UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ... de Teses/A conquista e a...Tadeu Valdir Freitas de...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ECONÔMICA TADEU VALDIR FREITAS DE REZENDE A conquista e a ocupação da Amazônia brasileira no período colonial: a definição das fronteiras São Paulo 2006

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UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA ECONOcircMICA

TADEU VALDIR FREITAS DE REZENDE

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras

Satildeo Paulo 2006

TADEU VALDIR FREITAS DE REZENDE

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras

Tese apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Histoacuteria

Departamento de Histoacuteria Econocircmica Orientadora Profa Dra Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright

Satildeo Paulo 2006

Tadeu Valdir Freitas de Rezende

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras

Tese apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Histoacuteria Histoacuteria Econocircmica

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Agrave minha saudosa matildee com gratidatildeo e carinho

AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas cujo apoio ou envolvimento no trabalho auxiliaram a sua

consecuccedilatildeo

Agrave minha orientadora Profa Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright pelo

acolhimento de meu projeto pela contribuiccedilatildeo criacutetica e pertinente para seu

aperfeiccediloamento e sobretudo por sua amizade e incentivo constante

Ao Prof Emanuel Soares da Veiga Garcia por seu exemplo como docente e pelo

estiacutemulo para que o trabalho se constituiacutesse em uma tese de doutoramento

Aos Professores Vera Luacutecia Amaral Ferlini Benedicto Heloiz Nascimento Heinz

Dieter Heidmann e Iacuteris Kantor docentes das disciplinas que cursei pelas

importantes contribuiccedilotildees durante a abordagem de suas especialidades

Agrave minha famiacutelia e aos meus amigos pelo carinho e apoio permanentes

RESUMO

REZENDE Tadeu V F de A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras 2006 Tese de Doutoramento em

Histoacuteria Econocircmica da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2006 A conquista e ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo colonial foram empreendimentos

conduzidos pelo Estado planejados e executados com prioridade poliacutetica pelo

governo metropolitano que resultaram na incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de

aproximadamente 60 de sua aacuterea total atual Coube a Portugal ainda durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica sob ordens do Rei de Espanha a expulsatildeo dos franceses

de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo e a fundaccedilatildeo em 1616 do Forte do Preseacutepio de Santa

Maria de Beleacutem A partir dessa posiccedilatildeo pescadores e comerciantes ingleses e

holandeses que iniciavam sua instalaccedilatildeo no baixo Amazonas foram expulsos pelas

forccedilas portuguesas que passaram entatildeo a controlar o acesso agrave maior bacia

hidrograacutefica do mundo Com a criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute em

1621 - entidade poliacutetica autocircnoma e independente do Estado do Brasil - a

administraccedilatildeo desses territoacuterios passou a ser diretamente subordinada ao governo

de Lisboa iniciando-se um processo irreversiacutevel de exploraccedilatildeo e penetraccedilatildeo

territorial pela vasta rede hidrograacutefica amazocircnica Uma expediccedilatildeo oficial realizada

entre 1637 e 1639 pretendeu estabelecer um limite entre os domiacutenios das duas

Coroas ibeacutericas foi chefiada por Pedro Teixeira que lavrou ata de posse para

Portugal das terras situadas a oeste da povoaccedilatildeo de Franciscana fundada pelos

portugueses em pleno territoacuterio do Equador atual Pouco tempo depois entre 1647 e

1651 o bandeirante Antonio Raposo Tavares realizou uma das maiores expediccedilotildees

geograacuteficas da histoacuteria uma viagem de Satildeo Paulo a Beleacutem percorrendo mais de

5000 km pelos sertotildees do continente americano Essa expediccedilatildeo revelou acessos

do sul do Brasil para a Amazocircnia e a importacircncia do Rio Madeira e sua ligaccedilatildeo com

os altiplanos andinos Por essa razatildeo estrateacutegica a Coroa portuguesa determinou a

ocupaccedilatildeo do vale do Rio Madeira pelos missionaacuterios religiosos agentes

imprescindiacuteveis de conversatildeo e conquista que em pouco menos de um seacuteculo

depois da construccedilatildeo de Beleacutem haviam irradiado a ocupaccedilatildeo por meio de dezenas

de missotildees fundadas nos mais diversos pontos do territoacuterio amazocircnico Lisboa

determinou tambeacutem o enfrentamento das incursotildees francesas no norte do

Amazonas a conquista dos Rios Negro e Branco a expulsatildeo dos jesuiacutetas a serviccedilo

de Espanha do Rio Solimotildees e a expediccedilatildeo ao Rio Madeira para conter a presenccedila

espanhola a oeste do Rio Guaporeacute Todas as accedilotildees fizeram parte da estrateacutegia para

garantir a posse da Amazocircnia e tinham por objetivo preservar as conquistas

territoriais empreendidas pelas expediccedilotildees oficiais pelos missionaacuterios entradistas e

bandeirantes Principalmente a partir do reinado de Dom Joatildeo V de 1706 a 1750

Portugal passou a priorizar a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais com o propoacutesito

de revisar os acordos anteriores de limites e abolir o Tratado de Tordesilhas firmado

em 1494 A aproximaccedilatildeo das Coroas ibeacutericas e a extraordinaacuteria atuaccedilatildeo de

Alexandre de Gusmatildeo nas negociaccedilotildees de fronteiras resultaram na assinatura em

1750 do Tratado de Madri legalizava-se pelo argumento de posse da terra - uti

possidetis - e pela busca das fronteiras naturais a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia e do

Centro-Oeste do Brasil Na Amazocircnia Lisboa decidira tomar para si o controle das

missotildees religiosas realizando um programa de profunda reorganizaccedilatildeo poliacutetica

econocircmica social administrativa judicial e religiosa Essa poliacutetica propunha-se

sobretudo a promover o povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua

posse Vilas foram fundadas missotildees erguidas agrave categoria de vilas e sobretudo

uma linha defensiva de fortificaccedilotildees portuguesas construiacutedas para guarnecer os

limites exteriores da regiatildeo Satildeo Joseacute de Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira

no Rio Negro Satildeo Francisco Xavier de Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim

no Rio Branco Santo Antocircnio do Iccedilaacute na desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees

Satildeo Joseacute de Macapaacute na foz do Rio Amazonas e Real Priacutencipe da Beira no Rio

Guaporeacute Essas fortificaccedilotildees permitiram a ocupaccedilatildeo definitiva do territoacuterio e

demonstram o propoacutesito de Lisboa em defender e consolidar o espaccedilo amazocircnico

conquistado Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de

Madri estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio que acabaria por prevalecer na

demarcaccedilatildeo definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees

pelos expedicionaacuterios missionaacuterios entradistas e bandeirantes a realizaccedilatildeo fiacutesica da

expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a inteligecircncia e a

prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo singular Com

base nesse acordo o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que triplicada e

logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas receacutem-

formadas processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte em que as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia A Amazocircnia a despeito de todas as dificuldades para sua

colonizaccedilatildeo permaneceu brasileira graccedilas ao esforccedilo e ao empenho poliacutetico

empreendidos por Portugal para manter essa vasta regiatildeo como parte de seu

impeacuterio colonial ultramarino

Palavras-chave Amazocircnia ocupaccedilatildeo territorial expediccedilotildees oficiais missionaacuterios

entradistas bandeirantes negociaccedilotildees de fronteiras

ABSTRACT

REZENDE Tadeu V F de The conquest and settling of the Brazilian Amazon

region during the colonization period the definition of the borders 2006 Doctorate

thesis in Economic History at the College of Philosophy Languages and Human

Sciences University of Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2006

The conquest and settling of the Amazon region during the colonization period were

state-conducted enterprises planned and executed with political priority by the

metropolitan government which resulted in the incorporation to the Brazilian territory

of approximately 60 of its total present area It was Portugals duty still under the

Iberic Union under the King of Spains orders the expulsion of the French from Satildeo

Luiacutes do Maranhatildeo and the foundation in 1616 of the Forte do Preseacutepio de Santa

Maria de Beleacutem (Fort of the Nativity of Saint Mary of Bethlehem) As from that

position both fishermen and English and Dutch tradesmen who were beginning to

settle in the lower Amazon River were expelled by the Portuguese forces who then

started to control access to the worlds largest hydrographic basin After the

foundation of the states of Maranhatildeo and Gratildeo-Paraacute in 1621 - autonomous and

independent political entity of the State of Brazil - the administration of these

territories became directly subordinate to Lisbons government thus triggering an

irreversible process of territorial penetration and exploitation throughout the vast

Amazon hydrographic network An official expedition carried out between 1637 and

1639 had the aim of establishing a limit between the domains of both Iberic Crowns

it was led by Pedro Teixeira who wrote the possession registration document for

Portugal of the land located west of the Franciscan settlement founded by the

Portuguese where the current Equatorian territory lies Shortly afterwards between

1647 and 1651 explorer Antonio Raposo Tavares led one of the greatest geographic

expeditions in history a voyage from Satildeo Paulo to Beleacutem crossing over 5000

kilometers through the American continents wilderness This expedition revealed

both accesses from southern Brazil to the Amazon and the importance of the

Madeira River and its connection with the Andean highland For this strategic reason

the Portuguese Crown demanded the settling of the Madeira River valley by religious

missionaries invaluable agents of conversion and conquest who less than a century

after the construction of Beleacutem had irradiated the settling by means of tens of

missions founded in several points of the Amazon territory Lisbon also demanded

fighting against the French incursions north of the Amazon River the conquest of

both the Negro and Branco Rivers the expulsion of the Jesuits in service for Spain

from the Solimotildees River and the expedition to the Madeira River to hold back the

Spanish presence west of the Guaporeacute River All actions were part of the strategy to

guarantee possession of the Amazon region and aimed at keeping the territorial

conquests performed by the official expeditions by the missionaries and by both

official and unofficial explorers As from the ruling of Dom Joatildeo V especially from

1706 to 1750 Portugal started to prioritize the definition of its colonial borders with

the aim of revising previous border agreements and cancel the Treaty of Tordesilla

signed in 1494 The union of the Iberic Crowns and Alexandre de Gusmatildeos

extraordinary performance in the border negotiations resulted in the signature of the

Treaty of Madrid in 1750 the settling of Brazils Amazon and the Midwest regions

were legitimated by the uti possidetis argument through land ownership and the

search of natural borders In the Amazon region Lisbon had decided to take control

over the religious settlements conducting a deep political economic social

administrative judicial and religious reorganization in order to foster the territorys

population guarantee its defense and ownership Villages were set up missions

were upgraded to the categories of villages and above all a string of Portuguese

fortifications was built to back the outer limits of the region Satildeo Joseacute de Marabitanas

and Satildeo Gabriel da Cachoeira at the Negro River Satildeo Francisco Xavier de

Tabatinga at the Solimotildees River Satildeo Joaquim at the Branco River Santo Antocircnio

do Iccedilaacute at the delta of the Iccedilaacute and Solimotildees Rivers Satildeo Joseacute de Macapaacute at the

Amazonas River estuary and Real Priacutencipe da Beira at the Guaporeacute River These

fortifications allowed the definitive settling of the territory and reveal Lisbons purpose

in both defending and consolidating the conquered Amazon area Although it had

been revoked shortly after it was signed the Treaty of Madrid established the

doctrinal principle which would end up prevailing in Brazils final border layout The

Portuguese colonial expansion in America occurred thanks to the incursions into the

wilderness by official and unofficial explorers and missionaries and the Treaty of

Madrid the intelligence and political priority for the maintenance of such singular

territorial conquest Based on this agreement independent Brazil would see its

overall area more than tripled and would soon have to formalize its borders with the

newly-formed south American nations a process that did not take place in the

remaining Hispanic America or even in North America where major border changes

occurred after independence The Amazon region despite all difficulties for its

colonization remained Brazilian thanks to the effort and political engagement

employed by Portugal to maintain all this vast region as part of its overseas colonial

empire

Keywords Amazon territorial settling official expeditions missionaries entradistas

bandeirantes border agreements

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES Mapa 1 Fotomontagem da Ameacuterica do Sul realizada por sateacutelite artificial da terra19 Fonte South America NASAJPLCalTechCAGNGS NOAA AVHRR Ikm (221) 1990-1994 Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 74 e 75 Mapa 2 Divisatildeo poliacutetica atual da Ameacuterica do Sul20 Fonte Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 3 Amazocircnia Legal Brasileira21 Fonte Mapa poliacutetico do Brasil IBGE 2004 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 4 Ocupaccedilatildeo territorial em 160035 Fonte WEHLING Arno Formaccedilatildeo do Brasil colonial 3ordf ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 p 95

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 5 Viagem de Francisco de Orellana realizada entre dezembro de 1541 a junho de 154239

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 6 Penetraccedilatildeo do Rio Xingu e Tapajoacutes por ingleses e holandeses por volta de 162047 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77

Mapa 7 Posiccedilatildeo do Forte do Gurupaacute e do Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem em 162358 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 8 Estado do Maranhatildeo criado em 1621 compreendia o litoral desde o Cabo de Satildeo Roque no atual Estado do Rio Grande do Norte ao Rio Oiapoque no atual Estado do Amapaacute60 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 9 Expediccedilatildeo de Pedro Teixeira realizada entre 28 de outubro de 1637 e 12 de dezembro de 163974 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 10 Principais Bandeiras de Preaccedilatildeo 77 Fonte CAMPOS Francisco Antonio Luciano de 1999 Em wwwgeocitiescom bandeiras99pagina1html acesso em 20 de marccedilo de 2006 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Manuel Preto e Antonio Raposo Tavares - 1628 a 1633 Ascenso Ribeiro e Andreacute Fernandes - 1632 a 1633 Antonio Raposo Tavares Andreacute Fernandes e Fernatildeo Dias Pais - 1635 a 1637 Fernatildeo Dias Pais - 1638 Antonio Raposo Tavares - 1648 a 1651 Bartolomeu Bueno de Siqueira - 1670 Luis Castanho de Almeida - 1671 Domingos Jorge Velho - 1671 a 1674 Manuel de Campos Bicudo - 1673 Manuel Aacutelvares de Moraes Navarro - 1689 Matias Cardoso de Almeida - 1689 a 1698 Mapa 11 Principais Bandeiras de Prospecccedilatildeo 78 Fonte CAMPOS Francisco Antonio Luciano de 1999 e 2000 Em wwwgeocities combandeiras99pagina1html acesso em 20 de marccedilo de 2006

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Simatildeo Aacutelvares o velho - 1610 Lourenccedilo Castanho Tanque - 1658 Fernatildeo Dias Pais - 1674 Antonio Rodrigues Arzatildeo - 1693 Bartolomeu Bueno de Siqueira - 1694 Antonio Pires de Campos - 1716 Pascoal Moreira Cabral - 1718 Bartolomeu Bueno da Silva - 1722 Mapa 12 Ilha Brasil na carta de Joatildeo Teixeira Albernaacutes de 164085 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p119 Em vaacuterios mapas antigos portugueses o territoacuterio brasileiro eacute apresentado como uma ilha com fronteiras fluviais a oeste Jaime Cortesatildeo atribui agrave Coroa uma poliacutetica premeditada de ocupaccedilatildeo da ilha Brasil Mapa 13 Expediccedilatildeo de Raposo Tavares realizada entre finais de 1647 a fevereiro de 165197 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 14 Principais Missotildees religiosas da Amazocircnia construiacutedas ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII114 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 15 Ocupaccedilatildeo territorial em 1700128 Fonte WEHLING Arno Formaccedilatildeo do Brasil colonial 3ordf ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 p 145 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 16 Principais fortificaccedilotildees construiacutedas na Amazocircnia ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII129

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 17 As disputas territoriais do Cabo Norte141 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p 275 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 18 Regiatildeo de atuaccedilatildeo do padre Samuel Fritz ao longo do Rio Solimotildees152 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 19 Penetraccedilatildeo portuguesa pelos vales dos Rios Negro e Branco160 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 20 Expediccedilatildeo de Francisco Palheta realizada entre 11 de novembro de 1722 a 13 de setembro de 1723166 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society p 76 e 77 1998 Mapa 21 Rota das monccedilotildees176 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p 149 Os comboios levavam 5 meses para ir de Porto Feliz a Cuiabaacute Daiacute atravessando a peacute o mato-grosso do Rio Jauru chegava-se a Vila Bela no Rio Guaporeacute donde desde 1752 outras monccedilotildees as do Norte ligavam esta povoaccedilatildeo a Beleacutem Mapa 22 Mapa das Cortes de 1748212 Fonte Divisatildeo de informaccedilatildeo documental da Fundaccedilatildeo Biblioteca Nacional ldquoRoberto Simonsen assim se expressa sobre o Mapa das Cortes ldquoA carta do Brasil estaacute visivelmente deformada apresentando Cuiabaacute sob o mesmo meridiano da foz do Amazonas proacuteximo ao qual passaria a linha de Tordesilhas (um erro de nove

graus) Essa construccedilatildeo mostrando ser menor a aacuterea ocupada talvez tenha sido feita visando facilitar a aceitaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do princiacutepio do uti possidetis que integrou na Ameacuterica portuguesa tatildeo grande extensatildeo de terras ao oeste meridiano de Tordesilhasrdquo (27) Cortesatildeo eacute franco ldquoO Mapa das Cortes foi propositadamente viciado nas suas longitudes para fins diplomaacuteticosrdquo (28) Defende entretanto tal procedimento ldquoAlexandre de Gusmatildeo representava entatildeo uma poliacutetica de segredo que o Estado portuguecircs vinha praticando sobre seus descobrimentos geograacuteficos desde o seacuteculo de quatrocentos D Joatildeo V no fio de uma tradiccedilatildeo secular conservava secreta a cartografia dos Padres Matemaacuteticos O Mapa das Cortes natildeo passava da consequumlecircncia necessaacuteria duma velha poliacutetica praticada e oficializada ainda no seu tempordquo (29) Deixando de lado possiacuteveis consideraccedilotildees eacuteticas o que se pode dizer eacute que os espanhoacuteis tambeacutem adaptavam mapas a seus interesses poliacuteticos como o revelou por exemplo estudo publicado em nuacutemero recente de Imago Mundi sobre o mapa da Ameacuterica do Sul de Cruz Cantildeo y Olmedilla base do futuro Tratado de Santo Ildefonsordquo (GOacuteES FILHO 2001 p186 e 187) 27 Apud CORTESAtildeO Jaime Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madri Rio de Janeiro Instituto Rio Branco sd tomo I p 329 28 Id ibid p 332 29 Id ibid p 333 Mapa 23 Traccedilado de limites entre as possessotildees portuguesas e espanholas na Ameacuterica segundo o Tratado de Madri de 13 de janeiro de 1750218 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 24 Principais vilas fundadas por Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado no periacuteodo em que governou o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo entre 1751 e 1759 255 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 25 Principais fortificaccedilotildees construiacutedas para o controle dos limites exteriores da Amazocircnia na segunda metade do seacuteculo XVIII270 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 26 Representaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro segundo o Tratado de Tordesilhas de 1494 o Tratado de Santo Ildefonso de 1777 e os tratados de fronteira do Brasil com os paiacuteses hispano-americanos que resultaram na sua delimitaccedilatildeo atual298 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77

SUMAacuteRIO

1INTRODUCcedilAtildeO

18

2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS21 As primeiras incursotildees ao Rio Amazonas Vicente Pinzoacuten22 As dificuldades para a ocupaccedilatildeo portuguesa 23 A Viagem de Francisco de Orellana 24 A lenda do El Dorado 25 Holandeses e ingleses pescadores e comerciantes

313133344043

3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA31 A expulsatildeo dos franceses e a ocupaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes 32 A fundaccedilatildeo de Beleacutem 33 A expulsatildeo dos holandeses e ingleses do baixo Amazonas

48485255

4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA41 A separaccedilatildeo do Brasil a criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo 42 O periacuteodo inicial 43 As implicaccedilotildees da Uniatildeo Ibeacuterica 44 A expediccedilatildeo de Pedro Teixeira45 O bandeirismo46 O mito da Ilha-Brasil47 A expediccedilatildeo de Raposo Tavares48 A accedilatildeo missionaacuteria49 O entradismo e o alargamento do territoacuterio

5959636671768390

102115

5 OS CONFLITOS51 As incursotildees francesas ao norte do Amazonas52 A missatildeo jesuiacuteta de Samuel Fritz e a disputa pela ocupaccedilatildeo do Rio

Solimotildees 53 A conquista do Rio Negro e Rio Branco54 A expediccedilatildeo ao Rio Madeira e a limitaccedilatildeo da presenccedila espanhola a

oeste do Rio Guaporeacute

131131

144155

162

6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS61 As monccedilotildees 62 A estrateacutegia portuguesa63 O Tratado de Madrid64 As transformaccedilotildees poliacuteticas65 As accedilotildees de Mendonccedila Furtado 66 A fortificaccedilatildeo do territoacuterio 67 As monccedilotildees do norte

173173187213226233257269

7 A CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE

274

8 METODOLOGIA

301

9 CONCLUSAtildeO

303

BIBLIOGRAFIA

327

ANEXOS

337

18

1 INTRODUCcedilAtildeO

ldquoJamais houve naccedilatildeo que em proporccedilatildeo dos seus meios tanto fizesse como a portuguesa Pequeno como eacute Portugal um dos mais diminutos reinos da Europa e longe de ser bem povoado apoderou-se por bom direito de ocupaccedilatildeo da parte bela do mundo novo e suceda o que suceder sempre o Brasil haacute de ser heranccedila de um povo lusitanordquo (SOUTHEY 1981 p 381)

A Amazocircnia propriamente dita estende-se por oito paiacuteses da Ameacuterica do Sul

abrange parte do Brasil Boliacutevia Peru Equador Colocircmbia Venezuela Repuacuteblica da

Guiana Suriname e Guiana Francesa compreende uma vasta regiatildeo ocupada por

florestas tropicais uacutemidas densas e natildeo densas das quais aproximadamente 60

encontram-se no Brasil reconhecida como a maior floresta tropical existente o

equivalente a 13 das reservas de florestas tropicais uacutemidas e o maior banco

geneacutetico do planeta conteacutem 15 da disponibilidade mundial de aacutegua doce e um

patrimocircnio mineral natildeo completamente mensurado Trata-se na realidade de um

megabioma1 composto de diversos ecossistemas dominados pela maior bacia

hidrograacutefica do mundo com aproximadamente 80 mil quilocircmetros navegaacuteveis2

(Mapa 1 e Mapa 2)

O conceito essencialmente poliacutetico de Amazocircnia Legal Brasileira foi instituiacutedo em

1953 por meio de dispositivo de lei para fins de planejamento econocircmico da regiatildeo

amazocircnica que compreende os Estados do Acre Amazonas Amapaacute Mato Grosso

Paraacute Rondocircnia Roraima Tocantins e grande parte do Maranhatildeo a oeste do

meridiano de 44ordm abrangendo natildeo soacute as florestas tropicais uacutemidas como tambeacutem

uma longa faixa de vegetaccedilatildeo de transiccedilatildeo cerrados no sul da regiatildeo e os campos

ao norte em Roraima Paraacute e Amapaacute3 (Mapa 3)

1 Bioma em ecologia eacute uma comunidade bioloacutegica - fauna e flora - estaacutevel e desenvolvida adaptada a um ambiente fiacutesico - solo aacutegua e ar- e suas interaccedilotildees entre si Um bioma pode ter uma ou mais vegetaccedilotildees predominantes eacute influenciado pelo macro clima tipo de solo condiccedilatildeo do substrato e outros fatores fiacutesicos divididos em terrestres ou continentais e aquaacuteticos Geralmente se daacute um nome local a um bioma em uma aacuterea especiacutefica por exemplo um bioma de vegetaccedilatildeo rasteira eacute chamado estepe na Aacutesia central savana no sul da Aacutefrica pampa na Ameacuterica do Sul campina na Ameacuterica do Norte cerrado no Brasil 2 Informaccedilotildees do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis Disponiacutevel em httpwwwibamagovbr acesso em 7 de junho de 2005 3 Informaccedilotildees da Agecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia httpwwwadagovbramazonialegislacaoasp acesso em 7 de junho de 2005

22

A aacuterea da Amazocircnia Legal perfaz uma superfiacutecie aproximada de 52 milhotildees de km2

o que corresponde a cerca de 61 do territoacuterio brasileiro Pertencem agrave Amazocircnia

Legal mais de 23 das fronteiras geograacuteficas do Paiacutes

A bacia hidrograacutefica amazocircnica envolve todo o conjunto de recursos hiacutedricos que

convergem para o Rio Amazonas o segundo mais extenso rio do mundo com 6751

km e o mais caudaloso de todos com um volume de aacutegua doce aproximadamente

56 vezes maior que o do Rio Nilo Nasce no lago Lauri ou Lauricocha (em quiacutechua

cocha lago) nos Andes do Peru a pouco mais de 10deg de Latitude Sul e por sua

origem lacustre apresenta inclinaccedilatildeo muito pequena menos de 100 metros em todo

seu trajeto no Brasil desce de 65m de altitude em Benjamin Constant no Estado

do Amazonas e apoacutes um percurso de mais de 3000 km alcanccedila o oceano

Atlacircntico Nos paiacuteses andinos recebe o nome de Rio Marantildeoacuten ao entrar no Brasil

recebe o nome de Rio Solimotildees e ao receber as aacuteguas do Rio Negro eacute

denominado propriamente de Rio Amazonas A largura meacutedia do Rio Amazonas eacute

de aproximadamente 5 km em alguns lugares de uma margem eacute impossiacutevel ver a

margem oposta por causa da curvatura da superfiacutecie terrestre No ponto onde o rio

mais se contrai ndash o chamado estreito de Oacutebidos ndash a largura diminui para 15 km e a

profundidade chega a 100 metros Agrave cerca de 1000 km da foz jaacute se fazem sentir os

primeiros efeitos das mareacutes e estima-se que o Amazonas lance ao oceano uma

descarga equivalente a 11 de toda a massa de aacuteguas continentais O Rio

Amazonas recebe grande nuacutemero de afluentes da margem direita os mais

importantes satildeo Huallaga Ucayali (no Peru) Javari Juruaacute Purus Madeira Tapajoacutes

e Xingu (no Brasil) pela margem esquerda Pastaza Napo (no Peru) Iccedilaacute Japuraacute

Negro Trombetas Paru e Jari (no Brasil) Em sua foz o Amazonas se divide em

dois braccedilos o braccedilo norte eacute o mais largo e corresponde ao verdadeiro estuaacuterio o

braccedilo sul eacute conhecido pelos nomes de Rio Paraacute e Baiacutea de Marajoacute Na realidade

esta eacute uma saiacuteda falsa agrave qual o Rio Amazonas se liga atraveacutes de uma seacuterie de

canais naturais A portentosa hidrografia amazocircnica apresenta fenocircmenos muito

curiosos No baixo curso o mais famoso eacute a chamada pororoca encontro violento

das aacuteguas do rio com as do mar sobretudo no mecircs do outubro quando as aacuteguas

estatildeo baixas e por ocasiatildeo das mareacutes altas de siziacutegia O fenocircmeno eacute

particularmente sensiacutevel nos lugares pouco profundos onde a sucessatildeo de ondas

fortiacutessimas pode causar danos e naufraacutegios No Guamaacute e outros rios de planiacutecie que

23

desembocam no estuaacuterio amazocircnico verificam-se duas enchentes por dia as mareacutes

de aacutegua doce provocadas pela variaccedilatildeo diurna do niacutevel do mar Outro fenocircmeno

que se observa no Amazonas e grandes afluentes em todo o seu percurso de

planiacutecie eacute o das terras caiacutedas resultante do solapamento das margens As aacuteguas

argilosas do Rio Amazonas tingem o oceano Atlacircntico ateacute uma distacircncia superior a

200 km da costa e diminuem sensivelmente sua salinidade4

Eacute importante ressaltar que quase todos os tributaacuterios do Rio Amazonas satildeo

navegaacuteveis ateacute grandes distacircncias do rio principal e a regiatildeo permite a utilizaccedilatildeo de

uma extensa rede de comunicaccedilatildeo fluvial que natildeo tem similar em nenhuma outra

parte do mundo De junho a dezembro os ventos e as correntes costumam opor-se

uns aos outros permitindo a navegaccedilatildeo rio acima utilizando-se os ventos ou rio

abaixo valendo-se das correntezas Esse fenocircmeno foi particularmente importante

no tempo da navegaccedilatildeo agrave vela (BOXER 2004)

A ocupaccedilatildeo europeacuteia desse imenso territoacuterio teve iniacutecio no final do seacuteculo XVI

quando foram iniciadas as primeiras tentativas de exploraccedilatildeo da regiatildeo e ocorreu

quase um seacuteculo apoacutes a descoberta da Ameacuterica em 1492

Essa ocupaccedilatildeo pode ser compreendida como parte e consequumlecircncia do processo de

expansatildeo europeu em direccedilatildeo ao Mar Oceano como era conhecido o Atlacircntico

iniciado no seacuteculo XV quando a Europa ainda sofria graves perturbaccedilotildees

econocircmicas e sociais causadas pelas devastaccedilotildees da Peste Negra e contava com

pequena oferta de matildeo-de-obra As rendas da aristocracia haviam decaiacutedo e os

monarcas e nobres competiam por poder e recursos ldquoEra tambeacutem uma sociedade

que se sentia ameaccedilada em suas fronteiras orientais pela presenccedila hostil do Islatilde e

pelo avanccedilo dos turcos otomanosrdquo (ELLIOTT 1997 p 139) Intranquumlila e ao mesmo

tempo moacutevel essa sociedade estava desejosa por conhecer o mundo aleacutem de seus

horizontes imediatos e por adquirir objetos de luxo e iguarias exoacuteticas do Oriente

Fruto de sua posiccedilatildeo geograacutefica proximidade com a Aacutefrica e apoiada sobre uma

longa costa atlacircntica a Peniacutensula Ibeacuterica teria papel decisivo nesse movimento de

4 Disponiacutevel em wwwtransportegovbrbithidrodetrioamazonashtm Acesso em 9 de marccedilo de 2006

24

expansatildeo A Reconquista pelos cristatildeos natildeo foi concluiacuteda ao atingir os limites da

proacutepria Peniacutensula Ibeacuterica Agrave medida que foram alcanccedilados os limites da expansatildeo

interna as forccedilas dinacircmicas da sociedade ibeacuterica medieval comeccedilaram a buscar

novas fronteiras no aleacutem-mar Desenvolveu-se entatildeo uma tradiccedilatildeo mariacutetima proacutepria

com a incorporaccedilatildeo de experiecircncias e novas teacutecnicas de navegaccedilatildeo que viriam a

permitir as viagens transoceacircnicas A Peniacutensula Ibeacuterica assume deste modo a

lideranccedila de um movimento de expansatildeo para Oeste numa eacutepoca em que a Europa

estava sendo bloqueada em suas fronteiras orientais particularmente pela

expansatildeo do Islatilde (ELLIOT 1997)

A ligaccedilatildeo da Europa com a Aacutesia no final da Idade Meacutedia dava-se atraveacutes de fraacutegeis

rotas terrestres e ldquo[] somente quando os portugueses se lanccedilaram ao Atlacircntico no

iniacutecio do seacuteculo XV eacute que se fechou a uacuteltima grande lacuna oceacircnica na

intercomunicaccedilatildeo mundialrdquo (JOHNSON 1997 p 241)

Os portugueses aprenderam a navegar o mar-oceano tinham desenvolvido a

caravela que era capaz de enfrentar melhor que outras embarcaccedilotildees os ventos

desfavoraacuteveis e haviam adaptado agraves condiccedilotildees do mar os instrumentos necessaacuterios

para as viagens de longa distacircncia como a buacutessola que indica as direccedilotildees a serem

seguidas e o astrolaacutebio que eacute fundamental para a localizaccedilatildeo pelos astros

Tambeacutem haviam formado uma classe de navegantes experientes os mais

preparados de sua eacutepoca

ldquoDe facto a maior contribuiccedilatildeo intelectual que os Portugueses atraveacutes de suas viagens mariacutetimas proporcionaram agrave Europa foi o conhecimento geograacutefico e a exatidatildeo naacuteutica As suas cartas e rotas eram as melhores da Europa Os Portugueses foram na realidade os descobridores dos impeacuterios mariacutetimos europeusrdquo (BOXER 1981 p21)

Dessa forma em 1415 empreendem a tomada de Ceuta no Marrocos importante

porto intermediaacuterio das caravanas vindas da Guineacute Inicia-se assim o periacuteodo dos

grandes descobrimentos que perduraria por aproximadamente um seacuteculo

terminando com a circunavegaccedilatildeo da Terra por Fernando de Magalhatildees e Sebastiatildeo

de Elcano entre 1519 e 1522 O marco culminante desse periacuteodo foi a viagem de

Vasco da Gama agrave Iacutendia (1497-1498) apoacutes a descoberta das ilhas da Madeira dos

25

Accedilores e de Cabo Verde e Satildeo Tomeacute e o contorno do continente africano por

Bartolomeu Dias (1487-1488)

Perturbaccedilotildees internas e a reconquista ainda por concluir impediram que Castela

alcanccedilasse a mesma expansatildeo ultramarina empreendida por Portugal ateacute finais do

seacuteculo XV Portugueses e espanhoacuteis rivalizaram-se tambeacutem nas navegaccedilotildees

mariacutetimas e disputaram durante deacutecadas a posse das Ilhas Canaacuterias pendecircncia

resolvida pelo Tratado de Alcaacuteccedilovas de 1479 que atribuiu agraves Canaacuterias a soberania

de Castela em troca de deixar para Portugal com exclusividade as rotas proacuteximas e

as terras da costa da Aacutefrica (referido no Tratado como Guineacute) e os arquipeacutelagos da

Madeira Cabo Verde e Accedilores

Entretanto um navegador genovecircs conhecedor da navegaccedilatildeo do Mediterracircneo

que viveu e aprendeu com os lusos a ampla experiecircncia da navegaccedilatildeo pelo mar

aberto depois de ter tido recusado seu projeto de exploraccedilatildeo pelo rei de Portugal

Dom Joatildeo II descobriu em 1492 a serviccedilo dos reis de Espanha sem mesmo ter

consciecircncia de sua realizaccedilatildeo o Novo Mundo que viria a ser batizado por Ameacuterica

A viagem de Cristoacutevatildeo Colombo credenciou agrave Espanha o direito de reivindicaccedilotildees no

contexto das novas descobertas

Em 1494 apoacutes intensas negociaccedilotildees com avanccedilos e recuos que levaram cerca de

um ano e meio embaixadores portugueses obtiveram em 7 de junho de 1494 a

assinatura de um novo tratado As bulas anteriores outorgadas por Alexandre VI

que favoreciam os reis catoacutelicos de Espanha haviam sido veementemente

recusadas por Portugal O novo acordo o Tratado da Capitulaccedilatildeo da Particcedilatildeo do

Mar Oceano regulava a partilha entre Espanha e Portugal das terras encontradas e

a serem encontradas no Atlacircntico Esse tratado foi a verdadeira base em que se

fundamentariam mais tarde os tratados de fronteiras do seacuteculo XVIII entre os quais

o de Utrecht em 1713 o de Madri em 1750 e o de Santo Ildefonso em 1777

Segundo Joatildeo Capistrano de Abreu O Tratado de Tordesilhas foi o primeiro ato

relevante da diplomacia moderna por ter sido negociado entre Estados e natildeo por

decisatildeo exclusiva dos Papas como ocorria na Idade Meacutedia (CAPISTRANO DE

ABREU 2000)

26

Jaime Cortesatildeo recorda que o objetivo poliacutetico tanto de Espanha como de Portugal

na eacutepoca era assegurar-se do caminho para as Iacutendias Informado por seu

conselheiro Pero de Covilhatilde Dom Joatildeo II preocupou-se com as terras do Oriente e

muito especialmente com as ceacutelebres ilhas Molucas entatildeo consideradas verdadeira

e mais rica mina de especiarias Somente alguns anos depois quando os

portugueses alcanccedilaram as Molucas eacute que Carlos V compreendeu o erro pois Dom

Joatildeo II natildeo soacute reservara para Portugal a posse da verdadeira rota para as Iacutendias

como tambeacutem uma grande parte do Brasil atual Quando celebrado Tordesilhas

tanto os reis de Espanha como o de Portugal haviam-se dado por satisfeitos os

primeiros na convicccedilatildeo de que eram os senhores da rota da Iacutendia e o segundo

porque estava certo de poder completar muito em breve o seu descobrimento

(CORTESAtildeO 1956)

Pelo Tratado de Tordesilhas a partilha das terras descobertas entre Portugal e

Espanha seria feita a partir da contagem de 370 leacuteguas a oeste das ilhas de Cabo

Verde natildeo definindo entretanto o comprimento da leacutegua a ser utilizada e a partir de

qual ilha de Cabo Verde deveria ser considerada a distacircncia acordada aleacutem disso

natildeo se conhecia naquela eacutepoca o processo para se calcular longitudes com

exatidatildeo De todo modo apesar de sua imprecisatildeo surge pela primeira vez a ideacuteia

de propriedade sobre territoacuterios alheios o que viria juntamente com outros fatores a

justificar a colonizaccedilatildeo da Ameacuterica

Em 1499 ou 1500 navegadores a serviccedilo de Espanha descobriram o Rio

Amazonas Natildeo se sabe ao certo se a descoberta foi realizada por Ameacuterico

Vespuacutecio como crecircem alguns ou se por Vicente Yanes Pinzoacuten como eacute

majoritariamente aceito (GOacuteES FILHO 2001) O fato eacute que oficialmente os

primeiros europeus a navegarem no Amazonas identificando sua foz foram os

espanhoacuteis Somente em 1616 mais de um seacuteculo depois com a construccedilatildeo da

Casa Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem por Francisco Caldeira de Castelo

Branco a bandeira portuguesa viria a tremular na Amazocircnia Embora navegado por

espanhoacuteis ingleses holandeses e franceses seria Portugal quem se apossaria das

duas margens e da maior parte da bacia hidrograacutefica amazocircnica

27

Graccedilas a esse processo de ocupaccedilatildeo lenta mas persistente que exigiu a expulsatildeo

de estrangeiros e a conjunccedilatildeo de outros fatores natildeo menos relevantes o Brasil

independente pocircde reivindicar e estabelecer suas fronteiras em locais tatildeo distantes

Como disse Joaquim Nabuco em O Direito do Brasil ldquoNada nas conquistas de

Portugal eacute mais extraordinaacuterio que a conquista do Amazonasrdquo (NABUCO 1941) A

penetraccedilatildeo portuguesa pelos Rios Amazonas Tocantins Xingu Tapajoacutes Madeira

Negro Branco Purus e Juruaacute viria a justificar o alargamento do territoacuterio colonial

luso-americano para muito aleacutem dos limites impostos por Tordesilhas

O propoacutesito deste trabalho de pesquisa e doutoramento eacute a defesa da tese de que a

conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial que resultou na

definiccedilatildeo dos limites da Ameacuterica Portuguesa junto agrave Coroa Espanhola e Francesa

foi sobretudo um empreendimento dirigido pelo Estado por meio de accedilotildees poliacuteticas

e diplomaacuteticas conduzidas com a finalidade de assegurar a posse desse territoacuterio

para o impeacuterio colonial portuguecircs A expansatildeo espontacircnea motivada por razotildees

exclusivamente econocircmicas natildeo eacute capaz de explicar a incorporaccedilatildeo portuguesa de

tatildeo vasta regiatildeo

Acredita-se que o presente trabalho seraacute uacutetil no sentido de sob o ponto de vista

acadecircmico contribuir para a melhor compreensatildeo das condiccedilotildees em que se deu a

expansatildeo territorial da Ameacuterica portuguesa A importacircncia dessa contribuiccedilatildeo pode

ainda estar relacionada a uma reavaliaccedilatildeo do legado colonial portuguecircs que por

meio do Tratado de Madrid 1750 permitiu no Impeacuterio e na Repuacuteblica a justificaccedilatildeo

necessaacuteria para as negociaccedilotildees e os acordos das fronteiras do Brasil com os paiacuteses

hispano-americanos e europeus

Ressalta-se importante a anaacutelise da contribuiccedilatildeo dos colonizadores portugueses

dos seus descendentes luso-brasileiros e do governo metropolitano em suas accedilotildees

poliacuteticas e diplomaacuteticas para a formaccedilatildeo das fronteiras amazocircnicas no periacuteodo

colonial Fundamental tambeacutem para a compreensatildeo desse processo de conquista e

ocupaccedilatildeo deve ser considerada a intensa miscigenaccedilatildeo de ameriacutendios e brancos

portugueses de nascimento ou natildeo que resultou em um novo elemento humano

com suas caracteriacutesticas proacuteprias de assimilaccedilatildeo europeacuteia e nativa

28

As seguintes perguntas baacutesicas refletem o problema de pesquisa a ser analisado

neste trabalho

bull Em que circunstacircncias se deu a expulsatildeo dos estrangeiros - franceses

holandeses e ingleses - instalados nos territoacuterios amazocircnicos no periacuteodo inicial

da colonizaccedilatildeo dessa regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XVII

bull Como atuaram os diversos protagonistas na conquista e ocupaccedilatildeo desses

territoacuterios a partir da expulsatildeo dos estrangeiros

bull Quais foram as consequecircncias da Uniatildeo Ibeacuterica para a expansatildeo portuguesa na

regiatildeo

bull Que implicaccedilotildees para a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia pelos portugueses trouxe a

separaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo do Estado do Brasil

bull Qual foi o papel desempenhado pelas expediccedilotildees oficiais de reconhecimento do

territoacuterio na expansatildeo portuguesa sobretudo o empreendimento realizado por

Pedro Teixeira

bull Como situar o bandeirantismo no contexto da expansatildeo territorial da Amazocircnia

bull Que consequecircncias para a ocupaccedilatildeo portuguesa advieram da expediccedilatildeo de

Antonio Raposo Tavares ao Centro-Oeste e agrave Amazocircnia

bull Como o Estado promoveu e orientou a atuaccedilatildeo das Ordens religiosas no

processo de colonizaccedilatildeo da Amazocircnia

bull Quais foram as relaccedilotildees entre o entradismo e o alargamento do territoacuterio

bull Como Portugal enfrentou as ameaccedilas francesas no norte da Ameacuterica do Sul

bull Como se deu a conquista do Rio Negro e do Rio Branco

bull Como se resolveram as disputas com os jesuiacutetas espanhoacuteis instalados no Rio

Solimotildees e no Rio Guaporeacute

bull Qual foi o papel desempenhado pelo fenocircmeno das monccedilotildees e monccedilotildees do

norte na expansatildeo e manutenccedilatildeo do territoacuterio

bull Qual foi a estrateacutegia adotada por Portugal para garantir suas possessotildees

amazocircnicas obtidas com a penetraccedilatildeo territorial extra Tordesilhas

bull Quais foram as consequecircncias e implicaccedilotildees decorrentes dos tratados de limites

acordados sobretudo a partir do seacuteculo XVIII

bull Quais foram as accedilotildees adotadas por Lisboa para a defesa de suas possessotildees

coloniais na Amazocircnia

29

bull Qual foi o papel do Estado Portuguecircs em sua atuaccedilatildeo europeacuteia e americana no

processo de expansatildeo territorial da Amazocircnia

Para responder a essas indagaccedilotildees o presente estudo divide-se em 9 capiacutetulos

No primeiro estatildeo expostos os propoacutesitos e o objeto deste estudo No segundo e no

terceiro abordam-se os antecedentes da ocupaccedilatildeo portuguesa do territoacuterio

amazocircnico considerando sobretudo suas motivaccedilotildees poliacuteticas O capiacutetulo dois

aborda o periacuteodo inicial de contato com a regiatildeo quando das primeiras viagens

intencionais ou acidentais dos espanhoacuteis e de outros europeus pelos rios da

Amazocircnia O capiacutetulo trecircs trata da expulsatildeo dos franceses de Satildeo Luiacutes do

Maranhatildeo da fundaccedilatildeo do Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem e da

expulsatildeo dos holandeses ingleses e irlandeses do Baixo Amazonas

No capiacutetulo quatro aprofunda-se o tema central acerca da conquista e ocupaccedilatildeo

portuguesa da regiatildeo e o alargamento do territoacuterio sob influecircncia de Portugal para

aleacutem dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas Para tanto destaca-se a

viagem de Pedro Teixeira agraves veacutesperas da Restauraccedilatildeo e a expediccedilatildeo de Raposo

Tavares bem como a atuaccedilatildeo das missotildees religiosas na Amazocircnia sobretudo os

jesuiacutetas

O capiacutetulo cinco descreve os conflitos pela posse do territoacuterio no final do seacuteculo XVII

e iniacutecio do seacuteculo XVIII envolvendo franceses no Cabo Norte holandeses no Rio

Branco e jesuiacutetas a serviccedilo dos interesses espanhoacuteis no Rio Solimotildees bem como a

limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo das missotildees jesuiacuteticas espanholas a oeste do Rio Guaporeacute

O capiacutetulo seis discorre sobre a percepccedilatildeo pela metroacutepole portuguesa da

necessidade de definiccedilatildeo das fronteiras coloniais americanas nos territoacuterios

amazocircnicos priorizando accedilotildees que tinham por objetivo o exerciacutecio do direito de

posse da regiatildeo e empreendendo gestotildees diplomaacuteticas nos foacuteruns europeus para

legalizar essa ocupaccedilatildeo que resultaram na assinatura do Tratado de Madrid em

1750 Aborda tambeacutem o periacuteodo Pombalino e as accedilotildees para a fortificaccedilatildeo e

demarcaccedilatildeo do territoacuterio

30

O capiacutetulo sete trata do periacuteodo anterior agrave declaraccedilatildeo de independecircncia do Brasil e

da consolidaccedilatildeo das premissas mais importantes consagradas no Tratado de Madrid

e suas consequumlecircncias para os acordos futuros sobre as fronteiras do Brasil com os

paiacuteses hispano-americanos e a Franccedila

Segue-se a metodologia que foi empregada para a realizaccedilatildeo do trabalho

Por fim as consideraccedilotildees finais do estudo apresentam uma retomada sucinta mas

abrangente dos principais pontos discorridos durante o trabalho Conclui-se com a

sustentaccedilatildeo da tese de que a conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo

colonial foram empreendimentos conduzidos pelo Estado planejados e executados

com prioridade poliacutetica pelos governos de Lisboa nos acordos de limites

prevaleceria a doutrina defendida por Portugal para legitimar sua expansatildeo

territorial obtendo-se a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais americanas o que

resultou na incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de quase dois terccedilos de sua aacuterea

atual A Amazocircnia permaneceu brasileira em decorrecircncia do esforccedilo e do empenho

poliacutetico empreendidos por Portugal para a manutenccedilatildeo dessa vasta regiatildeo como

parte integrante de seu impeacuterio colonial ultramarino

31

2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar a presenccedila dos primeiros

europeus na regiatildeo amazocircnica iniciada com a descoberta pelos espanhoacuteis da foz

do Rio Santa Maria de la Mar Dulce possivelmente no ano de 1500 e com as

primeiras viagens intencionais ou acidentais que partindo dos contrafortes andinos

percorreram a calha do grande Rio ateacute atingir o Atlacircntico Trata-se na realidade de

um periacuteodo pouco documentado anterior agrave presenccedila portuguesa na regiatildeo que se

daria apenas com a fundaccedilatildeo de Beleacutem por Francisco Caldeira de Castelo Branco

em 1616 jaacute no iniacutecio do seacuteculo XVII A seccedilatildeo ainda procuraraacute analisar as

circunstacircncias em que se deram as primeiras viagens de exploraccedilatildeo dos territoacuterios

empreendidas por pescadores e comerciantes ingleses franceses e holandeses

21 As Primeiras Incursotildees no Rio Amazonas Vicente Pinzoacuten A descoberta da Ameacuterica pelo genovecircs Cristoacutevatildeo Colombo em 1492 financiada

pela rainha Izabel de Castela precede a uma seacuterie de viagens empreendidas pelos

espanhoacuteis na tentativa de encontrar o caminho para a Iacutendia ou para o Japatildeo

navegando pelo oceano Atlacircntico

Em sua terceira viagem realizada entre os anos de 1498 e 1500 navegando mais

para o sul Cristoacutevatildeo Colombo alcanccedilou a ilha de Trinidad proacutexima a atual

Venezuela e viu a terra firme do continente americano pela primeira vez embora

natildeo tivesse ainda noccedilatildeo de que estava em um novo continente quando alcanccedilou o

delta do Rio Orenoco imaginou ter finalmente chegado agrave Aacutesia Nas duas viagens

anteriores Colombo havia aportado em ilhas do Caribe e acreditava ter encontrado o

caminho para as Iacutendias atravessando o Atlacircntico

A chegada ao litoral norte da Ameacuterica do Sul pode ser compreendida como

consequumlecircncia natural das viagens espanholas aos mares das Antilhas pois esse

litoral eacute de um prolongamento da faixa de terra em torno das ilhas caribenhas

Muitos historiadores acreditam que trecircs outras pequenas frotas espanholas tocaram

o litoral norte da Ameacuterica do Sul antes mesmo de Cabral chegar agrave altura de Porto

32

Seguro em 22 de abril de 1500 Alonso de Ojeda Vicente Yaacutentildees Pinzoacuten e Diego de

Leppe Haacute tambeacutem o registro de que um francecircs de nome Jean Cousin teria

percorrido a costa brasileira entre o nordeste e o delta do Amazonas no ano de

1488 mas poucos acreditam que essa viagem tenha-se realizado

De fato Pinzoacuten e de Leppe teriam mesmo percorrido a costa brasileira desde o

cabo a que Pinzoacuten chamou de Santa Maria de la Consolacioacuten identificado por

muitos historiadores como o Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco ateacute o

Amapaacute (GOacuteES FILHO 2001) De todo modo Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten (1463-1514)

nascido em uma cidade de marinheiros Palos Espanha foi provavelmente o

primeiro explorador do Rio Amazonas a que chamou de Santa Maria de la Mar

Dulce acreditando inicialmente estar diante do Ganges

Pinzoacuten havia sido criado em uma famiacutelia de ricos marinheiros adquirindo uma

grande experiecircncia nas navegaccedilotildees graccedilas agraves viagens comerciais que havia

realizado desde a infacircncia em companhia de seu irmatildeo Martiacuten Alonso A eles satildeo

atribuiacutedas accedilotildees de pirataria entre 1477 e 1479 nas costas catalatildes e nas ilhas

Baleares Por intermeacutedio de seu irmatildeo o mais importante armador da regiatildeo aderiu

aos projetos de Cristoacutevatildeo Colombo quando nomeado capitatildeo da caravela Pinta e

tomando parte dos descobrimentos de Colombo

Atraiacutedo pelas perspectivas de riqueza que ofereciam os descobrimentos das novas

terras americanas Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten firmou em 6 de junho de 1499 com um

representante dos Reis Catoacutelicos um acordo que o autorizava a empreender novos

descobrimentos na Ameacuterica Um quinto das riquezas descobertas seria destinada

aos Reis sendo o restante dividido entre ele e seus homens

A famiacutelia de Pinzoacuten equipou entatildeo quatro pequenas caravelas e 75 homens

constituiacuteram a tripulaccedilatildeo A pequena frota lanccedilou-se ao mar em dezembro de 1499

Chegando a Cabo Verde foram arrastados por uma tempestade que os levou

provavelmente para a costa do Brasil onde aportaram em 26 de janeiro de 1500

trecircs meses antes da chegada do descobridor portuguecircs Pedro Aacutelvares Cabral Pin-

zoacuten decidiu bordear a costa na direccedilatildeo noroeste e descobriu a foz do Rio Amazonas

e do Orenoco Continuou sua rota ateacute o mar das Antilhas e se dirigiu ateacute a ilha de

33

Espanhola dali prosseguiu sua viagem para as Bahamas e depois da perda de seus

barcos empreendeu a viagem de retorno agrave Espanha onde chegou em setembro de

1500 A viagem foi um fracasso do ponto de vista econocircmico A famiacutelia Pinzoacuten se

encontrava-se agrave beira da ruiacutena mas do ponto de vista geograacutefico Vicente Yaacutentildeez

Pinzoacuten tornou-se o primeiro marinheiro a passar pela linha do Equador e a navegar

o Amazonas

22 As Dificuldades para a Ocupaccedilatildeo Portuguesa

Estabelecida a rota de navegaccedilatildeo para o Brasil apoacutes a descoberta de Cabral

Portugal iniciou as accedilotildees para criar um sistema de exploraccedilatildeo das novas terras O

Brasil naquela eacutepoca parecia ser apenas mais uma ilha do Atlacircntico Todavia ao

contraacuterio da Madeira e dos Accedilores era povoado por nativos selvagens embora

amistosos como se pensava Portugal viu-se obrigado a tratar o Brasil como a costa

da Aacutefrica e a exploraacute-lo por meio de um sistema de feitorias que desenvolvesse o

comeacutercio dos poucos produtos comercializaacuteveis encontrados a madeira para tintura

que viria a batizar a nova terra macacos escravos e papagaios (JOHNSON 1997)

O interesse pelo Brasil contudo natildeo era exclusivamente econocircmico representava

uma questatildeo geopoliacutetica para as potecircncias ibeacutericas se de fato o Brasil fosse uma

ilha como circundaacute-la e assim encontrar uma passagem oeste para as muito mais

lucrativas ilhas de especiarias das iacutendias Ocidentais Embora quase todos

concordassem com que a parte leste do Brasil estivesse incluiacuteda na esfera

portuguesa tal qual havia sido acordado em Tordesilhas em 1494 seraacute que a foz

do Amazonas ou do Prata rotas provaacuteveis em redor do Brasil ficariam do lado

portuguecircs ou espanhol A busca dessas respostas centrou-se principalmente no

Prata (JOHNSON 1997)

O comeacutercio ilegal de pau-brasil havia atraiacutedo franceses que natildeo aceitavam os

direitos exclusivos de Portugal sobre o Brasil Lisboa se esforccedilava para combater

essa praacutetica na imensa costa brasileira do Cabo de Santo Agostinho Pernambuco

ao norte ateacute Cananeacuteia Satildeo Paulo ao sul

34

O litoral norte da Ameacuterica do Sul no trecho hoje brasileiro e guianense apresentava

enormes dificuldades para o estabelecimento humano com costas quase deseacuterticas

no Cearaacute baixios nas proximidades do delta do Amazonas e mangues nas Guianas

natildeo revelando nada que estimulasse a ambiccedilatildeo dos espanhoacuteis e portugueses

quinhentistas (GOacuteES FILHO 2001)

A linha de Tordesilhas poderia passar pela foz do Rio Amazonas mas o leito do rio

estendia-se sem duacutevida pelo lado oeste isto eacute espanhol

Preocupados em manter o controle sobre a costa brasileira ameaccedilada pelas

incursotildees francesas limitados pelas dificuldades das navegaccedilotildees no litoral norte

brasileiro e desestimulados pela aparente falta de riquezas daquela regiatildeo os

portugueses natildeo procuraram se estabelecer na Amazocircnia no seacuteculo XVI (Mapa 4)

23 A Viagem de Francisco de Orellana

Curiosamente a Amazocircnia seraacute descoberta pela cabeceira do rio por exploradores

espanhoacuteis que viratildeo dos Andes peruanos e natildeo do delta entrada natural desse

imenso territoacuterio

Caberaacute a Francisco de Orellana (1500-1545) a primeira navegaccedilatildeo completa do

Rio Amazonas de dezembro de 1541 a julho de 1542 tendo sido percorridos mais

de 6000 quilocircmetros um feito notaacutevel para a eacutepoca

As tropas de Pizarro estavam instaladas no Peru desde 1532 na regiatildeo entatildeo

ocupada pelo Impeacuterio Inca Gonzalo Pizarro (irmatildeo caccedilula de Francisco Pizarro)

governador de Quito foi encarregado pela famiacutelia para montar uma expediccedilatildeo agrave

procura da Terra de Canela 5 e agrave tentativa de descobrimento do El Dorado

5 A canela eacute uma aacutervore originaacuteria do Sri Lanka antigo Ceilatildeo de Myanmar antiga Birmacircnia e da Iacutendia conhecida haacute mais de 4500 anos pelos chineses Seu nome eacute derivado da palavra indoneacutesia kayu manis que significa madeira doce mais tarde recebeu o nome hebreu quinnamon que evoluiu para o grego kinnamon A canela era a especiaria mais procurada na Europa e seu comeacutercio era muito lucrativo O monopoacutelio do comeacutercio da canela esteve nas matildeos dos portugueses no seacuteculo XVI passou para os holandeses com a Companhia das Iacutendias Orientais quando esses expulsaram em 1656 os portugueses do Ceilatildeo e depois para as matildeos dos ingleses a partir de 1796 quando esses ocuparam essa ilha As canelas satildeo algumas das espeacutecies mais antigas conhecidas pela humanidade a mais difundida eacute a Cinnamomum zeylanicum originaacuteria do Ceilatildeo atual Sri Lanka

36

A canela vinha da Iacutendia e era muito procurada naquela eacutepoca Os portugueses

dominavam esse comeacutercio usurparam-no dos venezianos graccedilas agraves descobertas

mariacutetimas de Vasco da Gama Surge em Quito o boato de que havia canela depois

das montanhas geladas dos Andes Se os espanhoacuteis a encontrassem poderiam

fazer fortunas (SOUBLIN 2003)

Em 1541 a expediccedilatildeo partiu de Quito descendo os Andes em direccedilatildeo ao

Amazonas Havia muitos afluentes a escolher Gonzalo decide descer pelo Rio

Coca que para sua infelicidade apresentava grande dificuldade para a navegaccedilatildeo

exigindo muito das tropas para vencer as corredeiras A progressatildeo era muito lenta

e Gonzalo resolve entatildeo construir um barco mais resistente Nesse momento um

novo grupo comandado por Francisco de Orellana reuacutene-se agrave expediccedilatildeo

(SOUBLIN 2003)

Orellana era oriundo da cidade de Trujillo Extremadura Espanha onde havia

combatido a serviccedilo dos Pizarros com quem tinha parentesco Perdera um olho em

combate e tinha fama de intelectual e linguumlista aprendera a liacutengua nativa quando

fundou a cidade de Guaiaquil Equador (SOUBLIN 2003)

Na junccedilatildeo do Rio Coca com o Rio dos Omaguaacutes provavelmente o Rio Napo

aproximadamente a 500 quilocircmetros do ponto de partida Orellana separa-se do

grosso da tropa e comeccedila a descer o rio agrave procura de viacuteveres Gonzalo o

encarregara da missatildeo recomendando seu retorno em 20 dias entregando a ele o

novo barco com toda a municcedilatildeo utensiacutelios e o cofre onde eram guardados os

dinheiros da expediccedilatildeo e de seus soacutecios (SOUBLIN 2003)

Orellana partiu no natal de 1541 e natildeo mais retornaria

Outras entretanto como a Caacutessia (Cinnamomum cassia) chamada de falsa-canela e conhecida como Canela-da-China tambeacutem tecircm importacircncia econocircmica essa espeacutecie eacute muito cultivada nas proviacutencias do sudoeste da China As partes mais uacuteteis das canelas satildeo o coacutertex dessecado e o oacuteleo O oacuteleo eacute obtido das folhas por destilaccedilatildeo por arraste a vapor Considerada siacutembolo da sabedoria a canela foi usada na antiguumlidade pelos gregos romanos e hebreus para aromatizar o vinho e com fins religiosos na Iacutendia e na China Motivo de lutas entre os povos a canela continua indispensaacutevel como tempero na culinaacuteria moderna A canela foi introduzida no Brasil pelos jesuiacutetas

37

Natildeo se sabe ao certo se ele traiu Gonzalo deliberadamente ou se de fato como

alegou mais tarde foi impedido de voltar por conta das corredeiras que o arrastaram

rio abaixo Seu destino era seguir as aacuteguas rumo ao desconhecido e entrar para a

histoacuteria com sua viagem pioneira pelo Amazonas (GOacuteES FILHO 2001)

Orellana tinha apenas dois barcos (bergantins) ambos com 57 pessoas Entre os

embarcados havia um jovem monge dominicano Frei Gaspar de Carbajal que viria

a ser o cronista da expediccedilatildeo ainda que natildeo tenha sido muito claro em suas

narrativas sobre os motivos pelos quais o comandante Orellana decidiu continuar a

viagem sem retornar agrave posiccedilatildeo em que se encontrava Gonzalo conforme o previsto

por eles

De qualquer forma intencional ou acidentalmente foi descendo o rio carregado

rapidamente pela correnteza Apoacutes muitos dias de viagem alcanccedilou a

desembocadura do Rio Napo que se juntava a um rio muito maior Naquele

momento ele jaacute estava navegando o Amazonas

Durante a viagem enfrentou grandes dificuldades relatadas por Carbajal lutas

constantes com os nativos ocupantes das margens dos rios sugerindo que as tribos

indiacutegenas eram numerosas e pouco amistosas (GOacuteES FILHO 2001)

Tambeacutem eacute descrito a existecircncia de grandes agrupamentos humanos no Solimotildees

estradas fortes indiacutegenas protegidos e terriacutevel mal tempo com chuvas torrenciais O

monge cita ainda o som de tambores de guerra e de feiticeiros que gesticulavam

ameaccediladoramente (SOUBLIN 2003)

O grande inimigo da viagem entretanto foi a fome relata novamente o dominicano

ldquoagrave falta de outros mantimentos soacute comiacuteamos couros cintos e solas de sapatos

cozidos com algumas ervas de maneira que tal era nossa fraqueza que natildeo

podiacuteamos ter em peacuterdquo (LEITAtildeO6 1941 p19 apud GOacuteES FILHO 2001 p138)

6 LEITAtildeO Melo Descobrimento do Rio das Amazonas 1941 p 60

38

Algo incomum viria a impressionar a tripulaccedilatildeo e toda a Europa Conforme relato de

Carbajal em 20 de junho de 1542 teriam sido atacados ferozmente por nativos

comandados por mulheres de aspecto imponente Eram ldquomulheres muito alvas e

altas com o cabelo comprido entranccedilado na cabeccedila Satildeo muito membrudas e

andam nuas em pecirclo tapadas as suas vergonhas com seus arcos e flexas nas

matildeos fazendo tanta guerra como dez iacutendiosrdquo (LEITAtildeO 1941 p 60 apud GOacuteES

FILHO 2001 p139) Assim descreve o monge a accedilatildeo dessas mulheres que natildeo

tinham seios A palavra grega a-mazoacuten que significa sem seios passou a ser

utilizada para referir-se a essas guerreiras Outros relatos datildeo conta de que essas

mulheres viviam em comunidades raptavam homens para procriar devolviam os

filhos homens e criavam as filhas preparando-as para a guerra Talvez inspirado por

fatos reais talvez confundido por homens de cabelos longos o fato eacute que natildeo tardou

para que essa histoacuteria do jovem monge corresse a Europa e o grande rio navegado

por Orellana passasse a ser conhecido como o Rio das Amazonas

Por volta de junho de 1542 os sobreviventes da expediccedilatildeo chegaram finalmente ao

mar conseguiram livrar-se dos bancos de areia dos recifes e das tempestades

alcanccedilando um porto espanhol da costa venezuelana (Mapa 5)

Orellana certamente o primeiro europeu a navegar o Amazonas em seu curso

principal foi imediatamente agrave Espanha para dar ciecircncia aos Reis de suas

descobertas e solicitou o governo dos territoacuterios ao longo do rio Em 2 de fevereiro

de 1544 obteve a concessatildeo real para explorar a Nueva Andalucia

Em 1546 como Governador e Capitatildeo-General das terras que descobrisse

organizou uma expediccedilatildeo para conquistar a regiatildeo No comando da tropa mal

organizada perdeu-se no delta do rio e morreu vitimado pelos iacutendios

Se Orellana tivesse ecircxito em sua expediccedilatildeo talvez hoje a Amazocircnia natildeo

pertencesse aos brasileiros mas aos herdeiros do aventureiro espanhol

40

24 A Lenda do El Dorado

Entre os conquistadores espanhoacuteis acreditava-se ter um grande grupo de incas

fugido para o interior quando da invasatildeo do Peru carregado com eles muitos

tesouros e fundado um novo grande impeacuterio chamado de Paititi Reforccedilava o

imaginaacuterio dos europeus receacutem chegados uma lenda indiacutegena do El Dorado de um

priacutencipe que a cada manhatilde se banhava em um lago e saiacutea untado de ouro e que

governava a terra mais rica do hemisfeacuterio americano

A princiacutepio os aventureiros e exploradores procuraram por El Dorado na Colocircmbia

a oeste da Cordilheira dos Andes Em 1535 o espanhol Sebastiaacuten de Benalcaacutezar

procurou El Dorado no sudoeste da Colocircmbia no mesmo ano em 1535 Nikolaus

Federmann um explorador alematildeo conduziu uma expediccedilatildeo em busca do El

Dorado na Venezuela e na Colocircmbia e em 1536 foi a vez do conquistador

espanhol Gonzalo Jimeacutenez de Quesada que novamente tentou encontrar El Dorado

na Colocircmbia todos sem sucesso

Com o passar do tempo e com os resultados negativos das primeiras expediccedilotildees os

espanhoacuteis estenderam suas buscas para aleacutem da Cordilheira dos Andes em direccedilatildeo

ao leste para onde apontavam os novos relatos dos iacutendios peruanos A partir de

entatildeo inuacutemeros viajantes descreveriam a Amazocircnia e seus habitantes ao longo de

diversas expediccedilotildees em busca do famoso El Dorado

Em 1560 parte uma expediccedilatildeo oficial encomendada pelo vice-rei do Peru

comandada por Francisco de Ursua tendo por objetivo procurar o lendaacuterio El

Dorado Ursua partiu do Rio Huallaga em terras do atual Peru com cerca de 370

soldados e dezenas de canoas e balsas enquanto outra parte da tropa seguia pelas

margens acompanhada por mais de 500 iacutendios Ao que tudo indica um de seus

oficiais um nobre basco de nome Lope de Aguirre aliou-se a um grupo de

amotinados que diante das dificuldades da expediccedilatildeo desejavam regressar ao

Peru Ursua foi assassinado e Aguirre assumiu o comando da expediccedilatildeo Como

seria impossiacutevel regressar desceram o curso do rio assombrados por sucessivos

assassinatos Aguirre enxergava opositores e traidores por todos os lados

Aparentemente foi a figura mais cruel e sanguinaacuteria de todos os conquistadores

41

conhecido como El Tirano Aguirre e seu emblema era uma bandeira negra com duas

espadas cruzadas Chegou mesmo a proclamar a independecircncia das terras

amazocircnicas do domiacutenio espanhol Depois de muitos incidentes ao chegarem agrave foz

do Rio Amazonas seguiram para as Antilhas e assim como Orellana aportaram na

Ilha Margarita onde logo depois Aguirre foi assassinado por seus companheiros de

motim

O mundo amazocircnico jaacute havia sido concedido para exploraccedilatildeo aos soldados

espanhoacuteis desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 De acordo com o historiador

argentino Enrique de Gandia em uma seacuterie de atos de Carlos V que governou a

Espanha entre 1516 e 1555 Felipe II monarca de 1555 a 1598 e Felipe III de 1598

a 1621 a Amazocircnia fora doada a Diego de Ordaz em 1530 a Francisco de Orellana

em 1551 a Jerocircnimo de Aguayo em 1552 a Diego de Vargas em 1554 a Juan

Despes em 1563 a Hernandez de Serpa e Pedro Molover da Silva em 1568 a Juan

Ortiz de Zarate em 1569 a Antonio Berrio em 1585 a Hernando de Oruna y la Hoz

em 1601 e a Pedro de Betranilla em 1604 (REIS 1948)

Todas essas concessotildees natildeo produziram resultado invalidadas porque nenhum

desses conquistadores parecem ter querido se aventurar a perder recursos e a vida

na difiacutecil empreitada As alegaccedilotildees mencionavam os enormes esforccedilos que se

faziam necessaacuterios sobretudo diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil

no Peru ou em Nova Granada principalmente apoacutes o descobrimento do verdadeiro

El Dorado representado pelo cerro de Potosi Os espanhoacuteis buscavam rendimentos

mais imediatos e seguros No seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a

ocupaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais

proacuteximas da cidade de Quito na antiga proviacutencia de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees

dos Rios Napo e Javari - as chamadas proviacutencias dos iquitos omaacuteguas e pebas

certamente a cordilheira andina era um fator importante a considerar e dificultava a

penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis

Da parte portuguesa vaacuterias expediccedilotildees foram realizadas demonstrando tambeacutem o

interesse lusitano entre 1502 ou 1503 a viagem de Joatildeo Coelho e em periacuteodo natildeo

determinado entre 1503 e 1513 Joatildeo de Lisboa Diogo Ribeiro Fernam Froes

acompanhado pelos pilotos Francisco Corso e Pero Corso Fernam Froes e seus

42

pilotos teriam partido das costas de Pernambuco e atingido o ponto mais extremo do

Cabo Norte (Amapaacute) Em 1513 e 1514 navios portugueses passaram pela costa das

Guianas como demonstram representaccedilotildees feitas a Lisboa pelo embaixador

espanhol registradas por Rio Branco no primeiro volume de suas memoacuterias sobre

as fronteiras com a Guiana Francesa (REIS 1948)

Em 1553 Joatildeo de Melo da Silva explorou o curso inferior do Amazonas e

possivelmente a costa das Guianas tendo obtido uma concessatildeo de exploraccedilatildeo

assinada por Dom Joatildeo III A presenccedila de Luiz de Melo da Silva na regiatildeo

setentrional da costa brasileira por volta do ano de 1555 eacute lembrada por Robert

Southey (I 122) seus navios oriundos de Pernambuco foram impelidos para o

norte tendo esse navegador atingido a ilha de Margarida atual costa da Venezuela

onde encontrou os destroccedilos da fracassada tentativa de colonizaccedilatildeo iniciada em

nome do rei de Espanha por Francisco de Orellana em 1546 e 1545 (GADELHA

2002)

Um dos primeiros documentos conhecidos sobre o vale do Rio Amazonas eacute a Carta

de Diogo Nunes redigida em 1553 dirigida ao Rei de Portugal Dom Joatildeo III

conforme narra Jaime Cortesatildeo (1956 I 5-8 docs 58258-63) Nunes descreve a

sua descida pelo Amazonas desde o Peru em 1538 acompanhado por um

mercador espanhol e pede autorizaccedilatildeo a Dom Joatildeo III para realizar nova expediccedilatildeo

agrave regiatildeo com a finalidade de conquistar e colonizar aquelas terras de Espanha em

troca das mesmas concessotildees que recebiam os espanhoacuteis de seu Rei Carlos V Na

Carta Diogo Nuntildees narra trechos da viagem relatando ter encontrado na proviacutencia

de Maquipaacutero uma tribo de iacutendios denominados chachapoas fabricantes de armas

e braceletes de ouro Refere-se agrave facilidade de se passar do Amazonas ao Prata

conforme informaccedilotildees que recolhera de tribos Um dos caminhos afirma partia de

Satildeo Vicente por terra atravessando as cabeceiras dos rios do Brasil Essas

informaccedilotildees seriam comprovadas pelos sertanistas na segunda metade do seacuteculo

XVII quando partindo da capitania do Gratildeo-Paraacute foram navegados os afluentes do

Amazonas e vencidos os sertotildees desses rios ampliando o territoacuterio ateacute a regiatildeo do

atual Mato Grosso (GADELHA 2002)

43

Outra importante fonte documental sobre a presenccedila de espanhoacuteis e portugueses na

regiatildeo eacute a cartografia da eacutepoca registrando os acidentes fisiograacuteficos do litoral entre

a Guiana e o Maranhatildeo ora em um idioma e ora em outro demonstrando que o

reconhecimento desses acidentes havia sido feito primeiramente por esses

navegadores

Naus espanholas e portuguesas percorreram a regiatildeo amazocircnica durante todo o

seacuteculo XVI Essas expediccedilotildees suscitaram muitas especulaccedilotildees a respeito de

riquezas e de relatos lendaacuterios na Amazocircnia fazendo com que mais exploradores de

diversas nacionalidades se lanccedilassem agrave exploraccedilatildeo do norte da Ameacuterica do Sul

entre os Rios Orenoco e Amazonas sempre motivados pela ideacuteia de fazer riqueza e

em muitos casos de encontrar o tatildeo sonhado El Dorado

25 Holandeses e Ingleses Pescadores e Comerciantes

Conforme exposto anteriormente a descoberta do Rio das Amazonas pelo espanhol

Francisco de Orellana que desceu o Rio desde os Andes ateacute alcanccedilar o Atlacircntico

entre 1541 e 1542 provocou grande repercussatildeo no continente europeu

Na realidade a Europa soacute viria a ficar interessada pelas descobertas fantaacutesticas do

novo continente apoacutes a chegada do capitatildeo Francisco de Orellana Quem descreveu

as histoacuterias extraordinaacuterias de Orellana foi o cronista Gonzalo Hernaacutendez de Oviedo

y Valdeacutes que teve a oportunidade de se encontrar com Orellana em Santo Domingo

e ouvir a narraccedilatildeo da viagem do proacuteprio capitatildeo Oviedo entatildeo enviou uma carta ao

Cardeal Pietro Bembo na Itaacutelia exaltando as riquezas naturais encontradas na

Terra das Amazonas A carta foi apresentada no dia 20 de janeiro de 1543 e

publicada em Veneza em 1556 chamando a atenccedilatildeo dos governos colonialistas

europeus para uma aacuterea inexplorada de consideraacuteveis proporccedilotildees A carta dizia

entre muitas outras coisas imaginaacuterias que mulheres combatiam em guerra viviam

sem parceiros sob o comando de outra mulher natildeo possuiacuteam ambos os peitos e

natildeo cuidavam de seus filhos mas entregavam-nos aos pais

Tambeacutem surgiam novas estoacuterias como o lendaacuterio Sir Walter Raleigh um dos

favoritos da corte de Elizabeth da Inglaterra que dizia ter alcanccedilado a regiatildeo

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amazocircnica e ter ensinado agraves cunhatildes guerreiras a pronunciar o sagrado nome de sua

majestade provocando grande interesse e entusiasmo para novas aventuras

descobridoras

Quase que de imediato apoacutes a divulgaccedilatildeo dessas lendas ingleses e holandeses

que disputavam o domiacutenio da Ameacuterica com os ibeacutericos entregaram-se agrave exploraccedilatildeo

do Amazonas No final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a Ameacuterica era cada

vez mais contestado Barcos pesqueiros podiam ser vistos no baixo Amazonas por

volta de 1580 Ingleses holandeses e franceses jaacute pescavam bacalhau na Terra

Nova desde o iniacutecio do seacuteculo a expansatildeo das atividades pesqueiras para aacuteguas

sul-americanas embora menos piscosas que as do norte natildeo decepcionavam Os

pescadores holandeses cortavam e salgavam o peixe-boi7 em seus barcos e de

volta a Honfleur e Sluis contavam estranhas histoacuterias de iacutendios mostravam aos

negociantes plantas secas plumas cascas e tabaco iniciando-se desta forma o

interesse dos comerciantes em estabelecer negoacutecios na Amazocircnia (SOUBLIN

2003)

Em fins do seacuteculo XVI passado o tempo dos caccediladores de tesouros lendaacuterios

pescadores e comerciantes procuram obter vantagem econocircmica nessa vasta e

pouco conhecida regiatildeo lanccedilando as primeiras bases de implantaccedilotildees coloniais por

meio do levantamento de feitorias e pequenos fortes

Segundo informaccedilotildees de Joanes de Laet recolhidas por Rio Branco e pelo

historiador Caetano Silva os holandeses atingiram o vale do Rio Amazonas entre os

anos de 1599 e 1600 alcanccedilando o Rio Xingu onde teriam construiacutedo as pequenas

feitorias de Orange e Nassau na margem direita do referido rio Os ingleses por sua

vez teriam permanecido nessa primeira fase da exploraccedilatildeo restritos ao Oiapoque

7 O peixe-boi amazocircnico manatim manatiacute ou manati tambeacutem chamado de guaraguaacute ou vaca-marinha eacute o uacutenico mamiacutefero aquaacutetico herbiacutevoro habita ambientes rasos dos rios estuaacuterios e do mar podendo pesar algo em torno de 750 kg quando adulto e medir 45 m de comprimento Existem trecircs espeacutecies no mundo distribuiacutedas uma no Atlacircntico outra habita as aacuteguas doces e costeiras do oeste da Aacutefrica e a terceira com ampla distribuiccedilatildeo nas Ameacutericas desde o Meacutexico e os Estados Unidos vivendo nas ilhas da Ameacuterica Central e na Ameacuterica do Sul na Colocircmbia Venezuela as Guianas e o Brasil A espeacutecie da Amazocircnia eacute fluvial pode ser encontrada no Tocantins Xingu Tapajoacutes Madeira Negro Orenoco Rio Branco alcanccedilando a foz do Amazonas ateacute a Ilha de Marajoacute Herbiacutevoro sendo endecircmico da bacia amazocircnica Iacutendios e habitantes regionais utilizam sua carne e gordura como fonte de sustento A espeacutecie foi intensamente caccedilada por pescadores e colonizadores europeus no iniacutecio da exploraccedilatildeo americana

45

tendo sido construiacuteda na regiatildeo por Charles Leigh uma pequena colocircnia

abandonada em 1606 que viria a ser restabelecida em 1609 por Roberto Harcourt

Este entatildeo obteve de Sua Majestade Jaime I em 28 de agosto de 1613 para si e

para Sir Thomas Challener e John Rovenson por meio de uma carta patente os

territoacuterios compreendidos entre o Amazonas e o Ezequibo Entretanto tal

empreendimento natildeo logrou ecircxito em razatildeo do abandono da pequena colocircnia do

Oiapoque pelos colonos ingleses em 1612 Depois desse insucesso Sir Tomas Roe

teria reconhecido o delta do Rio Amazonas e na segunda deacutecada do seacuteculo XVII

teria plantado uma colocircnia com 20 ingleses e irlandeses no vale amazocircnico

instalando pequenas feitorias e alcanccedilando o Rio Xingu

Novamente os holandeses em 1616 penetraram o Amazonas ateacute alcanccedilarem o Rio

Tapajoacutes e Pedro Adriansen a serviccedilo de uma organizaccedilatildeo mercantil de Flessingen

estabeleceu um forte e uma colocircnia entre os Rios Gorupaba e Ginipapo instalando-

se inicialmente 40 colonos e algumas famiacutelias que de pronto iniciaram cultura de

tabaco8 e urucu9 primeiro passo para um ativo comeacutercio de especiarias amazocircnicas

8 O tabaco eacute uma planta que pode atingir 2 m de altura cujas folhas medem ateacute 60 e 70 cm de comprimento as flores dispostas em cachos ou em paniacuteculas certas espeacutecies constituem belas plantas ornamentais chama-se vulgarmente erva-santa e eacute de origem americana no entanto haacute escritores que pretendem que seja uma planta asiaacutetica e que tenha podido ser levada em tempos muito remotos para o Novo Continente mas tambeacutem eacute certo que em parte alguma se menciona que o tabaco existisse no velho mundo antes do descobrimento da Ameacuterica o que leva a crer que seja esta efetivamente americana Cristoacutevatildeo Colombo em 1492 ao abordar a ilha de S Salvador observou que os habitantes de ambos os sexos fumavam por meio de um instrumento denominado pelos indiacutegenas tabacos Introduzido na Europa ainda no seacuteculo XVI passou a ser igualmente conhecida por erva-santa em virtude das qualidades medicinais que entatildeo lhe atribuiacuteam Jaacute os iacutendios a supunham remeacutedio eficaz para a cura de todas as doenccedilas pela embriaguez que o haacutebito tornava agradaacutevel Os europeus consideravam-no uma verdadeira panaceacuteia remeacutedio infaliacutevel para as enxaquecas pneumonia chagas gota raiva e servindo ateacute como narcotizo aperitivo etc Sob o ponto de vista quiacutemico eacute caracterizado pela presenccedila de um alcaloacuteide especial a nicotina e parece que o haacutebito de se fumar foi introduzido primeiro em Inglaterra em 1585 por Sir Francisco Drake que de volta da Virgiacutenia propagou e ensinou a manipulaacute-lo segundo o processo dos naturais daquela regiatildeo O gosto da substacircncia passou a fornecer grandes proventos aos produtores e comerciantes europeus alcanccedilando prestiacutegio e elevados preccedilos (Transcrito por Manuel Amaral) 9 O urucum ou Urucu do tupi uru-ku (vermelho) eacute uma aacutervore originaacuteria da Ameacuterica do Sul mais especificamente da regiatildeo amazocircnica com grandes folhas de cor verde-claro produzem flores rosadas com muitos estames os frutos satildeo caacutepsulas armadas por espinhos maleaacuteveis que se tornam vermelhas quando maduras Entatildeo abrem-se revelando pequenas sementes dispostas em seacuterie envolvidas por arilo vermelho Pode atingir ateacute 6 metros de altura e suas sementes de cor avermelhada satildeo comumente usadas como corante natural Era e ainda eacute utilizado tradicionalmente pelos iacutendios brasileiros e peruanos como fonte de mateacuteria prima para tinturas vermelhas para os mais diversos fins entre eles protetor da pele contra o sol contra picadas de insetos e usada na culinaacuteria para realccedilar a cor dos alimentos O chaacute das sementes tem accedilatildeo digestiva expectorante e laxante a infusatildeo das folhas tambeacutem atua contra a bronquite faringite e inflamaccedilatildeo dos olhos O poacute eacute digestivo laxante expectorante febriacutefugo cardiotocircnico hipotensor e antibioacutetico agindo como antiinflamatoacuterio para contusotildees e feridas A tintura do urucum eacute usada como antiacutedoto do aacutecido

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com a Holanda Nenhuma dessas feitorias contou com mais de uma centena de

moradores europeus mas por meio delas foi iniciada uma exploraccedilatildeo sistemaacutetica de

madeiras gomas e oacuteleos nativos e plantaccedilotildees de cana tabaco e algodatildeo (REIS

1948)

Ateacute o segundo dececircnio do seacuteculo XVII quando os portugueses comeccedilaram a

ultrapassar a divisoacuteria de Tordesilhas as companhias de Londres e Flessingen

promoviam um ativo comeacutercio de madeiras e pescado depois de terem iniciado

plantios de cana algodatildeo e tabaco e os proacuteprios governos passaram a estimular

abertamente essas empresas (Mapa 6)

No final do seacuteculo XVI a Amazocircnia era explorada e ocupada em sua maioria por

holandeses e ingleses Os portugueses procuravam estabelecer-se na rica regiatildeo

canavieira de Pernambuco sua presenccedila na Amazocircnia ainda natildeo se havia iniciado

pruacutessico (veneno da mandioca) Esta espeacutecie vegetal ainda eacute cultivada por suas belas flores e frutos atrativos Levado para Europa pelos primeiros colonizadores eacute mundialmente empregado como corante de diversos fins principalmente na induacutestria alimentiacutecia

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3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar as circunstacircncias em que se

deram os antecedentes da ocupaccedilatildeo portuguesa na regiatildeo amazocircnica a tomada de

Satildeo Luiacutes dos franceses e a fundaccedilatildeo de Beleacutem com a consequumlente expulsatildeo dos

holandeses nos Rios Xingu e Paru e dos ingleses em Macapaacute na regiatildeo do baixo

Amazonas Trata-se de um periacuteodo que antecede agrave fixaccedilatildeo portuguesa iniciado em

1613 com os primeiros combates contra os franceses em Satildeo Luiacutes e que perdura

ateacute meados do seacuteculo XVII com a ocupaccedilatildeo portuguesa

31 A Expulsatildeo dos Franceses e a Ocupaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes

A partir de 1504 logo apoacutes a descoberta do Brasil e ao longo de mais de um seacuteculo

os franceses atraiacutedos principalmente pela exploraccedilatildeo comercial do pau-brasil10

foram-se estabelecendo em diversos locais da costa brasileira entre o Cabo de Satildeo

Roque no Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro

Em 1556 Nicolas Durand de Villegagnon desembarcou na ilha que hoje leva seu

nome na Baiacutea de Guanabara ali fundando a chamada Franccedila Antaacutertica e iniciando

um periacuteodo de continuados conflitos entre franceses e portugueses sendo por estes

expulso em 1567 Entretanto o reveacutes da Franccedila Antaacutertica natildeo fez os franceses

desistirem de seus empreendimentos no Brasil levou-os a desviar para o Norte suas

expediccedilotildees aliando-se a diversos grupos indiacutegenas ao longo da costa brasileira

No iniacutecio de 1580 jaacute se encontrava consolidada a colonizaccedilatildeo com nuacutecleos de

povoamento no litoral brasileiro os mais importantes na Bahia Pernambuco Rio de

Janeiro e Satildeo Vicente O governo metropolitano agora sob o regime da Uniatildeo das

10 O pau-brasil ocorre desde o Estado do Rio Grande do Norte ateacute o Rio de Janeiro na floresta Atlacircntica de madeira muito pesada dura compacta resistente e de textura fina adapta-se frequumlentemente em terrenos secos inexiste na cordilheira mariacutetima Os iacutendios brasileiros utilizavam essa aacutervore para a confecccedilatildeo de arcos flechas e em pinturas vaacuterias com seu corante vermelho-intenso extraiacutedo do cerne A teacutecnica foi ensinada aos portugueses pelos proacuteprios iacutendios que tambeacutem foram encarregados de cortar aparar e arrastar a madeira ateacute o litoral O ciclo econocircmico teve iniacutecio em 1503 e ateacute 30 anos apoacutes a chegada dos portugueses era o uacutenico recurso explorado pelos colonizadores A aacutervore poreacutem natildeo existia soacute no Brasil jaacute era conhecida na Europa antes da descoberta do novo mundo na eacutepoca do descobrimento os aacuterabes comercializavam o pau-brasil trazido de lugares como a ilha de Sumatra na Indoneacutesia e Sri Lanka

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Coroas Ibeacutericas11 resolveu ultimar a conquista do litoral norte de Pernambuco e

Itamaracaacute isto eacute a Paraiacuteba e o Rio Grande do Norte onde franceses e indiacutegenas

continuavam a negociar pau-brasil Pouco antes da Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas em

1574 Frutuoso Barbosa rico morador de Pernambuco oferecera seus recursos

financeiros e materiais para apaziguar os tabajaras e os potiguaras da Paraiacuteba e

expulsar os franceses com quem ambos os grupos mantinham relaccedilotildees comerciais

Com o apoio de uma pequena frota comandada pelo espanhol Diego Flores Valdez

que aportara em Pernambuco com destino ao Rio do Prata Frutuoso Barbosa apoacutes

choques graves entre os proacuteprios conquistadores e campanha contra os potiguaras

celebra em 1580 um acordo de paz com os tabajaras Havia sido dado o primeiro

passo para a consolidaccedilatildeo da conquista definitiva da Paraiacuteba ocorrida entre os anos

de 1584 e 1587 Entretanto a irradiaccedilatildeo para o litoral norte ainda natildeo havia se

consolidado somente na deacutecada seguinte Manuel Mascarenhas Homem e

Jerocircnimo de Albuquerque completariam a missatildeo construindo em 1598 o forte dos

Trecircs Reis Magos futuro nuacutecleo da vila de Natal na entrada do Rio Potengi

ultimando a conquista do atual Rio Grande do Norte

O interesse das autoridades locais em estender seu domiacutenio para o norte onde as

tribos da regiatildeo opunham constantes resistecircncias (os potiguaras aliados dos

franceses e posteriormente os tabajaras aliados dos portugueses) bem como a

necessidade de expulsar definitivamente da regiatildeo os comerciantes franceses

(vistos como permanente ameaccedila agrave posse portuguesa) impulsionou o movimento de

conquista da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte Esse empreendimento pode ser

tambeacutem analisado como consequumlecircncia da expansatildeo da lavoura canavieira da

criaccedilatildeo de gado e da vontade dos colonos de se estabelecerem com sesmarias ao

norte de Pernambuco

Continuando a penetraccedilatildeo para o Norte em 1608 os portugueses constroem o forte

de Nossa Senhora do Amparo no itineraacuterio da Paraiacuteba ao Rio Ibiapava na regiatildeo

atual de Aracati no litoral este do Cearaacute que foi por muito tempo o arraial e ponto

mais avanccedilado do interior em direccedilatildeo ao Maranhatildeo linha direta para os reforccedilos de 11 Este assunto seraacute abordado mais detalhadamente quando se analisaraacute sua implicaccedilatildeo e consequumlecircncia na expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica entre 1580 e 1640 periacuteodo em que perdurou a Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas

