enquanto possuidora dos traccedilos

caracteriacutesticos de toda obra literaacuteria pois ela eacute ldquoo resultado de uma criaccedilatildeo por parte

de seu autor e na intenccedilatildeo deste estaacute destinada a durar eacute desinteressada quer dizer

de eficaacutecia natildeo praacutetica (embora possa haver uma de outro tipo educaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo

do sentido esteacutetico difusatildeo de ideias e experiecircncias etc) eacute de natureza esteacutetica quer

dizer um de seus objetivos fundamentais eacute proporcionar ao destinataacuterio prazeres de

tipo espiritualrdquo (TOSAUS ABADIacuteA 2000 p 18-19 grifos nossos)

Entre noacutes aqui no Brasil ainda satildeo poucos os estudiosos que se dedicam a esse

tipo de abordagem da BH como verdadeira literatura Inclusive satildeo pouquiacutessimas as

faculdades de letras que possuem departamentos especiacuteficos para esse tipo de

literatura ou que permitem e possuem mestres capacitados para tal tarefa Como

reconhece ALTER (1998 p 12)

A ausecircncia geral deste discurso criacutetico sobre a Biacuteblia Hebraica eacute mais desconcertante ainda quando nos lembramos de que as obras-primas da Antiguidade grega e latina usufruiacuteam nas deacutecadas recentes de uma anaacutelise criacutetica abundante e perspicaz de modo que aprendemos a perceber sutilezas da forma liacuterica tanto em Teoacutecrito quanto em Marvell complexidade e estrateacutegia narrativa tanto em Homero ou Virgiacutelio quanto em Flaubert

O motivo para tal eacute que ldquoa Biacuteblia foi considerada durante muitos seacuteculos tanto

por cristatildeos quanto por judeus a fonte unitaacuteria e primaacuteria da verdade de revelaccedilatildeo

divinardquo (ALTER 1998 p 16) Contudo a Biacuteblia natildeo perde em nada com esse tipo de

anaacutelise criacutetica antes ldquo[] a visatildeo religiosa da Biacuteblia ganha profundidade e sutileza

exatamente pelo fato de ser transmitida atraveacutes dos meios mais sofisticados da prosa

ficcionalrdquo (ALTER 1998 p 22)

Ao servir-me da anaacutelise narrativa para estudar Gn 3223-33 que trata da

mudanccedila de nome de um dos principais patriarcas de Israel como resultado de um

inusitado encontro noturno que Jacoacute vivencia pretendo aplicar esse discurso criacutetico

2

Este personagem denominado Israel ndash seu novo nome ndash eacute o antecessor epocircnimo que

fornece motivos de identificaccedilatildeo para o seu proacuteprio povo

Pois bem o ldquomodo de narrar natildeo eacute indiferente ao sentido que se produz e ao

seu efeitordquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7) Aliaacutes a anaacutelise narrativa leva em

consideraccedilatildeo a distinccedilatildeo que se deve fazer entre histoacuteria narrada de uma parte e a

narraccedilatildeo de outra Aqui por narraccedilatildeo entende-se a narraccedilatildeo concreta que eacute feita dessa

histoacuteria O narrador a ldquovozrdquo do texto tem aqui um papel fundamental Portanto a

narrativa eacute o ldquoveiacuteculo de uma comunicaccedilatildeo entre um emissor (o narrador) e um

receptor (o leitor) e um dos objetivos principais da leitura eacute estudar a lsquoestrateacutegia

narrativarsquo isto eacute as modalidades concretas de que o narrador faz uso na narrativa para

se comunicar com o destinataacuterio e apresentar-lhe seu mundo de valores e suas

convicccedilotildeesrdquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7)

Este estudo se dedicaraacute justamente a essa tarefa ou seja levantar

concretamente na narrativa de Gecircnesis 3223-33 os elementos que foram utilizados na

construccedilatildeo literaacuteria desse texto em vista de identificar sua intenccedilatildeo uacuteltima e suas

consequecircncias para a interpretaccedilatildeo do mesmo A anaacutelise de textos do Gecircnesis sob o

ponto de vista da narratologia permitiraacute trabalhar os elementos histoacutericos e culturais

especiacuteficos que resultaratildeo desse levantamento Seraacute muito uacutetil nesse ponto o

confronto com a histoacuteria e literatura de Israel e dos povos vizinhos bem como com os

aspectos culturais da eacutepoca Dever-se-aacute estabelecer entatildeo um diaacutelogo multidisciplinar

a fim de permitir a descoberta daquilo que eacute especiacutefico no pensamento hebraico e

constitui a elaboraccedilatildeo proacutepria de sua identidade cultural expressa no texto em anaacutelise

Para concretizarmos o objetivo de ldquolevantar o veacuteurdquo que recobre um nome tatildeo

fundamental na literatura cultura e histoacuteria biacuteblica como eacute ldquoYiSraumlacuteeumllrdquo procederemos

da seguinte forma

No primeiro capiacutetulo nos dedicaremos a identificar e esclarecer o que se

entende por nome proacuteprio qual eacute a sua finalidade nas liacutenguas e culturas Passearemos

brevemente pela semioacutetica e psicanaacutelise que nos podem ajudar um pouco na

elucidaccedilatildeo dessa funccedilatildeo presente em todas as culturas e etnias Em seguida seraacute o

momento de nos focarmos mais no uso que a literatura faz de nomes proacuteprios pessoais

Poderemos constatar a incriacutevel variedade de tarefas a eles atribuiacutedas revelando a

3

qualidade das personagens indicando o local onde transcorre a accedilatildeo sugerindo o

tempo da accedilatildeo exercendo um papel na estrutura da obra literaacuteria e por uacuteltimo

servindo para associaccedilotildees sinesteacutesicas que produzem um efeito especial na obra

Fechando o capiacutetulo nos dedicaremos agrave anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

interrogando-nos sobre as funccedilotildees dos nomes de pessoas o nome proacuteprio como um

coacutedigo social e a simbologia dos nomes proacuteprios

O segundo capiacutetulo seraacute consagrado a estudar como os nomes proacuteprios satildeo

utilizados no Oriente Meacutedio Antigo e na proacutepria BH Comeccedilaremos abordando as

civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel ou seja a Mesopotacircmia o Egito a Greacutecia e Roma

Em seguida entraremos no universo da cultura biacuteblica tratando de como as

circunstacircncias determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas na cultura hebraica e analisando

cada uma delas Um item seraacute dedicado agrave questatildeo da mudanccedila de nomes na BH uma

vez que este eacute o tema central deste nosso estudo Concluindo o capiacutetulo exploraremos

algo sobre as etiologias biacuteblicas ou seja as glosas que satildeo incluiacutedas nos textos a fim de

fornecer uma explicaccedilatildeo para um determinado nome de pessoa ou local

Com o terceiro capiacutetulo iniciamos a abordagem propriamente dita de nossa

periacutecope (Gn 3223-33) Primeiramente nos deparando com o texto hebraico completo

da mesma seguido por algumas notas e observaccedilotildees de criacutetica textual que procura

identificar possiacuteveis problemas presentes nos manuscritos biacuteblicos que serviram como

base para o estabelecimento do texto hebraico que possuiacutemos atualmente em nossas

matildeos Apoacutes essa anaacutelise mais teacutecnica partimos para contextualizar a nossa periacutecope

o que eacute fundamental quando se trata de um texto literaacuterio inserido em meio a uma

obra completa e nesta inserido em um determinado bloco literaacuterio que neste caso eacute

o denominado ciclo de Jacoacute Pensei que se fizesse necessaacuterio abordar nem que fosse

de modo resumido o processo de formaccedilatildeo do PentateucoToraacute e no interior deste a

evoluccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Afinal a formaccedilatildeo do Pentateuco determinou o modo como

as unidades literaacuterias foram dispostas em seu interior e a articulaccedilatildeo delas entre si

Finalmente o capiacutetulo chega ao seu final com a delimitaccedilatildeo da periacutecope agora o nosso

olhar comeccedila a tornar-se cada vez mais focado em Gn 3223-33 e um estudo sobre a

sua estrutura

4

O quarto e uacuteltimo capiacutetulo de nosso estudo eacute totalmente consagrado ao

fenocircmeno da mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel Para isso parte-se de paralelismos

com os quais a nossa periacutecope se defronta na BH Em seguida faz-se uma anaacutelise mais

detalhada de cada elemento que compotildee a periacutecope para na sequecircncia abordarmos

como se deu a interpretaccedilatildeo da mudanccedila de nome de Jacoacute na literatura biacuteblica rabiacutenica

e por parte dos pesquisadores modernos Entatildeo chegamos por fim agrave anaacutelise que

concentra o nuacutecleo deste nosso estudo o significado de ldquoIsraelrdquo

Gostaria de chamar a atenccedilatildeo para algumas particularidades metodoloacutegicas que

adotei na composiccedilatildeo deste estudo

Primeiramente a traduccedilatildeo dos textos biacuteblicos citados eacute tomada da Biacuteblia de

Jerusaleacutem a natildeo ser quando indicado diversamente Os textos mais diretamente

relacionados agrave periacutecope que eacute o objeto central da pesquisa foram sempre traduzidos

por mim mesmo Enquanto que para os demais textos servi-me da mencionada versatildeo

biacuteblica em portuguecircs ou de alguma outra mais literal a qual vem tambeacutem indicada

Por uma questatildeo de uniformizaccedilatildeo e praticidade adotei os nomes proacuteprios de

pessoas localidades e povoaccedilotildees empregados pela mesma Biacuteblia de Jerusaleacutem

Obviamente esses nomes diferem algumas vezes em muito do termo original

hebraico Por esse motivo quando o nome mencionado requer uma proximidade com

o original hebraico o mesmo eacute mencionado em parecircntesis

As citaccedilotildees diretas do hebraico satildeo feitas em duas formas usando os caracteres

aramaicos quadrados como estamos habituados a encontrar nas ediccedilotildees da BH e nas

obras afins ou entatildeo a transliteraccedilatildeo do texto hebraico seguindo um dos sistemas mais

aceitos e utilizados internacionalmente que estaacute explicado no item ldquoTransliteraccedilatildeo dos

Caracteres Hebraicosrdquo que se encontra antes desta introduccedilatildeo Devido a uma questatildeo

de acessibilidade a um maior puacuteblico preferi empregar mais o texto hebraico

transliterado

Na bibliografia preferi seguir o meacutetodo de citar o nome dos autores o mais

completo possiacutevel Afinal eacute uma forma de tornar mais conhecidos e acessiacuteveis os

estudiosos neste campo de pesquisa Sem falar que diferentemente da Europa e dos

Estados Unidos da Ameacuterica em nosso paiacutes as pessoas satildeo tratadas mais comumente

pelo nome e natildeo pelo(s) sobrenome(s)

5

Antes de concluir esta breve introduccedilatildeo penso ser oportuno fazer recurso a um

providencial poema que em muito auxilia-nos a antecipar o fruto essencial deste

nosso estudo

Refiro-me a um poema de Nelly Sachs escritora judia radicada na Sueacutecia

nascida em Berlim na Alemanha aos 10 de dezembro de 1891 e falecida em Estocolmo

Sueacutecia aos 12 de maio de 1970 ldquoAs suas experiecircncias resultantes da ascensatildeo do

nazismo na Segunda Guerra Mundial na Europa transformam-na em porta-voz

pungente para a tristeza e anseios de seus companheiros judeusrdquo (NELLY SACHS

2016) Aleacutem eacute claro de tecirc-la forccedilado a emigrar para a Sueacutecia onde foi acolhida e

constituiu uma forte amizade com a afamada escritora Selma Lagerloumlf Recebeu o

Nobel de Literatura de 1966 juntamente com Shmuel Yosef Agnon

JACOB Nelly Sachs1 Oacute ISRAEL fruto primeiro na luta auroral onde todo o parto estaacute escrito com sangue no crepuacutesculo Oh a faca afiada do grito do galo cravada no coraccedilatildeo da humanidade Oh a ferida entre noite e dia que eacute a nossa morada Preacute-lutador na carne pueacuterpera dos astros no luto da ronda nocturna donde chora um canto de paacutessaro Oacute Israel que finalmente pariste pra a bem-aventuranccedila ndash graccedila gotejante de orvalho matutino sobre a tua cabeccedila ndash Mais bem-aventurado pra noacutes vendidos pra o esquecimento gemendo nos bancos de gelo da morte e ressurreiccedilatildeo e pelo anjo pesado sobre noacutes torcidos pra Deus como tu

1 Da obra SACHS Nelly Poemas de Nelly Sachs Trad Paulo Quintela Lisboa Portugaacutelia Editora 1967

6

CAPIacuteTULO 1

A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA

1 O nome proacuteprio

Quando Shakespeare afirmou que ldquouma rosa com qualquer outro nome

cheiraria como o docerdquo (Romeu e Julieta IIii43) natildeo estava expressando certamente

uma ideia que tivesse qualquer fundamento no mundo biacuteblico ndash ou mesmo em

qualquer outro lugar do Oriente Meacutedio Antigo (cf BOHMBACH 2000 p 944)

No mundo antigo geralmente um nome natildeo eacute uma mera colocaccedilatildeo

convencional de sons pela qual uma pessoa lugar ou coisa possa ser identificado mais

apropriadamente um nome expressa ldquouma das propriedades distintivas ou recorda

o estado de acircnimo dos pais por ocasiatildeo do nascimento da crianccedila ou acontecimentos

poliacuteticos importantes na eacutepoca do nascimento ou como nome pessoal teofoacuterico faz

uma afirmaccedilatildeo sobre Deusrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1176)

Por isso conhecer o nome capacita para a comunicaccedilatildeo pois se sabendo o

nome de algueacutem ou de um deus podia-se invocaacute-lo chamar a sua atenccedilatildeo fazecirc-lo vir

ateacute o enunciador do seu nome enfim ldquocitaacute-lordquo Nesse sentido conhecer o nome de

algueacutem significa ateacute certo ponto um poder sobre a pessoa conhecida Isto aparece

definido de modo magistral por Martin Buber

O nome ldquoverdadeirordquo de uma pessoa [] eacute a essecircncia da pessoa destilada por assim dizer de sua realidade desse modo ela se encontra por assim dizer novamente presente nesse nome E mais importante ela aiacute se encontra presente sob tal forma que qualquer um conhecendo o nome verdadeiro e sabendo pronunciaacute-lo da maneira prescrita possa apoderar-se desta pessoa A pessoa por si mesma eacute inacessiacutevel ela opotildee uma resistecircncia No nome ela torna-se acessiacutevel o enunciador dispotildee dela (BUBER 1957 p 58-59)

Antes de adentrar propriamente no estudo do texto da Biacuteblia Hebraica (Gn

3223-33) objeto principal desta tese seraacute conveniente aprofundar um pouco mais o

7

significado e funccedilatildeo que o nome proacuteprio desempenha na obra literaacuteria tanto biacuteblica

como extrabiacuteblica

Essa anaacutelise se faz ainda mais oportuna quando se leva em conta que a teoria

mais em voga defende que o nome proacuteprio seja um simples iacutendice ou seja uma espeacutecie

de etiqueta que designaria algo sem significar2 Em semioacutetica eacute o mesmo que admitir

que o nome proacuteprio natildeo seria um signo O nome proacuteprio se refere a seu referente sem

atribuir qualquer informaccedilatildeo adicional conotativa ou de sentido sobre ele

As principais teorias da filosofia da linguagem fundamentadas sobre a loacutegica

acerca do nome proacuteprio gravitam ao redor da questatildeo se nomes proacuteprios satildeo mera

referecircncia ou se possuem alguma identidade com o seus referentes A grosso modo

pode-se agrupar essas teorias em 3

a) Teoria de John Stuart Mill (1806-1873) este filoacutesofo britacircnico distingue entre

sentido conotativo e denotativo e argumenta que os nomes proacuteprios natildeo incluem

nenhum outro conteuacutedo semacircntico a uma proposiccedilatildeo que indica o referente do nome

e satildeo puramente denotativos O processo atraveacutes do qual algo se torna um nome

proacuteprio eacute a gradual perda da conotaccedilatildeo para a pura denotaccedilatildeo Como eacute o caso do

processo que transformou as proposiccedilotildees descritivas ldquolong islandrdquo (ilha longa) no

nome proacuteprio Long Island uma ilha da costa do estado de Nova York

b) Teoria baseada no sentido de nomes Gottlob Frege matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

alematildeo (1848-1925) argumenta que se deve distinguir entre o sentido (Sinn) e a

referecircncia do nome Ele tambeacutem defende que nomes diferentes para a mesma entidade

podem identificar o mesmo referente sem serem formalmente sinocircnimos Eacute citado o

2 Entre os principais defensores dessa posiccedilatildeo temos 1ordm) MILL John Stuart A System of Logic Ratiocinative and Inductive Being a Connected View of the Principles of Evidence and the Methods of Scientific Investigation London John W Parker 1843 2 v Disponiacutevel em lthttpsbooksgooglecombrbooksid=y4MEAAAAQAAJamppg=PR9amphl=pt-BRampsource=gbs_selected_pagesampcad=2v=onepageampqampf=falsegt Acesso em 30 jul 2015 (especialmente no vol 1 Book I Of Names and Propositions) 2ordm) BROslashNDAL Viggo Essais de linguistique geacuteneacuterale Copenhague Ejnar Munksgaard 1943 3ordm) PEIRCE Charles Sanders The Collected Papers of Charles Sanders Peirce Volumes 1-6 edited by Charles Hartshorne and Paul Weiss volumes 7-8 edited by A W Burks Cambridge (MA) Belknap Press of Harvard University Press 1931-1935 Disponiacutevel em lthttpwwwtextlogdepeirce_principleshtmlgt Acesso em 30 jul 2015 4ordm) RUSSEL Bertrand Knowledge by Acquaintance and Knowledge by Description Proceedings of the Aristotelian Society London Edinburgh Williams and Norgate n 11 p 108ndash28 1911 IDEM The Philosophy of Logical Atomism In MARSH R (Ed) Logic and Knowledge New York Capricorn 1956 p 177ndash281 3 Cf CUMMING 2013 e PROPER NAME (PHILOSOPHY) 2015 Para uma visatildeo mais exaustiva e detalhada consultar LANGENDONCK 2007 p 20-38

8

seguinte exemplo embora a estrela da manhatilde e a estrela da tarde sejam o mesmo objeto

astronocircmico a proposiccedilatildeo ldquoa estrela da manhatilde eacute a estrela da noiterdquo natildeo eacute uma

tautologia mas fornece informaccedilotildees reais para algueacutem que natildeo sabia disso Assim

para Frege os dois nomes para o objeto devem ter um sentido diferente

c) Teoria descritiva dos nomes proacuteprios essa teoria eacute a visatildeo de que o significado de

um determinado uso de um nome proacuteprio eacute um conjunto de propriedades que pode

ser expresso como uma descriccedilatildeo que escolhe um objeto que satisfaccedila a descriccedilatildeo

Quem adotou esse ponto de vista foi Bertrand Russell (matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

do Reino Unido 1872-1970) o qual alega que o nome se refere a uma descriccedilatildeo e essa

descriccedilatildeo como uma definiccedilatildeo escolhe o portador do nome A descriccedilatildeo entatildeo

funciona como uma abreviaccedilatildeo ou uma forma truncada da descriccedilatildeo John Searle

filoacutesofo da linguagem norte-americano elaborou a teoria de Russell sugerindo que o

nome proacuteprio se refere a um conjunto de proposiccedilotildees que em combinaccedilatildeo escolhe um

referencial uacutenico Isso foi feito para lidar com a objeccedilatildeo por alguns criacuteticos da teoria de

Russell de que uma teoria descritiva do significado faria o referente de um nome

depender do conhecimento de que a pessoa ao dizer o nome tem sobre o referente

Em 1973 Tyler Burge outro filoacutesofo norte-americano propocircs uma teoria descritiva

metalinguiacutestica de nomes proacuteprios que sustenta que os nomes tecircm o significado que

corresponde agrave descriccedilatildeo das entidades individuais a quem o nome eacute aplicado

d) Teoria causal dos nomes a teoria histoacuterico-causal teve origem com a obra Naming

and Necessity (Boston Basil Blackwell 1980) de Saul Kripke Ela eacute edificada sobre a

obra dentre outros de Keith Donnellan que combina a visatildeo referencial com a ideia

que o referente do nome eacute fixado por um ato batismal apoacutes o que o nome se torna um

designador riacutegido do referente Kripke natildeo enfatiza tanto a causalidade mas sim a

relaccedilatildeo histoacuterica entre o evento de nomeaccedilatildeo e a comunidade de falantes dentro da

qual o nome circula mas apesar disso essa teoria eacute muitas vezes chamada de ldquouma

teoria causal da nomeaccedilatildeordquo A teoria de nomeaccedilatildeo pragmaacutetica de Charles Sanders

Peirce (1839-1914) agraves vezes eacute considerada uma precursora da teoria de nomeaccedilatildeo

histoacuterico-causal Ele descreveu os nomes proacuteprios nos seguintes termos

Um nome proacuteprio quando se encontra com ele pela primeira vez eacute existencialmente conectado com alguma percepccedilatildeo ou outro conhecimento individual equivalente do indiviacuteduo que ele nomeia Ele eacute entatildeo e soacute entatildeo

9

um Index [Iacutendice] genuiacuteno A proacutexima vez que se encontra com ele considera-se como um Iacutecone desse Iacutendice A familiaridade habitual com ele tendo sido adquirida torna-se um siacutembolo cuja Interpretante representa-o como um iacutecone de um iacutendice do indiviacuteduo chamado (PROPER NAME [PHILOSOPHY] 2015 p 35)

Aqui ele observa que o evento de batismo tem lugar para cada pessoa quando

um nome proacuteprio eacute o primeiro relacionado com um referente (por exemplo apontando

e dizendo ldquoeste eacute Joatildeordquo estabelecendo uma relaccedilatildeo indicial entre o nome e a pessoa)

que eacute doravante considerado ser um convencional (ldquosimboacutelicordquo em termos peirceanos)

em relaccedilatildeo ao referente

e) Teorias de referecircncia direta rejeitando as bases das teorias descritiva e histoacuterico-

causal as teorias da referecircncia direta sustentam que nomes juntamente com

demonstrativos satildeo uma classe de palavras que se referem diretamente ao seu

referente Como exemplo pode-se citar Ludwig Wittgenstein que em seu Tractatus

Logico-Philosophicus (1921) defende uma posiccedilatildeo de referecircncia direta argumentando

que nomes se referem diretamente a um particular e que este referente eacute seu uacutenico

significado A visatildeo mais tardia de Wittgenstein foi comparada com aquela do proacuteprio

Kripke que reconhece nomes proacuteprios como decorrentes de uma convenccedilatildeo social e

princiacutepios pragmaacuteticos de compreensatildeo dos outros enunciados A teoria da referecircncia

direta eacute similar agravequela de Mill enquanto propotildee que o uacutenico significado de um nome

proacuteprio eacute o seu referente O filoacutesofo e loacutegico norte-americano David Kaplan (1979 p

81-98) faz uma distinccedilatildeo entre termos fregeanos e natildeo-fregeanos isto eacute referentes agrave

teoria de Gottlob Frege Os primeiros que possuem sentido e referecircncia e os uacuteltimos

natildeo-fregeanos que incluem nomes proacuteprios e tecircm somente referecircncia

f) Filosofia continental4 fora da tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica poucos filoacutesofos

chamados continentais abordaram o nome proacuteprio como uma questatildeo filosoacutefica Em

4 Filosofia continental eacute uma expressatildeo criada originalmente pelos filoacutesofos analiacuteticos angloacutefonos principalmente estadunidenses e britacircnicos para descrever vaacuterias tradiccedilotildees filosoacuteficas procedentes da Europa continental principalmente da Alemanha e da Franccedila A expressatildeo compreende de maneira bastante vaga a fenomenologia de Edmund Husserl ou Maurice Merleau-Ponty a ontologia fundamental de Martin Heidegger a psicanaacutelise de Sigmund Freud ou Jacques Lacan o existencialismo de Jean-Paul Sartre diversas correntes do marxismo o estruturalismo em ciecircncias humanas inspirado por Claude Leacutevi-Strauss ou Michel Foucault a semiologia de Algirdas Julien Greimas ou Roland Barthes a hermenecircutica de Hans-Georg Gadamer ou Paul Ricoeur a desconstruccedilatildeo de Jacques Derrida a teoria criacutetica da Escola de Frankfurt O termo eacute utilizado sobretudo para descrever uma atividade filosoacutefica por contraste com a filosofia analiacutetica Eacute mais popular nas ciecircncias sociais esteacutetica estudos culturais e filosofia do cinema do que nas ditas ciecircncias duras (FILOSOFIA CONTINENTAL 2014)

10

De la grammatologie (1967) Jacques Derrida refuta especificamente a ideia que nomes

proacuteprios situam-se fora da construccedilatildeo social da linguagem como uma relaccedilatildeo binaacuteria

entre referente e signo Ao contraacuterio ele argumenta que os nomes proacuteprios como

todas as palavras estatildeo envolvidos em um contexto de diferenccedilas sociais espaciais e

temporais que os tornam significativos Ele tambeacutem observa que haacute elementos

subjetivos de significado em nomes proacuteprios uma vez que eles conectam o portador

de um nome com o signo da sua proacutepria identidade

Vamos a partir de agora tornar mais claro o aspecto do nome proacuteprio que iraacute

nos interessar em nossa pesquisa

11 O que eacute o nome proacuteprio

Eacute praticamente consensual que a primeira funccedilatildeo do nome proacuteprio eacute de

identificaccedilatildeo Seria como se diz em inglecircs um identity marker o representante mais

importante de uma pessoa Desse modo uma pessoa e seu nome satildeo uma soacute realidade

(cf NEUMANN 2011 p 324)

O termo ldquonome proacutepriordquo chegou-nos atraveacutes dos gregos Eles empregavam a

expressatildeo onoma kurion que foi traduzida em latim por nomen proprium e significava

ldquonome autecircnticordquo ou um nome mais autecircntico que outros Diferenciava-se onoma

kurion de proshgoria ou ldquodenominaccedilatildeordquo que era um termo utilizado para descrever

um ldquonome geneacutericordquo ou ldquocomumrdquo (cf GARDINER 2010 p 36)

O vocaacutebulo grego kurion era assimilado a nomes empregados de maneira

individual ou seja que qualificam seres individuais

Eacute importante constatar que o termo ldquonomerdquo eacute mais antigo que ldquopalavrardquo

Segundo o filoacutelogo GARDINER ldquoeacute inconcebiacutevel que em alguma sociedade

mesmo primitiva tenha faltado a palavra lsquonomersquo O termo pertence aos estaacutegios preacute-

gramaticais do pensamentordquo (2010 p 40)

Isso porque na antiguidade os povos natildeo se interessavam por palavras em si

mesmas elas eram usadas apenas como instrumento para se falar das coisas do mundo

ao seu redor Quando se menciona um ldquonomerdquo supotildee-se que exista alguma coisa agrave

qual corresponda o som ldquoaquilo que era a fons e origo do nome sua razatildeo de serrdquo

(GARDINER 2010 p 41)

11

Ampliando e melhorando a interpretaccedilatildeo de Saussure GARDINER (2010 p

91) forneceraacute a seguinte definiccedilatildeo de nome proacuteprio

Um nome proacuteprio eacute uma palavra ou um grupo de palavras reconhecidas como indicando ou tendendo a indicar o objeto ou os objetos ao(s) qual(is) ele faz referecircncia em virtude unicamente de sua sonoridade distintiva sem levar em consideraccedilatildeo qualquer sentido que possa possuir esse som seja aquele desde a origem ou adquirido por este atraveacutes de associaccedilotildees com o dito ou

ditos objetos

Pode-se questionar se o nome proacuteprio comporta em si mesmo algum tipo de

conteuacutedo racional ou seja se ele diz alguma coisa da pessoa por ele nomeada Em

nossa atual sociedade ocidental ldquoo nome proacuteprio eacute na maior parte do tempo uma

palavra escolhida arbitrariamente para designar algueacutem Eacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo

social praacuteticardquo (RENAUD 2007 p 13) Isso poreacutem natildeo corresponde absolutamente agrave

realidade do mundo antigo especialmente no Oriente como se veraacute adiante

Em geral a linguiacutestica contemporacircnea percebe no nome proacuteprio duas

caracterizaccedilotildees do signo Ele eacute ao mesmo tempo signo linguiacutestico possuidor de um

significante e de um significado mesmo que miacutenimo e signo como substituto pois ele

reenvia a um indiviacuteduo mas pode tambeacutem valer como siacutembolo ou seja como ato de

linguagem (LECOLLE PAVEAU REBOUL-TOUREacute 2009 p 11)

Na linguiacutestica ldquonome eacute uma categoria gramatical que agrupa as palavras que

designam seja uma espeacutecie ou representante de uma espeacutecie (nomes comuns) seja um

indiviacuteduo particular (nomes proacuteprios)rdquo (RUSSO 2002 p 15) No entanto o nome

proacuteprio natildeo apenas diferencia ou determina o sujeito pois ele ldquoaponta diretamente o

objeto no mundo exterior extralinguiacutestico Por isso ele eacute reconhecido na linguiacutestica

moderna como sendo o portador e exemplo maior da funccedilatildeo de referenciaccedilatildeo da

linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 55) Ele possui a capacidade de remeter diretamente

a um objeto em especial um determinado corpo Como afirma MARTINS ldquoDado o

nome eis o objetordquo (IDEM) Mais do que isso poreacutem o nome significa o ser ao qual se

refere mais do que apenas enviar a ele

Um dos primeiros a sistematizar a questatildeo se os nomes satildeo meramente

formados em funccedilatildeo de uma convenccedilatildeo ou se eles satildeo constituiacutedos em funccedilatildeo de uma

natureza que por assim dizer orientaria o trabalho daquele que nomeia foi o filoacutesofo

12

grego Platatildeo (428427 ou 424423 ndash 348347 AEC) especialmente em sua obra Craacutetilo5

Eacute interessante observar que ldquono periacuteodo em que se legitimam as grandes narraccedilotildees

miacuteticas a palavra manifesta os proacuteprios elementos ela se identifica com o objetordquo

(PINHEIRO 2003 p 37-38) O nome eacute um ldquoinstrumentordquo segundo Platatildeo para

ldquoensinar e distinguir a essecircncia [das coisas] como a lanccediladeira para o tecidordquo

(PLATONE 2000 p 139 388 B-C)6 Portanto o nome eacute resultado de uma teacutecnica uma

arte uma produccedilatildeo

Em Platatildeo o nome seraacute tratado como o signo linguiacutestico de caraacuteter convencional capaz de representar uma determinada ousiacutea [essecircncia] Essa essecircncia natildeo pode ser compreendida apenas como um fenocircmeno empiacuterico e obviamente natildeo pode ser relativa a cada homem em particular [] A verdadeira funccedilatildeo dos nomes em Platatildeo seria a de nos remeter agrave sua proacutepria essecircncia agrave sua proacutepria natureza [] No diaacutelogo ela surge como modelo abstrato que o nomoteta [o artiacutefice dos nomes] apreende antes de iniciar a sua tarefa de artesatildeo de nomes (PINHEIRO 2003 p 45-46)

Aleacutem de utilizar a palavra ldquoinstrumentordquo para definir a funccedilatildeo do nome

Platatildeo lanccedila matildeo da hipoacutetese de nome como ldquoimagemrdquo (gr eikoacuten) O nome eacute uma

imagem (ideia) que corresponde a um objeto O nome deve estar afinado ao seu

modelo (ideia em grego eicircdos) No entanto o papel de quem atribui o nome se realiza

pelo diaacutelogo Platatildeo o denomina de legislador (gr nomoteta) atividade da qual nem

todos os homens satildeo capazes7 Isso porque ldquoa natureza da linguagem eacute ambiacutegua

cabendo ao filoacutesofo no papel do dialeacutetico ajuizar sobre o melhor significado a atribuir

a um nome dentro de um determinado contextordquo (MONTENEGRO 2007 p 376)

Nesse sentido o nomeador possui um papel ativo isto eacute adequar o nome agraves coisas

5 Eacute uma obra platocircnica de dataccedilatildeo incerta alguns estudiosos atribuem sua redaccedilatildeo tanto ao periacuteodo anterior agrave composiccedilatildeo de Repuacuteblica como posterior Repuacuteblica teve sua composiccedilatildeo iniciada nos anos oitenta e o ponto culminante da mesma teria sido nos anos setenta do IV seacuteculo AEC (cf RADICE 2000 p 1081) ldquoO diaacutelogo em Craacutetilo versa sobre a justeza dos nomes a partir do exame realizado por Soacutecrates das teses divergentes de Hermoacutegenes e Craacutetilo Segundo Hermoacutegenes os nomes satildeo resultantes de pura convenccedilatildeo podendo esta ser tanto individual quanto coletiva para Craacutetilo disciacutepulo de Heraacuteclito e mestre de Platatildeo anteriormente a Soacutecrates os nomes espelham a natureza das coisas e esta natildeo eacute senatildeo o constante fluxo Soacutecrates eacute chamado para tentar uma conciliaccedilatildeordquo (MONTENEGRO 2007 p 369) 6 Texto original grego Onoma ara didaskalikon ti evstin organon kai diakritikon th j ouvsiaj w[sper kerkij

ufasmatoj 7 ldquoPortanto Hermoacutegenes natildeo eacute proacuteprio de todo homem estabelecer o nome mas a um artesatildeo dos nomes E este eacute como parece o legislador que entre os homens eacute o mais raro dos artesatildeosrdquo (PLATONE 2000 p 139 388E-389A) Original grego Ouvk ara pantojAtilde w= lsquoErmogenejAtilde onoma qesqaiAtilde a vlla tinoj ovnomatourgou ou-toj drsquoevstinAtilde w`j eoikenAtilde o ` nomoqethjAtilde o]j dh tw n dhmiourgw n spaniwtatoj e vn a vnqrwpoij gignetai)

13

Esse papel eacute supervisionado pelo dialeacutetico8 com sua atividade de fazer perguntas e

dar respostas Pode-se encontrar aqui uma contraposiccedilatildeo com a BH onde Deus

aparece logo no iniacutecio ldquochamandordquo (verbo heb wayyiqraumlacute) ou seja dando nomes agraves

coisas que ele vai criando (cf Gn 15810) A palavra de Deus eacute formadora ou seja ela

cria aquilo que eacute nomeado (wayyoumlordm mer acuteeacuteloumlhicircm ndash Gn 13691114202426) A palavra

nesse sentido possui a essecircncia da coisa que eacute formada Algo semelhante se passa com

Adatildeo (heb aumldaumlm) em Gn 219 quando Deus lhe traz todos os seres vivos da terra para

serem nominados por ele No entanto haacute uma diferenccedila fundamental pois o homem

natildeo eacute criador ou seja ele nomeia os seres criados mas natildeo os faz vir agrave vida9

Interessante observar que Adatildeo natildeo vem nomeado explicitamente por Deus nem no

primeiro nem no segundo relato da Criaccedilatildeo (cf Gn 126-27 27) Contudo quando

Deus manifesta sua vontade de ldquofazerrdquo (heb na`aacuteSegrave ndash Gn 126) o homem no fundo

ele jaacute o ldquonomeourdquo chamando-o de Adatildeo que significa ldquohomemrdquo (heb acuteaumldaumlm) Adatildeo

em seu ato de nominar adequa os nomes agraves coisas que estatildeo diante dele ele parte da

natureza delas mas natildeo as forma (cria) Mesmo assim chama atenccedilatildeo a importacircncia e

diferenccedila do ser humano em relaccedilatildeo agraves demais obras da Criaccedilatildeo Enquanto estas

recebem nome do Criador tatildeo logo satildeo formadas o ser humano participa da Criaccedilatildeo

como colaborador de Deus ao tambeacutem poder nomear os demais seres vivos

12 A que serve o nome proacuteprio

Ao relacionarmos os nomes proacuteprios aos nomes comuns percebe-se que pode

haver usos anaacutelogos entre ambas categorias poreacutem haacute outros que satildeo especiacuteficos aos

nomes proacuteprios Vejamos

1 Estabelecimento de correspondecircncia entre um nome proacuteprio e um indiviacuteduo Este uso toma duas formas a) eu dou ao meu interlocutor o nome de um indiviacuteduo que ele tem sob seus olhos ou que eu descrevo por uma descriccedilatildeo definida ldquoesta eacute Parisrdquo ldquoeu vos apresento Alberto Dupontrdquo ldquoo pai

8 ldquoE a quem sabe interrogar e responder chama-o de outro modo que dialeacutetico [] obra do legislador ao que parece eacute fazer um nome sob a direccedilatildeo do dialeacutetico se os nomes devem ser adequadosrdquo (PLATONE 2000 p 140 390 C-D) No original grego Ton de evrwta n kai a vpokrinesqai e vpistamenon allo

ti su kalei j h dialektikon [] Nomoqetou de geAtilde wj eoikenAtilde onomaAtilde e vpistathn econtoj dialektikon andraAtilde ei v mellei kalw j ovnomata qhsesqai) 9 O texto hebraico eacute expliacutecito em afirmar que wayyigravecer yhwh(acuteaumldoumlnaumly) acuteeacuteloumlhicircm min-hauml|acuteaacutedaumlmacirc Kol-Hayyat

haSSaumldegrave wuumlacuteeumlt Kol-`ocircp haššaumlmaordmyim (ldquoHavendo pois o Senhor Deus formado da terra todo o animal do

campo e toda a ave dos ceacuteusrdquo Gn 219)

14

de Joseacute chama-se Juacuteliordquo b) eu indico ao meu interlocutor a coincidecircncia entre um indiviacuteduo e um nome jaacute conhecido dele ldquoEis Parisrdquo ldquoeacute Tiagordquo Esses dois usos satildeo bastante paralelos para os nomes proacuteprios e os nomes comuns a uacutenica diferenccedila reside na referecircncia uacutenica do nome proacuteprio 2 Uso referencial uacutenico ldquoTiago veiordquo Eacute o uso normal do nome proacuteprio 3 O Batismo ldquoEu te batizo Pedrordquo Haacute um uso bem particular do nome proacuteprio quando acontece de se dar um nome novo a uma categoria de objeto o batismo de indiviacuteduos ato social por excelecircncia eacute o uacutenico ato suscetiacutevel de dar nascimento a um antropocircnimo Trata-se de um contrato com base em um performativo ldquoeu te batizordquo ldquoeu te chamordquo ldquoeu te nomeiordquo E parece haver em todas as liacutenguas expressotildees do gecircnero Eacute a cerimocircnia do batismo (que noacutes tomamos no sentido geral de doaccedilatildeo do nome) que explica o caraacuteter arbitraacuterio com o qual nos aparecem os nomes proacuteprios eles satildeo arbitraacuterios enquanto colocados Ademais a teoria dita teoria causal dos nomes proacuteprios repousa sobre a existecircncia do batismo se os nomes proacuteprios devem ser transmitidos de pessoa a pessoa fixando cada vez nela a referecircncia eacute precisamente porque se esta cadeia se interrompe natildeo se pode mais saber a que se refere o nome proacuteprio 4 Uso vocativo ldquoPedro venha aquirdquo Trata-se de um ato de linguagem que G G Granger chama de ldquointerpelaccedilatildeordquo para G G Granger de fato eacute na interpelaccedilatildeo que se manifesta a especificidade semioloacutegica do nome proacuteprio (MOLINO 1982 p 17)

Essa questatildeo estaacute unida agrave da identidade Haacute de se superar que a identidade do

nome proacuteprio se reduza agrave relaccedilatildeo entre dois nomes ldquoa = brdquo como propunha Gottlob

Frege em sua claacutessica distinccedilatildeo entre Sinn e Bedeutung ou seja sentido e denotaccedilatildeo (cf

FREGE 1971 p 102-126) No entanto a virtude simboacutelica do nome proacuteprio natildeo pode

se esgotar nesta referecircncia a algo

O nome possui a funccedilatildeo de designador individual ou seja especificar algueacutem

destacar algueacutem em seu contexto ou classificaacute-lo segundo o modo de compreensatildeo de

Leacutevi-Strauss Esse etnoacutelogo identifica dois tipos extremos de nomes proacuteprios (a) o

nome como uma marca de identificaccedilatildeo que confirma pela aplicaccedilatildeo de uma regra a

pertenccedila do indiviacuteduo nomeado a uma classe preacute-ordenada (b) o nome como uma livre

criaccedilatildeo do indiviacuteduo que nomeia e que exprime por meio daquele que ele nomeia um

estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividade (LEacuteVI-STRAUSS 1962 p 240) No

entanto o pesquisador chega a uma conclusatildeo um tanto radical quando afirma que

ldquojamais se nomeia classifica-se o outro se o nome que se lhe daacute eacute em funccedilatildeo de

caracteriacutesticas que ele tem ou se classifica a si mesmo se acreditando estar dispensado

de seguir uma regra nomeia-se o outro lsquolivrementersquo isto eacute em funccedilatildeo das

caracteriacutesticas que se temrdquo (IDEM) Muitas vezes reconhece Leacutevi-Strauss ambos os

fatores interagem-se

15

Nesse aspecto o nome proacuteprio como um classificador como exprime Leacutevi-

Strauss encontra-se um aspecto questionaacutevel pois

A nomeaccedilatildeo obedece a princiacutepios de classificaccedilatildeo mas esses princiacutepios natildeo se correspondem e natildeo constituem um sistema eles se unem ao infinito E eacute aqui que se manifesta uma diferenccedila fundamental entre classificaccedilatildeo e nomeaccedilatildeo o indiviacuteduo natildeo eacute uma espeacutecie [] Uma espeacutecie eacute definida por uma classificaccedilatildeo hieraacuterquica uacutenica um indiviacuteduo eacute portador de uma infinidade virtual de classificaccedilotildees independentes no primeiro caso as classificaccedilotildees servem para classificar no segundo o indiviacuteduo dado como um ponto de partida eacute o suporte de classificaccedilotildees muacuteltiplas e independentes que servem apenas para enriquecer sua definiccedilatildeo social (MOLINO 1982 p 18)

No entanto diferentemente de Leacutevi-Strauss podemos ver tanto no tipo de

nomeaccedilatildeo como classificaccedilatildeo de algueacutem como naquele de nomeaccedilatildeo como

autoclassificaccedilatildeo natildeo o conteuacutedo classificatoacuterio mas a forma em si mesma O que

ocorre em ambos os casos eacute a manifestaccedilatildeo de um ato de linguagem da relaccedilatildeo locutor

(quem nomeia) e interlocutor (quem eacute nomeado) mesmo que este uacuteltimo o seja em

potencial uma vez que ainda natildeo tecircm consciecircncia O fato do interlocutor (o nomeador)

exprimir-se a si mesmo nesse ato eacute algo secundaacuterio ldquoo essencial eacute que sua proacutepria

presenccedila no ato de nomeaccedilatildeo faccedila dele uma interpelaccedilatildeo [] o nome proacuteprio eacute tal

porque ele pode funcionar em uma interpelaccedilatildeordquo (GRANGER 1982 p 28-29)

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10

No caso do nome de pessoas portanto o nome proacuteprio possui uma funccedilatildeo de

interpelar o mesmo nem sempre se daacute no caso dos demais nomes proacuteprios E natildeo se

interpela algo vazio de conteuacutedo Portanto deve haver uma pressuposiccedilatildeo de sentido

no nome proacuteprio uma vez que ele conota aleacutem de denotar o indiviacuteduo ao qual se refere

Por esse motivo ou seja em razatildeo de sua natureza pragmaacutetica o nome

proacuteprio especialmente de pessoas natildeo pode ser substituiacutedo por uma descriccedilatildeo

definida do ser nomeado como acreditava por exemplo Russell Ele possui o que

certos linguistas chamam de ldquohalo de conotaccedilotildeesrdquo (GRANGER 1982 p 34) O proacuteprio

Granger explica melhor tal conceito

10 Para uma abordagem mais exaustiva e detalhada dessa questatildeo consultar LANGENDONCK 2007 p 84-118

16

Entendemos aqui por essa palavra dois efeitos eventualmente conjuntos De uma parte a conotaccedilatildeo ldquometasimboacutelicardquo que atribui a um signo propriedades que dependem seja do subsistema da liacutengua ao qual ele pertence seja do uso particular que se faz dele em certo discurso De outra parte a conotaccedilatildeo ldquoparassimboacutelicardquo que nasce do valor expressivo conferido aos aspectos natildeo estritamente pertinentes do signo Eacute certo que o jogo dessas conotaccedilotildees quase que liberadas de todo entrave confere ao nome proacuteprio um poder poeacutetico excepcional [] Eacute desta maneira que o nome proacuteprio embora se afaste pela sua funccedilatildeo essencialmente pragmaacutetica de toda referecircncia semacircntica pode ter um sentido (GRANGER 1982 p 34-35)

Para Granger o nome proacuteprio eacute agraves vezes ao mesmo tempo iacutendice e siacutembolo11

Por isso o nome proacuteprio pode veicular um sentido conotativo de forma icocircnica12

completando a triacuteade peirceana do signo em relaccedilatildeo ao objeto que ele substitui Pode-

se tomar como exemplo o apelido do pintor italiano Giorgio Barbarelli (Castelfranco

Itaacutelia) Ele era denominado de Giorgione um aumentativo que refletia a sua

corpulecircncia Caso substituiacutessemos esse apelativo pelo seu sobrenome Barbarelli que

designa a mesma pessoa a proposiccedilatildeo continuaria a ser verdadeira pois estariacuteamos

falando da mesma pessoa

A palavra ldquoGiorgionerdquo sem se reduzir absolutamente a uma descriccedilatildeo transpotildee na funccedilatildeo de nome proacuteprio um nome cujo interpretante13 eacute um signo icocircnico ndash isto eacute que se parece de algum modo ao seu objeto ndash destacado pelo aumentativo italiano Como um nome proacuteprio a palavra deve neutralizar essa carga icocircnica sobreposta como ele neutralizaria de mais a mais todo sentido que ele possa conotar (GRANGER 1982 p 36)

11 Siacutembolo eacute uma das classificaccedilotildees de Charles Sanders Peirce (as outras duas satildeo iacutecone e iacutendice) que organiza os signos conforme a relaccedilatildeo entre eles e o objeto que eles substituem O siacutembolo resulta da convenccedilatildeo A relaccedilatildeo entre o signo e o objeto que ele representa eacute arbitraacuteria legitimada por regras Ex a pomba branca eacute siacutembolo de paz um retacircngulo verde com um losango amarelo ciacuterculo azul e estrelas eacute um dos siacutembolos do Brasil mas em nenhum desses casos haacute relaccedilatildeo de semelhanccedila ou de associaccedilatildeo singular trata-se de regras leis convenccedilotildees Iacutendice resulta de uma singularizaccedilatildeo Um signo indicial eacute o resultado de uma relaccedilatildeo por associaccedilatildeo ou referecircncia A categoria indicial se evidencia pelo vestiacutegio pelos indiacutecios Ex rastros de pneus pegadas ou cheiro de fumaccedila natildeo se parecem com os objetos que eles substituem (pneus animais ou a fumaccedila) mas noacutes associamos uns aos outros respectivamente satildeo exemplos de signos indiciais (AS TRICOTOMIAS PEIRCEANAS ndash CLASSIFICACcedilAtildeO DOS SIGNOS 2012 p 2) 12 O iacutecone eacute o resultado da relaccedilatildeo de semelhanccedila ou analogia entre o signo e o objeto que ele substitui Ex um retrato ou uma caricatura satildeo semelhantes aos objetos que eles substituem eles satildeo signos icocircnicos (IDEM) 13 Interpretante na proacutepria definiccedilatildeo do criador desse conceito Charles Sanders Peirce eacute o ldquoefeito do signordquo isto eacute eacute a ldquoideiardquo que o signo provoca cria na mente do inteacuterprete O signo ldquoeacute aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo para algueacutem Dirige-se a algueacutem isto eacute cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signordquo (PEIRCE 2012 p 46)

17

O nome proacuteprio em si mesmo natildeo se refere que a indiviacuteduos em geral Natildeo se

pode explicar o conteuacutedo semacircntico de um nome como ldquoJoatildeordquo por exemplo Sabemos

que ldquoJoatildeordquo14 eacute o nome de uma pessoa do sexo masculino Nos primoacuterdios da

linguiacutestica o russo Roman Osipovich Jakobson (1896-1982) dizia que o nome proacuteprio

natildeo podia ser definido que pela devoluccedilatildeotransmissatildeo do coacutedigo ao coacutedigo ldquoJoatildeordquo

significa uma pessoa nomeada Joatildeo Com isso esse estudioso denuncia a circularidade

de tal definiccedilatildeo (cf JAKOBSON 1963 p 177) Mas haacute linguistas que discordam dessa

afirmaccedilatildeo dizendo ser ela enganosa Isso porque ldquoo coacutedigo que se esforccedilam de

descrever dicionaacuterios e gramaacuteticas natildeo remete a si mesmo para caracterizar um nome

de pessoa quando diz a palavra lsquobaleiarsquo que designa um lsquoanimalrsquordquo (GRANGER 1982

p 27) A funccedilatildeo semacircntica da palavra ldquoJoatildeordquo natildeo depende circularmente do coacutedigo

mas da enunciaccedilatildeo Fixadas as circunstacircncias da enunciaccedilatildeo a descriccedilatildeo torna-se

possiacutevel

A significaccedilatildeo do nome proacuteprio como se constata eacute complexa pois se podem

encontrar diversas camadas de significaccedilatildeo que correspondem ao seu funcionamento

distinto a) ora como uma marca pura isto eacute uma etiqueta que visa um objeto singular

b) ora como um ldquodesignador riacutegidordquo que manteacutem a invariacircncia da referecircncia ao

indiviacuteduo mesmo em meio agraves modificaccedilotildees espaciais temporais e pessoais c) ora

como um classificador que indica a classe a qual pertence o objeto individual

designado pelo nome como eacute o caso de ldquoJoatildeordquo um prenome de ser humano d) ora

como uma descriccedilatildeo definida que serve de representaccedilatildeo identificadora como eacute o caso

de explicar o sentido do nome proacuteprio a quem o ignora por exemplo ldquoJoatildeordquo foi um

dos disciacutepulos de Jesus Cristo (cf MOLINO 1982 p 16)

Assim sendo o nome proacuteprio ldquoinduz uma seacuteria indefinida de interpretaccedilotildees

mais ricas e mais carregadas de afetividade do que satildeo os interpretantes dos nomes

comuns como o indica a funccedilatildeo literaacuteria e poeacutetica dos nomes proacutepriosrdquo (IDEM)

14 Etimologicamente falando sabemos que este nome adentrou em nossa liacutengua portuguesa atraveacutes do latim (Ioannes) que por sua vez proveacutem do grego Ιωάννης (Ioaacutennes) Entretanto a sua etimologia primitiva encontra-se na liacutengua hebraica nxwy (Yocircḥānān) forma reduzida de nxwhy (Yəhocircḥānān) que

pode significar Deus [YHWH] eacute propiacutecio Deus mostrou favor Deus foi clemente ou Graccedila Divina

18

O nome proacuteprio de pessoas serve portanto para fins que ultrapassam o

meramente designativo referencial e denotativo Ele situa-se no campo conotativo mais

amplo

2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio

Eacute importante perceber as diferentes nuanccedilas que o nome proacuteprio pode

adquirir de acordo com o tipo de abordagem que se faz dele Por isso um raacutepido e

despretensioso percurso por algumas das ciecircncias que se ocupam deste argumento

pode fornecer um quadro mais amplo do seu significado No item anterior jaacute vimos a

abordagem desse tema atraveacutes da Filosofia da Linguagem Ver-se-aacute agora a

21 Semioacutetica

Podemos a grosso modo entender a semioacutetica como a ldquoteoria geral dos modos

de produccedilatildeo funcionamento e recepccedilatildeo dos diferentes sistemas de signos que

permitem a comunicaccedilatildeo entre indiviacuteduos eou coletividades de indiviacuteduosrdquo

(GRANDE ENCICLOPEacuteDIA LAROUSSE CULTURAL 1998 p 5317) Assim sendo

ela aborda o nome proacuteprio como um signo simboacutelico que representa um sujeito e

ldquoenquanto siacutembolo eacute o proacuteprio sujeito como se a palavra fosse o ser encarnadordquo

(IDEM)

Enquanto significante o nome proacuteprio eacute organizador em seu conjunto dos

efeitos do significado Mais que um iacutendice ele eacute um ldquotexto que se oferece ao

deciframentordquo na concepccedilatildeo de Lacan (RUSSO 2002 p 20) Desse modo o nome

proacuteprio eacute ldquoresumido numa palavra-texto como um conjunto de significaccedilotildees do outrordquo

(RUSSO 2002 p 22) o qual impele o ser a estabelecer relaccedilotildees ao identificar-se

Um dos primeiros pensadores senatildeo o primeiro a designar as palavras como

ldquosinaissignosrdquo foi Agostinho (354-430 EC) O estudo do sinal (semioacutetica) e em

especial do sinal linguiacutestico ocupa um lugar privilegiado na filosofia de Agostinho

Para ele o tema do ensino eacute fundamental e sinal e linguagem satildeo partes constitutivas

desse processo de aprendizagem Agostinho observa a importacircncia dos sinais na vida

humana Afinal todos os seres se dividem em sinais e significaacuteveis Em De magistro ele

afirma que todos os sinais satildeo coisas ainda que nem todas as coisas sejam sinais No

19

entendimento de Agostinho os sinais satildeo ldquocoisas de certo tipo especial O que eles tecircm

de especial eacute que satildeo coisas que se usam para significar e o significar (ou representar)

tem como principal incumbecircncia ensinar aos demaisrdquo (BEUCHOT 1986 p 14)15

Em sua obra De magistro (concluiacuteda em 389 EC) ele afirma a Adeodato seu

interlocutor imaginaacuterio no diaacutelogo mas seu proacuteprio filho na vida real

Entendeste certo creio tambeacutem teres notado apesar de haver quem natildeo concorde que mesmo sem emitir som algum noacutes falamos enquanto intimamente pensamos as proacuteprias palavras em nossa mente assim com as palavras nada mais fazemos do que chamar a atenccedilatildeo entretanto a memoacuteria a que as palavras aderem em as agitando faz com que venham agrave mente as proacuteprias coisas das quais as palavras satildeo sinais (SANTO AGOSTINHO 1973 p 324) 16

Algo que nos interessa mais de perto nesta pesquisa eacute a distinccedilatildeo operada por

Agostinho entre nome (nomen) e palavra (verbum) Haacute certo distanciamento entre o nome

e a coisa significada por meio de uma palavra da qual o nome eacute simplesmente um

sinal Uma palavra eacute sinal de uma essecircncia ou de uma coisa mas nunca coincide com

o proacuteprio sinal17 Aqui encontramos algo que se opotildee agrave concepccedilatildeo biacuteblico-judaica

como se viu no item anterior (ldquoLinguiacutesticardquo) Citemos Agostinho para tornar essa tese

mais clara

Acho que a diferenccedila seja esta o que eacute significado com o nome eacute significado tambeacutem com a palavra como pois nome eacute palavra assim tambeacutem rio eacute palavra mas nem tudo o que eacute significado com a palavra eacute significado tambeacutem com o nome Tambeacutem aquele si (se) com que comeccedila o verso por ti

15 Como afirma Agostinho em De magistro ldquoHaacute todavia creio certa maneira de ensinar pela recordaccedilatildeo maneira sem duacutevida valiosa como se demonstraraacute nesta nossa conversaccedilatildeo Mas se tu pensas que natildeo aprendemos quando recordamos ou que natildeo ensina aquele que recorda eu natildeo me oponho e desde jaacute declaro que o fim da palavra eacute duplo ou para ensinar ou para suscitar recordaccedilotildees nos outros ou em noacutes mesmosrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 323) Texto original latino ldquoAt ego puto esse quoddam genus docendi per commemorationem magnum sane quod in nostra hac sermocinatione res ipsa indicabit Sed si tu non arbitraris nos discere cum recordamur nec docere illum qui commemorat non resisto tibi et duas iam loquendi causas constituo aut ut doceamus aut ut commemoremus vel alios vel nosmetipsosrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195) 16 Texto no original latino ldquoRecte intellegis simul enim te credo animadvertere etiamsi quisquam contendat quamvis nullum edamus sonum tamen quia ipsa verba cogitamus nos intus apud animum loqui sic quoque locutione nihil aliud agere quam commonere cum memoria cui verba inhaerent ea revolvendo facit venire in mentem res ipsas quarum signa sunt verbardquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195-1196) 17 ldquoNatildeo te parece que todos os sinais significam uma coisa distinta da que satildeo como quando pronunciamos este nome trissiacutelabo mdash animal mdash de modo algum significaremos aquilo que ele mesmo eacuterdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) Original latino ldquoNum omnia signa tibi videntur aliud significare quam sunt sicut hoc trisyllabum cum dicimus Animal nullo modo idem significat quod est ipsumrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200)

20

proposto e aquele ex (de) do qual tratamos tatildeo longamente guiados pela razatildeo ateacute chegarmos agrave presente questatildeo satildeo palavras mas natildeo nomes e muitos outros exemplos semelhantes podemos encontrar Pois como todos os nomes satildeo palavras mas nem todas as palavras satildeo nomes julgo estar clara a diferenccedila entre palavra e nome isto eacute entre o sinal daquele sinal que natildeo significa nenhum outro sinal e o sinal daquele sinal que pode significar outros (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) 18

Portanto para Agostinho a palavra ldquonomerdquo (nomen) significa nomes tais

como Roma Rocircmulo virtude rio etc portanto ldquoo nome significa nomes ou se

significa a si mesmo eacute autopredicativo ou autorreferencial [] Aleacutem disso todo nome

eacute palavra e toda palavra eacute signo portanto haacute signos que se significam a si mesmosrdquo

(BEUCHOT 1986 p 19) Esse conceito fica mais claro nas proacuteprias palavras de

Agostinho

E natildeo eacute assim tambeacutem para o nome [nomen] Este pois significa os nomes de todos os gecircneros e nome mesmo eacute um nome de gecircnero neutro Ou se te perguntasse que parte da oraccedilatildeo eacute nome natildeo poderias responder-me acertadamente dizendo nome [] Portanto haacute sinais que entre as outras coisas que significam significam tambeacutem a si mesmos (SANTO AGOSTINHO 1973 p 332)19

Na praacutetica Agostinho acabaraacute pendendo durante o diaacutelogo De magistro para

uma compreensatildeo convencionalista da linguagem Ele admitiraacute que o significado das

coisas natildeo se encontra no nome que lhe damos pois ele eacute um palavra portanto signo

de alguma coisa Mas para conhecer-se algo eacute preciso haver a preacutevia experiecircncia

sensitiva ou mentalintuitiva dessa mesma coisa20 Finalizando para tornar ainda

mais claro o pensamento agostiniano podemos mencionar essa sua outra explanaccedilatildeo

18 Texto original latino ldquoHoc distare intellego quod ea quae significantur nomine etiam verbo significantur ut enim nomen est verbum ita et flumen verbum est quae autem verbo significantur non omnia significantur et nomine Nam et illud si quod in capite habet abs te propositus versus et hoc ex de quo iam diu agentes in haec duce ratione pervenimus verba sunt nec tamen nomina et talia multa inveniuntur Quamobrem cum omnia nomina verba sint non autem omnia verba nomina sint planum esse arbitror quid inter verbum distet et nomen id est inter signum signi eius quod nulla alia signa significat et signum signi eius quod rursus alia significatrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200) 19 Original latino ldquoQuid nomen nonne similiter habet Nam et omnium generum nomina significat et ipsum nomen generis neutri nomen est An si ex te quaererem quae pars orationis nomen posses mihi recte respondere nisi nomen [] Sunt ergo signa quae inter alia quae significant et se ipsa significent (AUGUSTINUS 2006 c 1201) 20 Veja-se o que Agostinho diz ldquoQuando as duas siacutelabas com que dizemos lsquocaputrsquo (cabeccedila) repercutiram pela primeira vez no meu ouvido sabia tatildeo pouco o que significavam como quando ouvi e li pela primeira vez lsquosaraballaersquo Poreacutem ouvindo muitas vezes dizer lsquocaputrsquo (cabeccedila) e notando e observando a palavra quando era pronunciada reparei facilmente que ela denotava aquela coisa que por tecirc-la visto a mim jaacute era conhecidiacutessima Mas antes de achar isto aquela palavra era para mim apenas um som e

21

Com as palavras natildeo aprendemos senatildeo palavras antes o som e o ruiacutedo das palavras porque se o que natildeo eacute sinal natildeo pode ser palavra natildeo sei tambeacutem como possa ser palavra aquilo que ouvi pronunciado como palavra enquanto natildeo lhe conhecer o significado Soacute depois de conhecer as coisas se consegue portanto o conhecimento completo das palavras ao contraacuterio ouvindo somente as palavras natildeo aprendemos nem sequer estas Com efeito natildeo tivemos conhecimento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que natildeo conhecemos senatildeo depois que lhes percebemos o significado o que se verifica natildeo mediante a audiccedilatildeo das vozes proferidas mas pelo conhecimento das coisas significadas Ao serem proferidas palavras eacute perfeitamente razoaacutevel que se diga que noacutes sabemos ou natildeo sabemos o que significam se o sabemos natildeo foram elas que no-lo ensinaram apenas o recordaram se natildeo o sabemos nem sequer o recordam mas talvez nos incitem a procuraacute-lo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 350)21

Assim as palavras e por conseguinte os nomes natildeo tecircm o poder de nos ligar

agraves essecircncias ou agraves coisas mesmas elas satildeo somente lembradas apoacutes (a posteriori) o nosso

contato com as coisas que as palavras e nomes ldquosignificamrdquo22

Na semioacutetica moderna o nome proacuteprio eacute assumido por alguns como um

signo no sentido semioacutetico do termo ou seja ldquoalguma coisa que eacute reconhecida por

algueacutem como indicaccedilatildeo de algordquo (VOLLI 2012 p 31) Nesse sentido exemplos de

signos poderiam ser a fumaccedila para o fogo a bandeira branca para a rendiccedilatildeo e o

semaacuteforo que obriga a parar ou avanccedilar O signo eacute ldquoum niacutevel extremamente simples

quase abstrato do sentidordquo (VOLLI 2012 p 32) Por isso o signo eacute uma relaccedilatildeo que liga

um significante a um significado (IDEM)

aprendi que ela era um sinal quando encontrei aquilo de que era sinal o que aprendi natildeo pelo significado mas pela visatildeo direta do objeto Portanto mais atraveacutes do conhecimento da coisa se aprende o sinal do que se aprende a coisa depois de ter o sinalrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 349) Texto original latino ldquoEtenim cum primum istae duae syllabae cum dicimus laquocaputraquo aures meas impulerunt tam nescivi quid significarent quam cum primo audirem legeremue sarabaras Sed cum saepe diceretur laquocaputraquo notans atque animadvertens quando diceretur repperi vocabulum esse rei quae mihi iam erat videndo notissima Quod priusquam repperissem tantum mihi sonus erat hoc verbum signum vero esse didici quando cuius rei signum esset inveni quam quidem ut dixi non significatu sed aspectu didiceram Ita magis signum re cognita quam signo dato ipsa res disciturrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1214) 21 Texto original latino ldquoVerbis igitur nisi verba non discimus immo sonitum strepitumque verborum nam si ea quae signa non sunt verba esse non possunt quamvis iam auditum verbum nescio tamen verbum esse donec quid significet sciam Rebus ergo cognitis verborum quoque cognitio perficitur verbis vero auditis nec verba discuntur non enim ea verba quae novimus discimus aut quae non novimus didicisse nos possumus confiteri nisi eorum significatione percepta quae non auditione vocum emissarum sed rerum significatarum cognitione contingit Verissima quippe ratio est et verissime dicitur cum verba proferuntur aut scire nos quid significent aut nescire si scimus commemorari potius quam discere si autem nescimus nec commemorari quidem sed fortasse ad quaerendum admonerirdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1215) 22 Agostinho define ldquosignificarrdquo como ldquoPois quando falamos fazemos sinais donde proveacutem a palavra lsquosignificarrsquo (fazer sinais mdash signa facere)rdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 334) Texto original latino ldquoCum enim loquimur signa facimus de quo dictum est significarerdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1198)

22

SIGNIFICANTE23

SIGNO = ________________

SIGNIFICADO24

Eacute importante delimitar o objeto de nosso estudo pois o nome proacuteprio possui

uma larga abrangecircncia As diversas categorias de nomes proacuteprios podem ser reunidas

entorno de trecircs polos25

a) dimensotildees da pessoa ndash ego (satildeo os antropocircnimos nomes de animais e

apelativos ou tiacutetulos) um prolongamento desta dimensatildeo seria o polo da

produccedilatildeo humana seja ela simboacutelica ou material como eacute o caso de nomes de

instituiccedilotildees nomes de produtos da atividade humana nomes de siacutembolos

matemaacuteticos e cientiacuteficos

b) dimensatildeo de espaccedilo ndash hic (nomes de lugares)

c) dimensatildeo do tempo ndash nunc (nomes de tempos) cf MOLINO 1982 p 6-7

Diante dessa heterogeneidade eacute praticamente impossiacutevel dar uma definiccedilatildeo

simples e coerente de nome proacuteprio Sendo uma categoria linguiacutestica eacute ilusoacuterio

segundo Molino ldquoprocurar definir de modo decisivo por criteacuterios natildeo ambiacuteguosrdquo

(IDEM) o nome proacuteprio Pode-se entatildeo chegar ao ponto de se afirmar que natildeo existem

nomes proacuteprios jaacute que natildeo haacute para eles uma definiccedilatildeo completa

Certamente natildeo porque a escolha natildeo eacute entre categorias definidas e a confusatildeo onde tudo eacute misturado com tudo O nome proacuteprio eacute uma categoria ldquoecircmicardquo uma categoria semiteoacuterica nascida da reflexatildeo mi-teoacuterica mi-praacutetica do locutor do gramaacutetico-pedagogo e do linguista sobre sua liacutengua com seus contornos e conteuacutedo indecisos ela existe no entanto E para explicaacute-lo o melhor instrumento eacute no momento aquele fornecido pela noccedilatildeo de protoacutetipo utilizado frequentemente pela psicologia cognitiva e aplicado algumas vezes agrave anaacutelise linguiacutestica Pode-se definir bem grosseiramente o protoacutetipo da seguinte maneira a cada palavra ou conceito estaacute associado um conjunto de

23 Significante seria a parte ldquofiacutesicardquo da palavra ou seja sua grafia e foneacutetica (SAUSSURE 2012 p 107) 24 Significado seria o ldquoconceitordquo transmitido pelo significante Portanto significante e significado satildeo duas faces da mesma folha (signo = palavra que possui sentido) (SAUSSURE 2012 p 107) 25 Esses polos seguem a diacutexis que eacute uma caracteriacutestica da linguagem humana que ldquoconsiste em fazer um enunciado referir-se a uma situaccedilatildeo definida real ou imaginaacuteria que pode ser a) quanto aos participantes do ato de enunciaccedilatildeo (1ordf pessoa ndash o que fala 2ordf pessoa ndash aquele a quem se dirige a fala 3ordf pessoa ndash todo assunto da comunicaccedilatildeo que natildeo sejam a 1ordf e 2ordf pessoas) b) quanto ao momento da enunciaccedilatildeo (diacutexis temporal) c) quanto ao lugar onde ocorre a accedilatildeo estado ou processo (diacutexis espacial)rdquo (DIacuteXIS 2009)

23

atributos que constitui o protoacutetipo do conceito e ao qual se compara todo objeto para julgar se ele se classifica ou natildeo sob esse conceito (MOLINO 1982 p 7)

Em nosso estudo claramente nos interessaraacute o nome proacuteprio em seu primeiro

polo isto eacute aquele da dimensatildeo da pessoa Afinal lidaremos com antropocircnimos e o uso

que deles faz a literatura aqui no caso a hebraica antiga Antes poreacutem conveacutem

observar que este uso natildeo eacute prerrogativa apenas da literatura hebraica Ele permeia e

tem um lugar especial na literatura universal

Por ser um signo um nome eacute um portador (significante) de significado isto eacute

ele tem sentido para algueacutem Ionescu (1994 p 306) afirma com razatildeo que um ldquoraacutepido

exame de algumas das obras mais relevantes da literatura universal prova

indubitavelmente o fato de que em um texto de ficccedilatildeo os nomes proacuteprios satildeo

altamente significativos e sempre cumprem uma finalidade poeacuteticardquo

Seguindo o quanto afirmado por Barthes

O Nome proacuteprio dispotildee de trecircs propriedades que o narrador reconhece agrave reminiscecircncia o poder de essencializaccedilatildeo (uma vez que ele designa apenas um uacutenico referente) o poder de citaccedilatildeo (uma vez que se pode chamar agrave escolha toda a essecircncia inserida no Nome ao proferi-lo) o poder de exploraccedilatildeo (uma vez que se ldquodesdobrardquo um Nome proacuteprio exatamente como se faz com uma lembranccedila) o Nome proacuteprio eacute de qualquer modo a forma linguiacutestica da reminiscecircncia [] o Nome proacuteprio se oferece a uma exploraccedilatildeo a um deciframento ele eacute ao mesmo tempo um ldquomeiordquo (no sentido bioloacutegico do termo) no qual eacute preciso mergulhar banhando-se indefinidamente em todos os devaneios que porta e um objeto precioso comprimido embalsamado que eacute necessaacuterio abrir como uma flor (BARTHES 1967 p 151)

Barthes discorda dos principais expoentes da Filosofia da Linguagem que vatildeo

de Peirce a Russell que viam no nome proacuteprio algo que designaria mas sem nada

significar Para Barthes o nome proacuteprio eacute um ldquosigno volumosordquo isto eacute cheio de

sentido que ldquonenhum uso chega a reduzir nivelar contrariamente ao nome comumrdquo

(IDEM) Ao analisar o uso que o escritor francecircs Marcel Proust (1871-1922) faz dos

nomes proacuteprios em seu monumental romance Agrave la recherche du temps perdu (Em busca

do tempo perdido) publicado de 1913 a 1926 Barthes percebe que ao lidar com os nomes

Proust estava gerindo as significaccedilotildees essenciais de sua obra E o romancista toma o

nome proacuteprio como um verdadeiro signo em suas duas dimensotildees como nota Barthes

24

[] de um lado ele pode ser lido sozinho ldquoem sirdquo como uma totalidade de significaccedilotildees numa palavra como uma essecircncia (uma ldquoentidade originalrdquo) diz Proust) ou se preferirmos uma ausecircncia pois o signo designa aquilo que natildeo estaacute laacute e de outro lado ele manteacutem com seus congecircneres relaccedilotildees metoniacutemicas estabelece a narrativa Swan e Guermantes natildeo satildeo somente duas estradas dois flancos satildeo tambeacutem dois foneticismos como Verdurin e Laumes (BARTHES 1967 P 156)

O nome portanto natildeo seria nada se natildeo fosse articulado com o seu referente

pois ldquoentre a coisa e a aparecircncia desenvolve-se o sonhordquo como constata Barthes (1967

p 156) Haacute uma motivaccedilatildeo para que aconteccedila a relaccedilatildeo entre significante e significado no

caso do nome proacuteprio na perspectiva proustiana identifica Barthes Seria ldquoum

copiando o outro e reproduzindo em sua forma material a essecircncia significada da coisa

(e natildeo a coisa mesma)rdquo (BARTHES 1967 p 157) Nesse sentido Proust sempre

segundo Barthes crecirc que a virtude dos nomes seja ensinar como ocorria em Craacutetilo de

Santo Agostinho conforme vimos acima A palavra literaacuteria portanto deveria ser lida

ldquonatildeo como o dicionaacuterio a explicita mas como o escritor a constroacuteirdquo (BARTHES 1967

p 158) O nome proacuteprio eacute uma caracteriacutestica linguiacutestica capaz de construir a essecircncia

dos objetos do romance Tomando de empreacutestimo um famoso axioma afirmariacuteamos

que ldquoPode-se dizer que o proacuteprio da narrativa natildeo eacute a accedilatildeo mas o personagem como

nome proacutepriordquo (BARTHES 1970 p 197) O nome penetrado pelos recursos

paradigmaacuteticos da obra ldquoobriga a uma leitura que ultrapassa a superfiacutecie do texto faz

confluir narraccedilatildeo personagem nome e liacutenguardquo (CRUZ 2006 p 65)

22 Psicanaacutelise

O nome proacuteprio individualiza identifica e personaliza o sujeito Assim o

ldquoconjunto de signos que forma o nome proacuteprio aleacutem de servir de marca formal

designativa do indiviacuteduo para os outros para a sociedade constitui-se como

referencial uacutenico para o sujeito ele o vive como sendo ele mesmordquo (MARTINS 1991

p 43) Para o sujeito o nome eacute mais que um signo ele eacute o seu elemento fundador uma

vez que ele coloca o sujeito no espaccedilo da interlocuccedilatildeo humana Ele permite ao

indiviacuteduo natildeo se perder na multidatildeo de corpos Ele eacute desse modo ldquoo articulador do

vivido com o mundo da linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 46)

O nome proacuteprio passa a construir o cerne daquilo que o sujeito mais preza ou

seja o seu proacuteprio ldquoeurdquo Quem daacute o nome natildeo eacute quem o recebe e aquele que o recebe

25

natildeo o solicitou Isso porque o ser eacute nomeado a partir do desejo de outro ser A

identidade da pessoa seraacute definida ao longo de sua vida apesar do nome que ela porta

Eacute o sujeito que necessita apropriar-se das significaccedilotildees que lhe foram dadas fazendo

a sua proacutepria interpretaccedilatildeo

3 O nome proacuteprio na literatura

Aquilo que se viu nos itens anteriores torna-se ainda mais vaacutelido quando se

analisa as culturas mais antigas da humanidade Quando mais nos afastamos no

tempo mais as culturas ancestrais percebiam o ato de nomear algueacutem como tocar-lhe

na proacutepria personalidade O pesquisador V Larock se pergunta com razatildeo

Seraacute que estamos tatildeo longe agraves vezes de emprestar aos nomes como [faziam] os natildeo civilizados uma sorte de realidade objetiva um prestiacutegio e um poder que ultrapassam extraordinariamente sua significaccedilatildeo literal ou sua funccedilatildeo social Natildeo experimentamos ao pronunciar nosso proacuteprio nome em certas circunstacircncias um sentimento confuso que beira seja ao orgulho seja ao temor Noacutes natildeo cercamos ainda de cerimocircnias religiosas ou profanas o ato da primeira denominaccedilatildeo E os ritos maacutegicos praticados sobre o nome satildeo tatildeo raros dentre o povo Os poetas natildeo exploraram frequentemente esta sorte de misteriosa correspondecircncia que se estabelece entre a tonalidade de um nome e a fisionomia do personagem a quem esse nome pertence (LAROCK 1932 p 13)

O filoacutelogo e linguista italiano Bruno Migliorini (1896-1975) recorda uma

circunstacircncia interessante da vida do renomado escritor alematildeo Johann Wolfgang von

Goethe (1749-1832) Este ficou descontente com um epigrama que outro conhecido

escritor criacutetico literaacuterio filoacutesofo e teoacutelogo alematildeo Johann Gottfried von Herder (1744-

1803) escrevera sobre o seu sobrenome Entatildeo Goethe teria recordado a Herder que

um nome de famiacutelia ldquonatildeo eacute como um manto que lhe estaacute pendurado por cima e que se

pode arrancar e rasgar mas uma veste perfeitamente adaptada ou como a pele

crescida juntamente com ele e que natildeo se pode raspar e arranhar sem fazer mal

tambeacutem a elerdquo (MIGLIORINI 1927 p 6) Portanto Goethe concedia ao nome proacuteprio

uma conexatildeo direta agrave personalidade o que lhe confere um caraacuteter mais especial que

um simples nome comum Como afirma Barthes (1970 p 74) ldquoQuando semas

idecircnticos atravessam vaacuterias vezes o mesmo nome proacuteprio e parecem nele se fixar

26

nasce um personagemrdquo Portanto o nome proacuteprio ficcional eacute o ldquolugar de um processo

semacircntico fundamental para a gramaacutetica da narrativardquo (NICOLE 1983 p 236)

Devido a isso o nome proacuteprio na ficccedilatildeo ultrapassa a mera identificaccedilatildeo do

personagem e a continuidade desta referecircncia ao longo da narraccedilatildeo Haacute outras

propriedades excepcionais no interior do processo ficcional de identificaccedilatildeo

Seguindo o linguista e lexicoacutegrafo ucraniano radicado no Canadaacute Jaroslav

Bohdan Rudnyckyj (1910-1995) especialista em etimologia e onomaacutestica Dirce Cocircrtes

Riedel (sd p 77-78) identifica as seguintes funccedilotildees literaacuterias do nome proacuteprio

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens

a Como na obra de Nikolai Gogol (1809-1852) Taras Bulba um romance

histoacuterico cuja primeira versatildeo eacute de 1835 e o tiacutetulo revela o nome do

personagem principal Esse velho e poderoso cossaco ucraniano por ser

arredondado (gordo) possui uma aparecircncia de bulrsquoba que significa

ldquobatatardquo Assim sendo essa palavra na funccedilatildeo de nome proacuteprio ldquosubstitui

uma extensa descriccedilatildeo realista do personagem e serve de base para que a

nossa imaginaccedilatildeo reproduza a pintura do heroacutei fictiacuteciordquo

b Algo semelhante ocorre com o nome do personagem principal de Almas

Mortas do mesmo Nikolai Gogol publicada em 1842 O nome dele eacute Paacutevel

Ivaacutenovitch Tchiacutetchicov sendo que este uacuteltimo nome Tchiacutetchicov possui um

som que sugere alguma coisa instaacutevel De fato o personagem eacute um perpeacutetuo

viajante em busca da fortuna apoacutes ter sido demitido do serviccedilo puacuteblico por

desonestidade

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra

a Recurso mais comum na poesia moderna Haacute exemplos de ldquoadaptaccedilatildeo

musical do nome ao contexto liacuterico quando usado por razotildees musicais

condicionado pela organizaccedilatildeo de toda a frase e pelo ritmordquo O valor

estrutural dos nomes proacuteprios fica claro nas oposiccedilotildees que o escritor

dramaturgo e ensaiacutesta brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954) realiza em

seu poema intitulado Cacircntico dos Cacircnticos para Flauta e Violatildeo ao mencionar

27

as amadas e a Amada Maria Antonieta dAlkmin com quem se casou em

1942 ano aliaacutes de composiccedilatildeo do referido poema Vejamos

Natildeo quero mais A inglesa Elena Natildeo quero mais A irmatilde da Nena Natildeo quero mais A bela Elena Anabela Ana Bolena Quero vocecirc Toma conta do ceacuteu Toma conta da terra Toma conta do mar Toma conta de mim Maria Antonieta dAlkmin (ANDRADE 1974 p 184)

b Algo semelhante encontra-se em Os Irmatildeos Karamaacutezov obra do escritor russo

Fioacutedor Dostoieacutevski (1821-1881) Neste romance escrito em 1879 os irmatildeos

satildeo todos ldquoenegrecidosrdquo devido suas taras O nome proacuteprio Karamaacutezov

estrutura o romance pois a primeira parte do nome kara significa negro Em

um conto do mesmo autor O senhor Prokhartchin escrito quando

Dostoieacutevski tinha apenas 25 anos de idade (1846) contata-se o mesmo

fenocircmeno A relaccedilatildeo do nome com o que ele significa eacute uma temaacutetica

essencial deste conto O tradutor ensaiacutesta e escritor ucraniano radicado no

Brasil Boris Solomonovitch Schnaiderman quando traduziu e analisou este

conto destacou a funccedilatildeo do uso do nome proacuteprio na obra de Dostoieacutevski

As suas constataccedilotildees podem ser ampliadas para vaacuterias outras obras

literaacuterias aleacutem daquelas deste autor russo

Este uso dos nomes proacuteprios significativos nem sempre tem a funccedilatildeo de colocar desde o iniacutecio maacutescara na personagem definindo-a Agraves vezes soacute depois da leitura eacute que se percebe a relaccedilatildeo entre o nome proacuteprio e o papel da personagem Eacute o caso por exemplo do nome Raskoacutelnikov que tem relaccedilatildeo com raskol heresia (o que lhe daacute certa semelhanccedila com Heregino) mas soacute depois da leitura de Crime e castigo e com um pouco de reflexatildeo eacute que se percebe realmente para o narrador o criminoso eacute um herege [] O jogo de palavras que deu origem ao nome relaciona-se com a exploraccedilatildeo das possibilidades de formaccedilatildeo de verbos a partir da palavra khartchi Assim no romance O Soacutesia imediatamente anterior ao conto aparece a forma iskhartchiacutelsia isto eacute no preteacuterito e tambeacutem no sentido de ter gasto o dinheiro com a comida natildeo obstante o preacute-verbo diferente O nome Prokhartchin eacute explorado no conto tanto na sua semacircntica que eacute claramente indicada como nas possiacuteveis variaccedilotildees alusivas (SCHNAIDERMAN 1982 p 118)

28

c Outro exemplo pode ser extraiacutedo da obra Buriti (em Corpo de Baile) do

escritor diplomata e meacutedico mineiro Joatildeo Guimaratildees Rosa (1908-1967)

trata-se do nome da personagem Mauriacutecia Esse nome conecta-se com a

denominaccedilatildeo cientiacutefica da planta que daacute nome agrave histoacuteria o buriti mauritia

viniacutefera corresponde em portuguecircs ao buritizeiro muriti muritim muruti

Portanto o nome Mauriacutecia participa das imagens que conduzem a narrativa

como um dos elementos estruturais do enredo ldquoQuando Maria da Gloacuteria

indaga de Lalinha porque natildeo tivera filhos eacute a imagem de Vovoacute Mauriacutecia

que lhe ocorre ao contemplar com amor o Buriti-Grande Neste e naquela

concentra-se a sensaccedilatildeo de estabilidaderdquo (RIEDEL sd p 83)

Lembrei de Vovoacute Mauriacutecia vocecirc sabe Ela eacute quem diz _ A gente deve ter muitos filhos quantos vierem e com amor de bem criar desistidos cuidados de se ralar sem sobrossos que Deus eacute estaacutevel (ROSA 2010 p 382)

ldquoSolidez que eacute reafirmada coincidindo quase sempre com a

contemplaccedilatildeo do Buriti sugestivo da tranquilidade estaacutevel dos

Geraisrdquo (RIEDEL sd p 84)

_ Vovoacute Mauriacutecia eacute dos Gerais Ela falava de sua gente O buritizal acolaacute impenha seu estado Tal iocirc Liodoro ndash iocirc Lidoro Mauriacutecio sendo Mauriacutecia sua matildee que no meio dos Gerais residia (ROSA 2010 p 342)

ldquoObserve-se a sintaxe claacutessica ndash denotadora ndash conotadora da

estabilidade da tradiccedilatildeo da famiacutelia mineirardquo (RIEDEL sd p 84 n

19) A presenccedila de Vovoacute Mauriacutecia eacute simboacutelica da ldquoessecircncia do que

permanecerdquo (RIEDEL sd p 84)

Maria Behuacute estava citando um ditado de Vovoacute Mauriacutecia essa falava coisas inesqueciacuteveis ldquoO sol natildeo eacute os raios dele ndash eacute o fogo da bola A gente eacute o coraccedilatildeo caladinhordquo (ROSA 2010 p 405)

A ideia de que as pessoas nunca estatildeo acabadas mas estatildeo sempre

sendo de que ldquoa vida natildeo tem passado Toda hora o barro se refazrdquo

[Cf Buriti em Corpo de Baile] ndash eacute um motivo retomado em toda a obra

de Guimaratildees Rosa Um motivo que vaacuterias vezes eacute configurado pelos

29

nomes proacuteprios Porque ldquojaneiro afofa o que dezembro endurecerdquo

[ROSA 2001 p 257]

d A amplidatildeo do ciclo da obra de Honoreacute de Balzac (1799-1850) denominada

A Comeacutedia Humana se imporaacute sob a forma de um retorno dos mesmos nomes

proacuteprios de volume em volume como bem observou Eugegravene Nicole (1983

p 236) Esse recurso de Balzac seraacute fundamental para dar uma unidade ao

conjunto de sua obra

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26 Dirce Cocircrtes Riedel

fundamenta-se em Stephen Ullmann (1914-1976)27 para trazer agrave luz essa funccedilatildeo

literaacuteria do nome proacuteprio Ullmann observa que Marcel Proust desenvolve uma teoria

dos nomes proacuteprios em sua obra Em Busca do Tempo Perdido no volume um No caminho

de Swann (1913) terceiro capiacutetulo Nome de terras o nome

Proust vecirc neles um importante fator na discrepacircncia fundamental entre imaginaccedilatildeo e realidade apontando-os como desenhadores fantasistas que nos datildeo das pessoas e dos paiacuteses esboccedilos tatildeo pouco semelhantes que experimentamos muitas vezes certo estupor quando temos diante de noacutes em lugar do mundo imaginado o mundo visiacutevel

a Para Ullmann as cores tecircm um lugar proeminente na aura associativa de certos nomes proacuteprios A mais persistente dessas associaccedilotildees eacute a tonalidade do nome ldquoGuermantesrdquo que ocorre quase como um lsquoleitmotivrsquo simbolizando o entusiasmo juvenil do narrador pela famiacutelia aristocraacutetica Ele gosta de imaginar o nome ldquobaignant comme dans un coucher de soleil dans la lumiegravere

orangeacutee qui eacutemane de cette syllabe lsquoantesrsquordquo28 (RIEDEL sd p 78)

b Aleacutem das associaccedilotildees visuais como proposto acima podem ocorrer

aquelas sonoras Nesse sentido Ullmann exemplifica trazendo um

trecho da obra do escritor e poeta francecircs Louis Henri Jean Farigoule

conhecido como Jules Romains (1885-1972) Em seu romance Les amours

enfantines no uacuteltimo capiacutetulo intitulado ldquoRumeur de la rue Reacuteaumurrdquo

ele sente vibraccedilotildees no seu nome

26 Associaccedilatildeo de palavras ou expressotildees que combinam sensaccedilotildees distintas numa impressatildeo uacutenica cruzamento de sensaccedilotildees Por exemplo na expressatildeo ldquovoz doce e maciardquo a palavra ldquovozrdquo manifesta uma sensaccedilatildeo auditiva o vocaacutebulo ldquodocerdquo exprime uma sensaccedilatildeo gustativa e finalmente a palavra ldquomaciardquo revela uma sensaccedilatildeo taacutetil 27 Linguista huacutengaro que transcorreu a maior parte de sua vida na Inglaterra o qual em sua obra intitulada Style in the French novel (Cambridge [UK] University Press 1957) ressalta tais tipos de associaccedilotildees dos nomes proacuteprios 28 Traduccedilatildeo banhando-se como em um por do sol na luz alaranjada que emana desta siacutelaba ldquoantesrdquo

30

Son nom mecircme qui ressemble agrave um chant de roues et de murailles agrave une treacutepidation drsquoimmeubles agrave la vibration du beacuteton sous lrsquoasphalte au bourdonnement des convois souterrainshellip (ULLMANN 1967 p 183 n 2)

Jules Romains menciona o nome de uma rua de Paris rue Reacuteaumur

e afirma que ele se parece ao som de rodas e paredes e vaacuterias outras

formas de trepidaccedilatildeo vibraccedilatildeo e estrondos urbanos Esses motivos

hermeticamente fundidos com o tema de fluxo e refluxo do livro satildeo

incorporados na forma de som da rue Reacuteaumur

Esse tipo de associaccedilatildeo tambeacutem ocorre na obra do escritor e poliacutetico

francecircs Franccedilois-Reneacute de Chateaubriand (1768-1848) como observa

Jean Mourot Haacute na seleccedilatildeo de nomes proacuteprios dos personagens de

suas obras uma acurada preocupaccedilatildeo pela sonoridade Isso se

comprova pela frequecircncia da consoante liacutequida ldquolrdquo e da vogal final

ldquoardquo na maioria dos nomes das heroiacutenas como por exemplo Atala

Ceacuteluta Blanca Mila entre outras Em sua obra apologeacutetica Geacutenie du

Christianisme (1802) o proacuteprio Chateaubriand admite ldquoAcusar-nos-

atildeo de tentar surpreender o ouvido com sons suaves se lembrarmos

estes conventos de Aqua-Bella Bel-Monterdquo (CHATEAUBRIAND

1809 p 119)

c Outro exemplo de associaccedilatildeo sonora produzida pela onomaacutestica na

literatura encontramos no escritor Guimaratildees Rosa Augusto de

Campos observa em Grande Sertatildeo Veredas de Guimaratildees Rosa o tema-

timbre do personagem Diadorim que ldquonatildeo rotula ndash ou denota ndash

simplesmente o personagem a que estaacute aderido Eacute isomoacuterfico em relaccedilatildeo

agrave personalidade do personagemrdquo (CAMPOS 1959) Comenta a

fisiognomia29 semacircntica da Riobaldo ndash etimologia de invenccedilatildeo rio + baldo

(frustrado) ndash e a de Diadorim ndash ldquocaleidoscoacutepio em miniatura de

reverberaccedilotildees semacircnticas suscitadas por associaccedilatildeo formalrdquo (IDEM) a)

Dia + adora (ser) b) Diaacute (diabo) + dor (natildeo-ser) + im Em ldquodois planos

29 Eacute a arte de conhecer o caraacuteter do indiviacuteduo a partir de suas feiccedilotildees (FISIOGNOMONIA 2009)

31

de significado (lsquodeusrsquo ou o lsquodemorsquo sempre) se bifurca desde o nome

essa criatura que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e

mais para muito amar sem gozo de amorrdquo Campos continua a

observar que ldquoO amor condenado que Riobaldo nutre por Diadorim

lanccedila-o frequentemente na indagaccedilatildeo da procedecircncia (demoniacuteaca) do

seu sentimentordquo (IDEM) Diaacute = o diabo e Diadorim ldquoProcesso de

metamorfose etimoloacutegicardquo (IDEM) que eacute enfatizado quando Riobaldo se

refere ao nome do alematildeo Vupes ldquoE como eacute mesmo que o senhor fraseia

Wusp Eacute Seu Emiacutelio Wuspes Wuacutespiss Vupses Pois esse Vupesrdquo

(IDEM) Diadorim ndash um nome perpetual laquoA accedilatildeo da presenccedila

onomaacutestica de Diadorim se faz sentir verberando pelas aacutereas

circunvizinhas ora sutilmente atraveacutes de uma incidecircncia maior de

fonemas em ndash d ndash ora de maneira mais expliacutecita pelo emprego da rima

em ndashim Satildeo pegadas sonoras que assinalam com um timbre

inconfundiacutevel a presenccedila do personagem como que a prolongar o seu

ldquoprazo de perfumerdquo

Diadorim tambeacutem disso natildeo disse (ROSA 1994 p 41) Desistir de Diadorim foi o que eu falei Digo desdigo (ROSA 1994 p 256)

Augusto de Campos nota ainda as rimas em ndashim que circulam ao

redor do nome Diadorim como no exemplo seguinte

Quem era assim para mim Diadorim (ROSA 1994 p 249) Dirce Cocircrtes Riedel constata tambeacutem que ldquoRiobaldo Diadorim

Norinhaacute Otaciacutelia Zeacute Bebelo Liodoro Mauriacutecia Lalinha Glorinha

Gualberto Maria Beuacute Soropita Doralda tecircm ressonacircncia

associativa concorrendo na organizaccedilatildeo do enredordquo (RIEDEL sd

p 83) da obra Buriti reunida em Corpo de Baile Observe-se a

frequecircncia de ldquorrdquo e ldquolrdquo

d Permanecendo ainda na obra de Guimaratildees Rosa pode-se tomar outro

exemplo a partir do uso da vogal ldquoirdquo a qual com a sua ressonacircncia

expressa carinho Haacute portanto uma carga afetiva na assonacircncia do ldquoirdquo

vejamos

32

A menina de laacute morava para traacutes da Serra do Mim E ela menininha por nome Maria Nhinhinha dita (ROSA Primeiras Estoacuterias) Iocirc Irvino iocirc Iacutesio iaacute-Dijina Lalinha Glorinha Mauriacutecia Alcina (Buriti)

Como bem nota Ana Maria Machado em sua tese doutoral orientada

por Roland Barthes na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes de Paris

[] o Nome natildeo tem apenas a funccedilatildeo de indicar um personagem ou de individualizaacute-lo nem mesmo de caracterizaacute-lo sumariamente de modo alegoacuterico O nome proacuteprio em Guimaratildees Rosa significa ao contraacuterio de todas as opiniotildees claacutessicas a respeito da natildeo-significaccedilatildeo do Nome Na obra rosiana esse significado pode ligar-se agrave funccedilatildeo do personagem na narrativa o Grivo eacute quem grifa Ivo Crocircnico eacute quem modifica a cronologia Osoacuterio eacute quem a montanha escolhe para destinataacuterio do recado e assim por diante Mas o mais importante eacute que essa significaccedilatildeo nunca eacute isolada e soacute se verifica realmente se o Nome eacute tambeacutem tomado no conjunto do texto como parte de um sistema em que um elemento soacute existe por oposiccedilatildeo aos outros (MACHADO 2013 p 113-114)30

O nome em Guimaratildees Rosa natildeo atua como um mero elemento de

identificaccedilatildeo eacute um ldquosigno motivado que apresenta uma relaccedilatildeo

direta entre o significante e o referenterdquo (CRUZ 2006 p 66) O nome

rosiano parece querer buscar a transcendecircncia da palavra ao criar um

recurso narrativo que ldquodestaca a aglutinaccedilatildeo sonora e espacial e cria

um tipo de linguagem em que a palavra-nome ganhando peso e

medida instaura a individuaccedilatildeo do sujeito nomeadordquo (IDEM) Se

por um lado Guimaratildees Rosa manifesta um claro interesse pelo teor

semacircntico do nome proacuteprio por outro lado ele ldquofaz prevalecer a

poeticidade da forma ndash destaca a configuraccedilatildeo focircnica e graacutefica

diferente de muitos dos nomes do escritor que satildeo orientados para

fazer eclodir um discurso lsquomimeacuteticorsquo que aflore significados de forma

veladardquo (IBID p 67) Assim sendo muitos dos nomes atraem pelos

seus componentes formais letra som e variaccedilatildeo lexical

Ullmann natildeo deixa de assinalar que ateacute os nomes proacuteprios as mais concretas

de todas as palavras estatildeo sujeitos ao contexto soacute este especificaraacute o que temos em

30 Essa obra eacute altamente recomendaacutevel para deslindar os antropocircnimos de Guimaratildees Rosa e perceber-se as vaacuterias funccedilotildees do nome de pessoas numa obra literaacuteria

33

mente quanto ao aspecto e caraacuteter do personagem ou do local (ULLMANN 1967 p

151) Eugegravene Nicole (1983 p 234) percebe que o uso dos nomes proacuteprios no texto

ficcional ldquonatildeo pode ser sem relaccedilatildeo com seu funcionamento na vida social que o

romancista representa ou na linguagem lsquonaturalrsquo que ele utilizardquo Isso se torna ainda

mais claro ao analisar-se por exemplo a obra da Guimaratildees Rosa como jaacute

mencionamos acima Em alguns de seus contos como eacute o caso de Desenredo e

Orientaccedilatildeo reunidos em sua obra Tutameacuteia um mesmo personagem recebe vaacuterios

nomes colocando em foco ldquosujeitos fadados a conviver com a sua multiplicidade

sujeitos que convivem numa atmosfera ambiacutegua e dupla Os vaacuterios nomes geram a

possibilidade da cesura no sentir e pensar desse sujeito muacuteltiplordquo (CRUZ 2006 p 66)

Nesses contos o nome possui a funccedilatildeo de signo que traduz esse sujeito muacuteltiplo e

duplo cindido em sua proacutepria contradiccedilatildeo Nessa diversidade do nome ldquoo sujeito

convive com a duplicidade e na confusatildeo interior busca a unidade na diversidade

Personagens atuam como narcisos dilacerados os reflexos do lsquoeursquo estatildeo representados

na biparticcedilatildeo do nomerdquo (IDEM)

No texto biacuteblico que passaremos a analisar a partir do terceiro capiacutetulo poderaacute

se verificar algo que se aproxima desse fenocircmeno rosiano guardadas evidentemente

as devidas proporccedilotildees e diferenccedilas de estilo e gecircnero O personagem Jacoacute assume uma

nova identidade quando tem seu nome mudado pelo ser com o qual se encontra e luta

agraves margens do rio Jaboc (cf Gn 3228-29) A duplicidade do personagem que desde o

seu nascimento apresenta caracteriacutesticas de trapaceiro (cf Gn 2525 2736) e obteacutem os

benefiacutecios da primogenitura por meio de diversos truques (cf Gn 2529-34 271-40) se

revela com o recebimento do novo nome (Gn 3229) Assim como ocorre com alguns

personagens de Guimaratildees Rosa Jacoacute separa-se de si mesmo e incorpora o papel de

um ldquooutrordquo ocultado na cisatildeo de vaacuterios nomes Mas as semelhanccedilas natildeo param por aiacute

Assim como haacute uma preocupaccedilatildeo em justificar o novo nome do personagem ndash Israel ndash

por parte do texto biacuteblico na obra de Guimaratildees Rosa observa-se tal requinte no jogo

etimoloacutegico Somente para ficarmos em um exemplo tomemos novamente o conto

Buriti onde iocirc Liodoro cujo nome completo eacute Liodoro Mauricio Faleiros desempenha

um papel central Sendo que ldquoEacute para ele que tudo converge eacute nele que tudo se articula

eacute dele que se irradiam os acontecimentos eacute seu peso de patriarca e proprietaacuterio que

34

domina o universo do contordquo (MACHADO 2013 p 114) O nome Liodoro proveacutem de

Heliodoro que a rigor designaria dom de Heacutelios daacutediva do sol Mas Guimaratildees Rosa

vai beber na fonte da etimologia popular para usar a significaccedilatildeo de ldquosol de ourordquo E

de fato eacute entorno de Liodoro que gravitam a famiacutelia e os agregados do Buriti Grande

Mas haacute mais pormenores nesse nome

Lio eacute tambeacutem o radical que indica ldquolisordquo Liodoro liso e duro Pois liso e duro com roliccedilo satildeo caracteriacutesticas insistentemente disseminadas pelo texto num dos vaacuterios desdobramentos desse Nome Lio eacute ainda feixe viacutenculo a articular entre si os diversos personagens e acontecimentos da trama Outra faixa de significados postos em accedilatildeo por esse significante eacute a de liana no contiacutenuo enleamento e enredamento em que se tecem os fios do enredo e do texto num emaranhado vegetal em torno agrave grande aacutervore que eacute iocirc Liodoro Aacutervore porque ele eacute Mauriacutecio como sua matildee a vovoacute Mauriacutecia dos Gerais figura quase miacutetica evocada pela famiacutelia [] Mas sobretudo Mauriacutecio como o Buriti palmeira cujo nome cientiacutefico eacute Mauritia vinifera Natural pois que sua mulher se chamasse iaiaacute Vininha autenticando a homologia com seu Nome que tambeacutem alude a Vecircnus e confirma que iocirc Liodoro vive sob o signo do amor (MACHADO 2013 p 114-115)

Para o linguista dinamarquecircs que se especializou em gramaacutetica inglesa Jens

Otto Harry Jespersen (1860-1943) mais conhecido por Otto Jespersen os nomes

proacuteprios conotam o maior nuacutemero de atributos sendo que a conotaccedilatildeo eacute inerente ao

nome algo com uma existecircncia independente de qualquer conhecimento humano O

linguista se interroga ldquoSe os nomes proacuteprios como de fato entendidos natildeo

conotassem muitos atributos natildeo saberiacuteamos compreender ou explicar o fenocircmeno

corriqueiro de um nome proacuteprio tornar-se um nome comumrdquo (JESPERSEN 1963 p

66) E ele se coloca ainda mais uma questatildeo

[] como uma sequecircncia de sons sem sentido nenhum de natildeo conotativa passa a conotativa sentido aceito por toda comunidade falante [] Uma qualidade eacute selecionada e passa a caracterizar outros seres e coisas possuiacutedas da mesma qualidade Eacute o mesmo processo encontrado nos nomes comuns como quando uma flor em forma de sino eacute chamada um sino natildeo obstante natildeo haver os outros aspectos de um sino real ou quando algum poliacutetico eacute chamado de velha raposa ou quando dizemos que peacuterola ou que joiardquo de uma mulher A transferecircncia no caso de nomes proacuteprios originais eacute devido agrave mesma causa como no caso de nomes comuns ou seja a sua conotatividade e a diferenccedila entre as duas classes eacute portanto para ser vista como apenas de grau (JESPERSEN 1963 p 67)

35

Portanto como jaacute vimos no primeiro item deste capiacutetulo para Jespersen natildeo eacute

possiacutevel considerar os nomes proacuteprios como natildeo conotativos por ser uma abstraccedilatildeo o

que designamos por um nome individual Cada indiviacuteduo muda constantemente

transforma-se a cada momento e o nome serve para fixar os elementos permanentes

das apariccedilotildees flutuantes ou reduzi-las a um denominador comum Concluindo

ldquoQuanto mais especificamente uma coisa eacute denotada mais provaacutevel eacute que o nome seja

escolhido arbitrariamente e mais se aproximaraacute de um nome proacuteprio ou em tal se

tornaraacuterdquo (JESPERSEN 1963 p 71) Tal constataccedilatildeo jaacute havia realizado Michel Breacuteal

quando afirma

Se se classificasse os nomes segundo a quantidade de ideias que eles suscitam os nomes proacuteprios deveriam estar no topo porque eles satildeo os mais significativos de todos sendo os mais individuais Um adjetivo como augustus tornando-se o nome de Otaacutevio adquiriu uma quantidade de ideias que lhe eram anteriormente estranhas De outro lado basta confrontar a palavra Ceacutesar entendida como o adversaacuterio de Pompeu e a palavra alematilde Kaiser que significa ldquoimperadorrdquo para ver que um nome proacuteprio perde em compreensatildeo ao tornar-se um nome comum De onde se pode concluir que do ponto de vista semacircntico os nomes proacuteprios satildeo substantivos por excelecircncia (BREacuteAL 1897 p 198)

Essa constataccedilatildeo de Jespersen eacute importante no uso que a literatura faz dos

nomes proacuteprios Um exemplo disso encontramos em Padre Antoacutenio Vieira o qual

lembra que os patriarcas antigos escolhiam para os filhos nomes que eram uma

profecia do seu futuro e do de descendentes O interesse nos nomes proacuteprios entre os

barrocos do seacuteculo XVII eacute grande porque se acreditava que o destino do indiviacuteduo

depende em parte da escolha de seu nome31 Caracteriacutestica esta muito proacutexima agrave

literatura hebraica claacutessica no uso que faz em algumas ocasiotildees do nome proacuteprio

como veremos em capiacutetulos sucessivos

Eacute oportuno destacar aqui que natildeo somente a identificaccedilatildeo de um personagem

atraveacutes de seu nome proacuteprio eacute importante na obra ficcional narrativa mas tambeacutem a

rejeiccedilatildeo da identificaccedilatildeo individual de algum personagem na obra A obra literaacuteria

classifica seus personagens atraveacutes da dicotomia que opotildee os portadores de nomes

agravequeles que deles satildeo desprovidos Aqueles que recebem um nome satildeo os

31 Segundo CANTEL 1959 apud RIEDEL sd p 81

36

personagens propriamente ditos Apesar de que em meados do seacuteculo passado um

movimento literaacuterio optou consciente e voluntariamente pela ausecircncia total de nomes

ou a abundacircncia de significantes que podiam se deformar ao longo da narrativa Esse

foi o caso do denominado Nouveau roman32 Em outras ocasiotildees a obra de ficccedilatildeo utiliza

os recursos do sistema apelativo tais como certos nomes comuns tiacutetulos certos

termos de relaccedilatildeo de parentesco etc a fim de designar o personagem no sistema geral

do texto Assim sendo ldquotal apelaccedilatildeo social chama a atenccedilatildeo pelo seu caraacuteter

sistemaacutetico e exclusivordquo (NICOLE 1983 P 240) Como exemplo pode-se citar o

prenome de Madame de Recircnal que eacute Louise na obra O vermelho e o negro de 1830 de

Henri-Marie Beyle mais conhecido como Stendhal (1783-1842) O prenome desse

personagem Louise nos eacute dado uma soacute vez num soliloacutequio de seu marido

(STENDHAL 1963 p 125) e natildeo aparece jamais em outro lugar do romance Eacute um

personagem sem ldquoautonomiardquo no sentido de que eacute sempre designada em sua relaccedilatildeo

de esposa Como bem observa Eugegravene Nicole (1983 p 240-241) ldquoinspirada no coacutedigo

social a forma habitual (Madame de Racircnal) se revelaraacute aqui como significante na

medida em que ela aparece como efeito do apagamento regular de seus apelativos

substitutosrdquo Essa funccedilatildeo classificatoacuteria que o nome possui em sentido geral eacute

tambeacutem uma funccedilatildeo de significaccedilatildeo pois ldquoSignificar para o nome proacuteprio quer dizer

inserir o portador nessas hierarquias e inscrevecirc-lo no lugar que lhe eacute de direitordquo

(GRIVEL 1973 p 130)

32 ldquoA expressatildeo Nouveau Roman (novo romance) refere-se a um movimento literaacuterio francecircs dos anos 1950 que diverge dos gecircneros literaacuterios claacutessicos Eacutemile Henriot cunhou o tiacutetulo num artigo do popular jornal francecircs Le Monde no dia 22 de maio de 1957 para descrever os experimentos estiliacutesticos de alguns escritores que criavam um estilo essencialmente novo a cada romance Alain Robbe-Grillet um influente teoacuterico assim como um representante do nouveau roman publicou uma seacuterie de ensaios sobre a natureza e o futuro do romance que foram posteriormente reunidos na obra Pour un nouveau roman Rejeitando muitas das caracteriacutesticas estabelecidas no romance ateacute entatildeo Robbe-Grillet julgou os romancistas predecessores como antiquados em razatildeo do foco que colocavam no enredo na accedilatildeo na narrativa nas ideias e nos personagens Em vez disso ele apresentou uma teoria do romance cujo foco recai sobre os objetos o nouveau roman ideal seria uma versatildeo e visatildeo individual das coisas subordinando trama e personagem aos detalhes do mundo ao inveacutes de arrolar o mundo a serviccedilo deles Assim de acordo com os autores do nouveau roman natildeo faria sentido escrever romances agrave maneira de Balzac com personagens bem definidos enredo com comeccedilo meio e fim Eles estariam em vez disso mais proacuteximos da literatura introspectiva de Stendhal ou Flaubert Natildeo admitiam a descriccedilatildeo dos personagens mdash que segundo eles seria influenciada por vieacutes ideoloacutegico mdash mas a exploraccedilatildeo dos fluxos de consciecircnciardquo (NOUVEAU ROMAN 2015)

37

Desse modo tanto a poeacutetica do nome proacuteprio ficcional isto eacute a motivaccedilatildeo que o

autor confere ao nome que ele ldquofabricardquo quanto a sua poieacutetica ou seja o processo do

fazer poeacutetico devem ser levados em conta pela onomaacutestica literaacuteria Eacute como constata

Roland Barthes (1967 p 152 ndash citaccedilatildeo livre) ldquoo romancista tem o dever de formar nomes

justosrdquo

A relaccedilatildeo do nome proacuteprio e do conteuacutedo textual pode se manifestar em geral

como uma relaccedilatildeo interna ou externa No primeiro caso ldquoo Nome parece exercer na

obra um papel tatildeo central que ele soacute pode ser contemporacircneo de sua concepccedilatildeo

original ou pelo menos de suas primeiras elaboraccedilotildeesrdquo (NICOLE 1983 p 243)

Concebe-se por relaccedilatildeo ldquoexternardquo quando o nome pode ser ldquoreduzido aos quadros do

esboccedilo precedenterdquo (IDEM) da obra literaacuteria

Concluindo este item sobre a relaccedilatildeo entre nome proacuteprio e literatura eacute oportuno

chamar em testemunho um texto claacutessico como Retoacuterica de Aristoacuteteles (384-322 AEC)

o qual assinala que um dos ldquotoacutepicosrdquo do uso de silogismos com funccedilatildeo retoacuterica a arte

da persuasatildeo se obteacutem atraveacutes do uso do ldquonomerdquo

Outro toacutepico obteacutem-se do nome Por exemplo como diz Soacutefocles Claramente levas o nome de ferro33 E tal como se costumava dizer-se dos nomes dos deuses e como Cocircnon chamava a Trasibulo ldquoo de ousada decisotildeesrdquo34 e Heroacutedico dizia a Trasiacutemaco ldquoeacutes sempre um combatente ousadordquo35 e a Polo ldquoeacutes sempre um potrordquo36 Tambeacutem de Draacutecon o legislador se afirmava que as suas leis natildeo eram de homem mas de dragatildeo (porque eram muito severas)37 Como tambeacutem Heacutecuba em Euriacutepedes diz a Afrodite

33 ldquoSidero significa ferro No texto haacute um jogo etimoloacutegico (que de resto remete para o toacutepico enunciado apoacute toucirc onoacutematos) entre o nome Σιδηρώ (nome proacuteprio) e σίδηρος (ferro ou arma de ferro) O verso eacute retirado da trageacutedia de Soacutefocles Tirordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 150 p 227) 34 ldquoThrasyboulon Mais um exemplo de jogo de palavras muito apreciado pelos Atenienses Com efeito o nome Thrasyboulos eacute um composto de θρασύς (ousado) e βουλή (resoluccedilatildeo decisatildeo) Cocircnon eacute um general ateniense vencedor de Pisandro em Cnido (394 aC) e restaurador da democracia atenienserdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 151 p 228) 35 ldquoThrasymachos mestre de retoacuterica que surge na Repuacuteblica de Platatildeo (livro I) como interlocutor de Soacutecrates eacute visto aqui sob o acircngulo etimoloacutegico θρασύς e μάχη (audaz ou ousado no combate) Quanto a Heroacutedico desconhecem-se testemunhos fidedignosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 152 p 228) 36 ldquoComo se sabe Polo sofista disciacutepulo de Goacutergias significa lsquopotrorsquo ou lsquocavalorsquordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 153 p 228) 37 ldquoDrakon significa lsquodragatildeorsquo ou lsquoserpentersquo Entre 624 aC e 621 aC parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito Nelas se introduz pela primeira vez na Greacutecia a distinccedilatildeo fundamental entre homiciacutedio voluntaacuterio e involuntaacuterio Esta empresa foi atribuiacuteda a um certo Draacutecon de cuja existecircncia alguns historiadores duvidam Mais tarde Draacutecon ficaraacute famoso por ser extremamente severo donde o adjetivo lsquodraconianorsquo que ficou proverbial Cf Aristoacuteteles Poliacutetica II 12rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 154 p 228)

38

Eacute com razatildeo que a palavra ldquoinsensatezrdquo comeccedila o nome da deusa38 E como Quereacutemon Penteu epocircnimo de desgraccedila futura39 (ARISTOacuteTELES 2005 1400b)

Nessa mesma linha de uma leitura mais ou menos improvisada do nome

proacuteprio como acabamos de ver em Aristoacuteteles tem-se um exemplo mais recente em

Honoreacute de Balzac autor jaacute mencionado neste estudo que em sua obra Z Marcas ao

abrir sua novela escreve

Eu jamais vi algueacutem mesmo incluindo os homens notaacuteveis de nosso tempo cujo aspecto fosse mais impressionante que aquele deste homem o estudo de sua fisionomia inspirava primeiramente um sentimento repleto de melancolia e terminava por dar uma sensaccedilatildeo quase dolorosa Existia uma certa harmonia entre a pessoa e o nome Este Z que precedia Marcas que se via nos endereccedilos de suas cartas e que ele natildeo esquecia jamais em sua assinatura esta uacuteltima letra do alfabeto oferecia ao espiacuterito algo de fatal MARCAS Repeti-vos a voacutes mesmos esse nome composto de duas siacutelabas natildeo encontrais nele uma sinistra significaccedilatildeo Natildeo vos parece que o homem que o porta deva ser martirizado Embora estranho e selvagem esse nome tem no entanto o direito de ir agrave posteridade ele eacute bem composto ele se pronuncia facilmente ele possui essa brevidade desejaacutevel aos nomes ceacutelebres Natildeo eacute tatildeo suave que seja estranho Mas ele natildeo parece inacabado Eu natildeo me ocuparia em afirmar que os nomes natildeo tecircm nenhuma influecircncia sobre o destino Entre os fatos da vida e o nome dos homens haacute segredos e inexplicaacuteveis concordacircncias ou desacordos visiacuteveis que surpreendem frequentemente correlaccedilotildees distantes mas eficazes se revelam nele Nosso mundo estaacute cheio tudo nele se sustenta Talvez retornaremos algum dia agraves Ciecircncias Ocultas Voacutes natildeo vedes na construccedilatildeo do Z um olhar contrariado Seraacute que natildeo aparece nele o ziguezague aleatoacuterio e lunaacutetico de uma vida atormentada Que vento soprou sobre esta letra que em cada liacutengua em que ela eacute admitida comanda quanto muito cinquenta palavras Marcas se chamava Zeacutephirin Satildeo Zeacutephirin eacute muito venerado na Bretanha Marcas era Bretatildeo Examinai ainda esse nome Z Marcas Toda a vida do homem estaacute na combinaccedilatildeo fantaacutetica dessas sete letras Sete O mais significativo dos nuacutemeros cabaliacutesticos O homem morreu aos trinta e cinco anos e sua vida foi composta por sete candelabros Marcas Natildeo tendes a ideia de algo precioso que se quebra por uma queda com ou sem ruiacutedo (BALZAC 1853 p 6-8)40

38 ldquoTroades 990 O nome da deusa Afrodite responsaacutevel primeira pela destruiccedilatildeo de Troacuteia e pela desgraccedila de Heacutecuba comeccedila por άφροσύνη (insensatez loucura)rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 155 p 228) 39 ldquoΠενθεύς (nome proacuteprio) e πένθος (luto tristeza) Jogo de palavras de acordo com a natureza traacutegica do heroacutei Cf Euriacutepides Bacchae 508 Quanto a Querecircmon soacute sabemos que foi um poeta traacutegico do seacuteculo IV aCrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 156 p 228) 40 A traduccedilatildeo acima eacute pessoal O texto no original francecircs eacute o que segue ldquoJe nrsquoai jamais vu personne en comprenant mecircme les hommes remarquables de ce temps dont lrsquoaspect fucirct plus saisissant que celui de cet homme lrsquoeacutetude de sa physionomie inspirait drsquoabord un sentiment plein de meacutelancolie et finissait par donner une sensation presque douloureuse Il existait une certaine harmonie entre la personne et le nom Ce Z qui preacuteceacutedait Marcas qui se voyait sur lrsquoadresse de ses lettres et qursquoil nrsquooubliait jamais dans sa signature cette derniegravere lettre de lrsquoalphabet offrait agrave lrsquoesprit je ne sais quoi de fatal

39

Como verifica Eugegravene Nicole (1983 p 244) sobre esta passagem ldquoo ato de

nomear vai associado a uma argumentaccedilatildeo que nada mais eacute que o proacuteprio assunto da

novela assunto que se encontra por assim dizer em poucas palavras na leitura a qual

se presta o nomerdquo Todo esse texto reivindica o uso do nome proacuteprio como signo da

motivaccedilatildeo da obra literaacuteria Eacute como uma ldquoinscriccedilatildeo fundadora de um relato o proacuteprio

anuacutencio de um destino notaacutevelrdquo (IDEM)

Por isso seguindo Franccedilois Rigolot (1982 p 139) podemos constatar que ldquoa

significaccedilatildeo do Nome poeacutetico seraacute entendida como um subterfuacutegio para apreender

indiretamente a ideologia do textordquo Esta eacute a intenccedilatildeo de nossa pesquisa

O nome proacuteprio que em si mesmo poderia permanecer ldquoopacordquo isto eacute sem

nenhuma significaccedilatildeo especial quando colocado em posiccedilatildeo de texto (cf RIGOLOT

1982 p 137) portanto quando se torna um nome poeacutetico adquire uma significaccedilatildeo pela

qual rebusca as suas motivaccedilotildees Nessa tarefa o nome proacuteprio atua em dois eixos

principais ldquoO eixo semasioloacutegico parte do signo para explicitar o seu sentido [semacircntica

sincrocircnica] enquanto o eixo onomasioloacutegico integra o sentido global do texto para

inventar um signo que justifica o melhor possiacutevel esse sentido [semacircntica diacrocircnica]rdquo

Nesse sentido podemos fazer nossas as palavras de Paul Guiraud (1972 p

406) ldquo[] as palavras engendram a faacutebula onde a realidade devia engendrar as

palavrasrdquo

MARCAS Reacutepeacutetez-vous agrave vous-mecircme ce nom composeacute de deux syllabes nrsquoy trouvez-vous pas une sinistre signifiance Ne vous semble-t-il pas que lrsquohomme qui le porte doive ecirctre martyriseacute Quoique eacutetrange et sauvage ce nom a pourtant le droit drsquoaller agrave la posteacuteriteacute il est bien composeacute il se prononce facilement il a cette briegraveveteacute voulue pour les noms ceacutelegravebres Nrsquoest-il pas aussi doux qursquoil est bizarre mais aussi ne vous paraicirct-il pas inacheveacute Je ne voudrais pas prendre sur moi drsquoaffirmer que les noms nrsquoexercent aucune influence sur la destineacutee Entre les faits de la vie et le nom des hommes il est de secregravetes et drsquoinexplicables concordances ou des deacutesaccords visibles qui surprennent souvent des correacutelations lointaines mais efficaces srsquoy sont reacuteveacuteleacutees Notre globe est plein tout srsquoy tient Peut-ecirctre reviendra-t-on quelque jour aux Sciences Occultes Ne voyez-vous pas dans la construction du Z une allure contrarieacutee Ne figure-t-elle pas le zigzag aleacuteatoire et fantasque drsquoune vie tourmenteacutee Quel vent a souffleacute sur cette lettre qui dans chaque langue ougrave elle est admise commande agrave peine agrave cinquante mots Marcas srsquoappelait Zeacutephirin Saint Zeacutephirin est tregraves veacuteneacutereacute en Bretagne Marcas eacutetait Breton Examinez encore ce nom Z Marcas Toute la vie de lrsquohomme est dans lrsquoassemblage fantastique de ces sept lettres Sept le plus significatif des nombres cabalistiques Lrsquohomme est mort agrave trente-cinq ans ainsi sa vie a eacuteteacute composeacutee de sept lustres Marcas Nrsquoavez-vous pas lrsquoideacutee de quelque chose de preacutecieux qui se brise par une chute avec ou sans bruitrdquo

40

4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

Do ponto de vista antropoloacutegico os nomes proacuteprios satildeo mais que um termo

que permite a identificaccedilatildeo Eles constituem ldquoo proacuteprio sistema de parentesco na

medida em que formam o lsquoEgorsquo nuclear de cada um dos elementosrdquo Segundo Claude

Leacutevi-Strauss ldquoos nomes proacuteprios fazem parte integrante de sistemas tratados por noacutes

como coacutedigos meios de fixar significaccedilotildees transpondo-as para termos de outras

significaccedilotildeesrdquo (LEacuteVI-STRAUSS 1970 p 200) Portanto os nomes proacuteprios se oferecem

a um deciframento a uma exploraccedilatildeo

O nome como se poderaacute verificar posteriormente possui em vaacuterias

civilizaccedilotildees um caraacuteter sagrado no entanto ele estaacute fortemente ligado ao aspecto

profano ou melhor dizendo ao aspecto social Eacute o que afirma Francisco Martins

inspirado no pensamento do antropoacutelogo Marcel Mauss

O mito religioso da identidade da alma e do nome encontra sua explicaccedilatildeo na organizaccedilatildeo social Ao mesmo tempo que o nome se inscreve em um sistema mitoloacutegico ele daacute precisatildeo a uma determinada posiccedilatildeo social [] Assim toda a legenda da alma viria da necessidade de nomear os membros de precisar suas posiccedilotildees entre os vivos e os mortos (MARTINS 1991 P 154)

A preocupaccedilatildeo do estudo antroponiacutemico por parte da antropologia num

primeiro momento deteve-se mais diante da grande tarefa de classificar ou seja

distinguir categorias de nomes de pessoa Para tal costumava-se operar tal

classificaccedilatildeo em vista de trecircs funccedilotildees

[] seja em funccedilatildeo de sua origem linguiacutestica ou dialetal (esforccedila-se desde entatildeo em identificar camadas e aacutereas antroponiacutemicas) seja em funccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas (classificam-se os nomes por registros conforme as afinidades reconhecidas prenomes de inspiraccedilatildeo religiosa ou profana apelidos que denotam particularidades fiacutesicas profissionais etc) seja em funccedilatildeo de sua formaccedilatildeo ou de sua composiccedilatildeo (procurar-se seguir em detalhe as etapas de fixaccedilatildeo dos nomes) (BROMBERGER 1982 p 103)

No entanto para muitos a missatildeo da antropologia quando se aplica ao estudo

dos nomes proacuteprios de pessoas seria bem outra Ou seja

[] identificar no seio de uma sociedade as regras de atribuiccedilatildeo dos nomes os princiacutepios segundo os quais se classificam se nomeiam indiviacuteduos singulares e diferentes (pelo seu sexo pela sua pertenccedila a uma famiacutelia a um

41

clatilde a uma geraccedilatildeo a uma localidade) as leis que regem o sistema de apelaccedilotildees [] enfim as propriedades ndash sintagmaacuteticas ndash que diferenciam nos enunciados os nomes de pessoas das outras classes nominais e as normas ndash sociais ndash que prescrevem-no ou interditam o emprego no discurso (IBID p 104)

Portanto a nova proposta da antropologia eacute abordar os nomes proacuteprios de

pessoas natildeo como meros indicadores de indiviacuteduos mas analisaacute-los em seu contexto

isto eacute as funccedilotildees que eles exercem nas sociedades em que satildeo empregados

O ato de nomear algueacutem natildeo eacute puramente voluntaacuterio ou casual mas fruto de

longas tradiccedilotildees de determinada populaccedilatildeo Um exemplo disto pode-se encontrar

num estudo que analisou a regiatildeo francesa da Provence durante o seacuteculo XVIII Em

grande parte das sociedades meridionais da Franccedila mas tambeacutem em outras o filho

mais velho herdava o prenome do seu avocirc paterno o mais novo herdava o nome de

seu avocirc materno No caso das filhas a escolha eacute simetricamente inversa ou seja a filha

mais velha recebia o prenome de sua avoacute materna a mais nova era nomeada segundo

o prenome de sua avoacute paterna (cf IDEM)

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas

A pesquisa antropoloacutegica de populaccedilotildees interioranas francesas da Idade Meacutedia

e do iniacutecio da Idade Moderna bem como de povos mais primitivos do norte da Aacutefrica

por exemplo colocou em questatildeo a funccedilatildeo decircitica que se quis ver no ato de nomear

pessoas Designar e identificar um indiviacuteduo uacutenico natildeo corresponde agrave realidade dos

fatos quando se analisa o ato nominador

Em muitas sociedades natildeo se encontra uma grande variedade de nomes

proacuteprios que serviriam obviamente a uma melhor identificaccedilatildeo e individuaccedilatildeo das

pessoas evitando confusotildees nas relaccedilotildees cotidianas Ao contraacuterio o que se encontra eacute

ldquoa estreiteza do campo de apelaccedilotildees individuais antroponiacutemicos formados do nome

do pai ou de nome de ascendentes frequentemente similares no seio de uma mesma

linhagem ou ainda de uma mesma classe de idade em suma laacute onde as necessidades

de distinccedilatildeo satildeo no entanto mais evidentesrdquo (BROMBERGER 1982 p 105) Para

evitar-se confusotildees eacute que se recorre ao uso do sobrenome o qual exerceraacute um papel

42

como de ldquovaacutelvula de seguranccedilardquo garantindo a identificaccedilatildeo correta das pessoas por

meio do nome de famiacutelia uma vez que havia pouca variedade de prenomes

Complicando ainda mais o presumiacutevel papel de identificador ou designador

uacutenico de uma pessoa atribuiacutedo ao nome proacuteprio haacute o caso de muitas sociedades que

institucionalizam ou toleram que um mesmo indiviacuteduo receba um nome diferenciado

em certas etapas de sua vida Um exemplo pode ser encontrado em uma sociedade

que vive no Norte uma das regiotildees de Camarotildees na Aacutefrica Nessa comunidade todo

indiviacuteduo recebe no decorrer de sua vida dois nomes

[] em seu nascimento primeiramente um nome que indica a sua ordem de nascimento depois trecircs ou quatro meses mais tarde um ldquosobrenomerdquo que lhe designa de uma maneira mais pessoal uma vez que ele eacute livremente escolhido e natildeo indica senatildeo uma posiccedilatildeo genealoacutegica [] Satildeo portanto nomes que indicam a ordem de nascimento que designam o indiviacuteduo como ser social Eles satildeo por assim dizer nuacutemeros Mas como nomes eles tambeacutem satildeo carregados de uma significaccedilatildeo que se refere a um sistema simboacutelico satildeo entatildeo mais que nuacutemeros ldquonomes-nuacutemerosrdquo (COLLARD 1973 p 45)

E mesmo esse ldquosobrenomerdquo que eacute dado agrave crianccedila Guidar natildeo eacute tatildeo distintivo

assim pois se trata em geral do nome do pai Este por sua vez eacute tambeacutem um nome-

nuacutemero Desse modo a maior parte dos Guidar possui um nome composto de dois

nomes-nuacutemeros (cf IBID p 48) ldquoTomemos por exemplo o caso de um indiviacuteduo

nominado Tizi Dawaiacute Seu primeiro nome Tizi indica que ele eacute a primeira crianccedila

masculina de sua matildee seu pai Dawaiacute (segundo nome da crianccedila) era o seacutetimo filho da

suardquo (IDEM) Assim sendo os nomes das crianccedilas satildeo determinados segundo a ordem

de nascimento e ateacute a quarta crianccedila inclusive tambeacutem segundo o sexo Interessante

notar que do quinto ateacute o deacutecimo filho os meninos e meninas levam o mesmo nome

apenas acrescenta-se agraves vezes a marca feminina ke ou a caso de trate de uma crianccedila

do sexo feminino Para tornar esse sistema mais claro eacute reproduzida abaixo uma tabela

concebida por Collard (1973 p 46)

Ordem de nascimento

Nome das crianccedilas

MENINOS MENINAS

1ordm Tizi ou Keza

2ordm Zourmba ou Miste

43

3ordm Toumba ou Tongou

4ordm Vondou ou Naiacuteke

5ordm Madi

6ordm Todou

7ordm Dawaiacute

8ordm Damba

9ordm Tourmba

10ordm Baiacutema

Este exemplo demonstra o quanto eacute fraacutegil o sistema de nominaccedilatildeo destinado a

distinguir indiviacuteduos ou seja a assegurar a identificaccedilatildeo pessoal O que natildeo deixa de

ser paradoxal Afinal na concepccedilatildeo que vigorou durante muito tempo via-se o nome

proacuteprio justamente com esta funccedilatildeo

Nesse caso duas liccedilotildees se depreendem do exemplo

[] primeiramente as propriedades semacircnticas desses nomes individuais satildeo da mesma natureza que aquelas das outras categorias nominais eu posso definir ldquoTizirdquo decompondo-o em menores elementos de significaccedilatildeo (anaacutelise secircmica) crianccedila + masculino + filho mais velho de sua matildee (e natildeo necessariamente de seu pai) como eu posso definir pelos ldquosemasrdquo que eles incluem ldquocavalordquo ldquohomemrdquo ou ldquotartarugardquo [] Em segundo lugar observa-se que um tal sistema parece governado por duas funccedilotildees antagocircnicas uma funccedilatildeo de classificaccedilatildeo que assinala o mesmo nome a todos aqueles que compartilham da mesma ordem de nascimento uma funccedilatildeo de identificaccedilatildeo tornada possiacutevel ndash mas natildeo sempre certa ndash pela combinaccedilatildeo de um pequeno nuacutemero de unidades que pertencem a uma seacuterie fechada Aqui identificamos uma caracteriacutestica comum a maior parte dos sistemas antroponiacutemicos melhor eles classificam menos eles identificam [] Na verdade a fraqueza distintiva de um sistema de nomes proacuteprios natildeo eacute senatildeo o reverso de sua riqueza classificatoacuteria (BROMBERGER 1982 p 106)

No entanto natildeo se pode concluir que o nome proacuteprio possua entatildeo uma

funccedilatildeo meramente classificatoacuteria seguindo algumas regras sociais estritas e

compartilhadas pela maioria das pessoas Isso foi constatado em alguns lugares mas

natildeo em todos O proacuteprio Leacutevi-Strauss reconhece isso quando afirma que de um lado

ldquoos nomes proacuteprios parecem formar a franja de um sistema geral de classificaccedilatildeo []

Quando eles entram em cena a cortina se eleva no uacuteltimo ato da representaccedilatildeo loacutegicardquo

(1962 p 285) De outro lado nenhum modelo mecacircnico permite explicar sua

distribuiccedilatildeo em um grupo social a denominaccedilatildeo aparece entatildeo como ldquouma livre

criaccedilatildeo daquele que nomeia um estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividaderdquo

(IBID p 240) ou mesmo de outras pessoas

44

No entanto a oposiccedilatildeo entre esses dois processos ndash classificatoacuterio e decisatildeo livre

e subjetiva ndash eacute mais aparente que real Mesmo quando parece natildeo haver nenhuma

regra que defina o ato nominador podem-se encontrar prenomes que funcionam como

marca distintiva de idade de geraccedilatildeo de sexo de irmandade e assim por diante Natildeo

haacute uma regra convencional mas um uso que segue certos princiacutepios Um exemplo

disso pode-se ver nos prenomes que permitem reconhecer claramente diferentes

geraccedilotildees Assim ao escolher de chamar os filhos como41 Sebastiatildeo Estefacircnia Karine

Kaacutetia confirmo sua pertenccedila a uma geraccedilatildeo mais jovem do que aquela de seus pais

frequentemente chamados de Daniel Geraldo Martinha Claudine enquanto seus

avoacutes poderiam ser denominados como Pedro Paulo Henriqueta e seus bisavocircs

poderiam ser chamados de Augusto Rogeacuterio Maria (cf BROMBERGER 1982 p 110)

Poderia ocorrer tambeacutem que pais que se consideram mais tradicionalistas se

recusassem a colocar em seus filhos nomes mais modernos ndash como Isabelly Theo ndash e

optassem por nominar seus filhos com nomes mais antigos que consideram mais

tradicionais como Maria Aparecida Joseacute Antocircnio por exemplo

Portanto haacute dois processos envolvidos no ato de nominaccedilatildeo com significados

diferentes de um lado os pais podem se submeter agraves normas ou tendecircncias da

sociedade de outro eles podem se ldquoesconderrdquo suas experiecircncias pessoais ideologias

ou preconceitos nos nomes que colocam em seus filhos eles atribuem um poder a esse

nome um destino Tanto quanto um classificador o nome funciona aqui como um

siacutembolo fazendo eco a um conjunto de crenccedilas e de convicccedilotildees Bromberger (1982 p

111) enxerga nisso o fato de que ldquonatildeo eacute tanto a individuaccedilatildeo que prevalece sobre a

classificaccedilatildeo eacute o siacutembolo que supera o signordquo e complementa ldquoum nome transmitido

segundo regras pode ser ao mesmo tempo um signo e um siacutembolo confirmando uma

posiccedilatildeo num sistema e fazendo eco a um conjunto de crenccedilasrdquo (IBID p 111 n 8)

Sendo que nas sociedades tradicionais e mais antigas ldquoo nome individual eacute

frequentemente pela sua forma como pelo seu conteuacutedo uma mensagem em honra

41 Obviamente este eacute um exemplo no interior da cultura francesa de onde proveacutem o autor citado No caso brasileiro poderiacuteamos encontrar filhos com nomes tais como Bruno Juliana Sophia Isabella Lucas Vitor etc seus pais poderiam ter nomes como Joseacute Ana Paulo Sandra Luiz Maacutercia seus avoacutes poderiam ter nomes como Benedita Joseacute Maria Aparecida Joatildeo Vera Antocircnio enquanto que seus bisavoacutes poderiam chamar-se Thereza Benedicto Antocircnia Pedro Victoacuteria e assim por diante (cf TUFOLO sd)

45

de potecircncias numinosas que traduz uma intenccedilatildeo aquela de assegurar a vida contra a

morteldquo (IBID p 111)

Do ponto de vista antropoloacutegico portanto o nome proacuteprio pode assumir um

duplo status

[] aquele de marcaccedilatildeo classificatoacuteria atribuindo ao indiviacuteduo denominado uma ou mais posiccedilotildees determinadas na estrutura social aquele siacutembolo participante de uma visatildeo de mundo sistema organizado de representaccedilotildees e de crenccedilas Essas duas funccedilotildees ndash igualmente ou diversamente reunidos sob um mesmo nome de pessoa cuja importacircncia respectiva varia natildeo somente de uma sociedade a outra mas tambeacutem de um tipo de denominaccedilatildeo a outro no interior de um mesmo sistema antroponiacutemico ndash merecem cada uma uma anaacutelise complementar (BROMBERGER 1982 p 111)

Ambas as funccedilotildees podem ser encontradas na tradiccedilatildeo hebraica que passaremos

a analisar a partir do proacuteximo capiacutetulo

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social

O fato de dar nome proacuteprio a algueacutem eacute antes de tudo um ato de socializaccedilatildeo

tal ato em geral se faz acompanhar por uma cerimocircnia ou um conjunto de rituais os

quais variam de acordo com as sociedades e culturas Ter um nome pessoal eacute possuir

uma existecircncia social Isso fica bem claro somente para citar um exemplo no caso da

cultura dos Ianomacircmis na Amazocircnia brasileira ldquoEacute entre um e trecircs anos que as crianccedilas

recebem um nome elas entram entatildeo plenamente na culturardquo (LIZOT 1973 p 64)

Se olharmos para a cultura europeia ocidental ateacute um pouco mais de meados do seacuteculo

passado eacute a declaraccedilatildeo do nome de famiacutelia (sobrenome) que consagra a existecircncia

social o prenome ou nome de batismo confirma a filiaccedilatildeo espiritual e a inserccedilatildeo na

comunidade cristatilde (cf BROMBERGER 1982 p 112)

O nome singulariza a existecircncia em relaccedilatildeo agraves outras entidades Isso se constata

inclusive quando se concede a um animal ou objeto um nome de pessoa O que destaca

a relaccedilatildeo especial que o ser humano dador do nome possui com aquele ser seja ele

animado ou natildeo Inversamente quando natildeo se reconhece as pessoas por estarem de

passagem serem marginais desclassificados em geral o nome de famiacutelia eacute

desconhecido e agraves vezes consta apenas o apelido ou um prenome Portanto ldquoconhecer

a completa identidade do outro eacute inclui-lo ndash diretamente ou indiretamente ndash no campo

46

das relaccedilotildees sociais o anocircnimo o erroneamente nomeado eacute o desconhecido ou ao

menos o natildeo reconhecido A sociedade para aonde as referecircncias que constituem os

nomes proacuteprios se apagamrdquo (BROMBERGER 1982 p 113) O conhecimento da aacuterea

de nomes proacuteprios sobrepotildee-se a das relaccedilotildees sociais traccedilando um limite entre ldquonoacutesrdquo

e ldquoos outrosrdquo

Mais comumente o sistema de nomeaccedilatildeo classifica os indiviacuteduos de acordo

com a sua filiaccedilatildeoorigem indicando sua famiacutelia ou localidade a qual pertence ou

entatildeo pelo seu status social Portanto o nome proacuteprio pode em algumas sociedades

indicar

a) Origem o apelido kunya no sistema aacuterabe por exemplo

b) Distinccedilatildeo de classes e ocupaccedilotildees seja na proacutepria significaccedilatildeo do nome

(antigo mundo celta por exemplo) seja atraveacutes de marcas formais

especiacuteficas de uma categoria de indiviacuteduos a partiacutecula seria um exemplo

seja atraveacutes do nuacutemero e natureza dos nomes usados em Roma o escravo

recebia apenas o prenome natildeo tinha sobrenome enquanto os patriacutecios

acrescentavam ao seu prenome vaacuterios sobrenomes Outro exemplo deste

uacuteltimo caso verifica-se no Japatildeo onde ateacute 1870 somente a famiacutelia real os

nobres e certos privilegiados levavam o nome do clatilde e de famiacutelia apoacutes seu

prenome as demais pessoas portavam geralmente um nome de profissatildeo

Ainda hoje algumas pessoas mais proeminentes na sociedade satildeo

reconhecidas pelo seu nome de famiacutelia ldquoOlhe Eacute um Rotschildrdquo (cf

BROMBERGER 1982 p 115)

Desse modo o nome proacuteprio pode servir como um meio para entre outras

coisas associar pessoas aos diferentes campos da vida social parentesco situaccedilatildeo

social simbologia e assim por diante

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios

Ao contraacuterio daqueles que veem no nome apenas um indicador uma espeacutecie e

index como jaacute foi amplamente tratado neste estudo a etnografia dos antropocircnimos nos

fornece interessante material de estudo a respeito da simbologia poder e eficaacutecia do

nome em diversas culturas ao longo da histoacuteria

47

Tomemos um exemplo

Eu chamo minha filha de Margarida assim fazendo eu pretendo seja consagrar uma tradiccedilatildeo familiar (sua avoacute levava esse nome) seja colocar minha filha sob a proteccedilatildeo de uma santa venerada seja mais simplesmente submeter-me a uma moda que aliaacutes pode ter por origem uma devoccedilatildeo seja comparar minha filha a uma flor seja ainda evocar uma ou mais Margarida das quais eu guardei boas recordaccedilotildees seja enfim lembrar o nome que me parece o mais harmonioso cujas qualidades riacutetmicas e acuacutesticas combinam melhor com aquelas de meu nome de famiacutelia A escolha de ldquoMargaridardquo pode responder a uma ou vaacuterias dessas intenccedilotildees (BROMBERGER 1982 p 118)

A questatildeo eacute sempre buscar descobrir as intenccedilotildees que se encontram por detraacutes

da accedilatildeo de nomear um indiviacuteduo Bromberger (IDEM) identifica trecircs fatores que

permitem ldquomedirrdquo a importacircncia simboacutelica do nome proacuteprio ldquoas condiccedilotildees aplicaacuteveis

agrave sua utilizaccedilatildeo funccedilotildees propiciatoacuterias atribuiacutedas a ele o aparentamento expliacutecito que

eacute estabelecido entre o denominado e o personagem epocircnimo miacutetico ou lendaacuteriordquo

No que tange ao primeiro fator ndash condiccedilotildees de uso do nome proacuteprio ndash observa-

se em coletividades ainda hoje existentes caracteriacutesticas que perduram haacute muitos

seacuteculos na sociedade humana Como exemplo tomemos o caso do pensamento de

certos indiacutegenas da Amazocircnia brasileira como satildeo os Ianomacircmis O nome para eles

apesar de natildeo ser um segredo natildeo vem mencionado de qualquer modo e a qualquer

tempo Por exemplo normalmente no grupo que reside junto as pessoas somente

conhecem o nome daqueles de sua proacutepria geraccedilatildeo ou de geraccedilotildees inferiores quase

nunca sabe o nome de indiviacuteduos mais idosos daquele mesmo grupo Nomear

algueacutem em puacuteblico em voz alta eacute considerado uma grande ofensa O nomeado reage

pois do contraacuterio sua passividade seria interpretada como uma omissatildeo uma falta de

honra A maneira de reagir seraacute mencionar tambeacutem em alta voz o nome daquele que

o interpelou publicamente demonstrando que natildeo o teme Tanto os indiviacuteduos mais

jovens especialmente os homens quanto os mais anciatildeos natildeo gostam que seus nomes

venham ditos em puacuteblico Isso eacute motivo de natildeo pouca confusatildeo e discussatildeo Da mesma

forma mencionar o nome de algueacutem jaacute falecido eacute um insulto que os filhos e irmatildeos da

pessoa morta vingaratildeo em uma luta com clava Ateacute mesmo em voz baixa no caso de

ausecircncia da pessoa interessada natildeo se nomeia ningueacutem De qualquer modo haacute

indiviacuteduos cujos nomes jamais satildeo mencionados o pai e a matildee bem como daqueles

48

que podem vir a ser os sogros de algueacutem (cf LIZOT 1973 p 66) Qual eacute o motivo para

esse tipo de atitude diante do nome proacuteprio entre os Ianomacircmis Para eles nomear

algueacutem eacute agir sobre aquele que se designa pelo nome O pensamento indiacutegena estaacute

convencido que o ldquonome pessoal faz parte integralmente da personalidade como o

corpo e mais ainda que os bens materiaisrdquo (IBID p 67) No caso de um defunto

assim como os seus pertences satildeo queimados ele como pessoa deve desaparecer por

isso o seu nome natildeo deve ser mencionado por ningueacutem Se a pessoa natildeo existe mais

seu nome tambeacutem deve ser abolido Haacute um caraacuteter sagrado do nome de pessoa que eacute

respeitado Lizot observa-o muito bem quando exprime que ldquonomear o objeto temido

envolve necessariamente a manifestaccedilatildeo dele como nomear o objeto desejado o

ameaccedila de extinccedilatildeordquo (1973 p 70)

Nesse sentido apesar de viverem em eacutepocas diferentes terras diferentes

hemisfeacuterios diferentes os indiacutegenas amazonenses natildeo deixam de assemelhar-se um

pouco no uso do nome aos povos que constituiacuteam o ambiente no qual surgiu a

literatura hebraica No sentido que o nome possui um significado e um valor que

ultrapassam aquele que se nota normalmente nas sociedades atuais

Em relaccedilatildeo ao segundo fator acima mencionado ndash funccedilotildees propiciatoacuterias

atribuiacutedas ao nome ndash natildeo o podemos perceber na cultura ocidental contemporacircnea

em que os fatores religiosos tecircm influenciado cada vez menos na atribuiccedilatildeo de um

nome Ocorre tambeacutem uma dificuldade em se reconhecer no nome das pessoas um

simbolismo que vaacute aleacutem da pura e simples funccedilatildeo denotativa No entanto isso era

muito comum nas sociedades orientais antigas como a de Israel e mesmo hoje em

algumas culturas que natildeo foram influenciadas pela modernidade como eacute o caso da

Aacutefrica Em uma delas por exemplo os Mossi que habitam Burkina Faso na Aacutefrica

Ocidental os nomes dos indiviacuteduos ldquoreferem-se de fato a uma experiecircncia preacutevia ao

nascimento que foi reconhecida imediatamente ou mediatamente pela proacutepria matildee

ou apoacutes consultar um vidente como uma injunccedilatildeo de poderes transcendentaisrdquo

(BROMBERGER 1982 p 119) A fragilidade da vida a precariedade meacutedico-sanitaacuteria

e outros inuacutemeros fatores que atentam contra a vida de um receacutem-nascido fazem o

povo Mossi apelar agrave divindade e reconhecer como fruto de sua accedilatildeo a sua vinda ao

mundo satildeo e salvo Algo natildeo muito diferente passava-se com o povo do Oriente

49

Meacutedio Antigo no seio do qual desenvolve-se toda a literatura hebraica No entanto os

Mossi natildeo nomeiam seus filhos com nomes teofoacutericos mas empregam nomes comuns

que exprimem o sentimento da matildee por exemplo naquele momento de dor e

apreensatildeo que lhe fez revolver agrave divindade sua suacuteplica de proteccedilatildeo e auxiacutelio Desse

modo algueacutem podia vir a chamar-se ldquofolhas de feijatildeordquo (becircngdo) a fim de recordar que

as primeiras dores da gravidez foram sentidas justamente quando a matildee se

encontrava num campo de feijotildees ou entatildeo enquanto preparava um prato de feijotildees

ou uma sopa com eles Portanto a intenccedilatildeo natildeo eacute suplicar por proteccedilatildeo ou atrair as

qualidades da divindade para o filho receacutem-nascido mas ldquodesviar as forccedilas hostisrdquo

(IBID p 120) agravequela crianccedila

O terceiro fator ndash o poder dos nomes a identificaccedilatildeo entre o nominado e

personagem epocircnimo que lhe inspira o nome ndash supotildee que o simbolismo desses nomes

sejam transparentes e convencionais para os usuaacuterios e que a escolha deste nome

consagre a intenccedilatildeo de associar as qualidades do epocircnimo agravequelas do denominado

Isso eacute bem evidente segundo nos mostra Bromberger (1982 p 120) em muitas

sociedades onde o nome proacuteprio evoca o mito fundador da mesma Nesse caso usam-

se nomes teofoacutericos como ocorre no antigo mundo semita ndash Yohannan (Joatildeo ndash ldquoDeus

manifestou sua graccedilardquo) ndash e ainda em nossos dias atuais no mundo muccedilulmano ndash

Abdallacirch (ldquoo servidor de Deusrdquo) bem como as denominaccedilotildees totecircmicas as quais

consagram o parentesco do indiviacuteduo agraves espeacutecies epocircnimas fundadoras Nesse caso

ldquoos nomes proacuteprios assumem a plenitude de seu sentido prefigurando o destino

daqueles que os portam identificado agravequele dos protagonistas do drama miacuteticordquo

(IDEM) Assim sendo os registros de onde se retiram preferencialmente para formar

ou escolher nomes individuais satildeo bons reveladores das tendecircncias da simbologia

cultural

Concluindo este toacutepico antropoloacutegico do sistema onomaacutestico percebe-se que o

mesmo constitui um material muito rico para a anaacutelise das sociedades humanas pois

possui uma dupla grelha de leitura de um lado sendo um sistema de classificaccedilatildeo a

onomaacutestica antroponiacutemica permite identificar os princiacutepios sejam eles expliacutecitos ou

natildeo segundo os quais uma sociedade agrupa e distingue os indiviacuteduos de outro

sendo um sistema de siacutembolos revela os valores e questotildees se sobrepotildeem sobre a

50

identidade individual e coletiva (cf BROMBERGER 1982 p 122) Para ilustrar o que

foi dito Bromberger (IDEM) cita uma histoacuteria contada por Montaigne

Henrique duque de Normandia filho de Henrique segundo rei da Inglaterra deu um banquete na Franccedila a reuniatildeo da nobreza foi tatildeo grande neste lugar que para passatempo foi dividida em faixas pela semelhanccedila de nomes na primeira tropa quem eram os Guilhermes encontraram-se cento e dez cavaleiros sentados agrave mesa com esse nome sem contar os simples nobres e servidores

Portanto nomear eacute muito mais que simplesmente identificar

51

CAPIacuteTULO 2

NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA

1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel

A BH surge em Israel mas o seu background cultural eacute muito mais vasto Ela

deve e muito agraves demais culturais circundantes e seus respectivos povos Como bem

constatou o exegeta belga Jean-Louis Ska

Israel de fato jamais conquistou um grande impeacuterio nunca foi uma grande potecircncia seja militar poliacutetica econocircmica ou cultural Natildeo haacute grandes riquezas naturais na terra santa e as dimensotildees reduzidas do paiacutes impedem de produzir grandes quantidades de gratildeos vinho ou oacuteleo A Feniacutecia foi uma potecircncia comercial muito mais importante e mais conhecida Nem mesmo do ponto de vista artiacutestico Israel conseguiu conceber grandes obras de arte no mundo da literatura da escultura da pintura ou da arquitetura Natildeo haacute nesse campo alguma comparaccedilatildeo com o Egito a Mesopotacircmia ou a Greacutecia por exemplo No entanto Israel marcou a histoacuteria do nosso mundo e teve uma influecircncia desproporcional agrave sua potecircncia poliacutetica ou agraves dimensotildees de seu territoacuterio O elemento de sua civilizaccedilatildeo que tem ainda hoje uma influecircncia sem precedentes eacute a sua Lei a Toraacute em hebraico Acrescentamos imediatamente que a palavra hebraica Toraacute significa natildeo somente ldquoLeirdquo isto eacute normas diretrizes legislaccedilatildeo mas tambeacutem instruccedilatildeo ensinamento doutrina Eacute ldquosabedoriardquo e ldquointeligecircnciardquo como diz Dt 46 Natildeo estamos portanto no mundo do poder e nem mesmo no mundo do ter Estamos no mundo do saber Israel nos transmitiu um saber um modo de conhecer o mundo e de compreender qual eacute o significado da existecircncia humana individual e coletiva Deste ponto de vista pode competir com a Greacutecia (SKA 2015 p 133-134)

A partir dessa constataccedilatildeo fica mais claro que a cultura expressa pela BH tem

a sua particularidade e importacircncia mas dialoga obviamente com todas as demais

culturas do mundo com as quais teve relaccedilotildees Nesse sentido antes de adentrarmos

na maneira como os antropocircnimos satildeo concebidos usados e sofrem alteraccedilotildees no seio

da cultura hebraica eacute oportuno verificarmos como isso se dava em outros povos

circunvizinhos

11 Mesopotacircmia

52

A iacutentima conexatildeo entre o ato de nomear e a existecircncia de algo pode ser

deduzida a partir de seu papel em muitos textos de criaccedilatildeo do Oriente Meacutedio Antigo

onde a criaccedilatildeo de tudo dependia dos deuses nomearem essas coisas que tinham sido

criadas O objeto natildeo existia em si mesmo ele natildeo adquiria consistecircncia a natildeo ser apoacutes

sua nomeaccedilatildeo A proacutepria palavra ldquoobjetordquo na Babilocircnia era expressa por mimma

sunsu ldquotudo aquilo que leva um nomerdquo (POZNANSKI 1978 p 117)

Um eacutepico babilocircnico da criaccedilatildeo descreve o periacuteodo de preacute-criaccedilatildeo como um

tempo no qual

[] no alto o ceacuteu ainda natildeo havia sido nomeado e embaixo a terra firme natildeo tinha sido mencionada por um nome [] Quando os deuses ainda natildeo haviam aparecido nem tinham sido chamados com um nome nem fixado algum destino os deuses foram procriados dentro deles (ENUMA ELISH tablete 11-2 7-8)

No mundo de Acaacutedia haacute uma coincidecircncia entre nascimento e colocaccedilatildeo do

nome O mesmo ocorre com os sumeacuterios ldquoNumusda semente que os deuses criaram

que Ningal protegeu em seu seio que conheceu um nascimento suave na montanha a

quem An e Enlil deram um bom nome que Ninlil embalou amorosamenterdquo

(FALKENSTEIN VON SODEN 1953 p 112 n 23 l 51042 apud POZNANSKI 1978

p 114-115) Constata-se nesse texto que a crianccedila recebeu seu nome desde o

nascimento antes mesmo de ser tomada nos braccedilos

O nome proacuteprio era tatildeo fundamental na cultura mesopotacircmica cuneiforme

que sua escritura constituiacutea um setor particular do saber dos escribas possuindo um

sistema proacuteprio de notaccedilotildees graacuteficas Os nomes proacuteprios recorrem a um ldquoleacutexico e uma

sintaxe intencionalmente arcaicos ou desviantes que natildeo coincidem frequentemente

com aqueles que utilizam textos de prosa ou de versordquo (DURAND 1998 p 31) Eacute

importante sublinhar que muitas liacutenguas do Oriente Meacutedio Antigo somente

sobreviveram e vieram agrave luz nos tempos modernos graccedilas a um corpus onomaacutestico

preservado em materiais escritos monumentos e construccedilotildees A morfologia e o leacutexico

dessas liacutenguas satildeo descritos unicamente a partir da anaacutelise desses nomes

42 A obra desses autores intitula-se Sumerische und akkadische Hymnen und Gebete Zuumlrich Artemis Verlag Recorreu-se agrave citaccedilatildeo indireta pelo fato da referida obra encontrar-se esgotada e de difiacutecil acesso

53

Uma das fontes para um levantamento da onomaacutestica mesopotacircmica eacute sem

duacutevida os selos ldquouma marca sobre uma mateacuteria plaacutestica de imagens eou caracteres

gravados em um material duro chamado lsquomatrizrsquo ou tambeacutem lsquoselorsquo e era usado como

sinal de autoridade e de propriedade pessoalrdquo (CHARPIN 1998 p 43) O primeiro

selo a trazer um nome proacuteprio data do final da eacutepoca conhecida como Protodinaacutestica

II ou seja por volta de 2500 AEC portanto cerca de sete seacuteculos apoacutes o surgimento

da escrita (cf CHARPIN 1998 p 46) Uma triacuteplice informaccedilatildeo costumava ser a

maneira usada para se definir um indiviacuteduo na legenda de um selo ldquoprimeiramente

pelo seu nome depois pelo nome de seu pairdquo (na Babilocircnia antiga o ldquonome de famiacuteliardquo

era incomum) finalmente ldquocomo servidor de um rei ou de uma divindaderdquo (cf

CHARPIN 1998 p 48) O nome do proprietaacuterio do selo vinha em destaque mais do

que os iacutecones que poderiam constar dele Portanto a civilizaccedilatildeo babilocircnica concedeu

agrave escritura uma posiccedilatildeo privilegiada

Ao contraacuterio de nossos nomes e sobrenomes atuais o nome proacuteprio naquela

cultura era dotado de uma significaccedilatildeo aparente Esses nomes seguem uma tipologia

bastante diversificada mas natildeo muito complexa ldquoela vai de uma frase curta

(fragmento de oraccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo de um fato) passando por diversos tipos de

qualificativos apelidos ou outros ateacute os diminutivosrdquo (DURAND 1998 p 32) Eacute muito

frequente no princiacutepio do segundo milecircnio antes da era comum (AEC) que o nome

proacuteprio natildeo descreva o indiviacuteduo em si mesmo mas o situe em relaccedilatildeo a seus deuses

ou seu rei de modo expliacutecito (nomeando-os) ou natildeo

No caso de indiviacuteduos que portavam nomes que faziam menccedilatildeo a um

determinado deus uma questatildeo que imediatamente nos vem em mente eacute o que um

nome teofoacuterico significava para a pessoa que o levava e por que foi escolhido

Geralmente eram nomes que elogiavam uma determinada divindade ou suplicavam

algo agrave mesma Esses nomes exprimiriam de fato o sentimento religioso daqueles que

lhes deram aos seus filhos ou o de seus portadores Ou seriam simplesmente formas

padronizadas natildeo faacuteceis de certificar Esses nomes soavam bem piedosos como

ldquoNaram-Enlil (lsquoAmado-de-Enlilrsquo) Ili-zili (lsquoMeu-Deus-eacute-Minha-Proteccedilatildeorsquo) Giba-

DINGIR (lsquoConfia-em-Deusrsquo) Iti-DINGIRDINGIR (lsquoDaacute-aos-deusesrsquo) e DINGIR-zeluli

54

(lsquoO-Deus-eacute-Minha-Sombrarsquo) (SEYMOUR 1983 p 116) Natildeo eacute faacutecil chegar a conclusotildees

seguras a respeito dessa questatildeo

Uma possiacutevel fonte de conhecimentos sobre a relaccedilatildeo de nomes pessoais agrave feacute individual tem sido sugerida por estudos da claacuteusula de servo presentes em muitas inscriccedilotildees de vedaccedilatildeo de cilindro Tais inscriccedilotildees muitas vezes datildeo o nome do(a) proprietaacuterio(a) o nome do pai dele ou dela bem como uma afirmaccedilatildeo declarando que o proprietaacuterio eacute o escravo (ardu) de um deus particular No caso dos selos das nadītu-sacerdotisas de Sippar parece haver um elevado grau de correlaccedilatildeo entre o deus na claacuteusula de servo e a filiaccedilatildeo cultual especiacutefica do proprietaacuterio Entre os nadītus haacute discordacircncia ocasional entre a claacuteusula de servo e o elemento divino que ocorre no nome do proprietaacuterio Isso no entanto quase nunca eacute comprovado em inscriccedilotildees de selos do puacuteblico em geral Significativamente as divindades populares em nomes pessoais satildeo diferentes das divindades populares na claacuteusula de servo Considerando que os nomes pessoais Shamash ou Sīn tendem a predominar (refletindo o fato que Sippar era um centro de culto desses deuses) na claacuteusula de servo tais deuses menores como Amurru ou Nabium satildeo muito mais comuns Dada a tendecircncia de deuses pessoais intercessores serem mais baixos na hierarquia divina do que os grandes deuses entre os quais intercediam tem sido sugerido que essas divindades da claacuteusula servo satildeo os elusivos deuses pessoais dos antigos mesopotacircmicos [] Os nomes nadītu podem mostrar um elevado grau de correlaccedilatildeo com um deus em particular devido a relaccedilatildeo claustral incomum das sacerdotisas com seus deuses Uma vez que estas mulheres aparentemente tinham uma relaccedilatildeo familiar muito proacutexima com o deus que serviam o sentido especialmente forte de pertenccedila ao deus pode ter inspirado os nomes atipicamente orientados para o culto que elas muitas vezes levavam e explicar a sua disponibilidade para abandonar um nome por outro (SEYMOUR 1983 p 117-118)

No entanto a anaacutelise de nomes da antiga Sippar babilocircnica revela tambeacutem

que nem sempre havia uma correlaccedilatildeo entre o nome teofoacuterico e uma feacute ou relaccedilatildeo

especial entre o seu portador e o deus nomeado Um dos criteacuterios para a escolha desses

nomes era simplesmente o fato de natildeo ter sido escolhido por uma outra pessoa

Portanto se de um lado nomes babilocircnios teofoacutericos poderiam sugerir a solicitaccedilatildeo de

uma forccedila protetora e beneacutefica de outro poderia natildeo ter uma preocupaccedilatildeo especiacutefica

de envolver um determinado deus com a vida do receacutem-nascido ou do adulto que

portasse aquele nome

Ocorre tambeacutem que o nome proacuteprio situe o indiviacuteduo em seu ambiente

humano (na maioria dos casos sua famiacutelia compreendida de modo mais ou menos

amplo) como se vecirc nos seguintes exemplos

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Iddin-Addu ldquoO Deus-Addu fez um presenterdquo (sem duacutevida em referecircncia agrave

crianccedila que acaba de nascer) referecircncia expliacutecita

Šarkassum-Macirctum ldquoO Paiacutes lhe foi dadordquo (em referecircncia ao rei) referecircncia

impliacutecita

Ahu-šunu ldquoEacute irmatildeo delesrdquo (cf DURAND 1998 p 32)

Verifica-se portanto haver um costume do nome proacuteprio expressar uma

vontade paterna ou uma constataccedilatildeo feita pelos genitores no momento do nascimento

de seu filho Ele manifesta que a crianccedila foi dada por este ou aquele deus ou descreve

uma accedilatildeo divina particular ou diz que a crianccedila veio ajuntar-se aos outros irmatildeos ou

que nasceu num determinado momento e circunstacircncias A dificuldade reside no fato

de natildeo se possuir na quase totalidade dos casos indicaccedilotildees do contexto que motivou

a escolha deste ou daquele nome a certo indiviacuteduo Uma das raras exceccedilotildees eacute um texto

de Mari (Siacuteria seacutec XVIII AEC) que nos explica as razotildees da outorga de um nome

proacuteprio

Uma historieta mostra de fato uma princesa tendo um sonho a propoacutesito de uma menina nascida no hareacutem portanto pode ser filha do proacuteprio rei Nesse sonho se lhe indicava como nomear a menina Tratava-se de dar-lhe um nome proacuteprio relacionado com o mundo da estepe aonde vatildeo rebanhos e nocircmades um mundo perigoso difiacutecil de controlar e no qual o rebanho dos sedentaacuterios agrave procura de pastagens pode correr grandes perigos Eacute desejaacutevel nos eacute dito que a menina se chame Taggid-Nawucircm ldquoA Estepe fez uma declaraccedilatildeordquo (subentendido ldquode submissatildeordquo) Conhece-se bem esse tipo de onomaacutestica O nome proacuteprio da menina desconcertante para um moderno entra de fato numa seacuterie do gecircnero ldquoA Estepe voltourdquo ldquoA Estepe diminuiurdquo etc Satildeo nomes comemorativos muito difundidos sobretudo na onomaacutestica feminina (DURAND 1998 p 33)

Assim fazendo a menina perpetuaria por meio de seu nome a lembranccedila de

um fato ocorrido concomitantemente ao seu nascimento ou seja a submissatildeo dos

nocircmades agrave autoridade real de Mari

No entanto um atento exame da onomaacutestica mesopotacircmica revela que muitos

antropocircnimos natildeo fazem referecircncia ao momento do nascimento mas a outro evento

Desse modo o nome original recebido quando a crianccedila nasceu teve de ceder lugar a

outro num determinado momento Somente natildeo se sabe se o nome original

permanecia sendo usado por exemplo no ambiente domeacutestico e familiar ou natildeo O

que criaria uma dualidade entre vida privada e puacuteblica Exemplos encontrados na

56

Mesopotacircmia indicam ser isso praacutetica comum para funcionaacuterios no palaacutecio real bem

como nos templos religiosos Eacute difiacutecil acreditar que trecircs porteiros encarregados da

vigilacircncia do hareacutem do palaacutecio de Mari se chamassem respectivamente

ldquoQue a ordem reinerdquo

ldquoObedeccedila agraves ordens do reirdquo

ldquoFaccedila mais atenccedilatildeo a elas [as mulheres] que aos deusesrdquo (DURAND 1998

p 34)

Os porteiros de um templo mesopotacircmico tambeacutem possuiacuteam nomes proacuteprios

adaptados agraves suas funccedilotildees fazer frente ao Mal e atuar como intermediaacuterios entre deus

e seus fieacuteis Vejamos

ldquoApodera-te do Malrdquo

ldquoColeta o Malrdquo

ldquoRecolhe as Palavrasrdquo

ldquoAceita as Palavrasrdquo (DURAND 1998 p 34)

Ateacute nomes exaltando as qualidades reais eram encontrados na regiatildeo entre os

funcionaacuterios dos palaacutecios como siacutembolo da total devoccedilatildeo ao seu monarca

Obviamente somente os reis vivos eram homenageados nesses tipos de nomes Por

exemplo

ldquoA realeza lhe eacute dadardquo

ldquoEle eacute bom para seu paiacutesrdquo

ldquoEle vale mais que seu exeacutercitordquo

ldquoEle capturou seus rebeldesrdquo (DURAND 1998 p 34)

Exemplos dessa praacutetica de se mudar nomes de oficiais do governo satildeo comuns

como no caso de nomes acaacutedios da eacutepoca de Sargatildeo43 e da terceira dinastia de Ur (da

uacuteltima metade do seacutec XXIV a quarta e uacuteltima parte do seacutec XXI AEC) tais como

ldquoLUGAL-balimdash (lsquoO-Rei-eacute-Temidorsquo) Ili-sharru (lsquoO-Rei-eacute-Meu-Deusrsquo) e LUGAL-dari

(lsquoO-Rei-eacute-Eternorsquo)rdquo (SEYMOUR 1983 p 116)

Entretanto natildeo somente funcionaacuterios se submetiam agrave mudanccedila de nome

devido a um cargo ou funccedilatildeo mas os proacuteprios reis Segundo as tradiccedilotildees da eacutepoca um

43 Em acaacutedio Sargatildeo eacute Šarru-kin ŠARRUKIIN LUGALGIN ldquoo verdadeiro reirdquo ou ldquoo rei eacute legiacutetimordquo Mais abaixo tornar-se-aacute a falar desse monarca pois ele tambeacutem passou por uma mudanccedila de nome

57

soberano deveria ser o filho primogecircnito do rei anterior Por isso o rei possuiacutea uma

onomaacutestica especial no sentido de natildeo haver outro homocircnimo enquanto fosse vivo O

novo nome real incorporava o nome do pai ou avocirc como do rei Hammu-rapi (`Ammu

nome do avocirc paterno Raumlpi curador) em portuguecircs usualmente transcrito como

Hamurabi (cerca de 1810mdash1750 AEC) da Babilocircnia No caso do rei por circunstacircncias

poliacuteticas ou de sauacutede natildeo ser o primogecircnito o novo nome o revelava explicita ou

implicitamente Eacute o caso de Assurbanipal (ldquoAššur eacute aquele que fez o Herdeirordquo) o qual

viveu por volta de 690mdash627 AEC imperador assiacuterio filho de Esarhaddon Aqui

ldquoherdeirordquo designa por excelecircncia o primogecircnito A histoacuteria nos confirma que

ldquoAssurbanipal natildeo era um primogecircnito e natildeo deveria ter subido ao trono Eacute por isso

que ele havia tambeacutem recebido uma educaccedilatildeo de cleacuterigo Ele teve portanto que

mudar de nome quando uma decisatildeo poliacutetica lhe conferiu o tiacutetulo de herdeirordquo

(DURAND 1998 p 36)

Interessante observar que o nome do rei natildeo era pronunciado por seus suacuteditos

ou conhecidos Costumava-se usar ldquoSenhorrdquo ao se dirigir ao soberano O rei por sua

vez poderia denominar e utilizar o nome proacuteprio de seus servos Eacute bom recordar do

que foi dito anteriormente ldquopara um mesopotacircmio lsquonomearrsquo algueacutem era de um modo

ou de outro ter poder sobre elerdquo (DURAND 1998 p 37)

Aleacutem do mais os mesopotacircmios acreditavam que a ldquoalmardquo era um espiacuterito

semimortal cuja existecircncia primaacuteria era terrestre Assim o nome era peculiarmente

ligado ao destino de um homem durante a vida Refletindo uma forte corrente de

evidente determinismo em tradiccedilotildees do Oriente Meacutedio Antigo a escolha de um ldquobom

nomerdquo - isto eacute um que iria suscitar forccedilas beneacuteficas por conta do nome do portador -

tornou-se um objetivo desejado no ato de nomear em toda a regiatildeo (cf SEYMOUR

1983 p 111) Assim sendo nesse mundo antigo o destino de um ser humano fosse

ele bom ou ruim era intimamente ligado ao seu nome Por exemplo quando um rei

era bem sucedido numa batalha suas inscriccedilotildees comemorativas frequentemente

atribuiacuteam a vitoacuteria aos deuses chamando seu nome para o grande feito Da mesma

forma o poder e a legitimidade de um governante eram estabelecidos pela pronuacutencia

de seu nome pelos deuses

58

Quando Na e Enlil chamaram Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar o pastor saacutebio Cujo nome foi pronunciado por NUNAMMIR Para o principado da terra a fim de Estabelecer justiccedila (KRAMER 1963 p 336)44

Por outro lado a aniquilaccedilatildeo de um nome e posteridade representava a

desgraccedila final Tanto na Babilocircnia como no Egito e em Israel a perda do nome era

ameaccedila ao completo ostracismo Como exemplo pode-se citar o seguinte texto da BH

(Is 1422)

י על הוקמת ין ונכד נאם־יהו ר ונ ם ושא ל ש י לבב כרת ם יהוה צבאות וה ם נא 45יה

Constata-se na cultura mesopotacircmica a mudanccedila de nomes ou a sua

multiplicidade durante a vida da pessoa Geralmente essa mudanccedila ocorria como

consequecircncia de alguma importante alteraccedilatildeo no status da pessoa seja diante da

sociedade como dos deuses Em termos antropoloacutegicos tais mudanccedilas de nome

poderiam ser encaradas como um reflexo linguiacutestico de um rito de passagem Com

isso se distinguia a antiga pessoa da nova ou acentuava-se a nova vida na qual ela

estava sendo introduzida Exemplos podem ser encontrados tanto

a) Na vida real a princesa de Mari em seu casamento com o filho do rei Ur-

Nammu da terceira dinastia de Ur ldquomudou seu nome para lsquoEla-Ama-Urrsquo

Outras mudanccedilas de nomes femininos podem ser vistas entre as

sacerdotisas-nadītu de Sippar da Babilocircnia Antiga Julgando pela alta

porcentagem de nomes nadītu que se referem agraves divindades em cujo serviccedilo

essas mulheres estavam empregadas os registros nadītus frequentemente

levam nomes apropriados agrave sua nova funccedilatildeo na vidardquo (SEYMOUR 1983

p 114)

44 Traduccedilatildeo pessoal do texto em inglecircs When An and Enlil had called Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar the wise shepherd Whorsquos name had been pronounced by NUNAMMIR To the princeship of the land in order to establish justicehellip 45 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoLevantar-me-ei contra eles oraacuteculo de Iahweh dos Exeacutercitos e extirparei da Babilocircnia o seu nome e o seu resto a sua descendecircncia e a sua posteridade oraacuteculo de Iahwehrdquo

59

b) Na mitologia babilocircnica na epopeia de Atrahasis encontra-se um episoacutedio

no qual a deusa Mami (ou Ninhursag) eacute exaltada e recebe um novo nome

na sequecircncia da criaccedilatildeo bem sucedida dos primeiros seres humanos

ldquoEles correram juntos e beijaram seus peacutes [dizendo] lsquoAnteriormente noacutes costumaacutevamos chama-la de Mami Agora que seu nome seja Bēlēt-Kālā-Ilī (Amante-de-Todos-os-Deuses)rdquo (SEYMOUR IDEM)

Razotildees poliacuteticas tambeacutem poderiam provocar mudanccedila de nomes Pode-se

tomar como exemplo o legendaacuterio Sargatildeo da Acaacutedia o qual governou durante a

penuacuteltima quarta parte do terceiro milecircnio AEC Uma vez que ele eacute conhecido por ter

usurpado o trono de Kish ldquosua mudanccedila de nome parece ser motivada por um desejo

de legitimar seu novo status deixando para traacutes suas origens mais humildes com o seu

original e infelizmente desconhecido nomerdquo (SEYMOUR 1983 p 115) Alguns reis

assiacuterios parecem confirmar esse haacutebito Sabe-se que Tiglath-Pileser III (em acaacutedio

Tukultī-Apil-Ešarra) rei assiacuterio que reinou de 745-727 AEC tomou o trono da Babilocircnia

em 728 AEC Nessa ocasiatildeo ele assumiu um novo nome Pul ou Pulu pelo qual era

conhecido naquela cidade Do mesmo modo pode-se mencionar outro exemplo

[] quando Assurbanipal assumiu o trono da Babilocircnia em 648 AEC foi sob o nome de Kandalanu Talvez ao contraacuterio da sucessatildeo normal dos herdeiros de uma dinastia estabelecida a imposiccedilatildeo de uma dinastia estrangeira no trono babilocircnico pode ter representado uma quebra de continuidade poliacutetica significativa o suficiente exigindo que o novo rei adotasse um nome especial para lidar com seu novo papel e assuntos (SEYMOUR 1983 p 115)

Outro tipo de mudanccedila de nome por vezes teve lugar quando o portador do

nome encontrou-se em situaccedilotildees extremamente terriacuteveis Como jaacute foi mencionado

acima nas culturas do mundo antigo havia a percepccedilatildeo de uma ligaccedilatildeo entre o nome

da pessoa e o seu destino Por isso algumas vezes isso levou a mudar o nome de

algueacutem a fim de eliminar enfermidades ou infortuacutenios No contexto mesopotacircmico

alguns tipos de nomes acaacutedios sugerem indiretamente que uma praacutetica como essa

pode ter ocorrido pois sugerem nomes tomados durante algum infortuacutenio

Ati-matum (ldquoAteacute-Quandordquo)

Māt-ili (ldquoQuando-Meu-Deusrdquo)

60

mina-Arni (ldquoQual-eacute-Meu-Pecadordquo)

Hammu-rapi (ldquoHammu-eacute-o-Curadorrdquo)

Ilum-asūm (ldquoDeus-eacute-um-Meacutedicordquo)

Shamash-shullimanni (Shamash-Faz-me-Saudaacutevelrdquo) (SEYMOUR 1983 p

116)

Concluindo pode-se observar que ldquose os mesopotacircmicos foram mudando

nomes desse modo a eficaacutecia da praacutetica dependia principalmente da proacutepria alteraccedilatildeo

e por conseguinte pode apenas raramente se alguma vez ser refletida no novo nome

escolhidordquo (SEYMOUR 1983 p 116)

12 Egito

Os egiacutepcios possuiacuteam uma crenccedila no poder maacutegico do nome proacuteprio Era

como se o seu conteuacutedo comportasse a alma da pessoa tornando-se um elemento vivo

na constituiccedilatildeo da mesma46

Destruindo o nome era como se a proacutepria pessoa fosse aniquilada (cf

MARTINS 1991 p 48) Da mesma forma conhecer o nome equivaleria a conhecer e

tomar posse do indiviacuteduo daiacute a preocupaccedilatildeo de esconder o verdadeiro nome Por isso

a colocaccedilatildeo do nome tornou-se misteriosa no Egito ao contraacuterio dos demais povos

cujo nome da pessoa era declarado em geral no ato de seu nascimento Assim sendo

se um ldquonome eacute conhecido ele deve ser conhecido no tuacutemulo eacute ele que daacute a vida e a

46 Tal crenccedila natildeo eacute de todo alheia ao judaiacutesmo Inspirada pelo caraacuteter misterioso da Criaccedilatildeo fruto segundo o Gecircnesis do ato comunicativo divino que ldquodizrdquo ndash profere uma palavra ndash e as coisas se fazem ou seja satildeo criadas surgiu na Idade Meacutedia uma obra de caraacuteter miacutestico-especulativo denominada Secircfer Yetsiraacute (ldquoLivro da Criaccedilatildeordquo) Nessa obra o mais antigo texto especulativo em hebraico que chegou ateacute noacutes e cuja data de redaccedilatildeo eacute incerta indo do seacuteculo III ao VI EC desenvolve-se uma crenccedila no poder criativo das letras do Nome de Deus e das letras da Toraacute em geral O mundo teria sido criado atraveacutes da somatoacuteria das vinte e duas letras do alfabeto hebraico e dos dez nuacutemeros primordiais e elementares (Sefirot) com suas infinitas combinaccedilotildees e interpolaccedilotildees Concede-se desse modo um poder maacutegico agraves palavras agraves letras e a certos nuacutemeros A partir de uma exegese maacutegica de Secircfer Yetsiraacute desenvolveu-se no judaiacutesmo a ideia do golem (palavra que aparece uma soacute vez na BH Sl 13916) que no Talmude exprime algo sem forma e imperfeito No Talmude tratado Sanhedrin 65b 21-23 afirma-se ldquoSe os justos quisessem eles poderiam [vivendo uma vida de absoluta pureza] ser criadores porque estaacute escrito [] Rabbah criou um homem e enviou-o a R Zera R Zera falou com ele mas natildeo obteve resposta Logo a seguir disse-lhe Tu eacutes criatura dos magos Retorna ao teu poacuterdquo Assim sendo a crenccedila no poder da palavra e das letras conduziu a miacutestica judaica medieval a admitir a possibilidade de se criar um ser humano Esse seria feito de modo artificial em virtude de um ato maacutegico (SCHOLEM 1995 p 83 SCHOLEM 2007 p 735-737)

61

repeticcedilatildeo dos nomes do morto na boca dos viventes permite sua sobrevivecircnciardquo

(Papiro IV Chester Beatty apud POZNANSKI 1978 p 116)

Portanto entre os egiacutepcios mais que um siacutembolo o nome era compreendido

como uma coisa viva o proacuteprio sujeito que o porta

Assim como na cultura mesopotacircmica no Egito os deuses criam com a forccedila

de sua palavra evocando os nomes das coisas gesto que as fazem aparecer

ldquoConforme o seu nome eacute pronunciado assim a coisa vem a ser Porquanto o nome eacute

uma realidade a coisa mesmardquo (PIANKOFF 1964 p 4) Textos dos Sarcoacutefagos relatam

que Shu o filho do deus criador egiacutepcio recebeu autoridade intelectual para ir ao redor

do ciacuterculo de ser total e dar nome a todas as coisas ldquoVem entatildeo vamos criar os nomes

deste anel [totalidade] de acordo com o que saiu de seu coraccedilatildeordquo (CLARK 2004 p 70)

Se o ato de nomear cria algo ele tambeacutem distingue esse algo pois o nome eacute

esta caracteriacutestica que reflete individualidade

O criador real era a Palavra ndash a primitiva fala que proveio de Deus e da qual todas as coisas obtiveram seus nomes De vez que o nome eacute tambeacutem a natureza de uma coisa do ponto de vista do homem antigo a nomeaccedilatildeo de uma criaccedilatildeo muacuteltipla significa a demarcaccedilatildeo de caracteriacutesticas individuais (CLARK 2004 p 57)

Os egiacutepcios possuiacuteam uma preocupaccedilatildeo quase obsessiva com a existecircncia

perpeacutetua do nome de uma pessoa Por isso apagar o nome de uma pessoa era

efetivamente destruir a ela mesma Uma comprovaccedilatildeo histoacuterica para isso podemos

recolher no ato de Tutmoacutesis III (seacutec XV AEC) contra o nome e a memoacuteria de sua matildee

e corregente Hatchepsut

Apoacutes a sua morte Tutmoacutesis desfigurou seus monumentos removeu seu nome das inscriccedilotildees reais apagou seus retratos e novamente fez tudo que estava em seu poder para destruir seu nome e remover sua memoacuteria da lembranccedila histoacuterica dos egiacutepcios As graves implicaccedilotildees religiosas das accedilotildees de Tutmoacutesis podem ser na totalidade compreendidas somente quando se leva em conta que um ser sem nome natildeo poderia ser introduzido entre os deuses e como nenhuma coisa criada existe sem um nome a pessoa que natildeo tinha um nome estava em pior posiccedilatildeo diante dos poderes divinos que o mais fraacutegil objeto (PORTER 1990 p 4)

A importacircncia no nome proacuteprio no Egito pode ser medida pelo fato de ele

intervir na gecircnese da escritura hierogliacutefica Essa escritura aparece por volta de 3150

AEC pouco antes do nascimento do estado faraocircnico que se deu ao redor de 3000

62

AEC marcado pela unificaccedilatildeo do Alto e Baixo Egito e o estabelecimento de Mecircnfis

como capital Durante o periacuteodo denominado preacute-dinaacutestico desenvolveu-se uma

cultura da imagem em diferentes etapas De Naqada I (4000 a 3600 AEC) a Naqada II

(3600 a 3150 AEC) realiza-se uma evoluccedilatildeo

Durante o periacuteodo de Naqada II inicia-se uma temaacutetica iconograacutefica veiculando aquilo que parece incontestavelmente uma ideologia monaacuterquica na qual o monarca natildeo eacute ainda o faraoacute mas um potentado que impotildee sua dominaccedilatildeo sobre reinos ou tribos restritas a uma parte do Egito [] Um dos elementos desta temaacutetica merece uma particular atenccedilatildeo Trata-se da representaccedilatildeo de uma fachada de edifiacutecio encimado por um falcatildeo o que eacute bem conhecido pelo nome de ldquoserekhrdquo na eacutepoca faraocircnica como siacutembolo do rei reinando Ao final do periacuteodo preacute-dinaacutestico esse motivo jaacute era utilizado como marca de posse do monarca sobre os objetos ou lugares onde foi afixado Mas haacute mais Eacute no interior desse motivo no espaccedilo vazio da fachada que aparecem os mais antigos exemplos conhecidos da escritura no Vale do Nilo [] trata-se de nomes proacuteprios dos reis constituindo o que os egiptoacutelogos chamam de ldquoa dinastia 0rdquo isto eacute soberanos reinando apenas sobre uma porccedilatildeo do territoacuterio egiacutepcio antes da unificaccedilatildeo e da primeira dinastia Particularmente significativo eacute o nome de Narmer o qual eacute seja o predecessor imediato de Meneacutes o fundador do estado faraocircnico seja o proacuteprio Meneacutes [] quase que ao mesmo tempo em que a escritura eacute utilizada para atualizar aquele que ocupava a funccedilatildeo monaacuterquica escrevendo-se seu nome proacuteprio no interior do siacutembolo desta funccedilatildeo ela eacute tambeacutem para as cidades estrangeiras condenadas a serem eternamente derrotadas pelo rei escrevendo seus nomes proacuteprios no interior do recinto com ameias siacutembolo dessas cidades (VERNUS 1998 p 22-23)

Ao que parece um dos maiores estiacutemulos para a invenccedilatildeo da escritura foi a

necessidade de fixar de modo visiacutevel os nomes nomes proacuteprios ou geograacuteficos Uma

vez que os pictogramas natildeo ofereciam recursos adequados para uma codificaccedilatildeo

satisfatoacuteria dos nomes proacuteprios

Como eacute de amplo conhecimento a civilizaccedilatildeo faraocircnica elaborou um conjunto

de crenccedilas relativas agrave sobrevivecircncia apoacutes a morte Para que a sobrevivecircncia fosse

possiacutevel convinha manter a integridade da personalidade tanto fiacutesica como social A

manutenccedilatildeo da personalidade fiacutesica era satisfeita por meio da mumificaccedilatildeo Enquanto

aquela da personalidade social abrangia o proacuteprio nome da pessoa

Daiacute a inscriccedilatildeo do nome na tumba e sobre o mobiliaacuterio funeral para aqueles que possuem os meios Esta inscriccedilatildeo do nome geralmente multiplicada tanto quanto possiacutevel visa natildeo somente agrave perpetuaccedilatildeo num material soacutelido como a pedra e a madeira mas tambeacutem a assegurar a identidade de seu proprietaacuterio [] Cada egiacutepcio desejava portanto que ldquoseu nome fosse pronunciado na boca das pessoasrdquo segundo uma expressatildeo consagrada Era entatildeo necessaacuterio descrever e narrar suas accedilotildees porque ldquoo nome (fama) de um

63

bravo estaacute naquilo que ele fezrdquo [] Mas para que um nome passasse de boca em boca era necessaacuterio primeiramente que ele estivesse inscrito sobre um monumento funeraacuterio visiacutevel senatildeo ostentatoacuterio e apropriado para dar de seu proprietaacuterio uma boa impressatildeo o monumento funeraacuterio era a expressatildeo da personalidade (VERNUS 1998 p 24-25)

Um fato chama a atenccedilatildeo pois se relaciona com o escopo desta pesquisa sobre

a mudanccedila de nome e sua significaccedilatildeo Haacute um famoso caso de mudanccedila de nome por

motivos religiosos no Egito Eacute aquele relativo ao faraoacute Amenhotep IV que governou

na metade do Impeacuterio Novo cerca de 1350 AEC O seu nome que jaacute era teofoacuterico

significava ldquoAmon estaacute em pazrdquo ou ldquoAmon estaacute satisfeitordquo Esse faraoacute mudou-o para

Akhenatoacuten que significa ldquoO Espiacuterito atuante de Atonrdquo Essa atitude do faraoacute indicava

a intenccedilatildeo de realizar uma reforma religiosa excluindo outras divindades egiacutepcias a

fim de promover Aton como o uacutenico deus Para tanto monumentos dedicados a outras

divindades como Amon foram deformados ou destruiacutedos Akhenatoacuten tentou

estabelecer-se como o uacutenico representante entre deus e o povo somente ele conhecia

Aton retirando poder da casta sacerdotal egiacutepcia (cf HORSLEY 1987 p 5) Uma

consequecircncia dessa alteraccedilatildeo de nome promovida pelo entatildeo faraoacute Amenhotep IV

pode ser percebida em seu sucessor e filho Tutankhamon (significa ldquoa imagem viva

de Amonrdquo) Eacute de se observar que ldquoTutankhamon natildeo era o seu nome original

anteriormente ele tinha sido Tutankhaton e a mudanccedila da manifestaccedilatildeo de apreccedilo a

Aton para Amon foi certamente programaacutetica para indicar o descarte das reformas

religiosas de um faraoacute anterior as quais tinham sido tatildeo desagradaacuteveisrdquo (HORSLEY

1987 p 5)

13 Greacutecia e Roma

Na Greacutecia claacutessica os primeiros testemunhos sobre a colocaccedilatildeo do nome nos

vecircm do seacutec V AEC por exemplo com Aristoacutefanes que escreve

ldquoConvidado um dia ao banquete que ocorre no deacutecimo dia apoacutes o nascimento de um bebecircrdquo e ele acrescenta na mesma peccedila ldquoMas natildeo acabo de fazer um sacrifiacutecio ao deacutecimo dia e de lhe dar um nome como a meu filho nesse mesmo instanterdquo Conhece-se o nome desta cerimocircnia que ele cita em Lysistrata Anfidromia isto significa ldquocorrida ao redorrdquo O receacutem-nascido era levado de casa em casa enquanto as mulheres se purificavam e preparavam a festa (POZNANSKI 1978 p 120)

64

Portanto era costume entre os gregos nominar algueacutem somente no nono ou

deacutecimo dia apoacutes o nascimento Talvez isso se justifique devido ao fato de ocorrerem

muitas mortes de bebecircs antes do seacutetimo dia de nascimento Mas isso natildeo deve ter sido

uma regra geral o uso pode ter se expandido tambeacutem como um modo de permitir o

restabelecimento da matildee apoacutes o parto e que todos os preparativos da festa estivessem

concluiacutedos

A preocupaccedilatildeo de natildeo outorgar um nome agrave crianccedila antes do nono dia jaacute que

as mortes de neonatos eram frequentes indica a preocupaccedilatildeo dos gregos em natildeo

desperdiccedilar um nome sinal de seu caraacuteter sagrado Somente natildeo sabemos com

seguranccedila se eles atribuiacuteam um aspecto maacutegico ao nome proacuteprio como o faziam os

egiacutepcios

Na Roma Antiga a crianccedila recebia seu nome no decorrer de uma importante

cerimocircnia com sacrifiacutecios a Juno divindade do parto e da primeira infacircncia Isso se

dava no chamado dies lustricus (dia da purificaccedilatildeo) nono dia para o menino oitavo

para uma menina (cf POZNANSKI 1978 p 121) Para salvaguardar o praenomen

(prenome) verdadeiro este costumava ser revelado agrave crianccedila somente quando recebia

a toga viril (toga virillis) uma veste branca sem adornos nem tintura Esse gesto que

marcava a passagem da infacircncia para a adolescecircncia se dava por volta dos 15 ou 16

anos de idade Ateacute atingir essa idade mais madura a crianccedila conhecia apenas o seu

falso prenome Portanto a finalidade essencial do nome natildeo era de identificar uma

vez que ele permanecia oculto por um bom tempo

O nome na cultura romana desempenha um papel religioso como proteccedilatildeo

Para amparar a matildee e garantir a continuidade e seguranccedila da prole costumava-se natildeo

atribuir um prenome agraves mulheres Natildeo eacute por menos que entre os romanos surgiu a

locuccedilatildeo Nomen est omen (no plural nomina sunt omina) a qual pode ser traduzida das

seguintes formas ldquoo nome eacute um auguacuteriopressaacutegiordquo ou ldquoum nome um destinordquo A

origem desse proveacuterbio pode ser encontrada na obra Persa (trad Os Persas) do

dramaturgo romano Plautus (cerca de 250-184 AEC)47

47 Cf Nomen est omen In WIKIPEDIA ndash DIE FREIE ENZYKLOPAumlDIE Disponiacutevel em lthttpdewikipediaorgwikiNomen_est_omengt Acesso em 24 jun 2014

65

2 Onomaacutestica biacuteblica

Jaacute vimos que na Antiguidade os nomes pessoais natildeo satildeo meras etiquetas pelas

quais os indiviacuteduos satildeo distinguidos Eles transmitem significado e informaccedilatildeo sobre

povos em variados niacuteveis Por meio deles pode-se conhecer muito da vida cotidiana

das comunidades antigas bem como atitudes psicoloacutegicas e religiosas de certos

grupos humanos Aleacutem disso ldquoobservando as mudanccedilas e preferecircncias em tipos de

nome ao longo do tempo alteraccedilotildees lentas de atitudes podem ser vistas o que pode

indicar a mudanccedila das estruturas sociais e poliacuteticasrdquo (SEYMOUR 1983 p 108)

Constata-se que o impulso humano para conceder nomes a cada aspecto da

existecircncia levou a uma identificaccedilatildeo peculiar da coisa que estaacute sendo nomeada e o

proacuteprio nome abstrato Com isso ldquomuitos povos antigos viram em nomes uma ilusoacuteria

ordem ou estrutura desconhecida do mundo natural que eles estavam descrevendo

a identificaccedilatildeo do nome e objeto resultou em uma confusatildeo caracteristicamente

religiosa de causalidade de modo que os nomes muitas vezes tomaram uma medida

maior da realidade do que as coisas que originalmente representavamrdquo (SEYMOUR

1983 p 109)

A linguiacutestica divide-se em considerar o nome proacuteprio apenas em seu sentido

referencial ou denotativo sem possuir uma conotaccedilatildeo ou ideia ou vecirc-lo como possuidor

tambeacutem de um significado

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica

Em hebraico vecirc-se uma perspectiva bem diferente Por exemplo ldquoo

significado da raiz de uma palavra hebraica qualquer eacute quase aparente

independentemente de seu grau de flexatildeo Por esse motivo a maioria dos nomes

proacuteprios israelitas era claramente inteligiacutevel e expressava mais que a simples

referecircnciardquo (METTINGER 2008 p 35)

A fonte mais importante para os nomes proacuteprios hebraicos estaacute na Biacuteblia bem

como nas inscriccedilotildees cananeias (oacutestracos e selos) nos papiros de Elefantina e tabletes

de argila babilocircnicos do periacuteodo persa (cf STAMM 2007 p 764)

A importacircncia dos nomes proacuteprios fica evidente na tradiccedilatildeo hebraica claacutessica

quando se constata que o primeiro ato de Adatildeo foi dar nomes a todos os animais e

66

aves que Deus criara (cf Gn 219-20) Imediatamente no capiacutetulo seguinte Adatildeo

nomeia a primeira mulher (Gn 320) e uma razatildeo eacute dada para que isso ocorra

Na tradiccedilatildeo judaica mais recente expressa pelo Talmude podemos

comprovar que a importacircncia e valorizaccedilatildeo do nome proacuteprio continuam intactas

ldquoComo noacutes sabemos que o nome de uma pessoa afeta sua vidardquo pergunta o Talmude (Ber 7b 13) A resposta de R Eleazar indica que Deus eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo dos nomes e isso determina o destino da pessoa Tomando isso como um princiacutepio baacutesico os saacutebios do Talmude fornecem dezenas de explicaccedilotildees para os nomes de indiviacuteduos lugares e ateacute mesmo animais enumerados na Biacuteblia A codificaccedilatildeo legal judaica relativa agrave grafia dos nomes em documentos de matrimocircnio e divoacutercio e em notas de venda eacute muito exigente Isso decorre das discussotildees talmuacutedicas onde se afirma que o erro ortograacutefico de um nome invalida um documento e a transaccedilatildeo envolvida (NAMES 2002 p 566-567)

A proacutepria palavra ldquonomerdquo em hebraico nos fornece uma indicaccedilatildeo da

importacircncia desta temaacutetica na cultura semiacutetica O substantivo birradical šēm pertence

ao semiacutetico comum e em sua etimologia nos deparamos com o aacuterabe wsm ldquomarcarrdquo

podendo indicar que o significado originaacuterio de šēm fosse ldquomarcardquo O vocaacutebulo šēm

[] referido a pessoas e coisas se encontra sobretudo nos livros histoacutericos enquanto que do nome de Deus ou de YHWH se fala principalmente em Lv (10 vezes) Dt (23 vezes) na obra histoacuterica deuteronomista (cf 1Rs 26 vezes) em Is (mais de 30 vezes) Jr (mais de 40 vezes) Ez (14 vezes) na maioria dos profetas menores (Am 7 vezes Ml 10 vezes) em 2Cr (27 vezes) e especialmente no Salteacuterio (umas 100 vezes) no total em 37 do conjunto dos casos (VAN DER WOUDE 1985a c 1174)

O proacuteprio tiacutetulo hebraico para o segundo livro da Toraacute (Ecircxodo) eacute šuumlmocirct

(nomes)

De longe o livro de Gecircnesis eacute aquele juntamente com Salmos que mais

concentra as ocorrecircncias do vocaacutebulo šēm seja no singular como no plural em toda a

BH Vejamos

Gn 113 vezes aparece šēm sendo 103 vezes no singular e 10 no plural

Sl 109 vezes contecircm šēm sendo 106 vezes no singular e 3 no plural

Portanto das 864 vezes que šēm aparece na BH seja no singular quanto no

plural 1307 satildeo no livro do Gecircnesis (cf VAN DER WOUDE 1985a c

1175-1176)

67

Em Israel o nome natildeo revela automaticamente a ldquonaturezardquo de seu portador

ou a sua ldquoalmardquo (cf VAN DER WOUDE 1985a c 1175-1176)48 Eacute verdade que uma

das caracteriacutesticas dos nomes hebraicos eacute serem frases ou proposiccedilotildees inteligiacuteveis

Mesmo que isso ldquoseja verdadeiro para muitos nomes natildeo o eacute para todos restava uma

proporccedilatildeo que natildeo era facilmente inteligiacutevel ou natildeo eram absolutamente inteligiacuteveisrdquo

(BARR 1970 p 17) Tambeacutem natildeo se lhe atribui uma forccedila maacutegica como no Egito Ao

menos a BH natildeo conteacutem provas diretas da existecircncia de uma magia particular no

nome (cf NEUMANN 2011 p 324) Na tradiccedilatildeo judaica natildeo haacute nomes divinos

secretos porque o uso maacutegico do nome de Deus eacute proibido e todos os crentes podem

invocar diretamente a YHWH na oraccedilatildeo E natildeo somente uma classe determinada

como poderiam ser os sacerdotes

O nome na cultura semiacutetica conteacutem um elemento dianoeacutetico ou seja o

significado do nome segundo seu sentido e outro dinacircmico isto eacute o significado do

nome por sua forccedila e eficaacutecia Contudo eacute bom advertir que o significado a eficaacutecia e

o ldquopoderrdquo de um nome natildeo se fundamentam em seu caraacuteter maacutegico como tal mas na

importacircncia na eficaacutecia e no ldquopoderrdquo do portador desse nome Se este tem um grande

poder seu nome tem consequentemente a eficaacutecia correspondente e pode ser

utilizado para finalidades boas ou maacutes

Nesse sentido mencionado acima eacute digno de nota aquilo que se constata tanto

num versiacuteculo do texto que seraacute objeto de melhor estudo nos proacuteximos capiacutetulos (Gn

3230) quanto em Jz 1318 Toda vez que um ser humano no caso Jacoacute e Manoaacute pede

a um ser pertencente agrave esfera divina (em Gn acute icircš ndash 3224 em Jz malacuteak yhwh ndash 1317)

qual eacute o seu nome (šēm) a solicitaccedilatildeo eacute negada com uma reacuteplica por que perguntas pelo

meu nome (Gn 3230 e Jz 1318) Conclui-se que ldquoa recusa evidentemente faz pensar

que com o nome seria transmitida uma informaccedilatildeo decisiva sobre quem o portardquo

(REITERER 2009 c 477)

A tradiccedilatildeo hebraica vecirc no nome proacuteprio uma capacidade de comunicaccedilatildeo uma

vez que conhecendo o nome de algueacutem ou de um deus pode-se chamaacute-lo fazecirc-lo vir

ateacute quem o menciona Nesse sentido o conhecimento do nome significa ateacute certo

48 Cf BARR 1970 p 11-29

68

ponto um poder sobre a pessoa nominada Deve-se levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que

Uma vez que o nome eacute expoente da personalidade o portador deve cuidar de seu bom nome ou seja de sua boa reputaccedilatildeo Adquire-se um nome no sentido de prestiacutegio quando se acrescenta a proacutepria gloacuteria atraveacutes de grandes accedilotildees e riquezas entre elas a abundacircncia de filhos O nome de uma pessoa sobrevive mesmo depois de sua morte sobretudo atraveacutes de seus descendentes (Gn 4816) Poreacutem o nome do que eacute sentenciado (Ez 2310) do que natildeo tem filhos (cf 2Sm 1818) ou do que perde suas propriedades (cf Nm 274) eacute apagado da terra Nestes casos e neste sentido dinacircmico o nome pode ser um conceito substitutivo da pessoa (VAN DER WOUDE 1985a c 1177)

Houve uma evoluccedilatildeo interessante nas tradiccedilotildees judaicas de nomeaccedilatildeo ldquoo

nome que era anteriormente dado desde o nascimento tende a ser em seguida

ligado agrave circuncisatildeo o oitavo dia apoacutes o nascimento na eacutepoca talmuacutedica a menina

recebia seu nome no primeiro saacutebado que se seguia ao partordquo (POZNANSKI 1978 p

119) Qual foi a justificativa para tal mudanccedila Somente Deus pode contentar-se de

existir sem necessidade de nome ldquoEu sou aquele que sourdquo (Ex 314) Aliaacutes como Carl

Heinz Ratschow49 jaacute demonstrou haacute muito tempo a traduccedilatildeo do verbo que eacute usado

para o nome divino (haya) comumente traduzido por ldquoserrdquo seria mais correto traduzir

por algo que eacute simultaneamente ldquoserrdquo e ldquovir-a-serrdquo Assim a expressatildeo acuteehyegrave acuteaacutešer

acuteehyegrave de Ex 314 poderia ser vertida em ldquoVirei-a-ser o que fareirdquo (REHFELD 1988 p

93) Isso porque segundo Rehfeld a cultura do homem biacuteblico era antiontoloacutegica

ainda segundo ele ldquoA realidade natildeo se afigurava como lsquoserrsquo mas como lsquodever-serrsquo

natildeo como lsquoessecircnciarsquo mas como lsquoexigecircnciarsquordquo (REHFELD 1988 p 91-92) Por essa razatildeo

o nome divino natildeo poderia ter ldquoum sentido estaacutetico e imutaacutevel denominaraacute o aspecto

dinacircmico da Fonte de toda transformaccedilatildeo no mundo do acontecer de cada momentordquo

(IBID p 93) Esses aspectos que Rehfeld aplica ao nome de Deus se pode aplicar

tambeacutem em alguns casos aos nomes proacuteprios pessoais como se abordaraacute mais

adiante nesta pesquisa

O ser humano deve ter um nome que significa mais do que ele designa

49 Eine Untersuchung des Wortes ldquohayaacuterdquo als Beitrag zur Wirklichkeitserfassung des Alten Testaments Beiheft zur Zeitschrift fuumlr alttestamentliche Wissenschaft Berlin Alfred Toplemann n 70 1941 apud REHFELD 1988 p 92 nota 52

69

Assim a ligaccedilatildeo onomaacutestica entre o homem e seu Deus eacute a ilustraccedilatildeo da alianccedila religiosa a partir do modelo daquela de Abratildeo vendo mudar seu nome em Abraatildeo [Gn 175] Por esta nova nomeaccedilatildeo se estabelece a ligaccedilatildeo e se opera uma transformaccedilatildeo profunda na mentalidade religiosa a crianccedila natildeo eacute mais nomeada desde o nascimento porque sua existecircncia real natildeo teraacute iniacutecio a natildeo ser com o estabelecimento e a celebraccedilatildeo da Alianccedila Apoacutes a Diaacutespora atribui-se agrave crianccedila um nome provisoacuterio seguindo os costumes locais mas seu nome verdadeiro permanece aquele que ela receberaacute no momento de sua entrada na Alianccedila (POZNANSKI 1978 p 120)

Quem nomeia a crianccedila na BH satildeo seus pais Entretanto essa eacute uma

atividade predominantemente individual Vejamos

Das 46 vezes em que o nominador eacute especificado ao menos 25 envolve matildees (p ex Gn 4125 1937-38 306-24 1Sm 120 2Sm 1224 1Cr 49) Dezoito envolve o pai (p ex Gn 5329 1615 3518 4151-52 Ex 183-4 1Cr 723 Os 14-9) Umas poucas envolvem uma relaccedilatildeo que natildeo a dos genitores como quando Homem nomeia Mulher (Gn 223) Adatildeo nomeia Eva (Gn 320) e as amigas de Noemi nomeiam a crianccedila de Rute como Obed (Rt 417) Que a maioria dos nominadores seja mulheres eacute atribuiacutevel ao menos em parte agrave intimidade da relaccedilatildeo entre matildees e filhos nos primeiros anos destes Esse foco sobre as mulheres natildeo se estende entretanto aos destinataacuterios dos nomes nas 46 nomeaccedilotildees mencionadas acima somente sete mulheres satildeo nomeadas duas dessas menccedilotildees envolvem a ldquoPrimeira Mulherrdquo (Gn 223 320) A nomeaccedilatildeo de crianccedilas do sexo feminino por seus genitores eacute registrada em apenas cinco exemplos no AT e somente uma vez eacute que uma matildee nomeia uma filha (Gn 3021) (BOHMBACH 2000 p 946)

Tanto em hebraico quanto no semiacutetico antigo podem ser individuadas duas

formas de nomes proacuteprios nomes proposicionais e nomes epiteacuteticos ou de designaccedilatildeo

(cf STAMM 2007 p 764) Os primeiros podem ser classificados como sentenccedilas

verbais ou nominais Haacute um grupo separado constituiacutedo por numerosos nomes curtos

Os nomes de proposiccedilatildeo satildeo originalmente pronunciados pelo pai ou matildee durante o

nascimento do filho (cf Rubem isto eacute reacute ucircbeumln ldquoVede um filhordquo Gn 2932) ou contecircm

suacuteplicas desejos e manifestaccedilotildees de confianccedila colocadas na boca do portador do nome

(cf acute eacutelicirc` eacutezer ldquomeu Deus eacute meu auxiacuteliordquo Gn 152) Em nomes de designaccedilatildeo o receacutem-

nascido recebe um nome correspondente ao dia de seu nascimento (cf bdquoaggay ldquoo

nascido em dia de Festardquo Ag 11) ou agrave sua posiccedilatildeo na famiacutelia como primogecircnito etc

Um dado curioso e singular eacute o fato de em Israel diferentemente do que ocorre

em sua vizinhanccedila naquela eacutepoca ldquonatildeo haacute nomes de pessoas que designem a seu

portador como filho ou filha de YHWHrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1180) No

70

entanto somente para ficar em alguns exemplos no ambiente extraisraelita

encontramos Ben-`aumlnaumlt ldquofilho de Anatrdquo como designaccedilatildeo do hurrita Samgar (Jz 331

56) e Ben-haumldad ldquofilho de Adadrdquo como denominaccedilatildeo de trecircs reis de Aram (1Rs

151820 201ss 2Rs 13324-25)

O nome pode ser

um programa (ex Gn 175)50

ou ocasiatildeo para etimologias etioloacutegicas (ex Gn 2526 Ex 211) e

jogos de palavras (ex 1Sm 2525)

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas

Vaacuterios fatores podem determinar a colocaccedilatildeo do nome numa crianccedila no

interior da cultura hebraica antiga (todo o conteuacutedo da seccedilatildeo abaixo foi extraiacutedo com

algumas poucas variaccedilotildees e acreacutescimos de DE VAUX 1958 p 75-77)

221 Circunstacircncias particulares do nascimento

I Circunstacircncia que concerne agrave matildee

1 Eva chama seu primeiro filho de Caim porque ela ldquoadquiriurdquo (qaumlnaumlh)51 um

homem Gn 41

2 O mesmo ocorre com os filhos de Jacoacute Gn 2931-3024

50 O papel de Abratildeo eacute alargado pela promessa divina que lhe havia sido feita em Gn 122 ldquoFarei de ti uma grande naccedilatildeo e te abenccediloarei tornarei grande o teu nome e tu seraacutes uma becircnccedilatildeordquo (trad pessoal) Como a vida e missatildeo de Abratildeo sofreram alteraccedilatildeo seu nome tambeacutem eacute mudado No entanto mais que alterado seu nome eacute ampliado com o acreacutescimo de uma siacutelaba ldquoO novo nome eacute uma variante dialetal de Abratildeo seguindo o padratildeo aramaico de expandir verbos fracos pela inserccedilatildeo de h de modo que a raiz r-w-m torna-se r-h-m assim como o hebraico r-w-ts torna-se r-h-dagger em aramaico e o hebraico b-w-sh torna-

se b-h- daggerh em aramaicordquo (SARNA 1989 p 360 nota 4 [Chapter 17]) Essa pode ser a explicaccedilatildeo para o

fato de ldquoas consoantes ABRHM [sejam] interpretadas como uma abreviaccedilatildeo para ABiR (poderoso) e Hamon (multidatildeo) + goyiM (naccedilotildees)rdquo (Op cit p 124) 51 A esta interpretaccedilatildeo do nome ldquoCaimrdquo oferecida por DE VAUX deve-se no entanto acrescentar outra mais plausiacutevel que nos eacute oferecida por Cassuto Segundo esse estudioso o significado primaacuterio para Qayin (qyn em aacuterabe) seria moldar dar forma modelar algo e o substantivo aacuterabe qaynun denota natildeo soacute ldquoum ferreiro um trabalhador em bronze e ferrordquo mas em geral algum ldquoartiacuteficerdquo que faz artigos dando forma agrave mateacuteria-prima Ainda segundo ele ldquoA palavra aramaica citada eacute reconheciacutevel precisamente por sua forma como um substantivo denominativo e em qualquer caso conota tambeacutem um refinador que trabalha em prata e ouro Em hebraico biacuteblico Qayin significa uma lsquoarmarsquo que foi dada forma pelo artesatildeo (2Sm 2116) A conclusatildeo a ser tirada de tudo isso eacute que o nome do primeiro filho de Adatildeo significa uma criatura [literalmente lsquoum ser formadorsquo]rdquo (CASSUTO 2005 p 197-198) A partir dessas explicaccedilotildees pode-se traduzir a parte final de Gn 41 do seguinte modo Eu criei um homem assim como o Senhor

71

Raquel que morreraacute no parto chama seu filho de Ben-Oni ldquofilho da

minha dorrdquo52 mas

Jacoacute muda este nome de mau pressaacutegio para Biniamin (ldquofilho da

direitardquo)53 Gn 3518

II Circunstacircncia que concerne ao pai eacute mais raro54

Moiseacutes chama seu filho Guershom porque ele o teve sendo guecircr (= residente

em terra estrangeira) Ex 222

III Circunstacircncia que concerne agrave proacutepria crianccedila

1 Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb) eacute chamado de ldquocalcanharrdquo55 porque no seio de sua

matildee ele segurou o calcanhar de seu irmatildeo gecircmeo (Gn 2526) o qual ele

suplantou `qaumlb (Gn 2736 Os 124)

2 Perez nasceu abrindo uma ldquobrechardquo pecircrets (Gn 3829)

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo

1 A mulher de Fineias (heb PicircnHaumls) sabendo sobre a tomada da arca da

alianccedila pelos filisteus deu agrave luz um filho ao qual chamou Icabod (heb acuteicirc-

kaumlbocircd) que significa ldquoonde estaacute a gloacuteriardquo ou ldquosem gloacuteriardquo 1Sm 421

2 Os nomes simboacutelicos que Oseias e Isaiacuteas datildeo a seus filhos Os 1469 Is 73

83 tomando somente um exemplo a filha de Oseias Lo-RuHamaacute (ldquosem

52 Outra possibilidade de interpretaccedilatildeo para esse nome seria ldquofilho do meu vigorrdquo um eufemismo para ldquofilho de minha debilidaderdquo isto eacute ldquoseu nascimento drenou minhas forccedilasrdquo Nesse caso acuteocircn eacute tomado

no sentido de ldquovigorrdquo como encontrado em Gn 493 Dt 2117 Is 402629 Os 124 Sl 7851 10536 Joacute 4016 ldquoCuriosamente Onocirc eacute um nome de lugar no territoacuterio de Benjamim Esd 233 Ne 62 737 1135 1 Cr 812rdquo (SARNA 1989 p 368 nota 14 [Chapter 35]) 53 Aqui ldquodireitardquo eacute siacutembolo de destreza poder proteccedilatildeo Outro significado possiacutevel seria ldquofilho do sulrdquo isto eacute ldquoaquele que nasceu no sulrdquo Uma terceira possibilidade tomando yamin por yamim (dias) seria interpretar Benjamin como ldquofilho de minha velhicerdquo em Is 4420 ele eacute chamado de ldquouma crianccedila de sua velhicerdquo (cf SARNA 1989 p 243) 54 Pode-se encontrar exemplos mesmo na cultura sumeacuteria como eacute o caso de AAMUDAḪ (ldquoO-Pai-Correu-Para-O-Povordquo) certamente para anunciar o nascimento de seu filho (cf KRAMER 1963 p113) 55 ldquoPela etimologia popular o nome eacute derivado do hebraico ` akev lsquocalcanharrsquo Na realidade o hebraico

ya` akov deriva de uma raiz semiacutetica ` -k-v proteger Eacute abreviada de uma forma mais completa com um

nome divino ou epiacuteteto como seu sujeito Ya` akov-acute El Que El protejarsquo eacute um nome que tem aparecido

vaacuterias vezes em textos cuneiformes sobre uma vasta aacuterea O nome Jacoacute eacute assim na origem um apelo por proteccedilatildeo divina do receacutem-nascido ndash mais adequado para algueacutem que iria viver toda a sua vida agrave sombra do perigordquo (SARNA 1989 p 180)

72

piedaderdquo)56 recebe esse nome a fim de significar a falta de piedade que

Deus tem para com todo o reino do norte (Israel) daquele momento em

diante

3 Substituindo o nome de um parente falecido devido ao fato comum das

mortes prematuras de crianccedilas bem como de natimortos na Antiguidade

Oriental era comum encontrar nomes que eram concedidos a uma outra

crianccedila ldquosubstituindordquo aquele que havia sido dado agrave falecida No Egito em

Ugarit na Babilocircnia e em Israel isso ocorria No entanto haacute uma diferenccedila

importante enquanto que na Babilocircnia por exemplo essa categoria de

nomes se referia a um substituto para o defunto em hebraico a tendecircncia

em periacuteodos anteriores era falar do parente como ldquovivendo de novordquo No

periacuteodo poacutes-exiacutelio (seacutec VI AEC em diante) com possiacutevel influecircncia

babilocircnica encontram-se em hebraico nomes como estes ldquoAmdashiqsup1m (ldquoMeu-

Irmatildeo-Ressurgiurdquo) Jsup1shobplusmnam (ldquoO-Tio-Voltourdquo) Jsup1shibdegab (ldquoEle [YHWH]-

Trouxe-De-Volta-o-Pairdquo) Meshallcentmjsup1(mdashu) (ldquoYHWH-Deu-um-Substitutordquo)rdquo

(SEYMOUR 1983 p 113)

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila satildeo raros Exemplos

Naor (heb naumlHocircr) o soprador roncador ndash Gn 1122

Careaacute (heb qaumlreumlordfH) o careca ndash 2Rs 2523

Paseaacute (heb paumlseumlordfH) o coxo ndash Ne 751

224 Nomes de animais

Satildeo frequentes especialmente no periacuteodo antigo Geralmente colocava-se o

nome do primeiro animal que se via no momento do nascimento da crianccedila como

ocorre ateacute hoje entre os beduiacutenos Exemplos

Raquel (heb raumlHeumll) ovelha ndash Tb 71

Deacutebora (heb Duumlboumlracirc) abelha ndash Gn 358

Jonas (heb yocircnacirc) pomba ndash Jn 11

Aiaacute (heb acuteayyacirc) abutre ndash Gn 3624

56 Uma interpretaccedilatildeo mais difundida atualmente concede a este nome o significado de ldquonatildeo amadardquo

do hebraico loumlacute ruHaumlmacirc Deus repotildee a condenaccedilatildeo embutida nesse nome atraveacutes de sua mudanccedila em

ruHaumlmacirc ldquoamadardquo (Os 23 cf 225) ndash cf MERCIER 2013 p 822

73

Sefufan (heb šuumlpucircpaumln) viacutebora ndash 1Cr 85

Caleb (heb Kaumlleumlb) catildeo ndash Nm 136

Naaacutes (heb naumlHaumlš) serpente ndash 2Sm 1725

Eglaacute (heb `eglacirc) novilha ndash 2Sm 35

Akbor (heb `akBocircr) rato ndash Gn 3639 etc

225 Nomes de plantas

Em pessoas esses nomes satildeo muito raros E o princiacutepio de colocaccedilatildeo desse tipo

de nome eacute semelhante ao anterior relativo ao de animais Exemplos

Elom (heb acuteecircloumln) carvalho ndash Gn 2634

Zetan (heb zecirctaumln) oliva ndash 1Cr 710

Coz (heb qocircc) espinho ndash 1Cr 48

Tamar (heb Taumlmaumlr) tamareira ndash Gn 3824

226 Nomes teofoacutericos57

Constituem a categoria mais importante dos nomes proacuteprios Alguns satildeo

formados com Baal que pode ser agraves vezes um epiacuteteto de YHWH porque baacuteal

significa ldquomestresenhorrdquo mas que eacute frequentemente o nome do deus cananeu A

proporccedilatildeo desses nomes eacute especialmente grande nos oacutestracos de Samaria que datam

de uma eacutepoca na qual a religiatildeo do Reino do Norte foi fortemente influenciada por

outras culturas Eles desaparecem apoacutes o periacuteodo monaacuterquico Sob a influecircncia do

javismo58 alguns desses nomes foram modificados nos textos sendo Baal substituiacutedo

57 O significado da palavra grega θεόφορος (teofoacuterico) eacute ldquotrazendo ou levando um deusrdquo (LIDELL SCOTT 1940) Portanto nomes teofoacutericos satildeo nomes derivados de um deus 58 ldquoCrenccedila monoteiacutesta dos judeus [sic] O termo natildeo aparece como tal (yahadut) na Biacuteblia Ele eacute atestado pela primeira vez no Segundo Livro dos Macabeus [81] e em Ester Rabba (711) Ele foi criado claramente pelos judeus helenistas (estes empregavam a forma grega dessa palavra ioudaismos) Ele exprime uma dimensatildeo ao mesmo tempo religiosa e nacional [] O judaiacutesmo foi frequentemente descrito como um lsquomodo de vidarsquo integral ou como uma lsquoculturarsquo Eacute uma santificaccedilatildeo de todos os aspectos da vida [] Nenhum detalhe da vida eacute deixado de lado por ele O judaiacutesmo remonta sua existecircncia a Abraatildeo que a tradiccedilatildeo judaica considera como o primeiro homem que chegou por proacutepria conta agrave ideia de monoteiacutesmo [] Durante os trecircs mil e oitocentos anos que decorreram desde o nascimento de Abraatildeo os dois elementos fundadores da histoacuteria judaica e do povo judeu satildeo a saiacuteda do Egito e o dom da Toraacute no Sinai A tradiccedilatildeo considera de fato o Sinai como o lugar no qual o povo judeus recebeu as leis que o devem reger [] O judaiacutesmo foi a primeira religiatildeo puramente monoteiacutesta [] O judaiacutesmo foi tambeacutem a ldquomatildeerdquo de duas outras religiotildees universais o cristianismo e o islamismordquo (JUDAIumlSME 1993 p 587)

74

por El ou YHWH ou ainda eles satildeo desfigurados pela leitura Ishbaal foi mudado em

Ishboshet Yerubaal em Yerubboshet Meribbaal em Mephiboshet

Os elementos teofoacutericos de ocorrecircncia mais frequente satildeo lae (acuteeumll) que ocorre

em cerca de 135 nomes da BH e o Tetragrama este uacuteltimo sempre usado em forma

abreviada a saber Ahygt (yuumlhocirc) e Ay (yocirc) no comeccedilo Why (yāhucirc) e hy (yāh) no final da

palavra Os nomes proacuteprios teofoacutericos compostos com o Tetragrama sempre

abreviado satildeo mais de 150 na BH Uma estatiacutestica comprova essa afirmaccedilatildeo isto eacute a

predominacircncia de nomes teofoacutericos javistas (com o Tetragrama)59 Segundo um

caacutelculo ldquode 466 indiviacuteduos portando nomes teofoacutericos (excluindo destes aqueles com

elementos acuteeumll e acuteeumllicirc que satildeo ambiacuteguos) do periacuteodo patriarcal ateacute a queda de Jerusaleacutem

413 (89 por cento) portavam nomes javistas e 53 (11 por cento) portavam nomes

claramente ou plausivelmente pagatildeosrdquo (TIGAY 1987 p 160) Inscriccedilotildees do oitavo

seacuteculo AEC ateacute a queda de Judaacute (587 AEC) tanto hebraicas como estrangeiras

referentes a Israel comprovam que dos 738 nomes de indiviacuteduos que nelas aparecem

351 quase a metade leva nomes com YHWH como seu elemento teofoacuterico outros 48

levam nomes com o elemento teofoacuterico acuteeumll (ldquoDeus deus a divindade Elrdquo) ou acuteeumllicirc (ldquomeu

deusrdquo) Dos nomes restantes a maioria natildeo menciona divindades Pode-se concluir a

partir disso a forccedila do javismo no coraccedilatildeo da sociedade israelita especialmente de

Judaacute (cf TIGAY 1987 p 161-178) E isso se comparado a informaccedilotildees disponiacuteveis da

onomaacutestica em povos vizinhos a Israel torna-se ainda mais evidente Tomemos como

exemplo a onomaacutestica amonita (Amon ocupava a Transjordacircnia nos tempos do antigo

Israel) cuja principal divindade era Milcom Essa divindade estaacute presente em apenas

nove nomes dos encontrados em inscriccedilotildees daquela eacutepoca Sendo que acuteeumll ocorre cento

e cinquenta vezes o qual era no mais das vezes um termo geneacuterico para deus (cf

HESS 2007 p 304) Outro estudo sobre a onomaacutestica amonita obteve como resultado

a incidecircncia dos seguintes nomes acute l ndash 48 vezes acute nrt ndash 1 vez b` l ndash 1 vez Hm ndash 1 vez

nny ndash 1 vez šmš ndash 1vez (cf HESS 2007 p 304) Os nomes pessoais amonitas compostos

de outras divindades superam em nuacutemero portanto aqueles com Milcom O mesmo

se observa quando satildeo examinadas coleccedilotildees de nomes pessoais edomitas moabitas e

59 Para uma anaacutelise mais completa dessa ocorrecircncia consultar JASTROW 1894 p 101-127

75

filisteias Pode-se concluir que ldquoo uso predominante e quase exclusivo do nome divino

YHWH na onomaacutestica do Israel Antigo sugere que essa divindade exerceu um papel

em Israel distinto de como as naccedilotildees circunvizinhas consideravam suas divindades

principais nos nomes pessoaisrdquo (HESS 2007 p 306)

O primeiro nome pessoal que foi definitivamente construiacutedo com o

Tetragrama eacute yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute ndash Ex 179)

O nome da matildee de Moiseacutes yocirckebed (Joquebede - Ex 620) eacute mais antigo mas

eacute extremamente questionaacutevel se ele de fato conteacutem o nome divino biacuteblico quanto agrave

yuumlhucircdacirc (Judaacute ndash Gn 2935) eacute certo que natildeo conteacutem o nome divino (cf STAMM 2007

765)

Do periacuteodo dos Juiacutezes cinco nomes pessoais pertencentes a este grupo yocircacuteaumlš

(Joaacutes ndash Jz 611) yocirctaumlm (Jotatildeo ndash Jz 95) micirckaumlyhucirc (Micaiacuteas[u] - 1Rs 228) yocircnaumltaumln (Jocircnatas

ndash Jz 1830) e yocircacuteeumll (Joel ndash 1Sm 82) devem ser mencionados

Durante o periacuteodo monaacuterquico nomes desse grupo tornaram-se frequentes e

dominantes e ateacute mantiveram sua predominacircncia duradoura ndash juntamente com

aqueles contendo o teofoacuterico acuteeumll ndash depois acuteeumll eacute comum em nomes pessoais ateacute o iniacutecio

do periacuteodo monaacuterquico durante o qual ele cai em quase completo desuso

reaparecendo novamente e se tornando mais frequente a partir do seacutetimo seacuteculo e

permanecendo comum depois do Exiacutelio (cf STAMM 2007 p 766)

Uma curiosidade pode ser encontrada no nome do profeta Elias (1Rs 171

acuteēliyyaumlhucirc) o qual combina os nomes divinos El e YHWH na afirmaccedilatildeo ldquoDeus (ou ldquomeu

Deusrdquo ndash ElElicirc) eacute Yah[weh]rdquo

Eacute interessante constatar como o faz Johann Jakob Stamm que

O predicado dos nomes proposicionais verbais (teofoacutericos) eacute geralmente no tempo perfeito ou imperfeito Em contraste com o acaacutedio o uso do modo

imperativo eacute raro Nomes tardios tais como laeyfi[ ] (Asiel ldquoFaccedila-o oacute Deusrdquo)

e laeyzIx ] (Haziel ldquoOlha oacute Deusrdquo) podem ser considerados como pertencentes

ao primeiro e bEWargt (Ruacuteben ldquoVeja um filhordquo) como pertencente ao uacuteltimo

Nos nomes no tempo perfeito o tipo ldquopredicado-sujeitordquo (p exlaengttn gt Natanael) eacute segundo a sintaxe hebraica em geral mais frequente que o

inverso ou seja ldquosujeito-predicadordquo (p ex tnla Elnatatilde) O significado

desses nomes eacute expresso pelo uso do tempo passado eles significam accedilatildeo de graccedilas por um ato de caridade concedido pela divindade (p ex ldquoDeus deurdquo) Em nomes formados com o tempo imperfeito o tipo ldquosujeito-predicadordquo eacute

76

dificilmente representado Esse tipo aparece somente nos periacuteodos

monaacuterquico tardio e no poacutes-exiacutelico (~yqIszligyAhy gt Joaquim) De outro lado o tipo

ldquopredicado-sujeitordquo eacute muito mais frequente (hyngtAky gt Iehoniaacute) Alguns dos

nomes proacuteprios mais antigos satildeo deste tipo uns aparecem como formas

abreviadas natildeo contendo a palavra lae da forma completa Exemplos destes

satildeo qxcyI (Isaac) bqo[]y (Jacoacute) laerfyI (Israel) sEAy (Joseacute) e laemxrygt (Jerameel)

Estes tipos ocorrem mais frequentemente nos periacuteodos de Moiseacutes e dos Juiacutezes Ele se torna escasso durante o periacuteodo daviacutedico quase desaparecendo mas recuperando espaccedilo pouco antes dos periacuteodos exiacutelico e poacutes-exiacutelico (STAMM 2007 p 764-765)

Quais eram os motivos que levavam os pais israelitas a incluiacuterem alusotildees a

Deus nos nomes que davam a seus filhos Podemos identificar as seguintes razotildees

principais60

1ordf Desejo dos pais em exprimir seu agradecimento a Deus por dar-lhes aquele filho

receacutem-nascido Para tanto costuma-se tomar a raiz -t-n (n ndash t ndash n dar) A partir

daiacute surgem nomes como nuumltanacuteeumll (Natanael Deus tem dado ou Daacutediva de Deus Nm

18) yuumlhocircnaumltaumln (Jocircnatas YHWH deu ou Dado por YHWH 1Sm 146 ndash forma

abreviada yocircnaumltaumln 1Sm 132) nuumltanyaumlhucirc (Netanias YHWH deu ou Daacutediva de

YHWH Jr 3614) e acuteelnaumltaumln (Elnatan El [Deus] deu ou Daacutediva de El [Deus] 2Rs 248)

Ideia anaacuteloga encontra-se no ato de Lia ao nomear o seu quarto filho yuumlhucircdacirc (Judaacute

AgradeccediloLouvo a YHWH Gn 2935) Esse nome funde w-h-y (as primeiras trecircs letras

do Tetragrama) com um derivado de hdy (ldquoagradecerrdquo) do qual a primeira letra

torna-se um vav e funde-se com o vav do Tetragrama

2ordf Nomes que expressam o fato de Deus ter dado aquele filho por sua graccedila ou

exprimindo o desejo de que ele possa favorecer essa crianccedila no futuro Emprega-

se a raiz -n-x (graccedila favor ou conceder uma graccedila) Essas ideias estatildeo na base de

nomes teofoacutericos tais como acuteelHaumlnaumln (Elanan El (Deus) eacute gracioso 2Sm 2119)

Haacutenanacuteeumll (Hananel El (Deus) eacute gracioso Jr 3138) Haacutenanyaumlhucirc (Hananias YHWH eacute

gracioso Jr 3612 ndash forma abreviada Haacutenanyacirc Jr 281) yuumlhocircHaumlnaumln (Joanan YHWH

agracioumostrou favor Esd 106 ndash forma abreviada yocircHaumlnaumln Jr 4016)

3ordf Para denotar que ldquoo Senhor eacute Deusrdquo ou ldquoo Senhor eacute meu Deusrdquo haacute o costume de

combinar os dois nomes hebraicos da divindade (El e YHWH) Como exemplo

60 Cf HABER 2001 p 57-59

77

temos acuteeumlliyyaumlhucirc (Elias O Senhor (El) eacute Deus (YHWH) 1Rs 171 ndash forma abreviada

acuteeumlliyyacirc 2Rs 13) yocircacuteeumll (Joel YHWH eacute Deus (El) Jl 11) e acuteeacutelicircacuteeumll (Eliel Meu Deus (El)

eacute Deus (El) 1Cr 619)

4ordf Indicam as esperanccedilas dos genitores quanto ao futuro de seus filhos O verbo ~wq

(na forma hifil ~yqiy erguer levantar pocircr-se de peacute) transmite a ideia ldquo(Que) Deus

eleveestabeleccedila (esse filho)rdquo como eacute o caso em yuumlhocircyaumlqicircm (Jeoaquim YHWH

levantaconfirmaestabelece 2Rs 2334 ndash forma abreviada yocircyaumlqicircm Ne 1210) O

verbo wk (na forma hifil ykiy pocircr estabelecer sustentar dispor assentar instituir)

transmite a ideia ldquo(Que) o Senhor fortaleccedilaestabeleccedila (esse filho)rdquo Encontramos

essa noccedilatildeo em nomes como yuumlhocircyaumlkicircn (Joaquim YHWH exaltalevantaestabelece

2Rs 246 ndash forma abreviada yocircyaumlkicircn Ez 12) O nome yuumlHezqeumlacutel (Ezequiel Ez 13)

denota o desejo la-qzxy (ldquoQue Deus fortaleccedila-[o]rdquo) O nome do profeta Jeremias

(heb yirmuumlyaumlhucirc Jr 11 ndash forma abreviada yirmuumlyacirc Jr 271) denota algo

semelhante ldquoQue o Senhor (YHWH) erga[-o]rdquo

5ordf Denotam a paternidade a proteccedilatildeo e salvaccedilatildeo de Deus Emprega-se nesse caso o

substantivo com sufixo pronominal yba (ldquomeu Pairdquo) Por exemplo acuteaacutebicircacuteeumll (Aviel

Meu pai eacute Deus (El) ou Deus (El) eacute pai 1Sm 91) acuteaacutebiyyaumlhucirc (Abias YHWH eacute pai ou

YHWH eacute meu pai 2Cr 1320 ndash forma abreviada acuteaacutebiyyacirc 1Sm 82) e yocircacuteaumlb (Joab

YHWH eacute pai 1Sm 266) Outros nomes usam a raiz [vy (ajudar salvar) que significa

ldquoDeus eacute o Salvadorrdquo ou expressa um desejo ldquo(Que) Deus ou o Senhor ajude ou

salverdquo A esse grupo de nomes teofoacutericos pertencem entre outros acuteeacutelicircšauml` (Eliseu

Deus (El) eacute salvaccedilatildeo ou Meu Deus (El) eacute salvaccedilatildeo 1Rs 1916) yuumlša`yaumlhucirc (Isaiacuteas YHWH

eacute salvaccedilatildeo Is 11 ndash forma abreviada yuumlša`yacirc Esd 87) Pode ocorrer da primeira

letra da raiz (yod) tornar-se um vav como nos seguintes casos yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute

YHWH eacute salvaccedilatildeo Ex 179) e hocircšeumlordf` (Oseias Nm 138)

6ordf Expressando a esperanccedila de que Deus fizesse seu povo retornar do exiacutelio

babilocircnico para a sua terra Usa-se o verbo na forma hifil byvy da raiz bwv (ldquotrazer

de volta repatriarrdquo) A esse grupo pertence o nome acuteelyaumlšicircb (Eliasibe Deus (El)

traraacute de volta Esd 106)

78

7ordf Diz-nos algo sobre a proacutepria divindade seus atributos Pertencem a essa

categoria nomes tais como

yuumlhocircraumlm (Jeoratildeo YHWH eacute altoexaltado 1Rs 2251 ndash o nome incorpora o adjetivo

~r ldquoaltordquo) forma abreviada yocircraumlm (2Sm 810)

Guumldalyacirc (Gedalias YHWH eacute grande Jr 405 ndash assume o adjetivo lwdg ldquogranderdquo)

Gabricircacuteeumll (Gabriel Dn 816) pode significar ldquoDeus eacute a minha fortalezardquo

assumindo a raiz rbg (forccedila poder valentia)

Daumlniyyeumlacutel (Daniel 1Cr 31) refere-se a Deus como sendo ldquoo Juizrdquo ou ldquofazendo

justiccedilardquo (incorporando a raiz yd julgar sentenciar juiz) podendo ser

interpretado como ldquoDeus (El) eacute a minha justiccedilardquo

ruumlpaumlacuteeumll (Rafael 1Cr 267) fundi o aleph de la e de apr (curar cura) conotando

que ldquoDeus (El) curardquo ou ldquoDeus curaraacuterdquo talvez alguma doenccedila da crianccedila

8ordf Expressatildeo de agradecimento a Deus por sua ajuda no sentido de obter esse filho

ou por outros favores recebidos dele A raiz rz[ (ajudar socorrer proteger) eacute

empregada nesses casos Ela pode conotar tambeacutem uma esperanccedila de que no

futuro Deus venha ajudarproteger essa crianccedila Alguns exemplos de nomes com

esse sentido acuteel`aumlzaumlr (Eleazar Deus (El) ajudousocorreu ou Deus (El)

ajudaraacutesocorreraacute Ex 623) acuteeacutelicirc`ezer (Eliezer mesmo sentido do anterior Gn 152)

`aacutezaryaumlhucirc (Azarias 1Rs 42 ndash forma abreviada `aacutezaryacirc 2Rs 1421) `azricircacuteeumll (Azriel

mesmo significado do anterior Jr 3626 ndash forma abreviada `aacutezaracuteeumll Esd 1041)

9ordf Manifestando gloacuteria e louvor a Deus Essa motivaccedilatildeo comparece em um dos

poucos exemplos de nomes teofoacutericos dados a filhas Um deles pode ser yocirckebed

(Joquebede Ex 620) em que as trecircs consoantes finais dbk talvez derivem de dwbk

(ldquogloacuteriardquo) formando um nome com o significado de ldquoGloacuteria ao Senhor (YHWH)rdquo

Outro nome seria `aacutetalyacirc (Atalia 2Rs 111) cujo significado pode ser hyl-t[

(ldquoTempo para o Senhorrdquo) mas haacute tambeacutem outras possibilidades tais como ldquoO

Senhor (YHWH) eacute exaltadordquo61 ou ldquoO Senhor (YHWH) eacute soberanordquo62

61 Cf AUNEAU 2013 p 193 62 Cf SOLVANG 2006 p 340

79

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome

a) Nomes de parentes

Especialmente em tempos mais recentes a partir sobretudo do seacutec I AEC o

mais importante era que a crianccedila recebesse o nome do pai do avocirc ou de algum outro

parente Esse costume predominava no iniacutecio da era comum (EC) como se pode

perceber pelo espanto das amigas de Isabel quando esta escolhe o nome de ldquoJoatildeordquo para

o seu filho elas afirmam ldquoNatildeo haacute ningueacutem de tua parentela que seja chamado por

este nomerdquo (Lc 159-61) Outra evidecircncia nos vem tambeacutem no primeiro seacuteculo da EC

no registro dos descendentes de Hillel63 importante saacutebio e mestre judeu bem como

codificador da Mishnaacute

Em sua famiacutelia durante vaacuterios seacuteculos o neto geralmente porta o mesmo nome do avocirc a genealogia segue a ordem em todos os casos de pai para filho Hillel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Judaacute Gamaliel Judaacute Gamaliel Judaacute Hillel Gamaliel Judaacute Gamaliel Podemos encontrar provavelmente o mesmo haacutebito um pouco mais cedo no nome de Jesus o filho de Sirac que era ldquoneto de Jesus do mesmo nome que elerdquo [Eclesiaacutestico ou Siraacutecida primeiro proacutelogo] (GRAY 1896 p 3)

A pessoa continua viva em seu nome em primeiro lugar por passar seu nome

adiante aos descendentes (cf Gn 4816 Nm 274 Eclo 4019 tambeacutem Dt 255-6 Rt 45)

63 Hillel o Anciatildeo viveu no iniacutecio do 1ordm seacuteculo EC e foi um antepassado do movimento rabiacutenico Hillel

natildeo foi chamado pela designaccedilatildeo posterior rabi mas foi intitulado ldquoanciatildeordquo (zaqen ןז como eram seus ( ק

contemporacircneos Shammai e Gamaliel Seacuteculos mais tarde muitas lendas rabiacutenicas circularam sobre Hillel como um exemplo moral e um pai fundador do movimento rabiacutenico O prestiacutegio de Hillel era tal que quando o Patriarcado Judaico foi fundado a dinastia Gamaliel traccedilou sua linhagem ateacute ele Mais tarde aquela ldquogenealogiardquo foi estendida ateacute o rei Davi O Talmude Yerushalmi imaginou Hillel como um dos primeiros Patriarcas (y Pesah 61) e como o autor de certas regras hermenecircuticas usadas posteriormente pelos rabinos No Talmude Babilocircnico (b Shabb 31a) outro ciclo de histoacuterias eacute contado agrave maneira de anedota greco-romana que apresenta Hillel como um criador da doutrina das duas Toraacutes uma escrita e outra oral Esses mesmos contos atribuem a Hillel uma versatildeo da Regra de Ouro (ldquoo que eacute odioso a vocecirc natildeo faccedila ao seu colegardquo) [] Em vaacuterias dessas narrativas Hillel eacute apresentado como o protagonista sempre amaacutevel da histoacuteria enquanto seu colega Shammai eacute o antagonista grosseiro A abundacircncia de narrativas didaacuteticas fantasiosas sobre Hillel faz suspeitar da atribuiccedilatildeo de inovaccedilotildees legais a ele Alega-se que Hillel decretou a prozbul (perozbol um dispositivo legal heleniacutestico pelo qual os tribunais rabiacutenicos poderiam contornar o perdatildeo biblicamente ordenado de empreacutestimos no ano

sabaacutetico Mishnah Eduyyot (caps 1 4 5) enumera dezenas de desentendimentos entre Hillel e Shammai

e entre as escolas ou casas desses saacutebios Em algumas dessas divergecircncias a casa de Shammai eacute apresentada como mais branda em outros a casa de Hillel [] Permanece extraordinariamente difiacutecil recuperar as tradiccedilotildees originais por traacutes desses textos posterioresrdquo (VISOTZKY 2007 p 826)

80

mas tambeacutem mediante um lugar na memoacuteria permanente do mundo posterior (cf 2Sm

1818 Sl 7217 Pr 107 Eclo 399-11 4111-13 447-14)

b) Nomes de pessoas famosas

Esse costume parece ter se tornado predominante somente do periacuteodo grego

em diante (seacutec IV AEC) Conferia-se agrave crianccedila um nome de algueacutem famoso em alguns

casos judeus em outros estrangeiros Em relaccedilatildeo a nomes judaicos famosos o texto

de Eclesiaacutestico (Siraacutecida) capiacutetulo 44 em diante especialmente 441-2 pode ter exercido

uma forte influecircncia e motivaccedilatildeo nesse sentido Outro costume intimamente

relacionado a este foi o de nominar crianccedilas segundo o nome de pessoas que haviam

feito algum favor aos seus pais (cf GRAY 1896 p 7)

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica

Na BH a mudanccedila de nome eacute um fato muito especial e marca uma afirmaccedilatildeo

de poder daquele que faz mudar o nome de algueacutem Isso porque ldquoDevido um nome

ser tatildeo inextricavelmente ligado ao que eacute nomeado se ocorre uma mudanccedila nas

condiccedilotildees de uma pessoa ou lugar o nome deve ser alterado de modo a refletir a

situaccedilatildeo nova e diferenterdquo (BOHMBACH 2000 p 945)

Nesse sentido esta argumentaccedilatildeo de Jacques Derrida apesar de natildeo referir-se

agrave BH nem agraves tradiccedilotildees semiacuteticas serve como uma paraacutefrase explicativa para a

mudanccedila de nome

Como se fosse preciso ao mesmo tempo salvar o nome e tudo salvar exceto o nome salvo o nome como se fosse preciso perder o nome para salvar aquilo que porta o nome ou aquilo na direccedilatildeo do qual se dirige por meio do nome Mas perder o nome natildeo eacute incriminaacute-lo destruiacute-lo ou feri-lo Pelo contraacuterio eacute simplesmente respeitaacute-lo como nome Isso quer dizer pronunciaacute-lo o que equivale a atravessaacute-lo na direccedilatildeo do outro que ele nomeia e que o porta (DERRIDA 1995 p 41)

Mas alterar o nome de algueacutem pode ldquotambeacutem indicar uma espeacutecie de adoccedilatildeo

na famiacutelia que eacute equivalente a conferir-lhes uma grande honrardquo (EISSFELDT 1968 p

70) Tal ldquoadoccedilatildeordquo poderia trazer consigo a ideia de responsabilidade bem como

heranccedila

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor

81

Exemplos

o Faraoacute daacute a Joseacute o nome de caumlpnat Pa`neumlordfH que em egiacutepcio significa ldquoDeus

disse ele estaacute vivordquo ou ldquoCriador da vidardquo (Gn 4145)

pela vontade dos chefes dos eunucos Daniel (heb Daumlniyyeumlacutel ndash Deus eacute meu

juiz) Ananias (heb Haacutenanyacirc ndash YHWH eacute misericordioso clemente) Misael

(heb micircšaumlacuteeumll ndash Quem eacute como Deus) e Azarias (heb aacutezaryacirc ndash YHWH ajudou

socorreu) se tornam respectivamente Baltassar (heb Beumlldaggeruumlšaacuteccar [nome

acaacutedio] ndash Proteja a vida do rei ou Proteja sua vida) Sidrac (heb šadrak [nome

acaacutedio] ndash DomiacutenioOrdem de Aku [uma divindade lunar mesopotacircmica])

Misac (heb mecircšak [nome acaacutedio] ndash Quem eacute como Aku) e Abede-Nego (heb

`aacutebeumld nuumlgocirc [nome acaacutedio] ndash Servo de Nabu [divindade pessoal de

Nabucodonosor) ndash Dn 16-7 (cf DECLAISSEacute-WALFORD 2009 p 208)

Quando o Faraoacute institui Eliaquim (heb acuteelyaumlqicircm ndash Deus estabeleceu ou Deus

se levantou) rei de Judaacute ele lhe impocircs o nome de JeoiaquimJoaquim (heb

yuumlhocircyaumlqicircm ndash YHWH confirma estabelece ou YHWH ergue) 2Rs 2334

da mesma forma Nabucodonosor muda para Zedequias (heb cidqiyyaumlhucirc

ndash YHWH eacute a minha justiccedila ou YHWH eacute justo) o nome de Matanias (heb

maTTanyacirc ndash Daacutediva de YHWH) que ele estabeleceu sobre o trono 2Rs 2417

Tanto no exemplo anterior quanto neste a mudanccedila de nome tem a ver

com a passagem de governos independentes a governos vassalos da

Babilocircnia

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina

Abratildeo (heb acuteabraumlm ndash Pai elevadoexaltado) e Sarai (heb Saumlray ndash Princesa ou

Minha princesa ndash forma mais primitiva de Sara) cujos nomes satildeo mudados

em Abraatildeo (heb acuteabraumlhaumlm ndash Pai de uma multidatildeopovo) e Sara (heb Saumlracirc -

Princesa) Gn 17515 os quais satildeo outras formas dialetais dos mesmos

nomes mas de acordo com as ideias sobre o valor do nome que foram

expostas acima essas mudanccedilas marcam uma mudanccedila no destino cf Gn

176 e 16

82

Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb ndash O que segurapega o calcanhar ou Suplantador Gn 2526)

que recebe o nome de Israel (cujo significado seraacute objeto de tratativa

posterior) em uma luta com um ser desconhecido Gn 3229 cf 3510 Essa

nomeaccedilatildeo eacute singular por causa de uma seacuterie de perguntas e respostas que

a acompanha (cf Gn 3227-31)

Pasur (heb pašHucircr) cujo significado eacute controverso mais recentemente foi

tomado como sendo de origem egiacutepcia ldquoo filho de Horusrdquo Foi alterado a

mando de YHWH para maumlgocircr missaumlbicircb que eacute traduzido por ldquoTerror-Por-

Todos-Os-Ladosrdquo (Jr 203)

Haacute uma menccedilatildeo agrave mudanccedila do nome do proacuteprio Israel quando chegar o

cliacutemax da histoacuteria YHWH chamaraacute Israel por um novo nome ignomiacutenia e

miseacuteria seratildeo lanccediladas fora com o nome antigo Vejamos Is 622

נו ב ק י יהוה י ר פ ש אש ם חד רא לך ש ך וק ים כבוד ך וכל־מלכ דק ם צ 64וראו גוי

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa

Quando Naomi retorna a Beleacutem apoacutes ter perdido o seu marido e seus filhos

enquanto estava na terra estrangeira de Moab ela pede para natildeo mais ser chamada de

Naomi (heb no`oacutemicirc) que significa ldquoAgradaacutevelrdquo ao contraacuterio ela deseja ser conhecida

por Mara (heb maumlraumlacute) ldquoAmargardquo (heb Rt 120)

Essa mudanccedila de nome daacute agrave pessoa uma nova identidade uma vez que o

nome proacuteprio passava a representar um traccedilo marcante de sua identidade Aliaacutes a

mudanccedila de nome ou o novo nome ldquomarca uma transformaccedilatildeo na vida do iniciado

ele eacute lsquorecriadorsquo por assim dizer e torna-se um novo homemrdquo (PORTER 1990 p 7)

O Talmude declara que entre as ldquoquatro coisas que anulam a desgraccedila do

homemrdquo encontra-se a mudanccedila de nome (Tratado do Talmude Babilocircnico Roš

Haššana 16b)

Na Idade Meacutedia essa tradiccedilatildeo desenvolveu o costume de mudar ou melhor

dar um nome adicional ao nome de uma pessoa que estava gravemente enferma ou

64 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoEntatildeo as naccedilotildees veratildeo tua justiccedila e todos os reis tua gloacuteria Receberaacutes nome novo que a boca de Iahweh designaraacuterdquo

83

sofrera algum outro infortuacutenio na crenccedila de que o Anjo da Morte seria confundido em

consequecircncia do novo nome

Geralmente esse novo adjungido era escolhido abrindo a Biacuteblia ao acaso e

selecionando algum nome que laacute aparecesse exceto se fosse de maacute reputaccedilatildeo (NAME

1972 c 802)

Genericamente falando o texto biacuteblico natildeo oferece razotildees expliacutecitas a respeito

de porque as pessoas ou lugares satildeo chamados como elas satildeo Em menos de uma

centena de casos nos satildeo dadas informaccedilotildees sobre os nomes ou de pessoas ou lugares

em que circunstacircncias ocorreram a nomeaccedilatildeo e qual era seu significado

Apesar do tamanho modesto deste grupo ainda pode-se concluir que do

ponto de vista biacuteblico um nome natildeo eacute meramente um roacutetulo aleatoacuterio e arbitraacuterio de

identificaccedilatildeo mas sim que haacute um significado por traacutes de um nome que se daacute e

algumas vezes o autor ajusta-o ao texto como uma parte integrante da textura literaacuteria

(cf GARSIEL 1991 p 14)

3 Etiologias biacuteblicas

Na BH haacute etiologias etimoloacutegicas na colocaccedilatildeo de nomes isso devido ao fato

de o nome ser derivado de um acontecimento que ocorreu na eacutepoca do nascimento de

uma pessoa ou da fundaccedilatildeo de uma cidade ou de um santuaacuterio ou tambeacutem de uma

frase pronunciada na ocasiatildeo ou de qualquer outro acontecimento Na realidade o

nome eacute quase sempre o primaacuterio o relato vinculado a ele ou a explicaccedilatildeo o derivado

Outro fator que determina a busca de sentido ao nomear uma pessoa ou lugar

na BH eacute o ldquofato de que os nomes hebraicos fizessem sentido e que esse sentido fosse

deliberado e solene eacute uma das razotildees baacutesicas para que os israelitas desenvolvessem

um forte sentido etimoloacutegico que se expressa em muitos lugares do Antigo

Testamento onde algo eacute dito sobre o nomerdquo (BARR 1970 p 15)

Reproduzo aqui uma siacutentese dessas etiologias etimoloacutegicas que se encontram

na BH

Encontram-se testemunhos de etiologias do nome sobretudo em Gn (mais de 40 vezes) ademais em Ex e Nm (12 vezes) Js (2 vezes) Jz (5 vezes) 1Sm (5 vezes) 2Sm (3 vezes) 1Rs (1 vez mas problemaacutetico 913) 2Rs (1 vez

84

igualmente problemaacutetico 147) 1Cr (5 vezes) 2 Cr (1 vez) Rt (1 vez) e Est (1 vez) Entre as muacuteltiplas formulaccedilotildees de etiologias etimoloacutegicas na imposiccedilatildeo do nome podem-se distinguir duas formas principais 1) ldquoele o chamou assim e assim dizendo (pensando)rdquo ao que segue a etiologia etimoloacutegica (cf Ex 222) Esta forma conservou-se completa somente em casos isolados porque alguns elementos se podem suprimir cf as formulaccedilotildees de Gn 320 529 2622 3149 etc 2) apoacutes o relato de um acontecimento segue como conclusatildeo a imposiccedilatildeo do

nome ldquopor isso (`al-kēn) se chama (aquela cidade) assim e assimrdquo (Ex 1523

acrescentando agraves vezes ldquoateacute o dia de hojerdquo (Js 726) Esta formulaccedilatildeo costuma ampliar-se indicando outra vez o motivo etimoloacutegico (Gn 119) Enquanto a forma 1 eacute caracteriacutestica das etiologias de nomes de pessoas a forma 2 refere-se com poucas exceccedilotildees (Gn 2530 2934-35 305-6) somente a determinadas cidades A imposiccedilatildeo do nome com etiologia etimoloacutegica tem seu acircmbito vital na tradiccedilatildeo das sagas Por isso as etiologias de nomes de pessoas se encontram sobretudo em Gn onde diferentemente de todos os outros livros do AT se datildeo explicaccedilotildees do nome de todas as pessoas mais importantes As etiologias de nomes de lugares se referem a lendas cultuais (Gn 2214 Moriaacute Gn 2810ss Betel Gn 3231 Penuel etc) ou a cidades que tiveram alguma importacircncia na histoacuteria das tribos de Israel antes ou depois da conquista da terra (Ex 1523 Mara 177 Massa e Meriba Js 726 Acor etc) (VAN DER WOUDE 1985a c 1185-1186)

Pode-se encontrar um modelo similar na nomeaccedilatildeo de pessoas ldquo Em vaacuterios

textos biacuteblicos uma explicaccedilatildeo eacute anexada agrave presente nomeaccedilatildeo por palavras de

conjunccedilatildeo que criam uma proposiccedilatildeo causal ou relativardquo (GARSIEL 1991 p 16) Veja-

se o exemplo abaixo extraiacutedo de Gn 2932

bEWargt Amv arqTiw Be dlTew hale rhTw

yyIngt[B hwhygt har-yKi hrma yKi

`yviyai ynIbhaylt hT[ yKi

Traduccedilatildeo

E Leacutea engravidou e deu agrave luz um filho e ela chamou seu nome Ruben

pois ela disse Por certo o Senhor olhou minha afliccedilatildeo

pois agora meu esposo me amaraacute

Como bem observa Moshe Garsiel neste exemplo ldquoduas proposiccedilotildees causais

estatildeo unidas agrave proposiccedilatildeo principal pela partiacutecula conjuntiva kicirc (pois porque) A

ligaccedilatildeo entre o nome Ruben e as razotildees dadas satildeo fundamentadas na similaridade

sonorardquo (GARSIEL 1991 p 16) Na primeira proposiccedilatildeo subordinada as palavras

raumlacuteaumlh Buuml`onyicirc (olhou minha afliccedilatildeo) conteacutem quatro consoantes (r acute b n) encontradas

85

tambeacutem em Ruben (racute wbn) a palavra yacute hbny (me amaraacute) na proposiccedilatildeo seguinte

conteacutem trecircs dessas consoantes (acute b n) O efeito sonoro eacute reforccedilado pelo som das

consoantes b n as quais tambeacutem constituem a palavra hebraica para ldquofilhordquo Este eacute um

excelente exemplo de como a sonoridade pode ajudar a colocar uma adequada ecircnfase

sobre o tema principal isto eacute o nascimento do primogecircnito da famiacutelia

Outro exemplo devido suas expressotildees que se aproximam muito do texto que

seraacute objeto de anaacutelise mais detalhada nos proacuteximos capiacutetulos (Gn 3223-33) merece ser

trazido aqui Como observa novamente Moshe Garsiel algumas vezes as palavras

conjuntivas satildeo omitidas O narrador provavelmente supotildee que a ligaccedilatildeo entre o

nome e sua explicaccedilatildeo seja bastante clara sem a regular foacutermula causal ou inferencial

este eacute o caso na nomeaccedilatildeo de outro filho de Jacoacute (Gn 308)

~yhioacutela ylersquoWTpn lxeordfr rmaToaringw

yTilko+y-~G ytiTHORNxoa]-~[i yTilTsup2pnI

`yli(Tpn Amagravev aricircqTiw

Traduccedilatildeo

E Raquel disse Por lutas (nptwly) de Deus

lutei (nptlty) com minha irmatilde e eu prevaleci

e ela chamou seu nome Neftali (nptly)

Neste caso ldquoa equaccedilatildeo sonora entre o nome e os componentes na declaraccedilatildeo

da matildee constituem a ligaccedilatildeo entre nome e explicaccedilatildeo sem a necessidade de palavras

conjuntivasrdquo (GARSIEL 1991 p 17) Aleacutem disso o contexto mais amplo que lida com

os nomes dos outros filhos de Jacoacute e as razotildees para eles nos orienta a procurar uma

explicaccedilatildeo neste caso tambeacutem Por isso eacute prudente observar que

Deve-se fazer uma clara distinccedilatildeo entre etimologia linguiacutestica e as explicaccedilotildees de nomes feitas pelos textos biacuteblicos Enquanto um etimologista traccedilaria a origem dos nomes biacuteblicos agrave luz de paralelos em outras culturas e analisaacute-los-ia de acordo com as regras da formaccedilatildeo linguiacutestica dinacircmica os escritores biacuteblicos na maioria dos casos fornecem explicaccedilotildees que satildeo baseadas na suposiccedilatildeo de que o nome eacute uacutenico e que foi dado de acordo com uma ocasiatildeo especiacutefica [] A liberdade tomada pelos autores biacuteblicos nessas explicaccedilotildees tem sido chamada por alguns estudiosos de ldquoetimologia popularrdquo Tal definiccedilatildeo natildeo eacute correta as explicaccedilotildees funcionam como um artifiacutecio literaacuterio e satildeo projetadas para enriquecer a unidade literaacuteria O que noacutes vemos aqui natildeo eacute absolutamente uma popular e superficial interpretaccedilatildeo com base em uma falta de conhecimento mas sim um desvio deliberado das regras e normas

86

linguiacutesticas do tempo aplicado como uma teacutecnica por narradores sutis a fim de fazer uma observaccedilatildeo (GARSIEL 1991 p 17-18)

A BH aliaacutes realiza jogos de palavras frequentemente ao fornecer explicaccedilotildees

etimoloacutegicas de nomes proacuteprios Somente a tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo ndash uma vez que

esse assunto mereceraacute uma abordagem posterior mais aprofundada em nosso estudo

ndash podemos citar

acuteaumldaumlm (Adatildeo) - acuteaacutedaumlmacirc (terra) em Gn 27

bdquoawwacirc (ldquoEvardquo) como ldquomatildee de todos os viventesrdquo (Haumly) em Gn 320

qayin (Caim) - qaumlnicircticirc (verbo conseguir adquirir) Gn 41

noumlordfH (Noeacute) - yuumlnaHaacutemeumlnucirc (verbo confortaraacute consolaraacute) Gn 529

fazendo alusatildeo a nomes jaacute existentes que podem conservar como tais o

valor de palavras-tema temos Paumlnicircm (Gn 3221 Paumlnaumlyw ndash sua face sua

fronte diante dele) e Puumlnucircacuteeumll (Gn 3231-32 que significa a face de Deus [El] ou

perante Deus [El])

expressotildees ambivalentes jogando com a expressatildeo ldquoelevaccedilatildeo da cabeccedilardquo

no sentido de restabelecimento no cargo e o nome Faraoacute par`ograve acuteet-roumlacutešeordmkauml

(Faraoacute levantaraacute a tua cabeccedila Gn 4013)

no sentido de execuccedilatildeo capital encontramos mais adiante (yiSSaumlacute) par`ograve

acuteet-rouml| šuumlkauml (Faraoacute [tiraraacute] a tua cabeccedila Gn 4019 cf Gn 402022)

Nomes proacuteprios de deuses inimigos e lugares satildeo deformados como se

constata em ldquonomes de deuses Boumlordmšet lsquoignomiacuteniarsquo em lugar de Baumlordm al cf Jr 324 1113

Os 910 nomes pessoais acuteicircš-Boumlordmšet em 2Sm 314-15 em vez de Isbaal 1Cr 833 Muumlpigraveboumlordmšet

em 2Sm 218 em vez de Meribaal 1Cr 834 940 possivelmente haacute tambeacutem uma

vocalizaccedilatildeo tendenciosa (por meio de Boumlordmšet) nos nomes divinos `ašToumlordmret (Astarte) e

Moumlordmlek (Meleque como epiacuteteto de Baal)rdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1186)

87

CAPIacuteTULO 3

GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE

1 O texto em si

Primeiramente reproduzo abaixo o texto tal como se encontra na Biacuteblia

Hebraica em versatildeo criacutetica (ELLIGER RUDOLPH 1967-1977) tambeacutem conhecido

como texto massoreacutetico65

wytecircxopvi yTeaumlv-tawgt lsquowyvn yTeUcircv-ta xQuacuteYIw aWhordf hlygtLaringB Ÿ~qYaringw 3223 `qBo)y rbiuml[]m taeTHORN rboecirc[]Yw) wyd_lygt rfszlig[ dxicirca-tawgt

`Al-rva]-ta rbEszlig[]Yw) lxN+h-ta ~rETHORNbi[]Y)w ~xeecircQYIw 3224

`rxV(h tAliuml[] d[THORN AMecirc[i lsquovyai qbeicircaYEw AD=bl bqoszlig[]y rtEiumlWYIw 3225

bqoecirc[]y ryltaring-K lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw Alecirc lsquolkoy alUuml yKiauml argtYcopyw 3226 `AM[i Aqszligbahe(B

yKiTHORN ^ecircx]Lev(a] alaring lsquormaYOrsquow rxV_h hlTHORN[ yKiicirc ynIxeecircLv rmaYOaeligw 3227

`ynIT)krBe-~ai

`bqo)[]y rmaYOagravew ^mlt+V-hm wylTHORNae rmaYOethw 3228

tyrIocircf-yKi( lae_rfyI-~ai yKiTHORN ecircmvi lsquodA[ rmEiumlayE lsquobqo[]y alUuml rmaYOcopyw 3229 `lk(WTw ~yviTHORNna]-~[iwgt ~yhisup2la-~[i

65 Texto massoreacutetico eacute o nome que se costuma dar ao texto criacutetico da Biacuteblia Hebraica que foi objeto do trabalho dos massoretas Essa palavra deriva do vocaacutebulo māsocircrah que significa ldquocaacutelculordquo ou ldquoenumeraccedilatildeordquo dos versiacuteculos e das particularidades do texto hebraico da Biacuteblia A atividade desses estudiosos se deu por volta de 400 EC ldquopertencem a diversas escolas os massoretas do leste (Babilocircnia) com muitas academias especialmente as de Neardea Sura e Pumbedita e os massoretas do oeste (Palestina) representados nos seacuteculos IX-XI por duas famiacutelias caraiacutetas os Ben Aser e os Ben Neftali o texto de Ben Aser acabou por dominar Os massoretas fixaram a recitaccedilatildeo do texto da Biacuteblia hebraica por uma seacuterie de anotaccedilotildees marginais e sinais diacriacuteticosrdquo (LIPIŃSKI 2013 p 864) Em sentido lato o trabalho dos massoretas consistiu principalmente em incluir no texto hebraico grafemas que indicam a vocalizaccedilatildeo do texto e a acentuaccedilatildeo da qual depende a entonaccedilatildeo musical Essa vocalizaccedilatildeo era tanto supralinear caracteriacutestica dos estudiosos babilocircnicos como infralinear caracteriacutestica daqueles da Palestina As ediccedilotildees criacuteticas da Biacuteblia Hebraica que temos hoje praticamente satildeo baseadas nos manuscritos de Ben Aser no coacutedigo de Alepo (930 EC) e naquele de Leningrado B 19a concluiacutedo em 1008 EC

88

laaumlvTi hZltszlig hMlicirc rmaYOumlw ^mecircv aNaring-hdyGI)h lsquormaYOrsquow bqoordf[]y laaumlvYIw 3230 `~v( Atszligao rltbicircygtw ymi_vli

~ynIaringP lsquo~yhila ytiyaiUcircr-yKi( lae_ynIP ~AqszligMh ~veicirc bqoplusmn[]y aroacuteqYIw 3231 `yvi(pn lceTHORNNTiw ~ynIeumlP-la

`AkrEygt-l[ [leTHORNco aWhiumlwgt lae_WnP-ta rbszlig[ rvltiumla]K vmVecirch Alaring-xr(zgtYI)w 3232

Karing-l[ lsquorva] hvordfNh dyGIaring-ta laeoslashrfyI-ynE)b WlrsquokayO-al) KeDagger-l[ 3233

`hv(Nh dygIszligB bqoecirc[]y ryltaring-kB lsquo[gn yKiUcirc hZlt+h ~AYaeligh d[THORN rEecircYh

2 Algumas notas de criacutetica textual

Logo no primeiro versiacuteculo (23) o aparato criacutetico da BH observa uma variaccedilatildeo

rara para a expressatildeo aWh hlygtLB (naquela noite) O demonstrativo desempenha um

papel adjetival do substantivo ldquonoiterdquo que eacute determinado (possui artigo) desse modo

esperar-se-ia que tambeacutem o pronome demonstrativo fosse precedido do artigo (h)

como eacute comum na liacutengua hebraica (cf GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 408 sect 126u)

o que natildeo acontece nesse caso como tambeacutem em Gn 1933 3016 e 1Sm 1910 Aliaacutes eacute

de se observar o contraste entre a expressatildeo correta aWhszligh-hlygtL)B em Gn 3222 (portanto

no versiacuteculo anterior) e o nosso Uma possiacutevel explicaccedilatildeo (cf JOUumlON MURAOKA

2006 p 483 sect 138h) seria a queda do artigo como consequecircncia de uma haplografia

Outra possibilidade eacute o fato de o artigo por vezes ser omitido com demonstrativos

uma vez que jaacute estatildeo em certa medida determinados pelo seu significado (cf

GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 409 sect 126y) Fato semelhante ao que se daacute neste

versiacuteculo de Gecircnesis encontramos na inscriccedilatildeo presente na famosa estela moabita de

Meshaacute (850-830 AEC) na qual se lecirc na terceira linha a expressatildeo הבמת זאת este lugar

alto (cf SPURRELL 2005 p 192) Ainda neste versiacuteculo 23 o Pentateuco Samaritano

lecirc um artigo definido antes do substantivo qBoy (Jaboc) mas natildeo eacute algo que venha a

alterar o sentido da frase

No versiacuteculo 24 o Pentateuco Samaritano e algumas versotildees leem lK (tudo

aquilo) antes de Al-rva] ao final do versiacuteculo a qual parece tratar-se de uma adiccedilatildeo

posterior com o objetivo de precisar o sentido (MARTIN-ACHARD 1971 p 44) De

fato grande parte das traduccedilotildees modernas assume essa inserccedilatildeo

89

Em Gn 3225 haacute um verbo digno de nota pois somente aparece aqui e no

versiacuteculo seguinte em toda a BH qbeaYEw (lutou raiz qba conjugaccedilatildeo nifal com vav

consecutivo terceira pessoa masculina do singular) Talvez ele possa ser conectado ao

verbo qbx que na conjugaccedilatildeo qal e piel significa ldquoabraccedilarrdquo (cf Gn 334) podendo ser

uma variaccedilatildeo dialetal do mesmo (cf SPURRELL 2005 p 284) A escolha desse verbo

deve-se provavelmente ao desejo de criar-se uma assonacircncia com a palavra qBoy nome

proacuteprio do riacho que aparece na periacutecope Haacute a proposta de ver este verbo em nifal

como relacionado ao sentido de ldquolutarrdquo na construccedilatildeo frasal com ~[i denominativo do

substantivo qba (poacute poeira) porque na luta a poeira eacute levantada (GESENIUS 1979 p

9) O raro uso denominativo do nifal estaacute provavelmente relacionado agraves suas funccedilotildees

de ingressoestado e causadora reflexiva (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 390

235)

No versiacuteculo 26 apresentam-se dois fenocircmenos que encontramos na liacutengua

hebraica claacutessica O primeiro eacute logo no iniacutecio do versiacuteculo onde temos a sequecircncia Al

lkoy aOl (ele natildeo conseguia dominaacute-lo prevalecer sobre ele) Para alguns verbos aqui no

caso lky (dominar vencer ser superior ser capaz) um pronome pode ficar como um objeto

preposicional (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 166 1021e) Um segundo

fenocircmeno diz respeito agraves ldquorelaccedilotildees de tempo existentes entre duas diferentes accedilotildees ou

eventos [que] satildeo frequentemente expressas sem o auxiacutelio de uma conjunccedilatildeo mas

simplesmente por justaposiccedilatildeordquo (GESENIUS W KAUTZSCH E 1910 p 501 sect 164a)

Eacute o que ocorre na seguinte sequecircncia lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw (tocou a articulaccedilatildeo de sua coxa

e se deslocou) Neste caso deu-se a justaposiccedilatildeo dos dois imperfeitos com vav

consecutivo [gn (3ordf pessoa do masculino singular qal imperfeito) + [qy (3ordf pessoa

feminino singular qal imperfeito)

No versiacuteculo seguinte (27) encontramos uma sentenccedila de exceccedilatildeo apoacutes uma

negaccedilatildeo nesse caso eacute comum empregar-se ~ai yKi (mas em vez) Vejamos

ynITkrBe-~ai yKi ^x]Leva] al (eu natildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloes) Aqui se daacute

uma transiccedilatildeo do sentido de ldquomas serdquo para ldquose natildeordquo (cf GESENIUS W

KAUTZSCH E 1910 p 500 sect 163c JOUumlON MURAOKA 2006 p 603 sect 173b) Esse

mesmo caso pode ser encontrado em Lv 226 2Rs 424 Is 5510 656 Am 37 e Rt 318

90

Em Gn 3229 a expressatildeo ~ai yKi assume um sentido mais adversativo que de

exceccedilatildeo a construccedilatildeo se daacute apoacutes uma oraccedilatildeo negativa assumindo um niacutetido contraste

ldquoE disse Jacoacute natildeo seraacute mais o teu nome mas Israelrdquo (cf JOUumlON MURAOKA 2006 p

603 sect 172c) Neste versiacuteculo comparece um verbo rariacutessimo que eacute encontrado somente

aqui e em Oseacuteias 1245 trata-se do verbo hrf o qual surge sob a forma tyrIf 2ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito Sendo que em Os 124 surge na forma hrf (3ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito) e em Os 125 sob a forma rfYUumlw (3ordf pessoas masculina

singular do qal imperfeito) Sendo um verbo raro o seu significado natildeo eacute tatildeo evidente

Haacute uma tendecircncia de assumir o significado de lutar buscar arduamente por algo

empenhar-se esforccedilar-se ao maacuteximo e contender (apoiam essa interpretaccedilatildeo CLINES 2011

v 8 p 190 e KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2 p 1354) Mais adiante

retomaremos essa questatildeo do nome de Israel por agora fiquemos apenas com essas

informaccedilotildees

No versiacuteculo seguinte (30) encontramos a expressatildeo ידה־נא מך הג ש a qual

deveria ser lida como faz a versatildeo grega (Septuaginta) a Siriacuteaca e a Vulgata isto eacute

ldquodize-me por favor o teu nomerdquo Mas natildeo significa que no texto hebraico

encontramos o objeto indireto ly (me) o mesmo pode-se encontrar em outros lugares

na BH como em Joacute 38418 Uma outra particularidade encontrada neste versiacuteculo eacute o

fato da forma Yiqtol ( אל ש ת - da raiz lav = [qal] perguntar pedir emprestado) que em

geral na BH funciona como futuro ser usada para expressar uma accedilatildeo que de fato eacute

mais assumida para continuar ateacute o momento da pergunta significando uma accedilatildeo

durativa como ocorre tambeacutem em Gn 447 e 2Rs 2014 (JOUumlON MURAOKA 2006 p

339 sect 113d)

Em seguida no versiacuteculo 31 pode-se interpretar a expressatildeo נצל י ות ש נפ (minha

vida foi salva) como sendo inspirada em Ex 3320 Jz 1322 Dt 433 Eacute de se notar nesta

mesma expressatildeo uma particularidade do uso do imperfeito consecutivo נצ לות neste

caso ele tem uma conexatildeo meramente externa com um perfeito imediatamente

precedente Ocorre que na realidade esse imperfeito consecutivo representa um leve

contraste ao perfeito (aqui no caso ירא ית ) e ainda minha vida foi salva (cf GESENIUS

W KAUTZSCH E 1910 p 327 sect 111e) Neste versiacuteculo encontra-se uma variaccedilatildeo

91

de leitura do vocaacutebulo יאל נ no Pentateuco Samaritano na traduccedilatildeo de Siacutemaco na פ

versatildeo siriacuteaca e na Vulgata lecirc-se נואל Essa leitura eacute encontrada no versiacuteculo 32 Nesse פ

caso o yod poderia ser uma antiga vogal de ligaccedilatildeo Interessante observar que Fanuel eacute

o nome de um anjo na tradiccedilatildeo samaritana israelita (TSEDAKA SULLIVAN 2013 p

78) Provavelmente estamos diante do mesmo local pois a confusatildeo entre u e i aqui

vestiacutegio de um antigo genitivo eacute raro em hebraico (cf MARTIN-ACHARD 1971 p

44-45) A versatildeo grega da BH a Septuaginta66 natildeo lecirc Puumlnicircacuteeumll como um nome proacuteprio

pois no grego aparece o substantivo neutro Εἶδος (aparecircncia) o que lhe permite realizar

uma aproximaccedilatildeo etimoloacutegica com a palavra seguinte o verbo ldquoverrdquo (εἶδον ndash 1ordf pessoa

do indicativo aoristo ativo de ὁράω) E essa escolha do tradutor foi intencional pois

em um texto paralelo Gn 3310 ele emprega o termo ldquofacerdquo (πρόσωπον) e natildeo

aparecircncia

No versiacuteculo 32 natildeo haacute nada de especial a ser observado Jaacute no versiacuteculo

seguinte o 33 que encerra a periacutecope temos a expressatildeo יד הירך על־כף אשר הנשה את־ג

(o nervo do quadril que estaacute sobre a juntura da coxa) Nesse caso seria o nervus ischiadicus

(em portuguecircs nervo ciaacutetico ou isquiaacutetico) ou seja o nervo ou tendatildeo que passa atraveacutes

da coxa e da perna ateacute o tornozelo (cf GESENIUS 1840 p 921) Essa interdiccedilatildeo

mencionada aqui natildeo ocorre no entanto em nenhuma parte da BH Ela eacute encontrada

no Talmude especificamente no Tratado Ḥullin capiacutetulo 7167

3 Contextos da periacutecope

66 O versiacuteculo 31 completo em grego da Septuaginta eacute καὶ ἐκάλεσεν Ιακωβ τὸ ὄνομα τοῦ τόπου ἐκείνου Εἶδος θεοῦ εἶδον γὰρ θεὸν πρόσωπον πρὸς πρόσωπον καὶ ἐσώθη μου ἡ ψυχή A traduccedilatildeo pode ser ldquoE Jacoacute deu ao lugar o nome de Forma-visiacutevel-de-Deus lsquoPorque eu vi Deus face a face e minha vida foi salvarsquordquo (LA BIBLE DrsquoALEXANDRIE LA GENEgraveSE 1986 244 traduccedilatildeo nossa) 67 Este tratado integra a quinta ordem da Mishnaacute os Kodashim (coisas sagradas) Ele aborda as leis de abate dos animais e consumo de carne isto eacute animais usados na alimentaccedilatildeo diaacuteria em oposiccedilatildeo aos

animais dos sacrifiacutecios do Templo de Jerusaleacutem No Tratado Ḥullin capiacutetulo 71 encontramos ldquoA lei do nervotendatildeo do quadril eacute obrigatoacuteria tanto na Terra [de Israel] como fora da Terra tanto durante a eacutepoca do Templo como depois da eacutepoca do Templo tanto para os animais natildeo consagrados como para animais de ofertoacuterio aleacutem disso aplica-se a gado e animais selvagens para a coxa direita ou para a esquerda Mas ela natildeo se aplica agraves aves uma vez que elas natildeo tecircm o oco [da coxa] Ela se aplica tambeacutem a um fetordquo (DANBY 1933 p 523 ndash traduccedilatildeo nossa) O restante do capiacutetulo 7 desse tratado continua abordando esse tema

92

Eacute praticamente de domiacutenio comum que a Toraacute ou Pentateuco possui uma

estruturaccedilatildeo formal realizada pelo seu(s) redator(es) final(is) em base ao lema Toumlldocirct

(comumente lido toledocirct) Essa foacutermula traccedila uma sequecircncia das origens da naccedilatildeo de

Israel partindo da criaccedilatildeo ateacute a emergecircncia de Israel sob a lideranccedila de Moiseacutes e Aaratildeo

em sua jornada pelo deserto em direccedilatildeo agrave terra de Israel

Primeiramente foram identificados onze ocorrecircncias da foacutermula toledocirct em

Gecircnesis68 e posteriormente uma deacutecima segunda em Nuacutemero 31 ldquoEis a descendecircncia

[literalmente geraccedilotildees de] de Aaratildeo e d Moiseacutes quando YHWH falou a Moiseacutes no monte

Sinairdquo69 Essa estrutura em toledocirct claramente interrompe dois modelos estruturais

subjacentes ou seja a denominada periacutecope do Sinai (Ex 191ndashNm 1010) e o modelo

da foacutermula de itineraacuterio identificado por CROSS (1997) em Ex 11ndashNm 3613 Tal

modelo aponta para uma redaccedilatildeo sacerdotal da narrativa de Gecircnesis ndash Nuacutemeros que

tambeacutem incorpora o Deuteronocircmio em seu modelo estrutural O resultado eacute uma

estrutura literaacuteria formal em doze partes para o Pentateuco como segue70

Estrutura Literaacuteria Sincrocircnica do Pentateuco

Histoacuteria da Criaccedilatildeo Formaccedilatildeo do Povo de Israel

I Criaccedilatildeo do Ceacuteu e da Terra Gn 11ndash23

II Origem Humana Gn 24ndash426

III Desenvolvimento Humano ndash Problemas Gn 51ndash68

IV Noeacute e o Diluacutevio Gn 69ndash929

V Propagaccedilatildeo dos Humanos sobre a Terra Gn 101ndash119

VI Histoacuteria dos Semitas Gn 1110ndash26

VII Histoacuteria de Abraatildeo (Isaac) Gn 1127ndash2511

VIII Histoacuteria de Ismael Gn 2512ndash18

IX Histoacuteria de Jacoacute (Isaac) Gn 2519ndash3529

68 Esse trabalho foi realizado por Frank Moore Cross em sua obra Canaanite myth and Hebrew epic Essays in the history of the religion of Israel Cambridge (MA) Harvard University Press 1973 p 293-325 Na bibliografia cito a nona reimpressatildeo de 1997 69 Observado por Matthew A Thomas em sua obra These are the generations Identity covenant and the ldquotoledothrdquo formula London New York T amp T Clark 2011 (The Library of Hebrew BibleOld Testament Studies 551) 70 Aqui sigo totalmente SWEENEY (2016 p 238)

93

X Histoacuteria de Esauacute Gn 361ndash371

XI Histoacuteria das Doze Tribos de Israel Gn 372ndashNm 234

XII Histoacuteria de Israel sob a Orientaccedilatildeo dos Levitas Nm 31ndashDt 3412

Como pode-se perceber em nono lugar do esquema temos a histoacuteria de Isaac

assim chamada porque o foco eacute sobre os filhos de Isaac Esauacute e Jacoacute (Gn 2519ndash3529)

Em siacutentese essa narrativa narra como o segundo filho de Isaac Jacoacute sobrepujou seu

irmatildeo mais velho casou-se com suas esposas e concubinas Lia Raquel Zilpa e Bila e

libertou-se do controle de seu tio e sogro Labatildeo para se tornar o antepassado de todo

Israel e herdeiro da alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados Abraatildeo e Isaac

A estrutura formal das narrativas sobre Jacoacute possuem um caraacuteter episoacutedico

Vejamos71

a) Gn 2519 o iniacutecio eacute marcado pela expressatildeo estruturante toledocirct

(geraccedilotildeesdescendecircncia) que serve para introduzir o relato sobre os

descendentes de Isaac

b) Gn 2520-26 relata o casamento de Isaac com Rebeca e o nascimento de seus

filhos Essa segunda unidade da estrutura conteacutem duas subunidades Gn

2521-26a (nascimentos dos filhos e conflito entre eles) e Gn 2526b (a idade

de Isaac por ocasiatildeo do nascimento de seus filhos)

c) Gn 2527-34 essa unidade ocupa-se em mostrar as diferenccedilas entre os irmatildeos

Esauacute e Jacoacute As subunidades satildeo Gn 2527-28 (destaca quais satildeo essas

diferenccedilas sendo Esauacute caracterizado como um caccedilador e amado por seu pai

e Jacoacute como algueacutem mais de casa amado pela matildee) e Gn 2529-34 (ao

continuar mostrando as diferenccedilas entre os irmatildeos a narrativa revela que

Esauacute voluntariamente renuncia agrave sua primogenitura para matar sua fome)

d) Gn 261-33 eacute uma unidade que se ocupa em relatar as viagens de Isaac e

Rebeca no sudoeste de Judaacute e na Filisteia As subunidades satildeo Gn 261-16

(em Gerara Isaac se vecirc abenccediloado por YHWH com as terras prometidas a

Abraatildeo e o rei filisteu Abimelec concede proteccedilatildeo a Isaac e Rebeca apoacutes

reconhecer que ela era esposa de Isaac) Gn 2617-22 (onde se daacute a disputa

de Isaac com os filisteus em razatildeo de um poccedilo que este cavou) e Gn 2623-33

71 Novamente aqui sigo a proposta de SWEENEY (2016 p 239-241) com algumas observaccedilotildees pessoais

94

(nesta uacuteltima subunidade haacute o deslocamento de Isaac e Rebeca para

Bersabeia onde YHWH jura abenccediloar Isaac por causa de Abraatildeo e Isaac

reconcilia-se com Abimelec

e) Gn 2634ndash3515 eacute a uacuteltima e mais longa unidade do ciclo de Jacoacute Ela

apresenta o relato de como Jacoacute obteacutem a becircnccedilatildeo e promessa de YHWH e se

torna o antepassado de Israel ao gerar doze filhos que por sua vez se

tornaratildeo os antepassados das tribos de Israel A narrativa inclui quatro

subunidades principais que por sua vez satildeo complexas e incluem muitos

elementos proacuteprios

(1) Gn 2634-35 que retrata a afliccedilatildeo de Isaac e Rebeca por causa do

casamento de seu primogecircnito Esauacute com mulheres heteias Esta

breve subunidade eacute crucial para a narrativa na medida em que

aponta para a inaptidatildeo de Esauacute para a alianccedila devido ao seu

casamento com mulheres estrangeiras Tambeacutem serve como

instigaccedilatildeo para a jornada de Jacoacute para Haratilde onde ele buscaraacute suas

esposas da famiacutelia da matildee para que ele possa ter filhos adequados

para servir como herdeiros da alianccedila

(2) Gn 271-45 mostra o esforccedilo de Jacoacute em assegurar para si a becircnccedilatildeo do

pai ao inveacutes desta dirigir-se como era a tradiccedilatildeo para o filho mais

velho A narrativa eacute importante pois deixa bem evidente as

preferecircncias dos pais Isaac por Esauacute e Rebeca por Jacoacute O que eacute fator

evidentemente de tensatildeo no interior dessa famiacutelia E oferece uma

explicaccedilatildeo para a inimizade entre os dois irmatildeos Esauacute e Jacoacute

justificando a necessidade que Jacoacute teve de fugir para Haratilde tanto

para encontrar esposas adequadas como para salvar suas vidas

Encontramos cinco unidades menores nesse bloco narrativo

Gn 271-4 Isaac instrui Esauacute para caccedilar e trazer-lhe uma

refeiccedilatildeo para que possa abenccediloaacute-lo uma vez que se sente

muito velho e cansado

95

Gn 275-13 Rebeca instrui Jacoacute a enganar seu marido Isaac

para que seu filho mais jovem possa obter a becircnccedilatildeo da

primogenitura no lugar de Esauacute

Gn 2714-29 Jacoacute executa o plano de sua matildee para obter a

becircnccedilatildeo

Gn 2730-40 Esauacute descobre o engano perpetrado por Jacoacute e

obteacutem de Isaac uma becircnccedilatildeo substituta que o capacitaraacute a se

libertar de Jacoacute

Gn 2741-45 com isso a inimizade entre os irmatildeos fica

evidente e Rebeca instrui Jacoacute a fugir para Haratilde para escapar

da ira de Esauacute e encontrar esposas adequadas de sua famiacutelia

(3) Gn 2746ndash3154 essa terceira subunidade narra a viagem de Jacoacute a

Padatilde-Aram a fim de encontrar uma esposa da famiacutelia de sua matildee na

casa de seu tio Labatildeo Encontramos cinco episoacutedios no interior desta

subunidade

Gn 2746 mostra o desgosto de Rebeca com as esposas heteias

de Esauacute

Gn 281-5 narra Isaac enviando Jacoacute a Padatilde-Aram para

encontrar uma esposa

Gn 286-9 Isaac casa-se com Maelet filha de Ismael filho de

Abraatildeo na tentativa de agradar seus pais

Gn 2810-22 importante episoacutedio que descreve a visatildeo que

Jacoacute teve de YHWH em sonho na qual este renova a promessa

feita aos seus ancestrais de conceder-lhe a terra de Israel

descendentes e fidelidade Isso serve de justificativa para o

lugar ser chamado de Betel casa de El (Deus) em hebraico

Becirct-acuteeumll

Gn 291ndash3154 descreve a permanecircncia de Jacoacute em Haratilde

incluindo seus casamentos e o nascimento de seus filhos No

interior desse bloco narrativo encontramos seis elementos

distintos

96

1 Gn 291 relata a chegada de Jacoacute em Haratilde

2 Gn 292-14a conta o encontro de Jacoacute com sua futura

amada e esposa Raquel e seu pai Labatildeo

3 Gn 2914b-30 Jacoacute eacute trapaceado por Labatildeo e casa-se com

Lia devendo trabalhar mais para o tio ateacute casar-se com

Raquel

4 Gn 2931-3024 relata o nascimento dos filhos de Jacoacute

da parte de suas esposas e concubinas Sendo que Lia

lhe daacute como filhos Ruacuteben Simeatildeo e Levi Datilde e Neftali

satildeo gerados por Bala serva de Raquel a pedido desta

uacuteltima uma vez que ela natildeo conseguia engravidar-se

Lia a primeira esposa de Jacoacute vendo que natildeo lhe

concedia mais filhos fez com que este tivesse filhos com

sua serva Zelfa gerando Gad e Aser Lia tornou a

engravidar-se e deu a Jacoacute por filhos Issacar Zabulon e

Dina uma filha Finalmente Raquel conseguiu

engravidar-se e deu agrave luz Joseacute

5 Gn 3025-43 narra a negociaccedilatildeo que se estabelece entre

Jacoacute e Labatildeo acerca dos ganhos do Patriarca

6 Gn 311-54 Jacoacute parte de Haratilde com suas mulheres

filhos e pertences Haacute uma perseguiccedilatildeo e conflito com

Labatildeo e sua famiacutelia que se resolve por meio de um

tratado entre ambos

(4) Gn 321ndash3529 eacute a quarta subunidade da unidade derradeira do ciclo

de Jacoacute Esse bloco narra o retorno de Jacoacute agrave terra de Israel incluindo

a mudanccedila de nome para Israel (periacutecope que mereceraacute mais

detidamente nossa atenccedilatildeo) a sua reconciliaccedilatildeo com Esauacute a morte de

sua amada esposa Raquel o nascimento de Benjamim a outorga que

YHWH faz a Jacoacute da alianccedila concluiacuteda com os seus antepassados e a

morte e sepultamento de Isaac Esta subunidade eacute composta por oito

episoacutedios narrativos que satildeo

97

Gn 321-22 Jacoacute prepara o encontro com Esauacute seu irmatildeo em

Maanaim

Gn 3223-33 Jacoacute luta com ldquoum homemrdquo e recebe um novo

nome Israel

Gn 331-17 reconciliaccedilatildeo de Jacoacute com Esauacute em Sucot

Gn 3318ndash3431 Jacoacute chega a Siqueacutem e ali permanece neste

local ocorre o estupro de sua filha Dina e seus irmatildeos Simeatildeo

e Levi a vingam

Gn 351-15 YHWH nomeia Jacoacute como Patriarca de Israel em

Betel e Jacoacute santifica o lugar Novamente eacute narrada a mudanccedila

de nome de Jacoacute para Israel

Gn 3516-20 Raquel vem agrave oacutebito durante o parto de Benjamim

entre Betel e Eacutefrata

Gn 3521-26 Ruacuteben comete incesto ao manter relaccedilotildees iacutentimas

com Bala uma das concubinas de seu pai

Gn 3527-29 relata a morte e sepultamento de Isaac por Jacoacute e

Esauacute em Cariat-ArbeHebron mesmo local do sepultamento

de Abraatildeo e Sara

Sem duacutevida o ciclo de Jacoacute forma uma unidade literaacuteria dentro da estrutura em

toledocirct da ToraacutePentateuco Nesse sentido Jacoacute aparece na narrativa como o terceiro

na sequecircncia dos antepassados de Israel e ele alcanccedila o direito de primogenitura a

becircnccedilatildeo de seu pai e a alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados superando

seu irmatildeo mais velho Esauacute para garantir o futuro de seu povo A narrativa faz questatildeo

de frisar as diferenccedilas entre os dois irmatildeos enquanto Esauacute mostra pouca consideraccedilatildeo

por seu direito de primogenitura e se casa com mulheres que satildeo consideradas pela

tradiccedilatildeo judaica como inadequadas ou marginalizadas na trajetoacuteria da alianccedila da

naccedilatildeo de Israel Jacoacute viaja a Padatilde-Aram para encontrar uma noiva adequada no seio

da famiacutelia de sua matildee e acaba tomando duas esposas que satildeo filhas do irmatildeo de sua

matildee Labatildeo e suas servas Os doze filhos nascidos como resultado destes casamentos

iratildeo se tornar os antepassados das doze tribos de Israel

98

Os inteacuterpretes haacute muito reconhecem que Jacoacute eacute o antepassado epocircnimo de Israel na verdade ele eacute duas vezes renomeado Israel em Gecircnesis 3232-33 e 359-12 Mas o contexto literaacuterio mais amplo da forma final do Pentateuco que eacute amplamente entendida como uma narrativa judia baseada em sua redaccedilatildeo Sacerdotal (P) final geralmente obscurece o fato de que a identificaccedilatildeo de Jacoacute como o antepassado de Israel pressupotildee o ponto de vista do reino do norte de Israel com seu Templo em Betel em vez de Israel como entendido a partir da compreensatildeo judaica de todo Israel e do Templo de Jerusaleacutem (SWEENEY 2016 p 244)

Complementando o que foi exposto acima eacute importante constatar que Gn 3223-

33 insere-se no grande ciclo de Jacoacute e Esauacute (Gn 2519ndash371)72 A nossa personagem

como veremos melhor adiante eacute transformada de liacuteder local de um grupo particular ndash

ao redor do qual se formou uma tradiccedilatildeo ndash em um dos grandes patriarcas do povo de

Israel depositaacuterio das promessas feitas a Abraatildeo Contraacuterio a este primeiro patriarca

cuja vida estava enraizada mais ao sul do paiacutes tendo Hebron como lugar de referecircncia

cultual Jacoacute movimenta-se pela regiatildeo norte de um lado a outro do rio Jordatildeo e ateacute a

Mesopotacircmia A maior parte dos santuaacuterios do Reino de Israel tambeacutem denominado

Reino do Norte eacute ligada a ele Joseacute cujo ciclo sucederaacute agravequele de Jacoacute implanta-se no

Egito

O seu ciclo insere-se entre aquele de Abraatildeo (Gn 121ndash2518) e aquele de Joseacute

(Gn 372ndash5026) Servindo portanto como um proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes em Ecircxodo

O capiacutetulo 36 integra um pequeno ciclo de Isaac Jacoacute eacute um heroacutei construiacutedo sem a

preocupaccedilatildeo de justificar a sua moralidade nos conflitos mais diversos que perpassam

toda a narrativa

Conflito entre Jacoacute e seu irmatildeo Esauacute (Gn 25 27 32-33)

que conduz a uma reconciliaccedilatildeo passando pelo conflito entre Jacoacute e Labatildeo

o Arameu (Gn 29-31)

em meio ao qual brota o conflito entre Raquel e Lia (Gn 2931ndash3024)

72 Muitos preferem concluir esse ciclo no uacuteltimo versiacuteculo do capiacutetulo 36 mas Gn 371 eacute claramente um texto de conclusatildeo de um bloco maior A partir daqui JacoacuteIsrael somente retomaraacute com certo protagonismo em Gn 49 onde ele abenccediloa seus filhos e vive seus momentos finais De Gn 372 em diante o protagonista eacute Joseacute filho caccedilula de JacoacuteIsrael

99

O objetivo final de nossa personagem Jacoacute eacute assegurar a sobrevivecircncia e em

seguida a autonomia de seu clatilde Em um primeiro momento ldquosuas aventuras satildeo

transmitidas como memoacuteria local de um grupo que se vecirc ligado a um ancestral que

descobre o deus El e sua promessardquo (LANOIR 2015 p 4)

Pode-se identificar trecircs grandes partes e um epiacutelogo neste ciclo de Jacoacute presente

no primeiro livro da Toraacute vejamos73

1ordf Jacoacute e Esauacute ndash 1ordm Ato (Gn 2519ndash2822) desde o nascimento de ambos um

conflito que se inicia no ventre materno (2519-26) e se prolonga para a vida dos dois

irmatildeos passando pela venda do direito agrave primogenitura de Esauacute a Jacoacute (2527-34) pelo

roubo da becircnccedilatildeo do pai Issac (271-40) ateacute a sua partida para a casa do tio Labatildeo

motivada seja pelo desejo de vinganccedila de seu irmatildeo Esauacute (2741-45) seja pelo desejo

de Rebeca sua matildee de dar-lhe como esposa algueacutem que natildeo fosse de Canaatilde (2634-35

2746 281-9) Concluindo-se como um encontro divino em Betel durante um sonho

(2810-22)

2ordf Jacoacute e Labatildeo (Gn 291ndash321) este ato eacute marcado por dois grandes momentos

o primeiro a ascensatildeo de Jacoacute que inclui sua chegada a Haratilde (291-14) passando pelos

seus dois casamentos (2915-30) pelo nascimento de seus filhos (2931ndash3024) e o seu

enriquecimento (3025-43) O segundo momento desse ato seria a luta de Jacoacute pela

independecircncia de seu clatilde Iniciando-se com as deliberaccedilotildees de Jacoacute e a sua partida

(311-21) as altercaccedilotildees com Labatildeo que persegue os fugitivos do clatilde de Jacoacute (3122-42)

com a conclusatildeo do conflito e um pacto entre os contentores (3143ndash321)

3ordf Reencontro de Jacoacute com Esauacute ndash 2ordm Ato (Gn 322ndash3317) ocorre o desfecho do

conflito com Esauacute que se daacute em trecircs momentos o anuacutencio e preparaccedilatildeo de um

confronto com seu irmatildeo (322-22) o reencontro com Deus em PenielPenuel (combate

noturno) apoacutes o qual Jacoacute eacute abenccediloado e recebe outro nome Israel (3223-33) e

finalmente o reencontro com seu irmatildeo Esauacute e a reconciliaccedilatildeo (331-17)

73 Aqui apoio-me em PURY (2009 p 219-220)

100

Epiacutelogo (Gn 3318ndash371) de Siqueacutem a Betel um itineraacuterio para reconhecer a

origem do povo de Israel e seu Deus Dois santuaacuterios que conservam as tradiccedilotildees

patriarcais satildeo visitados (3318-20 Siqueacutem) e um altar eacute erguido em cada um deles

sendo que em Betel (351-15) uma estela eacute tambeacutem erigida A histoacuteria dos filhos de

Jacoacute (341-31 3516-26) a morte e o sepultamento de Isaac em Mambreacute (3527-29)

preparam a sequecircncia narrativa de Gecircnesis com o ciclo de Joseacute (372ndash5026) Antes

poreacutem haacute a narraccedilatildeo da instalaccedilatildeo de Esauacute em Edom74 e a enumeraccedilatildeo de seus

descendentes (361-43)

O texto da saga ou lenda75 de Jacoacute ocupa-se das origens de Israel podendo

constituir-se em uma das mais antigas E desde o iniacutecio ateacute o final essa saga eacute uma

histoacuteria de luta por becircnccedilatildeo76 Afinal Jacoacute teve de fugir da casa de seu pai devido ao

fato de ter enganado seu irmatildeo e lhe furtado a primogenitura e a becircnccedilatildeo

A caminho de Betel Deus apareceu-lhe e o asseverou de sua proteccedilatildeo e do cumprimento de sua promessa de becircnccedilatildeo77 Eacute verdade que ele conseguiu vaacuterios benefiacutecios na casa de Labatildeo mas quando Labatildeo na despedida deu uma verdadeira becircnccedilatildeo esta valia somente para a famiacutelia natildeo para Jacoacute (Gn 321) No iminente encontro com Esauacute Jacoacute estava correndo o risco de perder todos os benefiacutecios antes conquistados o assalto ocorreu exatamente quando ele em caacutelculo perspicaz mandou todas as suas posses e sua famiacutelia agrave sua frente para o outro lado do Jaboc78 Curiosamente seu adversaacuterio estava aparentemente interessado no nome dele ndash o nome com o qual estava

74 Em Gn 2525 nos eacute apresentado o suposto motivo para o nome de Esauacute que segundo o texto teria recebido tal nome por ser ldquoavermelhadoruivordquo e ldquopeludordquo como se fosse um animal Na realidade a explicaccedilatildeo para suas caracteriacutesticas fiacutesicas faz referecircncia a dois outros nomes que lhe satildeo relacionados

Edom e Seir ldquoAvermelhadoruivordquo eacute em hebraico acuteadmocircnicirc utilizado em 1Sm 1612 e 1742 para Davi

relaciona-se a ldquoEdomrdquo (Gn 2529 3618) regiatildeo a leste de rio Jordatildeo ao sul do territoacuterio de Judaacute caracterizada pelas suas montanhas avermelhadas ldquoPeludordquo (hebraico Seuml`aumlr = peloSeuml`icircr = nome da

regiatildeo montanhosa de Seir tambeacutem em Edom) refere-se agrave regiatildeo de Seir onde Esauacute se instalaraacute com o seu clatilde (Gn 3314-16) Vecirc-se como ldquoEsauacute desde o princiacutepio da narrativa eacute assimilado a um grupo que natildeo tem nada a ver com as regiotildees do Reino do Norte [Israel]rdquo (LANOIR 2015 p 9) 75 Lenda eacute compreendida aqui no sentido que lhe deu GUNKEL (1997 p vii-viii) ldquoa lenda natildeo eacute uma mentira Em vez disso eacute um gecircnero especiacutefico de literatura Lenda - a palavra eacute empregada aqui em nenhum outro sentido senatildeo o geralmente reconhecido - eacute um relato popular longamente transmitido narrativa poeacutetica que trata de pessoas ou eventos passadosrdquo 76 Essa expressatildeo foi empregada inicialmente por WESTERMANN (1964 p 89) e um pouco mais recentemente por DIETRICH (2001 p 205) 77 ldquoA meu ver na composiccedilatildeo original de Jacoacute o discurso divino em Gn 28 estava limitado ao v 15 Se a lenda de santuaacuterio que eacute a base tiver falado de Deus entatildeo ela narrou provavelmente apenas como ele apareceu no topo da escada celestial (as primeiras palavras do v 13) A promessa abrangente no v 1314 foi acrescentada finalmente quando ndash muito tarde na histoacuteria da redaccedilatildeo ndash a histoacuteria de Abraatildeo foi anteposta agrave histoacuteria de Jacoacuterdquo (DIETRICH 2001 p 205 n 28) 78 Essa aliaacutes eacute uma fina ironia presente no texto de Gn 3223-33

101

vinculado o oacutedio devido ao furto da becircnccedilatildeo79 Jacoacute revela-o e assim assume seu passado pouco positivo Nessa situaccedilatildeo ele recebe um novo nome ndash e a becircnccedilatildeo haacute tanto tempo ansiada (DIETRICH 2001 p 205)

4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute

Quando se interroga pela histoacuteria da formaccedilatildeo do texto do ciclo de Jacoacute

deparamo-nos com a complexa discussatildeo acerca das fontes que compuseram a Toraacute

Em linhas gerais e de modo resumido80 pode-se dizer que houve quatro fases da

pesquisa ateacute o presente momento

Inicialmente levando-se em conta os numerosos textos legislativos presentes na

Toraacute (ex Ex 242 Dt 11 445) atribuiacutedos a Moiseacutes as tradiccedilotildees judaicas e cristatildes

fizeram dele o autor desses cinco primeiro livros da BH81 Mesmo que essa ideia natildeo

tenha sido explicitamente contestada a natildeo ser no seacuteculo XVIII de nossa era natildeo

significa que sempre foi aceita e indiscutida por todos Como imaginar por exemplo

o proacuteprio Moiseacutes narrando a sua morte (Dt 34) Rabinos viram nesse texto conclusivo

da Toraacute um acreacutescimo posterior por parte de Josueacute o sucessor de Moiseacutes82 Na Idade