50

soldados e de sertanistas que por terra desde Pernambuco estabeleciam os

contatos com aquela capitania (SOUTHEY12 1965 vol II p 34-40 apud

GADELHA 2002 p7) Eram entatildeo os extremos da costa setentrional brasileira frequumlentados por franceses

e holandeses que comerciavam com as tribos locais Em 1612 poreacutem os franceses

fariam nova e mais perigosa investida no Brasil Aliados dos tupinambaacutes e liderados

por Daniel de La Touche conhecido por senhor de La Ravardiegravere tentaram fixar

uma colocircnia na ilha do Maranhatildeo instalando a Franccedila Equinocial13 com a fundaccedilatildeo

de Saint Louis nome que homenageava o Rei francecircs Luiacutes XIII

As notiacutecias chegavam aos ouvidos de Madri e em 1613 Felipe III da Espanha

chamado Felipe II em Portugal naquele periacuteodo da Uniatildeo Ibeacuterica (1580-1640)

ordenava ao novo governador do Brasil Gaspar de Sousa estabelecer residecircncia

em Olinda de onde melhor poderia acompanhar e comandar as iniciativas

destinadas a expulsar quaisquer invasores especialmente os franceses e

12 SOUTHEY Robert Histoacuteria do Brasil 1965 vol II p 34-40 13 COSTA Alexandre de Souza Franccedila Equinocial Disponiacutevel em wwwgeocitiescom acesso em 10 de junho de 2005 O projeto da Franccedila Equinocial pode ser dividido em duas fases distintas o reconhecimento e a ocupaccedilatildeo A primeira fase foi organizada por La Ravardiegravere com o apoio de Francisco de Rasilly Senhor des Aumels Nicolau de Harlay de Sancy Baratildeo de la Molle e de Gros-Bois com o objetivo de reconhecer a regiatildeo viabilizar a construccedilatildeo de um forte e manter o conviacutevio paciacutefico com os iacutendios para uma posterior ocupaccedilatildeo com colonos Nessa fase a expediccedilatildeo era composta de trecircs navios cuja tripulaccedilatildeo era basicamente de voluntaacuterios muitos deles fidalgos e aventureiros aleacutem de quatro padres capuchinhos e um portuguecircs e alguns iacutendios que se encontravam em degredo na ilha de Fernando de Noronha E foi assim que em 1611 a bandeira francesa com flores-de-lis foi hasteada pela primeira vez no Maranhatildeo em meio aos tupinambaacutes La Ravardiegravere cumpriu sua missatildeo no Brasil regressando seis meses mais tarde agrave Franccedila pondo fim agrave primeira fase da Franccedila Equinocial Em 19 de marccedilo de 1612 zarpa uma frota composta de trecircs navios de Cancale Bretanha La Regente comandada por La Ravardiegravere auxiliado por Rasilly Charlotte com o Baratildeo de Sancy e a nau Sante-Anne com o irmatildeo de Rasilly Entre os tripulantes havia alguns padres capuchinhos entre os quais destacou-se Claude dAbbeville a quem se deve o registro de todos os acontecimentos da Franccedila Equinocial Dois meses depois a frota chega ao Maranhatildeo o desembarque fora completamente paciacutefico mediante o reconhecimento feito por Charles des Vaux acolhido com manifestaccedilotildees de amizade pelos tupinambaacutes Os primeiros dias da colocircnia foram de total alegria e festa contudo La Ravardiegravere resolveu organizaacute-la para garantir uma convivecircncia harmoniosa de esforccedilo convergente e sob a garantia da sua autoridade que seria regida pelas acuteLoys fondamentales eacutetablies en I Isle de Maragnanacute A organizaccedilatildeo da Franccedila Equinocial teve iniacutecio com a construccedilatildeo de um forte mdash batizado por ordem de Rasilly com o nome de Satildeo Luiacutes em homenagem ao rei Luiacutes XIII o Justo e que posteriormente deu origem agrave cidade de Satildeo Luiacutes mdash com vinte peccedilas de artilharia como estava previsto no plano inicial da construccedilatildeo da nova colocircnia Em novembro de 1612 como tudo corria bem para os franceses no Maranhatildeo La Ravardiegravere decidiu-se ir agrave Franccedila para discutir assuntos da colocircnia com a corte

51

ldquoprosseguir na descoberta e conquista do rio das Amazonas e partes adjacentes[]rdquo

(BERREDO14 1905 175-186 Apud SOUTHEY 1981 p 282)

Cumprindo ordens reacutegias a primeira expediccedilatildeo para a reconquista do Maranhatildeo

organizada pelo governador-geral Gaspar de Sousa teve como comandante

Jerocircnimo de Albuquerque15 o efetivo das tropas compreendia centenas de

portugueses brasileiros e indiacutegenas que partiram de Pernambuco por via mariacutetima

em 1613 (GADELHA 2002)

Os auxiacutelios do Forte de Nossa Senhora do Amparo chegaram rapidamente

enquanto do Rio Grande do Norte avanccedilava Felipe Camaratildeo e sua tropa Auxiliado

por eles Martim Soares fundador do Forte de Nossa Senhora do Amparo levantaria

no mesmo ano de 1613 o Forte de Nossa Senhora do Rosaacuterio no litoral conhecido

por Buraco das Tartarugas (Jericoacoara) Cearaacute ponto mais proacuteximo da ilha grande

do Maranhatildeo e da fortaleza dos franceses (GADELHA 2002)

Jerocircnimo de Albuquerque acabou aportando no Maranhatildeo e depois de alguns

revezes fundou em Guaxenduba dentro do periacutemetro urbano da atual Satildeo Luiacutes o

arraial de Santa Maria Nas lutas esporaacutedicas entre franceses e luso-brasileiros

houve impasse ou seja natildeo ocorrera uma vitoacuteria definitiva de nenhuma das partes

resultando numa treacutegua negociada entre La Ravardiegravere e Diogo Campos A ideacuteia era

manter as posiccedilotildees que ocupavam agrave espera de uma decisatildeo das cortes respectivas

Consultadas as Cortes o Rei Felipe III (Rei de Portugal e Espanha) natildeo concordou

com a discussatildeo do problema firmando-se no direito certo que tinha Portugal agrave

posse das terras Determinou que fosse enviada nova expediccedilatildeo militar para ajudar

as forccedilas jaacute quarteladas no Maranhatildeo

14 BERREDO Bernardo Pereira de Anais Histoacutericos do Estado do Maranhatildeo 3ordf ed Florenccedila Tipographia Berbeacutera 1905 15 Filho de Jerocircnimo de Albuquerque cunhado de Duarte Coelho primeiro donataacuterio de Pernambuco e de D Maria do Espiacuterito Santo Arco Verde filha do chefe tabajara Arco Verde fidalgo da Casa Real capitatildeo-mor e conquistador do Rio Grande do Norte e do Maranhatildeo estudou no coleacutegio dos jesuiacutetas de Olinda Em 1597 comandou parte das tropas enviadas ao Rio Grande do Norte para garantir o domiacutenio portuguecircs ameaccedilado pelos piratas franceses e depois de erguido um forte fundada a cidade de Natal 1599 foi entatildeo capitatildeo-mor do Rio Grande de 1603 a 1610 tendo os franceses ocupado terras no Maranhatildeo Jerocircnimo de Albuquerque foi escolhido para comandar uma jornada para expulsaacute-los

52

La Ravardiegravere vendo que natildeo havia mais possibilidades de encontrar uma maneira

diplomaacutetica para resolver o assunto e sabendo de sua inferioridade numeacuterica em

homens e material beacutelico au camp devant le fort de Saint-Louis des Franccedilais

rende-se em 3 de novembro de 1615 ao ultimato do chefe portuguecircs Jerocircnimo de

Albuquerque entregando o Forte da Ilha de Satildeo Luiacutes ao comandante Alexandre

Moura receacutem-chegado de Pernambuco com reforccedilos militares Jerocircnimo de

Albuquerque que desde entatildeo se apelidou Maranhatildeo passou a governar a nova

colocircnia com sede na cidade de Satildeo Luiacutes fundada pelos franceses

A expulsatildeo dos franceses eacute o verdadeiro marco da conquista do litoral no sentido

Leste-Oeste e assinala o iniacutecio da conquista e ocupaccedilatildeo da hinterlacircndia amazocircnica

De acordo com Tordesilhas os domiacutenios de Portugal na extremidade norte da

Ameacuterica do Sul reduziam-se a uma estreita faixa de terra no delta do Rio Amazonas

Entretanto demasiadamente absorvida pelas preocupaccedilotildees de controlar as riquezas

de Potosiacute que financiavam a poliacutetica expansionista na Europa a Espanha pouco se

preocupou com a defesa das extremidades dos seus territoacuterios sul americanos O

litoral amazocircnico conforme indica Aziz Nacib AbSaber uma imensa faixa litoracircnea

que estendendo-se por aproximadamente 1850 km do Cabo Norte atual Amapaacute

ao Maranhatildeo e abrangendo todo o litoral do Paraacute passaria ao controle portuguecircs

Bem-sucedida a campanha contra os franceses no Maranhatildeo autoridades e

povoadores luso-brasileiros empenhariam seus esforccedilos na ocupaccedilatildeo do Gratildeo-Paraacute

vindo a consolidar ateacute meados do seacuteculo XVIII a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia (GADELHA

2002)

32 A Fundaccedilatildeo de Beleacutem

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia inicia-se no periacuteodo dos Felipes (Uniatildeo

Ibeacuterica entre 1580 e 1640) ante a preocupaccedilatildeo de uma possiacutevel incursatildeo holandesa

e inglesa contra a regiatildeo o que poderia colocar em risco as minas de prata do Peru

(TEIXEIRA DA SILVA 1990) A ligaccedilatildeo fluvial dos Andes ao Atlacircntico pelo Rio

Amazonas representava verdadeira ameaccedila agrave seguranccedila do impeacuterio colonial

espanhol na Ameacuterica Era necessaacuterio o controle da entrada desse vasto estuaacuterio e o

bloqueio de acesso aos estrangeiros

53

Gaspar de Sousa governador-geral do Brasil por ordem do vice-rei de Portugal ao

nomear Alexandre Moura comandante da conquista de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo

concedia a seu regimento poderes para que se fizesse a jornada do gram Paraacute e

Rio das Amazonas e se botassem delles os estrangeiros que aly residen (REIS

1948 vol 1 p24)

Em cumprimento a essas ordens reacutegias em 13 de dezembro de 1615 pouco depois

de receber dos franceses o Forte da Ilha de Satildeo Luiz em 3 de novembro daquele

ano Moura nomeava Jerocircnimo de Albuquerque capitatildeo-mor do Maranhatildeo

responsaacutevel por concretizar a colonizaccedilatildeo portuguesa na regiatildeo e Francisco

Caldeira de Castelo Branco capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute dotado de regimento

especial do governador-geral Gaspar de Sousa que lhe concedia autoridade

suficiente para descobrir conquistar e colonizar do Amazonas ateacute o Cabo Norte

(GADELHA 2002)

Recorda Arthur Ceacutezar Ferreira Reis que nesse momento

ldquo A conquista da costa Leste-Oeste estava quase encerrada Seu capiacutetulo final poreacutem ia ser escrito mais adiante no vale amazocircnico onde outros estrangeiros comeccedilavam a instalar-se [] e processava-se evidentemente dentro do meridiano tordesilhano segundo o ponto de vista portuguecircsrdquo (REIS 1948 p23)

Em 25 de dezembro de 1615 Castelo Branco saiacutea do Forte de Satildeo Luiacutes rebatizado

como Forte de Satildeo Felipe em direccedilatildeo ao delta do Amazonas e em janeiro de 1616

adentrava seu largo estuaacuterio Buscaram evitar ao norte a famosa Boca do Dragatildeo

formada pela confluecircncia das aacuteguas dos Rios Paraacute e Tocantins dirigiram-se ao sul

entrando na baiacutea de Guajaraacute formada pela foz dos Rios Guamaacute Maju e Acaraacute e

iniciando na terra firme do territoacuterio tupinambaacute em 12 de janeiro de 1616 a

construccedilatildeo da paliccedilada da Casa Forte de Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem futura

cidade de Nossa Senhora de Beleacutem Entre outros importantes sertanistas que se

destacaram na conquista da regiatildeo acompanhava Castelo Branco o piloto Antocircnio

Vicente Cochado a quem se deve o mapeamento da costa do Maranhatildeo ao Gratildeo-

Paraacute e um jovem alferes que iria se destacar na conquista do vale do Amazonas

Pedro Teixeira Aleacutem do perigo da reaccedilatildeo tupinambaacute Castelo Branco teria de

54

enfrentar holandeses e ingleses que progressivamente instalavam colocircnias e

feitorias desde a Guiana ateacute a regiatildeo do baixo Amazonas (GADELHA 2002)

Curiosamente ao fundar Beleacutem naquelas margens na foz dos Rios Guamaacute Maju e

Acaraacute Castelo Branco acreditava estar sobre as margens do imenso Rio das

Amazonas enganando-se quanto agrave localizaccedilatildeo exata do rio (SOUTHEY 1981)

A fundaccedilatildeo de Beleacutem foi fortemente motivada por razotildees poliacuteticas (PRADO JR

1971) diretamente relacionadas a uma preocupaccedilatildeo estrateacutegica o controle da vasta

regiatildeo da Amazocircnia Os portugueses decidiram simplesmente fechar sua porta de

acesso A construccedilatildeo do Forte do Preseacutepio nuacutecleo original da cidade de Beleacutem

asseguraria o objetivo (PRADO JR 1971) Importante considerar tambeacutem a

perspectiva da conquista de novas terras para plantaccedilatildeo de canaviais e construccedilatildeo

de engenhos assim como a preocupaccedilatildeo de evitar possiacuteveis concorrentes em tatildeo

rica induacutestria Isso explica a investida vitoriosa contra os indiacutegenas nativos e a

ocupaccedilatildeo da costa Leste-Oeste mdash em que a navegaccedilatildeo pelo regime de ventos

tornava difiacutecil a comunicaccedilatildeo com o restante do Brasil mdash bem como as primeiras

accedilotildees empreendidas apoacutes a fundaccedilatildeo de Beleacutem para a expulsatildeo dos estrangeiros

principalmente holandeses ingleses e franceses das margens do Amazonas

(SIMONSEN 1978)

Recorda Regina Maria A Fonseca Gadelha a importacircncia de Pernambuco como

ponto de partida para a expansatildeo portuguesa em direccedilatildeo agrave Amazocircnia

ldquoOs estudos de Arthur Ceacutezar Ferreira Reis demonstram como a ocupaccedilatildeo da fronteira norte e sua inflexatildeo no rumo leste-oeste ligam-se definitivamente ao nuacutecleo da colonizaccedilatildeo de Pernambuco Assim como Satildeo Paulo de Piratininga foi o nuacutecleo de irradiaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo para o sul e para Minas Gerais a vila de Olinda foi o principal ponto de partida e de apoio agrave irradiaccedilatildeo da penetraccedilatildeo portuguesa no litoral setentrional ateacute o Maranhatildeo se expandindo atraveacutes da posse do Gratildeo-Paraacute mdash expansatildeo que adquiriu relevacircncia sobretudo entre 1580 e 1616 data da expulsatildeo dos franceses e incorporaccedilatildeo definitiva desses territoacuterios agrave coroa de Portugalrdquo (GADELHA 2002 p6)

De todo modo a fundaccedilatildeo de Beleacutem atendia agraves novas necessidades da Coroa

Ibeacuterica evitando pocircr em risco o domiacutenio espanhol sobre a regiatildeo A constituiccedilatildeo de

um nuacutecleo urbano deveria funcionar como um marco de posse e de defesa da

55

imensa bacia amazocircnica contra as investidas dos estrangeiros que havia muito

tempo desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XVI exploravam o peixe-boi e algumas

drogas do sertatildeo (MENDONCcedilA PIRES 2002) devendo ser considerada como o

ecircxito de uma missatildeo poliacutetica e militar de repercussotildees sem precedentes na

Amazocircnia

33 A Expulsatildeo dos Holandeses e Ingleses no Baixo Amazonas

Como foi visto anteriormente ao final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a

Ameacuterica era cada vez mais contestado Barcos pesqueiros atuavam no baixo

Amazonas em busca de novos cardumes pescadores holandeses cortavam e

salgavam o peixe-boi em seus barcos estabelecendo com os portos batavos de

Honfleur e Sluis um rentoso comeacutercio de plantas secas plumas cascas e tabaco

(SOUBLIN 2003)

Para atender agraves suas necessidades comerciais por volta de 1596 holandeses e

ingleses iniciam a montagem de feitorias e pequenos estabelecimentos militares na

regiatildeo do delta do Rio Amazonas As primeiras incursotildees satildeo empreendidas

individualmente por comerciantes motivados pelas possibilidades de lucro Suas

expediccedilotildees partiam para atingir o litoral da Guiana penetrando depois pelo Rio

Amazonas Duas companhias organizadas em Flessingen e em Londres financiaram

posteriormente o empreendimento O comeacutercio que se estabeleceu compreendia a

produccedilatildeo extraiacuteda da floresta principalmente o urucum e madeiras e o pescado

salgado (REIS 1972)

Viu-se tambeacutem que a Coroa Ibeacuterica tinha notiacutecias dessas investidas preocupaccedilatildeo

que resultou na decisatildeo de tomar a foz do Rio Amazonas Castelo Branco foi

nomeado capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute dotado de regimento especial do governador-

geral Gaspar de Sousa que lhe concedia autoridade suficiente para descobrir

conquistar e colonizar do Amazonas ateacute o Cabo Norte Recebera ordens enfim para

expulsar os holandeses e ingleses que estivessem instalados na regiatildeo bem como

para estabelecer-se em Beleacutem e arredores (GADELHA 2002)

56

No proacuteprio ano da fundaccedilatildeo de Beleacutem Pedro Teixeira que viria a ter papel de

destaque na histoacuteria da Amazocircnia aprisiona uma nau holandesa cuja artilharia

serviu para reforccedilar o Forte do Preseacutepio Havia notiacutecia de que holandeses estavam

fixados no Rio Xingu (CAPISTRANO DE ABREU 2000) Em 1623 Teixeira parte

para encontrar os flamengos em uma embarcaccedilatildeo especialmente construiacuteda para a

ocasiatildeo levando consigo um pequeno grupo de soldados brancos e indiacutegenas

aliados para realizar as accedilotildees de combate Alcanccedilou o Xingu tomou e destruiu dois

postos de comeacutercio holandecircs retomando o rio para o controle portuguecircs Mas a

Companhia das Iacutendias Ocidentais16 fundada em 1621 por comerciantes batavos

com o objetivo de exercer o monopoacutelio comercial holandecircs nas Ameacutericas e na Aacutefrica

Ocidental decide fundar no Rio Paru afluente norte do Rio Amazonas outra colocircnia

comercial Para proteger este entreposto foi construiacutedo um pequeno forte destruiacutedo

posteriormente por uma nova accedilatildeo de Teixeira que decide entatildeo construir na

margem sul proacuteximo ao forte holandecircs destruiacutedo o Forte do Gurupaacute Nesse local

atacou e afundou um navio batavo vindo de um ponto distante rio acima do Rio

Tapajoacutes a tripulaccedilatildeo foi morta ou afogou-se mas um jovem inglecircs incorporou-se ao

grupo de Teixeira vindo a ser seu timoneiro preferido para navegar na Amazocircnia

Os reveses sofridos natildeo foram suficientes para afastar os holandeses A Companhia

das Iacutendias Ocidentais envia um navio para restabelecer as feitorias e reconstruir o

forte Em nova accedilatildeo de combate poreacutem Teixeira captura o barco queima-o e leva

seus canhotildees para Beleacutem (SOUBLIN 2003) O uacuteltimo estabelecimento holandecircs

conhecido foi tomado por Sebastiatildeo de Lucena em 1646 no Maicareacute proacuteximo do

Cabo Norte no atual Amapaacute (CAPISTRANO DE ABREU 2000) Impedidos de

adentrar na regiatildeo pelo Rio Amazonas os holandeses decidiram instalar-se mais ao

norte onde mantiveram suas uacutenicas colocircnias na Ameacuterica do Sul as Guianas

Eacute Importante registrar que Luiacutes Aranha Vasconcelos que chegaria a Beleacutem em maio

de 1623 para reforccedilar as tropas do Gratildeo Paraacute recebera ordens expressas do

secretaacuterio portuguecircs Francisco de Lucena em Aranjuez datadas de 4 de maio de

1622 assinadas pelo proacuteprio Felipe IV de Espanha para explorar o curso do Rio 16 Para garantir e ampliar seus negoacutecios na Ameacuterica e na Aacutefrica governo e empresas comerciais privadas holandesas formam em 1621 a Companhia das Iacutendias Ocidentais um misto de sociedade mercantil militarizada e empresa colonizadora com o objetivo de garantir o mercado fornecedor de accediluacutecar e quando possiacutevel criar colocircnias nas regiotildees produtoras A companhia interfere tambeacutem no traacutefico negreiro monopoacutelio entatildeo portuguecircs indispensaacutevel ao modelo de produccedilatildeo accedilucareira instaurado no Brasil

57

em direccedilatildeo a oeste fazer o descobrimento do Cabo Norte e expulsar os

estrangeiros Tais esforccedilos demonstram claramente as intenccedilotildees da Coroa Ibeacuterica

em conquistar a regiatildeo e estender-se mais ao norte possiacutevel preservando a entrada

do Rio Amazonas sob controle espanhol e portuguecircs (REIS 1948 vol 1)

Por sua vez os ingleses preferiram a foz do Rio Amazonas mais proacuteximo do delta

do rio seu estabelecimento mais ocidental segundo Capistrano de Abreu foi

assentado no Cajari Eles tambeacutem foram perseguidos por diversas expediccedilotildees

portuguesas comandadas por Pedro Teixeira e Jaacutecome Raimundo de Noronha que

tomaram navios fizeram prisioneiros e arrasaram fortes No assalto ao forte inglecircs

de Filipe Raimundo de Noronha descreve a apreensatildeo de canhotildees e armas

diversas a morte de 83 estrangeiros o aprisionamento de 13 e a destruiccedilatildeo dos

indiacutegenas combatentes que aterrorizados nunca mais vieram a fazer as pazes com

os estrangeiros (CAPISTRANO DE ABREU 2000) A falta de iacutendios amigos -

fornecedores de tabaco algodatildeo urucum e drogas - desestimula novos

empreendimentos comerciais dificultados ainda mais pela construccedilatildeo do Forte do

Gurupaacute estabelecido em local estrateacutegico no comeccedilo do delta amazocircnico

excelente posto de observaccedilatildeo avanccedilado e precioso complemento do Forte do

Preseacutepio na margem direita do rio Fica assim firmada a presenccedila de Portugal ateacute o

Cabo Norte e livre de inimigos estrangeiros todo o baixo Amazonas (CAPISTRANO

DE ABREU 2000) (Mapa 7)

Esses episoacutedios segundo Ferreira Reis ldquogeralmente esquecidos nas paacuteginas das

crocircnicas nacionaisrdquo (REIS 1948 p 45) revelam que a histoacuteria da Amazocircnia se

iniciou com intensas e prolongadas batalhas fluviais e terrestres que resultaram na

conquista de uma vastiacutessima regiatildeo sob domiacutenio colonial portuguecircs

59

4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar o periacuteodo inicial da conquista e

ocupaccedilatildeo da regiatildeo amazocircnica para aleacutem dos limites impostos pelo Tratado de

Tordesilhas Para facilitar a administraccedilatildeo cria-se o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-

Paraacute separando-o do Estado do Brasil decisatildeo tomada ainda na vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica No alargamento do territoacuterio colonial portuguecircs destacam-se as expediccedilotildees

de Pedro Teixeira e de Antonio Raposo Tavares bem como a atuaccedilatildeo das missotildees

jesuiacutetas no interior da Amazocircnia O periacuteodo marcado pela fixaccedilatildeo portuguesa na

regiatildeo inicia-se em 1616 com a fundaccedilatildeo de Beleacutem e perdura ateacute a primeira

metade do seacuteculo XVIII com a expulsatildeo dos comerciantes holandeses no Rio

Branco

41 A Separaccedilatildeo do Brasil A Criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo

O Estado do Maranhatildeo surgiu como entidade autocircnoma politicamente independente

do Estado do Brasil por determinaccedilatildeo do Rei Felipe III de Espanha - Felipe II de

Portugal - por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 O novo Estado estendia-

se do Rio Oiapoque ao Cabo de Satildeo Roque compreendendo as capitanias do Paraacute

Cumatilde Maranhatildeo e Cearaacute subordinadas ao governo geral de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo

(LOUREIRO 1978) (Mapa 8)

A capitania do Cabo Norte tambeacutem subordinada ao Estado do Maranhatildeo existiu

transitoriamente Foi fundada em 1637 e extinguiu-se de fato apoacutes a morte de seu

donataacuterio em 1642 e seu territoacuterio ter sido incorporado ao Paraacute (HANDELMANN

1982)

O novo Estado compreendia os atuais Estados do Cearaacute Piauiacute Maranhatildeo Paraacute

parte do Amazonas e Amapaacute abrangendo quase toda costa norte e quase todo o

vale amazocircnico

O restante do Brasil constituiacutedo pelas capitanias da coroa do Rio Grande do Norte

ateacute Satildeo Vicente e pelas demais capitanias privadas chamava-se Estado do Brasil

61

Razotildees geograacuteficas se impunham na reorganizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa do

Brasil colonial com a separaccedilatildeo dos dois Estados do Brasil e do Maranhatildeo O

regime dos ventos e das correntes mariacutetimas essenciais para a compreensatildeo das

possibilidades das navegaccedilotildees da eacutepoca levaram Madri a tomar esta decisatildeo

O regime dos ventos explica a maior independecircncia de que desde o iniacutecio da

ocupaccedilatildeo gozaram as autoridades coloniais do Maranhatildeo e do Gratildeo-Paraacute em

relaccedilatildeo ao governador-geral do Brasil pela facilidade de comunicaccedilatildeo direta e mais

raacutepida com Lisboa do que com Salvador A travessia de Lisboa a Beleacutem podia ser

vencida em 45 dias de viagem bem menos custoso do que chegar agrave Bahia ou ao

Rio de Janeiro o que poderia consumir uma jornada de ateacute 3 meses A ligaccedilatildeo de

Satildeo Luiacutes com Beleacutem era realizada em aproximadamente 10 dias de navio agrave vela

(SOUBLIN 2003)

Pilotos e navegadores que cruzavam a linha do Equador viajando pelo Atlacircntico

com destino agraves capitanias do norte do Brasil ou para as Antilhas sabiam que o bom

ecircxito da travessia dependia fundamentalmente do regime desses ventos

Ultrapassada a linha do Equador os aliacutesios sopram na direccedilatildeo leste-oeste e do mar

para a terra facilitando ou impedindo a travessia das naus Uma observaccedilatildeo mais

atenta da carta do litoral setentrional brasileiro indica uma maior inflexatildeo do litoral a

partir de Jericoacoara no Cearaacute dificultando os ventos a ultrapassagem e virada

das naus com destino agraves capitanias do sul Esse fenocircmeno desde cedo foi

conhecido dos pilotos portugueses que temiam a inflexatildeo para o Rio Grande do

Norte conduzindo as naus com maior rapidez da baiacutea do Maranhatildeo para Lisboa do

que para Olinda Recife ou Salvador (GADELHA 2002)

Martim Soares em missatildeo de espionagem ao forte dos franceses por ordem de

Jerocircnimo de Albuquerque depois de cumprido o reconhecimento de Satildeo Luiacutes ao

tentar regressar do Maranhatildeo para o forte de Jericoacoara natildeo conseguiu controlar

seu navio tendo sido inuacuteteis todos os esforccedilos dos pilotos para dominar as monccedilotildees

dos aliacutesios Southey relatando o fato informa

ldquoTinha este descoberta a colocircnia [dos franceses] e reconhecida bem a sua forccedila procurado voltar contra a monccedilatildeo Coisa eacute esta quase impossiacutevel tatildeo constantes sopram os ventos em sentido oposto que uma brisa do

62

Maranhatildeo para Pernambuco se olha para assim dizer como milagrosa Perdido na tentativa um mastro teve afinal de demandar a Espanha como o caminho mais curto para casa dali despachou desde logo o piloto com a notiacutecia para o Brasil e foi ecircle mesmo expor o caso ao ministro em Madrirdquo (SOUTHEY 1981 p283)

Anos depois o padre Antonio Vieira comprovaria o fenocircmeno quando o navio em

que regressava para Pernambuco foi obrigado a se deter no Cearaacute e ele

impossibilitado de seguir viagem teve de regressar a Satildeo Luiacutes

O caminho pelo interior demonstrava ser muito perigoso principalmente devido agrave

presenccedila de grupos indiacutegenas hostis que por muitos anos ainda resistiriam aos

portugueses As travessias por terra eram tambeacutem particularmente penosas em

decorrecircncia dos incertos periacuteodos de estiagem que ocorriam no Piauiacute Cearaacute e

Pernambuco Por essa razatildeo desde o iniacutecio os capitatildees-gerais e governadores do

Maranhatildeo gozaram de maior independecircncia seus regimentos lhes davam amplos

poderes inclusive o poder militar (GADELHA 2002)

Livre de qualquer subordinaccedilatildeo ao Estado do Brasil e em ligaccedilatildeo permanente com

o Reino de onde recebia ordens diretas o Maranhatildeo dispunha de um regimento

especial que lhe fixava as normas dentro das quais devia ordenar a coisa puacuteblica A

criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo permitia a instalaccedilatildeo de um governo local para uma

vasta regiatildeo que exigia o estabelecimento de uma administraccedilatildeo mais aproximada

da metroacutepole e um governo independente estaria mais capacitado para tomar as

imediatas medidas de proteccedilatildeo e defesa (REIS 1948)

Recorda Arthur Ceacutezar Ferreira Reis que uma legislaccedilatildeo com aproximadamente

2000 documentos constantes das Cartas Reacutegias Alvaraacutes e Decisotildees do Conselho

Ultramarino - guardadas na seccedilatildeo de manuscritos da Biblioteca Estadual do Paraacute no

Arquivo Nacional e na seccedilatildeo de manuscritos do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico

Brasileiro - regulou a vida dos primeiros colonizadores no momento em que

sertanistas soldados e missionaacuterios foram incorporando a Amazocircnia ao impeacuterio

lusitano Essa legislaccedilatildeo determinou normas de administraccedilatildeo fixou planos de

trabalho comutou penalidades por parte do poder puacuteblico estabeleceu diretrizes

para uma conquista e ocupaccedilatildeo da terra e definiu aprovaccedilatildeo estatal para o esforccedilo

que se realizava contra a presenccedila de estrangeiros (REIS 1948)

63

Diversas foram as denominaccedilotildees recebidas ao longo de sua vigecircncia uma

adaptaccedilatildeo agraves prioridades poliacuteticas e econocircmicas que foram surgindo Assim entre

1621 e 1652 Estado do Maranhatildeo com sede em Satildeo Luiacutes reunido novamente ao

Estado do Brasil em 1652 voltou a separar-se 2 anos depois em 1654 quando

recebeu o nome de Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute de 1751 a 1772 tornou-se

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e sua sede foi transferida para Beleacutem mantendo-

se a autonomia do Maranhatildeo que tambeacutem se ligava diretamente a Lisboa sem

subordinaccedilatildeo a Beleacutem em 1772 o Estado do Gratildeo-Paraacute passou a ser denominado

Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro separado do Estado do Maranhatildeo e Piauiacute e em

1774 foram formalmente integrados ao Estado do Brasil Entretanto a integraccedilatildeo

poliacutetica da Amazocircnia com o resto do Brasil soacute se deu com a instalaccedilatildeo da Corte de

Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro em 1808 quando entatildeo as duas capitais Beleacutem e

Manaus se lhe subordinaram17

O Estado do Maranhatildeo sob diversas denominaccedilotildees ao longo de mais cento e

cinquumlenta anos trataraacute de seus assuntos diretamente com Lisboa e soacute se reunificaraacute

de fato ao Estado do Brasil em 1823 apoacutes o advento da Independecircncia O seu

desenvolvimento histoacuterico seraacute diferente daquele Teraacute representantes em Portugal

interesses comerciais proacuteprios poliacutetica colonial independente e governadores gerais

orientados diretamente pelo Rei (LOUREIRO 1978)

42 O Periacuteodo Inicial Durante os primeiros anos de existecircncia a nova colocircnia foi assolada por conflitos

internos rivalidades pessoais entre colonos e principalmente guerras contra os

indiacutegenas Os tupinambaacutes que viviam nos arredores de Beleacutem tinham notiacutecias de

tribos guerreiras massacradas pelos portugueses e obrigadas ao trabalho escravo

nas lavouras suas relaccedilotildees com os franceses eram melhores com quem

mantinham contato mais amigaacutevel

Embora bem recebido e apesar da desconfianccedila natural por conta das informaccedilotildees

que tinham sobre os portugueses Francisco Caldeira de Castelo Branco - fundador

17 Em 1656 o Cearaacute retornava permanentemente ao Estado do Brasil e em 1751 o Piauiacute tornou-se capitania da Coroa dentro do Estado do Maranhatildeo

64

de Beleacutem - natildeo foi capaz de manter boas relaccedilotildees com os nativos os incidentes

comeccedilaram a ocorrer nas primeiras semanas de sua administraccedilatildeo e os indiacutegenas

foram severamente punidos Em resposta as tribos da regiatildeo se aliaram e sob a

lideranccedila de um guerreiro tupinambaacute atacaram Beleacutem O Forte do Preseacutepio estava

bem localizado sobre uma colina cercada por pacircntanos e guarnecido por canhotildees a

superioridade das armas e a resistecircncia portuguesa conseguiram enfraquecer as

accedilotildees dos tupinambaacutes (SOUBLIN 2003)

Castelo Branco iniciou desse modo um periacuteodo de represaacutelias e condenaccedilotildees seu

temperamento e suas praacuteticas violentas contra os indiacutegenas condenados foram

descritos por Capistrano de Abreu rdquoamarrava o condenado a diversas canoas

mandava remar em sentidos opostos ateacute os membros despregarem do troncordquo

(CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 139)

Em novembro de 1618 quase trecircs anos apoacutes a fundaccedilatildeo de Beleacutem a piora de suas

relaccedilotildees com os colonos provocou uma rebeliatildeo Castelo Branco foi deposto

mandado preso para Portugal e morreu na prisatildeo do Limoeiro em Lisboa

(CAPISTRANO DE ABREU 2000) Para substituir o capitatildeo-mor deposto os

colonos escolheram Baltasar Rodrigues que diante do acircnimo dos indiacutegenas

solicitou auxiacutelio de Pernambuco para combater as rebeliotildees O governador-geral

Luiacutes e Souza enviou para Beleacutem socorro comandado pelo novo capitatildeo-mor

Jerocircnimo Fragoso Um dos componentes dessa forccedila expedicionaacuteria Bento Maciel

Parente que veio a se tornar conhecido por sua brutalidade com os tupinambaacutes e

temido por sua violecircncia massacrou indistintamente todas as tribos em guerra da

regiatildeo Os sobreviventes aderiram aos portugueses e os afluentes da margem sul do

Amazonas abaixo do Tocantins natildeo mais ameaccedilaram Beleacutem O novo capitatildeo-mor

que fora nomeado para governar o Maranhatildeo Jerocircnimo Fragoso faleceu logo apoacutes

sua chegada Bento Maciel Parente assumiu deste modo o comando da colocircnia

governando-a por 4 anos ateacute 1627 quando da vinda de Manuel de Souza de Saacute

nomeado para o cargo

Lembra John Hemming que a documentaccedilatildeo existente sobre os primeiros 35 anos

da ocupaccedilatildeo portuguesa no Paraacute e no baixo Amazonas eacute relativamente pequena

Os relatos histoacutericos mais contundentes desse periacuteodo foram feitos pelo

65

contemporacircneo Vicente de Salvador18 (1564 -1636 ou 1639) e posteriormente por

Bernardo Pereira de Berredo19 (Governador do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo Paraacute

entre 1718 e 1722) somados a alguns documentos oficiais e breves relatos dos

missionaacuterios capuchinhos e de alguns exploradores como Simatildeo Estaacutecio da

Silveira20

Essas fontes revelam que a situaccedilatildeo inicial de colonizaccedilatildeo da Amazocircnia eacute de quase

anarquia com permanentes conflitos de interesse entre os colonizadores e

sobretudo uma eacutepoca de muito sofrimento para os iacutendios Os colonos da vila de

Beleacutem conquistaram as tribos ocupantes das margens dos rios que corriam para o

norte do Paraacute do baixo Tocantins e de outros rios entre ele e o Xingu Algumas

tribos foram atraiacutedas para Beleacutem com a promessa de receberem mercadorias

outras simplesmente apresadas em ataques surpresas (HEMMING 1997)

Nas primeiras trecircs deacutecadas de sua existecircncia Beleacutem enfrentou constantes

rivalidades internas (GOacuteES FILHO 2001) deposiccedilatildeo de governos confusas

manobras de sucessatildeo Entretanto as accedilotildees para a expulsatildeo dos estrangeiros

holandeses e ingleses empreendidas por Pedro Teixeira e Jaacutecome Raimundo de

Noronha e o contato com os indiacutegenas arregimentados mais pela forccedila do que pelo

convencimento permitiram aos portugueses o aprendizado necessaacuterio para a luta

em pequenas canoas tais como instalar pequenos canhotildees nessas embarcaccedilotildees

utilizar teacutecnicas de emboscada e combater sob tempestades tropicais Os timoneiros

foram familiarizados com a regiatildeo do baixo Amazonas houve a instalaccedilatildeo e a

guarniccedilatildeo de pequenos fortes avanccedilados que passaram a atrair novos colonos

principalmente para Gurupaacute Macapaacute e Gametaacute no Rio Tocantins (SOUBLIN 2003)

A ocupaccedilatildeo progredia lentamente expandindo-se rio acima numa intrincada rede

hidrograacutefica e aos poucos foi consolidando a presenccedila portuguesa na Amazocircnia

18 Autor de Histoacuteria do Brasil concluiacuteda em 20 de dezembro de 1627 ficou ineacutedita ateacute 1888 19 Autor de Anais Histoacutericos do Estado do Maranhatildeo em que se daacute notiacutecia de seu descobrimento e tudo o mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto ateacute o de 1718 20 Autor da Relaccedilatildeo Sumaacuteria das Cousas do Maranhatildeo concluiacuteda em 1619 e publicada em Lisboa em 1624

66

43 As Implicaccedilotildees da Uniatildeo Ibeacuterica21 O impeacuterio colonial ibeacuterico que durou de 1580 a 1640 estendendo-se de Macau na

China a Potosi no Peru foi de fato como lembra o historiador Charles Ralph

Boxer o primeiro impeacuterio mundial onde o sol nunca se punha (BOXER 1981)

Natildeo houve grande resistecircncia agrave ocupaccedilatildeo da Coroa portuguesa por Felipe II de

Espanha A maioria da nobreza portuguesa e do alto clero eram favoraacuteveis agrave uniatildeo

21 Ocorreu entre 1580 e 1640 quando a dinastia Filipina governou Espanha e Portugal sob reinado comum Os reis que governaram nesse periacuteodo foram Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) entre 1580 a 1598 Filipe III de Espanha (Filipe II de Portugal) entre 1598 e 1621 e Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal) entre 1621 e 1640 A dinastia filipina subiu ao trono portuguecircs na crise sucessoacuteria de 1580 iniciada apoacutes a morte do Rei D Sebastiatildeo de Portugal na batalha de Alcaacutecer-Quibir Sem descendentes seus em linha direta e do seu sucessor e tio-avocirc o Cardeal-Rei D Henrique havia trecircs hipoacuteteses de sucessatildeo -Catarina de Portugal neta de Manuel I de Portugal casada com Joatildeo I Duque de Braganccedila ou o seu filho adolescente Teodoacutesio -Antoacutenio Prior do Crato neto de Manuel I mas por via ilegiacutetima e -Filipe de Habsburgo Rei de Espanha tambeacutem neto de Manuel I por via feminina Apoacutes intensas negociaccedilotildees Filipe de Espanha acabou por ser reconhecido como rei de Portugal nas Cortes de Tomar de 1581 No entanto a ideacuteia da perda de independecircncia levou a uma revoluccedilatildeo liderada pelo prior do Crato que chegou a ser proclamado rei em 1580 e governou ateacute 1583 na Ilha Terceira nos Accedilores O prior do Crato acabaria derrotado sobretudo pelo apoio da nobreza tradicional e da burguesia a Filipe Para conseguir esses apoios Filipe comprometeu-se a manter e a respeitar os foros costumes e privileacutegios dos portugueses O mesmo aconteceria com os ocupantes de todos os cargos da administraccedilatildeo central e local assim como com os efetivos das guarniccedilotildees e das frotas da Guineacute e da Iacutendia Nas cortes estiveram presentes todos os procuradores das vilas e cidades portuguesas exceccedilatildeo feita agraves accedilorianas fieacuteis ao rival derrotado de Filipe II o prior do Crato Era o princiacutepio da uniatildeo pessoal que vigoraria sem grandes alteraccedilotildees ateacute cerca de 1620 Portugal e Espanha juntos passaram a formar o maior Impeacuterio que jaacute existiu no mundo em todos os tempos chamado de Uniatildeo Ibeacuterica e compreendia territoacuterios do Meacutexico Cuba Ameacuterica Central Ameacuterica do Sul Aacutefrica Iacutendia (Goa Calicute) Filipinas China (Macau Cantatildeo) Indoneacutesia (Timor Leste) e o Sacro Impeacuterio Romano-Germacircnico jaacute que Filipe II era da dinastia dos Habsburgos Os reinados de Filipe I e Filipe II foram relativamente paciacuteficos principalmente porque a monarquia espanhola pouco interferiu nas questotildees de Portugal que continuavam a ser administradas por portugueses A partir de 1630 jaacute no reinado de Filipe III a situaccedilatildeo evoluiu para uma maior interferecircncia espanhola e um crescente descontentamento As inuacutemeras guerras em que Espanha se vira envolvida nos uacuteltimos anos contra os Paiacuteses Baixos (Guerra dos Oitenta Anos) e Inglaterra por exemplo haviam custado vidas portuguesas e oportunidades comerciais Duas revoltas portuguesas em 1634 e 1637 natildeo chegaram a ter proporccedilotildees perigosas mas em 1640 o poder militar espanhol ficou reduzido pela guerra com a Franccedila e a revolta na Catalunha A gota daacutegua foi a intenccedilatildeo do Conde Duque de Olivares em 1640 de usar tropas portuguesas contra os catalatildees que estavam igualmente descontentes O Cardeal de Richelieu atraveacutes dos seus agentes em Lisboa encontrou um liacuteder em Joatildeo II Duque de Braganccedila neto de Catarina de Portugal Aproveitando-se da vantagem da falta de popularidade da governadora Margarida de Saboacuteia Duquesa de Macircntua e do seu secretaacuterio de estado Miguel de Vasconcelos os liacutederes do partido da independecircncia conduziram uma revoluccedilatildeo nacionalista em 1ordm de dezembro de 1640 A 15 de dezembro de 1640 o Duque de Braganccedila foi aclamado Rei como Dom Joatildeo IV Muitos historiadores consideram que a Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas foi prejudicial ao Reino Portuguecircs devido agraves guerras travadas na Europa pelos reis Habsburgo A partir daiacute deflagrou-se um periacuteodo de decliacutenio poliacutetico de endividamento e de dependecircncia econocircmica que diminuiacuteram consideravelmente o poderio lusitano no continente e no mundo colonial

67

Ainda sob o efeito da fracassada accedilatildeo militar do Rei Dom Sebastiatildeo na batalha de

Alcaacutecer Quibir verdadeiro desastre para Portugal o povo e o baixo clero natildeo

estavam organizados suficientemente para se oporem agraves propostas de uniatildeo o que

havia naquele momento com a perda do Rei era desacircnimo e falta de lideranccedila A

cruzada contra os mouros causou seacuterios prejuiacutezos para a economia do paiacutes Era

necessaacuterio pagar resgates elevados para recuperar os milhares de cativos

capturados

Apesar disso o sentimento nacional portuguecircs ainda era bastante forte e como

lembra novamente Charles Ralph Boxer o proacuteprio Felipe II foi bastante prudente

para assegurar que em 1581 na Assembleacuteia das Cortes que sancionou legalmente

a sua ocupaccedilatildeo da Coroa os dois impeacuterios coloniais permanecessem com relativa

autonomia constituindo-se em entidades separadamente administradas O modelo

de uniatildeo era o mesmo adotado pelo Reino Unido da Escoacutecia e da Inglaterra as duas

Coroas passariam a ter uma uniatildeo pessoal da monarquia O mesmo rei Rei Felipe II

de Espanha e Felipe I de Portugal jurou preservar as leis e a liacutengua portuguesa

consultar os conselheiros portugueses em todos os assuntos que dissessem

respeito a Portugal e agraves possessotildees portuguesas e nomear apenas funcionaacuterios

portugueses para essas possessotildees Ficavam os espanhoacuteis expressamente

proibidos de comerciar ou se estabelecer em territoacuterios portugueses e os

portugueses de comerciar e de se estabelecer em territoacuterios espanhoacuteis (BOXER

1981)

Esse periacuteodo de uniatildeo das coroas produziu enormes reflexos no vastiacutessimo impeacuterio

colonial ibeacuterico O movimento de expansatildeo para os sertotildees da Ameacuterica Portuguesa

conhecido hoje como bandeirismo22 pode ser avaliado sob polecircmica e controvertida

interpretaccedilatildeo de renomados historiadores No cerne da questatildeo a discussatildeo sobre

os efeitos dessa uniatildeo sobre a expansatildeo territorial portuguesa para aleacutem dos limites

previstos no Tratado de Tordesilhas

A uniatildeo ibeacuterica eacute considerada por alguns como fundamental para o surgimento e

desenvolvimento do movimento bandeirante Natildeo havendo fronteiras que definissem

22 Os reflexos do bandeirismo para a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia seratildeo abordados em item especiacutefico

68

a Ameacuterica portuguesa da Ameacuterica espanhola os colonos portugueses e luso-

brasileiros estariam implicitamente autorizados a transitar sobre esse territoacuterio

comum suacuteditos que eram do mesmo rei A defesa dessa primeira tese alega que

natildeo havia fronteiras na Ameacuterica sob as mesmas ordenaccedilotildees estavam todos em um

uacutenico espaccedilo colonial comum

O historiador Alfredo Ellis Junior defende a ideacuteia da inexistecircncia de limites entre o

domiacutenio espanhol e portuguecircs nesse periacuteodo ldquoOs moradores de ambas as regiotildees

poliacuteticas natildeo tinham barreiras para passar dos domiacutenios espanhoacuteis para os

portugueses pois essas reparticcedilotildees poliacuteticas pertenciam a uma soacute naccedilatildeordquo (ELLIS

Jr23 1944 p 65 apud GOacuteES FILHO 2001 p 97)

Cassiano Ricardo considera como favoraacutevel agrave expansatildeo bandeirante rdquoa remoccedilatildeo do

mito juriacutedico (a linha de Tordesilhas) que era imobilizador e a exacerbaccedilatildeo do mito

do ouro que era expansionistardquo (RICARDO24 1954 p 34 apud GOacuteES FILHO

2001 p 98)

A outra tese defendida agrave luz de vasta documentaccedilatildeo oficial e outras fontes sustenta

que as naccedilotildees ibeacutericas permaneceram independentes na Ameacuterica cada uma

tratando de seus proacuteprios interesses tendo permanecido separados como antes o

que era espanhol do que era portuguecircs

Defensor mais veemente da separaccedilatildeo das colocircnias Jaime Cortesatildeo chega a

afirmar que o Brasil nunca foi espanhol durante o periacuteodo filipino

ldquoBem longe de formar com a Espanha uma soacute naccedilatildeo Portugal conservava todos os seus foros liberdades e privileacutegios usos e costumes formando reino e coroa a parte tanto na metroacutepole como nas proviacutencias ultramarinasldquo (CORTESAtildeO25 1958 p 78 apud GOacuteES FILHO 2001 p 98)

O comprometimento de Felipe II de Espanha - Felipe I de Portugal - assumido na

Assembleacuteia das Cortes em 1581 quando da aceitaccedilatildeo oficial da uniatildeo de 23 ELLIS JR Alfredo Raposo Tavares e sua eacutepoca Rio de Janeiro p 65 Joseacute Olympio 1944 24 RICARDO Cassiano O Tratado de Petroacutepolis p 34 Rio de Janeiro Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores 1954 25 CORTESAtildeO Jaime Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial do Brasil p 78 Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1958

69

estabelecer riacutegida separaccedilatildeo na administraccedilatildeo dos assuntos coloniais as vaacuterias

cartas reacutegias e outras instruccedilotildees agraves colocircnias no que se referem aos interesses

especiacuteficos de cada Coroa em alguns casos conflitantes e as proibiccedilotildees de contato

entre as colocircnias tudo leva a considerar que a uniatildeo ibeacuterica natildeo pode ser vista

como causa do movimento bandeirante As duas Ameacutericas espanhola e portuguesa

permaneceram separadas natildeo soacute pelas distacircncias consideraacuteveis mas sobretudo

porque se mantiveram com identidades culturais e administrativas particularmente

distintas uma da outra

O que se pode afirmar dessa discussatildeo polecircmica eacute que natildeo se pode garantir que o

movimento portuguecircs de expansatildeo territorial teria se desenvolvido da mesma

maneira tivesse Espanha tomado medidas de defesa mais efetivas para conter o

avanccedilo lusitano nos sertotildees americanos e sobretudo natildeo sendo obrigada a tratar

Portugal com a reverecircncia de um aliado eacute possiacutevel e mesmo provaacutevel que o

bandeirismo natildeo teria alcanccedilado resultados territoriais tatildeo expressivos Outra

avaliaccedilatildeo permite considerar que o periacuteodo da uniatildeo ibeacuterica foi favoraacutevel para a

expansatildeo territorial para o interior particularmente na Amazocircnia e no Centro-Oeste

e extremamente desfavoraacutevel para os interesses coloniais portugueses com a

invasatildeo pelos holandeses inimigos de Espanha de possessotildees lusitanas na Aacutefrica

na Aacutesia e no rico nordeste brasileiro

No caso particular da Amazocircnia a unidade ibeacuterica representada por um soberano

comum permitiu que a expansatildeo portuguesa fosse natildeo soacute autorizada por Madri

como tambeacutem foi determinado que os esforccedilos para a expulsatildeo de estrangeiros e a

guarda do litoral norte coubessem aos lusitanos A unidade poliacutetica do periacuteodo

filipino permitiu a legalidade das accedilotildees portuguesas desde a conquista de Satildeo Luiacutes

e a fundaccedilatildeo de Beleacutem Era preciso proteger o Vice Reinado do Peru das investidas

holandesas e inglesas os estabelecimentos espanhoacuteis no litoral venezuelano natildeo

possuiacuteam elementos para qualquer empreendimento distante Nesse contexto o

controle da entrada da bacia amazocircnica era essencial e os portugueses mais

habilitados para conduzir a empreitada

As notiacutecias que chegavam aos ouvidos de Madri sobre a presenccedila de estrangeiros

na regiatildeo conduziram agrave decisatildeo em 1613 de Felipe III de Espanha - Felipe II em

70

Portugal - de ordenar ao novo governador do Brasil Gaspar de Sousa que

estabelecesse residecircncia em Olinda de onde melhor poderia acompanhar e

comandar as iniciativas destinadas a expulsar quaisquer invasores especialmente

os franceses e prosseguir na descoberta e conquista daquelas terras do Rio das

Amazonas Depois de realizadas as accedilotildees militares e estabelecida a treacutegua entre

portugueses e franceses no Maranhatildeo jaacute em 1615 Felipe III tambeacutem natildeo aceitou

negociar com o Rei da Franccedila e natildeo abriu matildeo de Satildeo Luiacutes defendendo os

interesses metropolitanos particularmente neste caso o interesse lusitano

Importantes decisotildees foram tomadas em relaccedilatildeo agrave Amazocircnia nesse periacuteodo o

prosseguimento da expediccedilatildeo de conquista e fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616

realizado em cumprimento agraves ordens reacutegias de Madri a separaccedilatildeo do Estado do

Maranhatildeo do Estado do Brasil decidida por determinaccedilatildeo real apoacutes ouvido o

Conselho de Estado por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 e os reforccedilos

militares em pessoal e material enviados para socorrer os portugueses do

Maranhatildeo

Documentos espanhoacuteis existentes no Museu Britacircnico datados de 4 de novembro

de 1621 enviados de Madri ao Conselho do Governo em Lisboa e revelados por Rio

Branco em suas memoacuterias sobre os limites com a Guiana Francesa indicam

claramente a intenccedilatildeo da Espanha de utilizar-se dos portugueses para a conquista e

ocupaccedilatildeo da regiatildeo

ldquoque se poblasse la costa que corre del Brasil hasta Santo Thomeacute de Guyana y Bocas Del Drago y los demais rios y los que fuerem tan anchos que no alcance la artilharia de uma parte aacute outra se fortifiquem y aunque esta conquista es la Corona de Castilla se podria encomendar a la de Portugal por venirles mas a quenta y que por la noticia que ay de que en la otra costa ay poblaciones deIngleses y Olandeses se podria embiar a reconozer e conforme lo que huviesse podraacute tomar resolucion y prevehir lo necessaacuterio para echar losrdquo (REIS 1948 p 39)

Haacute registros tambeacutem lembra Ferreira Reis de que irlandeses catoacutelicos tentaram

mais de uma vez obter autorizaccedilatildeo para se instalarem na regiatildeo amazocircnica junto agrave

Corte de Espanha solicitaccedilotildees que sempre foram negadas veementemente por

Madri por serem esses irlandeses suacuteditos da monarquia inglesa

71

Natildeo haacute duacutevida de que a poliacutetica colonial de Madri durante a vigecircncia da uniatildeo

ibeacuterica foi conduzida com o propoacutesito de garantir a defesa dos territoacuterios

amazocircnicos resguardando e protegendo o Vice-Reinado do Peru pelo seu acesso

atlacircntico das investidas estrangeiras e evidenciada sobretudo pelos esforccedilos

militares despendidos para a conquista e manutenccedilatildeo desses territoacuterios Tambeacutem

natildeo resta duacutevida de que espanhoacuteis e portugueses tinham seus proacuteprios interesses e

mantiveram-se distintos em sua personalidade fiacutesica poliacutetica e social razatildeo pela

qual com o advento da Restauraccedilatildeo em 1640 Portugal passou a reivindicar

aqueles territoacuterios da vastiacutessima bacia amazocircnica para seu impeacuterio colonial onde jaacute

andava avanccedilado o processo de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo lusitano

44 A Expediccedilatildeo de Pedro Teixeira

Em 5 de fevereiro de 1636 os frades espanhoacuteis Andreacutes de Toledo e Domingo de

Brieva desembarcaram em Beleacutem acompanhados por seis soldados A pequena

tripulaccedilatildeo narrou a histoacuteria de que vinham de Quito e haviam sobrevivido a uma

expediccedilatildeo que partira com o propoacutesito de evangelizar a Amazocircnia peruana O

governador do Gratildeo-Paraacute Jaacutecome Raimundo de Noronha informado dos fatos

decidiu enviar uma expediccedilatildeo para reconhecer em sentido inverso o percurso

realizado pelos espanhoacuteis Havia a desconfianccedila por parte dos portugueses de que

apesar da distacircncia e dos indiacutegenas hostis ao longo do caminho pudessem os

castelhanos ricamente instalados na poderosa Quito descer os rios e atacar Beleacutem

(SOUBLIN 2003)

Por outro lado se a viagem fosse bem sucedida poderia permitir a conquista de

terras para Portugal e o acesso ao comeacutercio com os espanhoacuteis instalados em uma

rica regiatildeo mineradora (GOacuteES FILHO 2001)

72

Noronha escolheu para comandar a missatildeo o capitatildeo-mor Pedro Teixeira26

conhecido por ter participado de inuacutemeras accedilotildees de combate da tomada de Satildeo

Luiacutes da fundaccedilatildeo de Beleacutem de guerras contra iacutendios hostis da expulsatildeo de

estrangeiros e de missotildees sertanistas no baixo Amazonas Jaime Cortesatildeo cita o

que fora ordenado a Pedro Teixeira em outubro de 1637 ldquoReconhecer

minuciosamente o rio ateacute Quito verificar os melhores lugares em que o rio pudesse

ser fortificado () e finalmente fundar () uma povoaccedilatildeo que marcasse os limites

no Amazonas da soberania portuguesardquo (CORTESAtildeO 1965 p 405) A Uniatildeo das

Coroas facilitava a decisatildeo de empreender esse tipo de missatildeo a incursatildeo natildeo

deveria ser vista como intromissatildeo inimiga em terras espanholas

A grande expediccedilatildeo fluvial de Pedro Teixeira partiu de Gurupaacute em 28 de outubro de

1637 com 70 soldados e aproximadamente 1200 iacutendios flecheiros embarcados

em 47 canoas de grande porte O guia escolhido foi o Frei Domingos de Brieva o

religioso que havia descido o rio recentemente A incursatildeo considerada por muitos

historiadores como a maior faccedilanha sertanista da Amazocircnia tinha por objetivo

viabilizar o acesso agrave regiatildeo peruana por via atlacircntica e marcar a presenccedila

portuguesa o mais adentro possiacutevel do territoacuterio

A expediccedilatildeo da qual faziam parte entre outros o cronista Mauriacutecio de Heriarte e

alguns religiosos como o capelatildeo franciscano Agostinho das Chagas lanccedilou-se

para Oeste contra a correnteza conduzida por iacutendios remeiros pela calha do Rio

Amazonas Os acampamentos eram improvisados e pousava-se onde era possiacutevel

26 Nasceu na Vila de Cantanhede a 20 km de Coimbra Portugal em 1587 Pouco se conhece sobre sua famiacutelia e os primeiros anos de sua vida Chegou ao Brasil em 1607 Apoacutes a expulsatildeo dos franceses do Maranhatildeo no final de 1615 o governo portuguecircs envia uma expediccedilatildeo agrave foz do Rio Amazonas visando consolidar sua posse sobre a regiatildeo A forccedila lusa foi constituiacuteda de trecircs companhias e como subalterno de uma delas segue o entatildeo alferes Pedro Teixeira em 12 de janeiro de 1616 a tropa entrou na Baiacutea de Guajaraacute e em local bem selecionado foi erguido o Forte que tomou o nome de Preseacutepio origem da atual cidade de Beleacutem Naquele mesmo ano Teixeira participou da abertura de uma estrada ligando as Capitanias do Paraacute e Maranhatildeo em 1622 do ataque e tomada de um forte holandecircs em 1625 de uma viagem de exploraccedilatildeo pelo baixo Amazonas e em 1631 da defesa do assalto inglecircs ao Forte Santo Antocircnio A maior de todas as suas faccedilanhas teria iniacutecio em outubro de 1639 agrave frente de mais de 1000 homens entre militares iacutendios e colonos empreende viagem de exploraccedilatildeo da calha do Rio Amazonas partindo de Beleacutem Empregando cerca de 50 grandes canoas Teixeira atinge Quito no Equador e regressa a Beleacutem depois de haver percorrido mais de 7000 km de rios e trilhas Contribuiria com esse feito para assegurar a posse de vasta porccedilatildeo da bacia Amazocircnica para Portugal Teixeira foi nomeado para o cargo de capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute tomando posse em fevereiro de 1640 mas sua gestatildeo foi curta durando ateacute maio de 1641 Em 4 de julho desse ano faleceu na mesma Beleacutem que auxiliou a fundar e consolidar

73

A navegaccedilatildeo seguia sempre agraves mesmas horas do dia Valendo-se do conhecimento

e da adaptaccedilatildeo agrave selva Teixeira alcanccedilou a confluecircncia do conhecido Rio Tapajoacutes

descobriu e batizou o Rio Madeira instalou-se por algum tempo no Rio Negro

navegou o Solimotildees atravessando a terra dos iacutendios omaguaacutes e penetrando a

regiatildeo que hoje pertence ao Peru deixou o curso principal do Solimotildees subindo um

afluente o Rio Napo Oito meses depois em 24 de junho de 1638 com menos da

metade da tripulaccedilatildeo a mais de 3500 km de distacircncia de Beleacutem Teixeira finalmente

alcanccedilou Quito

O presidente do Tribunal de Quito responsaacutevel pelo governo local ficou alarmado

com o feito de Teixeira Temia que o rio comeccedilasse a ser utilizado pelos

portugueses para a conquista do Peru Depois de mais de 7 meses em Quito

Teixeira foi entatildeo mandado de volta acompanhado por dois jesuiacutetas destacados

pelas autoridades espanholas especialmente para descrever a jornada Cristobal

de Acuntildea e Andreacutes de Artieda Em 16 de fevereiro de 1639 Teixeira iniciou a viagem

de retorno para Beleacutem

Em 16 de agosto de 1639 provavelmente agraves margens do Rio Napo na confluecircncia

com o Rio Aguarico Pedro Teixeira fundou o povoado da Franciscana que

conforme as instruccedilotildees no seu regimento deveria servir ldquo() de baliza aos domiacutenios

das duas Coroasrdquo Natildeo restaram vestiacutegios dessa povoaccedilatildeo e natildeo haacute muitas

informaccedilotildees sobre ela questiona-se inclusive a autenticidade da famosa Ata de

Franciscana divulgada por Bernardo Pereira de Berredo27 no seacuteculo XVIII em que o

historiador afirma ter copiado a referida Ata do arquivo de Beleacutem onde natildeo mais se

encontra (GOacuteES FILHO 2001) (Mapa 9)

Mas o registro da fundaccedilatildeo de Franciscana permaneceu e eacute hoje considerado como

ensina Heacutelio Vianna rdquoda maior importacircncia para a histoacuteria da expansatildeo portuguesa

na Ameacuterica do Sulrdquo (VIANNA 1974 p300)

27 Historiador e governador do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute no periacuteodo de 1718 a 1722 autor de Annaes Historicos do Estado de Maranhatildeo em que se da noticia do seu descobrimento e tudo o mais que nelle tem succedido desde o anno em que foy descuberto ate o de 1718 editado em Lisboa 1749

75

Pedro Teixeira chegou a Beleacutem em 12 de dezembro de 1639 depois de quase dez

meses de viagem e tornou-se assim o primeiro homem a ter percorrido toda a

extensatildeo do mais caudaloso rio do mundo numa extenuante viagem de ida e volta

Essa expediccedilatildeo foi descrita por Cristobal de Acuntildea no livro Nuevo Descubrimento

del Grande Rio de las Amazonas editado em Madri em 1641 Acuntildea era um dos

jesuiacutetas espanhoacuteis que por ordens de Quito havia embarcado com Teixeira para o

retorno a Beleacutem O governo espanhol mandou imediatamente recolher e destruir a

publicaccedilatildeo Preocupava-se com a divulgaccedilatildeo da rota para as minas peruanas e com

as pretensotildees territoriais portuguesas relacionadas agraves suas colocircnias na Ameacuterica

sobretudo depois da Restauraccedilatildeo receacutem-ocorrida em 1640 A medida entretanto

natildeo impediu que mais tarde a expediccedilatildeo fosse usada pela Coroa lusitana para

reivindicar a posse da Amazocircnia Embora estivesse Portugal ainda sob o domiacutenio espanhol na eacutepoca da expediccedilatildeo

Pedro Teixeira tomava posse das terras para os portugueses em nome de Felipe IV

Rei de Espanha e de Portugal No ato de fundaccedilatildeo de Franciscana lavrou a ata

diante de testemunhas espanholas e portuguesas conforme transcriccedilatildeo de Arthur

Ceacutezar Ferreira Reis

ldquoQue tomava posse das ditas terras e sitio em nome de El Rey Felippe IV nosso Senhor pela Corocirca de Portugal se havia quem a dita posse contradissesse ou tivesse embargos que lhe pocircr que alli estava o Escrivatildeo da dita jornada e descobrimento que lhes receberia por quanto alli vinhatildeo Religiosos da Companhia de Jesus por ordem da Real Audiencia de Quito e porque he terra remota e povoada de muitos Indios natildeo houve por elles nem por outrem quem lhe contradissesse a dita posse pelo que eu Escrivatildeo tomey terra nas matildeos e a dey na matildeo do Capitatildeo mor e em nome de El Rey Fillipe IV nosso Senhor o que houve por metido e envestido na dita posse pela Coroa de Portugal do dito sitio e mais terras rios navegaccedilotildees e commerciordquo (REIS 1948 tomo I p 52-53)

Eacute importante considerar que o empreendimento expedicionaacuterio de Pedro Teixeira

teve origem oficial em cumprimento agraves ordens do governador do Gratildeo-Paraacute Jaime

Cortesatildeo conclui que as instruccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado que marcasse o

limite entre terras portuguesas e espanholas tomando posse da enorme regiatildeo

situada a leste desse marco e a proximidade da data de separaccedilatildeo das Coroas

ibeacutericas estariam intimamente relacionadas a uma conspiraccedilatildeo que resultaria na

independecircncia de Portugal em 1640 Na opiniatildeo do historiador a expediccedilatildeo de

76

Pedro Teixeira tratava de assegurar para os portugueses a posse da maior parte do

Rio Amazonas antes que ocorresse a separaccedilatildeo das Coroas naquele momento

desejada em Portugal (GOacuteES FILHO 2001)

Os portugueses natildeo conseguiriam manter a fronteira em Franciscana supostamente

construiacuteda em territoacuterio do Equador atual mas graccedilas agrave expediccedilatildeo de Pedro

Teixeira viriam a fixaacute-la no Rio Javari a mais de 2500 km da foz do Rio Amazonas

A expediccedilatildeo natildeo se tornou apenas um iacutecone na histoacuteria das exploraccedilotildees foi

tambeacutem em decorrecircncia dela que a maior parte da regiatildeo amazocircnica e praticamente

todo o curso principal do rio passariam a fazer parte do impeacuterio colonial portuguecircs e

posteriormente do territoacuterio brasileiro

45 O Bandeirismo

ldquoA obra das bandeiras paulistas natildeo pode ser bem compreendida em toda a sua extensatildeo se natildeo a destacarmos um pouco do esforccedilo portuguecircs como um empreendimento que encontra em si mesmo uma explicaccedilatildeo embora ainda natildeo ouse desfazer-se de seus viacutenculos com a metroacutepole europeacuteia e que desafiando todas as leis e todos os perigos vai dar ao Brasil sua atual silhueta geograacuteficardquo (HOLANDA 2004 p 101)

Em finais do seacuteculo XVI surgiu o fenocircmeno histoacuterico mais caracteriacutestico do Brasil o

bandeirismo ou bandeirantismo Esse fenocircmeno provocou a expansatildeo geograacutefica do

impeacuterio colonial portuguecircs para muito aleacutem dos traccedilados previstos pela linha de

Tordesilhas O movimento bandeirante pode ser compreendido como um conjunto

de inuacutemeras accedilotildees de penetraccedilatildeo territorial ocorridas aproximadamente entre 1580

e 1730 a partir de Satildeo Paulo que tinham por objetivo a caccedila ao iacutendio para

escravizaccedilatildeo de matildeo-de-obra e a procura de metais e pedras preciosas (Mapas 10

e 11)

As penetraccedilotildees realizadas a peacute e depois em canoas a partir de Satildeo Paulo sempre

de canoas a partir de Beleacutem e em uma pequena armada na fundaccedilatildeo da Colocircnia

de Sacramento resultaram no principal acontecimento do periacuteodo colonial a

dilataccedilatildeo de limites com a ocupaccedilatildeo de dois terccedilos do territoacuterio nacional atual

legalizada posteriormente em 1750 entre Portugal e Espanha quando da

assinatura do Tratado de Madri (GOacuteES FILHO 2001)

79

A fixaccedilatildeo dos portugueses no interior do continente americano resultado desta

penetraccedilatildeo natildeo ocorreu como recorda A H de Oliveira Marques em uma aacuterea

contiacutenua e com populaccedilotildees presas ao cultivo da terra pelo contraacuterio verificava-se

em pontos quase isolados verdadeiras ilhas de povoamento ao redor de um ponto

de passagem ou parada ou de uma jazida de exploraccedilatildeo de mineacuterio ocorria com

pequenos grupos de homens que geralmente se instalavam em territoacuterio pouco

conhecido muito distante do litoral e com precaacuterias comunicaccedilotildees com os centros

de irradiaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo (OLIVEIRA MARQUES 1998)

Quando esse movimento de expansatildeo se estabiliza principalmente com as

descobertas minerais jaacute na sua fase final fundam-se vilas povoa-se o interior e

inicia-se a criaccedilatildeo de gado podendo-se afirmar que a maior parte da expansatildeo

geograacutefica do Brasil se fez em torno do bandeirismo

Segundo Seacutergio Buarque de Holanda esse movimento criou na cidade de Satildeo

Paulo uma sociedade de caracteriacutesticas especiais ldquosua vocaccedilatildeo estaacute no caminho

que convida ao movimento natildeo na grande lavoura que cria indiviacuteduos sedentaacuteriosrdquo

(HOLANDA28 1986 p 26 apud GOacuteES FILHO 2001 p 2)

A expansatildeo territorial promovida pelos paulistas consequumlecircncia poliacutetica das

investidas ao interior do Brasil natildeo encontra paralelo na histoacuteria americana

Entretanto apesar de sua importacircncia esse movimento natildeo produziu uma

historiografia variada sendo extremamente pobre em informaccedilotildees oriundas de

fontes particulares e em especial dos proacuteprios bandeirantes condutores das accedilotildees

de penetraccedilatildeo Natildeo haacute como deixaram os conquistadores espanhoacuteis sobre suas

investidas americanas uma documentaccedilatildeo consistente com informaccedilotildees variadas e

detalhadas Nenhum soacute dos grandes sertanistas do seacuteculo XVII ressalta Alice

Canabrava deixou o relato de suas penetraccedilotildees Segundo ela as razotildees dessa

deficiecircncia de informaccedilotildees pode ser explicada pela natureza independente das

accedilotildees dos bandeirantes Enquanto que na Ameacuterica hispacircnica o patrociacutenio oficial

exigia que de tudo se controlasse a empresa dos bandeirantes era de natureza

proacutepria e seus participantes natildeo se sentiam inclinados a prestar contas agraves

28 HOLANDA Seacutergio Buarque de O Extremo Oeste p26 Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1986

80

autoridades metropolitanas ou coloniais Aleacutem disso Satildeo Paulo era uma vila muito

primitiva e pobre natildeo se conhecendo relatos produzidos ou conservados pelos seus

proacuteprios moradores sobre as viagens dos sertanistas (RODRIGUES 1963)

De contemporacircneo do movimento o que existe eacute uma abundante literatura jesuiacuteta

anti-bandeirante fonte baacutesica de pesquisa para a maioria dos historiadores Foram

os jesuiacutetas espanhoacuteis que primeiro descreveram as accedilotildees de preaccedilatildeo de iacutendios nas

missotildees do Guairaacute (instaladas no atual oeste paranaense) do Uruguai e do Tape

(ambas no atual Rio Grande do Sul) e do Itatim (no sudoeste do Mato Grosso do

Sul) A historiografia dos bandeirantes fica assim reduzida agraves impressotildees de Antonio

Ruiz de Montoya29 e Nicolaacutes del Techo30

Montoya descreveu os choques violentos havidos com os paulistas nas vaacuterias

reduccedilotildees do Guairaacute e admitiu que sua obra era uma peccedila de propaganda em defesa

dos iacutendios Seus escritos satildeo considerados por muitos historiadores como um

manifesto impregnado de exagero construiacutedo para despertar simpatia a favor dos

indiacutegenas e indignaccedilatildeo do leitor contra os paulistas Por vezes mistura o real e o

milagroso e embora traga informaccedilotildees valiosas eacute vago e impreciso sobre

acontecimentos importantes De todo modo sua obra serviu de inspiraccedilatildeo a del

Techo que descreveu os esforccedilos dos colonizadores e os ataques dos paulistas

contra as reduccedilotildees do Guairaacute e do Tapes

Infelizmente o movimento bandeirista natildeo atraiacutea a historiografia oficial portuguesa

demasiadamente empenhada em retratar as accedilotildees contra os invasores holandeses

em Pernambuco e especialmente preocupada em destacar os aspectos da poliacutetica

externa de Portugal contra os flamengos

A proacutepria denominaccedilatildeo do movimento natildeo encontra unanimidade entre os

historiadores ensinado nos livros didaacuteticos como entradas e bandeiras segundo o

29 Antonio Ruiz de Montoya foi nomeado superior das reduccedilotildees do Guairaacute em 1620 e eacute considerado um dos mais importantes missionaacuterios hispacircnicos Nasceu em Lima no Peru e tornou-se especialista na liacutengua guarani Escreveu a Conquista espiritual hecha por los religiosos de la compantildeia de Jesuacutes en las Provincias de Paraguay Paranaacute Uruguay y Tape publicada em Madri em 1639 30 Nicolas del Techo missionaacuterio belga Escreveu a Historia de la provincia del Paraguay de la Compantildeiacutea de Jesuacutes publicada em 1673

81

caraacuteter oficial ou particular do empreendimento Assim as entradas seriam

expediccedilotildees organizadas pelo governo e as bandeiras incursotildees de caraacuteter

puramente particular

Esta discussatildeo eacute muito bem conduzida por Synezio Sampaio Goacutees Filho lembrando

que essa divisatildeo entre entradas e bandeiras divulgada por Basiacutelio de Magalhatildees em

1913 natildeo deveria ser mais adotada nos livros didaacuteticos apoacutes ter sido provado por

muitos pesquisadores do tema e por documentos divulgados posteriormente que a

participaccedilatildeo do poder puacuteblico e da iniciativa privada se confundem em muitos

casos natildeo haacute um caraacuteter puramente oficial ou estritamente particular nas investidas

ao interior Tambeacutem natildeo encontra mais respaldo a tese de Alfredo Ellis Jr de que as

entradas seriam constituiacutedas por pequenos grupos de homens que percorriam os

sertotildees agrave procura de pedras e metais preciosos e as bandeiras grandes grupos que

guerreavam e escravizavam iacutendios (GOacuteES FILHO 2001)

Curiosamente esse movimento de penetraccedilatildeo territorial tatildeo tipicamente brasileiro

natildeo encontrou ainda uma conceituaccedilatildeo baacutesica nem mesmo uma nomenclatura

padronizada

Heacutelio Vianna faz distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirantismo

Considera o entradismo como aquele que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de

diversos pontos da costa leste do Brasil para o interior ainda desconhecido

devassou notaacutevel extensatildeo territorial sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da

Amazocircnia por via fluvial e que perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-

se no iniacutecio do seacuteculo XX com a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre Partindo da costa

atlacircntica do Sul para o Norte as entradas vicentinas (anteriores agraves bandeiras) as

entradas cariocas capixabas (caracterizadas por procura de pedras preciosas

incluindo esmeraldas) de Porto Seguro baianas (incluindo as da Capitania de

Ilheacuteus) sergipanas pernambucanas cearenses maranhenses e amazocircnicas (estas

saiacutedas do Gratildeo-Paraacute) satildeo a expressatildeo desse movimento que duraria mais de 3

seacuteculos da Histoacuteria do Brasil (VIANNA 1974)

Ao bandeirantismo como designaccedilatildeo do movimento de penetraccedilatildeo realizado

principalmente por moradores da Capitania de Satildeo Vicente depois denominada de

82

Satildeo Paulo que teria iniciado com o chamado ciclo da caccedila ao iacutendio ainda na

segunda metade do seacuteculo XVI ocorrido na proacutepria Capitania nas atuais regiotildees Sul

e Oeste do Brasil de Satildeo Paulo ao atual Rio Grande do Sul alcanccedilando o Mato

Grosso Minas Gerais e Goiaacutes antes do grande ciclo do ouro Em sua segunda fase

as bandeiras do ouro de lavagem essencialmente vicentino atuando na atual regiatildeo

do Paranaacute Em um terceiro momento o ciclo do sertanismo de contrato

caracterizado pelas expediccedilotildees de paulistas assalariados para combater e reprimir

em nome do governo iacutendios sublevados inicialmente nas Capitanias da Bahia e

Ilheacuteus e posteriormente no Rio Grande do Norte e Cearaacute bem como os negros de

Palmares ao sul da Capitania de Pernambuco atual Alagoas Em uma quarta etapa

as bandeiras do grande ciclo do ouro com a descoberta do metal em Minas Gerais

Goiaacutes e Mato Grosso alcanccedilando tambeacutem as regiotildees centrais da Bahia e Ilheacuteus Ao

uacuteltimo ciclo de povoamento quando passado o momento maior da mineraccedilatildeo

levas de paulistas foram povoar com fazendas de criaccedilatildeo de gado os campos dos

atuais Paranaacute e Santa Catarina bem como regiotildees litoracircneas como Paranaguaacute e

Laguna e regiotildees do interior como o Rio Satildeo Francisco (VIANNA 1974)

Evidentemente essa divisatildeo em ciclos tem finalidade didaacutetica e objetiva facilitar a

compreensatildeo do bandeirismo em seus diferentes desdobramentos e momentos

histoacutericos particulares Heacutelio Vianna ressalta que o assunto varia de autor para autor

e ainda estaacute rdquoinsuficientemente consolidado na Histoacuteria do Brasilrdquo (VIANNA 1974 p

319)

A proacutepria palavra bandeira natildeo encontra interpretaccedilatildeo uacutenica seria um haacutebito tupi

levar um tipo de estandarte em suas incursotildees beacutelicas e escravizadoras imitado

pelos portugueses segundo Capistrano de Abreu ou segundo o historiador

espanhol Ramoacuten Blanco Las Bandeiras seriam uma imitaccedilatildeo de unidades

militarizadas que foram utilizadas em muitas incursotildees territoriais feitas pelos luso-

brasileiros para capturar os indiacutegenas Tambeacutem parece certo afirmar que os

bandeirantes natildeo denominavam assim suas incursotildees pelos sertotildees brasileiros natildeo

na eacutepoca das accedilotildees contra os jesuiacutetas missionaacuterios espanhoacuteis Documentos

portugueses da eacutepoca usam a palavra entrada jornada viagem frota e mesmo guerra no caso de expediccedilotildees maiores Os participantes satildeo chamados de homens

sertanistas ou soldados desta vila Tambeacutem chamados de maloqueros de San Pablo

83

pelos jesuiacutetas espanhoacuteis - referecircncia agrave maloca nome de uma tribo indiacutegena que

incursionava contra outros iacutendios que aparece em dicionaacuterios antigos espanhoacuteis

Ainda conhecidos como mamelucos do aacuterabe mamluk escravo ou do tupi mama-

ruco mistura da corruptela mamaluco passando para mameluco (GOacuteES FILHO

2001)

Segundo Synezio Sampaio Goacutees Filho os historiadores contemporacircneos em um

esforccedilo didaacutetico para identificar os diversos aspectos do movimento tendem a usar

entradas para designar as campanhas geralmente oficiais para o conhecimento da

terra e busca de metais preciosos especialmente no seacuteculo XVI na chamada costa

leste dando origem agraves vaacuterias povoaccedilotildees litoracircneas como Porto Seguro Salvador e

Olinda em especial e na costa norte agraves expediccedilotildees fluviais do seacuteculo XVII que

penetraram na Amazocircnia depois da fundaccedilatildeo de Beleacutem O termo bandeiras

escolhido como o mais adequado para o movimento ocorrido a partir de 1581 na

Capitania de Satildeo Vicente ou Satildeo Paulo capitania que em certa eacutepoca chegou a

abranger o Sul e o Centro-Oeste do Brasil Assim as bandeiras abrangem um

movimento mais duradouro irradiado a partir de Satildeo Paulo de Piratininga e que teria

repercussotildees particulares na expansatildeo geograacutefica colonial portuguesa em territoacuterio

sul-americano (GOacuteES FILHO 2001)

Por essa razatildeo seraacute adotado neste estudo o termo bandeirismo ou bandeirantismo

para focalizar o movimento de penetraccedilatildeo dos sertotildees brasileiros conduzido pelos

paulistas e analisada a sua implicaccedilatildeo na expansatildeo territorial da Amazocircnia

46 O Mito da Ilha Brasil

Desde o iniacutecio do seacuteculo XVI explica Jaime Cortesatildeo os portugueses comeccedilaram a

delinear em seus mapas uma entidade geograacutefica proacutepria para referir-se agrave sua

colocircnia americana compreendida entre o delta do Amazonas e o estuaacuterio do Prata

o que evidentemente ultrapassava os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas

(CORTESAtildeO 1965)

O mapa do Brasil de Lopo Homem de 1519 pela primeira vez define uma vasta

aacuterea compreendida entre as bacias fluviais do Rio Amazonas e do Rio do Prata

84

como uma unidade geograacutefica e humana pertencente a Portugal Nas cartas de

1525 e 1527 traccediladas por Diogo Ribeiro o Amazonas e o Prata se dirigem ao

encontro um do outro ateacute suas nascentes que se aproximam formando quase uma

grande ilha Somado a essas representaccedilotildees cartograacuteficas entre 1528 e 1543 Joatildeo

Afonso cosmoacutegrafo portuguecircs em sua obra Voyages aventureux publicada em

1599 mas escrita por volta de 1528 afirmava que tanto o Amazonas por ele

chamado de Maranhatildeo como o Rio do Prata nasciam de um mesmo lago no interior

do continente e que seriam perfeitamente navegaacuteveis permitindo a circunavegaccedilatildeo

daquele imenso territoacuterio americano A concepccedilatildeo de uma Ilha chamada Brasil

limitada pelo oceano e pelos dois grandes rios comeccedila a aparecer na cartografia

portuguesa e estrangeira por volta de 1559 com a carta de Andreacute Homem no

primeiro documento em que o Brasil eacute representado como uma ilha (CORTESAtildeO

1965) (Mapa 12)

Desde os primeiros tempos de exploraccedilatildeo o Governo portuguecircs e os governantes

locais teriam a noccedilatildeo da impropriedade do meridiano de 370 leacuteguas como divisor de

sua colocircnia americana Cortesatildeo afirma que ldquoO Tratado de Tordesilhas atribuindo agrave

soberania lusa uma base frusta e inviaacutevel de Estado serviu de estiacutemulo agrave busca

porfiada de novos lineamentos geograacuteficos que lhe dessem formaccedilatildeo orgacircnica e

condiccedilotildees de seguranccedilardquo (CORTESAtildeO 1965 p 9)

A noccedilatildeo de uma base territorial insuficiente teria sido adquirida dos tupis-guaranis a

grande naccedilatildeo indiacutegena que povoou quase toda a costa leste do Brasil e o atual

Paraguai A influecircncia dos tupis-guaranis teria sido decisiva para a incorporaccedilatildeo

desse conceito com a assimilaccedilatildeo da ideacuteia de unidade da terra em que eles

habitavam Os portugueses aprenderam a liacutengua dos iacutendios percorreram suas

trilhas adquiriram seus haacutebitos e tambeacutem teriam adquirido a noccedilatildeo de unidade

geograacutefica Cortesatildeo desenvolve sua tese apoiado na grande capacidade de

expansatildeo que possuiacuteam os tupis-guaranis conhecedores dos caminhos que

levavam de Cananeacuteia ou de Satildeo Vicente ateacute os povoados espanhoacuteis do atual

Paraguai O chamado Piabiru era um sistema de caminhos que transpunham a Serra

do Mar pela maneira mais raacutepida e teria sido percorrido pelos primeiros

colonizadores portugueses como Joatildeo Ramalho desde meados do seacuteculo XVI

podendo-se alcanccedilar o Peru incaico pela subida do Rio Paraguai apoacutes a travessia

86

do Alto Chaco Embora tivessem uma cultura geograacutefica rudimentar de sua aacuterea de

ocupaccedilatildeo e de deslocamento teriam comunicado aos europeus uma noccedilatildeo de

unidade do territoacuterio incompatiacutevel com o Tratado de Tordesilhas

A terra dos tupis-guaranis seria uma ilha limitada no interior pelo encontro dos dois

grandes rios o do norte e o do sul (o Prata) que se encontravam numa imensa

lagoa chamada em diferentes tempos e lugares como Xaraes o mais comum

Eupana Paytiti Dourada Manoa etc Nos primeiros tempos o grande rio do norte

foi identificado como sendo o Rio Tocantins ficando assim a lagoa no planalto

central Essa representaccedilatildeo traduzia a ideacuteia de que havia uma ilha alongada de

norte a sul e quase totalmente dentro dos limites de Tordesilhas em consonacircncia

com a concepccedilatildeo da eacutepoca de que a Ameacuterica era mais estreita do que realmente eacute

o que explicaria o temor dos espanhoacuteis em relaccedilatildeo aos habitantes de Satildeo Paulo que

estariam proacuteximos demais das minas de Potosi

Isso explica porque sob o pretexto das dificuldades de calcular a longitude exata do

meridiano os mapas cartograacuteficos (tanto de portugueses como de espanhoacuteis) dos

seacuteculos XVI e XVII buscaram falsear a representaccedilatildeo do Brasil ou a das terras do

Extremo Oriente (GOacuteES FILHO 2001)

Assim teriam os colonizadores entrado em contato com o mito da Ilha-Brasil

expressatildeo divulgada tambeacutem pelo geoacutegrafo do seacuteculo XIX Jaime Batalha Reis em

obra publicada em 1896 quando usou a expressatildeo Ilha Brasileira (GOacuteES FILHO

2001)

Nas obras de Jaime Cortesatildeo sobretudo em Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial

do Brasil publicada em 1966 a geografia e a etnografia sul-americana levam o autor

a desenvolver a tese de que a posiccedilatildeo e o espaccedilo em que hoje se assenta o Brasil

se explicariam um pelo outro melhor dizendo a posiccedilatildeo e o espaccedilo facilitaram a

ocupaccedilatildeo territorial do paiacutes e dessa forma beneficiaram a ocupaccedilatildeo da hinterlacircndia

brasileira pelos portugueses ainda no seacuteculo XVI que viria ser consolidada nos

seacuteculos XVII e XVIII (GADELHA 2002)

Desta forma escreve Jaime Cortesatildeo sobre esta unidade geograacutefica

87

ldquoUm dos mais extraordinaacuterios conjuntos hidrograacuteficos do planeta moldado sobre o relevo do continente e abrangendo a mais vasta unidade vegetal das Ameacutericas envolve a aacuterea da floresta tropical num imenso arco e sistema de circulaccedilatildeo fluvial Essa coordenaccedilatildeo loacutegica de tatildeo grande importacircncia na formaccedilatildeo geograacutefica e orgacircnica do Brasil avulta logicamente quando sobrepomos ao mapa orograacutefico geral da Ameacuterica do Sul e o das suas grandes formaccedilotildees vegetaisldquo (CORTESAtildeO 1965 p 10)

Assim compreendido a expansatildeo territorial pela regiatildeo amazocircnica que levou os

lusitanos a ultrapassarem os limites estabelecidos por Tordesilhas incorporando

definitivamente a Amazocircnia ao impeacuterio colonial portuguecircs deve-se em grande parte

agrave realidade geograacutefica expressa no mito da Ilha-Brasil

A extensatildeo das terras pertencentes a Portugal por Tordesilhas iniciada no delta do

Rio Amazonas ateacute terminar na ilha de Santa Catarina seria insuficiente para a accedilatildeo

de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo e natildeo ofereceria base estaacutevel agrave formaccedilatildeo de um

verdadeiro Estado Esse territoacuterio estaria comprimido entre duas bacias

hidrograacuteficas a do Tocantins e a do Paranaacute Se essas importantes vias de acesso

ao interior do continente caiacutessem em matildeos espanholas a seguranccedila das

possessotildees portuguesas na Ameacuterica ficaria seriamente ameaccedilada sendo facilitada

sua invasatildeo e conquista Ao sul a estreita faixa de terra desde o Rio de Janeiro ateacute

o litoral do atual Estado de Santa Catarina seria inviaacutevel como parte de um Estado

independente O meridiano de Tordesilhas ameaccedilava portanto a unidade

geograacutefica e econocircmica do territoacuterio que se estendia como uma ilha limitado por

duas bacias fluviais (GADELHA 2002)

Por outro lado havia a unidade indiacutegena os tupis-guaranis e os aruaques que

habitavam a terra compreendida por essa unidade geograacutefica oferecendo um

acentuado contraste cultural com os quiacutexuas e os aimaraacutes que povoavam os

planaltos andinos

ldquoOu os espanhoacuteis baixando o Amazonas e seus afluentes de um lado e do outro subindo o Paranaacute restabeleciam aquela unidade expulsando os portugueses da sua legiacutetima mas inviaacutevel faixa ocidental ou os segundos aliados aos antigos possuidores da terra e seguindo o caminho oposto realizavam a unidade da grande ilha Brasil amazocircnica-platinardquo (CORTESAtildeO 1965 p 30)

88

O relevo e a hidrografia existentes do lado do territoacuterio colonial portuguecircs

contrastavam com a fronteira natural representada pelos contrafortes da cordilheira

andina que dividia inclusive os domiacutenios meridionais da Ameacuterica espanhola Jaime

Cortesatildeo ressalta a importacircncia repressora dessa muralha que foi um dos grandes

obstaacuteculos agrave penetraccedilatildeo dos espanhoacuteis na Amazocircnia

Fator adicional para manter a separaccedilatildeo dos territoacuterios espanhoacuteis dos portugueses

teria sido a descoberta da prata de Potosiacute que influenciou as decisotildees poliacuteticas dos

reis espanhoacuteis levando-os a tentar impedir qualquer abertura de caminho que

pudesse interferir no riacutegido controle do contrabando e outros desvios controle este

exercido pela Coroa sobre os caminhos que conduziam a prata americana para a

Espanha (GADELHA 1980)

Em toda a extensatildeo norte-sul o relevo e a hidrografia do continente sul americano

beneficiavam a expansatildeo portuguesa Ao norte e ao sul se estendem os afluentes

das bacias fluviais amazocircnica e platina que correm relativamente paralelas em

direccedilatildeo ao Atlacircntico e em direccedilatildeo contraacuteria ao Paciacutefico Essas bacias teriam sido

responsaacuteveis pela relativa facilidade com que se deu a penetraccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo do

territoacuterio extra Tordesilhas e sua anexaccedilatildeo ao impeacuterio colonial portuguecircs Como

afirma Jaime Cortesatildeo antes mesmo da chegada dos europeus os iacutendios e depois

os bandeirantes e sertanistas mamelucos e portugueses que partiam de vaacuterios

pontos do territoacuterio brasileiro vararam por terra e canoas de um rio a outro a regiatildeo

comum das respectivas vertentes dos afluentes formadores dos Rios Amazonas e

Prata (GADELHA 2002)

Ressalta Regina Gadelha que

ldquoA unidade geograacutefica compreendia outra ainda mais soacutelida a unidade cultural da ocupaccedilatildeo humana composta por povos largamente diferenciados daqueles contidos pela cordilheira andina e representados pelas civilizaccedilotildees maia-incaacuteica que todavia nunca excederam as bordas da floresta tropical equatoriana venezuelana e boliviana Poreacutem do outro lado da cordilheira adentrando os limites da floresta tropical os grupos humanos eram outros conforme demonstrado pelos trabalhos do antropoacutelogo francecircs Alfred Meacutetraux31 ao analisar o extenso movimento migratoacuterio dos povos preacute-colombianos (aruak karib tupi guarani jecirc e

31MEacuteTRAUX Alfred Migrations Historiques des Tupi-Guarani Journal de la Socieacuteteacute des Ameacutericanistes de Paris 19 1927 pp 1-45

89

outros) que dominavam e controlavam o territoacuterio da Ameacuterica do Sul desde o Orenoco ateacute o Prata ocupando natildeo somente o interior das terras como ainda a vasta extensatildeo do litoral atlacircntico portuguecircsrdquo (GADELHA 2002 p2 e 3)

O mito da Ilha-Brasil persistiu no tempo e foi dilatando para oeste o chamado rio do

norte que deixou de ser identificado como Rio Tocantins e incorporou a ideacuteia do Rio

Amazonas e Madeira como uma linha fluvial contiacutenua O conceito de territoacuterio

colonial brasileiro foi-se ampliando e o territoacuterio imaginado pelos portugueses foi

adquirindo forma vagamente parecida com a atual

A fundaccedilatildeo de Beleacutem teria sido fundamental para a ampliaccedilatildeo do conceito da Ilha-

Brasil pois a posse do delta amazocircnico fez compreender aos portugueses o quanto

seria precaacuteria a soberania sobre essa aacuterea do territoacuterio brasileiro se o vale viesse a

cair em matildeo dos espanhoacuteis A viagem de Pedro Teixeira que em 1637 subiu pela

primeira vez o Rio Amazonas ateacute Quito teve duas consequumlecircncias geograacuteficas

importantiacutessimas a fundaccedilatildeo de Franciscana no miacutetico rio do Ouro possivelmente

no Rio Aguaripo em pleno Equador atual o que tendeu a dilatar a Ilha-Brasil em

direccedilatildeo oeste da Ameacuterica do Sul e o conhecimento do curso do Rio Madeira cujas

nascentes pareciam situar-se na regiatildeo auriacutefera do Potosiacute (GOacuteES FILHO 2001) o

que estabeleceu segundo Jaime Cortesatildeo ldquoos termos dum programa de geografia e

soberania poliacutetica a ser resolvida por Antonio Raposo Tavaresrdquo (CORTESAtildeO 1965

p 247)

A expediccedilatildeo conduzida pelo sertanista Raposo Tavares entre 1648 e 1651 que

ficou conhecida por bandeira de limites realizada poucos anos depois da viagem de

Pedro Teixeira viria a se tornar a maior proeza da Histoacuteria do Bandeirismo e a maior

de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico realizadas no Brasil uma das

expediccedilotildees geograacuteficas mais extraordinaacuterias do mundo natildeo soacute pela distacircncia

percorrida quase 10000 km por via terrestre e fluvial mas sobretudo pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas que iriam advir dessa aventura a expansatildeo das possessotildees

portuguesas na Ameacuterica

90

47 A Expediccedilatildeo de Raposo Tavares

ldquoComo aventura como epopeacuteia a histoacuteria dos Estados Unidos natildeo tem nada comparaacutevel Um Fernatildeo Dias Pais um Antocircnio Raposo Tavares um Borba Gato soacute encontram siacutemiles entre os gigantes da conquista do Meacutexico e do Peru ou entre os conquistadores franceses do Canadaacute ldquoQuando se sabe por experiecircncia proacutepriardquo ndash escreve o soacutebrio Saint Hilaire ndash ldquoquanta fadiga e privaccedilotildees e perigos ainda hoje esperam o viajor que se aventura nestas regiotildees longiacutenquas e depois se conhecem os pormenores das viagens interminaacuteveis de antigos paulistas fica-se estupefato e levado a crer que estes homens pertenciam a uma raccedila de gigantesldquo (MOOG 2000 p 187)

Desde muito antes de surgirem os primeiros aldeamentos missionaacuterios na bacia do

Rio do Prata os paulistas jaacute percorriam o interior distante do mar em expediccedilotildees de

apresamento de iacutendios que passaram a ser conhecidas por expediccedilotildees de preaccedilatildeo

ou seja de captura e aprisionamento

A vocaccedilatildeo sertanista dos paulistas era o resultado de uma seacuterie de condiccedilotildees

geograacuteficas econocircmicas e sociais particulares que distinguiam Satildeo Paulo de

Piratininga das vilas coloniais litoracircneas Separada do litoral pela muralha da Serra

do Mar a populaccedilatildeo da pequena vila voltava-se para o sertatildeo32 e apesar de

afastada dos principais centros mercantis sua populaccedilatildeo crescera muito Boa parte

dos habitantes de Satildeo Vicente havia migrado para o planalto quando os canaviais

plantados no litoral por Martim Afonso de Sousa entraram em decadecircncia jaacute na

segunda metade do seacuteculo XVI arruinando muitos fazendeiros Apoiados em uma

cultura de subsistecircncia baseada no trabalho escravo a preaccedilatildeo dos indiacutegenas era

vista como o principal meio para sua sobrevivecircncia econocircmica os escravos negros

custavam muito mais que os habitantes paulistas podiam pagar

Estudos recentes sobre a sociedade que se formou na vila de Satildeo Paulo e nas

regiotildees adjacentes realizados por John Manuel Monteiro com o tiacutetulo de Negros da

terra analisando os dois primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo revelam que o chamado

bandeirismo de apresamento de iacutendios natildeo teve por principal objetivo o

32 A palavra sertatildeo deriva por afeacuterese (processo de mudanccedila linguumliacutestica que consiste na supressatildeo de fonema no princiacutepio do vocaacutebulo) de desertatildeo remetendo imediatamente agrave ideacuteia de enormes espaccedilos e pouco povoamento Eacute palavra portuguesa antiga que aparece na carta de Caminha sendo brasileirismo a utilizaccedilatildeo do plural sertotildees Essa palavra natildeo encontra exata traduccedilatildeo para outras liacutenguas podendo ser considerado como vocaacutebulo bem brasileiro por razatildeo da imediata compreensatildeo de seu significado quando usada no Brasil (GOacuteES FILHO 2001)

91

abastecimento de matildeo-de-obra dos engenhos de accediluacutecar do litoral em especial do

nordeste como tem sido aceito mais correntemente mas deveu-se sobretudo agrave

necessidade da agricultura na regiatildeo em torno de Satildeo Paulo maior produtora de

trigo da colocircnia no periacuteodo de 1630 a 1680 (GOacuteES FILHO 2001)

A partir de 1619 os sertanistas vicentinos intensificaram os ataques contra as

reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas33 organizadas no interior do continente e que

reuniam milhares de iacutendios adestrados na agricultura e nos trabalhos manuais mais

valiosos portanto que outros grupos natildeo aculturados e ferozes Aleacutem disso o

controle holandecircs sobre os mercados africanos no periacuteodo da ocupaccedilatildeo do

Nordeste a partir do iniacutecio do seacuteculo XVII dificultou o traacutefico de negros para o Brasil

Os colonos voltaram-se assim para o trabalho indiacutegena o que provocou o aumento

da procura e a consequumlente elevaccedilatildeo nos preccedilos do escravo iacutendio considerado

como negro da terra e que custava em meacutedia cinco vezes menos que os escravos

africanos O bandeirismo de preaccedilatildeo tornou-se assim uma atividade altamente

rentaacutevel e atacar as reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas deve ter sido a maneira mais

faacutecil para a captura dos indiacutegenas Diante dos frequumlentes ataques dos paulistas os

jesuiacutetas comeccedilaram a recuar suas missotildees para o interior e exigiram armas do

governo espanhol A resposta foi nova ofensiva dessa vez desencadeada pelas

autoridades de Assunccedilatildeo do Paraguai que possuiacuteam laccedilos econocircmicos com os

colonos do Brasil Mesmo apoacutes o teacutermino da Uniatildeo Ibeacuterica em 1640 quando os

guaranis finalmente receberam armas dos espanhoacuteis os paulistas foram apoiados

pelo bispo Dom Bernardino de Caacuterdenas inimigo dos jesuiacutetas e governador do

Paraguai Os reinos ibeacutericos podiam lutar entre si na Europa no entanto as

33 A partir de 1610 os jesuiacutetas espanhoacuteis deram iniacutecio agrave fundaccedilatildeo de reduccedilotildees missionaacuterias na regiatildeo austral da Ameacuterica do Sul Fundaram Santo Inaacutecio del Pirapoacute e Nuestra Sentildeora del Loreto agrave margem esquerda do Rio Paranapanema e entre os anos de 1623 e 1630 implantaram naquela regiatildeo mais onze aldeias administradas por eles que deram origem agrave Proviacutencia de Guairaacute San-Xavier (ou Javier) San-Joseacute Encarnacioacuten (Itapuatilde) San-Miguel San-Pedro San-Pablo Angeles (Los siete Arcaacutengeles) Santo-Tomaacutes Concepcioacuten Santo Antonio e Jesus-Maria Essas aldeias missionaacuterias estavam distribuiacutedas pelas margens dos Rios Paranapanema Itarareacute Iguaccedilu e margem esquerda do Rio Paranaacute Na Proviacutencia do Uruguai no atual Rio Grande do Sul entre 1617 e 1634 fundaram dez missotildees religiosas Candelaacuteria de Caaszapaacutemini San Nicolaacutes Maacutertires de Caaroacute (referecircncia aos jesuiacutetas mortos no Japatildeo) San Carlos de Caapi Apoacutesteles de Caazapaacuteguazuacute San Miguel Santo Tomeacute San Joseacute de Itaquatiaacute e San Cosme y San Damiaacuten Pouco depois surgiu San Lourenccedilo San Borja e Santo Acircngelo esta ultima em 1707 Nesta mesma regiatildeo gauacutecha ergueu-se a Proviacutencia de Tape entre 1632 e 1634 situada agrave leste composta de seis povoaccedilotildees Natividad de Araricaacute Santa Tereza de Ibituruna Santa Ana San Joaquim Jesus Maria de Yequiacute e San Cristoacutebal

92

repuacuteblicas comunitaacuterias guaranis eram vistas como inimigo comum daqueles que

estavam interessados na exploraccedilatildeo das terras americanas

Jaime Cortesatildeo acrescenta que a lavoura em propriedade latifundiaacuteria como a dos

moradores de Satildeo Paulo senhores de extensas sesmarias natildeo podia ser conduzida

sem a matildeo de obra escrava razatildeo pela qual foram empreendidas as accedilotildees de

apresamento de iacutendios sobretudo com a interrupccedilatildeo feita pelos holandeses do

traacutefego de escravos do Golfo da Guineacute Luanda e Bengela que abastecia os

mercados da Bahia Pernambuco e Rio de Janeiro (CORTESAtildeO 1965)

Uma breve cronologia da implantaccedilatildeo das reduccedilotildees jesuiacuteticas e das accedilotildees dos

paulistas transcrita a seguir demonstra claramente que o bandeirismo de preaccedilatildeo

se intensificou no iniacutecio do seacuteculo XVII provocando inevitaacuteveis confrontos entre os

missionaacuterios espanhoacuteis e os bandeirantes

1557 - Os espanhoacuteis edificam Ciudad Real proacuteximo agrave foz do Rio Piquiri no Paranaacute 1562 - Joatildeo Ramalho ataca as tribos do Rio Paraiacuteba enquanto os jesuiacutetas ajudam a dissolver a Confederaccedilatildeo dos Tamoios 1576 - Os espanhoacuteis fundam Vila Rica na margem esquerda do Rio Ivaiacute 1579 - Jerocircnimo Leitatildeo ataca as aldeias das margens do Rio Anhembi (Tietecirc) 1594-1599 - Afonso Sardinha e Joatildeo do Prado investem contra as tribos do Jeticaiacute 1595 - Uma carta reacutegia proiacutebe a escravizaccedilatildeo dos indiacutegenas 1597 - Martim Correia de Saacute parte do Rio de Janeiro e chega ao Rio Sapucaiacute ou Verde 1602 - Nicolau Barreto percorre os sertotildees do Paranaacute Paraguai e Boliacutevia atingindo as nascentes do Rio Pilcomayu 1606 - Manuel Preto segue rumo ao sul agrave frente de uma bandeira 1607 - Outra expediccedilatildeo dessa vez chefiada por Belchior Dias Carneiro dirige-se para o sul do Brasil 1610 - Jesuiacutetas castelhanos fundam os povoados de Santo Inaacutecio e Loreto na margem esquerda do Rio Paranapanema 1619 - Manuel Preto ataca aldeias de Jesus Maria e Santo Inaacutecio na Proviacutencia do Guairaacute 1620 - Os jesuiacutetas iniciam o povoamento do atual Rio Grande do Sul com duas administraccedilotildees a Proviacutencia do Tape com seis povos e a do Uruguai com dez reduccedilotildees 1623-1630 - Onze aldeias compotildeem a Proviacutencia do Guairaacute limitada pelos Rios Paranapanema Itarareacute Iguaccedilu e Paranaacute (margem esquerda) 1626 - Surge a Proviacutencia do Paranaacute com sete reduccedilotildees entre os Rios Paranaacute e Uruguai 1628 - Manuel Preto e Antocircnio Raposo Tavares destroem as reduccedilotildees do Guairaacute em vaacuterias campanhas que terminam em 1633 1631 - Os jesuiacutetas criam a Proviacutencia do Itatim a sudeste do atual Mato Grosso

93

1633 - Antonio Raposo Tavares inicia a invasatildeo do atual Rio Grande do Sul 1639 - A Espanha concede permissatildeo para que os iacutendios se armem 1640 - Os jesuiacutetas satildeo expulsos de Satildeo Paulo 1648 - Uma expediccedilatildeo chefiada por Raposo Tavares percorre as regiotildees de Mato Grosso Boliacutevia Peru e Amazocircnia retornando a Satildeo Paulo em 1651 1661 - Fernatildeo Dias Pais atravessa os sertotildees do sul ateacute a serra de Apucarana 1670 - Bartolomeu Bueno de Siqueira atinge Goiaacutes 1671-74 - Estecircvatildeo Ribeiro Baiatildeo Parente e Braacutes Rodrigues de Arzatildeo cruzam o sertatildeo nordestino 1671 - Domingos Jorge Velho chefia uma expediccedilatildeo ao Piauiacute 1673 - Manuel Dias da Silva o Bixira atinge Santa Feacute nas missotildees paraguaias 1673 - Manuel de Campos Bicudo percorre terras entre as bacias platina e amazocircnica Em Goiaacutes encontra-se com Bartolomeu Bueno da Silva 1675 - Francisco Pedroso Xavier destroacutei Vila Rica del Espiacuteritu Santo a sessenta leacuteguas de Assunccedilatildeo 1689 - Manuel Aacutelvares de Moraes Navarro combate tribos do Rio Satildeo Francisco e chega ao Cearaacute e ao Rio Grande do Norte Convocado pelo governo-geral Matias Cardoso de Almeida enfrenta os iacutendios bravos do Cearaacute e do Rio Grande do Norte em sucessivas campanhas que terminam em 1694

As investidas contra as reduccedilotildees do Guairaacute atual oeste paranaense foram

realizadas a partir de 1619 e apoacutes violentas accedilotildees entre os anos de 1628 e 1629

culminaram com a destruiccedilatildeo dessas missotildees em 1633 Tambeacutem foram atacadas as

reduccedilotildees do Uruguai e do Tape ambas no atual Rio Grande do Sul

Um dos sertanistas que mais se destacou nessas incursotildees foi o portuguecircs Antocircnio

Raposo Tavares34 Ele chegou ao Brasil em 1618 com aproximadamente 20 anos

de idade para acompanhar seu pai que fora nomeado governador da Capitania de

Satildeo Vicente pelo Conde de Monsanto donataacuterio da capitania Seu pai exerceria

tambeacutem as funccedilotildees de provedor-mor da fazenda real e apoacutes sua morte ocorrida em

1622 Raposo Tavares fixou-se em Satildeo Paulo do Piratininga

34 Antonio Raposo Tavares nasceu em Beja de Satildeo Miguel no Alentejo Portugal em 1598 e morreu em Satildeo Paulo em 1658 Chegou ao Brasil em 1618 quando seu pai assumiu o cargo de governador da Capitania de Satildeo Vicente Apoacutes a morte do pai fixou-se em Satildeo Paulo do Piratininga em 1622 Participou de inuacutemeras bandeiras de preaccedilatildeo aos sertotildees dos atuais Estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do Sul e Mato Grosso ocupadas entatildeo pelas reduccedilotildees jesuiacuteticas do Guairaacute do Uruguai e do Tape e do Itatim Em 1648 iniciou uma expediccedilatildeo sem precedentes saindo de Satildeo Paulo pelas margens do Rio Tietecirc atingiu o Rio Paraguai alcanccedilando a regiatildeo serrana dos Andes quando entatildeo desceu os Rios Mamoreacute e Madeira alcanccedilando finalmente o Rio Amazonas o qual navegou ateacute a fortaleza do Gurupaacute no atual Estado do Paraacute de onde retornou a Satildeo Paulo em 1651 Nos mais de trecircs anos consumidos nessa jornada na que viria a ser chamada bandeira dos limites percorreu uma distacircncia de aproximadamente 10000km realizando a maior de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico ocorrida no Brasil

94

Segundo Jaime Cortesatildeo atas da Cacircmara de Satildeo Paulo datadas de 1627

denunciam Raposo Tavares como organizador de uma incursatildeo ao sertatildeo havendo

notiacutecia de que teria partido em 1628 para accedilotildees contra as reduccedilotildees dos jesuiacutetas

espanhoacuteis no Guairaacute atual oeste paranaense tendo permanecido naquela regiatildeo e

se envolvido nessa empreitada ateacute o ano seguinte Em 1ordm de janeiro de 1633 tomou

posse do cargo de juiz ordinaacuterio da vila de Satildeo Paulo a que fora eleito sendo

promovido logo depois ao cargo de ouvidor da Capitania de Satildeo Vicente pelo proacuteprio

Conde de Monsanto Em meados desse mesmo ano teria participado das accedilotildees de

assalto ao aldeamento dos jesuiacutetas do Mariuacute proacuteximo de Satildeo Paulo e por essa

razatildeo apoacutes as queixas dos inacianos ao governador geral Diogo Luiacutes de Oliveira

perde o cargo de ouvidor recuperado logo depois no Rio de Janeiro apoacutes sua

defesa e absolviccedilatildeo das acusaccedilotildees feitas pelos jesuiacutetas Em 1636 partiu para novas

incursotildees contra a missatildeo do Tape reduccedilotildees jesuiacutetas hoje situadas no atual Estado

do Rio Grande do Sul regressando a Satildeo Paulo em meados do ano seguinte Em

abril de 1638 recebeu carta de doaccedilatildeo de sesmaria pelo capitatildeo-mor de Satildeo

Vicente em nome do Conde de Monsanto Em 1639 foi incorporado como capitatildeo

de companhia na leva que o Conde da Torre mandara levantar nas capitanias do sul

para a defesa da Bahia sendo encarregado no ano seguinte do alistamento dos

paulistas para o socorro contra os holandeses Documentos indicam que participou

de batalhas navais para a restauraccedilatildeo de Pernambuco sendo promovido a mestre

de campo e que teria desembarcado para combates em terra no atual Estado do Rio

Grande do Norte e apoacutes 4 meses de marcha retornado para Bahia de onde

finalmente regressava para Satildeo Vicente O uacuteltimo registro em que aparece o nome

do sertanista antes da expediccedilatildeo de 1648 data de abril de 1642 em que no livro

de notas do tabeliatildeo de Santana de Parnaiacuteba os vereadores e moradores da vila lhe

delegavam poderes gerais de representaccedilatildeo Dessa data em diante ateacute o ano de

1648 natildeo haacute outro registro de sua presenccedila na capitania (CORTESAtildeO 1965)

Jaime Cortesatildeo defende a tese de que Raposo Tavares esteve em Portugal nesse

periacuteodo e que teria sido ldquoencarregado de uma missatildeo em grande parte secretardquo

(CORTESAtildeO 1965 p 341)

O que poderia ser de conhecimento ostensivo seria a tentativa de se descobrir

metais preciosos a outra missatildeo de natureza estritamente sigilosa seria

95

reconhecer o oeste do Brasil e identificar aquilo que poderia ser de interesse para

Portugal Com a chancela do Rei Dom Joatildeo IV teria estado em Portugal traccedilando

os planos da expediccedilatildeo junto agraves altas autoridades do Reino o objetivo seria o de

aumentar a aacuterea do interior sul-americano sob domiacutenio portuguecircs descobrindo

novos territoacuterios e se possiacutevel reservas de metais preciosos Jaacute nessa eacutepoca

conhecia-se a rota de Satildeo Paulo ao Peru e Jaime Cortesatildeo acredita ateacute que as

reduccedilotildees jesuiacuteticas do Itatim no sudoeste do Mato Grosso tenham sido instaladas

naquela regiatildeo para bloquear essa via de acesso aos paulistas

Sobre essa tese voltar-se-aacute a comentar a seguir a descriccedilatildeo da expediccedilatildeo

A grande expediccedilatildeo conduzida pelo mestre-de-campo Antocircnio Raposo Tavares foi

estruturada militarmente reunia milhares de iacutendios liderados por algumas centenas

de mamelucos e portugueses dividia-se em companhias com estado-maior

vanguardas e flanqueadores o armamento baacutesico era o arco e a flecha mas

contavam tambeacutem com algumas armas de fogo natildeo possuiacuteam animais de carga e

ao contraacuterio do que se possa pensar evitavam as vias fluviais para natildeo

comprometer a surpresa quando das investidas contra as tribos indiacutegenas

geralmente instaladas agraves margens dos rios Somente no seacuteculo XVIII quando foram

descobertas as minas de Cuiabaacute eacute que as monccedilotildees comeccedilaram a seguir pelo Rio

Tietecirc - ou Anhembi como era entatildeo denominado - rumo aos centros mineradores do

Mato Grosso As regiotildees percorridas eram pedregosas ou cobertas por mata e eram

mais facilmente vencidas por homens em marcha a peacute e geralmente descalccedilos em

sua maioria Essa praacutetica era comum entre os indiacutegenas e logo foi adquirida pelos

paulistas

Descriccedilotildees encontradas em documentos espanhoacuteis descrevem os paulistas como

homens rudes e acostumados a longas e fatigantes caminhadas a peacute atraveacutes de

matas desconhecidas O proacuteprio Padre Ruiz de Montoya em Memorial dirigido ao

Rei de Espanha em 1643 descreve os paulistas como ldquoandarilhos por monte e vale

a peacute e descalccedilo mas em ordem de guerra capazes de se alimentar com

frugalidade aproveitando-se auxiliado pelos iacutendios dos recursos regionaisrdquo

(CORTESAtildeO 1965 p158)

96

Raposo Tavares dividiu a expediccedilatildeo em duas colunas A primeira chefiada por ele

proacuteprio reunia 120 paulistas e 1200 iacutendios tupis a segunda um pouco menor

contando com no maacuteximo 80 paulistas igualmente acompanhada por iacutendios era

comandada por Antocircnio Pereira de Azevedo Viajando separadamente em dois

grupos eacute possiacutevel que a tropa de Raposo Tavares tenha partido em um dos uacuteltimos

meses de 1647 e utilizado os caminhos do Piabiru ateacute a confluecircncia do Rio

Paranapanema com o Paranaacute A tropa de Antocircnio Pereira de Azevedo partiu no

iniacutecio de 1648 e baixou pelo Rio Tietecirc Os dois grupos teriam descido pelo Rio

Paranaacute alcanccedilado o Rio Ivenheima para passar ao Rio Aquidauana ao Rio Miranda

e por fim ao Rio Paraguai na regiatildeo em que hoje se assenta Corumbaacute onde se

reuniram em dezembro de 1648 e ocuparam a reduccedilatildeo de Santa Baacuterbara A tropa

de Antocircnio Pereira de Azevedo teria enfrentado o transbordamento do Rio Paraguai

(comum nessa eacutepoca do ano) antes de se reunir agrave tropa de Raposo Tavares tendo

sido severamente castigada por pestes fome e hostilidades indiacutegenas perdendo

metade dos portugueses e duas partes dos iacutendios que haviam iniciado a jornada

Finalmente ao teacutermino de mais de um ano de muitas miseacuterias depois de unificada

contando com no maacuteximo 150 brancos e mamelucos e um nuacutemero indefinido de

iacutendios a expediccedilatildeo prosseguiu viagem em abril de 1649 Alcanccedilou o Rio Guapaiacute ou

Rio Grande de onde avanccedilou em direccedilatildeo agrave cordilheira dos Andes Atingiu

provavelmente em junho a regiatildeo serrana da cordilheira em plena Ameacuterica

espanhola entre as cidades de Potosiacute e Santa Cruz de la Sierra atual territoacuterio da

Boliacutevia Aiacute permaneceu ateacute meados de 1650 explorando o mais possiacutevel a regiatildeo

De julho de 1650 a fevereiro de 1651 jaacute reduzida a algumas dezenas de homens35

empreendeu a etapa final da viagem seguiu pelo Rio Guapaiacute ateacute os Rios Mamoreacute e

Madeira atingindo o Rio Amazonas por onde chegou ao forte do Gurupaacute nas

proximidades de Beleacutem (CORTESAtildeO 1965) (Mapa 13)

Jaime Cortesatildeo ressalta que a expediccedilatildeo enfrentou toda sorte de dificuldades ateacute o

completamento da viagem atravessando a regiatildeo tropical entre o Troacutepico de

Capricoacuternio e o Equador entre duas das maiores bacias hidrograacuteficas do mundo

percorreram uma distacircncia equivalente a 23 graus de latitude e 20 graus de

35 Desembarcaram em Beleacutem 59 paulistas e alguns iacutendios (LOUREIRO 1978)

98

longitude Cortaram planaltos venceram rios encachoeirados sendo obrigados a

interminaacuteveis transbordos de carga e canoas realizados em marchas a peacute sem o

auxiacutelio de animais de carga atravessaram pantanais rasgaram picadas na selva

expostos agraves emboscadas dos iacutendios e agraves picadas de cobras cortaram savanas

ressecadas e esteacutereis subiram os contrafortes de uma das mais altas cordilheiras do

mundo desceram e percorreram planiacutecies imensas enfrentaram novamente as

cachoeiras interminaacuteveis e os rios mais caudalosos do planeta ateacute alcanccedilar

finalmente a vasta planiacutecie do delta amazocircnico Dois terccedilos dos sertotildees percorridos

eram completamente desconhecidos natildeo se tendo nenhum relato ou registro

anterior de qualquer natureza sobre as regiotildees que seriam percorridas (CORTESAtildeO

1965)

Padre Vieira relata que somente durante o periacuteodo em que a expediccedilatildeo passou na

regiatildeo serrana dos Andes perdeu provavelmente mais da metade dos homens com

os quais iniciou a exploraccedilatildeo

Os remanescentes da grande expediccedilatildeo chegaram exaustos e doentes ao forte de

Gurupaacute e ao voltarem para Satildeo Paulo Raposo Tavares estaria tatildeo desfigurado pela

expediccedilatildeo que nem os seus parentes o teriam reconhecido

A subida pelo Rio Madeira superando as cachoeiras e todos os demais obstaacuteculos

da natureza soacute foi realizada um seacuteculo depois da expediccedilatildeo de Raposo Tavares

quando Joseacute Gonccedilalves da Fonseca pela primeira vez alcanccedilou o Mato Grosso

partindo de Beleacutem

Mesmo Vieira lembra Jaime Cortesatildeo que tatildeo asperamente censurou os paulistas

por suas accedilotildees contra as missotildees jesuiacuteticas espanholas natildeo hesita em afirmar que

a empresa de Raposo Tavares ldquofoi uma das mais notaacuteveis que ateacute hoje se tem feito

no mundordquo

Como resultado da expediccedilatildeo vastas regiotildees desconhecidas entre o troacutepico de

Capricoacuternio e o Equador passaram a figurar na cartografia portuguesa

99

Jaime Cortesatildeo afirma que a bandeira de Raposo Tavares foi uma expediccedilatildeo de

iniciativa essencialmente oficial que tinha por objetivos o descobrimento geograacutefico

e de minas de metais preciosos relacionada com os problemas de limites e as

dificuldades financeiras enfrentadas pelo Reino em guerra contra a Espanha apoacutes a

Restauraccedilatildeo Raposo Tavares teria recebido as instruccedilotildees de viagem em Lisboa e

estaria perfeitamente inteirado de sua missatildeo secreta reconhecer territoacuterios e

encontrar riquezas minerais para a Coroa portuguesa Entretanto reconhece

tambeacutem que sob o ponto de vista da Coroa a empresa foi um insucesso pois natildeo

foram encontradas as minas tatildeo esperadas por Dom Joatildeo IV (CORTESAtildeO 1965)

Cortesatildeo privilegia assim a accedilatildeo orientadora da Coroa portuguesa no bandeirismo

como um fator de ampliaccedilatildeo territorial do Brasil colonial e julga que houve accedilatildeo

poliacutetica dirigida pelo Estado nas incursotildees que destruiacuteram as reduccedilotildees jesuiacuteticas

espanholas no Sul e no Oeste desalojando os missionaacuterios do Guairaacute do Tape e do

Itatim e limitando a atuaccedilatildeo dos castelhanos nesses territoacuterios

Segundo Synezio Sampaio Goacutees Filho natildeo se pode negar que os portugueses

sempre procuraram dar ao Brasil uma forma compacta e com limites niacutetidos A

cartografia portuguesa e de outras naccedilotildees europeacuteias desde os mapas-muacutendi de

Hondius(1608) e Bleau(1650) davam agrave colocircnia portuguesa uma conformaccedilatildeo

insular com contornos fluviais bem definidos a oeste pelos rios do norte e do Prata

Haacute vaacuterios documentos oficiais que provam a determinaccedilatildeo estatal de expandir os

territoacuterios coloniais portugueses ateacute os seus limites naturais e convenientes as

entradas do Amazonas e do Prata sempre foram consideradas e desejadas

buscando-se tambeacutem limites fluviais que definissem a fronteira oeste no interior do

continente americano inicialmente coincidentes com o traccedilado de Tordesilhas e

mais tarde ignorando-se esse meridiano (GOacuteES FILHO 2001)

Entretanto assinala que a orientaccedilatildeo da Coroa sobre o movimento bandeirante natildeo

aparece relevante nos estudos de Taunay e Alcacircntara Machado predominando a

ideacuteia de que o bandeirismo foi um movimento espontacircneo provocado por razotildees

primordialmente econocircmicas e locais Mesmo Jaime Cortesatildeo natildeo chega a afirmar

que o movimento teve como causa principal a orientaccedilatildeo da Coroa Esclarece no

entanto que algumas bandeiras tiveram finalidade de reconhecer e ocupar territoacuterio

100

e considera que atribuir agraves bandeiras apenas o caraacuteter econocircmico seria amputar o

movimento de sua dimensatildeo mais nobre a dimensatildeo poliacutetica (GOacuteES FILHO 2001)

Todavia natildeo consegue Jaime Cortesatildeo provar em seu estudo mais aprofundado

Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial do Brasil que a expediccedilatildeo foi organizada

pelo Governo portuguecircs e que sua finalidade era tomar territoacuterios Natildeo eacute possiacutevel

demonstrar esta tese de forma irrefutaacutevel

Em carta endereccedilada ao Padre Provincial do Brasil escrita provavelmente em 1653

Padre Vieira daacute uma explicaccedilatildeo completamente escravagista para a expediccedilatildeo

ldquopartiam os moradores de Satildeo Paulo ao sertatildeo em demanda de uma naccedilatildeo de iacutendios chamados serranos (habitavam a regiatildeo atual de Santa Cruz de la Sierra) distante daquela capitania muitas leacuteguas pela terra adentro com intento de ou por forccedila ou por vontade os arrancarem de suas terras e os trazerem agraves de Satildeo Paulo e aiacute se servirem deles como costumamrdquo (CORTESAtildeO 1965 p 400)

Historiadores atuais tendem a considerar o bandeirismo como um movimento de

inspiraccedilatildeo local conduzido sobretudo por interesses econocircmicos como a preaccedilatildeo

de iacutendios e a procura de metais Nesse contexto a incursatildeo de Raposo Tavares agraves

missotildees do Itatim estaria inserida natildeo sendo possiacutevel inferir nos documentos

disponiacuteveis sobre a expediccedilatildeo que outros objetivos como a conquista de terras para

a Coroa portuguesa fizessem parte das preocupaccedilotildees do bandeirante

A independecircncia do bandeirismo em relaccedilatildeo agrave metroacutepole eacute opiniatildeo recorrente tida

como a interpretaccedilatildeo ortodoxa do movimento de expansatildeo dos paulistas

Pensamento dominante nos livros que tratam do assunto natildeo faltando descriccedilotildees

de jornadas que mostram seus protagonistas imbuiacutedos de interesses puramente

locais sem nenhuma solidariedade com os objetivos do Governo portuguecircs rdquoO

paulista palmilhou a maior parte da terra inoacutespita e grande dos sertotildees brasileiros

quase soacute sem nenhum auxiacutelio oficial e muitas vezes infringindo ordens severas do

Ultramarrdquo (PRADO JR36 1972 p 84 Apud GOacuteES FILHO 2001 p113)

36 Prado Jr Paulo Pauliacutestica e Retrato do Brasil p 84 Rio de Janeiro Livraria Joseacute Olympio Editora 1972

101

A conclusatildeo sobre essa discussatildeo se as bandeiras de preaccedilatildeo do seacuteculo XVII na

Capitania de Satildeo Vicente sobretudo a de Raposo Tavares foram espontacircneas ou

dirigidas pela Coroa portuguesa parece inclinar-se para a explicaccedilatildeo econocircmica foi

um movimento de inspiraccedilatildeo econocircmica local sem planejamento estatal De

qualquer forma natildeo se pode negar que embora natildeo tivesse orientaccedilatildeo oficial o

bandeirismo trouxe imensas consequumlecircncias poliacuteticas

As empresas de Raposo Tavares - as accedilotildees no Guairaacute em 1628 e 1629 as

incursotildees no Uruguai e no Tape em 1636 e 1637 e a expediccedilatildeo de 1648 a 1651 - na

opiniatildeo do Baratildeo de Rio Branco no seu esboccedilo sobre a Histoacuteria do Brasil tiveram

imenso significado poliacutetico foi por meio dessas accedilotildees que se expulsaram os jesuiacutetas

espanhoacuteis para os territoacuterios do meacutedio Uruguai e do Paranaacute permitindo as futuras

reivindicaccedilotildees territoriais portuguesas no sul e no oeste do Brasil A grande

expediccedilatildeo de 1648 fechou a passagem dos jesuiacutetas entre o Paraguai e a planiacutecie de

Santa Cruz e o Peru impedindo a expansatildeo dos espanhoacuteis em direccedilatildeo ao Mato

Grosso e meacutedio Paranaacute (CORTESAtildeO 1965)

A revelaccedilatildeo da importacircncia do Rio Madeira sua ligaccedilatildeo com os altiplanos andinos -

via de acesso natural para as colocircnias espanholas instaladas nos Andes permitindo

a navegaccedilatildeo desde o delta do Rio Amazonas para essas regiotildees montanhosas no

interior do continente americano - foi consequumlecircncia imediata da expediccedilatildeo de

Raposo Tavares Vaacuterias decisotildees poliacuteticas foram tomadas por Dom Pedro I desde

os fins do seacuteculo XVII determinando a ocupaccedilatildeo do baixo Madeira pelos jesuiacutetas

A expediccedilatildeo criou tambeacutem as condiccedilotildees para a exploraccedilatildeo de ouro das minas do

Mato Grosso revelando caminhos e acessos que seriam usados por outros

bandeirantes

Natildeo se pode afirmar que os sertanistas teriam consciecircncia de que suas accedilotildees

estavam conquistando terras no interior da Ameacuterica para Portugal agrave custa da

Espanha Mas segundo Cassiano Ricardo pode-se concluir que os bandeirantes

tinham consciecircncia de que as regiotildees que adentravam havia deacutecadas passavam a

ser portuguesas

102

ldquoTodos os tratados referentes a limites entre o Brasil e os paiacuteses hispano- americanos estatildeo como se sabe ligados ao bandeirismo que levou nossa fronteira moacutevel para Oeste Natildeo se pode falar em fronteira sem o argumento da penetraccedilatildeo histoacutericardquo (RICARDO 1970 p 576 e 577)

48 Accedilatildeo Missionaacuteria

ldquoOs outros reinos da cristandade Senhor tecircm como objetivo a preservaccedilatildeo dos seus vassalos para alcanccedilarem a felicidade temporal nesta vida e a felicidade eterna na outra E o reino de Portugal aleacutem deste objetivo que eacute comum a todos tem por seu objetivo particular e especial a propagaccedilatildeo e a extensatildeo da feacute catoacutelica nas terras pagatildes para que Deus o criou e fundou E quanto mais Portugal agir no sentido de manter este objetivo tanto segura seraacute a sua conservaccedilatildeo e quanto mais dele divirja tanto mais duvidoso e perigoso seraacute o seu futurordquo 37

Na Amazocircnia as missotildees religiosas foram extremamente importantes para a

ocupaccedilatildeo territorial e a consequumlente expansatildeo dos domiacutenios coloniais portugueses

As missotildees contribuiacuteram para fixar os marcos de penetraccedilatildeo ao longo da extensa

rede fluvial amazocircnica e foram utilizadas sistematicamente pela Coroa para a

realizaccedilatildeo de uma poliacutetica expansionista seja na aculturaccedilatildeo dos gentios

americanos seja na implantaccedilatildeo de um modelo cristatildeo e catoacutelico a serviccedilo do

Estado portuguecircs ldquoO expandir fronteiras e assegurar limites em regiotildees tatildeo iacutenvias soacute poderia ser tarefa do militar aiacute enviado por dever de ofiacutecio ou do missionaacuterio por ideal de evangelizaccedilatildeo Missionaacuterios e militares cruzam continuamente seus caminhos nos rios da Amazocircnia uns estabelecendo aldeamentos indiacutegenas e outros levantando fortalezas quase sempre o missionaacuterio precedendo o militar ou mesmo seguindo solitaacuterio na sua tarefa Ambos poreacutem assim como os parcos nuacutecleos de colonizaccedilatildeo dependem inteiramente do elemento indiacutegena Isto permite dizer que a poliacutetica indigenista eacute a chave da poliacutetica de Estado para a regiatildeo amazocircnica E o instrumento privilegiado desta poliacutetica seraacute o missionaacuteriordquo (BEOZZO 1983 p 28 e 29)

Desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem em janeiro de 1616 os missionaacuterios religiosos

iniciaram sua fixaccedilatildeo na regiatildeo O objetivo primordial dos trabalhos de catequese era

a evangelizaccedilatildeo das populaccedilotildees indiacutegenas consideradas afastadas do verdadeiro

Deus e dominadas por viacutecios e paixotildees incompatiacuteveis com a feacute cristatilde A Amazocircnia

oferecia uma multidatildeo imensa de almas a serem convertidas agrave feacute verdadeira era

37 Carta do Padre Antonio Vieira ao Rei Dom Afonso VI escrita em abril de 1657 Apud BOXER Charles Ralph O Impeacuterio Colonial Portuguecircs (1415-1825) Lisboa Ediccedilotildees 70 1981 p 226

103

preciso empreender as accedilotildees necessaacuterias para conquistar essa gente e tiraacute-los da

idolatria ensinando e implantando valores catoacutelicos e europeus

A mentalidade colonialista encontrava-se impregnada de uma visatildeo catequizadora e

regeneradora dos territoacuterios conquistados o colonizador pretendia a conversatildeo dos

povos natildeo soacute a uma nova feacute mas a todo um sistema cultural diferente a pregaccedilatildeo

era o meio mais eficiente nesse processo de persuasatildeo A imposiccedilatildeo dos novos

valores encontrava justificaccedilatildeo em todos os campos moral poliacutetico religioso e

econocircmico e todos confirmavam que o processo de civilizar era plenamente

justificado pela conquista O colonizador se considerava o legiacutetimo portador da

cultura e da civilizaccedilatildeo e via como seu dever a conquista dos povos baacuterbaros que

estavam perdidos do reino de Deus Esta mentalidade prevaleceu nas relaccedilotildees da

metroacutepole com a colocircnia e pode ser entendida como uma relaccedilatildeo de poder do

Estado senhor das novas terras conquistador dos povos e administrador da justiccedila

e da economia Tratava-se na realidade de uma hierarquia de valores entre o

dominador e o dominado Era dever da Coroa propagar a feacute cristatilde e assim

conquistar os povos ignorantes do verdadeiro Deus (ARAUacuteJO 1998)

Uma estrutura centralizadora norteava toda a administraccedilatildeo colonial portuguesa o

Estado estendeu aos territoacuterios conquistados seu sistema burocraacutetico e legislativo

impondo agraves colocircnias o mesmo aparelho estatal da metroacutepole O rei senhor do

comeacutercio da navegaccedilatildeo e da conquista definia-se como possuidor maacuteximo do

poder poliacutetico e patrocinador das descobertas Dos missionaacuterios religiosos esperava-

se que agissem em conformidade com os pressupostos do serviccedilo colonial que era

de sua competecircncia Cabia-lhes pois missionar para a conversatildeo dos gentios

atuando sempre pelo rei e pelo reino Os interesses do Estado encontram-se

perfeitamente integrados aos objetivos da catequese a reduccedilatildeo dos indiacutegenas

deveria ser empreendida para a gloacuteria de Deus em nome do Rei e para o bem do

Reino

A conquista da Amazocircnia natildeo poderia ser empreendida portanto sem a accedilatildeo

evangelizadora As principais Ordens religiosas que se estabeleceram ao longo dos

seacuteculos XVII e XVIII foram as dos carmelitas franciscanos da Ordem de Satildeo

Francisco da Proviacutencia de Lisboa mercedaacuterios jesuiacutetas franciscanos da Proviacutencia

104

da Piedade e outros franciscanos denominados Antoninos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho Essas Ordens foram distribuiacutedas geograficamente no territoacuterio amazocircnico

dividido agrave maneira dos grandes feudos (ARAUacuteJO 1998)

A orientaccedilatildeo das Ordens religiosas era que aldeassem os nativos geralmente

dispersos em amplos territoacuterios para melhor evangelizaacute-los e para tambeacutem evitar a

possiacutevel influecircncia dos hereges protestantes representados pelos holandeses e

ingleses que frequumlentavam a regiatildeo Tupinambaacutes tapuias tabajaras

tamarambeses tocantins quanis pacajareacutes nhuanas anduraacutes e aruaacutes dentre

outras naccedilotildees indiacutegenas frequumlentemente rivais entre si ocupavam a regiatildeo a ser

conquistada

Os primeiros religiosos enviados para a Amazocircnia acompanhavam a expediccedilatildeo de

Jerocircnimo de Albuquerque que como se viu anteriormente havia sido organizada

pelo governador-geral do Brasil Gaspar de Sousa para a reconquista do Maranhatildeo

partindo de Pernambuco por via mariacutetima em 1613 O efetivo das tropas

compreendia centenas de portugueses brasileiros e indiacutegenas e com eles estavam

alguns padres encarregados do acompanhamento da missatildeo militar de conquista de

Satildeo Luiacutes territoacuterio sob controle dos franceses

As accedilotildees das principais Ordens religiosas na Amazocircnia foram imprescindiacuteveis para a

fixaccedilatildeo dos portugueses na regiatildeo Seraacute apresentado a seguir a avaliaccedilatildeo de

quase um seacuteculo e meio de atuaccedilatildeo desses religiosos do periacuteodo da conquista de

Satildeo Luiacutes em 1615 ateacute a morte do Rei Dom Joatildeo V em 1750 Esse periacuteodo

abrange a fase inicial da ocupaccedilatildeo do territoacuterio amazocircnico e antecede a

administraccedilatildeo de Dom Joseacute I mais conhecida como periacuteodo pombalino que seraacute

tratado especificamente mais adiante tendo em vista suas particularidades e suas

implicaccedilotildees para a expansatildeo colonial portuguesa na regiatildeo

A ocupaccedilatildeo dos espaccedilos amazocircnicos pelos religiosos e colonos foi marcada por

graves conflitos de interesse sobretudo em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo indiacutegena mas

pode ser compreendida tambeacutem como um momento de grande expansatildeo territorial

com enorme alcance geograacutefico e geopoliacutetico Como ensina Serafim Leite

105

ldquoEsta incorporaccedilatildeo definitiva do Amazonas ao Brasil fez-se com as jornadas dos capitatildees com as entradas dos colonos e com a catequese dos missionaacuterios Triacuteplice elemento oficial particular religioso este simultaneamente particular e oficial interdependentes todos trecircs e nem sempre concordesldquo (SERAFIM LEITE 1943 p27)

Os Jesuiacutetas38

Desde os primeiros momentos da conquista da costa leste-oeste os jesuiacutetas

estiveram presentes os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes chegaram agrave regiatildeo

amazocircnica em 1616 quando da fundaccedilatildeo de Beleacutem e os padres Benedito Amador

Lopo do Couto e Luis Figueira partindo de Satildeo Luiacutes atuaram na evangelizaccedilatildeo do

Rio Monim no atual Estado do Maranhatildeo

Entretanto com a chegada a Beleacutem do inaciano Luiacutes de Figueira em 1636 vindo do

Maranhatildeo a presenccedila da Ordem ganha maior destaque com as accedilotildees de catequese

e a construccedilatildeo de aldeamentos missionaacuterios Figueira percorreu os Rios Tocantins e

Pacajaacute e promoveu a conversatildeo do Rio Xingu onde fundou a missatildeo de Itacuruccedilu

(mais tarde Vieiros) em 1637 Neste trabalho foi secundado por Roque de

Hundertpfund que em 1639 instalou a missatildeo de Sousel no mesmo rio Em 1637

Figueira retornou a Portugal e publicou o livro Memorial sobre as terras e gentes do

38 A Companhia de Jesus cujos membros satildeo conhecidos como Jesuiacutetas foi fundada por um grupo de estudantes da Universidade de Paris liderados por Inaacutecio Lopez de Loyola Em 15 de agosto de 1534 Inaacutecio e 6 outros estudantes (Pedro Faber Francisco Xavier Alfonso Salmeron Jacob Laines e Nicolau Bobedilla - espanhoacuteis e Simatildeo Rodrigues - portuguecircs) encontraram-se na Igreja de Santa Maria Montmartre de Paris e fundaram a Companhia de Jesus - para desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionaacuterio em Jerusaleacutem ou para ir aonde o papa nos enviar sem questionar Em 1537 eles viajaram ateacute a Itaacutelia em busca de aprovaccedilatildeo papal da sua nova ordem o Papa Paulo III concedeu-lhes uma recomendaccedilatildeo e autorizou que fossem ordenados padres foram ordenados em Veneza pelo bispo de Arbe em 24 de Junho daquele ano e devotaram-se inicialmente a pregar e em obras de caridade em Itaacutelia Na companhia de Faber e Lainez Inaacutecio viajou ateacute Roma em outubro de 1538 para pedir ao papa a aprovaccedilatildeo da nova ordem a congregaccedilatildeo de cardeais deu um parecer positivo agrave constituiccedilatildeo apresentada e em 27 de setembro de 1540 Paulo III confirmou a ordem atraveacutes da Bula Regimini militantis Ecclesiae que integra a Foacutermula do Instituto onde estaacute contida a legislaccedilatildeo substancial da nova Ordem O nuacutemero dos seus membros foi no entanto limitado a 60 esta limitaccedilatildeo foi poreacutem posteriormente abolida pela bula Injunctum nobis de 14 de marccedilo de 1543 Inaacutecio de Loyola foi escolhido para servir como primeiro superior-geral enviou os seus companheiros e missionaacuterios para vaacuterios paiacuteses europeus com o propoacutesito de criar escolas liceus e seminaacuterios escreveu as constituiccedilotildees jesuiacutetas adotadas em 1554 que deram origem a uma organizaccedilatildeo rigidamente disciplinada enfatizando a absoluta auto-abnegaccedilatildeo e a obediecircncia ao Papa e aos superiores hieraacuterquicos (perinde ac cadaver disciplinado como um cadaacutever nas palavras de Inaacutecio) O seu grande princiacutepio tornou-se o lema dos jesuiacutetas Ad Majorem Dei Gloriam (tudo por uma maior gloacuteria de Deus)

106

Maranhatildeo Gratildeo-Paraacute e o rio Amazonas um dos primeiros estudos sobre a regiatildeo e

expocircs as prioridades missionaacuterias perante o Conselho Ultramarino organizar e

moralizar os colonos amparar e converter os iacutendios e criar um bispado no Estado do

Maranhatildeo subordinado diretamente ao arcebispado de Lisboa (LOUREIRO 1978)

Tendo os jesuiacutetas prestado apoio decisivo para a Restauraccedilatildeo Figueira conseguiu

do Rei Dom Joatildeo IV a exclusividade para a instalaccedilatildeo de novas missotildees na

Amazocircnia em detrimento da Ordem dos franciscanos

O crescimento da Companhia de Jesus obrigou a vinda de mais religiosos para

ajudarem nos trabalhos de catequese e em 1643 embarcaram em Lisboa 14

jesuiacutetas com destino agrave Amazocircnia acompanhando o receacutem-nomeado governador

Pedro de Albuquerque A nau em que viajavam naufragou nas costas da Ilha do

Marajoacute tendo morrido no desastre 11 dos 14 missionaacuterios jesuiacutetas entre os quais o

padre Luis de Figueira O principal objetivo dessas accedilotildees era a tentativa de

implantaccedilatildeo de um sistema de missotildees no Maranhatildeo e na Amazocircnia agrave semelhanccedila

do que jaacute havia sido feito no Brasil

A partir de 1650 depois de iniciada a evangelizaccedilatildeo do Rio Xingu e do Rio Paraacute os

missionaacuterios atingiram o Rio Tapajoacutes e o meacutedio Amazonas e em 1652 para

reforccedilar os quadros da Ordem chegaram a Beleacutem mais 9 jesuiacutetas dirigidos pelo

padre Francisco Veloso sendo criado em 26 de janeiro do ano seguinte o coleacutegio

de Santo Alexandre fundamental para a expansatildeo da atividade missionaacuteria na

regiatildeo

Mas a atuaccedilatildeo da Companhia ganharia maior peso poliacutetico e ideoloacutegico com a

presenccedila do Padre Antocircnio Vieira39 que em 24 de novembro de 1652 chega ao

Maranhatildeo investido da autoridade de Superior das Missotildees

39 Padre Antocircnio Vieira (1608-1697) Sacerdote e orador portuguecircs natural de Lisboa partiu para o Brasil com a famiacutelia aos 6 anos de idade frequumlentou o Coleacutegio dos Jesuiacutetas na Bahia tendo ingressado na Companhia de Jesus em 1623 Ordenado sacerdote em 1634 jaacute entatildeo proferira alguns sermotildees e se iniciara na catequizaccedilatildeo dos indiacutegenas Em 1641 viajou para Portugal integrando a comitiva de reconhecimento e homenagem ao novo monarca Dom Joatildeo IV Veio a conquistar a estima do Rei que o fez seu confessor conselheiro e pregador da Corte e o encarregou de algumas embaixadas na Europa ocupando assim um lugar de destaque na vida do paiacutes A sua intervenccedilatildeo na poliacutetica nacional se fez atraveacutes da atividade de pregador por denuacutencias e criacuteticas agrave injusticcedila e agrave corrupccedilatildeo de colonos e administradores no Brasil Segundo ele deveria proceder-se com

107

Vieira inicia um intenso trabalho de pregaccedilatildeo aprende liacutenguas indiacutegenas escreve

catecismo nas liacutenguas nativas e desenvolve um ambicioso plano de accedilatildeo para a

evangelizaccedilatildeo da Amazocircnia (SOUBLIN 2003)

Desde o seacuteculo XVI o Conciacutelio de Trento havia exigido que os pagatildeos deveriam ser

evangelizados em sua proacutepria liacutengua uma tarefa impossiacutevel dada a diversidade

linguumliacutestica da Amazocircnia Os jesuiacutetas escolheram entatildeo a liacutengua mais difundida e

qualquer que fosse o idioma da tribo resgatada para a missatildeo ensinava-se o maior moderaccedilatildeo na perseguiccedilatildeo inquisitorial aos cristatildeos-novos de forma a salvaguardar os capitais destes e reconhecer a sua contribuiccedilatildeo para a guerra de independecircncia Tal posiccedilatildeo valeu-lhe alguns oacutedios e o rancor da Inquisiccedilatildeo A sua luta em prol dos direitos dos iacutendios brasileiros originou tambeacutem reaccedilotildees por parte dos colonos evidentes no seu ceacutelebre Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes (todo ele alegoacuterico mas claramente alusivo aos problemas entre indiacutegenas e colonos) pregado a 13 de Junho de 1654 na cidade de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo - trecircs dias antes de embarcar ocultamente para o Reino a procurar o remeacutedio da salvaccedilatildeo dos Iacutendios De regresso ao Brasil em 1652 foi portador de um decreto de libertaccedilatildeo dos iacutendios Foi esta a sua fase de mais intensa accedilatildeo evangeacutelica Entretanto tendo falecido Dom Joatildeo IV seu protetor e tendo deflagrado conflitos entre os colonos e os missionaacuterios estes uacuteltimos foram expulsos do Maranhatildeo Vieira foi obrigado a regressar a Lisboa em 1661 Data do ano seguinte o seu Sermatildeo da Epifania constituindo uma defesa dos missionaacuterios e um ataque aos colonos Como apoiava Dom Pedro foi perseguido pelos partidaacuterios de Dom Afonso VI Entretanto a Inquisiccedilatildeo acusando-o de heresia instaurou-lhe um processo e prendeu-o entre 1665 e 1667 As acusaccedilotildees dirigiam-se agrave sua crenccedila messiacircnica e visionaacuteria Apoiando-se nas Trovas do Bandarra e nas Sagradas Escrituras profetizava a ressurreiccedilatildeo de Dom Joatildeo IV a quem caberia a concretizaccedilatildeo do Quinto Impeacuterio portuguecircs que coincidiria com o reino de Cristo na Terra (crenccedila miacutetica descrita no texto Esperanccedilas de Portugal Quinto Impeacuterio do Mundo primeira e segunda vida del-rei Dom Joatildeo IV) Entre 1669 e 1675 permaneceu em Roma e regressando a Lisboa iniciou a publicaccedilatildeo dos seus Sermotildees entre os quais se encontram os ceacutelebres Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes (jaacute referido) e o Sermatildeo da Sexageacutesima verdadeiro tratado de retoacuterica oratoacuteria objeto de reflexatildeo deste sermatildeo que denota o perfeito domiacutenio dos processos da oratoacuteria sacra Regressou agrave Bahia em 1681 tendo sido superior das missotildees do Brasil e Maranhatildeo e ainda visitador do Brasil em 1688 Sua obra eacute indissociaacutevel da sua intensa accedilatildeo como homem puacuteblico compotildee-se de cerca de 200 sermotildees de mais de quinhentas cartas e uma seacuterie de documentos de poliacutetica diplomacia profecia religiatildeo etc Neles demonstra uma profunda capacidade de anaacutelise e denuacutencia dos viacutecios humanos com grande realismo e inteligecircncia implacaacutevel na sua accedilatildeo moralista Simultaneamente foi o visionaacuterio do Quinto Impeacuterio o idealista utoacutepico e profeacutetico de um messianismo em que se conjugavam as crenccedilas sebastianistas tradicionais e as crenccedilas messiacircnicas de origem judaica Em ambos os casos socorreu-se da sua extraordinaacuteria capacidade oratoacuteria pela qual num estilo claro sedutor e simples e segundo os preceitos escolaacutesticos e retoacutericos da escola jesuiacuteta recorria a processos pseudoloacutegicos de interpretaccedilatildeo das escrituras num discurso fortemente alegoacuterico e metafoacuterico aplicando os sinais e passagens da Biacuteblia agrave realidade sua contemporacircnea Os seus textos revelam um grande virtuosismo no domiacutenio da liacutengua e dos seus efeitos no auditoacuterio expandindo cada motivo de forma dialeacutetica e envolvente causando espanto pelas revelaccedilotildees e consequecircncias do seu jogo de raciociacutenios que por vezes se aproximam do maravilhoso Exprimiu de forma exemplar e viva muitos dos princiacutepios artiacutesticos do barroco o que levou no iluminismo oitocentista a um certo descreacutedito da sua figura Considerado frequentemente um dos paradigmas da prosa claacutessica portuguesa foi o maior orador sacro do paiacutes e simultaneamente um dos maiores apologistas do messianismo nacional que justificava todo o seu empenho na valorizaccedilatildeo e reforma da economia e na forccedila poliacutetica do paiacutesOs seus Sermotildees foram publicados em quinze volumes entre 1679 e 1748 (desde 1642 vinham sendo feitas ediccedilotildees isoladas de seus sermotildees) Sermatildeo Introito Desenvolvimento Peroraccedilatildeo Sermatildeo pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda Sermatildeo da Sexagenaacuteria sobre a arte de pregar Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes Conservam-se tambeacutem as Cartas (1735) a Histoacuteria do Futuro Livro Ante-Primeiro (1718) e uma Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofiacutecio (1957) e Profecias (onde se fortaleceu o mito do Sebastianismo acerca do miacutetico regresso daquele soberano portuguecircs)

108

nheengatu40 (BESSA FREIRE 1983) uma espeacutecie de versatildeo setentrional do idioma

tupi Essa liacutengua passou a ser conhecida como liacutengua geral e era utilizada em todas

as missotildees jesuiacuteticas proibindo-se a utilizaccedilatildeo do portuguecircs que viria a ser adotado

muito mais tarde mais de um seacuteculo depois por decisatildeo do Marquecircs de Pombal em

determinaccedilatildeo real - o alvaraacute reacutegio de 15 de agosto de 1758 Dessa forma a

evangelizaccedilatildeo passou a ser realizada por meio da liacutengua geral o que facilitou

enormemente a conversatildeo dos iacutendios por meio da catequese em liacutengua nativa A

liacutengua geral ajudou na expansatildeo territorial da Ordem e permitiu a infiltraccedilatildeo cultural

dos valores cristatildeos e europeus

Segundo Prado Juacutenior a infiltraccedilatildeo rio acima pelo vale do Amazonas inicia-se

francamente na segunda metade do seacuteculo XVII e sua vanguarda seratildeo as Ordens

religiosas em particular os jesuiacutetas e carmelitas (PRADO Jr 1971)

O crescimento das missotildees jesuiacutetas provocou tensotildees ainda maiores com os

colonos intensificando-se o conflito entre eles Os moradores reivindicavam o direito

de administrar os iacutendios sob o argumento de que sem essa matildeo-de-obra natildeo

poderiam levar adiante a tarefa de colonizaccedilatildeo As agitaccedilotildees se tornaram mais

frequumlentes na medida em que os padres se recusavam a permitir a escravizaccedilatildeo

indiacutegena

As primeiras instruccedilotildees reais restringindo o trabalho escravo datam de 1652 os dois

capitatildees do Paraacute e do Maranhatildeo receberam instruccedilotildees de Lisboa para proibir o

resgate dos iacutendios e libertar todos os que se encontravam cativos Os colonos natildeo

aceitaram acatar essas restriccedilotildees e o governo local sob fortes pressotildees suspendeu

a vigecircncia daquelas determinaccedilotildees enquanto requerimentos eram dirigidos agrave Corte 40 Joseacute Bessa Freire em estudo realizado sobre a comunicaccedilatildeo dos portugueses colonizadores com os ameriacutendios brasileiros considera possiacutevel ldquodistinguir cinco fases que grosso modo cobriram os seguintes momentos histoacutericos cabendo assinalar que as datas que servem de marco para cada etapa satildeo baseadas apenas em alguns documentos aos quais tivemos acesso natildeo devendo portanto servir como referecircncias definitivas nem momentos de ruptura - Fase dos inteacuterpretes (seacuteculo XVI) - Etapa de implantaccedilatildeo do nheengatu (1616 a 1686) - Expansatildeo do nheengatu (1686 a 1757) com apoio oficial (1686 a 1727) e sem apoio oficial (1727 a 1757) - Tentativas de portugalizaccedilatildeo (1757 a 1850) e - Processo de hegemonia da liacutengua portuguesa (comeccedila a partir de 1850)rdquo

109

em protesto agraves medidas adotadas A Carta Reacutegia de 17 de outubro de 1653

reformulou as instruccedilotildees iniciais e determinou que as Cacircmaras de Beleacutem e de Satildeo

Luiacutes juntamente com o desembargador Joatildeo Cabral de Barros designado

sindicante do assunto examinassem todos os casos de escravidatildeo A Carta liberava

a captura de escravos nos seguintes termos guerra justa por oposiccedilatildeo ao

cristianismo quando os indiacutegenas estivessem aliados aos inimigos do Reino por

roubo por antropofagia e se fossem negadas as solicitaccedilotildees de auxiacutelio em lutas

contra tribos hostis Os jesuiacutetas natildeo se conformaram com a resoluccedilatildeo e por meio do

Padre Vieira representaram ao Rei obtendo nova Carta Reacutegia datada de 9 de abril

de 1655 que anulava a anterior libertava de novo os iacutendios e dava aos jesuiacutetas o

poder temporal sobre eles (LOUREIRO 1978)

Apesar dos conflitos permanentes entre colonos e jesuiacutetas no curto periacuteodo de 40

anos a Companhia de Jesus cresceu enormemente Em 1655 possuiacutea 28 aldeias

no Amazonas 11 no Maranhatildeo 7 no Tocantins e 6 no Paraacute Em praticamente quase

todas as expediccedilotildees que se formaram para o reconhecimento do interior nota-se a

presenccedila dos jesuiacutetas eles conseguem reduzir os pacajaacutes e em 1657 fundam a

missatildeo do Tarumatilde Entre 1655 e 1660 pacificam milhares de tupinambaacutes

tupinambaras aruaques condorizes jurunas cariatoacutes e finalmente em 1661 o

proacuteprio Padre Vieira pacifica 40000 aruatildes da Ilha do Marajoacute

Entretanto a luta pela emancipaccedilatildeo indiacutegena perduraria por muito tempo Em 1661

nova onda de insatisfaccedilatildeo e revolta contra os jesuiacutetas resultou na primeira expulsatildeo

da Ordem de Cristo do Estado do Maranhatildeo Vieira escreveu em 1655 ldquoTemos

contra noacutes o povo as religiotildees os donataacuterios das capitanias-mores e igualmente

todos que nesse reino e neste Estado satildeo interessados no sangue e suor dos

indiacutegenasrdquo (SUESS 1999)

Obrigado a se afastar das missotildees o padre Vieira eacute aprisionado em Beleacutem e

mandado pelos revoltosos de volta a Lisboa Com a morte de seu protetor o Rei

Dom Joatildeo IV Vieira permaneceraacute em Lisboa respondendo a um processo de

heresia movido contra ele por seus desafetos da Inquisiccedilatildeo portuguesa Ele

retornaria ao Brasil somente em 1681 vindo a falecer na Bahia em 1697

110

No periacuteodo em que permaneceu agrave frente das missotildees do Estado do Maranhatildeo o

padre Vieira percorreu milhares de quilocircmetros em atividade missionaacuteria redigiu

catecismo em vaacuterias liacutenguas nativas e fundou dezenas de missotildees muitas das quais

viriam a se tornar vilas importantes Sua atuaccedilatildeo permitiu sobretudo a ampliaccedilatildeo

da presenccedila portuguesa nos territoacuterios amazocircnicos

Expulsos pela revolta dos colonos de 1661 os inacianos retornam ao Estado por

forccedila de nova Carta Reacutegia datada de 12 de setembro de 1663 Entre os anos de

1663 e 1684 houve um periacuteodo de concessotildees e acomodaccedilotildees de interesse entre

colonos e a Ordem findo o qual os padres da Companhia de Jesus satildeo expulsos

novamente no curso da rebeliatildeo liderada pelo fazendeiro Manuel Beckman em

1684 Punidos os responsaacuteveis do levante os jesuiacutetas foram reconduzidos aos

coleacutegios e agraves missotildees e por meio do Regimento das Missotildees de 1686 consolidam

sua atuaccedilatildeo ficando responsaacuteveis pelo governo espiritual temporal e poliacutetico das

aldeias Entretanto outra lei de 28 de abril de 1688 restabeleceu o cativeiro dos

iacutendios legislaccedilatildeo que foi novamente anulada em 1705

Uma Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 determinou a divisatildeo do vale amazocircnico

em aacutereas de atuaccedilatildeo das diferentes Ordens religiosas cabendo agrave Companhia de

Jesus a margem direita do Rio Amazonas e a margem esquerda entre o Rio Negro e

o Rio Iccedilaacute enquanto que aos capuchos de Santo Antocircnio coube as terras do Cabo

Norte ateacute o Rio Jari e o Rio Paru e aos capuchos da Piedade o Gurupaacute e as aldeias

do Rio Urubu ao Rio Trombetas Nova decisatildeo reacutegia de 29 de novembro de 1694

reformularia a anterior e cedia aos mercedaacuterios o Rio Urubu e aos carmelitas o Rio

Negro e o Rio Solimotildees (LOUREIRO 1978)

O movimento de expansatildeo das missotildees jesuiacutetas permitiu ainda a conversatildeo dos

itacaiunas em 1721 e a fundaccedilatildeo de uma missatildeo nas cachoeiras de Santo Antocircnio

no Rio Madeira em 1728

A atuaccedilatildeo da Companhia de Jesus permitiu a fundaccedilatildeo de dezenas de missotildees no

interior da Amazocircnia estendendo-se pelos Rios Xingu Paraacute Araticu Pacajaacute

Tapajoacutes Amazonas Negro Abacaxis Iccedilaacute e Madeira Essas missotildees fundadas entre

1637 e 1728 conforme o quadro relacionado a seguir tornaram-se marcos da

111

presenccedila portuguesa na hinterlacircndia amazocircnica e viriam a justificar a expansatildeo dos

limites coloniais de Portugal para muito aleacutem dos acertos de Tordesilhas

Fundaccedilatildeo Missatildeo Vila Rio 1637 Itacuruccedilu Vieiros Xingu 1639 ------- Sousel Xingu 1639 Piauori Pombal Xingu 1656 Maturacaacute Porto de Moz Xingu 1653 Maracanatilde Cintra --------- 1653 Mortiguara Beja Paraacute 1653 Araticu Oeiras Araticu 1653 Aruacaraacute Portel Pacajaacute 1653 Borari Alter do Chatildeo Tapajoacutes 1653 Santo Inaacutecio Boim Tapajoacutes 1661 Tapuiuccedilu Santareacutem Tapajoacutes 1661 Taparajoacute Tapera Aveiro Tapajoacutes 1661 Matapu Pinhel Tapajoacutes 1655 Aibi --------- Amazonas 1655 Arapiuns Franca Tapajoacutes 1655 Uruitaacute Vigia Paraacute 1655 Aricuru Melgaccedilo Pacajaacute 1655 Cumaru Poiais Negro 1655 Samauma ------- ------------- 1668 Santo Elias Airatildeo Negro 1696 Abacaxis Itacoatiara Abacaxis 1723 Santo Antonio Santo Antonio Iccedilaacute 1728 Trocano Borba Madeira 1728 Santo Antonio ------- Madeira 1728 Satildeo Francisco Humaitaacute Madeira

Os Carmelitas

Os carmelitas acompanhavam as tropas de reforccedilo comandadas por Alexandre de

Moura que saindo de Pernambuco vieram apoiar as accedilotildees de Jerocircnimo de

Albuquerque contra os franceses no Maranhatildeo Fundaram em 1615 um convento

na Ilha do Medo em Satildeo Luiacutes e a partir de 1624 instalaram-se em Beleacutem onde

dois anos depois em 1626 construiacuteram o primeiro convento do Paraacute

Tratando da reparticcedilatildeo da Amazocircnia entre as principais Ordens religiosas

missionaacuterias a Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 natildeo contemplou os carmelitas

112

Todavia nova Carta Reacutegia datada de 29 de novembro de 1694 reformulando a

anterior atribuiu aos carmelitas a evangelizaccedilatildeo do Rio Negro e do Rio Solimotildees

A accedilatildeo dos missionaacuterios carmelitas no Rio Solimotildees foi marcada pelo conflito com

os jesuiacutetas espanhoacuteis que instalaram suas missotildees em diversos pontos ao longo do

rio Sob a direccedilatildeo do Padre Samuel Fritz as missotildees espanholas ameaccedilaram a

presenccedila portuguesa na regiatildeo Tratar-se-aacute deste assunto mais detidamente no item

2 do capiacutetulo seguinte

Sob o aspecto da expansatildeo territorial os carmelitas tambeacutem devem ser

considerados responsaacuteveis pela infiltraccedilatildeo portuguesa na hinterlacircndia amazocircnica

Importantes vilas foram fundadas a partir dos aldeamentos carmelitas Olivenccedila e

Tefeacute no Rio Amazonas Barcelos no Rio Negro e Boa Vista no Rio Branco Essas

povoaccedilotildees foram construiacutedas em pontos muito distantes de Beleacutem e viriam a fazer

parte da argumentaccedilatildeo lusitana na questatildeo da definiccedilatildeo dos limites coloniais com a

Coroa de Espanha

Os Mercedaacuterios

Acompanhavam Pedro Teixeira no regresso da expediccedilatildeo que alcanccedilou Quito

realizada entre os anos de 1637 e 1639 os freis mercedaacuterios Pedro de la Rua Cirne

e Alfonso Almejo e os irmatildeos leigos Juan de la Merced e Juan de la Conception A

Ordem de Nossa Senhora das Mercecircs uma congregaccedilatildeo religiosa de origem

espanhola encontrava-se em atividade no vice-reino do Peru desde o seacuteculo XVI

Cirne fundou em Beleacutem em 1640 o primeiro convento mercedaacuterio da Amazocircnia

Decretada a Restauraccedilatildeo os mercedaacuterios foram expulsos da Amazocircnia portuguesa

por ordens de Espanha retornando apenas no ano de 1646 Suas principais

atividades nos territoacuterios do Paraacute e do Maranhatildeo foram as missotildees e nuacutecleos

doutrinais distribuiacutedas ao longo do Rio Negro e Urubu A Ordem Mercedaacuteria chegou

a ter em 1751 3 conventos no Maranhatildeo em 1660 fundou a missatildeo Saracaacute futura

vila de Silves considerada a mais antiga povoaccedilatildeo do atual Estado do Amazonas e

em 1663 fundou as missotildees de Satildeo Pedro Nolasco e Satildeo Raimundo Nonato

ambas no Rio Urubu

113

Os Capuchos

Estes religiosos chegaram agrave regiatildeo amazocircnica em eacutepocas diferentes e em 3 grupos

distintos Os primeiros a chegar foram os capuchos da Proviacutencia de Santo Antocircnio

frei Cosme de Satildeo Domingos e frei Manuel da Piedade que participaram das accedilotildees

contra os franceses acompanhando as tropas de Jerocircnimo de Albuquerque Apoacutes a

tomada de Satildeo Luiacutes e a fundaccedilatildeo de Beleacutem os freis capuchos Cristoacutevatildeo do Rosaacuterio

Felipe Boaventura e Antocircnio de Marciana fundaram em 1617 o convento do Una

no Paraacute A segunda leva da Ordem a chegar foram os capuchos de Nossa Senhora

da Piedade ou de Satildeo Joseacute eram 9 religiosos vindos de Lisboa em 1693 e que se

instalaram no Gurupaacute Finalmente em 1706 os capuchos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho chegam a Beleacutem e fundam o convento de Satildeo Boaventura

A Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 que tratava da reparticcedilatildeo da Amazocircnia entre

as principais Ordens religiosas missionaacuterias atribuiu aos capuchos de Santo Antocircnio

a regiatildeo do Cabo Norte o Rio Jari e Rio Paru e aos capuchos da Piedade as aacutereas

do Gurupaacute e do Rio Trombetas

A vila de Oacutebidos importante ponto de controle da passagem de navios no Rio

Amazonas por se tratar da regiatildeo do rio de maior estreitamento da margem cerca

de 15 km foi fundada em 1697 pelos capuchos de Nossa Senhora da Piedade ou

de Satildeo Joseacute (LOUREIRO 1978) (Mapa 14)

A atuaccedilatildeo de catequese desenvolvida pelas Ordens religiosas foi fundamental para

a conquista e a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia sobretudo das regiotildees mais

distantes e menos sujeitas agrave accedilatildeo governativa exercida por Beleacutem Em meados do

seacuteculo XVIII os franciscanos estavam fortemente implantados no Cabo Norte na

Ilha de Marajoacute e nos afluentes do norte do Rio Amazonas os jesuiacutetas no Tocantins

no Xingu no Tapajoacutes e no Madeira os carmelitas no Negro no Branco e no

Solimotildees os capuchos no baixo Amazonas a partir do Gurupaacute e os mercedaacuterios

depois dos capuchos ateacute o Urubu no meacutedio Amazonas

115

Na Amazocircnia por volta de 1740 havia cerca de 50000 indiacutegenas reduzidos em

cerca de 63 missotildees de diversas Ordens religiosas nuacutemero equivalente aos

habitantes dos Sete Povos das Missotildees no atual Rio Grande do Sul (WEHLING

1999)

As missotildees foram dirigidas pela Coroa e agiam como representantes dos interesses

de Portugal

Eacute importante ressaltar que segundo recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho sem as

drogas do sertatildeo natildeo haveria base econocircmica para as missotildees se estabelecerem

permanentemente lembra ainda como assinalou tambeacutem Caio Prado Juacutenior que as

missotildees que prosperaram foram aquelas que tiveram sucesso na exploraccedilatildeo das

especiarias americanas valorizadas sobretudo no comeccedilo do seacuteculo XVIII quando

jaacute estavam perdidas as possessotildees portuguesas no Oriente (GOacuteES FILHO 2001)

ldquoNatildeo eacute demais insistir no assunto porque foi essa avanccedilada representada pela accedilatildeo das Tropas de Guerra Tropas de Resgate ou pelas missotildees que se foram estabelecendo pelo sertatildeo adentro que veio assegurar os tiacutetulos em que se fundou o Estado Portuguecircs para compor sua carta de soberania sobre a hinterlacircndia e defendecirc-la pelas armas e pela eloquumlecircncia de seus diplomatas e estadistasrdquo (REIS 1948 tomo 2 p12)

49 O Entradismo e o Alargamento do Territoacuterio

ldquoMenos ativos natildeo haviam sido entretanto os portugueses em alargar-se partindo do Paraacute em diferentes direccedilotildees pelos rios acima Se na verdade considerarmos quatildeo estreita nesga de terra constitui o reino de Portugalsobre pequeno tatildeo mal povoadoe como ele em parte por fanatismo em parte por desconfianccedila e em parte tambeacutem por esse orgulho que no caraacuteter nacional lhe predomina nenhum auxiacutelio para as suas colocircnias queria tirar do excesso de populaccedilatildeo e atividade de outros paiacuteses acharemos terem feito os brasileiros talvez maiores e mais raacutepidos progressos em proporccedilatildeo dos seus meios do que colonos de outra qualquer naccedilatildeo Com tanta ignoracircncia e falsidade tecircm os portugueses e especialmente os portugueses americanos sido acusados de frouxidatildeo e indolecircncia Tinham-se estabelecido tatildeo longe pelo Amazonas acima que suscitaram com a Espanha muitas questotildees sobre limites e alguns remotos receios a respeito da seguranccedila do Peru Tinham penetrado pelo Rio Negro e daqui por uma cadeia de rios e lagoas ateacute averiguarem o fato extraordinaacuterio de uma comunicaccedilatildeo entre o Amazonas e o Orenoco alcanccedilando com as suas canoas as missotildees espanholasrdquo (SOUTHEY 1981 p 204)

116

Com a expulsatildeo dos franceses de Satildeo Luiacutes em 1615 e a fundaccedilatildeo de Beleacutem em

1616 os portugueses iniciaram o processo de conquista e ocupaccedilatildeo territorial da

regiatildeo amazocircnica Os motivos para a fixaccedilatildeo portuguesa naquela regiatildeo como

exposto anteriormente foram poliacuteticos holandeses e ingleses tentavam se

estabelecer no vale do grande rio era prioritaacuterio para a poliacutetica colonial de Felipe III

de Espanha conter essa penetraccedilatildeo e expulsar os concorrentes estrangeiros

missatildeo militar que havia sido delegada aos portugueses A partir dessas accedilotildees uma

lenta infiltraccedilatildeo colonizadora iniciou a penetraccedilatildeo pela intrincada rede hidrograacutefica

da bacia amazocircnica

Como foi visto anteriormente os primeiros anos da empreitada de conquista

territorial satildeo obscuros marcados por inuacutemeros registros de conflitos entre os

colonos e as autoridades locais apresamento abusivo e em grande escala dos

indiacutegenas e diversas refregas contra os estrangeiros ingleses e holandeses que

mantinham relaccedilotildees comerciais com as tribos da regiatildeo

Nesses primeiros anos da presenccedila portuguesa na Amazocircnia inuacutemeras entradas

foram realizadas tanto pelos vales dos rios maranhenses (Gurupi Turiaccedilu Itapicuru

e Mearim) como pelo Rio Amazonas e seus afluentes O reconhecimento inicial da

regiatildeo foi feito por sertanistas experientes como Pedro Teixeira Bento Maciel

Parente Jerocircnimo de Albuquerque e Luiacutes Aranha que penetraram o rio acima para

muito aleacutem do delta seja para as accedilotildees contra estrangeiros a caccedila de iacutendios ou a

procura mesmo de outras riquezas

Adotar-se-aacute neste trabalho a distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirismo

conforme conceituaccedilatildeo feita por Heacutelio Vianna considerando o entradismo como o

movimento que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de diversos pontos da costa leste

do Brasil para o interior ainda desconhecido devassou notaacutevel extensatildeo territorial

sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da Amazocircnia por via fluvial e que

perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-se no iniacutecio do seacuteculo XX com

a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre Ao bandeirantismo conforme se abordou

anteriormente como designaccedilatildeo do movimento de penetraccedilatildeo realizado

principalmente por moradores da Capitania de Satildeo Vicente depois denominada de

Satildeo Paulo que teria comeccedilado com o chamado ciclo da caccedila ao iacutendio ainda na

117

segunda metade do seacuteculo XVI ocorrido na proacutepria Capitania nas atuais regiotildees Sul

e Oeste do Brasil de Satildeo Paulo ao atual Rio Grande do Sul alcanccedilando o Mato

Grosso Minas Gerais e Goiaacutes (VIANNA 1974)

Uma das primeiras e mais importantes accedilotildees do entradismo amazocircnico foi a

fundaccedilatildeo do forte do Gurupaacute construiacutedo na margem direita do Rio Amazonas e

proacuteximo agrave sua foz por Bento Maciel Parente em 1624 o que permitiu aos

portugueses o controle de acesso ao grande rio Segundo Arno Wehling Gurupaacute

representou para a conquista e penetraccedilatildeo da Amazocircnia o mesmo papel de Satildeo

Paulo na interiorizaccedilatildeo para o sul (WEHLING 1999)

Todavia a colonizaccedilatildeo da regiatildeo foi lenta e a irradiaccedilatildeo portuguesa tambeacutem

condicionada agraves necessidades econocircmicas dos colonos

Recorda Arno Wehling que desde a deacutecada de 1620 haviam sido implantados na

Amazocircnia lavouras de subsistecircncia criaccedilatildeo de gado e alguns engenhos de accediluacutecar

mas a caracteriacutestica mais marcante era a pobreza da regiatildeo Em 1637 Satildeo Luiacutes

tinha 310 homens livres incluindo 60 soldados da guarniccedilatildeo aleacutem de centenas ou

possivelmente milhares de iacutendios a maioria deles escravizados Beleacutem por sua vez

era ainda menor tinha 130 homens livres dos quais 50 soldados aleacutem de um

nuacutemero indefinido de indiacutegenas A fortaleza do Gurupaacute recorda o historiador chave

do controle da Amazocircnia e de onde partiria naquele mesmo ano de 1637 a

expediccedilatildeo de Pedro Teixeira era defendida por apenas 30 soldados Repetia-se no

Estado do Maranhatildeo o mesmo fenocircmeno de ocupaccedilatildeo de extensos territoacuterios por

escassos contingentes humanos caracteriacutestica marcante do impeacuterio portuguecircs em

todos os continentes em que mantinha possessotildees coloniais

Por outro lado os espanhoacuteis no seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII

ocupavam apenas as regiotildees mais proacuteximas da cidade de Quito na antiga proviacutencia

de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees dos Rios Napo e Javari - as chamadas proviacutencias

dos iquitos omaacuteguas e pebas e natildeo haviam ainda avanccedilado sobre o vale

amazocircnico no sentido de oeste para leste Os portugueses poreacutem sobretudo a partir

da segunda metade do seacuteculo XVII jaacute haviam-se infiltrado por quase todo o vale

amazocircnico ocupando o caminho aberto por Pedro Teixeira que em 1639 tomara

118

posse da regiatildeo para Portugal em nome do Rei de Espanha balizando a linha de

fronteiras entre as duas naccedilotildees ibeacutericas (GADELHA 2002)

Outro fator poliacutetico importante que traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 foi a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

desde 1621 Dessa forma antes do final do seacuteculo XVII sertanistas soldados e

missionaacuterios portugueses percorriam livremente o vale do Amazonas e ocupavam as

suas margens e as de seus afluentes mais proacuteximos no grande delta atingindo o Rio

Negro desde 1656 e consolidando a ocupaccedilatildeo em 1669 com a construccedilatildeo do forte

de Satildeo Joseacute do Rio Negro nuacutecleo inicial da cidade de Manaus junto agrave confluecircncia

das aacuteguas desse rio com o Solimotildees

A base econocircmica da penetraccedilatildeo portuguesa na regiatildeo amazocircnica diferia

profundamente daquela adotada como princiacutepio nos demais nuacutecleos do litoral

brasileiro A lavoura da cana-de-accediluacutecar e a agricultura em geral natildeo progrediram na

regiatildeo conforme ensina Caio Prado Juacutenior em uma anaacutelise detalhada das

condicionantes econocircmicas dessa empresa colonial na Amazocircnia

As condiccedilotildees naturais eram desfavoraacuteveis agrave agricultura A conquista do vale

amazocircnico viria a se amparar em outros recursos regionais sobretudo aqueles que

a natureza e a floresta podiam oferecer um grande nuacutemero de gecircneros naturais

aproveitaacuteveis e utilizaacuteveis no comeacutercio eram as chamadas drogas do sertatildeo como o

cravo a canela a castanha a salsaparrilha a baunilha o breu as resinas as

sementes oleaginosas a quina e sobretudo o cacau aleacutem das madeiras e dos

produtos do reino animal peixes caccedila e tartaruga Prado Juacutenior afirma rdquoNa extraccedilatildeo

desses produtos encontraraacute a colonizaccedilatildeo amazocircnica sua base econocircmicardquo

(PRADO Jr 1971 p 69)

As atividades necessaacuterias para a sobrevivecircncia econocircmica encontrada pelos

colonos foram a penetraccedilatildeo na floresta ou nos rios para colher os produtos ou

capturar o peixe e a conduccedilatildeo das embarcaccedilotildees que faziam todo o transporte e se

constituiacutea no uacutenico meio de locomoccedilatildeo possiacutevel na regiatildeo

119

A consequumlecircncia direta desse processo de coleta de produtos naturais que estavam

dispersos na floresta de forma irregular e em largos espaccedilos foi a distribuiccedilatildeo rala e

natildeo linear da populaccedilatildeo tambeacutem dispersa na ocupaccedilatildeo territorial da regiatildeo A rede

hidrograacutefica era a base fundamental para esse modelo de extrativismo Segundo

Prado Juacutenior numa sociedade em que as fontes de produccedilatildeo se dispersam

irregularmente sem pontos de concentraccedilatildeo apreciaacutevel natildeo satildeo elas como se deu

na agricultura e na mineraccedilatildeo que fixam o povoador mas sim as vias de

comunicaccedilatildeo a que o autor chamou de estradas liacutequidas

Como a aacuterea que o coletor de produtos naturais precisava alcanccedilar era muito

grande mesmo para os padrotildees atuais e o esgotamento das fontes era frequumlente

nessa forma de exploraccedilatildeo a via de comunicaccedilatildeo natural e faacutecil era o rio que

passou a se constituir no uacutenico poacutelo estaacutevel de atraccedilatildeo de povoamento A

organizaccedilatildeo da produccedilatildeo por sua vez natildeo tem por base a propriedade fundiaacuteria

como na agricultura ou na mineraccedilatildeo mas a exploraccedilatildeo que se realizava na floresta

para todos disponiacutevel devia-se levar em conta a sazonalidade da colheita

respeitando a eacutepoca proacutepria do ano Era preciso organizar no momento oportuno

expediccedilotildees para realizar a colheita dos produtos naturais O empresaacuterio deveria

reunir os homens e os iacutendios necessaacuterios para a empreitada tudo feito sob a

fiscalizaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas locais interessadas tambeacutem no mercado de

trabalho a ser utilizado nas obras de construccedilatildeo de quarteacuteis fortalezas e hospitais

Dessa disputa em torno da matildeo-de-obra indiacutegena entre colonos missionaacuterios e

autoridades puacuteblicas resultavam violecircncia e conflitos permanentes Depois de

organizada a expediccedilatildeo devia seguir fortemente guarnecida para se defender da

hostilidade de tribos selvagens muitas vezes a guarniccedilatildeo era composta por tropa

regular cedida pelas autoridades locais As maiores expediccedilotildees podiam ser

compostas por dezenas de embarcaccedilotildees navegando rio acima agrave procura de pontos

favoraacuteveis para o trabalho coletor frequumlentemente a enormes distacircncias do ponto

de partida O carregamento podia consumir semanas ou mesmo meses de trabalho

duro findo o qual a expediccedilatildeo retornava e o empresaacuterio entregava sua produccedilatildeo

aos comerciantes que se incumbiam das demais tarefas de exportaccedilatildeo Uma

avaliaccedilatildeo dessa atividade econocircmica apoiada na colheita de produtos naturais

forma principal e quase uacutenica de produccedilatildeo e base de colonizaccedilatildeo do vale

amazocircnico permite concluir que ela se desenvolveu sob o signo da instabilidade

120

sobretudo em relaccedilatildeo ao complexo problema de assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas e a

flutuaccedilatildeo dos preccedilos internacionais Afirma Prado Juacutenior que a colonizaccedilatildeo da

Amazocircnia foi muito mais uma aventura que propriamente a constituiccedilatildeo de uma

sociedade estaacutevel e organizada (PRADO Jr 1971)

Arthur Ceacutesar Ferreira Reis acrescenta que as expediccedilotildees entradistas tinham

adicionalmente o objetivo militar de rdquosustentar o domiacutenio lusitano contra as incursotildees

de franceses e espanhoacuteis que sucederam aos ingleses e batavos nas tentativas de

apossar-se da Amazocircniardquo (REIS41 1960 p 262 apud GOacuteES FILHO 2001 p144)

Um dos agentes principais da penetraccedilatildeo amazocircnica foi portanto o chamado

droguista do sertatildeo sertanista ou simplesmente entradista colono leigo geralmente

mesticcedilo e falante da liacutengua geral como o mameluco paulista ora integrando as

chamadas tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que

tinham por objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

O tiacutetulo Droga iacutendio e missionaacuterio escolhido por Ernani Silva Bueno no volume

sobre a Amazocircnia de sua Histoacuteria do Brasil para o capiacutetulo que trata da ocupaccedilatildeo

dos rios da bacia amazocircnica entre os anos de 1640 e 1755 apresenta uma concisa

abordagem daqueles que foram os agentes da expansatildeo colonial portuguesa na

regiatildeo (GOacuteES FILHO 2001)

A escravizaccedilatildeo indiacutegena foi adotada em larga escala pelos colonizadores

amazocircnicos Na Amazocircnia do seacuteculo XVII e XVIII recorda Arno Wehling foram 3 as

formas utilizadas para se obter matildeo-de-obra indiacutegena as simples expediccedilotildees

armadas chamadas tropas de guerra cujo objetivo declarado era punir tribos hostis

aos portugueses mas que na realidade quase sempre buscavam o apresamento

puro e simples as chamadas tropas de resgates a mais comum das expediccedilotildees e

que pretendiam resgatar iacutendios que de fato ou supostamente jaacute eram escravos de

outro grupo indiacutegena e os conhecidos descimentos forma dirigida por missionaacuterios

que trouxeram iacutendios ao longo de deacutecadas - agraves vezes tribos inteiras - para serem

aldeadas nos arredores das cidades e vilas Os iacutendios descidos apesar de serem

41 REIS Arthur Ceacutesar Ferreira Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo Brasileira Satildeo Paulo Difusatildeo Europeacuteia do Livro Tomo I A eacutepoca colonial 2 vols p 262 1960

121

considerados livres poderiam ser requisitados para o serviccedilo real e o trabalho

domeacutestico dos colonos (WEHLING 1999)

Exigia-se para os casos de tropas de guerra e tropas de resgates a decretaccedilatildeo

pelas autoridades locais da tambeacutem chamada guerra justa nem sempre obtida com

facilidade sobretudo diante da reaccedilatildeo contraacuteria dos missionaacuterios e dos intermitentes

dispositivos de proibiccedilatildeo legal da escravizaccedilatildeo dos indiacutegenas Os iacutendios

aprisionados em combate seriam escravizados em cativeiro perpeacutetuo os

resgatados permaneceriam escravos por 10 anos obtendo depois a liberdade

Dessa forma a irradiaccedilatildeo portuguesa prosseguiu lenta mas incessantemente pela

intrincada malha hidrograacutefica amazocircnica tropas de guerra tropas de resgates

descimentos ou mesmo expediccedilotildees oficiais contra os franceses e espanhoacuteis

percorreram a regiatildeo

ldquoem flotilhas de embarcaccedilotildees do mais variado tipo desde a ubaacute indiacutegena agrave coberta de grande porte e aos lanchotildees para mar subiram e desceram rios velejaram ao longo da costa atlacircntica afrontando mil perigos indiferentes a quanto obstaacuteculo natural ou natildeo lhes foi aparecendo Penetraram a regiatildeo no rumo norte no rumo oeste e mesmo no rumo sul Por iniciativa privada Por iniciativa do proacuteprio governo Ao lado desses soldados e funcionaacuterios civis do Estado e dos sertanistas que serviam os objetivos mercantis dos colonos os religiosos operavam com a mesma agilidaderdquo (REIS 1948 p 55)

O quadro abaixo transcrito daacute a dimensatildeo das accedilotildees de penetraccedilatildeo portuguesa na

Amazocircnia ocorrida desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem ateacute agraves veacutesperas da assinatura do

Tratado de Madri em 1750

1621- Felipe III de Espanha autoriza Bento Maciel Parente a explorar o Amazonas

1623- Luiacutes Aranha de Vasconcelos vindo de Lisboa por ordem de Madri sobe o Rio