Meacutedia os estudiosos judeus Issac ben Jesus e Ibn Esdras elaboraram listas que

continham os ldquopost-mosaicardquo ou seja textos que deveriam ter sido escritos em

momentos mais tardios da histoacuteria de Israel83 Mas esses autores natildeo ousaram colocar

em duacutevida a tradiccedilatildeo recebida Esse passo seraacute dado por meio do Tratactus theologico-

politicus do filoacutesofo judeu Baruch de Spinoza (era de origem sefardita portuguesa

79 ldquoJaacute durante o parto Jacoacute teria atacado o irmatildeo gecircmeo mais velho Esauacute ao seguraacute-lo pelo lsquocalcanharrsquo E apoacutes a becircnccedilatildeo Esauacute exclama lsquoSeraacute que natildeo eacute com razatildeo que ele se chama Jacoacute Duas (Gn 2525s) (עקב)vezes me enganou (עקב)rsquo (Gn 2736 a mesma palavra rara para lsquoenganarrsquo eacute usada no mesmo contexto por Oseias em Os 124)rdquo (DIETRICH 2001 p 205-206 n 30)

80 Para uma visatildeo mais detalhada da histoacuteria da composiccedilatildeo do Pentateuco e suas vaacuterias teorias ateacute o presente momento pode-se consultar SKA 2016 p 13-87 ROumlMER 2009 p 140-157 NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184 ZENGER 2008a p 117-186 ZENGER 2008b p 187-203 81 Cf PHILON DrsquoALEXANDRIE De vita Mosis I sect 84 (1967) Mc 1226 2Cor 315 entre outros 82 ldquoMoiseacutes escreveu seu proacuteprio livro e a porccedilatildeo de Balaatildeo e Joacute Josueacute escreveu o livro que leva seu nome e [uacuteltimos] oito versos do Pentateucordquo Em inglecircs ldquoMoses wrote his own book and the portion of Balaam and Job Joshua wrote the book which bears his name and [the last] eight verses of the Pentateuchrdquo (Talmude Babilocircnico Baba Bathra 14b EPSTEIN 2009) Os uacuteltimos versiacuteculos do Pentateuco satildeo justamente a narrativa da morte de Moiseacutes 83 Por exemplo Gn 3631 o qual pressupotildee a eacutepoca monaacuterquica Nm 221 que designa a Transjordacircnia como paiacutes aleacutem do Jordatildeo o que estaacute em contradiccedilatildeo com um Moiseacutes que escreve na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2009 p 141)

102

Bento de Espinosa) em 1670 Ele observa que o ldquoPentateuco forma com os livros

histoacutericos (Josueacute e Reis) uma unidade orgacircnica e que ele natildeo pode consequentemente

ter sido regido antes do final do reino de Judaacute (relatado em 2 Reis) Aos seus olhos o

verdadeiro autor do Pentateuco eacute Esdras o qual busca dar uma identidade ao povo

judeu agrave eacutepoca persardquo (ROumlMER 2009 p 141)

Por volta da metade do seacuteculo XVIII a pesquisa biacuteblica conheceraacute a primeira

tentativa de identificar fontes no interior do Pentateuco surgindo entatildeo uma teoria

sobre elas Os pioneiros foram de um lado o pastor e orientalista alematildeo Henning

Bernhard Witter e de outro o francecircs Jean Astruc meacutedico de Luiacutes XV Aleacutem da

constataccedilatildeo de vaacuterias rupturas dublecircs contradiccedilotildees e repeticcedilotildees no interior do texto

do Pentateuco84 tal como o temos na atualidade aquilo que mais chamou a atenccedilatildeo foi

a variaccedilatildeo contiacutenua nos textos entre o emprego do nome proacuteprio YHWH ou do termo

mais geneacuterico Elohicircm para designar o Deus de Israel Assim sendo em 1753 Jean

Astruc publicou as ldquoConjectures sur les meacutemoires originaux dont il paroit que Moyse

srsquoest servi pour composer le Livre de la Genegraveserdquo (traduccedilatildeo livre Conjecturas sobre os

documentos originais que Moiseacutes parece ter se servido para compor o Livro de Gecircnesis) Esse

pesquisador francecircs tinha uma finalidade apologeacutetica ou seja defender a autoria de

Moiseacutes para todo o Pentateuco Para tanto ele postulava que Moiseacutes teria tido agrave

disposiccedilatildeo dois documentos principais o ldquodocumento Ardquo o qual utilizava o nome

divino Elohicircm do qual o iniacutecio se situava em Gn 1 e o ldquodocumento Brdquo caracterizado

pelo emprego de YHWH que teria seu iniacutecio em Gn 24 Com isso tem iniacutecio a famosa

teoria ldquodocumentaacuteriardquo que marcaraacute por deacutecadas a exegese histoacuterico-criacutetica moderna

A autoria uacutenica de Moiseacutes evidentemente foi logo abandonada mas aproveitou-se a

inspiraccedilatildeo original de Astruc Essa teoria imagina existir na base do Pentateuco vaacuterias

84 ldquoSegundo Gn 715 Noeacute fez entrar na arca um par de animais de cada espeacutecie ao contraacuterio Gn 72 fala de sete pares para os animais puros Segundo Gn 426 a humanidade invoca o Deus de Israel sob o nome de lsquoYHWHrsquo desde as origens enquanto que em Ex 312-15 esse nome natildeo eacute revelado a Israel a natildeo ser no momento da vocaccedilatildeo de Moiseacutes O comportamento do faraoacute diante das pragas do Egito e explicado de duas maneiras diferentes segundo Ex 73 por exemplo eacute YHWH que torna inflexiacutevel o coraccedilatildeo do rei do Egito enquanto outros textos insistem sobre o fato que o proacuteprio faraoacute endureceu seu proacuteprio coraccedilatildeo (Ex 811 etc) Constata-se igualmente a presenccedila de vaacuterios dublecircs O Pentateuco comporta dois relatos da criaccedilatildeo (Gn 11 ndash 23 Gn 24 ndash 324) dois relatos que reportam a conclusatildeo da alianccedila entre Deus e Abraatildeo (Gn 15 e 17) dois relatos da expulsatildeo de Agar (Gn 16 e 219ss) dois relatos de vocaccedilatildeo de Moiseacutes (Ex 3 e 6) duas versotildees do Decaacutelogo (Ex 20 e Dt 5) etcrdquo (ROumlMER 2009 p 141)

103

tramas narrativas independentes uma das outras e regidas em eacutepocas diferentes

relatando cada uma a mesma intriga mas com nuanccedilas ideoloacutegicas diferentes Esses

documentos teriam sido reunidos uns aos outros por redatores sucessivos

Esse sistema explicativo da composiccedilatildeo da ToraacutePentateuco prevaleceraacute

ateacute os anos 1970 com destaque para Julius Wellhausen (1844-1918) o idealizador da

teoria documentaacuteria De acordo com esse estudioso alematildeo o Pentateuco eacute o resultado

de quatro documentos o documento Javista (ldquoJrdquo uma vez que esse documento daacute

preferecircncia ao nome divino YHWH ou seja ldquoJahwerdquo em alematildeo) o documento eloiacutesta

(ldquoErdquo originaacuterio do nome divino ldquoElohicircmrdquo) o Deuteronocircmio (ldquoDrdquo) e o documento

sacerdotal (ldquoPrdquo segundo o termo alematildeo ldquoPriesterschriftrdquo) Wellhausen eacute muito

prudente em relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo desses documentos paralelos que compuseram o

Pentateuco Para ele ldquoJrdquo e ldquoErdquo satildeo siglas que agrupam vaacuterios documentos Como uma

distinccedilatildeo desses dois documentos eacute muito difiacutecil ele prefere reagrupaacute-los sob a sigla

ldquoJErdquo (de ldquoJehowistrdquo em alematildeo) Ele propunha que esses escritos datassem da eacutepoca

monaacuterquica (VIII seacuteculo AEC) jaacute o ldquoDrdquo seria do final do periacuteodo monaacuterquico da eacutepoca

do rei Josias (por volta de 620 AEC)85 e o ldquoPrdquo seria situado no iniacutecio do periacuteodo poacutes-

exiacutelio (por volta de 500 AEC) Na visatildeo de Wellhausen ldquoJErdquo e ldquoPrdquo satildeo tambeacutem

encontrados no livro de Josueacute cujos relatos da conquista da terra prometida

constituem o culminar da promessa da terra no Pentateuco O ciclo de Jacoacute do qual o

texto em anaacutelise em nosso estudo faz parte integrava a histoacuteria Patriarcal (Abraatildeo

Isaac Jacoacute e Joseacute) Essa histoacuteria fazia parte do documento JE na visatildeo de Wellhausen86

Isso acabou levando estudiosos a falarem de um Hexateuco um conjunto de livros de

Gn a Js Esses documentos refletiriam na visatildeo de Wellhausen natildeo apenas um

instrumento de anaacutelise literaacuteria do Pentateuco mas uma siacutentese da evoluccedilatildeo religiosa

do Israel antigo Ele fundamenta sua pesquisa em cinco instituiccedilotildees o lugar do culto

os sacrifiacutecios as festas o clero o diacutezimo (cf ROumlMER 2009 144) Os documentos (JE

85 ldquoWellhausen aceita a identificaccedilatildeo proposta por de Wette em 1805 do Dt primitivo com o livro mencionado em 2Rs 22ndash23rdquo (ROumlMER 2009 p 144) 86 Nessa visatildeo eacute importante frisar que a tradiccedilatildeo oral era tida como a fonte de onde teriam se originado esse documento (JE) Assim sendo mesmo que o Javista e Eloiacutesta tivessem sua origem no periacuteodo monaacuterquico sempre segundo essa teoria documentaacuteria as origens do ciclo de Jacoacute por exemplo deveriam ser buscadas antes mais proacuteximo agraves origens de Israel No entanto isso natildeo era demonstrado nem comprovado mas admitido de modo um tanto ldquonaturalrdquo

104

D P) revelaratildeo um esquema de evoluccedilatildeo pluralidade centralizaccedilatildeo ritualizaccedilatildeo

Desse modo parte-se da pluralidade de locais de culto na eacutepoca monaacuterquica para uma

centralizaccedilatildeo em Jerusaleacutem no periacuteodo de Josias O Templo de Jerusaleacutem eacute instituiacutedo

como o uacutenico lugar legiacutetimo de culto ao deus de Israel (cf 2Rs 22ndash23 e Dt 12)87 A fonte

ldquoPrdquo jaacute supotildee essa centralizaccedilatildeo e a retroprojeta para o periacuteodo das origens Assim

sendo para Wellhausen a Lei natildeo estaria nas origens nem do Israel antigo nem do

Pentateuco mas ela torna-se um fundamento do judaiacutesmo a partir da eacutepoca poacutes-

exiacutelica

Na deacutecada de 1970 a 1980 viu-se surgir uma verdadeira rebeliatildeo contraacuteria agrave

teoria documentaacuteria O aparecimento de trecircs obras principais coroam uma sequecircncia

de vaacuterios estudos criacuteticos que vinha desde os anos 1960 provocando repensamentos

da teoria documentaacuteria Satildeo elas a) John Van Seters Abraham in history and tradition

(1975)88 b) Hans Heinrich Schmid Der sogenannte Jahwist Beobachtungen und Fragen

zur Pentateuchforschung (1976)89 c) Rolf Rendtorff Das uumlberlieferungsgeschichtliche

Problem des Pentateuch (1976)90 A obra de Van Seters coloca definitivamente em causa

a tal ldquoeacutepoca patricarcalrdquo ao situar doravante as tradiccedilotildees sobre Abraatildeo e sua colocaccedilatildeo

por escrito agrave eacutepoca do exiacutelio babilocircnio Anteriormente jaacute se havia constatado que o

ldquoDeus dos paisrdquo de Gecircnesis bem como os motivos das promessas patriarcais natildeo

deveriam ser situados em um periacuteodo nocircmade dos ancestrais de Israel mas ldquodeviam

ser explicados sobre o plano literaacuterio como teacutecnicas composicionais com as quais os

redatores reforccedilam a ligaccedilatildeo entre as diferentes figuras patriarcais (Abraatildeo Isaac

Jacoacute)rdquo (ROumlMER 2009 p 150) A obra de Schmid explora a presenccedila da linguagem

Deuteronomista na fonte ldquoJrdquo admitindo inclusive que todo este documento eacute

proacuteximo ao Deuteronocircmio Outros pesquisadores jaacute haviam constatado que certos

temas como aquele da teologia da alianccedila entre YHWH e Israel natildeo satildeo de origem

87 Em Ex 25ndash40 eacute relatado por exemplo a construccedilatildeo de um tabernaacuteculo em pleno deserto como sendo a conclusatildeo da criaccedilatildeo do mundo O escopo humano eacute adorar o Deus que tudo criou por isso o tabernaacuteculo culmina o periacuteodo da criaccedilatildeo do mundo e do ser humano 88 Publicado em sua primeira ediccedilatildeo em New Haven pela Yale University Press 89 Publicado em Zuumlrich pela Theologischer Verlag O tiacutetulo pode ser traduzido livremente como O assim chamado Javista observaccedilotildees e questotildees sobre a pesquisa do Pentateuco 90 Publicado em BerlinNew York pela Walter de Gruyter sendo o nuacutemero 147 da renomada coleccedilatildeo ldquoBeihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaftrdquo (BZAW)

105

Javista mas estaacute mais proacuteximo agrave teologia Deuteronomista A terceira obra aquela de

Rendtorff foi decisiva no processo de reviravolta nas pesquisas sobre o Pentateuco

Ele insistiraacute na importacircncia do estudioso debruccedilar-se sobre o texto tal como o

recebemos Isso porque sob a aparecircncia de consenso a teoria documentaacuteria apresenta

incoerecircncias e fraquezas como por exemplo ao se buscar estabelecer o iniacutecio e final

de cada documento (J E D P) na distinccedilatildeo do que seria material textual de ldquoJrdquo e ldquoErdquo

e assim por diante Para ele o Pentateuco em sua forma atual seria composto de

ldquounidades maioresrdquo que satildeo caracterizadas por uma grande coerecircncia interna e por

uma independecircncia quase que total em relaccedilatildeo agraves demais Essas unidades seriam as

seguintes a histoacuteria das origens (Gn 1ndash11) os Patriarcas (Gn 12ndash50) a saiacuteda do Egito

(Ex 1ndash15) o Sinai (Ex 19ndash24 32ndash34) a permanecircncia no deserto (Ex 16ndash18 Nm 11ndash20) a

conquista da terra (Nm + Js) Para Rendtorff satildeo as ldquopromessas (terra descendecircncia

acompanhamento becircnccedilatildeo) que se constituem numa sorte de lsquoargamassarsquo redacional

por meio da qual os trecircs patriarcas foram inscritos e situados em uma relaccedilatildeo

genealoacutegicardquo (ROumlMER 2009 p 153) Tanto Rendtorff como seu aluno Erhard Blum

concordaratildeo que o processo redacional que uniu as tradiccedilotildees patriarcais ao restante do

Pentateuco foi obra de um redator do tipo deuteronomista Em resumo o Eloiacutesta saiu

de cena o Javista da eacutepoca de Salomatildeo segundo a teoria wellhausiana estaacute morto ou

transformou-se em um antigo historiador da eacutepoca persa a escola deuteronomista

torna-se nessa fase da histoacuteria da pesquisa o pivocirc ao redor do qual se articula todo o

novo sistema o debate concentra-se no eixo Moiseacutes ndash ecircxodo ndash conquista com algum

olhar eventual sobre Abraatildeo como figura emblemaacutetica da preacute-histoacuteria (cf PURY 2001

p 216)

Completando a visatildeo de conjunto sobre a histoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo

do PentateucoToraacute nos anos 1990 em diante pode-se encontrar trecircs grandes

tendecircncias da pesquisa sobre a formaccedilatildeo da Toraacute91 A primeira busca preservar a teoria

documentaacuteria mas com vaacuterias modificaccedilotildees Haacute aqueles que ainda defendem a

existecircncia de um documento Javista da eacutepoca salomocircnica (por exemplo Werner H

91 Sintetizo aqui a resumida apresentaccedilatildeo de ROumlMER 2009 p 154-156

106

Schmidt92) Outros encontram dificuldade em ainda reconhecer um Javista no interior

da Toraacute e preferem a soluccedilatildeo de um Jeovista (J+E) eacute o caso de Horst Seebass93 Alguns

permanecem ligados ao Javista da eacutepoca monaacuterquica mas reconhecem que vaacuterios

textos que uma vez foram atribuiacutedos ao J pertencem a eacutepocas mais tardias da redaccedilatildeo

do Pentateuco Esse eacute o caso de Erich Zenger e Peter Weimar94 os quais defendem a

existecircncia de redaccedilotildees jeovistas entre 722 e 587 AEC e deuteronomistas a partir de 587

AEC (iniacutecio do exiacutelio da Babilocircnia) Ainda segundo Zenger as redaccedilotildees jeovistas em

GnndashNm teriam formado uma grande Jerusalemitisches Geschichtswerk (ldquohistoriografia

hierosolimitanardquo) preacute-exiacutelica a qual mais tarde na eacutepoca do exiacutelio sofreu uma revisatildeo

deuteronomista

A segunda grande tendecircncia dessa quarta fase da histoacuteria da pesquisa

concentra-se em identificar duas fontes com dataccedilatildeo mais tardia O Pentateuco ou

melhor dizendo o Tetrateuco (Gn Ex Lv Nm) seria fruto da fusatildeo de dois

documentos o Javista (J) e o Sacerdotal (P) que seriam da eacutepoca exiacutelica Os maiores

defensores dessa teoria satildeo Otto Kaiser95 Martin Rose96 e Christoph Levin97 Para este

uacuteltimo o J eacute um redator e um teoacutelogo da diaacutespora valoriza a religiatildeo popular e integra

em seu trabalho fontes mais antigas Levin identifica uma polecircmica entre P e J que eacute

um escrito independente da eacutepoca persa conhecedor de J o qual eacute contraacuterio agrave ideologia

deuteronomista do santuaacuterio uacutenico A intenccedilatildeo de P eacute substituir J Apesar que a

redaccedilatildeo final do Pentateuco preservou os dois documentos da maneira mais completa

92 Elementare Erwaumlgungen zur Quellenscheidung im Pentateuch In EMERTON J A (Ed) Congress Volume Leuven 1989 Leiden New York Koumlln Brill p 22-45 (Vetus Testamentum Supplements [VTS] 43) 93 Pentateuch In THEOLOGISCHE REALENZYKLOPAumlDIE Berlin New York De Gruyter 1996 v 26 p 185-209 Que restet-il du Yahwiste et de lrsquoElohiste In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 199-214 (Le Monde de la Bible 19) 94 ZENGER Erich Die Buumlcher der Torades Pentateuch In _________ et al Einleitung in das Alte Testament 7 Aufl Stuttgart Berlin Koumlln Kohlhammer 2008 p 60-135 95 The Pentateuch and the Deuteronomistic History In MAYES A D H (Ed) Text in Context Essays by Members of the Society for Old Testament Studies Oxford Oxford University Press 2000 p 289-322 96 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 97 Der Jahwist Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1993 (Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments [FRLANT] 157)

107

possiacutevel fazendo seguir um relato P em paralelo ao J ou vice-versa Levin reconhece

poreacutem que mais da metade dos textos do Pentateuco satildeo acreacutescimos tardios agrave J ou P

ou seja adiccedilotildees feitas apoacutes a fusatildeo de J e P

Uma terceira tendecircncia nessa quarta fase da pesquisa eacute a teoria elaborada por

Erhard Blum98 e retomada com algumas modificaccedilotildees por Rainer Albertz99 Joseph

Blenkinsopp100 Franz Cruumlsemann101 e outros estudiosos Eles concebem o Pentateuco

como o resultado do diaacutelogo conflituoso entre duas escolas a D e a P O periacuteodo de

composiccedilatildeo eacute tardio ou seja poacutes-exiacutelico Na concepccedilatildeo de Blum haacute uma composiccedilatildeo

deuteronomista (sigla em alematildeo KD) que compreende desde o ciclo de Abraatildeo ateacute 2Rs

25 uma vez que essa composiccedilatildeo eacute tida como o preluacutedio da histoacuteria deuteronomista

Ainda segundo este autor Dt 3410 marca uma ruptura que fornece ao conjunto de Gn-

Dt uma autonomia ou seja uma supremacia em relaccedilatildeo aos livros seguintes uma vez

que se trata da ldquoToraacute de Moiseacutesrdquo A KD destina-se aos judeus da diaacutespora que ocorreu

apoacutes o exiacutelio da Babilocircnia Ela deseja recordar atraveacutes das histoacuterias de Abraatildeo e Ecircxodo

os dois pilares sobre os quais assenta-se a relaccedilatildeo de YHWH e Israel para concluir que

esses pilares restam firmes mesmo com a trageacutedia do exiacutelio Eacute claro que a KD tinha agrave

sua disposiccedilatildeo materiais narrativos e legislativos mais antigos da eacutepoca preacute-exiacutelica Jaacute

a composiccedilatildeo sacerdotal (em sigla alematilde KP) interveacutem de fato como um editor um

redator na obra deuteronomista A KP fez uso de documentos independentes

previamente escritos102 O foco da KP eacute claramente sobre o culto as instituiccedilotildees os

quais satildeo apresentados como dom de YHWH permitindo que Israel faccedila a experiecircncia

98 Studien zur Komposition des Pentateuch Berlin New York De Gruyter 1990 (Beihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft [BZAW] 189) Outro escrito no qual ele aborda essa questatildeo eacute The Literary Connection Between the Books of Genesis and Exodus and the End of the Book of Joshua In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 89-106 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34) 99 Religionsgeschichte Israels in alttestamentlicher Zeit 2 Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1992 (Grundisse zum Alten Testament [GAT] 82) 100 The Pentateuch An Introduction to the First Five Books of the Bible New York Doubleday 1992 (The Anchor Bible Reference Library) 101 Le Pentateuque une Tora Proleacutegomegravenes agrave lrsquointerpreacutetation de sa forme finale In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 339-360 (Le Monde de la Bible 19) 102 Como por exemplo a versatildeo sacerdotal do diluacutevio em Gn 6ndash8 Ex 62-8 a versatildeo do ciclo das pragas no Egito em Ex 7ss o relato da travessia do mar em Ex 14 etc

108

da restauraccedilatildeo da proximidade divina como se deu apoacutes o diluacutevio Aleacutem dessas duas

composiccedilotildees maiores D e P Blum admite a existecircncia de adiccedilotildees redacionais que satildeo

proacuteximas seja da KD como da KP Outro estudioso que acredita na existecircncia de

apenas duas fontes dois verdadeiros documentos para o Pentateuco eacute Jean-Louis Ska

Segundo ele uma fonte somente pode ser caracterizada como tal se apresentar um

conceito fundamental e um estilo homogecircneo que une toda a obra103 mesmo que esta

apresente acreacutescimos mais tardios como eacute comum na literatura claacutessica de Israel Natildeo

basta apresentar textos com alguma semelhanccedila entre si para se falar de ldquofonterdquo Nesse

sentido ele somente reconhece duas fontes no Pentateuco o Deuteronocircmio que

constitui um livro a parte e a sacerdotal O Dt natildeo necessita de grandes justificativas

para ser considerado uma fonte independente autocircnoma e coerente Segundo Ska

ldquosomente o Documento Sacerdotal cria um verdadeiro enredo que une as partes

principais do Pentateuco em particular as tradiccedilotildees sobre as origens do universo

sobre os patriarcas e sobre o ecircxodordquo (SKA 2016 p 31) Haacute uma progressatildeo na

revelaccedilatildeo de Deus segundo o sacerdotal inicialmente ele eacute o criador do universo

Elohim (Gn 1ndash11) depois ele eacute o Deus dos patriarcas El Shaddai (Gn 171) e finalmente

ele eacute YHWH o Deus do ecircxodo (Ex 63) Ao unir as tradiccedilotildees sobre os antepassados de

Israel com as tradiccedilotildees sobre o ecircxodo num uacutenico enredo o sacerdotal daacute uma loacutegica a

esses dois blocos na opiniatildeo de Ska afinal ldquoDeus faz Israel sair do Egito e o conduz

ateacute a sua terra porque eacute fiel agrave promessa feita com juramento aos patriarcas (Ex 62-8

cf em particular Ex 648 e o lsquopor issorsquo do v 6 [lākēn em hebraico])rdquo (SKA 2016 p 32)

Portanto o Javista e o Eloiacutesta na opiniatildeo de Ska natildeo existiriam Pode-se encontrar

fragmentos ou estratos redacionais que possam agrupar textos anteriormente

atribuiacutedos a essas supostas fontes Ska tende a admitir que o Documento Sacerdotal

foi composto no comeccedilo do retorno do exiacutelio com a finalidade de ldquoconvencer os

exilados a voltarem para a terra prometidardquo (SKA 2016 p 42)104 Isso seria difiacutecil caso

o sacerdotal natildeo apresentasse essa terra que foi prometida a Israel Por isso Ska tende

103 Nas palavras do proacuteprio autor ldquoUma fonte eacute uma obra literaacuteria de ampla extensatildeo unificada e homogecircnea com seu estilo reconheciacutevel e uma ideia-base que confere ao conjunto unidade e coesatildeordquo (SKA 2016 p 32) 104 Nessa tese Ska se reconhece devedor do trabalho de ELLIGER Karl Sinn und Ursprung der priesterlichen Geschichtserzaumlhlung Zeitschrift fuumlr Theologie und Kirche Tuumlbingen Mohr Siebeck v 49 n 2 p 121-143 1952

109

a ver o final do Documento Sacerdotal nos capiacutetulos 13ndash14 e mesmo 201-13 do livro

de Nuacutemeros Ali eacute explicado o motivo pelo qual o povo tem de ficar quarenta anos no

deserto por ter-se recusado a entrar na terra prometida Desse modo natildeo se nega o

acesso agrave terra mas coloca-se o cumprimento da promessa em uma eacutepoca posterior

Concluindo essa trajetoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco chega-

se agrave quinta fase que eacute a atual Nesse momento coexistem grosso modo trecircs grandes

problemas que se encontram no centro das discussotildees cientiacuteficas ldquoo perfil e a coerecircncia

dos textos preacute-sacerdotais (lsquojavistasrsquo ou lsquodeuteronomistasrsquo) a diacronia interna dos

textos sacerdotais dito de outro modo o problema da gecircnese e da formaccedilatildeo do

material agrupado sob a sigla lsquoPrsquo e o papel das redaccedilotildees poacutes-sacerdotais na

composiccedilatildeo do Pentateucordquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 158)105 Em meio a uma

pluralidade enorme de teorias e estudos os quais natildeo podem ser inteiramente

harmonizados pode-se dizer que atualmente caminha-se na direccedilatildeo de alguns

consensos entre eles pode-se destacar

a) Eacute cada vez mais realccedilada a importacircncia do trabalho dos uacuteltimos redatores e

editores da ToraacutePentateuco O que natildeo leva a negligenciar a reconstruccedilatildeo

desde as origens dos documentos tradicionais utilizados pelos editores da

Toraacute

b) Reconhece-se aos poucos que os escribas responsaacuteveis pela composiccedilatildeo da

Toraacute natildeo foram simples compiladores de fontes antigas mas eram animados

por um projeto teoloacutegico bem preciso Resta no entanto compreender

melhor quais eram os principais programas ideoloacutegicos dos editores da Toraacute

na segunda metade da eacutepoca persa

c) A Toraacute em sua forma final ldquonatildeo eacute obra de um ou dois redatores isolados

mas constitui antes de mais nada uma literatura de acordo entre as

principais correntes religiosas e poliacuteticas da eacutepoca bem como um magistral

105 Para uma exposiccedilatildeo mais detalhada a respeito das propostas de soluccedilatildeo para esses trecircs principais problemas da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco consultar NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184

110

esforccedilo de siacutentese entre as diferentes tradiccedilotildees sobre o Israel antigo coletadas

no Templo de Jerusaleacutemrdquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 181)

d) Natildeo estaacute claro no entanto a identidade dos meios envolvidos nessa siacutentese

Algumas evidecircncias textuais fazem os estudiosos concordarem que poderia

haver trecircs categorias de escribas envolvidas escribas sacerdotais uma vez que

haacute evidecircncias de acesso agrave biblioteca do Segundo Templo escribas de

obediecircncia mais laical os quais poderiam ser herdeiros da escola

deuteronomista escribas samaritanos apesar de essa hipoacutetese necessitar ser

mais investigada eacute revelador que uma passagem tardia do Deuteronocircmio

(Dt 274-8) contenha uma instruccedilatildeo para a construccedilatildeo de um santuaacuterio sobre

o monte Garizim regiatildeo samaritana106 E mais impressionante ainda eacute o fato

de a arqueologia certificar que na verdade houve um santuaacuterio sobre esse

monte desde metade do seacuteculo V AEC o que corresponde agrave eacutepoca em que

as principais tradiccedilotildees da Toraacute comeccedilam a ser reunidas

e) Cai por terra cada vez mais a tese proposta por Peter Frei107 e aceita durante

um bom tempo por um grande nuacutemero de especialistas da ldquoautorizaccedilatildeo

imperialrdquo Segundo essa tese a administraccedilatildeo persa Aquemecircnida (cerca de

550-330 AEC tambeacutem conhecida como Primeiro Impeacuterio Persa fundado por

Ciro o Grande) teria encomendado a ediccedilatildeo da Toraacute agraves principais instacircncias

106 De fato haacute uma divergecircncia de leituras entre o texto massoreacutetico e aquele samaritano no versiacuteculo 4 do capiacutetulo 27 de Deuteronocircmio Enquanto o texto massoreacutetico lecirc ל רעיב ה ב (em monte Ebal) o Pentateuco Samaritano lecirc ב ים ז ר ג ר ה (em monte Garizim) cf ELLIGER K RUDOLPH W (1967-1977) p 332 Interessante observar que nos versiacuteculos 12 e 13 deste mesmo capiacutetulo retorna a menccedilatildeo ao monte Garizim ao inveacutes de Ebal Em Dt 1129 insiste-se que a becircnccedilatildeo seraacute colocada sobre o monte Garizim e a maldiccedilatildeo sobre o monte Ebal Muitos autores consideram a leitura samaritana como a mais antiga sendo que a inserccedilatildeo de Ebal poderia refletir a polecircmica entre os judeus e os samaritanos apoacutes o exiacutelio babilocircnico 107 Presente especialmente no artigo Zentralgewalt und Lokalautonomie im Achaumlmenidenreich In FREI Peter KOCH Klaus Reichsidee und Reichsorganisation im Perserreich 2 Aufl Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag Vandenhoeck amp Ruprecht 1996 p 5-131 (Orbis biblicus et orientalis 55) A primeira ediccedilatildeo dessa obra eacute de 1984 Na verdade segundo Konrad Schmid ldquoeacute importante reconhecer que a teoria foi independentemente formulada por Erhard Blum em meados da deacutecada de 1980 embora ele tenha publicado seus resultados apenas em 1990 No entanto nem Frei nem Blum inventaram esta teoria que jaacute havia sido proposta por Eduard Meyer [1896] Hans Heinrich Schaeder Martin Noth Edda Bresciani Ulrich Kellermann Wilhelm In der Smitten e outrosrdquo (SCHMID 2007 p 24)

111

religiosas e poliacuteticas de Judaacute em Jerusaleacutem108 A proacutepria existecircncia dessa

praacutetica de ldquoautorizaccedilatildeo imperialrdquo eacute posta em duacutevida uma vez que apenas

se conseguiu descobrir ateacute o momento documentos breves e estritamente

legislativos em povos daquela regiatildeo

f) Reforccedila-se atualmente a tese de que a ediccedilatildeo da Toraacute seja mais um

desenvolvimento interno agrave comunidade de Jerusaleacutem No entanto ainda

permanecem em aberto vaacuterias questotildees Sem duacutevida ldquoum projeto tatildeo

importante reflete provavelmente as ambiccedilotildees de Jerusaleacutem apoacutes a missatildeo

de Neemias em 445 AEC a qual possivelmente procurou reabilitar a cidade

como centro econocircmico e administrativo da proviacutencia da Judeiardquo (NIHAN

ROumlMER 2009 p 182) Eacute uma revitalizaccedilatildeo apoacutes o periacuteodo traacutegico do exiacutelio

babilocircnio Nessa busca por redefinir e fundamentar a identidade de Israel

pode ter-se dado contemporaneamente a preocupaccedilatildeo em reivindicar uma

autonomia em relaccedilatildeo ao Impeacuterio Persa uma vez que ele natildeo domina mais

o Egito e seu poder e influecircncia se enfraquecem na regiatildeo no final do V

seacuteculo e iniacutecio do IV AEC

Voltemos agora ao ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)109 agrave luz desses debates e teorias que

foram se sucedendo ao longo das uacuteltimas deacutecadas Um nuacutemero cada vez maior de

autores redescobre atraacutes da redaccedilatildeo do Pentateuco a existecircncia de vaacuterias coleccedilotildees

inicialmente independentes A partir daiacute pode-se extrair as seguintes conclusotildees110

108 As principais teorias e estudos a esse respeito podem ser encontrados em duas obras principais WATTS James W (Ed) Persia and Torah The Theory of Imperial Authorization of the Pentateuch Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2001 (Symposium 17) KNOPPERS Gary N LEVINSON Bernard M (Ed) The Pentateuch as Torah New Models for Understanding Its Promulgation and Acceptance Winona Lake (IN) Eisenbrauns 2007 109 Creio ser uacutetil nesse ponto fazer uma distinccedilatildeo entre ldquociclo de Jacoacuterdquo e ldquohistoacuterias de Jacoacuterdquo pois ambas expressotildees satildeo empregadas no estudo literaacuterio Sigo aqui Germano Galvagno (2009 p 10 n 2) ldquoPor lsquociclo de Jacoacutersquo entendemos o arco narrativo que vai do nascimento de Jacoacute e Esauacute ateacute o retorno do patriarca na terra de Canaatilde Gn 2519 ndash 3529 (ao qual pode-se ainda conectar 371) [] Por lsquohistoacuterias de Jacoacutersquo ao inveacutes entendemos o amplo arco narrativo que se estende do nascimento agrave morte e sepultura do patriarca agrave morte de Joseacute (Gn 2519 ndash 5026) um arco narrativo que compreende aleacutem do supracitado ciclo tambeacutem a histoacuteria de Joseacute e as vicissitudes ligadas agrave transferecircncia de Jacoacute e do seu clatilde agrave terra do Egitordquo 110 Aqui nesse ponto sou devedor de MANYANYA 2009 p 43-44

112

a) o ciclo de Jacoacute eacute provavelmente uma dessas coleccedilotildees muito antigas cuja

primeira versatildeo pode remontar agrave eacutepoca preacute-exiacutelica

b) aleacutem do Dt o escrito ou documento sacerdotal foi o uacutenico a ter sobrevivido

ao colapso do modelo documentaacuterio claacutessico (Julius Wellhausen) por isso os autores

tendem em geral a distinguir na histoacuteria de Jacoacute os textos de origem sacerdotal e

textos de outros meios De fato ldquoos textos sacerdotais do ciclo de Jacoacute quando eles satildeo

unidos entre si podem constituir um texto coerente e independente dos textos natildeo

sacerdotaisrdquo (MANYANYA 2009 p 44)

c) Quanto agrave natureza do material natildeo sacerdotal do ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)

aquilo que na teoria documental da formaccedilatildeo do Pentateuco era identificado com o

ldquoJeovistardquo (J + E) pode ser visto hoje como vaacuterias coleccedilotildees inicialmente independentes

entre si antes de virem a ser unidas por um redator e editor posteriores Assim o ciclo

de Jacoacute seria um dos testemunhos mais provaacuteveis de uma unidade literaacuteria autocircnoma

em suas origens

Com relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo do ciclo de Jacoacute ateacute o presente momento natildeo temos um

consenso mas apenas uma convergecircncia no sentido de que o relato autocircnomo antes

de ser unido agrave histoacuteria Patriarcal teria sido produzido no Reino do Norte isto eacute Israel

por autores preacute-sacerdotais antes da anexaccedilatildeo realizada pela Assiacuteria por volta de 722-

720 AEC111

Na terceira fase da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco (anos 1970-1980)

na qual se daacute a contestaccedilatildeo da teoria documentaacuteria o ciclo de Jacoacute natildeo mereceu uma

atenccedilatildeo muito grande Destacam-se os estudos empreendidos por Eckart Otto112 o

111 Erhard Blum defende que teria sido por volta do reinado de Jeroboatildeo II (cerca de 783-743) antes de Oseacuteias um processo de composiccedilatildeo em duas etapas possivelmente sob a esfera de influecircncia do santuaacuterio de Betel (cf BLUM 2012 p 210) Vaacuterios estudiosos com algumas diferenccedilas natildeo fundamentais concordam com ele entre os quais CARR 1996 p 288-289 ROumlMER 2001 p 189-190 MACCHI 2001 p 148-152 Embora alguns enfatizaram que a anaacutelise criacutetica literaacuteria natildeo permite a reconstruccedilatildeo precisa da fase literaacuteria anterior que estava por traacutes da composiccedilatildeo do seacuteculo VIII AEC CARR 1996 p 256-271 298-300 ALBERTZ 2003 p 251-252 SCHMID 2010 p 97-117 112 Em seu artigo intitulado Jakob in Bethel Ein Beitrag zur Geschichte der Jakobuumlberlieferung Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft Berlin New York Walter de Gruyter v 88 p 165-190 1976 E em sua obra Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament [BWANT] 110)

113

qual foi o uacutenico a continuar vendo nesse ciclo de Jacoacute um fragmento isolado de um

passado distante Para outros como Bernd Joslashrg Diebner113 a finalidade do ciclo de

Jacoacute seria simplesmente convidar os judeus que ficaram no paiacutes durante o exiacutelio

babilocircnio a buscar suas esposas junto aos seus parentes da diaacutespora os uacutenicos

representantes do ldquoverdadeiro Israelrdquo Em sua tese doutoral Thomas Roumlmer114 desfere

um ataque violento agrave questatildeo da antiguidade da tradiccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Ele

demonstra que os ldquoPaisrdquo evocados frequentemente pelo Deuteronocircmio natildeo eram os

antigos patriarcas mas exclusivamente a geraccedilatildeo daqueles que haviam vivenciado a

saiacuteda do Egito a permanecircncia no deserto e a entrada na terra A conclusatildeo oacutebvia eacute que

as personagens de Gn 12ndash50 foram ldquoconvidadasrdquo ao Pentateuco no periacuteodo poacutes-exiacutelico

e que eram produto da eacutepoca persa de Israel Nessa linha tambeacutem vatildeo Martin Rose115

e John Van Seters116 os quais veratildeo o antigo Javista como um historiador poacutes-

deuteronomista do seacuteculo V AEC Uma postura um tanto diferente havia assumido

Rolf Rendtorff117 e em seguida seu aluno Erhard Blum118 Os quais natildeo negam a

possibilidade de antiguidade das tradiccedilotildees da histoacuteria das origens da histoacuteria

Patriarcal da histoacuteria de Moiseacutes do Sinai e outras mas insistem que o projeto

conceitual e literaacuterio que une essas histoacuterias eacute de dataccedilatildeo mais recente possivelmente

deuteronomista ou sacerdotal Blum chega a postular uma origem relativamente

antiga para o ciclo de Jacoacute119 Segundo ele todo o processo de criaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute

113 Essa tese eacute exposta em dois artigos em coautoria com H Schult Die Ehen der Erzvaumlter Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 8 p 2-10 1975 O segundo artigo eacute Alter und geschichtlicher Hintergund von Gn 24 Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 10 p 10-17 1975 114 Israels Vaumlter Untersuchungen zur Vaumlterthematik im Deuteronomium und in der deuteronomistischen Tradition Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag 1990 115 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 116 Prologue to History The Yahwist as Historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 117 Das uumlberlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch Berlin New York Walter de Gruyter 1976 118 Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) 119 Esse autor vecirc no ciclo de Jacoacute trecircs etapas redacionais Jakoberzaumlhlung (narrativa de Jacoacute) da eacutepoca da monarquia daviacutedico-salomocircnica incluindo Gn 2521-34 27 28 292-30 3025-43 3117-3244-53 mas sem o relato de PenielFanuel nem o segundo encontro de Jacoacute com Esauacute Sob o reinado de Jeroboatildeo I essa histoacuteria de Jacoacute teria sofrido uma reinterpretaccedilatildeo importante especialmente atingindo a narrativa da teofania de Betel (enfim com a promessa) e introduzindo um segundo encontro com Esauacute e o combate noturno em PenielFanuel Essa seria entatildeo a segunda etapa redacional denominada por Blum como Kompositionsschicht (camada de composiccedilatildeo) A terceira etapa seria aquela chamada de

114

se estenderia da era daviacutedica o reinado de Jeroboatildeo II e o final do reino do norte

Outro influente autor vai nessa linha trata-se de David M Carr (1996 p 256-271) o

qual tambeacutem vecirc uma existecircncia autocircnoma para o ciclo de Jacoacute antes dele ser unido agraves

demais tradiccedilotildees patriarcais Carr postula que esse ciclo de Jacoacute foi unido ao de Joseacute

antes de ser enriquecido de diferentes fragmentos de origem judaica para formar uma

obra literaacuteria que ele qualifica como ldquoproto-Gecircnesisrdquo120 e isso teria se dado apoacutes a

queda do Reino do Norte Esse material teria sido revisado por teoacutelogos pretensamente

proacuteximos do Deuteronomista antes do exiacutelio babilocircnio Ainda segundo Carr o proto-

Gecircnesis teria sido compilado com a fonte sacerdotal por volta do V seacuteculo AEC para

constituir uma obra integral proacutexima do Gecircnesis canocircnico atual

No entanto essa excessiva divisatildeo do ciclo em textos isolados minuacutesculos

pertencentes a diferentes eacutepocas histoacutericas natildeo deixa de ser problemaacutetica ldquoComo natildeo

ver que uma histoacuteria de fraude como Gn 27 seja inconcebiacutevel sem uma sequecircncia ou

histoacuterias de encontros como Gn 28 ou Gn 32 sejam incompreensiacuteveis sem um contexto

narrativordquo (PURY 2001 p 218)121

Na opiniatildeo desse mesmo autor (Albert de Pury) a histoacuteria de Jacoacute apresenta

uma loacutegica muito forte e incontornaacutevel a cada etapa do crescimento literaacuterio de seu

ciclo

Esta loacutegica pretende que um heroacutei excluiacutedo encontre acolhimento em um clatilde estrangeiro e consiga graccedilas aos seus talentos sua perseveranccedila e sua astuacutecia natildeo somente desposar as filhas do xeique e obter numerosos filhos mas ainda enriquecer-se e depois finalmente compelir o clatilde-matildee a reconhecer a famiacutelia novamente constituiacuteda como um clatilde autocircnomo Tudo aquilo que conteacutem o ciclo de Jacoacute os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees de tensotildees os encontros divinos a partida o ou os retornos tudo se explica por esta loacutegica onipresente Tudo isso natildeo tem necessidade de ser da mesma proveniecircncia ou

Jakobgeschichte (histoacuteria de Jacoacute) que teria integrado uma primeira versatildeo da histoacuteria de Joseacute realizando uma ligaccedilatildeo com a histoacuteria de Moiseacutes (cf PURY 2001 p 218 n 14) 120 Nas proacuteprias palavras de Carr a expressatildeo ldquoproto-Gecircnesisrdquo que ele emprega ldquodesigna o estaacutegio mais antigo no qual a histoacuteria primitiva e o material relativo a todas as trecircs figuras ancestrais foi unido em uma uacutenica narrativa De fato alguns indicadores neste material do proto-Gecircnesis sugeriria que poderiacuteamos estar lidando aqui com um lsquoproto-Pentateucorsquordquo (CARR 1996 p 177) 121 Cf tambeacutem PURY 2002 p 263-270 e The Jacob story and the beginning of the formation of the Pentateuch In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 59-72 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34)

115

da mesma eacutepoca mas tudo natildeo eacute concebido ou natildeo ocorre que a partir do destino de Jacoacute assim delineado (PURY 2001 p 219)

O ponto de partida desse autor eacute a suposiccedilatildeo de que a histoacuteria de Jacoacute deve ser

lida como uma saga de fundaccedilatildeo autocircnoma dos filhos de Jacoacute ou os filhos de Israel

Como uma lenda das origens da sociedade tribal israelita que reflete a famiacutelia clatilde e

tribos do Israel preacute-monaacuterquico Ela representa as relaccedilotildees de Israel com seus ldquoirmatildeosrdquo

vizinhos ou seja EsauacuteEdom e LabatildeoHaratilde bem como reivindicaccedilotildees territoriais de

Israel lugares de culto (Betel Siqueacutem e Peniel) e centros urbanos (Masfa Maanaim

Sucot) Esse autor ndash de Pury ndash sugeriu uma espeacutecie de estratigrafia textual para datar

a histoacuteria Ele examinou a profecia de Oseacuteias 12 (cf PURY 2001 p 227-235) e propocircs

que o profeta estava ciente da histoacuteria de Jacoacute em Gecircnesis 25ndash35 e portanto a histoacuteria

pelo menos em sua forma oral antecedeu a profecia que foi composta por escrito no

final do seacuteculo VIII AEC Ele ainda sugeriu que a histoacuteria de Jacoacute influenciou a

formaccedilatildeo da figura de Moiseacutes em Ecircxodo 2ndash4 e que o autor sacerdotal (PG)122 conhecia

a histoacuteria de Jacoacute e usou-a para formar a sua proacutepria composiccedilatildeo do iniacutecio da histoacuteria

de Israel Com base nessas evidecircncias de Pury datou a histoacuteria natildeo-sacerdotal de Jacoacute

em Gecircnesis 25ndash35 como sendo do seacuteculo VIII AEC ou um pouco mais recente antes da

anexaccedilatildeo pela Assiacuteria do Reino do Norte em 720 AEC Ele ainda lanccedilou a hipoacutetese que

a histoacuteria de Jacoacute representa a maior lenda de origem do norte israelita cujas raiacutezes

podem remontar tatildeo cedo quanto o periacuteodo preacute-monaacuterquico

De Pury identifica que o autor sacerdotal parece ter escrito por volta de 530 a

500 AEC no iniacutecio da dominaccedilatildeo persa e possivelmente no contexto da reconstruccedilatildeo

do Templo de Jerusaleacutem (520-515 AEC) De fato haacute uma certa convergecircncia em

identificar os textos sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute como sendo as seguintes

passagens123 Gn 257-1719-2026d 2634-35 2746 281-9 356a11-1315 () 3118a

359-1022d-29 36940-43 Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) natildeo seria de autoria

sacerdotal apesar de ldquodialogarrdquo com a mesma na composiccedilatildeo final da obra do

122 Esse ldquoGrdquo em sobrescrito agrave abreviaccedilatildeo para o documento sacerdotal (P) significa ldquoprimitivordquo (do alematildeo Grundschrift) essencialmente narrativo sem a incorporaccedilatildeo da parte legislativa legal 123 Cf PURY 2001 p 222-223 LOHFINK 1996 p 14 A sequecircncia dos textos eacute uma proposta de Albert de Pury

116

Pentateuco Segundo de Pury (2001 p 225) o autor sacerdotal conhece obviamente

as duas cenas do encontro divino com Jacoacute (Gn 2810-22 ndash com a promessa e Gn 3223-

33 ndash com o dom do nome de Israel)124 Ainda segundo esse autor o escrito sacerdotal

natildeo funde esses dois episoacutedios em um soacute como aparece atualmente em Gn 359-15 mas

deveria haver na redaccedilatildeo sacerdotal primitiva (PG) duas cenas Gn 356a11-15

(apariccedilatildeo divina com a promessa de descendecircncia que corresponde agrave antiga tradiccedilatildeo

de Gn 2810-22) e Gn 359-10 (apariccedilatildeo divina quando Jacoacute retorna de Padatilde-Aram com

a mudanccedila do nome de Jacoacute em Israel o que corresponderia a Gn 3223-33)

A suposiccedilatildeo de que a maior parte da histoacuteria de Jacoacute preacute-sacerdotal foi

composta no reino do norte Israel antes da conquista Assiacuteria pode ser considerada a

mais amplamente aceita na investigaccedilatildeo biacuteblica recente Alguns estudiosos localizam

essa redaccedilatildeo mais no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico como eacute o caso de Bert Dicou125 e

Harald Martin Wahl126 Mario Liverani127 abordou a histoacuteria do ciclo patriarcal em sua

forma final como uma uacutenica unidade e sugeriu que seus principais contornos situam-

se no periacuteodo poacutes-exiacutelico embora ele faccedila derivar a maior parte de suas informaccedilotildees

das tradiccedilotildees originaacuterias da terra de Israel (reino do norte) Entre os elementos poacutes-

exiacutelicos nessas histoacuterias Liverani destaca as relaccedilotildees dos patriarcas com os vizinhos

de Israel (em particular os edomitas arameus e aacuterabes) a terra que estaacute vazia de reinos

locais a proibiccedilatildeo do casamento com os cananeus locais e o casamento com primos

que viviam na Alta Mesopotacircmia que deve ser lida agrave luz da situaccedilatildeo poacutes-exiacutelica da

relaccedilatildeo entre os retornados e os remanescentes na terra

124 Mais que isso segundo este estudioso o ldquoautor sacerdotal por volta de 520 [AEC] conhece o ciclo de Jacoacute praticamente em sua configuraccedilatildeo atual Certamente isso natildeo significa que P conhecesse a histoacuteria de Jacoacute jaacute unida agravequela de Abraatildeo ou servindo jaacute de proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes [] mas natildeo haacute duacutevida que na sua arquitetura interna senatildeo em todos os seus detalhes a histoacuteria de Jacoacute tinha jaacute a forma que noacutes conhecemos em Gn 25 ndash35rdquo (PURY 2001 p 225-226) 125 Edom Israelrsquos Brother and Antagonist The Role of Edom in Biblical Prophecy and Story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 126 Die Jakobserzaumlhlungen Studien zu ihrer muumlndlichen Uumlberlieferung Vorschriftung und Historizitaumlt Berlin New York Walter de Gruyter 1997 127 Israelrsquos History and the History of Israel London Oakville Equinox Publishing 2005

117

Em estudos mais recentes contudo tecircm surgido alguns problemas em relaccedilatildeo

a essas propostas de contextualizaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Basicamente podemos destacar

dois em especial128

a) Falta uma explicaccedilatildeo razoaacutevel a respeito da aacutecida inimizade que vaacuterios

autores identificam entre JacoacuteIsrael e EsauacuteEdom e para o temor de Israel

em relaccedilatildeo ao poder de EsauacuteEdom Isso se assumirmos que a histoacuteria de

Jacoacute tenha sido escrita no Reino de Israel (do Norte)129 Eacute de se observar que

durante o periacuteodo monaacuterquico o Reino de Israel era muito mais forte que

aquele de Edom e este em nenhum momento poderia ter sido uma ameaccedila

a Israel Mesmo porque os dois reinos localizavam-se em regiotildees

geograacuteficas remotas o que dificultaria relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e

culturais tais como aquelas refletidas na histoacuteria de Jacoacute Portanto datar os

episoacutedios de Esauacute e Jacoacute na eacutepoca da monarquia israelita do norte contrasta

com a realidade dos seacuteculos X ao VIII AEC

b) Tendo em conta a origem local dos habitantes de Israel e de Judaacute e as

contiacutenuas relaccedilotildees hostis com os arameus em mente ldquonenhuma explicaccedilatildeo

foi oferecida para os supostos viacutenculos familiares de proximidade entre a

famiacutelia Patriarcal e um grupo de arameus que viviam na Alta Mesopotacircmiardquo

(NArsquoAMAN 2014 p 98) ou para a busca de noivas arameias para Isaac e

Jacob nesta regiatildeo Historiadores e arqueoacutelogos concordam nos dias atuais

que os grupos populacionais da Era do Ferro I-IIA (dos seacuteculos XII ao IX

128 Aqui fundamento-me em NArsquoAMAN 2014 p 98 129 Vaacuterios estudiosos jaacute sugeriram que a identificaccedilatildeo de Esauacute e monte Seir com Edom eacute secundaacuteria e que originalmente Esauacute era uma figura independente natildeo relacionada a Edom Entre os que assim pensam temos MAAG V Jacob-Esau-Edom In Theologische Zeitschrift Basel Theologischen Fakultaumlt der Universitaumlt Basel v 13 p 418-429 1957 BARTLETT JR The land of Seir and the brotherhood of Edom In Journal of Theological Studies Oxford (UK) Oxford University Press v XX n 1 p 1-20 Apr 1969 BARTLETT JR Edom and the Edomites Sheffield Sheffield Academic Press 1989 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 77) p 175-180 RAD Gerhard von El libro del Genesis Trad Santiago Romero Salamanca Siacutegueme 1977 (Biblioteca de Estudios Biblicos 18) NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 94-98 192-193 OTTO Eckart Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Berlin Koumlln Mainz Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 110) p 24-40 DICOU Bert Edom Israels Brother and Antagonist The role of Edom in biblical prophecy and story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 169) p 137-154 SKA 2001 p 11-21

118

AEC aproximadamente) que se estabeleceram nas terras altas de Canaatilde e

mais tarde fundaram os reinos de Israel e Judaacute viviam anteriormente seja

na Terra de Canaatilde como proacuteximos agraves suas fronteiras Outra informaccedilatildeo

importante eacute que o arameus eram inimigos de Israel ao longo da histoacuteria do

Reino do Norte como aparece indicado nos relatos do livro de Reis na

inscriccedilatildeo de Tel Dan e na profecia de Amoacutes

Aleacutem desses dois aspectos histoacuterico-culturais deve-se levar em consideraccedilatildeo

que outros detalhes na histoacuteria de Jacoacute preacute-Sacerdotal refletem uma dataccedilatildeo exiacutelica ou

poacutes-exiacutelica Portanto natildeo se encaixam na suposiccedilatildeo largamente aceita de uma obra

israelita do norte composta antes da conquista assiacuteria de 720 AEC Nessa tentativa de

dataccedilatildeo (seacutec VIII AEC) os estudiosos sugeriram que todos esses elementos elencados

anteriormente natildeo eram originais agrave histoacuteria de Jacoacute Alguns desses dados considerados

secundaacuterios no entanto satildeo muito reveladores Vejamos130

a) A histoacuteria preacute-Sacerdotal de Jacoacute comeccedila e termina em regiotildees sem nenhuma

relaccedilatildeo com o Reino do Norte No princiacutepio da histoacuteria a famiacutelia de Jacoacute

reside em Bersabeia (heb Buumlacuteeumlr šaumlordmba`) bem distante da fronteira sul do Reino

do Norte (Gn 262333) O ciclo de Jacoacute termina com o sepultamento de

Raquel proacuteximo a EacutefrataBeleacutem (Gn 3519) novamente em territoacuterio de

Judaacute Para superar essas dificuldades Bersabeia foi omitida do ciclo original

de Jacoacute Beleacutem em Gn 3519 foi considerada uma glosa e o tuacutemulo de Raquel

foi identificado na fronteira norte de Benjamin proacuteximo agrave fronteira

meridional do Reino de Israel131

b) Uma vez que o conceito de Doze tribos (Gn 2931ndash3024 3516-18) eacute estranho

agrave realidade do Reino do Norte os defensores de uma redaccedilatildeo preacute-

dominaccedilatildeo assiacuteria para o ciclo de Jacoacute considerou essa unidade como sendo

de origem independente que foi secundariamente unida a esse contexto132

130 Aqui novamente sou devedor da siacutentese de NArsquoAMAN 2014 p 99 131 Apoiam essa teoria BLUM Erhard Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) p 207-208 CARR 1996 p 260-261 132 Defendem essa proposta NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 99-100 BLUM Erhard Op cit p 110-111 169-171 VAN SETERS John Prologue to History The Yahwist as historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 p 278 CARR 1996 p 263

119

c) A localidade de Haratilde (em acaacutedio iumlarrānu) tornar-se-aacute proeminente apoacutes os

uacuteltimos anos do impeacuterio assiacuterio em particular sob o impeacuterio neobabilocircnico

Portanto do final do seacuteculo VIII ao VI AEC No entanto ela aparece em

destaque no ciclo de Jacoacute Haratilde eacute mencionada trecircs vezes para indicar a

localizaccedilatildeo da famiacutelia de Labatildeo (Gn 2743 2810 294) A localizaccedilatildeo da

famiacutelia atraveacutes do ldquoriordquo (ou seja o Eufrates) eacute explicitamente observada em

Gn 3121 A fim de superar tais incongruecircncias estudiosos sugeriram que

essas localidades ndash Haratilde e o Eufrates ndash satildeo fruto de inserccedilotildees tardias obra

de um compilador133

d) Outro elemento estranho ao periacuteodo da monarquia de Israel (Reino do

Norte) eacute a forma de ldquopromessasrdquo Uma tese aceita pela maior parte dos

especialistas admite que as promessas aos ancestrais de Israel surgiram

primeiramente em uma eacutepoca em que a existecircncia de Israel estava muito

ameaccedilada provavelmente no periacuteodo exiacutelico134 Ademais as promessas

feitas a Jacoacute estatildeo estreitamente ligadas agravequelas realizadas a Abraatildeo e

algumas promessas feitas a Abraatildeo foram cumpridas durante o ciclo de Jacoacute

Novamente alguns estudiosos procuram minimizar esse dado afirmando

que as promessas satildeo elementos secundaacuterios no ciclo original de Jacoacute135

e) Finalmente haacute o caso das ldquodivindadesrdquo ou ldquopoderes celestiaisrdquo136 de

Abraatildeo Nacor e Isaac mencionados no episoacutedio do encontro de Jacoacute e Labatildeo

proacuteximo a Masfa (Gn 314253) o que parece indicar que o autor estava

familiarizado com suas histoacuterias Em consequecircncia tambeacutem essas passagens

satildeo consideradas secundaacuterias em relaccedilatildeo ao ciclo original de Jacoacute

133 Tese de BLUM Erhard Op cit p 164-167 134 Quem primeiramente fez essa constataccedilatildeo foi Jacob Hotijzer em sua obra Die Verheissungen an die drei Erzvaumlter publicada em 1956 pela Brill de Leiden na Holanda 135 Eacute o caso de EMERTON John Adney The origin of the promises to the Patriarchs in the older sources of the book of Genesis In Vetus Testamentum Leiden Brill v 32 fasc 1 p 14-32 Jan 1982 BLUM Erhard Op cit p 152-164 297-301 VAN SETERS John Op cit p 298-300 ALBERTZ Rainer Israel in exile The history and literature of the sixth century BCE Trad David Green Atlanta (GE) Society of Biblical Literature 2003 (Studies in Biblical Literature) p 246-251 SCHMID 2010 p 97-101 136 A Biacuteblia de Jerusaleacutem traduz essa divindade como o ldquoParenterdquo de Isaac pode ser traduzido tambeacutem por ldquoo TemorTerror de Isaacrdquo

120

Apoacutes fornecer um amplo quadro de informaccedilotildees arqueoloacutegicas histoacutericas e

literaacuterias Nadav Narsquoaman (cf 2014 p 100-116) chega agraves seguintes conclusotildees a

respeito da dataccedilatildeo da composiccedilatildeo preacute-Sacerdotal das histoacuterias de Jacoacute

(1) A influecircncia das obras literaacuterias babilocircnicas na formaccedilatildeo dos dois episoacutedios centrais da histoacuteria de Jacoacute137 aponta para um periacuteodo no qual o Impeacuterio Babilocircnico governava a terra de Israel

(2) Versotildees mais recentes de vaacuterias obras literaacuterias do norte-israelitas e judaicas estavam disponiacuteveis ao autor

(3) Natildeo existiam reinos na vasta aacuterea entre Bersabeia e Masfa e todos os territoacuterios dos antigos reinos de Israel e Judaacute satildeo apresentados como uma entidade poliacutetica Esta realidade reflete o tempo apoacutes a anexaccedilatildeo babilocircnica de todos os reinos na regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo VI AEC

(4) Haratilde o principal centro urbano da Alta Mesopotacircmia no final dos seacuteculos VIII-VI eacute apresentada como um local-chave no ciclo histoacuterico patriarcal

(5) Referecircncias expliacutecitas a Jerusaleacutem estatildeo faltando na descriccedilatildeo o que indica que a cidade foi colocada em ruiacutenas no momento da composiccedilatildeo ndash ou seja depois de 586 AEC

(6) A grave ameaccedila dos edomitas (Esauacute) sobre Israel (Jacoacute) indica que a histoacuteria de Jacoacute foi escrita depois da queda do Reino de Judaacute numa eacutepoca em que os edomitas comeccedilaram a se expandir para o norte e ameaccedilaram os habitantes do Negueb da Sefelaacute as terras altas de Hebron

(7) As promessas de prole e de terra e as becircnccedilatildeos refletem o periacuteodo exiacutelico quando a mera existecircncia dos que permaneceram na terra estava em perigo

(8) As esperanccedilas de retorno dos deportados assiacuterios e babilocircnios refletem o periacuteodo exiacutelico apoacutes as deportaccedilotildees de judeus para a Babilocircnia em 598 e 5876

Esta evidecircncia esclarece que a histoacuteria Patriarcal preacute-sacerdotal foi escrita pouco depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e da anexaccedilatildeo babilocircnica de Judaacute e dos reinos da Transjordacircnia Uma data em meados do seacuteculo VI um pouco antes da ascensatildeo do impeacuterio persa se encaixa bem todas as evidecircncias disponiacuteveis (NArsquoAMAN 2014 p 116-117)

Enfim a autoria dessas histoacuterias patriarcais poderia ser identificada como tendo

as seguintes caracteriacutesticas138

a) Local de redaccedilatildeo na regiatildeo de Betel que desde o tempo de Josias foi incluiacuteda

no Reino de Judaacute fazendo fronteira com a proviacutencia assiacuteria e babilocircnica de

Samaria Isso eacute perceptiacutevel pelo fato dos relatos patriarcais manifestarem

uma familiaridade com os lugares do sul de Judaacute e regiotildees vizinhas ao sul e

com as tradiccedilotildees orais de Judaacute De outro lado percebe-se tambeacutem uma

137 Segundo o autor seriam as periacutecopes de Gn 2810-22 (o sonho em Betel) e Gn 3223-33 (a luta com o ser divino e a mudanccedila de nome) 138 Cf NArsquoAMAN 2014 p 117-119

121

familiaridade com os centros urbanos norte-israelitas e suas memoacuterias

culturais Por isso a sua obra conteacutem elementos das histoacuterias orais de ambas

as regiotildees (Judaacute e Israel) bem como de obras literaacuterias a elas pertencentes

Por isso ldquodescreveu em detalhes as lendas de fundaccedilatildeo dos dois principais

templos de Judaacute (Jerusaleacutem) e Israel (Betel) enfatizando a santidade de sua

proacutepria cidaderdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

b) Finalidade dessa produccedilatildeo literaacuteria a histoacuteria Patriarcal portanto veio ao

encontro da necessidade de criar-se uma cultura comum entre as vaacuterias

tribos e povos que se encontravam naquela regiatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-

exiacutelico A base dessa cultura era ldquoo conceito da unidade autoacutectone do povo

de Israelrdquo o qual ldquotornou-se o conceito ideoloacutegico central para a elite e os

escribas das duas comunidades [Israel e Judaacute]rdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

Essa criaccedilatildeo literaacuteria foi um passo decisivo nos esforccedilos para constituir uma

histoacuteria e uma identidade comuns para as duas comunidades que

permaneceram na terra Esse ciclo histoacuterico Patriarcal apresenta uma

inovaccedilatildeo ao conceber seja os trecircs ancestrais (Abratildeo Isaac e Jacoacute) do povo

como as Doze Tribos como uma corporificaccedilatildeo da origem segregada de

Israel

c) Formaccedilatildeo dessa literatura essa histoacuteria Patriarcal nela incluiacutedo o ciclo de

Jacoacute eacute uma narrativa baseada em tradiccedilotildees orais cujo ldquoescopo e detalhe natildeo

podem ser estabelecidos o que o autor aumentou consultando algumas

fontes escritas e adicionando vaacuterios elementos literaacuterios e ideoloacutegicos de sua

proacutepria imaginaccedilatildeo criativardquo (NArsquoAMAN 2014 p 119) Algumas dessas

tradiccedilotildees incluiacutedas nos relatos patriarcais eram provavelmente memoacuterias

culturais genuiacutenas de Israel e Judaacute mas traccedilar uma clara linha divisoacuteria entre

as tradiccedilotildees orais suas elaboraccedilotildees literaacuterias e as tradiccedilotildees inventadas do

narrador eacute impossiacutevel

d) Sitz im Leben da histoacuteria Patriarcal o ciclo de Jacoacute-Esauacute reflete a anguacutestia de

Judaacute como resultado da expansatildeo de Edom no sul por um lado e a

esperanccedila de reconciliaccedilatildeo e retorno ao status quo anterior por outro O fato

de Bersabeia aparecer como local-sede dos Patriarcas que anteriormente

122

marcava o limite sul de Judaacute com Edom e provavelmente foi destruiacuteda no

momento em que o ciclo de histoacuteria foi composto reflete a esperanccedila de

retorno agraves fronteiras existentes no glorioso periacuteodo monaacuterquico dos dois

reinos

e) Gecircnero literaacuterio seguindo uma proposta de ROumlMER (cf 2012 p 69-71) as

duas primeiras partes da BH (Toraacute e Nebiim) podem ser interpretadas como

ldquoliteratura de criserdquo como respostas diferentes agrave perda da independecircncia

poliacutetica e da monarquia apoacutes 587 AEC (queda de Jerusaleacutem capital do Reino

de Judaacute) Contudo a resposta que a histoacuteria Patriarcal fornece eacute diferente

daquela redigida pelos escribas da diaacutespora babilocircnica que enfatizam mais

a terra de Israel como ldquoTerra Vaziardquo e representam a comunidade dos

deportados constituiacuteda em sua maioria por pessoas da corte e integrantes

das camadas mais abastadas (cf ROumlMER 2012 p 71) como sendo o

ldquoverdadeirordquo Israel A perspectiva do nosso autor eacute diversa indo mais na

linha daquilo que encontramos no profeta Ezequiel (3324) ldquoos habitantes

daquelas ruiacutenas na terra de Israelrdquo A crise eacute vista por esse gecircnero de

literatura em uma triacuteplice perspectiva como ocasiatildeo para preparar algo de

novo em uma visatildeo mais utoacutepica oportunidade para retornar agraves origens

aos fundamentos da accedilatildeo divina e por uacuteltimo como momento para se

analisar o que aconteceu buscando compreender melhor as razotildees os

motivos dos problemas vividos139

f) Destinataacuterios a obra destinava-se a um puacuteblico composto pela elite e pela

comunidade mais ampla do ldquoNovo Israelrdquo ou seja os habitantes dos antigos

reinos de Israel e Judaacute O ciclo histoacuterico dos Patriarcas aiacute incluiacutedo aquele de

139 Cf ROumlMER 2012 p 70 Esse autor se inspira na teoria socioloacutegica de Armin Steil (Krisensemantik Wissenssoziologische Untersuchungen zu einem Topos moderner Zeiterfahrung Oplanden Leske amp Buderich 1993) que analisando as mudanccedilas socioeconocircmicas e ideoloacutegicas que conduziram agrave Revoluccedilatildeo Francesa constatou que a semacircntica da crise comportava a elaboraccedilatildeo de diferentes modelos ideoloacutegicos como reaccedilatildeo ao colapso do Antigo Regime Steil identifica trecircs atitudes caracterizadas por nomes da tradiccedilatildeo religiosa o profeta (escatoloacutegico-utoacutepico) que enxerga na crise a oportunidade para mudanccedilas para o ldquonovordquo o sacerdote (miacutetico-ciacuteclico) que vecirc na crise a ocasiatildeo para retornar agraves origens agraves instituiccedilotildees fundadas pela accedilatildeo divina e o mandarim (remoto explicativo) que visualiza na crise a necessidade de uma anaacutelise explicativa para a sua ocorrecircncia Segundo Roumlmer esse modelo pode ser aplicado na anaacutelise da literatura biacuteblica especialmente da Toraacute e Nebiim (profetas)

123

Jacoacute representou um importante passo para criar um sentido de unidade

entre os devotos de YHWH que permaneceram na terra

Obviamente esta teoria defendida por NArsquoMAN natildeo eacute aceita por todos os

pesquisadores bem como natildeo estaacute livre de questionamentos Uma vez que os textos

que compotildeem o ciclo de Jacoacute como eacute o nosso caso apresentarem provaacuteveis

diversidades de origem e finalidade Como jaacute vimos haacute uma justaposiccedilatildeo de materiais

sacerdotais e natildeo-sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute Sem falar que muitos autores

natildeo conseguem ver no territoacuterio de Israel durante o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

grupos que pudessem produzir um material como este que estamos analisando

Contudo natildeo podemos esquecer que grupos profeacuteticos seguiram presentes na suposta

ldquoTerra Vaziardquo do Israel do periacuteodo exiacutelico Eacute o caso de Ezequiel como jaacute foi

mencionado

Portanto tendemos a aceitar como muito provaacutevel a proposta de NArsquoAMAN

devido ao seu forte embasamento histoacuterico arqueoloacutegico e literaacuterio sendo capaz de

explicar muitas divergecircncias e dificuldades que o texto apresenta sem ter de recorrer

frequentemente a justificativas do tipo satildeo textos acrescentados tardios satildeo glosas

introduzidas por copistas satildeo textos secundaacuterios ao conjunto da histoacuteria do texto e

assim por diante

Nesse sentido o estudo de SWEENEY (2016 p 236-255) confronta aquele que

jaacute apresentamos de NArsquoMAN (2014) Uma vez que para NArsquoAMAN a redaccedilatildeo do ciclo

de Jacoacute se daacute durante e logo apoacutes o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico voltado para os que

ficaram na terra de Israel e que necessitam ter forccedilas e esperanccedilas para poder voltar a

ser uma naccedilatildeo As frequentes e importantes referecircncias a localidades no antigo Reino

do Norte (Israel) que para SWEENEY seria uma indicaccedilatildeo de que a narrativa do ciclo

de Jacoacute eacute realizada a partir dessa perspectiva para NArsquoAMAN eacute somente uma forma

do autor unir tradiccedilotildees do norte e do sul para dar um caraacuteter unificado agraves origens do

povo para que esse somasse forccedilas na reconstruccedilatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico

Portanto o debate permanece em aberto uma vez que os mesmos textos e os mesmos

fatos histoacutericos podem motivar interpretaccedilotildees e dataccedilotildees bem diferentes para o

periacuteodo de redaccedilatildeo final do ciclo de Jacoacute

124

Para nosso escopo o mais importante no momento eacute compreendermos a

estruturaccedilatildeo do texto e analisarmos aquilo que ela potildee em evidecircncia

5 Delimitaccedilatildeo e estrutura

O nosso texto (Gn 3223-33) eacute cuidadosamente inserido no contexto do retorno

de Jacoacute para a terra de Israel e o seu reencontro com Esauacute seu irmatildeo Haacute uma

sequecircncia geograacutefica em princiacutepio muito loacutegica a amparar a narrativa140

a) Jacoacute separa-se de Labatildeo seu tio em Galaad (Gn 31)

b) depois Jacoacute passa por Maanaim (Gn 321-3)

c) atravessa o rio Jaboc141 proacuteximo de Fanuel (3223-33)

d) desce no sentido do rio alcanccedilando Sucot (Gn 3317) e

e) chega finalmente a Siqueacutem na regiatildeo montanhosa central da Palestina (Gn

3317-20)

O autor inclui durante esse itineraacuterio as diversas etapas do reencontro de Jacoacute

com Esauacute o irmatildeo que ele enganara para obter a becircnccedilatildeo da primogenitura

a) Jacoacute envia mensageiros ao encontro de seu irmatildeo os quis retornam com

notiacutecias nada boas (Gn 323-6)

b) na busca de evitar o pior Jacoacute divide suas posses em vaacuterios rebanhos e envia

a Esauacute generosos presentes (Gn 27-813-22)

c) quando verifica o avanccedilo de seu irmatildeo com os homens dele divide suas

mulheres e seu filhos para poupaacute-los de algo ruim (Gn 3223-25)

d) em seguida vai ao encontro de Esauacute passando adiante de todos (Gn 331-3)

e) Agora finalmente acontece a reconciliaccedilatildeo (Gn 334-16)

A uniatildeo dos elementos geograacuteficos com a narrativa acaba formando uma

estrutura quiaacutestica interessante onde a cena de abertura e de encerramento trazem

algo de manifestaccedilatildeo transcendente bem como a cena central

Vejamos142

140 Acompanho aqui DIETRICH 2001 p 202-203 141 Eacute consenso que este rio seja o atual Nahr ez-Zerkauml (Rio Azul) em aacuterabe cujo curso intermediaacuterio separa

Gebel `Aglun de el-Belkauml e que flui para o Jordatildeo cerca de 32 km ao norte do Mar Morto (cf SKINNER

1994 p 408) 142 Vaacuterios estudiosos apoiam a grosso modo esse esquema quiaacutestico entre eles WENHAM 1994 p 287 e DIETRICH 2001 p 203

125

A 321-3 Os anjos de Deus em Maanaim

B 323-813-22 Preparaccedilatildeo para encontrar Esauacute143

C 3223-33 Luta com ldquoum homemrdquo (anjo) em Fanuel

Brsquo 331-16 Reconciliaccedilatildeo com Esauacute

Arsquo 331718-20 Culto a El (Deus) em Siqueacutem

Os elementos transcendentais na abertura (Gn 322) em Maanaim satildeo os ldquoanjos

de Deusrdquo (malacuteaacutekecirc acuteeacuteloumlhicircm) e no encerramento (Gn 3320) em Siqueacutem eacute o fato de Jacoacute

erguer um altar que chamou ldquoEl Deus de Israelrdquo (acuteeumll acuteeacuteloumlhecirc yiSraumlacuteeumll) Recordando que

natildeo deve ser mero acaso que o nome ldquoIsraelrdquo reapareccedila pela primeira vez aqui apoacutes a

periacutecope do Jaboc (Gn 322933)

Eacute de se observar tambeacutem que toda essa composiccedilatildeo acima identificada em

forma quiaacutestica foi cuidadosamente rejuntada Citemos somente um exemplo

impressionante em Gn 3231 Jacoacute explica o nome Fanuel dizendo que ldquoviu a face de

Deusrdquo Antes na preparaccedilatildeo para encontrar o irmatildeo (Gn 3221) Jacoacute tinha expressado

a esperanccedila de ldquover a facerdquo (acuteeracuteegrave paumlnaumlyw) de Esauacute e de que este ldquolevantaraacute sua facerdquo

(yiSSaumlacute paumlnaumly) como um gesto de aceitaccedilatildeo e acolhimento Essa mesma expressatildeo

reaparece em Gn 3310 quando Jacoacute diz que ldquoviu a face [de Esauacute] como se visse a face

de Deusrdquo (raumlacuteicircordmticirc paumlnEcircordmkauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm)

Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) encontra-se no centro da subunidade

do ciclo de Jacoacute que trata do retorno deste agrave terra onde nascera e fora educado bem

como o reencontro com seu irmatildeo rival

Outro aspecto a se observar e que natildeo deve se constituir em um acaso narrativo

satildeo as duas cenas que formam como que ldquodobradiccedilasrdquo para articular dois momentos

decisivos na vida de Jacoacute a personagem central Antes de Jacoacute encontrar-se com a

famiacutelia de sua matildee na pessoa de seu tio Labatildeo ele tem a experiecircncia de uma

manifestaccedilatildeo divina em formato de sonho quando estaacute em Betel (Gn 2810-22) A

segunda cena eacute justamente a nossa periacutecope (Gn 3223-33) que se passa em Fanuel agraves

143 A oraccedilatildeo de Jacoacute em Gn 329-12 trecho que extraiacutemos do esquema acima eacute claramente uma inserccedilatildeo posterior tendo relaccedilatildeo com Gn 313 que eacute tambeacutem um acreacutescimo tardio (cf DIETRICH 2001 p 203 n 23)

126

margens do Jaboc a qual antecede o importante e tenso reencontro de Jacoacute com seu

irmatildeo Esauacute E as semelhanccedilas natildeo param aqui Vejamos

a) Ambas as cenas parecem originar-se de lendas locais ou de santuaacuterio natildeo

tendo portanto uma ligaccedilatildeo nem com o material da tradiccedilatildeo de Jacoacute-Labatildeo

nem com aquele de Jacoacute-Esauacute

b) Ambas descrevem um encontro com Deus ou divindade

c) Nos dois casos esse encontro ocorre em noite cerrada de modo a

permanecer um veacuteu sobre o acontecimento

d) Em ambos os casos Jacoacute fica profundamente comovido pelo encontro

e) Nas duas cenas fica claro que Deus quer o bem de Jacoacute e isso em ocasiotildees

tensas e decisivas da vida da personagem em Betel quando eacute um foragido

solitaacuterio e sem meios em Fanuel quando ele estaacute a ponto de pisar o chatildeo de

sua terra natal novamente como homem rico e pai de famiacutelia mas em

profunda anguacutestia em relaccedilatildeo agrave reaccedilatildeo de seu irmatildeo

f) Ambas as vezes pesa sobre Jacoacute a sombra de Esauacute seu irmatildeo Contudo na

primeira vez (Betel) Deus concede-lhe consolo e encorajamento na segunda

vez (Fanuel) ele o lanccedila em perigo e tentaccedilatildeo Percebe-se uma mudanccedila

ldquoEnquanto parecia na primeira vez perdoar sua fuga para longe do irmatildeo

levando a becircnccedilatildeo fraudada na segunda vez ele o obriga a uma luta honesta

pela becircnccedilatildeo e a uma volta humilde para junto do irmatildeordquo (DIETRICH 2001

p 205)

A delimitaccedilatildeo de Gn 3223-33 em relaccedilatildeo ao seu contexto narrativo mais amplo

pode levar em conta inicialmente a sintonia das indicaccedilotildees temporais espaciais e

verbal entre os versiacuteculos 23 e 32144 ldquonaquela noiterdquo ldquoe nasceu-lhe o solrdquo ldquovau do

144 Eacute amplamente aceito entre os especialistas desde Hermann Gunkel (GUNKEL 1997 p 351) que o versiacuteculo 33 eacute um acreacutescimo para justificar um haacutebito alimentar dos judeus Uma indicaccedilatildeo disso seria

a expressatildeo buumlnecirc-yiSraumlacuteeumll ldquoos filhos de Israelrdquo a existecircncia do povo de Israel eacute pressuposta Sem falar

que a proibiccedilatildeo de comer Gicircd hannaumlšegrave (ldquoo nervo do quadrilrdquo = nervus ischiadicus) eacute uma combinaccedilatildeo que

ocorre somente aqui em toda a BH WESTERMANN (1985 p 520) tenta compreender esse versiacuteculo ldquoA razatildeo dada para a proibiccedilatildeo que natildeo ocorre em outras partes do Antigo Testamento eacute difiacutecil a proibiccedilatildeo diz respeito a uma parte do corpo de um animal enquanto que o fato que lhe deu origem dizia respeito a uma pessoa A explicaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que esta parte do corpo estava sujeita a tabu porque era considerada como pertencente agrave aacuterea reprodutivardquo Uma explicaccedilatildeo do motivo dessa proibiccedilatildeo estar colocada em nossa periacutecope seria ldquodevido a uma forma particular de abordagem midraacuteshica que floresceu no periacuteodo rabiacutenico pela qual regulamentos extrapentateucais satildeo

127

Jabocrdquo ldquoFanuelrdquo O verbo predominante ldquopassarrdquo (`aumlbar + et) Portanto os versiacuteculos

23 e 32 devem ser considerados afirmaccedilotildees correspondentes que simultaneamente

amarram a abertura da periacutecope (cf o uso caracteriacutestico de wayyaumlordmqom - v 23) e o fim

que conteacutem uma oraccedilatildeo nominal com particiacutepio no v 32b

A sequecircncia com a periacutecope anterior eacute estabelecida pelo indicador temporal

ldquonaquela noiterdquo (v 22 e 23) Ballaordmylacirc hucircacute Haacute uma ausecircncia de artigo no v 23 mas isso

natildeo afeta o resultado Outro elemento comum eacute o verbo rb[ (passar atravessar) que se

encontra em ambos versiacuteculos Haacute tambeacutem uma correspondecircncia formal e funcional

entre as afirmaccedilotildees dos vv 22 e 32 (cf WEIMAR 1989a p 55 n 9) O mesmo natildeo

encontramos que conecte o final de nossa periacutecope com a seguinte (Gn 331-17) Uma

vez que a afirmaccedilatildeo do v 331a ldquoe Jacoacute levantou seus olhos e viurdquo (wayyiSSaumlacute ya`aacuteqoumlb

`ecircnaumlyw wayyaracute) remete formalmente e tematicamente ao versiacuteculo 22

Desse modo pode-se identificar em Gn 3223-32[33] uma unidade cecircnica mas

natildeo uma unidade independente de todo o contexto do ciclo de Jacoacute Ela se constitui

em uma sequecircncia narrativa fechada mas natildeo pode ser uma tradiccedilatildeo individual

independente do restante como alguns estudiosos pensaram (cf WEIMAR 1989a p

56) Eacute evidente a posiccedilatildeo singular que o episoacutedio da luta de Jacoacute possui no interior das

narrativas do encontro dele com seu irmatildeo Mas essa particularidade eacute intencional no

sentido de que natildeo se trata de uma periacutecope independente que foi posta de modo um

tanto externo ao contexto maior mas uma periacutecope com a intenccedilatildeo de agudizar

teologicamente o encontro dos dois irmatildeos Isso se tornaraacute mais claro nas anaacutelises

presentes no proacuteximo capiacutetulo

A unidade interna da periacutecope foi colocada em questatildeo por diversos fatores

entre eles contradiccedilotildees e duplicaccedilotildees

a) no v 23b Jacoacute passa sozinho pelo vau do Jaboc enquanto que nos vv 2425a

sua famiacutelia e seus bens satildeo atravessados por ele que fica para traacutes sozinho

b) Outro aspecto se percebe nos vv 26-27 que oferecem uma descriccedilatildeo

excitante da luta o tempo eacute curto principalmente para o adversaacuterio de Jacoacute

e a uacutenica coisa possiacutevel eacute forccedilaacute-lo a dar uma becircnccedilatildeo nos vv 28-30a no

midrashicamente derivados de uma passagem biacuteblica e como tendo sido em algum periacuteodo anexado ao texto biacuteblico

128

entanto o tempo eacute suficiente para um diaacutelogo bastante longo sobre um tema

supostamente abstrato como se chamam os dois que estatildeo lutando como

Jacoacute deve se chamar futuramente e como entender essa atribuiccedilatildeo do novo

nome

c) Haacute uma dupla solicitaccedilatildeo pelo nome uma da parte do ldquohomemrdquo que luta

com Jacoacute (v 28) outra da parte de Jacoacute que deseja saber o nome de seu

oponente (v 30)

d) A aurora eacute mencionada por trecircs vezes vv 25 27 e 32

e) No v 31 Jacoacute que ainda natildeo eacute chamado pelo novo nome daacute a entender que

ele acaba de passar por uma ameaccedila agrave sua vida mas no v 29 seu adversaacuterio

jaacute lhe havia asseverado que ele prevaleceria contra ele

Por isso muitos autores propotildeem vaacuterios estratos redacionais para justificar

essas e outras incongruecircncias da narrativa145 No entanto para o nosso escopo eacute

melhor tomarmos o texto como nos aparece em seu estado final na BH Aquilo que nos

interessaraacute eacute a finalidade do texto produzido Nesse sentido ateacute as redundacircncias

repeticcedilotildees e aparentes duplicidades podem servir para homogeneizar o texto a

clarificaacute-lo e ateacute mesmo a assegurar a transmissatildeo de sua mensagem146

O estilo ambiacuteguo que o redator imprime a essa periacutecope (Gn 3223-33) eacute

proposital a fim de deixar o leitor em estado de expectativa tal como se achava Jacoacute

previamente ao encontro com Esauacute Ateacute mesmo a dupla interrogaccedilatildeo sobre o nome (v

30) pertence agrave arte narrativa que ldquoque reuacutene dois interlocutores que alternadamente

questionam e satildeo questionadosrdquo (MARTIN-ACHARD 1971 p 48)

As aliteraccedilotildees e paronomaacutesias ajudam a criar uma unidade natildeo somente

temaacutetica mas estiliacutestica e esteacutetica Natildeo podemos jamais nos esquecer que os textos

biacuteblicos natildeo foram compostos para serem lidos individualmente a partir de um livro

mas para serem ouvidos em assembleias como era o costume na eacutepoca Como jaacute dizia

um dos pioneiros na anaacutelise dos textos da BH agrave luz da arte literaacuteria Luis Alonso-

145 No entanto natildeo vale a pena nos determos sobre as vaacuterias teorias que jaacute surgiram tentando traccedilar uma histoacuteria da redaccedilatildeo desta nossa periacutecope porque os resultados natildeo satildeo promissores nem determinantes Haacute dezenas de divisotildees e teorias que afirmam encontrar no texto duas trecircs e ateacute nove camadas redacionais Quem desejar uma visatildeo sinteacutetica dessas vaacuterias tentativas pode consultar ELLIGER 1951 p 6 especialmente a n 10 Aliaacutes esse artigo eacute ainda de 1951 () 146 Cf BARTHES 1971 p 30

129

Schoumlkel ao se referir agrave linguagem biacuteblica ldquoa linguagem eacute primariamente falada a

palavra eacute primariamente sonorardquo (1986 p 231) Por isso haacute sempre muito cuidado e

preocupaccedilatildeo com a sonoridade do texto

A narraccedilatildeo inicia-se com uma seacuterie de assonacircncias onde se misturam as

consoantes guturais bw e kq (vv 23-27) e a finalidade eacute unir o heroacutei da histoacuteria Jacoacute

com o lugar (Jaboc) e com o acontecimento que ali se produz ou seja a luta Para

expressar a luta o autor emprega um verbo muito raro somente utilizado aqui em

toda a BH mas que combina com a sequecircncia de assonacircncias qba (v 25 que significa

ldquorolar no poacuterdquo) Desse modo trecircs vocaacutebulos satildeo fundamentais nessa assonacircncia qba

qby e bq[y Vejamos esse fenocircmeno no proacuteprio texto para melhor compreendermos o

seu efeito Apresentamos jaacute transliterado para realccedilar o efeito sonoro o texto hebraico

estaacute no iniacutecio deste capiacutetulo

Aumentamos o tamanho das letras e das palavras que ajudam a formar as

assonacircncias e paronomaacutesias

3223 wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw wuumlacuteet-

acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw wayya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq

3224 wayyiqqaumlHeumlm wayya`aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal wayya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc

3225 wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

3226 wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb

Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

3227 wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

O v 31 mais ao final da periacutecope completa essa lista de paronomaacutesias

wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

waTTinnaumlceumll napšicirc

Natildeo podemos esquecer de um verbo que jaacute foi mencionado a pouco mas que

perpassa todo o capiacutetulo 32 do qual faz parte a nossa periacutecope Trata-se do verbo rb[

(atravessar) que ocorre nos versiacuteculos 11 17 22 23 24 32 conferir tambeacutem 33314

Somos levados a concordar com BLUM (2012 p 188-189) que obviamente ldquoo

autor tinha alguma ambiccedilatildeo de formar sua narrativa de uma forma mais complexa e

130

artiacutestica que desafia e ao mesmo tempo guia o leitor a revelar seus significados

ocultosrdquo e ele faz uso de uma expressatildeo cara a Erich Auerbach para denominar esse

tipo de teacutecnica die Hintergruumlndlichkeit147

Complementando essa visatildeo de conjunto da estrutura de nossa periacutecope natildeo

podemos negligenciar a anaacutelise realizada por BARTHES (1971 p 27-39) na qual ele

identifica ao menos trecircs sequecircncias narrativas nessa estrutura E nos trecircs casos ele

observa que a linha condutora eacute a passagem a mutaccedilatildeo a travessia do lugar da

linhagem parental do nome e do rito alimentar Vejamos as trecircs sequecircncias148

I) levantar-se reunir passar ----------------------------------------- v 23 23 23

II) reunir fazer passar ficar soacute --------------------------------------------- v 24 24 25

Lutar Impotecircncia Golpe (Ineficiecircncia) Negociaccedilatildeo (durativo) de A149 decisivo ------------------------------------------------------------------------------- v 25 26 26 27 _____________________ Pedido Rega- Aceita- de A teio ccedilatildeo ------------------------------ v 27 27 30

I) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta Efeito de Deus a Jacoacute de Jacoacute Mutaccedilatildeo -------------------------------------------------- v 28 28 29

147 A qual podemos tentar traduzir como sutileza meticulosidade A obra aqui em questatildeo eacute Mimesis Dargestellte Wirklichkeit in der abendlaumlndischen Literatur Bern Francke 1946 (p 5-27) Auerbach faz uma famosa comparaccedilatildeo entre a Odisseia de Homero (Livro 19) com Gn 22 148 Cf BARTHES 1971 p 30-35 149 ldquoArdquo seria abreviaccedilatildeo de anjo

131

II) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta (Efeito de Jacoacute a Deus indireta Decisatildeo) -------------------------------------------------- v 30 30 ( )

(31) Para BARTHES (1971 p 35) esta uacuteltima sequecircncia constitui a parte central de

toda a cena de Gn 3223-33 a qual consiste em um diaacutelogo no qual novos nomes satildeo

dados Com ele observa muito bem ldquoA mutaccedilatildeo diz respeito a nomes mas na

verdade eacute todo o episoacutedio que funciona como a criaccedilatildeo de uma marca muacuteltipla no corpo

de Jacoacute no status dos Irmatildeos no nome de Jacoacute em nome do lugar na dietardquo

(BARTHES 1971 p 35)

Essa estruturaccedilatildeo vislumbrada por BARTHES deixa claro que ldquotudo no registro

conduz agrave concessatildeo do nome lsquoIsraelrsquo a doaccedilatildeo do nome lsquoFanuelrsquo reflete o significado

de todo o encontro como foi compreendido por Jacoacute [v 31]rdquo (ROSS 1985 p 342) Toda

a cena eacute montada para evidenciar duas nomeaccedilotildees primeiramente Deus nomina Jacoacute

ldquoIsraelrdquo (v 29) em seguida Israel nomina o lugar ldquoFanuelrdquo (v 31) Tudo forma um

equilibrado conjunto narrativo ldquoa resposta direta de Jacoacute ao seu atacante [v 28]

conduz a ser nominado lsquoIsraelrsquo mas a resposta indireta do atacante [v 30] leva Jacoacute a

nominar o lugar lsquoFanuelrsquo pois ele compreendeu que era Deus que lutava (lsquoIsraelrsquo) com

ele face a face (lsquoFanuelrsquo)rdquo (ROSS 1985 p 342-343) Assim um nome eacute dado por Deus

a Jacoacute e outro nome eacute dado por Jacoacute em submissatildeo a Deus

Mutaccedilatildeo Penuel

132

CAPIacuteTULO 4

Mudar de nome para quecirc

1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia

Olhando mais atentamente para Gn 3223-33 e mesmo para o ciclo de Jacoacute

como um todo logo percebemos que haacute semelhanccedilas com outros textos e personagens

o que pode nos ajudar a melhor compreender a nossa periacutecope

Uma primeira semelhanccedila observamos entre a histoacuteria da juventude de Moiseacutes

e a saga de Jacoacute150 Entre os elementos comuns percebe-se

a) Assim como Jacoacute Moiseacutes comete uma transgressatildeo e por isso deve fugir para

fora de sua terra natal (cf Ex 211-15 e Gn 271-45)

b) Como ocorreu com Jacoacute eacute proacuteximo a um poccedilo no deserto que Moiseacutes

encontra as jovens que lhe iratildeo conduzir ateacute seu pai (Ex 216-20 e Gn 291-

12)

c) O fugitivo seraacute acolhido na famiacutelia desse pai do qual ele natildeo tardaraacute a tornar-

se genro (Ex 221 e Gn 2913-30)

d) Um ou vaacuterios filhos nascem dessas uniotildees (Ex 222 e Gn 2931ndash3024)

e) Chega o momento do retorno agrave terra natal e esta decisatildeo seja em decorrecircncia

de um apelo direto de Deus (Ex 31-10 e Gn 31313) seja motivada por uma

vontade pessoal (Gn 3025-26) pelos ciuacutemes dos irmatildeos (Gn 311-2) ou pela

deliberaccedilatildeo entre o heroacutei e suas mulheres (Gn 314-10) ela representa uma

reviravolta na histoacuteria da personagem

f) Esse retorno de ambos Moiseacutes e Jacoacute seraacute repleto de obstaacuteculos No caso de

Jacoacute haveraacute a oposiccedilatildeo do sogro (Gn 3035-42 317-44) os iacutedolos domeacutesticos

furtados (Gn 3130-42) a ameaccedila de Esauacute (Gn 324-22 331-17) a agressatildeo

noturna por um adversaacuterio divino (Gn 3223-33) finalmente o conflito com

os moradores de Siqueacutem (Gn 34) Quanto a Moiseacutes haacute as cinco objeccedilotildees ao

150 Quem por primeiro apercebeu-se dessas semelhanccedilas foi HENDEL 1988

133

chamado de Deus (Ex 31113 411013) e novamente uma agressatildeo

noturna no curso da qual YHWH buscava fazecirc-lo morrer (Ex 424-26)

Distanciando-nos um pouco da juventude de Moiseacutes podemos notar uma outra

semelhanccedila interessante entre as duas personagens Jacoacute e Moiseacutes Referi-me ao fato

de somente ambos terem tido um contato face a face com Deus O que marca uma

relaccedilatildeo iacutentima inusual na BH na qual o ser humano jamais pode ter esse contato direto

com o ser divino Narrar esse contato eacute um modo dos autores realccedilarem a importacircncia

direta das personagens para a histoacuterica do povo de Israel Em Gn 3231 Jacoacute estaacute

surpreso de ter sobrevivido ao encontro que havia apenas tido porque raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm

Paumlnicircm el-Paumlnicircm Em Ecircxodo em duas ocasiotildees esse contato iacutentimo com Deus eacute realccedilado

pelo autor em relaccedilatildeo a Moiseacutes Primeiramente em Ex 1920 se diz claramente

ldquoYHWH desceu sobre a montanha do Sinai no cima da montanha IHWH chamou

Moiseacutes para o cimo da montanha e Moiseacutes subiurdquo O texto logo a seguir faz questatildeo

de deixar claro que este contato direto com YHWH eacute uma prerrogativa apenas de

Moiseacutes (Aaratildeo somente nesta ocasiatildeo subiraacute junto com Moiseacutes) ldquoYHWH disse a

Moiseacutes lsquoDesce e adverte o povo que natildeo ultrapasse os limites para vir ver YHWH

para muitos deles natildeo pereceremrsquordquo (Ex 1921) Essa advertecircncia eacute repetida ainda em

relaccedilatildeo aos sacerdotes em geral e novamente ao povo (Ex 1922-24) Em outra ocasiatildeo

Ex 2412-18 Moiseacutes eacute convocado novamente agrave montanha e laacute permanece quarenta dias

e quarenta noites diante da gloacuteria de YHWH que ldquopousou sobre o monte Sinairdquo

(wayyišKoumln Kuumlbocircd-yhwh(acuteaumldoumlnaumly) `al-har Ex 2416a) Em vaacuterias outras ocasiotildees Moiseacutes

subiraacute agrave montanha para falar com YHWH em uma delas o narrador deixa claro o

contato iacutentimo da personagem com a divindade ldquoQuando Moiseacutes desceu da

montanha do Sinai trazendo nas matildeos as duas taacutebuas do Testemunho sim quando

desceu da montanha natildeo sabia que a pele de seu rosto resplandecia porque havia

falado com elerdquo (Ex 3429)151 Para terminar um texto que natildeo eacute de Ecircxodo portanto

pertencente a outra tradiccedilatildeo e autoria reafirma de modo inequiacutevoco essa relaccedilatildeo

preferencial de Deus com Moiseacutes wuumllouml| -qaumlm naumlbicircacute `ocircd BuumlyiSraumlacuteeumll Kuumlmoumlšegrave acuteaacutešer yuumldauml`ocirc

151 O texto em hebraico eacute wayuumlhicirc Buumlreordmdet moumlšegrave meumlhar sicircnay ucircšuumlnecirc lugraveHoumlt hauml|`eumldugravet Buumlyad-moumlšegrave BuumlridTocirc min-

haumlhaumlr ucircmoumlšegrave louml|acute-yaumlda` Kicirc qaumlran `ocircr Paumlnaumlyw BuumldaBBuumlrocirc acuteiTTocirc (destaco em negrito a parte que deixa claro o

contato direto e o diaacutelogo com YHWH)

134

yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm (ldquoE em Israel nunca mais surgiu um profeta como

Moiseacutes ndash a quem YHWH conhecida face a facerdquo grifo nosso Dt 3410) Nisso reside

uma outra semelhanccedila com Jacoacute Ele tambeacutem aleacutem de Moiseacutes esteve com Deus no

caso natildeo seria YHWH mas El face a face ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi

salvardquo - Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc (Gn 3231) Portanto

estabelece-se uma igualdade de dignidade entre duas personagens bem diferentes na

histoacuteria de Israel

Para PURY (2002 p 235-236) eacute o ciclo de Jacoacute que influenciou aquele de Moiseacutes

uma vez que ele identifica por detraacutes desses dois relatos a oposiccedilatildeo entre os defensores

de um Israel mosaico um partido mais profeacutetico e os defensores do velho Israel

jacobiano Essa rivalidade acabou pendendo mais para o lado mosaico atraveacutes da

literatura deuteronocircmica e deuteronomista Sendo que o Deutero-Isaiacuteas e o autor

sacerdotal tentaratildeo uma tiacutemida reconciliaccedilatildeo entre as duas tradiccedilotildees

Retornando ao aspecto que interessa mais de perto ao nosso estudo haacute ao

menos duas diferenccedilas fundamentais entre as lendas de Moiseacutes e aquela de Jacoacute

a) O casamento de Moiseacutes com uma das filhas de Jetro natildeo tem uma funccedilatildeo

maior no contexto narrativo eacute um ponto cego por assim dizer pois natildeo eacute

determinante para a missatildeo que ele teraacute a seguir Tanto que apoacutes a idolatria

do bezerro de ouro no deserto durante a jornada para a terra prometida

Deus propotildee a Moiseacutes eliminar todo aquele povo infiel e fazecirc-lo Patriarca de

uma naccedilatildeo nova Sendo que Moiseacutes se indigna contra a proposta e a recusa

(cf Ex 3210) Enquanto que os matrimocircnios de Jacoacute com as filhas de Labatildeo

estatildeo no centro do dispositivo narrativo de sua lenda uma vez que Jacoacute

supostamente eacute destinado a tornar-se o pai das tribos de Israel A genealogia

conta para Jacoacute eacute a sua mediaccedilatildeo Sendo que para Moiseacutes a sua mediaccedilatildeo

para com Israel se daraacute pela palavra profeacutetica e sua vocaccedilatildeo

b) Outro motivo cego na histoacuteria de Moiseacutes eacute a agressatildeo noturna relatada em

Ex 424-26 uma vez que natildeo traz consequecircncias para a trama do heroacutei Por

sua vez o episoacutedio correspondente em Jacoacute (Gn 3223-33) desempenha um

papel absolutamente central

135

Aqui eacute o momento de nos determos mais nessa questatildeo de um ser divino agredir

um ser humano Vejamos os aspectos em comum encontrados nas cenas de Moiseacutes e

Jacoacute sendo agredidos pelo ser divino152

a) Nos dois casos eacute o agressor sobrenatural que toma a iniciativa (Gn 3225 Ex

424)

b) O enfrentamento ocorre agrave noite e trata-se explicitamente de uma luta de

vida ou morte Em Ex 424 eacute dito com toda clareza ldquoYHWH veio ao seu

encontro e procurava fazecirc-lo morrerrdquo Na cena de Jacoacute isso eacute bem impliacutecito

na observaccedilatildeo de Gn 3231 ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi salvardquo

c) Natildeo obstante o poder superior de seu adversaacuterio o heroacutei sai vencedor ou

ao menos vivo do combate No entanto a sua sobrevivecircncia dependeu de

um estratagema ou astuacutecia Jacoacute encontra o ponto vulneraacutevel de seu

adversaacuterio (Gn 3226a) e a mulher de Moiseacutes circuncida o seu filho e passa o

prepuacutecio ldquonos peacutesrdquo de Moiseacutes aqui podendo entender-se no oacutergatildeo genital

do mesmo

d) A luta marca o parceiro humano do agressor divino com uma marca fiacutesica

Jacoacute passa a manquejar de uma coxa porque seu nervo foi deslocado (Gn 32

26b32) e em Ex 4 25 eacute o filho de Moiseacutes que se encontra circuncidado

e) O relato eacute concluiacutedo apresentando uma mudanccedila de status dos heroacuteis Jacoacute

tem o seu nome alterado para Israel (Gn 3229) e Moiseacutes recebe um novo

tiacutetulo ldquoesposo de sanguerdquo (Ex 42526)

Algo que chama ainda mais a nossa atenccedilatildeo eacute o lugar o momento no qual esse

combate ocorre no desenrolar das histoacuterias de Jacoacute e Moiseacutes A agressatildeo divina

acontece justamente na hora em que o heroacutei estaacute para concluir a sua missatildeo a sua

busca Jacoacute jaacute havia fugido casado enriquecido conseguido se separar de seu

possessivo e interesseiro sogro e estava prestes a enfrentar seu irmatildeo Moiseacutes apoacutes o

episoacutedio e chamado junto agrave sarccedila ardente no deserto no qual recebe sua missatildeo estaacute

prestes a enfrentar o Faraoacute Portanto tudo eacute colocado em causa tudo estaacute a ponto de

se perder caso tivesse havido sucesso no ataque divino Contudo felizmente tudo

acaba bem apoacutes o confronto noturno se daacute o reencontro com o irmatildeo rival (Esauacute no

152 Acompanho aqui a anaacutelise de PURY 1995 p 53

136

caso de Jacoacute e Aaratildeo no caso de Moiseacutes) Desse modo ldquoas animosidades intimamente

temidas datildeo lugar como que por magia a reencontros felizes e efusivosrdquo (PURY 1995

p 54)

A mentalidade religiosa predominante na eacutepoca seria incapaz de admitir que

YHWH pudesse ter agredido Jacoacute e Moiseacutes sem que os mesmos tivessem cometido

faltas graves que justificassem uma correccedilatildeopuniccedilatildeo A relaccedilatildeo de YHWH com seu

povo uma vez que ele era o deus nacional o deus protetor do povo era de

reciprocidade isto eacute se o povo se mantivesse fiel receberia becircnccedilatildeos na forma de

prosperidade e paz se o povo fosso infiel adorando outros deuses ou praticando atos

por ele proibidos entatildeo o castigo viria inescapavelmente Basta ler os livros profeacuteticos

o Deuteronocircmio a Obra Historiograacutefica Deuteronomista (Js Jz 1 e 2 Sm e 1 e 2Rs) para

se dar conta dessa maneira pela qual se pautava a vida religiosa especialmente nos

periacuteodo poacutes-exiacutelico (seacutec VI AEC em diante) Eacute sempre o pecado a falta que justifica e

atrai qualquer gesto mais contundente de Deus Entatildeo como justificar a atitude divina

nos casos de Jacoacute e Moiseacutes153 Afinal a agressatildeo se daacute segundo a narrativa sem

nenhum motivo alegado ou proposto de maneira expliacutecita ou impliacutecita Vaacuterios

estudiosos e comentaristas se puseram a trabalho para identificar que ambos

mereceram tal ato divino devido suas faltas passadas Moiseacutes por natildeo ter circuncidado

antes o seu filho e quem sabe por ter relutado tanto em aceitar o chamado e missatildeo

da parte de Deus Jacoacute devido agraves suas vaacuterias falcatruas realizadas seja no periacuteodo em

que vivia na casa de seus pais como depois na presenccedila de seu sogro Labatildeo154

Em Os 124 o combate eacute atribuiacutedo ao caraacuteter agressivo intreacutepido do Patriarca

ldquoem sua forccedila viril ele lutou com Elohicircmrdquo

Essa criacutetica profeacutetica a Jacoacute encontra eco em um texto tardio que foi incluiacutedo

posteriormente ao ciclo desta nossa personagem Trata-se de uma oraccedilatildeo em Gn 3210-

13 onde foi colocado na boca de Jacoacute ldquoeu sou indigno [qaumldaggeroumlnTicirc] de todos os favores e

de toda a bondade que tiveste para com teu servordquo (v 11) Esta eacute a primeira e uacuteltima

153 Natildeo podemos nos esquecer tambeacutem de outro texto biacuteblico complicado (Gn 22) onde Deus ordena a Abraatildeo que sacrifique o seu filho pequeno Isaac portanto inocente sem culpa que justificasse tamanha violecircncia 154 No caso de Jacoacute cito somente uma opiniatildeo das mais importantes (ELLIGER 1951) que vecirc nesse episoacutedio da luta uma forma de YHWH corrigir Jacoacute antes que este se beneficiasse das graccedilas divinas

137

vez que Jacoacute confessa a sua indignidade perante Deus Portanto estaria justificada a

agressatildeo sofrida Aliaacutes para o leitor moderno a linguagem usada para se falar sobre

Deus e para Deus frequentemente choca na BH Agraves vezes Israel pode retratar Deus

como algueacutem que diz ldquoEu formo a luz e crio as trevas asseguro o bem-estar e crio a desgraccedila

sim eu IHWH faccedilo tudo issordquo (Is 457 ndash BJ) ou ainda ldquoSou eu que mato e faccedilo viver sou eu

que firo e torno a curarrdquo (Dt 3239b ndash BJ) Pode-se acrescentar a esses textos alguns dos

salmos de lamentaccedilatildeo nos quais o salmista suplica a Deus para que interceda em seu

nome porque acredita-se Deus permitiu que coisas dolorosas acontecessem a ele sem

uma boa causa (p ex Sl 17 26 e o proacuteprio livro de Joacute) Outras passagens biacuteblicas satildeo

ainda mais diretas em seu discurso elas descrevem Deus como algueacutem que ataca Israel

sem motivo razoaacutevel (p ex Sl 89 Is 5212ndash5313) Isso tudo se compreende porque a

BH natildeo usa uma linguagem cuidadosa e sofisticada como aquela da filosofia ou da

teologia dogmaacutetica somente para ficarmos nesses dois exemplos ela simplesmente

reflete como as coisas se apresentam em um mundo que eacute supostamente governado

por YHWH Portanto segundo essa mentalidade nada pode ocorrer sob os ceacuteus (o

bem e o mal) que natildeo seja fruto das accedilotildees de YHWH Interessante constatar que ldquona

literatura judaica preacute-cristatilde e na literatura cristatilde a figura de Satanaacutes (o diabo) torna-se

responsaacutevel por lsquoeventos obscurosrsquo no mundo mas os escritores israelitas em sua

maioria natildeo sabem nada de tal figura e portanto dirigem-se a Deus (ver no entanto

1Cr 211 cf 1Sm 241)rdquo (HOLMGREN 1990 p 16)

Natildeo obstante essas tentativas piedosas ou criacuteticas permanece o fato de que natildeo

haacute absolutamente na narrativa justificativas que motivassem a agressatildeo

Devemos buscar em outro lugar a explicaccedilatildeo A questatildeo da identidade do ser

que lutou com Jacoacute assume um papel fundamental no relato de Gn 3223-33 Tanto que

o Patriarca busca conhecer o nome daquele adversaacuterio misterioso que acaba de lhe

conceder um novo nome ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo no entanto recebe como

resposta uma outra indagaccedilatildeo ldquoPor que perguntas pelo meu nomerdquo (v 30) Poreacutem a

posteriori o heroacutei parece reconhecer o seu agressor e saber seu nome quando diz ldquoeu

vi Deus face a facerdquo (Gn 3231) Em todo caso permanece o misteacuterio quem eacute o deus

agressor El ou Elohicircn ou ainda um elohicircm Essa incerteza somente se resolve em Gn

3320 quando Jacoacute-Israel ao chegar ao objetivo de sua viagem e tendo superado todos

138

os obstaacuteculos proclama em Siqueacutem ldquoEl eacute o Deus [elohicircm] de Israel [o Patriarca]rdquo Na

opiniatildeo de PURY (1995 p 60-61) isso reflete uma tradiccedilatildeo anterior agrave sacerdotal e

deuteronomista que viam somente em YHWH o deus uacutenico e verdadeiro de Israel

desconsiderando o fato de que a veneraccedilatildeo a El continuou entre os arameus e os

israelitas e judeus das regiotildees marginais (o interior mais rural e vilarejos) ateacute a eacutepoca

persa155 Eacute bom lembrarmos que antes de YHWH e da tradiccedilatildeo do ecircxodo o que

predominava em Israel e Judaacute tinha sido El e a tradiccedilatildeo de Jacoacute

Afinal a lenda de origem em que se constitui o ciclo de Jacoacute natildeo percebe Deus

como aquele ser hostil da retribuiccedilatildeo a puniccedilatildeo o castigo eacute a resposta aos que erram

Tanto que em todos os demais textos da BH fica clara a motivaccedilatildeo da puniccedilatildeo e a

identidade do autor divino Aqui o agressor natildeo eacute chamado pelo nome YHWH e natildeo

eacute um democircnio hostil voltaremos a este tema mais adiante mas eacute ldquoDeusrdquo no sentido

mais pleno do termo (cf PURY 1995 p 62) De propoacutesito o autor deixa Deus aparecer

nesta narrativa como um Deus absconditus (Deus escondido oculto) natildeo o

identificando com o deus nacional de Israel YHWH Aliaacutes essa dualidade entre o

Deus escondido de caraacuteter universal natildeo particular de um soacute povo e o Deus revelado

que eacute o Deus de Israel aparece natildeo somente aqui mas em uma passagem de autoria

sacerdotal como eacute o caso de Ex 63 ldquoApareci a Abraatildeo a Isaac e a Jacoacute como El Shaddai

mas meu nome YHWH [o Senhor] natildeo lhes fiz conhecerrdquo Portanto nas origens El e

natildeo YHWH era o Deus de Israel assim como se depreende de Gn 3320156

Portanto Jacoacute antes de se tornar Israel ele se origina da famiacutelia universal

Retomemos um pouco soacute a questatildeo da identidade do ser transcendental que

lutou com Jacoacute agraves margens do Jaboc

2 Aspectos internos agrave periacutecope

Primeiramente eacute bom desfazer qualquer impressatildeo de que Gn 3223-33 se trata

de uma narrativa fundamentada em uma lenda autocircnoma de alguma personagem que

enfrentou um ser demoniacuteaco ao atravessar um rio ou fronteira Aleacutem dos indiacutecios de

155 Quem demonstrou isso atraveacutes da anaacutelise do Sl 20 que remonta ao modelo aramaico no qual a oraccedilatildeo se dirigia a El e natildeo a YHWH foi KOTTSIEPER 1988 p 217-244 156 Haacute outros textos em que isso fica claro como Os 121b5a e Dt 328-9 onde YHWH parece ateacute mesmo subordinado a El uma vez que eacute ele que recebe seu povo Israel em partilha

139

unidade cecircnica que apresentamos no capiacutetulo anterior deve-se acrescentar o fato de

que essa periacutecope possui um iniacutecio extremamente brusco e um final que deixa aberta

a meta do movimento iniciado algo natildeo comum em narrativas autocircnomas em que o

desfecho eacute mais tranquilizador Sem seu contexto ela natildeo teria condiccedilotildees de funcionar

e isso fica claro porque se amputaacutessemos Gn 3223-33 natildeo teriacuteamos nenhuma

transiccedilatildeo de Gn 32 para 33 Isso porque a cena eacute necessaacuteria para servir de mediaccedilatildeo

entre as medidas de precauccedilatildeo de Jacoacute (Gn 32) e o encontro dos dois irmatildeos em Gn 33

Assim sendo aquilo que eacute proferido como esperanccedila em Gn 3221b (ldquoCom efeito dizia

ele [Jacoacute] para si mesmo lsquoEu o aplacarei com o presente que me antecede em seguida

me apresentarei a ele e talvez me conceda graccedilarsquordquo) mostra-se realizado em Gn 334

Para ser uma lenda individual que justificasse p ex o nome Fanuel ldquoa cena

conteacutem demasiados temas e objetivos narrativos luta e becircnccedilatildeo aparecem vinculados

com as etiologias do nome lsquoIsraelrsquo do local Fanuel e de um costume alimentar israelitardquo

(KOumlCKERT 2003 p 168)

O agressor eacute denominado de acuteicircš (sem artigo portanto um homem) que alguns

estudiosos insistem em ser um ser divino diferentemente de Deus ou um democircnio157

pode ser considerado como o proacuteprio Deus ou um mensageiro dele (malacuteak) Haacute vaacuterias

outras passagens biacuteblicas em que isso se daacute e a personagem misteriosa termina por ser

identificada com o proacuteprio Deus nesse sentido a cena de Gn 181-15 eacute claacutessica158 Sem

falar que o fato desse ldquohomemrdquo natildeo querer revelar seu nome natildeo eacute um indiacutecio de que

seria um ser maligno ou algo parecido Na proacutepria BH encontramos uma cena parecida

em que claramente um anjo de YHWH nega a revelaccedilatildeo de seu nome como

contrapergunta em relaccedilatildeo a uma solicitaccedilatildeo semelhante agravequela feita por Jacoacute Eacute o caso

do pai de Sansatildeo que recebe a visita de um ldquohomem de Deusrdquo (acuteicircš haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 138)

que eacute chamado pelo narrador de ldquoAnjo de Deusrdquo (malacuteak haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 139) mas que

se nega a revelar seu nome quando indagado por Manueacute pai de Sansatildeo ldquoManueacute disse

157 Esse eacute o caso de WESTERMANN (1985 p 516-517) DIETRICH (2001 p 200) soacute para ficarmos em dois exemplos Eles pensam que o agressor poderia se tratar de uma democircnio fluvial que assaltava os viajantes a fim de impedi-los de atravessar o rio O fato dele natildeo gostar do sol do dia seria um indiacutecio confirmativo dessa tese na opiniatildeo dos autores 158 Essa temaacutetica eacute extensamente e profundamente explorada por HAMORI 2008 e HAMORI 2010 p 161-183 A autora faz paralelos com outras culturas antigas vizinhas a Israel bem como com o cristianismo Ainda no interior desse tema a personagem que luta com Jacoacute eacute interessante consultar SCHWARTZ 1998 p 33-48 TASCHNER 1998 p 367-380 MILLER 1973 GRANOT 2012 p 125-127

140

entatildeo ao Anjo de YHWH lsquoQual eacute o teu nome para que assim que se cumprir a tua

palavra possamos prestar-te homenagemrsquo O Anjo de YHWH lhe respondeu lsquoPor que

perguntas meu nome Ele eacute maravilhosorsquordquo (Jz 1317-18 a pergunta em hebraico eacute

laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc) Essa contrapergunta eacute idecircntica agravequela que o ldquohomemrdquo faz a

Jacoacute Sem falar que eacute muito complicado explicar o motivo que levaria Jacoacute a solicitar

uma becircnccedilatildeo justamente a um ser demoniacuteaco Alguns autores que adotaram essa

explicaccedilatildeo tentam justificar-se dizendo tratar-se de uma periacutecope constituiacuteda por

vaacuterias camadas redacionais e fontes No entanto isso natildeo passaria desapercebido pelo

redator final obviamente

Na interpretaccedilatildeo rabiacutenica diversas propostas surgiram a esse respeito

Maimocircnides p ex pensa que essa cena seja uma visatildeo natildeo um fato Uma visatildeo de

tipo profeacutetica mas ele natildeo explorou melhor essa sua intuiccedilatildeo deixando em aberto qual

seria a possiacutevel mensagem de tal visatildeo profeacutetica159

No Midrash Rabbah Rabi Huna vecirc nesse ldquohomemrdquo um pastor que chega agraves

margens do rio Jaboc com a mesma intenccedilatildeo de Jacoacute atravessaacute-lo com sua famiacutelia e

seus pertences Inclusive ele permite que Jacoacute atravesse a vau do rio antes dele

Contudo quando Jacoacute retorna para ver se natildeo havia esquecido algo haacute um confronto

uma luta com aquele homem

O homem apareceu sob a aparecircncia de um arquibandido com ovelhas e camelos semelhantes aos de Jacoacute Disse a Jacoacute Levas minhas coisas e eu transportarei as tuas Depois que o anjo tinha levado as coisas de Jacoacute num abrir e fechar de olhos Jacoacute comeccedilou a levar as coisas do outro Mas ele sempre achava mais coisas para levar embora continuasse a noite toda Pensou Jacoacute isto eacute simplesmente bruxaria Rabi Pinhas disse Ele entatildeo pegou um velo de latilde e o amarrou ao pescoccedilo do outro homem (como para estrangulaacute-lo) dizendo Vocecirc natildeo sabe que os feiticcedilos maacutegicos satildeo inuacuteteis agrave noite Rabi Huna disse O anjo finalmente pensou Vou deixar Jacoacute saber com que tipo de homem ele estaacute lutando Ele portanto colocou o dedo no chatildeo e a terra comeccedilou a produzir espuma de fogo Disse Jacoacute Vocecirc realmente espera me assustar dessa maneira Natildeo sou inteiramente feito de fogo como se diz A casa de Jacoacute seraacute um fogo (Abdias 18)160

159 Cf BLUMENTHAL 2010 p 120 160 MIDRASH RABBAH 1939 77 As traduccedilotildees que se seguem neste capiacutetulo das obras rabiacutenicas satildeo sempre baseadas nas traduccedilotildees inglesas disponiacuteveis

141

Percebe-se a presenccedila de um anjo mas a luta eacute com um outro ser humano Na

sequecircncia Rabi Hama ben Hanina diz ldquoO homem era o anjo guardiatildeo de Esauacuterdquo tido

como um anjo do mal Segundo o mesmo rabino Jacoacute o intimidou quando disse ldquoVisto

que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Deus e ficaste satisfeito comigo (Gn

3310)rdquo161 Nesse caso o confronto anjo de Esauacute versus Jacoacute jaacute seria uma antecipaccedilatildeo

do encontro com irmatildeo Sendo assim uma luta substituta talvez na compreensatildeo

desse rabino Mas os inteacuterpretes desse texto enxergam nessa interpretaccedilatildeo a

substituiccedilatildeo da figura de Esauacute por Roma Assim sendo o confronto de Jacoacute se daacute

contra o potente Impeacuterio Romano representado pelo ldquoanjo de Esauacuterdquo (cf HAYWARD

2005 p 14) Mais tarde esse ldquoanjo de Esauacuterdquo eacute identificado com Sammael que em

princiacutepio era o grande priacutencipe do ceacuteu (tinha 12 asas enquanto os serafins tinham

somente seis) poreacutem rebelou-se contra o Onipotente (cf LOS CAPIacuteTULOS DE RABBIacute

ELIEZER PIRQEcirc RABBIcirc acuteELIcirc`EZER 1984 132 p 120) O Targum Neofiti Gn 3225162

denomina esse anjo como sendo Sariel que eacute um anagrama de Israel Enquanto

Targum Pseudo-Jonathan Gn 3225 chama a este anjo de Miguel (SAacuteIZ 2004 p 212)

No entanto certos rabinos enxergavam nesse anjo um enviado de Deus para

realizar uma boa tarefa em relaccedilatildeo a Jacoacute ldquoQuando o Santo abenccediloado eacute Ele viu que

Jacoacute tinha medo de Esauacute ele enviou o anjo Miguel para lutar com ele Michael

apareceu a Jacob sob a aparecircncia de um pastor como afirma o textordquo163

Outro aspecto que vale ressaltar eacute que tanto o Targum Neofiti quanto o Pseudo-

Jonathan apresentam como justificativa para a renomeaccedilatildeo de Jacoacute em Israel o seguinte

fato ldquopretendestes superioridade com os anjos [de diante] do Senhor e com os homens

e pudestesrdquo (SAacuteIZ 2004 p 213) A expressatildeo ldquode dianterdquo encontra-se somente no

Targum Neofiti

Permanecendo ainda no Midrash haacute uma passagem em que se discute sobre

quem teria vencido ldquoRabi Berekiah disse Natildeo sabermos se venceu o anjo ou Jacoacute

161 MIDRASH RABBAH 1939 77 162 SAacuteIZ 2004 p 212 163 Tan Y Vayyishlah 7 apud KASHER 1959 p 151

142

daquilo que estaacute escrito Lutou um homem com ele quem se cobriu de poacute164 O homem

que estava com elerdquo (MIDRASH RABBAH 1939)

Enfim poderiacuteamos prosseguir mencionando outros exemplos de interpretaccedilatildeo

rabiacutenica a respeito da personagem que luta com Jacoacute mas a maioria vai nessa linha de

reconhecer no agressor seja um ser humano ou um anjo um enviado de Deus A

finalidade desse anjo segundo um certo consenso entre os rabinos seria dar a Jacoacute

coragem e fazecirc-lo pensar depois ldquoSe eu tiver sido capaz de vencer o anjo eu natildeo

preciso ter medo de ser capaz de vencer Esauacute se necessaacuteriordquo (KASHER 1959 p 150-

151)

Olhando o contexto de Gecircnesis podemos perceber que natildeo eacute o primeiro caso

de uma teofania com ldquoaparentes seres humanosrdquo aquilo que se convenciona

denominar de ldquoacuteicircš teofaniardquo165

3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute

Interessante logo de iniacutecio notar que o relato da mudanccedila de nome de Jacoacute natildeo

aparece tatildeo proeminente nas fontes rabiacutenicas claacutessicas como seria de se esperar Talvez

isso possa ser compreensiacutevel pelo fato desses escritos refletirem mais as preocupaccedilotildees

dos rabinos em situar Israel sua cultura e religiatildeo em uma eacutepoca de dominaccedilatildeo

romana no Ocidente e no Oriente juntamente com o domiacutenio da Peacutersia mais a leste

A Mishnaacute e a Toseftaacute dirigiratildeo sua preocupaccedilatildeo mais para a compreensatildeo e

consequecircncias do ferimento que Jacoacute sofreu no tendatildeo de sua coxa (cf Gn 322633) O

que eacute compreensiacutevel uma vez que essas obras reuacutenem tratados legais voltados para

dar suporte agrave praacutetica cotidiana do judeu religioso

Um fato no entanto chamou a atenccedilatildeo dos Saacutebios rabiacutenicos Jacoacute natildeo foi o uacutenico

na Biacuteblia a receber um novo nome mas por que depois que seu nome foi mudado para

Israel ele ainda era mencionado e tratado como Jacoacute

Eacute digno de nota que apoacutes a nossa periacutecope (Gn 3223-33) o nome ldquoJacoacuterdquo ainda

surge somente no livro de Gecircnesis 66 vezes Enquanto o novo nome ldquoIsraelrdquo

164 Aqui haacute um jogo de palavras assonantes wayyeumlacuteaumlbeumlq (lutou) e acutebaumlq (poacute) que foi jogada por terra (cf

FEDERICI 1978 p 640 n 8) 165 Cf HAMORI 2008 sendo que esse gecircnero eacute reconhecido apenas em duas passagens Gn

143

atribuiacutedo a ele surge 38 vezes em Gecircnesis Poreacutem nessas 38 vezes Israel nem sempre

eacute empregado como nome da personagem individual o Patriarca Jacoacute Vejamos

a) Israel como nome atribuiacutedo ao indiviacuteduo Jacoacute aparece 26 vezes166

b) Israel como sendo representaccedilatildeo de todo o povo da naccedilatildeo aparece 12 vezes

(seria coincidecircncia este nuacutemero O mesmo nuacutemero das Tribos de Israel)

c) destas 12 vezes em 3 vezes aparece isoladamente a palavra ldquoIsraelrdquo

representando o povo a naccedilatildeo167

d) como atributo ldquoIsraelrdquo aparece 9 vezes ldquofilhos de Israelrdquo (Buumlnecirc yiSraumlacuteeumll)168

ldquotribos de Israelrdquo (šibdaggerecirc yiSraumlacuteeumll)169 ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll - em

referecircncia a Deus)170

Interessante observar tambeacutem uma outra caracteriacutestica o uso em paralelo no

mesmo versiacuteculo de Jacoacute e Israel sendo que

a) ambos os nomes se referem ao mesmo indiviacuteduo Gn 3522 462 (Jacoacute

inclusive aparece duas vezes mencionado) 4731 482

b) haacute um paralelismo tambeacutem entre ldquofilhos de Jacoacuterdquo e Israel (Gn 492) sendo

ldquoIsraelrdquo o indiviacuteduo e a expressatildeo com o nome de Jacoacute representativa do

povo ocorre tambeacutem o inverso ldquofilhos de Israelrdquo (= povo) em paralelo com

Jacoacute indiviacuteduo (Gn 4658)

c) um terceiro paralelismo que aparece eacute entre dois tiacutetulos atribuiacutedos a Deus

usando os nomes Jacoacute e Israel o ldquoPoderoso de Jacoacuterdquo (acuteaacutebicircr ya`aacuteqoumlb)

ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll) em Gn 4924

Portanto haacute uma prevalecircncia das atestaccedilotildees do uso individual em relaccedilatildeo ao

uso coletivo do nome Israel no livro de Gecircnesis (ao todo 29 referecircncias somente ao

Patriarca) O mesmo natildeo acontece nos demais livros da BH onde o nome eacute tomado em

sentido representativo do povo sendo que a expressatildeo ldquofilhos de Israelrdquo torna-se

166 Gn 3510(2x)2122(2x) 37313 436811 4528 46122930 47272931 482810111421 492 502 167 Gn 347 4820 497 168 Gn 3631 425 4521 4658 5025 Interessante observar o uso da expressatildeo ldquofilhos de Jacoacuterdquo em Gn 492 (Buumlnecirc ya`aacuteqoumlb) tambeacutem com o mesmo sentido de ldquofilhos de Israelrdquo ou seja representando todo

povo Para aprofundar o estudo sobre o uso eponiacutemico dessas expressotildees pode-se recorrer ao exaustivo estudo de BLOCK 1984 p 301-326 169 Gn 491628 170 Gn 4924

144

muito comum Somente para os restringirmos ao PentateucoToraacute essa expressatildeo

aparece em Ecircxodo (123 vezes) Leviacutetico (54 vezes) Nuacutemeros (171 vezes) e

Deuteronocircmio (21 vezes) Sendo que somente em Ex 614 e 3213 encontramos Israel

como nome individual do Patriarca Em Lv natildeo aparece nenhuma menccedilatildeo individual

a qual somente surgiraacute novamente em Nm 120 e 265 como sendo o pai de Ruacuteben Em

Dt tambeacutem natildeo eacute empregado o nome proacuteprio individualmente Percorrendo toda a BH

encontramos atestaccedilotildees de Israel (cf ZOBEL 2004 c 50)

a) com denominaccedilotildees divinas do tipo ldquoDeus de Israelrdquo 241 vezes

b) na locuccedilatildeo ldquofilhos de Israelrdquo aparece 637 vezes

c) indicando o povo de YHWH 1006 vezes

d) denominando o Reino do Norte e sua populaccedilatildeo 564 vezes e finalmente

e) como o Patriarca individualmente considerado somente 49 vezes sendo

como jaacute foi observado 29 delas somente em Gecircnesis

Uma uacuteltima nota a esse respeito eacute a curiosidade de encontramos em um mesmo

versiacuteculo o seguinte fenocircmeno ldquoe Elohicircm [Deus] disse a Israel numa visatildeo noturna

lsquoJacoacute Jacoacutersquo E ele respondeu lsquoEis-me aquirsquordquo (Gn 462) Portanto em uacutenico versiacuteculo o

narrador denomina o Patriarca com o novo nome Israel enquanto Deus que o havia

renomeado antes continua a chamaacute-lo pelo nome antigo Jacoacute Essa ambivalecircncia do

nome JacoacuteIsrael faz com que a figura de Jacoacute deste episoacutedio de Gn 3223-33 em

diante comece a ser unida expressamente agravequela do povo como um todo Desse modo

ldquoo surgir de um novo dia apoacutes o combate noturno indica simbolicamente o surgir de

uma nova existecircncia para o Patriarca (cf v 32)rdquo (GIUNTOLI 2013 p 195)

Rabi Simeon ben Yohai se manifesta na Mekhilta de Rabbi Ishmael fazendo um

paralelo entre Abraatildeo e Sara com Jacoacute Para ele os nomes Abratildeo e Sarai haviam sido

removidos ou abandonados enquanto seus novos nomes de Abraatildeo e Sara foram

estabelecidos ou suportados No caso de Jacoacute entretanto citando Gecircnesis 3229 ldquoE ele

disse Seu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacuterdquo Rabi Simeon observa ldquoo primeiro nome

tolerado em seu caso enquanto o segundo foi adicionado a elerdquo (LAUTERBACH 2004

Tratado PisHa 16 linhas 79-81) Nenhum comentaacuterio ou explicaccedilatildeo adicional eacute

oferecido Essa afirmaccedilatildeo eacute ambiacutegua Qual eacute na realidade o ldquoprimeirordquo nome e em

quais circunstacircncias Falta ao comentaacuterio mais esclarecimentos Pode ser que Rabi

145

Simeon quisesse dizer que enquanto nos casos de Abraatildeo e Sara os primeiros nomes

Abratildeo e Sarai desapareceram completamente do uso no caso de Jacoacute o primeiro nome

continuou sendo usado e havia um outro ldquoIsraelrdquo adicionado a aquele Bereshit Rabbah

vai nessa linha Em um debate entre vaacuterios Saacutebios encontramos as seguintes

afirmaccedilotildees

Bar Kappara disse Quem quer que chame Abraatildeo de ldquoAbratildeordquo viola um comando positivo R Levi disse Um comando positivo e um negativo O teu nome natildeo seraacute mais chamado Abratildeo (Gn 175) - isso eacute um comando negativo Mas teu nome seraacute chamado Abraatildeo (ib) - que eacute um comando positivo Mas certamente os homens da Grande Assembleia chamaram-lhe Abratildeo pois estaacute escrito Tu eacutes o Senhor Deus quem escolheu Abratildeo (Ne 917) Laacute eacute diferente como significa que enquanto ele ainda era Abratildeo Tu o escolheste Entatildeo por analogia algueacutem que chama Sara de ldquoSarairdquo infringe um comando positivo Natildeo porque somente ele [Abraatildeo] foi encarregado de respeitaacute-la Novamente por analogia se algueacutem chama Israel de ldquoJacoacuterdquo algueacutem infringe um comando positivo [Natildeo pois] foi ensinado Natildeo se pretendia que o nome de Jacoacute deveria desaparecer mas que ldquoIsraelrdquo deveria ser seu nome principal e ldquoJacoacuterdquo um nome secundaacuterio R Zechariah interpretou em similar modo no nome de R Aha ldquoTeu nome eacute Jacoacute Mas Israel seraacute [tambeacutem] o teu nomerdquo (Gn 3510) Jacoacute seria o nome [raiz] principal Israel foi adicionado a ele PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute (MIDRASH RABBAH 1939 Bereshit Rabbah 783)

Portanto ao querer justificar o natildeo uso frequente do nome ldquoIsraelrdquo apoacutes a

mudanccedila ocorrida em Gn 3229 esses rabinos buscam conciliar a mudanccedila de nome

no caso de Jacoacute em contraste com a de Abraatildeo Natildeo eacute uma soluccedilatildeo final pois a questatildeo

fica em aberto sujeita a pelo menos uma dupla interpretaccedilatildeo Na primeira Israel

deveria ser visto como o nome fundamental e essencial de Jacoacute um nome como

daqueles grandes anjos Miguel Gabriel Rafael e Uriel sendo Jacoacute o seu nome

secundaacuterio suplementar Na segunda interpretaccedilatildeo podemos ver Jacoacute como um nome

que expressa a essecircncia do Patriarca e do povo sendo Israel um nome adicional

conferido pelo ser divino apoacutes a luta A maioria das opiniotildees rabiacutenicas parece inclinar-

se para a primeira interpretaccedilatildeo e apresenta-nos o Patriarca com um caraacuteter essencial

146

natildeo diferente daquele dos anjos mais elevados Aliaacutes um estudioso contemporacircneo

tambeacutem observou isso ao afirmar que ldquoassim lsquoIsraelrsquo natildeo substitui de fato o seu

nome mas torna-se um sinocircnimo para ele ndash uma praacutetica refletida no paralelismo da

poesia biacuteblica onde lsquoJacoacutersquo eacute sempre usado na primeira metade da linha e lsquoIsraelrsquo a

variaccedilatildeo poeacutetica na segunda metade (ALTER 1996 p 182)

Alguns rabinos alegam que isso seja algo normal como eacute o caso do dia do

Messias em que natildeo mais seraacute necessaacuterio mencionar o ecircxodo do Egito quando se recitar

o Shemaacute Tal opiniatildeo rabiacutenica fundamentava-se na profecia de Jeremias 37-8 ldquoPor isso

eis que dias viratildeo ndash oraacuteculo de YHWH ndash em que natildeo diratildeo mais lsquoVive YHWH que fez

subir os filhos de Israel do Egitorsquo mas lsquoVive YHWH que fez subir e retornar a raccedila da

casa de Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha dispersado

para que habitem em seu territoacuteriorsquordquo Os Saacutebios insistiratildeo que esta profecia natildeo quer

dizer que o Egito seraacute ldquoextirpadordquo ou seja omitido da recitaccedilatildeo do Shemaacute a menccedilatildeo

ao ecircxodo seraacute adicionada agrave referecircncia aos reinos estrangeiros de tal forma que esta

uacuteltima se torna a raiz ou a essecircncia da oraccedilatildeo e o ecircxodo um acreacutescimo um anexo

Assim ldquoresoluccedilatildeo do debate reside na aceitaccedilatildeo de que assim como o Ecircxodo do Egito

seraacute mencionado nos uacuteltimos dias como uma lsquoadiccedilatildeorsquo acrescentada agrave menccedilatildeo do

uacuteltimo grande ato redentor assim o nome adicional do Patriarca (que jamais o eacute) ainda

seraacute faladordquo (HAYWARD 2005 p 14)

No entanto somos levados de volta a Bereshit Rabbah pois um dos Saacutebios que

tomam parte no debate volta a destacar o nome Jacoacute como o principal e essencial para

o Patriarca Em Bereshit Rabbah 771 se lecirc

E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO etc (Gn 3225) Estaacute escrito Natildeo haacute semelhante a Deus oacute Jeshurum (Dt 3326) R Berekiah interpretou-o em nome de R Judah b R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa o mais nobre e melhor dentre voacutes Vocecirc veraacute que o Santo abenccediloado seja Ele antecipou neste mundo atraveacutes da accedilatildeo do justo tudo o que Ele faraacute na outra vida Assim Deus ressuscitaraacute os mortos e Elias ressuscitaraacute os mortos Deus reteve a chuva e Elias reteve a chuva Deus abenccediloaraacute o pequeno [em quantidade] e Elias abenccediloou o pequeno [em quantidade] Deus ressuscita os mortos e Eliseu ressuscita os mortos Deus lembrou-se de mulheres sem filhos e Eliseu lembrou-se de mulheres sem filhos Deus abenccediloou o pequeno e Eliseu abenccediloou o pequeno Deus adoccedilou o amargo e Eliseu adoccedilou o amargo Deus adoccedilou o amargo por meio do

147

amargo e Eliseu adoccedilou o amargo por meio do amargo R Berekiah interpretou em nome de R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa Israel o Patriarca Assim como estaacute escrito de Deus E soacute o Senhor seraacute exaltado (Is 21117) Assim de Jacoacute tambeacutem E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO (MIDRASH RABBAH 1939)

O paralelo entre Dt 3326 onde surge o misterioso nome Jeshurun e a mudanccedila

de nome de Jacoacute natildeo se encontra em nenhuma outra parte do Midrash Rabbah E o texto

hebraico de Dt 3326a (acuteecircn Kaumlacuteeumll yuumlšurucircn) suporta ateacute trecircs possibilidades de traduccedilatildeo171

a) A primeira ldquoNatildeo haacute ningueacutem como Deus oacute Jeshurunrdquo exclamaccedilatildeo dirigida

a Israel a partir desse raro tiacutetulo172

b) Outra possibilidade ldquoNatildeo haacute ningueacutem como o Deus de Jeshurunrdquo Uma

afirmaccedilatildeo da importacircncia e poder incomparaacuteveis do Deus de Israel em

relaccedilatildeo aos deuses de outros povos Expressatildeo aliaacutes muito comum na BH

basta citar Ex 1511 Is 401825 465

c) Finalmente esse texto hebraico aceita outra traduccedilatildeo em forma de pergunta

e resposta ldquoHaacute algueacutem como Deus [Sim] Jeshurunrdquo Como pode-se

constatar pela leitura da passagem de Bereshit Rabbah citata acima eacute

justamente esta terceira possibilidade que eacute assumida pelo Saacutebio Simon

O tiacutetulo Jeshurun eacute compreendido agrave luz da palavra hebraica rvy que pode

significar ldquoeretordquo ldquoperfeitamente erguidordquo para sugerir que algueacutem que possa ser

ldquocomo Deusrdquo eacute a mais nobre e distinta pessoa em Israel Assim o nome Jeshurun que

equivale nessa interpretaccedilatildeo rabiacutenica a Israel eacute o maior tiacutetulo honoriacutefico a ser

concedido a uma pessoa Esse tiacutetulo Jeshurun ao que parece ldquoestaacute impregnado do

mundo que viraacute quando nada exceto todas as forccedilas opostas estaraacute no caminho da

soberania de Deusrdquo (HAYWARD 2005 p 254) Esse proecircmio que trata em Bereshit

Rabbah 771 da histoacuteria de Jacoacute destaca a nobreza do povo de Israel bem como o

privileacutegio concedido agraves melhores pessoas deste povo (no texto destacam-se os profetas

Elias e Eliseu) de serem capacitadas pelo Criador para realizar accedilotildees que ele mesmo eacute

capaz de fazer em circunstacircncias normais VON RAD (cf 1977 p 396) vai nessa mesma

171 Cf HAYWARD 2005 p 252-253 172 Retornaremos a esse tiacutetulo Jeshurun no proacuteximo item deste capiacutetulo

148

linha vendo nesse nome novo e honroso uma maneira de Deus reconhecer e admitir

Jacoacute diante de si mesmo

A expressatildeo ldquofoi deixado sozinhordquo que abre e fecha o texto midraacuteshico

expressando a condiccedilatildeo de Jacoacute antes da luta da qual ele emergiraacute como Israel eacute

interpretada pelos rabinos como sendo indicaccedilatildeo da singularidade da personagem

Jacoacute assim como Deus eacute ldquosozinhordquo do mesmo modo Israel eacute sozinho Israel eacute uma

naccedilatildeo singular segundo o Talmude pois eacute a uacutenica a seguir o ensinamento biacuteblico de

1Cr 1721 ldquoQual naccedilatildeo eacute como teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica [acuteeHaumld]173 sobre a

terrardquo Desse modo a unidade de Deus e a singularidade de Israel satildeo vistas como

duas faces da mesma moeda Vejamos no tratado talmuacutedico Berachot 6a

R Nahman b Isaac disse a R Hiyya b Abin O que estaacute escrito no tefilin do Senhor do Universo E ele respondeu-lhe E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] Entatildeo o Santo bendito seja canta os louvores de Israel Sim porque estaacute escrito Hoje tu fizeste o Senhor declarar E o Senhor te declarou hoje [Dt 261718] O Santo bendito seja disse a Israel Tu me fizeste uma entidade uacutenica174 no mundo e eu farei de ti uma entidade uacutenica no mundo ldquoTu me fizeste uma entidade uacutenica no mundordquo como se diz Ouccedila Israel o Senhor nosso Deus o Senhor eacute um [Dt 64] E eu farei de vocecirc uma entidade uacutenica no mundo como se diz E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] R Aha b Raba disse para R Ashi Isso representa um caso e quanto aos outros casos Ele respondeu-lhe [Eles contecircm os seguintes versiacuteculos] Pois que grande naccedilatildeo haacute etc E que grande naccedilatildeo haacute etc Dt 478] Feliz eacutes tu oacute Israel ]Dt 3329] etc Ou Deus intentou [Dt 434] etc e te elevar acima de todas as naccedilotildees [Dt 2619] Se assim haveria muitos casos Por isso [vocecirc deve dizer] Pois que grande naccedilatildeo haacute e E que grande naccedilatildeo haacute que satildeo semelhantes satildeo um caso Feliz eacutes tu oacute Israel Quem eacute como o teu povo em um caso Ou Deus intentou em um caso E para te exaltar em um caso (EPISTEIN 2009)

A partir desses textos percebemos que na mentalidade desses rabinos a

concessatildeo do nome Israel tem a ver com a relaccedilatildeo entre Deus e o mundo que ele criou

e que o aparecimento de Israel o Patriarca como algueacutem que como Deus estaacute ldquosoacuterdquo

natildeo pode ser separado da proclamaccedilatildeo judaica da unidade e singularidade de Deus

173 Importante observar que essa expressatildeo eacute retomada no tratado Sukkat 55b do Talmude Babilocircnico bem como no Targum Pseudo-Jonathan de Nuacutemeros 296 174 JASTROW 2006 p 449 traduz a palavra Haacutedaggericircbaumlh como ldquoobjeto de amorrdquo assim a frase ficaria ldquoo

uacutenico objeto de seu amorrdquo

149

em um mundo agora hostil mas destinado a ser submetido agrave sua ldquoretidatildeordquo

literalmente ldquoverticalidaderdquo

Rashi nos oferece uma interessante justificativa para a mudanccedila do nome de

Jacoacute segundo ele

Natildeo seraacute mais dito que as becircnccedilatildeos vieram a ti com astuacutecia e engano senatildeo com autoridade e clareza E finalmente o Divino Abenccediloado seja Ele se revelaraacute a ti em Bet-El e mudaraacute teu nome e ali Ele te abenccediloaraacute e eu estarei ali e confirmarei a ti sobre elas [as becircnccedilatildeos] E eacute isto que estaacute escrito (Oseias 12) ldquoe dominou o anjo prevaleceu chorou e lhe suplicourdquo o anjo chorou e suplicou-lhe E o que suplicou-lhe [o anjo] ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo Mas Jacob natildeo queria e contra a sua vontade [o anjo] admitiu-lhe sobre elas [as becircnccedilatildeos] E este eacute [o significado de] ldquoE abenccediloou-o alirdquo porque [o anjo] lhe estava suplicando que esperasse por ele e natildeo quis Natildeo temos um nome determinado mudam nossos nomes tudo conforme a ordem do serviccedilo ordenado ao qual noacutes somos enviados (BIacuteBLIA COM COMENTAacuteRIOS DE RASHI 1993 p 159-160)

Como a personagem Jacoacute eacute representada na BH como sendo uma pessoa

habituada a empregar artifiacutecios e artimanhas para obter o que deseja tais como a

usurpaccedilatildeo da primogenitura (cf Gn 271-29) o modo como ele enriqueceu-se (cf Gn

3032-43) a fuga agraves escondidas da propriedade do sogro (cf Gn 31) e finalmente o

envio de presentes ao seu irmatildeo rival Esauacute a fim de amolecer seu coraccedilatildeo e aplacar

um pouco a sua aversatildeo para com ele (cf Gn 3214b-22) Rashi destaca em seu

comentaacuterio que desta vez a becircnccedilatildeo de Jacoacute eacute legiacutetima eacute clara eacute merecida E como

Jacoacute a partir de agora eacute destinado a ser um dos patriarcas um dos Pais da naccedilatildeo

entatildeo o novo nome revela essa nova investidura essa nova missatildeo em sua vida O anjo

na visatildeo de Rashi assim como naquela da maioria dos Saacutebios eacute um mensageiro que

antecipa o encontro pessoal com Deus em Gn 351-15175 Aliaacutes essa becircnccedilatildeo na

narrativa de Gn 3223-33 eacute transmitida assumindo a ldquoforma de um novo nome

175 ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo como consta do comentaacuterio de Rashi citado acima

150

conferido a Jacoacute em memoacuteria dessa luta de coroaccedilatildeo de sua vidardquo (SKINNER 1994 p

409)176

Comentaristas modernos veem em Gn 3228-29 uma pergunta retoacuterica que daacute

oportunidade para que ldquoJacoacuterdquo e ldquoIsraelrdquo sejam contrapostos trazendo assim agrave mente

a conotaccedilatildeo contrastante dos nomes Uma vez que os nomes proacuteprios na BH estatildeo

inextricavelmente entrelaccedilados com personalidade e destino como vimos no segundo

capiacutetulo deste estudo ldquoa mudanccedila aqui significa uma purgaccedilatildeo final dos traccedilos de

caraacuteter desagradaacutevel com que ya`aacuteqoumlb veio a ser associadordquo (SARNA 1989 p 227)

4 O que significa Israel

O nome laerfyI aparece na antiguidade em sete lugares

a) em um tablete em Ugarit do final do seacutec XIII AEC

b) um relevo topograacutefico foi encontrado em uma laje de granito cinza medindo

46 cm de altura e 395 cm de largura o qual deveria fazer parte do pedestal

de uma estaacutetua egiacutepcia A inscriccedilatildeo eacute em hieroacuteglifo A dataccedilatildeo proposta seria

para a eacutepoca da 19ordf Dinastia egiacutepcia possivelmente durante o reinado de

Ramseacutes II (1290-1224 AEC) (cf GOumlRG 2001) A placa de nuacutemero 21687 em

seu estado atual de preservaccedilatildeo conteacutem trecircs aneacuteis de nomes sobrepostos de

prisioneiros asiaacuteticos ocidentais Ela se encontra nos Museus Nacionais em

Berlim Alemanha

c) na estela do faraoacute Merneptaacute iniacutecio do seacutec XIII AEC

d) na inscriccedilatildeo de Salmanassar III cerca de 853 AEC

e) na inscriccedilatildeo da estela de MeshaMesa cerca de 840 AEC

f) na inscriccedilatildeo da estela de Tell Dan seacutec VIII AEC e

g) na proacutepria Biacuteblia Hebraica

Haacute no entanto alguns aspectos que dificultam concluir se as palavras referidas

a Israel o satildeo de fato No tablete ugariacutetico a soletraccedilatildeo parece ser larfy na estela de

Mesha a letra X pode ser lida tanto como S ou š uma vez que natildeo haacute marca fonoloacutegica

176 DANELL 1946 p 19 tambeacutem afirma que o ldquonome Israel eacute uma recordaccedilatildeo da batalha com o Deus do paiacutes quando ele conseguiu seu objetivordquo ou seja a becircnccedilatildeo e a heranccedila de seus antepassados Abraatildeo e Isaac

151

Das inscriccedilotildees que constam das estelas de Merneptaacute e Salmanassar III eacute impossiacutevel

chegar a uma inequiacutevoca decisatildeo uma vez que o caractere que denota a letra em

questatildeo sustenta ambas pronuacutencias (cf MARGALITH 1990 p 226)

Na placa em granito cinza nuacutemero 21687 possivelmente do seacutec XIII AEC trecircs

nomes podem ser discernidos i-S-q-l-n (Ascalon) k-y-n-` A -nw (Canaatilde) i-[]-š A-i-r (estaacute

preservado parcialmente) Na verdade a borda direita dos hieroacuteglifos que

representam esta uacuteltima palavra estaacute tatildeo desgastada que os restos soacute podem ser

detectados com dificuldade GOumlRG (2001 p 21-27) interpretou o traccedilo horizontal

superior como o bico de um abutre (X) portanto o ldquoacutealef rdquo egiacutepcio representado pelo

sinal A Na reconstruccedilatildeo dessa palavra VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010 p 16-

17) defendem a possibilidade de ler-se este terceiro nome da placa 21687 como sendo

i-A-š A-i-r (eumlXegraveeumllsquo78506 ) GOumlRG (2001 p 21-27) sugeriu a leitura do marcador de vogal A

em egrave (š A) como r (resultando em šr) baseado em vaacuterios exemplos existentes em

outras inscriccedilotildees (cf VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 17-18) Aceitando-se

essa proposta o terceiro nome da placa egiacutepcia que se encontra em Berlim pode ser

lido como IA-Sr-i-r = IA-Sr-il ou YA-Sr-il um nome que sem duacutevida parece-se com o

nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo (hebraico ySracutel) GOumlRG (2001) sugere que a inicial i + A pode ler-

se como i e ou ya portanto seja como a letra inicial em ldquoIsraelrdquo seja quando derivado

de yašar em Yašarel (nome original de Israel) Essa leitura eacute suportada em

SCHNEIDER 1992 p 364-365) Assim sendo VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010

p 20) veem dois argumentos principais a favor da tese deles

Em primeiro lugar uma vez que existe evidecircncia linguiacutestica de que o nome original ldquoIsraelrdquo poderia ter sido escrito com š (por exemplo com

base no verbo yšr) o uso egiacutepcio de š (em vez de S como na Estela de

Israel de Merneptaacute) natildeo exclui a possibilidade que o nome fosse escrito originalmente com S no semiacutetico ocidental Em segundo lugar e mais

significativamente a proximidade geograacutefica de IA-Sr-ilYA-Sr-il a Ascalon e Canaatilde torna a identificaccedilatildeo com Israel provaacutevel Nenhum local conhecido (especialmente tatildeo perto dessas duas entidades geograacuteficas familiares) tem um nome tatildeo reminiscente do nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo

152

O tablete cuneiforme de Ugarit conteacutem uma lista com os nomes dos guerreiros

dos carros de combate de seu exeacutercito por isso provavelmente trata-se de um nome

de pessoa (cf WAGNER 2012) y-š-r-acute i-l Poreacutem esse nome natildeo tem necessariamente

ligaccedilatildeo com o Israel da BH (cf DAVIES 1992 p 57-58)

A inscriccedilatildeo monoliacutetica de Salmanassar III foi encontrada em Kurkh na Turquia

(custodiada atualmente no Museu Britacircnico em Londres) e descreve a campanha do

rei assiacuterio em seu sexto ano do reinado (853 AEC) A inscriccedilatildeo relata a batalha contra

uma coalizaccedilatildeo de cidades-estados da regiatildeo setentrional da Siacuteria em Qarqar cidade

agraves margens do rio Orontes na Siacuteria Haacute uma lista de onze reis (apesar de referir-se a

doze) com os detalhes das tropas enviadas para enfrentar o rei assiacuterio na tentativa de

impedir seu avanccedilo e controle das vias de transporte daquela regiatildeo Entre esses reis

eacute mencionado Acab (governou de 874-853 AEC) ldquo2000 carros e 10000 homens agrave peacute de

Acab de Israelrdquo (WAGNER 2012) Eacute provaacutevel que ldquoIsraelrdquo deva ser entendido como

uma indicaccedilatildeo da aacuterea ldquoIsraelrdquo aqui portanto eacute uma dimensatildeo poliacutetica e territorial

que eacute o reino do norte no seacuteculo IX AEC

A estela de MeshaMesa em basalto negro medindo 1 metro e 10 centiacutemetros

de altura e 60 a 68 centiacutemetros de espessura oferece em 34 linhas que puderam ser

recuperadas um documento que eacute considerado o mais antigo em liacutengua moabita

Nessa estela a palavra ldquoIsraelrdquo aparece como sendo o domiacutenio da dinastia de Omri

Nas linhas 4-7 se lecirc ldquoOmri era o rei de Israel e ele oprimiu Moab por um longo tempo

porque Kemosh estava zangado com a sua terra E foi sucedido por seu filho E ele

disse vou afligir Moab Em meus dias ele disse [por isso] mas eu triunfei sobre ele e

sua casa E Israel pereceu para semprerdquo (WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa)

Claramente trata-se de uma referecircncia ao Reino do Norte Israel e natildeo a um indiviacuteduo

em especiacutefico

Em 1993-1994 durante escavaccedilotildees em Tel Dan (aacuterabe Tel el-Qadi monte do juiz)

no norte de Israel encontrou-se trecircs fragmentos de uma estela em basalto (atualmente

sob os cuidados do Museu de Israel em Jerusaleacutem) que foram reutilizados na

construccedilatildeo de um muro Devido a isso apesar de se encaixarem os trecircs fragmentos

apresentam lacunas no texto O iniacutecio e o final estatildeo faltando p ex e a versatildeo

reconstruiacuteda possui diferentes comprimentos de linha O texto eacute em aramaico antigo e

153

natildeo faz referecircncia a quem mandou redigi-lo haacute uma hipoacutetese de ter sido o rei siacuterio

Hazael de Damasco (cf WAGNER 2012) Trata-se de um relato sobre as vitoacuterias

obtidas contra o Reino do Norte Israel e a ldquocasa de Davirdquo referecircncia ao Reino do Sul

O texto comeccedila com a menccedilatildeo de um pacto entre Israel e Damasco o rei Joratildeo de Israel

(governou de 852-841 AEC) apoacutes a morte de Barhadad II (= Ben-Hadad 845-842 AEC)

rompeu esse acordo ao invadir territoacuterios arameus (cf 2Rs 871528) Hazael (842-805

AEC) provaacutevel usurpador do trono de Damasco conseguiu derrotar Israel e recuperar

os territoacuterios perdidos (cf 2Rs 828) No texto se diz que o monarca arameu matou

Joratildeo de Israel e Ocozias (Acazias) de Judaacute ldquo[Eu matei Jo]ratildeo filho de [Acab] rei de

Israel e eu matei [Acaz]ias filho de [Jeoratildeo re]i da Casa de Davirdquo (linhas 7b-9a

WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa) No entanto na BH em 2Rs 914-27 consta que foi Jeuacute

quem matou tanto Joratildeo (rei de Israel) quanto Ocozias (rei de Judaacute) O que nos

interessa aqui eacute constatar que o governante do Reino do Norte eacute identificado na

inscriccedilatildeo de Tal Dan com sendo ldquorei de Israelrdquo (linhas 3 8 e 12) Somente a tiacutetulo

ilustrativo registre-se aqui as vaacuterias divergecircncias a respeito da possiacutevel expressatildeo

ldquocasa de Davirdquo (detalhes do debate cf ESTELA DE TEL DAN 2016)

Dedicamo-nos agora agrave primeira menccedilatildeo extrabiacuteblica de uma entidade

denominada ldquoIsraelrdquo Paradoxalmente essa menccedilatildeo anuncia a destruiccedilatildeo de Israel

onde ela deveria aparecer Essa menccedilatildeo eacute feita pela estela do faraoacute Merneptaacute que pode

ser datada entre 1210 e 1205 AEC Essa estela atualmente exposta no Museu do Cairo

(Egito) eacute feita em granito medindo 318 metros de altura por 161 metro de largura e

31 centiacutemetros de espessura relata as vitoacuterias do governante do Egito por ocasiatildeo de

uma campanha militar no Levante177

Uma grande alegria eacute advinda ao Egito e o juacutebilo sobe para todas as cidades da terra bem-amada Elas falam das vitoacuterias alcanccediladas por Merneptaacute contra o Tjehenu178 Os chefes tombam dizendo Paz (š-l-m) Nem um soacute levanta a cabeccedila

entre os Nove Arcos179

177 Em PETRIE William M Flinders Six temples at Thebes London [sn] 1897 plate 14 haacute uma imagem de espelho das 28 linhas principais da inscriccedilatildeo nela registrada apud MERNEPTAH STELE 2016 A menccedilatildeo a Israel aparece na linha 27 da inscriccedilatildeo 178 Seriam os ldquolibianosrdquo povos ocidentais e meridionais contiacuteguos ao vale do rio Nilo (cf ROumlMER 2016 p 77 n 7) 179 Termo empregado para representar os inimigos tradicionais do Egito (cf ROumlMER 2016 p 78 n 8)

154

Vencida estaacute a terra dos Tjehenu O Hatti180 estaacute paciacutefico Canaatilde estaacute despojado de tudo o que tinha de mau Ascalon eacute conduzido Gazer estaacute preso Jenoam181 se torna como se nunca tivesse existido Israel estaacute destruiacutedo nem mesmo a sua semente existe A Siacuteria (Hourrou) tornou-se uma viuacuteva para o Egito Todas as terras estatildeo unidas elas estatildeo em paz (Cada um dos) que vagavam estatildeo agora ligados pelo rei do Alto e Baixo Egito Baenrecirc o filho de Recirc Merneptaacute dotado de vida como Recirc cada dia (ROumlMER 2016 p 77-78 grifo nosso)182

O nome de Israel eacute escrito como etnocircnimo ele eacute determinado por um homem e

uma mulher assim como por trecircs traccedilos verticais indicando o plural Algo

interessante eacute o fato da inscriccedilatildeo dizer sobre Israel que ldquonem mesmo a sua semente

existerdquo Essa expressatildeo eacute duacutebia podendo indicar que os campos de trigo (ldquosementerdquo)

que sustentam o povo jaacute natildeo existem mais destruiacutedos que foram pelo exeacutercito do

faraoacute ou entatildeo ldquopode igualmente evocar a praacutetica egiacutepcia de cortar o pecircnis dos

inimigos mortosrdquo (ROumlMER 2016 p 79) Se o escriba quisesse ele poderia ter

especificado melhor incluindo nos hieroacuteglifos gratildeos de trigo ou um falo como ele natildeo

o fez pode ser uma indicaccedilatildeo de ambos significados Provavelmente o Israel

mencionado na estela egiacutepcia seria uma coalizaccedilatildeo de clatildes ou de tribos A sua

localizaccedilatildeo segundo a mesma estela seria entre Ascalon Gazer que designariam as

extremidades sul e Jenoam (Janoam) que indicaria a extremidade norte assim ldquopode-

se imaginar esse Israel na regiatildeo montanhosa de Efraim isto eacute a regiatildeo em que Saul

vai fundar seu lsquoreinorsquordquo (ROumlMER 2016 p 79)

A etimologia da palavra ldquoIsraelrdquo ateacute o momento ainda eacute objeto de debates

controveacutersias e teorias as mais diversas Tentaremos apresentar aqui um quadro

resumido a fim de termos uma ideia panoracircmica

Comeccedilando pela proacutepria etimologia fornecida pelo texto hebraico lemos

ldquoporque lutaste com Deus e com homens e prevalecesterdquo (traduccedilatildeo da maior parte das

versotildees modernas) Neste caso o verbo raro Saumlricirctauml (qal perfeito segunda pessoa

180 Seriam os hititas na Anatoacutelia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 9) 181 A identificaccedilatildeo desse local eacute incerta podendo ser uma regiatildeo na Palestina do Norte ou na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 10) 182 Roumlmer reconhece-se devedor para a traduccedilatildeo no caso em francecircs do texto em hieroacuteglifos a LALOUETTE Claire LrsquoEmpire des Ramseacutes Paris Flammarion 2000 [1985] p 267

155

masculina singular) da raiz hrf assume o sentido de ldquolutarrdquo ldquolitigarrdquo ldquodisputarrdquo Esse

verbo ocorre novamente em Os 124 na forma qal (perfeito) da terceira pessoa

masculina singular (Saumlracirc) Enquanto a identificaccedilatildeo o verbo woyyaumlordmSar (Os 125) eacute

discutiacutevel podendo ser da mesma raiz hrf como tambeacutem da raiz rwf em um de seus

significados (cf CLINES 1993-2011 v VIII p 119 190) ambas com sentido de lutar

litigar combater

No entanto a primeira parte do nome laerfyI eacute objeto de vaacuterias interpretaccedilotildees

vejamos

a) hrf lutar No entanto o sentido primeiro para o nome natildeo seria ldquolutou com

Deus [El]rdquo ldquocombateu com Deus [El]rdquo mas ldquoQue El combatardquo uma vez que

nos nomes teofoacutericos a tendecircncia eacute o nome da divindade encontrar-se na

posiccedilatildeo de sujeito183 Essa raiz como jaacute dissemos eacute rara surge apena duas

vezes na BH (Gn 3229 e Os 1245[]) Em outras liacutenguas semiacuteticas somente

em Ebla aparece um nome com possibilidade de ter proximidade trata-se

de iš-ra-il com o possiacutevel sentido de ldquocombaterrdquo (cf ROumlMER 2016 p 76)184

Flaacutevio Josefo em Antiguidades Judaicas (1333) assume essa explicaccedilatildeo para a

raiz quando escreve sobre IsraelJacoacute τὸν ἀντιστάτην ἀγγέλῳ θεοῦ

(enfrentoulevantou-se [contra] o anjo de Deus)

b) hrf perseverar persistir portanto El persistepersevera (cf DRIVER 1899

p 530a) ROSS (1985 p 346) e CLINES (1993-2011 v VIII p 190) apontam

outro significado para esse verbo raro na BH que seria contender

competir argumentar rivalizar (inglecircs to contend) ROSS chega mesmo

a levantar a hipoacutetese de que as versotildees gregas e latinas tenham

confundido os verbos hrf (contender competir) e rrf (governar ser

forte dominar) Veja abaixo Essa raiz estaacute presente com muita

183 O primeiro a observar esse fenocircmeno foi NESTLE Eberhard Die israelitischen Eigennamen nach ihrer religionsgeschichtlichen Bedeutung ein Versuch Haarlem F Bohn 1876 apud MARGALITH 1990 p 234 n 52 184 Essa interpretaccedilatildeo fundamenta-se em GORG Manfred Israel in Hieroglyphen Biblische Notizen - Beitraumlge zur exegetischen Diskussion Muumlnchen Institut fuumlr Biblische Exegese Altes Testament Heft 106 p 21-27 2001 e VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 19 24 n 66

156

probabilidade no nome proacuteprio Saraiacuteas (Suumlraumlyacirc)185 que poderia ser

interpretado como ldquoGuerreiroPriacutencipe de YHWHrdquo ldquoYHWH

governaregerdquo e assim por diante

c) hrf brilhar resplandecer daiacute ler-se o nome como El resplendebilha Essa

leitura eacute amparada na possibilidade de uma equivalecircncia com a palavra

aacuterabe šariya (cf BAUER 1933 p 83) Em hebraico esse sentido eacute transmitido

com a raiz nGh Em acaacutedio encontramos um termo com uma raiz semelhante

mas natildeo igual caraumlru (iluminar acender)186

d) rrf governar reinar dominar impor-se como senhor ser forte (cf Nm

1613 Is 321) Redundando entatildeo em ldquoQue El governerdquo ldquoQue El reinerdquo A

BH atesta outros nomes proacuteprios com essa raiz como p ex Śeraumlyaumlh ou na

forma longa Śeraumlyaumlhucirc (YHWH reina) nome de um sacerdote em 2Rs 2518

(BJ Saraiacuteas) e de um funcionaacuterio do rei Sedecias em Jr 3626 Oseias 125a

(woyyaumlordmSar acuteel-malacuteaumlk wayyugravekaumll) que geralmente eacute traduzido como ldquoLutou

contra um anjo e o venceurdquo traz provavelmente esse verbo ROumlMER (2016)

e outros estudiosos veem aqui uma revisatildeo dogmaacutetica massoreacutetica ao

introduzir a palavra ldquoanjosrdquo ao inveacutes de Deus (YHWH ou El Elohicircm) Pois

ldquoos massoretas queriam evitar uma proximidade muito grande entre Jacoacute e

Deus e por consequecircncia inseriram a palavra malacuteaumlk (lsquoanjorsquo)

transformando assim o termo acuteeumll que na origem significava o deus El por

uma mudanccedila de vocalizaccedilatildeo em uma preposiccedilatildeo acuteel (lsquopara em direccedilatildeo arsquo)rdquo

(ROumlMER 2016 p 77) O texto de Os 125 poderia entatildeo ser refeito do

seguinte modo ldquoEl se impocircs e o levou (woyyaumlordmSar acuteeumll wayyugravekaumll)rdquo (ROumlMER

2016 p 77) O verbo vem do sentido denominativo ldquogovernarrdquo originado

de rf (ugariacutetico šr ndash cf SAUER 1966 p 240)187 ldquopriacutencipe governanterdquo Tal

185 Esse nome estaacute presente na BH em 2Sm 817 2Rs 251823 1Cr 4131435 614 (2x) Esd 22 71 Ne 102 1111 12112 Jr 3626 408 5159 (2x)61 5224 186 Cf FOWLER 1988 p 244 187 Em ugariacutetico essa raiz talvez poderia ser ainda šrr com o sentido de ldquosoltarrdquo ldquosoltar-serdquo ldquolivrarrdquo

cuja raiz corresponderia ao hebraico yš` com o significado de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo (cf FOWLER 1988 p

289)

157

raiz pode ter relaccedilatildeo tambeacutem com o substantivo emarita šarru188 que

significa governantes funcionaacuterios da administraccedilatildeo (cf TAWIL 2009 p

380) Nessa perspectiva de interpretaccedilatildeo a Septuaginta (LXX) lecirc ὅτι

ἐνίσχυσας μετὰ θεοῦ καὶ μετὰ ἀνθρώπων δυνατός (ldquoporque tu foste forte

com Deus e com os homens poderosordquo cf LA BIBLIE DrsquoALEXANDRIE

LA GENEgraveSE 1986 p 242-244) Essa traduccedilatildeo da versatildeo grega eacute resultado de

uma visatildeo mais ampla que possuem da personagem Jacoacute De alguma

maneira jaacute prefigurando a histoacuteria de seus descentes em sua libertaccedilatildeo da

servidatildeo no Egito e sua obtenccedilatildeo da Terra Prometida A Vulgata versatildeo

latina de Jerocircnimo tambeacutem segue essa interpretaccedilatildeo ldquoquoniam si contra

Deum fortis fuisti quanto magis contra homines praevalebisrdquo (trad nossa porque

se contra Deus foste forte quanto mais prevaleceste contra os homens) Interessante

observar que uma outra explicaccedilatildeo etimoloacutegica por parte da BH aproxima-

se dessa de Gn 3229 Estamos nos referindo a Jz 632 (wayyiqraumlacute-locirc bayyocircm-

hahucircacute yuumlruBBaordm al leumlacutemoumlr yaumlordmreb Bocirc haBBaordm al Kicirc naumltac e|t-mizBuumlHocirc traduccedilatildeo nossa

Chamou-lhe naquele dia Jerubaal dizendo ldquoQue Baal contenda contra ele

porque destruiu o seu altarrdquo) No entanto temos aqui a raiz verbal byr (cf

CLINES 1993-2011 v VII p 478 KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2

p 1224) e natildeo a raiz bbr189

e) rfy curar (os enfermos) portanto ldquoEl [Deus] curardquo Nas liacutenguas semiacuteticas

incluindo o hebraico e o aramaico o termo natildeo eacute encontrado mas somente

em aacuterabe (raiz nasarawasara190 = reviver reanimar) e etiacuteope (saraya = curar)

188 Emarita eacute o nome que se daacute agrave liacutengua da Emar antiga atual Meskene Qadine (Siacuteria) onde foram encontrados cerca de 1200 fragmentos de textos legais clericais religiosos literaacuterios e lexicais A maioria desses textos encontrados foram escritos em acaacutedio poreacutem haacute vaacuterios redigidos na liacutengua local de Emar denominada ldquoemaritardquo Eles satildeo datados grosso modo do periacuteodo entre os seacuteculos XIX a XII AEC (Era do Bronze Tardio na Siacuteria) Geralmente essa liacutengua eacute classificada como semiacutetica noroeste (cf VITA 2015 p 377) 189 EISSFELDT (1968 p 76 n 2) afirma que a raiz por detraacutes do verbo yaumlordmreb seja bbr que significa ldquoser

granderdquo ldquoengrandecerrdquo Segundo ele o que torna semelhantes essas duas explicaccedilotildees etimoloacutegicas (Israel e Jerubaal) eacute o fato dos verbos que constituem esses dois nomes (segundo Eissfeldt hrf para

Israel e bbr para Jerubaal) originalmente terem um significado diferente daquele de lutar combater e

contender que acaba surgindo na explicaccedilatildeo do texto biacuteblico 190 Essa diferenccedila de raiacutezes Albright explica na passagem citada devido a uma contaminaccedilatildeo morfoloacutegica das raiacutezes de I-waw e I-nun que ocorria muito na antiguidade

158

com esse sentido (cf ALBRIGHT 1927 p 154-158) Mas eacute uma proposta que

natildeo eacute levada muito em consideraccedilatildeo como explicaccedilatildeo etimoloacutegica

f) rvy ser direito (de peacute) ser correto ser justo191 Em ugariacutetico a raiz yšr eacute

traduzida como ldquoretidatildeo legalidaderdquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004

p 989) Em acaacutedio com essa raiz encontramos o verbo ešeumlru com o sentido

de endireitar prosperar estar em um modo correto e o adjetivo išaru que

significa ldquojustordquo ldquodireitordquo ldquocorretordquo (cf TAWIL 2009 p 151-152) De onde

se pode traduzir o nome Israel como ldquoEl [Deus] eacute justordquo ldquoEl eacute corretordquo (cf

JACOB 1955 p 155) Essa raiz eacute reencontrada em textos da BH Dt 3215

33526 como Yuumlšurucircn (um nome poeacutetico para Israel)192 Em Mq 27 aparece

como um adjetivo yaumlšaumlr (retidatildeo) Isaias 442 Yuumlšurucircn novamente aparece

formando um paralelismo literaacuterio proacuteprio da poesia hebraica acuteal-Ticircraumlacute `abDicirc

ya|`aacuteqoumlb wicircšurucircn BaumlHaordmrTicirc bocirc (Natildeo temas Jacoacute meu servo e Jeshurun meu

escolhido) No caso de estar relacionado a Israel o Patriarca sendo um nome

paralelo entatildeo a raiz rvy seria muito clara na etimologia do nome patriarcal

Assim a mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel expressaria uma mudanccedila de

caraacuteter do desvio agrave retidatildeo moral Essa interpretaccedilatildeo pode ser encontrada na

Yalkut Reubeni (Gn 3229)193 e no comentaacuterio ao Deuteronocircmio de Ramban

(210 e 712)194 Segundo esses rabinos o nome Israel significaria ldquoAquele que

eacute reto com Deusrdquo O fato de Israel ser escrito com S (sin) e natildeo š (shin) natildeo

significa que natildeo tenha alguma relaccedilatildeo com a raiz rvy Eacute de se observar que

a pontuaccedilatildeo da sibilante X somente foi finalizada pelos massoretas na Idade

191 Cf SACHSSE 1914 p 1-15 192 Apesar que FOWLER (1988 p 186 202) natildeo reconhece a existecircncia de nomes teofoacutericos em hebraico com essa raiz Segundo a autora a ideia da divindade como ldquojustardquo ldquoretardquo eacute transmitida em nomes

hebraicos pela raiz cDq 193 Apud SARNA 1989 p 405 O Yalqut Reubeni que significa ldquoColeccedilatildeo de Reubenrdquo eacute uma coleccedilatildeo do seacuteculo XVII EC de midrashim composta pelo rabino Reuben Hoschke Kohen (falecido em 1673) impresso primeiramente em Praga em 1660 A coleccedilatildeo inclui expansotildees de lendas rabiacutenicas adepto do misticismo cabaliacutestico 194 Ramban eacute o acrocircnimo do nome de Mōšeh bēn-Nāḥmān (1194-1270) normalmente conhecido como Nachmanides um rabino sefardita catalatildeo filoacutesofo meacutedico cabalista e comentarista biacuteblico Ele nasceu cresceu estudou e viveu a maior parte de sua vida em Girona Catalunha Espanha Nachmanides eacute tambeacutem considerado uma figura importante no restabelecimento da comunidade judaica em Jerusaleacutem apoacutes a sua dizimaccedilatildeo nas matildeos dos cruzados em 1099 (cf WIGODER 1993 p 797-799)

159

Meacutedia Portanto tanto sin com shin satildeo possiacuteveis em vaacuterias palavras

hebraicas Em ugariacutetico p ex natildeo haacute uma consoante que corresponda

consistentemente agrave hebraica sin ldquoregularmente o fonema sibilante š e

usualmente o fonema sibilante S aparecem na ortografia como šldquo (GORDON

1940 sect 3 11 12)195 E isso se repete em outras liacutenguas como o feniacutecio e no

acaacutedio 196 A partir da raiz rfyrvy GOumlRG (2001 p 26) sugere que o nome

ldquoIsraelrdquo possa ser derivado de um nome original canaanita Eshar-Il

Yashar-Il (ldquoPerfeito eacute Elrdquo) Ele constata que nomes similares com ou sem a

presenccedila do elemento divino e derivados dos verbos rfyrvy (ldquoser corretordquo)

satildeo atestados em onomaacutestica amorita do iniacutecio do segundo milecircnio AEC Ya-

sa-rum I-šar-li-im Ḫa-mu-yi-šar

g) rva ser feliz O nome da tribo de Asher (BJ Aser) e da deusa feniacutecia Asheraacute

(BJ Aseraacute) esposa do deus El parecem originar-se dessa raiz Em ugariacutetico

encontramos de fato a palavra išryT um substantivo feminino traduzido

como ldquofelicidade alegriardquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004 p 118)

Lembrando que em ugariacutetico noacutes natildeo temos somente um a mas trecircs com

variaccedilotildees foneacuteticas de a i e u Isso porque no Protossemiacutetico e nas liacutenguas

semiacuteticas conservadoras as siacutelabas virtualmente sempre comeccedilam com uma

consoante Desse modo o alfabeto consonantal era adequado No entanto

em algumas outras liacutenguas uma vogal sempre constitui a siacutelaba O alfabeto

ugariacutetico tambeacutem era usado para escrever liacutenguas nas quais a siacutelaba poderia

incluir vogais Por essa razatildeo letras vogais se faziam necessaacuterias Era natural

assumir a distribuiccedilatildeo vocaacutelica do acaacutedio cuneiforme pelo qual todas as

vogais satildeo classificadas ortograficamente como a i ou u A vogal e natildeo eacute

nitidamente distinguida de i Contudo esse procedimento natildeo combinava

com o alfabeto consonantal que era apropriado para a liacutengua semiacutetica de

Ugarit Entatildeo um arranjo foi efetuado foram utilizados trecircs sinais acutealef cujos

195 ldquoO š hebraico biacuteblico corresponde seja ao ugariacutetico š (proto-semiacutetico s) seja ao ugariacutetico t (proto-

semiacutetico q) Mas observe-se tambeacutem que o ugariacutetico š reflete o proto-semiacutetico s (hebraico biacuteblico š) e

o proto-semiacutetico S (hebraico biacuteblico S)rdquo (HUEHNERGARD 2012 p 26) 196 Para uma visatildeo mais ampla e detalhada a respeito das sibilantes sin e shin pode-se consultar MARCUS 1941 p 141-150

160

valores normais em textos ugariacuteticos eram acute a acute i e acute u enquanto que em

textos hurritas e acaacutedios eles poderiam representar simplesmente a i u (cf

GORDON 1998 p 18 44)

h) hrfmi governo (cf Is 956) Daiacute podendo ser traduzido o nome como ldquoEl

julgardquo COOTE (1972 p 138-140) argumenta que o segundo sentido da raiz

contendo rf como os radicais fortes eacute ldquocortarrdquo Esse estudioso pensa que tal

raiz (cortar) forneccedila uma adequada etimologia para Israel devido a

frequecircncia com que se constata um desenvolvimento semacircntico de ldquocortarrdquo

para decidir aconselhar ou julgar governar Como eacute o caso do acaacutedio

šarrum que liga-se indiretamente a raiacutezes tais como mašaumlru (primitivo

wašaumlru ndash cortar) ou šaššaru (primitivo šaršaru ndash ver) Em aacuterabe COOTE

(1972 p 139) encontra acuteašaumlra (conselho) e mušicircr (conselheiro) que tanto

podem ser provenientes de raiacutezes que significam ldquocortarrdquo como ldquobilharrdquo Em

hebraico o estudioso encontra hrfmi como sendo relacionado agraves raiacutezes com

rf forte significando ldquocortarrdquo Nesse caso este substantivo poderia ser um

derivado do verbo yrf ou rfy significando ldquoEl julgardquo no sentido de

ldquogovernar por meio de julgamento ou decretordquo (COOTE 1972 p 140-141)

i) Iser ldquosantordquo palavra egeia (FEIST 1929 p 319) Podendo interpretar-se o

nome Israel como ldquoDeus [El] eacute santordquo Essa tese tambeacutem natildeo foi defendida

por nenhum outro estudioso

j) har ver daiacute interpretar-se o nome como ldquoAquele que vecirc Deusrdquo ([ὁ] ὁρῶν

τὸν θεoacuteν) Fiacutelon de Alexandria (cerca 20 AEC a cerca 50 EC)197 foi o primeiro

a propor essa explicaccedilatildeo que alguns Padres da Igreja como se costuma

denominar os primeiros teoacutelogos e filoacutesofos do cristianismo acabaram

acompanhando no nome ldquoIsraelrdquo a junccedilatildeo de trecircs palavras hebraicas lae

(Deus) + har (ver) + vyai (homem)198 Essa interpretaccedilatildeo eacute fruto certamente

daquilo que se lecirc no v 31 quando Jacoacute admite ter ldquovisto Elohicircm face a facerdquo

197 Cf SACHSSE 1914 p 2-3 198 Pensam assim Novaciano (200-258 EC ndash Friacutegia) em sua obra De Trinitate 198-14 Joatildeo Crisoacutestomo (cerca de 347-407 EC) em sua obra Homilias sobre o Gecircnesis 5810 e Agostinho (354-430 EC) em sua obra De Civitate Dei 1639 apud SHERIDAN 2004 p 325-327

161

Certamente eacute possiacutevel que uma dessas raiacutezes semiacuteticas acima elencadas esteja

etimologicamente relacionada ao nome ldquoIsraelrdquo e que o nome signifique algo como

[El] ldquogovernajulgardquo ldquoreinardquo ldquoimpotildee-se como senhorrdquo ldquoEl eacute o senhorrdquo e assim por

diante Deve-se observar poreacutem que haacute um significado que o proacuteprio texto daacute ao

nome (Gn 3229) que costuma-se denominar de ldquoetimologia popularrdquo (cf abaixo)

Como oportunamente observou ROSS (1985 p 347-348)

A maioria dessas outras sugestotildees natildeo satildeo mais convincentes que aquela que a etimologia popular deu no texto de Gecircnesis O conceito da luta de Deus com algueacutem certamente natildeo eacute mais um problema do que a proacutepria passagem E a inversatildeo da ecircnfase (de ldquoDeus lutardquo para ldquolutar com Deusrdquo) na explicaccedilatildeo eacute por causa da natureza das etimologias populares que se satisfazem com um jogo de palavras sobre o som ou o sentido do nome para expressar seu significado

O nome no contexto serve para evocar a memoacuteria daquilo que se passou no

vau o rio Jaboc ou seja a luta Tem suas razotildees VON RAD (1977 p 396-397) quando

afirma que o nome ldquoeacute interpretado aqui de maneira muito livre contrariamente ao seu

sentido etimoloacutegico original (lsquoQue Deus reinersquo) como se Deus fosse natildeo o elemento

ativo mas o passivo da luta com Jacoacute (obviamente a nossa traduccedilatildeo lsquolutarrsquo natildeo eacute de

todo segura)rdquo Importa destacar na observaccedilatildeo de VON RAD a liberdade inerente ao

autor do texto quando fornece uma explicaccedilatildeo ao novo nome do Patriarca

Aliaacutes o livro de Gecircnesis eacute de longe a mais rica fonte de exemplos nos quais a

nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares vem acompanhada por uma explicaccedilatildeo etimoloacutegica

do novo nome conferido Se natildeo isso ao menos uma alusatildeo ao sentido etimoloacutegico do

nome eacute feita (cf KRAŠOVEC 2010 p 6-7) Eva (320 - Hawwacirc) Caim (41 - qayin) Set

(425 - šeumlt) Noeacute (529 - noumlordfH) Babel (119 - Baumlbel) Ismael (161115 - yišmauml`eumlacutel) El-Roiacute

(1613 - acuteaTTacirc acuteeumll roacuteacuteicirc) Laai-Roiacute (1614 - Buumlacuteeumlr laHay roumlacuteicirc) AbratildeoAbraatildeo (175 - acuteabraumlm

acuteabraumlhaumlm) SaraiSara (1715 ndash Saumlray Saumlracirc) Segor (1920-22 - cocirc`ar) Moab (1937 -

mocircacuteaumlb) Ben-Ami (1938 - Ben-`ammicirc) Isaac (213-6 - yicHaumlq) Bersabeia (2131 - Buumlacuteeumlr

šaumlba`) ldquoYHWH proveraacuterdquo (2214 - yhwh(acuteaumldoumlnaumly) yiracuteegrave) Esauacute (2525 - `eumlSaumlw) Jacoacute (2526

- ya`aacuteqoumlb) Edom (2530 - acuteeacutedocircm) Esec (2620 - `eumlSeq) Sitna (2621 - Sidaggernacirc) Reobot (2622

- ruumlHoumlbocirct) SebaBersabeia (2633 - šib`acirc Buumlacuteeumlr šeba`) Jacoacute (2736 - ya`aacuteqoumlb)

162

BetelLuza (2819 - Becirc|t-acuteeumll lucircz) Ruacuteben (2932 - ruumlacuteucircbeumln) Simeatildeo (2933 - šim`ocircn) Levi

(2934 - leumlwicirc) Judaacute (2935 - yuumlhucircdacirc) Datilde (306 - Daumln) Neftali (308 - napTaumllicirc) Gad (3011

- Gaumld) Aser (3013 - acuteaumlšeumlr) Isaacar (3018 - yiSSaumlJkaumlr) Zabulon (3020 - zuumlbulucircn) Joseacute

(3023-24 - yocircseumlp) Jegar-Saaduta (3147 - yuumlgar Saumlhaacuteducirctaumlacute) Galed (3148 - Gal`eumld) Masfa

(3149 - micPacirc) Maanaim (322 - ma|Haacutenaumlyim) Fanuel (3231 - Puumlnicircacuteeumll) Sucot (3317 -

suKKocirct) El-Betel (357 - acuteeumll Becirct-acuteeumll) Carvalho-dos-Prantos (358 - acuteallocircn Baumlkucirct)

BenocircniBenjamim (3518 - Ben-acuteocircnicirc binyaumlmicircn) Fareacutes (3829 - Paumlrec) Zara (3830 -

zaumlraH) Manasseacutes (4151 - muumlnaššegrave) Efraim (4152 - acuteepraumlyim) Abel-Mesraim (5011 -

acuteaumlbeumll micrayim)

Apoacutes analisar vaacuterios casos de etiologias que se fundamentavam em etimologias

que tinham pouco ou nada a ver com o nome em questatildeo KRAŠOVEC (2010 p 43)

chega agrave seguinte conclusatildeo

Todos os exemplos de explicaccedilatildeo etioloacutegica de etimologia de nomes proacuteprios na Biacuteblia Hebraica representam uma foacutermula literaacuteria baacutesica que aparece em variantes Qualquer anaacutelise da explicaccedilatildeo etioloacutegica da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos levanta questotildees sobre a origem e o crescimento do texto seu cenaacuterio histoacuterico e sua autoria O contexto imediato e o contexto mais amplo das narrativas indicam claramente que uma histoacuteria complexa de tradiccedilotildees populares e criaccedilotildees literaacuterias estaacute por traacutes do presente texto As explicaccedilotildees etioloacutegicas da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos satildeo fenocircmenos literaacuterios e estiliacutesticos A nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares e a explicaccedilatildeo para os nomes baseiam-se em consideraccedilotildees literaacuterias antes que linguiacutesticas

GOumlRG (1991 p 81) faz uma constataccedilatildeo muito pertinente a essa questatildeo

segundo ele

Os nomes pessoais hebraicos do Antigo Testamento satildeo pesquisadas geralmente segundo a sua etimologia e semacircntica raramente pela sua forma sintaacutetica [] Um problema especiacutefico eacute a posiccedilatildeo de um nome em um dado contexto [] A etimologia filoloacutegica e linguisticamente defensaacutevel em conjunto com a descriccedilatildeo gramatical sintaacutetica da formaccedilatildeo do nome da pessoa nesses casos eacute em uacuteltima anaacutelise irrelevante para o processamento de exibiccedilatildeo o que eacute significativo somente para a intenccedilatildeo e horizonte da unidade ou dos literatos Na

163

ciecircncia ainda se gosta neste contexto de utilizar o termo criacutetico ldquoetimologia popularrdquo

ULLMANN (1967 p 205-206) mesmo referindo-se a casos extrabiacuteblicos jaacute

observava que palavras se formam em muitos casos por motivaccedilatildeo morfoloacutegica

(entenda-se foneacutetica) processo que vulgarmente eacute chamado de ldquoetimologia popularrdquo

Esta designaccedilatildeo foi muitas vezes criticada e ldquopopularrdquo natildeo eacute de fato termo muito apropriado pois que muitos destes erros natildeo foram cometidos pelo ldquopovordquo mas por pessoas cultas ou semicultas os copistas medievais os humanistas do Renascimento e outros ldquoEtimologia associativardquo designaccedilatildeo sugerida pelo professor Orr199 seria mais apropriada [] A forccedila impulsora que estaacute por detraacutes da etimologia popular eacute o desejo de motivar na linguagem aquilo que eacute ou se tornou opaco Como recentemente declarou um linguista francecircs ldquoa etimologia popular eacute uma reaccedilatildeo contra a arbitrariedade do signo Quer-se a todo custo explicar aquilo de que a liacutengua eacute incapaz de fornecer a explicaccedilatildeordquo200 A motivaccedilatildeo que deste modo uma palavra recebe eacute mais psicoloacutegica do que histoacuterica baseia-se nas associaccedilotildees do som e do sentido e nada tecircm a ver com os fatos da etimologia cientiacutefica [] A etimologia popular pode mesmo entrar em jogo quando as duas palavras natildeo satildeo idecircnticas mas apenas semelhantes no som Em tais casos a forma de uma das palavras seraacute alterada para a tornar homocircnima da outra (ULLMANN 1967 p 206 211-212)

Apenas para ficarmos em um exemplo de como a preocupaccedilatildeo de explicar ldquoa

todo custo aquilo de que a liacutengua eacute incapazrdquo como afirma ULLMANN no texto acima

citado tomemos o caso de Hermann Gunkel (1862-1932) um dos maiores e mais

reconhecidos estudiosos da literatura veterotestamentaacuteria fundador do meacutetodo de

anaacutelise conhecido por Formgeschichte (Criacutetica da Forma ou Histoacuteria das Formas que

consiste no estudo aprofundado dos gecircneros literaacuterios da Biacuteblia) e um dos maiores

representantes da Religionsgeschichtliche Schule (Escola da Histoacuteria das Religiotildees termo

aplicado a um grupo de teoacutelogos protestantes alematildees associados agrave Universidade de

199 O autor faz menccedilatildeo aqui agrave seguinte obra ORR John Words and sounds in English and French Oxford Basil Blackwell 1953 (Modern Language Studies 177) 200 Citaccedilatildeo do artigo VENDRYES Joseph Sur la deacutenomination Observations de linguistique general tregraves fines et de grande porteacutee pour lrsquohistoire et lrsquousage de vocabulaires Bulletin de la Socieacuteteacute de Linguistique de Paris Paris Librairie C Klincksieck t 48 fasc 1 p 1-13 1952 A citaccedilatildeo mencionada acima estaacute na p 6

164

Goumlttingen na deacutecada de 1890) Os estudiosos deparam-se com a dificuldade de se

tomar o nome ldquoIsraelrdquo a partir da etimologia fornecida pelo texto na qual Deus (El) eacute

o objeto e natildeo o sujeito do nome como se esperava sempre em casos semelhantes tal

interpolaccedilatildeo eacute assumida como se o nome fosse um lema para recordar a apreensatildeo da

becircnccedilatildeo por parte de Jacoacute a qual seria uma promessa de vitoacuteria e sucesso (cf SKINNER

1994 p 409) Gunkel afirma que essa explicaccedilatildeo do significado do nome fornecida

pelo texto foi orgulhosamente empregada para mostrar a natureza invenciacutevel e

triunfante da naccedilatildeo Israel com a ajuda de Deus lutaria contra todo o mundo e

quando necessaacuterio lutaria contra o proacuteprio Deus Vejamos o texto original em alematildeo

ldquoEs ist ein groszligartiger and sicherlich uralter Gedanke Israels es sei im Stande nicht nur die

Welt mit Gottes Huumllfe sondern auch wo noumltig Gott selber zu bekaumlmpfen and zu

uumlberwindenrdquo201 Gunkel atualizou essa afirmaccedilatildeo na terceira e uacuteltima ediccedilatildeo de sua obra

Genesis em 1910 a qual serviu de base para a versatildeo inglesa atual Ali se lecirc ldquoIsrael

Antigo assim interpreta seu nome com orgulhosa arrogacircncia para significar lsquolutador

vitorioso contra Deus e as pessoasrsquo lsquoinvenciacutevelrsquo lsquovitoriosorsquo para quem a divindade

natildeo poderia compelir nenhum inimigo o controlariardquo (GUNKEL 1997 p 350)202

Portanto mais do que nos apegarmos agraves vaacuterias possibilidades etimoloacutegicas

propostas por saacutebios e especialistas ao longo dos uacuteltimos seacuteculos em uma perspectiva

literaacuteria eacute mais uacutetil e producente nos atermos ao texto e seu contexto Atualmente

costuma-se denominar a etimologia biacuteblica com os termos ldquoetimologia literaacuteriardquo uma

vez que a sua preocupaccedilatildeo natildeo eacute com o sentido cientiacutefico da palavra explicada mas

sua funccedilatildeo no contexto literaacuterio em que se encontra ou midrashei shemot (twmv yvrdm)

termo tomado de empreacutestimo da literatura dos Saacutebios judeus indicando

ldquointerpretaccedilotildees de natureza midraacuteshica (homileacutetica) aplicadas aos nomes de pessoas

ou de lugares com base na sonoridade ou potencial semacircnticordquo (GARSIEL 1991 p 19)

Em inglecircs esse tipo de interpretaccedilatildeo eacute denominada midrashic name derivation (MND)

201 Este texto foi extraiacutedo da primeira ediccedilatildeo da obra de Hermann Gunkel Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1901 p 328 Uma traduccedilatildeo mais livre poderia ser ldquoEacute uma grande e certamente antiga ideia de Israel que ele era capaz [no sentido de dar conta] natildeo soacute com todo o mundo com a ajuda de Deus mas tambeacutem se necessaacuterio de lutar contra o proacuteprio Deus e de superarrdquo 202 A parte final dessa traduccedilatildeo (ldquopara quem a divindaderdquo) encontra-se no original da seguinte forma ldquodenn wen selbst die Gottheit nicht bezwingen konnte den wird kein Feind bewaumlltigenrdquo (GUNKEL Hermann Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt 3 Aufl Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1910)

165

A MND estaacute focada no passado onde vai buscar o sentido em eventos jaacute ocorridos

relacionados agravequela pessoa ou lugar ou no futuro sendo o nome algum tipo de

antecipaccedilatildeo de incidentes que ainda teratildeo lugar Para atingir tal escopo o autor lanccedila

matildeo de jogos de palavras trocadilhos assonacircncias uso de palavras cujas raiacutezes satildeo

semelhantes e assim por diante Tomemos um exemplo bem ilustrativo relacionado

ao nome de Jacoacute e Israel Neste exemplo um dos nomes Jacoacute natildeo eacute nem mesmo

mencionado mas o jogo eacute realizado com uma palavra que possui raiz e sonoridade

semelhante ao nome que se deseja referir Vejamos Amoacutes 412203

ה לכן ך כ ראל אעשה־ל ש י

אתi עקב אעשה־לך כי־ז

כון ראת־אלהיך ה ק ראל ל ש י

Portanto assim eu te farei oacute Israel

Porque (`qb) assim eu te farei

Prepara-te para encontrar com teu Deus oacute Israel (trad nossa)

Observa-se que o nome ldquoIsraelrdquo aparece aqui duas vezes enquanto ldquoJacoacuterdquo (y`qb

ndash bq[y) natildeo Mas eacute a Jacoacute que a derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome se refere quando usa

`qb No texto essa palavra constitui uma variaccedilatildeo homileacutetica de y`qb que eacute tratado

como uma conjunccedilatildeo causativa (porque) A falta de clareza do fraseado em hebraico eacute

uma evidecircncia do desejo profeacutetico de incluir uma derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome Natildeo

se teme em trazer alguma dificuldade agrave fluidez do texto tanto para se atingir um

objetivo Inclusive o duplo uso do verbo ldquofazerrdquo (`Sh - hf[) pode tambeacutem ser

intencional uma vez que na narrativa de Gecircnesis esse verbo fornece uma derivaccedilatildeo

midraacuteshica do nome do irmatildeo gecircmeo de Jacoacute Esauacute (`Sw - wf[) como exemplo cf Gn

27479141931 Dt 229 Ez 356

Retornemos agrave nossa periacutecope de Gn 3223-33 Na BH frequentemente quando

um nome eacute concedido a etimologia eacute explicada em verso Por isso natildeo nos surpreende

ler em Gn 3229b

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

203 Este exemplo eacute tomado de GARSIEL 1991 p 133-134

166

Agrave primeira vista essas duas linhas parecem um pobre bicolon204 Como a

sintaxe agora estaacute a uacuteltima palavra eacute separada de todas as outras para isolar uma

sentenccedila longa combinada com uma palavra final No entanto eacute possiacutevel enxergar um

bicolon poeacutetico por detraacutes dessas linhas segundo COOTE (1972 p 137) De fato ele

observa que como as linhas se encontram atualmente a siacutelaba meacutetrica eacute 8 por 8 Mas

se fizermos uma substituiccedilatildeo por formas mais antigas e mudanccedilas apropriadas o

paralelismo continua

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm Kicirc Sricirct `m acutelhicircm205

`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll206 `m acutenšicircm waTucirckl

Existem pares em paralelo que revelam o sentido paralelo original presumiacutevel

de todo o bicolon Sry|yKl `m|`m e acutelhicircm|acutenšicircm Desconsiderando por um momento

o waw conversivo percebemos o paralelismo arcaico comum das formas qtl (perfeito)

e yqtol (imperfeito) SricircT |TucircKl A disposiccedilatildeo dos pares eacute quiaacutestica Proporcionando um

sentido para a raiz Sry que se encaixa na histoacuteria eacute paralela a ykl e desfruta do suporte

da tradiccedilatildeo Em base a isso COOTE (1972 p 137) propotildee ler a explicaccedilatildeo etimoloacutegica

hipoteticamente nos termos da evidecircncia poeacutetica

Porque tu lutaste com deuses

E com homens tu prevaleceste207

COOTE observa que ldquoo significado da raiz Sry em Gn 3229

naturalmente natildeo eacute necessariamente o mesmo que o significado original de Sricirc no

nome de Israelrdquo (1972 p 137) Deve-se notar que ykl (raiz de Tucirckaumll) pode ser paralela

ao sentido tradicional de Sry em Gecircnesis 32 Se na origem do nome Israel vermos uma

construccedilatildeo arcaica (cf nota de rodapeacute abaixo) em referecircncia a El antes e ademais de

204 Bicolon (plural bicolons) eacute um par de linhas adjacentes de poesia em que a segunda linha ecoa o significado da primeira 205 Para tornar mais claro o paralelismo nessa segunda coluna foram retiradas as vogais e preservadas somente as consoantes e matres lectionis 206 Nesta segunda linha segundo COOTE (1972 p 137 n 1) eacute melhor abandonar o primeiro waw antes que o segundo e o kicirc pode ser abandonado ou mantido Ele observa ainda que a sintaxe da segunda linha natildeo eacute estranha pois aparece ocasionalmente no ugariacutetico onde seguindo uma frase adverbial uma forma yqtl pode ser precedida por waw (cf GORDON 1998 sect 1334) 207 COOTE (1972 p 141) em base ao paralelismo de `m acutelhicircm e `m acutenšicircm sugere que a sentenccedila completa

da forma do nome ldquoIsraelrdquo fosse originalmente algo semelhante a yaSri-ilu-acuteiloumlhigravema-wa-acuteanašigravema ldquoEl

julga deuses e homensrdquo

167

seu uso referir-se a Jacoacute nessa histoacuteria entatildeo torna-se possiacutevel reconstruir o sentido

etimoloacutegico do nome em base ao contexto poeacutetico da explicaccedilatildeo

Neste ponto faz-se mister voltarmos nosso olhar para a figura de El

independentemente do judaiacutesmo El (heb acuteeumll) em ugariacutetico eacute acute il em acaacutedio ilu Era

uma apelaccedilatildeo comum para designar ldquodeusrdquo e tambeacutem um nome proacuteprio de uma

divindade encontrada na Mesopotacircmia desde o terceiro milecircnio AEC que

aparentemente pertencia ao panteatildeo semiacutetico Dentre as vaacuterias hipoacuteteses etimoloacutegicas

para esse nome merece atenccedilatildeo a derivaccedilatildeo da raiz acutewyl que significa ldquoestar agrave frente

o primeiro ser forterdquo (POPE 1955 p 16-17) Nos textos de Ugarit (segunda metade do

segundo milecircnio AEC) o perfil de El eacute melhor revelado Ele se encontrava em segundo

ou terceiro lugar nas listas de deuses e sacrifiacutecios apoacutes ilib e il cpn (dois aspectos de El

que haviam de se tornado independentes) mas em textos mitoloacutegicos ele ocupava o

topo do panteatildeo e presidia como o rei soberano Outro aspecto interessante ldquotodas as

divindades exceto Baal e sua irmatilde Anat eram considerados seus filhos e a lsquofamiacutelia de

Elrsquo (bn il dr il)rdquo (KOumlCKERT 2004 c 881) Eacute aceita por muitos estudiosos atualmente

uma triacuteplice possibilidade a) a religiatildeo dos proto-israelitas eacute geralmente interpretada

como uma religiatildeo de El b) ou como que considerando os deuses clacircnicos como

manifestaccedilotildees pessoais especiacuteficas de El c) ou assume-se ter havido uma fase de

transiccedilatildeo na qual os deuses clacircnicos foram identificados com El antes de todos se

fundirem em YHWH (cf KOumlCKERT 2004 c 882) Interessa-nos observar como vem

apresentado esse deus

Na Histoacuteria Feniacutecia escrita no VI seacuteculo AEC por Sanchuniathon (e que estaacute em parte preservada graccedilas a Filo de Biblos por sua vez citado por Euseacutebio em sua Praeparatio evangelica) El aparece nas vestes de um deus guerreiro feroz capaz de impor-se em modo absoluto sobre todas as outras divindades208 A narrativa de Sanchuniathon de fato eacute atenta em ilustrar o processo teogocircnico seu escopo eacute avaliar qual seja a origem das vaacuterias divindades e quais sejam as suas relaccedilotildees reciacuteprocas e por isso destaca o papel de liacuteder assumido por El (FULCO 2002 p 178)

208 Uma seleccedilatildeo dos textos de Histoacuteria Feniacutecia que narra a vida de El na obra ele eacute chamado de Kronos com todas as suas principais faccedilanhas estaacute disponiacutevel em BAUMGARTEN 1981 p 181-183

168

Esse aspecto guerreiro estaacute presente natildeo somente em El mas em outras

divindades semitas incluindo Baal Elohicircm YHWH209 O elemento ldquolutarrdquo

ldquocombaterrdquo ldquocontenderrdquo eacute tido pelo texto de Gn 3229 como integrante da etimologia

do nome ldquoIsraelrdquo Seria entatildeo mera casualidade que o nome tal como explicado no

texto da BH natildeo refletisse essa realidade210

Importante notar que a liacutengua hebraica opera a criaccedilatildeo de novas palavras a

partir da combinaccedilatildeo das trecircs consoantes que geralmente formam suas raiacutezes Essa

operaccedilatildeo pode se realizar de duas maneiras principais (CLARK 1999 p XV-XVI)

a) As raiacutezes cognatas geralmente compartilham consoantes que se originam em um oacutergatildeo vocal comum Cada uma das trecircs consoantes de um cognato deve ter seu ldquoparceirordquo nas outras raiacutezes para fazer parte de uma famiacutelia cognata As raiacutezes cognatas compartilham um sentido geral p ex hbc (inchar crescer) xpv (adicionar aumentar acrescentar) aps (alimentar abastecer nutrir) b) Raiacutezes variantes Estas geralmente derivam de raiacutezes com uma consoante duplicada Quando uma das consoantes duplicadas eacute substituiacuteda por outra letra uma raiz relacionada eacute criada Essas raiacutezes ldquonovasrdquo satildeo chamadas Variantes Gradativas porque seu significado se assemelha ao significado da raiz original mas geralmente significa uma mudanccedila de intensidade ou foco

Tomando este uacuteltimo caso (raiacutezes variantes) haacute quem associe as raiacutezes rrX

(governar caprichosamente) hrX (exercer poder) rwX (regular controlar) percebendo

nelas uma mudanccedila de intensidade ou foco (CLARK 1999 p XVI) Nesse sentido

vaacuterias palavras propostas como possiacuteveis etimologias para ldquoIsraelrdquo apresentam

variaccedilotildees gradativas rXy (endireitar pocircr em ordem) rrX (concentrar forccedila gt sentido

cognato rrX = governar) hrX (afrouxar soltar desprender gt sentido cognato hrX =

governar) rwX (ver) ryX (cantar alto bradar proclamar cantando) Certamente o autor

de nossa periacutecope (Gn 3223-33) especialmente no v 29 tinha consciecircncia de estar

lindando com raiacutezes cognatas e variantes Mesmo a uacuteltima palavra do v 29 (waTTucirckaumll)

raiz lky (prevalecer) apresenta uma interessante variaccedilatildeo cognata com a raiz hlk (lutar

209 Um amplo estudo sobre essa temaacutetica estaacute disponiacutevel em MILLER Jr 1973 210 Cf o item 1 deste quarto capiacutetulo

169

esforccedilar-se empenhar-se rivalizar-se) (cf CLARK 1999 p 104) Seraacute que natildeo poderiacuteamos

ver aqui um paralelismo algo bem tiacutepico da poesia hebraica biacuteblica

Segundo ALTER (cf 1997 p 658) esse paralelismo natildeo eacute a mera repeticcedilatildeo de

duas ou mais palavras com significados semelhantes portanto natildeo se trata de

sinoniacutemia Para ele os poetas melhor que ningueacutem perceberam haacute muito tempo que

ldquonatildeo existem sinocircnimos verdadeirosrdquo mas o que ocorre na poesia na literatura eacute a

produccedilatildeo contiacutenua de significados Assim ele constata na poesia hebraica antiga que

ldquoo padratildeo dominante eacute um foco intensificaccedilatildeo ou especificaccedilatildeo de ideias imagens

accedilotildees temas de um verseto para o seguinterdquo (ALTER 1997 p 658) Desse modo natildeo

haacute repeticcedilatildeo que natildeo traga algo novo

Natildeo soacute as palavras hebraicas satildeo criadas atraveacutes de pequenas alteraccedilotildees em suas

raiacutezes mas alguns casos de jogo de palavras ou trocadilhos que encontramos em vaacuterios

textos biacuteblicos tambeacutem fazem uso de pequenas diferenciaccedilotildees nas consoantes e ateacute

mesmo vogais a fim de manter uma similaridade distinta com o nome proacuteprio com o

qual estaacute ldquojogandordquo Esse eacute o caso de Jeshurun que em Dt 3215 forma uma rima

interna

מן ש רון וי ש עט י ב וי

E Jeshurun (yšrwn) engordou-se (w-yšmn) e deu coiceshellip

Como se observa o nome (Jeshurun) e o trocadilho (wayyišman) diferem em

uma soacute consoante e suas vogais

Ainda com o nome proacuteprio Jeshurun encontramos outro exemplo em Mq 39

Aqui a imagem da pessoa que anda retamente (ou em uma estrada reta) eacute uma

interpretaccedilatildeo de natureza midraacuteshica para esse outro nome portado por Jacoacute Jeshurun

(yšwrwn - wrwvy) eacute aparentemente uma forma poeacutetica de um desenvolvimento sobre a

base comum ldquoIsraelrdquo Neste texto Jeshurun natildeo eacute mencionado mas subentendido na

penuacuteltima palavra (hayuumlšaumlracirc)

עו־נא מ את ש ב בית ראשי ז יעק

יני צ ראל בית וק ש י

ים פט המתעב ש מ

את שרה ו עקשו כל־הי י

Ouvi isto vos peccedilo chefes de Jacoacute

170

e governantes da casa de Israel (ySracutel)

que abominais a justiccedila

e pervertem tudo o que eacute reto (h-yšrh)

Ainda um uacuteltimo exemplo novamente envolvendo Jeshurun nome aplicado a

Israel como Patriarca e neste caso como nome de todo um povo As derivaccedilotildees

midraacuteshicas fazem uso tambeacutem de nomes que soam iguais e ocorrem juntos na mesma

unidade literaacuteria Vejamos Dt 334-5 (cf GARSIEL 1991 p 177-178)

וה־לנו תורה שה צ מ

לת מורשה ה ב ק יעק

י ה רון וי יש מלך ב

אסף ת ה ם ראשי ב טי יחד ע ב ראל ש ש י

Uma instruccedilatildeo comandou-nos Moiseacutes (mšh)

uma heranccedila (mwršh) da congregaccedilatildeo de Jacoacute

E havia um rei em Jeshurun (b-yšwrwn)

quando os chefes do povo foram reunidos juntos

Percebe-se sem muito esforccedilo que a palavra mocircraumlšacirc (hvrwm) soa aqui como um

jogo de palavras em relaccedilatildeo a Moiseacutes (moumlšegrave - hvm) e a Jeshurun (yšwrwn - wrwvy)

Mesmo a frase ldquoos chefes do povordquo (raumlordm šecirc `aumlm - ~[ yvar) contribui para focar sobre e

recorrecircncia das consoantes m š r (r v m)

Retomemos as explicaccedilotildees rabiacutenicas para a mudanccedila do nome de Jacoacute

Haviacuteamos jaacute citado no item anterior Bereshit Rabbah 783 mas na parte final deste

nuacutemero ainda haacute um texto que nos interessa e que natildeo foi totalmente incluiacutedo na

menccedilatildeo anterior

PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute Isso foi o que Jacoacute quis dizer quando disse a ele Visto que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Elohim (Gn 3310) assim como a face de Deus denota juiacutezo assim o teu rosto denota julgamento assim como com respeito agrave face de Deus [estaacute escrito] e ningueacutem apareceraacute diante de Minha face de matildeos vazias (Ex 225) ningueacutem pode aparecer diante do tua face de matildeos vazias ldquoCom os mortais e os

171

conquistourdquo ndash por isto Esauacute e seus chefes satildeo representados Uma outra interpretaccedilatildeo de PORQUE LUTASTE (SARITHA) COM DEUS tu cujas caracteriacutesticas estatildeo gravadas em alto (MIDRASH RABBAH 1939)

Aqui o novo nome de Jacoacute eacute interpretado em duas vertentes A primeira

tomando o sentido do verbo (Saumlricirctauml) como lutar primeiramente com Deus e depois

com homens A recordaccedilatildeo das palavras de Jacoacute no encontro com seu irmatildeo (Gn 3310)

de que ele vira a face de Esauacute como se visse a face de Deus eacute trazida como um apoio

da identificaccedilatildeo Mas haacute alguns acreacutescimos agrave fala de Jacoacute A menccedilatildeo agrave ldquoface de Deusrdquo

leva Rabi Elama dizer que se refere ao julgamento isso porque o tiacutetulo divino acuteeacuteloumlhicircm

(Deus) eacute tradicionalmente compreendido como significando o atributo de justiccedila do

Todo Poderoso O encontro de Jacoacute com o anjo eacute primeiramente retratado como uma

espeacutecie de accedilatildeo judicial com Esauacute na qual Jacoacute foi julgado como sendo a parte vitoriosa

(cf HAYWARD 2005 p 267) Mas haacute aqui nessa expressatildeo ldquoface de Deusrdquo uma

referecircncia a um mandamento biacuteblico de comparecer trecircs vezes no ano com oferendas

apropriadas diante de Deus (Ex 2314-17)211 Do mesmo modo Jacoacute enviou oferendas

a Esauacute (Gn 3213-21) enquanto este avanccedilava com suas tropas para encontraacute-lo Jacoacute

prevaleceu tambeacutem naquela ocasiatildeo A partir dessas consideraccedilotildees o Saacutebio

compreendeu que Jacoacute tornou-se Israel porque ele persistiu (raiz hebraica hrf) ou foi

firme (raiz hebraica rrf) com Deus A segunda vertente interpretativa para o novo

nome de Jacoacute toma o verbo hebraico presente no nome ldquoIsraelrdquo como derivado da raiz

rrf ldquoser um priacutenciperdquo ldquogovernarrdquo Desta raiz vem o substantivo rf ldquoum priacutenciperdquo

palavra usada pela BH para descrever seres angelicais como em Dn 1021 121 onde o

chefe dos anjos Miguel eacute chamado de ldquopriacutenciperdquo Na medida em que sua proacutepria

imagem eacute uma realidade celeste gravada no Trono da Gloacuteria Essa mesma

interpretaccedilatildeo eacute dada pelo Targum Onkelos Gn 3229 ldquoTeu nome jaacute natildeo seraacute mais Jacoacute

mas Israel porque um priacutencipe eacutes tu diante do Senhor e com homens tu tens

prevalecidordquo (THE TARGUMS OF ONKELOS 1862) Portanto Jacoacute apresenta para

o Targum um status principesco angelical No entanto para Bereshit Rabbah Jacoacute eacute

211 Essas trecircs festividades satildeo 1ordf) Festa dos Aacutezimos ou Paacutescoa (heb Pesach) 2ordf) Festa da Colheita ou Semanas 50 dias apoacutes o Pesach ndash Pestecostes (heb Shavuot) 3ordf) Festa da Colheira no outono ou CabanasTabernaacuteculos (heb Sukkot)

172

superior aos anjos pois ele suplantou o anjo de Esauacute adquiriu um novo nome e sua

imagem estaacute gravada no Trono de Deus Eacute o que fica claro nessa passagem de Bereshit

Rabbah 822

R Isaac comeccedilou Um altar de terra me faraacutes em todo lugar onde eu fizer Meu nome ser mencionado virei a ti e te abenccediloarei (Ex 2024) Se eu abenccediloo aquele que constroacutei um altar em Meu nome quanto mais devo eu parecer a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravadas em Meu Trono e abenccediloaacute-lo Assim se diz E DEUS APARECEU A JACOacute E O ABENCcedilOOU R Levi comeccedilou E um boi e um carneiro para ofertas de paz porque hoje o Senhor vos aparece (Lv 94) Se eu apareccedilo a quem ofereceu um carneiro em Meu nome e o abenccediloo quanto mais eu aparecerei a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravados no Meu trono e abenccediloaacute-lo (MIDRASH RABBAH 1939)

Desse modo ldquoa permanecircncia dessa semelhanccedila garantiria a contiacutenua presenccedila

de Deus e a becircnccedilatildeo para Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 269) No Talmude no tratado

ullin 92a lemos

Sim ele lutou com um anjo e prevaleceu ele chorou e lhe fez suacuteplicas [Os 125] Natildeo sei quem prevaleceu sobre quem Mas quando ele diz Pois tu lutaste com Deus e com os homens e prevaleceu [Gn 3229] eu sei que Jacoacute se tornou mestre sobre o anjo Ele chorou e suplicou-lhe [Os 125] Natildeo sei quem chorou a quem Mas quando diz E ele disse Deixa-me ir [Gn 3227] eu sei que o anjo chorou a Jacoacute ldquoPois tu lutaste com Deus e com os homensrdquo Disse Rabbah Ele lhe deu a entender que dois priacutencipes estavam destinados a vir dele o Chefe da Diaacutespora na Babilocircnia e o Priacutencipe na Terra de Israel esta foi tambeacutem uma

indicaccedilatildeo para ele do exiacutelio (EPISTEIN 2009)

Esse tratado dedica-se mais a discutir sobre o sentido (cf ullin 91a-92a) da

lesatildeo sofrida por Jacoacute no tendatildeo de sua coxa e a dieta alimentar dela decorrente Poreacutem

nessa citaccedilatildeo acima pode-se perceber que o sentido do nome Israel eacute interpretado

ldquocomo indicando a superioridade judaica em relaccedilatildeo ao serviccedilo angelical de Deus e

como fundamentando na autoridade das Escrituras a posiccedilatildeo do Chefe da Diaacutespora e

do Priacutencipe da Terra de Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 308) Pois nesses dois grandes

ofiacutecios institucionais o Talmude percebeu o verdadeiro significado de Israel como

173

aquele que alcanccedilou a superioridade ldquocom os homensrdquo Portanto o nome jaacute inclui uma

interpretaccedilatildeo daquilo que viraacute no periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

Agora reunindo os elementos que viemos refletindo neste quarto item do

capiacutetulo no qual estamos podemos tentar reestruturar Gn 3223-33 ressaltando os

elementos que mais nos interessam A partir daiacute poderaacute ficar mais claro natildeo somente

o sentido do nome Israel como tambeacutem o sentido e escopo de toda a periacutecope

A fim de favorecer uma visatildeo de conjunto todo o esquema estaacute na paacutegina

seguinte212 Abaixo se encontram algumas observaccedilotildees sobre o mesmo

O esquema destaca a estrutura concecircntrica da periacutecope como jaacute analisamos no

capiacutetulo anterior deste estudo O centro portanto eacute formado pelo diaacutelogo o qual

sempre merece destaque no caso de textos narrativos No diaacutelogo distinguimos os

falantes do modo como satildeo identificados pelo proacuteprio texto hebraico ldquoHrdquo que

significa ldquoHomemrdquo (v 25b) ldquoJrdquo que significa Jacoacute o Patriarca No proacuteprio diaacutelogo haacute

uma estrutura quiaacutestica tambeacutem como se pode observar no esquema

O v 33 foi deixado de fora pois reconhecidamente eacute uma adiccedilatildeo posterior mais

tardia agrave periacutecope em questatildeo Mas mesmo assim ele integra-se ao conjunto como jaacute

foi demonstrado no capiacutetulo anterior

Interessante que a combinaccedilatildeo das unidades A (vv 23a-25a) e Arsquo (v 32) servem

para separar Jacoacute de sua famiacutelia e deixaacute-lo sozinho diante do ser que o confronta mas

o une agrave famiacutelia novamente ao final Esses dois blocos satildeo marcados pelo verbo

ldquoatravessarrdquo (rb[) Esse verbo ressalta os cuidados e a tensatildeo de Jacoacute na etapa preacutevia

ao encontro com seu irmatildeo Esauacute Em Gn 321721a o que ldquoatravessardquo o que ldquopassardquo eacute

apenas seus pertences e servos Jacoacute parece esconder-se vir atraacutes A sua proacutepria

passagem somente se completa apoacutes Gn 3232 e mais especificamente em Gn 333

quando Jacoacute finalmente ousa aparecer ao seu irmatildeo

212 Servi-me da estrutura concebida por FOKKELMAN 1997 p 66 mas com adaptaccedilotildees proacuteprias A traduccedilatildeo do texto da BH tambeacutem eacute nossa

174

Unidade Texto Versiacuteculo

A Ele levantou-se naquela noite wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute 23a

tomou suas duas mulheres wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw

suas duas servas wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw

e seus onze filhos wuumlacuteet-acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw

23b

e atravessou o vau do Jaboc wa|yya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq 23c

Ele tomou-os e os fez atravessar a torrente wayyiqqaumlHeumlm wayya| aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal

24a

e fez atravessar o que era dele wa|yya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc 24b

Entatildeo ele ficou soacute wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc 25a

B E um homem lutava com ele ateacute elevar-se a aurora wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

25b

Vendo que natildeo podia contra ele wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc 26a

tocou na cavidade de sua coxa wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc 26b

e a cavidade da coxa de Jacoacute deslocou-se em sua luta com ele waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

26c

X a H Ele disse ldquoDeixa-me ir porque elevou-se a aurorardquo wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar

27a

J Ele disse ldquoNatildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloesrdquo wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

27b

x H Ele disse-lhe ldquoQual eacute o teu nomerdquo wayyoumlordm mer acuteeumllaumlyw magrave-ššuumlmeordmkauml

28a

J Ele disse ldquoJacoacuterdquo wayyoumlordm mer ya`aacuteqoumlb 28b

H Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricircordmtauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

29a

29b 29c

arsquo J Entatildeo Jacoacute interrogou dizendo ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo

wayyišacuteal ya`aacuteqoumlb wayyoumlordm mer haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml

30a

H Ele respondeu ldquoPor que isso Tu perguntas pelo meu nome laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc

30b

E ele o abenccediloou ali wayuumlbaumlordmrek acuteoumltocirc šaumlm 30c

Brsquo Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll

31a

porque eu vi a Deus face a face Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

31b

e minha vida foi salva waTTinnaumlceumll napšicirc 31c

Arsquo O sol brilhava para ele quando atravessou Fanuel wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš Kaacuteaacutešer `aumlbar acuteet-Puumlnucircacuteeumll

32a

e ele coxeava de uma coxa wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-yuumlreumlkocirc 32b

175

Agrave dupla travessia mostrada no iniacutecio (Gn 322324) que natildeo deixa de ser o

uacuteltimo estratagema de Jacoacute para fugir da ira de seu irmatildeo e uma demonstraccedilatildeo de

inseguranccedila se contrapotildee uma dupla soluccedilatildeo ou passagem em Gn 3232 ao

amanhecer e uma travessa complementar em Gn 333 a fim de saudar seu irmatildeo mas

agora Jacoacute se coloca agrave frente de todos ao contraacuterio da sua atitude anterior ao encontro

como mencionamos acima

Jaacute destacamos anteriormente a assonacircncia formada no iniacutecio desta periacutecope

colocando o rio (Jaboc) e a personagem (Jacoacute) como pertencentes um ao outro Assim

como o riacho eacute para ser ldquoatravessadordquo Jacoacute eacute algueacutem em vias de fazer a maior

travessia de sua vida deixando para traacutes seu obscuro passado e abraccedilando seu irmatildeo

e sua nova missatildeo Na travessia do Jaboc se daraacute a travessiatransformaccedilatildeo de Jacoacute

Naquela noite ele muda adquiri um novo nome (Israel) e um novo aspecto a

claudicacircncia devido o embate com ldquoum homemrdquo

Antes de atravessar Jacoacute ainda se depara com sua antiga ldquofacerdquo seu antigo

ldquoserrdquo Natildeo por acaso a palavra Paumlnicircm significa face mas tambeacutem o interior da pessoa

ou a proacutepria pessoa Isso porque ldquodado que o ser de uma pessoa se expressa em seu

rosto e este a caracteriza em sentido amplo pode designar tambeacutem a toda a pessoardquo

(VAN DER WOUDE 1985b c 557) Em 2Sm 1711 encontramos um exemplo desse

sentido ldquoEu portanto aconselho que todo o Israel de Datilde a Bersabeia se reuacutena em

torno de ti tatildeo numeroso como os gratildeos de areia na praia do mar e tu marcharaacutes

pessoalmente (paumlnEcircordmkauml) ao combaterdquo (trad BJ) Portanto o ldquoface a facerdquo de Jacoacute agraves

margens do Jaboc natildeo foi somente com Deus conforme ele mesmo constata em Gn

3231b mas com toda a sua experiecircncia histoacuterica

Toda a accedilatildeo descrita pela nossa periacutecope eacute bem enquadrada temporalmente

como sendo uma uacutenica noite A oposiccedilatildeo noite (Ballaordmylacirc hucircacute - v 23a) e nascer do sol

(wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš - v 32a) delimita tudo a uma uacutenica noite Essa noite serve como

uma cobertura e ocultaccedilatildeo do oponente de Jacoacute como tambeacutem simboliza o lado

obscuro e pouco correto desse Patriarca

Neste tempo de uma uacutenica noite Jacoacute resta ldquosozinhordquo ldquoagrave parterdquo (luumlbaDDocirc v

25a) Interessante observar que essa expressatildeo ocorre poucas vezes no primeiro livro

da Toraacute Adatildeo encontra-se solitaacuterio por isso Deus lhe forja uma companheira (Gn

176

218) Contudo ldquoem sua solidatildeo titacircnica os patriarcas natildeo satildeo jamais ditos lsquosozinhosrsquordquo

(LOEWENTHAL 2003 p 27) Diferentemente a solidatildeo faz parte da vida de Jacoacute

Gn 3040 nos mostra ele soacute quando decide separar o proacuteprio rebanho

daquele de seu sogro e patratildeo que o enganou A solidatildeo faz parte dos

preparativos de sua partida sua autonomia

Gn 3217 mostra Jacoacute colocando ldquoagrave parterdquo os rebanhos que pretende

presentear a seu irmatildeo para natildeo tecirc-lo mais como inimigo

Gn 3225 nos mostra Jacoacute apoacutes fazer atravessar seus pertences e toda a sua

famiacutelia permanecendo soacute para a sua misteriosa batalha junto ao vau do

Jaboc

Gn 4238 mostra o medo de Jacoacute que seu filho Benjamim acompanhe seus

irmatildeos na viagem ao Egito uma vez que dos dois filhos de Raquel ele ficou

soacute sendo o uacutenico sobrevivente Jacoacute pensa que Joseacute o irmatildeo materno de

Benjamim tenha morrido

Gn 4332 fica agrave parte solitaacuterio agrave mesa ldquoporque os egiacutepcios natildeo podem tomar

suas refeiccedilotildees com os hebreus tecircm horror dissordquo

Gn 4420 destaca que Benjamim ficou soacute apoacutes a pressuposta morte de seu

irmatildeo materno Benjamim

Portanto a solidatildeo eacute uma das condiccedilotildees de vida desse Patriarca E no momento

mais crucial de sua existecircncia ele estaraacute novamente solitaacuterio A solidatildeo parece ser

parte integrante da paciente espera que marca a vida de Jacoacute Por quatorze anos ele

soube esperar pela mulher que amava e que estava diante de seus olhos todos os dias

E ainda eacute capaz de dizer ldquoJacoacute serviu entatildeo por Raquel durante sete anos que lhe

pareceram alguns dias de tal modo ele a amavardquo (Gn 2920) Como bem observa

LOEWENTHAL (2003 p 33) ldquoAbraatildeo parte Isaac obedece Jacoacute esperardquo

O v 25a irrompe de modo abrupto sem preacute-aviso A luta literalmente o ldquorolar

pelo poacute pela terrardquo (yeumlacuteaumlbeumlq) natildeo era o encontro esperado e preparado por Jacoacute Este

estava se aprontando para o encontro com seu irmatildeo Esauacute No entanto aquilo que

sucede ao Patriarca eacute a consequecircncia de suas accedilotildees e deve finalmente ser suportado

por ele sozinho Tais consequecircncias natildeo podem ser desviadas total ou parcialmente

para os pastores (que vatildeo entregar um presente a Esauacute ndash Gn 3214b-21) ou para as

177

esposas cujas vidas satildeo decisivamente influenciadas pelo ldquofator Jacoacuterdquo (pelo qual Lia eacute

ldquoodiadardquo e negligenciada por Jacoacute que prefere Raquel a qual por sua vez apresenta

dificuldades para dar filhos a seu marido e sente-se inferior e tem inveja da irmatilde ndash Gn

2931ndash3024) O v 25a descreve uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para o confronto posterior

ou seja o fato de Jacoacute ter ficado sozinho mesmo que talvez natildeo seja uma opccedilatildeo dele

o que eliminaria o elemento surpresa que integra muitas narrativas biacuteblicas (cf

FOKKELMAN 2004 p 212) Isso natildeo significa que o seu adversaacuterio ldquoum homemrdquo

natildeo pudesse saber disso previamente

Entatildeo qual seria o motivo dos preparativos dos vv 23-24 Se Jacoacute natildeo tinha a

deliberada intenccedilatildeo de ficar sozinho por que entatildeo realiza as accedilotildees descritas nesses

versiacuteculos mencionados No entanto eacute bom ter presente que essa era a intenccedilatildeo do

narrador ou seja conduzir Jacoacute a ldquoficar soacuterdquo (wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc v 25a) Tal

intenccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com a intenccedilatildeo da personagem Jacoacute Em Gn 3223-24 Jacoacute

faz com que os membros reais de sua famiacutelia atravessem o Jaboc Mas no texto

imediatamente anterior satildeo os seus servos que devem atravessar a fim de que Jacoacute e

sua gente pudessem ficar a salvos (cf Gn 3214-22) Entatildeo por que a mudanccedila de

planos durante a noite Temos uma tentativa de resposta

Isso soacute pode significar que na inquietaccedilatildeo de sua mais longa noite Jacoacute acordou para o fato de que pendurar-se atraacutes significa esconder-se esquivando-se da responsabilidade Embora estejamos aleacutem dos limites da verificaccedilatildeo Eu prefiro a interpretaccedilatildeo de que ao atravessar Jacoacute quer fazer uma reparaccedilatildeo ele quer liderar o caminho e quer ir ao encontro do proacuteprio Esauacute Se ele se tornou consciente da extensatildeo de sua culpa jaacute natildeo pode ser discernido no texto mas isso parece improvaacutevel para mim pois nos vv 14-22 ele ainda natildeo tinha reconhecido a dupla face da minHacirc-reconciliaccedilatildeo Ao enviar seu

povo ele tambeacutem desiste de uma linha de defesa de modo que outros planos de combate se tornaram inuacuteteis (maHaacutenegrave-soluccedilatildeo) E ele faz do

Jaboc um seacuterio obstaacuteculo natildeo para Esauacute mas para si mesmo ele quer fugir A repeticcedilatildeo de `Br indica que eacute uma operaccedilatildeo pesada para Jacoacute

(FOKKELMAN 2004 p 212-213)

A cena da luta eacute bem definida e enquadrada por expressotildees semelhantes

wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc (v 25b) e Buumlheumlacuteaumlbqocirc `immocirc (v 26c) Percebe-se como acontece

desde o iniacutecio de nossa periacutecope uma preocupaccedilatildeo com a assonacircncia paronomaacutesia e

178

combinaccedilatildeo de sons e sentidos das palavras empregadas fruto de uma acurada e

atenta composiccedilatildeo O verbo escolhido para expressar a luta (wayyeumlacuteaumlbeumlq - raiz qba)

que natildeo ocorre em nenhum outro lugar da Biacuteblia natildeo soacute continua a geminaccedilatildeo foneacutetica

com ya`aacuteboumlr (atravessou) e yaBBoumlq (Jaboc v 23) mas - permitindo a confluecircncia das duas

gutturais (aleph e ayin) - absorve os elementos do proacuteprio nome de Jacoacute A proposital

incoacutegnita sobre a identidade da personagem que luta com Jacoacute combina com as

intenccedilotildees do mesmo as quais se escondem em sua recusa de revelar seu nome

portanto de autorrevelar-se Com isso ele provoca Jacoacute a pensar e avaliar-se a si

mesmo O contexto onde tudo se desenrola eacute a escuridatildeo eacute a noite assim como foi em

sua visatildeo de Betel (Gn 2810-22 observe-se o iniacutecio da cena wayyaumlordmlen šaumlm Kicirc-baumlacute

haššeordmmeš ndash ali passou a noite pois o sol havia-se posto) Eacute sempre o medo a incerteza que

agarram Jacoacute Como observa FOKKELMAN (2004 p 213) nessa circunstacircncia externa

e interna Jacoacute ldquonatildeo enxerga a si mesmo ainda natildeo reconhece a sua nova identidade

que pode salvaacute-lo a renovada integridade que nasce no reconhecimento e confissatildeo

da proacutepria culpardquo

Na luta com o seu contendente Jacoacute eacute levado a perceber que tem uma forccedila que

vai muito aleacutem da compreensatildeo e resistecircncia humanas Os pronomes hebraicos no

versiacuteculo 26 satildeo menos especiacuteficos em sua referecircncia de modo que podemos nos

perguntar se o astuto Jacoacute natildeo eacute antes o agressor Algo bem plausiacutevel devido o grito

que seu oponente emite no versiacuteculo seguinte šalluumlHeumlordmnicirc (v 27 deixa-me ir solta-me

liberta-me) Inclusive o seu oponente apesar de ser divino natildeo o espanca mas apenas

ldquotoca na cavidade de sua coxardquo (yiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc v 26c) Tocar a coxa eacute ameaccedilar a

potecircncia do oponente alcanccedilar a fonte geradora de poder e o nome de Jacoacute natildeo

podemos nos esquecer significa ldquosuplantadorrdquo Na cena do encontro de Jacoacute com as

filhas de Labatildeo a forccedila sobre-humana dele jaacute se faz observar (cf Gn 291-14) Mesmo

estando coxo abaixo da cintura ele manteacutem preso o oponente em seus braccedilos Jacoacute natildeo

o deixa enquanto ele natildeo o abenccediloar Sim Isso revela bem quem eacute Jacoacute ele quer a

becircnccedilatildeo ldquoda mais miseraacutevel situaccedilatildeo ele quer emergir como um homem enriquecidordquo

(FOKKELMAN 2004 p 215) Foi assim quando foi explorado e enganado pelo seu

sogro Labatildeo eacute assim aqui em seu embate com a divindade Assim a becircnccedilatildeo que foi a

palavra-chave da primeira fase de seu ciclo quando usurpa o direito de primogenitura

179

e becircnccedilatildeo de seu irmatildeo (cf Gn 271-45) volta a ser fundamental nessa terceira fase de

sua vida Se quando teve de fugir do oacutedio de Esauacute ele recebeu a becircnccedilatildeo concedida a

Abraatildeo no pernoite em Betel (cf Gn 2812-15) agora em seu retorno ele deseja receber

a becircnccedilatildeo de seu oponente para poder enfrentar o momento mais tenso e crucial de sua

vida Se a personagem Jacoacute estava ou natildeo jaacute consciente em Gn 3227b quando solicita

a becircnccedilatildeo das enormes implicaccedilotildees futuras que esse gesto teria natildeo nos conveacutem

especular aqui basta saber que o narrador certamente o estaacute

Apoacutes reivindicar a becircnccedilatildeo Jacoacute recebe uma pergunta direta do oponente eumllaumlyw

magrave-ššuumlmeordmkauml (Qual eacute o teu nome ndash v 28a) Essa pergunta certamente faz Jacoacute recordar-

se do momento em que se apresentou diante de Isaac seu pai fazendo-se passar pelo

seu irmatildeo Esauacute Naquela ocasiatildeo Isaac lhe perguntou micirc acuteaTTacirc Buumlnicirc (Gn 2718b Quem

eacutes tu meu filho) E a resposta de Jacoacute foi acuteaumlnoumlkicirc `eumlSaumlw Buumlkoumlrekauml (Gn 2719a Sou Esauacute

teu primogecircnito) Agora diante de seu contendor ele se redime e admite quem ele

realmente eacute Quando Jacoacute diz o seu proacuteprio nome ele ldquose entregardquo nas matildeos de quem

lhe interroga eacute a sua ldquoconfissatildeordquo como mencionamos acima Como vimos no capiacutetulo

segundo deste nosso estudo o nome para os semitas natildeo eacute um acidente algo casual

mas o vetor do misteacuterio da pessoa eacute a sua verdade mais iacutentima aquilo que a pessoa eacute

Assim sendo ldquoo Jacoacute que diz o seu nome eacute um rendido estou em tua posse porque Tu

sabes de mim a coisa mais importante o meu segredo te pertencerdquo (MORFINO 2003

p 42) Entatildeo a suposta ldquovitoacuteriardquo de Jacoacute sobre o ser com o qual combate mistura-se a

uma espeacutecie de ldquoderrotardquo uma vez que seu adversaacuterio possui uma informaccedilatildeo que ele

natildeo obteve quando lhe potildee uma pergunta semelhante haGGicircdacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml ndash ldquoDiga-

me por favor o teu nomerdquo v 30a) Ao reconhecer chamar-se Jacoacute implicitamente estaacute o

significado do nome conferido ao longo da primeira fase do ciclo dessa personagem

especialmente em Gn 2736ab wayyoumlacutemer haacutekicirc qaumlraumlacute šuumlmocirc ya`aacuteqoumlb wayya`quumlbeumlnicirc zegrave

pa`aacutemayim acuteet-Buumlkoumlraumlticirc laumlqaumlH wuumlhinnEuml `aTTacirc laumlqaH Birkaumlticirc213 (Ele [Esauacute] disse Natildeo eacute que214

seu nome seja Jacoacute Pois enganou-me215 duas vezes Ele tomou minha primogenitura e eis que

213 Este texto eacute todo composto agrave base de paronomaacutesia Recurso empregado como jaacute visto tambeacutem em Gn 3223-33 214 Esta minha traduccedilatildeo apoia-se em quanto eacute dito em JOUumlON MURAOKA 2006 sect 161j 215 Haacute um jogo de palavras com bqe[ (calcanhar) e o verbo bq[ (enganar suplantar trapacear) ambas

possuem raiacutezes idecircnticas Sem duacutevida ldquoessa ligaccedilatildeo com o calcanhar o salto eacute bem compreensiacutevel agrave luz

180

agora toma minha becircnccedilatildeo) Esta eacute a razatildeo quando se daacute a luta no vau do Jaboc e lhe vem

solicitado o nome de Jacoacute dizer finalmente a sua verdade ele eacute verdadeiramente

Ya`aacuteqoumlb aquele que desde o princiacutepio jogou em base ao engano agrave trapaccedila Revelando

seu nome Jacoacute entrega a sua proacutepria histoacuteria de fraude e carreirismo de suplantador

e enganador Somente a tiacutetulo informativo o sentido etimoloacutegico do nome Jacoacute eacute

identificado em dupla possibilidade A primeira que ganhou mais adeptos e foi mais

consagrada identifica a base do nome na raiz bq[ ldquovigiar protegerrdquo ldquopresente no sul-

araacutebico e tambeacutem em etioacutepico e traduz o nome Jacoacute com lsquoDeus protegeursquo ou lsquoque Deus

protejarsquordquo (ZOBEL 2003 c 882) Esta explicaccedilatildeo foi contestada e em seu lugar surgiu

outra que toma a mesma raiz bq[ mas com o significado de ldquoestar imediatamente

atraacutes estar proacuteximordquo em base a textos ugariacuteticos palavra estaacute presente tambeacutem em

amorreu e feniacutecio Assim sendo o nome Jacoacute deveria ser traduzido por ldquoele (= El) estaacute

proacuteximordquo (ZOBEL 2003 c 882)

Apoacutes ldquoentregarrdquo seu nomeidentidade sua histoacuteria seu passado Jacoacute recebe

um novo nomeidentidade wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll Kicirc|-

Saumlricircordmtauml im-acuteeacuteloumlhicircm wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (v 29) Estruturalmente a concessatildeo do novo

nome Israel repara a simetria que tinha sido perturbada desde os episoacutedios de abertura

do ciclo de Jacoacute Lembremos que o irmatildeo mais velho jaacute tinha dois nomes cada um com

sua etiologia (Gn 2525 Esauacute 2530 Edom) Aliaacutes a aposiccedilatildeo redundante de Seir e Edom

em Gn 324 serve para recordar esse fato Enquanto Jacoacute apesar do detalhe da luta

intrauterina recebera apenas um nome Como jaacute abordamos acima haacute neste verso um

claro paralelismo algo normal na poesia hebraica De propoacutesito o autor joga tambeacutem

com a ambiguidade do verbo que emprega para justificar o novo nome concedido a

Jacoacute YiSraumlacuteeumll O verbo Saumlricirctauml pode apoiar-se em diversas raiacutezes possiacuteveis como jaacute vimos

antecipadamente Constatamos que nenhuma das sugestotildees propostas para explicar o

elemento verbal presente no novo nome logrou alcanccedilar aceitaccedilatildeo unacircnime entre os

estudiosos ou produziu uma completa satisfaccedilatildeo na maioria deles No entanto em se

tratando de literatura hebraica e com base em vaacuterios exemplos presentes na BH alguns

daquela luta que desde o iniacutecio marcou as relaccedilotildees entre os dois gecircmeos Desde o ventre materno os dois estavam em antagonismo Esauacute eacute o primeiro que olha para a vida mas haacute imediatamente Jacoacute que agarra seu irmatildeo pelo calcanhar para puxaacute-lo para traacutes e suplantaacute-lordquo (MORFINO 2003 p 43-44)

181

dos quais foram aqui mencionados em que a escolha de palavras expressotildees e nomes

estaacute vinculada ao contexto e ao objetivo do autor o estabelecimento do sentido do

nome YiSraumlacuteeumll e o motivo de sua escolha natildeo satildeo impossiacuteveis de se atingir

Primeiramente cabe constatar que em toda a periacutecope (Gn 3223-33) o

som das palavras joga um papel determinante como jaacute foi demonstrado

anteriormente A escolha de palavras inclusive algumas muito raras estava a serviccedilo

da produccedilatildeo de paronomaacutesias e assonacircncias Fato este que chamou a atenccedilatildeo de

MARKS (1995 p 39) ldquoO que eacute impressionante em tudo isso eacute a forma como os nomes

parecem reproduzir atraveacutes das mudanccedilas delicadamente animadas da linguagem os

mecanismos de projeccedilatildeo e autorreflexatildeo que observamos na narrativa da luta como se

o problema da geminaccedilatildeo [duplicaccedilatildeo e duplicidade de sentidos] tivesse estendido seu

domiacutenio agrave relaccedilatildeo de palavra e atordquo

Em segundo lugar eacute comum agrave liacutengua hebraica como vimos criar-se

palavras a partir de radicais semelhantes acentuando ou intensificando o sentido de

um determinado radical a partir de novos vocaacutebulos que dele surgem O elemento

verbal do nome YiSraumlacuteeumll pode propositalmente lidar com uma rica polissemia

Importante ressaltar que ldquoeste ato de lsquojogarrsquo com uma multiplicidade de derivaccedilotildees

natildeo eacute um erro do escritor nem uma incapacidade de decifrar do leitor eacute uma desejada

indicada superposiccedilatildeo de sentidos que enriquece incrivelmente o significadordquo

(MORFINO 2003 p 44)

Em terceiro e uacuteltimo lugar eacute importante sempre considerar que o contexto eacute

imprescindiacutevel para determinar o sentido dos textos e das palavras na BH Por isso

vale a pena destacar os quatro elementos que formam o contexto no qual estaacute situada

a cena em que Jacoacute recebe o seu novo nome fornecem a direccedilatildeo da interpretaccedilatildeo (cf

ROSS 1985 p 341)

1ordm) o cenaacuterio geograacutefico a luta ocorreu no limiar da terra da promessa Jacoacute estava

fora dessa terra desde a sua fuga de Esauacute do qual ele tomou a becircnccedilatildeo Portanto a

nossa cena eacute posicionada de modo intencional como um ldquorito de passagemrdquo que

conduziraacute agrave reconciliaccedilatildeo entre os dois irmatildeos gecircmeos

182

2ordm) O elemento unificador da histoacuteria eacute a nomeaccedilatildeo isto eacute a transformaccedilatildeo de

Jacoacute em Israel O novo nome natildeo eacute apenas adicionado a uma narrativa antiga ele eacute

explicado por ela

3ordm) Nomes de lugares no retorno de Jacoacute para a terra de seus pais as narrativas

estatildeo sempre relacionadas a determinados lugares Maanaim (Gn 321-2) Fanuel (Gn

3230) e Sucot (Gn 3317) cujos nomes vecircm explicados por Jacoacute

4ordm) A histoacuteria estaacute ligada a uma restriccedilatildeo dieteacutetica para os filhos de Israel Este

tabu foi um costume que cresceu com base em um evento mas natildeo fazia parte da Lei

O evento na tradiccedilatildeo criou-o e explicou-o

A nossa periacutecope natildeo deixa de ser uma resposta agrave suacuteplica constante em Gn

3210-13 mesmo que este texto seja mais tardio afinal Jacoacute implora a Deus que salve-

o da ira de seu irmatildeo haccicircleumlnicirc naumlacute miyyad acuteaumlHicirc miyyad `eumlSaumlw (Gn 3212a Livra-me da

matildeo de meu irmatildeo da matildeo de Esauacute) Segundo JACOB (cf 2007 p 223) a luta daraacute a

resposta que Jacoacute tanto busca

Natildeo podemos deixar de perceber nesta interpretaccedilatildeo final de nossa periacutecope a

interconexatildeo existente entre a nossa cena e as cenas anterior e posterior Isso ocorre

com o uso da palavra ldquofacerdquo (Paumlnicircm)

a) Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw BamminHacirc hahoumlleket luumlpaumlnaumly wuumlacuteaHaacuterecirc-keumln acuteeracuteegrave

paumlnaumlyw acuteucirclay yiSSaumlacute paumlnaumly Eu aplacarei suas faces216 com a oferenda que segue

adiante de mim Depois verei suas faces e talvez ele erga minhas faces217

Aqui ainda se revela a ldquovelhardquo face de Jacoacute o esperto o astuto Ele crecirc poder

controlar suplantar seu irmatildeo com presentes oferendas Pensa evitar o face

a face o olho no olho com o irmatildeo

b) Gn 3231 wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircticirc eacuteloumlhicircm Paumlnicircm el-

Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel [Face de El] porque

eu vi a Deus face a face e minha vida foi salva

A ldquonovardquo face de Jacoacute agora com o novo nome Israel se revela A sua ldquovida

foi salvardquo natildeo apenas por ter visto Deus face a face mas porque jaacute se sente

216 Literalmente essa expressatildeo significa ldquocobrir sua facerdquo Eacute como se Jacoacute quisesse dizer que taparia o rosto de oacutedio e rancor de Esauacute com seus presentes 217 Utilizo aqui a traduccedilatildeo de CHOURAQUI 1995 p 340 por ser mais literal e render melhor a presenccedila

do vocaacutebulo Paumlnicircm

183

atendido em sua suacuteplica (Gn 3212) Israel estaacute a salvo de Esauacute O ldquopassarrdquo

(rb[) em perigo sob tensatildeo e alto risco transforma-se em passar em aliacutevio

Natildeo eacute mais Jacoacute que atravessa mas Israel Deve-se notar poreacutem que

ldquoFanuelrdquo carrega conotaccedilotildees de um jogo de palavras exprimindo

anterioridade ou precedecircncia que aparecem na cena anterior (Gn 3241718 ndash

Paumlnicircm aparece em estado construto com sufixos pronominais significando

adiante de) Naquela cena Jacoacute apressa-se em passar tudo adiante de si mesmo

e de seu irmatildeo servos rebanhos mulheres e crianccedilas Aliaacutes em Gn 3219-21

aparece por quatro vezes a expressatildeo ldquodepois deatraacutes derdquo (heb acuteaHaacuterecirc) em

referecircncia a Esauacute Eacute claro que o leitor eacute convidado a ver aqui o problema que

originou tudo isso ou seja o duplo roubo de Jacoacute (primogenitura e becircnccedilatildeo)

por duas vezes ele revoga a prioridade existente Seu irmatildeo Esauacute mais lento

aquele que vem sempre ldquodepois derdquo Jacoacute reconhece isso quando interpreta

o nome de Jacoacute em base ao princiacutepio nomen ndash omen (nome ndash mau pressaacutegio)

em Gn 2736 Outro efeito dessa arte da linguagem realizada pelo autor eacute

que tais correspondecircncias funcionam como uma conexatildeo em uma fuga mais

longa na qual repeticcedilotildees e etimologias contrapotildeem as duplas baacutesicas de

irmatildeo e irmatildeo (Jacoacute e Esauacute) homem e Deus (Jacoacute e Elohicircm)218

218 Essa duplicidade homem Deus comeccedila a ser mostrada deste o iniacutecio do capiacutetulo 32 que precede a nossa periacutecope (Gn 321-3) ldquoE Labatildeo levantou-se cedo beijou seus filhos e suas filhas e os abenccediloou e Labatildeo partiu e voltou ao seu lugar Entatildeo Jacoacute seguiu o seu caminho e anjos de Deus encontraram-se com ele Ao vecirc-los disse Este eacute o acampamento de Deus E chamou agravequele lugar Maanaimrdquo (trad nossa) Aqui os anjos relembram a teofania e promessa divina em Betel (Gn 2810-20) assim como a partida de Labatildeo relembra o beijo e becircnccedilatildeo concedidos por Isaac natildeo aos seus dois filhos mas somente a Jacoacute (Gn 2727) Beijo e becircnccedilatildeo seratildeo lembrados apoacutes a luta quando um Jacoacute justificado recebe o beijo de Esauacute e convida-lhe para aceitar o seu presente que ele idiomaticamente chama ldquominha becircnccedilatildeordquo (Birkaumlticirc Gn 3311) Como bem observa MARKS (1995 p 36 n 25) ldquoEste relato ecoa por sua vez o relato

do beijo que Labatildeo corre para dar em Jacoacute quando ele chega em Padatilde-Aram (2913) Tendo lsquoabenccediloadorsquo seus filhos e suas filhas Labatildeo retorna a lsquoseu lugarrsquo O lugar para o qual Jacoacute volta os seus passos depois de ser omitido intencionalmente da becircnccedilatildeo de Labatildeo eacute aquele cuja identidade e nome ainda precisam ser disputados [lutados]rdquo O que aconteceraacute em nossa periacutecope (Gn 3223-33) A duplicidade continua em Gn 323 quando Jacoacute vecirc um acampamento de anjos mas o nomeia como sendo ldquodois camposrdquo pois Maanaim eacute um substantivo hebraico dual Provavelmente numa referecircncia tambeacutem dual e oposta acampamento de anjos e acampamento de Jacoacute Haacute uma duplicidade humanodivino na mudanccedila semacircntica da palavra malacuteaumlkicircm De ldquoanjosrdquo que Jacoacute vecirc (322) aos ldquomensageirosrdquo que ele envia ao seu

irmatildeo (324 malacuteaumlkicircm) Contudo esse dual pode ainda ter outra interpretaccedilatildeo ldquoNo entanto a divisatildeo

subsequente de Jacoacute de seus proacuteprios seguidores em dois acampamentos (maHaacutenocirct vv 811) manteacutem

ativa a outra possiacutevel interpretaccedilatildeo do dual - a de uma divisatildeo dentro do proacuteprio campo divino - lanccedilando sua sombra tipoloacutegica atraveacutes da apariccedilatildeo suacutebita mais tarde naquela noite do oponente espectralrdquo (MARKS 1995 p 37)

184

c) Gn 3310 wayyoumlacutemer ya`aacuteqoumlb acuteal-naumlacute acuteim-naumlacute maumlcaumlacuteticirc Heumln Buuml`ecircnEcirckauml wuumllaumlqaHTauml

minHaumlticirc miyyaumldicirc Kicirc `al-Keumln raumlacuteicircticirc paumlnEcirckauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm waTTirceumlnicirc Jacoacute diz

ldquoNatildeo Se encontrei a graccedila a teus olhos toma minha oferenda de minha matildeo sim

porque vi tuas faces como se as faces de Elohicircms [Deus] fossem vistas aceita219

Eacute clara a conexatildeo com o texto do item anterior (Gn 3231) Ao ver a face de

Deus Jacoacute agora Israel vecirc sua vida transformada e o reencontro e

reconciliaccedilatildeo com o irmatildeo possiacuteveis

Retomando o versiacuteculo-chave de nossa periacutecope (v 29)

Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste

wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricirctauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

Recordamos a existecircncia de um claro paralelismo literaacuterio

Saumlricirctauml (raiz hrf ou rrf ou rwf ou rvyrfy)220 acuteeacuteloumlhicircm

acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (raiz lky mas com

variaccedilatildeo cognata hlk = lutar

esforccedilar-se empenhar-se)

Mesmo que natildeo se chegue a um consenso sobre o sentido original do nome

ldquoIsraelrdquo do ponto de vista da pesquisa cientiacutefica o contexto fornecido pelo autor torna

evidente que o nome deve estar relacionado agrave ldquolutardquo ao ldquoempenhordquo ao ldquoesforccedilordquo agrave

ldquocontendardquo O proacuteprio fato de Oseias usar o mesmo vocaacutebulo raro Saumlracirc em 124 mas

retomaacute-lo no versiacuteculo 5 como woyyaumlSar lutou exerceu poder (claramente da raiz rwf

uma forma cognata de rrf = ter domiacutenio) reforccedila essa nossa afirmaccedilatildeo Esse mesmo

verbo aparece em Jz 922 (wayyaumlSar conjugaccedilatildeo Qal raiz rrf reinou governou) e Os 84

(na conjugaccedilatildeo Hifil heumlSicircrucirc) com o sentido de dominar estabelecer sobre

Acrescentemos o fato de a ldquolutardquo a ldquodisputa e contendardquo serem parte integrante

da vida de Jacoacute Ainda no ventre materno Jacoacute lutou com seu irmatildeo Uma vez que ele

219 Traduccedilatildeo segundo CHOURAQUI 1995 p 349 220 Consideradas variantes cognatas como vimos anteriormente

185

tinha nascido ele resolveu aquela contenda em sua aparente vantagem adquirindo a

Buumlkoumlracirc (primogenitura) e a Buumlraumlkacirc (becircnccedilatildeo) Apoacutes uma luta de vinte anos ele

consegue fugir de Labatildeo seu sogro sem ser tocado pela sua ira Por isso fica claro que

ele ldquoprevalecerdquo (waTTucirckaumll) contra os homens

Mas natildeo somente contra os homens Jacoacute tenta levar a melhor ou seja

prevalecer ser vitorioso O v 29b afirma que ele ldquolutoucontendeu com Deusrdquo A sua

luta com Deus eacute pela becircnccedilatildeo pelo reconhecimento pelo direito de ser o Patriarca

Ateacute agora a vida toda de Jacoacute tinha sido um arrastar as becircnccedilatildeos em todas as circunstacircncias para seu proacuteprio uso sendo o abenccediloado mas sob sua proacutepria forccedila e sobretudo com arbitrariamente e por meio de fraude E precisamente porque este destino (tornar-se o primeiro homem) lhe tinha sido dado por Deus antes mesmo de seu nascimento ele estava constantemente em revolta porque queria realizar este destino por sua proacutepria vontade e por meio de engano Ele era demasiado obstinado e orgulhoso demais para permitir que a becircnccedilatildeo lhe fosse dada Essa resistecircncia obstinada orgulhosa e sombria a Deus eacute o que ele agora exibe agraves margens do Jaboc - e ali tambeacutem eacute derrubado O nome ldquoDeus lutardquo pode entatildeo significar Deus luta com vocecirc porque ele eacute forccedilado por sua teimosia e orgulho E tambeacutem doravante Deus lutaraacute por vocecirc pois ele aprecia seu compromisso absolutamente sincero e indiviso (FOKKELMAN 2004 p 216-217)

Fica claro que para FOKKELMAN o sentido do nome Israel seria ldquoDeus lutardquo

Eacute tambeacutem possiacutevel devido ao contexto e agrave raiz verbal do nome proacuteprio Quem sabe

natildeo se deva entender o nome Israel como uma exclamaccedilatildeo lituacutergica proacutepria de uma

situaccedilatildeo de ldquoguerra santardquo significando algo como ldquoQue ele luterdquo isto eacute que ele se

manifeste como um guerreiro e combatente vitorioso (cf HELLER 1964 p 263-254)

Em todo caso prefiro natildeo restringir-me a uma uacutenica soluccedilatildeo ou interpretaccedilatildeo

para o sentido do nome ldquoIsraelrdquo Como jaacute demonstrei haacute uma polissemia neste nome

proacuteprio bem ao gosto do autor Mas no contexto e devido todo o ciclo de Jacoacute fica

evidente que a interpretaccedilatildeo dada pelo texto eacute aquela que devemos levar em conta

Somente assim atingimos o sentido que o autor deseja dar agrave sua criaccedilatildeo literaacuteria

A inversatildeo de Jacoacute como sujeito e natildeo objeto em seu novo teofoacuterico nome

convida-nos segundo MARKS (1995 p 40) a ldquoa reconfigurar a identidade dos dois

contendoresrdquo Ele sugere que ldquoa volta reflexiva na foacutermula de nome apresenta uma

186

intimidade dinacircmica uma coexistecircncia do eu [self] e do outro o homem e Deus

fundamentados na resistecircncia muacutetuardquo (MARKS 1995 p 40) Jacoacute sempre viveu um

duplo conflito externo (com seu irmatildeo com Labatildeo com suas esposas etc) e interno

(com sua atitude fraudulenta contrastando com seu desejo de ser abenccediloado) Por isso

a sua luta sempre segundo MARKS (IDEM) seria contra his own phantastic projection

(sua proacutepria projeccedilatildeo fantaacutestica) a vulnerabilidade de seu ldquoeurdquo Assim fazendo Jacoacute

habilita-se a ser agente de sua proacutepria mudanccedila testemunhada pelo novo nome A sua

disputa histoacuterica e pessoal eacute trazida para a arena poeacutetica do texto literaacuterio E o sinal

disso eacute o proacuteprio ato de renomeaccedilatildeo Ao mesmo tempo o novo nome permite a

interpretaccedilatildeo de que a divindade luta com Jacoacute mas este consegue transformar esse

conflito a seu favor a segunda glosa etioloacutegica espelha isso ldquoJacoacute chamou o nome do

lugar Fanuel porque eu vi a Deus face a face e a minha vida foi salvardquo (trad nossa)

Em Gn 323031 o ser com o qual Jacoacute lutou contendeu eacute o proacuteprio Deus Ao

natildeo responder agrave pergunta de Jacoacute ndash haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmekauml (Diga-me por favor o teu

nome) e ao Jacoacute reconhecer que tinha visto Deus ldquoface a facerdquo e sobrevivido a

identidade da personagem misteriosa se revela Aleacutem disso haacute uma interessante

curiosidade em nossa periacutecope que vem confirmar essa conclusatildeo A nossa periacutecope

(Gn 3223-33) eacute formada por 143 palavras sendo que poder-se-ia esperar haver 144

que eacute 12 multiplicado por 12 uma vez que se trata de um texto que fala de Israel E

Israel eacute representado sempre com suas 12 tribos Ora a palavra que falta para resultar

no nuacutemero aguardado somente poderia ser o nome divino (cf KESSLER 2004 p 169)

Esse nome natildeo eacute pronunciado esse nome natildeo eacute apenas ldquoDeusrdquo a menos que seja falado

pelo proacuteprio Israel No entanto ldquoeste Deus com seu nome ativo estaacute presente na

histoacuteria lsquoPor que vocecirc pede o meu nome [shem] E ele o abenccediloou laacute [sham]rsquo YHWH

abenccediloa com as palavras lsquoEu estou [ou estarei] contigorsquo (p ex Gn 313) e este eacute o nome

divino in actu (no proacuteprio ato cf Ex 312) Nisto reside o segredo de lsquoIsraelrsquo Apoacutes esse

encontro Jacoacute poderia somente ser Israel em essecircnciardquo (KESSLER 2004 p 169)

A nossa cena conclui-se com um movimento (v 32) Finalmente Jacoacute alcanccedila o

seu povo atravessando Fanuel Como jaacute foi frisado anteriormente a cena toda eacute bem

enquadrada pois os vv 23-24 satildeo marcados pelo movimento de atravessar e fazer

atravessar (rb[ eacute repetido vaacuterias vezes) que prepara este movimento final a travessia

187

propriamente dita Essa travessia de Israel eacute decisiva como o capiacutetulo 33 nos faraacute

perceber Como observa FOKKELMAN (2004 p 221) ldquohaacute algo mais importante e

portanto sua passagem eacute colocada em uma oraccedilatildeo subordinada (Kaacuteaacutešer) Desta

forma a ecircnfase estaacute em lsquoo sol brilhava sobre elersquordquo Afinal a noite ficou para traacutes o dia

glorioso surge e eacute o cenaacuterio para a travessia de nosso heroacutei Em Fanuel natildeo predomina

mais a noite como em Betel e Haratilde a qual eacute substituiacuteda pelo dia glorioso da ldquoFace de

Deusrdquo

Haacute um detalhe importante apesar de tudo o que foi dito acima wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-

yuumlreumlkocirc (ele [JacoacuteIsrael] coxeava de uma coxa) Segundo alguns comentaristas entre eles

JACOB (cf 2007 p 223-224) foi proposital esse ldquoenfraquecimentordquo de Jacoacute durante a

luta A visatildeo de um irmatildeo arrastando-se e curvando-se ateacute o chatildeo sete vezes (Gn 331-

3) faz com que Esauacute fique desarmado quando encontra-se finalmente com ele Esse

homem manco com uma multidatildeo de mulheres e crianccedilas aparentemente fraacutegil natildeo

era o Jacoacute que Esauacute estava preparado para enfrentar com seus quatrocentos guerreiros

(cf Gn 327) Portanto ldquoDeus salvou Jacoacute tornando-o mais fraco e assim derrota o

propoacutesito de Esauacute Ele se sente vencedor vendo um homem vencido diante dele Jacoacute

eacute derrotado em sua coxa aleijado no proacuteprio peacute no qual assentava-se a raiz de toda a

sua inimizade (Gn 2526) Este natildeo eacute lsquoJacoacute que agarra pelo calcanharrsquordquo (JACOB 2007

p 224) Assim sendo a salvaccedilatildeo de Jacoacute eacute a sua manqueira Inclusive em liacutengua

portuguesa pode-se fazer um irocircnico jogo de palavras apesar de manco Jacoacute natildeo daacute

mais mancadas Ou entatildeo aquele que soacute dava mancadas agora manca

Nesse sentido Jacoacute torna-se um homem correto justo reto em seu caminhar

(apesar de manco) apoacutes a luta no vau do Jaboc Como o nome Jeshurun (da provaacutevel

raiz rvy) um dublecirc do nome Israel quer significar Dessa forma o nome Israel natildeo

deixa de ser um tanto irocircnico em vista da personagem a qual nomeia Afinal ldquouma

poderosa metaacutefora fiacutesica eacute sugerida pela histoacuteria da luta Jacoacute cujo nome pode ser

interpretado como lsquoaquele que age tortuosamentersquo eacute dobrado permanentemente

aleijado por seu adversaacuterio sem nome a fim de ser endireitado antes de seu encontro

com Esauacuterdquo (ALTER 1997 p 181)

De nome proacuteprio pessoal Israel passa a ser denominaccedilatildeo de um povo uma

naccedilatildeo Uma monarquia eacute anunciada logo depois de Deus reiterar a mudanccedila de nome

188

em Gn 3510 Em Gn 3511-12 Deus retoma e recorda sua promessa anteriormente feita

a Abraatildeo e Sara quando seus nomes tambeacutem foram mudados (cf Gn 175-616 gt 122)

wayyoumlacutemer locirc acuteeacuteloumlhicircm acuteaacutenicirc acuteeumll šaDDay PuumlrEuml ucircruumlbEuml Gocircy ucircquumlhal Gocircyigravem yihyegrave mimmeordmKKauml

ucircmuumllaumlkicircm meumlHaacutelaumlcEcircordmkauml yeumlceumlordm ucirc wuumlacuteet-haumlacuteaumlordmrec acuteaacutešer naumltaordmTTicirc luumlacuteabraumlhaumlm ucircluumlyicHaumlq luumlkauml

acuteeTTuumlneordmnnacirc ucirc|luumlzar`aacutekauml acuteaHaacuterEcircordmkauml acuteeTTeumln acuteet-haumlacuteaumlordmrec (Deus lhe disse ldquoEu sou El Shaddai Secirc

fecundo e multiplica-te Uma naccedilatildeo uma assembleia de naccedilotildees nasceraacute de ti e reis sairatildeo de teus

rins Eu te dou a terra que dei a Abraatildeo e a Isaac darei esta terra a ti e agrave tua posteridade de pois

de ti ndash trad BJ) Eacute bom relembrar que esse texto natildeo pertence ao mesmo autor da nossa

periacutecope mas agrave tradiccedilatildeo sacerdotal

189

CONCLUSAtildeO

A figura da nossa personagem central JacoacuteIsrael de nenhum modo eacute faacutecil de

abordar pois eacute algueacutem destinado a contender sempre e com todos seu caminho eacute

fatigoso e repleto de tensotildees A proacutepria profecia de eleiccedilatildeo deixa claro que a culpa por

toda essa conflitualidade natildeo eacute (soacute) de Jacoacute mas da vontade de Deus em subverter

desde o ventre materno os direitos de primogenitura que eram tidos como legiacutetimos

naquela eacutepoca IHWH lhe disse [a Rebeca mulher de Isaac] ldquoHaacute duas naccedilotildees em teu seio

dois povos saiacutedos de ti se separaratildeo um povo dominaraacute um povo o mais velho serviraacute ao mais

novordquo (Gn 2523 ndash BJ) Interessante observar que a ldquolutardquo de Jacoacute com Esauacute teve iniacutecio

ainda no interior da proacutepria matildee (cf Gn 2522) o que a leva a consultar YHWH que

lhe profere a profecia acima mencionada A referecircncia na profecia eacute a Edom cujo

povo eacute considerado descendente de Esauacute (cf Gn 2530) Esse povo vizinho mostrou-se

repetidamente inimigo de Israel A BH narra que os edomitas foram subjugados por

Davi (2Sm 813-14) e natildeo se libertaram definitivamente a natildeo ser sob o reinado de Joratildeo

de Judaacute na metade do seacuteculo IX AEC (2Rs 820-22) Portanto fica claro que o chamado

divino natildeo eacute somente eletivo pode tambeacutem ser um chamado agrave luta e ao conflito A

histoacuteria de Moiseacutes vai nessa mesma direccedilatildeo pois ele eacute chamado e enviado para uma

missatildeo conflituosa de libertaccedilatildeo

Aliaacutes o direito dos primogecircnitos marca por duas vezes a trajetoacuteria de Jacoacute

Primeiramente quando este a usurpa de seu irmatildeo fazendo-se passar por ele (Gn 27)

Em segundo lugar quando eacute obrigado a desposar por primeiro Lia a filha mais velha

e natildeo Raquel a sua mulher preferida (Gn 2915-30) O conflito subjacente agrave

primogenitura natildeo eacute absolutamente marginal no seio da sociedade oriental antiga

Afinal a primogenitura ldquoeacute a pedra angular do inteiro sistema social e legal que

estabelece direitos e privileacutegios e impede conflitos intestinos Mas essa mesma praacutexis

de tutela da ordem social eacute tambeacutem um modo de destinar alguns a benefiacutecios e

vantagens e outros a inconvenientes e desvantagensrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p

252) Portanto a accedilatildeo eletiva de Deus no ciclo de Jacoacute representa uma radical revoluccedilatildeo

no interior dessa estrutura tradicional de poder transmitida pela primogenitura

190

Desse modo Deus natildeo eacute alheio ou imparcial no conflito entre Esauacute e Jacoacute Jacoacute

e Labatildeo mas eacute o agente-motor de tal enfrentamento Ao lado das relaccedilotildees conflituosas

com essas duas personagens humanas o ciclo de Jacoacute evidencia tambeacutem os encontros

de Jacoacute com Deus por meio de teofanias (Gn 2810-22 em Betel [322-3 Maanaim]

3223-33 em Fanuel 351-15 em Betel) Natildeo eacute possiacutevel separar na narrativa da nossa

personagem aquilo que eacute humano daquilo que eacute divino Todos os seus encontros com

Deus se datildeo no contexto de seus conflitos e tensotildees a visatildeo da ldquoescadardquo em Betel (Gn

2810-22) tem lugar durante a fuga de Jacoacute do irmatildeo que deseja mataacute-lo O encontro

em Fanuel (Gn 3223-33) que deixaraacute Jacoacute coxo ocorre quando Jacoacute estaacute extremamente

angustiado diante do iminente encontro com Esauacute Mesmo o outro encontro em Betel

(Gn 351-15) eacute cercado por conflitos e mortes a filha de Jacoacute com Lia Dina sofre

violecircncia sexual por parte de Siqueacutem e eacute vingada pelos seus irmatildeos Simeatildeo e Levi (Gn

341-31) Apoacutes a teofania de Betel Raquel daacute agrave luz a Benjamim mas vem a falecer

devido as complicaccedilotildees no parto (Gn 3516-20) Por conseguinte o conflito humano e o

confronto com o divino integram a vida de Jacoacute por isso satildeo refletidos em seu novo

nome em Gn 3229 O nome ldquoIsraelrdquo integra a polimoacuterfica polivalente e prosaica vida

de Jacoacute agrave polissemia de seu novo nome

Afinal ldquoexperiecircncias extremas do ser humano e intervenccedilatildeo divina satildeo

correlatasrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p 253)

Por isso Israel natildeo surgiraacute do

Sucesso afinal mesmo aparentando ter vencido a luta contra Deus ele torna-

se manco definitivamente aleijado atingido em sua potecircncia fiacutesica e moral

Astuacutecia pois durante a luta quem faz uso de um subterfuacutegio eacute o ldquohomemrdquo

com o qual estaacute se confrontando rolando pelo poacute Eacute ele que toca o nervo

ciaacutetico de Jacoacute deixando-o atrofiado provocando-lhe dor e manqueira

Terra afinal ele eacute um expatriado algueacutem que possui bens mulheres e filhos

mas natildeo ainda uma terra um verdadeiro lar Devido a isso Deus lhe renova

a promessa em Gn 3511-12 apoacutes seu confronto com ele

Mas Israel eacute fruto da agressatildeo de Deus pois ousou contender com ele e ainda

mais saber o seu nome ou seja conhecer o seu misteacuterio O seu encontro com Deus natildeo

produziu como se poderia imaginar reconciliaccedilatildeo perdatildeo restauraccedilatildeo Mas sim uma

191

invalidez uma deformaccedilatildeo Portanto o novo nome natildeo pode ser separado da nova

lesatildeo que a nossa personagem sofre Essa ambivalecircncia do encontro noturno de Jacoacute

com Deus reflete-se em seu nome pois ele penetrou o misteacuterio de Deus como nenhum

outro antes dele e prevaleceu sobreviveu O proacuteprio Israel povo do qual seraacute o pai

natildeo ousaraacute repetir a faccedilanha do Patriarca (cf Ex 1921-25 2018-20) Eacute como se o nome

Israel representasse a realizaccedilatildeo daquela promessa de Gn 2523 a coroaccedilatildeo de toda

uma existecircncia conflituosa e beligerante No entanto eacute uma vitoacuteria ldquoinvalidanterdquo

demonstrando que com Deus natildeo existem vitoacuterias faacuteceis como bem exprime

BRUEGGEMANN (2002 p 323)

Somente apoacutes esse confronto em Fanuel Jacoacute pocircde compreender melhor o seu

espanto em Gn 2816 acuteaumlkeumln yeumlš yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Bammaumlqocircm hazzegrave wuumlacuteaumlnoumlkicirc loumlacute yaumldaumlordm Ticirc

(Na verdade IHWH estaacute neste lugar e eu natildeo o sabia - BJ) logo apoacutes despertar de seu sonho

em Betel Afinal a presenccedila divina na BH eacute tanto causa de exultaccedilatildeo e alegria quanto

de temor e tremor Eacute a esse ldquolugarrdquo onde Jacoacute encontra-se com Deus que faz referecircncia

Gn 3230c wayuumlbaumlrek acuteoumltocirc šaumlm (E ele o abenccediloou ali) O seu novo nome exprime bem o

paradoxo de um poder fraco convertido em fraqueza potente

Falando em becircnccedilatildeo eacute importante retomar esse que eacute o tema dominante em todo

o ciclo de Jacoacute a busca pela becircnccedilatildeo Em nossa periacutecope a becircnccedilatildeo adquire um sentido

especial Finalmente Deus abenccediloa Jacoacute ou melhor Israel A becircnccedilatildeo sempre

determinou as narrativas sobre essa nossa personagem Foi a preocupaccedilatildeo em obter a

becircnccedilatildeo de Isaac que fez Rebeca inventar aquela artimanha para que Jacoacute enganasse

seu pai (Gn 271-40) Essa becircnccedilatildeo dada por meio de engano faz com que Jacoacute tenha de

fugir (Gn 2741-45) A riqueza de Jacoacute em filhos filhas e gado eacute consequecircncia da

becircnccedilatildeo E foi igualmente a becircnccedilatildeo que se transferiu de Jacoacute para o patrimocircnio de Labatildeo

que motivou este uacuteltimo a querer reter Jacoacute a qualquer custo junto de si (Gn 302730)

Assim sendo Jacoacute eacute abenccediloado e sua becircnccedilatildeo produz efeitos tanto para si mesmo

quanto para os outros ao seu redor Apesar que em nenhum momento Jacoacute deixa de

ser o astuto e oportunista basta que nos recordemos da estrateacutegia que usa para

aumentar o seu rebanho em Gn 30 25-43 No entanto ateacute este ponto da narrativa falta

uma becircnccedilatildeo expliacutecita direta de Deus a Jacoacute

192

Ao obter essa becircnccedilatildeo direta de Deus somente em Fanuel ficam evidenciadas a

retidatildeo e justeza de tal gesto Pois essa ldquobecircnccedilatildeo divina exclui qualquer duacutevida sobre

a legitimidade da becircnccedilatildeo que Jacoacute conseguiu enganosamente de seu pairdquo (KLEIN

2007 p 135) e por meio de uma ldquonegociatardquo com seu irmatildeo por um prato de lentilhas

(Gn 2529-34) Contudo essa becircnccedilatildeo natildeo eacute dada incondicionalmente Jacoacute eacute tocado em

seu quadril ldquoo toque pode ser entendido como gesto de becircnccedilatildeo mas eacute um toque

doloroso um toque que deixa Jacoacute coxeandordquo (KLEIN 2007 p 135) Apesar dessa

sinistra humilhaccedilatildeo JacoacuteIsrael adquire coragem e decide ir ao tatildeo temido encontro

com seu irmatildeo Como bem assinala KLEIN (2007 p 135) ldquoesta transformaccedilatildeo e a

disposiccedilatildeo de ir ao encontro do futuro apesar do passado satildeo marcadas por dois

elementos da narrativa Um eacute o novo nome de Jacoacute Israel um nome de honra O outro

eacute a aurora que anuncia um novo e decisivo dia na vida de Jacoacute O terceiro aqui natildeo

mencionado explicitamente eacute a travessia do rio Jabocrdquo

Mas nos detenhamos na caracteriacutestica das etimologias biacuteblicas para nomes

proacuteprios de lugares e pessoas Como jaacute abordamos no segundo e quarto capiacutetulos deste

estudo havia e talvez ainda haja uma tendecircncia muito forte em se acreditar que a

nomeaccedilatildeo biacuteblica pretenda ter uma relaccedilatildeo direta com o ser essencial do objeto

denominado Ou entatildeo que essas notas explicativas sobre os nomes proacuteprios (glosa)

natildeo passem de enfeites secundaacuterios na narrativa ou resiacuteduos curiosos de uma antiga

tradiccedilatildeo popular tipo folcloacuterica Como bem identifica MARKS (1995 p 24) ldquoa glosa

tiacutepica [explicaccedilatildeo dada ao nome] marca um iniacutecio improvisado em oposiccedilatildeo a uma

origem absoluta Eacute arbitraacuteria e natildeo inevitaacutevel obstinada e natildeo essencial permissiva

mas somente em virtude dos limites que ela impotildeerdquo Nesse sentido as mudanccedilas de

nome (Jacoacute gt Israel Jaboc gt Fanuel) ocorridas no texto objeto de nosso estudo somente

poderiam ser explicadas no interior de uma surpreendente rede de duplicaccedilotildees

internas e ecos intertextuais (com suas exploraccedilotildees literaacuterias de geminaccedilatildeo e projeccedilatildeo

identidade e diferenccedila) que o ato de renomear ancora Para comprovar isso que acabo

de dizer basta perguntar-nos assim como faz MARKS (1995 p 34-35)

Pode ser uma coincidecircncia que dois nomes de Jacoacute figurem em uma histoacuteria que se caracteriza por dois acampamentos [Gn 32811] duas travessias [Gn 322324] duas embaixadas [enviadas a Esauacute Gn 328-9]

193

duas esposas [Gn 2915-30] duas servas [Gn 301-49] dois alojamentos de noite [nas duas margens do Jaboc Jacoacute e seu grupo] dois tipos de ldquobecircnccedilatildeordquo ldquolibertaccedilatildeordquo e ldquoenviarsoltarrdquo (xlv ndash Gn 3227) dois tipos de ameaccedila (vyai ndash um homem Gn 3225b e Esauacute)rdquo

Natildeo por acaso o autor escolheu verbos rariacutessimos para compor a narrativa

fazendo com que a fundamentaccedilatildeo interpretativa pela etimologia resultasse como a

concessatildeo do nome paradoxalmente dependente da narrativa que interpretaria

Inevitaacutevel nesta conclusatildeo abordarmos as semelhanccedilas e diferenccedilas entre as

duas periacutecopes onde se datildeo a teofania por meio de um acuteicircš (homem pessoa) Elas satildeo

apenas duas Gn 181-15 (apariccedilatildeo a Abraatildeo e Sara junto ao Carvalho de Mambreacute) e a

nossa em Gn 3223-33 (apariccedilatildeo a Jacoacute no vau do Jaboc) O primeiro aspecto a ser

salientado eacute o fato do proacuteprio Deus fazer questatildeo de vir confirmar a sua promessa

tanto na cena do Carvalho de Mambreacute quanto nesta do riacho Jaboc Na primeira

teofania em acuteicircš Deus assegura a continuidade da linhagem de Abraatildeo prometendo-

lhe o nascimento de um filho Na segunda teofania (Gn 3223-33) Deus renomeia e

abenccediloa Jacoacute que eacute o pai direto da naccedilatildeo numerosa prometida a Abraatildeo Portanto a

promessa feita em Gn 18 realiza-se com a becircnccedilatildeo de Jacoacute em Gn 32 Como constata

HAMORI (2008 p 102) ldquoembora os dois textos seguramente natildeo vecircm do mesmo autor

original as funccedilotildees das apariccedilotildees divinas estatildeo relacionadasrdquo Um segundo aspecto a

ser destacado eacute o realismo antropomoacuterfico presente nesse tipo de teofania Em Gn 18

Deus eacute um ldquohomemrdquo em meio a outros indistinguiacuteveis homens que dialoga com

Abraatildeo deixa-se acolher pelo anfitriatildeo come bebe e comporta-se como qualquer ser

humano Em Gn 32 o ldquohomemrdquo luta com Jacoacute toca-lhe em sua coxa e ainda mais

impressionante perde a luta com Jacoacute ou seja natildeo daacute conta dele em seu combate Esse

tipo de realismo antropomoacuterfico natildeo eacute possiacutevel ser encontrado em nenhuma cultura

circunvizinha a Israel naquelas eacutepocas (cf HAMORI 2008 p 102) Com isso o autor

salienta os viacutenculos inusitadamente estreitos que Abraatildeo e Jacoacute tiveram com Deus

Mais do que por meio de palavras esse estilo de teofania demonstra o grau de

intimidade entre as personagens e a divindade Poreacutem em Jacoacute manifesta-se uma

audaacutecia extraordinaacuteria que natildeo encontramos na figura de Abraatildeo Esse atrevimento

manifesta-se no modo de

194

Jacoacute que ldquocobre o rostordquo de seu irmatildeo [Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw ndash

com seus presentes] e golpeia a cavidade da coxa de seu oponente [Gn 3226 Kap-yerek ndash durante a luta no vau do Jaboc] dispor desse rosto

proibido - o Fanuel - natildeo esperando pelo nome que o anjo transmite mas apreendendo a sua mais sagrada e paradoxal expressatildeo e tornando-a um memorial de seu proacuteprio sucesso [ao nomear o lugar da luta] Em Jaboc o nome oculto eacute proclamado mas eacute proclamado na voz de Jacoacute O texto assim encena no niacutevel literaacuterio uma versatildeo da luta que representa o niacutevel da histoacuteria A presenccedila e o nome divinos para o escritor biacuteblico nunca podem se manifestar em si mesmos mas apenas em virtude da resistecircncia da literatura a eles como possibilidades poeacuteticas latentes nos nomes dos homens (MARKS 1995 p 40-41)

Para finalizar eacute evidente que o nome Israel eacute associado agrave luta ao combate agrave

contenda agrave disputa Tentei evitar ao longo deste estudo chegar a uma definiccedilatildeo

etimoloacutegica para esse nome mesmo porque para o proacuteprio autor o que interessa eacute o

seu significado no contexto como abordei no uacuteltimo capiacutetulo Mas o povo de Israel se

vecirc refletido nesse epocircnimo Subjacente a ele podem estar as seguintes memoacuterias

Aiacute estatildeo mais proacuteximas do campo do pensamento as vitoacuterias de Davi contra os filisteus moabitas edomitas arameus e amonitas de modo muito geral (2Sm 517-25 81-14 10119 11) Aleacutem disso pode-se pensar nas vitoacuterias posteriores de IsraelJudaacute contra os seus inimigos sobretudo na eacutepoca dos Macabeus (1 e 2 Mc) Em ciacuterculo mais amplo ainda a partir de nossa maior distacircncia com referecircncia a essas antigas vitoacuterias deveremos pensar nas sujeiccedilotildees causadas pelas grandes potecircncias de todos os tempos agraves quais de modo geral Israel esteve exposto e entre as quais esteve de fato politicamente triturado sem contudo ser totalmente aniquilado como comunidade nacional e religiosa (KRINETZKI 1984 p 83-84)

De qualquer modo penso que tenha conseguido demonstrar que a etimologia

realizada em nossa periacutecope bem como na maior parte da BH seja de cunho poeacutetico

Aliaacutes um caacutelculo conservador em livros narrativos da BH pode proporcionar-nos

mais de oitenta etimologias expliacutecitas de nomes proacuteprios de pessoas e lugares em sua

maior parte nas quais se oferece uma interpretaccedilatildeo semacircntica baseada em

correspondecircncias foneacuteticas A linguagem expande aquilo que a histoacuteria poderia

limitar Esse seria o risco de nos preocuparmos mais com o contexto histoacuterico do que

literaacuterio por exemplo As narrativas biacuteblicas demonstram que apesar de serem textos

195

compostos e conterem camadas redacionais de diversas eacutepocas tradiccedilotildees e lendas de

tempos mais antigos toques e retoques de diversos autores elas jamais deixam de ser

um texto unitaacuterio como reconhece HARTMAN (1986 p 11) ldquoNa Escritura apesar de

histoacuterias duplicadas e inconsistecircncias haacute uma unidade agraves vezes lacocircnica agraves vezes

prolixa mas sempre imperiosa No combate de Jacoacute essa tensatildeo unificadora alcanccedila

um tom peculiarrdquo Todo o ciclo de Jacoacute assim como a nossa periacutecope demonstra que

natildeo haacute uma expliacutecita e piedosa preocupaccedilatildeo moral na descriccedilatildeo e encenaccedilatildeo

proporcionadas pelas narrativas biacuteblicas A personagem Jacoacute natildeo eacute poupada nem

maquiada nem adaptada ao figurino de um tiacutepico homem temente a Deus com o qual

este possa ter uma estreita e iacutentima relaccedilatildeo Nosso Jacoacute eacute retratado em toda a sua nudez

moral e eacutetica e ateacute o final natildeo perde a sua principal e identificadora caracteriacutestica ser

um persistente suplantador algueacutem que deseja estar agrave frente Por isso ele natildeo teme

tocar e ser tocado por Deus mostrar sua face (seu ldquoeurdquo) e ver a face do totalmente

Outro (Deus) prender e ser libertado

A duplicaccedilatildeo e duplicidade fazem parte da nossa personagem principal Tudo

em sua vida eacute duplo e ambiacuteguo E eacute dessa realidade que ele deve sempre emergir

Portanto estabelece-se uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre personagem e texto o texto eacute

repleto de duplicidades e ambiguidades a fim de espelhar a personagem com estas

mesmas caracteriacutesticas e a personagem se revela melhor justamente atraveacutes dessa

peculiar caracteriacutestica da literatura biacuteblica Haacute portanto como pudemos perceber ao

longo desse estudo uma perfeita cumplicidade entre ambos A palavra o nome estaacute a

serviccedilo da histoacuteria e do texto

196

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Trad Davide Astori Franco Ronchi Brescia Paideia c 40-72 (Original alematildeo)

  • Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • INTRODUCcedilAtildeO
    • CAPIacuteTULO 1
      • 1 O nome proacuteprio
        • 11 O que eacute o nome proacuteprio
        • 12 A que serve o nome proacuteprio
        • 13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10
          • 2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio
            • 21 Semioacutetica
            • 22 Psicanaacutelise
              • 3 O nome proacuteprio na literatura
                • 31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens
                • 32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo
                • 33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo
                • 34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra
                • 35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26
                  • 4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio
                    • 41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas
                    • 42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social
                    • 43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios
                        • CAPIacuteTULO 2
                          • 1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel
                            • 11 Mesopotacircmia
                            • 12 Egito
                            • 13 Greacutecia e Roma
                              • 2 Onomaacutestica biacuteblica
                                • 21 O nome proacuteprio na cultura hebraica
                                • 22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas
                                  • 221 Circunstacircncias particulares do nascimento
                                  • 222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo
                                  • 223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila
                                  • 224 Nomes de animais
                                  • 225 Nomes de plantas
                                  • 226 Nomes teofoacutericos
                                  • 227 Outros fatores determinantes na escolha do nome
                                    • 23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica
                                      • 231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor
                                      • 232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina
                                      • 233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa
                                          • 3 Etiologias biacuteblicas
                                            • CAPIacuteTULO 3
                                              • 1 O texto em si
                                              • 2 Algumas notas de criacutetica textual
                                              • 3 Contextos da periacutecope
                                              • 4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute
                                              • 5 Delimitaccedilatildeo e estrutura
                                                • CAPIacuteTULO 4
                                                  • 1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia
                                                  • 2 Aspectos internos agrave periacutecope
                                                  • 3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute
                                                  • 4 O que significa Israel
                                                    • CONCLUSAtildeO
                                                    • BIBLIOGRAFIA
Page 2: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, … · 2017. 11. 14. · FIGUEIREDO, Telmo José Amaral de. Um nome que faz toda diferença: análise literária de Gênesis 32,23-33.