Amazonas visita a regiatildeo das ilhas faz proceder a sondagens e combate os

holandeses e ingleses

1626- Pedro Teixeira percorre trechos do Rio Tapajoacutes agrave frente de uma tropa de

resgates

1627- Pedro da Costa Favela comanda uma tropa de guerra ao Rio Pacajaacutes

afluente do Tocantins

122

1628- Pedro Teixeira e Bento Rodrigues de Oliveira sobem o Rio Amazonas agrave testa

de uma tropa de resgate

1632- Feliciano Coelho castiga os ingaiacutebas aliados dos ingleses na foz do

Amazonas

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas agrave testa de uma grande expediccedilatildeo

atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo com o Rio

Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo as tropas

de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio Tapajoacutes

1651- Chega ao Gurupaacute depois de percorrer os Rios Mamoreacute Madeira e

Amazonas a expediccedilatildeo de Antonio Raposo Tavares que saindo de Satildeo Paulo

depois de percorrer o Tietecirc alcanccedilou o Paraguai adentrando nos altiplanos andinos

do Vice Reinado do Peru antes de descer o Rio Grande e alcanccedilar o Mamoreacute Sua

expediccedilatildeo expulsou definitivamente jesuiacutetas instalados no atual Mato Grosso

revelou o Rio Madeira e sua ligaccedilatildeo com os territoacuterios coloniais espanhoacuteis criou

condiccedilotildees para a exploraccedilatildeo de ouro nessa regiatildeo e permitiu a reivindicaccedilatildeo

portuguesa sobre a regiatildeo oeste do Brasil

1651- Bartolomeu Bueno de Ataiacutede por ordem real vai ao Rio do Ouro em busca

de minas

1654- Joatildeo de Bittencourt Muniz penetra o Rio Jari no Cabo Norte

1657- Os jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires atingem o Rio Negro e sobem

ateacute o Rio Tarumatilde onde montam uma missatildeo

1660- Pedro Costa Favela alcanccedila o Rio Araguari onde monta uma fortificaccedilatildeo

1663- Manuel Coelho no comando de uma tropa de resgate alcanccedila o Rio

Solimotildees

1668-1669- Pedro da Costa Favela capitatildeo de uma tropa de resgates volta ao Rio

Urubu passando depois ao Rio Negro

1669- Os jesuiacutetas comeccedilam a frequumlentar as aacuteguas do Rio Madeira e fundam a

missatildeo dos tupinambaranas

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro lanccedilando os fundamentos do

fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da futura cidade de Manaus

1671- Os jesuiacutetas Manoel Pires e Joatildeo Maria Gorzoni sobem o Rio Solimotildees

1671- O sertanista Manoel Coelho penetra no alto Solimotildees agrave frente de uma tropa

de resgates

1673- Francisco Lopes com uma tropa de resgates percorre o Rio Solimotildees

123

1673- Francisco da Mota Falcatildeo sobe o Rio Tocantins ao encontro dos paulistas

Sebastiatildeo Paes de Barros e Pascoal Paes de Arauacutejo que atacavam os guajarus

aliados dos portugueses

1674- Por ordem real uma expediccedilatildeo sobe o Rio Tocantins procurando os mesmos

paulistas que constava terem descoberto minas de ouro na regiatildeo

1681- Os missionaacuterios espanhoacuteis que operavam no Marantildeon e Solimotildees reclamam

perante seus superiores contra a penetraccedilatildeo dos sertanistas luso-brasileiros que

estavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os interesses de Espanha

1684- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilotildees no Rio Solimotildees a fim de garantir a

soberania portuguesa na regiatildeo

1687- O governador Antocircnio de Albuquerque Coelho de Carvalho vai ao Rio

Araguari e aos lagos do Cabo Norte

1688- Ordem reacutegia para que os jesuiacutetas tomassem conta dos grupos indiacutegenas do

Rio Madeira e do Rio Negro Em cumprimento a essas determinaccedilotildees os inacianos

entram em atividade nesses rios

1688- O sertanista Andreacute Pinheiro com o jesuiacuteta Joatildeo Maria Gorzoni operam

intensamente no Rio Negro

1689- Num memorial apresentado agraves autoridades paraenses e ao Vice-Rei do Peru

o missionaacuterio Samuel Fritz a serviccedilo de Espanha registra sob protesto a presenccedila

dos sertanistas luso-brasileiros que subiam o Rio Solimotildees penetravam jaacute no

Marantildeon numa irradiaccedilatildeo que punha em perigo os interesses de Espanha

1691- Antocircnio de Miranda e Noronha vai ao Rio Solimotildees conduzindo o jesuiacuteta

Samuel Fritz que missionaacuterio dos maynas trazia ao Solimotildees o campo de suas

atividades catequistas Antocircnio de Miranda e Noronha em presenccedila dos inacianos

declara a regiatildeo como parte integrante dos territoacuterios da Coroa portuguesa

1691- Nova ordem reacutegia para que os jesuiacutetas operem no Rio Negro

1692- A Cacircmara de Beleacutem peticiona a Sua Majestade para que mande mais

missionaacuterios para o Rio Madeira Rio Negro e Rio Branco

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foi atribuiacutedo o Rio Negro o Rio Madeira e o

Rio Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e Solimotildees

passariam depois para os carmelitas

1693- O Conselho Ultramarino decide atender agrave solicitaccedilatildeo da Cacircmara de Beleacutem em

torno da remessa de missionaacuterios para os Rios Madeira Negro e Branco

124

1694- Ordem reacutegia determina que os carmelitas substituam os jesuiacutetas no vale do

Rio Negro

1695- Antocircnio de Miranda e Noronha volta ao Solimotildees procedendo a um inqueacuterito

para apurar a penetraccedilatildeo espanhola que continuava a operar-se por intermeacutedio dos

jesuiacutetas de maynas

1695- Os carmelitas entram em atividade no Rio Solimotildees e no Rio Negro

1696- Ordem reacutegia mandando pocircr fora do Rio Solimotildees todos os espanhoacuteis que

fossem encontrados nesse trecho do vale amazocircnico que devia ser mantido sob a soberania luso-brasileira 1696- O capitatildeo-general Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho com grande

comitiva de que faziam parte o capitatildeo-mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros

funcionaacuterios graduados do Estado visita a hinterlacircndia comeccedilando a inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro

1697- Souza Fundatildeo e Joseacute Muniz de Mendonccedila retomam o forte de Cumauacute que os

franceses de Caiena tinham ocupado

1697- Joseacute Antunes da Fonseca por ordem real toma posse solene do Rio

Solimotildees para a Coroa portuguesa entregando a catequese das populaccedilotildees nativas

agrave Ordem dos carmelitas

1697- Antocircnio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre a atuaccedilatildeo

que deveriam exercer tanto no Rio Solimotildees como no Rio Negro sendo que naquela

regiatildeo deveriam agir de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo

assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias renovando as determinaccedilotildees

anteriores

1702- Manoel Cordeiro Jordatildeo comanda tropa de guerra ao Marajoacute contra a naccedilatildeo

aroari e outros grupos

1706- Francisco Soeiro de Vilhena sobe o Rio Tapajoacutes com uma tropa de resgate

1706- Alvaraacute de agradecimento aos carmelitas pela accedilatildeo decisiva na defesa dos

interesses portugueses na regiatildeo do Rio Solimotildees

1708- Samuel Fritz que orientava as missotildees dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no

Marantildeon e procurava salvar para a soberania espanhola aquelas terras eacute contido

pela presenccedila dos carmelitas e dos sertanistas paraenses e maranhenses

1709- Inaacutecio Correa de Oliveira potildee fora do Rio Solimotildees os inacianos que sob a

direccedilatildeo de Joatildeo Batista Sana trabalhavam para os interesses de Espanha

125

1710- Joseacute Antunes da Fonseca combate os espanhoacuteis que haviam incendiado os

aldeamentos dos carmelitas portugueses no Rio Solimotildees e aprisionado o capitatildeo

Inaacutecio Correa por ordem do governador Cristovatildeo da Costa Freire

1711- Pedro Correa Teixeira corre o litoral ateacute o Cabo Norte com o posto de

Tenente Guarda Costa

1720- Diogo Pinto da Gaya explora os Rios Tocantins e Araguaia por ordens do

governador Berredo

1722- Miguel de Siqueira Chaves sobe o Rio Solimotildees em uma diligecircncia oficial

verificando as condiccedilotildees da soberania luso-brasileira em face dos propoacutesitos dos

jesuiacutetas a serviccedilo da Espanha

1722- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilatildeo no Rio Solimotildees e no Napo onde devia

ser mantida a fronteira dos territoacuterios portugueses com os espanhoacuteis no vale

amazocircnico

1722- Francisco de Melo Palheta sobe o Rio Madeira por ordem do governador

Joatildeo de Maya da Gama para verificar a existecircncia de brancos nas cabeceiras do

rio atingindo a missatildeo espanhola de Santa Cruz de Cajuava

1722- Tomaacutes Teixeira no comando de uma tropa de resgate sobe o Rio Amazonas

1723- Joatildeo Paes do Amaral por ordem do governador Joatildeo de Maya da Gama vai

ao Cabo Norte para verificar a existecircncia de padrotildees que ali atestem a posse

portuguesa

1723- Manoel Braga sobe o Rio Negro com uma tropa de resgate sendo atacado

por Ajuricaba que confederara os manaos contra os portugueses

1723-1729- Belchior Mendes de Moraes Joatildeo Paes do Amaral e outros fazem

guerra a Ajuricaba no Rio Negro conseguindo por fim aprisionaacute-lo A seguir passam

agraves cachoeiras do alto combatendo os mayapemas aliados dos manaos

1724- Estevatildeo de Albuquerque por ordem de Maya da Gama sobe em

descobrimento o Rio Tapajoacutes

1725- Fernatildeo Coelho de Souza sobe o Rio Tapajoacutes

1726- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe o Rio Negro penetra

o Rio Cassiquiari e atinge o Rio Orenoco onde daacute notiacutecias da regiatildeo ao superior dos

jesuiacutetas

1731-1732- Belchior Mendes Moraes sobe o Rio Solimotildees passa ao Marantildeon com

o objetivo de levantar casa forte na boca do Napo ateacute onde chegavam entatildeo as

incursotildees sertanistas

126

1732- Gregoacuterio de Moraes Rego com tropa de resgate opera com excessos na

regiatildeo cujas tabas satildeo tambeacutem visitadas nessa mesma eacutepoca por outros

sertanistas

1734- Ordem reacutegia mandando expulsar ou prender qualquer espanhol que fosse

encontrado no Rio Solimotildees

1734- Alexandre de Souza Freire capitatildeo-general do Estado apresenta longo

informe sobre a situaccedilatildeo do Rio Solimotildees que era um domiacutenio da Coroa

portuguesa

1736- Cristovatildeo Ayres Botelho penetra com tropa de resgate no vale do Rio Branco

1737- Nova ordem reacutegia mandando agir contra os espanhoacuteis que pretendessem

incursionar sobre o Rio Solimotildees

1737- Os jesuiacutetas espanhoacuteis protestam perante o capitatildeo-general do Paraacute contra a

atuaccedilatildeo luso-brasileira que se ampliava dia a dia sobre o Marantildeon em direccedilatildeo ao

Napo O capitatildeo-general Castelo Branco responde provando o fundamento legal

dessa expansatildeo

1739- O mestre de campo Francisco Fernatildeo Cardoso e o tenente-coronel Joatildeo

Pacheco descobrem minas de ouro no Rio Manoel Alves Branco afluente do Rio

Tocantins

1740- Lourenccedilo Belfort e Francisco Xavier de Andrade com tropa de resgate operam

no vale do Rio Branco

1741- Os paulistas Joatildeo Pacheco do Couto e Jacinto de Satildeo Payo Soares atingem o

Rio Tocantins vindos de Satildeo Paulo

1741- Os jesuiacutetas espanhoacuteis que atuavam no Marantildeon informam em longas

memoacuterias endereccediladas aos seus superiores que os sertanistas brasileiros

irradiavam em direccedilatildeo ao Napo

1742- Manoel Felix de Lima saiacutedo de Cuiabaacute desce o Rio Madeira ateacute Beleacutem

1742- Leonardo Oliveira paulista desce o Rio Tapajoacutes vindo do Mato Grosso

1744- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe os Rios Negro e

Branco

1747- Joatildeo de Souza de Azevedo ituano desce o Rio Tapajoacutes vindo do Mato

Grosso

1749- Joseacute Leme do Prado paulista vindo do Mato Grosso desce o Rio Madeira

por onde depois regressa agravequela capitania

127

1749- Joatildeo de Souza de Azevedo inicia expediccedilatildeo ao Rio Madeira subindo e

descendo o rio de e ateacute Mato Grosso (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

Como resultado da penetraccedilatildeo dessas expediccedilotildees iniciada com a fundaccedilatildeo de

Beleacutem no ano de 1616 um imenso territoacuterio passou a ser reconhecido e

conquistado permitindo agrave Coroa portuguesa reivindicar a posse da regiatildeo

amazocircnica em detrimento dos interesses coloniais espanhoacuteis e franceses

Ao findar o seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo da vastiacutessima capitania do Gratildeo-Paraacute

sintetizava-se nos seguintes nuacutemeros uma cidade Beleacutem 4 vilas Vila Souza do

Caeteacute (1634) Vila Viccedilosa de Santa Cruz de Cametaacute (1637) Gurupaacute (1637) e Nossa

Senhora de Nazareacute da Vigia (1693) e mais de 70 estabelecimentos missionaacuterios

entre aldeamentos de iacutendios descidos e fazendas das missotildees (ARAUacuteJO 1998) (Mapa 15)

Embora lenta e difiacutecil a ocupaccedilatildeo portuguesa foi persistente implantou seu proacuteprio

sistema econocircmico adaptando-se agraves condiccedilotildees regionais em grande medida

adversas Como balanccedilo desse periacuteodo no ano de 1751 a Amazocircnia contava com

24 engenhos de accediluacutecar e mais de 400000 cabeccedilas de gado na Ilha do Marajoacute

Pouco depois em 1759 estima-se em 17000 peacutes de cafeacute plantados no Gratildeo-Paraacute e

consideraacuteveis lavouras de cacau (REIS 1948)

Entretanto persistia o modelo de produccedilatildeo extrativista a base de toda a atividade

econocircmica da Amazocircnia colonial

A defesa militar dos territoacuterios coloniais coube aos contingentes permanentes de

soldados sediados nas casas fortes ou mesmo fortificaccedilotildees construiacutedas em pontos

estrategicamente escolhidos seja para controlar a navegaccedilatildeo ao longo dos rios ou

mesmo para marcar a presenccedila portuguesa nas regiotildees pretendidas Houve uma

clara poliacutetica de Estado apesar da escassez de recursos metropolitanos no sentido

de empreender as accedilotildees necessaacuterias para assegurar a posse daquele vasto

territoacuterio Uma linha defensiva foi implantada desde a construccedilatildeo forte do Preseacutepio

em 1616 (Mapa 16) O quadro abaixo demonstra claramente a implantaccedilatildeo

sistemaacutetica de fortificaccedilotildees defensivas na Amazocircnia colonial

130

- Gurupaacute em 1623

- Desterro em 1638

- Araguari em 1660

- Satildeo Pedro Nolasco em 1665

-Satildeo Joseacute do Rio Negro em 1669

-Nossa Senhora das Mercecircs da Barra em 1685

-Santo Antocircnio de Macapaacute em 1688

-Paru em 1693

-Santareacutem em 1697

-Pauxis em 1698

-Casa forte do Guamaacute em 1726

-Reduto do Macapaacute em 1738

-Fortim em 1738

-Bateria de Barcelos em 1755

-Curiauacute em 1761

-Satildeo Gabriel da Cachoeira de Marabitanas em 1762

-Macapaacute em 1765

-Satildeo Francisco Xavier de Tabatinga em 1770

-Reduto de Satildeo Joseacute em 1771

-Bateria de Santo Antonio em 1773

-Satildeo Joaquim do Rio Branco em 1777

-Nossa Senhora de Nazareacute de Alcobaccedila em 1780

-Bateria das ilhas de Piriquitos em 1792 e

-Bateria das ilhas de Braganccedila em 1802 (REIS 1948 tomo 2 p 57 e 58)

Tratar-se-aacute adiante em outros capiacutetulos sobre a poliacutetica oficial para a implantaccedilatildeo e

construccedilatildeo das fortificaccedilotildees amazocircnicas sobretudo no periacuteodo pombalino

Como resultado do entradismo realizado no seacuteculo XVII e na primeira metade do

XVIII imensos territoacuterios do vale amazocircnico foram de fato incorporados ao mundo

colonial portuguecircs Natildeo ocorrera ainda a legalizaccedilatildeo dessa ocupaccedilatildeo mas o

conhecimento e a exploraccedilatildeo da regiatildeo eram natildeo havia duacutevidas um

empreendimento luso-brasileiro

131

5 OS CONFLITOS

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar os conflitos pela posse dos

territoacuterios amazocircnicos ocorridos no final do seacuteculo XVII e iniacutecio do Seacuteculo XVIII

envolvendo franceses no Cabo Norte indiacutegenas no Rio Negro e Rio Branco e

jesuiacutetas a serviccedilo dos espanhoacuteis no Rio Solimotildees bem como a limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo

das missotildees jesuiacuteticas espanholas a oeste do Rio Guaporeacute

51 As incursotildees francesas ao norte do Amazonas

No iniacutecio do seacuteculo XVII sabia-se que a foz do Rio Amazonas dava acesso a uma

imensa bacia hidrograacutefica e que de algum modo era possiacutevel por meio dela atingir

o Peru e suas riquezas minerais O controle da foz do grande rio revestia-se de

importacircncia fundamental para a poliacutetica colonial das Coroas europeacuteias

particularmente para Espanha e Portugal Comerciantes ingleses franceses e

holandeses como anteriormente visto ameaccedilavam a ocupaccedilatildeo ibeacuterica da regiatildeo

(WEHLING 1999)

Desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 os portugueses passaram a conquistar e

ocupar o litoral norte da Ameacuterica do Sul Construiacuteram fortes no Paraacute e no delta do

Rio Amazonas expulsaram os estrangeiros em accedilotildees sistemaacuteticas determinadas

pela poliacutetica oficial de apossar-se daqueles territoacuterios e sobretudo iniciaram a

infiltraccedilatildeo pela grande rede hidrograacutefica reconhecendo e explorando as regiotildees

ainda desconhecidas

Por outro lado Franccedila Inglaterra e Holanda passaram a rivalizar-se com a Coroa

Ibeacuterica unificada incursionando no Mar das Caraiacutebas e no norte do continente sul-

americano entre os deltas do Rio Orenoco na atual Venezuela e o Rio Amazonas

A presenccedila desses estrangeiros impedia que Madri realizasse a junccedilatildeo de suas

fronteiras coloniais costeiras (MAURO 1991)

Estando os portugueses instalados em Beleacutem e compreendendo a necessidade da

expulsatildeo imediata dos estrangeiros da Amazocircnia tarefa que poderia ser melhor

cumprida pelos lusos Felipe III de Espanha por meio de um decreto de 1621 como

132

visto anteriormente decidiu criar o Estado do Maranhatildeo entidade autocircnoma e

politicamente independente do Estado do Brasil O novo Estado estendia-se do Rio

Oiapoque no atual Estado do Amapaacute ao Cabo de Satildeo Roque no Rio Grande do

Norte compreendendo as capitanias do Paraacute Cumatilde Maranhatildeo e Cearaacute

subordinadas ao governo geral de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo

Expulsos definitivamente de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo em 1615 os franceses logo

procuraram estabelecer-se novamente na regiatildeo entre o Rio Orenoco e o Rio

Amazonas como jaacute haviam feito ingleses e holandeses Em 1626 realizaram uma

primeira tentativa de colonizaccedilatildeo ao longo do Rio Sinnamary e em 1634 fundaram

a cidade de Caiena ambas na atual Guiana Francesa ao norte do Amapaacute As

razotildees para essa implantaccedilatildeo natildeo se prendem apenas agraves accedilotildees frequumlentes e

continuadas de pilhagem que os franceses empreendiam contra as frotas

espanholas carregadas de prata no Mar das Caraiacutebas nem mesmo ao comeacutercio de

trocas estabelecido com os indiacutegenas e ao mito do eldorado na realidade Caiena

constituiu-se na tentativa de criaccedilatildeo de uma colocircnia produtora de tabaco accediluacutecar e

outros produtos tropicais O traacutefico de escravos negros era tambeacutem muito atraente

para os comerciantes franceses e estava em franca expansatildeo nos territoacuterios

coloniais americanos (MAURO 1991)

A partir do porto de Caiena os franceses passaram a realizar incursotildees ao longo da

costa em direccedilatildeo ao sul ateacute o delta do Rio Amazonas onde pretendiam fixar

posiccedilatildeo

Para fazer frente agraves pretensotildees estrangeiras na regiatildeo os portugueses decidiram

manter o mesmo sistema de administraccedilatildeo implantado nos seus demais territoacuterios

coloniais dividindo a regiatildeo em capitanias e distribuindo sesmarias aos colonos que

laacute se fixavam A reparticcedilatildeo desses grandes espaccedilos cumpria funccedilotildees especiacuteficas

obedecendo a uma poliacutetica colonial de ocupaccedilatildeo e de defesa territorial que

estabelecia as posiccedilotildees estrategicamente convenientes para impedir o acesso agrave

bacia amazocircnica

Assim foram criadas ou doadas por ordem cronoloacutegica a Capitania Real do Gratildeo-

Paraacute em 1621 a Capitania do Caeteacute em 1627 a Capitania de Camutaacute em 1637 a

133

Capitania do Cabo Norte em 1637 a Capitania de Marajoacute em 1655 e a Capitania

do Xingu em 1681 O Gurupaacute e terras circunvizinhas natildeo foram doadas

constituiacuteram uma Capitania Real com capitatildeo-mor nomeado pelo Rei e dotada de

regimento especial (REIS 1948)

A criaccedilatildeo da Capitania do Cabo Norte que recebeu o nome oficial de Capitania da

Costa do Cabo Norte foi feita por meio do ato reacutegio de 14 de junho de 1637 e tinha

por propoacutesito consolidar posiccedilatildeo na margem esquerda do baixo Amazonas Sua

aacuterea correspondia agrave do atual Estado do Amapaacute dilatado para o interior do

continente no litoral a capitania estendia-se da foz do Rio Amazonas ateacute o Rio

Oiapoque que desaacutegua no oceano a oeste do Cabo Orange A doaccedilatildeo dessa

estrateacutegica capitania foi feita a Bento Maciel em reconhecimento aos serviccedilos que

ele havia prestado para a conquista da regiatildeo42

Depois da fixaccedilatildeo dos franceses em Caiena os conflitos com os portugueses

instalados em Beleacutem e arredores na foz do Rio Amazonas resultaram em uma

longa disputa territorial resolvida em definitivo apenas em 1900 na Repuacuteblica com

o arbitramento internacional da questatildeo feito pelo Conselho Federal Suiacuteccedilo que

decidiu favoravelmente ao Brasil na definiccedilatildeo de suas fronteiras mais setentrionais

com a Guiana Francesa Entretanto a decisatildeo final reconhecendo como brasileira a

regiatildeo em disputa soacute foi possiacutevel diante de vasta documentaccedilatildeo e fortes

argumentos todos apresentados por Rio Branco ao governo de Berna provando os

esforccedilos de colonizaccedilatildeo portuguesa da regiatildeo sobretudo aqueles empreendidos no

periacuteodo colonial

Pretendiam os franceses que os limites de sua possessatildeo sul americana fossem ateacute

o Cabo Norte ao norte do Rio Araguari que desaacutegua praticamente na foz do Rio

Amazonas Ressalta Syneacutesio Sampaio Goacutees Filho que o proacuteprio nome da empresa

criada pelo cardeal Richelieu em 1633 para colonizar a regiatildeo a Companie du Cap

Nort demonstra claramente as intenccedilotildees francesas de ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

(GOacuteES FILHO 2001)

42 A Capitania do Cabo Norte subordinada ao Estado do Maranhatildeo existiu transitoriamente sendo extinta de fato apoacutes a morte de seu terceiro donataacuterio que natildeo deixou herdeiros e seu territoacuterio revertido para o domiacutenio da Coroa

134

Os portugueses por sua vez alegavam que o limite entre os seus domiacutenios e os dos

franceses estava claramente definido pelo Rio Oiapoque conhecido tambeacutem por Rio

Vicente Pinzoacuten

Essa questatildeo de fronteiras era particularmente importante sobretudo porque o

objeto de impasse e disputa natildeo dizia respeito apenas a uma faixa de terra litoracircnea

o que estava em jogo era o controle exclusivo da estrateacutegica navegaccedilatildeo pelo Rio

Amazonas

Por conta da disputa logo comeccedilaram as divergecircncias entre portugueses e

franceses sobre a posse das terras do Cabo Norte em uma sucessatildeo de acordos

ora favoraacuteveis ora desfavoraacuteveis que precederam agrave decisatildeo final soacute conseguida

como se verificou nos primeiros anos da Repuacuteblica

Conforme anteriormente comentado documentos espanhoacuteis existentes no Museu

Britacircnico datados de 4 de novembro de 1621 enviados de Madri ao Conselho do

Governo em Lisboa e revelados por Rio Branco em suas memoacuterias sobre os limites

com a Guiana Francesa indicam claramente a intenccedilatildeo da Espanha em se utilizar

dos portugueses para a conquista e ocupaccedilatildeo amazocircnica priorizando sobretudo as

terras situadas na regiatildeo do Cabo Norte

ldquoque se poblasse la costa que corre del Brasil hasta Santo Thomeacute de Guyana y Bocas Del Drago y los demais rios y los que fuerem tan anchos que no alcance la artilharia de uma parte aacute outra se fortifiquem y aunque esta conquista es la Corona de Castilla se podria encomendar a la de Portugal por venirles mas a quenta y que por la noticia que ay de que en la otra costa ay poblaciones de Ingleses y Olandeses se podria embiar a reconozer e conforme lo que huviesse podraacute tomar resolucion y prevehir lo necessaacuterio para echar losrdquo (REIS 1948 tomo 1p 39)

A partir do Cabo Norte podiam os estrangeiros alcanccedilar o vale amazocircnico

ameaccedilando toda a empresa colonial ibeacuterica na regiatildeo A defesa e a posse daqueles

territoacuterios eram incontestavelmente uma prioridade de Madri Como os espanhoacuteis

instalados na Venezuela natildeo podiam defender toda a orla mariacutetima ateacute o Rio

Amazonas a incumbecircncia dessa missatildeo coube aos portugueses instalados em

Beleacutem

135

Bento Maciel tomou posse da doaccedilatildeo concedida por Felipe IV de Espanha a

Capitania do Cabo Norte em 30 de maio de 1639 sendo sucedido apoacutes sua morte

em 1641 por seu filho Bento Maciel Parente Com o advento da Restauraccedilatildeo Dom

Joatildeo IV manteve a doaccedilatildeo filipina em carta patente de 9 de julho de 1645

confirmando que os territoacuterios coloniais portugueses continuavam ateacute o Rio Vicente

Pinzoacuten Em 1647 os portugueses expulsaram um grupo de holandeses que

procuravam instalar-se na regiatildeo dos lagos do Rio Araguari e penetraram no Rio

Jari em 1654 estabelecendo as condiccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado (REIS

1948)

Os franceses por sua vez haviam abandonado Caiena e o litoral guianense em

1653 apoacutes uma fracassada tentativa de colonizaccedilatildeo deixando a regiatildeo livre para a

ocupaccedilatildeo dos holandeses do Suriname e de outros batavos que haviam sido

expulsos de Pernambuco retornando uma deacutecada mais tarde em 1664 em

cumprimento a uma resoluccedilatildeo de Jean-Baptiste Colbert (1619-83) responsaacutevel

pelas reformas financeiras do reinado de Luiacutes XIV Essa nova tentativa tambeacutem

fracassou e em 22 de setembro de 1666 Caiena caiacutea em matildeos de ingleses sendo

restituiacuteda agrave Franccedila por um acordo de paz entre as duas Coroas Logo depois em

1674 os holandeses se apossam da colocircnia francesa sendo expulsos somente 3

anos mais tarde Ressalta Freacutedeacuteric Mauro que foi necessaacuteria a intervenccedilatildeo de uma

esquadra francesa comandada pelo almirante drsquoEstreacutes para repelir os holandeses

da regiatildeo em batalha ocorrida na foz do Rio Oiapoque no ano de 1677 (MAURO

1991)

Foi com a nomeaccedilatildeo do marquecircs de Ferroles em 1679 como governador da

colocircnia que Caiena iniciou a consolidaccedilatildeo da presenccedila francesa na regiatildeo

Entretanto mesmo admitindo judeus e protestantes para aumentar o povoamento

Caiena permaneceu uma colocircnia pobre e pouco atrativa principalmente quando

comparada agraves demais colocircnias francesas das Caraiacutebas Guadalupe e Martinica Foi

tambeacutem com o marquecircs de Ferrolles que se iniciaram as disputas territoriais com os

portugueses ele expediu cartas de autorizaccedilatildeo aos colonos para empreendimentos

comerciais na regiatildeo do Rio Oiapoque voltando as atenccedilotildees para leste em uma

clara tentativa de alongar a expansatildeo francesa na direccedilatildeo da foz do Rio Amazonas e

desviar de Beleacutem parte do traacutefico de especiarias regionais as drogas do sertatildeo

136

vindas do interior amazocircnico Os franceses comeccedilaram entatildeo a realizar incursotildees

nas terras do Cabo Norte motivados pelos lucros do pescado e do escambo com os

nativos chegaram mesmo agraves proximidades de Gurupaacute sendo repelidos daquela

regiatildeo em 1679 Diante dessas ameaccedilas os portugueses passaram a organizar

escoltas partindo de Desterro e Araguari para fiscalizar o litoral ateacute o Oiapoque e

reprimir o escambo feito com os nativos (REIS 1948)

Apesar das incursotildees francesas e do patrulhamento portuguecircs a regiatildeo litoracircnea do

Cabo Norte permanecia pouco explorada e muito pouco povoada

Pouco antes dessas incursotildees em 1660 e cumprindo ordens reacutegias Pedro da

Costa Favela alcanccedilou o Rio Araguari e levantou fortificaccedilotildees que deveriam garantir

o esforccedilo de expansatildeo dos coletores de drogas do sertatildeo proteger a accedilatildeo dos

missionaacuterios portugueses e manter o controle dos indiacutegenas da regiatildeo Segundo

Arthur Ceacutesar Ferreira Reis ateacute entatildeo a presenccedila dos franceses de Caiena entre o

Rio Oiapoque e o Rio Amazonas natildeo podia ser comprovada restringindo-se a accedilotildees

de alguns poucos mercenaacuterios a serviccedilo dos holandeses (REIS 1948)

Diante das incursotildees francesas Lisboa expediu carta reacutegia datada de 1ordm de abril de

1680 determinando que padres da Companhia de Jesus fossem mandados atuar do

outro lado do Rio Amazonas na parte do Cabo Norte Os padres Piacuteer Luigi Consalvi

e Aloiacutesio Conrado Pfeil iniciaram a catequese no Rio Araguari O padre Pfeil que era

matemaacutetico e pintor estudou a regiatildeo e traccedilou um mapa com os acidentes

geograacuteficos desde o Rio Amazonas remetendo as informaccedilotildees para a Corte (REIS

1948)

Outra carta reacutegia essa datada de 2 de setembro de 1684 ordenou ao governador

do Estado que estudasse a fortificaccedilatildeo do Cabo Norte bem como colhesse as

informaccedilotildees sobre os iacutendios e a situaccedilatildeo do povoamento luso-brasileiro Informada

Lisboa sobre a accedilatildeo dos franceses principalmente de suas relaccedilotildees comerciais

com os nativos o Conselho Ultramarino expediu parecer para que o governador

impedisse as accedilotildees dos estrangeiros na regiatildeo aprisionando se necessaacuterio

aqueles que descumprissem essas determinaccedilotildees reais consolidadas em carta

reacutegia de 2 de fevereiro de 1686 Mas apesar dessas medidas natildeo cessou a

137

penetraccedilatildeo francesa nos territoacuterios considerados portugueses Lisboa entatildeo

determinou em 24 de fevereiro de 1686 que fosse levantada uma fortificaccedilatildeo na

antiga posiccedilatildeo inglesa do Torrego Uma comissatildeo composta pelo capitatildeo-mor do

Paraacute um engenheiro e dois jesuiacutetas percorreu o Cabo Norte escolhendo as

posiccedilotildees para instalaccedilatildeo dos fortes e das missotildees religiosas erigindo uma pequena

casa-forte na confluecircncia do Rio Maiacari com o Rio Araguari acesso aos lagos

interiores da regiatildeo a despeito de todas as condiccedilotildees adversas sobretudo dos

alagadiccedilos caracteriacutesticos daquela costa e da pororoca que ameaccedilava a navegaccedilatildeo

A casa-forte do Maiacari-Araguari foi guarnecida por 25 soldados e 3 canhotildees e

ficaria pronta em dezembro de 1687 Em 25 de marccedilo de 1688 Dom Pedro II

nomeou Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho para comandar as fortalezas

do Cabo Norte dando a ele independecircncia em relaccedilatildeo ao governador do Estado do

Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute para decidir sobre accedilotildees militares (REIS 1948)

Todas essas determinaccedilotildees reacutegias deixam claro a opccedilatildeo poliacutetica e militar de Lisboa

para manter a regiatildeo e prover sua defesa contra os estrangeiros particularmente os

franceses de Caiena

Mas de todo modo a situaccedilatildeo permanecia indefinida e o proacuteprio de Ferrolles

penetrou o Rio Araguari alcanccedilando a fortaleza portuguesa em 1688 Durante a

incursatildeo de Ferrolles encontrou-se com o padre Pfeill reivindicou a posse daqueles

territoacuterios e preparou uma minuciosa descriccedilatildeo de sua aventura agraves autoridades

francesas

A partir dessa viagem Lisboa intensificou as determinaccedilotildees ao governador do

Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute as cartas reacutegias de outubro e novembro de 1690

setembro de 1691 e novembro de 1692 ordenavam a atuaccedilatildeo de religiosos nas

fronteiras a proibiccedilatildeo de guerra aos iacutendios aliados dos franceses e agradeciam os

esforccedilos de fortificaccedilatildeo em andamento no Cabo Norte A carta reacutegia de 19 de marccedilo

de 1693 regulava as atividades das Ordens religiosas e sua distribuiccedilatildeo territorial na

Amazocircnia cabendo aos padres de Santo Antocircnio a tarefa de atuar nas terras ao

norte do Amazonas (REIS 1948)

138

A situaccedilatildeo se deteriora Em 1697 de Ferrolles recebe ordens especiais de Luiacutes XIV

para levar adiante a expansatildeo francesa ateacute o Rio Amazonas incursionando sobre as

posiccedilotildees portuguesas do Cabo Norte Depois de 11 dias de viagem tendo saiacutedo de

Caiena alcanccedila a fortaleza de Macapaacute em 31 de maio de 1697 toma a fortificaccedilatildeo

e prossegue ateacute o Rio Paru onde destroacutei outro forte laacute existente

Naquele momento o governador do Estado enfrentava outras questotildees relacionadas

aos limites amazocircnicos missionaacuterios a serviccedilo de Espanha ameaccedilavam se apossar

do Rio Solimotildees e havia notiacutecia de que holandeses incursionavam no Rio Negro e

no Rio Branco A situaccedilatildeo do Cabo Norte exigiu uma accedilatildeo raacutepida dos portugueses

que reconquistaram Macapaacute em 10 de julho de 1697 Novas instruccedilotildees para

resguardar a regiatildeo satildeo enviadas ao governador em 12 e 14 de dezembro de 1697

no ano seguinte cartas reacutegias de 4 de marccedilo e 9 de dezembro determinavam que

se impedisse tambeacutem as accedilotildees dos holandeses do Suriname

Todavia questotildees da poliacutetica europeacuteia ofereceram uma soluccedilatildeo temporaacuteria para o

impasse do Cabo Norte Uma aproximaccedilatildeo entre Luiacutes XIV e Pedro II por ocasiatildeo da

sucessatildeo de Espanha resultou na assinatura de um Tratado Provisoacuterio em 4 de

marccedilo de 1700 estabelecendo uma treacutegua na disputa as terras entre o Rio

Oiapoque e o Rio Amazonas passaram a ser consideradas neutras ateacute a concepccedilatildeo

de um ajuste definitivo esse acerto permitia que as relaccedilotildees de amizade entre as

duas coroas natildeo fossem alteradas

Seriam demolidos os fortes de Araguari Cumauacute e Macapaacute devendo ser retirado

deles todo pessoal a serviccedilo das fortificaccedilotildees incluindo os aldeamentos indiacutegenas

nos arredores daquelas praccedilas Portugueses e franceses ficariam impedidos de

ocupar aquelas terras ateacute que se chegasse a uma soluccedilatildeo definitiva para o impasse

(REIS 1948)

Confirmado em 18 de junho de 1701 o Tratado Provisoacuterio torna-se Tratado definitivo

e perpeacutetuo Os portugueses foram levados a reconhecer uma neutralidade que dava

agrave Franccedila a oportunidade de enfim legalmente pleitear direitos sobre a regiatildeo

incluindo mesmo a livre navegaccedilatildeo do Amazonas O Tratado foi francamente

desfavoraacutevel aos interesses coloniais portugueses

139

A situaccedilatildeo poliacutetica europeacuteia entretanto mudou rapidamente Portugal e Franccedila

desfizeram suas alianccedilas durante a Guerra de Sucessatildeo da Espanha ocorrida entre

1701 e 1713 o que colocou em lados opostos as duas Coroas europeacuteias Com o

apoio da Inglaterra os portugueses declararam nulo os dois acordos firmados com a

Espanha e apelaram aos aliados ingleses para que interviessem visando a uma

soluccedilatildeo negociada para a questatildeo do Cabo Norte

Em 11 de abril de 1713 na Holanda sob a mediaccedilatildeo da rainha inglesa Anne e ao

final da Guerra de Sucessatildeo Portugal e Franccedila assinaram o Primeiro Tratado de

Utrecht pelo qual Portugal graccedilas ao apoio de seu aliado britacircnico conseguiu que a

Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees estabelecendo o Rio

Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica

Luiacutes XIV reconhecia que ldquoas duas margens do rio Amazonas tanto a meridional

como a setentrional eram de inteira propriedade domiacutenio e soberania de Sua

Majestade Portuguesaldquo prometendo mesmo ldquonunca apresentar qualquer pretensatildeo

agrave navegaccedilatildeo e ao uso do referido rio fosse a que pretexto fosserdquo (Artigo X do

Tratado de Utrecht)

O artigo VIII natildeo deixa duacutevidas ldquoSua Majestade Cristianiacutessima desistiraacute para sempre

[] de todo e qualquer direito e pretensatildeo que pode ou poderaacute ter sobre a

propriedade das terras chamadas do Cabo Norte e situadas entre os rios Amazonas

e Japoc ou Vicente Pinzoacutenrdquo 43

43 Transcriccedilatildeo do Tratado de Paz entre Sua Majestade Cristianiacutessima e Sua Majestade Portuguesa concluiacutedo em Utrecht a 11 de abril de 1713 Artigo VIII A fim de prevenir toda a ocasiatildeo de discoacuterdia que poderia haver entre os vassalos da Coroa de Franccedila e os da Coroa de Portugal Sua Majestade Cristianiacutessima desistiraacute para sempre como presentemente desiste por este Tratado pelos termos mais fortes e mais autecircnticos e com todas as claacuteusulas que se requerem como se elas aqui fossem declaradas assim em seu nome como de seus Descendentes Sucessores e Herdeiros de todo e qualquer direito e pretensatildeo que pode ou poderaacute ter sobre a propriedade das terras chamadas de Cabo do Norte e situadas entre o Rio das Amazonas e o de Japoc ou de Vicente Pinzoacuten sem reservar ou reter porccedilatildeo alguma das ditas terras para que elas sejam possuiacutedas daqui em diante por Sua Majestade Portuguesa seus Descendentes Sucessores e Herdeiros com todos os direitos de Soberania Poder absoluto e inteiro Domiacutenio como parte de seus Estados e lhe fiquem perpetuamente sem que Sua Majestade portuguesa seus Descendentes Sucessores e Herdeiros possam jamais ser perturbadas na dita posse por Sua Majestade Cristianiacutessima seus Descendentes Sucessores e Herdeirosrdquo

140

A assinatura do Tratado de Utrecht entretanto natildeo resolveu definitivamente a

questatildeo de fronteira do Cabo Norte

Lembra Syneacutesio Goacutees Filho que poucos anos apoacutes o acordo de paz mais

precisamente a partir de 1725 as autoridades francesas de Caiena comeccedilaram a

manifestar duacutevidas sobre a localizaccedilatildeo do Rio Japoc ou Vicente Pinzoacuten referido no

Tratado de Utrecht (GOacuteES FILHO 2001) (Mapa 17) O ato reacutegio de 15 de abril de 1709 anterior portanto ao Tratado de Utrecht

determinava que fossem organizadas forccedilas volantes sob a denominaccedilatildeo de tropas

de guarda-costas que deveriam zelar pela seguranccedila dos missionaacuterios e colonos ao

longo da costa ateacute o Rio Oiapoque combatendo as tentativas francesas de

penetraccedilatildeo Assinado o acordo de paz os patrulhamentos foram mantidos

principalmente porque os franceses de Caiena mantiveram suas accedilotildees comerciais

aleacutem do Rio Oiapoque em territoacuterio acordado como portuguecircs (REIS 1948)

Apesar dessas precauccedilotildees as incursotildees dos corsaacuterios franceses se intensificaram

com o aprisionamento de indiacutegenas do Cabo Norte sobretudo durante o governo de

Claude Guillouet dOrvilliers agrave frente da administraccedilatildeo de Caiena entre os anos de

1716 a 1720 e 1722 a 1729 A reaccedilatildeo portuguesa a essas investidas foi mais eficaz

com o capitatildeo-general Joatildeo da Maia da Gama que governou o Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute entre os anos de 1722 e 1728 periacuteodo em que foram intensificadas as

rotineiras expediccedilotildees das tropas de guarda-costas e organizadas quatro grandes

expediccedilotildees militares agrave regiatildeo

Tambeacutem foi durante seu governo que em 1727 o oficial portuguecircs Francisco de

Mello Palheta ao regressar de uma missatildeo em Caiena trouxe as primeiras mudas

de cafeacute para o Brasil44

44 As mudas plantadas no Paraacute floresceram sem dificuldade mas natildeo seria no ambiente amazocircnico que a nova planta iria tornar-se a principal do paiacutes um seacuteculo e meio mais tarde Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o consumo da bebida crescia extraordinariamente exigindo o constante aumento da produccedilatildeo o cafeacute saltou para o Rio de Janeiro onde comeccedilou a ser plantado em 1781 por Joatildeo Alberto de Castello Branco Tinha iniacutecio assim um novo ciclo econocircmico na histoacuteria do paiacutes Esgotado o ciclo da mineraccedilatildeo do ouro em Minas Gerais outra riqueza surgia provocando a emergecircncia de uma aristocracia e promovendo o progresso do Impeacuterio e da Primeira Repuacuteblica Penetrando pelo vale do rio Paraiacuteba a mancha verde dos cafezais que jaacute dominava paisagem fluminense chegou a Satildeo Paulo que a partir da deacutecada de 1880 passou a ser o principal produtor

142

Os portugueses decidiram ampliar entatildeo a fortaleza de Satildeo Joseacute do Macapaacute em

1738 com o objetivo de melhorar a defesa da regiatildeo e barrar as incursotildees dos

franceses

Apesar desses esforccedilos a colonizaccedilatildeo do Cabo Norte viria a ganhar novo impulso

apenas no periacuteodo pombalino quando Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado

assumiu o governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo em 24 de setembro de

1751 Em dezembro do mesmo ano Mendonccedila Furtado organizou uma expediccedilatildeo a

Macapaacute constituiacuteda por soldados e colonos vindos da Ilha dos Accedilores Apesar das

dificuldades e da insalubridade da regiatildeo assolada por epidemias e doenccedilas a

manutenccedilatildeo do Cabo Norte foi uma preocupaccedilatildeo permanente das autoridades

portuguesas nesse periacuteodo

Caiena por sua vez manteve no seacuteculo XVIII uma posiccedilatildeo secundaacuteria em relaccedilatildeo

agraves colocircnias francesas das Antilhas mas sua economia natildeo podia ser desprezada A

colocircnia manteve um plano de colonizaccedilatildeo e povoamento produzia accediluacutecar embora

tivesse havido forte decliacutenio na produccedilatildeo no periacuteodo de 1698 a 1771 exportava para

os mercados europeus o roucou aacutervore usada pela induacutestria da tinturaria produzia

tambeacutem cacau cafeacute e algodatildeo (MAURO 1991)

Com o expansionismo da Franccedila napoleocircnica a situaccedilatildeo portuguesa no contexto

das potecircncias europeacuteias ficou cada vez mais fraacutegil assumindo mesmo uma niacutetida

posiccedilatildeo de fraqueza Em 10 de agosto de 1797 apoacutes sofrer fortes pressotildees

Portugal assina o chamado Tratado de Paris pelo qual se estabelecia como limite

das possessotildees portuguesas do Cabo Norte o Rio Calccediloene entre o Rio Oiapoque

e o Rio Araguari Em 6 de junho de 1801 pelo Tratado de Badajoacutes Portugal recua

novamente aceitando como limite o Rio Araguari e em seguida pelo Tratado de

Madri assinado em 29 de setembro de 1801 cedeu mais ainda aceitando que a

fronteira passasse pelo pequeno Rio Carapanatuba que desaacutegua no estuaacuterio do

Amazonas proacuteximo ao Forte de Macapaacute No Tratado de Amiens assinado em 27 de

marccedilo de 1802 entre Franccedila e Espanha sem a presenccedila portuguesa restaurou-se

a fronteira pelo Rio Araguari (GOacuteES FILHO 2001)

nacional da rubiaacutecea (cafeacute) Na sua marcha foi criando cidades e fazendo fortunas Ao terminar o seacuteculo XIX o Brasil controlava o mercado cafeeiro mundial

143

Todos esses acordos foram firmados em momento de extrema fragilidade da poliacutetica

externa portuguesa e representavam se implementados enormes perdas

territoriais ameaccedilando toda a expansatildeo colonial realizada na Amazocircnia desde o

iniacutecio do seacuteculo XVII

A ascensatildeo de Napoleatildeo Bonaparte ao poder na Franccedila declarando-se imperador

em 1804 deu iniacutecio agraves chamadas guerras napoleocircnicas As relaccedilotildees jaacute difiacuteceis entre

as duas Coroas resultaram na invasatildeo de Portugal pelos exeacutercitos franceses e em

declaraccedilatildeo de guerra agrave Franccedila pelo priacutencipe regente Dom Joatildeo em maio de 1808

nessa altura jaacute estabelecido em terras brasileiras no Rio de Janeiro Portugal

declarou tambeacutem nulos todos os acordos posteriores a Utrecht assinado em 1713

sob a alegaccedilatildeo de que haviam sido obtidos pela forccedila Apoacutes a declaraccedilatildeo de guerra

Dom Joatildeo e seu ministro da Guerra Dom Rodrigo de Souza Coutinho planejaram

uma incursatildeo militar aos domiacutenios franceses em Caiena Em novembro de 1808 as

tropas portuguesas sob o comando de Manoel Marques partiram de Beleacutem em 12

de janeiro de 1809 Caiena capitulava e era entatildeo anexada aos territoacuterios coloniais

portugueses Manoel Marques governou Caiena provisoriamente e em marccedilo de

1810 Joatildeo Severiano Maciel da Costa assumiu a administraccedilatildeo da nova possessatildeo

portuguesa dando iniacutecio a uma administraccedilatildeo de quase 8 anos45

Entre 1814 e 1815 os liacutederes das naccedilotildees europeacuteias reuniram-se no chamado

Congresso de Viena constituiacutedo para discutir e promover a reorganizaccedilatildeo territorial

europeacuteia no periacuteodo do poacutes-guerra napoleocircnica O principal objetivo era redefinir o

mapa poliacutetico da Europa e restaurar o equiliacutebrio rompido por Napoleatildeo

Como resultado imediato do Congresso de Viena Portugal e Franccedila firmaram novo

acordo de limites coloniais com o propoacutesito de encerrar a disputa pelo Cabo Norte

tambeacutem conhecida como Questatildeo Caiena Os portugueses se comprometeram a

devolver Caiena desde que os franceses reconhecessem o Rio Oiapoque como

limite entre suas possessotildees americanas

45 Sobre a administraccedilatildeo portuguesa de Caiena ver estudo de SOARES Ana Carolina Eiras Coelho e DUARTE Elaine Cristina Ferreira publicado no Artigo O Impeacuterio luso-brasileiro Caiena Disponiacutevel em wwwarquivonacionalgovbrhistoriacolonial acesso em 4 de abril de 2006

144

O texto do Tratado estabelecia que o territoacuterio colonial portuguecircs ia ldquoateacute o Rio

Oiapoque cuja embocadura estaacute situada entre o quarto e o quinto grau de latitude

Norte limite que Portugal sempre considerou como o fixado pelo Tratado de

Utrechtrdquo 46

Caiena foi devolvida aos franceses em 1817 apoacutes a assinatura de uma convenccedilatildeo

particular entre a Franccedila e o novo Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves

A questatildeo do Cabo Norte natildeo se encerraria com os acordos firmados na Convenccedilatildeo

de Viena em 1815 seriam necessaacuterios mais esforccedilos no Impeacuterio e na Repuacuteblica

para consolidar definitivamente a conquista da regiatildeo realizada sobretudo no

periacuteodo colonial47

52 A missatildeo jesuiacuteta de Samuel Fritz e a disputa pela ocupaccedilatildeo do Rio Solimotildees Viu-se anteriormente que o mundo amazocircnico jaacute havia sido concedido para

exploraccedilatildeo aos soldados espanhoacuteis desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 De

acordo com o historiador argentino Enrique de Gandia em uma seacuterie de atos de 46 Transcriccedilatildeo de parte do Ato do Congresso de Viena assinado em 9 de junho de 1815 Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil para manifestar de maneira incontestaacutevel a sua consideraccedilatildeo particular para com Sua Majestade Cristianiacutessima se obriga a restituir a sua dita Majestade a Guiana Francesa ateacute o rio Oiapoque cuja embocadura estaacute situada entre o quarto e o quinto graus de latitude setentrional limite que Portugal considerou sempre como o que fora fixado pelo Tratado de Utrecht A eacutepoca da entrega desta Colocircnia agrave Sua Majestade Cristianiacutessima seraacute determinada assim que as circunstacircncias o permitirem por uma Convenccedilatildeo particular entre as duas Cortes e proceder-se-aacute amigavelmente com a maior brevidade agrave fixaccedilatildeo definitiva dos limites das Guianas Portuguesa e Guiana conforme o sentido exato do artigo oitavo do Tratado de Utrecht 47 Lembra Syneacutesio Sampaio Goacutees Filho que ldquoEm 1861 eacute publicado em Paris o livro LOyapok et lAmazone de Joaquim Caetano da Silva considerado unanimemente como a maior contribuiccedilatildeo - com os documentos e mapas que apresentou ndash para a defesa dos direitos do Brasil ao Amapaacute ateacute o surgimento 28 anos depois da memoacuteria do Baratildeo do Rio Branco Caetano da Silva nascera em Jaguaratildeo natildeo longe do arroio do Chuiacute limite extremo sul do Brasil e curiosamente tornou-se o autor da grande obra a justificar a posse do Oiapoque o limite extremo norte Uma exceccedilatildeo extrema agrave regra de Arthur Reis de que homens do Impeacuterio nascidos fora da Amazocircnia por ela natildeo se interessaram muito[] Finalmente a primeiro de dezembro de 1900 foi entregue a Rio Branco na sede de sua missatildeo a vila Trautcheim em Berna a sentenccedila do arbiacutetrio Em que pese a opiniatildeo em contraacuterio de alguns autores entre os quais Dioniacutesio Cerqueira a sentenccedila foi inteiramente favoraacutevel ao Brasil Na costa atlacircntica a divisa foi fixada pelo Oiapoque - afinal reconhecido como o Japoc ou Vicente Pinzoacuten de Utrecht ndash e no interior da Guiana o limite ficou sendo divisor de aacuteguas os montes de Tucumaque muito mais proacuteximo das pretensotildees maacuteximas do Brasil do que da Franccedila que reivindicava diferentemente do que mostram muitos mapas da questatildeo um territoacuterio que ultrapassava a regiatildeo do Rio Trombetas A questatildeo do Amapaacute para ela envolvia uma aacuterea de 500000 km2 isto eacute quase 4 vezes maior que o atual Estado do Amapaacute que tem 1400000 km2rdquo (GOacuteES FILHO 2001 p273 e 277)

145

Carlos V que governou a Espanha entre 1516 e 1556 de Felipe II monarca de

1556 a 1598 e de Felipe III rei de 1598 a 1621 a Amazocircnia fora doada a Diego de

Ordaz em 1530 a Francisco de Orellana em 1551 a Jerocircnimo de Aguayo em

1552 a Diego de Vargas em 1554 a Juan Despes em 1563 a Hernandez de

Serpa e Pedro Molover da Silva em 1568 a Juan Ortiz de Zarate em 1569 a

Antonio Berrio em 1585 a Hernando de Oruna y la Hoz em 1601 e a Pedro de

Betranilla em 1604 (REIS 1948)

Todas essas concessotildees no entanto natildeo produziram resultados invalidadas

porque os espanhoacuteis parecem natildeo ter querido se aventurar na difiacutecil empreitada de

colonizaccedilatildeo do vale amazocircnico Alegavam que seriam necessaacuterios muitos recursos

para viabilizar essa empresa Os esforccedilos para conquista da Amazocircnia sobretudo

diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil no Peru ou em Nova Granada

natildeo seriam compensadores

No seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do

vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais proacuteximas da cidade de Quito na

antiga proviacutencia de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees dos Rios Napo e Javari - as

chamadas proviacutencias dos iquitos omaacuteguas e pebas eles natildeo haviam ainda

avanccedilado sobre o vale amazocircnico no sentido de oeste para leste Outro fator que

certamente dificultou essa irradiaccedilatildeo foi a existecircncia da cordilheira andina que

dificultava sobremaneira a penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis funcionando

quase como uma muralha de separaccedilatildeo (GADELHA 2002) Os portugueses por sua vez sobretudo a partir da segunda metade do seacuteculo XVII

jaacute haviam se infiltrado por quase todo o vale amazocircnico ocupando o caminho aberto

por Pedro Teixeira que em 1639 tomara posse da regiatildeo para Portugal em nome

do Rei de Espanha balizando a linha de fronteiras entre as duas naccedilotildees

(GADELHA 2002)

Outro fator poliacutetico importante traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

146

desde 1621 Dessa forma tendo o controle do delta amazocircnico antes do final do

seacuteculo XVII sertanistas soldados e missionaacuterios portugueses percorriam livremente

o vale do Amazonas e ocupavam as suas margens e as de seus afluentes mais

proacuteximos no grande delta atingindo o Rio Negro desde 1656 (GADELHA 2002)

Os acontecimentos e as expediccedilotildees mais importantes que percorreram o Rio

Solimotildees desde a viagem de Pedro Teixeira ateacute a expulsatildeo definitiva dos

missionaacuterios a serviccedilo de Espanha estatildeo descritos a seguir e revelam que

portugueses jaacute haviam alcanccedilado a regiatildeo bem mais cedo que os espanhoacuteis

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas e o Solimotildees agrave testa de uma grande

expediccedilatildeo atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo

com o Rio Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo

as tropas de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio

Tapajoacutes

1663- Manuel Coelho com uma tropa de resgates alcanccedila o Rio Solimotildees

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro na confluecircncia com o

Solimotildees lanccedilando os fundamentos do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da

futura cidade de Manaus

1671- Os jesuiacutetas Manoel Pires e Joatildeo Maria Gorzoni sobem o Rio Solimotildees

1671- O sertanista Manoel Coelho penetra no alto Solimotildees agrave frente de uma tropa

de resgate

1673- Francisco Lopes com uma tropa de resgate percorre o Solimotildees

1681- Os missionaacuterios espanhoacuteis que operavam no Marantildeon e Solimotildees

reclamaram perante seus superiores contra a penetraccedilatildeo dos sertanistas luso-

brasileiros que estavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os

interesses de Espanha

1684- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilotildees no Rio Solimotildees a fim de garantir a

soberania portuguesa na regiatildeo

1689- Num memorial apresentado agraves autoridades paraenses e ao Vice-Rei do Peru

o missionaacuterio Samuel Fritz a serviccedilo de Espanha registra sob protesto a presenccedila

dos sertanistas luso-brasileiros que subiam o Rio Solimotildees penetravam jaacute no

Marantildeon numa irradiaccedilatildeo que punha em perigo os interesses de Espanha

147

1691-Antonio de Miranda e Noronha vai ao Rio Solimotildees conduzindo o jesuiacuteta

Samuel Fritz e em presenccedila dos inacianos declara a regiatildeo como parte integrante

dos territoacuterios da Coroa portuguesa

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram atribuiacutedos os Rio Negro Madeira e

Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e Solimotildees

passariam depois para os carmelitas

1695- Antocircnio de Miranda e Noronha volta ao Solimotildees procedendo a um inqueacuterito

para apurar a penetraccedilatildeo espanhola que continuava a operar-se por intermeacutedio dos

jesuiacutetas de maynas

1695- Os carmelitas entram em atividade no Solimotildees e no Negro

1696- Ordem reacutegia mandando pocircr fora do Solimotildees todos os espanhoacuteis que fossem

encontrados nesse trecho do vale amazocircnico que devia ser mantido sob a soberania luso-brasileira

1697- Joseacute Antunes da Fonseca por ordem real toma posse solene do Solimotildees

para a Coroa portuguesa entregando a catequese das populaccedilotildees nativas agrave Ordem

dos Carmelitas

1697- Antonio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre a atuaccedilatildeo

que deveriam exercer tanto no Solimotildees como no Rio Negro sendo que naquela

regiatildeo deveriam agir de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo

assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias renovando as determinaccedilotildees

anteriores

1706- Alvaraacute de agradecimento aos carmelitas pela accedilatildeo decisiva na defesa dos

interesses portugueses na regiatildeo do Solimotildees

1708- Samuel Fritz que orientava as missotildees dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no

Marantildeon e procurava salvar para a soberania espanhola aquelas terras eacute contido

pela presenccedila dos carmelitas e dos sertanistas paraenses e maranhenses

1709- Inaacutecio Correa de Oliveira potildee fora do Solimotildees os inacianos que sob a

direccedilatildeo de Joatildeo Batista Sana trabalhavam para os interesses de Espanha

1710- Joseacute Antunes da Fonseca combate por ordem do governador Cristovatildeo da

Costa Freire os espanhoacuteis que haviam incendiado os aldeamentos dos carmelitas

portugueses no Solimotildees e aprisionado o capitatildeo Inaacutecio Correa

148

1722- Miguel de Siqueira Chaves sobe o Solimotildees em uma diligecircncia oficial

verificando as condiccedilotildees da soberania luso-brasileira em face dos propoacutesitos dos

jesuiacutetas a serviccedilo da Espanha

1722- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilatildeo no Solimotildees e no Napo onde devia ser

mantida a fronteira dos territoacuterios portugueses com os espanhoacuteis no vale amazocircnico

1731-1732- Belchior Mendes Moraes sobe o Solimotildees passa ao Marantildeon com o

objetivo de levantar casa-forte na boca do Rio Napo ateacute onde chegavam entatildeo as

incursotildees sertanistas

1732- Gregoacuterio de Moraes Rego com tropa de resgates opera com excessos na

regiatildeo cujas tabas satildeo tambeacutem visitadas nessa mesma eacutepoca por outros

sertanistas

1734- Ordem reacutegia mandando expulsar ou prender qualquer espanhol que fosse

encontrado no Solimotildees

1734- Alexandre de Souza Freire capitatildeo-general do Estado apresenta longo

informe sobre a situaccedilatildeo do Solimotildees que era um domiacutenio da Coroa portuguesa

1737- Nova ordem reacutegia mandando agir contra os espanhoacuteis que pretendessem

incursionar sobre o Solimotildees

1737- Os jesuiacutetas espanhoacuteis protestam perante o capitatildeo-general do Gratildeo-Paraacute

contra a atuaccedilatildeo luso-brasileira que se ampliava dia a dia sobre o Marantildeon em

direccedilatildeo ao Rio Napo O capitatildeo-general Castelo Branco responde provando o

fundamento legal dessa expansatildeo

1741- Os jesuiacutetas espanhoacuteis que atuavam no Marantildeon informam em longas

memoacuterias endereccediladas aos seus superiores que os sertanistas brasileiros

irradiavam em direccedilatildeo ao Napo (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

Desinteressados pela regiatildeo do vale amazocircnico desde o seacuteculo XVII as

autoridades espanholas preferiram entregar aos missionaacuterios franciscanos e depois

aos jesuiacutetas a missatildeo de defesa de seus territoacuterios coloniais americanos perifeacutericos

mais extremos

Da mesma forma que Portugal a Espanha tambeacutem lanccedilou matildeo de religiosos para

realizar as tarefas de conquista e ocupaccedilatildeo de seus territoacuterios coloniais Inuacutemeras

missotildees ou como chamavam os espanhoacuteis reduccedilotildees foram fundadas Chiquitos

149

Moxos Maynas Putumayo e Orenoco alcanccedilando respectivamente os Rios

Mamoreacute Marantildeon Solimotildees Iccedilaacute e Orenoco (REIS 1948)

Os territoacuterios ocupados por essas missotildees se contrapunham agraves posiccedilotildees

portuguesas nos atuais Estados do Mato Grosso e Amazonas abrangendo os Rios

Madeira Mamoreacute Guaporeacute Solimotildees e Negro

A accedilatildeo missionaacuteria jesuiacutetica espanhola nos territoacuterios do alto Amazonas iniciou-se a

partir de Quito no atual Equador e Pasto na Colocircmbia no final do seacuteculo XVI e

pouco a pouco foi se expandindo ateacute as zonas adjacentes A pequena cidade de

Borja nas margens do Rio Marantildeon transformou-se na base de irradiaccedilatildeo dos

inacianos em direccedilatildeo ao vale amazocircnico O estabelecimento de aldeamentos

missionaacuterios ao longo dos Rios Napo Huallaga Ucayali Marantildeon e Solimotildees foram

de fato as primeiras tentativas de controle efetivo da regiatildeo realizadas pelos

colonizadores espanhoacuteis e contaram com o auxiacutelio da Companhia de Jesus

(PREZIA 1981)

A regiatildeo a leste de Borja era povoada pelos maynas uma das primeiras naccedilotildees

indiacutegenas a ser catequizada pelos jesuiacutetas e a ser alvo dos escravizadores de

iacutendios os encomenderos A partir da catequese desse grupo uma vasta aacuterea

amazocircnica viria a ser conhecida como proviacutencia de maynas ou mais precisamente

por reduccedilotildees de maynas

Em 1681 missionaacuterios jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha que atuavam no Rio Marantildeon

e Solimotildees informaram aos superiores da Ordem sobre a penetraccedilatildeo de sertanistas

luso-brasileiros que estavam segundo reclamavam em franca atividade na regiatildeo

pondo em perigo os interesses espanhoacuteis

O movimento contraacuterio agrave presenccedila portuguesa no Rio Solimotildees foi conduzido e

liderado por um inaciano europeu nascido na Boecircmia o padre Samuel Fritz48

48 Samuel Fritz (1654-1725) nasceu em Trutnov na Boecircmia do Norte Em 1672 foi para Praga estudar filosofia e um ano mais tarde ingressou na Companhia de Jesus Em 1680 foi admitido na Universidade Olomouc para estudar teologia onde em 1683 decidiu tornar-se missionaacuterio solicitando ao superior da Ordem que fosse enviado ao Novo Mundo No continente sul-americano Samuel Fritz trabalhou durante quase 20 anos entre os omaacuteguas grupo eacutetnico de origem tupi que

150

No dia 28 de novembro de 1684 depois de uma difiacutecil travessia do Atlacircntico que

consumiu mais de 2 meses de viagem chega a Cartagena na atual Colocircmbia o

padre Samuel Fritz acompanhado por outros missionaacuterios enviados para a

catequizaccedilatildeo no Rio Marantildeon Apoacutes curto descanso o grupo parte para o interior

do continente numa empreitada de aproximadamente 2000 km de extensatildeo

inicialmente sobem contra a corrente o Rio Magdalena e depois fazem a

travessia pela cadeia dos Andes ateacute Quito onde chegam em 27 de agosto de

1685 Laacute permanecem por 2 meses alojados no coleacutegio jesuiacuteta da cidade

planejando a organizaccedilatildeo das missotildees evangelizadoras Em outubro iniciam uma

longa viagem atravessando a cordilheira andina em direccedilatildeo agrave Amazocircnia Em 18 de

novembro quase 1 ano depois de sua chegada agrave Ameacuterica Fritz alcanccedila o povoado

de Laguna o centro da proviacutencia de maynas fundada agrave margem direita do Rio

Huallaga no Vale do Rio Marantildeon Em Laguna eacute encarregado pelo superior da

Ordem da missatildeo de catequese da tribo dos omaacuteguas grupo eacutetnico numeroso e

muito temido que habitava numerosas ilhas e margens do vale meacutedio do Rio

Amazonas desde o Rio Napo afluente da margem esquerda ateacute o Rio Negro Nos

primeiros meses de 1686 o padre Fritz alcanccedila a regiatildeo dos omaacuteguas e inicia sua

atuaccedilatildeo junto agravequeles indiacutegenas com os quais viveu ateacute 1704 quando entatildeo foi

promovido a superior da Ordem e viu-se obrigado a retornar agrave Laguna No periacuteodo

em que permaneceu nos territoacuterios dos omaacuteguas fundou mais de 30 reduccedilotildees

nomeando Satildeo Joaquim como o centro principal da missatildeo

No iniacutecio do ano de 1689 Fritz iniciou a navegaccedilatildeo do Rio Amazonas em direccedilatildeo

aos territoacuterios visitados e ocupados pelos portugueses Sua intenccedilatildeo era ampliar as

reduccedilotildees espanholas no vale amazocircnico com a conversatildeo das diversas tribos que

estavam instaladas ao longo do Rio Maranotilden e Solimotildees Durante a viagem fundou

as missotildees de Taracuateua (futura Nossa Senhora de Guadalupe) Satildeo Paulo dos

Cambebas (Satildeo Paulo de Olivenccedila) Santana do Coari (Coari) Amaturaacute ou Satildeo

habitava o vale meacutedio do Rio Amazonas Nessa regiatildeo Fritz fundou mais de 30 reduccedilotildees Em 1689 iniciou a navegaccedilatildeo a jusante do Rio Amazonas Durante a viagem apoacutes adquirir uma enfermidade viu-se obrigado a buscar ajuda em Beleacutem O governador local tomou-o por espiatildeo e o deteve na cidade por 18 meses Logo que foi libertado por ordem da Coroa portuguesa regressou agrave sua missatildeo em julho de 1691 Tornou-se um ativista pelos direitos dos indiacutegenas posicionando-se como defensor dos interesses do Rei espanhol na regiatildeo do Rio Solimotildees em um momento marcado por disputas coloniais entre as Coroas ibeacutericas Seu famoso mapa traccedilado com base nas mediccedilotildees que tomou durante sua viagem eacute considerado a representaccedilatildeo mais proacutexima da realidade que ateacute entatildeo havia sido feita do Rio Amazonas

151

Cristoacutevatildeo (Castro de Avelatildees) e Santa Teresa do Tape (Ega ou Tefeacute) todas ao

longo dos Rios Marantildeon e Solimotildees nas proximidades do Rio Negro - regiatildeo que jaacute

vinha sendo visitada pelos portugueses desde o iniacutecio da deacutecada de 1660 pelas

expediccedilotildees das tropas de resgates e pelos sertanistas coletores de drogas do

sertatildeo (LOUREIRO 1978) (Mapa 18)

Durante a viagem apoacutes adquirir uma enfermidade Fritz viu-se obrigado a buscar

ajuda em Beleacutem vindo a percorrer todo o curso do Rio Solimotildees e Amazonas ateacute a

sua foz Quando alcanccedilou seu destino entretanto o governador Antonio de

Albuquerque Coelho de Carvalho que governou o Estado entre 1690 a 1701

considerou o missionaacuterio como um espiatildeo a serviccedilo de Espanha e o deteve na

cidade por dezoito meses Quando libertado por ordem da Coroa portuguesa

regressou agrave sua missatildeo em julho de 1691 acompanhado por uma escolta de 20

homens sob o comando do capitatildeo Antonio de Miranda Noronha O vice-rei do

Peru Melchior Portocarrero Lazo de La Veja determinou em Lima que o

missionaacuterio voltasse agraves atividades no Rio Solimotildees substituindo-o em 1704 pelo

jesuiacuteta Joatildeo Batista de Sana (LOUREIRO 1978)

A viagem do padre Samuel Fritz produziu um diaacuterio muito interessante sobre a

regiatildeo amazocircnica Recorda Renan Freitas Pinto que suas anotaccedilotildees oferecem

informaccedilotildees sobre um momento particular da ocupaccedilatildeo da Amazocircnia por espanhoacuteis

e portugueses O ponto de vista de seus escritos eacute o de um missionaacuterio a serviccedilo da

Companhia de Jesus em sua versatildeo espanhola portanto tambeacutem e principalmente

a serviccedilo da Coroa de Espanha Quando se refere aos colonos e autoridades

portugueses utiliza termos quase sempre negativos buscando caracterizar a

presenccedila lusitana no vale como uma ameaccedila ao trabalho de civilizaccedilatildeo e

cristianizaccedilatildeo das populaccedilotildees nativas Para Samuel Fritz o que diferencia

fundamentalmente os portugueses dos espanhoacuteis eacute que os primeiros satildeo

predadores dos povos indiacutegenas por meio de guerras e escravizaccedilatildeo enquanto que

os espanhoacuteis mesmo tendo usado meacutetodos igualmente violentos em seus contatos

com os povos indiacutegenas tinham modificado o conteuacutedo dessas relaccedilotildees em direccedilatildeo

a uma conduta de convivecircncia marcada pela toleracircncia e pela cooperaccedilatildeo muacutetua

(PINTO 2005)

153

Os inacianos a serviccedilo de Espanha produziram 2 versotildees de uma importante carta

geograacutefica o Mapa Geographico del Rio Marantildeon o Amazonas feito pelo Padre

Samuel Fritz da Companhia de Jesus missionaacuterio neste mesmo Rio Amazonas no

ano de 1691 e o mapa El gran rio Marantildeon o Amazonas gravado em metal pelo

padre Juan de Narvaez em Quito no ano de 1707 O segundo tornou-se o mais

conhecido e nele se encontram informaccedilotildees sobre vilas povoaccedilotildees aldeias

naccedilotildees indiacutegenas minas e trilhas O famoso mapa de Fritz traccedilado com base nas

mediccedilotildees que tomou durante a sua viagem eacute considerado a representaccedilatildeo

geograacutefica mais proacutexima da realidade do Rio Amazonas que ateacute entatildeo havia sido

feita Esse trabalho serviu principalmente como ponto de partida para toda a

cartografia subsequumlente aiacute incluiacuteda a carta do Rio Amazonas desenhada pelo

famoso naturalista francecircs Charles-Marie de la Condamine publicada em Paris em

1745 com a sua Relation abreacutegeacutee dun voyage fait dans linteacuterieur de lAmeacuterique

meacuteridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusquaux cocirctes du Breacutesil et de la

Guyane en descendant la riviegravere des Amazones Fritz tambeacutem se dedicou ao estudo

de diferentes liacutenguas indiacutegenas e as suas anotaccedilotildees contribuiacuteram para a

identificaccedilatildeo da Amazocircnia sob a perspectiva da ciecircncia em particular nos campos

da cartografia geografia e etnologia (FARIA 2004)

Samuel Fritz foi um ativo defensor dos direitos dos iacutendios e posicionou-se

francamente a favor da presenccedila espanhola na regiatildeo dos Rios Maranotilden e

Solimotildees Sua viagem provocou grande repercussatildeo em Portugal informada dos

planos de expansatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis em direccedilatildeo a Beleacutem vindos do

Peru e resultou em uma seacuterie de decisotildees da Coroa em defesa daqueles territoacuterios

considerados portugueses O periacuteodo no qual se passou a viagem em finais do

seacuteculo XVII foi igualmente marcado por vaacuterias disputas coloniais entre as Coroas

ibeacutericas A partir da viagem do padre Fritz a questatildeo do domiacutenio do Rio Solimotildees

ganhou prioridade poliacutetica evidenciando o interesse do governo portuguecircs em

expandir suas fronteiras para os limites da hinterlacircndia amazocircnica onde os

sertanistas jaacute haviam alcanccedilado Nesse sentido Portugal foi mais efetivo na defesa

de suas pretensotildees territoriais e mostrou-se mais interessado em expandir suas

fronteiras do que o governo espanhol em ajudar seus missionaacuterios a defender suas

reduccedilotildees De fato se alguma resistecircncia houve da parte de Espanha agrave penetraccedilatildeo

portuguesa essa coube aos jesuiacutetas a seu serviccedilo mais diretamente empenhados

154

em impedir esse movimento do que as autoridades metropolitanas e as autoridades

coloniais espanholas

Como parte dessa poliacutetica colonial em 20 de marccedilo de 1708 uma carta reacutegia foi

expedida de Lisboa determinando ao governador do Estado Costa Freire que

protegesse o Rio Solimotildees das pretensotildees espanholas expulsando todos os

missionaacuterios estrangeiros que estivessem atuando na regiatildeo Em 1709 o

governador do Gratildeo-Paraacute enviou uma tropa de guerra sob o comando do Capitatildeo

Correia de Oliveira para patrulhar o Rio Solimotildees e expulsar os espanhoacuteis que laacute

estivessem instalados obtendo uma retirada temporaacuteria dos missionaacuterios

O Padre Joatildeo Batista de Sana substituto de Samuel Fritz nas reduccedilotildees de maynas

desde 1704 recebeu ajuda do governador de Quito Luis de Iturbide e retomou as

missotildees receacutem-ocupadas prendendo o carmelita portuguecircs Inaacutecio de Oliveira e

outros 5 soldados lusos A reaccedilatildeo portuguesa foi conduzida em 1710 pelo

sargento-mor Joseacute Antunes da Fonseca que agrave frente de 130 soldados e 300 iacutendios

aliados derrotou os missionaacuterios espanhoacuteis obrigando-os a evacuar a regiatildeo As

posiccedilotildees espanholas ficaram restritas a algumas reduccedilotildees no Rio Maranotilden Dessa

forma entre 1709 e 1710 os portugueses conquistaram definitivamente o Rio

Solimotildees A partir da segunda deacutecada do seacuteculo XVIII natildeo havia mais traccedilos da

presenccedila espanhola no Rio Solimotildees a regiatildeo era portuguesa (LOUREIRO 1978)

Para consolidar a ocupaccedilatildeo o governo de Lisboa ordenou que os missionaacuterios

fundassem uma missatildeo no Rio Japuraacute e outra no Rio Javari A que foi construiacuteda na

confluecircncia dos Rios Marantildeon e Javari com o nome de Satildeo Francisco do Javari a

mais de 2500 km de Beleacutem marcaria o limite entre as possessotildees espanholas e

portuguesas no Rio Amazonas sendo hoje o ponto fronteiriccedilo entre os Estados do

Brasil e da Colocircmbia

Com a expulsatildeo dos jesuiacutetas da Espanha na segunda metade do seacuteculo XVIII por

determinaccedilatildeo do proacuteprio governo espanhol as autoridades metropolitanas e

coloniais foram progressivamente abandonando as aacutereas amazocircnicas e permitindo

a ocupaccedilatildeo portuguesa de vastos territoacuterios como aqueles onde haviam sido

instaladas as reduccedilotildees de maynas Incorporou-se assim ao impeacuterio colonial

155

portuguecircs toda a regiatildeo do Rio Solimotildees A insistecircncia poliacutetica de Portugal em

manter suas possessotildees coloniais americanas certamente produziu melhores

resultados

53 A conquista do Rio Negro e Rio Branco

Viu-se anteriormente que a penetraccedilatildeo territorial realizada pelos portugueses na

Amazocircnia ocorreu tambeacutem devido agrave accedilatildeo dos droguistas do sertatildeo sertanistas ou

simplesmente entradistas geralmente colonos leigos em sua maioria mesticcedilos e

falantes da liacutengua geral como os mamelucos paulistas ora compondo as

expediccedilotildees coletoras das especiarias amazocircnicas ora integrando as chamadas

tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que tinham por

objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

Desde a expediccedilatildeo de Pedro Teixeira de 1639 o movimento de expansatildeo territorial

prosseguiu incessantemente por uma intrincada malha hidrograacutefica seja por decisatildeo

de iniciativa privada ou por determinaccedilatildeo dos governos locais e metropolitanos

Dessa forma a partir da segunda metade do seacuteculo XVII expediccedilotildees portuguesas

intensificaram a exploraccedilatildeo do Rio Negro principal afluente da margem esquerda do

Rio Amazonas alcanccedilado em 1657 pelos jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires

que subindo o rio ateacute a regiatildeo do Rio Tarumatilde montaram a primeira missatildeo religiosa

naqueles territoacuterios

Pouco mais de uma deacutecada depois em 1669 Francisco da Mota Falcatildeo iniciou a

construccedilatildeo do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro na confluecircncia do Rio Negro com o

Rio Amazonas lanccedilando os fundamentos da futura cidade de Manaus

Ordens reacutegias datadas de 1688 1691 e 1693 determinaram que os jesuiacutetas fossem

encarregados da catequizaccedilatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Negro tendo sido

fixado pelo uacuteltimo documento referenciado o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem

religiosa instalada na Amazocircnia Aos jesuiacutetas haviam sido inicialmente atribuiacutedos

aleacutem do Rio Negro os Rios Madeira e Solimotildees

156

No ano seguinte em 1694 tendo em vista a extensatildeo das obrigaccedilotildees impostas agrave

Companhia de Jesus na Amazocircnia outra Ordem reacutegia determinou que os carmelitas

substituiacutessem os inacianos nos vales dos Rios Negro e Solimotildees onde passariam a

atuar a partir de 1695

Em 1696 o governador geral do Estado Antonio de Albuquerque Coelho de

Carvalho visitou a regiatildeo da hinterlacircndia amazocircnica comeccedilando uma inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro tendo sido acompanhado pelo capitatildeo-

mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros funcionaacuterios graduados do Estado No ano

seguinte em 1697 distribuiu instruccedilotildees aos carmelitas sobre como esses

missionaacuterios deveriam atuar tanto no Solimotildees como no Rio Negro Alertou

especialmente para que agissem de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola

naquelas regiotildees Sobre o mesmo assunto foram expedidas outras ordens reacutegias

renovando as determinaccedilotildees anteriores

A penetraccedilatildeo portuguesa entretanto natildeo foi realizada sem que houvesse conflitos e

resistecircncias

O Rio Negro era habitado pelo grupo indiacutegena conhecido por manao que exercia o

controle sobre outros grupos menores com os quais conviviam na regiatildeo Com a

chegada dos sertanistas portugueses estabeleceu-se uma relaccedilatildeo comercial entre

eles Inicialmente os manaos trocavam indiacutegenas cativos por ferramentas armas e

tecidos tornando-se a regiatildeo do Rio Negro no iniacutecio do seacuteculo XVIII um grande

centro de abastecimento de matildeo-de-obra indiacutegena para Beleacutem

As trocas comerciais prosseguiam sem interrupccedilatildeo ateacute que um dos liacutederes manaos

Uiuiebeua foi morto pelos portugueses em decorrecircncia de um desacordo sobre o

preccedilo a ser pago pelos indiacutegenas aprisionados A partir de 1723 os portugueses

passaram a ser atacados por Ajuricaba49 filho do cacique Uiuiebeua que organizou

uma espeacutecie de confederaccedilatildeo indiacutegena para vingar a morte de seu pai impedindo

por mais de 4 anos a navegaccedilatildeo pelo Rio Negro e o avanccedilo portuguecircs na regiatildeo

49 Na liacutengua geral Ajuricaba eacute um nome composto por Ajuri que significa reuniatildeo e por Cauaacute marimbondo

157

Logo foram levantadas suspeitas de que os manaos estariam negociando armas e

municcedilatildeo com os holandeses estabelecidos no Rio Orenoco na atual Venezuela

Arthur Ceacutezar Ferreira Reis observa que em estudo realizado por Joaquim Nabuco

em O Direito do Brasil escrito com o propoacutesito de esclarecer a questatildeo de limites

com a Guiana Inglesa e em documentaccedilatildeo da eacutepoca disponiacutevel no Arquivo Puacuteblico

do Paraacute pode-se concluir que as acusaccedilotildees contra Ajuricaba foram forjadas por

colonos e negociantes de escravos indiacutegenas (REIS 1948)

O argumento de que a alianccedila entre os manaos e os holandeses poderia impedir a

atuaccedilatildeo e mesmo ameaccedilar a presenccedila portuguesa na regiatildeo levou o governador

Joatildeo Maia da Gama que governou o Estado entre 1722 e 1728 a informar Lisboa

sobre os ataques de Ajuricaba Os relatos oficiais informavam ainda que o liacuteder

manao conduzia uma bandeira holandesa hasteada em sua canoa quando

guerreava contra os portugueses

Na fase inicial do conflito foram tentados alguns acordos de paz por mediaccedilatildeo dos

missionaacuterios jesuiacutetas Mas Ajuricaba natildeo estabeleceu nenhum acordo natildeo

acreditando que os portugueses fossem capazes de cumprir suas promessas e

atuando em emboscadas e em pequenas accedilotildees de guerrilha manteve os ataques

aos destacamentos portugueses

Tendo tomado conhecimento do que se sucedia e temendo que os holandeses se

instalassem na regiatildeo Portugal determinou que uma accedilatildeo militar fosse empreendida

para contornar a situaccedilatildeo e esmagar o movimento indiacutegena Belchior Mendes de

Moraes foi destacado pelo governador do Estado Joatildeo Maia da Gama para chefiar

as tropas de guerra no Rio Negro O conflito se estendeu por quase 6 anos entre

1723 e 1729

Finalmente em 1728 uma grande expediccedilatildeo punitiva capturou mais de duzentos

guerreiros indiacutegenas entre eles o liacuteder do movimento o manao Ajuricaba O relatoacuterio

oficial da missatildeo empreendida por Belchior Mendes de Moraes informa como teriam

sido realizadas as accedilotildees de captura transcritas a seguir

158

ldquoNossa gente o localizou em sua aldeia mas ele organizou uma defesa antes de se completar o cerco Depois de tiros de uma peccedila de artilharia ele decidiu abandonar a aldeia e escapar seguido de alguns outros maiorais Nossos homens o perseguiram e o procuraram nos dias precedentes pelas aldeias de seus aliados O baacuterbaro e infiel Ajuricaba e mais seis ou sete chefes menores seus aliados foram finalmente capturados e mais duzentos ou trezentos prisioneiros foram trazidos junto com ele quarenta destes seratildeo tomados em pagamento pelas despesas feitas por Vossa Majestade nessa guerra e trinta outros para o fundo da taxa realldquo (SOUZA 1979 p9)

Os aprisionados foram embarcados para julgamento em Beleacutem Durante a viagem

na altura da Baiacutea de Boissu em frente ao forte de Satildeo Joseacute da Barra que deu

origem agrave cidade de Manaus ao atravessar o encontro das aacuteguas do Rio Negro e

Solimotildees houve um levante dos indiacutegenas conforme descrito no relatoacuterio da

missatildeo a seguir transcrito ldquoQuando Ajuricaba estava vindo como prisioneiro para a cidade de Beleacutem e ainda estava navegando no rio ele e outros homens levantaram-se na canoa onde estavam sendo conduzidos agrilhoados e tentaram matar os soldados Estes sacaram de suas armas e feriram alguns deles e mataram outros Entatildeo Ajuricaba saltou para a aacutegua com outro chefe e jamais reapareceu vivo ou morto Deixando de lado o sentimento pela perdiccedilatildeo de sua alma ele nos fez uma grande gentileza libertando-nos dos temores de sermos obrigados a guardaacute-lordquo(SOUZA 1979 p9)

O historiador Arthur Ceacutesar Ferreira Reis assim descreve o ocorrido ldquoA lenda informa que houve choque violento De parte a parte muito heroiacutesmo Os portugueses agrave certa altura depois de batidos em quatro investidas jaacute principiavam a desanimar quando alguns soldados completando o cerco atacaram Ajuricaba pela retaguarda conseguindo vencecirc-lo Adianta a lenda que nessa refrega Ajuricaba perdendo o filho tatildeo bravo quanto ele o jovem Cucunaccedila lanccedila-se entre os inimigos infringindo-lhes vaacuterias perdas sendo afinal preso e posto a ferro Transportado para Beleacutem depois de ser procedida nova devassa onde se amontoaram vaacuterias provas para o libelo acusatoacuterio ao grande guerreiro em caminho antes de chegar agrave embocadura do rio Negro tentou libertar-se e aos companheiros Sublevou mesmo em grilhotildees a gentilidade das embarcaccedilotildees ameaccedilando seriamente a tropa de Paes do Amaral e Belchior Dominado o levante depois de muito sangue vertido para natildeo se sujeitar agraves humilhaccedilotildees do inimigo ufano da vitoacuteria lanccedila-se com outro principal agraves aacuteguas do oceano fluvial que tanto amava perecendo afogado com grande satisfaccedilatildeo dos conquistadores livres de vez das preocupaccedilotildees de tecirc-lo sob a mais rigorosa vigilacircncia ateacute Beleacutem confessou o governador Maia da Gamardquo (REIS 1974 p 82)

Os resultados da intervenccedilatildeo militar foram comunicados a Lisboa em 26 de

setembro de 1728 Entretanto a resistecircncia dos manaos natildeo terminou com a morte

de seu liacuteder Ajuricaba pois houve outras rebeliotildees em 1729 e em 1759 antes que a

regiatildeo fosse completamente dominada

159

Antocircnio Joseacute Souto Loureiro ressalta que Belchior Mendes de Moraes teria

continuado a accedilatildeo militar tendo destruiacutedo muitas aldeias do Rio Negro e eliminado

mais de 20000 indiacutegenas manaos (LOUREIRO 1978)

Com a penetraccedilatildeo dos portugueses no Rio Negro e em direccedilatildeo ao Rio Branco natildeo

se confirmou a presenccedila de comerciantes holandeses na regiatildeo e ao que tudo

indica o boato de que eles atuavam no vale daquele rio foi eficazmente utilizado

como argumento poliacutetico para as accedilotildees militares determinadas por Lisboa

Novamente os portugueses foram mais efetivos na defesa de seus interesses

coloniais na hinterlacircndia amazocircnica (Mapa 19) O quadro resumo dos acontecimentos e as expediccedilotildees mais importantes que

percorreram o Rio Negro desde a viagem de Pedro Teixeira ateacute a ocupaccedilatildeo do Rio

Branco estatildeo descritos a seguir e revelam que portugueses deram forte prioridade

agraves accedilotildees de ocupaccedilatildeo da regiatildeo consolidando posiccedilatildeo frente aos demais

colonizadores europeus

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas agrave testa de uma grande expediccedilatildeo

atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo com o Rio

Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo as tropas

de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio Tapajoacutes

1657- Os jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires atingem o Rio Negro sobem ateacute

o Rio Tarumatilde onde montam uma missatildeo

1668-1669- Pedro da Costa Favela capitatildeo de uma tropa de resgate volta ao Rio

Urubu passando depois ao Rio Negro

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro lanccedilando os fundamentos do

fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da futura cidade de Manaus 1688- Ordem reacutegia para que os jesuiacutetas tomassem conta dos grupos indiacutegenas do

Rio Madeira e do Rio Negro Em cumprimento a essas determinaccedilotildees os inacianos

entram em atividade nesses rios

1688- O sertanista Andreacute Pinheiro e o jesuiacuteta Joatildeo Maria Gorzoni operam

intensamente no Rio Negro

1691- Nova ordem reacutegia para que os jesuiacutetas operem no Rio Negro

161

1692- A Cacircmara de Beleacutem peticiona a Sua Majestade para que mande mais

missionaacuterios para o Rio Madeira Rio Negro e Rio Branco

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram atribuiacutedos o Rio Negro o Rio Madeira e

o Rio Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e

Solimotildees passariam depois para os carmelitas

1693- O Conselho Ultramarino decide atender agrave solicitaccedilatildeo da Cacircmara de Beleacutem em

torno da remessa de missionaacuterios para os Rios Madeira Negro e Branco

1694- Ordem reacutegia determina que os carmelitas substituam os jesuiacutetas no vale do

Rio Negro

1695- Os carmelitas entram em atividade no Solimotildees e no Negro

1696- O capitatildeo-general Antocircnio de Albuquerque Coelho de Carvalho com grande

comitiva de que faziam parte o capitatildeo-mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros

funcionaacuterios graduados do Estado visita a hinterlacircndia comeccedilando a inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro 1697- Antocircnio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre como

deveriam atuar tanto no Solimotildees como no Rio Negro de maneira a evitar a

infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias

renovando as determinaccedilotildees anteriores 1723- Manoel Braga sobe o Rio Negro com uma tropa de resgate sendo atacado

por Ajuricaba que confederara os manaos contra os portugueses

1723-1729- Belchior Mendes de Moraes Joatildeo Paes do Amaral e outros fazem

guerra a Ajuricaba no Rio Negro conseguindo por fim aprisionaacute-lo A seguir passam

agraves cachoeiras do alto combatendo os mayapemas aliados dos manaos

1726- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe o Rio Negro penetra

o Rio Cassiquiari e atinge o Orenoco onde daacute notiacutecias da regiatildeo ao superior dos

jesuiacutetas

1736- Cristovatildeo Ayres Botelho penetra com tropa de resgate o vale do Rio Branco

1740- Lourenccedilo Belfort e Francisco Xavier de Andrade com tropa de resgate

operam no vale do Rio Branco

1744- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe os Rios Negro e

Branco (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

162

54 A expediccedilatildeo ao Rio Madeira e a limitaccedilatildeo da presenccedila espanhola a oeste do Rio Guaporeacute

Desde o final do seacuteculo XVII missionaacuterios sertanistas e droguistas do sertatildeo

iniciaram a exploraccedilatildeo do Rio Madeira sobretudo apoacutes a descoberta de uma rica

regiatildeo extrativista cacaueira no vale desse rio

As expediccedilotildees coletoras eram normalmente organizadas em Beleacutem Reunidos os

homens e os iacutendios necessaacuterios para a empreitada a navegaccedilatildeo era iniciada rio

acima ateacute a confluecircncia com o Rio Madeira consumindo nessa jornada quase 2

meses de viagem Seguiam fortemente guarnecidas para se defender da hostilidade

de tribos selvagens e em muitos casos a guarniccedilatildeo era composta por tropa regular

cedida pelas autoridades locais Uma vez alcanccedilada a regiatildeo coletora e apoacutes

instalados os homens em clareiras abertas proacuteximas agraves margens dos rios o trabalho

era iniciado Pequenos grupos eram formados e distribuiacutedos pela regiatildeo para realizar

as atividades de coleta que consumia geralmente mais 3 ou 4 meses incluindo o

carregamento do produto Finda a faina a expediccedilatildeo retornava para Beleacutem e as

favas de cacau eram entatildeo entregues aos comerciantes que se incumbiam das

demais tarefas de exportaccedilatildeo (SOUBLIN 2003)

Desde 1669 missionaacuterios religiosos jaacute haviam iniciado atividades na regiatildeo do Rio

Madeira fundando uma missatildeo jesuiacuteta onde os tupinambaranas estavam fixados A

partir desse aldeamento deu-se iniacutecio agrave expansatildeo da atuaccedilatildeo da Ordem dos

inacianos pelo vale do Madeira

Em 1688 por determinaccedilatildeo reacutegia coube oficialmente aos jesuiacutetas a

responsabilidade pela conversatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Madeira e do Rio

Negro o que intensificou as accedilotildees de catequese e penetraccedilatildeo na regiatildeo

determinaccedilatildeo retificada pouco mais tarde no ano 1693 em outra Carta reacutegia que

distribuiacutea territorialmente por aacuterea de atuaccedilatildeo os encargos de cada Ordem religiosa

na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram confirmados o Rio Negro e o Rio Madeira e

atribuiacutedo tambeacutem o Rio Solimotildees

163

As incursotildees dos sertanistas ao Rio Madeira sobretudo dos preadores de iacutendios

resultaram em conflitos frequumlentes com as populaccedilotildees nativas da regiatildeo Recorda

Jean Soublin que entre 1716 e 1719 os toraacutes uacutenico grupo que oferecia alguma

resistecircncia agrave penetraccedilatildeo portuguesa no Rio Madeira foi completamente

desarticulado depois de investidas desses indiacutegenas contra a missatildeo jesuiacuteta de

Abacaxis fundada em 1696 pouco abaixo da confluecircncia do Rio Madeira com o Rio

Amazonas (SOUBLIN 2003)

As informaccedilotildees sobre a presenccedila de brancos rio acima colhidas principalmente de

prisioneiros indiacutegenas passaram a alarmar as autoridades de Beleacutem Estrangeiros

no Rio Madeira representavam uma seacuteria ameaccedila aos interesses portugueses

Lisboa foi informada da situaccedilatildeo e determinou por meio de uma Carta reacutegia datada

de 25 de marccedilo de 1722 que uma expediccedilatildeo fosse mandada para explorar o rio e

esclarecer a situaccedilatildeo (LOUREIRO 1978)

No dia 11 de novembro do mesmo ano em 1722 a expediccedilatildeo partiu de Beleacutem Era

comandada pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta o mesmo que havia

participado da escolta do padre Samuel Fritz ao Vice-Reinado do Peru em 1691

apoacutes a detenccedilatildeo do inaciano por 18 meses em Beleacutem e que viria a se tornar mais

conhecido por ter trazido para o Paraacute mudas de cafeacute de Caiena em 1727

A expediccedilatildeo fluvial de Palheta era composta por ldquo118 pessoas 30 armas de fogo e

iacutendios frecharrdquo (CAPISTRANO DE ABREU50 1963 p 341 apud GOacuteES FILHO

2001 p 91) embarcados em uma pequena frota de 6 embarcaccedilotildees e foi incumbida

oficialmente de se apossar do Rio Madeira para Portugal verificando tambeacutem a real

situaccedilatildeo dos espanhoacuteis que estavam fixados rio acima e sobretudo a localizaccedilatildeo

de seus povoados mais proacuteximos

Passados quase 3 meses de viagem em 2 de fevereiro de 1723 Palheta alcanccedilou a

confluecircncia do Rio Madeira com o Rio Amazonas e depois de percorrer o Madeira

por mais 17 dias decidiu fundar o arraial de Santa Cruz de Iriumar

50 CAPISTRANO DE ABREU Joatildeo Capiacutetulos de Histoacuteria Colonial e os caminhos antigos e o povoamento do Brasil 1963 p 341

164

Em 1deg de agosto de 1723 apoacutes percorrer e vencer o trecho encachoeirado do Rio

Madeira a expediccedilatildeo alcanccedilou a desembocadura do Rio Mamoreacute com o Rio

Guaporeacute entatildeo conhecido por Rio Iteacutenez Palheta decidiu entatildeo subir pelo Rio

Mamoreacute onde segundo as informaccedilotildees de que dispunha estavam instalados os

espanhoacuteis abandonou a foz do Rio Guaporeacute onde chegara e foi em direccedilatildeo aos

aldeamentos indiacutegenas mantidos pelos jesuiacutetas castelhanos alcanccedilou a povoaccedilatildeo

de Santa Cruz de Cajuava uma das reduccedilotildees dos moxos na atual Boliacutevia ao norte

de Santa Cruz de la Sierra e agraves margens do Rio Mamoreacute

O relatoacuterio da expediccedilatildeo de Palheta escrito por um de seus subordinados

descreveu a viagem uma sequumlecircncia de obstaacuteculos vencidos com grandes

dificuldades sobretudo devido agrave transposiccedilatildeo das cachoeiras do Madeira como eacute

relatado na Narraccedilatildeo da viagem e descobrimento que fez o sargento-mor Francisco

de Melo Palheta no rio Madeira e suas vertentes desde 11 de novembro de 1722

atheacute 12 de setembro de 1723 transcrita parcialmente a seguir

ldquo fomos agrave cachoeira chamada Iaguerites aonde chegamos veacutespera de Satildeo Joatildeo e nela vimos sem encarecimento uma figura do Inferno porque tendo eu visto grandes cachoeiras como satildeo as horriacuteveis e celebradas do rio dos Tapajoacutes e do rio Tocantins [] e as mais que se seguem pelo rio de Araguaia [] pois nenhuma iguala nem tem paridade a esta do rio da Madeira na sua grandeza e despenhadeiros de pedras e rochedos tatildeo altos que nos pareceu impossiacutevel a passagem como na realidade pois para a passarmos foi necessaacuterio fazer-se caminho cortando uma ponta de terra onde fizemos faxinas [] e fizemos uma boa grade de madeira por onde se puxaram as galeotas [] que com muita fadiga [] se puxaram as mais e se carregaram outra vez com farinhas e municcedilotildees que as fomos comboiar mais de meia leacutegua de caminho por terra Daqui continuamos nossa jornada passando cachoeiras umas atraacutes das outras e chegamos agrave quinta cachoeira a que chamam Mamiu que gastamos trecircs dias em passar nela as galeotas agrave corda [] fomos seguindo nossa viagem agrave cachoeira chamada Apama veacutespera de Satildeo Pedro e fazendo faxinas igualmente soldados e iacutendios rompemos as matas pela terra a dentro dois quartos de leacuteguas em que gastamos dois dias em fazer caminho e grade rompendo a golpe de machado e alavancas grandes pedras e afastando outras aos nossos ombros com bem risco de vida [] toda a limitaccedilatildeo que temos de farinhas que eacute tatildeo limitada a medida em que se daacute que apenas eacute para dois bocados de boca e fechada cabe em uma matildeo toda logo tambeacutem o que vamos comendo satildeo camaleotildees e uns animais a que chamam capivaras e alguns por se natildeo atrever a estas poucas carnes comem soacute os ovos dos ditos lagartos Peixes de nenhuma casta nem sorte se acha que das pobres espingardas eacute que vamos passando a remediar a vida [] chegamos agrave paragem em que o rio estava tapado com uma grande cachoeira e andamos buscando canal com excessivo trabalho Comeccedilamos a passar a 9 de julho e a 12 do dito eacute que saiacutemos dela e logo avistamos o apartamento do rio que vai ao Sul para onde seguiacuteamos a nossa jornada deixando o famoso rio da Madeira a Oeste entramos pelo dito a que os espanhoacuteis chamam Mamoreacute e neste mesmo dia passamos

165

dele a primeira cachoeira [] prosseguimos nossa derrota ateacute as bocas dos rios de aacutegua branca e de aacutegua preta onde chegamos no 1ordm de agosto Este caudaloso rio drsquoaacutegua preta se aparta do rio Branco correndo na boca a Sueste quarta de Sul a cujo rio chamam os Espanhoacuteis Iteacutenez e o dito rio Branco parte a sudeste quarta de Oeste na entrada a que tambeacutem os espanhoacuteis chamam Mamoreacute Entre estes dois rios nos aposentamos em uma longa praia de areia e daqui seguimos o rio branco por nos parecer mais pequeno (como eacute) e este declarar sinais de habitado [] E sendo a 6 de agosto o sentinela que fazia o quarto da lua falou a uma canoa que vinha rio abaixo com dez iacutendios espanhoacuteis foi o Cabo em pessoa na sua galeota tomar-lhes o encontro e falar com eles e trazendo-os para a praia donde estaacutevamos se informou o nosso Cabo cabalmente e tomamos um guia para nos levar seguros ao porto de grande povoaccedilatildeo de santa Cruz de Cajuava e no seguinte dia por horas de veacutesperas encontramos cinco canoas que iam deste rio Mamoreacute para o de Iteacutenez e assim que nos avistamos levantaram uma cruz por bandeira e perguntado-nos se eacuteramos cristatildeos lhes responderam que sim e Portugueses a que sorrindo-se benzendo-se todos a um tempo cristatildeos portuguesesrdquo

Ao atingir as missotildees espanholas jesuiacuteticas dos moxos recorda Arthur Ceacutezar

Ferreira Reis Palheta completa sua missatildeo de reconhecimento da regiatildeo e intima os

missionaacuterios espanhoacuteis a ldquoabandonar aquelas posiccedilotildees afirmando-lhes que estavam

operando em terras pertencentes agrave Coroa portuguesa Natildeo fosse obedecida a

intimaccedilatildeo e os governantes paraenses possuiacuteam os meios materiais para obrigaacute-los

a executar o que lhes determinavardquo (REIS 1948 tomo 2 p 17) Os missionaacuterios

espanhoacuteis natildeo deveriam ultrapassar a margem direita do Rio Guaporeacute territoacuterio

colonial portuguecircs segundo insistia Palheta

Dessa forma depois de mostrar aos espanhoacuteis as pretensotildees dos portugueses

sobre os limites naturais de seus domiacutenios pelo Rio Guaporeacute Palheta iniciou o

regresso ao Paraacute em 11 de agosto de 1723 chegando a Beleacutem no dia 12 de

setembro do mesmo ano mais de 10 meses depois de iniciada a viagem (Mapa 20)

A expediccedilatildeo bloqueou definitivamente a penetraccedilatildeo dos jesuiacutetas espanhoacuteis das

missotildees de Santa Cruz de la Sierra ou dos moxos e a aldeia de Santa Cruz de

Cajuava agraves margens do Rio Mamoreacute logo foi abandonada em funccedilatildeo da pressatildeo

dos portugueses A missatildeo poliacutetica da expediccedilatildeo havia sido completamente

cumprida e aleacutem dela Palheta realizava uma notaacutevel descoberta geograacutefica ao

revelar a existecircncia do Rio Guaporeacute procurando informar-se sobre as regiotildees mais

avanccediladas daquele rio

167

O que Palheta a as autoridades do Gratildeo-Paraacute natildeo sabiam era que enquanto ocorria

a conquista e a ocupaccedilatildeo do Vale do Rio Madeira pelos entradistas portugueses e

paraenses vindos de Beleacutem em suas bandeiras fluviais assentando missotildees

religiosas e povoados coloniais tendo por suporte econocircmico a coleta das drogas do

sertatildeo os paulistas avanccedilavam com suas bandeiras oriundas de Satildeo Paulo e

convergiam quase que ao mesmo tempo para o Centro-Oeste brasileiro e o sul da

Amazocircnia

Eacute oportuno ressaltar que o Brasil desde 1621 estava dividido em dois Estados

distintos o Estado do Brasil organizado sob o controle de um governo geral com

sede em Salvador ateacute 1763 depois transferida para o Rio de Janeiro e o Estado do

Maranhatildeo com denominaccedilotildees diversas ao longo do tempo mas administrado

diretamente por Lisboa Natildeo havia comunicaccedilatildeo fiacutesica e administrativa entre estas

duas entidades coloniais As ligaccedilotildees mariacutetimas eram extremamente difiacuteceis e as

estradas natildeo existiam tendo sido aberta apenas uma trilha costeira entre Recife e

Satildeo Luiacutes por volta de 1700 A regiatildeo do Mato Grosso no centro do continente sul

americano era na realidade um grande sertatildeo desconhecido Nesse sentido parece

natildeo ter havido uma accedilatildeo coordenada de ocupaccedilatildeo do territoacuterio muito provavelmente

por desconhecimento por parte da administraccedilatildeo de Lisboa de que o Rio Guaporeacute

tinha suas nascentes proximamente localizadas ao Rio Cuiabaacute este por sua vez

correndo em direccedilatildeo ao Rio do Prata

Natildeo se pode esquecer entretanto que o portuguecircs Antocircnio Raposo Tavares vindo

de Satildeo Paulo alcanccedilou Beleacutem navegando o Rio Mamoreacute e o Rio Madeira entre

1648 e 1651 70 anos antes de Palheta e revelando a ligaccedilatildeo que existe do Madeira

com as posiccedilotildees espanholas instaladas na cordilheira andina

Desde a segunda metade do seacuteculo XVII portanto bandeiras paulistas de preaccedilatildeo

de iacutendios e de prospecccedilatildeo de ouro realizavam incursotildees na regiatildeo dos atuais

Estados do Mato Grosso do Sul Mato Grosso e Rondocircnia

No ano de 1719 no comando de uma bandeira de preaccedilatildeo Antocircnio Pires de

Campos percorreu a chapada dos Parecis em Rondocircnia alcanccedilando a regiatildeo dos

campos gerais da atual cidade de Vilhena (MACHADO 2005)

168

Praticamente ao mesmo tempo os bandeirantes Pascoal Moreira Cabral em 1718

e Miguel Sutil em 1722 descobriram grandes jazidas de ouro nos Rios Coxipoacute-

Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute notiacutecia que rapidamente se espalhou e provocou uma

verdadeira corrida do ouro para a regiatildeo Oeste do Brasil O primeiro nuacutecleo de

povoamento da regiatildeo fundado em 8 de abril de 1719 agraves margens do Rio Cuiabaacute

transformou-se no centro de atraccedilatildeo da nova regiatildeo mineradora recebendo em

1727 o tiacutetulo de vila por determinaccedilatildeo do Capitatildeo General de Satildeo Paulo passando

a se chamar Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute

Nas cabeceiras do Rio Guaporeacute navegado por Francisco Palheta em 1723 os

irmatildeos Fernando e Arthur Paes de Barros Joseacute Martins Charo e Joseacute Pinheiro

descobriram no ano de 1734 importantes minas de ouro As densas florestas

encontradas na regiatildeo que substituiacuteam os campos e cerrados ateacute entatildeo percorridos

pelos bandeirantes passaram a ser conhecidas por mato grosso do rio Jauru que

mais tarde daria nome ao Estado do Mato Grosso A descoberta das minas do Rio

Guaporeacute resultou na fundaccedilatildeo das povoaccedilotildees de Santa Ana e Satildeo Francisco Xavier

que viriam a se comunicar com Cuiabaacute em 1736 por um caminho terrestre de mais

de 400 km de extensatildeo No mesmo ano de 1736 os bandeirantes Armando de

Almeida Morais e Tristatildeo Cunha Gago alcanccedilaram o curso meacutedio do Rio Guaporeacute

encontrando ouro em um de seus afluentes pela margem da direita o Rio

Corumbiara onde estabeleceram um acampamento de mineraccedilatildeo

Para as autoridades portuguesas de Lisboa a navegaccedilatildeo pelos Rios Guaporeacute e

Madeira representavam seacuteria ameaccedila de evasatildeo fiscal por contrabando do ouro do

Mato Grosso A exemplo do que ocorria com os espanhoacuteis no Peru que sofriam com

o contrabando em suas colocircnias temia-se que as novas riquezas minerais receacutem-

descobertas fossem desviadas para Beleacutem aleacutem disso havia o perigo dos

castelhanos instalados em Santa Cruz de la Sierra que poderiam avanccedilar naqueles

territoacuterios e ameaccedilar a exploraccedilatildeo portuguesa mais um argumento para que natildeo

fosse permitido o acesso estrangeiro agrave regiatildeo

Por essas razotildees a navegaccedilatildeo pelo Rio Madeira foi oficialmente proibida por meio

do Alvaraacute reacutegio de 27 de outubro de 1733 decisatildeo que viria a ser abolida apenas em

169

1752 com a abertura do Madeira para as relaccedilotildees comerciais com as outras

capitanias

Com a expansatildeo das atividades de mineraccedilatildeo na regiatildeo do Rio Guaporeacute iniciaram-

se novos enfrentamentos com os jesuiacutetas instalados nas reduccedilotildees de chiquitos

proacuteximas ao atual Estado do Mato Grosso do Sul e dos moxos junto a Mato Grosso

Os missionaacuterios espanhoacuteis haviam fundado vaacuterias reduccedilotildees na margem direita do

Rio Guaporeacute Santa Rosa fundada em 1740 proacutexima agrave foz do Rio Satildeo Domingos

Satildeo Miguel e Satildeo Nicolau instaladas no mesmo ano respectivamente proacuteximas agrave

foz e no baixo curso do Rio Satildeo Miguel e Satildeo Simatildeo instalada em 1746 na foz do

Rio Corumbiara (MACHADO 2005)

Entretanto a reaccedilatildeo dos mineradores luso-brasileiros apoiados pelas autoridades

locais e pela Coroa portuguesa provocou a expulsatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis

instalados na regiatildeo As reduccedilotildees localizadas na margem direita do Rio Guaporeacute

foram atacadas e destruiacutedas e os padres e os iacutendios aldeados obrigados a se

transferirem para a margem oposta do rio Aleacutem disso a partir de 1745 Lisboa

decidiu enviar jesuiacutetas portugueses e iniciou a fundaccedilatildeo de missotildees religiosas que

defendessem seus interesses territoriais naquela regiatildeo

A expansatildeo da mineraccedilatildeo pelo Rio Guaporeacute intensificou-se e a proibiccedilatildeo da

navegaccedilatildeo pelo Rio Madeira decidida oficialmente desde 1733 foi desrespeitada

por um pequeno grupo de sertanistas liderados por Manoel Felix de Lima Em 1742

eles infringiram as proibiccedilotildees reacutegias de comerciar com os castelhanos e

empreenderam viagem ateacute Beleacutem navegando o Madeira51

51 Despacho assinado por Dom Joatildeo V sobre a viagem de Felix de Lima ldquoFaccedilo saber a voacutes Joatildeo de Abreu Castelo Branco Governador e Capitatildeo-General do Estado do Maranhatildeo que se viu a vossa carta de 24 de fevereiro do ano passado socircbre remeteres presos a Manoel de Freitas Machado e Manoel Felix de Lima em razatildeo de que saindo das Minas de Mato-Grosso anexas do Cuiabaacute com outros nove companheiros foram por caminhos nunca praticados agraves terras dos domiacutenios de Castela para efeito de comprarem cavalos e bois e como ali se lhes natildeo permitisse desceram quatro decircles pelas cabeceiras do rio da Madeira e passando por algumas minas dos domiacutenios chegaram ao Paraacute trecircs donde logo se ausentou um decircles e como por ecircsse excesso entendereis que estatildeo incursos na lei de 27 de outubro de 1733 pela qual proiacutebo caminhos novos para entrar ou sair de quaisquer minas estabelecidas chamareis ao ouvidor para proceder na forma da mesma leirdquo

170

Ao chegarem a Beleacutem foram aprisionados pelo governador Joatildeo de Abreu Castelo

Branco sendo entatildeo enviados a Lisboa para serem pessoalmente inquiridos sobre a

expediccedilatildeo

A viagem de Felix de Lima comprovou a ligaccedilatildeo fluvial entre a regiatildeo das minas do

Mato Grosso com o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo Paraacute por meio dos Rios Guaporeacute

Mamoreacute Madeira e Amazonas Estava assim revelada uma rota que pouco mais

tarde seria utilizada pelas monccedilotildees do norte que durante mais de 50 anos entre

1752 e 1808 foi responsaacutevel natildeo soacute pela comunicaccedilatildeo entre o Centro-Oeste do

Brasil com o Gratildeo-Paraacute mas principalmente pela consolidaccedilatildeo da presenccedila

portuguesa nos limites ocidentais de suas possessotildees americanas

Dessa forma mesmo estando ainda proibida a navegaccedilatildeo do Madeira Joatildeo de

Souza Azevedo sertanista que jaacute havia descido antes todo o curso do Rio Tapajoacutes

empreendeu em 1748 a partir de Beleacutem uma viagem agraves minas do Mato-Grosso

para vender mercadorias regressando depois a Beleacutem utilizando-se da mesma rota

para retorno Realizara assim a primeira viagem de ida e volta entre Beleacutem e o Mato

Grosso de que se tem notiacutecia vindo a ser o primeiro monccediloeiro do norte tendo

escapado agraves penalidades impostas a seu precursor Felix de Lima condenado em

Lisboa (GOacuteES FILHO 2001) Naquele mesmo ano de 1748 tendo por objetivo oficializar a ocupaccedilatildeo da regiatildeo e

assegurar sua posse fiscalizando de forma mais rigorosa a extraccedilatildeo das minas de

ouro a Coroa portuguesa decidiu desmembrar a Capitania de Satildeo Paulo criando a

Capitania de Mato Grosso e Cuiabaacute

Permanece o questionamento sobre a inaccedilatildeo dos espanhoacuteis frente agrave penetraccedilatildeo

portuguesa em territoacuterios tatildeo ocidentais em relaccedilatildeo ao traccedilado de Tordesilhas

Segundo opiniatildeo de Synezio Sampaio Goacutees Filho amparada em estudo sobre esse

assunto os espanhoacuteis natildeo reforccedilaram militarmente sua presenccedila na regiatildeo de

Cuiabaacute por 3 grandes motivos primeiro natildeo havia ateacute as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XVIII meacutetodo eficaz e preciso para calcular longitudes conseguido apenas em

1765 com o cronocircmetro de Harrison Os governos de Espanha e Portugal

provavelmente tinham ideacuteia de que os limites ocidentais haviam sido ultrapassados

171

entretanto natildeo podiam avaliar o quanto Por outro lado os garimpeiros de Cuiabaacute e

do Guaporeacute certamente desconheciam a longitude em que estavam natildeo tendo a

noccedilatildeo exata de que incursionavam a oeste da linha prevista em Tordesilhas52

O segundo motivo teria sido puro e simples desinteresse dos espanhoacuteis por essa

nova regiatildeo mineradora do Mato Grosso suas imensas riquezas descobertas desde

o iniacutecio da colonizaccedilatildeo americana na cordilheira andina e um impeacuterio espalhado

pelo mundo inteiro natildeo estimulavam a conquista de novas terras reagindo apenas

naquelas posiccedilotildees consideradas estrateacutegicas como o controle do Prata Aleacutem disso

essa vasta aacuterea servia para isolar suas colocircnias instaladas nos altiplanos bolivianos

uma proteccedilatildeo natural das riquiacutessimas minas contra possiacuteveis incursotildees de

penetraccedilatildeo dos portugueses53

O terceiro e uacuteltimo pode ser atribuiacutedo agrave situaccedilatildeo poliacutetica da Espanha nos anos

imediatamente anteriores agrave assinatura do Tratado de Madri de 1750 um paiacutes

enfraquecido por crises e guerras convencido de que natildeo dispunha de condiccedilotildees

para povoar o centro do continente sul-americano e nem mesmo de impedir que os

portugueses o fizessem54

De todo modo diante da inaccedilatildeo dos espanhoacuteis que se restringiram agraves trocas de

informaccedilotildees epistolares entre as reduccedilotildees jesuiacuteticas dos moxos e as autoridades de

Buenos Aires e Lima e natildeo tomaram nenhuma iniciativa militar efetiva Portugal

manteve prioridade poliacutetica para a regiatildeo do Mato Grosso sobretudo depois das

descobertas de ouro na regiatildeo vindo a obter ecircxito nas futuras negociaccedilotildees

territoriais com a Espanha

A argumentaccedilatildeo portuguesa apoiou-se na ocupaccedilatildeo do territoacuterio e nesse sentido

as expediccedilotildees de Antonio Raposo Tavares (1648-1751) Francisco de Melo Palheta

(1722-1723) e Manoel Felix de Lima (1748) justificariam plenamente as pretensotildees

lusitanas o primeiro por expulsar reduccedilotildees espanholas e revelar a ligaccedilatildeo do Rio

52 GOacuteES FILHO Synesio Sampaio Paz das Fronteiras Coloniais Alexandre de Gusmatildeo o Grande Obreiro do Tratado de Madrid Centro Oeste Disponiacutevel em www2mregovbrmissoes_pazport capitulo 1 acesso em 17 de abril de 2006 53 Idem 54 Idem

172

Madeira com os contrafortes andinos o segundo por estabelecer limites aos

jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha e revelar o Rio Guaporeacute e o terceiro por estabelecer

a ligaccedilatildeo entre o Mato Grosso e Beleacutem permitindo as futuras monccedilotildees do norte que

passariam a navegar o eixo Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Ao ocupar o

Rio Guaporeacute os portugueses finalmente podiam pleitear uma fronteira natural na

regiatildeo mais central do continente sul-americano

173

6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar a estrateacutegia adotada por Portugal

no periacuteodo em que se tornou uma necessidade geopoliacutetica a definiccedilatildeo das fronteiras

coloniais entre as Coroas ibeacutericas Avaliaraacute a atuaccedilatildeo diplomaacutetica de Alexandre de

Gusmatildeo que culminou com a assinatura do Tratado de Madri - o maior instrumento

juriacutedico ateacute entatildeo acordado entre duas naccedilotildees modernas para a reparticcedilatildeo de suas

possessotildees coloniais - responsaacutevel pela adoccedilatildeo do direito de posse para a soluccedilatildeo

nos foacuteruns internacionais de disputas de territoacuterio e que legou ao Impeacuterio e agrave

Repuacuteblica um espaccedilo fiacutesico em que se assentaria o Estado do Brasil

Pretende analisar tambeacutem as accedilotildees tomadas pelo Governo de Lisboa apoacutes a

assinatura do Tratado para a fortificaccedilatildeo e ocupaccedilatildeo do territoacuterio bem como

apreciar o fenocircmeno das monccedilotildees um sistema de transporte fluvial que se

desenvolveu inicialmente para permitir as comunicaccedilotildees entre Satildeo Paulo e as

minas de ouro dos Rios Cuiabaacute e Guaporeacute e posteriormente entre o Centro-Oeste

do Brasil e o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo pela navegaccedilatildeo dos Rios Guaporeacute

Mamoreacute Madeira e Amazonas As monccedilotildees natildeo soacute permitiram o acesso agravequeles

sertotildees brasileiros mas sobretudo consolidaram a presenccedila portuguesa e a

incorporaccedilatildeo ao seu patrimocircnio colonial de milhotildees de km2 com o alargamento do

territoacuterio para mais de 1800 km a oeste do meridiano de Tordesilhas

61 As Monccedilotildees

ldquoNa histoacuteria do bandeirismo tomado em sentido restrito eacute liacutecito omitir-se sem perda essencial o capiacutetulo das monccedilotildees Estas principiam a aparecer quando aquele jaacute entrava em decliacutenio e aparecem servidas por instrumentos diferentes guiadas por meacutetodos proacuteprios e movidos ateacute certo ponto por uma nova raccedila de homens Contudo em acepccedilatildeo mais ampla talvez um pouco arbitraacuteria que procure envolver sob o mesmo roacutetulo os vaacuterios movimentos tendentes em parte agrave dilataccedilatildeo das nossas fronteiras e ao aproveitamento de nosso territoacuterio cabe-lhe um lugar definido e um lugar - acrescente-se ndash que natildeo pode ser pequeno e nem irrelevanterdquo (HOLANDA 1957 p 160)

Com a descoberta de grandes jazidas minerais nos Rios Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e

Cuiabaacute em 1718 e em 1722 iniciou-se uma verdadeira corrida do ouro para o

Centro-Oeste do Brasil A regiatildeo transformou-se rapidamente em um novo poacutelo de

174

atraccedilatildeo de mineradores e aventureiros motivados pelas notiacutecias muitas vezes

fantasiosas de riqueza faacutecil e raacutepida De todo modo essas lavras foram as que mais

facilmente produziram ouro no Brasil Logo apoacutes a descoberta os instrumentos de

trabalho utilizados foram improvisados e com as proacuteprias matildeos conseguia-se

extrair o metal dos aluviotildees Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute primeiro

nuacutecleo de povoamento da regiatildeo fundada em 8 de abril de 1719 agraves margens do Rio

Cuiabaacute passou a ser o destino das expediccedilotildees que partindo sobretudo de Satildeo

Paulo buscavam alcanccedilar aqueles sertotildees tatildeo remotos

Naqueles momentos iniciais de euforia recorda Seacutergio Buarque de Holanda o poder

de atraccedilatildeo exercido pelas lendaacuterias riquezas de Cuiabaacute provocou um ecircxodo tatildeo

grande que quase arruinou Satildeo Paulo reduzindo dramaticamente as atividades

econocircmicas da capitania desarticulando famiacutelias e deixando na miseacuteria muitos dos

que permaneceram no planalto paulista Podiam ser contadas aos milhares as

pessoas que fazendo parte da populaccedilatildeo vaacutelida chegaram ao arraial cuiabano nos

primeiros anos de exploraccedilatildeo do ouro (HOLANDA 1957)

O primeiro cronista das minas de Cuiabaacute Joseacute Barbosa de Saacute sobre a saiacuteda dos

paulistas para Cuiabaacute escreveu ldquose abalaratildeo muitas gentes deixando casas

fazenda mulheres e filhos botando-se para estes sertotildees como se fora a terra da

promissatildeordquo (HOLANDA55 1976 p 49 apud GOacuteES FILHO 2001 p147)

Logo apoacutes as descobertas de ouro em 1718 feitas por Pascoal Moreira Cabral a

regiatildeo mineradora de Cuiabaacute foi alcanccedilada igualmente por outra bandeira paulista

chefiada por Fernando Dias Falcatildeo que socorreu os primeiros descobridores com

armas e municcedilotildees Sua chegada foi decisiva para a manutenccedilatildeo das lavras receacutem-

abertas principalmente por conter a accedilatildeo dos iacutendios que se opunham agrave presenccedila

dos brancos na regiatildeo No ano seguinte agraves descobertas em 1719 de volta a Satildeo

Paulo Moreira Cabral organizou e financiou a primeira viagem para as minas

cuiabanas A expediccedilatildeo fluvial deveria conduzir os elementos necessaacuterios para

realizar a exploraccedilatildeo das riquezas encontradas desde artesatildeos diversos como

55 HOLANDA Seacutergio Buarque de Monccedilotildees 1976 Op Cit p 49

175

carpinteiros e ferreiros ateacute suprimentos baacutesicos para a manutenccedilatildeo do novo arraial

(HOLANDA 1957)

Quando Dias Falcatildeo alcanccedilou Cuiabaacute vindo de Satildeo Paulo estava inaugurando uma

rota de viagem que durante mais de cem anos aproximadamente entre 1719 a

1838 permitiu natildeo soacute a ligaccedilatildeo fiacutesica daqueles sertotildees mineradores com o planalto

paulista mas sobretudo a presenccedila portuguesa na regiatildeo Centro-Oeste do Brasil

As primeiras expediccedilotildees percorreram roteiros de viagem variados empreendidas

sem ordem e desrespeitando eacutepoca do ano determinada razatildeo pela qual houve

muitas perdas em recursos e em vidas resultando no insucesso de vaacuterias empresas

que pretendiam alcanccedilar as minas cuiabanas

A existecircncia de arvoredos densos utilizados como mateacuteria-prima para o fabrico das

embarcaccedilotildees e o acesso facilitado ao Rio Tietecirc foram determinantes na escolha de

Araraitaguaba ou Araritaguaba - na liacutengua indiacutegena parede das araras - regiatildeo

pouco agrave frente da vila de Itu e que viria a ser conhecida mais tarde por Nossa

Senhora da Matildee dos Homens de Araritaguaba ou Porto Feliz como o principal ponto

de partida das expediccedilotildees agraves minas de Cuiabaacute

O itineraacuterio adotado que se consolidou a partir de 1720 previa descer o Rio Tietecirc

em canoas ateacute a sua foz alcanccedilado o Rio Paranaacute descer suas aacuteguas ateacute atingir o

Rio Pardo afluente pela margem direita do Paranaacute subir entatildeo o Pardo vencendo o

seu trecho de cachoeiras ateacute encontrar o divisor das bacias do Paranaacute com o

Paraguai alcanccedilado o varadouro de aproximadamente 14 km de extensatildeo que

logo em 1725 com a fundaccedilatildeo no local da fazenda Camapoatilde viria a ser conhecido

por esse nome transpor as canoas a peacute e principalmente refazer as reservas de

alimentos das expediccedilotildees a partir do varadouro da fazenda do Camapoatilde descer o

Rio Taquari ateacute alcanccedilar o Rio Paraguai subir entatildeo o Paraguai ateacute atingir o Rio Satildeo

Lourenccedilo afluente do Paraguai pela margem esquerda e finalmente alcanccedilar o Rio

Cuiabaacute subindo o rio ateacute o arraial de Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute

(Mapa 21)

177

As expediccedilotildees que partiam das atuais cidades de Porto Feliz e Itu no atual Estado

de Satildeo Paulo agraves margens do Rio Tietecirc com o propoacutesito de alcanccedilar a regiatildeo

mineradora de Cuiabaacute levavam pelo menos 5 meses de duraccedilatildeo e eram realizadas

sob condiccedilotildees de extrema dificuldade havia mais de 100 corredeiras a serem

vencidas obrigando muitas vezes agrave descarga completa da carga e ao iccedilamento das

canoas por meio de cordas febres endecircmicas das regiotildees atravessadas insetos de

toda ordem e muitos animais peccedilonhentos rios infestados por piranhas

temperaturas variadas que ultrapassavam frequumlentemente os 40 graus celsius

associadas a rigorosas condiccedilotildees de umidade e um regime de chuvas intenso e

sobretudo havia a ameaccedila permanente dos ataques de iacutendios

Os iacutendios da regiatildeo eram particularmente aguerridos e muitas monccedilotildees chegaram

a ser dizimadas por eles Os iacutendios canoeiros do Pantanal os paiaguaacutes foram

segundo as crocircnicas da eacutepoca os inimigos mais terriacuteveis com que se defrontaram as

monccedilotildees no seacuteculo XVIII Mataram mais de 600 pessoas e apresaram 20 canoas de

uma monccedilatildeo que se dirigia para Cuiabaacute em 1725 provocando enorme consternaccedilatildeo

em Cuiabaacute as perdas de vidas e os prejuiacutezos causados a ponto de faltar

suprimentos na povoaccedilatildeo ldquohouve fome e um frasco de sal chegou a ser vendido por

meia libra de ourordquo (MOURA 2001)

Afirma o cronista Joseacute Barbosa de Saacute56 que ateacute entatildeo os portugueses natildeo

conheciam muito bem esse grupo indiacutegena

ldquoVindo () conserva de canoas de povoado para estas conquistas () com muitos escravos e fazendas para negoacutecio foi acometido do gentio Paiaguaacute () acabaram as vidas todos () escapando soacute um branco e um negro () morreram seiscentas pessoas e levou o gentio vinte canoas () Natildeo se sabia que gentio era onde habitava e que nome tinha por natildeo ser o nome Paiaguaacute ateacute entatildeo conhecido inquirindo-se dos iacutendios domeacutesticos naturais das vargens cientes das naccedilotildees circunvizinhas () declararam que eram Paiaguaacute gentio de corso que natildeo tinha morada certa viviam sobre as aacuteguas sustentando-se de montaria pelo Paraguai e pantanais gente que jaacute em outro tempo fora aldeada pelos padres missionaacuterios da Proviacutencia do Paraguai de onde haviam fugido () e que enquanto os Guatoacute tiveram forccedilas natildeo fizeram os Paiaguaacute aventuras por serem deles acossados e que como os brancos destruiacuteram os Guatoacute fossem tambeacutem destruir os Paiaguaacuterdquo (SAacute 1755 apud PRESOTTI 2006 p 4)

56 Joseacute Barbosa de Saacute foi primeiro cronista da Histoacuteria do Mato Grosso Escreveu em 1755 a Relaccedilatildeo das povoaccedilotildees de Cuiabaacute e Mato Grosso de seus princiacutepios ateacute os tempos presentes

178

Outro grupo combativo era o dos guaicurus os terriacuteveis iacutendios cavaleiros originaacuterios

do Chaco paraguaio-boliviano considerados pelas autoridades espanholas os mais

agressivos iacutendios da regiatildeo e que deram origem agrave hipoacutetese hoje abandonada de

que o cavalo seria autoacutectone do continente americano (GOacuteES FILHO 2001)

Cedo ensina Seacutergio Buarque de Holanda as necessidades de defesa impuseram a

formaccedilatildeo de grandes comboios que substituiacuteram as pequenas unidades

empregadas inicialmente O prazo mais apropriado para iniciar essas navegaccedilotildees

era muito curto ocorrendo preferencialmente nos meses de marccedilo e abril e em

alguns casos em fins de maio mas nunca ultrapassando o dia de Satildeo Joatildeo em

meados de junho Esse prazo estava diretamente relacionado ao volume de aacuteguas

dos rios mais cheios nessa eacutepoca do ano o que facilitava sobremaneira a

navegaccedilatildeo ateacute o destino final tornando-a menos arriscada Como era curto o prazo

mais propiacutecio para a partida das expediccedilotildees e evidentemente muito custoso o

financiamento das viagens apenas um comboio era organizado por ano reunindo

embarcaccedilotildees particulares e oficiais todas protegidas por um uacutenico aparato de

defesa (HOLANDA 1957)

Ressalta Seacutergio Buarque de Holanda que a teacutecnica de navegaccedilatildeo fluvial adotada

para empreender essas expediccedilotildees era quase exclusivamente indiacutegena desde a

escolha da madeira a ser transformada nas embarcaccedilotildees principalmente canoas

cavadas em um soacute tronco e muito rasas construiacutedas com a tecnologia dos iacutendios a

partir da peroba e da ximbauacuteva ateacute o proacuteprio sistema de navegaccedilatildeo empregado

Afirma mesmo que era praticamente nula a influecircncia europeacuteia na construccedilatildeo e

conduccedilatildeo dessas embarcaccedilotildees (HOLANDA 1957)

Para resguardar as mercadorias e mantimentos transportados adotaram-se as

medidas de toldar as canoas para protegecirc-las das chuvas evitando-se que as

provisotildees se estragassem usar mosquiteiros para proteger as tripulaccedilotildees e

passageiros das intempeacuteries e dos ataques de insetos e distribuir a carga na parte

central da canoa reservando a proa para os remeiros geralmente em nuacutemero de 6

aleacutem do piloto e do proeiro e a popa para os passageiros nunca excedendo 25 ou

30 pessoas embarcadas por canoa Os remeiros remavam em peacute como os iacutendios e

navegavam entre as 8 horas da manhatilde e as 5 horas da tarde quando embicavam as

179

canoas nos barrancos dos rios para armar os acampamentos Algumas

embarcaccedilotildees maiores chegavam a transportar ateacute 400 arrobas de carga Aleacutem das

mercadorias era transportado o mantimento a ser consumido na viagem renovadas

as provisotildees quando da parada no varadouro da fazenda Camapoatilde O nuacutemero de

canoas e pessoas de um comboio tambeacutem variava bastante sabe-se que um dos

maiores o do capitatildeo-general da Capitania de Satildeo Paulo Dom Rodrigo Ceacutesar de

Menezes que transferiu provisoriamente a administraccedilatildeo de governo para Cuiabaacute

partiu de Porto Feliz em 1726 com mais de 300 canoas e aproximadamente 3000

pessoas

As tripulaccedilotildees eram alimentadas com uma raccedilatildeo diaacuteria de pouco mais de 100

gramas de toucinho 1 litro de farinha de milho ou de mandioca e frac12 litro de feijatildeo

feijatildeo que constituiacutea a base de toda a dieta dos viajantes recorrendo-se tambeacutem agrave

pesca agrave caccedila e agrave coleta de palmitos e frutos57 (HOLANDA 1957)

Esses comboios de canoas organizados com o objetivo de estabelecer contato

entre a capitania de Satildeo Paulo e as regiotildees mineradoras do Rio Cuiabaacute e Guaporeacute

criaram um sistema de transporte que passou a ser conhecido por monccedilatildeo de

povoado expediccedilotildees fluviais regulares que tinham a funccedilatildeo de abastecer as minas

com mercadorias e escravos e transportar os que pretendiam explorar aqueles

sertotildees tatildeo longiacutenquos Por mais de 100 anos de 1719 a 1838 como visto

anteriormente as monccedilotildees permitiram a ligaccedilatildeo fiacutesica dessas regiotildees e a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano

57 ldquoAntes do pocircr-do-sol costumavam os homens arranchar-se e cuidar da ceia que constava principalmente de feijatildeo com toucinho o panem nostrum quotidianum dos navegantes segundo expressatildeo de um deles aleacutem da indefectiacutevel farinha de milho ou de mandioca e algum pescado apanhado pelo caminhordquo (HOLANDA Seacutergio Buarque Monccedilotildees Rio de Janeiro Joseacute Olympio Editora 1945 p 186)

180

A palavra monccedilatildeo58 de procedecircncia aacuterabe teve seu uso generalizado entre os

marinheiros portugueses durante os grandes descobrimentos mariacutetimos no Oriente

Originalmente teve em portuguecircs o significado de designar os ventos alternados

que determinavam as eacutepocas de navegaccedilatildeo no Oceano Iacutendico sendo utilizada mais

tarde para designar as estaccedilotildees adequadas agraves viagens os periacuteodos em que

sopravam os ventos mais favoraacuteveis ou mesmo a estaccedilatildeo mais apropriada para a

navegaccedilatildeo Lembra Seacutergio Buarque de Holanda que as armadas partiam de Lisboa

nos meses de marccedilo e abril para chegarem aos portos de destino na Aacutesia no mecircs de

setembro pois ficavam os navios impedidos de se aproximar da costa ateacute fins de

agosto Essa periodicidade regular impunha restriccedilotildees ao planejamento das viagens

condicionando-as aos meses do ano mais propiacutecios (HOLANDA 1957)

As expediccedilotildees saiacutedas de Satildeo Paulo eram igualmente restringidas por condiccedilotildees

naturais determinantes natildeo eram os ventos que se impunham como na carreira da

Iacutendia mas o regime dos rios mais facilmente navegaacuteveis na eacutepoca das cheias que

coincidiam com as monccedilotildees portuguesas nos mesmos meses de marccedilo e abril

tornando a viagem menos difiacutecil e arriscada quando realizada neste periacuteodo Dessa

forma tambeacutem limitada por uma periodicidade regular e anual as expediccedilotildees agraves

minas de Cuiabaacute passaram a ser igualmente designadas a partir da segunda

deacutecada do seacuteculo XVIII por monccedilatildeo ou monccedilatildeo de povoado

A duraccedilatildeo da viagem das expediccedilotildees que saiacuteam de Satildeo Paulo para alcanccedilar Cuiabaacute

consumia no miacutenimo 5 meses o mesmo tempo necessaacuterio para realizar a carreira

da Iacutendia o comboio de navios que por 350 anos na mais difiacutecil e longa rota

mariacutetima da eacutepoca ligou Lisboa a Goa A volta das monccedilotildees era mais raacutepida e

durava 2 meses porque as canoas estavam mais vazias e navegava-se na maior

parte dos trechos a favor dos rios (GOacuteES FILHO 2001)

58 HOUAISS Antocircnio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Editora Objetiva 2001 A palavra monccedilatildeo eacute atualmente usada para designar o vento perioacutedico de ciclo anual que sopra principalmente no sudeste da Aacutesia alternativamente do mar para a terra e da terra para ao mar durante muitos meses do ano Na costa brasileira sopra em direccedilatildeo ao norte de marccedilo a agosto e para o sul nos outros meses do ano A palavra tambeacutem significa tempo ou quadra do ano favoraacutevel agrave navegaccedilatildeo podendo ser usada com a conotaccedilatildeo figurativa de ocasiatildeo favoraacutevel ou oportunidade Monccedilatildeo tem origem no aacuterabe mawsim ou na variaccedilatildeo vulgar mawsatildem que quer dizer data ou estaccedilatildeo do ano fixada para que ocorra algo como a safra por exemplo ou para que se faccedila alguma coisa como uma festa religiosa peregrinaccedilatildeo agrave Meca ou uma feira solene

181

Nos primeiros anos de existecircncia a regiatildeo mineradora de Cuiabaacute era extremamente

dependente dos suprimentos trazidos pelas monccedilotildees do sal aos tecidos tudo

chegava por elas quase nada aleacutem do ouro era produzido nas minas os moradores

do arraial cuiabano recorda Seacutergio Buarque de Holanda levavam uma vida muito

semelhante a dos iacutendios coletores e caccediladores (HOLANDA 1957)

A interrupccedilatildeo do fluxo de abastecimento das monccedilotildees provocava fome e elevaccedilatildeo

extrema de preccedilos sobretudo dos produtos de subsistecircncia A vocaccedilatildeo das zonas

mineradoras era a lavra de ouro e soacute aos poucos foram sendo introduzidos animais

de criaccedilatildeo como porcos galinhas bois e cavalos vindos de Satildeo Paulo e

transportados com enorme dificuldade A caccedila e a pesca constituiacuteam atividade

obrigatoacuteria para sobrevivecircncia dos mineradores e aos poucos pequenas roccedilas de

milho mandioca feijatildeo e aboacutebora foram gradualmente sendo cultivados ao lado das

lavras e dos rios na periferia das vilas e arraiais Desenvolveram-se tambeacutem nas

roccedilas de subsistecircncia a plantaccedilatildeo de banana melancias batata fumo e cana-de-

accediluacutecar esta destinada em sua maioria no seacuteculo XVIII agrave fabricaccedilatildeo de aguardente

Na periferia das vilas passou a se desenvolver produccedilatildeo agriacutecola e pecuaacuteria de

subsistecircncia o que permitiu a fixaccedilatildeo dos mineradores agrave terra sobretudo a partir do

crescimento das atividades econocircmicas voltadas para uma sociedade sedentaacuteria As

profissotildees mais usuais em serviccedilos e ofiacutecios mecacircnicos eram pedreiros arrieiros

serralheiros ferreiros caldeireiros carpinteiros seleiros sapateiros alfaiates oleiros

e barbeiros Os demais negoacutecios ocorreriam por conta e risco dos armadores

particulares que com suas monccedilotildees trafegavam com todo tipo de mercadoria entre

o litoral e o interior Dessa forma diversas vilas foram surgindo e os luso-brasileiros

expandindo sua presenccedila naqueles sertotildees centro-americanos

Em estudo realizado sobre a ocupaccedilatildeo urbana do Centro-Oeste brasileiro Jovam

Vilela Silva concluiu que a maior parte da populaccedilatildeo mato-grossense foi constituiacuteda

de iacutendios incorporados de diferentes formas a esses luso-brasileiros caboclos

aliaram-se portugueses em menor nuacutemero que vinham exercer atividades de

comeacutercio varejista e atacadista de secos e molhados burocratas da administraccedilatildeo

puacuteblica militares e uma quantidade razoaacutevel de escravos negros africanos todos

182

responsaacuteveis pela fixaccedilatildeo portuguesa nas vilas que foram fundadas ao longo do

seacuteculo XVIII conforme descrito no quadro a seguir

Ano Designaccedilatildeo da localidade Mudanccedila de nome nome

atual ou localizaccedilatildeo Observaccedilotildees

1718 Arraial do Rio Coxipoacute-Mirim ------ Distrito de Cuiabaacute 1719 Arraial de N S da Penha de

Franccedila Forquilha Distrito de Cuiabaacute

1722 Lavras de Sutil Riacho Prainha Distrito de Cuiabaacute 1722 Capela N S Rosaacuterio e NS Bom

Jesus de Cuiabaacute e de Satildeo Benedito

Antigo Tanque do Ernesto Distrito de Cuiabaacute

1724 Arraial de N S da Conceiccedilatildeo A velha ndash uma leacutegua de Cuiabaacute

Distrito de Cuiabaacute

1724 Arraial do Ribeiratildeo Meia leacutegua de Cuiabaacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Arraial do Jacey 3 a 4 leacuteguas do Coxipoacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Lavra do Motuca -------- Distrito de Cuiabaacute 1724 Porto Geral Meia leacutegua de Cuiabaacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Porto do Borralho Rio Cuiabaacute acima Distrito de Cuiabaacute 1725 Lugar de Camapoan (Fazenda) ndash

criava-se gado bovino e equumlino ndash cultiva-se milho feijatildeo e pequenos animais para abastecer os viajantes

Varadouro de 6350 braccedilas entre o Rio Pardo e o rio Taquari ndash as margens de riacho homocircnomo

Ficava no caminho utilizado pelos comboieiros no roteiro das monccedilotildees de povoado paulista

1728 Diamantino (Minas do Alto Paraguai)

Sobreviveu e hoje eacute a cidade de Diamantino

Margens do Rio Paraguai - nascente

1730 Arraial dos Cocaes Sobreviveu e hoje eacute a cidade de N S do Livramento

Distrito de Cuiabaacute

1731 Minas de Mato Grosso Localizado entre os rios Galera e Sarareacute

Distrito de Vila Bela Vale do Rio Guaporeacute

1734 Arraial do Brumado Ribeiratildeo do mesmo nome Distrito de Cuiabaacute 1736 Arraial de Satildeo Francisco Xavier Acima do Rio Sarareacute Distrito de Vila Bela 1731 a 1740

Surgiram os Arraiais de Santana Satildeo Vicente Nossa Senhora do Pilar Ouro Fino e Lavrinhas - ruiacutenas

Minas situadas entre os Rios Galera e Sarareacute ndash Vale do Rio Guaporeacute

Distrito de Vila Bela da Santiacutessima Trindade

1745 Minas do Rio Arinos Em 1766 passa a ser conhecida como Lavras do Vizeu

Rio Arinos ndash acima de Diamantino

1750 Minas do Araeacutes ou Amarante Rio das Mortes Caminho pra Goiaacutes Arraial de Santo Antocircnio Sobreviveu ndash atual cidade de

S Antonio de Leverger Distrito de Cuiabaacute

1751 Lugar de Santa Anna (missatildeo) Povoado com vaacuterias etnias indiacutegenas

Em 1769 foi renomeada para Lugar de Guimaratildees

Distrito de Cuiabaacute - atual Chapada dos Guimaratildees

1752 Vila Bella da Santiacutessima Trindade Antigo Pouso Alegre ndash Capital da Capitania de Mato Grosso

Na deacutecada de 1950 foi conhecida como Mato Grosso

Distrito de Vila Bela da Santiacutessima Trindade

1754 Lugar de Satildeo Joatildeo dos Iacutendios (missatildeo) Vaacuterias etnias indiacutegenas

1769 ndash Lugar de Lamego Distrito de Mato Grosso

1754 Presiacutedio de Nossa Senhora da 1760 ndash Forte de Braganccedila Distrito de Mato

183

Conceiccedilatildeo ndash ruiacutenas ndash atualmente este territoacuterio faz parte do Estado de Rondocircnia Povoado com iacutendios migrados de Moxos ndash vaacuterias etnias

1766 ndash Fortaleza Priacutencipe da Beira

Grosso Margem direita do Rio Guaporeacute

1754 Aldeia de Satildeo Joseph (missatildeo) Povoado com vaacuterias etnias indiacutegenas

1ordm na casa redonda ndash rio Guaporeacute Em 1756 sobe para o rio dos Mequeacutens e em 1769 denominou-se Lugar de Loemil

Distrito de Mato Grosso Margem direita do Rio Guaporeacute

1773 Registro de Insua Sobreviveu ndash atual cidade de Alto Araguaia

Caminho terrestre entre MT e GO

1775 Fortaleza de Nova Coimbra Margem esquerda do Rio Paraguai ndash Fecho dos Morros

Povoado com iacutendios Terena e Kirikinaus

1777 Arraial dos Beripoconeacute- povoada com iacutendios do mesmo nome e mais tarde com outras etnias

Em 1781 denominada Vila de Satildeo Joatildeo dacuteEl Rei Caminho entre Cuiabaacute e Caacuteceres

Sobreviveu ndash atual cidade de Poconeacute

1778 Povoaccedilatildeo de Albuquerque ndash povoado com iacutendios de varias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Corumbaacute

Margem esquerda do Rio Paraguai

Povoaccedilatildeo de Vila Maria do Paraguai ndash povoada com iacutendios de vaacuterias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Satildeo Luiz de Caacuteceres

Margem esquerda do Rio Paraguai ndash povoada com iacutendios Saravekas (Chiquitos)

1782 Casal Vasco ndash povoado com iacutendios de vaacuterias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Casalvasco

Rio Barbados ndash povoada com iacutendios Saravekas e Koraveka

1797 Presiacutedio de Miranda ndash povoado com nativos de vaacuterias etnias

Margens do rio Apa (Mondego)

Povoado com iacutendios Terena

Fontes Revista do Instituto Histoacuterico de Mato Grosso anos XXV e XXVII 1943-1944 tomos XLI e LII Virgiacutelio Correcirca Filho ndash Histoacuteria de Mato Grosso INL RJ 1969 p 344 Revista do Arquivo Puacuteblico de Mato Grosso nordm 02 p55 a 63 caixa 18 nordm 1162 1164 1165 1174 micro fichas nordm 273 274 275 Correspondecircncia de Antocircnio Rolim de Moura EdUFMT NDIHR Documentos Ibeacutericos MENDONCcedilA Rubens de Histoacuteria de Mato Grosso Cuiabaacute 1970 p 25 a 31 apud SILVA Jovam Vilela A loacutegica portuguesa na ocupaccedilatildeo urbana do territoacuterio mato-grossense Disponiacutevel em wwwccerqueira hpgigcombr acesso em 19 de abril de 2006

Em finais do seacuteculo XVIII a accedilatildeo de ocupaccedilatildeo do territoacuterio que se processou na

Capitania de Mato Grosso natildeo deixava duacutevidas de que a posse e o domiacutenio da

regiatildeo era portuguecircs Nas disputas com os espanhoacuteis o argumento principal era de

que jaacute havia sido criada uma sociedade colonial portuguesa ao longo de uma linha

de fronteira avanccedilada no centro-oeste brasileiro com povoaccedilotildees e outros nuacutecleos

urbanizados Essa vasta regiatildeo conquistada corresponde hoje aos atuais Estados do

Mato Grosso Mato Grosso do Sul e Rondocircnia em grande parte pertencente agrave

Amazocircnia brasileira

Seacutergio Buarque de Holanda considera que a migraccedilatildeo para a regiatildeo mineradora de

Cuiabaacute sobretudo quando ocorreram as monccedilotildees foi em quase todos os seus

184

aspectos e efeitos imediatos de ocupaccedilatildeo do territoacuterio uma forma de migraccedilatildeo

ultramarina Os monccediloeiros partiam de um porto no planalto paulista para atingirem

5 meses depois um outro porto cuiabano numa expediccedilatildeo de travessia de uma

aacuterea tatildeo grande e tatildeo distante que podia ser comparada a um oceano Nesse

sentido considera tambeacutem que a colonizaccedilatildeo paulista de Cuiabaacute foi uma reacuteplica em

menor escala do que foi a colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil (HOLANDA 1957)

Com o surgimento de novos caminhos que levavam a Cuiabaacute sobretudo aqueles

que podiam ser percorridos por vias terrestres e que passavam pelas minas de

Goiaacutes e o gradual esgotamento da produccedilatildeo de ouro as viagens fluviais que

partiam de Satildeo Paulo foram-se tornando cada vez mais raras Pode-se mesmo

afirmar que no comeccedilo do seacuteculo XIX jaacute estavam francamente decadentes as

uacuteltimas ocorreram por volta de 1838 pouco mais de 100 anos depois da descoberta

do ouro cuiabano quando uma epidemia de tifo grassou no Rio Tietecirc ldquodeixando

poucos sobreviventes entre o que ainda restava dos mareantes e pilotos de Porto

Felizrdquo (HOLANDA 1957 p 178)

Com a descoberta do ouro em Goiaacutes em 1725 mais um poacutelo de atraccedilatildeo de ouro se

revelava no Brasil depois das minas gerais e das minas de Cuiabaacute as minas de

Goiaacutes o que resultou na abertura de um caminho terrestre para Goiaacutes partindo de

Satildeo Paulo e mais tarde prolongada por mais de 1000 Km ateacute atingir Cuiabaacute Esses

caminhos terrestres foram responsaacuteveis pela introduccedilatildeo na regiatildeo do chamado ciclo

muar que acabou por substituir o ciclo das monccedilotildees As viagens feitas pelos Rios

Tietecirc Paranaacute e Pardo foram sendo substituiacutedas pelas expediccedilotildees terrestres

igualmente difiacuteceis partia-se de Satildeo Paulo com mulas carregadas passava-se por

Goiaacutes chegando-se ao Mato Grosso onde as mercadorias transportadas eram

entatildeo vendidas Ao longo do seacuteculo XIX com o advento da navegaccedilatildeo a vapor

novamente voltou-se a adotar o caminho fluvial para alcanccedilar o Mato Grosso mas

os rios navegados passaram a ser outros o Prata o Paranaacute e o baixo Paraguai as

canoas do velho Anhembi desapareceriam e natildeo voltariam mais (GOacuteES FILHO

2001)

185

Na avaliaccedilatildeo do papel histoacuterico desempenhado pelas monccedilotildees natildeo haacute consenso

sobre o enquadramento ou natildeo desse fenocircmeno no contexto do movimento

bandeirista

Alfredo Ellis Jr defende que o bandeirismo teria terminado no comeccedilo do seacuteculo

XVIII quando se iniciavam as expediccedilotildees fluviais para Cuiabaacute O autor natildeo inclui as

monccedilotildees no movimento bandeirante considerando-as caracteriacutesticas do seacuteculo

XVIII e ressalta que diferente das bandeiras as monccedilotildees eram exclusivamente

fluviais seguiam roteiros fixos formavam arraiais nos locais conhecidos que

percorriam agrave medida em que as viagens se sucediam e tinham um uacutenico objetivo

alcanccedilar as minas de ouro dos Rios Cuiabaacute e Guaporeacute Tambeacutem formavam uma

sociedade diferenciada os monccediloeiros estariam mais afeitos a uma disciplina

naturalmente imposta pela organizaccedilatildeo e conduccedilatildeo dos grandes comboios fluviais

ao contraacuterio dos bandeirantes preadores de iacutendios e caccediladores de ouro que por

sua mobilidade e espiacuterito individualista natildeo se ajustavam agrave rotina do comerciante

monccediloeiro (ELLIS59 1934 apud GOacuteES FILHO 2001 p 145)

Affonso Taunay por sua vez retratou as monccedilotildees como um movimento que seguia

a proacutepria trajetoacuteria bandeirante no espiacuterito conquistador do europeu que havia se

tornado mesticcedilo ressaltando os riscos as dificuldades as lutas e sobretudo as

motivaccedilotildees de viagem o apresamento de iacutendios e a procura por novas jazidas

minerais Tambeacutem destaca o alargamento das fronteiras dos paulistas e

consequumlentemente do territoacuterio portuguecircs mais propriamente como uma

necessidade para a subsistecircncia de Satildeo Paulo pobre de homens e de recursos

econocircmicos Nesse contexto mais aproxima que distancia os dois movimentos de

expansatildeo territorial tatildeo marcadamente caracteriacutesticos do Brasil colonial60

Affonso Taunay ressalta tambeacutem que as monccedilotildees mais ainda que as bandeiras

que teriam tido similares na conquista russa da Sibeacuteria foram um fenocircmeno

exclusivamente brasileiro nada havendo de comparaacutevel em outras regiotildees do

mundo (TAUNAY 1975 apud GOacuteES FILHO 2001 p 147) 59 ELLIS Jr Alfredo O Bandeirantismo paulista e o recuo do meridiano 1934 60 TAUNAY Affonso Histoacuteria das bandeiras paulistas 1975 Apud DICK Maria Vicentina de Paula do Amaral e SEABRA Maria Cacircndida Trindade Costa de Caminho das aacuteguas povos dos rios - uma visatildeo etnolinguumliacutestica da toponiacutemia brasileira Em wwwfilologiaorgbr Acesso em 19 de abril de 2006

186

Haacute outros historiadores que consideram as bandeiras e as monccedilotildees como parte de

um movimento uacutenico de expansatildeo territorial As monccedilotildees podem entatildeo ser vistas

como uma adaptaccedilatildeo agraves novas condiccedilotildees de exploraccedilatildeo completando o papel de

ocupaccedilatildeo e posse de territoacuterios iniciado pelas bandeiras

Para Seacutergio Buarque de Holanda as monccedilotildees foram continuadoras das bandeiras

Ele assinala que houve uma afinidade especial entre elas ldquo ateacute um momento

incerto de transiccedilatildeo espeacutecie de zona obscura onde ambas se encontram e se

confundemrdquo (BUARQUE DE HOLANDA 1957 p 160)

O historiador considera que a histoacuteria das monccedilotildees seria de certa forma o

prolongamento da histoacuteria das bandeiras paulistas em sua expansatildeo para o Brasil

central havendo muitos pontos em comum entre as bandeiras e as monccedilotildees

Ambas teriam sido antes de tudo movimentos de expansatildeo territorial as bandeiras

por revelarem o conhecimento do territoacuterio dos sertotildees do Brasil e as monccedilotildees por

garantirem o povoamento das regiotildees descobertas Foram as monccedilotildees segundo

opina que consolidaram a posse das terras entre o planalto paulista e os sertotildees do

centro-oeste regiotildees haacute muito tempo conhecidas pelos bandeirantes Nesse

sentido as monccedilotildees teriam sido uma nova fase do sertanismo paulista

Deve-se tambeacutem ensina Seacutergio Buarque de Holanda agrave experiecircncia adquirida pelas

expediccedilotildees fluviais empreendidas pelos paulistas para alcanccedilar as minas de

Cuiabaacute a abertura de nova rota de comunicaccedilatildeo fluvial regular entre Vila Bela da

Santiacutessima Trindade no Mato Grosso e Beleacutem no Estado do Gratildeo-Paraacute por meio

da navegaccedilatildeo dos Rios Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Esse fenocircmeno

conhecido por monccedilotildees do norte seraacute visto adiante mais detalhadamente

ldquoA funccedilatildeo histoacuterica dessa estrada de mais de 10000 quilocircmetros de comprimento que abraccedila quase todo o Brasil supera mesmo a de quaisquer outras linhas de circulaccedilatildeo natural do nosso territoacuterio sem exclusatildeo do proacuteprio Satildeo Francisco por muitos denominado o rio da unidade nacionalrdquo (BUARQUE DE HOLANDA 1957 p 178)

A ligaccedilatildeo fluvial regular de Satildeo Paulo agraves minas de Cuiabaacute que mais tarde em 1752

foi complementada pela navegaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela com Beleacutem

187

estabeleceu definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o entatildeo

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees e as monccedilotildees do norte dois

movimentos vigorosos de penetraccedilatildeo territorial finalmente passaram a delinear as

fronteiras ocidentais dos territoacuterios coloniais portugueses na Ameacuterica Agraves veacutesperas

da assinatura do Tratado de Madri de 1750 Espanha e Portugal encontravam-se

diante de uma realidade histoacuterica de um lado os jesuiacutetas instalados nas periferias

do impeacuterio colonial castelhano e de outro os bandeirantes luso-brasileiros que se

haviam transformado em comerciantes e mineradores instalados ao longo de uma

longa linha de povoaccedilotildees e fortificaccedilotildees defensivas bem mais a oeste do previsto

pelo Tratado de Tordesilhas Desse conflito de interesses prevaleceu a posiccedilatildeo

portuguesa de defesa da ocupaccedilatildeo do territoacuterio levada a termo pelos paulistas

bandeirantes e monccediloeiros os primeiros na conquista e revelaccedilatildeo da terra e os

segundos na ocupaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da posse

62 A Estrateacutegia Portuguesa

ldquoA certeza de que Deus estava do seu lado e de que podia intervir e intervinha diretamente em seu favor foi sem duacutevida um fator importante na conquista e manutenccedilatildeo de Ceuta tal como nas viagens de descobrimentos e conquista que se lhe seguiram Quando a crenccedila de que eram um povo escolhido por Deus para a expansatildeo da feacute foi reforccedilada [] o resultado foi um nacionalismo de duraccedilatildeo e firmeza excepcionais Este nacionalismo ajuda a explicar as razotildees pelas quais os portugueses conseguiram conservar uma parte tatildeo grande do seu precaacuterio impeacuterio mariacutetimo durante tanto tempordquo (BOXER 1981 p356)

Viu-se anteriormente que o seacuteculo XVII foi marcado pela expansatildeo territorial da

Ameacuterica portuguesa relacionado sobretudo agraves accedilotildees de conquista empreendidas

pelos paulistas em direccedilatildeo ao sul e ao Centro-Oeste do Estado do Brasil e ao

entradismo luso-brasileiro conduzido no Estado do Maranhatildeo que lenta mas

persistentemente foi ocupando o vale amazocircnico a partir de Beleacutem no Paraacute

Paradoxalmente ao lado desse movimento de expansatildeo territorial que vinha

ocorrendo no continente americano Portugal sofreu ao longo dos seiscentos

pesadas perdas coloniais impostas principalmente pelas Proviacutencias Unidas a partir

da uniatildeo das coroas ibeacutericas havida entre 1580 e 1640 Na realidade desde 1568

durante o reinado de Felipe II de Espanha os holandeses iniciaram um irreversiacutevel

movimento contraacuterio agrave dominaccedilatildeo da Coroa espanhola que perduraria ateacute o seacuteculo

188

seguinte com a conclusatildeo de um acordo de paz entre os dois paiacuteses assinado nos

anos de 1668-69

Em finais do seacuteculo XVI e iniacutecio do XVII o impeacuterio colonial ibeacuterico passou a ser

insistentemente atacado pelos batavos e em menor escala pelos ingleses que

tambeacutem questionavam as pretensotildees monopolistas de Portugal no comeacutercio da

Guineacute na Aacutefrica Entretanto mais vulneraacutevel que as posiccedilotildees coloniais espanholas

bem instaladas nos altiplanos andinos e mexicanos as feitorias e instalaccedilotildees

costeiras portuguesas foram o alvo preferencial das investidas holandesas Aleacutem

disso recorda Charles Ralph Boxer os holandeses decidiram fazer uma guerra

ultramarina evitando lutar em Flandres e atacando com sua crescente forccedila naval as

possessotildees coloniais ibeacutericas seu objetivo era minar o poder da peniacutensula

interrompendo ou diminuindo o fluxo dos recursos econocircmicos enviados das

colocircnias Portugal elo mais fraco da uniatildeo peninsular sofreu mais fortemente que a

Espanha a pressatildeo das hostilidades assim em 1598-1599 as ilhas de Satildeo Tomeacute e

Priacutencipe foram atacadas por barcos holandeses dando iniacutecio a uma seacuterie de accedilotildees

de guerra contra as colocircnias portuguesas na Aacutefrica na Aacutesia e no Brasil O efeito

para o impeacuterio colonial portuguecircs foi devastador Na Aacutesia os holandeses

conquistaram as principais ilhas de especiarias das Iacutendias Orientais as ilhas

Molucas e o monopoacutelio de cravo-da-iacutendia devastaram sistematicamente o comeacutercio

portuguecircs desde o Golfo Peacutersico ateacute o Japatildeo conquistando uma a uma suas

colocircnias costeiras tomaram a fortaleza portuguesa no estreito de Malaca e

conquistaram os estabelecimentos portugueses na costa do Ceilatildeo e outras

posiccedilotildees em Malabar terminando por conseguir o monopoacutelio comercial com o

Japatildeo em 1639 e por controlar completamente por volta da deacutecada de 1660 o

comeacutercio asiaacutetico do cravo-da-iacutendia da noz moscada da canela e da pimenta

Restaram aos portugueses apenas Macau no sul da China e as ilhas do Timor na

Indoneacutesia Na Aacutefrica Oriental Portugal conseguiu manter o controle sobre

Moccedilambique mas na Aacutefrica Ocidental os holandeses tomaram as posiccedilotildees

lusitanas na Costa do Ouro natildeo conseguindo por muito tempo manter a conquista

sobre Angola Benguela e Satildeo Tomeacute e Priacutencipe todas retomadas pelos portugueses

ateacute 1648-49 No Brasil depois da raacutepida ocupaccedilatildeo da Bahia em 1624 e 1625

invadiram Pernambuco em 1630 sendo definitivamente expulsos em 1654 por meio

de accedilotildees de guerra que hoje bem poderiam ser chamadas de accedilotildees de guerrilha

189

numa campanha de quase uma deacutecada conduzida por alguns portugueses e muitos

mulatos negros iacutendios e mesticcedilos Permaneceu o Brasil portuguecircs perderam-se

quase todas as possessotildees coloniais na Aacutesia e mantiveram-se outras na Aacutefrica esse

pode ser o balanccedilo das investidas holandesas contra o impeacuterio colonial portuguecircs

accedilotildees de hostilidade que prosseguiram mesmo depois da Restauraccedilatildeo ocorrida em

1640 e que soacute teriam fim com a accedilatildeo mediadora dos ingleses e a assinatura de um

armistiacutecio chamado por Boxer de paz de esgotamento assinado entre Portugal

Holanda e Espanha em 1668 e 1669 (BOXER 1981)

Aos acordos de paz firmados com grande expectativa natildeo se seguiram tempos de

recuperaccedilatildeo da economia portuguesa Nas duas deacutecadas seguintes o que se viu

foram a deterioraccedilatildeo do preccedilo do accediluacutecar e do fumo seus produtos coloniais mais

importantes e o aumento de preccedilo dos artigos importados da Europa setentrional

como cereais tecidos e outros produtos manufaturados Tudo agravado por uma

crise monetaacuteria sem precedentes no Brasil e Angola onde havia uma carecircncia

crocircnica de moeda e por terriacuteveis pestes iniciadas no meio da deacutecada de 1680 que

causaram seacuterios prejuiacutezos em Angola um surto de variacuteola e na Bahia e

Pernambuco quase ao mesmo tempo entre 1686 e 1691 uma epidemia de febre

amarela A situaccedilatildeo era muito grave e algumas medidas foram tomadas a tentativa

de fomentar a induacutestria tecircxtil local a restriccedilatildeo agraves importaccedilotildees de artigos de luxo

sobretudo os franceses a criaccedilatildeo de uma Casa da Moeda na Bahia em 1694 e a

fundaccedilatildeo da Colocircnia de Sacramento no atual Uruguai proacuteximo a Buenos Aires em

1680 que tinha por objetivo beneficiar-se do contrabando da prata desviada das

minas do Peru Os resultados positivos decorrentes desta poliacutetica econocircmica natildeo

duraram muito preferiu-se priorizar a exportaccedilatildeo de vinho a fomentar os tecircxteis as

safras de accediluacutecar brasileiras continuaram ruins prejudicadas pelas chuvas e pelas

pestes e a manutenccedilatildeo de Sacramento passou a ser extremamente dispendiosa

com a oposiccedilatildeo e as hostilidades dos espanhoacuteis de Buenos Aires (BOXER 2004)

Perdidas as antigas posiccedilotildees coloniais sobretudo as da Aacutesia para os holandeses e

apesar de toda a crise econocircmica enfrentada naqueles anos o Brasil tornara-se no

seacuteculo XVII a colocircnia de maior importacircncia para Portugal responsaacutevel pela maior

parte das rendas de ultramar que ingressavam no reino

190

Uma notiacutecia surpreendente surgida na uacuteltima deacutecada dos seiscentos colocaria o

Brasil definitivamente no centro das atenccedilotildees de Lisboa a descoberta tardia de ouro

de aluviatildeo em uma escala sem precedentes feita por grupos de paulistas em suas

andanccedilas pelos sertotildees brasileiros Possivelmente encontradas entre os anos de

1693 e 1695 as minas rapidamente passaram a atrair uma multidatildeo de homens

vindos de vaacuterios cantos do Brasil e mesmo de Portugal para a regiatildeo que mais tarde

viria a ser conhecida por Minas Gerais Era a recompensa por quase duzentos anos

de buscas infrutiacuteferas pelas riquezas mais desejadas naqueles tempos coloniais

Pouco tempo mais tarde em 1718 e 1722 novas descobertas foram feitas na regiatildeo

do Rio Cuiabaacute complementadas pelas notiacutecias do ouro de Goiaacutes em 1725 e da

regiatildeo do Rio Guaporeacute encontradas em 1734 e 1736 Em finais de 1720 na regiatildeo

das Minas Gerais acharam-se tambeacutem grandes minas de diamante tatildeo

importantes que o governo portuguecircs resolveu para melhor controlar a regiatildeo de

lavra criar em 1740 um distrito dos diamantes rigidamente isolado por um

regimento especial da Coroa

A descoberta de ouro e de diamantes no interior do Brasil ocorridas em finais do

seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII traria repercussotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas

imediatas uma parcela significativa da populaccedilatildeo litoracircnea de Pernambuco Bahia e

Rio de Janeiro se deslocou e se instalou nas regiotildees mineradoras ao mesmo tempo

em que estimulou a economia colonial igualmente produziu uma crise de matildeo-de-

obra nas lavouras de accediluacutecar e tabaco das cidades costeiras e provocou um enorme

aumento na importaccedilatildeo de negros africanos para os trabalhos nas minas e

plantaccedilotildees

Ressalta Caio Prado Junior que a mineraccedilatildeo de ouro no Brasil viria a ocupar ateacute a

deacutecada de 1780 o centro das atenccedilotildees de Portugal e a maior parte do cenaacuterio

econocircmico da colocircnia todas as demais atividades entraram em decadecircncia O ouro

substituiu aquele que foi por mais de um seacuteculo e meio uma das razotildees da proacutepria

colonizaccedilatildeo portuguesa o accediluacutecar A migraccedilatildeo da populaccedilatildeo para as minas foi tatildeo

intensa que superaria consideradas as proporccedilotildees e as condiccedilotildees do Brasil

colonial a famosa corrida do ouro da Califoacuternia no seacuteculo XIX Em algumas

deacutecadas uma vasta regiatildeo interna natildeo inferior a 2 milhotildees de km2 os sertotildees

191

desabitados ou ocupados pelos indiacutegenas viria a ser povoado Povoamento esparso

lembra o autor distribuiacutedo em pequenos nuacutecleos separados por enormes distacircncias

e precariacutessimas comunicaccedilotildees Esse movimento fixaria no interior da colocircnia por

volta do iniacutecio do seacuteculo XIX quase 15 da populaccedilatildeo oficial brasileira excetuando-

se eacute claro os nativos natildeo aculturados permitindo a ocupaccedilatildeo do centro do

continente sul-americano e dando um novo impulso para a colonizaccedilatildeo portuguesa

Como consequumlecircncia da mineraccedilatildeo houve o deslocamento do eixo econocircmico

brasileiro anteriormente localizado nos centros accedilucareiros do nordeste sobretudo

em Pernambuco e na Bahia agora deslocado para o sudeste natildeo soacute para as

capitanias de Minas Gerias e Rio de Janeiro mas tambeacutem para a de Satildeo Paulo que

passariam a abastecer as minas do interior estimulando as atividades econocircmicas

dessas regiotildees principalmente a agricultura e a pecuaacuteria atividades que

conheceram um periacuteodo de grande desenvolvimento (PRADO Jr 1971) A

transferecircncia da capital do Estado do Brasil de Salvador na Bahia para o Rio de

Janeiro ocorrida em 1763 reflete politicamente as modificaccedilotildees econocircmicas que

tiveram curso desde a descoberta do ouro vindo a nova capital a transformar-se

rapidamente no principal centro urbano do impeacuterio ultramarino portuguecircs

Para Arno Wehling o seacuteculo XVIII representou para o Brasil a eacutepoca da

consolidaccedilatildeo colonial especialmente com as descobertas do ouro e dos diamantes

no centro do paiacutes o que articulou internamente a colonizaccedilatildeo portuguesa

transformando um arquipeacutelago de colocircnias isoladas em um continente mesmo que

ainda relativamente integrado As ligaccedilotildees foram-se estabelecendo por meio das

rotas de comeacutercio e abastecimento do interior devendo-se especial atenccedilatildeo agrave

introduccedilatildeo da criaccedilatildeo de gado e agrave expansatildeo da pecuaacuteria para os sertotildees coloniais

O autor considera tambeacutem que as profundas transformaccedilotildees ocorridas na poliacutetica

europeacuteia no seacuteculo XVIII refletiram-se grandemente na colocircnia determinando

inclusive a necessidade do traccedilado de suas fronteiras (WEHLING 1999)

A partir da descoberta do ouro de Minas Gerais Cuiabaacute Goiaacutes e Guaporeacute o

interesse portuguecircs pelo Brasil tomaria um novo impulso a todo custo deveriam ser

mantidos os esforccedilos para defender e explorar a colocircnia acentuando-se o desejo da

Coroa de controlar melhor a administraccedilatildeo de seus negoacutecios coloniais brasileiros

Nesse contexto a expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica assumiu um caraacuteter

192

irreversiacutevel se jaacute fazia parte da poliacutetica oficial a reivindicaccedilatildeo da posse desses

territoacuterios havia chegado a hora de tornar-se prioridade poliacutetica de Estado fato que

natildeo pode ser esquecido na compreensatildeo do territoacuterio de proporccedilotildees continentais

ocupado pelo Brasil atual

Para preservar o Brasil era imperativo definir suas fronteiras com o impeacuterio colonial

espanhol Isso pressupunha a difiacutecil tarefa de abolir o principal acordo anterior o

Tratado de Tordesilhas assinado em 1494 e que fora baseado em uma bula papal

Este decreto natildeo poderia ser simplesmente descumprido pela vontade de um

monarca mesmo diante das precedentes quebras de acordos feitas com frequumlecircncia

pelos reis europeus que natildeo hesitaram em modificaacute-los em seu proacuteprio benefiacutecio

Tratava-se de um assunto de Estado a ser discutido com a Coroa espanhola que

necessariamente deveria ter a aprovaccedilatildeo da Igreja

As discussotildees sobre os limites coloniais sul americanos iniciadas em fins do seacuteculo

XVII foram conduzidas principalmente durante o reinado de Dom Joatildeo V que

governou Portugal no periacuteodo de 1706 a 1750

No final do seacuteculo XVII conforme foi visto anteriormente Portugal estava muito

enfraquecido no cenaacuterio poliacutetico europeu A aproximaccedilatildeo entre Pedro II e Luiacutes XIV

de Franccedila por ocasiatildeo da sucessatildeo de Espanha resultou na assinatura de um

Tratado Provisoacuterio em 4 de marccedilo de 1700 estabelecendo uma treacutegua na disputa

pelas terras do Cabo Norte as terras entre o Rio Oiapoque e o Rio Amazonas

passaram a ser consideradas neutras ateacute a concepccedilatildeo de um ajuste definitivo

Confirmado em 18 de junho de 1701 o Tratado Provisoacuterio torna-se Tratado definitivo

e perpeacutetuo e os portugueses foram levados a reconhecer uma neutralidade que

dava agrave Franccedila a oportunidade de enfim legalmente pleitear direitos sobre a regiatildeo

incluindo mesmo a livre navegaccedilatildeo do Amazonas Esses Tratados foram

francamente desfavoraacuteveis aos interesses coloniais portugueses Mas a situaccedilatildeo se

modificou rapidamente quando Portugal e Franccedila desfizeram suas alianccedilas durante

a Guerra de Sucessatildeo da Espanha ocorrida entre 1701 e 1713 o que colocou em

lados opostos essas duas Coroas europeacuteias Com o apoio da Inglaterra os

portugueses declararam nulos os dois acordos firmados com a Espanha e apelaram

193

aos aliados ingleses para que interviessem visando a uma soluccedilatildeo negociada da

questatildeo do Cabo Norte

Durante o iniacutecio do reinado de Dom Joatildeo V em 11 de abril de 1713 na Holanda e

ao final da Guerra de Sucessatildeo Portugal e Franccedila assinaram o Primeiro Tratado de

Utrecht pelo qual Portugal graccedilas ao apoio de seu aliado britacircnico conseguiu que a

Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees estabelecendo o Rio

Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica

Pouco tempo depois em 9 de fevereiro de 1715 foi assinado entre Portugal e

Espanha o Segundo Tratado de Utrecht que restabelecia a posse da Colocircnia de

Sacramento fundada em 1680 para Portugal

O reconhecimento da soberania sobre as terras amazocircnicas e a restituiccedilatildeo da

Colocircnia de Sacramento representavam natildeo soacute uma vitoacuteria para a poliacutetica colonial

portuguesa como tambeacutem o reconhecimento oficial proclamado em diplomas

internacionais de que os acertos territoriais previstos no Tratado de Tordesilhas

deveriam e podiam ser revistos abriram-se portanto importantes precedentes para

novas discussotildees sobre a posse das terras americanas Legitimou-se pela primeira

vez a ocupaccedilatildeo realizada pelas expediccedilotildees oficiais pelos entradistas e missionaacuterios

a serviccedilo de Portugal na Amazocircnia e proclamou-se a expansatildeo dos limites

portugueses em direccedilatildeo agrave bacia do Prata Legalizava-se finalmente uma situaccedilatildeo

de fato a presenccedila lusitana para aleacutem dos limites de Tordesilhas natildeo mais poderia

ser ignorada

O interesse da alta administraccedilatildeo portuguesa no conhecimento pormenorizado da

regiatildeo amazocircnica pode ser comprovado por vaacuterias determinaccedilotildees do governo de

Lisboa para que fossem colhidas informaccedilotildees seguras e diretas sobre as posiccedilotildees

ocupadas pelos espanhoacuteis naqueles territoacuterios61 (REIS 1948 tomo 2 p 37 e 38)

61 - Ordem de Lisboa datada de 5 de outubro de 1716 ao governador Cristovam da Costa Freire para que fosse confeccionada uma relaccedilatildeo do Rio das Amazonas e das distacircncias em que ficam as missotildees assim da cidade de Beleacutem do Gratildeo-Paraacute como de Quito e que se declare se ha alguma demarcaccedilatildeo feita natural ou ajustada por posse ou fato por onde se separam os domiacutenios de nossa parte e de Castela - Ordem reacutegia de 18 de abril de 1739 em que o Conselho Ultramarino determinou ao Capitatildeo- General Joatildeo de Abreu Castelo Branco que esclarecesse modo possiacutevel a distacircncia e os rumos em que ficam as nossas uacuteltimas aldeas e as castelhanas que nelas confinam assim entre si como a respeito do Gratildeo-Paraacute

194

Todavia foi em torno do Rio do Prata que se deram os conflitos coloniais62 mais

importantes Portugal e Espanha priorizaram a definiccedilatildeo de seus limites territoriais

ao sul do continente americano a questatildeo platina assumiu o centro das discussotildees

diplomaacuteticas e os interesses de ambas as Coroas necessariamente deveria ser

considerado para se chegar a um acordo comum De um lado a Espanha defendia a

necessidade de manter o controle exclusivo do rio entrada estrateacutegica para o interior

do continente de outra parte Portugal procurava buscar uma fronteira natural ao sul

e tambeacutem ter acesso agraves riquezas do Peru que pelo rio eram contrabandeadas As

lutas pela posse da Colocircnia do Santiacutessimo Sacramento fundada em 1680 e as

tentativas de ocupaccedilatildeo dos territoacuterios que atualmente abrangem o Uruguai e o

Estado do Rio Grande do Sul marcaram as disputas entre as Coroas ibeacutericas na

primeira metade do seacuteculo XVIII

Felipe V Rei de Espanha no periacuteodo de 1700 a 1746 natildeo se conformava com a

presenccedila portuguesa no Prata tendo sido tomado segundo alguns historiadores

espanhoacuteis por verdadeira obsessatildeo pelo assunto defendendo a extinccedilatildeo da

Colocircnia do Sacramento e o regresso dos portugueses ao Brasil Recorda Freacutedeacuteric

Mauro que a Espanha dirigiu todos os seus esforccedilos para impedir uma penetraccedilatildeo

- Ordem do Secretaacuterio de Estado Marco Antonio de Azeredo Coutinho datada de 15 de setembro de 1748 ordenando ao Capitatildeo Francisco Pedro de Mendonccedila Gurjatildeo que os mineiros receacutem-chegados a Beleacutem pelas aacuteguas do Rio Tapajoacutes fossem mandados em uma expediccedilatildeo que deveria proceder ao estudo minucioso da regiatildeo do Rio Madeira A expediccedilatildeo partiu em 14 de julho de 1749 e alcanccedilou Vila Bela do Mato Grosso depois de 9 meses de viagem dela resultando vaacuterios mapas e cartas hidrograacuteficas do itineraacuterio percorrido 62 GOacuteES FILHO Synezio Sampaio A Paz das Fronteiras Coloniais Alexandre de Gusmatildeo o Grande Obreiro do Tratado de Madrid Disponiacutevel em www2mregovbrmissoes_pazportcapitulo1 Acesso em 2 de maio de 2006 ldquoDuas vezes antes de 1750 a Colocircnia de Sacramento foi invadida por tropas espanholas provenientes de Buenos Aires A primeira ocupaccedilatildeo ocorreu logo apoacutes sua fundaccedilatildeo mas os portugueses conseguiram reavecirc-la diplomaticamente pelo Tratado de Lisboa de 1681 (que atribuiacutea ao Papa o julgamento definitivo sobre onde passava a linha de Tordesilhas na boca do Prata) A segunda ocupaccedilatildeo espanhola durou onze anos de 1704 a 1715 e foi consequumlecircncia de posiccedilotildees divergentes que tinham Portugal e Espanha na Guerra da Sucessatildeo na Espanha Pelo Segundo Tratado de Utrecht de 1715 Sacramento foi novamente restituiacuteda a Portugal Houve tambeacutem vaacuterios cercos o maior deles provocado por um incidente diplomaacutetico ocorrido em Madri em 1735 que acabou num estado de guerra entre os dois paiacuteses o governo de Buenos Aires aproveitou a oportunidade para tentar tomar a Colocircnia 23 meses de resistecircncia ofereceu entatildeo o governador portuguecircs de Sacramento tendo os espanhoacuteis levantado o cerco em 1737 Anos antes de 1750 Sacramento estava isolada e apesar de os luso-brasileiros terem-se fixado em Rio Grande em 1737 no escoadouro da lagoa dos Patos os espanhoacuteis dominavam a maior parte da regiatildeo intermediaacuteria as vacarias do mar a partir de suas bases de expansatildeo Montevideacuteu e Maldonado No Tratado de Madri acordou-se a devoluccedilatildeo de Sacramento que natildeo ocorreu conforme o previsto permanecendo sem soluccedilatildeo definitiva a situaccedilatildeo daquela possessatildeo portuguesa No Impeacuterio em torno do Prata foi tambeacutem que se deram as uacutenicas guerras que envolveram diretamente o Brasil as do Uruguai 1820-1821 1826-1827 e 1864 da Argentina 1850-1852 e a do Paraguai 1865-1870rdquo

195

portuguesa no Rio do Prata semelhante agravequela que havia sido conduzida a partir de

Beleacutem para o interior do continente americano O controle de Buenos Aires sobre a

bacia platina tornou-se a maior preocupaccedilatildeo dos espanhoacuteis ao longo do seacuteculo

XVIII Recorda o historiador que essa prioridade refletiu-se na criaccedilatildeo em 1776 do

Vice-Reinado de la Plata quando foram anexadas agrave Buenos Aires as ricas regiotildees

mineiras de Santa Cruz a proviacutencia de Charcas e a cidade de Potosiacute (MAURO

1991)

Outra razatildeo teria tambeacutem alarmado as autoridades de Madri a ameaccedila inglesa na

regiatildeo A Inglaterra representava grande perigo natildeo soacute por sua grande expansatildeo

colonial e mercantil mas tambeacutem porque podia valer-se de sua alianccedila com Portugal

para atingir o Prata Agravequela altura Buenos Aires era uma cidade dominada por

negociantes portugueses e navios ingleses frequumlentavam o estuaacuterio do Prata sob a

proteccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento realizando intenso contrabando o que trazia

grandes prejuiacutezos para os interesses monopolistas espanhoacuteis Entre 1739 e 1742

por ocasiatildeo da guerra entre Espanha e Inglaterra uma frota de guerra inglesa

pretendeu apoacutes ter realizado accedilotildees militares contra o Panamaacute descer o Atlacircntico

para atacar Buenos Aires Esse perigo natildeo podia ser desprezado a presenccedila

portuguesa no Prata poderia permitir uma accedilatildeo inglesa Portugal precisava deixar

sua posiccedilatildeo na regiatildeo

Para Jaime Cortesatildeo o cerco a Sacramento empreendido pelos espanhoacuteis de

Buenos Aires entre 1735 e 1737 e a guerra entre Inglaterra e Espanha63

deflagrada em 1739 com duraccedilatildeo ateacute 1742 teriam sido as razotildees principais que

levaram Lisboa e Madri agraves negociaccedilotildees de um acordo que estabelecesse fronteiras

em seus territoacuterios americanos Charles Ralph Boxer considera que outro importante

motivo teria feito Portugal empenhar-se nos acertos de limite com os espanhoacuteis a

situaccedilatildeo extremamente criacutetica da Iacutendia portuguesa particularmente nos anos de