TELMO JOSEacute AMARAL DE FIGUEIREDO

Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33

VERSAtildeO CORRIGIDA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Judaicos e Aacuterabes do

Departamento de Letras Orientais da Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

Universidade de Satildeo Paulo como parte dos

requisitos para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Letras

Orientador Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio

Satildeo Paulo

2016

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 Tese de Doutorado apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Letras

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Dedico este trabalho primeiramente agrave minha

querida matildee Maria Aparecida Amaral de Figueiredo

por sempre ter-me apoiado e desejado o bem Outra

pessoa fundamental para que eu tivesse obtido

sucesso em meus estudos foi a minha querida tia

Sumie Matai de Figueiredo que me acolheu em sua

proacutepria residecircncia Dedico esse estudo tambeacutem a

uma pessoa que muito me inspirou e incentivou a

intraprender esse caminho refiro-me ao Prof Dr

Carlos Daghlian (in memoriam) E finalmente ao

clero de minha Diocese de Jales (SP) e ao povo de

Deus daquela regiatildeo que sempre acreditou na forccedila

do Bem e do Amor

AGRADECIMENTOS

Ao Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio meu querido orientador que sempre me

motivou vigiou pela minha perseveranccedila e dedicaccedilatildeo a esta tese

Aos meus bispos D Luiz Demeacutetrio Valentini (emeacuterito) e D Joseacute Reginaldo Andrietta

por terem confiado em mim e permitido afastar-me de minhas funccedilotildees na diocese de Jales (SP)

para poder consagrar-me a este estudo

Agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas pela oportunidade de realizaccedilatildeo

desse trabalho de pesquisa que foi fundamental para o meu amadurecimento como professor e

estudioso de literatura biacuteblica

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) que me

concedeu uma valiosa e necessaacuteria bolsa de estudos para que eu pudesse consagrar-me

totalmente aos estudos e pesquisas

Pouco a Leste do Jordatildeo

Registram os Evangelistas

Um Ginasta e um Anjo

Lutaram longa e violentamente ndash

Ateacute que a manhatilde tocou a montanha ndash

E Jacoacute cada vez mais forte

O Anjo pediu permissatildeo

Para o Desjejum ndash e voltar ndash

Assim natildeo disse o astuto Jacoacute

ldquoNatildeo o deixarei ir

A menos que me abenccediloerdquo ndash Estrangeiro

E este aquieceu ndash

A luz volteou os velos de prata

Aleacutem das colinas de ldquoPenielrdquo

E o aturdido Ginasta

Descobriu que derrotara a Deus

(DICKINSON Emily sd)

(Trad Carlos Daghlian)

RESUMO

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2016

Esta tese tem por objetivo analisar a periacutecope de Gecircnesis 3223-33 que constitui um dos

elementos estruturantes do conhecido ldquociclo de Jacoacuterdquo que integra a histoacuteria dos patriarcas de

Israel na Biacuteblia Hebraica Jacoacute eacute tomado como um dos principais ancestrais do povo judeu natildeo

obstante sua tradiccedilatildeo em alguns periacuteodos da histoacuteria ter ficado em plano inferior agravequela de

Moiseacutes por exemplo Em Jacoacute convergem as esperanccedilas de uma parte da naccedilatildeo que natildeo se vecirc

contemplada pela religiatildeo oficial que administra um culto a YHWH distante da realidade vivida

pelas famiacutelias tribais que habitam no interior em pequenos vilarejos e no campo O nome dado

a Jacoacute em meio a uma luta eacute significativo e revelador Afinal ele natildeo eacute nem de longe a figura

perfeita ideal que as tradiccedilotildees religiosas dominantes exigiam para algueacutem ser considerado um

ldquoverdadeiro israelitardquo temente ao Senhor Sua lideranccedila e dignidade chegam mesmo a ser

questionadas pelo profetismo Natildeo obstante tudo isso eacute sua pessoa que encarnaraacute atraveacutes de

um nome recebido do proacuteprio ser divino os destinos de Israel Personagem e indiviacuteduo se

mesclam propositalmente no epocircnimo ldquoIsraelrdquo a fim de revelar a verdadeira vocaccedilatildeo daquele

povo

Palavras-chave Jacoacute Israel Mudanccedila de nome Onomaacutestica biacuteblica

ABSTRACT

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de A name that makes all the difference literary

analysis of Genesis 32 23-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras

e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

This thesis aims to analyze the pericope of Genesis 3223-33 which constitutes one of the

structuring elements of the well-known Jacob cycle that integrates the history of the patriarchs

of Israel in the Hebrew Bible Jacob is taken as one of the chief ancestors of the Jewish people

in spite of his tradition at some periods in history to have remained lower than that of Moses

for example In Jacob converge the hopes of a part of the nation that is not seen contemplated

by the official religion that administers a cult to YHWH far from the reality lived by the tribal

families that inhabit in the countryside in small villages and in the field The name given to

Jacob in the midst of a struggle is significant and revealing After all he is by no means the

perfect ideal figure that prevailing religious traditions demanded for someone to be considered

a true Israelite who feared the Lord His leadership and dignity even come to be questioned

by prophetism Notwithstanding all this it is his person who incarnates through a name

received from his own divine being the destinies of Israel Character and individual deliberately

merge into the eponymous Israel in order to reveal the true vocation of that people

Keywords Jacob Israel Name change Biblical Onomastics

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEC Antes da Era Comum = aC

BH Biacuteblia Hebraica

BJ Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia)

c Coluna

Cf cf Confira conferir

EC Era Comum = dC

Ed

gr

Editor Editado por

grego

heb Hebraico

n Nota de rodapeacute

Org Organizado por Organizador Organizaccedilatildeo

p Paacutegina

p ex Por exemplo

seacutec Seacuteculo

Trad trad

t

Traduccedilatildeo ou tradutor

Tomo

v Versiacuteculo (da Biacuteblia) ou Volume (nas citaccedilotildees bibliograacuteficas)

vv Versiacuteculos (da Biacuteblia)

LISTA DE ABREVIATURAS DOS LIVROS BIacuteBLICOS1

Ab Abdias

Ag Ageu

Am Amoacutes

Ap Apocalipse

At Atos dos Apoacutestolos

Br Baruc

Cl Colossenses

1Cor 1ordf Coriacutentios

2Cor 2ordf Coriacutentios

1Cr 1ordm Crocircnicas

2Cr 2ordm Crocircnicas

Ct Cacircntico dos Cacircnticos

Dn Daniel

Dt Deuteronocircmio

Ecl Eclesiastes = Qoheacutelet

Eclo Eclesiaacutestico

Ef Efeacutesios

Esd Esdras

Est Ester

Ex Ecircxodo

Ez Ezequiel

Fl Filipenses

Fm Filecircmon

Gl Gaacutelatas

Gn Gecircnesis

Hab Habacuc

Hb Hebreus

Is Isaiacuteas

Jd Judas

Jl Joel

Jn Jonas

Joacute Joacute

Jo Evangelho segundo Joatildeo

1Jo 1ordf Joatildeo

2Jo 2ordf Joatildeo

3Jo 3ordf Joatildeo

Jr Jeremias

Js Josueacute

Jt Judite

Jz Juiacutezes

Lc Lucas

Lm Lamentaccedilotildees

1 As abreviaccedilotildees seguem o sistema proposto pela Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia) que eacute um dos mais

empregados em estudos biacuteblicos A disposiccedilatildeo segue a ordem alfabeacutetica para facilitar a busca

Lv Leviacutetico

Mc Evangelho segundo Marcos

1Mc 1ordm Macabeus

2Mc 2ordm Macabeus

Ml Malaquias

Mq Miqueias

Mt Evangelho segundo Mateus

Na Naum

Ne Neemias

Nm Nuacutemeros

Os Oseias

1Pd 1ordf Pedro

2Pd 2ordf Pedro

Pr Proveacuterbios

Rm Romanos

1Rs 1ordm Reis

2Rs 2ordm Reis

Rt Rute

Sb Sabedoria

Sf Sofonias

Sl Salmos

1Sm 1ordm Samuel

2Sm 2ordm Samuel

Tb Tobias

Tg Tiago

1Tm 1ordf Timoacuteteo

2Tm 2ordf Timoacuteteo

1Ts 1ordf Tessalonicenses

2Ts 2ordf Tessalonicenses

Tt Tito

Zc Zacarias

TRANSLITERACcedilAtildeO DOS CARACTERES HEBRAICOS2

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a acutealef acute

b becirct (sem daguesh)3 b

B becirct (com daguesh) B

g guimel (sem daguesh) g

G guimel (com daguesh) G

d dalet (sem daguesh) d

D dalet (com daguesh) D

h hecirc h

w waw w

z zayin z

x Het H

j daggeret dagger

y yod y

k $ (forma final) kaf (sem daguesh) k

K kaf (com daguesh) K

l lamed l

m ~ (forma final) mem m

n (forma final) nun n

s samekh s

[ `ayin `

p pecirc (sem daguesh) p

P (forma final) pecirc (com daguesh) P

2 O esquema de transliteraccedilatildeo e banco de dados foi desenvolvido por Matthew Anstey para uso em BibleWorks

Este banco de dados baseou-se na base de dados eletrocircnica CCAT Michigan-Claremont-Westminster Ela foi usada

livremente com a permissatildeo da Sociedade Biacuteblica Alematilde O BibleWorks eacute um programa (software) para exegese

biacuteblica e pesquisas neste campo Eacute um produto da BibleWorks LLC de Norfolk (VA) nos Estados Unidos da

Ameacuterica 3 Os massoretas empregavam um ponto ou pequeno sinal dentro de letra denominado daguesh para indicar a)

que a consoante em questatildeo pode ser geminada (duplicada) neste caso o daguesh eacute forte b) no caso das letras

ambiacuteguas do grupo t p k d g b aquela com o ponto eacute a oclusiva (chamado de daguesh lene) a que carece de

ponto eacute a fricativa c) que um h final natildeo deve ser considerado como vogal mas como consoante com significado

morfoloacutegico (esse tipo de hecirc final eacute denominado de mappicircq (cf LAMBDIN 2003 p 28-29)

C (forma final) tsadecirc c

q qof q

r resh r

f sin S

v shin š

t taw (sem daguesh) t

T taw (com daguesh) T

Letras

(vogais e semivogais)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a shewaacute (audiacutevel) uuml

a shewaacute (mudo)

a pataH a

x pataH furtivo4 ordf

agt Hadaggeref-pataH aacute

a qamets auml

h qamets com final vocaacutelico

(ou qamets hecirc) acirc

a segol e

h segol com final vocaacutelico

(ou segol hecirc) egrave

y lt segol formando ditongo

(segol yod) Ecirc

a Hadaggeref-segol eacute

ae tserecirc euml

y E tserecirc yod (ditongo) ecirc

h E tserecirc com final vocaacutelico

(tserecirc hecirc) Euml

ai hiriq breve i

ai hiriq longa igrave

yai hiriq yod (ou hiriq Male =

completo) icirc

a qamets Hadaggeruf5 o

a Hadaggeref-qamets oacute

4 A transliteraccedilatildeo ocorre acima da linha diferenciando da vogal pataH 5 Pode haver uma confusatildeo quando se lecirc um texto hebraico natildeo transliterado porque ambas vogais qamets e

qamets Hadaggeruf satildeo morfologicamente iguais A regra geral indica que se lecirc ldquoordquo portanto qamets Hadaggeruf em uma

siacutelaba fechada e natildeo acentuada Uma siacutelaba fechada normalmente termina em shewaacute p ex yrImv (lecirc-se šomricirc)

Em algumas partes onde pode haver confusatildeo usa-se o meacuteteg um traccedilo vertical curto colocado debaixo de uma

consoante e agrave esquerda do sinal vocaacutelico se houver Quando haacute o meacuteteg entatildeo se lecirc com ldquoardquo

ao Holem ouml

hao Holem hecirc ograve

wO Holem waw ocirc

au qibbuts breve u

au qibbuts longo ugrave

W shureq ucirc

Outros

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

X (sem pontuaccedilatildeo ndash caso raro

p ex Gn 3018)

sin shin J

| meacuteteg6 Acento indicando siacutelaba

tocircnica acute

6 Cf a nota anterior

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

1 A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA 06

1 O NOME PROacutePRIO 06

11 O que eacute o nome proacuteprio 10

12 A que serve o nome proacuteprio 13

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio 15

2 DIFERENTES ABORDAGENS DO NOME PROacutePRIO 18

21 Semioacutetica 18

22 Psicanaacutelise 24

3 O NOME PROacutePRIO NA LITERATURA 25

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens 26

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo 26

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo 26

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra 26

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas 29

4 UMA ANAacuteLISE ANTROPOLOacuteGICA DO NOME PROacutePRIO 40

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas 41

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social 45

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios 46

2 NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA 51

1 O NOME PROacutePRIO EM CIVILIZACcedilOtildeES CONTEMPORAcircNEAS A ISRAEL 51

11 Mesopotacircmia 51

12 Egito 60

13 Greacutecia e Roma 63

2 ONOMAacuteSTICA BIacuteBLICA 65

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica 65

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas 70

221 Circunstacircncias particulares do nascimento 70

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo 71

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila 72

224 Nomes de animais 72

225 Nomes de plantas 73

226 Nomes teofoacutericos 73

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome 79

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica 80

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor 80

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina 81

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa 82

3 ETIOLOGIAS BIacuteBLICAS 83

3 GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE 87

1 O TEXTO EM SI 87

2 ALGUMAS NOTAS DE CRIacuteTICA TEXTUAL 88

3 CONTEXTOS DA PERIacuteCOPE 91

4 A FORMACcedilAtildeO DO PENTATEUCO E O CICLO DA HISTOacuteRIA DE JACOacute 101

5 DELIMITACcedilAtildeO E ESTRUTURA 124

4 MUDAR DE NOME PARA QUEcirc 132

1 PARALELISMOS INTERNOS Agrave BIacuteBLIA 132

2 ASPECTOS INTERNOS Agrave PERIacuteCOPE 138

3 COMO FOI INTERPRETADA A MUDANCcedilA DE NOME DE JACOacute 142

4 O QUE SIGNIFICA ISRAEL 150

CONCLUSAtildeO 189

BIBLIOGRAFIA 196

1

INTRODUCcedilAtildeO

A Biacuteblia Hebraica (doravante BH) eacute literatura enquanto possuidora dos traccedilos

caracteriacutesticos de toda obra literaacuteria pois ela eacute ldquoo resultado de uma criaccedilatildeo por parte

de seu autor e na intenccedilatildeo deste estaacute destinada a durar eacute desinteressada quer dizer

de eficaacutecia natildeo praacutetica (embora possa haver uma de outro tipo educaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo

do sentido esteacutetico difusatildeo de ideias e experiecircncias etc) eacute de natureza esteacutetica quer

dizer um de seus objetivos fundamentais eacute proporcionar ao destinataacuterio prazeres de

tipo espiritualrdquo (TOSAUS ABADIacuteA 2000 p 18-19 grifos nossos)

Entre noacutes aqui no Brasil ainda satildeo poucos os estudiosos que se dedicam a esse

tipo de abordagem da BH como verdadeira literatura Inclusive satildeo pouquiacutessimas as

faculdades de letras que possuem departamentos especiacuteficos para esse tipo de

literatura ou que permitem e possuem mestres capacitados para tal tarefa Como

reconhece ALTER (1998 p 12)

A ausecircncia geral deste discurso criacutetico sobre a Biacuteblia Hebraica eacute mais desconcertante ainda quando nos lembramos de que as obras-primas da Antiguidade grega e latina usufruiacuteam nas deacutecadas recentes de uma anaacutelise criacutetica abundante e perspicaz de modo que aprendemos a perceber sutilezas da forma liacuterica tanto em Teoacutecrito quanto em Marvell complexidade e estrateacutegia narrativa tanto em Homero ou Virgiacutelio quanto em Flaubert

O motivo para tal eacute que ldquoa Biacuteblia foi considerada durante muitos seacuteculos tanto

por cristatildeos quanto por judeus a fonte unitaacuteria e primaacuteria da verdade de revelaccedilatildeo

divinardquo (ALTER 1998 p 16) Contudo a Biacuteblia natildeo perde em nada com esse tipo de

anaacutelise criacutetica antes ldquo[] a visatildeo religiosa da Biacuteblia ganha profundidade e sutileza

exatamente pelo fato de ser transmitida atraveacutes dos meios mais sofisticados da prosa

ficcionalrdquo (ALTER 1998 p 22)

Ao servir-me da anaacutelise narrativa para estudar Gn 3223-33 que trata da

mudanccedila de nome de um dos principais patriarcas de Israel como resultado de um

inusitado encontro noturno que Jacoacute vivencia pretendo aplicar esse discurso criacutetico

2

Este personagem denominado Israel ndash seu novo nome ndash eacute o antecessor epocircnimo que

fornece motivos de identificaccedilatildeo para o seu proacuteprio povo

Pois bem o ldquomodo de narrar natildeo eacute indiferente ao sentido que se produz e ao

seu efeitordquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7) Aliaacutes a anaacutelise narrativa leva em

consideraccedilatildeo a distinccedilatildeo que se deve fazer entre histoacuteria narrada de uma parte e a

narraccedilatildeo de outra Aqui por narraccedilatildeo entende-se a narraccedilatildeo concreta que eacute feita dessa

histoacuteria O narrador a ldquovozrdquo do texto tem aqui um papel fundamental Portanto a

narrativa eacute o ldquoveiacuteculo de uma comunicaccedilatildeo entre um emissor (o narrador) e um

receptor (o leitor) e um dos objetivos principais da leitura eacute estudar a lsquoestrateacutegia

narrativarsquo isto eacute as modalidades concretas de que o narrador faz uso na narrativa para

se comunicar com o destinataacuterio e apresentar-lhe seu mundo de valores e suas

convicccedilotildeesrdquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7)

Este estudo se dedicaraacute justamente a essa tarefa ou seja levantar

concretamente na narrativa de Gecircnesis 3223-33 os elementos que foram utilizados na

construccedilatildeo literaacuteria desse texto em vista de identificar sua intenccedilatildeo uacuteltima e suas

consequecircncias para a interpretaccedilatildeo do mesmo A anaacutelise de textos do Gecircnesis sob o

ponto de vista da narratologia permitiraacute trabalhar os elementos histoacutericos e culturais

especiacuteficos que resultaratildeo desse levantamento Seraacute muito uacutetil nesse ponto o

confronto com a histoacuteria e literatura de Israel e dos povos vizinhos bem como com os

aspectos culturais da eacutepoca Dever-se-aacute estabelecer entatildeo um diaacutelogo multidisciplinar

a fim de permitir a descoberta daquilo que eacute especiacutefico no pensamento hebraico e

constitui a elaboraccedilatildeo proacutepria de sua identidade cultural expressa no texto em anaacutelise

Para concretizarmos o objetivo de ldquolevantar o veacuteurdquo que recobre um nome tatildeo

fundamental na literatura cultura e histoacuteria biacuteblica como eacute ldquoYiSraumlacuteeumllrdquo procederemos

da seguinte forma

No primeiro capiacutetulo nos dedicaremos a identificar e esclarecer o que se

entende por nome proacuteprio qual eacute a sua finalidade nas liacutenguas e culturas Passearemos

brevemente pela semioacutetica e psicanaacutelise que nos podem ajudar um pouco na

elucidaccedilatildeo dessa funccedilatildeo presente em todas as culturas e etnias Em seguida seraacute o

momento de nos focarmos mais no uso que a literatura faz de nomes proacuteprios pessoais

Poderemos constatar a incriacutevel variedade de tarefas a eles atribuiacutedas revelando a

3

qualidade das personagens indicando o local onde transcorre a accedilatildeo sugerindo o

tempo da accedilatildeo exercendo um papel na estrutura da obra literaacuteria e por uacuteltimo

servindo para associaccedilotildees sinesteacutesicas que produzem um efeito especial na obra

Fechando o capiacutetulo nos dedicaremos agrave anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

interrogando-nos sobre as funccedilotildees dos nomes de pessoas o nome proacuteprio como um

coacutedigo social e a simbologia dos nomes proacuteprios

O segundo capiacutetulo seraacute consagrado a estudar como os nomes proacuteprios satildeo

utilizados no Oriente Meacutedio Antigo e na proacutepria BH Comeccedilaremos abordando as

civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel ou seja a Mesopotacircmia o Egito a Greacutecia e Roma

Em seguida entraremos no universo da cultura biacuteblica tratando de como as

circunstacircncias determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas na cultura hebraica e analisando

cada uma delas Um item seraacute dedicado agrave questatildeo da mudanccedila de nomes na BH uma

vez que este eacute o tema central deste nosso estudo Concluindo o capiacutetulo exploraremos

algo sobre as etiologias biacuteblicas ou seja as glosas que satildeo incluiacutedas nos textos a fim de

fornecer uma explicaccedilatildeo para um determinado nome de pessoa ou local

Com o terceiro capiacutetulo iniciamos a abordagem propriamente dita de nossa

periacutecope (Gn 3223-33) Primeiramente nos deparando com o texto hebraico completo

da mesma seguido por algumas notas e observaccedilotildees de criacutetica textual que procura

identificar possiacuteveis problemas presentes nos manuscritos biacuteblicos que serviram como

base para o estabelecimento do texto hebraico que possuiacutemos atualmente em nossas

matildeos Apoacutes essa anaacutelise mais teacutecnica partimos para contextualizar a nossa periacutecope

o que eacute fundamental quando se trata de um texto literaacuterio inserido em meio a uma

obra completa e nesta inserido em um determinado bloco literaacuterio que neste caso eacute

o denominado ciclo de Jacoacute Pensei que se fizesse necessaacuterio abordar nem que fosse

de modo resumido o processo de formaccedilatildeo do PentateucoToraacute e no interior deste a

evoluccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Afinal a formaccedilatildeo do Pentateuco determinou o modo como

as unidades literaacuterias foram dispostas em seu interior e a articulaccedilatildeo delas entre si

Finalmente o capiacutetulo chega ao seu final com a delimitaccedilatildeo da periacutecope agora o nosso

olhar comeccedila a tornar-se cada vez mais focado em Gn 3223-33 e um estudo sobre a

sua estrutura

4

O quarto e uacuteltimo capiacutetulo de nosso estudo eacute totalmente consagrado ao

fenocircmeno da mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel Para isso parte-se de paralelismos

com os quais a nossa periacutecope se defronta na BH Em seguida faz-se uma anaacutelise mais

detalhada de cada elemento que compotildee a periacutecope para na sequecircncia abordarmos

como se deu a interpretaccedilatildeo da mudanccedila de nome de Jacoacute na literatura biacuteblica rabiacutenica

e por parte dos pesquisadores modernos Entatildeo chegamos por fim agrave anaacutelise que

concentra o nuacutecleo deste nosso estudo o significado de ldquoIsraelrdquo

Gostaria de chamar a atenccedilatildeo para algumas particularidades metodoloacutegicas que

adotei na composiccedilatildeo deste estudo

Primeiramente a traduccedilatildeo dos textos biacuteblicos citados eacute tomada da Biacuteblia de

Jerusaleacutem a natildeo ser quando indicado diversamente Os textos mais diretamente

relacionados agrave periacutecope que eacute o objeto central da pesquisa foram sempre traduzidos

por mim mesmo Enquanto que para os demais textos servi-me da mencionada versatildeo

biacuteblica em portuguecircs ou de alguma outra mais literal a qual vem tambeacutem indicada

Por uma questatildeo de uniformizaccedilatildeo e praticidade adotei os nomes proacuteprios de

pessoas localidades e povoaccedilotildees empregados pela mesma Biacuteblia de Jerusaleacutem

Obviamente esses nomes diferem algumas vezes em muito do termo original

hebraico Por esse motivo quando o nome mencionado requer uma proximidade com

o original hebraico o mesmo eacute mencionado em parecircntesis

As citaccedilotildees diretas do hebraico satildeo feitas em duas formas usando os caracteres

aramaicos quadrados como estamos habituados a encontrar nas ediccedilotildees da BH e nas

obras afins ou entatildeo a transliteraccedilatildeo do texto hebraico seguindo um dos sistemas mais

aceitos e utilizados internacionalmente que estaacute explicado no item ldquoTransliteraccedilatildeo dos

Caracteres Hebraicosrdquo que se encontra antes desta introduccedilatildeo Devido a uma questatildeo

de acessibilidade a um maior puacuteblico preferi empregar mais o texto hebraico

transliterado

Na bibliografia preferi seguir o meacutetodo de citar o nome dos autores o mais

completo possiacutevel Afinal eacute uma forma de tornar mais conhecidos e acessiacuteveis os

estudiosos neste campo de pesquisa Sem falar que diferentemente da Europa e dos

Estados Unidos da Ameacuterica em nosso paiacutes as pessoas satildeo tratadas mais comumente

pelo nome e natildeo pelo(s) sobrenome(s)

5

Antes de concluir esta breve introduccedilatildeo penso ser oportuno fazer recurso a um

providencial poema que em muito auxilia-nos a antecipar o fruto essencial deste

nosso estudo

Refiro-me a um poema de Nelly Sachs escritora judia radicada na Sueacutecia

nascida em Berlim na Alemanha aos 10 de dezembro de 1891 e falecida em Estocolmo

Sueacutecia aos 12 de maio de 1970 ldquoAs suas experiecircncias resultantes da ascensatildeo do

nazismo na Segunda Guerra Mundial na Europa transformam-na em porta-voz

pungente para a tristeza e anseios de seus companheiros judeusrdquo (NELLY SACHS

2016) Aleacutem eacute claro de tecirc-la forccedilado a emigrar para a Sueacutecia onde foi acolhida e

constituiu uma forte amizade com a afamada escritora Selma Lagerloumlf Recebeu o

Nobel de Literatura de 1966 juntamente com Shmuel Yosef Agnon

JACOB Nelly Sachs1 Oacute ISRAEL fruto primeiro na luta auroral onde todo o parto estaacute escrito com sangue no crepuacutesculo Oh a faca afiada do grito do galo cravada no coraccedilatildeo da humanidade Oh a ferida entre noite e dia que eacute a nossa morada Preacute-lutador na carne pueacuterpera dos astros no luto da ronda nocturna donde chora um canto de paacutessaro Oacute Israel que finalmente pariste pra a bem-aventuranccedila ndash graccedila gotejante de orvalho matutino sobre a tua cabeccedila ndash Mais bem-aventurado pra noacutes vendidos pra o esquecimento gemendo nos bancos de gelo da morte e ressurreiccedilatildeo e pelo anjo pesado sobre noacutes torcidos pra Deus como tu

1 Da obra SACHS Nelly Poemas de Nelly Sachs Trad Paulo Quintela Lisboa Portugaacutelia Editora 1967

6

CAPIacuteTULO 1

A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA

1 O nome proacuteprio

Quando Shakespeare afirmou que ldquouma rosa com qualquer outro nome

cheiraria como o docerdquo (Romeu e Julieta IIii43) natildeo estava expressando certamente

uma ideia que tivesse qualquer fundamento no mundo biacuteblico ndash ou mesmo em

qualquer outro lugar do Oriente Meacutedio Antigo (cf BOHMBACH 2000 p 944)

No mundo antigo geralmente um nome natildeo eacute uma mera colocaccedilatildeo

convencional de sons pela qual uma pessoa lugar ou coisa possa ser identificado mais

apropriadamente um nome expressa ldquouma das propriedades distintivas ou recorda

o estado de acircnimo dos pais por ocasiatildeo do nascimento da crianccedila ou acontecimentos

poliacuteticos importantes na eacutepoca do nascimento ou como nome pessoal teofoacuterico faz

uma afirmaccedilatildeo sobre Deusrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1176)

Por isso conhecer o nome capacita para a comunicaccedilatildeo pois se sabendo o

nome de algueacutem ou de um deus podia-se invocaacute-lo chamar a sua atenccedilatildeo fazecirc-lo vir

ateacute o enunciador do seu nome enfim ldquocitaacute-lordquo Nesse sentido conhecer o nome de

algueacutem significa ateacute certo ponto um poder sobre a pessoa conhecida Isto aparece

definido de modo magistral por Martin Buber

O nome ldquoverdadeirordquo de uma pessoa [] eacute a essecircncia da pessoa destilada por assim dizer de sua realidade desse modo ela se encontra por assim dizer novamente presente nesse nome E mais importante ela aiacute se encontra presente sob tal forma que qualquer um conhecendo o nome verdadeiro e sabendo pronunciaacute-lo da maneira prescrita possa apoderar-se desta pessoa A pessoa por si mesma eacute inacessiacutevel ela opotildee uma resistecircncia No nome ela torna-se acessiacutevel o enunciador dispotildee dela (BUBER 1957 p 58-59)

Antes de adentrar propriamente no estudo do texto da Biacuteblia Hebraica (Gn

3223-33) objeto principal desta tese seraacute conveniente aprofundar um pouco mais o

7

significado e funccedilatildeo que o nome proacuteprio desempenha na obra literaacuteria tanto biacuteblica

como extrabiacuteblica

Essa anaacutelise se faz ainda mais oportuna quando se leva em conta que a teoria

mais em voga defende que o nome proacuteprio seja um simples iacutendice ou seja uma espeacutecie

de etiqueta que designaria algo sem significar2 Em semioacutetica eacute o mesmo que admitir

que o nome proacuteprio natildeo seria um signo O nome proacuteprio se refere a seu referente sem

atribuir qualquer informaccedilatildeo adicional conotativa ou de sentido sobre ele

As principais teorias da filosofia da linguagem fundamentadas sobre a loacutegica

acerca do nome proacuteprio gravitam ao redor da questatildeo se nomes proacuteprios satildeo mera

referecircncia ou se possuem alguma identidade com o seus referentes A grosso modo

pode-se agrupar essas teorias em 3

a) Teoria de John Stuart Mill (1806-1873) este filoacutesofo britacircnico distingue entre

sentido conotativo e denotativo e argumenta que os nomes proacuteprios natildeo incluem

nenhum outro conteuacutedo semacircntico a uma proposiccedilatildeo que indica o referente do nome

e satildeo puramente denotativos O processo atraveacutes do qual algo se torna um nome

proacuteprio eacute a gradual perda da conotaccedilatildeo para a pura denotaccedilatildeo Como eacute o caso do

processo que transformou as proposiccedilotildees descritivas ldquolong islandrdquo (ilha longa) no

nome proacuteprio Long Island uma ilha da costa do estado de Nova York

b) Teoria baseada no sentido de nomes Gottlob Frege matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

alematildeo (1848-1925) argumenta que se deve distinguir entre o sentido (Sinn) e a

referecircncia do nome Ele tambeacutem defende que nomes diferentes para a mesma entidade

podem identificar o mesmo referente sem serem formalmente sinocircnimos Eacute citado o

2 Entre os principais defensores dessa posiccedilatildeo temos 1ordm) MILL John Stuart A System of Logic Ratiocinative and Inductive Being a Connected View of the Principles of Evidence and the Methods of Scientific Investigation London John W Parker 1843 2 v Disponiacutevel em lthttpsbooksgooglecombrbooksid=y4MEAAAAQAAJamppg=PR9amphl=pt-BRampsource=gbs_selected_pagesampcad=2v=onepageampqampf=falsegt Acesso em 30 jul 2015 (especialmente no vol 1 Book I Of Names and Propositions) 2ordm) BROslashNDAL Viggo Essais de linguistique geacuteneacuterale Copenhague Ejnar Munksgaard 1943 3ordm) PEIRCE Charles Sanders The Collected Papers of Charles Sanders Peirce Volumes 1-6 edited by Charles Hartshorne and Paul Weiss volumes 7-8 edited by A W Burks Cambridge (MA) Belknap Press of Harvard University Press 1931-1935 Disponiacutevel em lthttpwwwtextlogdepeirce_principleshtmlgt Acesso em 30 jul 2015 4ordm) RUSSEL Bertrand Knowledge by Acquaintance and Knowledge by Description Proceedings of the Aristotelian Society London Edinburgh Williams and Norgate n 11 p 108ndash28 1911 IDEM The Philosophy of Logical Atomism In MARSH R (Ed) Logic and Knowledge New York Capricorn 1956 p 177ndash281 3 Cf CUMMING 2013 e PROPER NAME (PHILOSOPHY) 2015 Para uma visatildeo mais exaustiva e detalhada consultar LANGENDONCK 2007 p 20-38

8

seguinte exemplo embora a estrela da manhatilde e a estrela da tarde sejam o mesmo objeto

astronocircmico a proposiccedilatildeo ldquoa estrela da manhatilde eacute a estrela da noiterdquo natildeo eacute uma

tautologia mas fornece informaccedilotildees reais para algueacutem que natildeo sabia disso Assim

para Frege os dois nomes para o objeto devem ter um sentido diferente

c) Teoria descritiva dos nomes proacuteprios essa teoria eacute a visatildeo de que o significado de

um determinado uso de um nome proacuteprio eacute um conjunto de propriedades que pode

ser expresso como uma descriccedilatildeo que escolhe um objeto que satisfaccedila a descriccedilatildeo

Quem adotou esse ponto de vista foi Bertrand Russell (matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

do Reino Unido 1872-1970) o qual alega que o nome se refere a uma descriccedilatildeo e essa

descriccedilatildeo como uma definiccedilatildeo escolhe o portador do nome A descriccedilatildeo entatildeo

funciona como uma abreviaccedilatildeo ou uma forma truncada da descriccedilatildeo John Searle

filoacutesofo da linguagem norte-americano elaborou a teoria de Russell sugerindo que o

nome proacuteprio se refere a um conjunto de proposiccedilotildees que em combinaccedilatildeo escolhe um

referencial uacutenico Isso foi feito para lidar com a objeccedilatildeo por alguns criacuteticos da teoria de

Russell de que uma teoria descritiva do significado faria o referente de um nome

depender do conhecimento de que a pessoa ao dizer o nome tem sobre o referente

Em 1973 Tyler Burge outro filoacutesofo norte-americano propocircs uma teoria descritiva

metalinguiacutestica de nomes proacuteprios que sustenta que os nomes tecircm o significado que

corresponde agrave descriccedilatildeo das entidades individuais a quem o nome eacute aplicado

d) Teoria causal dos nomes a teoria histoacuterico-causal teve origem com a obra Naming

and Necessity (Boston Basil Blackwell 1980) de Saul Kripke Ela eacute edificada sobre a

obra dentre outros de Keith Donnellan que combina a visatildeo referencial com a ideia

que o referente do nome eacute fixado por um ato batismal apoacutes o que o nome se torna um

designador riacutegido do referente Kripke natildeo enfatiza tanto a causalidade mas sim a

relaccedilatildeo histoacuterica entre o evento de nomeaccedilatildeo e a comunidade de falantes dentro da

qual o nome circula mas apesar disso essa teoria eacute muitas vezes chamada de ldquouma

teoria causal da nomeaccedilatildeordquo A teoria de nomeaccedilatildeo pragmaacutetica de Charles Sanders

Peirce (1839-1914) agraves vezes eacute considerada uma precursora da teoria de nomeaccedilatildeo

histoacuterico-causal Ele descreveu os nomes proacuteprios nos seguintes termos

Um nome proacuteprio quando se encontra com ele pela primeira vez eacute existencialmente conectado com alguma percepccedilatildeo ou outro conhecimento individual equivalente do indiviacuteduo que ele nomeia Ele eacute entatildeo e soacute entatildeo

9

um Index [Iacutendice] genuiacuteno A proacutexima vez que se encontra com ele considera-se como um Iacutecone desse Iacutendice A familiaridade habitual com ele tendo sido adquirida torna-se um siacutembolo cuja Interpretante representa-o como um iacutecone de um iacutendice do indiviacuteduo chamado (PROPER NAME [PHILOSOPHY] 2015 p 35)

Aqui ele observa que o evento de batismo tem lugar para cada pessoa quando

um nome proacuteprio eacute o primeiro relacionado com um referente (por exemplo apontando

e dizendo ldquoeste eacute Joatildeordquo estabelecendo uma relaccedilatildeo indicial entre o nome e a pessoa)

que eacute doravante considerado ser um convencional (ldquosimboacutelicordquo em termos peirceanos)

em relaccedilatildeo ao referente

e) Teorias de referecircncia direta rejeitando as bases das teorias descritiva e histoacuterico-

causal as teorias da referecircncia direta sustentam que nomes juntamente com

demonstrativos satildeo uma classe de palavras que se referem diretamente ao seu

referente Como exemplo pode-se citar Ludwig Wittgenstein que em seu Tractatus

Logico-Philosophicus (1921) defende uma posiccedilatildeo de referecircncia direta argumentando

que nomes se referem diretamente a um particular e que este referente eacute seu uacutenico

significado A visatildeo mais tardia de Wittgenstein foi comparada com aquela do proacuteprio

Kripke que reconhece nomes proacuteprios como decorrentes de uma convenccedilatildeo social e

princiacutepios pragmaacuteticos de compreensatildeo dos outros enunciados A teoria da referecircncia

direta eacute similar agravequela de Mill enquanto propotildee que o uacutenico significado de um nome

proacuteprio eacute o seu referente O filoacutesofo e loacutegico norte-americano David Kaplan (1979 p

81-98) faz uma distinccedilatildeo entre termos fregeanos e natildeo-fregeanos isto eacute referentes agrave

teoria de Gottlob Frege Os primeiros que possuem sentido e referecircncia e os uacuteltimos

natildeo-fregeanos que incluem nomes proacuteprios e tecircm somente referecircncia

f) Filosofia continental4 fora da tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica poucos filoacutesofos

chamados continentais abordaram o nome proacuteprio como uma questatildeo filosoacutefica Em

4 Filosofia continental eacute uma expressatildeo criada originalmente pelos filoacutesofos analiacuteticos angloacutefonos principalmente estadunidenses e britacircnicos para descrever vaacuterias tradiccedilotildees filosoacuteficas procedentes da Europa continental principalmente da Alemanha e da Franccedila A expressatildeo compreende de maneira bastante vaga a fenomenologia de Edmund Husserl ou Maurice Merleau-Ponty a ontologia fundamental de Martin Heidegger a psicanaacutelise de Sigmund Freud ou Jacques Lacan o existencialismo de Jean-Paul Sartre diversas correntes do marxismo o estruturalismo em ciecircncias humanas inspirado por Claude Leacutevi-Strauss ou Michel Foucault a semiologia de Algirdas Julien Greimas ou Roland Barthes a hermenecircutica de Hans-Georg Gadamer ou Paul Ricoeur a desconstruccedilatildeo de Jacques Derrida a teoria criacutetica da Escola de Frankfurt O termo eacute utilizado sobretudo para descrever uma atividade filosoacutefica por contraste com a filosofia analiacutetica Eacute mais popular nas ciecircncias sociais esteacutetica estudos culturais e filosofia do cinema do que nas ditas ciecircncias duras (FILOSOFIA CONTINENTAL 2014)

10

De la grammatologie (1967) Jacques Derrida refuta especificamente a ideia que nomes

proacuteprios situam-se fora da construccedilatildeo social da linguagem como uma relaccedilatildeo binaacuteria

entre referente e signo Ao contraacuterio ele argumenta que os nomes proacuteprios como

todas as palavras estatildeo envolvidos em um contexto de diferenccedilas sociais espaciais e

temporais que os tornam significativos Ele tambeacutem observa que haacute elementos

subjetivos de significado em nomes proacuteprios uma vez que eles conectam o portador

de um nome com o signo da sua proacutepria identidade

Vamos a partir de agora tornar mais claro o aspecto do nome proacuteprio que iraacute

nos interessar em nossa pesquisa

11 O que eacute o nome proacuteprio

Eacute praticamente consensual que a primeira funccedilatildeo do nome proacuteprio eacute de

identificaccedilatildeo Seria como se diz em inglecircs um identity marker o representante mais

importante de uma pessoa Desse modo uma pessoa e seu nome satildeo uma soacute realidade

(cf NEUMANN 2011 p 324)

O termo ldquonome proacutepriordquo chegou-nos atraveacutes dos gregos Eles empregavam a

expressatildeo onoma kurion que foi traduzida em latim por nomen proprium e significava

ldquonome autecircnticordquo ou um nome mais autecircntico que outros Diferenciava-se onoma

kurion de proshgoria ou ldquodenominaccedilatildeordquo que era um termo utilizado para descrever

um ldquonome geneacutericordquo ou ldquocomumrdquo (cf GARDINER 2010 p 36)

O vocaacutebulo grego kurion era assimilado a nomes empregados de maneira

individual ou seja que qualificam seres individuais

Eacute importante constatar que o termo ldquonomerdquo eacute mais antigo que ldquopalavrardquo

Segundo o filoacutelogo GARDINER ldquoeacute inconcebiacutevel que em alguma sociedade

mesmo primitiva tenha faltado a palavra lsquonomersquo O termo pertence aos estaacutegios preacute-

gramaticais do pensamentordquo (2010 p 40)

Isso porque na antiguidade os povos natildeo se interessavam por palavras em si

mesmas elas eram usadas apenas como instrumento para se falar das coisas do mundo

ao seu redor Quando se menciona um ldquonomerdquo supotildee-se que exista alguma coisa agrave

qual corresponda o som ldquoaquilo que era a fons e origo do nome sua razatildeo de serrdquo

(GARDINER 2010 p 41)

11

Ampliando e melhorando a interpretaccedilatildeo de Saussure GARDINER (2010 p

91) forneceraacute a seguinte definiccedilatildeo de nome proacuteprio

Um nome proacuteprio eacute uma palavra ou um grupo de palavras reconhecidas como indicando ou tendendo a indicar o objeto ou os objetos ao(s) qual(is) ele faz referecircncia em virtude unicamente de sua sonoridade distintiva sem levar em consideraccedilatildeo qualquer sentido que possa possuir esse som seja aquele desde a origem ou adquirido por este atraveacutes de associaccedilotildees com o dito ou

ditos objetos

Pode-se questionar se o nome proacuteprio comporta em si mesmo algum tipo de

conteuacutedo racional ou seja se ele diz alguma coisa da pessoa por ele nomeada Em

nossa atual sociedade ocidental ldquoo nome proacuteprio eacute na maior parte do tempo uma

palavra escolhida arbitrariamente para designar algueacutem Eacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo

social praacuteticardquo (RENAUD 2007 p 13) Isso poreacutem natildeo corresponde absolutamente agrave

realidade do mundo antigo especialmente no Oriente como se veraacute adiante

Em geral a linguiacutestica contemporacircnea percebe no nome proacuteprio duas

caracterizaccedilotildees do signo Ele eacute ao mesmo tempo signo linguiacutestico possuidor de um

significante e de um significado mesmo que miacutenimo e signo como substituto pois ele

reenvia a um indiviacuteduo mas pode tambeacutem valer como siacutembolo ou seja como ato de

linguagem (LECOLLE PAVEAU REBOUL-TOUREacute 2009 p 11)

Na linguiacutestica ldquonome eacute uma categoria gramatical que agrupa as palavras que

designam seja uma espeacutecie ou representante de uma espeacutecie (nomes comuns) seja um

indiviacuteduo particular (nomes proacuteprios)rdquo (RUSSO 2002 p 15) No entanto o nome

proacuteprio natildeo apenas diferencia ou determina o sujeito pois ele ldquoaponta diretamente o

objeto no mundo exterior extralinguiacutestico Por isso ele eacute reconhecido na linguiacutestica

moderna como sendo o portador e exemplo maior da funccedilatildeo de referenciaccedilatildeo da

linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 55) Ele possui a capacidade de remeter diretamente

a um objeto em especial um determinado corpo Como afirma MARTINS ldquoDado o

nome eis o objetordquo (IDEM) Mais do que isso poreacutem o nome significa o ser ao qual se

refere mais do que apenas enviar a ele

Um dos primeiros a sistematizar a questatildeo se os nomes satildeo meramente

formados em funccedilatildeo de uma convenccedilatildeo ou se eles satildeo constituiacutedos em funccedilatildeo de uma

natureza que por assim dizer orientaria o trabalho daquele que nomeia foi o filoacutesofo

12

grego Platatildeo (428427 ou 424423 ndash 348347 AEC) especialmente em sua obra Craacutetilo5

Eacute interessante observar que ldquono periacuteodo em que se legitimam as grandes narraccedilotildees

miacuteticas a palavra manifesta os proacuteprios elementos ela se identifica com o objetordquo

(PINHEIRO 2003 p 37-38) O nome eacute um ldquoinstrumentordquo segundo Platatildeo para

ldquoensinar e distinguir a essecircncia [das coisas] como a lanccediladeira para o tecidordquo

(PLATONE 2000 p 139 388 B-C)6 Portanto o nome eacute resultado de uma teacutecnica uma

arte uma produccedilatildeo

Em Platatildeo o nome seraacute tratado como o signo linguiacutestico de caraacuteter convencional capaz de representar uma determinada ousiacutea [essecircncia] Essa essecircncia natildeo pode ser compreendida apenas como um fenocircmeno empiacuterico e obviamente natildeo pode ser relativa a cada homem em particular [] A verdadeira funccedilatildeo dos nomes em Platatildeo seria a de nos remeter agrave sua proacutepria essecircncia agrave sua proacutepria natureza [] No diaacutelogo ela surge como modelo abstrato que o nomoteta [o artiacutefice dos nomes] apreende antes de iniciar a sua tarefa de artesatildeo de nomes (PINHEIRO 2003 p 45-46)

Aleacutem de utilizar a palavra ldquoinstrumentordquo para definir a funccedilatildeo do nome

Platatildeo lanccedila matildeo da hipoacutetese de nome como ldquoimagemrdquo (gr eikoacuten) O nome eacute uma

imagem (ideia) que corresponde a um objeto O nome deve estar afinado ao seu

modelo (ideia em grego eicircdos) No entanto o papel de quem atribui o nome se realiza

pelo diaacutelogo Platatildeo o denomina de legislador (gr nomoteta) atividade da qual nem

todos os homens satildeo capazes7 Isso porque ldquoa natureza da linguagem eacute ambiacutegua

cabendo ao filoacutesofo no papel do dialeacutetico ajuizar sobre o melhor significado a atribuir

a um nome dentro de um determinado contextordquo (MONTENEGRO 2007 p 376)

Nesse sentido o nomeador possui um papel ativo isto eacute adequar o nome agraves coisas

5 Eacute uma obra platocircnica de dataccedilatildeo incerta alguns estudiosos atribuem sua redaccedilatildeo tanto ao periacuteodo anterior agrave composiccedilatildeo de Repuacuteblica como posterior Repuacuteblica teve sua composiccedilatildeo iniciada nos anos oitenta e o ponto culminante da mesma teria sido nos anos setenta do IV seacuteculo AEC (cf RADICE 2000 p 1081) ldquoO diaacutelogo em Craacutetilo versa sobre a justeza dos nomes a partir do exame realizado por Soacutecrates das teses divergentes de Hermoacutegenes e Craacutetilo Segundo Hermoacutegenes os nomes satildeo resultantes de pura convenccedilatildeo podendo esta ser tanto individual quanto coletiva para Craacutetilo disciacutepulo de Heraacuteclito e mestre de Platatildeo anteriormente a Soacutecrates os nomes espelham a natureza das coisas e esta natildeo eacute senatildeo o constante fluxo Soacutecrates eacute chamado para tentar uma conciliaccedilatildeordquo (MONTENEGRO 2007 p 369) 6 Texto original grego Onoma ara didaskalikon ti evstin organon kai diakritikon th j ouvsiaj w[sper kerkij

ufasmatoj 7 ldquoPortanto Hermoacutegenes natildeo eacute proacuteprio de todo homem estabelecer o nome mas a um artesatildeo dos nomes E este eacute como parece o legislador que entre os homens eacute o mais raro dos artesatildeosrdquo (PLATONE 2000 p 139 388E-389A) Original grego Ouvk ara pantojAtilde w= lsquoErmogenejAtilde onoma qesqaiAtilde a vlla tinoj ovnomatourgou ou-toj drsquoevstinAtilde w`j eoikenAtilde o ` nomoqethjAtilde o]j dh tw n dhmiourgw n spaniwtatoj e vn a vnqrwpoij gignetai)

13

Esse papel eacute supervisionado pelo dialeacutetico8 com sua atividade de fazer perguntas e

dar respostas Pode-se encontrar aqui uma contraposiccedilatildeo com a BH onde Deus

aparece logo no iniacutecio ldquochamandordquo (verbo heb wayyiqraumlacute) ou seja dando nomes agraves

coisas que ele vai criando (cf Gn 15810) A palavra de Deus eacute formadora ou seja ela

cria aquilo que eacute nomeado (wayyoumlordm mer acuteeacuteloumlhicircm ndash Gn 13691114202426) A palavra

nesse sentido possui a essecircncia da coisa que eacute formada Algo semelhante se passa com

Adatildeo (heb aumldaumlm) em Gn 219 quando Deus lhe traz todos os seres vivos da terra para

serem nominados por ele No entanto haacute uma diferenccedila fundamental pois o homem

natildeo eacute criador ou seja ele nomeia os seres criados mas natildeo os faz vir agrave vida9

Interessante observar que Adatildeo natildeo vem nomeado explicitamente por Deus nem no

primeiro nem no segundo relato da Criaccedilatildeo (cf Gn 126-27 27) Contudo quando

Deus manifesta sua vontade de ldquofazerrdquo (heb na`aacuteSegrave ndash Gn 126) o homem no fundo

ele jaacute o ldquonomeourdquo chamando-o de Adatildeo que significa ldquohomemrdquo (heb acuteaumldaumlm) Adatildeo

em seu ato de nominar adequa os nomes agraves coisas que estatildeo diante dele ele parte da

natureza delas mas natildeo as forma (cria) Mesmo assim chama atenccedilatildeo a importacircncia e

diferenccedila do ser humano em relaccedilatildeo agraves demais obras da Criaccedilatildeo Enquanto estas

recebem nome do Criador tatildeo logo satildeo formadas o ser humano participa da Criaccedilatildeo

como colaborador de Deus ao tambeacutem poder nomear os demais seres vivos

12 A que serve o nome proacuteprio

Ao relacionarmos os nomes proacuteprios aos nomes comuns percebe-se que pode

haver usos anaacutelogos entre ambas categorias poreacutem haacute outros que satildeo especiacuteficos aos

nomes proacuteprios Vejamos

1 Estabelecimento de correspondecircncia entre um nome proacuteprio e um indiviacuteduo Este uso toma duas formas a) eu dou ao meu interlocutor o nome de um indiviacuteduo que ele tem sob seus olhos ou que eu descrevo por uma descriccedilatildeo definida ldquoesta eacute Parisrdquo ldquoeu vos apresento Alberto Dupontrdquo ldquoo pai

8 ldquoE a quem sabe interrogar e responder chama-o de outro modo que dialeacutetico [] obra do legislador ao que parece eacute fazer um nome sob a direccedilatildeo do dialeacutetico se os nomes devem ser adequadosrdquo (PLATONE 2000 p 140 390 C-D) No original grego Ton de evrwta n kai a vpokrinesqai e vpistamenon allo

ti su kalei j h dialektikon [] Nomoqetou de geAtilde wj eoikenAtilde onomaAtilde e vpistathn econtoj dialektikon andraAtilde ei v mellei kalw j ovnomata qhsesqai) 9 O texto hebraico eacute expliacutecito em afirmar que wayyigravecer yhwh(acuteaumldoumlnaumly) acuteeacuteloumlhicircm min-hauml|acuteaacutedaumlmacirc Kol-Hayyat

haSSaumldegrave wuumlacuteeumlt Kol-`ocircp haššaumlmaordmyim (ldquoHavendo pois o Senhor Deus formado da terra todo o animal do

campo e toda a ave dos ceacuteusrdquo Gn 219)

14

de Joseacute chama-se Juacuteliordquo b) eu indico ao meu interlocutor a coincidecircncia entre um indiviacuteduo e um nome jaacute conhecido dele ldquoEis Parisrdquo ldquoeacute Tiagordquo Esses dois usos satildeo bastante paralelos para os nomes proacuteprios e os nomes comuns a uacutenica diferenccedila reside na referecircncia uacutenica do nome proacuteprio 2 Uso referencial uacutenico ldquoTiago veiordquo Eacute o uso normal do nome proacuteprio 3 O Batismo ldquoEu te batizo Pedrordquo Haacute um uso bem particular do nome proacuteprio quando acontece de se dar um nome novo a uma categoria de objeto o batismo de indiviacuteduos ato social por excelecircncia eacute o uacutenico ato suscetiacutevel de dar nascimento a um antropocircnimo Trata-se de um contrato com base em um performativo ldquoeu te batizordquo ldquoeu te chamordquo ldquoeu te nomeiordquo E parece haver em todas as liacutenguas expressotildees do gecircnero Eacute a cerimocircnia do batismo (que noacutes tomamos no sentido geral de doaccedilatildeo do nome) que explica o caraacuteter arbitraacuterio com o qual nos aparecem os nomes proacuteprios eles satildeo arbitraacuterios enquanto colocados Ademais a teoria dita teoria causal dos nomes proacuteprios repousa sobre a existecircncia do batismo se os nomes proacuteprios devem ser transmitidos de pessoa a pessoa fixando cada vez nela a referecircncia eacute precisamente porque se esta cadeia se interrompe natildeo se pode mais saber a que se refere o nome proacuteprio 4 Uso vocativo ldquoPedro venha aquirdquo Trata-se de um ato de linguagem que G G Granger chama de ldquointerpelaccedilatildeordquo para G G Granger de fato eacute na interpelaccedilatildeo que se manifesta a especificidade semioloacutegica do nome proacuteprio (MOLINO 1982 p 17)

Essa questatildeo estaacute unida agrave da identidade Haacute de se superar que a identidade do

nome proacuteprio se reduza agrave relaccedilatildeo entre dois nomes ldquoa = brdquo como propunha Gottlob

Frege em sua claacutessica distinccedilatildeo entre Sinn e Bedeutung ou seja sentido e denotaccedilatildeo (cf

FREGE 1971 p 102-126) No entanto a virtude simboacutelica do nome proacuteprio natildeo pode

se esgotar nesta referecircncia a algo

O nome possui a funccedilatildeo de designador individual ou seja especificar algueacutem

destacar algueacutem em seu contexto ou classificaacute-lo segundo o modo de compreensatildeo de

Leacutevi-Strauss Esse etnoacutelogo identifica dois tipos extremos de nomes proacuteprios (a) o

nome como uma marca de identificaccedilatildeo que confirma pela aplicaccedilatildeo de uma regra a

pertenccedila do indiviacuteduo nomeado a uma classe preacute-ordenada (b) o nome como uma livre

criaccedilatildeo do indiviacuteduo que nomeia e que exprime por meio daquele que ele nomeia um

estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividade (LEacuteVI-STRAUSS 1962 p 240) No

entanto o pesquisador chega a uma conclusatildeo um tanto radical quando afirma que

ldquojamais se nomeia classifica-se o outro se o nome que se lhe daacute eacute em funccedilatildeo de

caracteriacutesticas que ele tem ou se classifica a si mesmo se acreditando estar dispensado

de seguir uma regra nomeia-se o outro lsquolivrementersquo isto eacute em funccedilatildeo das

caracteriacutesticas que se temrdquo (IDEM) Muitas vezes reconhece Leacutevi-Strauss ambos os

fatores interagem-se

15

Nesse aspecto o nome proacuteprio como um classificador como exprime Leacutevi-

Strauss encontra-se um aspecto questionaacutevel pois

A nomeaccedilatildeo obedece a princiacutepios de classificaccedilatildeo mas esses princiacutepios natildeo se correspondem e natildeo constituem um sistema eles se unem ao infinito E eacute aqui que se manifesta uma diferenccedila fundamental entre classificaccedilatildeo e nomeaccedilatildeo o indiviacuteduo natildeo eacute uma espeacutecie [] Uma espeacutecie eacute definida por uma classificaccedilatildeo hieraacuterquica uacutenica um indiviacuteduo eacute portador de uma infinidade virtual de classificaccedilotildees independentes no primeiro caso as classificaccedilotildees servem para classificar no segundo o indiviacuteduo dado como um ponto de partida eacute o suporte de classificaccedilotildees muacuteltiplas e independentes que servem apenas para enriquecer sua definiccedilatildeo social (MOLINO 1982 p 18)

No entanto diferentemente de Leacutevi-Strauss podemos ver tanto no tipo de

nomeaccedilatildeo como classificaccedilatildeo de algueacutem como naquele de nomeaccedilatildeo como

autoclassificaccedilatildeo natildeo o conteuacutedo classificatoacuterio mas a forma em si mesma O que

ocorre em ambos os casos eacute a manifestaccedilatildeo de um ato de linguagem da relaccedilatildeo locutor

(quem nomeia) e interlocutor (quem eacute nomeado) mesmo que este uacuteltimo o seja em

potencial uma vez que ainda natildeo tecircm consciecircncia O fato do interlocutor (o nomeador)

exprimir-se a si mesmo nesse ato eacute algo secundaacuterio ldquoo essencial eacute que sua proacutepria

presenccedila no ato de nomeaccedilatildeo faccedila dele uma interpelaccedilatildeo [] o nome proacuteprio eacute tal

porque ele pode funcionar em uma interpelaccedilatildeordquo (GRANGER 1982 p 28-29)

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10

No caso do nome de pessoas portanto o nome proacuteprio possui uma funccedilatildeo de

interpelar o mesmo nem sempre se daacute no caso dos demais nomes proacuteprios E natildeo se

interpela algo vazio de conteuacutedo Portanto deve haver uma pressuposiccedilatildeo de sentido

no nome proacuteprio uma vez que ele conota aleacutem de denotar o indiviacuteduo ao qual se refere

Por esse motivo ou seja em razatildeo de sua natureza pragmaacutetica o nome

proacuteprio especialmente de pessoas natildeo pode ser substituiacutedo por uma descriccedilatildeo

definida do ser nomeado como acreditava por exemplo Russell Ele possui o que

certos linguistas chamam de ldquohalo de conotaccedilotildeesrdquo (GRANGER 1982 p 34) O proacuteprio

Granger explica melhor tal conceito

10 Para uma abordagem mais exaustiva e detalhada dessa questatildeo consultar LANGENDONCK 2007 p 84-118

16

Entendemos aqui por essa palavra dois efeitos eventualmente conjuntos De uma parte a conotaccedilatildeo ldquometasimboacutelicardquo que atribui a um signo propriedades que dependem seja do subsistema da liacutengua ao qual ele pertence seja do uso particular que se faz dele em certo discurso De outra parte a conotaccedilatildeo ldquoparassimboacutelicardquo que nasce do valor expressivo conferido aos aspectos natildeo estritamente pertinentes do signo Eacute certo que o jogo dessas conotaccedilotildees quase que liberadas de todo entrave confere ao nome proacuteprio um poder poeacutetico excepcional [] Eacute desta maneira que o nome proacuteprio embora se afaste pela sua funccedilatildeo essencialmente pragmaacutetica de toda referecircncia semacircntica pode ter um sentido (GRANGER 1982 p 34-35)

Para Granger o nome proacuteprio eacute agraves vezes ao mesmo tempo iacutendice e siacutembolo11

Por isso o nome proacuteprio pode veicular um sentido conotativo de forma icocircnica12

completando a triacuteade peirceana do signo em relaccedilatildeo ao objeto que ele substitui Pode-

se tomar como exemplo o apelido do pintor italiano Giorgio Barbarelli (Castelfranco

Itaacutelia) Ele era denominado de Giorgione um aumentativo que refletia a sua

corpulecircncia Caso substituiacutessemos esse apelativo pelo seu sobrenome Barbarelli que

designa a mesma pessoa a proposiccedilatildeo continuaria a ser verdadeira pois estariacuteamos

falando da mesma pessoa

A palavra ldquoGiorgionerdquo sem se reduzir absolutamente a uma descriccedilatildeo transpotildee na funccedilatildeo de nome proacuteprio um nome cujo interpretante13 eacute um signo icocircnico ndash isto eacute que se parece de algum modo ao seu objeto ndash destacado pelo aumentativo italiano Como um nome proacuteprio a palavra deve neutralizar essa carga icocircnica sobreposta como ele neutralizaria de mais a mais todo sentido que ele possa conotar (GRANGER 1982 p 36)

11 Siacutembolo eacute uma das classificaccedilotildees de Charles Sanders Peirce (as outras duas satildeo iacutecone e iacutendice) que organiza os signos conforme a relaccedilatildeo entre eles e o objeto que eles substituem O siacutembolo resulta da convenccedilatildeo A relaccedilatildeo entre o signo e o objeto que ele representa eacute arbitraacuteria legitimada por regras Ex a pomba branca eacute siacutembolo de paz um retacircngulo verde com um losango amarelo ciacuterculo azul e estrelas eacute um dos siacutembolos do Brasil mas em nenhum desses casos haacute relaccedilatildeo de semelhanccedila ou de associaccedilatildeo singular trata-se de regras leis convenccedilotildees Iacutendice resulta de uma singularizaccedilatildeo Um signo indicial eacute o resultado de uma relaccedilatildeo por associaccedilatildeo ou referecircncia A categoria indicial se evidencia pelo vestiacutegio pelos indiacutecios Ex rastros de pneus pegadas ou cheiro de fumaccedila natildeo se parecem com os objetos que eles substituem (pneus animais ou a fumaccedila) mas noacutes associamos uns aos outros respectivamente satildeo exemplos de signos indiciais (AS TRICOTOMIAS PEIRCEANAS ndash CLASSIFICACcedilAtildeO DOS SIGNOS 2012 p 2) 12 O iacutecone eacute o resultado da relaccedilatildeo de semelhanccedila ou analogia entre o signo e o objeto que ele substitui Ex um retrato ou uma caricatura satildeo semelhantes aos objetos que eles substituem eles satildeo signos icocircnicos (IDEM) 13 Interpretante na proacutepria definiccedilatildeo do criador desse conceito Charles Sanders Peirce eacute o ldquoefeito do signordquo isto eacute eacute a ldquoideiardquo que o signo provoca cria na mente do inteacuterprete O signo ldquoeacute aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo para algueacutem Dirige-se a algueacutem isto eacute cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signordquo (PEIRCE 2012 p 46)

17

O nome proacuteprio em si mesmo natildeo se refere que a indiviacuteduos em geral Natildeo se

pode explicar o conteuacutedo semacircntico de um nome como ldquoJoatildeordquo por exemplo Sabemos

que ldquoJoatildeordquo14 eacute o nome de uma pessoa do sexo masculino Nos primoacuterdios da

linguiacutestica o russo Roman Osipovich Jakobson (1896-1982) dizia que o nome proacuteprio

natildeo podia ser definido que pela devoluccedilatildeotransmissatildeo do coacutedigo ao coacutedigo ldquoJoatildeordquo

significa uma pessoa nomeada Joatildeo Com isso esse estudioso denuncia a circularidade

de tal definiccedilatildeo (cf JAKOBSON 1963 p 177) Mas haacute linguistas que discordam dessa

afirmaccedilatildeo dizendo ser ela enganosa Isso porque ldquoo coacutedigo que se esforccedilam de

descrever dicionaacuterios e gramaacuteticas natildeo remete a si mesmo para caracterizar um nome

de pessoa quando diz a palavra lsquobaleiarsquo que designa um lsquoanimalrsquordquo (GRANGER 1982

p 27) A funccedilatildeo semacircntica da palavra ldquoJoatildeordquo natildeo depende circularmente do coacutedigo

mas da enunciaccedilatildeo Fixadas as circunstacircncias da enunciaccedilatildeo a descriccedilatildeo torna-se

possiacutevel

A significaccedilatildeo do nome proacuteprio como se constata eacute complexa pois se podem

encontrar diversas camadas de significaccedilatildeo que correspondem ao seu funcionamento

distinto a) ora como uma marca pura isto eacute uma etiqueta que visa um objeto singular

b) ora como um ldquodesignador riacutegidordquo que manteacutem a invariacircncia da referecircncia ao

indiviacuteduo mesmo em meio agraves modificaccedilotildees espaciais temporais e pessoais c) ora

como um classificador que indica a classe a qual pertence o objeto individual

designado pelo nome como eacute o caso de ldquoJoatildeordquo um prenome de ser humano d) ora

como uma descriccedilatildeo definida que serve de representaccedilatildeo identificadora como eacute o caso

de explicar o sentido do nome proacuteprio a quem o ignora por exemplo ldquoJoatildeordquo foi um

dos disciacutepulos de Jesus Cristo (cf MOLINO 1982 p 16)

Assim sendo o nome proacuteprio ldquoinduz uma seacuteria indefinida de interpretaccedilotildees

mais ricas e mais carregadas de afetividade do que satildeo os interpretantes dos nomes

comuns como o indica a funccedilatildeo literaacuteria e poeacutetica dos nomes proacutepriosrdquo (IDEM)

14 Etimologicamente falando sabemos que este nome adentrou em nossa liacutengua portuguesa atraveacutes do latim (Ioannes) que por sua vez proveacutem do grego Ιωάννης (Ioaacutennes) Entretanto a sua etimologia primitiva encontra-se na liacutengua hebraica nxwy (Yocircḥānān) forma reduzida de nxwhy (Yəhocircḥānān) que

pode significar Deus [YHWH] eacute propiacutecio Deus mostrou favor Deus foi clemente ou Graccedila Divina

18

O nome proacuteprio de pessoas serve portanto para fins que ultrapassam o

meramente designativo referencial e denotativo Ele situa-se no campo conotativo mais

amplo

2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio

Eacute importante perceber as diferentes nuanccedilas que o nome proacuteprio pode

adquirir de acordo com o tipo de abordagem que se faz dele Por isso um raacutepido e

despretensioso percurso por algumas das ciecircncias que se ocupam deste argumento

pode fornecer um quadro mais amplo do seu significado No item anterior jaacute vimos a

abordagem desse tema atraveacutes da Filosofia da Linguagem Ver-se-aacute agora a

21 Semioacutetica

Podemos a grosso modo entender a semioacutetica como a ldquoteoria geral dos modos

de produccedilatildeo funcionamento e recepccedilatildeo dos diferentes sistemas de signos que

permitem a comunicaccedilatildeo entre indiviacuteduos eou coletividades de indiviacuteduosrdquo

(GRANDE ENCICLOPEacuteDIA LAROUSSE CULTURAL 1998 p 5317) Assim sendo

ela aborda o nome proacuteprio como um signo simboacutelico que representa um sujeito e

ldquoenquanto siacutembolo eacute o proacuteprio sujeito como se a palavra fosse o ser encarnadordquo

(IDEM)

Enquanto significante o nome proacuteprio eacute organizador em seu conjunto dos

efeitos do significado Mais que um iacutendice ele eacute um ldquotexto que se oferece ao

deciframentordquo na concepccedilatildeo de Lacan (RUSSO 2002 p 20) Desse modo o nome

proacuteprio eacute ldquoresumido numa palavra-texto como um conjunto de significaccedilotildees do outrordquo

(RUSSO 2002 p 22) o qual impele o ser a estabelecer relaccedilotildees ao identificar-se

Um dos primeiros pensadores senatildeo o primeiro a designar as palavras como

ldquosinaissignosrdquo foi Agostinho (354-430 EC) O estudo do sinal (semioacutetica) e em

especial do sinal linguiacutestico ocupa um lugar privilegiado na filosofia de Agostinho

Para ele o tema do ensino eacute fundamental e sinal e linguagem satildeo partes constitutivas

desse processo de aprendizagem Agostinho observa a importacircncia dos sinais na vida

humana Afinal todos os seres se dividem em sinais e significaacuteveis Em De magistro ele

afirma que todos os sinais satildeo coisas ainda que nem todas as coisas sejam sinais No

19

entendimento de Agostinho os sinais satildeo ldquocoisas de certo tipo especial O que eles tecircm

de especial eacute que satildeo coisas que se usam para significar e o significar (ou representar)

tem como principal incumbecircncia ensinar aos demaisrdquo (BEUCHOT 1986 p 14)15

Em sua obra De magistro (concluiacuteda em 389 EC) ele afirma a Adeodato seu

interlocutor imaginaacuterio no diaacutelogo mas seu proacuteprio filho na vida real

Entendeste certo creio tambeacutem teres notado apesar de haver quem natildeo concorde que mesmo sem emitir som algum noacutes falamos enquanto intimamente pensamos as proacuteprias palavras em nossa mente assim com as palavras nada mais fazemos do que chamar a atenccedilatildeo entretanto a memoacuteria a que as palavras aderem em as agitando faz com que venham agrave mente as proacuteprias coisas das quais as palavras satildeo sinais (SANTO AGOSTINHO 1973 p 324) 16

Algo que nos interessa mais de perto nesta pesquisa eacute a distinccedilatildeo operada por

Agostinho entre nome (nomen) e palavra (verbum) Haacute certo distanciamento entre o nome

e a coisa significada por meio de uma palavra da qual o nome eacute simplesmente um

sinal Uma palavra eacute sinal de uma essecircncia ou de uma coisa mas nunca coincide com

o proacuteprio sinal17 Aqui encontramos algo que se opotildee agrave concepccedilatildeo biacuteblico-judaica

como se viu no item anterior (ldquoLinguiacutesticardquo) Citemos Agostinho para tornar essa tese

mais clara

Acho que a diferenccedila seja esta o que eacute significado com o nome eacute significado tambeacutem com a palavra como pois nome eacute palavra assim tambeacutem rio eacute palavra mas nem tudo o que eacute significado com a palavra eacute significado tambeacutem com o nome Tambeacutem aquele si (se) com que comeccedila o verso por ti

15 Como afirma Agostinho em De magistro ldquoHaacute todavia creio certa maneira de ensinar pela recordaccedilatildeo maneira sem duacutevida valiosa como se demonstraraacute nesta nossa conversaccedilatildeo Mas se tu pensas que natildeo aprendemos quando recordamos ou que natildeo ensina aquele que recorda eu natildeo me oponho e desde jaacute declaro que o fim da palavra eacute duplo ou para ensinar ou para suscitar recordaccedilotildees nos outros ou em noacutes mesmosrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 323) Texto original latino ldquoAt ego puto esse quoddam genus docendi per commemorationem magnum sane quod in nostra hac sermocinatione res ipsa indicabit Sed si tu non arbitraris nos discere cum recordamur nec docere illum qui commemorat non resisto tibi et duas iam loquendi causas constituo aut ut doceamus aut ut commemoremus vel alios vel nosmetipsosrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195) 16 Texto no original latino ldquoRecte intellegis simul enim te credo animadvertere etiamsi quisquam contendat quamvis nullum edamus sonum tamen quia ipsa verba cogitamus nos intus apud animum loqui sic quoque locutione nihil aliud agere quam commonere cum memoria cui verba inhaerent ea revolvendo facit venire in mentem res ipsas quarum signa sunt verbardquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195-1196) 17 ldquoNatildeo te parece que todos os sinais significam uma coisa distinta da que satildeo como quando pronunciamos este nome trissiacutelabo mdash animal mdash de modo algum significaremos aquilo que ele mesmo eacuterdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) Original latino ldquoNum omnia signa tibi videntur aliud significare quam sunt sicut hoc trisyllabum cum dicimus Animal nullo modo idem significat quod est ipsumrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200)

20

proposto e aquele ex (de) do qual tratamos tatildeo longamente guiados pela razatildeo ateacute chegarmos agrave presente questatildeo satildeo palavras mas natildeo nomes e muitos outros exemplos semelhantes podemos encontrar Pois como todos os nomes satildeo palavras mas nem todas as palavras satildeo nomes julgo estar clara a diferenccedila entre palavra e nome isto eacute entre o sinal daquele sinal que natildeo significa nenhum outro sinal e o sinal daquele sinal que pode significar outros (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) 18

Portanto para Agostinho a palavra ldquonomerdquo (nomen) significa nomes tais

como Roma Rocircmulo virtude rio etc portanto ldquoo nome significa nomes ou se

significa a si mesmo eacute autopredicativo ou autorreferencial [] Aleacutem disso todo nome

eacute palavra e toda palavra eacute signo portanto haacute signos que se significam a si mesmosrdquo

(BEUCHOT 1986 p 19) Esse conceito fica mais claro nas proacuteprias palavras de

Agostinho

E natildeo eacute assim tambeacutem para o nome [nomen] Este pois significa os nomes de todos os gecircneros e nome mesmo eacute um nome de gecircnero neutro Ou se te perguntasse que parte da oraccedilatildeo eacute nome natildeo poderias responder-me acertadamente dizendo nome [] Portanto haacute sinais que entre as outras coisas que significam significam tambeacutem a si mesmos (SANTO AGOSTINHO 1973 p 332)19

Na praacutetica Agostinho acabaraacute pendendo durante o diaacutelogo De magistro para

uma compreensatildeo convencionalista da linguagem Ele admitiraacute que o significado das

coisas natildeo se encontra no nome que lhe damos pois ele eacute um palavra portanto signo

de alguma coisa Mas para conhecer-se algo eacute preciso haver a preacutevia experiecircncia

sensitiva ou mentalintuitiva dessa mesma coisa20 Finalizando para tornar ainda

mais claro o pensamento agostiniano podemos mencionar essa sua outra explanaccedilatildeo

18 Texto original latino ldquoHoc distare intellego quod ea quae significantur nomine etiam verbo significantur ut enim nomen est verbum ita et flumen verbum est quae autem verbo significantur non omnia significantur et nomine Nam et illud si quod in capite habet abs te propositus versus et hoc ex de quo iam diu agentes in haec duce ratione pervenimus verba sunt nec tamen nomina et talia multa inveniuntur Quamobrem cum omnia nomina verba sint non autem omnia verba nomina sint planum esse arbitror quid inter verbum distet et nomen id est inter signum signi eius quod nulla alia signa significat et signum signi eius quod rursus alia significatrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200) 19 Original latino ldquoQuid nomen nonne similiter habet Nam et omnium generum nomina significat et ipsum nomen generis neutri nomen est An si ex te quaererem quae pars orationis nomen posses mihi recte respondere nisi nomen [] Sunt ergo signa quae inter alia quae significant et se ipsa significent (AUGUSTINUS 2006 c 1201) 20 Veja-se o que Agostinho diz ldquoQuando as duas siacutelabas com que dizemos lsquocaputrsquo (cabeccedila) repercutiram pela primeira vez no meu ouvido sabia tatildeo pouco o que significavam como quando ouvi e li pela primeira vez lsquosaraballaersquo Poreacutem ouvindo muitas vezes dizer lsquocaputrsquo (cabeccedila) e notando e observando a palavra quando era pronunciada reparei facilmente que ela denotava aquela coisa que por tecirc-la visto a mim jaacute era conhecidiacutessima Mas antes de achar isto aquela palavra era para mim apenas um som e

21

Com as palavras natildeo aprendemos senatildeo palavras antes o som e o ruiacutedo das palavras porque se o que natildeo eacute sinal natildeo pode ser palavra natildeo sei tambeacutem como possa ser palavra aquilo que ouvi pronunciado como palavra enquanto natildeo lhe conhecer o significado Soacute depois de conhecer as coisas se consegue portanto o conhecimento completo das palavras ao contraacuterio ouvindo somente as palavras natildeo aprendemos nem sequer estas Com efeito natildeo tivemos conhecimento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que natildeo conhecemos senatildeo depois que lhes percebemos o significado o que se verifica natildeo mediante a audiccedilatildeo das vozes proferidas mas pelo conhecimento das coisas significadas Ao serem proferidas palavras eacute perfeitamente razoaacutevel que se diga que noacutes sabemos ou natildeo sabemos o que significam se o sabemos natildeo foram elas que no-lo ensinaram apenas o recordaram se natildeo o sabemos nem sequer o recordam mas talvez nos incitem a procuraacute-lo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 350)21

Assim as palavras e por conseguinte os nomes natildeo tecircm o poder de nos ligar

agraves essecircncias ou agraves coisas mesmas elas satildeo somente lembradas apoacutes (a posteriori) o nosso

contato com as coisas que as palavras e nomes ldquosignificamrdquo22

Na semioacutetica moderna o nome proacuteprio eacute assumido por alguns como um

signo no sentido semioacutetico do termo ou seja ldquoalguma coisa que eacute reconhecida por

algueacutem como indicaccedilatildeo de algordquo (VOLLI 2012 p 31) Nesse sentido exemplos de

signos poderiam ser a fumaccedila para o fogo a bandeira branca para a rendiccedilatildeo e o

semaacuteforo que obriga a parar ou avanccedilar O signo eacute ldquoum niacutevel extremamente simples

quase abstrato do sentidordquo (VOLLI 2012 p 32) Por isso o signo eacute uma relaccedilatildeo que liga

um significante a um significado (IDEM)

aprendi que ela era um sinal quando encontrei aquilo de que era sinal o que aprendi natildeo pelo significado mas pela visatildeo direta do objeto Portanto mais atraveacutes do conhecimento da coisa se aprende o sinal do que se aprende a coisa depois de ter o sinalrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 349) Texto original latino ldquoEtenim cum primum istae duae syllabae cum dicimus laquocaputraquo aures meas impulerunt tam nescivi quid significarent quam cum primo audirem legeremue sarabaras Sed cum saepe diceretur laquocaputraquo notans atque animadvertens quando diceretur repperi vocabulum esse rei quae mihi iam erat videndo notissima Quod priusquam repperissem tantum mihi sonus erat hoc verbum signum vero esse didici quando cuius rei signum esset inveni quam quidem ut dixi non significatu sed aspectu didiceram Ita magis signum re cognita quam signo dato ipsa res disciturrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1214) 21 Texto original latino ldquoVerbis igitur nisi verba non discimus immo sonitum strepitumque verborum nam si ea quae signa non sunt verba esse non possunt quamvis iam auditum verbum nescio tamen verbum esse donec quid significet sciam Rebus ergo cognitis verborum quoque cognitio perficitur verbis vero auditis nec verba discuntur non enim ea verba quae novimus discimus aut quae non novimus didicisse nos possumus confiteri nisi eorum significatione percepta quae non auditione vocum emissarum sed rerum significatarum cognitione contingit Verissima quippe ratio est et verissime dicitur cum verba proferuntur aut scire nos quid significent aut nescire si scimus commemorari potius quam discere si autem nescimus nec commemorari quidem sed fortasse ad quaerendum admonerirdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1215) 22 Agostinho define ldquosignificarrdquo como ldquoPois quando falamos fazemos sinais donde proveacutem a palavra lsquosignificarrsquo (fazer sinais mdash signa facere)rdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 334) Texto original latino ldquoCum enim loquimur signa facimus de quo dictum est significarerdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1198)

22

SIGNIFICANTE23

SIGNO = ________________

SIGNIFICADO24

Eacute importante delimitar o objeto de nosso estudo pois o nome proacuteprio possui

uma larga abrangecircncia As diversas categorias de nomes proacuteprios podem ser reunidas

entorno de trecircs polos25

a) dimensotildees da pessoa ndash ego (satildeo os antropocircnimos nomes de animais e

apelativos ou tiacutetulos) um prolongamento desta dimensatildeo seria o polo da

produccedilatildeo humana seja ela simboacutelica ou material como eacute o caso de nomes de

instituiccedilotildees nomes de produtos da atividade humana nomes de siacutembolos

matemaacuteticos e cientiacuteficos

b) dimensatildeo de espaccedilo ndash hic (nomes de lugares)

c) dimensatildeo do tempo ndash nunc (nomes de tempos) cf MOLINO 1982 p 6-7

Diante dessa heterogeneidade eacute praticamente impossiacutevel dar uma definiccedilatildeo

simples e coerente de nome proacuteprio Sendo uma categoria linguiacutestica eacute ilusoacuterio

segundo Molino ldquoprocurar definir de modo decisivo por criteacuterios natildeo ambiacuteguosrdquo

(IDEM) o nome proacuteprio Pode-se entatildeo chegar ao ponto de se afirmar que natildeo existem

nomes proacuteprios jaacute que natildeo haacute para eles uma definiccedilatildeo completa

Certamente natildeo porque a escolha natildeo eacute entre categorias definidas e a confusatildeo onde tudo eacute misturado com tudo O nome proacuteprio eacute uma categoria ldquoecircmicardquo uma categoria semiteoacuterica nascida da reflexatildeo mi-teoacuterica mi-praacutetica do locutor do gramaacutetico-pedagogo e do linguista sobre sua liacutengua com seus contornos e conteuacutedo indecisos ela existe no entanto E para explicaacute-lo o melhor instrumento eacute no momento aquele fornecido pela noccedilatildeo de protoacutetipo utilizado frequentemente pela psicologia cognitiva e aplicado algumas vezes agrave anaacutelise linguiacutestica Pode-se definir bem grosseiramente o protoacutetipo da seguinte maneira a cada palavra ou conceito estaacute associado um conjunto de

23 Significante seria a parte ldquofiacutesicardquo da palavra ou seja sua grafia e foneacutetica (SAUSSURE 2012 p 107) 24 Significado seria o ldquoconceitordquo transmitido pelo significante Portanto significante e significado satildeo duas faces da mesma folha (signo = palavra que possui sentido) (SAUSSURE 2012 p 107) 25 Esses polos seguem a diacutexis que eacute uma caracteriacutestica da linguagem humana que ldquoconsiste em fazer um enunciado referir-se a uma situaccedilatildeo definida real ou imaginaacuteria que pode ser a) quanto aos participantes do ato de enunciaccedilatildeo (1ordf pessoa ndash o que fala 2ordf pessoa ndash aquele a quem se dirige a fala 3ordf pessoa ndash todo assunto da comunicaccedilatildeo que natildeo sejam a 1ordf e 2ordf pessoas) b) quanto ao momento da enunciaccedilatildeo (diacutexis temporal) c) quanto ao lugar onde ocorre a accedilatildeo estado ou processo (diacutexis espacial)rdquo (DIacuteXIS 2009)

23

atributos que constitui o protoacutetipo do conceito e ao qual se compara todo objeto para julgar se ele se classifica ou natildeo sob esse conceito (MOLINO 1982 p 7)

Em nosso estudo claramente nos interessaraacute o nome proacuteprio em seu primeiro

polo isto eacute aquele da dimensatildeo da pessoa Afinal lidaremos com antropocircnimos e o uso

que deles faz a literatura aqui no caso a hebraica antiga Antes poreacutem conveacutem

observar que este uso natildeo eacute prerrogativa apenas da literatura hebraica Ele permeia e

tem um lugar especial na literatura universal

Por ser um signo um nome eacute um portador (significante) de significado isto eacute

ele tem sentido para algueacutem Ionescu (1994 p 306) afirma com razatildeo que um ldquoraacutepido

exame de algumas das obras mais relevantes da literatura universal prova

indubitavelmente o fato de que em um texto de ficccedilatildeo os nomes proacuteprios satildeo

altamente significativos e sempre cumprem uma finalidade poeacuteticardquo

Seguindo o quanto afirmado por Barthes

O Nome proacuteprio dispotildee de trecircs propriedades que o narrador reconhece agrave reminiscecircncia o poder de essencializaccedilatildeo (uma vez que ele designa apenas um uacutenico referente) o poder de citaccedilatildeo (uma vez que se pode chamar agrave escolha toda a essecircncia inserida no Nome ao proferi-lo) o poder de exploraccedilatildeo (uma vez que se ldquodesdobrardquo um Nome proacuteprio exatamente como se faz com uma lembranccedila) o Nome proacuteprio eacute de qualquer modo a forma linguiacutestica da reminiscecircncia [] o Nome proacuteprio se oferece a uma exploraccedilatildeo a um deciframento ele eacute ao mesmo tempo um ldquomeiordquo (no sentido bioloacutegico do termo) no qual eacute preciso mergulhar banhando-se indefinidamente em todos os devaneios que porta e um objeto precioso comprimido embalsamado que eacute necessaacuterio abrir como uma flor (BARTHES 1967 p 151)

Barthes discorda dos principais expoentes da Filosofia da Linguagem que vatildeo

de Peirce a Russell que viam no nome proacuteprio algo que designaria mas sem nada

significar Para Barthes o nome proacuteprio eacute um ldquosigno volumosordquo isto eacute cheio de

sentido que ldquonenhum uso chega a reduzir nivelar contrariamente ao nome comumrdquo

(IDEM) Ao analisar o uso que o escritor francecircs Marcel Proust (1871-1922) faz dos

nomes proacuteprios em seu monumental romance Agrave la recherche du temps perdu (Em busca

do tempo perdido) publicado de 1913 a 1926 Barthes percebe que ao lidar com os nomes

Proust estava gerindo as significaccedilotildees essenciais de sua obra E o romancista toma o

nome proacuteprio como um verdadeiro signo em suas duas dimensotildees como nota Barthes

24

[] de um lado ele pode ser lido sozinho ldquoem sirdquo como uma totalidade de significaccedilotildees numa palavra como uma essecircncia (uma ldquoentidade originalrdquo) diz Proust) ou se preferirmos uma ausecircncia pois o signo designa aquilo que natildeo estaacute laacute e de outro lado ele manteacutem com seus congecircneres relaccedilotildees metoniacutemicas estabelece a narrativa Swan e Guermantes natildeo satildeo somente duas estradas dois flancos satildeo tambeacutem dois foneticismos como Verdurin e Laumes (BARTHES 1967 P 156)

O nome portanto natildeo seria nada se natildeo fosse articulado com o seu referente

pois ldquoentre a coisa e a aparecircncia desenvolve-se o sonhordquo como constata Barthes (1967

p 156) Haacute uma motivaccedilatildeo para que aconteccedila a relaccedilatildeo entre significante e significado no

caso do nome proacuteprio na perspectiva proustiana identifica Barthes Seria ldquoum

copiando o outro e reproduzindo em sua forma material a essecircncia significada da coisa

(e natildeo a coisa mesma)rdquo (BARTHES 1967 p 157) Nesse sentido Proust sempre

segundo Barthes crecirc que a virtude dos nomes seja ensinar como ocorria em Craacutetilo de

Santo Agostinho conforme vimos acima A palavra literaacuteria portanto deveria ser lida

ldquonatildeo como o dicionaacuterio a explicita mas como o escritor a constroacuteirdquo (BARTHES 1967

p 158) O nome proacuteprio eacute uma caracteriacutestica linguiacutestica capaz de construir a essecircncia

dos objetos do romance Tomando de empreacutestimo um famoso axioma afirmariacuteamos

que ldquoPode-se dizer que o proacuteprio da narrativa natildeo eacute a accedilatildeo mas o personagem como

nome proacutepriordquo (BARTHES 1970 p 197) O nome penetrado pelos recursos

paradigmaacuteticos da obra ldquoobriga a uma leitura que ultrapassa a superfiacutecie do texto faz

confluir narraccedilatildeo personagem nome e liacutenguardquo (CRUZ 2006 p 65)

22 Psicanaacutelise

O nome proacuteprio individualiza identifica e personaliza o sujeito Assim o

ldquoconjunto de signos que forma o nome proacuteprio aleacutem de servir de marca formal

designativa do indiviacuteduo para os outros para a sociedade constitui-se como

referencial uacutenico para o sujeito ele o vive como sendo ele mesmordquo (MARTINS 1991

p 43) Para o sujeito o nome eacute mais que um signo ele eacute o seu elemento fundador uma

vez que ele coloca o sujeito no espaccedilo da interlocuccedilatildeo humana Ele permite ao

indiviacuteduo natildeo se perder na multidatildeo de corpos Ele eacute desse modo ldquoo articulador do

vivido com o mundo da linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 46)

O nome proacuteprio passa a construir o cerne daquilo que o sujeito mais preza ou

seja o seu proacuteprio ldquoeurdquo Quem daacute o nome natildeo eacute quem o recebe e aquele que o recebe

25

natildeo o solicitou Isso porque o ser eacute nomeado a partir do desejo de outro ser A

identidade da pessoa seraacute definida ao longo de sua vida apesar do nome que ela porta

Eacute o sujeito que necessita apropriar-se das significaccedilotildees que lhe foram dadas fazendo

a sua proacutepria interpretaccedilatildeo

3 O nome proacuteprio na literatura

Aquilo que se viu nos itens anteriores torna-se ainda mais vaacutelido quando se

analisa as culturas mais antigas da humanidade Quando mais nos afastamos no

tempo mais as culturas ancestrais percebiam o ato de nomear algueacutem como tocar-lhe

na proacutepria personalidade O pesquisador V Larock se pergunta com razatildeo

Seraacute que estamos tatildeo longe agraves vezes de emprestar aos nomes como [faziam] os natildeo civilizados uma sorte de realidade objetiva um prestiacutegio e um poder que ultrapassam extraordinariamente sua significaccedilatildeo literal ou sua funccedilatildeo social Natildeo experimentamos ao pronunciar nosso proacuteprio nome em certas circunstacircncias um sentimento confuso que beira seja ao orgulho seja ao temor Noacutes natildeo cercamos ainda de cerimocircnias religiosas ou profanas o ato da primeira denominaccedilatildeo E os ritos maacutegicos praticados sobre o nome satildeo tatildeo raros dentre o povo Os poetas natildeo exploraram frequentemente esta sorte de misteriosa correspondecircncia que se estabelece entre a tonalidade de um nome e a fisionomia do personagem a quem esse nome pertence (LAROCK 1932 p 13)

O filoacutelogo e linguista italiano Bruno Migliorini (1896-1975) recorda uma

circunstacircncia interessante da vida do renomado escritor alematildeo Johann Wolfgang von

Goethe (1749-1832) Este ficou descontente com um epigrama que outro conhecido

escritor criacutetico literaacuterio filoacutesofo e teoacutelogo alematildeo Johann Gottfried von Herder (1744-

1803) escrevera sobre o seu sobrenome Entatildeo Goethe teria recordado a Herder que

um nome de famiacutelia ldquonatildeo eacute como um manto que lhe estaacute pendurado por cima e que se

pode arrancar e rasgar mas uma veste perfeitamente adaptada ou como a pele

crescida juntamente com ele e que natildeo se pode raspar e arranhar sem fazer mal

tambeacutem a elerdquo (MIGLIORINI 1927 p 6) Portanto Goethe concedia ao nome proacuteprio

uma conexatildeo direta agrave personalidade o que lhe confere um caraacuteter mais especial que

um simples nome comum Como afirma Barthes (1970 p 74) ldquoQuando semas

idecircnticos atravessam vaacuterias vezes o mesmo nome proacuteprio e parecem nele se fixar

26

nasce um personagemrdquo Portanto o nome proacuteprio ficcional eacute o ldquolugar de um processo

semacircntico fundamental para a gramaacutetica da narrativardquo (NICOLE 1983 p 236)

Devido a isso o nome proacuteprio na ficccedilatildeo ultrapassa a mera identificaccedilatildeo do

personagem e a continuidade desta referecircncia ao longo da narraccedilatildeo Haacute outras

propriedades excepcionais no interior do processo ficcional de identificaccedilatildeo

Seguindo o linguista e lexicoacutegrafo ucraniano radicado no Canadaacute Jaroslav

Bohdan Rudnyckyj (1910-1995) especialista em etimologia e onomaacutestica Dirce Cocircrtes

Riedel (sd p 77-78) identifica as seguintes funccedilotildees literaacuterias do nome proacuteprio

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens

a Como na obra de Nikolai Gogol (1809-1852) Taras Bulba um romance

histoacuterico cuja primeira versatildeo eacute de 1835 e o tiacutetulo revela o nome do

personagem principal Esse velho e poderoso cossaco ucraniano por ser

arredondado (gordo) possui uma aparecircncia de bulrsquoba que significa

ldquobatatardquo Assim sendo essa palavra na funccedilatildeo de nome proacuteprio ldquosubstitui

uma extensa descriccedilatildeo realista do personagem e serve de base para que a

nossa imaginaccedilatildeo reproduza a pintura do heroacutei fictiacuteciordquo

b Algo semelhante ocorre com o nome do personagem principal de Almas

Mortas do mesmo Nikolai Gogol publicada em 1842 O nome dele eacute Paacutevel

Ivaacutenovitch Tchiacutetchicov sendo que este uacuteltimo nome Tchiacutetchicov possui um

som que sugere alguma coisa instaacutevel De fato o personagem eacute um perpeacutetuo

viajante em busca da fortuna apoacutes ter sido demitido do serviccedilo puacuteblico por

desonestidade

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra

a Recurso mais comum na poesia moderna Haacute exemplos de ldquoadaptaccedilatildeo

musical do nome ao contexto liacuterico quando usado por razotildees musicais

condicionado pela organizaccedilatildeo de toda a frase e pelo ritmordquo O valor

estrutural dos nomes proacuteprios fica claro nas oposiccedilotildees que o escritor

dramaturgo e ensaiacutesta brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954) realiza em

seu poema intitulado Cacircntico dos Cacircnticos para Flauta e Violatildeo ao mencionar

27

as amadas e a Amada Maria Antonieta dAlkmin com quem se casou em

1942 ano aliaacutes de composiccedilatildeo do referido poema Vejamos

Natildeo quero mais A inglesa Elena Natildeo quero mais A irmatilde da Nena Natildeo quero mais A bela Elena Anabela Ana Bolena Quero vocecirc Toma conta do ceacuteu Toma conta da terra Toma conta do mar Toma conta de mim Maria Antonieta dAlkmin (ANDRADE 1974 p 184)

b Algo semelhante encontra-se em Os Irmatildeos Karamaacutezov obra do escritor russo

Fioacutedor Dostoieacutevski (1821-1881) Neste romance escrito em 1879 os irmatildeos

satildeo todos ldquoenegrecidosrdquo devido suas taras O nome proacuteprio Karamaacutezov

estrutura o romance pois a primeira parte do nome kara significa negro Em

um conto do mesmo autor O senhor Prokhartchin escrito quando

Dostoieacutevski tinha apenas 25 anos de idade (1846) contata-se o mesmo

fenocircmeno A relaccedilatildeo do nome com o que ele significa eacute uma temaacutetica

essencial deste conto O tradutor ensaiacutesta e escritor ucraniano radicado no

Brasil Boris Solomonovitch Schnaiderman quando traduziu e analisou este

conto destacou a funccedilatildeo do uso do nome proacuteprio na obra de Dostoieacutevski

As suas constataccedilotildees podem ser ampliadas para vaacuterias outras obras

literaacuterias aleacutem daquelas deste autor russo

Este uso dos nomes proacuteprios significativos nem sempre tem a funccedilatildeo de colocar desde o iniacutecio maacutescara na personagem definindo-a Agraves vezes soacute depois da leitura eacute que se percebe a relaccedilatildeo entre o nome proacuteprio e o papel da personagem Eacute o caso por exemplo do nome Raskoacutelnikov que tem relaccedilatildeo com raskol heresia (o que lhe daacute certa semelhanccedila com Heregino) mas soacute depois da leitura de Crime e castigo e com um pouco de reflexatildeo eacute que se percebe realmente para o narrador o criminoso eacute um herege [] O jogo de palavras que deu origem ao nome relaciona-se com a exploraccedilatildeo das possibilidades de formaccedilatildeo de verbos a partir da palavra khartchi Assim no romance O Soacutesia imediatamente anterior ao conto aparece a forma iskhartchiacutelsia isto eacute no preteacuterito e tambeacutem no sentido de ter gasto o dinheiro com a comida natildeo obstante o preacute-verbo diferente O nome Prokhartchin eacute explorado no conto tanto na sua semacircntica que eacute claramente indicada como nas possiacuteveis variaccedilotildees alusivas (SCHNAIDERMAN 1982 p 118)

28

c Outro exemplo pode ser extraiacutedo da obra Buriti (em Corpo de Baile) do

escritor diplomata e meacutedico mineiro Joatildeo Guimaratildees Rosa (1908-1967)

trata-se do nome da personagem Mauriacutecia Esse nome conecta-se com a

denominaccedilatildeo cientiacutefica da planta que daacute nome agrave histoacuteria o buriti mauritia

viniacutefera corresponde em portuguecircs ao buritizeiro muriti muritim muruti

Portanto o nome Mauriacutecia participa das imagens que conduzem a narrativa

como um dos elementos estruturais do enredo ldquoQuando Maria da Gloacuteria

indaga de Lalinha porque natildeo tivera filhos eacute a imagem de Vovoacute Mauriacutecia

que lhe ocorre ao contemplar com amor o Buriti-Grande Neste e naquela

concentra-se a sensaccedilatildeo de estabilidaderdquo (RIEDEL sd p 83)

Lembrei de Vovoacute Mauriacutecia vocecirc sabe Ela eacute quem diz _ A gente deve ter muitos filhos quantos vierem e com amor de bem criar desistidos cuidados de se ralar sem sobrossos que Deus eacute estaacutevel (ROSA 2010 p 382)

ldquoSolidez que eacute reafirmada coincidindo quase sempre com a

contemplaccedilatildeo do Buriti sugestivo da tranquilidade estaacutevel dos

Geraisrdquo (RIEDEL sd p 84)

_ Vovoacute Mauriacutecia eacute dos Gerais Ela falava de sua gente O buritizal acolaacute impenha seu estado Tal iocirc Liodoro ndash iocirc Lidoro Mauriacutecio sendo Mauriacutecia sua matildee que no meio dos Gerais residia (ROSA 2010 p 342)

ldquoObserve-se a sintaxe claacutessica ndash denotadora ndash conotadora da

estabilidade da tradiccedilatildeo da famiacutelia mineirardquo (RIEDEL sd p 84 n

19) A presenccedila de Vovoacute Mauriacutecia eacute simboacutelica da ldquoessecircncia do que

permanecerdquo (RIEDEL sd p 84)

Maria Behuacute estava citando um ditado de Vovoacute Mauriacutecia essa falava coisas inesqueciacuteveis ldquoO sol natildeo eacute os raios dele ndash eacute o fogo da bola A gente eacute o coraccedilatildeo caladinhordquo (ROSA 2010 p 405)

A ideia de que as pessoas nunca estatildeo acabadas mas estatildeo sempre

sendo de que ldquoa vida natildeo tem passado Toda hora o barro se refazrdquo

[Cf Buriti em Corpo de Baile] ndash eacute um motivo retomado em toda a obra

de Guimaratildees Rosa Um motivo que vaacuterias vezes eacute configurado pelos

29

nomes proacuteprios Porque ldquojaneiro afofa o que dezembro endurecerdquo

[ROSA 2001 p 257]

d A amplidatildeo do ciclo da obra de Honoreacute de Balzac (1799-1850) denominada

A Comeacutedia Humana se imporaacute sob a forma de um retorno dos mesmos nomes

proacuteprios de volume em volume como bem observou Eugegravene Nicole (1983

p 236) Esse recurso de Balzac seraacute fundamental para dar uma unidade ao

conjunto de sua obra

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26 Dirce Cocircrtes Riedel

fundamenta-se em Stephen Ullmann (1914-1976)27 para trazer agrave luz essa funccedilatildeo

literaacuteria do nome proacuteprio Ullmann observa que Marcel Proust desenvolve uma teoria

dos nomes proacuteprios em sua obra Em Busca do Tempo Perdido no volume um No caminho

de Swann (1913) terceiro capiacutetulo Nome de terras o nome

Proust vecirc neles um importante fator na discrepacircncia fundamental entre imaginaccedilatildeo e realidade apontando-os como desenhadores fantasistas que nos datildeo das pessoas e dos paiacuteses esboccedilos tatildeo pouco semelhantes que experimentamos muitas vezes certo estupor quando temos diante de noacutes em lugar do mundo imaginado o mundo visiacutevel

a Para Ullmann as cores tecircm um lugar proeminente na aura associativa de certos nomes proacuteprios A mais persistente dessas associaccedilotildees eacute a tonalidade do nome ldquoGuermantesrdquo que ocorre quase como um lsquoleitmotivrsquo simbolizando o entusiasmo juvenil do narrador pela famiacutelia aristocraacutetica Ele gosta de imaginar o nome ldquobaignant comme dans un coucher de soleil dans la lumiegravere

orangeacutee qui eacutemane de cette syllabe lsquoantesrsquordquo28 (RIEDEL sd p 78)

b Aleacutem das associaccedilotildees visuais como proposto acima podem ocorrer

aquelas sonoras Nesse sentido Ullmann exemplifica trazendo um

trecho da obra do escritor e poeta francecircs Louis Henri Jean Farigoule

conhecido como Jules Romains (1885-1972) Em seu romance Les amours

enfantines no uacuteltimo capiacutetulo intitulado ldquoRumeur de la rue Reacuteaumurrdquo

ele sente vibraccedilotildees no seu nome

26 Associaccedilatildeo de palavras ou expressotildees que combinam sensaccedilotildees distintas numa impressatildeo uacutenica cruzamento de sensaccedilotildees Por exemplo na expressatildeo ldquovoz doce e maciardquo a palavra ldquovozrdquo manifesta uma sensaccedilatildeo auditiva o vocaacutebulo ldquodocerdquo exprime uma sensaccedilatildeo gustativa e finalmente a palavra ldquomaciardquo revela uma sensaccedilatildeo taacutetil 27 Linguista huacutengaro que transcorreu a maior parte de sua vida na Inglaterra o qual em sua obra intitulada Style in the French novel (Cambridge [UK] University Press 1957) ressalta tais tipos de associaccedilotildees dos nomes proacuteprios 28 Traduccedilatildeo banhando-se como em um por do sol na luz alaranjada que emana desta siacutelaba ldquoantesrdquo

30

Son nom mecircme qui ressemble agrave um chant de roues et de murailles agrave une treacutepidation drsquoimmeubles agrave la vibration du beacuteton sous lrsquoasphalte au bourdonnement des convois souterrainshellip (ULLMANN 1967 p 183 n 2)

Jules Romains menciona o nome de uma rua de Paris rue Reacuteaumur

e afirma que ele se parece ao som de rodas e paredes e vaacuterias outras

formas de trepidaccedilatildeo vibraccedilatildeo e estrondos urbanos Esses motivos

hermeticamente fundidos com o tema de fluxo e refluxo do livro satildeo

incorporados na forma de som da rue Reacuteaumur

Esse tipo de associaccedilatildeo tambeacutem ocorre na obra do escritor e poliacutetico

francecircs Franccedilois-Reneacute de Chateaubriand (1768-1848) como observa

Jean Mourot Haacute na seleccedilatildeo de nomes proacuteprios dos personagens de

suas obras uma acurada preocupaccedilatildeo pela sonoridade Isso se

comprova pela frequecircncia da consoante liacutequida ldquolrdquo e da vogal final

ldquoardquo na maioria dos nomes das heroiacutenas como por exemplo Atala

Ceacuteluta Blanca Mila entre outras Em sua obra apologeacutetica Geacutenie du

Christianisme (1802) o proacuteprio Chateaubriand admite ldquoAcusar-nos-

atildeo de tentar surpreender o ouvido com sons suaves se lembrarmos

estes conventos de Aqua-Bella Bel-Monterdquo (CHATEAUBRIAND

1809 p 119)

c Outro exemplo de associaccedilatildeo sonora produzida pela onomaacutestica na

literatura encontramos no escritor Guimaratildees Rosa Augusto de

Campos observa em Grande Sertatildeo Veredas de Guimaratildees Rosa o tema-

timbre do personagem Diadorim que ldquonatildeo rotula ndash ou denota ndash

simplesmente o personagem a que estaacute aderido Eacute isomoacuterfico em relaccedilatildeo

agrave personalidade do personagemrdquo (CAMPOS 1959) Comenta a

fisiognomia29 semacircntica da Riobaldo ndash etimologia de invenccedilatildeo rio + baldo

(frustrado) ndash e a de Diadorim ndash ldquocaleidoscoacutepio em miniatura de

reverberaccedilotildees semacircnticas suscitadas por associaccedilatildeo formalrdquo (IDEM) a)

Dia + adora (ser) b) Diaacute (diabo) + dor (natildeo-ser) + im Em ldquodois planos

29 Eacute a arte de conhecer o caraacuteter do indiviacuteduo a partir de suas feiccedilotildees (FISIOGNOMONIA 2009)

31

de significado (lsquodeusrsquo ou o lsquodemorsquo sempre) se bifurca desde o nome

essa criatura que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e

mais para muito amar sem gozo de amorrdquo Campos continua a

observar que ldquoO amor condenado que Riobaldo nutre por Diadorim

lanccedila-o frequentemente na indagaccedilatildeo da procedecircncia (demoniacuteaca) do

seu sentimentordquo (IDEM) Diaacute = o diabo e Diadorim ldquoProcesso de

metamorfose etimoloacutegicardquo (IDEM) que eacute enfatizado quando Riobaldo se

refere ao nome do alematildeo Vupes ldquoE como eacute mesmo que o senhor fraseia

Wusp Eacute Seu Emiacutelio Wuspes Wuacutespiss Vupses Pois esse Vupesrdquo

(IDEM) Diadorim ndash um nome perpetual laquoA accedilatildeo da presenccedila

onomaacutestica de Diadorim se faz sentir verberando pelas aacutereas

circunvizinhas ora sutilmente atraveacutes de uma incidecircncia maior de

fonemas em ndash d ndash ora de maneira mais expliacutecita pelo emprego da rima

em ndashim Satildeo pegadas sonoras que assinalam com um timbre

inconfundiacutevel a presenccedila do personagem como que a prolongar o seu

ldquoprazo de perfumerdquo

Diadorim tambeacutem disso natildeo disse (ROSA 1994 p 41) Desistir de Diadorim foi o que eu falei Digo desdigo (ROSA 1994 p 256)

Augusto de Campos nota ainda as rimas em ndashim que circulam ao

redor do nome Diadorim como no exemplo seguinte

Quem era assim para mim Diadorim (ROSA 1994 p 249) Dirce Cocircrtes Riedel constata tambeacutem que ldquoRiobaldo Diadorim

Norinhaacute Otaciacutelia Zeacute Bebelo Liodoro Mauriacutecia Lalinha Glorinha

Gualberto Maria Beuacute Soropita Doralda tecircm ressonacircncia

associativa concorrendo na organizaccedilatildeo do enredordquo (RIEDEL sd

p 83) da obra Buriti reunida em Corpo de Baile Observe-se a

frequecircncia de ldquorrdquo e ldquolrdquo

d Permanecendo ainda na obra de Guimaratildees Rosa pode-se tomar outro

exemplo a partir do uso da vogal ldquoirdquo a qual com a sua ressonacircncia

expressa carinho Haacute portanto uma carga afetiva na assonacircncia do ldquoirdquo

vejamos

32

A menina de laacute morava para traacutes da Serra do Mim E ela menininha por nome Maria Nhinhinha dita (ROSA Primeiras Estoacuterias) Iocirc Irvino iocirc Iacutesio iaacute-Dijina Lalinha Glorinha Mauriacutecia Alcina (Buriti)

Como bem nota Ana Maria Machado em sua tese doutoral orientada

por Roland Barthes na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes de Paris

[] o Nome natildeo tem apenas a funccedilatildeo de indicar um personagem ou de individualizaacute-lo nem mesmo de caracterizaacute-lo sumariamente de modo alegoacuterico O nome proacuteprio em Guimaratildees Rosa significa ao contraacuterio de todas as opiniotildees claacutessicas a respeito da natildeo-significaccedilatildeo do Nome Na obra rosiana esse significado pode ligar-se agrave funccedilatildeo do personagem na narrativa o Grivo eacute quem grifa Ivo Crocircnico eacute quem modifica a cronologia Osoacuterio eacute quem a montanha escolhe para destinataacuterio do recado e assim por diante Mas o mais importante eacute que essa significaccedilatildeo nunca eacute isolada e soacute se verifica realmente se o Nome eacute tambeacutem tomado no conjunto do texto como parte de um sistema em que um elemento soacute existe por oposiccedilatildeo aos outros (MACHADO 2013 p 113-114)30

O nome em Guimaratildees Rosa natildeo atua como um mero elemento de

identificaccedilatildeo eacute um ldquosigno motivado que apresenta uma relaccedilatildeo

direta entre o significante e o referenterdquo (CRUZ 2006 p 66) O nome

rosiano parece querer buscar a transcendecircncia da palavra ao criar um

recurso narrativo que ldquodestaca a aglutinaccedilatildeo sonora e espacial e cria

um tipo de linguagem em que a palavra-nome ganhando peso e

medida instaura a individuaccedilatildeo do sujeito nomeadordquo (IDEM) Se

por um lado Guimaratildees Rosa manifesta um claro interesse pelo teor

semacircntico do nome proacuteprio por outro lado ele ldquofaz prevalecer a

poeticidade da forma ndash destaca a configuraccedilatildeo focircnica e graacutefica

diferente de muitos dos nomes do escritor que satildeo orientados para

fazer eclodir um discurso lsquomimeacuteticorsquo que aflore significados de forma

veladardquo (IBID p 67) Assim sendo muitos dos nomes atraem pelos

seus componentes formais letra som e variaccedilatildeo lexical

Ullmann natildeo deixa de assinalar que ateacute os nomes proacuteprios as mais concretas

de todas as palavras estatildeo sujeitos ao contexto soacute este especificaraacute o que temos em

30 Essa obra eacute altamente recomendaacutevel para deslindar os antropocircnimos de Guimaratildees Rosa e perceber-se as vaacuterias funccedilotildees do nome de pessoas numa obra literaacuteria

33

mente quanto ao aspecto e caraacuteter do personagem ou do local (ULLMANN 1967 p

151) Eugegravene Nicole (1983 p 234) percebe que o uso dos nomes proacuteprios no texto

ficcional ldquonatildeo pode ser sem relaccedilatildeo com seu funcionamento na vida social que o

romancista representa ou na linguagem lsquonaturalrsquo que ele utilizardquo Isso se torna ainda

mais claro ao analisar-se por exemplo a obra da Guimaratildees Rosa como jaacute

mencionamos acima Em alguns de seus contos como eacute o caso de Desenredo e

Orientaccedilatildeo reunidos em sua obra Tutameacuteia um mesmo personagem recebe vaacuterios

nomes colocando em foco ldquosujeitos fadados a conviver com a sua multiplicidade

sujeitos que convivem numa atmosfera ambiacutegua e dupla Os vaacuterios nomes geram a

possibilidade da cesura no sentir e pensar desse sujeito muacuteltiplordquo (CRUZ 2006 p 66)

Nesses contos o nome possui a funccedilatildeo de signo que traduz esse sujeito muacuteltiplo e

duplo cindido em sua proacutepria contradiccedilatildeo Nessa diversidade do nome ldquoo sujeito

convive com a duplicidade e na confusatildeo interior busca a unidade na diversidade

Personagens atuam como narcisos dilacerados os reflexos do lsquoeursquo estatildeo representados

na biparticcedilatildeo do nomerdquo (IDEM)

No texto biacuteblico que passaremos a analisar a partir do terceiro capiacutetulo poderaacute

se verificar algo que se aproxima desse fenocircmeno rosiano guardadas evidentemente

as devidas proporccedilotildees e diferenccedilas de estilo e gecircnero O personagem Jacoacute assume uma

nova identidade quando tem seu nome mudado pelo ser com o qual se encontra e luta

agraves margens do rio Jaboc (cf Gn 3228-29) A duplicidade do personagem que desde o

seu nascimento apresenta caracteriacutesticas de trapaceiro (cf Gn 2525 2736) e obteacutem os

benefiacutecios da primogenitura por meio de diversos truques (cf Gn 2529-34 271-40) se

revela com o recebimento do novo nome (Gn 3229) Assim como ocorre com alguns

personagens de Guimaratildees Rosa Jacoacute separa-se de si mesmo e incorpora o papel de

um ldquooutrordquo ocultado na cisatildeo de vaacuterios nomes Mas as semelhanccedilas natildeo param por aiacute

Assim como haacute uma preocupaccedilatildeo em justificar o novo nome do personagem ndash Israel ndash

por parte do texto biacuteblico na obra de Guimaratildees Rosa observa-se tal requinte no jogo

etimoloacutegico Somente para ficarmos em um exemplo tomemos novamente o conto

Buriti onde iocirc Liodoro cujo nome completo eacute Liodoro Mauricio Faleiros desempenha

um papel central Sendo que ldquoEacute para ele que tudo converge eacute nele que tudo se articula

eacute dele que se irradiam os acontecimentos eacute seu peso de patriarca e proprietaacuterio que

34

domina o universo do contordquo (MACHADO 2013 p 114) O nome Liodoro proveacutem de

Heliodoro que a rigor designaria dom de Heacutelios daacutediva do sol Mas Guimaratildees Rosa

vai beber na fonte da etimologia popular para usar a significaccedilatildeo de ldquosol de ourordquo E

de fato eacute entorno de Liodoro que gravitam a famiacutelia e os agregados do Buriti Grande

Mas haacute mais pormenores nesse nome

Lio eacute tambeacutem o radical que indica ldquolisordquo Liodoro liso e duro Pois liso e duro com roliccedilo satildeo caracteriacutesticas insistentemente disseminadas pelo texto num dos vaacuterios desdobramentos desse Nome Lio eacute ainda feixe viacutenculo a articular entre si os diversos personagens e acontecimentos da trama Outra faixa de significados postos em accedilatildeo por esse significante eacute a de liana no contiacutenuo enleamento e enredamento em que se tecem os fios do enredo e do texto num emaranhado vegetal em torno agrave grande aacutervore que eacute iocirc Liodoro Aacutervore porque ele eacute Mauriacutecio como sua matildee a vovoacute Mauriacutecia dos Gerais figura quase miacutetica evocada pela famiacutelia [] Mas sobretudo Mauriacutecio como o Buriti palmeira cujo nome cientiacutefico eacute Mauritia vinifera Natural pois que sua mulher se chamasse iaiaacute Vininha autenticando a homologia com seu Nome que tambeacutem alude a Vecircnus e confirma que iocirc Liodoro vive sob o signo do amor (MACHADO 2013 p 114-115)

Para o linguista dinamarquecircs que se especializou em gramaacutetica inglesa Jens

Otto Harry Jespersen (1860-1943) mais conhecido por Otto Jespersen os nomes

proacuteprios conotam o maior nuacutemero de atributos sendo que a conotaccedilatildeo eacute inerente ao

nome algo com uma existecircncia independente de qualquer conhecimento humano O

linguista se interroga ldquoSe os nomes proacuteprios como de fato entendidos natildeo

conotassem muitos atributos natildeo saberiacuteamos compreender ou explicar o fenocircmeno

corriqueiro de um nome proacuteprio tornar-se um nome comumrdquo (JESPERSEN 1963 p

66) E ele se coloca ainda mais uma questatildeo

[] como uma sequecircncia de sons sem sentido nenhum de natildeo conotativa passa a conotativa sentido aceito por toda comunidade falante [] Uma qualidade eacute selecionada e passa a caracterizar outros seres e coisas possuiacutedas da mesma qualidade Eacute o mesmo processo encontrado nos nomes comuns como quando uma flor em forma de sino eacute chamada um sino natildeo obstante natildeo haver os outros aspectos de um sino real ou quando algum poliacutetico eacute chamado de velha raposa ou quando dizemos que peacuterola ou que joiardquo de uma mulher A transferecircncia no caso de nomes proacuteprios originais eacute devido agrave mesma causa como no caso de nomes comuns ou seja a sua conotatividade e a diferenccedila entre as duas classes eacute portanto para ser vista como apenas de grau (JESPERSEN 1963 p 67)

35

Portanto como jaacute vimos no primeiro item deste capiacutetulo para Jespersen natildeo eacute

possiacutevel considerar os nomes proacuteprios como natildeo conotativos por ser uma abstraccedilatildeo o

que designamos por um nome individual Cada indiviacuteduo muda constantemente

transforma-se a cada momento e o nome serve para fixar os elementos permanentes

das apariccedilotildees flutuantes ou reduzi-las a um denominador comum Concluindo

ldquoQuanto mais especificamente uma coisa eacute denotada mais provaacutevel eacute que o nome seja

escolhido arbitrariamente e mais se aproximaraacute de um nome proacuteprio ou em tal se

tornaraacuterdquo (JESPERSEN 1963 p 71) Tal constataccedilatildeo jaacute havia realizado Michel Breacuteal

quando afirma

Se se classificasse os nomes segundo a quantidade de ideias que eles suscitam os nomes proacuteprios deveriam estar no topo porque eles satildeo os mais significativos de todos sendo os mais individuais Um adjetivo como augustus tornando-se o nome de Otaacutevio adquiriu uma quantidade de ideias que lhe eram anteriormente estranhas De outro lado basta confrontar a palavra Ceacutesar entendida como o adversaacuterio de Pompeu e a palavra alematilde Kaiser que significa ldquoimperadorrdquo para ver que um nome proacuteprio perde em compreensatildeo ao tornar-se um nome comum De onde se pode concluir que do ponto de vista semacircntico os nomes proacuteprios satildeo substantivos por excelecircncia (BREacuteAL 1897 p 198)

Essa constataccedilatildeo de Jespersen eacute importante no uso que a literatura faz dos

nomes proacuteprios Um exemplo disso encontramos em Padre Antoacutenio Vieira o qual

lembra que os patriarcas antigos escolhiam para os filhos nomes que eram uma

profecia do seu futuro e do de descendentes O interesse nos nomes proacuteprios entre os

barrocos do seacuteculo XVII eacute grande porque se acreditava que o destino do indiviacuteduo

depende em parte da escolha de seu nome31 Caracteriacutestica esta muito proacutexima agrave

literatura hebraica claacutessica no uso que faz em algumas ocasiotildees do nome proacuteprio

como veremos em capiacutetulos sucessivos

Eacute oportuno destacar aqui que natildeo somente a identificaccedilatildeo de um personagem

atraveacutes de seu nome proacuteprio eacute importante na obra ficcional narrativa mas tambeacutem a

rejeiccedilatildeo da identificaccedilatildeo individual de algum personagem na obra A obra literaacuteria

classifica seus personagens atraveacutes da dicotomia que opotildee os portadores de nomes

agravequeles que deles satildeo desprovidos Aqueles que recebem um nome satildeo os

31 Segundo CANTEL 1959 apud RIEDEL sd p 81

36

personagens propriamente ditos Apesar de que em meados do seacuteculo passado um

movimento literaacuterio optou consciente e voluntariamente pela ausecircncia total de nomes

ou a abundacircncia de significantes que podiam se deformar ao longo da narrativa Esse

foi o caso do denominado Nouveau roman32 Em outras ocasiotildees a obra de ficccedilatildeo utiliza

os recursos do sistema apelativo tais como certos nomes comuns tiacutetulos certos

termos de relaccedilatildeo de parentesco etc a fim de designar o personagem no sistema geral

do texto Assim sendo ldquotal apelaccedilatildeo social chama a atenccedilatildeo pelo seu caraacuteter

sistemaacutetico e exclusivordquo (NICOLE 1983 P 240) Como exemplo pode-se citar o

prenome de Madame de Recircnal que eacute Louise na obra O vermelho e o negro de 1830 de

Henri-Marie Beyle mais conhecido como Stendhal (1783-1842) O prenome desse

personagem Louise nos eacute dado uma soacute vez num soliloacutequio de seu marido

(STENDHAL 1963 p 125) e natildeo aparece jamais em outro lugar do romance Eacute um

personagem sem ldquoautonomiardquo no sentido de que eacute sempre designada em sua relaccedilatildeo

de esposa Como bem observa Eugegravene Nicole (1983 p 240-241) ldquoinspirada no coacutedigo

social a forma habitual (Madame de Racircnal) se revelaraacute aqui como significante na

medida em que ela aparece como efeito do apagamento regular de seus apelativos

substitutosrdquo Essa funccedilatildeo classificatoacuteria que o nome possui em sentido geral eacute

tambeacutem uma funccedilatildeo de significaccedilatildeo pois ldquoSignificar para o nome proacuteprio quer dizer

inserir o portador nessas hierarquias e inscrevecirc-lo no lugar que lhe eacute de direitordquo

(GRIVEL 1973 p 130)

32 ldquoA expressatildeo Nouveau Roman (novo romance) refere-se a um movimento literaacuterio francecircs dos anos 1950 que diverge dos gecircneros literaacuterios claacutessicos Eacutemile Henriot cunhou o tiacutetulo num artigo do popular jornal francecircs Le Monde no dia 22 de maio de 1957 para descrever os experimentos estiliacutesticos de alguns escritores que criavam um estilo essencialmente novo a cada romance Alain Robbe-Grillet um influente teoacuterico assim como um representante do nouveau roman publicou uma seacuterie de ensaios sobre a natureza e o futuro do romance que foram posteriormente reunidos na obra Pour un nouveau roman Rejeitando muitas das caracteriacutesticas estabelecidas no romance ateacute entatildeo Robbe-Grillet julgou os romancistas predecessores como antiquados em razatildeo do foco que colocavam no enredo na accedilatildeo na narrativa nas ideias e nos personagens Em vez disso ele apresentou uma teoria do romance cujo foco recai sobre os objetos o nouveau roman ideal seria uma versatildeo e visatildeo individual das coisas subordinando trama e personagem aos detalhes do mundo ao inveacutes de arrolar o mundo a serviccedilo deles Assim de acordo com os autores do nouveau roman natildeo faria sentido escrever romances agrave maneira de Balzac com personagens bem definidos enredo com comeccedilo meio e fim Eles estariam em vez disso mais proacuteximos da literatura introspectiva de Stendhal ou Flaubert Natildeo admitiam a descriccedilatildeo dos personagens mdash que segundo eles seria influenciada por vieacutes ideoloacutegico mdash mas a exploraccedilatildeo dos fluxos de consciecircnciardquo (NOUVEAU ROMAN 2015)

37

Desse modo tanto a poeacutetica do nome proacuteprio ficcional isto eacute a motivaccedilatildeo que o

autor confere ao nome que ele ldquofabricardquo quanto a sua poieacutetica ou seja o processo do

fazer poeacutetico devem ser levados em conta pela onomaacutestica literaacuteria Eacute como constata

Roland Barthes (1967 p 152 ndash citaccedilatildeo livre) ldquoo romancista tem o dever de formar nomes

justosrdquo

A relaccedilatildeo do nome proacuteprio e do conteuacutedo textual pode se manifestar em geral

como uma relaccedilatildeo interna ou externa No primeiro caso ldquoo Nome parece exercer na

obra um papel tatildeo central que ele soacute pode ser contemporacircneo de sua concepccedilatildeo

original ou pelo menos de suas primeiras elaboraccedilotildeesrdquo (NICOLE 1983 p 243)

Concebe-se por relaccedilatildeo ldquoexternardquo quando o nome pode ser ldquoreduzido aos quadros do

esboccedilo precedenterdquo (IDEM) da obra literaacuteria

Concluindo este item sobre a relaccedilatildeo entre nome proacuteprio e literatura eacute oportuno

chamar em testemunho um texto claacutessico como Retoacuterica de Aristoacuteteles (384-322 AEC)

o qual assinala que um dos ldquotoacutepicosrdquo do uso de silogismos com funccedilatildeo retoacuterica a arte

da persuasatildeo se obteacutem atraveacutes do uso do ldquonomerdquo

Outro toacutepico obteacutem-se do nome Por exemplo como diz Soacutefocles Claramente levas o nome de ferro33 E tal como se costumava dizer-se dos nomes dos deuses e como Cocircnon chamava a Trasibulo ldquoo de ousada decisotildeesrdquo34 e Heroacutedico dizia a Trasiacutemaco ldquoeacutes sempre um combatente ousadordquo35 e a Polo ldquoeacutes sempre um potrordquo36 Tambeacutem de Draacutecon o legislador se afirmava que as suas leis natildeo eram de homem mas de dragatildeo (porque eram muito severas)37 Como tambeacutem Heacutecuba em Euriacutepedes diz a Afrodite

33 ldquoSidero significa ferro No texto haacute um jogo etimoloacutegico (que de resto remete para o toacutepico enunciado apoacute toucirc onoacutematos) entre o nome Σιδηρώ (nome proacuteprio) e σίδηρος (ferro ou arma de ferro) O verso eacute retirado da trageacutedia de Soacutefocles Tirordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 150 p 227) 34 ldquoThrasyboulon Mais um exemplo de jogo de palavras muito apreciado pelos Atenienses Com efeito o nome Thrasyboulos eacute um composto de θρασύς (ousado) e βουλή (resoluccedilatildeo decisatildeo) Cocircnon eacute um general ateniense vencedor de Pisandro em Cnido (394 aC) e restaurador da democracia atenienserdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 151 p 228) 35 ldquoThrasymachos mestre de retoacuterica que surge na Repuacuteblica de Platatildeo (livro I) como interlocutor de Soacutecrates eacute visto aqui sob o acircngulo etimoloacutegico θρασύς e μάχη (audaz ou ousado no combate) Quanto a Heroacutedico desconhecem-se testemunhos fidedignosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 152 p 228) 36 ldquoComo se sabe Polo sofista disciacutepulo de Goacutergias significa lsquopotrorsquo ou lsquocavalorsquordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 153 p 228) 37 ldquoDrakon significa lsquodragatildeorsquo ou lsquoserpentersquo Entre 624 aC e 621 aC parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito Nelas se introduz pela primeira vez na Greacutecia a distinccedilatildeo fundamental entre homiciacutedio voluntaacuterio e involuntaacuterio Esta empresa foi atribuiacuteda a um certo Draacutecon de cuja existecircncia alguns historiadores duvidam Mais tarde Draacutecon ficaraacute famoso por ser extremamente severo donde o adjetivo lsquodraconianorsquo que ficou proverbial Cf Aristoacuteteles Poliacutetica II 12rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 154 p 228)

38

Eacute com razatildeo que a palavra ldquoinsensatezrdquo comeccedila o nome da deusa38 E como Quereacutemon Penteu epocircnimo de desgraccedila futura39 (ARISTOacuteTELES 2005 1400b)

Nessa mesma linha de uma leitura mais ou menos improvisada do nome

proacuteprio como acabamos de ver em Aristoacuteteles tem-se um exemplo mais recente em

Honoreacute de Balzac autor jaacute mencionado neste estudo que em sua obra Z Marcas ao

abrir sua novela escreve

Eu jamais vi algueacutem mesmo incluindo os homens notaacuteveis de nosso tempo cujo aspecto fosse mais impressionante que aquele deste homem o estudo de sua fisionomia inspirava primeiramente um sentimento repleto de melancolia e terminava por dar uma sensaccedilatildeo quase dolorosa Existia uma certa harmonia entre a pessoa e o nome Este Z que precedia Marcas que se via nos endereccedilos de suas cartas e que ele natildeo esquecia jamais em sua assinatura esta uacuteltima letra do alfabeto oferecia ao espiacuterito algo de fatal MARCAS Repeti-vos a voacutes mesmos esse nome composto de duas siacutelabas natildeo encontrais nele uma sinistra significaccedilatildeo Natildeo vos parece que o homem que o porta deva ser martirizado Embora estranho e selvagem esse nome tem no entanto o direito de ir agrave posteridade ele eacute bem composto ele se pronuncia facilmente ele possui essa brevidade desejaacutevel aos nomes ceacutelebres Natildeo eacute tatildeo suave que seja estranho Mas ele natildeo parece inacabado Eu natildeo me ocuparia em afirmar que os nomes natildeo tecircm nenhuma influecircncia sobre o destino Entre os fatos da vida e o nome dos homens haacute segredos e inexplicaacuteveis concordacircncias ou desacordos visiacuteveis que surpreendem frequentemente correlaccedilotildees distantes mas eficazes se revelam nele Nosso mundo estaacute cheio tudo nele se sustenta Talvez retornaremos algum dia agraves Ciecircncias Ocultas Voacutes natildeo vedes na construccedilatildeo do Z um olhar contrariado Seraacute que natildeo aparece nele o ziguezague aleatoacuterio e lunaacutetico de uma vida atormentada Que vento soprou sobre esta letra que em cada liacutengua em que ela eacute admitida comanda quanto muito cinquenta palavras Marcas se chamava Zeacutephirin Satildeo Zeacutephirin eacute muito venerado na Bretanha Marcas era Bretatildeo Examinai ainda esse nome Z Marcas Toda a vida do homem estaacute na combinaccedilatildeo fantaacutetica dessas sete letras Sete O mais significativo dos nuacutemeros cabaliacutesticos O homem morreu aos trinta e cinco anos e sua vida foi composta por sete candelabros Marcas Natildeo tendes a ideia de algo precioso que se quebra por uma queda com ou sem ruiacutedo (BALZAC 1853 p 6-8)40

38 ldquoTroades 990 O nome da deusa Afrodite responsaacutevel primeira pela destruiccedilatildeo de Troacuteia e pela desgraccedila de Heacutecuba comeccedila por άφροσύνη (insensatez loucura)rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 155 p 228) 39 ldquoΠενθεύς (nome proacuteprio) e πένθος (luto tristeza) Jogo de palavras de acordo com a natureza traacutegica do heroacutei Cf Euriacutepides Bacchae 508 Quanto a Querecircmon soacute sabemos que foi um poeta traacutegico do seacuteculo IV aCrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 156 p 228) 40 A traduccedilatildeo acima eacute pessoal O texto no original francecircs eacute o que segue ldquoJe nrsquoai jamais vu personne en comprenant mecircme les hommes remarquables de ce temps dont lrsquoaspect fucirct plus saisissant que celui de cet homme lrsquoeacutetude de sa physionomie inspirait drsquoabord un sentiment plein de meacutelancolie et finissait par donner une sensation presque douloureuse Il existait une certaine harmonie entre la personne et le nom Ce Z qui preacuteceacutedait Marcas qui se voyait sur lrsquoadresse de ses lettres et qursquoil nrsquooubliait jamais dans sa signature cette derniegravere lettre de lrsquoalphabet offrait agrave lrsquoesprit je ne sais quoi de fatal

39

Como verifica Eugegravene Nicole (1983 p 244) sobre esta passagem ldquoo ato de

nomear vai associado a uma argumentaccedilatildeo que nada mais eacute que o proacuteprio assunto da

novela assunto que se encontra por assim dizer em poucas palavras na leitura a qual

se presta o nomerdquo Todo esse texto reivindica o uso do nome proacuteprio como signo da

motivaccedilatildeo da obra literaacuteria Eacute como uma ldquoinscriccedilatildeo fundadora de um relato o proacuteprio

anuacutencio de um destino notaacutevelrdquo (IDEM)

Por isso seguindo Franccedilois Rigolot (1982 p 139) podemos constatar que ldquoa

significaccedilatildeo do Nome poeacutetico seraacute entendida como um subterfuacutegio para apreender

indiretamente a ideologia do textordquo Esta eacute a intenccedilatildeo de nossa pesquisa

O nome proacuteprio que em si mesmo poderia permanecer ldquoopacordquo isto eacute sem

nenhuma significaccedilatildeo especial quando colocado em posiccedilatildeo de texto (cf RIGOLOT

1982 p 137) portanto quando se torna um nome poeacutetico adquire uma significaccedilatildeo pela

qual rebusca as suas motivaccedilotildees Nessa tarefa o nome proacuteprio atua em dois eixos

principais ldquoO eixo semasioloacutegico parte do signo para explicitar o seu sentido [semacircntica

sincrocircnica] enquanto o eixo onomasioloacutegico integra o sentido global do texto para

inventar um signo que justifica o melhor possiacutevel esse sentido [semacircntica diacrocircnica]rdquo

Nesse sentido podemos fazer nossas as palavras de Paul Guiraud (1972 p

406) ldquo[] as palavras engendram a faacutebula onde a realidade devia engendrar as

palavrasrdquo

MARCAS Reacutepeacutetez-vous agrave vous-mecircme ce nom composeacute de deux syllabes nrsquoy trouvez-vous pas une sinistre signifiance Ne vous semble-t-il pas que lrsquohomme qui le porte doive ecirctre martyriseacute Quoique eacutetrange et sauvage ce nom a pourtant le droit drsquoaller agrave la posteacuteriteacute il est bien composeacute il se prononce facilement il a cette briegraveveteacute voulue pour les noms ceacutelegravebres Nrsquoest-il pas aussi doux qursquoil est bizarre mais aussi ne vous paraicirct-il pas inacheveacute Je ne voudrais pas prendre sur moi drsquoaffirmer que les noms nrsquoexercent aucune influence sur la destineacutee Entre les faits de la vie et le nom des hommes il est de secregravetes et drsquoinexplicables concordances ou des deacutesaccords visibles qui surprennent souvent des correacutelations lointaines mais efficaces srsquoy sont reacuteveacuteleacutees Notre globe est plein tout srsquoy tient Peut-ecirctre reviendra-t-on quelque jour aux Sciences Occultes Ne voyez-vous pas dans la construction du Z une allure contrarieacutee Ne figure-t-elle pas le zigzag aleacuteatoire et fantasque drsquoune vie tourmenteacutee Quel vent a souffleacute sur cette lettre qui dans chaque langue ougrave elle est admise commande agrave peine agrave cinquante mots Marcas srsquoappelait Zeacutephirin Saint Zeacutephirin est tregraves veacuteneacutereacute en Bretagne Marcas eacutetait Breton Examinez encore ce nom Z Marcas Toute la vie de lrsquohomme est dans lrsquoassemblage fantastique de ces sept lettres Sept le plus significatif des nombres cabalistiques Lrsquohomme est mort agrave trente-cinq ans ainsi sa vie a eacuteteacute composeacutee de sept lustres Marcas Nrsquoavez-vous pas lrsquoideacutee de quelque chose de preacutecieux qui se brise par une chute avec ou sans bruitrdquo

40

4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

Do ponto de vista antropoloacutegico os nomes proacuteprios satildeo mais que um termo

que permite a identificaccedilatildeo Eles constituem ldquoo proacuteprio sistema de parentesco na

medida em que formam o lsquoEgorsquo nuclear de cada um dos elementosrdquo Segundo Claude

Leacutevi-Strauss ldquoos nomes proacuteprios fazem parte integrante de sistemas tratados por noacutes

como coacutedigos meios de fixar significaccedilotildees transpondo-as para termos de outras

significaccedilotildeesrdquo (LEacuteVI-STRAUSS 1970 p 200) Portanto os nomes proacuteprios se oferecem

a um deciframento a uma exploraccedilatildeo

O nome como se poderaacute verificar posteriormente possui em vaacuterias

civilizaccedilotildees um caraacuteter sagrado no entanto ele estaacute fortemente ligado ao aspecto

profano ou melhor dizendo ao aspecto social Eacute o que afirma Francisco Martins

inspirado no pensamento do antropoacutelogo Marcel Mauss

O mito religioso da identidade da alma e do nome encontra sua explicaccedilatildeo na organizaccedilatildeo social Ao mesmo tempo que o nome se inscreve em um sistema mitoloacutegico ele daacute precisatildeo a uma determinada posiccedilatildeo social [] Assim toda a legenda da alma viria da necessidade de nomear os membros de precisar suas posiccedilotildees entre os vivos e os mortos (MARTINS 1991 P 154)

A preocupaccedilatildeo do estudo antroponiacutemico por parte da antropologia num

primeiro momento deteve-se mais diante da grande tarefa de classificar ou seja

distinguir categorias de nomes de pessoa Para tal costumava-se operar tal

classificaccedilatildeo em vista de trecircs funccedilotildees

[] seja em funccedilatildeo de sua origem linguiacutestica ou dialetal (esforccedila-se desde entatildeo em identificar camadas e aacutereas antroponiacutemicas) seja em funccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas (classificam-se os nomes por registros conforme as afinidades reconhecidas prenomes de inspiraccedilatildeo religiosa ou profana apelidos que denotam particularidades fiacutesicas profissionais etc) seja em funccedilatildeo de sua formaccedilatildeo ou de sua composiccedilatildeo (procurar-se seguir em detalhe as etapas de fixaccedilatildeo dos nomes) (BROMBERGER 1982 p 103)

No entanto para muitos a missatildeo da antropologia quando se aplica ao estudo

dos nomes proacuteprios de pessoas seria bem outra Ou seja

[] identificar no seio de uma sociedade as regras de atribuiccedilatildeo dos nomes os princiacutepios segundo os quais se classificam se nomeiam indiviacuteduos singulares e diferentes (pelo seu sexo pela sua pertenccedila a uma famiacutelia a um

41

clatilde a uma geraccedilatildeo a uma localidade) as leis que regem o sistema de apelaccedilotildees [] enfim as propriedades ndash sintagmaacuteticas ndash que diferenciam nos enunciados os nomes de pessoas das outras classes nominais e as normas ndash sociais ndash que prescrevem-no ou interditam o emprego no discurso (IBID p 104)

Portanto a nova proposta da antropologia eacute abordar os nomes proacuteprios de

pessoas natildeo como meros indicadores de indiviacuteduos mas analisaacute-los em seu contexto

isto eacute as funccedilotildees que eles exercem nas sociedades em que satildeo empregados

O ato de nomear algueacutem natildeo eacute puramente voluntaacuterio ou casual mas fruto de

longas tradiccedilotildees de determinada populaccedilatildeo Um exemplo disto pode-se encontrar

num estudo que analisou a regiatildeo francesa da Provence durante o seacuteculo XVIII Em

grande parte das sociedades meridionais da Franccedila mas tambeacutem em outras o filho

mais velho herdava o prenome do seu avocirc paterno o mais novo herdava o nome de

seu avocirc materno No caso das filhas a escolha eacute simetricamente inversa ou seja a filha

mais velha recebia o prenome de sua avoacute materna a mais nova era nomeada segundo

o prenome de sua avoacute paterna (cf IDEM)

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas

A pesquisa antropoloacutegica de populaccedilotildees interioranas francesas da Idade Meacutedia

e do iniacutecio da Idade Moderna bem como de povos mais primitivos do norte da Aacutefrica

por exemplo colocou em questatildeo a funccedilatildeo decircitica que se quis ver no ato de nomear

pessoas Designar e identificar um indiviacuteduo uacutenico natildeo corresponde agrave realidade dos

fatos quando se analisa o ato nominador

Em muitas sociedades natildeo se encontra uma grande variedade de nomes

proacuteprios que serviriam obviamente a uma melhor identificaccedilatildeo e individuaccedilatildeo das

pessoas evitando confusotildees nas relaccedilotildees cotidianas Ao contraacuterio o que se encontra eacute

ldquoa estreiteza do campo de apelaccedilotildees individuais antroponiacutemicos formados do nome

do pai ou de nome de ascendentes frequentemente similares no seio de uma mesma

linhagem ou ainda de uma mesma classe de idade em suma laacute onde as necessidades

de distinccedilatildeo satildeo no entanto mais evidentesrdquo (BROMBERGER 1982 p 105) Para

evitar-se confusotildees eacute que se recorre ao uso do sobrenome o qual exerceraacute um papel

42

como de ldquovaacutelvula de seguranccedilardquo garantindo a identificaccedilatildeo correta das pessoas por

meio do nome de famiacutelia uma vez que havia pouca variedade de prenomes

Complicando ainda mais o presumiacutevel papel de identificador ou designador

uacutenico de uma pessoa atribuiacutedo ao nome proacuteprio haacute o caso de muitas sociedades que

institucionalizam ou toleram que um mesmo indiviacuteduo receba um nome diferenciado

em certas etapas de sua vida Um exemplo pode ser encontrado em uma sociedade

que vive no Norte uma das regiotildees de Camarotildees na Aacutefrica Nessa comunidade todo

indiviacuteduo recebe no decorrer de sua vida dois nomes

[] em seu nascimento primeiramente um nome que indica a sua ordem de nascimento depois trecircs ou quatro meses mais tarde um ldquosobrenomerdquo que lhe designa de uma maneira mais pessoal uma vez que ele eacute livremente escolhido e natildeo indica senatildeo uma posiccedilatildeo genealoacutegica [] Satildeo portanto nomes que indicam a ordem de nascimento que designam o indiviacuteduo como ser social Eles satildeo por assim dizer nuacutemeros Mas como nomes eles tambeacutem satildeo carregados de uma significaccedilatildeo que se refere a um sistema simboacutelico satildeo entatildeo mais que nuacutemeros ldquonomes-nuacutemerosrdquo (COLLARD 1973 p 45)

E mesmo esse ldquosobrenomerdquo que eacute dado agrave crianccedila Guidar natildeo eacute tatildeo distintivo

assim pois se trata em geral do nome do pai Este por sua vez eacute tambeacutem um nome-

nuacutemero Desse modo a maior parte dos Guidar possui um nome composto de dois

nomes-nuacutemeros (cf IBID p 48) ldquoTomemos por exemplo o caso de um indiviacuteduo

nominado Tizi Dawaiacute Seu primeiro nome Tizi indica que ele eacute a primeira crianccedila

masculina de sua matildee seu pai Dawaiacute (segundo nome da crianccedila) era o seacutetimo filho da

suardquo (IDEM) Assim sendo os nomes das crianccedilas satildeo determinados segundo a ordem

de nascimento e ateacute a quarta crianccedila inclusive tambeacutem segundo o sexo Interessante

notar que do quinto ateacute o deacutecimo filho os meninos e meninas levam o mesmo nome

apenas acrescenta-se agraves vezes a marca feminina ke ou a caso de trate de uma crianccedila

do sexo feminino Para tornar esse sistema mais claro eacute reproduzida abaixo uma tabela

concebida por Collard (1973 p 46)

Ordem de nascimento

Nome das crianccedilas

MENINOS MENINAS

1ordm Tizi ou Keza

2ordm Zourmba ou Miste

43

3ordm Toumba ou Tongou

4ordm Vondou ou Naiacuteke

5ordm Madi

6ordm Todou

7ordm Dawaiacute

8ordm Damba

9ordm Tourmba

10ordm Baiacutema

Este exemplo demonstra o quanto eacute fraacutegil o sistema de nominaccedilatildeo destinado a

distinguir indiviacuteduos ou seja a assegurar a identificaccedilatildeo pessoal O que natildeo deixa de

ser paradoxal Afinal na concepccedilatildeo que vigorou durante muito tempo via-se o nome

proacuteprio justamente com esta funccedilatildeo

Nesse caso duas liccedilotildees se depreendem do exemplo

[] primeiramente as propriedades semacircnticas desses nomes individuais satildeo da mesma natureza que aquelas das outras categorias nominais eu posso definir ldquoTizirdquo decompondo-o em menores elementos de significaccedilatildeo (anaacutelise secircmica) crianccedila + masculino + filho mais velho de sua matildee (e natildeo necessariamente de seu pai) como eu posso definir pelos ldquosemasrdquo que eles incluem ldquocavalordquo ldquohomemrdquo ou ldquotartarugardquo [] Em segundo lugar observa-se que um tal sistema parece governado por duas funccedilotildees antagocircnicas uma funccedilatildeo de classificaccedilatildeo que assinala o mesmo nome a todos aqueles que compartilham da mesma ordem de nascimento uma funccedilatildeo de identificaccedilatildeo tornada possiacutevel ndash mas natildeo sempre certa ndash pela combinaccedilatildeo de um pequeno nuacutemero de unidades que pertencem a uma seacuterie fechada Aqui identificamos uma caracteriacutestica comum a maior parte dos sistemas antroponiacutemicos melhor eles classificam menos eles identificam [] Na verdade a fraqueza distintiva de um sistema de nomes proacuteprios natildeo eacute senatildeo o reverso de sua riqueza classificatoacuteria (BROMBERGER 1982 p 106)

No entanto natildeo se pode concluir que o nome proacuteprio possua entatildeo uma

funccedilatildeo meramente classificatoacuteria seguindo algumas regras sociais estritas e

compartilhadas pela maioria das pessoas Isso foi constatado em alguns lugares mas

natildeo em todos O proacuteprio Leacutevi-Strauss reconhece isso quando afirma que de um lado

ldquoos nomes proacuteprios parecem formar a franja de um sistema geral de classificaccedilatildeo []

Quando eles entram em cena a cortina se eleva no uacuteltimo ato da representaccedilatildeo loacutegicardquo

(1962 p 285) De outro lado nenhum modelo mecacircnico permite explicar sua

distribuiccedilatildeo em um grupo social a denominaccedilatildeo aparece entatildeo como ldquouma livre

criaccedilatildeo daquele que nomeia um estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividaderdquo

(IBID p 240) ou mesmo de outras pessoas

44

No entanto a oposiccedilatildeo entre esses dois processos ndash classificatoacuterio e decisatildeo livre

e subjetiva ndash eacute mais aparente que real Mesmo quando parece natildeo haver nenhuma

regra que defina o ato nominador podem-se encontrar prenomes que funcionam como

marca distintiva de idade de geraccedilatildeo de sexo de irmandade e assim por diante Natildeo

haacute uma regra convencional mas um uso que segue certos princiacutepios Um exemplo

disso pode-se ver nos prenomes que permitem reconhecer claramente diferentes

geraccedilotildees Assim ao escolher de chamar os filhos como41 Sebastiatildeo Estefacircnia Karine

Kaacutetia confirmo sua pertenccedila a uma geraccedilatildeo mais jovem do que aquela de seus pais

frequentemente chamados de Daniel Geraldo Martinha Claudine enquanto seus

avoacutes poderiam ser denominados como Pedro Paulo Henriqueta e seus bisavocircs

poderiam ser chamados de Augusto Rogeacuterio Maria (cf BROMBERGER 1982 p 110)

Poderia ocorrer tambeacutem que pais que se consideram mais tradicionalistas se

recusassem a colocar em seus filhos nomes mais modernos ndash como Isabelly Theo ndash e

optassem por nominar seus filhos com nomes mais antigos que consideram mais

tradicionais como Maria Aparecida Joseacute Antocircnio por exemplo

Portanto haacute dois processos envolvidos no ato de nominaccedilatildeo com significados

diferentes de um lado os pais podem se submeter agraves normas ou tendecircncias da

sociedade de outro eles podem se ldquoesconderrdquo suas experiecircncias pessoais ideologias

ou preconceitos nos nomes que colocam em seus filhos eles atribuem um poder a esse

nome um destino Tanto quanto um classificador o nome funciona aqui como um

siacutembolo fazendo eco a um conjunto de crenccedilas e de convicccedilotildees Bromberger (1982 p

111) enxerga nisso o fato de que ldquonatildeo eacute tanto a individuaccedilatildeo que prevalece sobre a

classificaccedilatildeo eacute o siacutembolo que supera o signordquo e complementa ldquoum nome transmitido

segundo regras pode ser ao mesmo tempo um signo e um siacutembolo confirmando uma

posiccedilatildeo num sistema e fazendo eco a um conjunto de crenccedilasrdquo (IBID p 111 n 8)

Sendo que nas sociedades tradicionais e mais antigas ldquoo nome individual eacute

frequentemente pela sua forma como pelo seu conteuacutedo uma mensagem em honra

41 Obviamente este eacute um exemplo no interior da cultura francesa de onde proveacutem o autor citado No caso brasileiro poderiacuteamos encontrar filhos com nomes tais como Bruno Juliana Sophia Isabella Lucas Vitor etc seus pais poderiam ter nomes como Joseacute Ana Paulo Sandra Luiz Maacutercia seus avoacutes poderiam ter nomes como Benedita Joseacute Maria Aparecida Joatildeo Vera Antocircnio enquanto que seus bisavoacutes poderiam chamar-se Thereza Benedicto Antocircnia Pedro Victoacuteria e assim por diante (cf TUFOLO sd)

45

de potecircncias numinosas que traduz uma intenccedilatildeo aquela de assegurar a vida contra a

morteldquo (IBID p 111)

Do ponto de vista antropoloacutegico portanto o nome proacuteprio pode assumir um

duplo status

[] aquele de marcaccedilatildeo classificatoacuteria atribuindo ao indiviacuteduo denominado uma ou mais posiccedilotildees determinadas na estrutura social aquele siacutembolo participante de uma visatildeo de mundo sistema organizado de representaccedilotildees e de crenccedilas Essas duas funccedilotildees ndash igualmente ou diversamente reunidos sob um mesmo nome de pessoa cuja importacircncia respectiva varia natildeo somente de uma sociedade a outra mas tambeacutem de um tipo de denominaccedilatildeo a outro no interior de um mesmo sistema antroponiacutemico ndash merecem cada uma uma anaacutelise complementar (BROMBERGER 1982 p 111)

Ambas as funccedilotildees podem ser encontradas na tradiccedilatildeo hebraica que passaremos

a analisar a partir do proacuteximo capiacutetulo

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social

O fato de dar nome proacuteprio a algueacutem eacute antes de tudo um ato de socializaccedilatildeo

tal ato em geral se faz acompanhar por uma cerimocircnia ou um conjunto de rituais os

quais variam de acordo com as sociedades e culturas Ter um nome pessoal eacute possuir

uma existecircncia social Isso fica bem claro somente para citar um exemplo no caso da

cultura dos Ianomacircmis na Amazocircnia brasileira ldquoEacute entre um e trecircs anos que as crianccedilas

recebem um nome elas entram entatildeo plenamente na culturardquo (LIZOT 1973 p 64)

Se olharmos para a cultura europeia ocidental ateacute um pouco mais de meados do seacuteculo

passado eacute a declaraccedilatildeo do nome de famiacutelia (sobrenome) que consagra a existecircncia

social o prenome ou nome de batismo confirma a filiaccedilatildeo espiritual e a inserccedilatildeo na

comunidade cristatilde (cf BROMBERGER 1982 p 112)

O nome singulariza a existecircncia em relaccedilatildeo agraves outras entidades Isso se constata

inclusive quando se concede a um animal ou objeto um nome de pessoa O que destaca

a relaccedilatildeo especial que o ser humano dador do nome possui com aquele ser seja ele

animado ou natildeo Inversamente quando natildeo se reconhece as pessoas por estarem de

passagem serem marginais desclassificados em geral o nome de famiacutelia eacute

desconhecido e agraves vezes consta apenas o apelido ou um prenome Portanto ldquoconhecer

a completa identidade do outro eacute inclui-lo ndash diretamente ou indiretamente ndash no campo

46

das relaccedilotildees sociais o anocircnimo o erroneamente nomeado eacute o desconhecido ou ao

menos o natildeo reconhecido A sociedade para aonde as referecircncias que constituem os

nomes proacuteprios se apagamrdquo (BROMBERGER 1982 p 113) O conhecimento da aacuterea

de nomes proacuteprios sobrepotildee-se a das relaccedilotildees sociais traccedilando um limite entre ldquonoacutesrdquo

e ldquoos outrosrdquo

Mais comumente o sistema de nomeaccedilatildeo classifica os indiviacuteduos de acordo

com a sua filiaccedilatildeoorigem indicando sua famiacutelia ou localidade a qual pertence ou

entatildeo pelo seu status social Portanto o nome proacuteprio pode em algumas sociedades

indicar

a) Origem o apelido kunya no sistema aacuterabe por exemplo

b) Distinccedilatildeo de classes e ocupaccedilotildees seja na proacutepria significaccedilatildeo do nome

(antigo mundo celta por exemplo) seja atraveacutes de marcas formais

especiacuteficas de uma categoria de indiviacuteduos a partiacutecula seria um exemplo

seja atraveacutes do nuacutemero e natureza dos nomes usados em Roma o escravo

recebia apenas o prenome natildeo tinha sobrenome enquanto os patriacutecios

acrescentavam ao seu prenome vaacuterios sobrenomes Outro exemplo deste

uacuteltimo caso verifica-se no Japatildeo onde ateacute 1870 somente a famiacutelia real os

nobres e certos privilegiados levavam o nome do clatilde e de famiacutelia apoacutes seu

prenome as demais pessoas portavam geralmente um nome de profissatildeo

Ainda hoje algumas pessoas mais proeminentes na sociedade satildeo

reconhecidas pelo seu nome de famiacutelia ldquoOlhe Eacute um Rotschildrdquo (cf

BROMBERGER 1982 p 115)

Desse modo o nome proacuteprio pode servir como um meio para entre outras

coisas associar pessoas aos diferentes campos da vida social parentesco situaccedilatildeo

social simbologia e assim por diante

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios

Ao contraacuterio daqueles que veem no nome apenas um indicador uma espeacutecie e

index como jaacute foi amplamente tratado neste estudo a etnografia dos antropocircnimos nos

fornece interessante material de estudo a respeito da simbologia poder e eficaacutecia do

nome em diversas culturas ao longo da histoacuteria

47

Tomemos um exemplo

Eu chamo minha filha de Margarida assim fazendo eu pretendo seja consagrar uma tradiccedilatildeo familiar (sua avoacute levava esse nome) seja colocar minha filha sob a proteccedilatildeo de uma santa venerada seja mais simplesmente submeter-me a uma moda que aliaacutes pode ter por origem uma devoccedilatildeo seja comparar minha filha a uma flor seja ainda evocar uma ou mais Margarida das quais eu guardei boas recordaccedilotildees seja enfim lembrar o nome que me parece o mais harmonioso cujas qualidades riacutetmicas e acuacutesticas combinam melhor com aquelas de meu nome de famiacutelia A escolha de ldquoMargaridardquo pode responder a uma ou vaacuterias dessas intenccedilotildees (BROMBERGER 1982 p 118)

A questatildeo eacute sempre buscar descobrir as intenccedilotildees que se encontram por detraacutes

da accedilatildeo de nomear um indiviacuteduo Bromberger (IDEM) identifica trecircs fatores que

permitem ldquomedirrdquo a importacircncia simboacutelica do nome proacuteprio ldquoas condiccedilotildees aplicaacuteveis

agrave sua utilizaccedilatildeo funccedilotildees propiciatoacuterias atribuiacutedas a ele o aparentamento expliacutecito que

eacute estabelecido entre o denominado e o personagem epocircnimo miacutetico ou lendaacuteriordquo

No que tange ao primeiro fator ndash condiccedilotildees de uso do nome proacuteprio ndash observa-

se em coletividades ainda hoje existentes caracteriacutesticas que perduram haacute muitos

seacuteculos na sociedade humana Como exemplo tomemos o caso do pensamento de

certos indiacutegenas da Amazocircnia brasileira como satildeo os Ianomacircmis O nome para eles

apesar de natildeo ser um segredo natildeo vem mencionado de qualquer modo e a qualquer

tempo Por exemplo normalmente no grupo que reside junto as pessoas somente

conhecem o nome daqueles de sua proacutepria geraccedilatildeo ou de geraccedilotildees inferiores quase

nunca sabe o nome de indiviacuteduos mais idosos daquele mesmo grupo Nomear

algueacutem em puacuteblico em voz alta eacute considerado uma grande ofensa O nomeado reage

pois do contraacuterio sua passividade seria interpretada como uma omissatildeo uma falta de

honra A maneira de reagir seraacute mencionar tambeacutem em alta voz o nome daquele que

o interpelou publicamente demonstrando que natildeo o teme Tanto os indiviacuteduos mais

jovens especialmente os homens quanto os mais anciatildeos natildeo gostam que seus nomes

venham ditos em puacuteblico Isso eacute motivo de natildeo pouca confusatildeo e discussatildeo Da mesma

forma mencionar o nome de algueacutem jaacute falecido eacute um insulto que os filhos e irmatildeos da

pessoa morta vingaratildeo em uma luta com clava Ateacute mesmo em voz baixa no caso de

ausecircncia da pessoa interessada natildeo se nomeia ningueacutem De qualquer modo haacute

indiviacuteduos cujos nomes jamais satildeo mencionados o pai e a matildee bem como daqueles

48

que podem vir a ser os sogros de algueacutem (cf LIZOT 1973 p 66) Qual eacute o motivo para

esse tipo de atitude diante do nome proacuteprio entre os Ianomacircmis Para eles nomear

algueacutem eacute agir sobre aquele que se designa pelo nome O pensamento indiacutegena estaacute

convencido que o ldquonome pessoal faz parte integralmente da personalidade como o

corpo e mais ainda que os bens materiaisrdquo (IBID p 67) No caso de um defunto

assim como os seus pertences satildeo queimados ele como pessoa deve desaparecer por

isso o seu nome natildeo deve ser mencionado por ningueacutem Se a pessoa natildeo existe mais

seu nome tambeacutem deve ser abolido Haacute um caraacuteter sagrado do nome de pessoa que eacute

respeitado Lizot observa-o muito bem quando exprime que ldquonomear o objeto temido

envolve necessariamente a manifestaccedilatildeo dele como nomear o objeto desejado o

ameaccedila de extinccedilatildeordquo (1973 p 70)

Nesse sentido apesar de viverem em eacutepocas diferentes terras diferentes

hemisfeacuterios diferentes os indiacutegenas amazonenses natildeo deixam de assemelhar-se um

pouco no uso do nome aos povos que constituiacuteam o ambiente no qual surgiu a

literatura hebraica No sentido que o nome possui um significado e um valor que

ultrapassam aquele que se nota normalmente nas sociedades atuais

Em relaccedilatildeo ao segundo fator acima mencionado ndash funccedilotildees propiciatoacuterias

atribuiacutedas ao nome ndash natildeo o podemos perceber na cultura ocidental contemporacircnea

em que os fatores religiosos tecircm influenciado cada vez menos na atribuiccedilatildeo de um

nome Ocorre tambeacutem uma dificuldade em se reconhecer no nome das pessoas um

simbolismo que vaacute aleacutem da pura e simples funccedilatildeo denotativa No entanto isso era

muito comum nas sociedades orientais antigas como a de Israel e mesmo hoje em

algumas culturas que natildeo foram influenciadas pela modernidade como eacute o caso da

Aacutefrica Em uma delas por exemplo os Mossi que habitam Burkina Faso na Aacutefrica

Ocidental os nomes dos indiviacuteduos ldquoreferem-se de fato a uma experiecircncia preacutevia ao

nascimento que foi reconhecida imediatamente ou mediatamente pela proacutepria matildee

ou apoacutes consultar um vidente como uma injunccedilatildeo de poderes transcendentaisrdquo

(BROMBERGER 1982 p 119) A fragilidade da vida a precariedade meacutedico-sanitaacuteria

e outros inuacutemeros fatores que atentam contra a vida de um receacutem-nascido fazem o

povo Mossi apelar agrave divindade e reconhecer como fruto de sua accedilatildeo a sua vinda ao

mundo satildeo e salvo Algo natildeo muito diferente passava-se com o povo do Oriente

49

Meacutedio Antigo no seio do qual desenvolve-se toda a literatura hebraica No entanto os

Mossi natildeo nomeiam seus filhos com nomes teofoacutericos mas empregam nomes comuns

que exprimem o sentimento da matildee por exemplo naquele momento de dor e

apreensatildeo que lhe fez revolver agrave divindade sua suacuteplica de proteccedilatildeo e auxiacutelio Desse

modo algueacutem podia vir a chamar-se ldquofolhas de feijatildeordquo (becircngdo) a fim de recordar que

as primeiras dores da gravidez foram sentidas justamente quando a matildee se

encontrava num campo de feijotildees ou entatildeo enquanto preparava um prato de feijotildees

ou uma sopa com eles Portanto a intenccedilatildeo natildeo eacute suplicar por proteccedilatildeo ou atrair as

qualidades da divindade para o filho receacutem-nascido mas ldquodesviar as forccedilas hostisrdquo

(IBID p 120) agravequela crianccedila

O terceiro fator ndash o poder dos nomes a identificaccedilatildeo entre o nominado e

personagem epocircnimo que lhe inspira o nome ndash supotildee que o simbolismo desses nomes

sejam transparentes e convencionais para os usuaacuterios e que a escolha deste nome

consagre a intenccedilatildeo de associar as qualidades do epocircnimo agravequelas do denominado

Isso eacute bem evidente segundo nos mostra Bromberger (1982 p 120) em muitas

sociedades onde o nome proacuteprio evoca o mito fundador da mesma Nesse caso usam-

se nomes teofoacutericos como ocorre no antigo mundo semita ndash Yohannan (Joatildeo ndash ldquoDeus

manifestou sua graccedilardquo) ndash e ainda em nossos dias atuais no mundo muccedilulmano ndash

Abdallacirch (ldquoo servidor de Deusrdquo) bem como as denominaccedilotildees totecircmicas as quais

consagram o parentesco do indiviacuteduo agraves espeacutecies epocircnimas fundadoras Nesse caso

ldquoos nomes proacuteprios assumem a plenitude de seu sentido prefigurando o destino

daqueles que os portam identificado agravequele dos protagonistas do drama miacuteticordquo

(IDEM) Assim sendo os registros de onde se retiram preferencialmente para formar

ou escolher nomes individuais satildeo bons reveladores das tendecircncias da simbologia

cultural

Concluindo este toacutepico antropoloacutegico do sistema onomaacutestico percebe-se que o

mesmo constitui um material muito rico para a anaacutelise das sociedades humanas pois

possui uma dupla grelha de leitura de um lado sendo um sistema de classificaccedilatildeo a

onomaacutestica antroponiacutemica permite identificar os princiacutepios sejam eles expliacutecitos ou

natildeo segundo os quais uma sociedade agrupa e distingue os indiviacuteduos de outro

sendo um sistema de siacutembolos revela os valores e questotildees se sobrepotildeem sobre a

50

identidade individual e coletiva (cf BROMBERGER 1982 p 122) Para ilustrar o que

foi dito Bromberger (IDEM) cita uma histoacuteria contada por Montaigne

Henrique duque de Normandia filho de Henrique segundo rei da Inglaterra deu um banquete na Franccedila a reuniatildeo da nobreza foi tatildeo grande neste lugar que para passatempo foi dividida em faixas pela semelhanccedila de nomes na primeira tropa quem eram os Guilhermes encontraram-se cento e dez cavaleiros sentados agrave mesa com esse nome sem contar os simples nobres e servidores

Portanto nomear eacute muito mais que simplesmente identificar

51

CAPIacuteTULO 2

NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA

1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel

A BH surge em Israel mas o seu background cultural eacute muito mais vasto Ela

deve e muito agraves demais culturais circundantes e seus respectivos povos Como bem

constatou o exegeta belga Jean-Louis Ska

Israel de fato jamais conquistou um grande impeacuterio nunca foi uma grande potecircncia seja militar poliacutetica econocircmica ou cultural Natildeo haacute grandes riquezas naturais na terra santa e as dimensotildees reduzidas do paiacutes impedem de produzir grandes quantidades de gratildeos vinho ou oacuteleo A Feniacutecia foi uma potecircncia comercial muito mais importante e mais conhecida Nem mesmo do ponto de vista artiacutestico Israel conseguiu conceber grandes obras de arte no mundo da literatura da escultura da pintura ou da arquitetura Natildeo haacute nesse campo alguma comparaccedilatildeo com o Egito a Mesopotacircmia ou a Greacutecia por exemplo No entanto Israel marcou a histoacuteria do nosso mundo e teve uma influecircncia desproporcional agrave sua potecircncia poliacutetica ou agraves dimensotildees de seu territoacuterio O elemento de sua civilizaccedilatildeo que tem ainda hoje uma influecircncia sem precedentes eacute a sua Lei a Toraacute em hebraico Acrescentamos imediatamente que a palavra hebraica Toraacute significa natildeo somente ldquoLeirdquo isto eacute normas diretrizes legislaccedilatildeo mas tambeacutem instruccedilatildeo ensinamento doutrina Eacute ldquosabedoriardquo e ldquointeligecircnciardquo como diz Dt 46 Natildeo estamos portanto no mundo do poder e nem mesmo no mundo do ter Estamos no mundo do saber Israel nos transmitiu um saber um modo de conhecer o mundo e de compreender qual eacute o significado da existecircncia humana individual e coletiva Deste ponto de vista pode competir com a Greacutecia (SKA 2015 p 133-134)

A partir dessa constataccedilatildeo fica mais claro que a cultura expressa pela BH tem

a sua particularidade e importacircncia mas dialoga obviamente com todas as demais

culturas do mundo com as quais teve relaccedilotildees Nesse sentido antes de adentrarmos

na maneira como os antropocircnimos satildeo concebidos usados e sofrem alteraccedilotildees no seio

da cultura hebraica eacute oportuno verificarmos como isso se dava em outros povos

circunvizinhos

11 Mesopotacircmia

52

A iacutentima conexatildeo entre o ato de nomear e a existecircncia de algo pode ser

deduzida a partir de seu papel em muitos textos de criaccedilatildeo do Oriente Meacutedio Antigo

onde a criaccedilatildeo de tudo dependia dos deuses nomearem essas coisas que tinham sido

criadas O objeto natildeo existia em si mesmo ele natildeo adquiria consistecircncia a natildeo ser apoacutes

sua nomeaccedilatildeo A proacutepria palavra ldquoobjetordquo na Babilocircnia era expressa por mimma

sunsu ldquotudo aquilo que leva um nomerdquo (POZNANSKI 1978 p 117)

Um eacutepico babilocircnico da criaccedilatildeo descreve o periacuteodo de preacute-criaccedilatildeo como um

tempo no qual

[] no alto o ceacuteu ainda natildeo havia sido nomeado e embaixo a terra firme natildeo tinha sido mencionada por um nome [] Quando os deuses ainda natildeo haviam aparecido nem tinham sido chamados com um nome nem fixado algum destino os deuses foram procriados dentro deles (ENUMA ELISH tablete 11-2 7-8)

No mundo de Acaacutedia haacute uma coincidecircncia entre nascimento e colocaccedilatildeo do

nome O mesmo ocorre com os sumeacuterios ldquoNumusda semente que os deuses criaram

que Ningal protegeu em seu seio que conheceu um nascimento suave na montanha a

quem An e Enlil deram um bom nome que Ninlil embalou amorosamenterdquo

(FALKENSTEIN VON SODEN 1953 p 112 n 23 l 51042 apud POZNANSKI 1978

p 114-115) Constata-se nesse texto que a crianccedila recebeu seu nome desde o

nascimento antes mesmo de ser tomada nos braccedilos

O nome proacuteprio era tatildeo fundamental na cultura mesopotacircmica cuneiforme

que sua escritura constituiacutea um setor particular do saber dos escribas possuindo um

sistema proacuteprio de notaccedilotildees graacuteficas Os nomes proacuteprios recorrem a um ldquoleacutexico e uma

sintaxe intencionalmente arcaicos ou desviantes que natildeo coincidem frequentemente

com aqueles que utilizam textos de prosa ou de versordquo (DURAND 1998 p 31) Eacute

importante sublinhar que muitas liacutenguas do Oriente Meacutedio Antigo somente

sobreviveram e vieram agrave luz nos tempos modernos graccedilas a um corpus onomaacutestico

preservado em materiais escritos monumentos e construccedilotildees A morfologia e o leacutexico

dessas liacutenguas satildeo descritos unicamente a partir da anaacutelise desses nomes

42 A obra desses autores intitula-se Sumerische und akkadische Hymnen und Gebete Zuumlrich Artemis Verlag Recorreu-se agrave citaccedilatildeo indireta pelo fato da referida obra encontrar-se esgotada e de difiacutecil acesso

53

Uma das fontes para um levantamento da onomaacutestica mesopotacircmica eacute sem

duacutevida os selos ldquouma marca sobre uma mateacuteria plaacutestica de imagens eou caracteres

gravados em um material duro chamado lsquomatrizrsquo ou tambeacutem lsquoselorsquo e era usado como

sinal de autoridade e de propriedade pessoalrdquo (CHARPIN 1998 p 43) O primeiro

selo a trazer um nome proacuteprio data do final da eacutepoca conhecida como Protodinaacutestica

II ou seja por volta de 2500 AEC portanto cerca de sete seacuteculos apoacutes o surgimento

da escrita (cf CHARPIN 1998 p 46) Uma triacuteplice informaccedilatildeo costumava ser a

maneira usada para se definir um indiviacuteduo na legenda de um selo ldquoprimeiramente

pelo seu nome depois pelo nome de seu pairdquo (na Babilocircnia antiga o ldquonome de famiacuteliardquo

era incomum) finalmente ldquocomo servidor de um rei ou de uma divindaderdquo (cf

CHARPIN 1998 p 48) O nome do proprietaacuterio do selo vinha em destaque mais do

que os iacutecones que poderiam constar dele Portanto a civilizaccedilatildeo babilocircnica concedeu

agrave escritura uma posiccedilatildeo privilegiada

Ao contraacuterio de nossos nomes e sobrenomes atuais o nome proacuteprio naquela

cultura era dotado de uma significaccedilatildeo aparente Esses nomes seguem uma tipologia

bastante diversificada mas natildeo muito complexa ldquoela vai de uma frase curta

(fragmento de oraccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo de um fato) passando por diversos tipos de

qualificativos apelidos ou outros ateacute os diminutivosrdquo (DURAND 1998 p 32) Eacute muito

frequente no princiacutepio do segundo milecircnio antes da era comum (AEC) que o nome

proacuteprio natildeo descreva o indiviacuteduo em si mesmo mas o situe em relaccedilatildeo a seus deuses

ou seu rei de modo expliacutecito (nomeando-os) ou natildeo

No caso de indiviacuteduos que portavam nomes que faziam menccedilatildeo a um

determinado deus uma questatildeo que imediatamente nos vem em mente eacute o que um

nome teofoacuterico significava para a pessoa que o levava e por que foi escolhido

Geralmente eram nomes que elogiavam uma determinada divindade ou suplicavam

algo agrave mesma Esses nomes exprimiriam de fato o sentimento religioso daqueles que

lhes deram aos seus filhos ou o de seus portadores Ou seriam simplesmente formas

padronizadas natildeo faacuteceis de certificar Esses nomes soavam bem piedosos como

ldquoNaram-Enlil (lsquoAmado-de-Enlilrsquo) Ili-zili (lsquoMeu-Deus-eacute-Minha-Proteccedilatildeorsquo) Giba-

DINGIR (lsquoConfia-em-Deusrsquo) Iti-DINGIRDINGIR (lsquoDaacute-aos-deusesrsquo) e DINGIR-zeluli

54

(lsquoO-Deus-eacute-Minha-Sombrarsquo) (SEYMOUR 1983 p 116) Natildeo eacute faacutecil chegar a conclusotildees

seguras a respeito dessa questatildeo

Uma possiacutevel fonte de conhecimentos sobre a relaccedilatildeo de nomes pessoais agrave feacute individual tem sido sugerida por estudos da claacuteusula de servo presentes em muitas inscriccedilotildees de vedaccedilatildeo de cilindro Tais inscriccedilotildees muitas vezes datildeo o nome do(a) proprietaacuterio(a) o nome do pai dele ou dela bem como uma afirmaccedilatildeo declarando que o proprietaacuterio eacute o escravo (ardu) de um deus particular No caso dos selos das nadītu-sacerdotisas de Sippar parece haver um elevado grau de correlaccedilatildeo entre o deus na claacuteusula de servo e a filiaccedilatildeo cultual especiacutefica do proprietaacuterio Entre os nadītus haacute discordacircncia ocasional entre a claacuteusula de servo e o elemento divino que ocorre no nome do proprietaacuterio Isso no entanto quase nunca eacute comprovado em inscriccedilotildees de selos do puacuteblico em geral Significativamente as divindades populares em nomes pessoais satildeo diferentes das divindades populares na claacuteusula de servo Considerando que os nomes pessoais Shamash ou Sīn tendem a predominar (refletindo o fato que Sippar era um centro de culto desses deuses) na claacuteusula de servo tais deuses menores como Amurru ou Nabium satildeo muito mais comuns Dada a tendecircncia de deuses pessoais intercessores serem mais baixos na hierarquia divina do que os grandes deuses entre os quais intercediam tem sido sugerido que essas divindades da claacuteusula servo satildeo os elusivos deuses pessoais dos antigos mesopotacircmicos [] Os nomes nadītu podem mostrar um elevado grau de correlaccedilatildeo com um deus em particular devido a relaccedilatildeo claustral incomum das sacerdotisas com seus deuses Uma vez que estas mulheres aparentemente tinham uma relaccedilatildeo familiar muito proacutexima com o deus que serviam o sentido especialmente forte de pertenccedila ao deus pode ter inspirado os nomes atipicamente orientados para o culto que elas muitas vezes levavam e explicar a sua disponibilidade para abandonar um nome por outro (SEYMOUR 1983 p 117-118)

No entanto a anaacutelise de nomes da antiga Sippar babilocircnica revela tambeacutem

que nem sempre havia uma correlaccedilatildeo entre o nome teofoacuterico e uma feacute ou relaccedilatildeo

especial entre o seu portador e o deus nomeado Um dos criteacuterios para a escolha desses

nomes era simplesmente o fato de natildeo ter sido escolhido por uma outra pessoa

Portanto se de um lado nomes babilocircnios teofoacutericos poderiam sugerir a solicitaccedilatildeo de

uma forccedila protetora e beneacutefica de outro poderia natildeo ter uma preocupaccedilatildeo especiacutefica

de envolver um determinado deus com a vida do receacutem-nascido ou do adulto que

portasse aquele nome

Ocorre tambeacutem que o nome proacuteprio situe o indiviacuteduo em seu ambiente

humano (na maioria dos casos sua famiacutelia compreendida de modo mais ou menos

amplo) como se vecirc nos seguintes exemplos

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Iddin-Addu ldquoO Deus-Addu fez um presenterdquo (sem duacutevida em referecircncia agrave

crianccedila que acaba de nascer) referecircncia expliacutecita

Šarkassum-Macirctum ldquoO Paiacutes lhe foi dadordquo (em referecircncia ao rei) referecircncia

impliacutecita

Ahu-šunu ldquoEacute irmatildeo delesrdquo (cf DURAND 1998 p 32)

Verifica-se portanto haver um costume do nome proacuteprio expressar uma

vontade paterna ou uma constataccedilatildeo feita pelos genitores no momento do nascimento

de seu filho Ele manifesta que a crianccedila foi dada por este ou aquele deus ou descreve

uma accedilatildeo divina particular ou diz que a crianccedila veio ajuntar-se aos outros irmatildeos ou

que nasceu num determinado momento e circunstacircncias A dificuldade reside no fato

de natildeo se possuir na quase totalidade dos casos indicaccedilotildees do contexto que motivou

a escolha deste ou daquele nome a certo indiviacuteduo Uma das raras exceccedilotildees eacute um texto

de Mari (Siacuteria seacutec XVIII AEC) que nos explica as razotildees da outorga de um nome

proacuteprio

Uma historieta mostra de fato uma princesa tendo um sonho a propoacutesito de uma menina nascida no hareacutem portanto pode ser filha do proacuteprio rei Nesse sonho se lhe indicava como nomear a menina Tratava-se de dar-lhe um nome proacuteprio relacionado com o mundo da estepe aonde vatildeo rebanhos e nocircmades um mundo perigoso difiacutecil de controlar e no qual o rebanho dos sedentaacuterios agrave procura de pastagens pode correr grandes perigos Eacute desejaacutevel nos eacute dito que a menina se chame Taggid-Nawucircm ldquoA Estepe fez uma declaraccedilatildeordquo (subentendido ldquode submissatildeordquo) Conhece-se bem esse tipo de onomaacutestica O nome proacuteprio da menina desconcertante para um moderno entra de fato numa seacuterie do gecircnero ldquoA Estepe voltourdquo ldquoA Estepe diminuiurdquo etc Satildeo nomes comemorativos muito difundidos sobretudo na onomaacutestica feminina (DURAND 1998 p 33)

Assim fazendo a menina perpetuaria por meio de seu nome a lembranccedila de

um fato ocorrido concomitantemente ao seu nascimento ou seja a submissatildeo dos

nocircmades agrave autoridade real de Mari

No entanto um atento exame da onomaacutestica mesopotacircmica revela que muitos

antropocircnimos natildeo fazem referecircncia ao momento do nascimento mas a outro evento

Desse modo o nome original recebido quando a crianccedila nasceu teve de ceder lugar a

outro num determinado momento Somente natildeo se sabe se o nome original

permanecia sendo usado por exemplo no ambiente domeacutestico e familiar ou natildeo O

que criaria uma dualidade entre vida privada e puacuteblica Exemplos encontrados na

56

Mesopotacircmia indicam ser isso praacutetica comum para funcionaacuterios no palaacutecio real bem

como nos templos religiosos Eacute difiacutecil acreditar que trecircs porteiros encarregados da

vigilacircncia do hareacutem do palaacutecio de Mari se chamassem respectivamente

ldquoQue a ordem reinerdquo

ldquoObedeccedila agraves ordens do reirdquo

ldquoFaccedila mais atenccedilatildeo a elas [as mulheres] que aos deusesrdquo (DURAND 1998

p 34)

Os porteiros de um templo mesopotacircmico tambeacutem possuiacuteam nomes proacuteprios

adaptados agraves suas funccedilotildees fazer frente ao Mal e atuar como intermediaacuterios entre deus

e seus fieacuteis Vejamos

ldquoApodera-te do Malrdquo

ldquoColeta o Malrdquo

ldquoRecolhe as Palavrasrdquo

ldquoAceita as Palavrasrdquo (DURAND 1998 p 34)

Ateacute nomes exaltando as qualidades reais eram encontrados na regiatildeo entre os

funcionaacuterios dos palaacutecios como siacutembolo da total devoccedilatildeo ao seu monarca

Obviamente somente os reis vivos eram homenageados nesses tipos de nomes Por

exemplo

ldquoA realeza lhe eacute dadardquo

ldquoEle eacute bom para seu paiacutesrdquo

ldquoEle vale mais que seu exeacutercitordquo

ldquoEle capturou seus rebeldesrdquo (DURAND 1998 p 34)

Exemplos dessa praacutetica de se mudar nomes de oficiais do governo satildeo comuns

como no caso de nomes acaacutedios da eacutepoca de Sargatildeo43 e da terceira dinastia de Ur (da

uacuteltima metade do seacutec XXIV a quarta e uacuteltima parte do seacutec XXI AEC) tais como

ldquoLUGAL-balimdash (lsquoO-Rei-eacute-Temidorsquo) Ili-sharru (lsquoO-Rei-eacute-Meu-Deusrsquo) e LUGAL-dari

(lsquoO-Rei-eacute-Eternorsquo)rdquo (SEYMOUR 1983 p 116)

Entretanto natildeo somente funcionaacuterios se submetiam agrave mudanccedila de nome

devido a um cargo ou funccedilatildeo mas os proacuteprios reis Segundo as tradiccedilotildees da eacutepoca um

43 Em acaacutedio Sargatildeo eacute Šarru-kin ŠARRUKIIN LUGALGIN ldquoo verdadeiro reirdquo ou ldquoo rei eacute legiacutetimordquo Mais abaixo tornar-se-aacute a falar desse monarca pois ele tambeacutem passou por uma mudanccedila de nome

57

soberano deveria ser o filho primogecircnito do rei anterior Por isso o rei possuiacutea uma

onomaacutestica especial no sentido de natildeo haver outro homocircnimo enquanto fosse vivo O

novo nome real incorporava o nome do pai ou avocirc como do rei Hammu-rapi (`Ammu

nome do avocirc paterno Raumlpi curador) em portuguecircs usualmente transcrito como

Hamurabi (cerca de 1810mdash1750 AEC) da Babilocircnia No caso do rei por circunstacircncias

poliacuteticas ou de sauacutede natildeo ser o primogecircnito o novo nome o revelava explicita ou

implicitamente Eacute o caso de Assurbanipal (ldquoAššur eacute aquele que fez o Herdeirordquo) o qual

viveu por volta de 690mdash627 AEC imperador assiacuterio filho de Esarhaddon Aqui

ldquoherdeirordquo designa por excelecircncia o primogecircnito A histoacuteria nos confirma que

ldquoAssurbanipal natildeo era um primogecircnito e natildeo deveria ter subido ao trono Eacute por isso

que ele havia tambeacutem recebido uma educaccedilatildeo de cleacuterigo Ele teve portanto que

mudar de nome quando uma decisatildeo poliacutetica lhe conferiu o tiacutetulo de herdeirordquo

(DURAND 1998 p 36)

Interessante observar que o nome do rei natildeo era pronunciado por seus suacuteditos

ou conhecidos Costumava-se usar ldquoSenhorrdquo ao se dirigir ao soberano O rei por sua

vez poderia denominar e utilizar o nome proacuteprio de seus servos Eacute bom recordar do

que foi dito anteriormente ldquopara um mesopotacircmio lsquonomearrsquo algueacutem era de um modo

ou de outro ter poder sobre elerdquo (DURAND 1998 p 37)

Aleacutem do mais os mesopotacircmios acreditavam que a ldquoalmardquo era um espiacuterito

semimortal cuja existecircncia primaacuteria era terrestre Assim o nome era peculiarmente

ligado ao destino de um homem durante a vida Refletindo uma forte corrente de

evidente determinismo em tradiccedilotildees do Oriente Meacutedio Antigo a escolha de um ldquobom

nomerdquo - isto eacute um que iria suscitar forccedilas beneacuteficas por conta do nome do portador -

tornou-se um objetivo desejado no ato de nomear em toda a regiatildeo (cf SEYMOUR

1983 p 111) Assim sendo nesse mundo antigo o destino de um ser humano fosse

ele bom ou ruim era intimamente ligado ao seu nome Por exemplo quando um rei

era bem sucedido numa batalha suas inscriccedilotildees comemorativas frequentemente

atribuiacuteam a vitoacuteria aos deuses chamando seu nome para o grande feito Da mesma

forma o poder e a legitimidade de um governante eram estabelecidos pela pronuacutencia

de seu nome pelos deuses

58

Quando Na e Enlil chamaram Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar o pastor saacutebio Cujo nome foi pronunciado por NUNAMMIR Para o principado da terra a fim de Estabelecer justiccedila (KRAMER 1963 p 336)44

Por outro lado a aniquilaccedilatildeo de um nome e posteridade representava a

desgraccedila final Tanto na Babilocircnia como no Egito e em Israel a perda do nome era

ameaccedila ao completo ostracismo Como exemplo pode-se citar o seguinte texto da BH

(Is 1422)

י על הוקמת ין ונכד נאם־יהו ר ונ ם ושא ל ש י לבב כרת ם יהוה צבאות וה ם נא 45יה

Constata-se na cultura mesopotacircmica a mudanccedila de nomes ou a sua

multiplicidade durante a vida da pessoa Geralmente essa mudanccedila ocorria como

consequecircncia de alguma importante alteraccedilatildeo no status da pessoa seja diante da

sociedade como dos deuses Em termos antropoloacutegicos tais mudanccedilas de nome

poderiam ser encaradas como um reflexo linguiacutestico de um rito de passagem Com

isso se distinguia a antiga pessoa da nova ou acentuava-se a nova vida na qual ela

estava sendo introduzida Exemplos podem ser encontrados tanto

a) Na vida real a princesa de Mari em seu casamento com o filho do rei Ur-

Nammu da terceira dinastia de Ur ldquomudou seu nome para lsquoEla-Ama-Urrsquo

Outras mudanccedilas de nomes femininos podem ser vistas entre as

sacerdotisas-nadītu de Sippar da Babilocircnia Antiga Julgando pela alta

porcentagem de nomes nadītu que se referem agraves divindades em cujo serviccedilo

essas mulheres estavam empregadas os registros nadītus frequentemente

levam nomes apropriados agrave sua nova funccedilatildeo na vidardquo (SEYMOUR 1983

p 114)

44 Traduccedilatildeo pessoal do texto em inglecircs When An and Enlil had called Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar the wise shepherd Whorsquos name had been pronounced by NUNAMMIR To the princeship of the land in order to establish justicehellip 45 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoLevantar-me-ei contra eles oraacuteculo de Iahweh dos Exeacutercitos e extirparei da Babilocircnia o seu nome e o seu resto a sua descendecircncia e a sua posteridade oraacuteculo de Iahwehrdquo

59

b) Na mitologia babilocircnica na epopeia de Atrahasis encontra-se um episoacutedio

no qual a deusa Mami (ou Ninhursag) eacute exaltada e recebe um novo nome

na sequecircncia da criaccedilatildeo bem sucedida dos primeiros seres humanos

ldquoEles correram juntos e beijaram seus peacutes [dizendo] lsquoAnteriormente noacutes costumaacutevamos chama-la de Mami Agora que seu nome seja Bēlēt-Kālā-Ilī (Amante-de-Todos-os-Deuses)rdquo (SEYMOUR IDEM)

Razotildees poliacuteticas tambeacutem poderiam provocar mudanccedila de nomes Pode-se

tomar como exemplo o legendaacuterio Sargatildeo da Acaacutedia o qual governou durante a

penuacuteltima quarta parte do terceiro milecircnio AEC Uma vez que ele eacute conhecido por ter

usurpado o trono de Kish ldquosua mudanccedila de nome parece ser motivada por um desejo

de legitimar seu novo status deixando para traacutes suas origens mais humildes com o seu

original e infelizmente desconhecido nomerdquo (SEYMOUR 1983 p 115) Alguns reis

assiacuterios parecem confirmar esse haacutebito Sabe-se que Tiglath-Pileser III (em acaacutedio

Tukultī-Apil-Ešarra) rei assiacuterio que reinou de 745-727 AEC tomou o trono da Babilocircnia

em 728 AEC Nessa ocasiatildeo ele assumiu um novo nome Pul ou Pulu pelo qual era

conhecido naquela cidade Do mesmo modo pode-se mencionar outro exemplo

[] quando Assurbanipal assumiu o trono da Babilocircnia em 648 AEC foi sob o nome de Kandalanu Talvez ao contraacuterio da sucessatildeo normal dos herdeiros de uma dinastia estabelecida a imposiccedilatildeo de uma dinastia estrangeira no trono babilocircnico pode ter representado uma quebra de continuidade poliacutetica significativa o suficiente exigindo que o novo rei adotasse um nome especial para lidar com seu novo papel e assuntos (SEYMOUR 1983 p 115)

Outro tipo de mudanccedila de nome por vezes teve lugar quando o portador do

nome encontrou-se em situaccedilotildees extremamente terriacuteveis Como jaacute foi mencionado

acima nas culturas do mundo antigo havia a percepccedilatildeo de uma ligaccedilatildeo entre o nome

da pessoa e o seu destino Por isso algumas vezes isso levou a mudar o nome de

algueacutem a fim de eliminar enfermidades ou infortuacutenios No contexto mesopotacircmico

alguns tipos de nomes acaacutedios sugerem indiretamente que uma praacutetica como essa

pode ter ocorrido pois sugerem nomes tomados durante algum infortuacutenio

Ati-matum (ldquoAteacute-Quandordquo)

Māt-ili (ldquoQuando-Meu-Deusrdquo)

60

mina-Arni (ldquoQual-eacute-Meu-Pecadordquo)

Hammu-rapi (ldquoHammu-eacute-o-Curadorrdquo)

Ilum-asūm (ldquoDeus-eacute-um-Meacutedicordquo)

Shamash-shullimanni (Shamash-Faz-me-Saudaacutevelrdquo) (SEYMOUR 1983 p

116)

Concluindo pode-se observar que ldquose os mesopotacircmicos foram mudando

nomes desse modo a eficaacutecia da praacutetica dependia principalmente da proacutepria alteraccedilatildeo

e por conseguinte pode apenas raramente se alguma vez ser refletida no novo nome

escolhidordquo (SEYMOUR 1983 p 116)

12 Egito

Os egiacutepcios possuiacuteam uma crenccedila no poder maacutegico do nome proacuteprio Era

como se o seu conteuacutedo comportasse a alma da pessoa tornando-se um elemento vivo

na constituiccedilatildeo da mesma46

Destruindo o nome era como se a proacutepria pessoa fosse aniquilada (cf

MARTINS 1991 p 48) Da mesma forma conhecer o nome equivaleria a conhecer e

tomar posse do indiviacuteduo daiacute a preocupaccedilatildeo de esconder o verdadeiro nome Por isso

a colocaccedilatildeo do nome tornou-se misteriosa no Egito ao contraacuterio dos demais povos

cujo nome da pessoa era declarado em geral no ato de seu nascimento Assim sendo

se um ldquonome eacute conhecido ele deve ser conhecido no tuacutemulo eacute ele que daacute a vida e a

46 Tal crenccedila natildeo eacute de todo alheia ao judaiacutesmo Inspirada pelo caraacuteter misterioso da Criaccedilatildeo fruto segundo o Gecircnesis do ato comunicativo divino que ldquodizrdquo ndash profere uma palavra ndash e as coisas se fazem ou seja satildeo criadas surgiu na Idade Meacutedia uma obra de caraacuteter miacutestico-especulativo denominada Secircfer Yetsiraacute (ldquoLivro da Criaccedilatildeordquo) Nessa obra o mais antigo texto especulativo em hebraico que chegou ateacute noacutes e cuja data de redaccedilatildeo eacute incerta indo do seacuteculo III ao VI EC desenvolve-se uma crenccedila no poder criativo das letras do Nome de Deus e das letras da Toraacute em geral O mundo teria sido criado atraveacutes da somatoacuteria das vinte e duas letras do alfabeto hebraico e dos dez nuacutemeros primordiais e elementares (Sefirot) com suas infinitas combinaccedilotildees e interpolaccedilotildees Concede-se desse modo um poder maacutegico agraves palavras agraves letras e a certos nuacutemeros A partir de uma exegese maacutegica de Secircfer Yetsiraacute desenvolveu-se no judaiacutesmo a ideia do golem (palavra que aparece uma soacute vez na BH Sl 13916) que no Talmude exprime algo sem forma e imperfeito No Talmude tratado Sanhedrin 65b 21-23 afirma-se ldquoSe os justos quisessem eles poderiam [vivendo uma vida de absoluta pureza] ser criadores porque estaacute escrito [] Rabbah criou um homem e enviou-o a R Zera R Zera falou com ele mas natildeo obteve resposta Logo a seguir disse-lhe Tu eacutes criatura dos magos Retorna ao teu poacuterdquo Assim sendo a crenccedila no poder da palavra e das letras conduziu a miacutestica judaica medieval a admitir a possibilidade de se criar um ser humano Esse seria feito de modo artificial em virtude de um ato maacutegico (SCHOLEM 1995 p 83 SCHOLEM 2007 p 735-737)

61

repeticcedilatildeo dos nomes do morto na boca dos viventes permite sua sobrevivecircnciardquo

(Papiro IV Chester Beatty apud POZNANSKI 1978 p 116)

Portanto entre os egiacutepcios mais que um siacutembolo o nome era compreendido

como uma coisa viva o proacuteprio sujeito que o porta

Assim como na cultura mesopotacircmica no Egito os deuses criam com a forccedila

de sua palavra evocando os nomes das coisas gesto que as fazem aparecer

ldquoConforme o seu nome eacute pronunciado assim a coisa vem a ser Porquanto o nome eacute

uma realidade a coisa mesmardquo (PIANKOFF 1964 p 4) Textos dos Sarcoacutefagos relatam

que Shu o filho do deus criador egiacutepcio recebeu autoridade intelectual para ir ao redor

do ciacuterculo de ser total e dar nome a todas as coisas ldquoVem entatildeo vamos criar os nomes

deste anel [totalidade] de acordo com o que saiu de seu coraccedilatildeordquo (CLARK 2004 p 70)

Se o ato de nomear cria algo ele tambeacutem distingue esse algo pois o nome eacute

esta caracteriacutestica que reflete individualidade

O criador real era a Palavra ndash a primitiva fala que proveio de Deus e da qual todas as coisas obtiveram seus nomes De vez que o nome eacute tambeacutem a natureza de uma coisa do ponto de vista do homem antigo a nomeaccedilatildeo de uma criaccedilatildeo muacuteltipla significa a demarcaccedilatildeo de caracteriacutesticas individuais (CLARK 2004 p 57)

Os egiacutepcios possuiacuteam uma preocupaccedilatildeo quase obsessiva com a existecircncia

perpeacutetua do nome de uma pessoa Por isso apagar o nome de uma pessoa era

efetivamente destruir a ela mesma Uma comprovaccedilatildeo histoacuterica para isso podemos

recolher no ato de Tutmoacutesis III (seacutec XV AEC) contra o nome e a memoacuteria de sua matildee

e corregente Hatchepsut

Apoacutes a sua morte Tutmoacutesis desfigurou seus monumentos removeu seu nome das inscriccedilotildees reais apagou seus retratos e novamente fez tudo que estava em seu poder para destruir seu nome e remover sua memoacuteria da lembranccedila histoacuterica dos egiacutepcios As graves implicaccedilotildees religiosas das accedilotildees de Tutmoacutesis podem ser na totalidade compreendidas somente quando se leva em conta que um ser sem nome natildeo poderia ser introduzido entre os deuses e como nenhuma coisa criada existe sem um nome a pessoa que natildeo tinha um nome estava em pior posiccedilatildeo diante dos poderes divinos que o mais fraacutegil objeto (PORTER 1990 p 4)

A importacircncia no nome proacuteprio no Egito pode ser medida pelo fato de ele

intervir na gecircnese da escritura hierogliacutefica Essa escritura aparece por volta de 3150

AEC pouco antes do nascimento do estado faraocircnico que se deu ao redor de 3000

62

AEC marcado pela unificaccedilatildeo do Alto e Baixo Egito e o estabelecimento de Mecircnfis

como capital Durante o periacuteodo denominado preacute-dinaacutestico desenvolveu-se uma

cultura da imagem em diferentes etapas De Naqada I (4000 a 3600 AEC) a Naqada II

(3600 a 3150 AEC) realiza-se uma evoluccedilatildeo

Durante o periacuteodo de Naqada II inicia-se uma temaacutetica iconograacutefica veiculando aquilo que parece incontestavelmente uma ideologia monaacuterquica na qual o monarca natildeo eacute ainda o faraoacute mas um potentado que impotildee sua dominaccedilatildeo sobre reinos ou tribos restritas a uma parte do Egito [] Um dos elementos desta temaacutetica merece uma particular atenccedilatildeo Trata-se da representaccedilatildeo de uma fachada de edifiacutecio encimado por um falcatildeo o que eacute bem conhecido pelo nome de ldquoserekhrdquo na eacutepoca faraocircnica como siacutembolo do rei reinando Ao final do periacuteodo preacute-dinaacutestico esse motivo jaacute era utilizado como marca de posse do monarca sobre os objetos ou lugares onde foi afixado Mas haacute mais Eacute no interior desse motivo no espaccedilo vazio da fachada que aparecem os mais antigos exemplos conhecidos da escritura no Vale do Nilo [] trata-se de nomes proacuteprios dos reis constituindo o que os egiptoacutelogos chamam de ldquoa dinastia 0rdquo isto eacute soberanos reinando apenas sobre uma porccedilatildeo do territoacuterio egiacutepcio antes da unificaccedilatildeo e da primeira dinastia Particularmente significativo eacute o nome de Narmer o qual eacute seja o predecessor imediato de Meneacutes o fundador do estado faraocircnico seja o proacuteprio Meneacutes [] quase que ao mesmo tempo em que a escritura eacute utilizada para atualizar aquele que ocupava a funccedilatildeo monaacuterquica escrevendo-se seu nome proacuteprio no interior do siacutembolo desta funccedilatildeo ela eacute tambeacutem para as cidades estrangeiras condenadas a serem eternamente derrotadas pelo rei escrevendo seus nomes proacuteprios no interior do recinto com ameias siacutembolo dessas cidades (VERNUS 1998 p 22-23)

Ao que parece um dos maiores estiacutemulos para a invenccedilatildeo da escritura foi a

necessidade de fixar de modo visiacutevel os nomes nomes proacuteprios ou geograacuteficos Uma

vez que os pictogramas natildeo ofereciam recursos adequados para uma codificaccedilatildeo

satisfatoacuteria dos nomes proacuteprios

Como eacute de amplo conhecimento a civilizaccedilatildeo faraocircnica elaborou um conjunto

de crenccedilas relativas agrave sobrevivecircncia apoacutes a morte Para que a sobrevivecircncia fosse

possiacutevel convinha manter a integridade da personalidade tanto fiacutesica como social A

manutenccedilatildeo da personalidade fiacutesica era satisfeita por meio da mumificaccedilatildeo Enquanto

aquela da personalidade social abrangia o proacuteprio nome da pessoa

Daiacute a inscriccedilatildeo do nome na tumba e sobre o mobiliaacuterio funeral para aqueles que possuem os meios Esta inscriccedilatildeo do nome geralmente multiplicada tanto quanto possiacutevel visa natildeo somente agrave perpetuaccedilatildeo num material soacutelido como a pedra e a madeira mas tambeacutem a assegurar a identidade de seu proprietaacuterio [] Cada egiacutepcio desejava portanto que ldquoseu nome fosse pronunciado na boca das pessoasrdquo segundo uma expressatildeo consagrada Era entatildeo necessaacuterio descrever e narrar suas accedilotildees porque ldquoo nome (fama) de um

63

bravo estaacute naquilo que ele fezrdquo [] Mas para que um nome passasse de boca em boca era necessaacuterio primeiramente que ele estivesse inscrito sobre um monumento funeraacuterio visiacutevel senatildeo ostentatoacuterio e apropriado para dar de seu proprietaacuterio uma boa impressatildeo o monumento funeraacuterio era a expressatildeo da personalidade (VERNUS 1998 p 24-25)

Um fato chama a atenccedilatildeo pois se relaciona com o escopo desta pesquisa sobre

a mudanccedila de nome e sua significaccedilatildeo Haacute um famoso caso de mudanccedila de nome por

motivos religiosos no Egito Eacute aquele relativo ao faraoacute Amenhotep IV que governou

na metade do Impeacuterio Novo cerca de 1350 AEC O seu nome que jaacute era teofoacuterico

significava ldquoAmon estaacute em pazrdquo ou ldquoAmon estaacute satisfeitordquo Esse faraoacute mudou-o para

Akhenatoacuten que significa ldquoO Espiacuterito atuante de Atonrdquo Essa atitude do faraoacute indicava

a intenccedilatildeo de realizar uma reforma religiosa excluindo outras divindades egiacutepcias a

fim de promover Aton como o uacutenico deus Para tanto monumentos dedicados a outras

divindades como Amon foram deformados ou destruiacutedos Akhenatoacuten tentou

estabelecer-se como o uacutenico representante entre deus e o povo somente ele conhecia

Aton retirando poder da casta sacerdotal egiacutepcia (cf HORSLEY 1987 p 5) Uma

consequecircncia dessa alteraccedilatildeo de nome promovida pelo entatildeo faraoacute Amenhotep IV

pode ser percebida em seu sucessor e filho Tutankhamon (significa ldquoa imagem viva

de Amonrdquo) Eacute de se observar que ldquoTutankhamon natildeo era o seu nome original

anteriormente ele tinha sido Tutankhaton e a mudanccedila da manifestaccedilatildeo de apreccedilo a

Aton para Amon foi certamente programaacutetica para indicar o descarte das reformas

religiosas de um faraoacute anterior as quais tinham sido tatildeo desagradaacuteveisrdquo (HORSLEY

1987 p 5)

13 Greacutecia e Roma

Na Greacutecia claacutessica os primeiros testemunhos sobre a colocaccedilatildeo do nome nos

vecircm do seacutec V AEC por exemplo com Aristoacutefanes que escreve

ldquoConvidado um dia ao banquete que ocorre no deacutecimo dia apoacutes o nascimento de um bebecircrdquo e ele acrescenta na mesma peccedila ldquoMas natildeo acabo de fazer um sacrifiacutecio ao deacutecimo dia e de lhe dar um nome como a meu filho nesse mesmo instanterdquo Conhece-se o nome desta cerimocircnia que ele cita em Lysistrata Anfidromia isto significa ldquocorrida ao redorrdquo O receacutem-nascido era levado de casa em casa enquanto as mulheres se purificavam e preparavam a festa (POZNANSKI 1978 p 120)

64

Portanto era costume entre os gregos nominar algueacutem somente no nono ou

deacutecimo dia apoacutes o nascimento Talvez isso se justifique devido ao fato de ocorrerem

muitas mortes de bebecircs antes do seacutetimo dia de nascimento Mas isso natildeo deve ter sido

uma regra geral o uso pode ter se expandido tambeacutem como um modo de permitir o

restabelecimento da matildee apoacutes o parto e que todos os preparativos da festa estivessem

concluiacutedos

A preocupaccedilatildeo de natildeo outorgar um nome agrave crianccedila antes do nono dia jaacute que

as mortes de neonatos eram frequentes indica a preocupaccedilatildeo dos gregos em natildeo

desperdiccedilar um nome sinal de seu caraacuteter sagrado Somente natildeo sabemos com

seguranccedila se eles atribuiacuteam um aspecto maacutegico ao nome proacuteprio como o faziam os

egiacutepcios

Na Roma Antiga a crianccedila recebia seu nome no decorrer de uma importante

cerimocircnia com sacrifiacutecios a Juno divindade do parto e da primeira infacircncia Isso se

dava no chamado dies lustricus (dia da purificaccedilatildeo) nono dia para o menino oitavo

para uma menina (cf POZNANSKI 1978 p 121) Para salvaguardar o praenomen

(prenome) verdadeiro este costumava ser revelado agrave crianccedila somente quando recebia

a toga viril (toga virillis) uma veste branca sem adornos nem tintura Esse gesto que

marcava a passagem da infacircncia para a adolescecircncia se dava por volta dos 15 ou 16

anos de idade Ateacute atingir essa idade mais madura a crianccedila conhecia apenas o seu

falso prenome Portanto a finalidade essencial do nome natildeo era de identificar uma

vez que ele permanecia oculto por um bom tempo

O nome na cultura romana desempenha um papel religioso como proteccedilatildeo

Para amparar a matildee e garantir a continuidade e seguranccedila da prole costumava-se natildeo

atribuir um prenome agraves mulheres Natildeo eacute por menos que entre os romanos surgiu a

locuccedilatildeo Nomen est omen (no plural nomina sunt omina) a qual pode ser traduzida das

seguintes formas ldquoo nome eacute um auguacuteriopressaacutegiordquo ou ldquoum nome um destinordquo A

origem desse proveacuterbio pode ser encontrada na obra Persa (trad Os Persas) do

dramaturgo romano Plautus (cerca de 250-184 AEC)47

47 Cf Nomen est omen In WIKIPEDIA ndash DIE FREIE ENZYKLOPAumlDIE Disponiacutevel em lthttpdewikipediaorgwikiNomen_est_omengt Acesso em 24 jun 2014

65

2 Onomaacutestica biacuteblica

Jaacute vimos que na Antiguidade os nomes pessoais natildeo satildeo meras etiquetas pelas

quais os indiviacuteduos satildeo distinguidos Eles transmitem significado e informaccedilatildeo sobre

povos em variados niacuteveis Por meio deles pode-se conhecer muito da vida cotidiana

das comunidades antigas bem como atitudes psicoloacutegicas e religiosas de certos

grupos humanos Aleacutem disso ldquoobservando as mudanccedilas e preferecircncias em tipos de

nome ao longo do tempo alteraccedilotildees lentas de atitudes podem ser vistas o que pode

indicar a mudanccedila das estruturas sociais e poliacuteticasrdquo (SEYMOUR 1983 p 108)

Constata-se que o impulso humano para conceder nomes a cada aspecto da

existecircncia levou a uma identificaccedilatildeo peculiar da coisa que estaacute sendo nomeada e o

proacuteprio nome abstrato Com isso ldquomuitos povos antigos viram em nomes uma ilusoacuteria

ordem ou estrutura desconhecida do mundo natural que eles estavam descrevendo

a identificaccedilatildeo do nome e objeto resultou em uma confusatildeo caracteristicamente

religiosa de causalidade de modo que os nomes muitas vezes tomaram uma medida

maior da realidade do que as coisas que originalmente representavamrdquo (SEYMOUR

1983 p 109)

A linguiacutestica divide-se em considerar o nome proacuteprio apenas em seu sentido

referencial ou denotativo sem possuir uma conotaccedilatildeo ou ideia ou vecirc-lo como possuidor

tambeacutem de um significado

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica

Em hebraico vecirc-se uma perspectiva bem diferente Por exemplo ldquoo

significado da raiz de uma palavra hebraica qualquer eacute quase aparente

independentemente de seu grau de flexatildeo Por esse motivo a maioria dos nomes

proacuteprios israelitas era claramente inteligiacutevel e expressava mais que a simples

referecircnciardquo (METTINGER 2008 p 35)

A fonte mais importante para os nomes proacuteprios hebraicos estaacute na Biacuteblia bem

como nas inscriccedilotildees cananeias (oacutestracos e selos) nos papiros de Elefantina e tabletes

de argila babilocircnicos do periacuteodo persa (cf STAMM 2007 p 764)

A importacircncia dos nomes proacuteprios fica evidente na tradiccedilatildeo hebraica claacutessica

quando se constata que o primeiro ato de Adatildeo foi dar nomes a todos os animais e

66

aves que Deus criara (cf Gn 219-20) Imediatamente no capiacutetulo seguinte Adatildeo

nomeia a primeira mulher (Gn 320) e uma razatildeo eacute dada para que isso ocorra

Na tradiccedilatildeo judaica mais recente expressa pelo Talmude podemos

comprovar que a importacircncia e valorizaccedilatildeo do nome proacuteprio continuam intactas

ldquoComo noacutes sabemos que o nome de uma pessoa afeta sua vidardquo pergunta o Talmude (Ber 7b 13) A resposta de R Eleazar indica que Deus eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo dos nomes e isso determina o destino da pessoa Tomando isso como um princiacutepio baacutesico os saacutebios do Talmude fornecem dezenas de explicaccedilotildees para os nomes de indiviacuteduos lugares e ateacute mesmo animais enumerados na Biacuteblia A codificaccedilatildeo legal judaica relativa agrave grafia dos nomes em documentos de matrimocircnio e divoacutercio e em notas de venda eacute muito exigente Isso decorre das discussotildees talmuacutedicas onde se afirma que o erro ortograacutefico de um nome invalida um documento e a transaccedilatildeo envolvida (NAMES 2002 p 566-567)

A proacutepria palavra ldquonomerdquo em hebraico nos fornece uma indicaccedilatildeo da

importacircncia desta temaacutetica na cultura semiacutetica O substantivo birradical šēm pertence

ao semiacutetico comum e em sua etimologia nos deparamos com o aacuterabe wsm ldquomarcarrdquo

podendo indicar que o significado originaacuterio de šēm fosse ldquomarcardquo O vocaacutebulo šēm

[] referido a pessoas e coisas se encontra sobretudo nos livros histoacutericos enquanto que do nome de Deus ou de YHWH se fala principalmente em Lv (10 vezes) Dt (23 vezes) na obra histoacuterica deuteronomista (cf 1Rs 26 vezes) em Is (mais de 30 vezes) Jr (mais de 40 vezes) Ez (14 vezes) na maioria dos profetas menores (Am 7 vezes Ml 10 vezes) em 2Cr (27 vezes) e especialmente no Salteacuterio (umas 100 vezes) no total em 37 do conjunto dos casos (VAN DER WOUDE 1985a c 1174)

O proacuteprio tiacutetulo hebraico para o segundo livro da Toraacute (Ecircxodo) eacute šuumlmocirct

(nomes)

De longe o livro de Gecircnesis eacute aquele juntamente com Salmos que mais

concentra as ocorrecircncias do vocaacutebulo šēm seja no singular como no plural em toda a

BH Vejamos

Gn 113 vezes aparece šēm sendo 103 vezes no singular e 10 no plural

Sl 109 vezes contecircm šēm sendo 106 vezes no singular e 3 no plural

Portanto das 864 vezes que šēm aparece na BH seja no singular quanto no

plural 1307 satildeo no livro do Gecircnesis (cf VAN DER WOUDE 1985a c

1175-1176)

67

Em Israel o nome natildeo revela automaticamente a ldquonaturezardquo de seu portador

ou a sua ldquoalmardquo (cf VAN DER WOUDE 1985a c 1175-1176)48 Eacute verdade que uma

das caracteriacutesticas dos nomes hebraicos eacute serem frases ou proposiccedilotildees inteligiacuteveis

Mesmo que isso ldquoseja verdadeiro para muitos nomes natildeo o eacute para todos restava uma

proporccedilatildeo que natildeo era facilmente inteligiacutevel ou natildeo eram absolutamente inteligiacuteveisrdquo

(BARR 1970 p 17) Tambeacutem natildeo se lhe atribui uma forccedila maacutegica como no Egito Ao

menos a BH natildeo conteacutem provas diretas da existecircncia de uma magia particular no

nome (cf NEUMANN 2011 p 324) Na tradiccedilatildeo judaica natildeo haacute nomes divinos

secretos porque o uso maacutegico do nome de Deus eacute proibido e todos os crentes podem

invocar diretamente a YHWH na oraccedilatildeo E natildeo somente uma classe determinada

como poderiam ser os sacerdotes

O nome na cultura semiacutetica conteacutem um elemento dianoeacutetico ou seja o

significado do nome segundo seu sentido e outro dinacircmico isto eacute o significado do

nome por sua forccedila e eficaacutecia Contudo eacute bom advertir que o significado a eficaacutecia e

o ldquopoderrdquo de um nome natildeo se fundamentam em seu caraacuteter maacutegico como tal mas na

importacircncia na eficaacutecia e no ldquopoderrdquo do portador desse nome Se este tem um grande

poder seu nome tem consequentemente a eficaacutecia correspondente e pode ser

utilizado para finalidades boas ou maacutes

Nesse sentido mencionado acima eacute digno de nota aquilo que se constata tanto

num versiacuteculo do texto que seraacute objeto de melhor estudo nos proacuteximos capiacutetulos (Gn

3230) quanto em Jz 1318 Toda vez que um ser humano no caso Jacoacute e Manoaacute pede

a um ser pertencente agrave esfera divina (em Gn acute icircš ndash 3224 em Jz malacuteak yhwh ndash 1317)

qual eacute o seu nome (šēm) a solicitaccedilatildeo eacute negada com uma reacuteplica por que perguntas pelo

meu nome (Gn 3230 e Jz 1318) Conclui-se que ldquoa recusa evidentemente faz pensar

que com o nome seria transmitida uma informaccedilatildeo decisiva sobre quem o portardquo

(REITERER 2009 c 477)

A tradiccedilatildeo hebraica vecirc no nome proacuteprio uma capacidade de comunicaccedilatildeo uma

vez que conhecendo o nome de algueacutem ou de um deus pode-se chamaacute-lo fazecirc-lo vir

ateacute quem o menciona Nesse sentido o conhecimento do nome significa ateacute certo

48 Cf BARR 1970 p 11-29

68

ponto um poder sobre a pessoa nominada Deve-se levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que

Uma vez que o nome eacute expoente da personalidade o portador deve cuidar de seu bom nome ou seja de sua boa reputaccedilatildeo Adquire-se um nome no sentido de prestiacutegio quando se acrescenta a proacutepria gloacuteria atraveacutes de grandes accedilotildees e riquezas entre elas a abundacircncia de filhos O nome de uma pessoa sobrevive mesmo depois de sua morte sobretudo atraveacutes de seus descendentes (Gn 4816) Poreacutem o nome do que eacute sentenciado (Ez 2310) do que natildeo tem filhos (cf 2Sm 1818) ou do que perde suas propriedades (cf Nm 274) eacute apagado da terra Nestes casos e neste sentido dinacircmico o nome pode ser um conceito substitutivo da pessoa (VAN DER WOUDE 1985a c 1177)

Houve uma evoluccedilatildeo interessante nas tradiccedilotildees judaicas de nomeaccedilatildeo ldquoo

nome que era anteriormente dado desde o nascimento tende a ser em seguida

ligado agrave circuncisatildeo o oitavo dia apoacutes o nascimento na eacutepoca talmuacutedica a menina

recebia seu nome no primeiro saacutebado que se seguia ao partordquo (POZNANSKI 1978 p

119) Qual foi a justificativa para tal mudanccedila Somente Deus pode contentar-se de

existir sem necessidade de nome ldquoEu sou aquele que sourdquo (Ex 314) Aliaacutes como Carl

Heinz Ratschow49 jaacute demonstrou haacute muito tempo a traduccedilatildeo do verbo que eacute usado

para o nome divino (haya) comumente traduzido por ldquoserrdquo seria mais correto traduzir

por algo que eacute simultaneamente ldquoserrdquo e ldquovir-a-serrdquo Assim a expressatildeo acuteehyegrave acuteaacutešer

acuteehyegrave de Ex 314 poderia ser vertida em ldquoVirei-a-ser o que fareirdquo (REHFELD 1988 p

93) Isso porque segundo Rehfeld a cultura do homem biacuteblico era antiontoloacutegica

ainda segundo ele ldquoA realidade natildeo se afigurava como lsquoserrsquo mas como lsquodever-serrsquo

natildeo como lsquoessecircnciarsquo mas como lsquoexigecircnciarsquordquo (REHFELD 1988 p 91-92) Por essa razatildeo

o nome divino natildeo poderia ter ldquoum sentido estaacutetico e imutaacutevel denominaraacute o aspecto

dinacircmico da Fonte de toda transformaccedilatildeo no mundo do acontecer de cada momentordquo

(IBID p 93) Esses aspectos que Rehfeld aplica ao nome de Deus se pode aplicar

tambeacutem em alguns casos aos nomes proacuteprios pessoais como se abordaraacute mais

adiante nesta pesquisa

O ser humano deve ter um nome que significa mais do que ele designa

49 Eine Untersuchung des Wortes ldquohayaacuterdquo als Beitrag zur Wirklichkeitserfassung des Alten Testaments Beiheft zur Zeitschrift fuumlr alttestamentliche Wissenschaft Berlin Alfred Toplemann n 70 1941 apud REHFELD 1988 p 92 nota 52

69

Assim a ligaccedilatildeo onomaacutestica entre o homem e seu Deus eacute a ilustraccedilatildeo da alianccedila religiosa a partir do modelo daquela de Abratildeo vendo mudar seu nome em Abraatildeo [Gn 175] Por esta nova nomeaccedilatildeo se estabelece a ligaccedilatildeo e se opera uma transformaccedilatildeo profunda na mentalidade religiosa a crianccedila natildeo eacute mais nomeada desde o nascimento porque sua existecircncia real natildeo teraacute iniacutecio a natildeo ser com o estabelecimento e a celebraccedilatildeo da Alianccedila Apoacutes a Diaacutespora atribui-se agrave crianccedila um nome provisoacuterio seguindo os costumes locais mas seu nome verdadeiro permanece aquele que ela receberaacute no momento de sua entrada na Alianccedila (POZNANSKI 1978 p 120)

Quem nomeia a crianccedila na BH satildeo seus pais Entretanto essa eacute uma

atividade predominantemente individual Vejamos

Das 46 vezes em que o nominador eacute especificado ao menos 25 envolve matildees (p ex Gn 4125 1937-38 306-24 1Sm 120 2Sm 1224 1Cr 49) Dezoito envolve o pai (p ex Gn 5329 1615 3518 4151-52 Ex 183-4 1Cr 723 Os 14-9) Umas poucas envolvem uma relaccedilatildeo que natildeo a dos genitores como quando Homem nomeia Mulher (Gn 223) Adatildeo nomeia Eva (Gn 320) e as amigas de Noemi nomeiam a crianccedila de Rute como Obed (Rt 417) Que a maioria dos nominadores seja mulheres eacute atribuiacutevel ao menos em parte agrave intimidade da relaccedilatildeo entre matildees e filhos nos primeiros anos destes Esse foco sobre as mulheres natildeo se estende entretanto aos destinataacuterios dos nomes nas 46 nomeaccedilotildees mencionadas acima somente sete mulheres satildeo nomeadas duas dessas menccedilotildees envolvem a ldquoPrimeira Mulherrdquo (Gn 223 320) A nomeaccedilatildeo de crianccedilas do sexo feminino por seus genitores eacute registrada em apenas cinco exemplos no AT e somente uma vez eacute que uma matildee nomeia uma filha (Gn 3021) (BOHMBACH 2000 p 946)

Tanto em hebraico quanto no semiacutetico antigo podem ser individuadas duas

formas de nomes proacuteprios nomes proposicionais e nomes epiteacuteticos ou de designaccedilatildeo

(cf STAMM 2007 p 764) Os primeiros podem ser classificados como sentenccedilas

verbais ou nominais Haacute um grupo separado constituiacutedo por numerosos nomes curtos

Os nomes de proposiccedilatildeo satildeo originalmente pronunciados pelo pai ou matildee durante o

nascimento do filho (cf Rubem isto eacute reacute ucircbeumln ldquoVede um filhordquo Gn 2932) ou contecircm

suacuteplicas desejos e manifestaccedilotildees de confianccedila colocadas na boca do portador do nome

(cf acute eacutelicirc` eacutezer ldquomeu Deus eacute meu auxiacuteliordquo Gn 152) Em nomes de designaccedilatildeo o receacutem-

nascido recebe um nome correspondente ao dia de seu nascimento (cf bdquoaggay ldquoo

nascido em dia de Festardquo Ag 11) ou agrave sua posiccedilatildeo na famiacutelia como primogecircnito etc

Um dado curioso e singular eacute o fato de em Israel diferentemente do que ocorre

em sua vizinhanccedila naquela eacutepoca ldquonatildeo haacute nomes de pessoas que designem a seu

portador como filho ou filha de YHWHrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1180) No

70

entanto somente para ficar em alguns exemplos no ambiente extraisraelita

encontramos Ben-`aumlnaumlt ldquofilho de Anatrdquo como designaccedilatildeo do hurrita Samgar (Jz 331

56) e Ben-haumldad ldquofilho de Adadrdquo como denominaccedilatildeo de trecircs reis de Aram (1Rs

151820 201ss 2Rs 13324-25)

O nome pode ser

um programa (ex Gn 175)50

ou ocasiatildeo para etimologias etioloacutegicas (ex Gn 2526 Ex 211) e

jogos de palavras (ex 1Sm 2525)

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas

Vaacuterios fatores podem determinar a colocaccedilatildeo do nome numa crianccedila no

interior da cultura hebraica antiga (todo o conteuacutedo da seccedilatildeo abaixo foi extraiacutedo com

algumas poucas variaccedilotildees e acreacutescimos de DE VAUX 1958 p 75-77)

221 Circunstacircncias particulares do nascimento

I Circunstacircncia que concerne agrave matildee

1 Eva chama seu primeiro filho de Caim porque ela ldquoadquiriurdquo (qaumlnaumlh)51 um

homem Gn 41

2 O mesmo ocorre com os filhos de Jacoacute Gn 2931-3024

50 O papel de Abratildeo eacute alargado pela promessa divina que lhe havia sido feita em Gn 122 ldquoFarei de ti uma grande naccedilatildeo e te abenccediloarei tornarei grande o teu nome e tu seraacutes uma becircnccedilatildeordquo (trad pessoal) Como a vida e missatildeo de Abratildeo sofreram alteraccedilatildeo seu nome tambeacutem eacute mudado No entanto mais que alterado seu nome eacute ampliado com o acreacutescimo de uma siacutelaba ldquoO novo nome eacute uma variante dialetal de Abratildeo seguindo o padratildeo aramaico de expandir verbos fracos pela inserccedilatildeo de h de modo que a raiz r-w-m torna-se r-h-m assim como o hebraico r-w-ts torna-se r-h-dagger em aramaico e o hebraico b-w-sh torna-

se b-h- daggerh em aramaicordquo (SARNA 1989 p 360 nota 4 [Chapter 17]) Essa pode ser a explicaccedilatildeo para o

fato de ldquoas consoantes ABRHM [sejam] interpretadas como uma abreviaccedilatildeo para ABiR (poderoso) e Hamon (multidatildeo) + goyiM (naccedilotildees)rdquo (Op cit p 124) 51 A esta interpretaccedilatildeo do nome ldquoCaimrdquo oferecida por DE VAUX deve-se no entanto acrescentar outra mais plausiacutevel que nos eacute oferecida por Cassuto Segundo esse estudioso o significado primaacuterio para Qayin (qyn em aacuterabe) seria moldar dar forma modelar algo e o substantivo aacuterabe qaynun denota natildeo soacute ldquoum ferreiro um trabalhador em bronze e ferrordquo mas em geral algum ldquoartiacuteficerdquo que faz artigos dando forma agrave mateacuteria-prima Ainda segundo ele ldquoA palavra aramaica citada eacute reconheciacutevel precisamente por sua forma como um substantivo denominativo e em qualquer caso conota tambeacutem um refinador que trabalha em prata e ouro Em hebraico biacuteblico Qayin significa uma lsquoarmarsquo que foi dada forma pelo artesatildeo (2Sm 2116) A conclusatildeo a ser tirada de tudo isso eacute que o nome do primeiro filho de Adatildeo significa uma criatura [literalmente lsquoum ser formadorsquo]rdquo (CASSUTO 2005 p 197-198) A partir dessas explicaccedilotildees pode-se traduzir a parte final de Gn 41 do seguinte modo Eu criei um homem assim como o Senhor

71

Raquel que morreraacute no parto chama seu filho de Ben-Oni ldquofilho da

minha dorrdquo52 mas

Jacoacute muda este nome de mau pressaacutegio para Biniamin (ldquofilho da

direitardquo)53 Gn 3518

II Circunstacircncia que concerne ao pai eacute mais raro54

Moiseacutes chama seu filho Guershom porque ele o teve sendo guecircr (= residente

em terra estrangeira) Ex 222

III Circunstacircncia que concerne agrave proacutepria crianccedila

1 Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb) eacute chamado de ldquocalcanharrdquo55 porque no seio de sua

matildee ele segurou o calcanhar de seu irmatildeo gecircmeo (Gn 2526) o qual ele

suplantou `qaumlb (Gn 2736 Os 124)

2 Perez nasceu abrindo uma ldquobrechardquo pecircrets (Gn 3829)

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo

1 A mulher de Fineias (heb PicircnHaumls) sabendo sobre a tomada da arca da

alianccedila pelos filisteus deu agrave luz um filho ao qual chamou Icabod (heb acuteicirc-

kaumlbocircd) que significa ldquoonde estaacute a gloacuteriardquo ou ldquosem gloacuteriardquo 1Sm 421

2 Os nomes simboacutelicos que Oseias e Isaiacuteas datildeo a seus filhos Os 1469 Is 73

83 tomando somente um exemplo a filha de Oseias Lo-RuHamaacute (ldquosem

52 Outra possibilidade de interpretaccedilatildeo para esse nome seria ldquofilho do meu vigorrdquo um eufemismo para ldquofilho de minha debilidaderdquo isto eacute ldquoseu nascimento drenou minhas forccedilasrdquo Nesse caso acuteocircn eacute tomado

no sentido de ldquovigorrdquo como encontrado em Gn 493 Dt 2117 Is 402629 Os 124 Sl 7851 10536 Joacute 4016 ldquoCuriosamente Onocirc eacute um nome de lugar no territoacuterio de Benjamim Esd 233 Ne 62 737 1135 1 Cr 812rdquo (SARNA 1989 p 368 nota 14 [Chapter 35]) 53 Aqui ldquodireitardquo eacute siacutembolo de destreza poder proteccedilatildeo Outro significado possiacutevel seria ldquofilho do sulrdquo isto eacute ldquoaquele que nasceu no sulrdquo Uma terceira possibilidade tomando yamin por yamim (dias) seria interpretar Benjamin como ldquofilho de minha velhicerdquo em Is 4420 ele eacute chamado de ldquouma crianccedila de sua velhicerdquo (cf SARNA 1989 p 243) 54 Pode-se encontrar exemplos mesmo na cultura sumeacuteria como eacute o caso de AAMUDAḪ (ldquoO-Pai-Correu-Para-O-Povordquo) certamente para anunciar o nascimento de seu filho (cf KRAMER 1963 p113) 55 ldquoPela etimologia popular o nome eacute derivado do hebraico ` akev lsquocalcanharrsquo Na realidade o hebraico

ya` akov deriva de uma raiz semiacutetica ` -k-v proteger Eacute abreviada de uma forma mais completa com um

nome divino ou epiacuteteto como seu sujeito Ya` akov-acute El Que El protejarsquo eacute um nome que tem aparecido

vaacuterias vezes em textos cuneiformes sobre uma vasta aacuterea O nome Jacoacute eacute assim na origem um apelo por proteccedilatildeo divina do receacutem-nascido ndash mais adequado para algueacutem que iria viver toda a sua vida agrave sombra do perigordquo (SARNA 1989 p 180)

72

piedaderdquo)56 recebe esse nome a fim de significar a falta de piedade que

Deus tem para com todo o reino do norte (Israel) daquele momento em

diante

3 Substituindo o nome de um parente falecido devido ao fato comum das

mortes prematuras de crianccedilas bem como de natimortos na Antiguidade

Oriental era comum encontrar nomes que eram concedidos a uma outra

crianccedila ldquosubstituindordquo aquele que havia sido dado agrave falecida No Egito em

Ugarit na Babilocircnia e em Israel isso ocorria No entanto haacute uma diferenccedila

importante enquanto que na Babilocircnia por exemplo essa categoria de

nomes se referia a um substituto para o defunto em hebraico a tendecircncia

em periacuteodos anteriores era falar do parente como ldquovivendo de novordquo No

periacuteodo poacutes-exiacutelio (seacutec VI AEC em diante) com possiacutevel influecircncia

babilocircnica encontram-se em hebraico nomes como estes ldquoAmdashiqsup1m (ldquoMeu-

Irmatildeo-Ressurgiurdquo) Jsup1shobplusmnam (ldquoO-Tio-Voltourdquo) Jsup1shibdegab (ldquoEle [YHWH]-

Trouxe-De-Volta-o-Pairdquo) Meshallcentmjsup1(mdashu) (ldquoYHWH-Deu-um-Substitutordquo)rdquo

(SEYMOUR 1983 p 113)

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila satildeo raros Exemplos

Naor (heb naumlHocircr) o soprador roncador ndash Gn 1122

Careaacute (heb qaumlreumlordfH) o careca ndash 2Rs 2523

Paseaacute (heb paumlseumlordfH) o coxo ndash Ne 751

224 Nomes de animais

Satildeo frequentes especialmente no periacuteodo antigo Geralmente colocava-se o

nome do primeiro animal que se via no momento do nascimento da crianccedila como

ocorre ateacute hoje entre os beduiacutenos Exemplos

Raquel (heb raumlHeumll) ovelha ndash Tb 71

Deacutebora (heb Duumlboumlracirc) abelha ndash Gn 358

Jonas (heb yocircnacirc) pomba ndash Jn 11

Aiaacute (heb acuteayyacirc) abutre ndash Gn 3624

56 Uma interpretaccedilatildeo mais difundida atualmente concede a este nome o significado de ldquonatildeo amadardquo

do hebraico loumlacute ruHaumlmacirc Deus repotildee a condenaccedilatildeo embutida nesse nome atraveacutes de sua mudanccedila em

ruHaumlmacirc ldquoamadardquo (Os 23 cf 225) ndash cf MERCIER 2013 p 822

73

Sefufan (heb šuumlpucircpaumln) viacutebora ndash 1Cr 85

Caleb (heb Kaumlleumlb) catildeo ndash Nm 136

Naaacutes (heb naumlHaumlš) serpente ndash 2Sm 1725

Eglaacute (heb `eglacirc) novilha ndash 2Sm 35

Akbor (heb `akBocircr) rato ndash Gn 3639 etc

225 Nomes de plantas

Em pessoas esses nomes satildeo muito raros E o princiacutepio de colocaccedilatildeo desse tipo

de nome eacute semelhante ao anterior relativo ao de animais Exemplos

Elom (heb acuteecircloumln) carvalho ndash Gn 2634

Zetan (heb zecirctaumln) oliva ndash 1Cr 710

Coz (heb qocircc) espinho ndash 1Cr 48

Tamar (heb Taumlmaumlr) tamareira ndash Gn 3824

226 Nomes teofoacutericos57

Constituem a categoria mais importante dos nomes proacuteprios Alguns satildeo

formados com Baal que pode ser agraves vezes um epiacuteteto de YHWH porque baacuteal

significa ldquomestresenhorrdquo mas que eacute frequentemente o nome do deus cananeu A

proporccedilatildeo desses nomes eacute especialmente grande nos oacutestracos de Samaria que datam

de uma eacutepoca na qual a religiatildeo do Reino do Norte foi fortemente influenciada por

outras culturas Eles desaparecem apoacutes o periacuteodo monaacuterquico Sob a influecircncia do

javismo58 alguns desses nomes foram modificados nos textos sendo Baal substituiacutedo

57 O significado da palavra grega θεόφορος (teofoacuterico) eacute ldquotrazendo ou levando um deusrdquo (LIDELL SCOTT 1940) Portanto nomes teofoacutericos satildeo nomes derivados de um deus 58 ldquoCrenccedila monoteiacutesta dos judeus [sic] O termo natildeo aparece como tal (yahadut) na Biacuteblia Ele eacute atestado pela primeira vez no Segundo Livro dos Macabeus [81] e em Ester Rabba (711) Ele foi criado claramente pelos judeus helenistas (estes empregavam a forma grega dessa palavra ioudaismos) Ele exprime uma dimensatildeo ao mesmo tempo religiosa e nacional [] O judaiacutesmo foi frequentemente descrito como um lsquomodo de vidarsquo integral ou como uma lsquoculturarsquo Eacute uma santificaccedilatildeo de todos os aspectos da vida [] Nenhum detalhe da vida eacute deixado de lado por ele O judaiacutesmo remonta sua existecircncia a Abraatildeo que a tradiccedilatildeo judaica considera como o primeiro homem que chegou por proacutepria conta agrave ideia de monoteiacutesmo [] Durante os trecircs mil e oitocentos anos que decorreram desde o nascimento de Abraatildeo os dois elementos fundadores da histoacuteria judaica e do povo judeu satildeo a saiacuteda do Egito e o dom da Toraacute no Sinai A tradiccedilatildeo considera de fato o Sinai como o lugar no qual o povo judeus recebeu as leis que o devem reger [] O judaiacutesmo foi a primeira religiatildeo puramente monoteiacutesta [] O judaiacutesmo foi tambeacutem a ldquomatildeerdquo de duas outras religiotildees universais o cristianismo e o islamismordquo (JUDAIumlSME 1993 p 587)

74

por El ou YHWH ou ainda eles satildeo desfigurados pela leitura Ishbaal foi mudado em

Ishboshet Yerubaal em Yerubboshet Meribbaal em Mephiboshet

Os elementos teofoacutericos de ocorrecircncia mais frequente satildeo lae (acuteeumll) que ocorre

em cerca de 135 nomes da BH e o Tetragrama este uacuteltimo sempre usado em forma

abreviada a saber Ahygt (yuumlhocirc) e Ay (yocirc) no comeccedilo Why (yāhucirc) e hy (yāh) no final da

palavra Os nomes proacuteprios teofoacutericos compostos com o Tetragrama sempre

abreviado satildeo mais de 150 na BH Uma estatiacutestica comprova essa afirmaccedilatildeo isto eacute a

predominacircncia de nomes teofoacutericos javistas (com o Tetragrama)59 Segundo um

caacutelculo ldquode 466 indiviacuteduos portando nomes teofoacutericos (excluindo destes aqueles com

elementos acuteeumll e acuteeumllicirc que satildeo ambiacuteguos) do periacuteodo patriarcal ateacute a queda de Jerusaleacutem

413 (89 por cento) portavam nomes javistas e 53 (11 por cento) portavam nomes

claramente ou plausivelmente pagatildeosrdquo (TIGAY 1987 p 160) Inscriccedilotildees do oitavo

seacuteculo AEC ateacute a queda de Judaacute (587 AEC) tanto hebraicas como estrangeiras

referentes a Israel comprovam que dos 738 nomes de indiviacuteduos que nelas aparecem

351 quase a metade leva nomes com YHWH como seu elemento teofoacuterico outros 48

levam nomes com o elemento teofoacuterico acuteeumll (ldquoDeus deus a divindade Elrdquo) ou acuteeumllicirc (ldquomeu

deusrdquo) Dos nomes restantes a maioria natildeo menciona divindades Pode-se concluir a

partir disso a forccedila do javismo no coraccedilatildeo da sociedade israelita especialmente de

Judaacute (cf TIGAY 1987 p 161-178) E isso se comparado a informaccedilotildees disponiacuteveis da

onomaacutestica em povos vizinhos a Israel torna-se ainda mais evidente Tomemos como

exemplo a onomaacutestica amonita (Amon ocupava a Transjordacircnia nos tempos do antigo

Israel) cuja principal divindade era Milcom Essa divindade estaacute presente em apenas

nove nomes dos encontrados em inscriccedilotildees daquela eacutepoca Sendo que acuteeumll ocorre cento

e cinquenta vezes o qual era no mais das vezes um termo geneacuterico para deus (cf

HESS 2007 p 304) Outro estudo sobre a onomaacutestica amonita obteve como resultado

a incidecircncia dos seguintes nomes acute l ndash 48 vezes acute nrt ndash 1 vez b` l ndash 1 vez Hm ndash 1 vez

nny ndash 1 vez šmš ndash 1vez (cf HESS 2007 p 304) Os nomes pessoais amonitas compostos

de outras divindades superam em nuacutemero portanto aqueles com Milcom O mesmo

se observa quando satildeo examinadas coleccedilotildees de nomes pessoais edomitas moabitas e

59 Para uma anaacutelise mais completa dessa ocorrecircncia consultar JASTROW 1894 p 101-127

75

filisteias Pode-se concluir que ldquoo uso predominante e quase exclusivo do nome divino

YHWH na onomaacutestica do Israel Antigo sugere que essa divindade exerceu um papel

em Israel distinto de como as naccedilotildees circunvizinhas consideravam suas divindades

principais nos nomes pessoaisrdquo (HESS 2007 p 306)

O primeiro nome pessoal que foi definitivamente construiacutedo com o

Tetragrama eacute yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute ndash Ex 179)

O nome da matildee de Moiseacutes yocirckebed (Joquebede - Ex 620) eacute mais antigo mas

eacute extremamente questionaacutevel se ele de fato conteacutem o nome divino biacuteblico quanto agrave

yuumlhucircdacirc (Judaacute ndash Gn 2935) eacute certo que natildeo conteacutem o nome divino (cf STAMM 2007

765)

Do periacuteodo dos Juiacutezes cinco nomes pessoais pertencentes a este grupo yocircacuteaumlš

(Joaacutes ndash Jz 611) yocirctaumlm (Jotatildeo ndash Jz 95) micirckaumlyhucirc (Micaiacuteas[u] - 1Rs 228) yocircnaumltaumln (Jocircnatas

ndash Jz 1830) e yocircacuteeumll (Joel ndash 1Sm 82) devem ser mencionados

Durante o periacuteodo monaacuterquico nomes desse grupo tornaram-se frequentes e

dominantes e ateacute mantiveram sua predominacircncia duradoura ndash juntamente com

aqueles contendo o teofoacuterico acuteeumll ndash depois acuteeumll eacute comum em nomes pessoais ateacute o iniacutecio

do periacuteodo monaacuterquico durante o qual ele cai em quase completo desuso

reaparecendo novamente e se tornando mais frequente a partir do seacutetimo seacuteculo e

permanecendo comum depois do Exiacutelio (cf STAMM 2007 p 766)

Uma curiosidade pode ser encontrada no nome do profeta Elias (1Rs 171

acuteēliyyaumlhucirc) o qual combina os nomes divinos El e YHWH na afirmaccedilatildeo ldquoDeus (ou ldquomeu

Deusrdquo ndash ElElicirc) eacute Yah[weh]rdquo

Eacute interessante constatar como o faz Johann Jakob Stamm que

O predicado dos nomes proposicionais verbais (teofoacutericos) eacute geralmente no tempo perfeito ou imperfeito Em contraste com o acaacutedio o uso do modo

imperativo eacute raro Nomes tardios tais como laeyfi[ ] (Asiel ldquoFaccedila-o oacute Deusrdquo)

e laeyzIx ] (Haziel ldquoOlha oacute Deusrdquo) podem ser considerados como pertencentes

ao primeiro e bEWargt (Ruacuteben ldquoVeja um filhordquo) como pertencente ao uacuteltimo

Nos nomes no tempo perfeito o tipo ldquopredicado-sujeitordquo (p exlaengttn gt Natanael) eacute segundo a sintaxe hebraica em geral mais frequente que o

inverso ou seja ldquosujeito-predicadordquo (p ex tnla Elnatatilde) O significado

desses nomes eacute expresso pelo uso do tempo passado eles significam accedilatildeo de graccedilas por um ato de caridade concedido pela divindade (p ex ldquoDeus deurdquo) Em nomes formados com o tempo imperfeito o tipo ldquosujeito-predicadordquo eacute

76

dificilmente representado Esse tipo aparece somente nos periacuteodos

monaacuterquico tardio e no poacutes-exiacutelico (~yqIszligyAhy gt Joaquim) De outro lado o tipo

ldquopredicado-sujeitordquo eacute muito mais frequente (hyngtAky gt Iehoniaacute) Alguns dos

nomes proacuteprios mais antigos satildeo deste tipo uns aparecem como formas

abreviadas natildeo contendo a palavra lae da forma completa Exemplos destes

satildeo qxcyI (Isaac) bqo[]y (Jacoacute) laerfyI (Israel) sEAy (Joseacute) e laemxrygt (Jerameel)

Estes tipos ocorrem mais frequentemente nos periacuteodos de Moiseacutes e dos Juiacutezes Ele se torna escasso durante o periacuteodo daviacutedico quase desaparecendo mas recuperando espaccedilo pouco antes dos periacuteodos exiacutelico e poacutes-exiacutelico (STAMM 2007 p 764-765)

Quais eram os motivos que levavam os pais israelitas a incluiacuterem alusotildees a

Deus nos nomes que davam a seus filhos Podemos identificar as seguintes razotildees

principais60

1ordf Desejo dos pais em exprimir seu agradecimento a Deus por dar-lhes aquele filho

receacutem-nascido Para tanto costuma-se tomar a raiz -t-n (n ndash t ndash n dar) A partir

daiacute surgem nomes como nuumltanacuteeumll (Natanael Deus tem dado ou Daacutediva de Deus Nm

18) yuumlhocircnaumltaumln (Jocircnatas YHWH deu ou Dado por YHWH 1Sm 146 ndash forma

abreviada yocircnaumltaumln 1Sm 132) nuumltanyaumlhucirc (Netanias YHWH deu ou Daacutediva de

YHWH Jr 3614) e acuteelnaumltaumln (Elnatan El [Deus] deu ou Daacutediva de El [Deus] 2Rs 248)

Ideia anaacuteloga encontra-se no ato de Lia ao nomear o seu quarto filho yuumlhucircdacirc (Judaacute

AgradeccediloLouvo a YHWH Gn 2935) Esse nome funde w-h-y (as primeiras trecircs letras

do Tetragrama) com um derivado de hdy (ldquoagradecerrdquo) do qual a primeira letra

torna-se um vav e funde-se com o vav do Tetragrama

2ordf Nomes que expressam o fato de Deus ter dado aquele filho por sua graccedila ou

exprimindo o desejo de que ele possa favorecer essa crianccedila no futuro Emprega-

se a raiz -n-x (graccedila favor ou conceder uma graccedila) Essas ideias estatildeo na base de

nomes teofoacutericos tais como acuteelHaumlnaumln (Elanan El (Deus) eacute gracioso 2Sm 2119)

Haacutenanacuteeumll (Hananel El (Deus) eacute gracioso Jr 3138) Haacutenanyaumlhucirc (Hananias YHWH eacute

gracioso Jr 3612 ndash forma abreviada Haacutenanyacirc Jr 281) yuumlhocircHaumlnaumln (Joanan YHWH

agracioumostrou favor Esd 106 ndash forma abreviada yocircHaumlnaumln Jr 4016)

3ordf Para denotar que ldquoo Senhor eacute Deusrdquo ou ldquoo Senhor eacute meu Deusrdquo haacute o costume de

combinar os dois nomes hebraicos da divindade (El e YHWH) Como exemplo

60 Cf HABER 2001 p 57-59

77

temos acuteeumlliyyaumlhucirc (Elias O Senhor (El) eacute Deus (YHWH) 1Rs 171 ndash forma abreviada

acuteeumlliyyacirc 2Rs 13) yocircacuteeumll (Joel YHWH eacute Deus (El) Jl 11) e acuteeacutelicircacuteeumll (Eliel Meu Deus (El)

eacute Deus (El) 1Cr 619)

4ordf Indicam as esperanccedilas dos genitores quanto ao futuro de seus filhos O verbo ~wq

(na forma hifil ~yqiy erguer levantar pocircr-se de peacute) transmite a ideia ldquo(Que) Deus

eleveestabeleccedila (esse filho)rdquo como eacute o caso em yuumlhocircyaumlqicircm (Jeoaquim YHWH

levantaconfirmaestabelece 2Rs 2334 ndash forma abreviada yocircyaumlqicircm Ne 1210) O

verbo wk (na forma hifil ykiy pocircr estabelecer sustentar dispor assentar instituir)

transmite a ideia ldquo(Que) o Senhor fortaleccedilaestabeleccedila (esse filho)rdquo Encontramos

essa noccedilatildeo em nomes como yuumlhocircyaumlkicircn (Joaquim YHWH exaltalevantaestabelece

2Rs 246 ndash forma abreviada yocircyaumlkicircn Ez 12) O nome yuumlHezqeumlacutel (Ezequiel Ez 13)

denota o desejo la-qzxy (ldquoQue Deus fortaleccedila-[o]rdquo) O nome do profeta Jeremias

(heb yirmuumlyaumlhucirc Jr 11 ndash forma abreviada yirmuumlyacirc Jr 271) denota algo

semelhante ldquoQue o Senhor (YHWH) erga[-o]rdquo

5ordf Denotam a paternidade a proteccedilatildeo e salvaccedilatildeo de Deus Emprega-se nesse caso o

substantivo com sufixo pronominal yba (ldquomeu Pairdquo) Por exemplo acuteaacutebicircacuteeumll (Aviel

Meu pai eacute Deus (El) ou Deus (El) eacute pai 1Sm 91) acuteaacutebiyyaumlhucirc (Abias YHWH eacute pai ou

YHWH eacute meu pai 2Cr 1320 ndash forma abreviada acuteaacutebiyyacirc 1Sm 82) e yocircacuteaumlb (Joab

YHWH eacute pai 1Sm 266) Outros nomes usam a raiz [vy (ajudar salvar) que significa

ldquoDeus eacute o Salvadorrdquo ou expressa um desejo ldquo(Que) Deus ou o Senhor ajude ou

salverdquo A esse grupo de nomes teofoacutericos pertencem entre outros acuteeacutelicircšauml` (Eliseu

Deus (El) eacute salvaccedilatildeo ou Meu Deus (El) eacute salvaccedilatildeo 1Rs 1916) yuumlša`yaumlhucirc (Isaiacuteas YHWH

eacute salvaccedilatildeo Is 11 ndash forma abreviada yuumlša`yacirc Esd 87) Pode ocorrer da primeira

letra da raiz (yod) tornar-se um vav como nos seguintes casos yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute

YHWH eacute salvaccedilatildeo Ex 179) e hocircšeumlordf` (Oseias Nm 138)

6ordf Expressando a esperanccedila de que Deus fizesse seu povo retornar do exiacutelio

babilocircnico para a sua terra Usa-se o verbo na forma hifil byvy da raiz bwv (ldquotrazer

de volta repatriarrdquo) A esse grupo pertence o nome acuteelyaumlšicircb (Eliasibe Deus (El)

traraacute de volta Esd 106)

78

7ordf Diz-nos algo sobre a proacutepria divindade seus atributos Pertencem a essa

categoria nomes tais como

yuumlhocircraumlm (Jeoratildeo YHWH eacute altoexaltado 1Rs 2251 ndash o nome incorpora o adjetivo

~r ldquoaltordquo) forma abreviada yocircraumlm (2Sm 810)

Guumldalyacirc (Gedalias YHWH eacute grande Jr 405 ndash assume o adjetivo lwdg ldquogranderdquo)

Gabricircacuteeumll (Gabriel Dn 816) pode significar ldquoDeus eacute a minha fortalezardquo

assumindo a raiz rbg (forccedila poder valentia)

Daumlniyyeumlacutel (Daniel 1Cr 31) refere-se a Deus como sendo ldquoo Juizrdquo ou ldquofazendo

justiccedilardquo (incorporando a raiz yd julgar sentenciar juiz) podendo ser

interpretado como ldquoDeus (El) eacute a minha justiccedilardquo

ruumlpaumlacuteeumll (Rafael 1Cr 267) fundi o aleph de la e de apr (curar cura) conotando

que ldquoDeus (El) curardquo ou ldquoDeus curaraacuterdquo talvez alguma doenccedila da crianccedila

8ordf Expressatildeo de agradecimento a Deus por sua ajuda no sentido de obter esse filho

ou por outros favores recebidos dele A raiz rz[ (ajudar socorrer proteger) eacute

empregada nesses casos Ela pode conotar tambeacutem uma esperanccedila de que no

futuro Deus venha ajudarproteger essa crianccedila Alguns exemplos de nomes com

esse sentido acuteel`aumlzaumlr (Eleazar Deus (El) ajudousocorreu ou Deus (El)

ajudaraacutesocorreraacute Ex 623) acuteeacutelicirc`ezer (Eliezer mesmo sentido do anterior Gn 152)

`aacutezaryaumlhucirc (Azarias 1Rs 42 ndash forma abreviada `aacutezaryacirc 2Rs 1421) `azricircacuteeumll (Azriel

mesmo significado do anterior Jr 3626 ndash forma abreviada `aacutezaracuteeumll Esd 1041)

9ordf Manifestando gloacuteria e louvor a Deus Essa motivaccedilatildeo comparece em um dos

poucos exemplos de nomes teofoacutericos dados a filhas Um deles pode ser yocirckebed

(Joquebede Ex 620) em que as trecircs consoantes finais dbk talvez derivem de dwbk

(ldquogloacuteriardquo) formando um nome com o significado de ldquoGloacuteria ao Senhor (YHWH)rdquo

Outro nome seria `aacutetalyacirc (Atalia 2Rs 111) cujo significado pode ser hyl-t[

(ldquoTempo para o Senhorrdquo) mas haacute tambeacutem outras possibilidades tais como ldquoO

Senhor (YHWH) eacute exaltadordquo61 ou ldquoO Senhor (YHWH) eacute soberanordquo62

61 Cf AUNEAU 2013 p 193 62 Cf SOLVANG 2006 p 340

79

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome

a) Nomes de parentes

Especialmente em tempos mais recentes a partir sobretudo do seacutec I AEC o

mais importante era que a crianccedila recebesse o nome do pai do avocirc ou de algum outro

parente Esse costume predominava no iniacutecio da era comum (EC) como se pode

perceber pelo espanto das amigas de Isabel quando esta escolhe o nome de ldquoJoatildeordquo para

o seu filho elas afirmam ldquoNatildeo haacute ningueacutem de tua parentela que seja chamado por

este nomerdquo (Lc 159-61) Outra evidecircncia nos vem tambeacutem no primeiro seacuteculo da EC

no registro dos descendentes de Hillel63 importante saacutebio e mestre judeu bem como

codificador da Mishnaacute

Em sua famiacutelia durante vaacuterios seacuteculos o neto geralmente porta o mesmo nome do avocirc a genealogia segue a ordem em todos os casos de pai para filho Hillel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Judaacute Gamaliel Judaacute Gamaliel Judaacute Hillel Gamaliel Judaacute Gamaliel Podemos encontrar provavelmente o mesmo haacutebito um pouco mais cedo no nome de Jesus o filho de Sirac que era ldquoneto de Jesus do mesmo nome que elerdquo [Eclesiaacutestico ou Siraacutecida primeiro proacutelogo] (GRAY 1896 p 3)

A pessoa continua viva em seu nome em primeiro lugar por passar seu nome

adiante aos descendentes (cf Gn 4816 Nm 274 Eclo 4019 tambeacutem Dt 255-6 Rt 45)

63 Hillel o Anciatildeo viveu no iniacutecio do 1ordm seacuteculo EC e foi um antepassado do movimento rabiacutenico Hillel

natildeo foi chamado pela designaccedilatildeo posterior rabi mas foi intitulado ldquoanciatildeordquo (zaqen ןז como eram seus ( ק

contemporacircneos Shammai e Gamaliel Seacuteculos mais tarde muitas lendas rabiacutenicas circularam sobre Hillel como um exemplo moral e um pai fundador do movimento rabiacutenico O prestiacutegio de Hillel era tal que quando o Patriarcado Judaico foi fundado a dinastia Gamaliel traccedilou sua linhagem ateacute ele Mais tarde aquela ldquogenealogiardquo foi estendida ateacute o rei Davi O Talmude Yerushalmi imaginou Hillel como um dos primeiros Patriarcas (y Pesah 61) e como o autor de certas regras hermenecircuticas usadas posteriormente pelos rabinos No Talmude Babilocircnico (b Shabb 31a) outro ciclo de histoacuterias eacute contado agrave maneira de anedota greco-romana que apresenta Hillel como um criador da doutrina das duas Toraacutes uma escrita e outra oral Esses mesmos contos atribuem a Hillel uma versatildeo da Regra de Ouro (ldquoo que eacute odioso a vocecirc natildeo faccedila ao seu colegardquo) [] Em vaacuterias dessas narrativas Hillel eacute apresentado como o protagonista sempre amaacutevel da histoacuteria enquanto seu colega Shammai eacute o antagonista grosseiro A abundacircncia de narrativas didaacuteticas fantasiosas sobre Hillel faz suspeitar da atribuiccedilatildeo de inovaccedilotildees legais a ele Alega-se que Hillel decretou a prozbul (perozbol um dispositivo legal heleniacutestico pelo qual os tribunais rabiacutenicos poderiam contornar o perdatildeo biblicamente ordenado de empreacutestimos no ano

sabaacutetico Mishnah Eduyyot (caps 1 4 5) enumera dezenas de desentendimentos entre Hillel e Shammai

e entre as escolas ou casas desses saacutebios Em algumas dessas divergecircncias a casa de Shammai eacute apresentada como mais branda em outros a casa de Hillel [] Permanece extraordinariamente difiacutecil recuperar as tradiccedilotildees originais por traacutes desses textos posterioresrdquo (VISOTZKY 2007 p 826)

80

mas tambeacutem mediante um lugar na memoacuteria permanente do mundo posterior (cf 2Sm

1818 Sl 7217 Pr 107 Eclo 399-11 4111-13 447-14)

b) Nomes de pessoas famosas

Esse costume parece ter se tornado predominante somente do periacuteodo grego

em diante (seacutec IV AEC) Conferia-se agrave crianccedila um nome de algueacutem famoso em alguns

casos judeus em outros estrangeiros Em relaccedilatildeo a nomes judaicos famosos o texto

de Eclesiaacutestico (Siraacutecida) capiacutetulo 44 em diante especialmente 441-2 pode ter exercido

uma forte influecircncia e motivaccedilatildeo nesse sentido Outro costume intimamente

relacionado a este foi o de nominar crianccedilas segundo o nome de pessoas que haviam

feito algum favor aos seus pais (cf GRAY 1896 p 7)

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica

Na BH a mudanccedila de nome eacute um fato muito especial e marca uma afirmaccedilatildeo

de poder daquele que faz mudar o nome de algueacutem Isso porque ldquoDevido um nome

ser tatildeo inextricavelmente ligado ao que eacute nomeado se ocorre uma mudanccedila nas

condiccedilotildees de uma pessoa ou lugar o nome deve ser alterado de modo a refletir a

situaccedilatildeo nova e diferenterdquo (BOHMBACH 2000 p 945)

Nesse sentido esta argumentaccedilatildeo de Jacques Derrida apesar de natildeo referir-se

agrave BH nem agraves tradiccedilotildees semiacuteticas serve como uma paraacutefrase explicativa para a

mudanccedila de nome

Como se fosse preciso ao mesmo tempo salvar o nome e tudo salvar exceto o nome salvo o nome como se fosse preciso perder o nome para salvar aquilo que porta o nome ou aquilo na direccedilatildeo do qual se dirige por meio do nome Mas perder o nome natildeo eacute incriminaacute-lo destruiacute-lo ou feri-lo Pelo contraacuterio eacute simplesmente respeitaacute-lo como nome Isso quer dizer pronunciaacute-lo o que equivale a atravessaacute-lo na direccedilatildeo do outro que ele nomeia e que o porta (DERRIDA 1995 p 41)

Mas alterar o nome de algueacutem pode ldquotambeacutem indicar uma espeacutecie de adoccedilatildeo

na famiacutelia que eacute equivalente a conferir-lhes uma grande honrardquo (EISSFELDT 1968 p

70) Tal ldquoadoccedilatildeordquo poderia trazer consigo a ideia de responsabilidade bem como

heranccedila

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor

81

Exemplos

o Faraoacute daacute a Joseacute o nome de caumlpnat Pa`neumlordfH que em egiacutepcio significa ldquoDeus

disse ele estaacute vivordquo ou ldquoCriador da vidardquo (Gn 4145)

pela vontade dos chefes dos eunucos Daniel (heb Daumlniyyeumlacutel ndash Deus eacute meu

juiz) Ananias (heb Haacutenanyacirc ndash YHWH eacute misericordioso clemente) Misael

(heb micircšaumlacuteeumll ndash Quem eacute como Deus) e Azarias (heb aacutezaryacirc ndash YHWH ajudou

socorreu) se tornam respectivamente Baltassar (heb Beumlldaggeruumlšaacuteccar [nome

acaacutedio] ndash Proteja a vida do rei ou Proteja sua vida) Sidrac (heb šadrak [nome

acaacutedio] ndash DomiacutenioOrdem de Aku [uma divindade lunar mesopotacircmica])

Misac (heb mecircšak [nome acaacutedio] ndash Quem eacute como Aku) e Abede-Nego (heb

`aacutebeumld nuumlgocirc [nome acaacutedio] ndash Servo de Nabu [divindade pessoal de

Nabucodonosor) ndash Dn 16-7 (cf DECLAISSEacute-WALFORD 2009 p 208)

Quando o Faraoacute institui Eliaquim (heb acuteelyaumlqicircm ndash Deus estabeleceu ou Deus

se levantou) rei de Judaacute ele lhe impocircs o nome de JeoiaquimJoaquim (heb

yuumlhocircyaumlqicircm ndash YHWH confirma estabelece ou YHWH ergue) 2Rs 2334

da mesma forma Nabucodonosor muda para Zedequias (heb cidqiyyaumlhucirc

ndash YHWH eacute a minha justiccedila ou YHWH eacute justo) o nome de Matanias (heb

maTTanyacirc ndash Daacutediva de YHWH) que ele estabeleceu sobre o trono 2Rs 2417

Tanto no exemplo anterior quanto neste a mudanccedila de nome tem a ver

com a passagem de governos independentes a governos vassalos da

Babilocircnia

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina

Abratildeo (heb acuteabraumlm ndash Pai elevadoexaltado) e Sarai (heb Saumlray ndash Princesa ou

Minha princesa ndash forma mais primitiva de Sara) cujos nomes satildeo mudados

em Abraatildeo (heb acuteabraumlhaumlm ndash Pai de uma multidatildeopovo) e Sara (heb Saumlracirc -

Princesa) Gn 17515 os quais satildeo outras formas dialetais dos mesmos

nomes mas de acordo com as ideias sobre o valor do nome que foram

expostas acima essas mudanccedilas marcam uma mudanccedila no destino cf Gn

176 e 16

82

Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb ndash O que segurapega o calcanhar ou Suplantador Gn 2526)

que recebe o nome de Israel (cujo significado seraacute objeto de tratativa

posterior) em uma luta com um ser desconhecido Gn 3229 cf 3510 Essa

nomeaccedilatildeo eacute singular por causa de uma seacuterie de perguntas e respostas que

a acompanha (cf Gn 3227-31)

Pasur (heb pašHucircr) cujo significado eacute controverso mais recentemente foi

tomado como sendo de origem egiacutepcia ldquoo filho de Horusrdquo Foi alterado a

mando de YHWH para maumlgocircr missaumlbicircb que eacute traduzido por ldquoTerror-Por-

Todos-Os-Ladosrdquo (Jr 203)

Haacute uma menccedilatildeo agrave mudanccedila do nome do proacuteprio Israel quando chegar o

cliacutemax da histoacuteria YHWH chamaraacute Israel por um novo nome ignomiacutenia e

miseacuteria seratildeo lanccediladas fora com o nome antigo Vejamos Is 622

נו ב ק י יהוה י ר פ ש אש ם חד רא לך ש ך וק ים כבוד ך וכל־מלכ דק ם צ 64וראו גוי

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa

Quando Naomi retorna a Beleacutem apoacutes ter perdido o seu marido e seus filhos

enquanto estava na terra estrangeira de Moab ela pede para natildeo mais ser chamada de

Naomi (heb no`oacutemicirc) que significa ldquoAgradaacutevelrdquo ao contraacuterio ela deseja ser conhecida

por Mara (heb maumlraumlacute) ldquoAmargardquo (heb Rt 120)

Essa mudanccedila de nome daacute agrave pessoa uma nova identidade uma vez que o

nome proacuteprio passava a representar um traccedilo marcante de sua identidade Aliaacutes a

mudanccedila de nome ou o novo nome ldquomarca uma transformaccedilatildeo na vida do iniciado

ele eacute lsquorecriadorsquo por assim dizer e torna-se um novo homemrdquo (PORTER 1990 p 7)

O Talmude declara que entre as ldquoquatro coisas que anulam a desgraccedila do

homemrdquo encontra-se a mudanccedila de nome (Tratado do Talmude Babilocircnico Roš

Haššana 16b)

Na Idade Meacutedia essa tradiccedilatildeo desenvolveu o costume de mudar ou melhor

dar um nome adicional ao nome de uma pessoa que estava gravemente enferma ou

64 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoEntatildeo as naccedilotildees veratildeo tua justiccedila e todos os reis tua gloacuteria Receberaacutes nome novo que a boca de Iahweh designaraacuterdquo

83

sofrera algum outro infortuacutenio na crenccedila de que o Anjo da Morte seria confundido em

consequecircncia do novo nome

Geralmente esse novo adjungido era escolhido abrindo a Biacuteblia ao acaso e

selecionando algum nome que laacute aparecesse exceto se fosse de maacute reputaccedilatildeo (NAME

1972 c 802)

Genericamente falando o texto biacuteblico natildeo oferece razotildees expliacutecitas a respeito

de porque as pessoas ou lugares satildeo chamados como elas satildeo Em menos de uma

centena de casos nos satildeo dadas informaccedilotildees sobre os nomes ou de pessoas ou lugares

em que circunstacircncias ocorreram a nomeaccedilatildeo e qual era seu significado

Apesar do tamanho modesto deste grupo ainda pode-se concluir que do

ponto de vista biacuteblico um nome natildeo eacute meramente um roacutetulo aleatoacuterio e arbitraacuterio de

identificaccedilatildeo mas sim que haacute um significado por traacutes de um nome que se daacute e

algumas vezes o autor ajusta-o ao texto como uma parte integrante da textura literaacuteria

(cf GARSIEL 1991 p 14)

3 Etiologias biacuteblicas

Na BH haacute etiologias etimoloacutegicas na colocaccedilatildeo de nomes isso devido ao fato

de o nome ser derivado de um acontecimento que ocorreu na eacutepoca do nascimento de

uma pessoa ou da fundaccedilatildeo de uma cidade ou de um santuaacuterio ou tambeacutem de uma

frase pronunciada na ocasiatildeo ou de qualquer outro acontecimento Na realidade o

nome eacute quase sempre o primaacuterio o relato vinculado a ele ou a explicaccedilatildeo o derivado

Outro fator que determina a busca de sentido ao nomear uma pessoa ou lugar

na BH eacute o ldquofato de que os nomes hebraicos fizessem sentido e que esse sentido fosse

deliberado e solene eacute uma das razotildees baacutesicas para que os israelitas desenvolvessem

um forte sentido etimoloacutegico que se expressa em muitos lugares do Antigo

Testamento onde algo eacute dito sobre o nomerdquo (BARR 1970 p 15)

Reproduzo aqui uma siacutentese dessas etiologias etimoloacutegicas que se encontram

na BH

Encontram-se testemunhos de etiologias do nome sobretudo em Gn (mais de 40 vezes) ademais em Ex e Nm (12 vezes) Js (2 vezes) Jz (5 vezes) 1Sm (5 vezes) 2Sm (3 vezes) 1Rs (1 vez mas problemaacutetico 913) 2Rs (1 vez

84

igualmente problemaacutetico 147) 1Cr (5 vezes) 2 Cr (1 vez) Rt (1 vez) e Est (1 vez) Entre as muacuteltiplas formulaccedilotildees de etiologias etimoloacutegicas na imposiccedilatildeo do nome podem-se distinguir duas formas principais 1) ldquoele o chamou assim e assim dizendo (pensando)rdquo ao que segue a etiologia etimoloacutegica (cf Ex 222) Esta forma conservou-se completa somente em casos isolados porque alguns elementos se podem suprimir cf as formulaccedilotildees de Gn 320 529 2622 3149 etc 2) apoacutes o relato de um acontecimento segue como conclusatildeo a imposiccedilatildeo do

nome ldquopor isso (`al-kēn) se chama (aquela cidade) assim e assimrdquo (Ex 1523

acrescentando agraves vezes ldquoateacute o dia de hojerdquo (Js 726) Esta formulaccedilatildeo costuma ampliar-se indicando outra vez o motivo etimoloacutegico (Gn 119) Enquanto a forma 1 eacute caracteriacutestica das etiologias de nomes de pessoas a forma 2 refere-se com poucas exceccedilotildees (Gn 2530 2934-35 305-6) somente a determinadas cidades A imposiccedilatildeo do nome com etiologia etimoloacutegica tem seu acircmbito vital na tradiccedilatildeo das sagas Por isso as etiologias de nomes de pessoas se encontram sobretudo em Gn onde diferentemente de todos os outros livros do AT se datildeo explicaccedilotildees do nome de todas as pessoas mais importantes As etiologias de nomes de lugares se referem a lendas cultuais (Gn 2214 Moriaacute Gn 2810ss Betel Gn 3231 Penuel etc) ou a cidades que tiveram alguma importacircncia na histoacuteria das tribos de Israel antes ou depois da conquista da terra (Ex 1523 Mara 177 Massa e Meriba Js 726 Acor etc) (VAN DER WOUDE 1985a c 1185-1186)

Pode-se encontrar um modelo similar na nomeaccedilatildeo de pessoas ldquo Em vaacuterios

textos biacuteblicos uma explicaccedilatildeo eacute anexada agrave presente nomeaccedilatildeo por palavras de

conjunccedilatildeo que criam uma proposiccedilatildeo causal ou relativardquo (GARSIEL 1991 p 16) Veja-

se o exemplo abaixo extraiacutedo de Gn 2932

bEWargt Amv arqTiw Be dlTew hale rhTw

yyIngt[B hwhygt har-yKi hrma yKi

`yviyai ynIbhaylt hT[ yKi

Traduccedilatildeo

E Leacutea engravidou e deu agrave luz um filho e ela chamou seu nome Ruben

pois ela disse Por certo o Senhor olhou minha afliccedilatildeo

pois agora meu esposo me amaraacute

Como bem observa Moshe Garsiel neste exemplo ldquoduas proposiccedilotildees causais

estatildeo unidas agrave proposiccedilatildeo principal pela partiacutecula conjuntiva kicirc (pois porque) A

ligaccedilatildeo entre o nome Ruben e as razotildees dadas satildeo fundamentadas na similaridade

sonorardquo (GARSIEL 1991 p 16) Na primeira proposiccedilatildeo subordinada as palavras

raumlacuteaumlh Buuml`onyicirc (olhou minha afliccedilatildeo) conteacutem quatro consoantes (r acute b n) encontradas

85

tambeacutem em Ruben (racute wbn) a palavra yacute hbny (me amaraacute) na proposiccedilatildeo seguinte

conteacutem trecircs dessas consoantes (acute b n) O efeito sonoro eacute reforccedilado pelo som das

consoantes b n as quais tambeacutem constituem a palavra hebraica para ldquofilhordquo Este eacute um

excelente exemplo de como a sonoridade pode ajudar a colocar uma adequada ecircnfase

sobre o tema principal isto eacute o nascimento do primogecircnito da famiacutelia

Outro exemplo devido suas expressotildees que se aproximam muito do texto que

seraacute objeto de anaacutelise mais detalhada nos proacuteximos capiacutetulos (Gn 3223-33) merece ser

trazido aqui Como observa novamente Moshe Garsiel algumas vezes as palavras

conjuntivas satildeo omitidas O narrador provavelmente supotildee que a ligaccedilatildeo entre o

nome e sua explicaccedilatildeo seja bastante clara sem a regular foacutermula causal ou inferencial

este eacute o caso na nomeaccedilatildeo de outro filho de Jacoacute (Gn 308)

~yhioacutela ylersquoWTpn lxeordfr rmaToaringw

yTilko+y-~G ytiTHORNxoa]-~[i yTilTsup2pnI

`yli(Tpn Amagravev aricircqTiw

Traduccedilatildeo

E Raquel disse Por lutas (nptwly) de Deus

lutei (nptlty) com minha irmatilde e eu prevaleci

e ela chamou seu nome Neftali (nptly)

Neste caso ldquoa equaccedilatildeo sonora entre o nome e os componentes na declaraccedilatildeo

da matildee constituem a ligaccedilatildeo entre nome e explicaccedilatildeo sem a necessidade de palavras

conjuntivasrdquo (GARSIEL 1991 p 17) Aleacutem disso o contexto mais amplo que lida com

os nomes dos outros filhos de Jacoacute e as razotildees para eles nos orienta a procurar uma

explicaccedilatildeo neste caso tambeacutem Por isso eacute prudente observar que

Deve-se fazer uma clara distinccedilatildeo entre etimologia linguiacutestica e as explicaccedilotildees de nomes feitas pelos textos biacuteblicos Enquanto um etimologista traccedilaria a origem dos nomes biacuteblicos agrave luz de paralelos em outras culturas e analisaacute-los-ia de acordo com as regras da formaccedilatildeo linguiacutestica dinacircmica os escritores biacuteblicos na maioria dos casos fornecem explicaccedilotildees que satildeo baseadas na suposiccedilatildeo de que o nome eacute uacutenico e que foi dado de acordo com uma ocasiatildeo especiacutefica [] A liberdade tomada pelos autores biacuteblicos nessas explicaccedilotildees tem sido chamada por alguns estudiosos de ldquoetimologia popularrdquo Tal definiccedilatildeo natildeo eacute correta as explicaccedilotildees funcionam como um artifiacutecio literaacuterio e satildeo projetadas para enriquecer a unidade literaacuteria O que noacutes vemos aqui natildeo eacute absolutamente uma popular e superficial interpretaccedilatildeo com base em uma falta de conhecimento mas sim um desvio deliberado das regras e normas

86

linguiacutesticas do tempo aplicado como uma teacutecnica por narradores sutis a fim de fazer uma observaccedilatildeo (GARSIEL 1991 p 17-18)

A BH aliaacutes realiza jogos de palavras frequentemente ao fornecer explicaccedilotildees

etimoloacutegicas de nomes proacuteprios Somente a tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo ndash uma vez que

esse assunto mereceraacute uma abordagem posterior mais aprofundada em nosso estudo

ndash podemos citar

acuteaumldaumlm (Adatildeo) - acuteaacutedaumlmacirc (terra) em Gn 27

bdquoawwacirc (ldquoEvardquo) como ldquomatildee de todos os viventesrdquo (Haumly) em Gn 320

qayin (Caim) - qaumlnicircticirc (verbo conseguir adquirir) Gn 41

noumlordfH (Noeacute) - yuumlnaHaacutemeumlnucirc (verbo confortaraacute consolaraacute) Gn 529

fazendo alusatildeo a nomes jaacute existentes que podem conservar como tais o

valor de palavras-tema temos Paumlnicircm (Gn 3221 Paumlnaumlyw ndash sua face sua

fronte diante dele) e Puumlnucircacuteeumll (Gn 3231-32 que significa a face de Deus [El] ou

perante Deus [El])

expressotildees ambivalentes jogando com a expressatildeo ldquoelevaccedilatildeo da cabeccedilardquo

no sentido de restabelecimento no cargo e o nome Faraoacute par`ograve acuteet-roumlacutešeordmkauml

(Faraoacute levantaraacute a tua cabeccedila Gn 4013)

no sentido de execuccedilatildeo capital encontramos mais adiante (yiSSaumlacute) par`ograve

acuteet-rouml| šuumlkauml (Faraoacute [tiraraacute] a tua cabeccedila Gn 4019 cf Gn 402022)

Nomes proacuteprios de deuses inimigos e lugares satildeo deformados como se

constata em ldquonomes de deuses Boumlordmšet lsquoignomiacuteniarsquo em lugar de Baumlordm al cf Jr 324 1113

Os 910 nomes pessoais acuteicircš-Boumlordmšet em 2Sm 314-15 em vez de Isbaal 1Cr 833 Muumlpigraveboumlordmšet

em 2Sm 218 em vez de Meribaal 1Cr 834 940 possivelmente haacute tambeacutem uma

vocalizaccedilatildeo tendenciosa (por meio de Boumlordmšet) nos nomes divinos `ašToumlordmret (Astarte) e

Moumlordmlek (Meleque como epiacuteteto de Baal)rdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1186)

87

CAPIacuteTULO 3

GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE

1 O texto em si

Primeiramente reproduzo abaixo o texto tal como se encontra na Biacuteblia

Hebraica em versatildeo criacutetica (ELLIGER RUDOLPH 1967-1977) tambeacutem conhecido

como texto massoreacutetico65

wytecircxopvi yTeaumlv-tawgt lsquowyvn yTeUcircv-ta xQuacuteYIw aWhordf hlygtLaringB Ÿ~qYaringw 3223 `qBo)y rbiuml[]m taeTHORN rboecirc[]Yw) wyd_lygt rfszlig[ dxicirca-tawgt

`Al-rva]-ta rbEszlig[]Yw) lxN+h-ta ~rETHORNbi[]Y)w ~xeecircQYIw 3224

`rxV(h tAliuml[] d[THORN AMecirc[i lsquovyai qbeicircaYEw AD=bl bqoszlig[]y rtEiumlWYIw 3225

bqoecirc[]y ryltaring-K lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw Alecirc lsquolkoy alUuml yKiauml argtYcopyw 3226 `AM[i Aqszligbahe(B

yKiTHORN ^ecircx]Lev(a] alaring lsquormaYOrsquow rxV_h hlTHORN[ yKiicirc ynIxeecircLv rmaYOaeligw 3227

`ynIT)krBe-~ai

`bqo)[]y rmaYOagravew ^mlt+V-hm wylTHORNae rmaYOethw 3228

tyrIocircf-yKi( lae_rfyI-~ai yKiTHORN ecircmvi lsquodA[ rmEiumlayE lsquobqo[]y alUuml rmaYOcopyw 3229 `lk(WTw ~yviTHORNna]-~[iwgt ~yhisup2la-~[i

65 Texto massoreacutetico eacute o nome que se costuma dar ao texto criacutetico da Biacuteblia Hebraica que foi objeto do trabalho dos massoretas Essa palavra deriva do vocaacutebulo māsocircrah que significa ldquocaacutelculordquo ou ldquoenumeraccedilatildeordquo dos versiacuteculos e das particularidades do texto hebraico da Biacuteblia A atividade desses estudiosos se deu por volta de 400 EC ldquopertencem a diversas escolas os massoretas do leste (Babilocircnia) com muitas academias especialmente as de Neardea Sura e Pumbedita e os massoretas do oeste (Palestina) representados nos seacuteculos IX-XI por duas famiacutelias caraiacutetas os Ben Aser e os Ben Neftali o texto de Ben Aser acabou por dominar Os massoretas fixaram a recitaccedilatildeo do texto da Biacuteblia hebraica por uma seacuterie de anotaccedilotildees marginais e sinais diacriacuteticosrdquo (LIPIŃSKI 2013 p 864) Em sentido lato o trabalho dos massoretas consistiu principalmente em incluir no texto hebraico grafemas que indicam a vocalizaccedilatildeo do texto e a acentuaccedilatildeo da qual depende a entonaccedilatildeo musical Essa vocalizaccedilatildeo era tanto supralinear caracteriacutestica dos estudiosos babilocircnicos como infralinear caracteriacutestica daqueles da Palestina As ediccedilotildees criacuteticas da Biacuteblia Hebraica que temos hoje praticamente satildeo baseadas nos manuscritos de Ben Aser no coacutedigo de Alepo (930 EC) e naquele de Leningrado B 19a concluiacutedo em 1008 EC

88

laaumlvTi hZltszlig hMlicirc rmaYOumlw ^mecircv aNaring-hdyGI)h lsquormaYOrsquow bqoordf[]y laaumlvYIw 3230 `~v( Atszligao rltbicircygtw ymi_vli

~ynIaringP lsquo~yhila ytiyaiUcircr-yKi( lae_ynIP ~AqszligMh ~veicirc bqoplusmn[]y aroacuteqYIw 3231 `yvi(pn lceTHORNNTiw ~ynIeumlP-la

`AkrEygt-l[ [leTHORNco aWhiumlwgt lae_WnP-ta rbszlig[ rvltiumla]K vmVecirch Alaring-xr(zgtYI)w 3232

Karing-l[ lsquorva] hvordfNh dyGIaring-ta laeoslashrfyI-ynE)b WlrsquokayO-al) KeDagger-l[ 3233

`hv(Nh dygIszligB bqoecirc[]y ryltaring-kB lsquo[gn yKiUcirc hZlt+h ~AYaeligh d[THORN rEecircYh

2 Algumas notas de criacutetica textual

Logo no primeiro versiacuteculo (23) o aparato criacutetico da BH observa uma variaccedilatildeo

rara para a expressatildeo aWh hlygtLB (naquela noite) O demonstrativo desempenha um

papel adjetival do substantivo ldquonoiterdquo que eacute determinado (possui artigo) desse modo

esperar-se-ia que tambeacutem o pronome demonstrativo fosse precedido do artigo (h)

como eacute comum na liacutengua hebraica (cf GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 408 sect 126u)

o que natildeo acontece nesse caso como tambeacutem em Gn 1933 3016 e 1Sm 1910 Aliaacutes eacute

de se observar o contraste entre a expressatildeo correta aWhszligh-hlygtL)B em Gn 3222 (portanto

no versiacuteculo anterior) e o nosso Uma possiacutevel explicaccedilatildeo (cf JOUumlON MURAOKA

2006 p 483 sect 138h) seria a queda do artigo como consequecircncia de uma haplografia

Outra possibilidade eacute o fato de o artigo por vezes ser omitido com demonstrativos

uma vez que jaacute estatildeo em certa medida determinados pelo seu significado (cf

GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 409 sect 126y) Fato semelhante ao que se daacute neste

versiacuteculo de Gecircnesis encontramos na inscriccedilatildeo presente na famosa estela moabita de

Meshaacute (850-830 AEC) na qual se lecirc na terceira linha a expressatildeo הבמת זאת este lugar

alto (cf SPURRELL 2005 p 192) Ainda neste versiacuteculo 23 o Pentateuco Samaritano

lecirc um artigo definido antes do substantivo qBoy (Jaboc) mas natildeo eacute algo que venha a

alterar o sentido da frase

No versiacuteculo 24 o Pentateuco Samaritano e algumas versotildees leem lK (tudo

aquilo) antes de Al-rva] ao final do versiacuteculo a qual parece tratar-se de uma adiccedilatildeo

posterior com o objetivo de precisar o sentido (MARTIN-ACHARD 1971 p 44) De

fato grande parte das traduccedilotildees modernas assume essa inserccedilatildeo

89

Em Gn 3225 haacute um verbo digno de nota pois somente aparece aqui e no

versiacuteculo seguinte em toda a BH qbeaYEw (lutou raiz qba conjugaccedilatildeo nifal com vav

consecutivo terceira pessoa masculina do singular) Talvez ele possa ser conectado ao

verbo qbx que na conjugaccedilatildeo qal e piel significa ldquoabraccedilarrdquo (cf Gn 334) podendo ser

uma variaccedilatildeo dialetal do mesmo (cf SPURRELL 2005 p 284) A escolha desse verbo

deve-se provavelmente ao desejo de criar-se uma assonacircncia com a palavra qBoy nome

proacuteprio do riacho que aparece na periacutecope Haacute a proposta de ver este verbo em nifal

como relacionado ao sentido de ldquolutarrdquo na construccedilatildeo frasal com ~[i denominativo do

substantivo qba (poacute poeira) porque na luta a poeira eacute levantada (GESENIUS 1979 p

9) O raro uso denominativo do nifal estaacute provavelmente relacionado agraves suas funccedilotildees

de ingressoestado e causadora reflexiva (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 390

235)

No versiacuteculo 26 apresentam-se dois fenocircmenos que encontramos na liacutengua

hebraica claacutessica O primeiro eacute logo no iniacutecio do versiacuteculo onde temos a sequecircncia Al

lkoy aOl (ele natildeo conseguia dominaacute-lo prevalecer sobre ele) Para alguns verbos aqui no

caso lky (dominar vencer ser superior ser capaz) um pronome pode ficar como um objeto

preposicional (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 166 1021e) Um segundo

fenocircmeno diz respeito agraves ldquorelaccedilotildees de tempo existentes entre duas diferentes accedilotildees ou

eventos [que] satildeo frequentemente expressas sem o auxiacutelio de uma conjunccedilatildeo mas

simplesmente por justaposiccedilatildeordquo (GESENIUS W KAUTZSCH E 1910 p 501 sect 164a)

Eacute o que ocorre na seguinte sequecircncia lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw (tocou a articulaccedilatildeo de sua coxa

e se deslocou) Neste caso deu-se a justaposiccedilatildeo dos dois imperfeitos com vav

consecutivo [gn (3ordf pessoa do masculino singular qal imperfeito) + [qy (3ordf pessoa

feminino singular qal imperfeito)

No versiacuteculo seguinte (27) encontramos uma sentenccedila de exceccedilatildeo apoacutes uma

negaccedilatildeo nesse caso eacute comum empregar-se ~ai yKi (mas em vez) Vejamos

ynITkrBe-~ai yKi ^x]Leva] al (eu natildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloes) Aqui se daacute

uma transiccedilatildeo do sentido de ldquomas serdquo para ldquose natildeordquo (cf GESENIUS W

KAUTZSCH E 1910 p 500 sect 163c JOUumlON MURAOKA 2006 p 603 sect 173b) Esse

mesmo caso pode ser encontrado em Lv 226 2Rs 424 Is 5510 656 Am 37 e Rt 318

90

Em Gn 3229 a expressatildeo ~ai yKi assume um sentido mais adversativo que de

exceccedilatildeo a construccedilatildeo se daacute apoacutes uma oraccedilatildeo negativa assumindo um niacutetido contraste

ldquoE disse Jacoacute natildeo seraacute mais o teu nome mas Israelrdquo (cf JOUumlON MURAOKA 2006 p

603 sect 172c) Neste versiacuteculo comparece um verbo rariacutessimo que eacute encontrado somente

aqui e em Oseacuteias 1245 trata-se do verbo hrf o qual surge sob a forma tyrIf 2ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito Sendo que em Os 124 surge na forma hrf (3ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito) e em Os 125 sob a forma rfYUumlw (3ordf pessoas masculina

singular do qal imperfeito) Sendo um verbo raro o seu significado natildeo eacute tatildeo evidente

Haacute uma tendecircncia de assumir o significado de lutar buscar arduamente por algo

empenhar-se esforccedilar-se ao maacuteximo e contender (apoiam essa interpretaccedilatildeo CLINES 2011

v 8 p 190 e KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2 p 1354) Mais adiante

retomaremos essa questatildeo do nome de Israel por agora fiquemos apenas com essas

informaccedilotildees

No versiacuteculo seguinte (30) encontramos a expressatildeo ידה־נא מך הג ש a qual

deveria ser lida como faz a versatildeo grega (Septuaginta) a Siriacuteaca e a Vulgata isto eacute

ldquodize-me por favor o teu nomerdquo Mas natildeo significa que no texto hebraico

encontramos o objeto indireto ly (me) o mesmo pode-se encontrar em outros lugares

na BH como em Joacute 38418 Uma outra particularidade encontrada neste versiacuteculo eacute o

fato da forma Yiqtol ( אל ש ת - da raiz lav = [qal] perguntar pedir emprestado) que em

geral na BH funciona como futuro ser usada para expressar uma accedilatildeo que de fato eacute

mais assumida para continuar ateacute o momento da pergunta significando uma accedilatildeo

durativa como ocorre tambeacutem em Gn 447 e 2Rs 2014 (JOUumlON MURAOKA 2006 p

339 sect 113d)

Em seguida no versiacuteculo 31 pode-se interpretar a expressatildeo נצל י ות ש נפ (minha

vida foi salva) como sendo inspirada em Ex 3320 Jz 1322 Dt 433 Eacute de se notar nesta

mesma expressatildeo uma particularidade do uso do imperfeito consecutivo נצ לות neste

caso ele tem uma conexatildeo meramente externa com um perfeito imediatamente

precedente Ocorre que na realidade esse imperfeito consecutivo representa um leve

contraste ao perfeito (aqui no caso ירא ית ) e ainda minha vida foi salva (cf GESENIUS

W KAUTZSCH E 1910 p 327 sect 111e) Neste versiacuteculo encontra-se uma variaccedilatildeo

91

de leitura do vocaacutebulo יאל נ no Pentateuco Samaritano na traduccedilatildeo de Siacutemaco na פ

versatildeo siriacuteaca e na Vulgata lecirc-se נואל Essa leitura eacute encontrada no versiacuteculo 32 Nesse פ

caso o yod poderia ser uma antiga vogal de ligaccedilatildeo Interessante observar que Fanuel eacute

o nome de um anjo na tradiccedilatildeo samaritana israelita (TSEDAKA SULLIVAN 2013 p

78) Provavelmente estamos diante do mesmo local pois a confusatildeo entre u e i aqui

vestiacutegio de um antigo genitivo eacute raro em hebraico (cf MARTIN-ACHARD 1971 p

44-45) A versatildeo grega da BH a Septuaginta66 natildeo lecirc Puumlnicircacuteeumll como um nome proacuteprio

pois no grego aparece o substantivo neutro Εἶδος (aparecircncia) o que lhe permite realizar

uma aproximaccedilatildeo etimoloacutegica com a palavra seguinte o verbo ldquoverrdquo (εἶδον ndash 1ordf pessoa

do indicativo aoristo ativo de ὁράω) E essa escolha do tradutor foi intencional pois

em um texto paralelo Gn 3310 ele emprega o termo ldquofacerdquo (πρόσωπον) e natildeo

aparecircncia

No versiacuteculo 32 natildeo haacute nada de especial a ser observado Jaacute no versiacuteculo

seguinte o 33 que encerra a periacutecope temos a expressatildeo יד הירך על־כף אשר הנשה את־ג

(o nervo do quadril que estaacute sobre a juntura da coxa) Nesse caso seria o nervus ischiadicus

(em portuguecircs nervo ciaacutetico ou isquiaacutetico) ou seja o nervo ou tendatildeo que passa atraveacutes

da coxa e da perna ateacute o tornozelo (cf GESENIUS 1840 p 921) Essa interdiccedilatildeo

mencionada aqui natildeo ocorre no entanto em nenhuma parte da BH Ela eacute encontrada

no Talmude especificamente no Tratado Ḥullin capiacutetulo 7167

3 Contextos da periacutecope

66 O versiacuteculo 31 completo em grego da Septuaginta eacute καὶ ἐκάλεσεν Ιακωβ τὸ ὄνομα τοῦ τόπου ἐκείνου Εἶδος θεοῦ εἶδον γὰρ θεὸν πρόσωπον πρὸς πρόσωπον καὶ ἐσώθη μου ἡ ψυχή A traduccedilatildeo pode ser ldquoE Jacoacute deu ao lugar o nome de Forma-visiacutevel-de-Deus lsquoPorque eu vi Deus face a face e minha vida foi salvarsquordquo (LA BIBLE DrsquoALEXANDRIE LA GENEgraveSE 1986 244 traduccedilatildeo nossa) 67 Este tratado integra a quinta ordem da Mishnaacute os Kodashim (coisas sagradas) Ele aborda as leis de abate dos animais e consumo de carne isto eacute animais usados na alimentaccedilatildeo diaacuteria em oposiccedilatildeo aos

animais dos sacrifiacutecios do Templo de Jerusaleacutem No Tratado Ḥullin capiacutetulo 71 encontramos ldquoA lei do nervotendatildeo do quadril eacute obrigatoacuteria tanto na Terra [de Israel] como fora da Terra tanto durante a eacutepoca do Templo como depois da eacutepoca do Templo tanto para os animais natildeo consagrados como para animais de ofertoacuterio aleacutem disso aplica-se a gado e animais selvagens para a coxa direita ou para a esquerda Mas ela natildeo se aplica agraves aves uma vez que elas natildeo tecircm o oco [da coxa] Ela se aplica tambeacutem a um fetordquo (DANBY 1933 p 523 ndash traduccedilatildeo nossa) O restante do capiacutetulo 7 desse tratado continua abordando esse tema

92

Eacute praticamente de domiacutenio comum que a Toraacute ou Pentateuco possui uma

estruturaccedilatildeo formal realizada pelo seu(s) redator(es) final(is) em base ao lema Toumlldocirct

(comumente lido toledocirct) Essa foacutermula traccedila uma sequecircncia das origens da naccedilatildeo de

Israel partindo da criaccedilatildeo ateacute a emergecircncia de Israel sob a lideranccedila de Moiseacutes e Aaratildeo

em sua jornada pelo deserto em direccedilatildeo agrave terra de Israel

Primeiramente foram identificados onze ocorrecircncias da foacutermula toledocirct em

Gecircnesis68 e posteriormente uma deacutecima segunda em Nuacutemero 31 ldquoEis a descendecircncia

[literalmente geraccedilotildees de] de Aaratildeo e d Moiseacutes quando YHWH falou a Moiseacutes no monte

Sinairdquo69 Essa estrutura em toledocirct claramente interrompe dois modelos estruturais

subjacentes ou seja a denominada periacutecope do Sinai (Ex 191ndashNm 1010) e o modelo

da foacutermula de itineraacuterio identificado por CROSS (1997) em Ex 11ndashNm 3613 Tal

modelo aponta para uma redaccedilatildeo sacerdotal da narrativa de Gecircnesis ndash Nuacutemeros que

tambeacutem incorpora o Deuteronocircmio em seu modelo estrutural O resultado eacute uma

estrutura literaacuteria formal em doze partes para o Pentateuco como segue70

Estrutura Literaacuteria Sincrocircnica do Pentateuco

Histoacuteria da Criaccedilatildeo Formaccedilatildeo do Povo de Israel

I Criaccedilatildeo do Ceacuteu e da Terra Gn 11ndash23

II Origem Humana Gn 24ndash426

III Desenvolvimento Humano ndash Problemas Gn 51ndash68

IV Noeacute e o Diluacutevio Gn 69ndash929

V Propagaccedilatildeo dos Humanos sobre a Terra Gn 101ndash119

VI Histoacuteria dos Semitas Gn 1110ndash26

VII Histoacuteria de Abraatildeo (Isaac) Gn 1127ndash2511

VIII Histoacuteria de Ismael Gn 2512ndash18

IX Histoacuteria de Jacoacute (Isaac) Gn 2519ndash3529

68 Esse trabalho foi realizado por Frank Moore Cross em sua obra Canaanite myth and Hebrew epic Essays in the history of the religion of Israel Cambridge (MA) Harvard University Press 1973 p 293-325 Na bibliografia cito a nona reimpressatildeo de 1997 69 Observado por Matthew A Thomas em sua obra These are the generations Identity covenant and the ldquotoledothrdquo formula London New York T amp T Clark 2011 (The Library of Hebrew BibleOld Testament Studies 551) 70 Aqui sigo totalmente SWEENEY (2016 p 238)

93

X Histoacuteria de Esauacute Gn 361ndash371

XI Histoacuteria das Doze Tribos de Israel Gn 372ndashNm 234

XII Histoacuteria de Israel sob a Orientaccedilatildeo dos Levitas Nm 31ndashDt 3412

Como pode-se perceber em nono lugar do esquema temos a histoacuteria de Isaac

assim chamada porque o foco eacute sobre os filhos de Isaac Esauacute e Jacoacute (Gn 2519ndash3529)

Em siacutentese essa narrativa narra como o segundo filho de Isaac Jacoacute sobrepujou seu

irmatildeo mais velho casou-se com suas esposas e concubinas Lia Raquel Zilpa e Bila e

libertou-se do controle de seu tio e sogro Labatildeo para se tornar o antepassado de todo

Israel e herdeiro da alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados Abraatildeo e Isaac

A estrutura formal das narrativas sobre Jacoacute possuem um caraacuteter episoacutedico

Vejamos71

a) Gn 2519 o iniacutecio eacute marcado pela expressatildeo estruturante toledocirct

(geraccedilotildeesdescendecircncia) que serve para introduzir o relato sobre os

descendentes de Isaac

b) Gn 2520-26 relata o casamento de Isaac com Rebeca e o nascimento de seus

filhos Essa segunda unidade da estrutura conteacutem duas subunidades Gn

2521-26a (nascimentos dos filhos e conflito entre eles) e Gn 2526b (a idade

de Isaac por ocasiatildeo do nascimento de seus filhos)

c) Gn 2527-34 essa unidade ocupa-se em mostrar as diferenccedilas entre os irmatildeos

Esauacute e Jacoacute As subunidades satildeo Gn 2527-28 (destaca quais satildeo essas

diferenccedilas sendo Esauacute caracterizado como um caccedilador e amado por seu pai

e Jacoacute como algueacutem mais de casa amado pela matildee) e Gn 2529-34 (ao

continuar mostrando as diferenccedilas entre os irmatildeos a narrativa revela que

Esauacute voluntariamente renuncia agrave sua primogenitura para matar sua fome)

d) Gn 261-33 eacute uma unidade que se ocupa em relatar as viagens de Isaac e

Rebeca no sudoeste de Judaacute e na Filisteia As subunidades satildeo Gn 261-16

(em Gerara Isaac se vecirc abenccediloado por YHWH com as terras prometidas a

Abraatildeo e o rei filisteu Abimelec concede proteccedilatildeo a Isaac e Rebeca apoacutes

reconhecer que ela era esposa de Isaac) Gn 2617-22 (onde se daacute a disputa

de Isaac com os filisteus em razatildeo de um poccedilo que este cavou) e Gn 2623-33

71 Novamente aqui sigo a proposta de SWEENEY (2016 p 239-241) com algumas observaccedilotildees pessoais

94

(nesta uacuteltima subunidade haacute o deslocamento de Isaac e Rebeca para

Bersabeia onde YHWH jura abenccediloar Isaac por causa de Abraatildeo e Isaac

reconcilia-se com Abimelec

e) Gn 2634ndash3515 eacute a uacuteltima e mais longa unidade do ciclo de Jacoacute Ela

apresenta o relato de como Jacoacute obteacutem a becircnccedilatildeo e promessa de YHWH e se

torna o antepassado de Israel ao gerar doze filhos que por sua vez se

tornaratildeo os antepassados das tribos de Israel A narrativa inclui quatro

subunidades principais que por sua vez satildeo complexas e incluem muitos

elementos proacuteprios

(1) Gn 2634-35 que retrata a afliccedilatildeo de Isaac e Rebeca por causa do

casamento de seu primogecircnito Esauacute com mulheres heteias Esta

breve subunidade eacute crucial para a narrativa na medida em que

aponta para a inaptidatildeo de Esauacute para a alianccedila devido ao seu

casamento com mulheres estrangeiras Tambeacutem serve como

instigaccedilatildeo para a jornada de Jacoacute para Haratilde onde ele buscaraacute suas

esposas da famiacutelia da matildee para que ele possa ter filhos adequados

para servir como herdeiros da alianccedila

(2) Gn 271-45 mostra o esforccedilo de Jacoacute em assegurar para si a becircnccedilatildeo do

pai ao inveacutes desta dirigir-se como era a tradiccedilatildeo para o filho mais

velho A narrativa eacute importante pois deixa bem evidente as

preferecircncias dos pais Isaac por Esauacute e Rebeca por Jacoacute O que eacute fator

evidentemente de tensatildeo no interior dessa famiacutelia E oferece uma

explicaccedilatildeo para a inimizade entre os dois irmatildeos Esauacute e Jacoacute

justificando a necessidade que Jacoacute teve de fugir para Haratilde tanto

para encontrar esposas adequadas como para salvar suas vidas

Encontramos cinco unidades menores nesse bloco narrativo

Gn 271-4 Isaac instrui Esauacute para caccedilar e trazer-lhe uma

refeiccedilatildeo para que possa abenccediloaacute-lo uma vez que se sente

muito velho e cansado

95

Gn 275-13 Rebeca instrui Jacoacute a enganar seu marido Isaac

para que seu filho mais jovem possa obter a becircnccedilatildeo da

primogenitura no lugar de Esauacute

Gn 2714-29 Jacoacute executa o plano de sua matildee para obter a

becircnccedilatildeo

Gn 2730-40 Esauacute descobre o engano perpetrado por Jacoacute e

obteacutem de Isaac uma becircnccedilatildeo substituta que o capacitaraacute a se

libertar de Jacoacute

Gn 2741-45 com isso a inimizade entre os irmatildeos fica

evidente e Rebeca instrui Jacoacute a fugir para Haratilde para escapar

da ira de Esauacute e encontrar esposas adequadas de sua famiacutelia

(3) Gn 2746ndash3154 essa terceira subunidade narra a viagem de Jacoacute a

Padatilde-Aram a fim de encontrar uma esposa da famiacutelia de sua matildee na

casa de seu tio Labatildeo Encontramos cinco episoacutedios no interior desta

subunidade

Gn 2746 mostra o desgosto de Rebeca com as esposas heteias

de Esauacute

Gn 281-5 narra Isaac enviando Jacoacute a Padatilde-Aram para

encontrar uma esposa

Gn 286-9 Isaac casa-se com Maelet filha de Ismael filho de

Abraatildeo na tentativa de agradar seus pais

Gn 2810-22 importante episoacutedio que descreve a visatildeo que

Jacoacute teve de YHWH em sonho na qual este renova a promessa

feita aos seus ancestrais de conceder-lhe a terra de Israel

descendentes e fidelidade Isso serve de justificativa para o

lugar ser chamado de Betel casa de El (Deus) em hebraico

Becirct-acuteeumll

Gn 291ndash3154 descreve a permanecircncia de Jacoacute em Haratilde

incluindo seus casamentos e o nascimento de seus filhos No

interior desse bloco narrativo encontramos seis elementos

distintos

96

1 Gn 291 relata a chegada de Jacoacute em Haratilde

2 Gn 292-14a conta o encontro de Jacoacute com sua futura

amada e esposa Raquel e seu pai Labatildeo

3 Gn 2914b-30 Jacoacute eacute trapaceado por Labatildeo e casa-se com

Lia devendo trabalhar mais para o tio ateacute casar-se com

Raquel

4 Gn 2931-3024 relata o nascimento dos filhos de Jacoacute

da parte de suas esposas e concubinas Sendo que Lia

lhe daacute como filhos Ruacuteben Simeatildeo e Levi Datilde e Neftali

satildeo gerados por Bala serva de Raquel a pedido desta

uacuteltima uma vez que ela natildeo conseguia engravidar-se

Lia a primeira esposa de Jacoacute vendo que natildeo lhe

concedia mais filhos fez com que este tivesse filhos com

sua serva Zelfa gerando Gad e Aser Lia tornou a

engravidar-se e deu a Jacoacute por filhos Issacar Zabulon e

Dina uma filha Finalmente Raquel conseguiu

engravidar-se e deu agrave luz Joseacute

5 Gn 3025-43 narra a negociaccedilatildeo que se estabelece entre

Jacoacute e Labatildeo acerca dos ganhos do Patriarca

6 Gn 311-54 Jacoacute parte de Haratilde com suas mulheres

filhos e pertences Haacute uma perseguiccedilatildeo e conflito com

Labatildeo e sua famiacutelia que se resolve por meio de um

tratado entre ambos

(4) Gn 321ndash3529 eacute a quarta subunidade da unidade derradeira do ciclo

de Jacoacute Esse bloco narra o retorno de Jacoacute agrave terra de Israel incluindo

a mudanccedila de nome para Israel (periacutecope que mereceraacute mais

detidamente nossa atenccedilatildeo) a sua reconciliaccedilatildeo com Esauacute a morte de

sua amada esposa Raquel o nascimento de Benjamim a outorga que

YHWH faz a Jacoacute da alianccedila concluiacuteda com os seus antepassados e a

morte e sepultamento de Isaac Esta subunidade eacute composta por oito

episoacutedios narrativos que satildeo

97

Gn 321-22 Jacoacute prepara o encontro com Esauacute seu irmatildeo em

Maanaim

Gn 3223-33 Jacoacute luta com ldquoum homemrdquo e recebe um novo

nome Israel

Gn 331-17 reconciliaccedilatildeo de Jacoacute com Esauacute em Sucot

Gn 3318ndash3431 Jacoacute chega a Siqueacutem e ali permanece neste

local ocorre o estupro de sua filha Dina e seus irmatildeos Simeatildeo

e Levi a vingam

Gn 351-15 YHWH nomeia Jacoacute como Patriarca de Israel em

Betel e Jacoacute santifica o lugar Novamente eacute narrada a mudanccedila

de nome de Jacoacute para Israel

Gn 3516-20 Raquel vem agrave oacutebito durante o parto de Benjamim

entre Betel e Eacutefrata

Gn 3521-26 Ruacuteben comete incesto ao manter relaccedilotildees iacutentimas

com Bala uma das concubinas de seu pai

Gn 3527-29 relata a morte e sepultamento de Isaac por Jacoacute e

Esauacute em Cariat-ArbeHebron mesmo local do sepultamento

de Abraatildeo e Sara

Sem duacutevida o ciclo de Jacoacute forma uma unidade literaacuteria dentro da estrutura em

toledocirct da ToraacutePentateuco Nesse sentido Jacoacute aparece na narrativa como o terceiro

na sequecircncia dos antepassados de Israel e ele alcanccedila o direito de primogenitura a

becircnccedilatildeo de seu pai e a alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados superando

seu irmatildeo mais velho Esauacute para garantir o futuro de seu povo A narrativa faz questatildeo

de frisar as diferenccedilas entre os dois irmatildeos enquanto Esauacute mostra pouca consideraccedilatildeo

por seu direito de primogenitura e se casa com mulheres que satildeo consideradas pela

tradiccedilatildeo judaica como inadequadas ou marginalizadas na trajetoacuteria da alianccedila da

naccedilatildeo de Israel Jacoacute viaja a Padatilde-Aram para encontrar uma noiva adequada no seio

da famiacutelia de sua matildee e acaba tomando duas esposas que satildeo filhas do irmatildeo de sua

matildee Labatildeo e suas servas Os doze filhos nascidos como resultado destes casamentos

iratildeo se tornar os antepassados das doze tribos de Israel

98

Os inteacuterpretes haacute muito reconhecem que Jacoacute eacute o antepassado epocircnimo de Israel na verdade ele eacute duas vezes renomeado Israel em Gecircnesis 3232-33 e 359-12 Mas o contexto literaacuterio mais amplo da forma final do Pentateuco que eacute amplamente entendida como uma narrativa judia baseada em sua redaccedilatildeo Sacerdotal (P) final geralmente obscurece o fato de que a identificaccedilatildeo de Jacoacute como o antepassado de Israel pressupotildee o ponto de vista do reino do norte de Israel com seu Templo em Betel em vez de Israel como entendido a partir da compreensatildeo judaica de todo Israel e do Templo de Jerusaleacutem (SWEENEY 2016 p 244)

Complementando o que foi exposto acima eacute importante constatar que Gn 3223-

33 insere-se no grande ciclo de Jacoacute e Esauacute (Gn 2519ndash371)72 A nossa personagem

como veremos melhor adiante eacute transformada de liacuteder local de um grupo particular ndash

ao redor do qual se formou uma tradiccedilatildeo ndash em um dos grandes patriarcas do povo de

Israel depositaacuterio das promessas feitas a Abraatildeo Contraacuterio a este primeiro patriarca

cuja vida estava enraizada mais ao sul do paiacutes tendo Hebron como lugar de referecircncia

cultual Jacoacute movimenta-se pela regiatildeo norte de um lado a outro do rio Jordatildeo e ateacute a

Mesopotacircmia A maior parte dos santuaacuterios do Reino de Israel tambeacutem denominado

Reino do Norte eacute ligada a ele Joseacute cujo ciclo sucederaacute agravequele de Jacoacute implanta-se no

Egito

O seu ciclo insere-se entre aquele de Abraatildeo (Gn 121ndash2518) e aquele de Joseacute

(Gn 372ndash5026) Servindo portanto como um proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes em Ecircxodo

O capiacutetulo 36 integra um pequeno ciclo de Isaac Jacoacute eacute um heroacutei construiacutedo sem a

preocupaccedilatildeo de justificar a sua moralidade nos conflitos mais diversos que perpassam

toda a narrativa

Conflito entre Jacoacute e seu irmatildeo Esauacute (Gn 25 27 32-33)

que conduz a uma reconciliaccedilatildeo passando pelo conflito entre Jacoacute e Labatildeo

o Arameu (Gn 29-31)

em meio ao qual brota o conflito entre Raquel e Lia (Gn 2931ndash3024)

72 Muitos preferem concluir esse ciclo no uacuteltimo versiacuteculo do capiacutetulo 36 mas Gn 371 eacute claramente um texto de conclusatildeo de um bloco maior A partir daqui JacoacuteIsrael somente retomaraacute com certo protagonismo em Gn 49 onde ele abenccediloa seus filhos e vive seus momentos finais De Gn 372 em diante o protagonista eacute Joseacute filho caccedilula de JacoacuteIsrael

99

O objetivo final de nossa personagem Jacoacute eacute assegurar a sobrevivecircncia e em

seguida a autonomia de seu clatilde Em um primeiro momento ldquosuas aventuras satildeo

transmitidas como memoacuteria local de um grupo que se vecirc ligado a um ancestral que

descobre o deus El e sua promessardquo (LANOIR 2015 p 4)

Pode-se identificar trecircs grandes partes e um epiacutelogo neste ciclo de Jacoacute presente

no primeiro livro da Toraacute vejamos73

1ordf Jacoacute e Esauacute ndash 1ordm Ato (Gn 2519ndash2822) desde o nascimento de ambos um

conflito que se inicia no ventre materno (2519-26) e se prolonga para a vida dos dois

irmatildeos passando pela venda do direito agrave primogenitura de Esauacute a Jacoacute (2527-34) pelo

roubo da becircnccedilatildeo do pai Issac (271-40) ateacute a sua partida para a casa do tio Labatildeo

motivada seja pelo desejo de vinganccedila de seu irmatildeo Esauacute (2741-45) seja pelo desejo

de Rebeca sua matildee de dar-lhe como esposa algueacutem que natildeo fosse de Canaatilde (2634-35

2746 281-9) Concluindo-se como um encontro divino em Betel durante um sonho

(2810-22)

2ordf Jacoacute e Labatildeo (Gn 291ndash321) este ato eacute marcado por dois grandes momentos

o primeiro a ascensatildeo de Jacoacute que inclui sua chegada a Haratilde (291-14) passando pelos

seus dois casamentos (2915-30) pelo nascimento de seus filhos (2931ndash3024) e o seu

enriquecimento (3025-43) O segundo momento desse ato seria a luta de Jacoacute pela

independecircncia de seu clatilde Iniciando-se com as deliberaccedilotildees de Jacoacute e a sua partida

(311-21) as altercaccedilotildees com Labatildeo que persegue os fugitivos do clatilde de Jacoacute (3122-42)

com a conclusatildeo do conflito e um pacto entre os contentores (3143ndash321)

3ordf Reencontro de Jacoacute com Esauacute ndash 2ordm Ato (Gn 322ndash3317) ocorre o desfecho do

conflito com Esauacute que se daacute em trecircs momentos o anuacutencio e preparaccedilatildeo de um

confronto com seu irmatildeo (322-22) o reencontro com Deus em PenielPenuel (combate

noturno) apoacutes o qual Jacoacute eacute abenccediloado e recebe outro nome Israel (3223-33) e

finalmente o reencontro com seu irmatildeo Esauacute e a reconciliaccedilatildeo (331-17)

73 Aqui apoio-me em PURY (2009 p 219-220)

100

Epiacutelogo (Gn 3318ndash371) de Siqueacutem a Betel um itineraacuterio para reconhecer a

origem do povo de Israel e seu Deus Dois santuaacuterios que conservam as tradiccedilotildees

patriarcais satildeo visitados (3318-20 Siqueacutem) e um altar eacute erguido em cada um deles

sendo que em Betel (351-15) uma estela eacute tambeacutem erigida A histoacuteria dos filhos de

Jacoacute (341-31 3516-26) a morte e o sepultamento de Isaac em Mambreacute (3527-29)

preparam a sequecircncia narrativa de Gecircnesis com o ciclo de Joseacute (372ndash5026) Antes

poreacutem haacute a narraccedilatildeo da instalaccedilatildeo de Esauacute em Edom74 e a enumeraccedilatildeo de seus

descendentes (361-43)

O texto da saga ou lenda75 de Jacoacute ocupa-se das origens de Israel podendo

constituir-se em uma das mais antigas E desde o iniacutecio ateacute o final essa saga eacute uma

histoacuteria de luta por becircnccedilatildeo76 Afinal Jacoacute teve de fugir da casa de seu pai devido ao

fato de ter enganado seu irmatildeo e lhe furtado a primogenitura e a becircnccedilatildeo

A caminho de Betel Deus apareceu-lhe e o asseverou de sua proteccedilatildeo e do cumprimento de sua promessa de becircnccedilatildeo77 Eacute verdade que ele conseguiu vaacuterios benefiacutecios na casa de Labatildeo mas quando Labatildeo na despedida deu uma verdadeira becircnccedilatildeo esta valia somente para a famiacutelia natildeo para Jacoacute (Gn 321) No iminente encontro com Esauacute Jacoacute estava correndo o risco de perder todos os benefiacutecios antes conquistados o assalto ocorreu exatamente quando ele em caacutelculo perspicaz mandou todas as suas posses e sua famiacutelia agrave sua frente para o outro lado do Jaboc78 Curiosamente seu adversaacuterio estava aparentemente interessado no nome dele ndash o nome com o qual estava

74 Em Gn 2525 nos eacute apresentado o suposto motivo para o nome de Esauacute que segundo o texto teria recebido tal nome por ser ldquoavermelhadoruivordquo e ldquopeludordquo como se fosse um animal Na realidade a explicaccedilatildeo para suas caracteriacutesticas fiacutesicas faz referecircncia a dois outros nomes que lhe satildeo relacionados

Edom e Seir ldquoAvermelhadoruivordquo eacute em hebraico acuteadmocircnicirc utilizado em 1Sm 1612 e 1742 para Davi

relaciona-se a ldquoEdomrdquo (Gn 2529 3618) regiatildeo a leste de rio Jordatildeo ao sul do territoacuterio de Judaacute caracterizada pelas suas montanhas avermelhadas ldquoPeludordquo (hebraico Seuml`aumlr = peloSeuml`icircr = nome da

regiatildeo montanhosa de Seir tambeacutem em Edom) refere-se agrave regiatildeo de Seir onde Esauacute se instalaraacute com o seu clatilde (Gn 3314-16) Vecirc-se como ldquoEsauacute desde o princiacutepio da narrativa eacute assimilado a um grupo que natildeo tem nada a ver com as regiotildees do Reino do Norte [Israel]rdquo (LANOIR 2015 p 9) 75 Lenda eacute compreendida aqui no sentido que lhe deu GUNKEL (1997 p vii-viii) ldquoa lenda natildeo eacute uma mentira Em vez disso eacute um gecircnero especiacutefico de literatura Lenda - a palavra eacute empregada aqui em nenhum outro sentido senatildeo o geralmente reconhecido - eacute um relato popular longamente transmitido narrativa poeacutetica que trata de pessoas ou eventos passadosrdquo 76 Essa expressatildeo foi empregada inicialmente por WESTERMANN (1964 p 89) e um pouco mais recentemente por DIETRICH (2001 p 205) 77 ldquoA meu ver na composiccedilatildeo original de Jacoacute o discurso divino em Gn 28 estava limitado ao v 15 Se a lenda de santuaacuterio que eacute a base tiver falado de Deus entatildeo ela narrou provavelmente apenas como ele apareceu no topo da escada celestial (as primeiras palavras do v 13) A promessa abrangente no v 1314 foi acrescentada finalmente quando ndash muito tarde na histoacuteria da redaccedilatildeo ndash a histoacuteria de Abraatildeo foi anteposta agrave histoacuteria de Jacoacuterdquo (DIETRICH 2001 p 205 n 28) 78 Essa aliaacutes eacute uma fina ironia presente no texto de Gn 3223-33

101

vinculado o oacutedio devido ao furto da becircnccedilatildeo79 Jacoacute revela-o e assim assume seu passado pouco positivo Nessa situaccedilatildeo ele recebe um novo nome ndash e a becircnccedilatildeo haacute tanto tempo ansiada (DIETRICH 2001 p 205)

4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute

Quando se interroga pela histoacuteria da formaccedilatildeo do texto do ciclo de Jacoacute

deparamo-nos com a complexa discussatildeo acerca das fontes que compuseram a Toraacute

Em linhas gerais e de modo resumido80 pode-se dizer que houve quatro fases da

pesquisa ateacute o presente momento

Inicialmente levando-se em conta os numerosos textos legislativos presentes na

Toraacute (ex Ex 242 Dt 11 445) atribuiacutedos a Moiseacutes as tradiccedilotildees judaicas e cristatildes

fizeram dele o autor desses cinco primeiro livros da BH81 Mesmo que essa ideia natildeo

tenha sido explicitamente contestada a natildeo ser no seacuteculo XVIII de nossa era natildeo

significa que sempre foi aceita e indiscutida por todos Como imaginar por exemplo

o proacuteprio Moiseacutes narrando a sua morte (Dt 34) Rabinos viram nesse texto conclusivo

da Toraacute um acreacutescimo posterior por parte de Josueacute o sucessor de Moiseacutes82 Na Idade

Meacutedia os estudiosos judeus Issac ben Jesus e Ibn Esdras elaboraram listas que

continham os ldquopost-mosaicardquo ou seja textos que deveriam ter sido escritos em

momentos mais tardios da histoacuteria de Israel83 Mas esses autores natildeo ousaram colocar

em duacutevida a tradiccedilatildeo recebida Esse passo seraacute dado por meio do Tratactus theologico-

politicus do filoacutesofo judeu Baruch de Spinoza (era de origem sefardita portuguesa

79 ldquoJaacute durante o parto Jacoacute teria atacado o irmatildeo gecircmeo mais velho Esauacute ao seguraacute-lo pelo lsquocalcanharrsquo E apoacutes a becircnccedilatildeo Esauacute exclama lsquoSeraacute que natildeo eacute com razatildeo que ele se chama Jacoacute Duas (Gn 2525s) (עקב)vezes me enganou (עקב)rsquo (Gn 2736 a mesma palavra rara para lsquoenganarrsquo eacute usada no mesmo contexto por Oseias em Os 124)rdquo (DIETRICH 2001 p 205-206 n 30)

80 Para uma visatildeo mais detalhada da histoacuteria da composiccedilatildeo do Pentateuco e suas vaacuterias teorias ateacute o presente momento pode-se consultar SKA 2016 p 13-87 ROumlMER 2009 p 140-157 NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184 ZENGER 2008a p 117-186 ZENGER 2008b p 187-203 81 Cf PHILON DrsquoALEXANDRIE De vita Mosis I sect 84 (1967) Mc 1226 2Cor 315 entre outros 82 ldquoMoiseacutes escreveu seu proacuteprio livro e a porccedilatildeo de Balaatildeo e Joacute Josueacute escreveu o livro que leva seu nome e [uacuteltimos] oito versos do Pentateucordquo Em inglecircs ldquoMoses wrote his own book and the portion of Balaam and Job Joshua wrote the book which bears his name and [the last] eight verses of the Pentateuchrdquo (Talmude Babilocircnico Baba Bathra 14b EPSTEIN 2009) Os uacuteltimos versiacuteculos do Pentateuco satildeo justamente a narrativa da morte de Moiseacutes 83 Por exemplo Gn 3631 o qual pressupotildee a eacutepoca monaacuterquica Nm 221 que designa a Transjordacircnia como paiacutes aleacutem do Jordatildeo o que estaacute em contradiccedilatildeo com um Moiseacutes que escreve na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2009 p 141)

102

Bento de Espinosa) em 1670 Ele observa que o ldquoPentateuco forma com os livros

histoacutericos (Josueacute e Reis) uma unidade orgacircnica e que ele natildeo pode consequentemente

ter sido regido antes do final do reino de Judaacute (relatado em 2 Reis) Aos seus olhos o

verdadeiro autor do Pentateuco eacute Esdras o qual busca dar uma identidade ao povo

judeu agrave eacutepoca persardquo (ROumlMER 2009 p 141)

Por volta da metade do seacuteculo XVIII a pesquisa biacuteblica conheceraacute a primeira

tentativa de identificar fontes no interior do Pentateuco surgindo entatildeo uma teoria

sobre elas Os pioneiros foram de um lado o pastor e orientalista alematildeo Henning

Bernhard Witter e de outro o francecircs Jean Astruc meacutedico de Luiacutes XV Aleacutem da

constataccedilatildeo de vaacuterias rupturas dublecircs contradiccedilotildees e repeticcedilotildees no interior do texto

do Pentateuco84 tal como o temos na atualidade aquilo que mais chamou a atenccedilatildeo foi

a variaccedilatildeo contiacutenua nos textos entre o emprego do nome proacuteprio YHWH ou do termo

mais geneacuterico Elohicircm para designar o Deus de Israel Assim sendo em 1753 Jean

Astruc publicou as ldquoConjectures sur les meacutemoires originaux dont il paroit que Moyse

srsquoest servi pour composer le Livre de la Genegraveserdquo (traduccedilatildeo livre Conjecturas sobre os

documentos originais que Moiseacutes parece ter se servido para compor o Livro de Gecircnesis) Esse

pesquisador francecircs tinha uma finalidade apologeacutetica ou seja defender a autoria de

Moiseacutes para todo o Pentateuco Para tanto ele postulava que Moiseacutes teria tido agrave

disposiccedilatildeo dois documentos principais o ldquodocumento Ardquo o qual utilizava o nome

divino Elohicircm do qual o iniacutecio se situava em Gn 1 e o ldquodocumento Brdquo caracterizado

pelo emprego de YHWH que teria seu iniacutecio em Gn 24 Com isso tem iniacutecio a famosa

teoria ldquodocumentaacuteriardquo que marcaraacute por deacutecadas a exegese histoacuterico-criacutetica moderna

A autoria uacutenica de Moiseacutes evidentemente foi logo abandonada mas aproveitou-se a

inspiraccedilatildeo original de Astruc Essa teoria imagina existir na base do Pentateuco vaacuterias

84 ldquoSegundo Gn 715 Noeacute fez entrar na arca um par de animais de cada espeacutecie ao contraacuterio Gn 72 fala de sete pares para os animais puros Segundo Gn 426 a humanidade invoca o Deus de Israel sob o nome de lsquoYHWHrsquo desde as origens enquanto que em Ex 312-15 esse nome natildeo eacute revelado a Israel a natildeo ser no momento da vocaccedilatildeo de Moiseacutes O comportamento do faraoacute diante das pragas do Egito e explicado de duas maneiras diferentes segundo Ex 73 por exemplo eacute YHWH que torna inflexiacutevel o coraccedilatildeo do rei do Egito enquanto outros textos insistem sobre o fato que o proacuteprio faraoacute endureceu seu proacuteprio coraccedilatildeo (Ex 811 etc) Constata-se igualmente a presenccedila de vaacuterios dublecircs O Pentateuco comporta dois relatos da criaccedilatildeo (Gn 11 ndash 23 Gn 24 ndash 324) dois relatos que reportam a conclusatildeo da alianccedila entre Deus e Abraatildeo (Gn 15 e 17) dois relatos da expulsatildeo de Agar (Gn 16 e 219ss) dois relatos de vocaccedilatildeo de Moiseacutes (Ex 3 e 6) duas versotildees do Decaacutelogo (Ex 20 e Dt 5) etcrdquo (ROumlMER 2009 p 141)

103

tramas narrativas independentes uma das outras e regidas em eacutepocas diferentes

relatando cada uma a mesma intriga mas com nuanccedilas ideoloacutegicas diferentes Esses

documentos teriam sido reunidos uns aos outros por redatores sucessivos

Esse sistema explicativo da composiccedilatildeo da ToraacutePentateuco prevaleceraacute

ateacute os anos 1970 com destaque para Julius Wellhausen (1844-1918) o idealizador da

teoria documentaacuteria De acordo com esse estudioso alematildeo o Pentateuco eacute o resultado

de quatro documentos o documento Javista (ldquoJrdquo uma vez que esse documento daacute

preferecircncia ao nome divino YHWH ou seja ldquoJahwerdquo em alematildeo) o documento eloiacutesta

(ldquoErdquo originaacuterio do nome divino ldquoElohicircmrdquo) o Deuteronocircmio (ldquoDrdquo) e o documento

sacerdotal (ldquoPrdquo segundo o termo alematildeo ldquoPriesterschriftrdquo) Wellhausen eacute muito

prudente em relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo desses documentos paralelos que compuseram o

Pentateuco Para ele ldquoJrdquo e ldquoErdquo satildeo siglas que agrupam vaacuterios documentos Como uma

distinccedilatildeo desses dois documentos eacute muito difiacutecil ele prefere reagrupaacute-los sob a sigla

ldquoJErdquo (de ldquoJehowistrdquo em alematildeo) Ele propunha que esses escritos datassem da eacutepoca

monaacuterquica (VIII seacuteculo AEC) jaacute o ldquoDrdquo seria do final do periacuteodo monaacuterquico da eacutepoca

do rei Josias (por volta de 620 AEC)85 e o ldquoPrdquo seria situado no iniacutecio do periacuteodo poacutes-

exiacutelio (por volta de 500 AEC) Na visatildeo de Wellhausen ldquoJErdquo e ldquoPrdquo satildeo tambeacutem

encontrados no livro de Josueacute cujos relatos da conquista da terra prometida

constituem o culminar da promessa da terra no Pentateuco O ciclo de Jacoacute do qual o

texto em anaacutelise em nosso estudo faz parte integrava a histoacuteria Patriarcal (Abraatildeo

Isaac Jacoacute e Joseacute) Essa histoacuteria fazia parte do documento JE na visatildeo de Wellhausen86

Isso acabou levando estudiosos a falarem de um Hexateuco um conjunto de livros de

Gn a Js Esses documentos refletiriam na visatildeo de Wellhausen natildeo apenas um

instrumento de anaacutelise literaacuteria do Pentateuco mas uma siacutentese da evoluccedilatildeo religiosa

do Israel antigo Ele fundamenta sua pesquisa em cinco instituiccedilotildees o lugar do culto

os sacrifiacutecios as festas o clero o diacutezimo (cf ROumlMER 2009 144) Os documentos (JE

85 ldquoWellhausen aceita a identificaccedilatildeo proposta por de Wette em 1805 do Dt primitivo com o livro mencionado em 2Rs 22ndash23rdquo (ROumlMER 2009 p 144) 86 Nessa visatildeo eacute importante frisar que a tradiccedilatildeo oral era tida como a fonte de onde teriam se originado esse documento (JE) Assim sendo mesmo que o Javista e Eloiacutesta tivessem sua origem no periacuteodo monaacuterquico sempre segundo essa teoria documentaacuteria as origens do ciclo de Jacoacute por exemplo deveriam ser buscadas antes mais proacuteximo agraves origens de Israel No entanto isso natildeo era demonstrado nem comprovado mas admitido de modo um tanto ldquonaturalrdquo

104

D P) revelaratildeo um esquema de evoluccedilatildeo pluralidade centralizaccedilatildeo ritualizaccedilatildeo

Desse modo parte-se da pluralidade de locais de culto na eacutepoca monaacuterquica para uma

centralizaccedilatildeo em Jerusaleacutem no periacuteodo de Josias O Templo de Jerusaleacutem eacute instituiacutedo

como o uacutenico lugar legiacutetimo de culto ao deus de Israel (cf 2Rs 22ndash23 e Dt 12)87 A fonte

ldquoPrdquo jaacute supotildee essa centralizaccedilatildeo e a retroprojeta para o periacuteodo das origens Assim

sendo para Wellhausen a Lei natildeo estaria nas origens nem do Israel antigo nem do

Pentateuco mas ela torna-se um fundamento do judaiacutesmo a partir da eacutepoca poacutes-

exiacutelica

Na deacutecada de 1970 a 1980 viu-se surgir uma verdadeira rebeliatildeo contraacuteria agrave

teoria documentaacuteria O aparecimento de trecircs obras principais coroam uma sequecircncia

de vaacuterios estudos criacuteticos que vinha desde os anos 1960 provocando repensamentos

da teoria documentaacuteria Satildeo elas a) John Van Seters Abraham in history and tradition

(1975)88 b) Hans Heinrich Schmid Der sogenannte Jahwist Beobachtungen und Fragen

zur Pentateuchforschung (1976)89 c) Rolf Rendtorff Das uumlberlieferungsgeschichtliche

Problem des Pentateuch (1976)90 A obra de Van Seters coloca definitivamente em causa

a tal ldquoeacutepoca patricarcalrdquo ao situar doravante as tradiccedilotildees sobre Abraatildeo e sua colocaccedilatildeo

por escrito agrave eacutepoca do exiacutelio babilocircnio Anteriormente jaacute se havia constatado que o

ldquoDeus dos paisrdquo de Gecircnesis bem como os motivos das promessas patriarcais natildeo

deveriam ser situados em um periacuteodo nocircmade dos ancestrais de Israel mas ldquodeviam

ser explicados sobre o plano literaacuterio como teacutecnicas composicionais com as quais os

redatores reforccedilam a ligaccedilatildeo entre as diferentes figuras patriarcais (Abraatildeo Isaac

Jacoacute)rdquo (ROumlMER 2009 p 150) A obra de Schmid explora a presenccedila da linguagem

Deuteronomista na fonte ldquoJrdquo admitindo inclusive que todo este documento eacute

proacuteximo ao Deuteronocircmio Outros pesquisadores jaacute haviam constatado que certos

temas como aquele da teologia da alianccedila entre YHWH e Israel natildeo satildeo de origem

87 Em Ex 25ndash40 eacute relatado por exemplo a construccedilatildeo de um tabernaacuteculo em pleno deserto como sendo a conclusatildeo da criaccedilatildeo do mundo O escopo humano eacute adorar o Deus que tudo criou por isso o tabernaacuteculo culmina o periacuteodo da criaccedilatildeo do mundo e do ser humano 88 Publicado em sua primeira ediccedilatildeo em New Haven pela Yale University Press 89 Publicado em Zuumlrich pela Theologischer Verlag O tiacutetulo pode ser traduzido livremente como O assim chamado Javista observaccedilotildees e questotildees sobre a pesquisa do Pentateuco 90 Publicado em BerlinNew York pela Walter de Gruyter sendo o nuacutemero 147 da renomada coleccedilatildeo ldquoBeihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaftrdquo (BZAW)

105

Javista mas estaacute mais proacuteximo agrave teologia Deuteronomista A terceira obra aquela de

Rendtorff foi decisiva no processo de reviravolta nas pesquisas sobre o Pentateuco

Ele insistiraacute na importacircncia do estudioso debruccedilar-se sobre o texto tal como o

recebemos Isso porque sob a aparecircncia de consenso a teoria documentaacuteria apresenta

incoerecircncias e fraquezas como por exemplo ao se buscar estabelecer o iniacutecio e final

de cada documento (J E D P) na distinccedilatildeo do que seria material textual de ldquoJrdquo e ldquoErdquo

e assim por diante Para ele o Pentateuco em sua forma atual seria composto de

ldquounidades maioresrdquo que satildeo caracterizadas por uma grande coerecircncia interna e por

uma independecircncia quase que total em relaccedilatildeo agraves demais Essas unidades seriam as

seguintes a histoacuteria das origens (Gn 1ndash11) os Patriarcas (Gn 12ndash50) a saiacuteda do Egito

(Ex 1ndash15) o Sinai (Ex 19ndash24 32ndash34) a permanecircncia no deserto (Ex 16ndash18 Nm 11ndash20) a

conquista da terra (Nm + Js) Para Rendtorff satildeo as ldquopromessas (terra descendecircncia

acompanhamento becircnccedilatildeo) que se constituem numa sorte de lsquoargamassarsquo redacional

por meio da qual os trecircs patriarcas foram inscritos e situados em uma relaccedilatildeo

genealoacutegicardquo (ROumlMER 2009 p 153) Tanto Rendtorff como seu aluno Erhard Blum

concordaratildeo que o processo redacional que uniu as tradiccedilotildees patriarcais ao restante do

Pentateuco foi obra de um redator do tipo deuteronomista Em resumo o Eloiacutesta saiu

de cena o Javista da eacutepoca de Salomatildeo segundo a teoria wellhausiana estaacute morto ou

transformou-se em um antigo historiador da eacutepoca persa a escola deuteronomista

torna-se nessa fase da histoacuteria da pesquisa o pivocirc ao redor do qual se articula todo o

novo sistema o debate concentra-se no eixo Moiseacutes ndash ecircxodo ndash conquista com algum

olhar eventual sobre Abraatildeo como figura emblemaacutetica da preacute-histoacuteria (cf PURY 2001

p 216)

Completando a visatildeo de conjunto sobre a histoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo

do PentateucoToraacute nos anos 1990 em diante pode-se encontrar trecircs grandes

tendecircncias da pesquisa sobre a formaccedilatildeo da Toraacute91 A primeira busca preservar a teoria

documentaacuteria mas com vaacuterias modificaccedilotildees Haacute aqueles que ainda defendem a

existecircncia de um documento Javista da eacutepoca salomocircnica (por exemplo Werner H

91 Sintetizo aqui a resumida apresentaccedilatildeo de ROumlMER 2009 p 154-156

106

Schmidt92) Outros encontram dificuldade em ainda reconhecer um Javista no interior

da Toraacute e preferem a soluccedilatildeo de um Jeovista (J+E) eacute o caso de Horst Seebass93 Alguns

permanecem ligados ao Javista da eacutepoca monaacuterquica mas reconhecem que vaacuterios

textos que uma vez foram atribuiacutedos ao J pertencem a eacutepocas mais tardias da redaccedilatildeo

do Pentateuco Esse eacute o caso de Erich Zenger e Peter Weimar94 os quais defendem a

existecircncia de redaccedilotildees jeovistas entre 722 e 587 AEC e deuteronomistas a partir de 587

AEC (iniacutecio do exiacutelio da Babilocircnia) Ainda segundo Zenger as redaccedilotildees jeovistas em

GnndashNm teriam formado uma grande Jerusalemitisches Geschichtswerk (ldquohistoriografia

hierosolimitanardquo) preacute-exiacutelica a qual mais tarde na eacutepoca do exiacutelio sofreu uma revisatildeo

deuteronomista

A segunda grande tendecircncia dessa quarta fase da histoacuteria da pesquisa

concentra-se em identificar duas fontes com dataccedilatildeo mais tardia O Pentateuco ou

melhor dizendo o Tetrateuco (Gn Ex Lv Nm) seria fruto da fusatildeo de dois

documentos o Javista (J) e o Sacerdotal (P) que seriam da eacutepoca exiacutelica Os maiores

defensores dessa teoria satildeo Otto Kaiser95 Martin Rose96 e Christoph Levin97 Para este

uacuteltimo o J eacute um redator e um teoacutelogo da diaacutespora valoriza a religiatildeo popular e integra

em seu trabalho fontes mais antigas Levin identifica uma polecircmica entre P e J que eacute

um escrito independente da eacutepoca persa conhecedor de J o qual eacute contraacuterio agrave ideologia

deuteronomista do santuaacuterio uacutenico A intenccedilatildeo de P eacute substituir J Apesar que a

redaccedilatildeo final do Pentateuco preservou os dois documentos da maneira mais completa

92 Elementare Erwaumlgungen zur Quellenscheidung im Pentateuch In EMERTON J A (Ed) Congress Volume Leuven 1989 Leiden New York Koumlln Brill p 22-45 (Vetus Testamentum Supplements [VTS] 43) 93 Pentateuch In THEOLOGISCHE REALENZYKLOPAumlDIE Berlin New York De Gruyter 1996 v 26 p 185-209 Que restet-il du Yahwiste et de lrsquoElohiste In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 199-214 (Le Monde de la Bible 19) 94 ZENGER Erich Die Buumlcher der Torades Pentateuch In _________ et al Einleitung in das Alte Testament 7 Aufl Stuttgart Berlin Koumlln Kohlhammer 2008 p 60-135 95 The Pentateuch and the Deuteronomistic History In MAYES A D H (Ed) Text in Context Essays by Members of the Society for Old Testament Studies Oxford Oxford University Press 2000 p 289-322 96 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 97 Der Jahwist Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1993 (Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments [FRLANT] 157)

107

possiacutevel fazendo seguir um relato P em paralelo ao J ou vice-versa Levin reconhece

poreacutem que mais da metade dos textos do Pentateuco satildeo acreacutescimos tardios agrave J ou P

ou seja adiccedilotildees feitas apoacutes a fusatildeo de J e P

Uma terceira tendecircncia nessa quarta fase da pesquisa eacute a teoria elaborada por

Erhard Blum98 e retomada com algumas modificaccedilotildees por Rainer Albertz99 Joseph

Blenkinsopp100 Franz Cruumlsemann101 e outros estudiosos Eles concebem o Pentateuco

como o resultado do diaacutelogo conflituoso entre duas escolas a D e a P O periacuteodo de

composiccedilatildeo eacute tardio ou seja poacutes-exiacutelico Na concepccedilatildeo de Blum haacute uma composiccedilatildeo

deuteronomista (sigla em alematildeo KD) que compreende desde o ciclo de Abraatildeo ateacute 2Rs

25 uma vez que essa composiccedilatildeo eacute tida como o preluacutedio da histoacuteria deuteronomista

Ainda segundo este autor Dt 3410 marca uma ruptura que fornece ao conjunto de Gn-

Dt uma autonomia ou seja uma supremacia em relaccedilatildeo aos livros seguintes uma vez

que se trata da ldquoToraacute de Moiseacutesrdquo A KD destina-se aos judeus da diaacutespora que ocorreu

apoacutes o exiacutelio da Babilocircnia Ela deseja recordar atraveacutes das histoacuterias de Abraatildeo e Ecircxodo

os dois pilares sobre os quais assenta-se a relaccedilatildeo de YHWH e Israel para concluir que

esses pilares restam firmes mesmo com a trageacutedia do exiacutelio Eacute claro que a KD tinha agrave

sua disposiccedilatildeo materiais narrativos e legislativos mais antigos da eacutepoca preacute-exiacutelica Jaacute

a composiccedilatildeo sacerdotal (em sigla alematilde KP) interveacutem de fato como um editor um

redator na obra deuteronomista A KP fez uso de documentos independentes

previamente escritos102 O foco da KP eacute claramente sobre o culto as instituiccedilotildees os

quais satildeo apresentados como dom de YHWH permitindo que Israel faccedila a experiecircncia

98 Studien zur Komposition des Pentateuch Berlin New York De Gruyter 1990 (Beihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft [BZAW] 189) Outro escrito no qual ele aborda essa questatildeo eacute The Literary Connection Between the Books of Genesis and Exodus and the End of the Book of Joshua In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 89-106 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34) 99 Religionsgeschichte Israels in alttestamentlicher Zeit 2 Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1992 (Grundisse zum Alten Testament [GAT] 82) 100 The Pentateuch An Introduction to the First Five Books of the Bible New York Doubleday 1992 (The Anchor Bible Reference Library) 101 Le Pentateuque une Tora Proleacutegomegravenes agrave lrsquointerpreacutetation de sa forme finale In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 339-360 (Le Monde de la Bible 19) 102 Como por exemplo a versatildeo sacerdotal do diluacutevio em Gn 6ndash8 Ex 62-8 a versatildeo do ciclo das pragas no Egito em Ex 7ss o relato da travessia do mar em Ex 14 etc

108

da restauraccedilatildeo da proximidade divina como se deu apoacutes o diluacutevio Aleacutem dessas duas

composiccedilotildees maiores D e P Blum admite a existecircncia de adiccedilotildees redacionais que satildeo

proacuteximas seja da KD como da KP Outro estudioso que acredita na existecircncia de

apenas duas fontes dois verdadeiros documentos para o Pentateuco eacute Jean-Louis Ska

Segundo ele uma fonte somente pode ser caracterizada como tal se apresentar um

conceito fundamental e um estilo homogecircneo que une toda a obra103 mesmo que esta

apresente acreacutescimos mais tardios como eacute comum na literatura claacutessica de Israel Natildeo

basta apresentar textos com alguma semelhanccedila entre si para se falar de ldquofonterdquo Nesse

sentido ele somente reconhece duas fontes no Pentateuco o Deuteronocircmio que

constitui um livro a parte e a sacerdotal O Dt natildeo necessita de grandes justificativas

para ser considerado uma fonte independente autocircnoma e coerente Segundo Ska

ldquosomente o Documento Sacerdotal cria um verdadeiro enredo que une as partes

principais do Pentateuco em particular as tradiccedilotildees sobre as origens do universo

sobre os patriarcas e sobre o ecircxodordquo (SKA 2016 p 31) Haacute uma progressatildeo na

revelaccedilatildeo de Deus segundo o sacerdotal inicialmente ele eacute o criador do universo

Elohim (Gn 1ndash11) depois ele eacute o Deus dos patriarcas El Shaddai (Gn 171) e finalmente

ele eacute YHWH o Deus do ecircxodo (Ex 63) Ao unir as tradiccedilotildees sobre os antepassados de

Israel com as tradiccedilotildees sobre o ecircxodo num uacutenico enredo o sacerdotal daacute uma loacutegica a

esses dois blocos na opiniatildeo de Ska afinal ldquoDeus faz Israel sair do Egito e o conduz

ateacute a sua terra porque eacute fiel agrave promessa feita com juramento aos patriarcas (Ex 62-8

cf em particular Ex 648 e o lsquopor issorsquo do v 6 [lākēn em hebraico])rdquo (SKA 2016 p 32)

Portanto o Javista e o Eloiacutesta na opiniatildeo de Ska natildeo existiriam Pode-se encontrar

fragmentos ou estratos redacionais que possam agrupar textos anteriormente

atribuiacutedos a essas supostas fontes Ska tende a admitir que o Documento Sacerdotal

foi composto no comeccedilo do retorno do exiacutelio com a finalidade de ldquoconvencer os

exilados a voltarem para a terra prometidardquo (SKA 2016 p 42)104 Isso seria difiacutecil caso

o sacerdotal natildeo apresentasse essa terra que foi prometida a Israel Por isso Ska tende

103 Nas palavras do proacuteprio autor ldquoUma fonte eacute uma obra literaacuteria de ampla extensatildeo unificada e homogecircnea com seu estilo reconheciacutevel e uma ideia-base que confere ao conjunto unidade e coesatildeordquo (SKA 2016 p 32) 104 Nessa tese Ska se reconhece devedor do trabalho de ELLIGER Karl Sinn und Ursprung der priesterlichen Geschichtserzaumlhlung Zeitschrift fuumlr Theologie und Kirche Tuumlbingen Mohr Siebeck v 49 n 2 p 121-143 1952

109

a ver o final do Documento Sacerdotal nos capiacutetulos 13ndash14 e mesmo 201-13 do livro

de Nuacutemeros Ali eacute explicado o motivo pelo qual o povo tem de ficar quarenta anos no

deserto por ter-se recusado a entrar na terra prometida Desse modo natildeo se nega o

acesso agrave terra mas coloca-se o cumprimento da promessa em uma eacutepoca posterior

Concluindo essa trajetoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco chega-

se agrave quinta fase que eacute a atual Nesse momento coexistem grosso modo trecircs grandes

problemas que se encontram no centro das discussotildees cientiacuteficas ldquoo perfil e a coerecircncia

dos textos preacute-sacerdotais (lsquojavistasrsquo ou lsquodeuteronomistasrsquo) a diacronia interna dos

textos sacerdotais dito de outro modo o problema da gecircnese e da formaccedilatildeo do

material agrupado sob a sigla lsquoPrsquo e o papel das redaccedilotildees poacutes-sacerdotais na

composiccedilatildeo do Pentateucordquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 158)105 Em meio a uma

pluralidade enorme de teorias e estudos os quais natildeo podem ser inteiramente

harmonizados pode-se dizer que atualmente caminha-se na direccedilatildeo de alguns

consensos entre eles pode-se destacar

a) Eacute cada vez mais realccedilada a importacircncia do trabalho dos uacuteltimos redatores e

editores da ToraacutePentateuco O que natildeo leva a negligenciar a reconstruccedilatildeo

desde as origens dos documentos tradicionais utilizados pelos editores da

Toraacute

b) Reconhece-se aos poucos que os escribas responsaacuteveis pela composiccedilatildeo da

Toraacute natildeo foram simples compiladores de fontes antigas mas eram animados

por um projeto teoloacutegico bem preciso Resta no entanto compreender

melhor quais eram os principais programas ideoloacutegicos dos editores da Toraacute

na segunda metade da eacutepoca persa

c) A Toraacute em sua forma final ldquonatildeo eacute obra de um ou dois redatores isolados

mas constitui antes de mais nada uma literatura de acordo entre as

principais correntes religiosas e poliacuteticas da eacutepoca bem como um magistral

105 Para uma exposiccedilatildeo mais detalhada a respeito das propostas de soluccedilatildeo para esses trecircs principais problemas da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco consultar NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184

110

esforccedilo de siacutentese entre as diferentes tradiccedilotildees sobre o Israel antigo coletadas

no Templo de Jerusaleacutemrdquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 181)

d) Natildeo estaacute claro no entanto a identidade dos meios envolvidos nessa siacutentese

Algumas evidecircncias textuais fazem os estudiosos concordarem que poderia

haver trecircs categorias de escribas envolvidas escribas sacerdotais uma vez que

haacute evidecircncias de acesso agrave biblioteca do Segundo Templo escribas de

obediecircncia mais laical os quais poderiam ser herdeiros da escola

deuteronomista escribas samaritanos apesar de essa hipoacutetese necessitar ser

mais investigada eacute revelador que uma passagem tardia do Deuteronocircmio

(Dt 274-8) contenha uma instruccedilatildeo para a construccedilatildeo de um santuaacuterio sobre

o monte Garizim regiatildeo samaritana106 E mais impressionante ainda eacute o fato

de a arqueologia certificar que na verdade houve um santuaacuterio sobre esse

monte desde metade do seacuteculo V AEC o que corresponde agrave eacutepoca em que

as principais tradiccedilotildees da Toraacute comeccedilam a ser reunidas

e) Cai por terra cada vez mais a tese proposta por Peter Frei107 e aceita durante

um bom tempo por um grande nuacutemero de especialistas da ldquoautorizaccedilatildeo

imperialrdquo Segundo essa tese a administraccedilatildeo persa Aquemecircnida (cerca de

550-330 AEC tambeacutem conhecida como Primeiro Impeacuterio Persa fundado por

Ciro o Grande) teria encomendado a ediccedilatildeo da Toraacute agraves principais instacircncias

106 De fato haacute uma divergecircncia de leituras entre o texto massoreacutetico e aquele samaritano no versiacuteculo 4 do capiacutetulo 27 de Deuteronocircmio Enquanto o texto massoreacutetico lecirc ל רעיב ה ב (em monte Ebal) o Pentateuco Samaritano lecirc ב ים ז ר ג ר ה (em monte Garizim) cf ELLIGER K RUDOLPH W (1967-1977) p 332 Interessante observar que nos versiacuteculos 12 e 13 deste mesmo capiacutetulo retorna a menccedilatildeo ao monte Garizim ao inveacutes de Ebal Em Dt 1129 insiste-se que a becircnccedilatildeo seraacute colocada sobre o monte Garizim e a maldiccedilatildeo sobre o monte Ebal Muitos autores consideram a leitura samaritana como a mais antiga sendo que a inserccedilatildeo de Ebal poderia refletir a polecircmica entre os judeus e os samaritanos apoacutes o exiacutelio babilocircnico 107 Presente especialmente no artigo Zentralgewalt und Lokalautonomie im Achaumlmenidenreich In FREI Peter KOCH Klaus Reichsidee und Reichsorganisation im Perserreich 2 Aufl Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag Vandenhoeck amp Ruprecht 1996 p 5-131 (Orbis biblicus et orientalis 55) A primeira ediccedilatildeo dessa obra eacute de 1984 Na verdade segundo Konrad Schmid ldquoeacute importante reconhecer que a teoria foi independentemente formulada por Erhard Blum em meados da deacutecada de 1980 embora ele tenha publicado seus resultados apenas em 1990 No entanto nem Frei nem Blum inventaram esta teoria que jaacute havia sido proposta por Eduard Meyer [1896] Hans Heinrich Schaeder Martin Noth Edda Bresciani Ulrich Kellermann Wilhelm In der Smitten e outrosrdquo (SCHMID 2007 p 24)

111

religiosas e poliacuteticas de Judaacute em Jerusaleacutem108 A proacutepria existecircncia dessa

praacutetica de ldquoautorizaccedilatildeo imperialrdquo eacute posta em duacutevida uma vez que apenas

se conseguiu descobrir ateacute o momento documentos breves e estritamente

legislativos em povos daquela regiatildeo

f) Reforccedila-se atualmente a tese de que a ediccedilatildeo da Toraacute seja mais um

desenvolvimento interno agrave comunidade de Jerusaleacutem No entanto ainda

permanecem em aberto vaacuterias questotildees Sem duacutevida ldquoum projeto tatildeo

importante reflete provavelmente as ambiccedilotildees de Jerusaleacutem apoacutes a missatildeo

de Neemias em 445 AEC a qual possivelmente procurou reabilitar a cidade

como centro econocircmico e administrativo da proviacutencia da Judeiardquo (NIHAN

ROumlMER 2009 p 182) Eacute uma revitalizaccedilatildeo apoacutes o periacuteodo traacutegico do exiacutelio

babilocircnio Nessa busca por redefinir e fundamentar a identidade de Israel

pode ter-se dado contemporaneamente a preocupaccedilatildeo em reivindicar uma

autonomia em relaccedilatildeo ao Impeacuterio Persa uma vez que ele natildeo domina mais

o Egito e seu poder e influecircncia se enfraquecem na regiatildeo no final do V

seacuteculo e iniacutecio do IV AEC

Voltemos agora ao ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)109 agrave luz desses debates e teorias que

foram se sucedendo ao longo das uacuteltimas deacutecadas Um nuacutemero cada vez maior de

autores redescobre atraacutes da redaccedilatildeo do Pentateuco a existecircncia de vaacuterias coleccedilotildees

inicialmente independentes A partir daiacute pode-se extrair as seguintes conclusotildees110

108 As principais teorias e estudos a esse respeito podem ser encontrados em duas obras principais WATTS James W (Ed) Persia and Torah The Theory of Imperial Authorization of the Pentateuch Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2001 (Symposium 17) KNOPPERS Gary N LEVINSON Bernard M (Ed) The Pentateuch as Torah New Models for Understanding Its Promulgation and Acceptance Winona Lake (IN) Eisenbrauns 2007 109 Creio ser uacutetil nesse ponto fazer uma distinccedilatildeo entre ldquociclo de Jacoacuterdquo e ldquohistoacuterias de Jacoacuterdquo pois ambas expressotildees satildeo empregadas no estudo literaacuterio Sigo aqui Germano Galvagno (2009 p 10 n 2) ldquoPor lsquociclo de Jacoacutersquo entendemos o arco narrativo que vai do nascimento de Jacoacute e Esauacute ateacute o retorno do patriarca na terra de Canaatilde Gn 2519 ndash 3529 (ao qual pode-se ainda conectar 371) [] Por lsquohistoacuterias de Jacoacutersquo ao inveacutes entendemos o amplo arco narrativo que se estende do nascimento agrave morte e sepultura do patriarca agrave morte de Joseacute (Gn 2519 ndash 5026) um arco narrativo que compreende aleacutem do supracitado ciclo tambeacutem a histoacuteria de Joseacute e as vicissitudes ligadas agrave transferecircncia de Jacoacute e do seu clatilde agrave terra do Egitordquo 110 Aqui nesse ponto sou devedor de MANYANYA 2009 p 43-44

112

a) o ciclo de Jacoacute eacute provavelmente uma dessas coleccedilotildees muito antigas cuja

primeira versatildeo pode remontar agrave eacutepoca preacute-exiacutelica

b) aleacutem do Dt o escrito ou documento sacerdotal foi o uacutenico a ter sobrevivido

ao colapso do modelo documentaacuterio claacutessico (Julius Wellhausen) por isso os autores

tendem em geral a distinguir na histoacuteria de Jacoacute os textos de origem sacerdotal e

textos de outros meios De fato ldquoos textos sacerdotais do ciclo de Jacoacute quando eles satildeo

unidos entre si podem constituir um texto coerente e independente dos textos natildeo

sacerdotaisrdquo (MANYANYA 2009 p 44)

c) Quanto agrave natureza do material natildeo sacerdotal do ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)

aquilo que na teoria documental da formaccedilatildeo do Pentateuco era identificado com o

ldquoJeovistardquo (J + E) pode ser visto hoje como vaacuterias coleccedilotildees inicialmente independentes

entre si antes de virem a ser unidas por um redator e editor posteriores Assim o ciclo

de Jacoacute seria um dos testemunhos mais provaacuteveis de uma unidade literaacuteria autocircnoma

em suas origens

Com relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo do ciclo de Jacoacute ateacute o presente momento natildeo temos um

consenso mas apenas uma convergecircncia no sentido de que o relato autocircnomo antes

de ser unido agrave histoacuteria Patriarcal teria sido produzido no Reino do Norte isto eacute Israel

por autores preacute-sacerdotais antes da anexaccedilatildeo realizada pela Assiacuteria por volta de 722-

720 AEC111

Na terceira fase da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco (anos 1970-1980)

na qual se daacute a contestaccedilatildeo da teoria documentaacuteria o ciclo de Jacoacute natildeo mereceu uma

atenccedilatildeo muito grande Destacam-se os estudos empreendidos por Eckart Otto112 o

111 Erhard Blum defende que teria sido por volta do reinado de Jeroboatildeo II (cerca de 783-743) antes de Oseacuteias um processo de composiccedilatildeo em duas etapas possivelmente sob a esfera de influecircncia do santuaacuterio de Betel (cf BLUM 2012 p 210) Vaacuterios estudiosos com algumas diferenccedilas natildeo fundamentais concordam com ele entre os quais CARR 1996 p 288-289 ROumlMER 2001 p 189-190 MACCHI 2001 p 148-152 Embora alguns enfatizaram que a anaacutelise criacutetica literaacuteria natildeo permite a reconstruccedilatildeo precisa da fase literaacuteria anterior que estava por traacutes da composiccedilatildeo do seacuteculo VIII AEC CARR 1996 p 256-271 298-300 ALBERTZ 2003 p 251-252 SCHMID 2010 p 97-117 112 Em seu artigo intitulado Jakob in Bethel Ein Beitrag zur Geschichte der Jakobuumlberlieferung Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft Berlin New York Walter de Gruyter v 88 p 165-190 1976 E em sua obra Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament [BWANT] 110)

113

qual foi o uacutenico a continuar vendo nesse ciclo de Jacoacute um fragmento isolado de um

passado distante Para outros como Bernd Joslashrg Diebner113 a finalidade do ciclo de

Jacoacute seria simplesmente convidar os judeus que ficaram no paiacutes durante o exiacutelio

babilocircnio a buscar suas esposas junto aos seus parentes da diaacutespora os uacutenicos

representantes do ldquoverdadeiro Israelrdquo Em sua tese doutoral Thomas Roumlmer114 desfere

um ataque violento agrave questatildeo da antiguidade da tradiccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Ele

demonstra que os ldquoPaisrdquo evocados frequentemente pelo Deuteronocircmio natildeo eram os

antigos patriarcas mas exclusivamente a geraccedilatildeo daqueles que haviam vivenciado a

saiacuteda do Egito a permanecircncia no deserto e a entrada na terra A conclusatildeo oacutebvia eacute que

as personagens de Gn 12ndash50 foram ldquoconvidadasrdquo ao Pentateuco no periacuteodo poacutes-exiacutelico

e que eram produto da eacutepoca persa de Israel Nessa linha tambeacutem vatildeo Martin Rose115

e John Van Seters116 os quais veratildeo o antigo Javista como um historiador poacutes-

deuteronomista do seacuteculo V AEC Uma postura um tanto diferente havia assumido

Rolf Rendtorff117 e em seguida seu aluno Erhard Blum118 Os quais natildeo negam a

possibilidade de antiguidade das tradiccedilotildees da histoacuteria das origens da histoacuteria

Patriarcal da histoacuteria de Moiseacutes do Sinai e outras mas insistem que o projeto

conceitual e literaacuterio que une essas histoacuterias eacute de dataccedilatildeo mais recente possivelmente

deuteronomista ou sacerdotal Blum chega a postular uma origem relativamente

antiga para o ciclo de Jacoacute119 Segundo ele todo o processo de criaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute

113 Essa tese eacute exposta em dois artigos em coautoria com H Schult Die Ehen der Erzvaumlter Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 8 p 2-10 1975 O segundo artigo eacute Alter und geschichtlicher Hintergund von Gn 24 Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 10 p 10-17 1975 114 Israels Vaumlter Untersuchungen zur Vaumlterthematik im Deuteronomium und in der deuteronomistischen Tradition Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag 1990 115 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 116 Prologue to History The Yahwist as Historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 117 Das uumlberlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch Berlin New York Walter de Gruyter 1976 118 Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) 119 Esse autor vecirc no ciclo de Jacoacute trecircs etapas redacionais Jakoberzaumlhlung (narrativa de Jacoacute) da eacutepoca da monarquia daviacutedico-salomocircnica incluindo Gn 2521-34 27 28 292-30 3025-43 3117-3244-53 mas sem o relato de PenielFanuel nem o segundo encontro de Jacoacute com Esauacute Sob o reinado de Jeroboatildeo I essa histoacuteria de Jacoacute teria sofrido uma reinterpretaccedilatildeo importante especialmente atingindo a narrativa da teofania de Betel (enfim com a promessa) e introduzindo um segundo encontro com Esauacute e o combate noturno em PenielFanuel Essa seria entatildeo a segunda etapa redacional denominada por Blum como Kompositionsschicht (camada de composiccedilatildeo) A terceira etapa seria aquela chamada de

114

se estenderia da era daviacutedica o reinado de Jeroboatildeo II e o final do reino do norte

Outro influente autor vai nessa linha trata-se de David M Carr (1996 p 256-271) o

qual tambeacutem vecirc uma existecircncia autocircnoma para o ciclo de Jacoacute antes dele ser unido agraves

demais tradiccedilotildees patriarcais Carr postula que esse ciclo de Jacoacute foi unido ao de Joseacute

antes de ser enriquecido de diferentes fragmentos de origem judaica para formar uma

obra literaacuteria que ele qualifica como ldquoproto-Gecircnesisrdquo120 e isso teria se dado apoacutes a

queda do Reino do Norte Esse material teria sido revisado por teoacutelogos pretensamente

proacuteximos do Deuteronomista antes do exiacutelio babilocircnio Ainda segundo Carr o proto-

Gecircnesis teria sido compilado com a fonte sacerdotal por volta do V seacuteculo AEC para

constituir uma obra integral proacutexima do Gecircnesis canocircnico atual

No entanto essa excessiva divisatildeo do ciclo em textos isolados minuacutesculos

pertencentes a diferentes eacutepocas histoacutericas natildeo deixa de ser problemaacutetica ldquoComo natildeo

ver que uma histoacuteria de fraude como Gn 27 seja inconcebiacutevel sem uma sequecircncia ou

histoacuterias de encontros como Gn 28 ou Gn 32 sejam incompreensiacuteveis sem um contexto

narrativordquo (PURY 2001 p 218)121

Na opiniatildeo desse mesmo autor (Albert de Pury) a histoacuteria de Jacoacute apresenta

uma loacutegica muito forte e incontornaacutevel a cada etapa do crescimento literaacuterio de seu

ciclo

Esta loacutegica pretende que um heroacutei excluiacutedo encontre acolhimento em um clatilde estrangeiro e consiga graccedilas aos seus talentos sua perseveranccedila e sua astuacutecia natildeo somente desposar as filhas do xeique e obter numerosos filhos mas ainda enriquecer-se e depois finalmente compelir o clatilde-matildee a reconhecer a famiacutelia novamente constituiacuteda como um clatilde autocircnomo Tudo aquilo que conteacutem o ciclo de Jacoacute os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees de tensotildees os encontros divinos a partida o ou os retornos tudo se explica por esta loacutegica onipresente Tudo isso natildeo tem necessidade de ser da mesma proveniecircncia ou

Jakobgeschichte (histoacuteria de Jacoacute) que teria integrado uma primeira versatildeo da histoacuteria de Joseacute realizando uma ligaccedilatildeo com a histoacuteria de Moiseacutes (cf PURY 2001 p 218 n 14) 120 Nas proacuteprias palavras de Carr a expressatildeo ldquoproto-Gecircnesisrdquo que ele emprega ldquodesigna o estaacutegio mais antigo no qual a histoacuteria primitiva e o material relativo a todas as trecircs figuras ancestrais foi unido em uma uacutenica narrativa De fato alguns indicadores neste material do proto-Gecircnesis sugeriria que poderiacuteamos estar lidando aqui com um lsquoproto-Pentateucorsquordquo (CARR 1996 p 177) 121 Cf tambeacutem PURY 2002 p 263-270 e The Jacob story and the beginning of the formation of the Pentateuch In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 59-72 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34)

115

da mesma eacutepoca mas tudo natildeo eacute concebido ou natildeo ocorre que a partir do destino de Jacoacute assim delineado (PURY 2001 p 219)

O ponto de partida desse autor eacute a suposiccedilatildeo de que a histoacuteria de Jacoacute deve ser

lida como uma saga de fundaccedilatildeo autocircnoma dos filhos de Jacoacute ou os filhos de Israel

Como uma lenda das origens da sociedade tribal israelita que reflete a famiacutelia clatilde e

tribos do Israel preacute-monaacuterquico Ela representa as relaccedilotildees de Israel com seus ldquoirmatildeosrdquo

vizinhos ou seja EsauacuteEdom e LabatildeoHaratilde bem como reivindicaccedilotildees territoriais de

Israel lugares de culto (Betel Siqueacutem e Peniel) e centros urbanos (Masfa Maanaim

Sucot) Esse autor ndash de Pury ndash sugeriu uma espeacutecie de estratigrafia textual para datar

a histoacuteria Ele examinou a profecia de Oseacuteias 12 (cf PURY 2001 p 227-235) e propocircs

que o profeta estava ciente da histoacuteria de Jacoacute em Gecircnesis 25ndash35 e portanto a histoacuteria

pelo menos em sua forma oral antecedeu a profecia que foi composta por escrito no

final do seacuteculo VIII AEC Ele ainda sugeriu que a histoacuteria de Jacoacute influenciou a

formaccedilatildeo da figura de Moiseacutes em Ecircxodo 2ndash4 e que o autor sacerdotal (PG)122 conhecia

a histoacuteria de Jacoacute e usou-a para formar a sua proacutepria composiccedilatildeo do iniacutecio da histoacuteria

de Israel Com base nessas evidecircncias de Pury datou a histoacuteria natildeo-sacerdotal de Jacoacute

em Gecircnesis 25ndash35 como sendo do seacuteculo VIII AEC ou um pouco mais recente antes da

anexaccedilatildeo pela Assiacuteria do Reino do Norte em 720 AEC Ele ainda lanccedilou a hipoacutetese que

a histoacuteria de Jacoacute representa a maior lenda de origem do norte israelita cujas raiacutezes

podem remontar tatildeo cedo quanto o periacuteodo preacute-monaacuterquico

De Pury identifica que o autor sacerdotal parece ter escrito por volta de 530 a

500 AEC no iniacutecio da dominaccedilatildeo persa e possivelmente no contexto da reconstruccedilatildeo

do Templo de Jerusaleacutem (520-515 AEC) De fato haacute uma certa convergecircncia em

identificar os textos sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute como sendo as seguintes

passagens123 Gn 257-1719-2026d 2634-35 2746 281-9 356a11-1315 () 3118a

359-1022d-29 36940-43 Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) natildeo seria de autoria

sacerdotal apesar de ldquodialogarrdquo com a mesma na composiccedilatildeo final da obra do

122 Esse ldquoGrdquo em sobrescrito agrave abreviaccedilatildeo para o documento sacerdotal (P) significa ldquoprimitivordquo (do alematildeo Grundschrift) essencialmente narrativo sem a incorporaccedilatildeo da parte legislativa legal 123 Cf PURY 2001 p 222-223 LOHFINK 1996 p 14 A sequecircncia dos textos eacute uma proposta de Albert de Pury

116

Pentateuco Segundo de Pury (2001 p 225) o autor sacerdotal conhece obviamente

as duas cenas do encontro divino com Jacoacute (Gn 2810-22 ndash com a promessa e Gn 3223-

33 ndash com o dom do nome de Israel)124 Ainda segundo esse autor o escrito sacerdotal

natildeo funde esses dois episoacutedios em um soacute como aparece atualmente em Gn 359-15 mas

deveria haver na redaccedilatildeo sacerdotal primitiva (PG) duas cenas Gn 356a11-15

(apariccedilatildeo divina com a promessa de descendecircncia que corresponde agrave antiga tradiccedilatildeo

de Gn 2810-22) e Gn 359-10 (apariccedilatildeo divina quando Jacoacute retorna de Padatilde-Aram com

a mudanccedila do nome de Jacoacute em Israel o que corresponderia a Gn 3223-33)

A suposiccedilatildeo de que a maior parte da histoacuteria de Jacoacute preacute-sacerdotal foi

composta no reino do norte Israel antes da conquista Assiacuteria pode ser considerada a

mais amplamente aceita na investigaccedilatildeo biacuteblica recente Alguns estudiosos localizam

essa redaccedilatildeo mais no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico como eacute o caso de Bert Dicou125 e

Harald Martin Wahl126 Mario Liverani127 abordou a histoacuteria do ciclo patriarcal em sua

forma final como uma uacutenica unidade e sugeriu que seus principais contornos situam-

se no periacuteodo poacutes-exiacutelico embora ele faccedila derivar a maior parte de suas informaccedilotildees

das tradiccedilotildees originaacuterias da terra de Israel (reino do norte) Entre os elementos poacutes-

exiacutelicos nessas histoacuterias Liverani destaca as relaccedilotildees dos patriarcas com os vizinhos

de Israel (em particular os edomitas arameus e aacuterabes) a terra que estaacute vazia de reinos

locais a proibiccedilatildeo do casamento com os cananeus locais e o casamento com primos

que viviam na Alta Mesopotacircmia que deve ser lida agrave luz da situaccedilatildeo poacutes-exiacutelica da

relaccedilatildeo entre os retornados e os remanescentes na terra

124 Mais que isso segundo este estudioso o ldquoautor sacerdotal por volta de 520 [AEC] conhece o ciclo de Jacoacute praticamente em sua configuraccedilatildeo atual Certamente isso natildeo significa que P conhecesse a histoacuteria de Jacoacute jaacute unida agravequela de Abraatildeo ou servindo jaacute de proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes [] mas natildeo haacute duacutevida que na sua arquitetura interna senatildeo em todos os seus detalhes a histoacuteria de Jacoacute tinha jaacute a forma que noacutes conhecemos em Gn 25 ndash35rdquo (PURY 2001 p 225-226) 125 Edom Israelrsquos Brother and Antagonist The Role of Edom in Biblical Prophecy and Story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 126 Die Jakobserzaumlhlungen Studien zu ihrer muumlndlichen Uumlberlieferung Vorschriftung und Historizitaumlt Berlin New York Walter de Gruyter 1997 127 Israelrsquos History and the History of Israel London Oakville Equinox Publishing 2005

117

Em estudos mais recentes contudo tecircm surgido alguns problemas em relaccedilatildeo

a essas propostas de contextualizaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Basicamente podemos destacar

dois em especial128

a) Falta uma explicaccedilatildeo razoaacutevel a respeito da aacutecida inimizade que vaacuterios

autores identificam entre JacoacuteIsrael e EsauacuteEdom e para o temor de Israel

em relaccedilatildeo ao poder de EsauacuteEdom Isso se assumirmos que a histoacuteria de

Jacoacute tenha sido escrita no Reino de Israel (do Norte)129 Eacute de se observar que

durante o periacuteodo monaacuterquico o Reino de Israel era muito mais forte que

aquele de Edom e este em nenhum momento poderia ter sido uma ameaccedila

a Israel Mesmo porque os dois reinos localizavam-se em regiotildees

geograacuteficas remotas o que dificultaria relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e

culturais tais como aquelas refletidas na histoacuteria de Jacoacute Portanto datar os

episoacutedios de Esauacute e Jacoacute na eacutepoca da monarquia israelita do norte contrasta

com a realidade dos seacuteculos X ao VIII AEC

b) Tendo em conta a origem local dos habitantes de Israel e de Judaacute e as

contiacutenuas relaccedilotildees hostis com os arameus em mente ldquonenhuma explicaccedilatildeo

foi oferecida para os supostos viacutenculos familiares de proximidade entre a

famiacutelia Patriarcal e um grupo de arameus que viviam na Alta Mesopotacircmiardquo

(NArsquoAMAN 2014 p 98) ou para a busca de noivas arameias para Isaac e

Jacob nesta regiatildeo Historiadores e arqueoacutelogos concordam nos dias atuais

que os grupos populacionais da Era do Ferro I-IIA (dos seacuteculos XII ao IX

128 Aqui fundamento-me em NArsquoAMAN 2014 p 98 129 Vaacuterios estudiosos jaacute sugeriram que a identificaccedilatildeo de Esauacute e monte Seir com Edom eacute secundaacuteria e que originalmente Esauacute era uma figura independente natildeo relacionada a Edom Entre os que assim pensam temos MAAG V Jacob-Esau-Edom In Theologische Zeitschrift Basel Theologischen Fakultaumlt der Universitaumlt Basel v 13 p 418-429 1957 BARTLETT JR The land of Seir and the brotherhood of Edom In Journal of Theological Studies Oxford (UK) Oxford University Press v XX n 1 p 1-20 Apr 1969 BARTLETT JR Edom and the Edomites Sheffield Sheffield Academic Press 1989 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 77) p 175-180 RAD Gerhard von El libro del Genesis Trad Santiago Romero Salamanca Siacutegueme 1977 (Biblioteca de Estudios Biblicos 18) NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 94-98 192-193 OTTO Eckart Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Berlin Koumlln Mainz Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 110) p 24-40 DICOU Bert Edom Israels Brother and Antagonist The role of Edom in biblical prophecy and story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 169) p 137-154 SKA 2001 p 11-21

118

AEC aproximadamente) que se estabeleceram nas terras altas de Canaatilde e

mais tarde fundaram os reinos de Israel e Judaacute viviam anteriormente seja

na Terra de Canaatilde como proacuteximos agraves suas fronteiras Outra informaccedilatildeo

importante eacute que o arameus eram inimigos de Israel ao longo da histoacuteria do

Reino do Norte como aparece indicado nos relatos do livro de Reis na

inscriccedilatildeo de Tel Dan e na profecia de Amoacutes

Aleacutem desses dois aspectos histoacuterico-culturais deve-se levar em consideraccedilatildeo

que outros detalhes na histoacuteria de Jacoacute preacute-Sacerdotal refletem uma dataccedilatildeo exiacutelica ou

poacutes-exiacutelica Portanto natildeo se encaixam na suposiccedilatildeo largamente aceita de uma obra

israelita do norte composta antes da conquista assiacuteria de 720 AEC Nessa tentativa de

dataccedilatildeo (seacutec VIII AEC) os estudiosos sugeriram que todos esses elementos elencados

anteriormente natildeo eram originais agrave histoacuteria de Jacoacute Alguns desses dados considerados

secundaacuterios no entanto satildeo muito reveladores Vejamos130

a) A histoacuteria preacute-Sacerdotal de Jacoacute comeccedila e termina em regiotildees sem nenhuma

relaccedilatildeo com o Reino do Norte No princiacutepio da histoacuteria a famiacutelia de Jacoacute

reside em Bersabeia (heb Buumlacuteeumlr šaumlordmba`) bem distante da fronteira sul do Reino

do Norte (Gn 262333) O ciclo de Jacoacute termina com o sepultamento de

Raquel proacuteximo a EacutefrataBeleacutem (Gn 3519) novamente em territoacuterio de

Judaacute Para superar essas dificuldades Bersabeia foi omitida do ciclo original

de Jacoacute Beleacutem em Gn 3519 foi considerada uma glosa e o tuacutemulo de Raquel

foi identificado na fronteira norte de Benjamin proacuteximo agrave fronteira

meridional do Reino de Israel131

b) Uma vez que o conceito de Doze tribos (Gn 2931ndash3024 3516-18) eacute estranho

agrave realidade do Reino do Norte os defensores de uma redaccedilatildeo preacute-

dominaccedilatildeo assiacuteria para o ciclo de Jacoacute considerou essa unidade como sendo

de origem independente que foi secundariamente unida a esse contexto132

130 Aqui novamente sou devedor da siacutentese de NArsquoAMAN 2014 p 99 131 Apoiam essa teoria BLUM Erhard Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) p 207-208 CARR 1996 p 260-261 132 Defendem essa proposta NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 99-100 BLUM Erhard Op cit p 110-111 169-171 VAN SETERS John Prologue to History The Yahwist as historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 p 278 CARR 1996 p 263

119

c) A localidade de Haratilde (em acaacutedio iumlarrānu) tornar-se-aacute proeminente apoacutes os

uacuteltimos anos do impeacuterio assiacuterio em particular sob o impeacuterio neobabilocircnico

Portanto do final do seacuteculo VIII ao VI AEC No entanto ela aparece em

destaque no ciclo de Jacoacute Haratilde eacute mencionada trecircs vezes para indicar a

localizaccedilatildeo da famiacutelia de Labatildeo (Gn 2743 2810 294) A localizaccedilatildeo da

famiacutelia atraveacutes do ldquoriordquo (ou seja o Eufrates) eacute explicitamente observada em

Gn 3121 A fim de superar tais incongruecircncias estudiosos sugeriram que

essas localidades ndash Haratilde e o Eufrates ndash satildeo fruto de inserccedilotildees tardias obra

de um compilador133

d) Outro elemento estranho ao periacuteodo da monarquia de Israel (Reino do

Norte) eacute a forma de ldquopromessasrdquo Uma tese aceita pela maior parte dos

especialistas admite que as promessas aos ancestrais de Israel surgiram

primeiramente em uma eacutepoca em que a existecircncia de Israel estava muito

ameaccedilada provavelmente no periacuteodo exiacutelico134 Ademais as promessas

feitas a Jacoacute estatildeo estreitamente ligadas agravequelas realizadas a Abraatildeo e

algumas promessas feitas a Abraatildeo foram cumpridas durante o ciclo de Jacoacute

Novamente alguns estudiosos procuram minimizar esse dado afirmando

que as promessas satildeo elementos secundaacuterios no ciclo original de Jacoacute135

e) Finalmente haacute o caso das ldquodivindadesrdquo ou ldquopoderes celestiaisrdquo136 de

Abraatildeo Nacor e Isaac mencionados no episoacutedio do encontro de Jacoacute e Labatildeo

proacuteximo a Masfa (Gn 314253) o que parece indicar que o autor estava

familiarizado com suas histoacuterias Em consequecircncia tambeacutem essas passagens

satildeo consideradas secundaacuterias em relaccedilatildeo ao ciclo original de Jacoacute

133 Tese de BLUM Erhard Op cit p 164-167 134 Quem primeiramente fez essa constataccedilatildeo foi Jacob Hotijzer em sua obra Die Verheissungen an die drei Erzvaumlter publicada em 1956 pela Brill de Leiden na Holanda 135 Eacute o caso de EMERTON John Adney The origin of the promises to the Patriarchs in the older sources of the book of Genesis In Vetus Testamentum Leiden Brill v 32 fasc 1 p 14-32 Jan 1982 BLUM Erhard Op cit p 152-164 297-301 VAN SETERS John Op cit p 298-300 ALBERTZ Rainer Israel in exile The history and literature of the sixth century BCE Trad David Green Atlanta (GE) Society of Biblical Literature 2003 (Studies in Biblical Literature) p 246-251 SCHMID 2010 p 97-101 136 A Biacuteblia de Jerusaleacutem traduz essa divindade como o ldquoParenterdquo de Isaac pode ser traduzido tambeacutem por ldquoo TemorTerror de Isaacrdquo

120

Apoacutes fornecer um amplo quadro de informaccedilotildees arqueoloacutegicas histoacutericas e

literaacuterias Nadav Narsquoaman (cf 2014 p 100-116) chega agraves seguintes conclusotildees a

respeito da dataccedilatildeo da composiccedilatildeo preacute-Sacerdotal das histoacuterias de Jacoacute

(1) A influecircncia das obras literaacuterias babilocircnicas na formaccedilatildeo dos dois episoacutedios centrais da histoacuteria de Jacoacute137 aponta para um periacuteodo no qual o Impeacuterio Babilocircnico governava a terra de Israel

(2) Versotildees mais recentes de vaacuterias obras literaacuterias do norte-israelitas e judaicas estavam disponiacuteveis ao autor

(3) Natildeo existiam reinos na vasta aacuterea entre Bersabeia e Masfa e todos os territoacuterios dos antigos reinos de Israel e Judaacute satildeo apresentados como uma entidade poliacutetica Esta realidade reflete o tempo apoacutes a anexaccedilatildeo babilocircnica de todos os reinos na regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo VI AEC

(4) Haratilde o principal centro urbano da Alta Mesopotacircmia no final dos seacuteculos VIII-VI eacute apresentada como um local-chave no ciclo histoacuterico patriarcal

(5) Referecircncias expliacutecitas a Jerusaleacutem estatildeo faltando na descriccedilatildeo o que indica que a cidade foi colocada em ruiacutenas no momento da composiccedilatildeo ndash ou seja depois de 586 AEC

(6) A grave ameaccedila dos edomitas (Esauacute) sobre Israel (Jacoacute) indica que a histoacuteria de Jacoacute foi escrita depois da queda do Reino de Judaacute numa eacutepoca em que os edomitas comeccedilaram a se expandir para o norte e ameaccedilaram os habitantes do Negueb da Sefelaacute as terras altas de Hebron

(7) As promessas de prole e de terra e as becircnccedilatildeos refletem o periacuteodo exiacutelico quando a mera existecircncia dos que permaneceram na terra estava em perigo

(8) As esperanccedilas de retorno dos deportados assiacuterios e babilocircnios refletem o periacuteodo exiacutelico apoacutes as deportaccedilotildees de judeus para a Babilocircnia em 598 e 5876

Esta evidecircncia esclarece que a histoacuteria Patriarcal preacute-sacerdotal foi escrita pouco depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e da anexaccedilatildeo babilocircnica de Judaacute e dos reinos da Transjordacircnia Uma data em meados do seacuteculo VI um pouco antes da ascensatildeo do impeacuterio persa se encaixa bem todas as evidecircncias disponiacuteveis (NArsquoAMAN 2014 p 116-117)

Enfim a autoria dessas histoacuterias patriarcais poderia ser identificada como tendo

as seguintes caracteriacutesticas138

a) Local de redaccedilatildeo na regiatildeo de Betel que desde o tempo de Josias foi incluiacuteda

no Reino de Judaacute fazendo fronteira com a proviacutencia assiacuteria e babilocircnica de

Samaria Isso eacute perceptiacutevel pelo fato dos relatos patriarcais manifestarem

uma familiaridade com os lugares do sul de Judaacute e regiotildees vizinhas ao sul e

com as tradiccedilotildees orais de Judaacute De outro lado percebe-se tambeacutem uma

137 Segundo o autor seriam as periacutecopes de Gn 2810-22 (o sonho em Betel) e Gn 3223-33 (a luta com o ser divino e a mudanccedila de nome) 138 Cf NArsquoAMAN 2014 p 117-119

121

familiaridade com os centros urbanos norte-israelitas e suas memoacuterias

culturais Por isso a sua obra conteacutem elementos das histoacuterias orais de ambas

as regiotildees (Judaacute e Israel) bem como de obras literaacuterias a elas pertencentes

Por isso ldquodescreveu em detalhes as lendas de fundaccedilatildeo dos dois principais

templos de Judaacute (Jerusaleacutem) e Israel (Betel) enfatizando a santidade de sua

proacutepria cidaderdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

b) Finalidade dessa produccedilatildeo literaacuteria a histoacuteria Patriarcal portanto veio ao

encontro da necessidade de criar-se uma cultura comum entre as vaacuterias

tribos e povos que se encontravam naquela regiatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-

exiacutelico A base dessa cultura era ldquoo conceito da unidade autoacutectone do povo

de Israelrdquo o qual ldquotornou-se o conceito ideoloacutegico central para a elite e os

escribas das duas comunidades [Israel e Judaacute]rdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

Essa criaccedilatildeo literaacuteria foi um passo decisivo nos esforccedilos para constituir uma

histoacuteria e uma identidade comuns para as duas comunidades que

permaneceram na terra Esse ciclo histoacuterico Patriarcal apresenta uma

inovaccedilatildeo ao conceber seja os trecircs ancestrais (Abratildeo Isaac e Jacoacute) do povo

como as Doze Tribos como uma corporificaccedilatildeo da origem segregada de

Israel

c) Formaccedilatildeo dessa literatura essa histoacuteria Patriarcal nela incluiacutedo o ciclo de

Jacoacute eacute uma narrativa baseada em tradiccedilotildees orais cujo ldquoescopo e detalhe natildeo

podem ser estabelecidos o que o autor aumentou consultando algumas

fontes escritas e adicionando vaacuterios elementos literaacuterios e ideoloacutegicos de sua

proacutepria imaginaccedilatildeo criativardquo (NArsquoAMAN 2014 p 119) Algumas dessas

tradiccedilotildees incluiacutedas nos relatos patriarcais eram provavelmente memoacuterias

culturais genuiacutenas de Israel e Judaacute mas traccedilar uma clara linha divisoacuteria entre

as tradiccedilotildees orais suas elaboraccedilotildees literaacuterias e as tradiccedilotildees inventadas do

narrador eacute impossiacutevel

d) Sitz im Leben da histoacuteria Patriarcal o ciclo de Jacoacute-Esauacute reflete a anguacutestia de

Judaacute como resultado da expansatildeo de Edom no sul por um lado e a

esperanccedila de reconciliaccedilatildeo e retorno ao status quo anterior por outro O fato

de Bersabeia aparecer como local-sede dos Patriarcas que anteriormente

122

marcava o limite sul de Judaacute com Edom e provavelmente foi destruiacuteda no

momento em que o ciclo de histoacuteria foi composto reflete a esperanccedila de

retorno agraves fronteiras existentes no glorioso periacuteodo monaacuterquico dos dois

reinos

e) Gecircnero literaacuterio seguindo uma proposta de ROumlMER (cf 2012 p 69-71) as

duas primeiras partes da BH (Toraacute e Nebiim) podem ser interpretadas como

ldquoliteratura de criserdquo como respostas diferentes agrave perda da independecircncia

poliacutetica e da monarquia apoacutes 587 AEC (queda de Jerusaleacutem capital do Reino

de Judaacute) Contudo a resposta que a histoacuteria Patriarcal fornece eacute diferente

daquela redigida pelos escribas da diaacutespora babilocircnica que enfatizam mais

a terra de Israel como ldquoTerra Vaziardquo e representam a comunidade dos

deportados constituiacuteda em sua maioria por pessoas da corte e integrantes

das camadas mais abastadas (cf ROumlMER 2012 p 71) como sendo o

ldquoverdadeirordquo Israel A perspectiva do nosso autor eacute diversa indo mais na

linha daquilo que encontramos no profeta Ezequiel (3324) ldquoos habitantes

daquelas ruiacutenas na terra de Israelrdquo A crise eacute vista por esse gecircnero de

literatura em uma triacuteplice perspectiva como ocasiatildeo para preparar algo de

novo em uma visatildeo mais utoacutepica oportunidade para retornar agraves origens

aos fundamentos da accedilatildeo divina e por uacuteltimo como momento para se

analisar o que aconteceu buscando compreender melhor as razotildees os

motivos dos problemas vividos139

f) Destinataacuterios a obra destinava-se a um puacuteblico composto pela elite e pela

comunidade mais ampla do ldquoNovo Israelrdquo ou seja os habitantes dos antigos

reinos de Israel e Judaacute O ciclo histoacuterico dos Patriarcas aiacute incluiacutedo aquele de

139 Cf ROumlMER 2012 p 70 Esse autor se inspira na teoria socioloacutegica de Armin Steil (Krisensemantik Wissenssoziologische Untersuchungen zu einem Topos moderner Zeiterfahrung Oplanden Leske amp Buderich 1993) que analisando as mudanccedilas socioeconocircmicas e ideoloacutegicas que conduziram agrave Revoluccedilatildeo Francesa constatou que a semacircntica da crise comportava a elaboraccedilatildeo de diferentes modelos ideoloacutegicos como reaccedilatildeo ao colapso do Antigo Regime Steil identifica trecircs atitudes caracterizadas por nomes da tradiccedilatildeo religiosa o profeta (escatoloacutegico-utoacutepico) que enxerga na crise a oportunidade para mudanccedilas para o ldquonovordquo o sacerdote (miacutetico-ciacuteclico) que vecirc na crise a ocasiatildeo para retornar agraves origens agraves instituiccedilotildees fundadas pela accedilatildeo divina e o mandarim (remoto explicativo) que visualiza na crise a necessidade de uma anaacutelise explicativa para a sua ocorrecircncia Segundo Roumlmer esse modelo pode ser aplicado na anaacutelise da literatura biacuteblica especialmente da Toraacute e Nebiim (profetas)

123

Jacoacute representou um importante passo para criar um sentido de unidade

entre os devotos de YHWH que permaneceram na terra

Obviamente esta teoria defendida por NArsquoMAN natildeo eacute aceita por todos os

pesquisadores bem como natildeo estaacute livre de questionamentos Uma vez que os textos

que compotildeem o ciclo de Jacoacute como eacute o nosso caso apresentarem provaacuteveis

diversidades de origem e finalidade Como jaacute vimos haacute uma justaposiccedilatildeo de materiais

sacerdotais e natildeo-sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute Sem falar que muitos autores

natildeo conseguem ver no territoacuterio de Israel durante o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

grupos que pudessem produzir um material como este que estamos analisando

Contudo natildeo podemos esquecer que grupos profeacuteticos seguiram presentes na suposta

ldquoTerra Vaziardquo do Israel do periacuteodo exiacutelico Eacute o caso de Ezequiel como jaacute foi

mencionado

Portanto tendemos a aceitar como muito provaacutevel a proposta de NArsquoAMAN

devido ao seu forte embasamento histoacuterico arqueoloacutegico e literaacuterio sendo capaz de

explicar muitas divergecircncias e dificuldades que o texto apresenta sem ter de recorrer

frequentemente a justificativas do tipo satildeo textos acrescentados tardios satildeo glosas

introduzidas por copistas satildeo textos secundaacuterios ao conjunto da histoacuteria do texto e

assim por diante

Nesse sentido o estudo de SWEENEY (2016 p 236-255) confronta aquele que

jaacute apresentamos de NArsquoMAN (2014) Uma vez que para NArsquoAMAN a redaccedilatildeo do ciclo

de Jacoacute se daacute durante e logo apoacutes o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico voltado para os que

ficaram na terra de Israel e que necessitam ter forccedilas e esperanccedilas para poder voltar a

ser uma naccedilatildeo As frequentes e importantes referecircncias a localidades no antigo Reino

do Norte (Israel) que para SWEENEY seria uma indicaccedilatildeo de que a narrativa do ciclo

de Jacoacute eacute realizada a partir dessa perspectiva para NArsquoAMAN eacute somente uma forma

do autor unir tradiccedilotildees do norte e do sul para dar um caraacuteter unificado agraves origens do

povo para que esse somasse forccedilas na reconstruccedilatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico

Portanto o debate permanece em aberto uma vez que os mesmos textos e os mesmos

fatos histoacutericos podem motivar interpretaccedilotildees e dataccedilotildees bem diferentes para o

periacuteodo de redaccedilatildeo final do ciclo de Jacoacute

124

Para nosso escopo o mais importante no momento eacute compreendermos a

estruturaccedilatildeo do texto e analisarmos aquilo que ela potildee em evidecircncia

5 Delimitaccedilatildeo e estrutura

O nosso texto (Gn 3223-33) eacute cuidadosamente inserido no contexto do retorno

de Jacoacute para a terra de Israel e o seu reencontro com Esauacute seu irmatildeo Haacute uma

sequecircncia geograacutefica em princiacutepio muito loacutegica a amparar a narrativa140

a) Jacoacute separa-se de Labatildeo seu tio em Galaad (Gn 31)

b) depois Jacoacute passa por Maanaim (Gn 321-3)

c) atravessa o rio Jaboc141 proacuteximo de Fanuel (3223-33)

d) desce no sentido do rio alcanccedilando Sucot (Gn 3317) e

e) chega finalmente a Siqueacutem na regiatildeo montanhosa central da Palestina (Gn

3317-20)

O autor inclui durante esse itineraacuterio as diversas etapas do reencontro de Jacoacute

com Esauacute o irmatildeo que ele enganara para obter a becircnccedilatildeo da primogenitura

a) Jacoacute envia mensageiros ao encontro de seu irmatildeo os quis retornam com

notiacutecias nada boas (Gn 323-6)

b) na busca de evitar o pior Jacoacute divide suas posses em vaacuterios rebanhos e envia

a Esauacute generosos presentes (Gn 27-813-22)

c) quando verifica o avanccedilo de seu irmatildeo com os homens dele divide suas

mulheres e seu filhos para poupaacute-los de algo ruim (Gn 3223-25)

d) em seguida vai ao encontro de Esauacute passando adiante de todos (Gn 331-3)

e) Agora finalmente acontece a reconciliaccedilatildeo (Gn 334-16)

A uniatildeo dos elementos geograacuteficos com a narrativa acaba formando uma

estrutura quiaacutestica interessante onde a cena de abertura e de encerramento trazem

algo de manifestaccedilatildeo transcendente bem como a cena central

Vejamos142

140 Acompanho aqui DIETRICH 2001 p 202-203 141 Eacute consenso que este rio seja o atual Nahr ez-Zerkauml (Rio Azul) em aacuterabe cujo curso intermediaacuterio separa

Gebel `Aglun de el-Belkauml e que flui para o Jordatildeo cerca de 32 km ao norte do Mar Morto (cf SKINNER

1994 p 408) 142 Vaacuterios estudiosos apoiam a grosso modo esse esquema quiaacutestico entre eles WENHAM 1994 p 287 e DIETRICH 2001 p 203

125

A 321-3 Os anjos de Deus em Maanaim

B 323-813-22 Preparaccedilatildeo para encontrar Esauacute143

C 3223-33 Luta com ldquoum homemrdquo (anjo) em Fanuel

Brsquo 331-16 Reconciliaccedilatildeo com Esauacute

Arsquo 331718-20 Culto a El (Deus) em Siqueacutem

Os elementos transcendentais na abertura (Gn 322) em Maanaim satildeo os ldquoanjos

de Deusrdquo (malacuteaacutekecirc acuteeacuteloumlhicircm) e no encerramento (Gn 3320) em Siqueacutem eacute o fato de Jacoacute

erguer um altar que chamou ldquoEl Deus de Israelrdquo (acuteeumll acuteeacuteloumlhecirc yiSraumlacuteeumll) Recordando que

natildeo deve ser mero acaso que o nome ldquoIsraelrdquo reapareccedila pela primeira vez aqui apoacutes a

periacutecope do Jaboc (Gn 322933)

Eacute de se observar tambeacutem que toda essa composiccedilatildeo acima identificada em

forma quiaacutestica foi cuidadosamente rejuntada Citemos somente um exemplo

impressionante em Gn 3231 Jacoacute explica o nome Fanuel dizendo que ldquoviu a face de

Deusrdquo Antes na preparaccedilatildeo para encontrar o irmatildeo (Gn 3221) Jacoacute tinha expressado

a esperanccedila de ldquover a facerdquo (acuteeracuteegrave paumlnaumlyw) de Esauacute e de que este ldquolevantaraacute sua facerdquo

(yiSSaumlacute paumlnaumly) como um gesto de aceitaccedilatildeo e acolhimento Essa mesma expressatildeo

reaparece em Gn 3310 quando Jacoacute diz que ldquoviu a face [de Esauacute] como se visse a face

de Deusrdquo (raumlacuteicircordmticirc paumlnEcircordmkauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm)

Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) encontra-se no centro da subunidade

do ciclo de Jacoacute que trata do retorno deste agrave terra onde nascera e fora educado bem

como o reencontro com seu irmatildeo rival

Outro aspecto a se observar e que natildeo deve se constituir em um acaso narrativo

satildeo as duas cenas que formam como que ldquodobradiccedilasrdquo para articular dois momentos

decisivos na vida de Jacoacute a personagem central Antes de Jacoacute encontrar-se com a

famiacutelia de sua matildee na pessoa de seu tio Labatildeo ele tem a experiecircncia de uma

manifestaccedilatildeo divina em formato de sonho quando estaacute em Betel (Gn 2810-22) A

segunda cena eacute justamente a nossa periacutecope (Gn 3223-33) que se passa em Fanuel agraves

143 A oraccedilatildeo de Jacoacute em Gn 329-12 trecho que extraiacutemos do esquema acima eacute claramente uma inserccedilatildeo posterior tendo relaccedilatildeo com Gn 313 que eacute tambeacutem um acreacutescimo tardio (cf DIETRICH 2001 p 203 n 23)

126

margens do Jaboc a qual antecede o importante e tenso reencontro de Jacoacute com seu

irmatildeo Esauacute E as semelhanccedilas natildeo param aqui Vejamos

a) Ambas as cenas parecem originar-se de lendas locais ou de santuaacuterio natildeo

tendo portanto uma ligaccedilatildeo nem com o material da tradiccedilatildeo de Jacoacute-Labatildeo

nem com aquele de Jacoacute-Esauacute

b) Ambas descrevem um encontro com Deus ou divindade

c) Nos dois casos esse encontro ocorre em noite cerrada de modo a

permanecer um veacuteu sobre o acontecimento

d) Em ambos os casos Jacoacute fica profundamente comovido pelo encontro

e) Nas duas cenas fica claro que Deus quer o bem de Jacoacute e isso em ocasiotildees

tensas e decisivas da vida da personagem em Betel quando eacute um foragido

solitaacuterio e sem meios em Fanuel quando ele estaacute a ponto de pisar o chatildeo de

sua terra natal novamente como homem rico e pai de famiacutelia mas em

profunda anguacutestia em relaccedilatildeo agrave reaccedilatildeo de seu irmatildeo

f) Ambas as vezes pesa sobre Jacoacute a sombra de Esauacute seu irmatildeo Contudo na

primeira vez (Betel) Deus concede-lhe consolo e encorajamento na segunda

vez (Fanuel) ele o lanccedila em perigo e tentaccedilatildeo Percebe-se uma mudanccedila

ldquoEnquanto parecia na primeira vez perdoar sua fuga para longe do irmatildeo

levando a becircnccedilatildeo fraudada na segunda vez ele o obriga a uma luta honesta

pela becircnccedilatildeo e a uma volta humilde para junto do irmatildeordquo (DIETRICH 2001

p 205)

A delimitaccedilatildeo de Gn 3223-33 em relaccedilatildeo ao seu contexto narrativo mais amplo

pode levar em conta inicialmente a sintonia das indicaccedilotildees temporais espaciais e

verbal entre os versiacuteculos 23 e 32144 ldquonaquela noiterdquo ldquoe nasceu-lhe o solrdquo ldquovau do

144 Eacute amplamente aceito entre os especialistas desde Hermann Gunkel (GUNKEL 1997 p 351) que o versiacuteculo 33 eacute um acreacutescimo para justificar um haacutebito alimentar dos judeus Uma indicaccedilatildeo disso seria

a expressatildeo buumlnecirc-yiSraumlacuteeumll ldquoos filhos de Israelrdquo a existecircncia do povo de Israel eacute pressuposta Sem falar

que a proibiccedilatildeo de comer Gicircd hannaumlšegrave (ldquoo nervo do quadrilrdquo = nervus ischiadicus) eacute uma combinaccedilatildeo que

ocorre somente aqui em toda a BH WESTERMANN (1985 p 520) tenta compreender esse versiacuteculo ldquoA razatildeo dada para a proibiccedilatildeo que natildeo ocorre em outras partes do Antigo Testamento eacute difiacutecil a proibiccedilatildeo diz respeito a uma parte do corpo de um animal enquanto que o fato que lhe deu origem dizia respeito a uma pessoa A explicaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que esta parte do corpo estava sujeita a tabu porque era considerada como pertencente agrave aacuterea reprodutivardquo Uma explicaccedilatildeo do motivo dessa proibiccedilatildeo estar colocada em nossa periacutecope seria ldquodevido a uma forma particular de abordagem midraacuteshica que floresceu no periacuteodo rabiacutenico pela qual regulamentos extrapentateucais satildeo

127

Jabocrdquo ldquoFanuelrdquo O verbo predominante ldquopassarrdquo (`aumlbar + et) Portanto os versiacuteculos

23 e 32 devem ser considerados afirmaccedilotildees correspondentes que simultaneamente

amarram a abertura da periacutecope (cf o uso caracteriacutestico de wayyaumlordmqom - v 23) e o fim

que conteacutem uma oraccedilatildeo nominal com particiacutepio no v 32b

A sequecircncia com a periacutecope anterior eacute estabelecida pelo indicador temporal

ldquonaquela noiterdquo (v 22 e 23) Ballaordmylacirc hucircacute Haacute uma ausecircncia de artigo no v 23 mas isso

natildeo afeta o resultado Outro elemento comum eacute o verbo rb[ (passar atravessar) que se

encontra em ambos versiacuteculos Haacute tambeacutem uma correspondecircncia formal e funcional

entre as afirmaccedilotildees dos vv 22 e 32 (cf WEIMAR 1989a p 55 n 9) O mesmo natildeo

encontramos que conecte o final de nossa periacutecope com a seguinte (Gn 331-17) Uma

vez que a afirmaccedilatildeo do v 331a ldquoe Jacoacute levantou seus olhos e viurdquo (wayyiSSaumlacute ya`aacuteqoumlb

`ecircnaumlyw wayyaracute) remete formalmente e tematicamente ao versiacuteculo 22

Desse modo pode-se identificar em Gn 3223-32[33] uma unidade cecircnica mas

natildeo uma unidade independente de todo o contexto do ciclo de Jacoacute Ela se constitui

em uma sequecircncia narrativa fechada mas natildeo pode ser uma tradiccedilatildeo individual

independente do restante como alguns estudiosos pensaram (cf WEIMAR 1989a p

56) Eacute evidente a posiccedilatildeo singular que o episoacutedio da luta de Jacoacute possui no interior das

narrativas do encontro dele com seu irmatildeo Mas essa particularidade eacute intencional no

sentido de que natildeo se trata de uma periacutecope independente que foi posta de modo um

tanto externo ao contexto maior mas uma periacutecope com a intenccedilatildeo de agudizar

teologicamente o encontro dos dois irmatildeos Isso se tornaraacute mais claro nas anaacutelises

presentes no proacuteximo capiacutetulo

A unidade interna da periacutecope foi colocada em questatildeo por diversos fatores

entre eles contradiccedilotildees e duplicaccedilotildees

a) no v 23b Jacoacute passa sozinho pelo vau do Jaboc enquanto que nos vv 2425a

sua famiacutelia e seus bens satildeo atravessados por ele que fica para traacutes sozinho

b) Outro aspecto se percebe nos vv 26-27 que oferecem uma descriccedilatildeo

excitante da luta o tempo eacute curto principalmente para o adversaacuterio de Jacoacute

e a uacutenica coisa possiacutevel eacute forccedilaacute-lo a dar uma becircnccedilatildeo nos vv 28-30a no

midrashicamente derivados de uma passagem biacuteblica e como tendo sido em algum periacuteodo anexado ao texto biacuteblico

128

entanto o tempo eacute suficiente para um diaacutelogo bastante longo sobre um tema

supostamente abstrato como se chamam os dois que estatildeo lutando como

Jacoacute deve se chamar futuramente e como entender essa atribuiccedilatildeo do novo

nome

c) Haacute uma dupla solicitaccedilatildeo pelo nome uma da parte do ldquohomemrdquo que luta

com Jacoacute (v 28) outra da parte de Jacoacute que deseja saber o nome de seu

oponente (v 30)

d) A aurora eacute mencionada por trecircs vezes vv 25 27 e 32

e) No v 31 Jacoacute que ainda natildeo eacute chamado pelo novo nome daacute a entender que

ele acaba de passar por uma ameaccedila agrave sua vida mas no v 29 seu adversaacuterio

jaacute lhe havia asseverado que ele prevaleceria contra ele

Por isso muitos autores propotildeem vaacuterios estratos redacionais para justificar

essas e outras incongruecircncias da narrativa145 No entanto para o nosso escopo eacute

melhor tomarmos o texto como nos aparece em seu estado final na BH Aquilo que nos

interessaraacute eacute a finalidade do texto produzido Nesse sentido ateacute as redundacircncias

repeticcedilotildees e aparentes duplicidades podem servir para homogeneizar o texto a

clarificaacute-lo e ateacute mesmo a assegurar a transmissatildeo de sua mensagem146

O estilo ambiacuteguo que o redator imprime a essa periacutecope (Gn 3223-33) eacute

proposital a fim de deixar o leitor em estado de expectativa tal como se achava Jacoacute

previamente ao encontro com Esauacute Ateacute mesmo a dupla interrogaccedilatildeo sobre o nome (v

30) pertence agrave arte narrativa que ldquoque reuacutene dois interlocutores que alternadamente

questionam e satildeo questionadosrdquo (MARTIN-ACHARD 1971 p 48)

As aliteraccedilotildees e paronomaacutesias ajudam a criar uma unidade natildeo somente

temaacutetica mas estiliacutestica e esteacutetica Natildeo podemos jamais nos esquecer que os textos

biacuteblicos natildeo foram compostos para serem lidos individualmente a partir de um livro

mas para serem ouvidos em assembleias como era o costume na eacutepoca Como jaacute dizia

um dos pioneiros na anaacutelise dos textos da BH agrave luz da arte literaacuteria Luis Alonso-

145 No entanto natildeo vale a pena nos determos sobre as vaacuterias teorias que jaacute surgiram tentando traccedilar uma histoacuteria da redaccedilatildeo desta nossa periacutecope porque os resultados natildeo satildeo promissores nem determinantes Haacute dezenas de divisotildees e teorias que afirmam encontrar no texto duas trecircs e ateacute nove camadas redacionais Quem desejar uma visatildeo sinteacutetica dessas vaacuterias tentativas pode consultar ELLIGER 1951 p 6 especialmente a n 10 Aliaacutes esse artigo eacute ainda de 1951 () 146 Cf BARTHES 1971 p 30

129

Schoumlkel ao se referir agrave linguagem biacuteblica ldquoa linguagem eacute primariamente falada a

palavra eacute primariamente sonorardquo (1986 p 231) Por isso haacute sempre muito cuidado e

preocupaccedilatildeo com a sonoridade do texto

A narraccedilatildeo inicia-se com uma seacuterie de assonacircncias onde se misturam as

consoantes guturais bw e kq (vv 23-27) e a finalidade eacute unir o heroacutei da histoacuteria Jacoacute

com o lugar (Jaboc) e com o acontecimento que ali se produz ou seja a luta Para

expressar a luta o autor emprega um verbo muito raro somente utilizado aqui em

toda a BH mas que combina com a sequecircncia de assonacircncias qba (v 25 que significa

ldquorolar no poacuterdquo) Desse modo trecircs vocaacutebulos satildeo fundamentais nessa assonacircncia qba

qby e bq[y Vejamos esse fenocircmeno no proacuteprio texto para melhor compreendermos o

seu efeito Apresentamos jaacute transliterado para realccedilar o efeito sonoro o texto hebraico

estaacute no iniacutecio deste capiacutetulo

Aumentamos o tamanho das letras e das palavras que ajudam a formar as

assonacircncias e paronomaacutesias

3223 wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw wuumlacuteet-

acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw wayya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq

3224 wayyiqqaumlHeumlm wayya`aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal wayya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc

3225 wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

3226 wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb

Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

3227 wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

O v 31 mais ao final da periacutecope completa essa lista de paronomaacutesias

wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

waTTinnaumlceumll napšicirc

Natildeo podemos esquecer de um verbo que jaacute foi mencionado a pouco mas que

perpassa todo o capiacutetulo 32 do qual faz parte a nossa periacutecope Trata-se do verbo rb[

(atravessar) que ocorre nos versiacuteculos 11 17 22 23 24 32 conferir tambeacutem 33314

Somos levados a concordar com BLUM (2012 p 188-189) que obviamente ldquoo

autor tinha alguma ambiccedilatildeo de formar sua narrativa de uma forma mais complexa e

130

artiacutestica que desafia e ao mesmo tempo guia o leitor a revelar seus significados

ocultosrdquo e ele faz uso de uma expressatildeo cara a Erich Auerbach para denominar esse

tipo de teacutecnica die Hintergruumlndlichkeit147

Complementando essa visatildeo de conjunto da estrutura de nossa periacutecope natildeo

podemos negligenciar a anaacutelise realizada por BARTHES (1971 p 27-39) na qual ele

identifica ao menos trecircs sequecircncias narrativas nessa estrutura E nos trecircs casos ele

observa que a linha condutora eacute a passagem a mutaccedilatildeo a travessia do lugar da

linhagem parental do nome e do rito alimentar Vejamos as trecircs sequecircncias148

I) levantar-se reunir passar ----------------------------------------- v 23 23 23

II) reunir fazer passar ficar soacute --------------------------------------------- v 24 24 25

Lutar Impotecircncia Golpe (Ineficiecircncia) Negociaccedilatildeo (durativo) de A149 decisivo ------------------------------------------------------------------------------- v 25 26 26 27 _____________________ Pedido Rega- Aceita- de A teio ccedilatildeo ------------------------------ v 27 27 30

I) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta Efeito de Deus a Jacoacute de Jacoacute Mutaccedilatildeo -------------------------------------------------- v 28 28 29

147 A qual podemos tentar traduzir como sutileza meticulosidade A obra aqui em questatildeo eacute Mimesis Dargestellte Wirklichkeit in der abendlaumlndischen Literatur Bern Francke 1946 (p 5-27) Auerbach faz uma famosa comparaccedilatildeo entre a Odisseia de Homero (Livro 19) com Gn 22 148 Cf BARTHES 1971 p 30-35 149 ldquoArdquo seria abreviaccedilatildeo de anjo

131

II) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta (Efeito de Jacoacute a Deus indireta Decisatildeo) -------------------------------------------------- v 30 30 ( )

(31) Para BARTHES (1971 p 35) esta uacuteltima sequecircncia constitui a parte central de

toda a cena de Gn 3223-33 a qual consiste em um diaacutelogo no qual novos nomes satildeo

dados Com ele observa muito bem ldquoA mutaccedilatildeo diz respeito a nomes mas na

verdade eacute todo o episoacutedio que funciona como a criaccedilatildeo de uma marca muacuteltipla no corpo

de Jacoacute no status dos Irmatildeos no nome de Jacoacute em nome do lugar na dietardquo

(BARTHES 1971 p 35)

Essa estruturaccedilatildeo vislumbrada por BARTHES deixa claro que ldquotudo no registro

conduz agrave concessatildeo do nome lsquoIsraelrsquo a doaccedilatildeo do nome lsquoFanuelrsquo reflete o significado

de todo o encontro como foi compreendido por Jacoacute [v 31]rdquo (ROSS 1985 p 342) Toda

a cena eacute montada para evidenciar duas nomeaccedilotildees primeiramente Deus nomina Jacoacute

ldquoIsraelrdquo (v 29) em seguida Israel nomina o lugar ldquoFanuelrdquo (v 31) Tudo forma um

equilibrado conjunto narrativo ldquoa resposta direta de Jacoacute ao seu atacante [v 28]

conduz a ser nominado lsquoIsraelrsquo mas a resposta indireta do atacante [v 30] leva Jacoacute a

nominar o lugar lsquoFanuelrsquo pois ele compreendeu que era Deus que lutava (lsquoIsraelrsquo) com

ele face a face (lsquoFanuelrsquo)rdquo (ROSS 1985 p 342-343) Assim um nome eacute dado por Deus

a Jacoacute e outro nome eacute dado por Jacoacute em submissatildeo a Deus

Mutaccedilatildeo Penuel

132

CAPIacuteTULO 4

Mudar de nome para quecirc

1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia

Olhando mais atentamente para Gn 3223-33 e mesmo para o ciclo de Jacoacute

como um todo logo percebemos que haacute semelhanccedilas com outros textos e personagens

o que pode nos ajudar a melhor compreender a nossa periacutecope

Uma primeira semelhanccedila observamos entre a histoacuteria da juventude de Moiseacutes

e a saga de Jacoacute150 Entre os elementos comuns percebe-se

a) Assim como Jacoacute Moiseacutes comete uma transgressatildeo e por isso deve fugir para

fora de sua terra natal (cf Ex 211-15 e Gn 271-45)

b) Como ocorreu com Jacoacute eacute proacuteximo a um poccedilo no deserto que Moiseacutes

encontra as jovens que lhe iratildeo conduzir ateacute seu pai (Ex 216-20 e Gn 291-

12)

c) O fugitivo seraacute acolhido na famiacutelia desse pai do qual ele natildeo tardaraacute a tornar-

se genro (Ex 221 e Gn 2913-30)

d) Um ou vaacuterios filhos nascem dessas uniotildees (Ex 222 e Gn 2931ndash3024)

e) Chega o momento do retorno agrave terra natal e esta decisatildeo seja em decorrecircncia

de um apelo direto de Deus (Ex 31-10 e Gn 31313) seja motivada por uma

vontade pessoal (Gn 3025-26) pelos ciuacutemes dos irmatildeos (Gn 311-2) ou pela

deliberaccedilatildeo entre o heroacutei e suas mulheres (Gn 314-10) ela representa uma

reviravolta na histoacuteria da personagem

f) Esse retorno de ambos Moiseacutes e Jacoacute seraacute repleto de obstaacuteculos No caso de

Jacoacute haveraacute a oposiccedilatildeo do sogro (Gn 3035-42 317-44) os iacutedolos domeacutesticos

furtados (Gn 3130-42) a ameaccedila de Esauacute (Gn 324-22 331-17) a agressatildeo

noturna por um adversaacuterio divino (Gn 3223-33) finalmente o conflito com

os moradores de Siqueacutem (Gn 34) Quanto a Moiseacutes haacute as cinco objeccedilotildees ao

150 Quem por primeiro apercebeu-se dessas semelhanccedilas foi HENDEL 1988

133

chamado de Deus (Ex 31113 411013) e novamente uma agressatildeo

noturna no curso da qual YHWH buscava fazecirc-lo morrer (Ex 424-26)

Distanciando-nos um pouco da juventude de Moiseacutes podemos notar uma outra

semelhanccedila interessante entre as duas personagens Jacoacute e Moiseacutes Referi-me ao fato

de somente ambos terem tido um contato face a face com Deus O que marca uma

relaccedilatildeo iacutentima inusual na BH na qual o ser humano jamais pode ter esse contato direto

com o ser divino Narrar esse contato eacute um modo dos autores realccedilarem a importacircncia

direta das personagens para a histoacuterica do povo de Israel Em Gn 3231 Jacoacute estaacute

surpreso de ter sobrevivido ao encontro que havia apenas tido porque raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm

Paumlnicircm el-Paumlnicircm Em Ecircxodo em duas ocasiotildees esse contato iacutentimo com Deus eacute realccedilado

pelo autor em relaccedilatildeo a Moiseacutes Primeiramente em Ex 1920 se diz claramente

ldquoYHWH desceu sobre a montanha do Sinai no cima da montanha IHWH chamou

Moiseacutes para o cimo da montanha e Moiseacutes subiurdquo O texto logo a seguir faz questatildeo

de deixar claro que este contato direto com YHWH eacute uma prerrogativa apenas de

Moiseacutes (Aaratildeo somente nesta ocasiatildeo subiraacute junto com Moiseacutes) ldquoYHWH disse a

Moiseacutes lsquoDesce e adverte o povo que natildeo ultrapasse os limites para vir ver YHWH

para muitos deles natildeo pereceremrsquordquo (Ex 1921) Essa advertecircncia eacute repetida ainda em

relaccedilatildeo aos sacerdotes em geral e novamente ao povo (Ex 1922-24) Em outra ocasiatildeo

Ex 2412-18 Moiseacutes eacute convocado novamente agrave montanha e laacute permanece quarenta dias

e quarenta noites diante da gloacuteria de YHWH que ldquopousou sobre o monte Sinairdquo

(wayyišKoumln Kuumlbocircd-yhwh(acuteaumldoumlnaumly) `al-har Ex 2416a) Em vaacuterias outras ocasiotildees Moiseacutes

subiraacute agrave montanha para falar com YHWH em uma delas o narrador deixa claro o

contato iacutentimo da personagem com a divindade ldquoQuando Moiseacutes desceu da

montanha do Sinai trazendo nas matildeos as duas taacutebuas do Testemunho sim quando

desceu da montanha natildeo sabia que a pele de seu rosto resplandecia porque havia

falado com elerdquo (Ex 3429)151 Para terminar um texto que natildeo eacute de Ecircxodo portanto

pertencente a outra tradiccedilatildeo e autoria reafirma de modo inequiacutevoco essa relaccedilatildeo

preferencial de Deus com Moiseacutes wuumllouml| -qaumlm naumlbicircacute `ocircd BuumlyiSraumlacuteeumll Kuumlmoumlšegrave acuteaacutešer yuumldauml`ocirc

151 O texto em hebraico eacute wayuumlhicirc Buumlreordmdet moumlšegrave meumlhar sicircnay ucircšuumlnecirc lugraveHoumlt hauml|`eumldugravet Buumlyad-moumlšegrave BuumlridTocirc min-

haumlhaumlr ucircmoumlšegrave louml|acute-yaumlda` Kicirc qaumlran `ocircr Paumlnaumlyw BuumldaBBuumlrocirc acuteiTTocirc (destaco em negrito a parte que deixa claro o

contato direto e o diaacutelogo com YHWH)

134

yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm (ldquoE em Israel nunca mais surgiu um profeta como

Moiseacutes ndash a quem YHWH conhecida face a facerdquo grifo nosso Dt 3410) Nisso reside

uma outra semelhanccedila com Jacoacute Ele tambeacutem aleacutem de Moiseacutes esteve com Deus no

caso natildeo seria YHWH mas El face a face ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi

salvardquo - Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc (Gn 3231) Portanto

estabelece-se uma igualdade de dignidade entre duas personagens bem diferentes na

histoacuteria de Israel

Para PURY (2002 p 235-236) eacute o ciclo de Jacoacute que influenciou aquele de Moiseacutes

uma vez que ele identifica por detraacutes desses dois relatos a oposiccedilatildeo entre os defensores

de um Israel mosaico um partido mais profeacutetico e os defensores do velho Israel

jacobiano Essa rivalidade acabou pendendo mais para o lado mosaico atraveacutes da

literatura deuteronocircmica e deuteronomista Sendo que o Deutero-Isaiacuteas e o autor

sacerdotal tentaratildeo uma tiacutemida reconciliaccedilatildeo entre as duas tradiccedilotildees

Retornando ao aspecto que interessa mais de perto ao nosso estudo haacute ao

menos duas diferenccedilas fundamentais entre as lendas de Moiseacutes e aquela de Jacoacute

a) O casamento de Moiseacutes com uma das filhas de Jetro natildeo tem uma funccedilatildeo

maior no contexto narrativo eacute um ponto cego por assim dizer pois natildeo eacute

determinante para a missatildeo que ele teraacute a seguir Tanto que apoacutes a idolatria

do bezerro de ouro no deserto durante a jornada para a terra prometida

Deus propotildee a Moiseacutes eliminar todo aquele povo infiel e fazecirc-lo Patriarca de

uma naccedilatildeo nova Sendo que Moiseacutes se indigna contra a proposta e a recusa

(cf Ex 3210) Enquanto que os matrimocircnios de Jacoacute com as filhas de Labatildeo

estatildeo no centro do dispositivo narrativo de sua lenda uma vez que Jacoacute

supostamente eacute destinado a tornar-se o pai das tribos de Israel A genealogia

conta para Jacoacute eacute a sua mediaccedilatildeo Sendo que para Moiseacutes a sua mediaccedilatildeo

para com Israel se daraacute pela palavra profeacutetica e sua vocaccedilatildeo

b) Outro motivo cego na histoacuteria de Moiseacutes eacute a agressatildeo noturna relatada em

Ex 424-26 uma vez que natildeo traz consequecircncias para a trama do heroacutei Por

sua vez o episoacutedio correspondente em Jacoacute (Gn 3223-33) desempenha um

papel absolutamente central

135

Aqui eacute o momento de nos determos mais nessa questatildeo de um ser divino agredir

um ser humano Vejamos os aspectos em comum encontrados nas cenas de Moiseacutes e

Jacoacute sendo agredidos pelo ser divino152

a) Nos dois casos eacute o agressor sobrenatural que toma a iniciativa (Gn 3225 Ex

424)

b) O enfrentamento ocorre agrave noite e trata-se explicitamente de uma luta de

vida ou morte Em Ex 424 eacute dito com toda clareza ldquoYHWH veio ao seu

encontro e procurava fazecirc-lo morrerrdquo Na cena de Jacoacute isso eacute bem impliacutecito

na observaccedilatildeo de Gn 3231 ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi salvardquo

c) Natildeo obstante o poder superior de seu adversaacuterio o heroacutei sai vencedor ou

ao menos vivo do combate No entanto a sua sobrevivecircncia dependeu de

um estratagema ou astuacutecia Jacoacute encontra o ponto vulneraacutevel de seu

adversaacuterio (Gn 3226a) e a mulher de Moiseacutes circuncida o seu filho e passa o

prepuacutecio ldquonos peacutesrdquo de Moiseacutes aqui podendo entender-se no oacutergatildeo genital

do mesmo

d) A luta marca o parceiro humano do agressor divino com uma marca fiacutesica

Jacoacute passa a manquejar de uma coxa porque seu nervo foi deslocado (Gn 32

26b32) e em Ex 4 25 eacute o filho de Moiseacutes que se encontra circuncidado

e) O relato eacute concluiacutedo apresentando uma mudanccedila de status dos heroacuteis Jacoacute

tem o seu nome alterado para Israel (Gn 3229) e Moiseacutes recebe um novo

tiacutetulo ldquoesposo de sanguerdquo (Ex 42526)

Algo que chama ainda mais a nossa atenccedilatildeo eacute o lugar o momento no qual esse

combate ocorre no desenrolar das histoacuterias de Jacoacute e Moiseacutes A agressatildeo divina

acontece justamente na hora em que o heroacutei estaacute para concluir a sua missatildeo a sua

busca Jacoacute jaacute havia fugido casado enriquecido conseguido se separar de seu

possessivo e interesseiro sogro e estava prestes a enfrentar seu irmatildeo Moiseacutes apoacutes o

episoacutedio e chamado junto agrave sarccedila ardente no deserto no qual recebe sua missatildeo estaacute

prestes a enfrentar o Faraoacute Portanto tudo eacute colocado em causa tudo estaacute a ponto de

se perder caso tivesse havido sucesso no ataque divino Contudo felizmente tudo

acaba bem apoacutes o confronto noturno se daacute o reencontro com o irmatildeo rival (Esauacute no

152 Acompanho aqui a anaacutelise de PURY 1995 p 53

136

caso de Jacoacute e Aaratildeo no caso de Moiseacutes) Desse modo ldquoas animosidades intimamente

temidas datildeo lugar como que por magia a reencontros felizes e efusivosrdquo (PURY 1995

p 54)

A mentalidade religiosa predominante na eacutepoca seria incapaz de admitir que

YHWH pudesse ter agredido Jacoacute e Moiseacutes sem que os mesmos tivessem cometido

faltas graves que justificassem uma correccedilatildeopuniccedilatildeo A relaccedilatildeo de YHWH com seu

povo uma vez que ele era o deus nacional o deus protetor do povo era de

reciprocidade isto eacute se o povo se mantivesse fiel receberia becircnccedilatildeos na forma de

prosperidade e paz se o povo fosso infiel adorando outros deuses ou praticando atos

por ele proibidos entatildeo o castigo viria inescapavelmente Basta ler os livros profeacuteticos

o Deuteronocircmio a Obra Historiograacutefica Deuteronomista (Js Jz 1 e 2 Sm e 1 e 2Rs) para

se dar conta dessa maneira pela qual se pautava a vida religiosa especialmente nos

periacuteodo poacutes-exiacutelico (seacutec VI AEC em diante) Eacute sempre o pecado a falta que justifica e

atrai qualquer gesto mais contundente de Deus Entatildeo como justificar a atitude divina

nos casos de Jacoacute e Moiseacutes153 Afinal a agressatildeo se daacute segundo a narrativa sem

nenhum motivo alegado ou proposto de maneira expliacutecita ou impliacutecita Vaacuterios

estudiosos e comentaristas se puseram a trabalho para identificar que ambos

mereceram tal ato divino devido suas faltas passadas Moiseacutes por natildeo ter circuncidado

antes o seu filho e quem sabe por ter relutado tanto em aceitar o chamado e missatildeo

da parte de Deus Jacoacute devido agraves suas vaacuterias falcatruas realizadas seja no periacuteodo em

que vivia na casa de seus pais como depois na presenccedila de seu sogro Labatildeo154

Em Os 124 o combate eacute atribuiacutedo ao caraacuteter agressivo intreacutepido do Patriarca

ldquoem sua forccedila viril ele lutou com Elohicircmrdquo

Essa criacutetica profeacutetica a Jacoacute encontra eco em um texto tardio que foi incluiacutedo

posteriormente ao ciclo desta nossa personagem Trata-se de uma oraccedilatildeo em Gn 3210-

13 onde foi colocado na boca de Jacoacute ldquoeu sou indigno [qaumldaggeroumlnTicirc] de todos os favores e

de toda a bondade que tiveste para com teu servordquo (v 11) Esta eacute a primeira e uacuteltima

153 Natildeo podemos nos esquecer tambeacutem de outro texto biacuteblico complicado (Gn 22) onde Deus ordena a Abraatildeo que sacrifique o seu filho pequeno Isaac portanto inocente sem culpa que justificasse tamanha violecircncia 154 No caso de Jacoacute cito somente uma opiniatildeo das mais importantes (ELLIGER 1951) que vecirc nesse episoacutedio da luta uma forma de YHWH corrigir Jacoacute antes que este se beneficiasse das graccedilas divinas

137

vez que Jacoacute confessa a sua indignidade perante Deus Portanto estaria justificada a

agressatildeo sofrida Aliaacutes para o leitor moderno a linguagem usada para se falar sobre

Deus e para Deus frequentemente choca na BH Agraves vezes Israel pode retratar Deus

como algueacutem que diz ldquoEu formo a luz e crio as trevas asseguro o bem-estar e crio a desgraccedila

sim eu IHWH faccedilo tudo issordquo (Is 457 ndash BJ) ou ainda ldquoSou eu que mato e faccedilo viver sou eu

que firo e torno a curarrdquo (Dt 3239b ndash BJ) Pode-se acrescentar a esses textos alguns dos

salmos de lamentaccedilatildeo nos quais o salmista suplica a Deus para que interceda em seu

nome porque acredita-se Deus permitiu que coisas dolorosas acontecessem a ele sem

uma boa causa (p ex Sl 17 26 e o proacuteprio livro de Joacute) Outras passagens biacuteblicas satildeo

ainda mais diretas em seu discurso elas descrevem Deus como algueacutem que ataca Israel

sem motivo razoaacutevel (p ex Sl 89 Is 5212ndash5313) Isso tudo se compreende porque a

BH natildeo usa uma linguagem cuidadosa e sofisticada como aquela da filosofia ou da

teologia dogmaacutetica somente para ficarmos nesses dois exemplos ela simplesmente

reflete como as coisas se apresentam em um mundo que eacute supostamente governado

por YHWH Portanto segundo essa mentalidade nada pode ocorrer sob os ceacuteus (o

bem e o mal) que natildeo seja fruto das accedilotildees de YHWH Interessante constatar que ldquona

literatura judaica preacute-cristatilde e na literatura cristatilde a figura de Satanaacutes (o diabo) torna-se

responsaacutevel por lsquoeventos obscurosrsquo no mundo mas os escritores israelitas em sua

maioria natildeo sabem nada de tal figura e portanto dirigem-se a Deus (ver no entanto

1Cr 211 cf 1Sm 241)rdquo (HOLMGREN 1990 p 16)

Natildeo obstante essas tentativas piedosas ou criacuteticas permanece o fato de que natildeo

haacute absolutamente na narrativa justificativas que motivassem a agressatildeo

Devemos buscar em outro lugar a explicaccedilatildeo A questatildeo da identidade do ser

que lutou com Jacoacute assume um papel fundamental no relato de Gn 3223-33 Tanto que

o Patriarca busca conhecer o nome daquele adversaacuterio misterioso que acaba de lhe

conceder um novo nome ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo no entanto recebe como

resposta uma outra indagaccedilatildeo ldquoPor que perguntas pelo meu nomerdquo (v 30) Poreacutem a

posteriori o heroacutei parece reconhecer o seu agressor e saber seu nome quando diz ldquoeu

vi Deus face a facerdquo (Gn 3231) Em todo caso permanece o misteacuterio quem eacute o deus

agressor El ou Elohicircn ou ainda um elohicircm Essa incerteza somente se resolve em Gn

3320 quando Jacoacute-Israel ao chegar ao objetivo de sua viagem e tendo superado todos

138

os obstaacuteculos proclama em Siqueacutem ldquoEl eacute o Deus [elohicircm] de Israel [o Patriarca]rdquo Na

opiniatildeo de PURY (1995 p 60-61) isso reflete uma tradiccedilatildeo anterior agrave sacerdotal e

deuteronomista que viam somente em YHWH o deus uacutenico e verdadeiro de Israel

desconsiderando o fato de que a veneraccedilatildeo a El continuou entre os arameus e os

israelitas e judeus das regiotildees marginais (o interior mais rural e vilarejos) ateacute a eacutepoca

persa155 Eacute bom lembrarmos que antes de YHWH e da tradiccedilatildeo do ecircxodo o que

predominava em Israel e Judaacute tinha sido El e a tradiccedilatildeo de Jacoacute

Afinal a lenda de origem em que se constitui o ciclo de Jacoacute natildeo percebe Deus

como aquele ser hostil da retribuiccedilatildeo a puniccedilatildeo o castigo eacute a resposta aos que erram

Tanto que em todos os demais textos da BH fica clara a motivaccedilatildeo da puniccedilatildeo e a

identidade do autor divino Aqui o agressor natildeo eacute chamado pelo nome YHWH e natildeo

eacute um democircnio hostil voltaremos a este tema mais adiante mas eacute ldquoDeusrdquo no sentido

mais pleno do termo (cf PURY 1995 p 62) De propoacutesito o autor deixa Deus aparecer

nesta narrativa como um Deus absconditus (Deus escondido oculto) natildeo o

identificando com o deus nacional de Israel YHWH Aliaacutes essa dualidade entre o

Deus escondido de caraacuteter universal natildeo particular de um soacute povo e o Deus revelado

que eacute o Deus de Israel aparece natildeo somente aqui mas em uma passagem de autoria

sacerdotal como eacute o caso de Ex 63 ldquoApareci a Abraatildeo a Isaac e a Jacoacute como El Shaddai

mas meu nome YHWH [o Senhor] natildeo lhes fiz conhecerrdquo Portanto nas origens El e

natildeo YHWH era o Deus de Israel assim como se depreende de Gn 3320156

Portanto Jacoacute antes de se tornar Israel ele se origina da famiacutelia universal

Retomemos um pouco soacute a questatildeo da identidade do ser transcendental que

lutou com Jacoacute agraves margens do Jaboc

2 Aspectos internos agrave periacutecope

Primeiramente eacute bom desfazer qualquer impressatildeo de que Gn 3223-33 se trata

de uma narrativa fundamentada em uma lenda autocircnoma de alguma personagem que

enfrentou um ser demoniacuteaco ao atravessar um rio ou fronteira Aleacutem dos indiacutecios de

155 Quem demonstrou isso atraveacutes da anaacutelise do Sl 20 que remonta ao modelo aramaico no qual a oraccedilatildeo se dirigia a El e natildeo a YHWH foi KOTTSIEPER 1988 p 217-244 156 Haacute outros textos em que isso fica claro como Os 121b5a e Dt 328-9 onde YHWH parece ateacute mesmo subordinado a El uma vez que eacute ele que recebe seu povo Israel em partilha

139

unidade cecircnica que apresentamos no capiacutetulo anterior deve-se acrescentar o fato de

que essa periacutecope possui um iniacutecio extremamente brusco e um final que deixa aberta

a meta do movimento iniciado algo natildeo comum em narrativas autocircnomas em que o

desfecho eacute mais tranquilizador Sem seu contexto ela natildeo teria condiccedilotildees de funcionar

e isso fica claro porque se amputaacutessemos Gn 3223-33 natildeo teriacuteamos nenhuma

transiccedilatildeo de Gn 32 para 33 Isso porque a cena eacute necessaacuteria para servir de mediaccedilatildeo

entre as medidas de precauccedilatildeo de Jacoacute (Gn 32) e o encontro dos dois irmatildeos em Gn 33

Assim sendo aquilo que eacute proferido como esperanccedila em Gn 3221b (ldquoCom efeito dizia

ele [Jacoacute] para si mesmo lsquoEu o aplacarei com o presente que me antecede em seguida

me apresentarei a ele e talvez me conceda graccedilarsquordquo) mostra-se realizado em Gn 334

Para ser uma lenda individual que justificasse p ex o nome Fanuel ldquoa cena

conteacutem demasiados temas e objetivos narrativos luta e becircnccedilatildeo aparecem vinculados

com as etiologias do nome lsquoIsraelrsquo do local Fanuel e de um costume alimentar israelitardquo

(KOumlCKERT 2003 p 168)

O agressor eacute denominado de acuteicircš (sem artigo portanto um homem) que alguns

estudiosos insistem em ser um ser divino diferentemente de Deus ou um democircnio157

pode ser considerado como o proacuteprio Deus ou um mensageiro dele (malacuteak) Haacute vaacuterias

outras passagens biacuteblicas em que isso se daacute e a personagem misteriosa termina por ser

identificada com o proacuteprio Deus nesse sentido a cena de Gn 181-15 eacute claacutessica158 Sem

falar que o fato desse ldquohomemrdquo natildeo querer revelar seu nome natildeo eacute um indiacutecio de que

seria um ser maligno ou algo parecido Na proacutepria BH encontramos uma cena parecida

em que claramente um anjo de YHWH nega a revelaccedilatildeo de seu nome como

contrapergunta em relaccedilatildeo a uma solicitaccedilatildeo semelhante agravequela feita por Jacoacute Eacute o caso

do pai de Sansatildeo que recebe a visita de um ldquohomem de Deusrdquo (acuteicircš haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 138)

que eacute chamado pelo narrador de ldquoAnjo de Deusrdquo (malacuteak haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 139) mas que

se nega a revelar seu nome quando indagado por Manueacute pai de Sansatildeo ldquoManueacute disse

157 Esse eacute o caso de WESTERMANN (1985 p 516-517) DIETRICH (2001 p 200) soacute para ficarmos em dois exemplos Eles pensam que o agressor poderia se tratar de uma democircnio fluvial que assaltava os viajantes a fim de impedi-los de atravessar o rio O fato dele natildeo gostar do sol do dia seria um indiacutecio confirmativo dessa tese na opiniatildeo dos autores 158 Essa temaacutetica eacute extensamente e profundamente explorada por HAMORI 2008 e HAMORI 2010 p 161-183 A autora faz paralelos com outras culturas antigas vizinhas a Israel bem como com o cristianismo Ainda no interior desse tema a personagem que luta com Jacoacute eacute interessante consultar SCHWARTZ 1998 p 33-48 TASCHNER 1998 p 367-380 MILLER 1973 GRANOT 2012 p 125-127

140

entatildeo ao Anjo de YHWH lsquoQual eacute o teu nome para que assim que se cumprir a tua

palavra possamos prestar-te homenagemrsquo O Anjo de YHWH lhe respondeu lsquoPor que

perguntas meu nome Ele eacute maravilhosorsquordquo (Jz 1317-18 a pergunta em hebraico eacute

laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc) Essa contrapergunta eacute idecircntica agravequela que o ldquohomemrdquo faz a

Jacoacute Sem falar que eacute muito complicado explicar o motivo que levaria Jacoacute a solicitar

uma becircnccedilatildeo justamente a um ser demoniacuteaco Alguns autores que adotaram essa

explicaccedilatildeo tentam justificar-se dizendo tratar-se de uma periacutecope constituiacuteda por

vaacuterias camadas redacionais e fontes No entanto isso natildeo passaria desapercebido pelo

redator final obviamente

Na interpretaccedilatildeo rabiacutenica diversas propostas surgiram a esse respeito

Maimocircnides p ex pensa que essa cena seja uma visatildeo natildeo um fato Uma visatildeo de

tipo profeacutetica mas ele natildeo explorou melhor essa sua intuiccedilatildeo deixando em aberto qual

seria a possiacutevel mensagem de tal visatildeo profeacutetica159

No Midrash Rabbah Rabi Huna vecirc nesse ldquohomemrdquo um pastor que chega agraves

margens do rio Jaboc com a mesma intenccedilatildeo de Jacoacute atravessaacute-lo com sua famiacutelia e

seus pertences Inclusive ele permite que Jacoacute atravesse a vau do rio antes dele

Contudo quando Jacoacute retorna para ver se natildeo havia esquecido algo haacute um confronto

uma luta com aquele homem

O homem apareceu sob a aparecircncia de um arquibandido com ovelhas e camelos semelhantes aos de Jacoacute Disse a Jacoacute Levas minhas coisas e eu transportarei as tuas Depois que o anjo tinha levado as coisas de Jacoacute num abrir e fechar de olhos Jacoacute comeccedilou a levar as coisas do outro Mas ele sempre achava mais coisas para levar embora continuasse a noite toda Pensou Jacoacute isto eacute simplesmente bruxaria Rabi Pinhas disse Ele entatildeo pegou um velo de latilde e o amarrou ao pescoccedilo do outro homem (como para estrangulaacute-lo) dizendo Vocecirc natildeo sabe que os feiticcedilos maacutegicos satildeo inuacuteteis agrave noite Rabi Huna disse O anjo finalmente pensou Vou deixar Jacoacute saber com que tipo de homem ele estaacute lutando Ele portanto colocou o dedo no chatildeo e a terra comeccedilou a produzir espuma de fogo Disse Jacoacute Vocecirc realmente espera me assustar dessa maneira Natildeo sou inteiramente feito de fogo como se diz A casa de Jacoacute seraacute um fogo (Abdias 18)160

159 Cf BLUMENTHAL 2010 p 120 160 MIDRASH RABBAH 1939 77 As traduccedilotildees que se seguem neste capiacutetulo das obras rabiacutenicas satildeo sempre baseadas nas traduccedilotildees inglesas disponiacuteveis

141

Percebe-se a presenccedila de um anjo mas a luta eacute com um outro ser humano Na

sequecircncia Rabi Hama ben Hanina diz ldquoO homem era o anjo guardiatildeo de Esauacuterdquo tido

como um anjo do mal Segundo o mesmo rabino Jacoacute o intimidou quando disse ldquoVisto

que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Deus e ficaste satisfeito comigo (Gn

3310)rdquo161 Nesse caso o confronto anjo de Esauacute versus Jacoacute jaacute seria uma antecipaccedilatildeo

do encontro com irmatildeo Sendo assim uma luta substituta talvez na compreensatildeo

desse rabino Mas os inteacuterpretes desse texto enxergam nessa interpretaccedilatildeo a

substituiccedilatildeo da figura de Esauacute por Roma Assim sendo o confronto de Jacoacute se daacute

contra o potente Impeacuterio Romano representado pelo ldquoanjo de Esauacuterdquo (cf HAYWARD

2005 p 14) Mais tarde esse ldquoanjo de Esauacuterdquo eacute identificado com Sammael que em

princiacutepio era o grande priacutencipe do ceacuteu (tinha 12 asas enquanto os serafins tinham

somente seis) poreacutem rebelou-se contra o Onipotente (cf LOS CAPIacuteTULOS DE RABBIacute

ELIEZER PIRQEcirc RABBIcirc acuteELIcirc`EZER 1984 132 p 120) O Targum Neofiti Gn 3225162

denomina esse anjo como sendo Sariel que eacute um anagrama de Israel Enquanto

Targum Pseudo-Jonathan Gn 3225 chama a este anjo de Miguel (SAacuteIZ 2004 p 212)

No entanto certos rabinos enxergavam nesse anjo um enviado de Deus para

realizar uma boa tarefa em relaccedilatildeo a Jacoacute ldquoQuando o Santo abenccediloado eacute Ele viu que

Jacoacute tinha medo de Esauacute ele enviou o anjo Miguel para lutar com ele Michael

apareceu a Jacob sob a aparecircncia de um pastor como afirma o textordquo163

Outro aspecto que vale ressaltar eacute que tanto o Targum Neofiti quanto o Pseudo-

Jonathan apresentam como justificativa para a renomeaccedilatildeo de Jacoacute em Israel o seguinte

fato ldquopretendestes superioridade com os anjos [de diante] do Senhor e com os homens

e pudestesrdquo (SAacuteIZ 2004 p 213) A expressatildeo ldquode dianterdquo encontra-se somente no

Targum Neofiti

Permanecendo ainda no Midrash haacute uma passagem em que se discute sobre

quem teria vencido ldquoRabi Berekiah disse Natildeo sabermos se venceu o anjo ou Jacoacute

161 MIDRASH RABBAH 1939 77 162 SAacuteIZ 2004 p 212 163 Tan Y Vayyishlah 7 apud KASHER 1959 p 151

142

daquilo que estaacute escrito Lutou um homem com ele quem se cobriu de poacute164 O homem

que estava com elerdquo (MIDRASH RABBAH 1939)

Enfim poderiacuteamos prosseguir mencionando outros exemplos de interpretaccedilatildeo

rabiacutenica a respeito da personagem que luta com Jacoacute mas a maioria vai nessa linha de

reconhecer no agressor seja um ser humano ou um anjo um enviado de Deus A

finalidade desse anjo segundo um certo consenso entre os rabinos seria dar a Jacoacute

coragem e fazecirc-lo pensar depois ldquoSe eu tiver sido capaz de vencer o anjo eu natildeo

preciso ter medo de ser capaz de vencer Esauacute se necessaacuteriordquo (KASHER 1959 p 150-

151)

Olhando o contexto de Gecircnesis podemos perceber que natildeo eacute o primeiro caso

de uma teofania com ldquoaparentes seres humanosrdquo aquilo que se convenciona

denominar de ldquoacuteicircš teofaniardquo165

3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute

Interessante logo de iniacutecio notar que o relato da mudanccedila de nome de Jacoacute natildeo

aparece tatildeo proeminente nas fontes rabiacutenicas claacutessicas como seria de se esperar Talvez

isso possa ser compreensiacutevel pelo fato desses escritos refletirem mais as preocupaccedilotildees

dos rabinos em situar Israel sua cultura e religiatildeo em uma eacutepoca de dominaccedilatildeo

romana no Ocidente e no Oriente juntamente com o domiacutenio da Peacutersia mais a leste

A Mishnaacute e a Toseftaacute dirigiratildeo sua preocupaccedilatildeo mais para a compreensatildeo e

consequecircncias do ferimento que Jacoacute sofreu no tendatildeo de sua coxa (cf Gn 322633) O

que eacute compreensiacutevel uma vez que essas obras reuacutenem tratados legais voltados para

dar suporte agrave praacutetica cotidiana do judeu religioso

Um fato no entanto chamou a atenccedilatildeo dos Saacutebios rabiacutenicos Jacoacute natildeo foi o uacutenico

na Biacuteblia a receber um novo nome mas por que depois que seu nome foi mudado para

Israel ele ainda era mencionado e tratado como Jacoacute

Eacute digno de nota que apoacutes a nossa periacutecope (Gn 3223-33) o nome ldquoJacoacuterdquo ainda

surge somente no livro de Gecircnesis 66 vezes Enquanto o novo nome ldquoIsraelrdquo

164 Aqui haacute um jogo de palavras assonantes wayyeumlacuteaumlbeumlq (lutou) e acutebaumlq (poacute) que foi jogada por terra (cf

FEDERICI 1978 p 640 n 8) 165 Cf HAMORI 2008 sendo que esse gecircnero eacute reconhecido apenas em duas passagens Gn

143

atribuiacutedo a ele surge 38 vezes em Gecircnesis Poreacutem nessas 38 vezes Israel nem sempre

eacute empregado como nome da personagem individual o Patriarca Jacoacute Vejamos

a) Israel como nome atribuiacutedo ao indiviacuteduo Jacoacute aparece 26 vezes166

b) Israel como sendo representaccedilatildeo de todo o povo da naccedilatildeo aparece 12 vezes

(seria coincidecircncia este nuacutemero O mesmo nuacutemero das Tribos de Israel)

c) destas 12 vezes em 3 vezes aparece isoladamente a palavra ldquoIsraelrdquo

representando o povo a naccedilatildeo167

d) como atributo ldquoIsraelrdquo aparece 9 vezes ldquofilhos de Israelrdquo (Buumlnecirc yiSraumlacuteeumll)168

ldquotribos de Israelrdquo (šibdaggerecirc yiSraumlacuteeumll)169 ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll - em

referecircncia a Deus)170

Interessante observar tambeacutem uma outra caracteriacutestica o uso em paralelo no

mesmo versiacuteculo de Jacoacute e Israel sendo que

a) ambos os nomes se referem ao mesmo indiviacuteduo Gn 3522 462 (Jacoacute

inclusive aparece duas vezes mencionado) 4731 482

b) haacute um paralelismo tambeacutem entre ldquofilhos de Jacoacuterdquo e Israel (Gn 492) sendo

ldquoIsraelrdquo o indiviacuteduo e a expressatildeo com o nome de Jacoacute representativa do

povo ocorre tambeacutem o inverso ldquofilhos de Israelrdquo (= povo) em paralelo com

Jacoacute indiviacuteduo (Gn 4658)

c) um terceiro paralelismo que aparece eacute entre dois tiacutetulos atribuiacutedos a Deus

usando os nomes Jacoacute e Israel o ldquoPoderoso de Jacoacuterdquo (acuteaacutebicircr ya`aacuteqoumlb)

ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll) em Gn 4924

Portanto haacute uma prevalecircncia das atestaccedilotildees do uso individual em relaccedilatildeo ao

uso coletivo do nome Israel no livro de Gecircnesis (ao todo 29 referecircncias somente ao

Patriarca) O mesmo natildeo acontece nos demais livros da BH onde o nome eacute tomado em

sentido representativo do povo sendo que a expressatildeo ldquofilhos de Israelrdquo torna-se

166 Gn 3510(2x)2122(2x) 37313 436811 4528 46122930 47272931 482810111421 492 502 167 Gn 347 4820 497 168 Gn 3631 425 4521 4658 5025 Interessante observar o uso da expressatildeo ldquofilhos de Jacoacuterdquo em Gn 492 (Buumlnecirc ya`aacuteqoumlb) tambeacutem com o mesmo sentido de ldquofilhos de Israelrdquo ou seja representando todo

povo Para aprofundar o estudo sobre o uso eponiacutemico dessas expressotildees pode-se recorrer ao exaustivo estudo de BLOCK 1984 p 301-326 169 Gn 491628 170 Gn 4924

144

muito comum Somente para os restringirmos ao PentateucoToraacute essa expressatildeo

aparece em Ecircxodo (123 vezes) Leviacutetico (54 vezes) Nuacutemeros (171 vezes) e

Deuteronocircmio (21 vezes) Sendo que somente em Ex 614 e 3213 encontramos Israel

como nome individual do Patriarca Em Lv natildeo aparece nenhuma menccedilatildeo individual

a qual somente surgiraacute novamente em Nm 120 e 265 como sendo o pai de Ruacuteben Em

Dt tambeacutem natildeo eacute empregado o nome proacuteprio individualmente Percorrendo toda a BH

encontramos atestaccedilotildees de Israel (cf ZOBEL 2004 c 50)

a) com denominaccedilotildees divinas do tipo ldquoDeus de Israelrdquo 241 vezes

b) na locuccedilatildeo ldquofilhos de Israelrdquo aparece 637 vezes

c) indicando o povo de YHWH 1006 vezes

d) denominando o Reino do Norte e sua populaccedilatildeo 564 vezes e finalmente

e) como o Patriarca individualmente considerado somente 49 vezes sendo

como jaacute foi observado 29 delas somente em Gecircnesis

Uma uacuteltima nota a esse respeito eacute a curiosidade de encontramos em um mesmo

versiacuteculo o seguinte fenocircmeno ldquoe Elohicircm [Deus] disse a Israel numa visatildeo noturna

lsquoJacoacute Jacoacutersquo E ele respondeu lsquoEis-me aquirsquordquo (Gn 462) Portanto em uacutenico versiacuteculo o

narrador denomina o Patriarca com o novo nome Israel enquanto Deus que o havia

renomeado antes continua a chamaacute-lo pelo nome antigo Jacoacute Essa ambivalecircncia do

nome JacoacuteIsrael faz com que a figura de Jacoacute deste episoacutedio de Gn 3223-33 em

diante comece a ser unida expressamente agravequela do povo como um todo Desse modo

ldquoo surgir de um novo dia apoacutes o combate noturno indica simbolicamente o surgir de

uma nova existecircncia para o Patriarca (cf v 32)rdquo (GIUNTOLI 2013 p 195)

Rabi Simeon ben Yohai se manifesta na Mekhilta de Rabbi Ishmael fazendo um

paralelo entre Abraatildeo e Sara com Jacoacute Para ele os nomes Abratildeo e Sarai haviam sido

removidos ou abandonados enquanto seus novos nomes de Abraatildeo e Sara foram

estabelecidos ou suportados No caso de Jacoacute entretanto citando Gecircnesis 3229 ldquoE ele

disse Seu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacuterdquo Rabi Simeon observa ldquoo primeiro nome

tolerado em seu caso enquanto o segundo foi adicionado a elerdquo (LAUTERBACH 2004

Tratado PisHa 16 linhas 79-81) Nenhum comentaacuterio ou explicaccedilatildeo adicional eacute

oferecido Essa afirmaccedilatildeo eacute ambiacutegua Qual eacute na realidade o ldquoprimeirordquo nome e em

quais circunstacircncias Falta ao comentaacuterio mais esclarecimentos Pode ser que Rabi

145

Simeon quisesse dizer que enquanto nos casos de Abraatildeo e Sara os primeiros nomes

Abratildeo e Sarai desapareceram completamente do uso no caso de Jacoacute o primeiro nome

continuou sendo usado e havia um outro ldquoIsraelrdquo adicionado a aquele Bereshit Rabbah

vai nessa linha Em um debate entre vaacuterios Saacutebios encontramos as seguintes

afirmaccedilotildees

Bar Kappara disse Quem quer que chame Abraatildeo de ldquoAbratildeordquo viola um comando positivo R Levi disse Um comando positivo e um negativo O teu nome natildeo seraacute mais chamado Abratildeo (Gn 175) - isso eacute um comando negativo Mas teu nome seraacute chamado Abraatildeo (ib) - que eacute um comando positivo Mas certamente os homens da Grande Assembleia chamaram-lhe Abratildeo pois estaacute escrito Tu eacutes o Senhor Deus quem escolheu Abratildeo (Ne 917) Laacute eacute diferente como significa que enquanto ele ainda era Abratildeo Tu o escolheste Entatildeo por analogia algueacutem que chama Sara de ldquoSarairdquo infringe um comando positivo Natildeo porque somente ele [Abraatildeo] foi encarregado de respeitaacute-la Novamente por analogia se algueacutem chama Israel de ldquoJacoacuterdquo algueacutem infringe um comando positivo [Natildeo pois] foi ensinado Natildeo se pretendia que o nome de Jacoacute deveria desaparecer mas que ldquoIsraelrdquo deveria ser seu nome principal e ldquoJacoacuterdquo um nome secundaacuterio R Zechariah interpretou em similar modo no nome de R Aha ldquoTeu nome eacute Jacoacute Mas Israel seraacute [tambeacutem] o teu nomerdquo (Gn 3510) Jacoacute seria o nome [raiz] principal Israel foi adicionado a ele PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute (MIDRASH RABBAH 1939 Bereshit Rabbah 783)

Portanto ao querer justificar o natildeo uso frequente do nome ldquoIsraelrdquo apoacutes a

mudanccedila ocorrida em Gn 3229 esses rabinos buscam conciliar a mudanccedila de nome

no caso de Jacoacute em contraste com a de Abraatildeo Natildeo eacute uma soluccedilatildeo final pois a questatildeo

fica em aberto sujeita a pelo menos uma dupla interpretaccedilatildeo Na primeira Israel

deveria ser visto como o nome fundamental e essencial de Jacoacute um nome como

daqueles grandes anjos Miguel Gabriel Rafael e Uriel sendo Jacoacute o seu nome

secundaacuterio suplementar Na segunda interpretaccedilatildeo podemos ver Jacoacute como um nome

que expressa a essecircncia do Patriarca e do povo sendo Israel um nome adicional

conferido pelo ser divino apoacutes a luta A maioria das opiniotildees rabiacutenicas parece inclinar-

se para a primeira interpretaccedilatildeo e apresenta-nos o Patriarca com um caraacuteter essencial

146

natildeo diferente daquele dos anjos mais elevados Aliaacutes um estudioso contemporacircneo

tambeacutem observou isso ao afirmar que ldquoassim lsquoIsraelrsquo natildeo substitui de fato o seu

nome mas torna-se um sinocircnimo para ele ndash uma praacutetica refletida no paralelismo da

poesia biacuteblica onde lsquoJacoacutersquo eacute sempre usado na primeira metade da linha e lsquoIsraelrsquo a

variaccedilatildeo poeacutetica na segunda metade (ALTER 1996 p 182)

Alguns rabinos alegam que isso seja algo normal como eacute o caso do dia do

Messias em que natildeo mais seraacute necessaacuterio mencionar o ecircxodo do Egito quando se recitar

o Shemaacute Tal opiniatildeo rabiacutenica fundamentava-se na profecia de Jeremias 37-8 ldquoPor isso

eis que dias viratildeo ndash oraacuteculo de YHWH ndash em que natildeo diratildeo mais lsquoVive YHWH que fez

subir os filhos de Israel do Egitorsquo mas lsquoVive YHWH que fez subir e retornar a raccedila da

casa de Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha dispersado

para que habitem em seu territoacuteriorsquordquo Os Saacutebios insistiratildeo que esta profecia natildeo quer

dizer que o Egito seraacute ldquoextirpadordquo ou seja omitido da recitaccedilatildeo do Shemaacute a menccedilatildeo

ao ecircxodo seraacute adicionada agrave referecircncia aos reinos estrangeiros de tal forma que esta

uacuteltima se torna a raiz ou a essecircncia da oraccedilatildeo e o ecircxodo um acreacutescimo um anexo

Assim ldquoresoluccedilatildeo do debate reside na aceitaccedilatildeo de que assim como o Ecircxodo do Egito

seraacute mencionado nos uacuteltimos dias como uma lsquoadiccedilatildeorsquo acrescentada agrave menccedilatildeo do

uacuteltimo grande ato redentor assim o nome adicional do Patriarca (que jamais o eacute) ainda

seraacute faladordquo (HAYWARD 2005 p 14)

No entanto somos levados de volta a Bereshit Rabbah pois um dos Saacutebios que

tomam parte no debate volta a destacar o nome Jacoacute como o principal e essencial para

o Patriarca Em Bereshit Rabbah 771 se lecirc

E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO etc (Gn 3225) Estaacute escrito Natildeo haacute semelhante a Deus oacute Jeshurum (Dt 3326) R Berekiah interpretou-o em nome de R Judah b R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa o mais nobre e melhor dentre voacutes Vocecirc veraacute que o Santo abenccediloado seja Ele antecipou neste mundo atraveacutes da accedilatildeo do justo tudo o que Ele faraacute na outra vida Assim Deus ressuscitaraacute os mortos e Elias ressuscitaraacute os mortos Deus reteve a chuva e Elias reteve a chuva Deus abenccediloaraacute o pequeno [em quantidade] e Elias abenccediloou o pequeno [em quantidade] Deus ressuscita os mortos e Eliseu ressuscita os mortos Deus lembrou-se de mulheres sem filhos e Eliseu lembrou-se de mulheres sem filhos Deus abenccediloou o pequeno e Eliseu abenccediloou o pequeno Deus adoccedilou o amargo e Eliseu adoccedilou o amargo Deus adoccedilou o amargo por meio do

147

amargo e Eliseu adoccedilou o amargo por meio do amargo R Berekiah interpretou em nome de R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa Israel o Patriarca Assim como estaacute escrito de Deus E soacute o Senhor seraacute exaltado (Is 21117) Assim de Jacoacute tambeacutem E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO (MIDRASH RABBAH 1939)

O paralelo entre Dt 3326 onde surge o misterioso nome Jeshurun e a mudanccedila

de nome de Jacoacute natildeo se encontra em nenhuma outra parte do Midrash Rabbah E o texto

hebraico de Dt 3326a (acuteecircn Kaumlacuteeumll yuumlšurucircn) suporta ateacute trecircs possibilidades de traduccedilatildeo171

a) A primeira ldquoNatildeo haacute ningueacutem como Deus oacute Jeshurunrdquo exclamaccedilatildeo dirigida

a Israel a partir desse raro tiacutetulo172

b) Outra possibilidade ldquoNatildeo haacute ningueacutem como o Deus de Jeshurunrdquo Uma

afirmaccedilatildeo da importacircncia e poder incomparaacuteveis do Deus de Israel em

relaccedilatildeo aos deuses de outros povos Expressatildeo aliaacutes muito comum na BH

basta citar Ex 1511 Is 401825 465

c) Finalmente esse texto hebraico aceita outra traduccedilatildeo em forma de pergunta

e resposta ldquoHaacute algueacutem como Deus [Sim] Jeshurunrdquo Como pode-se

constatar pela leitura da passagem de Bereshit Rabbah citata acima eacute

justamente esta terceira possibilidade que eacute assumida pelo Saacutebio Simon

O tiacutetulo Jeshurun eacute compreendido agrave luz da palavra hebraica rvy que pode

significar ldquoeretordquo ldquoperfeitamente erguidordquo para sugerir que algueacutem que possa ser

ldquocomo Deusrdquo eacute a mais nobre e distinta pessoa em Israel Assim o nome Jeshurun que

equivale nessa interpretaccedilatildeo rabiacutenica a Israel eacute o maior tiacutetulo honoriacutefico a ser

concedido a uma pessoa Esse tiacutetulo Jeshurun ao que parece ldquoestaacute impregnado do

mundo que viraacute quando nada exceto todas as forccedilas opostas estaraacute no caminho da

soberania de Deusrdquo (HAYWARD 2005 p 254) Esse proecircmio que trata em Bereshit

Rabbah 771 da histoacuteria de Jacoacute destaca a nobreza do povo de Israel bem como o

privileacutegio concedido agraves melhores pessoas deste povo (no texto destacam-se os profetas

Elias e Eliseu) de serem capacitadas pelo Criador para realizar accedilotildees que ele mesmo eacute

capaz de fazer em circunstacircncias normais VON RAD (cf 1977 p 396) vai nessa mesma

171 Cf HAYWARD 2005 p 252-253 172 Retornaremos a esse tiacutetulo Jeshurun no proacuteximo item deste capiacutetulo

148

linha vendo nesse nome novo e honroso uma maneira de Deus reconhecer e admitir

Jacoacute diante de si mesmo

A expressatildeo ldquofoi deixado sozinhordquo que abre e fecha o texto midraacuteshico

expressando a condiccedilatildeo de Jacoacute antes da luta da qual ele emergiraacute como Israel eacute

interpretada pelos rabinos como sendo indicaccedilatildeo da singularidade da personagem

Jacoacute assim como Deus eacute ldquosozinhordquo do mesmo modo Israel eacute sozinho Israel eacute uma

naccedilatildeo singular segundo o Talmude pois eacute a uacutenica a seguir o ensinamento biacuteblico de

1Cr 1721 ldquoQual naccedilatildeo eacute como teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica [acuteeHaumld]173 sobre a

terrardquo Desse modo a unidade de Deus e a singularidade de Israel satildeo vistas como

duas faces da mesma moeda Vejamos no tratado talmuacutedico Berachot 6a

R Nahman b Isaac disse a R Hiyya b Abin O que estaacute escrito no tefilin do Senhor do Universo E ele respondeu-lhe E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] Entatildeo o Santo bendito seja canta os louvores de Israel Sim porque estaacute escrito Hoje tu fizeste o Senhor declarar E o Senhor te declarou hoje [Dt 261718] O Santo bendito seja disse a Israel Tu me fizeste uma entidade uacutenica174 no mundo e eu farei de ti uma entidade uacutenica no mundo ldquoTu me fizeste uma entidade uacutenica no mundordquo como se diz Ouccedila Israel o Senhor nosso Deus o Senhor eacute um [Dt 64] E eu farei de vocecirc uma entidade uacutenica no mundo como se diz E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] R Aha b Raba disse para R Ashi Isso representa um caso e quanto aos outros casos Ele respondeu-lhe [Eles contecircm os seguintes versiacuteculos] Pois que grande naccedilatildeo haacute etc E que grande naccedilatildeo haacute etc Dt 478] Feliz eacutes tu oacute Israel ]Dt 3329] etc Ou Deus intentou [Dt 434] etc e te elevar acima de todas as naccedilotildees [Dt 2619] Se assim haveria muitos casos Por isso [vocecirc deve dizer] Pois que grande naccedilatildeo haacute e E que grande naccedilatildeo haacute que satildeo semelhantes satildeo um caso Feliz eacutes tu oacute Israel Quem eacute como o teu povo em um caso Ou Deus intentou em um caso E para te exaltar em um caso (EPISTEIN 2009)

A partir desses textos percebemos que na mentalidade desses rabinos a

concessatildeo do nome Israel tem a ver com a relaccedilatildeo entre Deus e o mundo que ele criou

e que o aparecimento de Israel o Patriarca como algueacutem que como Deus estaacute ldquosoacuterdquo

natildeo pode ser separado da proclamaccedilatildeo judaica da unidade e singularidade de Deus

173 Importante observar que essa expressatildeo eacute retomada no tratado Sukkat 55b do Talmude Babilocircnico bem como no Targum Pseudo-Jonathan de Nuacutemeros 296 174 JASTROW 2006 p 449 traduz a palavra Haacutedaggericircbaumlh como ldquoobjeto de amorrdquo assim a frase ficaria ldquoo

uacutenico objeto de seu amorrdquo

149

em um mundo agora hostil mas destinado a ser submetido agrave sua ldquoretidatildeordquo

literalmente ldquoverticalidaderdquo

Rashi nos oferece uma interessante justificativa para a mudanccedila do nome de

Jacoacute segundo ele

Natildeo seraacute mais dito que as becircnccedilatildeos vieram a ti com astuacutecia e engano senatildeo com autoridade e clareza E finalmente o Divino Abenccediloado seja Ele se revelaraacute a ti em Bet-El e mudaraacute teu nome e ali Ele te abenccediloaraacute e eu estarei ali e confirmarei a ti sobre elas [as becircnccedilatildeos] E eacute isto que estaacute escrito (Oseias 12) ldquoe dominou o anjo prevaleceu chorou e lhe suplicourdquo o anjo chorou e suplicou-lhe E o que suplicou-lhe [o anjo] ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo Mas Jacob natildeo queria e contra a sua vontade [o anjo] admitiu-lhe sobre elas [as becircnccedilatildeos] E este eacute [o significado de] ldquoE abenccediloou-o alirdquo porque [o anjo] lhe estava suplicando que esperasse por ele e natildeo quis Natildeo temos um nome determinado mudam nossos nomes tudo conforme a ordem do serviccedilo ordenado ao qual noacutes somos enviados (BIacuteBLIA COM COMENTAacuteRIOS DE RASHI 1993 p 159-160)

Como a personagem Jacoacute eacute representada na BH como sendo uma pessoa

habituada a empregar artifiacutecios e artimanhas para obter o que deseja tais como a

usurpaccedilatildeo da primogenitura (cf Gn 271-29) o modo como ele enriqueceu-se (cf Gn

3032-43) a fuga agraves escondidas da propriedade do sogro (cf Gn 31) e finalmente o

envio de presentes ao seu irmatildeo rival Esauacute a fim de amolecer seu coraccedilatildeo e aplacar

um pouco a sua aversatildeo para com ele (cf Gn 3214b-22) Rashi destaca em seu

comentaacuterio que desta vez a becircnccedilatildeo de Jacoacute eacute legiacutetima eacute clara eacute merecida E como

Jacoacute a partir de agora eacute destinado a ser um dos patriarcas um dos Pais da naccedilatildeo

entatildeo o novo nome revela essa nova investidura essa nova missatildeo em sua vida O anjo

na visatildeo de Rashi assim como naquela da maioria dos Saacutebios eacute um mensageiro que

antecipa o encontro pessoal com Deus em Gn 351-15175 Aliaacutes essa becircnccedilatildeo na

narrativa de Gn 3223-33 eacute transmitida assumindo a ldquoforma de um novo nome

175 ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo como consta do comentaacuterio de Rashi citado acima

150

conferido a Jacoacute em memoacuteria dessa luta de coroaccedilatildeo de sua vidardquo (SKINNER 1994 p

409)176

Comentaristas modernos veem em Gn 3228-29 uma pergunta retoacuterica que daacute

oportunidade para que ldquoJacoacuterdquo e ldquoIsraelrdquo sejam contrapostos trazendo assim agrave mente

a conotaccedilatildeo contrastante dos nomes Uma vez que os nomes proacuteprios na BH estatildeo

inextricavelmente entrelaccedilados com personalidade e destino como vimos no segundo

capiacutetulo deste estudo ldquoa mudanccedila aqui significa uma purgaccedilatildeo final dos traccedilos de

caraacuteter desagradaacutevel com que ya`aacuteqoumlb veio a ser associadordquo (SARNA 1989 p 227)

4 O que significa Israel

O nome laerfyI aparece na antiguidade em sete lugares

a) em um tablete em Ugarit do final do seacutec XIII AEC

b) um relevo topograacutefico foi encontrado em uma laje de granito cinza medindo

46 cm de altura e 395 cm de largura o qual deveria fazer parte do pedestal

de uma estaacutetua egiacutepcia A inscriccedilatildeo eacute em hieroacuteglifo A dataccedilatildeo proposta seria

para a eacutepoca da 19ordf Dinastia egiacutepcia possivelmente durante o reinado de

Ramseacutes II (1290-1224 AEC) (cf GOumlRG 2001) A placa de nuacutemero 21687 em

seu estado atual de preservaccedilatildeo conteacutem trecircs aneacuteis de nomes sobrepostos de

prisioneiros asiaacuteticos ocidentais Ela se encontra nos Museus Nacionais em

Berlim Alemanha

c) na estela do faraoacute Merneptaacute iniacutecio do seacutec XIII AEC

d) na inscriccedilatildeo de Salmanassar III cerca de 853 AEC

e) na inscriccedilatildeo da estela de MeshaMesa cerca de 840 AEC

f) na inscriccedilatildeo da estela de Tell Dan seacutec VIII AEC e

g) na proacutepria Biacuteblia Hebraica

Haacute no entanto alguns aspectos que dificultam concluir se as palavras referidas

a Israel o satildeo de fato No tablete ugariacutetico a soletraccedilatildeo parece ser larfy na estela de

Mesha a letra X pode ser lida tanto como S ou š uma vez que natildeo haacute marca fonoloacutegica

176 DANELL 1946 p 19 tambeacutem afirma que o ldquonome Israel eacute uma recordaccedilatildeo da batalha com o Deus do paiacutes quando ele conseguiu seu objetivordquo ou seja a becircnccedilatildeo e a heranccedila de seus antepassados Abraatildeo e Isaac

151

Das inscriccedilotildees que constam das estelas de Merneptaacute e Salmanassar III eacute impossiacutevel

chegar a uma inequiacutevoca decisatildeo uma vez que o caractere que denota a letra em

questatildeo sustenta ambas pronuacutencias (cf MARGALITH 1990 p 226)

Na placa em granito cinza nuacutemero 21687 possivelmente do seacutec XIII AEC trecircs

nomes podem ser discernidos i-S-q-l-n (Ascalon) k-y-n-` A -nw (Canaatilde) i-[]-š A-i-r (estaacute

preservado parcialmente) Na verdade a borda direita dos hieroacuteglifos que

representam esta uacuteltima palavra estaacute tatildeo desgastada que os restos soacute podem ser

detectados com dificuldade GOumlRG (2001 p 21-27) interpretou o traccedilo horizontal

superior como o bico de um abutre (X) portanto o ldquoacutealef rdquo egiacutepcio representado pelo

sinal A Na reconstruccedilatildeo dessa palavra VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010 p 16-

17) defendem a possibilidade de ler-se este terceiro nome da placa 21687 como sendo

i-A-š A-i-r (eumlXegraveeumllsquo78506 ) GOumlRG (2001 p 21-27) sugeriu a leitura do marcador de vogal A

em egrave (š A) como r (resultando em šr) baseado em vaacuterios exemplos existentes em

outras inscriccedilotildees (cf VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 17-18) Aceitando-se

essa proposta o terceiro nome da placa egiacutepcia que se encontra em Berlim pode ser

lido como IA-Sr-i-r = IA-Sr-il ou YA-Sr-il um nome que sem duacutevida parece-se com o

nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo (hebraico ySracutel) GOumlRG (2001) sugere que a inicial i + A pode ler-

se como i e ou ya portanto seja como a letra inicial em ldquoIsraelrdquo seja quando derivado

de yašar em Yašarel (nome original de Israel) Essa leitura eacute suportada em

SCHNEIDER 1992 p 364-365) Assim sendo VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010

p 20) veem dois argumentos principais a favor da tese deles

Em primeiro lugar uma vez que existe evidecircncia linguiacutestica de que o nome original ldquoIsraelrdquo poderia ter sido escrito com š (por exemplo com

base no verbo yšr) o uso egiacutepcio de š (em vez de S como na Estela de

Israel de Merneptaacute) natildeo exclui a possibilidade que o nome fosse escrito originalmente com S no semiacutetico ocidental Em segundo lugar e mais

significativamente a proximidade geograacutefica de IA-Sr-ilYA-Sr-il a Ascalon e Canaatilde torna a identificaccedilatildeo com Israel provaacutevel Nenhum local conhecido (especialmente tatildeo perto dessas duas entidades geograacuteficas familiares) tem um nome tatildeo reminiscente do nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo

152

O tablete cuneiforme de Ugarit conteacutem uma lista com os nomes dos guerreiros

dos carros de combate de seu exeacutercito por isso provavelmente trata-se de um nome

de pessoa (cf WAGNER 2012) y-š-r-acute i-l Poreacutem esse nome natildeo tem necessariamente

ligaccedilatildeo com o Israel da BH (cf DAVIES 1992 p 57-58)

A inscriccedilatildeo monoliacutetica de Salmanassar III foi encontrada em Kurkh na Turquia

(custodiada atualmente no Museu Britacircnico em Londres) e descreve a campanha do

rei assiacuterio em seu sexto ano do reinado (853 AEC) A inscriccedilatildeo relata a batalha contra

uma coalizaccedilatildeo de cidades-estados da regiatildeo setentrional da Siacuteria em Qarqar cidade

agraves margens do rio Orontes na Siacuteria Haacute uma lista de onze reis (apesar de referir-se a

doze) com os detalhes das tropas enviadas para enfrentar o rei assiacuterio na tentativa de

impedir seu avanccedilo e controle das vias de transporte daquela regiatildeo Entre esses reis

eacute mencionado Acab (governou de 874-853 AEC) ldquo2000 carros e 10000 homens agrave peacute de

Acab de Israelrdquo (WAGNER 2012) Eacute provaacutevel que ldquoIsraelrdquo deva ser entendido como

uma indicaccedilatildeo da aacuterea ldquoIsraelrdquo aqui portanto eacute uma dimensatildeo poliacutetica e territorial

que eacute o reino do norte no seacuteculo IX AEC

A estela de MeshaMesa em basalto negro medindo 1 metro e 10 centiacutemetros

de altura e 60 a 68 centiacutemetros de espessura oferece em 34 linhas que puderam ser

recuperadas um documento que eacute considerado o mais antigo em liacutengua moabita

Nessa estela a palavra ldquoIsraelrdquo aparece como sendo o domiacutenio da dinastia de Omri

Nas linhas 4-7 se lecirc ldquoOmri era o rei de Israel e ele oprimiu Moab por um longo tempo

porque Kemosh estava zangado com a sua terra E foi sucedido por seu filho E ele

disse vou afligir Moab Em meus dias ele disse [por isso] mas eu triunfei sobre ele e

sua casa E Israel pereceu para semprerdquo (WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa)

Claramente trata-se de uma referecircncia ao Reino do Norte Israel e natildeo a um indiviacuteduo

em especiacutefico

Em 1993-1994 durante escavaccedilotildees em Tel Dan (aacuterabe Tel el-Qadi monte do juiz)

no norte de Israel encontrou-se trecircs fragmentos de uma estela em basalto (atualmente

sob os cuidados do Museu de Israel em Jerusaleacutem) que foram reutilizados na

construccedilatildeo de um muro Devido a isso apesar de se encaixarem os trecircs fragmentos

apresentam lacunas no texto O iniacutecio e o final estatildeo faltando p ex e a versatildeo

reconstruiacuteda possui diferentes comprimentos de linha O texto eacute em aramaico antigo e

153

natildeo faz referecircncia a quem mandou redigi-lo haacute uma hipoacutetese de ter sido o rei siacuterio

Hazael de Damasco (cf WAGNER 2012) Trata-se de um relato sobre as vitoacuterias

obtidas contra o Reino do Norte Israel e a ldquocasa de Davirdquo referecircncia ao Reino do Sul

O texto comeccedila com a menccedilatildeo de um pacto entre Israel e Damasco o rei Joratildeo de Israel

(governou de 852-841 AEC) apoacutes a morte de Barhadad II (= Ben-Hadad 845-842 AEC)

rompeu esse acordo ao invadir territoacuterios arameus (cf 2Rs 871528) Hazael (842-805

AEC) provaacutevel usurpador do trono de Damasco conseguiu derrotar Israel e recuperar

os territoacuterios perdidos (cf 2Rs 828) No texto se diz que o monarca arameu matou

Joratildeo de Israel e Ocozias (Acazias) de Judaacute ldquo[Eu matei Jo]ratildeo filho de [Acab] rei de

Israel e eu matei [Acaz]ias filho de [Jeoratildeo re]i da Casa de Davirdquo (linhas 7b-9a

WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa) No entanto na BH em 2Rs 914-27 consta que foi Jeuacute

quem matou tanto Joratildeo (rei de Israel) quanto Ocozias (rei de Judaacute) O que nos

interessa aqui eacute constatar que o governante do Reino do Norte eacute identificado na

inscriccedilatildeo de Tal Dan com sendo ldquorei de Israelrdquo (linhas 3 8 e 12) Somente a tiacutetulo

ilustrativo registre-se aqui as vaacuterias divergecircncias a respeito da possiacutevel expressatildeo

ldquocasa de Davirdquo (detalhes do debate cf ESTELA DE TEL DAN 2016)

Dedicamo-nos agora agrave primeira menccedilatildeo extrabiacuteblica de uma entidade

denominada ldquoIsraelrdquo Paradoxalmente essa menccedilatildeo anuncia a destruiccedilatildeo de Israel

onde ela deveria aparecer Essa menccedilatildeo eacute feita pela estela do faraoacute Merneptaacute que pode

ser datada entre 1210 e 1205 AEC Essa estela atualmente exposta no Museu do Cairo

(Egito) eacute feita em granito medindo 318 metros de altura por 161 metro de largura e

31 centiacutemetros de espessura relata as vitoacuterias do governante do Egito por ocasiatildeo de

uma campanha militar no Levante177

Uma grande alegria eacute advinda ao Egito e o juacutebilo sobe para todas as cidades da terra bem-amada Elas falam das vitoacuterias alcanccediladas por Merneptaacute contra o Tjehenu178 Os chefes tombam dizendo Paz (š-l-m) Nem um soacute levanta a cabeccedila

entre os Nove Arcos179

177 Em PETRIE William M Flinders Six temples at Thebes London [sn] 1897 plate 14 haacute uma imagem de espelho das 28 linhas principais da inscriccedilatildeo nela registrada apud MERNEPTAH STELE 2016 A menccedilatildeo a Israel aparece na linha 27 da inscriccedilatildeo 178 Seriam os ldquolibianosrdquo povos ocidentais e meridionais contiacuteguos ao vale do rio Nilo (cf ROumlMER 2016 p 77 n 7) 179 Termo empregado para representar os inimigos tradicionais do Egito (cf ROumlMER 2016 p 78 n 8)

154

Vencida estaacute a terra dos Tjehenu O Hatti180 estaacute paciacutefico Canaatilde estaacute despojado de tudo o que tinha de mau Ascalon eacute conduzido Gazer estaacute preso Jenoam181 se torna como se nunca tivesse existido Israel estaacute destruiacutedo nem mesmo a sua semente existe A Siacuteria (Hourrou) tornou-se uma viuacuteva para o Egito Todas as terras estatildeo unidas elas estatildeo em paz (Cada um dos) que vagavam estatildeo agora ligados pelo rei do Alto e Baixo Egito Baenrecirc o filho de Recirc Merneptaacute dotado de vida como Recirc cada dia (ROumlMER 2016 p 77-78 grifo nosso)182

O nome de Israel eacute escrito como etnocircnimo ele eacute determinado por um homem e

uma mulher assim como por trecircs traccedilos verticais indicando o plural Algo

interessante eacute o fato da inscriccedilatildeo dizer sobre Israel que ldquonem mesmo a sua semente

existerdquo Essa expressatildeo eacute duacutebia podendo indicar que os campos de trigo (ldquosementerdquo)

que sustentam o povo jaacute natildeo existem mais destruiacutedos que foram pelo exeacutercito do

faraoacute ou entatildeo ldquopode igualmente evocar a praacutetica egiacutepcia de cortar o pecircnis dos

inimigos mortosrdquo (ROumlMER 2016 p 79) Se o escriba quisesse ele poderia ter

especificado melhor incluindo nos hieroacuteglifos gratildeos de trigo ou um falo como ele natildeo

o fez pode ser uma indicaccedilatildeo de ambos significados Provavelmente o Israel

mencionado na estela egiacutepcia seria uma coalizaccedilatildeo de clatildes ou de tribos A sua

localizaccedilatildeo segundo a mesma estela seria entre Ascalon Gazer que designariam as

extremidades sul e Jenoam (Janoam) que indicaria a extremidade norte assim ldquopode-

se imaginar esse Israel na regiatildeo montanhosa de Efraim isto eacute a regiatildeo em que Saul

vai fundar seu lsquoreinorsquordquo (ROumlMER 2016 p 79)

A etimologia da palavra ldquoIsraelrdquo ateacute o momento ainda eacute objeto de debates

controveacutersias e teorias as mais diversas Tentaremos apresentar aqui um quadro

resumido a fim de termos uma ideia panoracircmica

Comeccedilando pela proacutepria etimologia fornecida pelo texto hebraico lemos

ldquoporque lutaste com Deus e com homens e prevalecesterdquo (traduccedilatildeo da maior parte das

versotildees modernas) Neste caso o verbo raro Saumlricirctauml (qal perfeito segunda pessoa

180 Seriam os hititas na Anatoacutelia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 9) 181 A identificaccedilatildeo desse local eacute incerta podendo ser uma regiatildeo na Palestina do Norte ou na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 10) 182 Roumlmer reconhece-se devedor para a traduccedilatildeo no caso em francecircs do texto em hieroacuteglifos a LALOUETTE Claire LrsquoEmpire des Ramseacutes Paris Flammarion 2000 [1985] p 267

155

masculina singular) da raiz hrf assume o sentido de ldquolutarrdquo ldquolitigarrdquo ldquodisputarrdquo Esse

verbo ocorre novamente em Os 124 na forma qal (perfeito) da terceira pessoa

masculina singular (Saumlracirc) Enquanto a identificaccedilatildeo o verbo woyyaumlordmSar (Os 125) eacute

discutiacutevel podendo ser da mesma raiz hrf como tambeacutem da raiz rwf em um de seus

significados (cf CLINES 1993-2011 v VIII p 119 190) ambas com sentido de lutar

litigar combater

No entanto a primeira parte do nome laerfyI eacute objeto de vaacuterias interpretaccedilotildees

vejamos

a) hrf lutar No entanto o sentido primeiro para o nome natildeo seria ldquolutou com

Deus [El]rdquo ldquocombateu com Deus [El]rdquo mas ldquoQue El combatardquo uma vez que

nos nomes teofoacutericos a tendecircncia eacute o nome da divindade encontrar-se na

posiccedilatildeo de sujeito183 Essa raiz como jaacute dissemos eacute rara surge apena duas

vezes na BH (Gn 3229 e Os 1245[]) Em outras liacutenguas semiacuteticas somente

em Ebla aparece um nome com possibilidade de ter proximidade trata-se

de iš-ra-il com o possiacutevel sentido de ldquocombaterrdquo (cf ROumlMER 2016 p 76)184

Flaacutevio Josefo em Antiguidades Judaicas (1333) assume essa explicaccedilatildeo para a

raiz quando escreve sobre IsraelJacoacute τὸν ἀντιστάτην ἀγγέλῳ θεοῦ

(enfrentoulevantou-se [contra] o anjo de Deus)

b) hrf perseverar persistir portanto El persistepersevera (cf DRIVER 1899

p 530a) ROSS (1985 p 346) e CLINES (1993-2011 v VIII p 190) apontam

outro significado para esse verbo raro na BH que seria contender

competir argumentar rivalizar (inglecircs to contend) ROSS chega mesmo

a levantar a hipoacutetese de que as versotildees gregas e latinas tenham

confundido os verbos hrf (contender competir) e rrf (governar ser

forte dominar) Veja abaixo Essa raiz estaacute presente com muita

183 O primeiro a observar esse fenocircmeno foi NESTLE Eberhard Die israelitischen Eigennamen nach ihrer religionsgeschichtlichen Bedeutung ein Versuch Haarlem F Bohn 1876 apud MARGALITH 1990 p 234 n 52 184 Essa interpretaccedilatildeo fundamenta-se em GORG Manfred Israel in Hieroglyphen Biblische Notizen - Beitraumlge zur exegetischen Diskussion Muumlnchen Institut fuumlr Biblische Exegese Altes Testament Heft 106 p 21-27 2001 e VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 19 24 n 66

156

probabilidade no nome proacuteprio Saraiacuteas (Suumlraumlyacirc)185 que poderia ser

interpretado como ldquoGuerreiroPriacutencipe de YHWHrdquo ldquoYHWH

governaregerdquo e assim por diante

c) hrf brilhar resplandecer daiacute ler-se o nome como El resplendebilha Essa

leitura eacute amparada na possibilidade de uma equivalecircncia com a palavra

aacuterabe šariya (cf BAUER 1933 p 83) Em hebraico esse sentido eacute transmitido

com a raiz nGh Em acaacutedio encontramos um termo com uma raiz semelhante

mas natildeo igual caraumlru (iluminar acender)186

d) rrf governar reinar dominar impor-se como senhor ser forte (cf Nm

1613 Is 321) Redundando entatildeo em ldquoQue El governerdquo ldquoQue El reinerdquo A

BH atesta outros nomes proacuteprios com essa raiz como p ex Śeraumlyaumlh ou na

forma longa Śeraumlyaumlhucirc (YHWH reina) nome de um sacerdote em 2Rs 2518

(BJ Saraiacuteas) e de um funcionaacuterio do rei Sedecias em Jr 3626 Oseias 125a

(woyyaumlordmSar acuteel-malacuteaumlk wayyugravekaumll) que geralmente eacute traduzido como ldquoLutou

contra um anjo e o venceurdquo traz provavelmente esse verbo ROumlMER (2016)

e outros estudiosos veem aqui uma revisatildeo dogmaacutetica massoreacutetica ao

introduzir a palavra ldquoanjosrdquo ao inveacutes de Deus (YHWH ou El Elohicircm) Pois

ldquoos massoretas queriam evitar uma proximidade muito grande entre Jacoacute e

Deus e por consequecircncia inseriram a palavra malacuteaumlk (lsquoanjorsquo)

transformando assim o termo acuteeumll que na origem significava o deus El por

uma mudanccedila de vocalizaccedilatildeo em uma preposiccedilatildeo acuteel (lsquopara em direccedilatildeo arsquo)rdquo

(ROumlMER 2016 p 77) O texto de Os 125 poderia entatildeo ser refeito do

seguinte modo ldquoEl se impocircs e o levou (woyyaumlordmSar acuteeumll wayyugravekaumll)rdquo (ROumlMER

2016 p 77) O verbo vem do sentido denominativo ldquogovernarrdquo originado

de rf (ugariacutetico šr ndash cf SAUER 1966 p 240)187 ldquopriacutencipe governanterdquo Tal

185 Esse nome estaacute presente na BH em 2Sm 817 2Rs 251823 1Cr 4131435 614 (2x) Esd 22 71 Ne 102 1111 12112 Jr 3626 408 5159 (2x)61 5224 186 Cf FOWLER 1988 p 244 187 Em ugariacutetico essa raiz talvez poderia ser ainda šrr com o sentido de ldquosoltarrdquo ldquosoltar-serdquo ldquolivrarrdquo

cuja raiz corresponderia ao hebraico yš` com o significado de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo (cf FOWLER 1988 p

289)

157

raiz pode ter relaccedilatildeo tambeacutem com o substantivo emarita šarru188 que

significa governantes funcionaacuterios da administraccedilatildeo (cf TAWIL 2009 p

380) Nessa perspectiva de interpretaccedilatildeo a Septuaginta (LXX) lecirc ὅτι

ἐνίσχυσας μετὰ θεοῦ καὶ μετὰ ἀνθρώπων δυνατός (ldquoporque tu foste forte

com Deus e com os homens poderosordquo cf LA BIBLIE DrsquoALEXANDRIE

LA GENEgraveSE 1986 p 242-244) Essa traduccedilatildeo da versatildeo grega eacute resultado de

uma visatildeo mais ampla que possuem da personagem Jacoacute De alguma

maneira jaacute prefigurando a histoacuteria de seus descentes em sua libertaccedilatildeo da

servidatildeo no Egito e sua obtenccedilatildeo da Terra Prometida A Vulgata versatildeo

latina de Jerocircnimo tambeacutem segue essa interpretaccedilatildeo ldquoquoniam si contra

Deum fortis fuisti quanto magis contra homines praevalebisrdquo (trad nossa porque

se contra Deus foste forte quanto mais prevaleceste contra os homens) Interessante

observar que uma outra explicaccedilatildeo etimoloacutegica por parte da BH aproxima-

se dessa de Gn 3229 Estamos nos referindo a Jz 632 (wayyiqraumlacute-locirc bayyocircm-

hahucircacute yuumlruBBaordm al leumlacutemoumlr yaumlordmreb Bocirc haBBaordm al Kicirc naumltac e|t-mizBuumlHocirc traduccedilatildeo nossa

Chamou-lhe naquele dia Jerubaal dizendo ldquoQue Baal contenda contra ele

porque destruiu o seu altarrdquo) No entanto temos aqui a raiz verbal byr (cf

CLINES 1993-2011 v VII p 478 KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2

p 1224) e natildeo a raiz bbr189

e) rfy curar (os enfermos) portanto ldquoEl [Deus] curardquo Nas liacutenguas semiacuteticas

incluindo o hebraico e o aramaico o termo natildeo eacute encontrado mas somente

em aacuterabe (raiz nasarawasara190 = reviver reanimar) e etiacuteope (saraya = curar)

188 Emarita eacute o nome que se daacute agrave liacutengua da Emar antiga atual Meskene Qadine (Siacuteria) onde foram encontrados cerca de 1200 fragmentos de textos legais clericais religiosos literaacuterios e lexicais A maioria desses textos encontrados foram escritos em acaacutedio poreacutem haacute vaacuterios redigidos na liacutengua local de Emar denominada ldquoemaritardquo Eles satildeo datados grosso modo do periacuteodo entre os seacuteculos XIX a XII AEC (Era do Bronze Tardio na Siacuteria) Geralmente essa liacutengua eacute classificada como semiacutetica noroeste (cf VITA 2015 p 377) 189 EISSFELDT (1968 p 76 n 2) afirma que a raiz por detraacutes do verbo yaumlordmreb seja bbr que significa ldquoser

granderdquo ldquoengrandecerrdquo Segundo ele o que torna semelhantes essas duas explicaccedilotildees etimoloacutegicas (Israel e Jerubaal) eacute o fato dos verbos que constituem esses dois nomes (segundo Eissfeldt hrf para

Israel e bbr para Jerubaal) originalmente terem um significado diferente daquele de lutar combater e

contender que acaba surgindo na explicaccedilatildeo do texto biacuteblico 190 Essa diferenccedila de raiacutezes Albright explica na passagem citada devido a uma contaminaccedilatildeo morfoloacutegica das raiacutezes de I-waw e I-nun que ocorria muito na antiguidade

158

com esse sentido (cf ALBRIGHT 1927 p 154-158) Mas eacute uma proposta que

natildeo eacute levada muito em consideraccedilatildeo como explicaccedilatildeo etimoloacutegica

f) rvy ser direito (de peacute) ser correto ser justo191 Em ugariacutetico a raiz yšr eacute

traduzida como ldquoretidatildeo legalidaderdquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004

p 989) Em acaacutedio com essa raiz encontramos o verbo ešeumlru com o sentido

de endireitar prosperar estar em um modo correto e o adjetivo išaru que

significa ldquojustordquo ldquodireitordquo ldquocorretordquo (cf TAWIL 2009 p 151-152) De onde

se pode traduzir o nome Israel como ldquoEl [Deus] eacute justordquo ldquoEl eacute corretordquo (cf

JACOB 1955 p 155) Essa raiz eacute reencontrada em textos da BH Dt 3215

33526 como Yuumlšurucircn (um nome poeacutetico para Israel)192 Em Mq 27 aparece

como um adjetivo yaumlšaumlr (retidatildeo) Isaias 442 Yuumlšurucircn novamente aparece

formando um paralelismo literaacuterio proacuteprio da poesia hebraica acuteal-Ticircraumlacute `abDicirc

ya|`aacuteqoumlb wicircšurucircn BaumlHaordmrTicirc bocirc (Natildeo temas Jacoacute meu servo e Jeshurun meu

escolhido) No caso de estar relacionado a Israel o Patriarca sendo um nome

paralelo entatildeo a raiz rvy seria muito clara na etimologia do nome patriarcal

Assim a mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel expressaria uma mudanccedila de

caraacuteter do desvio agrave retidatildeo moral Essa interpretaccedilatildeo pode ser encontrada na

Yalkut Reubeni (Gn 3229)193 e no comentaacuterio ao Deuteronocircmio de Ramban

(210 e 712)194 Segundo esses rabinos o nome Israel significaria ldquoAquele que

eacute reto com Deusrdquo O fato de Israel ser escrito com S (sin) e natildeo š (shin) natildeo

significa que natildeo tenha alguma relaccedilatildeo com a raiz rvy Eacute de se observar que

a pontuaccedilatildeo da sibilante X somente foi finalizada pelos massoretas na Idade

191 Cf SACHSSE 1914 p 1-15 192 Apesar que FOWLER (1988 p 186 202) natildeo reconhece a existecircncia de nomes teofoacutericos em hebraico com essa raiz Segundo a autora a ideia da divindade como ldquojustardquo ldquoretardquo eacute transmitida em nomes

hebraicos pela raiz cDq 193 Apud SARNA 1989 p 405 O Yalqut Reubeni que significa ldquoColeccedilatildeo de Reubenrdquo eacute uma coleccedilatildeo do seacuteculo XVII EC de midrashim composta pelo rabino Reuben Hoschke Kohen (falecido em 1673) impresso primeiramente em Praga em 1660 A coleccedilatildeo inclui expansotildees de lendas rabiacutenicas adepto do misticismo cabaliacutestico 194 Ramban eacute o acrocircnimo do nome de Mōšeh bēn-Nāḥmān (1194-1270) normalmente conhecido como Nachmanides um rabino sefardita catalatildeo filoacutesofo meacutedico cabalista e comentarista biacuteblico Ele nasceu cresceu estudou e viveu a maior parte de sua vida em Girona Catalunha Espanha Nachmanides eacute tambeacutem considerado uma figura importante no restabelecimento da comunidade judaica em Jerusaleacutem apoacutes a sua dizimaccedilatildeo nas matildeos dos cruzados em 1099 (cf WIGODER 1993 p 797-799)

159

Meacutedia Portanto tanto sin com shin satildeo possiacuteveis em vaacuterias palavras

hebraicas Em ugariacutetico p ex natildeo haacute uma consoante que corresponda

consistentemente agrave hebraica sin ldquoregularmente o fonema sibilante š e

usualmente o fonema sibilante S aparecem na ortografia como šldquo (GORDON

1940 sect 3 11 12)195 E isso se repete em outras liacutenguas como o feniacutecio e no

acaacutedio 196 A partir da raiz rfyrvy GOumlRG (2001 p 26) sugere que o nome

ldquoIsraelrdquo possa ser derivado de um nome original canaanita Eshar-Il

Yashar-Il (ldquoPerfeito eacute Elrdquo) Ele constata que nomes similares com ou sem a

presenccedila do elemento divino e derivados dos verbos rfyrvy (ldquoser corretordquo)

satildeo atestados em onomaacutestica amorita do iniacutecio do segundo milecircnio AEC Ya-

sa-rum I-šar-li-im Ḫa-mu-yi-šar

g) rva ser feliz O nome da tribo de Asher (BJ Aser) e da deusa feniacutecia Asheraacute

(BJ Aseraacute) esposa do deus El parecem originar-se dessa raiz Em ugariacutetico

encontramos de fato a palavra išryT um substantivo feminino traduzido

como ldquofelicidade alegriardquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004 p 118)

Lembrando que em ugariacutetico noacutes natildeo temos somente um a mas trecircs com

variaccedilotildees foneacuteticas de a i e u Isso porque no Protossemiacutetico e nas liacutenguas

semiacuteticas conservadoras as siacutelabas virtualmente sempre comeccedilam com uma

consoante Desse modo o alfabeto consonantal era adequado No entanto

em algumas outras liacutenguas uma vogal sempre constitui a siacutelaba O alfabeto

ugariacutetico tambeacutem era usado para escrever liacutenguas nas quais a siacutelaba poderia

incluir vogais Por essa razatildeo letras vogais se faziam necessaacuterias Era natural

assumir a distribuiccedilatildeo vocaacutelica do acaacutedio cuneiforme pelo qual todas as

vogais satildeo classificadas ortograficamente como a i ou u A vogal e natildeo eacute

nitidamente distinguida de i Contudo esse procedimento natildeo combinava

com o alfabeto consonantal que era apropriado para a liacutengua semiacutetica de

Ugarit Entatildeo um arranjo foi efetuado foram utilizados trecircs sinais acutealef cujos

195 ldquoO š hebraico biacuteblico corresponde seja ao ugariacutetico š (proto-semiacutetico s) seja ao ugariacutetico t (proto-

semiacutetico q) Mas observe-se tambeacutem que o ugariacutetico š reflete o proto-semiacutetico s (hebraico biacuteblico š) e

o proto-semiacutetico S (hebraico biacuteblico S)rdquo (HUEHNERGARD 2012 p 26) 196 Para uma visatildeo mais ampla e detalhada a respeito das sibilantes sin e shin pode-se consultar MARCUS 1941 p 141-150

160

valores normais em textos ugariacuteticos eram acute a acute i e acute u enquanto que em

textos hurritas e acaacutedios eles poderiam representar simplesmente a i u (cf

GORDON 1998 p 18 44)

h) hrfmi governo (cf Is 956) Daiacute podendo ser traduzido o nome como ldquoEl

julgardquo COOTE (1972 p 138-140) argumenta que o segundo sentido da raiz

contendo rf como os radicais fortes eacute ldquocortarrdquo Esse estudioso pensa que tal

raiz (cortar) forneccedila uma adequada etimologia para Israel devido a

frequecircncia com que se constata um desenvolvimento semacircntico de ldquocortarrdquo

para decidir aconselhar ou julgar governar Como eacute o caso do acaacutedio

šarrum que liga-se indiretamente a raiacutezes tais como mašaumlru (primitivo

wašaumlru ndash cortar) ou šaššaru (primitivo šaršaru ndash ver) Em aacuterabe COOTE

(1972 p 139) encontra acuteašaumlra (conselho) e mušicircr (conselheiro) que tanto

podem ser provenientes de raiacutezes que significam ldquocortarrdquo como ldquobilharrdquo Em

hebraico o estudioso encontra hrfmi como sendo relacionado agraves raiacutezes com

rf forte significando ldquocortarrdquo Nesse caso este substantivo poderia ser um

derivado do verbo yrf ou rfy significando ldquoEl julgardquo no sentido de

ldquogovernar por meio de julgamento ou decretordquo (COOTE 1972 p 140-141)

i) Iser ldquosantordquo palavra egeia (FEIST 1929 p 319) Podendo interpretar-se o

nome Israel como ldquoDeus [El] eacute santordquo Essa tese tambeacutem natildeo foi defendida

por nenhum outro estudioso

j) har ver daiacute interpretar-se o nome como ldquoAquele que vecirc Deusrdquo ([ὁ] ὁρῶν

τὸν θεoacuteν) Fiacutelon de Alexandria (cerca 20 AEC a cerca 50 EC)197 foi o primeiro

a propor essa explicaccedilatildeo que alguns Padres da Igreja como se costuma

denominar os primeiros teoacutelogos e filoacutesofos do cristianismo acabaram

acompanhando no nome ldquoIsraelrdquo a junccedilatildeo de trecircs palavras hebraicas lae

(Deus) + har (ver) + vyai (homem)198 Essa interpretaccedilatildeo eacute fruto certamente

daquilo que se lecirc no v 31 quando Jacoacute admite ter ldquovisto Elohicircm face a facerdquo

197 Cf SACHSSE 1914 p 2-3 198 Pensam assim Novaciano (200-258 EC ndash Friacutegia) em sua obra De Trinitate 198-14 Joatildeo Crisoacutestomo (cerca de 347-407 EC) em sua obra Homilias sobre o Gecircnesis 5810 e Agostinho (354-430 EC) em sua obra De Civitate Dei 1639 apud SHERIDAN 2004 p 325-327

161

Certamente eacute possiacutevel que uma dessas raiacutezes semiacuteticas acima elencadas esteja

etimologicamente relacionada ao nome ldquoIsraelrdquo e que o nome signifique algo como

[El] ldquogovernajulgardquo ldquoreinardquo ldquoimpotildee-se como senhorrdquo ldquoEl eacute o senhorrdquo e assim por

diante Deve-se observar poreacutem que haacute um significado que o proacuteprio texto daacute ao

nome (Gn 3229) que costuma-se denominar de ldquoetimologia popularrdquo (cf abaixo)

Como oportunamente observou ROSS (1985 p 347-348)

A maioria dessas outras sugestotildees natildeo satildeo mais convincentes que aquela que a etimologia popular deu no texto de Gecircnesis O conceito da luta de Deus com algueacutem certamente natildeo eacute mais um problema do que a proacutepria passagem E a inversatildeo da ecircnfase (de ldquoDeus lutardquo para ldquolutar com Deusrdquo) na explicaccedilatildeo eacute por causa da natureza das etimologias populares que se satisfazem com um jogo de palavras sobre o som ou o sentido do nome para expressar seu significado

O nome no contexto serve para evocar a memoacuteria daquilo que se passou no

vau o rio Jaboc ou seja a luta Tem suas razotildees VON RAD (1977 p 396-397) quando

afirma que o nome ldquoeacute interpretado aqui de maneira muito livre contrariamente ao seu

sentido etimoloacutegico original (lsquoQue Deus reinersquo) como se Deus fosse natildeo o elemento

ativo mas o passivo da luta com Jacoacute (obviamente a nossa traduccedilatildeo lsquolutarrsquo natildeo eacute de

todo segura)rdquo Importa destacar na observaccedilatildeo de VON RAD a liberdade inerente ao

autor do texto quando fornece uma explicaccedilatildeo ao novo nome do Patriarca

Aliaacutes o livro de Gecircnesis eacute de longe a mais rica fonte de exemplos nos quais a

nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares vem acompanhada por uma explicaccedilatildeo etimoloacutegica

do novo nome conferido Se natildeo isso ao menos uma alusatildeo ao sentido etimoloacutegico do

nome eacute feita (cf KRAŠOVEC 2010 p 6-7) Eva (320 - Hawwacirc) Caim (41 - qayin) Set

(425 - šeumlt) Noeacute (529 - noumlordfH) Babel (119 - Baumlbel) Ismael (161115 - yišmauml`eumlacutel) El-Roiacute

(1613 - acuteaTTacirc acuteeumll roacuteacuteicirc) Laai-Roiacute (1614 - Buumlacuteeumlr laHay roumlacuteicirc) AbratildeoAbraatildeo (175 - acuteabraumlm

acuteabraumlhaumlm) SaraiSara (1715 ndash Saumlray Saumlracirc) Segor (1920-22 - cocirc`ar) Moab (1937 -

mocircacuteaumlb) Ben-Ami (1938 - Ben-`ammicirc) Isaac (213-6 - yicHaumlq) Bersabeia (2131 - Buumlacuteeumlr

šaumlba`) ldquoYHWH proveraacuterdquo (2214 - yhwh(acuteaumldoumlnaumly) yiracuteegrave) Esauacute (2525 - `eumlSaumlw) Jacoacute (2526

- ya`aacuteqoumlb) Edom (2530 - acuteeacutedocircm) Esec (2620 - `eumlSeq) Sitna (2621 - Sidaggernacirc) Reobot (2622

- ruumlHoumlbocirct) SebaBersabeia (2633 - šib`acirc Buumlacuteeumlr šeba`) Jacoacute (2736 - ya`aacuteqoumlb)

162

BetelLuza (2819 - Becirc|t-acuteeumll lucircz) Ruacuteben (2932 - ruumlacuteucircbeumln) Simeatildeo (2933 - šim`ocircn) Levi

(2934 - leumlwicirc) Judaacute (2935 - yuumlhucircdacirc) Datilde (306 - Daumln) Neftali (308 - napTaumllicirc) Gad (3011

- Gaumld) Aser (3013 - acuteaumlšeumlr) Isaacar (3018 - yiSSaumlJkaumlr) Zabulon (3020 - zuumlbulucircn) Joseacute

(3023-24 - yocircseumlp) Jegar-Saaduta (3147 - yuumlgar Saumlhaacuteducirctaumlacute) Galed (3148 - Gal`eumld) Masfa

(3149 - micPacirc) Maanaim (322 - ma|Haacutenaumlyim) Fanuel (3231 - Puumlnicircacuteeumll) Sucot (3317 -

suKKocirct) El-Betel (357 - acuteeumll Becirct-acuteeumll) Carvalho-dos-Prantos (358 - acuteallocircn Baumlkucirct)

BenocircniBenjamim (3518 - Ben-acuteocircnicirc binyaumlmicircn) Fareacutes (3829 - Paumlrec) Zara (3830 -

zaumlraH) Manasseacutes (4151 - muumlnaššegrave) Efraim (4152 - acuteepraumlyim) Abel-Mesraim (5011 -

acuteaumlbeumll micrayim)

Apoacutes analisar vaacuterios casos de etiologias que se fundamentavam em etimologias

que tinham pouco ou nada a ver com o nome em questatildeo KRAŠOVEC (2010 p 43)

chega agrave seguinte conclusatildeo

Todos os exemplos de explicaccedilatildeo etioloacutegica de etimologia de nomes proacuteprios na Biacuteblia Hebraica representam uma foacutermula literaacuteria baacutesica que aparece em variantes Qualquer anaacutelise da explicaccedilatildeo etioloacutegica da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos levanta questotildees sobre a origem e o crescimento do texto seu cenaacuterio histoacuterico e sua autoria O contexto imediato e o contexto mais amplo das narrativas indicam claramente que uma histoacuteria complexa de tradiccedilotildees populares e criaccedilotildees literaacuterias estaacute por traacutes do presente texto As explicaccedilotildees etioloacutegicas da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos satildeo fenocircmenos literaacuterios e estiliacutesticos A nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares e a explicaccedilatildeo para os nomes baseiam-se em consideraccedilotildees literaacuterias antes que linguiacutesticas

GOumlRG (1991 p 81) faz uma constataccedilatildeo muito pertinente a essa questatildeo

segundo ele

Os nomes pessoais hebraicos do Antigo Testamento satildeo pesquisadas geralmente segundo a sua etimologia e semacircntica raramente pela sua forma sintaacutetica [] Um problema especiacutefico eacute a posiccedilatildeo de um nome em um dado contexto [] A etimologia filoloacutegica e linguisticamente defensaacutevel em conjunto com a descriccedilatildeo gramatical sintaacutetica da formaccedilatildeo do nome da pessoa nesses casos eacute em uacuteltima anaacutelise irrelevante para o processamento de exibiccedilatildeo o que eacute significativo somente para a intenccedilatildeo e horizonte da unidade ou dos literatos Na

163

ciecircncia ainda se gosta neste contexto de utilizar o termo criacutetico ldquoetimologia popularrdquo

ULLMANN (1967 p 205-206) mesmo referindo-se a casos extrabiacuteblicos jaacute

observava que palavras se formam em muitos casos por motivaccedilatildeo morfoloacutegica

(entenda-se foneacutetica) processo que vulgarmente eacute chamado de ldquoetimologia popularrdquo

Esta designaccedilatildeo foi muitas vezes criticada e ldquopopularrdquo natildeo eacute de fato termo muito apropriado pois que muitos destes erros natildeo foram cometidos pelo ldquopovordquo mas por pessoas cultas ou semicultas os copistas medievais os humanistas do Renascimento e outros ldquoEtimologia associativardquo designaccedilatildeo sugerida pelo professor Orr199 seria mais apropriada [] A forccedila impulsora que estaacute por detraacutes da etimologia popular eacute o desejo de motivar na linguagem aquilo que eacute ou se tornou opaco Como recentemente declarou um linguista francecircs ldquoa etimologia popular eacute uma reaccedilatildeo contra a arbitrariedade do signo Quer-se a todo custo explicar aquilo de que a liacutengua eacute incapaz de fornecer a explicaccedilatildeordquo200 A motivaccedilatildeo que deste modo uma palavra recebe eacute mais psicoloacutegica do que histoacuterica baseia-se nas associaccedilotildees do som e do sentido e nada tecircm a ver com os fatos da etimologia cientiacutefica [] A etimologia popular pode mesmo entrar em jogo quando as duas palavras natildeo satildeo idecircnticas mas apenas semelhantes no som Em tais casos a forma de uma das palavras seraacute alterada para a tornar homocircnima da outra (ULLMANN 1967 p 206 211-212)

Apenas para ficarmos em um exemplo de como a preocupaccedilatildeo de explicar ldquoa

todo custo aquilo de que a liacutengua eacute incapazrdquo como afirma ULLMANN no texto acima

citado tomemos o caso de Hermann Gunkel (1862-1932) um dos maiores e mais

reconhecidos estudiosos da literatura veterotestamentaacuteria fundador do meacutetodo de

anaacutelise conhecido por Formgeschichte (Criacutetica da Forma ou Histoacuteria das Formas que

consiste no estudo aprofundado dos gecircneros literaacuterios da Biacuteblia) e um dos maiores

representantes da Religionsgeschichtliche Schule (Escola da Histoacuteria das Religiotildees termo

aplicado a um grupo de teoacutelogos protestantes alematildees associados agrave Universidade de

199 O autor faz menccedilatildeo aqui agrave seguinte obra ORR John Words and sounds in English and French Oxford Basil Blackwell 1953 (Modern Language Studies 177) 200 Citaccedilatildeo do artigo VENDRYES Joseph Sur la deacutenomination Observations de linguistique general tregraves fines et de grande porteacutee pour lrsquohistoire et lrsquousage de vocabulaires Bulletin de la Socieacuteteacute de Linguistique de Paris Paris Librairie C Klincksieck t 48 fasc 1 p 1-13 1952 A citaccedilatildeo mencionada acima estaacute na p 6

164

Goumlttingen na deacutecada de 1890) Os estudiosos deparam-se com a dificuldade de se

tomar o nome ldquoIsraelrdquo a partir da etimologia fornecida pelo texto na qual Deus (El) eacute

o objeto e natildeo o sujeito do nome como se esperava sempre em casos semelhantes tal

interpolaccedilatildeo eacute assumida como se o nome fosse um lema para recordar a apreensatildeo da

becircnccedilatildeo por parte de Jacoacute a qual seria uma promessa de vitoacuteria e sucesso (cf SKINNER

1994 p 409) Gunkel afirma que essa explicaccedilatildeo do significado do nome fornecida

pelo texto foi orgulhosamente empregada para mostrar a natureza invenciacutevel e

triunfante da naccedilatildeo Israel com a ajuda de Deus lutaria contra todo o mundo e

quando necessaacuterio lutaria contra o proacuteprio Deus Vejamos o texto original em alematildeo

ldquoEs ist ein groszligartiger and sicherlich uralter Gedanke Israels es sei im Stande nicht nur die

Welt mit Gottes Huumllfe sondern auch wo noumltig Gott selber zu bekaumlmpfen and zu

uumlberwindenrdquo201 Gunkel atualizou essa afirmaccedilatildeo na terceira e uacuteltima ediccedilatildeo de sua obra

Genesis em 1910 a qual serviu de base para a versatildeo inglesa atual Ali se lecirc ldquoIsrael

Antigo assim interpreta seu nome com orgulhosa arrogacircncia para significar lsquolutador

vitorioso contra Deus e as pessoasrsquo lsquoinvenciacutevelrsquo lsquovitoriosorsquo para quem a divindade

natildeo poderia compelir nenhum inimigo o controlariardquo (GUNKEL 1997 p 350)202

Portanto mais do que nos apegarmos agraves vaacuterias possibilidades etimoloacutegicas

propostas por saacutebios e especialistas ao longo dos uacuteltimos seacuteculos em uma perspectiva

literaacuteria eacute mais uacutetil e producente nos atermos ao texto e seu contexto Atualmente

costuma-se denominar a etimologia biacuteblica com os termos ldquoetimologia literaacuteriardquo uma

vez que a sua preocupaccedilatildeo natildeo eacute com o sentido cientiacutefico da palavra explicada mas

sua funccedilatildeo no contexto literaacuterio em que se encontra ou midrashei shemot (twmv yvrdm)

termo tomado de empreacutestimo da literatura dos Saacutebios judeus indicando

ldquointerpretaccedilotildees de natureza midraacuteshica (homileacutetica) aplicadas aos nomes de pessoas

ou de lugares com base na sonoridade ou potencial semacircnticordquo (GARSIEL 1991 p 19)

Em inglecircs esse tipo de interpretaccedilatildeo eacute denominada midrashic name derivation (MND)

201 Este texto foi extraiacutedo da primeira ediccedilatildeo da obra de Hermann Gunkel Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1901 p 328 Uma traduccedilatildeo mais livre poderia ser ldquoEacute uma grande e certamente antiga ideia de Israel que ele era capaz [no sentido de dar conta] natildeo soacute com todo o mundo com a ajuda de Deus mas tambeacutem se necessaacuterio de lutar contra o proacuteprio Deus e de superarrdquo 202 A parte final dessa traduccedilatildeo (ldquopara quem a divindaderdquo) encontra-se no original da seguinte forma ldquodenn wen selbst die Gottheit nicht bezwingen konnte den wird kein Feind bewaumlltigenrdquo (GUNKEL Hermann Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt 3 Aufl Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1910)

165

A MND estaacute focada no passado onde vai buscar o sentido em eventos jaacute ocorridos

relacionados agravequela pessoa ou lugar ou no futuro sendo o nome algum tipo de

antecipaccedilatildeo de incidentes que ainda teratildeo lugar Para atingir tal escopo o autor lanccedila

matildeo de jogos de palavras trocadilhos assonacircncias uso de palavras cujas raiacutezes satildeo

semelhantes e assim por diante Tomemos um exemplo bem ilustrativo relacionado

ao nome de Jacoacute e Israel Neste exemplo um dos nomes Jacoacute natildeo eacute nem mesmo

mencionado mas o jogo eacute realizado com uma palavra que possui raiz e sonoridade

semelhante ao nome que se deseja referir Vejamos Amoacutes 412203

ה לכן ך כ ראל אעשה־ל ש י

אתi עקב אעשה־לך כי־ז

כון ראת־אלהיך ה ק ראל ל ש י

Portanto assim eu te farei oacute Israel

Porque (`qb) assim eu te farei

Prepara-te para encontrar com teu Deus oacute Israel (trad nossa)

Observa-se que o nome ldquoIsraelrdquo aparece aqui duas vezes enquanto ldquoJacoacuterdquo (y`qb

ndash bq[y) natildeo Mas eacute a Jacoacute que a derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome se refere quando usa

`qb No texto essa palavra constitui uma variaccedilatildeo homileacutetica de y`qb que eacute tratado

como uma conjunccedilatildeo causativa (porque) A falta de clareza do fraseado em hebraico eacute

uma evidecircncia do desejo profeacutetico de incluir uma derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome Natildeo

se teme em trazer alguma dificuldade agrave fluidez do texto tanto para se atingir um

objetivo Inclusive o duplo uso do verbo ldquofazerrdquo (`Sh - hf[) pode tambeacutem ser

intencional uma vez que na narrativa de Gecircnesis esse verbo fornece uma derivaccedilatildeo

midraacuteshica do nome do irmatildeo gecircmeo de Jacoacute Esauacute (`Sw - wf[) como exemplo cf Gn

27479141931 Dt 229 Ez 356

Retornemos agrave nossa periacutecope de Gn 3223-33 Na BH frequentemente quando

um nome eacute concedido a etimologia eacute explicada em verso Por isso natildeo nos surpreende

ler em Gn 3229b

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

203 Este exemplo eacute tomado de GARSIEL 1991 p 133-134

166

Agrave primeira vista essas duas linhas parecem um pobre bicolon204 Como a

sintaxe agora estaacute a uacuteltima palavra eacute separada de todas as outras para isolar uma

sentenccedila longa combinada com uma palavra final No entanto eacute possiacutevel enxergar um

bicolon poeacutetico por detraacutes dessas linhas segundo COOTE (1972 p 137) De fato ele

observa que como as linhas se encontram atualmente a siacutelaba meacutetrica eacute 8 por 8 Mas

se fizermos uma substituiccedilatildeo por formas mais antigas e mudanccedilas apropriadas o

paralelismo continua

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm Kicirc Sricirct `m acutelhicircm205

`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll206 `m acutenšicircm waTucirckl

Existem pares em paralelo que revelam o sentido paralelo original presumiacutevel

de todo o bicolon Sry|yKl `m|`m e acutelhicircm|acutenšicircm Desconsiderando por um momento

o waw conversivo percebemos o paralelismo arcaico comum das formas qtl (perfeito)

e yqtol (imperfeito) SricircT |TucircKl A disposiccedilatildeo dos pares eacute quiaacutestica Proporcionando um

sentido para a raiz Sry que se encaixa na histoacuteria eacute paralela a ykl e desfruta do suporte

da tradiccedilatildeo Em base a isso COOTE (1972 p 137) propotildee ler a explicaccedilatildeo etimoloacutegica

hipoteticamente nos termos da evidecircncia poeacutetica

Porque tu lutaste com deuses

E com homens tu prevaleceste207

COOTE observa que ldquoo significado da raiz Sry em Gn 3229

naturalmente natildeo eacute necessariamente o mesmo que o significado original de Sricirc no

nome de Israelrdquo (1972 p 137) Deve-se notar que ykl (raiz de Tucirckaumll) pode ser paralela

ao sentido tradicional de Sry em Gecircnesis 32 Se na origem do nome Israel vermos uma

construccedilatildeo arcaica (cf nota de rodapeacute abaixo) em referecircncia a El antes e ademais de

204 Bicolon (plural bicolons) eacute um par de linhas adjacentes de poesia em que a segunda linha ecoa o significado da primeira 205 Para tornar mais claro o paralelismo nessa segunda coluna foram retiradas as vogais e preservadas somente as consoantes e matres lectionis 206 Nesta segunda linha segundo COOTE (1972 p 137 n 1) eacute melhor abandonar o primeiro waw antes que o segundo e o kicirc pode ser abandonado ou mantido Ele observa ainda que a sintaxe da segunda linha natildeo eacute estranha pois aparece ocasionalmente no ugariacutetico onde seguindo uma frase adverbial uma forma yqtl pode ser precedida por waw (cf GORDON 1998 sect 1334) 207 COOTE (1972 p 141) em base ao paralelismo de `m acutelhicircm e `m acutenšicircm sugere que a sentenccedila completa

da forma do nome ldquoIsraelrdquo fosse originalmente algo semelhante a yaSri-ilu-acuteiloumlhigravema-wa-acuteanašigravema ldquoEl

julga deuses e homensrdquo

167

seu uso referir-se a Jacoacute nessa histoacuteria entatildeo torna-se possiacutevel reconstruir o sentido

etimoloacutegico do nome em base ao contexto poeacutetico da explicaccedilatildeo

Neste ponto faz-se mister voltarmos nosso olhar para a figura de El

independentemente do judaiacutesmo El (heb acuteeumll) em ugariacutetico eacute acute il em acaacutedio ilu Era

uma apelaccedilatildeo comum para designar ldquodeusrdquo e tambeacutem um nome proacuteprio de uma

divindade encontrada na Mesopotacircmia desde o terceiro milecircnio AEC que

aparentemente pertencia ao panteatildeo semiacutetico Dentre as vaacuterias hipoacuteteses etimoloacutegicas

para esse nome merece atenccedilatildeo a derivaccedilatildeo da raiz acutewyl que significa ldquoestar agrave frente

o primeiro ser forterdquo (POPE 1955 p 16-17) Nos textos de Ugarit (segunda metade do

segundo milecircnio AEC) o perfil de El eacute melhor revelado Ele se encontrava em segundo

ou terceiro lugar nas listas de deuses e sacrifiacutecios apoacutes ilib e il cpn (dois aspectos de El

que haviam de se tornado independentes) mas em textos mitoloacutegicos ele ocupava o

topo do panteatildeo e presidia como o rei soberano Outro aspecto interessante ldquotodas as

divindades exceto Baal e sua irmatilde Anat eram considerados seus filhos e a lsquofamiacutelia de

Elrsquo (bn il dr il)rdquo (KOumlCKERT 2004 c 881) Eacute aceita por muitos estudiosos atualmente

uma triacuteplice possibilidade a) a religiatildeo dos proto-israelitas eacute geralmente interpretada

como uma religiatildeo de El b) ou como que considerando os deuses clacircnicos como

manifestaccedilotildees pessoais especiacuteficas de El c) ou assume-se ter havido uma fase de

transiccedilatildeo na qual os deuses clacircnicos foram identificados com El antes de todos se

fundirem em YHWH (cf KOumlCKERT 2004 c 882) Interessa-nos observar como vem

apresentado esse deus

Na Histoacuteria Feniacutecia escrita no VI seacuteculo AEC por Sanchuniathon (e que estaacute em parte preservada graccedilas a Filo de Biblos por sua vez citado por Euseacutebio em sua Praeparatio evangelica) El aparece nas vestes de um deus guerreiro feroz capaz de impor-se em modo absoluto sobre todas as outras divindades208 A narrativa de Sanchuniathon de fato eacute atenta em ilustrar o processo teogocircnico seu escopo eacute avaliar qual seja a origem das vaacuterias divindades e quais sejam as suas relaccedilotildees reciacuteprocas e por isso destaca o papel de liacuteder assumido por El (FULCO 2002 p 178)

208 Uma seleccedilatildeo dos textos de Histoacuteria Feniacutecia que narra a vida de El na obra ele eacute chamado de Kronos com todas as suas principais faccedilanhas estaacute disponiacutevel em BAUMGARTEN 1981 p 181-183

168

Esse aspecto guerreiro estaacute presente natildeo somente em El mas em outras

divindades semitas incluindo Baal Elohicircm YHWH209 O elemento ldquolutarrdquo

ldquocombaterrdquo ldquocontenderrdquo eacute tido pelo texto de Gn 3229 como integrante da etimologia

do nome ldquoIsraelrdquo Seria entatildeo mera casualidade que o nome tal como explicado no

texto da BH natildeo refletisse essa realidade210

Importante notar que a liacutengua hebraica opera a criaccedilatildeo de novas palavras a

partir da combinaccedilatildeo das trecircs consoantes que geralmente formam suas raiacutezes Essa

operaccedilatildeo pode se realizar de duas maneiras principais (CLARK 1999 p XV-XVI)

a) As raiacutezes cognatas geralmente compartilham consoantes que se originam em um oacutergatildeo vocal comum Cada uma das trecircs consoantes de um cognato deve ter seu ldquoparceirordquo nas outras raiacutezes para fazer parte de uma famiacutelia cognata As raiacutezes cognatas compartilham um sentido geral p ex hbc (inchar crescer) xpv (adicionar aumentar acrescentar) aps (alimentar abastecer nutrir) b) Raiacutezes variantes Estas geralmente derivam de raiacutezes com uma consoante duplicada Quando uma das consoantes duplicadas eacute substituiacuteda por outra letra uma raiz relacionada eacute criada Essas raiacutezes ldquonovasrdquo satildeo chamadas Variantes Gradativas porque seu significado se assemelha ao significado da raiz original mas geralmente significa uma mudanccedila de intensidade ou foco

Tomando este uacuteltimo caso (raiacutezes variantes) haacute quem associe as raiacutezes rrX

(governar caprichosamente) hrX (exercer poder) rwX (regular controlar) percebendo

nelas uma mudanccedila de intensidade ou foco (CLARK 1999 p XVI) Nesse sentido

vaacuterias palavras propostas como possiacuteveis etimologias para ldquoIsraelrdquo apresentam

variaccedilotildees gradativas rXy (endireitar pocircr em ordem) rrX (concentrar forccedila gt sentido

cognato rrX = governar) hrX (afrouxar soltar desprender gt sentido cognato hrX =

governar) rwX (ver) ryX (cantar alto bradar proclamar cantando) Certamente o autor

de nossa periacutecope (Gn 3223-33) especialmente no v 29 tinha consciecircncia de estar

lindando com raiacutezes cognatas e variantes Mesmo a uacuteltima palavra do v 29 (waTTucirckaumll)

raiz lky (prevalecer) apresenta uma interessante variaccedilatildeo cognata com a raiz hlk (lutar

209 Um amplo estudo sobre essa temaacutetica estaacute disponiacutevel em MILLER Jr 1973 210 Cf o item 1 deste quarto capiacutetulo

169

esforccedilar-se empenhar-se rivalizar-se) (cf CLARK 1999 p 104) Seraacute que natildeo poderiacuteamos

ver aqui um paralelismo algo bem tiacutepico da poesia hebraica biacuteblica

Segundo ALTER (cf 1997 p 658) esse paralelismo natildeo eacute a mera repeticcedilatildeo de

duas ou mais palavras com significados semelhantes portanto natildeo se trata de

sinoniacutemia Para ele os poetas melhor que ningueacutem perceberam haacute muito tempo que

ldquonatildeo existem sinocircnimos verdadeirosrdquo mas o que ocorre na poesia na literatura eacute a

produccedilatildeo contiacutenua de significados Assim ele constata na poesia hebraica antiga que

ldquoo padratildeo dominante eacute um foco intensificaccedilatildeo ou especificaccedilatildeo de ideias imagens

accedilotildees temas de um verseto para o seguinterdquo (ALTER 1997 p 658) Desse modo natildeo

haacute repeticcedilatildeo que natildeo traga algo novo

Natildeo soacute as palavras hebraicas satildeo criadas atraveacutes de pequenas alteraccedilotildees em suas

raiacutezes mas alguns casos de jogo de palavras ou trocadilhos que encontramos em vaacuterios

textos biacuteblicos tambeacutem fazem uso de pequenas diferenciaccedilotildees nas consoantes e ateacute

mesmo vogais a fim de manter uma similaridade distinta com o nome proacuteprio com o

qual estaacute ldquojogandordquo Esse eacute o caso de Jeshurun que em Dt 3215 forma uma rima

interna

מן ש רון וי ש עט י ב וי

E Jeshurun (yšrwn) engordou-se (w-yšmn) e deu coiceshellip

Como se observa o nome (Jeshurun) e o trocadilho (wayyišman) diferem em

uma soacute consoante e suas vogais

Ainda com o nome proacuteprio Jeshurun encontramos outro exemplo em Mq 39

Aqui a imagem da pessoa que anda retamente (ou em uma estrada reta) eacute uma

interpretaccedilatildeo de natureza midraacuteshica para esse outro nome portado por Jacoacute Jeshurun

(yšwrwn - wrwvy) eacute aparentemente uma forma poeacutetica de um desenvolvimento sobre a

base comum ldquoIsraelrdquo Neste texto Jeshurun natildeo eacute mencionado mas subentendido na

penuacuteltima palavra (hayuumlšaumlracirc)

עו־נא מ את ש ב בית ראשי ז יעק

יני צ ראל בית וק ש י

ים פט המתעב ש מ

את שרה ו עקשו כל־הי י

Ouvi isto vos peccedilo chefes de Jacoacute

170

e governantes da casa de Israel (ySracutel)

que abominais a justiccedila

e pervertem tudo o que eacute reto (h-yšrh)

Ainda um uacuteltimo exemplo novamente envolvendo Jeshurun nome aplicado a

Israel como Patriarca e neste caso como nome de todo um povo As derivaccedilotildees

midraacuteshicas fazem uso tambeacutem de nomes que soam iguais e ocorrem juntos na mesma

unidade literaacuteria Vejamos Dt 334-5 (cf GARSIEL 1991 p 177-178)

וה־לנו תורה שה צ מ

לת מורשה ה ב ק יעק

י ה רון וי יש מלך ב

אסף ת ה ם ראשי ב טי יחד ע ב ראל ש ש י

Uma instruccedilatildeo comandou-nos Moiseacutes (mšh)

uma heranccedila (mwršh) da congregaccedilatildeo de Jacoacute

E havia um rei em Jeshurun (b-yšwrwn)

quando os chefes do povo foram reunidos juntos

Percebe-se sem muito esforccedilo que a palavra mocircraumlšacirc (hvrwm) soa aqui como um

jogo de palavras em relaccedilatildeo a Moiseacutes (moumlšegrave - hvm) e a Jeshurun (yšwrwn - wrwvy)

Mesmo a frase ldquoos chefes do povordquo (raumlordm šecirc `aumlm - ~[ yvar) contribui para focar sobre e

recorrecircncia das consoantes m š r (r v m)

Retomemos as explicaccedilotildees rabiacutenicas para a mudanccedila do nome de Jacoacute

Haviacuteamos jaacute citado no item anterior Bereshit Rabbah 783 mas na parte final deste

nuacutemero ainda haacute um texto que nos interessa e que natildeo foi totalmente incluiacutedo na

menccedilatildeo anterior

PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute Isso foi o que Jacoacute quis dizer quando disse a ele Visto que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Elohim (Gn 3310) assim como a face de Deus denota juiacutezo assim o teu rosto denota julgamento assim como com respeito agrave face de Deus [estaacute escrito] e ningueacutem apareceraacute diante de Minha face de matildeos vazias (Ex 225) ningueacutem pode aparecer diante do tua face de matildeos vazias ldquoCom os mortais e os

171

conquistourdquo ndash por isto Esauacute e seus chefes satildeo representados Uma outra interpretaccedilatildeo de PORQUE LUTASTE (SARITHA) COM DEUS tu cujas caracteriacutesticas estatildeo gravadas em alto (MIDRASH RABBAH 1939)

Aqui o novo nome de Jacoacute eacute interpretado em duas vertentes A primeira

tomando o sentido do verbo (Saumlricirctauml) como lutar primeiramente com Deus e depois

com homens A recordaccedilatildeo das palavras de Jacoacute no encontro com seu irmatildeo (Gn 3310)

de que ele vira a face de Esauacute como se visse a face de Deus eacute trazida como um apoio

da identificaccedilatildeo Mas haacute alguns acreacutescimos agrave fala de Jacoacute A menccedilatildeo agrave ldquoface de Deusrdquo

leva Rabi Elama dizer que se refere ao julgamento isso porque o tiacutetulo divino acuteeacuteloumlhicircm

(Deus) eacute tradicionalmente compreendido como significando o atributo de justiccedila do

Todo Poderoso O encontro de Jacoacute com o anjo eacute primeiramente retratado como uma

espeacutecie de accedilatildeo judicial com Esauacute na qual Jacoacute foi julgado como sendo a parte vitoriosa

(cf HAYWARD 2005 p 267) Mas haacute aqui nessa expressatildeo ldquoface de Deusrdquo uma

referecircncia a um mandamento biacuteblico de comparecer trecircs vezes no ano com oferendas

apropriadas diante de Deus (Ex 2314-17)211 Do mesmo modo Jacoacute enviou oferendas

a Esauacute (Gn 3213-21) enquanto este avanccedilava com suas tropas para encontraacute-lo Jacoacute

prevaleceu tambeacutem naquela ocasiatildeo A partir dessas consideraccedilotildees o Saacutebio

compreendeu que Jacoacute tornou-se Israel porque ele persistiu (raiz hebraica hrf) ou foi

firme (raiz hebraica rrf) com Deus A segunda vertente interpretativa para o novo

nome de Jacoacute toma o verbo hebraico presente no nome ldquoIsraelrdquo como derivado da raiz

rrf ldquoser um priacutenciperdquo ldquogovernarrdquo Desta raiz vem o substantivo rf ldquoum priacutenciperdquo

palavra usada pela BH para descrever seres angelicais como em Dn 1021 121 onde o

chefe dos anjos Miguel eacute chamado de ldquopriacutenciperdquo Na medida em que sua proacutepria

imagem eacute uma realidade celeste gravada no Trono da Gloacuteria Essa mesma

interpretaccedilatildeo eacute dada pelo Targum Onkelos Gn 3229 ldquoTeu nome jaacute natildeo seraacute mais Jacoacute

mas Israel porque um priacutencipe eacutes tu diante do Senhor e com homens tu tens

prevalecidordquo (THE TARGUMS OF ONKELOS 1862) Portanto Jacoacute apresenta para

o Targum um status principesco angelical No entanto para Bereshit Rabbah Jacoacute eacute

211 Essas trecircs festividades satildeo 1ordf) Festa dos Aacutezimos ou Paacutescoa (heb Pesach) 2ordf) Festa da Colheita ou Semanas 50 dias apoacutes o Pesach ndash Pestecostes (heb Shavuot) 3ordf) Festa da Colheira no outono ou CabanasTabernaacuteculos (heb Sukkot)

172

superior aos anjos pois ele suplantou o anjo de Esauacute adquiriu um novo nome e sua

imagem estaacute gravada no Trono de Deus Eacute o que fica claro nessa passagem de Bereshit

Rabbah 822

R Isaac comeccedilou Um altar de terra me faraacutes em todo lugar onde eu fizer Meu nome ser mencionado virei a ti e te abenccediloarei (Ex 2024) Se eu abenccediloo aquele que constroacutei um altar em Meu nome quanto mais devo eu parecer a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravadas em Meu Trono e abenccediloaacute-lo Assim se diz E DEUS APARECEU A JACOacute E O ABENCcedilOOU R Levi comeccedilou E um boi e um carneiro para ofertas de paz porque hoje o Senhor vos aparece (Lv 94) Se eu apareccedilo a quem ofereceu um carneiro em Meu nome e o abenccediloo quanto mais eu aparecerei a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravados no Meu trono e abenccediloaacute-lo (MIDRASH RABBAH 1939)

Desse modo ldquoa permanecircncia dessa semelhanccedila garantiria a contiacutenua presenccedila

de Deus e a becircnccedilatildeo para Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 269) No Talmude no tratado

ullin 92a lemos

Sim ele lutou com um anjo e prevaleceu ele chorou e lhe fez suacuteplicas [Os 125] Natildeo sei quem prevaleceu sobre quem Mas quando ele diz Pois tu lutaste com Deus e com os homens e prevaleceu [Gn 3229] eu sei que Jacoacute se tornou mestre sobre o anjo Ele chorou e suplicou-lhe [Os 125] Natildeo sei quem chorou a quem Mas quando diz E ele disse Deixa-me ir [Gn 3227] eu sei que o anjo chorou a Jacoacute ldquoPois tu lutaste com Deus e com os homensrdquo Disse Rabbah Ele lhe deu a entender que dois priacutencipes estavam destinados a vir dele o Chefe da Diaacutespora na Babilocircnia e o Priacutencipe na Terra de Israel esta foi tambeacutem uma

indicaccedilatildeo para ele do exiacutelio (EPISTEIN 2009)

Esse tratado dedica-se mais a discutir sobre o sentido (cf ullin 91a-92a) da

lesatildeo sofrida por Jacoacute no tendatildeo de sua coxa e a dieta alimentar dela decorrente Poreacutem

nessa citaccedilatildeo acima pode-se perceber que o sentido do nome Israel eacute interpretado

ldquocomo indicando a superioridade judaica em relaccedilatildeo ao serviccedilo angelical de Deus e

como fundamentando na autoridade das Escrituras a posiccedilatildeo do Chefe da Diaacutespora e

do Priacutencipe da Terra de Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 308) Pois nesses dois grandes

ofiacutecios institucionais o Talmude percebeu o verdadeiro significado de Israel como

173

aquele que alcanccedilou a superioridade ldquocom os homensrdquo Portanto o nome jaacute inclui uma

interpretaccedilatildeo daquilo que viraacute no periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

Agora reunindo os elementos que viemos refletindo neste quarto item do

capiacutetulo no qual estamos podemos tentar reestruturar Gn 3223-33 ressaltando os

elementos que mais nos interessam A partir daiacute poderaacute ficar mais claro natildeo somente

o sentido do nome Israel como tambeacutem o sentido e escopo de toda a periacutecope

A fim de favorecer uma visatildeo de conjunto todo o esquema estaacute na paacutegina

seguinte212 Abaixo se encontram algumas observaccedilotildees sobre o mesmo

O esquema destaca a estrutura concecircntrica da periacutecope como jaacute analisamos no

capiacutetulo anterior deste estudo O centro portanto eacute formado pelo diaacutelogo o qual

sempre merece destaque no caso de textos narrativos No diaacutelogo distinguimos os

falantes do modo como satildeo identificados pelo proacuteprio texto hebraico ldquoHrdquo que

significa ldquoHomemrdquo (v 25b) ldquoJrdquo que significa Jacoacute o Patriarca No proacuteprio diaacutelogo haacute

uma estrutura quiaacutestica tambeacutem como se pode observar no esquema

O v 33 foi deixado de fora pois reconhecidamente eacute uma adiccedilatildeo posterior mais

tardia agrave periacutecope em questatildeo Mas mesmo assim ele integra-se ao conjunto como jaacute

foi demonstrado no capiacutetulo anterior

Interessante que a combinaccedilatildeo das unidades A (vv 23a-25a) e Arsquo (v 32) servem

para separar Jacoacute de sua famiacutelia e deixaacute-lo sozinho diante do ser que o confronta mas

o une agrave famiacutelia novamente ao final Esses dois blocos satildeo marcados pelo verbo

ldquoatravessarrdquo (rb[) Esse verbo ressalta os cuidados e a tensatildeo de Jacoacute na etapa preacutevia

ao encontro com seu irmatildeo Esauacute Em Gn 321721a o que ldquoatravessardquo o que ldquopassardquo eacute

apenas seus pertences e servos Jacoacute parece esconder-se vir atraacutes A sua proacutepria

passagem somente se completa apoacutes Gn 3232 e mais especificamente em Gn 333

quando Jacoacute finalmente ousa aparecer ao seu irmatildeo

212 Servi-me da estrutura concebida por FOKKELMAN 1997 p 66 mas com adaptaccedilotildees proacuteprias A traduccedilatildeo do texto da BH tambeacutem eacute nossa

174

Unidade Texto Versiacuteculo

A Ele levantou-se naquela noite wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute 23a

tomou suas duas mulheres wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw

suas duas servas wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw

e seus onze filhos wuumlacuteet-acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw

23b

e atravessou o vau do Jaboc wa|yya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq 23c

Ele tomou-os e os fez atravessar a torrente wayyiqqaumlHeumlm wayya| aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal

24a

e fez atravessar o que era dele wa|yya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc 24b

Entatildeo ele ficou soacute wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc 25a

B E um homem lutava com ele ateacute elevar-se a aurora wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

25b

Vendo que natildeo podia contra ele wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc 26a

tocou na cavidade de sua coxa wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc 26b

e a cavidade da coxa de Jacoacute deslocou-se em sua luta com ele waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

26c

X a H Ele disse ldquoDeixa-me ir porque elevou-se a aurorardquo wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar

27a

J Ele disse ldquoNatildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloesrdquo wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

27b

x H Ele disse-lhe ldquoQual eacute o teu nomerdquo wayyoumlordm mer acuteeumllaumlyw magrave-ššuumlmeordmkauml

28a

J Ele disse ldquoJacoacuterdquo wayyoumlordm mer ya`aacuteqoumlb 28b

H Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricircordmtauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

29a

29b 29c

arsquo J Entatildeo Jacoacute interrogou dizendo ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo

wayyišacuteal ya`aacuteqoumlb wayyoumlordm mer haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml

30a

H Ele respondeu ldquoPor que isso Tu perguntas pelo meu nome laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc

30b

E ele o abenccediloou ali wayuumlbaumlordmrek acuteoumltocirc šaumlm 30c

Brsquo Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll

31a

porque eu vi a Deus face a face Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

31b

e minha vida foi salva waTTinnaumlceumll napšicirc 31c

Arsquo O sol brilhava para ele quando atravessou Fanuel wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš Kaacuteaacutešer `aumlbar acuteet-Puumlnucircacuteeumll

32a

e ele coxeava de uma coxa wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-yuumlreumlkocirc 32b

175

Agrave dupla travessia mostrada no iniacutecio (Gn 322324) que natildeo deixa de ser o

uacuteltimo estratagema de Jacoacute para fugir da ira de seu irmatildeo e uma demonstraccedilatildeo de

inseguranccedila se contrapotildee uma dupla soluccedilatildeo ou passagem em Gn 3232 ao

amanhecer e uma travessa complementar em Gn 333 a fim de saudar seu irmatildeo mas

agora Jacoacute se coloca agrave frente de todos ao contraacuterio da sua atitude anterior ao encontro

como mencionamos acima

Jaacute destacamos anteriormente a assonacircncia formada no iniacutecio desta periacutecope

colocando o rio (Jaboc) e a personagem (Jacoacute) como pertencentes um ao outro Assim

como o riacho eacute para ser ldquoatravessadordquo Jacoacute eacute algueacutem em vias de fazer a maior

travessia de sua vida deixando para traacutes seu obscuro passado e abraccedilando seu irmatildeo

e sua nova missatildeo Na travessia do Jaboc se daraacute a travessiatransformaccedilatildeo de Jacoacute

Naquela noite ele muda adquiri um novo nome (Israel) e um novo aspecto a

claudicacircncia devido o embate com ldquoum homemrdquo

Antes de atravessar Jacoacute ainda se depara com sua antiga ldquofacerdquo seu antigo

ldquoserrdquo Natildeo por acaso a palavra Paumlnicircm significa face mas tambeacutem o interior da pessoa

ou a proacutepria pessoa Isso porque ldquodado que o ser de uma pessoa se expressa em seu

rosto e este a caracteriza em sentido amplo pode designar tambeacutem a toda a pessoardquo

(VAN DER WOUDE 1985b c 557) Em 2Sm 1711 encontramos um exemplo desse

sentido ldquoEu portanto aconselho que todo o Israel de Datilde a Bersabeia se reuacutena em

torno de ti tatildeo numeroso como os gratildeos de areia na praia do mar e tu marcharaacutes

pessoalmente (paumlnEcircordmkauml) ao combaterdquo (trad BJ) Portanto o ldquoface a facerdquo de Jacoacute agraves

margens do Jaboc natildeo foi somente com Deus conforme ele mesmo constata em Gn

3231b mas com toda a sua experiecircncia histoacuterica

Toda a accedilatildeo descrita pela nossa periacutecope eacute bem enquadrada temporalmente

como sendo uma uacutenica noite A oposiccedilatildeo noite (Ballaordmylacirc hucircacute - v 23a) e nascer do sol

(wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš - v 32a) delimita tudo a uma uacutenica noite Essa noite serve como

uma cobertura e ocultaccedilatildeo do oponente de Jacoacute como tambeacutem simboliza o lado

obscuro e pouco correto desse Patriarca

Neste tempo de uma uacutenica noite Jacoacute resta ldquosozinhordquo ldquoagrave parterdquo (luumlbaDDocirc v

25a) Interessante observar que essa expressatildeo ocorre poucas vezes no primeiro livro

da Toraacute Adatildeo encontra-se solitaacuterio por isso Deus lhe forja uma companheira (Gn

176

218) Contudo ldquoem sua solidatildeo titacircnica os patriarcas natildeo satildeo jamais ditos lsquosozinhosrsquordquo

(LOEWENTHAL 2003 p 27) Diferentemente a solidatildeo faz parte da vida de Jacoacute

Gn 3040 nos mostra ele soacute quando decide separar o proacuteprio rebanho

daquele de seu sogro e patratildeo que o enganou A solidatildeo faz parte dos

preparativos de sua partida sua autonomia

Gn 3217 mostra Jacoacute colocando ldquoagrave parterdquo os rebanhos que pretende

presentear a seu irmatildeo para natildeo tecirc-lo mais como inimigo

Gn 3225 nos mostra Jacoacute apoacutes fazer atravessar seus pertences e toda a sua

famiacutelia permanecendo soacute para a sua misteriosa batalha junto ao vau do

Jaboc

Gn 4238 mostra o medo de Jacoacute que seu filho Benjamim acompanhe seus

irmatildeos na viagem ao Egito uma vez que dos dois filhos de Raquel ele ficou

soacute sendo o uacutenico sobrevivente Jacoacute pensa que Joseacute o irmatildeo materno de

Benjamim tenha morrido

Gn 4332 fica agrave parte solitaacuterio agrave mesa ldquoporque os egiacutepcios natildeo podem tomar

suas refeiccedilotildees com os hebreus tecircm horror dissordquo

Gn 4420 destaca que Benjamim ficou soacute apoacutes a pressuposta morte de seu

irmatildeo materno Benjamim

Portanto a solidatildeo eacute uma das condiccedilotildees de vida desse Patriarca E no momento

mais crucial de sua existecircncia ele estaraacute novamente solitaacuterio A solidatildeo parece ser

parte integrante da paciente espera que marca a vida de Jacoacute Por quatorze anos ele

soube esperar pela mulher que amava e que estava diante de seus olhos todos os dias

E ainda eacute capaz de dizer ldquoJacoacute serviu entatildeo por Raquel durante sete anos que lhe

pareceram alguns dias de tal modo ele a amavardquo (Gn 2920) Como bem observa

LOEWENTHAL (2003 p 33) ldquoAbraatildeo parte Isaac obedece Jacoacute esperardquo

O v 25a irrompe de modo abrupto sem preacute-aviso A luta literalmente o ldquorolar

pelo poacute pela terrardquo (yeumlacuteaumlbeumlq) natildeo era o encontro esperado e preparado por Jacoacute Este

estava se aprontando para o encontro com seu irmatildeo Esauacute No entanto aquilo que

sucede ao Patriarca eacute a consequecircncia de suas accedilotildees e deve finalmente ser suportado

por ele sozinho Tais consequecircncias natildeo podem ser desviadas total ou parcialmente

para os pastores (que vatildeo entregar um presente a Esauacute ndash Gn 3214b-21) ou para as

177

esposas cujas vidas satildeo decisivamente influenciadas pelo ldquofator Jacoacuterdquo (pelo qual Lia eacute

ldquoodiadardquo e negligenciada por Jacoacute que prefere Raquel a qual por sua vez apresenta

dificuldades para dar filhos a seu marido e sente-se inferior e tem inveja da irmatilde ndash Gn

2931ndash3024) O v 25a descreve uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para o confronto posterior

ou seja o fato de Jacoacute ter ficado sozinho mesmo que talvez natildeo seja uma opccedilatildeo dele

o que eliminaria o elemento surpresa que integra muitas narrativas biacuteblicas (cf

FOKKELMAN 2004 p 212) Isso natildeo significa que o seu adversaacuterio ldquoum homemrdquo

natildeo pudesse saber disso previamente

Entatildeo qual seria o motivo dos preparativos dos vv 23-24 Se Jacoacute natildeo tinha a

deliberada intenccedilatildeo de ficar sozinho por que entatildeo realiza as accedilotildees descritas nesses

versiacuteculos mencionados No entanto eacute bom ter presente que essa era a intenccedilatildeo do

narrador ou seja conduzir Jacoacute a ldquoficar soacuterdquo (wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc v 25a) Tal

intenccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com a intenccedilatildeo da personagem Jacoacute Em Gn 3223-24 Jacoacute

faz com que os membros reais de sua famiacutelia atravessem o Jaboc Mas no texto

imediatamente anterior satildeo os seus servos que devem atravessar a fim de que Jacoacute e

sua gente pudessem ficar a salvos (cf Gn 3214-22) Entatildeo por que a mudanccedila de

planos durante a noite Temos uma tentativa de resposta

Isso soacute pode significar que na inquietaccedilatildeo de sua mais longa noite Jacoacute acordou para o fato de que pendurar-se atraacutes significa esconder-se esquivando-se da responsabilidade Embora estejamos aleacutem dos limites da verificaccedilatildeo Eu prefiro a interpretaccedilatildeo de que ao atravessar Jacoacute quer fazer uma reparaccedilatildeo ele quer liderar o caminho e quer ir ao encontro do proacuteprio Esauacute Se ele se tornou consciente da extensatildeo de sua culpa jaacute natildeo pode ser discernido no texto mas isso parece improvaacutevel para mim pois nos vv 14-22 ele ainda natildeo tinha reconhecido a dupla face da minHacirc-reconciliaccedilatildeo Ao enviar seu

povo ele tambeacutem desiste de uma linha de defesa de modo que outros planos de combate se tornaram inuacuteteis (maHaacutenegrave-soluccedilatildeo) E ele faz do

Jaboc um seacuterio obstaacuteculo natildeo para Esauacute mas para si mesmo ele quer fugir A repeticcedilatildeo de `Br indica que eacute uma operaccedilatildeo pesada para Jacoacute

(FOKKELMAN 2004 p 212-213)

A cena da luta eacute bem definida e enquadrada por expressotildees semelhantes

wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc (v 25b) e Buumlheumlacuteaumlbqocirc `immocirc (v 26c) Percebe-se como acontece

desde o iniacutecio de nossa periacutecope uma preocupaccedilatildeo com a assonacircncia paronomaacutesia e

178

combinaccedilatildeo de sons e sentidos das palavras empregadas fruto de uma acurada e

atenta composiccedilatildeo O verbo escolhido para expressar a luta (wayyeumlacuteaumlbeumlq - raiz qba)

que natildeo ocorre em nenhum outro lugar da Biacuteblia natildeo soacute continua a geminaccedilatildeo foneacutetica

com ya`aacuteboumlr (atravessou) e yaBBoumlq (Jaboc v 23) mas - permitindo a confluecircncia das duas

gutturais (aleph e ayin) - absorve os elementos do proacuteprio nome de Jacoacute A proposital

incoacutegnita sobre a identidade da personagem que luta com Jacoacute combina com as

intenccedilotildees do mesmo as quais se escondem em sua recusa de revelar seu nome

portanto de autorrevelar-se Com isso ele provoca Jacoacute a pensar e avaliar-se a si

mesmo O contexto onde tudo se desenrola eacute a escuridatildeo eacute a noite assim como foi em

sua visatildeo de Betel (Gn 2810-22 observe-se o iniacutecio da cena wayyaumlordmlen šaumlm Kicirc-baumlacute

haššeordmmeš ndash ali passou a noite pois o sol havia-se posto) Eacute sempre o medo a incerteza que

agarram Jacoacute Como observa FOKKELMAN (2004 p 213) nessa circunstacircncia externa

e interna Jacoacute ldquonatildeo enxerga a si mesmo ainda natildeo reconhece a sua nova identidade

que pode salvaacute-lo a renovada integridade que nasce no reconhecimento e confissatildeo

da proacutepria culpardquo

Na luta com o seu contendente Jacoacute eacute levado a perceber que tem uma forccedila que

vai muito aleacutem da compreensatildeo e resistecircncia humanas Os pronomes hebraicos no

versiacuteculo 26 satildeo menos especiacuteficos em sua referecircncia de modo que podemos nos

perguntar se o astuto Jacoacute natildeo eacute antes o agressor Algo bem plausiacutevel devido o grito

que seu oponente emite no versiacuteculo seguinte šalluumlHeumlordmnicirc (v 27 deixa-me ir solta-me

liberta-me) Inclusive o seu oponente apesar de ser divino natildeo o espanca mas apenas

ldquotoca na cavidade de sua coxardquo (yiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc v 26c) Tocar a coxa eacute ameaccedilar a

potecircncia do oponente alcanccedilar a fonte geradora de poder e o nome de Jacoacute natildeo

podemos nos esquecer significa ldquosuplantadorrdquo Na cena do encontro de Jacoacute com as

filhas de Labatildeo a forccedila sobre-humana dele jaacute se faz observar (cf Gn 291-14) Mesmo

estando coxo abaixo da cintura ele manteacutem preso o oponente em seus braccedilos Jacoacute natildeo

o deixa enquanto ele natildeo o abenccediloar Sim Isso revela bem quem eacute Jacoacute ele quer a

becircnccedilatildeo ldquoda mais miseraacutevel situaccedilatildeo ele quer emergir como um homem enriquecidordquo

(FOKKELMAN 2004 p 215) Foi assim quando foi explorado e enganado pelo seu

sogro Labatildeo eacute assim aqui em seu embate com a divindade Assim a becircnccedilatildeo que foi a

palavra-chave da primeira fase de seu ciclo quando usurpa o direito de primogenitura

179

e becircnccedilatildeo de seu irmatildeo (cf Gn 271-45) volta a ser fundamental nessa terceira fase de

sua vida Se quando teve de fugir do oacutedio de Esauacute ele recebeu a becircnccedilatildeo concedida a

Abraatildeo no pernoite em Betel (cf Gn 2812-15) agora em seu retorno ele deseja receber

a becircnccedilatildeo de seu oponente para poder enfrentar o momento mais tenso e crucial de sua

vida Se a personagem Jacoacute estava ou natildeo jaacute consciente em Gn 3227b quando solicita

a becircnccedilatildeo das enormes implicaccedilotildees futuras que esse gesto teria natildeo nos conveacutem

especular aqui basta saber que o narrador certamente o estaacute

Apoacutes reivindicar a becircnccedilatildeo Jacoacute recebe uma pergunta direta do oponente eumllaumlyw

magrave-ššuumlmeordmkauml (Qual eacute o teu nome ndash v 28a) Essa pergunta certamente faz Jacoacute recordar-

se do momento em que se apresentou diante de Isaac seu pai fazendo-se passar pelo

seu irmatildeo Esauacute Naquela ocasiatildeo Isaac lhe perguntou micirc acuteaTTacirc Buumlnicirc (Gn 2718b Quem

eacutes tu meu filho) E a resposta de Jacoacute foi acuteaumlnoumlkicirc `eumlSaumlw Buumlkoumlrekauml (Gn 2719a Sou Esauacute

teu primogecircnito) Agora diante de seu contendor ele se redime e admite quem ele

realmente eacute Quando Jacoacute diz o seu proacuteprio nome ele ldquose entregardquo nas matildeos de quem

lhe interroga eacute a sua ldquoconfissatildeordquo como mencionamos acima Como vimos no capiacutetulo

segundo deste nosso estudo o nome para os semitas natildeo eacute um acidente algo casual

mas o vetor do misteacuterio da pessoa eacute a sua verdade mais iacutentima aquilo que a pessoa eacute

Assim sendo ldquoo Jacoacute que diz o seu nome eacute um rendido estou em tua posse porque Tu

sabes de mim a coisa mais importante o meu segredo te pertencerdquo (MORFINO 2003

p 42) Entatildeo a suposta ldquovitoacuteriardquo de Jacoacute sobre o ser com o qual combate mistura-se a

uma espeacutecie de ldquoderrotardquo uma vez que seu adversaacuterio possui uma informaccedilatildeo que ele

natildeo obteve quando lhe potildee uma pergunta semelhante haGGicircdacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml ndash ldquoDiga-

me por favor o teu nomerdquo v 30a) Ao reconhecer chamar-se Jacoacute implicitamente estaacute o

significado do nome conferido ao longo da primeira fase do ciclo dessa personagem

especialmente em Gn 2736ab wayyoumlacutemer haacutekicirc qaumlraumlacute šuumlmocirc ya`aacuteqoumlb wayya`quumlbeumlnicirc zegrave

pa`aacutemayim acuteet-Buumlkoumlraumlticirc laumlqaumlH wuumlhinnEuml `aTTacirc laumlqaH Birkaumlticirc213 (Ele [Esauacute] disse Natildeo eacute que214

seu nome seja Jacoacute Pois enganou-me215 duas vezes Ele tomou minha primogenitura e eis que

213 Este texto eacute todo composto agrave base de paronomaacutesia Recurso empregado como jaacute visto tambeacutem em Gn 3223-33 214 Esta minha traduccedilatildeo apoia-se em quanto eacute dito em JOUumlON MURAOKA 2006 sect 161j 215 Haacute um jogo de palavras com bqe[ (calcanhar) e o verbo bq[ (enganar suplantar trapacear) ambas

possuem raiacutezes idecircnticas Sem duacutevida ldquoessa ligaccedilatildeo com o calcanhar o salto eacute bem compreensiacutevel agrave luz

180

agora toma minha becircnccedilatildeo) Esta eacute a razatildeo quando se daacute a luta no vau do Jaboc e lhe vem

solicitado o nome de Jacoacute dizer finalmente a sua verdade ele eacute verdadeiramente

Ya`aacuteqoumlb aquele que desde o princiacutepio jogou em base ao engano agrave trapaccedila Revelando

seu nome Jacoacute entrega a sua proacutepria histoacuteria de fraude e carreirismo de suplantador

e enganador Somente a tiacutetulo informativo o sentido etimoloacutegico do nome Jacoacute eacute

identificado em dupla possibilidade A primeira que ganhou mais adeptos e foi mais

consagrada identifica a base do nome na raiz bq[ ldquovigiar protegerrdquo ldquopresente no sul-

araacutebico e tambeacutem em etioacutepico e traduz o nome Jacoacute com lsquoDeus protegeursquo ou lsquoque Deus

protejarsquordquo (ZOBEL 2003 c 882) Esta explicaccedilatildeo foi contestada e em seu lugar surgiu

outra que toma a mesma raiz bq[ mas com o significado de ldquoestar imediatamente

atraacutes estar proacuteximordquo em base a textos ugariacuteticos palavra estaacute presente tambeacutem em

amorreu e feniacutecio Assim sendo o nome Jacoacute deveria ser traduzido por ldquoele (= El) estaacute

proacuteximordquo (ZOBEL 2003 c 882)

Apoacutes ldquoentregarrdquo seu nomeidentidade sua histoacuteria seu passado Jacoacute recebe

um novo nomeidentidade wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll Kicirc|-

Saumlricircordmtauml im-acuteeacuteloumlhicircm wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (v 29) Estruturalmente a concessatildeo do novo

nome Israel repara a simetria que tinha sido perturbada desde os episoacutedios de abertura

do ciclo de Jacoacute Lembremos que o irmatildeo mais velho jaacute tinha dois nomes cada um com

sua etiologia (Gn 2525 Esauacute 2530 Edom) Aliaacutes a aposiccedilatildeo redundante de Seir e Edom

em Gn 324 serve para recordar esse fato Enquanto Jacoacute apesar do detalhe da luta

intrauterina recebera apenas um nome Como jaacute abordamos acima haacute neste verso um

claro paralelismo algo normal na poesia hebraica De propoacutesito o autor joga tambeacutem

com a ambiguidade do verbo que emprega para justificar o novo nome concedido a

Jacoacute YiSraumlacuteeumll O verbo Saumlricirctauml pode apoiar-se em diversas raiacutezes possiacuteveis como jaacute vimos

antecipadamente Constatamos que nenhuma das sugestotildees propostas para explicar o

elemento verbal presente no novo nome logrou alcanccedilar aceitaccedilatildeo unacircnime entre os

estudiosos ou produziu uma completa satisfaccedilatildeo na maioria deles No entanto em se

tratando de literatura hebraica e com base em vaacuterios exemplos presentes na BH alguns

daquela luta que desde o iniacutecio marcou as relaccedilotildees entre os dois gecircmeos Desde o ventre materno os dois estavam em antagonismo Esauacute eacute o primeiro que olha para a vida mas haacute imediatamente Jacoacute que agarra seu irmatildeo pelo calcanhar para puxaacute-lo para traacutes e suplantaacute-lordquo (MORFINO 2003 p 43-44)

181

dos quais foram aqui mencionados em que a escolha de palavras expressotildees e nomes

estaacute vinculada ao contexto e ao objetivo do autor o estabelecimento do sentido do

nome YiSraumlacuteeumll e o motivo de sua escolha natildeo satildeo impossiacuteveis de se atingir

Primeiramente cabe constatar que em toda a periacutecope (Gn 3223-33) o

som das palavras joga um papel determinante como jaacute foi demonstrado

anteriormente A escolha de palavras inclusive algumas muito raras estava a serviccedilo

da produccedilatildeo de paronomaacutesias e assonacircncias Fato este que chamou a atenccedilatildeo de

MARKS (1995 p 39) ldquoO que eacute impressionante em tudo isso eacute a forma como os nomes

parecem reproduzir atraveacutes das mudanccedilas delicadamente animadas da linguagem os

mecanismos de projeccedilatildeo e autorreflexatildeo que observamos na narrativa da luta como se

o problema da geminaccedilatildeo [duplicaccedilatildeo e duplicidade de sentidos] tivesse estendido seu

domiacutenio agrave relaccedilatildeo de palavra e atordquo

Em segundo lugar eacute comum agrave liacutengua hebraica como vimos criar-se

palavras a partir de radicais semelhantes acentuando ou intensificando o sentido de

um determinado radical a partir de novos vocaacutebulos que dele surgem O elemento

verbal do nome YiSraumlacuteeumll pode propositalmente lidar com uma rica polissemia

Importante ressaltar que ldquoeste ato de lsquojogarrsquo com uma multiplicidade de derivaccedilotildees

natildeo eacute um erro do escritor nem uma incapacidade de decifrar do leitor eacute uma desejada

indicada superposiccedilatildeo de sentidos que enriquece incrivelmente o significadordquo

(MORFINO 2003 p 44)

Em terceiro e uacuteltimo lugar eacute importante sempre considerar que o contexto eacute

imprescindiacutevel para determinar o sentido dos textos e das palavras na BH Por isso

vale a pena destacar os quatro elementos que formam o contexto no qual estaacute situada

a cena em que Jacoacute recebe o seu novo nome fornecem a direccedilatildeo da interpretaccedilatildeo (cf

ROSS 1985 p 341)

1ordm) o cenaacuterio geograacutefico a luta ocorreu no limiar da terra da promessa Jacoacute estava

fora dessa terra desde a sua fuga de Esauacute do qual ele tomou a becircnccedilatildeo Portanto a

nossa cena eacute posicionada de modo intencional como um ldquorito de passagemrdquo que

conduziraacute agrave reconciliaccedilatildeo entre os dois irmatildeos gecircmeos

182

2ordm) O elemento unificador da histoacuteria eacute a nomeaccedilatildeo isto eacute a transformaccedilatildeo de

Jacoacute em Israel O novo nome natildeo eacute apenas adicionado a uma narrativa antiga ele eacute

explicado por ela

3ordm) Nomes de lugares no retorno de Jacoacute para a terra de seus pais as narrativas

estatildeo sempre relacionadas a determinados lugares Maanaim (Gn 321-2) Fanuel (Gn

3230) e Sucot (Gn 3317) cujos nomes vecircm explicados por Jacoacute

4ordm) A histoacuteria estaacute ligada a uma restriccedilatildeo dieteacutetica para os filhos de Israel Este

tabu foi um costume que cresceu com base em um evento mas natildeo fazia parte da Lei

O evento na tradiccedilatildeo criou-o e explicou-o

A nossa periacutecope natildeo deixa de ser uma resposta agrave suacuteplica constante em Gn

3210-13 mesmo que este texto seja mais tardio afinal Jacoacute implora a Deus que salve-

o da ira de seu irmatildeo haccicircleumlnicirc naumlacute miyyad acuteaumlHicirc miyyad `eumlSaumlw (Gn 3212a Livra-me da

matildeo de meu irmatildeo da matildeo de Esauacute) Segundo JACOB (cf 2007 p 223) a luta daraacute a

resposta que Jacoacute tanto busca

Natildeo podemos deixar de perceber nesta interpretaccedilatildeo final de nossa periacutecope a

interconexatildeo existente entre a nossa cena e as cenas anterior e posterior Isso ocorre

com o uso da palavra ldquofacerdquo (Paumlnicircm)

a) Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw BamminHacirc hahoumlleket luumlpaumlnaumly wuumlacuteaHaacuterecirc-keumln acuteeracuteegrave

paumlnaumlyw acuteucirclay yiSSaumlacute paumlnaumly Eu aplacarei suas faces216 com a oferenda que segue

adiante de mim Depois verei suas faces e talvez ele erga minhas faces217

Aqui ainda se revela a ldquovelhardquo face de Jacoacute o esperto o astuto Ele crecirc poder

controlar suplantar seu irmatildeo com presentes oferendas Pensa evitar o face

a face o olho no olho com o irmatildeo

b) Gn 3231 wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircticirc eacuteloumlhicircm Paumlnicircm el-

Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel [Face de El] porque

eu vi a Deus face a face e minha vida foi salva

A ldquonovardquo face de Jacoacute agora com o novo nome Israel se revela A sua ldquovida

foi salvardquo natildeo apenas por ter visto Deus face a face mas porque jaacute se sente

216 Literalmente essa expressatildeo significa ldquocobrir sua facerdquo Eacute como se Jacoacute quisesse dizer que taparia o rosto de oacutedio e rancor de Esauacute com seus presentes 217 Utilizo aqui a traduccedilatildeo de CHOURAQUI 1995 p 340 por ser mais literal e render melhor a presenccedila

do vocaacutebulo Paumlnicircm

183

atendido em sua suacuteplica (Gn 3212) Israel estaacute a salvo de Esauacute O ldquopassarrdquo

(rb[) em perigo sob tensatildeo e alto risco transforma-se em passar em aliacutevio

Natildeo eacute mais Jacoacute que atravessa mas Israel Deve-se notar poreacutem que

ldquoFanuelrdquo carrega conotaccedilotildees de um jogo de palavras exprimindo

anterioridade ou precedecircncia que aparecem na cena anterior (Gn 3241718 ndash

Paumlnicircm aparece em estado construto com sufixos pronominais significando

adiante de) Naquela cena Jacoacute apressa-se em passar tudo adiante de si mesmo

e de seu irmatildeo servos rebanhos mulheres e crianccedilas Aliaacutes em Gn 3219-21

aparece por quatro vezes a expressatildeo ldquodepois deatraacutes derdquo (heb acuteaHaacuterecirc) em

referecircncia a Esauacute Eacute claro que o leitor eacute convidado a ver aqui o problema que

originou tudo isso ou seja o duplo roubo de Jacoacute (primogenitura e becircnccedilatildeo)

por duas vezes ele revoga a prioridade existente Seu irmatildeo Esauacute mais lento

aquele que vem sempre ldquodepois derdquo Jacoacute reconhece isso quando interpreta

o nome de Jacoacute em base ao princiacutepio nomen ndash omen (nome ndash mau pressaacutegio)

em Gn 2736 Outro efeito dessa arte da linguagem realizada pelo autor eacute

que tais correspondecircncias funcionam como uma conexatildeo em uma fuga mais

longa na qual repeticcedilotildees e etimologias contrapotildeem as duplas baacutesicas de

irmatildeo e irmatildeo (Jacoacute e Esauacute) homem e Deus (Jacoacute e Elohicircm)218

218 Essa duplicidade homem Deus comeccedila a ser mostrada deste o iniacutecio do capiacutetulo 32 que precede a nossa periacutecope (Gn 321-3) ldquoE Labatildeo levantou-se cedo beijou seus filhos e suas filhas e os abenccediloou e Labatildeo partiu e voltou ao seu lugar Entatildeo Jacoacute seguiu o seu caminho e anjos de Deus encontraram-se com ele Ao vecirc-los disse Este eacute o acampamento de Deus E chamou agravequele lugar Maanaimrdquo (trad nossa) Aqui os anjos relembram a teofania e promessa divina em Betel (Gn 2810-20) assim como a partida de Labatildeo relembra o beijo e becircnccedilatildeo concedidos por Isaac natildeo aos seus dois filhos mas somente a Jacoacute (Gn 2727) Beijo e becircnccedilatildeo seratildeo lembrados apoacutes a luta quando um Jacoacute justificado recebe o beijo de Esauacute e convida-lhe para aceitar o seu presente que ele idiomaticamente chama ldquominha becircnccedilatildeordquo (Birkaumlticirc Gn 3311) Como bem observa MARKS (1995 p 36 n 25) ldquoEste relato ecoa por sua vez o relato

do beijo que Labatildeo corre para dar em Jacoacute quando ele chega em Padatilde-Aram (2913) Tendo lsquoabenccediloadorsquo seus filhos e suas filhas Labatildeo retorna a lsquoseu lugarrsquo O lugar para o qual Jacoacute volta os seus passos depois de ser omitido intencionalmente da becircnccedilatildeo de Labatildeo eacute aquele cuja identidade e nome ainda precisam ser disputados [lutados]rdquo O que aconteceraacute em nossa periacutecope (Gn 3223-33) A duplicidade continua em Gn 323 quando Jacoacute vecirc um acampamento de anjos mas o nomeia como sendo ldquodois camposrdquo pois Maanaim eacute um substantivo hebraico dual Provavelmente numa referecircncia tambeacutem dual e oposta acampamento de anjos e acampamento de Jacoacute Haacute uma duplicidade humanodivino na mudanccedila semacircntica da palavra malacuteaumlkicircm De ldquoanjosrdquo que Jacoacute vecirc (322) aos ldquomensageirosrdquo que ele envia ao seu

irmatildeo (324 malacuteaumlkicircm) Contudo esse dual pode ainda ter outra interpretaccedilatildeo ldquoNo entanto a divisatildeo

subsequente de Jacoacute de seus proacuteprios seguidores em dois acampamentos (maHaacutenocirct vv 811) manteacutem

ativa a outra possiacutevel interpretaccedilatildeo do dual - a de uma divisatildeo dentro do proacuteprio campo divino - lanccedilando sua sombra tipoloacutegica atraveacutes da apariccedilatildeo suacutebita mais tarde naquela noite do oponente espectralrdquo (MARKS 1995 p 37)

184

c) Gn 3310 wayyoumlacutemer ya`aacuteqoumlb acuteal-naumlacute acuteim-naumlacute maumlcaumlacuteticirc Heumln Buuml`ecircnEcirckauml wuumllaumlqaHTauml

minHaumlticirc miyyaumldicirc Kicirc `al-Keumln raumlacuteicircticirc paumlnEcirckauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm waTTirceumlnicirc Jacoacute diz

ldquoNatildeo Se encontrei a graccedila a teus olhos toma minha oferenda de minha matildeo sim

porque vi tuas faces como se as faces de Elohicircms [Deus] fossem vistas aceita219

Eacute clara a conexatildeo com o texto do item anterior (Gn 3231) Ao ver a face de

Deus Jacoacute agora Israel vecirc sua vida transformada e o reencontro e

reconciliaccedilatildeo com o irmatildeo possiacuteveis

Retomando o versiacuteculo-chave de nossa periacutecope (v 29)

Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste

wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricirctauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

Recordamos a existecircncia de um claro paralelismo literaacuterio

Saumlricirctauml (raiz hrf ou rrf ou rwf ou rvyrfy)220 acuteeacuteloumlhicircm

acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (raiz lky mas com

variaccedilatildeo cognata hlk = lutar

esforccedilar-se empenhar-se)

Mesmo que natildeo se chegue a um consenso sobre o sentido original do nome

ldquoIsraelrdquo do ponto de vista da pesquisa cientiacutefica o contexto fornecido pelo autor torna

evidente que o nome deve estar relacionado agrave ldquolutardquo ao ldquoempenhordquo ao ldquoesforccedilordquo agrave

ldquocontendardquo O proacuteprio fato de Oseias usar o mesmo vocaacutebulo raro Saumlracirc em 124 mas

retomaacute-lo no versiacuteculo 5 como woyyaumlSar lutou exerceu poder (claramente da raiz rwf

uma forma cognata de rrf = ter domiacutenio) reforccedila essa nossa afirmaccedilatildeo Esse mesmo

verbo aparece em Jz 922 (wayyaumlSar conjugaccedilatildeo Qal raiz rrf reinou governou) e Os 84

(na conjugaccedilatildeo Hifil heumlSicircrucirc) com o sentido de dominar estabelecer sobre

Acrescentemos o fato de a ldquolutardquo a ldquodisputa e contendardquo serem parte integrante

da vida de Jacoacute Ainda no ventre materno Jacoacute lutou com seu irmatildeo Uma vez que ele

219 Traduccedilatildeo segundo CHOURAQUI 1995 p 349 220 Consideradas variantes cognatas como vimos anteriormente

185

tinha nascido ele resolveu aquela contenda em sua aparente vantagem adquirindo a

Buumlkoumlracirc (primogenitura) e a Buumlraumlkacirc (becircnccedilatildeo) Apoacutes uma luta de vinte anos ele

consegue fugir de Labatildeo seu sogro sem ser tocado pela sua ira Por isso fica claro que

ele ldquoprevalecerdquo (waTTucirckaumll) contra os homens

Mas natildeo somente contra os homens Jacoacute tenta levar a melhor ou seja

prevalecer ser vitorioso O v 29b afirma que ele ldquolutoucontendeu com Deusrdquo A sua

luta com Deus eacute pela becircnccedilatildeo pelo reconhecimento pelo direito de ser o Patriarca

Ateacute agora a vida toda de Jacoacute tinha sido um arrastar as becircnccedilatildeos em todas as circunstacircncias para seu proacuteprio uso sendo o abenccediloado mas sob sua proacutepria forccedila e sobretudo com arbitrariamente e por meio de fraude E precisamente porque este destino (tornar-se o primeiro homem) lhe tinha sido dado por Deus antes mesmo de seu nascimento ele estava constantemente em revolta porque queria realizar este destino por sua proacutepria vontade e por meio de engano Ele era demasiado obstinado e orgulhoso demais para permitir que a becircnccedilatildeo lhe fosse dada Essa resistecircncia obstinada orgulhosa e sombria a Deus eacute o que ele agora exibe agraves margens do Jaboc - e ali tambeacutem eacute derrubado O nome ldquoDeus lutardquo pode entatildeo significar Deus luta com vocecirc porque ele eacute forccedilado por sua teimosia e orgulho E tambeacutem doravante Deus lutaraacute por vocecirc pois ele aprecia seu compromisso absolutamente sincero e indiviso (FOKKELMAN 2004 p 216-217)

Fica claro que para FOKKELMAN o sentido do nome Israel seria ldquoDeus lutardquo

Eacute tambeacutem possiacutevel devido ao contexto e agrave raiz verbal do nome proacuteprio Quem sabe

natildeo se deva entender o nome Israel como uma exclamaccedilatildeo lituacutergica proacutepria de uma

situaccedilatildeo de ldquoguerra santardquo significando algo como ldquoQue ele luterdquo isto eacute que ele se

manifeste como um guerreiro e combatente vitorioso (cf HELLER 1964 p 263-254)

Em todo caso prefiro natildeo restringir-me a uma uacutenica soluccedilatildeo ou interpretaccedilatildeo

para o sentido do nome ldquoIsraelrdquo Como jaacute demonstrei haacute uma polissemia neste nome

proacuteprio bem ao gosto do autor Mas no contexto e devido todo o ciclo de Jacoacute fica

evidente que a interpretaccedilatildeo dada pelo texto eacute aquela que devemos levar em conta

Somente assim atingimos o sentido que o autor deseja dar agrave sua criaccedilatildeo literaacuteria

A inversatildeo de Jacoacute como sujeito e natildeo objeto em seu novo teofoacuterico nome

convida-nos segundo MARKS (1995 p 40) a ldquoa reconfigurar a identidade dos dois

contendoresrdquo Ele sugere que ldquoa volta reflexiva na foacutermula de nome apresenta uma

186

intimidade dinacircmica uma coexistecircncia do eu [self] e do outro o homem e Deus

fundamentados na resistecircncia muacutetuardquo (MARKS 1995 p 40) Jacoacute sempre viveu um

duplo conflito externo (com seu irmatildeo com Labatildeo com suas esposas etc) e interno

(com sua atitude fraudulenta contrastando com seu desejo de ser abenccediloado) Por isso

a sua luta sempre segundo MARKS (IDEM) seria contra his own phantastic projection

(sua proacutepria projeccedilatildeo fantaacutestica) a vulnerabilidade de seu ldquoeurdquo Assim fazendo Jacoacute

habilita-se a ser agente de sua proacutepria mudanccedila testemunhada pelo novo nome A sua

disputa histoacuterica e pessoal eacute trazida para a arena poeacutetica do texto literaacuterio E o sinal

disso eacute o proacuteprio ato de renomeaccedilatildeo Ao mesmo tempo o novo nome permite a

interpretaccedilatildeo de que a divindade luta com Jacoacute mas este consegue transformar esse

conflito a seu favor a segunda glosa etioloacutegica espelha isso ldquoJacoacute chamou o nome do

lugar Fanuel porque eu vi a Deus face a face e a minha vida foi salvardquo (trad nossa)

Em Gn 323031 o ser com o qual Jacoacute lutou contendeu eacute o proacuteprio Deus Ao

natildeo responder agrave pergunta de Jacoacute ndash haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmekauml (Diga-me por favor o teu

nome) e ao Jacoacute reconhecer que tinha visto Deus ldquoface a facerdquo e sobrevivido a

identidade da personagem misteriosa se revela Aleacutem disso haacute uma interessante

curiosidade em nossa periacutecope que vem confirmar essa conclusatildeo A nossa periacutecope

(Gn 3223-33) eacute formada por 143 palavras sendo que poder-se-ia esperar haver 144

que eacute 12 multiplicado por 12 uma vez que se trata de um texto que fala de Israel E

Israel eacute representado sempre com suas 12 tribos Ora a palavra que falta para resultar

no nuacutemero aguardado somente poderia ser o nome divino (cf KESSLER 2004 p 169)

Esse nome natildeo eacute pronunciado esse nome natildeo eacute apenas ldquoDeusrdquo a menos que seja falado

pelo proacuteprio Israel No entanto ldquoeste Deus com seu nome ativo estaacute presente na

histoacuteria lsquoPor que vocecirc pede o meu nome [shem] E ele o abenccediloou laacute [sham]rsquo YHWH

abenccediloa com as palavras lsquoEu estou [ou estarei] contigorsquo (p ex Gn 313) e este eacute o nome

divino in actu (no proacuteprio ato cf Ex 312) Nisto reside o segredo de lsquoIsraelrsquo Apoacutes esse

encontro Jacoacute poderia somente ser Israel em essecircnciardquo (KESSLER 2004 p 169)

A nossa cena conclui-se com um movimento (v 32) Finalmente Jacoacute alcanccedila o

seu povo atravessando Fanuel Como jaacute foi frisado anteriormente a cena toda eacute bem

enquadrada pois os vv 23-24 satildeo marcados pelo movimento de atravessar e fazer

atravessar (rb[ eacute repetido vaacuterias vezes) que prepara este movimento final a travessia

187

propriamente dita Essa travessia de Israel eacute decisiva como o capiacutetulo 33 nos faraacute

perceber Como observa FOKKELMAN (2004 p 221) ldquohaacute algo mais importante e

portanto sua passagem eacute colocada em uma oraccedilatildeo subordinada (Kaacuteaacutešer) Desta

forma a ecircnfase estaacute em lsquoo sol brilhava sobre elersquordquo Afinal a noite ficou para traacutes o dia

glorioso surge e eacute o cenaacuterio para a travessia de nosso heroacutei Em Fanuel natildeo predomina

mais a noite como em Betel e Haratilde a qual eacute substituiacuteda pelo dia glorioso da ldquoFace de

Deusrdquo

Haacute um detalhe importante apesar de tudo o que foi dito acima wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-

yuumlreumlkocirc (ele [JacoacuteIsrael] coxeava de uma coxa) Segundo alguns comentaristas entre eles

JACOB (cf 2007 p 223-224) foi proposital esse ldquoenfraquecimentordquo de Jacoacute durante a

luta A visatildeo de um irmatildeo arrastando-se e curvando-se ateacute o chatildeo sete vezes (Gn 331-

3) faz com que Esauacute fique desarmado quando encontra-se finalmente com ele Esse

homem manco com uma multidatildeo de mulheres e crianccedilas aparentemente fraacutegil natildeo

era o Jacoacute que Esauacute estava preparado para enfrentar com seus quatrocentos guerreiros

(cf Gn 327) Portanto ldquoDeus salvou Jacoacute tornando-o mais fraco e assim derrota o

propoacutesito de Esauacute Ele se sente vencedor vendo um homem vencido diante dele Jacoacute

eacute derrotado em sua coxa aleijado no proacuteprio peacute no qual assentava-se a raiz de toda a

sua inimizade (Gn 2526) Este natildeo eacute lsquoJacoacute que agarra pelo calcanharrsquordquo (JACOB 2007

p 224) Assim sendo a salvaccedilatildeo de Jacoacute eacute a sua manqueira Inclusive em liacutengua

portuguesa pode-se fazer um irocircnico jogo de palavras apesar de manco Jacoacute natildeo daacute

mais mancadas Ou entatildeo aquele que soacute dava mancadas agora manca

Nesse sentido Jacoacute torna-se um homem correto justo reto em seu caminhar

(apesar de manco) apoacutes a luta no vau do Jaboc Como o nome Jeshurun (da provaacutevel

raiz rvy) um dublecirc do nome Israel quer significar Dessa forma o nome Israel natildeo

deixa de ser um tanto irocircnico em vista da personagem a qual nomeia Afinal ldquouma

poderosa metaacutefora fiacutesica eacute sugerida pela histoacuteria da luta Jacoacute cujo nome pode ser

interpretado como lsquoaquele que age tortuosamentersquo eacute dobrado permanentemente

aleijado por seu adversaacuterio sem nome a fim de ser endireitado antes de seu encontro

com Esauacuterdquo (ALTER 1997 p 181)

De nome proacuteprio pessoal Israel passa a ser denominaccedilatildeo de um povo uma

naccedilatildeo Uma monarquia eacute anunciada logo depois de Deus reiterar a mudanccedila de nome

188

em Gn 3510 Em Gn 3511-12 Deus retoma e recorda sua promessa anteriormente feita

a Abraatildeo e Sara quando seus nomes tambeacutem foram mudados (cf Gn 175-616 gt 122)

wayyoumlacutemer locirc acuteeacuteloumlhicircm acuteaacutenicirc acuteeumll šaDDay PuumlrEuml ucircruumlbEuml Gocircy ucircquumlhal Gocircyigravem yihyegrave mimmeordmKKauml

ucircmuumllaumlkicircm meumlHaacutelaumlcEcircordmkauml yeumlceumlordm ucirc wuumlacuteet-haumlacuteaumlordmrec acuteaacutešer naumltaordmTTicirc luumlacuteabraumlhaumlm ucircluumlyicHaumlq luumlkauml

acuteeTTuumlneordmnnacirc ucirc|luumlzar`aacutekauml acuteaHaacuterEcircordmkauml acuteeTTeumln acuteet-haumlacuteaumlordmrec (Deus lhe disse ldquoEu sou El Shaddai Secirc

fecundo e multiplica-te Uma naccedilatildeo uma assembleia de naccedilotildees nasceraacute de ti e reis sairatildeo de teus

rins Eu te dou a terra que dei a Abraatildeo e a Isaac darei esta terra a ti e agrave tua posteridade de pois

de ti ndash trad BJ) Eacute bom relembrar que esse texto natildeo pertence ao mesmo autor da nossa

periacutecope mas agrave tradiccedilatildeo sacerdotal

189

CONCLUSAtildeO

A figura da nossa personagem central JacoacuteIsrael de nenhum modo eacute faacutecil de

abordar pois eacute algueacutem destinado a contender sempre e com todos seu caminho eacute

fatigoso e repleto de tensotildees A proacutepria profecia de eleiccedilatildeo deixa claro que a culpa por

toda essa conflitualidade natildeo eacute (soacute) de Jacoacute mas da vontade de Deus em subverter

desde o ventre materno os direitos de primogenitura que eram tidos como legiacutetimos

naquela eacutepoca IHWH lhe disse [a Rebeca mulher de Isaac] ldquoHaacute duas naccedilotildees em teu seio

dois povos saiacutedos de ti se separaratildeo um povo dominaraacute um povo o mais velho serviraacute ao mais

novordquo (Gn 2523 ndash BJ) Interessante observar que a ldquolutardquo de Jacoacute com Esauacute teve iniacutecio

ainda no interior da proacutepria matildee (cf Gn 2522) o que a leva a consultar YHWH que

lhe profere a profecia acima mencionada A referecircncia na profecia eacute a Edom cujo

povo eacute considerado descendente de Esauacute (cf Gn 2530) Esse povo vizinho mostrou-se

repetidamente inimigo de Israel A BH narra que os edomitas foram subjugados por

Davi (2Sm 813-14) e natildeo se libertaram definitivamente a natildeo ser sob o reinado de Joratildeo

de Judaacute na metade do seacuteculo IX AEC (2Rs 820-22) Portanto fica claro que o chamado

divino natildeo eacute somente eletivo pode tambeacutem ser um chamado agrave luta e ao conflito A

histoacuteria de Moiseacutes vai nessa mesma direccedilatildeo pois ele eacute chamado e enviado para uma

missatildeo conflituosa de libertaccedilatildeo

Aliaacutes o direito dos primogecircnitos marca por duas vezes a trajetoacuteria de Jacoacute

Primeiramente quando este a usurpa de seu irmatildeo fazendo-se passar por ele (Gn 27)

Em segundo lugar quando eacute obrigado a desposar por primeiro Lia a filha mais velha

e natildeo Raquel a sua mulher preferida (Gn 2915-30) O conflito subjacente agrave

primogenitura natildeo eacute absolutamente marginal no seio da sociedade oriental antiga

Afinal a primogenitura ldquoeacute a pedra angular do inteiro sistema social e legal que

estabelece direitos e privileacutegios e impede conflitos intestinos Mas essa mesma praacutexis

de tutela da ordem social eacute tambeacutem um modo de destinar alguns a benefiacutecios e

vantagens e outros a inconvenientes e desvantagensrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p

252) Portanto a accedilatildeo eletiva de Deus no ciclo de Jacoacute representa uma radical revoluccedilatildeo

no interior dessa estrutura tradicional de poder transmitida pela primogenitura

190

Desse modo Deus natildeo eacute alheio ou imparcial no conflito entre Esauacute e Jacoacute Jacoacute

e Labatildeo mas eacute o agente-motor de tal enfrentamento Ao lado das relaccedilotildees conflituosas

com essas duas personagens humanas o ciclo de Jacoacute evidencia tambeacutem os encontros

de Jacoacute com Deus por meio de teofanias (Gn 2810-22 em Betel [322-3 Maanaim]

3223-33 em Fanuel 351-15 em Betel) Natildeo eacute possiacutevel separar na narrativa da nossa

personagem aquilo que eacute humano daquilo que eacute divino Todos os seus encontros com

Deus se datildeo no contexto de seus conflitos e tensotildees a visatildeo da ldquoescadardquo em Betel (Gn

2810-22) tem lugar durante a fuga de Jacoacute do irmatildeo que deseja mataacute-lo O encontro

em Fanuel (Gn 3223-33) que deixaraacute Jacoacute coxo ocorre quando Jacoacute estaacute extremamente

angustiado diante do iminente encontro com Esauacute Mesmo o outro encontro em Betel

(Gn 351-15) eacute cercado por conflitos e mortes a filha de Jacoacute com Lia Dina sofre

violecircncia sexual por parte de Siqueacutem e eacute vingada pelos seus irmatildeos Simeatildeo e Levi (Gn

341-31) Apoacutes a teofania de Betel Raquel daacute agrave luz a Benjamim mas vem a falecer

devido as complicaccedilotildees no parto (Gn 3516-20) Por conseguinte o conflito humano e o

confronto com o divino integram a vida de Jacoacute por isso satildeo refletidos em seu novo

nome em Gn 3229 O nome ldquoIsraelrdquo integra a polimoacuterfica polivalente e prosaica vida

de Jacoacute agrave polissemia de seu novo nome

Afinal ldquoexperiecircncias extremas do ser humano e intervenccedilatildeo divina satildeo

correlatasrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p 253)

Por isso Israel natildeo surgiraacute do

Sucesso afinal mesmo aparentando ter vencido a luta contra Deus ele torna-

se manco definitivamente aleijado atingido em sua potecircncia fiacutesica e moral

Astuacutecia pois durante a luta quem faz uso de um subterfuacutegio eacute o ldquohomemrdquo

com o qual estaacute se confrontando rolando pelo poacute Eacute ele que toca o nervo

ciaacutetico de Jacoacute deixando-o atrofiado provocando-lhe dor e manqueira

Terra afinal ele eacute um expatriado algueacutem que possui bens mulheres e filhos

mas natildeo ainda uma terra um verdadeiro lar Devido a isso Deus lhe renova

a promessa em Gn 3511-12 apoacutes seu confronto com ele

Mas Israel eacute fruto da agressatildeo de Deus pois ousou contender com ele e ainda

mais saber o seu nome ou seja conhecer o seu misteacuterio O seu encontro com Deus natildeo

produziu como se poderia imaginar reconciliaccedilatildeo perdatildeo restauraccedilatildeo Mas sim uma

191

invalidez uma deformaccedilatildeo Portanto o novo nome natildeo pode ser separado da nova

lesatildeo que a nossa personagem sofre Essa ambivalecircncia do encontro noturno de Jacoacute

com Deus reflete-se em seu nome pois ele penetrou o misteacuterio de Deus como nenhum

outro antes dele e prevaleceu sobreviveu O proacuteprio Israel povo do qual seraacute o pai

natildeo ousaraacute repetir a faccedilanha do Patriarca (cf Ex 1921-25 2018-20) Eacute como se o nome

Israel representasse a realizaccedilatildeo daquela promessa de Gn 2523 a coroaccedilatildeo de toda

uma existecircncia conflituosa e beligerante No entanto eacute uma vitoacuteria ldquoinvalidanterdquo

demonstrando que com Deus natildeo existem vitoacuterias faacuteceis como bem exprime

BRUEGGEMANN (2002 p 323)

Somente apoacutes esse confronto em Fanuel Jacoacute pocircde compreender melhor o seu

espanto em Gn 2816 acuteaumlkeumln yeumlš yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Bammaumlqocircm hazzegrave wuumlacuteaumlnoumlkicirc loumlacute yaumldaumlordm Ticirc

(Na verdade IHWH estaacute neste lugar e eu natildeo o sabia - BJ) logo apoacutes despertar de seu sonho

em Betel Afinal a presenccedila divina na BH eacute tanto causa de exultaccedilatildeo e alegria quanto

de temor e tremor Eacute a esse ldquolugarrdquo onde Jacoacute encontra-se com Deus que faz referecircncia

Gn 3230c wayuumlbaumlrek acuteoumltocirc šaumlm (E ele o abenccediloou ali) O seu novo nome exprime bem o

paradoxo de um poder fraco convertido em fraqueza potente

Falando em becircnccedilatildeo eacute importante retomar esse que eacute o tema dominante em todo

o ciclo de Jacoacute a busca pela becircnccedilatildeo Em nossa periacutecope a becircnccedilatildeo adquire um sentido

especial Finalmente Deus abenccediloa Jacoacute ou melhor Israel A becircnccedilatildeo sempre

determinou as narrativas sobre essa nossa personagem Foi a preocupaccedilatildeo em obter a

becircnccedilatildeo de Isaac que fez Rebeca inventar aquela artimanha para que Jacoacute enganasse

seu pai (Gn 271-40) Essa becircnccedilatildeo dada por meio de engano faz com que Jacoacute tenha de

fugir (Gn 2741-45) A riqueza de Jacoacute em filhos filhas e gado eacute consequecircncia da

becircnccedilatildeo E foi igualmente a becircnccedilatildeo que se transferiu de Jacoacute para o patrimocircnio de Labatildeo

que motivou este uacuteltimo a querer reter Jacoacute a qualquer custo junto de si (Gn 302730)

Assim sendo Jacoacute eacute abenccediloado e sua becircnccedilatildeo produz efeitos tanto para si mesmo

quanto para os outros ao seu redor Apesar que em nenhum momento Jacoacute deixa de

ser o astuto e oportunista basta que nos recordemos da estrateacutegia que usa para

aumentar o seu rebanho em Gn 30 25-43 No entanto ateacute este ponto da narrativa falta

uma becircnccedilatildeo expliacutecita direta de Deus a Jacoacute

192

Ao obter essa becircnccedilatildeo direta de Deus somente em Fanuel ficam evidenciadas a

retidatildeo e justeza de tal gesto Pois essa ldquobecircnccedilatildeo divina exclui qualquer duacutevida sobre

a legitimidade da becircnccedilatildeo que Jacoacute conseguiu enganosamente de seu pairdquo (KLEIN

2007 p 135) e por meio de uma ldquonegociatardquo com seu irmatildeo por um prato de lentilhas

(Gn 2529-34) Contudo essa becircnccedilatildeo natildeo eacute dada incondicionalmente Jacoacute eacute tocado em

seu quadril ldquoo toque pode ser entendido como gesto de becircnccedilatildeo mas eacute um toque

doloroso um toque que deixa Jacoacute coxeandordquo (KLEIN 2007 p 135) Apesar dessa

sinistra humilhaccedilatildeo JacoacuteIsrael adquire coragem e decide ir ao tatildeo temido encontro

com seu irmatildeo Como bem assinala KLEIN (2007 p 135) ldquoesta transformaccedilatildeo e a

disposiccedilatildeo de ir ao encontro do futuro apesar do passado satildeo marcadas por dois

elementos da narrativa Um eacute o novo nome de Jacoacute Israel um nome de honra O outro

eacute a aurora que anuncia um novo e decisivo dia na vida de Jacoacute O terceiro aqui natildeo

mencionado explicitamente eacute a travessia do rio Jabocrdquo

Mas nos detenhamos na caracteriacutestica das etimologias biacuteblicas para nomes

proacuteprios de lugares e pessoas Como jaacute abordamos no segundo e quarto capiacutetulos deste

estudo havia e talvez ainda haja uma tendecircncia muito forte em se acreditar que a

nomeaccedilatildeo biacuteblica pretenda ter uma relaccedilatildeo direta com o ser essencial do objeto

denominado Ou entatildeo que essas notas explicativas sobre os nomes proacuteprios (glosa)

natildeo passem de enfeites secundaacuterios na narrativa ou resiacuteduos curiosos de uma antiga

tradiccedilatildeo popular tipo folcloacuterica Como bem identifica MARKS (1995 p 24) ldquoa glosa

tiacutepica [explicaccedilatildeo dada ao nome] marca um iniacutecio improvisado em oposiccedilatildeo a uma

origem absoluta Eacute arbitraacuteria e natildeo inevitaacutevel obstinada e natildeo essencial permissiva

mas somente em virtude dos limites que ela impotildeerdquo Nesse sentido as mudanccedilas de

nome (Jacoacute gt Israel Jaboc gt Fanuel) ocorridas no texto objeto de nosso estudo somente

poderiam ser explicadas no interior de uma surpreendente rede de duplicaccedilotildees

internas e ecos intertextuais (com suas exploraccedilotildees literaacuterias de geminaccedilatildeo e projeccedilatildeo

identidade e diferenccedila) que o ato de renomear ancora Para comprovar isso que acabo

de dizer basta perguntar-nos assim como faz MARKS (1995 p 34-35)

Pode ser uma coincidecircncia que dois nomes de Jacoacute figurem em uma histoacuteria que se caracteriza por dois acampamentos [Gn 32811] duas travessias [Gn 322324] duas embaixadas [enviadas a Esauacute Gn 328-9]

193

duas esposas [Gn 2915-30] duas servas [Gn 301-49] dois alojamentos de noite [nas duas margens do Jaboc Jacoacute e seu grupo] dois tipos de ldquobecircnccedilatildeordquo ldquolibertaccedilatildeordquo e ldquoenviarsoltarrdquo (xlv ndash Gn 3227) dois tipos de ameaccedila (vyai ndash um homem Gn 3225b e Esauacute)rdquo

Natildeo por acaso o autor escolheu verbos rariacutessimos para compor a narrativa

fazendo com que a fundamentaccedilatildeo interpretativa pela etimologia resultasse como a

concessatildeo do nome paradoxalmente dependente da narrativa que interpretaria

Inevitaacutevel nesta conclusatildeo abordarmos as semelhanccedilas e diferenccedilas entre as

duas periacutecopes onde se datildeo a teofania por meio de um acuteicircš (homem pessoa) Elas satildeo

apenas duas Gn 181-15 (apariccedilatildeo a Abraatildeo e Sara junto ao Carvalho de Mambreacute) e a

nossa em Gn 3223-33 (apariccedilatildeo a Jacoacute no vau do Jaboc) O primeiro aspecto a ser

salientado eacute o fato do proacuteprio Deus fazer questatildeo de vir confirmar a sua promessa

tanto na cena do Carvalho de Mambreacute quanto nesta do riacho Jaboc Na primeira

teofania em acuteicircš Deus assegura a continuidade da linhagem de Abraatildeo prometendo-

lhe o nascimento de um filho Na segunda teofania (Gn 3223-33) Deus renomeia e

abenccediloa Jacoacute que eacute o pai direto da naccedilatildeo numerosa prometida a Abraatildeo Portanto a

promessa feita em Gn 18 realiza-se com a becircnccedilatildeo de Jacoacute em Gn 32 Como constata

HAMORI (2008 p 102) ldquoembora os dois textos seguramente natildeo vecircm do mesmo autor

original as funccedilotildees das apariccedilotildees divinas estatildeo relacionadasrdquo Um segundo aspecto a

ser destacado eacute o realismo antropomoacuterfico presente nesse tipo de teofania Em Gn 18

Deus eacute um ldquohomemrdquo em meio a outros indistinguiacuteveis homens que dialoga com

Abraatildeo deixa-se acolher pelo anfitriatildeo come bebe e comporta-se como qualquer ser

humano Em Gn 32 o ldquohomemrdquo luta com Jacoacute toca-lhe em sua coxa e ainda mais

impressionante perde a luta com Jacoacute ou seja natildeo daacute conta dele em seu combate Esse

tipo de realismo antropomoacuterfico natildeo eacute possiacutevel ser encontrado em nenhuma cultura

circunvizinha a Israel naquelas eacutepocas (cf HAMORI 2008 p 102) Com isso o autor

salienta os viacutenculos inusitadamente estreitos que Abraatildeo e Jacoacute tiveram com Deus

Mais do que por meio de palavras esse estilo de teofania demonstra o grau de

intimidade entre as personagens e a divindade Poreacutem em Jacoacute manifesta-se uma

audaacutecia extraordinaacuteria que natildeo encontramos na figura de Abraatildeo Esse atrevimento

manifesta-se no modo de

194

Jacoacute que ldquocobre o rostordquo de seu irmatildeo [Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw ndash

com seus presentes] e golpeia a cavidade da coxa de seu oponente [Gn 3226 Kap-yerek ndash durante a luta no vau do Jaboc] dispor desse rosto

proibido - o Fanuel - natildeo esperando pelo nome que o anjo transmite mas apreendendo a sua mais sagrada e paradoxal expressatildeo e tornando-a um memorial de seu proacuteprio sucesso [ao nomear o lugar da luta] Em Jaboc o nome oculto eacute proclamado mas eacute proclamado na voz de Jacoacute O texto assim encena no niacutevel literaacuterio uma versatildeo da luta que representa o niacutevel da histoacuteria A presenccedila e o nome divinos para o escritor biacuteblico nunca podem se manifestar em si mesmos mas apenas em virtude da resistecircncia da literatura a eles como possibilidades poeacuteticas latentes nos nomes dos homens (MARKS 1995 p 40-41)

Para finalizar eacute evidente que o nome Israel eacute associado agrave luta ao combate agrave

contenda agrave disputa Tentei evitar ao longo deste estudo chegar a uma definiccedilatildeo

etimoloacutegica para esse nome mesmo porque para o proacuteprio autor o que interessa eacute o

seu significado no contexto como abordei no uacuteltimo capiacutetulo Mas o povo de Israel se

vecirc refletido nesse epocircnimo Subjacente a ele podem estar as seguintes memoacuterias

Aiacute estatildeo mais proacuteximas do campo do pensamento as vitoacuterias de Davi contra os filisteus moabitas edomitas arameus e amonitas de modo muito geral (2Sm 517-25 81-14 10119 11) Aleacutem disso pode-se pensar nas vitoacuterias posteriores de IsraelJudaacute contra os seus inimigos sobretudo na eacutepoca dos Macabeus (1 e 2 Mc) Em ciacuterculo mais amplo ainda a partir de nossa maior distacircncia com referecircncia a essas antigas vitoacuterias deveremos pensar nas sujeiccedilotildees causadas pelas grandes potecircncias de todos os tempos agraves quais de modo geral Israel esteve exposto e entre as quais esteve de fato politicamente triturado sem contudo ser totalmente aniquilado como comunidade nacional e religiosa (KRINETZKI 1984 p 83-84)

De qualquer modo penso que tenha conseguido demonstrar que a etimologia

realizada em nossa periacutecope bem como na maior parte da BH seja de cunho poeacutetico

Aliaacutes um caacutelculo conservador em livros narrativos da BH pode proporcionar-nos

mais de oitenta etimologias expliacutecitas de nomes proacuteprios de pessoas e lugares em sua

maior parte nas quais se oferece uma interpretaccedilatildeo semacircntica baseada em

correspondecircncias foneacuteticas A linguagem expande aquilo que a histoacuteria poderia

limitar Esse seria o risco de nos preocuparmos mais com o contexto histoacuterico do que

literaacuterio por exemplo As narrativas biacuteblicas demonstram que apesar de serem textos

195

compostos e conterem camadas redacionais de diversas eacutepocas tradiccedilotildees e lendas de

tempos mais antigos toques e retoques de diversos autores elas jamais deixam de ser

um texto unitaacuterio como reconhece HARTMAN (1986 p 11) ldquoNa Escritura apesar de

histoacuterias duplicadas e inconsistecircncias haacute uma unidade agraves vezes lacocircnica agraves vezes

prolixa mas sempre imperiosa No combate de Jacoacute essa tensatildeo unificadora alcanccedila

um tom peculiarrdquo Todo o ciclo de Jacoacute assim como a nossa periacutecope demonstra que

natildeo haacute uma expliacutecita e piedosa preocupaccedilatildeo moral na descriccedilatildeo e encenaccedilatildeo

proporcionadas pelas narrativas biacuteblicas A personagem Jacoacute natildeo eacute poupada nem

maquiada nem adaptada ao figurino de um tiacutepico homem temente a Deus com o qual

este possa ter uma estreita e iacutentima relaccedilatildeo Nosso Jacoacute eacute retratado em toda a sua nudez

moral e eacutetica e ateacute o final natildeo perde a sua principal e identificadora caracteriacutestica ser

um persistente suplantador algueacutem que deseja estar agrave frente Por isso ele natildeo teme

tocar e ser tocado por Deus mostrar sua face (seu ldquoeurdquo) e ver a face do totalmente

Outro (Deus) prender e ser libertado

A duplicaccedilatildeo e duplicidade fazem parte da nossa personagem principal Tudo

em sua vida eacute duplo e ambiacuteguo E eacute dessa realidade que ele deve sempre emergir

Portanto estabelece-se uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre personagem e texto o texto eacute

repleto de duplicidades e ambiguidades a fim de espelhar a personagem com estas

mesmas caracteriacutesticas e a personagem se revela melhor justamente atraveacutes dessa

peculiar caracteriacutestica da literatura biacuteblica Haacute portanto como pudemos perceber ao

longo desse estudo uma perfeita cumplicidade entre ambos A palavra o nome estaacute a

serviccedilo da histoacuteria e do texto

196

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FABRY Heinz-Josef (Ed) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Volume IV Xry ndash rjm

Trad Davide Astori Franco Ronchi Brescia Paideia c 40-72 (Original alematildeo)

  • Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • INTRODUCcedilAtildeO
    • CAPIacuteTULO 1
      • 1 O nome proacuteprio
        • 11 O que eacute o nome proacuteprio
        • 12 A que serve o nome proacuteprio
        • 13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10
          • 2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio
            • 21 Semioacutetica
            • 22 Psicanaacutelise
              • 3 O nome proacuteprio na literatura
                • 31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens
                • 32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo
                • 33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo
                • 34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra
                • 35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26
                  • 4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio
                    • 41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas
                    • 42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social
                    • 43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios
                        • CAPIacuteTULO 2
                          • 1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel
                            • 11 Mesopotacircmia
                            • 12 Egito
                            • 13 Greacutecia e Roma
                              • 2 Onomaacutestica biacuteblica
                                • 21 O nome proacuteprio na cultura hebraica
                                • 22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas
                                  • 221 Circunstacircncias particulares do nascimento
                                  • 222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo
                                  • 223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila
                                  • 224 Nomes de animais
                                  • 225 Nomes de plantas
                                  • 226 Nomes teofoacutericos
                                  • 227 Outros fatores determinantes na escolha do nome
                                    • 23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica
                                      • 231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor
                                      • 232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina
                                      • 233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa
                                          • 3 Etiologias biacuteblicas
                                            • CAPIacuteTULO 3
                                              • 1 O texto em si
                                              • 2 Algumas notas de criacutetica textual
                                              • 3 Contextos da periacutecope
                                              • 4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute
                                              • 5 Delimitaccedilatildeo e estrutura
                                                • CAPIacuteTULO 4
                                                  • 1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia
                                                  • 2 Aspectos internos agrave periacutecope
                                                  • 3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute
                                                  • 4 O que significa Israel
                                                    • CONCLUSAtildeO
                                                    • BIBLIOGRAFIA
Page 3: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, … · 2017. 11. 14. · FIGUEIREDO, Telmo José Amaral de. Um nome que faz toda diferença: análise literária de Gênesis 32,23-33.