1737 a 1740 quando os maratas conquistaram Baccedilaim e a feacutertil Proviacutencia do Norte

63 AQUINO Jesus e Oscar Histoacuteria das Sociedades Americanas - As Guerras Intercoloniais Editora ao Livro Teacutecnico Disponiacutevel em wwwhistorianetcombr acesso em 2 de maio de 2006 ldquoTambeacutem conhecida por Guerra da Orelha de Jenkins iniciada em 1739 e terminada em 1742 entre Inglaterra e Espanha apoacutes a denuacutencia de um comerciante inglecircs feita em Londres de que teria tido sua orelha decepada supostamente por piratas espanhoacuteis Durante as hostilidades a Geoacutergia na Ameacuterica foi atacada sem sucesso por frota espanhola e numerosos colonos anglo-americanos morreram na fracassada incursatildeo inglesa agrave Cartagena no Vice-Reino de Nova Granadardquo

196

tendo Goa escapado por pouco do mesmo desfecho As custosas expediccedilotildees de

socorro em dinheiro e homens mandada anualmente para o auxiacutelio da Iacutendia

tornava impossiacutevel o socorro simultacircneo de Sacramento uma vez que natildeo havia

recursos para atuar ao mesmo tempo e de forma adequada em duas frentes tatildeo

distantes (BOXER 2004)

Os esforccedilos de aproximaccedilatildeo entre as duas Coroas levaram Dom Joatildeo V a oferecer

sua filha a infanta portuguesa Dona Maria Baacuterbara para casar-se com o Priacutencipe

das Astuacuterias herdeiro do trono espanhol e futuro Fernando VI recebendo em troca a

infanta espanhola Dona Maria Ana Vitoacuteria para desposar o priacutencipe portuguecircs Dom

Joseacute que viria a suceder Dom Joatildeo V Esses acertos matrimoniais celebrados em

1729 seriam extremamente favoraacuteveis para a assinatura do futuro acordo de divisatildeo

colonial entre as duas Coroas Mais adiante seratildeo apresentadas brevemente sua

influecircncia e suas implicaccedilotildees

Lembra Robert Southey que os sentimentos de oacutedio dos Reis espanhoacuteis Felipe V e

Isabel Farnese contra Dom Joatildeo V natildeo se arrefeceram com os casamentos

realizados entre as duas famiacutelias reais sendo mantidas as hostilidades ateacute o

falecimento do Rei espanhol ocorrida em 1746 (SOUTHEY 1981)

Entre os anos de 1715 e 1738 os diplomatas portugueses lotados em Madri Pedro

de Vasconcelos Manoel de Siqueira Dom Luis da Cunha Joseacute da Cunha Brochado

Dom Rodrigo Anes de Saacute Almeida e Meneses (Marquecircs de Abrantes) e Pedro

Aacutelvares Cabral vinham discutindo tambeacutem os interesses de Lisboa advogando em

defesa de uma soluccedilatildeo para as questotildees de fronteiras Natildeo conseguiram

entretanto demover a ideacuteia dos representantes espanhoacuteis de que os portugueses

estavam usurpando terras que pertenciam agrave Espanha (REIS 1948)

O enfrentamento das questotildees de limites que colocavam em posiccedilotildees contraacuterias as

Coroas ibeacutericas exigiu da diplomacia portuguesa uma preparaccedilatildeo intensa e

persistente ateacute que uma proposta de tratado fosse enviada para apreciaccedilatildeo dos

negociadores espanhoacuteis Coube a Portugal a iniciativa da proposta apresentada

pela primeira vez no ano de 1747 em Madri pelo embaixador Tomaz da Siva Teles

Toda a argumentaccedilatildeo portuguesa em defesa da expansatildeo territorial realizada no

197

continente sul-americano e que tratava tambeacutem de outras disputas coloniais havia

sido elaborada ao longo de deacutecadas pelo Secretaacuterio do Rei conforme passou a ser

chamado por seus bioacutegrafos o brasileiro Alexandre de Gusmatildeo64 Curiosamente

64 ldquoNascido na vila do Porto de Santos em 1695 era de uma famiacutelia conhecida mas de poucas posses sendo seu pai Francisco Lourenccedilo Rodrigues cirurgiatildeo-mor do presiacutedio local Entre doze irmatildeos trecircs tomaram o sobrenome do amigo paterno e protetor familiar o jesuiacuteta Alexandre de Gusmatildeo escritor e fundador do Seminaacuterio de Beleacutem em Salvador Alexandre como se vecirc tem o nome e o sobrenome do renomado inaciano Um de seus irmatildeos mais velhos Bartolomeu o padre voador foi famoso por suas experiecircncias com balotildees uma delas aliaacutes desastrosa perante Dom Joatildeo V e sua Corte Com 15 anos depois de ter estudado na Bahia no coleacutegio de seu padrinho e homocircnimo Alexandre vai a Lisboa onde consegue proteccedilatildeo real segundo alguns autores porque Dom Joatildeo V gostou de um poema do santista sobre sua real pessoa para usar outra expressatildeo da eacutepoca Proteccedilatildeo e certamente talentos que entatildeo jaacute se revelavam valeram-lhe a nomeaccedilatildeo para um posto diplomaacutetico em Paris junto ao Embaixador portuguecircs Dom Luis Manuel da Cacircmara Conde de Ribeira Grande Na ida passa alguns meses em Madri e ali se familiariza com o problema de que se ocuparaacute centralmente em sua vida profissional as fronteiras coloniais na Ameacuterica do Sul e a importacircncia que o enclave da Colocircnia tinha no estabelecimento destas Em Paris onde ficou 5 anos frequumlentou escolas superiores tendo-se doutorado em Direito Civil Romano e Eclesiaacutestico Como curiosidade mencione-se que durante sua estada na Franccedila talvez para reaprumar financcedilas combalidas abriu uma casa de jogos o que hoje natildeo seria muito aceitaacutevel para um diplomata na mesma situaccedilatildeo Regressa a Lisboa e eacute de novo designado para uma missatildeo no exterior desta vez em Roma onde permanece sete anos Nesse periacuteodo entre outros logros conseguiu propor ao Papa para seu Rei o tiacutetulo de Fideliacutessimo emparelhando-o pois agraves majestades da Espanha e da Franccedila que jaacute tinham os tiacutetulos papais de Catoacutelica e Cristianiacutessima respectivamente Volta definitivamente a Lisboa em 1722 e passa a ter intensa atividade literaacuteria e acadecircmica Integra o grupo apodado de estrangeirados favoraacuteveis a que Portugal se liberasse das tradiccedilotildees anquilosadas e se abrisse aos novos ventos do iluminismo e do racionalismo que vinham da Franccedila e da Inglaterra Jaacute entatildeo se percebe o humor a ousadia e a propensatildeo agrave caricatura que caracterizam seu estilo de se comunicar Alexandre de Gusmatildeo eacute nomeado em 1730 Secretaacuterio Particular de Dom Joatildeo V e nesse mesmo ano feito membro do Conselho Ultramarino A partir de entatildeo fica muito influente nas decisotildees do Governo portuguecircs sobretudo nos assuntos de Roma (mas nestes havia em Lisboa a concorrecircncia de cardeais nuacutencios ordens religiosas) e nos assuntos do Brasil (aqui sim era o Papa) Jaacute chegou preparado para estas uacuteltimas funccedilotildees conhecia o Brasil como ningueacutem e sabia como era importante para Portugal que nessa eacutepoca jaacute havia perdido para a Inglaterra e a Holanda suas possessotildees orientais assegurar-se firmemente da colocircnia americana dilatada muito aleacutem de Tordesilhas Tomando posse de seu cargo comeccedila o trabalho completado em 1750 que lhe garante permanecircncia nos anais da diplomacia do Brasil e de Portugal acordar com a Espanha limites para o Brasil de maneira que seu territoacuterio incluiacutesse todas as terras ocupadas pelos luso-brasileiros Alexandre eacute um poliacutegrafo que pensou e escreveu sobre muitos assuntos Jaime Cortesatildeo ao estudar em todas as fontes disponiacuteveis a obra de Gusmatildeo surpreende-se com a extensatildeo e variedade da mesma correspondecircncia oficial oficiosa ou familiar memoacuterias poliacuteticas e geograacuteficas ensaios sobre economia poliacutetica criacutetica literaacuteria costumes sociais e ateacute sobre uma nova ortografia da liacutengua portuguesa discursos acadecircmicos e panegiacutericos libretos de oacutepera poemas traduccedilotildees de poemas e rimaacuterios a coleccedilatildeo dos seus pareceres como conselheiro do Conselho Ultramarino ou como assessor de Dom Joatildeo V e finalmente as suas minutas de leis portarias alvaraacutes bulas cartas e ordens reacutegias de toda a sorte e acima de tudo instruccedilotildees e correspondecircncia diplomaacutetica sobre atos ou tratados em negociaccedilotildees com a Santa Seacute a Espanha a Franccedila e a Gratilde-Bretanha De sua extensa obra o que tem para os brasileiros particular realce satildeo seus estudos sobre o Brasil A matildeo e a mente do paulista vecircem-se em todos os atos importantes da poliacutetica da metroacutepole em relaccedilatildeo agrave colocircnia nesses anos baacutesicos para sua formaccedilatildeo territorial isto eacute entre 1730 e 1750 a emigraccedilatildeo de casais accedilorianos para ocupar o Rio Grande do Sul a capitaccedilatildeo isto eacute o imposto per capita sobre a produccedilatildeo auriacutefera a vinda ao Brasil de especialistas em determinaccedilatildeo de longitudes para se ter uma ideacuteia exata do que Portugal ocupara no Continentee a defesa escrita das ocupaccedilotildees portuguesas na Ameacuterica do Sul com argumentos extremamente soacutelidos Lembremos para finalizar estas observaccedilotildees sobre a vida de Alexandre que assinado o Tratado sua estrela se apaga com a morte do Rei seu protetor e a ascensatildeo de Dom Joseacute I com o futuro Marquecircs de Pombal como Primeiro-Ministro Vecircm agora os tempos tristes dos ataques ao acordo e da perseguiccedilatildeo poliacutetica Em 1753

198

lembra Synezio Sampaio Goacutees Filho ateacute meados do seacuteculo XX os historiadores

mais destacados do Brasil natildeo fizeram referecircncias a Alexandre de Gusmatildeo ou

brevemente o citaram em suas obras Os estrangeiros que melhor escreveram sobre

a Histoacuteria do Brasil no seacuteculo XIX Carl Friedrich Philipp von Martius Robert Southey

e Gottfried Heinrich Handelman nada falam de Gusmatildeo citado com brevidade por

Francisco Adolfo de Varnhagen ao mencionar seu papel nas negociaccedilotildees do

Tratado de Madri sendo ignorado completamente por Capistrano de Abreu que

escreveu a melhor siacutentese de nosso periacuteodo colonial e esquecido ainda por Caio

Prado Junior em seu estudo sobre o povoamento e a vida material e social do Brasil

na Colocircnia Ao contraacuterio dos livros de Histoacuteria o nome de Gusmatildeo pode ser

encontrado em histoacuterias literaacuterias em 1841 foi publicado na cidade do Porto a

Colecccedilatildeo de vaacuterios escritos ineacuteditos poliacuteticos e histoacutericos de Alexandre de Gusmatildeo

obra que tornou-se fonte para publicaccedilotildees futuras e que comprova o seu talento

poliacutetico e literaacuterio No final do seacuteculo XIX Camilo Castelo Branco em seu Curso de

literatura portuguesa destaca as qualidades de Alexandre de Gusmatildeo comparando-

o ao Padre Antonio Vieira na literatura e ao Marquecircs de Pombal na poliacutetica E nos

primeiros anos do seacuteculo XX o Baratildeo do Rio Branco em uma de suas Efemeacuterides

brasileiras publicadas no Jornal do Comeacutercio escrevendo sobre Madri afirmou o

verdadeiro negociador do tratado foi o ilustre paulista Alexandre de Gusmatildeo embora

seu nome natildeo figure no documento Em estudos realizados pelo embaixador Arauacutejo

Jorge publicados em 1916 o papel de Gusmatildeo nos assuntos do Brasil e em

particular na negociaccedilatildeo do Tratado de Madri foi minuciosamente levantado em

Alexandre de Gusmatildeo - o avocirc dos diplomatas brasileiros Nesse estudo haacute um

resumo de seus trabalhos no Governo os levantamentos de problemas da Colocircnia

do Sacramento e os conflitos pela posse do Sul no atual Estado do Rio Grande do

Sul e Uruguai bem como uma discussatildeo sobre os pontos fundamentais do tratado

que chegaram agraves duas Cortes No entanto o trabalho mais amplamente

documentado sobre o negociador de Madri apareceria nos anos de 1950 com a

obra de Jaime Cortesatildeo Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madri que destacou

morre abandonado pobre frustrado Natildeo faltaram amarguras em seus uacuteltimos anos inclusive privadas como a morte da esposa e o incecircndio em que perdeu casa e bens As qualidades de negociador que entatildeo revelou servidas por conhecimentos da Histoacuteria e da Geografia do Brasil fizeram-no o grande advogado dos interesses brasileiros no seacuteculo XVIII Como o seria Rio Branco no virar do nosso seacuteculo sem esquecer a ponte que entre esses dois vultos representa no Impeacuterio Duarte da Ponte Ribeirordquo (GOacuteES FILHO 2001 p 179 a 183)

199

sobretudo sua accedilatildeo poliacutetica e diplomaacutetica nas negociaccedilotildees do Tratado em favor das

posiccedilotildees coloniais portuguesas na Ameacuterica (GOacuteES FILHO 2001)

Receacutem-chegado a Lisboa em 1710 com apenas 15 anos de idade Alexandre de

Gusmatildeo cedo consegue a simpatia e a proteccedilatildeo de Dom Joatildeo V tendo sido pouco

tempo depois enviado a Paris como secretaacuterio da embaixada portuguesa incumbida

da missatildeo de negociar a paz consequumlente agrave Guerra de Sucessatildeo da Espanha

ocorrida entre 1701 e 1713 Em Paris permaneceu por 5 anos e jaacute em 1720 foi

designado para atuar em Roma no Vaticano auxiliando seu irmatildeo o padre

Bartolomeu Lourenccedilo nos esforccedilos do Governo para conseguir o pleiteado tiacutetulo de

Fideliacutessimo para o Monarca portuguecircs atuaccedilatildeo destacada que mereceu elogios do

proacuteprio Papa Em 1722 retornou definitivamente a Lisboa sendo encarregado da

funccedilatildeo de conduzir os negoacutecios do Reino nas suas relaccedilotildees com Roma e com as

potecircncias europeacuteias vindo a desenvolver nesse periacuteodo intensa atividade literaacuteria e

acadecircmica No ano de 1730 Dom Joatildeo V confiou a ele o estudo das diversas

questotildees de Estado nomeando-o Secretaacuterio Particular do Rei uma espeacutecie de

ministro sem pasta chamado de Secretaacuterio drsquoEl Rei e nesse mesmo ano tambeacutem

por decisatildeo real foi feito membro do Conselho Ultramarino Agrave frente dos assuntos de

ultramar iniciou a execuccedilatildeo de uma poliacutetica que tinha por objetivo recuperar o

patrimocircnio colonial portuguecircs entre 1730 e 1750 concebeu e planejou a emigraccedilatildeo

de casais accedilorianos para ocupar Santa Catarina e o Rio Grande do Sul introduziu

na colocircnia brasileira a capitaccedilatildeo isto eacute uma espeacutecie de imposto per capita sobre a

produccedilatildeo de ouro determinou a vinda ao Brasil de especialistas em cartografia e

matemaacutetica para realizar o levantamento de longitudes que esclarecessem de fato

a extensatildeo da ocupaccedilatildeo portuguesa produziu as defesas escritas das ocupaccedilotildees

portuguesas na Ameacuterica do Sul construindo argumentos soacutelidos e convincentes

Sua inteligecircncia objetiva e a experiecircncia adquirida no trato dos assuntos de Estado

sobretudo das questotildees de ultramar fizeram de Alexandre de Gusmatildeo o homem

forte de Dom Joatildeo V ateacute a morte do Rei em 1750

Como homem de confianccedila do Rei conhecido por seu pragmatismo e sua

capacidade de argumentaccedilatildeo Dom Joatildeo V determinou que Alexandre de Gusmatildeo

assumisse a direccedilatildeo das negociaccedilotildees para um ajustamento das diferenccedilas entre

Portugal e Espanha a respeito dos limites coloniais dos dois Reinos

200

Pelas matildeos dele passavam as informaccedilotildees dos capitatildees-generais funcionaacuterios

civis militares e religiosos das colocircnias de ultramar Essas informaccedilotildees eram

coletadas em todas as partes do impeacuterio particularmente no Brasil e

proporcionaram um conhecimento da ampliaccedilatildeo territorial brasileira e de sua

configuraccedilatildeo econocircmica Aleacutem da documentaccedilatildeo recebida das colocircnias e das

determinaccedilotildees do Conselho Ultramarino para que fossem feitas verificaccedilotildees

geograacuteficas locais ele chegou mesmo a ouvir os depoimentos dos homens que

desembarcavam no Reino vindos dos sertotildees brasileiros pouco conhecidos tendo

visitado as capitanias do Rio de Janeiro Minas Gerais e Satildeo Paulo no periacuteodo de

1729 a 1730 Era Gusmatildeo o maior especialista em assuntos coloniais do Brasil

Segundo Arauacutejo Jorge Alexandre Gusmatildeo

ldquoconhecia a fundo a Histoacuteria do Brasil a sua constituiccedilatildeo poliacutetica e econocircmica a psicologia das novas populaccedilotildees adestradas nas lutas contiacutenuas contra a invasatildeo estrangeira estava familiarizado com todos os episoacutedios da extraordinaacuteria marcha colonizadora que triplicara o patrimocircnio colonial americano da monarquia portuguesardquo (JORGE 1916 p 44)

Cabe aqui uma breve anaacutelise da personalidade de Dom Joatildeo V o Magnacircnimo

quase sempre apresentado como recorda Charles Rauph Boxer como o mais

apaacutetico e supersticioso dos reis portugueses ldquoativo apenas em seus amores e em

suas prodigalidades para com as igrejas e a muacutesicardquo Seis anos antes de sua morte

ocorrida em 1750 o Rei foi acometido por frequumlentes crises de epilepsia o que

inutilizou sua atuaccedilatildeo como chefe de Estado Entretanto antes de sua doenccedila

estudos de documentos do Conselho Ultramarino submetidos agrave aprovaccedilatildeo do Rei

demonstram que Dom Joatildeo V era um monarca bastante ativo Com frequumlecircncia

redigia de proacuteprio punho notas agrave margem dos documentos orientando sobre o que

queria ver cumprido provando ainda que ele natildeo assinava os despachos sem ler o

conteuacutedo dos papeacuteis e que nem sempre aceitava passivamente a opiniatildeo de seus

conselheiros Depoimentos de estrangeiros igualmente ressaltam sua capacidade

de trabalho sobretudo na assimilaccedilatildeo e no despacho dos negoacutecios oficiais

(BOXER 2004)

201

Na realidade o Rei Dom Joatildeo V tentou imitar das mais variadas formas o Rei Sol

Luiacutes IV esforccedilando-se para inaugurar uma era dourada de absolutismo em Portugal

Durante seu reinado Portugal alcanccedilou uma posiccedilatildeo de prestiacutegio e importacircncia

internacional que nunca mais tivera desde a descoberta do caminho mariacutetimo para

as Iacutendias em finais do seacuteculo XV Lisboa voltou a ser uma das mais ricas cidades da

Europa principalmente devido ao ouro que chegava sem cessar das minas do

Brasil Foram construiacutedas as bibliotecas de Coimbra Mafra e do Coleacutegio Oratoriano

de Lisboa e criada a Real Academia Portuguesa de Histoacuteria Por outro lado foram

igualmente desperdiccedilados recursos em estabelecimentos religiosos extremamente

dispendiosos em gastos excessivos com o patriarcado e na construccedilatildeo do Palaacutecio

Mosteiro de Mafra levantado entre 1717 e 1735 que rivalizava em luxo e grandeza

com o de Versalhes dos Reis franceses e com o Escorial dos espanhoacuteis (BOXER

1981)

Por um longo periacuteodo de tempo o ouro e os diamantes chegados do Brasil criaram a

sensaccedilatildeo de que a grave crise que o Reino vivera desde a Restauraccedilatildeo estava

superada A proteccedilatildeo inglesa ainda que obtida a custo de concessotildees comerciais e

tratados nem sempre vantajosos parecia garantir a estabilidade do impeacuterio colonial

cuja parte mais significativa era o Brasil Nem sempre empregado em benefiacutecio do

desenvolvimento da induacutestria e da agricultura essas riquezas foram sendo gastas

em doaccedilotildees agraves igrejas e aos mosteiros e em outros monumentos e quando foi

preciso construir o Aqueduto das Aacuteguas Livres de Lisboa os habitantes da cidade

tiveram que contribuir com uma taxa suplementar um imposto cobrado sobre o

vinho a carne e o azeite

A preocupaccedilatildeo com o seu prestiacutegio pessoal levou Dom Joatildeo V a relaccedilotildees tensas

com o papado no periacuteodo de 1728 e 1732 mas logo superadas pela generosidade

do Rei para com a Igreja e seus cardeais que receberam grandes quantidades de

ouro brasileiro Os presentes enviados como testemunha de respeito real os

donativos para as obras da Igreja os aneacuteis episcopais com pesados diamantes as

subvenccedilotildees tudo enfim servia para atrair a atenccedilatildeo de Sua Santidade para o

pequeno Portugal cujo Rei sofria por natildeo ter sua religiosidade reconhecida

oficialmente como a do Rei de Espanha Rei Mui Catoacutelico ou como a do Rei francecircs

Rei Cristianiacutessimo Bento XIV finalmente cedeu agraves genuflexotildees e agraves moedas de

202

ouro e proclamou em 1748 Dom Joatildeo V Rei Fideliacutessimo para a longa lista de

tiacutetulos em sua assinatura oficial O proacuteprio Papa Bento XIV havia inaugurado

pessoalmente o Convento de Mafra pouco tempo antes no ano 1744 Foi tambeacutem

no seu reinado que a Santa Seacute atribuiu a Lisboa em 1716 a dignidade de

Patriarcado no mesmo niacutevel que o de Roma e o de Veneza tornando-se assim o

arcebispo de Lisboa um dos trecircs patriarcas do Ocidente

Portugal tinha tambeacutem a necessidade do apoio da Igreja para legitimar as

conquistas territoriais que empreendeu no centro do continente americano Dessa

forma Dom Joatildeo V convenceu o Papa Bento XIV a criar em 8 de dezembro de

1745 por meio da Bula Candor Lucis os bispados de Satildeo Paulo e Mariana e as

prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute Ressalta Freacutedeacuteric Mauro que desta maneira Lisboa

obtinha uma espeacutecie de reconhecimento oficial por parte da Igreja da ocupaccedilatildeo

efetiva que havia realizado nos sertotildees do Brasil preparando a argumentaccedilatildeo e os

fundamentos teoacutericos do princiacutepio de posse o uti possidetis que sua diplomacia iria

utilizar pouco tempo depois para justificar os novos limites coloniais com a Ameacuterica

espanhola Assim uma espeacutecie de uti possidetis religioso precedeu o uti possidetis

diplomaacutetico que seria utilizado por Alexandre de Gusmatildeo durante as negociaccedilotildees

do Tratado de Madri (MAURO 1991)

Dom Joatildeo V tinha tambeacutem um enorme interesse pela cartografia de suas

possessotildees americanas despertado em especial pela divulgaccedilatildeo de um mapa da

Ameacuterica do Sul publicado em Paris no ano de 1722 pelo geoacutegrafo francecircs

Guillaume de Lisle O mapa feito pela primeira vez com a mediccedilatildeo de latitudes e

longitudes observadas por meios astronocircmicos mostrava claramente que a Colocircnia

do Sacramento o vale do Rio Amazonas e as minas de Cuiabaacute e do Guaporeacute

estavam localizadas em territoacuterios pertencentes oficialmente agrave Espanha pelo

Tratado de Tordesilhas Uma coacutepia deste trabalho foi enviada de Paris pelo

embaixador portuguecircs Dom Luis da Cunha e certamente Alexandre de Gusmatildeo

dela tomou conhecimento A revelaccedilatildeo de que um especialista de outra naccedilatildeo

pudesse realizar um levantamento cartograacutefico sobre a Ameacuterica do Sul onde o

acesso de estrangeiros era dificultado e as informaccedilotildees geograacuteficas mantidas em

segredo deve ter alertado as autoridades portuguesas para a necessidade de

203

realizar os seus proacuteprios estudos O que estava em jogo eram os interesses de

Estado de Portugal sobretudo em relaccedilatildeo ao controle de seus domiacutenios coloniais

Jaime Cortesatildeo expotildee a situaccedilatildeo portuguesa de maneira muito apropriada

ldquoO Rei e as classes cultas acordam para o estudo da geografia da cartografia e por consequumlecircncia tambeacutem da astronomia Que os problemas da soberania e o desejo de afirmaacute-la sobre novos vastos e ricos territoacuterios estavam na base desse renascimento natildeo haacute como negaacute-lo Mas a dissertaccedilatildeo de de Lisle foi o sinal de alertardquo (CORTESAtildeO65 1956 parte I tomo I p 281 apud GOacuteES FILHO 2001 p189 e 190)

Muito possivelmente sob influecircncia de Alexandre de Gusmatildeo que conhecia o Brasil

e sabia de sua importacircncia para Portugal a essa altura desfalcado de suas

possessotildees coloniais no Oriente perdidas para a Inglaterra e a Holanda Dom Joatildeo

V resolveu entatildeo secretamente preparar um Atlas do Brasil com latitudes e

longitudes obtidas por meio de mediccedilotildees locais

Contratou os jesuiacutetas italianos padres Carbone e Carpassi que chegaram em

Lisboa em 1722 o primeiro tornou-se conselheiro de confianccedila do Rei

permanecendo em Portugal e o segundo embarcou para o Brasil em 1729 com o

jesuiacuteta portuguecircs Diogo Soares com a missatildeo de elaborar um Novo Atlas do Brasil

Eles visitaram juntos a Colocircnia do Sacramento grande parte da costa sul do Brasil e

a Capitania de Minas Gerais O Conselho Ultramarino desejava obter informaccedilotildees

mais seguras sobre a real localizaccedilatildeo dos territoacuterios ocupados pelos portugueses em

relaccedilatildeo ao meridiano de Tordesilhas particularmente depois da expansatildeo

empreendida para o oeste brasileiro com as descobertas de ouro feitas em Cuiabaacute e

no Guaporeacute O trabalho cartograacutefico desses jesuiacutetas foi mantido em segredo pela

Coroa e considerado como era praxe em Portugal como segredo de Estado

(BOXER 2004)

Como resultado do trabalho dos jesuiacutetas e dos engenheiros militares do exeacutercito

portuguecircs croquis esboccedilos pontos de referecircncia astronocircmicos e sobretudo cartas

cartograacuteficas foram enviadas em grande nuacutemero a partir da deacutecada de 1730 para a

apreciaccedilatildeo do Conselho Ultramarino A supremacia cientiacutefica dos portugueses sobre 65 CORTESAtildeO Jaime Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madrid Parte I tomo I p 281 Rio de Janeiro 1956

204

os espanhoacuteis no conhecimento dos territoacuterios sul-americanos viria a tornar-se

decisiva Lisboa saberia usar esses estudos a seu favor quando das futuras

negociaccedilotildees de Madri

Com a morte de Felipe V ocorrida em julho de 1746 ascende ao trono espanhol

Felipe VI casado com a infanta portuguesa Dona Maria Baacuterbara Essa pode ser

considerada a oportunidade histoacuterica para o iniacutecio dos entendimentos sobre a

divisatildeo colonial ibeacuterica Os sentimentos de oacutedio dos Reis espanhoacuteis Felipe V e

Isabel Farnese contra Dom Joatildeo V natildeo permitiram qualquer aproximaccedilatildeo entre as

duas Coroas Superado esse obstaacuteculo com a morte do Rei espanhol Portugal

tomou a iniciativa para ajustar as diferenccedilas e fixar os limites entre os domiacutenios das

duas monarquias Muitos historiadores como Robert Southey e Charles Rauph

Boxer consideram como decisiva a atuaccedilatildeo da Rainha Dona Maria Baacuterbara para o

desfecho do acordo de 1750 grandemente favoraacutevel aos interesses portugueses O

novo Rei teria sido fortemente influenciado pela Rainha por quem nutria sentimentos

de grande afeiccedilatildeo e confianccedila A Rainha que para muitos nunca tivera os dotes da

beleza considerada excessivamente feia e gorda mostrava-se muito inteligente e

benevolente no juiacutezo comum das coisas e certamente essas caracteriacutesticas

predispuseram os acircnimos espanhoacuteis em favor do acordo

O negociador espanhol Dom Joseph de Carvajal y Lancaster agrave frente da direccedilatildeo

dos negoacutecios de coloniais espanhoacuteis tambeacutem defendia uma poliacutetica de boa

vizinhanccedila com Portugal e de harmonia peninsular Arthur Ceacutezar Ferreira Reis

lembra que em um conjunto de reflexotildees que ele reunira em relaccedilatildeo agraves atitudes

poliacuteticas que convinham agrave Espanha os ingleses e os portugueses sempre eram bem

considerados os primeiros pela expressatildeo de sua forccedila naval agravequela altura jaacute

estavam com o domiacutenio dos mares a manutenccedilatildeo do impeacuterio colonial espanhol

dependia de uma aproximaccedilatildeo com eles os segundos pela possibilidade de uma

reestruturaccedilatildeo da unidade Ibeacuterica sobretudo e tambeacutem por conta de que os

portugueses eram aliados seculares dos ingleses (REIS 1948)

Pouco tempo depois dos funerais do Rei de Espanha no ano de 1747 partiram de

Lisboa as instruccedilotildees ao embaixador portuguecircs Dom Tomaz da Silva Teles para a

abordagem da questatildeo de limites coloniais Estudos diplomaacuteticos geograacuteficos e

205

administrativos que deveriam levar agrave consolidaccedilatildeo das fronteiras americanas foram

minuciosamente preparados por Alexandre de Gusmatildeo e compunham a exposiccedilatildeo

do problema segundo o ponto de vista de Portugal Eacute importante ressaltar que

Gusmatildeo apesar de natildeo ser o negociador em pessoa nas Cortes de Madri foi o

arquiteto do acordo e seu fiscalizador direto durante todo o desenvolvimento dos

trabalhos

Eacute Capistrano de Abreu quem aborda com muita concisatildeo a necessidade de um

acordo ldquoA raacutepida expansatildeo do Brasil pelo Amazonas ateacute o Javari no Mato Grosso

ateacute o Guaporeacute e agora no Sul urgiu a necessidade de atacar de frente a questatildeo de

limites entre as possessotildees portuguesas e espanholas sempre adiada sempre

renascenterdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 209)

A expansatildeo realizada pelos bandeirantes e pelos entradistas da Amazocircnia havia

aberto ao impeacuterio portuguecircs um espaccedilo imenso e sua maior parte estava

inteiramente a oeste do meridiano de Tordesilhas portanto em territoacuterio sob o

ponto de vista dos acertos de 1494 legalmente espanhol Por outro lado natildeo se

podia esconder as novas realidades os limites foram sendo empurrados sem

cessar em direccedilatildeo a oeste sobre as posiccedilotildees espanholas Lisboa havia

estabelecido novas entidades administrativas nesses sertotildees - os bispados de Satildeo

Paulo e Mariana e as prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute criados em 1745 com a

autorizaccedilatildeo de Roma desde 1720 o desmembramento das Capitanias de Satildeo

Paulo e Minas do Ouro a criaccedilatildeo logo em 1748 das Capitanias do Mato Grosso e

Goiaacutes a transformaccedilatildeo em vilas dos arraiais de Cuiabaacute no Mato Grosso em 1719

e de Vila Boa em Goiaacutes em 1727 ndash que atestavam a ocupaccedilatildeo do territoacuterio e a

atividade econocircmica consideraacutevel que se desenvolvia nessa regiotildees como a criaccedilatildeo

de gado a exploraccedilatildeo mineral do solo e subsolo e a coleta das drogas do sertatildeo na

Amazocircnia Somado a todos esses argumentos a Coroa natildeo se mostrava disposta a

abrir matildeo das rendas obtidas nesses territoacuterios razatildeo pela qual a legalizaccedilatildeo

daquela aacuterea era tatildeo importante para o Estado portuguecircs Os descobrimentos de

ouro e a expansatildeo territorial haviam criado definitivamente uma nova realidade

colonial

206

Na Amazocircnia aleacutem da conquista e da ocupaccedilatildeo do territoacuterio Portugal tinha outros

argumentos a apresentar Podia invocar os tiacutetulos que possuiacutea desde a fundaccedilatildeo de

Beleacutem em 1616 tarefa delegada aos portugueses durante a vigecircncia da uniatildeo

ibeacuterica A Capitania do Cabo Norte atual Estado do Amapaacute havia sido criada e

doada em 1637 a um suacutedito portuguecircs e a defesa contra a ameaccedila dos

estrangeiros na regiatildeo - holandeses franceses e ingleses - havia exigido o

engajamento dos colonos do Paraacute Ao estabelecer a Capitania do Cabo Norte

Felipe IV de Espanha estava criando direitos portugueses incontestaacuteveis sobre

aquela regiatildeo amazocircnica Portanto no caso especiacutefico do Estado do Maranhatildeo e

Gratildeo-Paraacute havia documentos que atestavam os direitos de Portugal antes mesmo

da ocupaccedilatildeo que viriam a empreender Somava-se agrave criaccedilatildeo do Cabo Norte o

reconhecimento espanhol impliacutecito feito em 1668 ao teacutermino da guerra entre

Portugal e Espanha provocada pela Restauraccedilatildeo de 1640 de que eram

portuguesas as regiotildees amazocircnicas ocupadas durante a duraccedilatildeo da uniatildeo ibeacuterica

de 1580 a 1640 mesmo que os territoacuterios estivessem a oeste de Tordesilhas Jaacute em

pleno seacuteculo XVIII como foi visto antes os dois Tratados de Utrecht assinados em

1713 e 1715 estabeleceram que a Franccedila renunciasse formalmente agraves suas

pretensotildees sobre a regiatildeo definindo o Rio Oiapoque como limite entre a Guiana

Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica aleacutem de admitir que a posse da

Colocircnia do Sacramento fundada em 1680 pelos lusitanos era por direito de

Portugal Tratava-se na realidade de um reconhecimento oficial proclamado em

diplomas internacionais de que os acertos territoriais previstos no Tratado de

Tordesilhas podiam ser revistos abrindo-se portanto importantes precedentes para

novas discussotildees sobre a posse das terras americanas Esses tiacutetulos legitimavam a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia realizada pelos entradistas luso-brasileiros e missionaacuterios a

serviccedilo de Portugal e proclamavam igualmente como legiacutetima a expansatildeo dos

limites portugueses em direccedilatildeo agrave bacia do Prata

O principal argumento invocado por Alexandre de Gusmatildeo que viria a imortalizar

seu nome na Histoacuteria foi a adoccedilatildeo do direito de posse para resoluccedilatildeo dos conflitos

territoriais entre Portugal e Espanha Natildeo se pode esquecer que Gusmatildeo havia sido

doutorado em Direito Civil Romano e Eclesiaacutestico em Paris em 1715 e que sua

larga experiecircncia como Secretaacuterio particular do Rei e membro do Conselho

Ultramarino pode ser comprovada pela leitura das minutas de leis portarias alvaraacutes

207

bulas cartas e ordens reacutegias diversas bem como das instruccedilotildees e correspondecircncia

diplomaacutetica sobre atos ou tratados em negociaccedilotildees com a Santa Seacute a Espanha a

Franccedila e a Gratilde-Bretanha todos redigidos ou diretamente orientados por ele

O princiacutepio juriacutedico que seria utilizado no futuro tratado de limites foi buscado no

Direito Civil Romano nos Institutes do Imperador Justiniano aplicando-se o seu

princiacutepio de Uti Possidetis ita possideatis (possuiraacutes na medida em que jaacute possuiacuteres

ou quem possui de fato deve possuir de direito) no Direito Puacuteblico internacional

Essas ideacuteias eram bem recentes na Europa e permitiam muitos questionamentos a

respeito do direito sobre as possessotildees coloniais Certamente jaacute natildeo era possiacutevel

mais contestar a ocupaccedilatildeo portuguesa nas Minas Gerais na regiatildeo de Satildeo Paulo ou

no baixo Amazonas mas no Rio Negro no Solimotildees no Madeira ou no Guaporeacute a

situaccedilatildeo natildeo era tatildeo clara Lisboa natildeo tinha muitos suacuteditos naquelas regiotildees e a

maioria deles era de iacutendios protegidos pelas missotildees muito pouca gente para a

pretensatildeo de ocupar tanta terra Os portugueses sentiam-se mais tranquumlilos nas

margens do Solimotildees onde os padres da Ordem do Carmo mantinham sob seu

controle as missotildees arrancadas dos jesuiacutetas de Samuel Fritz A propoacutesito do Rio

Negro ocupado apenas parcialmente esperava-se apresentar outro argumento a

presenccedila comprovada no curso inferior do rio determinaria a propriedade no trecho

rio acima ateacute a sua nascente Mas a maior dificuldade estava no Centro-Oeste no

Rio Guaporeacute de importacircncia primordial pela descoberta de minas de ouro na sua

margem oriental ocupaccedilatildeo portuguesa ameaccedilada pela existecircncia de reduccedilotildees

espanholas instaladas na regiatildeo na mesma margem direita do rio (SOUBLIN 2003)

Para as negociaccedilotildees sobre o sul do Brasil Alexandre de Gusmatildeo decidiu propor

uma reviravolta na poliacutetica portuguesa da eacutepoca admitindo ceder a Colocircnia do

Sacramento tatildeo duramente defendida em troca de outras concessotildees territoriais

Portugal perseguia desde antes da fundaccedilatildeo de Sacramento ocorrida em 1680 o

objetivo de alcanccedilar o Rio do Prata e a partir dali construir seus limites coloniais

com a Espanha No entanto a Colocircnia soacute foi mantida por meio de custosas accedilotildees

militares empreendidas sobretudo para a defesa de uma posiccedilatildeo isolada e tatildeo

fortemente hostilizada pelos espanhoacuteis de Buenos Aires Os portugueses natildeo

208

conseguiram no sul a ocupaccedilatildeo dos territoacuterios intermediaacuterios que unissem

Sacramento ao Estado do Brasil ficando a posiccedilatildeo lusitana grandemente

dependente do abastecimento mariacutetimo e do socorro enviado por Lisboa e pelas

autoridades brasileiras O povoamento natildeo foi suficiente para implantar a

colonizaccedilatildeo desejada a posiccedilatildeo portuguesa estabelecida mais ao sul do Brasil

naquela altura era a vila de Laguna fundada em 1676 no litoral do atual Estado de

Santa Catarina e uma frustrada tentativa de tomar posse de Montevideacuteu

empreendida em 1723 pelos portugueses mostrou mais uma vez a disposiccedilatildeo

espanhola de manter o controle exclusivo de acesso ao Prata O cerco da Colocircnia

ocorrido entre 1735 e 1737 jaacute demonstrava agraves autoridades mais pragmaacuteticas de

Lisboa que natildeo seria possiacutevel manter a posiccedilatildeo por muito mais tempo era preciso

entatildeo negociar uma retirada com as compensaccedilotildees decorrentes dessa decisatildeo

Alexandre de Gusmatildeo jaacute havia defendido a manutenccedilatildeo de Sacramento para a

soberania portuguesa seja por meios diplomaacuteticos seja pelo uso da forccedila Poreacutem

em documento elaborado como Secretaacuterio do Conselho Ultramarino datado de

1735 reconhece naquela altura que o melhor seria negociar com os espanhoacuteis

mesmo porque o Segundo Tratado de Utrecht de 1715 abria a possibilidade de

que portugueses e espanhoacuteis se entendessem sobre a Colocircnia mediante

compensaccedilotildees Gusmatildeo consultou Dom Luiacutes da Cunha um dos negociadores de

Utrecht Gomes Freire drsquoAndrade governador do sul do Brasil e Cunha Brochado

embaixador portuguecircs junto agrave Corte espanhola que jaacute em 1725 indicara o

imperativo da entrega da Colocircnia mais cedo ou mais tarde aos vizinhos

castelhanos De todos colheu a opiniatildeo de que natildeo seria possiacutevel manter a posiccedilatildeo

indefinidamente Mas a cessatildeo da Colocircnia natildeo era consenso entre as autoridades

portuguesas da eacutepoca Em uma carta de 66 paacuteginas Gusmatildeo argumentou sua

posiccedilatildeo contra as duras criacuteticas que recebeu do brigadeiro Antonio Pedro de

Vasconcelos inconformado com a possibilidade da perda da Colocircnia posiccedilatildeo que o

brigadeiro havia defendido como soldado O documento insistia nas vantagens da

nova orientaccedilatildeo que se sobrepunham aos prejuiacutezos da perda da pequena vila

acentuando a importacircncia da legalizaccedilatildeo das conquistas efetuadas pela expansatildeo

portuguesa particularmente no norte e no centro-oeste como compensaccedilatildeo pela

desistecircncia de Sacramento (REIS 1948)

209

A resposta espanhola agrave primeira proposta portuguesa feita em 1747 manteve a

defesa dos velhos tiacutetulos de Tordesilhas e do convecircnio de Badajoacutes insistindo que

Portugal estava ocupando territoacuterios muito vastos que deveria devolver agrave Espanha

Portugal enviou uma nova proposta agora articulando um acordo que defendia

veementemente suas posiccedilotildees e propunha a compensaccedilatildeo pela devoluccedilatildeo de

Sacramento A proposta foi bem recebida em Madri para quem interessava de fato o

domiacutenio da bacia platina e a incorporaccedilatildeo da Colocircnia ao impeacuterio colonial espanhol

soacute assim a Espanha poderia se apossar das duas margens do Prata evitando o

contrabando das riquezas do Peru que passava por Sacramento No norte e no

centro-oeste brasileiro a ocupaccedilatildeo portuguesa estava em adiantado processo de

consolidaccedilatildeo natildeo parecia mais ser possiacutevel reverter essa situaccedilatildeo Um acordo

permitiria tambeacutem interromper a expansatildeo portuguesa em andamento na Ameacuterica do

Sul e impedir que a rivalidade peninsular decorrente das disputas americanas fosse

aproveitada por naccedilotildees inimigas de Madri para o seu enfraquecimento

A treacuteplica espanhola veio logo a seguir Buscava melhorar aspectos formais e

introduzir algumas novidades no projeto de acordo Todas essas negociaccedilotildees foram

conduzidas secretamente pelos dois governos ateacute a assinatura do documento

definitivo As articulaccedilotildees em torno de um acordo equilibrado com a Espanha

defendido por Gusmatildeo tinham na realidade o objetivo de garantir a Amazocircnia e o

Centro-Oeste cedendo se necessaacuterio sua posiccedilatildeo platina do Sacramento Aleacutem

disso o acerto permitiria criar-se no sul do Brasil uma linha divisoacuteria que impedisse

tentativas expansionistas espanholas sobretudo aquelas que pudessem partir de

Buenos Aires

Lembra Synezio Sampaio Goacutees Filho que as propostas portuguesas construiacutedas por

Alexandre de Gusmatildeo estavam articuladas em torno dos seguintes objetivos

principais

a) era necessaacuterio celebrar um tratado geral de limites e natildeo fazer ajustes

sucessivos sobre trechos especiacuteficos como queria originalmente a Espanha

b) tal tratado soacute poderia ser feito abandonando-se o meridiano de Tordesilhas violado pelos portugueses na Ameacuterica e mais ainda pela Espanha no hemisfeacuterio oposto

210

c) as colunas estruturais do acordo seriam os princiacutepios do uti possidetis e das fronteiras naturais assim referidos respectivamente no preacircmbulo ldquocada parte haacute de ficar com o que atualmente possuirdquo e ldquoos limites dos dois Domiacutenios satildeo a origem e o curso dos rios e os montes mais notaacuteveisrdquo

d) a Colocircnia do Sacramento e o territoacuterio adjacente eram portugueses se natildeo pelo Tratado de Tordesilhas certamente pelo segundo Tratado de Utrecht de 1715

e) poder-se-ia admitir (eacute clara a lembranccedila da Colocircnia do Sacramento) que uma parte troque o que lhe eacute de tanto proveito com a outra parte a que faz maior dano que ela o possuardquo nas palavras do proacuteprio Gusmatildeo (GOacuteES FILHO 2001 p184 a 185)

As reacuteplicas espanholas por sua vez argumentavam

a) sendo certo que as Filipinas caiacuteam na zona da soberania espanhola

[sabe-se hoje que natildeo] o melhor para Portugal era prescindir de qualquer alegaccedilatildeo nesse hemisfeacuterio

b) sobre a Colocircnia do Sacramento mais que qualquer eventual direito era intoleraacutevel para a Espanha ser ela com o contrabando que propiciava como diz Dom Joseacute de Carbajal ldquocausa de la disipacioacuten de las riquezas del Perurdquo

c) era aconselhaacutevel a troca da Colocircnia do Sacramento por uma aacuterea equivalente (citando outra vez o Ministro espanhol) faacutecil de encontrar nos territoacuterios de Cuiabaacute e Mato Grosso ainda que agrave morte de Felipe V o Governo espanhol estudasse os meios para recobraacute-la

(GOacuteES FILHO 2001 p 185)

Com o avanccedilo das negociaccedilotildees o territoacuterio das reduccedilotildees jesuiacuteticas dos Sete Povos

das Missotildees foi utilizado como a moeda de troca pela cessatildeo da Colocircnia do

Sacramento concordando a Espanha em ceder os estabelecimentos que possuiacutea na

margem direita do Rio Guaporeacute atual regiatildeo onde estaacute o Forte do Priacutencipe da Beira

onde havia a missatildeo jesuiacutetica espanhola de Santa Rosa Como compensaccedilatildeo os

espanhoacuteis ficariam com o acircngulo formado pelos Rios Amazonas e Japuraacute onde

havia um forte portuguecircs anterior ao forte de Tabatinga A descriccedilatildeo das fronteiras

pode ser perfeitamente acompanhada pela leitura das pormenorizadas cartas que

Alexandre de Gusmatildeo enviava ao negociador portuguecircs em Madri Os limites que

emergem dessas cartas satildeo basicamente os que figuram no proacuteprio Tratado cuja

primeira versatildeo que pouco difere do texto definitivo Gusmatildeo enviou a Madri no final

de 1748

211

Gusmatildeo dispunha de uma superioridade muito grande sobre os negociadores

espanhoacuteis por conta de seus conhecimentos geograacuteficos sobre a Ameacuterica do Sul

elementos cientiacuteficos que eram ignorados pelos espanhoacuteis sobretudo em razatildeo dos

levantamentos cartograacuteficos que foram mandados fazer do Brasil desde a deacutecada de

1730 Lembra Arthur Cezar Ferreira Reis que Jean Baptista Bourguignon drsquoAnville

primeiro cartoacutegrafo do Rei da Franccedila considerado o maior especialista de sua eacutepoca

em toda a Europa elaborara por solicitaccedilatildeo de Dom Luiacutes da Cunha quando em

missatildeo diplomaacutetica na Franccedila uma carta do Brasil divulgada em 1748 documento

que fora feito com base nas informaccedilotildees portuguesas possivelmente entre 1743 e

1744 mas que natildeo tivera grande divulgaccedilatildeo na Europa Mantendo a tradicional

poliacutetica de sigilo portuguesa que vinha ocorrendo desde o periacuteodo dos

descobrimentos mariacutetimos Alexandre de Gusmatildeo preferiu elaborar outra carta

alegando dispor de informaccedilotildees totalmente desconhecidas por parte dos espanhoacuteis

Essa carta o Mapa dos confins com as terras da Coroa de Espanha Ameacuterica

Meridional que ficou conhecida como o Mapa das Cortes 66 (Mapa 22) foi enviada a

Madri em 8 de fevereiro de 1748 com as linhas de limites pleiteadas pelos

portugueses (REIS 1948)

Seu traccedilado representa uma caricatura do Brasil construiacuteda com a intenccedilatildeo de natildeo

atemorizar os negociadores espanhoacuteis desviando-se para leste todo o Brasil

meridional O objetivo dessa distorccedilatildeo eacute muito claro diminuir o traccedilado das terras

americanas desejadas pelos portugueses propositadamente viciado nas suas

longitudes para fins diplomaacuteticos67

O Mapa das Cortes peccedila fundamental para que se chegasse a um acordo que

atendesse aos propoacutesitos portugueses foi aprovado por ambas as Cortes e tornou-

se a base para as negociaccedilotildees de fronteiras bem como para as futuras campanhas

de demarcaccedilatildeo

66 O nome Mapa das Cortes como ficou conhecido deve-se ao fato do documento conter no verso as assinaturas e os selos dos Ministros Plenipotenciaacuterios das duas Coroas 67 Havia erros de longitude na representaccedilatildeo cartograacutefica que favoreciam os interesses de Portugal Segundo Max Justo Guedes a regiatildeo do Alto Paraguai havia sido desviada para o leste entre quatro e sete graus a extensatildeo do Rio Amazonas-Solimotildees reduzida em trecircs graus e os afluentes do mesmo rio notadamente o Madeira e seu formador o Guaporeacute e o Tocantins chegaram a ter desvios de nove graus

212

A 13 de janeiro de 1750 Dom Tomaz da Silva Teles Visconde de Vila Nova de

Cerveira e Dom Joseph de Carvajal y Lancaster firmavam em Madri em nome das

duas Coroas o Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos

senhores Don Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha

Alexandre de Gusmatildeo o principal artiacutefice do Tratado de Madri na concepccedilatildeo e na

negociaccedilatildeo do acordo convencera finalmente os espanhoacuteis a adotar os princiacutepios

do uti possidetis e das fronteiras naturais seus objetivos haviam sido alcanccedilados A

importacircncia desse documento transcende agrave soluccedilatildeo temporaacuteria dos conflitos que

vinham separando as duas monarquias ibeacutericas a respeito dos seus domiacutenios

coloniais tratou-se na realidade da celebraccedilatildeo de um estatuto internacional que

viria garantir ao Estado brasileiro sua configuraccedilatildeo baacutesica atual

63 O Tratado de Madri

Com a assinatura do Tratado de Madri ocorrida em 13 de janeiro de 1750 foram

finalmente estabelecidos os traccedilados de limites entre as possessotildees espanholas e

portuguesas no continente americano e na Aacutesia e revogavam-se os tiacutetulos

imprecisos e virtuais do Tratado de Tordesilhas firmado em 1494 que desde o final

do seacuteculo XV buscava separar os territoacuterios coloniais dos dois reinos ibeacutericos

Embora viesse a ser anulado pelo Tratado de El Pardo 11 anos depois em 1761 o

acordo de Madri foi quase que integralmente reaproveitado pelo Tratado de Santo

Ildefonso de 1777 excetuando-se a adoccedilatildeo de outros acertos firmados para as

fronteiras da regiatildeo sul do Brasil Esse uacuteltimo tratado natildeo duraria muito tempo pois

novamente em guerra peninsular Portugal e Espanha declararam Santo Ildefonso

nulo em 1801 e no mesmo ano com a assinatura de um acordo de paz por meio

do Tratado de Badajoz nenhum outro acordo anterior foi revalidado

O Tratado de Madri teve curta vigecircncia formal embora tivesse sido firmado com a

intenccedilatildeo de estabelecer uma soluccedilatildeo permanente aos conflitos coloniais ibeacutericos

Apesar disso tornou-se peccedila fundamental para a fixaccedilatildeo dos contornos territoriais

brasileiros servindo o seu texto de base para legitimar a presenccedila luso-brasileira e

resolver as pendecircncias de fronteiras que viriam a ocorrer no Impeacuterio e na Repuacuteblica

O Tratado eacute em grande medida responsaacutevel pela atual configuraccedilatildeo territorial em

que se assenta o Estado do Brasil Foi nesse instrumento juriacutedico aplicado ao

214

Direito Internacional e produzido por Alexandre de Gusmatildeo68 que Portugal e

Espanha se apoiaram para a resoluccedilatildeo de suas disputas territoriais Com o Tratado

de Madri legalizou-se a posse dos vastos territoacuterios da Amazocircnia e das atuais

regiotildees do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul um acordo de reparticcedilatildeo territorial

sem precedentes no trato das questotildees de fronteiras coloniais

Antes de sua assinatura nos dois Estados coloniais portugueses na Ameacuterica no

Estado do Brasil e no Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute natildeo se sabia exatamente

onde terminava os territoacuterios de Portugal e onde se iniciava o governo de Espanha

Nas palavras de Laura de Mello e Souza ldquoos limites geograacuteficos foram ateacute meados

do seacuteculo XVIII fluidos e indefinidosrdquo (SOUZA 1997 vol 1 p 23)

Esses territoacuterios coloniais incertos com fronteiras indefinidas e abertas resultaram

como foi visto anteriormente na ocupaccedilatildeo do vale amazocircnico no desbravamento

dos sertotildees de Cuiabaacute Goiaacutes e Mato Grosso na ocupaccedilatildeo do sul e na proacutepria

fundaccedilatildeo de Sacramento ignorando-se quase que por completo sobretudo pelos

entradistas do norte e pelos bandeirantes paulistas os limites teoricamente definidos

pelo meridiano de 1494 Ao adotar as accedilotildees diplomaacuteticas e poliacuteticas preconizadas

por Alexandre de Gusmatildeo para a defesa de seu patrimocircnio colonial extra

Tordesilhas Portugal obteve a aceitaccedilatildeo formal de suas conquistas americanas e

beneficiou-se de um acordo em grande medida vantajoso para os seus interesses

coloniais Natildeo se pode esquecer que a uma situaccedilatildeo de fato resultante da

68 ldquoProvando a filiaccedilatildeo direta nas ideacuteias de Alexandre de Gusmatildeo de artigos baacutesicos do Tratado de Madri haacute um documento de excepcional interesse em parte manuscrito pelo proacuteprio Alexandre de Gusmatildeo com correccedilotildees e adiccedilotildees de Dom Luiacutes da Cunha Tem o tiacutetulo longo como era uso na eacutepoca de Dissertation qui deacutetermine tant geacuteographiquement que par les traiteacutes faits entre la Couronne de Portugal et celle dEspagne quels sont les limites de leurs dominations en Ameacuterique cest-agrave-dire du cocircteacute de la Riviegravere de la Plate Foi escrito em francecircs porque objetivava divulgar na Europa a posiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca de mais uma das divergecircncias entre Portugal e Espanha sobre a posse da Colocircnia do Sacramento (o chamado Conflito do Prata que durou de 1735 a 1737) Realmente aiacute estaacute a ideacuteia de que o Tratado de Tordesilhas deve ser abandonado por ser indemarcaacutevel de que mesmo que se prove que os portugueses violaram esse tratado na Ameacuterica os espanhoacuteis certamente o violaram no Oriente e de que a soluccedilatildeo deveria necessariamente ser encontrada em negociaccedilotildees globais com concessotildees muacutetuas Tais negociaccedilotildees ademais conclui o trabalho publicado em 1736 soacute poderiam basear-se nas duas regras do uti possidetis e das fronteiras naturais Regras que curiosamente levam-nos de volta ao passado nebuloso dos mitos o do el dorado que atraindo os bandeirantes ao acircmago da Ameacuterica do Sul levou-os a ocupar dois-terccedilos do Brasil atual relaciona-se com o uti possidetis e o da ilha Brasil que tendeu a dar ao paiacutes uma conformaccedilatildeo orgacircnica com divisas fluviais liga-se agraves fronteiras naturais Natildeo se chegou ao Prata no Sul mas se ficou com o Rio Grande do Sul Mato Grosso e a maior parte da bacia do Amazonas o que natildeo eacute poucordquo (GOacuteES FILHO 2001 p190 e 191)

215

vantagem portuguesa pela posse da terra principalmente no norte e no centro-

oeste seguiu-se a uma situaccedilatildeo de direito o reconhecimento legal dessa ocupaccedilatildeo

por parte dos espanhoacuteis

O ouro do Brasil havia provocado natildeo soacute o interesse poliacutetico pelos assuntos da

colocircnia americana mas foi tambeacutem a causa de relativa estabilidade econocircmica que

Portugal experimentou ateacute o final do seacuteculo XVIII Entre 1735 e 1755 periacuteodo de

maior produccedilatildeo das minas a meacutedia anual de extraccedilatildeo foi avaliada em

aproximadamente 15 toneladas o suficiente para que a Coroa portuguesa

ganhasse parte do prestiacutegio e da importacircncia internacional perdidos ao longo do

seacuteculo XVII A estabilidade poliacutetica vivida ao longo de quase cinco deacutecadas do

reinado de Dom Joatildeo V e a conjuntura de alianccedilas pessoais favoraacuteveis nas Cortes

ibeacutericas igualmente contribuiacuteram para o ecircxito portuguecircs nos acertos de Madri

(GOacuteES FILHO 2001)

O Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos senhores Don

Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha assinado em 13 de

janeiro de 1750 em Madri e ratificado em Lisboa a 26 do dito mecircs e em Madri a 8

de fevereiro do mesmo ano 69 inicia-se com o reconhecimento da necessidade de

um acordo entre as duas Coroas que pusesse fim aos conflitos de interesse

territoriais sobretudo nas colocircnias americanas conforme transcrito a seguir

ldquo[] Os sereniacutessimos reis de Portugal e Espanha [] consideraram que [] os embaraccedilos [] particularmente os que se podem oferecer com o motivo dos limites das duas coroas na Ameacuterica cujas conquistas se tecircm adiantado com incerteza e duacutevida por se natildeo haverem averiguado ateacute agora os verdadeiros limites daqueles domiacutenios [] resolveram examinar as razotildees e duacutevidas que se oferecessem por ambas as partes e agrave vista delas concluir o ajuste com reciacuteproca satisfaccedilatildeo e conveniecircnciardquo

As alegaccedilotildees portuguesas prendiam-se ao fato da ocupaccedilatildeo espanhola ter

supostamente excedido os limites previstos em Tordesilhas no Mar do Sul na Aacutesia

com o estabelecimento dos castelhanos nas Filipinas em 1580 logo apoacutes o iniacutecio

de vigecircncia da uniatildeo ibeacuterica fazendo referecircncia tambeacutem ao desrespeito dos

espanhoacuteis agrave Convenccedilatildeo de Saragoccedila assinada em 1529 ndash uma escritura de venda

feita pelo Rei de Espanha ao de Portugal da regiatildeo onde se encontrava o 69 O Tratado de Madri estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo

216

arquipeacutelago das Molucas estabelecido tambeacutem na base de um meridiano localizado

agrave leste dessas ilhas passando pelas ilhas denominadas las Velas e de Santo

Thomeacute Quanto ao territoacuterio da margem sul do Rio do Prata a colocircnia portuguesa do

Sacramento recordava Portugal os tiacutetulos e tratados que legalizavam sua ocupaccedilatildeo

o Tratado Provisional de 1681 em que o Rey Don Carlos II de Castela

comprometia-se a devolver a Colocircnia aos portugueses enquanto comissotildees de

ambas as Coroas discutiriam os direitos de cada uma recorrendo se necessaacuterio ao

arbitramento do Papa caso natildeo chegassem a nenhum acordo comum e o Segundo

Tratado de Utrecht celebrado em 1715 entre Portugal e Espanha que reconhecia

o direito de Portugal sobre a Colocircnia do Sacramento ao restabelecer sua posse para

Portugal

Por sua parte as alegaccedilotildees espanholas denunciavam a ocupaccedilatildeo portuguesa das

duas margens do Rio Amazonas ou Rio Marantildeon alcanccedilando-se a boca do Rio

Javari bem como a presenccedila dos luso-brasileiros no interior do Brasil ateacute Cuiabaacute e

Mato Grosso regiotildees situadas a oeste do traccedilado de Tordesilhas portanto territoacuterio

de Castela Quanto a Sacramento os espanhoacuteis insistiam que os mapas mais

exatos provavam que a Colocircnia com todo o seu territoacuterio estava na regiatildeo de direito

exclusivo de Madri admitindo uma troca territorial como compensaccedilatildeo pela retirada

portuguesa conforme previa o Segundo Tratado de Utrecht

Expostas as argumentaccedilotildees de ambos o acordo previa o entendimento negociado

entre as Coroas ibeacutericas e o abandono dos princiacutepios previstos em tratados

anteriores sobretudo o de Tordesilhas em 1494

[] resolveram pocircr termo agraves disputas passadas e futuras e esquecer-se e natildeo usar de todas as accedilotildees e direitos que possam pertencer-lhes em virtude dos Tratados de Tordesilhas Lisboa Utrecht e da Escritura de Saragoccedila ou de outros quaisquer fundamentos que possam influir na divisatildeo dos seus domiacutenios por linha meridiana e querem que ao diante natildeo se trate mais dela reduzindo os limites das duas monarquias aos que se assinalaram no presente tratado

Mantidos como princiacutepios desde o iniacutecio das negociaccedilotildees os fundamentos do

tratado foram enunciados antes mesmo da redaccedilatildeo de seus artigos reguladores a

adoccedilatildeo de limites ou fronteiras naturais e o direito de posse reconhecido como

legiacutetimo para regularizar a ocupaccedilatildeo dos territoacuterios prevendo ainda que em casos

217

excepcionais poderia haver a troca de territoacuterios para se chegar a um acordo mais

equitativo

ldquo[] sendo o seu acircnimo que nele se atenda com cuidado a dois fins o primeiro e principal eacute que se assinalem os limites dos dois domiacutenios tomando por balizas as paragens mais conhecidas para que em nenhum tempo se confundam nem decircem ocasiatildeo a disputas como satildeo a origem e curso dos rios e os montes mais notaacuteveis o segundo que cada parte haacute de ficar com o que atualmente possui agrave exceccedilatildeo das muacutetuas cessotildees que em seu lugar se diratildeo as quais se faratildeo por conveniecircncia comum e para que os confins fiquem quanto for possiacutevel menos sujeitos a controveacutersiasrdquo

Essas proposiccedilotildees aprovadas pelo tratado consagravam assim pela primeira vez

um entendimento internacional muacutetuo sobre a partilha de territoacuterios coloniais em

litiacutegio apoiadas sobretudo na ocupaccedilatildeo efetiva da terra e seu decorrente direito de

posse

Estabelecidos os princiacutepios de entendimento seguiram-se os artigos reguladores de

cada questatildeo

ldquoPara concluir este ajuste e assinalar os limites [] dois sereniacutessimos reis [] concordaram no que se conteacutem dos seguintes artigosrdquo Artigo I rdquoO presente tratado seraacute o uacutenico fundamento e regra que ao diante se deveraacute seguir para a divisatildeo e limites dos dois domiacutenios em toda a Ameacuterica e na Aacutesia []rdquo Artigo II ldquoAs ilhas Filipinas e as adjacentes que possui a Coroa de Espanha lhe pertencem para sempre [] Portugal [] faz a mais ampla e formal renunciaccedilatildeo de qualquer direito []rdquo Artigo III ldquoNa mesma forma pertenceraacute agrave Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas ou Marantildeon acima e o terreno de ambas as margens deste rio ateacute as paragens que abaixo se diratildeo como tambeacutem tudo o que tem ocupado no distrito de Mato Grosso e dele para parte do oriente e Brasil [] Espanha [] desiste e renuncia formalmente a qualquer direito e accedilatildeo [] possa ter aos referidos territoacuteriosrdquo

Esses dois artigos permitiram de fato a viabilizaccedilatildeo do tratado o Rei espanhol

reconhecia que dominava ilegalmente as Ilhas Filipinas enquanto o Rei portuguecircs

admitia que os seus suacuteditos ocupavam tambeacutem ilegalmente os sertotildees do

continente sul-americano

Os Artigos IV V e VI definiram o traccedilado das fronteiras do sul e do centro-oeste do

Brasil ateacute o Rio Jauru tributaacuterio do Rio Paraguai e situado a oeste de Cuiabaacute e os

Artigos VII VIII e IX estabeleceram a fronteira oeste e norte do Brasil riscando os

limites da regiatildeo amazocircnica

218

Artigo VII ldquoDesde a boca do Jauru pela parte ocidental prosseguiraacute a fronteira em linha reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute [] ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute [] e formam juntos o rio chamado da Madeira que entra no das Amazonas ou Marantildeon pela sua margem australrdquo Artigo VIII rdquo[] continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do Javari que entra no rio das Amazonas [] e baixando pelo aacutelveo do Javari ateacute onde desemboca no rio das Amazonas[] prosseguiraacute por este rio abaixo ateacute a boca mais ocidental do Japuraacute []rdquo Artigo IX ldquoContinuaraacute a fronteira pelo meio do rio Japuraacute [] ao rumo do norte ateacute encontrar o alto da Cordilheira de Montes que mediam entre o Orinoco e o das Amazonas ou Marantildeon e prosseguiraacute pelo cume destes montes para o oriente ateacute onde se estender o domiacutenio de uma e outra monarquiardquo (Mapa 23)

Tendo conhecimento da ligaccedilatildeo da bacia do Orenoco com a do Amazonas pela

navegaccedilatildeo do Rio Cassiquiari esse artigo IX previa que as futuras comissotildees a

serem nomeadas pelas duas Coroas para a demarcaccedilatildeo das fronteiras tivessem

especial atenccedilatildeo ao assinalar esses limites ficando expressamente proibida a

penetraccedilatildeo portuguesa em direccedilatildeo ao Orenoco

Estava assim regularizada com o traccedilado do acordo a ocupaccedilatildeo portuguesa

realizada desde 1616 com a fundaccedilatildeo de Beleacutem incorporando-se ao patrimocircnio

colonial portuguecircs uma regiatildeo com aproximadamente 5 milhotildees de km2 a Amazocircnia

do Brasil

O Artigo X instruiacutea sobre a posse das ilhas que ficassem nos rios divisoacuterios entre os

dois domiacutenios e o Artigo XI estabelecia que na medida em que fossem sendo

assinalados os limites de fronteira os comissaacuterios fizessem as observaccedilotildees

necessaacuterias para formar um mapa uacutenico nomeando conjuntamente os acidentes

geograacuteficos desconhecidos e guardando coacutepia dos mapas para os casos de

eventuais disputas futuras

A partir do Artigo XII estabeleciam-se as muacutetuas concessotildees territoriais entre

Portugal e Espanha segundo os entendimentos comuns acordados pelas duas

Coroas ibeacutericas

Dessa forma no Artigo XIII ldquo Sua Majestade Fideliacutessima [] cede para sempre agrave Coroa de Espanha a Colocircnia do Sacramento e todo o seu territoacuterio adjacente a ela [] como

219

tambeacutem a navegaccedilatildeo do mesmo rio da Prata a qual pertenceraacute inteiramente agrave Coroa de Espanha []rdquo

E como contrapartida no Artigo XIV ldquoSua Majestade Catoacutelica [] cede para sempre agrave Coroa de Portugal [] terras [] desde o Monte de Castilhos Grande [] ateacute a cabeceira e origem principal do rio Ibicuiacute e tambeacutem cede todas e quaisquer povoaccedilotildees [] no acircngulo de terras compreendido entre a margem setentrional do rio Ibicuiacute e a oriental do Uruguai e os que possam ter-se fundado na margem oriental do rio Pepiri e a aldeia de Santa Rosa e outra qualquer [] na margem oriental do rio Guaporeacute E Sua Majestade Fideliacutessima cede na mesma forma a Espanha todo o terreno que corre desde a boca ocidental do rio Japuraacute e fica entre meio do mesmo rio e do das Amazonas ou Marantildeon e toda a navegaccedilatildeo do rio Iccedilaacute e tudo o que se segue desde este uacuteltimo rio para o ocidente com a aldeia de S Cristoacutevatildeo e outra qualquer que por parte de Portugal se tenha fundado naquele espaccedilo de terras fazendo-se as muacutetuas entregas []rdquo

Portugal jaacute havia reconhecido que as Ilhas Filipinas ficariam para a Espanha mas

sem duacutevida alguma a Colocircnia do Sacramento era a mais valiosa concessatildeo

portuguesa segundo os interesses espanhoacuteis Como compensaccedilatildeo desses acertos

aos portugueses seriam cedidos o direito permanente agrave posse do vale do Rio

Amazonas as regiotildees de Vila Bela e Cuiabaacute e as missotildees do Itatim Guairaacute e Tape

Os Artigos XIII e XIV evidenciavam mais uma vez a priorizaccedilatildeo espanhola do Prata

nas negociaccedilotildees de limites Dom Joatildeo V concordava em ceder a Colocircnia do

Sacramento mas preservava os vastos territoacuterios da Amazocircnia Mato Grosso e

Goiaacutes muito mais importantes para Portugal entre o contrabando do Rio do Prata e

o ouro descoberto nos sertotildees parecia mais razoaacutevel abrir matildeo das custosas

pretensotildees platinas Fernando VI por sua vez concordou em ceder as missotildees

jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai - conhecidas como os Sete

Povos das Missotildees situadas no oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul - pela

posse de Sacramento decidindo-se assim por garantir o controle completo do

escoamento de prata do Vice-Reino do Peru e impedindo pretensotildees portuguesas e

de seus aliados ingleses Na praacutetica o tratado previa a permuta da Colocircnia do

Sacramento pela regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees e a entrega do territoacuterio

triangular formado Rio Japuraacute e Rio Amazonas com a navegaccedilatildeo do Rio Iccedilaacute para o

recebimento da margem direita do Rio Guaporeacute Com a cessatildeo de Sacramento e de

um pequeno trecho em territoacuterio amazocircnico garantia-se para Portugal o tiacutetulo

220

juriacutedico de posse da Amazocircnia e do Mato Grosso trocas francamente favoraacuteveis aos

interesses coloniais portugueses

Os Artigos XV e XVI tratavam dos acertos de entrega de Sacramento dos Sete

Povos das Missotildees e das margens dos Rios Pequiri Guaporeacute e Amazonas

estabelecendo o Artigo XVII outro acerto de procedimentos em relaccedilatildeo ao monte de

Castilhos Grande na regiatildeo sul do Brasil e o Artigo XVIII as regras para a

navegaccedilatildeo e pesca comum dos rios de fronteira e dos rios privativos de cada Coroa

bem como a definiccedilatildeo de que pelos cumes da cordilheira divisoacuteria entre o Rio

Amazonas e o Orenoco pertenceriam agrave Espanha todas as vertentes que caiacutessem

para o Orenoco e a Portugal todas as que caiacutessem para o Rio Amazonas

O contrabando e o comeacutercio entre as duas naccedilotildees foram proibidos no Artigo XIX

estabelecendo-se tambeacutem que natildeo poderiam ser construiacutedas fortificaccedilotildees nas

margens dos rios de fronteira com navegaccedilatildeo comum Igualmente ficavam

proibidas no Artigo XX as construccedilotildees de fortificaccedilotildees e povoados sobre a linha de

alturas divisoacuteria das duas Coroas

O Artigo XXI apresentava outra inovaccedilatildeo importante e considerada por vaacuterios

autores brasileiros como a semente do futuro pan-americanismo ldquoSendo a guerra

ocasiatildeo principal dos abusos e motivo de se alterarem as regras mais bem

concertadas querem Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica que se (e que Deus

natildeo permita) se chegasse a romper entre as duas coroas se mantenham em paz os

vassalos de ambas estabelecidos em toda a Ameacuterica meridional vivendo uns e

outros como se natildeo houvera tal guerra entre os soberanos sem fazer-se a menor

hostilidade nem por si soacutes nem juntos com os seus aliadosrdquo Esse dispositivo natildeo

permitia que houvesse guerra no continente sul-americano mesmo que Portugal e

Espanha estivessem em combate na Europa Cabe lembrar que sua autoria

segundo Jaime Cortesatildeo eacute de Dom Joseph de Carvajal y Lancaster o negociador

espanhol e natildeo de Alexandre de Gusmatildeo como supunham alguns estudiosos

(GOacuteES FILHO 2001)

221

Foi prevista no tratado no Artigo XXII a nomeaccedilatildeo de comissotildees demarcadoras de

fronteiras de ambas os reinos que atuariam na definiccedilatildeo dos limites entre as duas

Coroas percorrendo no terreno os trechos previstos pelos acertos de Madri

As devoluccedilotildees da Colocircnia do Sacramento e da margem oriental do Rio Uruguai

segundo o Artigo XXIII deveriam ser feitas pelos dois monarcas em tempo inferior a

um ano depois de firmado o tratado e nas demais regiotildees o mais breve possiacutevel

apoacutes a chegada das comissotildees demarcadoras

No Artigo XXIV as duas monarquias ibeacutericas declaravam que as concessotildees

previstas no acordo natildeo teriam sido feitas por outras equivalentes teriam antes de

tudo sido pensadas para atender agraves conveniecircncias e interesses totais de cada

Coroa Os reis se comprometiam tambeacutem a reconhecer e aprovar os acordos do

tratado renunciando a quaisquer pretensotildees ou disputas futuras contraacuterias ao que

havia sido firmado

Comprometiam-se igualmente na Ameacuterica a se ajudarem mutuamente em caso de

agressatildeo de outra potecircncia estrangeira conforme o Artigo XV enunciava

ldquoPara mais plena seguranccedila deste tratado convieram os dois altos contraentes em garantir reciprocamente toda a fronteira e adjacecircncias dos seus domiacutenios na Ameacuterica meridional [] obrigando-se cada um a auxiliar e socorrer o outro contra qualquer ataque ou invasatildeo [] e em qualquer caso de invasatildeo ou sublevaccedilatildeo cada uma das coroas ajudaraacute e socorreraacute a outra ateacute se reporem as cousas em estado paciacuteficordquo

Finalmente o Artigo XXV reiterava a intenccedilatildeo das duas Coroas de manter em

definitivo os acordos pactuados em Madri Mesmo que houvesse guerra entre

Portugal e Espanha natildeo deveria o acordo ser interrompido ou revalidado

Certamente o Tratado de Madri havia sido produzido dentro de um clima favoraacutevel

ao entendimento peninsular sendo assinado com as melhores intenccedilotildees possiacuteveis

sobretudo diante do quadro poliacutetico de grande instabilidade vivido pela Europa

agravequela altura

No acordo assinado em Madri em 1750 eacute possiacutevel identificar claramente os

objetivos portugueses e espanhoacuteis que nortearam as poliacuteticas das duas Coroas em

relaccedilatildeo aos seus domiacutenios coloniais americanos Interessava a Portugal conseguir

222

um equiliacutebrio com a Espanha nas negociaccedilotildees de partilha territorial dessa forma a

maior parte da bacia amazocircnica ficava para os luso-brasileiros enquanto que o Rio

do Prata deveria ser entregue definitivamente aos espanhoacuteis Garantia-se tambeacutem o

reconhecimento de posse das regiotildees mineradoras do centro-oeste e a

consequumlente fronteira ocidental do Brasil permanecendo para os portugueses os

Rios Tocantins Tapajoacutes e Madeira e preservando-se a comunicaccedilatildeo fluvial de

Cuiabaacute a Beleacutem No sul conservava-se o atual Estado do Rio Grande do Sul com a

cessatildeo espanhola dos Sete Povos das Missotildees na margem esquerda do Rio

Uruguai estabelecendo-se assim fronteiras coloniais bem definidas em uma regiatildeo

tatildeo sensiacutevel para os interesses de ambas as Coroas Por outro lado para a

Espanha o acordo representava a contenccedilatildeo do avanccedilo portuguecircs para oeste nos

territoacuterios que considerava seus por direito e a garantia de que o Prata ficaria sob

seu controle exclusivo com a cessatildeo de Sacramento Preservava-se o importante

acesso sul americano para o Vice-Reinado do Peru preocupaccedilatildeo permanente das

autoridades de Castela em razatildeo do comeacutercio ilegal anglo-portuguecircs na regiatildeo

preservando Buenos Aires de provaacuteveis accedilotildees de invasatildeo estrangeira

Os historiadores em geral tendem a considerar o acordo de Madri natildeo apenas

favoraacutevel a Portugal mas tambeacutem equilibrado em relaccedilatildeo agraves pretensotildees de

Espanha

Para o historiador inglecircs Robert Southey em Histoacuteria do Brasil terceiro volume

publicada em Londres em 1819

ldquoA linguagem e o teor todo deste memoraacutevel tratado estatildeo dando testemunho da sinceridade e boas intenccedilotildees das duas cortes Parecem na verdade os dois soberanos contratantes ter-se adiantado ao seu seacuteculo Procederam com uma lealdade que quase pode considera-se coisa nova na diplomacia e tentando estabelecer perpeacutetua paz nas suas colocircnias fossem quais fossem as disputas entre eles se suscitassem na Europa puseram um exemplo digno de recordar-se como meio praticaacutevel de minorar os males da guerrardquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 249)

Em concordacircncia com Southey o alematildeo Gottfried Heinrich Handelman em Histoacuteria

do Brasil publicada pela primeira vez na Alemanha em 1860 declarou que o

tratado de limites havia sido no seu todo razoaacutevel e vantajoso para as ambas as

Coroas (HANDELMANN 1982)

223

Na avaliaccedilatildeo que fez sobre o acordo de Madri particularmente em relaccedilatildeo agrave

Amazocircnia Arthur Cezar Ferreira Reis natildeo eacute menos otimista que outros historiadores

brasileiros e assim lembra

ldquoA Amazocircnia desbravada e ocupada em seus maiores espaccedilos pelos luso-brasileiros integrava-se nesses mesmos espaccedilos agrave soberania de Portugal Legalizava-se a situaccedilatildeo criada pelo movimento expansionista O Tratado de Madri era um termo feliz nos objetivos de paz e de harmonia para os povos de origem ibeacuterica da Sulameacutericardquo (REIS 1948 vol 2 p 61)

Opiniatildeo contraacuteria agrave maioria dos estudiosos do tratado Joatildeo Capistrano de Abreu

em Capiacutetulos de Histoacuteria Colonial (1550-1800) publicado em 1928 considerou

entretanto ldquoAgora com razatildeo condenavam-no (o Tratado de Madri por volta de 1761 quando de sua anulaccedilatildeo) os representantes dos dois governos agrave vista de seus resultados faacuteceis de evitar a natildeo ser a claacuteusula baacuterbara relativa aos sete povos do Uruguairdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 213)

Sua simpatia pelos iacutendios e sua formaccedilatildeo humanista levaram o historiador a aceitar

tambeacutem os julgamentos sempre negativos sobre os bandeirantes contidos nos

relatos dos jesuiacutetas espanhoacuteis Em sua avaliaccedilatildeo o Tratado de Madri foi injusto

sobretudo em relaccedilatildeo ao ecircxodo dos indiacutegenas provocado no atual Estado do Rio

Grande do Sul A explicaccedilatildeo de que a Espanha havia cedido territoacuterios na Ameacuterica

para legalizar sua posse das Filipinas natildeo eacute igualmente bem aceita por ele essa

justificativa segundo opina valorizava excessivamente as possessotildees espanholas

no Oriente em relaccedilatildeo ao Brasil

ldquoO uti possidetis reconhecido em 1750 anulado em 1761 veio outra vez a prevalecer Se natildeo se explicasse pela superioridade relativa das posiccedilotildees portuguesas nas zonas litigiosas seria uma das ironias da histoacuteria averiguar que do mero apego agrave posse das Filipinas procederam todas as concessotildees por parte da Espanhardquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 214)

Capistrano acreditava na superioridade da presenccedila portuguesa nos territoacuterios

cedidos por Lisboa e nesse contexto os portugueses teriam cedido mais do que

deveriam ceder Tal posiccedilatildeo pode ser mantida com ressalvas no centro-oeste e no

norte onde a presenccedila portuguesa era predominante entretanto natildeo era totalmente

verdadeira para o sul onde certamente os espanhoacuteis eram mais fortes

224

De todo modo os historiadores brasileiros vecircem os acertos de Madri como o

desfecho favoraacutevel de uma negociaccedilatildeo muito difiacutecil principalmente se ambas as

Coroas natildeo cedessem de parte a parte Synezio Sampaio Goacutees Filho recorda a

opiniatildeo do Baratildeo do Rio Branco

O estudo do Tratado de 1750 deixa a mais viva e grata impressatildeo da boa feacute lealdade e grandeza de vistas que inspiraram esse ajuste amigaacutevel de antigas e mesquinhas querelas consultando-se unicamente os princiacutepios superiores da razatildeo e da justiccedila e as conveniecircncias da paz e da civilizaccedilatildeo da Ameacuterica (RIO BRANCO70 1974 vol VI p 21 apud GOacuteES FILHO 2001 p165)

Synezio Sampaio Goacutees Filho lembra ainda que na historiografia portuguesa o

Tratado de Madri eacute visto como igualmente vantajoso exceccedilatildeo feita ao historiador

Pedro Soares Martinez voz divergente em relaccedilatildeo a essa posiccedilatildeo mais comum

Ressalta entretanto que os especialistas hispano-americanos geralmente vecircem os

acordos de Madri com grande antipatia e por vezes declarado desprezo

considerando-o prejudicial agraves colocircnias americanas de Espanha e em consequumlecircncia

aos paiacuteses sul-americanos em que se transformaram O historiador argentino Carlos

Correa Luna por exemplo caracteriza Madri como o tratado que ldquolegitimoacute uma

magna usurpacioacuten territorialrdquo (SANZ71 1957 p 14 apud GOacuteES FILHO 2001)

Julgamentos severos tambeacutem foram feitos contra a atuaccedilatildeo da Rainha espanhola

Dona Maria Baacuterbara de Braganccedila que fora infanta portuguesa e o negociador

espanhol Dom Joseph de Carbajal y Lancaster ambos receberam criacuteticas que os

acusam dentre outras coisas de trair os interesses nacionais espanhoacuteis

Numa apreciaccedilatildeo geral sobre os acordos firmados pelo Tratado de Madri em 1750

pode-se concluir que Portugal legalizou a ocupaccedilatildeo de vastos territoacuterios

americanos sobretudo a Amazocircnia o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul e a

Espanha igualmente regularizou suas posiccedilotildees no Oriente com a renuacutencia

portuguesa sobre as Filipinas os limites coloniais ibeacutericos natildeo mais seriam virtuais

linhas de meridiano como a prevista por Tordesilhas mas adotavam-se como

70 Baratildeo do Rio Branco Obras completas Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1974 vol VI p 21 71 SANZ Luis Santiago La Cuestioacuten de Misiones Buenos Aires Editorial Ciecircncias Econocircmicas 1957 p 14

225

fronteiras os acidentes geograacuteficos facilmente identificaacuteveis no terreno e a ocupaccedilatildeo

efetiva do territoacuterio resultaria no direito de propriedade Como parte do acordo e nos

casos consensualmente decididos poderia haver a troca de territoacuterios para

preservar os interesses maiores de ambas as Coroas Aleacutem de dar tiacutetulo juriacutedico a

quase dois terccedilos do territoacuterio brasileiro aacuterea que jaacute havia sido ocupada pelos

portugueses a permuta da Colocircnia do Sacramento pela regiatildeo dos Sete Povos das

Missotildees resultaria na definiccedilatildeo das fronteiras do sul com a incorporaccedilatildeo do Rio

Grande

Na realidade o Tratado de Madri estabeleceu a divisatildeo de um continente e ao

definir os limites coloniais portugueses e espanhoacuteis estava traccedilando as futuras

fronteiras do Estado do Brasil

A Amazocircnia natildeo havia sido esquecida nas negociaccedilotildees territoriais Provou-se mais

uma vez que definitivamente a manutenccedilatildeo da regiatildeo era uma prioridade poliacutetica

de Estado para Portugal

64 As Transformaccedilotildees Poliacuteticas

O ano de 1750 foi marcado por acontecimentos extremamente relevantes para a

Histoacuteria de Portugal e do Brasil que resultaram em profundas transformaccedilotildees na

poliacutetica oficial de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

Charles Ralph Boxer em The Golden Age of Brazil (A Idade de Ouro do Brasil

Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial) publicado pela primeira vez em

1962 considera que a metade do seacuteculo XVIII mais precisamente o proacuteprio ano de

1750 ldquomarca sob vaacuterios aspectos o fim de uma eacutepoca na histoacuteria luso-brasileirardquo

(BOXER 2004 p 309)

Naquele ano de 1750 em 13 de janeiro ocorreu a assinatura do Tratado de Madri

entre as Coroas ibeacutericas que legalizava a ocupaccedilatildeo lusitana de territoacuterios

americanos extra Tordesilhas em 31 de julho a morte de Dom Joatildeo V cujo reinado

iniciado em 1706 e terminado quase 44 anos depois foi o mais longo da Histoacuteria de

Portugal e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I responsaacutevel pelo iniacutecio de um novo

ciclo da administraccedilatildeo portuguesa o do despotismo esclarecido marcadamente

apoacutes a nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Mello futuro Marquecircs de

226

Pombal como Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino com plenos poderes

que exerceria virtualmente por mais de duas deacutecadas o poder absoluto em

Portugal

Tambeacutem se encerrava nesse momento o avanccedilo dos paulistas em direccedilatildeo a oeste

marcando assim o fim de um ciclo de fundamental importacircncia para a expansatildeo e

ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro o bandeirismo tendo sido tomada ainda a decisatildeo

mais ou menos no momento em que se iniciou o decliacutenio da produccedilatildeo das minas de

ouro do Brasil de se pocircr fim agrave cobranccedila da taxa de capitaccedilatildeo - um imposto fixo

cobrado por cada escravo que o minerador possuiacutesse

Cabe ressaltar que por volta desse periacuteodo iniciou-se na Inglaterra a Revoluccedilatildeo

Industrial e a Europa foi varrida por novas ideacuteias que passaram a questionar os

privileacutegios do clero e da nobreza Grandes transformaccedilotildees que natildeo eram exclusivas

de Portugal antes de tudo refletiam a inquietaccedilatildeo geral que vinha ocorrendo no

campo das ideacuteias e da poliacutetica europeacuteia

Com as descobertas de ouro e diamantes feitas a partir do final do seacuteculo XVII

havia-se estabelecido uma dependecircncia econocircmica de Portugal em relaccedilatildeo agraves

riquezas que provinham dos sertotildees do Brasil A preservaccedilatildeo dos territoacuterios

alcanccedilados pelos paulistas no sul no centro-oeste e no norte e pelos entradistas e

missionaacuterios na Amazocircnia passou a ser uma prioridade poliacutetica das autoridades de

Lisboa As fronteiras haviam sido avanccediladas para milhares de quilocircmetros em

direccedilatildeo a oeste resultando na necessidade de ocupaccedilatildeo efetiva e de defesa de

vastas extensotildees territoriais O deslocamento de populaccedilotildees para as regiotildees

mineradoras do interior do Brasil foi em um primeiro momento prejudicial para a

produccedilatildeo agriacutecola das regiotildees litoracircneas resultou poreacutem na consequumlente fixaccedilatildeo

portuguesa nos sertotildees do continente consolidando mudanccedilas poliacuteticas e

econocircmicas importantes na vida colonial brasileira sobretudo a partir da segunda

metade do seacuteculo XVIII

A Ameacuterica portuguesa ainda dividida em duas entidades coloniais distintas o

Estado do Brasil e o Estado do Maranhatildeo e do Gratildeo-Paraacute apresentava realidades

regionais bastante diversas

227

A colonizaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo continuou precaacuteria ao longo da primeira

metade dos setecentos marcada sobretudo pelos conflitos entre colonos e

missionaacuterios jesuiacutetas sobre a questatildeo da matildeo-de-obra indiacutegena Os inacianos

defendiam o modelo social teoloacutegico e poliacutetico das missotildees - aldeamentos

administrados pelos religiosos que sobre os indiacutegenas exerciam tanto o poder

espiritual como o temporal os colonos ndash proprietaacuterios droguistas e comerciantes ndash

defendiam por sua vez a utilizaccedilatildeo do trabalho escravo dos iacutendios fundamental

segundo seu ponto de vista para levar adiante qualquer projeto econocircmico viaacutevel

para a regiatildeo Esse conflito de interesses resultou como anteriormente foi visto na

expulsatildeo dos jesuiacutetas da Amazocircnia nos anos de 1661 e 1684 levada a termo pelos

colonos paraenses que queriam livrar-se da concorrecircncia dos religiosos e desejavam

assumir plenamente o controle do trabalho escravo indiacutegena A Coroa portuguesa

restabeleceu naquelas duas situaccedilotildees a presenccedila dos missionaacuterios expulsos

apoiando suas accedilotildees de catequese e aculturaccedilatildeo importantes para o projeto

geopoliacutetico de ocupaccedilatildeo territorial que estava em andamento na regiatildeo Cabe

ressaltar que o poder exercido pela Ordem dos Jesuiacutetas era muito grande Eles

estavam intimamente ligados ao movimento que conduziu agrave Restauraccedilatildeo de 1640

sendo extremamente influentes na Corte dos Reis da Casa de Braganccedila desde

Dom Afonso IV que assumiu o trono em dezembro de 1640 ateacute Dom Joatildeo V que

morreu em 1750 Mantiveram portanto um periacuteodo de mais de um seacuteculo de

estreitas relaccedilotildees com a Coroa portuguesa o que favoreceu enormemente os

interesses da Companhia

Apesar de todas essas divergecircncias relacionadas agrave questatildeo indiacutegena entre colonos

e jesuiacutetas a economia do Estado conseguiu estabilizar-se particularmente no Paraacute

Natildeo estava apoiada na agricultura na pecuaacuteria ou na mineraccedilatildeo como ocorria no

Estado do Brasil mas baseada principalmente na exploraccedilatildeo das drogas do sertatildeo

- produtos que agravequela altura encontravam grande aceitaccedilatildeo nos mercados

europeus Beleacutem tornou-se assim mais importante que Satildeo Luiacutes capital oficial do