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 Tese de Doutorado apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Letras

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof Dr ______________________________ Instituiccedilatildeo_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Dedico este trabalho primeiramente agrave minha

querida matildee Maria Aparecida Amaral de Figueiredo

por sempre ter-me apoiado e desejado o bem Outra

pessoa fundamental para que eu tivesse obtido

sucesso em meus estudos foi a minha querida tia

Sumie Matai de Figueiredo que me acolheu em sua

proacutepria residecircncia Dedico esse estudo tambeacutem a

uma pessoa que muito me inspirou e incentivou a

intraprender esse caminho refiro-me ao Prof Dr

Carlos Daghlian (in memoriam) E finalmente ao

clero de minha Diocese de Jales (SP) e ao povo de

Deus daquela regiatildeo que sempre acreditou na forccedila

do Bem e do Amor

AGRADECIMENTOS

Ao Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio meu querido orientador que sempre me

motivou vigiou pela minha perseveranccedila e dedicaccedilatildeo a esta tese

Aos meus bispos D Luiz Demeacutetrio Valentini (emeacuterito) e D Joseacute Reginaldo Andrietta

por terem confiado em mim e permitido afastar-me de minhas funccedilotildees na diocese de Jales (SP)

para poder consagrar-me a este estudo

Agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas pela oportunidade de realizaccedilatildeo

desse trabalho de pesquisa que foi fundamental para o meu amadurecimento como professor e

estudioso de literatura biacuteblica

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) que me

concedeu uma valiosa e necessaacuteria bolsa de estudos para que eu pudesse consagrar-me

totalmente aos estudos e pesquisas

Pouco a Leste do Jordatildeo

Registram os Evangelistas

Um Ginasta e um Anjo

Lutaram longa e violentamente ndash

Ateacute que a manhatilde tocou a montanha ndash

E Jacoacute cada vez mais forte

O Anjo pediu permissatildeo

Para o Desjejum ndash e voltar ndash

Assim natildeo disse o astuto Jacoacute

ldquoNatildeo o deixarei ir

A menos que me abenccediloerdquo ndash Estrangeiro

E este aquieceu ndash

A luz volteou os velos de prata

Aleacutem das colinas de ldquoPenielrdquo

E o aturdido Ginasta

Descobriu que derrotara a Deus

(DICKINSON Emily sd)

(Trad Carlos Daghlian)

RESUMO

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2016

Esta tese tem por objetivo analisar a periacutecope de Gecircnesis 3223-33 que constitui um dos

elementos estruturantes do conhecido ldquociclo de Jacoacuterdquo que integra a histoacuteria dos patriarcas de

Israel na Biacuteblia Hebraica Jacoacute eacute tomado como um dos principais ancestrais do povo judeu natildeo

obstante sua tradiccedilatildeo em alguns periacuteodos da histoacuteria ter ficado em plano inferior agravequela de

Moiseacutes por exemplo Em Jacoacute convergem as esperanccedilas de uma parte da naccedilatildeo que natildeo se vecirc

contemplada pela religiatildeo oficial que administra um culto a YHWH distante da realidade vivida

pelas famiacutelias tribais que habitam no interior em pequenos vilarejos e no campo O nome dado

a Jacoacute em meio a uma luta eacute significativo e revelador Afinal ele natildeo eacute nem de longe a figura

perfeita ideal que as tradiccedilotildees religiosas dominantes exigiam para algueacutem ser considerado um

ldquoverdadeiro israelitardquo temente ao Senhor Sua lideranccedila e dignidade chegam mesmo a ser

questionadas pelo profetismo Natildeo obstante tudo isso eacute sua pessoa que encarnaraacute atraveacutes de

um nome recebido do proacuteprio ser divino os destinos de Israel Personagem e indiviacuteduo se

mesclam propositalmente no epocircnimo ldquoIsraelrdquo a fim de revelar a verdadeira vocaccedilatildeo daquele

povo

Palavras-chave Jacoacute Israel Mudanccedila de nome Onomaacutestica biacuteblica

ABSTRACT

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de A name that makes all the difference literary

analysis of Genesis 32 23-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras

e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

This thesis aims to analyze the pericope of Genesis 3223-33 which constitutes one of the

structuring elements of the well-known Jacob cycle that integrates the history of the patriarchs

of Israel in the Hebrew Bible Jacob is taken as one of the chief ancestors of the Jewish people

in spite of his tradition at some periods in history to have remained lower than that of Moses

for example In Jacob converge the hopes of a part of the nation that is not seen contemplated

by the official religion that administers a cult to YHWH far from the reality lived by the tribal

families that inhabit in the countryside in small villages and in the field The name given to

Jacob in the midst of a struggle is significant and revealing After all he is by no means the

perfect ideal figure that prevailing religious traditions demanded for someone to be considered

a true Israelite who feared the Lord His leadership and dignity even come to be questioned

by prophetism Notwithstanding all this it is his person who incarnates through a name

received from his own divine being the destinies of Israel Character and individual deliberately

merge into the eponymous Israel in order to reveal the true vocation of that people

Keywords Jacob Israel Name change Biblical Onomastics

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEC Antes da Era Comum = aC

BH Biacuteblia Hebraica

BJ Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia)

c Coluna

Cf cf Confira conferir

EC Era Comum = dC

Ed

gr

Editor Editado por

grego

heb Hebraico

n Nota de rodapeacute

Org Organizado por Organizador Organizaccedilatildeo

p Paacutegina

p ex Por exemplo

seacutec Seacuteculo

Trad trad

t

Traduccedilatildeo ou tradutor

Tomo

v Versiacuteculo (da Biacuteblia) ou Volume (nas citaccedilotildees bibliograacuteficas)

vv Versiacuteculos (da Biacuteblia)

LISTA DE ABREVIATURAS DOS LIVROS BIacuteBLICOS1

Ab Abdias

Ag Ageu

Am Amoacutes

Ap Apocalipse

At Atos dos Apoacutestolos

Br Baruc

Cl Colossenses

1Cor 1ordf Coriacutentios

2Cor 2ordf Coriacutentios

1Cr 1ordm Crocircnicas

2Cr 2ordm Crocircnicas

Ct Cacircntico dos Cacircnticos

Dn Daniel

Dt Deuteronocircmio

Ecl Eclesiastes = Qoheacutelet

Eclo Eclesiaacutestico

Ef Efeacutesios

Esd Esdras

Est Ester

Ex Ecircxodo

Ez Ezequiel

Fl Filipenses

Fm Filecircmon

Gl Gaacutelatas

Gn Gecircnesis

Hab Habacuc

Hb Hebreus

Is Isaiacuteas

Jd Judas

Jl Joel

Jn Jonas

Joacute Joacute

Jo Evangelho segundo Joatildeo

1Jo 1ordf Joatildeo

2Jo 2ordf Joatildeo

3Jo 3ordf Joatildeo

Jr Jeremias

Js Josueacute

Jt Judite

Jz Juiacutezes

Lc Lucas

Lm Lamentaccedilotildees

1 As abreviaccedilotildees seguem o sistema proposto pela Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia) que eacute um dos mais

empregados em estudos biacuteblicos A disposiccedilatildeo segue a ordem alfabeacutetica para facilitar a busca

Lv Leviacutetico

Mc Evangelho segundo Marcos

1Mc 1ordm Macabeus

2Mc 2ordm Macabeus

Ml Malaquias

Mq Miqueias

Mt Evangelho segundo Mateus

Na Naum

Ne Neemias

Nm Nuacutemeros

Os Oseias

1Pd 1ordf Pedro

2Pd 2ordf Pedro

Pr Proveacuterbios

Rm Romanos

1Rs 1ordm Reis

2Rs 2ordm Reis

Rt Rute

Sb Sabedoria

Sf Sofonias

Sl Salmos

1Sm 1ordm Samuel

2Sm 2ordm Samuel

Tb Tobias

Tg Tiago

1Tm 1ordf Timoacuteteo

2Tm 2ordf Timoacuteteo

1Ts 1ordf Tessalonicenses

2Ts 2ordf Tessalonicenses

Tt Tito

Zc Zacarias

TRANSLITERACcedilAtildeO DOS CARACTERES HEBRAICOS2

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a acutealef acute

b becirct (sem daguesh)3 b

B becirct (com daguesh) B

g guimel (sem daguesh) g

G guimel (com daguesh) G

d dalet (sem daguesh) d

D dalet (com daguesh) D

h hecirc h

w waw w

z zayin z

x Het H

j daggeret dagger

y yod y

k $ (forma final) kaf (sem daguesh) k

K kaf (com daguesh) K

l lamed l

m ~ (forma final) mem m

n (forma final) nun n

s samekh s

[ `ayin `

p pecirc (sem daguesh) p

P (forma final) pecirc (com daguesh) P

2 O esquema de transliteraccedilatildeo e banco de dados foi desenvolvido por Matthew Anstey para uso em BibleWorks

Este banco de dados baseou-se na base de dados eletrocircnica CCAT Michigan-Claremont-Westminster Ela foi usada

livremente com a permissatildeo da Sociedade Biacuteblica Alematilde O BibleWorks eacute um programa (software) para exegese

biacuteblica e pesquisas neste campo Eacute um produto da BibleWorks LLC de Norfolk (VA) nos Estados Unidos da

Ameacuterica 3 Os massoretas empregavam um ponto ou pequeno sinal dentro de letra denominado daguesh para indicar a)

que a consoante em questatildeo pode ser geminada (duplicada) neste caso o daguesh eacute forte b) no caso das letras

ambiacuteguas do grupo t p k d g b aquela com o ponto eacute a oclusiva (chamado de daguesh lene) a que carece de

ponto eacute a fricativa c) que um h final natildeo deve ser considerado como vogal mas como consoante com significado

morfoloacutegico (esse tipo de hecirc final eacute denominado de mappicircq (cf LAMBDIN 2003 p 28-29)

C (forma final) tsadecirc c

q qof q

r resh r

f sin S

v shin š

t taw (sem daguesh) t

T taw (com daguesh) T

Letras

(vogais e semivogais)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a shewaacute (audiacutevel) uuml

a shewaacute (mudo)

a pataH a

x pataH furtivo4 ordf

agt Hadaggeref-pataH aacute

a qamets auml

h qamets com final vocaacutelico

(ou qamets hecirc) acirc

a segol e

h segol com final vocaacutelico

(ou segol hecirc) egrave

y lt segol formando ditongo

(segol yod) Ecirc

a Hadaggeref-segol eacute

ae tserecirc euml

y E tserecirc yod (ditongo) ecirc

h E tserecirc com final vocaacutelico

(tserecirc hecirc) Euml

ai hiriq breve i

ai hiriq longa igrave

yai hiriq yod (ou hiriq Male =

completo) icirc

a qamets Hadaggeruf5 o

a Hadaggeref-qamets oacute

4 A transliteraccedilatildeo ocorre acima da linha diferenciando da vogal pataH 5 Pode haver uma confusatildeo quando se lecirc um texto hebraico natildeo transliterado porque ambas vogais qamets e

qamets Hadaggeruf satildeo morfologicamente iguais A regra geral indica que se lecirc ldquoordquo portanto qamets Hadaggeruf em uma

siacutelaba fechada e natildeo acentuada Uma siacutelaba fechada normalmente termina em shewaacute p ex yrImv (lecirc-se šomricirc)

Em algumas partes onde pode haver confusatildeo usa-se o meacuteteg um traccedilo vertical curto colocado debaixo de uma

consoante e agrave esquerda do sinal vocaacutelico se houver Quando haacute o meacuteteg entatildeo se lecirc com ldquoardquo

ao Holem ouml

hao Holem hecirc ograve

wO Holem waw ocirc

au qibbuts breve u

au qibbuts longo ugrave

W shureq ucirc

Outros

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

X (sem pontuaccedilatildeo ndash caso raro

p ex Gn 3018)

sin shin J

| meacuteteg6 Acento indicando siacutelaba

tocircnica acute

6 Cf a nota anterior

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

1 A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA 06

1 O NOME PROacutePRIO 06

11 O que eacute o nome proacuteprio 10

12 A que serve o nome proacuteprio 13

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio 15

2 DIFERENTES ABORDAGENS DO NOME PROacutePRIO 18

21 Semioacutetica 18

22 Psicanaacutelise 24

3 O NOME PROacutePRIO NA LITERATURA 25

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens 26

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo 26

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo 26

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra 26

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas 29

4 UMA ANAacuteLISE ANTROPOLOacuteGICA DO NOME PROacutePRIO 40

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas 41

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social 45

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios 46

2 NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA 51

1 O NOME PROacutePRIO EM CIVILIZACcedilOtildeES CONTEMPORAcircNEAS A ISRAEL 51

11 Mesopotacircmia 51

12 Egito 60

13 Greacutecia e Roma 63

2 ONOMAacuteSTICA BIacuteBLICA 65

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica 65

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas 70

221 Circunstacircncias particulares do nascimento 70

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo 71

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila 72

224 Nomes de animais 72

225 Nomes de plantas 73

226 Nomes teofoacutericos 73

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome 79

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica 80

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor 80

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina 81

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa 82

3 ETIOLOGIAS BIacuteBLICAS 83

3 GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE 87

1 O TEXTO EM SI 87

2 ALGUMAS NOTAS DE CRIacuteTICA TEXTUAL 88

3 CONTEXTOS DA PERIacuteCOPE 91

4 A FORMACcedilAtildeO DO PENTATEUCO E O CICLO DA HISTOacuteRIA DE JACOacute 101

5 DELIMITACcedilAtildeO E ESTRUTURA 124

4 MUDAR DE NOME PARA QUEcirc 132

1 PARALELISMOS INTERNOS Agrave BIacuteBLIA 132

2 ASPECTOS INTERNOS Agrave PERIacuteCOPE 138

3 COMO FOI INTERPRETADA A MUDANCcedilA DE NOME DE JACOacute 142

4 O QUE SIGNIFICA ISRAEL 150

CONCLUSAtildeO 189

BIBLIOGRAFIA 196

1

INTRODUCcedilAtildeO

A Biacuteblia Hebraica (doravante BH) eacute literatura enquanto possuidora dos traccedilos

caracteriacutesticos de toda obra literaacuteria pois ela eacute ldquoo resultado de uma criaccedilatildeo por parte

de seu autor e na intenccedilatildeo deste estaacute destinada a durar eacute desinteressada quer dizer

de eficaacutecia natildeo praacutetica (embora possa haver uma de outro tipo educaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo

do sentido esteacutetico difusatildeo de ideias e experiecircncias etc) eacute de natureza esteacutetica quer

dizer um de seus objetivos fundamentais eacute proporcionar ao destinataacuterio prazeres de

tipo espiritualrdquo (TOSAUS ABADIacuteA 2000 p 18-19 grifos nossos)

Entre noacutes aqui no Brasil ainda satildeo poucos os estudiosos que se dedicam a esse

tipo de abordagem da BH como verdadeira literatura Inclusive satildeo pouquiacutessimas as

faculdades de letras que possuem departamentos especiacuteficos para esse tipo de

literatura ou que permitem e possuem mestres capacitados para tal tarefa Como

reconhece ALTER (1998 p 12)

A ausecircncia geral deste discurso criacutetico sobre a Biacuteblia Hebraica eacute mais desconcertante ainda quando nos lembramos de que as obras-primas da Antiguidade grega e latina usufruiacuteam nas deacutecadas recentes de uma anaacutelise criacutetica abundante e perspicaz de modo que aprendemos a perceber sutilezas da forma liacuterica tanto em Teoacutecrito quanto em Marvell complexidade e estrateacutegia narrativa tanto em Homero ou Virgiacutelio quanto em Flaubert

O motivo para tal eacute que ldquoa Biacuteblia foi considerada durante muitos seacuteculos tanto

por cristatildeos quanto por judeus a fonte unitaacuteria e primaacuteria da verdade de revelaccedilatildeo

divinardquo (ALTER 1998 p 16) Contudo a Biacuteblia natildeo perde em nada com esse tipo de

anaacutelise criacutetica antes ldquo[] a visatildeo religiosa da Biacuteblia ganha profundidade e sutileza

exatamente pelo fato de ser transmitida atraveacutes dos meios mais sofisticados da prosa

ficcionalrdquo (ALTER 1998 p 22)

Ao servir-me da anaacutelise narrativa para estudar Gn 3223-33 que trata da

mudanccedila de nome de um dos principais patriarcas de Israel como resultado de um

inusitado encontro noturno que Jacoacute vivencia pretendo aplicar esse discurso criacutetico

2

Este personagem denominado Israel ndash seu novo nome ndash eacute o antecessor epocircnimo que

fornece motivos de identificaccedilatildeo para o seu proacuteprio povo

Pois bem o ldquomodo de narrar natildeo eacute indiferente ao sentido que se produz e ao

seu efeitordquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7) Aliaacutes a anaacutelise narrativa leva em

consideraccedilatildeo a distinccedilatildeo que se deve fazer entre histoacuteria narrada de uma parte e a

narraccedilatildeo de outra Aqui por narraccedilatildeo entende-se a narraccedilatildeo concreta que eacute feita dessa

histoacuteria O narrador a ldquovozrdquo do texto tem aqui um papel fundamental Portanto a

narrativa eacute o ldquoveiacuteculo de uma comunicaccedilatildeo entre um emissor (o narrador) e um

receptor (o leitor) e um dos objetivos principais da leitura eacute estudar a lsquoestrateacutegia

narrativarsquo isto eacute as modalidades concretas de que o narrador faz uso na narrativa para

se comunicar com o destinataacuterio e apresentar-lhe seu mundo de valores e suas

convicccedilotildeesrdquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7)

Este estudo se dedicaraacute justamente a essa tarefa ou seja levantar

concretamente na narrativa de Gecircnesis 3223-33 os elementos que foram utilizados na

construccedilatildeo literaacuteria desse texto em vista de identificar sua intenccedilatildeo uacuteltima e suas

consequecircncias para a interpretaccedilatildeo do mesmo A anaacutelise de textos do Gecircnesis sob o

ponto de vista da narratologia permitiraacute trabalhar os elementos histoacutericos e culturais

especiacuteficos que resultaratildeo desse levantamento Seraacute muito uacutetil nesse ponto o

confronto com a histoacuteria e literatura de Israel e dos povos vizinhos bem como com os

aspectos culturais da eacutepoca Dever-se-aacute estabelecer entatildeo um diaacutelogo multidisciplinar

a fim de permitir a descoberta daquilo que eacute especiacutefico no pensamento hebraico e

constitui a elaboraccedilatildeo proacutepria de sua identidade cultural expressa no texto em anaacutelise

Para concretizarmos o objetivo de ldquolevantar o veacuteurdquo que recobre um nome tatildeo

fundamental na literatura cultura e histoacuteria biacuteblica como eacute ldquoYiSraumlacuteeumllrdquo procederemos

da seguinte forma

No primeiro capiacutetulo nos dedicaremos a identificar e esclarecer o que se

entende por nome proacuteprio qual eacute a sua finalidade nas liacutenguas e culturas Passearemos

brevemente pela semioacutetica e psicanaacutelise que nos podem ajudar um pouco na

elucidaccedilatildeo dessa funccedilatildeo presente em todas as culturas e etnias Em seguida seraacute o

momento de nos focarmos mais no uso que a literatura faz de nomes proacuteprios pessoais

Poderemos constatar a incriacutevel variedade de tarefas a eles atribuiacutedas revelando a

3

qualidade das personagens indicando o local onde transcorre a accedilatildeo sugerindo o

tempo da accedilatildeo exercendo um papel na estrutura da obra literaacuteria e por uacuteltimo

servindo para associaccedilotildees sinesteacutesicas que produzem um efeito especial na obra

Fechando o capiacutetulo nos dedicaremos agrave anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

interrogando-nos sobre as funccedilotildees dos nomes de pessoas o nome proacuteprio como um

coacutedigo social e a simbologia dos nomes proacuteprios

O segundo capiacutetulo seraacute consagrado a estudar como os nomes proacuteprios satildeo

utilizados no Oriente Meacutedio Antigo e na proacutepria BH Comeccedilaremos abordando as

civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel ou seja a Mesopotacircmia o Egito a Greacutecia e Roma

Em seguida entraremos no universo da cultura biacuteblica tratando de como as

circunstacircncias determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas na cultura hebraica e analisando

cada uma delas Um item seraacute dedicado agrave questatildeo da mudanccedila de nomes na BH uma

vez que este eacute o tema central deste nosso estudo Concluindo o capiacutetulo exploraremos

algo sobre as etiologias biacuteblicas ou seja as glosas que satildeo incluiacutedas nos textos a fim de

fornecer uma explicaccedilatildeo para um determinado nome de pessoa ou local

Com o terceiro capiacutetulo iniciamos a abordagem propriamente dita de nossa

periacutecope (Gn 3223-33) Primeiramente nos deparando com o texto hebraico completo

da mesma seguido por algumas notas e observaccedilotildees de criacutetica textual que procura

identificar possiacuteveis problemas presentes nos manuscritos biacuteblicos que serviram como

base para o estabelecimento do texto hebraico que possuiacutemos atualmente em nossas

matildeos Apoacutes essa anaacutelise mais teacutecnica partimos para contextualizar a nossa periacutecope

o que eacute fundamental quando se trata de um texto literaacuterio inserido em meio a uma

obra completa e nesta inserido em um determinado bloco literaacuterio que neste caso eacute

o denominado ciclo de Jacoacute Pensei que se fizesse necessaacuterio abordar nem que fosse

de modo resumido o processo de formaccedilatildeo do PentateucoToraacute e no interior deste a

evoluccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Afinal a formaccedilatildeo do Pentateuco determinou o modo como

as unidades literaacuterias foram dispostas em seu interior e a articulaccedilatildeo delas entre si

Finalmente o capiacutetulo chega ao seu final com a delimitaccedilatildeo da periacutecope agora o nosso

olhar comeccedila a tornar-se cada vez mais focado em Gn 3223-33 e um estudo sobre a

sua estrutura

4

O quarto e uacuteltimo capiacutetulo de nosso estudo eacute totalmente consagrado ao

fenocircmeno da mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel Para isso parte-se de paralelismos

com os quais a nossa periacutecope se defronta na BH Em seguida faz-se uma anaacutelise mais

detalhada de cada elemento que compotildee a periacutecope para na sequecircncia abordarmos

como se deu a interpretaccedilatildeo da mudanccedila de nome de Jacoacute na literatura biacuteblica rabiacutenica

e por parte dos pesquisadores modernos Entatildeo chegamos por fim agrave anaacutelise que

concentra o nuacutecleo deste nosso estudo o significado de ldquoIsraelrdquo

Gostaria de chamar a atenccedilatildeo para algumas particularidades metodoloacutegicas que

adotei na composiccedilatildeo deste estudo

Primeiramente a traduccedilatildeo dos textos biacuteblicos citados eacute tomada da Biacuteblia de

Jerusaleacutem a natildeo ser quando indicado diversamente Os textos mais diretamente

relacionados agrave periacutecope que eacute o objeto central da pesquisa foram sempre traduzidos

por mim mesmo Enquanto que para os demais textos servi-me da mencionada versatildeo

biacuteblica em portuguecircs ou de alguma outra mais literal a qual vem tambeacutem indicada

Por uma questatildeo de uniformizaccedilatildeo e praticidade adotei os nomes proacuteprios de

pessoas localidades e povoaccedilotildees empregados pela mesma Biacuteblia de Jerusaleacutem

Obviamente esses nomes diferem algumas vezes em muito do termo original

hebraico Por esse motivo quando o nome mencionado requer uma proximidade com

o original hebraico o mesmo eacute mencionado em parecircntesis

As citaccedilotildees diretas do hebraico satildeo feitas em duas formas usando os caracteres

aramaicos quadrados como estamos habituados a encontrar nas ediccedilotildees da BH e nas

obras afins ou entatildeo a transliteraccedilatildeo do texto hebraico seguindo um dos sistemas mais

aceitos e utilizados internacionalmente que estaacute explicado no item ldquoTransliteraccedilatildeo dos

Caracteres Hebraicosrdquo que se encontra antes desta introduccedilatildeo Devido a uma questatildeo

de acessibilidade a um maior puacuteblico preferi empregar mais o texto hebraico

transliterado

Na bibliografia preferi seguir o meacutetodo de citar o nome dos autores o mais

completo possiacutevel Afinal eacute uma forma de tornar mais conhecidos e acessiacuteveis os

estudiosos neste campo de pesquisa Sem falar que diferentemente da Europa e dos

Estados Unidos da Ameacuterica em nosso paiacutes as pessoas satildeo tratadas mais comumente

pelo nome e natildeo pelo(s) sobrenome(s)

5

Antes de concluir esta breve introduccedilatildeo penso ser oportuno fazer recurso a um

providencial poema que em muito auxilia-nos a antecipar o fruto essencial deste

nosso estudo

Refiro-me a um poema de Nelly Sachs escritora judia radicada na Sueacutecia

nascida em Berlim na Alemanha aos 10 de dezembro de 1891 e falecida em Estocolmo

Sueacutecia aos 12 de maio de 1970 ldquoAs suas experiecircncias resultantes da ascensatildeo do

nazismo na Segunda Guerra Mundial na Europa transformam-na em porta-voz

pungente para a tristeza e anseios de seus companheiros judeusrdquo (NELLY SACHS

2016) Aleacutem eacute claro de tecirc-la forccedilado a emigrar para a Sueacutecia onde foi acolhida e

constituiu uma forte amizade com a afamada escritora Selma Lagerloumlf Recebeu o

Nobel de Literatura de 1966 juntamente com Shmuel Yosef Agnon

JACOB Nelly Sachs1 Oacute ISRAEL fruto primeiro na luta auroral onde todo o parto estaacute escrito com sangue no crepuacutesculo Oh a faca afiada do grito do galo cravada no coraccedilatildeo da humanidade Oh a ferida entre noite e dia que eacute a nossa morada Preacute-lutador na carne pueacuterpera dos astros no luto da ronda nocturna donde chora um canto de paacutessaro Oacute Israel que finalmente pariste pra a bem-aventuranccedila ndash graccedila gotejante de orvalho matutino sobre a tua cabeccedila ndash Mais bem-aventurado pra noacutes vendidos pra o esquecimento gemendo nos bancos de gelo da morte e ressurreiccedilatildeo e pelo anjo pesado sobre noacutes torcidos pra Deus como tu

1 Da obra SACHS Nelly Poemas de Nelly Sachs Trad Paulo Quintela Lisboa Portugaacutelia Editora 1967

6

CAPIacuteTULO 1

A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA

1 O nome proacuteprio

Quando Shakespeare afirmou que ldquouma rosa com qualquer outro nome

cheiraria como o docerdquo (Romeu e Julieta IIii43) natildeo estava expressando certamente

uma ideia que tivesse qualquer fundamento no mundo biacuteblico ndash ou mesmo em

qualquer outro lugar do Oriente Meacutedio Antigo (cf BOHMBACH 2000 p 944)

No mundo antigo geralmente um nome natildeo eacute uma mera colocaccedilatildeo

convencional de sons pela qual uma pessoa lugar ou coisa possa ser identificado mais

apropriadamente um nome expressa ldquouma das propriedades distintivas ou recorda

o estado de acircnimo dos pais por ocasiatildeo do nascimento da crianccedila ou acontecimentos

poliacuteticos importantes na eacutepoca do nascimento ou como nome pessoal teofoacuterico faz

uma afirmaccedilatildeo sobre Deusrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1176)

Por isso conhecer o nome capacita para a comunicaccedilatildeo pois se sabendo o

nome de algueacutem ou de um deus podia-se invocaacute-lo chamar a sua atenccedilatildeo fazecirc-lo vir

ateacute o enunciador do seu nome enfim ldquocitaacute-lordquo Nesse sentido conhecer o nome de

algueacutem significa ateacute certo ponto um poder sobre a pessoa conhecida Isto aparece

definido de modo magistral por Martin Buber

O nome ldquoverdadeirordquo de uma pessoa [] eacute a essecircncia da pessoa destilada por assim dizer de sua realidade desse modo ela se encontra por assim dizer novamente presente nesse nome E mais importante ela aiacute se encontra presente sob tal forma que qualquer um conhecendo o nome verdadeiro e sabendo pronunciaacute-lo da maneira prescrita possa apoderar-se desta pessoa A pessoa por si mesma eacute inacessiacutevel ela opotildee uma resistecircncia No nome ela torna-se acessiacutevel o enunciador dispotildee dela (BUBER 1957 p 58-59)

Antes de adentrar propriamente no estudo do texto da Biacuteblia Hebraica (Gn

3223-33) objeto principal desta tese seraacute conveniente aprofundar um pouco mais o

7

significado e funccedilatildeo que o nome proacuteprio desempenha na obra literaacuteria tanto biacuteblica

como extrabiacuteblica

Essa anaacutelise se faz ainda mais oportuna quando se leva em conta que a teoria

mais em voga defende que o nome proacuteprio seja um simples iacutendice ou seja uma espeacutecie

de etiqueta que designaria algo sem significar2 Em semioacutetica eacute o mesmo que admitir

que o nome proacuteprio natildeo seria um signo O nome proacuteprio se refere a seu referente sem

atribuir qualquer informaccedilatildeo adicional conotativa ou de sentido sobre ele

As principais teorias da filosofia da linguagem fundamentadas sobre a loacutegica

acerca do nome proacuteprio gravitam ao redor da questatildeo se nomes proacuteprios satildeo mera

referecircncia ou se possuem alguma identidade com o seus referentes A grosso modo

pode-se agrupar essas teorias em 3

a) Teoria de John Stuart Mill (1806-1873) este filoacutesofo britacircnico distingue entre

sentido conotativo e denotativo e argumenta que os nomes proacuteprios natildeo incluem

nenhum outro conteuacutedo semacircntico a uma proposiccedilatildeo que indica o referente do nome

e satildeo puramente denotativos O processo atraveacutes do qual algo se torna um nome

proacuteprio eacute a gradual perda da conotaccedilatildeo para a pura denotaccedilatildeo Como eacute o caso do

processo que transformou as proposiccedilotildees descritivas ldquolong islandrdquo (ilha longa) no

nome proacuteprio Long Island uma ilha da costa do estado de Nova York

b) Teoria baseada no sentido de nomes Gottlob Frege matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

alematildeo (1848-1925) argumenta que se deve distinguir entre o sentido (Sinn) e a

referecircncia do nome Ele tambeacutem defende que nomes diferentes para a mesma entidade

podem identificar o mesmo referente sem serem formalmente sinocircnimos Eacute citado o

2 Entre os principais defensores dessa posiccedilatildeo temos 1ordm) MILL John Stuart A System of Logic Ratiocinative and Inductive Being a Connected View of the Principles of Evidence and the Methods of Scientific Investigation London John W Parker 1843 2 v Disponiacutevel em lthttpsbooksgooglecombrbooksid=y4MEAAAAQAAJamppg=PR9amphl=pt-BRampsource=gbs_selected_pagesampcad=2v=onepageampqampf=falsegt Acesso em 30 jul 2015 (especialmente no vol 1 Book I Of Names and Propositions) 2ordm) BROslashNDAL Viggo Essais de linguistique geacuteneacuterale Copenhague Ejnar Munksgaard 1943 3ordm) PEIRCE Charles Sanders The Collected Papers of Charles Sanders Peirce Volumes 1-6 edited by Charles Hartshorne and Paul Weiss volumes 7-8 edited by A W Burks Cambridge (MA) Belknap Press of Harvard University Press 1931-1935 Disponiacutevel em lthttpwwwtextlogdepeirce_principleshtmlgt Acesso em 30 jul 2015 4ordm) RUSSEL Bertrand Knowledge by Acquaintance and Knowledge by Description Proceedings of the Aristotelian Society London Edinburgh Williams and Norgate n 11 p 108ndash28 1911 IDEM The Philosophy of Logical Atomism In MARSH R (Ed) Logic and Knowledge New York Capricorn 1956 p 177ndash281 3 Cf CUMMING 2013 e PROPER NAME (PHILOSOPHY) 2015 Para uma visatildeo mais exaustiva e detalhada consultar LANGENDONCK 2007 p 20-38

8

seguinte exemplo embora a estrela da manhatilde e a estrela da tarde sejam o mesmo objeto

astronocircmico a proposiccedilatildeo ldquoa estrela da manhatilde eacute a estrela da noiterdquo natildeo eacute uma

tautologia mas fornece informaccedilotildees reais para algueacutem que natildeo sabia disso Assim

para Frege os dois nomes para o objeto devem ter um sentido diferente

c) Teoria descritiva dos nomes proacuteprios essa teoria eacute a visatildeo de que o significado de

um determinado uso de um nome proacuteprio eacute um conjunto de propriedades que pode

ser expresso como uma descriccedilatildeo que escolhe um objeto que satisfaccedila a descriccedilatildeo

Quem adotou esse ponto de vista foi Bertrand Russell (matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

do Reino Unido 1872-1970) o qual alega que o nome se refere a uma descriccedilatildeo e essa

descriccedilatildeo como uma definiccedilatildeo escolhe o portador do nome A descriccedilatildeo entatildeo

funciona como uma abreviaccedilatildeo ou uma forma truncada da descriccedilatildeo John Searle

filoacutesofo da linguagem norte-americano elaborou a teoria de Russell sugerindo que o

nome proacuteprio se refere a um conjunto de proposiccedilotildees que em combinaccedilatildeo escolhe um

referencial uacutenico Isso foi feito para lidar com a objeccedilatildeo por alguns criacuteticos da teoria de

Russell de que uma teoria descritiva do significado faria o referente de um nome

depender do conhecimento de que a pessoa ao dizer o nome tem sobre o referente

Em 1973 Tyler Burge outro filoacutesofo norte-americano propocircs uma teoria descritiva

metalinguiacutestica de nomes proacuteprios que sustenta que os nomes tecircm o significado que

corresponde agrave descriccedilatildeo das entidades individuais a quem o nome eacute aplicado

d) Teoria causal dos nomes a teoria histoacuterico-causal teve origem com a obra Naming

and Necessity (Boston Basil Blackwell 1980) de Saul Kripke Ela eacute edificada sobre a

obra dentre outros de Keith Donnellan que combina a visatildeo referencial com a ideia

que o referente do nome eacute fixado por um ato batismal apoacutes o que o nome se torna um

designador riacutegido do referente Kripke natildeo enfatiza tanto a causalidade mas sim a

relaccedilatildeo histoacuterica entre o evento de nomeaccedilatildeo e a comunidade de falantes dentro da

qual o nome circula mas apesar disso essa teoria eacute muitas vezes chamada de ldquouma

teoria causal da nomeaccedilatildeordquo A teoria de nomeaccedilatildeo pragmaacutetica de Charles Sanders

Peirce (1839-1914) agraves vezes eacute considerada uma precursora da teoria de nomeaccedilatildeo

histoacuterico-causal Ele descreveu os nomes proacuteprios nos seguintes termos

Um nome proacuteprio quando se encontra com ele pela primeira vez eacute existencialmente conectado com alguma percepccedilatildeo ou outro conhecimento individual equivalente do indiviacuteduo que ele nomeia Ele eacute entatildeo e soacute entatildeo

9

um Index [Iacutendice] genuiacuteno A proacutexima vez que se encontra com ele considera-se como um Iacutecone desse Iacutendice A familiaridade habitual com ele tendo sido adquirida torna-se um siacutembolo cuja Interpretante representa-o como um iacutecone de um iacutendice do indiviacuteduo chamado (PROPER NAME [PHILOSOPHY] 2015 p 35)

Aqui ele observa que o evento de batismo tem lugar para cada pessoa quando

um nome proacuteprio eacute o primeiro relacionado com um referente (por exemplo apontando

e dizendo ldquoeste eacute Joatildeordquo estabelecendo uma relaccedilatildeo indicial entre o nome e a pessoa)

que eacute doravante considerado ser um convencional (ldquosimboacutelicordquo em termos peirceanos)

em relaccedilatildeo ao referente

e) Teorias de referecircncia direta rejeitando as bases das teorias descritiva e histoacuterico-

causal as teorias da referecircncia direta sustentam que nomes juntamente com

demonstrativos satildeo uma classe de palavras que se referem diretamente ao seu

referente Como exemplo pode-se citar Ludwig Wittgenstein que em seu Tractatus

Logico-Philosophicus (1921) defende uma posiccedilatildeo de referecircncia direta argumentando

que nomes se referem diretamente a um particular e que este referente eacute seu uacutenico

significado A visatildeo mais tardia de Wittgenstein foi comparada com aquela do proacuteprio

Kripke que reconhece nomes proacuteprios como decorrentes de uma convenccedilatildeo social e

princiacutepios pragmaacuteticos de compreensatildeo dos outros enunciados A teoria da referecircncia

direta eacute similar agravequela de Mill enquanto propotildee que o uacutenico significado de um nome

proacuteprio eacute o seu referente O filoacutesofo e loacutegico norte-americano David Kaplan (1979 p

81-98) faz uma distinccedilatildeo entre termos fregeanos e natildeo-fregeanos isto eacute referentes agrave

teoria de Gottlob Frege Os primeiros que possuem sentido e referecircncia e os uacuteltimos

natildeo-fregeanos que incluem nomes proacuteprios e tecircm somente referecircncia

f) Filosofia continental4 fora da tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica poucos filoacutesofos

chamados continentais abordaram o nome proacuteprio como uma questatildeo filosoacutefica Em

4 Filosofia continental eacute uma expressatildeo criada originalmente pelos filoacutesofos analiacuteticos angloacutefonos principalmente estadunidenses e britacircnicos para descrever vaacuterias tradiccedilotildees filosoacuteficas procedentes da Europa continental principalmente da Alemanha e da Franccedila A expressatildeo compreende de maneira bastante vaga a fenomenologia de Edmund Husserl ou Maurice Merleau-Ponty a ontologia fundamental de Martin Heidegger a psicanaacutelise de Sigmund Freud ou Jacques Lacan o existencialismo de Jean-Paul Sartre diversas correntes do marxismo o estruturalismo em ciecircncias humanas inspirado por Claude Leacutevi-Strauss ou Michel Foucault a semiologia de Algirdas Julien Greimas ou Roland Barthes a hermenecircutica de Hans-Georg Gadamer ou Paul Ricoeur a desconstruccedilatildeo de Jacques Derrida a teoria criacutetica da Escola de Frankfurt O termo eacute utilizado sobretudo para descrever uma atividade filosoacutefica por contraste com a filosofia analiacutetica Eacute mais popular nas ciecircncias sociais esteacutetica estudos culturais e filosofia do cinema do que nas ditas ciecircncias duras (FILOSOFIA CONTINENTAL 2014)

10

De la grammatologie (1967) Jacques Derrida refuta especificamente a ideia que nomes

proacuteprios situam-se fora da construccedilatildeo social da linguagem como uma relaccedilatildeo binaacuteria

entre referente e signo Ao contraacuterio ele argumenta que os nomes proacuteprios como

todas as palavras estatildeo envolvidos em um contexto de diferenccedilas sociais espaciais e

temporais que os tornam significativos Ele tambeacutem observa que haacute elementos

subjetivos de significado em nomes proacuteprios uma vez que eles conectam o portador

de um nome com o signo da sua proacutepria identidade

Vamos a partir de agora tornar mais claro o aspecto do nome proacuteprio que iraacute

nos interessar em nossa pesquisa

11 O que eacute o nome proacuteprio

Eacute praticamente consensual que a primeira funccedilatildeo do nome proacuteprio eacute de

identificaccedilatildeo Seria como se diz em inglecircs um identity marker o representante mais

importante de uma pessoa Desse modo uma pessoa e seu nome satildeo uma soacute realidade

(cf NEUMANN 2011 p 324)

O termo ldquonome proacutepriordquo chegou-nos atraveacutes dos gregos Eles empregavam a

expressatildeo onoma kurion que foi traduzida em latim por nomen proprium e significava

ldquonome autecircnticordquo ou um nome mais autecircntico que outros Diferenciava-se onoma

kurion de proshgoria ou ldquodenominaccedilatildeordquo que era um termo utilizado para descrever

um ldquonome geneacutericordquo ou ldquocomumrdquo (cf GARDINER 2010 p 36)

O vocaacutebulo grego kurion era assimilado a nomes empregados de maneira

individual ou seja que qualificam seres individuais

Eacute importante constatar que o termo ldquonomerdquo eacute mais antigo que ldquopalavrardquo

Segundo o filoacutelogo GARDINER ldquoeacute inconcebiacutevel que em alguma sociedade

mesmo primitiva tenha faltado a palavra lsquonomersquo O termo pertence aos estaacutegios preacute-

gramaticais do pensamentordquo (2010 p 40)

Isso porque na antiguidade os povos natildeo se interessavam por palavras em si

mesmas elas eram usadas apenas como instrumento para se falar das coisas do mundo

ao seu redor Quando se menciona um ldquonomerdquo supotildee-se que exista alguma coisa agrave

qual corresponda o som ldquoaquilo que era a fons e origo do nome sua razatildeo de serrdquo

(GARDINER 2010 p 41)

11

Ampliando e melhorando a interpretaccedilatildeo de Saussure GARDINER (2010 p

91) forneceraacute a seguinte definiccedilatildeo de nome proacuteprio

Um nome proacuteprio eacute uma palavra ou um grupo de palavras reconhecidas como indicando ou tendendo a indicar o objeto ou os objetos ao(s) qual(is) ele faz referecircncia em virtude unicamente de sua sonoridade distintiva sem levar em consideraccedilatildeo qualquer sentido que possa possuir esse som seja aquele desde a origem ou adquirido por este atraveacutes de associaccedilotildees com o dito ou

ditos objetos

Pode-se questionar se o nome proacuteprio comporta em si mesmo algum tipo de

conteuacutedo racional ou seja se ele diz alguma coisa da pessoa por ele nomeada Em

nossa atual sociedade ocidental ldquoo nome proacuteprio eacute na maior parte do tempo uma

palavra escolhida arbitrariamente para designar algueacutem Eacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo

social praacuteticardquo (RENAUD 2007 p 13) Isso poreacutem natildeo corresponde absolutamente agrave

realidade do mundo antigo especialmente no Oriente como se veraacute adiante

Em geral a linguiacutestica contemporacircnea percebe no nome proacuteprio duas

caracterizaccedilotildees do signo Ele eacute ao mesmo tempo signo linguiacutestico possuidor de um

significante e de um significado mesmo que miacutenimo e signo como substituto pois ele

reenvia a um indiviacuteduo mas pode tambeacutem valer como siacutembolo ou seja como ato de

linguagem (LECOLLE PAVEAU REBOUL-TOUREacute 2009 p 11)

Na linguiacutestica ldquonome eacute uma categoria gramatical que agrupa as palavras que

designam seja uma espeacutecie ou representante de uma espeacutecie (nomes comuns) seja um

indiviacuteduo particular (nomes proacuteprios)rdquo (RUSSO 2002 p 15) No entanto o nome

proacuteprio natildeo apenas diferencia ou determina o sujeito pois ele ldquoaponta diretamente o

objeto no mundo exterior extralinguiacutestico Por isso ele eacute reconhecido na linguiacutestica

moderna como sendo o portador e exemplo maior da funccedilatildeo de referenciaccedilatildeo da

linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 55) Ele possui a capacidade de remeter diretamente

a um objeto em especial um determinado corpo Como afirma MARTINS ldquoDado o

nome eis o objetordquo (IDEM) Mais do que isso poreacutem o nome significa o ser ao qual se

refere mais do que apenas enviar a ele

Um dos primeiros a sistematizar a questatildeo se os nomes satildeo meramente

formados em funccedilatildeo de uma convenccedilatildeo ou se eles satildeo constituiacutedos em funccedilatildeo de uma

natureza que por assim dizer orientaria o trabalho daquele que nomeia foi o filoacutesofo

12

grego Platatildeo (428427 ou 424423 ndash 348347 AEC) especialmente em sua obra Craacutetilo5

Eacute interessante observar que ldquono periacuteodo em que se legitimam as grandes narraccedilotildees

miacuteticas a palavra manifesta os proacuteprios elementos ela se identifica com o objetordquo

(PINHEIRO 2003 p 37-38) O nome eacute um ldquoinstrumentordquo segundo Platatildeo para

ldquoensinar e distinguir a essecircncia [das coisas] como a lanccediladeira para o tecidordquo

(PLATONE 2000 p 139 388 B-C)6 Portanto o nome eacute resultado de uma teacutecnica uma

arte uma produccedilatildeo

Em Platatildeo o nome seraacute tratado como o signo linguiacutestico de caraacuteter convencional capaz de representar uma determinada ousiacutea [essecircncia] Essa essecircncia natildeo pode ser compreendida apenas como um fenocircmeno empiacuterico e obviamente natildeo pode ser relativa a cada homem em particular [] A verdadeira funccedilatildeo dos nomes em Platatildeo seria a de nos remeter agrave sua proacutepria essecircncia agrave sua proacutepria natureza [] No diaacutelogo ela surge como modelo abstrato que o nomoteta [o artiacutefice dos nomes] apreende antes de iniciar a sua tarefa de artesatildeo de nomes (PINHEIRO 2003 p 45-46)

Aleacutem de utilizar a palavra ldquoinstrumentordquo para definir a funccedilatildeo do nome

Platatildeo lanccedila matildeo da hipoacutetese de nome como ldquoimagemrdquo (gr eikoacuten) O nome eacute uma

imagem (ideia) que corresponde a um objeto O nome deve estar afinado ao seu

modelo (ideia em grego eicircdos) No entanto o papel de quem atribui o nome se realiza

pelo diaacutelogo Platatildeo o denomina de legislador (gr nomoteta) atividade da qual nem

todos os homens satildeo capazes7 Isso porque ldquoa natureza da linguagem eacute ambiacutegua

cabendo ao filoacutesofo no papel do dialeacutetico ajuizar sobre o melhor significado a atribuir

a um nome dentro de um determinado contextordquo (MONTENEGRO 2007 p 376)

Nesse sentido o nomeador possui um papel ativo isto eacute adequar o nome agraves coisas

5 Eacute uma obra platocircnica de dataccedilatildeo incerta alguns estudiosos atribuem sua redaccedilatildeo tanto ao periacuteodo anterior agrave composiccedilatildeo de Repuacuteblica como posterior Repuacuteblica teve sua composiccedilatildeo iniciada nos anos oitenta e o ponto culminante da mesma teria sido nos anos setenta do IV seacuteculo AEC (cf RADICE 2000 p 1081) ldquoO diaacutelogo em Craacutetilo versa sobre a justeza dos nomes a partir do exame realizado por Soacutecrates das teses divergentes de Hermoacutegenes e Craacutetilo Segundo Hermoacutegenes os nomes satildeo resultantes de pura convenccedilatildeo podendo esta ser tanto individual quanto coletiva para Craacutetilo disciacutepulo de Heraacuteclito e mestre de Platatildeo anteriormente a Soacutecrates os nomes espelham a natureza das coisas e esta natildeo eacute senatildeo o constante fluxo Soacutecrates eacute chamado para tentar uma conciliaccedilatildeordquo (MONTENEGRO 2007 p 369) 6 Texto original grego Onoma ara didaskalikon ti evstin organon kai diakritikon th j ouvsiaj w[sper kerkij

ufasmatoj 7 ldquoPortanto Hermoacutegenes natildeo eacute proacuteprio de todo homem estabelecer o nome mas a um artesatildeo dos nomes E este eacute como parece o legislador que entre os homens eacute o mais raro dos artesatildeosrdquo (PLATONE 2000 p 139 388E-389A) Original grego Ouvk ara pantojAtilde w= lsquoErmogenejAtilde onoma qesqaiAtilde a vlla tinoj ovnomatourgou ou-toj drsquoevstinAtilde w`j eoikenAtilde o ` nomoqethjAtilde o]j dh tw n dhmiourgw n spaniwtatoj e vn a vnqrwpoij gignetai)

13

Esse papel eacute supervisionado pelo dialeacutetico8 com sua atividade de fazer perguntas e

dar respostas Pode-se encontrar aqui uma contraposiccedilatildeo com a BH onde Deus

aparece logo no iniacutecio ldquochamandordquo (verbo heb wayyiqraumlacute) ou seja dando nomes agraves

coisas que ele vai criando (cf Gn 15810) A palavra de Deus eacute formadora ou seja ela

cria aquilo que eacute nomeado (wayyoumlordm mer acuteeacuteloumlhicircm ndash Gn 13691114202426) A palavra

nesse sentido possui a essecircncia da coisa que eacute formada Algo semelhante se passa com

Adatildeo (heb aumldaumlm) em Gn 219 quando Deus lhe traz todos os seres vivos da terra para

serem nominados por ele No entanto haacute uma diferenccedila fundamental pois o homem

natildeo eacute criador ou seja ele nomeia os seres criados mas natildeo os faz vir agrave vida9

Interessante observar que Adatildeo natildeo vem nomeado explicitamente por Deus nem no

primeiro nem no segundo relato da Criaccedilatildeo (cf Gn 126-27 27) Contudo quando

Deus manifesta sua vontade de ldquofazerrdquo (heb na`aacuteSegrave ndash Gn 126) o homem no fundo

ele jaacute o ldquonomeourdquo chamando-o de Adatildeo que significa ldquohomemrdquo (heb acuteaumldaumlm) Adatildeo

em seu ato de nominar adequa os nomes agraves coisas que estatildeo diante dele ele parte da

natureza delas mas natildeo as forma (cria) Mesmo assim chama atenccedilatildeo a importacircncia e

diferenccedila do ser humano em relaccedilatildeo agraves demais obras da Criaccedilatildeo Enquanto estas

recebem nome do Criador tatildeo logo satildeo formadas o ser humano participa da Criaccedilatildeo

como colaborador de Deus ao tambeacutem poder nomear os demais seres vivos

12 A que serve o nome proacuteprio

Ao relacionarmos os nomes proacuteprios aos nomes comuns percebe-se que pode

haver usos anaacutelogos entre ambas categorias poreacutem haacute outros que satildeo especiacuteficos aos

nomes proacuteprios Vejamos

1 Estabelecimento de correspondecircncia entre um nome proacuteprio e um indiviacuteduo Este uso toma duas formas a) eu dou ao meu interlocutor o nome de um indiviacuteduo que ele tem sob seus olhos ou que eu descrevo por uma descriccedilatildeo definida ldquoesta eacute Parisrdquo ldquoeu vos apresento Alberto Dupontrdquo ldquoo pai

8 ldquoE a quem sabe interrogar e responder chama-o de outro modo que dialeacutetico [] obra do legislador ao que parece eacute fazer um nome sob a direccedilatildeo do dialeacutetico se os nomes devem ser adequadosrdquo (PLATONE 2000 p 140 390 C-D) No original grego Ton de evrwta n kai a vpokrinesqai e vpistamenon allo

ti su kalei j h dialektikon [] Nomoqetou de geAtilde wj eoikenAtilde onomaAtilde e vpistathn econtoj dialektikon andraAtilde ei v mellei kalw j ovnomata qhsesqai) 9 O texto hebraico eacute expliacutecito em afirmar que wayyigravecer yhwh(acuteaumldoumlnaumly) acuteeacuteloumlhicircm min-hauml|acuteaacutedaumlmacirc Kol-Hayyat

haSSaumldegrave wuumlacuteeumlt Kol-`ocircp haššaumlmaordmyim (ldquoHavendo pois o Senhor Deus formado da terra todo o animal do

campo e toda a ave dos ceacuteusrdquo Gn 219)

14

de Joseacute chama-se Juacuteliordquo b) eu indico ao meu interlocutor a coincidecircncia entre um indiviacuteduo e um nome jaacute conhecido dele ldquoEis Parisrdquo ldquoeacute Tiagordquo Esses dois usos satildeo bastante paralelos para os nomes proacuteprios e os nomes comuns a uacutenica diferenccedila reside na referecircncia uacutenica do nome proacuteprio 2 Uso referencial uacutenico ldquoTiago veiordquo Eacute o uso normal do nome proacuteprio 3 O Batismo ldquoEu te batizo Pedrordquo Haacute um uso bem particular do nome proacuteprio quando acontece de se dar um nome novo a uma categoria de objeto o batismo de indiviacuteduos ato social por excelecircncia eacute o uacutenico ato suscetiacutevel de dar nascimento a um antropocircnimo Trata-se de um contrato com base em um performativo ldquoeu te batizordquo ldquoeu te chamordquo ldquoeu te nomeiordquo E parece haver em todas as liacutenguas expressotildees do gecircnero Eacute a cerimocircnia do batismo (que noacutes tomamos no sentido geral de doaccedilatildeo do nome) que explica o caraacuteter arbitraacuterio com o qual nos aparecem os nomes proacuteprios eles satildeo arbitraacuterios enquanto colocados Ademais a teoria dita teoria causal dos nomes proacuteprios repousa sobre a existecircncia do batismo se os nomes proacuteprios devem ser transmitidos de pessoa a pessoa fixando cada vez nela a referecircncia eacute precisamente porque se esta cadeia se interrompe natildeo se pode mais saber a que se refere o nome proacuteprio 4 Uso vocativo ldquoPedro venha aquirdquo Trata-se de um ato de linguagem que G G Granger chama de ldquointerpelaccedilatildeordquo para G G Granger de fato eacute na interpelaccedilatildeo que se manifesta a especificidade semioloacutegica do nome proacuteprio (MOLINO 1982 p 17)

Essa questatildeo estaacute unida agrave da identidade Haacute de se superar que a identidade do

nome proacuteprio se reduza agrave relaccedilatildeo entre dois nomes ldquoa = brdquo como propunha Gottlob

Frege em sua claacutessica distinccedilatildeo entre Sinn e Bedeutung ou seja sentido e denotaccedilatildeo (cf

FREGE 1971 p 102-126) No entanto a virtude simboacutelica do nome proacuteprio natildeo pode

se esgotar nesta referecircncia a algo

O nome possui a funccedilatildeo de designador individual ou seja especificar algueacutem

destacar algueacutem em seu contexto ou classificaacute-lo segundo o modo de compreensatildeo de

Leacutevi-Strauss Esse etnoacutelogo identifica dois tipos extremos de nomes proacuteprios (a) o

nome como uma marca de identificaccedilatildeo que confirma pela aplicaccedilatildeo de uma regra a

pertenccedila do indiviacuteduo nomeado a uma classe preacute-ordenada (b) o nome como uma livre

criaccedilatildeo do indiviacuteduo que nomeia e que exprime por meio daquele que ele nomeia um

estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividade (LEacuteVI-STRAUSS 1962 p 240) No

entanto o pesquisador chega a uma conclusatildeo um tanto radical quando afirma que

ldquojamais se nomeia classifica-se o outro se o nome que se lhe daacute eacute em funccedilatildeo de

caracteriacutesticas que ele tem ou se classifica a si mesmo se acreditando estar dispensado

de seguir uma regra nomeia-se o outro lsquolivrementersquo isto eacute em funccedilatildeo das

caracteriacutesticas que se temrdquo (IDEM) Muitas vezes reconhece Leacutevi-Strauss ambos os

fatores interagem-se

15

Nesse aspecto o nome proacuteprio como um classificador como exprime Leacutevi-

Strauss encontra-se um aspecto questionaacutevel pois

A nomeaccedilatildeo obedece a princiacutepios de classificaccedilatildeo mas esses princiacutepios natildeo se correspondem e natildeo constituem um sistema eles se unem ao infinito E eacute aqui que se manifesta uma diferenccedila fundamental entre classificaccedilatildeo e nomeaccedilatildeo o indiviacuteduo natildeo eacute uma espeacutecie [] Uma espeacutecie eacute definida por uma classificaccedilatildeo hieraacuterquica uacutenica um indiviacuteduo eacute portador de uma infinidade virtual de classificaccedilotildees independentes no primeiro caso as classificaccedilotildees servem para classificar no segundo o indiviacuteduo dado como um ponto de partida eacute o suporte de classificaccedilotildees muacuteltiplas e independentes que servem apenas para enriquecer sua definiccedilatildeo social (MOLINO 1982 p 18)

No entanto diferentemente de Leacutevi-Strauss podemos ver tanto no tipo de

nomeaccedilatildeo como classificaccedilatildeo de algueacutem como naquele de nomeaccedilatildeo como

autoclassificaccedilatildeo natildeo o conteuacutedo classificatoacuterio mas a forma em si mesma O que

ocorre em ambos os casos eacute a manifestaccedilatildeo de um ato de linguagem da relaccedilatildeo locutor

(quem nomeia) e interlocutor (quem eacute nomeado) mesmo que este uacuteltimo o seja em

potencial uma vez que ainda natildeo tecircm consciecircncia O fato do interlocutor (o nomeador)

exprimir-se a si mesmo nesse ato eacute algo secundaacuterio ldquoo essencial eacute que sua proacutepria

presenccedila no ato de nomeaccedilatildeo faccedila dele uma interpelaccedilatildeo [] o nome proacuteprio eacute tal

porque ele pode funcionar em uma interpelaccedilatildeordquo (GRANGER 1982 p 28-29)

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10

No caso do nome de pessoas portanto o nome proacuteprio possui uma funccedilatildeo de

interpelar o mesmo nem sempre se daacute no caso dos demais nomes proacuteprios E natildeo se

interpela algo vazio de conteuacutedo Portanto deve haver uma pressuposiccedilatildeo de sentido

no nome proacuteprio uma vez que ele conota aleacutem de denotar o indiviacuteduo ao qual se refere

Por esse motivo ou seja em razatildeo de sua natureza pragmaacutetica o nome

proacuteprio especialmente de pessoas natildeo pode ser substituiacutedo por uma descriccedilatildeo

definida do ser nomeado como acreditava por exemplo Russell Ele possui o que

certos linguistas chamam de ldquohalo de conotaccedilotildeesrdquo (GRANGER 1982 p 34) O proacuteprio

Granger explica melhor tal conceito

10 Para uma abordagem mais exaustiva e detalhada dessa questatildeo consultar LANGENDONCK 2007 p 84-118

16

Entendemos aqui por essa palavra dois efeitos eventualmente conjuntos De uma parte a conotaccedilatildeo ldquometasimboacutelicardquo que atribui a um signo propriedades que dependem seja do subsistema da liacutengua ao qual ele pertence seja do uso particular que se faz dele em certo discurso De outra parte a conotaccedilatildeo ldquoparassimboacutelicardquo que nasce do valor expressivo conferido aos aspectos natildeo estritamente pertinentes do signo Eacute certo que o jogo dessas conotaccedilotildees quase que liberadas de todo entrave confere ao nome proacuteprio um poder poeacutetico excepcional [] Eacute desta maneira que o nome proacuteprio embora se afaste pela sua funccedilatildeo essencialmente pragmaacutetica de toda referecircncia semacircntica pode ter um sentido (GRANGER 1982 p 34-35)

Para Granger o nome proacuteprio eacute agraves vezes ao mesmo tempo iacutendice e siacutembolo11

Por isso o nome proacuteprio pode veicular um sentido conotativo de forma icocircnica12

completando a triacuteade peirceana do signo em relaccedilatildeo ao objeto que ele substitui Pode-

se tomar como exemplo o apelido do pintor italiano Giorgio Barbarelli (Castelfranco

Itaacutelia) Ele era denominado de Giorgione um aumentativo que refletia a sua

corpulecircncia Caso substituiacutessemos esse apelativo pelo seu sobrenome Barbarelli que

designa a mesma pessoa a proposiccedilatildeo continuaria a ser verdadeira pois estariacuteamos

falando da mesma pessoa

A palavra ldquoGiorgionerdquo sem se reduzir absolutamente a uma descriccedilatildeo transpotildee na funccedilatildeo de nome proacuteprio um nome cujo interpretante13 eacute um signo icocircnico ndash isto eacute que se parece de algum modo ao seu objeto ndash destacado pelo aumentativo italiano Como um nome proacuteprio a palavra deve neutralizar essa carga icocircnica sobreposta como ele neutralizaria de mais a mais todo sentido que ele possa conotar (GRANGER 1982 p 36)

11 Siacutembolo eacute uma das classificaccedilotildees de Charles Sanders Peirce (as outras duas satildeo iacutecone e iacutendice) que organiza os signos conforme a relaccedilatildeo entre eles e o objeto que eles substituem O siacutembolo resulta da convenccedilatildeo A relaccedilatildeo entre o signo e o objeto que ele representa eacute arbitraacuteria legitimada por regras Ex a pomba branca eacute siacutembolo de paz um retacircngulo verde com um losango amarelo ciacuterculo azul e estrelas eacute um dos siacutembolos do Brasil mas em nenhum desses casos haacute relaccedilatildeo de semelhanccedila ou de associaccedilatildeo singular trata-se de regras leis convenccedilotildees Iacutendice resulta de uma singularizaccedilatildeo Um signo indicial eacute o resultado de uma relaccedilatildeo por associaccedilatildeo ou referecircncia A categoria indicial se evidencia pelo vestiacutegio pelos indiacutecios Ex rastros de pneus pegadas ou cheiro de fumaccedila natildeo se parecem com os objetos que eles substituem (pneus animais ou a fumaccedila) mas noacutes associamos uns aos outros respectivamente satildeo exemplos de signos indiciais (AS TRICOTOMIAS PEIRCEANAS ndash CLASSIFICACcedilAtildeO DOS SIGNOS 2012 p 2) 12 O iacutecone eacute o resultado da relaccedilatildeo de semelhanccedila ou analogia entre o signo e o objeto que ele substitui Ex um retrato ou uma caricatura satildeo semelhantes aos objetos que eles substituem eles satildeo signos icocircnicos (IDEM) 13 Interpretante na proacutepria definiccedilatildeo do criador desse conceito Charles Sanders Peirce eacute o ldquoefeito do signordquo isto eacute eacute a ldquoideiardquo que o signo provoca cria na mente do inteacuterprete O signo ldquoeacute aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo para algueacutem Dirige-se a algueacutem isto eacute cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signordquo (PEIRCE 2012 p 46)

17

O nome proacuteprio em si mesmo natildeo se refere que a indiviacuteduos em geral Natildeo se

pode explicar o conteuacutedo semacircntico de um nome como ldquoJoatildeordquo por exemplo Sabemos

que ldquoJoatildeordquo14 eacute o nome de uma pessoa do sexo masculino Nos primoacuterdios da

linguiacutestica o russo Roman Osipovich Jakobson (1896-1982) dizia que o nome proacuteprio

natildeo podia ser definido que pela devoluccedilatildeotransmissatildeo do coacutedigo ao coacutedigo ldquoJoatildeordquo

significa uma pessoa nomeada Joatildeo Com isso esse estudioso denuncia a circularidade

de tal definiccedilatildeo (cf JAKOBSON 1963 p 177) Mas haacute linguistas que discordam dessa

afirmaccedilatildeo dizendo ser ela enganosa Isso porque ldquoo coacutedigo que se esforccedilam de

descrever dicionaacuterios e gramaacuteticas natildeo remete a si mesmo para caracterizar um nome

de pessoa quando diz a palavra lsquobaleiarsquo que designa um lsquoanimalrsquordquo (GRANGER 1982

p 27) A funccedilatildeo semacircntica da palavra ldquoJoatildeordquo natildeo depende circularmente do coacutedigo

mas da enunciaccedilatildeo Fixadas as circunstacircncias da enunciaccedilatildeo a descriccedilatildeo torna-se

possiacutevel

A significaccedilatildeo do nome proacuteprio como se constata eacute complexa pois se podem

encontrar diversas camadas de significaccedilatildeo que correspondem ao seu funcionamento

distinto a) ora como uma marca pura isto eacute uma etiqueta que visa um objeto singular

b) ora como um ldquodesignador riacutegidordquo que manteacutem a invariacircncia da referecircncia ao

indiviacuteduo mesmo em meio agraves modificaccedilotildees espaciais temporais e pessoais c) ora

como um classificador que indica a classe a qual pertence o objeto individual

designado pelo nome como eacute o caso de ldquoJoatildeordquo um prenome de ser humano d) ora

como uma descriccedilatildeo definida que serve de representaccedilatildeo identificadora como eacute o caso

de explicar o sentido do nome proacuteprio a quem o ignora por exemplo ldquoJoatildeordquo foi um

dos disciacutepulos de Jesus Cristo (cf MOLINO 1982 p 16)

Assim sendo o nome proacuteprio ldquoinduz uma seacuteria indefinida de interpretaccedilotildees

mais ricas e mais carregadas de afetividade do que satildeo os interpretantes dos nomes

comuns como o indica a funccedilatildeo literaacuteria e poeacutetica dos nomes proacutepriosrdquo (IDEM)

14 Etimologicamente falando sabemos que este nome adentrou em nossa liacutengua portuguesa atraveacutes do latim (Ioannes) que por sua vez proveacutem do grego Ιωάννης (Ioaacutennes) Entretanto a sua etimologia primitiva encontra-se na liacutengua hebraica nxwy (Yocircḥānān) forma reduzida de nxwhy (Yəhocircḥānān) que

pode significar Deus [YHWH] eacute propiacutecio Deus mostrou favor Deus foi clemente ou Graccedila Divina

18

O nome proacuteprio de pessoas serve portanto para fins que ultrapassam o

meramente designativo referencial e denotativo Ele situa-se no campo conotativo mais

amplo

2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio

Eacute importante perceber as diferentes nuanccedilas que o nome proacuteprio pode

adquirir de acordo com o tipo de abordagem que se faz dele Por isso um raacutepido e

despretensioso percurso por algumas das ciecircncias que se ocupam deste argumento

pode fornecer um quadro mais amplo do seu significado No item anterior jaacute vimos a

abordagem desse tema atraveacutes da Filosofia da Linguagem Ver-se-aacute agora a

21 Semioacutetica

Podemos a grosso modo entender a semioacutetica como a ldquoteoria geral dos modos

de produccedilatildeo funcionamento e recepccedilatildeo dos diferentes sistemas de signos que

permitem a comunicaccedilatildeo entre indiviacuteduos eou coletividades de indiviacuteduosrdquo

(GRANDE ENCICLOPEacuteDIA LAROUSSE CULTURAL 1998 p 5317) Assim sendo

ela aborda o nome proacuteprio como um signo simboacutelico que representa um sujeito e

ldquoenquanto siacutembolo eacute o proacuteprio sujeito como se a palavra fosse o ser encarnadordquo

(IDEM)

Enquanto significante o nome proacuteprio eacute organizador em seu conjunto dos

efeitos do significado Mais que um iacutendice ele eacute um ldquotexto que se oferece ao

deciframentordquo na concepccedilatildeo de Lacan (RUSSO 2002 p 20) Desse modo o nome

proacuteprio eacute ldquoresumido numa palavra-texto como um conjunto de significaccedilotildees do outrordquo

(RUSSO 2002 p 22) o qual impele o ser a estabelecer relaccedilotildees ao identificar-se

Um dos primeiros pensadores senatildeo o primeiro a designar as palavras como

ldquosinaissignosrdquo foi Agostinho (354-430 EC) O estudo do sinal (semioacutetica) e em

especial do sinal linguiacutestico ocupa um lugar privilegiado na filosofia de Agostinho

Para ele o tema do ensino eacute fundamental e sinal e linguagem satildeo partes constitutivas

desse processo de aprendizagem Agostinho observa a importacircncia dos sinais na vida

humana Afinal todos os seres se dividem em sinais e significaacuteveis Em De magistro ele

afirma que todos os sinais satildeo coisas ainda que nem todas as coisas sejam sinais No

19

entendimento de Agostinho os sinais satildeo ldquocoisas de certo tipo especial O que eles tecircm

de especial eacute que satildeo coisas que se usam para significar e o significar (ou representar)

tem como principal incumbecircncia ensinar aos demaisrdquo (BEUCHOT 1986 p 14)15

Em sua obra De magistro (concluiacuteda em 389 EC) ele afirma a Adeodato seu

interlocutor imaginaacuterio no diaacutelogo mas seu proacuteprio filho na vida real

Entendeste certo creio tambeacutem teres notado apesar de haver quem natildeo concorde que mesmo sem emitir som algum noacutes falamos enquanto intimamente pensamos as proacuteprias palavras em nossa mente assim com as palavras nada mais fazemos do que chamar a atenccedilatildeo entretanto a memoacuteria a que as palavras aderem em as agitando faz com que venham agrave mente as proacuteprias coisas das quais as palavras satildeo sinais (SANTO AGOSTINHO 1973 p 324) 16

Algo que nos interessa mais de perto nesta pesquisa eacute a distinccedilatildeo operada por

Agostinho entre nome (nomen) e palavra (verbum) Haacute certo distanciamento entre o nome

e a coisa significada por meio de uma palavra da qual o nome eacute simplesmente um

sinal Uma palavra eacute sinal de uma essecircncia ou de uma coisa mas nunca coincide com

o proacuteprio sinal17 Aqui encontramos algo que se opotildee agrave concepccedilatildeo biacuteblico-judaica

como se viu no item anterior (ldquoLinguiacutesticardquo) Citemos Agostinho para tornar essa tese

mais clara

Acho que a diferenccedila seja esta o que eacute significado com o nome eacute significado tambeacutem com a palavra como pois nome eacute palavra assim tambeacutem rio eacute palavra mas nem tudo o que eacute significado com a palavra eacute significado tambeacutem com o nome Tambeacutem aquele si (se) com que comeccedila o verso por ti

15 Como afirma Agostinho em De magistro ldquoHaacute todavia creio certa maneira de ensinar pela recordaccedilatildeo maneira sem duacutevida valiosa como se demonstraraacute nesta nossa conversaccedilatildeo Mas se tu pensas que natildeo aprendemos quando recordamos ou que natildeo ensina aquele que recorda eu natildeo me oponho e desde jaacute declaro que o fim da palavra eacute duplo ou para ensinar ou para suscitar recordaccedilotildees nos outros ou em noacutes mesmosrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 323) Texto original latino ldquoAt ego puto esse quoddam genus docendi per commemorationem magnum sane quod in nostra hac sermocinatione res ipsa indicabit Sed si tu non arbitraris nos discere cum recordamur nec docere illum qui commemorat non resisto tibi et duas iam loquendi causas constituo aut ut doceamus aut ut commemoremus vel alios vel nosmetipsosrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195) 16 Texto no original latino ldquoRecte intellegis simul enim te credo animadvertere etiamsi quisquam contendat quamvis nullum edamus sonum tamen quia ipsa verba cogitamus nos intus apud animum loqui sic quoque locutione nihil aliud agere quam commonere cum memoria cui verba inhaerent ea revolvendo facit venire in mentem res ipsas quarum signa sunt verbardquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195-1196) 17 ldquoNatildeo te parece que todos os sinais significam uma coisa distinta da que satildeo como quando pronunciamos este nome trissiacutelabo mdash animal mdash de modo algum significaremos aquilo que ele mesmo eacuterdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) Original latino ldquoNum omnia signa tibi videntur aliud significare quam sunt sicut hoc trisyllabum cum dicimus Animal nullo modo idem significat quod est ipsumrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200)

20

proposto e aquele ex (de) do qual tratamos tatildeo longamente guiados pela razatildeo ateacute chegarmos agrave presente questatildeo satildeo palavras mas natildeo nomes e muitos outros exemplos semelhantes podemos encontrar Pois como todos os nomes satildeo palavras mas nem todas as palavras satildeo nomes julgo estar clara a diferenccedila entre palavra e nome isto eacute entre o sinal daquele sinal que natildeo significa nenhum outro sinal e o sinal daquele sinal que pode significar outros (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) 18

Portanto para Agostinho a palavra ldquonomerdquo (nomen) significa nomes tais

como Roma Rocircmulo virtude rio etc portanto ldquoo nome significa nomes ou se

significa a si mesmo eacute autopredicativo ou autorreferencial [] Aleacutem disso todo nome

eacute palavra e toda palavra eacute signo portanto haacute signos que se significam a si mesmosrdquo

(BEUCHOT 1986 p 19) Esse conceito fica mais claro nas proacuteprias palavras de

Agostinho

E natildeo eacute assim tambeacutem para o nome [nomen] Este pois significa os nomes de todos os gecircneros e nome mesmo eacute um nome de gecircnero neutro Ou se te perguntasse que parte da oraccedilatildeo eacute nome natildeo poderias responder-me acertadamente dizendo nome [] Portanto haacute sinais que entre as outras coisas que significam significam tambeacutem a si mesmos (SANTO AGOSTINHO 1973 p 332)19

Na praacutetica Agostinho acabaraacute pendendo durante o diaacutelogo De magistro para

uma compreensatildeo convencionalista da linguagem Ele admitiraacute que o significado das

coisas natildeo se encontra no nome que lhe damos pois ele eacute um palavra portanto signo

de alguma coisa Mas para conhecer-se algo eacute preciso haver a preacutevia experiecircncia

sensitiva ou mentalintuitiva dessa mesma coisa20 Finalizando para tornar ainda

mais claro o pensamento agostiniano podemos mencionar essa sua outra explanaccedilatildeo

18 Texto original latino ldquoHoc distare intellego quod ea quae significantur nomine etiam verbo significantur ut enim nomen est verbum ita et flumen verbum est quae autem verbo significantur non omnia significantur et nomine Nam et illud si quod in capite habet abs te propositus versus et hoc ex de quo iam diu agentes in haec duce ratione pervenimus verba sunt nec tamen nomina et talia multa inveniuntur Quamobrem cum omnia nomina verba sint non autem omnia verba nomina sint planum esse arbitror quid inter verbum distet et nomen id est inter signum signi eius quod nulla alia signa significat et signum signi eius quod rursus alia significatrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200) 19 Original latino ldquoQuid nomen nonne similiter habet Nam et omnium generum nomina significat et ipsum nomen generis neutri nomen est An si ex te quaererem quae pars orationis nomen posses mihi recte respondere nisi nomen [] Sunt ergo signa quae inter alia quae significant et se ipsa significent (AUGUSTINUS 2006 c 1201) 20 Veja-se o que Agostinho diz ldquoQuando as duas siacutelabas com que dizemos lsquocaputrsquo (cabeccedila) repercutiram pela primeira vez no meu ouvido sabia tatildeo pouco o que significavam como quando ouvi e li pela primeira vez lsquosaraballaersquo Poreacutem ouvindo muitas vezes dizer lsquocaputrsquo (cabeccedila) e notando e observando a palavra quando era pronunciada reparei facilmente que ela denotava aquela coisa que por tecirc-la visto a mim jaacute era conhecidiacutessima Mas antes de achar isto aquela palavra era para mim apenas um som e

21

Com as palavras natildeo aprendemos senatildeo palavras antes o som e o ruiacutedo das palavras porque se o que natildeo eacute sinal natildeo pode ser palavra natildeo sei tambeacutem como possa ser palavra aquilo que ouvi pronunciado como palavra enquanto natildeo lhe conhecer o significado Soacute depois de conhecer as coisas se consegue portanto o conhecimento completo das palavras ao contraacuterio ouvindo somente as palavras natildeo aprendemos nem sequer estas Com efeito natildeo tivemos conhecimento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que natildeo conhecemos senatildeo depois que lhes percebemos o significado o que se verifica natildeo mediante a audiccedilatildeo das vozes proferidas mas pelo conhecimento das coisas significadas Ao serem proferidas palavras eacute perfeitamente razoaacutevel que se diga que noacutes sabemos ou natildeo sabemos o que significam se o sabemos natildeo foram elas que no-lo ensinaram apenas o recordaram se natildeo o sabemos nem sequer o recordam mas talvez nos incitem a procuraacute-lo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 350)21

Assim as palavras e por conseguinte os nomes natildeo tecircm o poder de nos ligar

agraves essecircncias ou agraves coisas mesmas elas satildeo somente lembradas apoacutes (a posteriori) o nosso

contato com as coisas que as palavras e nomes ldquosignificamrdquo22

Na semioacutetica moderna o nome proacuteprio eacute assumido por alguns como um

signo no sentido semioacutetico do termo ou seja ldquoalguma coisa que eacute reconhecida por

algueacutem como indicaccedilatildeo de algordquo (VOLLI 2012 p 31) Nesse sentido exemplos de

signos poderiam ser a fumaccedila para o fogo a bandeira branca para a rendiccedilatildeo e o

semaacuteforo que obriga a parar ou avanccedilar O signo eacute ldquoum niacutevel extremamente simples

quase abstrato do sentidordquo (VOLLI 2012 p 32) Por isso o signo eacute uma relaccedilatildeo que liga

um significante a um significado (IDEM)

aprendi que ela era um sinal quando encontrei aquilo de que era sinal o que aprendi natildeo pelo significado mas pela visatildeo direta do objeto Portanto mais atraveacutes do conhecimento da coisa se aprende o sinal do que se aprende a coisa depois de ter o sinalrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 349) Texto original latino ldquoEtenim cum primum istae duae syllabae cum dicimus laquocaputraquo aures meas impulerunt tam nescivi quid significarent quam cum primo audirem legeremue sarabaras Sed cum saepe diceretur laquocaputraquo notans atque animadvertens quando diceretur repperi vocabulum esse rei quae mihi iam erat videndo notissima Quod priusquam repperissem tantum mihi sonus erat hoc verbum signum vero esse didici quando cuius rei signum esset inveni quam quidem ut dixi non significatu sed aspectu didiceram Ita magis signum re cognita quam signo dato ipsa res disciturrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1214) 21 Texto original latino ldquoVerbis igitur nisi verba non discimus immo sonitum strepitumque verborum nam si ea quae signa non sunt verba esse non possunt quamvis iam auditum verbum nescio tamen verbum esse donec quid significet sciam Rebus ergo cognitis verborum quoque cognitio perficitur verbis vero auditis nec verba discuntur non enim ea verba quae novimus discimus aut quae non novimus didicisse nos possumus confiteri nisi eorum significatione percepta quae non auditione vocum emissarum sed rerum significatarum cognitione contingit Verissima quippe ratio est et verissime dicitur cum verba proferuntur aut scire nos quid significent aut nescire si scimus commemorari potius quam discere si autem nescimus nec commemorari quidem sed fortasse ad quaerendum admonerirdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1215) 22 Agostinho define ldquosignificarrdquo como ldquoPois quando falamos fazemos sinais donde proveacutem a palavra lsquosignificarrsquo (fazer sinais mdash signa facere)rdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 334) Texto original latino ldquoCum enim loquimur signa facimus de quo dictum est significarerdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1198)

22

SIGNIFICANTE23

SIGNO = ________________

SIGNIFICADO24

Eacute importante delimitar o objeto de nosso estudo pois o nome proacuteprio possui

uma larga abrangecircncia As diversas categorias de nomes proacuteprios podem ser reunidas

entorno de trecircs polos25

a) dimensotildees da pessoa ndash ego (satildeo os antropocircnimos nomes de animais e

apelativos ou tiacutetulos) um prolongamento desta dimensatildeo seria o polo da

produccedilatildeo humana seja ela simboacutelica ou material como eacute o caso de nomes de

instituiccedilotildees nomes de produtos da atividade humana nomes de siacutembolos

matemaacuteticos e cientiacuteficos

b) dimensatildeo de espaccedilo ndash hic (nomes de lugares)

c) dimensatildeo do tempo ndash nunc (nomes de tempos) cf MOLINO 1982 p 6-7

Diante dessa heterogeneidade eacute praticamente impossiacutevel dar uma definiccedilatildeo

simples e coerente de nome proacuteprio Sendo uma categoria linguiacutestica eacute ilusoacuterio

segundo Molino ldquoprocurar definir de modo decisivo por criteacuterios natildeo ambiacuteguosrdquo

(IDEM) o nome proacuteprio Pode-se entatildeo chegar ao ponto de se afirmar que natildeo existem

nomes proacuteprios jaacute que natildeo haacute para eles uma definiccedilatildeo completa

Certamente natildeo porque a escolha natildeo eacute entre categorias definidas e a confusatildeo onde tudo eacute misturado com tudo O nome proacuteprio eacute uma categoria ldquoecircmicardquo uma categoria semiteoacuterica nascida da reflexatildeo mi-teoacuterica mi-praacutetica do locutor do gramaacutetico-pedagogo e do linguista sobre sua liacutengua com seus contornos e conteuacutedo indecisos ela existe no entanto E para explicaacute-lo o melhor instrumento eacute no momento aquele fornecido pela noccedilatildeo de protoacutetipo utilizado frequentemente pela psicologia cognitiva e aplicado algumas vezes agrave anaacutelise linguiacutestica Pode-se definir bem grosseiramente o protoacutetipo da seguinte maneira a cada palavra ou conceito estaacute associado um conjunto de

23 Significante seria a parte ldquofiacutesicardquo da palavra ou seja sua grafia e foneacutetica (SAUSSURE 2012 p 107) 24 Significado seria o ldquoconceitordquo transmitido pelo significante Portanto significante e significado satildeo duas faces da mesma folha (signo = palavra que possui sentido) (SAUSSURE 2012 p 107) 25 Esses polos seguem a diacutexis que eacute uma caracteriacutestica da linguagem humana que ldquoconsiste em fazer um enunciado referir-se a uma situaccedilatildeo definida real ou imaginaacuteria que pode ser a) quanto aos participantes do ato de enunciaccedilatildeo (1ordf pessoa ndash o que fala 2ordf pessoa ndash aquele a quem se dirige a fala 3ordf pessoa ndash todo assunto da comunicaccedilatildeo que natildeo sejam a 1ordf e 2ordf pessoas) b) quanto ao momento da enunciaccedilatildeo (diacutexis temporal) c) quanto ao lugar onde ocorre a accedilatildeo estado ou processo (diacutexis espacial)rdquo (DIacuteXIS 2009)

23

atributos que constitui o protoacutetipo do conceito e ao qual se compara todo objeto para julgar se ele se classifica ou natildeo sob esse conceito (MOLINO 1982 p 7)

Em nosso estudo claramente nos interessaraacute o nome proacuteprio em seu primeiro

polo isto eacute aquele da dimensatildeo da pessoa Afinal lidaremos com antropocircnimos e o uso

que deles faz a literatura aqui no caso a hebraica antiga Antes poreacutem conveacutem

observar que este uso natildeo eacute prerrogativa apenas da literatura hebraica Ele permeia e

tem um lugar especial na literatura universal

Por ser um signo um nome eacute um portador (significante) de significado isto eacute

ele tem sentido para algueacutem Ionescu (1994 p 306) afirma com razatildeo que um ldquoraacutepido

exame de algumas das obras mais relevantes da literatura universal prova

indubitavelmente o fato de que em um texto de ficccedilatildeo os nomes proacuteprios satildeo

altamente significativos e sempre cumprem uma finalidade poeacuteticardquo

Seguindo o quanto afirmado por Barthes

O Nome proacuteprio dispotildee de trecircs propriedades que o narrador reconhece agrave reminiscecircncia o poder de essencializaccedilatildeo (uma vez que ele designa apenas um uacutenico referente) o poder de citaccedilatildeo (uma vez que se pode chamar agrave escolha toda a essecircncia inserida no Nome ao proferi-lo) o poder de exploraccedilatildeo (uma vez que se ldquodesdobrardquo um Nome proacuteprio exatamente como se faz com uma lembranccedila) o Nome proacuteprio eacute de qualquer modo a forma linguiacutestica da reminiscecircncia [] o Nome proacuteprio se oferece a uma exploraccedilatildeo a um deciframento ele eacute ao mesmo tempo um ldquomeiordquo (no sentido bioloacutegico do termo) no qual eacute preciso mergulhar banhando-se indefinidamente em todos os devaneios que porta e um objeto precioso comprimido embalsamado que eacute necessaacuterio abrir como uma flor (BARTHES 1967 p 151)

Barthes discorda dos principais expoentes da Filosofia da Linguagem que vatildeo

de Peirce a Russell que viam no nome proacuteprio algo que designaria mas sem nada

significar Para Barthes o nome proacuteprio eacute um ldquosigno volumosordquo isto eacute cheio de

sentido que ldquonenhum uso chega a reduzir nivelar contrariamente ao nome comumrdquo

(IDEM) Ao analisar o uso que o escritor francecircs Marcel Proust (1871-1922) faz dos

nomes proacuteprios em seu monumental romance Agrave la recherche du temps perdu (Em busca

do tempo perdido) publicado de 1913 a 1926 Barthes percebe que ao lidar com os nomes

Proust estava gerindo as significaccedilotildees essenciais de sua obra E o romancista toma o

nome proacuteprio como um verdadeiro signo em suas duas dimensotildees como nota Barthes

24

[] de um lado ele pode ser lido sozinho ldquoem sirdquo como uma totalidade de significaccedilotildees numa palavra como uma essecircncia (uma ldquoentidade originalrdquo) diz Proust) ou se preferirmos uma ausecircncia pois o signo designa aquilo que natildeo estaacute laacute e de outro lado ele manteacutem com seus congecircneres relaccedilotildees metoniacutemicas estabelece a narrativa Swan e Guermantes natildeo satildeo somente duas estradas dois flancos satildeo tambeacutem dois foneticismos como Verdurin e Laumes (BARTHES 1967 P 156)

O nome portanto natildeo seria nada se natildeo fosse articulado com o seu referente

pois ldquoentre a coisa e a aparecircncia desenvolve-se o sonhordquo como constata Barthes (1967

p 156) Haacute uma motivaccedilatildeo para que aconteccedila a relaccedilatildeo entre significante e significado no

caso do nome proacuteprio na perspectiva proustiana identifica Barthes Seria ldquoum

copiando o outro e reproduzindo em sua forma material a essecircncia significada da coisa

(e natildeo a coisa mesma)rdquo (BARTHES 1967 p 157) Nesse sentido Proust sempre

segundo Barthes crecirc que a virtude dos nomes seja ensinar como ocorria em Craacutetilo de

Santo Agostinho conforme vimos acima A palavra literaacuteria portanto deveria ser lida

ldquonatildeo como o dicionaacuterio a explicita mas como o escritor a constroacuteirdquo (BARTHES 1967

p 158) O nome proacuteprio eacute uma caracteriacutestica linguiacutestica capaz de construir a essecircncia

dos objetos do romance Tomando de empreacutestimo um famoso axioma afirmariacuteamos

que ldquoPode-se dizer que o proacuteprio da narrativa natildeo eacute a accedilatildeo mas o personagem como

nome proacutepriordquo (BARTHES 1970 p 197) O nome penetrado pelos recursos

paradigmaacuteticos da obra ldquoobriga a uma leitura que ultrapassa a superfiacutecie do texto faz

confluir narraccedilatildeo personagem nome e liacutenguardquo (CRUZ 2006 p 65)

22 Psicanaacutelise

O nome proacuteprio individualiza identifica e personaliza o sujeito Assim o

ldquoconjunto de signos que forma o nome proacuteprio aleacutem de servir de marca formal

designativa do indiviacuteduo para os outros para a sociedade constitui-se como

referencial uacutenico para o sujeito ele o vive como sendo ele mesmordquo (MARTINS 1991

p 43) Para o sujeito o nome eacute mais que um signo ele eacute o seu elemento fundador uma

vez que ele coloca o sujeito no espaccedilo da interlocuccedilatildeo humana Ele permite ao

indiviacuteduo natildeo se perder na multidatildeo de corpos Ele eacute desse modo ldquoo articulador do

vivido com o mundo da linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 46)

O nome proacuteprio passa a construir o cerne daquilo que o sujeito mais preza ou

seja o seu proacuteprio ldquoeurdquo Quem daacute o nome natildeo eacute quem o recebe e aquele que o recebe

25

natildeo o solicitou Isso porque o ser eacute nomeado a partir do desejo de outro ser A

identidade da pessoa seraacute definida ao longo de sua vida apesar do nome que ela porta

Eacute o sujeito que necessita apropriar-se das significaccedilotildees que lhe foram dadas fazendo

a sua proacutepria interpretaccedilatildeo

3 O nome proacuteprio na literatura

Aquilo que se viu nos itens anteriores torna-se ainda mais vaacutelido quando se

analisa as culturas mais antigas da humanidade Quando mais nos afastamos no

tempo mais as culturas ancestrais percebiam o ato de nomear algueacutem como tocar-lhe

na proacutepria personalidade O pesquisador V Larock se pergunta com razatildeo

Seraacute que estamos tatildeo longe agraves vezes de emprestar aos nomes como [faziam] os natildeo civilizados uma sorte de realidade objetiva um prestiacutegio e um poder que ultrapassam extraordinariamente sua significaccedilatildeo literal ou sua funccedilatildeo social Natildeo experimentamos ao pronunciar nosso proacuteprio nome em certas circunstacircncias um sentimento confuso que beira seja ao orgulho seja ao temor Noacutes natildeo cercamos ainda de cerimocircnias religiosas ou profanas o ato da primeira denominaccedilatildeo E os ritos maacutegicos praticados sobre o nome satildeo tatildeo raros dentre o povo Os poetas natildeo exploraram frequentemente esta sorte de misteriosa correspondecircncia que se estabelece entre a tonalidade de um nome e a fisionomia do personagem a quem esse nome pertence (LAROCK 1932 p 13)

O filoacutelogo e linguista italiano Bruno Migliorini (1896-1975) recorda uma

circunstacircncia interessante da vida do renomado escritor alematildeo Johann Wolfgang von

Goethe (1749-1832) Este ficou descontente com um epigrama que outro conhecido

escritor criacutetico literaacuterio filoacutesofo e teoacutelogo alematildeo Johann Gottfried von Herder (1744-

1803) escrevera sobre o seu sobrenome Entatildeo Goethe teria recordado a Herder que

um nome de famiacutelia ldquonatildeo eacute como um manto que lhe estaacute pendurado por cima e que se

pode arrancar e rasgar mas uma veste perfeitamente adaptada ou como a pele

crescida juntamente com ele e que natildeo se pode raspar e arranhar sem fazer mal

tambeacutem a elerdquo (MIGLIORINI 1927 p 6) Portanto Goethe concedia ao nome proacuteprio

uma conexatildeo direta agrave personalidade o que lhe confere um caraacuteter mais especial que

um simples nome comum Como afirma Barthes (1970 p 74) ldquoQuando semas

idecircnticos atravessam vaacuterias vezes o mesmo nome proacuteprio e parecem nele se fixar

26

nasce um personagemrdquo Portanto o nome proacuteprio ficcional eacute o ldquolugar de um processo

semacircntico fundamental para a gramaacutetica da narrativardquo (NICOLE 1983 p 236)

Devido a isso o nome proacuteprio na ficccedilatildeo ultrapassa a mera identificaccedilatildeo do

personagem e a continuidade desta referecircncia ao longo da narraccedilatildeo Haacute outras

propriedades excepcionais no interior do processo ficcional de identificaccedilatildeo

Seguindo o linguista e lexicoacutegrafo ucraniano radicado no Canadaacute Jaroslav

Bohdan Rudnyckyj (1910-1995) especialista em etimologia e onomaacutestica Dirce Cocircrtes

Riedel (sd p 77-78) identifica as seguintes funccedilotildees literaacuterias do nome proacuteprio

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens

a Como na obra de Nikolai Gogol (1809-1852) Taras Bulba um romance

histoacuterico cuja primeira versatildeo eacute de 1835 e o tiacutetulo revela o nome do

personagem principal Esse velho e poderoso cossaco ucraniano por ser

arredondado (gordo) possui uma aparecircncia de bulrsquoba que significa

ldquobatatardquo Assim sendo essa palavra na funccedilatildeo de nome proacuteprio ldquosubstitui

uma extensa descriccedilatildeo realista do personagem e serve de base para que a

nossa imaginaccedilatildeo reproduza a pintura do heroacutei fictiacuteciordquo

b Algo semelhante ocorre com o nome do personagem principal de Almas

Mortas do mesmo Nikolai Gogol publicada em 1842 O nome dele eacute Paacutevel

Ivaacutenovitch Tchiacutetchicov sendo que este uacuteltimo nome Tchiacutetchicov possui um

som que sugere alguma coisa instaacutevel De fato o personagem eacute um perpeacutetuo

viajante em busca da fortuna apoacutes ter sido demitido do serviccedilo puacuteblico por

desonestidade

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra

a Recurso mais comum na poesia moderna Haacute exemplos de ldquoadaptaccedilatildeo

musical do nome ao contexto liacuterico quando usado por razotildees musicais

condicionado pela organizaccedilatildeo de toda a frase e pelo ritmordquo O valor

estrutural dos nomes proacuteprios fica claro nas oposiccedilotildees que o escritor

dramaturgo e ensaiacutesta brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954) realiza em

seu poema intitulado Cacircntico dos Cacircnticos para Flauta e Violatildeo ao mencionar

27

as amadas e a Amada Maria Antonieta dAlkmin com quem se casou em

1942 ano aliaacutes de composiccedilatildeo do referido poema Vejamos

Natildeo quero mais A inglesa Elena Natildeo quero mais A irmatilde da Nena Natildeo quero mais A bela Elena Anabela Ana Bolena Quero vocecirc Toma conta do ceacuteu Toma conta da terra Toma conta do mar Toma conta de mim Maria Antonieta dAlkmin (ANDRADE 1974 p 184)

b Algo semelhante encontra-se em Os Irmatildeos Karamaacutezov obra do escritor russo

Fioacutedor Dostoieacutevski (1821-1881) Neste romance escrito em 1879 os irmatildeos

satildeo todos ldquoenegrecidosrdquo devido suas taras O nome proacuteprio Karamaacutezov

estrutura o romance pois a primeira parte do nome kara significa negro Em

um conto do mesmo autor O senhor Prokhartchin escrito quando

Dostoieacutevski tinha apenas 25 anos de idade (1846) contata-se o mesmo

fenocircmeno A relaccedilatildeo do nome com o que ele significa eacute uma temaacutetica

essencial deste conto O tradutor ensaiacutesta e escritor ucraniano radicado no

Brasil Boris Solomonovitch Schnaiderman quando traduziu e analisou este

conto destacou a funccedilatildeo do uso do nome proacuteprio na obra de Dostoieacutevski

As suas constataccedilotildees podem ser ampliadas para vaacuterias outras obras

literaacuterias aleacutem daquelas deste autor russo

Este uso dos nomes proacuteprios significativos nem sempre tem a funccedilatildeo de colocar desde o iniacutecio maacutescara na personagem definindo-a Agraves vezes soacute depois da leitura eacute que se percebe a relaccedilatildeo entre o nome proacuteprio e o papel da personagem Eacute o caso por exemplo do nome Raskoacutelnikov que tem relaccedilatildeo com raskol heresia (o que lhe daacute certa semelhanccedila com Heregino) mas soacute depois da leitura de Crime e castigo e com um pouco de reflexatildeo eacute que se percebe realmente para o narrador o criminoso eacute um herege [] O jogo de palavras que deu origem ao nome relaciona-se com a exploraccedilatildeo das possibilidades de formaccedilatildeo de verbos a partir da palavra khartchi Assim no romance O Soacutesia imediatamente anterior ao conto aparece a forma iskhartchiacutelsia isto eacute no preteacuterito e tambeacutem no sentido de ter gasto o dinheiro com a comida natildeo obstante o preacute-verbo diferente O nome Prokhartchin eacute explorado no conto tanto na sua semacircntica que eacute claramente indicada como nas possiacuteveis variaccedilotildees alusivas (SCHNAIDERMAN 1982 p 118)

28

c Outro exemplo pode ser extraiacutedo da obra Buriti (em Corpo de Baile) do

escritor diplomata e meacutedico mineiro Joatildeo Guimaratildees Rosa (1908-1967)

trata-se do nome da personagem Mauriacutecia Esse nome conecta-se com a

denominaccedilatildeo cientiacutefica da planta que daacute nome agrave histoacuteria o buriti mauritia

viniacutefera corresponde em portuguecircs ao buritizeiro muriti muritim muruti

Portanto o nome Mauriacutecia participa das imagens que conduzem a narrativa

como um dos elementos estruturais do enredo ldquoQuando Maria da Gloacuteria

indaga de Lalinha porque natildeo tivera filhos eacute a imagem de Vovoacute Mauriacutecia

que lhe ocorre ao contemplar com amor o Buriti-Grande Neste e naquela

concentra-se a sensaccedilatildeo de estabilidaderdquo (RIEDEL sd p 83)

Lembrei de Vovoacute Mauriacutecia vocecirc sabe Ela eacute quem diz _ A gente deve ter muitos filhos quantos vierem e com amor de bem criar desistidos cuidados de se ralar sem sobrossos que Deus eacute estaacutevel (ROSA 2010 p 382)

ldquoSolidez que eacute reafirmada coincidindo quase sempre com a

contemplaccedilatildeo do Buriti sugestivo da tranquilidade estaacutevel dos

Geraisrdquo (RIEDEL sd p 84)

_ Vovoacute Mauriacutecia eacute dos Gerais Ela falava de sua gente O buritizal acolaacute impenha seu estado Tal iocirc Liodoro ndash iocirc Lidoro Mauriacutecio sendo Mauriacutecia sua matildee que no meio dos Gerais residia (ROSA 2010 p 342)

ldquoObserve-se a sintaxe claacutessica ndash denotadora ndash conotadora da

estabilidade da tradiccedilatildeo da famiacutelia mineirardquo (RIEDEL sd p 84 n

19) A presenccedila de Vovoacute Mauriacutecia eacute simboacutelica da ldquoessecircncia do que

permanecerdquo (RIEDEL sd p 84)

Maria Behuacute estava citando um ditado de Vovoacute Mauriacutecia essa falava coisas inesqueciacuteveis ldquoO sol natildeo eacute os raios dele ndash eacute o fogo da bola A gente eacute o coraccedilatildeo caladinhordquo (ROSA 2010 p 405)

A ideia de que as pessoas nunca estatildeo acabadas mas estatildeo sempre

sendo de que ldquoa vida natildeo tem passado Toda hora o barro se refazrdquo

[Cf Buriti em Corpo de Baile] ndash eacute um motivo retomado em toda a obra

de Guimaratildees Rosa Um motivo que vaacuterias vezes eacute configurado pelos

29

nomes proacuteprios Porque ldquojaneiro afofa o que dezembro endurecerdquo

[ROSA 2001 p 257]

d A amplidatildeo do ciclo da obra de Honoreacute de Balzac (1799-1850) denominada

A Comeacutedia Humana se imporaacute sob a forma de um retorno dos mesmos nomes

proacuteprios de volume em volume como bem observou Eugegravene Nicole (1983

p 236) Esse recurso de Balzac seraacute fundamental para dar uma unidade ao

conjunto de sua obra

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26 Dirce Cocircrtes Riedel

fundamenta-se em Stephen Ullmann (1914-1976)27 para trazer agrave luz essa funccedilatildeo

literaacuteria do nome proacuteprio Ullmann observa que Marcel Proust desenvolve uma teoria

dos nomes proacuteprios em sua obra Em Busca do Tempo Perdido no volume um No caminho

de Swann (1913) terceiro capiacutetulo Nome de terras o nome

Proust vecirc neles um importante fator na discrepacircncia fundamental entre imaginaccedilatildeo e realidade apontando-os como desenhadores fantasistas que nos datildeo das pessoas e dos paiacuteses esboccedilos tatildeo pouco semelhantes que experimentamos muitas vezes certo estupor quando temos diante de noacutes em lugar do mundo imaginado o mundo visiacutevel

a Para Ullmann as cores tecircm um lugar proeminente na aura associativa de certos nomes proacuteprios A mais persistente dessas associaccedilotildees eacute a tonalidade do nome ldquoGuermantesrdquo que ocorre quase como um lsquoleitmotivrsquo simbolizando o entusiasmo juvenil do narrador pela famiacutelia aristocraacutetica Ele gosta de imaginar o nome ldquobaignant comme dans un coucher de soleil dans la lumiegravere

orangeacutee qui eacutemane de cette syllabe lsquoantesrsquordquo28 (RIEDEL sd p 78)

b Aleacutem das associaccedilotildees visuais como proposto acima podem ocorrer

aquelas sonoras Nesse sentido Ullmann exemplifica trazendo um

trecho da obra do escritor e poeta francecircs Louis Henri Jean Farigoule

conhecido como Jules Romains (1885-1972) Em seu romance Les amours

enfantines no uacuteltimo capiacutetulo intitulado ldquoRumeur de la rue Reacuteaumurrdquo

ele sente vibraccedilotildees no seu nome

26 Associaccedilatildeo de palavras ou expressotildees que combinam sensaccedilotildees distintas numa impressatildeo uacutenica cruzamento de sensaccedilotildees Por exemplo na expressatildeo ldquovoz doce e maciardquo a palavra ldquovozrdquo manifesta uma sensaccedilatildeo auditiva o vocaacutebulo ldquodocerdquo exprime uma sensaccedilatildeo gustativa e finalmente a palavra ldquomaciardquo revela uma sensaccedilatildeo taacutetil 27 Linguista huacutengaro que transcorreu a maior parte de sua vida na Inglaterra o qual em sua obra intitulada Style in the French novel (Cambridge [UK] University Press 1957) ressalta tais tipos de associaccedilotildees dos nomes proacuteprios 28 Traduccedilatildeo banhando-se como em um por do sol na luz alaranjada que emana desta siacutelaba ldquoantesrdquo

30

Son nom mecircme qui ressemble agrave um chant de roues et de murailles agrave une treacutepidation drsquoimmeubles agrave la vibration du beacuteton sous lrsquoasphalte au bourdonnement des convois souterrainshellip (ULLMANN 1967 p 183 n 2)

Jules Romains menciona o nome de uma rua de Paris rue Reacuteaumur

e afirma que ele se parece ao som de rodas e paredes e vaacuterias outras

formas de trepidaccedilatildeo vibraccedilatildeo e estrondos urbanos Esses motivos

hermeticamente fundidos com o tema de fluxo e refluxo do livro satildeo

incorporados na forma de som da rue Reacuteaumur

Esse tipo de associaccedilatildeo tambeacutem ocorre na obra do escritor e poliacutetico

francecircs Franccedilois-Reneacute de Chateaubriand (1768-1848) como observa

Jean Mourot Haacute na seleccedilatildeo de nomes proacuteprios dos personagens de

suas obras uma acurada preocupaccedilatildeo pela sonoridade Isso se

comprova pela frequecircncia da consoante liacutequida ldquolrdquo e da vogal final

ldquoardquo na maioria dos nomes das heroiacutenas como por exemplo Atala

Ceacuteluta Blanca Mila entre outras Em sua obra apologeacutetica Geacutenie du

Christianisme (1802) o proacuteprio Chateaubriand admite ldquoAcusar-nos-

atildeo de tentar surpreender o ouvido com sons suaves se lembrarmos

estes conventos de Aqua-Bella Bel-Monterdquo (CHATEAUBRIAND

1809 p 119)

c Outro exemplo de associaccedilatildeo sonora produzida pela onomaacutestica na

literatura encontramos no escritor Guimaratildees Rosa Augusto de

Campos observa em Grande Sertatildeo Veredas de Guimaratildees Rosa o tema-

timbre do personagem Diadorim que ldquonatildeo rotula ndash ou denota ndash

simplesmente o personagem a que estaacute aderido Eacute isomoacuterfico em relaccedilatildeo

agrave personalidade do personagemrdquo (CAMPOS 1959) Comenta a

fisiognomia29 semacircntica da Riobaldo ndash etimologia de invenccedilatildeo rio + baldo

(frustrado) ndash e a de Diadorim ndash ldquocaleidoscoacutepio em miniatura de

reverberaccedilotildees semacircnticas suscitadas por associaccedilatildeo formalrdquo (IDEM) a)

Dia + adora (ser) b) Diaacute (diabo) + dor (natildeo-ser) + im Em ldquodois planos

29 Eacute a arte de conhecer o caraacuteter do indiviacuteduo a partir de suas feiccedilotildees (FISIOGNOMONIA 2009)

31

de significado (lsquodeusrsquo ou o lsquodemorsquo sempre) se bifurca desde o nome

essa criatura que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e

mais para muito amar sem gozo de amorrdquo Campos continua a

observar que ldquoO amor condenado que Riobaldo nutre por Diadorim

lanccedila-o frequentemente na indagaccedilatildeo da procedecircncia (demoniacuteaca) do

seu sentimentordquo (IDEM) Diaacute = o diabo e Diadorim ldquoProcesso de

metamorfose etimoloacutegicardquo (IDEM) que eacute enfatizado quando Riobaldo se

refere ao nome do alematildeo Vupes ldquoE como eacute mesmo que o senhor fraseia

Wusp Eacute Seu Emiacutelio Wuspes Wuacutespiss Vupses Pois esse Vupesrdquo

(IDEM) Diadorim ndash um nome perpetual laquoA accedilatildeo da presenccedila

onomaacutestica de Diadorim se faz sentir verberando pelas aacutereas

circunvizinhas ora sutilmente atraveacutes de uma incidecircncia maior de

fonemas em ndash d ndash ora de maneira mais expliacutecita pelo emprego da rima

em ndashim Satildeo pegadas sonoras que assinalam com um timbre

inconfundiacutevel a presenccedila do personagem como que a prolongar o seu

ldquoprazo de perfumerdquo

Diadorim tambeacutem disso natildeo disse (ROSA 1994 p 41) Desistir de Diadorim foi o que eu falei Digo desdigo (ROSA 1994 p 256)

Augusto de Campos nota ainda as rimas em ndashim que circulam ao

redor do nome Diadorim como no exemplo seguinte

Quem era assim para mim Diadorim (ROSA 1994 p 249) Dirce Cocircrtes Riedel constata tambeacutem que ldquoRiobaldo Diadorim

Norinhaacute Otaciacutelia Zeacute Bebelo Liodoro Mauriacutecia Lalinha Glorinha

Gualberto Maria Beuacute Soropita Doralda tecircm ressonacircncia

associativa concorrendo na organizaccedilatildeo do enredordquo (RIEDEL sd

p 83) da obra Buriti reunida em Corpo de Baile Observe-se a

frequecircncia de ldquorrdquo e ldquolrdquo

d Permanecendo ainda na obra de Guimaratildees Rosa pode-se tomar outro

exemplo a partir do uso da vogal ldquoirdquo a qual com a sua ressonacircncia

expressa carinho Haacute portanto uma carga afetiva na assonacircncia do ldquoirdquo

vejamos

32

A menina de laacute morava para traacutes da Serra do Mim E ela menininha por nome Maria Nhinhinha dita (ROSA Primeiras Estoacuterias) Iocirc Irvino iocirc Iacutesio iaacute-Dijina Lalinha Glorinha Mauriacutecia Alcina (Buriti)

Como bem nota Ana Maria Machado em sua tese doutoral orientada

por Roland Barthes na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes de Paris

[] o Nome natildeo tem apenas a funccedilatildeo de indicar um personagem ou de individualizaacute-lo nem mesmo de caracterizaacute-lo sumariamente de modo alegoacuterico O nome proacuteprio em Guimaratildees Rosa significa ao contraacuterio de todas as opiniotildees claacutessicas a respeito da natildeo-significaccedilatildeo do Nome Na obra rosiana esse significado pode ligar-se agrave funccedilatildeo do personagem na narrativa o Grivo eacute quem grifa Ivo Crocircnico eacute quem modifica a cronologia Osoacuterio eacute quem a montanha escolhe para destinataacuterio do recado e assim por diante Mas o mais importante eacute que essa significaccedilatildeo nunca eacute isolada e soacute se verifica realmente se o Nome eacute tambeacutem tomado no conjunto do texto como parte de um sistema em que um elemento soacute existe por oposiccedilatildeo aos outros (MACHADO 2013 p 113-114)30

O nome em Guimaratildees Rosa natildeo atua como um mero elemento de

identificaccedilatildeo eacute um ldquosigno motivado que apresenta uma relaccedilatildeo

direta entre o significante e o referenterdquo (CRUZ 2006 p 66) O nome

rosiano parece querer buscar a transcendecircncia da palavra ao criar um

recurso narrativo que ldquodestaca a aglutinaccedilatildeo sonora e espacial e cria

um tipo de linguagem em que a palavra-nome ganhando peso e

medida instaura a individuaccedilatildeo do sujeito nomeadordquo (IDEM) Se

por um lado Guimaratildees Rosa manifesta um claro interesse pelo teor

semacircntico do nome proacuteprio por outro lado ele ldquofaz prevalecer a

poeticidade da forma ndash destaca a configuraccedilatildeo focircnica e graacutefica

diferente de muitos dos nomes do escritor que satildeo orientados para

fazer eclodir um discurso lsquomimeacuteticorsquo que aflore significados de forma

veladardquo (IBID p 67) Assim sendo muitos dos nomes atraem pelos

seus componentes formais letra som e variaccedilatildeo lexical

Ullmann natildeo deixa de assinalar que ateacute os nomes proacuteprios as mais concretas

de todas as palavras estatildeo sujeitos ao contexto soacute este especificaraacute o que temos em

30 Essa obra eacute altamente recomendaacutevel para deslindar os antropocircnimos de Guimaratildees Rosa e perceber-se as vaacuterias funccedilotildees do nome de pessoas numa obra literaacuteria

33

mente quanto ao aspecto e caraacuteter do personagem ou do local (ULLMANN 1967 p

151) Eugegravene Nicole (1983 p 234) percebe que o uso dos nomes proacuteprios no texto

ficcional ldquonatildeo pode ser sem relaccedilatildeo com seu funcionamento na vida social que o

romancista representa ou na linguagem lsquonaturalrsquo que ele utilizardquo Isso se torna ainda

mais claro ao analisar-se por exemplo a obra da Guimaratildees Rosa como jaacute

mencionamos acima Em alguns de seus contos como eacute o caso de Desenredo e

Orientaccedilatildeo reunidos em sua obra Tutameacuteia um mesmo personagem recebe vaacuterios

nomes colocando em foco ldquosujeitos fadados a conviver com a sua multiplicidade

sujeitos que convivem numa atmosfera ambiacutegua e dupla Os vaacuterios nomes geram a

possibilidade da cesura no sentir e pensar desse sujeito muacuteltiplordquo (CRUZ 2006 p 66)

Nesses contos o nome possui a funccedilatildeo de signo que traduz esse sujeito muacuteltiplo e

duplo cindido em sua proacutepria contradiccedilatildeo Nessa diversidade do nome ldquoo sujeito

convive com a duplicidade e na confusatildeo interior busca a unidade na diversidade

Personagens atuam como narcisos dilacerados os reflexos do lsquoeursquo estatildeo representados

na biparticcedilatildeo do nomerdquo (IDEM)

No texto biacuteblico que passaremos a analisar a partir do terceiro capiacutetulo poderaacute

se verificar algo que se aproxima desse fenocircmeno rosiano guardadas evidentemente

as devidas proporccedilotildees e diferenccedilas de estilo e gecircnero O personagem Jacoacute assume uma

nova identidade quando tem seu nome mudado pelo ser com o qual se encontra e luta

agraves margens do rio Jaboc (cf Gn 3228-29) A duplicidade do personagem que desde o

seu nascimento apresenta caracteriacutesticas de trapaceiro (cf Gn 2525 2736) e obteacutem os

benefiacutecios da primogenitura por meio de diversos truques (cf Gn 2529-34 271-40) se

revela com o recebimento do novo nome (Gn 3229) Assim como ocorre com alguns

personagens de Guimaratildees Rosa Jacoacute separa-se de si mesmo e incorpora o papel de

um ldquooutrordquo ocultado na cisatildeo de vaacuterios nomes Mas as semelhanccedilas natildeo param por aiacute

Assim como haacute uma preocupaccedilatildeo em justificar o novo nome do personagem ndash Israel ndash

por parte do texto biacuteblico na obra de Guimaratildees Rosa observa-se tal requinte no jogo

etimoloacutegico Somente para ficarmos em um exemplo tomemos novamente o conto

Buriti onde iocirc Liodoro cujo nome completo eacute Liodoro Mauricio Faleiros desempenha

um papel central Sendo que ldquoEacute para ele que tudo converge eacute nele que tudo se articula

eacute dele que se irradiam os acontecimentos eacute seu peso de patriarca e proprietaacuterio que

34

domina o universo do contordquo (MACHADO 2013 p 114) O nome Liodoro proveacutem de

Heliodoro que a rigor designaria dom de Heacutelios daacutediva do sol Mas Guimaratildees Rosa

vai beber na fonte da etimologia popular para usar a significaccedilatildeo de ldquosol de ourordquo E

de fato eacute entorno de Liodoro que gravitam a famiacutelia e os agregados do Buriti Grande

Mas haacute mais pormenores nesse nome

Lio eacute tambeacutem o radical que indica ldquolisordquo Liodoro liso e duro Pois liso e duro com roliccedilo satildeo caracteriacutesticas insistentemente disseminadas pelo texto num dos vaacuterios desdobramentos desse Nome Lio eacute ainda feixe viacutenculo a articular entre si os diversos personagens e acontecimentos da trama Outra faixa de significados postos em accedilatildeo por esse significante eacute a de liana no contiacutenuo enleamento e enredamento em que se tecem os fios do enredo e do texto num emaranhado vegetal em torno agrave grande aacutervore que eacute iocirc Liodoro Aacutervore porque ele eacute Mauriacutecio como sua matildee a vovoacute Mauriacutecia dos Gerais figura quase miacutetica evocada pela famiacutelia [] Mas sobretudo Mauriacutecio como o Buriti palmeira cujo nome cientiacutefico eacute Mauritia vinifera Natural pois que sua mulher se chamasse iaiaacute Vininha autenticando a homologia com seu Nome que tambeacutem alude a Vecircnus e confirma que iocirc Liodoro vive sob o signo do amor (MACHADO 2013 p 114-115)

Para o linguista dinamarquecircs que se especializou em gramaacutetica inglesa Jens

Otto Harry Jespersen (1860-1943) mais conhecido por Otto Jespersen os nomes

proacuteprios conotam o maior nuacutemero de atributos sendo que a conotaccedilatildeo eacute inerente ao

nome algo com uma existecircncia independente de qualquer conhecimento humano O

linguista se interroga ldquoSe os nomes proacuteprios como de fato entendidos natildeo

conotassem muitos atributos natildeo saberiacuteamos compreender ou explicar o fenocircmeno

corriqueiro de um nome proacuteprio tornar-se um nome comumrdquo (JESPERSEN 1963 p

66) E ele se coloca ainda mais uma questatildeo

[] como uma sequecircncia de sons sem sentido nenhum de natildeo conotativa passa a conotativa sentido aceito por toda comunidade falante [] Uma qualidade eacute selecionada e passa a caracterizar outros seres e coisas possuiacutedas da mesma qualidade Eacute o mesmo processo encontrado nos nomes comuns como quando uma flor em forma de sino eacute chamada um sino natildeo obstante natildeo haver os outros aspectos de um sino real ou quando algum poliacutetico eacute chamado de velha raposa ou quando dizemos que peacuterola ou que joiardquo de uma mulher A transferecircncia no caso de nomes proacuteprios originais eacute devido agrave mesma causa como no caso de nomes comuns ou seja a sua conotatividade e a diferenccedila entre as duas classes eacute portanto para ser vista como apenas de grau (JESPERSEN 1963 p 67)

35

Portanto como jaacute vimos no primeiro item deste capiacutetulo para Jespersen natildeo eacute

possiacutevel considerar os nomes proacuteprios como natildeo conotativos por ser uma abstraccedilatildeo o

que designamos por um nome individual Cada indiviacuteduo muda constantemente

transforma-se a cada momento e o nome serve para fixar os elementos permanentes

das apariccedilotildees flutuantes ou reduzi-las a um denominador comum Concluindo

ldquoQuanto mais especificamente uma coisa eacute denotada mais provaacutevel eacute que o nome seja

escolhido arbitrariamente e mais se aproximaraacute de um nome proacuteprio ou em tal se

tornaraacuterdquo (JESPERSEN 1963 p 71) Tal constataccedilatildeo jaacute havia realizado Michel Breacuteal

quando afirma

Se se classificasse os nomes segundo a quantidade de ideias que eles suscitam os nomes proacuteprios deveriam estar no topo porque eles satildeo os mais significativos de todos sendo os mais individuais Um adjetivo como augustus tornando-se o nome de Otaacutevio adquiriu uma quantidade de ideias que lhe eram anteriormente estranhas De outro lado basta confrontar a palavra Ceacutesar entendida como o adversaacuterio de Pompeu e a palavra alematilde Kaiser que significa ldquoimperadorrdquo para ver que um nome proacuteprio perde em compreensatildeo ao tornar-se um nome comum De onde se pode concluir que do ponto de vista semacircntico os nomes proacuteprios satildeo substantivos por excelecircncia (BREacuteAL 1897 p 198)

Essa constataccedilatildeo de Jespersen eacute importante no uso que a literatura faz dos

nomes proacuteprios Um exemplo disso encontramos em Padre Antoacutenio Vieira o qual

lembra que os patriarcas antigos escolhiam para os filhos nomes que eram uma

profecia do seu futuro e do de descendentes O interesse nos nomes proacuteprios entre os

barrocos do seacuteculo XVII eacute grande porque se acreditava que o destino do indiviacuteduo

depende em parte da escolha de seu nome31 Caracteriacutestica esta muito proacutexima agrave

literatura hebraica claacutessica no uso que faz em algumas ocasiotildees do nome proacuteprio

como veremos em capiacutetulos sucessivos

Eacute oportuno destacar aqui que natildeo somente a identificaccedilatildeo de um personagem

atraveacutes de seu nome proacuteprio eacute importante na obra ficcional narrativa mas tambeacutem a

rejeiccedilatildeo da identificaccedilatildeo individual de algum personagem na obra A obra literaacuteria

classifica seus personagens atraveacutes da dicotomia que opotildee os portadores de nomes

agravequeles que deles satildeo desprovidos Aqueles que recebem um nome satildeo os

31 Segundo CANTEL 1959 apud RIEDEL sd p 81

36

personagens propriamente ditos Apesar de que em meados do seacuteculo passado um

movimento literaacuterio optou consciente e voluntariamente pela ausecircncia total de nomes

ou a abundacircncia de significantes que podiam se deformar ao longo da narrativa Esse

foi o caso do denominado Nouveau roman32 Em outras ocasiotildees a obra de ficccedilatildeo utiliza

os recursos do sistema apelativo tais como certos nomes comuns tiacutetulos certos

termos de relaccedilatildeo de parentesco etc a fim de designar o personagem no sistema geral

do texto Assim sendo ldquotal apelaccedilatildeo social chama a atenccedilatildeo pelo seu caraacuteter

sistemaacutetico e exclusivordquo (NICOLE 1983 P 240) Como exemplo pode-se citar o

prenome de Madame de Recircnal que eacute Louise na obra O vermelho e o negro de 1830 de

Henri-Marie Beyle mais conhecido como Stendhal (1783-1842) O prenome desse

personagem Louise nos eacute dado uma soacute vez num soliloacutequio de seu marido

(STENDHAL 1963 p 125) e natildeo aparece jamais em outro lugar do romance Eacute um

personagem sem ldquoautonomiardquo no sentido de que eacute sempre designada em sua relaccedilatildeo

de esposa Como bem observa Eugegravene Nicole (1983 p 240-241) ldquoinspirada no coacutedigo

social a forma habitual (Madame de Racircnal) se revelaraacute aqui como significante na

medida em que ela aparece como efeito do apagamento regular de seus apelativos

substitutosrdquo Essa funccedilatildeo classificatoacuteria que o nome possui em sentido geral eacute

tambeacutem uma funccedilatildeo de significaccedilatildeo pois ldquoSignificar para o nome proacuteprio quer dizer

inserir o portador nessas hierarquias e inscrevecirc-lo no lugar que lhe eacute de direitordquo

(GRIVEL 1973 p 130)

32 ldquoA expressatildeo Nouveau Roman (novo romance) refere-se a um movimento literaacuterio francecircs dos anos 1950 que diverge dos gecircneros literaacuterios claacutessicos Eacutemile Henriot cunhou o tiacutetulo num artigo do popular jornal francecircs Le Monde no dia 22 de maio de 1957 para descrever os experimentos estiliacutesticos de alguns escritores que criavam um estilo essencialmente novo a cada romance Alain Robbe-Grillet um influente teoacuterico assim como um representante do nouveau roman publicou uma seacuterie de ensaios sobre a natureza e o futuro do romance que foram posteriormente reunidos na obra Pour un nouveau roman Rejeitando muitas das caracteriacutesticas estabelecidas no romance ateacute entatildeo Robbe-Grillet julgou os romancistas predecessores como antiquados em razatildeo do foco que colocavam no enredo na accedilatildeo na narrativa nas ideias e nos personagens Em vez disso ele apresentou uma teoria do romance cujo foco recai sobre os objetos o nouveau roman ideal seria uma versatildeo e visatildeo individual das coisas subordinando trama e personagem aos detalhes do mundo ao inveacutes de arrolar o mundo a serviccedilo deles Assim de acordo com os autores do nouveau roman natildeo faria sentido escrever romances agrave maneira de Balzac com personagens bem definidos enredo com comeccedilo meio e fim Eles estariam em vez disso mais proacuteximos da literatura introspectiva de Stendhal ou Flaubert Natildeo admitiam a descriccedilatildeo dos personagens mdash que segundo eles seria influenciada por vieacutes ideoloacutegico mdash mas a exploraccedilatildeo dos fluxos de consciecircnciardquo (NOUVEAU ROMAN 2015)

37

Desse modo tanto a poeacutetica do nome proacuteprio ficcional isto eacute a motivaccedilatildeo que o

autor confere ao nome que ele ldquofabricardquo quanto a sua poieacutetica ou seja o processo do

fazer poeacutetico devem ser levados em conta pela onomaacutestica literaacuteria Eacute como constata

Roland Barthes (1967 p 152 ndash citaccedilatildeo livre) ldquoo romancista tem o dever de formar nomes

justosrdquo

A relaccedilatildeo do nome proacuteprio e do conteuacutedo textual pode se manifestar em geral

como uma relaccedilatildeo interna ou externa No primeiro caso ldquoo Nome parece exercer na

obra um papel tatildeo central que ele soacute pode ser contemporacircneo de sua concepccedilatildeo

original ou pelo menos de suas primeiras elaboraccedilotildeesrdquo (NICOLE 1983 p 243)

Concebe-se por relaccedilatildeo ldquoexternardquo quando o nome pode ser ldquoreduzido aos quadros do

esboccedilo precedenterdquo (IDEM) da obra literaacuteria

Concluindo este item sobre a relaccedilatildeo entre nome proacuteprio e literatura eacute oportuno

chamar em testemunho um texto claacutessico como Retoacuterica de Aristoacuteteles (384-322 AEC)

o qual assinala que um dos ldquotoacutepicosrdquo do uso de silogismos com funccedilatildeo retoacuterica a arte

da persuasatildeo se obteacutem atraveacutes do uso do ldquonomerdquo

Outro toacutepico obteacutem-se do nome Por exemplo como diz Soacutefocles Claramente levas o nome de ferro33 E tal como se costumava dizer-se dos nomes dos deuses e como Cocircnon chamava a Trasibulo ldquoo de ousada decisotildeesrdquo34 e Heroacutedico dizia a Trasiacutemaco ldquoeacutes sempre um combatente ousadordquo35 e a Polo ldquoeacutes sempre um potrordquo36 Tambeacutem de Draacutecon o legislador se afirmava que as suas leis natildeo eram de homem mas de dragatildeo (porque eram muito severas)37 Como tambeacutem Heacutecuba em Euriacutepedes diz a Afrodite

33 ldquoSidero significa ferro No texto haacute um jogo etimoloacutegico (que de resto remete para o toacutepico enunciado apoacute toucirc onoacutematos) entre o nome Σιδηρώ (nome proacuteprio) e σίδηρος (ferro ou arma de ferro) O verso eacute retirado da trageacutedia de Soacutefocles Tirordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 150 p 227) 34 ldquoThrasyboulon Mais um exemplo de jogo de palavras muito apreciado pelos Atenienses Com efeito o nome Thrasyboulos eacute um composto de θρασύς (ousado) e βουλή (resoluccedilatildeo decisatildeo) Cocircnon eacute um general ateniense vencedor de Pisandro em Cnido (394 aC) e restaurador da democracia atenienserdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 151 p 228) 35 ldquoThrasymachos mestre de retoacuterica que surge na Repuacuteblica de Platatildeo (livro I) como interlocutor de Soacutecrates eacute visto aqui sob o acircngulo etimoloacutegico θρασύς e μάχη (audaz ou ousado no combate) Quanto a Heroacutedico desconhecem-se testemunhos fidedignosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 152 p 228) 36 ldquoComo se sabe Polo sofista disciacutepulo de Goacutergias significa lsquopotrorsquo ou lsquocavalorsquordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 153 p 228) 37 ldquoDrakon significa lsquodragatildeorsquo ou lsquoserpentersquo Entre 624 aC e 621 aC parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito Nelas se introduz pela primeira vez na Greacutecia a distinccedilatildeo fundamental entre homiciacutedio voluntaacuterio e involuntaacuterio Esta empresa foi atribuiacuteda a um certo Draacutecon de cuja existecircncia alguns historiadores duvidam Mais tarde Draacutecon ficaraacute famoso por ser extremamente severo donde o adjetivo lsquodraconianorsquo que ficou proverbial Cf Aristoacuteteles Poliacutetica II 12rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 154 p 228)

38

Eacute com razatildeo que a palavra ldquoinsensatezrdquo comeccedila o nome da deusa38 E como Quereacutemon Penteu epocircnimo de desgraccedila futura39 (ARISTOacuteTELES 2005 1400b)

Nessa mesma linha de uma leitura mais ou menos improvisada do nome

proacuteprio como acabamos de ver em Aristoacuteteles tem-se um exemplo mais recente em

Honoreacute de Balzac autor jaacute mencionado neste estudo que em sua obra Z Marcas ao

abrir sua novela escreve

Eu jamais vi algueacutem mesmo incluindo os homens notaacuteveis de nosso tempo cujo aspecto fosse mais impressionante que aquele deste homem o estudo de sua fisionomia inspirava primeiramente um sentimento repleto de melancolia e terminava por dar uma sensaccedilatildeo quase dolorosa Existia uma certa harmonia entre a pessoa e o nome Este Z que precedia Marcas que se via nos endereccedilos de suas cartas e que ele natildeo esquecia jamais em sua assinatura esta uacuteltima letra do alfabeto oferecia ao espiacuterito algo de fatal MARCAS Repeti-vos a voacutes mesmos esse nome composto de duas siacutelabas natildeo encontrais nele uma sinistra significaccedilatildeo Natildeo vos parece que o homem que o porta deva ser martirizado Embora estranho e selvagem esse nome tem no entanto o direito de ir agrave posteridade ele eacute bem composto ele se pronuncia facilmente ele possui essa brevidade desejaacutevel aos nomes ceacutelebres Natildeo eacute tatildeo suave que seja estranho Mas ele natildeo parece inacabado Eu natildeo me ocuparia em afirmar que os nomes natildeo tecircm nenhuma influecircncia sobre o destino Entre os fatos da vida e o nome dos homens haacute segredos e inexplicaacuteveis concordacircncias ou desacordos visiacuteveis que surpreendem frequentemente correlaccedilotildees distantes mas eficazes se revelam nele Nosso mundo estaacute cheio tudo nele se sustenta Talvez retornaremos algum dia agraves Ciecircncias Ocultas Voacutes natildeo vedes na construccedilatildeo do Z um olhar contrariado Seraacute que natildeo aparece nele o ziguezague aleatoacuterio e lunaacutetico de uma vida atormentada Que vento soprou sobre esta letra que em cada liacutengua em que ela eacute admitida comanda quanto muito cinquenta palavras Marcas se chamava Zeacutephirin Satildeo Zeacutephirin eacute muito venerado na Bretanha Marcas era Bretatildeo Examinai ainda esse nome Z Marcas Toda a vida do homem estaacute na combinaccedilatildeo fantaacutetica dessas sete letras Sete O mais significativo dos nuacutemeros cabaliacutesticos O homem morreu aos trinta e cinco anos e sua vida foi composta por sete candelabros Marcas Natildeo tendes a ideia de algo precioso que se quebra por uma queda com ou sem ruiacutedo (BALZAC 1853 p 6-8)40

38 ldquoTroades 990 O nome da deusa Afrodite responsaacutevel primeira pela destruiccedilatildeo de Troacuteia e pela desgraccedila de Heacutecuba comeccedila por άφροσύνη (insensatez loucura)rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 155 p 228) 39 ldquoΠενθεύς (nome proacuteprio) e πένθος (luto tristeza) Jogo de palavras de acordo com a natureza traacutegica do heroacutei Cf Euriacutepides Bacchae 508 Quanto a Querecircmon soacute sabemos que foi um poeta traacutegico do seacuteculo IV aCrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 156 p 228) 40 A traduccedilatildeo acima eacute pessoal O texto no original francecircs eacute o que segue ldquoJe nrsquoai jamais vu personne en comprenant mecircme les hommes remarquables de ce temps dont lrsquoaspect fucirct plus saisissant que celui de cet homme lrsquoeacutetude de sa physionomie inspirait drsquoabord un sentiment plein de meacutelancolie et finissait par donner une sensation presque douloureuse Il existait une certaine harmonie entre la personne et le nom Ce Z qui preacuteceacutedait Marcas qui se voyait sur lrsquoadresse de ses lettres et qursquoil nrsquooubliait jamais dans sa signature cette derniegravere lettre de lrsquoalphabet offrait agrave lrsquoesprit je ne sais quoi de fatal

39

Como verifica Eugegravene Nicole (1983 p 244) sobre esta passagem ldquoo ato de

nomear vai associado a uma argumentaccedilatildeo que nada mais eacute que o proacuteprio assunto da

novela assunto que se encontra por assim dizer em poucas palavras na leitura a qual

se presta o nomerdquo Todo esse texto reivindica o uso do nome proacuteprio como signo da

motivaccedilatildeo da obra literaacuteria Eacute como uma ldquoinscriccedilatildeo fundadora de um relato o proacuteprio

anuacutencio de um destino notaacutevelrdquo (IDEM)

Por isso seguindo Franccedilois Rigolot (1982 p 139) podemos constatar que ldquoa

significaccedilatildeo do Nome poeacutetico seraacute entendida como um subterfuacutegio para apreender

indiretamente a ideologia do textordquo Esta eacute a intenccedilatildeo de nossa pesquisa

O nome proacuteprio que em si mesmo poderia permanecer ldquoopacordquo isto eacute sem

nenhuma significaccedilatildeo especial quando colocado em posiccedilatildeo de texto (cf RIGOLOT

1982 p 137) portanto quando se torna um nome poeacutetico adquire uma significaccedilatildeo pela

qual rebusca as suas motivaccedilotildees Nessa tarefa o nome proacuteprio atua em dois eixos

principais ldquoO eixo semasioloacutegico parte do signo para explicitar o seu sentido [semacircntica

sincrocircnica] enquanto o eixo onomasioloacutegico integra o sentido global do texto para

inventar um signo que justifica o melhor possiacutevel esse sentido [semacircntica diacrocircnica]rdquo

Nesse sentido podemos fazer nossas as palavras de Paul Guiraud (1972 p

406) ldquo[] as palavras engendram a faacutebula onde a realidade devia engendrar as

palavrasrdquo

MARCAS Reacutepeacutetez-vous agrave vous-mecircme ce nom composeacute de deux syllabes nrsquoy trouvez-vous pas une sinistre signifiance Ne vous semble-t-il pas que lrsquohomme qui le porte doive ecirctre martyriseacute Quoique eacutetrange et sauvage ce nom a pourtant le droit drsquoaller agrave la posteacuteriteacute il est bien composeacute il se prononce facilement il a cette briegraveveteacute voulue pour les noms ceacutelegravebres Nrsquoest-il pas aussi doux qursquoil est bizarre mais aussi ne vous paraicirct-il pas inacheveacute Je ne voudrais pas prendre sur moi drsquoaffirmer que les noms nrsquoexercent aucune influence sur la destineacutee Entre les faits de la vie et le nom des hommes il est de secregravetes et drsquoinexplicables concordances ou des deacutesaccords visibles qui surprennent souvent des correacutelations lointaines mais efficaces srsquoy sont reacuteveacuteleacutees Notre globe est plein tout srsquoy tient Peut-ecirctre reviendra-t-on quelque jour aux Sciences Occultes Ne voyez-vous pas dans la construction du Z une allure contrarieacutee Ne figure-t-elle pas le zigzag aleacuteatoire et fantasque drsquoune vie tourmenteacutee Quel vent a souffleacute sur cette lettre qui dans chaque langue ougrave elle est admise commande agrave peine agrave cinquante mots Marcas srsquoappelait Zeacutephirin Saint Zeacutephirin est tregraves veacuteneacutereacute en Bretagne Marcas eacutetait Breton Examinez encore ce nom Z Marcas Toute la vie de lrsquohomme est dans lrsquoassemblage fantastique de ces sept lettres Sept le plus significatif des nombres cabalistiques Lrsquohomme est mort agrave trente-cinq ans ainsi sa vie a eacuteteacute composeacutee de sept lustres Marcas Nrsquoavez-vous pas lrsquoideacutee de quelque chose de preacutecieux qui se brise par une chute avec ou sans bruitrdquo

40

4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

Do ponto de vista antropoloacutegico os nomes proacuteprios satildeo mais que um termo

que permite a identificaccedilatildeo Eles constituem ldquoo proacuteprio sistema de parentesco na

medida em que formam o lsquoEgorsquo nuclear de cada um dos elementosrdquo Segundo Claude

Leacutevi-Strauss ldquoos nomes proacuteprios fazem parte integrante de sistemas tratados por noacutes

como coacutedigos meios de fixar significaccedilotildees transpondo-as para termos de outras

significaccedilotildeesrdquo (LEacuteVI-STRAUSS 1970 p 200) Portanto os nomes proacuteprios se oferecem

a um deciframento a uma exploraccedilatildeo

O nome como se poderaacute verificar posteriormente possui em vaacuterias

civilizaccedilotildees um caraacuteter sagrado no entanto ele estaacute fortemente ligado ao aspecto

profano ou melhor dizendo ao aspecto social Eacute o que afirma Francisco Martins

inspirado no pensamento do antropoacutelogo Marcel Mauss

O mito religioso da identidade da alma e do nome encontra sua explicaccedilatildeo na organizaccedilatildeo social Ao mesmo tempo que o nome se inscreve em um sistema mitoloacutegico ele daacute precisatildeo a uma determinada posiccedilatildeo social [] Assim toda a legenda da alma viria da necessidade de nomear os membros de precisar suas posiccedilotildees entre os vivos e os mortos (MARTINS 1991 P 154)

A preocupaccedilatildeo do estudo antroponiacutemico por parte da antropologia num

primeiro momento deteve-se mais diante da grande tarefa de classificar ou seja

distinguir categorias de nomes de pessoa Para tal costumava-se operar tal

classificaccedilatildeo em vista de trecircs funccedilotildees

[] seja em funccedilatildeo de sua origem linguiacutestica ou dialetal (esforccedila-se desde entatildeo em identificar camadas e aacutereas antroponiacutemicas) seja em funccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas (classificam-se os nomes por registros conforme as afinidades reconhecidas prenomes de inspiraccedilatildeo religiosa ou profana apelidos que denotam particularidades fiacutesicas profissionais etc) seja em funccedilatildeo de sua formaccedilatildeo ou de sua composiccedilatildeo (procurar-se seguir em detalhe as etapas de fixaccedilatildeo dos nomes) (BROMBERGER 1982 p 103)

No entanto para muitos a missatildeo da antropologia quando se aplica ao estudo

dos nomes proacuteprios de pessoas seria bem outra Ou seja

[] identificar no seio de uma sociedade as regras de atribuiccedilatildeo dos nomes os princiacutepios segundo os quais se classificam se nomeiam indiviacuteduos singulares e diferentes (pelo seu sexo pela sua pertenccedila a uma famiacutelia a um

41

clatilde a uma geraccedilatildeo a uma localidade) as leis que regem o sistema de apelaccedilotildees [] enfim as propriedades ndash sintagmaacuteticas ndash que diferenciam nos enunciados os nomes de pessoas das outras classes nominais e as normas ndash sociais ndash que prescrevem-no ou interditam o emprego no discurso (IBID p 104)

Portanto a nova proposta da antropologia eacute abordar os nomes proacuteprios de

pessoas natildeo como meros indicadores de indiviacuteduos mas analisaacute-los em seu contexto

isto eacute as funccedilotildees que eles exercem nas sociedades em que satildeo empregados

O ato de nomear algueacutem natildeo eacute puramente voluntaacuterio ou casual mas fruto de

longas tradiccedilotildees de determinada populaccedilatildeo Um exemplo disto pode-se encontrar

num estudo que analisou a regiatildeo francesa da Provence durante o seacuteculo XVIII Em

grande parte das sociedades meridionais da Franccedila mas tambeacutem em outras o filho

mais velho herdava o prenome do seu avocirc paterno o mais novo herdava o nome de

seu avocirc materno No caso das filhas a escolha eacute simetricamente inversa ou seja a filha

mais velha recebia o prenome de sua avoacute materna a mais nova era nomeada segundo

o prenome de sua avoacute paterna (cf IDEM)

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas

A pesquisa antropoloacutegica de populaccedilotildees interioranas francesas da Idade Meacutedia

e do iniacutecio da Idade Moderna bem como de povos mais primitivos do norte da Aacutefrica

por exemplo colocou em questatildeo a funccedilatildeo decircitica que se quis ver no ato de nomear

pessoas Designar e identificar um indiviacuteduo uacutenico natildeo corresponde agrave realidade dos

fatos quando se analisa o ato nominador

Em muitas sociedades natildeo se encontra uma grande variedade de nomes

proacuteprios que serviriam obviamente a uma melhor identificaccedilatildeo e individuaccedilatildeo das

pessoas evitando confusotildees nas relaccedilotildees cotidianas Ao contraacuterio o que se encontra eacute

ldquoa estreiteza do campo de apelaccedilotildees individuais antroponiacutemicos formados do nome

do pai ou de nome de ascendentes frequentemente similares no seio de uma mesma

linhagem ou ainda de uma mesma classe de idade em suma laacute onde as necessidades

de distinccedilatildeo satildeo no entanto mais evidentesrdquo (BROMBERGER 1982 p 105) Para

evitar-se confusotildees eacute que se recorre ao uso do sobrenome o qual exerceraacute um papel

42

como de ldquovaacutelvula de seguranccedilardquo garantindo a identificaccedilatildeo correta das pessoas por

meio do nome de famiacutelia uma vez que havia pouca variedade de prenomes

Complicando ainda mais o presumiacutevel papel de identificador ou designador

uacutenico de uma pessoa atribuiacutedo ao nome proacuteprio haacute o caso de muitas sociedades que

institucionalizam ou toleram que um mesmo indiviacuteduo receba um nome diferenciado

em certas etapas de sua vida Um exemplo pode ser encontrado em uma sociedade

que vive no Norte uma das regiotildees de Camarotildees na Aacutefrica Nessa comunidade todo

indiviacuteduo recebe no decorrer de sua vida dois nomes

[] em seu nascimento primeiramente um nome que indica a sua ordem de nascimento depois trecircs ou quatro meses mais tarde um ldquosobrenomerdquo que lhe designa de uma maneira mais pessoal uma vez que ele eacute livremente escolhido e natildeo indica senatildeo uma posiccedilatildeo genealoacutegica [] Satildeo portanto nomes que indicam a ordem de nascimento que designam o indiviacuteduo como ser social Eles satildeo por assim dizer nuacutemeros Mas como nomes eles tambeacutem satildeo carregados de uma significaccedilatildeo que se refere a um sistema simboacutelico satildeo entatildeo mais que nuacutemeros ldquonomes-nuacutemerosrdquo (COLLARD 1973 p 45)

E mesmo esse ldquosobrenomerdquo que eacute dado agrave crianccedila Guidar natildeo eacute tatildeo distintivo

assim pois se trata em geral do nome do pai Este por sua vez eacute tambeacutem um nome-

nuacutemero Desse modo a maior parte dos Guidar possui um nome composto de dois

nomes-nuacutemeros (cf IBID p 48) ldquoTomemos por exemplo o caso de um indiviacuteduo

nominado Tizi Dawaiacute Seu primeiro nome Tizi indica que ele eacute a primeira crianccedila

masculina de sua matildee seu pai Dawaiacute (segundo nome da crianccedila) era o seacutetimo filho da

suardquo (IDEM) Assim sendo os nomes das crianccedilas satildeo determinados segundo a ordem

de nascimento e ateacute a quarta crianccedila inclusive tambeacutem segundo o sexo Interessante

notar que do quinto ateacute o deacutecimo filho os meninos e meninas levam o mesmo nome

apenas acrescenta-se agraves vezes a marca feminina ke ou a caso de trate de uma crianccedila

do sexo feminino Para tornar esse sistema mais claro eacute reproduzida abaixo uma tabela

concebida por Collard (1973 p 46)

Ordem de nascimento

Nome das crianccedilas

MENINOS MENINAS

1ordm Tizi ou Keza

2ordm Zourmba ou Miste

43

3ordm Toumba ou Tongou

4ordm Vondou ou Naiacuteke

5ordm Madi

6ordm Todou

7ordm Dawaiacute

8ordm Damba

9ordm Tourmba

10ordm Baiacutema

Este exemplo demonstra o quanto eacute fraacutegil o sistema de nominaccedilatildeo destinado a

distinguir indiviacuteduos ou seja a assegurar a identificaccedilatildeo pessoal O que natildeo deixa de

ser paradoxal Afinal na concepccedilatildeo que vigorou durante muito tempo via-se o nome

proacuteprio justamente com esta funccedilatildeo

Nesse caso duas liccedilotildees se depreendem do exemplo

[] primeiramente as propriedades semacircnticas desses nomes individuais satildeo da mesma natureza que aquelas das outras categorias nominais eu posso definir ldquoTizirdquo decompondo-o em menores elementos de significaccedilatildeo (anaacutelise secircmica) crianccedila + masculino + filho mais velho de sua matildee (e natildeo necessariamente de seu pai) como eu posso definir pelos ldquosemasrdquo que eles incluem ldquocavalordquo ldquohomemrdquo ou ldquotartarugardquo [] Em segundo lugar observa-se que um tal sistema parece governado por duas funccedilotildees antagocircnicas uma funccedilatildeo de classificaccedilatildeo que assinala o mesmo nome a todos aqueles que compartilham da mesma ordem de nascimento uma funccedilatildeo de identificaccedilatildeo tornada possiacutevel ndash mas natildeo sempre certa ndash pela combinaccedilatildeo de um pequeno nuacutemero de unidades que pertencem a uma seacuterie fechada Aqui identificamos uma caracteriacutestica comum a maior parte dos sistemas antroponiacutemicos melhor eles classificam menos eles identificam [] Na verdade a fraqueza distintiva de um sistema de nomes proacuteprios natildeo eacute senatildeo o reverso de sua riqueza classificatoacuteria (BROMBERGER 1982 p 106)

No entanto natildeo se pode concluir que o nome proacuteprio possua entatildeo uma

funccedilatildeo meramente classificatoacuteria seguindo algumas regras sociais estritas e

compartilhadas pela maioria das pessoas Isso foi constatado em alguns lugares mas

natildeo em todos O proacuteprio Leacutevi-Strauss reconhece isso quando afirma que de um lado

ldquoos nomes proacuteprios parecem formar a franja de um sistema geral de classificaccedilatildeo []

Quando eles entram em cena a cortina se eleva no uacuteltimo ato da representaccedilatildeo loacutegicardquo

(1962 p 285) De outro lado nenhum modelo mecacircnico permite explicar sua

distribuiccedilatildeo em um grupo social a denominaccedilatildeo aparece entatildeo como ldquouma livre

criaccedilatildeo daquele que nomeia um estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividaderdquo

(IBID p 240) ou mesmo de outras pessoas

44

No entanto a oposiccedilatildeo entre esses dois processos ndash classificatoacuterio e decisatildeo livre

e subjetiva ndash eacute mais aparente que real Mesmo quando parece natildeo haver nenhuma

regra que defina o ato nominador podem-se encontrar prenomes que funcionam como

marca distintiva de idade de geraccedilatildeo de sexo de irmandade e assim por diante Natildeo

haacute uma regra convencional mas um uso que segue certos princiacutepios Um exemplo

disso pode-se ver nos prenomes que permitem reconhecer claramente diferentes

geraccedilotildees Assim ao escolher de chamar os filhos como41 Sebastiatildeo Estefacircnia Karine

Kaacutetia confirmo sua pertenccedila a uma geraccedilatildeo mais jovem do que aquela de seus pais

frequentemente chamados de Daniel Geraldo Martinha Claudine enquanto seus

avoacutes poderiam ser denominados como Pedro Paulo Henriqueta e seus bisavocircs

poderiam ser chamados de Augusto Rogeacuterio Maria (cf BROMBERGER 1982 p 110)

Poderia ocorrer tambeacutem que pais que se consideram mais tradicionalistas se

recusassem a colocar em seus filhos nomes mais modernos ndash como Isabelly Theo ndash e

optassem por nominar seus filhos com nomes mais antigos que consideram mais

tradicionais como Maria Aparecida Joseacute Antocircnio por exemplo

Portanto haacute dois processos envolvidos no ato de nominaccedilatildeo com significados

diferentes de um lado os pais podem se submeter agraves normas ou tendecircncias da

sociedade de outro eles podem se ldquoesconderrdquo suas experiecircncias pessoais ideologias

ou preconceitos nos nomes que colocam em seus filhos eles atribuem um poder a esse

nome um destino Tanto quanto um classificador o nome funciona aqui como um

siacutembolo fazendo eco a um conjunto de crenccedilas e de convicccedilotildees Bromberger (1982 p

111) enxerga nisso o fato de que ldquonatildeo eacute tanto a individuaccedilatildeo que prevalece sobre a

classificaccedilatildeo eacute o siacutembolo que supera o signordquo e complementa ldquoum nome transmitido

segundo regras pode ser ao mesmo tempo um signo e um siacutembolo confirmando uma

posiccedilatildeo num sistema e fazendo eco a um conjunto de crenccedilasrdquo (IBID p 111 n 8)

Sendo que nas sociedades tradicionais e mais antigas ldquoo nome individual eacute

frequentemente pela sua forma como pelo seu conteuacutedo uma mensagem em honra

41 Obviamente este eacute um exemplo no interior da cultura francesa de onde proveacutem o autor citado No caso brasileiro poderiacuteamos encontrar filhos com nomes tais como Bruno Juliana Sophia Isabella Lucas Vitor etc seus pais poderiam ter nomes como Joseacute Ana Paulo Sandra Luiz Maacutercia seus avoacutes poderiam ter nomes como Benedita Joseacute Maria Aparecida Joatildeo Vera Antocircnio enquanto que seus bisavoacutes poderiam chamar-se Thereza Benedicto Antocircnia Pedro Victoacuteria e assim por diante (cf TUFOLO sd)

45

de potecircncias numinosas que traduz uma intenccedilatildeo aquela de assegurar a vida contra a

morteldquo (IBID p 111)

Do ponto de vista antropoloacutegico portanto o nome proacuteprio pode assumir um

duplo status

[] aquele de marcaccedilatildeo classificatoacuteria atribuindo ao indiviacuteduo denominado uma ou mais posiccedilotildees determinadas na estrutura social aquele siacutembolo participante de uma visatildeo de mundo sistema organizado de representaccedilotildees e de crenccedilas Essas duas funccedilotildees ndash igualmente ou diversamente reunidos sob um mesmo nome de pessoa cuja importacircncia respectiva varia natildeo somente de uma sociedade a outra mas tambeacutem de um tipo de denominaccedilatildeo a outro no interior de um mesmo sistema antroponiacutemico ndash merecem cada uma uma anaacutelise complementar (BROMBERGER 1982 p 111)

Ambas as funccedilotildees podem ser encontradas na tradiccedilatildeo hebraica que passaremos

a analisar a partir do proacuteximo capiacutetulo

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social

O fato de dar nome proacuteprio a algueacutem eacute antes de tudo um ato de socializaccedilatildeo

tal ato em geral se faz acompanhar por uma cerimocircnia ou um conjunto de rituais os

quais variam de acordo com as sociedades e culturas Ter um nome pessoal eacute possuir

uma existecircncia social Isso fica bem claro somente para citar um exemplo no caso da

cultura dos Ianomacircmis na Amazocircnia brasileira ldquoEacute entre um e trecircs anos que as crianccedilas

recebem um nome elas entram entatildeo plenamente na culturardquo (LIZOT 1973 p 64)

Se olharmos para a cultura europeia ocidental ateacute um pouco mais de meados do seacuteculo

passado eacute a declaraccedilatildeo do nome de famiacutelia (sobrenome) que consagra a existecircncia

social o prenome ou nome de batismo confirma a filiaccedilatildeo espiritual e a inserccedilatildeo na

comunidade cristatilde (cf BROMBERGER 1982 p 112)

O nome singulariza a existecircncia em relaccedilatildeo agraves outras entidades Isso se constata

inclusive quando se concede a um animal ou objeto um nome de pessoa O que destaca

a relaccedilatildeo especial que o ser humano dador do nome possui com aquele ser seja ele

animado ou natildeo Inversamente quando natildeo se reconhece as pessoas por estarem de

passagem serem marginais desclassificados em geral o nome de famiacutelia eacute

desconhecido e agraves vezes consta apenas o apelido ou um prenome Portanto ldquoconhecer

a completa identidade do outro eacute inclui-lo ndash diretamente ou indiretamente ndash no campo

46

das relaccedilotildees sociais o anocircnimo o erroneamente nomeado eacute o desconhecido ou ao

menos o natildeo reconhecido A sociedade para aonde as referecircncias que constituem os

nomes proacuteprios se apagamrdquo (BROMBERGER 1982 p 113) O conhecimento da aacuterea

de nomes proacuteprios sobrepotildee-se a das relaccedilotildees sociais traccedilando um limite entre ldquonoacutesrdquo

e ldquoos outrosrdquo

Mais comumente o sistema de nomeaccedilatildeo classifica os indiviacuteduos de acordo

com a sua filiaccedilatildeoorigem indicando sua famiacutelia ou localidade a qual pertence ou

entatildeo pelo seu status social Portanto o nome proacuteprio pode em algumas sociedades

indicar

a) Origem o apelido kunya no sistema aacuterabe por exemplo

b) Distinccedilatildeo de classes e ocupaccedilotildees seja na proacutepria significaccedilatildeo do nome

(antigo mundo celta por exemplo) seja atraveacutes de marcas formais

especiacuteficas de uma categoria de indiviacuteduos a partiacutecula seria um exemplo

seja atraveacutes do nuacutemero e natureza dos nomes usados em Roma o escravo

recebia apenas o prenome natildeo tinha sobrenome enquanto os patriacutecios

acrescentavam ao seu prenome vaacuterios sobrenomes Outro exemplo deste

uacuteltimo caso verifica-se no Japatildeo onde ateacute 1870 somente a famiacutelia real os

nobres e certos privilegiados levavam o nome do clatilde e de famiacutelia apoacutes seu

prenome as demais pessoas portavam geralmente um nome de profissatildeo

Ainda hoje algumas pessoas mais proeminentes na sociedade satildeo

reconhecidas pelo seu nome de famiacutelia ldquoOlhe Eacute um Rotschildrdquo (cf

BROMBERGER 1982 p 115)

Desse modo o nome proacuteprio pode servir como um meio para entre outras

coisas associar pessoas aos diferentes campos da vida social parentesco situaccedilatildeo

social simbologia e assim por diante

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios

Ao contraacuterio daqueles que veem no nome apenas um indicador uma espeacutecie e

index como jaacute foi amplamente tratado neste estudo a etnografia dos antropocircnimos nos

fornece interessante material de estudo a respeito da simbologia poder e eficaacutecia do

nome em diversas culturas ao longo da histoacuteria

47

Tomemos um exemplo

Eu chamo minha filha de Margarida assim fazendo eu pretendo seja consagrar uma tradiccedilatildeo familiar (sua avoacute levava esse nome) seja colocar minha filha sob a proteccedilatildeo de uma santa venerada seja mais simplesmente submeter-me a uma moda que aliaacutes pode ter por origem uma devoccedilatildeo seja comparar minha filha a uma flor seja ainda evocar uma ou mais Margarida das quais eu guardei boas recordaccedilotildees seja enfim lembrar o nome que me parece o mais harmonioso cujas qualidades riacutetmicas e acuacutesticas combinam melhor com aquelas de meu nome de famiacutelia A escolha de ldquoMargaridardquo pode responder a uma ou vaacuterias dessas intenccedilotildees (BROMBERGER 1982 p 118)

A questatildeo eacute sempre buscar descobrir as intenccedilotildees que se encontram por detraacutes

da accedilatildeo de nomear um indiviacuteduo Bromberger (IDEM) identifica trecircs fatores que

permitem ldquomedirrdquo a importacircncia simboacutelica do nome proacuteprio ldquoas condiccedilotildees aplicaacuteveis

agrave sua utilizaccedilatildeo funccedilotildees propiciatoacuterias atribuiacutedas a ele o aparentamento expliacutecito que

eacute estabelecido entre o denominado e o personagem epocircnimo miacutetico ou lendaacuteriordquo

No que tange ao primeiro fator ndash condiccedilotildees de uso do nome proacuteprio ndash observa-

se em coletividades ainda hoje existentes caracteriacutesticas que perduram haacute muitos

seacuteculos na sociedade humana Como exemplo tomemos o caso do pensamento de

certos indiacutegenas da Amazocircnia brasileira como satildeo os Ianomacircmis O nome para eles

apesar de natildeo ser um segredo natildeo vem mencionado de qualquer modo e a qualquer

tempo Por exemplo normalmente no grupo que reside junto as pessoas somente

conhecem o nome daqueles de sua proacutepria geraccedilatildeo ou de geraccedilotildees inferiores quase

nunca sabe o nome de indiviacuteduos mais idosos daquele mesmo grupo Nomear

algueacutem em puacuteblico em voz alta eacute considerado uma grande ofensa O nomeado reage

pois do contraacuterio sua passividade seria interpretada como uma omissatildeo uma falta de

honra A maneira de reagir seraacute mencionar tambeacutem em alta voz o nome daquele que

o interpelou publicamente demonstrando que natildeo o teme Tanto os indiviacuteduos mais

jovens especialmente os homens quanto os mais anciatildeos natildeo gostam que seus nomes

venham ditos em puacuteblico Isso eacute motivo de natildeo pouca confusatildeo e discussatildeo Da mesma

forma mencionar o nome de algueacutem jaacute falecido eacute um insulto que os filhos e irmatildeos da

pessoa morta vingaratildeo em uma luta com clava Ateacute mesmo em voz baixa no caso de

ausecircncia da pessoa interessada natildeo se nomeia ningueacutem De qualquer modo haacute

indiviacuteduos cujos nomes jamais satildeo mencionados o pai e a matildee bem como daqueles

48

que podem vir a ser os sogros de algueacutem (cf LIZOT 1973 p 66) Qual eacute o motivo para

esse tipo de atitude diante do nome proacuteprio entre os Ianomacircmis Para eles nomear

algueacutem eacute agir sobre aquele que se designa pelo nome O pensamento indiacutegena estaacute

convencido que o ldquonome pessoal faz parte integralmente da personalidade como o

corpo e mais ainda que os bens materiaisrdquo (IBID p 67) No caso de um defunto

assim como os seus pertences satildeo queimados ele como pessoa deve desaparecer por

isso o seu nome natildeo deve ser mencionado por ningueacutem Se a pessoa natildeo existe mais

seu nome tambeacutem deve ser abolido Haacute um caraacuteter sagrado do nome de pessoa que eacute

respeitado Lizot observa-o muito bem quando exprime que ldquonomear o objeto temido

envolve necessariamente a manifestaccedilatildeo dele como nomear o objeto desejado o

ameaccedila de extinccedilatildeordquo (1973 p 70)

Nesse sentido apesar de viverem em eacutepocas diferentes terras diferentes

hemisfeacuterios diferentes os indiacutegenas amazonenses natildeo deixam de assemelhar-se um

pouco no uso do nome aos povos que constituiacuteam o ambiente no qual surgiu a

literatura hebraica No sentido que o nome possui um significado e um valor que

ultrapassam aquele que se nota normalmente nas sociedades atuais

Em relaccedilatildeo ao segundo fator acima mencionado ndash funccedilotildees propiciatoacuterias

atribuiacutedas ao nome ndash natildeo o podemos perceber na cultura ocidental contemporacircnea

em que os fatores religiosos tecircm influenciado cada vez menos na atribuiccedilatildeo de um

nome Ocorre tambeacutem uma dificuldade em se reconhecer no nome das pessoas um

simbolismo que vaacute aleacutem da pura e simples funccedilatildeo denotativa No entanto isso era

muito comum nas sociedades orientais antigas como a de Israel e mesmo hoje em

algumas culturas que natildeo foram influenciadas pela modernidade como eacute o caso da

Aacutefrica Em uma delas por exemplo os Mossi que habitam Burkina Faso na Aacutefrica

Ocidental os nomes dos indiviacuteduos ldquoreferem-se de fato a uma experiecircncia preacutevia ao

nascimento que foi reconhecida imediatamente ou mediatamente pela proacutepria matildee

ou apoacutes consultar um vidente como uma injunccedilatildeo de poderes transcendentaisrdquo

(BROMBERGER 1982 p 119) A fragilidade da vida a precariedade meacutedico-sanitaacuteria

e outros inuacutemeros fatores que atentam contra a vida de um receacutem-nascido fazem o

povo Mossi apelar agrave divindade e reconhecer como fruto de sua accedilatildeo a sua vinda ao

mundo satildeo e salvo Algo natildeo muito diferente passava-se com o povo do Oriente

49

Meacutedio Antigo no seio do qual desenvolve-se toda a literatura hebraica No entanto os

Mossi natildeo nomeiam seus filhos com nomes teofoacutericos mas empregam nomes comuns

que exprimem o sentimento da matildee por exemplo naquele momento de dor e

apreensatildeo que lhe fez revolver agrave divindade sua suacuteplica de proteccedilatildeo e auxiacutelio Desse

modo algueacutem podia vir a chamar-se ldquofolhas de feijatildeordquo (becircngdo) a fim de recordar que

as primeiras dores da gravidez foram sentidas justamente quando a matildee se

encontrava num campo de feijotildees ou entatildeo enquanto preparava um prato de feijotildees

ou uma sopa com eles Portanto a intenccedilatildeo natildeo eacute suplicar por proteccedilatildeo ou atrair as

qualidades da divindade para o filho receacutem-nascido mas ldquodesviar as forccedilas hostisrdquo

(IBID p 120) agravequela crianccedila

O terceiro fator ndash o poder dos nomes a identificaccedilatildeo entre o nominado e

personagem epocircnimo que lhe inspira o nome ndash supotildee que o simbolismo desses nomes

sejam transparentes e convencionais para os usuaacuterios e que a escolha deste nome

consagre a intenccedilatildeo de associar as qualidades do epocircnimo agravequelas do denominado

Isso eacute bem evidente segundo nos mostra Bromberger (1982 p 120) em muitas

sociedades onde o nome proacuteprio evoca o mito fundador da mesma Nesse caso usam-

se nomes teofoacutericos como ocorre no antigo mundo semita ndash Yohannan (Joatildeo ndash ldquoDeus

manifestou sua graccedilardquo) ndash e ainda em nossos dias atuais no mundo muccedilulmano ndash

Abdallacirch (ldquoo servidor de Deusrdquo) bem como as denominaccedilotildees totecircmicas as quais

consagram o parentesco do indiviacuteduo agraves espeacutecies epocircnimas fundadoras Nesse caso

ldquoos nomes proacuteprios assumem a plenitude de seu sentido prefigurando o destino

daqueles que os portam identificado agravequele dos protagonistas do drama miacuteticordquo

(IDEM) Assim sendo os registros de onde se retiram preferencialmente para formar

ou escolher nomes individuais satildeo bons reveladores das tendecircncias da simbologia

cultural

Concluindo este toacutepico antropoloacutegico do sistema onomaacutestico percebe-se que o

mesmo constitui um material muito rico para a anaacutelise das sociedades humanas pois

possui uma dupla grelha de leitura de um lado sendo um sistema de classificaccedilatildeo a

onomaacutestica antroponiacutemica permite identificar os princiacutepios sejam eles expliacutecitos ou

natildeo segundo os quais uma sociedade agrupa e distingue os indiviacuteduos de outro

sendo um sistema de siacutembolos revela os valores e questotildees se sobrepotildeem sobre a

50

identidade individual e coletiva (cf BROMBERGER 1982 p 122) Para ilustrar o que

foi dito Bromberger (IDEM) cita uma histoacuteria contada por Montaigne

Henrique duque de Normandia filho de Henrique segundo rei da Inglaterra deu um banquete na Franccedila a reuniatildeo da nobreza foi tatildeo grande neste lugar que para passatempo foi dividida em faixas pela semelhanccedila de nomes na primeira tropa quem eram os Guilhermes encontraram-se cento e dez cavaleiros sentados agrave mesa com esse nome sem contar os simples nobres e servidores

Portanto nomear eacute muito mais que simplesmente identificar

51

CAPIacuteTULO 2

NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA

1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel

A BH surge em Israel mas o seu background cultural eacute muito mais vasto Ela

deve e muito agraves demais culturais circundantes e seus respectivos povos Como bem

constatou o exegeta belga Jean-Louis Ska

Israel de fato jamais conquistou um grande impeacuterio nunca foi uma grande potecircncia seja militar poliacutetica econocircmica ou cultural Natildeo haacute grandes riquezas naturais na terra santa e as dimensotildees reduzidas do paiacutes impedem de produzir grandes quantidades de gratildeos vinho ou oacuteleo A Feniacutecia foi uma potecircncia comercial muito mais importante e mais conhecida Nem mesmo do ponto de vista artiacutestico Israel conseguiu conceber grandes obras de arte no mundo da literatura da escultura da pintura ou da arquitetura Natildeo haacute nesse campo alguma comparaccedilatildeo com o Egito a Mesopotacircmia ou a Greacutecia por exemplo No entanto Israel marcou a histoacuteria do nosso mundo e teve uma influecircncia desproporcional agrave sua potecircncia poliacutetica ou agraves dimensotildees de seu territoacuterio O elemento de sua civilizaccedilatildeo que tem ainda hoje uma influecircncia sem precedentes eacute a sua Lei a Toraacute em hebraico Acrescentamos imediatamente que a palavra hebraica Toraacute significa natildeo somente ldquoLeirdquo isto eacute normas diretrizes legislaccedilatildeo mas tambeacutem instruccedilatildeo ensinamento doutrina Eacute ldquosabedoriardquo e ldquointeligecircnciardquo como diz Dt 46 Natildeo estamos portanto no mundo do poder e nem mesmo no mundo do ter Estamos no mundo do saber Israel nos transmitiu um saber um modo de conhecer o mundo e de compreender qual eacute o significado da existecircncia humana individual e coletiva Deste ponto de vista pode competir com a Greacutecia (SKA 2015 p 133-134)

A partir dessa constataccedilatildeo fica mais claro que a cultura expressa pela BH tem

a sua particularidade e importacircncia mas dialoga obviamente com todas as demais

culturas do mundo com as quais teve relaccedilotildees Nesse sentido antes de adentrarmos

na maneira como os antropocircnimos satildeo concebidos usados e sofrem alteraccedilotildees no seio

da cultura hebraica eacute oportuno verificarmos como isso se dava em outros povos

circunvizinhos

11 Mesopotacircmia

52

A iacutentima conexatildeo entre o ato de nomear e a existecircncia de algo pode ser

deduzida a partir de seu papel em muitos textos de criaccedilatildeo do Oriente Meacutedio Antigo

onde a criaccedilatildeo de tudo dependia dos deuses nomearem essas coisas que tinham sido

criadas O objeto natildeo existia em si mesmo ele natildeo adquiria consistecircncia a natildeo ser apoacutes

sua nomeaccedilatildeo A proacutepria palavra ldquoobjetordquo na Babilocircnia era expressa por mimma

sunsu ldquotudo aquilo que leva um nomerdquo (POZNANSKI 1978 p 117)

Um eacutepico babilocircnico da criaccedilatildeo descreve o periacuteodo de preacute-criaccedilatildeo como um

tempo no qual

[] no alto o ceacuteu ainda natildeo havia sido nomeado e embaixo a terra firme natildeo tinha sido mencionada por um nome [] Quando os deuses ainda natildeo haviam aparecido nem tinham sido chamados com um nome nem fixado algum destino os deuses foram procriados dentro deles (ENUMA ELISH tablete 11-2 7-8)

No mundo de Acaacutedia haacute uma coincidecircncia entre nascimento e colocaccedilatildeo do

nome O mesmo ocorre com os sumeacuterios ldquoNumusda semente que os deuses criaram

que Ningal protegeu em seu seio que conheceu um nascimento suave na montanha a

quem An e Enlil deram um bom nome que Ninlil embalou amorosamenterdquo

(FALKENSTEIN VON SODEN 1953 p 112 n 23 l 51042 apud POZNANSKI 1978

p 114-115) Constata-se nesse texto que a crianccedila recebeu seu nome desde o

nascimento antes mesmo de ser tomada nos braccedilos

O nome proacuteprio era tatildeo fundamental na cultura mesopotacircmica cuneiforme

que sua escritura constituiacutea um setor particular do saber dos escribas possuindo um

sistema proacuteprio de notaccedilotildees graacuteficas Os nomes proacuteprios recorrem a um ldquoleacutexico e uma

sintaxe intencionalmente arcaicos ou desviantes que natildeo coincidem frequentemente

com aqueles que utilizam textos de prosa ou de versordquo (DURAND 1998 p 31) Eacute

importante sublinhar que muitas liacutenguas do Oriente Meacutedio Antigo somente

sobreviveram e vieram agrave luz nos tempos modernos graccedilas a um corpus onomaacutestico

preservado em materiais escritos monumentos e construccedilotildees A morfologia e o leacutexico

dessas liacutenguas satildeo descritos unicamente a partir da anaacutelise desses nomes

42 A obra desses autores intitula-se Sumerische und akkadische Hymnen und Gebete Zuumlrich Artemis Verlag Recorreu-se agrave citaccedilatildeo indireta pelo fato da referida obra encontrar-se esgotada e de difiacutecil acesso

53

Uma das fontes para um levantamento da onomaacutestica mesopotacircmica eacute sem

duacutevida os selos ldquouma marca sobre uma mateacuteria plaacutestica de imagens eou caracteres

gravados em um material duro chamado lsquomatrizrsquo ou tambeacutem lsquoselorsquo e era usado como

sinal de autoridade e de propriedade pessoalrdquo (CHARPIN 1998 p 43) O primeiro

selo a trazer um nome proacuteprio data do final da eacutepoca conhecida como Protodinaacutestica

II ou seja por volta de 2500 AEC portanto cerca de sete seacuteculos apoacutes o surgimento

da escrita (cf CHARPIN 1998 p 46) Uma triacuteplice informaccedilatildeo costumava ser a

maneira usada para se definir um indiviacuteduo na legenda de um selo ldquoprimeiramente

pelo seu nome depois pelo nome de seu pairdquo (na Babilocircnia antiga o ldquonome de famiacuteliardquo

era incomum) finalmente ldquocomo servidor de um rei ou de uma divindaderdquo (cf

CHARPIN 1998 p 48) O nome do proprietaacuterio do selo vinha em destaque mais do

que os iacutecones que poderiam constar dele Portanto a civilizaccedilatildeo babilocircnica concedeu

agrave escritura uma posiccedilatildeo privilegiada

Ao contraacuterio de nossos nomes e sobrenomes atuais o nome proacuteprio naquela

cultura era dotado de uma significaccedilatildeo aparente Esses nomes seguem uma tipologia

bastante diversificada mas natildeo muito complexa ldquoela vai de uma frase curta

(fragmento de oraccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo de um fato) passando por diversos tipos de

qualificativos apelidos ou outros ateacute os diminutivosrdquo (DURAND 1998 p 32) Eacute muito

frequente no princiacutepio do segundo milecircnio antes da era comum (AEC) que o nome

proacuteprio natildeo descreva o indiviacuteduo em si mesmo mas o situe em relaccedilatildeo a seus deuses

ou seu rei de modo expliacutecito (nomeando-os) ou natildeo

No caso de indiviacuteduos que portavam nomes que faziam menccedilatildeo a um

determinado deus uma questatildeo que imediatamente nos vem em mente eacute o que um

nome teofoacuterico significava para a pessoa que o levava e por que foi escolhido

Geralmente eram nomes que elogiavam uma determinada divindade ou suplicavam

algo agrave mesma Esses nomes exprimiriam de fato o sentimento religioso daqueles que

lhes deram aos seus filhos ou o de seus portadores Ou seriam simplesmente formas

padronizadas natildeo faacuteceis de certificar Esses nomes soavam bem piedosos como

ldquoNaram-Enlil (lsquoAmado-de-Enlilrsquo) Ili-zili (lsquoMeu-Deus-eacute-Minha-Proteccedilatildeorsquo) Giba-

DINGIR (lsquoConfia-em-Deusrsquo) Iti-DINGIRDINGIR (lsquoDaacute-aos-deusesrsquo) e DINGIR-zeluli

54

(lsquoO-Deus-eacute-Minha-Sombrarsquo) (SEYMOUR 1983 p 116) Natildeo eacute faacutecil chegar a conclusotildees

seguras a respeito dessa questatildeo

Uma possiacutevel fonte de conhecimentos sobre a relaccedilatildeo de nomes pessoais agrave feacute individual tem sido sugerida por estudos da claacuteusula de servo presentes em muitas inscriccedilotildees de vedaccedilatildeo de cilindro Tais inscriccedilotildees muitas vezes datildeo o nome do(a) proprietaacuterio(a) o nome do pai dele ou dela bem como uma afirmaccedilatildeo declarando que o proprietaacuterio eacute o escravo (ardu) de um deus particular No caso dos selos das nadītu-sacerdotisas de Sippar parece haver um elevado grau de correlaccedilatildeo entre o deus na claacuteusula de servo e a filiaccedilatildeo cultual especiacutefica do proprietaacuterio Entre os nadītus haacute discordacircncia ocasional entre a claacuteusula de servo e o elemento divino que ocorre no nome do proprietaacuterio Isso no entanto quase nunca eacute comprovado em inscriccedilotildees de selos do puacuteblico em geral Significativamente as divindades populares em nomes pessoais satildeo diferentes das divindades populares na claacuteusula de servo Considerando que os nomes pessoais Shamash ou Sīn tendem a predominar (refletindo o fato que Sippar era um centro de culto desses deuses) na claacuteusula de servo tais deuses menores como Amurru ou Nabium satildeo muito mais comuns Dada a tendecircncia de deuses pessoais intercessores serem mais baixos na hierarquia divina do que os grandes deuses entre os quais intercediam tem sido sugerido que essas divindades da claacuteusula servo satildeo os elusivos deuses pessoais dos antigos mesopotacircmicos [] Os nomes nadītu podem mostrar um elevado grau de correlaccedilatildeo com um deus em particular devido a relaccedilatildeo claustral incomum das sacerdotisas com seus deuses Uma vez que estas mulheres aparentemente tinham uma relaccedilatildeo familiar muito proacutexima com o deus que serviam o sentido especialmente forte de pertenccedila ao deus pode ter inspirado os nomes atipicamente orientados para o culto que elas muitas vezes levavam e explicar a sua disponibilidade para abandonar um nome por outro (SEYMOUR 1983 p 117-118)

No entanto a anaacutelise de nomes da antiga Sippar babilocircnica revela tambeacutem

que nem sempre havia uma correlaccedilatildeo entre o nome teofoacuterico e uma feacute ou relaccedilatildeo

especial entre o seu portador e o deus nomeado Um dos criteacuterios para a escolha desses

nomes era simplesmente o fato de natildeo ter sido escolhido por uma outra pessoa

Portanto se de um lado nomes babilocircnios teofoacutericos poderiam sugerir a solicitaccedilatildeo de

uma forccedila protetora e beneacutefica de outro poderia natildeo ter uma preocupaccedilatildeo especiacutefica

de envolver um determinado deus com a vida do receacutem-nascido ou do adulto que

portasse aquele nome

Ocorre tambeacutem que o nome proacuteprio situe o indiviacuteduo em seu ambiente

humano (na maioria dos casos sua famiacutelia compreendida de modo mais ou menos

amplo) como se vecirc nos seguintes exemplos

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Iddin-Addu ldquoO Deus-Addu fez um presenterdquo (sem duacutevida em referecircncia agrave

crianccedila que acaba de nascer) referecircncia expliacutecita

Šarkassum-Macirctum ldquoO Paiacutes lhe foi dadordquo (em referecircncia ao rei) referecircncia

impliacutecita

Ahu-šunu ldquoEacute irmatildeo delesrdquo (cf DURAND 1998 p 32)

Verifica-se portanto haver um costume do nome proacuteprio expressar uma

vontade paterna ou uma constataccedilatildeo feita pelos genitores no momento do nascimento

de seu filho Ele manifesta que a crianccedila foi dada por este ou aquele deus ou descreve

uma accedilatildeo divina particular ou diz que a crianccedila veio ajuntar-se aos outros irmatildeos ou

que nasceu num determinado momento e circunstacircncias A dificuldade reside no fato

de natildeo se possuir na quase totalidade dos casos indicaccedilotildees do contexto que motivou

a escolha deste ou daquele nome a certo indiviacuteduo Uma das raras exceccedilotildees eacute um texto

de Mari (Siacuteria seacutec XVIII AEC) que nos explica as razotildees da outorga de um nome

proacuteprio

Uma historieta mostra de fato uma princesa tendo um sonho a propoacutesito de uma menina nascida no hareacutem portanto pode ser filha do proacuteprio rei Nesse sonho se lhe indicava como nomear a menina Tratava-se de dar-lhe um nome proacuteprio relacionado com o mundo da estepe aonde vatildeo rebanhos e nocircmades um mundo perigoso difiacutecil de controlar e no qual o rebanho dos sedentaacuterios agrave procura de pastagens pode correr grandes perigos Eacute desejaacutevel nos eacute dito que a menina se chame Taggid-Nawucircm ldquoA Estepe fez uma declaraccedilatildeordquo (subentendido ldquode submissatildeordquo) Conhece-se bem esse tipo de onomaacutestica O nome proacuteprio da menina desconcertante para um moderno entra de fato numa seacuterie do gecircnero ldquoA Estepe voltourdquo ldquoA Estepe diminuiurdquo etc Satildeo nomes comemorativos muito difundidos sobretudo na onomaacutestica feminina (DURAND 1998 p 33)

Assim fazendo a menina perpetuaria por meio de seu nome a lembranccedila de

um fato ocorrido concomitantemente ao seu nascimento ou seja a submissatildeo dos

nocircmades agrave autoridade real de Mari

No entanto um atento exame da onomaacutestica mesopotacircmica revela que muitos

antropocircnimos natildeo fazem referecircncia ao momento do nascimento mas a outro evento

Desse modo o nome original recebido quando a crianccedila nasceu teve de ceder lugar a

outro num determinado momento Somente natildeo se sabe se o nome original

permanecia sendo usado por exemplo no ambiente domeacutestico e familiar ou natildeo O

que criaria uma dualidade entre vida privada e puacuteblica Exemplos encontrados na

56

Mesopotacircmia indicam ser isso praacutetica comum para funcionaacuterios no palaacutecio real bem

como nos templos religiosos Eacute difiacutecil acreditar que trecircs porteiros encarregados da

vigilacircncia do hareacutem do palaacutecio de Mari se chamassem respectivamente

ldquoQue a ordem reinerdquo

ldquoObedeccedila agraves ordens do reirdquo

ldquoFaccedila mais atenccedilatildeo a elas [as mulheres] que aos deusesrdquo (DURAND 1998

p 34)

Os porteiros de um templo mesopotacircmico tambeacutem possuiacuteam nomes proacuteprios

adaptados agraves suas funccedilotildees fazer frente ao Mal e atuar como intermediaacuterios entre deus

e seus fieacuteis Vejamos

ldquoApodera-te do Malrdquo

ldquoColeta o Malrdquo

ldquoRecolhe as Palavrasrdquo

ldquoAceita as Palavrasrdquo (DURAND 1998 p 34)

Ateacute nomes exaltando as qualidades reais eram encontrados na regiatildeo entre os

funcionaacuterios dos palaacutecios como siacutembolo da total devoccedilatildeo ao seu monarca

Obviamente somente os reis vivos eram homenageados nesses tipos de nomes Por

exemplo

ldquoA realeza lhe eacute dadardquo

ldquoEle eacute bom para seu paiacutesrdquo

ldquoEle vale mais que seu exeacutercitordquo

ldquoEle capturou seus rebeldesrdquo (DURAND 1998 p 34)

Exemplos dessa praacutetica de se mudar nomes de oficiais do governo satildeo comuns

como no caso de nomes acaacutedios da eacutepoca de Sargatildeo43 e da terceira dinastia de Ur (da

uacuteltima metade do seacutec XXIV a quarta e uacuteltima parte do seacutec XXI AEC) tais como

ldquoLUGAL-balimdash (lsquoO-Rei-eacute-Temidorsquo) Ili-sharru (lsquoO-Rei-eacute-Meu-Deusrsquo) e LUGAL-dari

(lsquoO-Rei-eacute-Eternorsquo)rdquo (SEYMOUR 1983 p 116)

Entretanto natildeo somente funcionaacuterios se submetiam agrave mudanccedila de nome

devido a um cargo ou funccedilatildeo mas os proacuteprios reis Segundo as tradiccedilotildees da eacutepoca um

43 Em acaacutedio Sargatildeo eacute Šarru-kin ŠARRUKIIN LUGALGIN ldquoo verdadeiro reirdquo ou ldquoo rei eacute legiacutetimordquo Mais abaixo tornar-se-aacute a falar desse monarca pois ele tambeacutem passou por uma mudanccedila de nome

57

soberano deveria ser o filho primogecircnito do rei anterior Por isso o rei possuiacutea uma

onomaacutestica especial no sentido de natildeo haver outro homocircnimo enquanto fosse vivo O

novo nome real incorporava o nome do pai ou avocirc como do rei Hammu-rapi (`Ammu

nome do avocirc paterno Raumlpi curador) em portuguecircs usualmente transcrito como

Hamurabi (cerca de 1810mdash1750 AEC) da Babilocircnia No caso do rei por circunstacircncias

poliacuteticas ou de sauacutede natildeo ser o primogecircnito o novo nome o revelava explicita ou

implicitamente Eacute o caso de Assurbanipal (ldquoAššur eacute aquele que fez o Herdeirordquo) o qual

viveu por volta de 690mdash627 AEC imperador assiacuterio filho de Esarhaddon Aqui

ldquoherdeirordquo designa por excelecircncia o primogecircnito A histoacuteria nos confirma que

ldquoAssurbanipal natildeo era um primogecircnito e natildeo deveria ter subido ao trono Eacute por isso

que ele havia tambeacutem recebido uma educaccedilatildeo de cleacuterigo Ele teve portanto que

mudar de nome quando uma decisatildeo poliacutetica lhe conferiu o tiacutetulo de herdeirordquo

(DURAND 1998 p 36)

Interessante observar que o nome do rei natildeo era pronunciado por seus suacuteditos

ou conhecidos Costumava-se usar ldquoSenhorrdquo ao se dirigir ao soberano O rei por sua

vez poderia denominar e utilizar o nome proacuteprio de seus servos Eacute bom recordar do

que foi dito anteriormente ldquopara um mesopotacircmio lsquonomearrsquo algueacutem era de um modo

ou de outro ter poder sobre elerdquo (DURAND 1998 p 37)

Aleacutem do mais os mesopotacircmios acreditavam que a ldquoalmardquo era um espiacuterito

semimortal cuja existecircncia primaacuteria era terrestre Assim o nome era peculiarmente

ligado ao destino de um homem durante a vida Refletindo uma forte corrente de

evidente determinismo em tradiccedilotildees do Oriente Meacutedio Antigo a escolha de um ldquobom

nomerdquo - isto eacute um que iria suscitar forccedilas beneacuteficas por conta do nome do portador -

tornou-se um objetivo desejado no ato de nomear em toda a regiatildeo (cf SEYMOUR

1983 p 111) Assim sendo nesse mundo antigo o destino de um ser humano fosse

ele bom ou ruim era intimamente ligado ao seu nome Por exemplo quando um rei

era bem sucedido numa batalha suas inscriccedilotildees comemorativas frequentemente

atribuiacuteam a vitoacuteria aos deuses chamando seu nome para o grande feito Da mesma

forma o poder e a legitimidade de um governante eram estabelecidos pela pronuacutencia

de seu nome pelos deuses

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Quando Na e Enlil chamaram Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar o pastor saacutebio Cujo nome foi pronunciado por NUNAMMIR Para o principado da terra a fim de Estabelecer justiccedila (KRAMER 1963 p 336)44

Por outro lado a aniquilaccedilatildeo de um nome e posteridade representava a

desgraccedila final Tanto na Babilocircnia como no Egito e em Israel a perda do nome era

ameaccedila ao completo ostracismo Como exemplo pode-se citar o seguinte texto da BH

(Is 1422)

י על הוקמת ין ונכד נאם־יהו ר ונ ם ושא ל ש י לבב כרת ם יהוה צבאות וה ם נא 45יה

Constata-se na cultura mesopotacircmica a mudanccedila de nomes ou a sua

multiplicidade durante a vida da pessoa Geralmente essa mudanccedila ocorria como

consequecircncia de alguma importante alteraccedilatildeo no status da pessoa seja diante da

sociedade como dos deuses Em termos antropoloacutegicos tais mudanccedilas de nome

poderiam ser encaradas como um reflexo linguiacutestico de um rito de passagem Com

isso se distinguia a antiga pessoa da nova ou acentuava-se a nova vida na qual ela

estava sendo introduzida Exemplos podem ser encontrados tanto

a) Na vida real a princesa de Mari em seu casamento com o filho do rei Ur-

Nammu da terceira dinastia de Ur ldquomudou seu nome para lsquoEla-Ama-Urrsquo

Outras mudanccedilas de nomes femininos podem ser vistas entre as

sacerdotisas-nadītu de Sippar da Babilocircnia Antiga Julgando pela alta

porcentagem de nomes nadītu que se referem agraves divindades em cujo serviccedilo

essas mulheres estavam empregadas os registros nadītus frequentemente

levam nomes apropriados agrave sua nova funccedilatildeo na vidardquo (SEYMOUR 1983

p 114)

44 Traduccedilatildeo pessoal do texto em inglecircs When An and Enlil had called Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar the wise shepherd Whorsquos name had been pronounced by NUNAMMIR To the princeship of the land in order to establish justicehellip 45 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoLevantar-me-ei contra eles oraacuteculo de Iahweh dos Exeacutercitos e extirparei da Babilocircnia o seu nome e o seu resto a sua descendecircncia e a sua posteridade oraacuteculo de Iahwehrdquo

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b) Na mitologia babilocircnica na epopeia de Atrahasis encontra-se um episoacutedio

no qual a deusa Mami (ou Ninhursag) eacute exaltada e recebe um novo nome

na sequecircncia da criaccedilatildeo bem sucedida dos primeiros seres humanos

ldquoEles correram juntos e beijaram seus peacutes [dizendo] lsquoAnteriormente noacutes costumaacutevamos chama-la de Mami Agora que seu nome seja Bēlēt-Kālā-Ilī (Amante-de-Todos-os-Deuses)rdquo (SEYMOUR IDEM)

Razotildees poliacuteticas tambeacutem poderiam provocar mudanccedila de nomes Pode-se

tomar como exemplo o legendaacuterio Sargatildeo da Acaacutedia o qual governou durante a

penuacuteltima quarta parte do terceiro milecircnio AEC Uma vez que ele eacute conhecido por ter

usurpado o trono de Kish ldquosua mudanccedila de nome parece ser motivada por um desejo

de legitimar seu novo status deixando para traacutes suas origens mais humildes com o seu

original e infelizmente desconhecido nomerdquo (SEYMOUR 1983 p 115) Alguns reis

assiacuterios parecem confirmar esse haacutebito Sabe-se que Tiglath-Pileser III (em acaacutedio

Tukultī-Apil-Ešarra) rei assiacuterio que reinou de 745-727 AEC tomou o trono da Babilocircnia

em 728 AEC Nessa ocasiatildeo ele assumiu um novo nome Pul ou Pulu pelo qual era

conhecido naquela cidade Do mesmo modo pode-se mencionar outro exemplo

[] quando Assurbanipal assumiu o trono da Babilocircnia em 648 AEC foi sob o nome de Kandalanu Talvez ao contraacuterio da sucessatildeo normal dos herdeiros de uma dinastia estabelecida a imposiccedilatildeo de uma dinastia estrangeira no trono babilocircnico pode ter representado uma quebra de continuidade poliacutetica significativa o suficiente exigindo que o novo rei adotasse um nome especial para lidar com seu novo papel e assuntos (SEYMOUR 1983 p 115)

Outro tipo de mudanccedila de nome por vezes teve lugar quando o portador do

nome encontrou-se em situaccedilotildees extremamente terriacuteveis Como jaacute foi mencionado

acima nas culturas do mundo antigo havia a percepccedilatildeo de uma ligaccedilatildeo entre o nome

da pessoa e o seu destino Por isso algumas vezes isso levou a mudar o nome de

algueacutem a fim de eliminar enfermidades ou infortuacutenios No contexto mesopotacircmico

alguns tipos de nomes acaacutedios sugerem indiretamente que uma praacutetica como essa

pode ter ocorrido pois sugerem nomes tomados durante algum infortuacutenio

Ati-matum (ldquoAteacute-Quandordquo)

Māt-ili (ldquoQuando-Meu-Deusrdquo)

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mina-Arni (ldquoQual-eacute-Meu-Pecadordquo)

Hammu-rapi (ldquoHammu-eacute-o-Curadorrdquo)

Ilum-asūm (ldquoDeus-eacute-um-Meacutedicordquo)

Shamash-shullimanni (Shamash-Faz-me-Saudaacutevelrdquo) (SEYMOUR 1983 p

116)

Concluindo pode-se observar que ldquose os mesopotacircmicos foram mudando

nomes desse modo a eficaacutecia da praacutetica dependia principalmente da proacutepria alteraccedilatildeo

e por conseguinte pode apenas raramente se alguma vez ser refletida no novo nome

escolhidordquo (SEYMOUR 1983 p 116)

12 Egito

Os egiacutepcios possuiacuteam uma crenccedila no poder maacutegico do nome proacuteprio Era

como se o seu conteuacutedo comportasse a alma da pessoa tornando-se um elemento vivo

na constituiccedilatildeo da mesma46

Destruindo o nome era como se a proacutepria pessoa fosse aniquilada (cf

MARTINS 1991 p 48) Da mesma forma conhecer o nome equivaleria a conhecer e

tomar posse do indiviacuteduo daiacute a preocupaccedilatildeo de esconder o verdadeiro nome Por isso

a colocaccedilatildeo do nome tornou-se misteriosa no Egito ao contraacuterio dos demais povos

cujo nome da pessoa era declarado em geral no ato de seu nascimento Assim sendo

se um ldquonome eacute conhecido ele deve ser conhecido no tuacutemulo eacute ele que daacute a vida e a

46 Tal crenccedila natildeo eacute de todo alheia ao judaiacutesmo Inspirada pelo caraacuteter misterioso da Criaccedilatildeo fruto segundo o Gecircnesis do ato comunicativo divino que ldquodizrdquo ndash profere uma palavra ndash e as coisas se fazem ou seja satildeo criadas surgiu na Idade Meacutedia uma obra de caraacuteter miacutestico-especulativo denominada Secircfer Yetsiraacute (ldquoLivro da Criaccedilatildeordquo) Nessa obra o mais antigo texto especulativo em hebraico que chegou ateacute noacutes e cuja data de redaccedilatildeo eacute incerta indo do seacuteculo III ao VI EC desenvolve-se uma crenccedila no poder criativo das letras do Nome de Deus e das letras da Toraacute em geral O mundo teria sido criado atraveacutes da somatoacuteria das vinte e duas letras do alfabeto hebraico e dos dez nuacutemeros primordiais e elementares (Sefirot) com suas infinitas combinaccedilotildees e interpolaccedilotildees Concede-se desse modo um poder maacutegico agraves palavras agraves letras e a certos nuacutemeros A partir de uma exegese maacutegica de Secircfer Yetsiraacute desenvolveu-se no judaiacutesmo a ideia do golem (palavra que aparece uma soacute vez na BH Sl 13916) que no Talmude exprime algo sem forma e imperfeito No Talmude tratado Sanhedrin 65b 21-23 afirma-se ldquoSe os justos quisessem eles poderiam [vivendo uma vida de absoluta pureza] ser criadores porque estaacute escrito [] Rabbah criou um homem e enviou-o a R Zera R Zera falou com ele mas natildeo obteve resposta Logo a seguir disse-lhe Tu eacutes criatura dos magos Retorna ao teu poacuterdquo Assim sendo a crenccedila no poder da palavra e das letras conduziu a miacutestica judaica medieval a admitir a possibilidade de se criar um ser humano Esse seria feito de modo artificial em virtude de um ato maacutegico (SCHOLEM 1995 p 83 SCHOLEM 2007 p 735-737)

61

repeticcedilatildeo dos nomes do morto na boca dos viventes permite sua sobrevivecircnciardquo

(Papiro IV Chester Beatty apud POZNANSKI 1978 p 116)

Portanto entre os egiacutepcios mais que um siacutembolo o nome era compreendido

como uma coisa viva o proacuteprio sujeito que o porta

Assim como na cultura mesopotacircmica no Egito os deuses criam com a forccedila

de sua palavra evocando os nomes das coisas gesto que as fazem aparecer

ldquoConforme o seu nome eacute pronunciado assim a coisa vem a ser Porquanto o nome eacute

uma realidade a coisa mesmardquo (PIANKOFF 1964 p 4) Textos dos Sarcoacutefagos relatam

que Shu o filho do deus criador egiacutepcio recebeu autoridade intelectual para ir ao redor

do ciacuterculo de ser total e dar nome a todas as coisas ldquoVem entatildeo vamos criar os nomes

deste anel [totalidade] de acordo com o que saiu de seu coraccedilatildeordquo (CLARK 2004 p 70)

Se o ato de nomear cria algo ele tambeacutem distingue esse algo pois o nome eacute

esta caracteriacutestica que reflete individualidade

O criador real era a Palavra ndash a primitiva fala que proveio de Deus e da qual todas as coisas obtiveram seus nomes De vez que o nome eacute tambeacutem a natureza de uma coisa do ponto de vista do homem antigo a nomeaccedilatildeo de uma criaccedilatildeo muacuteltipla significa a demarcaccedilatildeo de caracteriacutesticas individuais (CLARK 2004 p 57)

Os egiacutepcios possuiacuteam uma preocupaccedilatildeo quase obsessiva com a existecircncia

perpeacutetua do nome de uma pessoa Por isso apagar o nome de uma pessoa era

efetivamente destruir a ela mesma Uma comprovaccedilatildeo histoacuterica para isso podemos

recolher no ato de Tutmoacutesis III (seacutec XV AEC) contra o nome e a memoacuteria de sua matildee

e corregente Hatchepsut

Apoacutes a sua morte Tutmoacutesis desfigurou seus monumentos removeu seu nome das inscriccedilotildees reais apagou seus retratos e novamente fez tudo que estava em seu poder para destruir seu nome e remover sua memoacuteria da lembranccedila histoacuterica dos egiacutepcios As graves implicaccedilotildees religiosas das accedilotildees de Tutmoacutesis podem ser na totalidade compreendidas somente quando se leva em conta que um ser sem nome natildeo poderia ser introduzido entre os deuses e como nenhuma coisa criada existe sem um nome a pessoa que natildeo tinha um nome estava em pior posiccedilatildeo diante dos poderes divinos que o mais fraacutegil objeto (PORTER 1990 p 4)

A importacircncia no nome proacuteprio no Egito pode ser medida pelo fato de ele

intervir na gecircnese da escritura hierogliacutefica Essa escritura aparece por volta de 3150

AEC pouco antes do nascimento do estado faraocircnico que se deu ao redor de 3000

62

AEC marcado pela unificaccedilatildeo do Alto e Baixo Egito e o estabelecimento de Mecircnfis

como capital Durante o periacuteodo denominado preacute-dinaacutestico desenvolveu-se uma

cultura da imagem em diferentes etapas De Naqada I (4000 a 3600 AEC) a Naqada II

(3600 a 3150 AEC) realiza-se uma evoluccedilatildeo

Durante o periacuteodo de Naqada II inicia-se uma temaacutetica iconograacutefica veiculando aquilo que parece incontestavelmente uma ideologia monaacuterquica na qual o monarca natildeo eacute ainda o faraoacute mas um potentado que impotildee sua dominaccedilatildeo sobre reinos ou tribos restritas a uma parte do Egito [] Um dos elementos desta temaacutetica merece uma particular atenccedilatildeo Trata-se da representaccedilatildeo de uma fachada de edifiacutecio encimado por um falcatildeo o que eacute bem conhecido pelo nome de ldquoserekhrdquo na eacutepoca faraocircnica como siacutembolo do rei reinando Ao final do periacuteodo preacute-dinaacutestico esse motivo jaacute era utilizado como marca de posse do monarca sobre os objetos ou lugares onde foi afixado Mas haacute mais Eacute no interior desse motivo no espaccedilo vazio da fachada que aparecem os mais antigos exemplos conhecidos da escritura no Vale do Nilo [] trata-se de nomes proacuteprios dos reis constituindo o que os egiptoacutelogos chamam de ldquoa dinastia 0rdquo isto eacute soberanos reinando apenas sobre uma porccedilatildeo do territoacuterio egiacutepcio antes da unificaccedilatildeo e da primeira dinastia Particularmente significativo eacute o nome de Narmer o qual eacute seja o predecessor imediato de Meneacutes o fundador do estado faraocircnico seja o proacuteprio Meneacutes [] quase que ao mesmo tempo em que a escritura eacute utilizada para atualizar aquele que ocupava a funccedilatildeo monaacuterquica escrevendo-se seu nome proacuteprio no interior do siacutembolo desta funccedilatildeo ela eacute tambeacutem para as cidades estrangeiras condenadas a serem eternamente derrotadas pelo rei escrevendo seus nomes proacuteprios no interior do recinto com ameias siacutembolo dessas cidades (VERNUS 1998 p 22-23)

Ao que parece um dos maiores estiacutemulos para a invenccedilatildeo da escritura foi a

necessidade de fixar de modo visiacutevel os nomes nomes proacuteprios ou geograacuteficos Uma

vez que os pictogramas natildeo ofereciam recursos adequados para uma codificaccedilatildeo

satisfatoacuteria dos nomes proacuteprios

Como eacute de amplo conhecimento a civilizaccedilatildeo faraocircnica elaborou um conjunto

de crenccedilas relativas agrave sobrevivecircncia apoacutes a morte Para que a sobrevivecircncia fosse

possiacutevel convinha manter a integridade da personalidade tanto fiacutesica como social A

manutenccedilatildeo da personalidade fiacutesica era satisfeita por meio da mumificaccedilatildeo Enquanto

aquela da personalidade social abrangia o proacuteprio nome da pessoa

Daiacute a inscriccedilatildeo do nome na tumba e sobre o mobiliaacuterio funeral para aqueles que possuem os meios Esta inscriccedilatildeo do nome geralmente multiplicada tanto quanto possiacutevel visa natildeo somente agrave perpetuaccedilatildeo num material soacutelido como a pedra e a madeira mas tambeacutem a assegurar a identidade de seu proprietaacuterio [] Cada egiacutepcio desejava portanto que ldquoseu nome fosse pronunciado na boca das pessoasrdquo segundo uma expressatildeo consagrada Era entatildeo necessaacuterio descrever e narrar suas accedilotildees porque ldquoo nome (fama) de um

63

bravo estaacute naquilo que ele fezrdquo [] Mas para que um nome passasse de boca em boca era necessaacuterio primeiramente que ele estivesse inscrito sobre um monumento funeraacuterio visiacutevel senatildeo ostentatoacuterio e apropriado para dar de seu proprietaacuterio uma boa impressatildeo o monumento funeraacuterio era a expressatildeo da personalidade (VERNUS 1998 p 24-25)

Um fato chama a atenccedilatildeo pois se relaciona com o escopo desta pesquisa sobre

a mudanccedila de nome e sua significaccedilatildeo Haacute um famoso caso de mudanccedila de nome por

motivos religiosos no Egito Eacute aquele relativo ao faraoacute Amenhotep IV que governou

na metade do Impeacuterio Novo cerca de 1350 AEC O seu nome que jaacute era teofoacuterico

significava ldquoAmon estaacute em pazrdquo ou ldquoAmon estaacute satisfeitordquo Esse faraoacute mudou-o para

Akhenatoacuten que significa ldquoO Espiacuterito atuante de Atonrdquo Essa atitude do faraoacute indicava

a intenccedilatildeo de realizar uma reforma religiosa excluindo outras divindades egiacutepcias a

fim de promover Aton como o uacutenico deus Para tanto monumentos dedicados a outras

divindades como Amon foram deformados ou destruiacutedos Akhenatoacuten tentou

estabelecer-se como o uacutenico representante entre deus e o povo somente ele conhecia

Aton retirando poder da casta sacerdotal egiacutepcia (cf HORSLEY 1987 p 5) Uma

consequecircncia dessa alteraccedilatildeo de nome promovida pelo entatildeo faraoacute Amenhotep IV

pode ser percebida em seu sucessor e filho Tutankhamon (significa ldquoa imagem viva

de Amonrdquo) Eacute de se observar que ldquoTutankhamon natildeo era o seu nome original

anteriormente ele tinha sido Tutankhaton e a mudanccedila da manifestaccedilatildeo de apreccedilo a

Aton para Amon foi certamente programaacutetica para indicar o descarte das reformas

religiosas de um faraoacute anterior as quais tinham sido tatildeo desagradaacuteveisrdquo (HORSLEY

1987 p 5)

13 Greacutecia e Roma

Na Greacutecia claacutessica os primeiros testemunhos sobre a colocaccedilatildeo do nome nos

vecircm do seacutec V AEC por exemplo com Aristoacutefanes que escreve

ldquoConvidado um dia ao banquete que ocorre no deacutecimo dia apoacutes o nascimento de um bebecircrdquo e ele acrescenta na mesma peccedila ldquoMas natildeo acabo de fazer um sacrifiacutecio ao deacutecimo dia e de lhe dar um nome como a meu filho nesse mesmo instanterdquo Conhece-se o nome desta cerimocircnia que ele cita em Lysistrata Anfidromia isto significa ldquocorrida ao redorrdquo O receacutem-nascido era levado de casa em casa enquanto as mulheres se purificavam e preparavam a festa (POZNANSKI 1978 p 120)

64

Portanto era costume entre os gregos nominar algueacutem somente no nono ou

deacutecimo dia apoacutes o nascimento Talvez isso se justifique devido ao fato de ocorrerem

muitas mortes de bebecircs antes do seacutetimo dia de nascimento Mas isso natildeo deve ter sido

uma regra geral o uso pode ter se expandido tambeacutem como um modo de permitir o

restabelecimento da matildee apoacutes o parto e que todos os preparativos da festa estivessem

concluiacutedos

A preocupaccedilatildeo de natildeo outorgar um nome agrave crianccedila antes do nono dia jaacute que

as mortes de neonatos eram frequentes indica a preocupaccedilatildeo dos gregos em natildeo

desperdiccedilar um nome sinal de seu caraacuteter sagrado Somente natildeo sabemos com

seguranccedila se eles atribuiacuteam um aspecto maacutegico ao nome proacuteprio como o faziam os

egiacutepcios

Na Roma Antiga a crianccedila recebia seu nome no decorrer de uma importante

cerimocircnia com sacrifiacutecios a Juno divindade do parto e da primeira infacircncia Isso se

dava no chamado dies lustricus (dia da purificaccedilatildeo) nono dia para o menino oitavo

para uma menina (cf POZNANSKI 1978 p 121) Para salvaguardar o praenomen

(prenome) verdadeiro este costumava ser revelado agrave crianccedila somente quando recebia

a toga viril (toga virillis) uma veste branca sem adornos nem tintura Esse gesto que

marcava a passagem da infacircncia para a adolescecircncia se dava por volta dos 15 ou 16

anos de idade Ateacute atingir essa idade mais madura a crianccedila conhecia apenas o seu

falso prenome Portanto a finalidade essencial do nome natildeo era de identificar uma

vez que ele permanecia oculto por um bom tempo

O nome na cultura romana desempenha um papel religioso como proteccedilatildeo

Para amparar a matildee e garantir a continuidade e seguranccedila da prole costumava-se natildeo

atribuir um prenome agraves mulheres Natildeo eacute por menos que entre os romanos surgiu a

locuccedilatildeo Nomen est omen (no plural nomina sunt omina) a qual pode ser traduzida das

seguintes formas ldquoo nome eacute um auguacuteriopressaacutegiordquo ou ldquoum nome um destinordquo A

origem desse proveacuterbio pode ser encontrada na obra Persa (trad Os Persas) do

dramaturgo romano Plautus (cerca de 250-184 AEC)47

47 Cf Nomen est omen In WIKIPEDIA ndash DIE FREIE ENZYKLOPAumlDIE Disponiacutevel em lthttpdewikipediaorgwikiNomen_est_omengt Acesso em 24 jun 2014

65

2 Onomaacutestica biacuteblica

Jaacute vimos que na Antiguidade os nomes pessoais natildeo satildeo meras etiquetas pelas

quais os indiviacuteduos satildeo distinguidos Eles transmitem significado e informaccedilatildeo sobre

povos em variados niacuteveis Por meio deles pode-se conhecer muito da vida cotidiana

das comunidades antigas bem como atitudes psicoloacutegicas e religiosas de certos

grupos humanos Aleacutem disso ldquoobservando as mudanccedilas e preferecircncias em tipos de

nome ao longo do tempo alteraccedilotildees lentas de atitudes podem ser vistas o que pode

indicar a mudanccedila das estruturas sociais e poliacuteticasrdquo (SEYMOUR 1983 p 108)

Constata-se que o impulso humano para conceder nomes a cada aspecto da

existecircncia levou a uma identificaccedilatildeo peculiar da coisa que estaacute sendo nomeada e o

proacuteprio nome abstrato Com isso ldquomuitos povos antigos viram em nomes uma ilusoacuteria

ordem ou estrutura desconhecida do mundo natural que eles estavam descrevendo

a identificaccedilatildeo do nome e objeto resultou em uma confusatildeo caracteristicamente

religiosa de causalidade de modo que os nomes muitas vezes tomaram uma medida

maior da realidade do que as coisas que originalmente representavamrdquo (SEYMOUR

1983 p 109)

A linguiacutestica divide-se em considerar o nome proacuteprio apenas em seu sentido

referencial ou denotativo sem possuir uma conotaccedilatildeo ou ideia ou vecirc-lo como possuidor

tambeacutem de um significado

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica

Em hebraico vecirc-se uma perspectiva bem diferente Por exemplo ldquoo

significado da raiz de uma palavra hebraica qualquer eacute quase aparente

independentemente de seu grau de flexatildeo Por esse motivo a maioria dos nomes

proacuteprios israelitas era claramente inteligiacutevel e expressava mais que a simples

referecircnciardquo (METTINGER 2008 p 35)

A fonte mais importante para os nomes proacuteprios hebraicos estaacute na Biacuteblia bem

como nas inscriccedilotildees cananeias (oacutestracos e selos) nos papiros de Elefantina e tabletes

de argila babilocircnicos do periacuteodo persa (cf STAMM 2007 p 764)

A importacircncia dos nomes proacuteprios fica evidente na tradiccedilatildeo hebraica claacutessica

quando se constata que o primeiro ato de Adatildeo foi dar nomes a todos os animais e

66

aves que Deus criara (cf Gn 219-20) Imediatamente no capiacutetulo seguinte Adatildeo

nomeia a primeira mulher (Gn 320) e uma razatildeo eacute dada para que isso ocorra

Na tradiccedilatildeo judaica mais recente expressa pelo Talmude podemos

comprovar que a importacircncia e valorizaccedilatildeo do nome proacuteprio continuam intactas

ldquoComo noacutes sabemos que o nome de uma pessoa afeta sua vidardquo pergunta o Talmude (Ber 7b 13) A resposta de R Eleazar indica que Deus eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo dos nomes e isso determina o destino da pessoa Tomando isso como um princiacutepio baacutesico os saacutebios do Talmude fornecem dezenas de explicaccedilotildees para os nomes de indiviacuteduos lugares e ateacute mesmo animais enumerados na Biacuteblia A codificaccedilatildeo legal judaica relativa agrave grafia dos nomes em documentos de matrimocircnio e divoacutercio e em notas de venda eacute muito exigente Isso decorre das discussotildees talmuacutedicas onde se afirma que o erro ortograacutefico de um nome invalida um documento e a transaccedilatildeo envolvida (NAMES 2002 p 566-567)

A proacutepria palavra ldquonomerdquo em hebraico nos fornece uma indicaccedilatildeo da

importacircncia desta temaacutetica na cultura semiacutetica O substantivo birradical šēm pertence

ao semiacutetico comum e em sua etimologia nos deparamos com o aacuterabe wsm ldquomarcarrdquo

podendo indicar que o significado originaacuterio de šēm fosse ldquomarcardquo O vocaacutebulo šēm

[] referido a pessoas e coisas se encontra sobretudo nos livros histoacutericos enquanto que do nome de Deus ou de YHWH se fala principalmente em Lv (10 vezes) Dt (23 vezes) na obra histoacuterica deuteronomista (cf 1Rs 26 vezes) em Is (mais de 30 vezes) Jr (mais de 40 vezes) Ez (14 vezes) na maioria dos profetas menores (Am 7 vezes Ml 10 vezes) em 2Cr (27 vezes) e especialmente no Salteacuterio (umas 100 vezes) no total em 37 do conjunto dos casos (VAN DER WOUDE 1985a c 1174)

O proacuteprio tiacutetulo hebraico para o segundo livro da Toraacute (Ecircxodo) eacute šuumlmocirct

(nomes)

De longe o livro de Gecircnesis eacute aquele juntamente com Salmos que mais

concentra as ocorrecircncias do vocaacutebulo šēm seja no singular como no plural em toda a

BH Vejamos

Gn 113 vezes aparece šēm sendo 103 vezes no singular e 10 no plural

Sl 109 vezes contecircm šēm sendo 106 vezes no singular e 3 no plural

Portanto das 864 vezes que šēm aparece na BH seja no singular quanto no

plural 1307 satildeo no livro do Gecircnesis (cf VAN DER WOUDE 1985a c

1175-1176)

67

Em Israel o nome natildeo revela automaticamente a ldquonaturezardquo de seu portador

ou a sua ldquoalmardquo (cf VAN DER WOUDE 1985a c 1175-1176)48 Eacute verdade que uma

das caracteriacutesticas dos nomes hebraicos eacute serem frases ou proposiccedilotildees inteligiacuteveis

Mesmo que isso ldquoseja verdadeiro para muitos nomes natildeo o eacute para todos restava uma

proporccedilatildeo que natildeo era facilmente inteligiacutevel ou natildeo eram absolutamente inteligiacuteveisrdquo

(BARR 1970 p 17) Tambeacutem natildeo se lhe atribui uma forccedila maacutegica como no Egito Ao

menos a BH natildeo conteacutem provas diretas da existecircncia de uma magia particular no

nome (cf NEUMANN 2011 p 324) Na tradiccedilatildeo judaica natildeo haacute nomes divinos

secretos porque o uso maacutegico do nome de Deus eacute proibido e todos os crentes podem

invocar diretamente a YHWH na oraccedilatildeo E natildeo somente uma classe determinada

como poderiam ser os sacerdotes

O nome na cultura semiacutetica conteacutem um elemento dianoeacutetico ou seja o

significado do nome segundo seu sentido e outro dinacircmico isto eacute o significado do

nome por sua forccedila e eficaacutecia Contudo eacute bom advertir que o significado a eficaacutecia e

o ldquopoderrdquo de um nome natildeo se fundamentam em seu caraacuteter maacutegico como tal mas na

importacircncia na eficaacutecia e no ldquopoderrdquo do portador desse nome Se este tem um grande

poder seu nome tem consequentemente a eficaacutecia correspondente e pode ser

utilizado para finalidades boas ou maacutes

Nesse sentido mencionado acima eacute digno de nota aquilo que se constata tanto

num versiacuteculo do texto que seraacute objeto de melhor estudo nos proacuteximos capiacutetulos (Gn

3230) quanto em Jz 1318 Toda vez que um ser humano no caso Jacoacute e Manoaacute pede

a um ser pertencente agrave esfera divina (em Gn acute icircš ndash 3224 em Jz malacuteak yhwh ndash 1317)

qual eacute o seu nome (šēm) a solicitaccedilatildeo eacute negada com uma reacuteplica por que perguntas pelo

meu nome (Gn 3230 e Jz 1318) Conclui-se que ldquoa recusa evidentemente faz pensar

que com o nome seria transmitida uma informaccedilatildeo decisiva sobre quem o portardquo

(REITERER 2009 c 477)

A tradiccedilatildeo hebraica vecirc no nome proacuteprio uma capacidade de comunicaccedilatildeo uma

vez que conhecendo o nome de algueacutem ou de um deus pode-se chamaacute-lo fazecirc-lo vir

ateacute quem o menciona Nesse sentido o conhecimento do nome significa ateacute certo

48 Cf BARR 1970 p 11-29

68

ponto um poder sobre a pessoa nominada Deve-se levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que

Uma vez que o nome eacute expoente da personalidade o portador deve cuidar de seu bom nome ou seja de sua boa reputaccedilatildeo Adquire-se um nome no sentido de prestiacutegio quando se acrescenta a proacutepria gloacuteria atraveacutes de grandes accedilotildees e riquezas entre elas a abundacircncia de filhos O nome de uma pessoa sobrevive mesmo depois de sua morte sobretudo atraveacutes de seus descendentes (Gn 4816) Poreacutem o nome do que eacute sentenciado (Ez 2310) do que natildeo tem filhos (cf 2Sm 1818) ou do que perde suas propriedades (cf Nm 274) eacute apagado da terra Nestes casos e neste sentido dinacircmico o nome pode ser um conceito substitutivo da pessoa (VAN DER WOUDE 1985a c 1177)

Houve uma evoluccedilatildeo interessante nas tradiccedilotildees judaicas de nomeaccedilatildeo ldquoo

nome que era anteriormente dado desde o nascimento tende a ser em seguida

ligado agrave circuncisatildeo o oitavo dia apoacutes o nascimento na eacutepoca talmuacutedica a menina

recebia seu nome no primeiro saacutebado que se seguia ao partordquo (POZNANSKI 1978 p

119) Qual foi a justificativa para tal mudanccedila Somente Deus pode contentar-se de

existir sem necessidade de nome ldquoEu sou aquele que sourdquo (Ex 314) Aliaacutes como Carl

Heinz Ratschow49 jaacute demonstrou haacute muito tempo a traduccedilatildeo do verbo que eacute usado

para o nome divino (haya) comumente traduzido por ldquoserrdquo seria mais correto traduzir

por algo que eacute simultaneamente ldquoserrdquo e ldquovir-a-serrdquo Assim a expressatildeo acuteehyegrave acuteaacutešer

acuteehyegrave de Ex 314 poderia ser vertida em ldquoVirei-a-ser o que fareirdquo (REHFELD 1988 p

93) Isso porque segundo Rehfeld a cultura do homem biacuteblico era antiontoloacutegica

ainda segundo ele ldquoA realidade natildeo se afigurava como lsquoserrsquo mas como lsquodever-serrsquo

natildeo como lsquoessecircnciarsquo mas como lsquoexigecircnciarsquordquo (REHFELD 1988 p 91-92) Por essa razatildeo

o nome divino natildeo poderia ter ldquoum sentido estaacutetico e imutaacutevel denominaraacute o aspecto

dinacircmico da Fonte de toda transformaccedilatildeo no mundo do acontecer de cada momentordquo

(IBID p 93) Esses aspectos que Rehfeld aplica ao nome de Deus se pode aplicar

tambeacutem em alguns casos aos nomes proacuteprios pessoais como se abordaraacute mais

adiante nesta pesquisa

O ser humano deve ter um nome que significa mais do que ele designa

49 Eine Untersuchung des Wortes ldquohayaacuterdquo als Beitrag zur Wirklichkeitserfassung des Alten Testaments Beiheft zur Zeitschrift fuumlr alttestamentliche Wissenschaft Berlin Alfred Toplemann n 70 1941 apud REHFELD 1988 p 92 nota 52

69

Assim a ligaccedilatildeo onomaacutestica entre o homem e seu Deus eacute a ilustraccedilatildeo da alianccedila religiosa a partir do modelo daquela de Abratildeo vendo mudar seu nome em Abraatildeo [Gn 175] Por esta nova nomeaccedilatildeo se estabelece a ligaccedilatildeo e se opera uma transformaccedilatildeo profunda na mentalidade religiosa a crianccedila natildeo eacute mais nomeada desde o nascimento porque sua existecircncia real natildeo teraacute iniacutecio a natildeo ser com o estabelecimento e a celebraccedilatildeo da Alianccedila Apoacutes a Diaacutespora atribui-se agrave crianccedila um nome provisoacuterio seguindo os costumes locais mas seu nome verdadeiro permanece aquele que ela receberaacute no momento de sua entrada na Alianccedila (POZNANSKI 1978 p 120)

Quem nomeia a crianccedila na BH satildeo seus pais Entretanto essa eacute uma

atividade predominantemente individual Vejamos

Das 46 vezes em que o nominador eacute especificado ao menos 25 envolve matildees (p ex Gn 4125 1937-38 306-24 1Sm 120 2Sm 1224 1Cr 49) Dezoito envolve o pai (p ex Gn 5329 1615 3518 4151-52 Ex 183-4 1Cr 723 Os 14-9) Umas poucas envolvem uma relaccedilatildeo que natildeo a dos genitores como quando Homem nomeia Mulher (Gn 223) Adatildeo nomeia Eva (Gn 320) e as amigas de Noemi nomeiam a crianccedila de Rute como Obed (Rt 417) Que a maioria dos nominadores seja mulheres eacute atribuiacutevel ao menos em parte agrave intimidade da relaccedilatildeo entre matildees e filhos nos primeiros anos destes Esse foco sobre as mulheres natildeo se estende entretanto aos destinataacuterios dos nomes nas 46 nomeaccedilotildees mencionadas acima somente sete mulheres satildeo nomeadas duas dessas menccedilotildees envolvem a ldquoPrimeira Mulherrdquo (Gn 223 320) A nomeaccedilatildeo de crianccedilas do sexo feminino por seus genitores eacute registrada em apenas cinco exemplos no AT e somente uma vez eacute que uma matildee nomeia uma filha (Gn 3021) (BOHMBACH 2000 p 946)

Tanto em hebraico quanto no semiacutetico antigo podem ser individuadas duas

formas de nomes proacuteprios nomes proposicionais e nomes epiteacuteticos ou de designaccedilatildeo

(cf STAMM 2007 p 764) Os primeiros podem ser classificados como sentenccedilas

verbais ou nominais Haacute um grupo separado constituiacutedo por numerosos nomes curtos

Os nomes de proposiccedilatildeo satildeo originalmente pronunciados pelo pai ou matildee durante o

nascimento do filho (cf Rubem isto eacute reacute ucircbeumln ldquoVede um filhordquo Gn 2932) ou contecircm

suacuteplicas desejos e manifestaccedilotildees de confianccedila colocadas na boca do portador do nome

(cf acute eacutelicirc` eacutezer ldquomeu Deus eacute meu auxiacuteliordquo Gn 152) Em nomes de designaccedilatildeo o receacutem-

nascido recebe um nome correspondente ao dia de seu nascimento (cf bdquoaggay ldquoo

nascido em dia de Festardquo Ag 11) ou agrave sua posiccedilatildeo na famiacutelia como primogecircnito etc

Um dado curioso e singular eacute o fato de em Israel diferentemente do que ocorre

em sua vizinhanccedila naquela eacutepoca ldquonatildeo haacute nomes de pessoas que designem a seu

portador como filho ou filha de YHWHrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1180) No

70

entanto somente para ficar em alguns exemplos no ambiente extraisraelita

encontramos Ben-`aumlnaumlt ldquofilho de Anatrdquo como designaccedilatildeo do hurrita Samgar (Jz 331

56) e Ben-haumldad ldquofilho de Adadrdquo como denominaccedilatildeo de trecircs reis de Aram (1Rs

151820 201ss 2Rs 13324-25)

O nome pode ser

um programa (ex Gn 175)50

ou ocasiatildeo para etimologias etioloacutegicas (ex Gn 2526 Ex 211) e

jogos de palavras (ex 1Sm 2525)

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas

Vaacuterios fatores podem determinar a colocaccedilatildeo do nome numa crianccedila no

interior da cultura hebraica antiga (todo o conteuacutedo da seccedilatildeo abaixo foi extraiacutedo com

algumas poucas variaccedilotildees e acreacutescimos de DE VAUX 1958 p 75-77)

221 Circunstacircncias particulares do nascimento

I Circunstacircncia que concerne agrave matildee

1 Eva chama seu primeiro filho de Caim porque ela ldquoadquiriurdquo (qaumlnaumlh)51 um

homem Gn 41

2 O mesmo ocorre com os filhos de Jacoacute Gn 2931-3024

50 O papel de Abratildeo eacute alargado pela promessa divina que lhe havia sido feita em Gn 122 ldquoFarei de ti uma grande naccedilatildeo e te abenccediloarei tornarei grande o teu nome e tu seraacutes uma becircnccedilatildeordquo (trad pessoal) Como a vida e missatildeo de Abratildeo sofreram alteraccedilatildeo seu nome tambeacutem eacute mudado No entanto mais que alterado seu nome eacute ampliado com o acreacutescimo de uma siacutelaba ldquoO novo nome eacute uma variante dialetal de Abratildeo seguindo o padratildeo aramaico de expandir verbos fracos pela inserccedilatildeo de h de modo que a raiz r-w-m torna-se r-h-m assim como o hebraico r-w-ts torna-se r-h-dagger em aramaico e o hebraico b-w-sh torna-

se b-h- daggerh em aramaicordquo (SARNA 1989 p 360 nota 4 [Chapter 17]) Essa pode ser a explicaccedilatildeo para o

fato de ldquoas consoantes ABRHM [sejam] interpretadas como uma abreviaccedilatildeo para ABiR (poderoso) e Hamon (multidatildeo) + goyiM (naccedilotildees)rdquo (Op cit p 124) 51 A esta interpretaccedilatildeo do nome ldquoCaimrdquo oferecida por DE VAUX deve-se no entanto acrescentar outra mais plausiacutevel que nos eacute oferecida por Cassuto Segundo esse estudioso o significado primaacuterio para Qayin (qyn em aacuterabe) seria moldar dar forma modelar algo e o substantivo aacuterabe qaynun denota natildeo soacute ldquoum ferreiro um trabalhador em bronze e ferrordquo mas em geral algum ldquoartiacuteficerdquo que faz artigos dando forma agrave mateacuteria-prima Ainda segundo ele ldquoA palavra aramaica citada eacute reconheciacutevel precisamente por sua forma como um substantivo denominativo e em qualquer caso conota tambeacutem um refinador que trabalha em prata e ouro Em hebraico biacuteblico Qayin significa uma lsquoarmarsquo que foi dada forma pelo artesatildeo (2Sm 2116) A conclusatildeo a ser tirada de tudo isso eacute que o nome do primeiro filho de Adatildeo significa uma criatura [literalmente lsquoum ser formadorsquo]rdquo (CASSUTO 2005 p 197-198) A partir dessas explicaccedilotildees pode-se traduzir a parte final de Gn 41 do seguinte modo Eu criei um homem assim como o Senhor

71

Raquel que morreraacute no parto chama seu filho de Ben-Oni ldquofilho da

minha dorrdquo52 mas

Jacoacute muda este nome de mau pressaacutegio para Biniamin (ldquofilho da

direitardquo)53 Gn 3518

II Circunstacircncia que concerne ao pai eacute mais raro54

Moiseacutes chama seu filho Guershom porque ele o teve sendo guecircr (= residente

em terra estrangeira) Ex 222

III Circunstacircncia que concerne agrave proacutepria crianccedila

1 Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb) eacute chamado de ldquocalcanharrdquo55 porque no seio de sua

matildee ele segurou o calcanhar de seu irmatildeo gecircmeo (Gn 2526) o qual ele

suplantou `qaumlb (Gn 2736 Os 124)

2 Perez nasceu abrindo uma ldquobrechardquo pecircrets (Gn 3829)

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo

1 A mulher de Fineias (heb PicircnHaumls) sabendo sobre a tomada da arca da

alianccedila pelos filisteus deu agrave luz um filho ao qual chamou Icabod (heb acuteicirc-

kaumlbocircd) que significa ldquoonde estaacute a gloacuteriardquo ou ldquosem gloacuteriardquo 1Sm 421

2 Os nomes simboacutelicos que Oseias e Isaiacuteas datildeo a seus filhos Os 1469 Is 73

83 tomando somente um exemplo a filha de Oseias Lo-RuHamaacute (ldquosem

52 Outra possibilidade de interpretaccedilatildeo para esse nome seria ldquofilho do meu vigorrdquo um eufemismo para ldquofilho de minha debilidaderdquo isto eacute ldquoseu nascimento drenou minhas forccedilasrdquo Nesse caso acuteocircn eacute tomado

no sentido de ldquovigorrdquo como encontrado em Gn 493 Dt 2117 Is 402629 Os 124 Sl 7851 10536 Joacute 4016 ldquoCuriosamente Onocirc eacute um nome de lugar no territoacuterio de Benjamim Esd 233 Ne 62 737 1135 1 Cr 812rdquo (SARNA 1989 p 368 nota 14 [Chapter 35]) 53 Aqui ldquodireitardquo eacute siacutembolo de destreza poder proteccedilatildeo Outro significado possiacutevel seria ldquofilho do sulrdquo isto eacute ldquoaquele que nasceu no sulrdquo Uma terceira possibilidade tomando yamin por yamim (dias) seria interpretar Benjamin como ldquofilho de minha velhicerdquo em Is 4420 ele eacute chamado de ldquouma crianccedila de sua velhicerdquo (cf SARNA 1989 p 243) 54 Pode-se encontrar exemplos mesmo na cultura sumeacuteria como eacute o caso de AAMUDAḪ (ldquoO-Pai-Correu-Para-O-Povordquo) certamente para anunciar o nascimento de seu filho (cf KRAMER 1963 p113) 55 ldquoPela etimologia popular o nome eacute derivado do hebraico ` akev lsquocalcanharrsquo Na realidade o hebraico

ya` akov deriva de uma raiz semiacutetica ` -k-v proteger Eacute abreviada de uma forma mais completa com um

nome divino ou epiacuteteto como seu sujeito Ya` akov-acute El Que El protejarsquo eacute um nome que tem aparecido

vaacuterias vezes em textos cuneiformes sobre uma vasta aacuterea O nome Jacoacute eacute assim na origem um apelo por proteccedilatildeo divina do receacutem-nascido ndash mais adequado para algueacutem que iria viver toda a sua vida agrave sombra do perigordquo (SARNA 1989 p 180)

72

piedaderdquo)56 recebe esse nome a fim de significar a falta de piedade que

Deus tem para com todo o reino do norte (Israel) daquele momento em

diante

3 Substituindo o nome de um parente falecido devido ao fato comum das

mortes prematuras de crianccedilas bem como de natimortos na Antiguidade

Oriental era comum encontrar nomes que eram concedidos a uma outra

crianccedila ldquosubstituindordquo aquele que havia sido dado agrave falecida No Egito em

Ugarit na Babilocircnia e em Israel isso ocorria No entanto haacute uma diferenccedila

importante enquanto que na Babilocircnia por exemplo essa categoria de

nomes se referia a um substituto para o defunto em hebraico a tendecircncia

em periacuteodos anteriores era falar do parente como ldquovivendo de novordquo No

periacuteodo poacutes-exiacutelio (seacutec VI AEC em diante) com possiacutevel influecircncia

babilocircnica encontram-se em hebraico nomes como estes ldquoAmdashiqsup1m (ldquoMeu-

Irmatildeo-Ressurgiurdquo) Jsup1shobplusmnam (ldquoO-Tio-Voltourdquo) Jsup1shibdegab (ldquoEle [YHWH]-

Trouxe-De-Volta-o-Pairdquo) Meshallcentmjsup1(mdashu) (ldquoYHWH-Deu-um-Substitutordquo)rdquo

(SEYMOUR 1983 p 113)

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila satildeo raros Exemplos

Naor (heb naumlHocircr) o soprador roncador ndash Gn 1122

Careaacute (heb qaumlreumlordfH) o careca ndash 2Rs 2523

Paseaacute (heb paumlseumlordfH) o coxo ndash Ne 751

224 Nomes de animais

Satildeo frequentes especialmente no periacuteodo antigo Geralmente colocava-se o

nome do primeiro animal que se via no momento do nascimento da crianccedila como

ocorre ateacute hoje entre os beduiacutenos Exemplos

Raquel (heb raumlHeumll) ovelha ndash Tb 71

Deacutebora (heb Duumlboumlracirc) abelha ndash Gn 358

Jonas (heb yocircnacirc) pomba ndash Jn 11

Aiaacute (heb acuteayyacirc) abutre ndash Gn 3624

56 Uma interpretaccedilatildeo mais difundida atualmente concede a este nome o significado de ldquonatildeo amadardquo

do hebraico loumlacute ruHaumlmacirc Deus repotildee a condenaccedilatildeo embutida nesse nome atraveacutes de sua mudanccedila em

ruHaumlmacirc ldquoamadardquo (Os 23 cf 225) ndash cf MERCIER 2013 p 822

73

Sefufan (heb šuumlpucircpaumln) viacutebora ndash 1Cr 85

Caleb (heb Kaumlleumlb) catildeo ndash Nm 136

Naaacutes (heb naumlHaumlš) serpente ndash 2Sm 1725

Eglaacute (heb `eglacirc) novilha ndash 2Sm 35

Akbor (heb `akBocircr) rato ndash Gn 3639 etc

225 Nomes de plantas

Em pessoas esses nomes satildeo muito raros E o princiacutepio de colocaccedilatildeo desse tipo

de nome eacute semelhante ao anterior relativo ao de animais Exemplos

Elom (heb acuteecircloumln) carvalho ndash Gn 2634

Zetan (heb zecirctaumln) oliva ndash 1Cr 710

Coz (heb qocircc) espinho ndash 1Cr 48

Tamar (heb Taumlmaumlr) tamareira ndash Gn 3824

226 Nomes teofoacutericos57

Constituem a categoria mais importante dos nomes proacuteprios Alguns satildeo

formados com Baal que pode ser agraves vezes um epiacuteteto de YHWH porque baacuteal

significa ldquomestresenhorrdquo mas que eacute frequentemente o nome do deus cananeu A

proporccedilatildeo desses nomes eacute especialmente grande nos oacutestracos de Samaria que datam

de uma eacutepoca na qual a religiatildeo do Reino do Norte foi fortemente influenciada por

outras culturas Eles desaparecem apoacutes o periacuteodo monaacuterquico Sob a influecircncia do

javismo58 alguns desses nomes foram modificados nos textos sendo Baal substituiacutedo

57 O significado da palavra grega θεόφορος (teofoacuterico) eacute ldquotrazendo ou levando um deusrdquo (LIDELL SCOTT 1940) Portanto nomes teofoacutericos satildeo nomes derivados de um deus 58 ldquoCrenccedila monoteiacutesta dos judeus [sic] O termo natildeo aparece como tal (yahadut) na Biacuteblia Ele eacute atestado pela primeira vez no Segundo Livro dos Macabeus [81] e em Ester Rabba (711) Ele foi criado claramente pelos judeus helenistas (estes empregavam a forma grega dessa palavra ioudaismos) Ele exprime uma dimensatildeo ao mesmo tempo religiosa e nacional [] O judaiacutesmo foi frequentemente descrito como um lsquomodo de vidarsquo integral ou como uma lsquoculturarsquo Eacute uma santificaccedilatildeo de todos os aspectos da vida [] Nenhum detalhe da vida eacute deixado de lado por ele O judaiacutesmo remonta sua existecircncia a Abraatildeo que a tradiccedilatildeo judaica considera como o primeiro homem que chegou por proacutepria conta agrave ideia de monoteiacutesmo [] Durante os trecircs mil e oitocentos anos que decorreram desde o nascimento de Abraatildeo os dois elementos fundadores da histoacuteria judaica e do povo judeu satildeo a saiacuteda do Egito e o dom da Toraacute no Sinai A tradiccedilatildeo considera de fato o Sinai como o lugar no qual o povo judeus recebeu as leis que o devem reger [] O judaiacutesmo foi a primeira religiatildeo puramente monoteiacutesta [] O judaiacutesmo foi tambeacutem a ldquomatildeerdquo de duas outras religiotildees universais o cristianismo e o islamismordquo (JUDAIumlSME 1993 p 587)

74

por El ou YHWH ou ainda eles satildeo desfigurados pela leitura Ishbaal foi mudado em

Ishboshet Yerubaal em Yerubboshet Meribbaal em Mephiboshet

Os elementos teofoacutericos de ocorrecircncia mais frequente satildeo lae (acuteeumll) que ocorre

em cerca de 135 nomes da BH e o Tetragrama este uacuteltimo sempre usado em forma

abreviada a saber Ahygt (yuumlhocirc) e Ay (yocirc) no comeccedilo Why (yāhucirc) e hy (yāh) no final da

palavra Os nomes proacuteprios teofoacutericos compostos com o Tetragrama sempre

abreviado satildeo mais de 150 na BH Uma estatiacutestica comprova essa afirmaccedilatildeo isto eacute a

predominacircncia de nomes teofoacutericos javistas (com o Tetragrama)59 Segundo um

caacutelculo ldquode 466 indiviacuteduos portando nomes teofoacutericos (excluindo destes aqueles com

elementos acuteeumll e acuteeumllicirc que satildeo ambiacuteguos) do periacuteodo patriarcal ateacute a queda de Jerusaleacutem

413 (89 por cento) portavam nomes javistas e 53 (11 por cento) portavam nomes

claramente ou plausivelmente pagatildeosrdquo (TIGAY 1987 p 160) Inscriccedilotildees do oitavo

seacuteculo AEC ateacute a queda de Judaacute (587 AEC) tanto hebraicas como estrangeiras

referentes a Israel comprovam que dos 738 nomes de indiviacuteduos que nelas aparecem

351 quase a metade leva nomes com YHWH como seu elemento teofoacuterico outros 48

levam nomes com o elemento teofoacuterico acuteeumll (ldquoDeus deus a divindade Elrdquo) ou acuteeumllicirc (ldquomeu

deusrdquo) Dos nomes restantes a maioria natildeo menciona divindades Pode-se concluir a

partir disso a forccedila do javismo no coraccedilatildeo da sociedade israelita especialmente de

Judaacute (cf TIGAY 1987 p 161-178) E isso se comparado a informaccedilotildees disponiacuteveis da

onomaacutestica em povos vizinhos a Israel torna-se ainda mais evidente Tomemos como

exemplo a onomaacutestica amonita (Amon ocupava a Transjordacircnia nos tempos do antigo

Israel) cuja principal divindade era Milcom Essa divindade estaacute presente em apenas

nove nomes dos encontrados em inscriccedilotildees daquela eacutepoca Sendo que acuteeumll ocorre cento

e cinquenta vezes o qual era no mais das vezes um termo geneacuterico para deus (cf

HESS 2007 p 304) Outro estudo sobre a onomaacutestica amonita obteve como resultado

a incidecircncia dos seguintes nomes acute l ndash 48 vezes acute nrt ndash 1 vez b` l ndash 1 vez Hm ndash 1 vez

nny ndash 1 vez šmš ndash 1vez (cf HESS 2007 p 304) Os nomes pessoais amonitas compostos

de outras divindades superam em nuacutemero portanto aqueles com Milcom O mesmo

se observa quando satildeo examinadas coleccedilotildees de nomes pessoais edomitas moabitas e

59 Para uma anaacutelise mais completa dessa ocorrecircncia consultar JASTROW 1894 p 101-127

75

filisteias Pode-se concluir que ldquoo uso predominante e quase exclusivo do nome divino

YHWH na onomaacutestica do Israel Antigo sugere que essa divindade exerceu um papel

em Israel distinto de como as naccedilotildees circunvizinhas consideravam suas divindades

principais nos nomes pessoaisrdquo (HESS 2007 p 306)

O primeiro nome pessoal que foi definitivamente construiacutedo com o

Tetragrama eacute yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute ndash Ex 179)

O nome da matildee de Moiseacutes yocirckebed (Joquebede - Ex 620) eacute mais antigo mas

eacute extremamente questionaacutevel se ele de fato conteacutem o nome divino biacuteblico quanto agrave

yuumlhucircdacirc (Judaacute ndash Gn 2935) eacute certo que natildeo conteacutem o nome divino (cf STAMM 2007

765)

Do periacuteodo dos Juiacutezes cinco nomes pessoais pertencentes a este grupo yocircacuteaumlš

(Joaacutes ndash Jz 611) yocirctaumlm (Jotatildeo ndash Jz 95) micirckaumlyhucirc (Micaiacuteas[u] - 1Rs 228) yocircnaumltaumln (Jocircnatas

ndash Jz 1830) e yocircacuteeumll (Joel ndash 1Sm 82) devem ser mencionados

Durante o periacuteodo monaacuterquico nomes desse grupo tornaram-se frequentes e

dominantes e ateacute mantiveram sua predominacircncia duradoura ndash juntamente com

aqueles contendo o teofoacuterico acuteeumll ndash depois acuteeumll eacute comum em nomes pessoais ateacute o iniacutecio

do periacuteodo monaacuterquico durante o qual ele cai em quase completo desuso

reaparecendo novamente e se tornando mais frequente a partir do seacutetimo seacuteculo e

permanecendo comum depois do Exiacutelio (cf STAMM 2007 p 766)

Uma curiosidade pode ser encontrada no nome do profeta Elias (1Rs 171

acuteēliyyaumlhucirc) o qual combina os nomes divinos El e YHWH na afirmaccedilatildeo ldquoDeus (ou ldquomeu

Deusrdquo ndash ElElicirc) eacute Yah[weh]rdquo

Eacute interessante constatar como o faz Johann Jakob Stamm que

O predicado dos nomes proposicionais verbais (teofoacutericos) eacute geralmente no tempo perfeito ou imperfeito Em contraste com o acaacutedio o uso do modo

imperativo eacute raro Nomes tardios tais como laeyfi[ ] (Asiel ldquoFaccedila-o oacute Deusrdquo)

e laeyzIx ] (Haziel ldquoOlha oacute Deusrdquo) podem ser considerados como pertencentes

ao primeiro e bEWargt (Ruacuteben ldquoVeja um filhordquo) como pertencente ao uacuteltimo

Nos nomes no tempo perfeito o tipo ldquopredicado-sujeitordquo (p exlaengttn gt Natanael) eacute segundo a sintaxe hebraica em geral mais frequente que o

inverso ou seja ldquosujeito-predicadordquo (p ex tnla Elnatatilde) O significado

desses nomes eacute expresso pelo uso do tempo passado eles significam accedilatildeo de graccedilas por um ato de caridade concedido pela divindade (p ex ldquoDeus deurdquo) Em nomes formados com o tempo imperfeito o tipo ldquosujeito-predicadordquo eacute

76

dificilmente representado Esse tipo aparece somente nos periacuteodos

monaacuterquico tardio e no poacutes-exiacutelico (~yqIszligyAhy gt Joaquim) De outro lado o tipo

ldquopredicado-sujeitordquo eacute muito mais frequente (hyngtAky gt Iehoniaacute) Alguns dos

nomes proacuteprios mais antigos satildeo deste tipo uns aparecem como formas

abreviadas natildeo contendo a palavra lae da forma completa Exemplos destes

satildeo qxcyI (Isaac) bqo[]y (Jacoacute) laerfyI (Israel) sEAy (Joseacute) e laemxrygt (Jerameel)

Estes tipos ocorrem mais frequentemente nos periacuteodos de Moiseacutes e dos Juiacutezes Ele se torna escasso durante o periacuteodo daviacutedico quase desaparecendo mas recuperando espaccedilo pouco antes dos periacuteodos exiacutelico e poacutes-exiacutelico (STAMM 2007 p 764-765)

Quais eram os motivos que levavam os pais israelitas a incluiacuterem alusotildees a

Deus nos nomes que davam a seus filhos Podemos identificar as seguintes razotildees

principais60

1ordf Desejo dos pais em exprimir seu agradecimento a Deus por dar-lhes aquele filho

receacutem-nascido Para tanto costuma-se tomar a raiz -t-n (n ndash t ndash n dar) A partir

daiacute surgem nomes como nuumltanacuteeumll (Natanael Deus tem dado ou Daacutediva de Deus Nm

18) yuumlhocircnaumltaumln (Jocircnatas YHWH deu ou Dado por YHWH 1Sm 146 ndash forma

abreviada yocircnaumltaumln 1Sm 132) nuumltanyaumlhucirc (Netanias YHWH deu ou Daacutediva de

YHWH Jr 3614) e acuteelnaumltaumln (Elnatan El [Deus] deu ou Daacutediva de El [Deus] 2Rs 248)

Ideia anaacuteloga encontra-se no ato de Lia ao nomear o seu quarto filho yuumlhucircdacirc (Judaacute

AgradeccediloLouvo a YHWH Gn 2935) Esse nome funde w-h-y (as primeiras trecircs letras

do Tetragrama) com um derivado de hdy (ldquoagradecerrdquo) do qual a primeira letra

torna-se um vav e funde-se com o vav do Tetragrama

2ordf Nomes que expressam o fato de Deus ter dado aquele filho por sua graccedila ou

exprimindo o desejo de que ele possa favorecer essa crianccedila no futuro Emprega-

se a raiz -n-x (graccedila favor ou conceder uma graccedila) Essas ideias estatildeo na base de

nomes teofoacutericos tais como acuteelHaumlnaumln (Elanan El (Deus) eacute gracioso 2Sm 2119)

Haacutenanacuteeumll (Hananel El (Deus) eacute gracioso Jr 3138) Haacutenanyaumlhucirc (Hananias YHWH eacute

gracioso Jr 3612 ndash forma abreviada Haacutenanyacirc Jr 281) yuumlhocircHaumlnaumln (Joanan YHWH

agracioumostrou favor Esd 106 ndash forma abreviada yocircHaumlnaumln Jr 4016)

3ordf Para denotar que ldquoo Senhor eacute Deusrdquo ou ldquoo Senhor eacute meu Deusrdquo haacute o costume de

combinar os dois nomes hebraicos da divindade (El e YHWH) Como exemplo

60 Cf HABER 2001 p 57-59

77

temos acuteeumlliyyaumlhucirc (Elias O Senhor (El) eacute Deus (YHWH) 1Rs 171 ndash forma abreviada

acuteeumlliyyacirc 2Rs 13) yocircacuteeumll (Joel YHWH eacute Deus (El) Jl 11) e acuteeacutelicircacuteeumll (Eliel Meu Deus (El)

eacute Deus (El) 1Cr 619)

4ordf Indicam as esperanccedilas dos genitores quanto ao futuro de seus filhos O verbo ~wq

(na forma hifil ~yqiy erguer levantar pocircr-se de peacute) transmite a ideia ldquo(Que) Deus

eleveestabeleccedila (esse filho)rdquo como eacute o caso em yuumlhocircyaumlqicircm (Jeoaquim YHWH

levantaconfirmaestabelece 2Rs 2334 ndash forma abreviada yocircyaumlqicircm Ne 1210) O

verbo wk (na forma hifil ykiy pocircr estabelecer sustentar dispor assentar instituir)

transmite a ideia ldquo(Que) o Senhor fortaleccedilaestabeleccedila (esse filho)rdquo Encontramos

essa noccedilatildeo em nomes como yuumlhocircyaumlkicircn (Joaquim YHWH exaltalevantaestabelece

2Rs 246 ndash forma abreviada yocircyaumlkicircn Ez 12) O nome yuumlHezqeumlacutel (Ezequiel Ez 13)

denota o desejo la-qzxy (ldquoQue Deus fortaleccedila-[o]rdquo) O nome do profeta Jeremias

(heb yirmuumlyaumlhucirc Jr 11 ndash forma abreviada yirmuumlyacirc Jr 271) denota algo

semelhante ldquoQue o Senhor (YHWH) erga[-o]rdquo

5ordf Denotam a paternidade a proteccedilatildeo e salvaccedilatildeo de Deus Emprega-se nesse caso o

substantivo com sufixo pronominal yba (ldquomeu Pairdquo) Por exemplo acuteaacutebicircacuteeumll (Aviel

Meu pai eacute Deus (El) ou Deus (El) eacute pai 1Sm 91) acuteaacutebiyyaumlhucirc (Abias YHWH eacute pai ou

YHWH eacute meu pai 2Cr 1320 ndash forma abreviada acuteaacutebiyyacirc 1Sm 82) e yocircacuteaumlb (Joab

YHWH eacute pai 1Sm 266) Outros nomes usam a raiz [vy (ajudar salvar) que significa

ldquoDeus eacute o Salvadorrdquo ou expressa um desejo ldquo(Que) Deus ou o Senhor ajude ou

salverdquo A esse grupo de nomes teofoacutericos pertencem entre outros acuteeacutelicircšauml` (Eliseu

Deus (El) eacute salvaccedilatildeo ou Meu Deus (El) eacute salvaccedilatildeo 1Rs 1916) yuumlša`yaumlhucirc (Isaiacuteas YHWH

eacute salvaccedilatildeo Is 11 ndash forma abreviada yuumlša`yacirc Esd 87) Pode ocorrer da primeira

letra da raiz (yod) tornar-se um vav como nos seguintes casos yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute

YHWH eacute salvaccedilatildeo Ex 179) e hocircšeumlordf` (Oseias Nm 138)

6ordf Expressando a esperanccedila de que Deus fizesse seu povo retornar do exiacutelio

babilocircnico para a sua terra Usa-se o verbo na forma hifil byvy da raiz bwv (ldquotrazer

de volta repatriarrdquo) A esse grupo pertence o nome acuteelyaumlšicircb (Eliasibe Deus (El)

traraacute de volta Esd 106)

78

7ordf Diz-nos algo sobre a proacutepria divindade seus atributos Pertencem a essa

categoria nomes tais como

yuumlhocircraumlm (Jeoratildeo YHWH eacute altoexaltado 1Rs 2251 ndash o nome incorpora o adjetivo

~r ldquoaltordquo) forma abreviada yocircraumlm (2Sm 810)

Guumldalyacirc (Gedalias YHWH eacute grande Jr 405 ndash assume o adjetivo lwdg ldquogranderdquo)

Gabricircacuteeumll (Gabriel Dn 816) pode significar ldquoDeus eacute a minha fortalezardquo

assumindo a raiz rbg (forccedila poder valentia)

Daumlniyyeumlacutel (Daniel 1Cr 31) refere-se a Deus como sendo ldquoo Juizrdquo ou ldquofazendo

justiccedilardquo (incorporando a raiz yd julgar sentenciar juiz) podendo ser

interpretado como ldquoDeus (El) eacute a minha justiccedilardquo

ruumlpaumlacuteeumll (Rafael 1Cr 267) fundi o aleph de la e de apr (curar cura) conotando

que ldquoDeus (El) curardquo ou ldquoDeus curaraacuterdquo talvez alguma doenccedila da crianccedila

8ordf Expressatildeo de agradecimento a Deus por sua ajuda no sentido de obter esse filho

ou por outros favores recebidos dele A raiz rz[ (ajudar socorrer proteger) eacute

empregada nesses casos Ela pode conotar tambeacutem uma esperanccedila de que no

futuro Deus venha ajudarproteger essa crianccedila Alguns exemplos de nomes com

esse sentido acuteel`aumlzaumlr (Eleazar Deus (El) ajudousocorreu ou Deus (El)

ajudaraacutesocorreraacute Ex 623) acuteeacutelicirc`ezer (Eliezer mesmo sentido do anterior Gn 152)

`aacutezaryaumlhucirc (Azarias 1Rs 42 ndash forma abreviada `aacutezaryacirc 2Rs 1421) `azricircacuteeumll (Azriel

mesmo significado do anterior Jr 3626 ndash forma abreviada `aacutezaracuteeumll Esd 1041)

9ordf Manifestando gloacuteria e louvor a Deus Essa motivaccedilatildeo comparece em um dos

poucos exemplos de nomes teofoacutericos dados a filhas Um deles pode ser yocirckebed

(Joquebede Ex 620) em que as trecircs consoantes finais dbk talvez derivem de dwbk

(ldquogloacuteriardquo) formando um nome com o significado de ldquoGloacuteria ao Senhor (YHWH)rdquo

Outro nome seria `aacutetalyacirc (Atalia 2Rs 111) cujo significado pode ser hyl-t[

(ldquoTempo para o Senhorrdquo) mas haacute tambeacutem outras possibilidades tais como ldquoO

Senhor (YHWH) eacute exaltadordquo61 ou ldquoO Senhor (YHWH) eacute soberanordquo62

61 Cf AUNEAU 2013 p 193 62 Cf SOLVANG 2006 p 340

79

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome

a) Nomes de parentes

Especialmente em tempos mais recentes a partir sobretudo do seacutec I AEC o

mais importante era que a crianccedila recebesse o nome do pai do avocirc ou de algum outro

parente Esse costume predominava no iniacutecio da era comum (EC) como se pode

perceber pelo espanto das amigas de Isabel quando esta escolhe o nome de ldquoJoatildeordquo para

o seu filho elas afirmam ldquoNatildeo haacute ningueacutem de tua parentela que seja chamado por

este nomerdquo (Lc 159-61) Outra evidecircncia nos vem tambeacutem no primeiro seacuteculo da EC

no registro dos descendentes de Hillel63 importante saacutebio e mestre judeu bem como

codificador da Mishnaacute

Em sua famiacutelia durante vaacuterios seacuteculos o neto geralmente porta o mesmo nome do avocirc a genealogia segue a ordem em todos os casos de pai para filho Hillel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Judaacute Gamaliel Judaacute Gamaliel Judaacute Hillel Gamaliel Judaacute Gamaliel Podemos encontrar provavelmente o mesmo haacutebito um pouco mais cedo no nome de Jesus o filho de Sirac que era ldquoneto de Jesus do mesmo nome que elerdquo [Eclesiaacutestico ou Siraacutecida primeiro proacutelogo] (GRAY 1896 p 3)

A pessoa continua viva em seu nome em primeiro lugar por passar seu nome

adiante aos descendentes (cf Gn 4816 Nm 274 Eclo 4019 tambeacutem Dt 255-6 Rt 45)

63 Hillel o Anciatildeo viveu no iniacutecio do 1ordm seacuteculo EC e foi um antepassado do movimento rabiacutenico Hillel

natildeo foi chamado pela designaccedilatildeo posterior rabi mas foi intitulado ldquoanciatildeordquo (zaqen ןז como eram seus ( ק

contemporacircneos Shammai e Gamaliel Seacuteculos mais tarde muitas lendas rabiacutenicas circularam sobre Hillel como um exemplo moral e um pai fundador do movimento rabiacutenico O prestiacutegio de Hillel era tal que quando o Patriarcado Judaico foi fundado a dinastia Gamaliel traccedilou sua linhagem ateacute ele Mais tarde aquela ldquogenealogiardquo foi estendida ateacute o rei Davi O Talmude Yerushalmi imaginou Hillel como um dos primeiros Patriarcas (y Pesah 61) e como o autor de certas regras hermenecircuticas usadas posteriormente pelos rabinos No Talmude Babilocircnico (b Shabb 31a) outro ciclo de histoacuterias eacute contado agrave maneira de anedota greco-romana que apresenta Hillel como um criador da doutrina das duas Toraacutes uma escrita e outra oral Esses mesmos contos atribuem a Hillel uma versatildeo da Regra de Ouro (ldquoo que eacute odioso a vocecirc natildeo faccedila ao seu colegardquo) [] Em vaacuterias dessas narrativas Hillel eacute apresentado como o protagonista sempre amaacutevel da histoacuteria enquanto seu colega Shammai eacute o antagonista grosseiro A abundacircncia de narrativas didaacuteticas fantasiosas sobre Hillel faz suspeitar da atribuiccedilatildeo de inovaccedilotildees legais a ele Alega-se que Hillel decretou a prozbul (perozbol um dispositivo legal heleniacutestico pelo qual os tribunais rabiacutenicos poderiam contornar o perdatildeo biblicamente ordenado de empreacutestimos no ano

sabaacutetico Mishnah Eduyyot (caps 1 4 5) enumera dezenas de desentendimentos entre Hillel e Shammai

e entre as escolas ou casas desses saacutebios Em algumas dessas divergecircncias a casa de Shammai eacute apresentada como mais branda em outros a casa de Hillel [] Permanece extraordinariamente difiacutecil recuperar as tradiccedilotildees originais por traacutes desses textos posterioresrdquo (VISOTZKY 2007 p 826)

80

mas tambeacutem mediante um lugar na memoacuteria permanente do mundo posterior (cf 2Sm

1818 Sl 7217 Pr 107 Eclo 399-11 4111-13 447-14)

b) Nomes de pessoas famosas

Esse costume parece ter se tornado predominante somente do periacuteodo grego

em diante (seacutec IV AEC) Conferia-se agrave crianccedila um nome de algueacutem famoso em alguns

casos judeus em outros estrangeiros Em relaccedilatildeo a nomes judaicos famosos o texto

de Eclesiaacutestico (Siraacutecida) capiacutetulo 44 em diante especialmente 441-2 pode ter exercido

uma forte influecircncia e motivaccedilatildeo nesse sentido Outro costume intimamente

relacionado a este foi o de nominar crianccedilas segundo o nome de pessoas que haviam

feito algum favor aos seus pais (cf GRAY 1896 p 7)

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica

Na BH a mudanccedila de nome eacute um fato muito especial e marca uma afirmaccedilatildeo

de poder daquele que faz mudar o nome de algueacutem Isso porque ldquoDevido um nome

ser tatildeo inextricavelmente ligado ao que eacute nomeado se ocorre uma mudanccedila nas

condiccedilotildees de uma pessoa ou lugar o nome deve ser alterado de modo a refletir a

situaccedilatildeo nova e diferenterdquo (BOHMBACH 2000 p 945)

Nesse sentido esta argumentaccedilatildeo de Jacques Derrida apesar de natildeo referir-se

agrave BH nem agraves tradiccedilotildees semiacuteticas serve como uma paraacutefrase explicativa para a

mudanccedila de nome

Como se fosse preciso ao mesmo tempo salvar o nome e tudo salvar exceto o nome salvo o nome como se fosse preciso perder o nome para salvar aquilo que porta o nome ou aquilo na direccedilatildeo do qual se dirige por meio do nome Mas perder o nome natildeo eacute incriminaacute-lo destruiacute-lo ou feri-lo Pelo contraacuterio eacute simplesmente respeitaacute-lo como nome Isso quer dizer pronunciaacute-lo o que equivale a atravessaacute-lo na direccedilatildeo do outro que ele nomeia e que o porta (DERRIDA 1995 p 41)

Mas alterar o nome de algueacutem pode ldquotambeacutem indicar uma espeacutecie de adoccedilatildeo

na famiacutelia que eacute equivalente a conferir-lhes uma grande honrardquo (EISSFELDT 1968 p

70) Tal ldquoadoccedilatildeordquo poderia trazer consigo a ideia de responsabilidade bem como

heranccedila

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor

81

Exemplos

o Faraoacute daacute a Joseacute o nome de caumlpnat Pa`neumlordfH que em egiacutepcio significa ldquoDeus

disse ele estaacute vivordquo ou ldquoCriador da vidardquo (Gn 4145)

pela vontade dos chefes dos eunucos Daniel (heb Daumlniyyeumlacutel ndash Deus eacute meu

juiz) Ananias (heb Haacutenanyacirc ndash YHWH eacute misericordioso clemente) Misael

(heb micircšaumlacuteeumll ndash Quem eacute como Deus) e Azarias (heb aacutezaryacirc ndash YHWH ajudou

socorreu) se tornam respectivamente Baltassar (heb Beumlldaggeruumlšaacuteccar [nome

acaacutedio] ndash Proteja a vida do rei ou Proteja sua vida) Sidrac (heb šadrak [nome

acaacutedio] ndash DomiacutenioOrdem de Aku [uma divindade lunar mesopotacircmica])

Misac (heb mecircšak [nome acaacutedio] ndash Quem eacute como Aku) e Abede-Nego (heb

`aacutebeumld nuumlgocirc [nome acaacutedio] ndash Servo de Nabu [divindade pessoal de

Nabucodonosor) ndash Dn 16-7 (cf DECLAISSEacute-WALFORD 2009 p 208)

Quando o Faraoacute institui Eliaquim (heb acuteelyaumlqicircm ndash Deus estabeleceu ou Deus

se levantou) rei de Judaacute ele lhe impocircs o nome de JeoiaquimJoaquim (heb

yuumlhocircyaumlqicircm ndash YHWH confirma estabelece ou YHWH ergue) 2Rs 2334

da mesma forma Nabucodonosor muda para Zedequias (heb cidqiyyaumlhucirc

ndash YHWH eacute a minha justiccedila ou YHWH eacute justo) o nome de Matanias (heb

maTTanyacirc ndash Daacutediva de YHWH) que ele estabeleceu sobre o trono 2Rs 2417

Tanto no exemplo anterior quanto neste a mudanccedila de nome tem a ver

com a passagem de governos independentes a governos vassalos da

Babilocircnia

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina

Abratildeo (heb acuteabraumlm ndash Pai elevadoexaltado) e Sarai (heb Saumlray ndash Princesa ou

Minha princesa ndash forma mais primitiva de Sara) cujos nomes satildeo mudados

em Abraatildeo (heb acuteabraumlhaumlm ndash Pai de uma multidatildeopovo) e Sara (heb Saumlracirc -

Princesa) Gn 17515 os quais satildeo outras formas dialetais dos mesmos

nomes mas de acordo com as ideias sobre o valor do nome que foram

expostas acima essas mudanccedilas marcam uma mudanccedila no destino cf Gn

176 e 16

82

Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb ndash O que segurapega o calcanhar ou Suplantador Gn 2526)

que recebe o nome de Israel (cujo significado seraacute objeto de tratativa

posterior) em uma luta com um ser desconhecido Gn 3229 cf 3510 Essa

nomeaccedilatildeo eacute singular por causa de uma seacuterie de perguntas e respostas que

a acompanha (cf Gn 3227-31)

Pasur (heb pašHucircr) cujo significado eacute controverso mais recentemente foi

tomado como sendo de origem egiacutepcia ldquoo filho de Horusrdquo Foi alterado a

mando de YHWH para maumlgocircr missaumlbicircb que eacute traduzido por ldquoTerror-Por-

Todos-Os-Ladosrdquo (Jr 203)

Haacute uma menccedilatildeo agrave mudanccedila do nome do proacuteprio Israel quando chegar o

cliacutemax da histoacuteria YHWH chamaraacute Israel por um novo nome ignomiacutenia e

miseacuteria seratildeo lanccediladas fora com o nome antigo Vejamos Is 622

נו ב ק י יהוה י ר פ ש אש ם חד רא לך ש ך וק ים כבוד ך וכל־מלכ דק ם צ 64וראו גוי

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa

Quando Naomi retorna a Beleacutem apoacutes ter perdido o seu marido e seus filhos

enquanto estava na terra estrangeira de Moab ela pede para natildeo mais ser chamada de

Naomi (heb no`oacutemicirc) que significa ldquoAgradaacutevelrdquo ao contraacuterio ela deseja ser conhecida

por Mara (heb maumlraumlacute) ldquoAmargardquo (heb Rt 120)

Essa mudanccedila de nome daacute agrave pessoa uma nova identidade uma vez que o

nome proacuteprio passava a representar um traccedilo marcante de sua identidade Aliaacutes a

mudanccedila de nome ou o novo nome ldquomarca uma transformaccedilatildeo na vida do iniciado

ele eacute lsquorecriadorsquo por assim dizer e torna-se um novo homemrdquo (PORTER 1990 p 7)

O Talmude declara que entre as ldquoquatro coisas que anulam a desgraccedila do

homemrdquo encontra-se a mudanccedila de nome (Tratado do Talmude Babilocircnico Roš

Haššana 16b)

Na Idade Meacutedia essa tradiccedilatildeo desenvolveu o costume de mudar ou melhor

dar um nome adicional ao nome de uma pessoa que estava gravemente enferma ou

64 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoEntatildeo as naccedilotildees veratildeo tua justiccedila e todos os reis tua gloacuteria Receberaacutes nome novo que a boca de Iahweh designaraacuterdquo

83

sofrera algum outro infortuacutenio na crenccedila de que o Anjo da Morte seria confundido em

consequecircncia do novo nome

Geralmente esse novo adjungido era escolhido abrindo a Biacuteblia ao acaso e

selecionando algum nome que laacute aparecesse exceto se fosse de maacute reputaccedilatildeo (NAME

1972 c 802)

Genericamente falando o texto biacuteblico natildeo oferece razotildees expliacutecitas a respeito

de porque as pessoas ou lugares satildeo chamados como elas satildeo Em menos de uma

centena de casos nos satildeo dadas informaccedilotildees sobre os nomes ou de pessoas ou lugares

em que circunstacircncias ocorreram a nomeaccedilatildeo e qual era seu significado

Apesar do tamanho modesto deste grupo ainda pode-se concluir que do

ponto de vista biacuteblico um nome natildeo eacute meramente um roacutetulo aleatoacuterio e arbitraacuterio de

identificaccedilatildeo mas sim que haacute um significado por traacutes de um nome que se daacute e

algumas vezes o autor ajusta-o ao texto como uma parte integrante da textura literaacuteria

(cf GARSIEL 1991 p 14)

3 Etiologias biacuteblicas

Na BH haacute etiologias etimoloacutegicas na colocaccedilatildeo de nomes isso devido ao fato

de o nome ser derivado de um acontecimento que ocorreu na eacutepoca do nascimento de

uma pessoa ou da fundaccedilatildeo de uma cidade ou de um santuaacuterio ou tambeacutem de uma

frase pronunciada na ocasiatildeo ou de qualquer outro acontecimento Na realidade o

nome eacute quase sempre o primaacuterio o relato vinculado a ele ou a explicaccedilatildeo o derivado

Outro fator que determina a busca de sentido ao nomear uma pessoa ou lugar

na BH eacute o ldquofato de que os nomes hebraicos fizessem sentido e que esse sentido fosse

deliberado e solene eacute uma das razotildees baacutesicas para que os israelitas desenvolvessem

um forte sentido etimoloacutegico que se expressa em muitos lugares do Antigo

Testamento onde algo eacute dito sobre o nomerdquo (BARR 1970 p 15)

Reproduzo aqui uma siacutentese dessas etiologias etimoloacutegicas que se encontram

na BH

Encontram-se testemunhos de etiologias do nome sobretudo em Gn (mais de 40 vezes) ademais em Ex e Nm (12 vezes) Js (2 vezes) Jz (5 vezes) 1Sm (5 vezes) 2Sm (3 vezes) 1Rs (1 vez mas problemaacutetico 913) 2Rs (1 vez

84

igualmente problemaacutetico 147) 1Cr (5 vezes) 2 Cr (1 vez) Rt (1 vez) e Est (1 vez) Entre as muacuteltiplas formulaccedilotildees de etiologias etimoloacutegicas na imposiccedilatildeo do nome podem-se distinguir duas formas principais 1) ldquoele o chamou assim e assim dizendo (pensando)rdquo ao que segue a etiologia etimoloacutegica (cf Ex 222) Esta forma conservou-se completa somente em casos isolados porque alguns elementos se podem suprimir cf as formulaccedilotildees de Gn 320 529 2622 3149 etc 2) apoacutes o relato de um acontecimento segue como conclusatildeo a imposiccedilatildeo do

nome ldquopor isso (`al-kēn) se chama (aquela cidade) assim e assimrdquo (Ex 1523

acrescentando agraves vezes ldquoateacute o dia de hojerdquo (Js 726) Esta formulaccedilatildeo costuma ampliar-se indicando outra vez o motivo etimoloacutegico (Gn 119) Enquanto a forma 1 eacute caracteriacutestica das etiologias de nomes de pessoas a forma 2 refere-se com poucas exceccedilotildees (Gn 2530 2934-35 305-6) somente a determinadas cidades A imposiccedilatildeo do nome com etiologia etimoloacutegica tem seu acircmbito vital na tradiccedilatildeo das sagas Por isso as etiologias de nomes de pessoas se encontram sobretudo em Gn onde diferentemente de todos os outros livros do AT se datildeo explicaccedilotildees do nome de todas as pessoas mais importantes As etiologias de nomes de lugares se referem a lendas cultuais (Gn 2214 Moriaacute Gn 2810ss Betel Gn 3231 Penuel etc) ou a cidades que tiveram alguma importacircncia na histoacuteria das tribos de Israel antes ou depois da conquista da terra (Ex 1523 Mara 177 Massa e Meriba Js 726 Acor etc) (VAN DER WOUDE 1985a c 1185-1186)

Pode-se encontrar um modelo similar na nomeaccedilatildeo de pessoas ldquo Em vaacuterios

textos biacuteblicos uma explicaccedilatildeo eacute anexada agrave presente nomeaccedilatildeo por palavras de

conjunccedilatildeo que criam uma proposiccedilatildeo causal ou relativardquo (GARSIEL 1991 p 16) Veja-

se o exemplo abaixo extraiacutedo de Gn 2932

bEWargt Amv arqTiw Be dlTew hale rhTw

yyIngt[B hwhygt har-yKi hrma yKi

`yviyai ynIbhaylt hT[ yKi

Traduccedilatildeo

E Leacutea engravidou e deu agrave luz um filho e ela chamou seu nome Ruben

pois ela disse Por certo o Senhor olhou minha afliccedilatildeo

pois agora meu esposo me amaraacute

Como bem observa Moshe Garsiel neste exemplo ldquoduas proposiccedilotildees causais

estatildeo unidas agrave proposiccedilatildeo principal pela partiacutecula conjuntiva kicirc (pois porque) A

ligaccedilatildeo entre o nome Ruben e as razotildees dadas satildeo fundamentadas na similaridade

sonorardquo (GARSIEL 1991 p 16) Na primeira proposiccedilatildeo subordinada as palavras

raumlacuteaumlh Buuml`onyicirc (olhou minha afliccedilatildeo) conteacutem quatro consoantes (r acute b n) encontradas

85

tambeacutem em Ruben (racute wbn) a palavra yacute hbny (me amaraacute) na proposiccedilatildeo seguinte

conteacutem trecircs dessas consoantes (acute b n) O efeito sonoro eacute reforccedilado pelo som das

consoantes b n as quais tambeacutem constituem a palavra hebraica para ldquofilhordquo Este eacute um

excelente exemplo de como a sonoridade pode ajudar a colocar uma adequada ecircnfase

sobre o tema principal isto eacute o nascimento do primogecircnito da famiacutelia

Outro exemplo devido suas expressotildees que se aproximam muito do texto que

seraacute objeto de anaacutelise mais detalhada nos proacuteximos capiacutetulos (Gn 3223-33) merece ser

trazido aqui Como observa novamente Moshe Garsiel algumas vezes as palavras

conjuntivas satildeo omitidas O narrador provavelmente supotildee que a ligaccedilatildeo entre o

nome e sua explicaccedilatildeo seja bastante clara sem a regular foacutermula causal ou inferencial

este eacute o caso na nomeaccedilatildeo de outro filho de Jacoacute (Gn 308)

~yhioacutela ylersquoWTpn lxeordfr rmaToaringw

yTilko+y-~G ytiTHORNxoa]-~[i yTilTsup2pnI

`yli(Tpn Amagravev aricircqTiw

Traduccedilatildeo

E Raquel disse Por lutas (nptwly) de Deus

lutei (nptlty) com minha irmatilde e eu prevaleci

e ela chamou seu nome Neftali (nptly)

Neste caso ldquoa equaccedilatildeo sonora entre o nome e os componentes na declaraccedilatildeo

da matildee constituem a ligaccedilatildeo entre nome e explicaccedilatildeo sem a necessidade de palavras

conjuntivasrdquo (GARSIEL 1991 p 17) Aleacutem disso o contexto mais amplo que lida com

os nomes dos outros filhos de Jacoacute e as razotildees para eles nos orienta a procurar uma

explicaccedilatildeo neste caso tambeacutem Por isso eacute prudente observar que

Deve-se fazer uma clara distinccedilatildeo entre etimologia linguiacutestica e as explicaccedilotildees de nomes feitas pelos textos biacuteblicos Enquanto um etimologista traccedilaria a origem dos nomes biacuteblicos agrave luz de paralelos em outras culturas e analisaacute-los-ia de acordo com as regras da formaccedilatildeo linguiacutestica dinacircmica os escritores biacuteblicos na maioria dos casos fornecem explicaccedilotildees que satildeo baseadas na suposiccedilatildeo de que o nome eacute uacutenico e que foi dado de acordo com uma ocasiatildeo especiacutefica [] A liberdade tomada pelos autores biacuteblicos nessas explicaccedilotildees tem sido chamada por alguns estudiosos de ldquoetimologia popularrdquo Tal definiccedilatildeo natildeo eacute correta as explicaccedilotildees funcionam como um artifiacutecio literaacuterio e satildeo projetadas para enriquecer a unidade literaacuteria O que noacutes vemos aqui natildeo eacute absolutamente uma popular e superficial interpretaccedilatildeo com base em uma falta de conhecimento mas sim um desvio deliberado das regras e normas

86

linguiacutesticas do tempo aplicado como uma teacutecnica por narradores sutis a fim de fazer uma observaccedilatildeo (GARSIEL 1991 p 17-18)

A BH aliaacutes realiza jogos de palavras frequentemente ao fornecer explicaccedilotildees

etimoloacutegicas de nomes proacuteprios Somente a tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo ndash uma vez que

esse assunto mereceraacute uma abordagem posterior mais aprofundada em nosso estudo

ndash podemos citar

acuteaumldaumlm (Adatildeo) - acuteaacutedaumlmacirc (terra) em Gn 27

bdquoawwacirc (ldquoEvardquo) como ldquomatildee de todos os viventesrdquo (Haumly) em Gn 320

qayin (Caim) - qaumlnicircticirc (verbo conseguir adquirir) Gn 41

noumlordfH (Noeacute) - yuumlnaHaacutemeumlnucirc (verbo confortaraacute consolaraacute) Gn 529

fazendo alusatildeo a nomes jaacute existentes que podem conservar como tais o

valor de palavras-tema temos Paumlnicircm (Gn 3221 Paumlnaumlyw ndash sua face sua

fronte diante dele) e Puumlnucircacuteeumll (Gn 3231-32 que significa a face de Deus [El] ou

perante Deus [El])

expressotildees ambivalentes jogando com a expressatildeo ldquoelevaccedilatildeo da cabeccedilardquo

no sentido de restabelecimento no cargo e o nome Faraoacute par`ograve acuteet-roumlacutešeordmkauml

(Faraoacute levantaraacute a tua cabeccedila Gn 4013)

no sentido de execuccedilatildeo capital encontramos mais adiante (yiSSaumlacute) par`ograve

acuteet-rouml| šuumlkauml (Faraoacute [tiraraacute] a tua cabeccedila Gn 4019 cf Gn 402022)

Nomes proacuteprios de deuses inimigos e lugares satildeo deformados como se

constata em ldquonomes de deuses Boumlordmšet lsquoignomiacuteniarsquo em lugar de Baumlordm al cf Jr 324 1113

Os 910 nomes pessoais acuteicircš-Boumlordmšet em 2Sm 314-15 em vez de Isbaal 1Cr 833 Muumlpigraveboumlordmšet

em 2Sm 218 em vez de Meribaal 1Cr 834 940 possivelmente haacute tambeacutem uma

vocalizaccedilatildeo tendenciosa (por meio de Boumlordmšet) nos nomes divinos `ašToumlordmret (Astarte) e

Moumlordmlek (Meleque como epiacuteteto de Baal)rdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1186)

87

CAPIacuteTULO 3

GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE

1 O texto em si

Primeiramente reproduzo abaixo o texto tal como se encontra na Biacuteblia

Hebraica em versatildeo criacutetica (ELLIGER RUDOLPH 1967-1977) tambeacutem conhecido

como texto massoreacutetico65

wytecircxopvi yTeaumlv-tawgt lsquowyvn yTeUcircv-ta xQuacuteYIw aWhordf hlygtLaringB Ÿ~qYaringw 3223 `qBo)y rbiuml[]m taeTHORN rboecirc[]Yw) wyd_lygt rfszlig[ dxicirca-tawgt

`Al-rva]-ta rbEszlig[]Yw) lxN+h-ta ~rETHORNbi[]Y)w ~xeecircQYIw 3224

`rxV(h tAliuml[] d[THORN AMecirc[i lsquovyai qbeicircaYEw AD=bl bqoszlig[]y rtEiumlWYIw 3225

bqoecirc[]y ryltaring-K lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw Alecirc lsquolkoy alUuml yKiauml argtYcopyw 3226 `AM[i Aqszligbahe(B

yKiTHORN ^ecircx]Lev(a] alaring lsquormaYOrsquow rxV_h hlTHORN[ yKiicirc ynIxeecircLv rmaYOaeligw 3227

`ynIT)krBe-~ai

`bqo)[]y rmaYOagravew ^mlt+V-hm wylTHORNae rmaYOethw 3228

tyrIocircf-yKi( lae_rfyI-~ai yKiTHORN ecircmvi lsquodA[ rmEiumlayE lsquobqo[]y alUuml rmaYOcopyw 3229 `lk(WTw ~yviTHORNna]-~[iwgt ~yhisup2la-~[i

65 Texto massoreacutetico eacute o nome que se costuma dar ao texto criacutetico da Biacuteblia Hebraica que foi objeto do trabalho dos massoretas Essa palavra deriva do vocaacutebulo māsocircrah que significa ldquocaacutelculordquo ou ldquoenumeraccedilatildeordquo dos versiacuteculos e das particularidades do texto hebraico da Biacuteblia A atividade desses estudiosos se deu por volta de 400 EC ldquopertencem a diversas escolas os massoretas do leste (Babilocircnia) com muitas academias especialmente as de Neardea Sura e Pumbedita e os massoretas do oeste (Palestina) representados nos seacuteculos IX-XI por duas famiacutelias caraiacutetas os Ben Aser e os Ben Neftali o texto de Ben Aser acabou por dominar Os massoretas fixaram a recitaccedilatildeo do texto da Biacuteblia hebraica por uma seacuterie de anotaccedilotildees marginais e sinais diacriacuteticosrdquo (LIPIŃSKI 2013 p 864) Em sentido lato o trabalho dos massoretas consistiu principalmente em incluir no texto hebraico grafemas que indicam a vocalizaccedilatildeo do texto e a acentuaccedilatildeo da qual depende a entonaccedilatildeo musical Essa vocalizaccedilatildeo era tanto supralinear caracteriacutestica dos estudiosos babilocircnicos como infralinear caracteriacutestica daqueles da Palestina As ediccedilotildees criacuteticas da Biacuteblia Hebraica que temos hoje praticamente satildeo baseadas nos manuscritos de Ben Aser no coacutedigo de Alepo (930 EC) e naquele de Leningrado B 19a concluiacutedo em 1008 EC

88

laaumlvTi hZltszlig hMlicirc rmaYOumlw ^mecircv aNaring-hdyGI)h lsquormaYOrsquow bqoordf[]y laaumlvYIw 3230 `~v( Atszligao rltbicircygtw ymi_vli

~ynIaringP lsquo~yhila ytiyaiUcircr-yKi( lae_ynIP ~AqszligMh ~veicirc bqoplusmn[]y aroacuteqYIw 3231 `yvi(pn lceTHORNNTiw ~ynIeumlP-la

`AkrEygt-l[ [leTHORNco aWhiumlwgt lae_WnP-ta rbszlig[ rvltiumla]K vmVecirch Alaring-xr(zgtYI)w 3232

Karing-l[ lsquorva] hvordfNh dyGIaring-ta laeoslashrfyI-ynE)b WlrsquokayO-al) KeDagger-l[ 3233

`hv(Nh dygIszligB bqoecirc[]y ryltaring-kB lsquo[gn yKiUcirc hZlt+h ~AYaeligh d[THORN rEecircYh

2 Algumas notas de criacutetica textual

Logo no primeiro versiacuteculo (23) o aparato criacutetico da BH observa uma variaccedilatildeo

rara para a expressatildeo aWh hlygtLB (naquela noite) O demonstrativo desempenha um

papel adjetival do substantivo ldquonoiterdquo que eacute determinado (possui artigo) desse modo

esperar-se-ia que tambeacutem o pronome demonstrativo fosse precedido do artigo (h)

como eacute comum na liacutengua hebraica (cf GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 408 sect 126u)

o que natildeo acontece nesse caso como tambeacutem em Gn 1933 3016 e 1Sm 1910 Aliaacutes eacute

de se observar o contraste entre a expressatildeo correta aWhszligh-hlygtL)B em Gn 3222 (portanto

no versiacuteculo anterior) e o nosso Uma possiacutevel explicaccedilatildeo (cf JOUumlON MURAOKA

2006 p 483 sect 138h) seria a queda do artigo como consequecircncia de uma haplografia

Outra possibilidade eacute o fato de o artigo por vezes ser omitido com demonstrativos

uma vez que jaacute estatildeo em certa medida determinados pelo seu significado (cf

GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 409 sect 126y) Fato semelhante ao que se daacute neste

versiacuteculo de Gecircnesis encontramos na inscriccedilatildeo presente na famosa estela moabita de

Meshaacute (850-830 AEC) na qual se lecirc na terceira linha a expressatildeo הבמת זאת este lugar

alto (cf SPURRELL 2005 p 192) Ainda neste versiacuteculo 23 o Pentateuco Samaritano

lecirc um artigo definido antes do substantivo qBoy (Jaboc) mas natildeo eacute algo que venha a

alterar o sentido da frase

No versiacuteculo 24 o Pentateuco Samaritano e algumas versotildees leem lK (tudo

aquilo) antes de Al-rva] ao final do versiacuteculo a qual parece tratar-se de uma adiccedilatildeo

posterior com o objetivo de precisar o sentido (MARTIN-ACHARD 1971 p 44) De

fato grande parte das traduccedilotildees modernas assume essa inserccedilatildeo

89

Em Gn 3225 haacute um verbo digno de nota pois somente aparece aqui e no

versiacuteculo seguinte em toda a BH qbeaYEw (lutou raiz qba conjugaccedilatildeo nifal com vav

consecutivo terceira pessoa masculina do singular) Talvez ele possa ser conectado ao

verbo qbx que na conjugaccedilatildeo qal e piel significa ldquoabraccedilarrdquo (cf Gn 334) podendo ser

uma variaccedilatildeo dialetal do mesmo (cf SPURRELL 2005 p 284) A escolha desse verbo

deve-se provavelmente ao desejo de criar-se uma assonacircncia com a palavra qBoy nome

proacuteprio do riacho que aparece na periacutecope Haacute a proposta de ver este verbo em nifal

como relacionado ao sentido de ldquolutarrdquo na construccedilatildeo frasal com ~[i denominativo do

substantivo qba (poacute poeira) porque na luta a poeira eacute levantada (GESENIUS 1979 p

9) O raro uso denominativo do nifal estaacute provavelmente relacionado agraves suas funccedilotildees

de ingressoestado e causadora reflexiva (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 390

235)

No versiacuteculo 26 apresentam-se dois fenocircmenos que encontramos na liacutengua

hebraica claacutessica O primeiro eacute logo no iniacutecio do versiacuteculo onde temos a sequecircncia Al

lkoy aOl (ele natildeo conseguia dominaacute-lo prevalecer sobre ele) Para alguns verbos aqui no

caso lky (dominar vencer ser superior ser capaz) um pronome pode ficar como um objeto

preposicional (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 166 1021e) Um segundo

fenocircmeno diz respeito agraves ldquorelaccedilotildees de tempo existentes entre duas diferentes accedilotildees ou

eventos [que] satildeo frequentemente expressas sem o auxiacutelio de uma conjunccedilatildeo mas

simplesmente por justaposiccedilatildeordquo (GESENIUS W KAUTZSCH E 1910 p 501 sect 164a)

Eacute o que ocorre na seguinte sequecircncia lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw (tocou a articulaccedilatildeo de sua coxa

e se deslocou) Neste caso deu-se a justaposiccedilatildeo dos dois imperfeitos com vav

consecutivo [gn (3ordf pessoa do masculino singular qal imperfeito) + [qy (3ordf pessoa

feminino singular qal imperfeito)

No versiacuteculo seguinte (27) encontramos uma sentenccedila de exceccedilatildeo apoacutes uma

negaccedilatildeo nesse caso eacute comum empregar-se ~ai yKi (mas em vez) Vejamos

ynITkrBe-~ai yKi ^x]Leva] al (eu natildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloes) Aqui se daacute

uma transiccedilatildeo do sentido de ldquomas serdquo para ldquose natildeordquo (cf GESENIUS W

KAUTZSCH E 1910 p 500 sect 163c JOUumlON MURAOKA 2006 p 603 sect 173b) Esse

mesmo caso pode ser encontrado em Lv 226 2Rs 424 Is 5510 656 Am 37 e Rt 318

90

Em Gn 3229 a expressatildeo ~ai yKi assume um sentido mais adversativo que de

exceccedilatildeo a construccedilatildeo se daacute apoacutes uma oraccedilatildeo negativa assumindo um niacutetido contraste

ldquoE disse Jacoacute natildeo seraacute mais o teu nome mas Israelrdquo (cf JOUumlON MURAOKA 2006 p

603 sect 172c) Neste versiacuteculo comparece um verbo rariacutessimo que eacute encontrado somente

aqui e em Oseacuteias 1245 trata-se do verbo hrf o qual surge sob a forma tyrIf 2ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito Sendo que em Os 124 surge na forma hrf (3ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito) e em Os 125 sob a forma rfYUumlw (3ordf pessoas masculina

singular do qal imperfeito) Sendo um verbo raro o seu significado natildeo eacute tatildeo evidente

Haacute uma tendecircncia de assumir o significado de lutar buscar arduamente por algo

empenhar-se esforccedilar-se ao maacuteximo e contender (apoiam essa interpretaccedilatildeo CLINES 2011

v 8 p 190 e KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2 p 1354) Mais adiante

retomaremos essa questatildeo do nome de Israel por agora fiquemos apenas com essas

informaccedilotildees

No versiacuteculo seguinte (30) encontramos a expressatildeo ידה־נא מך הג ש a qual

deveria ser lida como faz a versatildeo grega (Septuaginta) a Siriacuteaca e a Vulgata isto eacute

ldquodize-me por favor o teu nomerdquo Mas natildeo significa que no texto hebraico

encontramos o objeto indireto ly (me) o mesmo pode-se encontrar em outros lugares

na BH como em Joacute 38418 Uma outra particularidade encontrada neste versiacuteculo eacute o

fato da forma Yiqtol ( אל ש ת - da raiz lav = [qal] perguntar pedir emprestado) que em

geral na BH funciona como futuro ser usada para expressar uma accedilatildeo que de fato eacute

mais assumida para continuar ateacute o momento da pergunta significando uma accedilatildeo

durativa como ocorre tambeacutem em Gn 447 e 2Rs 2014 (JOUumlON MURAOKA 2006 p

339 sect 113d)

Em seguida no versiacuteculo 31 pode-se interpretar a expressatildeo נצל י ות ש נפ (minha

vida foi salva) como sendo inspirada em Ex 3320 Jz 1322 Dt 433 Eacute de se notar nesta

mesma expressatildeo uma particularidade do uso do imperfeito consecutivo נצ לות neste

caso ele tem uma conexatildeo meramente externa com um perfeito imediatamente

precedente Ocorre que na realidade esse imperfeito consecutivo representa um leve

contraste ao perfeito (aqui no caso ירא ית ) e ainda minha vida foi salva (cf GESENIUS

W KAUTZSCH E 1910 p 327 sect 111e) Neste versiacuteculo encontra-se uma variaccedilatildeo

91

de leitura do vocaacutebulo יאל נ no Pentateuco Samaritano na traduccedilatildeo de Siacutemaco na פ

versatildeo siriacuteaca e na Vulgata lecirc-se נואל Essa leitura eacute encontrada no versiacuteculo 32 Nesse פ

caso o yod poderia ser uma antiga vogal de ligaccedilatildeo Interessante observar que Fanuel eacute

o nome de um anjo na tradiccedilatildeo samaritana israelita (TSEDAKA SULLIVAN 2013 p

78) Provavelmente estamos diante do mesmo local pois a confusatildeo entre u e i aqui

vestiacutegio de um antigo genitivo eacute raro em hebraico (cf MARTIN-ACHARD 1971 p

44-45) A versatildeo grega da BH a Septuaginta66 natildeo lecirc Puumlnicircacuteeumll como um nome proacuteprio

pois no grego aparece o substantivo neutro Εἶδος (aparecircncia) o que lhe permite realizar

uma aproximaccedilatildeo etimoloacutegica com a palavra seguinte o verbo ldquoverrdquo (εἶδον ndash 1ordf pessoa

do indicativo aoristo ativo de ὁράω) E essa escolha do tradutor foi intencional pois

em um texto paralelo Gn 3310 ele emprega o termo ldquofacerdquo (πρόσωπον) e natildeo

aparecircncia

No versiacuteculo 32 natildeo haacute nada de especial a ser observado Jaacute no versiacuteculo

seguinte o 33 que encerra a periacutecope temos a expressatildeo יד הירך על־כף אשר הנשה את־ג

(o nervo do quadril que estaacute sobre a juntura da coxa) Nesse caso seria o nervus ischiadicus

(em portuguecircs nervo ciaacutetico ou isquiaacutetico) ou seja o nervo ou tendatildeo que passa atraveacutes

da coxa e da perna ateacute o tornozelo (cf GESENIUS 1840 p 921) Essa interdiccedilatildeo

mencionada aqui natildeo ocorre no entanto em nenhuma parte da BH Ela eacute encontrada

no Talmude especificamente no Tratado Ḥullin capiacutetulo 7167

3 Contextos da periacutecope

66 O versiacuteculo 31 completo em grego da Septuaginta eacute καὶ ἐκάλεσεν Ιακωβ τὸ ὄνομα τοῦ τόπου ἐκείνου Εἶδος θεοῦ εἶδον γὰρ θεὸν πρόσωπον πρὸς πρόσωπον καὶ ἐσώθη μου ἡ ψυχή A traduccedilatildeo pode ser ldquoE Jacoacute deu ao lugar o nome de Forma-visiacutevel-de-Deus lsquoPorque eu vi Deus face a face e minha vida foi salvarsquordquo (LA BIBLE DrsquoALEXANDRIE LA GENEgraveSE 1986 244 traduccedilatildeo nossa) 67 Este tratado integra a quinta ordem da Mishnaacute os Kodashim (coisas sagradas) Ele aborda as leis de abate dos animais e consumo de carne isto eacute animais usados na alimentaccedilatildeo diaacuteria em oposiccedilatildeo aos

animais dos sacrifiacutecios do Templo de Jerusaleacutem No Tratado Ḥullin capiacutetulo 71 encontramos ldquoA lei do nervotendatildeo do quadril eacute obrigatoacuteria tanto na Terra [de Israel] como fora da Terra tanto durante a eacutepoca do Templo como depois da eacutepoca do Templo tanto para os animais natildeo consagrados como para animais de ofertoacuterio aleacutem disso aplica-se a gado e animais selvagens para a coxa direita ou para a esquerda Mas ela natildeo se aplica agraves aves uma vez que elas natildeo tecircm o oco [da coxa] Ela se aplica tambeacutem a um fetordquo (DANBY 1933 p 523 ndash traduccedilatildeo nossa) O restante do capiacutetulo 7 desse tratado continua abordando esse tema

92

Eacute praticamente de domiacutenio comum que a Toraacute ou Pentateuco possui uma

estruturaccedilatildeo formal realizada pelo seu(s) redator(es) final(is) em base ao lema Toumlldocirct

(comumente lido toledocirct) Essa foacutermula traccedila uma sequecircncia das origens da naccedilatildeo de

Israel partindo da criaccedilatildeo ateacute a emergecircncia de Israel sob a lideranccedila de Moiseacutes e Aaratildeo

em sua jornada pelo deserto em direccedilatildeo agrave terra de Israel

Primeiramente foram identificados onze ocorrecircncias da foacutermula toledocirct em

Gecircnesis68 e posteriormente uma deacutecima segunda em Nuacutemero 31 ldquoEis a descendecircncia

[literalmente geraccedilotildees de] de Aaratildeo e d Moiseacutes quando YHWH falou a Moiseacutes no monte

Sinairdquo69 Essa estrutura em toledocirct claramente interrompe dois modelos estruturais

subjacentes ou seja a denominada periacutecope do Sinai (Ex 191ndashNm 1010) e o modelo

da foacutermula de itineraacuterio identificado por CROSS (1997) em Ex 11ndashNm 3613 Tal

modelo aponta para uma redaccedilatildeo sacerdotal da narrativa de Gecircnesis ndash Nuacutemeros que

tambeacutem incorpora o Deuteronocircmio em seu modelo estrutural O resultado eacute uma

estrutura literaacuteria formal em doze partes para o Pentateuco como segue70

Estrutura Literaacuteria Sincrocircnica do Pentateuco

Histoacuteria da Criaccedilatildeo Formaccedilatildeo do Povo de Israel

I Criaccedilatildeo do Ceacuteu e da Terra Gn 11ndash23

II Origem Humana Gn 24ndash426

III Desenvolvimento Humano ndash Problemas Gn 51ndash68

IV Noeacute e o Diluacutevio Gn 69ndash929

V Propagaccedilatildeo dos Humanos sobre a Terra Gn 101ndash119

VI Histoacuteria dos Semitas Gn 1110ndash26

VII Histoacuteria de Abraatildeo (Isaac) Gn 1127ndash2511

VIII Histoacuteria de Ismael Gn 2512ndash18

IX Histoacuteria de Jacoacute (Isaac) Gn 2519ndash3529

68 Esse trabalho foi realizado por Frank Moore Cross em sua obra Canaanite myth and Hebrew epic Essays in the history of the religion of Israel Cambridge (MA) Harvard University Press 1973 p 293-325 Na bibliografia cito a nona reimpressatildeo de 1997 69 Observado por Matthew A Thomas em sua obra These are the generations Identity covenant and the ldquotoledothrdquo formula London New York T amp T Clark 2011 (The Library of Hebrew BibleOld Testament Studies 551) 70 Aqui sigo totalmente SWEENEY (2016 p 238)

93

X Histoacuteria de Esauacute Gn 361ndash371

XI Histoacuteria das Doze Tribos de Israel Gn 372ndashNm 234

XII Histoacuteria de Israel sob a Orientaccedilatildeo dos Levitas Nm 31ndashDt 3412

Como pode-se perceber em nono lugar do esquema temos a histoacuteria de Isaac

assim chamada porque o foco eacute sobre os filhos de Isaac Esauacute e Jacoacute (Gn 2519ndash3529)

Em siacutentese essa narrativa narra como o segundo filho de Isaac Jacoacute sobrepujou seu

irmatildeo mais velho casou-se com suas esposas e concubinas Lia Raquel Zilpa e Bila e

libertou-se do controle de seu tio e sogro Labatildeo para se tornar o antepassado de todo

Israel e herdeiro da alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados Abraatildeo e Isaac

A estrutura formal das narrativas sobre Jacoacute possuem um caraacuteter episoacutedico

Vejamos71

a) Gn 2519 o iniacutecio eacute marcado pela expressatildeo estruturante toledocirct

(geraccedilotildeesdescendecircncia) que serve para introduzir o relato sobre os

descendentes de Isaac

b) Gn 2520-26 relata o casamento de Isaac com Rebeca e o nascimento de seus

filhos Essa segunda unidade da estrutura conteacutem duas subunidades Gn

2521-26a (nascimentos dos filhos e conflito entre eles) e Gn 2526b (a idade

de Isaac por ocasiatildeo do nascimento de seus filhos)

c) Gn 2527-34 essa unidade ocupa-se em mostrar as diferenccedilas entre os irmatildeos

Esauacute e Jacoacute As subunidades satildeo Gn 2527-28 (destaca quais satildeo essas

diferenccedilas sendo Esauacute caracterizado como um caccedilador e amado por seu pai

e Jacoacute como algueacutem mais de casa amado pela matildee) e Gn 2529-34 (ao

continuar mostrando as diferenccedilas entre os irmatildeos a narrativa revela que

Esauacute voluntariamente renuncia agrave sua primogenitura para matar sua fome)

d) Gn 261-33 eacute uma unidade que se ocupa em relatar as viagens de Isaac e

Rebeca no sudoeste de Judaacute e na Filisteia As subunidades satildeo Gn 261-16

(em Gerara Isaac se vecirc abenccediloado por YHWH com as terras prometidas a

Abraatildeo e o rei filisteu Abimelec concede proteccedilatildeo a Isaac e Rebeca apoacutes

reconhecer que ela era esposa de Isaac) Gn 2617-22 (onde se daacute a disputa

de Isaac com os filisteus em razatildeo de um poccedilo que este cavou) e Gn 2623-33

71 Novamente aqui sigo a proposta de SWEENEY (2016 p 239-241) com algumas observaccedilotildees pessoais

94

(nesta uacuteltima subunidade haacute o deslocamento de Isaac e Rebeca para

Bersabeia onde YHWH jura abenccediloar Isaac por causa de Abraatildeo e Isaac

reconcilia-se com Abimelec

e) Gn 2634ndash3515 eacute a uacuteltima e mais longa unidade do ciclo de Jacoacute Ela

apresenta o relato de como Jacoacute obteacutem a becircnccedilatildeo e promessa de YHWH e se

torna o antepassado de Israel ao gerar doze filhos que por sua vez se

tornaratildeo os antepassados das tribos de Israel A narrativa inclui quatro

subunidades principais que por sua vez satildeo complexas e incluem muitos

elementos proacuteprios

(1) Gn 2634-35 que retrata a afliccedilatildeo de Isaac e Rebeca por causa do

casamento de seu primogecircnito Esauacute com mulheres heteias Esta

breve subunidade eacute crucial para a narrativa na medida em que

aponta para a inaptidatildeo de Esauacute para a alianccedila devido ao seu

casamento com mulheres estrangeiras Tambeacutem serve como

instigaccedilatildeo para a jornada de Jacoacute para Haratilde onde ele buscaraacute suas

esposas da famiacutelia da matildee para que ele possa ter filhos adequados

para servir como herdeiros da alianccedila

(2) Gn 271-45 mostra o esforccedilo de Jacoacute em assegurar para si a becircnccedilatildeo do

pai ao inveacutes desta dirigir-se como era a tradiccedilatildeo para o filho mais

velho A narrativa eacute importante pois deixa bem evidente as

preferecircncias dos pais Isaac por Esauacute e Rebeca por Jacoacute O que eacute fator

evidentemente de tensatildeo no interior dessa famiacutelia E oferece uma

explicaccedilatildeo para a inimizade entre os dois irmatildeos Esauacute e Jacoacute

justificando a necessidade que Jacoacute teve de fugir para Haratilde tanto

para encontrar esposas adequadas como para salvar suas vidas

Encontramos cinco unidades menores nesse bloco narrativo

Gn 271-4 Isaac instrui Esauacute para caccedilar e trazer-lhe uma

refeiccedilatildeo para que possa abenccediloaacute-lo uma vez que se sente

muito velho e cansado

95

Gn 275-13 Rebeca instrui Jacoacute a enganar seu marido Isaac

para que seu filho mais jovem possa obter a becircnccedilatildeo da

primogenitura no lugar de Esauacute

Gn 2714-29 Jacoacute executa o plano de sua matildee para obter a

becircnccedilatildeo

Gn 2730-40 Esauacute descobre o engano perpetrado por Jacoacute e

obteacutem de Isaac uma becircnccedilatildeo substituta que o capacitaraacute a se

libertar de Jacoacute

Gn 2741-45 com isso a inimizade entre os irmatildeos fica

evidente e Rebeca instrui Jacoacute a fugir para Haratilde para escapar

da ira de Esauacute e encontrar esposas adequadas de sua famiacutelia

(3) Gn 2746ndash3154 essa terceira subunidade narra a viagem de Jacoacute a

Padatilde-Aram a fim de encontrar uma esposa da famiacutelia de sua matildee na

casa de seu tio Labatildeo Encontramos cinco episoacutedios no interior desta

subunidade

Gn 2746 mostra o desgosto de Rebeca com as esposas heteias

de Esauacute

Gn 281-5 narra Isaac enviando Jacoacute a Padatilde-Aram para

encontrar uma esposa

Gn 286-9 Isaac casa-se com Maelet filha de Ismael filho de

Abraatildeo na tentativa de agradar seus pais

Gn 2810-22 importante episoacutedio que descreve a visatildeo que

Jacoacute teve de YHWH em sonho na qual este renova a promessa

feita aos seus ancestrais de conceder-lhe a terra de Israel

descendentes e fidelidade Isso serve de justificativa para o

lugar ser chamado de Betel casa de El (Deus) em hebraico

Becirct-acuteeumll

Gn 291ndash3154 descreve a permanecircncia de Jacoacute em Haratilde

incluindo seus casamentos e o nascimento de seus filhos No

interior desse bloco narrativo encontramos seis elementos

distintos

96

1 Gn 291 relata a chegada de Jacoacute em Haratilde

2 Gn 292-14a conta o encontro de Jacoacute com sua futura

amada e esposa Raquel e seu pai Labatildeo

3 Gn 2914b-30 Jacoacute eacute trapaceado por Labatildeo e casa-se com

Lia devendo trabalhar mais para o tio ateacute casar-se com

Raquel

4 Gn 2931-3024 relata o nascimento dos filhos de Jacoacute

da parte de suas esposas e concubinas Sendo que Lia

lhe daacute como filhos Ruacuteben Simeatildeo e Levi Datilde e Neftali

satildeo gerados por Bala serva de Raquel a pedido desta

uacuteltima uma vez que ela natildeo conseguia engravidar-se

Lia a primeira esposa de Jacoacute vendo que natildeo lhe

concedia mais filhos fez com que este tivesse filhos com

sua serva Zelfa gerando Gad e Aser Lia tornou a

engravidar-se e deu a Jacoacute por filhos Issacar Zabulon e

Dina uma filha Finalmente Raquel conseguiu

engravidar-se e deu agrave luz Joseacute

5 Gn 3025-43 narra a negociaccedilatildeo que se estabelece entre

Jacoacute e Labatildeo acerca dos ganhos do Patriarca

6 Gn 311-54 Jacoacute parte de Haratilde com suas mulheres

filhos e pertences Haacute uma perseguiccedilatildeo e conflito com

Labatildeo e sua famiacutelia que se resolve por meio de um

tratado entre ambos

(4) Gn 321ndash3529 eacute a quarta subunidade da unidade derradeira do ciclo

de Jacoacute Esse bloco narra o retorno de Jacoacute agrave terra de Israel incluindo

a mudanccedila de nome para Israel (periacutecope que mereceraacute mais

detidamente nossa atenccedilatildeo) a sua reconciliaccedilatildeo com Esauacute a morte de

sua amada esposa Raquel o nascimento de Benjamim a outorga que

YHWH faz a Jacoacute da alianccedila concluiacuteda com os seus antepassados e a

morte e sepultamento de Isaac Esta subunidade eacute composta por oito

episoacutedios narrativos que satildeo

97

Gn 321-22 Jacoacute prepara o encontro com Esauacute seu irmatildeo em

Maanaim

Gn 3223-33 Jacoacute luta com ldquoum homemrdquo e recebe um novo

nome Israel

Gn 331-17 reconciliaccedilatildeo de Jacoacute com Esauacute em Sucot

Gn 3318ndash3431 Jacoacute chega a Siqueacutem e ali permanece neste

local ocorre o estupro de sua filha Dina e seus irmatildeos Simeatildeo

e Levi a vingam

Gn 351-15 YHWH nomeia Jacoacute como Patriarca de Israel em

Betel e Jacoacute santifica o lugar Novamente eacute narrada a mudanccedila

de nome de Jacoacute para Israel

Gn 3516-20 Raquel vem agrave oacutebito durante o parto de Benjamim

entre Betel e Eacutefrata

Gn 3521-26 Ruacuteben comete incesto ao manter relaccedilotildees iacutentimas

com Bala uma das concubinas de seu pai

Gn 3527-29 relata a morte e sepultamento de Isaac por Jacoacute e

Esauacute em Cariat-ArbeHebron mesmo local do sepultamento

de Abraatildeo e Sara

Sem duacutevida o ciclo de Jacoacute forma uma unidade literaacuteria dentro da estrutura em

toledocirct da ToraacutePentateuco Nesse sentido Jacoacute aparece na narrativa como o terceiro

na sequecircncia dos antepassados de Israel e ele alcanccedila o direito de primogenitura a

becircnccedilatildeo de seu pai e a alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados superando

seu irmatildeo mais velho Esauacute para garantir o futuro de seu povo A narrativa faz questatildeo

de frisar as diferenccedilas entre os dois irmatildeos enquanto Esauacute mostra pouca consideraccedilatildeo

por seu direito de primogenitura e se casa com mulheres que satildeo consideradas pela

tradiccedilatildeo judaica como inadequadas ou marginalizadas na trajetoacuteria da alianccedila da

naccedilatildeo de Israel Jacoacute viaja a Padatilde-Aram para encontrar uma noiva adequada no seio

da famiacutelia de sua matildee e acaba tomando duas esposas que satildeo filhas do irmatildeo de sua

matildee Labatildeo e suas servas Os doze filhos nascidos como resultado destes casamentos

iratildeo se tornar os antepassados das doze tribos de Israel

98

Os inteacuterpretes haacute muito reconhecem que Jacoacute eacute o antepassado epocircnimo de Israel na verdade ele eacute duas vezes renomeado Israel em Gecircnesis 3232-33 e 359-12 Mas o contexto literaacuterio mais amplo da forma final do Pentateuco que eacute amplamente entendida como uma narrativa judia baseada em sua redaccedilatildeo Sacerdotal (P) final geralmente obscurece o fato de que a identificaccedilatildeo de Jacoacute como o antepassado de Israel pressupotildee o ponto de vista do reino do norte de Israel com seu Templo em Betel em vez de Israel como entendido a partir da compreensatildeo judaica de todo Israel e do Templo de Jerusaleacutem (SWEENEY 2016 p 244)

Complementando o que foi exposto acima eacute importante constatar que Gn 3223-

33 insere-se no grande ciclo de Jacoacute e Esauacute (Gn 2519ndash371)72 A nossa personagem

como veremos melhor adiante eacute transformada de liacuteder local de um grupo particular ndash

ao redor do qual se formou uma tradiccedilatildeo ndash em um dos grandes patriarcas do povo de

Israel depositaacuterio das promessas feitas a Abraatildeo Contraacuterio a este primeiro patriarca

cuja vida estava enraizada mais ao sul do paiacutes tendo Hebron como lugar de referecircncia

cultual Jacoacute movimenta-se pela regiatildeo norte de um lado a outro do rio Jordatildeo e ateacute a

Mesopotacircmia A maior parte dos santuaacuterios do Reino de Israel tambeacutem denominado

Reino do Norte eacute ligada a ele Joseacute cujo ciclo sucederaacute agravequele de Jacoacute implanta-se no

Egito

O seu ciclo insere-se entre aquele de Abraatildeo (Gn 121ndash2518) e aquele de Joseacute

(Gn 372ndash5026) Servindo portanto como um proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes em Ecircxodo

O capiacutetulo 36 integra um pequeno ciclo de Isaac Jacoacute eacute um heroacutei construiacutedo sem a

preocupaccedilatildeo de justificar a sua moralidade nos conflitos mais diversos que perpassam

toda a narrativa

Conflito entre Jacoacute e seu irmatildeo Esauacute (Gn 25 27 32-33)

que conduz a uma reconciliaccedilatildeo passando pelo conflito entre Jacoacute e Labatildeo

o Arameu (Gn 29-31)

em meio ao qual brota o conflito entre Raquel e Lia (Gn 2931ndash3024)

72 Muitos preferem concluir esse ciclo no uacuteltimo versiacuteculo do capiacutetulo 36 mas Gn 371 eacute claramente um texto de conclusatildeo de um bloco maior A partir daqui JacoacuteIsrael somente retomaraacute com certo protagonismo em Gn 49 onde ele abenccediloa seus filhos e vive seus momentos finais De Gn 372 em diante o protagonista eacute Joseacute filho caccedilula de JacoacuteIsrael

99

O objetivo final de nossa personagem Jacoacute eacute assegurar a sobrevivecircncia e em

seguida a autonomia de seu clatilde Em um primeiro momento ldquosuas aventuras satildeo

transmitidas como memoacuteria local de um grupo que se vecirc ligado a um ancestral que

descobre o deus El e sua promessardquo (LANOIR 2015 p 4)

Pode-se identificar trecircs grandes partes e um epiacutelogo neste ciclo de Jacoacute presente

no primeiro livro da Toraacute vejamos73

1ordf Jacoacute e Esauacute ndash 1ordm Ato (Gn 2519ndash2822) desde o nascimento de ambos um

conflito que se inicia no ventre materno (2519-26) e se prolonga para a vida dos dois

irmatildeos passando pela venda do direito agrave primogenitura de Esauacute a Jacoacute (2527-34) pelo

roubo da becircnccedilatildeo do pai Issac (271-40) ateacute a sua partida para a casa do tio Labatildeo

motivada seja pelo desejo de vinganccedila de seu irmatildeo Esauacute (2741-45) seja pelo desejo

de Rebeca sua matildee de dar-lhe como esposa algueacutem que natildeo fosse de Canaatilde (2634-35

2746 281-9) Concluindo-se como um encontro divino em Betel durante um sonho

(2810-22)

2ordf Jacoacute e Labatildeo (Gn 291ndash321) este ato eacute marcado por dois grandes momentos

o primeiro a ascensatildeo de Jacoacute que inclui sua chegada a Haratilde (291-14) passando pelos

seus dois casamentos (2915-30) pelo nascimento de seus filhos (2931ndash3024) e o seu

enriquecimento (3025-43) O segundo momento desse ato seria a luta de Jacoacute pela

independecircncia de seu clatilde Iniciando-se com as deliberaccedilotildees de Jacoacute e a sua partida

(311-21) as altercaccedilotildees com Labatildeo que persegue os fugitivos do clatilde de Jacoacute (3122-42)

com a conclusatildeo do conflito e um pacto entre os contentores (3143ndash321)

3ordf Reencontro de Jacoacute com Esauacute ndash 2ordm Ato (Gn 322ndash3317) ocorre o desfecho do

conflito com Esauacute que se daacute em trecircs momentos o anuacutencio e preparaccedilatildeo de um

confronto com seu irmatildeo (322-22) o reencontro com Deus em PenielPenuel (combate

noturno) apoacutes o qual Jacoacute eacute abenccediloado e recebe outro nome Israel (3223-33) e

finalmente o reencontro com seu irmatildeo Esauacute e a reconciliaccedilatildeo (331-17)

73 Aqui apoio-me em PURY (2009 p 219-220)

100

Epiacutelogo (Gn 3318ndash371) de Siqueacutem a Betel um itineraacuterio para reconhecer a

origem do povo de Israel e seu Deus Dois santuaacuterios que conservam as tradiccedilotildees

patriarcais satildeo visitados (3318-20 Siqueacutem) e um altar eacute erguido em cada um deles

sendo que em Betel (351-15) uma estela eacute tambeacutem erigida A histoacuteria dos filhos de

Jacoacute (341-31 3516-26) a morte e o sepultamento de Isaac em Mambreacute (3527-29)

preparam a sequecircncia narrativa de Gecircnesis com o ciclo de Joseacute (372ndash5026) Antes

poreacutem haacute a narraccedilatildeo da instalaccedilatildeo de Esauacute em Edom74 e a enumeraccedilatildeo de seus

descendentes (361-43)

O texto da saga ou lenda75 de Jacoacute ocupa-se das origens de Israel podendo

constituir-se em uma das mais antigas E desde o iniacutecio ateacute o final essa saga eacute uma

histoacuteria de luta por becircnccedilatildeo76 Afinal Jacoacute teve de fugir da casa de seu pai devido ao

fato de ter enganado seu irmatildeo e lhe furtado a primogenitura e a becircnccedilatildeo

A caminho de Betel Deus apareceu-lhe e o asseverou de sua proteccedilatildeo e do cumprimento de sua promessa de becircnccedilatildeo77 Eacute verdade que ele conseguiu vaacuterios benefiacutecios na casa de Labatildeo mas quando Labatildeo na despedida deu uma verdadeira becircnccedilatildeo esta valia somente para a famiacutelia natildeo para Jacoacute (Gn 321) No iminente encontro com Esauacute Jacoacute estava correndo o risco de perder todos os benefiacutecios antes conquistados o assalto ocorreu exatamente quando ele em caacutelculo perspicaz mandou todas as suas posses e sua famiacutelia agrave sua frente para o outro lado do Jaboc78 Curiosamente seu adversaacuterio estava aparentemente interessado no nome dele ndash o nome com o qual estava

74 Em Gn 2525 nos eacute apresentado o suposto motivo para o nome de Esauacute que segundo o texto teria recebido tal nome por ser ldquoavermelhadoruivordquo e ldquopeludordquo como se fosse um animal Na realidade a explicaccedilatildeo para suas caracteriacutesticas fiacutesicas faz referecircncia a dois outros nomes que lhe satildeo relacionados