Estado muito dependente ainda do cultivo da cana-de-accediluacutecar do tabaco e do

algodatildeo que eram produzidos com grande dificuldade sobretudo por conta da falta

de matildeo-de-obra negra e da insuficiecircncia de escravos indiacutegenas

228

No Gratildeo-Paraacute os missionaacuterios haviam alcanccedilado os principais rios amazocircnicos e

fundado dezenas de missotildees alcanccedilando por volta da deacutecada de 1750 se forem

consideradas todas as Ordens religiosas um nuacutemero total de 63 aldeamentos e uma

populaccedilatildeo de aproximadamente 50000 iacutendios reduzidos Essas estimativas muito

provaacuteveis foram feitas por Joatildeo Luacutecio de Azevedo no periacuteodo anterior agrave grande

epidemia de variacuteola que assolou a regiatildeo amazocircnica entre os anos de 1743 e 1750

vitimando parcela importante dessa populaccedilatildeo (AZEVEDO72 1930 p 228 a 230

apud BOXER 2004 p 304)

Aleacutem da coleta das drogas do sertatildeo as aldeias jesuiacutetas plantavam cacau cafeacute e

em maior escala algodatildeo mantendo ainda importantes fazendas de criaccedilatildeo de

gado na Ilha do Marajoacute

A relativa prosperidade da regiatildeo foi registrada por Charles Marie de la Condamine

cientista encarregado pela Acadeacutemie des Sciences da Franccedila para medir o

comprimento do raio da Terra na linha do Equador Sua expediccedilatildeo partiu para a

Ameacuterica do Sul no ano de 1735 e estabeleceu-se em Quito no atual Equador a

partir de onde iniciou suas observaccedilotildees de campo Em 1743 la Condamine decidiu

descer pelo Rio Napo ateacute alcanccedilar os Rios Marantildeon Solimotildees e Amazonas

realizando assim a primeira viagem exclusivamente cientiacutefica agrave regiatildeo Amazocircnica

Ao atingir o aldeamento jesuiacuteta portuguecircs de Satildeo Paulo de Olivenccedila agraves margens do

Rio Solimotildees a cerca de 150 km da atual fronteira do Brasil com a Colocircmbia e Peru

em terras hoje brasileiras la Condamine observou

ldquorecebemos um tratamento que nos fez esquecer que estaacutevamos no centro da Ameacuterica afastados 500 leacuteguas de terras habitadas por europeus Em Satildeo Paulo comeccedilamos a ver em lugar de casas e igrejas feitas de caniccedilos capelas e presbiteacuterios de alvenaria barro e tijolo e muralhas brancas e limpashellip O comeacutercio com o Paraacute daacute a esses iacutendios e a seus missionaacuterios um ar de abastanccedila que distingue agrave primeira vista as missotildees portuguesas das castelhanashelliprdquo (LA CONDAMINE73 1778 p 93 apud COSTA 2006)

Seu depoimento sobre Beleacutem foi igualmente elogioso 72 AZEVEDO Joatildeo Luacutecio drsquo Os jesuiacutetas no Gratildeo Paraacute suas missotildees e a colonizaccedilatildeo Coimbra 1930 p 228-230 73 LA CONDAMINE Charles Marie de Relation abreacutegeacute drsquoun voyage fait dans lrsquointerieur de lrsquo Amerique Meridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusqursquoau cocirctes du Breacutesil e de la Guyane em descendant la riviegravere des Amazons lute a lrsquoAssambleacutee publique de Acadeacutemie des Sciences de 28 Avril 1745 Paris 1745 Reediccedilatildeo de Maestricht 1778 p 93

229

ldquo na saiacuteda dos bosques do Amazonas nos vimos transportados para a Europa Achamos uma grande cidade com ruas bem alinhadas casas alegres e a maior parte reconstruiacutedas em pedra e ladrilhos nos uacuteltimos trinta anos e magniacuteficas igrejasrdquo (LA CONDAMINE74 1778 p 173 e 174 apud BOXER 2004 p 307)

De todo modo apesar do relativo crescimento econocircmico observado nas missotildees e

em Beleacutem por volta do ano de 1750 as vilas e as povoaccedilotildees amazocircnicas eram

poucas e muito pobres A manutenccedilatildeo dos vastos territoacuterios do Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute recentemente legalizados nos acordos de Madri com a definiccedilatildeo das

fronteiras coloniais com a Espanha exigia de Lisboa preocupaccedilatildeo particular Com a

morte de Dom Joatildeo V e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I em agosto de 1750

uma nova poliacutetica de ocupaccedilatildeo seria adotada para a Amazocircnia e seus efeitos viriam

a ser sentidos por todos os agentes envolvidos na colonizaccedilatildeo da regiatildeo

O reinado de Dom Joseacute I constituiu um periacuteodo muito particular da Histoacuteria de

Portugal Durante seu governo houve profundas alteraccedilotildees na poliacutetica interna e

externa de Lisboa com reflexos em todo impeacuterio colonial portuguecircs Adotaram-se

novas medidas para a conduccedilatildeo dos assuntos do Brasil e particularmente do

Estado do Maranhatildeo que pretendiam implementar mudanccedilas estruturais na vida

daquelas sociedades coloniais

Um homem viria a personificar esse periacuteodo histoacuterico Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e

Mello75 futuro Marquecircs do Pombal que emprestaria seu nome para designar esses

quase 27 anos de governo conhecido inequivocamente por Periacuteodo Pombalino

74 LA CONDAMINE Charles Marie de Relation abreacutegeacute drsquoun voyage fait dans lrsquointerieur de lrsquo Amerique Meridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusqursquoau cocirctes du Breacutesil e de la Guyane em descendant la riviegravere des Amazons lute a lrsquoAssambleacutee publique de Acadeacutemie des Sciences de 28 Avril 1745 Paris 1745 Reediccedilatildeo de Maestricht 1778 p 173 e 174 75 Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo nasceu em Lisboa a 13 de maio de 1699 Estudou na Universidade de Coimbra foi nomeado em 1738 embaixador portuguecircs em Londres e em 1745 para o mesmo posto em Viena cargo que exerceu ateacute 1748 Com a ascensatildeo de Dom Joseacute I em 1750 foi nomeado Secretaacuterio dos Negoacutecios Estrangeiros e da Guerra Atuou com grande energia apoacutes o terremoto que destruiu Lisboa em 1 de novembro de 1755 organizando as forccedilas de socorro e planejando a reconstruccedilatildeo da cidade No episoacutedio garantiu definitivamente a confianccedila do Rei sendo entatildeo nomeado em 1756 Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino com plenos poderes A partir de entatildeo passou a governar em regime absoluto tendo por objetivo racionalizar a administraccedilatildeo do Estado sem enfraquecer o poder real Procurou implementar um programa ambicioso de reformas poliacuteticas econocircmicas administrativas e sociais influenciado pelas ideacuteias e princiacutepios do Iluminismo em voga na Europa da eacutepoca Acabou na praacutetica com os autos de feacute e com a discriminaccedilatildeo dos cristatildeos novos aboliu a escravidatildeo em Portugal e nas colocircnias das Iacutendias reorganizou o sistema educacional reestruturou a Universidade de Coimbra elaborou um novo coacutedigo penal introduziu novos colonos nos domiacutenios coloniais portugueses criou vaacuterias Companhias monopolistas de

230

Ele teve uma origem relativamente desprestigiada Nascera na pequena nobreza

rural o que natildeo era suficiente para qualificaacute-lo a ocupar posiccedilotildees mais elevadas na

administraccedilatildeo estatal portuguesa da eacutepoca Em 1723 entretanto em circunstacircncias

pouco convencionais Sebastiatildeo Joseacute casou-se com uma viuacuteva mais velha que

pertencia agrave alta sociedade portuguesa Para superar a resistecircncia da famiacutelia da

noiva contraacuteria agrave ideacuteia de ter a filha casada com um homem pertencente a uma

classe social inferior ele decidiu raptar sua futura esposa e realizar o casamento

mesmo sem o consentimento de seus pais Esse casamento permitiu a integraccedilatildeo

de Sebastiatildeo Joseacute a um grupo seleto representante da alta fidalguia lusitana

Apesar disso sua carreira poliacutetica iria iniciar-se relativamente tarde quando ele jaacute se

aproximava dos 40 anos de idade em 1738 ao ser nomeado por Dom Joatildeo V

embaixador em Londres onde passaria 5 anos de sua vida e onde tomou contato e

pocircde observar de perto a crescente prosperidade comercial e mariacutetima da Inglaterra

naquele momento agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo Industrial Ao teacutermino de sua missatildeo

em 1743 regressou a Lisboa e pouco depois em 1745 foi nomeado Enviado

Especial e Ministro Plenipotenciaacuterio junto agrave Corte de Viena permanecendo em seu

novo posto por mais 4 anos Em Viena casou-se novamente apoacutes ter ficado viuacutevo

de sua esposa portuguesa com a sobrinha do Marechal Heinrich Richard Conde de

Daun figura de destaque da alta sociedade vienense Um casamento que recebeu o

apoio da proacutepria Imperatriz da Aacuteustria Dona Maria Teresa Com a morte de Dom

Joatildeo V e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I em 1750 e apoacutes solicitaccedilatildeo da

Comeacutercio e associaccedilotildees corporativas reorganizou o Exeacutercito fortaleceu a Marinha procurou desenvolver a agricultura o comeacutercio e as financcedilas puacuteblicas apoiando-se nos princiacutepios do mercantilismo tentou incrementar a produccedilatildeo nacional em relaccedilatildeo agrave concorrecircncia estrangeira desenvolver o comeacutercio colonial e incentivar a produccedilatildeo de manufaturas realizou uma reforma do sistema fiscal estabelecendo nova estrutura para cobranccedila dos impostos centralizada pela Real Fazenda de Lisboa sob seu controle direto fundou o Banco Real e implementou diversas medidas para fortalecer o poder absoluto em Portugal contrariando particularmente os interesses da nobreza e do clero No atentado contra a vida do rei ocorrido em 1758 implicou alguns aristocratas e jesuiacutetas a famiacutelia dos Taacutevora e o Duque de Aveiro julgados culpados da accedilatildeo foram executados apoacutes raacutepido julgamento sendo expulsos os jesuiacutetas e confiscados os bens da Companhia de Jesus em todo Reino no ano de 1759 No mesmo ano de 1759 como forma de compensaccedilatildeo por parte de Dom Joseacute I pela sua grande intervenccedilatildeo contra os que participaram no atentado do proacuteprio monarca Sebastiatildeo Joseacute recebe o tiacutetulo de Conde de Oeiras Ao receber o tiacutetulo de Marquecircs em 1770 Pombal exerceu quase que exclusivamente o poder de governar Portugal ateacute a morte de Dom Joseacute I ocorrida em 1777 depois do que foi condenado por abuso de poder e expulso da Corte retirando-se para sua propriedade rural onde morreu no dia 8 de maio de 1782 Natildeo faltaram adjetivos para descrever o caraacuteter e os modos de governar do todo-poderoso ministro de Dom Joseacute I governante ilustrado deacutespota esclarecido ditador sanguinaacuterio ou tirano progressista Pombal eacute ainda hoje considerado uma das figuras mais controvertidas e carismaacuteticas da Histoacuteria de Portugal tendo sua administraccedilatildeo influenciado profundamente o mundo colonial lusitano sobretudo nos assuntos relacionados agrave Ameacuterica portuguesa

231

Rainha Maria Ana austriacuteaca de nascimento viuacuteva de Dom Joatildeo V que se tornara

muito amiga da mulher de Sebastiatildeo Joseacute nomeada sua dama de companhia o

futuro Marquecircs de Pombal foi nomeado Secretaacuterio dos Negoacutecios Estrangeiros e da

Guerra Logo adquiriu no Conselho do Rei uma grande influecircncia atribuiacuteda por

muitos agrave sua inteligecircncia e sobretudo agrave sua vontade eneacutergica Subjugou facilmente

os seus colegas de ministeacuterio e assumiu a preponderacircncia das accedilotildees executivas de

governo contrapondo-se violentamente a qualquer obstaacuteculo que surgisse quando

da execuccedilatildeo de seus projetos Mas foi o grande terremoto ocorrido em 1ordm de

novembro de 1755 que devastou Lisboa e impressionou toda a Europa que

permitiu a consolidaccedilatildeo definitiva do poder poliacutetico que Sebastiatildeo Joseacute viria a

exercer ateacute a morte de Dom Joseacute em 1777 A accedilatildeo raacutepida e eneacutergica do ministro

nas accedilotildees de amparo aos sobreviventes e na reconstruccedilatildeo da cidade produziu uma

profunda impressatildeo no Rei que foi persuadido a manter a capital em Lisboa a

despeito da possibilidade de transferi-la para Coimbra ou outro local qualquer como

chegou a ser sugerido por muitos A crise trouxe tambeacutem grande popularidade ao

ministro e Dom Joseacute passou a depositar nele uma confianccedila quase cega Apesar

dos oacutedios e das invejas despertados na nobreza Dom Joseacute nomeou-o logo depois

do terremoto em 1756 ao posto de Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino

com plenos poderes iniciando-se assim um periacuteodo de governo autoritaacuterio e

despoacutetico exercido em nome do Rei pelo todo poderoso ministro O futuro 1ordm Conde

de Oeiras e 1ordm Marquecircs de Pombal passou a governar a partir de entatildeo em regime

absoluto adotando medidas para racionalizar a administraccedilatildeo do Estado sem

enfraquecer o poder real Ele acreditava que para superar as dificuldades

enfrentadas pelo Reino era imprescindiacutevel a realizaccedilatildeo de reformas estruturais sob

o governo de um soberano fortalecido ainda que para tanto devesse se apoiar nas

novas ideacuteias da Ilustraccedilatildeo europeacuteia que natildeo poupavam criacuteticas agravequela velha ordem

poliacutetica e social existentes Procurou assim implementar o seu ambicioso programa

de reformas poliacuteticas econocircmicas administrativas e sociais pondo em praacutetica

medidas que tiveram enormes repercussotildees tanto em sua eacutepoca como muito tempo

depois e que viriam a afetar particularmente a conduccedilatildeo dos assuntos coloniais na

Ameacuterica portuguesa

O Estado do Brasil e o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute eram naquela altura as

mais importantes possessotildees ultramarinas lusitanas base de todo o sistema

232

imperial setecentista portuguecircs sua defesa e desenvolvimento constituiacuteam

preocupaccedilotildees prioritaacuterias do governo de Lisboa Dentro desse contexto poliacutetico

Pombal procurou reformar as relaccedilotildees entre a Metroacutepole e as Colocircnias seu principal

objetivo era criar condiccedilotildees para o reerguimento do Reino e recuperar o seu

prestiacutegio perdido

Para assegurar a posse da Amazocircnia ao mundo colonial portuguecircs a administraccedilatildeo

Pombalina tomaria complexas decisotildees relacionadas sobretudo agrave concessatildeo da

liberdade aos iacutendios importaccedilatildeo de matildeo-de-obra escrava imigraccedilatildeo povoamento

expulsatildeo dos jesuiacutetas economia e controle fiscal demarcaccedilatildeo de fronteiras poliacutetica

de fortificaccedilatildeo militar construccedilatildeo e reforma urbana organizaccedilatildeo administrativa e

judicial e reforma de ensino Profundas transformaccedilotildees seriam implementadas em

um curto periacuteodo de tempo alterando profundamente a realidade da regiatildeo energia

poliacutetica que claramente teve a intenccedilatildeo de manter portuguesa aquela parte do

mundo

65 As accedilotildees de Mendonccedila Furtado

Como parte do esforccedilo de reorganizaccedilatildeo do impeacuterio colonial portuguecircs Sebastiatildeo

Joseacute de Carvalho e Mello futuro Marquecircs do Pombal decide nomear seu meio

irmatildeo Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado para governar o Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute ponto nevraacutelgico do Impeacuterio sobretudo apoacutes o reconhecimento

espanhol da ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia legitimada pelo receacutem-assinado

Tratado de Madri Mendonccedila Furtado fora escolhido dentre aqueles que pertenciam

ao ciacuterculo pessoal mais iacutentimo e de maior confianccedila de Sebastiatildeo Joseacute e

encarregado da implantaccedilatildeo da nova poliacutetica formulada para aquela vasta regiatildeo ao

norte da Ameacuterica do Sul Sua missatildeo era ambiciosa executar um programa de

reorganizaccedilatildeo econocircmica social administrativa judicial religiosa e sobretudo

poliacutetica buscando uma exploraccedilatildeo mais racional daquela colocircnia americana Como

objetivos mais prementes dessa poliacutetica estavam a fixaccedilatildeo das fronteiras

amazocircnicas e a manutenccedilatildeo da unidade territorial da Ameacuterica portuguesa Lisboa

decidiu priorizar o controle desses territoacuterios por meio de uma intervenccedilatildeo direta

orientando o novo governador para que fosse iniciado um processo intensivo de

233

assimilaccedilatildeo dos aldeamentos missionaacuterios convertendo-os em vilas e lugares bem

como priorizando o povoamento de posiccedilotildees criacuteticas e a reurbanizaccedilatildeo da regiatildeo

Em 24 de Setembro de 1751 o capitatildeo-de-fragata Francisco Xavier de Mendonccedila

Furtado tomou posse no governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo renomeado

em funccedilatildeo da importacircncia econocircmica e poliacutetica assumida por Beleacutem Aleacutem da tarefa

de transferir a sede do Estado o novo Capitatildeo-General trazia consigo instruccedilotildees

reacutegias puacuteblicas e secretas entregues pessoalmente por seu irmatildeo em Lisboa

Chegava ao Gratildeo-Paraacute imbuiacutedo de um projeto reformador da regiatildeo amazocircnica

As instruccedilotildees reacutegias puacuteblicas e secretas sobre a maneira pela qual deveria conduzir

os assuntos de governo haviam sido elaboradas em maio de 1751 pelo Conselho

Ultramarino Elas orientavam o governador a manter acima de tudo as zonas de

fronteira sob vigilacircncia ressaltando que as forccedilas militares do Estado deveriam estar

sempre pontas para enfrentar as ameaccedilas externas Para a Companhia de Jesus

foram dadas instruccedilotildees para que estabelecessem missotildees na fronteira com Caiena

e nas regiotildees dos Rios Japuraacute e Javari trechos em que a presenccedila portuguesa era

ainda aquela altura incerta

Mendonccedila Furtado foi descrito como um homem eneacutergico e intempestivo capaz de

empenhar-se completamente a exemplo de seu irmatildeo na superaccedilatildeo dos

obstaacuteculos que surgissem contra as suas vontades Logo tratou de reunir-se com os

sertanistas que viajaram pelos rios amazocircnicos e as autoridades locais para inteirar-

se sobre a situaccedilatildeo das fronteiras ouvindo depoimentos contraacuterios aos acordos de

Madri considerados por muitos como favoraacuteveis aos espanhoacuteis e contraacuterios aos

interesses portugueses Influenciado pelas opiniotildees que havia colhido em janeiro de

1752 enviou uma carta a Diogo de Mendonccedila Corte Real presidente do Conselho

Ultramarino com uma longa exposiccedilatildeo afirmando que o Tratado natildeo atendia aos

interesses nacionais naquela parte do Impeacuterio

O governador tambeacutem escreveu a Lisboa expondo argumentos favoraacuteveis agrave

liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira proibida pela Coroa desde 1733 por receio

de evasatildeo do ouro das minas de Cuiabaacute e Mato Grosso para Beleacutem Em sua

exposiccedilatildeo alegou que a abertura do rio era necessaacuteria para a garantia da presenccedila

234

portuguesa na regiatildeo e que os espanhoacuteis poderiam por sua vez adentrar agravequelas

posiccedilotildees proibidas Sugeriu a construccedilatildeo de uma fortaleza e a fundaccedilatildeo de nuacutecleos

de povoamento ao longo do rio e assim conseguiu quebrar as resistecircncias do

Conselho Ultramarino que por decisatildeo reacutegia de 14 de novembro de 1752 decretou

a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira Como seraacute visto mais adiante essa

decisatildeo permitiu o estabelecimento de uma rota comercial entre Vila Bela no Mato

Grosso e Beleacutem no Paraacute conhecida como monccedilatildeo do norte - responsaacutevel por

parcela importante das trocas entre as minas do centro-oeste do Brasil com o Estado

do Gratildeo-Paraacute comunicaccedilotildees fluviais que natildeo soacute estabeleceram definitivamente a

ligaccedilatildeo de Satildeo Paulo a Beleacutem pelos sertotildees do continente americano no contorno

fluvial da imaginada Ilha Brasil como tambeacutem permitiram a consolidaccedilatildeo da

presenccedila portuguesa naquelas regiotildees de fronteira Recebida a decisatildeo de Lisboa

de liberaccedilatildeo do rio Mendonccedila Furtado designou um destacamento militar para se

instalar na aldeia de Trocano primeiro passo de uma seacuterie de decisotildees que viriam a

ser tomadas para apossar-se efetivamente da regiatildeo do Rio Madeira

No mesmo ano de 1752 em 24 de junho em Aranjuez na Espanha Dom Joseph de

Carbajal y Lancaster e o Visconde de Vilanova firmaram o Tratado das Instruccedilotildees

para as turmas demarcadoras Retificado por Dom Joseacute em 5 de julho estabelecia

o programa de trabalho a ser executado para as demarcaccedilotildees dos territoacuterios

portugueses e espanhoacuteis era preciso estabelecer limites em regiotildees pouco

conhecidas em algumas delas sem que jamais tivessem sido vistos os rios ou as

montanhas que as delimitavam e sem que se conhecesse muita bem sua posiccedilatildeo

geograacutefica

Foram organizadas duas comissotildees mistas uma portuguesa e outra espanhola uma

para operar na regiatildeo Norte outra para atuar na regiatildeo meridional Cada uma

subdvidida em 3 turmas responsaacuteveis pela demarcaccedilatildeo dos limites em trechos bem

definidos dos territoacuterios A comissatildeo mista do Sul foi encarregada da missatildeo de fazer

o levantamento de demarcaccedilatildeo desde Castilhos Grandes atual cidade de Castillos

no Uruguai agraves margens do Oceano Atlacircntico ateacute o Rio Jauru no atual Paraguai

Foram seus comissaacuterios Gomes Freire de Andrade do lado de Portugal e Marquecircs

235

de Val de Liacuterios da Espanha Suas 3 subdivisotildees trabalharam entre 1752 e 1759

com interrupccedilatildeo de 1754 a 1756 devido agrave chamada Guerra Guaraniacutetica76

Em 6 de julho de 1752 Sebastiatildeo Joseacute envia uma carta a seu irmatildeo em Beleacutem

dando-lhe ciecircncia sobre o Tratado das Instruccedilotildees e nomeando-o Principal

Comissaacuterio e Ministro Plenipotenciaacuterio nas Conferecircncias sobre a Demarcaccedilatildeo dos

Limites Setentrionais do Estado do Brasil confiando-lhe portanto a

responsabilidade pela demarcaccedilatildeo das fronteiras da Amazocircnia e alertando-o para a

necessidade de se antecipar aos espanhoacuteis nos trabalhos das comissotildees No iniacutecio

do ano seguinte em 30 de abril de 1753 Dom Joseacute outorgava plenos poderes a

Mendonccedila Furtado para atuar junto aos espanhoacuteis enviando instruccedilotildees pessoais

escritas de proacuteprio punho orientando-o para que se evitasse confundir os dois Rios

Negros que apareciam nas cartas geograacuteficas o que marcava os limites com os

espanhoacuteis era o ocupado pelas missotildees carmelitas e desaguava no Rio Amazonas

que a demarcaccedilatildeo do trecho compreendido pelo Rio Madeira-Guaporeacute e o Rio Jauru

era de importacircncia crucial e que deveria-se ter muito cuidado para que os espanhoacuteis

natildeo ficassem com terras entre Cuiabaacute e Mato Grosso As instruccedilotildees insistiam que o

Rio Madeira e o Guaporeacute constituiacuteam um curso fluvial uacutenico e que a linha a ser

tirada a partir do ponto meacutedio do Rio Madeira prevista pelos acordos de Madri era a

questatildeo mais sensiacutevel dos trabalhos da comissatildeo com a preocupaccedilatildeo de se

estender os limites o mais possiacutevel para o sul a fim de afastar os espanhoacuteis de

pretensotildees sobre o Rio Purus Orientava Dom Joseacute que deveriam ser realizados

estudos sobre a geografia e a histoacuteria natural das aacutereas percorridas pelas turmas

demarcadoras assim como deveriam ser feitos os levantamentos de observaccedilotildees

astronocircmicas aproveitando-se os sertanistas conhecedores da regiatildeo para

integrarem as turmas a serem constituiacutedas As aldeias espanholas situadas na 76 Pelo Tratado de Madri de 1750 a Espanha concordou em ceder para Portugal as missotildees jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai conhecidas como os Sete Povos das Missotildees (povoaccedilotildees indiacutegenas de Satildeo Niacutecolas Satildeo Luiacutes Satildeo Lorenzo Satildeo Borja Satildeo Acircngelo Satildeo Batista e Satildeo Miguel) situadas no oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul Conforme previam os acordos os jesuiacutetas espanhoacuteis e os iacutendios guaranis de Sete Povos das Missotildees deveriam transferir-se para o lado ocidental do Rio Uruguai para permitir a ocupaccedilatildeo portuguesa da regiatildeo Com o apoio parcial dos jesuiacutetas no iniacutecio de 1753 os iacutendios guaranis aldeados nas reduccedilotildees espanholas comeccedilaram a impedir os trabalhos de demarcaccedilatildeo da fronteira e anunciaram a decisatildeo de permanecer na regiatildeo de Sete Povos Como resposta as autoridades espanholas e portuguesas enviaram tropas militares para impor o previsto nos acordos e desalojar os rebelados provocando a reaccedilatildeo indiacutegena que ficou conhecida por Guerra Guaraniacutetica No ano de 1754 tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideacuteu reuniram-se na fronteira do atual Uruguai com as forccedilas militares luso-brasileiras enviados do Rio de Janeiro sob o comando do general Gomes Freire Os dois exeacutercitos atacaram frontalmente as formaccedilotildees indiacutegenas e apoacutes violentos conflitos controlaram a resistecircncia guarani dominando a regiatildeo de Sete Povos em maio de 1756

236

margem oriental do Rio Madeira-Guaporeacute deveriam ser recebidas logo evitando

assim quaisquer dificuldades de navegaccedilatildeo dessa via de acesso que de Cuiabaacute

alcanccedilava Beleacutem percorrendo o coraccedilatildeo do continente A aldeia de Satildeo Cristoacutevatildeo

no Rio Solimotildees que deveria passar agrave matildeo dos espanhoacuteis em virtude do Tratado

de Limites conforme observaccedilotildees astronocircmicas mais recentes estava em terras

que o mesmo tratado assegurava a Portugal uma soluccedilatildeo harmocircnica para o caso

deveria ser tentada com os espanhoacuteis O Rei determinava ainda que Mendonccedila

Furtado chegasse ao Rio Negro no local previsto para o encontro das turmas com a

maior antecedecircncia possiacutevel para causar a melhor impressatildeo aos demarcadores

espanhoacuteis (REIS 1948)

A comissatildeo mista do Norte tambeacutem seria dividida em 3 turmas A primeira desceria

pelo Rio Negro e Rio Amazonas ateacute alcanccedilar o Rio Madeira quando entatildeo subiria o

curso deste rio e do Rio Guaporeacute estabelecendo a fronteira ateacute a confluecircncia dos

Rios Jauru e Paraguai e levantaria o curso meacutedio do Rio Madeira recebendo a

aldeia de Santa Rosa e quaisquer outras povoaccedilotildees que possuiacutessem os espanhoacuteis

na margem oriental do Rio Guaporeacute e do Madeira A segunda demarcaria o trecho

entre a boca mais ocidental do Rio Japuraacute ateacute a cordilheira que separasse as bacias

do Rio Amazonas e do Orenoco estabelecido o curso meacutedio do Rio Madeira pela

primeira turma faria o traccedilado da linha paralela Madeira-Javari e determinaria

tambeacutem a latitude meacutedia dos rios afluentes da margem esquerda do Rio Solimotildees

ateacute o Rio Japuraacute A terceira comeccedilaria seus trabalhos onde a segunda tivesse

concluiacutedo os seus ou seja no cume da cordilheira norte ou no divisor de aacuteguas das

bacias do Rio Amazonas e Orenoco e estabeleceria os limites pelas cordilheiras

setentrionais ateacute a foz do Rio Oiapoque no Atlacircntico

O Tratado de Instruccedilotildees estabelecia que os demarcadores espanhoacuteis viriam pelo

Rio Orenoco encontrar-se com os portugueses no Rio Negro em local escolhido

para o iniacutecio dos trabalhos de demarcaccedilatildeo que os dois demarcadores chefes

organizassem em comum acordo as 3 turmas de trabalho com comissaacuterios

subalternos cirurgiotildees geoacutegrafos capelatildees e iacutendios de serviccedilo e escolta que no

decorrer dos trabalhos de campo fosse feito o tombamento das condiccedilotildees

geograacuteficas econocircmicas etnoloacutegicas e do mesmo modo das riquezas de flora e

fauna atribuindo-se nomes para identificaccedilatildeo precisa das posiccedilotildees levantadas que

237

em toda a fronteira fincassem marcos colhendo-se informaccedilotildees para a elaboraccedilatildeo

de um mapa da regiatildeo demarcada e que fossem evitadas quaisquer controveacutersias

remetendo para decisatildeo dos chefes das comissotildees aquelas pendecircncias natildeo

resolvidas pelas turmas

Para o cumprimento das tarefas de demarcaccedilatildeo Lisboa decidiu pela contrataccedilatildeo de

teacutecnicos estrangeiros para a composiccedilatildeo das turmas Naquela altura Portugal natildeo

dispunha de quadros teacutecnicos suficientes para mobiliar suas turmas apenas com os

seus nacionais Depois de terem sido contratados pela Europa esses homens foram

enviados a Beleacutem Os que mais se destacaram nos trabalhos na Amazocircnia natildeo soacute

pelas demarcaccedilotildees realizadas mas sobretudo por uma seacuterie de outras tarefas de

fortificaccedilatildeo reforma urbana e construccedilatildeo de vilas e povoaccedilotildees foram o desenhador

bolonhecircs Antocircnio Joseacute Landi o capitatildeo engenheiro alematildeo Joatildeo Andreacute Schwebel o

capitatildeo engenheiro alematildeo Gaspar Joatildeo Geraldo Gronsfeld o capitatildeo engenheiro

portuguecircs Gregoacuterio Rebello Ribeiro Camacho o ajudante engenheiro alematildeo Adam

Leopold de Breuning o ajudante engenheiro mantuano Henrique Antonio Galluzzi o

engenheiro e sargento-mor portuguecircs Sebastiatildeo Joseacute da Silva o ajudante

engenheiro alematildeo Philippe Sturm o tenente Manuel Gotz o matemaacutetico bolonhecircs

Joatildeo Acircngelo Brunelli o astrocircnomo e padre jesuiacuteta huacutengaro Ignaacutecio Szentmartony o

auxiliar matemaacutetico italiano Domingo Sambucetti o cirurgiatildeo italiano Daniel Panelli e

o aprendiz matemaacutetico portuguecircs Henrique Wilkens

Schwebel seria encarregado de retratar todas as povoaccedilotildees por onde passaria a

expediccedilatildeo de Mendonccedila Furtado rumo ao aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro e de

fazer relatoacuterios sobre o estado das fortalezas e suas necessidades de reparos

Galluzzi inicialmente responsaacutevel pela construccedilatildeo dos marcos de fronteira ficaria

encarregado mais tarde de fazer um mapa da Amazocircnia com a delimitaccedilatildeo das

freguesias o que resultou em um dos documentos cartograacuteficos mais importantes da

regiatildeo levantamento responsaacutevel pela formaccedilatildeo dos futuros municiacutepios amazocircnicos

o Mapa Geral do Bispado do Paraacute repartido nas suas freguesias de 1759 sendo

tambeacutem o autor do projeto de reforma da Fortaleza de Macapaacute Sambucetti viria a

ser o autor do desenho e projeto de Mazagatildeo vila construiacuteda no atual Estado do

Amapaacute sendo promovido a ajudante engenheiro foi tambeacutem autor do projeto de

construccedilatildeo do Forte Real Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute no atual Estado de

238

Rondocircnia Wilkens ficaria tempos depois do desembarque responsaacutevel pelos

trabalhos de reestruturaccedilatildeo de Macapaacute Gronsfeld relataria os problemas das

fortificaccedilotildees propondo mudanccedilas nos planos originais vindo a ser inclusive o autor

de projetos para Beleacutem Sturm autor do projeto que transformaria Mariuaacute em Vila de

Barcelos e dos projetos das Fortalezas de Satildeo Joseacute das Marabitanas no Rio Negro

e de Satildeo Joaquim no Rio Branco aleacutem de muitos planos de palaacutecios e igrejas

Tomaacutes Rodrigues da Costa e Manuel Aacutelvares Calheiros sargentos-mores

engenheiros portugueses que desembarcaram no Paraacute em 1757 por pedido de

Mendonccedila Furtado desenvolveram importantes trabalhos da Costa foi encarregado

logo que chegou da continuaccedilatildeo das obras de Macapaacute e Calheiros responsaacutevel

pela recriaccedilatildeo no Estado da Aula de Engenharia Landi entretanto seria aquele a

alcanccedilar mais fama e prestiacutegio dentre os teacutecnicos das demarcaccedilotildees autor de

projetos para construccedilatildeo de inuacutemeras vilas amazocircnicas e outros para reformas em

Beleacutem (ARAUacuteJO 1998)

O novo Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo permanecia ainda com os seus velhos

problemas o conflito permanente entre os colonos e missionaacuterios religiosos

sobretudo os jesuiacutetas pela disputa da matildeo-de-obra indiacutegena Mendonccedila Furtado

muito cedo teve que enfrentar essa questatildeo sobretudo quando iniciou os

preparativos para organizar a comissatildeo demarcadora Ele expediu orientaccedilotildees aos

superiores das 6 Ordens religiosas que operavam no Estado convocou o apoio da

Cacircmara de Beleacutem e deu instruccedilotildees expressas ao superior carmelita responsaacutevel

pelo aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro onde deveria ocorrer o encontro entre as

duas comissotildees demarcadoras portuguesa e espanhola conforme acertado pelo

Tratado de Instruccedilotildees Era preciso iniciar um amplo trabalho de preparaccedilatildeo para o

recebimento das equipes desde a construccedilatildeo de instalaccedilotildees de hospedagem ateacute a

plantaccedilatildeo de roccedilas e estocagem de viacuteveres

Em outubro de 1753 desembarcaram em Beleacutem dois Regimentos militares

recrutados em Lisboa traziam o instrumental necessaacuterio para o levantamento

astronocircmico das regiotildees a serem demarcadas e iriam compor as guarniccedilotildees de

Macapaacute e da fortaleza a ser erguida no Rio Branco

Em fins de 1753 comeccedilaram a chegar ao conhecimento do governador que as

ordens dadas em maio daquele mesmo ano natildeo estavam sendo cumpridas Os

239

indiacutegenas abandonavam o trabalho e a deserccedilatildeo continuada dessa matildeo-de-obra

comprometia todo o planejamento de produccedilatildeo e estocagem de gecircneros Mendonccedila

Furtado enviou entatildeo oficiais ao Rio Negro para organizar e fazer cumprir as suas

determinaccedilotildees Do sul recebia notiacutecias sobre incidentes que envolviam a comissatildeo

demarcadora e sobre as dificuldades encontradas por Gomes Freire sobretudo a

resistecircncia dos jesuiacutetas espanhoacuteis em abandonar a regiatildeo dos Sete Povos das

Missotildees Decidiu viajar em junho de 1754 mas as embarcaccedilotildees que estavam sendo

construiacutedas na Casa das Canoas de Beleacutem natildeo ficaram prontas A tudo se

justificava com a deserccedilatildeo dos indiacutegenas e a suposta complacecircncia ou mesmo

resistecircncia dos religiosos aos projetos do governador Mendonccedila Furtado ia

consolidando a ideacuteia de que os religiosos principalmente os jesuiacutetas eram os

responsaacuteveis diretos pelos insucessos de suas accedilotildees governativas Tudo isso

informou a seu irmatildeo em Lisboa diversas vezes sendo por muitos historiadores

considerado que foi a partir daiacute que se iniciou o sentimento de oacutedio quase

obsessivo alimentado por Sebastiatildeo Joseacute contra a Companhia de Jesus

culminando com a sua expulsatildeo do Reino no ano de 1759

Apesar de todas essas dificuldades em 2 de outubro de 1753 Mendonccedila Furtado

partiu de Beleacutem com destino ao aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro A expediccedilatildeo

contava com 25 embarcaccedilotildees e 796 pessoas 12 pilotos 411 remeiros 62 escravos

205 soldados 3 capelatildees e mais cirurgiotildees engenheiros geoacutegrafos desenhadores

matemaacuteticos e outros teacutecnicos diversos Depois de 88 dias de viagem enfrentando

a deserccedilatildeo indiacutegena e a escassez de alimentos ao longo do percurso ele finalmente

alcanccedilou o seu destino aportando em Mariuaacute em 28 de dezembro de 1753 (REIS

1948)

O Tratado das Instruccedilotildees previa que os demarcadores espanhoacuteis viriam pelo Rio

Orenoco ateacute alcanccedilarem o Rio Cassiquiari quando entatildeo navegando por ele

atingiriam o Rio Negro os portugueses subiriam o Rio Amazonas e depois o Rio

Negro ateacute as primeiras posiccedilotildees portuguesas instaladas naquele rio os comissaacuterios

espanhoacuteis e portugueses deveriam se reunir naquele local para juntos iniciarem os

trabalhos de demarcaccedilatildeo da comissatildeo O governador escolhera Mariuaacute futura vila

de Barcelos por acreditar que o aldeamento apresentava a melhor localizaccedilatildeo e

boas condiccedilotildees para acomodar as equipes De todo modo seguindo-se agrave instalaccedilatildeo

240

dos homens foi iniciado um intenso programa de construccedilatildeo e melhoramentos

urbanos para acomodar os demarcadores e suas turmas aterros abertura de ruas e

praccedilas erguimento de edificaccedilotildees puacuteblicas igrejas alojamentos aquartelamentos e

habitaccedilotildees para brancos e indiacutegenas Astrocircnomos e geoacutegrafos foram encarregados

por sua vez de no decorrer da viagem realizar levantamentos astronocircmicos e

cientiacuteficos estudos sobre os nativos e seus costumes registros sobre animais aves

plantas rios lagoas e montes Desse trabalho resultou o Mappa Geographico dos

Rios por onde navegou o Ilmo e Exmo Senhor Francisco Xavier de Mendonccedila

Furtado sahindo da cidade do Paraacute para o Arraial do Rio Negro no dia 2 de outubro

de 1754 com a exata delineaccedilatildeo da maior parte do Rio das Amazonas e Rio Negro

por onde o mesmo senhor continuou a viagem ateacute a aldeia do Mariuaacute Mendonccedila Furtado permaneceu na regiatildeo agrave espera dos espanhoacuteis aprestando as

medidas determinadas por Lisboa Enviou expediccedilotildees de reconhecimento ao Rio

Negro e Solimotildees apercebendo-se da fragilidade da ocupaccedilatildeo portuguesa em

algumas regiotildees especiacuteficas sobretudo no alto Rio Negro na desembocadura do

Rio Japuraacute no Rio Solimotildees no Rio Javari e no Rio Madeira Havia tambeacutem

recebido ordens expressas do Rei de que era preciso a todo custo manter a

navegaccedilatildeo plena sobre o Madeira-Guaporeacute Tratou igualmente de ouvir

depoimentos dos sertanistas que conheciam a aacuterea e foi acumulando um extenso

inventaacuterio sobre as caracteriacutesticas da regiatildeo a descriccedilatildeo dos rios e seus afluentes

as comunicaccedilotildees entre eles os trechos navegaacuteveis as riquezas de flora e fauna os

recursos minerais as populaccedilotildees nativas e levantamentos cientiacuteficos diversos

Nesse periacuteodo de permanecircncia na regiatildeo do Rio Negro Mendonccedila Furtado manteve

intensa correspondecircncia epistolar com Lisboa e alertou agrave Coroa sobre a

conveniecircncia de se criar uma nova regiatildeo administrativa naqueles territoacuterios

fronteiriccedilos com as colocircnias espanholas Beleacutem estava muito distante caso fosse

necessaacuterio agir rapidamente para a defesa daquelas terras Naquela altura a

prioridade poliacutetica portuguesa estava assentada na manutenccedilatildeo dos territoacuterios

coloniais americanos reconhecidos legalmente pelos acordos de Madri Aleacutem disso

as autoridades da nova capitania poderiam exercer na sua zona de jurisdiccedilatildeo a

tarefa de vigiar de perto as accedilotildees dos missionaacuterios jesuiacutetas contrariando eventuais

manobras que pudessem pocircr em risco o poder da Coroa na regiatildeo Evidentemente

241

o governador tinha os jesuiacutetas como perigosos agrave integridade da Ameacuterica portuguesa

Acolhendo sua sugestatildeo foi decretada por meio de uma carta reacutegia em 3 de marccedilo

de 1755 a criaccedilatildeo da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro com sede na aldeia

jesuiacutetica de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees proacutexima agrave atual cidade de

Tabatinga no Estado do Amazonas na fronteira entre Brasil e Colocircmbia A criaccedilatildeo

da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro completava o sistema defensivo

estabelecido nas fronteiras ocidentais das possessotildees portuguesas americanas

iniciada com a Capitania do Mato Grosso criada em 1748 O mesmo documento

tambeacutem elevava agrave categoria de vila a aldeia jesuiacuteta de Trocano no Rio Madeira

futura vila de Borba a Nova importante ponto de apoio da rota comercial que estava-

se estabelecendo entre as minas de Vila Bela e Beleacutem Em carta datada de 17 de

marccedilo de 1755 Sebastiatildeo Joseacute alerta seu irmatildeo sobre a importacircncia da nova

capitania

ldquoQuero a ereccedilatildeo do novo governo do Rio Negro o qual agora bem vereis que deve ser promovido com o maior cuidado pela indispensaacutevel necessidade de se povoar essa fronteira Occidental e de segurarmos com ella a navegaccedilatildeo do Rio da Madeira para o Matto Grosso e a passagem daquellas Minas para o Cuyabaacuterdquo (REIS 1948 tomo 2 p 302 e 303)

Mendonccedila Furtado enviou o sargento-mor Gabriel da Silva Filgueiras para

providenciar a instalaccedilatildeo da vila de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees E partiu

pessoalmente para o Rio Madeira para oficializar a elevaccedilatildeo da aldeia de Trocano agrave

categoria de vila nomeada de Borba a Nova em 1ordm de janeiro de 1756

Depois da viagem ao Madeira o governador retornou agrave Mariuaacute e laacute permaneceu

aguardando a chegada dos representantes espanhoacuteis Entretanto com o passar do

tempo percebeu que seu afastamento de Beleacutem estava gerando instabilidades O

bispo Dom Frei Miguel de Bulhotildees oficialmente autorizado para substituiacute-lo na

direccedilatildeo do Estado colocava-o a par de suas dificuldades relatando os incidentes

que comeccedilaram a surgir contra a accedilatildeo do capitatildeo-general e principalmente

incriminando os jesuiacutetas por atos contraacuterios agrave sua administraccedilatildeo considerando-os

desestabilizadores do poder da Coroa no Estado Com a demora da comissatildeo

demarcadora espanhola que natildeo se sabia ao certo onde estava e com as notiacutecias

recebidas de Beleacutem Mendonccedila Furtado decidiu regressar ao Paraacute depois de mais

de dois anos agrave espera dos castelhanos havia chegado em Mariuaacute em 28 de

242

dezembro de 1753 e retornava agora em 23 de maio de 1756 para reassumir suas

funccedilotildees governativas

Desde marccedilo do ano anterior em 1755 havia sido informado por seu irmatildeo

Sebastiatildeo Joseacute de uma seacuterie de medidas que estavam sendo tomadas para

enfrentar as dificuldades criadas pelos jesuiacutetas agraves accedilotildees de governo de Lisboa

sendo alertado ainda sobre o levante dos iacutendios dos Sete Povos no sul do Brasil

fomentado segundo ele pela Companhia de Jesus Mendonccedila Furtado devia agir

com energia para evitar um possiacutevel entendimento entre os jesuiacutetas portugueses e

espanhoacuteis naquela regiatildeo de fronteira Temia-se que estivessem planejando uma

rebeliatildeo para estabelecer um impeacuterio teocraacutetico na Ameacuterica Os incidentes do sul

poderiam repetir-se agora no Paraacute uma inquietaccedilatildeo que foi transformada em

verdadeira guerra Em um pequeno resumo de suas preocupaccedilotildees Sebastiatildeo Joseacute

termina uma carta endereccedilada a seu irmatildeo datada de 17 de marccedilo de 1755 da

seguinte forma

ldquoEscuso de vos lembrar o muito que se faz necessaacuterio separar os Padres Jesuiacutetas (que jaacute claramente estatildeo fazendo esta guerra) da fronteira de Hespanha valendo-vos para isso de todos os possiacuteveis pretextos Tambeacutem seraacute bom que acheis meios para lhes interromperes toda communicaccedilatildeo com os outros PP que residem nos Domiacutenios de Hespanha ganhando algumas pessoas daquellas por onde passarem estas correspondecircncias ou interceptando-as havendo para isso occasiatildeo que o permittatildeo visto que com esta Potencia Ecclesiastica nos achamos em tatildeo dura e tatildeo custosa guerrardquo(REIS 1948 tomo 2 p 303)

Mendonccedila Furtado fizera severas criacuteticas ao sistema implantado pelo Regimento das

Missotildees de dezembro de 1686 que autorizava aos religiosos a administraccedilatildeo

espiritual e temporal dos iacutendios resultando segundo pensava em verdadeiro

monopoacutelio da matildeo-de-obra indiacutegena Os aldeamentos natildeo eram apenas dedicados agrave

catequese ou agraves praacuteticas religiosas desenvolviam-se neles atividades sociais e

econocircmicas responsaacuteveis pela manutenccedilatildeo da proacutepria missatildeo As Ordens eram

isentas do pagamento de impostos e tornaram-se ao longo de sua expansatildeo pela

Amazocircnia as principais estruturas econocircmicas da regiatildeo construindo coleacutegios

residecircncias engenhos de accediluacutecar fazendas de gado e praticamente controlando o

comeacutercio das drogas do sertatildeo Aleacutem disso haviam implantado em toda Amazocircnia

a chamada liacutengua geral ou nheengatu falada natildeo soacute nos sertotildees como tambeacutem na

proacutepria cidade de Beleacutem motivo adicional de preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao controle

243

exercido pelos religiosos sobre os nativos Com o estabelecimento de suas missotildees

- as primeiras comunidades do interior amazocircnico - os religiosos haviam feito o

trabalho inicial de introduccedilatildeo do catolicismo entre os nativos suprimindo suas

crenccedilas pagatildes difundindo uma liacutengua geral que uniformizava a comunicaccedilatildeo na

regiatildeo e substituindo os padrotildees culturais indiacutegenas pela visatildeo de mundo dos

europeus Faltava tornar toda aquela gente sujeita ao poder da Coroa tornaacute-los

vassalos do rei garantindo sua subordinaccedilatildeo e serviccedilo em benefiacutecio do progresso

do Reino Mas todo o poder entretanto era exercido pelos religiosos que passaram

a ser vistos como um obstaacuteculo agrave poliacutetica de controle do Estado Assim pensava

Mendonccedila Furtado e seu irmatildeo todo poderoso Sebastiatildeo Joseacute orientaccedilatildeo poliacutetica

que jaacute fazia parte das instruccedilotildees secretas de 1751 ldquo restriccedilatildeo ao poder temporal

dos missionaacuterios aboliccedilatildeo da ordem juriacutedica em vigor supressatildeo do regime

missionaacuterio vigenterdquo (FRAGOSO77 1980 p 156 apud BEOZZO 1983 p 56)

Quando chegou a Beleacutem em 22 de dezembro de 1756 Mendonccedila Furtado recebeu

a incumbecircncia de por em praacutetica uma profunda reforma poliacutetica e econocircmica

decidida por Lisboa nos decretos de 6 de junho de 1755 e que traria reflexos

diretos e imediatos para toda a regiatildeo amazocircnica a Lei de liberdade de pessoas

bens e comeacutercio dos iacutendios do Paraacute e Maranhatildeo e a instituiccedilatildeo da Companhia Geral

do Gratildeo Paraacute e Maranhatildeo Essas medidas iriam sustentar a administraccedilatildeo de

Mendonccedila Furtado e pretendiam literalmente reorganizar a Amazocircnia

A liberdade dos iacutendios havia sido sugerida por Mendonccedila Furtado como soluccedilatildeo

para o impasse com os jesuiacutetas Em uma carta datada de 14 de marccedilo de 1755

Sebastiatildeo Joseacute informava a seu irmatildeo no Paraacute que Dom Joseacute resolvera reduzir as

Aldeyas e Fazendas a Villas e Povoaccedilotildees Civis e tomara a mesma Rezoluccedilatildeo a

Respeito da liberdade dos Iacutendios na conformidade de certa Doutrina de Soloacuterzano

permanecendo ainda em segredo esse negoacutecio ateacute que Mendonccedila Furtado se

recolhesse ao Paraacute depois da viagem de demarcaccedilatildeo pelo interior da regiatildeo

amazocircnica (FLEXOR 2003)

77 FRAGOSO Frei Hugo Os aldeamentos franciscanos no Gratildeo-Paraacute in Das Reduccedilotildees latino-americanas agraves lutas indiacutegenas atuais 1980 p 156

244

O jurista espanhol Juan de Soloacuterzano y Pereyra e alguns filoacutesofos franceses

sobretudo Jean-Jacques Rousseau elaboraram conceitos filosoacuteficos que defendiam

a liberdade dos iacutendios americanos O francecircs havia escrito sobre a origem e

fundamento da desigualdade entre os homens e o espanhol Poliacutetica Indiana

editada pela primeira vez em 1629 que propunha adaptaccedilotildees do direito espanhol

romano e comum ao direito dos iacutendios Recorda Maria Helena Ochi Flexor que

Soloacuterzano influenciou profundamente o pensamento portuguecircs sobre a questatildeo

indiacutegena O proacuteprio Mendonccedila Furtado declarou possuir uma coacutepia da obra Dele

satildeo as ideacuteias de brandura no trato com os iacutendios a criacutetica severa dos excessos

cometidos pelos religiosos a obrigaccedilatildeo ao trabalho a renuacutencia da ociosidade a

obrigaccedilatildeo do uso da liacutengua espanhola o casamento com brancos a educaccedilatildeo das

crianccedilas a liberdade e os privileacutegios dos iacutendios (FLEXOR 2003)

A nova lei de liberdade dos iacutendios foi complementada por um alvaraacute datado de 7 de

junho de 1755 que abolia inteiramente o poder temporal dos missionaacuterios tornando

os iacutendios sob o ponto de vista legal vassalos iguais aos demais brancos

submetidos agrave accedilatildeo do direito comum aplicando-se a eles as mesmas normas

existentes para o regime de propriedade e trabalho Cacircmaras juiacutezes e outras

instituiccedilotildees poliacuteticas seriam igualmente outorgadas aos iacutendios para a sua plena

integraccedilatildeo ao regime poliacutetico vigente As aldeias maiores deveriam ser elevadas agrave

categoria de vilas instalando-se nelas as Cacircmaras municipais correspondentes e as

aldeias menores promovidas a lugares ou povoaccedilotildees e entregues agrave administraccedilatildeo

dos iacutendios Todas as medidas previstas na lei tinham por objetivo evidente civilizar e

educar os iacutendios promovendo assim sua assimilaccedilatildeo definitiva agrave sociedade dos

brancos instalando-os em nuacutecleos urbanos para garantir o povoamento e a

ocupaccedilatildeo do territoacuterio

A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo foi criada segundo o seu proacuteprio

alvaraacute de instituiccedilatildeo com o objetivo principal de desenvolver a agricultura e o

povoamento da regiatildeo amazocircnica estabelecendo relaccedilotildees comerciais lucrativas

para o Reino Pretendia de fato fortalecer as bases produtivas da regiatildeo e fomentar

o comeacutercio com Lisboa Para tornaacute-la forte e lucrativa foram concedidos amplos

privileacutegios de atuaccedilatildeo como monopoacutelios isenccedilotildees fiscais e incentivos aos capitais

estrangeiros Articulada com a lei de liberdade dos iacutendios a criaccedilatildeo da Companhia

permitiria reorganizar a produccedilatildeo interna e dar ao Estado do Gratildeo-Paraacute condiccedilotildees

245

para aplicar a nova poliacutetica econocircmica planejada por Sebastiatildeo Joseacute A criaccedilatildeo da

empresa monopolista era tambeacutem fortemente apoiada por Mendonccedila Furtado que a

considerava fundamental para a recuperaccedilatildeo da economia do Estado um

empreendimento comercial que envolvia homens de negoacutecios de Lisboa e de Beleacutem

e que deveria atuar no desenvolvimento da produccedilatildeo colonial A empresa forneceria

matildeo-de-obra negra importada para o trabalho nas lavouras e receberia como paga

os gecircneros produzidos na regiatildeo

Em carta datada de 12 de maio de 1755 enviada a seu irmatildeo no Paraacute Sebastiatildeo

Joseacute tratando do que considerou ldquoos trecircs grandes negoacutecios do estabelecimento da

Companhia para o comeacutercio e a introduccedilatildeo de negros nesse Estado da taxaccedilatildeo

das cocircngruas aos regulares e da liberdade dos iacutendiosrdquo afirma que ldquo o primeiro dos

referidos negoacutecios que faz natildeo soacute a base dos outros dois que deixo referidos mas

tambeacutem o fundamento soacutelido das felicidades espirituais desse Estado se acha

concluiacutedordquo (RAYMUNDO 2006 nuacutemero 3 p 129)

As decisotildees tomadas por Lisboa foram portanto planejadas em conjunto ao

mesmo tempo em que se criava a Companhia para fomentar o comeacutercio retirava-se

o controle que os religiosos exerciam sobre a matildeo-de-obra e se estabelecia a

liberdade do indiacutegena a partir daquele momento considerado como mais um

vassalo civil do Reino Dessa forma os benefiacutecios da economia regional seriam

revertidos dos religiosos para a Coroa corrigindo o que Sebastiatildeo Joseacute via como

uma distorccedilatildeo na atuaccedilatildeo dos missionaacuterios

Por volta daqueles anos a economia colonial do Estado do Brasil entrava em um

periacuteodo de grave decliacutenio sobretudo com a decadecircncia das minas e a queda da

produccedilatildeo de accediluacutecar O Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo entretanto conheceu

relativo desenvolvimento a Companhia Geral de comeacutercio permitiu a integraccedilatildeo de

um sistema de exportaccedilatildeo de produtos agriacutecolas sobretudo do algodatildeo enviado

para a Europa a partir de 1760 e que viria como ensina Caio Prado Juacutenior a

transformar o Maranhatildeo em um curto periacuteodo de poucas deacutecadas em uma das

capitanias mais ricas e destacadas da Ameacuterica portuguesa

ldquoNatildeo eacute somente economicamente que se transforma a mudanccedila eacute mais profunda Com o algodatildeo vieram os escravos africanos ndash ou vice-versa

246

preferivelmente - modifica-se a feiccedilatildeo eacutetnica da regiatildeo ateacute entatildeo composta na sua quase totalidade salvo a maioria dos colonos brancos de iacutendios e seus derivados mesticcedilos O algodatildeo apesar de branco tornaraacute preto o Maranhatildeordquo (PRADO JR 1971 p 82)

Antes marginalmente situado em relaccedilatildeo agrave poliacutetica mercantilista portuguesa o

Maranhatildeo passou a integrar o antigo sistema colonial atingindo a categoria de

quarta proviacutencia mais importante do impeacuterio portuguecircs A Companhia fornecia

creacuteditos escravos e ferramentas aos lavradores e os estimulava a que se

dedicassem agrave produccedilatildeo do algodatildeo Dessa forma o Maranhatildeo em cujo porto

entrava um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam dos iacutendios

escravos para sobreviver conheceu uma excepcional prosperidade particularmente

no fim da eacutepoca colonial recebendo em seu porto de 100 a 150 navios e exportando

mais de um milhatildeo de libras por ano (GOMES 2006)

Mendonccedila Furtado que retornara de Mariuaacute em 22 de dezembro de 1756 passou a

enfrentar uma seacuterie de crises poliacuteticas e militares Havia a suposta resistecircncia jesuiacuteta

em obedecer agraves determinaccedilotildees reacutegias rebeliotildees como a ocorrida em 1ordm de marccedilo

de 1757 em Mariuaacute contra o atraso no pagamento de soldos e levantes indiacutegenas

contra a atuaccedilatildeo dos missionaacuterios na regiatildeo do alto Rio Negro Suas tarefas

incluiacuteam ainda a instalaccedilatildeo da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro a elevaccedilatildeo agrave

categoria de vila de vaacuterios aldeamentos missionaacuterios os trabalhos de construccedilatildeo da

vila de Macapaacute fronteira com os franceses de Caiena e da vila de Borba no Rio

Madeira o mais importante ponto de apoio entre as minas do Mato Grosso e o Paraacute

Durante o ano de 1757 o governador permaneceu em Beleacutem para restabelecer a

ordem e implementar as mudanccedilas decorrentes da nova legislaccedilatildeo

Para a execuccedilatildeo da Lei de liberdade de pessoas bens e comeacutercio dos iacutendios do

Paraacute e Maranhatildeo de 6 de junho de 1755 Mendonccedila Furtado elaborou e publicou

em 3 de maio de 1757 os 95 paraacutegrafos do Diretoacuterio que se deve observar nas

Povoaccedilotildees dos Iacutendios do Paraacute e Maranhatildeo enquanto Sua Majestade natildeo mandar o

contraacuterio A liberdade plena dos iacutendios natildeo podia ser imediatamente concedida

acreditava-se que eles natildeo fossem capazes de se inserir na sociedade civilizada

sem a tutela de um homem branco um responsaacutevel civil nomeado pelo Estado para

conduzi-los agrave integraccedilatildeo aos costumes e agraves leis do Reino Para cada nova vila ou

povoaccedilatildeo seria empossado um Diretor atribuiacutedo das funccedilotildees de instruccedilatildeo e

247

orientaccedilatildeo dos iacutendios praacutetica corrente em alguns lugares da Europa e mesmo de

Portugal que se implantava agora no Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e que viria a

se tornar extensivo ao Estado do Brasil

Paraacutegrafo I do Diretoacuterio ldquoSendo Sua Majestade servido pelo Alvaraacute com forccedila de Lei de 7 de Junho de 1755 abolir a administraccedilatildeo Temporal que os Regulares exercitavam nos Iacutendios das Aldeias deste Estado mandando-as governar pelos seus respectivos Principais como estes pela lastimosa rusticidade e ignoracircncia com que ateacute agora foram educados natildeo tenham a necessaacuteria aptidatildeo que se requer para o Governo sem que haja quem os possa dirigir propondo-lhes natildeo soacute os meios da civilidade mas da conveniecircncia e persuadindo-lhes os proacuteprios ditames da racionalidade de que viviam privados para que o referido Alvaraacute tenha a sua devida execuccedilatildeo e se verifiquem as Reais e piiacutessimas intenccedilotildees do dito Senhor haveraacute em cada uma das sobreditas Povoaccedilotildees em quanto os Iacutendios natildeo tiverem capacidade para se governarem um Diretor que nomearaacute o Governador e Capitatildeo General do Estado o qual deve ser dotado de bons costumes zelo prudecircncia verdade ciecircncia da liacutengua e de todos os mais requisitos necessaacuterios para poder dirigir com acerto os referidos iacutendios debaixo das ordens e determinaccedilotildees seguintes que inviolavelmente se observaratildeo enquanto Sua Majestade o houver assim por bem e natildeo mandar o contraacuteriordquo

O propoacutesito geral das medidas previstas no Diretoacuterio era o de alcanccedilar a conversatildeo

dos iacutendios agrave civilidade cultura e comeacutercio libertando os iacutendios da exploraccedilatildeo dos

missionaacuterios religiosos e da escravizaccedilatildeo dos colonos Previa tambeacutem o

documento incentivos ao casamento de colonos brancos com iacutendios a educaccedilatildeo

dos indiacutegenas dentro dos costumes portugueses e severas penas anti-

discriminatoacuterias proibindo-se chamar os mesticcedilos de caboclos igualando-os em

tudo sob o ponto de vista legal aos outros vassalos brancos do Reino Tratava-se

de um ambicioso projeto de aculturaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos nativos segundo o

pensamento iluminista da eacutepoca transformando-os de pescadores e caccediladores em

agricultores e comerciantes determinando-se as culturas que deveriam ser

cultivadas pelos iacutendios e exportadas pela receacutem-criada Companhia Geral de

comeacutercio

Os resultados praacuteticos que seriam obtidos pela aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo do Diretoacuterio

contrastariam enormemente com o ideaacuterio de seus propoacutesitos conforme ensina Joseacute

Oscar Beozzo

ldquoO Regimento pombalino longe de introduzir a liberdade dos iacutendios e protegecirc-los contra o trabalho forccedilado obriga os Principais das Povoaccedilotildees a entregar quantos iacutendios fossem requisitados pelos moradores para servir

248

aos seus interesses particulares erigidos em interesse comum e do proacuteprio Estado mesmo em detrimento das necessidades dos proacuteprios iacutendios [] Longe de abolir a administraccedilatildeo dos iacutendios o Diretoacuterio simplesmente trocou a direccedilatildeo do missionaacuterio pelo do Diretor funcionaacuterio civil do Estado [] A uacutenica modificaccedilatildeo introduzida na reparticcedilatildeo (da matildeo-de-obra) eacute que se alterava a tradicional divisatildeo tripartite entre iacutendios repartidos para o serviccedilo das Ordens Religiosas iacutendios entregues aos moradores e iacutendios reservados para o Estado introduzindo-se a divisatildeo em duas porccedilotildees iguais uma para os serviccedilos do Estado e outra para os serviccedilos dos moradores com exceccedilatildeo dos religiososrdquo (BEOZZO 1983 p 66)

Mendonccedila Furtado decidiu tambeacutem proibir a utilizaccedilatildeo da liacutengua geral ou

nheengatu adotada de forma espontacircnea desde os primeiros anos da colonizaccedilatildeo

e que permitia a comunicaccedilatildeo entre colonos e iacutendios e entre iacutendios de diferentes

etnias formalizada pelo alvaraacute reacutegio de 1681 que instituiacutea formalmente o seu uso na

catequese e na instruccedilatildeo do iacutendio para o trabalho Naquela altura ao se estabelecer

uma liacutengua uacutenica os colonizadores se adaptavam para enfrentar o problema da

diversidade linguumliacutestica da Ameacuterica portuguesa A decisatildeo do governador de tornar

obrigatoacuterio o uso da liacutengua portuguesa revela que a questatildeo linguumliacutestica era uma

preocupaccedilatildeo importante no momento em que se consolidava a ocupaccedilatildeo territorial

da regiatildeo amazocircnica A uniformidade da liacutengua utilizada no mesmo espaccedilo colonial

era vista como fator primordial de identidade e coesatildeo do impeacuterio Muitos estudiosos

chegam a afirmar que esta medida associada agrave expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759

evitou que o Brasil se tornasse um paiacutes biliacutenguumle A medida permitia ainda a

retomada do controle civil do Estado sobre as populaccedilotildees indiacutegenas aldeadas nas

missotildees religiosas tudo de acordo com a poliacutetica oficial do periacuteodo pombalino

Paraacutegrafo 6 do Diretoacuterio ldquoSempre foi maacutexima inalteravelmente praticada em todas as Naccedilotildees que conquistaram novos Domiacutenios introduzir logo nos povos conquistados o seu proacuteprio idioma por ser indisputaacutevel que este eacute um dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos ruacutesticos a barbaridade dos seus antigos costumes e ter mostrado a experiecircncia que ao mesmo passo que se introduz neles o uso da Liacutengua do Priacutencipe que os conquistou se lhes radica tambeacutem o afeto a veneraccedilatildeo e a obediecircncia ao mesmo Priacutencipe Observando pois todas as Naccedilotildees polidas do Mundo este prudente e soacutelido sistema nesta Conquista se praticou tanto pelo contraacuterio que soacute cuidaram os primeiros Conquistadores estabelecer nela o uso da Liacutengua que chamaram geral invenccedilatildeo verdadeiramente abominaacutevel e diaboacutelica para que privados os Iacutendios de todos aqueles meios que os podiam civilizar permanecessem na ruacutestica e baacuterbara sujeiccedilatildeo em que ateacute agora se conservavam Para desterrar esse perniciosiacutessimo abuso seraacute um dos principais cuidados dos Diretores estabelecer nas suas respectivas Povoaccedilotildees o uso da Liacutengua Portuguesa natildeo consentindo por modo algum que os Meninos e as Meninas que pertencerem agraves Escolas e todos aqueles Iacutendios que forem capazes de instruccedilatildeo nesta mateacuteria usem da liacutengua proacutepria das suas Naccedilotildees ou da chamada geral mas unicamente da Portuguesa na forma que Sua

249

Majestade tem recomendado em repetidas ordens que ateacute agora se natildeo observaram com total ruiacutena Espiritual e Temporal do Estadordquo

Mesmo antes da instituiccedilatildeo do Diretoacuterio Mendonccedila Furtado demonstrava sua

intenccedilatildeo clara de reprimir as liacutenguas nativas pelo ensino do idioma portuguecircs Nas

instruccedilotildees dirigidas a Francisco Portilho e Melo que fora nomeado para governar a

aldeia de Santa Ana de Macapaacute o governador jaacute recomendava em 1753 o seu

uso ldquoFaraacute VM toda a diligecircncia para lhes ensinar a liacutengua portuguesa natildeo os praticando nunca pela chamada da Terra mais do que para lhes explicar alguma palavra que eles natildeo entendam em portuguecircs e para se irem fazendo senhores dela seraacute muito conveniente que VM os trate frequumlentemente e em estando algum mais corrente no nosso idioma ordenar-lhe que natildeo fale aos outros senatildeo em portuguecircs e faraacute a estes mais agrados e agasalhos que aos mais ldquo (LESSA 2006)

Depois da divulgaccedilatildeo do Diretoacuterio em 15 de janeiro de 1758 Mendonccedila Furtado

deixou o Paraacute para uma nova expediccedilatildeo ao Rio Negro Desembarcou em Mariuaacute

apoacutes 3 meses de viagem em 24 de abril e reiniciou a organizaccedilatildeo do aldeamento

elevado agrave condiccedilatildeo de vila com o novo nome de Barcelos em 6 de maio de 1758

No dia seguinte empossou o primeiro governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio

Negro Joaquim de Melo e Povoas decidindo por manter sua sede em Barcelos ao

inveacutes de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees como previa a carta reacutegia de criaccedilatildeo

da Capitania datada de 3 de marccedilo de 175578

Esse documento autorizava Mendonccedila Furtado a definir os limites orientais e

meridionais da nova unidade administrativa os limites setentrionais e ocidentais se

estenderiam ateacute as raias dos domiacutenios espanhoacuteis pelas linhas convencionadas

pelas comissotildees demarcadoras A 10 de maio em carta a Melo e Povoas Furtado

determinou os limites com a Capitania de Mato Grosso ao sul pela cachoeira de

Satildeo Joatildeo ou Araguari hoje Santo Antocircnio a leste o Gratildeo-Paraacute pelo Rio Nhamundaacute

ateacute sua foz no Rio Amazonas Estava assim cumprida mais uma etapa de sua

missatildeo na Amazocircnia

78 A capital da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro ficou sediada em Barcelos ateacute 1791 quando Manuel da Gama Lobo DAlmada que governou a Capitania no periacuteodo de 1786 e 1799 temendo uma invasatildeo espanhola pelo Rio Negro decidiu transferir a sede para o Lugar da Barra atual cidade de Manaus na confluecircncia do Rio Solimotildees com o Rio Negro A sede da Capitania voltou para Barcelos em 1799 sendo definitivamente mudada para o Lugar da Barra em 1808

250

Mendonccedila Furtado estava empenhado tambeacutem em fazer cumprir a elevaccedilatildeo dos

aldeamentos religiosos agrave categoria de vilas ou povoaccedilotildees Os novos nuacutecleos

urbanos criados com a finalidade de fixar os nativos e colonos ao solo fariam parte

de um sistema de defesa e ocupaccedilatildeo territorial especialmente importante na

Amazocircnia

Ressalta Maria Helena Ochi Flexor que a criaccedilatildeo das vilas no periacuteodo pombalino se

deu dentro de um programa poliacutetico amplo natildeo se tratando de uma decisatildeo isolada

e que alcanccedilou as possessotildees portuguesas na Ameacuterica na Iacutendia na Aacutefrica nas

ilhas atlacircnticas e no proacuteprio territoacuterio metropolitano europeu Segundo relatos da

maioria dos governantes indicados para a implantaccedilatildeo do projeto de urbanizaccedilatildeo os

colonos portugueses vindos para as colocircnias americanas haviam-se adaptado ao

modo dos iacutendios vivendo errantes e entregando-se agrave ociosidade e agrave preguiccedila Era

imperativo fazecirc-los viver em sociedade civil (FLEXOR 2003)

ldquoA elevaccedilatildeo de uma aldeia ou povoaccedilatildeo em vila possuiacutea ritual proacuteprio Esse ato era puacuteblico e a ele concorriam as autoridades e povo e cabia ao Ouvidor dirigir o ato da cerimocircnia Todos os criadores de vilas seguiam o mesmo cerimonial Esse cerimonial de implantaccedilatildeo das vilas era bastante simboacutelico O Ouvidor convocava por editais os habitantes da povoaccedilatildeo e de vilas vizinhas para no dia exato das sete para as oito horas da manhatilde estar agrave frente das casas de sua aposentadoria para o acompanhar no ato Todos se encaminhavam ao lugar e siacutetio limpo medido demarcado para terreno da praccedila com as ruas jaacute traccediladas e preparado com arcos e enfeites festivos onde o Ouvidor levantava o pelourinho e aclamava a vila com o chapeacuteu na matildeo dizendo em voz alta e inteligiacutevel Real-Real-Real esta nova Vila pelo nosso Augusto e Fideliacutessimo Monarcha D Joseacute o primeiro Rei de Portugal repetindo a frase por trecircs vezes ao que se seguiam festejos e um Te Deum Laudamus com ladainhas e muacutesica e missa De cada um dos atos se fazia registrordquo (FLEXOR 2003)

A reforma urbana que estava em andamento era parte integrante de um projeto para

civilizar a Amazocircnia uma poderosa construccedilatildeo ideoloacutegica baseada no discurso

reformador pombalino da constituiccedilatildeo de um novo espaccedilo civil na regiatildeo Esse

projeto valorizava a atuaccedilatildeo de um Estado forte e a existecircncia de uma sociedade

secularizada Deveriam ser adotados os princiacutepios da racionalidade para a

construccedilatildeo das novas vilas da regiatildeo e assim poder-se-ia fixar o iacutendio agrave terra agora

como suacutedito do Rei e alcanccedilar o objetivo tatildeo fortemente perseguido da

dinamizaccedilatildeo do comeacutercio do Reino

251

Paraacutegrafo 80 do Diretoacuterio ldquoMas como a Real intenccedilatildeo dos nossos Fideliacutessimos Monarcas em mandar fornecer as Povoaccedilotildees de novos Iacutendios se dirige natildeo soacute ao estabelecimento das mesmas Povoaccedilotildees e aumento do Estado mas agrave civilidade dos mesmos Iacutendios por meio da comunicaccedilatildeo e do Comeacutercio [] para que os mesmos Iacutendios se possam civilizar pelos suaviacutessimos meios do Comeacutercio e da comunicaccedilatildeo e estas Povoaccedilotildees passem a ser natildeo soacute populosas mas civis[]rdquo Paraacutegrafo 36 do Diretoacuterio ldquoEntre os meios que podem conduzir qualquer Repuacuteblica a uma completa felicidade nenhum eacute mais eficaz que a introduccedilatildeo do Comeacutercio porque ele enriquece os Povos civiliza as Naccedilotildees e consequumlentemente constitui poderosas as Monarquias []rdquo

Determinava-se que fossem substituiacutedos os nomes baacuterbaros dos aldeamentos

renomeando-os por outros de origem portuguesa sendo conveniente tambeacutem que

os iacutendios perdessem seus nomes pagatildeos para que pudessem ser distinguidos uns

dos outros como vassalos obedientes agraves ordens reacutegias

Paraacutegrafo 11 do Diretoacuterio ldquoA Classe dos mesmos abusos se natildeo pode duvidar que pertence tambeacutem o inalteraacutevel costume que se praticava em todas as Aldeias de natildeo haver um soacute Iacutendio que tivesse sobrenome E para se evitar a grande confusatildeo que precisamente havia de resultar de haver na mesma Povoaccedilatildeo muitas Pessoas com o mesmo nome e acabarem de conhecer os Iacutendios com toda a evidecircncia que buscamos todos os meios de os honrar e tratar como se fossem Brancos teratildeo daqui por diante todos os Iacutendios sobrenomes havendo grande cuidado nos Diretores em lhes introduzir os mesmos Apelidos que os das Famiacutelias de Portugal por ser moralmente certo que tendo eles os mesmos Apelidos e Sobrenomes de que usam os Brancos e as mais Pessoas que se acham civilizadas cuidaratildeo em procurar os meios liacutecitos e virtuosos de viverem e se tratarem agrave sua imitaccedilatildeordquo

Mendonccedila Furtado decidiu entatildeo em ato de elogio intencional ao poder do Rei

renomear todas as povoaccedilotildees da Amazocircnia com os nomes das vilas da Casa dos

Braganccedilas O que estava de fato realizando era a execuccedilatildeo do projeto de criar

povoaccedilotildees civis em oposiccedilatildeo ao que ateacute entatildeo existia os aldeamentos controlados

pelos religiosos Ele jaacute havia instituiacutedo a poliacutetica do Diretoacuterio que normatizava os

procedimentos administrativos para os novos nuacutecleos de povoamento era preciso

entatildeo promover a reforma in loco

Sua primeira prioridade desde que chegou ao Estado havia sido a defesa das

fronteiras especialmente com os franceses de Caiena A regiatildeo de Macapaacute e do

Cabo Norte sempre mereceram sua atenccedilatildeo especial recomendado que havia sido

pelas autoridades de Lisboa sobre sua importacircncia estrateacutegica Era preciso povoaacute-la

para melhor defendecirc-la de eventuais agressotildees externas Em dezembro de 1751

pouco mais de 2 meses depois de ter assumido o governo do Estado Mendonccedila

252

Furtado organizou uma expediccedilatildeo agrave fortificaccedilatildeo de Macapaacute para criar um novo

nuacutecleo de povoamento mandou com ela os accedilorianos que haviam se alistado para ir

ao Gratildeo-Paraacute - mais de 80 casais quase 5 centenas de pessoas - saiacutedas da Ilha

Terceira e chegadas a Beleacutem em 29 de agosto de 1751 e que viriam a ser os

responsaacuteveis pelo povoamento da futura vila79

Quando saiu em sua segunda missatildeo ao Mariuaacute no Rio Negro em janeiro de 1758

zarpou em direccedilatildeo ao Cabo Norte tinha o propoacutesito de elevar o povoado agrave categoria

de Vila de Satildeo Joseacute de Macapaacute onde criou a Cacircmara Municipal e empossou as

autoridades locais no iniacutecio do mecircs de fevereiro daquele ano

No periacuteodo em que governou o Estado de 1751 a 1759 fundou na Amazocircnia

aproximadamente 60 vilas povoaccedilotildees e lugares trabalho urbanizador que cumpria

uma poliacutetica clara de ocupaccedilatildeo e defesa do territoacuterio Engenheiros militares

matemaacuteticos geoacutegrafos desenhadores e auxiliares viajavam de um ponto a outro

da regiatildeo amazocircnica implantando e vistoriando obras O que estava em andamento

de fato era um processo de investimento urbano teacutecnico em seu planejamento

entretanto poliacutetico e estrateacutegico na sua execuccedilatildeo

Mendonccedila Furtado refundou em 1753 a Vila Nova de Braganccedila no mesmo local da

antiga Vila Souza do Caeteacute importante ponto de apoio no litoral paraense no

caminho de Beleacutem para Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo Antes de Braganccedila agraves margens do

Rio Guamaacute na regiatildeo da antiga casa forte que laacute existia criou no mesmo ano outra

vila batizada por Oureacutem Sua construccedilatildeo facilitaria o transporte do que fosse

produzido na vila ou a ela chegasse de Braganccedila permitindo a ligaccedilatildeo fluvial com a

sede do Estado Beleacutem Determinou ainda que fosse aberto um caminho por terra

entre as duas vilas e que casais de accedilorianos se instalassem na regiatildeo Galluzzi

79 MADEIRA Artur Boavida Ilheacuteus accedilorianos na colonizaccedilatildeo do Brasil na segunda metade do seacuteculo XVIII Disponiacutevel em wwwceha-madeiranetnoticias congressosbrasilamadeira Acesso em 07 de junho de 2006 Novas levas de accedilorianos chegaram a Beleacutem em novembro de 1752 eram ao todo 430 ilheacuteus e foram mandados participar da colonizaccedilatildeo das vilas de Braganccedila e de Oureacutem nas margens dos Rios Guaccedilu e Caeteacute no atual Estado do Paraacute Em setembro de 1754 um navio com casais de accedilorianos naufragou perto de Beleacutem transportava 74 pessoas das quais 38 morreram Outra leva chegaria em junho de 1757 sendo 23 casais destacados para o estabelecimento da Vila de Borba a nova no Rio Madeira

253

desenhou em 1754 um importante mapa do caminho terrestre aberto entre Oureacutem

e Braganccedila ambas situadas no atual Estado do Paraacute

Em 1756 elevou pessoalmente agrave categoria de vila a aldeia jesuiacuteta de Trocano no

Rio Madeira renomeada de vila de Borba a Nova reconverteu tambeacutem o

aldeamento missionaacuterio carmelita de Satildeo Francisco Xavier do Javari na confluecircncia

do Rio Solimotildees com o Javari para Satildeo Joseacute do Javari As duas vilas tinham

posicionamento especialmente estrateacutegico a primeira como jaacute foi visto estava a

meio caminho de Beleacutem para as minas do Mato Grosso proacutexima tambeacutem dos

aldeamentos espanhoacuteis de Santa Rosa Satildeo Miguel e Satildeo Simatildeo no Rio Guaporeacute e

a segunda nos limites mais ocidentais com os castelhanos no Rio Solimotildees

No ano de 1757 5 vilas foram fundadas na Ilha do Marajoacute Chaves Monforte

Monsaraz Soure e Salvaterra renomeando respectivamente as aldeias de

Anajatiba Joanes Caya Menino Jesus e Conceiccedilatildeo aleacutem do lugar de Mondis

antiga aldeia de Satildeo Joseacute

No ano de 1758 entretanto Mendonccedila Furtado realizou pessoalmente as

cerimocircnias de elevaccedilatildeo da maioria das aldeias Partiu de Beleacutem em 15 de janeiro e

alcanccedilou Mariuaacute em 4 de maio em uma expediccedilatildeo que redesenhou a Amazocircnia o

aldeamento jesuiacuteta de Araticu foi rebatizado para Oeiras o aldeamento jesuiacuteta de

Guaracuru Melgaccedilo o aldeamento jesuiacuteta de Arucara Portel o aldeamento dos

Padres da Conceiccedilatildeo de Guarimuccedilu Arraiolos o aldeamento dos Padres da

Conceiccedilatildeo de Tubareacute Esposende no Gurupaacute funda Almerim Urubuquara se

transforma em Outeiro o aldeamento dos religiosos da Piedade Monte Alegre

Borary Alter do Chatildeo Santo Ignaacutecio Vila Boim Satildeo Joseacute Pinhel Tapajoacutes

Santareacutem Cumaru Vila Franca dos frades da Piedade de Pauxis Oacutebidos e

finalmente o aldeamento jesuiacuteta de Abacaxis renomeado para Serpa

A partir de Barcelos no Rio Negro rebatizada em 6 de maio o governador

prosseguiu renomeando as aldeias de Nhamundaacute Pedreira Baracoa Cumaru

Aracary Jahu Camaraacute e Dary respectivamente para Faro Moura Thomar

Poyares Carvoeiro Ayratildeo Moreira e Lamalonga

254

No Rio Xingu encarregou o ouvidor Pascoal de Abranches Madeira para continuar a

tarefa transformando as aldeias jesuiacutetas de Piragury Itacurussaacute Aricaraacute e dos

frades da Piedade de Maturu em Pombal Vieiros Souzel e Porto de Moacutes

respectivamente (Mapa 24)

Em agosto de 1758 Dom Joseacute decidiu convocar Mendonccedila Furtado para compor

seu Ministeacuterio substituindo-o em suas funccedilotildees de governador do Estado por Manuel

Bernardo de Melo e Castro e de Chefe da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos Limites

pelo capitatildeo-general do Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura

Tendo tomado conhecimento de sua substituiccedilatildeo Mendonccedila Furtado instruiu o

receacutem-empossado governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de

Melo e Povoas para que tomasse todas as providecircncias necessaacuterias caso os

demarcadores espanhoacuteis chegassem agrave regiatildeo informando imediatamente ao novo

chefe da Comissatildeo no Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura Ele havia

organizado e tivera aprovado por Sua Majestade um Systema das demarcaccedilotildees da

parte norte documento que tambeacutem fora remetido para orientar as accedilotildees do novo

chefe da Comissatildeo e que continha instruccedilotildees detalhadas de como proceder com os

castelhanos

Em 26 de dezembro de 1758 Mendonccedila Furtado estava novamente de volta a

Beleacutem Seu substituto jaacute o aguardava para receber as funccedilotildees de governo Em 7 de

marccedilo do ano seguinte em 1759 ele finalmente regressou agrave Lisboa

Sua atuaccedilatildeo agrave frente dos negoacutecios do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no periacuteodo

de 1751 a 1759 foi decisiva para a implantaccedilatildeo da nova poliacutetica portuguesa para a

Amazocircnia A despeito de toda a polecircmica que possa envolver a questatildeo indiacutegena

Mendonccedila Furtado tomou medidas de largo alcance para a ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo

daquela parte tatildeo vasta do impeacuterio portuguecircs

Mesmo natildeo tendo cumprido sua missatildeo junto aos demarcadores espanhoacuteis tratou

de consolidar a presenccedila portuguesa na regiatildeo criando a estrateacutegica Capitania de

Satildeo Joseacute do Rio Negro reformando vilas construindo fortificaccedilotildees e sobretudo

inteirando-se da realidade local Durante anos esteve em campanhas pelas florestas

256

e pelos sertotildees amazocircnicos contribuindo consideravelmente para aumentar o

conhecimento da geografia regional

Procurou cumprir as instruccedilotildees reacutegias puacuteblicas e secretas recebidas do Conselho

Ultramarino ao ser nomeado governador documento que continha o cerne da nova

poliacutetica pombalina para a regiatildeo a liberdade dos iacutendios e sua consequumlente

integraccedilatildeo como vassalos do Rei a aboliccedilatildeo do poder temporal dos missionaacuterios e

o incentivo agrave produccedilatildeo e ao comeacutercio A Coroa decidira tomar para si o controle do

Estado sua reforma era ampla e profunda propunha-se sobretudo a promover o

povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua posse Natildeo haacute duacutevidas

quanto ao propoacutesito reformador dessa poliacutetica colonial uma das maiores prioridades

do governo de Lisboa e igualmente natildeo deve haver duacutevidas de que as medidas

implantadas por Mendonccedila Furtado contribuiacuteram para manter a Amazocircnia parte do

impeacuterio colonial portuguecircs

66 A Fortificaccedilatildeo do Territoacuterio

ldquoDeixando de fora o iniacutecio da colonizaccedilatildeo das ilhas atlacircnticas e as primeiras campanhas expansionistas no Norte de Aacutefrica realizadas ainda no seacuteculo XV temos nos comeccedilos do seacuteculo XVI a regiatildeo da Iacutendia como o principal ponto de ancoragem do impeacuterio ultramarino A expressatildeo eacute liacutecita pois de ancoradouros de facto se tratava para um impeacuterio que se situava mais no mar que na terra A estrutura comercial mariacutetima servia-se em terra do estabelecimento de feitorias Estas em princiacutepio pouco mais seriam que lugares de armazenamento de mercadorias estabelecidos no litoral com a autorizaccedilatildeo dos governantes locais Um elemento no entanto transformaraacute a feitoria comercial em territoacuterio do impeacuterio ndash a fortificaccedilatildeo O acto de fazer fortaleza aparece citado com orgulho nas crocircnicas da Iacutendia como garante da soberania portuguesa Agraves sombras das fortificaccedilotildees no territoacuterio por elas estabelecido surgiram as primeiras instalaccedilotildees urbanas Na repeticcedilatildeo deste processo funda-se o paradigma inicial do urbanismo da expansatildeo portuguesa que associa a cidade agrave fortificaccedilatildeo [] Em todo e qualquer momento da colonizaccedilatildeo dos territoacuterios ultramarinos a Coroa portuguesa pretendeu estar presente [] Aleacutem de povoadores e colonos o Estado portuguecircs transferiu-se a si proacuteprio para os seus vastos territoacuterios Estabeleceu uma estrutura de controlo administra-tivo que se caracterizava essencialmente pela implantaccedilatildeo de um complexo sistema de funcionaacuterios reacutegios que se deviam encarregar de todas as actividades poliacuteticas juriacutedicas e econocircmicas das colocircnias Tal estrutura assumidamente centralizada norteava toda a administraccedilatildeo colonial portuguesa [] Estado e fortificaccedilatildeo apresentam-se assim como os elementos que instauram a gecircnese do urbanismo colonial portuguecircs [] O Estado pela presenccedila em si estrutural do sistema administrativo As fortificaccedilotildees pela sua presenccedila fiacutesica [] E a Coroa pairava sobre as tarefas de fortificaccedilatildeo e da criaccedilatildeo das cidades com o mesmo papel que detinha em toda a empreitada das conquistas ultramarinas Era o titular

257

maacuteximo do empreendimento desde o patrociacutenio das descobertasrdquo (ARAUacuteJO 1998 p 25 e 26)

Mendonccedila Furtado havia iniciado a implantaccedilatildeo de uma nova poliacutetica de ocupaccedilatildeo

da Amazocircnia e seu retorno a Lisboa ocorrido em 7 de marccedilo de 1759 natildeo

interrompeu as accedilotildees reformadoras que Sebastiatildeo Joseacute planejara para execuccedilatildeo

naquela vasta porccedilatildeo do impeacuterio colonial portuguecircs na Ameacuterica Para substituiacute-lo

nas funccedilotildees de governador do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo foi nomeado

Manuel Bernardo de Melo e Castro e para a chefia da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos

Limites o capitatildeo-general do Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura O receacutem-

empossado governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de Melo e

Povoas fora igualmente instruiacutedo para tomar providecircncias urgentes caso os

demarcadores espanhoacuteis chegassem agrave regiatildeo para iniciar os trabalhos nas

fronteiras informando imediatamente ao novo chefe da Comissatildeo no Mato Grosso

O ano de 1759 tambeacutem ficaria marcado definitivamente pela expulsatildeo dos jesuiacutetas

de todo o impeacuterio portuguecircs Sebastiatildeo Joseacute que recebera em 6 de junho o tiacutetulo de

Conde de Oeiras saiu-se fortalecido politicamente por Dom Joseacute I apoacutes o atentado

contra a vida do Rei ocorrida em setembro do ano anterior em 1758 A pronta e

eneacutergica intervenccedilatildeo do ministro para o levantamento dos culpados rendeu-lhe

mais prestiacutegio e poder diante da nobreza lusitana parte dela supostamente

envolvida no episoacutedio A famiacutelia dos Taacutevora e o Duque de Aveiro foram implicados

no incidente e executados apoacutes raacutepido julgamento O novo Conde de Oeiras

aproveitou-se desse momento de forccedila poliacutetica para resolver em definitivo uma

questatildeo que tanto o preocupava o suposto e indevido poder que a seu juiacutezo era

exercido pela Companhia de Jesus suspeita tambeacutem por estar envolvida no

planejamento das accedilotildees contra o Rei Em suas alegaccedilotildees Sebastiatildeo Joseacute atacava

os jesuiacutetas por seus privileacutegios e isenccedilotildees acusando-os igualmente de estarem

sabotando o Tratado de Madri ao negarem-se a abandonar as missotildees religiosas e

ao insuflarem agrave resistecircncia os guaranis No resto da Europa eram divulgadas

informaccedilotildees fantasiosas de que os jesuiacutetas haviam feito fortunas em suas reduccedilotildees

americanas Essa campanha anti-jesuiacutetica havia sido empreendida com

determinaccedilatildeo e acabou por convencer Dom Joseacute da necessidade de se tomar uma

medida draacutestica em 3 de setembro de 1759 sob a alegaccedilatildeo de que a Companhia

de Jesus agia como um poder autocircnomo dentro do Estado portuguecircs uma Carta de

258

Lei determinava a proscriccedilatildeo desnaturalizaccedilatildeo e expulsatildeo dos jesuiacutetas dos

domiacutenios portugueses A medida previa o sequumlestro de bens o fechamento dos

coleacutegios e a extinccedilatildeo das missotildees religiosas Segundo Robert Southey no Estado

do Brasil foram presos e expulsos 168 padres jesuiacutetas na Bahia 153 em

Pernambuco Cearaacute e Paraiacuteba e 145 no Rio de Janeiro no Estado do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo teriam sido expulsos mais 150 inacianos (SOUTHEY 1981) Os bens da

Companhia em sua maior parte propriedades rurais e urbanas foram confiscados e

leiloados sendo arrematados por comerciantes e fazendeiros Em 7 de julho de

1760 Portugal rompeu relaccedilotildees diplomaacuteticas com o papado deportando para a

Itaacutelia muitos dos jesuiacutetas que estavam presos em Lisboa Essas decisotildees tiveram

imediata repercussatildeo na Europa Espanha e Franccedila decidiram respectivamente em