Edom e Seir ldquoAvermelhadoruivordquo eacute em hebraico acuteadmocircnicirc utilizado em 1Sm 1612 e 1742 para Davi

relaciona-se a ldquoEdomrdquo (Gn 2529 3618) regiatildeo a leste de rio Jordatildeo ao sul do territoacuterio de Judaacute caracterizada pelas suas montanhas avermelhadas ldquoPeludordquo (hebraico Seuml`aumlr = peloSeuml`icircr = nome da

regiatildeo montanhosa de Seir tambeacutem em Edom) refere-se agrave regiatildeo de Seir onde Esauacute se instalaraacute com o seu clatilde (Gn 3314-16) Vecirc-se como ldquoEsauacute desde o princiacutepio da narrativa eacute assimilado a um grupo que natildeo tem nada a ver com as regiotildees do Reino do Norte [Israel]rdquo (LANOIR 2015 p 9) 75 Lenda eacute compreendida aqui no sentido que lhe deu GUNKEL (1997 p vii-viii) ldquoa lenda natildeo eacute uma mentira Em vez disso eacute um gecircnero especiacutefico de literatura Lenda - a palavra eacute empregada aqui em nenhum outro sentido senatildeo o geralmente reconhecido - eacute um relato popular longamente transmitido narrativa poeacutetica que trata de pessoas ou eventos passadosrdquo 76 Essa expressatildeo foi empregada inicialmente por WESTERMANN (1964 p 89) e um pouco mais recentemente por DIETRICH (2001 p 205) 77 ldquoA meu ver na composiccedilatildeo original de Jacoacute o discurso divino em Gn 28 estava limitado ao v 15 Se a lenda de santuaacuterio que eacute a base tiver falado de Deus entatildeo ela narrou provavelmente apenas como ele apareceu no topo da escada celestial (as primeiras palavras do v 13) A promessa abrangente no v 1314 foi acrescentada finalmente quando ndash muito tarde na histoacuteria da redaccedilatildeo ndash a histoacuteria de Abraatildeo foi anteposta agrave histoacuteria de Jacoacuterdquo (DIETRICH 2001 p 205 n 28) 78 Essa aliaacutes eacute uma fina ironia presente no texto de Gn 3223-33

101

vinculado o oacutedio devido ao furto da becircnccedilatildeo79 Jacoacute revela-o e assim assume seu passado pouco positivo Nessa situaccedilatildeo ele recebe um novo nome ndash e a becircnccedilatildeo haacute tanto tempo ansiada (DIETRICH 2001 p 205)

4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute

Quando se interroga pela histoacuteria da formaccedilatildeo do texto do ciclo de Jacoacute

deparamo-nos com a complexa discussatildeo acerca das fontes que compuseram a Toraacute

Em linhas gerais e de modo resumido80 pode-se dizer que houve quatro fases da

pesquisa ateacute o presente momento

Inicialmente levando-se em conta os numerosos textos legislativos presentes na

Toraacute (ex Ex 242 Dt 11 445) atribuiacutedos a Moiseacutes as tradiccedilotildees judaicas e cristatildes

fizeram dele o autor desses cinco primeiro livros da BH81 Mesmo que essa ideia natildeo

tenha sido explicitamente contestada a natildeo ser no seacuteculo XVIII de nossa era natildeo

significa que sempre foi aceita e indiscutida por todos Como imaginar por exemplo

o proacuteprio Moiseacutes narrando a sua morte (Dt 34) Rabinos viram nesse texto conclusivo

da Toraacute um acreacutescimo posterior por parte de Josueacute o sucessor de Moiseacutes82 Na Idade

Meacutedia os estudiosos judeus Issac ben Jesus e Ibn Esdras elaboraram listas que

continham os ldquopost-mosaicardquo ou seja textos que deveriam ter sido escritos em

momentos mais tardios da histoacuteria de Israel83 Mas esses autores natildeo ousaram colocar

em duacutevida a tradiccedilatildeo recebida Esse passo seraacute dado por meio do Tratactus theologico-

politicus do filoacutesofo judeu Baruch de Spinoza (era de origem sefardita portuguesa

79 ldquoJaacute durante o parto Jacoacute teria atacado o irmatildeo gecircmeo mais velho Esauacute ao seguraacute-lo pelo lsquocalcanharrsquo E apoacutes a becircnccedilatildeo Esauacute exclama lsquoSeraacute que natildeo eacute com razatildeo que ele se chama Jacoacute Duas (Gn 2525s) (עקב)vezes me enganou (עקב)rsquo (Gn 2736 a mesma palavra rara para lsquoenganarrsquo eacute usada no mesmo contexto por Oseias em Os 124)rdquo (DIETRICH 2001 p 205-206 n 30)

80 Para uma visatildeo mais detalhada da histoacuteria da composiccedilatildeo do Pentateuco e suas vaacuterias teorias ateacute o presente momento pode-se consultar SKA 2016 p 13-87 ROumlMER 2009 p 140-157 NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184 ZENGER 2008a p 117-186 ZENGER 2008b p 187-203 81 Cf PHILON DrsquoALEXANDRIE De vita Mosis I sect 84 (1967) Mc 1226 2Cor 315 entre outros 82 ldquoMoiseacutes escreveu seu proacuteprio livro e a porccedilatildeo de Balaatildeo e Joacute Josueacute escreveu o livro que leva seu nome e [uacuteltimos] oito versos do Pentateucordquo Em inglecircs ldquoMoses wrote his own book and the portion of Balaam and Job Joshua wrote the book which bears his name and [the last] eight verses of the Pentateuchrdquo (Talmude Babilocircnico Baba Bathra 14b EPSTEIN 2009) Os uacuteltimos versiacuteculos do Pentateuco satildeo justamente a narrativa da morte de Moiseacutes 83 Por exemplo Gn 3631 o qual pressupotildee a eacutepoca monaacuterquica Nm 221 que designa a Transjordacircnia como paiacutes aleacutem do Jordatildeo o que estaacute em contradiccedilatildeo com um Moiseacutes que escreve na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2009 p 141)

102

Bento de Espinosa) em 1670 Ele observa que o ldquoPentateuco forma com os livros

histoacutericos (Josueacute e Reis) uma unidade orgacircnica e que ele natildeo pode consequentemente

ter sido regido antes do final do reino de Judaacute (relatado em 2 Reis) Aos seus olhos o

verdadeiro autor do Pentateuco eacute Esdras o qual busca dar uma identidade ao povo

judeu agrave eacutepoca persardquo (ROumlMER 2009 p 141)

Por volta da metade do seacuteculo XVIII a pesquisa biacuteblica conheceraacute a primeira

tentativa de identificar fontes no interior do Pentateuco surgindo entatildeo uma teoria

sobre elas Os pioneiros foram de um lado o pastor e orientalista alematildeo Henning

Bernhard Witter e de outro o francecircs Jean Astruc meacutedico de Luiacutes XV Aleacutem da

constataccedilatildeo de vaacuterias rupturas dublecircs contradiccedilotildees e repeticcedilotildees no interior do texto

do Pentateuco84 tal como o temos na atualidade aquilo que mais chamou a atenccedilatildeo foi

a variaccedilatildeo contiacutenua nos textos entre o emprego do nome proacuteprio YHWH ou do termo

mais geneacuterico Elohicircm para designar o Deus de Israel Assim sendo em 1753 Jean

Astruc publicou as ldquoConjectures sur les meacutemoires originaux dont il paroit que Moyse

srsquoest servi pour composer le Livre de la Genegraveserdquo (traduccedilatildeo livre Conjecturas sobre os

documentos originais que Moiseacutes parece ter se servido para compor o Livro de Gecircnesis) Esse

pesquisador francecircs tinha uma finalidade apologeacutetica ou seja defender a autoria de

Moiseacutes para todo o Pentateuco Para tanto ele postulava que Moiseacutes teria tido agrave

disposiccedilatildeo dois documentos principais o ldquodocumento Ardquo o qual utilizava o nome

divino Elohicircm do qual o iniacutecio se situava em Gn 1 e o ldquodocumento Brdquo caracterizado

pelo emprego de YHWH que teria seu iniacutecio em Gn 24 Com isso tem iniacutecio a famosa

teoria ldquodocumentaacuteriardquo que marcaraacute por deacutecadas a exegese histoacuterico-criacutetica moderna

A autoria uacutenica de Moiseacutes evidentemente foi logo abandonada mas aproveitou-se a

inspiraccedilatildeo original de Astruc Essa teoria imagina existir na base do Pentateuco vaacuterias

84 ldquoSegundo Gn 715 Noeacute fez entrar na arca um par de animais de cada espeacutecie ao contraacuterio Gn 72 fala de sete pares para os animais puros Segundo Gn 426 a humanidade invoca o Deus de Israel sob o nome de lsquoYHWHrsquo desde as origens enquanto que em Ex 312-15 esse nome natildeo eacute revelado a Israel a natildeo ser no momento da vocaccedilatildeo de Moiseacutes O comportamento do faraoacute diante das pragas do Egito e explicado de duas maneiras diferentes segundo Ex 73 por exemplo eacute YHWH que torna inflexiacutevel o coraccedilatildeo do rei do Egito enquanto outros textos insistem sobre o fato que o proacuteprio faraoacute endureceu seu proacuteprio coraccedilatildeo (Ex 811 etc) Constata-se igualmente a presenccedila de vaacuterios dublecircs O Pentateuco comporta dois relatos da criaccedilatildeo (Gn 11 ndash 23 Gn 24 ndash 324) dois relatos que reportam a conclusatildeo da alianccedila entre Deus e Abraatildeo (Gn 15 e 17) dois relatos da expulsatildeo de Agar (Gn 16 e 219ss) dois relatos de vocaccedilatildeo de Moiseacutes (Ex 3 e 6) duas versotildees do Decaacutelogo (Ex 20 e Dt 5) etcrdquo (ROumlMER 2009 p 141)

103

tramas narrativas independentes uma das outras e regidas em eacutepocas diferentes

relatando cada uma a mesma intriga mas com nuanccedilas ideoloacutegicas diferentes Esses

documentos teriam sido reunidos uns aos outros por redatores sucessivos

Esse sistema explicativo da composiccedilatildeo da ToraacutePentateuco prevaleceraacute

ateacute os anos 1970 com destaque para Julius Wellhausen (1844-1918) o idealizador da

teoria documentaacuteria De acordo com esse estudioso alematildeo o Pentateuco eacute o resultado

de quatro documentos o documento Javista (ldquoJrdquo uma vez que esse documento daacute

preferecircncia ao nome divino YHWH ou seja ldquoJahwerdquo em alematildeo) o documento eloiacutesta

(ldquoErdquo originaacuterio do nome divino ldquoElohicircmrdquo) o Deuteronocircmio (ldquoDrdquo) e o documento

sacerdotal (ldquoPrdquo segundo o termo alematildeo ldquoPriesterschriftrdquo) Wellhausen eacute muito

prudente em relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo desses documentos paralelos que compuseram o

Pentateuco Para ele ldquoJrdquo e ldquoErdquo satildeo siglas que agrupam vaacuterios documentos Como uma

distinccedilatildeo desses dois documentos eacute muito difiacutecil ele prefere reagrupaacute-los sob a sigla

ldquoJErdquo (de ldquoJehowistrdquo em alematildeo) Ele propunha que esses escritos datassem da eacutepoca

monaacuterquica (VIII seacuteculo AEC) jaacute o ldquoDrdquo seria do final do periacuteodo monaacuterquico da eacutepoca

do rei Josias (por volta de 620 AEC)85 e o ldquoPrdquo seria situado no iniacutecio do periacuteodo poacutes-

exiacutelio (por volta de 500 AEC) Na visatildeo de Wellhausen ldquoJErdquo e ldquoPrdquo satildeo tambeacutem

encontrados no livro de Josueacute cujos relatos da conquista da terra prometida

constituem o culminar da promessa da terra no Pentateuco O ciclo de Jacoacute do qual o

texto em anaacutelise em nosso estudo faz parte integrava a histoacuteria Patriarcal (Abraatildeo

Isaac Jacoacute e Joseacute) Essa histoacuteria fazia parte do documento JE na visatildeo de Wellhausen86

Isso acabou levando estudiosos a falarem de um Hexateuco um conjunto de livros de

Gn a Js Esses documentos refletiriam na visatildeo de Wellhausen natildeo apenas um

instrumento de anaacutelise literaacuteria do Pentateuco mas uma siacutentese da evoluccedilatildeo religiosa

do Israel antigo Ele fundamenta sua pesquisa em cinco instituiccedilotildees o lugar do culto

os sacrifiacutecios as festas o clero o diacutezimo (cf ROumlMER 2009 144) Os documentos (JE

85 ldquoWellhausen aceita a identificaccedilatildeo proposta por de Wette em 1805 do Dt primitivo com o livro mencionado em 2Rs 22ndash23rdquo (ROumlMER 2009 p 144) 86 Nessa visatildeo eacute importante frisar que a tradiccedilatildeo oral era tida como a fonte de onde teriam se originado esse documento (JE) Assim sendo mesmo que o Javista e Eloiacutesta tivessem sua origem no periacuteodo monaacuterquico sempre segundo essa teoria documentaacuteria as origens do ciclo de Jacoacute por exemplo deveriam ser buscadas antes mais proacuteximo agraves origens de Israel No entanto isso natildeo era demonstrado nem comprovado mas admitido de modo um tanto ldquonaturalrdquo

104

D P) revelaratildeo um esquema de evoluccedilatildeo pluralidade centralizaccedilatildeo ritualizaccedilatildeo

Desse modo parte-se da pluralidade de locais de culto na eacutepoca monaacuterquica para uma

centralizaccedilatildeo em Jerusaleacutem no periacuteodo de Josias O Templo de Jerusaleacutem eacute instituiacutedo

como o uacutenico lugar legiacutetimo de culto ao deus de Israel (cf 2Rs 22ndash23 e Dt 12)87 A fonte

ldquoPrdquo jaacute supotildee essa centralizaccedilatildeo e a retroprojeta para o periacuteodo das origens Assim

sendo para Wellhausen a Lei natildeo estaria nas origens nem do Israel antigo nem do

Pentateuco mas ela torna-se um fundamento do judaiacutesmo a partir da eacutepoca poacutes-

exiacutelica

Na deacutecada de 1970 a 1980 viu-se surgir uma verdadeira rebeliatildeo contraacuteria agrave

teoria documentaacuteria O aparecimento de trecircs obras principais coroam uma sequecircncia

de vaacuterios estudos criacuteticos que vinha desde os anos 1960 provocando repensamentos

da teoria documentaacuteria Satildeo elas a) John Van Seters Abraham in history and tradition

(1975)88 b) Hans Heinrich Schmid Der sogenannte Jahwist Beobachtungen und Fragen

zur Pentateuchforschung (1976)89 c) Rolf Rendtorff Das uumlberlieferungsgeschichtliche

Problem des Pentateuch (1976)90 A obra de Van Seters coloca definitivamente em causa

a tal ldquoeacutepoca patricarcalrdquo ao situar doravante as tradiccedilotildees sobre Abraatildeo e sua colocaccedilatildeo

por escrito agrave eacutepoca do exiacutelio babilocircnio Anteriormente jaacute se havia constatado que o

ldquoDeus dos paisrdquo de Gecircnesis bem como os motivos das promessas patriarcais natildeo

deveriam ser situados em um periacuteodo nocircmade dos ancestrais de Israel mas ldquodeviam

ser explicados sobre o plano literaacuterio como teacutecnicas composicionais com as quais os

redatores reforccedilam a ligaccedilatildeo entre as diferentes figuras patriarcais (Abraatildeo Isaac

Jacoacute)rdquo (ROumlMER 2009 p 150) A obra de Schmid explora a presenccedila da linguagem

Deuteronomista na fonte ldquoJrdquo admitindo inclusive que todo este documento eacute

proacuteximo ao Deuteronocircmio Outros pesquisadores jaacute haviam constatado que certos

temas como aquele da teologia da alianccedila entre YHWH e Israel natildeo satildeo de origem

87 Em Ex 25ndash40 eacute relatado por exemplo a construccedilatildeo de um tabernaacuteculo em pleno deserto como sendo a conclusatildeo da criaccedilatildeo do mundo O escopo humano eacute adorar o Deus que tudo criou por isso o tabernaacuteculo culmina o periacuteodo da criaccedilatildeo do mundo e do ser humano 88 Publicado em sua primeira ediccedilatildeo em New Haven pela Yale University Press 89 Publicado em Zuumlrich pela Theologischer Verlag O tiacutetulo pode ser traduzido livremente como O assim chamado Javista observaccedilotildees e questotildees sobre a pesquisa do Pentateuco 90 Publicado em BerlinNew York pela Walter de Gruyter sendo o nuacutemero 147 da renomada coleccedilatildeo ldquoBeihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaftrdquo (BZAW)

105

Javista mas estaacute mais proacuteximo agrave teologia Deuteronomista A terceira obra aquela de

Rendtorff foi decisiva no processo de reviravolta nas pesquisas sobre o Pentateuco

Ele insistiraacute na importacircncia do estudioso debruccedilar-se sobre o texto tal como o

recebemos Isso porque sob a aparecircncia de consenso a teoria documentaacuteria apresenta

incoerecircncias e fraquezas como por exemplo ao se buscar estabelecer o iniacutecio e final

de cada documento (J E D P) na distinccedilatildeo do que seria material textual de ldquoJrdquo e ldquoErdquo

e assim por diante Para ele o Pentateuco em sua forma atual seria composto de

ldquounidades maioresrdquo que satildeo caracterizadas por uma grande coerecircncia interna e por

uma independecircncia quase que total em relaccedilatildeo agraves demais Essas unidades seriam as

seguintes a histoacuteria das origens (Gn 1ndash11) os Patriarcas (Gn 12ndash50) a saiacuteda do Egito

(Ex 1ndash15) o Sinai (Ex 19ndash24 32ndash34) a permanecircncia no deserto (Ex 16ndash18 Nm 11ndash20) a

conquista da terra (Nm + Js) Para Rendtorff satildeo as ldquopromessas (terra descendecircncia

acompanhamento becircnccedilatildeo) que se constituem numa sorte de lsquoargamassarsquo redacional

por meio da qual os trecircs patriarcas foram inscritos e situados em uma relaccedilatildeo

genealoacutegicardquo (ROumlMER 2009 p 153) Tanto Rendtorff como seu aluno Erhard Blum

concordaratildeo que o processo redacional que uniu as tradiccedilotildees patriarcais ao restante do

Pentateuco foi obra de um redator do tipo deuteronomista Em resumo o Eloiacutesta saiu

de cena o Javista da eacutepoca de Salomatildeo segundo a teoria wellhausiana estaacute morto ou

transformou-se em um antigo historiador da eacutepoca persa a escola deuteronomista

torna-se nessa fase da histoacuteria da pesquisa o pivocirc ao redor do qual se articula todo o

novo sistema o debate concentra-se no eixo Moiseacutes ndash ecircxodo ndash conquista com algum

olhar eventual sobre Abraatildeo como figura emblemaacutetica da preacute-histoacuteria (cf PURY 2001

p 216)

Completando a visatildeo de conjunto sobre a histoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo

do PentateucoToraacute nos anos 1990 em diante pode-se encontrar trecircs grandes

tendecircncias da pesquisa sobre a formaccedilatildeo da Toraacute91 A primeira busca preservar a teoria

documentaacuteria mas com vaacuterias modificaccedilotildees Haacute aqueles que ainda defendem a

existecircncia de um documento Javista da eacutepoca salomocircnica (por exemplo Werner H

91 Sintetizo aqui a resumida apresentaccedilatildeo de ROumlMER 2009 p 154-156

106

Schmidt92) Outros encontram dificuldade em ainda reconhecer um Javista no interior

da Toraacute e preferem a soluccedilatildeo de um Jeovista (J+E) eacute o caso de Horst Seebass93 Alguns

permanecem ligados ao Javista da eacutepoca monaacuterquica mas reconhecem que vaacuterios

textos que uma vez foram atribuiacutedos ao J pertencem a eacutepocas mais tardias da redaccedilatildeo

do Pentateuco Esse eacute o caso de Erich Zenger e Peter Weimar94 os quais defendem a

existecircncia de redaccedilotildees jeovistas entre 722 e 587 AEC e deuteronomistas a partir de 587

AEC (iniacutecio do exiacutelio da Babilocircnia) Ainda segundo Zenger as redaccedilotildees jeovistas em

GnndashNm teriam formado uma grande Jerusalemitisches Geschichtswerk (ldquohistoriografia

hierosolimitanardquo) preacute-exiacutelica a qual mais tarde na eacutepoca do exiacutelio sofreu uma revisatildeo

deuteronomista

A segunda grande tendecircncia dessa quarta fase da histoacuteria da pesquisa

concentra-se em identificar duas fontes com dataccedilatildeo mais tardia O Pentateuco ou

melhor dizendo o Tetrateuco (Gn Ex Lv Nm) seria fruto da fusatildeo de dois

documentos o Javista (J) e o Sacerdotal (P) que seriam da eacutepoca exiacutelica Os maiores

defensores dessa teoria satildeo Otto Kaiser95 Martin Rose96 e Christoph Levin97 Para este

uacuteltimo o J eacute um redator e um teoacutelogo da diaacutespora valoriza a religiatildeo popular e integra

em seu trabalho fontes mais antigas Levin identifica uma polecircmica entre P e J que eacute

um escrito independente da eacutepoca persa conhecedor de J o qual eacute contraacuterio agrave ideologia

deuteronomista do santuaacuterio uacutenico A intenccedilatildeo de P eacute substituir J Apesar que a

redaccedilatildeo final do Pentateuco preservou os dois documentos da maneira mais completa

92 Elementare Erwaumlgungen zur Quellenscheidung im Pentateuch In EMERTON J A (Ed) Congress Volume Leuven 1989 Leiden New York Koumlln Brill p 22-45 (Vetus Testamentum Supplements [VTS] 43) 93 Pentateuch In THEOLOGISCHE REALENZYKLOPAumlDIE Berlin New York De Gruyter 1996 v 26 p 185-209 Que restet-il du Yahwiste et de lrsquoElohiste In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 199-214 (Le Monde de la Bible 19) 94 ZENGER Erich Die Buumlcher der Torades Pentateuch In _________ et al Einleitung in das Alte Testament 7 Aufl Stuttgart Berlin Koumlln Kohlhammer 2008 p 60-135 95 The Pentateuch and the Deuteronomistic History In MAYES A D H (Ed) Text in Context Essays by Members of the Society for Old Testament Studies Oxford Oxford University Press 2000 p 289-322 96 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 97 Der Jahwist Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1993 (Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments [FRLANT] 157)

107

possiacutevel fazendo seguir um relato P em paralelo ao J ou vice-versa Levin reconhece

poreacutem que mais da metade dos textos do Pentateuco satildeo acreacutescimos tardios agrave J ou P

ou seja adiccedilotildees feitas apoacutes a fusatildeo de J e P

Uma terceira tendecircncia nessa quarta fase da pesquisa eacute a teoria elaborada por

Erhard Blum98 e retomada com algumas modificaccedilotildees por Rainer Albertz99 Joseph

Blenkinsopp100 Franz Cruumlsemann101 e outros estudiosos Eles concebem o Pentateuco

como o resultado do diaacutelogo conflituoso entre duas escolas a D e a P O periacuteodo de

composiccedilatildeo eacute tardio ou seja poacutes-exiacutelico Na concepccedilatildeo de Blum haacute uma composiccedilatildeo

deuteronomista (sigla em alematildeo KD) que compreende desde o ciclo de Abraatildeo ateacute 2Rs

25 uma vez que essa composiccedilatildeo eacute tida como o preluacutedio da histoacuteria deuteronomista

Ainda segundo este autor Dt 3410 marca uma ruptura que fornece ao conjunto de Gn-

Dt uma autonomia ou seja uma supremacia em relaccedilatildeo aos livros seguintes uma vez

que se trata da ldquoToraacute de Moiseacutesrdquo A KD destina-se aos judeus da diaacutespora que ocorreu

apoacutes o exiacutelio da Babilocircnia Ela deseja recordar atraveacutes das histoacuterias de Abraatildeo e Ecircxodo

os dois pilares sobre os quais assenta-se a relaccedilatildeo de YHWH e Israel para concluir que

esses pilares restam firmes mesmo com a trageacutedia do exiacutelio Eacute claro que a KD tinha agrave

sua disposiccedilatildeo materiais narrativos e legislativos mais antigos da eacutepoca preacute-exiacutelica Jaacute

a composiccedilatildeo sacerdotal (em sigla alematilde KP) interveacutem de fato como um editor um

redator na obra deuteronomista A KP fez uso de documentos independentes

previamente escritos102 O foco da KP eacute claramente sobre o culto as instituiccedilotildees os

quais satildeo apresentados como dom de YHWH permitindo que Israel faccedila a experiecircncia

98 Studien zur Komposition des Pentateuch Berlin New York De Gruyter 1990 (Beihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft [BZAW] 189) Outro escrito no qual ele aborda essa questatildeo eacute The Literary Connection Between the Books of Genesis and Exodus and the End of the Book of Joshua In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 89-106 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34) 99 Religionsgeschichte Israels in alttestamentlicher Zeit 2 Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1992 (Grundisse zum Alten Testament [GAT] 82) 100 The Pentateuch An Introduction to the First Five Books of the Bible New York Doubleday 1992 (The Anchor Bible Reference Library) 101 Le Pentateuque une Tora Proleacutegomegravenes agrave lrsquointerpreacutetation de sa forme finale In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 339-360 (Le Monde de la Bible 19) 102 Como por exemplo a versatildeo sacerdotal do diluacutevio em Gn 6ndash8 Ex 62-8 a versatildeo do ciclo das pragas no Egito em Ex 7ss o relato da travessia do mar em Ex 14 etc

108

da restauraccedilatildeo da proximidade divina como se deu apoacutes o diluacutevio Aleacutem dessas duas

composiccedilotildees maiores D e P Blum admite a existecircncia de adiccedilotildees redacionais que satildeo

proacuteximas seja da KD como da KP Outro estudioso que acredita na existecircncia de

apenas duas fontes dois verdadeiros documentos para o Pentateuco eacute Jean-Louis Ska

Segundo ele uma fonte somente pode ser caracterizada como tal se apresentar um

conceito fundamental e um estilo homogecircneo que une toda a obra103 mesmo que esta

apresente acreacutescimos mais tardios como eacute comum na literatura claacutessica de Israel Natildeo

basta apresentar textos com alguma semelhanccedila entre si para se falar de ldquofonterdquo Nesse

sentido ele somente reconhece duas fontes no Pentateuco o Deuteronocircmio que

constitui um livro a parte e a sacerdotal O Dt natildeo necessita de grandes justificativas

para ser considerado uma fonte independente autocircnoma e coerente Segundo Ska

ldquosomente o Documento Sacerdotal cria um verdadeiro enredo que une as partes

principais do Pentateuco em particular as tradiccedilotildees sobre as origens do universo

sobre os patriarcas e sobre o ecircxodordquo (SKA 2016 p 31) Haacute uma progressatildeo na

revelaccedilatildeo de Deus segundo o sacerdotal inicialmente ele eacute o criador do universo

Elohim (Gn 1ndash11) depois ele eacute o Deus dos patriarcas El Shaddai (Gn 171) e finalmente

ele eacute YHWH o Deus do ecircxodo (Ex 63) Ao unir as tradiccedilotildees sobre os antepassados de

Israel com as tradiccedilotildees sobre o ecircxodo num uacutenico enredo o sacerdotal daacute uma loacutegica a

esses dois blocos na opiniatildeo de Ska afinal ldquoDeus faz Israel sair do Egito e o conduz

ateacute a sua terra porque eacute fiel agrave promessa feita com juramento aos patriarcas (Ex 62-8

cf em particular Ex 648 e o lsquopor issorsquo do v 6 [lākēn em hebraico])rdquo (SKA 2016 p 32)

Portanto o Javista e o Eloiacutesta na opiniatildeo de Ska natildeo existiriam Pode-se encontrar

fragmentos ou estratos redacionais que possam agrupar textos anteriormente

atribuiacutedos a essas supostas fontes Ska tende a admitir que o Documento Sacerdotal

foi composto no comeccedilo do retorno do exiacutelio com a finalidade de ldquoconvencer os

exilados a voltarem para a terra prometidardquo (SKA 2016 p 42)104 Isso seria difiacutecil caso

o sacerdotal natildeo apresentasse essa terra que foi prometida a Israel Por isso Ska tende

103 Nas palavras do proacuteprio autor ldquoUma fonte eacute uma obra literaacuteria de ampla extensatildeo unificada e homogecircnea com seu estilo reconheciacutevel e uma ideia-base que confere ao conjunto unidade e coesatildeordquo (SKA 2016 p 32) 104 Nessa tese Ska se reconhece devedor do trabalho de ELLIGER Karl Sinn und Ursprung der priesterlichen Geschichtserzaumlhlung Zeitschrift fuumlr Theologie und Kirche Tuumlbingen Mohr Siebeck v 49 n 2 p 121-143 1952

109

a ver o final do Documento Sacerdotal nos capiacutetulos 13ndash14 e mesmo 201-13 do livro

de Nuacutemeros Ali eacute explicado o motivo pelo qual o povo tem de ficar quarenta anos no

deserto por ter-se recusado a entrar na terra prometida Desse modo natildeo se nega o

acesso agrave terra mas coloca-se o cumprimento da promessa em uma eacutepoca posterior

Concluindo essa trajetoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco chega-

se agrave quinta fase que eacute a atual Nesse momento coexistem grosso modo trecircs grandes

problemas que se encontram no centro das discussotildees cientiacuteficas ldquoo perfil e a coerecircncia

dos textos preacute-sacerdotais (lsquojavistasrsquo ou lsquodeuteronomistasrsquo) a diacronia interna dos

textos sacerdotais dito de outro modo o problema da gecircnese e da formaccedilatildeo do

material agrupado sob a sigla lsquoPrsquo e o papel das redaccedilotildees poacutes-sacerdotais na

composiccedilatildeo do Pentateucordquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 158)105 Em meio a uma

pluralidade enorme de teorias e estudos os quais natildeo podem ser inteiramente

harmonizados pode-se dizer que atualmente caminha-se na direccedilatildeo de alguns

consensos entre eles pode-se destacar

a) Eacute cada vez mais realccedilada a importacircncia do trabalho dos uacuteltimos redatores e

editores da ToraacutePentateuco O que natildeo leva a negligenciar a reconstruccedilatildeo

desde as origens dos documentos tradicionais utilizados pelos editores da

Toraacute

b) Reconhece-se aos poucos que os escribas responsaacuteveis pela composiccedilatildeo da

Toraacute natildeo foram simples compiladores de fontes antigas mas eram animados

por um projeto teoloacutegico bem preciso Resta no entanto compreender

melhor quais eram os principais programas ideoloacutegicos dos editores da Toraacute

na segunda metade da eacutepoca persa

c) A Toraacute em sua forma final ldquonatildeo eacute obra de um ou dois redatores isolados

mas constitui antes de mais nada uma literatura de acordo entre as

principais correntes religiosas e poliacuteticas da eacutepoca bem como um magistral

105 Para uma exposiccedilatildeo mais detalhada a respeito das propostas de soluccedilatildeo para esses trecircs principais problemas da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco consultar NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184

110

esforccedilo de siacutentese entre as diferentes tradiccedilotildees sobre o Israel antigo coletadas

no Templo de Jerusaleacutemrdquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 181)

d) Natildeo estaacute claro no entanto a identidade dos meios envolvidos nessa siacutentese

Algumas evidecircncias textuais fazem os estudiosos concordarem que poderia

haver trecircs categorias de escribas envolvidas escribas sacerdotais uma vez que

haacute evidecircncias de acesso agrave biblioteca do Segundo Templo escribas de

obediecircncia mais laical os quais poderiam ser herdeiros da escola

deuteronomista escribas samaritanos apesar de essa hipoacutetese necessitar ser

mais investigada eacute revelador que uma passagem tardia do Deuteronocircmio

(Dt 274-8) contenha uma instruccedilatildeo para a construccedilatildeo de um santuaacuterio sobre

o monte Garizim regiatildeo samaritana106 E mais impressionante ainda eacute o fato

de a arqueologia certificar que na verdade houve um santuaacuterio sobre esse

monte desde metade do seacuteculo V AEC o que corresponde agrave eacutepoca em que

as principais tradiccedilotildees da Toraacute comeccedilam a ser reunidas

e) Cai por terra cada vez mais a tese proposta por Peter Frei107 e aceita durante

um bom tempo por um grande nuacutemero de especialistas da ldquoautorizaccedilatildeo

imperialrdquo Segundo essa tese a administraccedilatildeo persa Aquemecircnida (cerca de

550-330 AEC tambeacutem conhecida como Primeiro Impeacuterio Persa fundado por

Ciro o Grande) teria encomendado a ediccedilatildeo da Toraacute agraves principais instacircncias

106 De fato haacute uma divergecircncia de leituras entre o texto massoreacutetico e aquele samaritano no versiacuteculo 4 do capiacutetulo 27 de Deuteronocircmio Enquanto o texto massoreacutetico lecirc ל רעיב ה ב (em monte Ebal) o Pentateuco Samaritano lecirc ב ים ז ר ג ר ה (em monte Garizim) cf ELLIGER K RUDOLPH W (1967-1977) p 332 Interessante observar que nos versiacuteculos 12 e 13 deste mesmo capiacutetulo retorna a menccedilatildeo ao monte Garizim ao inveacutes de Ebal Em Dt 1129 insiste-se que a becircnccedilatildeo seraacute colocada sobre o monte Garizim e a maldiccedilatildeo sobre o monte Ebal Muitos autores consideram a leitura samaritana como a mais antiga sendo que a inserccedilatildeo de Ebal poderia refletir a polecircmica entre os judeus e os samaritanos apoacutes o exiacutelio babilocircnico 107 Presente especialmente no artigo Zentralgewalt und Lokalautonomie im Achaumlmenidenreich In FREI Peter KOCH Klaus Reichsidee und Reichsorganisation im Perserreich 2 Aufl Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag Vandenhoeck amp Ruprecht 1996 p 5-131 (Orbis biblicus et orientalis 55) A primeira ediccedilatildeo dessa obra eacute de 1984 Na verdade segundo Konrad Schmid ldquoeacute importante reconhecer que a teoria foi independentemente formulada por Erhard Blum em meados da deacutecada de 1980 embora ele tenha publicado seus resultados apenas em 1990 No entanto nem Frei nem Blum inventaram esta teoria que jaacute havia sido proposta por Eduard Meyer [1896] Hans Heinrich Schaeder Martin Noth Edda Bresciani Ulrich Kellermann Wilhelm In der Smitten e outrosrdquo (SCHMID 2007 p 24)

111

religiosas e poliacuteticas de Judaacute em Jerusaleacutem108 A proacutepria existecircncia dessa

praacutetica de ldquoautorizaccedilatildeo imperialrdquo eacute posta em duacutevida uma vez que apenas

se conseguiu descobrir ateacute o momento documentos breves e estritamente

legislativos em povos daquela regiatildeo

f) Reforccedila-se atualmente a tese de que a ediccedilatildeo da Toraacute seja mais um

desenvolvimento interno agrave comunidade de Jerusaleacutem No entanto ainda

permanecem em aberto vaacuterias questotildees Sem duacutevida ldquoum projeto tatildeo

importante reflete provavelmente as ambiccedilotildees de Jerusaleacutem apoacutes a missatildeo

de Neemias em 445 AEC a qual possivelmente procurou reabilitar a cidade

como centro econocircmico e administrativo da proviacutencia da Judeiardquo (NIHAN

ROumlMER 2009 p 182) Eacute uma revitalizaccedilatildeo apoacutes o periacuteodo traacutegico do exiacutelio

babilocircnio Nessa busca por redefinir e fundamentar a identidade de Israel

pode ter-se dado contemporaneamente a preocupaccedilatildeo em reivindicar uma

autonomia em relaccedilatildeo ao Impeacuterio Persa uma vez que ele natildeo domina mais

o Egito e seu poder e influecircncia se enfraquecem na regiatildeo no final do V

seacuteculo e iniacutecio do IV AEC

Voltemos agora ao ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)109 agrave luz desses debates e teorias que

foram se sucedendo ao longo das uacuteltimas deacutecadas Um nuacutemero cada vez maior de

autores redescobre atraacutes da redaccedilatildeo do Pentateuco a existecircncia de vaacuterias coleccedilotildees

inicialmente independentes A partir daiacute pode-se extrair as seguintes conclusotildees110

108 As principais teorias e estudos a esse respeito podem ser encontrados em duas obras principais WATTS James W (Ed) Persia and Torah The Theory of Imperial Authorization of the Pentateuch Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2001 (Symposium 17) KNOPPERS Gary N LEVINSON Bernard M (Ed) The Pentateuch as Torah New Models for Understanding Its Promulgation and Acceptance Winona Lake (IN) Eisenbrauns 2007 109 Creio ser uacutetil nesse ponto fazer uma distinccedilatildeo entre ldquociclo de Jacoacuterdquo e ldquohistoacuterias de Jacoacuterdquo pois ambas expressotildees satildeo empregadas no estudo literaacuterio Sigo aqui Germano Galvagno (2009 p 10 n 2) ldquoPor lsquociclo de Jacoacutersquo entendemos o arco narrativo que vai do nascimento de Jacoacute e Esauacute ateacute o retorno do patriarca na terra de Canaatilde Gn 2519 ndash 3529 (ao qual pode-se ainda conectar 371) [] Por lsquohistoacuterias de Jacoacutersquo ao inveacutes entendemos o amplo arco narrativo que se estende do nascimento agrave morte e sepultura do patriarca agrave morte de Joseacute (Gn 2519 ndash 5026) um arco narrativo que compreende aleacutem do supracitado ciclo tambeacutem a histoacuteria de Joseacute e as vicissitudes ligadas agrave transferecircncia de Jacoacute e do seu clatilde agrave terra do Egitordquo 110 Aqui nesse ponto sou devedor de MANYANYA 2009 p 43-44

112

a) o ciclo de Jacoacute eacute provavelmente uma dessas coleccedilotildees muito antigas cuja

primeira versatildeo pode remontar agrave eacutepoca preacute-exiacutelica

b) aleacutem do Dt o escrito ou documento sacerdotal foi o uacutenico a ter sobrevivido

ao colapso do modelo documentaacuterio claacutessico (Julius Wellhausen) por isso os autores

tendem em geral a distinguir na histoacuteria de Jacoacute os textos de origem sacerdotal e

textos de outros meios De fato ldquoos textos sacerdotais do ciclo de Jacoacute quando eles satildeo

unidos entre si podem constituir um texto coerente e independente dos textos natildeo

sacerdotaisrdquo (MANYANYA 2009 p 44)

c) Quanto agrave natureza do material natildeo sacerdotal do ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)

aquilo que na teoria documental da formaccedilatildeo do Pentateuco era identificado com o

ldquoJeovistardquo (J + E) pode ser visto hoje como vaacuterias coleccedilotildees inicialmente independentes

entre si antes de virem a ser unidas por um redator e editor posteriores Assim o ciclo

de Jacoacute seria um dos testemunhos mais provaacuteveis de uma unidade literaacuteria autocircnoma

em suas origens

Com relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo do ciclo de Jacoacute ateacute o presente momento natildeo temos um

consenso mas apenas uma convergecircncia no sentido de que o relato autocircnomo antes

de ser unido agrave histoacuteria Patriarcal teria sido produzido no Reino do Norte isto eacute Israel

por autores preacute-sacerdotais antes da anexaccedilatildeo realizada pela Assiacuteria por volta de 722-

720 AEC111

Na terceira fase da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco (anos 1970-1980)

na qual se daacute a contestaccedilatildeo da teoria documentaacuteria o ciclo de Jacoacute natildeo mereceu uma

atenccedilatildeo muito grande Destacam-se os estudos empreendidos por Eckart Otto112 o

111 Erhard Blum defende que teria sido por volta do reinado de Jeroboatildeo II (cerca de 783-743) antes de Oseacuteias um processo de composiccedilatildeo em duas etapas possivelmente sob a esfera de influecircncia do santuaacuterio de Betel (cf BLUM 2012 p 210) Vaacuterios estudiosos com algumas diferenccedilas natildeo fundamentais concordam com ele entre os quais CARR 1996 p 288-289 ROumlMER 2001 p 189-190 MACCHI 2001 p 148-152 Embora alguns enfatizaram que a anaacutelise criacutetica literaacuteria natildeo permite a reconstruccedilatildeo precisa da fase literaacuteria anterior que estava por traacutes da composiccedilatildeo do seacuteculo VIII AEC CARR 1996 p 256-271 298-300 ALBERTZ 2003 p 251-252 SCHMID 2010 p 97-117 112 Em seu artigo intitulado Jakob in Bethel Ein Beitrag zur Geschichte der Jakobuumlberlieferung Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft Berlin New York Walter de Gruyter v 88 p 165-190 1976 E em sua obra Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament [BWANT] 110)

113

qual foi o uacutenico a continuar vendo nesse ciclo de Jacoacute um fragmento isolado de um

passado distante Para outros como Bernd Joslashrg Diebner113 a finalidade do ciclo de

Jacoacute seria simplesmente convidar os judeus que ficaram no paiacutes durante o exiacutelio

babilocircnio a buscar suas esposas junto aos seus parentes da diaacutespora os uacutenicos

representantes do ldquoverdadeiro Israelrdquo Em sua tese doutoral Thomas Roumlmer114 desfere

um ataque violento agrave questatildeo da antiguidade da tradiccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Ele

demonstra que os ldquoPaisrdquo evocados frequentemente pelo Deuteronocircmio natildeo eram os

antigos patriarcas mas exclusivamente a geraccedilatildeo daqueles que haviam vivenciado a

saiacuteda do Egito a permanecircncia no deserto e a entrada na terra A conclusatildeo oacutebvia eacute que

as personagens de Gn 12ndash50 foram ldquoconvidadasrdquo ao Pentateuco no periacuteodo poacutes-exiacutelico

e que eram produto da eacutepoca persa de Israel Nessa linha tambeacutem vatildeo Martin Rose115

e John Van Seters116 os quais veratildeo o antigo Javista como um historiador poacutes-

deuteronomista do seacuteculo V AEC Uma postura um tanto diferente havia assumido

Rolf Rendtorff117 e em seguida seu aluno Erhard Blum118 Os quais natildeo negam a

possibilidade de antiguidade das tradiccedilotildees da histoacuteria das origens da histoacuteria

Patriarcal da histoacuteria de Moiseacutes do Sinai e outras mas insistem que o projeto

conceitual e literaacuterio que une essas histoacuterias eacute de dataccedilatildeo mais recente possivelmente

deuteronomista ou sacerdotal Blum chega a postular uma origem relativamente

antiga para o ciclo de Jacoacute119 Segundo ele todo o processo de criaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute

113 Essa tese eacute exposta em dois artigos em coautoria com H Schult Die Ehen der Erzvaumlter Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 8 p 2-10 1975 O segundo artigo eacute Alter und geschichtlicher Hintergund von Gn 24 Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 10 p 10-17 1975 114 Israels Vaumlter Untersuchungen zur Vaumlterthematik im Deuteronomium und in der deuteronomistischen Tradition Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag 1990 115 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 116 Prologue to History The Yahwist as Historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 117 Das uumlberlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch Berlin New York Walter de Gruyter 1976 118 Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) 119 Esse autor vecirc no ciclo de Jacoacute trecircs etapas redacionais Jakoberzaumlhlung (narrativa de Jacoacute) da eacutepoca da monarquia daviacutedico-salomocircnica incluindo Gn 2521-34 27 28 292-30 3025-43 3117-3244-53 mas sem o relato de PenielFanuel nem o segundo encontro de Jacoacute com Esauacute Sob o reinado de Jeroboatildeo I essa histoacuteria de Jacoacute teria sofrido uma reinterpretaccedilatildeo importante especialmente atingindo a narrativa da teofania de Betel (enfim com a promessa) e introduzindo um segundo encontro com Esauacute e o combate noturno em PenielFanuel Essa seria entatildeo a segunda etapa redacional denominada por Blum como Kompositionsschicht (camada de composiccedilatildeo) A terceira etapa seria aquela chamada de

114

se estenderia da era daviacutedica o reinado de Jeroboatildeo II e o final do reino do norte

Outro influente autor vai nessa linha trata-se de David M Carr (1996 p 256-271) o

qual tambeacutem vecirc uma existecircncia autocircnoma para o ciclo de Jacoacute antes dele ser unido agraves

demais tradiccedilotildees patriarcais Carr postula que esse ciclo de Jacoacute foi unido ao de Joseacute

antes de ser enriquecido de diferentes fragmentos de origem judaica para formar uma

obra literaacuteria que ele qualifica como ldquoproto-Gecircnesisrdquo120 e isso teria se dado apoacutes a

queda do Reino do Norte Esse material teria sido revisado por teoacutelogos pretensamente

proacuteximos do Deuteronomista antes do exiacutelio babilocircnio Ainda segundo Carr o proto-

Gecircnesis teria sido compilado com a fonte sacerdotal por volta do V seacuteculo AEC para

constituir uma obra integral proacutexima do Gecircnesis canocircnico atual

No entanto essa excessiva divisatildeo do ciclo em textos isolados minuacutesculos

pertencentes a diferentes eacutepocas histoacutericas natildeo deixa de ser problemaacutetica ldquoComo natildeo

ver que uma histoacuteria de fraude como Gn 27 seja inconcebiacutevel sem uma sequecircncia ou

histoacuterias de encontros como Gn 28 ou Gn 32 sejam incompreensiacuteveis sem um contexto

narrativordquo (PURY 2001 p 218)121

Na opiniatildeo desse mesmo autor (Albert de Pury) a histoacuteria de Jacoacute apresenta

uma loacutegica muito forte e incontornaacutevel a cada etapa do crescimento literaacuterio de seu

ciclo

Esta loacutegica pretende que um heroacutei excluiacutedo encontre acolhimento em um clatilde estrangeiro e consiga graccedilas aos seus talentos sua perseveranccedila e sua astuacutecia natildeo somente desposar as filhas do xeique e obter numerosos filhos mas ainda enriquecer-se e depois finalmente compelir o clatilde-matildee a reconhecer a famiacutelia novamente constituiacuteda como um clatilde autocircnomo Tudo aquilo que conteacutem o ciclo de Jacoacute os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees de tensotildees os encontros divinos a partida o ou os retornos tudo se explica por esta loacutegica onipresente Tudo isso natildeo tem necessidade de ser da mesma proveniecircncia ou

Jakobgeschichte (histoacuteria de Jacoacute) que teria integrado uma primeira versatildeo da histoacuteria de Joseacute realizando uma ligaccedilatildeo com a histoacuteria de Moiseacutes (cf PURY 2001 p 218 n 14) 120 Nas proacuteprias palavras de Carr a expressatildeo ldquoproto-Gecircnesisrdquo que ele emprega ldquodesigna o estaacutegio mais antigo no qual a histoacuteria primitiva e o material relativo a todas as trecircs figuras ancestrais foi unido em uma uacutenica narrativa De fato alguns indicadores neste material do proto-Gecircnesis sugeriria que poderiacuteamos estar lidando aqui com um lsquoproto-Pentateucorsquordquo (CARR 1996 p 177) 121 Cf tambeacutem PURY 2002 p 263-270 e The Jacob story and the beginning of the formation of the Pentateuch In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 59-72 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34)

115

da mesma eacutepoca mas tudo natildeo eacute concebido ou natildeo ocorre que a partir do destino de Jacoacute assim delineado (PURY 2001 p 219)

O ponto de partida desse autor eacute a suposiccedilatildeo de que a histoacuteria de Jacoacute deve ser

lida como uma saga de fundaccedilatildeo autocircnoma dos filhos de Jacoacute ou os filhos de Israel

Como uma lenda das origens da sociedade tribal israelita que reflete a famiacutelia clatilde e

tribos do Israel preacute-monaacuterquico Ela representa as relaccedilotildees de Israel com seus ldquoirmatildeosrdquo

vizinhos ou seja EsauacuteEdom e LabatildeoHaratilde bem como reivindicaccedilotildees territoriais de

Israel lugares de culto (Betel Siqueacutem e Peniel) e centros urbanos (Masfa Maanaim

Sucot) Esse autor ndash de Pury ndash sugeriu uma espeacutecie de estratigrafia textual para datar

a histoacuteria Ele examinou a profecia de Oseacuteias 12 (cf PURY 2001 p 227-235) e propocircs

que o profeta estava ciente da histoacuteria de Jacoacute em Gecircnesis 25ndash35 e portanto a histoacuteria

pelo menos em sua forma oral antecedeu a profecia que foi composta por escrito no

final do seacuteculo VIII AEC Ele ainda sugeriu que a histoacuteria de Jacoacute influenciou a

formaccedilatildeo da figura de Moiseacutes em Ecircxodo 2ndash4 e que o autor sacerdotal (PG)122 conhecia

a histoacuteria de Jacoacute e usou-a para formar a sua proacutepria composiccedilatildeo do iniacutecio da histoacuteria

de Israel Com base nessas evidecircncias de Pury datou a histoacuteria natildeo-sacerdotal de Jacoacute

em Gecircnesis 25ndash35 como sendo do seacuteculo VIII AEC ou um pouco mais recente antes da

anexaccedilatildeo pela Assiacuteria do Reino do Norte em 720 AEC Ele ainda lanccedilou a hipoacutetese que

a histoacuteria de Jacoacute representa a maior lenda de origem do norte israelita cujas raiacutezes

podem remontar tatildeo cedo quanto o periacuteodo preacute-monaacuterquico

De Pury identifica que o autor sacerdotal parece ter escrito por volta de 530 a

500 AEC no iniacutecio da dominaccedilatildeo persa e possivelmente no contexto da reconstruccedilatildeo

do Templo de Jerusaleacutem (520-515 AEC) De fato haacute uma certa convergecircncia em

identificar os textos sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute como sendo as seguintes

passagens123 Gn 257-1719-2026d 2634-35 2746 281-9 356a11-1315 () 3118a

359-1022d-29 36940-43 Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) natildeo seria de autoria

sacerdotal apesar de ldquodialogarrdquo com a mesma na composiccedilatildeo final da obra do

122 Esse ldquoGrdquo em sobrescrito agrave abreviaccedilatildeo para o documento sacerdotal (P) significa ldquoprimitivordquo (do alematildeo Grundschrift) essencialmente narrativo sem a incorporaccedilatildeo da parte legislativa legal 123 Cf PURY 2001 p 222-223 LOHFINK 1996 p 14 A sequecircncia dos textos eacute uma proposta de Albert de Pury

116

Pentateuco Segundo de Pury (2001 p 225) o autor sacerdotal conhece obviamente

as duas cenas do encontro divino com Jacoacute (Gn 2810-22 ndash com a promessa e Gn 3223-

33 ndash com o dom do nome de Israel)124 Ainda segundo esse autor o escrito sacerdotal

natildeo funde esses dois episoacutedios em um soacute como aparece atualmente em Gn 359-15 mas

deveria haver na redaccedilatildeo sacerdotal primitiva (PG) duas cenas Gn 356a11-15

(apariccedilatildeo divina com a promessa de descendecircncia que corresponde agrave antiga tradiccedilatildeo

de Gn 2810-22) e Gn 359-10 (apariccedilatildeo divina quando Jacoacute retorna de Padatilde-Aram com

a mudanccedila do nome de Jacoacute em Israel o que corresponderia a Gn 3223-33)

A suposiccedilatildeo de que a maior parte da histoacuteria de Jacoacute preacute-sacerdotal foi

composta no reino do norte Israel antes da conquista Assiacuteria pode ser considerada a

mais amplamente aceita na investigaccedilatildeo biacuteblica recente Alguns estudiosos localizam

essa redaccedilatildeo mais no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico como eacute o caso de Bert Dicou125 e

Harald Martin Wahl126 Mario Liverani127 abordou a histoacuteria do ciclo patriarcal em sua

forma final como uma uacutenica unidade e sugeriu que seus principais contornos situam-

se no periacuteodo poacutes-exiacutelico embora ele faccedila derivar a maior parte de suas informaccedilotildees

das tradiccedilotildees originaacuterias da terra de Israel (reino do norte) Entre os elementos poacutes-

exiacutelicos nessas histoacuterias Liverani destaca as relaccedilotildees dos patriarcas com os vizinhos

de Israel (em particular os edomitas arameus e aacuterabes) a terra que estaacute vazia de reinos

locais a proibiccedilatildeo do casamento com os cananeus locais e o casamento com primos

que viviam na Alta Mesopotacircmia que deve ser lida agrave luz da situaccedilatildeo poacutes-exiacutelica da

relaccedilatildeo entre os retornados e os remanescentes na terra

124 Mais que isso segundo este estudioso o ldquoautor sacerdotal por volta de 520 [AEC] conhece o ciclo de Jacoacute praticamente em sua configuraccedilatildeo atual Certamente isso natildeo significa que P conhecesse a histoacuteria de Jacoacute jaacute unida agravequela de Abraatildeo ou servindo jaacute de proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes [] mas natildeo haacute duacutevida que na sua arquitetura interna senatildeo em todos os seus detalhes a histoacuteria de Jacoacute tinha jaacute a forma que noacutes conhecemos em Gn 25 ndash35rdquo (PURY 2001 p 225-226) 125 Edom Israelrsquos Brother and Antagonist The Role of Edom in Biblical Prophecy and Story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 126 Die Jakobserzaumlhlungen Studien zu ihrer muumlndlichen Uumlberlieferung Vorschriftung und Historizitaumlt Berlin New York Walter de Gruyter 1997 127 Israelrsquos History and the History of Israel London Oakville Equinox Publishing 2005

117

Em estudos mais recentes contudo tecircm surgido alguns problemas em relaccedilatildeo

a essas propostas de contextualizaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Basicamente podemos destacar

dois em especial128

a) Falta uma explicaccedilatildeo razoaacutevel a respeito da aacutecida inimizade que vaacuterios

autores identificam entre JacoacuteIsrael e EsauacuteEdom e para o temor de Israel

em relaccedilatildeo ao poder de EsauacuteEdom Isso se assumirmos que a histoacuteria de

Jacoacute tenha sido escrita no Reino de Israel (do Norte)129 Eacute de se observar que

durante o periacuteodo monaacuterquico o Reino de Israel era muito mais forte que

aquele de Edom e este em nenhum momento poderia ter sido uma ameaccedila

a Israel Mesmo porque os dois reinos localizavam-se em regiotildees

geograacuteficas remotas o que dificultaria relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e

culturais tais como aquelas refletidas na histoacuteria de Jacoacute Portanto datar os

episoacutedios de Esauacute e Jacoacute na eacutepoca da monarquia israelita do norte contrasta

com a realidade dos seacuteculos X ao VIII AEC

b) Tendo em conta a origem local dos habitantes de Israel e de Judaacute e as

contiacutenuas relaccedilotildees hostis com os arameus em mente ldquonenhuma explicaccedilatildeo

foi oferecida para os supostos viacutenculos familiares de proximidade entre a

famiacutelia Patriarcal e um grupo de arameus que viviam na Alta Mesopotacircmiardquo

(NArsquoAMAN 2014 p 98) ou para a busca de noivas arameias para Isaac e

Jacob nesta regiatildeo Historiadores e arqueoacutelogos concordam nos dias atuais

que os grupos populacionais da Era do Ferro I-IIA (dos seacuteculos XII ao IX

128 Aqui fundamento-me em NArsquoAMAN 2014 p 98 129 Vaacuterios estudiosos jaacute sugeriram que a identificaccedilatildeo de Esauacute e monte Seir com Edom eacute secundaacuteria e que originalmente Esauacute era uma figura independente natildeo relacionada a Edom Entre os que assim pensam temos MAAG V Jacob-Esau-Edom In Theologische Zeitschrift Basel Theologischen Fakultaumlt der Universitaumlt Basel v 13 p 418-429 1957 BARTLETT JR The land of Seir and the brotherhood of Edom In Journal of Theological Studies Oxford (UK) Oxford University Press v XX n 1 p 1-20 Apr 1969 BARTLETT JR Edom and the Edomites Sheffield Sheffield Academic Press 1989 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 77) p 175-180 RAD Gerhard von El libro del Genesis Trad Santiago Romero Salamanca Siacutegueme 1977 (Biblioteca de Estudios Biblicos 18) NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 94-98 192-193 OTTO Eckart Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Berlin Koumlln Mainz Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 110) p 24-40 DICOU Bert Edom Israels Brother and Antagonist The role of Edom in biblical prophecy and story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 169) p 137-154 SKA 2001 p 11-21

118

AEC aproximadamente) que se estabeleceram nas terras altas de Canaatilde e

mais tarde fundaram os reinos de Israel e Judaacute viviam anteriormente seja

na Terra de Canaatilde como proacuteximos agraves suas fronteiras Outra informaccedilatildeo

importante eacute que o arameus eram inimigos de Israel ao longo da histoacuteria do

Reino do Norte como aparece indicado nos relatos do livro de Reis na

inscriccedilatildeo de Tel Dan e na profecia de Amoacutes

Aleacutem desses dois aspectos histoacuterico-culturais deve-se levar em consideraccedilatildeo

que outros detalhes na histoacuteria de Jacoacute preacute-Sacerdotal refletem uma dataccedilatildeo exiacutelica ou

poacutes-exiacutelica Portanto natildeo se encaixam na suposiccedilatildeo largamente aceita de uma obra

israelita do norte composta antes da conquista assiacuteria de 720 AEC Nessa tentativa de

dataccedilatildeo (seacutec VIII AEC) os estudiosos sugeriram que todos esses elementos elencados

anteriormente natildeo eram originais agrave histoacuteria de Jacoacute Alguns desses dados considerados

secundaacuterios no entanto satildeo muito reveladores Vejamos130

a) A histoacuteria preacute-Sacerdotal de Jacoacute comeccedila e termina em regiotildees sem nenhuma

relaccedilatildeo com o Reino do Norte No princiacutepio da histoacuteria a famiacutelia de Jacoacute

reside em Bersabeia (heb Buumlacuteeumlr šaumlordmba`) bem distante da fronteira sul do Reino

do Norte (Gn 262333) O ciclo de Jacoacute termina com o sepultamento de

Raquel proacuteximo a EacutefrataBeleacutem (Gn 3519) novamente em territoacuterio de

Judaacute Para superar essas dificuldades Bersabeia foi omitida do ciclo original

de Jacoacute Beleacutem em Gn 3519 foi considerada uma glosa e o tuacutemulo de Raquel

foi identificado na fronteira norte de Benjamin proacuteximo agrave fronteira

meridional do Reino de Israel131

b) Uma vez que o conceito de Doze tribos (Gn 2931ndash3024 3516-18) eacute estranho

agrave realidade do Reino do Norte os defensores de uma redaccedilatildeo preacute-

dominaccedilatildeo assiacuteria para o ciclo de Jacoacute considerou essa unidade como sendo

de origem independente que foi secundariamente unida a esse contexto132

130 Aqui novamente sou devedor da siacutentese de NArsquoAMAN 2014 p 99 131 Apoiam essa teoria BLUM Erhard Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) p 207-208 CARR 1996 p 260-261 132 Defendem essa proposta NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 99-100 BLUM Erhard Op cit p 110-111 169-171 VAN SETERS John Prologue to History The Yahwist as historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 p 278 CARR 1996 p 263

119

c) A localidade de Haratilde (em acaacutedio iumlarrānu) tornar-se-aacute proeminente apoacutes os

uacuteltimos anos do impeacuterio assiacuterio em particular sob o impeacuterio neobabilocircnico

Portanto do final do seacuteculo VIII ao VI AEC No entanto ela aparece em

destaque no ciclo de Jacoacute Haratilde eacute mencionada trecircs vezes para indicar a

localizaccedilatildeo da famiacutelia de Labatildeo (Gn 2743 2810 294) A localizaccedilatildeo da

famiacutelia atraveacutes do ldquoriordquo (ou seja o Eufrates) eacute explicitamente observada em

Gn 3121 A fim de superar tais incongruecircncias estudiosos sugeriram que

essas localidades ndash Haratilde e o Eufrates ndash satildeo fruto de inserccedilotildees tardias obra

de um compilador133

d) Outro elemento estranho ao periacuteodo da monarquia de Israel (Reino do

Norte) eacute a forma de ldquopromessasrdquo Uma tese aceita pela maior parte dos

especialistas admite que as promessas aos ancestrais de Israel surgiram

primeiramente em uma eacutepoca em que a existecircncia de Israel estava muito

ameaccedilada provavelmente no periacuteodo exiacutelico134 Ademais as promessas

feitas a Jacoacute estatildeo estreitamente ligadas agravequelas realizadas a Abraatildeo e

algumas promessas feitas a Abraatildeo foram cumpridas durante o ciclo de Jacoacute

Novamente alguns estudiosos procuram minimizar esse dado afirmando

que as promessas satildeo elementos secundaacuterios no ciclo original de Jacoacute135

e) Finalmente haacute o caso das ldquodivindadesrdquo ou ldquopoderes celestiaisrdquo136 de

Abraatildeo Nacor e Isaac mencionados no episoacutedio do encontro de Jacoacute e Labatildeo

proacuteximo a Masfa (Gn 314253) o que parece indicar que o autor estava

familiarizado com suas histoacuterias Em consequecircncia tambeacutem essas passagens

satildeo consideradas secundaacuterias em relaccedilatildeo ao ciclo original de Jacoacute

133 Tese de BLUM Erhard Op cit p 164-167 134 Quem primeiramente fez essa constataccedilatildeo foi Jacob Hotijzer em sua obra Die Verheissungen an die drei Erzvaumlter publicada em 1956 pela Brill de Leiden na Holanda 135 Eacute o caso de EMERTON John Adney The origin of the promises to the Patriarchs in the older sources of the book of Genesis In Vetus Testamentum Leiden Brill v 32 fasc 1 p 14-32 Jan 1982 BLUM Erhard Op cit p 152-164 297-301 VAN SETERS John Op cit p 298-300 ALBERTZ Rainer Israel in exile The history and literature of the sixth century BCE Trad David Green Atlanta (GE) Society of Biblical Literature 2003 (Studies in Biblical Literature) p 246-251 SCHMID 2010 p 97-101 136 A Biacuteblia de Jerusaleacutem traduz essa divindade como o ldquoParenterdquo de Isaac pode ser traduzido tambeacutem por ldquoo TemorTerror de Isaacrdquo

120

Apoacutes fornecer um amplo quadro de informaccedilotildees arqueoloacutegicas histoacutericas e

literaacuterias Nadav Narsquoaman (cf 2014 p 100-116) chega agraves seguintes conclusotildees a

respeito da dataccedilatildeo da composiccedilatildeo preacute-Sacerdotal das histoacuterias de Jacoacute

(1) A influecircncia das obras literaacuterias babilocircnicas na formaccedilatildeo dos dois episoacutedios centrais da histoacuteria de Jacoacute137 aponta para um periacuteodo no qual o Impeacuterio Babilocircnico governava a terra de Israel

(2) Versotildees mais recentes de vaacuterias obras literaacuterias do norte-israelitas e judaicas estavam disponiacuteveis ao autor

(3) Natildeo existiam reinos na vasta aacuterea entre Bersabeia e Masfa e todos os territoacuterios dos antigos reinos de Israel e Judaacute satildeo apresentados como uma entidade poliacutetica Esta realidade reflete o tempo apoacutes a anexaccedilatildeo babilocircnica de todos os reinos na regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo VI AEC

(4) Haratilde o principal centro urbano da Alta Mesopotacircmia no final dos seacuteculos VIII-VI eacute apresentada como um local-chave no ciclo histoacuterico patriarcal

(5) Referecircncias expliacutecitas a Jerusaleacutem estatildeo faltando na descriccedilatildeo o que indica que a cidade foi colocada em ruiacutenas no momento da composiccedilatildeo ndash ou seja depois de 586 AEC

(6) A grave ameaccedila dos edomitas (Esauacute) sobre Israel (Jacoacute) indica que a histoacuteria de Jacoacute foi escrita depois da queda do Reino de Judaacute numa eacutepoca em que os edomitas comeccedilaram a se expandir para o norte e ameaccedilaram os habitantes do Negueb da Sefelaacute as terras altas de Hebron

(7) As promessas de prole e de terra e as becircnccedilatildeos refletem o periacuteodo exiacutelico quando a mera existecircncia dos que permaneceram na terra estava em perigo

(8) As esperanccedilas de retorno dos deportados assiacuterios e babilocircnios refletem o periacuteodo exiacutelico apoacutes as deportaccedilotildees de judeus para a Babilocircnia em 598 e 5876

Esta evidecircncia esclarece que a histoacuteria Patriarcal preacute-sacerdotal foi escrita pouco depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e da anexaccedilatildeo babilocircnica de Judaacute e dos reinos da Transjordacircnia Uma data em meados do seacuteculo VI um pouco antes da ascensatildeo do impeacuterio persa se encaixa bem todas as evidecircncias disponiacuteveis (NArsquoAMAN 2014 p 116-117)

Enfim a autoria dessas histoacuterias patriarcais poderia ser identificada como tendo

as seguintes caracteriacutesticas138

a) Local de redaccedilatildeo na regiatildeo de Betel que desde o tempo de Josias foi incluiacuteda

no Reino de Judaacute fazendo fronteira com a proviacutencia assiacuteria e babilocircnica de

Samaria Isso eacute perceptiacutevel pelo fato dos relatos patriarcais manifestarem

uma familiaridade com os lugares do sul de Judaacute e regiotildees vizinhas ao sul e

com as tradiccedilotildees orais de Judaacute De outro lado percebe-se tambeacutem uma

137 Segundo o autor seriam as periacutecopes de Gn 2810-22 (o sonho em Betel) e Gn 3223-33 (a luta com o ser divino e a mudanccedila de nome) 138 Cf NArsquoAMAN 2014 p 117-119

121

familiaridade com os centros urbanos norte-israelitas e suas memoacuterias

culturais Por isso a sua obra conteacutem elementos das histoacuterias orais de ambas

as regiotildees (Judaacute e Israel) bem como de obras literaacuterias a elas pertencentes

Por isso ldquodescreveu em detalhes as lendas de fundaccedilatildeo dos dois principais

templos de Judaacute (Jerusaleacutem) e Israel (Betel) enfatizando a santidade de sua

proacutepria cidaderdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

b) Finalidade dessa produccedilatildeo literaacuteria a histoacuteria Patriarcal portanto veio ao

encontro da necessidade de criar-se uma cultura comum entre as vaacuterias

tribos e povos que se encontravam naquela regiatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-

exiacutelico A base dessa cultura era ldquoo conceito da unidade autoacutectone do povo

de Israelrdquo o qual ldquotornou-se o conceito ideoloacutegico central para a elite e os

escribas das duas comunidades [Israel e Judaacute]rdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

Essa criaccedilatildeo literaacuteria foi um passo decisivo nos esforccedilos para constituir uma

histoacuteria e uma identidade comuns para as duas comunidades que

permaneceram na terra Esse ciclo histoacuterico Patriarcal apresenta uma

inovaccedilatildeo ao conceber seja os trecircs ancestrais (Abratildeo Isaac e Jacoacute) do povo

como as Doze Tribos como uma corporificaccedilatildeo da origem segregada de

Israel

c) Formaccedilatildeo dessa literatura essa histoacuteria Patriarcal nela incluiacutedo o ciclo de

Jacoacute eacute uma narrativa baseada em tradiccedilotildees orais cujo ldquoescopo e detalhe natildeo

podem ser estabelecidos o que o autor aumentou consultando algumas

fontes escritas e adicionando vaacuterios elementos literaacuterios e ideoloacutegicos de sua

proacutepria imaginaccedilatildeo criativardquo (NArsquoAMAN 2014 p 119) Algumas dessas

tradiccedilotildees incluiacutedas nos relatos patriarcais eram provavelmente memoacuterias

culturais genuiacutenas de Israel e Judaacute mas traccedilar uma clara linha divisoacuteria entre

as tradiccedilotildees orais suas elaboraccedilotildees literaacuterias e as tradiccedilotildees inventadas do

narrador eacute impossiacutevel

d) Sitz im Leben da histoacuteria Patriarcal o ciclo de Jacoacute-Esauacute reflete a anguacutestia de

Judaacute como resultado da expansatildeo de Edom no sul por um lado e a

esperanccedila de reconciliaccedilatildeo e retorno ao status quo anterior por outro O fato

de Bersabeia aparecer como local-sede dos Patriarcas que anteriormente

122

marcava o limite sul de Judaacute com Edom e provavelmente foi destruiacuteda no

momento em que o ciclo de histoacuteria foi composto reflete a esperanccedila de

retorno agraves fronteiras existentes no glorioso periacuteodo monaacuterquico dos dois

reinos

e) Gecircnero literaacuterio seguindo uma proposta de ROumlMER (cf 2012 p 69-71) as

duas primeiras partes da BH (Toraacute e Nebiim) podem ser interpretadas como

ldquoliteratura de criserdquo como respostas diferentes agrave perda da independecircncia

poliacutetica e da monarquia apoacutes 587 AEC (queda de Jerusaleacutem capital do Reino

de Judaacute) Contudo a resposta que a histoacuteria Patriarcal fornece eacute diferente

daquela redigida pelos escribas da diaacutespora babilocircnica que enfatizam mais

a terra de Israel como ldquoTerra Vaziardquo e representam a comunidade dos

deportados constituiacuteda em sua maioria por pessoas da corte e integrantes

das camadas mais abastadas (cf ROumlMER 2012 p 71) como sendo o

ldquoverdadeirordquo Israel A perspectiva do nosso autor eacute diversa indo mais na

linha daquilo que encontramos no profeta Ezequiel (3324) ldquoos habitantes

daquelas ruiacutenas na terra de Israelrdquo A crise eacute vista por esse gecircnero de

literatura em uma triacuteplice perspectiva como ocasiatildeo para preparar algo de

novo em uma visatildeo mais utoacutepica oportunidade para retornar agraves origens

aos fundamentos da accedilatildeo divina e por uacuteltimo como momento para se

analisar o que aconteceu buscando compreender melhor as razotildees os

motivos dos problemas vividos139

f) Destinataacuterios a obra destinava-se a um puacuteblico composto pela elite e pela

comunidade mais ampla do ldquoNovo Israelrdquo ou seja os habitantes dos antigos

reinos de Israel e Judaacute O ciclo histoacuterico dos Patriarcas aiacute incluiacutedo aquele de

139 Cf ROumlMER 2012 p 70 Esse autor se inspira na teoria socioloacutegica de Armin Steil (Krisensemantik Wissenssoziologische Untersuchungen zu einem Topos moderner Zeiterfahrung Oplanden Leske amp Buderich 1993) que analisando as mudanccedilas socioeconocircmicas e ideoloacutegicas que conduziram agrave Revoluccedilatildeo Francesa constatou que a semacircntica da crise comportava a elaboraccedilatildeo de diferentes modelos ideoloacutegicos como reaccedilatildeo ao colapso do Antigo Regime Steil identifica trecircs atitudes caracterizadas por nomes da tradiccedilatildeo religiosa o profeta (escatoloacutegico-utoacutepico) que enxerga na crise a oportunidade para mudanccedilas para o ldquonovordquo o sacerdote (miacutetico-ciacuteclico) que vecirc na crise a ocasiatildeo para retornar agraves origens agraves instituiccedilotildees fundadas pela accedilatildeo divina e o mandarim (remoto explicativo) que visualiza na crise a necessidade de uma anaacutelise explicativa para a sua ocorrecircncia Segundo Roumlmer esse modelo pode ser aplicado na anaacutelise da literatura biacuteblica especialmente da Toraacute e Nebiim (profetas)

123

Jacoacute representou um importante passo para criar um sentido de unidade

entre os devotos de YHWH que permaneceram na terra

Obviamente esta teoria defendida por NArsquoMAN natildeo eacute aceita por todos os

pesquisadores bem como natildeo estaacute livre de questionamentos Uma vez que os textos

que compotildeem o ciclo de Jacoacute como eacute o nosso caso apresentarem provaacuteveis

diversidades de origem e finalidade Como jaacute vimos haacute uma justaposiccedilatildeo de materiais

sacerdotais e natildeo-sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute Sem falar que muitos autores

natildeo conseguem ver no territoacuterio de Israel durante o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

grupos que pudessem produzir um material como este que estamos analisando

Contudo natildeo podemos esquecer que grupos profeacuteticos seguiram presentes na suposta

ldquoTerra Vaziardquo do Israel do periacuteodo exiacutelico Eacute o caso de Ezequiel como jaacute foi

mencionado

Portanto tendemos a aceitar como muito provaacutevel a proposta de NArsquoAMAN

devido ao seu forte embasamento histoacuterico arqueoloacutegico e literaacuterio sendo capaz de

explicar muitas divergecircncias e dificuldades que o texto apresenta sem ter de recorrer

frequentemente a justificativas do tipo satildeo textos acrescentados tardios satildeo glosas

introduzidas por copistas satildeo textos secundaacuterios ao conjunto da histoacuteria do texto e

assim por diante

Nesse sentido o estudo de SWEENEY (2016 p 236-255) confronta aquele que

jaacute apresentamos de NArsquoMAN (2014) Uma vez que para NArsquoAMAN a redaccedilatildeo do ciclo

de Jacoacute se daacute durante e logo apoacutes o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico voltado para os que

ficaram na terra de Israel e que necessitam ter forccedilas e esperanccedilas para poder voltar a

ser uma naccedilatildeo As frequentes e importantes referecircncias a localidades no antigo Reino

do Norte (Israel) que para SWEENEY seria uma indicaccedilatildeo de que a narrativa do ciclo

de Jacoacute eacute realizada a partir dessa perspectiva para NArsquoAMAN eacute somente uma forma

do autor unir tradiccedilotildees do norte e do sul para dar um caraacuteter unificado agraves origens do

povo para que esse somasse forccedilas na reconstruccedilatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico

Portanto o debate permanece em aberto uma vez que os mesmos textos e os mesmos

fatos histoacutericos podem motivar interpretaccedilotildees e dataccedilotildees bem diferentes para o

periacuteodo de redaccedilatildeo final do ciclo de Jacoacute

124

Para nosso escopo o mais importante no momento eacute compreendermos a

estruturaccedilatildeo do texto e analisarmos aquilo que ela potildee em evidecircncia

5 Delimitaccedilatildeo e estrutura

O nosso texto (Gn 3223-33) eacute cuidadosamente inserido no contexto do retorno

de Jacoacute para a terra de Israel e o seu reencontro com Esauacute seu irmatildeo Haacute uma

sequecircncia geograacutefica em princiacutepio muito loacutegica a amparar a narrativa140

a) Jacoacute separa-se de Labatildeo seu tio em Galaad (Gn 31)

b) depois Jacoacute passa por Maanaim (Gn 321-3)

c) atravessa o rio Jaboc141 proacuteximo de Fanuel (3223-33)

d) desce no sentido do rio alcanccedilando Sucot (Gn 3317) e

e) chega finalmente a Siqueacutem na regiatildeo montanhosa central da Palestina (Gn

3317-20)

O autor inclui durante esse itineraacuterio as diversas etapas do reencontro de Jacoacute

com Esauacute o irmatildeo que ele enganara para obter a becircnccedilatildeo da primogenitura

a) Jacoacute envia mensageiros ao encontro de seu irmatildeo os quis retornam com

notiacutecias nada boas (Gn 323-6)

b) na busca de evitar o pior Jacoacute divide suas posses em vaacuterios rebanhos e envia

a Esauacute generosos presentes (Gn 27-813-22)

c) quando verifica o avanccedilo de seu irmatildeo com os homens dele divide suas

mulheres e seu filhos para poupaacute-los de algo ruim (Gn 3223-25)

d) em seguida vai ao encontro de Esauacute passando adiante de todos (Gn 331-3)

e) Agora finalmente acontece a reconciliaccedilatildeo (Gn 334-16)

A uniatildeo dos elementos geograacuteficos com a narrativa acaba formando uma

estrutura quiaacutestica interessante onde a cena de abertura e de encerramento trazem

algo de manifestaccedilatildeo transcendente bem como a cena central

Vejamos142

140 Acompanho aqui DIETRICH 2001 p 202-203 141 Eacute consenso que este rio seja o atual Nahr ez-Zerkauml (Rio Azul) em aacuterabe cujo curso intermediaacuterio separa

Gebel `Aglun de el-Belkauml e que flui para o Jordatildeo cerca de 32 km ao norte do Mar Morto (cf SKINNER

1994 p 408) 142 Vaacuterios estudiosos apoiam a grosso modo esse esquema quiaacutestico entre eles WENHAM 1994 p 287 e DIETRICH 2001 p 203

125

A 321-3 Os anjos de Deus em Maanaim

B 323-813-22 Preparaccedilatildeo para encontrar Esauacute143

C 3223-33 Luta com ldquoum homemrdquo (anjo) em Fanuel

Brsquo 331-16 Reconciliaccedilatildeo com Esauacute

Arsquo 331718-20 Culto a El (Deus) em Siqueacutem

Os elementos transcendentais na abertura (Gn 322) em Maanaim satildeo os ldquoanjos

de Deusrdquo (malacuteaacutekecirc acuteeacuteloumlhicircm) e no encerramento (Gn 3320) em Siqueacutem eacute o fato de Jacoacute

erguer um altar que chamou ldquoEl Deus de Israelrdquo (acuteeumll acuteeacuteloumlhecirc yiSraumlacuteeumll) Recordando que

natildeo deve ser mero acaso que o nome ldquoIsraelrdquo reapareccedila pela primeira vez aqui apoacutes a

periacutecope do Jaboc (Gn 322933)

Eacute de se observar tambeacutem que toda essa composiccedilatildeo acima identificada em

forma quiaacutestica foi cuidadosamente rejuntada Citemos somente um exemplo

impressionante em Gn 3231 Jacoacute explica o nome Fanuel dizendo que ldquoviu a face de

Deusrdquo Antes na preparaccedilatildeo para encontrar o irmatildeo (Gn 3221) Jacoacute tinha expressado

a esperanccedila de ldquover a facerdquo (acuteeracuteegrave paumlnaumlyw) de Esauacute e de que este ldquolevantaraacute sua facerdquo

(yiSSaumlacute paumlnaumly) como um gesto de aceitaccedilatildeo e acolhimento Essa mesma expressatildeo

reaparece em Gn 3310 quando Jacoacute diz que ldquoviu a face [de Esauacute] como se visse a face

de Deusrdquo (raumlacuteicircordmticirc paumlnEcircordmkauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm)

Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) encontra-se no centro da subunidade

do ciclo de Jacoacute que trata do retorno deste agrave terra onde nascera e fora educado bem

como o reencontro com seu irmatildeo rival

Outro aspecto a se observar e que natildeo deve se constituir em um acaso narrativo

satildeo as duas cenas que formam como que ldquodobradiccedilasrdquo para articular dois momentos

decisivos na vida de Jacoacute a personagem central Antes de Jacoacute encontrar-se com a

famiacutelia de sua matildee na pessoa de seu tio Labatildeo ele tem a experiecircncia de uma

manifestaccedilatildeo divina em formato de sonho quando estaacute em Betel (Gn 2810-22) A

segunda cena eacute justamente a nossa periacutecope (Gn 3223-33) que se passa em Fanuel agraves

143 A oraccedilatildeo de Jacoacute em Gn 329-12 trecho que extraiacutemos do esquema acima eacute claramente uma inserccedilatildeo posterior tendo relaccedilatildeo com Gn 313 que eacute tambeacutem um acreacutescimo tardio (cf DIETRICH 2001 p 203 n 23)

126

margens do Jaboc a qual antecede o importante e tenso reencontro de Jacoacute com seu

irmatildeo Esauacute E as semelhanccedilas natildeo param aqui Vejamos

a) Ambas as cenas parecem originar-se de lendas locais ou de santuaacuterio natildeo

tendo portanto uma ligaccedilatildeo nem com o material da tradiccedilatildeo de Jacoacute-Labatildeo

nem com aquele de Jacoacute-Esauacute

b) Ambas descrevem um encontro com Deus ou divindade

c) Nos dois casos esse encontro ocorre em noite cerrada de modo a

permanecer um veacuteu sobre o acontecimento

d) Em ambos os casos Jacoacute fica profundamente comovido pelo encontro

e) Nas duas cenas fica claro que Deus quer o bem de Jacoacute e isso em ocasiotildees

tensas e decisivas da vida da personagem em Betel quando eacute um foragido

solitaacuterio e sem meios em Fanuel quando ele estaacute a ponto de pisar o chatildeo de

sua terra natal novamente como homem rico e pai de famiacutelia mas em

profunda anguacutestia em relaccedilatildeo agrave reaccedilatildeo de seu irmatildeo

f) Ambas as vezes pesa sobre Jacoacute a sombra de Esauacute seu irmatildeo Contudo na

primeira vez (Betel) Deus concede-lhe consolo e encorajamento na segunda

vez (Fanuel) ele o lanccedila em perigo e tentaccedilatildeo Percebe-se uma mudanccedila

ldquoEnquanto parecia na primeira vez perdoar sua fuga para longe do irmatildeo

levando a becircnccedilatildeo fraudada na segunda vez ele o obriga a uma luta honesta

pela becircnccedilatildeo e a uma volta humilde para junto do irmatildeordquo (DIETRICH 2001

p 205)

A delimitaccedilatildeo de Gn 3223-33 em relaccedilatildeo ao seu contexto narrativo mais amplo

pode levar em conta inicialmente a sintonia das indicaccedilotildees temporais espaciais e

verbal entre os versiacuteculos 23 e 32144 ldquonaquela noiterdquo ldquoe nasceu-lhe o solrdquo ldquovau do

144 Eacute amplamente aceito entre os especialistas desde Hermann Gunkel (GUNKEL 1997 p 351) que o versiacuteculo 33 eacute um acreacutescimo para justificar um haacutebito alimentar dos judeus Uma indicaccedilatildeo disso seria

a expressatildeo buumlnecirc-yiSraumlacuteeumll ldquoos filhos de Israelrdquo a existecircncia do povo de Israel eacute pressuposta Sem falar

que a proibiccedilatildeo de comer Gicircd hannaumlšegrave (ldquoo nervo do quadrilrdquo = nervus ischiadicus) eacute uma combinaccedilatildeo que

ocorre somente aqui em toda a BH WESTERMANN (1985 p 520) tenta compreender esse versiacuteculo ldquoA razatildeo dada para a proibiccedilatildeo que natildeo ocorre em outras partes do Antigo Testamento eacute difiacutecil a proibiccedilatildeo diz respeito a uma parte do corpo de um animal enquanto que o fato que lhe deu origem dizia respeito a uma pessoa A explicaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que esta parte do corpo estava sujeita a tabu porque era considerada como pertencente agrave aacuterea reprodutivardquo Uma explicaccedilatildeo do motivo dessa proibiccedilatildeo estar colocada em nossa periacutecope seria ldquodevido a uma forma particular de abordagem midraacuteshica que floresceu no periacuteodo rabiacutenico pela qual regulamentos extrapentateucais satildeo

127

Jabocrdquo ldquoFanuelrdquo O verbo predominante ldquopassarrdquo (`aumlbar + et) Portanto os versiacuteculos

23 e 32 devem ser considerados afirmaccedilotildees correspondentes que simultaneamente

amarram a abertura da periacutecope (cf o uso caracteriacutestico de wayyaumlordmqom - v 23) e o fim

que conteacutem uma oraccedilatildeo nominal com particiacutepio no v 32b

A sequecircncia com a periacutecope anterior eacute estabelecida pelo indicador temporal

ldquonaquela noiterdquo (v 22 e 23) Ballaordmylacirc hucircacute Haacute uma ausecircncia de artigo no v 23 mas isso

natildeo afeta o resultado Outro elemento comum eacute o verbo rb[ (passar atravessar) que se

encontra em ambos versiacuteculos Haacute tambeacutem uma correspondecircncia formal e funcional

entre as afirmaccedilotildees dos vv 22 e 32 (cf WEIMAR 1989a p 55 n 9) O mesmo natildeo

encontramos que conecte o final de nossa periacutecope com a seguinte (Gn 331-17) Uma

vez que a afirmaccedilatildeo do v 331a ldquoe Jacoacute levantou seus olhos e viurdquo (wayyiSSaumlacute ya`aacuteqoumlb

`ecircnaumlyw wayyaracute) remete formalmente e tematicamente ao versiacuteculo 22

Desse modo pode-se identificar em Gn 3223-32[33] uma unidade cecircnica mas

natildeo uma unidade independente de todo o contexto do ciclo de Jacoacute Ela se constitui

em uma sequecircncia narrativa fechada mas natildeo pode ser uma tradiccedilatildeo individual

independente do restante como alguns estudiosos pensaram (cf WEIMAR 1989a p

56) Eacute evidente a posiccedilatildeo singular que o episoacutedio da luta de Jacoacute possui no interior das

narrativas do encontro dele com seu irmatildeo Mas essa particularidade eacute intencional no

sentido de que natildeo se trata de uma periacutecope independente que foi posta de modo um

tanto externo ao contexto maior mas uma periacutecope com a intenccedilatildeo de agudizar

teologicamente o encontro dos dois irmatildeos Isso se tornaraacute mais claro nas anaacutelises

presentes no proacuteximo capiacutetulo

A unidade interna da periacutecope foi colocada em questatildeo por diversos fatores

entre eles contradiccedilotildees e duplicaccedilotildees

a) no v 23b Jacoacute passa sozinho pelo vau do Jaboc enquanto que nos vv 2425a

sua famiacutelia e seus bens satildeo atravessados por ele que fica para traacutes sozinho

b) Outro aspecto se percebe nos vv 26-27 que oferecem uma descriccedilatildeo

excitante da luta o tempo eacute curto principalmente para o adversaacuterio de Jacoacute

e a uacutenica coisa possiacutevel eacute forccedilaacute-lo a dar uma becircnccedilatildeo nos vv 28-30a no

midrashicamente derivados de uma passagem biacuteblica e como tendo sido em algum periacuteodo anexado ao texto biacuteblico

128

entanto o tempo eacute suficiente para um diaacutelogo bastante longo sobre um tema

supostamente abstrato como se chamam os dois que estatildeo lutando como

Jacoacute deve se chamar futuramente e como entender essa atribuiccedilatildeo do novo

nome

c) Haacute uma dupla solicitaccedilatildeo pelo nome uma da parte do ldquohomemrdquo que luta

com Jacoacute (v 28) outra da parte de Jacoacute que deseja saber o nome de seu

oponente (v 30)

d) A aurora eacute mencionada por trecircs vezes vv 25 27 e 32

e) No v 31 Jacoacute que ainda natildeo eacute chamado pelo novo nome daacute a entender que

ele acaba de passar por uma ameaccedila agrave sua vida mas no v 29 seu adversaacuterio

jaacute lhe havia asseverado que ele prevaleceria contra ele

Por isso muitos autores propotildeem vaacuterios estratos redacionais para justificar

essas e outras incongruecircncias da narrativa145 No entanto para o nosso escopo eacute

melhor tomarmos o texto como nos aparece em seu estado final na BH Aquilo que nos

interessaraacute eacute a finalidade do texto produzido Nesse sentido ateacute as redundacircncias

repeticcedilotildees e aparentes duplicidades podem servir para homogeneizar o texto a

clarificaacute-lo e ateacute mesmo a assegurar a transmissatildeo de sua mensagem146

O estilo ambiacuteguo que o redator imprime a essa periacutecope (Gn 3223-33) eacute

proposital a fim de deixar o leitor em estado de expectativa tal como se achava Jacoacute

previamente ao encontro com Esauacute Ateacute mesmo a dupla interrogaccedilatildeo sobre o nome (v

30) pertence agrave arte narrativa que ldquoque reuacutene dois interlocutores que alternadamente

questionam e satildeo questionadosrdquo (MARTIN-ACHARD 1971 p 48)

As aliteraccedilotildees e paronomaacutesias ajudam a criar uma unidade natildeo somente

temaacutetica mas estiliacutestica e esteacutetica Natildeo podemos jamais nos esquecer que os textos

biacuteblicos natildeo foram compostos para serem lidos individualmente a partir de um livro

mas para serem ouvidos em assembleias como era o costume na eacutepoca Como jaacute dizia

um dos pioneiros na anaacutelise dos textos da BH agrave luz da arte literaacuteria Luis Alonso-

145 No entanto natildeo vale a pena nos determos sobre as vaacuterias teorias que jaacute surgiram tentando traccedilar uma histoacuteria da redaccedilatildeo desta nossa periacutecope porque os resultados natildeo satildeo promissores nem determinantes Haacute dezenas de divisotildees e teorias que afirmam encontrar no texto duas trecircs e ateacute nove camadas redacionais Quem desejar uma visatildeo sinteacutetica dessas vaacuterias tentativas pode consultar ELLIGER 1951 p 6 especialmente a n 10 Aliaacutes esse artigo eacute ainda de 1951 () 146 Cf BARTHES 1971 p 30

129

Schoumlkel ao se referir agrave linguagem biacuteblica ldquoa linguagem eacute primariamente falada a

palavra eacute primariamente sonorardquo (1986 p 231) Por isso haacute sempre muito cuidado e

preocupaccedilatildeo com a sonoridade do texto

A narraccedilatildeo inicia-se com uma seacuterie de assonacircncias onde se misturam as

consoantes guturais bw e kq (vv 23-27) e a finalidade eacute unir o heroacutei da histoacuteria Jacoacute

com o lugar (Jaboc) e com o acontecimento que ali se produz ou seja a luta Para

expressar a luta o autor emprega um verbo muito raro somente utilizado aqui em

toda a BH mas que combina com a sequecircncia de assonacircncias qba (v 25 que significa

ldquorolar no poacuterdquo) Desse modo trecircs vocaacutebulos satildeo fundamentais nessa assonacircncia qba

qby e bq[y Vejamos esse fenocircmeno no proacuteprio texto para melhor compreendermos o

seu efeito Apresentamos jaacute transliterado para realccedilar o efeito sonoro o texto hebraico

estaacute no iniacutecio deste capiacutetulo

Aumentamos o tamanho das letras e das palavras que ajudam a formar as

assonacircncias e paronomaacutesias

3223 wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw wuumlacuteet-

acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw wayya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq

3224 wayyiqqaumlHeumlm wayya`aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal wayya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc

3225 wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

3226 wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb

Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

3227 wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

O v 31 mais ao final da periacutecope completa essa lista de paronomaacutesias

wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

waTTinnaumlceumll napšicirc

Natildeo podemos esquecer de um verbo que jaacute foi mencionado a pouco mas que

perpassa todo o capiacutetulo 32 do qual faz parte a nossa periacutecope Trata-se do verbo rb[

(atravessar) que ocorre nos versiacuteculos 11 17 22 23 24 32 conferir tambeacutem 33314

Somos levados a concordar com BLUM (2012 p 188-189) que obviamente ldquoo

autor tinha alguma ambiccedilatildeo de formar sua narrativa de uma forma mais complexa e

130

artiacutestica que desafia e ao mesmo tempo guia o leitor a revelar seus significados

ocultosrdquo e ele faz uso de uma expressatildeo cara a Erich Auerbach para denominar esse

tipo de teacutecnica die Hintergruumlndlichkeit147

Complementando essa visatildeo de conjunto da estrutura de nossa periacutecope natildeo

podemos negligenciar a anaacutelise realizada por BARTHES (1971 p 27-39) na qual ele

identifica ao menos trecircs sequecircncias narrativas nessa estrutura E nos trecircs casos ele

observa que a linha condutora eacute a passagem a mutaccedilatildeo a travessia do lugar da

linhagem parental do nome e do rito alimentar Vejamos as trecircs sequecircncias148

I) levantar-se reunir passar ----------------------------------------- v 23 23 23

II) reunir fazer passar ficar soacute --------------------------------------------- v 24 24 25

Lutar Impotecircncia Golpe (Ineficiecircncia) Negociaccedilatildeo (durativo) de A149 decisivo ------------------------------------------------------------------------------- v 25 26 26 27 _____________________ Pedido Rega- Aceita- de A teio ccedilatildeo ------------------------------ v 27 27 30

I) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta Efeito de Deus a Jacoacute de Jacoacute Mutaccedilatildeo -------------------------------------------------- v 28 28 29

147 A qual podemos tentar traduzir como sutileza meticulosidade A obra aqui em questatildeo eacute Mimesis Dargestellte Wirklichkeit in der abendlaumlndischen Literatur Bern Francke 1946 (p 5-27) Auerbach faz uma famosa comparaccedilatildeo entre a Odisseia de Homero (Livro 19) com Gn 22 148 Cf BARTHES 1971 p 30-35 149 ldquoArdquo seria abreviaccedilatildeo de anjo

131

II) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta (Efeito de Jacoacute a Deus indireta Decisatildeo) -------------------------------------------------- v 30 30 ( )

(31) Para BARTHES (1971 p 35) esta uacuteltima sequecircncia constitui a parte central de

toda a cena de Gn 3223-33 a qual consiste em um diaacutelogo no qual novos nomes satildeo

dados Com ele observa muito bem ldquoA mutaccedilatildeo diz respeito a nomes mas na

verdade eacute todo o episoacutedio que funciona como a criaccedilatildeo de uma marca muacuteltipla no corpo

de Jacoacute no status dos Irmatildeos no nome de Jacoacute em nome do lugar na dietardquo

(BARTHES 1971 p 35)

Essa estruturaccedilatildeo vislumbrada por BARTHES deixa claro que ldquotudo no registro

conduz agrave concessatildeo do nome lsquoIsraelrsquo a doaccedilatildeo do nome lsquoFanuelrsquo reflete o significado

de todo o encontro como foi compreendido por Jacoacute [v 31]rdquo (ROSS 1985 p 342) Toda

a cena eacute montada para evidenciar duas nomeaccedilotildees primeiramente Deus nomina Jacoacute

ldquoIsraelrdquo (v 29) em seguida Israel nomina o lugar ldquoFanuelrdquo (v 31) Tudo forma um

equilibrado conjunto narrativo ldquoa resposta direta de Jacoacute ao seu atacante [v 28]

conduz a ser nominado lsquoIsraelrsquo mas a resposta indireta do atacante [v 30] leva Jacoacute a

nominar o lugar lsquoFanuelrsquo pois ele compreendeu que era Deus que lutava (lsquoIsraelrsquo) com

ele face a face (lsquoFanuelrsquo)rdquo (ROSS 1985 p 342-343) Assim um nome eacute dado por Deus

a Jacoacute e outro nome eacute dado por Jacoacute em submissatildeo a Deus

Mutaccedilatildeo Penuel

132

CAPIacuteTULO 4

Mudar de nome para quecirc

1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia

Olhando mais atentamente para Gn 3223-33 e mesmo para o ciclo de Jacoacute

como um todo logo percebemos que haacute semelhanccedilas com outros textos e personagens

o que pode nos ajudar a melhor compreender a nossa periacutecope

Uma primeira semelhanccedila observamos entre a histoacuteria da juventude de Moiseacutes

e a saga de Jacoacute150 Entre os elementos comuns percebe-se

a) Assim como Jacoacute Moiseacutes comete uma transgressatildeo e por isso deve fugir para

fora de sua terra natal (cf Ex 211-15 e Gn 271-45)

b) Como ocorreu com Jacoacute eacute proacuteximo a um poccedilo no deserto que Moiseacutes

encontra as jovens que lhe iratildeo conduzir ateacute seu pai (Ex 216-20 e Gn 291-

12)

c) O fugitivo seraacute acolhido na famiacutelia desse pai do qual ele natildeo tardaraacute a tornar-

se genro (Ex 221 e Gn 2913-30)

d) Um ou vaacuterios filhos nascem dessas uniotildees (Ex 222 e Gn 2931ndash3024)

e) Chega o momento do retorno agrave terra natal e esta decisatildeo seja em decorrecircncia

de um apelo direto de Deus (Ex 31-10 e Gn 31313) seja motivada por uma

vontade pessoal (Gn 3025-26) pelos ciuacutemes dos irmatildeos (Gn 311-2) ou pela

deliberaccedilatildeo entre o heroacutei e suas mulheres (Gn 314-10) ela representa uma

reviravolta na histoacuteria da personagem

f) Esse retorno de ambos Moiseacutes e Jacoacute seraacute repleto de obstaacuteculos No caso de

Jacoacute haveraacute a oposiccedilatildeo do sogro (Gn 3035-42 317-44) os iacutedolos domeacutesticos

furtados (Gn 3130-42) a ameaccedila de Esauacute (Gn 324-22 331-17) a agressatildeo

noturna por um adversaacuterio divino (Gn 3223-33) finalmente o conflito com

os moradores de Siqueacutem (Gn 34) Quanto a Moiseacutes haacute as cinco objeccedilotildees ao

150 Quem por primeiro apercebeu-se dessas semelhanccedilas foi HENDEL 1988

133

chamado de Deus (Ex 31113 411013) e novamente uma agressatildeo

noturna no curso da qual YHWH buscava fazecirc-lo morrer (Ex 424-26)

Distanciando-nos um pouco da juventude de Moiseacutes podemos notar uma outra

semelhanccedila interessante entre as duas personagens Jacoacute e Moiseacutes Referi-me ao fato

de somente ambos terem tido um contato face a face com Deus O que marca uma

relaccedilatildeo iacutentima inusual na BH na qual o ser humano jamais pode ter esse contato direto

com o ser divino Narrar esse contato eacute um modo dos autores realccedilarem a importacircncia

direta das personagens para a histoacuterica do povo de Israel Em Gn 3231 Jacoacute estaacute

surpreso de ter sobrevivido ao encontro que havia apenas tido porque raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm

Paumlnicircm el-Paumlnicircm Em Ecircxodo em duas ocasiotildees esse contato iacutentimo com Deus eacute realccedilado

pelo autor em relaccedilatildeo a Moiseacutes Primeiramente em Ex 1920 se diz claramente

ldquoYHWH desceu sobre a montanha do Sinai no cima da montanha IHWH chamou

Moiseacutes para o cimo da montanha e Moiseacutes subiurdquo O texto logo a seguir faz questatildeo

de deixar claro que este contato direto com YHWH eacute uma prerrogativa apenas de

Moiseacutes (Aaratildeo somente nesta ocasiatildeo subiraacute junto com Moiseacutes) ldquoYHWH disse a

Moiseacutes lsquoDesce e adverte o povo que natildeo ultrapasse os limites para vir ver YHWH

para muitos deles natildeo pereceremrsquordquo (Ex 1921) Essa advertecircncia eacute repetida ainda em

relaccedilatildeo aos sacerdotes em geral e novamente ao povo (Ex 1922-24) Em outra ocasiatildeo

Ex 2412-18 Moiseacutes eacute convocado novamente agrave montanha e laacute permanece quarenta dias

e quarenta noites diante da gloacuteria de YHWH que ldquopousou sobre o monte Sinairdquo

(wayyišKoumln Kuumlbocircd-yhwh(acuteaumldoumlnaumly) `al-har Ex 2416a) Em vaacuterias outras ocasiotildees Moiseacutes

subiraacute agrave montanha para falar com YHWH em uma delas o narrador deixa claro o

contato iacutentimo da personagem com a divindade ldquoQuando Moiseacutes desceu da

montanha do Sinai trazendo nas matildeos as duas taacutebuas do Testemunho sim quando

desceu da montanha natildeo sabia que a pele de seu rosto resplandecia porque havia

falado com elerdquo (Ex 3429)151 Para terminar um texto que natildeo eacute de Ecircxodo portanto

pertencente a outra tradiccedilatildeo e autoria reafirma de modo inequiacutevoco essa relaccedilatildeo

preferencial de Deus com Moiseacutes wuumllouml| -qaumlm naumlbicircacute `ocircd BuumlyiSraumlacuteeumll Kuumlmoumlšegrave acuteaacutešer yuumldauml`ocirc

151 O texto em hebraico eacute wayuumlhicirc Buumlreordmdet moumlšegrave meumlhar sicircnay ucircšuumlnecirc lugraveHoumlt hauml|`eumldugravet Buumlyad-moumlšegrave BuumlridTocirc min-

haumlhaumlr ucircmoumlšegrave louml|acute-yaumlda` Kicirc qaumlran `ocircr Paumlnaumlyw BuumldaBBuumlrocirc acuteiTTocirc (destaco em negrito a parte que deixa claro o

contato direto e o diaacutelogo com YHWH)

134

yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm (ldquoE em Israel nunca mais surgiu um profeta como

Moiseacutes ndash a quem YHWH conhecida face a facerdquo grifo nosso Dt 3410) Nisso reside

uma outra semelhanccedila com Jacoacute Ele tambeacutem aleacutem de Moiseacutes esteve com Deus no

caso natildeo seria YHWH mas El face a face ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi

salvardquo - Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc (Gn 3231) Portanto

estabelece-se uma igualdade de dignidade entre duas personagens bem diferentes na

histoacuteria de Israel

Para PURY (2002 p 235-236) eacute o ciclo de Jacoacute que influenciou aquele de Moiseacutes

uma vez que ele identifica por detraacutes desses dois relatos a oposiccedilatildeo entre os defensores

de um Israel mosaico um partido mais profeacutetico e os defensores do velho Israel

jacobiano Essa rivalidade acabou pendendo mais para o lado mosaico atraveacutes da

literatura deuteronocircmica e deuteronomista Sendo que o Deutero-Isaiacuteas e o autor

sacerdotal tentaratildeo uma tiacutemida reconciliaccedilatildeo entre as duas tradiccedilotildees

Retornando ao aspecto que interessa mais de perto ao nosso estudo haacute ao

menos duas diferenccedilas fundamentais entre as lendas de Moiseacutes e aquela de Jacoacute

a) O casamento de Moiseacutes com uma das filhas de Jetro natildeo tem uma funccedilatildeo

maior no contexto narrativo eacute um ponto cego por assim dizer pois natildeo eacute

determinante para a missatildeo que ele teraacute a seguir Tanto que apoacutes a idolatria

do bezerro de ouro no deserto durante a jornada para a terra prometida

Deus propotildee a Moiseacutes eliminar todo aquele povo infiel e fazecirc-lo Patriarca de

uma naccedilatildeo nova Sendo que Moiseacutes se indigna contra a proposta e a recusa

(cf Ex 3210) Enquanto que os matrimocircnios de Jacoacute com as filhas de Labatildeo

estatildeo no centro do dispositivo narrativo de sua lenda uma vez que Jacoacute

supostamente eacute destinado a tornar-se o pai das tribos de Israel A genealogia

conta para Jacoacute eacute a sua mediaccedilatildeo Sendo que para Moiseacutes a sua mediaccedilatildeo

para com Israel se daraacute pela palavra profeacutetica e sua vocaccedilatildeo

b) Outro motivo cego na histoacuteria de Moiseacutes eacute a agressatildeo noturna relatada em

Ex 424-26 uma vez que natildeo traz consequecircncias para a trama do heroacutei Por

sua vez o episoacutedio correspondente em Jacoacute (Gn 3223-33) desempenha um

papel absolutamente central

135

Aqui eacute o momento de nos determos mais nessa questatildeo de um ser divino agredir

um ser humano Vejamos os aspectos em comum encontrados nas cenas de Moiseacutes e

Jacoacute sendo agredidos pelo ser divino152

a) Nos dois casos eacute o agressor sobrenatural que toma a iniciativa (Gn 3225 Ex

424)

b) O enfrentamento ocorre agrave noite e trata-se explicitamente de uma luta de

vida ou morte Em Ex 424 eacute dito com toda clareza ldquoYHWH veio ao seu

encontro e procurava fazecirc-lo morrerrdquo Na cena de Jacoacute isso eacute bem impliacutecito

na observaccedilatildeo de Gn 3231 ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi salvardquo

c) Natildeo obstante o poder superior de seu adversaacuterio o heroacutei sai vencedor ou

ao menos vivo do combate No entanto a sua sobrevivecircncia dependeu de

um estratagema ou astuacutecia Jacoacute encontra o ponto vulneraacutevel de seu

adversaacuterio (Gn 3226a) e a mulher de Moiseacutes circuncida o seu filho e passa o

prepuacutecio ldquonos peacutesrdquo de Moiseacutes aqui podendo entender-se no oacutergatildeo genital

do mesmo

d) A luta marca o parceiro humano do agressor divino com uma marca fiacutesica

Jacoacute passa a manquejar de uma coxa porque seu nervo foi deslocado (Gn 32

26b32) e em Ex 4 25 eacute o filho de Moiseacutes que se encontra circuncidado

e) O relato eacute concluiacutedo apresentando uma mudanccedila de status dos heroacuteis Jacoacute

tem o seu nome alterado para Israel (Gn 3229) e Moiseacutes recebe um novo

tiacutetulo ldquoesposo de sanguerdquo (Ex 42526)

Algo que chama ainda mais a nossa atenccedilatildeo eacute o lugar o momento no qual esse

combate ocorre no desenrolar das histoacuterias de Jacoacute e Moiseacutes A agressatildeo divina

acontece justamente na hora em que o heroacutei estaacute para concluir a sua missatildeo a sua

busca Jacoacute jaacute havia fugido casado enriquecido conseguido se separar de seu

possessivo e interesseiro sogro e estava prestes a enfrentar seu irmatildeo Moiseacutes apoacutes o

episoacutedio e chamado junto agrave sarccedila ardente no deserto no qual recebe sua missatildeo estaacute

prestes a enfrentar o Faraoacute Portanto tudo eacute colocado em causa tudo estaacute a ponto de

se perder caso tivesse havido sucesso no ataque divino Contudo felizmente tudo

acaba bem apoacutes o confronto noturno se daacute o reencontro com o irmatildeo rival (Esauacute no

152 Acompanho aqui a anaacutelise de PURY 1995 p 53

136

caso de Jacoacute e Aaratildeo no caso de Moiseacutes) Desse modo ldquoas animosidades intimamente

temidas datildeo lugar como que por magia a reencontros felizes e efusivosrdquo (PURY 1995

p 54)

A mentalidade religiosa predominante na eacutepoca seria incapaz de admitir que

YHWH pudesse ter agredido Jacoacute e Moiseacutes sem que os mesmos tivessem cometido

faltas graves que justificassem uma correccedilatildeopuniccedilatildeo A relaccedilatildeo de YHWH com seu

povo uma vez que ele era o deus nacional o deus protetor do povo era de

reciprocidade isto eacute se o povo se mantivesse fiel receberia becircnccedilatildeos na forma de

prosperidade e paz se o povo fosso infiel adorando outros deuses ou praticando atos

por ele proibidos entatildeo o castigo viria inescapavelmente Basta ler os livros profeacuteticos

o Deuteronocircmio a Obra Historiograacutefica Deuteronomista (Js Jz 1 e 2 Sm e 1 e 2Rs) para

se dar conta dessa maneira pela qual se pautava a vida religiosa especialmente nos

periacuteodo poacutes-exiacutelico (seacutec VI AEC em diante) Eacute sempre o pecado a falta que justifica e

atrai qualquer gesto mais contundente de Deus Entatildeo como justificar a atitude divina

nos casos de Jacoacute e Moiseacutes153 Afinal a agressatildeo se daacute segundo a narrativa sem

nenhum motivo alegado ou proposto de maneira expliacutecita ou impliacutecita Vaacuterios

estudiosos e comentaristas se puseram a trabalho para identificar que ambos

mereceram tal ato divino devido suas faltas passadas Moiseacutes por natildeo ter circuncidado

antes o seu filho e quem sabe por ter relutado tanto em aceitar o chamado e missatildeo

da parte de Deus Jacoacute devido agraves suas vaacuterias falcatruas realizadas seja no periacuteodo em

que vivia na casa de seus pais como depois na presenccedila de seu sogro Labatildeo154

Em Os 124 o combate eacute atribuiacutedo ao caraacuteter agressivo intreacutepido do Patriarca

ldquoem sua forccedila viril ele lutou com Elohicircmrdquo

Essa criacutetica profeacutetica a Jacoacute encontra eco em um texto tardio que foi incluiacutedo

posteriormente ao ciclo desta nossa personagem Trata-se de uma oraccedilatildeo em Gn 3210-

13 onde foi colocado na boca de Jacoacute ldquoeu sou indigno [qaumldaggeroumlnTicirc] de todos os favores e

de toda a bondade que tiveste para com teu servordquo (v 11) Esta eacute a primeira e uacuteltima

153 Natildeo podemos nos esquecer tambeacutem de outro texto biacuteblico complicado (Gn 22) onde Deus ordena a Abraatildeo que sacrifique o seu filho pequeno Isaac portanto inocente sem culpa que justificasse tamanha violecircncia 154 No caso de Jacoacute cito somente uma opiniatildeo das mais importantes (ELLIGER 1951) que vecirc nesse episoacutedio da luta uma forma de YHWH corrigir Jacoacute antes que este se beneficiasse das graccedilas divinas

137

vez que Jacoacute confessa a sua indignidade perante Deus Portanto estaria justificada a

agressatildeo sofrida Aliaacutes para o leitor moderno a linguagem usada para se falar sobre

Deus e para Deus frequentemente choca na BH Agraves vezes Israel pode retratar Deus

como algueacutem que diz ldquoEu formo a luz e crio as trevas asseguro o bem-estar e crio a desgraccedila

sim eu IHWH faccedilo tudo issordquo (Is 457 ndash BJ) ou ainda ldquoSou eu que mato e faccedilo viver sou eu

que firo e torno a curarrdquo (Dt 3239b ndash BJ) Pode-se acrescentar a esses textos alguns dos

salmos de lamentaccedilatildeo nos quais o salmista suplica a Deus para que interceda em seu

nome porque acredita-se Deus permitiu que coisas dolorosas acontecessem a ele sem

uma boa causa (p ex Sl 17 26 e o proacuteprio livro de Joacute) Outras passagens biacuteblicas satildeo

ainda mais diretas em seu discurso elas descrevem Deus como algueacutem que ataca Israel

sem motivo razoaacutevel (p ex Sl 89 Is 5212ndash5313) Isso tudo se compreende porque a

BH natildeo usa uma linguagem cuidadosa e sofisticada como aquela da filosofia ou da

teologia dogmaacutetica somente para ficarmos nesses dois exemplos ela simplesmente

reflete como as coisas se apresentam em um mundo que eacute supostamente governado

por YHWH Portanto segundo essa mentalidade nada pode ocorrer sob os ceacuteus (o

bem e o mal) que natildeo seja fruto das accedilotildees de YHWH Interessante constatar que ldquona

literatura judaica preacute-cristatilde e na literatura cristatilde a figura de Satanaacutes (o diabo) torna-se

responsaacutevel por lsquoeventos obscurosrsquo no mundo mas os escritores israelitas em sua

maioria natildeo sabem nada de tal figura e portanto dirigem-se a Deus (ver no entanto

1Cr 211 cf 1Sm 241)rdquo (HOLMGREN 1990 p 16)

Natildeo obstante essas tentativas piedosas ou criacuteticas permanece o fato de que natildeo

haacute absolutamente na narrativa justificativas que motivassem a agressatildeo

Devemos buscar em outro lugar a explicaccedilatildeo A questatildeo da identidade do ser

que lutou com Jacoacute assume um papel fundamental no relato de Gn 3223-33 Tanto que

o Patriarca busca conhecer o nome daquele adversaacuterio misterioso que acaba de lhe

conceder um novo nome ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo no entanto recebe como

resposta uma outra indagaccedilatildeo ldquoPor que perguntas pelo meu nomerdquo (v 30) Poreacutem a

posteriori o heroacutei parece reconhecer o seu agressor e saber seu nome quando diz ldquoeu

vi Deus face a facerdquo (Gn 3231) Em todo caso permanece o misteacuterio quem eacute o deus

agressor El ou Elohicircn ou ainda um elohicircm Essa incerteza somente se resolve em Gn

3320 quando Jacoacute-Israel ao chegar ao objetivo de sua viagem e tendo superado todos

138

os obstaacuteculos proclama em Siqueacutem ldquoEl eacute o Deus [elohicircm] de Israel [o Patriarca]rdquo Na

opiniatildeo de PURY (1995 p 60-61) isso reflete uma tradiccedilatildeo anterior agrave sacerdotal e

deuteronomista que viam somente em YHWH o deus uacutenico e verdadeiro de Israel

desconsiderando o fato de que a veneraccedilatildeo a El continuou entre os arameus e os

israelitas e judeus das regiotildees marginais (o interior mais rural e vilarejos) ateacute a eacutepoca

persa155 Eacute bom lembrarmos que antes de YHWH e da tradiccedilatildeo do ecircxodo o que

predominava em Israel e Judaacute tinha sido El e a tradiccedilatildeo de Jacoacute

Afinal a lenda de origem em que se constitui o ciclo de Jacoacute natildeo percebe Deus

como aquele ser hostil da retribuiccedilatildeo a puniccedilatildeo o castigo eacute a resposta aos que erram

Tanto que em todos os demais textos da BH fica clara a motivaccedilatildeo da puniccedilatildeo e a

identidade do autor divino Aqui o agressor natildeo eacute chamado pelo nome YHWH e natildeo

eacute um democircnio hostil voltaremos a este tema mais adiante mas eacute ldquoDeusrdquo no sentido

mais pleno do termo (cf PURY 1995 p 62) De propoacutesito o autor deixa Deus aparecer

nesta narrativa como um Deus absconditus (Deus escondido oculto) natildeo o

identificando com o deus nacional de Israel YHWH Aliaacutes essa dualidade entre o

Deus escondido de caraacuteter universal natildeo particular de um soacute povo e o Deus revelado

que eacute o Deus de Israel aparece natildeo somente aqui mas em uma passagem de autoria

sacerdotal como eacute o caso de Ex 63 ldquoApareci a Abraatildeo a Isaac e a Jacoacute como El Shaddai

mas meu nome YHWH [o Senhor] natildeo lhes fiz conhecerrdquo Portanto nas origens El e

natildeo YHWH era o Deus de Israel assim como se depreende de Gn 3320156

Portanto Jacoacute antes de se tornar Israel ele se origina da famiacutelia universal

Retomemos um pouco soacute a questatildeo da identidade do ser transcendental que

lutou com Jacoacute agraves margens do Jaboc

2 Aspectos internos agrave periacutecope

Primeiramente eacute bom desfazer qualquer impressatildeo de que Gn 3223-33 se trata

de uma narrativa fundamentada em uma lenda autocircnoma de alguma personagem que

enfrentou um ser demoniacuteaco ao atravessar um rio ou fronteira Aleacutem dos indiacutecios de

155 Quem demonstrou isso atraveacutes da anaacutelise do Sl 20 que remonta ao modelo aramaico no qual a oraccedilatildeo se dirigia a El e natildeo a YHWH foi KOTTSIEPER 1988 p 217-244 156 Haacute outros textos em que isso fica claro como Os 121b5a e Dt 328-9 onde YHWH parece ateacute mesmo subordinado a El uma vez que eacute ele que recebe seu povo Israel em partilha

139

unidade cecircnica que apresentamos no capiacutetulo anterior deve-se acrescentar o fato de

que essa periacutecope possui um iniacutecio extremamente brusco e um final que deixa aberta

a meta do movimento iniciado algo natildeo comum em narrativas autocircnomas em que o

desfecho eacute mais tranquilizador Sem seu contexto ela natildeo teria condiccedilotildees de funcionar

e isso fica claro porque se amputaacutessemos Gn 3223-33 natildeo teriacuteamos nenhuma

transiccedilatildeo de Gn 32 para 33 Isso porque a cena eacute necessaacuteria para servir de mediaccedilatildeo

entre as medidas de precauccedilatildeo de Jacoacute (Gn 32) e o encontro dos dois irmatildeos em Gn 33

Assim sendo aquilo que eacute proferido como esperanccedila em Gn 3221b (ldquoCom efeito dizia

ele [Jacoacute] para si mesmo lsquoEu o aplacarei com o presente que me antecede em seguida

me apresentarei a ele e talvez me conceda graccedilarsquordquo) mostra-se realizado em Gn 334

Para ser uma lenda individual que justificasse p ex o nome Fanuel ldquoa cena

conteacutem demasiados temas e objetivos narrativos luta e becircnccedilatildeo aparecem vinculados

com as etiologias do nome lsquoIsraelrsquo do local Fanuel e de um costume alimentar israelitardquo

(KOumlCKERT 2003 p 168)

O agressor eacute denominado de acuteicircš (sem artigo portanto um homem) que alguns

estudiosos insistem em ser um ser divino diferentemente de Deus ou um democircnio157

pode ser considerado como o proacuteprio Deus ou um mensageiro dele (malacuteak) Haacute vaacuterias

outras passagens biacuteblicas em que isso se daacute e a personagem misteriosa termina por ser

identificada com o proacuteprio Deus nesse sentido a cena de Gn 181-15 eacute claacutessica158 Sem

falar que o fato desse ldquohomemrdquo natildeo querer revelar seu nome natildeo eacute um indiacutecio de que

seria um ser maligno ou algo parecido Na proacutepria BH encontramos uma cena parecida

em que claramente um anjo de YHWH nega a revelaccedilatildeo de seu nome como

contrapergunta em relaccedilatildeo a uma solicitaccedilatildeo semelhante agravequela feita por Jacoacute Eacute o caso

do pai de Sansatildeo que recebe a visita de um ldquohomem de Deusrdquo (acuteicircš haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 138)

que eacute chamado pelo narrador de ldquoAnjo de Deusrdquo (malacuteak haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 139) mas que

se nega a revelar seu nome quando indagado por Manueacute pai de Sansatildeo ldquoManueacute disse

157 Esse eacute o caso de WESTERMANN (1985 p 516-517) DIETRICH (2001 p 200) soacute para ficarmos em dois exemplos Eles pensam que o agressor poderia se tratar de uma democircnio fluvial que assaltava os viajantes a fim de impedi-los de atravessar o rio O fato dele natildeo gostar do sol do dia seria um indiacutecio confirmativo dessa tese na opiniatildeo dos autores 158 Essa temaacutetica eacute extensamente e profundamente explorada por HAMORI 2008 e HAMORI 2010 p 161-183 A autora faz paralelos com outras culturas antigas vizinhas a Israel bem como com o cristianismo Ainda no interior desse tema a personagem que luta com Jacoacute eacute interessante consultar SCHWARTZ 1998 p 33-48 TASCHNER 1998 p 367-380 MILLER 1973 GRANOT 2012 p 125-127

140

entatildeo ao Anjo de YHWH lsquoQual eacute o teu nome para que assim que se cumprir a tua

palavra possamos prestar-te homenagemrsquo O Anjo de YHWH lhe respondeu lsquoPor que

perguntas meu nome Ele eacute maravilhosorsquordquo (Jz 1317-18 a pergunta em hebraico eacute

laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc) Essa contrapergunta eacute idecircntica agravequela que o ldquohomemrdquo faz a

Jacoacute Sem falar que eacute muito complicado explicar o motivo que levaria Jacoacute a solicitar

uma becircnccedilatildeo justamente a um ser demoniacuteaco Alguns autores que adotaram essa

explicaccedilatildeo tentam justificar-se dizendo tratar-se de uma periacutecope constituiacuteda por

vaacuterias camadas redacionais e fontes No entanto isso natildeo passaria desapercebido pelo

redator final obviamente

Na interpretaccedilatildeo rabiacutenica diversas propostas surgiram a esse respeito

Maimocircnides p ex pensa que essa cena seja uma visatildeo natildeo um fato Uma visatildeo de

tipo profeacutetica mas ele natildeo explorou melhor essa sua intuiccedilatildeo deixando em aberto qual

seria a possiacutevel mensagem de tal visatildeo profeacutetica159

No Midrash Rabbah Rabi Huna vecirc nesse ldquohomemrdquo um pastor que chega agraves

margens do rio Jaboc com a mesma intenccedilatildeo de Jacoacute atravessaacute-lo com sua famiacutelia e

seus pertences Inclusive ele permite que Jacoacute atravesse a vau do rio antes dele

Contudo quando Jacoacute retorna para ver se natildeo havia esquecido algo haacute um confronto

uma luta com aquele homem

O homem apareceu sob a aparecircncia de um arquibandido com ovelhas e camelos semelhantes aos de Jacoacute Disse a Jacoacute Levas minhas coisas e eu transportarei as tuas Depois que o anjo tinha levado as coisas de Jacoacute num abrir e fechar de olhos Jacoacute comeccedilou a levar as coisas do outro Mas ele sempre achava mais coisas para levar embora continuasse a noite toda Pensou Jacoacute isto eacute simplesmente bruxaria Rabi Pinhas disse Ele entatildeo pegou um velo de latilde e o amarrou ao pescoccedilo do outro homem (como para estrangulaacute-lo) dizendo Vocecirc natildeo sabe que os feiticcedilos maacutegicos satildeo inuacuteteis agrave noite Rabi Huna disse O anjo finalmente pensou Vou deixar Jacoacute saber com que tipo de homem ele estaacute lutando Ele portanto colocou o dedo no chatildeo e a terra comeccedilou a produzir espuma de fogo Disse Jacoacute Vocecirc realmente espera me assustar dessa maneira Natildeo sou inteiramente feito de fogo como se diz A casa de Jacoacute seraacute um fogo (Abdias 18)160

159 Cf BLUMENTHAL 2010 p 120 160 MIDRASH RABBAH 1939 77 As traduccedilotildees que se seguem neste capiacutetulo das obras rabiacutenicas satildeo sempre baseadas nas traduccedilotildees inglesas disponiacuteveis

141

Percebe-se a presenccedila de um anjo mas a luta eacute com um outro ser humano Na

sequecircncia Rabi Hama ben Hanina diz ldquoO homem era o anjo guardiatildeo de Esauacuterdquo tido

como um anjo do mal Segundo o mesmo rabino Jacoacute o intimidou quando disse ldquoVisto

que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Deus e ficaste satisfeito comigo (Gn

3310)rdquo161 Nesse caso o confronto anjo de Esauacute versus Jacoacute jaacute seria uma antecipaccedilatildeo

do encontro com irmatildeo Sendo assim uma luta substituta talvez na compreensatildeo

desse rabino Mas os inteacuterpretes desse texto enxergam nessa interpretaccedilatildeo a

substituiccedilatildeo da figura de Esauacute por Roma Assim sendo o confronto de Jacoacute se daacute

contra o potente Impeacuterio Romano representado pelo ldquoanjo de Esauacuterdquo (cf HAYWARD

2005 p 14) Mais tarde esse ldquoanjo de Esauacuterdquo eacute identificado com Sammael que em

princiacutepio era o grande priacutencipe do ceacuteu (tinha 12 asas enquanto os serafins tinham

somente seis) poreacutem rebelou-se contra o Onipotente (cf LOS CAPIacuteTULOS DE RABBIacute

ELIEZER PIRQEcirc RABBIcirc acuteELIcirc`EZER 1984 132 p 120) O Targum Neofiti Gn 3225162

denomina esse anjo como sendo Sariel que eacute um anagrama de Israel Enquanto

Targum Pseudo-Jonathan Gn 3225 chama a este anjo de Miguel (SAacuteIZ 2004 p 212)

No entanto certos rabinos enxergavam nesse anjo um enviado de Deus para

realizar uma boa tarefa em relaccedilatildeo a Jacoacute ldquoQuando o Santo abenccediloado eacute Ele viu que

Jacoacute tinha medo de Esauacute ele enviou o anjo Miguel para lutar com ele Michael

apareceu a Jacob sob a aparecircncia de um pastor como afirma o textordquo163

Outro aspecto que vale ressaltar eacute que tanto o Targum Neofiti quanto o Pseudo-

Jonathan apresentam como justificativa para a renomeaccedilatildeo de Jacoacute em Israel o seguinte

fato ldquopretendestes superioridade com os anjos [de diante] do Senhor e com os homens

e pudestesrdquo (SAacuteIZ 2004 p 213) A expressatildeo ldquode dianterdquo encontra-se somente no

Targum Neofiti

Permanecendo ainda no Midrash haacute uma passagem em que se discute sobre

quem teria vencido ldquoRabi Berekiah disse Natildeo sabermos se venceu o anjo ou Jacoacute

161 MIDRASH RABBAH 1939 77 162 SAacuteIZ 2004 p 212 163 Tan Y Vayyishlah 7 apud KASHER 1959 p 151

142

daquilo que estaacute escrito Lutou um homem com ele quem se cobriu de poacute164 O homem

que estava com elerdquo (MIDRASH RABBAH 1939)

Enfim poderiacuteamos prosseguir mencionando outros exemplos de interpretaccedilatildeo

rabiacutenica a respeito da personagem que luta com Jacoacute mas a maioria vai nessa linha de

reconhecer no agressor seja um ser humano ou um anjo um enviado de Deus A

finalidade desse anjo segundo um certo consenso entre os rabinos seria dar a Jacoacute

coragem e fazecirc-lo pensar depois ldquoSe eu tiver sido capaz de vencer o anjo eu natildeo

preciso ter medo de ser capaz de vencer Esauacute se necessaacuteriordquo (KASHER 1959 p 150-

151)

Olhando o contexto de Gecircnesis podemos perceber que natildeo eacute o primeiro caso

de uma teofania com ldquoaparentes seres humanosrdquo aquilo que se convenciona

denominar de ldquoacuteicircš teofaniardquo165

3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute

Interessante logo de iniacutecio notar que o relato da mudanccedila de nome de Jacoacute natildeo

aparece tatildeo proeminente nas fontes rabiacutenicas claacutessicas como seria de se esperar Talvez

isso possa ser compreensiacutevel pelo fato desses escritos refletirem mais as preocupaccedilotildees

dos rabinos em situar Israel sua cultura e religiatildeo em uma eacutepoca de dominaccedilatildeo

romana no Ocidente e no Oriente juntamente com o domiacutenio da Peacutersia mais a leste

A Mishnaacute e a Toseftaacute dirigiratildeo sua preocupaccedilatildeo mais para a compreensatildeo e

consequecircncias do ferimento que Jacoacute sofreu no tendatildeo de sua coxa (cf Gn 322633) O

que eacute compreensiacutevel uma vez que essas obras reuacutenem tratados legais voltados para

dar suporte agrave praacutetica cotidiana do judeu religioso

Um fato no entanto chamou a atenccedilatildeo dos Saacutebios rabiacutenicos Jacoacute natildeo foi o uacutenico

na Biacuteblia a receber um novo nome mas por que depois que seu nome foi mudado para

Israel ele ainda era mencionado e tratado como Jacoacute

Eacute digno de nota que apoacutes a nossa periacutecope (Gn 3223-33) o nome ldquoJacoacuterdquo ainda

surge somente no livro de Gecircnesis 66 vezes Enquanto o novo nome ldquoIsraelrdquo

164 Aqui haacute um jogo de palavras assonantes wayyeumlacuteaumlbeumlq (lutou) e acutebaumlq (poacute) que foi jogada por terra (cf

FEDERICI 1978 p 640 n 8) 165 Cf HAMORI 2008 sendo que esse gecircnero eacute reconhecido apenas em duas passagens Gn

143

atribuiacutedo a ele surge 38 vezes em Gecircnesis Poreacutem nessas 38 vezes Israel nem sempre

eacute empregado como nome da personagem individual o Patriarca Jacoacute Vejamos

a) Israel como nome atribuiacutedo ao indiviacuteduo Jacoacute aparece 26 vezes166

b) Israel como sendo representaccedilatildeo de todo o povo da naccedilatildeo aparece 12 vezes

(seria coincidecircncia este nuacutemero O mesmo nuacutemero das Tribos de Israel)

c) destas 12 vezes em 3 vezes aparece isoladamente a palavra ldquoIsraelrdquo

representando o povo a naccedilatildeo167

d) como atributo ldquoIsraelrdquo aparece 9 vezes ldquofilhos de Israelrdquo (Buumlnecirc yiSraumlacuteeumll)168

ldquotribos de Israelrdquo (šibdaggerecirc yiSraumlacuteeumll)169 ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll - em

referecircncia a Deus)170

Interessante observar tambeacutem uma outra caracteriacutestica o uso em paralelo no

mesmo versiacuteculo de Jacoacute e Israel sendo que

a) ambos os nomes se referem ao mesmo indiviacuteduo Gn 3522 462 (Jacoacute

inclusive aparece duas vezes mencionado) 4731 482

b) haacute um paralelismo tambeacutem entre ldquofilhos de Jacoacuterdquo e Israel (Gn 492) sendo

ldquoIsraelrdquo o indiviacuteduo e a expressatildeo com o nome de Jacoacute representativa do

povo ocorre tambeacutem o inverso ldquofilhos de Israelrdquo (= povo) em paralelo com

Jacoacute indiviacuteduo (Gn 4658)

c) um terceiro paralelismo que aparece eacute entre dois tiacutetulos atribuiacutedos a Deus

usando os nomes Jacoacute e Israel o ldquoPoderoso de Jacoacuterdquo (acuteaacutebicircr ya`aacuteqoumlb)

ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll) em Gn 4924

Portanto haacute uma prevalecircncia das atestaccedilotildees do uso individual em relaccedilatildeo ao

uso coletivo do nome Israel no livro de Gecircnesis (ao todo 29 referecircncias somente ao

Patriarca) O mesmo natildeo acontece nos demais livros da BH onde o nome eacute tomado em

sentido representativo do povo sendo que a expressatildeo ldquofilhos de Israelrdquo torna-se

166 Gn 3510(2x)2122(2x) 37313 436811 4528 46122930 47272931 482810111421 492 502 167 Gn 347 4820 497 168 Gn 3631 425 4521 4658 5025 Interessante observar o uso da expressatildeo ldquofilhos de Jacoacuterdquo em Gn 492 (Buumlnecirc ya`aacuteqoumlb) tambeacutem com o mesmo sentido de ldquofilhos de Israelrdquo ou seja representando todo

povo Para aprofundar o estudo sobre o uso eponiacutemico dessas expressotildees pode-se recorrer ao exaustivo estudo de BLOCK 1984 p 301-326 169 Gn 491628 170 Gn 4924

144

muito comum Somente para os restringirmos ao PentateucoToraacute essa expressatildeo

aparece em Ecircxodo (123 vezes) Leviacutetico (54 vezes) Nuacutemeros (171 vezes) e

Deuteronocircmio (21 vezes) Sendo que somente em Ex 614 e 3213 encontramos Israel

como nome individual do Patriarca Em Lv natildeo aparece nenhuma menccedilatildeo individual

a qual somente surgiraacute novamente em Nm 120 e 265 como sendo o pai de Ruacuteben Em

Dt tambeacutem natildeo eacute empregado o nome proacuteprio individualmente Percorrendo toda a BH

encontramos atestaccedilotildees de Israel (cf ZOBEL 2004 c 50)

a) com denominaccedilotildees divinas do tipo ldquoDeus de Israelrdquo 241 vezes

b) na locuccedilatildeo ldquofilhos de Israelrdquo aparece 637 vezes

c) indicando o povo de YHWH 1006 vezes

d) denominando o Reino do Norte e sua populaccedilatildeo 564 vezes e finalmente

e) como o Patriarca individualmente considerado somente 49 vezes sendo

como jaacute foi observado 29 delas somente em Gecircnesis

Uma uacuteltima nota a esse respeito eacute a curiosidade de encontramos em um mesmo

versiacuteculo o seguinte fenocircmeno ldquoe Elohicircm [Deus] disse a Israel numa visatildeo noturna

lsquoJacoacute Jacoacutersquo E ele respondeu lsquoEis-me aquirsquordquo (Gn 462) Portanto em uacutenico versiacuteculo o

narrador denomina o Patriarca com o novo nome Israel enquanto Deus que o havia

renomeado antes continua a chamaacute-lo pelo nome antigo Jacoacute Essa ambivalecircncia do

nome JacoacuteIsrael faz com que a figura de Jacoacute deste episoacutedio de Gn 3223-33 em

diante comece a ser unida expressamente agravequela do povo como um todo Desse modo

ldquoo surgir de um novo dia apoacutes o combate noturno indica simbolicamente o surgir de

uma nova existecircncia para o Patriarca (cf v 32)rdquo (GIUNTOLI 2013 p 195)

Rabi Simeon ben Yohai se manifesta na Mekhilta de Rabbi Ishmael fazendo um

paralelo entre Abraatildeo e Sara com Jacoacute Para ele os nomes Abratildeo e Sarai haviam sido

removidos ou abandonados enquanto seus novos nomes de Abraatildeo e Sara foram

estabelecidos ou suportados No caso de Jacoacute entretanto citando Gecircnesis 3229 ldquoE ele

disse Seu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacuterdquo Rabi Simeon observa ldquoo primeiro nome

tolerado em seu caso enquanto o segundo foi adicionado a elerdquo (LAUTERBACH 2004

Tratado PisHa 16 linhas 79-81) Nenhum comentaacuterio ou explicaccedilatildeo adicional eacute

oferecido Essa afirmaccedilatildeo eacute ambiacutegua Qual eacute na realidade o ldquoprimeirordquo nome e em

quais circunstacircncias Falta ao comentaacuterio mais esclarecimentos Pode ser que Rabi

145

Simeon quisesse dizer que enquanto nos casos de Abraatildeo e Sara os primeiros nomes

Abratildeo e Sarai desapareceram completamente do uso no caso de Jacoacute o primeiro nome

continuou sendo usado e havia um outro ldquoIsraelrdquo adicionado a aquele Bereshit Rabbah

vai nessa linha Em um debate entre vaacuterios Saacutebios encontramos as seguintes

afirmaccedilotildees

Bar Kappara disse Quem quer que chame Abraatildeo de ldquoAbratildeordquo viola um comando positivo R Levi disse Um comando positivo e um negativo O teu nome natildeo seraacute mais chamado Abratildeo (Gn 175) - isso eacute um comando negativo Mas teu nome seraacute chamado Abraatildeo (ib) - que eacute um comando positivo Mas certamente os homens da Grande Assembleia chamaram-lhe Abratildeo pois estaacute escrito Tu eacutes o Senhor Deus quem escolheu Abratildeo (Ne 917) Laacute eacute diferente como significa que enquanto ele ainda era Abratildeo Tu o escolheste Entatildeo por analogia algueacutem que chama Sara de ldquoSarairdquo infringe um comando positivo Natildeo porque somente ele [Abraatildeo] foi encarregado de respeitaacute-la Novamente por analogia se algueacutem chama Israel de ldquoJacoacuterdquo algueacutem infringe um comando positivo [Natildeo pois] foi ensinado Natildeo se pretendia que o nome de Jacoacute deveria desaparecer mas que ldquoIsraelrdquo deveria ser seu nome principal e ldquoJacoacuterdquo um nome secundaacuterio R Zechariah interpretou em similar modo no nome de R Aha ldquoTeu nome eacute Jacoacute Mas Israel seraacute [tambeacutem] o teu nomerdquo (Gn 3510) Jacoacute seria o nome [raiz] principal Israel foi adicionado a ele PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute (MIDRASH RABBAH 1939 Bereshit Rabbah 783)

Portanto ao querer justificar o natildeo uso frequente do nome ldquoIsraelrdquo apoacutes a

mudanccedila ocorrida em Gn 3229 esses rabinos buscam conciliar a mudanccedila de nome

no caso de Jacoacute em contraste com a de Abraatildeo Natildeo eacute uma soluccedilatildeo final pois a questatildeo

fica em aberto sujeita a pelo menos uma dupla interpretaccedilatildeo Na primeira Israel

deveria ser visto como o nome fundamental e essencial de Jacoacute um nome como

daqueles grandes anjos Miguel Gabriel Rafael e Uriel sendo Jacoacute o seu nome

secundaacuterio suplementar Na segunda interpretaccedilatildeo podemos ver Jacoacute como um nome

que expressa a essecircncia do Patriarca e do povo sendo Israel um nome adicional

conferido pelo ser divino apoacutes a luta A maioria das opiniotildees rabiacutenicas parece inclinar-

se para a primeira interpretaccedilatildeo e apresenta-nos o Patriarca com um caraacuteter essencial

146

natildeo diferente daquele dos anjos mais elevados Aliaacutes um estudioso contemporacircneo

tambeacutem observou isso ao afirmar que ldquoassim lsquoIsraelrsquo natildeo substitui de fato o seu

nome mas torna-se um sinocircnimo para ele ndash uma praacutetica refletida no paralelismo da

poesia biacuteblica onde lsquoJacoacutersquo eacute sempre usado na primeira metade da linha e lsquoIsraelrsquo a

variaccedilatildeo poeacutetica na segunda metade (ALTER 1996 p 182)

Alguns rabinos alegam que isso seja algo normal como eacute o caso do dia do

Messias em que natildeo mais seraacute necessaacuterio mencionar o ecircxodo do Egito quando se recitar

o Shemaacute Tal opiniatildeo rabiacutenica fundamentava-se na profecia de Jeremias 37-8 ldquoPor isso

eis que dias viratildeo ndash oraacuteculo de YHWH ndash em que natildeo diratildeo mais lsquoVive YHWH que fez

subir os filhos de Israel do Egitorsquo mas lsquoVive YHWH que fez subir e retornar a raccedila da

casa de Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha dispersado

para que habitem em seu territoacuteriorsquordquo Os Saacutebios insistiratildeo que esta profecia natildeo quer

dizer que o Egito seraacute ldquoextirpadordquo ou seja omitido da recitaccedilatildeo do Shemaacute a menccedilatildeo

ao ecircxodo seraacute adicionada agrave referecircncia aos reinos estrangeiros de tal forma que esta

uacuteltima se torna a raiz ou a essecircncia da oraccedilatildeo e o ecircxodo um acreacutescimo um anexo

Assim ldquoresoluccedilatildeo do debate reside na aceitaccedilatildeo de que assim como o Ecircxodo do Egito

seraacute mencionado nos uacuteltimos dias como uma lsquoadiccedilatildeorsquo acrescentada agrave menccedilatildeo do

uacuteltimo grande ato redentor assim o nome adicional do Patriarca (que jamais o eacute) ainda

seraacute faladordquo (HAYWARD 2005 p 14)

No entanto somos levados de volta a Bereshit Rabbah pois um dos Saacutebios que

tomam parte no debate volta a destacar o nome Jacoacute como o principal e essencial para

o Patriarca Em Bereshit Rabbah 771 se lecirc

E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO etc (Gn 3225) Estaacute escrito Natildeo haacute semelhante a Deus oacute Jeshurum (Dt 3326) R Berekiah interpretou-o em nome de R Judah b R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa o mais nobre e melhor dentre voacutes Vocecirc veraacute que o Santo abenccediloado seja Ele antecipou neste mundo atraveacutes da accedilatildeo do justo tudo o que Ele faraacute na outra vida Assim Deus ressuscitaraacute os mortos e Elias ressuscitaraacute os mortos Deus reteve a chuva e Elias reteve a chuva Deus abenccediloaraacute o pequeno [em quantidade] e Elias abenccediloou o pequeno [em quantidade] Deus ressuscita os mortos e Eliseu ressuscita os mortos Deus lembrou-se de mulheres sem filhos e Eliseu lembrou-se de mulheres sem filhos Deus abenccediloou o pequeno e Eliseu abenccediloou o pequeno Deus adoccedilou o amargo e Eliseu adoccedilou o amargo Deus adoccedilou o amargo por meio do

147

amargo e Eliseu adoccedilou o amargo por meio do amargo R Berekiah interpretou em nome de R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa Israel o Patriarca Assim como estaacute escrito de Deus E soacute o Senhor seraacute exaltado (Is 21117) Assim de Jacoacute tambeacutem E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO (MIDRASH RABBAH 1939)

O paralelo entre Dt 3326 onde surge o misterioso nome Jeshurun e a mudanccedila

de nome de Jacoacute natildeo se encontra em nenhuma outra parte do Midrash Rabbah E o texto

hebraico de Dt 3326a (acuteecircn Kaumlacuteeumll yuumlšurucircn) suporta ateacute trecircs possibilidades de traduccedilatildeo171

a) A primeira ldquoNatildeo haacute ningueacutem como Deus oacute Jeshurunrdquo exclamaccedilatildeo dirigida

a Israel a partir desse raro tiacutetulo172

b) Outra possibilidade ldquoNatildeo haacute ningueacutem como o Deus de Jeshurunrdquo Uma

afirmaccedilatildeo da importacircncia e poder incomparaacuteveis do Deus de Israel em

relaccedilatildeo aos deuses de outros povos Expressatildeo aliaacutes muito comum na BH

basta citar Ex 1511 Is 401825 465

c) Finalmente esse texto hebraico aceita outra traduccedilatildeo em forma de pergunta

e resposta ldquoHaacute algueacutem como Deus [Sim] Jeshurunrdquo Como pode-se

constatar pela leitura da passagem de Bereshit Rabbah citata acima eacute

justamente esta terceira possibilidade que eacute assumida pelo Saacutebio Simon

O tiacutetulo Jeshurun eacute compreendido agrave luz da palavra hebraica rvy que pode

significar ldquoeretordquo ldquoperfeitamente erguidordquo para sugerir que algueacutem que possa ser

ldquocomo Deusrdquo eacute a mais nobre e distinta pessoa em Israel Assim o nome Jeshurun que

equivale nessa interpretaccedilatildeo rabiacutenica a Israel eacute o maior tiacutetulo honoriacutefico a ser

concedido a uma pessoa Esse tiacutetulo Jeshurun ao que parece ldquoestaacute impregnado do

mundo que viraacute quando nada exceto todas as forccedilas opostas estaraacute no caminho da

soberania de Deusrdquo (HAYWARD 2005 p 254) Esse proecircmio que trata em Bereshit

Rabbah 771 da histoacuteria de Jacoacute destaca a nobreza do povo de Israel bem como o

privileacutegio concedido agraves melhores pessoas deste povo (no texto destacam-se os profetas

Elias e Eliseu) de serem capacitadas pelo Criador para realizar accedilotildees que ele mesmo eacute

capaz de fazer em circunstacircncias normais VON RAD (cf 1977 p 396) vai nessa mesma

171 Cf HAYWARD 2005 p 252-253 172 Retornaremos a esse tiacutetulo Jeshurun no proacuteximo item deste capiacutetulo

148

linha vendo nesse nome novo e honroso uma maneira de Deus reconhecer e admitir

Jacoacute diante de si mesmo

A expressatildeo ldquofoi deixado sozinhordquo que abre e fecha o texto midraacuteshico

expressando a condiccedilatildeo de Jacoacute antes da luta da qual ele emergiraacute como Israel eacute

interpretada pelos rabinos como sendo indicaccedilatildeo da singularidade da personagem

Jacoacute assim como Deus eacute ldquosozinhordquo do mesmo modo Israel eacute sozinho Israel eacute uma

naccedilatildeo singular segundo o Talmude pois eacute a uacutenica a seguir o ensinamento biacuteblico de

1Cr 1721 ldquoQual naccedilatildeo eacute como teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica [acuteeHaumld]173 sobre a

terrardquo Desse modo a unidade de Deus e a singularidade de Israel satildeo vistas como

duas faces da mesma moeda Vejamos no tratado talmuacutedico Berachot 6a

R Nahman b Isaac disse a R Hiyya b Abin O que estaacute escrito no tefilin do Senhor do Universo E ele respondeu-lhe E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] Entatildeo o Santo bendito seja canta os louvores de Israel Sim porque estaacute escrito Hoje tu fizeste o Senhor declarar E o Senhor te declarou hoje [Dt 261718] O Santo bendito seja disse a Israel Tu me fizeste uma entidade uacutenica174 no mundo e eu farei de ti uma entidade uacutenica no mundo ldquoTu me fizeste uma entidade uacutenica no mundordquo como se diz Ouccedila Israel o Senhor nosso Deus o Senhor eacute um [Dt 64] E eu farei de vocecirc uma entidade uacutenica no mundo como se diz E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] R Aha b Raba disse para R Ashi Isso representa um caso e quanto aos outros casos Ele respondeu-lhe [Eles contecircm os seguintes versiacuteculos] Pois que grande naccedilatildeo haacute etc E que grande naccedilatildeo haacute etc Dt 478] Feliz eacutes tu oacute Israel ]Dt 3329] etc Ou Deus intentou [Dt 434] etc e te elevar acima de todas as naccedilotildees [Dt 2619] Se assim haveria muitos casos Por isso [vocecirc deve dizer] Pois que grande naccedilatildeo haacute e E que grande naccedilatildeo haacute que satildeo semelhantes satildeo um caso Feliz eacutes tu oacute Israel Quem eacute como o teu povo em um caso Ou Deus intentou em um caso E para te exaltar em um caso (EPISTEIN 2009)

A partir desses textos percebemos que na mentalidade desses rabinos a

concessatildeo do nome Israel tem a ver com a relaccedilatildeo entre Deus e o mundo que ele criou

e que o aparecimento de Israel o Patriarca como algueacutem que como Deus estaacute ldquosoacuterdquo

natildeo pode ser separado da proclamaccedilatildeo judaica da unidade e singularidade de Deus

173 Importante observar que essa expressatildeo eacute retomada no tratado Sukkat 55b do Talmude Babilocircnico bem como no Targum Pseudo-Jonathan de Nuacutemeros 296 174 JASTROW 2006 p 449 traduz a palavra Haacutedaggericircbaumlh como ldquoobjeto de amorrdquo assim a frase ficaria ldquoo

uacutenico objeto de seu amorrdquo

149

em um mundo agora hostil mas destinado a ser submetido agrave sua ldquoretidatildeordquo

literalmente ldquoverticalidaderdquo

Rashi nos oferece uma interessante justificativa para a mudanccedila do nome de

Jacoacute segundo ele

Natildeo seraacute mais dito que as becircnccedilatildeos vieram a ti com astuacutecia e engano senatildeo com autoridade e clareza E finalmente o Divino Abenccediloado seja Ele se revelaraacute a ti em Bet-El e mudaraacute teu nome e ali Ele te abenccediloaraacute e eu estarei ali e confirmarei a ti sobre elas [as becircnccedilatildeos] E eacute isto que estaacute escrito (Oseias 12) ldquoe dominou o anjo prevaleceu chorou e lhe suplicourdquo o anjo chorou e suplicou-lhe E o que suplicou-lhe [o anjo] ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo Mas Jacob natildeo queria e contra a sua vontade [o anjo] admitiu-lhe sobre elas [as becircnccedilatildeos] E este eacute [o significado de] ldquoE abenccediloou-o alirdquo porque [o anjo] lhe estava suplicando que esperasse por ele e natildeo quis Natildeo temos um nome determinado mudam nossos nomes tudo conforme a ordem do serviccedilo ordenado ao qual noacutes somos enviados (BIacuteBLIA COM COMENTAacuteRIOS DE RASHI 1993 p 159-160)

Como a personagem Jacoacute eacute representada na BH como sendo uma pessoa

habituada a empregar artifiacutecios e artimanhas para obter o que deseja tais como a

usurpaccedilatildeo da primogenitura (cf Gn 271-29) o modo como ele enriqueceu-se (cf Gn

3032-43) a fuga agraves escondidas da propriedade do sogro (cf Gn 31) e finalmente o

envio de presentes ao seu irmatildeo rival Esauacute a fim de amolecer seu coraccedilatildeo e aplacar

um pouco a sua aversatildeo para com ele (cf Gn 3214b-22) Rashi destaca em seu

comentaacuterio que desta vez a becircnccedilatildeo de Jacoacute eacute legiacutetima eacute clara eacute merecida E como

Jacoacute a partir de agora eacute destinado a ser um dos patriarcas um dos Pais da naccedilatildeo

entatildeo o novo nome revela essa nova investidura essa nova missatildeo em sua vida O anjo

na visatildeo de Rashi assim como naquela da maioria dos Saacutebios eacute um mensageiro que

antecipa o encontro pessoal com Deus em Gn 351-15175 Aliaacutes essa becircnccedilatildeo na

narrativa de Gn 3223-33 eacute transmitida assumindo a ldquoforma de um novo nome

175 ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo como consta do comentaacuterio de Rashi citado acima

150

conferido a Jacoacute em memoacuteria dessa luta de coroaccedilatildeo de sua vidardquo (SKINNER 1994 p

409)176

Comentaristas modernos veem em Gn 3228-29 uma pergunta retoacuterica que daacute

oportunidade para que ldquoJacoacuterdquo e ldquoIsraelrdquo sejam contrapostos trazendo assim agrave mente

a conotaccedilatildeo contrastante dos nomes Uma vez que os nomes proacuteprios na BH estatildeo

inextricavelmente entrelaccedilados com personalidade e destino como vimos no segundo

capiacutetulo deste estudo ldquoa mudanccedila aqui significa uma purgaccedilatildeo final dos traccedilos de

caraacuteter desagradaacutevel com que ya`aacuteqoumlb veio a ser associadordquo (SARNA 1989 p 227)

4 O que significa Israel

O nome laerfyI aparece na antiguidade em sete lugares

a) em um tablete em Ugarit do final do seacutec XIII AEC

b) um relevo topograacutefico foi encontrado em uma laje de granito cinza medindo

46 cm de altura e 395 cm de largura o qual deveria fazer parte do pedestal

de uma estaacutetua egiacutepcia A inscriccedilatildeo eacute em hieroacuteglifo A dataccedilatildeo proposta seria

para a eacutepoca da 19ordf Dinastia egiacutepcia possivelmente durante o reinado de

Ramseacutes II (1290-1224 AEC) (cf GOumlRG 2001) A placa de nuacutemero 21687 em

seu estado atual de preservaccedilatildeo conteacutem trecircs aneacuteis de nomes sobrepostos de

prisioneiros asiaacuteticos ocidentais Ela se encontra nos Museus Nacionais em

Berlim Alemanha

c) na estela do faraoacute Merneptaacute iniacutecio do seacutec XIII AEC

d) na inscriccedilatildeo de Salmanassar III cerca de 853 AEC

e) na inscriccedilatildeo da estela de MeshaMesa cerca de 840 AEC

f) na inscriccedilatildeo da estela de Tell Dan seacutec VIII AEC e

g) na proacutepria Biacuteblia Hebraica

Haacute no entanto alguns aspectos que dificultam concluir se as palavras referidas

a Israel o satildeo de fato No tablete ugariacutetico a soletraccedilatildeo parece ser larfy na estela de

Mesha a letra X pode ser lida tanto como S ou š uma vez que natildeo haacute marca fonoloacutegica

176 DANELL 1946 p 19 tambeacutem afirma que o ldquonome Israel eacute uma recordaccedilatildeo da batalha com o Deus do paiacutes quando ele conseguiu seu objetivordquo ou seja a becircnccedilatildeo e a heranccedila de seus antepassados Abraatildeo e Isaac

151

Das inscriccedilotildees que constam das estelas de Merneptaacute e Salmanassar III eacute impossiacutevel

chegar a uma inequiacutevoca decisatildeo uma vez que o caractere que denota a letra em

questatildeo sustenta ambas pronuacutencias (cf MARGALITH 1990 p 226)

Na placa em granito cinza nuacutemero 21687 possivelmente do seacutec XIII AEC trecircs

nomes podem ser discernidos i-S-q-l-n (Ascalon) k-y-n-` A -nw (Canaatilde) i-[]-š A-i-r (estaacute

preservado parcialmente) Na verdade a borda direita dos hieroacuteglifos que

representam esta uacuteltima palavra estaacute tatildeo desgastada que os restos soacute podem ser

detectados com dificuldade GOumlRG (2001 p 21-27) interpretou o traccedilo horizontal

superior como o bico de um abutre (X) portanto o ldquoacutealef rdquo egiacutepcio representado pelo

sinal A Na reconstruccedilatildeo dessa palavra VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010 p 16-

17) defendem a possibilidade de ler-se este terceiro nome da placa 21687 como sendo

i-A-š A-i-r (eumlXegraveeumllsquo78506 ) GOumlRG (2001 p 21-27) sugeriu a leitura do marcador de vogal A

em egrave (š A) como r (resultando em šr) baseado em vaacuterios exemplos existentes em

outras inscriccedilotildees (cf VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 17-18) Aceitando-se

essa proposta o terceiro nome da placa egiacutepcia que se encontra em Berlim pode ser

lido como IA-Sr-i-r = IA-Sr-il ou YA-Sr-il um nome que sem duacutevida parece-se com o

nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo (hebraico ySracutel) GOumlRG (2001) sugere que a inicial i + A pode ler-

se como i e ou ya portanto seja como a letra inicial em ldquoIsraelrdquo seja quando derivado

de yašar em Yašarel (nome original de Israel) Essa leitura eacute suportada em

SCHNEIDER 1992 p 364-365) Assim sendo VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010

p 20) veem dois argumentos principais a favor da tese deles

Em primeiro lugar uma vez que existe evidecircncia linguiacutestica de que o nome original ldquoIsraelrdquo poderia ter sido escrito com š (por exemplo com

base no verbo yšr) o uso egiacutepcio de š (em vez de S como na Estela de

Israel de Merneptaacute) natildeo exclui a possibilidade que o nome fosse escrito originalmente com S no semiacutetico ocidental Em segundo lugar e mais

significativamente a proximidade geograacutefica de IA-Sr-ilYA-Sr-il a Ascalon e Canaatilde torna a identificaccedilatildeo com Israel provaacutevel Nenhum local conhecido (especialmente tatildeo perto dessas duas entidades geograacuteficas familiares) tem um nome tatildeo reminiscente do nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo

152

O tablete cuneiforme de Ugarit conteacutem uma lista com os nomes dos guerreiros

dos carros de combate de seu exeacutercito por isso provavelmente trata-se de um nome

de pessoa (cf WAGNER 2012) y-š-r-acute i-l Poreacutem esse nome natildeo tem necessariamente

ligaccedilatildeo com o Israel da BH (cf DAVIES 1992 p 57-58)

A inscriccedilatildeo monoliacutetica de Salmanassar III foi encontrada em Kurkh na Turquia

(custodiada atualmente no Museu Britacircnico em Londres) e descreve a campanha do

rei assiacuterio em seu sexto ano do reinado (853 AEC) A inscriccedilatildeo relata a batalha contra

uma coalizaccedilatildeo de cidades-estados da regiatildeo setentrional da Siacuteria em Qarqar cidade

agraves margens do rio Orontes na Siacuteria Haacute uma lista de onze reis (apesar de referir-se a

doze) com os detalhes das tropas enviadas para enfrentar o rei assiacuterio na tentativa de

impedir seu avanccedilo e controle das vias de transporte daquela regiatildeo Entre esses reis

eacute mencionado Acab (governou de 874-853 AEC) ldquo2000 carros e 10000 homens agrave peacute de

Acab de Israelrdquo (WAGNER 2012) Eacute provaacutevel que ldquoIsraelrdquo deva ser entendido como

uma indicaccedilatildeo da aacuterea ldquoIsraelrdquo aqui portanto eacute uma dimensatildeo poliacutetica e territorial

que eacute o reino do norte no seacuteculo IX AEC

A estela de MeshaMesa em basalto negro medindo 1 metro e 10 centiacutemetros

de altura e 60 a 68 centiacutemetros de espessura oferece em 34 linhas que puderam ser

recuperadas um documento que eacute considerado o mais antigo em liacutengua moabita

Nessa estela a palavra ldquoIsraelrdquo aparece como sendo o domiacutenio da dinastia de Omri

Nas linhas 4-7 se lecirc ldquoOmri era o rei de Israel e ele oprimiu Moab por um longo tempo

porque Kemosh estava zangado com a sua terra E foi sucedido por seu filho E ele

disse vou afligir Moab Em meus dias ele disse [por isso] mas eu triunfei sobre ele e

sua casa E Israel pereceu para semprerdquo (WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa)

Claramente trata-se de uma referecircncia ao Reino do Norte Israel e natildeo a um indiviacuteduo

em especiacutefico

Em 1993-1994 durante escavaccedilotildees em Tel Dan (aacuterabe Tel el-Qadi monte do juiz)

no norte de Israel encontrou-se trecircs fragmentos de uma estela em basalto (atualmente

sob os cuidados do Museu de Israel em Jerusaleacutem) que foram reutilizados na

construccedilatildeo de um muro Devido a isso apesar de se encaixarem os trecircs fragmentos

apresentam lacunas no texto O iniacutecio e o final estatildeo faltando p ex e a versatildeo

reconstruiacuteda possui diferentes comprimentos de linha O texto eacute em aramaico antigo e

153

natildeo faz referecircncia a quem mandou redigi-lo haacute uma hipoacutetese de ter sido o rei siacuterio

Hazael de Damasco (cf WAGNER 2012) Trata-se de um relato sobre as vitoacuterias

obtidas contra o Reino do Norte Israel e a ldquocasa de Davirdquo referecircncia ao Reino do Sul

O texto comeccedila com a menccedilatildeo de um pacto entre Israel e Damasco o rei Joratildeo de Israel

(governou de 852-841 AEC) apoacutes a morte de Barhadad II (= Ben-Hadad 845-842 AEC)

rompeu esse acordo ao invadir territoacuterios arameus (cf 2Rs 871528) Hazael (842-805

AEC) provaacutevel usurpador do trono de Damasco conseguiu derrotar Israel e recuperar

os territoacuterios perdidos (cf 2Rs 828) No texto se diz que o monarca arameu matou

Joratildeo de Israel e Ocozias (Acazias) de Judaacute ldquo[Eu matei Jo]ratildeo filho de [Acab] rei de

Israel e eu matei [Acaz]ias filho de [Jeoratildeo re]i da Casa de Davirdquo (linhas 7b-9a

WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa) No entanto na BH em 2Rs 914-27 consta que foi Jeuacute

quem matou tanto Joratildeo (rei de Israel) quanto Ocozias (rei de Judaacute) O que nos

interessa aqui eacute constatar que o governante do Reino do Norte eacute identificado na

inscriccedilatildeo de Tal Dan com sendo ldquorei de Israelrdquo (linhas 3 8 e 12) Somente a tiacutetulo

ilustrativo registre-se aqui as vaacuterias divergecircncias a respeito da possiacutevel expressatildeo

ldquocasa de Davirdquo (detalhes do debate cf ESTELA DE TEL DAN 2016)

Dedicamo-nos agora agrave primeira menccedilatildeo extrabiacuteblica de uma entidade

denominada ldquoIsraelrdquo Paradoxalmente essa menccedilatildeo anuncia a destruiccedilatildeo de Israel

onde ela deveria aparecer Essa menccedilatildeo eacute feita pela estela do faraoacute Merneptaacute que pode

ser datada entre 1210 e 1205 AEC Essa estela atualmente exposta no Museu do Cairo

(Egito) eacute feita em granito medindo 318 metros de altura por 161 metro de largura e

31 centiacutemetros de espessura relata as vitoacuterias do governante do Egito por ocasiatildeo de

uma campanha militar no Levante177

Uma grande alegria eacute advinda ao Egito e o juacutebilo sobe para todas as cidades da terra bem-amada Elas falam das vitoacuterias alcanccediladas por Merneptaacute contra o Tjehenu178 Os chefes tombam dizendo Paz (š-l-m) Nem um soacute levanta a cabeccedila

entre os Nove Arcos179

177 Em PETRIE William M Flinders Six temples at Thebes London [sn] 1897 plate 14 haacute uma imagem de espelho das 28 linhas principais da inscriccedilatildeo nela registrada apud MERNEPTAH STELE 2016 A menccedilatildeo a Israel aparece na linha 27 da inscriccedilatildeo 178 Seriam os ldquolibianosrdquo povos ocidentais e meridionais contiacuteguos ao vale do rio Nilo (cf ROumlMER 2016 p 77 n 7) 179 Termo empregado para representar os inimigos tradicionais do Egito (cf ROumlMER 2016 p 78 n 8)

154

Vencida estaacute a terra dos Tjehenu O Hatti180 estaacute paciacutefico Canaatilde estaacute despojado de tudo o que tinha de mau Ascalon eacute conduzido Gazer estaacute preso Jenoam181 se torna como se nunca tivesse existido Israel estaacute destruiacutedo nem mesmo a sua semente existe A Siacuteria (Hourrou) tornou-se uma viuacuteva para o Egito Todas as terras estatildeo unidas elas estatildeo em paz (Cada um dos) que vagavam estatildeo agora ligados pelo rei do Alto e Baixo Egito Baenrecirc o filho de Recirc Merneptaacute dotado de vida como Recirc cada dia (ROumlMER 2016 p 77-78 grifo nosso)182

O nome de Israel eacute escrito como etnocircnimo ele eacute determinado por um homem e

uma mulher assim como por trecircs traccedilos verticais indicando o plural Algo

interessante eacute o fato da inscriccedilatildeo dizer sobre Israel que ldquonem mesmo a sua semente

existerdquo Essa expressatildeo eacute duacutebia podendo indicar que os campos de trigo (ldquosementerdquo)

que sustentam o povo jaacute natildeo existem mais destruiacutedos que foram pelo exeacutercito do

faraoacute ou entatildeo ldquopode igualmente evocar a praacutetica egiacutepcia de cortar o pecircnis dos

inimigos mortosrdquo (ROumlMER 2016 p 79) Se o escriba quisesse ele poderia ter

especificado melhor incluindo nos hieroacuteglifos gratildeos de trigo ou um falo como ele natildeo

o fez pode ser uma indicaccedilatildeo de ambos significados Provavelmente o Israel

mencionado na estela egiacutepcia seria uma coalizaccedilatildeo de clatildes ou de tribos A sua

localizaccedilatildeo segundo a mesma estela seria entre Ascalon Gazer que designariam as

extremidades sul e Jenoam (Janoam) que indicaria a extremidade norte assim ldquopode-

se imaginar esse Israel na regiatildeo montanhosa de Efraim isto eacute a regiatildeo em que Saul

vai fundar seu lsquoreinorsquordquo (ROumlMER 2016 p 79)

A etimologia da palavra ldquoIsraelrdquo ateacute o momento ainda eacute objeto de debates

controveacutersias e teorias as mais diversas Tentaremos apresentar aqui um quadro

resumido a fim de termos uma ideia panoracircmica

Comeccedilando pela proacutepria etimologia fornecida pelo texto hebraico lemos

ldquoporque lutaste com Deus e com homens e prevalecesterdquo (traduccedilatildeo da maior parte das

versotildees modernas) Neste caso o verbo raro Saumlricirctauml (qal perfeito segunda pessoa

180 Seriam os hititas na Anatoacutelia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 9) 181 A identificaccedilatildeo desse local eacute incerta podendo ser uma regiatildeo na Palestina do Norte ou na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 10) 182 Roumlmer reconhece-se devedor para a traduccedilatildeo no caso em francecircs do texto em hieroacuteglifos a LALOUETTE Claire LrsquoEmpire des Ramseacutes Paris Flammarion 2000 [1985] p 267

155

masculina singular) da raiz hrf assume o sentido de ldquolutarrdquo ldquolitigarrdquo ldquodisputarrdquo Esse

verbo ocorre novamente em Os 124 na forma qal (perfeito) da terceira pessoa

masculina singular (Saumlracirc) Enquanto a identificaccedilatildeo o verbo woyyaumlordmSar (Os 125) eacute

discutiacutevel podendo ser da mesma raiz hrf como tambeacutem da raiz rwf em um de seus

significados (cf CLINES 1993-2011 v VIII p 119 190) ambas com sentido de lutar

litigar combater

No entanto a primeira parte do nome laerfyI eacute objeto de vaacuterias interpretaccedilotildees

vejamos

a) hrf lutar No entanto o sentido primeiro para o nome natildeo seria ldquolutou com

Deus [El]rdquo ldquocombateu com Deus [El]rdquo mas ldquoQue El combatardquo uma vez que

nos nomes teofoacutericos a tendecircncia eacute o nome da divindade encontrar-se na

posiccedilatildeo de sujeito183 Essa raiz como jaacute dissemos eacute rara surge apena duas

vezes na BH (Gn 3229 e Os 1245[]) Em outras liacutenguas semiacuteticas somente

em Ebla aparece um nome com possibilidade de ter proximidade trata-se

de iš-ra-il com o possiacutevel sentido de ldquocombaterrdquo (cf ROumlMER 2016 p 76)184

Flaacutevio Josefo em Antiguidades Judaicas (1333) assume essa explicaccedilatildeo para a

raiz quando escreve sobre IsraelJacoacute τὸν ἀντιστάτην ἀγγέλῳ θεοῦ

(enfrentoulevantou-se [contra] o anjo de Deus)

b) hrf perseverar persistir portanto El persistepersevera (cf DRIVER 1899

p 530a) ROSS (1985 p 346) e CLINES (1993-2011 v VIII p 190) apontam

outro significado para esse verbo raro na BH que seria contender

competir argumentar rivalizar (inglecircs to contend) ROSS chega mesmo

a levantar a hipoacutetese de que as versotildees gregas e latinas tenham

confundido os verbos hrf (contender competir) e rrf (governar ser

forte dominar) Veja abaixo Essa raiz estaacute presente com muita

183 O primeiro a observar esse fenocircmeno foi NESTLE Eberhard Die israelitischen Eigennamen nach ihrer religionsgeschichtlichen Bedeutung ein Versuch Haarlem F Bohn 1876 apud MARGALITH 1990 p 234 n 52 184 Essa interpretaccedilatildeo fundamenta-se em GORG Manfred Israel in Hieroglyphen Biblische Notizen - Beitraumlge zur exegetischen Diskussion Muumlnchen Institut fuumlr Biblische Exegese Altes Testament Heft 106 p 21-27 2001 e VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 19 24 n 66

156

probabilidade no nome proacuteprio Saraiacuteas (Suumlraumlyacirc)185 que poderia ser

interpretado como ldquoGuerreiroPriacutencipe de YHWHrdquo ldquoYHWH

governaregerdquo e assim por diante

c) hrf brilhar resplandecer daiacute ler-se o nome como El resplendebilha Essa

leitura eacute amparada na possibilidade de uma equivalecircncia com a palavra

aacuterabe šariya (cf BAUER 1933 p 83) Em hebraico esse sentido eacute transmitido

com a raiz nGh Em acaacutedio encontramos um termo com uma raiz semelhante

mas natildeo igual caraumlru (iluminar acender)186

d) rrf governar reinar dominar impor-se como senhor ser forte (cf Nm

1613 Is 321) Redundando entatildeo em ldquoQue El governerdquo ldquoQue El reinerdquo A

BH atesta outros nomes proacuteprios com essa raiz como p ex Śeraumlyaumlh ou na

forma longa Śeraumlyaumlhucirc (YHWH reina) nome de um sacerdote em 2Rs 2518

(BJ Saraiacuteas) e de um funcionaacuterio do rei Sedecias em Jr 3626 Oseias 125a

(woyyaumlordmSar acuteel-malacuteaumlk wayyugravekaumll) que geralmente eacute traduzido como ldquoLutou

contra um anjo e o venceurdquo traz provavelmente esse verbo ROumlMER (2016)

e outros estudiosos veem aqui uma revisatildeo dogmaacutetica massoreacutetica ao

introduzir a palavra ldquoanjosrdquo ao inveacutes de Deus (YHWH ou El Elohicircm) Pois

ldquoos massoretas queriam evitar uma proximidade muito grande entre Jacoacute e

Deus e por consequecircncia inseriram a palavra malacuteaumlk (lsquoanjorsquo)

transformando assim o termo acuteeumll que na origem significava o deus El por

uma mudanccedila de vocalizaccedilatildeo em uma preposiccedilatildeo acuteel (lsquopara em direccedilatildeo arsquo)rdquo

(ROumlMER 2016 p 77) O texto de Os 125 poderia entatildeo ser refeito do

seguinte modo ldquoEl se impocircs e o levou (woyyaumlordmSar acuteeumll wayyugravekaumll)rdquo (ROumlMER

2016 p 77) O verbo vem do sentido denominativo ldquogovernarrdquo originado

de rf (ugariacutetico šr ndash cf SAUER 1966 p 240)187 ldquopriacutencipe governanterdquo Tal

185 Esse nome estaacute presente na BH em 2Sm 817 2Rs 251823 1Cr 4131435 614 (2x) Esd 22 71 Ne 102 1111 12112 Jr 3626 408 5159 (2x)61 5224 186 Cf FOWLER 1988 p 244 187 Em ugariacutetico essa raiz talvez poderia ser ainda šrr com o sentido de ldquosoltarrdquo ldquosoltar-serdquo ldquolivrarrdquo

cuja raiz corresponderia ao hebraico yš` com o significado de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo (cf FOWLER 1988 p

289)

157

raiz pode ter relaccedilatildeo tambeacutem com o substantivo emarita šarru188 que

significa governantes funcionaacuterios da administraccedilatildeo (cf TAWIL 2009 p

380) Nessa perspectiva de interpretaccedilatildeo a Septuaginta (LXX) lecirc ὅτι

ἐνίσχυσας μετὰ θεοῦ καὶ μετὰ ἀνθρώπων δυνατός (ldquoporque tu foste forte

com Deus e com os homens poderosordquo cf LA BIBLIE DrsquoALEXANDRIE

LA GENEgraveSE 1986 p 242-244) Essa traduccedilatildeo da versatildeo grega eacute resultado de

uma visatildeo mais ampla que possuem da personagem Jacoacute De alguma

maneira jaacute prefigurando a histoacuteria de seus descentes em sua libertaccedilatildeo da

servidatildeo no Egito e sua obtenccedilatildeo da Terra Prometida A Vulgata versatildeo

latina de Jerocircnimo tambeacutem segue essa interpretaccedilatildeo ldquoquoniam si contra

Deum fortis fuisti quanto magis contra homines praevalebisrdquo (trad nossa porque

se contra Deus foste forte quanto mais prevaleceste contra os homens) Interessante

observar que uma outra explicaccedilatildeo etimoloacutegica por parte da BH aproxima-

se dessa de Gn 3229 Estamos nos referindo a Jz 632 (wayyiqraumlacute-locirc bayyocircm-

hahucircacute yuumlruBBaordm al leumlacutemoumlr yaumlordmreb Bocirc haBBaordm al Kicirc naumltac e|t-mizBuumlHocirc traduccedilatildeo nossa

Chamou-lhe naquele dia Jerubaal dizendo ldquoQue Baal contenda contra ele

porque destruiu o seu altarrdquo) No entanto temos aqui a raiz verbal byr (cf

CLINES 1993-2011 v VII p 478 KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2

p 1224) e natildeo a raiz bbr189

e) rfy curar (os enfermos) portanto ldquoEl [Deus] curardquo Nas liacutenguas semiacuteticas

incluindo o hebraico e o aramaico o termo natildeo eacute encontrado mas somente

em aacuterabe (raiz nasarawasara190 = reviver reanimar) e etiacuteope (saraya = curar)

188 Emarita eacute o nome que se daacute agrave liacutengua da Emar antiga atual Meskene Qadine (Siacuteria) onde foram encontrados cerca de 1200 fragmentos de textos legais clericais religiosos literaacuterios e lexicais A maioria desses textos encontrados foram escritos em acaacutedio poreacutem haacute vaacuterios redigidos na liacutengua local de Emar denominada ldquoemaritardquo Eles satildeo datados grosso modo do periacuteodo entre os seacuteculos XIX a XII AEC (Era do Bronze Tardio na Siacuteria) Geralmente essa liacutengua eacute classificada como semiacutetica noroeste (cf VITA 2015 p 377) 189 EISSFELDT (1968 p 76 n 2) afirma que a raiz por detraacutes do verbo yaumlordmreb seja bbr que significa ldquoser

granderdquo ldquoengrandecerrdquo Segundo ele o que torna semelhantes essas duas explicaccedilotildees etimoloacutegicas (Israel e Jerubaal) eacute o fato dos verbos que constituem esses dois nomes (segundo Eissfeldt hrf para

Israel e bbr para Jerubaal) originalmente terem um significado diferente daquele de lutar combater e

contender que acaba surgindo na explicaccedilatildeo do texto biacuteblico 190 Essa diferenccedila de raiacutezes Albright explica na passagem citada devido a uma contaminaccedilatildeo morfoloacutegica das raiacutezes de I-waw e I-nun que ocorria muito na antiguidade

158

com esse sentido (cf ALBRIGHT 1927 p 154-158) Mas eacute uma proposta que

natildeo eacute levada muito em consideraccedilatildeo como explicaccedilatildeo etimoloacutegica

f) rvy ser direito (de peacute) ser correto ser justo191 Em ugariacutetico a raiz yšr eacute

traduzida como ldquoretidatildeo legalidaderdquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004

p 989) Em acaacutedio com essa raiz encontramos o verbo ešeumlru com o sentido

de endireitar prosperar estar em um modo correto e o adjetivo išaru que

significa ldquojustordquo ldquodireitordquo ldquocorretordquo (cf TAWIL 2009 p 151-152) De onde

se pode traduzir o nome Israel como ldquoEl [Deus] eacute justordquo ldquoEl eacute corretordquo (cf

JACOB 1955 p 155) Essa raiz eacute reencontrada em textos da BH Dt 3215

33526 como Yuumlšurucircn (um nome poeacutetico para Israel)192 Em Mq 27 aparece

como um adjetivo yaumlšaumlr (retidatildeo) Isaias 442 Yuumlšurucircn novamente aparece

formando um paralelismo literaacuterio proacuteprio da poesia hebraica acuteal-Ticircraumlacute `abDicirc

ya|`aacuteqoumlb wicircšurucircn BaumlHaordmrTicirc bocirc (Natildeo temas Jacoacute meu servo e Jeshurun meu

escolhido) No caso de estar relacionado a Israel o Patriarca sendo um nome

paralelo entatildeo a raiz rvy seria muito clara na etimologia do nome patriarcal

Assim a mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel expressaria uma mudanccedila de

caraacuteter do desvio agrave retidatildeo moral Essa interpretaccedilatildeo pode ser encontrada na

Yalkut Reubeni (Gn 3229)193 e no comentaacuterio ao Deuteronocircmio de Ramban

(210 e 712)194 Segundo esses rabinos o nome Israel significaria ldquoAquele que

eacute reto com Deusrdquo O fato de Israel ser escrito com S (sin) e natildeo š (shin) natildeo

significa que natildeo tenha alguma relaccedilatildeo com a raiz rvy Eacute de se observar que

a pontuaccedilatildeo da sibilante X somente foi finalizada pelos massoretas na Idade

191 Cf SACHSSE 1914 p 1-15 192 Apesar que FOWLER (1988 p 186 202) natildeo reconhece a existecircncia de nomes teofoacutericos em hebraico com essa raiz Segundo a autora a ideia da divindade como ldquojustardquo ldquoretardquo eacute transmitida em nomes

hebraicos pela raiz cDq 193 Apud SARNA 1989 p 405 O Yalqut Reubeni que significa ldquoColeccedilatildeo de Reubenrdquo eacute uma coleccedilatildeo do seacuteculo XVII EC de midrashim composta pelo rabino Reuben Hoschke Kohen (falecido em 1673) impresso primeiramente em Praga em 1660 A coleccedilatildeo inclui expansotildees de lendas rabiacutenicas adepto do misticismo cabaliacutestico 194 Ramban eacute o acrocircnimo do nome de Mōšeh bēn-Nāḥmān (1194-1270) normalmente conhecido como Nachmanides um rabino sefardita catalatildeo filoacutesofo meacutedico cabalista e comentarista biacuteblico Ele nasceu cresceu estudou e viveu a maior parte de sua vida em Girona Catalunha Espanha Nachmanides eacute tambeacutem considerado uma figura importante no restabelecimento da comunidade judaica em Jerusaleacutem apoacutes a sua dizimaccedilatildeo nas matildeos dos cruzados em 1099 (cf WIGODER 1993 p 797-799)

159

Meacutedia Portanto tanto sin com shin satildeo possiacuteveis em vaacuterias palavras

hebraicas Em ugariacutetico p ex natildeo haacute uma consoante que corresponda

consistentemente agrave hebraica sin ldquoregularmente o fonema sibilante š e

usualmente o fonema sibilante S aparecem na ortografia como šldquo (GORDON

1940 sect 3 11 12)195 E isso se repete em outras liacutenguas como o feniacutecio e no

acaacutedio 196 A partir da raiz rfyrvy GOumlRG (2001 p 26) sugere que o nome

ldquoIsraelrdquo possa ser derivado de um nome original canaanita Eshar-Il

Yashar-Il (ldquoPerfeito eacute Elrdquo) Ele constata que nomes similares com ou sem a

presenccedila do elemento divino e derivados dos verbos rfyrvy (ldquoser corretordquo)

satildeo atestados em onomaacutestica amorita do iniacutecio do segundo milecircnio AEC Ya-

sa-rum I-šar-li-im Ḫa-mu-yi-šar

g) rva ser feliz O nome da tribo de Asher (BJ Aser) e da deusa feniacutecia Asheraacute

(BJ Aseraacute) esposa do deus El parecem originar-se dessa raiz Em ugariacutetico

encontramos de fato a palavra išryT um substantivo feminino traduzido

como ldquofelicidade alegriardquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004 p 118)

Lembrando que em ugariacutetico noacutes natildeo temos somente um a mas trecircs com

variaccedilotildees foneacuteticas de a i e u Isso porque no Protossemiacutetico e nas liacutenguas

semiacuteticas conservadoras as siacutelabas virtualmente sempre comeccedilam com uma

consoante Desse modo o alfabeto consonantal era adequado No entanto

em algumas outras liacutenguas uma vogal sempre constitui a siacutelaba O alfabeto

ugariacutetico tambeacutem era usado para escrever liacutenguas nas quais a siacutelaba poderia

incluir vogais Por essa razatildeo letras vogais se faziam necessaacuterias Era natural

assumir a distribuiccedilatildeo vocaacutelica do acaacutedio cuneiforme pelo qual todas as

vogais satildeo classificadas ortograficamente como a i ou u A vogal e natildeo eacute

nitidamente distinguida de i Contudo esse procedimento natildeo combinava

com o alfabeto consonantal que era apropriado para a liacutengua semiacutetica de

Ugarit Entatildeo um arranjo foi efetuado foram utilizados trecircs sinais acutealef cujos

195 ldquoO š hebraico biacuteblico corresponde seja ao ugariacutetico š (proto-semiacutetico s) seja ao ugariacutetico t (proto-

semiacutetico q) Mas observe-se tambeacutem que o ugariacutetico š reflete o proto-semiacutetico s (hebraico biacuteblico š) e

o proto-semiacutetico S (hebraico biacuteblico S)rdquo (HUEHNERGARD 2012 p 26) 196 Para uma visatildeo mais ampla e detalhada a respeito das sibilantes sin e shin pode-se consultar MARCUS 1941 p 141-150

160

valores normais em textos ugariacuteticos eram acute a acute i e acute u enquanto que em

textos hurritas e acaacutedios eles poderiam representar simplesmente a i u (cf

GORDON 1998 p 18 44)

h) hrfmi governo (cf Is 956) Daiacute podendo ser traduzido o nome como ldquoEl

julgardquo COOTE (1972 p 138-140) argumenta que o segundo sentido da raiz

contendo rf como os radicais fortes eacute ldquocortarrdquo Esse estudioso pensa que tal

raiz (cortar) forneccedila uma adequada etimologia para Israel devido a

frequecircncia com que se constata um desenvolvimento semacircntico de ldquocortarrdquo

para decidir aconselhar ou julgar governar Como eacute o caso do acaacutedio

šarrum que liga-se indiretamente a raiacutezes tais como mašaumlru (primitivo

wašaumlru ndash cortar) ou šaššaru (primitivo šaršaru ndash ver) Em aacuterabe COOTE

(1972 p 139) encontra acuteašaumlra (conselho) e mušicircr (conselheiro) que tanto

podem ser provenientes de raiacutezes que significam ldquocortarrdquo como ldquobilharrdquo Em

hebraico o estudioso encontra hrfmi como sendo relacionado agraves raiacutezes com

rf forte significando ldquocortarrdquo Nesse caso este substantivo poderia ser um

derivado do verbo yrf ou rfy significando ldquoEl julgardquo no sentido de

ldquogovernar por meio de julgamento ou decretordquo (COOTE 1972 p 140-141)

i) Iser ldquosantordquo palavra egeia (FEIST 1929 p 319) Podendo interpretar-se o

nome Israel como ldquoDeus [El] eacute santordquo Essa tese tambeacutem natildeo foi defendida

por nenhum outro estudioso

j) har ver daiacute interpretar-se o nome como ldquoAquele que vecirc Deusrdquo ([ὁ] ὁρῶν

τὸν θεoacuteν) Fiacutelon de Alexandria (cerca 20 AEC a cerca 50 EC)197 foi o primeiro

a propor essa explicaccedilatildeo que alguns Padres da Igreja como se costuma

denominar os primeiros teoacutelogos e filoacutesofos do cristianismo acabaram

acompanhando no nome ldquoIsraelrdquo a junccedilatildeo de trecircs palavras hebraicas lae

(Deus) + har (ver) + vyai (homem)198 Essa interpretaccedilatildeo eacute fruto certamente

daquilo que se lecirc no v 31 quando Jacoacute admite ter ldquovisto Elohicircm face a facerdquo

197 Cf SACHSSE 1914 p 2-3 198 Pensam assim Novaciano (200-258 EC ndash Friacutegia) em sua obra De Trinitate 198-14 Joatildeo Crisoacutestomo (cerca de 347-407 EC) em sua obra Homilias sobre o Gecircnesis 5810 e Agostinho (354-430 EC) em sua obra De Civitate Dei 1639 apud SHERIDAN 2004 p 325-327

161

Certamente eacute possiacutevel que uma dessas raiacutezes semiacuteticas acima elencadas esteja

etimologicamente relacionada ao nome ldquoIsraelrdquo e que o nome signifique algo como

[El] ldquogovernajulgardquo ldquoreinardquo ldquoimpotildee-se como senhorrdquo ldquoEl eacute o senhorrdquo e assim por

diante Deve-se observar poreacutem que haacute um significado que o proacuteprio texto daacute ao

nome (Gn 3229) que costuma-se denominar de ldquoetimologia popularrdquo (cf abaixo)

Como oportunamente observou ROSS (1985 p 347-348)

A maioria dessas outras sugestotildees natildeo satildeo mais convincentes que aquela que a etimologia popular deu no texto de Gecircnesis O conceito da luta de Deus com algueacutem certamente natildeo eacute mais um problema do que a proacutepria passagem E a inversatildeo da ecircnfase (de ldquoDeus lutardquo para ldquolutar com Deusrdquo) na explicaccedilatildeo eacute por causa da natureza das etimologias populares que se satisfazem com um jogo de palavras sobre o som ou o sentido do nome para expressar seu significado

O nome no contexto serve para evocar a memoacuteria daquilo que se passou no

vau o rio Jaboc ou seja a luta Tem suas razotildees VON RAD (1977 p 396-397) quando

afirma que o nome ldquoeacute interpretado aqui de maneira muito livre contrariamente ao seu

sentido etimoloacutegico original (lsquoQue Deus reinersquo) como se Deus fosse natildeo o elemento

ativo mas o passivo da luta com Jacoacute (obviamente a nossa traduccedilatildeo lsquolutarrsquo natildeo eacute de

todo segura)rdquo Importa destacar na observaccedilatildeo de VON RAD a liberdade inerente ao

autor do texto quando fornece uma explicaccedilatildeo ao novo nome do Patriarca

Aliaacutes o livro de Gecircnesis eacute de longe a mais rica fonte de exemplos nos quais a

nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares vem acompanhada por uma explicaccedilatildeo etimoloacutegica

do novo nome conferido Se natildeo isso ao menos uma alusatildeo ao sentido etimoloacutegico do

nome eacute feita (cf KRAŠOVEC 2010 p 6-7) Eva (320 - Hawwacirc) Caim (41 - qayin) Set

(425 - šeumlt) Noeacute (529 - noumlordfH) Babel (119 - Baumlbel) Ismael (161115 - yišmauml`eumlacutel) El-Roiacute

(1613 - acuteaTTacirc acuteeumll roacuteacuteicirc) Laai-Roiacute (1614 - Buumlacuteeumlr laHay roumlacuteicirc) AbratildeoAbraatildeo (175 - acuteabraumlm

acuteabraumlhaumlm) SaraiSara (1715 ndash Saumlray Saumlracirc) Segor (1920-22 - cocirc`ar) Moab (1937 -

mocircacuteaumlb) Ben-Ami (1938 - Ben-`ammicirc) Isaac (213-6 - yicHaumlq) Bersabeia (2131 - Buumlacuteeumlr

šaumlba`) ldquoYHWH proveraacuterdquo (2214 - yhwh(acuteaumldoumlnaumly) yiracuteegrave) Esauacute (2525 - `eumlSaumlw) Jacoacute (2526

- ya`aacuteqoumlb) Edom (2530 - acuteeacutedocircm) Esec (2620 - `eumlSeq) Sitna (2621 - Sidaggernacirc) Reobot (2622

- ruumlHoumlbocirct) SebaBersabeia (2633 - šib`acirc Buumlacuteeumlr šeba`) Jacoacute (2736 - ya`aacuteqoumlb)

162

BetelLuza (2819 - Becirc|t-acuteeumll lucircz) Ruacuteben (2932 - ruumlacuteucircbeumln) Simeatildeo (2933 - šim`ocircn) Levi

(2934 - leumlwicirc) Judaacute (2935 - yuumlhucircdacirc) Datilde (306 - Daumln) Neftali (308 - napTaumllicirc) Gad (3011

- Gaumld) Aser (3013 - acuteaumlšeumlr) Isaacar (3018 - yiSSaumlJkaumlr) Zabulon (3020 - zuumlbulucircn) Joseacute

(3023-24 - yocircseumlp) Jegar-Saaduta (3147 - yuumlgar Saumlhaacuteducirctaumlacute) Galed (3148 - Gal`eumld) Masfa

(3149 - micPacirc) Maanaim (322 - ma|Haacutenaumlyim) Fanuel (3231 - Puumlnicircacuteeumll) Sucot (3317 -

suKKocirct) El-Betel (357 - acuteeumll Becirct-acuteeumll) Carvalho-dos-Prantos (358 - acuteallocircn Baumlkucirct)

BenocircniBenjamim (3518 - Ben-acuteocircnicirc binyaumlmicircn) Fareacutes (3829 - Paumlrec) Zara (3830 -

zaumlraH) Manasseacutes (4151 - muumlnaššegrave) Efraim (4152 - acuteepraumlyim) Abel-Mesraim (5011 -

acuteaumlbeumll micrayim)

Apoacutes analisar vaacuterios casos de etiologias que se fundamentavam em etimologias

que tinham pouco ou nada a ver com o nome em questatildeo KRAŠOVEC (2010 p 43)

chega agrave seguinte conclusatildeo

Todos os exemplos de explicaccedilatildeo etioloacutegica de etimologia de nomes proacuteprios na Biacuteblia Hebraica representam uma foacutermula literaacuteria baacutesica que aparece em variantes Qualquer anaacutelise da explicaccedilatildeo etioloacutegica da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos levanta questotildees sobre a origem e o crescimento do texto seu cenaacuterio histoacuterico e sua autoria O contexto imediato e o contexto mais amplo das narrativas indicam claramente que uma histoacuteria complexa de tradiccedilotildees populares e criaccedilotildees literaacuterias estaacute por traacutes do presente texto As explicaccedilotildees etioloacutegicas da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos satildeo fenocircmenos literaacuterios e estiliacutesticos A nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares e a explicaccedilatildeo para os nomes baseiam-se em consideraccedilotildees literaacuterias antes que linguiacutesticas

GOumlRG (1991 p 81) faz uma constataccedilatildeo muito pertinente a essa questatildeo

segundo ele

Os nomes pessoais hebraicos do Antigo Testamento satildeo pesquisadas geralmente segundo a sua etimologia e semacircntica raramente pela sua forma sintaacutetica [] Um problema especiacutefico eacute a posiccedilatildeo de um nome em um dado contexto [] A etimologia filoloacutegica e linguisticamente defensaacutevel em conjunto com a descriccedilatildeo gramatical sintaacutetica da formaccedilatildeo do nome da pessoa nesses casos eacute em uacuteltima anaacutelise irrelevante para o processamento de exibiccedilatildeo o que eacute significativo somente para a intenccedilatildeo e horizonte da unidade ou dos literatos Na

163

ciecircncia ainda se gosta neste contexto de utilizar o termo criacutetico ldquoetimologia popularrdquo

ULLMANN (1967 p 205-206) mesmo referindo-se a casos extrabiacuteblicos jaacute

observava que palavras se formam em muitos casos por motivaccedilatildeo morfoloacutegica

(entenda-se foneacutetica) processo que vulgarmente eacute chamado de ldquoetimologia popularrdquo

Esta designaccedilatildeo foi muitas vezes criticada e ldquopopularrdquo natildeo eacute de fato termo muito apropriado pois que muitos destes erros natildeo foram cometidos pelo ldquopovordquo mas por pessoas cultas ou semicultas os copistas medievais os humanistas do Renascimento e outros ldquoEtimologia associativardquo designaccedilatildeo sugerida pelo professor Orr199 seria mais apropriada [] A forccedila impulsora que estaacute por detraacutes da etimologia popular eacute o desejo de motivar na linguagem aquilo que eacute ou se tornou opaco Como recentemente declarou um linguista francecircs ldquoa etimologia popular eacute uma reaccedilatildeo contra a arbitrariedade do signo Quer-se a todo custo explicar aquilo de que a liacutengua eacute incapaz de fornecer a explicaccedilatildeordquo200 A motivaccedilatildeo que deste modo uma palavra recebe eacute mais psicoloacutegica do que histoacuterica baseia-se nas associaccedilotildees do som e do sentido e nada tecircm a ver com os fatos da etimologia cientiacutefica [] A etimologia popular pode mesmo entrar em jogo quando as duas palavras natildeo satildeo idecircnticas mas apenas semelhantes no som Em tais casos a forma de uma das palavras seraacute alterada para a tornar homocircnima da outra (ULLMANN 1967 p 206 211-212)

Apenas para ficarmos em um exemplo de como a preocupaccedilatildeo de explicar ldquoa

todo custo aquilo de que a liacutengua eacute incapazrdquo como afirma ULLMANN no texto acima

citado tomemos o caso de Hermann Gunkel (1862-1932) um dos maiores e mais

reconhecidos estudiosos da literatura veterotestamentaacuteria fundador do meacutetodo de

anaacutelise conhecido por Formgeschichte (Criacutetica da Forma ou Histoacuteria das Formas que

consiste no estudo aprofundado dos gecircneros literaacuterios da Biacuteblia) e um dos maiores

representantes da Religionsgeschichtliche Schule (Escola da Histoacuteria das Religiotildees termo

aplicado a um grupo de teoacutelogos protestantes alematildees associados agrave Universidade de

199 O autor faz menccedilatildeo aqui agrave seguinte obra ORR John Words and sounds in English and French Oxford Basil Blackwell 1953 (Modern Language Studies 177) 200 Citaccedilatildeo do artigo VENDRYES Joseph Sur la deacutenomination Observations de linguistique general tregraves fines et de grande porteacutee pour lrsquohistoire et lrsquousage de vocabulaires Bulletin de la Socieacuteteacute de Linguistique de Paris Paris Librairie C Klincksieck t 48 fasc 1 p 1-13 1952 A citaccedilatildeo mencionada acima estaacute na p 6

164

Goumlttingen na deacutecada de 1890) Os estudiosos deparam-se com a dificuldade de se

tomar o nome ldquoIsraelrdquo a partir da etimologia fornecida pelo texto na qual Deus (El) eacute

o objeto e natildeo o sujeito do nome como se esperava sempre em casos semelhantes tal

interpolaccedilatildeo eacute assumida como se o nome fosse um lema para recordar a apreensatildeo da

becircnccedilatildeo por parte de Jacoacute a qual seria uma promessa de vitoacuteria e sucesso (cf SKINNER

1994 p 409) Gunkel afirma que essa explicaccedilatildeo do significado do nome fornecida

pelo texto foi orgulhosamente empregada para mostrar a natureza invenciacutevel e

triunfante da naccedilatildeo Israel com a ajuda de Deus lutaria contra todo o mundo e

quando necessaacuterio lutaria contra o proacuteprio Deus Vejamos o texto original em alematildeo

ldquoEs ist ein groszligartiger and sicherlich uralter Gedanke Israels es sei im Stande nicht nur die

Welt mit Gottes Huumllfe sondern auch wo noumltig Gott selber zu bekaumlmpfen and zu

uumlberwindenrdquo201 Gunkel atualizou essa afirmaccedilatildeo na terceira e uacuteltima ediccedilatildeo de sua obra

Genesis em 1910 a qual serviu de base para a versatildeo inglesa atual Ali se lecirc ldquoIsrael

Antigo assim interpreta seu nome com orgulhosa arrogacircncia para significar lsquolutador

vitorioso contra Deus e as pessoasrsquo lsquoinvenciacutevelrsquo lsquovitoriosorsquo para quem a divindade

natildeo poderia compelir nenhum inimigo o controlariardquo (GUNKEL 1997 p 350)202

Portanto mais do que nos apegarmos agraves vaacuterias possibilidades etimoloacutegicas

propostas por saacutebios e especialistas ao longo dos uacuteltimos seacuteculos em uma perspectiva

literaacuteria eacute mais uacutetil e producente nos atermos ao texto e seu contexto Atualmente

costuma-se denominar a etimologia biacuteblica com os termos ldquoetimologia literaacuteriardquo uma

vez que a sua preocupaccedilatildeo natildeo eacute com o sentido cientiacutefico da palavra explicada mas

sua funccedilatildeo no contexto literaacuterio em que se encontra ou midrashei shemot (twmv yvrdm)

termo tomado de empreacutestimo da literatura dos Saacutebios judeus indicando

ldquointerpretaccedilotildees de natureza midraacuteshica (homileacutetica) aplicadas aos nomes de pessoas

ou de lugares com base na sonoridade ou potencial semacircnticordquo (GARSIEL 1991 p 19)

Em inglecircs esse tipo de interpretaccedilatildeo eacute denominada midrashic name derivation (MND)

201 Este texto foi extraiacutedo da primeira ediccedilatildeo da obra de Hermann Gunkel Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1901 p 328 Uma traduccedilatildeo mais livre poderia ser ldquoEacute uma grande e certamente antiga ideia de Israel que ele era capaz [no sentido de dar conta] natildeo soacute com todo o mundo com a ajuda de Deus mas tambeacutem se necessaacuterio de lutar contra o proacuteprio Deus e de superarrdquo 202 A parte final dessa traduccedilatildeo (ldquopara quem a divindaderdquo) encontra-se no original da seguinte forma ldquodenn wen selbst die Gottheit nicht bezwingen konnte den wird kein Feind bewaumlltigenrdquo (GUNKEL Hermann Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt 3 Aufl Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1910)

165

A MND estaacute focada no passado onde vai buscar o sentido em eventos jaacute ocorridos

relacionados agravequela pessoa ou lugar ou no futuro sendo o nome algum tipo de

antecipaccedilatildeo de incidentes que ainda teratildeo lugar Para atingir tal escopo o autor lanccedila

matildeo de jogos de palavras trocadilhos assonacircncias uso de palavras cujas raiacutezes satildeo

semelhantes e assim por diante Tomemos um exemplo bem ilustrativo relacionado

ao nome de Jacoacute e Israel Neste exemplo um dos nomes Jacoacute natildeo eacute nem mesmo

mencionado mas o jogo eacute realizado com uma palavra que possui raiz e sonoridade

semelhante ao nome que se deseja referir Vejamos Amoacutes 412203

ה לכן ך כ ראל אעשה־ל ש י

אתi עקב אעשה־לך כי־ז

כון ראת־אלהיך ה ק ראל ל ש י

Portanto assim eu te farei oacute Israel

Porque (`qb) assim eu te farei

Prepara-te para encontrar com teu Deus oacute Israel (trad nossa)

Observa-se que o nome ldquoIsraelrdquo aparece aqui duas vezes enquanto ldquoJacoacuterdquo (y`qb

ndash bq[y) natildeo Mas eacute a Jacoacute que a derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome se refere quando usa

`qb No texto essa palavra constitui uma variaccedilatildeo homileacutetica de y`qb que eacute tratado

como uma conjunccedilatildeo causativa (porque) A falta de clareza do fraseado em hebraico eacute

uma evidecircncia do desejo profeacutetico de incluir uma derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome Natildeo

se teme em trazer alguma dificuldade agrave fluidez do texto tanto para se atingir um

objetivo Inclusive o duplo uso do verbo ldquofazerrdquo (`Sh - hf[) pode tambeacutem ser

intencional uma vez que na narrativa de Gecircnesis esse verbo fornece uma derivaccedilatildeo

midraacuteshica do nome do irmatildeo gecircmeo de Jacoacute Esauacute (`Sw - wf[) como exemplo cf Gn

27479141931 Dt 229 Ez 356

Retornemos agrave nossa periacutecope de Gn 3223-33 Na BH frequentemente quando

um nome eacute concedido a etimologia eacute explicada em verso Por isso natildeo nos surpreende

ler em Gn 3229b

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

203 Este exemplo eacute tomado de GARSIEL 1991 p 133-134

166

Agrave primeira vista essas duas linhas parecem um pobre bicolon204 Como a

sintaxe agora estaacute a uacuteltima palavra eacute separada de todas as outras para isolar uma

sentenccedila longa combinada com uma palavra final No entanto eacute possiacutevel enxergar um

bicolon poeacutetico por detraacutes dessas linhas segundo COOTE (1972 p 137) De fato ele

observa que como as linhas se encontram atualmente a siacutelaba meacutetrica eacute 8 por 8 Mas

se fizermos uma substituiccedilatildeo por formas mais antigas e mudanccedilas apropriadas o

paralelismo continua

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm Kicirc Sricirct `m acutelhicircm205

`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll206 `m acutenšicircm waTucirckl

Existem pares em paralelo que revelam o sentido paralelo original presumiacutevel

de todo o bicolon Sry|yKl `m|`m e acutelhicircm|acutenšicircm Desconsiderando por um momento

o waw conversivo percebemos o paralelismo arcaico comum das formas qtl (perfeito)

e yqtol (imperfeito) SricircT |TucircKl A disposiccedilatildeo dos pares eacute quiaacutestica Proporcionando um

sentido para a raiz Sry que se encaixa na histoacuteria eacute paralela a ykl e desfruta do suporte

da tradiccedilatildeo Em base a isso COOTE (1972 p 137) propotildee ler a explicaccedilatildeo etimoloacutegica

hipoteticamente nos termos da evidecircncia poeacutetica

Porque tu lutaste com deuses

E com homens tu prevaleceste207

COOTE observa que ldquoo significado da raiz Sry em Gn 3229

naturalmente natildeo eacute necessariamente o mesmo que o significado original de Sricirc no

nome de Israelrdquo (1972 p 137) Deve-se notar que ykl (raiz de Tucirckaumll) pode ser paralela

ao sentido tradicional de Sry em Gecircnesis 32 Se na origem do nome Israel vermos uma

construccedilatildeo arcaica (cf nota de rodapeacute abaixo) em referecircncia a El antes e ademais de

204 Bicolon (plural bicolons) eacute um par de linhas adjacentes de poesia em que a segunda linha ecoa o significado da primeira 205 Para tornar mais claro o paralelismo nessa segunda coluna foram retiradas as vogais e preservadas somente as consoantes e matres lectionis 206 Nesta segunda linha segundo COOTE (1972 p 137 n 1) eacute melhor abandonar o primeiro waw antes que o segundo e o kicirc pode ser abandonado ou mantido Ele observa ainda que a sintaxe da segunda linha natildeo eacute estranha pois aparece ocasionalmente no ugariacutetico onde seguindo uma frase adverbial uma forma yqtl pode ser precedida por waw (cf GORDON 1998 sect 1334) 207 COOTE (1972 p 141) em base ao paralelismo de `m acutelhicircm e `m acutenšicircm sugere que a sentenccedila completa

da forma do nome ldquoIsraelrdquo fosse originalmente algo semelhante a yaSri-ilu-acuteiloumlhigravema-wa-acuteanašigravema ldquoEl

julga deuses e homensrdquo

167

seu uso referir-se a Jacoacute nessa histoacuteria entatildeo torna-se possiacutevel reconstruir o sentido

etimoloacutegico do nome em base ao contexto poeacutetico da explicaccedilatildeo

Neste ponto faz-se mister voltarmos nosso olhar para a figura de El

independentemente do judaiacutesmo El (heb acuteeumll) em ugariacutetico eacute acute il em acaacutedio ilu Era

uma apelaccedilatildeo comum para designar ldquodeusrdquo e tambeacutem um nome proacuteprio de uma

divindade encontrada na Mesopotacircmia desde o terceiro milecircnio AEC que

aparentemente pertencia ao panteatildeo semiacutetico Dentre as vaacuterias hipoacuteteses etimoloacutegicas

para esse nome merece atenccedilatildeo a derivaccedilatildeo da raiz acutewyl que significa ldquoestar agrave frente

o primeiro ser forterdquo (POPE 1955 p 16-17) Nos textos de Ugarit (segunda metade do

segundo milecircnio AEC) o perfil de El eacute melhor revelado Ele se encontrava em segundo

ou terceiro lugar nas listas de deuses e sacrifiacutecios apoacutes ilib e il cpn (dois aspectos de El

que haviam de se tornado independentes) mas em textos mitoloacutegicos ele ocupava o

topo do panteatildeo e presidia como o rei soberano Outro aspecto interessante ldquotodas as

divindades exceto Baal e sua irmatilde Anat eram considerados seus filhos e a lsquofamiacutelia de

Elrsquo (bn il dr il)rdquo (KOumlCKERT 2004 c 881) Eacute aceita por muitos estudiosos atualmente

uma triacuteplice possibilidade a) a religiatildeo dos proto-israelitas eacute geralmente interpretada

como uma religiatildeo de El b) ou como que considerando os deuses clacircnicos como

manifestaccedilotildees pessoais especiacuteficas de El c) ou assume-se ter havido uma fase de

transiccedilatildeo na qual os deuses clacircnicos foram identificados com El antes de todos se

fundirem em YHWH (cf KOumlCKERT 2004 c 882) Interessa-nos observar como vem

apresentado esse deus

Na Histoacuteria Feniacutecia escrita no VI seacuteculo AEC por Sanchuniathon (e que estaacute em parte preservada graccedilas a Filo de Biblos por sua vez citado por Euseacutebio em sua Praeparatio evangelica) El aparece nas vestes de um deus guerreiro feroz capaz de impor-se em modo absoluto sobre todas as outras divindades208 A narrativa de Sanchuniathon de fato eacute atenta em ilustrar o processo teogocircnico seu escopo eacute avaliar qual seja a origem das vaacuterias divindades e quais sejam as suas relaccedilotildees reciacuteprocas e por isso destaca o papel de liacuteder assumido por El (FULCO 2002 p 178)

208 Uma seleccedilatildeo dos textos de Histoacuteria Feniacutecia que narra a vida de El na obra ele eacute chamado de Kronos com todas as suas principais faccedilanhas estaacute disponiacutevel em BAUMGARTEN 1981 p 181-183

168

Esse aspecto guerreiro estaacute presente natildeo somente em El mas em outras

divindades semitas incluindo Baal Elohicircm YHWH209 O elemento ldquolutarrdquo

ldquocombaterrdquo ldquocontenderrdquo eacute tido pelo texto de Gn 3229 como integrante da etimologia

do nome ldquoIsraelrdquo Seria entatildeo mera casualidade que o nome tal como explicado no

texto da BH natildeo refletisse essa realidade210

Importante notar que a liacutengua hebraica opera a criaccedilatildeo de novas palavras a

partir da combinaccedilatildeo das trecircs consoantes que geralmente formam suas raiacutezes Essa

operaccedilatildeo pode se realizar de duas maneiras principais (CLARK 1999 p XV-XVI)

a) As raiacutezes cognatas geralmente compartilham consoantes que se originam em um oacutergatildeo vocal comum Cada uma das trecircs consoantes de um cognato deve ter seu ldquoparceirordquo nas outras raiacutezes para fazer parte de uma famiacutelia cognata As raiacutezes cognatas compartilham um sentido geral p ex hbc (inchar crescer) xpv (adicionar aumentar acrescentar) aps (alimentar abastecer nutrir) b) Raiacutezes variantes Estas geralmente derivam de raiacutezes com uma consoante duplicada Quando uma das consoantes duplicadas eacute substituiacuteda por outra letra uma raiz relacionada eacute criada Essas raiacutezes ldquonovasrdquo satildeo chamadas Variantes Gradativas porque seu significado se assemelha ao significado da raiz original mas geralmente significa uma mudanccedila de intensidade ou foco

Tomando este uacuteltimo caso (raiacutezes variantes) haacute quem associe as raiacutezes rrX

(governar caprichosamente) hrX (exercer poder) rwX (regular controlar) percebendo

nelas uma mudanccedila de intensidade ou foco (CLARK 1999 p XVI) Nesse sentido

vaacuterias palavras propostas como possiacuteveis etimologias para ldquoIsraelrdquo apresentam

variaccedilotildees gradativas rXy (endireitar pocircr em ordem) rrX (concentrar forccedila gt sentido

cognato rrX = governar) hrX (afrouxar soltar desprender gt sentido cognato hrX =

governar) rwX (ver) ryX (cantar alto bradar proclamar cantando) Certamente o autor

de nossa periacutecope (Gn 3223-33) especialmente no v 29 tinha consciecircncia de estar

lindando com raiacutezes cognatas e variantes Mesmo a uacuteltima palavra do v 29 (waTTucirckaumll)

raiz lky (prevalecer) apresenta uma interessante variaccedilatildeo cognata com a raiz hlk (lutar

209 Um amplo estudo sobre essa temaacutetica estaacute disponiacutevel em MILLER Jr 1973 210 Cf o item 1 deste quarto capiacutetulo

169

esforccedilar-se empenhar-se rivalizar-se) (cf CLARK 1999 p 104) Seraacute que natildeo poderiacuteamos

ver aqui um paralelismo algo bem tiacutepico da poesia hebraica biacuteblica

Segundo ALTER (cf 1997 p 658) esse paralelismo natildeo eacute a mera repeticcedilatildeo de

duas ou mais palavras com significados semelhantes portanto natildeo se trata de

sinoniacutemia Para ele os poetas melhor que ningueacutem perceberam haacute muito tempo que

ldquonatildeo existem sinocircnimos verdadeirosrdquo mas o que ocorre na poesia na literatura eacute a

produccedilatildeo contiacutenua de significados Assim ele constata na poesia hebraica antiga que

ldquoo padratildeo dominante eacute um foco intensificaccedilatildeo ou especificaccedilatildeo de ideias imagens

accedilotildees temas de um verseto para o seguinterdquo (ALTER 1997 p 658) Desse modo natildeo

haacute repeticcedilatildeo que natildeo traga algo novo

Natildeo soacute as palavras hebraicas satildeo criadas atraveacutes de pequenas alteraccedilotildees em suas

raiacutezes mas alguns casos de jogo de palavras ou trocadilhos que encontramos em vaacuterios

textos biacuteblicos tambeacutem fazem uso de pequenas diferenciaccedilotildees nas consoantes e ateacute

mesmo vogais a fim de manter uma similaridade distinta com o nome proacuteprio com o

qual estaacute ldquojogandordquo Esse eacute o caso de Jeshurun que em Dt 3215 forma uma rima

interna

מן ש רון וי ש עט י ב וי

E Jeshurun (yšrwn) engordou-se (w-yšmn) e deu coiceshellip

Como se observa o nome (Jeshurun) e o trocadilho (wayyišman) diferem em

uma soacute consoante e suas vogais

Ainda com o nome proacuteprio Jeshurun encontramos outro exemplo em Mq 39

Aqui a imagem da pessoa que anda retamente (ou em uma estrada reta) eacute uma

interpretaccedilatildeo de natureza midraacuteshica para esse outro nome portado por Jacoacute Jeshurun

(yšwrwn - wrwvy) eacute aparentemente uma forma poeacutetica de um desenvolvimento sobre a

base comum ldquoIsraelrdquo Neste texto Jeshurun natildeo eacute mencionado mas subentendido na

penuacuteltima palavra (hayuumlšaumlracirc)

עו־נא מ את ש ב בית ראשי ז יעק

יני צ ראל בית וק ש י

ים פט המתעב ש מ

את שרה ו עקשו כל־הי י

Ouvi isto vos peccedilo chefes de Jacoacute

170

e governantes da casa de Israel (ySracutel)

que abominais a justiccedila

e pervertem tudo o que eacute reto (h-yšrh)

Ainda um uacuteltimo exemplo novamente envolvendo Jeshurun nome aplicado a

Israel como Patriarca e neste caso como nome de todo um povo As derivaccedilotildees

midraacuteshicas fazem uso tambeacutem de nomes que soam iguais e ocorrem juntos na mesma

unidade literaacuteria Vejamos Dt 334-5 (cf GARSIEL 1991 p 177-178)

וה־לנו תורה שה צ מ

לת מורשה ה ב ק יעק

י ה רון וי יש מלך ב

אסף ת ה ם ראשי ב טי יחד ע ב ראל ש ש י

Uma instruccedilatildeo comandou-nos Moiseacutes (mšh)

uma heranccedila (mwršh) da congregaccedilatildeo de Jacoacute

E havia um rei em Jeshurun (b-yšwrwn)

quando os chefes do povo foram reunidos juntos

Percebe-se sem muito esforccedilo que a palavra mocircraumlšacirc (hvrwm) soa aqui como um

jogo de palavras em relaccedilatildeo a Moiseacutes (moumlšegrave - hvm) e a Jeshurun (yšwrwn - wrwvy)

Mesmo a frase ldquoos chefes do povordquo (raumlordm šecirc `aumlm - ~[ yvar) contribui para focar sobre e

recorrecircncia das consoantes m š r (r v m)

Retomemos as explicaccedilotildees rabiacutenicas para a mudanccedila do nome de Jacoacute

Haviacuteamos jaacute citado no item anterior Bereshit Rabbah 783 mas na parte final deste

nuacutemero ainda haacute um texto que nos interessa e que natildeo foi totalmente incluiacutedo na

menccedilatildeo anterior

PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute Isso foi o que Jacoacute quis dizer quando disse a ele Visto que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Elohim (Gn 3310) assim como a face de Deus denota juiacutezo assim o teu rosto denota julgamento assim como com respeito agrave face de Deus [estaacute escrito] e ningueacutem apareceraacute diante de Minha face de matildeos vazias (Ex 225) ningueacutem pode aparecer diante do tua face de matildeos vazias ldquoCom os mortais e os

171

conquistourdquo ndash por isto Esauacute e seus chefes satildeo representados Uma outra interpretaccedilatildeo de PORQUE LUTASTE (SARITHA) COM DEUS tu cujas caracteriacutesticas estatildeo gravadas em alto (MIDRASH RABBAH 1939)

Aqui o novo nome de Jacoacute eacute interpretado em duas vertentes A primeira

tomando o sentido do verbo (Saumlricirctauml) como lutar primeiramente com Deus e depois

com homens A recordaccedilatildeo das palavras de Jacoacute no encontro com seu irmatildeo (Gn 3310)

de que ele vira a face de Esauacute como se visse a face de Deus eacute trazida como um apoio

da identificaccedilatildeo Mas haacute alguns acreacutescimos agrave fala de Jacoacute A menccedilatildeo agrave ldquoface de Deusrdquo

leva Rabi Elama dizer que se refere ao julgamento isso porque o tiacutetulo divino acuteeacuteloumlhicircm

(Deus) eacute tradicionalmente compreendido como significando o atributo de justiccedila do

Todo Poderoso O encontro de Jacoacute com o anjo eacute primeiramente retratado como uma

espeacutecie de accedilatildeo judicial com Esauacute na qual Jacoacute foi julgado como sendo a parte vitoriosa

(cf HAYWARD 2005 p 267) Mas haacute aqui nessa expressatildeo ldquoface de Deusrdquo uma

referecircncia a um mandamento biacuteblico de comparecer trecircs vezes no ano com oferendas

apropriadas diante de Deus (Ex 2314-17)211 Do mesmo modo Jacoacute enviou oferendas

a Esauacute (Gn 3213-21) enquanto este avanccedilava com suas tropas para encontraacute-lo Jacoacute

prevaleceu tambeacutem naquela ocasiatildeo A partir dessas consideraccedilotildees o Saacutebio

compreendeu que Jacoacute tornou-se Israel porque ele persistiu (raiz hebraica hrf) ou foi

firme (raiz hebraica rrf) com Deus A segunda vertente interpretativa para o novo

nome de Jacoacute toma o verbo hebraico presente no nome ldquoIsraelrdquo como derivado da raiz

rrf ldquoser um priacutenciperdquo ldquogovernarrdquo Desta raiz vem o substantivo rf ldquoum priacutenciperdquo

palavra usada pela BH para descrever seres angelicais como em Dn 1021 121 onde o

chefe dos anjos Miguel eacute chamado de ldquopriacutenciperdquo Na medida em que sua proacutepria

imagem eacute uma realidade celeste gravada no Trono da Gloacuteria Essa mesma

interpretaccedilatildeo eacute dada pelo Targum Onkelos Gn 3229 ldquoTeu nome jaacute natildeo seraacute mais Jacoacute

mas Israel porque um priacutencipe eacutes tu diante do Senhor e com homens tu tens

prevalecidordquo (THE TARGUMS OF ONKELOS 1862) Portanto Jacoacute apresenta para

o Targum um status principesco angelical No entanto para Bereshit Rabbah Jacoacute eacute

211 Essas trecircs festividades satildeo 1ordf) Festa dos Aacutezimos ou Paacutescoa (heb Pesach) 2ordf) Festa da Colheita ou Semanas 50 dias apoacutes o Pesach ndash Pestecostes (heb Shavuot) 3ordf) Festa da Colheira no outono ou CabanasTabernaacuteculos (heb Sukkot)

172

superior aos anjos pois ele suplantou o anjo de Esauacute adquiriu um novo nome e sua

imagem estaacute gravada no Trono de Deus Eacute o que fica claro nessa passagem de Bereshit

Rabbah 822

R Isaac comeccedilou Um altar de terra me faraacutes em todo lugar onde eu fizer Meu nome ser mencionado virei a ti e te abenccediloarei (Ex 2024) Se eu abenccediloo aquele que constroacutei um altar em Meu nome quanto mais devo eu parecer a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravadas em Meu Trono e abenccediloaacute-lo Assim se diz E DEUS APARECEU A JACOacute E O ABENCcedilOOU R Levi comeccedilou E um boi e um carneiro para ofertas de paz porque hoje o Senhor vos aparece (Lv 94) Se eu apareccedilo a quem ofereceu um carneiro em Meu nome e o abenccediloo quanto mais eu aparecerei a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravados no Meu trono e abenccediloaacute-lo (MIDRASH RABBAH 1939)

Desse modo ldquoa permanecircncia dessa semelhanccedila garantiria a contiacutenua presenccedila

de Deus e a becircnccedilatildeo para Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 269) No Talmude no tratado

ullin 92a lemos

Sim ele lutou com um anjo e prevaleceu ele chorou e lhe fez suacuteplicas [Os 125] Natildeo sei quem prevaleceu sobre quem Mas quando ele diz Pois tu lutaste com Deus e com os homens e prevaleceu [Gn 3229] eu sei que Jacoacute se tornou mestre sobre o anjo Ele chorou e suplicou-lhe [Os 125] Natildeo sei quem chorou a quem Mas quando diz E ele disse Deixa-me ir [Gn 3227] eu sei que o anjo chorou a Jacoacute ldquoPois tu lutaste com Deus e com os homensrdquo Disse Rabbah Ele lhe deu a entender que dois priacutencipes estavam destinados a vir dele o Chefe da Diaacutespora na Babilocircnia e o Priacutencipe na Terra de Israel esta foi tambeacutem uma

indicaccedilatildeo para ele do exiacutelio (EPISTEIN 2009)

Esse tratado dedica-se mais a discutir sobre o sentido (cf ullin 91a-92a) da

lesatildeo sofrida por Jacoacute no tendatildeo de sua coxa e a dieta alimentar dela decorrente Poreacutem

nessa citaccedilatildeo acima pode-se perceber que o sentido do nome Israel eacute interpretado

ldquocomo indicando a superioridade judaica em relaccedilatildeo ao serviccedilo angelical de Deus e

como fundamentando na autoridade das Escrituras a posiccedilatildeo do Chefe da Diaacutespora e

do Priacutencipe da Terra de Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 308) Pois nesses dois grandes

ofiacutecios institucionais o Talmude percebeu o verdadeiro significado de Israel como

173

aquele que alcanccedilou a superioridade ldquocom os homensrdquo Portanto o nome jaacute inclui uma

interpretaccedilatildeo daquilo que viraacute no periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

Agora reunindo os elementos que viemos refletindo neste quarto item do

capiacutetulo no qual estamos podemos tentar reestruturar Gn 3223-33 ressaltando os

elementos que mais nos interessam A partir daiacute poderaacute ficar mais claro natildeo somente

o sentido do nome Israel como tambeacutem o sentido e escopo de toda a periacutecope

A fim de favorecer uma visatildeo de conjunto todo o esquema estaacute na paacutegina

seguinte212 Abaixo se encontram algumas observaccedilotildees sobre o mesmo

O esquema destaca a estrutura concecircntrica da periacutecope como jaacute analisamos no

capiacutetulo anterior deste estudo O centro portanto eacute formado pelo diaacutelogo o qual

sempre merece destaque no caso de textos narrativos No diaacutelogo distinguimos os

falantes do modo como satildeo identificados pelo proacuteprio texto hebraico ldquoHrdquo que

significa ldquoHomemrdquo (v 25b) ldquoJrdquo que significa Jacoacute o Patriarca No proacuteprio diaacutelogo haacute

uma estrutura quiaacutestica tambeacutem como se pode observar no esquema

O v 33 foi deixado de fora pois reconhecidamente eacute uma adiccedilatildeo posterior mais

tardia agrave periacutecope em questatildeo Mas mesmo assim ele integra-se ao conjunto como jaacute

foi demonstrado no capiacutetulo anterior

Interessante que a combinaccedilatildeo das unidades A (vv 23a-25a) e Arsquo (v 32) servem

para separar Jacoacute de sua famiacutelia e deixaacute-lo sozinho diante do ser que o confronta mas

o une agrave famiacutelia novamente ao final Esses dois blocos satildeo marcados pelo verbo

ldquoatravessarrdquo (rb[) Esse verbo ressalta os cuidados e a tensatildeo de Jacoacute na etapa preacutevia

ao encontro com seu irmatildeo Esauacute Em Gn 321721a o que ldquoatravessardquo o que ldquopassardquo eacute

apenas seus pertences e servos Jacoacute parece esconder-se vir atraacutes A sua proacutepria

passagem somente se completa apoacutes Gn 3232 e mais especificamente em Gn 333

quando Jacoacute finalmente ousa aparecer ao seu irmatildeo

212 Servi-me da estrutura concebida por FOKKELMAN 1997 p 66 mas com adaptaccedilotildees proacuteprias A traduccedilatildeo do texto da BH tambeacutem eacute nossa

174

Unidade Texto Versiacuteculo

A Ele levantou-se naquela noite wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute 23a

tomou suas duas mulheres wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw

suas duas servas wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw

e seus onze filhos wuumlacuteet-acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw

23b

e atravessou o vau do Jaboc wa|yya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq 23c

Ele tomou-os e os fez atravessar a torrente wayyiqqaumlHeumlm wayya| aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal

24a

e fez atravessar o que era dele wa|yya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc 24b

Entatildeo ele ficou soacute wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc 25a

B E um homem lutava com ele ateacute elevar-se a aurora wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

25b

Vendo que natildeo podia contra ele wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc 26a

tocou na cavidade de sua coxa wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc 26b

e a cavidade da coxa de Jacoacute deslocou-se em sua luta com ele waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

26c

X a H Ele disse ldquoDeixa-me ir porque elevou-se a aurorardquo wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar

27a

J Ele disse ldquoNatildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloesrdquo wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

27b

x H Ele disse-lhe ldquoQual eacute o teu nomerdquo wayyoumlordm mer acuteeumllaumlyw magrave-ššuumlmeordmkauml

28a

J Ele disse ldquoJacoacuterdquo wayyoumlordm mer ya`aacuteqoumlb 28b

H Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricircordmtauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

29a

29b 29c

arsquo J Entatildeo Jacoacute interrogou dizendo ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo

wayyišacuteal ya`aacuteqoumlb wayyoumlordm mer haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml

30a

H Ele respondeu ldquoPor que isso Tu perguntas pelo meu nome laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc

30b

E ele o abenccediloou ali wayuumlbaumlordmrek acuteoumltocirc šaumlm 30c

Brsquo Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll

31a

porque eu vi a Deus face a face Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

31b

e minha vida foi salva waTTinnaumlceumll napšicirc 31c

Arsquo O sol brilhava para ele quando atravessou Fanuel wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš Kaacuteaacutešer `aumlbar acuteet-Puumlnucircacuteeumll

32a

e ele coxeava de uma coxa wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-yuumlreumlkocirc 32b

175

Agrave dupla travessia mostrada no iniacutecio (Gn 322324) que natildeo deixa de ser o

uacuteltimo estratagema de Jacoacute para fugir da ira de seu irmatildeo e uma demonstraccedilatildeo de

inseguranccedila se contrapotildee uma dupla soluccedilatildeo ou passagem em Gn 3232 ao

amanhecer e uma travessa complementar em Gn 333 a fim de saudar seu irmatildeo mas

agora Jacoacute se coloca agrave frente de todos ao contraacuterio da sua atitude anterior ao encontro

como mencionamos acima

Jaacute destacamos anteriormente a assonacircncia formada no iniacutecio desta periacutecope

colocando o rio (Jaboc) e a personagem (Jacoacute) como pertencentes um ao outro Assim

como o riacho eacute para ser ldquoatravessadordquo Jacoacute eacute algueacutem em vias de fazer a maior

travessia de sua vida deixando para traacutes seu obscuro passado e abraccedilando seu irmatildeo

e sua nova missatildeo Na travessia do Jaboc se daraacute a travessiatransformaccedilatildeo de Jacoacute

Naquela noite ele muda adquiri um novo nome (Israel) e um novo aspecto a

claudicacircncia devido o embate com ldquoum homemrdquo

Antes de atravessar Jacoacute ainda se depara com sua antiga ldquofacerdquo seu antigo

ldquoserrdquo Natildeo por acaso a palavra Paumlnicircm significa face mas tambeacutem o interior da pessoa

ou a proacutepria pessoa Isso porque ldquodado que o ser de uma pessoa se expressa em seu

rosto e este a caracteriza em sentido amplo pode designar tambeacutem a toda a pessoardquo

(VAN DER WOUDE 1985b c 557) Em 2Sm 1711 encontramos um exemplo desse

sentido ldquoEu portanto aconselho que todo o Israel de Datilde a Bersabeia se reuacutena em

torno de ti tatildeo numeroso como os gratildeos de areia na praia do mar e tu marcharaacutes

pessoalmente (paumlnEcircordmkauml) ao combaterdquo (trad BJ) Portanto o ldquoface a facerdquo de Jacoacute agraves

margens do Jaboc natildeo foi somente com Deus conforme ele mesmo constata em Gn

3231b mas com toda a sua experiecircncia histoacuterica

Toda a accedilatildeo descrita pela nossa periacutecope eacute bem enquadrada temporalmente

como sendo uma uacutenica noite A oposiccedilatildeo noite (Ballaordmylacirc hucircacute - v 23a) e nascer do sol

(wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš - v 32a) delimita tudo a uma uacutenica noite Essa noite serve como

uma cobertura e ocultaccedilatildeo do oponente de Jacoacute como tambeacutem simboliza o lado

obscuro e pouco correto desse Patriarca

Neste tempo de uma uacutenica noite Jacoacute resta ldquosozinhordquo ldquoagrave parterdquo (luumlbaDDocirc v

25a) Interessante observar que essa expressatildeo ocorre poucas vezes no primeiro livro

da Toraacute Adatildeo encontra-se solitaacuterio por isso Deus lhe forja uma companheira (Gn

176

218) Contudo ldquoem sua solidatildeo titacircnica os patriarcas natildeo satildeo jamais ditos lsquosozinhosrsquordquo

(LOEWENTHAL 2003 p 27) Diferentemente a solidatildeo faz parte da vida de Jacoacute

Gn 3040 nos mostra ele soacute quando decide separar o proacuteprio rebanho

daquele de seu sogro e patratildeo que o enganou A solidatildeo faz parte dos

preparativos de sua partida sua autonomia

Gn 3217 mostra Jacoacute colocando ldquoagrave parterdquo os rebanhos que pretende

presentear a seu irmatildeo para natildeo tecirc-lo mais como inimigo

Gn 3225 nos mostra Jacoacute apoacutes fazer atravessar seus pertences e toda a sua

famiacutelia permanecendo soacute para a sua misteriosa batalha junto ao vau do

Jaboc

Gn 4238 mostra o medo de Jacoacute que seu filho Benjamim acompanhe seus

irmatildeos na viagem ao Egito uma vez que dos dois filhos de Raquel ele ficou

soacute sendo o uacutenico sobrevivente Jacoacute pensa que Joseacute o irmatildeo materno de

Benjamim tenha morrido

Gn 4332 fica agrave parte solitaacuterio agrave mesa ldquoporque os egiacutepcios natildeo podem tomar

suas refeiccedilotildees com os hebreus tecircm horror dissordquo

Gn 4420 destaca que Benjamim ficou soacute apoacutes a pressuposta morte de seu

irmatildeo materno Benjamim

Portanto a solidatildeo eacute uma das condiccedilotildees de vida desse Patriarca E no momento

mais crucial de sua existecircncia ele estaraacute novamente solitaacuterio A solidatildeo parece ser

parte integrante da paciente espera que marca a vida de Jacoacute Por quatorze anos ele

soube esperar pela mulher que amava e que estava diante de seus olhos todos os dias

E ainda eacute capaz de dizer ldquoJacoacute serviu entatildeo por Raquel durante sete anos que lhe

pareceram alguns dias de tal modo ele a amavardquo (Gn 2920) Como bem observa

LOEWENTHAL (2003 p 33) ldquoAbraatildeo parte Isaac obedece Jacoacute esperardquo

O v 25a irrompe de modo abrupto sem preacute-aviso A luta literalmente o ldquorolar

pelo poacute pela terrardquo (yeumlacuteaumlbeumlq) natildeo era o encontro esperado e preparado por Jacoacute Este

estava se aprontando para o encontro com seu irmatildeo Esauacute No entanto aquilo que

sucede ao Patriarca eacute a consequecircncia de suas accedilotildees e deve finalmente ser suportado

por ele sozinho Tais consequecircncias natildeo podem ser desviadas total ou parcialmente

para os pastores (que vatildeo entregar um presente a Esauacute ndash Gn 3214b-21) ou para as

177

esposas cujas vidas satildeo decisivamente influenciadas pelo ldquofator Jacoacuterdquo (pelo qual Lia eacute

ldquoodiadardquo e negligenciada por Jacoacute que prefere Raquel a qual por sua vez apresenta

dificuldades para dar filhos a seu marido e sente-se inferior e tem inveja da irmatilde ndash Gn

2931ndash3024) O v 25a descreve uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para o confronto posterior

ou seja o fato de Jacoacute ter ficado sozinho mesmo que talvez natildeo seja uma opccedilatildeo dele

o que eliminaria o elemento surpresa que integra muitas narrativas biacuteblicas (cf

FOKKELMAN 2004 p 212) Isso natildeo significa que o seu adversaacuterio ldquoum homemrdquo

natildeo pudesse saber disso previamente

Entatildeo qual seria o motivo dos preparativos dos vv 23-24 Se Jacoacute natildeo tinha a

deliberada intenccedilatildeo de ficar sozinho por que entatildeo realiza as accedilotildees descritas nesses

versiacuteculos mencionados No entanto eacute bom ter presente que essa era a intenccedilatildeo do

narrador ou seja conduzir Jacoacute a ldquoficar soacuterdquo (wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc v 25a) Tal

intenccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com a intenccedilatildeo da personagem Jacoacute Em Gn 3223-24 Jacoacute

faz com que os membros reais de sua famiacutelia atravessem o Jaboc Mas no texto

imediatamente anterior satildeo os seus servos que devem atravessar a fim de que Jacoacute e

sua gente pudessem ficar a salvos (cf Gn 3214-22) Entatildeo por que a mudanccedila de

planos durante a noite Temos uma tentativa de resposta

Isso soacute pode significar que na inquietaccedilatildeo de sua mais longa noite Jacoacute acordou para o fato de que pendurar-se atraacutes significa esconder-se esquivando-se da responsabilidade Embora estejamos aleacutem dos limites da verificaccedilatildeo Eu prefiro a interpretaccedilatildeo de que ao atravessar Jacoacute quer fazer uma reparaccedilatildeo ele quer liderar o caminho e quer ir ao encontro do proacuteprio Esauacute Se ele se tornou consciente da extensatildeo de sua culpa jaacute natildeo pode ser discernido no texto mas isso parece improvaacutevel para mim pois nos vv 14-22 ele ainda natildeo tinha reconhecido a dupla face da minHacirc-reconciliaccedilatildeo Ao enviar seu

povo ele tambeacutem desiste de uma linha de defesa de modo que outros planos de combate se tornaram inuacuteteis (maHaacutenegrave-soluccedilatildeo) E ele faz do

Jaboc um seacuterio obstaacuteculo natildeo para Esauacute mas para si mesmo ele quer fugir A repeticcedilatildeo de `Br indica que eacute uma operaccedilatildeo pesada para Jacoacute

(FOKKELMAN 2004 p 212-213)

A cena da luta eacute bem definida e enquadrada por expressotildees semelhantes

wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc (v 25b) e Buumlheumlacuteaumlbqocirc `immocirc (v 26c) Percebe-se como acontece

desde o iniacutecio de nossa periacutecope uma preocupaccedilatildeo com a assonacircncia paronomaacutesia e

178

combinaccedilatildeo de sons e sentidos das palavras empregadas fruto de uma acurada e

atenta composiccedilatildeo O verbo escolhido para expressar a luta (wayyeumlacuteaumlbeumlq - raiz qba)

que natildeo ocorre em nenhum outro lugar da Biacuteblia natildeo soacute continua a geminaccedilatildeo foneacutetica

com ya`aacuteboumlr (atravessou) e yaBBoumlq (Jaboc v 23) mas - permitindo a confluecircncia das duas

gutturais (aleph e ayin) - absorve os elementos do proacuteprio nome de Jacoacute A proposital

incoacutegnita sobre a identidade da personagem que luta com Jacoacute combina com as

intenccedilotildees do mesmo as quais se escondem em sua recusa de revelar seu nome

portanto de autorrevelar-se Com isso ele provoca Jacoacute a pensar e avaliar-se a si

mesmo O contexto onde tudo se desenrola eacute a escuridatildeo eacute a noite assim como foi em

sua visatildeo de Betel (Gn 2810-22 observe-se o iniacutecio da cena wayyaumlordmlen šaumlm Kicirc-baumlacute

haššeordmmeš ndash ali passou a noite pois o sol havia-se posto) Eacute sempre o medo a incerteza que

agarram Jacoacute Como observa FOKKELMAN (2004 p 213) nessa circunstacircncia externa

e interna Jacoacute ldquonatildeo enxerga a si mesmo ainda natildeo reconhece a sua nova identidade

que pode salvaacute-lo a renovada integridade que nasce no reconhecimento e confissatildeo

da proacutepria culpardquo

Na luta com o seu contendente Jacoacute eacute levado a perceber que tem uma forccedila que

vai muito aleacutem da compreensatildeo e resistecircncia humanas Os pronomes hebraicos no

versiacuteculo 26 satildeo menos especiacuteficos em sua referecircncia de modo que podemos nos

perguntar se o astuto Jacoacute natildeo eacute antes o agressor Algo bem plausiacutevel devido o grito

que seu oponente emite no versiacuteculo seguinte šalluumlHeumlordmnicirc (v 27 deixa-me ir solta-me

liberta-me) Inclusive o seu oponente apesar de ser divino natildeo o espanca mas apenas

ldquotoca na cavidade de sua coxardquo (yiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc v 26c) Tocar a coxa eacute ameaccedilar a

potecircncia do oponente alcanccedilar a fonte geradora de poder e o nome de Jacoacute natildeo

podemos nos esquecer significa ldquosuplantadorrdquo Na cena do encontro de Jacoacute com as

filhas de Labatildeo a forccedila sobre-humana dele jaacute se faz observar (cf Gn 291-14) Mesmo

estando coxo abaixo da cintura ele manteacutem preso o oponente em seus braccedilos Jacoacute natildeo

o deixa enquanto ele natildeo o abenccediloar Sim Isso revela bem quem eacute Jacoacute ele quer a

becircnccedilatildeo ldquoda mais miseraacutevel situaccedilatildeo ele quer emergir como um homem enriquecidordquo

(FOKKELMAN 2004 p 215) Foi assim quando foi explorado e enganado pelo seu

sogro Labatildeo eacute assim aqui em seu embate com a divindade Assim a becircnccedilatildeo que foi a

palavra-chave da primeira fase de seu ciclo quando usurpa o direito de primogenitura

179

e becircnccedilatildeo de seu irmatildeo (cf Gn 271-45) volta a ser fundamental nessa terceira fase de

sua vida Se quando teve de fugir do oacutedio de Esauacute ele recebeu a becircnccedilatildeo concedida a

Abraatildeo no pernoite em Betel (cf Gn 2812-15) agora em seu retorno ele deseja receber

a becircnccedilatildeo de seu oponente para poder enfrentar o momento mais tenso e crucial de sua

vida Se a personagem Jacoacute estava ou natildeo jaacute consciente em Gn 3227b quando solicita

a becircnccedilatildeo das enormes implicaccedilotildees futuras que esse gesto teria natildeo nos conveacutem

especular aqui basta saber que o narrador certamente o estaacute

Apoacutes reivindicar a becircnccedilatildeo Jacoacute recebe uma pergunta direta do oponente eumllaumlyw

magrave-ššuumlmeordmkauml (Qual eacute o teu nome ndash v 28a) Essa pergunta certamente faz Jacoacute recordar-

se do momento em que se apresentou diante de Isaac seu pai fazendo-se passar pelo

seu irmatildeo Esauacute Naquela ocasiatildeo Isaac lhe perguntou micirc acuteaTTacirc Buumlnicirc (Gn 2718b Quem

eacutes tu meu filho) E a resposta de Jacoacute foi acuteaumlnoumlkicirc `eumlSaumlw Buumlkoumlrekauml (Gn 2719a Sou Esauacute

teu primogecircnito) Agora diante de seu contendor ele se redime e admite quem ele

realmente eacute Quando Jacoacute diz o seu proacuteprio nome ele ldquose entregardquo nas matildeos de quem

lhe interroga eacute a sua ldquoconfissatildeordquo como mencionamos acima Como vimos no capiacutetulo

segundo deste nosso estudo o nome para os semitas natildeo eacute um acidente algo casual

mas o vetor do misteacuterio da pessoa eacute a sua verdade mais iacutentima aquilo que a pessoa eacute

Assim sendo ldquoo Jacoacute que diz o seu nome eacute um rendido estou em tua posse porque Tu

sabes de mim a coisa mais importante o meu segredo te pertencerdquo (MORFINO 2003

p 42) Entatildeo a suposta ldquovitoacuteriardquo de Jacoacute sobre o ser com o qual combate mistura-se a

uma espeacutecie de ldquoderrotardquo uma vez que seu adversaacuterio possui uma informaccedilatildeo que ele

natildeo obteve quando lhe potildee uma pergunta semelhante haGGicircdacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml ndash ldquoDiga-

me por favor o teu nomerdquo v 30a) Ao reconhecer chamar-se Jacoacute implicitamente estaacute o

significado do nome conferido ao longo da primeira fase do ciclo dessa personagem

especialmente em Gn 2736ab wayyoumlacutemer haacutekicirc qaumlraumlacute šuumlmocirc ya`aacuteqoumlb wayya`quumlbeumlnicirc zegrave

pa`aacutemayim acuteet-Buumlkoumlraumlticirc laumlqaumlH wuumlhinnEuml `aTTacirc laumlqaH Birkaumlticirc213 (Ele [Esauacute] disse Natildeo eacute que214

seu nome seja Jacoacute Pois enganou-me215 duas vezes Ele tomou minha primogenitura e eis que

213 Este texto eacute todo composto agrave base de paronomaacutesia Recurso empregado como jaacute visto tambeacutem em Gn 3223-33 214 Esta minha traduccedilatildeo apoia-se em quanto eacute dito em JOUumlON MURAOKA 2006 sect 161j 215 Haacute um jogo de palavras com bqe[ (calcanhar) e o verbo bq[ (enganar suplantar trapacear) ambas

possuem raiacutezes idecircnticas Sem duacutevida ldquoessa ligaccedilatildeo com o calcanhar o salto eacute bem compreensiacutevel agrave luz

180

agora toma minha becircnccedilatildeo) Esta eacute a razatildeo quando se daacute a luta no vau do Jaboc e lhe vem

solicitado o nome de Jacoacute dizer finalmente a sua verdade ele eacute verdadeiramente

Ya`aacuteqoumlb aquele que desde o princiacutepio jogou em base ao engano agrave trapaccedila Revelando

seu nome Jacoacute entrega a sua proacutepria histoacuteria de fraude e carreirismo de suplantador

e enganador Somente a tiacutetulo informativo o sentido etimoloacutegico do nome Jacoacute eacute

identificado em dupla possibilidade A primeira que ganhou mais adeptos e foi mais

consagrada identifica a base do nome na raiz bq[ ldquovigiar protegerrdquo ldquopresente no sul-

araacutebico e tambeacutem em etioacutepico e traduz o nome Jacoacute com lsquoDeus protegeursquo ou lsquoque Deus

protejarsquordquo (ZOBEL 2003 c 882) Esta explicaccedilatildeo foi contestada e em seu lugar surgiu

outra que toma a mesma raiz bq[ mas com o significado de ldquoestar imediatamente

atraacutes estar proacuteximordquo em base a textos ugariacuteticos palavra estaacute presente tambeacutem em

amorreu e feniacutecio Assim sendo o nome Jacoacute deveria ser traduzido por ldquoele (= El) estaacute

proacuteximordquo (ZOBEL 2003 c 882)

Apoacutes ldquoentregarrdquo seu nomeidentidade sua histoacuteria seu passado Jacoacute recebe

um novo nomeidentidade wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll Kicirc|-

Saumlricircordmtauml im-acuteeacuteloumlhicircm wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (v 29) Estruturalmente a concessatildeo do novo

nome Israel repara a simetria que tinha sido perturbada desde os episoacutedios de abertura

do ciclo de Jacoacute Lembremos que o irmatildeo mais velho jaacute tinha dois nomes cada um com

sua etiologia (Gn 2525 Esauacute 2530 Edom) Aliaacutes a aposiccedilatildeo redundante de Seir e Edom

em Gn 324 serve para recordar esse fato Enquanto Jacoacute apesar do detalhe da luta

intrauterina recebera apenas um nome Como jaacute abordamos acima haacute neste verso um

claro paralelismo algo normal na poesia hebraica De propoacutesito o autor joga tambeacutem

com a ambiguidade do verbo que emprega para justificar o novo nome concedido a

Jacoacute YiSraumlacuteeumll O verbo Saumlricirctauml pode apoiar-se em diversas raiacutezes possiacuteveis como jaacute vimos

antecipadamente Constatamos que nenhuma das sugestotildees propostas para explicar o

elemento verbal presente no novo nome logrou alcanccedilar aceitaccedilatildeo unacircnime entre os

estudiosos ou produziu uma completa satisfaccedilatildeo na maioria deles No entanto em se

tratando de literatura hebraica e com base em vaacuterios exemplos presentes na BH alguns

daquela luta que desde o iniacutecio marcou as relaccedilotildees entre os dois gecircmeos Desde o ventre materno os dois estavam em antagonismo Esauacute eacute o primeiro que olha para a vida mas haacute imediatamente Jacoacute que agarra seu irmatildeo pelo calcanhar para puxaacute-lo para traacutes e suplantaacute-lordquo (MORFINO 2003 p 43-44)

181

dos quais foram aqui mencionados em que a escolha de palavras expressotildees e nomes

estaacute vinculada ao contexto e ao objetivo do autor o estabelecimento do sentido do

nome YiSraumlacuteeumll e o motivo de sua escolha natildeo satildeo impossiacuteveis de se atingir

Primeiramente cabe constatar que em toda a periacutecope (Gn 3223-33) o

som das palavras joga um papel determinante como jaacute foi demonstrado

anteriormente A escolha de palavras inclusive algumas muito raras estava a serviccedilo

da produccedilatildeo de paronomaacutesias e assonacircncias Fato este que chamou a atenccedilatildeo de

MARKS (1995 p 39) ldquoO que eacute impressionante em tudo isso eacute a forma como os nomes

parecem reproduzir atraveacutes das mudanccedilas delicadamente animadas da linguagem os

mecanismos de projeccedilatildeo e autorreflexatildeo que observamos na narrativa da luta como se

o problema da geminaccedilatildeo [duplicaccedilatildeo e duplicidade de sentidos] tivesse estendido seu

domiacutenio agrave relaccedilatildeo de palavra e atordquo

Em segundo lugar eacute comum agrave liacutengua hebraica como vimos criar-se

palavras a partir de radicais semelhantes acentuando ou intensificando o sentido de

um determinado radical a partir de novos vocaacutebulos que dele surgem O elemento

verbal do nome YiSraumlacuteeumll pode propositalmente lidar com uma rica polissemia

Importante ressaltar que ldquoeste ato de lsquojogarrsquo com uma multiplicidade de derivaccedilotildees

natildeo eacute um erro do escritor nem uma incapacidade de decifrar do leitor eacute uma desejada

indicada superposiccedilatildeo de sentidos que enriquece incrivelmente o significadordquo

(MORFINO 2003 p 44)

Em terceiro e uacuteltimo lugar eacute importante sempre considerar que o contexto eacute

imprescindiacutevel para determinar o sentido dos textos e das palavras na BH Por isso

vale a pena destacar os quatro elementos que formam o contexto no qual estaacute situada

a cena em que Jacoacute recebe o seu novo nome fornecem a direccedilatildeo da interpretaccedilatildeo (cf

ROSS 1985 p 341)

1ordm) o cenaacuterio geograacutefico a luta ocorreu no limiar da terra da promessa Jacoacute estava

fora dessa terra desde a sua fuga de Esauacute do qual ele tomou a becircnccedilatildeo Portanto a

nossa cena eacute posicionada de modo intencional como um ldquorito de passagemrdquo que

conduziraacute agrave reconciliaccedilatildeo entre os dois irmatildeos gecircmeos

182

2ordm) O elemento unificador da histoacuteria eacute a nomeaccedilatildeo isto eacute a transformaccedilatildeo de

Jacoacute em Israel O novo nome natildeo eacute apenas adicionado a uma narrativa antiga ele eacute

explicado por ela

3ordm) Nomes de lugares no retorno de Jacoacute para a terra de seus pais as narrativas

estatildeo sempre relacionadas a determinados lugares Maanaim (Gn 321-2) Fanuel (Gn

3230) e Sucot (Gn 3317) cujos nomes vecircm explicados por Jacoacute

4ordm) A histoacuteria estaacute ligada a uma restriccedilatildeo dieteacutetica para os filhos de Israel Este

tabu foi um costume que cresceu com base em um evento mas natildeo fazia parte da Lei

O evento na tradiccedilatildeo criou-o e explicou-o

A nossa periacutecope natildeo deixa de ser uma resposta agrave suacuteplica constante em Gn

3210-13 mesmo que este texto seja mais tardio afinal Jacoacute implora a Deus que salve-

o da ira de seu irmatildeo haccicircleumlnicirc naumlacute miyyad acuteaumlHicirc miyyad `eumlSaumlw (Gn 3212a Livra-me da

matildeo de meu irmatildeo da matildeo de Esauacute) Segundo JACOB (cf 2007 p 223) a luta daraacute a

resposta que Jacoacute tanto busca

Natildeo podemos deixar de perceber nesta interpretaccedilatildeo final de nossa periacutecope a

interconexatildeo existente entre a nossa cena e as cenas anterior e posterior Isso ocorre

com o uso da palavra ldquofacerdquo (Paumlnicircm)

a) Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw BamminHacirc hahoumlleket luumlpaumlnaumly wuumlacuteaHaacuterecirc-keumln acuteeracuteegrave

paumlnaumlyw acuteucirclay yiSSaumlacute paumlnaumly Eu aplacarei suas faces216 com a oferenda que segue

adiante de mim Depois verei suas faces e talvez ele erga minhas faces217

Aqui ainda se revela a ldquovelhardquo face de Jacoacute o esperto o astuto Ele crecirc poder

controlar suplantar seu irmatildeo com presentes oferendas Pensa evitar o face

a face o olho no olho com o irmatildeo

b) Gn 3231 wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircticirc eacuteloumlhicircm Paumlnicircm el-

Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel [Face de El] porque

eu vi a Deus face a face e minha vida foi salva

A ldquonovardquo face de Jacoacute agora com o novo nome Israel se revela A sua ldquovida

foi salvardquo natildeo apenas por ter visto Deus face a face mas porque jaacute se sente

216 Literalmente essa expressatildeo significa ldquocobrir sua facerdquo Eacute como se Jacoacute quisesse dizer que taparia o rosto de oacutedio e rancor de Esauacute com seus presentes 217 Utilizo aqui a traduccedilatildeo de CHOURAQUI 1995 p 340 por ser mais literal e render melhor a presenccedila

do vocaacutebulo Paumlnicircm

183

atendido em sua suacuteplica (Gn 3212) Israel estaacute a salvo de Esauacute O ldquopassarrdquo

(rb[) em perigo sob tensatildeo e alto risco transforma-se em passar em aliacutevio

Natildeo eacute mais Jacoacute que atravessa mas Israel Deve-se notar poreacutem que

ldquoFanuelrdquo carrega conotaccedilotildees de um jogo de palavras exprimindo

anterioridade ou precedecircncia que aparecem na cena anterior (Gn 3241718 ndash

Paumlnicircm aparece em estado construto com sufixos pronominais significando

adiante de) Naquela cena Jacoacute apressa-se em passar tudo adiante de si mesmo

e de seu irmatildeo servos rebanhos mulheres e crianccedilas Aliaacutes em Gn 3219-21

aparece por quatro vezes a expressatildeo ldquodepois deatraacutes derdquo (heb acuteaHaacuterecirc) em

referecircncia a Esauacute Eacute claro que o leitor eacute convidado a ver aqui o problema que

originou tudo isso ou seja o duplo roubo de Jacoacute (primogenitura e becircnccedilatildeo)

por duas vezes ele revoga a prioridade existente Seu irmatildeo Esauacute mais lento

aquele que vem sempre ldquodepois derdquo Jacoacute reconhece isso quando interpreta

o nome de Jacoacute em base ao princiacutepio nomen ndash omen (nome ndash mau pressaacutegio)

em Gn 2736 Outro efeito dessa arte da linguagem realizada pelo autor eacute

que tais correspondecircncias funcionam como uma conexatildeo em uma fuga mais

longa na qual repeticcedilotildees e etimologias contrapotildeem as duplas baacutesicas de

irmatildeo e irmatildeo (Jacoacute e Esauacute) homem e Deus (Jacoacute e Elohicircm)218

218 Essa duplicidade homem Deus comeccedila a ser mostrada deste o iniacutecio do capiacutetulo 32 que precede a nossa periacutecope (Gn 321-3) ldquoE Labatildeo levantou-se cedo beijou seus filhos e suas filhas e os abenccediloou e Labatildeo partiu e voltou ao seu lugar Entatildeo Jacoacute seguiu o seu caminho e anjos de Deus encontraram-se com ele Ao vecirc-los disse Este eacute o acampamento de Deus E chamou agravequele lugar Maanaimrdquo (trad nossa) Aqui os anjos relembram a teofania e promessa divina em Betel (Gn 2810-20) assim como a partida de Labatildeo relembra o beijo e becircnccedilatildeo concedidos por Isaac natildeo aos seus dois filhos mas somente a Jacoacute (Gn 2727) Beijo e becircnccedilatildeo seratildeo lembrados apoacutes a luta quando um Jacoacute justificado recebe o beijo de Esauacute e convida-lhe para aceitar o seu presente que ele idiomaticamente chama ldquominha becircnccedilatildeordquo (Birkaumlticirc Gn 3311) Como bem observa MARKS (1995 p 36 n 25) ldquoEste relato ecoa por sua vez o relato

do beijo que Labatildeo corre para dar em Jacoacute quando ele chega em Padatilde-Aram (2913) Tendo lsquoabenccediloadorsquo seus filhos e suas filhas Labatildeo retorna a lsquoseu lugarrsquo O lugar para o qual Jacoacute volta os seus passos depois de ser omitido intencionalmente da becircnccedilatildeo de Labatildeo eacute aquele cuja identidade e nome ainda precisam ser disputados [lutados]rdquo O que aconteceraacute em nossa periacutecope (Gn 3223-33) A duplicidade continua em Gn 323 quando Jacoacute vecirc um acampamento de anjos mas o nomeia como sendo ldquodois camposrdquo pois Maanaim eacute um substantivo hebraico dual Provavelmente numa referecircncia tambeacutem dual e oposta acampamento de anjos e acampamento de Jacoacute Haacute uma duplicidade humanodivino na mudanccedila semacircntica da palavra malacuteaumlkicircm De ldquoanjosrdquo que Jacoacute vecirc (322) aos ldquomensageirosrdquo que ele envia ao seu

irmatildeo (324 malacuteaumlkicircm) Contudo esse dual pode ainda ter outra interpretaccedilatildeo ldquoNo entanto a divisatildeo

subsequente de Jacoacute de seus proacuteprios seguidores em dois acampamentos (maHaacutenocirct vv 811) manteacutem

ativa a outra possiacutevel interpretaccedilatildeo do dual - a de uma divisatildeo dentro do proacuteprio campo divino - lanccedilando sua sombra tipoloacutegica atraveacutes da apariccedilatildeo suacutebita mais tarde naquela noite do oponente espectralrdquo (MARKS 1995 p 37)

184

c) Gn 3310 wayyoumlacutemer ya`aacuteqoumlb acuteal-naumlacute acuteim-naumlacute maumlcaumlacuteticirc Heumln Buuml`ecircnEcirckauml wuumllaumlqaHTauml

minHaumlticirc miyyaumldicirc Kicirc `al-Keumln raumlacuteicircticirc paumlnEcirckauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm waTTirceumlnicirc Jacoacute diz

ldquoNatildeo Se encontrei a graccedila a teus olhos toma minha oferenda de minha matildeo sim

porque vi tuas faces como se as faces de Elohicircms [Deus] fossem vistas aceita219

Eacute clara a conexatildeo com o texto do item anterior (Gn 3231) Ao ver a face de

Deus Jacoacute agora Israel vecirc sua vida transformada e o reencontro e

reconciliaccedilatildeo com o irmatildeo possiacuteveis

Retomando o versiacuteculo-chave de nossa periacutecope (v 29)

Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste

wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricirctauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

Recordamos a existecircncia de um claro paralelismo literaacuterio

Saumlricirctauml (raiz hrf ou rrf ou rwf ou rvyrfy)220 acuteeacuteloumlhicircm

acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (raiz lky mas com

variaccedilatildeo cognata hlk = lutar

esforccedilar-se empenhar-se)

Mesmo que natildeo se chegue a um consenso sobre o sentido original do nome

ldquoIsraelrdquo do ponto de vista da pesquisa cientiacutefica o contexto fornecido pelo autor torna

evidente que o nome deve estar relacionado agrave ldquolutardquo ao ldquoempenhordquo ao ldquoesforccedilordquo agrave

ldquocontendardquo O proacuteprio fato de Oseias usar o mesmo vocaacutebulo raro Saumlracirc em 124 mas

retomaacute-lo no versiacuteculo 5 como woyyaumlSar lutou exerceu poder (claramente da raiz rwf

uma forma cognata de rrf = ter domiacutenio) reforccedila essa nossa afirmaccedilatildeo Esse mesmo

verbo aparece em Jz 922 (wayyaumlSar conjugaccedilatildeo Qal raiz rrf reinou governou) e Os 84

(na conjugaccedilatildeo Hifil heumlSicircrucirc) com o sentido de dominar estabelecer sobre

Acrescentemos o fato de a ldquolutardquo a ldquodisputa e contendardquo serem parte integrante

da vida de Jacoacute Ainda no ventre materno Jacoacute lutou com seu irmatildeo Uma vez que ele

219 Traduccedilatildeo segundo CHOURAQUI 1995 p 349 220 Consideradas variantes cognatas como vimos anteriormente

185

tinha nascido ele resolveu aquela contenda em sua aparente vantagem adquirindo a

Buumlkoumlracirc (primogenitura) e a Buumlraumlkacirc (becircnccedilatildeo) Apoacutes uma luta de vinte anos ele

consegue fugir de Labatildeo seu sogro sem ser tocado pela sua ira Por isso fica claro que

ele ldquoprevalecerdquo (waTTucirckaumll) contra os homens

Mas natildeo somente contra os homens Jacoacute tenta levar a melhor ou seja

prevalecer ser vitorioso O v 29b afirma que ele ldquolutoucontendeu com Deusrdquo A sua

luta com Deus eacute pela becircnccedilatildeo pelo reconhecimento pelo direito de ser o Patriarca

Ateacute agora a vida toda de Jacoacute tinha sido um arrastar as becircnccedilatildeos em todas as circunstacircncias para seu proacuteprio uso sendo o abenccediloado mas sob sua proacutepria forccedila e sobretudo com arbitrariamente e por meio de fraude E precisamente porque este destino (tornar-se o primeiro homem) lhe tinha sido dado por Deus antes mesmo de seu nascimento ele estava constantemente em revolta porque queria realizar este destino por sua proacutepria vontade e por meio de engano Ele era demasiado obstinado e orgulhoso demais para permitir que a becircnccedilatildeo lhe fosse dada Essa resistecircncia obstinada orgulhosa e sombria a Deus eacute o que ele agora exibe agraves margens do Jaboc - e ali tambeacutem eacute derrubado O nome ldquoDeus lutardquo pode entatildeo significar Deus luta com vocecirc porque ele eacute forccedilado por sua teimosia e orgulho E tambeacutem doravante Deus lutaraacute por vocecirc pois ele aprecia seu compromisso absolutamente sincero e indiviso (FOKKELMAN 2004 p 216-217)

Fica claro que para FOKKELMAN o sentido do nome Israel seria ldquoDeus lutardquo

Eacute tambeacutem possiacutevel devido ao contexto e agrave raiz verbal do nome proacuteprio Quem sabe

natildeo se deva entender o nome Israel como uma exclamaccedilatildeo lituacutergica proacutepria de uma

situaccedilatildeo de ldquoguerra santardquo significando algo como ldquoQue ele luterdquo isto eacute que ele se

manifeste como um guerreiro e combatente vitorioso (cf HELLER 1964 p 263-254)

Em todo caso prefiro natildeo restringir-me a uma uacutenica soluccedilatildeo ou interpretaccedilatildeo

para o sentido do nome ldquoIsraelrdquo Como jaacute demonstrei haacute uma polissemia neste nome

proacuteprio bem ao gosto do autor Mas no contexto e devido todo o ciclo de Jacoacute fica

evidente que a interpretaccedilatildeo dada pelo texto eacute aquela que devemos levar em conta

Somente assim atingimos o sentido que o autor deseja dar agrave sua criaccedilatildeo literaacuteria

A inversatildeo de Jacoacute como sujeito e natildeo objeto em seu novo teofoacuterico nome

convida-nos segundo MARKS (1995 p 40) a ldquoa reconfigurar a identidade dos dois

contendoresrdquo Ele sugere que ldquoa volta reflexiva na foacutermula de nome apresenta uma

186

intimidade dinacircmica uma coexistecircncia do eu [self] e do outro o homem e Deus

fundamentados na resistecircncia muacutetuardquo (MARKS 1995 p 40) Jacoacute sempre viveu um

duplo conflito externo (com seu irmatildeo com Labatildeo com suas esposas etc) e interno

(com sua atitude fraudulenta contrastando com seu desejo de ser abenccediloado) Por isso

a sua luta sempre segundo MARKS (IDEM) seria contra his own phantastic projection

(sua proacutepria projeccedilatildeo fantaacutestica) a vulnerabilidade de seu ldquoeurdquo Assim fazendo Jacoacute

habilita-se a ser agente de sua proacutepria mudanccedila testemunhada pelo novo nome A sua

disputa histoacuterica e pessoal eacute trazida para a arena poeacutetica do texto literaacuterio E o sinal

disso eacute o proacuteprio ato de renomeaccedilatildeo Ao mesmo tempo o novo nome permite a

interpretaccedilatildeo de que a divindade luta com Jacoacute mas este consegue transformar esse

conflito a seu favor a segunda glosa etioloacutegica espelha isso ldquoJacoacute chamou o nome do

lugar Fanuel porque eu vi a Deus face a face e a minha vida foi salvardquo (trad nossa)

Em Gn 323031 o ser com o qual Jacoacute lutou contendeu eacute o proacuteprio Deus Ao

natildeo responder agrave pergunta de Jacoacute ndash haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmekauml (Diga-me por favor o teu

nome) e ao Jacoacute reconhecer que tinha visto Deus ldquoface a facerdquo e sobrevivido a

identidade da personagem misteriosa se revela Aleacutem disso haacute uma interessante

curiosidade em nossa periacutecope que vem confirmar essa conclusatildeo A nossa periacutecope

(Gn 3223-33) eacute formada por 143 palavras sendo que poder-se-ia esperar haver 144

que eacute 12 multiplicado por 12 uma vez que se trata de um texto que fala de Israel E

Israel eacute representado sempre com suas 12 tribos Ora a palavra que falta para resultar

no nuacutemero aguardado somente poderia ser o nome divino (cf KESSLER 2004 p 169)

Esse nome natildeo eacute pronunciado esse nome natildeo eacute apenas ldquoDeusrdquo a menos que seja falado

pelo proacuteprio Israel No entanto ldquoeste Deus com seu nome ativo estaacute presente na

histoacuteria lsquoPor que vocecirc pede o meu nome [shem] E ele o abenccediloou laacute [sham]rsquo YHWH

abenccediloa com as palavras lsquoEu estou [ou estarei] contigorsquo (p ex Gn 313) e este eacute o nome

divino in actu (no proacuteprio ato cf Ex 312) Nisto reside o segredo de lsquoIsraelrsquo Apoacutes esse

encontro Jacoacute poderia somente ser Israel em essecircnciardquo (KESSLER 2004 p 169)

A nossa cena conclui-se com um movimento (v 32) Finalmente Jacoacute alcanccedila o

seu povo atravessando Fanuel Como jaacute foi frisado anteriormente a cena toda eacute bem

enquadrada pois os vv 23-24 satildeo marcados pelo movimento de atravessar e fazer

atravessar (rb[ eacute repetido vaacuterias vezes) que prepara este movimento final a travessia

187

propriamente dita Essa travessia de Israel eacute decisiva como o capiacutetulo 33 nos faraacute

perceber Como observa FOKKELMAN (2004 p 221) ldquohaacute algo mais importante e

portanto sua passagem eacute colocada em uma oraccedilatildeo subordinada (Kaacuteaacutešer) Desta

forma a ecircnfase estaacute em lsquoo sol brilhava sobre elersquordquo Afinal a noite ficou para traacutes o dia

glorioso surge e eacute o cenaacuterio para a travessia de nosso heroacutei Em Fanuel natildeo predomina

mais a noite como em Betel e Haratilde a qual eacute substituiacuteda pelo dia glorioso da ldquoFace de

Deusrdquo

Haacute um detalhe importante apesar de tudo o que foi dito acima wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-

yuumlreumlkocirc (ele [JacoacuteIsrael] coxeava de uma coxa) Segundo alguns comentaristas entre eles

JACOB (cf 2007 p 223-224) foi proposital esse ldquoenfraquecimentordquo de Jacoacute durante a

luta A visatildeo de um irmatildeo arrastando-se e curvando-se ateacute o chatildeo sete vezes (Gn 331-

3) faz com que Esauacute fique desarmado quando encontra-se finalmente com ele Esse

homem manco com uma multidatildeo de mulheres e crianccedilas aparentemente fraacutegil natildeo

era o Jacoacute que Esauacute estava preparado para enfrentar com seus quatrocentos guerreiros

(cf Gn 327) Portanto ldquoDeus salvou Jacoacute tornando-o mais fraco e assim derrota o

propoacutesito de Esauacute Ele se sente vencedor vendo um homem vencido diante dele Jacoacute

eacute derrotado em sua coxa aleijado no proacuteprio peacute no qual assentava-se a raiz de toda a

sua inimizade (Gn 2526) Este natildeo eacute lsquoJacoacute que agarra pelo calcanharrsquordquo (JACOB 2007

p 224) Assim sendo a salvaccedilatildeo de Jacoacute eacute a sua manqueira Inclusive em liacutengua

portuguesa pode-se fazer um irocircnico jogo de palavras apesar de manco Jacoacute natildeo daacute

mais mancadas Ou entatildeo aquele que soacute dava mancadas agora manca

Nesse sentido Jacoacute torna-se um homem correto justo reto em seu caminhar

(apesar de manco) apoacutes a luta no vau do Jaboc Como o nome Jeshurun (da provaacutevel

raiz rvy) um dublecirc do nome Israel quer significar Dessa forma o nome Israel natildeo

deixa de ser um tanto irocircnico em vista da personagem a qual nomeia Afinal ldquouma

poderosa metaacutefora fiacutesica eacute sugerida pela histoacuteria da luta Jacoacute cujo nome pode ser

interpretado como lsquoaquele que age tortuosamentersquo eacute dobrado permanentemente

aleijado por seu adversaacuterio sem nome a fim de ser endireitado antes de seu encontro

com Esauacuterdquo (ALTER 1997 p 181)

De nome proacuteprio pessoal Israel passa a ser denominaccedilatildeo de um povo uma

naccedilatildeo Uma monarquia eacute anunciada logo depois de Deus reiterar a mudanccedila de nome

188

em Gn 3510 Em Gn 3511-12 Deus retoma e recorda sua promessa anteriormente feita

a Abraatildeo e Sara quando seus nomes tambeacutem foram mudados (cf Gn 175-616 gt 122)

wayyoumlacutemer locirc acuteeacuteloumlhicircm acuteaacutenicirc acuteeumll šaDDay PuumlrEuml ucircruumlbEuml Gocircy ucircquumlhal Gocircyigravem yihyegrave mimmeordmKKauml

ucircmuumllaumlkicircm meumlHaacutelaumlcEcircordmkauml yeumlceumlordm ucirc wuumlacuteet-haumlacuteaumlordmrec acuteaacutešer naumltaordmTTicirc luumlacuteabraumlhaumlm ucircluumlyicHaumlq luumlkauml

acuteeTTuumlneordmnnacirc ucirc|luumlzar`aacutekauml acuteaHaacuterEcircordmkauml acuteeTTeumln acuteet-haumlacuteaumlordmrec (Deus lhe disse ldquoEu sou El Shaddai Secirc

fecundo e multiplica-te Uma naccedilatildeo uma assembleia de naccedilotildees nasceraacute de ti e reis sairatildeo de teus

rins Eu te dou a terra que dei a Abraatildeo e a Isaac darei esta terra a ti e agrave tua posteridade de pois

de ti ndash trad BJ) Eacute bom relembrar que esse texto natildeo pertence ao mesmo autor da nossa

periacutecope mas agrave tradiccedilatildeo sacerdotal

189

CONCLUSAtildeO

A figura da nossa personagem central JacoacuteIsrael de nenhum modo eacute faacutecil de

abordar pois eacute algueacutem destinado a contender sempre e com todos seu caminho eacute

fatigoso e repleto de tensotildees A proacutepria profecia de eleiccedilatildeo deixa claro que a culpa por

toda essa conflitualidade natildeo eacute (soacute) de Jacoacute mas da vontade de Deus em subverter

desde o ventre materno os direitos de primogenitura que eram tidos como legiacutetimos

naquela eacutepoca IHWH lhe disse [a Rebeca mulher de Isaac] ldquoHaacute duas naccedilotildees em teu seio

dois povos saiacutedos de ti se separaratildeo um povo dominaraacute um povo o mais velho serviraacute ao mais

novordquo (Gn 2523 ndash BJ) Interessante observar que a ldquolutardquo de Jacoacute com Esauacute teve iniacutecio

ainda no interior da proacutepria matildee (cf Gn 2522) o que a leva a consultar YHWH que

lhe profere a profecia acima mencionada A referecircncia na profecia eacute a Edom cujo

povo eacute considerado descendente de Esauacute (cf Gn 2530) Esse povo vizinho mostrou-se

repetidamente inimigo de Israel A BH narra que os edomitas foram subjugados por

Davi (2Sm 813-14) e natildeo se libertaram definitivamente a natildeo ser sob o reinado de Joratildeo

de Judaacute na metade do seacuteculo IX AEC (2Rs 820-22) Portanto fica claro que o chamado

divino natildeo eacute somente eletivo pode tambeacutem ser um chamado agrave luta e ao conflito A

histoacuteria de Moiseacutes vai nessa mesma direccedilatildeo pois ele eacute chamado e enviado para uma

missatildeo conflituosa de libertaccedilatildeo

Aliaacutes o direito dos primogecircnitos marca por duas vezes a trajetoacuteria de Jacoacute

Primeiramente quando este a usurpa de seu irmatildeo fazendo-se passar por ele (Gn 27)

Em segundo lugar quando eacute obrigado a desposar por primeiro Lia a filha mais velha

e natildeo Raquel a sua mulher preferida (Gn 2915-30) O conflito subjacente agrave

primogenitura natildeo eacute absolutamente marginal no seio da sociedade oriental antiga

Afinal a primogenitura ldquoeacute a pedra angular do inteiro sistema social e legal que

estabelece direitos e privileacutegios e impede conflitos intestinos Mas essa mesma praacutexis

de tutela da ordem social eacute tambeacutem um modo de destinar alguns a benefiacutecios e

vantagens e outros a inconvenientes e desvantagensrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p

252) Portanto a accedilatildeo eletiva de Deus no ciclo de Jacoacute representa uma radical revoluccedilatildeo

no interior dessa estrutura tradicional de poder transmitida pela primogenitura

190

Desse modo Deus natildeo eacute alheio ou imparcial no conflito entre Esauacute e Jacoacute Jacoacute

e Labatildeo mas eacute o agente-motor de tal enfrentamento Ao lado das relaccedilotildees conflituosas

com essas duas personagens humanas o ciclo de Jacoacute evidencia tambeacutem os encontros

de Jacoacute com Deus por meio de teofanias (Gn 2810-22 em Betel [322-3 Maanaim]

3223-33 em Fanuel 351-15 em Betel) Natildeo eacute possiacutevel separar na narrativa da nossa

personagem aquilo que eacute humano daquilo que eacute divino Todos os seus encontros com

Deus se datildeo no contexto de seus conflitos e tensotildees a visatildeo da ldquoescadardquo em Betel (Gn

2810-22) tem lugar durante a fuga de Jacoacute do irmatildeo que deseja mataacute-lo O encontro

em Fanuel (Gn 3223-33) que deixaraacute Jacoacute coxo ocorre quando Jacoacute estaacute extremamente

angustiado diante do iminente encontro com Esauacute Mesmo o outro encontro em Betel

(Gn 351-15) eacute cercado por conflitos e mortes a filha de Jacoacute com Lia Dina sofre

violecircncia sexual por parte de Siqueacutem e eacute vingada pelos seus irmatildeos Simeatildeo e Levi (Gn

341-31) Apoacutes a teofania de Betel Raquel daacute agrave luz a Benjamim mas vem a falecer

devido as complicaccedilotildees no parto (Gn 3516-20) Por conseguinte o conflito humano e o

confronto com o divino integram a vida de Jacoacute por isso satildeo refletidos em seu novo

nome em Gn 3229 O nome ldquoIsraelrdquo integra a polimoacuterfica polivalente e prosaica vida

de Jacoacute agrave polissemia de seu novo nome

Afinal ldquoexperiecircncias extremas do ser humano e intervenccedilatildeo divina satildeo

correlatasrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p 253)

Por isso Israel natildeo surgiraacute do

Sucesso afinal mesmo aparentando ter vencido a luta contra Deus ele torna-

se manco definitivamente aleijado atingido em sua potecircncia fiacutesica e moral

Astuacutecia pois durante a luta quem faz uso de um subterfuacutegio eacute o ldquohomemrdquo

com o qual estaacute se confrontando rolando pelo poacute Eacute ele que toca o nervo

ciaacutetico de Jacoacute deixando-o atrofiado provocando-lhe dor e manqueira

Terra afinal ele eacute um expatriado algueacutem que possui bens mulheres e filhos

mas natildeo ainda uma terra um verdadeiro lar Devido a isso Deus lhe renova

a promessa em Gn 3511-12 apoacutes seu confronto com ele

Mas Israel eacute fruto da agressatildeo de Deus pois ousou contender com ele e ainda

mais saber o seu nome ou seja conhecer o seu misteacuterio O seu encontro com Deus natildeo

produziu como se poderia imaginar reconciliaccedilatildeo perdatildeo restauraccedilatildeo Mas sim uma

191

invalidez uma deformaccedilatildeo Portanto o novo nome natildeo pode ser separado da nova

lesatildeo que a nossa personagem sofre Essa ambivalecircncia do encontro noturno de Jacoacute

com Deus reflete-se em seu nome pois ele penetrou o misteacuterio de Deus como nenhum

outro antes dele e prevaleceu sobreviveu O proacuteprio Israel povo do qual seraacute o pai

natildeo ousaraacute repetir a faccedilanha do Patriarca (cf Ex 1921-25 2018-20) Eacute como se o nome

Israel representasse a realizaccedilatildeo daquela promessa de Gn 2523 a coroaccedilatildeo de toda

uma existecircncia conflituosa e beligerante No entanto eacute uma vitoacuteria ldquoinvalidanterdquo

demonstrando que com Deus natildeo existem vitoacuterias faacuteceis como bem exprime

BRUEGGEMANN (2002 p 323)

Somente apoacutes esse confronto em Fanuel Jacoacute pocircde compreender melhor o seu

espanto em Gn 2816 acuteaumlkeumln yeumlš yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Bammaumlqocircm hazzegrave wuumlacuteaumlnoumlkicirc loumlacute yaumldaumlordm Ticirc

(Na verdade IHWH estaacute neste lugar e eu natildeo o sabia - BJ) logo apoacutes despertar de seu sonho

em Betel Afinal a presenccedila divina na BH eacute tanto causa de exultaccedilatildeo e alegria quanto

de temor e tremor Eacute a esse ldquolugarrdquo onde Jacoacute encontra-se com Deus que faz referecircncia

Gn 3230c wayuumlbaumlrek acuteoumltocirc šaumlm (E ele o abenccediloou ali) O seu novo nome exprime bem o

paradoxo de um poder fraco convertido em fraqueza potente

Falando em becircnccedilatildeo eacute importante retomar esse que eacute o tema dominante em todo

o ciclo de Jacoacute a busca pela becircnccedilatildeo Em nossa periacutecope a becircnccedilatildeo adquire um sentido

especial Finalmente Deus abenccediloa Jacoacute ou melhor Israel A becircnccedilatildeo sempre

determinou as narrativas sobre essa nossa personagem Foi a preocupaccedilatildeo em obter a

becircnccedilatildeo de Isaac que fez Rebeca inventar aquela artimanha para que Jacoacute enganasse

seu pai (Gn 271-40) Essa becircnccedilatildeo dada por meio de engano faz com que Jacoacute tenha de

fugir (Gn 2741-45) A riqueza de Jacoacute em filhos filhas e gado eacute consequecircncia da

becircnccedilatildeo E foi igualmente a becircnccedilatildeo que se transferiu de Jacoacute para o patrimocircnio de Labatildeo

que motivou este uacuteltimo a querer reter Jacoacute a qualquer custo junto de si (Gn 302730)

Assim sendo Jacoacute eacute abenccediloado e sua becircnccedilatildeo produz efeitos tanto para si mesmo

quanto para os outros ao seu redor Apesar que em nenhum momento Jacoacute deixa de

ser o astuto e oportunista basta que nos recordemos da estrateacutegia que usa para

aumentar o seu rebanho em Gn 30 25-43 No entanto ateacute este ponto da narrativa falta

uma becircnccedilatildeo expliacutecita direta de Deus a Jacoacute

192

Ao obter essa becircnccedilatildeo direta de Deus somente em Fanuel ficam evidenciadas a

retidatildeo e justeza de tal gesto Pois essa ldquobecircnccedilatildeo divina exclui qualquer duacutevida sobre

a legitimidade da becircnccedilatildeo que Jacoacute conseguiu enganosamente de seu pairdquo (KLEIN

2007 p 135) e por meio de uma ldquonegociatardquo com seu irmatildeo por um prato de lentilhas

(Gn 2529-34) Contudo essa becircnccedilatildeo natildeo eacute dada incondicionalmente Jacoacute eacute tocado em

seu quadril ldquoo toque pode ser entendido como gesto de becircnccedilatildeo mas eacute um toque

doloroso um toque que deixa Jacoacute coxeandordquo (KLEIN 2007 p 135) Apesar dessa

sinistra humilhaccedilatildeo JacoacuteIsrael adquire coragem e decide ir ao tatildeo temido encontro

com seu irmatildeo Como bem assinala KLEIN (2007 p 135) ldquoesta transformaccedilatildeo e a

disposiccedilatildeo de ir ao encontro do futuro apesar do passado satildeo marcadas por dois

elementos da narrativa Um eacute o novo nome de Jacoacute Israel um nome de honra O outro

eacute a aurora que anuncia um novo e decisivo dia na vida de Jacoacute O terceiro aqui natildeo

mencionado explicitamente eacute a travessia do rio Jabocrdquo

Mas nos detenhamos na caracteriacutestica das etimologias biacuteblicas para nomes

proacuteprios de lugares e pessoas Como jaacute abordamos no segundo e quarto capiacutetulos deste

estudo havia e talvez ainda haja uma tendecircncia muito forte em se acreditar que a

nomeaccedilatildeo biacuteblica pretenda ter uma relaccedilatildeo direta com o ser essencial do objeto

denominado Ou entatildeo que essas notas explicativas sobre os nomes proacuteprios (glosa)

natildeo passem de enfeites secundaacuterios na narrativa ou resiacuteduos curiosos de uma antiga

tradiccedilatildeo popular tipo folcloacuterica Como bem identifica MARKS (1995 p 24) ldquoa glosa

tiacutepica [explicaccedilatildeo dada ao nome] marca um iniacutecio improvisado em oposiccedilatildeo a uma

origem absoluta Eacute arbitraacuteria e natildeo inevitaacutevel obstinada e natildeo essencial permissiva

mas somente em virtude dos limites que ela impotildeerdquo Nesse sentido as mudanccedilas de

nome (Jacoacute gt Israel Jaboc gt Fanuel) ocorridas no texto objeto de nosso estudo somente

poderiam ser explicadas no interior de uma surpreendente rede de duplicaccedilotildees

internas e ecos intertextuais (com suas exploraccedilotildees literaacuterias de geminaccedilatildeo e projeccedilatildeo

identidade e diferenccedila) que o ato de renomear ancora Para comprovar isso que acabo

de dizer basta perguntar-nos assim como faz MARKS (1995 p 34-35)

Pode ser uma coincidecircncia que dois nomes de Jacoacute figurem em uma histoacuteria que se caracteriza por dois acampamentos [Gn 32811] duas travessias [Gn 322324] duas embaixadas [enviadas a Esauacute Gn 328-9]

193

duas esposas [Gn 2915-30] duas servas [Gn 301-49] dois alojamentos de noite [nas duas margens do Jaboc Jacoacute e seu grupo] dois tipos de ldquobecircnccedilatildeordquo ldquolibertaccedilatildeordquo e ldquoenviarsoltarrdquo (xlv ndash Gn 3227) dois tipos de ameaccedila (vyai ndash um homem Gn 3225b e Esauacute)rdquo

Natildeo por acaso o autor escolheu verbos rariacutessimos para compor a narrativa

fazendo com que a fundamentaccedilatildeo interpretativa pela etimologia resultasse como a

concessatildeo do nome paradoxalmente dependente da narrativa que interpretaria

Inevitaacutevel nesta conclusatildeo abordarmos as semelhanccedilas e diferenccedilas entre as

duas periacutecopes onde se datildeo a teofania por meio de um acuteicircš (homem pessoa) Elas satildeo

apenas duas Gn 181-15 (apariccedilatildeo a Abraatildeo e Sara junto ao Carvalho de Mambreacute) e a

nossa em Gn 3223-33 (apariccedilatildeo a Jacoacute no vau do Jaboc) O primeiro aspecto a ser

salientado eacute o fato do proacuteprio Deus fazer questatildeo de vir confirmar a sua promessa

tanto na cena do Carvalho de Mambreacute quanto nesta do riacho Jaboc Na primeira

teofania em acuteicircš Deus assegura a continuidade da linhagem de Abraatildeo prometendo-

lhe o nascimento de um filho Na segunda teofania (Gn 3223-33) Deus renomeia e

abenccediloa Jacoacute que eacute o pai direto da naccedilatildeo numerosa prometida a Abraatildeo Portanto a

promessa feita em Gn 18 realiza-se com a becircnccedilatildeo de Jacoacute em Gn 32 Como constata

HAMORI (2008 p 102) ldquoembora os dois textos seguramente natildeo vecircm do mesmo autor

original as funccedilotildees das apariccedilotildees divinas estatildeo relacionadasrdquo Um segundo aspecto a

ser destacado eacute o realismo antropomoacuterfico presente nesse tipo de teofania Em Gn 18

Deus eacute um ldquohomemrdquo em meio a outros indistinguiacuteveis homens que dialoga com

Abraatildeo deixa-se acolher pelo anfitriatildeo come bebe e comporta-se como qualquer ser

humano Em Gn 32 o ldquohomemrdquo luta com Jacoacute toca-lhe em sua coxa e ainda mais

impressionante perde a luta com Jacoacute ou seja natildeo daacute conta dele em seu combate Esse

tipo de realismo antropomoacuterfico natildeo eacute possiacutevel ser encontrado em nenhuma cultura

circunvizinha a Israel naquelas eacutepocas (cf HAMORI 2008 p 102) Com isso o autor

salienta os viacutenculos inusitadamente estreitos que Abraatildeo e Jacoacute tiveram com Deus

Mais do que por meio de palavras esse estilo de teofania demonstra o grau de

intimidade entre as personagens e a divindade Poreacutem em Jacoacute manifesta-se uma

audaacutecia extraordinaacuteria que natildeo encontramos na figura de Abraatildeo Esse atrevimento

manifesta-se no modo de

194

Jacoacute que ldquocobre o rostordquo de seu irmatildeo [Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw ndash

com seus presentes] e golpeia a cavidade da coxa de seu oponente [Gn 3226 Kap-yerek ndash durante a luta no vau do Jaboc] dispor desse rosto

proibido - o Fanuel - natildeo esperando pelo nome que o anjo transmite mas apreendendo a sua mais sagrada e paradoxal expressatildeo e tornando-a um memorial de seu proacuteprio sucesso [ao nomear o lugar da luta] Em Jaboc o nome oculto eacute proclamado mas eacute proclamado na voz de Jacoacute O texto assim encena no niacutevel literaacuterio uma versatildeo da luta que representa o niacutevel da histoacuteria A presenccedila e o nome divinos para o escritor biacuteblico nunca podem se manifestar em si mesmos mas apenas em virtude da resistecircncia da literatura a eles como possibilidades poeacuteticas latentes nos nomes dos homens (MARKS 1995 p 40-41)

Para finalizar eacute evidente que o nome Israel eacute associado agrave luta ao combate agrave

contenda agrave disputa Tentei evitar ao longo deste estudo chegar a uma definiccedilatildeo

etimoloacutegica para esse nome mesmo porque para o proacuteprio autor o que interessa eacute o

seu significado no contexto como abordei no uacuteltimo capiacutetulo Mas o povo de Israel se

vecirc refletido nesse epocircnimo Subjacente a ele podem estar as seguintes memoacuterias

Aiacute estatildeo mais proacuteximas do campo do pensamento as vitoacuterias de Davi contra os filisteus moabitas edomitas arameus e amonitas de modo muito geral (2Sm 517-25 81-14 10119 11) Aleacutem disso pode-se pensar nas vitoacuterias posteriores de IsraelJudaacute contra os seus inimigos sobretudo na eacutepoca dos Macabeus (1 e 2 Mc) Em ciacuterculo mais amplo ainda a partir de nossa maior distacircncia com referecircncia a essas antigas vitoacuterias deveremos pensar nas sujeiccedilotildees causadas pelas grandes potecircncias de todos os tempos agraves quais de modo geral Israel esteve exposto e entre as quais esteve de fato politicamente triturado sem contudo ser totalmente aniquilado como comunidade nacional e religiosa (KRINETZKI 1984 p 83-84)

De qualquer modo penso que tenha conseguido demonstrar que a etimologia

realizada em nossa periacutecope bem como na maior parte da BH seja de cunho poeacutetico

Aliaacutes um caacutelculo conservador em livros narrativos da BH pode proporcionar-nos

mais de oitenta etimologias expliacutecitas de nomes proacuteprios de pessoas e lugares em sua

maior parte nas quais se oferece uma interpretaccedilatildeo semacircntica baseada em

correspondecircncias foneacuteticas A linguagem expande aquilo que a histoacuteria poderia

limitar Esse seria o risco de nos preocuparmos mais com o contexto histoacuterico do que

literaacuterio por exemplo As narrativas biacuteblicas demonstram que apesar de serem textos

195

compostos e conterem camadas redacionais de diversas eacutepocas tradiccedilotildees e lendas de

tempos mais antigos toques e retoques de diversos autores elas jamais deixam de ser

um texto unitaacuterio como reconhece HARTMAN (1986 p 11) ldquoNa Escritura apesar de

histoacuterias duplicadas e inconsistecircncias haacute uma unidade agraves vezes lacocircnica agraves vezes

prolixa mas sempre imperiosa No combate de Jacoacute essa tensatildeo unificadora alcanccedila

um tom peculiarrdquo Todo o ciclo de Jacoacute assim como a nossa periacutecope demonstra que

natildeo haacute uma expliacutecita e piedosa preocupaccedilatildeo moral na descriccedilatildeo e encenaccedilatildeo

proporcionadas pelas narrativas biacuteblicas A personagem Jacoacute natildeo eacute poupada nem

maquiada nem adaptada ao figurino de um tiacutepico homem temente a Deus com o qual

este possa ter uma estreita e iacutentima relaccedilatildeo Nosso Jacoacute eacute retratado em toda a sua nudez

moral e eacutetica e ateacute o final natildeo perde a sua principal e identificadora caracteriacutestica ser

um persistente suplantador algueacutem que deseja estar agrave frente Por isso ele natildeo teme

tocar e ser tocado por Deus mostrar sua face (seu ldquoeurdquo) e ver a face do totalmente

Outro (Deus) prender e ser libertado

A duplicaccedilatildeo e duplicidade fazem parte da nossa personagem principal Tudo

em sua vida eacute duplo e ambiacuteguo E eacute dessa realidade que ele deve sempre emergir

Portanto estabelece-se uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre personagem e texto o texto eacute

repleto de duplicidades e ambiguidades a fim de espelhar a personagem com estas

mesmas caracteriacutesticas e a personagem se revela melhor justamente atraveacutes dessa

peculiar caracteriacutestica da literatura biacuteblica Haacute portanto como pudemos perceber ao

longo desse estudo uma perfeita cumplicidade entre ambos A palavra o nome estaacute a

serviccedilo da histoacuteria e do texto

196

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FABRY Heinz-Josef (Ed) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Volume IV Xry ndash rjm

Trad Davide Astori Franco Ronchi Brescia Paideia c 40-72 (Original alematildeo)

  • Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • INTRODUCcedilAtildeO
    • CAPIacuteTULO 1
      • 1 O nome proacuteprio
        • 11 O que eacute o nome proacuteprio
        • 12 A que serve o nome proacuteprio
        • 13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10
          • 2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio
            • 21 Semioacutetica
            • 22 Psicanaacutelise
              • 3 O nome proacuteprio na literatura
                • 31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens
                • 32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo
                • 33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo
                • 34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra
                • 35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26
                  • 4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio
                    • 41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas
                    • 42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social
                    • 43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios
                        • CAPIacuteTULO 2
                          • 1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel
                            • 11 Mesopotacircmia
                            • 12 Egito
                            • 13 Greacutecia e Roma
                              • 2 Onomaacutestica biacuteblica
                                • 21 O nome proacuteprio na cultura hebraica
                                • 22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas
                                  • 221 Circunstacircncias particulares do nascimento
                                  • 222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo
                                  • 223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila
                                  • 224 Nomes de animais
                                  • 225 Nomes de plantas
                                  • 226 Nomes teofoacutericos
                                  • 227 Outros fatores determinantes na escolha do nome
                                    • 23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica
                                      • 231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor
                                      • 232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina
                                      • 233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa
                                          • 3 Etiologias biacuteblicas
                                            • CAPIacuteTULO 3
                                              • 1 O texto em si
                                              • 2 Algumas notas de criacutetica textual
                                              • 3 Contextos da periacutecope
                                              • 4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute
                                              • 5 Delimitaccedilatildeo e estrutura
                                                • CAPIacuteTULO 4
                                                  • 1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia
                                                  • 2 Aspectos internos agrave periacutecope
                                                  • 3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute
                                                  • 4 O que significa Israel
                                                    • CONCLUSAtildeO
                                                    • BIBLIOGRAFIA
Page 4: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, … · 2017. 11. 14. · FIGUEIREDO, Telmo José Amaral de. Um nome que faz toda diferença: análise literária de Gênesis 32,23-33.

Dedico este trabalho primeiramente agrave minha

querida matildee Maria Aparecida Amaral de Figueiredo

por sempre ter-me apoiado e desejado o bem Outra

pessoa fundamental para que eu tivesse obtido

sucesso em meus estudos foi a minha querida tia

Sumie Matai de Figueiredo que me acolheu em sua

proacutepria residecircncia Dedico esse estudo tambeacutem a

uma pessoa que muito me inspirou e incentivou a

intraprender esse caminho refiro-me ao Prof Dr

Carlos Daghlian (in memoriam) E finalmente ao

clero de minha Diocese de Jales (SP) e ao povo de

Deus daquela regiatildeo que sempre acreditou na forccedila

do Bem e do Amor

AGRADECIMENTOS

Ao Prof Dr Moacir Aparecido Amacircncio meu querido orientador que sempre me

motivou vigiou pela minha perseveranccedila e dedicaccedilatildeo a esta tese

Aos meus bispos D Luiz Demeacutetrio Valentini (emeacuterito) e D Joseacute Reginaldo Andrietta

por terem confiado em mim e permitido afastar-me de minhas funccedilotildees na diocese de Jales (SP)

para poder consagrar-me a este estudo

Agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas pela oportunidade de realizaccedilatildeo

desse trabalho de pesquisa que foi fundamental para o meu amadurecimento como professor e

estudioso de literatura biacuteblica

Agrave Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) que me

concedeu uma valiosa e necessaacuteria bolsa de estudos para que eu pudesse consagrar-me

totalmente aos estudos e pesquisas

Pouco a Leste do Jordatildeo

Registram os Evangelistas

Um Ginasta e um Anjo

Lutaram longa e violentamente ndash

Ateacute que a manhatilde tocou a montanha ndash

E Jacoacute cada vez mais forte

O Anjo pediu permissatildeo

Para o Desjejum ndash e voltar ndash

Assim natildeo disse o astuto Jacoacute

ldquoNatildeo o deixarei ir

A menos que me abenccediloerdquo ndash Estrangeiro

E este aquieceu ndash

A luz volteou os velos de prata

Aleacutem das colinas de ldquoPenielrdquo

E o aturdido Ginasta

Descobriu que derrotara a Deus

(DICKINSON Emily sd)

(Trad Carlos Daghlian)

RESUMO

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de

Gecircnesis 3223-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias

Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2016

Esta tese tem por objetivo analisar a periacutecope de Gecircnesis 3223-33 que constitui um dos

elementos estruturantes do conhecido ldquociclo de Jacoacuterdquo que integra a histoacuteria dos patriarcas de

Israel na Biacuteblia Hebraica Jacoacute eacute tomado como um dos principais ancestrais do povo judeu natildeo

obstante sua tradiccedilatildeo em alguns periacuteodos da histoacuteria ter ficado em plano inferior agravequela de

Moiseacutes por exemplo Em Jacoacute convergem as esperanccedilas de uma parte da naccedilatildeo que natildeo se vecirc

contemplada pela religiatildeo oficial que administra um culto a YHWH distante da realidade vivida

pelas famiacutelias tribais que habitam no interior em pequenos vilarejos e no campo O nome dado

a Jacoacute em meio a uma luta eacute significativo e revelador Afinal ele natildeo eacute nem de longe a figura

perfeita ideal que as tradiccedilotildees religiosas dominantes exigiam para algueacutem ser considerado um

ldquoverdadeiro israelitardquo temente ao Senhor Sua lideranccedila e dignidade chegam mesmo a ser

questionadas pelo profetismo Natildeo obstante tudo isso eacute sua pessoa que encarnaraacute atraveacutes de

um nome recebido do proacuteprio ser divino os destinos de Israel Personagem e indiviacuteduo se

mesclam propositalmente no epocircnimo ldquoIsraelrdquo a fim de revelar a verdadeira vocaccedilatildeo daquele

povo

Palavras-chave Jacoacute Israel Mudanccedila de nome Onomaacutestica biacuteblica

ABSTRACT

FIGUEIREDO Telmo Joseacute Amaral de A name that makes all the difference literary

analysis of Genesis 32 23-33 2016 190 f Tese (Doutorado) ndash Faculdade de Filosofia Letras

e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2015

This thesis aims to analyze the pericope of Genesis 3223-33 which constitutes one of the

structuring elements of the well-known Jacob cycle that integrates the history of the patriarchs

of Israel in the Hebrew Bible Jacob is taken as one of the chief ancestors of the Jewish people

in spite of his tradition at some periods in history to have remained lower than that of Moses

for example In Jacob converge the hopes of a part of the nation that is not seen contemplated

by the official religion that administers a cult to YHWH far from the reality lived by the tribal

families that inhabit in the countryside in small villages and in the field The name given to

Jacob in the midst of a struggle is significant and revealing After all he is by no means the

perfect ideal figure that prevailing religious traditions demanded for someone to be considered

a true Israelite who feared the Lord His leadership and dignity even come to be questioned

by prophetism Notwithstanding all this it is his person who incarnates through a name

received from his own divine being the destinies of Israel Character and individual deliberately

merge into the eponymous Israel in order to reveal the true vocation of that people

Keywords Jacob Israel Name change Biblical Onomastics

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEC Antes da Era Comum = aC

BH Biacuteblia Hebraica

BJ Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia)

c Coluna

Cf cf Confira conferir

EC Era Comum = dC

Ed

gr

Editor Editado por

grego

heb Hebraico

n Nota de rodapeacute

Org Organizado por Organizador Organizaccedilatildeo

p Paacutegina

p ex Por exemplo

seacutec Seacuteculo

Trad trad

t

Traduccedilatildeo ou tradutor

Tomo

v Versiacuteculo (da Biacuteblia) ou Volume (nas citaccedilotildees bibliograacuteficas)

vv Versiacuteculos (da Biacuteblia)

LISTA DE ABREVIATURAS DOS LIVROS BIacuteBLICOS1

Ab Abdias

Ag Ageu

Am Amoacutes

Ap Apocalipse

At Atos dos Apoacutestolos

Br Baruc

Cl Colossenses

1Cor 1ordf Coriacutentios

2Cor 2ordf Coriacutentios

1Cr 1ordm Crocircnicas

2Cr 2ordm Crocircnicas

Ct Cacircntico dos Cacircnticos

Dn Daniel

Dt Deuteronocircmio

Ecl Eclesiastes = Qoheacutelet

Eclo Eclesiaacutestico

Ef Efeacutesios

Esd Esdras

Est Ester

Ex Ecircxodo

Ez Ezequiel

Fl Filipenses

Fm Filecircmon

Gl Gaacutelatas

Gn Gecircnesis

Hab Habacuc

Hb Hebreus

Is Isaiacuteas

Jd Judas

Jl Joel

Jn Jonas

Joacute Joacute

Jo Evangelho segundo Joatildeo

1Jo 1ordf Joatildeo

2Jo 2ordf Joatildeo

3Jo 3ordf Joatildeo

Jr Jeremias

Js Josueacute

Jt Judite

Jz Juiacutezes

Lc Lucas

Lm Lamentaccedilotildees

1 As abreviaccedilotildees seguem o sistema proposto pela Biacuteblia de Jerusaleacutem (cf bibliografia) que eacute um dos mais

empregados em estudos biacuteblicos A disposiccedilatildeo segue a ordem alfabeacutetica para facilitar a busca

Lv Leviacutetico

Mc Evangelho segundo Marcos

1Mc 1ordm Macabeus

2Mc 2ordm Macabeus

Ml Malaquias

Mq Miqueias

Mt Evangelho segundo Mateus

Na Naum

Ne Neemias

Nm Nuacutemeros

Os Oseias

1Pd 1ordf Pedro

2Pd 2ordf Pedro

Pr Proveacuterbios

Rm Romanos

1Rs 1ordm Reis

2Rs 2ordm Reis

Rt Rute

Sb Sabedoria

Sf Sofonias

Sl Salmos

1Sm 1ordm Samuel

2Sm 2ordm Samuel

Tb Tobias

Tg Tiago

1Tm 1ordf Timoacuteteo

2Tm 2ordf Timoacuteteo

1Ts 1ordf Tessalonicenses

2Ts 2ordf Tessalonicenses

Tt Tito

Zc Zacarias

TRANSLITERACcedilAtildeO DOS CARACTERES HEBRAICOS2

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a acutealef acute

b becirct (sem daguesh)3 b

B becirct (com daguesh) B

g guimel (sem daguesh) g

G guimel (com daguesh) G

d dalet (sem daguesh) d

D dalet (com daguesh) D

h hecirc h

w waw w

z zayin z

x Het H

j daggeret dagger

y yod y

k $ (forma final) kaf (sem daguesh) k

K kaf (com daguesh) K

l lamed l

m ~ (forma final) mem m

n (forma final) nun n

s samekh s

[ `ayin `

p pecirc (sem daguesh) p

P (forma final) pecirc (com daguesh) P

2 O esquema de transliteraccedilatildeo e banco de dados foi desenvolvido por Matthew Anstey para uso em BibleWorks

Este banco de dados baseou-se na base de dados eletrocircnica CCAT Michigan-Claremont-Westminster Ela foi usada

livremente com a permissatildeo da Sociedade Biacuteblica Alematilde O BibleWorks eacute um programa (software) para exegese

biacuteblica e pesquisas neste campo Eacute um produto da BibleWorks LLC de Norfolk (VA) nos Estados Unidos da

Ameacuterica 3 Os massoretas empregavam um ponto ou pequeno sinal dentro de letra denominado daguesh para indicar a)

que a consoante em questatildeo pode ser geminada (duplicada) neste caso o daguesh eacute forte b) no caso das letras

ambiacuteguas do grupo t p k d g b aquela com o ponto eacute a oclusiva (chamado de daguesh lene) a que carece de

ponto eacute a fricativa c) que um h final natildeo deve ser considerado como vogal mas como consoante com significado

morfoloacutegico (esse tipo de hecirc final eacute denominado de mappicircq (cf LAMBDIN 2003 p 28-29)

C (forma final) tsadecirc c

q qof q

r resh r

f sin S

v shin š

t taw (sem daguesh) t

T taw (com daguesh) T

Letras

(vogais e semivogais)

Nome

Transliteraccedilatildeo

a shewaacute (audiacutevel) uuml

a shewaacute (mudo)

a pataH a

x pataH furtivo4 ordf

agt Hadaggeref-pataH aacute

a qamets auml

h qamets com final vocaacutelico

(ou qamets hecirc) acirc

a segol e

h segol com final vocaacutelico

(ou segol hecirc) egrave

y lt segol formando ditongo

(segol yod) Ecirc

a Hadaggeref-segol eacute

ae tserecirc euml

y E tserecirc yod (ditongo) ecirc

h E tserecirc com final vocaacutelico

(tserecirc hecirc) Euml

ai hiriq breve i

ai hiriq longa igrave

yai hiriq yod (ou hiriq Male =

completo) icirc

a qamets Hadaggeruf5 o

a Hadaggeref-qamets oacute

4 A transliteraccedilatildeo ocorre acima da linha diferenciando da vogal pataH 5 Pode haver uma confusatildeo quando se lecirc um texto hebraico natildeo transliterado porque ambas vogais qamets e

qamets Hadaggeruf satildeo morfologicamente iguais A regra geral indica que se lecirc ldquoordquo portanto qamets Hadaggeruf em uma

siacutelaba fechada e natildeo acentuada Uma siacutelaba fechada normalmente termina em shewaacute p ex yrImv (lecirc-se šomricirc)

Em algumas partes onde pode haver confusatildeo usa-se o meacuteteg um traccedilo vertical curto colocado debaixo de uma

consoante e agrave esquerda do sinal vocaacutelico se houver Quando haacute o meacuteteg entatildeo se lecirc com ldquoardquo

ao Holem ouml

hao Holem hecirc ograve

wO Holem waw ocirc

au qibbuts breve u

au qibbuts longo ugrave

W shureq ucirc

Outros

Letras

(consoantes)

Nome

Transliteraccedilatildeo

X (sem pontuaccedilatildeo ndash caso raro

p ex Gn 3018)

sin shin J

| meacuteteg6 Acento indicando siacutelaba

tocircnica acute

6 Cf a nota anterior

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

1 A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA 06

1 O NOME PROacutePRIO 06

11 O que eacute o nome proacuteprio 10

12 A que serve o nome proacuteprio 13

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio 15

2 DIFERENTES ABORDAGENS DO NOME PROacutePRIO 18

21 Semioacutetica 18

22 Psicanaacutelise 24

3 O NOME PROacutePRIO NA LITERATURA 25

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens 26

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo 26

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo 26

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra 26

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas 29

4 UMA ANAacuteLISE ANTROPOLOacuteGICA DO NOME PROacutePRIO 40

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas 41

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social 45

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios 46

2 NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA 51

1 O NOME PROacutePRIO EM CIVILIZACcedilOtildeES CONTEMPORAcircNEAS A ISRAEL 51

11 Mesopotacircmia 51

12 Egito 60

13 Greacutecia e Roma 63

2 ONOMAacuteSTICA BIacuteBLICA 65

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica 65

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas 70

221 Circunstacircncias particulares do nascimento 70

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo 71

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila 72

224 Nomes de animais 72

225 Nomes de plantas 73

226 Nomes teofoacutericos 73

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome 79

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica 80

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor 80

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina 81

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa 82

3 ETIOLOGIAS BIacuteBLICAS 83

3 GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE 87

1 O TEXTO EM SI 87

2 ALGUMAS NOTAS DE CRIacuteTICA TEXTUAL 88

3 CONTEXTOS DA PERIacuteCOPE 91

4 A FORMACcedilAtildeO DO PENTATEUCO E O CICLO DA HISTOacuteRIA DE JACOacute 101

5 DELIMITACcedilAtildeO E ESTRUTURA 124

4 MUDAR DE NOME PARA QUEcirc 132

1 PARALELISMOS INTERNOS Agrave BIacuteBLIA 132

2 ASPECTOS INTERNOS Agrave PERIacuteCOPE 138

3 COMO FOI INTERPRETADA A MUDANCcedilA DE NOME DE JACOacute 142

4 O QUE SIGNIFICA ISRAEL 150

CONCLUSAtildeO 189

BIBLIOGRAFIA 196

1

INTRODUCcedilAtildeO

A Biacuteblia Hebraica (doravante BH) eacute literatura enquanto possuidora dos traccedilos

caracteriacutesticos de toda obra literaacuteria pois ela eacute ldquoo resultado de uma criaccedilatildeo por parte

de seu autor e na intenccedilatildeo deste estaacute destinada a durar eacute desinteressada quer dizer

de eficaacutecia natildeo praacutetica (embora possa haver uma de outro tipo educaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo

do sentido esteacutetico difusatildeo de ideias e experiecircncias etc) eacute de natureza esteacutetica quer

dizer um de seus objetivos fundamentais eacute proporcionar ao destinataacuterio prazeres de

tipo espiritualrdquo (TOSAUS ABADIacuteA 2000 p 18-19 grifos nossos)

Entre noacutes aqui no Brasil ainda satildeo poucos os estudiosos que se dedicam a esse

tipo de abordagem da BH como verdadeira literatura Inclusive satildeo pouquiacutessimas as

faculdades de letras que possuem departamentos especiacuteficos para esse tipo de

literatura ou que permitem e possuem mestres capacitados para tal tarefa Como

reconhece ALTER (1998 p 12)

A ausecircncia geral deste discurso criacutetico sobre a Biacuteblia Hebraica eacute mais desconcertante ainda quando nos lembramos de que as obras-primas da Antiguidade grega e latina usufruiacuteam nas deacutecadas recentes de uma anaacutelise criacutetica abundante e perspicaz de modo que aprendemos a perceber sutilezas da forma liacuterica tanto em Teoacutecrito quanto em Marvell complexidade e estrateacutegia narrativa tanto em Homero ou Virgiacutelio quanto em Flaubert

O motivo para tal eacute que ldquoa Biacuteblia foi considerada durante muitos seacuteculos tanto

por cristatildeos quanto por judeus a fonte unitaacuteria e primaacuteria da verdade de revelaccedilatildeo

divinardquo (ALTER 1998 p 16) Contudo a Biacuteblia natildeo perde em nada com esse tipo de

anaacutelise criacutetica antes ldquo[] a visatildeo religiosa da Biacuteblia ganha profundidade e sutileza

exatamente pelo fato de ser transmitida atraveacutes dos meios mais sofisticados da prosa

ficcionalrdquo (ALTER 1998 p 22)

Ao servir-me da anaacutelise narrativa para estudar Gn 3223-33 que trata da

mudanccedila de nome de um dos principais patriarcas de Israel como resultado de um

inusitado encontro noturno que Jacoacute vivencia pretendo aplicar esse discurso criacutetico

2

Este personagem denominado Israel ndash seu novo nome ndash eacute o antecessor epocircnimo que

fornece motivos de identificaccedilatildeo para o seu proacuteprio povo

Pois bem o ldquomodo de narrar natildeo eacute indiferente ao sentido que se produz e ao

seu efeitordquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7) Aliaacutes a anaacutelise narrativa leva em

consideraccedilatildeo a distinccedilatildeo que se deve fazer entre histoacuteria narrada de uma parte e a

narraccedilatildeo de outra Aqui por narraccedilatildeo entende-se a narraccedilatildeo concreta que eacute feita dessa

histoacuteria O narrador a ldquovozrdquo do texto tem aqui um papel fundamental Portanto a

narrativa eacute o ldquoveiacuteculo de uma comunicaccedilatildeo entre um emissor (o narrador) e um

receptor (o leitor) e um dos objetivos principais da leitura eacute estudar a lsquoestrateacutegia

narrativarsquo isto eacute as modalidades concretas de que o narrador faz uso na narrativa para

se comunicar com o destinataacuterio e apresentar-lhe seu mundo de valores e suas

convicccedilotildeesrdquo (SKA SONNET WEacuteNIN 1999 p 7)

Este estudo se dedicaraacute justamente a essa tarefa ou seja levantar

concretamente na narrativa de Gecircnesis 3223-33 os elementos que foram utilizados na

construccedilatildeo literaacuteria desse texto em vista de identificar sua intenccedilatildeo uacuteltima e suas

consequecircncias para a interpretaccedilatildeo do mesmo A anaacutelise de textos do Gecircnesis sob o

ponto de vista da narratologia permitiraacute trabalhar os elementos histoacutericos e culturais

especiacuteficos que resultaratildeo desse levantamento Seraacute muito uacutetil nesse ponto o

confronto com a histoacuteria e literatura de Israel e dos povos vizinhos bem como com os

aspectos culturais da eacutepoca Dever-se-aacute estabelecer entatildeo um diaacutelogo multidisciplinar

a fim de permitir a descoberta daquilo que eacute especiacutefico no pensamento hebraico e

constitui a elaboraccedilatildeo proacutepria de sua identidade cultural expressa no texto em anaacutelise

Para concretizarmos o objetivo de ldquolevantar o veacuteurdquo que recobre um nome tatildeo

fundamental na literatura cultura e histoacuteria biacuteblica como eacute ldquoYiSraumlacuteeumllrdquo procederemos

da seguinte forma

No primeiro capiacutetulo nos dedicaremos a identificar e esclarecer o que se

entende por nome proacuteprio qual eacute a sua finalidade nas liacutenguas e culturas Passearemos

brevemente pela semioacutetica e psicanaacutelise que nos podem ajudar um pouco na

elucidaccedilatildeo dessa funccedilatildeo presente em todas as culturas e etnias Em seguida seraacute o

momento de nos focarmos mais no uso que a literatura faz de nomes proacuteprios pessoais

Poderemos constatar a incriacutevel variedade de tarefas a eles atribuiacutedas revelando a

3

qualidade das personagens indicando o local onde transcorre a accedilatildeo sugerindo o

tempo da accedilatildeo exercendo um papel na estrutura da obra literaacuteria e por uacuteltimo

servindo para associaccedilotildees sinesteacutesicas que produzem um efeito especial na obra

Fechando o capiacutetulo nos dedicaremos agrave anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

interrogando-nos sobre as funccedilotildees dos nomes de pessoas o nome proacuteprio como um

coacutedigo social e a simbologia dos nomes proacuteprios

O segundo capiacutetulo seraacute consagrado a estudar como os nomes proacuteprios satildeo

utilizados no Oriente Meacutedio Antigo e na proacutepria BH Comeccedilaremos abordando as

civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel ou seja a Mesopotacircmia o Egito a Greacutecia e Roma

Em seguida entraremos no universo da cultura biacuteblica tratando de como as

circunstacircncias determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas na cultura hebraica e analisando

cada uma delas Um item seraacute dedicado agrave questatildeo da mudanccedila de nomes na BH uma

vez que este eacute o tema central deste nosso estudo Concluindo o capiacutetulo exploraremos

algo sobre as etiologias biacuteblicas ou seja as glosas que satildeo incluiacutedas nos textos a fim de

fornecer uma explicaccedilatildeo para um determinado nome de pessoa ou local

Com o terceiro capiacutetulo iniciamos a abordagem propriamente dita de nossa

periacutecope (Gn 3223-33) Primeiramente nos deparando com o texto hebraico completo

da mesma seguido por algumas notas e observaccedilotildees de criacutetica textual que procura

identificar possiacuteveis problemas presentes nos manuscritos biacuteblicos que serviram como

base para o estabelecimento do texto hebraico que possuiacutemos atualmente em nossas

matildeos Apoacutes essa anaacutelise mais teacutecnica partimos para contextualizar a nossa periacutecope

o que eacute fundamental quando se trata de um texto literaacuterio inserido em meio a uma

obra completa e nesta inserido em um determinado bloco literaacuterio que neste caso eacute

o denominado ciclo de Jacoacute Pensei que se fizesse necessaacuterio abordar nem que fosse

de modo resumido o processo de formaccedilatildeo do PentateucoToraacute e no interior deste a

evoluccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Afinal a formaccedilatildeo do Pentateuco determinou o modo como

as unidades literaacuterias foram dispostas em seu interior e a articulaccedilatildeo delas entre si

Finalmente o capiacutetulo chega ao seu final com a delimitaccedilatildeo da periacutecope agora o nosso

olhar comeccedila a tornar-se cada vez mais focado em Gn 3223-33 e um estudo sobre a

sua estrutura

4

O quarto e uacuteltimo capiacutetulo de nosso estudo eacute totalmente consagrado ao

fenocircmeno da mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel Para isso parte-se de paralelismos

com os quais a nossa periacutecope se defronta na BH Em seguida faz-se uma anaacutelise mais

detalhada de cada elemento que compotildee a periacutecope para na sequecircncia abordarmos

como se deu a interpretaccedilatildeo da mudanccedila de nome de Jacoacute na literatura biacuteblica rabiacutenica

e por parte dos pesquisadores modernos Entatildeo chegamos por fim agrave anaacutelise que

concentra o nuacutecleo deste nosso estudo o significado de ldquoIsraelrdquo

Gostaria de chamar a atenccedilatildeo para algumas particularidades metodoloacutegicas que

adotei na composiccedilatildeo deste estudo

Primeiramente a traduccedilatildeo dos textos biacuteblicos citados eacute tomada da Biacuteblia de

Jerusaleacutem a natildeo ser quando indicado diversamente Os textos mais diretamente

relacionados agrave periacutecope que eacute o objeto central da pesquisa foram sempre traduzidos

por mim mesmo Enquanto que para os demais textos servi-me da mencionada versatildeo

biacuteblica em portuguecircs ou de alguma outra mais literal a qual vem tambeacutem indicada

Por uma questatildeo de uniformizaccedilatildeo e praticidade adotei os nomes proacuteprios de

pessoas localidades e povoaccedilotildees empregados pela mesma Biacuteblia de Jerusaleacutem

Obviamente esses nomes diferem algumas vezes em muito do termo original

hebraico Por esse motivo quando o nome mencionado requer uma proximidade com

o original hebraico o mesmo eacute mencionado em parecircntesis

As citaccedilotildees diretas do hebraico satildeo feitas em duas formas usando os caracteres

aramaicos quadrados como estamos habituados a encontrar nas ediccedilotildees da BH e nas

obras afins ou entatildeo a transliteraccedilatildeo do texto hebraico seguindo um dos sistemas mais

aceitos e utilizados internacionalmente que estaacute explicado no item ldquoTransliteraccedilatildeo dos

Caracteres Hebraicosrdquo que se encontra antes desta introduccedilatildeo Devido a uma questatildeo

de acessibilidade a um maior puacuteblico preferi empregar mais o texto hebraico

transliterado

Na bibliografia preferi seguir o meacutetodo de citar o nome dos autores o mais

completo possiacutevel Afinal eacute uma forma de tornar mais conhecidos e acessiacuteveis os

estudiosos neste campo de pesquisa Sem falar que diferentemente da Europa e dos

Estados Unidos da Ameacuterica em nosso paiacutes as pessoas satildeo tratadas mais comumente

pelo nome e natildeo pelo(s) sobrenome(s)

5

Antes de concluir esta breve introduccedilatildeo penso ser oportuno fazer recurso a um

providencial poema que em muito auxilia-nos a antecipar o fruto essencial deste

nosso estudo

Refiro-me a um poema de Nelly Sachs escritora judia radicada na Sueacutecia

nascida em Berlim na Alemanha aos 10 de dezembro de 1891 e falecida em Estocolmo

Sueacutecia aos 12 de maio de 1970 ldquoAs suas experiecircncias resultantes da ascensatildeo do

nazismo na Segunda Guerra Mundial na Europa transformam-na em porta-voz

pungente para a tristeza e anseios de seus companheiros judeusrdquo (NELLY SACHS

2016) Aleacutem eacute claro de tecirc-la forccedilado a emigrar para a Sueacutecia onde foi acolhida e

constituiu uma forte amizade com a afamada escritora Selma Lagerloumlf Recebeu o

Nobel de Literatura de 1966 juntamente com Shmuel Yosef Agnon

JACOB Nelly Sachs1 Oacute ISRAEL fruto primeiro na luta auroral onde todo o parto estaacute escrito com sangue no crepuacutesculo Oh a faca afiada do grito do galo cravada no coraccedilatildeo da humanidade Oh a ferida entre noite e dia que eacute a nossa morada Preacute-lutador na carne pueacuterpera dos astros no luto da ronda nocturna donde chora um canto de paacutessaro Oacute Israel que finalmente pariste pra a bem-aventuranccedila ndash graccedila gotejante de orvalho matutino sobre a tua cabeccedila ndash Mais bem-aventurado pra noacutes vendidos pra o esquecimento gemendo nos bancos de gelo da morte e ressurreiccedilatildeo e pelo anjo pesado sobre noacutes torcidos pra Deus como tu

1 Da obra SACHS Nelly Poemas de Nelly Sachs Trad Paulo Quintela Lisboa Portugaacutelia Editora 1967

6

CAPIacuteTULO 1

A QUE SERVE O NOME ndash ONOMAacuteSTICA E LITERATURA

1 O nome proacuteprio

Quando Shakespeare afirmou que ldquouma rosa com qualquer outro nome

cheiraria como o docerdquo (Romeu e Julieta IIii43) natildeo estava expressando certamente

uma ideia que tivesse qualquer fundamento no mundo biacuteblico ndash ou mesmo em

qualquer outro lugar do Oriente Meacutedio Antigo (cf BOHMBACH 2000 p 944)

No mundo antigo geralmente um nome natildeo eacute uma mera colocaccedilatildeo

convencional de sons pela qual uma pessoa lugar ou coisa possa ser identificado mais

apropriadamente um nome expressa ldquouma das propriedades distintivas ou recorda

o estado de acircnimo dos pais por ocasiatildeo do nascimento da crianccedila ou acontecimentos

poliacuteticos importantes na eacutepoca do nascimento ou como nome pessoal teofoacuterico faz

uma afirmaccedilatildeo sobre Deusrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1176)

Por isso conhecer o nome capacita para a comunicaccedilatildeo pois se sabendo o

nome de algueacutem ou de um deus podia-se invocaacute-lo chamar a sua atenccedilatildeo fazecirc-lo vir

ateacute o enunciador do seu nome enfim ldquocitaacute-lordquo Nesse sentido conhecer o nome de

algueacutem significa ateacute certo ponto um poder sobre a pessoa conhecida Isto aparece

definido de modo magistral por Martin Buber

O nome ldquoverdadeirordquo de uma pessoa [] eacute a essecircncia da pessoa destilada por assim dizer de sua realidade desse modo ela se encontra por assim dizer novamente presente nesse nome E mais importante ela aiacute se encontra presente sob tal forma que qualquer um conhecendo o nome verdadeiro e sabendo pronunciaacute-lo da maneira prescrita possa apoderar-se desta pessoa A pessoa por si mesma eacute inacessiacutevel ela opotildee uma resistecircncia No nome ela torna-se acessiacutevel o enunciador dispotildee dela (BUBER 1957 p 58-59)

Antes de adentrar propriamente no estudo do texto da Biacuteblia Hebraica (Gn

3223-33) objeto principal desta tese seraacute conveniente aprofundar um pouco mais o

7

significado e funccedilatildeo que o nome proacuteprio desempenha na obra literaacuteria tanto biacuteblica

como extrabiacuteblica

Essa anaacutelise se faz ainda mais oportuna quando se leva em conta que a teoria

mais em voga defende que o nome proacuteprio seja um simples iacutendice ou seja uma espeacutecie

de etiqueta que designaria algo sem significar2 Em semioacutetica eacute o mesmo que admitir

que o nome proacuteprio natildeo seria um signo O nome proacuteprio se refere a seu referente sem

atribuir qualquer informaccedilatildeo adicional conotativa ou de sentido sobre ele

As principais teorias da filosofia da linguagem fundamentadas sobre a loacutegica

acerca do nome proacuteprio gravitam ao redor da questatildeo se nomes proacuteprios satildeo mera

referecircncia ou se possuem alguma identidade com o seus referentes A grosso modo

pode-se agrupar essas teorias em 3

a) Teoria de John Stuart Mill (1806-1873) este filoacutesofo britacircnico distingue entre

sentido conotativo e denotativo e argumenta que os nomes proacuteprios natildeo incluem

nenhum outro conteuacutedo semacircntico a uma proposiccedilatildeo que indica o referente do nome

e satildeo puramente denotativos O processo atraveacutes do qual algo se torna um nome

proacuteprio eacute a gradual perda da conotaccedilatildeo para a pura denotaccedilatildeo Como eacute o caso do

processo que transformou as proposiccedilotildees descritivas ldquolong islandrdquo (ilha longa) no

nome proacuteprio Long Island uma ilha da costa do estado de Nova York

b) Teoria baseada no sentido de nomes Gottlob Frege matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

alematildeo (1848-1925) argumenta que se deve distinguir entre o sentido (Sinn) e a

referecircncia do nome Ele tambeacutem defende que nomes diferentes para a mesma entidade

podem identificar o mesmo referente sem serem formalmente sinocircnimos Eacute citado o

2 Entre os principais defensores dessa posiccedilatildeo temos 1ordm) MILL John Stuart A System of Logic Ratiocinative and Inductive Being a Connected View of the Principles of Evidence and the Methods of Scientific Investigation London John W Parker 1843 2 v Disponiacutevel em lthttpsbooksgooglecombrbooksid=y4MEAAAAQAAJamppg=PR9amphl=pt-BRampsource=gbs_selected_pagesampcad=2v=onepageampqampf=falsegt Acesso em 30 jul 2015 (especialmente no vol 1 Book I Of Names and Propositions) 2ordm) BROslashNDAL Viggo Essais de linguistique geacuteneacuterale Copenhague Ejnar Munksgaard 1943 3ordm) PEIRCE Charles Sanders The Collected Papers of Charles Sanders Peirce Volumes 1-6 edited by Charles Hartshorne and Paul Weiss volumes 7-8 edited by A W Burks Cambridge (MA) Belknap Press of Harvard University Press 1931-1935 Disponiacutevel em lthttpwwwtextlogdepeirce_principleshtmlgt Acesso em 30 jul 2015 4ordm) RUSSEL Bertrand Knowledge by Acquaintance and Knowledge by Description Proceedings of the Aristotelian Society London Edinburgh Williams and Norgate n 11 p 108ndash28 1911 IDEM The Philosophy of Logical Atomism In MARSH R (Ed) Logic and Knowledge New York Capricorn 1956 p 177ndash281 3 Cf CUMMING 2013 e PROPER NAME (PHILOSOPHY) 2015 Para uma visatildeo mais exaustiva e detalhada consultar LANGENDONCK 2007 p 20-38

8

seguinte exemplo embora a estrela da manhatilde e a estrela da tarde sejam o mesmo objeto

astronocircmico a proposiccedilatildeo ldquoa estrela da manhatilde eacute a estrela da noiterdquo natildeo eacute uma

tautologia mas fornece informaccedilotildees reais para algueacutem que natildeo sabia disso Assim

para Frege os dois nomes para o objeto devem ter um sentido diferente

c) Teoria descritiva dos nomes proacuteprios essa teoria eacute a visatildeo de que o significado de

um determinado uso de um nome proacuteprio eacute um conjunto de propriedades que pode

ser expresso como uma descriccedilatildeo que escolhe um objeto que satisfaccedila a descriccedilatildeo

Quem adotou esse ponto de vista foi Bertrand Russell (matemaacutetico loacutegico e filoacutesofo

do Reino Unido 1872-1970) o qual alega que o nome se refere a uma descriccedilatildeo e essa

descriccedilatildeo como uma definiccedilatildeo escolhe o portador do nome A descriccedilatildeo entatildeo

funciona como uma abreviaccedilatildeo ou uma forma truncada da descriccedilatildeo John Searle

filoacutesofo da linguagem norte-americano elaborou a teoria de Russell sugerindo que o

nome proacuteprio se refere a um conjunto de proposiccedilotildees que em combinaccedilatildeo escolhe um

referencial uacutenico Isso foi feito para lidar com a objeccedilatildeo por alguns criacuteticos da teoria de

Russell de que uma teoria descritiva do significado faria o referente de um nome

depender do conhecimento de que a pessoa ao dizer o nome tem sobre o referente

Em 1973 Tyler Burge outro filoacutesofo norte-americano propocircs uma teoria descritiva

metalinguiacutestica de nomes proacuteprios que sustenta que os nomes tecircm o significado que

corresponde agrave descriccedilatildeo das entidades individuais a quem o nome eacute aplicado

d) Teoria causal dos nomes a teoria histoacuterico-causal teve origem com a obra Naming

and Necessity (Boston Basil Blackwell 1980) de Saul Kripke Ela eacute edificada sobre a

obra dentre outros de Keith Donnellan que combina a visatildeo referencial com a ideia

que o referente do nome eacute fixado por um ato batismal apoacutes o que o nome se torna um

designador riacutegido do referente Kripke natildeo enfatiza tanto a causalidade mas sim a

relaccedilatildeo histoacuterica entre o evento de nomeaccedilatildeo e a comunidade de falantes dentro da

qual o nome circula mas apesar disso essa teoria eacute muitas vezes chamada de ldquouma

teoria causal da nomeaccedilatildeordquo A teoria de nomeaccedilatildeo pragmaacutetica de Charles Sanders

Peirce (1839-1914) agraves vezes eacute considerada uma precursora da teoria de nomeaccedilatildeo

histoacuterico-causal Ele descreveu os nomes proacuteprios nos seguintes termos

Um nome proacuteprio quando se encontra com ele pela primeira vez eacute existencialmente conectado com alguma percepccedilatildeo ou outro conhecimento individual equivalente do indiviacuteduo que ele nomeia Ele eacute entatildeo e soacute entatildeo

9

um Index [Iacutendice] genuiacuteno A proacutexima vez que se encontra com ele considera-se como um Iacutecone desse Iacutendice A familiaridade habitual com ele tendo sido adquirida torna-se um siacutembolo cuja Interpretante representa-o como um iacutecone de um iacutendice do indiviacuteduo chamado (PROPER NAME [PHILOSOPHY] 2015 p 35)

Aqui ele observa que o evento de batismo tem lugar para cada pessoa quando

um nome proacuteprio eacute o primeiro relacionado com um referente (por exemplo apontando

e dizendo ldquoeste eacute Joatildeordquo estabelecendo uma relaccedilatildeo indicial entre o nome e a pessoa)

que eacute doravante considerado ser um convencional (ldquosimboacutelicordquo em termos peirceanos)

em relaccedilatildeo ao referente

e) Teorias de referecircncia direta rejeitando as bases das teorias descritiva e histoacuterico-

causal as teorias da referecircncia direta sustentam que nomes juntamente com

demonstrativos satildeo uma classe de palavras que se referem diretamente ao seu

referente Como exemplo pode-se citar Ludwig Wittgenstein que em seu Tractatus

Logico-Philosophicus (1921) defende uma posiccedilatildeo de referecircncia direta argumentando

que nomes se referem diretamente a um particular e que este referente eacute seu uacutenico

significado A visatildeo mais tardia de Wittgenstein foi comparada com aquela do proacuteprio

Kripke que reconhece nomes proacuteprios como decorrentes de uma convenccedilatildeo social e

princiacutepios pragmaacuteticos de compreensatildeo dos outros enunciados A teoria da referecircncia

direta eacute similar agravequela de Mill enquanto propotildee que o uacutenico significado de um nome

proacuteprio eacute o seu referente O filoacutesofo e loacutegico norte-americano David Kaplan (1979 p

81-98) faz uma distinccedilatildeo entre termos fregeanos e natildeo-fregeanos isto eacute referentes agrave

teoria de Gottlob Frege Os primeiros que possuem sentido e referecircncia e os uacuteltimos

natildeo-fregeanos que incluem nomes proacuteprios e tecircm somente referecircncia

f) Filosofia continental4 fora da tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica poucos filoacutesofos

chamados continentais abordaram o nome proacuteprio como uma questatildeo filosoacutefica Em

4 Filosofia continental eacute uma expressatildeo criada originalmente pelos filoacutesofos analiacuteticos angloacutefonos principalmente estadunidenses e britacircnicos para descrever vaacuterias tradiccedilotildees filosoacuteficas procedentes da Europa continental principalmente da Alemanha e da Franccedila A expressatildeo compreende de maneira bastante vaga a fenomenologia de Edmund Husserl ou Maurice Merleau-Ponty a ontologia fundamental de Martin Heidegger a psicanaacutelise de Sigmund Freud ou Jacques Lacan o existencialismo de Jean-Paul Sartre diversas correntes do marxismo o estruturalismo em ciecircncias humanas inspirado por Claude Leacutevi-Strauss ou Michel Foucault a semiologia de Algirdas Julien Greimas ou Roland Barthes a hermenecircutica de Hans-Georg Gadamer ou Paul Ricoeur a desconstruccedilatildeo de Jacques Derrida a teoria criacutetica da Escola de Frankfurt O termo eacute utilizado sobretudo para descrever uma atividade filosoacutefica por contraste com a filosofia analiacutetica Eacute mais popular nas ciecircncias sociais esteacutetica estudos culturais e filosofia do cinema do que nas ditas ciecircncias duras (FILOSOFIA CONTINENTAL 2014)

10

De la grammatologie (1967) Jacques Derrida refuta especificamente a ideia que nomes

proacuteprios situam-se fora da construccedilatildeo social da linguagem como uma relaccedilatildeo binaacuteria

entre referente e signo Ao contraacuterio ele argumenta que os nomes proacuteprios como

todas as palavras estatildeo envolvidos em um contexto de diferenccedilas sociais espaciais e

temporais que os tornam significativos Ele tambeacutem observa que haacute elementos

subjetivos de significado em nomes proacuteprios uma vez que eles conectam o portador

de um nome com o signo da sua proacutepria identidade

Vamos a partir de agora tornar mais claro o aspecto do nome proacuteprio que iraacute

nos interessar em nossa pesquisa

11 O que eacute o nome proacuteprio

Eacute praticamente consensual que a primeira funccedilatildeo do nome proacuteprio eacute de

identificaccedilatildeo Seria como se diz em inglecircs um identity marker o representante mais

importante de uma pessoa Desse modo uma pessoa e seu nome satildeo uma soacute realidade

(cf NEUMANN 2011 p 324)

O termo ldquonome proacutepriordquo chegou-nos atraveacutes dos gregos Eles empregavam a

expressatildeo onoma kurion que foi traduzida em latim por nomen proprium e significava

ldquonome autecircnticordquo ou um nome mais autecircntico que outros Diferenciava-se onoma

kurion de proshgoria ou ldquodenominaccedilatildeordquo que era um termo utilizado para descrever

um ldquonome geneacutericordquo ou ldquocomumrdquo (cf GARDINER 2010 p 36)

O vocaacutebulo grego kurion era assimilado a nomes empregados de maneira

individual ou seja que qualificam seres individuais

Eacute importante constatar que o termo ldquonomerdquo eacute mais antigo que ldquopalavrardquo

Segundo o filoacutelogo GARDINER ldquoeacute inconcebiacutevel que em alguma sociedade

mesmo primitiva tenha faltado a palavra lsquonomersquo O termo pertence aos estaacutegios preacute-

gramaticais do pensamentordquo (2010 p 40)

Isso porque na antiguidade os povos natildeo se interessavam por palavras em si

mesmas elas eram usadas apenas como instrumento para se falar das coisas do mundo

ao seu redor Quando se menciona um ldquonomerdquo supotildee-se que exista alguma coisa agrave

qual corresponda o som ldquoaquilo que era a fons e origo do nome sua razatildeo de serrdquo

(GARDINER 2010 p 41)

11

Ampliando e melhorando a interpretaccedilatildeo de Saussure GARDINER (2010 p

91) forneceraacute a seguinte definiccedilatildeo de nome proacuteprio

Um nome proacuteprio eacute uma palavra ou um grupo de palavras reconhecidas como indicando ou tendendo a indicar o objeto ou os objetos ao(s) qual(is) ele faz referecircncia em virtude unicamente de sua sonoridade distintiva sem levar em consideraccedilatildeo qualquer sentido que possa possuir esse som seja aquele desde a origem ou adquirido por este atraveacutes de associaccedilotildees com o dito ou

ditos objetos

Pode-se questionar se o nome proacuteprio comporta em si mesmo algum tipo de

conteuacutedo racional ou seja se ele diz alguma coisa da pessoa por ele nomeada Em

nossa atual sociedade ocidental ldquoo nome proacuteprio eacute na maior parte do tempo uma

palavra escolhida arbitrariamente para designar algueacutem Eacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo

social praacuteticardquo (RENAUD 2007 p 13) Isso poreacutem natildeo corresponde absolutamente agrave

realidade do mundo antigo especialmente no Oriente como se veraacute adiante

Em geral a linguiacutestica contemporacircnea percebe no nome proacuteprio duas

caracterizaccedilotildees do signo Ele eacute ao mesmo tempo signo linguiacutestico possuidor de um

significante e de um significado mesmo que miacutenimo e signo como substituto pois ele

reenvia a um indiviacuteduo mas pode tambeacutem valer como siacutembolo ou seja como ato de

linguagem (LECOLLE PAVEAU REBOUL-TOUREacute 2009 p 11)

Na linguiacutestica ldquonome eacute uma categoria gramatical que agrupa as palavras que

designam seja uma espeacutecie ou representante de uma espeacutecie (nomes comuns) seja um

indiviacuteduo particular (nomes proacuteprios)rdquo (RUSSO 2002 p 15) No entanto o nome

proacuteprio natildeo apenas diferencia ou determina o sujeito pois ele ldquoaponta diretamente o

objeto no mundo exterior extralinguiacutestico Por isso ele eacute reconhecido na linguiacutestica

moderna como sendo o portador e exemplo maior da funccedilatildeo de referenciaccedilatildeo da

linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 55) Ele possui a capacidade de remeter diretamente

a um objeto em especial um determinado corpo Como afirma MARTINS ldquoDado o

nome eis o objetordquo (IDEM) Mais do que isso poreacutem o nome significa o ser ao qual se

refere mais do que apenas enviar a ele

Um dos primeiros a sistematizar a questatildeo se os nomes satildeo meramente

formados em funccedilatildeo de uma convenccedilatildeo ou se eles satildeo constituiacutedos em funccedilatildeo de uma

natureza que por assim dizer orientaria o trabalho daquele que nomeia foi o filoacutesofo

12

grego Platatildeo (428427 ou 424423 ndash 348347 AEC) especialmente em sua obra Craacutetilo5

Eacute interessante observar que ldquono periacuteodo em que se legitimam as grandes narraccedilotildees

miacuteticas a palavra manifesta os proacuteprios elementos ela se identifica com o objetordquo

(PINHEIRO 2003 p 37-38) O nome eacute um ldquoinstrumentordquo segundo Platatildeo para

ldquoensinar e distinguir a essecircncia [das coisas] como a lanccediladeira para o tecidordquo

(PLATONE 2000 p 139 388 B-C)6 Portanto o nome eacute resultado de uma teacutecnica uma

arte uma produccedilatildeo

Em Platatildeo o nome seraacute tratado como o signo linguiacutestico de caraacuteter convencional capaz de representar uma determinada ousiacutea [essecircncia] Essa essecircncia natildeo pode ser compreendida apenas como um fenocircmeno empiacuterico e obviamente natildeo pode ser relativa a cada homem em particular [] A verdadeira funccedilatildeo dos nomes em Platatildeo seria a de nos remeter agrave sua proacutepria essecircncia agrave sua proacutepria natureza [] No diaacutelogo ela surge como modelo abstrato que o nomoteta [o artiacutefice dos nomes] apreende antes de iniciar a sua tarefa de artesatildeo de nomes (PINHEIRO 2003 p 45-46)

Aleacutem de utilizar a palavra ldquoinstrumentordquo para definir a funccedilatildeo do nome

Platatildeo lanccedila matildeo da hipoacutetese de nome como ldquoimagemrdquo (gr eikoacuten) O nome eacute uma

imagem (ideia) que corresponde a um objeto O nome deve estar afinado ao seu

modelo (ideia em grego eicircdos) No entanto o papel de quem atribui o nome se realiza

pelo diaacutelogo Platatildeo o denomina de legislador (gr nomoteta) atividade da qual nem

todos os homens satildeo capazes7 Isso porque ldquoa natureza da linguagem eacute ambiacutegua

cabendo ao filoacutesofo no papel do dialeacutetico ajuizar sobre o melhor significado a atribuir

a um nome dentro de um determinado contextordquo (MONTENEGRO 2007 p 376)

Nesse sentido o nomeador possui um papel ativo isto eacute adequar o nome agraves coisas

5 Eacute uma obra platocircnica de dataccedilatildeo incerta alguns estudiosos atribuem sua redaccedilatildeo tanto ao periacuteodo anterior agrave composiccedilatildeo de Repuacuteblica como posterior Repuacuteblica teve sua composiccedilatildeo iniciada nos anos oitenta e o ponto culminante da mesma teria sido nos anos setenta do IV seacuteculo AEC (cf RADICE 2000 p 1081) ldquoO diaacutelogo em Craacutetilo versa sobre a justeza dos nomes a partir do exame realizado por Soacutecrates das teses divergentes de Hermoacutegenes e Craacutetilo Segundo Hermoacutegenes os nomes satildeo resultantes de pura convenccedilatildeo podendo esta ser tanto individual quanto coletiva para Craacutetilo disciacutepulo de Heraacuteclito e mestre de Platatildeo anteriormente a Soacutecrates os nomes espelham a natureza das coisas e esta natildeo eacute senatildeo o constante fluxo Soacutecrates eacute chamado para tentar uma conciliaccedilatildeordquo (MONTENEGRO 2007 p 369) 6 Texto original grego Onoma ara didaskalikon ti evstin organon kai diakritikon th j ouvsiaj w[sper kerkij

ufasmatoj 7 ldquoPortanto Hermoacutegenes natildeo eacute proacuteprio de todo homem estabelecer o nome mas a um artesatildeo dos nomes E este eacute como parece o legislador que entre os homens eacute o mais raro dos artesatildeosrdquo (PLATONE 2000 p 139 388E-389A) Original grego Ouvk ara pantojAtilde w= lsquoErmogenejAtilde onoma qesqaiAtilde a vlla tinoj ovnomatourgou ou-toj drsquoevstinAtilde w`j eoikenAtilde o ` nomoqethjAtilde o]j dh tw n dhmiourgw n spaniwtatoj e vn a vnqrwpoij gignetai)

13

Esse papel eacute supervisionado pelo dialeacutetico8 com sua atividade de fazer perguntas e

dar respostas Pode-se encontrar aqui uma contraposiccedilatildeo com a BH onde Deus

aparece logo no iniacutecio ldquochamandordquo (verbo heb wayyiqraumlacute) ou seja dando nomes agraves

coisas que ele vai criando (cf Gn 15810) A palavra de Deus eacute formadora ou seja ela

cria aquilo que eacute nomeado (wayyoumlordm mer acuteeacuteloumlhicircm ndash Gn 13691114202426) A palavra

nesse sentido possui a essecircncia da coisa que eacute formada Algo semelhante se passa com

Adatildeo (heb aumldaumlm) em Gn 219 quando Deus lhe traz todos os seres vivos da terra para

serem nominados por ele No entanto haacute uma diferenccedila fundamental pois o homem

natildeo eacute criador ou seja ele nomeia os seres criados mas natildeo os faz vir agrave vida9

Interessante observar que Adatildeo natildeo vem nomeado explicitamente por Deus nem no

primeiro nem no segundo relato da Criaccedilatildeo (cf Gn 126-27 27) Contudo quando

Deus manifesta sua vontade de ldquofazerrdquo (heb na`aacuteSegrave ndash Gn 126) o homem no fundo

ele jaacute o ldquonomeourdquo chamando-o de Adatildeo que significa ldquohomemrdquo (heb acuteaumldaumlm) Adatildeo

em seu ato de nominar adequa os nomes agraves coisas que estatildeo diante dele ele parte da

natureza delas mas natildeo as forma (cria) Mesmo assim chama atenccedilatildeo a importacircncia e

diferenccedila do ser humano em relaccedilatildeo agraves demais obras da Criaccedilatildeo Enquanto estas

recebem nome do Criador tatildeo logo satildeo formadas o ser humano participa da Criaccedilatildeo

como colaborador de Deus ao tambeacutem poder nomear os demais seres vivos

12 A que serve o nome proacuteprio

Ao relacionarmos os nomes proacuteprios aos nomes comuns percebe-se que pode

haver usos anaacutelogos entre ambas categorias poreacutem haacute outros que satildeo especiacuteficos aos

nomes proacuteprios Vejamos

1 Estabelecimento de correspondecircncia entre um nome proacuteprio e um indiviacuteduo Este uso toma duas formas a) eu dou ao meu interlocutor o nome de um indiviacuteduo que ele tem sob seus olhos ou que eu descrevo por uma descriccedilatildeo definida ldquoesta eacute Parisrdquo ldquoeu vos apresento Alberto Dupontrdquo ldquoo pai

8 ldquoE a quem sabe interrogar e responder chama-o de outro modo que dialeacutetico [] obra do legislador ao que parece eacute fazer um nome sob a direccedilatildeo do dialeacutetico se os nomes devem ser adequadosrdquo (PLATONE 2000 p 140 390 C-D) No original grego Ton de evrwta n kai a vpokrinesqai e vpistamenon allo

ti su kalei j h dialektikon [] Nomoqetou de geAtilde wj eoikenAtilde onomaAtilde e vpistathn econtoj dialektikon andraAtilde ei v mellei kalw j ovnomata qhsesqai) 9 O texto hebraico eacute expliacutecito em afirmar que wayyigravecer yhwh(acuteaumldoumlnaumly) acuteeacuteloumlhicircm min-hauml|acuteaacutedaumlmacirc Kol-Hayyat

haSSaumldegrave wuumlacuteeumlt Kol-`ocircp haššaumlmaordmyim (ldquoHavendo pois o Senhor Deus formado da terra todo o animal do

campo e toda a ave dos ceacuteusrdquo Gn 219)

14

de Joseacute chama-se Juacuteliordquo b) eu indico ao meu interlocutor a coincidecircncia entre um indiviacuteduo e um nome jaacute conhecido dele ldquoEis Parisrdquo ldquoeacute Tiagordquo Esses dois usos satildeo bastante paralelos para os nomes proacuteprios e os nomes comuns a uacutenica diferenccedila reside na referecircncia uacutenica do nome proacuteprio 2 Uso referencial uacutenico ldquoTiago veiordquo Eacute o uso normal do nome proacuteprio 3 O Batismo ldquoEu te batizo Pedrordquo Haacute um uso bem particular do nome proacuteprio quando acontece de se dar um nome novo a uma categoria de objeto o batismo de indiviacuteduos ato social por excelecircncia eacute o uacutenico ato suscetiacutevel de dar nascimento a um antropocircnimo Trata-se de um contrato com base em um performativo ldquoeu te batizordquo ldquoeu te chamordquo ldquoeu te nomeiordquo E parece haver em todas as liacutenguas expressotildees do gecircnero Eacute a cerimocircnia do batismo (que noacutes tomamos no sentido geral de doaccedilatildeo do nome) que explica o caraacuteter arbitraacuterio com o qual nos aparecem os nomes proacuteprios eles satildeo arbitraacuterios enquanto colocados Ademais a teoria dita teoria causal dos nomes proacuteprios repousa sobre a existecircncia do batismo se os nomes proacuteprios devem ser transmitidos de pessoa a pessoa fixando cada vez nela a referecircncia eacute precisamente porque se esta cadeia se interrompe natildeo se pode mais saber a que se refere o nome proacuteprio 4 Uso vocativo ldquoPedro venha aquirdquo Trata-se de um ato de linguagem que G G Granger chama de ldquointerpelaccedilatildeordquo para G G Granger de fato eacute na interpelaccedilatildeo que se manifesta a especificidade semioloacutegica do nome proacuteprio (MOLINO 1982 p 17)

Essa questatildeo estaacute unida agrave da identidade Haacute de se superar que a identidade do

nome proacuteprio se reduza agrave relaccedilatildeo entre dois nomes ldquoa = brdquo como propunha Gottlob

Frege em sua claacutessica distinccedilatildeo entre Sinn e Bedeutung ou seja sentido e denotaccedilatildeo (cf

FREGE 1971 p 102-126) No entanto a virtude simboacutelica do nome proacuteprio natildeo pode

se esgotar nesta referecircncia a algo

O nome possui a funccedilatildeo de designador individual ou seja especificar algueacutem

destacar algueacutem em seu contexto ou classificaacute-lo segundo o modo de compreensatildeo de

Leacutevi-Strauss Esse etnoacutelogo identifica dois tipos extremos de nomes proacuteprios (a) o

nome como uma marca de identificaccedilatildeo que confirma pela aplicaccedilatildeo de uma regra a

pertenccedila do indiviacuteduo nomeado a uma classe preacute-ordenada (b) o nome como uma livre

criaccedilatildeo do indiviacuteduo que nomeia e que exprime por meio daquele que ele nomeia um

estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividade (LEacuteVI-STRAUSS 1962 p 240) No

entanto o pesquisador chega a uma conclusatildeo um tanto radical quando afirma que

ldquojamais se nomeia classifica-se o outro se o nome que se lhe daacute eacute em funccedilatildeo de

caracteriacutesticas que ele tem ou se classifica a si mesmo se acreditando estar dispensado

de seguir uma regra nomeia-se o outro lsquolivrementersquo isto eacute em funccedilatildeo das

caracteriacutesticas que se temrdquo (IDEM) Muitas vezes reconhece Leacutevi-Strauss ambos os

fatores interagem-se

15

Nesse aspecto o nome proacuteprio como um classificador como exprime Leacutevi-

Strauss encontra-se um aspecto questionaacutevel pois

A nomeaccedilatildeo obedece a princiacutepios de classificaccedilatildeo mas esses princiacutepios natildeo se correspondem e natildeo constituem um sistema eles se unem ao infinito E eacute aqui que se manifesta uma diferenccedila fundamental entre classificaccedilatildeo e nomeaccedilatildeo o indiviacuteduo natildeo eacute uma espeacutecie [] Uma espeacutecie eacute definida por uma classificaccedilatildeo hieraacuterquica uacutenica um indiviacuteduo eacute portador de uma infinidade virtual de classificaccedilotildees independentes no primeiro caso as classificaccedilotildees servem para classificar no segundo o indiviacuteduo dado como um ponto de partida eacute o suporte de classificaccedilotildees muacuteltiplas e independentes que servem apenas para enriquecer sua definiccedilatildeo social (MOLINO 1982 p 18)

No entanto diferentemente de Leacutevi-Strauss podemos ver tanto no tipo de

nomeaccedilatildeo como classificaccedilatildeo de algueacutem como naquele de nomeaccedilatildeo como

autoclassificaccedilatildeo natildeo o conteuacutedo classificatoacuterio mas a forma em si mesma O que

ocorre em ambos os casos eacute a manifestaccedilatildeo de um ato de linguagem da relaccedilatildeo locutor

(quem nomeia) e interlocutor (quem eacute nomeado) mesmo que este uacuteltimo o seja em

potencial uma vez que ainda natildeo tecircm consciecircncia O fato do interlocutor (o nomeador)

exprimir-se a si mesmo nesse ato eacute algo secundaacuterio ldquoo essencial eacute que sua proacutepria

presenccedila no ato de nomeaccedilatildeo faccedila dele uma interpelaccedilatildeo [] o nome proacuteprio eacute tal

porque ele pode funcionar em uma interpelaccedilatildeordquo (GRANGER 1982 p 28-29)

13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10

No caso do nome de pessoas portanto o nome proacuteprio possui uma funccedilatildeo de

interpelar o mesmo nem sempre se daacute no caso dos demais nomes proacuteprios E natildeo se

interpela algo vazio de conteuacutedo Portanto deve haver uma pressuposiccedilatildeo de sentido

no nome proacuteprio uma vez que ele conota aleacutem de denotar o indiviacuteduo ao qual se refere

Por esse motivo ou seja em razatildeo de sua natureza pragmaacutetica o nome

proacuteprio especialmente de pessoas natildeo pode ser substituiacutedo por uma descriccedilatildeo

definida do ser nomeado como acreditava por exemplo Russell Ele possui o que

certos linguistas chamam de ldquohalo de conotaccedilotildeesrdquo (GRANGER 1982 p 34) O proacuteprio

Granger explica melhor tal conceito

10 Para uma abordagem mais exaustiva e detalhada dessa questatildeo consultar LANGENDONCK 2007 p 84-118

16

Entendemos aqui por essa palavra dois efeitos eventualmente conjuntos De uma parte a conotaccedilatildeo ldquometasimboacutelicardquo que atribui a um signo propriedades que dependem seja do subsistema da liacutengua ao qual ele pertence seja do uso particular que se faz dele em certo discurso De outra parte a conotaccedilatildeo ldquoparassimboacutelicardquo que nasce do valor expressivo conferido aos aspectos natildeo estritamente pertinentes do signo Eacute certo que o jogo dessas conotaccedilotildees quase que liberadas de todo entrave confere ao nome proacuteprio um poder poeacutetico excepcional [] Eacute desta maneira que o nome proacuteprio embora se afaste pela sua funccedilatildeo essencialmente pragmaacutetica de toda referecircncia semacircntica pode ter um sentido (GRANGER 1982 p 34-35)

Para Granger o nome proacuteprio eacute agraves vezes ao mesmo tempo iacutendice e siacutembolo11

Por isso o nome proacuteprio pode veicular um sentido conotativo de forma icocircnica12

completando a triacuteade peirceana do signo em relaccedilatildeo ao objeto que ele substitui Pode-

se tomar como exemplo o apelido do pintor italiano Giorgio Barbarelli (Castelfranco

Itaacutelia) Ele era denominado de Giorgione um aumentativo que refletia a sua

corpulecircncia Caso substituiacutessemos esse apelativo pelo seu sobrenome Barbarelli que

designa a mesma pessoa a proposiccedilatildeo continuaria a ser verdadeira pois estariacuteamos

falando da mesma pessoa

A palavra ldquoGiorgionerdquo sem se reduzir absolutamente a uma descriccedilatildeo transpotildee na funccedilatildeo de nome proacuteprio um nome cujo interpretante13 eacute um signo icocircnico ndash isto eacute que se parece de algum modo ao seu objeto ndash destacado pelo aumentativo italiano Como um nome proacuteprio a palavra deve neutralizar essa carga icocircnica sobreposta como ele neutralizaria de mais a mais todo sentido que ele possa conotar (GRANGER 1982 p 36)

11 Siacutembolo eacute uma das classificaccedilotildees de Charles Sanders Peirce (as outras duas satildeo iacutecone e iacutendice) que organiza os signos conforme a relaccedilatildeo entre eles e o objeto que eles substituem O siacutembolo resulta da convenccedilatildeo A relaccedilatildeo entre o signo e o objeto que ele representa eacute arbitraacuteria legitimada por regras Ex a pomba branca eacute siacutembolo de paz um retacircngulo verde com um losango amarelo ciacuterculo azul e estrelas eacute um dos siacutembolos do Brasil mas em nenhum desses casos haacute relaccedilatildeo de semelhanccedila ou de associaccedilatildeo singular trata-se de regras leis convenccedilotildees Iacutendice resulta de uma singularizaccedilatildeo Um signo indicial eacute o resultado de uma relaccedilatildeo por associaccedilatildeo ou referecircncia A categoria indicial se evidencia pelo vestiacutegio pelos indiacutecios Ex rastros de pneus pegadas ou cheiro de fumaccedila natildeo se parecem com os objetos que eles substituem (pneus animais ou a fumaccedila) mas noacutes associamos uns aos outros respectivamente satildeo exemplos de signos indiciais (AS TRICOTOMIAS PEIRCEANAS ndash CLASSIFICACcedilAtildeO DOS SIGNOS 2012 p 2) 12 O iacutecone eacute o resultado da relaccedilatildeo de semelhanccedila ou analogia entre o signo e o objeto que ele substitui Ex um retrato ou uma caricatura satildeo semelhantes aos objetos que eles substituem eles satildeo signos icocircnicos (IDEM) 13 Interpretante na proacutepria definiccedilatildeo do criador desse conceito Charles Sanders Peirce eacute o ldquoefeito do signordquo isto eacute eacute a ldquoideiardquo que o signo provoca cria na mente do inteacuterprete O signo ldquoeacute aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo para algueacutem Dirige-se a algueacutem isto eacute cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signordquo (PEIRCE 2012 p 46)

17

O nome proacuteprio em si mesmo natildeo se refere que a indiviacuteduos em geral Natildeo se

pode explicar o conteuacutedo semacircntico de um nome como ldquoJoatildeordquo por exemplo Sabemos

que ldquoJoatildeordquo14 eacute o nome de uma pessoa do sexo masculino Nos primoacuterdios da

linguiacutestica o russo Roman Osipovich Jakobson (1896-1982) dizia que o nome proacuteprio

natildeo podia ser definido que pela devoluccedilatildeotransmissatildeo do coacutedigo ao coacutedigo ldquoJoatildeordquo

significa uma pessoa nomeada Joatildeo Com isso esse estudioso denuncia a circularidade

de tal definiccedilatildeo (cf JAKOBSON 1963 p 177) Mas haacute linguistas que discordam dessa

afirmaccedilatildeo dizendo ser ela enganosa Isso porque ldquoo coacutedigo que se esforccedilam de

descrever dicionaacuterios e gramaacuteticas natildeo remete a si mesmo para caracterizar um nome

de pessoa quando diz a palavra lsquobaleiarsquo que designa um lsquoanimalrsquordquo (GRANGER 1982

p 27) A funccedilatildeo semacircntica da palavra ldquoJoatildeordquo natildeo depende circularmente do coacutedigo

mas da enunciaccedilatildeo Fixadas as circunstacircncias da enunciaccedilatildeo a descriccedilatildeo torna-se

possiacutevel

A significaccedilatildeo do nome proacuteprio como se constata eacute complexa pois se podem

encontrar diversas camadas de significaccedilatildeo que correspondem ao seu funcionamento

distinto a) ora como uma marca pura isto eacute uma etiqueta que visa um objeto singular

b) ora como um ldquodesignador riacutegidordquo que manteacutem a invariacircncia da referecircncia ao

indiviacuteduo mesmo em meio agraves modificaccedilotildees espaciais temporais e pessoais c) ora

como um classificador que indica a classe a qual pertence o objeto individual

designado pelo nome como eacute o caso de ldquoJoatildeordquo um prenome de ser humano d) ora

como uma descriccedilatildeo definida que serve de representaccedilatildeo identificadora como eacute o caso

de explicar o sentido do nome proacuteprio a quem o ignora por exemplo ldquoJoatildeordquo foi um

dos disciacutepulos de Jesus Cristo (cf MOLINO 1982 p 16)

Assim sendo o nome proacuteprio ldquoinduz uma seacuteria indefinida de interpretaccedilotildees

mais ricas e mais carregadas de afetividade do que satildeo os interpretantes dos nomes

comuns como o indica a funccedilatildeo literaacuteria e poeacutetica dos nomes proacutepriosrdquo (IDEM)

14 Etimologicamente falando sabemos que este nome adentrou em nossa liacutengua portuguesa atraveacutes do latim (Ioannes) que por sua vez proveacutem do grego Ιωάννης (Ioaacutennes) Entretanto a sua etimologia primitiva encontra-se na liacutengua hebraica nxwy (Yocircḥānān) forma reduzida de nxwhy (Yəhocircḥānān) que

pode significar Deus [YHWH] eacute propiacutecio Deus mostrou favor Deus foi clemente ou Graccedila Divina

18

O nome proacuteprio de pessoas serve portanto para fins que ultrapassam o

meramente designativo referencial e denotativo Ele situa-se no campo conotativo mais

amplo

2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio

Eacute importante perceber as diferentes nuanccedilas que o nome proacuteprio pode

adquirir de acordo com o tipo de abordagem que se faz dele Por isso um raacutepido e

despretensioso percurso por algumas das ciecircncias que se ocupam deste argumento

pode fornecer um quadro mais amplo do seu significado No item anterior jaacute vimos a

abordagem desse tema atraveacutes da Filosofia da Linguagem Ver-se-aacute agora a

21 Semioacutetica

Podemos a grosso modo entender a semioacutetica como a ldquoteoria geral dos modos

de produccedilatildeo funcionamento e recepccedilatildeo dos diferentes sistemas de signos que

permitem a comunicaccedilatildeo entre indiviacuteduos eou coletividades de indiviacuteduosrdquo

(GRANDE ENCICLOPEacuteDIA LAROUSSE CULTURAL 1998 p 5317) Assim sendo

ela aborda o nome proacuteprio como um signo simboacutelico que representa um sujeito e

ldquoenquanto siacutembolo eacute o proacuteprio sujeito como se a palavra fosse o ser encarnadordquo

(IDEM)

Enquanto significante o nome proacuteprio eacute organizador em seu conjunto dos

efeitos do significado Mais que um iacutendice ele eacute um ldquotexto que se oferece ao

deciframentordquo na concepccedilatildeo de Lacan (RUSSO 2002 p 20) Desse modo o nome

proacuteprio eacute ldquoresumido numa palavra-texto como um conjunto de significaccedilotildees do outrordquo

(RUSSO 2002 p 22) o qual impele o ser a estabelecer relaccedilotildees ao identificar-se

Um dos primeiros pensadores senatildeo o primeiro a designar as palavras como

ldquosinaissignosrdquo foi Agostinho (354-430 EC) O estudo do sinal (semioacutetica) e em

especial do sinal linguiacutestico ocupa um lugar privilegiado na filosofia de Agostinho

Para ele o tema do ensino eacute fundamental e sinal e linguagem satildeo partes constitutivas

desse processo de aprendizagem Agostinho observa a importacircncia dos sinais na vida

humana Afinal todos os seres se dividem em sinais e significaacuteveis Em De magistro ele

afirma que todos os sinais satildeo coisas ainda que nem todas as coisas sejam sinais No

19

entendimento de Agostinho os sinais satildeo ldquocoisas de certo tipo especial O que eles tecircm

de especial eacute que satildeo coisas que se usam para significar e o significar (ou representar)

tem como principal incumbecircncia ensinar aos demaisrdquo (BEUCHOT 1986 p 14)15

Em sua obra De magistro (concluiacuteda em 389 EC) ele afirma a Adeodato seu

interlocutor imaginaacuterio no diaacutelogo mas seu proacuteprio filho na vida real

Entendeste certo creio tambeacutem teres notado apesar de haver quem natildeo concorde que mesmo sem emitir som algum noacutes falamos enquanto intimamente pensamos as proacuteprias palavras em nossa mente assim com as palavras nada mais fazemos do que chamar a atenccedilatildeo entretanto a memoacuteria a que as palavras aderem em as agitando faz com que venham agrave mente as proacuteprias coisas das quais as palavras satildeo sinais (SANTO AGOSTINHO 1973 p 324) 16

Algo que nos interessa mais de perto nesta pesquisa eacute a distinccedilatildeo operada por

Agostinho entre nome (nomen) e palavra (verbum) Haacute certo distanciamento entre o nome

e a coisa significada por meio de uma palavra da qual o nome eacute simplesmente um

sinal Uma palavra eacute sinal de uma essecircncia ou de uma coisa mas nunca coincide com

o proacuteprio sinal17 Aqui encontramos algo que se opotildee agrave concepccedilatildeo biacuteblico-judaica

como se viu no item anterior (ldquoLinguiacutesticardquo) Citemos Agostinho para tornar essa tese

mais clara

Acho que a diferenccedila seja esta o que eacute significado com o nome eacute significado tambeacutem com a palavra como pois nome eacute palavra assim tambeacutem rio eacute palavra mas nem tudo o que eacute significado com a palavra eacute significado tambeacutem com o nome Tambeacutem aquele si (se) com que comeccedila o verso por ti

15 Como afirma Agostinho em De magistro ldquoHaacute todavia creio certa maneira de ensinar pela recordaccedilatildeo maneira sem duacutevida valiosa como se demonstraraacute nesta nossa conversaccedilatildeo Mas se tu pensas que natildeo aprendemos quando recordamos ou que natildeo ensina aquele que recorda eu natildeo me oponho e desde jaacute declaro que o fim da palavra eacute duplo ou para ensinar ou para suscitar recordaccedilotildees nos outros ou em noacutes mesmosrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 323) Texto original latino ldquoAt ego puto esse quoddam genus docendi per commemorationem magnum sane quod in nostra hac sermocinatione res ipsa indicabit Sed si tu non arbitraris nos discere cum recordamur nec docere illum qui commemorat non resisto tibi et duas iam loquendi causas constituo aut ut doceamus aut ut commemoremus vel alios vel nosmetipsosrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195) 16 Texto no original latino ldquoRecte intellegis simul enim te credo animadvertere etiamsi quisquam contendat quamvis nullum edamus sonum tamen quia ipsa verba cogitamus nos intus apud animum loqui sic quoque locutione nihil aliud agere quam commonere cum memoria cui verba inhaerent ea revolvendo facit venire in mentem res ipsas quarum signa sunt verbardquo (AUGUSTINUS 2006 c 1195-1196) 17 ldquoNatildeo te parece que todos os sinais significam uma coisa distinta da que satildeo como quando pronunciamos este nome trissiacutelabo mdash animal mdash de modo algum significaremos aquilo que ele mesmo eacuterdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) Original latino ldquoNum omnia signa tibi videntur aliud significare quam sunt sicut hoc trisyllabum cum dicimus Animal nullo modo idem significat quod est ipsumrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200)

20

proposto e aquele ex (de) do qual tratamos tatildeo longamente guiados pela razatildeo ateacute chegarmos agrave presente questatildeo satildeo palavras mas natildeo nomes e muitos outros exemplos semelhantes podemos encontrar Pois como todos os nomes satildeo palavras mas nem todas as palavras satildeo nomes julgo estar clara a diferenccedila entre palavra e nome isto eacute entre o sinal daquele sinal que natildeo significa nenhum outro sinal e o sinal daquele sinal que pode significar outros (SANTO AGOSTINHO 1973 p 331) 18

Portanto para Agostinho a palavra ldquonomerdquo (nomen) significa nomes tais

como Roma Rocircmulo virtude rio etc portanto ldquoo nome significa nomes ou se

significa a si mesmo eacute autopredicativo ou autorreferencial [] Aleacutem disso todo nome

eacute palavra e toda palavra eacute signo portanto haacute signos que se significam a si mesmosrdquo

(BEUCHOT 1986 p 19) Esse conceito fica mais claro nas proacuteprias palavras de

Agostinho

E natildeo eacute assim tambeacutem para o nome [nomen] Este pois significa os nomes de todos os gecircneros e nome mesmo eacute um nome de gecircnero neutro Ou se te perguntasse que parte da oraccedilatildeo eacute nome natildeo poderias responder-me acertadamente dizendo nome [] Portanto haacute sinais que entre as outras coisas que significam significam tambeacutem a si mesmos (SANTO AGOSTINHO 1973 p 332)19

Na praacutetica Agostinho acabaraacute pendendo durante o diaacutelogo De magistro para

uma compreensatildeo convencionalista da linguagem Ele admitiraacute que o significado das

coisas natildeo se encontra no nome que lhe damos pois ele eacute um palavra portanto signo

de alguma coisa Mas para conhecer-se algo eacute preciso haver a preacutevia experiecircncia

sensitiva ou mentalintuitiva dessa mesma coisa20 Finalizando para tornar ainda

mais claro o pensamento agostiniano podemos mencionar essa sua outra explanaccedilatildeo

18 Texto original latino ldquoHoc distare intellego quod ea quae significantur nomine etiam verbo significantur ut enim nomen est verbum ita et flumen verbum est quae autem verbo significantur non omnia significantur et nomine Nam et illud si quod in capite habet abs te propositus versus et hoc ex de quo iam diu agentes in haec duce ratione pervenimus verba sunt nec tamen nomina et talia multa inveniuntur Quamobrem cum omnia nomina verba sint non autem omnia verba nomina sint planum esse arbitror quid inter verbum distet et nomen id est inter signum signi eius quod nulla alia signa significat et signum signi eius quod rursus alia significatrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1200) 19 Original latino ldquoQuid nomen nonne similiter habet Nam et omnium generum nomina significat et ipsum nomen generis neutri nomen est An si ex te quaererem quae pars orationis nomen posses mihi recte respondere nisi nomen [] Sunt ergo signa quae inter alia quae significant et se ipsa significent (AUGUSTINUS 2006 c 1201) 20 Veja-se o que Agostinho diz ldquoQuando as duas siacutelabas com que dizemos lsquocaputrsquo (cabeccedila) repercutiram pela primeira vez no meu ouvido sabia tatildeo pouco o que significavam como quando ouvi e li pela primeira vez lsquosaraballaersquo Poreacutem ouvindo muitas vezes dizer lsquocaputrsquo (cabeccedila) e notando e observando a palavra quando era pronunciada reparei facilmente que ela denotava aquela coisa que por tecirc-la visto a mim jaacute era conhecidiacutessima Mas antes de achar isto aquela palavra era para mim apenas um som e

21

Com as palavras natildeo aprendemos senatildeo palavras antes o som e o ruiacutedo das palavras porque se o que natildeo eacute sinal natildeo pode ser palavra natildeo sei tambeacutem como possa ser palavra aquilo que ouvi pronunciado como palavra enquanto natildeo lhe conhecer o significado Soacute depois de conhecer as coisas se consegue portanto o conhecimento completo das palavras ao contraacuterio ouvindo somente as palavras natildeo aprendemos nem sequer estas Com efeito natildeo tivemos conhecimento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que natildeo conhecemos senatildeo depois que lhes percebemos o significado o que se verifica natildeo mediante a audiccedilatildeo das vozes proferidas mas pelo conhecimento das coisas significadas Ao serem proferidas palavras eacute perfeitamente razoaacutevel que se diga que noacutes sabemos ou natildeo sabemos o que significam se o sabemos natildeo foram elas que no-lo ensinaram apenas o recordaram se natildeo o sabemos nem sequer o recordam mas talvez nos incitem a procuraacute-lo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 350)21

Assim as palavras e por conseguinte os nomes natildeo tecircm o poder de nos ligar

agraves essecircncias ou agraves coisas mesmas elas satildeo somente lembradas apoacutes (a posteriori) o nosso

contato com as coisas que as palavras e nomes ldquosignificamrdquo22

Na semioacutetica moderna o nome proacuteprio eacute assumido por alguns como um

signo no sentido semioacutetico do termo ou seja ldquoalguma coisa que eacute reconhecida por

algueacutem como indicaccedilatildeo de algordquo (VOLLI 2012 p 31) Nesse sentido exemplos de

signos poderiam ser a fumaccedila para o fogo a bandeira branca para a rendiccedilatildeo e o

semaacuteforo que obriga a parar ou avanccedilar O signo eacute ldquoum niacutevel extremamente simples

quase abstrato do sentidordquo (VOLLI 2012 p 32) Por isso o signo eacute uma relaccedilatildeo que liga

um significante a um significado (IDEM)

aprendi que ela era um sinal quando encontrei aquilo de que era sinal o que aprendi natildeo pelo significado mas pela visatildeo direta do objeto Portanto mais atraveacutes do conhecimento da coisa se aprende o sinal do que se aprende a coisa depois de ter o sinalrdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 349) Texto original latino ldquoEtenim cum primum istae duae syllabae cum dicimus laquocaputraquo aures meas impulerunt tam nescivi quid significarent quam cum primo audirem legeremue sarabaras Sed cum saepe diceretur laquocaputraquo notans atque animadvertens quando diceretur repperi vocabulum esse rei quae mihi iam erat videndo notissima Quod priusquam repperissem tantum mihi sonus erat hoc verbum signum vero esse didici quando cuius rei signum esset inveni quam quidem ut dixi non significatu sed aspectu didiceram Ita magis signum re cognita quam signo dato ipsa res disciturrdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1214) 21 Texto original latino ldquoVerbis igitur nisi verba non discimus immo sonitum strepitumque verborum nam si ea quae signa non sunt verba esse non possunt quamvis iam auditum verbum nescio tamen verbum esse donec quid significet sciam Rebus ergo cognitis verborum quoque cognitio perficitur verbis vero auditis nec verba discuntur non enim ea verba quae novimus discimus aut quae non novimus didicisse nos possumus confiteri nisi eorum significatione percepta quae non auditione vocum emissarum sed rerum significatarum cognitione contingit Verissima quippe ratio est et verissime dicitur cum verba proferuntur aut scire nos quid significent aut nescire si scimus commemorari potius quam discere si autem nescimus nec commemorari quidem sed fortasse ad quaerendum admonerirdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1215) 22 Agostinho define ldquosignificarrdquo como ldquoPois quando falamos fazemos sinais donde proveacutem a palavra lsquosignificarrsquo (fazer sinais mdash signa facere)rdquo (SANTO AGOSTINHO 1973 p 334) Texto original latino ldquoCum enim loquimur signa facimus de quo dictum est significarerdquo (AUGUSTINUS 2006 c 1198)

22

SIGNIFICANTE23

SIGNO = ________________

SIGNIFICADO24

Eacute importante delimitar o objeto de nosso estudo pois o nome proacuteprio possui

uma larga abrangecircncia As diversas categorias de nomes proacuteprios podem ser reunidas

entorno de trecircs polos25

a) dimensotildees da pessoa ndash ego (satildeo os antropocircnimos nomes de animais e

apelativos ou tiacutetulos) um prolongamento desta dimensatildeo seria o polo da

produccedilatildeo humana seja ela simboacutelica ou material como eacute o caso de nomes de

instituiccedilotildees nomes de produtos da atividade humana nomes de siacutembolos

matemaacuteticos e cientiacuteficos

b) dimensatildeo de espaccedilo ndash hic (nomes de lugares)

c) dimensatildeo do tempo ndash nunc (nomes de tempos) cf MOLINO 1982 p 6-7

Diante dessa heterogeneidade eacute praticamente impossiacutevel dar uma definiccedilatildeo

simples e coerente de nome proacuteprio Sendo uma categoria linguiacutestica eacute ilusoacuterio

segundo Molino ldquoprocurar definir de modo decisivo por criteacuterios natildeo ambiacuteguosrdquo

(IDEM) o nome proacuteprio Pode-se entatildeo chegar ao ponto de se afirmar que natildeo existem

nomes proacuteprios jaacute que natildeo haacute para eles uma definiccedilatildeo completa

Certamente natildeo porque a escolha natildeo eacute entre categorias definidas e a confusatildeo onde tudo eacute misturado com tudo O nome proacuteprio eacute uma categoria ldquoecircmicardquo uma categoria semiteoacuterica nascida da reflexatildeo mi-teoacuterica mi-praacutetica do locutor do gramaacutetico-pedagogo e do linguista sobre sua liacutengua com seus contornos e conteuacutedo indecisos ela existe no entanto E para explicaacute-lo o melhor instrumento eacute no momento aquele fornecido pela noccedilatildeo de protoacutetipo utilizado frequentemente pela psicologia cognitiva e aplicado algumas vezes agrave anaacutelise linguiacutestica Pode-se definir bem grosseiramente o protoacutetipo da seguinte maneira a cada palavra ou conceito estaacute associado um conjunto de

23 Significante seria a parte ldquofiacutesicardquo da palavra ou seja sua grafia e foneacutetica (SAUSSURE 2012 p 107) 24 Significado seria o ldquoconceitordquo transmitido pelo significante Portanto significante e significado satildeo duas faces da mesma folha (signo = palavra que possui sentido) (SAUSSURE 2012 p 107) 25 Esses polos seguem a diacutexis que eacute uma caracteriacutestica da linguagem humana que ldquoconsiste em fazer um enunciado referir-se a uma situaccedilatildeo definida real ou imaginaacuteria que pode ser a) quanto aos participantes do ato de enunciaccedilatildeo (1ordf pessoa ndash o que fala 2ordf pessoa ndash aquele a quem se dirige a fala 3ordf pessoa ndash todo assunto da comunicaccedilatildeo que natildeo sejam a 1ordf e 2ordf pessoas) b) quanto ao momento da enunciaccedilatildeo (diacutexis temporal) c) quanto ao lugar onde ocorre a accedilatildeo estado ou processo (diacutexis espacial)rdquo (DIacuteXIS 2009)

23

atributos que constitui o protoacutetipo do conceito e ao qual se compara todo objeto para julgar se ele se classifica ou natildeo sob esse conceito (MOLINO 1982 p 7)

Em nosso estudo claramente nos interessaraacute o nome proacuteprio em seu primeiro

polo isto eacute aquele da dimensatildeo da pessoa Afinal lidaremos com antropocircnimos e o uso

que deles faz a literatura aqui no caso a hebraica antiga Antes poreacutem conveacutem

observar que este uso natildeo eacute prerrogativa apenas da literatura hebraica Ele permeia e

tem um lugar especial na literatura universal

Por ser um signo um nome eacute um portador (significante) de significado isto eacute

ele tem sentido para algueacutem Ionescu (1994 p 306) afirma com razatildeo que um ldquoraacutepido

exame de algumas das obras mais relevantes da literatura universal prova

indubitavelmente o fato de que em um texto de ficccedilatildeo os nomes proacuteprios satildeo

altamente significativos e sempre cumprem uma finalidade poeacuteticardquo

Seguindo o quanto afirmado por Barthes

O Nome proacuteprio dispotildee de trecircs propriedades que o narrador reconhece agrave reminiscecircncia o poder de essencializaccedilatildeo (uma vez que ele designa apenas um uacutenico referente) o poder de citaccedilatildeo (uma vez que se pode chamar agrave escolha toda a essecircncia inserida no Nome ao proferi-lo) o poder de exploraccedilatildeo (uma vez que se ldquodesdobrardquo um Nome proacuteprio exatamente como se faz com uma lembranccedila) o Nome proacuteprio eacute de qualquer modo a forma linguiacutestica da reminiscecircncia [] o Nome proacuteprio se oferece a uma exploraccedilatildeo a um deciframento ele eacute ao mesmo tempo um ldquomeiordquo (no sentido bioloacutegico do termo) no qual eacute preciso mergulhar banhando-se indefinidamente em todos os devaneios que porta e um objeto precioso comprimido embalsamado que eacute necessaacuterio abrir como uma flor (BARTHES 1967 p 151)

Barthes discorda dos principais expoentes da Filosofia da Linguagem que vatildeo

de Peirce a Russell que viam no nome proacuteprio algo que designaria mas sem nada

significar Para Barthes o nome proacuteprio eacute um ldquosigno volumosordquo isto eacute cheio de

sentido que ldquonenhum uso chega a reduzir nivelar contrariamente ao nome comumrdquo

(IDEM) Ao analisar o uso que o escritor francecircs Marcel Proust (1871-1922) faz dos

nomes proacuteprios em seu monumental romance Agrave la recherche du temps perdu (Em busca

do tempo perdido) publicado de 1913 a 1926 Barthes percebe que ao lidar com os nomes

Proust estava gerindo as significaccedilotildees essenciais de sua obra E o romancista toma o

nome proacuteprio como um verdadeiro signo em suas duas dimensotildees como nota Barthes

24

[] de um lado ele pode ser lido sozinho ldquoem sirdquo como uma totalidade de significaccedilotildees numa palavra como uma essecircncia (uma ldquoentidade originalrdquo) diz Proust) ou se preferirmos uma ausecircncia pois o signo designa aquilo que natildeo estaacute laacute e de outro lado ele manteacutem com seus congecircneres relaccedilotildees metoniacutemicas estabelece a narrativa Swan e Guermantes natildeo satildeo somente duas estradas dois flancos satildeo tambeacutem dois foneticismos como Verdurin e Laumes (BARTHES 1967 P 156)

O nome portanto natildeo seria nada se natildeo fosse articulado com o seu referente

pois ldquoentre a coisa e a aparecircncia desenvolve-se o sonhordquo como constata Barthes (1967

p 156) Haacute uma motivaccedilatildeo para que aconteccedila a relaccedilatildeo entre significante e significado no

caso do nome proacuteprio na perspectiva proustiana identifica Barthes Seria ldquoum

copiando o outro e reproduzindo em sua forma material a essecircncia significada da coisa

(e natildeo a coisa mesma)rdquo (BARTHES 1967 p 157) Nesse sentido Proust sempre

segundo Barthes crecirc que a virtude dos nomes seja ensinar como ocorria em Craacutetilo de

Santo Agostinho conforme vimos acima A palavra literaacuteria portanto deveria ser lida

ldquonatildeo como o dicionaacuterio a explicita mas como o escritor a constroacuteirdquo (BARTHES 1967

p 158) O nome proacuteprio eacute uma caracteriacutestica linguiacutestica capaz de construir a essecircncia

dos objetos do romance Tomando de empreacutestimo um famoso axioma afirmariacuteamos

que ldquoPode-se dizer que o proacuteprio da narrativa natildeo eacute a accedilatildeo mas o personagem como

nome proacutepriordquo (BARTHES 1970 p 197) O nome penetrado pelos recursos

paradigmaacuteticos da obra ldquoobriga a uma leitura que ultrapassa a superfiacutecie do texto faz

confluir narraccedilatildeo personagem nome e liacutenguardquo (CRUZ 2006 p 65)

22 Psicanaacutelise

O nome proacuteprio individualiza identifica e personaliza o sujeito Assim o

ldquoconjunto de signos que forma o nome proacuteprio aleacutem de servir de marca formal

designativa do indiviacuteduo para os outros para a sociedade constitui-se como

referencial uacutenico para o sujeito ele o vive como sendo ele mesmordquo (MARTINS 1991

p 43) Para o sujeito o nome eacute mais que um signo ele eacute o seu elemento fundador uma

vez que ele coloca o sujeito no espaccedilo da interlocuccedilatildeo humana Ele permite ao

indiviacuteduo natildeo se perder na multidatildeo de corpos Ele eacute desse modo ldquoo articulador do

vivido com o mundo da linguagemrdquo (MARTINS 1991 p 46)

O nome proacuteprio passa a construir o cerne daquilo que o sujeito mais preza ou

seja o seu proacuteprio ldquoeurdquo Quem daacute o nome natildeo eacute quem o recebe e aquele que o recebe

25

natildeo o solicitou Isso porque o ser eacute nomeado a partir do desejo de outro ser A

identidade da pessoa seraacute definida ao longo de sua vida apesar do nome que ela porta

Eacute o sujeito que necessita apropriar-se das significaccedilotildees que lhe foram dadas fazendo

a sua proacutepria interpretaccedilatildeo

3 O nome proacuteprio na literatura

Aquilo que se viu nos itens anteriores torna-se ainda mais vaacutelido quando se

analisa as culturas mais antigas da humanidade Quando mais nos afastamos no

tempo mais as culturas ancestrais percebiam o ato de nomear algueacutem como tocar-lhe

na proacutepria personalidade O pesquisador V Larock se pergunta com razatildeo

Seraacute que estamos tatildeo longe agraves vezes de emprestar aos nomes como [faziam] os natildeo civilizados uma sorte de realidade objetiva um prestiacutegio e um poder que ultrapassam extraordinariamente sua significaccedilatildeo literal ou sua funccedilatildeo social Natildeo experimentamos ao pronunciar nosso proacuteprio nome em certas circunstacircncias um sentimento confuso que beira seja ao orgulho seja ao temor Noacutes natildeo cercamos ainda de cerimocircnias religiosas ou profanas o ato da primeira denominaccedilatildeo E os ritos maacutegicos praticados sobre o nome satildeo tatildeo raros dentre o povo Os poetas natildeo exploraram frequentemente esta sorte de misteriosa correspondecircncia que se estabelece entre a tonalidade de um nome e a fisionomia do personagem a quem esse nome pertence (LAROCK 1932 p 13)

O filoacutelogo e linguista italiano Bruno Migliorini (1896-1975) recorda uma

circunstacircncia interessante da vida do renomado escritor alematildeo Johann Wolfgang von

Goethe (1749-1832) Este ficou descontente com um epigrama que outro conhecido

escritor criacutetico literaacuterio filoacutesofo e teoacutelogo alematildeo Johann Gottfried von Herder (1744-

1803) escrevera sobre o seu sobrenome Entatildeo Goethe teria recordado a Herder que

um nome de famiacutelia ldquonatildeo eacute como um manto que lhe estaacute pendurado por cima e que se

pode arrancar e rasgar mas uma veste perfeitamente adaptada ou como a pele

crescida juntamente com ele e que natildeo se pode raspar e arranhar sem fazer mal

tambeacutem a elerdquo (MIGLIORINI 1927 p 6) Portanto Goethe concedia ao nome proacuteprio

uma conexatildeo direta agrave personalidade o que lhe confere um caraacuteter mais especial que

um simples nome comum Como afirma Barthes (1970 p 74) ldquoQuando semas

idecircnticos atravessam vaacuterias vezes o mesmo nome proacuteprio e parecem nele se fixar

26

nasce um personagemrdquo Portanto o nome proacuteprio ficcional eacute o ldquolugar de um processo

semacircntico fundamental para a gramaacutetica da narrativardquo (NICOLE 1983 p 236)

Devido a isso o nome proacuteprio na ficccedilatildeo ultrapassa a mera identificaccedilatildeo do

personagem e a continuidade desta referecircncia ao longo da narraccedilatildeo Haacute outras

propriedades excepcionais no interior do processo ficcional de identificaccedilatildeo

Seguindo o linguista e lexicoacutegrafo ucraniano radicado no Canadaacute Jaroslav

Bohdan Rudnyckyj (1910-1995) especialista em etimologia e onomaacutestica Dirce Cocircrtes

Riedel (sd p 77-78) identifica as seguintes funccedilotildees literaacuterias do nome proacuteprio

31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens

a Como na obra de Nikolai Gogol (1809-1852) Taras Bulba um romance

histoacuterico cuja primeira versatildeo eacute de 1835 e o tiacutetulo revela o nome do

personagem principal Esse velho e poderoso cossaco ucraniano por ser

arredondado (gordo) possui uma aparecircncia de bulrsquoba que significa

ldquobatatardquo Assim sendo essa palavra na funccedilatildeo de nome proacuteprio ldquosubstitui

uma extensa descriccedilatildeo realista do personagem e serve de base para que a

nossa imaginaccedilatildeo reproduza a pintura do heroacutei fictiacuteciordquo

b Algo semelhante ocorre com o nome do personagem principal de Almas

Mortas do mesmo Nikolai Gogol publicada em 1842 O nome dele eacute Paacutevel

Ivaacutenovitch Tchiacutetchicov sendo que este uacuteltimo nome Tchiacutetchicov possui um

som que sugere alguma coisa instaacutevel De fato o personagem eacute um perpeacutetuo

viajante em busca da fortuna apoacutes ter sido demitido do serviccedilo puacuteblico por

desonestidade

32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo

33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo

34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra

a Recurso mais comum na poesia moderna Haacute exemplos de ldquoadaptaccedilatildeo

musical do nome ao contexto liacuterico quando usado por razotildees musicais

condicionado pela organizaccedilatildeo de toda a frase e pelo ritmordquo O valor

estrutural dos nomes proacuteprios fica claro nas oposiccedilotildees que o escritor

dramaturgo e ensaiacutesta brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954) realiza em

seu poema intitulado Cacircntico dos Cacircnticos para Flauta e Violatildeo ao mencionar

27

as amadas e a Amada Maria Antonieta dAlkmin com quem se casou em

1942 ano aliaacutes de composiccedilatildeo do referido poema Vejamos

Natildeo quero mais A inglesa Elena Natildeo quero mais A irmatilde da Nena Natildeo quero mais A bela Elena Anabela Ana Bolena Quero vocecirc Toma conta do ceacuteu Toma conta da terra Toma conta do mar Toma conta de mim Maria Antonieta dAlkmin (ANDRADE 1974 p 184)

b Algo semelhante encontra-se em Os Irmatildeos Karamaacutezov obra do escritor russo

Fioacutedor Dostoieacutevski (1821-1881) Neste romance escrito em 1879 os irmatildeos

satildeo todos ldquoenegrecidosrdquo devido suas taras O nome proacuteprio Karamaacutezov

estrutura o romance pois a primeira parte do nome kara significa negro Em

um conto do mesmo autor O senhor Prokhartchin escrito quando

Dostoieacutevski tinha apenas 25 anos de idade (1846) contata-se o mesmo

fenocircmeno A relaccedilatildeo do nome com o que ele significa eacute uma temaacutetica

essencial deste conto O tradutor ensaiacutesta e escritor ucraniano radicado no

Brasil Boris Solomonovitch Schnaiderman quando traduziu e analisou este

conto destacou a funccedilatildeo do uso do nome proacuteprio na obra de Dostoieacutevski

As suas constataccedilotildees podem ser ampliadas para vaacuterias outras obras

literaacuterias aleacutem daquelas deste autor russo

Este uso dos nomes proacuteprios significativos nem sempre tem a funccedilatildeo de colocar desde o iniacutecio maacutescara na personagem definindo-a Agraves vezes soacute depois da leitura eacute que se percebe a relaccedilatildeo entre o nome proacuteprio e o papel da personagem Eacute o caso por exemplo do nome Raskoacutelnikov que tem relaccedilatildeo com raskol heresia (o que lhe daacute certa semelhanccedila com Heregino) mas soacute depois da leitura de Crime e castigo e com um pouco de reflexatildeo eacute que se percebe realmente para o narrador o criminoso eacute um herege [] O jogo de palavras que deu origem ao nome relaciona-se com a exploraccedilatildeo das possibilidades de formaccedilatildeo de verbos a partir da palavra khartchi Assim no romance O Soacutesia imediatamente anterior ao conto aparece a forma iskhartchiacutelsia isto eacute no preteacuterito e tambeacutem no sentido de ter gasto o dinheiro com a comida natildeo obstante o preacute-verbo diferente O nome Prokhartchin eacute explorado no conto tanto na sua semacircntica que eacute claramente indicada como nas possiacuteveis variaccedilotildees alusivas (SCHNAIDERMAN 1982 p 118)

28

c Outro exemplo pode ser extraiacutedo da obra Buriti (em Corpo de Baile) do

escritor diplomata e meacutedico mineiro Joatildeo Guimaratildees Rosa (1908-1967)

trata-se do nome da personagem Mauriacutecia Esse nome conecta-se com a

denominaccedilatildeo cientiacutefica da planta que daacute nome agrave histoacuteria o buriti mauritia

viniacutefera corresponde em portuguecircs ao buritizeiro muriti muritim muruti

Portanto o nome Mauriacutecia participa das imagens que conduzem a narrativa

como um dos elementos estruturais do enredo ldquoQuando Maria da Gloacuteria

indaga de Lalinha porque natildeo tivera filhos eacute a imagem de Vovoacute Mauriacutecia

que lhe ocorre ao contemplar com amor o Buriti-Grande Neste e naquela

concentra-se a sensaccedilatildeo de estabilidaderdquo (RIEDEL sd p 83)

Lembrei de Vovoacute Mauriacutecia vocecirc sabe Ela eacute quem diz _ A gente deve ter muitos filhos quantos vierem e com amor de bem criar desistidos cuidados de se ralar sem sobrossos que Deus eacute estaacutevel (ROSA 2010 p 382)

ldquoSolidez que eacute reafirmada coincidindo quase sempre com a

contemplaccedilatildeo do Buriti sugestivo da tranquilidade estaacutevel dos

Geraisrdquo (RIEDEL sd p 84)

_ Vovoacute Mauriacutecia eacute dos Gerais Ela falava de sua gente O buritizal acolaacute impenha seu estado Tal iocirc Liodoro ndash iocirc Lidoro Mauriacutecio sendo Mauriacutecia sua matildee que no meio dos Gerais residia (ROSA 2010 p 342)

ldquoObserve-se a sintaxe claacutessica ndash denotadora ndash conotadora da

estabilidade da tradiccedilatildeo da famiacutelia mineirardquo (RIEDEL sd p 84 n

19) A presenccedila de Vovoacute Mauriacutecia eacute simboacutelica da ldquoessecircncia do que

permanecerdquo (RIEDEL sd p 84)

Maria Behuacute estava citando um ditado de Vovoacute Mauriacutecia essa falava coisas inesqueciacuteveis ldquoO sol natildeo eacute os raios dele ndash eacute o fogo da bola A gente eacute o coraccedilatildeo caladinhordquo (ROSA 2010 p 405)

A ideia de que as pessoas nunca estatildeo acabadas mas estatildeo sempre

sendo de que ldquoa vida natildeo tem passado Toda hora o barro se refazrdquo

[Cf Buriti em Corpo de Baile] ndash eacute um motivo retomado em toda a obra

de Guimaratildees Rosa Um motivo que vaacuterias vezes eacute configurado pelos

29

nomes proacuteprios Porque ldquojaneiro afofa o que dezembro endurecerdquo

[ROSA 2001 p 257]

d A amplidatildeo do ciclo da obra de Honoreacute de Balzac (1799-1850) denominada

A Comeacutedia Humana se imporaacute sob a forma de um retorno dos mesmos nomes

proacuteprios de volume em volume como bem observou Eugegravene Nicole (1983

p 236) Esse recurso de Balzac seraacute fundamental para dar uma unidade ao

conjunto de sua obra

35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26 Dirce Cocircrtes Riedel

fundamenta-se em Stephen Ullmann (1914-1976)27 para trazer agrave luz essa funccedilatildeo

literaacuteria do nome proacuteprio Ullmann observa que Marcel Proust desenvolve uma teoria

dos nomes proacuteprios em sua obra Em Busca do Tempo Perdido no volume um No caminho

de Swann (1913) terceiro capiacutetulo Nome de terras o nome

Proust vecirc neles um importante fator na discrepacircncia fundamental entre imaginaccedilatildeo e realidade apontando-os como desenhadores fantasistas que nos datildeo das pessoas e dos paiacuteses esboccedilos tatildeo pouco semelhantes que experimentamos muitas vezes certo estupor quando temos diante de noacutes em lugar do mundo imaginado o mundo visiacutevel

a Para Ullmann as cores tecircm um lugar proeminente na aura associativa de certos nomes proacuteprios A mais persistente dessas associaccedilotildees eacute a tonalidade do nome ldquoGuermantesrdquo que ocorre quase como um lsquoleitmotivrsquo simbolizando o entusiasmo juvenil do narrador pela famiacutelia aristocraacutetica Ele gosta de imaginar o nome ldquobaignant comme dans un coucher de soleil dans la lumiegravere

orangeacutee qui eacutemane de cette syllabe lsquoantesrsquordquo28 (RIEDEL sd p 78)

b Aleacutem das associaccedilotildees visuais como proposto acima podem ocorrer

aquelas sonoras Nesse sentido Ullmann exemplifica trazendo um

trecho da obra do escritor e poeta francecircs Louis Henri Jean Farigoule

conhecido como Jules Romains (1885-1972) Em seu romance Les amours

enfantines no uacuteltimo capiacutetulo intitulado ldquoRumeur de la rue Reacuteaumurrdquo

ele sente vibraccedilotildees no seu nome

26 Associaccedilatildeo de palavras ou expressotildees que combinam sensaccedilotildees distintas numa impressatildeo uacutenica cruzamento de sensaccedilotildees Por exemplo na expressatildeo ldquovoz doce e maciardquo a palavra ldquovozrdquo manifesta uma sensaccedilatildeo auditiva o vocaacutebulo ldquodocerdquo exprime uma sensaccedilatildeo gustativa e finalmente a palavra ldquomaciardquo revela uma sensaccedilatildeo taacutetil 27 Linguista huacutengaro que transcorreu a maior parte de sua vida na Inglaterra o qual em sua obra intitulada Style in the French novel (Cambridge [UK] University Press 1957) ressalta tais tipos de associaccedilotildees dos nomes proacuteprios 28 Traduccedilatildeo banhando-se como em um por do sol na luz alaranjada que emana desta siacutelaba ldquoantesrdquo

30

Son nom mecircme qui ressemble agrave um chant de roues et de murailles agrave une treacutepidation drsquoimmeubles agrave la vibration du beacuteton sous lrsquoasphalte au bourdonnement des convois souterrainshellip (ULLMANN 1967 p 183 n 2)

Jules Romains menciona o nome de uma rua de Paris rue Reacuteaumur

e afirma que ele se parece ao som de rodas e paredes e vaacuterias outras

formas de trepidaccedilatildeo vibraccedilatildeo e estrondos urbanos Esses motivos

hermeticamente fundidos com o tema de fluxo e refluxo do livro satildeo

incorporados na forma de som da rue Reacuteaumur

Esse tipo de associaccedilatildeo tambeacutem ocorre na obra do escritor e poliacutetico

francecircs Franccedilois-Reneacute de Chateaubriand (1768-1848) como observa

Jean Mourot Haacute na seleccedilatildeo de nomes proacuteprios dos personagens de

suas obras uma acurada preocupaccedilatildeo pela sonoridade Isso se

comprova pela frequecircncia da consoante liacutequida ldquolrdquo e da vogal final

ldquoardquo na maioria dos nomes das heroiacutenas como por exemplo Atala

Ceacuteluta Blanca Mila entre outras Em sua obra apologeacutetica Geacutenie du

Christianisme (1802) o proacuteprio Chateaubriand admite ldquoAcusar-nos-

atildeo de tentar surpreender o ouvido com sons suaves se lembrarmos

estes conventos de Aqua-Bella Bel-Monterdquo (CHATEAUBRIAND

1809 p 119)

c Outro exemplo de associaccedilatildeo sonora produzida pela onomaacutestica na

literatura encontramos no escritor Guimaratildees Rosa Augusto de

Campos observa em Grande Sertatildeo Veredas de Guimaratildees Rosa o tema-

timbre do personagem Diadorim que ldquonatildeo rotula ndash ou denota ndash

simplesmente o personagem a que estaacute aderido Eacute isomoacuterfico em relaccedilatildeo

agrave personalidade do personagemrdquo (CAMPOS 1959) Comenta a

fisiognomia29 semacircntica da Riobaldo ndash etimologia de invenccedilatildeo rio + baldo

(frustrado) ndash e a de Diadorim ndash ldquocaleidoscoacutepio em miniatura de

reverberaccedilotildees semacircnticas suscitadas por associaccedilatildeo formalrdquo (IDEM) a)

Dia + adora (ser) b) Diaacute (diabo) + dor (natildeo-ser) + im Em ldquodois planos

29 Eacute a arte de conhecer o caraacuteter do indiviacuteduo a partir de suas feiccedilotildees (FISIOGNOMONIA 2009)

31

de significado (lsquodeusrsquo ou o lsquodemorsquo sempre) se bifurca desde o nome

essa criatura que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e

mais para muito amar sem gozo de amorrdquo Campos continua a

observar que ldquoO amor condenado que Riobaldo nutre por Diadorim

lanccedila-o frequentemente na indagaccedilatildeo da procedecircncia (demoniacuteaca) do

seu sentimentordquo (IDEM) Diaacute = o diabo e Diadorim ldquoProcesso de

metamorfose etimoloacutegicardquo (IDEM) que eacute enfatizado quando Riobaldo se

refere ao nome do alematildeo Vupes ldquoE como eacute mesmo que o senhor fraseia

Wusp Eacute Seu Emiacutelio Wuspes Wuacutespiss Vupses Pois esse Vupesrdquo

(IDEM) Diadorim ndash um nome perpetual laquoA accedilatildeo da presenccedila

onomaacutestica de Diadorim se faz sentir verberando pelas aacutereas

circunvizinhas ora sutilmente atraveacutes de uma incidecircncia maior de

fonemas em ndash d ndash ora de maneira mais expliacutecita pelo emprego da rima

em ndashim Satildeo pegadas sonoras que assinalam com um timbre

inconfundiacutevel a presenccedila do personagem como que a prolongar o seu

ldquoprazo de perfumerdquo

Diadorim tambeacutem disso natildeo disse (ROSA 1994 p 41) Desistir de Diadorim foi o que eu falei Digo desdigo (ROSA 1994 p 256)

Augusto de Campos nota ainda as rimas em ndashim que circulam ao

redor do nome Diadorim como no exemplo seguinte

Quem era assim para mim Diadorim (ROSA 1994 p 249) Dirce Cocircrtes Riedel constata tambeacutem que ldquoRiobaldo Diadorim

Norinhaacute Otaciacutelia Zeacute Bebelo Liodoro Mauriacutecia Lalinha Glorinha

Gualberto Maria Beuacute Soropita Doralda tecircm ressonacircncia

associativa concorrendo na organizaccedilatildeo do enredordquo (RIEDEL sd

p 83) da obra Buriti reunida em Corpo de Baile Observe-se a

frequecircncia de ldquorrdquo e ldquolrdquo

d Permanecendo ainda na obra de Guimaratildees Rosa pode-se tomar outro

exemplo a partir do uso da vogal ldquoirdquo a qual com a sua ressonacircncia

expressa carinho Haacute portanto uma carga afetiva na assonacircncia do ldquoirdquo

vejamos

32

A menina de laacute morava para traacutes da Serra do Mim E ela menininha por nome Maria Nhinhinha dita (ROSA Primeiras Estoacuterias) Iocirc Irvino iocirc Iacutesio iaacute-Dijina Lalinha Glorinha Mauriacutecia Alcina (Buriti)

Como bem nota Ana Maria Machado em sua tese doutoral orientada

por Roland Barthes na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes de Paris

[] o Nome natildeo tem apenas a funccedilatildeo de indicar um personagem ou de individualizaacute-lo nem mesmo de caracterizaacute-lo sumariamente de modo alegoacuterico O nome proacuteprio em Guimaratildees Rosa significa ao contraacuterio de todas as opiniotildees claacutessicas a respeito da natildeo-significaccedilatildeo do Nome Na obra rosiana esse significado pode ligar-se agrave funccedilatildeo do personagem na narrativa o Grivo eacute quem grifa Ivo Crocircnico eacute quem modifica a cronologia Osoacuterio eacute quem a montanha escolhe para destinataacuterio do recado e assim por diante Mas o mais importante eacute que essa significaccedilatildeo nunca eacute isolada e soacute se verifica realmente se o Nome eacute tambeacutem tomado no conjunto do texto como parte de um sistema em que um elemento soacute existe por oposiccedilatildeo aos outros (MACHADO 2013 p 113-114)30

O nome em Guimaratildees Rosa natildeo atua como um mero elemento de

identificaccedilatildeo eacute um ldquosigno motivado que apresenta uma relaccedilatildeo

direta entre o significante e o referenterdquo (CRUZ 2006 p 66) O nome

rosiano parece querer buscar a transcendecircncia da palavra ao criar um

recurso narrativo que ldquodestaca a aglutinaccedilatildeo sonora e espacial e cria

um tipo de linguagem em que a palavra-nome ganhando peso e

medida instaura a individuaccedilatildeo do sujeito nomeadordquo (IDEM) Se

por um lado Guimaratildees Rosa manifesta um claro interesse pelo teor

semacircntico do nome proacuteprio por outro lado ele ldquofaz prevalecer a

poeticidade da forma ndash destaca a configuraccedilatildeo focircnica e graacutefica

diferente de muitos dos nomes do escritor que satildeo orientados para

fazer eclodir um discurso lsquomimeacuteticorsquo que aflore significados de forma

veladardquo (IBID p 67) Assim sendo muitos dos nomes atraem pelos

seus componentes formais letra som e variaccedilatildeo lexical

Ullmann natildeo deixa de assinalar que ateacute os nomes proacuteprios as mais concretas

de todas as palavras estatildeo sujeitos ao contexto soacute este especificaraacute o que temos em

30 Essa obra eacute altamente recomendaacutevel para deslindar os antropocircnimos de Guimaratildees Rosa e perceber-se as vaacuterias funccedilotildees do nome de pessoas numa obra literaacuteria

33

mente quanto ao aspecto e caraacuteter do personagem ou do local (ULLMANN 1967 p

151) Eugegravene Nicole (1983 p 234) percebe que o uso dos nomes proacuteprios no texto

ficcional ldquonatildeo pode ser sem relaccedilatildeo com seu funcionamento na vida social que o

romancista representa ou na linguagem lsquonaturalrsquo que ele utilizardquo Isso se torna ainda

mais claro ao analisar-se por exemplo a obra da Guimaratildees Rosa como jaacute

mencionamos acima Em alguns de seus contos como eacute o caso de Desenredo e

Orientaccedilatildeo reunidos em sua obra Tutameacuteia um mesmo personagem recebe vaacuterios

nomes colocando em foco ldquosujeitos fadados a conviver com a sua multiplicidade

sujeitos que convivem numa atmosfera ambiacutegua e dupla Os vaacuterios nomes geram a

possibilidade da cesura no sentir e pensar desse sujeito muacuteltiplordquo (CRUZ 2006 p 66)

Nesses contos o nome possui a funccedilatildeo de signo que traduz esse sujeito muacuteltiplo e

duplo cindido em sua proacutepria contradiccedilatildeo Nessa diversidade do nome ldquoo sujeito

convive com a duplicidade e na confusatildeo interior busca a unidade na diversidade

Personagens atuam como narcisos dilacerados os reflexos do lsquoeursquo estatildeo representados

na biparticcedilatildeo do nomerdquo (IDEM)

No texto biacuteblico que passaremos a analisar a partir do terceiro capiacutetulo poderaacute

se verificar algo que se aproxima desse fenocircmeno rosiano guardadas evidentemente

as devidas proporccedilotildees e diferenccedilas de estilo e gecircnero O personagem Jacoacute assume uma

nova identidade quando tem seu nome mudado pelo ser com o qual se encontra e luta

agraves margens do rio Jaboc (cf Gn 3228-29) A duplicidade do personagem que desde o

seu nascimento apresenta caracteriacutesticas de trapaceiro (cf Gn 2525 2736) e obteacutem os

benefiacutecios da primogenitura por meio de diversos truques (cf Gn 2529-34 271-40) se

revela com o recebimento do novo nome (Gn 3229) Assim como ocorre com alguns

personagens de Guimaratildees Rosa Jacoacute separa-se de si mesmo e incorpora o papel de

um ldquooutrordquo ocultado na cisatildeo de vaacuterios nomes Mas as semelhanccedilas natildeo param por aiacute

Assim como haacute uma preocupaccedilatildeo em justificar o novo nome do personagem ndash Israel ndash

por parte do texto biacuteblico na obra de Guimaratildees Rosa observa-se tal requinte no jogo

etimoloacutegico Somente para ficarmos em um exemplo tomemos novamente o conto

Buriti onde iocirc Liodoro cujo nome completo eacute Liodoro Mauricio Faleiros desempenha

um papel central Sendo que ldquoEacute para ele que tudo converge eacute nele que tudo se articula

eacute dele que se irradiam os acontecimentos eacute seu peso de patriarca e proprietaacuterio que

34

domina o universo do contordquo (MACHADO 2013 p 114) O nome Liodoro proveacutem de

Heliodoro que a rigor designaria dom de Heacutelios daacutediva do sol Mas Guimaratildees Rosa

vai beber na fonte da etimologia popular para usar a significaccedilatildeo de ldquosol de ourordquo E

de fato eacute entorno de Liodoro que gravitam a famiacutelia e os agregados do Buriti Grande

Mas haacute mais pormenores nesse nome

Lio eacute tambeacutem o radical que indica ldquolisordquo Liodoro liso e duro Pois liso e duro com roliccedilo satildeo caracteriacutesticas insistentemente disseminadas pelo texto num dos vaacuterios desdobramentos desse Nome Lio eacute ainda feixe viacutenculo a articular entre si os diversos personagens e acontecimentos da trama Outra faixa de significados postos em accedilatildeo por esse significante eacute a de liana no contiacutenuo enleamento e enredamento em que se tecem os fios do enredo e do texto num emaranhado vegetal em torno agrave grande aacutervore que eacute iocirc Liodoro Aacutervore porque ele eacute Mauriacutecio como sua matildee a vovoacute Mauriacutecia dos Gerais figura quase miacutetica evocada pela famiacutelia [] Mas sobretudo Mauriacutecio como o Buriti palmeira cujo nome cientiacutefico eacute Mauritia vinifera Natural pois que sua mulher se chamasse iaiaacute Vininha autenticando a homologia com seu Nome que tambeacutem alude a Vecircnus e confirma que iocirc Liodoro vive sob o signo do amor (MACHADO 2013 p 114-115)

Para o linguista dinamarquecircs que se especializou em gramaacutetica inglesa Jens

Otto Harry Jespersen (1860-1943) mais conhecido por Otto Jespersen os nomes

proacuteprios conotam o maior nuacutemero de atributos sendo que a conotaccedilatildeo eacute inerente ao

nome algo com uma existecircncia independente de qualquer conhecimento humano O

linguista se interroga ldquoSe os nomes proacuteprios como de fato entendidos natildeo

conotassem muitos atributos natildeo saberiacuteamos compreender ou explicar o fenocircmeno

corriqueiro de um nome proacuteprio tornar-se um nome comumrdquo (JESPERSEN 1963 p

66) E ele se coloca ainda mais uma questatildeo

[] como uma sequecircncia de sons sem sentido nenhum de natildeo conotativa passa a conotativa sentido aceito por toda comunidade falante [] Uma qualidade eacute selecionada e passa a caracterizar outros seres e coisas possuiacutedas da mesma qualidade Eacute o mesmo processo encontrado nos nomes comuns como quando uma flor em forma de sino eacute chamada um sino natildeo obstante natildeo haver os outros aspectos de um sino real ou quando algum poliacutetico eacute chamado de velha raposa ou quando dizemos que peacuterola ou que joiardquo de uma mulher A transferecircncia no caso de nomes proacuteprios originais eacute devido agrave mesma causa como no caso de nomes comuns ou seja a sua conotatividade e a diferenccedila entre as duas classes eacute portanto para ser vista como apenas de grau (JESPERSEN 1963 p 67)

35

Portanto como jaacute vimos no primeiro item deste capiacutetulo para Jespersen natildeo eacute

possiacutevel considerar os nomes proacuteprios como natildeo conotativos por ser uma abstraccedilatildeo o

que designamos por um nome individual Cada indiviacuteduo muda constantemente

transforma-se a cada momento e o nome serve para fixar os elementos permanentes

das apariccedilotildees flutuantes ou reduzi-las a um denominador comum Concluindo

ldquoQuanto mais especificamente uma coisa eacute denotada mais provaacutevel eacute que o nome seja

escolhido arbitrariamente e mais se aproximaraacute de um nome proacuteprio ou em tal se

tornaraacuterdquo (JESPERSEN 1963 p 71) Tal constataccedilatildeo jaacute havia realizado Michel Breacuteal

quando afirma

Se se classificasse os nomes segundo a quantidade de ideias que eles suscitam os nomes proacuteprios deveriam estar no topo porque eles satildeo os mais significativos de todos sendo os mais individuais Um adjetivo como augustus tornando-se o nome de Otaacutevio adquiriu uma quantidade de ideias que lhe eram anteriormente estranhas De outro lado basta confrontar a palavra Ceacutesar entendida como o adversaacuterio de Pompeu e a palavra alematilde Kaiser que significa ldquoimperadorrdquo para ver que um nome proacuteprio perde em compreensatildeo ao tornar-se um nome comum De onde se pode concluir que do ponto de vista semacircntico os nomes proacuteprios satildeo substantivos por excelecircncia (BREacuteAL 1897 p 198)

Essa constataccedilatildeo de Jespersen eacute importante no uso que a literatura faz dos

nomes proacuteprios Um exemplo disso encontramos em Padre Antoacutenio Vieira o qual

lembra que os patriarcas antigos escolhiam para os filhos nomes que eram uma

profecia do seu futuro e do de descendentes O interesse nos nomes proacuteprios entre os

barrocos do seacuteculo XVII eacute grande porque se acreditava que o destino do indiviacuteduo

depende em parte da escolha de seu nome31 Caracteriacutestica esta muito proacutexima agrave

literatura hebraica claacutessica no uso que faz em algumas ocasiotildees do nome proacuteprio

como veremos em capiacutetulos sucessivos

Eacute oportuno destacar aqui que natildeo somente a identificaccedilatildeo de um personagem

atraveacutes de seu nome proacuteprio eacute importante na obra ficcional narrativa mas tambeacutem a

rejeiccedilatildeo da identificaccedilatildeo individual de algum personagem na obra A obra literaacuteria

classifica seus personagens atraveacutes da dicotomia que opotildee os portadores de nomes

agravequeles que deles satildeo desprovidos Aqueles que recebem um nome satildeo os

31 Segundo CANTEL 1959 apud RIEDEL sd p 81

36

personagens propriamente ditos Apesar de que em meados do seacuteculo passado um

movimento literaacuterio optou consciente e voluntariamente pela ausecircncia total de nomes

ou a abundacircncia de significantes que podiam se deformar ao longo da narrativa Esse

foi o caso do denominado Nouveau roman32 Em outras ocasiotildees a obra de ficccedilatildeo utiliza

os recursos do sistema apelativo tais como certos nomes comuns tiacutetulos certos

termos de relaccedilatildeo de parentesco etc a fim de designar o personagem no sistema geral

do texto Assim sendo ldquotal apelaccedilatildeo social chama a atenccedilatildeo pelo seu caraacuteter

sistemaacutetico e exclusivordquo (NICOLE 1983 P 240) Como exemplo pode-se citar o

prenome de Madame de Recircnal que eacute Louise na obra O vermelho e o negro de 1830 de

Henri-Marie Beyle mais conhecido como Stendhal (1783-1842) O prenome desse

personagem Louise nos eacute dado uma soacute vez num soliloacutequio de seu marido

(STENDHAL 1963 p 125) e natildeo aparece jamais em outro lugar do romance Eacute um

personagem sem ldquoautonomiardquo no sentido de que eacute sempre designada em sua relaccedilatildeo

de esposa Como bem observa Eugegravene Nicole (1983 p 240-241) ldquoinspirada no coacutedigo

social a forma habitual (Madame de Racircnal) se revelaraacute aqui como significante na

medida em que ela aparece como efeito do apagamento regular de seus apelativos

substitutosrdquo Essa funccedilatildeo classificatoacuteria que o nome possui em sentido geral eacute

tambeacutem uma funccedilatildeo de significaccedilatildeo pois ldquoSignificar para o nome proacuteprio quer dizer

inserir o portador nessas hierarquias e inscrevecirc-lo no lugar que lhe eacute de direitordquo

(GRIVEL 1973 p 130)

32 ldquoA expressatildeo Nouveau Roman (novo romance) refere-se a um movimento literaacuterio francecircs dos anos 1950 que diverge dos gecircneros literaacuterios claacutessicos Eacutemile Henriot cunhou o tiacutetulo num artigo do popular jornal francecircs Le Monde no dia 22 de maio de 1957 para descrever os experimentos estiliacutesticos de alguns escritores que criavam um estilo essencialmente novo a cada romance Alain Robbe-Grillet um influente teoacuterico assim como um representante do nouveau roman publicou uma seacuterie de ensaios sobre a natureza e o futuro do romance que foram posteriormente reunidos na obra Pour un nouveau roman Rejeitando muitas das caracteriacutesticas estabelecidas no romance ateacute entatildeo Robbe-Grillet julgou os romancistas predecessores como antiquados em razatildeo do foco que colocavam no enredo na accedilatildeo na narrativa nas ideias e nos personagens Em vez disso ele apresentou uma teoria do romance cujo foco recai sobre os objetos o nouveau roman ideal seria uma versatildeo e visatildeo individual das coisas subordinando trama e personagem aos detalhes do mundo ao inveacutes de arrolar o mundo a serviccedilo deles Assim de acordo com os autores do nouveau roman natildeo faria sentido escrever romances agrave maneira de Balzac com personagens bem definidos enredo com comeccedilo meio e fim Eles estariam em vez disso mais proacuteximos da literatura introspectiva de Stendhal ou Flaubert Natildeo admitiam a descriccedilatildeo dos personagens mdash que segundo eles seria influenciada por vieacutes ideoloacutegico mdash mas a exploraccedilatildeo dos fluxos de consciecircnciardquo (NOUVEAU ROMAN 2015)

37

Desse modo tanto a poeacutetica do nome proacuteprio ficcional isto eacute a motivaccedilatildeo que o

autor confere ao nome que ele ldquofabricardquo quanto a sua poieacutetica ou seja o processo do

fazer poeacutetico devem ser levados em conta pela onomaacutestica literaacuteria Eacute como constata

Roland Barthes (1967 p 152 ndash citaccedilatildeo livre) ldquoo romancista tem o dever de formar nomes

justosrdquo

A relaccedilatildeo do nome proacuteprio e do conteuacutedo textual pode se manifestar em geral

como uma relaccedilatildeo interna ou externa No primeiro caso ldquoo Nome parece exercer na

obra um papel tatildeo central que ele soacute pode ser contemporacircneo de sua concepccedilatildeo

original ou pelo menos de suas primeiras elaboraccedilotildeesrdquo (NICOLE 1983 p 243)

Concebe-se por relaccedilatildeo ldquoexternardquo quando o nome pode ser ldquoreduzido aos quadros do

esboccedilo precedenterdquo (IDEM) da obra literaacuteria

Concluindo este item sobre a relaccedilatildeo entre nome proacuteprio e literatura eacute oportuno

chamar em testemunho um texto claacutessico como Retoacuterica de Aristoacuteteles (384-322 AEC)

o qual assinala que um dos ldquotoacutepicosrdquo do uso de silogismos com funccedilatildeo retoacuterica a arte

da persuasatildeo se obteacutem atraveacutes do uso do ldquonomerdquo

Outro toacutepico obteacutem-se do nome Por exemplo como diz Soacutefocles Claramente levas o nome de ferro33 E tal como se costumava dizer-se dos nomes dos deuses e como Cocircnon chamava a Trasibulo ldquoo de ousada decisotildeesrdquo34 e Heroacutedico dizia a Trasiacutemaco ldquoeacutes sempre um combatente ousadordquo35 e a Polo ldquoeacutes sempre um potrordquo36 Tambeacutem de Draacutecon o legislador se afirmava que as suas leis natildeo eram de homem mas de dragatildeo (porque eram muito severas)37 Como tambeacutem Heacutecuba em Euriacutepedes diz a Afrodite

33 ldquoSidero significa ferro No texto haacute um jogo etimoloacutegico (que de resto remete para o toacutepico enunciado apoacute toucirc onoacutematos) entre o nome Σιδηρώ (nome proacuteprio) e σίδηρος (ferro ou arma de ferro) O verso eacute retirado da trageacutedia de Soacutefocles Tirordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 150 p 227) 34 ldquoThrasyboulon Mais um exemplo de jogo de palavras muito apreciado pelos Atenienses Com efeito o nome Thrasyboulos eacute um composto de θρασύς (ousado) e βουλή (resoluccedilatildeo decisatildeo) Cocircnon eacute um general ateniense vencedor de Pisandro em Cnido (394 aC) e restaurador da democracia atenienserdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 151 p 228) 35 ldquoThrasymachos mestre de retoacuterica que surge na Repuacuteblica de Platatildeo (livro I) como interlocutor de Soacutecrates eacute visto aqui sob o acircngulo etimoloacutegico θρασύς e μάχη (audaz ou ousado no combate) Quanto a Heroacutedico desconhecem-se testemunhos fidedignosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 152 p 228) 36 ldquoComo se sabe Polo sofista disciacutepulo de Goacutergias significa lsquopotrorsquo ou lsquocavalorsquordquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 153 p 228) 37 ldquoDrakon significa lsquodragatildeorsquo ou lsquoserpentersquo Entre 624 aC e 621 aC parte das leis atenienses foram reduzidas a escrito Nelas se introduz pela primeira vez na Greacutecia a distinccedilatildeo fundamental entre homiciacutedio voluntaacuterio e involuntaacuterio Esta empresa foi atribuiacuteda a um certo Draacutecon de cuja existecircncia alguns historiadores duvidam Mais tarde Draacutecon ficaraacute famoso por ser extremamente severo donde o adjetivo lsquodraconianorsquo que ficou proverbial Cf Aristoacuteteles Poliacutetica II 12rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 154 p 228)

38

Eacute com razatildeo que a palavra ldquoinsensatezrdquo comeccedila o nome da deusa38 E como Quereacutemon Penteu epocircnimo de desgraccedila futura39 (ARISTOacuteTELES 2005 1400b)

Nessa mesma linha de uma leitura mais ou menos improvisada do nome

proacuteprio como acabamos de ver em Aristoacuteteles tem-se um exemplo mais recente em

Honoreacute de Balzac autor jaacute mencionado neste estudo que em sua obra Z Marcas ao

abrir sua novela escreve

Eu jamais vi algueacutem mesmo incluindo os homens notaacuteveis de nosso tempo cujo aspecto fosse mais impressionante que aquele deste homem o estudo de sua fisionomia inspirava primeiramente um sentimento repleto de melancolia e terminava por dar uma sensaccedilatildeo quase dolorosa Existia uma certa harmonia entre a pessoa e o nome Este Z que precedia Marcas que se via nos endereccedilos de suas cartas e que ele natildeo esquecia jamais em sua assinatura esta uacuteltima letra do alfabeto oferecia ao espiacuterito algo de fatal MARCAS Repeti-vos a voacutes mesmos esse nome composto de duas siacutelabas natildeo encontrais nele uma sinistra significaccedilatildeo Natildeo vos parece que o homem que o porta deva ser martirizado Embora estranho e selvagem esse nome tem no entanto o direito de ir agrave posteridade ele eacute bem composto ele se pronuncia facilmente ele possui essa brevidade desejaacutevel aos nomes ceacutelebres Natildeo eacute tatildeo suave que seja estranho Mas ele natildeo parece inacabado Eu natildeo me ocuparia em afirmar que os nomes natildeo tecircm nenhuma influecircncia sobre o destino Entre os fatos da vida e o nome dos homens haacute segredos e inexplicaacuteveis concordacircncias ou desacordos visiacuteveis que surpreendem frequentemente correlaccedilotildees distantes mas eficazes se revelam nele Nosso mundo estaacute cheio tudo nele se sustenta Talvez retornaremos algum dia agraves Ciecircncias Ocultas Voacutes natildeo vedes na construccedilatildeo do Z um olhar contrariado Seraacute que natildeo aparece nele o ziguezague aleatoacuterio e lunaacutetico de uma vida atormentada Que vento soprou sobre esta letra que em cada liacutengua em que ela eacute admitida comanda quanto muito cinquenta palavras Marcas se chamava Zeacutephirin Satildeo Zeacutephirin eacute muito venerado na Bretanha Marcas era Bretatildeo Examinai ainda esse nome Z Marcas Toda a vida do homem estaacute na combinaccedilatildeo fantaacutetica dessas sete letras Sete O mais significativo dos nuacutemeros cabaliacutesticos O homem morreu aos trinta e cinco anos e sua vida foi composta por sete candelabros Marcas Natildeo tendes a ideia de algo precioso que se quebra por uma queda com ou sem ruiacutedo (BALZAC 1853 p 6-8)40

38 ldquoTroades 990 O nome da deusa Afrodite responsaacutevel primeira pela destruiccedilatildeo de Troacuteia e pela desgraccedila de Heacutecuba comeccedila por άφροσύνη (insensatez loucura)rdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 155 p 228) 39 ldquoΠενθεύς (nome proacuteprio) e πένθος (luto tristeza) Jogo de palavras de acordo com a natureza traacutegica do heroacutei Cf Euriacutepides Bacchae 508 Quanto a Querecircmon soacute sabemos que foi um poeta traacutegico do seacuteculo IV aCrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 n 156 p 228) 40 A traduccedilatildeo acima eacute pessoal O texto no original francecircs eacute o que segue ldquoJe nrsquoai jamais vu personne en comprenant mecircme les hommes remarquables de ce temps dont lrsquoaspect fucirct plus saisissant que celui de cet homme lrsquoeacutetude de sa physionomie inspirait drsquoabord un sentiment plein de meacutelancolie et finissait par donner une sensation presque douloureuse Il existait une certaine harmonie entre la personne et le nom Ce Z qui preacuteceacutedait Marcas qui se voyait sur lrsquoadresse de ses lettres et qursquoil nrsquooubliait jamais dans sa signature cette derniegravere lettre de lrsquoalphabet offrait agrave lrsquoesprit je ne sais quoi de fatal

39

Como verifica Eugegravene Nicole (1983 p 244) sobre esta passagem ldquoo ato de

nomear vai associado a uma argumentaccedilatildeo que nada mais eacute que o proacuteprio assunto da

novela assunto que se encontra por assim dizer em poucas palavras na leitura a qual

se presta o nomerdquo Todo esse texto reivindica o uso do nome proacuteprio como signo da

motivaccedilatildeo da obra literaacuteria Eacute como uma ldquoinscriccedilatildeo fundadora de um relato o proacuteprio

anuacutencio de um destino notaacutevelrdquo (IDEM)

Por isso seguindo Franccedilois Rigolot (1982 p 139) podemos constatar que ldquoa

significaccedilatildeo do Nome poeacutetico seraacute entendida como um subterfuacutegio para apreender

indiretamente a ideologia do textordquo Esta eacute a intenccedilatildeo de nossa pesquisa

O nome proacuteprio que em si mesmo poderia permanecer ldquoopacordquo isto eacute sem

nenhuma significaccedilatildeo especial quando colocado em posiccedilatildeo de texto (cf RIGOLOT

1982 p 137) portanto quando se torna um nome poeacutetico adquire uma significaccedilatildeo pela

qual rebusca as suas motivaccedilotildees Nessa tarefa o nome proacuteprio atua em dois eixos

principais ldquoO eixo semasioloacutegico parte do signo para explicitar o seu sentido [semacircntica

sincrocircnica] enquanto o eixo onomasioloacutegico integra o sentido global do texto para

inventar um signo que justifica o melhor possiacutevel esse sentido [semacircntica diacrocircnica]rdquo

Nesse sentido podemos fazer nossas as palavras de Paul Guiraud (1972 p

406) ldquo[] as palavras engendram a faacutebula onde a realidade devia engendrar as

palavrasrdquo

MARCAS Reacutepeacutetez-vous agrave vous-mecircme ce nom composeacute de deux syllabes nrsquoy trouvez-vous pas une sinistre signifiance Ne vous semble-t-il pas que lrsquohomme qui le porte doive ecirctre martyriseacute Quoique eacutetrange et sauvage ce nom a pourtant le droit drsquoaller agrave la posteacuteriteacute il est bien composeacute il se prononce facilement il a cette briegraveveteacute voulue pour les noms ceacutelegravebres Nrsquoest-il pas aussi doux qursquoil est bizarre mais aussi ne vous paraicirct-il pas inacheveacute Je ne voudrais pas prendre sur moi drsquoaffirmer que les noms nrsquoexercent aucune influence sur la destineacutee Entre les faits de la vie et le nom des hommes il est de secregravetes et drsquoinexplicables concordances ou des deacutesaccords visibles qui surprennent souvent des correacutelations lointaines mais efficaces srsquoy sont reacuteveacuteleacutees Notre globe est plein tout srsquoy tient Peut-ecirctre reviendra-t-on quelque jour aux Sciences Occultes Ne voyez-vous pas dans la construction du Z une allure contrarieacutee Ne figure-t-elle pas le zigzag aleacuteatoire et fantasque drsquoune vie tourmenteacutee Quel vent a souffleacute sur cette lettre qui dans chaque langue ougrave elle est admise commande agrave peine agrave cinquante mots Marcas srsquoappelait Zeacutephirin Saint Zeacutephirin est tregraves veacuteneacutereacute en Bretagne Marcas eacutetait Breton Examinez encore ce nom Z Marcas Toute la vie de lrsquohomme est dans lrsquoassemblage fantastique de ces sept lettres Sept le plus significatif des nombres cabalistiques Lrsquohomme est mort agrave trente-cinq ans ainsi sa vie a eacuteteacute composeacutee de sept lustres Marcas Nrsquoavez-vous pas lrsquoideacutee de quelque chose de preacutecieux qui se brise par une chute avec ou sans bruitrdquo

40

4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio

Do ponto de vista antropoloacutegico os nomes proacuteprios satildeo mais que um termo

que permite a identificaccedilatildeo Eles constituem ldquoo proacuteprio sistema de parentesco na

medida em que formam o lsquoEgorsquo nuclear de cada um dos elementosrdquo Segundo Claude

Leacutevi-Strauss ldquoos nomes proacuteprios fazem parte integrante de sistemas tratados por noacutes

como coacutedigos meios de fixar significaccedilotildees transpondo-as para termos de outras

significaccedilotildeesrdquo (LEacuteVI-STRAUSS 1970 p 200) Portanto os nomes proacuteprios se oferecem

a um deciframento a uma exploraccedilatildeo

O nome como se poderaacute verificar posteriormente possui em vaacuterias

civilizaccedilotildees um caraacuteter sagrado no entanto ele estaacute fortemente ligado ao aspecto

profano ou melhor dizendo ao aspecto social Eacute o que afirma Francisco Martins

inspirado no pensamento do antropoacutelogo Marcel Mauss

O mito religioso da identidade da alma e do nome encontra sua explicaccedilatildeo na organizaccedilatildeo social Ao mesmo tempo que o nome se inscreve em um sistema mitoloacutegico ele daacute precisatildeo a uma determinada posiccedilatildeo social [] Assim toda a legenda da alma viria da necessidade de nomear os membros de precisar suas posiccedilotildees entre os vivos e os mortos (MARTINS 1991 P 154)

A preocupaccedilatildeo do estudo antroponiacutemico por parte da antropologia num

primeiro momento deteve-se mais diante da grande tarefa de classificar ou seja

distinguir categorias de nomes de pessoa Para tal costumava-se operar tal

classificaccedilatildeo em vista de trecircs funccedilotildees

[] seja em funccedilatildeo de sua origem linguiacutestica ou dialetal (esforccedila-se desde entatildeo em identificar camadas e aacutereas antroponiacutemicas) seja em funccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas (classificam-se os nomes por registros conforme as afinidades reconhecidas prenomes de inspiraccedilatildeo religiosa ou profana apelidos que denotam particularidades fiacutesicas profissionais etc) seja em funccedilatildeo de sua formaccedilatildeo ou de sua composiccedilatildeo (procurar-se seguir em detalhe as etapas de fixaccedilatildeo dos nomes) (BROMBERGER 1982 p 103)

No entanto para muitos a missatildeo da antropologia quando se aplica ao estudo

dos nomes proacuteprios de pessoas seria bem outra Ou seja

[] identificar no seio de uma sociedade as regras de atribuiccedilatildeo dos nomes os princiacutepios segundo os quais se classificam se nomeiam indiviacuteduos singulares e diferentes (pelo seu sexo pela sua pertenccedila a uma famiacutelia a um

41

clatilde a uma geraccedilatildeo a uma localidade) as leis que regem o sistema de apelaccedilotildees [] enfim as propriedades ndash sintagmaacuteticas ndash que diferenciam nos enunciados os nomes de pessoas das outras classes nominais e as normas ndash sociais ndash que prescrevem-no ou interditam o emprego no discurso (IBID p 104)

Portanto a nova proposta da antropologia eacute abordar os nomes proacuteprios de

pessoas natildeo como meros indicadores de indiviacuteduos mas analisaacute-los em seu contexto

isto eacute as funccedilotildees que eles exercem nas sociedades em que satildeo empregados

O ato de nomear algueacutem natildeo eacute puramente voluntaacuterio ou casual mas fruto de

longas tradiccedilotildees de determinada populaccedilatildeo Um exemplo disto pode-se encontrar

num estudo que analisou a regiatildeo francesa da Provence durante o seacuteculo XVIII Em

grande parte das sociedades meridionais da Franccedila mas tambeacutem em outras o filho

mais velho herdava o prenome do seu avocirc paterno o mais novo herdava o nome de

seu avocirc materno No caso das filhas a escolha eacute simetricamente inversa ou seja a filha

mais velha recebia o prenome de sua avoacute materna a mais nova era nomeada segundo

o prenome de sua avoacute paterna (cf IDEM)

41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas

A pesquisa antropoloacutegica de populaccedilotildees interioranas francesas da Idade Meacutedia

e do iniacutecio da Idade Moderna bem como de povos mais primitivos do norte da Aacutefrica

por exemplo colocou em questatildeo a funccedilatildeo decircitica que se quis ver no ato de nomear

pessoas Designar e identificar um indiviacuteduo uacutenico natildeo corresponde agrave realidade dos

fatos quando se analisa o ato nominador

Em muitas sociedades natildeo se encontra uma grande variedade de nomes

proacuteprios que serviriam obviamente a uma melhor identificaccedilatildeo e individuaccedilatildeo das

pessoas evitando confusotildees nas relaccedilotildees cotidianas Ao contraacuterio o que se encontra eacute

ldquoa estreiteza do campo de apelaccedilotildees individuais antroponiacutemicos formados do nome

do pai ou de nome de ascendentes frequentemente similares no seio de uma mesma

linhagem ou ainda de uma mesma classe de idade em suma laacute onde as necessidades

de distinccedilatildeo satildeo no entanto mais evidentesrdquo (BROMBERGER 1982 p 105) Para

evitar-se confusotildees eacute que se recorre ao uso do sobrenome o qual exerceraacute um papel

42

como de ldquovaacutelvula de seguranccedilardquo garantindo a identificaccedilatildeo correta das pessoas por

meio do nome de famiacutelia uma vez que havia pouca variedade de prenomes

Complicando ainda mais o presumiacutevel papel de identificador ou designador

uacutenico de uma pessoa atribuiacutedo ao nome proacuteprio haacute o caso de muitas sociedades que

institucionalizam ou toleram que um mesmo indiviacuteduo receba um nome diferenciado

em certas etapas de sua vida Um exemplo pode ser encontrado em uma sociedade

que vive no Norte uma das regiotildees de Camarotildees na Aacutefrica Nessa comunidade todo

indiviacuteduo recebe no decorrer de sua vida dois nomes

[] em seu nascimento primeiramente um nome que indica a sua ordem de nascimento depois trecircs ou quatro meses mais tarde um ldquosobrenomerdquo que lhe designa de uma maneira mais pessoal uma vez que ele eacute livremente escolhido e natildeo indica senatildeo uma posiccedilatildeo genealoacutegica [] Satildeo portanto nomes que indicam a ordem de nascimento que designam o indiviacuteduo como ser social Eles satildeo por assim dizer nuacutemeros Mas como nomes eles tambeacutem satildeo carregados de uma significaccedilatildeo que se refere a um sistema simboacutelico satildeo entatildeo mais que nuacutemeros ldquonomes-nuacutemerosrdquo (COLLARD 1973 p 45)

E mesmo esse ldquosobrenomerdquo que eacute dado agrave crianccedila Guidar natildeo eacute tatildeo distintivo

assim pois se trata em geral do nome do pai Este por sua vez eacute tambeacutem um nome-

nuacutemero Desse modo a maior parte dos Guidar possui um nome composto de dois

nomes-nuacutemeros (cf IBID p 48) ldquoTomemos por exemplo o caso de um indiviacuteduo

nominado Tizi Dawaiacute Seu primeiro nome Tizi indica que ele eacute a primeira crianccedila

masculina de sua matildee seu pai Dawaiacute (segundo nome da crianccedila) era o seacutetimo filho da

suardquo (IDEM) Assim sendo os nomes das crianccedilas satildeo determinados segundo a ordem

de nascimento e ateacute a quarta crianccedila inclusive tambeacutem segundo o sexo Interessante

notar que do quinto ateacute o deacutecimo filho os meninos e meninas levam o mesmo nome

apenas acrescenta-se agraves vezes a marca feminina ke ou a caso de trate de uma crianccedila

do sexo feminino Para tornar esse sistema mais claro eacute reproduzida abaixo uma tabela

concebida por Collard (1973 p 46)

Ordem de nascimento

Nome das crianccedilas

MENINOS MENINAS

1ordm Tizi ou Keza

2ordm Zourmba ou Miste

43

3ordm Toumba ou Tongou

4ordm Vondou ou Naiacuteke

5ordm Madi

6ordm Todou

7ordm Dawaiacute

8ordm Damba

9ordm Tourmba

10ordm Baiacutema

Este exemplo demonstra o quanto eacute fraacutegil o sistema de nominaccedilatildeo destinado a

distinguir indiviacuteduos ou seja a assegurar a identificaccedilatildeo pessoal O que natildeo deixa de

ser paradoxal Afinal na concepccedilatildeo que vigorou durante muito tempo via-se o nome

proacuteprio justamente com esta funccedilatildeo

Nesse caso duas liccedilotildees se depreendem do exemplo

[] primeiramente as propriedades semacircnticas desses nomes individuais satildeo da mesma natureza que aquelas das outras categorias nominais eu posso definir ldquoTizirdquo decompondo-o em menores elementos de significaccedilatildeo (anaacutelise secircmica) crianccedila + masculino + filho mais velho de sua matildee (e natildeo necessariamente de seu pai) como eu posso definir pelos ldquosemasrdquo que eles incluem ldquocavalordquo ldquohomemrdquo ou ldquotartarugardquo [] Em segundo lugar observa-se que um tal sistema parece governado por duas funccedilotildees antagocircnicas uma funccedilatildeo de classificaccedilatildeo que assinala o mesmo nome a todos aqueles que compartilham da mesma ordem de nascimento uma funccedilatildeo de identificaccedilatildeo tornada possiacutevel ndash mas natildeo sempre certa ndash pela combinaccedilatildeo de um pequeno nuacutemero de unidades que pertencem a uma seacuterie fechada Aqui identificamos uma caracteriacutestica comum a maior parte dos sistemas antroponiacutemicos melhor eles classificam menos eles identificam [] Na verdade a fraqueza distintiva de um sistema de nomes proacuteprios natildeo eacute senatildeo o reverso de sua riqueza classificatoacuteria (BROMBERGER 1982 p 106)

No entanto natildeo se pode concluir que o nome proacuteprio possua entatildeo uma

funccedilatildeo meramente classificatoacuteria seguindo algumas regras sociais estritas e

compartilhadas pela maioria das pessoas Isso foi constatado em alguns lugares mas

natildeo em todos O proacuteprio Leacutevi-Strauss reconhece isso quando afirma que de um lado

ldquoos nomes proacuteprios parecem formar a franja de um sistema geral de classificaccedilatildeo []

Quando eles entram em cena a cortina se eleva no uacuteltimo ato da representaccedilatildeo loacutegicardquo

(1962 p 285) De outro lado nenhum modelo mecacircnico permite explicar sua

distribuiccedilatildeo em um grupo social a denominaccedilatildeo aparece entatildeo como ldquouma livre

criaccedilatildeo daquele que nomeia um estado transitoacuterio de sua proacutepria subjetividaderdquo

(IBID p 240) ou mesmo de outras pessoas

44

No entanto a oposiccedilatildeo entre esses dois processos ndash classificatoacuterio e decisatildeo livre

e subjetiva ndash eacute mais aparente que real Mesmo quando parece natildeo haver nenhuma

regra que defina o ato nominador podem-se encontrar prenomes que funcionam como

marca distintiva de idade de geraccedilatildeo de sexo de irmandade e assim por diante Natildeo

haacute uma regra convencional mas um uso que segue certos princiacutepios Um exemplo

disso pode-se ver nos prenomes que permitem reconhecer claramente diferentes

geraccedilotildees Assim ao escolher de chamar os filhos como41 Sebastiatildeo Estefacircnia Karine

Kaacutetia confirmo sua pertenccedila a uma geraccedilatildeo mais jovem do que aquela de seus pais

frequentemente chamados de Daniel Geraldo Martinha Claudine enquanto seus

avoacutes poderiam ser denominados como Pedro Paulo Henriqueta e seus bisavocircs

poderiam ser chamados de Augusto Rogeacuterio Maria (cf BROMBERGER 1982 p 110)

Poderia ocorrer tambeacutem que pais que se consideram mais tradicionalistas se

recusassem a colocar em seus filhos nomes mais modernos ndash como Isabelly Theo ndash e

optassem por nominar seus filhos com nomes mais antigos que consideram mais

tradicionais como Maria Aparecida Joseacute Antocircnio por exemplo

Portanto haacute dois processos envolvidos no ato de nominaccedilatildeo com significados

diferentes de um lado os pais podem se submeter agraves normas ou tendecircncias da

sociedade de outro eles podem se ldquoesconderrdquo suas experiecircncias pessoais ideologias

ou preconceitos nos nomes que colocam em seus filhos eles atribuem um poder a esse

nome um destino Tanto quanto um classificador o nome funciona aqui como um

siacutembolo fazendo eco a um conjunto de crenccedilas e de convicccedilotildees Bromberger (1982 p

111) enxerga nisso o fato de que ldquonatildeo eacute tanto a individuaccedilatildeo que prevalece sobre a

classificaccedilatildeo eacute o siacutembolo que supera o signordquo e complementa ldquoum nome transmitido

segundo regras pode ser ao mesmo tempo um signo e um siacutembolo confirmando uma

posiccedilatildeo num sistema e fazendo eco a um conjunto de crenccedilasrdquo (IBID p 111 n 8)

Sendo que nas sociedades tradicionais e mais antigas ldquoo nome individual eacute

frequentemente pela sua forma como pelo seu conteuacutedo uma mensagem em honra

41 Obviamente este eacute um exemplo no interior da cultura francesa de onde proveacutem o autor citado No caso brasileiro poderiacuteamos encontrar filhos com nomes tais como Bruno Juliana Sophia Isabella Lucas Vitor etc seus pais poderiam ter nomes como Joseacute Ana Paulo Sandra Luiz Maacutercia seus avoacutes poderiam ter nomes como Benedita Joseacute Maria Aparecida Joatildeo Vera Antocircnio enquanto que seus bisavoacutes poderiam chamar-se Thereza Benedicto Antocircnia Pedro Victoacuteria e assim por diante (cf TUFOLO sd)

45

de potecircncias numinosas que traduz uma intenccedilatildeo aquela de assegurar a vida contra a

morteldquo (IBID p 111)

Do ponto de vista antropoloacutegico portanto o nome proacuteprio pode assumir um

duplo status

[] aquele de marcaccedilatildeo classificatoacuteria atribuindo ao indiviacuteduo denominado uma ou mais posiccedilotildees determinadas na estrutura social aquele siacutembolo participante de uma visatildeo de mundo sistema organizado de representaccedilotildees e de crenccedilas Essas duas funccedilotildees ndash igualmente ou diversamente reunidos sob um mesmo nome de pessoa cuja importacircncia respectiva varia natildeo somente de uma sociedade a outra mas tambeacutem de um tipo de denominaccedilatildeo a outro no interior de um mesmo sistema antroponiacutemico ndash merecem cada uma uma anaacutelise complementar (BROMBERGER 1982 p 111)

Ambas as funccedilotildees podem ser encontradas na tradiccedilatildeo hebraica que passaremos

a analisar a partir do proacuteximo capiacutetulo

42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social

O fato de dar nome proacuteprio a algueacutem eacute antes de tudo um ato de socializaccedilatildeo

tal ato em geral se faz acompanhar por uma cerimocircnia ou um conjunto de rituais os

quais variam de acordo com as sociedades e culturas Ter um nome pessoal eacute possuir

uma existecircncia social Isso fica bem claro somente para citar um exemplo no caso da

cultura dos Ianomacircmis na Amazocircnia brasileira ldquoEacute entre um e trecircs anos que as crianccedilas

recebem um nome elas entram entatildeo plenamente na culturardquo (LIZOT 1973 p 64)

Se olharmos para a cultura europeia ocidental ateacute um pouco mais de meados do seacuteculo

passado eacute a declaraccedilatildeo do nome de famiacutelia (sobrenome) que consagra a existecircncia

social o prenome ou nome de batismo confirma a filiaccedilatildeo espiritual e a inserccedilatildeo na

comunidade cristatilde (cf BROMBERGER 1982 p 112)

O nome singulariza a existecircncia em relaccedilatildeo agraves outras entidades Isso se constata

inclusive quando se concede a um animal ou objeto um nome de pessoa O que destaca

a relaccedilatildeo especial que o ser humano dador do nome possui com aquele ser seja ele

animado ou natildeo Inversamente quando natildeo se reconhece as pessoas por estarem de

passagem serem marginais desclassificados em geral o nome de famiacutelia eacute

desconhecido e agraves vezes consta apenas o apelido ou um prenome Portanto ldquoconhecer

a completa identidade do outro eacute inclui-lo ndash diretamente ou indiretamente ndash no campo

46

das relaccedilotildees sociais o anocircnimo o erroneamente nomeado eacute o desconhecido ou ao

menos o natildeo reconhecido A sociedade para aonde as referecircncias que constituem os

nomes proacuteprios se apagamrdquo (BROMBERGER 1982 p 113) O conhecimento da aacuterea

de nomes proacuteprios sobrepotildee-se a das relaccedilotildees sociais traccedilando um limite entre ldquonoacutesrdquo

e ldquoos outrosrdquo

Mais comumente o sistema de nomeaccedilatildeo classifica os indiviacuteduos de acordo

com a sua filiaccedilatildeoorigem indicando sua famiacutelia ou localidade a qual pertence ou

entatildeo pelo seu status social Portanto o nome proacuteprio pode em algumas sociedades

indicar

a) Origem o apelido kunya no sistema aacuterabe por exemplo

b) Distinccedilatildeo de classes e ocupaccedilotildees seja na proacutepria significaccedilatildeo do nome

(antigo mundo celta por exemplo) seja atraveacutes de marcas formais

especiacuteficas de uma categoria de indiviacuteduos a partiacutecula seria um exemplo

seja atraveacutes do nuacutemero e natureza dos nomes usados em Roma o escravo

recebia apenas o prenome natildeo tinha sobrenome enquanto os patriacutecios

acrescentavam ao seu prenome vaacuterios sobrenomes Outro exemplo deste

uacuteltimo caso verifica-se no Japatildeo onde ateacute 1870 somente a famiacutelia real os

nobres e certos privilegiados levavam o nome do clatilde e de famiacutelia apoacutes seu

prenome as demais pessoas portavam geralmente um nome de profissatildeo

Ainda hoje algumas pessoas mais proeminentes na sociedade satildeo

reconhecidas pelo seu nome de famiacutelia ldquoOlhe Eacute um Rotschildrdquo (cf

BROMBERGER 1982 p 115)

Desse modo o nome proacuteprio pode servir como um meio para entre outras

coisas associar pessoas aos diferentes campos da vida social parentesco situaccedilatildeo

social simbologia e assim por diante

43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios

Ao contraacuterio daqueles que veem no nome apenas um indicador uma espeacutecie e

index como jaacute foi amplamente tratado neste estudo a etnografia dos antropocircnimos nos

fornece interessante material de estudo a respeito da simbologia poder e eficaacutecia do

nome em diversas culturas ao longo da histoacuteria

47

Tomemos um exemplo

Eu chamo minha filha de Margarida assim fazendo eu pretendo seja consagrar uma tradiccedilatildeo familiar (sua avoacute levava esse nome) seja colocar minha filha sob a proteccedilatildeo de uma santa venerada seja mais simplesmente submeter-me a uma moda que aliaacutes pode ter por origem uma devoccedilatildeo seja comparar minha filha a uma flor seja ainda evocar uma ou mais Margarida das quais eu guardei boas recordaccedilotildees seja enfim lembrar o nome que me parece o mais harmonioso cujas qualidades riacutetmicas e acuacutesticas combinam melhor com aquelas de meu nome de famiacutelia A escolha de ldquoMargaridardquo pode responder a uma ou vaacuterias dessas intenccedilotildees (BROMBERGER 1982 p 118)

A questatildeo eacute sempre buscar descobrir as intenccedilotildees que se encontram por detraacutes

da accedilatildeo de nomear um indiviacuteduo Bromberger (IDEM) identifica trecircs fatores que

permitem ldquomedirrdquo a importacircncia simboacutelica do nome proacuteprio ldquoas condiccedilotildees aplicaacuteveis

agrave sua utilizaccedilatildeo funccedilotildees propiciatoacuterias atribuiacutedas a ele o aparentamento expliacutecito que

eacute estabelecido entre o denominado e o personagem epocircnimo miacutetico ou lendaacuteriordquo

No que tange ao primeiro fator ndash condiccedilotildees de uso do nome proacuteprio ndash observa-

se em coletividades ainda hoje existentes caracteriacutesticas que perduram haacute muitos

seacuteculos na sociedade humana Como exemplo tomemos o caso do pensamento de

certos indiacutegenas da Amazocircnia brasileira como satildeo os Ianomacircmis O nome para eles

apesar de natildeo ser um segredo natildeo vem mencionado de qualquer modo e a qualquer

tempo Por exemplo normalmente no grupo que reside junto as pessoas somente

conhecem o nome daqueles de sua proacutepria geraccedilatildeo ou de geraccedilotildees inferiores quase

nunca sabe o nome de indiviacuteduos mais idosos daquele mesmo grupo Nomear

algueacutem em puacuteblico em voz alta eacute considerado uma grande ofensa O nomeado reage

pois do contraacuterio sua passividade seria interpretada como uma omissatildeo uma falta de

honra A maneira de reagir seraacute mencionar tambeacutem em alta voz o nome daquele que

o interpelou publicamente demonstrando que natildeo o teme Tanto os indiviacuteduos mais

jovens especialmente os homens quanto os mais anciatildeos natildeo gostam que seus nomes

venham ditos em puacuteblico Isso eacute motivo de natildeo pouca confusatildeo e discussatildeo Da mesma

forma mencionar o nome de algueacutem jaacute falecido eacute um insulto que os filhos e irmatildeos da

pessoa morta vingaratildeo em uma luta com clava Ateacute mesmo em voz baixa no caso de

ausecircncia da pessoa interessada natildeo se nomeia ningueacutem De qualquer modo haacute

indiviacuteduos cujos nomes jamais satildeo mencionados o pai e a matildee bem como daqueles

48

que podem vir a ser os sogros de algueacutem (cf LIZOT 1973 p 66) Qual eacute o motivo para

esse tipo de atitude diante do nome proacuteprio entre os Ianomacircmis Para eles nomear

algueacutem eacute agir sobre aquele que se designa pelo nome O pensamento indiacutegena estaacute

convencido que o ldquonome pessoal faz parte integralmente da personalidade como o

corpo e mais ainda que os bens materiaisrdquo (IBID p 67) No caso de um defunto

assim como os seus pertences satildeo queimados ele como pessoa deve desaparecer por

isso o seu nome natildeo deve ser mencionado por ningueacutem Se a pessoa natildeo existe mais

seu nome tambeacutem deve ser abolido Haacute um caraacuteter sagrado do nome de pessoa que eacute

respeitado Lizot observa-o muito bem quando exprime que ldquonomear o objeto temido

envolve necessariamente a manifestaccedilatildeo dele como nomear o objeto desejado o

ameaccedila de extinccedilatildeordquo (1973 p 70)

Nesse sentido apesar de viverem em eacutepocas diferentes terras diferentes

hemisfeacuterios diferentes os indiacutegenas amazonenses natildeo deixam de assemelhar-se um

pouco no uso do nome aos povos que constituiacuteam o ambiente no qual surgiu a

literatura hebraica No sentido que o nome possui um significado e um valor que

ultrapassam aquele que se nota normalmente nas sociedades atuais

Em relaccedilatildeo ao segundo fator acima mencionado ndash funccedilotildees propiciatoacuterias

atribuiacutedas ao nome ndash natildeo o podemos perceber na cultura ocidental contemporacircnea

em que os fatores religiosos tecircm influenciado cada vez menos na atribuiccedilatildeo de um

nome Ocorre tambeacutem uma dificuldade em se reconhecer no nome das pessoas um

simbolismo que vaacute aleacutem da pura e simples funccedilatildeo denotativa No entanto isso era

muito comum nas sociedades orientais antigas como a de Israel e mesmo hoje em

algumas culturas que natildeo foram influenciadas pela modernidade como eacute o caso da

Aacutefrica Em uma delas por exemplo os Mossi que habitam Burkina Faso na Aacutefrica

Ocidental os nomes dos indiviacuteduos ldquoreferem-se de fato a uma experiecircncia preacutevia ao

nascimento que foi reconhecida imediatamente ou mediatamente pela proacutepria matildee

ou apoacutes consultar um vidente como uma injunccedilatildeo de poderes transcendentaisrdquo

(BROMBERGER 1982 p 119) A fragilidade da vida a precariedade meacutedico-sanitaacuteria

e outros inuacutemeros fatores que atentam contra a vida de um receacutem-nascido fazem o

povo Mossi apelar agrave divindade e reconhecer como fruto de sua accedilatildeo a sua vinda ao

mundo satildeo e salvo Algo natildeo muito diferente passava-se com o povo do Oriente

49

Meacutedio Antigo no seio do qual desenvolve-se toda a literatura hebraica No entanto os

Mossi natildeo nomeiam seus filhos com nomes teofoacutericos mas empregam nomes comuns

que exprimem o sentimento da matildee por exemplo naquele momento de dor e

apreensatildeo que lhe fez revolver agrave divindade sua suacuteplica de proteccedilatildeo e auxiacutelio Desse

modo algueacutem podia vir a chamar-se ldquofolhas de feijatildeordquo (becircngdo) a fim de recordar que

as primeiras dores da gravidez foram sentidas justamente quando a matildee se

encontrava num campo de feijotildees ou entatildeo enquanto preparava um prato de feijotildees

ou uma sopa com eles Portanto a intenccedilatildeo natildeo eacute suplicar por proteccedilatildeo ou atrair as

qualidades da divindade para o filho receacutem-nascido mas ldquodesviar as forccedilas hostisrdquo

(IBID p 120) agravequela crianccedila

O terceiro fator ndash o poder dos nomes a identificaccedilatildeo entre o nominado e

personagem epocircnimo que lhe inspira o nome ndash supotildee que o simbolismo desses nomes

sejam transparentes e convencionais para os usuaacuterios e que a escolha deste nome

consagre a intenccedilatildeo de associar as qualidades do epocircnimo agravequelas do denominado

Isso eacute bem evidente segundo nos mostra Bromberger (1982 p 120) em muitas

sociedades onde o nome proacuteprio evoca o mito fundador da mesma Nesse caso usam-

se nomes teofoacutericos como ocorre no antigo mundo semita ndash Yohannan (Joatildeo ndash ldquoDeus

manifestou sua graccedilardquo) ndash e ainda em nossos dias atuais no mundo muccedilulmano ndash

Abdallacirch (ldquoo servidor de Deusrdquo) bem como as denominaccedilotildees totecircmicas as quais

consagram o parentesco do indiviacuteduo agraves espeacutecies epocircnimas fundadoras Nesse caso

ldquoos nomes proacuteprios assumem a plenitude de seu sentido prefigurando o destino

daqueles que os portam identificado agravequele dos protagonistas do drama miacuteticordquo

(IDEM) Assim sendo os registros de onde se retiram preferencialmente para formar

ou escolher nomes individuais satildeo bons reveladores das tendecircncias da simbologia

cultural

Concluindo este toacutepico antropoloacutegico do sistema onomaacutestico percebe-se que o

mesmo constitui um material muito rico para a anaacutelise das sociedades humanas pois

possui uma dupla grelha de leitura de um lado sendo um sistema de classificaccedilatildeo a

onomaacutestica antroponiacutemica permite identificar os princiacutepios sejam eles expliacutecitos ou

natildeo segundo os quais uma sociedade agrupa e distingue os indiviacuteduos de outro

sendo um sistema de siacutembolos revela os valores e questotildees se sobrepotildeem sobre a

50

identidade individual e coletiva (cf BROMBERGER 1982 p 122) Para ilustrar o que

foi dito Bromberger (IDEM) cita uma histoacuteria contada por Montaigne

Henrique duque de Normandia filho de Henrique segundo rei da Inglaterra deu um banquete na Franccedila a reuniatildeo da nobreza foi tatildeo grande neste lugar que para passatempo foi dividida em faixas pela semelhanccedila de nomes na primeira tropa quem eram os Guilhermes encontraram-se cento e dez cavaleiros sentados agrave mesa com esse nome sem contar os simples nobres e servidores

Portanto nomear eacute muito mais que simplesmente identificar

51

CAPIacuteTULO 2

NOMES PROacutePRIOS NO ORIENTE MEacuteDIO ANTIGO E NA BIacuteBLIA HEBRAICA

1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel

A BH surge em Israel mas o seu background cultural eacute muito mais vasto Ela

deve e muito agraves demais culturais circundantes e seus respectivos povos Como bem

constatou o exegeta belga Jean-Louis Ska

Israel de fato jamais conquistou um grande impeacuterio nunca foi uma grande potecircncia seja militar poliacutetica econocircmica ou cultural Natildeo haacute grandes riquezas naturais na terra santa e as dimensotildees reduzidas do paiacutes impedem de produzir grandes quantidades de gratildeos vinho ou oacuteleo A Feniacutecia foi uma potecircncia comercial muito mais importante e mais conhecida Nem mesmo do ponto de vista artiacutestico Israel conseguiu conceber grandes obras de arte no mundo da literatura da escultura da pintura ou da arquitetura Natildeo haacute nesse campo alguma comparaccedilatildeo com o Egito a Mesopotacircmia ou a Greacutecia por exemplo No entanto Israel marcou a histoacuteria do nosso mundo e teve uma influecircncia desproporcional agrave sua potecircncia poliacutetica ou agraves dimensotildees de seu territoacuterio O elemento de sua civilizaccedilatildeo que tem ainda hoje uma influecircncia sem precedentes eacute a sua Lei a Toraacute em hebraico Acrescentamos imediatamente que a palavra hebraica Toraacute significa natildeo somente ldquoLeirdquo isto eacute normas diretrizes legislaccedilatildeo mas tambeacutem instruccedilatildeo ensinamento doutrina Eacute ldquosabedoriardquo e ldquointeligecircnciardquo como diz Dt 46 Natildeo estamos portanto no mundo do poder e nem mesmo no mundo do ter Estamos no mundo do saber Israel nos transmitiu um saber um modo de conhecer o mundo e de compreender qual eacute o significado da existecircncia humana individual e coletiva Deste ponto de vista pode competir com a Greacutecia (SKA 2015 p 133-134)

A partir dessa constataccedilatildeo fica mais claro que a cultura expressa pela BH tem

a sua particularidade e importacircncia mas dialoga obviamente com todas as demais

culturas do mundo com as quais teve relaccedilotildees Nesse sentido antes de adentrarmos

na maneira como os antropocircnimos satildeo concebidos usados e sofrem alteraccedilotildees no seio

da cultura hebraica eacute oportuno verificarmos como isso se dava em outros povos

circunvizinhos

11 Mesopotacircmia

52

A iacutentima conexatildeo entre o ato de nomear e a existecircncia de algo pode ser

deduzida a partir de seu papel em muitos textos de criaccedilatildeo do Oriente Meacutedio Antigo

onde a criaccedilatildeo de tudo dependia dos deuses nomearem essas coisas que tinham sido

criadas O objeto natildeo existia em si mesmo ele natildeo adquiria consistecircncia a natildeo ser apoacutes

sua nomeaccedilatildeo A proacutepria palavra ldquoobjetordquo na Babilocircnia era expressa por mimma

sunsu ldquotudo aquilo que leva um nomerdquo (POZNANSKI 1978 p 117)

Um eacutepico babilocircnico da criaccedilatildeo descreve o periacuteodo de preacute-criaccedilatildeo como um

tempo no qual

[] no alto o ceacuteu ainda natildeo havia sido nomeado e embaixo a terra firme natildeo tinha sido mencionada por um nome [] Quando os deuses ainda natildeo haviam aparecido nem tinham sido chamados com um nome nem fixado algum destino os deuses foram procriados dentro deles (ENUMA ELISH tablete 11-2 7-8)

No mundo de Acaacutedia haacute uma coincidecircncia entre nascimento e colocaccedilatildeo do

nome O mesmo ocorre com os sumeacuterios ldquoNumusda semente que os deuses criaram

que Ningal protegeu em seu seio que conheceu um nascimento suave na montanha a

quem An e Enlil deram um bom nome que Ninlil embalou amorosamenterdquo

(FALKENSTEIN VON SODEN 1953 p 112 n 23 l 51042 apud POZNANSKI 1978

p 114-115) Constata-se nesse texto que a crianccedila recebeu seu nome desde o

nascimento antes mesmo de ser tomada nos braccedilos

O nome proacuteprio era tatildeo fundamental na cultura mesopotacircmica cuneiforme

que sua escritura constituiacutea um setor particular do saber dos escribas possuindo um

sistema proacuteprio de notaccedilotildees graacuteficas Os nomes proacuteprios recorrem a um ldquoleacutexico e uma

sintaxe intencionalmente arcaicos ou desviantes que natildeo coincidem frequentemente

com aqueles que utilizam textos de prosa ou de versordquo (DURAND 1998 p 31) Eacute

importante sublinhar que muitas liacutenguas do Oriente Meacutedio Antigo somente

sobreviveram e vieram agrave luz nos tempos modernos graccedilas a um corpus onomaacutestico

preservado em materiais escritos monumentos e construccedilotildees A morfologia e o leacutexico

dessas liacutenguas satildeo descritos unicamente a partir da anaacutelise desses nomes

42 A obra desses autores intitula-se Sumerische und akkadische Hymnen und Gebete Zuumlrich Artemis Verlag Recorreu-se agrave citaccedilatildeo indireta pelo fato da referida obra encontrar-se esgotada e de difiacutecil acesso

53

Uma das fontes para um levantamento da onomaacutestica mesopotacircmica eacute sem

duacutevida os selos ldquouma marca sobre uma mateacuteria plaacutestica de imagens eou caracteres

gravados em um material duro chamado lsquomatrizrsquo ou tambeacutem lsquoselorsquo e era usado como

sinal de autoridade e de propriedade pessoalrdquo (CHARPIN 1998 p 43) O primeiro

selo a trazer um nome proacuteprio data do final da eacutepoca conhecida como Protodinaacutestica

II ou seja por volta de 2500 AEC portanto cerca de sete seacuteculos apoacutes o surgimento

da escrita (cf CHARPIN 1998 p 46) Uma triacuteplice informaccedilatildeo costumava ser a

maneira usada para se definir um indiviacuteduo na legenda de um selo ldquoprimeiramente

pelo seu nome depois pelo nome de seu pairdquo (na Babilocircnia antiga o ldquonome de famiacuteliardquo

era incomum) finalmente ldquocomo servidor de um rei ou de uma divindaderdquo (cf

CHARPIN 1998 p 48) O nome do proprietaacuterio do selo vinha em destaque mais do

que os iacutecones que poderiam constar dele Portanto a civilizaccedilatildeo babilocircnica concedeu

agrave escritura uma posiccedilatildeo privilegiada

Ao contraacuterio de nossos nomes e sobrenomes atuais o nome proacuteprio naquela

cultura era dotado de uma significaccedilatildeo aparente Esses nomes seguem uma tipologia

bastante diversificada mas natildeo muito complexa ldquoela vai de uma frase curta

(fragmento de oraccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo de um fato) passando por diversos tipos de

qualificativos apelidos ou outros ateacute os diminutivosrdquo (DURAND 1998 p 32) Eacute muito

frequente no princiacutepio do segundo milecircnio antes da era comum (AEC) que o nome

proacuteprio natildeo descreva o indiviacuteduo em si mesmo mas o situe em relaccedilatildeo a seus deuses

ou seu rei de modo expliacutecito (nomeando-os) ou natildeo

No caso de indiviacuteduos que portavam nomes que faziam menccedilatildeo a um

determinado deus uma questatildeo que imediatamente nos vem em mente eacute o que um

nome teofoacuterico significava para a pessoa que o levava e por que foi escolhido

Geralmente eram nomes que elogiavam uma determinada divindade ou suplicavam

algo agrave mesma Esses nomes exprimiriam de fato o sentimento religioso daqueles que

lhes deram aos seus filhos ou o de seus portadores Ou seriam simplesmente formas

padronizadas natildeo faacuteceis de certificar Esses nomes soavam bem piedosos como

ldquoNaram-Enlil (lsquoAmado-de-Enlilrsquo) Ili-zili (lsquoMeu-Deus-eacute-Minha-Proteccedilatildeorsquo) Giba-

DINGIR (lsquoConfia-em-Deusrsquo) Iti-DINGIRDINGIR (lsquoDaacute-aos-deusesrsquo) e DINGIR-zeluli

54

(lsquoO-Deus-eacute-Minha-Sombrarsquo) (SEYMOUR 1983 p 116) Natildeo eacute faacutecil chegar a conclusotildees

seguras a respeito dessa questatildeo

Uma possiacutevel fonte de conhecimentos sobre a relaccedilatildeo de nomes pessoais agrave feacute individual tem sido sugerida por estudos da claacuteusula de servo presentes em muitas inscriccedilotildees de vedaccedilatildeo de cilindro Tais inscriccedilotildees muitas vezes datildeo o nome do(a) proprietaacuterio(a) o nome do pai dele ou dela bem como uma afirmaccedilatildeo declarando que o proprietaacuterio eacute o escravo (ardu) de um deus particular No caso dos selos das nadītu-sacerdotisas de Sippar parece haver um elevado grau de correlaccedilatildeo entre o deus na claacuteusula de servo e a filiaccedilatildeo cultual especiacutefica do proprietaacuterio Entre os nadītus haacute discordacircncia ocasional entre a claacuteusula de servo e o elemento divino que ocorre no nome do proprietaacuterio Isso no entanto quase nunca eacute comprovado em inscriccedilotildees de selos do puacuteblico em geral Significativamente as divindades populares em nomes pessoais satildeo diferentes das divindades populares na claacuteusula de servo Considerando que os nomes pessoais Shamash ou Sīn tendem a predominar (refletindo o fato que Sippar era um centro de culto desses deuses) na claacuteusula de servo tais deuses menores como Amurru ou Nabium satildeo muito mais comuns Dada a tendecircncia de deuses pessoais intercessores serem mais baixos na hierarquia divina do que os grandes deuses entre os quais intercediam tem sido sugerido que essas divindades da claacuteusula servo satildeo os elusivos deuses pessoais dos antigos mesopotacircmicos [] Os nomes nadītu podem mostrar um elevado grau de correlaccedilatildeo com um deus em particular devido a relaccedilatildeo claustral incomum das sacerdotisas com seus deuses Uma vez que estas mulheres aparentemente tinham uma relaccedilatildeo familiar muito proacutexima com o deus que serviam o sentido especialmente forte de pertenccedila ao deus pode ter inspirado os nomes atipicamente orientados para o culto que elas muitas vezes levavam e explicar a sua disponibilidade para abandonar um nome por outro (SEYMOUR 1983 p 117-118)

No entanto a anaacutelise de nomes da antiga Sippar babilocircnica revela tambeacutem

que nem sempre havia uma correlaccedilatildeo entre o nome teofoacuterico e uma feacute ou relaccedilatildeo

especial entre o seu portador e o deus nomeado Um dos criteacuterios para a escolha desses

nomes era simplesmente o fato de natildeo ter sido escolhido por uma outra pessoa

Portanto se de um lado nomes babilocircnios teofoacutericos poderiam sugerir a solicitaccedilatildeo de

uma forccedila protetora e beneacutefica de outro poderia natildeo ter uma preocupaccedilatildeo especiacutefica

de envolver um determinado deus com a vida do receacutem-nascido ou do adulto que

portasse aquele nome

Ocorre tambeacutem que o nome proacuteprio situe o indiviacuteduo em seu ambiente

humano (na maioria dos casos sua famiacutelia compreendida de modo mais ou menos

amplo) como se vecirc nos seguintes exemplos

55

Iddin-Addu ldquoO Deus-Addu fez um presenterdquo (sem duacutevida em referecircncia agrave

crianccedila que acaba de nascer) referecircncia expliacutecita

Šarkassum-Macirctum ldquoO Paiacutes lhe foi dadordquo (em referecircncia ao rei) referecircncia

impliacutecita

Ahu-šunu ldquoEacute irmatildeo delesrdquo (cf DURAND 1998 p 32)

Verifica-se portanto haver um costume do nome proacuteprio expressar uma

vontade paterna ou uma constataccedilatildeo feita pelos genitores no momento do nascimento

de seu filho Ele manifesta que a crianccedila foi dada por este ou aquele deus ou descreve

uma accedilatildeo divina particular ou diz que a crianccedila veio ajuntar-se aos outros irmatildeos ou

que nasceu num determinado momento e circunstacircncias A dificuldade reside no fato

de natildeo se possuir na quase totalidade dos casos indicaccedilotildees do contexto que motivou

a escolha deste ou daquele nome a certo indiviacuteduo Uma das raras exceccedilotildees eacute um texto

de Mari (Siacuteria seacutec XVIII AEC) que nos explica as razotildees da outorga de um nome

proacuteprio

Uma historieta mostra de fato uma princesa tendo um sonho a propoacutesito de uma menina nascida no hareacutem portanto pode ser filha do proacuteprio rei Nesse sonho se lhe indicava como nomear a menina Tratava-se de dar-lhe um nome proacuteprio relacionado com o mundo da estepe aonde vatildeo rebanhos e nocircmades um mundo perigoso difiacutecil de controlar e no qual o rebanho dos sedentaacuterios agrave procura de pastagens pode correr grandes perigos Eacute desejaacutevel nos eacute dito que a menina se chame Taggid-Nawucircm ldquoA Estepe fez uma declaraccedilatildeordquo (subentendido ldquode submissatildeordquo) Conhece-se bem esse tipo de onomaacutestica O nome proacuteprio da menina desconcertante para um moderno entra de fato numa seacuterie do gecircnero ldquoA Estepe voltourdquo ldquoA Estepe diminuiurdquo etc Satildeo nomes comemorativos muito difundidos sobretudo na onomaacutestica feminina (DURAND 1998 p 33)

Assim fazendo a menina perpetuaria por meio de seu nome a lembranccedila de

um fato ocorrido concomitantemente ao seu nascimento ou seja a submissatildeo dos

nocircmades agrave autoridade real de Mari

No entanto um atento exame da onomaacutestica mesopotacircmica revela que muitos

antropocircnimos natildeo fazem referecircncia ao momento do nascimento mas a outro evento

Desse modo o nome original recebido quando a crianccedila nasceu teve de ceder lugar a

outro num determinado momento Somente natildeo se sabe se o nome original

permanecia sendo usado por exemplo no ambiente domeacutestico e familiar ou natildeo O

que criaria uma dualidade entre vida privada e puacuteblica Exemplos encontrados na

56

Mesopotacircmia indicam ser isso praacutetica comum para funcionaacuterios no palaacutecio real bem

como nos templos religiosos Eacute difiacutecil acreditar que trecircs porteiros encarregados da

vigilacircncia do hareacutem do palaacutecio de Mari se chamassem respectivamente

ldquoQue a ordem reinerdquo

ldquoObedeccedila agraves ordens do reirdquo

ldquoFaccedila mais atenccedilatildeo a elas [as mulheres] que aos deusesrdquo (DURAND 1998

p 34)

Os porteiros de um templo mesopotacircmico tambeacutem possuiacuteam nomes proacuteprios

adaptados agraves suas funccedilotildees fazer frente ao Mal e atuar como intermediaacuterios entre deus

e seus fieacuteis Vejamos

ldquoApodera-te do Malrdquo

ldquoColeta o Malrdquo

ldquoRecolhe as Palavrasrdquo

ldquoAceita as Palavrasrdquo (DURAND 1998 p 34)

Ateacute nomes exaltando as qualidades reais eram encontrados na regiatildeo entre os

funcionaacuterios dos palaacutecios como siacutembolo da total devoccedilatildeo ao seu monarca

Obviamente somente os reis vivos eram homenageados nesses tipos de nomes Por

exemplo

ldquoA realeza lhe eacute dadardquo

ldquoEle eacute bom para seu paiacutesrdquo

ldquoEle vale mais que seu exeacutercitordquo

ldquoEle capturou seus rebeldesrdquo (DURAND 1998 p 34)

Exemplos dessa praacutetica de se mudar nomes de oficiais do governo satildeo comuns

como no caso de nomes acaacutedios da eacutepoca de Sargatildeo43 e da terceira dinastia de Ur (da

uacuteltima metade do seacutec XXIV a quarta e uacuteltima parte do seacutec XXI AEC) tais como

ldquoLUGAL-balimdash (lsquoO-Rei-eacute-Temidorsquo) Ili-sharru (lsquoO-Rei-eacute-Meu-Deusrsquo) e LUGAL-dari

(lsquoO-Rei-eacute-Eternorsquo)rdquo (SEYMOUR 1983 p 116)

Entretanto natildeo somente funcionaacuterios se submetiam agrave mudanccedila de nome

devido a um cargo ou funccedilatildeo mas os proacuteprios reis Segundo as tradiccedilotildees da eacutepoca um

43 Em acaacutedio Sargatildeo eacute Šarru-kin ŠARRUKIIN LUGALGIN ldquoo verdadeiro reirdquo ou ldquoo rei eacute legiacutetimordquo Mais abaixo tornar-se-aacute a falar desse monarca pois ele tambeacutem passou por uma mudanccedila de nome

57

soberano deveria ser o filho primogecircnito do rei anterior Por isso o rei possuiacutea uma

onomaacutestica especial no sentido de natildeo haver outro homocircnimo enquanto fosse vivo O

novo nome real incorporava o nome do pai ou avocirc como do rei Hammu-rapi (`Ammu

nome do avocirc paterno Raumlpi curador) em portuguecircs usualmente transcrito como

Hamurabi (cerca de 1810mdash1750 AEC) da Babilocircnia No caso do rei por circunstacircncias

poliacuteticas ou de sauacutede natildeo ser o primogecircnito o novo nome o revelava explicita ou

implicitamente Eacute o caso de Assurbanipal (ldquoAššur eacute aquele que fez o Herdeirordquo) o qual

viveu por volta de 690mdash627 AEC imperador assiacuterio filho de Esarhaddon Aqui

ldquoherdeirordquo designa por excelecircncia o primogecircnito A histoacuteria nos confirma que

ldquoAssurbanipal natildeo era um primogecircnito e natildeo deveria ter subido ao trono Eacute por isso

que ele havia tambeacutem recebido uma educaccedilatildeo de cleacuterigo Ele teve portanto que

mudar de nome quando uma decisatildeo poliacutetica lhe conferiu o tiacutetulo de herdeirordquo

(DURAND 1998 p 36)

Interessante observar que o nome do rei natildeo era pronunciado por seus suacuteditos

ou conhecidos Costumava-se usar ldquoSenhorrdquo ao se dirigir ao soberano O rei por sua

vez poderia denominar e utilizar o nome proacuteprio de seus servos Eacute bom recordar do

que foi dito anteriormente ldquopara um mesopotacircmio lsquonomearrsquo algueacutem era de um modo

ou de outro ter poder sobre elerdquo (DURAND 1998 p 37)

Aleacutem do mais os mesopotacircmios acreditavam que a ldquoalmardquo era um espiacuterito

semimortal cuja existecircncia primaacuteria era terrestre Assim o nome era peculiarmente

ligado ao destino de um homem durante a vida Refletindo uma forte corrente de

evidente determinismo em tradiccedilotildees do Oriente Meacutedio Antigo a escolha de um ldquobom

nomerdquo - isto eacute um que iria suscitar forccedilas beneacuteficas por conta do nome do portador -

tornou-se um objetivo desejado no ato de nomear em toda a regiatildeo (cf SEYMOUR

1983 p 111) Assim sendo nesse mundo antigo o destino de um ser humano fosse

ele bom ou ruim era intimamente ligado ao seu nome Por exemplo quando um rei

era bem sucedido numa batalha suas inscriccedilotildees comemorativas frequentemente

atribuiacuteam a vitoacuteria aos deuses chamando seu nome para o grande feito Da mesma

forma o poder e a legitimidade de um governante eram estabelecidos pela pronuacutencia

de seu nome pelos deuses

58

Quando Na e Enlil chamaram Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar o pastor saacutebio Cujo nome foi pronunciado por NUNAMMIR Para o principado da terra a fim de Estabelecer justiccedila (KRAMER 1963 p 336)44

Por outro lado a aniquilaccedilatildeo de um nome e posteridade representava a

desgraccedila final Tanto na Babilocircnia como no Egito e em Israel a perda do nome era

ameaccedila ao completo ostracismo Como exemplo pode-se citar o seguinte texto da BH

(Is 1422)

י על הוקמת ין ונכד נאם־יהו ר ונ ם ושא ל ש י לבב כרת ם יהוה צבאות וה ם נא 45יה

Constata-se na cultura mesopotacircmica a mudanccedila de nomes ou a sua

multiplicidade durante a vida da pessoa Geralmente essa mudanccedila ocorria como

consequecircncia de alguma importante alteraccedilatildeo no status da pessoa seja diante da

sociedade como dos deuses Em termos antropoloacutegicos tais mudanccedilas de nome

poderiam ser encaradas como um reflexo linguiacutestico de um rito de passagem Com

isso se distinguia a antiga pessoa da nova ou acentuava-se a nova vida na qual ela

estava sendo introduzida Exemplos podem ser encontrados tanto

a) Na vida real a princesa de Mari em seu casamento com o filho do rei Ur-

Nammu da terceira dinastia de Ur ldquomudou seu nome para lsquoEla-Ama-Urrsquo

Outras mudanccedilas de nomes femininos podem ser vistas entre as

sacerdotisas-nadītu de Sippar da Babilocircnia Antiga Julgando pela alta

porcentagem de nomes nadītu que se referem agraves divindades em cujo serviccedilo

essas mulheres estavam empregadas os registros nadītus frequentemente

levam nomes apropriados agrave sua nova funccedilatildeo na vidardquo (SEYMOUR 1983

p 114)

44 Traduccedilatildeo pessoal do texto em inglecircs When An and Enlil had called Lipit-Ishtar Lipit-Ishtar the wise shepherd Whorsquos name had been pronounced by NUNAMMIR To the princeship of the land in order to establish justicehellip 45 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoLevantar-me-ei contra eles oraacuteculo de Iahweh dos Exeacutercitos e extirparei da Babilocircnia o seu nome e o seu resto a sua descendecircncia e a sua posteridade oraacuteculo de Iahwehrdquo

59

b) Na mitologia babilocircnica na epopeia de Atrahasis encontra-se um episoacutedio

no qual a deusa Mami (ou Ninhursag) eacute exaltada e recebe um novo nome

na sequecircncia da criaccedilatildeo bem sucedida dos primeiros seres humanos

ldquoEles correram juntos e beijaram seus peacutes [dizendo] lsquoAnteriormente noacutes costumaacutevamos chama-la de Mami Agora que seu nome seja Bēlēt-Kālā-Ilī (Amante-de-Todos-os-Deuses)rdquo (SEYMOUR IDEM)

Razotildees poliacuteticas tambeacutem poderiam provocar mudanccedila de nomes Pode-se

tomar como exemplo o legendaacuterio Sargatildeo da Acaacutedia o qual governou durante a

penuacuteltima quarta parte do terceiro milecircnio AEC Uma vez que ele eacute conhecido por ter

usurpado o trono de Kish ldquosua mudanccedila de nome parece ser motivada por um desejo

de legitimar seu novo status deixando para traacutes suas origens mais humildes com o seu

original e infelizmente desconhecido nomerdquo (SEYMOUR 1983 p 115) Alguns reis

assiacuterios parecem confirmar esse haacutebito Sabe-se que Tiglath-Pileser III (em acaacutedio

Tukultī-Apil-Ešarra) rei assiacuterio que reinou de 745-727 AEC tomou o trono da Babilocircnia

em 728 AEC Nessa ocasiatildeo ele assumiu um novo nome Pul ou Pulu pelo qual era

conhecido naquela cidade Do mesmo modo pode-se mencionar outro exemplo

[] quando Assurbanipal assumiu o trono da Babilocircnia em 648 AEC foi sob o nome de Kandalanu Talvez ao contraacuterio da sucessatildeo normal dos herdeiros de uma dinastia estabelecida a imposiccedilatildeo de uma dinastia estrangeira no trono babilocircnico pode ter representado uma quebra de continuidade poliacutetica significativa o suficiente exigindo que o novo rei adotasse um nome especial para lidar com seu novo papel e assuntos (SEYMOUR 1983 p 115)

Outro tipo de mudanccedila de nome por vezes teve lugar quando o portador do

nome encontrou-se em situaccedilotildees extremamente terriacuteveis Como jaacute foi mencionado

acima nas culturas do mundo antigo havia a percepccedilatildeo de uma ligaccedilatildeo entre o nome

da pessoa e o seu destino Por isso algumas vezes isso levou a mudar o nome de

algueacutem a fim de eliminar enfermidades ou infortuacutenios No contexto mesopotacircmico

alguns tipos de nomes acaacutedios sugerem indiretamente que uma praacutetica como essa

pode ter ocorrido pois sugerem nomes tomados durante algum infortuacutenio

Ati-matum (ldquoAteacute-Quandordquo)

Māt-ili (ldquoQuando-Meu-Deusrdquo)

60

mina-Arni (ldquoQual-eacute-Meu-Pecadordquo)

Hammu-rapi (ldquoHammu-eacute-o-Curadorrdquo)

Ilum-asūm (ldquoDeus-eacute-um-Meacutedicordquo)

Shamash-shullimanni (Shamash-Faz-me-Saudaacutevelrdquo) (SEYMOUR 1983 p

116)

Concluindo pode-se observar que ldquose os mesopotacircmicos foram mudando

nomes desse modo a eficaacutecia da praacutetica dependia principalmente da proacutepria alteraccedilatildeo

e por conseguinte pode apenas raramente se alguma vez ser refletida no novo nome

escolhidordquo (SEYMOUR 1983 p 116)

12 Egito

Os egiacutepcios possuiacuteam uma crenccedila no poder maacutegico do nome proacuteprio Era

como se o seu conteuacutedo comportasse a alma da pessoa tornando-se um elemento vivo

na constituiccedilatildeo da mesma46

Destruindo o nome era como se a proacutepria pessoa fosse aniquilada (cf

MARTINS 1991 p 48) Da mesma forma conhecer o nome equivaleria a conhecer e

tomar posse do indiviacuteduo daiacute a preocupaccedilatildeo de esconder o verdadeiro nome Por isso

a colocaccedilatildeo do nome tornou-se misteriosa no Egito ao contraacuterio dos demais povos

cujo nome da pessoa era declarado em geral no ato de seu nascimento Assim sendo

se um ldquonome eacute conhecido ele deve ser conhecido no tuacutemulo eacute ele que daacute a vida e a

46 Tal crenccedila natildeo eacute de todo alheia ao judaiacutesmo Inspirada pelo caraacuteter misterioso da Criaccedilatildeo fruto segundo o Gecircnesis do ato comunicativo divino que ldquodizrdquo ndash profere uma palavra ndash e as coisas se fazem ou seja satildeo criadas surgiu na Idade Meacutedia uma obra de caraacuteter miacutestico-especulativo denominada Secircfer Yetsiraacute (ldquoLivro da Criaccedilatildeordquo) Nessa obra o mais antigo texto especulativo em hebraico que chegou ateacute noacutes e cuja data de redaccedilatildeo eacute incerta indo do seacuteculo III ao VI EC desenvolve-se uma crenccedila no poder criativo das letras do Nome de Deus e das letras da Toraacute em geral O mundo teria sido criado atraveacutes da somatoacuteria das vinte e duas letras do alfabeto hebraico e dos dez nuacutemeros primordiais e elementares (Sefirot) com suas infinitas combinaccedilotildees e interpolaccedilotildees Concede-se desse modo um poder maacutegico agraves palavras agraves letras e a certos nuacutemeros A partir de uma exegese maacutegica de Secircfer Yetsiraacute desenvolveu-se no judaiacutesmo a ideia do golem (palavra que aparece uma soacute vez na BH Sl 13916) que no Talmude exprime algo sem forma e imperfeito No Talmude tratado Sanhedrin 65b 21-23 afirma-se ldquoSe os justos quisessem eles poderiam [vivendo uma vida de absoluta pureza] ser criadores porque estaacute escrito [] Rabbah criou um homem e enviou-o a R Zera R Zera falou com ele mas natildeo obteve resposta Logo a seguir disse-lhe Tu eacutes criatura dos magos Retorna ao teu poacuterdquo Assim sendo a crenccedila no poder da palavra e das letras conduziu a miacutestica judaica medieval a admitir a possibilidade de se criar um ser humano Esse seria feito de modo artificial em virtude de um ato maacutegico (SCHOLEM 1995 p 83 SCHOLEM 2007 p 735-737)

61

repeticcedilatildeo dos nomes do morto na boca dos viventes permite sua sobrevivecircnciardquo

(Papiro IV Chester Beatty apud POZNANSKI 1978 p 116)

Portanto entre os egiacutepcios mais que um siacutembolo o nome era compreendido

como uma coisa viva o proacuteprio sujeito que o porta

Assim como na cultura mesopotacircmica no Egito os deuses criam com a forccedila

de sua palavra evocando os nomes das coisas gesto que as fazem aparecer

ldquoConforme o seu nome eacute pronunciado assim a coisa vem a ser Porquanto o nome eacute

uma realidade a coisa mesmardquo (PIANKOFF 1964 p 4) Textos dos Sarcoacutefagos relatam

que Shu o filho do deus criador egiacutepcio recebeu autoridade intelectual para ir ao redor

do ciacuterculo de ser total e dar nome a todas as coisas ldquoVem entatildeo vamos criar os nomes

deste anel [totalidade] de acordo com o que saiu de seu coraccedilatildeordquo (CLARK 2004 p 70)

Se o ato de nomear cria algo ele tambeacutem distingue esse algo pois o nome eacute

esta caracteriacutestica que reflete individualidade

O criador real era a Palavra ndash a primitiva fala que proveio de Deus e da qual todas as coisas obtiveram seus nomes De vez que o nome eacute tambeacutem a natureza de uma coisa do ponto de vista do homem antigo a nomeaccedilatildeo de uma criaccedilatildeo muacuteltipla significa a demarcaccedilatildeo de caracteriacutesticas individuais (CLARK 2004 p 57)

Os egiacutepcios possuiacuteam uma preocupaccedilatildeo quase obsessiva com a existecircncia

perpeacutetua do nome de uma pessoa Por isso apagar o nome de uma pessoa era

efetivamente destruir a ela mesma Uma comprovaccedilatildeo histoacuterica para isso podemos

recolher no ato de Tutmoacutesis III (seacutec XV AEC) contra o nome e a memoacuteria de sua matildee

e corregente Hatchepsut

Apoacutes a sua morte Tutmoacutesis desfigurou seus monumentos removeu seu nome das inscriccedilotildees reais apagou seus retratos e novamente fez tudo que estava em seu poder para destruir seu nome e remover sua memoacuteria da lembranccedila histoacuterica dos egiacutepcios As graves implicaccedilotildees religiosas das accedilotildees de Tutmoacutesis podem ser na totalidade compreendidas somente quando se leva em conta que um ser sem nome natildeo poderia ser introduzido entre os deuses e como nenhuma coisa criada existe sem um nome a pessoa que natildeo tinha um nome estava em pior posiccedilatildeo diante dos poderes divinos que o mais fraacutegil objeto (PORTER 1990 p 4)

A importacircncia no nome proacuteprio no Egito pode ser medida pelo fato de ele

intervir na gecircnese da escritura hierogliacutefica Essa escritura aparece por volta de 3150

AEC pouco antes do nascimento do estado faraocircnico que se deu ao redor de 3000

62

AEC marcado pela unificaccedilatildeo do Alto e Baixo Egito e o estabelecimento de Mecircnfis

como capital Durante o periacuteodo denominado preacute-dinaacutestico desenvolveu-se uma

cultura da imagem em diferentes etapas De Naqada I (4000 a 3600 AEC) a Naqada II

(3600 a 3150 AEC) realiza-se uma evoluccedilatildeo

Durante o periacuteodo de Naqada II inicia-se uma temaacutetica iconograacutefica veiculando aquilo que parece incontestavelmente uma ideologia monaacuterquica na qual o monarca natildeo eacute ainda o faraoacute mas um potentado que impotildee sua dominaccedilatildeo sobre reinos ou tribos restritas a uma parte do Egito [] Um dos elementos desta temaacutetica merece uma particular atenccedilatildeo Trata-se da representaccedilatildeo de uma fachada de edifiacutecio encimado por um falcatildeo o que eacute bem conhecido pelo nome de ldquoserekhrdquo na eacutepoca faraocircnica como siacutembolo do rei reinando Ao final do periacuteodo preacute-dinaacutestico esse motivo jaacute era utilizado como marca de posse do monarca sobre os objetos ou lugares onde foi afixado Mas haacute mais Eacute no interior desse motivo no espaccedilo vazio da fachada que aparecem os mais antigos exemplos conhecidos da escritura no Vale do Nilo [] trata-se de nomes proacuteprios dos reis constituindo o que os egiptoacutelogos chamam de ldquoa dinastia 0rdquo isto eacute soberanos reinando apenas sobre uma porccedilatildeo do territoacuterio egiacutepcio antes da unificaccedilatildeo e da primeira dinastia Particularmente significativo eacute o nome de Narmer o qual eacute seja o predecessor imediato de Meneacutes o fundador do estado faraocircnico seja o proacuteprio Meneacutes [] quase que ao mesmo tempo em que a escritura eacute utilizada para atualizar aquele que ocupava a funccedilatildeo monaacuterquica escrevendo-se seu nome proacuteprio no interior do siacutembolo desta funccedilatildeo ela eacute tambeacutem para as cidades estrangeiras condenadas a serem eternamente derrotadas pelo rei escrevendo seus nomes proacuteprios no interior do recinto com ameias siacutembolo dessas cidades (VERNUS 1998 p 22-23)

Ao que parece um dos maiores estiacutemulos para a invenccedilatildeo da escritura foi a

necessidade de fixar de modo visiacutevel os nomes nomes proacuteprios ou geograacuteficos Uma

vez que os pictogramas natildeo ofereciam recursos adequados para uma codificaccedilatildeo

satisfatoacuteria dos nomes proacuteprios

Como eacute de amplo conhecimento a civilizaccedilatildeo faraocircnica elaborou um conjunto

de crenccedilas relativas agrave sobrevivecircncia apoacutes a morte Para que a sobrevivecircncia fosse

possiacutevel convinha manter a integridade da personalidade tanto fiacutesica como social A

manutenccedilatildeo da personalidade fiacutesica era satisfeita por meio da mumificaccedilatildeo Enquanto

aquela da personalidade social abrangia o proacuteprio nome da pessoa

Daiacute a inscriccedilatildeo do nome na tumba e sobre o mobiliaacuterio funeral para aqueles que possuem os meios Esta inscriccedilatildeo do nome geralmente multiplicada tanto quanto possiacutevel visa natildeo somente agrave perpetuaccedilatildeo num material soacutelido como a pedra e a madeira mas tambeacutem a assegurar a identidade de seu proprietaacuterio [] Cada egiacutepcio desejava portanto que ldquoseu nome fosse pronunciado na boca das pessoasrdquo segundo uma expressatildeo consagrada Era entatildeo necessaacuterio descrever e narrar suas accedilotildees porque ldquoo nome (fama) de um

63

bravo estaacute naquilo que ele fezrdquo [] Mas para que um nome passasse de boca em boca era necessaacuterio primeiramente que ele estivesse inscrito sobre um monumento funeraacuterio visiacutevel senatildeo ostentatoacuterio e apropriado para dar de seu proprietaacuterio uma boa impressatildeo o monumento funeraacuterio era a expressatildeo da personalidade (VERNUS 1998 p 24-25)

Um fato chama a atenccedilatildeo pois se relaciona com o escopo desta pesquisa sobre

a mudanccedila de nome e sua significaccedilatildeo Haacute um famoso caso de mudanccedila de nome por

motivos religiosos no Egito Eacute aquele relativo ao faraoacute Amenhotep IV que governou

na metade do Impeacuterio Novo cerca de 1350 AEC O seu nome que jaacute era teofoacuterico

significava ldquoAmon estaacute em pazrdquo ou ldquoAmon estaacute satisfeitordquo Esse faraoacute mudou-o para

Akhenatoacuten que significa ldquoO Espiacuterito atuante de Atonrdquo Essa atitude do faraoacute indicava

a intenccedilatildeo de realizar uma reforma religiosa excluindo outras divindades egiacutepcias a

fim de promover Aton como o uacutenico deus Para tanto monumentos dedicados a outras

divindades como Amon foram deformados ou destruiacutedos Akhenatoacuten tentou

estabelecer-se como o uacutenico representante entre deus e o povo somente ele conhecia

Aton retirando poder da casta sacerdotal egiacutepcia (cf HORSLEY 1987 p 5) Uma

consequecircncia dessa alteraccedilatildeo de nome promovida pelo entatildeo faraoacute Amenhotep IV

pode ser percebida em seu sucessor e filho Tutankhamon (significa ldquoa imagem viva

de Amonrdquo) Eacute de se observar que ldquoTutankhamon natildeo era o seu nome original

anteriormente ele tinha sido Tutankhaton e a mudanccedila da manifestaccedilatildeo de apreccedilo a

Aton para Amon foi certamente programaacutetica para indicar o descarte das reformas

religiosas de um faraoacute anterior as quais tinham sido tatildeo desagradaacuteveisrdquo (HORSLEY

1987 p 5)

13 Greacutecia e Roma

Na Greacutecia claacutessica os primeiros testemunhos sobre a colocaccedilatildeo do nome nos

vecircm do seacutec V AEC por exemplo com Aristoacutefanes que escreve

ldquoConvidado um dia ao banquete que ocorre no deacutecimo dia apoacutes o nascimento de um bebecircrdquo e ele acrescenta na mesma peccedila ldquoMas natildeo acabo de fazer um sacrifiacutecio ao deacutecimo dia e de lhe dar um nome como a meu filho nesse mesmo instanterdquo Conhece-se o nome desta cerimocircnia que ele cita em Lysistrata Anfidromia isto significa ldquocorrida ao redorrdquo O receacutem-nascido era levado de casa em casa enquanto as mulheres se purificavam e preparavam a festa (POZNANSKI 1978 p 120)

64

Portanto era costume entre os gregos nominar algueacutem somente no nono ou

deacutecimo dia apoacutes o nascimento Talvez isso se justifique devido ao fato de ocorrerem

muitas mortes de bebecircs antes do seacutetimo dia de nascimento Mas isso natildeo deve ter sido

uma regra geral o uso pode ter se expandido tambeacutem como um modo de permitir o

restabelecimento da matildee apoacutes o parto e que todos os preparativos da festa estivessem

concluiacutedos

A preocupaccedilatildeo de natildeo outorgar um nome agrave crianccedila antes do nono dia jaacute que

as mortes de neonatos eram frequentes indica a preocupaccedilatildeo dos gregos em natildeo

desperdiccedilar um nome sinal de seu caraacuteter sagrado Somente natildeo sabemos com

seguranccedila se eles atribuiacuteam um aspecto maacutegico ao nome proacuteprio como o faziam os

egiacutepcios

Na Roma Antiga a crianccedila recebia seu nome no decorrer de uma importante

cerimocircnia com sacrifiacutecios a Juno divindade do parto e da primeira infacircncia Isso se

dava no chamado dies lustricus (dia da purificaccedilatildeo) nono dia para o menino oitavo

para uma menina (cf POZNANSKI 1978 p 121) Para salvaguardar o praenomen

(prenome) verdadeiro este costumava ser revelado agrave crianccedila somente quando recebia

a toga viril (toga virillis) uma veste branca sem adornos nem tintura Esse gesto que

marcava a passagem da infacircncia para a adolescecircncia se dava por volta dos 15 ou 16

anos de idade Ateacute atingir essa idade mais madura a crianccedila conhecia apenas o seu

falso prenome Portanto a finalidade essencial do nome natildeo era de identificar uma

vez que ele permanecia oculto por um bom tempo

O nome na cultura romana desempenha um papel religioso como proteccedilatildeo

Para amparar a matildee e garantir a continuidade e seguranccedila da prole costumava-se natildeo

atribuir um prenome agraves mulheres Natildeo eacute por menos que entre os romanos surgiu a

locuccedilatildeo Nomen est omen (no plural nomina sunt omina) a qual pode ser traduzida das

seguintes formas ldquoo nome eacute um auguacuteriopressaacutegiordquo ou ldquoum nome um destinordquo A

origem desse proveacuterbio pode ser encontrada na obra Persa (trad Os Persas) do

dramaturgo romano Plautus (cerca de 250-184 AEC)47

47 Cf Nomen est omen In WIKIPEDIA ndash DIE FREIE ENZYKLOPAumlDIE Disponiacutevel em lthttpdewikipediaorgwikiNomen_est_omengt Acesso em 24 jun 2014

65

2 Onomaacutestica biacuteblica

Jaacute vimos que na Antiguidade os nomes pessoais natildeo satildeo meras etiquetas pelas

quais os indiviacuteduos satildeo distinguidos Eles transmitem significado e informaccedilatildeo sobre

povos em variados niacuteveis Por meio deles pode-se conhecer muito da vida cotidiana

das comunidades antigas bem como atitudes psicoloacutegicas e religiosas de certos

grupos humanos Aleacutem disso ldquoobservando as mudanccedilas e preferecircncias em tipos de

nome ao longo do tempo alteraccedilotildees lentas de atitudes podem ser vistas o que pode

indicar a mudanccedila das estruturas sociais e poliacuteticasrdquo (SEYMOUR 1983 p 108)

Constata-se que o impulso humano para conceder nomes a cada aspecto da

existecircncia levou a uma identificaccedilatildeo peculiar da coisa que estaacute sendo nomeada e o

proacuteprio nome abstrato Com isso ldquomuitos povos antigos viram em nomes uma ilusoacuteria

ordem ou estrutura desconhecida do mundo natural que eles estavam descrevendo

a identificaccedilatildeo do nome e objeto resultou em uma confusatildeo caracteristicamente

religiosa de causalidade de modo que os nomes muitas vezes tomaram uma medida

maior da realidade do que as coisas que originalmente representavamrdquo (SEYMOUR

1983 p 109)

A linguiacutestica divide-se em considerar o nome proacuteprio apenas em seu sentido

referencial ou denotativo sem possuir uma conotaccedilatildeo ou ideia ou vecirc-lo como possuidor

tambeacutem de um significado

21 O nome proacuteprio na cultura hebraica

Em hebraico vecirc-se uma perspectiva bem diferente Por exemplo ldquoo

significado da raiz de uma palavra hebraica qualquer eacute quase aparente

independentemente de seu grau de flexatildeo Por esse motivo a maioria dos nomes

proacuteprios israelitas era claramente inteligiacutevel e expressava mais que a simples

referecircnciardquo (METTINGER 2008 p 35)

A fonte mais importante para os nomes proacuteprios hebraicos estaacute na Biacuteblia bem

como nas inscriccedilotildees cananeias (oacutestracos e selos) nos papiros de Elefantina e tabletes

de argila babilocircnicos do periacuteodo persa (cf STAMM 2007 p 764)

A importacircncia dos nomes proacuteprios fica evidente na tradiccedilatildeo hebraica claacutessica

quando se constata que o primeiro ato de Adatildeo foi dar nomes a todos os animais e

66

aves que Deus criara (cf Gn 219-20) Imediatamente no capiacutetulo seguinte Adatildeo

nomeia a primeira mulher (Gn 320) e uma razatildeo eacute dada para que isso ocorra

Na tradiccedilatildeo judaica mais recente expressa pelo Talmude podemos

comprovar que a importacircncia e valorizaccedilatildeo do nome proacuteprio continuam intactas

ldquoComo noacutes sabemos que o nome de uma pessoa afeta sua vidardquo pergunta o Talmude (Ber 7b 13) A resposta de R Eleazar indica que Deus eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo dos nomes e isso determina o destino da pessoa Tomando isso como um princiacutepio baacutesico os saacutebios do Talmude fornecem dezenas de explicaccedilotildees para os nomes de indiviacuteduos lugares e ateacute mesmo animais enumerados na Biacuteblia A codificaccedilatildeo legal judaica relativa agrave grafia dos nomes em documentos de matrimocircnio e divoacutercio e em notas de venda eacute muito exigente Isso decorre das discussotildees talmuacutedicas onde se afirma que o erro ortograacutefico de um nome invalida um documento e a transaccedilatildeo envolvida (NAMES 2002 p 566-567)

A proacutepria palavra ldquonomerdquo em hebraico nos fornece uma indicaccedilatildeo da

importacircncia desta temaacutetica na cultura semiacutetica O substantivo birradical šēm pertence

ao semiacutetico comum e em sua etimologia nos deparamos com o aacuterabe wsm ldquomarcarrdquo

podendo indicar que o significado originaacuterio de šēm fosse ldquomarcardquo O vocaacutebulo šēm

[] referido a pessoas e coisas se encontra sobretudo nos livros histoacutericos enquanto que do nome de Deus ou de YHWH se fala principalmente em Lv (10 vezes) Dt (23 vezes) na obra histoacuterica deuteronomista (cf 1Rs 26 vezes) em Is (mais de 30 vezes) Jr (mais de 40 vezes) Ez (14 vezes) na maioria dos profetas menores (Am 7 vezes Ml 10 vezes) em 2Cr (27 vezes) e especialmente no Salteacuterio (umas 100 vezes) no total em 37 do conjunto dos casos (VAN DER WOUDE 1985a c 1174)

O proacuteprio tiacutetulo hebraico para o segundo livro da Toraacute (Ecircxodo) eacute šuumlmocirct

(nomes)

De longe o livro de Gecircnesis eacute aquele juntamente com Salmos que mais

concentra as ocorrecircncias do vocaacutebulo šēm seja no singular como no plural em toda a

BH Vejamos

Gn 113 vezes aparece šēm sendo 103 vezes no singular e 10 no plural

Sl 109 vezes contecircm šēm sendo 106 vezes no singular e 3 no plural

Portanto das 864 vezes que šēm aparece na BH seja no singular quanto no

plural 1307 satildeo no livro do Gecircnesis (cf VAN DER WOUDE 1985a c

1175-1176)

67

Em Israel o nome natildeo revela automaticamente a ldquonaturezardquo de seu portador

ou a sua ldquoalmardquo (cf VAN DER WOUDE 1985a c 1175-1176)48 Eacute verdade que uma

das caracteriacutesticas dos nomes hebraicos eacute serem frases ou proposiccedilotildees inteligiacuteveis

Mesmo que isso ldquoseja verdadeiro para muitos nomes natildeo o eacute para todos restava uma

proporccedilatildeo que natildeo era facilmente inteligiacutevel ou natildeo eram absolutamente inteligiacuteveisrdquo

(BARR 1970 p 17) Tambeacutem natildeo se lhe atribui uma forccedila maacutegica como no Egito Ao

menos a BH natildeo conteacutem provas diretas da existecircncia de uma magia particular no

nome (cf NEUMANN 2011 p 324) Na tradiccedilatildeo judaica natildeo haacute nomes divinos

secretos porque o uso maacutegico do nome de Deus eacute proibido e todos os crentes podem

invocar diretamente a YHWH na oraccedilatildeo E natildeo somente uma classe determinada

como poderiam ser os sacerdotes

O nome na cultura semiacutetica conteacutem um elemento dianoeacutetico ou seja o

significado do nome segundo seu sentido e outro dinacircmico isto eacute o significado do

nome por sua forccedila e eficaacutecia Contudo eacute bom advertir que o significado a eficaacutecia e

o ldquopoderrdquo de um nome natildeo se fundamentam em seu caraacuteter maacutegico como tal mas na

importacircncia na eficaacutecia e no ldquopoderrdquo do portador desse nome Se este tem um grande

poder seu nome tem consequentemente a eficaacutecia correspondente e pode ser

utilizado para finalidades boas ou maacutes

Nesse sentido mencionado acima eacute digno de nota aquilo que se constata tanto

num versiacuteculo do texto que seraacute objeto de melhor estudo nos proacuteximos capiacutetulos (Gn

3230) quanto em Jz 1318 Toda vez que um ser humano no caso Jacoacute e Manoaacute pede

a um ser pertencente agrave esfera divina (em Gn acute icircš ndash 3224 em Jz malacuteak yhwh ndash 1317)

qual eacute o seu nome (šēm) a solicitaccedilatildeo eacute negada com uma reacuteplica por que perguntas pelo

meu nome (Gn 3230 e Jz 1318) Conclui-se que ldquoa recusa evidentemente faz pensar

que com o nome seria transmitida uma informaccedilatildeo decisiva sobre quem o portardquo

(REITERER 2009 c 477)

A tradiccedilatildeo hebraica vecirc no nome proacuteprio uma capacidade de comunicaccedilatildeo uma

vez que conhecendo o nome de algueacutem ou de um deus pode-se chamaacute-lo fazecirc-lo vir

ateacute quem o menciona Nesse sentido o conhecimento do nome significa ateacute certo

48 Cf BARR 1970 p 11-29

68

ponto um poder sobre a pessoa nominada Deve-se levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que

Uma vez que o nome eacute expoente da personalidade o portador deve cuidar de seu bom nome ou seja de sua boa reputaccedilatildeo Adquire-se um nome no sentido de prestiacutegio quando se acrescenta a proacutepria gloacuteria atraveacutes de grandes accedilotildees e riquezas entre elas a abundacircncia de filhos O nome de uma pessoa sobrevive mesmo depois de sua morte sobretudo atraveacutes de seus descendentes (Gn 4816) Poreacutem o nome do que eacute sentenciado (Ez 2310) do que natildeo tem filhos (cf 2Sm 1818) ou do que perde suas propriedades (cf Nm 274) eacute apagado da terra Nestes casos e neste sentido dinacircmico o nome pode ser um conceito substitutivo da pessoa (VAN DER WOUDE 1985a c 1177)

Houve uma evoluccedilatildeo interessante nas tradiccedilotildees judaicas de nomeaccedilatildeo ldquoo

nome que era anteriormente dado desde o nascimento tende a ser em seguida

ligado agrave circuncisatildeo o oitavo dia apoacutes o nascimento na eacutepoca talmuacutedica a menina

recebia seu nome no primeiro saacutebado que se seguia ao partordquo (POZNANSKI 1978 p

119) Qual foi a justificativa para tal mudanccedila Somente Deus pode contentar-se de

existir sem necessidade de nome ldquoEu sou aquele que sourdquo (Ex 314) Aliaacutes como Carl

Heinz Ratschow49 jaacute demonstrou haacute muito tempo a traduccedilatildeo do verbo que eacute usado

para o nome divino (haya) comumente traduzido por ldquoserrdquo seria mais correto traduzir

por algo que eacute simultaneamente ldquoserrdquo e ldquovir-a-serrdquo Assim a expressatildeo acuteehyegrave acuteaacutešer

acuteehyegrave de Ex 314 poderia ser vertida em ldquoVirei-a-ser o que fareirdquo (REHFELD 1988 p

93) Isso porque segundo Rehfeld a cultura do homem biacuteblico era antiontoloacutegica

ainda segundo ele ldquoA realidade natildeo se afigurava como lsquoserrsquo mas como lsquodever-serrsquo

natildeo como lsquoessecircnciarsquo mas como lsquoexigecircnciarsquordquo (REHFELD 1988 p 91-92) Por essa razatildeo

o nome divino natildeo poderia ter ldquoum sentido estaacutetico e imutaacutevel denominaraacute o aspecto

dinacircmico da Fonte de toda transformaccedilatildeo no mundo do acontecer de cada momentordquo

(IBID p 93) Esses aspectos que Rehfeld aplica ao nome de Deus se pode aplicar

tambeacutem em alguns casos aos nomes proacuteprios pessoais como se abordaraacute mais

adiante nesta pesquisa

O ser humano deve ter um nome que significa mais do que ele designa

49 Eine Untersuchung des Wortes ldquohayaacuterdquo als Beitrag zur Wirklichkeitserfassung des Alten Testaments Beiheft zur Zeitschrift fuumlr alttestamentliche Wissenschaft Berlin Alfred Toplemann n 70 1941 apud REHFELD 1988 p 92 nota 52

69

Assim a ligaccedilatildeo onomaacutestica entre o homem e seu Deus eacute a ilustraccedilatildeo da alianccedila religiosa a partir do modelo daquela de Abratildeo vendo mudar seu nome em Abraatildeo [Gn 175] Por esta nova nomeaccedilatildeo se estabelece a ligaccedilatildeo e se opera uma transformaccedilatildeo profunda na mentalidade religiosa a crianccedila natildeo eacute mais nomeada desde o nascimento porque sua existecircncia real natildeo teraacute iniacutecio a natildeo ser com o estabelecimento e a celebraccedilatildeo da Alianccedila Apoacutes a Diaacutespora atribui-se agrave crianccedila um nome provisoacuterio seguindo os costumes locais mas seu nome verdadeiro permanece aquele que ela receberaacute no momento de sua entrada na Alianccedila (POZNANSKI 1978 p 120)

Quem nomeia a crianccedila na BH satildeo seus pais Entretanto essa eacute uma

atividade predominantemente individual Vejamos

Das 46 vezes em que o nominador eacute especificado ao menos 25 envolve matildees (p ex Gn 4125 1937-38 306-24 1Sm 120 2Sm 1224 1Cr 49) Dezoito envolve o pai (p ex Gn 5329 1615 3518 4151-52 Ex 183-4 1Cr 723 Os 14-9) Umas poucas envolvem uma relaccedilatildeo que natildeo a dos genitores como quando Homem nomeia Mulher (Gn 223) Adatildeo nomeia Eva (Gn 320) e as amigas de Noemi nomeiam a crianccedila de Rute como Obed (Rt 417) Que a maioria dos nominadores seja mulheres eacute atribuiacutevel ao menos em parte agrave intimidade da relaccedilatildeo entre matildees e filhos nos primeiros anos destes Esse foco sobre as mulheres natildeo se estende entretanto aos destinataacuterios dos nomes nas 46 nomeaccedilotildees mencionadas acima somente sete mulheres satildeo nomeadas duas dessas menccedilotildees envolvem a ldquoPrimeira Mulherrdquo (Gn 223 320) A nomeaccedilatildeo de crianccedilas do sexo feminino por seus genitores eacute registrada em apenas cinco exemplos no AT e somente uma vez eacute que uma matildee nomeia uma filha (Gn 3021) (BOHMBACH 2000 p 946)

Tanto em hebraico quanto no semiacutetico antigo podem ser individuadas duas

formas de nomes proacuteprios nomes proposicionais e nomes epiteacuteticos ou de designaccedilatildeo

(cf STAMM 2007 p 764) Os primeiros podem ser classificados como sentenccedilas

verbais ou nominais Haacute um grupo separado constituiacutedo por numerosos nomes curtos

Os nomes de proposiccedilatildeo satildeo originalmente pronunciados pelo pai ou matildee durante o

nascimento do filho (cf Rubem isto eacute reacute ucircbeumln ldquoVede um filhordquo Gn 2932) ou contecircm

suacuteplicas desejos e manifestaccedilotildees de confianccedila colocadas na boca do portador do nome

(cf acute eacutelicirc` eacutezer ldquomeu Deus eacute meu auxiacuteliordquo Gn 152) Em nomes de designaccedilatildeo o receacutem-

nascido recebe um nome correspondente ao dia de seu nascimento (cf bdquoaggay ldquoo

nascido em dia de Festardquo Ag 11) ou agrave sua posiccedilatildeo na famiacutelia como primogecircnito etc

Um dado curioso e singular eacute o fato de em Israel diferentemente do que ocorre

em sua vizinhanccedila naquela eacutepoca ldquonatildeo haacute nomes de pessoas que designem a seu

portador como filho ou filha de YHWHrdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1180) No

70

entanto somente para ficar em alguns exemplos no ambiente extraisraelita

encontramos Ben-`aumlnaumlt ldquofilho de Anatrdquo como designaccedilatildeo do hurrita Samgar (Jz 331

56) e Ben-haumldad ldquofilho de Adadrdquo como denominaccedilatildeo de trecircs reis de Aram (1Rs

151820 201ss 2Rs 13324-25)

O nome pode ser

um programa (ex Gn 175)50

ou ocasiatildeo para etimologias etioloacutegicas (ex Gn 2526 Ex 211) e

jogos de palavras (ex 1Sm 2525)

22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas

Vaacuterios fatores podem determinar a colocaccedilatildeo do nome numa crianccedila no

interior da cultura hebraica antiga (todo o conteuacutedo da seccedilatildeo abaixo foi extraiacutedo com

algumas poucas variaccedilotildees e acreacutescimos de DE VAUX 1958 p 75-77)

221 Circunstacircncias particulares do nascimento

I Circunstacircncia que concerne agrave matildee

1 Eva chama seu primeiro filho de Caim porque ela ldquoadquiriurdquo (qaumlnaumlh)51 um

homem Gn 41

2 O mesmo ocorre com os filhos de Jacoacute Gn 2931-3024

50 O papel de Abratildeo eacute alargado pela promessa divina que lhe havia sido feita em Gn 122 ldquoFarei de ti uma grande naccedilatildeo e te abenccediloarei tornarei grande o teu nome e tu seraacutes uma becircnccedilatildeordquo (trad pessoal) Como a vida e missatildeo de Abratildeo sofreram alteraccedilatildeo seu nome tambeacutem eacute mudado No entanto mais que alterado seu nome eacute ampliado com o acreacutescimo de uma siacutelaba ldquoO novo nome eacute uma variante dialetal de Abratildeo seguindo o padratildeo aramaico de expandir verbos fracos pela inserccedilatildeo de h de modo que a raiz r-w-m torna-se r-h-m assim como o hebraico r-w-ts torna-se r-h-dagger em aramaico e o hebraico b-w-sh torna-

se b-h- daggerh em aramaicordquo (SARNA 1989 p 360 nota 4 [Chapter 17]) Essa pode ser a explicaccedilatildeo para o

fato de ldquoas consoantes ABRHM [sejam] interpretadas como uma abreviaccedilatildeo para ABiR (poderoso) e Hamon (multidatildeo) + goyiM (naccedilotildees)rdquo (Op cit p 124) 51 A esta interpretaccedilatildeo do nome ldquoCaimrdquo oferecida por DE VAUX deve-se no entanto acrescentar outra mais plausiacutevel que nos eacute oferecida por Cassuto Segundo esse estudioso o significado primaacuterio para Qayin (qyn em aacuterabe) seria moldar dar forma modelar algo e o substantivo aacuterabe qaynun denota natildeo soacute ldquoum ferreiro um trabalhador em bronze e ferrordquo mas em geral algum ldquoartiacuteficerdquo que faz artigos dando forma agrave mateacuteria-prima Ainda segundo ele ldquoA palavra aramaica citada eacute reconheciacutevel precisamente por sua forma como um substantivo denominativo e em qualquer caso conota tambeacutem um refinador que trabalha em prata e ouro Em hebraico biacuteblico Qayin significa uma lsquoarmarsquo que foi dada forma pelo artesatildeo (2Sm 2116) A conclusatildeo a ser tirada de tudo isso eacute que o nome do primeiro filho de Adatildeo significa uma criatura [literalmente lsquoum ser formadorsquo]rdquo (CASSUTO 2005 p 197-198) A partir dessas explicaccedilotildees pode-se traduzir a parte final de Gn 41 do seguinte modo Eu criei um homem assim como o Senhor

71

Raquel que morreraacute no parto chama seu filho de Ben-Oni ldquofilho da

minha dorrdquo52 mas

Jacoacute muda este nome de mau pressaacutegio para Biniamin (ldquofilho da

direitardquo)53 Gn 3518

II Circunstacircncia que concerne ao pai eacute mais raro54

Moiseacutes chama seu filho Guershom porque ele o teve sendo guecircr (= residente

em terra estrangeira) Ex 222

III Circunstacircncia que concerne agrave proacutepria crianccedila

1 Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb) eacute chamado de ldquocalcanharrdquo55 porque no seio de sua

matildee ele segurou o calcanhar de seu irmatildeo gecircmeo (Gn 2526) o qual ele

suplantou `qaumlb (Gn 2736 Os 124)

2 Perez nasceu abrindo uma ldquobrechardquo pecircrets (Gn 3829)

222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo

1 A mulher de Fineias (heb PicircnHaumls) sabendo sobre a tomada da arca da

alianccedila pelos filisteus deu agrave luz um filho ao qual chamou Icabod (heb acuteicirc-

kaumlbocircd) que significa ldquoonde estaacute a gloacuteriardquo ou ldquosem gloacuteriardquo 1Sm 421

2 Os nomes simboacutelicos que Oseias e Isaiacuteas datildeo a seus filhos Os 1469 Is 73

83 tomando somente um exemplo a filha de Oseias Lo-RuHamaacute (ldquosem

52 Outra possibilidade de interpretaccedilatildeo para esse nome seria ldquofilho do meu vigorrdquo um eufemismo para ldquofilho de minha debilidaderdquo isto eacute ldquoseu nascimento drenou minhas forccedilasrdquo Nesse caso acuteocircn eacute tomado

no sentido de ldquovigorrdquo como encontrado em Gn 493 Dt 2117 Is 402629 Os 124 Sl 7851 10536 Joacute 4016 ldquoCuriosamente Onocirc eacute um nome de lugar no territoacuterio de Benjamim Esd 233 Ne 62 737 1135 1 Cr 812rdquo (SARNA 1989 p 368 nota 14 [Chapter 35]) 53 Aqui ldquodireitardquo eacute siacutembolo de destreza poder proteccedilatildeo Outro significado possiacutevel seria ldquofilho do sulrdquo isto eacute ldquoaquele que nasceu no sulrdquo Uma terceira possibilidade tomando yamin por yamim (dias) seria interpretar Benjamin como ldquofilho de minha velhicerdquo em Is 4420 ele eacute chamado de ldquouma crianccedila de sua velhicerdquo (cf SARNA 1989 p 243) 54 Pode-se encontrar exemplos mesmo na cultura sumeacuteria como eacute o caso de AAMUDAḪ (ldquoO-Pai-Correu-Para-O-Povordquo) certamente para anunciar o nascimento de seu filho (cf KRAMER 1963 p113) 55 ldquoPela etimologia popular o nome eacute derivado do hebraico ` akev lsquocalcanharrsquo Na realidade o hebraico

ya` akov deriva de uma raiz semiacutetica ` -k-v proteger Eacute abreviada de uma forma mais completa com um

nome divino ou epiacuteteto como seu sujeito Ya` akov-acute El Que El protejarsquo eacute um nome que tem aparecido

vaacuterias vezes em textos cuneiformes sobre uma vasta aacuterea O nome Jacoacute eacute assim na origem um apelo por proteccedilatildeo divina do receacutem-nascido ndash mais adequado para algueacutem que iria viver toda a sua vida agrave sombra do perigordquo (SARNA 1989 p 180)

72

piedaderdquo)56 recebe esse nome a fim de significar a falta de piedade que

Deus tem para com todo o reino do norte (Israel) daquele momento em

diante

3 Substituindo o nome de um parente falecido devido ao fato comum das

mortes prematuras de crianccedilas bem como de natimortos na Antiguidade

Oriental era comum encontrar nomes que eram concedidos a uma outra

crianccedila ldquosubstituindordquo aquele que havia sido dado agrave falecida No Egito em

Ugarit na Babilocircnia e em Israel isso ocorria No entanto haacute uma diferenccedila

importante enquanto que na Babilocircnia por exemplo essa categoria de

nomes se referia a um substituto para o defunto em hebraico a tendecircncia

em periacuteodos anteriores era falar do parente como ldquovivendo de novordquo No

periacuteodo poacutes-exiacutelio (seacutec VI AEC em diante) com possiacutevel influecircncia

babilocircnica encontram-se em hebraico nomes como estes ldquoAmdashiqsup1m (ldquoMeu-

Irmatildeo-Ressurgiurdquo) Jsup1shobplusmnam (ldquoO-Tio-Voltourdquo) Jsup1shibdegab (ldquoEle [YHWH]-

Trouxe-De-Volta-o-Pairdquo) Meshallcentmjsup1(mdashu) (ldquoYHWH-Deu-um-Substitutordquo)rdquo

(SEYMOUR 1983 p 113)

223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila satildeo raros Exemplos

Naor (heb naumlHocircr) o soprador roncador ndash Gn 1122

Careaacute (heb qaumlreumlordfH) o careca ndash 2Rs 2523

Paseaacute (heb paumlseumlordfH) o coxo ndash Ne 751

224 Nomes de animais

Satildeo frequentes especialmente no periacuteodo antigo Geralmente colocava-se o

nome do primeiro animal que se via no momento do nascimento da crianccedila como

ocorre ateacute hoje entre os beduiacutenos Exemplos

Raquel (heb raumlHeumll) ovelha ndash Tb 71

Deacutebora (heb Duumlboumlracirc) abelha ndash Gn 358

Jonas (heb yocircnacirc) pomba ndash Jn 11

Aiaacute (heb acuteayyacirc) abutre ndash Gn 3624

56 Uma interpretaccedilatildeo mais difundida atualmente concede a este nome o significado de ldquonatildeo amadardquo

do hebraico loumlacute ruHaumlmacirc Deus repotildee a condenaccedilatildeo embutida nesse nome atraveacutes de sua mudanccedila em

ruHaumlmacirc ldquoamadardquo (Os 23 cf 225) ndash cf MERCIER 2013 p 822

73

Sefufan (heb šuumlpucircpaumln) viacutebora ndash 1Cr 85

Caleb (heb Kaumlleumlb) catildeo ndash Nm 136

Naaacutes (heb naumlHaumlš) serpente ndash 2Sm 1725

Eglaacute (heb `eglacirc) novilha ndash 2Sm 35

Akbor (heb `akBocircr) rato ndash Gn 3639 etc

225 Nomes de plantas

Em pessoas esses nomes satildeo muito raros E o princiacutepio de colocaccedilatildeo desse tipo

de nome eacute semelhante ao anterior relativo ao de animais Exemplos

Elom (heb acuteecircloumln) carvalho ndash Gn 2634

Zetan (heb zecirctaumln) oliva ndash 1Cr 710

Coz (heb qocircc) espinho ndash 1Cr 48

Tamar (heb Taumlmaumlr) tamareira ndash Gn 3824

226 Nomes teofoacutericos57

Constituem a categoria mais importante dos nomes proacuteprios Alguns satildeo

formados com Baal que pode ser agraves vezes um epiacuteteto de YHWH porque baacuteal

significa ldquomestresenhorrdquo mas que eacute frequentemente o nome do deus cananeu A

proporccedilatildeo desses nomes eacute especialmente grande nos oacutestracos de Samaria que datam

de uma eacutepoca na qual a religiatildeo do Reino do Norte foi fortemente influenciada por

outras culturas Eles desaparecem apoacutes o periacuteodo monaacuterquico Sob a influecircncia do

javismo58 alguns desses nomes foram modificados nos textos sendo Baal substituiacutedo

57 O significado da palavra grega θεόφορος (teofoacuterico) eacute ldquotrazendo ou levando um deusrdquo (LIDELL SCOTT 1940) Portanto nomes teofoacutericos satildeo nomes derivados de um deus 58 ldquoCrenccedila monoteiacutesta dos judeus [sic] O termo natildeo aparece como tal (yahadut) na Biacuteblia Ele eacute atestado pela primeira vez no Segundo Livro dos Macabeus [81] e em Ester Rabba (711) Ele foi criado claramente pelos judeus helenistas (estes empregavam a forma grega dessa palavra ioudaismos) Ele exprime uma dimensatildeo ao mesmo tempo religiosa e nacional [] O judaiacutesmo foi frequentemente descrito como um lsquomodo de vidarsquo integral ou como uma lsquoculturarsquo Eacute uma santificaccedilatildeo de todos os aspectos da vida [] Nenhum detalhe da vida eacute deixado de lado por ele O judaiacutesmo remonta sua existecircncia a Abraatildeo que a tradiccedilatildeo judaica considera como o primeiro homem que chegou por proacutepria conta agrave ideia de monoteiacutesmo [] Durante os trecircs mil e oitocentos anos que decorreram desde o nascimento de Abraatildeo os dois elementos fundadores da histoacuteria judaica e do povo judeu satildeo a saiacuteda do Egito e o dom da Toraacute no Sinai A tradiccedilatildeo considera de fato o Sinai como o lugar no qual o povo judeus recebeu as leis que o devem reger [] O judaiacutesmo foi a primeira religiatildeo puramente monoteiacutesta [] O judaiacutesmo foi tambeacutem a ldquomatildeerdquo de duas outras religiotildees universais o cristianismo e o islamismordquo (JUDAIumlSME 1993 p 587)

74

por El ou YHWH ou ainda eles satildeo desfigurados pela leitura Ishbaal foi mudado em

Ishboshet Yerubaal em Yerubboshet Meribbaal em Mephiboshet

Os elementos teofoacutericos de ocorrecircncia mais frequente satildeo lae (acuteeumll) que ocorre

em cerca de 135 nomes da BH e o Tetragrama este uacuteltimo sempre usado em forma

abreviada a saber Ahygt (yuumlhocirc) e Ay (yocirc) no comeccedilo Why (yāhucirc) e hy (yāh) no final da

palavra Os nomes proacuteprios teofoacutericos compostos com o Tetragrama sempre

abreviado satildeo mais de 150 na BH Uma estatiacutestica comprova essa afirmaccedilatildeo isto eacute a

predominacircncia de nomes teofoacutericos javistas (com o Tetragrama)59 Segundo um

caacutelculo ldquode 466 indiviacuteduos portando nomes teofoacutericos (excluindo destes aqueles com

elementos acuteeumll e acuteeumllicirc que satildeo ambiacuteguos) do periacuteodo patriarcal ateacute a queda de Jerusaleacutem

413 (89 por cento) portavam nomes javistas e 53 (11 por cento) portavam nomes

claramente ou plausivelmente pagatildeosrdquo (TIGAY 1987 p 160) Inscriccedilotildees do oitavo

seacuteculo AEC ateacute a queda de Judaacute (587 AEC) tanto hebraicas como estrangeiras

referentes a Israel comprovam que dos 738 nomes de indiviacuteduos que nelas aparecem

351 quase a metade leva nomes com YHWH como seu elemento teofoacuterico outros 48

levam nomes com o elemento teofoacuterico acuteeumll (ldquoDeus deus a divindade Elrdquo) ou acuteeumllicirc (ldquomeu

deusrdquo) Dos nomes restantes a maioria natildeo menciona divindades Pode-se concluir a

partir disso a forccedila do javismo no coraccedilatildeo da sociedade israelita especialmente de

Judaacute (cf TIGAY 1987 p 161-178) E isso se comparado a informaccedilotildees disponiacuteveis da

onomaacutestica em povos vizinhos a Israel torna-se ainda mais evidente Tomemos como

exemplo a onomaacutestica amonita (Amon ocupava a Transjordacircnia nos tempos do antigo

Israel) cuja principal divindade era Milcom Essa divindade estaacute presente em apenas

nove nomes dos encontrados em inscriccedilotildees daquela eacutepoca Sendo que acuteeumll ocorre cento

e cinquenta vezes o qual era no mais das vezes um termo geneacuterico para deus (cf

HESS 2007 p 304) Outro estudo sobre a onomaacutestica amonita obteve como resultado

a incidecircncia dos seguintes nomes acute l ndash 48 vezes acute nrt ndash 1 vez b` l ndash 1 vez Hm ndash 1 vez

nny ndash 1 vez šmš ndash 1vez (cf HESS 2007 p 304) Os nomes pessoais amonitas compostos

de outras divindades superam em nuacutemero portanto aqueles com Milcom O mesmo

se observa quando satildeo examinadas coleccedilotildees de nomes pessoais edomitas moabitas e

59 Para uma anaacutelise mais completa dessa ocorrecircncia consultar JASTROW 1894 p 101-127

75

filisteias Pode-se concluir que ldquoo uso predominante e quase exclusivo do nome divino

YHWH na onomaacutestica do Israel Antigo sugere que essa divindade exerceu um papel

em Israel distinto de como as naccedilotildees circunvizinhas consideravam suas divindades

principais nos nomes pessoaisrdquo (HESS 2007 p 306)

O primeiro nome pessoal que foi definitivamente construiacutedo com o

Tetragrama eacute yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute ndash Ex 179)

O nome da matildee de Moiseacutes yocirckebed (Joquebede - Ex 620) eacute mais antigo mas

eacute extremamente questionaacutevel se ele de fato conteacutem o nome divino biacuteblico quanto agrave

yuumlhucircdacirc (Judaacute ndash Gn 2935) eacute certo que natildeo conteacutem o nome divino (cf STAMM 2007

765)

Do periacuteodo dos Juiacutezes cinco nomes pessoais pertencentes a este grupo yocircacuteaumlš

(Joaacutes ndash Jz 611) yocirctaumlm (Jotatildeo ndash Jz 95) micirckaumlyhucirc (Micaiacuteas[u] - 1Rs 228) yocircnaumltaumln (Jocircnatas

ndash Jz 1830) e yocircacuteeumll (Joel ndash 1Sm 82) devem ser mencionados

Durante o periacuteodo monaacuterquico nomes desse grupo tornaram-se frequentes e

dominantes e ateacute mantiveram sua predominacircncia duradoura ndash juntamente com

aqueles contendo o teofoacuterico acuteeumll ndash depois acuteeumll eacute comum em nomes pessoais ateacute o iniacutecio

do periacuteodo monaacuterquico durante o qual ele cai em quase completo desuso

reaparecendo novamente e se tornando mais frequente a partir do seacutetimo seacuteculo e

permanecendo comum depois do Exiacutelio (cf STAMM 2007 p 766)

Uma curiosidade pode ser encontrada no nome do profeta Elias (1Rs 171

acuteēliyyaumlhucirc) o qual combina os nomes divinos El e YHWH na afirmaccedilatildeo ldquoDeus (ou ldquomeu

Deusrdquo ndash ElElicirc) eacute Yah[weh]rdquo

Eacute interessante constatar como o faz Johann Jakob Stamm que

O predicado dos nomes proposicionais verbais (teofoacutericos) eacute geralmente no tempo perfeito ou imperfeito Em contraste com o acaacutedio o uso do modo

imperativo eacute raro Nomes tardios tais como laeyfi[ ] (Asiel ldquoFaccedila-o oacute Deusrdquo)

e laeyzIx ] (Haziel ldquoOlha oacute Deusrdquo) podem ser considerados como pertencentes

ao primeiro e bEWargt (Ruacuteben ldquoVeja um filhordquo) como pertencente ao uacuteltimo

Nos nomes no tempo perfeito o tipo ldquopredicado-sujeitordquo (p exlaengttn gt Natanael) eacute segundo a sintaxe hebraica em geral mais frequente que o

inverso ou seja ldquosujeito-predicadordquo (p ex tnla Elnatatilde) O significado

desses nomes eacute expresso pelo uso do tempo passado eles significam accedilatildeo de graccedilas por um ato de caridade concedido pela divindade (p ex ldquoDeus deurdquo) Em nomes formados com o tempo imperfeito o tipo ldquosujeito-predicadordquo eacute

76

dificilmente representado Esse tipo aparece somente nos periacuteodos

monaacuterquico tardio e no poacutes-exiacutelico (~yqIszligyAhy gt Joaquim) De outro lado o tipo

ldquopredicado-sujeitordquo eacute muito mais frequente (hyngtAky gt Iehoniaacute) Alguns dos

nomes proacuteprios mais antigos satildeo deste tipo uns aparecem como formas

abreviadas natildeo contendo a palavra lae da forma completa Exemplos destes

satildeo qxcyI (Isaac) bqo[]y (Jacoacute) laerfyI (Israel) sEAy (Joseacute) e laemxrygt (Jerameel)

Estes tipos ocorrem mais frequentemente nos periacuteodos de Moiseacutes e dos Juiacutezes Ele se torna escasso durante o periacuteodo daviacutedico quase desaparecendo mas recuperando espaccedilo pouco antes dos periacuteodos exiacutelico e poacutes-exiacutelico (STAMM 2007 p 764-765)

Quais eram os motivos que levavam os pais israelitas a incluiacuterem alusotildees a

Deus nos nomes que davam a seus filhos Podemos identificar as seguintes razotildees

principais60

1ordf Desejo dos pais em exprimir seu agradecimento a Deus por dar-lhes aquele filho

receacutem-nascido Para tanto costuma-se tomar a raiz -t-n (n ndash t ndash n dar) A partir

daiacute surgem nomes como nuumltanacuteeumll (Natanael Deus tem dado ou Daacutediva de Deus Nm

18) yuumlhocircnaumltaumln (Jocircnatas YHWH deu ou Dado por YHWH 1Sm 146 ndash forma

abreviada yocircnaumltaumln 1Sm 132) nuumltanyaumlhucirc (Netanias YHWH deu ou Daacutediva de

YHWH Jr 3614) e acuteelnaumltaumln (Elnatan El [Deus] deu ou Daacutediva de El [Deus] 2Rs 248)

Ideia anaacuteloga encontra-se no ato de Lia ao nomear o seu quarto filho yuumlhucircdacirc (Judaacute

AgradeccediloLouvo a YHWH Gn 2935) Esse nome funde w-h-y (as primeiras trecircs letras

do Tetragrama) com um derivado de hdy (ldquoagradecerrdquo) do qual a primeira letra

torna-se um vav e funde-se com o vav do Tetragrama

2ordf Nomes que expressam o fato de Deus ter dado aquele filho por sua graccedila ou

exprimindo o desejo de que ele possa favorecer essa crianccedila no futuro Emprega-

se a raiz -n-x (graccedila favor ou conceder uma graccedila) Essas ideias estatildeo na base de

nomes teofoacutericos tais como acuteelHaumlnaumln (Elanan El (Deus) eacute gracioso 2Sm 2119)

Haacutenanacuteeumll (Hananel El (Deus) eacute gracioso Jr 3138) Haacutenanyaumlhucirc (Hananias YHWH eacute

gracioso Jr 3612 ndash forma abreviada Haacutenanyacirc Jr 281) yuumlhocircHaumlnaumln (Joanan YHWH

agracioumostrou favor Esd 106 ndash forma abreviada yocircHaumlnaumln Jr 4016)

3ordf Para denotar que ldquoo Senhor eacute Deusrdquo ou ldquoo Senhor eacute meu Deusrdquo haacute o costume de

combinar os dois nomes hebraicos da divindade (El e YHWH) Como exemplo

60 Cf HABER 2001 p 57-59

77

temos acuteeumlliyyaumlhucirc (Elias O Senhor (El) eacute Deus (YHWH) 1Rs 171 ndash forma abreviada

acuteeumlliyyacirc 2Rs 13) yocircacuteeumll (Joel YHWH eacute Deus (El) Jl 11) e acuteeacutelicircacuteeumll (Eliel Meu Deus (El)

eacute Deus (El) 1Cr 619)

4ordf Indicam as esperanccedilas dos genitores quanto ao futuro de seus filhos O verbo ~wq

(na forma hifil ~yqiy erguer levantar pocircr-se de peacute) transmite a ideia ldquo(Que) Deus

eleveestabeleccedila (esse filho)rdquo como eacute o caso em yuumlhocircyaumlqicircm (Jeoaquim YHWH

levantaconfirmaestabelece 2Rs 2334 ndash forma abreviada yocircyaumlqicircm Ne 1210) O

verbo wk (na forma hifil ykiy pocircr estabelecer sustentar dispor assentar instituir)

transmite a ideia ldquo(Que) o Senhor fortaleccedilaestabeleccedila (esse filho)rdquo Encontramos

essa noccedilatildeo em nomes como yuumlhocircyaumlkicircn (Joaquim YHWH exaltalevantaestabelece

2Rs 246 ndash forma abreviada yocircyaumlkicircn Ez 12) O nome yuumlHezqeumlacutel (Ezequiel Ez 13)

denota o desejo la-qzxy (ldquoQue Deus fortaleccedila-[o]rdquo) O nome do profeta Jeremias

(heb yirmuumlyaumlhucirc Jr 11 ndash forma abreviada yirmuumlyacirc Jr 271) denota algo

semelhante ldquoQue o Senhor (YHWH) erga[-o]rdquo

5ordf Denotam a paternidade a proteccedilatildeo e salvaccedilatildeo de Deus Emprega-se nesse caso o

substantivo com sufixo pronominal yba (ldquomeu Pairdquo) Por exemplo acuteaacutebicircacuteeumll (Aviel

Meu pai eacute Deus (El) ou Deus (El) eacute pai 1Sm 91) acuteaacutebiyyaumlhucirc (Abias YHWH eacute pai ou

YHWH eacute meu pai 2Cr 1320 ndash forma abreviada acuteaacutebiyyacirc 1Sm 82) e yocircacuteaumlb (Joab

YHWH eacute pai 1Sm 266) Outros nomes usam a raiz [vy (ajudar salvar) que significa

ldquoDeus eacute o Salvadorrdquo ou expressa um desejo ldquo(Que) Deus ou o Senhor ajude ou

salverdquo A esse grupo de nomes teofoacutericos pertencem entre outros acuteeacutelicircšauml` (Eliseu

Deus (El) eacute salvaccedilatildeo ou Meu Deus (El) eacute salvaccedilatildeo 1Rs 1916) yuumlša`yaumlhucirc (Isaiacuteas YHWH

eacute salvaccedilatildeo Is 11 ndash forma abreviada yuumlša`yacirc Esd 87) Pode ocorrer da primeira

letra da raiz (yod) tornar-se um vav como nos seguintes casos yuumlhocircšugraveordf` (Josueacute

YHWH eacute salvaccedilatildeo Ex 179) e hocircšeumlordf` (Oseias Nm 138)

6ordf Expressando a esperanccedila de que Deus fizesse seu povo retornar do exiacutelio

babilocircnico para a sua terra Usa-se o verbo na forma hifil byvy da raiz bwv (ldquotrazer

de volta repatriarrdquo) A esse grupo pertence o nome acuteelyaumlšicircb (Eliasibe Deus (El)

traraacute de volta Esd 106)

78

7ordf Diz-nos algo sobre a proacutepria divindade seus atributos Pertencem a essa

categoria nomes tais como

yuumlhocircraumlm (Jeoratildeo YHWH eacute altoexaltado 1Rs 2251 ndash o nome incorpora o adjetivo

~r ldquoaltordquo) forma abreviada yocircraumlm (2Sm 810)

Guumldalyacirc (Gedalias YHWH eacute grande Jr 405 ndash assume o adjetivo lwdg ldquogranderdquo)

Gabricircacuteeumll (Gabriel Dn 816) pode significar ldquoDeus eacute a minha fortalezardquo

assumindo a raiz rbg (forccedila poder valentia)

Daumlniyyeumlacutel (Daniel 1Cr 31) refere-se a Deus como sendo ldquoo Juizrdquo ou ldquofazendo

justiccedilardquo (incorporando a raiz yd julgar sentenciar juiz) podendo ser

interpretado como ldquoDeus (El) eacute a minha justiccedilardquo

ruumlpaumlacuteeumll (Rafael 1Cr 267) fundi o aleph de la e de apr (curar cura) conotando

que ldquoDeus (El) curardquo ou ldquoDeus curaraacuterdquo talvez alguma doenccedila da crianccedila

8ordf Expressatildeo de agradecimento a Deus por sua ajuda no sentido de obter esse filho

ou por outros favores recebidos dele A raiz rz[ (ajudar socorrer proteger) eacute

empregada nesses casos Ela pode conotar tambeacutem uma esperanccedila de que no

futuro Deus venha ajudarproteger essa crianccedila Alguns exemplos de nomes com

esse sentido acuteel`aumlzaumlr (Eleazar Deus (El) ajudousocorreu ou Deus (El)

ajudaraacutesocorreraacute Ex 623) acuteeacutelicirc`ezer (Eliezer mesmo sentido do anterior Gn 152)

`aacutezaryaumlhucirc (Azarias 1Rs 42 ndash forma abreviada `aacutezaryacirc 2Rs 1421) `azricircacuteeumll (Azriel

mesmo significado do anterior Jr 3626 ndash forma abreviada `aacutezaracuteeumll Esd 1041)

9ordf Manifestando gloacuteria e louvor a Deus Essa motivaccedilatildeo comparece em um dos

poucos exemplos de nomes teofoacutericos dados a filhas Um deles pode ser yocirckebed

(Joquebede Ex 620) em que as trecircs consoantes finais dbk talvez derivem de dwbk

(ldquogloacuteriardquo) formando um nome com o significado de ldquoGloacuteria ao Senhor (YHWH)rdquo

Outro nome seria `aacutetalyacirc (Atalia 2Rs 111) cujo significado pode ser hyl-t[

(ldquoTempo para o Senhorrdquo) mas haacute tambeacutem outras possibilidades tais como ldquoO

Senhor (YHWH) eacute exaltadordquo61 ou ldquoO Senhor (YHWH) eacute soberanordquo62

61 Cf AUNEAU 2013 p 193 62 Cf SOLVANG 2006 p 340

79

227 Outros fatores determinantes na escolha do nome

a) Nomes de parentes

Especialmente em tempos mais recentes a partir sobretudo do seacutec I AEC o

mais importante era que a crianccedila recebesse o nome do pai do avocirc ou de algum outro

parente Esse costume predominava no iniacutecio da era comum (EC) como se pode

perceber pelo espanto das amigas de Isabel quando esta escolhe o nome de ldquoJoatildeordquo para

o seu filho elas afirmam ldquoNatildeo haacute ningueacutem de tua parentela que seja chamado por

este nomerdquo (Lc 159-61) Outra evidecircncia nos vem tambeacutem no primeiro seacuteculo da EC

no registro dos descendentes de Hillel63 importante saacutebio e mestre judeu bem como

codificador da Mishnaacute

Em sua famiacutelia durante vaacuterios seacuteculos o neto geralmente porta o mesmo nome do avocirc a genealogia segue a ordem em todos os casos de pai para filho Hillel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Gamaliel Simatildeo Judaacute Gamaliel Judaacute Gamaliel Judaacute Hillel Gamaliel Judaacute Gamaliel Podemos encontrar provavelmente o mesmo haacutebito um pouco mais cedo no nome de Jesus o filho de Sirac que era ldquoneto de Jesus do mesmo nome que elerdquo [Eclesiaacutestico ou Siraacutecida primeiro proacutelogo] (GRAY 1896 p 3)

A pessoa continua viva em seu nome em primeiro lugar por passar seu nome

adiante aos descendentes (cf Gn 4816 Nm 274 Eclo 4019 tambeacutem Dt 255-6 Rt 45)

63 Hillel o Anciatildeo viveu no iniacutecio do 1ordm seacuteculo EC e foi um antepassado do movimento rabiacutenico Hillel

natildeo foi chamado pela designaccedilatildeo posterior rabi mas foi intitulado ldquoanciatildeordquo (zaqen ןז como eram seus ( ק

contemporacircneos Shammai e Gamaliel Seacuteculos mais tarde muitas lendas rabiacutenicas circularam sobre Hillel como um exemplo moral e um pai fundador do movimento rabiacutenico O prestiacutegio de Hillel era tal que quando o Patriarcado Judaico foi fundado a dinastia Gamaliel traccedilou sua linhagem ateacute ele Mais tarde aquela ldquogenealogiardquo foi estendida ateacute o rei Davi O Talmude Yerushalmi imaginou Hillel como um dos primeiros Patriarcas (y Pesah 61) e como o autor de certas regras hermenecircuticas usadas posteriormente pelos rabinos No Talmude Babilocircnico (b Shabb 31a) outro ciclo de histoacuterias eacute contado agrave maneira de anedota greco-romana que apresenta Hillel como um criador da doutrina das duas Toraacutes uma escrita e outra oral Esses mesmos contos atribuem a Hillel uma versatildeo da Regra de Ouro (ldquoo que eacute odioso a vocecirc natildeo faccedila ao seu colegardquo) [] Em vaacuterias dessas narrativas Hillel eacute apresentado como o protagonista sempre amaacutevel da histoacuteria enquanto seu colega Shammai eacute o antagonista grosseiro A abundacircncia de narrativas didaacuteticas fantasiosas sobre Hillel faz suspeitar da atribuiccedilatildeo de inovaccedilotildees legais a ele Alega-se que Hillel decretou a prozbul (perozbol um dispositivo legal heleniacutestico pelo qual os tribunais rabiacutenicos poderiam contornar o perdatildeo biblicamente ordenado de empreacutestimos no ano

sabaacutetico Mishnah Eduyyot (caps 1 4 5) enumera dezenas de desentendimentos entre Hillel e Shammai

e entre as escolas ou casas desses saacutebios Em algumas dessas divergecircncias a casa de Shammai eacute apresentada como mais branda em outros a casa de Hillel [] Permanece extraordinariamente difiacutecil recuperar as tradiccedilotildees originais por traacutes desses textos posterioresrdquo (VISOTZKY 2007 p 826)

80

mas tambeacutem mediante um lugar na memoacuteria permanente do mundo posterior (cf 2Sm

1818 Sl 7217 Pr 107 Eclo 399-11 4111-13 447-14)

b) Nomes de pessoas famosas

Esse costume parece ter se tornado predominante somente do periacuteodo grego

em diante (seacutec IV AEC) Conferia-se agrave crianccedila um nome de algueacutem famoso em alguns

casos judeus em outros estrangeiros Em relaccedilatildeo a nomes judaicos famosos o texto

de Eclesiaacutestico (Siraacutecida) capiacutetulo 44 em diante especialmente 441-2 pode ter exercido

uma forte influecircncia e motivaccedilatildeo nesse sentido Outro costume intimamente

relacionado a este foi o de nominar crianccedilas segundo o nome de pessoas que haviam

feito algum favor aos seus pais (cf GRAY 1896 p 7)

23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica

Na BH a mudanccedila de nome eacute um fato muito especial e marca uma afirmaccedilatildeo

de poder daquele que faz mudar o nome de algueacutem Isso porque ldquoDevido um nome

ser tatildeo inextricavelmente ligado ao que eacute nomeado se ocorre uma mudanccedila nas

condiccedilotildees de uma pessoa ou lugar o nome deve ser alterado de modo a refletir a

situaccedilatildeo nova e diferenterdquo (BOHMBACH 2000 p 945)

Nesse sentido esta argumentaccedilatildeo de Jacques Derrida apesar de natildeo referir-se

agrave BH nem agraves tradiccedilotildees semiacuteticas serve como uma paraacutefrase explicativa para a

mudanccedila de nome

Como se fosse preciso ao mesmo tempo salvar o nome e tudo salvar exceto o nome salvo o nome como se fosse preciso perder o nome para salvar aquilo que porta o nome ou aquilo na direccedilatildeo do qual se dirige por meio do nome Mas perder o nome natildeo eacute incriminaacute-lo destruiacute-lo ou feri-lo Pelo contraacuterio eacute simplesmente respeitaacute-lo como nome Isso quer dizer pronunciaacute-lo o que equivale a atravessaacute-lo na direccedilatildeo do outro que ele nomeia e que o porta (DERRIDA 1995 p 41)

Mas alterar o nome de algueacutem pode ldquotambeacutem indicar uma espeacutecie de adoccedilatildeo

na famiacutelia que eacute equivalente a conferir-lhes uma grande honrardquo (EISSFELDT 1968 p

70) Tal ldquoadoccedilatildeordquo poderia trazer consigo a ideia de responsabilidade bem como

heranccedila

231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor

81

Exemplos

o Faraoacute daacute a Joseacute o nome de caumlpnat Pa`neumlordfH que em egiacutepcio significa ldquoDeus

disse ele estaacute vivordquo ou ldquoCriador da vidardquo (Gn 4145)

pela vontade dos chefes dos eunucos Daniel (heb Daumlniyyeumlacutel ndash Deus eacute meu

juiz) Ananias (heb Haacutenanyacirc ndash YHWH eacute misericordioso clemente) Misael

(heb micircšaumlacuteeumll ndash Quem eacute como Deus) e Azarias (heb aacutezaryacirc ndash YHWH ajudou

socorreu) se tornam respectivamente Baltassar (heb Beumlldaggeruumlšaacuteccar [nome

acaacutedio] ndash Proteja a vida do rei ou Proteja sua vida) Sidrac (heb šadrak [nome

acaacutedio] ndash DomiacutenioOrdem de Aku [uma divindade lunar mesopotacircmica])

Misac (heb mecircšak [nome acaacutedio] ndash Quem eacute como Aku) e Abede-Nego (heb

`aacutebeumld nuumlgocirc [nome acaacutedio] ndash Servo de Nabu [divindade pessoal de

Nabucodonosor) ndash Dn 16-7 (cf DECLAISSEacute-WALFORD 2009 p 208)

Quando o Faraoacute institui Eliaquim (heb acuteelyaumlqicircm ndash Deus estabeleceu ou Deus

se levantou) rei de Judaacute ele lhe impocircs o nome de JeoiaquimJoaquim (heb

yuumlhocircyaumlqicircm ndash YHWH confirma estabelece ou YHWH ergue) 2Rs 2334

da mesma forma Nabucodonosor muda para Zedequias (heb cidqiyyaumlhucirc

ndash YHWH eacute a minha justiccedila ou YHWH eacute justo) o nome de Matanias (heb

maTTanyacirc ndash Daacutediva de YHWH) que ele estabeleceu sobre o trono 2Rs 2417

Tanto no exemplo anterior quanto neste a mudanccedila de nome tem a ver

com a passagem de governos independentes a governos vassalos da

Babilocircnia

232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina

Abratildeo (heb acuteabraumlm ndash Pai elevadoexaltado) e Sarai (heb Saumlray ndash Princesa ou

Minha princesa ndash forma mais primitiva de Sara) cujos nomes satildeo mudados

em Abraatildeo (heb acuteabraumlhaumlm ndash Pai de uma multidatildeopovo) e Sara (heb Saumlracirc -

Princesa) Gn 17515 os quais satildeo outras formas dialetais dos mesmos

nomes mas de acordo com as ideias sobre o valor do nome que foram

expostas acima essas mudanccedilas marcam uma mudanccedila no destino cf Gn

176 e 16

82

Jacoacute (heb ya`aacuteqoumlb ndash O que segurapega o calcanhar ou Suplantador Gn 2526)

que recebe o nome de Israel (cujo significado seraacute objeto de tratativa

posterior) em uma luta com um ser desconhecido Gn 3229 cf 3510 Essa

nomeaccedilatildeo eacute singular por causa de uma seacuterie de perguntas e respostas que

a acompanha (cf Gn 3227-31)

Pasur (heb pašHucircr) cujo significado eacute controverso mais recentemente foi

tomado como sendo de origem egiacutepcia ldquoo filho de Horusrdquo Foi alterado a

mando de YHWH para maumlgocircr missaumlbicircb que eacute traduzido por ldquoTerror-Por-

Todos-Os-Ladosrdquo (Jr 203)

Haacute uma menccedilatildeo agrave mudanccedila do nome do proacuteprio Israel quando chegar o

cliacutemax da histoacuteria YHWH chamaraacute Israel por um novo nome ignomiacutenia e

miseacuteria seratildeo lanccediladas fora com o nome antigo Vejamos Is 622

נו ב ק י יהוה י ר פ ש אש ם חד רא לך ש ך וק ים כבוד ך וכל־מלכ דק ם צ 64וראו גוי

233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa

Quando Naomi retorna a Beleacutem apoacutes ter perdido o seu marido e seus filhos

enquanto estava na terra estrangeira de Moab ela pede para natildeo mais ser chamada de

Naomi (heb no`oacutemicirc) que significa ldquoAgradaacutevelrdquo ao contraacuterio ela deseja ser conhecida

por Mara (heb maumlraumlacute) ldquoAmargardquo (heb Rt 120)

Essa mudanccedila de nome daacute agrave pessoa uma nova identidade uma vez que o

nome proacuteprio passava a representar um traccedilo marcante de sua identidade Aliaacutes a

mudanccedila de nome ou o novo nome ldquomarca uma transformaccedilatildeo na vida do iniciado

ele eacute lsquorecriadorsquo por assim dizer e torna-se um novo homemrdquo (PORTER 1990 p 7)

O Talmude declara que entre as ldquoquatro coisas que anulam a desgraccedila do

homemrdquo encontra-se a mudanccedila de nome (Tratado do Talmude Babilocircnico Roš

Haššana 16b)

Na Idade Meacutedia essa tradiccedilatildeo desenvolveu o costume de mudar ou melhor

dar um nome adicional ao nome de uma pessoa que estava gravemente enferma ou

64 Traduccedilatildeo da Biacuteblia de Jerusaleacutem ldquoEntatildeo as naccedilotildees veratildeo tua justiccedila e todos os reis tua gloacuteria Receberaacutes nome novo que a boca de Iahweh designaraacuterdquo

83

sofrera algum outro infortuacutenio na crenccedila de que o Anjo da Morte seria confundido em

consequecircncia do novo nome

Geralmente esse novo adjungido era escolhido abrindo a Biacuteblia ao acaso e

selecionando algum nome que laacute aparecesse exceto se fosse de maacute reputaccedilatildeo (NAME

1972 c 802)

Genericamente falando o texto biacuteblico natildeo oferece razotildees expliacutecitas a respeito

de porque as pessoas ou lugares satildeo chamados como elas satildeo Em menos de uma

centena de casos nos satildeo dadas informaccedilotildees sobre os nomes ou de pessoas ou lugares

em que circunstacircncias ocorreram a nomeaccedilatildeo e qual era seu significado

Apesar do tamanho modesto deste grupo ainda pode-se concluir que do

ponto de vista biacuteblico um nome natildeo eacute meramente um roacutetulo aleatoacuterio e arbitraacuterio de

identificaccedilatildeo mas sim que haacute um significado por traacutes de um nome que se daacute e

algumas vezes o autor ajusta-o ao texto como uma parte integrante da textura literaacuteria

(cf GARSIEL 1991 p 14)

3 Etiologias biacuteblicas

Na BH haacute etiologias etimoloacutegicas na colocaccedilatildeo de nomes isso devido ao fato

de o nome ser derivado de um acontecimento que ocorreu na eacutepoca do nascimento de

uma pessoa ou da fundaccedilatildeo de uma cidade ou de um santuaacuterio ou tambeacutem de uma

frase pronunciada na ocasiatildeo ou de qualquer outro acontecimento Na realidade o

nome eacute quase sempre o primaacuterio o relato vinculado a ele ou a explicaccedilatildeo o derivado

Outro fator que determina a busca de sentido ao nomear uma pessoa ou lugar

na BH eacute o ldquofato de que os nomes hebraicos fizessem sentido e que esse sentido fosse

deliberado e solene eacute uma das razotildees baacutesicas para que os israelitas desenvolvessem

um forte sentido etimoloacutegico que se expressa em muitos lugares do Antigo

Testamento onde algo eacute dito sobre o nomerdquo (BARR 1970 p 15)

Reproduzo aqui uma siacutentese dessas etiologias etimoloacutegicas que se encontram

na BH

Encontram-se testemunhos de etiologias do nome sobretudo em Gn (mais de 40 vezes) ademais em Ex e Nm (12 vezes) Js (2 vezes) Jz (5 vezes) 1Sm (5 vezes) 2Sm (3 vezes) 1Rs (1 vez mas problemaacutetico 913) 2Rs (1 vez

84

igualmente problemaacutetico 147) 1Cr (5 vezes) 2 Cr (1 vez) Rt (1 vez) e Est (1 vez) Entre as muacuteltiplas formulaccedilotildees de etiologias etimoloacutegicas na imposiccedilatildeo do nome podem-se distinguir duas formas principais 1) ldquoele o chamou assim e assim dizendo (pensando)rdquo ao que segue a etiologia etimoloacutegica (cf Ex 222) Esta forma conservou-se completa somente em casos isolados porque alguns elementos se podem suprimir cf as formulaccedilotildees de Gn 320 529 2622 3149 etc 2) apoacutes o relato de um acontecimento segue como conclusatildeo a imposiccedilatildeo do

nome ldquopor isso (`al-kēn) se chama (aquela cidade) assim e assimrdquo (Ex 1523

acrescentando agraves vezes ldquoateacute o dia de hojerdquo (Js 726) Esta formulaccedilatildeo costuma ampliar-se indicando outra vez o motivo etimoloacutegico (Gn 119) Enquanto a forma 1 eacute caracteriacutestica das etiologias de nomes de pessoas a forma 2 refere-se com poucas exceccedilotildees (Gn 2530 2934-35 305-6) somente a determinadas cidades A imposiccedilatildeo do nome com etiologia etimoloacutegica tem seu acircmbito vital na tradiccedilatildeo das sagas Por isso as etiologias de nomes de pessoas se encontram sobretudo em Gn onde diferentemente de todos os outros livros do AT se datildeo explicaccedilotildees do nome de todas as pessoas mais importantes As etiologias de nomes de lugares se referem a lendas cultuais (Gn 2214 Moriaacute Gn 2810ss Betel Gn 3231 Penuel etc) ou a cidades que tiveram alguma importacircncia na histoacuteria das tribos de Israel antes ou depois da conquista da terra (Ex 1523 Mara 177 Massa e Meriba Js 726 Acor etc) (VAN DER WOUDE 1985a c 1185-1186)

Pode-se encontrar um modelo similar na nomeaccedilatildeo de pessoas ldquo Em vaacuterios

textos biacuteblicos uma explicaccedilatildeo eacute anexada agrave presente nomeaccedilatildeo por palavras de

conjunccedilatildeo que criam uma proposiccedilatildeo causal ou relativardquo (GARSIEL 1991 p 16) Veja-

se o exemplo abaixo extraiacutedo de Gn 2932

bEWargt Amv arqTiw Be dlTew hale rhTw

yyIngt[B hwhygt har-yKi hrma yKi

`yviyai ynIbhaylt hT[ yKi

Traduccedilatildeo

E Leacutea engravidou e deu agrave luz um filho e ela chamou seu nome Ruben

pois ela disse Por certo o Senhor olhou minha afliccedilatildeo

pois agora meu esposo me amaraacute

Como bem observa Moshe Garsiel neste exemplo ldquoduas proposiccedilotildees causais

estatildeo unidas agrave proposiccedilatildeo principal pela partiacutecula conjuntiva kicirc (pois porque) A

ligaccedilatildeo entre o nome Ruben e as razotildees dadas satildeo fundamentadas na similaridade

sonorardquo (GARSIEL 1991 p 16) Na primeira proposiccedilatildeo subordinada as palavras

raumlacuteaumlh Buuml`onyicirc (olhou minha afliccedilatildeo) conteacutem quatro consoantes (r acute b n) encontradas

85

tambeacutem em Ruben (racute wbn) a palavra yacute hbny (me amaraacute) na proposiccedilatildeo seguinte

conteacutem trecircs dessas consoantes (acute b n) O efeito sonoro eacute reforccedilado pelo som das

consoantes b n as quais tambeacutem constituem a palavra hebraica para ldquofilhordquo Este eacute um

excelente exemplo de como a sonoridade pode ajudar a colocar uma adequada ecircnfase

sobre o tema principal isto eacute o nascimento do primogecircnito da famiacutelia

Outro exemplo devido suas expressotildees que se aproximam muito do texto que

seraacute objeto de anaacutelise mais detalhada nos proacuteximos capiacutetulos (Gn 3223-33) merece ser

trazido aqui Como observa novamente Moshe Garsiel algumas vezes as palavras

conjuntivas satildeo omitidas O narrador provavelmente supotildee que a ligaccedilatildeo entre o

nome e sua explicaccedilatildeo seja bastante clara sem a regular foacutermula causal ou inferencial

este eacute o caso na nomeaccedilatildeo de outro filho de Jacoacute (Gn 308)

~yhioacutela ylersquoWTpn lxeordfr rmaToaringw

yTilko+y-~G ytiTHORNxoa]-~[i yTilTsup2pnI

`yli(Tpn Amagravev aricircqTiw

Traduccedilatildeo

E Raquel disse Por lutas (nptwly) de Deus

lutei (nptlty) com minha irmatilde e eu prevaleci

e ela chamou seu nome Neftali (nptly)

Neste caso ldquoa equaccedilatildeo sonora entre o nome e os componentes na declaraccedilatildeo

da matildee constituem a ligaccedilatildeo entre nome e explicaccedilatildeo sem a necessidade de palavras

conjuntivasrdquo (GARSIEL 1991 p 17) Aleacutem disso o contexto mais amplo que lida com

os nomes dos outros filhos de Jacoacute e as razotildees para eles nos orienta a procurar uma

explicaccedilatildeo neste caso tambeacutem Por isso eacute prudente observar que

Deve-se fazer uma clara distinccedilatildeo entre etimologia linguiacutestica e as explicaccedilotildees de nomes feitas pelos textos biacuteblicos Enquanto um etimologista traccedilaria a origem dos nomes biacuteblicos agrave luz de paralelos em outras culturas e analisaacute-los-ia de acordo com as regras da formaccedilatildeo linguiacutestica dinacircmica os escritores biacuteblicos na maioria dos casos fornecem explicaccedilotildees que satildeo baseadas na suposiccedilatildeo de que o nome eacute uacutenico e que foi dado de acordo com uma ocasiatildeo especiacutefica [] A liberdade tomada pelos autores biacuteblicos nessas explicaccedilotildees tem sido chamada por alguns estudiosos de ldquoetimologia popularrdquo Tal definiccedilatildeo natildeo eacute correta as explicaccedilotildees funcionam como um artifiacutecio literaacuterio e satildeo projetadas para enriquecer a unidade literaacuteria O que noacutes vemos aqui natildeo eacute absolutamente uma popular e superficial interpretaccedilatildeo com base em uma falta de conhecimento mas sim um desvio deliberado das regras e normas

86

linguiacutesticas do tempo aplicado como uma teacutecnica por narradores sutis a fim de fazer uma observaccedilatildeo (GARSIEL 1991 p 17-18)

A BH aliaacutes realiza jogos de palavras frequentemente ao fornecer explicaccedilotildees

etimoloacutegicas de nomes proacuteprios Somente a tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo ndash uma vez que

esse assunto mereceraacute uma abordagem posterior mais aprofundada em nosso estudo

ndash podemos citar

acuteaumldaumlm (Adatildeo) - acuteaacutedaumlmacirc (terra) em Gn 27

bdquoawwacirc (ldquoEvardquo) como ldquomatildee de todos os viventesrdquo (Haumly) em Gn 320

qayin (Caim) - qaumlnicircticirc (verbo conseguir adquirir) Gn 41

noumlordfH (Noeacute) - yuumlnaHaacutemeumlnucirc (verbo confortaraacute consolaraacute) Gn 529

fazendo alusatildeo a nomes jaacute existentes que podem conservar como tais o

valor de palavras-tema temos Paumlnicircm (Gn 3221 Paumlnaumlyw ndash sua face sua

fronte diante dele) e Puumlnucircacuteeumll (Gn 3231-32 que significa a face de Deus [El] ou

perante Deus [El])

expressotildees ambivalentes jogando com a expressatildeo ldquoelevaccedilatildeo da cabeccedilardquo

no sentido de restabelecimento no cargo e o nome Faraoacute par`ograve acuteet-roumlacutešeordmkauml

(Faraoacute levantaraacute a tua cabeccedila Gn 4013)

no sentido de execuccedilatildeo capital encontramos mais adiante (yiSSaumlacute) par`ograve

acuteet-rouml| šuumlkauml (Faraoacute [tiraraacute] a tua cabeccedila Gn 4019 cf Gn 402022)

Nomes proacuteprios de deuses inimigos e lugares satildeo deformados como se

constata em ldquonomes de deuses Boumlordmšet lsquoignomiacuteniarsquo em lugar de Baumlordm al cf Jr 324 1113

Os 910 nomes pessoais acuteicircš-Boumlordmšet em 2Sm 314-15 em vez de Isbaal 1Cr 833 Muumlpigraveboumlordmšet

em 2Sm 218 em vez de Meribaal 1Cr 834 940 possivelmente haacute tambeacutem uma

vocalizaccedilatildeo tendenciosa (por meio de Boumlordmšet) nos nomes divinos `ašToumlordmret (Astarte) e

Moumlordmlek (Meleque como epiacuteteto de Baal)rdquo (VAN DER WOUDE 1985a c 1186)

87

CAPIacuteTULO 3

GEcircNESIS 3223-33 VISITANDO O TEXTO E A SUA INTERTEXTUALIDADE

1 O texto em si

Primeiramente reproduzo abaixo o texto tal como se encontra na Biacuteblia

Hebraica em versatildeo criacutetica (ELLIGER RUDOLPH 1967-1977) tambeacutem conhecido

como texto massoreacutetico65

wytecircxopvi yTeaumlv-tawgt lsquowyvn yTeUcircv-ta xQuacuteYIw aWhordf hlygtLaringB Ÿ~qYaringw 3223 `qBo)y rbiuml[]m taeTHORN rboecirc[]Yw) wyd_lygt rfszlig[ dxicirca-tawgt

`Al-rva]-ta rbEszlig[]Yw) lxN+h-ta ~rETHORNbi[]Y)w ~xeecircQYIw 3224

`rxV(h tAliuml[] d[THORN AMecirc[i lsquovyai qbeicircaYEw AD=bl bqoszlig[]y rtEiumlWYIw 3225

bqoecirc[]y ryltaring-K lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw Alecirc lsquolkoy alUuml yKiauml argtYcopyw 3226 `AM[i Aqszligbahe(B

yKiTHORN ^ecircx]Lev(a] alaring lsquormaYOrsquow rxV_h hlTHORN[ yKiicirc ynIxeecircLv rmaYOaeligw 3227

`ynIT)krBe-~ai

`bqo)[]y rmaYOagravew ^mlt+V-hm wylTHORNae rmaYOethw 3228

tyrIocircf-yKi( lae_rfyI-~ai yKiTHORN ecircmvi lsquodA[ rmEiumlayE lsquobqo[]y alUuml rmaYOcopyw 3229 `lk(WTw ~yviTHORNna]-~[iwgt ~yhisup2la-~[i

65 Texto massoreacutetico eacute o nome que se costuma dar ao texto criacutetico da Biacuteblia Hebraica que foi objeto do trabalho dos massoretas Essa palavra deriva do vocaacutebulo māsocircrah que significa ldquocaacutelculordquo ou ldquoenumeraccedilatildeordquo dos versiacuteculos e das particularidades do texto hebraico da Biacuteblia A atividade desses estudiosos se deu por volta de 400 EC ldquopertencem a diversas escolas os massoretas do leste (Babilocircnia) com muitas academias especialmente as de Neardea Sura e Pumbedita e os massoretas do oeste (Palestina) representados nos seacuteculos IX-XI por duas famiacutelias caraiacutetas os Ben Aser e os Ben Neftali o texto de Ben Aser acabou por dominar Os massoretas fixaram a recitaccedilatildeo do texto da Biacuteblia hebraica por uma seacuterie de anotaccedilotildees marginais e sinais diacriacuteticosrdquo (LIPIŃSKI 2013 p 864) Em sentido lato o trabalho dos massoretas consistiu principalmente em incluir no texto hebraico grafemas que indicam a vocalizaccedilatildeo do texto e a acentuaccedilatildeo da qual depende a entonaccedilatildeo musical Essa vocalizaccedilatildeo era tanto supralinear caracteriacutestica dos estudiosos babilocircnicos como infralinear caracteriacutestica daqueles da Palestina As ediccedilotildees criacuteticas da Biacuteblia Hebraica que temos hoje praticamente satildeo baseadas nos manuscritos de Ben Aser no coacutedigo de Alepo (930 EC) e naquele de Leningrado B 19a concluiacutedo em 1008 EC

88

laaumlvTi hZltszlig hMlicirc rmaYOumlw ^mecircv aNaring-hdyGI)h lsquormaYOrsquow bqoordf[]y laaumlvYIw 3230 `~v( Atszligao rltbicircygtw ymi_vli

~ynIaringP lsquo~yhila ytiyaiUcircr-yKi( lae_ynIP ~AqszligMh ~veicirc bqoplusmn[]y aroacuteqYIw 3231 `yvi(pn lceTHORNNTiw ~ynIeumlP-la

`AkrEygt-l[ [leTHORNco aWhiumlwgt lae_WnP-ta rbszlig[ rvltiumla]K vmVecirch Alaring-xr(zgtYI)w 3232

Karing-l[ lsquorva] hvordfNh dyGIaring-ta laeoslashrfyI-ynE)b WlrsquokayO-al) KeDagger-l[ 3233

`hv(Nh dygIszligB bqoecirc[]y ryltaring-kB lsquo[gn yKiUcirc hZlt+h ~AYaeligh d[THORN rEecircYh

2 Algumas notas de criacutetica textual

Logo no primeiro versiacuteculo (23) o aparato criacutetico da BH observa uma variaccedilatildeo

rara para a expressatildeo aWh hlygtLB (naquela noite) O demonstrativo desempenha um

papel adjetival do substantivo ldquonoiterdquo que eacute determinado (possui artigo) desse modo

esperar-se-ia que tambeacutem o pronome demonstrativo fosse precedido do artigo (h)

como eacute comum na liacutengua hebraica (cf GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 408 sect 126u)

o que natildeo acontece nesse caso como tambeacutem em Gn 1933 3016 e 1Sm 1910 Aliaacutes eacute

de se observar o contraste entre a expressatildeo correta aWhszligh-hlygtL)B em Gn 3222 (portanto

no versiacuteculo anterior) e o nosso Uma possiacutevel explicaccedilatildeo (cf JOUumlON MURAOKA

2006 p 483 sect 138h) seria a queda do artigo como consequecircncia de uma haplografia

Outra possibilidade eacute o fato de o artigo por vezes ser omitido com demonstrativos

uma vez que jaacute estatildeo em certa medida determinados pelo seu significado (cf

GESENIUS KAUTZSCH 1910 p 409 sect 126y) Fato semelhante ao que se daacute neste

versiacuteculo de Gecircnesis encontramos na inscriccedilatildeo presente na famosa estela moabita de

Meshaacute (850-830 AEC) na qual se lecirc na terceira linha a expressatildeo הבמת זאת este lugar

alto (cf SPURRELL 2005 p 192) Ainda neste versiacuteculo 23 o Pentateuco Samaritano

lecirc um artigo definido antes do substantivo qBoy (Jaboc) mas natildeo eacute algo que venha a

alterar o sentido da frase

No versiacuteculo 24 o Pentateuco Samaritano e algumas versotildees leem lK (tudo

aquilo) antes de Al-rva] ao final do versiacuteculo a qual parece tratar-se de uma adiccedilatildeo

posterior com o objetivo de precisar o sentido (MARTIN-ACHARD 1971 p 44) De

fato grande parte das traduccedilotildees modernas assume essa inserccedilatildeo

89

Em Gn 3225 haacute um verbo digno de nota pois somente aparece aqui e no

versiacuteculo seguinte em toda a BH qbeaYEw (lutou raiz qba conjugaccedilatildeo nifal com vav

consecutivo terceira pessoa masculina do singular) Talvez ele possa ser conectado ao

verbo qbx que na conjugaccedilatildeo qal e piel significa ldquoabraccedilarrdquo (cf Gn 334) podendo ser

uma variaccedilatildeo dialetal do mesmo (cf SPURRELL 2005 p 284) A escolha desse verbo

deve-se provavelmente ao desejo de criar-se uma assonacircncia com a palavra qBoy nome

proacuteprio do riacho que aparece na periacutecope Haacute a proposta de ver este verbo em nifal

como relacionado ao sentido de ldquolutarrdquo na construccedilatildeo frasal com ~[i denominativo do

substantivo qba (poacute poeira) porque na luta a poeira eacute levantada (GESENIUS 1979 p

9) O raro uso denominativo do nifal estaacute provavelmente relacionado agraves suas funccedilotildees

de ingressoestado e causadora reflexiva (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 390

235)

No versiacuteculo 26 apresentam-se dois fenocircmenos que encontramos na liacutengua

hebraica claacutessica O primeiro eacute logo no iniacutecio do versiacuteculo onde temos a sequecircncia Al

lkoy aOl (ele natildeo conseguia dominaacute-lo prevalecer sobre ele) Para alguns verbos aqui no

caso lky (dominar vencer ser superior ser capaz) um pronome pode ficar como um objeto

preposicional (cf WALTKE OrsquoCONNOR 1990 p 166 1021e) Um segundo

fenocircmeno diz respeito agraves ldquorelaccedilotildees de tempo existentes entre duas diferentes accedilotildees ou

eventos [que] satildeo frequentemente expressas sem o auxiacutelio de uma conjunccedilatildeo mas

simplesmente por justaposiccedilatildeordquo (GESENIUS W KAUTZSCH E 1910 p 501 sect 164a)

Eacute o que ocorre na seguinte sequecircncia lsquo[qTersquow Ak=rEygt-kB [GszligYIw (tocou a articulaccedilatildeo de sua coxa

e se deslocou) Neste caso deu-se a justaposiccedilatildeo dos dois imperfeitos com vav

consecutivo [gn (3ordf pessoa do masculino singular qal imperfeito) + [qy (3ordf pessoa

feminino singular qal imperfeito)

No versiacuteculo seguinte (27) encontramos uma sentenccedila de exceccedilatildeo apoacutes uma

negaccedilatildeo nesse caso eacute comum empregar-se ~ai yKi (mas em vez) Vejamos

ynITkrBe-~ai yKi ^x]Leva] al (eu natildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloes) Aqui se daacute

uma transiccedilatildeo do sentido de ldquomas serdquo para ldquose natildeordquo (cf GESENIUS W

KAUTZSCH E 1910 p 500 sect 163c JOUumlON MURAOKA 2006 p 603 sect 173b) Esse

mesmo caso pode ser encontrado em Lv 226 2Rs 424 Is 5510 656 Am 37 e Rt 318

90

Em Gn 3229 a expressatildeo ~ai yKi assume um sentido mais adversativo que de

exceccedilatildeo a construccedilatildeo se daacute apoacutes uma oraccedilatildeo negativa assumindo um niacutetido contraste

ldquoE disse Jacoacute natildeo seraacute mais o teu nome mas Israelrdquo (cf JOUumlON MURAOKA 2006 p

603 sect 172c) Neste versiacuteculo comparece um verbo rariacutessimo que eacute encontrado somente

aqui e em Oseacuteias 1245 trata-se do verbo hrf o qual surge sob a forma tyrIf 2ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito Sendo que em Os 124 surge na forma hrf (3ordf pessoa

masculina singular do qal perfeito) e em Os 125 sob a forma rfYUumlw (3ordf pessoas masculina

singular do qal imperfeito) Sendo um verbo raro o seu significado natildeo eacute tatildeo evidente

Haacute uma tendecircncia de assumir o significado de lutar buscar arduamente por algo

empenhar-se esforccedilar-se ao maacuteximo e contender (apoiam essa interpretaccedilatildeo CLINES 2011

v 8 p 190 e KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2 p 1354) Mais adiante

retomaremos essa questatildeo do nome de Israel por agora fiquemos apenas com essas

informaccedilotildees

No versiacuteculo seguinte (30) encontramos a expressatildeo ידה־נא מך הג ש a qual

deveria ser lida como faz a versatildeo grega (Septuaginta) a Siriacuteaca e a Vulgata isto eacute

ldquodize-me por favor o teu nomerdquo Mas natildeo significa que no texto hebraico

encontramos o objeto indireto ly (me) o mesmo pode-se encontrar em outros lugares

na BH como em Joacute 38418 Uma outra particularidade encontrada neste versiacuteculo eacute o

fato da forma Yiqtol ( אל ש ת - da raiz lav = [qal] perguntar pedir emprestado) que em

geral na BH funciona como futuro ser usada para expressar uma accedilatildeo que de fato eacute

mais assumida para continuar ateacute o momento da pergunta significando uma accedilatildeo

durativa como ocorre tambeacutem em Gn 447 e 2Rs 2014 (JOUumlON MURAOKA 2006 p

339 sect 113d)

Em seguida no versiacuteculo 31 pode-se interpretar a expressatildeo נצל י ות ש נפ (minha

vida foi salva) como sendo inspirada em Ex 3320 Jz 1322 Dt 433 Eacute de se notar nesta

mesma expressatildeo uma particularidade do uso do imperfeito consecutivo נצ לות neste

caso ele tem uma conexatildeo meramente externa com um perfeito imediatamente

precedente Ocorre que na realidade esse imperfeito consecutivo representa um leve

contraste ao perfeito (aqui no caso ירא ית ) e ainda minha vida foi salva (cf GESENIUS

W KAUTZSCH E 1910 p 327 sect 111e) Neste versiacuteculo encontra-se uma variaccedilatildeo

91

de leitura do vocaacutebulo יאל נ no Pentateuco Samaritano na traduccedilatildeo de Siacutemaco na פ

versatildeo siriacuteaca e na Vulgata lecirc-se נואל Essa leitura eacute encontrada no versiacuteculo 32 Nesse פ

caso o yod poderia ser uma antiga vogal de ligaccedilatildeo Interessante observar que Fanuel eacute

o nome de um anjo na tradiccedilatildeo samaritana israelita (TSEDAKA SULLIVAN 2013 p

78) Provavelmente estamos diante do mesmo local pois a confusatildeo entre u e i aqui

vestiacutegio de um antigo genitivo eacute raro em hebraico (cf MARTIN-ACHARD 1971 p

44-45) A versatildeo grega da BH a Septuaginta66 natildeo lecirc Puumlnicircacuteeumll como um nome proacuteprio

pois no grego aparece o substantivo neutro Εἶδος (aparecircncia) o que lhe permite realizar

uma aproximaccedilatildeo etimoloacutegica com a palavra seguinte o verbo ldquoverrdquo (εἶδον ndash 1ordf pessoa

do indicativo aoristo ativo de ὁράω) E essa escolha do tradutor foi intencional pois

em um texto paralelo Gn 3310 ele emprega o termo ldquofacerdquo (πρόσωπον) e natildeo

aparecircncia

No versiacuteculo 32 natildeo haacute nada de especial a ser observado Jaacute no versiacuteculo

seguinte o 33 que encerra a periacutecope temos a expressatildeo יד הירך על־כף אשר הנשה את־ג

(o nervo do quadril que estaacute sobre a juntura da coxa) Nesse caso seria o nervus ischiadicus

(em portuguecircs nervo ciaacutetico ou isquiaacutetico) ou seja o nervo ou tendatildeo que passa atraveacutes

da coxa e da perna ateacute o tornozelo (cf GESENIUS 1840 p 921) Essa interdiccedilatildeo

mencionada aqui natildeo ocorre no entanto em nenhuma parte da BH Ela eacute encontrada

no Talmude especificamente no Tratado Ḥullin capiacutetulo 7167

3 Contextos da periacutecope

66 O versiacuteculo 31 completo em grego da Septuaginta eacute καὶ ἐκάλεσεν Ιακωβ τὸ ὄνομα τοῦ τόπου ἐκείνου Εἶδος θεοῦ εἶδον γὰρ θεὸν πρόσωπον πρὸς πρόσωπον καὶ ἐσώθη μου ἡ ψυχή A traduccedilatildeo pode ser ldquoE Jacoacute deu ao lugar o nome de Forma-visiacutevel-de-Deus lsquoPorque eu vi Deus face a face e minha vida foi salvarsquordquo (LA BIBLE DrsquoALEXANDRIE LA GENEgraveSE 1986 244 traduccedilatildeo nossa) 67 Este tratado integra a quinta ordem da Mishnaacute os Kodashim (coisas sagradas) Ele aborda as leis de abate dos animais e consumo de carne isto eacute animais usados na alimentaccedilatildeo diaacuteria em oposiccedilatildeo aos

animais dos sacrifiacutecios do Templo de Jerusaleacutem No Tratado Ḥullin capiacutetulo 71 encontramos ldquoA lei do nervotendatildeo do quadril eacute obrigatoacuteria tanto na Terra [de Israel] como fora da Terra tanto durante a eacutepoca do Templo como depois da eacutepoca do Templo tanto para os animais natildeo consagrados como para animais de ofertoacuterio aleacutem disso aplica-se a gado e animais selvagens para a coxa direita ou para a esquerda Mas ela natildeo se aplica agraves aves uma vez que elas natildeo tecircm o oco [da coxa] Ela se aplica tambeacutem a um fetordquo (DANBY 1933 p 523 ndash traduccedilatildeo nossa) O restante do capiacutetulo 7 desse tratado continua abordando esse tema

92

Eacute praticamente de domiacutenio comum que a Toraacute ou Pentateuco possui uma

estruturaccedilatildeo formal realizada pelo seu(s) redator(es) final(is) em base ao lema Toumlldocirct

(comumente lido toledocirct) Essa foacutermula traccedila uma sequecircncia das origens da naccedilatildeo de

Israel partindo da criaccedilatildeo ateacute a emergecircncia de Israel sob a lideranccedila de Moiseacutes e Aaratildeo

em sua jornada pelo deserto em direccedilatildeo agrave terra de Israel

Primeiramente foram identificados onze ocorrecircncias da foacutermula toledocirct em

Gecircnesis68 e posteriormente uma deacutecima segunda em Nuacutemero 31 ldquoEis a descendecircncia

[literalmente geraccedilotildees de] de Aaratildeo e d Moiseacutes quando YHWH falou a Moiseacutes no monte

Sinairdquo69 Essa estrutura em toledocirct claramente interrompe dois modelos estruturais

subjacentes ou seja a denominada periacutecope do Sinai (Ex 191ndashNm 1010) e o modelo

da foacutermula de itineraacuterio identificado por CROSS (1997) em Ex 11ndashNm 3613 Tal

modelo aponta para uma redaccedilatildeo sacerdotal da narrativa de Gecircnesis ndash Nuacutemeros que

tambeacutem incorpora o Deuteronocircmio em seu modelo estrutural O resultado eacute uma

estrutura literaacuteria formal em doze partes para o Pentateuco como segue70

Estrutura Literaacuteria Sincrocircnica do Pentateuco

Histoacuteria da Criaccedilatildeo Formaccedilatildeo do Povo de Israel

I Criaccedilatildeo do Ceacuteu e da Terra Gn 11ndash23

II Origem Humana Gn 24ndash426

III Desenvolvimento Humano ndash Problemas Gn 51ndash68

IV Noeacute e o Diluacutevio Gn 69ndash929

V Propagaccedilatildeo dos Humanos sobre a Terra Gn 101ndash119

VI Histoacuteria dos Semitas Gn 1110ndash26

VII Histoacuteria de Abraatildeo (Isaac) Gn 1127ndash2511

VIII Histoacuteria de Ismael Gn 2512ndash18

IX Histoacuteria de Jacoacute (Isaac) Gn 2519ndash3529

68 Esse trabalho foi realizado por Frank Moore Cross em sua obra Canaanite myth and Hebrew epic Essays in the history of the religion of Israel Cambridge (MA) Harvard University Press 1973 p 293-325 Na bibliografia cito a nona reimpressatildeo de 1997 69 Observado por Matthew A Thomas em sua obra These are the generations Identity covenant and the ldquotoledothrdquo formula London New York T amp T Clark 2011 (The Library of Hebrew BibleOld Testament Studies 551) 70 Aqui sigo totalmente SWEENEY (2016 p 238)

93

X Histoacuteria de Esauacute Gn 361ndash371

XI Histoacuteria das Doze Tribos de Israel Gn 372ndashNm 234

XII Histoacuteria de Israel sob a Orientaccedilatildeo dos Levitas Nm 31ndashDt 3412

Como pode-se perceber em nono lugar do esquema temos a histoacuteria de Isaac

assim chamada porque o foco eacute sobre os filhos de Isaac Esauacute e Jacoacute (Gn 2519ndash3529)

Em siacutentese essa narrativa narra como o segundo filho de Isaac Jacoacute sobrepujou seu

irmatildeo mais velho casou-se com suas esposas e concubinas Lia Raquel Zilpa e Bila e

libertou-se do controle de seu tio e sogro Labatildeo para se tornar o antepassado de todo

Israel e herdeiro da alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados Abraatildeo e Isaac

A estrutura formal das narrativas sobre Jacoacute possuem um caraacuteter episoacutedico

Vejamos71

a) Gn 2519 o iniacutecio eacute marcado pela expressatildeo estruturante toledocirct

(geraccedilotildeesdescendecircncia) que serve para introduzir o relato sobre os

descendentes de Isaac

b) Gn 2520-26 relata o casamento de Isaac com Rebeca e o nascimento de seus

filhos Essa segunda unidade da estrutura conteacutem duas subunidades Gn

2521-26a (nascimentos dos filhos e conflito entre eles) e Gn 2526b (a idade

de Isaac por ocasiatildeo do nascimento de seus filhos)

c) Gn 2527-34 essa unidade ocupa-se em mostrar as diferenccedilas entre os irmatildeos

Esauacute e Jacoacute As subunidades satildeo Gn 2527-28 (destaca quais satildeo essas

diferenccedilas sendo Esauacute caracterizado como um caccedilador e amado por seu pai

e Jacoacute como algueacutem mais de casa amado pela matildee) e Gn 2529-34 (ao

continuar mostrando as diferenccedilas entre os irmatildeos a narrativa revela que

Esauacute voluntariamente renuncia agrave sua primogenitura para matar sua fome)

d) Gn 261-33 eacute uma unidade que se ocupa em relatar as viagens de Isaac e

Rebeca no sudoeste de Judaacute e na Filisteia As subunidades satildeo Gn 261-16

(em Gerara Isaac se vecirc abenccediloado por YHWH com as terras prometidas a

Abraatildeo e o rei filisteu Abimelec concede proteccedilatildeo a Isaac e Rebeca apoacutes

reconhecer que ela era esposa de Isaac) Gn 2617-22 (onde se daacute a disputa

de Isaac com os filisteus em razatildeo de um poccedilo que este cavou) e Gn 2623-33

71 Novamente aqui sigo a proposta de SWEENEY (2016 p 239-241) com algumas observaccedilotildees pessoais

94

(nesta uacuteltima subunidade haacute o deslocamento de Isaac e Rebeca para

Bersabeia onde YHWH jura abenccediloar Isaac por causa de Abraatildeo e Isaac

reconcilia-se com Abimelec

e) Gn 2634ndash3515 eacute a uacuteltima e mais longa unidade do ciclo de Jacoacute Ela

apresenta o relato de como Jacoacute obteacutem a becircnccedilatildeo e promessa de YHWH e se

torna o antepassado de Israel ao gerar doze filhos que por sua vez se

tornaratildeo os antepassados das tribos de Israel A narrativa inclui quatro

subunidades principais que por sua vez satildeo complexas e incluem muitos

elementos proacuteprios

(1) Gn 2634-35 que retrata a afliccedilatildeo de Isaac e Rebeca por causa do

casamento de seu primogecircnito Esauacute com mulheres heteias Esta

breve subunidade eacute crucial para a narrativa na medida em que

aponta para a inaptidatildeo de Esauacute para a alianccedila devido ao seu

casamento com mulheres estrangeiras Tambeacutem serve como

instigaccedilatildeo para a jornada de Jacoacute para Haratilde onde ele buscaraacute suas

esposas da famiacutelia da matildee para que ele possa ter filhos adequados

para servir como herdeiros da alianccedila

(2) Gn 271-45 mostra o esforccedilo de Jacoacute em assegurar para si a becircnccedilatildeo do

pai ao inveacutes desta dirigir-se como era a tradiccedilatildeo para o filho mais

velho A narrativa eacute importante pois deixa bem evidente as

preferecircncias dos pais Isaac por Esauacute e Rebeca por Jacoacute O que eacute fator

evidentemente de tensatildeo no interior dessa famiacutelia E oferece uma

explicaccedilatildeo para a inimizade entre os dois irmatildeos Esauacute e Jacoacute

justificando a necessidade que Jacoacute teve de fugir para Haratilde tanto

para encontrar esposas adequadas como para salvar suas vidas

Encontramos cinco unidades menores nesse bloco narrativo

Gn 271-4 Isaac instrui Esauacute para caccedilar e trazer-lhe uma

refeiccedilatildeo para que possa abenccediloaacute-lo uma vez que se sente

muito velho e cansado

95

Gn 275-13 Rebeca instrui Jacoacute a enganar seu marido Isaac

para que seu filho mais jovem possa obter a becircnccedilatildeo da

primogenitura no lugar de Esauacute

Gn 2714-29 Jacoacute executa o plano de sua matildee para obter a

becircnccedilatildeo

Gn 2730-40 Esauacute descobre o engano perpetrado por Jacoacute e

obteacutem de Isaac uma becircnccedilatildeo substituta que o capacitaraacute a se

libertar de Jacoacute

Gn 2741-45 com isso a inimizade entre os irmatildeos fica

evidente e Rebeca instrui Jacoacute a fugir para Haratilde para escapar

da ira de Esauacute e encontrar esposas adequadas de sua famiacutelia

(3) Gn 2746ndash3154 essa terceira subunidade narra a viagem de Jacoacute a

Padatilde-Aram a fim de encontrar uma esposa da famiacutelia de sua matildee na

casa de seu tio Labatildeo Encontramos cinco episoacutedios no interior desta

subunidade

Gn 2746 mostra o desgosto de Rebeca com as esposas heteias

de Esauacute

Gn 281-5 narra Isaac enviando Jacoacute a Padatilde-Aram para

encontrar uma esposa

Gn 286-9 Isaac casa-se com Maelet filha de Ismael filho de

Abraatildeo na tentativa de agradar seus pais

Gn 2810-22 importante episoacutedio que descreve a visatildeo que

Jacoacute teve de YHWH em sonho na qual este renova a promessa

feita aos seus ancestrais de conceder-lhe a terra de Israel

descendentes e fidelidade Isso serve de justificativa para o

lugar ser chamado de Betel casa de El (Deus) em hebraico

Becirct-acuteeumll

Gn 291ndash3154 descreve a permanecircncia de Jacoacute em Haratilde

incluindo seus casamentos e o nascimento de seus filhos No

interior desse bloco narrativo encontramos seis elementos

distintos

96

1 Gn 291 relata a chegada de Jacoacute em Haratilde

2 Gn 292-14a conta o encontro de Jacoacute com sua futura

amada e esposa Raquel e seu pai Labatildeo

3 Gn 2914b-30 Jacoacute eacute trapaceado por Labatildeo e casa-se com

Lia devendo trabalhar mais para o tio ateacute casar-se com

Raquel

4 Gn 2931-3024 relata o nascimento dos filhos de Jacoacute

da parte de suas esposas e concubinas Sendo que Lia

lhe daacute como filhos Ruacuteben Simeatildeo e Levi Datilde e Neftali

satildeo gerados por Bala serva de Raquel a pedido desta

uacuteltima uma vez que ela natildeo conseguia engravidar-se

Lia a primeira esposa de Jacoacute vendo que natildeo lhe

concedia mais filhos fez com que este tivesse filhos com

sua serva Zelfa gerando Gad e Aser Lia tornou a

engravidar-se e deu a Jacoacute por filhos Issacar Zabulon e

Dina uma filha Finalmente Raquel conseguiu

engravidar-se e deu agrave luz Joseacute

5 Gn 3025-43 narra a negociaccedilatildeo que se estabelece entre

Jacoacute e Labatildeo acerca dos ganhos do Patriarca

6 Gn 311-54 Jacoacute parte de Haratilde com suas mulheres

filhos e pertences Haacute uma perseguiccedilatildeo e conflito com

Labatildeo e sua famiacutelia que se resolve por meio de um

tratado entre ambos

(4) Gn 321ndash3529 eacute a quarta subunidade da unidade derradeira do ciclo

de Jacoacute Esse bloco narra o retorno de Jacoacute agrave terra de Israel incluindo

a mudanccedila de nome para Israel (periacutecope que mereceraacute mais

detidamente nossa atenccedilatildeo) a sua reconciliaccedilatildeo com Esauacute a morte de

sua amada esposa Raquel o nascimento de Benjamim a outorga que

YHWH faz a Jacoacute da alianccedila concluiacuteda com os seus antepassados e a

morte e sepultamento de Isaac Esta subunidade eacute composta por oito

episoacutedios narrativos que satildeo

97

Gn 321-22 Jacoacute prepara o encontro com Esauacute seu irmatildeo em

Maanaim

Gn 3223-33 Jacoacute luta com ldquoum homemrdquo e recebe um novo

nome Israel

Gn 331-17 reconciliaccedilatildeo de Jacoacute com Esauacute em Sucot

Gn 3318ndash3431 Jacoacute chega a Siqueacutem e ali permanece neste

local ocorre o estupro de sua filha Dina e seus irmatildeos Simeatildeo

e Levi a vingam

Gn 351-15 YHWH nomeia Jacoacute como Patriarca de Israel em

Betel e Jacoacute santifica o lugar Novamente eacute narrada a mudanccedila

de nome de Jacoacute para Israel

Gn 3516-20 Raquel vem agrave oacutebito durante o parto de Benjamim

entre Betel e Eacutefrata

Gn 3521-26 Ruacuteben comete incesto ao manter relaccedilotildees iacutentimas

com Bala uma das concubinas de seu pai

Gn 3527-29 relata a morte e sepultamento de Isaac por Jacoacute e

Esauacute em Cariat-ArbeHebron mesmo local do sepultamento

de Abraatildeo e Sara

Sem duacutevida o ciclo de Jacoacute forma uma unidade literaacuteria dentro da estrutura em

toledocirct da ToraacutePentateuco Nesse sentido Jacoacute aparece na narrativa como o terceiro

na sequecircncia dos antepassados de Israel e ele alcanccedila o direito de primogenitura a

becircnccedilatildeo de seu pai e a alianccedila prometida por YHWH a seus antepassados superando

seu irmatildeo mais velho Esauacute para garantir o futuro de seu povo A narrativa faz questatildeo

de frisar as diferenccedilas entre os dois irmatildeos enquanto Esauacute mostra pouca consideraccedilatildeo

por seu direito de primogenitura e se casa com mulheres que satildeo consideradas pela

tradiccedilatildeo judaica como inadequadas ou marginalizadas na trajetoacuteria da alianccedila da

naccedilatildeo de Israel Jacoacute viaja a Padatilde-Aram para encontrar uma noiva adequada no seio

da famiacutelia de sua matildee e acaba tomando duas esposas que satildeo filhas do irmatildeo de sua

matildee Labatildeo e suas servas Os doze filhos nascidos como resultado destes casamentos

iratildeo se tornar os antepassados das doze tribos de Israel

98

Os inteacuterpretes haacute muito reconhecem que Jacoacute eacute o antepassado epocircnimo de Israel na verdade ele eacute duas vezes renomeado Israel em Gecircnesis 3232-33 e 359-12 Mas o contexto literaacuterio mais amplo da forma final do Pentateuco que eacute amplamente entendida como uma narrativa judia baseada em sua redaccedilatildeo Sacerdotal (P) final geralmente obscurece o fato de que a identificaccedilatildeo de Jacoacute como o antepassado de Israel pressupotildee o ponto de vista do reino do norte de Israel com seu Templo em Betel em vez de Israel como entendido a partir da compreensatildeo judaica de todo Israel e do Templo de Jerusaleacutem (SWEENEY 2016 p 244)

Complementando o que foi exposto acima eacute importante constatar que Gn 3223-

33 insere-se no grande ciclo de Jacoacute e Esauacute (Gn 2519ndash371)72 A nossa personagem

como veremos melhor adiante eacute transformada de liacuteder local de um grupo particular ndash

ao redor do qual se formou uma tradiccedilatildeo ndash em um dos grandes patriarcas do povo de

Israel depositaacuterio das promessas feitas a Abraatildeo Contraacuterio a este primeiro patriarca

cuja vida estava enraizada mais ao sul do paiacutes tendo Hebron como lugar de referecircncia

cultual Jacoacute movimenta-se pela regiatildeo norte de um lado a outro do rio Jordatildeo e ateacute a

Mesopotacircmia A maior parte dos santuaacuterios do Reino de Israel tambeacutem denominado

Reino do Norte eacute ligada a ele Joseacute cujo ciclo sucederaacute agravequele de Jacoacute implanta-se no

Egito

O seu ciclo insere-se entre aquele de Abraatildeo (Gn 121ndash2518) e aquele de Joseacute

(Gn 372ndash5026) Servindo portanto como um proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes em Ecircxodo

O capiacutetulo 36 integra um pequeno ciclo de Isaac Jacoacute eacute um heroacutei construiacutedo sem a

preocupaccedilatildeo de justificar a sua moralidade nos conflitos mais diversos que perpassam

toda a narrativa

Conflito entre Jacoacute e seu irmatildeo Esauacute (Gn 25 27 32-33)

que conduz a uma reconciliaccedilatildeo passando pelo conflito entre Jacoacute e Labatildeo

o Arameu (Gn 29-31)

em meio ao qual brota o conflito entre Raquel e Lia (Gn 2931ndash3024)

72 Muitos preferem concluir esse ciclo no uacuteltimo versiacuteculo do capiacutetulo 36 mas Gn 371 eacute claramente um texto de conclusatildeo de um bloco maior A partir daqui JacoacuteIsrael somente retomaraacute com certo protagonismo em Gn 49 onde ele abenccediloa seus filhos e vive seus momentos finais De Gn 372 em diante o protagonista eacute Joseacute filho caccedilula de JacoacuteIsrael

99

O objetivo final de nossa personagem Jacoacute eacute assegurar a sobrevivecircncia e em

seguida a autonomia de seu clatilde Em um primeiro momento ldquosuas aventuras satildeo

transmitidas como memoacuteria local de um grupo que se vecirc ligado a um ancestral que

descobre o deus El e sua promessardquo (LANOIR 2015 p 4)

Pode-se identificar trecircs grandes partes e um epiacutelogo neste ciclo de Jacoacute presente

no primeiro livro da Toraacute vejamos73

1ordf Jacoacute e Esauacute ndash 1ordm Ato (Gn 2519ndash2822) desde o nascimento de ambos um

conflito que se inicia no ventre materno (2519-26) e se prolonga para a vida dos dois

irmatildeos passando pela venda do direito agrave primogenitura de Esauacute a Jacoacute (2527-34) pelo

roubo da becircnccedilatildeo do pai Issac (271-40) ateacute a sua partida para a casa do tio Labatildeo

motivada seja pelo desejo de vinganccedila de seu irmatildeo Esauacute (2741-45) seja pelo desejo

de Rebeca sua matildee de dar-lhe como esposa algueacutem que natildeo fosse de Canaatilde (2634-35

2746 281-9) Concluindo-se como um encontro divino em Betel durante um sonho

(2810-22)

2ordf Jacoacute e Labatildeo (Gn 291ndash321) este ato eacute marcado por dois grandes momentos

o primeiro a ascensatildeo de Jacoacute que inclui sua chegada a Haratilde (291-14) passando pelos

seus dois casamentos (2915-30) pelo nascimento de seus filhos (2931ndash3024) e o seu

enriquecimento (3025-43) O segundo momento desse ato seria a luta de Jacoacute pela

independecircncia de seu clatilde Iniciando-se com as deliberaccedilotildees de Jacoacute e a sua partida

(311-21) as altercaccedilotildees com Labatildeo que persegue os fugitivos do clatilde de Jacoacute (3122-42)

com a conclusatildeo do conflito e um pacto entre os contentores (3143ndash321)

3ordf Reencontro de Jacoacute com Esauacute ndash 2ordm Ato (Gn 322ndash3317) ocorre o desfecho do

conflito com Esauacute que se daacute em trecircs momentos o anuacutencio e preparaccedilatildeo de um

confronto com seu irmatildeo (322-22) o reencontro com Deus em PenielPenuel (combate

noturno) apoacutes o qual Jacoacute eacute abenccediloado e recebe outro nome Israel (3223-33) e

finalmente o reencontro com seu irmatildeo Esauacute e a reconciliaccedilatildeo (331-17)

73 Aqui apoio-me em PURY (2009 p 219-220)

100

Epiacutelogo (Gn 3318ndash371) de Siqueacutem a Betel um itineraacuterio para reconhecer a

origem do povo de Israel e seu Deus Dois santuaacuterios que conservam as tradiccedilotildees

patriarcais satildeo visitados (3318-20 Siqueacutem) e um altar eacute erguido em cada um deles

sendo que em Betel (351-15) uma estela eacute tambeacutem erigida A histoacuteria dos filhos de

Jacoacute (341-31 3516-26) a morte e o sepultamento de Isaac em Mambreacute (3527-29)

preparam a sequecircncia narrativa de Gecircnesis com o ciclo de Joseacute (372ndash5026) Antes

poreacutem haacute a narraccedilatildeo da instalaccedilatildeo de Esauacute em Edom74 e a enumeraccedilatildeo de seus

descendentes (361-43)

O texto da saga ou lenda75 de Jacoacute ocupa-se das origens de Israel podendo

constituir-se em uma das mais antigas E desde o iniacutecio ateacute o final essa saga eacute uma

histoacuteria de luta por becircnccedilatildeo76 Afinal Jacoacute teve de fugir da casa de seu pai devido ao

fato de ter enganado seu irmatildeo e lhe furtado a primogenitura e a becircnccedilatildeo

A caminho de Betel Deus apareceu-lhe e o asseverou de sua proteccedilatildeo e do cumprimento de sua promessa de becircnccedilatildeo77 Eacute verdade que ele conseguiu vaacuterios benefiacutecios na casa de Labatildeo mas quando Labatildeo na despedida deu uma verdadeira becircnccedilatildeo esta valia somente para a famiacutelia natildeo para Jacoacute (Gn 321) No iminente encontro com Esauacute Jacoacute estava correndo o risco de perder todos os benefiacutecios antes conquistados o assalto ocorreu exatamente quando ele em caacutelculo perspicaz mandou todas as suas posses e sua famiacutelia agrave sua frente para o outro lado do Jaboc78 Curiosamente seu adversaacuterio estava aparentemente interessado no nome dele ndash o nome com o qual estava

74 Em Gn 2525 nos eacute apresentado o suposto motivo para o nome de Esauacute que segundo o texto teria recebido tal nome por ser ldquoavermelhadoruivordquo e ldquopeludordquo como se fosse um animal Na realidade a explicaccedilatildeo para suas caracteriacutesticas fiacutesicas faz referecircncia a dois outros nomes que lhe satildeo relacionados

Edom e Seir ldquoAvermelhadoruivordquo eacute em hebraico acuteadmocircnicirc utilizado em 1Sm 1612 e 1742 para Davi

relaciona-se a ldquoEdomrdquo (Gn 2529 3618) regiatildeo a leste de rio Jordatildeo ao sul do territoacuterio de Judaacute caracterizada pelas suas montanhas avermelhadas ldquoPeludordquo (hebraico Seuml`aumlr = peloSeuml`icircr = nome da

regiatildeo montanhosa de Seir tambeacutem em Edom) refere-se agrave regiatildeo de Seir onde Esauacute se instalaraacute com o seu clatilde (Gn 3314-16) Vecirc-se como ldquoEsauacute desde o princiacutepio da narrativa eacute assimilado a um grupo que natildeo tem nada a ver com as regiotildees do Reino do Norte [Israel]rdquo (LANOIR 2015 p 9) 75 Lenda eacute compreendida aqui no sentido que lhe deu GUNKEL (1997 p vii-viii) ldquoa lenda natildeo eacute uma mentira Em vez disso eacute um gecircnero especiacutefico de literatura Lenda - a palavra eacute empregada aqui em nenhum outro sentido senatildeo o geralmente reconhecido - eacute um relato popular longamente transmitido narrativa poeacutetica que trata de pessoas ou eventos passadosrdquo 76 Essa expressatildeo foi empregada inicialmente por WESTERMANN (1964 p 89) e um pouco mais recentemente por DIETRICH (2001 p 205) 77 ldquoA meu ver na composiccedilatildeo original de Jacoacute o discurso divino em Gn 28 estava limitado ao v 15 Se a lenda de santuaacuterio que eacute a base tiver falado de Deus entatildeo ela narrou provavelmente apenas como ele apareceu no topo da escada celestial (as primeiras palavras do v 13) A promessa abrangente no v 1314 foi acrescentada finalmente quando ndash muito tarde na histoacuteria da redaccedilatildeo ndash a histoacuteria de Abraatildeo foi anteposta agrave histoacuteria de Jacoacuterdquo (DIETRICH 2001 p 205 n 28) 78 Essa aliaacutes eacute uma fina ironia presente no texto de Gn 3223-33

101

vinculado o oacutedio devido ao furto da becircnccedilatildeo79 Jacoacute revela-o e assim assume seu passado pouco positivo Nessa situaccedilatildeo ele recebe um novo nome ndash e a becircnccedilatildeo haacute tanto tempo ansiada (DIETRICH 2001 p 205)

4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute

Quando se interroga pela histoacuteria da formaccedilatildeo do texto do ciclo de Jacoacute

deparamo-nos com a complexa discussatildeo acerca das fontes que compuseram a Toraacute

Em linhas gerais e de modo resumido80 pode-se dizer que houve quatro fases da

pesquisa ateacute o presente momento

Inicialmente levando-se em conta os numerosos textos legislativos presentes na

Toraacute (ex Ex 242 Dt 11 445) atribuiacutedos a Moiseacutes as tradiccedilotildees judaicas e cristatildes

fizeram dele o autor desses cinco primeiro livros da BH81 Mesmo que essa ideia natildeo

tenha sido explicitamente contestada a natildeo ser no seacuteculo XVIII de nossa era natildeo

significa que sempre foi aceita e indiscutida por todos Como imaginar por exemplo

o proacuteprio Moiseacutes narrando a sua morte (Dt 34) Rabinos viram nesse texto conclusivo

da Toraacute um acreacutescimo posterior por parte de Josueacute o sucessor de Moiseacutes82 Na Idade

Meacutedia os estudiosos judeus Issac ben Jesus e Ibn Esdras elaboraram listas que

continham os ldquopost-mosaicardquo ou seja textos que deveriam ter sido escritos em

momentos mais tardios da histoacuteria de Israel83 Mas esses autores natildeo ousaram colocar

em duacutevida a tradiccedilatildeo recebida Esse passo seraacute dado por meio do Tratactus theologico-

politicus do filoacutesofo judeu Baruch de Spinoza (era de origem sefardita portuguesa

79 ldquoJaacute durante o parto Jacoacute teria atacado o irmatildeo gecircmeo mais velho Esauacute ao seguraacute-lo pelo lsquocalcanharrsquo E apoacutes a becircnccedilatildeo Esauacute exclama lsquoSeraacute que natildeo eacute com razatildeo que ele se chama Jacoacute Duas (Gn 2525s) (עקב)vezes me enganou (עקב)rsquo (Gn 2736 a mesma palavra rara para lsquoenganarrsquo eacute usada no mesmo contexto por Oseias em Os 124)rdquo (DIETRICH 2001 p 205-206 n 30)

80 Para uma visatildeo mais detalhada da histoacuteria da composiccedilatildeo do Pentateuco e suas vaacuterias teorias ateacute o presente momento pode-se consultar SKA 2016 p 13-87 ROumlMER 2009 p 140-157 NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184 ZENGER 2008a p 117-186 ZENGER 2008b p 187-203 81 Cf PHILON DrsquoALEXANDRIE De vita Mosis I sect 84 (1967) Mc 1226 2Cor 315 entre outros 82 ldquoMoiseacutes escreveu seu proacuteprio livro e a porccedilatildeo de Balaatildeo e Joacute Josueacute escreveu o livro que leva seu nome e [uacuteltimos] oito versos do Pentateucordquo Em inglecircs ldquoMoses wrote his own book and the portion of Balaam and Job Joshua wrote the book which bears his name and [the last] eight verses of the Pentateuchrdquo (Talmude Babilocircnico Baba Bathra 14b EPSTEIN 2009) Os uacuteltimos versiacuteculos do Pentateuco satildeo justamente a narrativa da morte de Moiseacutes 83 Por exemplo Gn 3631 o qual pressupotildee a eacutepoca monaacuterquica Nm 221 que designa a Transjordacircnia como paiacutes aleacutem do Jordatildeo o que estaacute em contradiccedilatildeo com um Moiseacutes que escreve na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2009 p 141)

102

Bento de Espinosa) em 1670 Ele observa que o ldquoPentateuco forma com os livros

histoacutericos (Josueacute e Reis) uma unidade orgacircnica e que ele natildeo pode consequentemente

ter sido regido antes do final do reino de Judaacute (relatado em 2 Reis) Aos seus olhos o

verdadeiro autor do Pentateuco eacute Esdras o qual busca dar uma identidade ao povo

judeu agrave eacutepoca persardquo (ROumlMER 2009 p 141)

Por volta da metade do seacuteculo XVIII a pesquisa biacuteblica conheceraacute a primeira

tentativa de identificar fontes no interior do Pentateuco surgindo entatildeo uma teoria

sobre elas Os pioneiros foram de um lado o pastor e orientalista alematildeo Henning

Bernhard Witter e de outro o francecircs Jean Astruc meacutedico de Luiacutes XV Aleacutem da

constataccedilatildeo de vaacuterias rupturas dublecircs contradiccedilotildees e repeticcedilotildees no interior do texto

do Pentateuco84 tal como o temos na atualidade aquilo que mais chamou a atenccedilatildeo foi

a variaccedilatildeo contiacutenua nos textos entre o emprego do nome proacuteprio YHWH ou do termo

mais geneacuterico Elohicircm para designar o Deus de Israel Assim sendo em 1753 Jean

Astruc publicou as ldquoConjectures sur les meacutemoires originaux dont il paroit que Moyse

srsquoest servi pour composer le Livre de la Genegraveserdquo (traduccedilatildeo livre Conjecturas sobre os

documentos originais que Moiseacutes parece ter se servido para compor o Livro de Gecircnesis) Esse

pesquisador francecircs tinha uma finalidade apologeacutetica ou seja defender a autoria de

Moiseacutes para todo o Pentateuco Para tanto ele postulava que Moiseacutes teria tido agrave

disposiccedilatildeo dois documentos principais o ldquodocumento Ardquo o qual utilizava o nome

divino Elohicircm do qual o iniacutecio se situava em Gn 1 e o ldquodocumento Brdquo caracterizado

pelo emprego de YHWH que teria seu iniacutecio em Gn 24 Com isso tem iniacutecio a famosa

teoria ldquodocumentaacuteriardquo que marcaraacute por deacutecadas a exegese histoacuterico-criacutetica moderna

A autoria uacutenica de Moiseacutes evidentemente foi logo abandonada mas aproveitou-se a

inspiraccedilatildeo original de Astruc Essa teoria imagina existir na base do Pentateuco vaacuterias

84 ldquoSegundo Gn 715 Noeacute fez entrar na arca um par de animais de cada espeacutecie ao contraacuterio Gn 72 fala de sete pares para os animais puros Segundo Gn 426 a humanidade invoca o Deus de Israel sob o nome de lsquoYHWHrsquo desde as origens enquanto que em Ex 312-15 esse nome natildeo eacute revelado a Israel a natildeo ser no momento da vocaccedilatildeo de Moiseacutes O comportamento do faraoacute diante das pragas do Egito e explicado de duas maneiras diferentes segundo Ex 73 por exemplo eacute YHWH que torna inflexiacutevel o coraccedilatildeo do rei do Egito enquanto outros textos insistem sobre o fato que o proacuteprio faraoacute endureceu seu proacuteprio coraccedilatildeo (Ex 811 etc) Constata-se igualmente a presenccedila de vaacuterios dublecircs O Pentateuco comporta dois relatos da criaccedilatildeo (Gn 11 ndash 23 Gn 24 ndash 324) dois relatos que reportam a conclusatildeo da alianccedila entre Deus e Abraatildeo (Gn 15 e 17) dois relatos da expulsatildeo de Agar (Gn 16 e 219ss) dois relatos de vocaccedilatildeo de Moiseacutes (Ex 3 e 6) duas versotildees do Decaacutelogo (Ex 20 e Dt 5) etcrdquo (ROumlMER 2009 p 141)

103

tramas narrativas independentes uma das outras e regidas em eacutepocas diferentes

relatando cada uma a mesma intriga mas com nuanccedilas ideoloacutegicas diferentes Esses

documentos teriam sido reunidos uns aos outros por redatores sucessivos

Esse sistema explicativo da composiccedilatildeo da ToraacutePentateuco prevaleceraacute

ateacute os anos 1970 com destaque para Julius Wellhausen (1844-1918) o idealizador da

teoria documentaacuteria De acordo com esse estudioso alematildeo o Pentateuco eacute o resultado

de quatro documentos o documento Javista (ldquoJrdquo uma vez que esse documento daacute

preferecircncia ao nome divino YHWH ou seja ldquoJahwerdquo em alematildeo) o documento eloiacutesta

(ldquoErdquo originaacuterio do nome divino ldquoElohicircmrdquo) o Deuteronocircmio (ldquoDrdquo) e o documento

sacerdotal (ldquoPrdquo segundo o termo alematildeo ldquoPriesterschriftrdquo) Wellhausen eacute muito

prudente em relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo desses documentos paralelos que compuseram o

Pentateuco Para ele ldquoJrdquo e ldquoErdquo satildeo siglas que agrupam vaacuterios documentos Como uma

distinccedilatildeo desses dois documentos eacute muito difiacutecil ele prefere reagrupaacute-los sob a sigla

ldquoJErdquo (de ldquoJehowistrdquo em alematildeo) Ele propunha que esses escritos datassem da eacutepoca

monaacuterquica (VIII seacuteculo AEC) jaacute o ldquoDrdquo seria do final do periacuteodo monaacuterquico da eacutepoca

do rei Josias (por volta de 620 AEC)85 e o ldquoPrdquo seria situado no iniacutecio do periacuteodo poacutes-

exiacutelio (por volta de 500 AEC) Na visatildeo de Wellhausen ldquoJErdquo e ldquoPrdquo satildeo tambeacutem

encontrados no livro de Josueacute cujos relatos da conquista da terra prometida

constituem o culminar da promessa da terra no Pentateuco O ciclo de Jacoacute do qual o

texto em anaacutelise em nosso estudo faz parte integrava a histoacuteria Patriarcal (Abraatildeo

Isaac Jacoacute e Joseacute) Essa histoacuteria fazia parte do documento JE na visatildeo de Wellhausen86

Isso acabou levando estudiosos a falarem de um Hexateuco um conjunto de livros de

Gn a Js Esses documentos refletiriam na visatildeo de Wellhausen natildeo apenas um

instrumento de anaacutelise literaacuteria do Pentateuco mas uma siacutentese da evoluccedilatildeo religiosa

do Israel antigo Ele fundamenta sua pesquisa em cinco instituiccedilotildees o lugar do culto

os sacrifiacutecios as festas o clero o diacutezimo (cf ROumlMER 2009 144) Os documentos (JE

85 ldquoWellhausen aceita a identificaccedilatildeo proposta por de Wette em 1805 do Dt primitivo com o livro mencionado em 2Rs 22ndash23rdquo (ROumlMER 2009 p 144) 86 Nessa visatildeo eacute importante frisar que a tradiccedilatildeo oral era tida como a fonte de onde teriam se originado esse documento (JE) Assim sendo mesmo que o Javista e Eloiacutesta tivessem sua origem no periacuteodo monaacuterquico sempre segundo essa teoria documentaacuteria as origens do ciclo de Jacoacute por exemplo deveriam ser buscadas antes mais proacuteximo agraves origens de Israel No entanto isso natildeo era demonstrado nem comprovado mas admitido de modo um tanto ldquonaturalrdquo

104

D P) revelaratildeo um esquema de evoluccedilatildeo pluralidade centralizaccedilatildeo ritualizaccedilatildeo

Desse modo parte-se da pluralidade de locais de culto na eacutepoca monaacuterquica para uma

centralizaccedilatildeo em Jerusaleacutem no periacuteodo de Josias O Templo de Jerusaleacutem eacute instituiacutedo

como o uacutenico lugar legiacutetimo de culto ao deus de Israel (cf 2Rs 22ndash23 e Dt 12)87 A fonte

ldquoPrdquo jaacute supotildee essa centralizaccedilatildeo e a retroprojeta para o periacuteodo das origens Assim

sendo para Wellhausen a Lei natildeo estaria nas origens nem do Israel antigo nem do

Pentateuco mas ela torna-se um fundamento do judaiacutesmo a partir da eacutepoca poacutes-

exiacutelica

Na deacutecada de 1970 a 1980 viu-se surgir uma verdadeira rebeliatildeo contraacuteria agrave

teoria documentaacuteria O aparecimento de trecircs obras principais coroam uma sequecircncia

de vaacuterios estudos criacuteticos que vinha desde os anos 1960 provocando repensamentos

da teoria documentaacuteria Satildeo elas a) John Van Seters Abraham in history and tradition

(1975)88 b) Hans Heinrich Schmid Der sogenannte Jahwist Beobachtungen und Fragen

zur Pentateuchforschung (1976)89 c) Rolf Rendtorff Das uumlberlieferungsgeschichtliche

Problem des Pentateuch (1976)90 A obra de Van Seters coloca definitivamente em causa

a tal ldquoeacutepoca patricarcalrdquo ao situar doravante as tradiccedilotildees sobre Abraatildeo e sua colocaccedilatildeo

por escrito agrave eacutepoca do exiacutelio babilocircnio Anteriormente jaacute se havia constatado que o

ldquoDeus dos paisrdquo de Gecircnesis bem como os motivos das promessas patriarcais natildeo

deveriam ser situados em um periacuteodo nocircmade dos ancestrais de Israel mas ldquodeviam

ser explicados sobre o plano literaacuterio como teacutecnicas composicionais com as quais os

redatores reforccedilam a ligaccedilatildeo entre as diferentes figuras patriarcais (Abraatildeo Isaac

Jacoacute)rdquo (ROumlMER 2009 p 150) A obra de Schmid explora a presenccedila da linguagem

Deuteronomista na fonte ldquoJrdquo admitindo inclusive que todo este documento eacute

proacuteximo ao Deuteronocircmio Outros pesquisadores jaacute haviam constatado que certos

temas como aquele da teologia da alianccedila entre YHWH e Israel natildeo satildeo de origem

87 Em Ex 25ndash40 eacute relatado por exemplo a construccedilatildeo de um tabernaacuteculo em pleno deserto como sendo a conclusatildeo da criaccedilatildeo do mundo O escopo humano eacute adorar o Deus que tudo criou por isso o tabernaacuteculo culmina o periacuteodo da criaccedilatildeo do mundo e do ser humano 88 Publicado em sua primeira ediccedilatildeo em New Haven pela Yale University Press 89 Publicado em Zuumlrich pela Theologischer Verlag O tiacutetulo pode ser traduzido livremente como O assim chamado Javista observaccedilotildees e questotildees sobre a pesquisa do Pentateuco 90 Publicado em BerlinNew York pela Walter de Gruyter sendo o nuacutemero 147 da renomada coleccedilatildeo ldquoBeihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaftrdquo (BZAW)

105

Javista mas estaacute mais proacuteximo agrave teologia Deuteronomista A terceira obra aquela de

Rendtorff foi decisiva no processo de reviravolta nas pesquisas sobre o Pentateuco

Ele insistiraacute na importacircncia do estudioso debruccedilar-se sobre o texto tal como o

recebemos Isso porque sob a aparecircncia de consenso a teoria documentaacuteria apresenta

incoerecircncias e fraquezas como por exemplo ao se buscar estabelecer o iniacutecio e final

de cada documento (J E D P) na distinccedilatildeo do que seria material textual de ldquoJrdquo e ldquoErdquo

e assim por diante Para ele o Pentateuco em sua forma atual seria composto de

ldquounidades maioresrdquo que satildeo caracterizadas por uma grande coerecircncia interna e por

uma independecircncia quase que total em relaccedilatildeo agraves demais Essas unidades seriam as

seguintes a histoacuteria das origens (Gn 1ndash11) os Patriarcas (Gn 12ndash50) a saiacuteda do Egito

(Ex 1ndash15) o Sinai (Ex 19ndash24 32ndash34) a permanecircncia no deserto (Ex 16ndash18 Nm 11ndash20) a

conquista da terra (Nm + Js) Para Rendtorff satildeo as ldquopromessas (terra descendecircncia

acompanhamento becircnccedilatildeo) que se constituem numa sorte de lsquoargamassarsquo redacional

por meio da qual os trecircs patriarcas foram inscritos e situados em uma relaccedilatildeo

genealoacutegicardquo (ROumlMER 2009 p 153) Tanto Rendtorff como seu aluno Erhard Blum

concordaratildeo que o processo redacional que uniu as tradiccedilotildees patriarcais ao restante do

Pentateuco foi obra de um redator do tipo deuteronomista Em resumo o Eloiacutesta saiu

de cena o Javista da eacutepoca de Salomatildeo segundo a teoria wellhausiana estaacute morto ou

transformou-se em um antigo historiador da eacutepoca persa a escola deuteronomista

torna-se nessa fase da histoacuteria da pesquisa o pivocirc ao redor do qual se articula todo o

novo sistema o debate concentra-se no eixo Moiseacutes ndash ecircxodo ndash conquista com algum

olhar eventual sobre Abraatildeo como figura emblemaacutetica da preacute-histoacuteria (cf PURY 2001

p 216)

Completando a visatildeo de conjunto sobre a histoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo

do PentateucoToraacute nos anos 1990 em diante pode-se encontrar trecircs grandes

tendecircncias da pesquisa sobre a formaccedilatildeo da Toraacute91 A primeira busca preservar a teoria

documentaacuteria mas com vaacuterias modificaccedilotildees Haacute aqueles que ainda defendem a

existecircncia de um documento Javista da eacutepoca salomocircnica (por exemplo Werner H

91 Sintetizo aqui a resumida apresentaccedilatildeo de ROumlMER 2009 p 154-156

106

Schmidt92) Outros encontram dificuldade em ainda reconhecer um Javista no interior

da Toraacute e preferem a soluccedilatildeo de um Jeovista (J+E) eacute o caso de Horst Seebass93 Alguns

permanecem ligados ao Javista da eacutepoca monaacuterquica mas reconhecem que vaacuterios

textos que uma vez foram atribuiacutedos ao J pertencem a eacutepocas mais tardias da redaccedilatildeo

do Pentateuco Esse eacute o caso de Erich Zenger e Peter Weimar94 os quais defendem a

existecircncia de redaccedilotildees jeovistas entre 722 e 587 AEC e deuteronomistas a partir de 587

AEC (iniacutecio do exiacutelio da Babilocircnia) Ainda segundo Zenger as redaccedilotildees jeovistas em

GnndashNm teriam formado uma grande Jerusalemitisches Geschichtswerk (ldquohistoriografia

hierosolimitanardquo) preacute-exiacutelica a qual mais tarde na eacutepoca do exiacutelio sofreu uma revisatildeo

deuteronomista

A segunda grande tendecircncia dessa quarta fase da histoacuteria da pesquisa

concentra-se em identificar duas fontes com dataccedilatildeo mais tardia O Pentateuco ou

melhor dizendo o Tetrateuco (Gn Ex Lv Nm) seria fruto da fusatildeo de dois

documentos o Javista (J) e o Sacerdotal (P) que seriam da eacutepoca exiacutelica Os maiores

defensores dessa teoria satildeo Otto Kaiser95 Martin Rose96 e Christoph Levin97 Para este

uacuteltimo o J eacute um redator e um teoacutelogo da diaacutespora valoriza a religiatildeo popular e integra

em seu trabalho fontes mais antigas Levin identifica uma polecircmica entre P e J que eacute

um escrito independente da eacutepoca persa conhecedor de J o qual eacute contraacuterio agrave ideologia

deuteronomista do santuaacuterio uacutenico A intenccedilatildeo de P eacute substituir J Apesar que a

redaccedilatildeo final do Pentateuco preservou os dois documentos da maneira mais completa

92 Elementare Erwaumlgungen zur Quellenscheidung im Pentateuch In EMERTON J A (Ed) Congress Volume Leuven 1989 Leiden New York Koumlln Brill p 22-45 (Vetus Testamentum Supplements [VTS] 43) 93 Pentateuch In THEOLOGISCHE REALENZYKLOPAumlDIE Berlin New York De Gruyter 1996 v 26 p 185-209 Que restet-il du Yahwiste et de lrsquoElohiste In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 199-214 (Le Monde de la Bible 19) 94 ZENGER Erich Die Buumlcher der Torades Pentateuch In _________ et al Einleitung in das Alte Testament 7 Aufl Stuttgart Berlin Koumlln Kohlhammer 2008 p 60-135 95 The Pentateuch and the Deuteronomistic History In MAYES A D H (Ed) Text in Context Essays by Members of the Society for Old Testament Studies Oxford Oxford University Press 2000 p 289-322 96 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 97 Der Jahwist Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1993 (Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments [FRLANT] 157)

107

possiacutevel fazendo seguir um relato P em paralelo ao J ou vice-versa Levin reconhece

poreacutem que mais da metade dos textos do Pentateuco satildeo acreacutescimos tardios agrave J ou P

ou seja adiccedilotildees feitas apoacutes a fusatildeo de J e P

Uma terceira tendecircncia nessa quarta fase da pesquisa eacute a teoria elaborada por

Erhard Blum98 e retomada com algumas modificaccedilotildees por Rainer Albertz99 Joseph

Blenkinsopp100 Franz Cruumlsemann101 e outros estudiosos Eles concebem o Pentateuco

como o resultado do diaacutelogo conflituoso entre duas escolas a D e a P O periacuteodo de

composiccedilatildeo eacute tardio ou seja poacutes-exiacutelico Na concepccedilatildeo de Blum haacute uma composiccedilatildeo

deuteronomista (sigla em alematildeo KD) que compreende desde o ciclo de Abraatildeo ateacute 2Rs

25 uma vez que essa composiccedilatildeo eacute tida como o preluacutedio da histoacuteria deuteronomista

Ainda segundo este autor Dt 3410 marca uma ruptura que fornece ao conjunto de Gn-

Dt uma autonomia ou seja uma supremacia em relaccedilatildeo aos livros seguintes uma vez

que se trata da ldquoToraacute de Moiseacutesrdquo A KD destina-se aos judeus da diaacutespora que ocorreu

apoacutes o exiacutelio da Babilocircnia Ela deseja recordar atraveacutes das histoacuterias de Abraatildeo e Ecircxodo

os dois pilares sobre os quais assenta-se a relaccedilatildeo de YHWH e Israel para concluir que

esses pilares restam firmes mesmo com a trageacutedia do exiacutelio Eacute claro que a KD tinha agrave

sua disposiccedilatildeo materiais narrativos e legislativos mais antigos da eacutepoca preacute-exiacutelica Jaacute

a composiccedilatildeo sacerdotal (em sigla alematilde KP) interveacutem de fato como um editor um

redator na obra deuteronomista A KP fez uso de documentos independentes

previamente escritos102 O foco da KP eacute claramente sobre o culto as instituiccedilotildees os

quais satildeo apresentados como dom de YHWH permitindo que Israel faccedila a experiecircncia

98 Studien zur Komposition des Pentateuch Berlin New York De Gruyter 1990 (Beihefte zur Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft [BZAW] 189) Outro escrito no qual ele aborda essa questatildeo eacute The Literary Connection Between the Books of Genesis and Exodus and the End of the Book of Joshua In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 89-106 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34) 99 Religionsgeschichte Israels in alttestamentlicher Zeit 2 Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1992 (Grundisse zum Alten Testament [GAT] 82) 100 The Pentateuch An Introduction to the First Five Books of the Bible New York Doubleday 1992 (The Anchor Bible Reference Library) 101 Le Pentateuque une Tora Proleacutegomegravenes agrave lrsquointerpreacutetation de sa forme finale In PURY Albert de ROumlMER Thomas (Ed) Le Pentateuque em question Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible agrave la lumiegravere des recherches recentes 3e eacuted rev et am Genegraveve Labor et Fides 2002 p 339-360 (Le Monde de la Bible 19) 102 Como por exemplo a versatildeo sacerdotal do diluacutevio em Gn 6ndash8 Ex 62-8 a versatildeo do ciclo das pragas no Egito em Ex 7ss o relato da travessia do mar em Ex 14 etc

108

da restauraccedilatildeo da proximidade divina como se deu apoacutes o diluacutevio Aleacutem dessas duas

composiccedilotildees maiores D e P Blum admite a existecircncia de adiccedilotildees redacionais que satildeo

proacuteximas seja da KD como da KP Outro estudioso que acredita na existecircncia de

apenas duas fontes dois verdadeiros documentos para o Pentateuco eacute Jean-Louis Ska

Segundo ele uma fonte somente pode ser caracterizada como tal se apresentar um

conceito fundamental e um estilo homogecircneo que une toda a obra103 mesmo que esta

apresente acreacutescimos mais tardios como eacute comum na literatura claacutessica de Israel Natildeo

basta apresentar textos com alguma semelhanccedila entre si para se falar de ldquofonterdquo Nesse

sentido ele somente reconhece duas fontes no Pentateuco o Deuteronocircmio que

constitui um livro a parte e a sacerdotal O Dt natildeo necessita de grandes justificativas

para ser considerado uma fonte independente autocircnoma e coerente Segundo Ska

ldquosomente o Documento Sacerdotal cria um verdadeiro enredo que une as partes

principais do Pentateuco em particular as tradiccedilotildees sobre as origens do universo

sobre os patriarcas e sobre o ecircxodordquo (SKA 2016 p 31) Haacute uma progressatildeo na

revelaccedilatildeo de Deus segundo o sacerdotal inicialmente ele eacute o criador do universo

Elohim (Gn 1ndash11) depois ele eacute o Deus dos patriarcas El Shaddai (Gn 171) e finalmente

ele eacute YHWH o Deus do ecircxodo (Ex 63) Ao unir as tradiccedilotildees sobre os antepassados de

Israel com as tradiccedilotildees sobre o ecircxodo num uacutenico enredo o sacerdotal daacute uma loacutegica a

esses dois blocos na opiniatildeo de Ska afinal ldquoDeus faz Israel sair do Egito e o conduz

ateacute a sua terra porque eacute fiel agrave promessa feita com juramento aos patriarcas (Ex 62-8

cf em particular Ex 648 e o lsquopor issorsquo do v 6 [lākēn em hebraico])rdquo (SKA 2016 p 32)

Portanto o Javista e o Eloiacutesta na opiniatildeo de Ska natildeo existiriam Pode-se encontrar

fragmentos ou estratos redacionais que possam agrupar textos anteriormente

atribuiacutedos a essas supostas fontes Ska tende a admitir que o Documento Sacerdotal

foi composto no comeccedilo do retorno do exiacutelio com a finalidade de ldquoconvencer os

exilados a voltarem para a terra prometidardquo (SKA 2016 p 42)104 Isso seria difiacutecil caso

o sacerdotal natildeo apresentasse essa terra que foi prometida a Israel Por isso Ska tende

103 Nas palavras do proacuteprio autor ldquoUma fonte eacute uma obra literaacuteria de ampla extensatildeo unificada e homogecircnea com seu estilo reconheciacutevel e uma ideia-base que confere ao conjunto unidade e coesatildeordquo (SKA 2016 p 32) 104 Nessa tese Ska se reconhece devedor do trabalho de ELLIGER Karl Sinn und Ursprung der priesterlichen Geschichtserzaumlhlung Zeitschrift fuumlr Theologie und Kirche Tuumlbingen Mohr Siebeck v 49 n 2 p 121-143 1952

109

a ver o final do Documento Sacerdotal nos capiacutetulos 13ndash14 e mesmo 201-13 do livro

de Nuacutemeros Ali eacute explicado o motivo pelo qual o povo tem de ficar quarenta anos no

deserto por ter-se recusado a entrar na terra prometida Desse modo natildeo se nega o

acesso agrave terra mas coloca-se o cumprimento da promessa em uma eacutepoca posterior

Concluindo essa trajetoacuteria da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco chega-

se agrave quinta fase que eacute a atual Nesse momento coexistem grosso modo trecircs grandes

problemas que se encontram no centro das discussotildees cientiacuteficas ldquoo perfil e a coerecircncia

dos textos preacute-sacerdotais (lsquojavistasrsquo ou lsquodeuteronomistasrsquo) a diacronia interna dos

textos sacerdotais dito de outro modo o problema da gecircnese e da formaccedilatildeo do

material agrupado sob a sigla lsquoPrsquo e o papel das redaccedilotildees poacutes-sacerdotais na

composiccedilatildeo do Pentateucordquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 158)105 Em meio a uma

pluralidade enorme de teorias e estudos os quais natildeo podem ser inteiramente

harmonizados pode-se dizer que atualmente caminha-se na direccedilatildeo de alguns

consensos entre eles pode-se destacar

a) Eacute cada vez mais realccedilada a importacircncia do trabalho dos uacuteltimos redatores e

editores da ToraacutePentateuco O que natildeo leva a negligenciar a reconstruccedilatildeo

desde as origens dos documentos tradicionais utilizados pelos editores da

Toraacute

b) Reconhece-se aos poucos que os escribas responsaacuteveis pela composiccedilatildeo da

Toraacute natildeo foram simples compiladores de fontes antigas mas eram animados

por um projeto teoloacutegico bem preciso Resta no entanto compreender

melhor quais eram os principais programas ideoloacutegicos dos editores da Toraacute

na segunda metade da eacutepoca persa

c) A Toraacute em sua forma final ldquonatildeo eacute obra de um ou dois redatores isolados

mas constitui antes de mais nada uma literatura de acordo entre as

principais correntes religiosas e poliacuteticas da eacutepoca bem como um magistral

105 Para uma exposiccedilatildeo mais detalhada a respeito das propostas de soluccedilatildeo para esses trecircs principais problemas da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco consultar NIHAN ROumlMER 2009 p 158-184

110

esforccedilo de siacutentese entre as diferentes tradiccedilotildees sobre o Israel antigo coletadas

no Templo de Jerusaleacutemrdquo (NIHAN ROumlMER 2009 p 181)

d) Natildeo estaacute claro no entanto a identidade dos meios envolvidos nessa siacutentese

Algumas evidecircncias textuais fazem os estudiosos concordarem que poderia

haver trecircs categorias de escribas envolvidas escribas sacerdotais uma vez que

haacute evidecircncias de acesso agrave biblioteca do Segundo Templo escribas de

obediecircncia mais laical os quais poderiam ser herdeiros da escola

deuteronomista escribas samaritanos apesar de essa hipoacutetese necessitar ser

mais investigada eacute revelador que uma passagem tardia do Deuteronocircmio

(Dt 274-8) contenha uma instruccedilatildeo para a construccedilatildeo de um santuaacuterio sobre

o monte Garizim regiatildeo samaritana106 E mais impressionante ainda eacute o fato

de a arqueologia certificar que na verdade houve um santuaacuterio sobre esse

monte desde metade do seacuteculo V AEC o que corresponde agrave eacutepoca em que

as principais tradiccedilotildees da Toraacute comeccedilam a ser reunidas

e) Cai por terra cada vez mais a tese proposta por Peter Frei107 e aceita durante

um bom tempo por um grande nuacutemero de especialistas da ldquoautorizaccedilatildeo

imperialrdquo Segundo essa tese a administraccedilatildeo persa Aquemecircnida (cerca de

550-330 AEC tambeacutem conhecida como Primeiro Impeacuterio Persa fundado por

Ciro o Grande) teria encomendado a ediccedilatildeo da Toraacute agraves principais instacircncias

106 De fato haacute uma divergecircncia de leituras entre o texto massoreacutetico e aquele samaritano no versiacuteculo 4 do capiacutetulo 27 de Deuteronocircmio Enquanto o texto massoreacutetico lecirc ל רעיב ה ב (em monte Ebal) o Pentateuco Samaritano lecirc ב ים ז ר ג ר ה (em monte Garizim) cf ELLIGER K RUDOLPH W (1967-1977) p 332 Interessante observar que nos versiacuteculos 12 e 13 deste mesmo capiacutetulo retorna a menccedilatildeo ao monte Garizim ao inveacutes de Ebal Em Dt 1129 insiste-se que a becircnccedilatildeo seraacute colocada sobre o monte Garizim e a maldiccedilatildeo sobre o monte Ebal Muitos autores consideram a leitura samaritana como a mais antiga sendo que a inserccedilatildeo de Ebal poderia refletir a polecircmica entre os judeus e os samaritanos apoacutes o exiacutelio babilocircnico 107 Presente especialmente no artigo Zentralgewalt und Lokalautonomie im Achaumlmenidenreich In FREI Peter KOCH Klaus Reichsidee und Reichsorganisation im Perserreich 2 Aufl Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag Vandenhoeck amp Ruprecht 1996 p 5-131 (Orbis biblicus et orientalis 55) A primeira ediccedilatildeo dessa obra eacute de 1984 Na verdade segundo Konrad Schmid ldquoeacute importante reconhecer que a teoria foi independentemente formulada por Erhard Blum em meados da deacutecada de 1980 embora ele tenha publicado seus resultados apenas em 1990 No entanto nem Frei nem Blum inventaram esta teoria que jaacute havia sido proposta por Eduard Meyer [1896] Hans Heinrich Schaeder Martin Noth Edda Bresciani Ulrich Kellermann Wilhelm In der Smitten e outrosrdquo (SCHMID 2007 p 24)

111

religiosas e poliacuteticas de Judaacute em Jerusaleacutem108 A proacutepria existecircncia dessa

praacutetica de ldquoautorizaccedilatildeo imperialrdquo eacute posta em duacutevida uma vez que apenas

se conseguiu descobrir ateacute o momento documentos breves e estritamente

legislativos em povos daquela regiatildeo

f) Reforccedila-se atualmente a tese de que a ediccedilatildeo da Toraacute seja mais um

desenvolvimento interno agrave comunidade de Jerusaleacutem No entanto ainda

permanecem em aberto vaacuterias questotildees Sem duacutevida ldquoum projeto tatildeo

importante reflete provavelmente as ambiccedilotildees de Jerusaleacutem apoacutes a missatildeo

de Neemias em 445 AEC a qual possivelmente procurou reabilitar a cidade

como centro econocircmico e administrativo da proviacutencia da Judeiardquo (NIHAN

ROumlMER 2009 p 182) Eacute uma revitalizaccedilatildeo apoacutes o periacuteodo traacutegico do exiacutelio

babilocircnio Nessa busca por redefinir e fundamentar a identidade de Israel

pode ter-se dado contemporaneamente a preocupaccedilatildeo em reivindicar uma

autonomia em relaccedilatildeo ao Impeacuterio Persa uma vez que ele natildeo domina mais

o Egito e seu poder e influecircncia se enfraquecem na regiatildeo no final do V

seacuteculo e iniacutecio do IV AEC

Voltemos agora ao ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)109 agrave luz desses debates e teorias que

foram se sucedendo ao longo das uacuteltimas deacutecadas Um nuacutemero cada vez maior de

autores redescobre atraacutes da redaccedilatildeo do Pentateuco a existecircncia de vaacuterias coleccedilotildees

inicialmente independentes A partir daiacute pode-se extrair as seguintes conclusotildees110

108 As principais teorias e estudos a esse respeito podem ser encontrados em duas obras principais WATTS James W (Ed) Persia and Torah The Theory of Imperial Authorization of the Pentateuch Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2001 (Symposium 17) KNOPPERS Gary N LEVINSON Bernard M (Ed) The Pentateuch as Torah New Models for Understanding Its Promulgation and Acceptance Winona Lake (IN) Eisenbrauns 2007 109 Creio ser uacutetil nesse ponto fazer uma distinccedilatildeo entre ldquociclo de Jacoacuterdquo e ldquohistoacuterias de Jacoacuterdquo pois ambas expressotildees satildeo empregadas no estudo literaacuterio Sigo aqui Germano Galvagno (2009 p 10 n 2) ldquoPor lsquociclo de Jacoacutersquo entendemos o arco narrativo que vai do nascimento de Jacoacute e Esauacute ateacute o retorno do patriarca na terra de Canaatilde Gn 2519 ndash 3529 (ao qual pode-se ainda conectar 371) [] Por lsquohistoacuterias de Jacoacutersquo ao inveacutes entendemos o amplo arco narrativo que se estende do nascimento agrave morte e sepultura do patriarca agrave morte de Joseacute (Gn 2519 ndash 5026) um arco narrativo que compreende aleacutem do supracitado ciclo tambeacutem a histoacuteria de Joseacute e as vicissitudes ligadas agrave transferecircncia de Jacoacute e do seu clatilde agrave terra do Egitordquo 110 Aqui nesse ponto sou devedor de MANYANYA 2009 p 43-44

112

a) o ciclo de Jacoacute eacute provavelmente uma dessas coleccedilotildees muito antigas cuja

primeira versatildeo pode remontar agrave eacutepoca preacute-exiacutelica

b) aleacutem do Dt o escrito ou documento sacerdotal foi o uacutenico a ter sobrevivido

ao colapso do modelo documentaacuterio claacutessico (Julius Wellhausen) por isso os autores

tendem em geral a distinguir na histoacuteria de Jacoacute os textos de origem sacerdotal e

textos de outros meios De fato ldquoos textos sacerdotais do ciclo de Jacoacute quando eles satildeo

unidos entre si podem constituir um texto coerente e independente dos textos natildeo

sacerdotaisrdquo (MANYANYA 2009 p 44)

c) Quanto agrave natureza do material natildeo sacerdotal do ciclo de Jacoacute (Gn 25ndash36)

aquilo que na teoria documental da formaccedilatildeo do Pentateuco era identificado com o

ldquoJeovistardquo (J + E) pode ser visto hoje como vaacuterias coleccedilotildees inicialmente independentes

entre si antes de virem a ser unidas por um redator e editor posteriores Assim o ciclo

de Jacoacute seria um dos testemunhos mais provaacuteveis de uma unidade literaacuteria autocircnoma

em suas origens

Com relaccedilatildeo agrave dataccedilatildeo do ciclo de Jacoacute ateacute o presente momento natildeo temos um

consenso mas apenas uma convergecircncia no sentido de que o relato autocircnomo antes

de ser unido agrave histoacuteria Patriarcal teria sido produzido no Reino do Norte isto eacute Israel

por autores preacute-sacerdotais antes da anexaccedilatildeo realizada pela Assiacuteria por volta de 722-

720 AEC111

Na terceira fase da pesquisa sobre a formaccedilatildeo do Pentateuco (anos 1970-1980)

na qual se daacute a contestaccedilatildeo da teoria documentaacuteria o ciclo de Jacoacute natildeo mereceu uma

atenccedilatildeo muito grande Destacam-se os estudos empreendidos por Eckart Otto112 o

111 Erhard Blum defende que teria sido por volta do reinado de Jeroboatildeo II (cerca de 783-743) antes de Oseacuteias um processo de composiccedilatildeo em duas etapas possivelmente sob a esfera de influecircncia do santuaacuterio de Betel (cf BLUM 2012 p 210) Vaacuterios estudiosos com algumas diferenccedilas natildeo fundamentais concordam com ele entre os quais CARR 1996 p 288-289 ROumlMER 2001 p 189-190 MACCHI 2001 p 148-152 Embora alguns enfatizaram que a anaacutelise criacutetica literaacuteria natildeo permite a reconstruccedilatildeo precisa da fase literaacuteria anterior que estava por traacutes da composiccedilatildeo do seacuteculo VIII AEC CARR 1996 p 256-271 298-300 ALBERTZ 2003 p 251-252 SCHMID 2010 p 97-117 112 Em seu artigo intitulado Jakob in Bethel Ein Beitrag zur Geschichte der Jakobuumlberlieferung Zeitschrift fuumlr die alttestamentliche Wissenschaft Berlin New York Walter de Gruyter v 88 p 165-190 1976 E em sua obra Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament [BWANT] 110)

113

qual foi o uacutenico a continuar vendo nesse ciclo de Jacoacute um fragmento isolado de um

passado distante Para outros como Bernd Joslashrg Diebner113 a finalidade do ciclo de

Jacoacute seria simplesmente convidar os judeus que ficaram no paiacutes durante o exiacutelio

babilocircnio a buscar suas esposas junto aos seus parentes da diaacutespora os uacutenicos

representantes do ldquoverdadeiro Israelrdquo Em sua tese doutoral Thomas Roumlmer114 desfere

um ataque violento agrave questatildeo da antiguidade da tradiccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Ele

demonstra que os ldquoPaisrdquo evocados frequentemente pelo Deuteronocircmio natildeo eram os

antigos patriarcas mas exclusivamente a geraccedilatildeo daqueles que haviam vivenciado a

saiacuteda do Egito a permanecircncia no deserto e a entrada na terra A conclusatildeo oacutebvia eacute que

as personagens de Gn 12ndash50 foram ldquoconvidadasrdquo ao Pentateuco no periacuteodo poacutes-exiacutelico

e que eram produto da eacutepoca persa de Israel Nessa linha tambeacutem vatildeo Martin Rose115

e John Van Seters116 os quais veratildeo o antigo Javista como um historiador poacutes-

deuteronomista do seacuteculo V AEC Uma postura um tanto diferente havia assumido

Rolf Rendtorff117 e em seguida seu aluno Erhard Blum118 Os quais natildeo negam a

possibilidade de antiguidade das tradiccedilotildees da histoacuteria das origens da histoacuteria

Patriarcal da histoacuteria de Moiseacutes do Sinai e outras mas insistem que o projeto

conceitual e literaacuterio que une essas histoacuterias eacute de dataccedilatildeo mais recente possivelmente

deuteronomista ou sacerdotal Blum chega a postular uma origem relativamente

antiga para o ciclo de Jacoacute119 Segundo ele todo o processo de criaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute

113 Essa tese eacute exposta em dois artigos em coautoria com H Schult Die Ehen der Erzvaumlter Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 8 p 2-10 1975 O segundo artigo eacute Alter und geschichtlicher Hintergund von Gn 24 Dielheimer Blaumltter zum Alten Testament Dielheim Selbstverlag v 10 p 10-17 1975 114 Israels Vaumlter Untersuchungen zur Vaumlterthematik im Deuteronomium und in der deuteronomistischen Tradition Freiburg Goumlttingen Universitaumltsverlag 1990 115 Deuteronomist und Jahwist Untersuchungen zu den Beruumlhrungspunkten beider Literaturwerke Zuumlrich Theologischer Verlag 1981 116 Prologue to History The Yahwist as Historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 117 Das uumlberlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch Berlin New York Walter de Gruyter 1976 118 Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) 119 Esse autor vecirc no ciclo de Jacoacute trecircs etapas redacionais Jakoberzaumlhlung (narrativa de Jacoacute) da eacutepoca da monarquia daviacutedico-salomocircnica incluindo Gn 2521-34 27 28 292-30 3025-43 3117-3244-53 mas sem o relato de PenielFanuel nem o segundo encontro de Jacoacute com Esauacute Sob o reinado de Jeroboatildeo I essa histoacuteria de Jacoacute teria sofrido uma reinterpretaccedilatildeo importante especialmente atingindo a narrativa da teofania de Betel (enfim com a promessa) e introduzindo um segundo encontro com Esauacute e o combate noturno em PenielFanuel Essa seria entatildeo a segunda etapa redacional denominada por Blum como Kompositionsschicht (camada de composiccedilatildeo) A terceira etapa seria aquela chamada de

114

se estenderia da era daviacutedica o reinado de Jeroboatildeo II e o final do reino do norte

Outro influente autor vai nessa linha trata-se de David M Carr (1996 p 256-271) o

qual tambeacutem vecirc uma existecircncia autocircnoma para o ciclo de Jacoacute antes dele ser unido agraves

demais tradiccedilotildees patriarcais Carr postula que esse ciclo de Jacoacute foi unido ao de Joseacute

antes de ser enriquecido de diferentes fragmentos de origem judaica para formar uma

obra literaacuteria que ele qualifica como ldquoproto-Gecircnesisrdquo120 e isso teria se dado apoacutes a

queda do Reino do Norte Esse material teria sido revisado por teoacutelogos pretensamente

proacuteximos do Deuteronomista antes do exiacutelio babilocircnio Ainda segundo Carr o proto-

Gecircnesis teria sido compilado com a fonte sacerdotal por volta do V seacuteculo AEC para

constituir uma obra integral proacutexima do Gecircnesis canocircnico atual

No entanto essa excessiva divisatildeo do ciclo em textos isolados minuacutesculos

pertencentes a diferentes eacutepocas histoacutericas natildeo deixa de ser problemaacutetica ldquoComo natildeo

ver que uma histoacuteria de fraude como Gn 27 seja inconcebiacutevel sem uma sequecircncia ou

histoacuterias de encontros como Gn 28 ou Gn 32 sejam incompreensiacuteveis sem um contexto

narrativordquo (PURY 2001 p 218)121

Na opiniatildeo desse mesmo autor (Albert de Pury) a histoacuteria de Jacoacute apresenta

uma loacutegica muito forte e incontornaacutevel a cada etapa do crescimento literaacuterio de seu

ciclo

Esta loacutegica pretende que um heroacutei excluiacutedo encontre acolhimento em um clatilde estrangeiro e consiga graccedilas aos seus talentos sua perseveranccedila e sua astuacutecia natildeo somente desposar as filhas do xeique e obter numerosos filhos mas ainda enriquecer-se e depois finalmente compelir o clatilde-matildee a reconhecer a famiacutelia novamente constituiacuteda como um clatilde autocircnomo Tudo aquilo que conteacutem o ciclo de Jacoacute os conflitos as tensotildees as resoluccedilotildees de tensotildees os encontros divinos a partida o ou os retornos tudo se explica por esta loacutegica onipresente Tudo isso natildeo tem necessidade de ser da mesma proveniecircncia ou

Jakobgeschichte (histoacuteria de Jacoacute) que teria integrado uma primeira versatildeo da histoacuteria de Joseacute realizando uma ligaccedilatildeo com a histoacuteria de Moiseacutes (cf PURY 2001 p 218 n 14) 120 Nas proacuteprias palavras de Carr a expressatildeo ldquoproto-Gecircnesisrdquo que ele emprega ldquodesigna o estaacutegio mais antigo no qual a histoacuteria primitiva e o material relativo a todas as trecircs figuras ancestrais foi unido em uma uacutenica narrativa De fato alguns indicadores neste material do proto-Gecircnesis sugeriria que poderiacuteamos estar lidando aqui com um lsquoproto-Pentateucorsquordquo (CARR 1996 p 177) 121 Cf tambeacutem PURY 2002 p 263-270 e The Jacob story and the beginning of the formation of the Pentateuch In DOZEMAN Thomas B SCHMID Konrad (Ed) Farewell to the Yahwist The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation Atlanta (GA) Society of Biblical Literature 2006 p 59-72 (Society of Biblical Literature Symposium Series 34)

115

da mesma eacutepoca mas tudo natildeo eacute concebido ou natildeo ocorre que a partir do destino de Jacoacute assim delineado (PURY 2001 p 219)

O ponto de partida desse autor eacute a suposiccedilatildeo de que a histoacuteria de Jacoacute deve ser

lida como uma saga de fundaccedilatildeo autocircnoma dos filhos de Jacoacute ou os filhos de Israel

Como uma lenda das origens da sociedade tribal israelita que reflete a famiacutelia clatilde e

tribos do Israel preacute-monaacuterquico Ela representa as relaccedilotildees de Israel com seus ldquoirmatildeosrdquo

vizinhos ou seja EsauacuteEdom e LabatildeoHaratilde bem como reivindicaccedilotildees territoriais de

Israel lugares de culto (Betel Siqueacutem e Peniel) e centros urbanos (Masfa Maanaim

Sucot) Esse autor ndash de Pury ndash sugeriu uma espeacutecie de estratigrafia textual para datar

a histoacuteria Ele examinou a profecia de Oseacuteias 12 (cf PURY 2001 p 227-235) e propocircs

que o profeta estava ciente da histoacuteria de Jacoacute em Gecircnesis 25ndash35 e portanto a histoacuteria

pelo menos em sua forma oral antecedeu a profecia que foi composta por escrito no

final do seacuteculo VIII AEC Ele ainda sugeriu que a histoacuteria de Jacoacute influenciou a

formaccedilatildeo da figura de Moiseacutes em Ecircxodo 2ndash4 e que o autor sacerdotal (PG)122 conhecia

a histoacuteria de Jacoacute e usou-a para formar a sua proacutepria composiccedilatildeo do iniacutecio da histoacuteria

de Israel Com base nessas evidecircncias de Pury datou a histoacuteria natildeo-sacerdotal de Jacoacute

em Gecircnesis 25ndash35 como sendo do seacuteculo VIII AEC ou um pouco mais recente antes da

anexaccedilatildeo pela Assiacuteria do Reino do Norte em 720 AEC Ele ainda lanccedilou a hipoacutetese que

a histoacuteria de Jacoacute representa a maior lenda de origem do norte israelita cujas raiacutezes

podem remontar tatildeo cedo quanto o periacuteodo preacute-monaacuterquico

De Pury identifica que o autor sacerdotal parece ter escrito por volta de 530 a

500 AEC no iniacutecio da dominaccedilatildeo persa e possivelmente no contexto da reconstruccedilatildeo

do Templo de Jerusaleacutem (520-515 AEC) De fato haacute uma certa convergecircncia em

identificar os textos sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute como sendo as seguintes

passagens123 Gn 257-1719-2026d 2634-35 2746 281-9 356a11-1315 () 3118a

359-1022d-29 36940-43 Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) natildeo seria de autoria

sacerdotal apesar de ldquodialogarrdquo com a mesma na composiccedilatildeo final da obra do

122 Esse ldquoGrdquo em sobrescrito agrave abreviaccedilatildeo para o documento sacerdotal (P) significa ldquoprimitivordquo (do alematildeo Grundschrift) essencialmente narrativo sem a incorporaccedilatildeo da parte legislativa legal 123 Cf PURY 2001 p 222-223 LOHFINK 1996 p 14 A sequecircncia dos textos eacute uma proposta de Albert de Pury

116

Pentateuco Segundo de Pury (2001 p 225) o autor sacerdotal conhece obviamente

as duas cenas do encontro divino com Jacoacute (Gn 2810-22 ndash com a promessa e Gn 3223-

33 ndash com o dom do nome de Israel)124 Ainda segundo esse autor o escrito sacerdotal

natildeo funde esses dois episoacutedios em um soacute como aparece atualmente em Gn 359-15 mas

deveria haver na redaccedilatildeo sacerdotal primitiva (PG) duas cenas Gn 356a11-15

(apariccedilatildeo divina com a promessa de descendecircncia que corresponde agrave antiga tradiccedilatildeo

de Gn 2810-22) e Gn 359-10 (apariccedilatildeo divina quando Jacoacute retorna de Padatilde-Aram com

a mudanccedila do nome de Jacoacute em Israel o que corresponderia a Gn 3223-33)

A suposiccedilatildeo de que a maior parte da histoacuteria de Jacoacute preacute-sacerdotal foi

composta no reino do norte Israel antes da conquista Assiacuteria pode ser considerada a

mais amplamente aceita na investigaccedilatildeo biacuteblica recente Alguns estudiosos localizam

essa redaccedilatildeo mais no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico como eacute o caso de Bert Dicou125 e

Harald Martin Wahl126 Mario Liverani127 abordou a histoacuteria do ciclo patriarcal em sua

forma final como uma uacutenica unidade e sugeriu que seus principais contornos situam-

se no periacuteodo poacutes-exiacutelico embora ele faccedila derivar a maior parte de suas informaccedilotildees

das tradiccedilotildees originaacuterias da terra de Israel (reino do norte) Entre os elementos poacutes-

exiacutelicos nessas histoacuterias Liverani destaca as relaccedilotildees dos patriarcas com os vizinhos

de Israel (em particular os edomitas arameus e aacuterabes) a terra que estaacute vazia de reinos

locais a proibiccedilatildeo do casamento com os cananeus locais e o casamento com primos

que viviam na Alta Mesopotacircmia que deve ser lida agrave luz da situaccedilatildeo poacutes-exiacutelica da

relaccedilatildeo entre os retornados e os remanescentes na terra

124 Mais que isso segundo este estudioso o ldquoautor sacerdotal por volta de 520 [AEC] conhece o ciclo de Jacoacute praticamente em sua configuraccedilatildeo atual Certamente isso natildeo significa que P conhecesse a histoacuteria de Jacoacute jaacute unida agravequela de Abraatildeo ou servindo jaacute de proacutelogo agrave histoacuteria de Moiseacutes [] mas natildeo haacute duacutevida que na sua arquitetura interna senatildeo em todos os seus detalhes a histoacuteria de Jacoacute tinha jaacute a forma que noacutes conhecemos em Gn 25 ndash35rdquo (PURY 2001 p 225-226) 125 Edom Israelrsquos Brother and Antagonist The Role of Edom in Biblical Prophecy and Story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 126 Die Jakobserzaumlhlungen Studien zu ihrer muumlndlichen Uumlberlieferung Vorschriftung und Historizitaumlt Berlin New York Walter de Gruyter 1997 127 Israelrsquos History and the History of Israel London Oakville Equinox Publishing 2005

117

Em estudos mais recentes contudo tecircm surgido alguns problemas em relaccedilatildeo

a essas propostas de contextualizaccedilatildeo do ciclo de Jacoacute Basicamente podemos destacar

dois em especial128

a) Falta uma explicaccedilatildeo razoaacutevel a respeito da aacutecida inimizade que vaacuterios

autores identificam entre JacoacuteIsrael e EsauacuteEdom e para o temor de Israel

em relaccedilatildeo ao poder de EsauacuteEdom Isso se assumirmos que a histoacuteria de

Jacoacute tenha sido escrita no Reino de Israel (do Norte)129 Eacute de se observar que

durante o periacuteodo monaacuterquico o Reino de Israel era muito mais forte que

aquele de Edom e este em nenhum momento poderia ter sido uma ameaccedila

a Israel Mesmo porque os dois reinos localizavam-se em regiotildees

geograacuteficas remotas o que dificultaria relaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e

culturais tais como aquelas refletidas na histoacuteria de Jacoacute Portanto datar os

episoacutedios de Esauacute e Jacoacute na eacutepoca da monarquia israelita do norte contrasta

com a realidade dos seacuteculos X ao VIII AEC

b) Tendo em conta a origem local dos habitantes de Israel e de Judaacute e as

contiacutenuas relaccedilotildees hostis com os arameus em mente ldquonenhuma explicaccedilatildeo

foi oferecida para os supostos viacutenculos familiares de proximidade entre a

famiacutelia Patriarcal e um grupo de arameus que viviam na Alta Mesopotacircmiardquo

(NArsquoAMAN 2014 p 98) ou para a busca de noivas arameias para Isaac e

Jacob nesta regiatildeo Historiadores e arqueoacutelogos concordam nos dias atuais

que os grupos populacionais da Era do Ferro I-IIA (dos seacuteculos XII ao IX

128 Aqui fundamento-me em NArsquoAMAN 2014 p 98 129 Vaacuterios estudiosos jaacute sugeriram que a identificaccedilatildeo de Esauacute e monte Seir com Edom eacute secundaacuteria e que originalmente Esauacute era uma figura independente natildeo relacionada a Edom Entre os que assim pensam temos MAAG V Jacob-Esau-Edom In Theologische Zeitschrift Basel Theologischen Fakultaumlt der Universitaumlt Basel v 13 p 418-429 1957 BARTLETT JR The land of Seir and the brotherhood of Edom In Journal of Theological Studies Oxford (UK) Oxford University Press v XX n 1 p 1-20 Apr 1969 BARTLETT JR Edom and the Edomites Sheffield Sheffield Academic Press 1989 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 77) p 175-180 RAD Gerhard von El libro del Genesis Trad Santiago Romero Salamanca Siacutegueme 1977 (Biblioteca de Estudios Biblicos 18) NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 94-98 192-193 OTTO Eckart Jakob in Sichem Uumlberlieferungsgeschichtliche archaumlologische und territorialgeschichtliche Studien zur Entstehungsgeschichte Israels Stuttgart Berlin Koumlln Mainz Kohlhammer 1979 (Beitraumlge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 110) p 24-40 DICOU Bert Edom Israels Brother and Antagonist The role of Edom in biblical prophecy and story Sheffield Sheffield Academic Press 1994 (Journal for the study of the Old Testament mdash Supplement series [JSOTS 169) p 137-154 SKA 2001 p 11-21

118

AEC aproximadamente) que se estabeleceram nas terras altas de Canaatilde e

mais tarde fundaram os reinos de Israel e Judaacute viviam anteriormente seja

na Terra de Canaatilde como proacuteximos agraves suas fronteiras Outra informaccedilatildeo

importante eacute que o arameus eram inimigos de Israel ao longo da histoacuteria do

Reino do Norte como aparece indicado nos relatos do livro de Reis na

inscriccedilatildeo de Tel Dan e na profecia de Amoacutes

Aleacutem desses dois aspectos histoacuterico-culturais deve-se levar em consideraccedilatildeo

que outros detalhes na histoacuteria de Jacoacute preacute-Sacerdotal refletem uma dataccedilatildeo exiacutelica ou

poacutes-exiacutelica Portanto natildeo se encaixam na suposiccedilatildeo largamente aceita de uma obra

israelita do norte composta antes da conquista assiacuteria de 720 AEC Nessa tentativa de

dataccedilatildeo (seacutec VIII AEC) os estudiosos sugeriram que todos esses elementos elencados

anteriormente natildeo eram originais agrave histoacuteria de Jacoacute Alguns desses dados considerados

secundaacuterios no entanto satildeo muito reveladores Vejamos130

a) A histoacuteria preacute-Sacerdotal de Jacoacute comeccedila e termina em regiotildees sem nenhuma

relaccedilatildeo com o Reino do Norte No princiacutepio da histoacuteria a famiacutelia de Jacoacute

reside em Bersabeia (heb Buumlacuteeumlr šaumlordmba`) bem distante da fronteira sul do Reino

do Norte (Gn 262333) O ciclo de Jacoacute termina com o sepultamento de

Raquel proacuteximo a EacutefrataBeleacutem (Gn 3519) novamente em territoacuterio de

Judaacute Para superar essas dificuldades Bersabeia foi omitida do ciclo original

de Jacoacute Beleacutem em Gn 3519 foi considerada uma glosa e o tuacutemulo de Raquel

foi identificado na fronteira norte de Benjamin proacuteximo agrave fronteira

meridional do Reino de Israel131

b) Uma vez que o conceito de Doze tribos (Gn 2931ndash3024 3516-18) eacute estranho

agrave realidade do Reino do Norte os defensores de uma redaccedilatildeo preacute-

dominaccedilatildeo assiacuteria para o ciclo de Jacoacute considerou essa unidade como sendo

de origem independente que foi secundariamente unida a esse contexto132

130 Aqui novamente sou devedor da siacutentese de NArsquoAMAN 2014 p 99 131 Apoiam essa teoria BLUM Erhard Die Komposition der Vaumltergeschichte Neukirchen-Vluyn Neukirchener Verlag 1984 (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament [WMANT] 57) p 207-208 CARR 1996 p 260-261 132 Defendem essa proposta NOTH Martin A history of the Pentateuchal traditions Trad Bernhard W Anderson Chico (CA) Scholars Press 1981 p 99-100 BLUM Erhard Op cit p 110-111 169-171 VAN SETERS John Prologue to History The Yahwist as historian in Genesis Louisville (KY) Westminster John Knox Press 1992 p 278 CARR 1996 p 263

119

c) A localidade de Haratilde (em acaacutedio iumlarrānu) tornar-se-aacute proeminente apoacutes os

uacuteltimos anos do impeacuterio assiacuterio em particular sob o impeacuterio neobabilocircnico

Portanto do final do seacuteculo VIII ao VI AEC No entanto ela aparece em

destaque no ciclo de Jacoacute Haratilde eacute mencionada trecircs vezes para indicar a

localizaccedilatildeo da famiacutelia de Labatildeo (Gn 2743 2810 294) A localizaccedilatildeo da

famiacutelia atraveacutes do ldquoriordquo (ou seja o Eufrates) eacute explicitamente observada em

Gn 3121 A fim de superar tais incongruecircncias estudiosos sugeriram que

essas localidades ndash Haratilde e o Eufrates ndash satildeo fruto de inserccedilotildees tardias obra

de um compilador133

d) Outro elemento estranho ao periacuteodo da monarquia de Israel (Reino do

Norte) eacute a forma de ldquopromessasrdquo Uma tese aceita pela maior parte dos

especialistas admite que as promessas aos ancestrais de Israel surgiram

primeiramente em uma eacutepoca em que a existecircncia de Israel estava muito

ameaccedilada provavelmente no periacuteodo exiacutelico134 Ademais as promessas

feitas a Jacoacute estatildeo estreitamente ligadas agravequelas realizadas a Abraatildeo e

algumas promessas feitas a Abraatildeo foram cumpridas durante o ciclo de Jacoacute

Novamente alguns estudiosos procuram minimizar esse dado afirmando

que as promessas satildeo elementos secundaacuterios no ciclo original de Jacoacute135

e) Finalmente haacute o caso das ldquodivindadesrdquo ou ldquopoderes celestiaisrdquo136 de

Abraatildeo Nacor e Isaac mencionados no episoacutedio do encontro de Jacoacute e Labatildeo

proacuteximo a Masfa (Gn 314253) o que parece indicar que o autor estava

familiarizado com suas histoacuterias Em consequecircncia tambeacutem essas passagens

satildeo consideradas secundaacuterias em relaccedilatildeo ao ciclo original de Jacoacute

133 Tese de BLUM Erhard Op cit p 164-167 134 Quem primeiramente fez essa constataccedilatildeo foi Jacob Hotijzer em sua obra Die Verheissungen an die drei Erzvaumlter publicada em 1956 pela Brill de Leiden na Holanda 135 Eacute o caso de EMERTON John Adney The origin of the promises to the Patriarchs in the older sources of the book of Genesis In Vetus Testamentum Leiden Brill v 32 fasc 1 p 14-32 Jan 1982 BLUM Erhard Op cit p 152-164 297-301 VAN SETERS John Op cit p 298-300 ALBERTZ Rainer Israel in exile The history and literature of the sixth century BCE Trad David Green Atlanta (GE) Society of Biblical Literature 2003 (Studies in Biblical Literature) p 246-251 SCHMID 2010 p 97-101 136 A Biacuteblia de Jerusaleacutem traduz essa divindade como o ldquoParenterdquo de Isaac pode ser traduzido tambeacutem por ldquoo TemorTerror de Isaacrdquo

120

Apoacutes fornecer um amplo quadro de informaccedilotildees arqueoloacutegicas histoacutericas e

literaacuterias Nadav Narsquoaman (cf 2014 p 100-116) chega agraves seguintes conclusotildees a

respeito da dataccedilatildeo da composiccedilatildeo preacute-Sacerdotal das histoacuterias de Jacoacute

(1) A influecircncia das obras literaacuterias babilocircnicas na formaccedilatildeo dos dois episoacutedios centrais da histoacuteria de Jacoacute137 aponta para um periacuteodo no qual o Impeacuterio Babilocircnico governava a terra de Israel

(2) Versotildees mais recentes de vaacuterias obras literaacuterias do norte-israelitas e judaicas estavam disponiacuteveis ao autor

(3) Natildeo existiam reinos na vasta aacuterea entre Bersabeia e Masfa e todos os territoacuterios dos antigos reinos de Israel e Judaacute satildeo apresentados como uma entidade poliacutetica Esta realidade reflete o tempo apoacutes a anexaccedilatildeo babilocircnica de todos os reinos na regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo VI AEC

(4) Haratilde o principal centro urbano da Alta Mesopotacircmia no final dos seacuteculos VIII-VI eacute apresentada como um local-chave no ciclo histoacuterico patriarcal

(5) Referecircncias expliacutecitas a Jerusaleacutem estatildeo faltando na descriccedilatildeo o que indica que a cidade foi colocada em ruiacutenas no momento da composiccedilatildeo ndash ou seja depois de 586 AEC

(6) A grave ameaccedila dos edomitas (Esauacute) sobre Israel (Jacoacute) indica que a histoacuteria de Jacoacute foi escrita depois da queda do Reino de Judaacute numa eacutepoca em que os edomitas comeccedilaram a se expandir para o norte e ameaccedilaram os habitantes do Negueb da Sefelaacute as terras altas de Hebron

(7) As promessas de prole e de terra e as becircnccedilatildeos refletem o periacuteodo exiacutelico quando a mera existecircncia dos que permaneceram na terra estava em perigo

(8) As esperanccedilas de retorno dos deportados assiacuterios e babilocircnios refletem o periacuteodo exiacutelico apoacutes as deportaccedilotildees de judeus para a Babilocircnia em 598 e 5876

Esta evidecircncia esclarece que a histoacuteria Patriarcal preacute-sacerdotal foi escrita pouco depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e da anexaccedilatildeo babilocircnica de Judaacute e dos reinos da Transjordacircnia Uma data em meados do seacuteculo VI um pouco antes da ascensatildeo do impeacuterio persa se encaixa bem todas as evidecircncias disponiacuteveis (NArsquoAMAN 2014 p 116-117)

Enfim a autoria dessas histoacuterias patriarcais poderia ser identificada como tendo

as seguintes caracteriacutesticas138

a) Local de redaccedilatildeo na regiatildeo de Betel que desde o tempo de Josias foi incluiacuteda

no Reino de Judaacute fazendo fronteira com a proviacutencia assiacuteria e babilocircnica de

Samaria Isso eacute perceptiacutevel pelo fato dos relatos patriarcais manifestarem

uma familiaridade com os lugares do sul de Judaacute e regiotildees vizinhas ao sul e

com as tradiccedilotildees orais de Judaacute De outro lado percebe-se tambeacutem uma

137 Segundo o autor seriam as periacutecopes de Gn 2810-22 (o sonho em Betel) e Gn 3223-33 (a luta com o ser divino e a mudanccedila de nome) 138 Cf NArsquoAMAN 2014 p 117-119

121

familiaridade com os centros urbanos norte-israelitas e suas memoacuterias

culturais Por isso a sua obra conteacutem elementos das histoacuterias orais de ambas

as regiotildees (Judaacute e Israel) bem como de obras literaacuterias a elas pertencentes

Por isso ldquodescreveu em detalhes as lendas de fundaccedilatildeo dos dois principais

templos de Judaacute (Jerusaleacutem) e Israel (Betel) enfatizando a santidade de sua

proacutepria cidaderdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

b) Finalidade dessa produccedilatildeo literaacuteria a histoacuteria Patriarcal portanto veio ao

encontro da necessidade de criar-se uma cultura comum entre as vaacuterias

tribos e povos que se encontravam naquela regiatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-

exiacutelico A base dessa cultura era ldquoo conceito da unidade autoacutectone do povo

de Israelrdquo o qual ldquotornou-se o conceito ideoloacutegico central para a elite e os

escribas das duas comunidades [Israel e Judaacute]rdquo (NArsquoAMAN 2014 p 118)

Essa criaccedilatildeo literaacuteria foi um passo decisivo nos esforccedilos para constituir uma

histoacuteria e uma identidade comuns para as duas comunidades que

permaneceram na terra Esse ciclo histoacuterico Patriarcal apresenta uma

inovaccedilatildeo ao conceber seja os trecircs ancestrais (Abratildeo Isaac e Jacoacute) do povo

como as Doze Tribos como uma corporificaccedilatildeo da origem segregada de

Israel

c) Formaccedilatildeo dessa literatura essa histoacuteria Patriarcal nela incluiacutedo o ciclo de

Jacoacute eacute uma narrativa baseada em tradiccedilotildees orais cujo ldquoescopo e detalhe natildeo

podem ser estabelecidos o que o autor aumentou consultando algumas

fontes escritas e adicionando vaacuterios elementos literaacuterios e ideoloacutegicos de sua

proacutepria imaginaccedilatildeo criativardquo (NArsquoAMAN 2014 p 119) Algumas dessas

tradiccedilotildees incluiacutedas nos relatos patriarcais eram provavelmente memoacuterias

culturais genuiacutenas de Israel e Judaacute mas traccedilar uma clara linha divisoacuteria entre

as tradiccedilotildees orais suas elaboraccedilotildees literaacuterias e as tradiccedilotildees inventadas do

narrador eacute impossiacutevel

d) Sitz im Leben da histoacuteria Patriarcal o ciclo de Jacoacute-Esauacute reflete a anguacutestia de

Judaacute como resultado da expansatildeo de Edom no sul por um lado e a

esperanccedila de reconciliaccedilatildeo e retorno ao status quo anterior por outro O fato

de Bersabeia aparecer como local-sede dos Patriarcas que anteriormente

122

marcava o limite sul de Judaacute com Edom e provavelmente foi destruiacuteda no

momento em que o ciclo de histoacuteria foi composto reflete a esperanccedila de

retorno agraves fronteiras existentes no glorioso periacuteodo monaacuterquico dos dois

reinos

e) Gecircnero literaacuterio seguindo uma proposta de ROumlMER (cf 2012 p 69-71) as

duas primeiras partes da BH (Toraacute e Nebiim) podem ser interpretadas como

ldquoliteratura de criserdquo como respostas diferentes agrave perda da independecircncia

poliacutetica e da monarquia apoacutes 587 AEC (queda de Jerusaleacutem capital do Reino

de Judaacute) Contudo a resposta que a histoacuteria Patriarcal fornece eacute diferente

daquela redigida pelos escribas da diaacutespora babilocircnica que enfatizam mais

a terra de Israel como ldquoTerra Vaziardquo e representam a comunidade dos

deportados constituiacuteda em sua maioria por pessoas da corte e integrantes

das camadas mais abastadas (cf ROumlMER 2012 p 71) como sendo o

ldquoverdadeirordquo Israel A perspectiva do nosso autor eacute diversa indo mais na

linha daquilo que encontramos no profeta Ezequiel (3324) ldquoos habitantes

daquelas ruiacutenas na terra de Israelrdquo A crise eacute vista por esse gecircnero de

literatura em uma triacuteplice perspectiva como ocasiatildeo para preparar algo de

novo em uma visatildeo mais utoacutepica oportunidade para retornar agraves origens

aos fundamentos da accedilatildeo divina e por uacuteltimo como momento para se

analisar o que aconteceu buscando compreender melhor as razotildees os

motivos dos problemas vividos139

f) Destinataacuterios a obra destinava-se a um puacuteblico composto pela elite e pela

comunidade mais ampla do ldquoNovo Israelrdquo ou seja os habitantes dos antigos

reinos de Israel e Judaacute O ciclo histoacuterico dos Patriarcas aiacute incluiacutedo aquele de

139 Cf ROumlMER 2012 p 70 Esse autor se inspira na teoria socioloacutegica de Armin Steil (Krisensemantik Wissenssoziologische Untersuchungen zu einem Topos moderner Zeiterfahrung Oplanden Leske amp Buderich 1993) que analisando as mudanccedilas socioeconocircmicas e ideoloacutegicas que conduziram agrave Revoluccedilatildeo Francesa constatou que a semacircntica da crise comportava a elaboraccedilatildeo de diferentes modelos ideoloacutegicos como reaccedilatildeo ao colapso do Antigo Regime Steil identifica trecircs atitudes caracterizadas por nomes da tradiccedilatildeo religiosa o profeta (escatoloacutegico-utoacutepico) que enxerga na crise a oportunidade para mudanccedilas para o ldquonovordquo o sacerdote (miacutetico-ciacuteclico) que vecirc na crise a ocasiatildeo para retornar agraves origens agraves instituiccedilotildees fundadas pela accedilatildeo divina e o mandarim (remoto explicativo) que visualiza na crise a necessidade de uma anaacutelise explicativa para a sua ocorrecircncia Segundo Roumlmer esse modelo pode ser aplicado na anaacutelise da literatura biacuteblica especialmente da Toraacute e Nebiim (profetas)

123

Jacoacute representou um importante passo para criar um sentido de unidade

entre os devotos de YHWH que permaneceram na terra

Obviamente esta teoria defendida por NArsquoMAN natildeo eacute aceita por todos os

pesquisadores bem como natildeo estaacute livre de questionamentos Uma vez que os textos

que compotildeem o ciclo de Jacoacute como eacute o nosso caso apresentarem provaacuteveis

diversidades de origem e finalidade Como jaacute vimos haacute uma justaposiccedilatildeo de materiais

sacerdotais e natildeo-sacerdotais no interior do ciclo de Jacoacute Sem falar que muitos autores

natildeo conseguem ver no territoacuterio de Israel durante o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

grupos que pudessem produzir um material como este que estamos analisando

Contudo natildeo podemos esquecer que grupos profeacuteticos seguiram presentes na suposta

ldquoTerra Vaziardquo do Israel do periacuteodo exiacutelico Eacute o caso de Ezequiel como jaacute foi

mencionado

Portanto tendemos a aceitar como muito provaacutevel a proposta de NArsquoAMAN

devido ao seu forte embasamento histoacuterico arqueoloacutegico e literaacuterio sendo capaz de

explicar muitas divergecircncias e dificuldades que o texto apresenta sem ter de recorrer

frequentemente a justificativas do tipo satildeo textos acrescentados tardios satildeo glosas

introduzidas por copistas satildeo textos secundaacuterios ao conjunto da histoacuteria do texto e

assim por diante

Nesse sentido o estudo de SWEENEY (2016 p 236-255) confronta aquele que

jaacute apresentamos de NArsquoMAN (2014) Uma vez que para NArsquoAMAN a redaccedilatildeo do ciclo

de Jacoacute se daacute durante e logo apoacutes o periacuteodo do exiacutelio babilocircnico voltado para os que

ficaram na terra de Israel e que necessitam ter forccedilas e esperanccedilas para poder voltar a

ser uma naccedilatildeo As frequentes e importantes referecircncias a localidades no antigo Reino

do Norte (Israel) que para SWEENEY seria uma indicaccedilatildeo de que a narrativa do ciclo

de Jacoacute eacute realizada a partir dessa perspectiva para NArsquoAMAN eacute somente uma forma

do autor unir tradiccedilotildees do norte e do sul para dar um caraacuteter unificado agraves origens do

povo para que esse somasse forccedilas na reconstruccedilatildeo no periacuteodo exiacutelico e poacutes-exiacutelico

Portanto o debate permanece em aberto uma vez que os mesmos textos e os mesmos

fatos histoacutericos podem motivar interpretaccedilotildees e dataccedilotildees bem diferentes para o

periacuteodo de redaccedilatildeo final do ciclo de Jacoacute

124

Para nosso escopo o mais importante no momento eacute compreendermos a

estruturaccedilatildeo do texto e analisarmos aquilo que ela potildee em evidecircncia

5 Delimitaccedilatildeo e estrutura

O nosso texto (Gn 3223-33) eacute cuidadosamente inserido no contexto do retorno

de Jacoacute para a terra de Israel e o seu reencontro com Esauacute seu irmatildeo Haacute uma

sequecircncia geograacutefica em princiacutepio muito loacutegica a amparar a narrativa140

a) Jacoacute separa-se de Labatildeo seu tio em Galaad (Gn 31)

b) depois Jacoacute passa por Maanaim (Gn 321-3)

c) atravessa o rio Jaboc141 proacuteximo de Fanuel (3223-33)

d) desce no sentido do rio alcanccedilando Sucot (Gn 3317) e

e) chega finalmente a Siqueacutem na regiatildeo montanhosa central da Palestina (Gn

3317-20)

O autor inclui durante esse itineraacuterio as diversas etapas do reencontro de Jacoacute

com Esauacute o irmatildeo que ele enganara para obter a becircnccedilatildeo da primogenitura

a) Jacoacute envia mensageiros ao encontro de seu irmatildeo os quis retornam com

notiacutecias nada boas (Gn 323-6)

b) na busca de evitar o pior Jacoacute divide suas posses em vaacuterios rebanhos e envia

a Esauacute generosos presentes (Gn 27-813-22)

c) quando verifica o avanccedilo de seu irmatildeo com os homens dele divide suas

mulheres e seu filhos para poupaacute-los de algo ruim (Gn 3223-25)

d) em seguida vai ao encontro de Esauacute passando adiante de todos (Gn 331-3)

e) Agora finalmente acontece a reconciliaccedilatildeo (Gn 334-16)

A uniatildeo dos elementos geograacuteficos com a narrativa acaba formando uma

estrutura quiaacutestica interessante onde a cena de abertura e de encerramento trazem

algo de manifestaccedilatildeo transcendente bem como a cena central

Vejamos142

140 Acompanho aqui DIETRICH 2001 p 202-203 141 Eacute consenso que este rio seja o atual Nahr ez-Zerkauml (Rio Azul) em aacuterabe cujo curso intermediaacuterio separa

Gebel `Aglun de el-Belkauml e que flui para o Jordatildeo cerca de 32 km ao norte do Mar Morto (cf SKINNER

1994 p 408) 142 Vaacuterios estudiosos apoiam a grosso modo esse esquema quiaacutestico entre eles WENHAM 1994 p 287 e DIETRICH 2001 p 203

125

A 321-3 Os anjos de Deus em Maanaim

B 323-813-22 Preparaccedilatildeo para encontrar Esauacute143

C 3223-33 Luta com ldquoum homemrdquo (anjo) em Fanuel

Brsquo 331-16 Reconciliaccedilatildeo com Esauacute

Arsquo 331718-20 Culto a El (Deus) em Siqueacutem

Os elementos transcendentais na abertura (Gn 322) em Maanaim satildeo os ldquoanjos

de Deusrdquo (malacuteaacutekecirc acuteeacuteloumlhicircm) e no encerramento (Gn 3320) em Siqueacutem eacute o fato de Jacoacute

erguer um altar que chamou ldquoEl Deus de Israelrdquo (acuteeumll acuteeacuteloumlhecirc yiSraumlacuteeumll) Recordando que

natildeo deve ser mero acaso que o nome ldquoIsraelrdquo reapareccedila pela primeira vez aqui apoacutes a

periacutecope do Jaboc (Gn 322933)

Eacute de se observar tambeacutem que toda essa composiccedilatildeo acima identificada em

forma quiaacutestica foi cuidadosamente rejuntada Citemos somente um exemplo

impressionante em Gn 3231 Jacoacute explica o nome Fanuel dizendo que ldquoviu a face de

Deusrdquo Antes na preparaccedilatildeo para encontrar o irmatildeo (Gn 3221) Jacoacute tinha expressado

a esperanccedila de ldquover a facerdquo (acuteeracuteegrave paumlnaumlyw) de Esauacute e de que este ldquolevantaraacute sua facerdquo

(yiSSaumlacute paumlnaumly) como um gesto de aceitaccedilatildeo e acolhimento Essa mesma expressatildeo

reaparece em Gn 3310 quando Jacoacute diz que ldquoviu a face [de Esauacute] como se visse a face

de Deusrdquo (raumlacuteicircordmticirc paumlnEcircordmkauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm)

Portanto a nossa periacutecope (Gn 3223-33) encontra-se no centro da subunidade

do ciclo de Jacoacute que trata do retorno deste agrave terra onde nascera e fora educado bem

como o reencontro com seu irmatildeo rival

Outro aspecto a se observar e que natildeo deve se constituir em um acaso narrativo

satildeo as duas cenas que formam como que ldquodobradiccedilasrdquo para articular dois momentos

decisivos na vida de Jacoacute a personagem central Antes de Jacoacute encontrar-se com a

famiacutelia de sua matildee na pessoa de seu tio Labatildeo ele tem a experiecircncia de uma

manifestaccedilatildeo divina em formato de sonho quando estaacute em Betel (Gn 2810-22) A

segunda cena eacute justamente a nossa periacutecope (Gn 3223-33) que se passa em Fanuel agraves

143 A oraccedilatildeo de Jacoacute em Gn 329-12 trecho que extraiacutemos do esquema acima eacute claramente uma inserccedilatildeo posterior tendo relaccedilatildeo com Gn 313 que eacute tambeacutem um acreacutescimo tardio (cf DIETRICH 2001 p 203 n 23)

126

margens do Jaboc a qual antecede o importante e tenso reencontro de Jacoacute com seu

irmatildeo Esauacute E as semelhanccedilas natildeo param aqui Vejamos

a) Ambas as cenas parecem originar-se de lendas locais ou de santuaacuterio natildeo

tendo portanto uma ligaccedilatildeo nem com o material da tradiccedilatildeo de Jacoacute-Labatildeo

nem com aquele de Jacoacute-Esauacute

b) Ambas descrevem um encontro com Deus ou divindade

c) Nos dois casos esse encontro ocorre em noite cerrada de modo a

permanecer um veacuteu sobre o acontecimento

d) Em ambos os casos Jacoacute fica profundamente comovido pelo encontro

e) Nas duas cenas fica claro que Deus quer o bem de Jacoacute e isso em ocasiotildees

tensas e decisivas da vida da personagem em Betel quando eacute um foragido

solitaacuterio e sem meios em Fanuel quando ele estaacute a ponto de pisar o chatildeo de

sua terra natal novamente como homem rico e pai de famiacutelia mas em

profunda anguacutestia em relaccedilatildeo agrave reaccedilatildeo de seu irmatildeo

f) Ambas as vezes pesa sobre Jacoacute a sombra de Esauacute seu irmatildeo Contudo na

primeira vez (Betel) Deus concede-lhe consolo e encorajamento na segunda

vez (Fanuel) ele o lanccedila em perigo e tentaccedilatildeo Percebe-se uma mudanccedila

ldquoEnquanto parecia na primeira vez perdoar sua fuga para longe do irmatildeo

levando a becircnccedilatildeo fraudada na segunda vez ele o obriga a uma luta honesta

pela becircnccedilatildeo e a uma volta humilde para junto do irmatildeordquo (DIETRICH 2001

p 205)

A delimitaccedilatildeo de Gn 3223-33 em relaccedilatildeo ao seu contexto narrativo mais amplo

pode levar em conta inicialmente a sintonia das indicaccedilotildees temporais espaciais e

verbal entre os versiacuteculos 23 e 32144 ldquonaquela noiterdquo ldquoe nasceu-lhe o solrdquo ldquovau do

144 Eacute amplamente aceito entre os especialistas desde Hermann Gunkel (GUNKEL 1997 p 351) que o versiacuteculo 33 eacute um acreacutescimo para justificar um haacutebito alimentar dos judeus Uma indicaccedilatildeo disso seria

a expressatildeo buumlnecirc-yiSraumlacuteeumll ldquoos filhos de Israelrdquo a existecircncia do povo de Israel eacute pressuposta Sem falar

que a proibiccedilatildeo de comer Gicircd hannaumlšegrave (ldquoo nervo do quadrilrdquo = nervus ischiadicus) eacute uma combinaccedilatildeo que

ocorre somente aqui em toda a BH WESTERMANN (1985 p 520) tenta compreender esse versiacuteculo ldquoA razatildeo dada para a proibiccedilatildeo que natildeo ocorre em outras partes do Antigo Testamento eacute difiacutecil a proibiccedilatildeo diz respeito a uma parte do corpo de um animal enquanto que o fato que lhe deu origem dizia respeito a uma pessoa A explicaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que esta parte do corpo estava sujeita a tabu porque era considerada como pertencente agrave aacuterea reprodutivardquo Uma explicaccedilatildeo do motivo dessa proibiccedilatildeo estar colocada em nossa periacutecope seria ldquodevido a uma forma particular de abordagem midraacuteshica que floresceu no periacuteodo rabiacutenico pela qual regulamentos extrapentateucais satildeo

127

Jabocrdquo ldquoFanuelrdquo O verbo predominante ldquopassarrdquo (`aumlbar + et) Portanto os versiacuteculos

23 e 32 devem ser considerados afirmaccedilotildees correspondentes que simultaneamente

amarram a abertura da periacutecope (cf o uso caracteriacutestico de wayyaumlordmqom - v 23) e o fim

que conteacutem uma oraccedilatildeo nominal com particiacutepio no v 32b

A sequecircncia com a periacutecope anterior eacute estabelecida pelo indicador temporal

ldquonaquela noiterdquo (v 22 e 23) Ballaordmylacirc hucircacute Haacute uma ausecircncia de artigo no v 23 mas isso

natildeo afeta o resultado Outro elemento comum eacute o verbo rb[ (passar atravessar) que se

encontra em ambos versiacuteculos Haacute tambeacutem uma correspondecircncia formal e funcional

entre as afirmaccedilotildees dos vv 22 e 32 (cf WEIMAR 1989a p 55 n 9) O mesmo natildeo

encontramos que conecte o final de nossa periacutecope com a seguinte (Gn 331-17) Uma

vez que a afirmaccedilatildeo do v 331a ldquoe Jacoacute levantou seus olhos e viurdquo (wayyiSSaumlacute ya`aacuteqoumlb

`ecircnaumlyw wayyaracute) remete formalmente e tematicamente ao versiacuteculo 22

Desse modo pode-se identificar em Gn 3223-32[33] uma unidade cecircnica mas

natildeo uma unidade independente de todo o contexto do ciclo de Jacoacute Ela se constitui

em uma sequecircncia narrativa fechada mas natildeo pode ser uma tradiccedilatildeo individual

independente do restante como alguns estudiosos pensaram (cf WEIMAR 1989a p

56) Eacute evidente a posiccedilatildeo singular que o episoacutedio da luta de Jacoacute possui no interior das

narrativas do encontro dele com seu irmatildeo Mas essa particularidade eacute intencional no

sentido de que natildeo se trata de uma periacutecope independente que foi posta de modo um

tanto externo ao contexto maior mas uma periacutecope com a intenccedilatildeo de agudizar

teologicamente o encontro dos dois irmatildeos Isso se tornaraacute mais claro nas anaacutelises

presentes no proacuteximo capiacutetulo

A unidade interna da periacutecope foi colocada em questatildeo por diversos fatores

entre eles contradiccedilotildees e duplicaccedilotildees

a) no v 23b Jacoacute passa sozinho pelo vau do Jaboc enquanto que nos vv 2425a

sua famiacutelia e seus bens satildeo atravessados por ele que fica para traacutes sozinho

b) Outro aspecto se percebe nos vv 26-27 que oferecem uma descriccedilatildeo

excitante da luta o tempo eacute curto principalmente para o adversaacuterio de Jacoacute

e a uacutenica coisa possiacutevel eacute forccedilaacute-lo a dar uma becircnccedilatildeo nos vv 28-30a no

midrashicamente derivados de uma passagem biacuteblica e como tendo sido em algum periacuteodo anexado ao texto biacuteblico

128

entanto o tempo eacute suficiente para um diaacutelogo bastante longo sobre um tema

supostamente abstrato como se chamam os dois que estatildeo lutando como

Jacoacute deve se chamar futuramente e como entender essa atribuiccedilatildeo do novo

nome

c) Haacute uma dupla solicitaccedilatildeo pelo nome uma da parte do ldquohomemrdquo que luta

com Jacoacute (v 28) outra da parte de Jacoacute que deseja saber o nome de seu

oponente (v 30)

d) A aurora eacute mencionada por trecircs vezes vv 25 27 e 32

e) No v 31 Jacoacute que ainda natildeo eacute chamado pelo novo nome daacute a entender que

ele acaba de passar por uma ameaccedila agrave sua vida mas no v 29 seu adversaacuterio

jaacute lhe havia asseverado que ele prevaleceria contra ele

Por isso muitos autores propotildeem vaacuterios estratos redacionais para justificar

essas e outras incongruecircncias da narrativa145 No entanto para o nosso escopo eacute

melhor tomarmos o texto como nos aparece em seu estado final na BH Aquilo que nos

interessaraacute eacute a finalidade do texto produzido Nesse sentido ateacute as redundacircncias

repeticcedilotildees e aparentes duplicidades podem servir para homogeneizar o texto a

clarificaacute-lo e ateacute mesmo a assegurar a transmissatildeo de sua mensagem146

O estilo ambiacuteguo que o redator imprime a essa periacutecope (Gn 3223-33) eacute

proposital a fim de deixar o leitor em estado de expectativa tal como se achava Jacoacute

previamente ao encontro com Esauacute Ateacute mesmo a dupla interrogaccedilatildeo sobre o nome (v

30) pertence agrave arte narrativa que ldquoque reuacutene dois interlocutores que alternadamente

questionam e satildeo questionadosrdquo (MARTIN-ACHARD 1971 p 48)

As aliteraccedilotildees e paronomaacutesias ajudam a criar uma unidade natildeo somente

temaacutetica mas estiliacutestica e esteacutetica Natildeo podemos jamais nos esquecer que os textos

biacuteblicos natildeo foram compostos para serem lidos individualmente a partir de um livro

mas para serem ouvidos em assembleias como era o costume na eacutepoca Como jaacute dizia

um dos pioneiros na anaacutelise dos textos da BH agrave luz da arte literaacuteria Luis Alonso-

145 No entanto natildeo vale a pena nos determos sobre as vaacuterias teorias que jaacute surgiram tentando traccedilar uma histoacuteria da redaccedilatildeo desta nossa periacutecope porque os resultados natildeo satildeo promissores nem determinantes Haacute dezenas de divisotildees e teorias que afirmam encontrar no texto duas trecircs e ateacute nove camadas redacionais Quem desejar uma visatildeo sinteacutetica dessas vaacuterias tentativas pode consultar ELLIGER 1951 p 6 especialmente a n 10 Aliaacutes esse artigo eacute ainda de 1951 () 146 Cf BARTHES 1971 p 30

129

Schoumlkel ao se referir agrave linguagem biacuteblica ldquoa linguagem eacute primariamente falada a

palavra eacute primariamente sonorardquo (1986 p 231) Por isso haacute sempre muito cuidado e

preocupaccedilatildeo com a sonoridade do texto

A narraccedilatildeo inicia-se com uma seacuterie de assonacircncias onde se misturam as

consoantes guturais bw e kq (vv 23-27) e a finalidade eacute unir o heroacutei da histoacuteria Jacoacute

com o lugar (Jaboc) e com o acontecimento que ali se produz ou seja a luta Para

expressar a luta o autor emprega um verbo muito raro somente utilizado aqui em

toda a BH mas que combina com a sequecircncia de assonacircncias qba (v 25 que significa

ldquorolar no poacuterdquo) Desse modo trecircs vocaacutebulos satildeo fundamentais nessa assonacircncia qba

qby e bq[y Vejamos esse fenocircmeno no proacuteprio texto para melhor compreendermos o

seu efeito Apresentamos jaacute transliterado para realccedilar o efeito sonoro o texto hebraico

estaacute no iniacutecio deste capiacutetulo

Aumentamos o tamanho das letras e das palavras que ajudam a formar as

assonacircncias e paronomaacutesias

3223 wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw wuumlacuteet-

acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw wayya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq

3224 wayyiqqaumlHeumlm wayya`aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal wayya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc

3225 wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

3226 wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb

Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

3227 wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

O v 31 mais ao final da periacutecope completa essa lista de paronomaacutesias

wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

waTTinnaumlceumll napšicirc

Natildeo podemos esquecer de um verbo que jaacute foi mencionado a pouco mas que

perpassa todo o capiacutetulo 32 do qual faz parte a nossa periacutecope Trata-se do verbo rb[

(atravessar) que ocorre nos versiacuteculos 11 17 22 23 24 32 conferir tambeacutem 33314

Somos levados a concordar com BLUM (2012 p 188-189) que obviamente ldquoo

autor tinha alguma ambiccedilatildeo de formar sua narrativa de uma forma mais complexa e

130

artiacutestica que desafia e ao mesmo tempo guia o leitor a revelar seus significados

ocultosrdquo e ele faz uso de uma expressatildeo cara a Erich Auerbach para denominar esse

tipo de teacutecnica die Hintergruumlndlichkeit147

Complementando essa visatildeo de conjunto da estrutura de nossa periacutecope natildeo

podemos negligenciar a anaacutelise realizada por BARTHES (1971 p 27-39) na qual ele

identifica ao menos trecircs sequecircncias narrativas nessa estrutura E nos trecircs casos ele

observa que a linha condutora eacute a passagem a mutaccedilatildeo a travessia do lugar da

linhagem parental do nome e do rito alimentar Vejamos as trecircs sequecircncias148

I) levantar-se reunir passar ----------------------------------------- v 23 23 23

II) reunir fazer passar ficar soacute --------------------------------------------- v 24 24 25

Lutar Impotecircncia Golpe (Ineficiecircncia) Negociaccedilatildeo (durativo) de A149 decisivo ------------------------------------------------------------------------------- v 25 26 26 27 _____________________ Pedido Rega- Aceita- de A teio ccedilatildeo ------------------------------ v 27 27 30

I) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta Efeito de Deus a Jacoacute de Jacoacute Mutaccedilatildeo -------------------------------------------------- v 28 28 29

147 A qual podemos tentar traduzir como sutileza meticulosidade A obra aqui em questatildeo eacute Mimesis Dargestellte Wirklichkeit in der abendlaumlndischen Literatur Bern Francke 1946 (p 5-27) Auerbach faz uma famosa comparaccedilatildeo entre a Odisseia de Homero (Livro 19) com Gn 22 148 Cf BARTHES 1971 p 30-35 149 ldquoArdquo seria abreviaccedilatildeo de anjo

131

II) Solicitaccedilatildeo de nome Resposta (Efeito de Jacoacute a Deus indireta Decisatildeo) -------------------------------------------------- v 30 30 ( )

(31) Para BARTHES (1971 p 35) esta uacuteltima sequecircncia constitui a parte central de

toda a cena de Gn 3223-33 a qual consiste em um diaacutelogo no qual novos nomes satildeo

dados Com ele observa muito bem ldquoA mutaccedilatildeo diz respeito a nomes mas na

verdade eacute todo o episoacutedio que funciona como a criaccedilatildeo de uma marca muacuteltipla no corpo

de Jacoacute no status dos Irmatildeos no nome de Jacoacute em nome do lugar na dietardquo

(BARTHES 1971 p 35)

Essa estruturaccedilatildeo vislumbrada por BARTHES deixa claro que ldquotudo no registro

conduz agrave concessatildeo do nome lsquoIsraelrsquo a doaccedilatildeo do nome lsquoFanuelrsquo reflete o significado

de todo o encontro como foi compreendido por Jacoacute [v 31]rdquo (ROSS 1985 p 342) Toda

a cena eacute montada para evidenciar duas nomeaccedilotildees primeiramente Deus nomina Jacoacute

ldquoIsraelrdquo (v 29) em seguida Israel nomina o lugar ldquoFanuelrdquo (v 31) Tudo forma um

equilibrado conjunto narrativo ldquoa resposta direta de Jacoacute ao seu atacante [v 28]

conduz a ser nominado lsquoIsraelrsquo mas a resposta indireta do atacante [v 30] leva Jacoacute a

nominar o lugar lsquoFanuelrsquo pois ele compreendeu que era Deus que lutava (lsquoIsraelrsquo) com

ele face a face (lsquoFanuelrsquo)rdquo (ROSS 1985 p 342-343) Assim um nome eacute dado por Deus

a Jacoacute e outro nome eacute dado por Jacoacute em submissatildeo a Deus

Mutaccedilatildeo Penuel

132

CAPIacuteTULO 4

Mudar de nome para quecirc

1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia

Olhando mais atentamente para Gn 3223-33 e mesmo para o ciclo de Jacoacute

como um todo logo percebemos que haacute semelhanccedilas com outros textos e personagens

o que pode nos ajudar a melhor compreender a nossa periacutecope

Uma primeira semelhanccedila observamos entre a histoacuteria da juventude de Moiseacutes

e a saga de Jacoacute150 Entre os elementos comuns percebe-se

a) Assim como Jacoacute Moiseacutes comete uma transgressatildeo e por isso deve fugir para

fora de sua terra natal (cf Ex 211-15 e Gn 271-45)

b) Como ocorreu com Jacoacute eacute proacuteximo a um poccedilo no deserto que Moiseacutes

encontra as jovens que lhe iratildeo conduzir ateacute seu pai (Ex 216-20 e Gn 291-

12)

c) O fugitivo seraacute acolhido na famiacutelia desse pai do qual ele natildeo tardaraacute a tornar-

se genro (Ex 221 e Gn 2913-30)

d) Um ou vaacuterios filhos nascem dessas uniotildees (Ex 222 e Gn 2931ndash3024)

e) Chega o momento do retorno agrave terra natal e esta decisatildeo seja em decorrecircncia

de um apelo direto de Deus (Ex 31-10 e Gn 31313) seja motivada por uma

vontade pessoal (Gn 3025-26) pelos ciuacutemes dos irmatildeos (Gn 311-2) ou pela

deliberaccedilatildeo entre o heroacutei e suas mulheres (Gn 314-10) ela representa uma

reviravolta na histoacuteria da personagem

f) Esse retorno de ambos Moiseacutes e Jacoacute seraacute repleto de obstaacuteculos No caso de

Jacoacute haveraacute a oposiccedilatildeo do sogro (Gn 3035-42 317-44) os iacutedolos domeacutesticos

furtados (Gn 3130-42) a ameaccedila de Esauacute (Gn 324-22 331-17) a agressatildeo

noturna por um adversaacuterio divino (Gn 3223-33) finalmente o conflito com

os moradores de Siqueacutem (Gn 34) Quanto a Moiseacutes haacute as cinco objeccedilotildees ao

150 Quem por primeiro apercebeu-se dessas semelhanccedilas foi HENDEL 1988

133

chamado de Deus (Ex 31113 411013) e novamente uma agressatildeo

noturna no curso da qual YHWH buscava fazecirc-lo morrer (Ex 424-26)

Distanciando-nos um pouco da juventude de Moiseacutes podemos notar uma outra

semelhanccedila interessante entre as duas personagens Jacoacute e Moiseacutes Referi-me ao fato

de somente ambos terem tido um contato face a face com Deus O que marca uma

relaccedilatildeo iacutentima inusual na BH na qual o ser humano jamais pode ter esse contato direto

com o ser divino Narrar esse contato eacute um modo dos autores realccedilarem a importacircncia

direta das personagens para a histoacuterica do povo de Israel Em Gn 3231 Jacoacute estaacute

surpreso de ter sobrevivido ao encontro que havia apenas tido porque raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm

Paumlnicircm el-Paumlnicircm Em Ecircxodo em duas ocasiotildees esse contato iacutentimo com Deus eacute realccedilado

pelo autor em relaccedilatildeo a Moiseacutes Primeiramente em Ex 1920 se diz claramente

ldquoYHWH desceu sobre a montanha do Sinai no cima da montanha IHWH chamou

Moiseacutes para o cimo da montanha e Moiseacutes subiurdquo O texto logo a seguir faz questatildeo

de deixar claro que este contato direto com YHWH eacute uma prerrogativa apenas de

Moiseacutes (Aaratildeo somente nesta ocasiatildeo subiraacute junto com Moiseacutes) ldquoYHWH disse a

Moiseacutes lsquoDesce e adverte o povo que natildeo ultrapasse os limites para vir ver YHWH

para muitos deles natildeo pereceremrsquordquo (Ex 1921) Essa advertecircncia eacute repetida ainda em

relaccedilatildeo aos sacerdotes em geral e novamente ao povo (Ex 1922-24) Em outra ocasiatildeo

Ex 2412-18 Moiseacutes eacute convocado novamente agrave montanha e laacute permanece quarenta dias

e quarenta noites diante da gloacuteria de YHWH que ldquopousou sobre o monte Sinairdquo

(wayyišKoumln Kuumlbocircd-yhwh(acuteaumldoumlnaumly) `al-har Ex 2416a) Em vaacuterias outras ocasiotildees Moiseacutes

subiraacute agrave montanha para falar com YHWH em uma delas o narrador deixa claro o

contato iacutentimo da personagem com a divindade ldquoQuando Moiseacutes desceu da

montanha do Sinai trazendo nas matildeos as duas taacutebuas do Testemunho sim quando

desceu da montanha natildeo sabia que a pele de seu rosto resplandecia porque havia

falado com elerdquo (Ex 3429)151 Para terminar um texto que natildeo eacute de Ecircxodo portanto

pertencente a outra tradiccedilatildeo e autoria reafirma de modo inequiacutevoco essa relaccedilatildeo

preferencial de Deus com Moiseacutes wuumllouml| -qaumlm naumlbicircacute `ocircd BuumlyiSraumlacuteeumll Kuumlmoumlšegrave acuteaacutešer yuumldauml`ocirc

151 O texto em hebraico eacute wayuumlhicirc Buumlreordmdet moumlšegrave meumlhar sicircnay ucircšuumlnecirc lugraveHoumlt hauml|`eumldugravet Buumlyad-moumlšegrave BuumlridTocirc min-

haumlhaumlr ucircmoumlšegrave louml|acute-yaumlda` Kicirc qaumlran `ocircr Paumlnaumlyw BuumldaBBuumlrocirc acuteiTTocirc (destaco em negrito a parte que deixa claro o

contato direto e o diaacutelogo com YHWH)

134

yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm (ldquoE em Israel nunca mais surgiu um profeta como

Moiseacutes ndash a quem YHWH conhecida face a facerdquo grifo nosso Dt 3410) Nisso reside

uma outra semelhanccedila com Jacoacute Ele tambeacutem aleacutem de Moiseacutes esteve com Deus no

caso natildeo seria YHWH mas El face a face ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi

salvardquo - Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc (Gn 3231) Portanto

estabelece-se uma igualdade de dignidade entre duas personagens bem diferentes na

histoacuteria de Israel

Para PURY (2002 p 235-236) eacute o ciclo de Jacoacute que influenciou aquele de Moiseacutes

uma vez que ele identifica por detraacutes desses dois relatos a oposiccedilatildeo entre os defensores

de um Israel mosaico um partido mais profeacutetico e os defensores do velho Israel

jacobiano Essa rivalidade acabou pendendo mais para o lado mosaico atraveacutes da

literatura deuteronocircmica e deuteronomista Sendo que o Deutero-Isaiacuteas e o autor

sacerdotal tentaratildeo uma tiacutemida reconciliaccedilatildeo entre as duas tradiccedilotildees

Retornando ao aspecto que interessa mais de perto ao nosso estudo haacute ao

menos duas diferenccedilas fundamentais entre as lendas de Moiseacutes e aquela de Jacoacute

a) O casamento de Moiseacutes com uma das filhas de Jetro natildeo tem uma funccedilatildeo

maior no contexto narrativo eacute um ponto cego por assim dizer pois natildeo eacute

determinante para a missatildeo que ele teraacute a seguir Tanto que apoacutes a idolatria

do bezerro de ouro no deserto durante a jornada para a terra prometida

Deus propotildee a Moiseacutes eliminar todo aquele povo infiel e fazecirc-lo Patriarca de

uma naccedilatildeo nova Sendo que Moiseacutes se indigna contra a proposta e a recusa

(cf Ex 3210) Enquanto que os matrimocircnios de Jacoacute com as filhas de Labatildeo

estatildeo no centro do dispositivo narrativo de sua lenda uma vez que Jacoacute

supostamente eacute destinado a tornar-se o pai das tribos de Israel A genealogia

conta para Jacoacute eacute a sua mediaccedilatildeo Sendo que para Moiseacutes a sua mediaccedilatildeo

para com Israel se daraacute pela palavra profeacutetica e sua vocaccedilatildeo

b) Outro motivo cego na histoacuteria de Moiseacutes eacute a agressatildeo noturna relatada em

Ex 424-26 uma vez que natildeo traz consequecircncias para a trama do heroacutei Por

sua vez o episoacutedio correspondente em Jacoacute (Gn 3223-33) desempenha um

papel absolutamente central

135

Aqui eacute o momento de nos determos mais nessa questatildeo de um ser divino agredir

um ser humano Vejamos os aspectos em comum encontrados nas cenas de Moiseacutes e

Jacoacute sendo agredidos pelo ser divino152

a) Nos dois casos eacute o agressor sobrenatural que toma a iniciativa (Gn 3225 Ex

424)

b) O enfrentamento ocorre agrave noite e trata-se explicitamente de uma luta de

vida ou morte Em Ex 424 eacute dito com toda clareza ldquoYHWH veio ao seu

encontro e procurava fazecirc-lo morrerrdquo Na cena de Jacoacute isso eacute bem impliacutecito

na observaccedilatildeo de Gn 3231 ldquoeu vi Deus face a face e a minha vida foi salvardquo

c) Natildeo obstante o poder superior de seu adversaacuterio o heroacutei sai vencedor ou

ao menos vivo do combate No entanto a sua sobrevivecircncia dependeu de

um estratagema ou astuacutecia Jacoacute encontra o ponto vulneraacutevel de seu

adversaacuterio (Gn 3226a) e a mulher de Moiseacutes circuncida o seu filho e passa o

prepuacutecio ldquonos peacutesrdquo de Moiseacutes aqui podendo entender-se no oacutergatildeo genital

do mesmo

d) A luta marca o parceiro humano do agressor divino com uma marca fiacutesica

Jacoacute passa a manquejar de uma coxa porque seu nervo foi deslocado (Gn 32

26b32) e em Ex 4 25 eacute o filho de Moiseacutes que se encontra circuncidado

e) O relato eacute concluiacutedo apresentando uma mudanccedila de status dos heroacuteis Jacoacute

tem o seu nome alterado para Israel (Gn 3229) e Moiseacutes recebe um novo

tiacutetulo ldquoesposo de sanguerdquo (Ex 42526)

Algo que chama ainda mais a nossa atenccedilatildeo eacute o lugar o momento no qual esse

combate ocorre no desenrolar das histoacuterias de Jacoacute e Moiseacutes A agressatildeo divina

acontece justamente na hora em que o heroacutei estaacute para concluir a sua missatildeo a sua

busca Jacoacute jaacute havia fugido casado enriquecido conseguido se separar de seu

possessivo e interesseiro sogro e estava prestes a enfrentar seu irmatildeo Moiseacutes apoacutes o

episoacutedio e chamado junto agrave sarccedila ardente no deserto no qual recebe sua missatildeo estaacute

prestes a enfrentar o Faraoacute Portanto tudo eacute colocado em causa tudo estaacute a ponto de

se perder caso tivesse havido sucesso no ataque divino Contudo felizmente tudo

acaba bem apoacutes o confronto noturno se daacute o reencontro com o irmatildeo rival (Esauacute no

152 Acompanho aqui a anaacutelise de PURY 1995 p 53

136

caso de Jacoacute e Aaratildeo no caso de Moiseacutes) Desse modo ldquoas animosidades intimamente

temidas datildeo lugar como que por magia a reencontros felizes e efusivosrdquo (PURY 1995

p 54)

A mentalidade religiosa predominante na eacutepoca seria incapaz de admitir que

YHWH pudesse ter agredido Jacoacute e Moiseacutes sem que os mesmos tivessem cometido

faltas graves que justificassem uma correccedilatildeopuniccedilatildeo A relaccedilatildeo de YHWH com seu

povo uma vez que ele era o deus nacional o deus protetor do povo era de

reciprocidade isto eacute se o povo se mantivesse fiel receberia becircnccedilatildeos na forma de

prosperidade e paz se o povo fosso infiel adorando outros deuses ou praticando atos

por ele proibidos entatildeo o castigo viria inescapavelmente Basta ler os livros profeacuteticos

o Deuteronocircmio a Obra Historiograacutefica Deuteronomista (Js Jz 1 e 2 Sm e 1 e 2Rs) para

se dar conta dessa maneira pela qual se pautava a vida religiosa especialmente nos

periacuteodo poacutes-exiacutelico (seacutec VI AEC em diante) Eacute sempre o pecado a falta que justifica e

atrai qualquer gesto mais contundente de Deus Entatildeo como justificar a atitude divina

nos casos de Jacoacute e Moiseacutes153 Afinal a agressatildeo se daacute segundo a narrativa sem

nenhum motivo alegado ou proposto de maneira expliacutecita ou impliacutecita Vaacuterios

estudiosos e comentaristas se puseram a trabalho para identificar que ambos

mereceram tal ato divino devido suas faltas passadas Moiseacutes por natildeo ter circuncidado

antes o seu filho e quem sabe por ter relutado tanto em aceitar o chamado e missatildeo

da parte de Deus Jacoacute devido agraves suas vaacuterias falcatruas realizadas seja no periacuteodo em

que vivia na casa de seus pais como depois na presenccedila de seu sogro Labatildeo154

Em Os 124 o combate eacute atribuiacutedo ao caraacuteter agressivo intreacutepido do Patriarca

ldquoem sua forccedila viril ele lutou com Elohicircmrdquo

Essa criacutetica profeacutetica a Jacoacute encontra eco em um texto tardio que foi incluiacutedo

posteriormente ao ciclo desta nossa personagem Trata-se de uma oraccedilatildeo em Gn 3210-

13 onde foi colocado na boca de Jacoacute ldquoeu sou indigno [qaumldaggeroumlnTicirc] de todos os favores e

de toda a bondade que tiveste para com teu servordquo (v 11) Esta eacute a primeira e uacuteltima

153 Natildeo podemos nos esquecer tambeacutem de outro texto biacuteblico complicado (Gn 22) onde Deus ordena a Abraatildeo que sacrifique o seu filho pequeno Isaac portanto inocente sem culpa que justificasse tamanha violecircncia 154 No caso de Jacoacute cito somente uma opiniatildeo das mais importantes (ELLIGER 1951) que vecirc nesse episoacutedio da luta uma forma de YHWH corrigir Jacoacute antes que este se beneficiasse das graccedilas divinas

137

vez que Jacoacute confessa a sua indignidade perante Deus Portanto estaria justificada a

agressatildeo sofrida Aliaacutes para o leitor moderno a linguagem usada para se falar sobre

Deus e para Deus frequentemente choca na BH Agraves vezes Israel pode retratar Deus

como algueacutem que diz ldquoEu formo a luz e crio as trevas asseguro o bem-estar e crio a desgraccedila

sim eu IHWH faccedilo tudo issordquo (Is 457 ndash BJ) ou ainda ldquoSou eu que mato e faccedilo viver sou eu

que firo e torno a curarrdquo (Dt 3239b ndash BJ) Pode-se acrescentar a esses textos alguns dos

salmos de lamentaccedilatildeo nos quais o salmista suplica a Deus para que interceda em seu

nome porque acredita-se Deus permitiu que coisas dolorosas acontecessem a ele sem

uma boa causa (p ex Sl 17 26 e o proacuteprio livro de Joacute) Outras passagens biacuteblicas satildeo

ainda mais diretas em seu discurso elas descrevem Deus como algueacutem que ataca Israel

sem motivo razoaacutevel (p ex Sl 89 Is 5212ndash5313) Isso tudo se compreende porque a

BH natildeo usa uma linguagem cuidadosa e sofisticada como aquela da filosofia ou da

teologia dogmaacutetica somente para ficarmos nesses dois exemplos ela simplesmente

reflete como as coisas se apresentam em um mundo que eacute supostamente governado

por YHWH Portanto segundo essa mentalidade nada pode ocorrer sob os ceacuteus (o

bem e o mal) que natildeo seja fruto das accedilotildees de YHWH Interessante constatar que ldquona

literatura judaica preacute-cristatilde e na literatura cristatilde a figura de Satanaacutes (o diabo) torna-se

responsaacutevel por lsquoeventos obscurosrsquo no mundo mas os escritores israelitas em sua

maioria natildeo sabem nada de tal figura e portanto dirigem-se a Deus (ver no entanto

1Cr 211 cf 1Sm 241)rdquo (HOLMGREN 1990 p 16)

Natildeo obstante essas tentativas piedosas ou criacuteticas permanece o fato de que natildeo

haacute absolutamente na narrativa justificativas que motivassem a agressatildeo

Devemos buscar em outro lugar a explicaccedilatildeo A questatildeo da identidade do ser

que lutou com Jacoacute assume um papel fundamental no relato de Gn 3223-33 Tanto que

o Patriarca busca conhecer o nome daquele adversaacuterio misterioso que acaba de lhe

conceder um novo nome ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo no entanto recebe como

resposta uma outra indagaccedilatildeo ldquoPor que perguntas pelo meu nomerdquo (v 30) Poreacutem a

posteriori o heroacutei parece reconhecer o seu agressor e saber seu nome quando diz ldquoeu

vi Deus face a facerdquo (Gn 3231) Em todo caso permanece o misteacuterio quem eacute o deus

agressor El ou Elohicircn ou ainda um elohicircm Essa incerteza somente se resolve em Gn

3320 quando Jacoacute-Israel ao chegar ao objetivo de sua viagem e tendo superado todos

138

os obstaacuteculos proclama em Siqueacutem ldquoEl eacute o Deus [elohicircm] de Israel [o Patriarca]rdquo Na

opiniatildeo de PURY (1995 p 60-61) isso reflete uma tradiccedilatildeo anterior agrave sacerdotal e

deuteronomista que viam somente em YHWH o deus uacutenico e verdadeiro de Israel

desconsiderando o fato de que a veneraccedilatildeo a El continuou entre os arameus e os

israelitas e judeus das regiotildees marginais (o interior mais rural e vilarejos) ateacute a eacutepoca

persa155 Eacute bom lembrarmos que antes de YHWH e da tradiccedilatildeo do ecircxodo o que

predominava em Israel e Judaacute tinha sido El e a tradiccedilatildeo de Jacoacute

Afinal a lenda de origem em que se constitui o ciclo de Jacoacute natildeo percebe Deus

como aquele ser hostil da retribuiccedilatildeo a puniccedilatildeo o castigo eacute a resposta aos que erram

Tanto que em todos os demais textos da BH fica clara a motivaccedilatildeo da puniccedilatildeo e a

identidade do autor divino Aqui o agressor natildeo eacute chamado pelo nome YHWH e natildeo

eacute um democircnio hostil voltaremos a este tema mais adiante mas eacute ldquoDeusrdquo no sentido

mais pleno do termo (cf PURY 1995 p 62) De propoacutesito o autor deixa Deus aparecer

nesta narrativa como um Deus absconditus (Deus escondido oculto) natildeo o

identificando com o deus nacional de Israel YHWH Aliaacutes essa dualidade entre o

Deus escondido de caraacuteter universal natildeo particular de um soacute povo e o Deus revelado

que eacute o Deus de Israel aparece natildeo somente aqui mas em uma passagem de autoria

sacerdotal como eacute o caso de Ex 63 ldquoApareci a Abraatildeo a Isaac e a Jacoacute como El Shaddai

mas meu nome YHWH [o Senhor] natildeo lhes fiz conhecerrdquo Portanto nas origens El e

natildeo YHWH era o Deus de Israel assim como se depreende de Gn 3320156

Portanto Jacoacute antes de se tornar Israel ele se origina da famiacutelia universal

Retomemos um pouco soacute a questatildeo da identidade do ser transcendental que

lutou com Jacoacute agraves margens do Jaboc

2 Aspectos internos agrave periacutecope

Primeiramente eacute bom desfazer qualquer impressatildeo de que Gn 3223-33 se trata

de uma narrativa fundamentada em uma lenda autocircnoma de alguma personagem que

enfrentou um ser demoniacuteaco ao atravessar um rio ou fronteira Aleacutem dos indiacutecios de

155 Quem demonstrou isso atraveacutes da anaacutelise do Sl 20 que remonta ao modelo aramaico no qual a oraccedilatildeo se dirigia a El e natildeo a YHWH foi KOTTSIEPER 1988 p 217-244 156 Haacute outros textos em que isso fica claro como Os 121b5a e Dt 328-9 onde YHWH parece ateacute mesmo subordinado a El uma vez que eacute ele que recebe seu povo Israel em partilha

139

unidade cecircnica que apresentamos no capiacutetulo anterior deve-se acrescentar o fato de

que essa periacutecope possui um iniacutecio extremamente brusco e um final que deixa aberta

a meta do movimento iniciado algo natildeo comum em narrativas autocircnomas em que o

desfecho eacute mais tranquilizador Sem seu contexto ela natildeo teria condiccedilotildees de funcionar

e isso fica claro porque se amputaacutessemos Gn 3223-33 natildeo teriacuteamos nenhuma

transiccedilatildeo de Gn 32 para 33 Isso porque a cena eacute necessaacuteria para servir de mediaccedilatildeo

entre as medidas de precauccedilatildeo de Jacoacute (Gn 32) e o encontro dos dois irmatildeos em Gn 33

Assim sendo aquilo que eacute proferido como esperanccedila em Gn 3221b (ldquoCom efeito dizia

ele [Jacoacute] para si mesmo lsquoEu o aplacarei com o presente que me antecede em seguida

me apresentarei a ele e talvez me conceda graccedilarsquordquo) mostra-se realizado em Gn 334

Para ser uma lenda individual que justificasse p ex o nome Fanuel ldquoa cena

conteacutem demasiados temas e objetivos narrativos luta e becircnccedilatildeo aparecem vinculados

com as etiologias do nome lsquoIsraelrsquo do local Fanuel e de um costume alimentar israelitardquo

(KOumlCKERT 2003 p 168)

O agressor eacute denominado de acuteicircš (sem artigo portanto um homem) que alguns

estudiosos insistem em ser um ser divino diferentemente de Deus ou um democircnio157

pode ser considerado como o proacuteprio Deus ou um mensageiro dele (malacuteak) Haacute vaacuterias

outras passagens biacuteblicas em que isso se daacute e a personagem misteriosa termina por ser

identificada com o proacuteprio Deus nesse sentido a cena de Gn 181-15 eacute claacutessica158 Sem

falar que o fato desse ldquohomemrdquo natildeo querer revelar seu nome natildeo eacute um indiacutecio de que

seria um ser maligno ou algo parecido Na proacutepria BH encontramos uma cena parecida

em que claramente um anjo de YHWH nega a revelaccedilatildeo de seu nome como

contrapergunta em relaccedilatildeo a uma solicitaccedilatildeo semelhante agravequela feita por Jacoacute Eacute o caso

do pai de Sansatildeo que recebe a visita de um ldquohomem de Deusrdquo (acuteicircš haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 138)

que eacute chamado pelo narrador de ldquoAnjo de Deusrdquo (malacuteak haumlacuteeacuteloumlhicircm Jz 139) mas que

se nega a revelar seu nome quando indagado por Manueacute pai de Sansatildeo ldquoManueacute disse

157 Esse eacute o caso de WESTERMANN (1985 p 516-517) DIETRICH (2001 p 200) soacute para ficarmos em dois exemplos Eles pensam que o agressor poderia se tratar de uma democircnio fluvial que assaltava os viajantes a fim de impedi-los de atravessar o rio O fato dele natildeo gostar do sol do dia seria um indiacutecio confirmativo dessa tese na opiniatildeo dos autores 158 Essa temaacutetica eacute extensamente e profundamente explorada por HAMORI 2008 e HAMORI 2010 p 161-183 A autora faz paralelos com outras culturas antigas vizinhas a Israel bem como com o cristianismo Ainda no interior desse tema a personagem que luta com Jacoacute eacute interessante consultar SCHWARTZ 1998 p 33-48 TASCHNER 1998 p 367-380 MILLER 1973 GRANOT 2012 p 125-127

140

entatildeo ao Anjo de YHWH lsquoQual eacute o teu nome para que assim que se cumprir a tua

palavra possamos prestar-te homenagemrsquo O Anjo de YHWH lhe respondeu lsquoPor que

perguntas meu nome Ele eacute maravilhosorsquordquo (Jz 1317-18 a pergunta em hebraico eacute

laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc) Essa contrapergunta eacute idecircntica agravequela que o ldquohomemrdquo faz a

Jacoacute Sem falar que eacute muito complicado explicar o motivo que levaria Jacoacute a solicitar

uma becircnccedilatildeo justamente a um ser demoniacuteaco Alguns autores que adotaram essa

explicaccedilatildeo tentam justificar-se dizendo tratar-se de uma periacutecope constituiacuteda por

vaacuterias camadas redacionais e fontes No entanto isso natildeo passaria desapercebido pelo

redator final obviamente

Na interpretaccedilatildeo rabiacutenica diversas propostas surgiram a esse respeito

Maimocircnides p ex pensa que essa cena seja uma visatildeo natildeo um fato Uma visatildeo de

tipo profeacutetica mas ele natildeo explorou melhor essa sua intuiccedilatildeo deixando em aberto qual

seria a possiacutevel mensagem de tal visatildeo profeacutetica159

No Midrash Rabbah Rabi Huna vecirc nesse ldquohomemrdquo um pastor que chega agraves

margens do rio Jaboc com a mesma intenccedilatildeo de Jacoacute atravessaacute-lo com sua famiacutelia e

seus pertences Inclusive ele permite que Jacoacute atravesse a vau do rio antes dele

Contudo quando Jacoacute retorna para ver se natildeo havia esquecido algo haacute um confronto

uma luta com aquele homem

O homem apareceu sob a aparecircncia de um arquibandido com ovelhas e camelos semelhantes aos de Jacoacute Disse a Jacoacute Levas minhas coisas e eu transportarei as tuas Depois que o anjo tinha levado as coisas de Jacoacute num abrir e fechar de olhos Jacoacute comeccedilou a levar as coisas do outro Mas ele sempre achava mais coisas para levar embora continuasse a noite toda Pensou Jacoacute isto eacute simplesmente bruxaria Rabi Pinhas disse Ele entatildeo pegou um velo de latilde e o amarrou ao pescoccedilo do outro homem (como para estrangulaacute-lo) dizendo Vocecirc natildeo sabe que os feiticcedilos maacutegicos satildeo inuacuteteis agrave noite Rabi Huna disse O anjo finalmente pensou Vou deixar Jacoacute saber com que tipo de homem ele estaacute lutando Ele portanto colocou o dedo no chatildeo e a terra comeccedilou a produzir espuma de fogo Disse Jacoacute Vocecirc realmente espera me assustar dessa maneira Natildeo sou inteiramente feito de fogo como se diz A casa de Jacoacute seraacute um fogo (Abdias 18)160

159 Cf BLUMENTHAL 2010 p 120 160 MIDRASH RABBAH 1939 77 As traduccedilotildees que se seguem neste capiacutetulo das obras rabiacutenicas satildeo sempre baseadas nas traduccedilotildees inglesas disponiacuteveis

141

Percebe-se a presenccedila de um anjo mas a luta eacute com um outro ser humano Na

sequecircncia Rabi Hama ben Hanina diz ldquoO homem era o anjo guardiatildeo de Esauacuterdquo tido

como um anjo do mal Segundo o mesmo rabino Jacoacute o intimidou quando disse ldquoVisto

que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Deus e ficaste satisfeito comigo (Gn

3310)rdquo161 Nesse caso o confronto anjo de Esauacute versus Jacoacute jaacute seria uma antecipaccedilatildeo

do encontro com irmatildeo Sendo assim uma luta substituta talvez na compreensatildeo

desse rabino Mas os inteacuterpretes desse texto enxergam nessa interpretaccedilatildeo a

substituiccedilatildeo da figura de Esauacute por Roma Assim sendo o confronto de Jacoacute se daacute

contra o potente Impeacuterio Romano representado pelo ldquoanjo de Esauacuterdquo (cf HAYWARD

2005 p 14) Mais tarde esse ldquoanjo de Esauacuterdquo eacute identificado com Sammael que em

princiacutepio era o grande priacutencipe do ceacuteu (tinha 12 asas enquanto os serafins tinham

somente seis) poreacutem rebelou-se contra o Onipotente (cf LOS CAPIacuteTULOS DE RABBIacute

ELIEZER PIRQEcirc RABBIcirc acuteELIcirc`EZER 1984 132 p 120) O Targum Neofiti Gn 3225162

denomina esse anjo como sendo Sariel que eacute um anagrama de Israel Enquanto

Targum Pseudo-Jonathan Gn 3225 chama a este anjo de Miguel (SAacuteIZ 2004 p 212)

No entanto certos rabinos enxergavam nesse anjo um enviado de Deus para

realizar uma boa tarefa em relaccedilatildeo a Jacoacute ldquoQuando o Santo abenccediloado eacute Ele viu que

Jacoacute tinha medo de Esauacute ele enviou o anjo Miguel para lutar com ele Michael

apareceu a Jacob sob a aparecircncia de um pastor como afirma o textordquo163

Outro aspecto que vale ressaltar eacute que tanto o Targum Neofiti quanto o Pseudo-

Jonathan apresentam como justificativa para a renomeaccedilatildeo de Jacoacute em Israel o seguinte

fato ldquopretendestes superioridade com os anjos [de diante] do Senhor e com os homens

e pudestesrdquo (SAacuteIZ 2004 p 213) A expressatildeo ldquode dianterdquo encontra-se somente no

Targum Neofiti

Permanecendo ainda no Midrash haacute uma passagem em que se discute sobre

quem teria vencido ldquoRabi Berekiah disse Natildeo sabermos se venceu o anjo ou Jacoacute

161 MIDRASH RABBAH 1939 77 162 SAacuteIZ 2004 p 212 163 Tan Y Vayyishlah 7 apud KASHER 1959 p 151

142

daquilo que estaacute escrito Lutou um homem com ele quem se cobriu de poacute164 O homem

que estava com elerdquo (MIDRASH RABBAH 1939)

Enfim poderiacuteamos prosseguir mencionando outros exemplos de interpretaccedilatildeo

rabiacutenica a respeito da personagem que luta com Jacoacute mas a maioria vai nessa linha de

reconhecer no agressor seja um ser humano ou um anjo um enviado de Deus A

finalidade desse anjo segundo um certo consenso entre os rabinos seria dar a Jacoacute

coragem e fazecirc-lo pensar depois ldquoSe eu tiver sido capaz de vencer o anjo eu natildeo

preciso ter medo de ser capaz de vencer Esauacute se necessaacuteriordquo (KASHER 1959 p 150-

151)

Olhando o contexto de Gecircnesis podemos perceber que natildeo eacute o primeiro caso

de uma teofania com ldquoaparentes seres humanosrdquo aquilo que se convenciona

denominar de ldquoacuteicircš teofaniardquo165

3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute

Interessante logo de iniacutecio notar que o relato da mudanccedila de nome de Jacoacute natildeo

aparece tatildeo proeminente nas fontes rabiacutenicas claacutessicas como seria de se esperar Talvez

isso possa ser compreensiacutevel pelo fato desses escritos refletirem mais as preocupaccedilotildees

dos rabinos em situar Israel sua cultura e religiatildeo em uma eacutepoca de dominaccedilatildeo

romana no Ocidente e no Oriente juntamente com o domiacutenio da Peacutersia mais a leste

A Mishnaacute e a Toseftaacute dirigiratildeo sua preocupaccedilatildeo mais para a compreensatildeo e

consequecircncias do ferimento que Jacoacute sofreu no tendatildeo de sua coxa (cf Gn 322633) O

que eacute compreensiacutevel uma vez que essas obras reuacutenem tratados legais voltados para

dar suporte agrave praacutetica cotidiana do judeu religioso

Um fato no entanto chamou a atenccedilatildeo dos Saacutebios rabiacutenicos Jacoacute natildeo foi o uacutenico

na Biacuteblia a receber um novo nome mas por que depois que seu nome foi mudado para

Israel ele ainda era mencionado e tratado como Jacoacute

Eacute digno de nota que apoacutes a nossa periacutecope (Gn 3223-33) o nome ldquoJacoacuterdquo ainda

surge somente no livro de Gecircnesis 66 vezes Enquanto o novo nome ldquoIsraelrdquo

164 Aqui haacute um jogo de palavras assonantes wayyeumlacuteaumlbeumlq (lutou) e acutebaumlq (poacute) que foi jogada por terra (cf

FEDERICI 1978 p 640 n 8) 165 Cf HAMORI 2008 sendo que esse gecircnero eacute reconhecido apenas em duas passagens Gn

143

atribuiacutedo a ele surge 38 vezes em Gecircnesis Poreacutem nessas 38 vezes Israel nem sempre

eacute empregado como nome da personagem individual o Patriarca Jacoacute Vejamos

a) Israel como nome atribuiacutedo ao indiviacuteduo Jacoacute aparece 26 vezes166

b) Israel como sendo representaccedilatildeo de todo o povo da naccedilatildeo aparece 12 vezes

(seria coincidecircncia este nuacutemero O mesmo nuacutemero das Tribos de Israel)

c) destas 12 vezes em 3 vezes aparece isoladamente a palavra ldquoIsraelrdquo

representando o povo a naccedilatildeo167

d) como atributo ldquoIsraelrdquo aparece 9 vezes ldquofilhos de Israelrdquo (Buumlnecirc yiSraumlacuteeumll)168

ldquotribos de Israelrdquo (šibdaggerecirc yiSraumlacuteeumll)169 ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll - em

referecircncia a Deus)170

Interessante observar tambeacutem uma outra caracteriacutestica o uso em paralelo no

mesmo versiacuteculo de Jacoacute e Israel sendo que

a) ambos os nomes se referem ao mesmo indiviacuteduo Gn 3522 462 (Jacoacute

inclusive aparece duas vezes mencionado) 4731 482

b) haacute um paralelismo tambeacutem entre ldquofilhos de Jacoacuterdquo e Israel (Gn 492) sendo

ldquoIsraelrdquo o indiviacuteduo e a expressatildeo com o nome de Jacoacute representativa do

povo ocorre tambeacutem o inverso ldquofilhos de Israelrdquo (= povo) em paralelo com

Jacoacute indiviacuteduo (Gn 4658)

c) um terceiro paralelismo que aparece eacute entre dois tiacutetulos atribuiacutedos a Deus

usando os nomes Jacoacute e Israel o ldquoPoderoso de Jacoacuterdquo (acuteaacutebicircr ya`aacuteqoumlb)

ldquoPedra de Israelrdquo (acuteeordmben yiSraumlacuteeumll) em Gn 4924

Portanto haacute uma prevalecircncia das atestaccedilotildees do uso individual em relaccedilatildeo ao

uso coletivo do nome Israel no livro de Gecircnesis (ao todo 29 referecircncias somente ao

Patriarca) O mesmo natildeo acontece nos demais livros da BH onde o nome eacute tomado em

sentido representativo do povo sendo que a expressatildeo ldquofilhos de Israelrdquo torna-se

166 Gn 3510(2x)2122(2x) 37313 436811 4528 46122930 47272931 482810111421 492 502 167 Gn 347 4820 497 168 Gn 3631 425 4521 4658 5025 Interessante observar o uso da expressatildeo ldquofilhos de Jacoacuterdquo em Gn 492 (Buumlnecirc ya`aacuteqoumlb) tambeacutem com o mesmo sentido de ldquofilhos de Israelrdquo ou seja representando todo

povo Para aprofundar o estudo sobre o uso eponiacutemico dessas expressotildees pode-se recorrer ao exaustivo estudo de BLOCK 1984 p 301-326 169 Gn 491628 170 Gn 4924

144

muito comum Somente para os restringirmos ao PentateucoToraacute essa expressatildeo

aparece em Ecircxodo (123 vezes) Leviacutetico (54 vezes) Nuacutemeros (171 vezes) e

Deuteronocircmio (21 vezes) Sendo que somente em Ex 614 e 3213 encontramos Israel

como nome individual do Patriarca Em Lv natildeo aparece nenhuma menccedilatildeo individual

a qual somente surgiraacute novamente em Nm 120 e 265 como sendo o pai de Ruacuteben Em

Dt tambeacutem natildeo eacute empregado o nome proacuteprio individualmente Percorrendo toda a BH

encontramos atestaccedilotildees de Israel (cf ZOBEL 2004 c 50)

a) com denominaccedilotildees divinas do tipo ldquoDeus de Israelrdquo 241 vezes

b) na locuccedilatildeo ldquofilhos de Israelrdquo aparece 637 vezes

c) indicando o povo de YHWH 1006 vezes

d) denominando o Reino do Norte e sua populaccedilatildeo 564 vezes e finalmente

e) como o Patriarca individualmente considerado somente 49 vezes sendo

como jaacute foi observado 29 delas somente em Gecircnesis

Uma uacuteltima nota a esse respeito eacute a curiosidade de encontramos em um mesmo

versiacuteculo o seguinte fenocircmeno ldquoe Elohicircm [Deus] disse a Israel numa visatildeo noturna

lsquoJacoacute Jacoacutersquo E ele respondeu lsquoEis-me aquirsquordquo (Gn 462) Portanto em uacutenico versiacuteculo o

narrador denomina o Patriarca com o novo nome Israel enquanto Deus que o havia

renomeado antes continua a chamaacute-lo pelo nome antigo Jacoacute Essa ambivalecircncia do

nome JacoacuteIsrael faz com que a figura de Jacoacute deste episoacutedio de Gn 3223-33 em

diante comece a ser unida expressamente agravequela do povo como um todo Desse modo

ldquoo surgir de um novo dia apoacutes o combate noturno indica simbolicamente o surgir de

uma nova existecircncia para o Patriarca (cf v 32)rdquo (GIUNTOLI 2013 p 195)

Rabi Simeon ben Yohai se manifesta na Mekhilta de Rabbi Ishmael fazendo um

paralelo entre Abraatildeo e Sara com Jacoacute Para ele os nomes Abratildeo e Sarai haviam sido

removidos ou abandonados enquanto seus novos nomes de Abraatildeo e Sara foram

estabelecidos ou suportados No caso de Jacoacute entretanto citando Gecircnesis 3229 ldquoE ele

disse Seu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacuterdquo Rabi Simeon observa ldquoo primeiro nome

tolerado em seu caso enquanto o segundo foi adicionado a elerdquo (LAUTERBACH 2004

Tratado PisHa 16 linhas 79-81) Nenhum comentaacuterio ou explicaccedilatildeo adicional eacute

oferecido Essa afirmaccedilatildeo eacute ambiacutegua Qual eacute na realidade o ldquoprimeirordquo nome e em

quais circunstacircncias Falta ao comentaacuterio mais esclarecimentos Pode ser que Rabi

145

Simeon quisesse dizer que enquanto nos casos de Abraatildeo e Sara os primeiros nomes

Abratildeo e Sarai desapareceram completamente do uso no caso de Jacoacute o primeiro nome

continuou sendo usado e havia um outro ldquoIsraelrdquo adicionado a aquele Bereshit Rabbah

vai nessa linha Em um debate entre vaacuterios Saacutebios encontramos as seguintes

afirmaccedilotildees

Bar Kappara disse Quem quer que chame Abraatildeo de ldquoAbratildeordquo viola um comando positivo R Levi disse Um comando positivo e um negativo O teu nome natildeo seraacute mais chamado Abratildeo (Gn 175) - isso eacute um comando negativo Mas teu nome seraacute chamado Abraatildeo (ib) - que eacute um comando positivo Mas certamente os homens da Grande Assembleia chamaram-lhe Abratildeo pois estaacute escrito Tu eacutes o Senhor Deus quem escolheu Abratildeo (Ne 917) Laacute eacute diferente como significa que enquanto ele ainda era Abratildeo Tu o escolheste Entatildeo por analogia algueacutem que chama Sara de ldquoSarairdquo infringe um comando positivo Natildeo porque somente ele [Abraatildeo] foi encarregado de respeitaacute-la Novamente por analogia se algueacutem chama Israel de ldquoJacoacuterdquo algueacutem infringe um comando positivo [Natildeo pois] foi ensinado Natildeo se pretendia que o nome de Jacoacute deveria desaparecer mas que ldquoIsraelrdquo deveria ser seu nome principal e ldquoJacoacuterdquo um nome secundaacuterio R Zechariah interpretou em similar modo no nome de R Aha ldquoTeu nome eacute Jacoacute Mas Israel seraacute [tambeacutem] o teu nomerdquo (Gn 3510) Jacoacute seria o nome [raiz] principal Israel foi adicionado a ele PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute (MIDRASH RABBAH 1939 Bereshit Rabbah 783)

Portanto ao querer justificar o natildeo uso frequente do nome ldquoIsraelrdquo apoacutes a

mudanccedila ocorrida em Gn 3229 esses rabinos buscam conciliar a mudanccedila de nome

no caso de Jacoacute em contraste com a de Abraatildeo Natildeo eacute uma soluccedilatildeo final pois a questatildeo

fica em aberto sujeita a pelo menos uma dupla interpretaccedilatildeo Na primeira Israel

deveria ser visto como o nome fundamental e essencial de Jacoacute um nome como

daqueles grandes anjos Miguel Gabriel Rafael e Uriel sendo Jacoacute o seu nome

secundaacuterio suplementar Na segunda interpretaccedilatildeo podemos ver Jacoacute como um nome

que expressa a essecircncia do Patriarca e do povo sendo Israel um nome adicional

conferido pelo ser divino apoacutes a luta A maioria das opiniotildees rabiacutenicas parece inclinar-

se para a primeira interpretaccedilatildeo e apresenta-nos o Patriarca com um caraacuteter essencial

146

natildeo diferente daquele dos anjos mais elevados Aliaacutes um estudioso contemporacircneo

tambeacutem observou isso ao afirmar que ldquoassim lsquoIsraelrsquo natildeo substitui de fato o seu

nome mas torna-se um sinocircnimo para ele ndash uma praacutetica refletida no paralelismo da

poesia biacuteblica onde lsquoJacoacutersquo eacute sempre usado na primeira metade da linha e lsquoIsraelrsquo a

variaccedilatildeo poeacutetica na segunda metade (ALTER 1996 p 182)

Alguns rabinos alegam que isso seja algo normal como eacute o caso do dia do

Messias em que natildeo mais seraacute necessaacuterio mencionar o ecircxodo do Egito quando se recitar

o Shemaacute Tal opiniatildeo rabiacutenica fundamentava-se na profecia de Jeremias 37-8 ldquoPor isso

eis que dias viratildeo ndash oraacuteculo de YHWH ndash em que natildeo diratildeo mais lsquoVive YHWH que fez

subir os filhos de Israel do Egitorsquo mas lsquoVive YHWH que fez subir e retornar a raccedila da

casa de Israel da terra do Norte e de todas as terras para onde os tinha dispersado

para que habitem em seu territoacuteriorsquordquo Os Saacutebios insistiratildeo que esta profecia natildeo quer

dizer que o Egito seraacute ldquoextirpadordquo ou seja omitido da recitaccedilatildeo do Shemaacute a menccedilatildeo

ao ecircxodo seraacute adicionada agrave referecircncia aos reinos estrangeiros de tal forma que esta

uacuteltima se torna a raiz ou a essecircncia da oraccedilatildeo e o ecircxodo um acreacutescimo um anexo

Assim ldquoresoluccedilatildeo do debate reside na aceitaccedilatildeo de que assim como o Ecircxodo do Egito

seraacute mencionado nos uacuteltimos dias como uma lsquoadiccedilatildeorsquo acrescentada agrave menccedilatildeo do

uacuteltimo grande ato redentor assim o nome adicional do Patriarca (que jamais o eacute) ainda

seraacute faladordquo (HAYWARD 2005 p 14)

No entanto somos levados de volta a Bereshit Rabbah pois um dos Saacutebios que

tomam parte no debate volta a destacar o nome Jacoacute como o principal e essencial para

o Patriarca Em Bereshit Rabbah 771 se lecirc

E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO etc (Gn 3225) Estaacute escrito Natildeo haacute semelhante a Deus oacute Jeshurum (Dt 3326) R Berekiah interpretou-o em nome de R Judah b R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa o mais nobre e melhor dentre voacutes Vocecirc veraacute que o Santo abenccediloado seja Ele antecipou neste mundo atraveacutes da accedilatildeo do justo tudo o que Ele faraacute na outra vida Assim Deus ressuscitaraacute os mortos e Elias ressuscitaraacute os mortos Deus reteve a chuva e Elias reteve a chuva Deus abenccediloaraacute o pequeno [em quantidade] e Elias abenccediloou o pequeno [em quantidade] Deus ressuscita os mortos e Eliseu ressuscita os mortos Deus lembrou-se de mulheres sem filhos e Eliseu lembrou-se de mulheres sem filhos Deus abenccediloou o pequeno e Eliseu abenccediloou o pequeno Deus adoccedilou o amargo e Eliseu adoccedilou o amargo Deus adoccedilou o amargo por meio do

147

amargo e Eliseu adoccedilou o amargo por meio do amargo R Berekiah interpretou em nome de R Simon Natildeo haacute ningueacutem como Deus Mas quem eacute como Deus Jeshurun que significa Israel o Patriarca Assim como estaacute escrito de Deus E soacute o Senhor seraacute exaltado (Is 21117) Assim de Jacoacute tambeacutem E JACOacute FOI DEIXADO SOZINHO (MIDRASH RABBAH 1939)

O paralelo entre Dt 3326 onde surge o misterioso nome Jeshurun e a mudanccedila

de nome de Jacoacute natildeo se encontra em nenhuma outra parte do Midrash Rabbah E o texto

hebraico de Dt 3326a (acuteecircn Kaumlacuteeumll yuumlšurucircn) suporta ateacute trecircs possibilidades de traduccedilatildeo171

a) A primeira ldquoNatildeo haacute ningueacutem como Deus oacute Jeshurunrdquo exclamaccedilatildeo dirigida

a Israel a partir desse raro tiacutetulo172

b) Outra possibilidade ldquoNatildeo haacute ningueacutem como o Deus de Jeshurunrdquo Uma

afirmaccedilatildeo da importacircncia e poder incomparaacuteveis do Deus de Israel em

relaccedilatildeo aos deuses de outros povos Expressatildeo aliaacutes muito comum na BH

basta citar Ex 1511 Is 401825 465

c) Finalmente esse texto hebraico aceita outra traduccedilatildeo em forma de pergunta

e resposta ldquoHaacute algueacutem como Deus [Sim] Jeshurunrdquo Como pode-se

constatar pela leitura da passagem de Bereshit Rabbah citata acima eacute

justamente esta terceira possibilidade que eacute assumida pelo Saacutebio Simon

O tiacutetulo Jeshurun eacute compreendido agrave luz da palavra hebraica rvy que pode

significar ldquoeretordquo ldquoperfeitamente erguidordquo para sugerir que algueacutem que possa ser

ldquocomo Deusrdquo eacute a mais nobre e distinta pessoa em Israel Assim o nome Jeshurun que

equivale nessa interpretaccedilatildeo rabiacutenica a Israel eacute o maior tiacutetulo honoriacutefico a ser

concedido a uma pessoa Esse tiacutetulo Jeshurun ao que parece ldquoestaacute impregnado do

mundo que viraacute quando nada exceto todas as forccedilas opostas estaraacute no caminho da

soberania de Deusrdquo (HAYWARD 2005 p 254) Esse proecircmio que trata em Bereshit

Rabbah 771 da histoacuteria de Jacoacute destaca a nobreza do povo de Israel bem como o

privileacutegio concedido agraves melhores pessoas deste povo (no texto destacam-se os profetas

Elias e Eliseu) de serem capacitadas pelo Criador para realizar accedilotildees que ele mesmo eacute

capaz de fazer em circunstacircncias normais VON RAD (cf 1977 p 396) vai nessa mesma

171 Cf HAYWARD 2005 p 252-253 172 Retornaremos a esse tiacutetulo Jeshurun no proacuteximo item deste capiacutetulo

148

linha vendo nesse nome novo e honroso uma maneira de Deus reconhecer e admitir

Jacoacute diante de si mesmo

A expressatildeo ldquofoi deixado sozinhordquo que abre e fecha o texto midraacuteshico

expressando a condiccedilatildeo de Jacoacute antes da luta da qual ele emergiraacute como Israel eacute

interpretada pelos rabinos como sendo indicaccedilatildeo da singularidade da personagem

Jacoacute assim como Deus eacute ldquosozinhordquo do mesmo modo Israel eacute sozinho Israel eacute uma

naccedilatildeo singular segundo o Talmude pois eacute a uacutenica a seguir o ensinamento biacuteblico de

1Cr 1721 ldquoQual naccedilatildeo eacute como teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica [acuteeHaumld]173 sobre a

terrardquo Desse modo a unidade de Deus e a singularidade de Israel satildeo vistas como

duas faces da mesma moeda Vejamos no tratado talmuacutedico Berachot 6a

R Nahman b Isaac disse a R Hiyya b Abin O que estaacute escrito no tefilin do Senhor do Universo E ele respondeu-lhe E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] Entatildeo o Santo bendito seja canta os louvores de Israel Sim porque estaacute escrito Hoje tu fizeste o Senhor declarar E o Senhor te declarou hoje [Dt 261718] O Santo bendito seja disse a Israel Tu me fizeste uma entidade uacutenica174 no mundo e eu farei de ti uma entidade uacutenica no mundo ldquoTu me fizeste uma entidade uacutenica no mundordquo como se diz Ouccedila Israel o Senhor nosso Deus o Senhor eacute um [Dt 64] E eu farei de vocecirc uma entidade uacutenica no mundo como se diz E quem eacute como o teu povo Israel uma naccedilatildeo uacutenica na terra [1Cr 1721] R Aha b Raba disse para R Ashi Isso representa um caso e quanto aos outros casos Ele respondeu-lhe [Eles contecircm os seguintes versiacuteculos] Pois que grande naccedilatildeo haacute etc E que grande naccedilatildeo haacute etc Dt 478] Feliz eacutes tu oacute Israel ]Dt 3329] etc Ou Deus intentou [Dt 434] etc e te elevar acima de todas as naccedilotildees [Dt 2619] Se assim haveria muitos casos Por isso [vocecirc deve dizer] Pois que grande naccedilatildeo haacute e E que grande naccedilatildeo haacute que satildeo semelhantes satildeo um caso Feliz eacutes tu oacute Israel Quem eacute como o teu povo em um caso Ou Deus intentou em um caso E para te exaltar em um caso (EPISTEIN 2009)

A partir desses textos percebemos que na mentalidade desses rabinos a

concessatildeo do nome Israel tem a ver com a relaccedilatildeo entre Deus e o mundo que ele criou

e que o aparecimento de Israel o Patriarca como algueacutem que como Deus estaacute ldquosoacuterdquo

natildeo pode ser separado da proclamaccedilatildeo judaica da unidade e singularidade de Deus

173 Importante observar que essa expressatildeo eacute retomada no tratado Sukkat 55b do Talmude Babilocircnico bem como no Targum Pseudo-Jonathan de Nuacutemeros 296 174 JASTROW 2006 p 449 traduz a palavra Haacutedaggericircbaumlh como ldquoobjeto de amorrdquo assim a frase ficaria ldquoo

uacutenico objeto de seu amorrdquo

149

em um mundo agora hostil mas destinado a ser submetido agrave sua ldquoretidatildeordquo

literalmente ldquoverticalidaderdquo

Rashi nos oferece uma interessante justificativa para a mudanccedila do nome de

Jacoacute segundo ele

Natildeo seraacute mais dito que as becircnccedilatildeos vieram a ti com astuacutecia e engano senatildeo com autoridade e clareza E finalmente o Divino Abenccediloado seja Ele se revelaraacute a ti em Bet-El e mudaraacute teu nome e ali Ele te abenccediloaraacute e eu estarei ali e confirmarei a ti sobre elas [as becircnccedilatildeos] E eacute isto que estaacute escrito (Oseias 12) ldquoe dominou o anjo prevaleceu chorou e lhe suplicourdquo o anjo chorou e suplicou-lhe E o que suplicou-lhe [o anjo] ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo Mas Jacob natildeo queria e contra a sua vontade [o anjo] admitiu-lhe sobre elas [as becircnccedilatildeos] E este eacute [o significado de] ldquoE abenccediloou-o alirdquo porque [o anjo] lhe estava suplicando que esperasse por ele e natildeo quis Natildeo temos um nome determinado mudam nossos nomes tudo conforme a ordem do serviccedilo ordenado ao qual noacutes somos enviados (BIacuteBLIA COM COMENTAacuteRIOS DE RASHI 1993 p 159-160)

Como a personagem Jacoacute eacute representada na BH como sendo uma pessoa

habituada a empregar artifiacutecios e artimanhas para obter o que deseja tais como a

usurpaccedilatildeo da primogenitura (cf Gn 271-29) o modo como ele enriqueceu-se (cf Gn

3032-43) a fuga agraves escondidas da propriedade do sogro (cf Gn 31) e finalmente o

envio de presentes ao seu irmatildeo rival Esauacute a fim de amolecer seu coraccedilatildeo e aplacar

um pouco a sua aversatildeo para com ele (cf Gn 3214b-22) Rashi destaca em seu

comentaacuterio que desta vez a becircnccedilatildeo de Jacoacute eacute legiacutetima eacute clara eacute merecida E como

Jacoacute a partir de agora eacute destinado a ser um dos patriarcas um dos Pais da naccedilatildeo

entatildeo o novo nome revela essa nova investidura essa nova missatildeo em sua vida O anjo

na visatildeo de Rashi assim como naquela da maioria dos Saacutebios eacute um mensageiro que

antecipa o encontro pessoal com Deus em Gn 351-15175 Aliaacutes essa becircnccedilatildeo na

narrativa de Gn 3223-33 eacute transmitida assumindo a ldquoforma de um novo nome

175 ldquoEm Bet-El nos encontraraacute [Drsquous] e ali falaraacute conosco Espera por mim ateacute que fale conosco alirdquo como consta do comentaacuterio de Rashi citado acima

150

conferido a Jacoacute em memoacuteria dessa luta de coroaccedilatildeo de sua vidardquo (SKINNER 1994 p

409)176

Comentaristas modernos veem em Gn 3228-29 uma pergunta retoacuterica que daacute

oportunidade para que ldquoJacoacuterdquo e ldquoIsraelrdquo sejam contrapostos trazendo assim agrave mente

a conotaccedilatildeo contrastante dos nomes Uma vez que os nomes proacuteprios na BH estatildeo

inextricavelmente entrelaccedilados com personalidade e destino como vimos no segundo

capiacutetulo deste estudo ldquoa mudanccedila aqui significa uma purgaccedilatildeo final dos traccedilos de

caraacuteter desagradaacutevel com que ya`aacuteqoumlb veio a ser associadordquo (SARNA 1989 p 227)

4 O que significa Israel

O nome laerfyI aparece na antiguidade em sete lugares

a) em um tablete em Ugarit do final do seacutec XIII AEC

b) um relevo topograacutefico foi encontrado em uma laje de granito cinza medindo

46 cm de altura e 395 cm de largura o qual deveria fazer parte do pedestal

de uma estaacutetua egiacutepcia A inscriccedilatildeo eacute em hieroacuteglifo A dataccedilatildeo proposta seria

para a eacutepoca da 19ordf Dinastia egiacutepcia possivelmente durante o reinado de

Ramseacutes II (1290-1224 AEC) (cf GOumlRG 2001) A placa de nuacutemero 21687 em

seu estado atual de preservaccedilatildeo conteacutem trecircs aneacuteis de nomes sobrepostos de

prisioneiros asiaacuteticos ocidentais Ela se encontra nos Museus Nacionais em

Berlim Alemanha

c) na estela do faraoacute Merneptaacute iniacutecio do seacutec XIII AEC

d) na inscriccedilatildeo de Salmanassar III cerca de 853 AEC

e) na inscriccedilatildeo da estela de MeshaMesa cerca de 840 AEC

f) na inscriccedilatildeo da estela de Tell Dan seacutec VIII AEC e

g) na proacutepria Biacuteblia Hebraica

Haacute no entanto alguns aspectos que dificultam concluir se as palavras referidas

a Israel o satildeo de fato No tablete ugariacutetico a soletraccedilatildeo parece ser larfy na estela de

Mesha a letra X pode ser lida tanto como S ou š uma vez que natildeo haacute marca fonoloacutegica

176 DANELL 1946 p 19 tambeacutem afirma que o ldquonome Israel eacute uma recordaccedilatildeo da batalha com o Deus do paiacutes quando ele conseguiu seu objetivordquo ou seja a becircnccedilatildeo e a heranccedila de seus antepassados Abraatildeo e Isaac

151

Das inscriccedilotildees que constam das estelas de Merneptaacute e Salmanassar III eacute impossiacutevel

chegar a uma inequiacutevoca decisatildeo uma vez que o caractere que denota a letra em

questatildeo sustenta ambas pronuacutencias (cf MARGALITH 1990 p 226)

Na placa em granito cinza nuacutemero 21687 possivelmente do seacutec XIII AEC trecircs

nomes podem ser discernidos i-S-q-l-n (Ascalon) k-y-n-` A -nw (Canaatilde) i-[]-š A-i-r (estaacute

preservado parcialmente) Na verdade a borda direita dos hieroacuteglifos que

representam esta uacuteltima palavra estaacute tatildeo desgastada que os restos soacute podem ser

detectados com dificuldade GOumlRG (2001 p 21-27) interpretou o traccedilo horizontal

superior como o bico de um abutre (X) portanto o ldquoacutealef rdquo egiacutepcio representado pelo

sinal A Na reconstruccedilatildeo dessa palavra VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010 p 16-

17) defendem a possibilidade de ler-se este terceiro nome da placa 21687 como sendo

i-A-š A-i-r (eumlXegraveeumllsquo78506 ) GOumlRG (2001 p 21-27) sugeriu a leitura do marcador de vogal A

em egrave (š A) como r (resultando em šr) baseado em vaacuterios exemplos existentes em

outras inscriccedilotildees (cf VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 17-18) Aceitando-se

essa proposta o terceiro nome da placa egiacutepcia que se encontra em Berlim pode ser

lido como IA-Sr-i-r = IA-Sr-il ou YA-Sr-il um nome que sem duacutevida parece-se com o

nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo (hebraico ySracutel) GOumlRG (2001) sugere que a inicial i + A pode ler-

se como i e ou ya portanto seja como a letra inicial em ldquoIsraelrdquo seja quando derivado

de yašar em Yašarel (nome original de Israel) Essa leitura eacute suportada em

SCHNEIDER 1992 p 364-365) Assim sendo VAN DER VEEN THEIS GOumlRG (2010

p 20) veem dois argumentos principais a favor da tese deles

Em primeiro lugar uma vez que existe evidecircncia linguiacutestica de que o nome original ldquoIsraelrdquo poderia ter sido escrito com š (por exemplo com

base no verbo yšr) o uso egiacutepcio de š (em vez de S como na Estela de

Israel de Merneptaacute) natildeo exclui a possibilidade que o nome fosse escrito originalmente com S no semiacutetico ocidental Em segundo lugar e mais

significativamente a proximidade geograacutefica de IA-Sr-ilYA-Sr-il a Ascalon e Canaatilde torna a identificaccedilatildeo com Israel provaacutevel Nenhum local conhecido (especialmente tatildeo perto dessas duas entidades geograacuteficas familiares) tem um nome tatildeo reminiscente do nome biacuteblico ldquoIsraelrdquo

152

O tablete cuneiforme de Ugarit conteacutem uma lista com os nomes dos guerreiros

dos carros de combate de seu exeacutercito por isso provavelmente trata-se de um nome

de pessoa (cf WAGNER 2012) y-š-r-acute i-l Poreacutem esse nome natildeo tem necessariamente

ligaccedilatildeo com o Israel da BH (cf DAVIES 1992 p 57-58)

A inscriccedilatildeo monoliacutetica de Salmanassar III foi encontrada em Kurkh na Turquia

(custodiada atualmente no Museu Britacircnico em Londres) e descreve a campanha do

rei assiacuterio em seu sexto ano do reinado (853 AEC) A inscriccedilatildeo relata a batalha contra

uma coalizaccedilatildeo de cidades-estados da regiatildeo setentrional da Siacuteria em Qarqar cidade

agraves margens do rio Orontes na Siacuteria Haacute uma lista de onze reis (apesar de referir-se a

doze) com os detalhes das tropas enviadas para enfrentar o rei assiacuterio na tentativa de

impedir seu avanccedilo e controle das vias de transporte daquela regiatildeo Entre esses reis

eacute mencionado Acab (governou de 874-853 AEC) ldquo2000 carros e 10000 homens agrave peacute de

Acab de Israelrdquo (WAGNER 2012) Eacute provaacutevel que ldquoIsraelrdquo deva ser entendido como

uma indicaccedilatildeo da aacuterea ldquoIsraelrdquo aqui portanto eacute uma dimensatildeo poliacutetica e territorial

que eacute o reino do norte no seacuteculo IX AEC

A estela de MeshaMesa em basalto negro medindo 1 metro e 10 centiacutemetros

de altura e 60 a 68 centiacutemetros de espessura oferece em 34 linhas que puderam ser

recuperadas um documento que eacute considerado o mais antigo em liacutengua moabita

Nessa estela a palavra ldquoIsraelrdquo aparece como sendo o domiacutenio da dinastia de Omri

Nas linhas 4-7 se lecirc ldquoOmri era o rei de Israel e ele oprimiu Moab por um longo tempo

porque Kemosh estava zangado com a sua terra E foi sucedido por seu filho E ele

disse vou afligir Moab Em meus dias ele disse [por isso] mas eu triunfei sobre ele e

sua casa E Israel pereceu para semprerdquo (WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa)

Claramente trata-se de uma referecircncia ao Reino do Norte Israel e natildeo a um indiviacuteduo

em especiacutefico

Em 1993-1994 durante escavaccedilotildees em Tel Dan (aacuterabe Tel el-Qadi monte do juiz)

no norte de Israel encontrou-se trecircs fragmentos de uma estela em basalto (atualmente

sob os cuidados do Museu de Israel em Jerusaleacutem) que foram reutilizados na

construccedilatildeo de um muro Devido a isso apesar de se encaixarem os trecircs fragmentos

apresentam lacunas no texto O iniacutecio e o final estatildeo faltando p ex e a versatildeo

reconstruiacuteda possui diferentes comprimentos de linha O texto eacute em aramaico antigo e

153

natildeo faz referecircncia a quem mandou redigi-lo haacute uma hipoacutetese de ter sido o rei siacuterio

Hazael de Damasco (cf WAGNER 2012) Trata-se de um relato sobre as vitoacuterias

obtidas contra o Reino do Norte Israel e a ldquocasa de Davirdquo referecircncia ao Reino do Sul

O texto comeccedila com a menccedilatildeo de um pacto entre Israel e Damasco o rei Joratildeo de Israel

(governou de 852-841 AEC) apoacutes a morte de Barhadad II (= Ben-Hadad 845-842 AEC)

rompeu esse acordo ao invadir territoacuterios arameus (cf 2Rs 871528) Hazael (842-805

AEC) provaacutevel usurpador do trono de Damasco conseguiu derrotar Israel e recuperar

os territoacuterios perdidos (cf 2Rs 828) No texto se diz que o monarca arameu matou

Joratildeo de Israel e Ocozias (Acazias) de Judaacute ldquo[Eu matei Jo]ratildeo filho de [Acab] rei de

Israel e eu matei [Acaz]ias filho de [Jeoratildeo re]i da Casa de Davirdquo (linhas 7b-9a

WAGNER 2012 traduccedilatildeo nossa) No entanto na BH em 2Rs 914-27 consta que foi Jeuacute

quem matou tanto Joratildeo (rei de Israel) quanto Ocozias (rei de Judaacute) O que nos

interessa aqui eacute constatar que o governante do Reino do Norte eacute identificado na

inscriccedilatildeo de Tal Dan com sendo ldquorei de Israelrdquo (linhas 3 8 e 12) Somente a tiacutetulo

ilustrativo registre-se aqui as vaacuterias divergecircncias a respeito da possiacutevel expressatildeo

ldquocasa de Davirdquo (detalhes do debate cf ESTELA DE TEL DAN 2016)

Dedicamo-nos agora agrave primeira menccedilatildeo extrabiacuteblica de uma entidade

denominada ldquoIsraelrdquo Paradoxalmente essa menccedilatildeo anuncia a destruiccedilatildeo de Israel

onde ela deveria aparecer Essa menccedilatildeo eacute feita pela estela do faraoacute Merneptaacute que pode

ser datada entre 1210 e 1205 AEC Essa estela atualmente exposta no Museu do Cairo

(Egito) eacute feita em granito medindo 318 metros de altura por 161 metro de largura e

31 centiacutemetros de espessura relata as vitoacuterias do governante do Egito por ocasiatildeo de

uma campanha militar no Levante177

Uma grande alegria eacute advinda ao Egito e o juacutebilo sobe para todas as cidades da terra bem-amada Elas falam das vitoacuterias alcanccediladas por Merneptaacute contra o Tjehenu178 Os chefes tombam dizendo Paz (š-l-m) Nem um soacute levanta a cabeccedila

entre os Nove Arcos179

177 Em PETRIE William M Flinders Six temples at Thebes London [sn] 1897 plate 14 haacute uma imagem de espelho das 28 linhas principais da inscriccedilatildeo nela registrada apud MERNEPTAH STELE 2016 A menccedilatildeo a Israel aparece na linha 27 da inscriccedilatildeo 178 Seriam os ldquolibianosrdquo povos ocidentais e meridionais contiacuteguos ao vale do rio Nilo (cf ROumlMER 2016 p 77 n 7) 179 Termo empregado para representar os inimigos tradicionais do Egito (cf ROumlMER 2016 p 78 n 8)

154

Vencida estaacute a terra dos Tjehenu O Hatti180 estaacute paciacutefico Canaatilde estaacute despojado de tudo o que tinha de mau Ascalon eacute conduzido Gazer estaacute preso Jenoam181 se torna como se nunca tivesse existido Israel estaacute destruiacutedo nem mesmo a sua semente existe A Siacuteria (Hourrou) tornou-se uma viuacuteva para o Egito Todas as terras estatildeo unidas elas estatildeo em paz (Cada um dos) que vagavam estatildeo agora ligados pelo rei do Alto e Baixo Egito Baenrecirc o filho de Recirc Merneptaacute dotado de vida como Recirc cada dia (ROumlMER 2016 p 77-78 grifo nosso)182

O nome de Israel eacute escrito como etnocircnimo ele eacute determinado por um homem e

uma mulher assim como por trecircs traccedilos verticais indicando o plural Algo

interessante eacute o fato da inscriccedilatildeo dizer sobre Israel que ldquonem mesmo a sua semente

existerdquo Essa expressatildeo eacute duacutebia podendo indicar que os campos de trigo (ldquosementerdquo)

que sustentam o povo jaacute natildeo existem mais destruiacutedos que foram pelo exeacutercito do

faraoacute ou entatildeo ldquopode igualmente evocar a praacutetica egiacutepcia de cortar o pecircnis dos

inimigos mortosrdquo (ROumlMER 2016 p 79) Se o escriba quisesse ele poderia ter

especificado melhor incluindo nos hieroacuteglifos gratildeos de trigo ou um falo como ele natildeo

o fez pode ser uma indicaccedilatildeo de ambos significados Provavelmente o Israel

mencionado na estela egiacutepcia seria uma coalizaccedilatildeo de clatildes ou de tribos A sua

localizaccedilatildeo segundo a mesma estela seria entre Ascalon Gazer que designariam as

extremidades sul e Jenoam (Janoam) que indicaria a extremidade norte assim ldquopode-

se imaginar esse Israel na regiatildeo montanhosa de Efraim isto eacute a regiatildeo em que Saul

vai fundar seu lsquoreinorsquordquo (ROumlMER 2016 p 79)

A etimologia da palavra ldquoIsraelrdquo ateacute o momento ainda eacute objeto de debates

controveacutersias e teorias as mais diversas Tentaremos apresentar aqui um quadro

resumido a fim de termos uma ideia panoracircmica

Comeccedilando pela proacutepria etimologia fornecida pelo texto hebraico lemos

ldquoporque lutaste com Deus e com homens e prevalecesterdquo (traduccedilatildeo da maior parte das

versotildees modernas) Neste caso o verbo raro Saumlricirctauml (qal perfeito segunda pessoa

180 Seriam os hititas na Anatoacutelia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 9) 181 A identificaccedilatildeo desse local eacute incerta podendo ser uma regiatildeo na Palestina do Norte ou na Transjordacircnia (cf ROumlMER 2016 p 78 n 10) 182 Roumlmer reconhece-se devedor para a traduccedilatildeo no caso em francecircs do texto em hieroacuteglifos a LALOUETTE Claire LrsquoEmpire des Ramseacutes Paris Flammarion 2000 [1985] p 267

155

masculina singular) da raiz hrf assume o sentido de ldquolutarrdquo ldquolitigarrdquo ldquodisputarrdquo Esse

verbo ocorre novamente em Os 124 na forma qal (perfeito) da terceira pessoa

masculina singular (Saumlracirc) Enquanto a identificaccedilatildeo o verbo woyyaumlordmSar (Os 125) eacute

discutiacutevel podendo ser da mesma raiz hrf como tambeacutem da raiz rwf em um de seus

significados (cf CLINES 1993-2011 v VIII p 119 190) ambas com sentido de lutar

litigar combater

No entanto a primeira parte do nome laerfyI eacute objeto de vaacuterias interpretaccedilotildees

vejamos

a) hrf lutar No entanto o sentido primeiro para o nome natildeo seria ldquolutou com

Deus [El]rdquo ldquocombateu com Deus [El]rdquo mas ldquoQue El combatardquo uma vez que

nos nomes teofoacutericos a tendecircncia eacute o nome da divindade encontrar-se na

posiccedilatildeo de sujeito183 Essa raiz como jaacute dissemos eacute rara surge apena duas

vezes na BH (Gn 3229 e Os 1245[]) Em outras liacutenguas semiacuteticas somente

em Ebla aparece um nome com possibilidade de ter proximidade trata-se

de iš-ra-il com o possiacutevel sentido de ldquocombaterrdquo (cf ROumlMER 2016 p 76)184

Flaacutevio Josefo em Antiguidades Judaicas (1333) assume essa explicaccedilatildeo para a

raiz quando escreve sobre IsraelJacoacute τὸν ἀντιστάτην ἀγγέλῳ θεοῦ

(enfrentoulevantou-se [contra] o anjo de Deus)

b) hrf perseverar persistir portanto El persistepersevera (cf DRIVER 1899

p 530a) ROSS (1985 p 346) e CLINES (1993-2011 v VIII p 190) apontam

outro significado para esse verbo raro na BH que seria contender

competir argumentar rivalizar (inglecircs to contend) ROSS chega mesmo

a levantar a hipoacutetese de que as versotildees gregas e latinas tenham

confundido os verbos hrf (contender competir) e rrf (governar ser

forte dominar) Veja abaixo Essa raiz estaacute presente com muita

183 O primeiro a observar esse fenocircmeno foi NESTLE Eberhard Die israelitischen Eigennamen nach ihrer religionsgeschichtlichen Bedeutung ein Versuch Haarlem F Bohn 1876 apud MARGALITH 1990 p 234 n 52 184 Essa interpretaccedilatildeo fundamenta-se em GORG Manfred Israel in Hieroglyphen Biblische Notizen - Beitraumlge zur exegetischen Diskussion Muumlnchen Institut fuumlr Biblische Exegese Altes Testament Heft 106 p 21-27 2001 e VAN DER VEEN THEIS GOumlRG 2010 p 19 24 n 66

156

probabilidade no nome proacuteprio Saraiacuteas (Suumlraumlyacirc)185 que poderia ser

interpretado como ldquoGuerreiroPriacutencipe de YHWHrdquo ldquoYHWH

governaregerdquo e assim por diante

c) hrf brilhar resplandecer daiacute ler-se o nome como El resplendebilha Essa

leitura eacute amparada na possibilidade de uma equivalecircncia com a palavra

aacuterabe šariya (cf BAUER 1933 p 83) Em hebraico esse sentido eacute transmitido

com a raiz nGh Em acaacutedio encontramos um termo com uma raiz semelhante

mas natildeo igual caraumlru (iluminar acender)186

d) rrf governar reinar dominar impor-se como senhor ser forte (cf Nm

1613 Is 321) Redundando entatildeo em ldquoQue El governerdquo ldquoQue El reinerdquo A

BH atesta outros nomes proacuteprios com essa raiz como p ex Śeraumlyaumlh ou na

forma longa Śeraumlyaumlhucirc (YHWH reina) nome de um sacerdote em 2Rs 2518

(BJ Saraiacuteas) e de um funcionaacuterio do rei Sedecias em Jr 3626 Oseias 125a

(woyyaumlordmSar acuteel-malacuteaumlk wayyugravekaumll) que geralmente eacute traduzido como ldquoLutou

contra um anjo e o venceurdquo traz provavelmente esse verbo ROumlMER (2016)

e outros estudiosos veem aqui uma revisatildeo dogmaacutetica massoreacutetica ao

introduzir a palavra ldquoanjosrdquo ao inveacutes de Deus (YHWH ou El Elohicircm) Pois

ldquoos massoretas queriam evitar uma proximidade muito grande entre Jacoacute e

Deus e por consequecircncia inseriram a palavra malacuteaumlk (lsquoanjorsquo)

transformando assim o termo acuteeumll que na origem significava o deus El por

uma mudanccedila de vocalizaccedilatildeo em uma preposiccedilatildeo acuteel (lsquopara em direccedilatildeo arsquo)rdquo

(ROumlMER 2016 p 77) O texto de Os 125 poderia entatildeo ser refeito do

seguinte modo ldquoEl se impocircs e o levou (woyyaumlordmSar acuteeumll wayyugravekaumll)rdquo (ROumlMER

2016 p 77) O verbo vem do sentido denominativo ldquogovernarrdquo originado

de rf (ugariacutetico šr ndash cf SAUER 1966 p 240)187 ldquopriacutencipe governanterdquo Tal

185 Esse nome estaacute presente na BH em 2Sm 817 2Rs 251823 1Cr 4131435 614 (2x) Esd 22 71 Ne 102 1111 12112 Jr 3626 408 5159 (2x)61 5224 186 Cf FOWLER 1988 p 244 187 Em ugariacutetico essa raiz talvez poderia ser ainda šrr com o sentido de ldquosoltarrdquo ldquosoltar-serdquo ldquolivrarrdquo

cuja raiz corresponderia ao hebraico yš` com o significado de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo (cf FOWLER 1988 p

289)

157

raiz pode ter relaccedilatildeo tambeacutem com o substantivo emarita šarru188 que

significa governantes funcionaacuterios da administraccedilatildeo (cf TAWIL 2009 p

380) Nessa perspectiva de interpretaccedilatildeo a Septuaginta (LXX) lecirc ὅτι

ἐνίσχυσας μετὰ θεοῦ καὶ μετὰ ἀνθρώπων δυνατός (ldquoporque tu foste forte

com Deus e com os homens poderosordquo cf LA BIBLIE DrsquoALEXANDRIE

LA GENEgraveSE 1986 p 242-244) Essa traduccedilatildeo da versatildeo grega eacute resultado de

uma visatildeo mais ampla que possuem da personagem Jacoacute De alguma

maneira jaacute prefigurando a histoacuteria de seus descentes em sua libertaccedilatildeo da

servidatildeo no Egito e sua obtenccedilatildeo da Terra Prometida A Vulgata versatildeo

latina de Jerocircnimo tambeacutem segue essa interpretaccedilatildeo ldquoquoniam si contra

Deum fortis fuisti quanto magis contra homines praevalebisrdquo (trad nossa porque

se contra Deus foste forte quanto mais prevaleceste contra os homens) Interessante

observar que uma outra explicaccedilatildeo etimoloacutegica por parte da BH aproxima-

se dessa de Gn 3229 Estamos nos referindo a Jz 632 (wayyiqraumlacute-locirc bayyocircm-

hahucircacute yuumlruBBaordm al leumlacutemoumlr yaumlordmreb Bocirc haBBaordm al Kicirc naumltac e|t-mizBuumlHocirc traduccedilatildeo nossa

Chamou-lhe naquele dia Jerubaal dizendo ldquoQue Baal contenda contra ele

porque destruiu o seu altarrdquo) No entanto temos aqui a raiz verbal byr (cf

CLINES 1993-2011 v VII p 478 KOEHLER BAUMGARTNER 2001 v 2

p 1224) e natildeo a raiz bbr189

e) rfy curar (os enfermos) portanto ldquoEl [Deus] curardquo Nas liacutenguas semiacuteticas

incluindo o hebraico e o aramaico o termo natildeo eacute encontrado mas somente

em aacuterabe (raiz nasarawasara190 = reviver reanimar) e etiacuteope (saraya = curar)

188 Emarita eacute o nome que se daacute agrave liacutengua da Emar antiga atual Meskene Qadine (Siacuteria) onde foram encontrados cerca de 1200 fragmentos de textos legais clericais religiosos literaacuterios e lexicais A maioria desses textos encontrados foram escritos em acaacutedio poreacutem haacute vaacuterios redigidos na liacutengua local de Emar denominada ldquoemaritardquo Eles satildeo datados grosso modo do periacuteodo entre os seacuteculos XIX a XII AEC (Era do Bronze Tardio na Siacuteria) Geralmente essa liacutengua eacute classificada como semiacutetica noroeste (cf VITA 2015 p 377) 189 EISSFELDT (1968 p 76 n 2) afirma que a raiz por detraacutes do verbo yaumlordmreb seja bbr que significa ldquoser

granderdquo ldquoengrandecerrdquo Segundo ele o que torna semelhantes essas duas explicaccedilotildees etimoloacutegicas (Israel e Jerubaal) eacute o fato dos verbos que constituem esses dois nomes (segundo Eissfeldt hrf para

Israel e bbr para Jerubaal) originalmente terem um significado diferente daquele de lutar combater e

contender que acaba surgindo na explicaccedilatildeo do texto biacuteblico 190 Essa diferenccedila de raiacutezes Albright explica na passagem citada devido a uma contaminaccedilatildeo morfoloacutegica das raiacutezes de I-waw e I-nun que ocorria muito na antiguidade

158

com esse sentido (cf ALBRIGHT 1927 p 154-158) Mas eacute uma proposta que

natildeo eacute levada muito em consideraccedilatildeo como explicaccedilatildeo etimoloacutegica

f) rvy ser direito (de peacute) ser correto ser justo191 Em ugariacutetico a raiz yšr eacute

traduzida como ldquoretidatildeo legalidaderdquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004

p 989) Em acaacutedio com essa raiz encontramos o verbo ešeumlru com o sentido

de endireitar prosperar estar em um modo correto e o adjetivo išaru que

significa ldquojustordquo ldquodireitordquo ldquocorretordquo (cf TAWIL 2009 p 151-152) De onde

se pode traduzir o nome Israel como ldquoEl [Deus] eacute justordquo ldquoEl eacute corretordquo (cf

JACOB 1955 p 155) Essa raiz eacute reencontrada em textos da BH Dt 3215

33526 como Yuumlšurucircn (um nome poeacutetico para Israel)192 Em Mq 27 aparece

como um adjetivo yaumlšaumlr (retidatildeo) Isaias 442 Yuumlšurucircn novamente aparece

formando um paralelismo literaacuterio proacuteprio da poesia hebraica acuteal-Ticircraumlacute `abDicirc

ya|`aacuteqoumlb wicircšurucircn BaumlHaordmrTicirc bocirc (Natildeo temas Jacoacute meu servo e Jeshurun meu

escolhido) No caso de estar relacionado a Israel o Patriarca sendo um nome

paralelo entatildeo a raiz rvy seria muito clara na etimologia do nome patriarcal

Assim a mudanccedila de nome de Jacoacute para Israel expressaria uma mudanccedila de

caraacuteter do desvio agrave retidatildeo moral Essa interpretaccedilatildeo pode ser encontrada na

Yalkut Reubeni (Gn 3229)193 e no comentaacuterio ao Deuteronocircmio de Ramban

(210 e 712)194 Segundo esses rabinos o nome Israel significaria ldquoAquele que

eacute reto com Deusrdquo O fato de Israel ser escrito com S (sin) e natildeo š (shin) natildeo

significa que natildeo tenha alguma relaccedilatildeo com a raiz rvy Eacute de se observar que

a pontuaccedilatildeo da sibilante X somente foi finalizada pelos massoretas na Idade

191 Cf SACHSSE 1914 p 1-15 192 Apesar que FOWLER (1988 p 186 202) natildeo reconhece a existecircncia de nomes teofoacutericos em hebraico com essa raiz Segundo a autora a ideia da divindade como ldquojustardquo ldquoretardquo eacute transmitida em nomes

hebraicos pela raiz cDq 193 Apud SARNA 1989 p 405 O Yalqut Reubeni que significa ldquoColeccedilatildeo de Reubenrdquo eacute uma coleccedilatildeo do seacuteculo XVII EC de midrashim composta pelo rabino Reuben Hoschke Kohen (falecido em 1673) impresso primeiramente em Praga em 1660 A coleccedilatildeo inclui expansotildees de lendas rabiacutenicas adepto do misticismo cabaliacutestico 194 Ramban eacute o acrocircnimo do nome de Mōšeh bēn-Nāḥmān (1194-1270) normalmente conhecido como Nachmanides um rabino sefardita catalatildeo filoacutesofo meacutedico cabalista e comentarista biacuteblico Ele nasceu cresceu estudou e viveu a maior parte de sua vida em Girona Catalunha Espanha Nachmanides eacute tambeacutem considerado uma figura importante no restabelecimento da comunidade judaica em Jerusaleacutem apoacutes a sua dizimaccedilatildeo nas matildeos dos cruzados em 1099 (cf WIGODER 1993 p 797-799)

159

Meacutedia Portanto tanto sin com shin satildeo possiacuteveis em vaacuterias palavras

hebraicas Em ugariacutetico p ex natildeo haacute uma consoante que corresponda

consistentemente agrave hebraica sin ldquoregularmente o fonema sibilante š e

usualmente o fonema sibilante S aparecem na ortografia como šldquo (GORDON

1940 sect 3 11 12)195 E isso se repete em outras liacutenguas como o feniacutecio e no

acaacutedio 196 A partir da raiz rfyrvy GOumlRG (2001 p 26) sugere que o nome

ldquoIsraelrdquo possa ser derivado de um nome original canaanita Eshar-Il

Yashar-Il (ldquoPerfeito eacute Elrdquo) Ele constata que nomes similares com ou sem a

presenccedila do elemento divino e derivados dos verbos rfyrvy (ldquoser corretordquo)

satildeo atestados em onomaacutestica amorita do iniacutecio do segundo milecircnio AEC Ya-

sa-rum I-šar-li-im Ḫa-mu-yi-šar

g) rva ser feliz O nome da tribo de Asher (BJ Aser) e da deusa feniacutecia Asheraacute

(BJ Aseraacute) esposa do deus El parecem originar-se dessa raiz Em ugariacutetico

encontramos de fato a palavra išryT um substantivo feminino traduzido

como ldquofelicidade alegriardquo (cf OLMO LETE SANMARTIacuteN 2004 p 118)

Lembrando que em ugariacutetico noacutes natildeo temos somente um a mas trecircs com

variaccedilotildees foneacuteticas de a i e u Isso porque no Protossemiacutetico e nas liacutenguas

semiacuteticas conservadoras as siacutelabas virtualmente sempre comeccedilam com uma

consoante Desse modo o alfabeto consonantal era adequado No entanto

em algumas outras liacutenguas uma vogal sempre constitui a siacutelaba O alfabeto

ugariacutetico tambeacutem era usado para escrever liacutenguas nas quais a siacutelaba poderia

incluir vogais Por essa razatildeo letras vogais se faziam necessaacuterias Era natural

assumir a distribuiccedilatildeo vocaacutelica do acaacutedio cuneiforme pelo qual todas as

vogais satildeo classificadas ortograficamente como a i ou u A vogal e natildeo eacute

nitidamente distinguida de i Contudo esse procedimento natildeo combinava

com o alfabeto consonantal que era apropriado para a liacutengua semiacutetica de

Ugarit Entatildeo um arranjo foi efetuado foram utilizados trecircs sinais acutealef cujos

195 ldquoO š hebraico biacuteblico corresponde seja ao ugariacutetico š (proto-semiacutetico s) seja ao ugariacutetico t (proto-

semiacutetico q) Mas observe-se tambeacutem que o ugariacutetico š reflete o proto-semiacutetico s (hebraico biacuteblico š) e

o proto-semiacutetico S (hebraico biacuteblico S)rdquo (HUEHNERGARD 2012 p 26) 196 Para uma visatildeo mais ampla e detalhada a respeito das sibilantes sin e shin pode-se consultar MARCUS 1941 p 141-150

160

valores normais em textos ugariacuteticos eram acute a acute i e acute u enquanto que em

textos hurritas e acaacutedios eles poderiam representar simplesmente a i u (cf

GORDON 1998 p 18 44)

h) hrfmi governo (cf Is 956) Daiacute podendo ser traduzido o nome como ldquoEl

julgardquo COOTE (1972 p 138-140) argumenta que o segundo sentido da raiz

contendo rf como os radicais fortes eacute ldquocortarrdquo Esse estudioso pensa que tal

raiz (cortar) forneccedila uma adequada etimologia para Israel devido a

frequecircncia com que se constata um desenvolvimento semacircntico de ldquocortarrdquo

para decidir aconselhar ou julgar governar Como eacute o caso do acaacutedio

šarrum que liga-se indiretamente a raiacutezes tais como mašaumlru (primitivo

wašaumlru ndash cortar) ou šaššaru (primitivo šaršaru ndash ver) Em aacuterabe COOTE

(1972 p 139) encontra acuteašaumlra (conselho) e mušicircr (conselheiro) que tanto

podem ser provenientes de raiacutezes que significam ldquocortarrdquo como ldquobilharrdquo Em

hebraico o estudioso encontra hrfmi como sendo relacionado agraves raiacutezes com

rf forte significando ldquocortarrdquo Nesse caso este substantivo poderia ser um

derivado do verbo yrf ou rfy significando ldquoEl julgardquo no sentido de

ldquogovernar por meio de julgamento ou decretordquo (COOTE 1972 p 140-141)

i) Iser ldquosantordquo palavra egeia (FEIST 1929 p 319) Podendo interpretar-se o

nome Israel como ldquoDeus [El] eacute santordquo Essa tese tambeacutem natildeo foi defendida

por nenhum outro estudioso

j) har ver daiacute interpretar-se o nome como ldquoAquele que vecirc Deusrdquo ([ὁ] ὁρῶν

τὸν θεoacuteν) Fiacutelon de Alexandria (cerca 20 AEC a cerca 50 EC)197 foi o primeiro

a propor essa explicaccedilatildeo que alguns Padres da Igreja como se costuma

denominar os primeiros teoacutelogos e filoacutesofos do cristianismo acabaram

acompanhando no nome ldquoIsraelrdquo a junccedilatildeo de trecircs palavras hebraicas lae

(Deus) + har (ver) + vyai (homem)198 Essa interpretaccedilatildeo eacute fruto certamente

daquilo que se lecirc no v 31 quando Jacoacute admite ter ldquovisto Elohicircm face a facerdquo

197 Cf SACHSSE 1914 p 2-3 198 Pensam assim Novaciano (200-258 EC ndash Friacutegia) em sua obra De Trinitate 198-14 Joatildeo Crisoacutestomo (cerca de 347-407 EC) em sua obra Homilias sobre o Gecircnesis 5810 e Agostinho (354-430 EC) em sua obra De Civitate Dei 1639 apud SHERIDAN 2004 p 325-327

161

Certamente eacute possiacutevel que uma dessas raiacutezes semiacuteticas acima elencadas esteja

etimologicamente relacionada ao nome ldquoIsraelrdquo e que o nome signifique algo como

[El] ldquogovernajulgardquo ldquoreinardquo ldquoimpotildee-se como senhorrdquo ldquoEl eacute o senhorrdquo e assim por

diante Deve-se observar poreacutem que haacute um significado que o proacuteprio texto daacute ao

nome (Gn 3229) que costuma-se denominar de ldquoetimologia popularrdquo (cf abaixo)

Como oportunamente observou ROSS (1985 p 347-348)

A maioria dessas outras sugestotildees natildeo satildeo mais convincentes que aquela que a etimologia popular deu no texto de Gecircnesis O conceito da luta de Deus com algueacutem certamente natildeo eacute mais um problema do que a proacutepria passagem E a inversatildeo da ecircnfase (de ldquoDeus lutardquo para ldquolutar com Deusrdquo) na explicaccedilatildeo eacute por causa da natureza das etimologias populares que se satisfazem com um jogo de palavras sobre o som ou o sentido do nome para expressar seu significado

O nome no contexto serve para evocar a memoacuteria daquilo que se passou no

vau o rio Jaboc ou seja a luta Tem suas razotildees VON RAD (1977 p 396-397) quando

afirma que o nome ldquoeacute interpretado aqui de maneira muito livre contrariamente ao seu

sentido etimoloacutegico original (lsquoQue Deus reinersquo) como se Deus fosse natildeo o elemento

ativo mas o passivo da luta com Jacoacute (obviamente a nossa traduccedilatildeo lsquolutarrsquo natildeo eacute de

todo segura)rdquo Importa destacar na observaccedilatildeo de VON RAD a liberdade inerente ao

autor do texto quando fornece uma explicaccedilatildeo ao novo nome do Patriarca

Aliaacutes o livro de Gecircnesis eacute de longe a mais rica fonte de exemplos nos quais a

nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares vem acompanhada por uma explicaccedilatildeo etimoloacutegica

do novo nome conferido Se natildeo isso ao menos uma alusatildeo ao sentido etimoloacutegico do

nome eacute feita (cf KRAŠOVEC 2010 p 6-7) Eva (320 - Hawwacirc) Caim (41 - qayin) Set

(425 - šeumlt) Noeacute (529 - noumlordfH) Babel (119 - Baumlbel) Ismael (161115 - yišmauml`eumlacutel) El-Roiacute

(1613 - acuteaTTacirc acuteeumll roacuteacuteicirc) Laai-Roiacute (1614 - Buumlacuteeumlr laHay roumlacuteicirc) AbratildeoAbraatildeo (175 - acuteabraumlm

acuteabraumlhaumlm) SaraiSara (1715 ndash Saumlray Saumlracirc) Segor (1920-22 - cocirc`ar) Moab (1937 -

mocircacuteaumlb) Ben-Ami (1938 - Ben-`ammicirc) Isaac (213-6 - yicHaumlq) Bersabeia (2131 - Buumlacuteeumlr

šaumlba`) ldquoYHWH proveraacuterdquo (2214 - yhwh(acuteaumldoumlnaumly) yiracuteegrave) Esauacute (2525 - `eumlSaumlw) Jacoacute (2526

- ya`aacuteqoumlb) Edom (2530 - acuteeacutedocircm) Esec (2620 - `eumlSeq) Sitna (2621 - Sidaggernacirc) Reobot (2622

- ruumlHoumlbocirct) SebaBersabeia (2633 - šib`acirc Buumlacuteeumlr šeba`) Jacoacute (2736 - ya`aacuteqoumlb)

162

BetelLuza (2819 - Becirc|t-acuteeumll lucircz) Ruacuteben (2932 - ruumlacuteucircbeumln) Simeatildeo (2933 - šim`ocircn) Levi

(2934 - leumlwicirc) Judaacute (2935 - yuumlhucircdacirc) Datilde (306 - Daumln) Neftali (308 - napTaumllicirc) Gad (3011

- Gaumld) Aser (3013 - acuteaumlšeumlr) Isaacar (3018 - yiSSaumlJkaumlr) Zabulon (3020 - zuumlbulucircn) Joseacute

(3023-24 - yocircseumlp) Jegar-Saaduta (3147 - yuumlgar Saumlhaacuteducirctaumlacute) Galed (3148 - Gal`eumld) Masfa

(3149 - micPacirc) Maanaim (322 - ma|Haacutenaumlyim) Fanuel (3231 - Puumlnicircacuteeumll) Sucot (3317 -

suKKocirct) El-Betel (357 - acuteeumll Becirct-acuteeumll) Carvalho-dos-Prantos (358 - acuteallocircn Baumlkucirct)

BenocircniBenjamim (3518 - Ben-acuteocircnicirc binyaumlmicircn) Fareacutes (3829 - Paumlrec) Zara (3830 -

zaumlraH) Manasseacutes (4151 - muumlnaššegrave) Efraim (4152 - acuteepraumlyim) Abel-Mesraim (5011 -

acuteaumlbeumll micrayim)

Apoacutes analisar vaacuterios casos de etiologias que se fundamentavam em etimologias

que tinham pouco ou nada a ver com o nome em questatildeo KRAŠOVEC (2010 p 43)

chega agrave seguinte conclusatildeo

Todos os exemplos de explicaccedilatildeo etioloacutegica de etimologia de nomes proacuteprios na Biacuteblia Hebraica representam uma foacutermula literaacuteria baacutesica que aparece em variantes Qualquer anaacutelise da explicaccedilatildeo etioloacutegica da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos levanta questotildees sobre a origem e o crescimento do texto seu cenaacuterio histoacuterico e sua autoria O contexto imediato e o contexto mais amplo das narrativas indicam claramente que uma histoacuteria complexa de tradiccedilotildees populares e criaccedilotildees literaacuterias estaacute por traacutes do presente texto As explicaccedilotildees etioloacutegicas da etimologia dos nomes proacuteprios biacuteblicos satildeo fenocircmenos literaacuterios e estiliacutesticos A nomeaccedilatildeo de pessoas ou lugares e a explicaccedilatildeo para os nomes baseiam-se em consideraccedilotildees literaacuterias antes que linguiacutesticas

GOumlRG (1991 p 81) faz uma constataccedilatildeo muito pertinente a essa questatildeo

segundo ele

Os nomes pessoais hebraicos do Antigo Testamento satildeo pesquisadas geralmente segundo a sua etimologia e semacircntica raramente pela sua forma sintaacutetica [] Um problema especiacutefico eacute a posiccedilatildeo de um nome em um dado contexto [] A etimologia filoloacutegica e linguisticamente defensaacutevel em conjunto com a descriccedilatildeo gramatical sintaacutetica da formaccedilatildeo do nome da pessoa nesses casos eacute em uacuteltima anaacutelise irrelevante para o processamento de exibiccedilatildeo o que eacute significativo somente para a intenccedilatildeo e horizonte da unidade ou dos literatos Na

163

ciecircncia ainda se gosta neste contexto de utilizar o termo criacutetico ldquoetimologia popularrdquo

ULLMANN (1967 p 205-206) mesmo referindo-se a casos extrabiacuteblicos jaacute

observava que palavras se formam em muitos casos por motivaccedilatildeo morfoloacutegica

(entenda-se foneacutetica) processo que vulgarmente eacute chamado de ldquoetimologia popularrdquo

Esta designaccedilatildeo foi muitas vezes criticada e ldquopopularrdquo natildeo eacute de fato termo muito apropriado pois que muitos destes erros natildeo foram cometidos pelo ldquopovordquo mas por pessoas cultas ou semicultas os copistas medievais os humanistas do Renascimento e outros ldquoEtimologia associativardquo designaccedilatildeo sugerida pelo professor Orr199 seria mais apropriada [] A forccedila impulsora que estaacute por detraacutes da etimologia popular eacute o desejo de motivar na linguagem aquilo que eacute ou se tornou opaco Como recentemente declarou um linguista francecircs ldquoa etimologia popular eacute uma reaccedilatildeo contra a arbitrariedade do signo Quer-se a todo custo explicar aquilo de que a liacutengua eacute incapaz de fornecer a explicaccedilatildeordquo200 A motivaccedilatildeo que deste modo uma palavra recebe eacute mais psicoloacutegica do que histoacuterica baseia-se nas associaccedilotildees do som e do sentido e nada tecircm a ver com os fatos da etimologia cientiacutefica [] A etimologia popular pode mesmo entrar em jogo quando as duas palavras natildeo satildeo idecircnticas mas apenas semelhantes no som Em tais casos a forma de uma das palavras seraacute alterada para a tornar homocircnima da outra (ULLMANN 1967 p 206 211-212)

Apenas para ficarmos em um exemplo de como a preocupaccedilatildeo de explicar ldquoa

todo custo aquilo de que a liacutengua eacute incapazrdquo como afirma ULLMANN no texto acima

citado tomemos o caso de Hermann Gunkel (1862-1932) um dos maiores e mais

reconhecidos estudiosos da literatura veterotestamentaacuteria fundador do meacutetodo de

anaacutelise conhecido por Formgeschichte (Criacutetica da Forma ou Histoacuteria das Formas que

consiste no estudo aprofundado dos gecircneros literaacuterios da Biacuteblia) e um dos maiores

representantes da Religionsgeschichtliche Schule (Escola da Histoacuteria das Religiotildees termo

aplicado a um grupo de teoacutelogos protestantes alematildees associados agrave Universidade de

199 O autor faz menccedilatildeo aqui agrave seguinte obra ORR John Words and sounds in English and French Oxford Basil Blackwell 1953 (Modern Language Studies 177) 200 Citaccedilatildeo do artigo VENDRYES Joseph Sur la deacutenomination Observations de linguistique general tregraves fines et de grande porteacutee pour lrsquohistoire et lrsquousage de vocabulaires Bulletin de la Socieacuteteacute de Linguistique de Paris Paris Librairie C Klincksieck t 48 fasc 1 p 1-13 1952 A citaccedilatildeo mencionada acima estaacute na p 6

164

Goumlttingen na deacutecada de 1890) Os estudiosos deparam-se com a dificuldade de se

tomar o nome ldquoIsraelrdquo a partir da etimologia fornecida pelo texto na qual Deus (El) eacute

o objeto e natildeo o sujeito do nome como se esperava sempre em casos semelhantes tal

interpolaccedilatildeo eacute assumida como se o nome fosse um lema para recordar a apreensatildeo da

becircnccedilatildeo por parte de Jacoacute a qual seria uma promessa de vitoacuteria e sucesso (cf SKINNER

1994 p 409) Gunkel afirma que essa explicaccedilatildeo do significado do nome fornecida

pelo texto foi orgulhosamente empregada para mostrar a natureza invenciacutevel e

triunfante da naccedilatildeo Israel com a ajuda de Deus lutaria contra todo o mundo e

quando necessaacuterio lutaria contra o proacuteprio Deus Vejamos o texto original em alematildeo

ldquoEs ist ein groszligartiger and sicherlich uralter Gedanke Israels es sei im Stande nicht nur die

Welt mit Gottes Huumllfe sondern auch wo noumltig Gott selber zu bekaumlmpfen and zu

uumlberwindenrdquo201 Gunkel atualizou essa afirmaccedilatildeo na terceira e uacuteltima ediccedilatildeo de sua obra

Genesis em 1910 a qual serviu de base para a versatildeo inglesa atual Ali se lecirc ldquoIsrael

Antigo assim interpreta seu nome com orgulhosa arrogacircncia para significar lsquolutador

vitorioso contra Deus e as pessoasrsquo lsquoinvenciacutevelrsquo lsquovitoriosorsquo para quem a divindade

natildeo poderia compelir nenhum inimigo o controlariardquo (GUNKEL 1997 p 350)202

Portanto mais do que nos apegarmos agraves vaacuterias possibilidades etimoloacutegicas

propostas por saacutebios e especialistas ao longo dos uacuteltimos seacuteculos em uma perspectiva

literaacuteria eacute mais uacutetil e producente nos atermos ao texto e seu contexto Atualmente

costuma-se denominar a etimologia biacuteblica com os termos ldquoetimologia literaacuteriardquo uma

vez que a sua preocupaccedilatildeo natildeo eacute com o sentido cientiacutefico da palavra explicada mas

sua funccedilatildeo no contexto literaacuterio em que se encontra ou midrashei shemot (twmv yvrdm)

termo tomado de empreacutestimo da literatura dos Saacutebios judeus indicando

ldquointerpretaccedilotildees de natureza midraacuteshica (homileacutetica) aplicadas aos nomes de pessoas

ou de lugares com base na sonoridade ou potencial semacircnticordquo (GARSIEL 1991 p 19)

Em inglecircs esse tipo de interpretaccedilatildeo eacute denominada midrashic name derivation (MND)

201 Este texto foi extraiacutedo da primeira ediccedilatildeo da obra de Hermann Gunkel Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1901 p 328 Uma traduccedilatildeo mais livre poderia ser ldquoEacute uma grande e certamente antiga ideia de Israel que ele era capaz [no sentido de dar conta] natildeo soacute com todo o mundo com a ajuda de Deus mas tambeacutem se necessaacuterio de lutar contra o proacuteprio Deus e de superarrdquo 202 A parte final dessa traduccedilatildeo (ldquopara quem a divindaderdquo) encontra-se no original da seguinte forma ldquodenn wen selbst die Gottheit nicht bezwingen konnte den wird kein Feind bewaumlltigenrdquo (GUNKEL Hermann Genesis uumlbersetzt und erklaumlrt 3 Aufl Goumlttingen Vandenhoeck amp Ruprecht 1910)

165

A MND estaacute focada no passado onde vai buscar o sentido em eventos jaacute ocorridos

relacionados agravequela pessoa ou lugar ou no futuro sendo o nome algum tipo de

antecipaccedilatildeo de incidentes que ainda teratildeo lugar Para atingir tal escopo o autor lanccedila

matildeo de jogos de palavras trocadilhos assonacircncias uso de palavras cujas raiacutezes satildeo

semelhantes e assim por diante Tomemos um exemplo bem ilustrativo relacionado

ao nome de Jacoacute e Israel Neste exemplo um dos nomes Jacoacute natildeo eacute nem mesmo

mencionado mas o jogo eacute realizado com uma palavra que possui raiz e sonoridade

semelhante ao nome que se deseja referir Vejamos Amoacutes 412203

ה לכן ך כ ראל אעשה־ל ש י

אתi עקב אעשה־לך כי־ז

כון ראת־אלהיך ה ק ראל ל ש י

Portanto assim eu te farei oacute Israel

Porque (`qb) assim eu te farei

Prepara-te para encontrar com teu Deus oacute Israel (trad nossa)

Observa-se que o nome ldquoIsraelrdquo aparece aqui duas vezes enquanto ldquoJacoacuterdquo (y`qb

ndash bq[y) natildeo Mas eacute a Jacoacute que a derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome se refere quando usa

`qb No texto essa palavra constitui uma variaccedilatildeo homileacutetica de y`qb que eacute tratado

como uma conjunccedilatildeo causativa (porque) A falta de clareza do fraseado em hebraico eacute

uma evidecircncia do desejo profeacutetico de incluir uma derivaccedilatildeo midraacuteshica do nome Natildeo

se teme em trazer alguma dificuldade agrave fluidez do texto tanto para se atingir um

objetivo Inclusive o duplo uso do verbo ldquofazerrdquo (`Sh - hf[) pode tambeacutem ser

intencional uma vez que na narrativa de Gecircnesis esse verbo fornece uma derivaccedilatildeo

midraacuteshica do nome do irmatildeo gecircmeo de Jacoacute Esauacute (`Sw - wf[) como exemplo cf Gn

27479141931 Dt 229 Ez 356

Retornemos agrave nossa periacutecope de Gn 3223-33 Na BH frequentemente quando

um nome eacute concedido a etimologia eacute explicada em verso Por isso natildeo nos surpreende

ler em Gn 3229b

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

203 Este exemplo eacute tomado de GARSIEL 1991 p 133-134

166

Agrave primeira vista essas duas linhas parecem um pobre bicolon204 Como a

sintaxe agora estaacute a uacuteltima palavra eacute separada de todas as outras para isolar uma

sentenccedila longa combinada com uma palavra final No entanto eacute possiacutevel enxergar um

bicolon poeacutetico por detraacutes dessas linhas segundo COOTE (1972 p 137) De fato ele

observa que como as linhas se encontram atualmente a siacutelaba meacutetrica eacute 8 por 8 Mas

se fizermos uma substituiccedilatildeo por formas mais antigas e mudanccedilas apropriadas o

paralelismo continua

Kicirc Saumlricirctauml `im acuteeacuteloumlhicircm Kicirc Sricirct `m acutelhicircm205

`im acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll206 `m acutenšicircm waTucirckl

Existem pares em paralelo que revelam o sentido paralelo original presumiacutevel

de todo o bicolon Sry|yKl `m|`m e acutelhicircm|acutenšicircm Desconsiderando por um momento

o waw conversivo percebemos o paralelismo arcaico comum das formas qtl (perfeito)

e yqtol (imperfeito) SricircT |TucircKl A disposiccedilatildeo dos pares eacute quiaacutestica Proporcionando um

sentido para a raiz Sry que se encaixa na histoacuteria eacute paralela a ykl e desfruta do suporte

da tradiccedilatildeo Em base a isso COOTE (1972 p 137) propotildee ler a explicaccedilatildeo etimoloacutegica

hipoteticamente nos termos da evidecircncia poeacutetica

Porque tu lutaste com deuses

E com homens tu prevaleceste207

COOTE observa que ldquoo significado da raiz Sry em Gn 3229

naturalmente natildeo eacute necessariamente o mesmo que o significado original de Sricirc no

nome de Israelrdquo (1972 p 137) Deve-se notar que ykl (raiz de Tucirckaumll) pode ser paralela

ao sentido tradicional de Sry em Gecircnesis 32 Se na origem do nome Israel vermos uma

construccedilatildeo arcaica (cf nota de rodapeacute abaixo) em referecircncia a El antes e ademais de

204 Bicolon (plural bicolons) eacute um par de linhas adjacentes de poesia em que a segunda linha ecoa o significado da primeira 205 Para tornar mais claro o paralelismo nessa segunda coluna foram retiradas as vogais e preservadas somente as consoantes e matres lectionis 206 Nesta segunda linha segundo COOTE (1972 p 137 n 1) eacute melhor abandonar o primeiro waw antes que o segundo e o kicirc pode ser abandonado ou mantido Ele observa ainda que a sintaxe da segunda linha natildeo eacute estranha pois aparece ocasionalmente no ugariacutetico onde seguindo uma frase adverbial uma forma yqtl pode ser precedida por waw (cf GORDON 1998 sect 1334) 207 COOTE (1972 p 141) em base ao paralelismo de `m acutelhicircm e `m acutenšicircm sugere que a sentenccedila completa

da forma do nome ldquoIsraelrdquo fosse originalmente algo semelhante a yaSri-ilu-acuteiloumlhigravema-wa-acuteanašigravema ldquoEl

julga deuses e homensrdquo

167

seu uso referir-se a Jacoacute nessa histoacuteria entatildeo torna-se possiacutevel reconstruir o sentido

etimoloacutegico do nome em base ao contexto poeacutetico da explicaccedilatildeo

Neste ponto faz-se mister voltarmos nosso olhar para a figura de El

independentemente do judaiacutesmo El (heb acuteeumll) em ugariacutetico eacute acute il em acaacutedio ilu Era

uma apelaccedilatildeo comum para designar ldquodeusrdquo e tambeacutem um nome proacuteprio de uma

divindade encontrada na Mesopotacircmia desde o terceiro milecircnio AEC que

aparentemente pertencia ao panteatildeo semiacutetico Dentre as vaacuterias hipoacuteteses etimoloacutegicas

para esse nome merece atenccedilatildeo a derivaccedilatildeo da raiz acutewyl que significa ldquoestar agrave frente

o primeiro ser forterdquo (POPE 1955 p 16-17) Nos textos de Ugarit (segunda metade do

segundo milecircnio AEC) o perfil de El eacute melhor revelado Ele se encontrava em segundo

ou terceiro lugar nas listas de deuses e sacrifiacutecios apoacutes ilib e il cpn (dois aspectos de El

que haviam de se tornado independentes) mas em textos mitoloacutegicos ele ocupava o

topo do panteatildeo e presidia como o rei soberano Outro aspecto interessante ldquotodas as

divindades exceto Baal e sua irmatilde Anat eram considerados seus filhos e a lsquofamiacutelia de

Elrsquo (bn il dr il)rdquo (KOumlCKERT 2004 c 881) Eacute aceita por muitos estudiosos atualmente

uma triacuteplice possibilidade a) a religiatildeo dos proto-israelitas eacute geralmente interpretada

como uma religiatildeo de El b) ou como que considerando os deuses clacircnicos como

manifestaccedilotildees pessoais especiacuteficas de El c) ou assume-se ter havido uma fase de

transiccedilatildeo na qual os deuses clacircnicos foram identificados com El antes de todos se

fundirem em YHWH (cf KOumlCKERT 2004 c 882) Interessa-nos observar como vem

apresentado esse deus

Na Histoacuteria Feniacutecia escrita no VI seacuteculo AEC por Sanchuniathon (e que estaacute em parte preservada graccedilas a Filo de Biblos por sua vez citado por Euseacutebio em sua Praeparatio evangelica) El aparece nas vestes de um deus guerreiro feroz capaz de impor-se em modo absoluto sobre todas as outras divindades208 A narrativa de Sanchuniathon de fato eacute atenta em ilustrar o processo teogocircnico seu escopo eacute avaliar qual seja a origem das vaacuterias divindades e quais sejam as suas relaccedilotildees reciacuteprocas e por isso destaca o papel de liacuteder assumido por El (FULCO 2002 p 178)

208 Uma seleccedilatildeo dos textos de Histoacuteria Feniacutecia que narra a vida de El na obra ele eacute chamado de Kronos com todas as suas principais faccedilanhas estaacute disponiacutevel em BAUMGARTEN 1981 p 181-183

168

Esse aspecto guerreiro estaacute presente natildeo somente em El mas em outras

divindades semitas incluindo Baal Elohicircm YHWH209 O elemento ldquolutarrdquo

ldquocombaterrdquo ldquocontenderrdquo eacute tido pelo texto de Gn 3229 como integrante da etimologia

do nome ldquoIsraelrdquo Seria entatildeo mera casualidade que o nome tal como explicado no

texto da BH natildeo refletisse essa realidade210

Importante notar que a liacutengua hebraica opera a criaccedilatildeo de novas palavras a

partir da combinaccedilatildeo das trecircs consoantes que geralmente formam suas raiacutezes Essa

operaccedilatildeo pode se realizar de duas maneiras principais (CLARK 1999 p XV-XVI)

a) As raiacutezes cognatas geralmente compartilham consoantes que se originam em um oacutergatildeo vocal comum Cada uma das trecircs consoantes de um cognato deve ter seu ldquoparceirordquo nas outras raiacutezes para fazer parte de uma famiacutelia cognata As raiacutezes cognatas compartilham um sentido geral p ex hbc (inchar crescer) xpv (adicionar aumentar acrescentar) aps (alimentar abastecer nutrir) b) Raiacutezes variantes Estas geralmente derivam de raiacutezes com uma consoante duplicada Quando uma das consoantes duplicadas eacute substituiacuteda por outra letra uma raiz relacionada eacute criada Essas raiacutezes ldquonovasrdquo satildeo chamadas Variantes Gradativas porque seu significado se assemelha ao significado da raiz original mas geralmente significa uma mudanccedila de intensidade ou foco

Tomando este uacuteltimo caso (raiacutezes variantes) haacute quem associe as raiacutezes rrX

(governar caprichosamente) hrX (exercer poder) rwX (regular controlar) percebendo

nelas uma mudanccedila de intensidade ou foco (CLARK 1999 p XVI) Nesse sentido

vaacuterias palavras propostas como possiacuteveis etimologias para ldquoIsraelrdquo apresentam

variaccedilotildees gradativas rXy (endireitar pocircr em ordem) rrX (concentrar forccedila gt sentido

cognato rrX = governar) hrX (afrouxar soltar desprender gt sentido cognato hrX =

governar) rwX (ver) ryX (cantar alto bradar proclamar cantando) Certamente o autor

de nossa periacutecope (Gn 3223-33) especialmente no v 29 tinha consciecircncia de estar

lindando com raiacutezes cognatas e variantes Mesmo a uacuteltima palavra do v 29 (waTTucirckaumll)

raiz lky (prevalecer) apresenta uma interessante variaccedilatildeo cognata com a raiz hlk (lutar

209 Um amplo estudo sobre essa temaacutetica estaacute disponiacutevel em MILLER Jr 1973 210 Cf o item 1 deste quarto capiacutetulo

169

esforccedilar-se empenhar-se rivalizar-se) (cf CLARK 1999 p 104) Seraacute que natildeo poderiacuteamos

ver aqui um paralelismo algo bem tiacutepico da poesia hebraica biacuteblica

Segundo ALTER (cf 1997 p 658) esse paralelismo natildeo eacute a mera repeticcedilatildeo de

duas ou mais palavras com significados semelhantes portanto natildeo se trata de

sinoniacutemia Para ele os poetas melhor que ningueacutem perceberam haacute muito tempo que

ldquonatildeo existem sinocircnimos verdadeirosrdquo mas o que ocorre na poesia na literatura eacute a

produccedilatildeo contiacutenua de significados Assim ele constata na poesia hebraica antiga que

ldquoo padratildeo dominante eacute um foco intensificaccedilatildeo ou especificaccedilatildeo de ideias imagens

accedilotildees temas de um verseto para o seguinterdquo (ALTER 1997 p 658) Desse modo natildeo

haacute repeticcedilatildeo que natildeo traga algo novo

Natildeo soacute as palavras hebraicas satildeo criadas atraveacutes de pequenas alteraccedilotildees em suas

raiacutezes mas alguns casos de jogo de palavras ou trocadilhos que encontramos em vaacuterios

textos biacuteblicos tambeacutem fazem uso de pequenas diferenciaccedilotildees nas consoantes e ateacute

mesmo vogais a fim de manter uma similaridade distinta com o nome proacuteprio com o

qual estaacute ldquojogandordquo Esse eacute o caso de Jeshurun que em Dt 3215 forma uma rima

interna

מן ש רון וי ש עט י ב וי

E Jeshurun (yšrwn) engordou-se (w-yšmn) e deu coiceshellip

Como se observa o nome (Jeshurun) e o trocadilho (wayyišman) diferem em

uma soacute consoante e suas vogais

Ainda com o nome proacuteprio Jeshurun encontramos outro exemplo em Mq 39

Aqui a imagem da pessoa que anda retamente (ou em uma estrada reta) eacute uma

interpretaccedilatildeo de natureza midraacuteshica para esse outro nome portado por Jacoacute Jeshurun

(yšwrwn - wrwvy) eacute aparentemente uma forma poeacutetica de um desenvolvimento sobre a

base comum ldquoIsraelrdquo Neste texto Jeshurun natildeo eacute mencionado mas subentendido na

penuacuteltima palavra (hayuumlšaumlracirc)

עו־נא מ את ש ב בית ראשי ז יעק

יני צ ראל בית וק ש י

ים פט המתעב ש מ

את שרה ו עקשו כל־הי י

Ouvi isto vos peccedilo chefes de Jacoacute

170

e governantes da casa de Israel (ySracutel)

que abominais a justiccedila

e pervertem tudo o que eacute reto (h-yšrh)

Ainda um uacuteltimo exemplo novamente envolvendo Jeshurun nome aplicado a

Israel como Patriarca e neste caso como nome de todo um povo As derivaccedilotildees

midraacuteshicas fazem uso tambeacutem de nomes que soam iguais e ocorrem juntos na mesma

unidade literaacuteria Vejamos Dt 334-5 (cf GARSIEL 1991 p 177-178)

וה־לנו תורה שה צ מ

לת מורשה ה ב ק יעק

י ה רון וי יש מלך ב

אסף ת ה ם ראשי ב טי יחד ע ב ראל ש ש י

Uma instruccedilatildeo comandou-nos Moiseacutes (mšh)

uma heranccedila (mwršh) da congregaccedilatildeo de Jacoacute

E havia um rei em Jeshurun (b-yšwrwn)

quando os chefes do povo foram reunidos juntos

Percebe-se sem muito esforccedilo que a palavra mocircraumlšacirc (hvrwm) soa aqui como um

jogo de palavras em relaccedilatildeo a Moiseacutes (moumlšegrave - hvm) e a Jeshurun (yšwrwn - wrwvy)

Mesmo a frase ldquoos chefes do povordquo (raumlordm šecirc `aumlm - ~[ yvar) contribui para focar sobre e

recorrecircncia das consoantes m š r (r v m)

Retomemos as explicaccedilotildees rabiacutenicas para a mudanccedila do nome de Jacoacute

Haviacuteamos jaacute citado no item anterior Bereshit Rabbah 783 mas na parte final deste

nuacutemero ainda haacute um texto que nos interessa e que natildeo foi totalmente incluiacutedo na

menccedilatildeo anterior

PORQUE TU LUTASTE COM ELOHIM E COM HOMENS E PREVALECESTE (3229) tu lutaste com os seres celestiais e os conquistaste e com os mortais e os conquistaste Com seres celestiais alude ao anjo R Elama b Elanina disse Era o anjo guardiatildeo de Esauacute Isso foi o que Jacoacute quis dizer quando disse a ele Visto que eu vi o teu rosto como se vecirc o rosto de Elohim (Gn 3310) assim como a face de Deus denota juiacutezo assim o teu rosto denota julgamento assim como com respeito agrave face de Deus [estaacute escrito] e ningueacutem apareceraacute diante de Minha face de matildeos vazias (Ex 225) ningueacutem pode aparecer diante do tua face de matildeos vazias ldquoCom os mortais e os

171

conquistourdquo ndash por isto Esauacute e seus chefes satildeo representados Uma outra interpretaccedilatildeo de PORQUE LUTASTE (SARITHA) COM DEUS tu cujas caracteriacutesticas estatildeo gravadas em alto (MIDRASH RABBAH 1939)

Aqui o novo nome de Jacoacute eacute interpretado em duas vertentes A primeira

tomando o sentido do verbo (Saumlricirctauml) como lutar primeiramente com Deus e depois

com homens A recordaccedilatildeo das palavras de Jacoacute no encontro com seu irmatildeo (Gn 3310)

de que ele vira a face de Esauacute como se visse a face de Deus eacute trazida como um apoio

da identificaccedilatildeo Mas haacute alguns acreacutescimos agrave fala de Jacoacute A menccedilatildeo agrave ldquoface de Deusrdquo

leva Rabi Elama dizer que se refere ao julgamento isso porque o tiacutetulo divino acuteeacuteloumlhicircm

(Deus) eacute tradicionalmente compreendido como significando o atributo de justiccedila do

Todo Poderoso O encontro de Jacoacute com o anjo eacute primeiramente retratado como uma

espeacutecie de accedilatildeo judicial com Esauacute na qual Jacoacute foi julgado como sendo a parte vitoriosa

(cf HAYWARD 2005 p 267) Mas haacute aqui nessa expressatildeo ldquoface de Deusrdquo uma

referecircncia a um mandamento biacuteblico de comparecer trecircs vezes no ano com oferendas

apropriadas diante de Deus (Ex 2314-17)211 Do mesmo modo Jacoacute enviou oferendas

a Esauacute (Gn 3213-21) enquanto este avanccedilava com suas tropas para encontraacute-lo Jacoacute

prevaleceu tambeacutem naquela ocasiatildeo A partir dessas consideraccedilotildees o Saacutebio

compreendeu que Jacoacute tornou-se Israel porque ele persistiu (raiz hebraica hrf) ou foi

firme (raiz hebraica rrf) com Deus A segunda vertente interpretativa para o novo

nome de Jacoacute toma o verbo hebraico presente no nome ldquoIsraelrdquo como derivado da raiz

rrf ldquoser um priacutenciperdquo ldquogovernarrdquo Desta raiz vem o substantivo rf ldquoum priacutenciperdquo

palavra usada pela BH para descrever seres angelicais como em Dn 1021 121 onde o

chefe dos anjos Miguel eacute chamado de ldquopriacutenciperdquo Na medida em que sua proacutepria

imagem eacute uma realidade celeste gravada no Trono da Gloacuteria Essa mesma

interpretaccedilatildeo eacute dada pelo Targum Onkelos Gn 3229 ldquoTeu nome jaacute natildeo seraacute mais Jacoacute

mas Israel porque um priacutencipe eacutes tu diante do Senhor e com homens tu tens

prevalecidordquo (THE TARGUMS OF ONKELOS 1862) Portanto Jacoacute apresenta para

o Targum um status principesco angelical No entanto para Bereshit Rabbah Jacoacute eacute

211 Essas trecircs festividades satildeo 1ordf) Festa dos Aacutezimos ou Paacutescoa (heb Pesach) 2ordf) Festa da Colheita ou Semanas 50 dias apoacutes o Pesach ndash Pestecostes (heb Shavuot) 3ordf) Festa da Colheira no outono ou CabanasTabernaacuteculos (heb Sukkot)

172

superior aos anjos pois ele suplantou o anjo de Esauacute adquiriu um novo nome e sua

imagem estaacute gravada no Trono de Deus Eacute o que fica claro nessa passagem de Bereshit

Rabbah 822

R Isaac comeccedilou Um altar de terra me faraacutes em todo lugar onde eu fizer Meu nome ser mencionado virei a ti e te abenccediloarei (Ex 2024) Se eu abenccediloo aquele que constroacutei um altar em Meu nome quanto mais devo eu parecer a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravadas em Meu Trono e abenccediloaacute-lo Assim se diz E DEUS APARECEU A JACOacute E O ABENCcedilOOU R Levi comeccedilou E um boi e um carneiro para ofertas de paz porque hoje o Senhor vos aparece (Lv 94) Se eu apareccedilo a quem ofereceu um carneiro em Meu nome e o abenccediloo quanto mais eu aparecerei a Jacoacute cujas feiccedilotildees estatildeo gravados no Meu trono e abenccediloaacute-lo (MIDRASH RABBAH 1939)

Desse modo ldquoa permanecircncia dessa semelhanccedila garantiria a contiacutenua presenccedila

de Deus e a becircnccedilatildeo para Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 269) No Talmude no tratado

ullin 92a lemos

Sim ele lutou com um anjo e prevaleceu ele chorou e lhe fez suacuteplicas [Os 125] Natildeo sei quem prevaleceu sobre quem Mas quando ele diz Pois tu lutaste com Deus e com os homens e prevaleceu [Gn 3229] eu sei que Jacoacute se tornou mestre sobre o anjo Ele chorou e suplicou-lhe [Os 125] Natildeo sei quem chorou a quem Mas quando diz E ele disse Deixa-me ir [Gn 3227] eu sei que o anjo chorou a Jacoacute ldquoPois tu lutaste com Deus e com os homensrdquo Disse Rabbah Ele lhe deu a entender que dois priacutencipes estavam destinados a vir dele o Chefe da Diaacutespora na Babilocircnia e o Priacutencipe na Terra de Israel esta foi tambeacutem uma

indicaccedilatildeo para ele do exiacutelio (EPISTEIN 2009)

Esse tratado dedica-se mais a discutir sobre o sentido (cf ullin 91a-92a) da

lesatildeo sofrida por Jacoacute no tendatildeo de sua coxa e a dieta alimentar dela decorrente Poreacutem

nessa citaccedilatildeo acima pode-se perceber que o sentido do nome Israel eacute interpretado

ldquocomo indicando a superioridade judaica em relaccedilatildeo ao serviccedilo angelical de Deus e

como fundamentando na autoridade das Escrituras a posiccedilatildeo do Chefe da Diaacutespora e

do Priacutencipe da Terra de Israelrdquo (HAYWARD 2005 p 308) Pois nesses dois grandes

ofiacutecios institucionais o Talmude percebeu o verdadeiro significado de Israel como

173

aquele que alcanccedilou a superioridade ldquocom os homensrdquo Portanto o nome jaacute inclui uma

interpretaccedilatildeo daquilo que viraacute no periacuteodo do exiacutelio babilocircnico

Agora reunindo os elementos que viemos refletindo neste quarto item do

capiacutetulo no qual estamos podemos tentar reestruturar Gn 3223-33 ressaltando os

elementos que mais nos interessam A partir daiacute poderaacute ficar mais claro natildeo somente

o sentido do nome Israel como tambeacutem o sentido e escopo de toda a periacutecope

A fim de favorecer uma visatildeo de conjunto todo o esquema estaacute na paacutegina

seguinte212 Abaixo se encontram algumas observaccedilotildees sobre o mesmo

O esquema destaca a estrutura concecircntrica da periacutecope como jaacute analisamos no

capiacutetulo anterior deste estudo O centro portanto eacute formado pelo diaacutelogo o qual

sempre merece destaque no caso de textos narrativos No diaacutelogo distinguimos os

falantes do modo como satildeo identificados pelo proacuteprio texto hebraico ldquoHrdquo que

significa ldquoHomemrdquo (v 25b) ldquoJrdquo que significa Jacoacute o Patriarca No proacuteprio diaacutelogo haacute

uma estrutura quiaacutestica tambeacutem como se pode observar no esquema

O v 33 foi deixado de fora pois reconhecidamente eacute uma adiccedilatildeo posterior mais

tardia agrave periacutecope em questatildeo Mas mesmo assim ele integra-se ao conjunto como jaacute

foi demonstrado no capiacutetulo anterior

Interessante que a combinaccedilatildeo das unidades A (vv 23a-25a) e Arsquo (v 32) servem

para separar Jacoacute de sua famiacutelia e deixaacute-lo sozinho diante do ser que o confronta mas

o une agrave famiacutelia novamente ao final Esses dois blocos satildeo marcados pelo verbo

ldquoatravessarrdquo (rb[) Esse verbo ressalta os cuidados e a tensatildeo de Jacoacute na etapa preacutevia

ao encontro com seu irmatildeo Esauacute Em Gn 321721a o que ldquoatravessardquo o que ldquopassardquo eacute

apenas seus pertences e servos Jacoacute parece esconder-se vir atraacutes A sua proacutepria

passagem somente se completa apoacutes Gn 3232 e mais especificamente em Gn 333

quando Jacoacute finalmente ousa aparecer ao seu irmatildeo

212 Servi-me da estrutura concebida por FOKKELMAN 1997 p 66 mas com adaptaccedilotildees proacuteprias A traduccedilatildeo do texto da BH tambeacutem eacute nossa

174

Unidade Texto Versiacuteculo

A Ele levantou-se naquela noite wayyaumlordmqom Ballaordmylacirc hucircacute 23a

tomou suas duas mulheres wayyiqqaH acuteet-šTecirc naumlšaumlyw

suas duas servas wuumlacuteet-šTecirc šipHoumltaumlyw

e seus onze filhos wuumlacuteet-acuteaHad `aumlSaumlr yuumllaumldaumlyw

23b

e atravessou o vau do Jaboc wa|yya`aacuteboumlr acuteeumlt ma`aacutebar yaBBoumlq 23c

Ele tomou-os e os fez atravessar a torrente wayyiqqaumlHeumlm wayya| aacutebigravereumlm acuteet-hannaumlordmHal

24a

e fez atravessar o que era dele wa|yya`aacutebeumlr acuteet-acuteaacutešer-locirc 24b

Entatildeo ele ficou soacute wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc 25a

B E um homem lutava com ele ateacute elevar-se a aurora wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc `ad `aacutelocirct haššaumlordmHar

25b

Vendo que natildeo podia contra ele wayyaordmracute Kicirc loumlacute yaumlkoumll locirc 26a

tocou na cavidade de sua coxa wayyiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc 26b

e a cavidade da coxa de Jacoacute deslocou-se em sua luta com ele waTTeumlordmqa` Kap-yeordmrek ya`aacuteqoumlb Buumlheuml|acuteaumlbqocirc `immocirc

26c

X a H Ele disse ldquoDeixa-me ir porque elevou-se a aurorardquo wayyoumlordm mer šalluumlHeumlordmnicirc Kicirc `aumllacirc haššaumlordmHar

27a

J Ele disse ldquoNatildeo te deixarei ir a menos que tu me abenccediloesrdquo wayyoumlordm mer loumlacute acuteaacuteša|lleumlHaacutekauml Kicirc acuteim-BeumlrakTaumlordmnicirc

27b

x H Ele disse-lhe ldquoQual eacute o teu nomerdquo wayyoumlordm mer acuteeumllaumlyw magrave-ššuumlmeordmkauml

28a

J Ele disse ldquoJacoacuterdquo wayyoumlordm mer ya`aacuteqoumlb 28b

H Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricircordmtauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

29a

29b 29c

arsquo J Entatildeo Jacoacute interrogou dizendo ldquoDiga-me por favor o teu nomerdquo

wayyišacuteal ya`aacuteqoumlb wayyoumlordm mer haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml

30a

H Ele respondeu ldquoPor que isso Tu perguntas pelo meu nome laumlordmmmacirc zzegrave Tišacuteal lišmicirc

30b

E ele o abenccediloou ali wayuumlbaumlordmrek acuteoumltocirc šaumlm 30c

Brsquo Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll

31a

porque eu vi a Deus face a face Kicirc|-raumlacuteicircordmticirc acuteeacuteloumlhicircm Paumlnicircm acuteel-Paumlnicircm

31b

e minha vida foi salva waTTinnaumlceumll napšicirc 31c

Arsquo O sol brilhava para ele quando atravessou Fanuel wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš Kaacuteaacutešer `aumlbar acuteet-Puumlnucircacuteeumll

32a

e ele coxeava de uma coxa wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-yuumlreumlkocirc 32b

175

Agrave dupla travessia mostrada no iniacutecio (Gn 322324) que natildeo deixa de ser o

uacuteltimo estratagema de Jacoacute para fugir da ira de seu irmatildeo e uma demonstraccedilatildeo de

inseguranccedila se contrapotildee uma dupla soluccedilatildeo ou passagem em Gn 3232 ao

amanhecer e uma travessa complementar em Gn 333 a fim de saudar seu irmatildeo mas

agora Jacoacute se coloca agrave frente de todos ao contraacuterio da sua atitude anterior ao encontro

como mencionamos acima

Jaacute destacamos anteriormente a assonacircncia formada no iniacutecio desta periacutecope

colocando o rio (Jaboc) e a personagem (Jacoacute) como pertencentes um ao outro Assim

como o riacho eacute para ser ldquoatravessadordquo Jacoacute eacute algueacutem em vias de fazer a maior

travessia de sua vida deixando para traacutes seu obscuro passado e abraccedilando seu irmatildeo

e sua nova missatildeo Na travessia do Jaboc se daraacute a travessiatransformaccedilatildeo de Jacoacute

Naquela noite ele muda adquiri um novo nome (Israel) e um novo aspecto a

claudicacircncia devido o embate com ldquoum homemrdquo

Antes de atravessar Jacoacute ainda se depara com sua antiga ldquofacerdquo seu antigo

ldquoserrdquo Natildeo por acaso a palavra Paumlnicircm significa face mas tambeacutem o interior da pessoa

ou a proacutepria pessoa Isso porque ldquodado que o ser de uma pessoa se expressa em seu

rosto e este a caracteriza em sentido amplo pode designar tambeacutem a toda a pessoardquo

(VAN DER WOUDE 1985b c 557) Em 2Sm 1711 encontramos um exemplo desse

sentido ldquoEu portanto aconselho que todo o Israel de Datilde a Bersabeia se reuacutena em

torno de ti tatildeo numeroso como os gratildeos de areia na praia do mar e tu marcharaacutes

pessoalmente (paumlnEcircordmkauml) ao combaterdquo (trad BJ) Portanto o ldquoface a facerdquo de Jacoacute agraves

margens do Jaboc natildeo foi somente com Deus conforme ele mesmo constata em Gn

3231b mas com toda a sua experiecircncia histoacuterica

Toda a accedilatildeo descrita pela nossa periacutecope eacute bem enquadrada temporalmente

como sendo uma uacutenica noite A oposiccedilatildeo noite (Ballaordmylacirc hucircacute - v 23a) e nascer do sol

(wayyi|zra|H-locirc haššeordmmeš - v 32a) delimita tudo a uma uacutenica noite Essa noite serve como

uma cobertura e ocultaccedilatildeo do oponente de Jacoacute como tambeacutem simboliza o lado

obscuro e pouco correto desse Patriarca

Neste tempo de uma uacutenica noite Jacoacute resta ldquosozinhordquo ldquoagrave parterdquo (luumlbaDDocirc v

25a) Interessante observar que essa expressatildeo ocorre poucas vezes no primeiro livro

da Toraacute Adatildeo encontra-se solitaacuterio por isso Deus lhe forja uma companheira (Gn

176

218) Contudo ldquoem sua solidatildeo titacircnica os patriarcas natildeo satildeo jamais ditos lsquosozinhosrsquordquo

(LOEWENTHAL 2003 p 27) Diferentemente a solidatildeo faz parte da vida de Jacoacute

Gn 3040 nos mostra ele soacute quando decide separar o proacuteprio rebanho

daquele de seu sogro e patratildeo que o enganou A solidatildeo faz parte dos

preparativos de sua partida sua autonomia

Gn 3217 mostra Jacoacute colocando ldquoagrave parterdquo os rebanhos que pretende

presentear a seu irmatildeo para natildeo tecirc-lo mais como inimigo

Gn 3225 nos mostra Jacoacute apoacutes fazer atravessar seus pertences e toda a sua

famiacutelia permanecendo soacute para a sua misteriosa batalha junto ao vau do

Jaboc

Gn 4238 mostra o medo de Jacoacute que seu filho Benjamim acompanhe seus

irmatildeos na viagem ao Egito uma vez que dos dois filhos de Raquel ele ficou

soacute sendo o uacutenico sobrevivente Jacoacute pensa que Joseacute o irmatildeo materno de

Benjamim tenha morrido

Gn 4332 fica agrave parte solitaacuterio agrave mesa ldquoporque os egiacutepcios natildeo podem tomar

suas refeiccedilotildees com os hebreus tecircm horror dissordquo

Gn 4420 destaca que Benjamim ficou soacute apoacutes a pressuposta morte de seu

irmatildeo materno Benjamim

Portanto a solidatildeo eacute uma das condiccedilotildees de vida desse Patriarca E no momento

mais crucial de sua existecircncia ele estaraacute novamente solitaacuterio A solidatildeo parece ser

parte integrante da paciente espera que marca a vida de Jacoacute Por quatorze anos ele

soube esperar pela mulher que amava e que estava diante de seus olhos todos os dias

E ainda eacute capaz de dizer ldquoJacoacute serviu entatildeo por Raquel durante sete anos que lhe

pareceram alguns dias de tal modo ele a amavardquo (Gn 2920) Como bem observa

LOEWENTHAL (2003 p 33) ldquoAbraatildeo parte Isaac obedece Jacoacute esperardquo

O v 25a irrompe de modo abrupto sem preacute-aviso A luta literalmente o ldquorolar

pelo poacute pela terrardquo (yeumlacuteaumlbeumlq) natildeo era o encontro esperado e preparado por Jacoacute Este

estava se aprontando para o encontro com seu irmatildeo Esauacute No entanto aquilo que

sucede ao Patriarca eacute a consequecircncia de suas accedilotildees e deve finalmente ser suportado

por ele sozinho Tais consequecircncias natildeo podem ser desviadas total ou parcialmente

para os pastores (que vatildeo entregar um presente a Esauacute ndash Gn 3214b-21) ou para as

177

esposas cujas vidas satildeo decisivamente influenciadas pelo ldquofator Jacoacuterdquo (pelo qual Lia eacute

ldquoodiadardquo e negligenciada por Jacoacute que prefere Raquel a qual por sua vez apresenta

dificuldades para dar filhos a seu marido e sente-se inferior e tem inveja da irmatilde ndash Gn

2931ndash3024) O v 25a descreve uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para o confronto posterior

ou seja o fato de Jacoacute ter ficado sozinho mesmo que talvez natildeo seja uma opccedilatildeo dele

o que eliminaria o elemento surpresa que integra muitas narrativas biacuteblicas (cf

FOKKELMAN 2004 p 212) Isso natildeo significa que o seu adversaacuterio ldquoum homemrdquo

natildeo pudesse saber disso previamente

Entatildeo qual seria o motivo dos preparativos dos vv 23-24 Se Jacoacute natildeo tinha a

deliberada intenccedilatildeo de ficar sozinho por que entatildeo realiza as accedilotildees descritas nesses

versiacuteculos mencionados No entanto eacute bom ter presente que essa era a intenccedilatildeo do

narrador ou seja conduzir Jacoacute a ldquoficar soacuterdquo (wayyiwwaumlteumlr ya`aacuteqoumlb luumlbaDDocirc v 25a) Tal

intenccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com a intenccedilatildeo da personagem Jacoacute Em Gn 3223-24 Jacoacute

faz com que os membros reais de sua famiacutelia atravessem o Jaboc Mas no texto

imediatamente anterior satildeo os seus servos que devem atravessar a fim de que Jacoacute e

sua gente pudessem ficar a salvos (cf Gn 3214-22) Entatildeo por que a mudanccedila de

planos durante a noite Temos uma tentativa de resposta

Isso soacute pode significar que na inquietaccedilatildeo de sua mais longa noite Jacoacute acordou para o fato de que pendurar-se atraacutes significa esconder-se esquivando-se da responsabilidade Embora estejamos aleacutem dos limites da verificaccedilatildeo Eu prefiro a interpretaccedilatildeo de que ao atravessar Jacoacute quer fazer uma reparaccedilatildeo ele quer liderar o caminho e quer ir ao encontro do proacuteprio Esauacute Se ele se tornou consciente da extensatildeo de sua culpa jaacute natildeo pode ser discernido no texto mas isso parece improvaacutevel para mim pois nos vv 14-22 ele ainda natildeo tinha reconhecido a dupla face da minHacirc-reconciliaccedilatildeo Ao enviar seu

povo ele tambeacutem desiste de uma linha de defesa de modo que outros planos de combate se tornaram inuacuteteis (maHaacutenegrave-soluccedilatildeo) E ele faz do

Jaboc um seacuterio obstaacuteculo natildeo para Esauacute mas para si mesmo ele quer fugir A repeticcedilatildeo de `Br indica que eacute uma operaccedilatildeo pesada para Jacoacute

(FOKKELMAN 2004 p 212-213)

A cena da luta eacute bem definida e enquadrada por expressotildees semelhantes

wayyeumlacuteaumlbeumlq acuteicircš `immocirc (v 25b) e Buumlheumlacuteaumlbqocirc `immocirc (v 26c) Percebe-se como acontece

desde o iniacutecio de nossa periacutecope uma preocupaccedilatildeo com a assonacircncia paronomaacutesia e

178

combinaccedilatildeo de sons e sentidos das palavras empregadas fruto de uma acurada e

atenta composiccedilatildeo O verbo escolhido para expressar a luta (wayyeumlacuteaumlbeumlq - raiz qba)

que natildeo ocorre em nenhum outro lugar da Biacuteblia natildeo soacute continua a geminaccedilatildeo foneacutetica

com ya`aacuteboumlr (atravessou) e yaBBoumlq (Jaboc v 23) mas - permitindo a confluecircncia das duas

gutturais (aleph e ayin) - absorve os elementos do proacuteprio nome de Jacoacute A proposital

incoacutegnita sobre a identidade da personagem que luta com Jacoacute combina com as

intenccedilotildees do mesmo as quais se escondem em sua recusa de revelar seu nome

portanto de autorrevelar-se Com isso ele provoca Jacoacute a pensar e avaliar-se a si

mesmo O contexto onde tudo se desenrola eacute a escuridatildeo eacute a noite assim como foi em

sua visatildeo de Betel (Gn 2810-22 observe-se o iniacutecio da cena wayyaumlordmlen šaumlm Kicirc-baumlacute

haššeordmmeš ndash ali passou a noite pois o sol havia-se posto) Eacute sempre o medo a incerteza que

agarram Jacoacute Como observa FOKKELMAN (2004 p 213) nessa circunstacircncia externa

e interna Jacoacute ldquonatildeo enxerga a si mesmo ainda natildeo reconhece a sua nova identidade

que pode salvaacute-lo a renovada integridade que nasce no reconhecimento e confissatildeo

da proacutepria culpardquo

Na luta com o seu contendente Jacoacute eacute levado a perceber que tem uma forccedila que

vai muito aleacutem da compreensatildeo e resistecircncia humanas Os pronomes hebraicos no

versiacuteculo 26 satildeo menos especiacuteficos em sua referecircncia de modo que podemos nos

perguntar se o astuto Jacoacute natildeo eacute antes o agressor Algo bem plausiacutevel devido o grito

que seu oponente emite no versiacuteculo seguinte šalluumlHeumlordmnicirc (v 27 deixa-me ir solta-me

liberta-me) Inclusive o seu oponente apesar de ser divino natildeo o espanca mas apenas

ldquotoca na cavidade de sua coxardquo (yiGGa` Buumlkap-yuumlreumlkocirc v 26c) Tocar a coxa eacute ameaccedilar a

potecircncia do oponente alcanccedilar a fonte geradora de poder e o nome de Jacoacute natildeo

podemos nos esquecer significa ldquosuplantadorrdquo Na cena do encontro de Jacoacute com as

filhas de Labatildeo a forccedila sobre-humana dele jaacute se faz observar (cf Gn 291-14) Mesmo

estando coxo abaixo da cintura ele manteacutem preso o oponente em seus braccedilos Jacoacute natildeo

o deixa enquanto ele natildeo o abenccediloar Sim Isso revela bem quem eacute Jacoacute ele quer a

becircnccedilatildeo ldquoda mais miseraacutevel situaccedilatildeo ele quer emergir como um homem enriquecidordquo

(FOKKELMAN 2004 p 215) Foi assim quando foi explorado e enganado pelo seu

sogro Labatildeo eacute assim aqui em seu embate com a divindade Assim a becircnccedilatildeo que foi a

palavra-chave da primeira fase de seu ciclo quando usurpa o direito de primogenitura

179

e becircnccedilatildeo de seu irmatildeo (cf Gn 271-45) volta a ser fundamental nessa terceira fase de

sua vida Se quando teve de fugir do oacutedio de Esauacute ele recebeu a becircnccedilatildeo concedida a

Abraatildeo no pernoite em Betel (cf Gn 2812-15) agora em seu retorno ele deseja receber

a becircnccedilatildeo de seu oponente para poder enfrentar o momento mais tenso e crucial de sua

vida Se a personagem Jacoacute estava ou natildeo jaacute consciente em Gn 3227b quando solicita

a becircnccedilatildeo das enormes implicaccedilotildees futuras que esse gesto teria natildeo nos conveacutem

especular aqui basta saber que o narrador certamente o estaacute

Apoacutes reivindicar a becircnccedilatildeo Jacoacute recebe uma pergunta direta do oponente eumllaumlyw

magrave-ššuumlmeordmkauml (Qual eacute o teu nome ndash v 28a) Essa pergunta certamente faz Jacoacute recordar-

se do momento em que se apresentou diante de Isaac seu pai fazendo-se passar pelo

seu irmatildeo Esauacute Naquela ocasiatildeo Isaac lhe perguntou micirc acuteaTTacirc Buumlnicirc (Gn 2718b Quem

eacutes tu meu filho) E a resposta de Jacoacute foi acuteaumlnoumlkicirc `eumlSaumlw Buumlkoumlrekauml (Gn 2719a Sou Esauacute

teu primogecircnito) Agora diante de seu contendor ele se redime e admite quem ele

realmente eacute Quando Jacoacute diz o seu proacuteprio nome ele ldquose entregardquo nas matildeos de quem

lhe interroga eacute a sua ldquoconfissatildeordquo como mencionamos acima Como vimos no capiacutetulo

segundo deste nosso estudo o nome para os semitas natildeo eacute um acidente algo casual

mas o vetor do misteacuterio da pessoa eacute a sua verdade mais iacutentima aquilo que a pessoa eacute

Assim sendo ldquoo Jacoacute que diz o seu nome eacute um rendido estou em tua posse porque Tu

sabes de mim a coisa mais importante o meu segredo te pertencerdquo (MORFINO 2003

p 42) Entatildeo a suposta ldquovitoacuteriardquo de Jacoacute sobre o ser com o qual combate mistura-se a

uma espeacutecie de ldquoderrotardquo uma vez que seu adversaacuterio possui uma informaccedilatildeo que ele

natildeo obteve quando lhe potildee uma pergunta semelhante haGGicircdacirc-nnaumlacute šuumlmeordmkauml ndash ldquoDiga-

me por favor o teu nomerdquo v 30a) Ao reconhecer chamar-se Jacoacute implicitamente estaacute o

significado do nome conferido ao longo da primeira fase do ciclo dessa personagem

especialmente em Gn 2736ab wayyoumlacutemer haacutekicirc qaumlraumlacute šuumlmocirc ya`aacuteqoumlb wayya`quumlbeumlnicirc zegrave

pa`aacutemayim acuteet-Buumlkoumlraumlticirc laumlqaumlH wuumlhinnEuml `aTTacirc laumlqaH Birkaumlticirc213 (Ele [Esauacute] disse Natildeo eacute que214

seu nome seja Jacoacute Pois enganou-me215 duas vezes Ele tomou minha primogenitura e eis que

213 Este texto eacute todo composto agrave base de paronomaacutesia Recurso empregado como jaacute visto tambeacutem em Gn 3223-33 214 Esta minha traduccedilatildeo apoia-se em quanto eacute dito em JOUumlON MURAOKA 2006 sect 161j 215 Haacute um jogo de palavras com bqe[ (calcanhar) e o verbo bq[ (enganar suplantar trapacear) ambas

possuem raiacutezes idecircnticas Sem duacutevida ldquoessa ligaccedilatildeo com o calcanhar o salto eacute bem compreensiacutevel agrave luz

180

agora toma minha becircnccedilatildeo) Esta eacute a razatildeo quando se daacute a luta no vau do Jaboc e lhe vem

solicitado o nome de Jacoacute dizer finalmente a sua verdade ele eacute verdadeiramente

Ya`aacuteqoumlb aquele que desde o princiacutepio jogou em base ao engano agrave trapaccedila Revelando

seu nome Jacoacute entrega a sua proacutepria histoacuteria de fraude e carreirismo de suplantador

e enganador Somente a tiacutetulo informativo o sentido etimoloacutegico do nome Jacoacute eacute

identificado em dupla possibilidade A primeira que ganhou mais adeptos e foi mais

consagrada identifica a base do nome na raiz bq[ ldquovigiar protegerrdquo ldquopresente no sul-

araacutebico e tambeacutem em etioacutepico e traduz o nome Jacoacute com lsquoDeus protegeursquo ou lsquoque Deus

protejarsquordquo (ZOBEL 2003 c 882) Esta explicaccedilatildeo foi contestada e em seu lugar surgiu

outra que toma a mesma raiz bq[ mas com o significado de ldquoestar imediatamente

atraacutes estar proacuteximordquo em base a textos ugariacuteticos palavra estaacute presente tambeacutem em

amorreu e feniacutecio Assim sendo o nome Jacoacute deveria ser traduzido por ldquoele (= El) estaacute

proacuteximordquo (ZOBEL 2003 c 882)

Apoacutes ldquoentregarrdquo seu nomeidentidade sua histoacuteria seu passado Jacoacute recebe

um novo nomeidentidade wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll Kicirc|-

Saumlricircordmtauml im-acuteeacuteloumlhicircm wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (v 29) Estruturalmente a concessatildeo do novo

nome Israel repara a simetria que tinha sido perturbada desde os episoacutedios de abertura

do ciclo de Jacoacute Lembremos que o irmatildeo mais velho jaacute tinha dois nomes cada um com

sua etiologia (Gn 2525 Esauacute 2530 Edom) Aliaacutes a aposiccedilatildeo redundante de Seir e Edom

em Gn 324 serve para recordar esse fato Enquanto Jacoacute apesar do detalhe da luta

intrauterina recebera apenas um nome Como jaacute abordamos acima haacute neste verso um

claro paralelismo algo normal na poesia hebraica De propoacutesito o autor joga tambeacutem

com a ambiguidade do verbo que emprega para justificar o novo nome concedido a

Jacoacute YiSraumlacuteeumll O verbo Saumlricirctauml pode apoiar-se em diversas raiacutezes possiacuteveis como jaacute vimos

antecipadamente Constatamos que nenhuma das sugestotildees propostas para explicar o

elemento verbal presente no novo nome logrou alcanccedilar aceitaccedilatildeo unacircnime entre os

estudiosos ou produziu uma completa satisfaccedilatildeo na maioria deles No entanto em se

tratando de literatura hebraica e com base em vaacuterios exemplos presentes na BH alguns

daquela luta que desde o iniacutecio marcou as relaccedilotildees entre os dois gecircmeos Desde o ventre materno os dois estavam em antagonismo Esauacute eacute o primeiro que olha para a vida mas haacute imediatamente Jacoacute que agarra seu irmatildeo pelo calcanhar para puxaacute-lo para traacutes e suplantaacute-lordquo (MORFINO 2003 p 43-44)

181

dos quais foram aqui mencionados em que a escolha de palavras expressotildees e nomes

estaacute vinculada ao contexto e ao objetivo do autor o estabelecimento do sentido do

nome YiSraumlacuteeumll e o motivo de sua escolha natildeo satildeo impossiacuteveis de se atingir

Primeiramente cabe constatar que em toda a periacutecope (Gn 3223-33) o

som das palavras joga um papel determinante como jaacute foi demonstrado

anteriormente A escolha de palavras inclusive algumas muito raras estava a serviccedilo

da produccedilatildeo de paronomaacutesias e assonacircncias Fato este que chamou a atenccedilatildeo de

MARKS (1995 p 39) ldquoO que eacute impressionante em tudo isso eacute a forma como os nomes

parecem reproduzir atraveacutes das mudanccedilas delicadamente animadas da linguagem os

mecanismos de projeccedilatildeo e autorreflexatildeo que observamos na narrativa da luta como se

o problema da geminaccedilatildeo [duplicaccedilatildeo e duplicidade de sentidos] tivesse estendido seu

domiacutenio agrave relaccedilatildeo de palavra e atordquo

Em segundo lugar eacute comum agrave liacutengua hebraica como vimos criar-se

palavras a partir de radicais semelhantes acentuando ou intensificando o sentido de

um determinado radical a partir de novos vocaacutebulos que dele surgem O elemento

verbal do nome YiSraumlacuteeumll pode propositalmente lidar com uma rica polissemia

Importante ressaltar que ldquoeste ato de lsquojogarrsquo com uma multiplicidade de derivaccedilotildees

natildeo eacute um erro do escritor nem uma incapacidade de decifrar do leitor eacute uma desejada

indicada superposiccedilatildeo de sentidos que enriquece incrivelmente o significadordquo

(MORFINO 2003 p 44)

Em terceiro e uacuteltimo lugar eacute importante sempre considerar que o contexto eacute

imprescindiacutevel para determinar o sentido dos textos e das palavras na BH Por isso

vale a pena destacar os quatro elementos que formam o contexto no qual estaacute situada

a cena em que Jacoacute recebe o seu novo nome fornecem a direccedilatildeo da interpretaccedilatildeo (cf

ROSS 1985 p 341)

1ordm) o cenaacuterio geograacutefico a luta ocorreu no limiar da terra da promessa Jacoacute estava

fora dessa terra desde a sua fuga de Esauacute do qual ele tomou a becircnccedilatildeo Portanto a

nossa cena eacute posicionada de modo intencional como um ldquorito de passagemrdquo que

conduziraacute agrave reconciliaccedilatildeo entre os dois irmatildeos gecircmeos

182

2ordm) O elemento unificador da histoacuteria eacute a nomeaccedilatildeo isto eacute a transformaccedilatildeo de

Jacoacute em Israel O novo nome natildeo eacute apenas adicionado a uma narrativa antiga ele eacute

explicado por ela

3ordm) Nomes de lugares no retorno de Jacoacute para a terra de seus pais as narrativas

estatildeo sempre relacionadas a determinados lugares Maanaim (Gn 321-2) Fanuel (Gn

3230) e Sucot (Gn 3317) cujos nomes vecircm explicados por Jacoacute

4ordm) A histoacuteria estaacute ligada a uma restriccedilatildeo dieteacutetica para os filhos de Israel Este

tabu foi um costume que cresceu com base em um evento mas natildeo fazia parte da Lei

O evento na tradiccedilatildeo criou-o e explicou-o

A nossa periacutecope natildeo deixa de ser uma resposta agrave suacuteplica constante em Gn

3210-13 mesmo que este texto seja mais tardio afinal Jacoacute implora a Deus que salve-

o da ira de seu irmatildeo haccicircleumlnicirc naumlacute miyyad acuteaumlHicirc miyyad `eumlSaumlw (Gn 3212a Livra-me da

matildeo de meu irmatildeo da matildeo de Esauacute) Segundo JACOB (cf 2007 p 223) a luta daraacute a

resposta que Jacoacute tanto busca

Natildeo podemos deixar de perceber nesta interpretaccedilatildeo final de nossa periacutecope a

interconexatildeo existente entre a nossa cena e as cenas anterior e posterior Isso ocorre

com o uso da palavra ldquofacerdquo (Paumlnicircm)

a) Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw BamminHacirc hahoumlleket luumlpaumlnaumly wuumlacuteaHaacuterecirc-keumln acuteeracuteegrave

paumlnaumlyw acuteucirclay yiSSaumlacute paumlnaumly Eu aplacarei suas faces216 com a oferenda que segue

adiante de mim Depois verei suas faces e talvez ele erga minhas faces217

Aqui ainda se revela a ldquovelhardquo face de Jacoacute o esperto o astuto Ele crecirc poder

controlar suplantar seu irmatildeo com presentes oferendas Pensa evitar o face

a face o olho no olho com o irmatildeo

b) Gn 3231 wayyiqraumlacute ya`aacuteqoumlb šeumlm hammaumlqocircm Puumlnicircacuteeumll Kicirc|-raumlacuteicircticirc eacuteloumlhicircm Paumlnicircm el-

Paumlnicircm waTTinnaumlceumll napšicirc Jacoacute chamou o nome do lugar Fanuel [Face de El] porque

eu vi a Deus face a face e minha vida foi salva

A ldquonovardquo face de Jacoacute agora com o novo nome Israel se revela A sua ldquovida

foi salvardquo natildeo apenas por ter visto Deus face a face mas porque jaacute se sente

216 Literalmente essa expressatildeo significa ldquocobrir sua facerdquo Eacute como se Jacoacute quisesse dizer que taparia o rosto de oacutedio e rancor de Esauacute com seus presentes 217 Utilizo aqui a traduccedilatildeo de CHOURAQUI 1995 p 340 por ser mais literal e render melhor a presenccedila

do vocaacutebulo Paumlnicircm

183

atendido em sua suacuteplica (Gn 3212) Israel estaacute a salvo de Esauacute O ldquopassarrdquo

(rb[) em perigo sob tensatildeo e alto risco transforma-se em passar em aliacutevio

Natildeo eacute mais Jacoacute que atravessa mas Israel Deve-se notar poreacutem que

ldquoFanuelrdquo carrega conotaccedilotildees de um jogo de palavras exprimindo

anterioridade ou precedecircncia que aparecem na cena anterior (Gn 3241718 ndash

Paumlnicircm aparece em estado construto com sufixos pronominais significando

adiante de) Naquela cena Jacoacute apressa-se em passar tudo adiante de si mesmo

e de seu irmatildeo servos rebanhos mulheres e crianccedilas Aliaacutes em Gn 3219-21

aparece por quatro vezes a expressatildeo ldquodepois deatraacutes derdquo (heb acuteaHaacuterecirc) em

referecircncia a Esauacute Eacute claro que o leitor eacute convidado a ver aqui o problema que

originou tudo isso ou seja o duplo roubo de Jacoacute (primogenitura e becircnccedilatildeo)

por duas vezes ele revoga a prioridade existente Seu irmatildeo Esauacute mais lento

aquele que vem sempre ldquodepois derdquo Jacoacute reconhece isso quando interpreta

o nome de Jacoacute em base ao princiacutepio nomen ndash omen (nome ndash mau pressaacutegio)

em Gn 2736 Outro efeito dessa arte da linguagem realizada pelo autor eacute

que tais correspondecircncias funcionam como uma conexatildeo em uma fuga mais

longa na qual repeticcedilotildees e etimologias contrapotildeem as duplas baacutesicas de

irmatildeo e irmatildeo (Jacoacute e Esauacute) homem e Deus (Jacoacute e Elohicircm)218

218 Essa duplicidade homem Deus comeccedila a ser mostrada deste o iniacutecio do capiacutetulo 32 que precede a nossa periacutecope (Gn 321-3) ldquoE Labatildeo levantou-se cedo beijou seus filhos e suas filhas e os abenccediloou e Labatildeo partiu e voltou ao seu lugar Entatildeo Jacoacute seguiu o seu caminho e anjos de Deus encontraram-se com ele Ao vecirc-los disse Este eacute o acampamento de Deus E chamou agravequele lugar Maanaimrdquo (trad nossa) Aqui os anjos relembram a teofania e promessa divina em Betel (Gn 2810-20) assim como a partida de Labatildeo relembra o beijo e becircnccedilatildeo concedidos por Isaac natildeo aos seus dois filhos mas somente a Jacoacute (Gn 2727) Beijo e becircnccedilatildeo seratildeo lembrados apoacutes a luta quando um Jacoacute justificado recebe o beijo de Esauacute e convida-lhe para aceitar o seu presente que ele idiomaticamente chama ldquominha becircnccedilatildeordquo (Birkaumlticirc Gn 3311) Como bem observa MARKS (1995 p 36 n 25) ldquoEste relato ecoa por sua vez o relato

do beijo que Labatildeo corre para dar em Jacoacute quando ele chega em Padatilde-Aram (2913) Tendo lsquoabenccediloadorsquo seus filhos e suas filhas Labatildeo retorna a lsquoseu lugarrsquo O lugar para o qual Jacoacute volta os seus passos depois de ser omitido intencionalmente da becircnccedilatildeo de Labatildeo eacute aquele cuja identidade e nome ainda precisam ser disputados [lutados]rdquo O que aconteceraacute em nossa periacutecope (Gn 3223-33) A duplicidade continua em Gn 323 quando Jacoacute vecirc um acampamento de anjos mas o nomeia como sendo ldquodois camposrdquo pois Maanaim eacute um substantivo hebraico dual Provavelmente numa referecircncia tambeacutem dual e oposta acampamento de anjos e acampamento de Jacoacute Haacute uma duplicidade humanodivino na mudanccedila semacircntica da palavra malacuteaumlkicircm De ldquoanjosrdquo que Jacoacute vecirc (322) aos ldquomensageirosrdquo que ele envia ao seu

irmatildeo (324 malacuteaumlkicircm) Contudo esse dual pode ainda ter outra interpretaccedilatildeo ldquoNo entanto a divisatildeo

subsequente de Jacoacute de seus proacuteprios seguidores em dois acampamentos (maHaacutenocirct vv 811) manteacutem

ativa a outra possiacutevel interpretaccedilatildeo do dual - a de uma divisatildeo dentro do proacuteprio campo divino - lanccedilando sua sombra tipoloacutegica atraveacutes da apariccedilatildeo suacutebita mais tarde naquela noite do oponente espectralrdquo (MARKS 1995 p 37)

184

c) Gn 3310 wayyoumlacutemer ya`aacuteqoumlb acuteal-naumlacute acuteim-naumlacute maumlcaumlacuteticirc Heumln Buuml`ecircnEcirckauml wuumllaumlqaHTauml

minHaumlticirc miyyaumldicirc Kicirc `al-Keumln raumlacuteicircticirc paumlnEcirckauml Kiracuteoumlt Puumlnecirc acuteeacuteloumlhicircm waTTirceumlnicirc Jacoacute diz

ldquoNatildeo Se encontrei a graccedila a teus olhos toma minha oferenda de minha matildeo sim

porque vi tuas faces como se as faces de Elohicircms [Deus] fossem vistas aceita219

Eacute clara a conexatildeo com o texto do item anterior (Gn 3231) Ao ver a face de

Deus Jacoacute agora Israel vecirc sua vida transformada e o reencontro e

reconciliaccedilatildeo com o irmatildeo possiacuteveis

Retomando o versiacuteculo-chave de nossa periacutecope (v 29)

Ele disse ldquoTeu nome natildeo seraacute mais chamado Jacoacute mas Israel porque tu lutastecontendeste com DEUS e com HOMENS tu prevaleceste

wayyoumlordm mer loumlacute ya`aacuteqoumlb yeumlacuteaumlmeumlr `ocircd šimkauml Kicirc acuteim-yiSraumlacuteeumll

Kicirc|-Saumlricirctauml `im-acuteeacuteloumlhicircm

wuuml`im-acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll

Recordamos a existecircncia de um claro paralelismo literaacuterio

Saumlricirctauml (raiz hrf ou rrf ou rwf ou rvyrfy)220 acuteeacuteloumlhicircm

acuteaacutenaumlšicircm waTTucirckaumll (raiz lky mas com

variaccedilatildeo cognata hlk = lutar

esforccedilar-se empenhar-se)

Mesmo que natildeo se chegue a um consenso sobre o sentido original do nome

ldquoIsraelrdquo do ponto de vista da pesquisa cientiacutefica o contexto fornecido pelo autor torna

evidente que o nome deve estar relacionado agrave ldquolutardquo ao ldquoempenhordquo ao ldquoesforccedilordquo agrave

ldquocontendardquo O proacuteprio fato de Oseias usar o mesmo vocaacutebulo raro Saumlracirc em 124 mas

retomaacute-lo no versiacuteculo 5 como woyyaumlSar lutou exerceu poder (claramente da raiz rwf

uma forma cognata de rrf = ter domiacutenio) reforccedila essa nossa afirmaccedilatildeo Esse mesmo

verbo aparece em Jz 922 (wayyaumlSar conjugaccedilatildeo Qal raiz rrf reinou governou) e Os 84

(na conjugaccedilatildeo Hifil heumlSicircrucirc) com o sentido de dominar estabelecer sobre

Acrescentemos o fato de a ldquolutardquo a ldquodisputa e contendardquo serem parte integrante

da vida de Jacoacute Ainda no ventre materno Jacoacute lutou com seu irmatildeo Uma vez que ele

219 Traduccedilatildeo segundo CHOURAQUI 1995 p 349 220 Consideradas variantes cognatas como vimos anteriormente

185

tinha nascido ele resolveu aquela contenda em sua aparente vantagem adquirindo a

Buumlkoumlracirc (primogenitura) e a Buumlraumlkacirc (becircnccedilatildeo) Apoacutes uma luta de vinte anos ele

consegue fugir de Labatildeo seu sogro sem ser tocado pela sua ira Por isso fica claro que

ele ldquoprevalecerdquo (waTTucirckaumll) contra os homens

Mas natildeo somente contra os homens Jacoacute tenta levar a melhor ou seja

prevalecer ser vitorioso O v 29b afirma que ele ldquolutoucontendeu com Deusrdquo A sua

luta com Deus eacute pela becircnccedilatildeo pelo reconhecimento pelo direito de ser o Patriarca

Ateacute agora a vida toda de Jacoacute tinha sido um arrastar as becircnccedilatildeos em todas as circunstacircncias para seu proacuteprio uso sendo o abenccediloado mas sob sua proacutepria forccedila e sobretudo com arbitrariamente e por meio de fraude E precisamente porque este destino (tornar-se o primeiro homem) lhe tinha sido dado por Deus antes mesmo de seu nascimento ele estava constantemente em revolta porque queria realizar este destino por sua proacutepria vontade e por meio de engano Ele era demasiado obstinado e orgulhoso demais para permitir que a becircnccedilatildeo lhe fosse dada Essa resistecircncia obstinada orgulhosa e sombria a Deus eacute o que ele agora exibe agraves margens do Jaboc - e ali tambeacutem eacute derrubado O nome ldquoDeus lutardquo pode entatildeo significar Deus luta com vocecirc porque ele eacute forccedilado por sua teimosia e orgulho E tambeacutem doravante Deus lutaraacute por vocecirc pois ele aprecia seu compromisso absolutamente sincero e indiviso (FOKKELMAN 2004 p 216-217)

Fica claro que para FOKKELMAN o sentido do nome Israel seria ldquoDeus lutardquo

Eacute tambeacutem possiacutevel devido ao contexto e agrave raiz verbal do nome proacuteprio Quem sabe

natildeo se deva entender o nome Israel como uma exclamaccedilatildeo lituacutergica proacutepria de uma

situaccedilatildeo de ldquoguerra santardquo significando algo como ldquoQue ele luterdquo isto eacute que ele se

manifeste como um guerreiro e combatente vitorioso (cf HELLER 1964 p 263-254)

Em todo caso prefiro natildeo restringir-me a uma uacutenica soluccedilatildeo ou interpretaccedilatildeo

para o sentido do nome ldquoIsraelrdquo Como jaacute demonstrei haacute uma polissemia neste nome

proacuteprio bem ao gosto do autor Mas no contexto e devido todo o ciclo de Jacoacute fica

evidente que a interpretaccedilatildeo dada pelo texto eacute aquela que devemos levar em conta

Somente assim atingimos o sentido que o autor deseja dar agrave sua criaccedilatildeo literaacuteria

A inversatildeo de Jacoacute como sujeito e natildeo objeto em seu novo teofoacuterico nome

convida-nos segundo MARKS (1995 p 40) a ldquoa reconfigurar a identidade dos dois

contendoresrdquo Ele sugere que ldquoa volta reflexiva na foacutermula de nome apresenta uma

186

intimidade dinacircmica uma coexistecircncia do eu [self] e do outro o homem e Deus

fundamentados na resistecircncia muacutetuardquo (MARKS 1995 p 40) Jacoacute sempre viveu um

duplo conflito externo (com seu irmatildeo com Labatildeo com suas esposas etc) e interno

(com sua atitude fraudulenta contrastando com seu desejo de ser abenccediloado) Por isso

a sua luta sempre segundo MARKS (IDEM) seria contra his own phantastic projection

(sua proacutepria projeccedilatildeo fantaacutestica) a vulnerabilidade de seu ldquoeurdquo Assim fazendo Jacoacute

habilita-se a ser agente de sua proacutepria mudanccedila testemunhada pelo novo nome A sua

disputa histoacuterica e pessoal eacute trazida para a arena poeacutetica do texto literaacuterio E o sinal

disso eacute o proacuteprio ato de renomeaccedilatildeo Ao mesmo tempo o novo nome permite a

interpretaccedilatildeo de que a divindade luta com Jacoacute mas este consegue transformar esse

conflito a seu favor a segunda glosa etioloacutegica espelha isso ldquoJacoacute chamou o nome do

lugar Fanuel porque eu vi a Deus face a face e a minha vida foi salvardquo (trad nossa)

Em Gn 323031 o ser com o qual Jacoacute lutou contendeu eacute o proacuteprio Deus Ao

natildeo responder agrave pergunta de Jacoacute ndash haGGicirc|dacirc-nnaumlacute šuumlmekauml (Diga-me por favor o teu

nome) e ao Jacoacute reconhecer que tinha visto Deus ldquoface a facerdquo e sobrevivido a

identidade da personagem misteriosa se revela Aleacutem disso haacute uma interessante

curiosidade em nossa periacutecope que vem confirmar essa conclusatildeo A nossa periacutecope

(Gn 3223-33) eacute formada por 143 palavras sendo que poder-se-ia esperar haver 144

que eacute 12 multiplicado por 12 uma vez que se trata de um texto que fala de Israel E

Israel eacute representado sempre com suas 12 tribos Ora a palavra que falta para resultar

no nuacutemero aguardado somente poderia ser o nome divino (cf KESSLER 2004 p 169)

Esse nome natildeo eacute pronunciado esse nome natildeo eacute apenas ldquoDeusrdquo a menos que seja falado

pelo proacuteprio Israel No entanto ldquoeste Deus com seu nome ativo estaacute presente na

histoacuteria lsquoPor que vocecirc pede o meu nome [shem] E ele o abenccediloou laacute [sham]rsquo YHWH

abenccediloa com as palavras lsquoEu estou [ou estarei] contigorsquo (p ex Gn 313) e este eacute o nome

divino in actu (no proacuteprio ato cf Ex 312) Nisto reside o segredo de lsquoIsraelrsquo Apoacutes esse

encontro Jacoacute poderia somente ser Israel em essecircnciardquo (KESSLER 2004 p 169)

A nossa cena conclui-se com um movimento (v 32) Finalmente Jacoacute alcanccedila o

seu povo atravessando Fanuel Como jaacute foi frisado anteriormente a cena toda eacute bem

enquadrada pois os vv 23-24 satildeo marcados pelo movimento de atravessar e fazer

atravessar (rb[ eacute repetido vaacuterias vezes) que prepara este movimento final a travessia

187

propriamente dita Essa travessia de Israel eacute decisiva como o capiacutetulo 33 nos faraacute

perceber Como observa FOKKELMAN (2004 p 221) ldquohaacute algo mais importante e

portanto sua passagem eacute colocada em uma oraccedilatildeo subordinada (Kaacuteaacutešer) Desta

forma a ecircnfase estaacute em lsquoo sol brilhava sobre elersquordquo Afinal a noite ficou para traacutes o dia

glorioso surge e eacute o cenaacuterio para a travessia de nosso heroacutei Em Fanuel natildeo predomina

mais a noite como em Betel e Haratilde a qual eacute substituiacuteda pelo dia glorioso da ldquoFace de

Deusrdquo

Haacute um detalhe importante apesar de tudo o que foi dito acima wuumlhucircacute coumlleumlordf` `al-

yuumlreumlkocirc (ele [JacoacuteIsrael] coxeava de uma coxa) Segundo alguns comentaristas entre eles

JACOB (cf 2007 p 223-224) foi proposital esse ldquoenfraquecimentordquo de Jacoacute durante a

luta A visatildeo de um irmatildeo arrastando-se e curvando-se ateacute o chatildeo sete vezes (Gn 331-

3) faz com que Esauacute fique desarmado quando encontra-se finalmente com ele Esse

homem manco com uma multidatildeo de mulheres e crianccedilas aparentemente fraacutegil natildeo

era o Jacoacute que Esauacute estava preparado para enfrentar com seus quatrocentos guerreiros

(cf Gn 327) Portanto ldquoDeus salvou Jacoacute tornando-o mais fraco e assim derrota o

propoacutesito de Esauacute Ele se sente vencedor vendo um homem vencido diante dele Jacoacute

eacute derrotado em sua coxa aleijado no proacuteprio peacute no qual assentava-se a raiz de toda a

sua inimizade (Gn 2526) Este natildeo eacute lsquoJacoacute que agarra pelo calcanharrsquordquo (JACOB 2007

p 224) Assim sendo a salvaccedilatildeo de Jacoacute eacute a sua manqueira Inclusive em liacutengua

portuguesa pode-se fazer um irocircnico jogo de palavras apesar de manco Jacoacute natildeo daacute

mais mancadas Ou entatildeo aquele que soacute dava mancadas agora manca

Nesse sentido Jacoacute torna-se um homem correto justo reto em seu caminhar

(apesar de manco) apoacutes a luta no vau do Jaboc Como o nome Jeshurun (da provaacutevel

raiz rvy) um dublecirc do nome Israel quer significar Dessa forma o nome Israel natildeo

deixa de ser um tanto irocircnico em vista da personagem a qual nomeia Afinal ldquouma

poderosa metaacutefora fiacutesica eacute sugerida pela histoacuteria da luta Jacoacute cujo nome pode ser

interpretado como lsquoaquele que age tortuosamentersquo eacute dobrado permanentemente

aleijado por seu adversaacuterio sem nome a fim de ser endireitado antes de seu encontro

com Esauacuterdquo (ALTER 1997 p 181)

De nome proacuteprio pessoal Israel passa a ser denominaccedilatildeo de um povo uma

naccedilatildeo Uma monarquia eacute anunciada logo depois de Deus reiterar a mudanccedila de nome

188

em Gn 3510 Em Gn 3511-12 Deus retoma e recorda sua promessa anteriormente feita

a Abraatildeo e Sara quando seus nomes tambeacutem foram mudados (cf Gn 175-616 gt 122)

wayyoumlacutemer locirc acuteeacuteloumlhicircm acuteaacutenicirc acuteeumll šaDDay PuumlrEuml ucircruumlbEuml Gocircy ucircquumlhal Gocircyigravem yihyegrave mimmeordmKKauml

ucircmuumllaumlkicircm meumlHaacutelaumlcEcircordmkauml yeumlceumlordm ucirc wuumlacuteet-haumlacuteaumlordmrec acuteaacutešer naumltaordmTTicirc luumlacuteabraumlhaumlm ucircluumlyicHaumlq luumlkauml

acuteeTTuumlneordmnnacirc ucirc|luumlzar`aacutekauml acuteaHaacuterEcircordmkauml acuteeTTeumln acuteet-haumlacuteaumlordmrec (Deus lhe disse ldquoEu sou El Shaddai Secirc

fecundo e multiplica-te Uma naccedilatildeo uma assembleia de naccedilotildees nasceraacute de ti e reis sairatildeo de teus

rins Eu te dou a terra que dei a Abraatildeo e a Isaac darei esta terra a ti e agrave tua posteridade de pois

de ti ndash trad BJ) Eacute bom relembrar que esse texto natildeo pertence ao mesmo autor da nossa

periacutecope mas agrave tradiccedilatildeo sacerdotal

189

CONCLUSAtildeO

A figura da nossa personagem central JacoacuteIsrael de nenhum modo eacute faacutecil de

abordar pois eacute algueacutem destinado a contender sempre e com todos seu caminho eacute

fatigoso e repleto de tensotildees A proacutepria profecia de eleiccedilatildeo deixa claro que a culpa por

toda essa conflitualidade natildeo eacute (soacute) de Jacoacute mas da vontade de Deus em subverter

desde o ventre materno os direitos de primogenitura que eram tidos como legiacutetimos

naquela eacutepoca IHWH lhe disse [a Rebeca mulher de Isaac] ldquoHaacute duas naccedilotildees em teu seio

dois povos saiacutedos de ti se separaratildeo um povo dominaraacute um povo o mais velho serviraacute ao mais

novordquo (Gn 2523 ndash BJ) Interessante observar que a ldquolutardquo de Jacoacute com Esauacute teve iniacutecio

ainda no interior da proacutepria matildee (cf Gn 2522) o que a leva a consultar YHWH que

lhe profere a profecia acima mencionada A referecircncia na profecia eacute a Edom cujo

povo eacute considerado descendente de Esauacute (cf Gn 2530) Esse povo vizinho mostrou-se

repetidamente inimigo de Israel A BH narra que os edomitas foram subjugados por

Davi (2Sm 813-14) e natildeo se libertaram definitivamente a natildeo ser sob o reinado de Joratildeo

de Judaacute na metade do seacuteculo IX AEC (2Rs 820-22) Portanto fica claro que o chamado

divino natildeo eacute somente eletivo pode tambeacutem ser um chamado agrave luta e ao conflito A

histoacuteria de Moiseacutes vai nessa mesma direccedilatildeo pois ele eacute chamado e enviado para uma

missatildeo conflituosa de libertaccedilatildeo

Aliaacutes o direito dos primogecircnitos marca por duas vezes a trajetoacuteria de Jacoacute

Primeiramente quando este a usurpa de seu irmatildeo fazendo-se passar por ele (Gn 27)

Em segundo lugar quando eacute obrigado a desposar por primeiro Lia a filha mais velha

e natildeo Raquel a sua mulher preferida (Gn 2915-30) O conflito subjacente agrave

primogenitura natildeo eacute absolutamente marginal no seio da sociedade oriental antiga

Afinal a primogenitura ldquoeacute a pedra angular do inteiro sistema social e legal que

estabelece direitos e privileacutegios e impede conflitos intestinos Mas essa mesma praacutexis

de tutela da ordem social eacute tambeacutem um modo de destinar alguns a benefiacutecios e

vantagens e outros a inconvenientes e desvantagensrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p

252) Portanto a accedilatildeo eletiva de Deus no ciclo de Jacoacute representa uma radical revoluccedilatildeo

no interior dessa estrutura tradicional de poder transmitida pela primogenitura

190

Desse modo Deus natildeo eacute alheio ou imparcial no conflito entre Esauacute e Jacoacute Jacoacute

e Labatildeo mas eacute o agente-motor de tal enfrentamento Ao lado das relaccedilotildees conflituosas

com essas duas personagens humanas o ciclo de Jacoacute evidencia tambeacutem os encontros

de Jacoacute com Deus por meio de teofanias (Gn 2810-22 em Betel [322-3 Maanaim]

3223-33 em Fanuel 351-15 em Betel) Natildeo eacute possiacutevel separar na narrativa da nossa

personagem aquilo que eacute humano daquilo que eacute divino Todos os seus encontros com

Deus se datildeo no contexto de seus conflitos e tensotildees a visatildeo da ldquoescadardquo em Betel (Gn

2810-22) tem lugar durante a fuga de Jacoacute do irmatildeo que deseja mataacute-lo O encontro

em Fanuel (Gn 3223-33) que deixaraacute Jacoacute coxo ocorre quando Jacoacute estaacute extremamente

angustiado diante do iminente encontro com Esauacute Mesmo o outro encontro em Betel

(Gn 351-15) eacute cercado por conflitos e mortes a filha de Jacoacute com Lia Dina sofre

violecircncia sexual por parte de Siqueacutem e eacute vingada pelos seus irmatildeos Simeatildeo e Levi (Gn

341-31) Apoacutes a teofania de Betel Raquel daacute agrave luz a Benjamim mas vem a falecer

devido as complicaccedilotildees no parto (Gn 3516-20) Por conseguinte o conflito humano e o

confronto com o divino integram a vida de Jacoacute por isso satildeo refletidos em seu novo

nome em Gn 3229 O nome ldquoIsraelrdquo integra a polimoacuterfica polivalente e prosaica vida

de Jacoacute agrave polissemia de seu novo nome

Afinal ldquoexperiecircncias extremas do ser humano e intervenccedilatildeo divina satildeo

correlatasrdquo (BRUEGGEMANN 2002 p 253)

Por isso Israel natildeo surgiraacute do

Sucesso afinal mesmo aparentando ter vencido a luta contra Deus ele torna-

se manco definitivamente aleijado atingido em sua potecircncia fiacutesica e moral

Astuacutecia pois durante a luta quem faz uso de um subterfuacutegio eacute o ldquohomemrdquo

com o qual estaacute se confrontando rolando pelo poacute Eacute ele que toca o nervo

ciaacutetico de Jacoacute deixando-o atrofiado provocando-lhe dor e manqueira

Terra afinal ele eacute um expatriado algueacutem que possui bens mulheres e filhos

mas natildeo ainda uma terra um verdadeiro lar Devido a isso Deus lhe renova

a promessa em Gn 3511-12 apoacutes seu confronto com ele

Mas Israel eacute fruto da agressatildeo de Deus pois ousou contender com ele e ainda

mais saber o seu nome ou seja conhecer o seu misteacuterio O seu encontro com Deus natildeo

produziu como se poderia imaginar reconciliaccedilatildeo perdatildeo restauraccedilatildeo Mas sim uma

191

invalidez uma deformaccedilatildeo Portanto o novo nome natildeo pode ser separado da nova

lesatildeo que a nossa personagem sofre Essa ambivalecircncia do encontro noturno de Jacoacute

com Deus reflete-se em seu nome pois ele penetrou o misteacuterio de Deus como nenhum

outro antes dele e prevaleceu sobreviveu O proacuteprio Israel povo do qual seraacute o pai

natildeo ousaraacute repetir a faccedilanha do Patriarca (cf Ex 1921-25 2018-20) Eacute como se o nome

Israel representasse a realizaccedilatildeo daquela promessa de Gn 2523 a coroaccedilatildeo de toda

uma existecircncia conflituosa e beligerante No entanto eacute uma vitoacuteria ldquoinvalidanterdquo

demonstrando que com Deus natildeo existem vitoacuterias faacuteceis como bem exprime

BRUEGGEMANN (2002 p 323)

Somente apoacutes esse confronto em Fanuel Jacoacute pocircde compreender melhor o seu

espanto em Gn 2816 acuteaumlkeumln yeumlš yhwh(acuteaumldoumlnaumly) Bammaumlqocircm hazzegrave wuumlacuteaumlnoumlkicirc loumlacute yaumldaumlordm Ticirc

(Na verdade IHWH estaacute neste lugar e eu natildeo o sabia - BJ) logo apoacutes despertar de seu sonho

em Betel Afinal a presenccedila divina na BH eacute tanto causa de exultaccedilatildeo e alegria quanto

de temor e tremor Eacute a esse ldquolugarrdquo onde Jacoacute encontra-se com Deus que faz referecircncia

Gn 3230c wayuumlbaumlrek acuteoumltocirc šaumlm (E ele o abenccediloou ali) O seu novo nome exprime bem o

paradoxo de um poder fraco convertido em fraqueza potente

Falando em becircnccedilatildeo eacute importante retomar esse que eacute o tema dominante em todo

o ciclo de Jacoacute a busca pela becircnccedilatildeo Em nossa periacutecope a becircnccedilatildeo adquire um sentido

especial Finalmente Deus abenccediloa Jacoacute ou melhor Israel A becircnccedilatildeo sempre

determinou as narrativas sobre essa nossa personagem Foi a preocupaccedilatildeo em obter a

becircnccedilatildeo de Isaac que fez Rebeca inventar aquela artimanha para que Jacoacute enganasse

seu pai (Gn 271-40) Essa becircnccedilatildeo dada por meio de engano faz com que Jacoacute tenha de

fugir (Gn 2741-45) A riqueza de Jacoacute em filhos filhas e gado eacute consequecircncia da

becircnccedilatildeo E foi igualmente a becircnccedilatildeo que se transferiu de Jacoacute para o patrimocircnio de Labatildeo

que motivou este uacuteltimo a querer reter Jacoacute a qualquer custo junto de si (Gn 302730)

Assim sendo Jacoacute eacute abenccediloado e sua becircnccedilatildeo produz efeitos tanto para si mesmo

quanto para os outros ao seu redor Apesar que em nenhum momento Jacoacute deixa de

ser o astuto e oportunista basta que nos recordemos da estrateacutegia que usa para

aumentar o seu rebanho em Gn 30 25-43 No entanto ateacute este ponto da narrativa falta

uma becircnccedilatildeo expliacutecita direta de Deus a Jacoacute

192

Ao obter essa becircnccedilatildeo direta de Deus somente em Fanuel ficam evidenciadas a

retidatildeo e justeza de tal gesto Pois essa ldquobecircnccedilatildeo divina exclui qualquer duacutevida sobre

a legitimidade da becircnccedilatildeo que Jacoacute conseguiu enganosamente de seu pairdquo (KLEIN

2007 p 135) e por meio de uma ldquonegociatardquo com seu irmatildeo por um prato de lentilhas

(Gn 2529-34) Contudo essa becircnccedilatildeo natildeo eacute dada incondicionalmente Jacoacute eacute tocado em

seu quadril ldquoo toque pode ser entendido como gesto de becircnccedilatildeo mas eacute um toque

doloroso um toque que deixa Jacoacute coxeandordquo (KLEIN 2007 p 135) Apesar dessa

sinistra humilhaccedilatildeo JacoacuteIsrael adquire coragem e decide ir ao tatildeo temido encontro

com seu irmatildeo Como bem assinala KLEIN (2007 p 135) ldquoesta transformaccedilatildeo e a

disposiccedilatildeo de ir ao encontro do futuro apesar do passado satildeo marcadas por dois

elementos da narrativa Um eacute o novo nome de Jacoacute Israel um nome de honra O outro

eacute a aurora que anuncia um novo e decisivo dia na vida de Jacoacute O terceiro aqui natildeo

mencionado explicitamente eacute a travessia do rio Jabocrdquo

Mas nos detenhamos na caracteriacutestica das etimologias biacuteblicas para nomes

proacuteprios de lugares e pessoas Como jaacute abordamos no segundo e quarto capiacutetulos deste

estudo havia e talvez ainda haja uma tendecircncia muito forte em se acreditar que a

nomeaccedilatildeo biacuteblica pretenda ter uma relaccedilatildeo direta com o ser essencial do objeto

denominado Ou entatildeo que essas notas explicativas sobre os nomes proacuteprios (glosa)

natildeo passem de enfeites secundaacuterios na narrativa ou resiacuteduos curiosos de uma antiga

tradiccedilatildeo popular tipo folcloacuterica Como bem identifica MARKS (1995 p 24) ldquoa glosa

tiacutepica [explicaccedilatildeo dada ao nome] marca um iniacutecio improvisado em oposiccedilatildeo a uma

origem absoluta Eacute arbitraacuteria e natildeo inevitaacutevel obstinada e natildeo essencial permissiva

mas somente em virtude dos limites que ela impotildeerdquo Nesse sentido as mudanccedilas de

nome (Jacoacute gt Israel Jaboc gt Fanuel) ocorridas no texto objeto de nosso estudo somente

poderiam ser explicadas no interior de uma surpreendente rede de duplicaccedilotildees

internas e ecos intertextuais (com suas exploraccedilotildees literaacuterias de geminaccedilatildeo e projeccedilatildeo

identidade e diferenccedila) que o ato de renomear ancora Para comprovar isso que acabo

de dizer basta perguntar-nos assim como faz MARKS (1995 p 34-35)

Pode ser uma coincidecircncia que dois nomes de Jacoacute figurem em uma histoacuteria que se caracteriza por dois acampamentos [Gn 32811] duas travessias [Gn 322324] duas embaixadas [enviadas a Esauacute Gn 328-9]

193

duas esposas [Gn 2915-30] duas servas [Gn 301-49] dois alojamentos de noite [nas duas margens do Jaboc Jacoacute e seu grupo] dois tipos de ldquobecircnccedilatildeordquo ldquolibertaccedilatildeordquo e ldquoenviarsoltarrdquo (xlv ndash Gn 3227) dois tipos de ameaccedila (vyai ndash um homem Gn 3225b e Esauacute)rdquo

Natildeo por acaso o autor escolheu verbos rariacutessimos para compor a narrativa

fazendo com que a fundamentaccedilatildeo interpretativa pela etimologia resultasse como a

concessatildeo do nome paradoxalmente dependente da narrativa que interpretaria

Inevitaacutevel nesta conclusatildeo abordarmos as semelhanccedilas e diferenccedilas entre as

duas periacutecopes onde se datildeo a teofania por meio de um acuteicircš (homem pessoa) Elas satildeo

apenas duas Gn 181-15 (apariccedilatildeo a Abraatildeo e Sara junto ao Carvalho de Mambreacute) e a

nossa em Gn 3223-33 (apariccedilatildeo a Jacoacute no vau do Jaboc) O primeiro aspecto a ser

salientado eacute o fato do proacuteprio Deus fazer questatildeo de vir confirmar a sua promessa

tanto na cena do Carvalho de Mambreacute quanto nesta do riacho Jaboc Na primeira

teofania em acuteicircš Deus assegura a continuidade da linhagem de Abraatildeo prometendo-

lhe o nascimento de um filho Na segunda teofania (Gn 3223-33) Deus renomeia e

abenccediloa Jacoacute que eacute o pai direto da naccedilatildeo numerosa prometida a Abraatildeo Portanto a

promessa feita em Gn 18 realiza-se com a becircnccedilatildeo de Jacoacute em Gn 32 Como constata

HAMORI (2008 p 102) ldquoembora os dois textos seguramente natildeo vecircm do mesmo autor

original as funccedilotildees das apariccedilotildees divinas estatildeo relacionadasrdquo Um segundo aspecto a

ser destacado eacute o realismo antropomoacuterfico presente nesse tipo de teofania Em Gn 18

Deus eacute um ldquohomemrdquo em meio a outros indistinguiacuteveis homens que dialoga com

Abraatildeo deixa-se acolher pelo anfitriatildeo come bebe e comporta-se como qualquer ser

humano Em Gn 32 o ldquohomemrdquo luta com Jacoacute toca-lhe em sua coxa e ainda mais

impressionante perde a luta com Jacoacute ou seja natildeo daacute conta dele em seu combate Esse

tipo de realismo antropomoacuterfico natildeo eacute possiacutevel ser encontrado em nenhuma cultura

circunvizinha a Israel naquelas eacutepocas (cf HAMORI 2008 p 102) Com isso o autor

salienta os viacutenculos inusitadamente estreitos que Abraatildeo e Jacoacute tiveram com Deus

Mais do que por meio de palavras esse estilo de teofania demonstra o grau de

intimidade entre as personagens e a divindade Poreacutem em Jacoacute manifesta-se uma

audaacutecia extraordinaacuteria que natildeo encontramos na figura de Abraatildeo Esse atrevimento

manifesta-se no modo de

194

Jacoacute que ldquocobre o rostordquo de seu irmatildeo [Gn 3221 acuteaacutekaPPuumlracirc paumlnaumlyw ndash

com seus presentes] e golpeia a cavidade da coxa de seu oponente [Gn 3226 Kap-yerek ndash durante a luta no vau do Jaboc] dispor desse rosto

proibido - o Fanuel - natildeo esperando pelo nome que o anjo transmite mas apreendendo a sua mais sagrada e paradoxal expressatildeo e tornando-a um memorial de seu proacuteprio sucesso [ao nomear o lugar da luta] Em Jaboc o nome oculto eacute proclamado mas eacute proclamado na voz de Jacoacute O texto assim encena no niacutevel literaacuterio uma versatildeo da luta que representa o niacutevel da histoacuteria A presenccedila e o nome divinos para o escritor biacuteblico nunca podem se manifestar em si mesmos mas apenas em virtude da resistecircncia da literatura a eles como possibilidades poeacuteticas latentes nos nomes dos homens (MARKS 1995 p 40-41)

Para finalizar eacute evidente que o nome Israel eacute associado agrave luta ao combate agrave

contenda agrave disputa Tentei evitar ao longo deste estudo chegar a uma definiccedilatildeo

etimoloacutegica para esse nome mesmo porque para o proacuteprio autor o que interessa eacute o

seu significado no contexto como abordei no uacuteltimo capiacutetulo Mas o povo de Israel se

vecirc refletido nesse epocircnimo Subjacente a ele podem estar as seguintes memoacuterias

Aiacute estatildeo mais proacuteximas do campo do pensamento as vitoacuterias de Davi contra os filisteus moabitas edomitas arameus e amonitas de modo muito geral (2Sm 517-25 81-14 10119 11) Aleacutem disso pode-se pensar nas vitoacuterias posteriores de IsraelJudaacute contra os seus inimigos sobretudo na eacutepoca dos Macabeus (1 e 2 Mc) Em ciacuterculo mais amplo ainda a partir de nossa maior distacircncia com referecircncia a essas antigas vitoacuterias deveremos pensar nas sujeiccedilotildees causadas pelas grandes potecircncias de todos os tempos agraves quais de modo geral Israel esteve exposto e entre as quais esteve de fato politicamente triturado sem contudo ser totalmente aniquilado como comunidade nacional e religiosa (KRINETZKI 1984 p 83-84)

De qualquer modo penso que tenha conseguido demonstrar que a etimologia

realizada em nossa periacutecope bem como na maior parte da BH seja de cunho poeacutetico

Aliaacutes um caacutelculo conservador em livros narrativos da BH pode proporcionar-nos

mais de oitenta etimologias expliacutecitas de nomes proacuteprios de pessoas e lugares em sua

maior parte nas quais se oferece uma interpretaccedilatildeo semacircntica baseada em

correspondecircncias foneacuteticas A linguagem expande aquilo que a histoacuteria poderia

limitar Esse seria o risco de nos preocuparmos mais com o contexto histoacuterico do que

literaacuterio por exemplo As narrativas biacuteblicas demonstram que apesar de serem textos

195

compostos e conterem camadas redacionais de diversas eacutepocas tradiccedilotildees e lendas de

tempos mais antigos toques e retoques de diversos autores elas jamais deixam de ser

um texto unitaacuterio como reconhece HARTMAN (1986 p 11) ldquoNa Escritura apesar de

histoacuterias duplicadas e inconsistecircncias haacute uma unidade agraves vezes lacocircnica agraves vezes

prolixa mas sempre imperiosa No combate de Jacoacute essa tensatildeo unificadora alcanccedila

um tom peculiarrdquo Todo o ciclo de Jacoacute assim como a nossa periacutecope demonstra que

natildeo haacute uma expliacutecita e piedosa preocupaccedilatildeo moral na descriccedilatildeo e encenaccedilatildeo

proporcionadas pelas narrativas biacuteblicas A personagem Jacoacute natildeo eacute poupada nem

maquiada nem adaptada ao figurino de um tiacutepico homem temente a Deus com o qual

este possa ter uma estreita e iacutentima relaccedilatildeo Nosso Jacoacute eacute retratado em toda a sua nudez

moral e eacutetica e ateacute o final natildeo perde a sua principal e identificadora caracteriacutestica ser

um persistente suplantador algueacutem que deseja estar agrave frente Por isso ele natildeo teme

tocar e ser tocado por Deus mostrar sua face (seu ldquoeurdquo) e ver a face do totalmente

Outro (Deus) prender e ser libertado

A duplicaccedilatildeo e duplicidade fazem parte da nossa personagem principal Tudo

em sua vida eacute duplo e ambiacuteguo E eacute dessa realidade que ele deve sempre emergir

Portanto estabelece-se uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre personagem e texto o texto eacute

repleto de duplicidades e ambiguidades a fim de espelhar a personagem com estas

mesmas caracteriacutesticas e a personagem se revela melhor justamente atraveacutes dessa

peculiar caracteriacutestica da literatura biacuteblica Haacute portanto como pudemos perceber ao

longo desse estudo uma perfeita cumplicidade entre ambos A palavra o nome estaacute a

serviccedilo da histoacuteria e do texto

196

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  • Um nome que faz toda diferenccedila anaacutelise literaacuteria de Gecircnesis 3223-33
    • RESUMO
    • ABSTRACT
    • SUMAacuteRIO
    • INTRODUCcedilAtildeO
    • CAPIacuteTULO 1
      • 1 O nome proacuteprio
        • 11 O que eacute o nome proacuteprio
        • 12 A que serve o nome proacuteprio
        • 13 Noccedilotildees semacircnticas baacutesicas sobre o nome proacuteprio10
          • 2 Diferentes abordagens do nome proacuteprio
            • 21 Semioacutetica
            • 22 Psicanaacutelise
              • 3 O nome proacuteprio na literatura
                • 31 Nomes que revelam a qualidade dos personagens
                • 32 Nomes que indicam o local da accedilatildeo
                • 33 Nomes sugestivos do tempo da accedilatildeo
                • 34 Nomes que exercem um papel na estrutura da obra
                • 35 Nomes que ressaltam as associaccedilotildees sinesteacutesicas26
                  • 4 Uma anaacutelise antropoloacutegica do nome proacuteprio
                    • 41 As funccedilotildees dos nomes de pessoas
                    • 42 Nome proacuteprio como um coacutedigo social
                    • 43 Poder e simbologia dos nomes proacuteprios
                        • CAPIacuteTULO 2
                          • 1 O nome proacuteprio em civilizaccedilotildees contemporacircneas a Israel
                            • 11 Mesopotacircmia
                            • 12 Egito
                            • 13 Greacutecia e Roma
                              • 2 Onomaacutestica biacuteblica
                                • 21 O nome proacuteprio na cultura hebraica
                                • 22 Circunstacircncias que determinam a nomeaccedilatildeo das pessoas
                                  • 221 Circunstacircncias particulares do nascimento
                                  • 222 Circunstacircncias externas contemporacircneas ao nascimento e simbolismo
                                  • 223 Influecircncia da aparecircncia fiacutesica da crianccedila
                                  • 224 Nomes de animais
                                  • 225 Nomes de plantas
                                  • 226 Nomes teofoacutericos
                                  • 227 Outros fatores determinantes na escolha do nome
                                    • 23 A mudanccedila de nome na Biacuteblia Hebraica
                                      • 231 Alteraccedilotildees de nomes impostas por um senhor
                                      • 232 Alteraccedilotildees de nomes impostas por uma intervenccedilatildeo divina
                                      • 233 Alteraccedilatildeo de nome realizada pela proacutepria pessoa
                                          • 3 Etiologias biacuteblicas
                                            • CAPIacuteTULO 3
                                              • 1 O texto em si
                                              • 2 Algumas notas de criacutetica textual
                                              • 3 Contextos da periacutecope
                                              • 4 A formaccedilatildeo do Pentateuco e o ciclo da histoacuteria de Jacoacute
                                              • 5 Delimitaccedilatildeo e estrutura
                                                • CAPIacuteTULO 4
                                                  • 1 Paralelismos internos agrave Biacuteblia
                                                  • 2 Aspectos internos agrave periacutecope
                                                  • 3 Como foi interpretada a mudanccedila de nome de Jacoacute
                                                  • 4 O que significa Israel
                                                    • CONCLUSAtildeO
                                                    • BIBLIOGRAFIA
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