1764 e 1767 pelo banimento da Companhia de Jesus em seus reinos

consequumlecircncia direta da intensa pregaccedilatildeo anti-jesuiacutetica conduzida por Portugal E

em 21 de julho de 1773 o Papa Clemente XIV por meio da carta Dominus Ac

Redeptor Noster decide oficialmente pela extinccedilatildeo da Ordem dos inacianos em

todo o mundo catoacutelico

Com a expulsatildeo dos missionaacuterios da Companhia de Jesus das possessotildees

portuguesas sobretudo da Amazocircnia a poliacutetica reformadora iniciada por Mendonccedila

Furtado fora definitivamente legitimada por Lisboa Onde antes atuavam as missotildees

religiosas mesmo que inicialmente a serviccedilo dos propoacutesitos de Estado agora o

proacuteprio Estado assumia as funccedilotildees de ocupaccedilatildeo e defesa dos territoacuterios

conquistados

Na Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de Melo e Povoas sobrinho de

Sebastiatildeo Joseacute que havia sido empossado por Mendonccedila Furtado em maio de

1758 prosseguiu no trabalho de refundaccedilatildeo dos aldeamentos indiacutegenas

transformados em vilas e rebatizados com nomes portugueses elevando a aldeia de

Anibareacute para Silves Tefeacute para Ega Satildeo Pedro e Satildeo Paulo para Olivenccedila

Tracoatuba para Fonte Boa Coary para Alvelos Urauaacute para Alvarens e Maturaacute para

Castro de Avelatildees

Por sua vez no governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no periacuteodo de marccedilo

de 1759 a setembro de 1763 Manuel Bernardo de Melo e Castro construiu os fortes

259

de Satildeo Joseacute das Marabitanas ou Cucuiacute um projeto de Sturm e Satildeo Gabriel Satildeo

Gabriel da Cachoeira ou Uaupeacutes ambos localizados em pontos estrateacutegicos e ainda

pouco povoados do alto Rio Negro Essas fortificaccedilotildees consolidaram a presenccedila

portuguesa na regiatildeo e evitaram possiacuteveis reivindicaccedilotildees territoriais por parte dos

espanhoacuteis elas permitiram que vastos territoacuterios ainda pouco guarnecidos viessem

a ser de fato incorporados ao impeacuterio colonial lusitano

Como ensina Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright

ldquo[] a existecircncia de fortalezas e outros monumentos defensivos no Brasil pode ser apreciada no seu aspecto tanto geograacutefico quanto poliacutetico-estrateacutegico e defensivo natildeo desprezando os aspectos econocircmicos militares religiosos e urbaniacutesticos de tais obras Iniciamos com a evidecircncia oferecida pela seleccedilatildeo geograacutefica-estrateacutegica da localizaccedilatildeo das fortificaccedilotildees existentes no territoacuterio brasileiro indicadores da funccedilatildeo de defesa natural das cidades e pontos vulneraacuteveis[] As fortalezas construiacutedas no Brasil em Aacutefrica e na Aacutesia satildeo monumentos eloquumlentes dessa caracteriacutestica civilizadora portuguesa que ensina sobretudo uma liccedilatildeo multidisciplinar na qual a defesa tambeacutem eacute ocupaccedilatildeo iacutempeto puniccedilatildeo e passiacutevel ponto de partida para a grande conquista territorial deste povo de homens do marrdquo (WRIGHT 1999 p 9 e 35)

As fortificaccedilotildees construiacutedas pelos portugueses na Amazocircnia tornaram-se em sua

maioria nuacutecleos formadores de vilas e cidades edificadas em pontos do territoacuterio

cuidadosamente escolhidos reuniam natildeo soacute o aparato militar de defesa como os

aquartelamentos os paioacuteis de poacutelvora o corpo da guarda a casa de artilharia a

cadeia e os alojamentos da tropa como tambeacutem outras edificaccedilotildees e instalaccedilotildees

necessaacuterias agrave sua sobrevivecircncia e que passaram a fixar e atrair aqueles homens agrave

terra como a igreja a enfermaria a casa da farinha a fonte de aacutegua e as moradias

das famiacutelias A posiccedilatildeo a ser fortificada devia primordialmente atender aos

propoacutesitos poliacuteticos da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo e defesa do territoacuterio essenciais para

garantir ao Estado a justificaccedilatildeo de posse daqueles vastos espaccedilos geograacuteficos

Fortificar natildeo significava apenas defender militarmente mas sobretudo marcava a

presenccedila portuguesa naquelas regiotildees tatildeo distantes A fortificaccedilatildeo era antes de

tudo a consecuccedilatildeo de um objetivo poliacutetico que pode ser compreendido muito

claramente nos posicionamentos de Lisboa para assegurar suas possessotildees

amazocircnicas

260

O governador Melo e Castro realizou esforccedilo consideraacutevel para fazer cumprir as

orientaccedilotildees da Coroa para o aparelhamento defensivo da regiatildeo empenhou-se na

finalizaccedilatildeo das obras de fortificaccedilatildeo em andamento e investiu nos planos de

construccedilatildeo daquelas que deveriam ser levantadas Uma de suas prioridades foi a

reformulaccedilatildeo do projeto de fortificaccedilatildeo de Macapaacute preocupaccedilatildeo permanente de

Lisboa diante da ameaccedila francesa Sturm autor de outros vaacuterios projetos de

construccedilatildeo e reforma incluindo o planejamento da vila de Silves no Rio Amazonas

foi encarregado de realizar o plano para a reformulaccedilatildeo de Macapaacute Melo e Castro

tambeacutem realizou viagens de vistoria e inspeccedilatildeo de obras determinando que nas

novas vilas receacutem-fundadas fossem planejadas a execuccedilatildeo coordenada da

construccedilatildeo das casas da Cacircmara e da Cadeia e que fossem erguidas olarias e

igrejas paroquiais

Em setembro de 1763 Fernando da Costa de Ataiacutede Teive assumiu o governo do

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo permanecendo em suas funccedilotildees ateacute novembro

de 1772 Nesses mais de 9 anos de administraccedilatildeo realizou grandes intervenccedilotildees

em Beleacutem procurando dar agrave capital do Estado uma monumentalidade proacutepria de sua

importacircncia poliacutetica Eacute entretanto em Macapaacute e na construccedilatildeo da Vila Nova

Mazagatildeo que concentrou seus esforccedilos e investimentos

Ataiacutede Teive iniciou as obras do projeto definitivo da fortaleza de Macapaacute e o

planejamento e construccedilatildeo de uma nova vila para abrigar os moradores expulsos da

praccedila de Mazagatildeo80 no norte da Aacutefrica no atual Marrocos E tambeacutem mandou

fundar o fortim de Santo Antocircnio no Rio Iccedilaacute

80 Mazagatildeo foi conquistada no norte da Aacutefrica no ano de 1514 e permaneceu portuguesa ateacute o iniacutecio de 1769 vindo a constituir-se nesse periacuteodo em uma das fortificaccedilotildees mais bem construiacutedas e guardadas de todo o impeacuterio ultramarino Entretanto mais de 250 anos depois da ocupaccedilatildeo constantes hostilidades de tribos aacuterabes e ataques de um sultatildeo local forccedilaram a retirada desta posiccedilatildeo africana Lisboa decidiu por sua evacuaccedilatildeo e transferecircncia dos mazaganistas para o Estado do Gratildeo-Paraacute Em marccedilo de 1769 Mendonccedila Furtado informou ao governador Ataiacutede Teive sobre a decisatildeo reacutegia de construir uma vila relativamente proacutexima agrave Macapaacute no atual Estado do Amapaacute para o acolhimento dessa populaccedilatildeo refugiada de aproximadamente 2000 pessoas Sebastiatildeo Joseacute havia decidido forccedilar o embarque desses colonos para o Paraacute Inicialmente haviam sido instalados em Lisboa e muitos se empenharam para natildeo embarcar para a Amazocircnia De todo modo em setembro de 1769 em torno de 340 famiacutelias aproximadamente 1000 pessoas partiram com destino a Beleacutem transportados pela Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo Em janeiro de 1770 desembarcaram no Paraacute tendo permanecido em Beleacutem ateacute o ano seguinte quando entatildeo foi iniciado o transporte das primeiras levas de colonos para o local da construccedilatildeo da nova vila escolhido pelo proacuteprio Mendonccedila Furtado Domingos Sambucetti ficou encarregado da confecccedilatildeo da planta da vila aproveitando-se de um pequeno povoado jaacute existente o de Santa Ana do Rio Mutuacaacute Sua localizaccedilatildeo era estrateacutegica tanto no sentido de proporcionar reforccedilo aos soldados da guarniccedilatildeo da vila de Satildeo Joseacute de Macapaacute em caso de uma invasatildeo francesa como tambeacutem atendia agrave uma orientaccedilatildeo reacutegia de se instalarem

261

Em 20 de agosto de 1772 uma Carta Reacutegia dividiu o Estado do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo em dois novos Estados independentes o do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro com

sede em Beleacutem e o do Maranhatildeo e Piauiacute com sede em Satildeo Luiacutes

Como primeiro governador do receacutem-criado Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro e

uacuteltimo governador do periacuteodo pombalino na Amazocircnia foi nomeado Joatildeo Pereira

Caldas que permaneceria em suas funccedilotildees ateacute marccedilo de 1780

Pereira Caldas enfrentou muitas dificuldades financeiras e poliacuteticas natildeo tendo sido

capaz de prosseguir no projeto pombalino de reforma urbana iniciado por Mendonccedila

Furtado em 1751 Poucas fundaccedilotildees de vilas e fortificaccedilotildees foram feitas em seu

periacuteodo de governo e as obras em que investiu foram em sua maioria de

manutenccedilatildeo dos trabalhos iniciados por outros governadores Em 1774 por decisatildeo

reacutegia o Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro e o Estado do Maranhatildeo e Piauiacute foram

formalmente integrados ao Estado do Brasil Decisatildeo que na praacutetica natildeo alterou

substancialmente as relaccedilotildees de dependecircncia e ligaccedilatildeo direta de Beleacutem com

Lisboa Com a morte de Dom Joseacute em 1777 e o fim do poder exercido pelo

Marquecircs de Pombal extinguiu-se em 1778 a Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo em razatildeo das queixas constantes dos comerciantes do Paraacute de que a

empresa monopolista era a principal responsaacutevel pelas diacutevidas e dificuldades

econocircmicas do Estado

No contexto das demarcaccedilotildees de fronteira ainda sob a vigecircncia dos acertos

previstos no Tratado de Madri de 1750 o substituto de Mendonccedila Furtado o

capitatildeo-general do Mato Grosso e tambeacutem cartoacutegrafo e astrocircnomo Dom Antonio

Rolim de Moura assumiu em marccedilo de 1759 a chefia da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo

feitorias no caminho entre o Paraacute e Mato Grosso Natildeo logrou ecircxito entretanto o projeto de instalaccedilatildeo da nova vila os mazaganistas insistiam em permanecer em Lisboa ou Beleacutem e aqueles que chegaram agrave nova vila enfrentaram uma situaccedilatildeo de penuacuteria e doenccedila Cartas sucessivas ao Conselho Ultramarino enviadas pela Cacircmara da vila evidenciavam uma resistecircncia permanente ao projeto de assentamento Assim em 1783 jaacute no reinado de Dona Maria I os remanescentes que haviam ficado na vila obtiveram autorizaccedilatildeo para se instalarem em qualquer lugar de sua escolha dentro do Estado do Paraacute A decisatildeo reacutegia implicou de fato no fim da vila e marcou tambeacutem o fim de um ciclo da era pombalina e seu projeto de reforma urbana da Amazocircnia Somente no seacuteculo XIX a regiatildeo seria novamente retomada com a instalaccedilatildeo nas proximidades da antiga vila de um novo nuacutecleo urbano rebatizado simplesmente de Mazagatildeo (ARAUacuteJO 1998)

262

dos Limites Ele havia sido nomeado em 25 de setembro de 1748 para instalar e

governar a Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute em terras desmembradas da

Capitania de Satildeo Paulo e do Estado do Gratildeo-Paraacute criada por Alvaraacute reacutegio de 8 de

maio daquele mesmo ano A aacuterea geograacutefica desta nova capitania abrangia a maior

parte das terras hoje formadoras do Estado de Rondocircnia Mato Grosso e parte do

Mato Grosso do Sul

A descoberta do ouro e a expansatildeo bandeirante justificavam essas medidas

poliacuteticas antecipando-se Portugal aos espanhoacuteis na oficializaccedilatildeo da posse de parte

importante do centro do continente sul-americano O eixo navegaacutevel formado pelos

Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute entendidos como prolongamento de um uacutenico rio

balizava as pretensotildees portuguesas para a fronteira com os castelhanos

Rolim de Moura que era primo de Dom Joatildeo V recebera instruccedilotildees particulares do

proacuteprio Rei orientando-o para que priorizasse a regiatildeo do Mato Grosso e que natildeo

instalasse a capital da Capitania em Cuiabaacute A regiatildeo vizinha aos espanhoacuteis onde

estavam instaladas algumas missotildees jesuiacutetas no lado oriental do Rio Guaporeacute devia

ser sua maior preocupaccedilatildeo Em 17 de janeiro de 1751 ele assumiu o cargo em

Cuiabaacute e logo tratou de procurar novo local para criar a capital nas proximidades da

fronteira Dessa forma em 19 de marccedilo de 1752 levantou agrave margem do Rio

Guaporeacute no lugar denominado Pouso Alegre e a mais de 400 Km a oeste de

Cuiabaacute a capital da Capitania com o nome de Vila Bela da Santiacutessima Trindade A

posiccedilatildeo escolhida permitia o acesso fluvial a Beleacutem e se contrapunha aos jesuiacutetas

espanhoacuteis das reduccedilotildees de Santa Rosa Satildeo Simatildeo e Satildeo Miguel fixadas a leste do

Rio Guaporeacute desde 1743 e vinculadas ao Vice-Reinado do Peru Pelo Tratado de

Madri as fronteiras coloniais portuguesas viriam do Rio Jauru tributaacuterio da bacia do

Rio Paraguai e alcanccedilariam o eixo dos Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute A escolha

estrateacutegica da posiccedilatildeo de Vila Bela era o primeiro passo para a incorporaccedilatildeo

definitiva daqueles territoacuterios jaacute reconhecidos como portugueses Eacute importante

ressaltar que no mesmo ano de fundaccedilatildeo da vila por decisatildeo reacutegia de 14 de

novembro de 1752 decretou-se a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira antes

proibida por Lisboa Essa decisatildeo permitiu o estabelecimento de uma rota comercial

entre Vila Bela no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute conhecida como monccedilatildeo do

norte responsaacutevel por parcela importante das trocas entre as minas do centro-oeste

do Brasil com o Estado do Gratildeo-Paraacute comunicaccedilotildees fluviais que estabeleceram

263

definitivamente a ligaccedilatildeo de Satildeo Paulo a Beleacutem pelos sertotildees do continente sul-

americano Mendonccedila Furtado por sua vez designou um destacamento militar para

se instalar na aldeia de Trocano tomando o primeiro passo para apossar-se

efetivamente da regiatildeo do Rio Madeira

Rolim de Moura81 exerceu o cargo de governador da Capitania de Mato Grosso por

quase 14 anos de 1751 ateacute o fim de 1764 e durante seu governo implementou a

poliacutetica de ocupaccedilatildeo territorial preconizada por Lisboa suas accedilotildees voltaram-se para

o povoamento da regiatildeo e a expulsatildeo das reduccedilotildees espanholas da margem oriental

do Rio Guaporeacute fomentando tambeacutem o ecircxodo dos iacutendios reduzidos pelos

castelhanos para a margem portuguesa Nesse periacuteodo comeccedila a se formar na

regiatildeo uma sociedade mercantilista e escravocrata constituiacuteda por militares

religiosos funcionaacuterios puacuteblicos sertanistas mineradores de ouro comerciantes

pequenos fazendeiros e donos de engenho

Em 1754 o governador fundou um destacamento militar na antiga reduccedilatildeo de Santa

Rosa agraves margens do Rio Guaporeacute denominando-a de Guarda de Santa Rosa Velha

e que tinha por objetivo combater e impedir os ataques dos espanhoacuteis do Vice-

Reinado do Peru No ano de 1757 agraves margens da Cachoeira do Salto Grande hoje

Cachoeira do Teotocircnio em Porto Velho no Rio Madeira foi fundado o arraial de

Nossa Senhora da Boa Viagem

A fundaccedilatildeo em 1760 do Forte Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo no mesmo local da

Guarda de Santa Rosa Velha na faixa de fronteira do Rio Guaporeacute provocou forte

reaccedilatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis que queriam recuperar a posse da antiga

reduccedilatildeo para el rei catoacutelico Rolim de Moura rebateu as criacuteticas dos religiosos

alegando que os missionaacuterios espanhoacuteis tinham espontaneamente deixado a

regiatildeo e que os portugueses desde muito usufruiacuteam a navegaccedilatildeo do rio Aleacutem

disso havia os tiacutetulos de Madri que oficializavam a presenccedila lusitana A construccedilatildeo

do forte obedecia a um processo poliacutetico em andamento dirigido por Lisboa e

81 Foi transferido em 1765 para o governo da Bahia e em 1767 nomeado Vice-Rei do Brasil cargo de que pediu demissatildeo dois anos mais tarde Dom Antocircnio Rolim de Moura Tavares Conde de Azambuja foi o 10ordm Vice-Rei do Brasil exercendo o cargo de 17 de novembro de 1767 a 4 de novembro de 1769 Tinha larga experiecircncia em administraccedilatildeo colonial como Governador da Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute e da Bahia Morreu em 1782

264

executado por Rolim de Moura para a ocupaccedilatildeo da regiatildeo do extremo oeste sul-

americano Dessa forma menos de dois anos depois em 1762 foi fundada tambeacutem

a povoaccedilatildeo de Satildeo Miguel agraves margens do mesmo Rio Guaporeacute (BRAZIL 2000)

Em 1762 o Forte Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo sofreu um violento ataque espanhol

entre 800 ou 1200 homens em aproximadamente 40 canoas atacaram pelo Rio

Guaporeacute e tomaram a posiccedilatildeo portuguesa Rolim de Moura foi forccedilado a retirar suas

tropas mas retornou em seguida trazendo reforccedilos de Vila Bela Desalojou os

espanhoacuteis e retomou a fortificaccedilatildeo O episoacutedio evidenciou a necessidade de se

aumentar a vigilacircncia em relaccedilatildeo aos espanhoacuteis e em 1772 jaacute sob o governo de

Luiz Pinto de Souza Coutinho o forte foi reconstruiacutedo e rebatizado com o nome de

Forte de Braganccedila futuro Forte Real Priacutencipe da Beira

A missatildeo recebida por Rolim de Moura para substituir Mendonccedila Furtado na chefia

da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos Limites no iniacutecio de 1759 soacute podia ser

plenamente cumprida com a chegada da comissatildeo espanhola chefiada por Dom

Joseph de Iturriaga O Tratado das Instruccedilotildees para as turmas demarcadoras havia

sido firmado em 24 de junho 1752 em Aranjuez na Espanha e estabelecia o

programa de trabalho a ser executado para as demarcaccedilotildees dos territoacuterios

portugueses e espanhoacuteis na Ameacuterica Estabelecia tambeacutem que os demarcadores

espanhoacuteis viriam pelo Rio Orenoco encontrar-se com os portugueses no Rio Negro

em local escolhido para o iniacutecio dos trabalhos de demarcaccedilatildeo Passados mais de 7

anos da assinatura do acordo o representante espanhol ainda natildeo havia chegado

ao seu destino

Iturriaga recebera as instruccedilotildees secretas redigidas para os comissaacuterios espanhoacuteis

de Dom Joseph de Carvajal em 30 de setembro de 1753 A comissatildeo deveria

embarcar em Cadiz na Espanha e dirigir-se para Cumanaacute na atual Venezuela

quando entatildeo subiria o Rio Orenoco ateacute alcanccedilar o Rio Cassiquiari e finalmente o

Rio Negro Em 15 de fevereiro de 1754 Iturriaga partiu de Cadiz e em 9 de abril

atingiu Cumanaacute Logo se defrontou com as dificuldades locais para transportar e

equipar suas equipes e alegando falta de recursos para prosseguir para o Rio

Negro Iturriaga dirigiu-se para Cabruta na atual Guiana onde decidiu permanecer

A demora em Cabruta suscitou suspeitas de que o comissaacuterio espanhol havia se

265

aliado aos jesuiacutetas e agravequeles que na Corte se opunham aos acordos de Madri

Apesar disso um pequeno destacamento precursor foi enviado ao Rio Negro

atingindo Barcelos em outubro de 1759 A vila natildeo estava em condiccedilotildees de receber

os demarcadores os armazeacutens estavam vazios e as edificaccedilotildees construiacutedas em

madeira natildeo resistiram agrave demora dos espanhoacuteis O governador do Estado do Gratildeo-

Paraacute Manuel Bernardo de Melo e Castro orientou Joaquim de Melo e Povoas

governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro a retardar a chegada de

Iturriaga A subida ao trono espanhol de Carlos III em agosto de 1759 apoacutes a

morte de Fernando VI que havia assinado o Tratado de Madri em 1750 mudaria

profundamente a orientaccedilatildeo poliacutetica em relaccedilatildeo aos acordos de fronteiras As

dificuldades para a devoluccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento a Guerra Guaraniacutetica

conduzida na regiatildeo de Sete Povos os gastos gerados pelas comissotildees e

principalmente a oposiccedilatildeo de influentes autoridades tanto espanholas quanto

portuguesas resultariam na assinatura em 12 de fevereiro de 1761 do Tratado de

El Pardo estabelecido entre Dom Joseacute I de Portugal e Carlos III de Espanha que

oficialmente tornava nulo o Tratado de Madrid de 1750 Desde 15 de abril de 1760

Madri havia ordenado que natildeo se prosseguisse nos trabalhos das demarcaccedilotildees

comunicando em 3 de outubro do mesmo ano que a comissatildeo estava dissolvida e

autorizando Iturriaga a permanecer na fronteira para a fundaccedilatildeo de novos

povoamentos espanhoacuteis (REIS 1948)

Apesar do fracasso das demarcaccedilotildees na Amazocircnia e no Mato Grosso as

consequumlecircncias do Tratado de Madri natildeo podiam mais ser ignoradas Mendonccedila

Furtado havia tomado medidas para ampliar a ocupaccedilatildeo portuguesa reorganizando

profundamente a vida poliacutetica social e econocircmica da regiatildeo ampliou-se

definitivamente o conhecimento da realidade geograacutefica daqueles territoacuterios - o

Systema das demarcaccedilotildees da parte norte de Mendonccedila Furtado as expediccedilotildees

oficiais e o levantamento da carta dos Rios Amazonas Negro e Madeira satildeo

exemplificadores desse processo construiu-se desde o Mato Grosso ateacute os limites

mais setentrionais uma linha defensiva nas zonas de fronteira com os espanhoacuteis

vilas e fortificaccedilotildees foram erguidas em pontos distantes e estrateacutegicos estabeleceu-

se definitivamente a ligaccedilatildeo fluvial pelo eixo dos Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute

permitindo a ligaccedilatildeo de Cuiabaacute e Satildeo Paulo com Beleacutem no Paraacute pelo interior do

continente consolidou-se a divisatildeo poliacutetica planejada por Lisboa com a criaccedilatildeo da

266

Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro e a Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute

estabelecendo-se toda a organizaccedilatildeo administrativa que a medida exigia

expulsaram-se definitivamente as reduccedilotildees espanholas na banda oriental do Rio

Guaporeacute consolidando a presenccedila portuguesa na regiatildeo muitos membros da

comissatildeo de limites desenvolveram projetos urbanos cientiacuteficos e de fortificaccedilotildees de

extrema relevacircncia para a ocupaccedilatildeo portuguesa O empenho de Lisboa em suas

accedilotildees anteriores e posteriores ao Tratado de Madri revelam que a Amazocircnia e o

Mato Grosso foram uma prioridade poliacutetica para a alta administraccedilatildeo portuguesa

A anulaccedilatildeo dos acordos de Madri natildeo resultou em recuo dos administradores

portugueses na implantaccedilatildeo dos projetos de fortificaccedilatildeo dos territoacuterios amazocircnicos

Lembra Maria do Carmo Brazil que durante o seacuteculo XVIII o pensamento portuguecircs

sobre a colonizaccedilatildeo americana previa a ocupaccedilatildeo do interior o que significava

primordialmente povoamento e defesa do territoacuterio Instruccedilotildees foram elaboradas por

Lisboa aos administradores coloniais para atrair fixar colonos e consolidar uma forccedila

de defesa para a manutenccedilatildeo dessas vastas regiotildees Essas Instruccedilotildees

expressavam verdadeira orientaccedilatildeo de governo evidenciando racionalidade e

coerecircncia administrativa sobretudo em relaccedilatildeo agrave defesa e agraves atividades

econocircmicas a serem desenvolvidas como o comeacutercio a produccedilatildeo mineral e a

produccedilatildeo agriacutecola (BRAZIL 2000)

A atuaccedilatildeo de Dom Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres capitatildeo-general

da Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute no periacuteodo de dezembro de 1772 a

novembro de 1789 demonstra claramente que a poliacutetica de ocupaccedilatildeo e defesa das

fronteiras coloniais natildeo foi interrompida por Lisboa mesmo apoacutes a assinatura do

Tratado de El Pardo em 1761 Ele planejou a ocupaccedilatildeo da margem oriental do Rio

Paraguai e a fortificaccedilatildeo das margens dos rios concretizada na construccedilatildeo do Forte

Priacutencipe da Beira no meacutedio Guaporeacute e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda no

Alto e Meacutedio Paraguai Fundou tambeacutem em posiccedilotildees estrategicamente localizadas

no ano de 1778 as povoaccedilotildees de Albuquerque hoje Corumbaacute no atual Mato

Grosso do Sul e Vila Maria atual Caacuteceres no Mato Grosso consolidando a poliacutetica

portuguesa de apossar-se da regiatildeo Essas accedilotildees contiveram as ameaccedilas dos

267

espanhoacuteis e de grupos indiacutegenas hostis e permitiram igualmente que fosse feita a

ocupaccedilatildeo das terras ao sul de Cuiabaacute no atual Estado do Mato Grosso do Sul

O Real Forte do Priacutencipe da Beira localizado no atual Estado de Rondocircnia a mais

de 1000 km de Cuiabaacute constitui um capiacutetulo especial da histoacuteria das fortificaccedilotildees no

Brasil Sua construccedilatildeo teve por propoacutesito proteger a navegaccedilatildeo dos Rios Madeira-

Mamoreacute-Guaporeacute contra as investidas espanholas e servir de ponto de apoio aos

viajantes da rota Cuiabaacute Vila Bela e Beleacutem Lisboa pretendia intensificar o comeacutercio

por essa nova rota e a fortificaccedilatildeo garantiria a seguranccedila da regiatildeo sobretudo

quando da transferecircncia das arrobas de ouro das minas do Mato Grosso para o

Paraacute Pereira e Caacuteceres inspecionou o local da construccedilatildeo em 1773 e no dia 20 de

junho de 1776 lanccedilou a pedra fundamental da fortificaccedilatildeo82

O projeto foi encarregado ao engenheiro Domingos Sambucetti que morreu de

malaacuteria antes do teacutermino da obra tendo sido substituiacutedo pelo sargento-mor e

engenheiro militar Ricardo Franco de Almeida e Serra 7 anos depois de iniciada a

construccedilatildeo o forte foi finalmente inaugurado em 20 de agosto de 1783 Seu nome

foi escolhido por Pereira e Caacuteceres para homenagear o primogecircnito de Dona Maria I

Dom Joseacute II Priacutencipe da Beira uma cidade de Portugal Erguido em plena regiatildeo da

selva amazocircnica Priacutencipe da Beira eacute ainda hoje um eloquumlente marco da

82 Na ocasiatildeo do lanccedilamento da pedra fundamental foi lavrada a seguinte Ata Vindo o Ilmordm e Exmordm Sr Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres a este lugar situado na margem oriental do rio Guaporeacute desta capitania em distacircncia de mil braccedilas pouco mais ou menos da antiga Fortaleza da Conceiccedilatildeo o qual lugar tinha sido escolhido e aprovado pelo mesmo Sr Depois de circunspectamente o reconhecer ouvindo a vaacuterios engenheiros com particularidade ao ajudante de infantaria com o dito exerciacutecio Domingos Sambocetti a quem pela sua inteligecircncia tem cometido a direccedilatildeo principal das obras para nele se fundar a outra nova Fortaleza que Sua Majestade ordenou assim porque estaacute livre das maiores excrescecircncias do dito rio como porque o terreno eacute naturalmente o mais soacutelido e o mais acomodado em todos os sentidos que podia desejar-se Cuja Pedra foi com efeito posta no Alicerce do Acircngulo flanqueado no Baluarte em que de presente se trabalha cujo acircngulo com pequena diferenccedila olha para o poente e determinou o dito Senhor que a mesma Fortaleza de hoje em diante se denomine - REAL FORTE DO PRIacuteNCIPE DA BEIRA - consagrando-se os quatro Baluartes em que haacute de consistir a saber A Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo o referido em que se trabalha com direccedilatildeo geral do poente a Santa Baacuterbara o outro que vira para o Sul ambos adjacentes ao rio e a Santo Antocircnio de Paacutedua e a Santo Andreacute Avelino os outros dois que devem corresponder-lhes o que tudo se fez sendo presentes o Capitatildeo de Dragotildees da Capitania de Goyas Joseacute de Mello e Castro de Vilhena referido Engenheiro Domingos Sambocetti o Tenente de Dragotildees Joseacuteph Manoel Cardoso da Cunha o Tenente em Segundo de Artilharia Thomeacute Joseacute de Azevedo o Alferes de Dragotildees Joaquim Pereyra de Albuquerque o Capitatildeo Joaquim Lopes Poupino Intendente de Obras de que se faz Auto com mais quatro coisas em que o dito Senhor Governador e Capitatildeo-general assinou e da mesma forma os sobreditos com as pessoas que abaixo constam e eu Antocircnio Ferreira Coelho Escrivatildeo da Fazenda Real que o escrevi

268

engenharia militar portuguesa e assinala de forma inequiacutevoca as intenccedilotildees poliacuteticas

de Lisboa para a manutenccedilatildeo daqueles territoacuterios83

Para guarnecer os limites exteriores da regiatildeo amazocircnica foram construiacutedos

sobretudo na segunda metade do seacuteculo XVIII as fortificaccedilotildees de Satildeo Joseacute de

Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira no Rio Negro Satildeo Francisco Xavier de

Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim no Rio Branco Santo Antocircnio do Iccedilaacute na

desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees Satildeo Joseacute de Macapaacute na foz do Rio

Amazonas e Real Forte do Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute (Mapa 25)

A linha defensiva criada pelas fortificaccedilotildees portuguesas no contorno da Amazocircnia

permitiu a consolidaccedilatildeo definitiva da ocupaccedilatildeo do territoacuterio e demonstra inequiacutevoca-

mente a prioridade poliacutetica de Lisboa em defender e manter aquele espaccedilo

conquistado

67 As Monccedilotildees do Norte

ldquoAgrave experiecircncia dos praacuteticos pilotos e proeiros das canoas das monccedilotildees deve-se em parte a abertura das comunicaccedilotildees regulares entre Mato Grosso e o Paraacute que viriam criar mais uma linha de comeacutercio para aqueles sertotildees Essa via constitui em realidade um prolongamento na direccedilatildeo do extremo norte do velho caminho fluvial que avanccedila do sul do planalto paulista A funccedilatildeo histoacuterica dessa estrada de mais de dez mil quilocircmetros de comprimento que abraccedila quase todo o Brasil supera mesmo a de quaisquer outras linhas de circulaccedilatildeo natural de nosso territoacuterio sem exclusatildeo do proacuteprio Satildeo Francisco por muitos denominado o rio da unidade nacionalldquo (HOLANDA 1957 p 178 e 179)

Como foi visto anteriormente a descoberta de grandes jazidas minerais nos Rios

Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute em 1718 e em 1722 provocou uma verdadeira

corrida do ouro para o Centro-Oeste do Brasil Para as autoridades de Lisboa a

navegaccedilatildeo pelos Rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira representava uma seacuteria ameaccedila

de evasatildeo fiscal por contrabando de ouro das minas do Mato Grosso A exemplo

83 A fortificaccedilatildeo possui 970 metros de periacutemetro uma muralha de 10 metros de altura 4 baluartes cada um com 14 canhoneiras Em sua volta ainda pode se observar o fosso utilizado como obstaacuteculo de passagem No interior existiam 14 residecircncias para oficiais aleacutem de capela armazeacutem e depoacutesito Entre um baluarte e outro as muralhas medem 92 metros A cal de pedra utilizada na construccedilatildeo da fortaleza subiu pelo Rio Madeira vinda de Beleacutem Os pedreiros foram recrutados em Satildeo Paulo Beleacutem e Mato Grosso Os canhotildees vieram do Paraacute em viagem que durou 5 anos O canteiro de obras atraiu muitas pessoas chegando a registrar-se aproximadamente 800 povoadores dedicados agrave construccedilatildeo ou agrave lavoura de cereais e cafeacute

269

do que ocorria com os espanhoacuteis no Peru que sofriam com o contrabando em suas

colocircnias temia-se que as riquezas minerais receacutem-descobertas fossem desviadas

por essa rota fluvial para Beleacutem no Paraacute Aleacutem disso havia a ameaccedila dos

castelhanos instalados em Santa Cruz de la Sierra que poderiam avanccedilar sobre

aqueles territoacuterios e ameaccedilar a exploraccedilatildeo portuguesa mais um argumento para

que natildeo fosse permitido o acesso agrave regiatildeo Por essas razotildees a navegaccedilatildeo pelo Rio

Madeira foi oficialmente proibida por meio do Alvaraacute reacutegio de 27 de outubro de

1733 Pouco tempo depois em 1742 essa decisatildeo foi desrespeitada por um

pequeno grupo de sertanistas liderados por Manoel Felix de Lima Infringindo as

proibiccedilotildees reacutegias de comerciar com os castelhanos ele empreendeu viagem ateacute

Beleacutem navegando o Rio Madeira Mendonccedila Furtado entatildeo governador do Estado

do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo expocircs a Lisboa argumentos favoraacuteveis agrave liberaccedilatildeo da

navegaccedilatildeo do rio insistia que a abertura era necessaacuteria para a garantia da presenccedila

portuguesa na regiatildeo e que os espanhoacuteis poderiam por outro lado adentrar aquelas

posiccedilotildees proibidas e natildeo ocupadas Sugeriu inclusive a construccedilatildeo de uma

fortaleza e a fundaccedilatildeo de nuacutecleos de povoamento ao longo do rio conseguindo

quebrar as resistecircncias do Conselho Ultramarino que por decisatildeo reacutegia de 14 de

novembro de 1752 decretou a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira para as

relaccedilotildees comerciais com as outras capitanias

A ligaccedilatildeo fluvial de Satildeo Paulo com as regiotildees mineradoras do Rio Cuiabaacute e Guaporeacute

havia sido realizada em 1719 estabelecendo-se a partir dessa data um sistema de

transportes que passou a ser conhecido por monccedilatildeo de povoado expediccedilotildees

fluviais regulares que tinham a funccedilatildeo de abastecer as minas com mercadorias e

escravos e transportar os que pretendiam explorar e se aventurar naqueles sertotildees

longiacutenquos Desde 1719 ateacute 1838 por mais de 100 anos as monccedilotildees permitiram a

ligaccedilatildeo fiacutesica de Satildeo Paulo com o Mato Grosso e foram consolidando a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano

Com a abertura do Rio Madeira em 1752 o governo portuguecircs passou a estimular

as comunicaccedilotildees entre Vila Bela e Beleacutem oficializando uma nova rota fluvial que

passou a ser conhecida por monccedilatildeo do norte Articulada com a monccedilatildeo de povoado

podia-se alcanccedilar Beleacutem partindo-se de Satildeo Paulo por meio dessas duas rotas

fluviais que cruzavam o interior do continente

271

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que as canoas utilizadas pelas monccedilotildees do

norte tambeacutem chamadas de ubaacutes podiam transportar ateacute 3000 arrobas de carga e

aproximadamente 20 homens 7 vezes mais do que carregavam as canoas

paulistas As condiccedilotildees de navegaccedilatildeo tambeacutem eram diferentes os rios amazocircnicos

mais volumosos que os rios paulistas e mato-grossenses apresentavam menor

dificuldade para a realizaccedilatildeo da empreitada Para vencer os mais de 100 trechos

encachoeirados no percurso das monccedilotildees de povoado os homens eram obrigados

a desembarcar a carga e na maioria das vezes transportar por terra as proacuteprias

embarcaccedilotildees na rota das monccedilotildees do norte o maior obstaacuteculo eram as corredeiras

do Alto Madeira entre os atuais municiacutepios de Guajaraacute-Mirim e Porto Velho ambos

no atual Estado de Rondocircnia As duas rotas eram navegadas por comboio de

canoas e utilizavam-se igualmente de uma eacutepoca propiacutecia do ano para a realizaccedilatildeo

das viagens traccedilos caracteriacutesticos comuns que resultaram na mesma denominaccedilatildeo

monccedilatildeo (GOacuteES FILHO 2001)

Esse roteiro de comunicaccedilatildeo percorria trechos ainda natildeo povoados pelos

portugueses No entanto com o passar do tempo ao longo dos rios foram-se

formando vilas arraiais lugares e aldeias Lavras de ouro roccedilas de subsistecircncia

criaccedilatildeo de gado e plantaccedilatildeo de accediluacutecar foram atraindo e fixando os homens agravequelas

terras tatildeo distantes dos centros litoracircneos Construiacuteram-se olarias teares de

algodatildeo faacutebricas de cal e de sal e outras tantas instalaccedilotildees necessaacuterias agrave

sobrevivecircncia desses novos colonos

Ressalta Jovam Vilela Silva que na periferia das vilas fortalezas presiacutedios e

lugares se desenvolveu a produccedilatildeo agriacutecola e a pecuaacuteria de subsistecircncia

responsaacuteveis ao longo do tempo pela fixaccedilatildeo dos mineradores agrave terra As

profissotildees mais usuais prendiam-se aos serviccedilos e ofiacutecios mecacircnicos pedreiros

arrieiros serralheiros ferreiros caldeireiros carpinteiros seleiros sapateiros

alfaiates oleiros e barbeiros Desenvolveram-se tambeacutem as atividades de coleta de

drogas do sertatildeo e indiacutegenas dispersos muitos deles oriundos das reduccedilotildees

espanholas de moxos e chiquitos foram sendo atraiacutedos para a regiatildeo oriental do Rio

Guaporeacute Os comboios das monccedilotildees do norte organizados por conta e risco de

armadores particulares trafegavam com todo tipo de mercadoria entre o Paraacute e os

272

sertotildees do Mato Grosso Aleacutem desse roteiro fluvial utilizou-se em menor escala o

transporte terrestre entre Goiaacutes e Mato Grosso realizando-se a ligaccedilatildeo entre Cuiabaacute

e Vila Bela por meio de uma malha de ligaccedilotildees terrestres e fluviais internas que

alcanccedilava as fortalezas construiacutedas no percurso dos Rios Guaporeacute e Paraguai

(SILVA 2006)

A rota de navegaccedilatildeo desenvolvida pela monccedilatildeo do norte permitiu a ligaccedilatildeo entre a

Capitania do Mato Grosso e o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo por mais de meio

seacuteculo e contribuiu enormemente para a sobrevivecircncia das populaccedilotildees do

Guaporeacute constituindo-se o eixo navegaacutevel dos Rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira

essencial para o desenvolvimento da regiatildeo

Segundo David M Davidson as monccedilotildees do norte tiveram importante papel no

comeacutercio do centro-oeste brasileiro e podem ser divididas em 3 fases distintas na

primeira entre 1752 e 1768 teriam sido responsaacuteveis por 21 do comeacutercio total da

regiatildeo na segunda entre 1769 e 1788 durante a atuaccedilatildeo da Companhia Geral do

Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo transportavam 34 das mercadorias que chegavam e

saiacuteam de Vila Bela e na terceira fase de 1788 a 1808 teriam enfrentado forte

decliacutenio culminando com a extinccedilatildeo quase total da atividade comercial por esse eixo

fluvial Nesse periacuteodo as comunicaccedilotildees por terra entre Vila Bela e Cuiabaacute com as

cidades litoracircneas da costa leste passaram a ser absolutamente dominantes o

que provocou a decadecircncia econocircmica definitiva da rota das monccedilotildees do norte o

comeacutercio com Beleacutem foi gradativamente tornando-se secundaacuterio com a

concorrecircncia das novas ligaccedilotildees terrestres (DAVIDSON84 1983 p 69 apud GOacuteES

FILHO 2001 p 159)

Com a decadecircncia das minas de Cuiabaacute e do Guaporeacute a economia do centro-oeste

brasileiro tornou-se dependente da criaccedilatildeo de gado e da agricultura de subsistecircncia

O decliacutenio das monccedilotildees do norte coincide com a dependecircncia econocircmica que se

estabelecia entre o Mato Grosso e a regiatildeo sudeste brasileira

A importacircncia dessa rota de comeacutercio natildeo pode entretanto ser desconsiderada no

contexto da expansatildeo territorial do Brasil Com a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio

84 DAVIDSON David M Rivers and Empires the Madeira route and the incorporation of the brazilian farwest 1737-1808 p 69 Michigan University Microfilms Int 1983

273

Madeira e a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute

estabeleceram-se definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o

entatildeo Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees do norte uniram-se agraves

monccedilotildees de povoado e passaram a delinear as fronteiras ocidentais dos territoacuterios

coloniais portugueses na Ameacuterica rotas que viriam a se constituir em dois vigorosos

movimentos de penetraccedilatildeo e ocupaccedilatildeo territorial do centro-oeste e da Amazocircnia

brasileira

274

7 CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE

ldquoA linguagem e o teor deste memoraacutevel tratado (referindo-se ao Tratado de Madri) estatildeo dando testemunho da sinceridade e boas intenccedilotildees das duas cortes Parecem na verdade os dois soberanos contratantes ter-se adiantado ao seu seacuteculo [] que quase pode considerar-se coisa nova na diplomacia e tentando estabelecer perpeacutetua paz nas suas colocircnias fossem quais fossem as disputas entre eles se suscitassem na Europa puseram um exemplo digno de recordar-se como meio praticaacutevel de minorar os males da guerrardquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 249)

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar os acordos de limites firmados

entre as Coroas ibeacutericas apoacutes a anulaccedilatildeo do Tratado de Madri de 1750 no contexto

das mudanccedilas poliacuteticas ocorridas na Europa na segunda metade do seacuteculo XVIII

Mesmo tendo sido anulado pelo Tratado de El Pardo onze anos depois em 1761 o

acerto de Madri foi quase que integralmente reaproveitado pelo Tratado de Santo

Ildefonso de 1777 excetuando-se a adoccedilatildeo de modificaccedilotildees para as fronteiras da

regiatildeo sul do Brasil Esse uacuteltimo tratado no entanto natildeo duraria muito tempo pois

novamente em guerra peninsular Portugal e Espanha declararam Santo Ildefonso

nulo em 1801 e no mesmo ano assinaram um acordo de paz o Tratado de

Badajoz que natildeo revalidava nenhum acordo anterior sobre limites coloniais

O Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos senhores Don

Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha assinado em 13 de

janeiro de 1750 em Madri embora tivesse sido firmado com a intenccedilatildeo de

estabelecer uma soluccedilatildeo permanente aos conflitos coloniais ibeacutericos teve curta

vigecircncia formal Mas apesar disso tornou-se peccedila fundamental para a fixaccedilatildeo dos

contornos territoriais brasileiros servindo o seu texto de base para resolver as

pendecircncias de fronteiras que viriam a ocorrer no Impeacuterio e na Repuacuteblica sendo em

grande medida responsaacutevel pela atual configuraccedilatildeo territorial em que se assenta o

Estado do Brasil Prevaleceria a doutrina defendida por Alexandre de Gusmatildeo e

consolidada nos princiacutepios do direito de posse ou uti possidetis instrumento juriacutedico

que veio a ser definitivamente consagrado para a soluccedilatildeo das disputas de territoacuterio

no continente sul-americano

275

Entretanto desde sua assinatura o Tratado de Madri sofreu fortes resistecircncias na

Corte portuguesa muitos natildeo se conformavam com a cessatildeo da Colocircnia do

Sacramento e a consequumlente e definitiva desistecircncia sobre importante porccedilatildeo da

bacia do Rio do Prata na Corte espanhola o acordo era visto como uma imposiccedilatildeo

da Rainha portuguesa e contraacuterio aos interesses do paiacutes sendo extremamente

permissivo em relaccedilatildeo agraves pretensotildees territoriais de Portugal Aleacutem disso a cessatildeo

dos Sete Povos aos luso-brasileiros havia provocado a reaccedilatildeo contraacuteria dos jesuiacutetas

espanhoacuteis sobretudo daqueles responsaacuteveis pelas reduccedilotildees dos guaranis

instaladas na margem oriental do Rio Uruguai

As mortes de Dom Joatildeo V ocorrida em 1750 de Alexandre de Gusmatildeo em 1753

do negociador espanhol Dom Joseacute de Carbajal y Lancaster em 1754 de Dona

Maria Baacuterbara Rainha de Espanha em 1758 e de Dom Fernando VI em 1759 -

principais defensores do Tratado de Limites - contribuiacuteram igualmente para o

enfraquecimento poliacutetico das posiccedilotildees defendidas em 1750

Na Ameacuterica as reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai

os Sete Povos das Missotildees - povoaccedilotildees indiacutegenas de Satildeo Nicolas Satildeo Luis Satildeo

Lorenzo Satildeo Borja Santo Acircngelo Satildeo Batista e Satildeo Miguel situadas no oeste do

atual Estado do Rio Grande do Sul deflagraram um conflito contra os trabalhos de

demarcaccedilatildeo de fronteira e a transferecircncia para o lado ocidental do Rio Uruguai

reaccedilatildeo indiacutegena que ficou conhecida por Guerra Guaraniacutetica O conflito teve iniacutecio

em 1754 e a regiatildeo soacute veio a ser totalmente controlada em maio de 1756 apoacutes

violentos combates entre tropas espanholas e portuguesas contra a resistecircncia

guarani O episoacutedio foi largamente utilizado como propaganda anti-jesuiacuteta e serviu

tambeacutem como mais um argumento desfavoraacutevel aos acordos celebrados em Madri

No norte no Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo Mendonccedila Furtado denunciava agraves

autoridades de Lisboa a atuaccedilatildeo jesuiacuteta como o principal obstaacuteculo aos trabalhos de

demarcaccedilatildeo

276

Na Europa as relaccedilotildees poliacuteticas entre Portugal e Espanha haviam se deteriorado

enormemente com a Guerra dos Sete Anos85 ocorrida entre 1756 e 1763 e mais

uma vez estavam as duas naccedilotildees ibeacutericas em posiccedilotildees opostas

Com a morte de Dom Fernando VI ocorrida em agosto de 1759 sobe ao trono da

Espanha em 11 de setembro do mesmo ano seu meio irmatildeo entatildeo Rei das Duas

Siciacutelias atual Naacutepoles e Siciacutelia Dom Carlos III O novo Rei se opunha frontalmente

aos acordos assinados em Madri e logo iniciou uma profunda mudanccedila de

orientaccedilatildeo da poliacutetica externa espanhola A aproximaccedilatildeo com Portugal e Inglaterra

levadas a termo por influecircncia de Dom Joseacute de Carbajal y Lancaster foi

abandonada por um estreitamento de relaccedilotildees com a Franccedila Carlos III que

pertencia agrave casa dos Bourbon firmara com Luiacutes XV o chamado Pacto de Famiacutelia -

um tratado de alianccedila militar ofensiva e defensiva que lhe obrigou a entrar na

Guerra dos Sete Anos declarada pela Franccedila contra a Inglaterra e cujos resultados

seriam desastrosos tanto para os franceses quanto para os espanhoacuteis

Entretanto ensina Emanuel Soares da Veiga Garcia que

ldquoO reinado de Carlos III foi o periacuteodo chave da vida poliacutetica e econocircmica da Espanha por ocasiatildeo do seacuteculo XVIII Sua administraccedilatildeo nitidamente reformista tingiu com todas as matizes o quadro da administraccedilatildeo puacuteblica espanhola quer no plano nacional quer no setor colonialrdquo (GARCIA 1968 p 31)

85 A Guerra dos Sete Anos entre Franccedila Aacuteustria e seus aliados Ruacutessia Sueacutecia e Espanha contra Inglaterra Pruacutessia e Hannover foi travada no periacuteodo de 1756 a 1763 Considerada como o primeiro conflito de caraacuteter mundial foi precedida por uma profunda reformulaccedilatildeo do sistema de alianccedilas entre as principais potecircncias europeacuteias evidenciando a rivalidade colonial e econocircmica entre Franccedila e Inglaterra e a disputa pela supremacia na Alemanha entre Aacuteustria e Pruacutessia A guerra se alastrou do territoacuterio norte-americano e indiano ao continente europeu franceses e ingleses disputavam posiccedilotildees territoriais nos atuais Estados Unidos e na Iacutendia aleacutem disso colonos britacircnicos instalados na costa nordeste americana passaram a reivindicar a posse dos estados franceses da Terranova e Nova Escoacutecia no norte da Ameacuterica Ao longo dos sete anos as grandes potecircncias europeias levaram a guerra agraves suas possessotildees coloniais em todo o mundo os ingleses apoderam-se de Quebec e de Montreal conquistando ateacute a regiatildeo dos Grandes Lagos dominam ainda os territoacuterios franceses nas Antilhas na Aacutefrica e na Iacutendia Como consequumlecircncia a Inglaterra submeteu grande parte do impeacuterio colonial francecircs a Franccedila cedeu agrave Inglaterra o Canadaacute Cabo Bretatildeo Senegal e Gacircmbia e agrave Espanha ndash que entra na guerra em 1761 ndash a Louisiana A Espanha por sua vez cedeu a Floacuterida aos ingleses No cocircmputo global do conflito a Inglaterra e a Ruacutessia saiacuteram-se vitoriosas Em 10 de fevereiro de 1763 na Franccedila foi firmado o acordo de paz conhecido por Tratado de Paris Pelo Tratado de Hubertsburg a Aacuteustria por sua vez cedeu definitivamente a Sileacutesia agrave Pruacutessia A Pruacutessia se afirmou como concorrente da Aacuteustria na lideranccedila dos estados alematildees lanccedilando as bases do seu futuro impeacuterio colonial As importantes vitoacuterias inglesas sobre a Franccedila consolidadas no Tratado de Paris lanccedilaram as bases do futuro impeacuterio colonial inglecircs A Guerra dos Sete Anos acirrou tambeacutem as divergecircncias anglo-americanas quando Londres decidiu por penalizar os colonos americanos com parte dos custos da guerra lanccedilando assim os fundamentos da luta pela independecircncia dos Estados Unidos

277

Em Portugal Sebastiatildeo Joseacute o poderoso ministro de Dom Joseacute I natildeo fazia questatildeo

de opor-se publicamente ao Tratado de Limites acordado em Madri ele natildeo

concordava com a cessatildeo da Colocircnia do Sacramento e nutria grande antipatia por

seu antecessor Alexandre de Gusmatildeo aleacutem disso atribuiacutea os insucessos nas

demarcaccedilotildees de fronteira agrave resistecircncia dos jesuiacutetas em se submeter ao poder do

Estado Dessa forma por iniciativa da Corte portuguesa em propostas de 1757 e

1758 firmavam-se as conversaccedilotildees para a anulaccedilatildeo do Tratado de Madri

Ricardo Wall um francecircs de origem irlandesa que ocupara antes o cargo de

embaixador espanhol em Londres havia sido nomeado por Dom Fernando VI para

substituir Dom Joseacute de Carvajal y Lancaster morto em 1754 no acompanhamento

das demarcaccedilotildees de fronteira previstas pelos acordos de Madri Wall conduziu um

longo estudo sobre as vantagens e desvantagens do Tratado de Limites que era

chamado pelos espanhoacuteis de Tratado de Permuta tendo iniciado desde 1756 ainda

sob o governo de Dom Fernando VI entendimentos com Sebastiatildeo Joseacute para a

assinatura de outro acordo que pusesse fim aos conflitos provocados pela Guerra

Guaraniacutetica

Dessa forma considerando insuperaacuteveis as dificuldades de demarcaccedilatildeo ocorridas

tanto no sul quanto no norte das possessotildees coloniais ibeacutericas sul-americanas

Portugal e Espanha decidiram simplesmente por revogar o Tratado de Madri

Em 12 de fevereiro de 1761 em El Pardo na Espanha Joseph da Silva Peccedilanha

representante portuguecircs e Don Ricardo Wall representante espanhol devidamente

autorizados por seus Reis assinaram um Tratado86 de trecircs artigos que

formalmente anulava o Tratado de Madri e que invalidou - de certo modo

temporariamente - os acordos de limites coloniais firmados em 1750

ldquoTratado entre El-Rei o senhor Dom Joseacute I e Dom Carlos III Rei de Hespanha pelo qual se annulou o de 13 de janeiro de 1750 mandando-se observar os anteriores Assignado no Pardo 12 de fevereiro de 1761 Em Nome da Santissima Trindade Os serenissimos Rei de Portugal e Hespanha vendo por uma serie de successivas experiencias que na execuccedilatildeo do Tratado de Limites da Asia e

86 O Tratado de El Pardo estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo

278

da America celebrado entre as duas Coroas firmado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta [] se tem sempre encontrado taes e tatildeo grandes difficuldades [] se vio pelo contrario que desde o anno de mil setecentos e cincoenta e dois tem dado e daria no futuro muitos e muitos frequentes motivos e controversias e de contestaccedilotildees oppostas [] os dois Serenissimos Soberanos de muito accordo[] concordaram e concluiram de uniforme accordo os Artigos seguintes Artigo I O sobredito Tratado de Limites [] com todos os outros Tratados ou Convenccedilotildees [] ficam e se datildeo em virtude do presente Tratado por canccelados cassados e annulados como se nunca houvessem existido nem houvessem sido executados de sorte que todas as cousas pertencentes aos limites da America e Asia se restituem aos termos dos Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido celebrados entre as duas Coroas Contratantes antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta [] Artigo II [] o referido Tratado de Limites assignado em treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta [] dando por nullas e fazendo cessar todas as operaccedilotildees e actos respectivos agrave sua execuccedilatildeo derribem os monumentos ou padrotildees que foram erigidos em consequencia della e evacuem immediatamente os terrenos que foram occupados a titulo da mesma execuccedilatildeo ou com motivo do referido Tratado demolindo as habitaccedilotildees casas ou fortalezas que em consideraccedilatildeo do sobredito Tratado abolido se houverem feito ou levantado por uma e outra parte [] Artigo III O presente Tratado e o que nrsquoelle se acha estipulado e contratado seratildeo de perpetua forccedila e vigor entre os dois referidos Serenissimos Reis [] Em feacute do que e em virtude das Ordens e Plenos Poderes que Noacutes sobreditos Plenipotenciarios recebemos dos referidos Serenissmos Reis nossos Amos assignaacutemos o presente Tratado e o sellaacutemos com o sello das nossas Armas Em o Pardo aos doze de Fevereiro de mil setecentos sessenta e um Joseph da Silva Peccedilanha (L S) Don Ricardo Wall (L S)rdquo

O Tratado de El Pardo cancelava cassava e anulava todos os acertos territoriais

acordados em Madri determinando a interrupccedilatildeo dos trabalhos das Comissotildees de

Demarcaccedilatildeo e a evacuaccedilatildeo das terras ocupadas em razatildeo de sua execuccedilatildeo O

novo acordo retomava a situaccedilatildeo anterior de fronteiras coloniais indeterminadas e

pressupunha tambeacutem a manutenccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento pelos portugueses e

a devoluccedilatildeo dos Sete Povos aos espanhoacuteis questotildees fulcrais que natildeo seriam

resolvidas pelas intenccedilotildees celebradas em El Pardo

279

Portugal e Espanha natildeo tinham a intenccedilatildeo de renunciar aos seus tiacutetulos juriacutedicos e

agraves suas conquistas coloniais Os conflitos entre luso-brasileiros e hispano-

americanos prosseguiriam na regiatildeo platina e a separaccedilatildeo entre portugueses e

espanhoacuteis na Europa colocados em posiccedilotildees opostas com a Guerra dos Sete Anos

acirraria ainda mais essas diferenccedilas em solo sul-americano Como reflexo dessas

divergecircncias em outubro de 1762 tropas espanholas comandadas pelo

Governador de Buenos Aires Pedro Antonio de Ceballos y Cortes invadiram a

Colocircnia do Sacramento passaram pelas fortalezas de Santa Teresa Satildeo Miguel e a

guarda do Chuiacute ocupando a vila de Rio Grande na barra da Lagoa dos Patos e

obrigando a capital a mudar-se agraves pressas para Viamatildeo

Com a assinatura do Tratado de Paris em 10 de fevereiro de 1763 que punha fim agrave

Guerra dos Sete Anos Ceballos recebeu da Europa ordens de armistiacutecio Decidiu

entatildeo devolver Sacramento mas manteve a ocupaccedilatildeo espanhola em regiotildees do

atual Estado do Rio Grande do Sul por mais 13 anos Esse acordo tambeacutem natildeo

resolveria as disputas territoriais entre espanhoacuteis e portugueses na regiatildeo do Prata

A situaccedilatildeo se agravaria ainda mais quando Portugal conseguiu em 1776 retomar

seus territoacuterios no Rio Grande O governo de Madri decidiu novamente empreender

uma accedilatildeo militar contra os portugueses instalados na regiatildeo platina O Vice-Rei

Governador e Capitatildeo-General das Proviacutencias do Rio do Prata e Supremo

Presidente da Audiecircncia do Prata87 o receacutem-nomeado Pedro de Ceballos sob

ordens de guerra partiu de Caacutediz na Espanha em novembro de 1776 ao comando

de uma expediccedilatildeo de mais de 9000 homens fortemente armados em fevereiro de

1777 atacou e tomou a Ilha de Santa Catarina e em junho do mesmo ano obteve

a rendiccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento Entretanto quando estava-se preparando

para o ataque ao Rio Grande de Satildeo Pedro no caminho de Maldonado no atual

Uruguai recebeu ordens de Madri para suspender as hostilidades negociaccedilotildees de

paz estavam sendo conduzidas com Lisboa Ceballos dirigiu-se entatildeo para Buenos

Aires onde logo assumiria no mecircs de outubro as funccedilotildees de Vice-Rei do Prata As

87 Carlos III criou em 1776 o Vice-Reinado do Rio do Prata com sede em Buenos Aires formado pelas proviacutencias de Buenos Aires Paraguai Tucumaacuten Potosiacute Santa Cruz de la Sierra e Charcas e as cidades de Mendoza e San Juan del Pico separadas do Vice-Reinado do Peru territoacuterios que atualmente pertencem agrave Argentina Uruguai Paraguai Boliacutevia parte do Chile e parte do Brasil A enorme superfiacutecie que abarcava o Vice-Reinado do Peru dificultava as tarefas de governo por essa razatildeo Madri decidiu criar em parte desse territoacuterio o Vice-Reinado do Rio do Prata - uma nova divisatildeo administrativa e poliacutetica

280

lutas no sul poreacutem natildeo estavam encerradas prosseguiriam ateacute o primeiro quartel

do seacuteculo XIX jaacute sob a vigecircncia do primeiro reinado apoacutes a Independecircncia do Brasil

de Portugal

Na Europa o panorama poliacutetico novamente se modificara com a morte de Dom

Joseacute I ocorrida em 23 de fevereiro de 1777 sobe ao trono portuguecircs Dona Maria I

sobrinha de Carlos III de Espanha Grupos descontentes com a administraccedilatildeo do

Marquecircs de Pombal o poderoso ministro do Rei articularam sua demissatildeo a

Rainha entatildeo decide afastaacute-lo de suas funccedilotildees iniciando um periacuteodo de

reorientaccedilatildeo da poliacutetica portuguesa uma verdadeira reaccedilatildeo ao pombalismo

conhecido como viradeira88

Dona Maria reata relaccedilotildees com o governo de Madri enviando Dom Francisco

Inocecircncio de Souza Coutinho para negociar uma soluccedilatildeo diplomaacutetica ante a invasatildeo

espanhola do sul do Brasil

Em 1ordm de outubro de 1777 Souza Coutinho e o Conde de Florida Blanca em nome

dos Reis de Portugal e Espanha concluiacuteram em San Ildefonso - um dos palaacutecios do

rei espanhol situado nas proximidades de Toledo na Espanha - o Tratado

Preliminar de Limites que trazia como preacircmbulo a intenccedilatildeo de servir ldquode base e

fundamento ao Tratado definitivo de Limitesrdquo e que viria a ser conhecido por Primeiro

Tratado de Santo Ildefonso ou simplesmente por Tratado de Santo Ildefonso89

As exigecircncias feitas pelo negociador espanhol impuseram a assinatura de um

acordo preliminar de limites ateacute que se firmasse um novo e definitivo tratado Pelo

texto firmado em San Ildefonso Portugal cedia a Colocircnia do Sacramento perdendo

tambeacutem os direitos sobre a regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees conforme a seguir

transcrito mas mantinha a posse dos territoacuterios do centro-oeste e da Amazocircnia

acordada no Tratado de Madri 88 Viradeira eacute a designaccedilatildeo dada ao periacuteodo da administraccedilatildeo portuguesa que se iniciou em 13 de marccedilo de 1777 com a nomeaccedilatildeo por Dona Maria I dos novos Secretaacuterios de Estado em substituiccedilatildeo aos que haviam sido nomeados pelo Marquecircs de Pombal Houve nesse periacuteodo uma progressiva quebra do controle estatal sobre muitas atividades econocircmicas com a extinccedilatildeo de alguns monopoacutelios mercantis estabelecidos por Pombal ocorrendo uma retomada da influecircncia da Igreja e da alta nobreza sobre o Estado Muitos dos presos poliacuteticos foram libertados e muitos nobres foram reabilitados alguns a tiacutetulo poacutestumo 89 O Tratado de Santo Ildefonso estaacute reproduzido em anexo a este estudo

281

ldquoTratado Preliminar de Limites ndash Santo Ildefonso Dona Maria I de Portugal e Carlos III de Espanha - 1Outubro1777 Havendo a Divina Providecircncia excitado nos augustos coraccedilotildees de Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica o sincero desejo de extinguir as discoacuterdias que tem havido entre as duas Coroas de Portugal e Espanha e seus respectivos Vassalos no espaccedilo de quase trecircs seacuteculos sobre os limites de seus domiacutenios na Ameacuterica e da Aacutesia [] Artigo III Como um dos principais motivos das discoacuterdias ocorridas entre as duas Coroas tem sido o estabelecimento portuguecircs da Colocircnia de Sacramento ilha de Satildeo Gabriel e outros convieram os dois Altos contratantes [] que a dita navegaccedilatildeo dos rios da Prata e Uruguai e os terrenos das duas margens setentrional e meridional pertenccedilam privativamente agrave Coroa de Espanha e a seus suacuteditos [] Artigo IV Para evitar outro motivo de discoacuterdias entre as duas Monarquias qual tem sido a entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Grande de S Pedro seguindo depois por suas vertentes ateacute o rio Jacuiacute cujas duas margens e navegaccedilatildeo tem pretendido pertencer-lhes ambas a Coroas convieram agora em que a dita navegaccedilatildeo e entrada fiquem privativamente para a de Portugal [] os estabelecimentos e missotildees espanholas do proacuteprio Uruguai que hatildeo de ficar no atual estado em que pertencem agrave Coroa de Espanha Em feacute do que noacutes outros os infra-escritos ministros plenipotenciaacuterios assinamos de nosso punho em nome de nossos Augustos Amos e em virtude das plenipotecircncias que para isso nos autorizaram o presente tratado preliminar de limites e o fizemos selar com o selo de nossa armas Feito em Santo Ildefonso no 1ordm de outubro de 1777 (LS) D Francisco Innocencio de Souza Coutinho (LS) El Conde de Florida Blanca ldquo

Os espanhoacuteis comprometiam-se a devolver a Ilha de Santa Catarina e outras terras

ocupadas por eles no atual Rio Grande do Sul bem como interromper

imediatamente as lutas na regiatildeo o territoacuterio de Satildeo Pedro do Rio Grande ficaria

dividido ao meio no sentido longitudinal passando o limite nas imediaccedilotildees da atual

cidade de Santa Maria e a Espanha manteria o controle exclusivo sobre a

navegaccedilatildeo e as terras das duas margens do Rio do Prata

O acordo obrigou Portugal a ceder tambeacutem alguns territoacuterios no Golfo da Guineacute

permitindo assim que a Espanha tivesse acesso ao mercado escravista dos negros

africanos exercido ateacute entatildeo por ingleses franceses holandeses italianos e

portugueses O Tratado de El Pardo - natildeo confundir com o de 1761 - assinado em

11 de marccedilo de 1778 Tratado de amizade comeacutercio neutralidade e garantia

reciacuteproca firmado entre Espanha e Portugal pelo que este cede a Espanha as ilhas

282

de Fernatildeo Poacute e Ano Bom confirmava e validava o Tratado Preliminar assinado em

Santo Ildefonso no ano anterior em 1777 Essa alianccedila e aproximaccedilatildeo entre

portugueses e espanhoacuteis duraria ateacute o final do seacuteculo XVIII quando novamente as

duas Coroas ibeacutericas voltaram a tomar posiccedilotildees contraacuterias no cenaacuterio poliacutetico

europeu

O Tratado de Santo Ildefonso conservava em linhas gerais os limites estabelecidos

pelo Tratado de Madri embora com prejuiacutezo para Portugal no extremo sul do Brasil

mas consagrava por outro lado como princiacutepio doutrinaacuterio o uti possidetis ao

adotar como regra de fixaccedilatildeo de limites entre os domiacutenios a conquista e a

ocupaccedilatildeo efetiva dos territoacuterios

A maioria dos historiadores portugueses e brasileiros entretanto considera o acordo

desfavoraacutevel para Portugal Heacutelio Vianna considera que rdquoEmbora definitivamente consagrando a doutrina do uti possidetis era injusto o Tratado de Santo Ildefonso pela penalidade imposta a Portugal da perda da Colonia de Sacramento sem a compensaccedilatildeo dos Sete Povos das Missotildees Orientais do Uruguairdquo(VIANNA 1954 p 73)

O Visconde de Satildeo Leopoldo julga-o ldquoum tratado mais que todos leonino e capciosordquo

(SAtildeO LEOPOLDO90 1902 tomo 65 vol 105 p 347 apud VIANNA 1954 p 73) e

Francisco Adolfo Varnhagen afirma terem sido seus artigos ldquoditados pela Espanha

quase com as armas na matildeo e os pactos natildeo podiam deixar de parecer-se aos do

leatildeo com a ovelha timoratardquo (VARNHAGEN 1962 tomo IV p 267 e 268)

Robert Southey ressalta que ldquoOs portugueses poreacutem recordam este tratado como

ditado pela injusticcedila e aceito pela fraqueza Em outros tempos talvez ele natildeo

houvesse sido aceito []rdquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 357)

Na opiniatildeo de Heinrich Handelmann entretanto o Tratado Santo Ildefonso era

vantajoso justamente por reafirmar em linhas gerais os acordos de Madri e garantir

a configuraccedilatildeo das fronteiras do Brasil ldquo[] pareceram aos portugueses muito desvantajosos e injustos e pouca aprovaccedilatildeo acharam na opiniatildeo puacuteblica poreacutem o Brasil podia em todo

90 Visconde de Satildeo Leopoldo Revista Trimestral do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro tomo 65 vol 105 p 347 Rio de Janeiro 1902

283

caso contentar-se com isso pois alcanccedilava finalmente a definitiva fixaccedilatildeo de suas fronteiras pelo tratado preliminar de primeiro de outubro de 1777 que se natildeo era tatildeo favoraacutevel como o primeiro de 1750 sempre era ainda bastante vantajosordquo (HANDELMANN 1982 p 150)

Joatildeo Capistrano de Abreu - que jaacute havia demonstrado veemente opiniatildeo contraacuteria

aos efeitos sangrentos da transferecircncia das reduccedilotildees jesuiacuteticas da banda oriental do

Uruguai os Sete Povos das Missotildees preconizada pelo Tratado de Madri de 1750 -

escreveu que ldquo[] Santo Ildefonso [] em quase tudo semelhante ao de Madri e

mais humano e generoso que este pois natildeo impunha ecircxodos cruentosrdquo

(CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 214)

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que historiadores hispano-americanos

tambeacutem condenam o Tratado Santo Ildefonso defendendo a tese de que a Espanha

poderia ter obtido muito mais naquelas negociaccedilotildees (GOacuteES FILHO 2001 p 194)

O argentino Miguel Angel Scenna afirma ldquoSan Ildefonso lamentable [para os

espanhoacuteis] en cuanto fueacute negociado cuando Espantildea teniacutea las cartas de triunfo en la

mano y estaba en condiciones de invadir militarmente el Brasilrdquo (SCENNA91 1975

p 62 apud GOacuteES FILHO 2001 p 194)

No momento da assinatura do Tratado a Espanha estava em evidente superioridade

em relaccedilatildeo agrave Portugal havia ocupado com ecircxito a Ilha de Santa Catarina e a

Colocircnia do Sacramento e era mais forte militarmente ante os luso-brasileiros no Rio

Grande de Satildeo Pedro

Haacute entretanto outras avaliaccedilotildees feitas por historiadores hispacircnicos que concordam

ser o Tratado de Santo Ildefonso um acordo bastante razoaacutevel uma vez que refletiu

a situaccedilatildeo poliacutetica da Espanha naquele momento muito mais favoraacutevel do que agrave

eacutepoca do Tratado de Madri Heacutelio Vianna cita o argentino Carlos Calvo para

exemplificar esta opiniatildeo sobre Santo Ildefonso

ldquoMais vantajoso agrave Espanha que o de 1750 deixou-a com o domiacutenio absoluto e exclusivo do Rio da Prata arvorando sua bandeira na Colocircnia

91 SCENNA Miguel Angel Argentina-Brasil Cuatro siglos de Rivalidad p 62 Buenos Aires 1975

284

do Sacramento e estendendo sua autoridade sobre os campos do Ibicuiacute [a regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees] na margem oriental do Uruguai sem mais sacrifiacutecio que a devoluccedilatildeo da ilha de Santa Catarina de que se havia apoderado por conquistardquo (CALVO92 1862 p 129 apud VIANNA 1954 p 73)

Um julgamento mais objetivo e menos apaixonado sobre o Tratado de Santo

Ildefonso evidencia que os acordos firmados em 1777 conservaram para o Brasil

basicamente o mesmo traccedilado das linhas de fronteiras do Tratado de Madri

estabelecendo novos limites apenas na regiatildeo sul Portugal oficializava ainda a

ocupaccedilatildeo territorial com o tiacutetulo de posse de vastas porccedilotildees de terra do centro-oeste

e da Amazocircnia brasileira incorporando-os definitivamente a seu impeacuterio colonial

Para a execuccedilatildeo do Tratado de Santo Ildefonso foram nomeadas 4 comissotildees

mistas responsaacuteveis por demarcar as fronteiras entre as possessotildees coloniais sul-

americanas espanholas e portuguesas A primeira se encarregaria do Arroio do Chuiacute

ao Rio Igureiacute abrangendo parte da atual Regiatildeo Sul do Brasil a segunda do Rio

Igureiacute ao Rio Jauru nas Regiotildees Sul e Centro-Oeste a terceira partiria do Rio Jauru

ateacute o ponto meacutedio do curso do Rio Madeira a partir de onde passaria a linha

paralela rumo ao Rio Javari e por este e pelo Rio Solimotildees abaixo ateacute a boca mais

ocidental do Rio Japuraacute e a quarta subindo o Rio Japuraacute alcanccedilaria as cordilheiras

que separam as bacias do Rio Amazonas e do Rio Orenoco ateacute atingir o Rio

Oiapoque e sua foz no Oceano Atlacircntico

Lisboa determinou que a primeira comissatildeo demarcadora fosse chefiada pelo Vice-

Rei do Brasil e a segunda terceira e quarta pelos governadores de Satildeo Paulo

Mato Grosso e Gratildeo-Paraacute respectivamente As divergecircncias que haviam surgido

para os trabalhos de demarcaccedilatildeo previstos pelo Tratado de Madri viriam a se repetir

com o novo acordo de Santo Ildefonso de tal sorte que as comissotildees chefiadas

pelos governadores de Satildeo Paulo e Mato Grosso a segunda e a terceira nunca

viriam a se reunir com as equipes espanholas

A primeira comissatildeo organizada em 1781 e sujeita ao Vice-Rei do Brasil Luiacutes de

Vasconcelos e Souza soacute se reuniu com os espanhoacuteis no ano de 1784 para o iniacutecio 92 CALVO Carlos Recueil Complet des Traieacutes Conventions Capitulations Armistices et autres actes diplomatiques de tous lecircs eacutetats de lrsquoAmeacuterique Latine depuits lrsquoanneacutee 1493 jusqursquoa nos jours Tomo III p 129 Paris 1862

285

dos trabalhos de campo Logo surgiram divergecircncias entre as posiccedilotildees portuguesas

e castelhanas que retardaram o prosseguimento das tarefas de demarcaccedilatildeo Em

Santa Maria no atual Rio Grande do Sul no ano de 1787 a comissatildeo interrompeu

seu trabalho

A imprecisatildeo da localizaccedilatildeo dos Rios Igureiacute e Corrientes provocou enorme

discordacircncia no trecho previsto para a demarcaccedilatildeo da segunda comissatildeo natildeo se

chegando a um consenso sobre esse assunto ateacute os finais do seacuteculo XVIII

No centro-oeste no trecho previsto para a terceira comissatildeo Dom Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres capitatildeo-general da Capitania do Mato

Grosso e Cuiabaacute no periacuteodo de dezembro de 1772 a novembro de 1789 fora

encarregado da chefia da equipe portuguesa nas tarefas demarcatoacuterias Embora natildeo

tenha-se encontrado com os representantes espanhoacuteis nunca tendo realizado

trabalho em conjunto Pereira e Caacuteceres planejou a ocupaccedilatildeo da margem oriental do

Rio Paraguai e implementou a construccedilatildeo do Forte Priacutencipe da Beira no meacutedio

Guaporeacute e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda no Alto e no Meacutedio Paraguai

fundando tambeacutem em posiccedilotildees estrategicamente localizadas no ano de 1778 as

povoaccedilotildees de Albuquerque hoje Corumbaacute no atual Mato Grosso do Sul e Vila

Maria hoje Caacuteceres no Mato Grosso Esse trabalho de fortificaccedilatildeo das margens dos

Rios Paraguai e Guaporeacute permitiu a consolidaccedilatildeo da presenccedila portuguesa na

regiatildeo conduzido sem a interferecircncia das equipes espanholas previstas para as

demarcaccedilotildees93

A quarta comissatildeo que ficara encarregada dos trabalhos de demarcaccedilatildeo da

Amazocircnia - desde o Rio Japuraacute ateacute alcanccedilar as cordilheiras que separam as bacias

do Rio Amazonas e do Rio Orenoco atingindo o Rio Oiapoque e sua foz no Oceano

Atlacircntico - foi constituiacuteda por Joatildeo Pereira Caldas Governador do Gratildeo-Paraacute e

comissaacuterio chefe Teodoacutesio Constantino de Chermont tenente-coronel de artilharia e

93 O governador Luiacutes de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres promoveu exploraccedilotildees fluviais e terrestres em vaacuterias regiotildees da Capitania de Mato Grosso aumentando enormemente o conhecimento geograacutefico da regiatildeo ofereceu agrave rainha de Portugal Dona Maria I a Carta em q se mostra a corrente dos rios Guaporeacute e Mamoreacute a principiar em Va Bella captal do Mato Grosso e a Planta da nova Povoaccedilatildeo de Cazalvasco documentos de grande valor histoacuterico e que atualizavam na Corte as informaccedilotildees sobre o centro-oeste brasileiro

286

engenheiro Henrique Wilkens Matos capitatildeo de infantaria e engenheiro Joseacute

Simotildees de Carvalho astrocircnomo Joseacute Joaquim Vitoacuterio da Costa cartoacutegrafo Euzeacutebio

Antocircnio de Ribeiros sargento-mor de infantaria e engenheiro Ricardo Franco de

Almeida Serra capitatildeo de infantaria e engenheiro Francisco Joseacute de Lacerda e

Almeida astrocircnomo Pedro Alexandrino Pinto de Sousa capitatildeo de infantaria e

engenheiro e Manuel da Gama Lobo drsquoAlmada Para comissaacuterio chefe espanhol foi

nomeado Dom Francisco de Requentildea autor da Historia de las Demarcaciones de

Liacutemites en la Ameacuterica entre los Dominios de Espantildea y Portugal onde registrou a

versatildeo espanhola das dificuldades da demarcaccedilatildeo documento que viria a ser

utilizado mais tarde pelas naccedilotildees hispano-americanas no seacuteculo XIX para dar

suporte agraves suas reivindicaccedilotildees territoriais na Amazocircnia

Joatildeo Capistrano de Abreu relata detalhadamente as divergecircncias ocorridas entre

as posiccedilotildees portuguesas e espanholas

ldquoTinham os comissaacuterios de demarcar a fronteira do Javari agrave boca mais ocidental do Japuraacute e seguir por este acima ateacute um rio que resguardasse os estabelecimentos portugueses do rio Negro A boca mais ocidental do Japuraacute originou graves discussotildees por um chamar de boca ao que o outro considerava furo isto eacute um canal que levava aacuteguas do Solimotildees ao Japuraacute em vez de trazecirc-las [] Nunca se decidiu agrave vista dos muacuteltiplos varadouros imaginaacuterios ou verdadeiros alegados por parte de Portugal [] Requena reclamou a posse de Tabatinga [] Joatildeo Pereira Caldas [] declarou-se prestes a fazer a entrega de Tabatinga se os espanhoacuteis lhe entregassem Satildeo Carlos forte do alto rio Negro fundado na expediccedilatildeo de Dom Joseacute de Iturriaga malogrado comissaacuterio da primeira demarcaccedilatildeordquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 216)

O impasse sobre a devoluccedilatildeo de Tabatinga aos espanhoacuteis natildeo foi resolvido por

Pereira Caldas ou mesmo por Lobo drsquoAlmada seu sucessor na chefia da comissatildeo

mantendo-se a posse portuguesa de Tabatinga mesmo depois de encerradas as

demarcaccedilotildees Requentildea conseguiu licenccedila para voltar agrave Europa e Lisboa o autorizou

a descer o Rio Amazonas sob a orientaccedilatildeo secreta de que o espanhol natildeo visse

povoaccedilatildeo alguma ou que natildeo pudesse tomar nota de nenhuma informaccedilatildeo

importante sobre as posiccedilotildees portuguesas ao longo do Rio

Synezio Sampaio Goacutees Filho recorda a retenccedilatildeo de Tabatinga pelos portugueses na

opiniatildeo de Pedro Moncayo y Esparza escritor e historiador equatoriano do comeccedilo

do seacuteculo XIX

287

ldquoEl agente de Portugal sin desconocer la justicia de la reclamacioacuten hecha por el comisario espantildeol dioacute por excusa para retener la fortaleza de Tabatinga que no podria entregarla sin recibir al mismo tiempo las fortalezas que perteneciacutean a Portugal y que poseiacutea Espantildea en los maacutergenes del riacuteo Negrordquo (Apud QUESADA94 1920 p 267 apud GOacuteES FILHO 2001 p 197)

Persistiriam as divergecircncias das comissotildees de limites conduzidas no sul no centro-

oeste do Brasil e na Amazocircnia impedindo que as campanhas de demarcaccedilatildeo

atingissem os objetivos previstos pelos acordos de fronteira

Sobre os insucessos dos trabalhos de demarcaccedilatildeo Francisco Adolfo de Varnhagen

considera concisamente

ldquoOs comissaacuterios foram nomeados partiram apresentaram-se sobre os terrenos natildeo para porem marcos e levantarem as plantas mas para discutirem e para agrave forccedila de muita discussatildeo retirarem-se brigados As duas naccedilotildees natildeo conseguiram os fins a que se haviam proposto e o tratado natildeo passou nunca de preliminarrdquo (VARNHAGEN 1962 p 209)

Os fracassos das campanhas de demarcaccedilatildeo natildeo permitiram que as fronteiras

coloniais americanas fossem demarcadas no terreno embora alguns marcos

tivessem sido chantados os limites entre os territoacuterios portugueses e espanhoacuteis

continuavam indefinidos Ao final do seacuteculo XVIII natildeo se podia ainda oficialmente

afirmar com seguranccedila onde terminava a jurisdiccedilatildeo de Espanha e onde se iniciava

a soberania portuguesa Sabia-se no entanto que o argumento de posse dos

territoacuterios era o mais defensaacutevel diante de tantas divergecircncias

Natildeo se pode deixar de considerar por outro lado que apesar dessa indefiniccedilatildeo de

limites coloniais o governo portuguecircs manteve a poliacutetica de ocupaccedilatildeo de suas

possessotildees americanas e realizou consideraacutevel esforccedilo para empreender as

demarcaccedilotildees com os espanhoacuteis Documentos existentes no Arquivo Histoacuterico

Ultramarino de Lisboa anexados a este estudo revelam que a posse dos territoacuterios

da Amazocircnia e do Mato Grosso sempre mereceu a atenccedilatildeo da Coroa portuguesa

94 Apud QUESADA Vicente G Histoacuteria Diplomaacutetica Latino-Americana La poliacutetica imperialista Del Brasil y las questiones de limites de las repuacuteblicas sudamericanas p 267 Buenos Aires Talleres Graacuteficos 1920

288

apesar da evidente prioridade para a soluccedilatildeo da questatildeo platina e a definiccedilatildeo das

fronteiras da regiatildeo sul do Brasil

O fracasso das demarcaccedilotildees reconhecido por Joatildeo Capistrano de Abreu natildeo

impediu a contribuiccedilatildeo para o conhecimento geograacutefico e cientiacutefico que as

comissotildees legaram em seu trabalho de penetraccedilatildeo do territoacuterio

ldquoO trabalho efetuado limitou-se agrave fronteira do Chuiacute ao Iguaccedilu e do Javari ao Japuraacute isto durante anos de arguacutecia dilaccedilotildees inaccedilatildeo de que cada naccedilatildeo lanccedilava agrave outra culpa exclusiva [] Poder-se-ia dizer que com isso ganhou a geografia das respectivas regiotildees Pois os cientistas exploraram rios descreveram plantas e animais enviaram curiosas espeacutecimes dos trecircs reinos para os estabelecimentos de aleacutem-marrdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 215)

O periacuteodo das campanhas de demarcaccedilatildeo que se seguiu aos acordos de Santo

Ildefonso de 1777 coincide com o das expediccedilotildees cientiacuteficas promovidas pelas

naccedilotildees europeacuteias em suas possessotildees coloniais O conceito de utilidade social da

ciecircncia articulava-se ao movimento de renovaccedilatildeo de ideacuteias conhecido por

iluminismo95

Em Portugal sobretudo na segunda metade do seacuteculo XVIII houve um enorme

esforccedilo de renovaccedilatildeo do conhecimento promovido principalmente pelo Estado

Nesse contexto Lisboa tentou aproximar-se dos sistemas coloniais europeus

particularmente o francecircs e o inglecircs utilizando-se de cientistas engenheiros-

cartoacutegrafos meacutedicos receacutem-formados pela Universidade de Coimbra ou por

academias corporativas e altos funcionaacuterios dotados de formaccedilatildeo ilustrada

95 O conceito de iluminismo tem sido utilizado largamente no ensinamento de Histoacuteria para abarcar o movimento cultural que se desenvolveu na Inglaterra Holanda e Franccedila nos seacuteculos XVII e XVIII e que deu origem agraves ideacuteias de liberdade poliacutetica e econocircmica defendidas pela ascendente classe burguesa europeacuteia O movimento alcanccedilou tambeacutem outras naccedilotildees da Europa e influenciou de diferentes maneiras e intensidades a Ameacuterica a Aacutefrica e a Aacutesia Em um primeiro momento o eixo desse movimento de ideacuteias se concentrou na Franccedila e na Inglaterra mas rapidamente articulou-se dentro de um conceito cosmopolita e a circulaccedilatildeo livre ou clandestina de novas ideacuteias foi disseminada de Lisboa agrave Satildeo Petesburgo refletindo-se no modo de pensar a histoacuteria a moral o direito a religiatildeo a esteacutetica e a poliacutetica Os filoacutesofos e economistas que difundiam essas ideacuteias chamados de iluministas acreditavam ser propagadores da luz e do conhecimento Eacute importante ressaltar a adoccedilatildeo dos termos Luz Luz da razatildeo Luz da boa razatildeo Luz da experiecircncia Luzes Luzes do seacuteculo e expressotildees de mesmo sentido como civilizar ilustrar e iluminar na linguagem de reformadores e publicistas da eacutepoca bem como o uso mais comum de ilustrado ou esclarecido e menos frequumlentemente de iluminado Esses homens de razatildeo usavam uma linguagem proacutepria recorriam aos mesmos meacutetodos de verificaccedilatildeo e partilhavam os resultados de suas experiecircncias construindo o conceito do princiacutepio da utilidade social da ciecircncia

289

A participaccedilatildeo da Coroa no processo de renovaccedilatildeo cultural e cientiacutefica pode ser

dimensionada por uma seacuterie de medidas efetivas tomadas pelo Estado para a

formaccedilatildeo de uma elite de caraacuteter ilustrado como a criaccedilatildeo do Coleacutegio dos Nobres

da Academia Militar e a reforma da Universidade de Coimbra bem como a

requisiccedilatildeo de professores de Fiacutesica Astronomia Quiacutemica Matemaacutetica e Histoacuteria

Natural dos principados italianos para ensinarem nas instituiccedilotildees de ensino

portuguesas Acircngela Domingues ressalta que a Coroa procurou fornecer os meios

teacutecnicos humanos e financeiros necessaacuterios agraves viagens cientiacuteficas que se

realizaram ao Brasil agrave Aacutefrica e agrave Aacutesia Ela determinou tambeacutem os campos de

atuaccedilatildeo e estudo definindo diretrizes cientiacuteficas ou estabelecendo prioridades para

certas aacutereas geograacuteficas recebendo e gerindo as informaccedilotildees oriundas dos mais

diversos pontos do impeacuterio que eram endereccediladas agrave Secretaria de Negoacutecios

Ultramarinos ou ao Real Gabinete de Histoacuteria Natural Jardim Botacircnico da Ajuda

Hospital Militar ou Hospital de Satildeo Joseacute As observaccedilotildees e o material coletado por

funcionaacuterios da administraccedilatildeo ou por homens de ciecircncia no desempenho de

missotildees oficiais eram em geral centralizados em Lisboa Aleacutem disso os

governadores e capitatildees-generais das diferentes capitanias tiveram papel

fundamental no exerciacutecio da nova poliacutetica de conhecimento e exploraccedilatildeo do

ultramar No caso do Brasil a introduccedilatildeo de novas espeacutecies de plantas em

diferentes regiotildees da colocircnia dependia tambeacutem do zelo de seus administradores

Uma das experiecircncias mais bem-sucedidas foi a fundaccedilatildeo do Jardim Botacircnico de

Beleacutem em 1796 durante o governo de Francisco Mauriacutecio de Sousa Coutinho que

aclimatou no Brasil o tamarineiro o sapoti a mangueira e a fruta-patildeo todas trazidas

de Caiena atual Guiana Francesa (DOMINGUES 2000)

Apoacutes a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777 iniciou-se o

planejamento das expediccedilotildees que iriam compor as comissotildees demarcadoras de

fronteiras que partiram para Brasil em 1780 Domenico Agostino Vandelli96 sugeria

96 Domenico Agostino Vandelli nasceu em Paacutedua na Itaacutelia e formou-se em Filosofia pela Universidade de mesmo nome Foi convidado pelo Marquecircs de Pombal no acircmbito da reforma da Universidade de Coimbra para vir para Portugal ocupar um lugar na Faculdade de Filosofia chegando a Lisboa em 1765 Na Faculdade de Filosofia foi nomeado docente de Quiacutemica e de Histoacuteria Natural Ficou tambeacutem responsaacutevel pela seleccedilatildeo do local da implantaccedilatildeo do Jardim Botacircnico do estabelecimento do Laboratoacuterio Quiacutemico e do Museu de Histoacuteria Natural da Universidade de Coimbra Em 1787 foi para Lisboa onde se tornou o primeiro diretor do Jardim Botacircnico da Ajuda Foi membro de vaacuterias academias cientiacuteficas nomeadamente da Academia Real das Ciecircncias de Lisboa onde apresentou diversas memoacuterias relativas agrave Agricultura agrave Induacutestria e agrave Economia Trocou

290

que um naturalista acompanhasse essas expediccedilotildees que cumpririam tambeacutem a

funccedilatildeo de levantamento dos recursos naturais dos territoacuterios a serem explorados As

chamadas viagens filosoacuteficas foram concebidas como comissotildees mistas de

demarcaccedilatildeo e levantamento cientiacutefico Em 1768 Vandelli jaacute havia iniciado o

estabelecimento de um jardim botacircnico junto ao Palaacutecio Real da Ajuda sua

finalidade aleacutem de proporcionar ao priacutencipe herdeiro uma educaccedilatildeo cientiacutefica - que

faria dele futuramente um monarca esclarecido - era auxiliar o progresso da

agricultura ao tornar-se o local de experiecircncias em larga escala sobre a cultura de

plantas que revertessem em benefiacutecios de interesse econocircmico para o impeacuterio

portuguecircs A criaccedilatildeo do Complexo Museoloacutegico da Ajuda na expressatildeo de Joatildeo

Carlos Pires Brigola centralizava o vasto projeto de se produzir uma histoacuteria natural

das colocircnias (BRIGOLA 2003)

O projeto baseava-se em um amplo levantamento dos produtos naturais dos reinos

vegetal animal e mineral com a finalidade de se descobrir novas espeacutecies e

contribuir para o desenvolvimento cientiacutefico Pretendia igualmente avaliar as

potencialidades econocircmicas das possessotildees coloniais As expediccedilotildees deveriam

fazer observaccedilotildees geograacuteficas e colher informaccedilotildees sobre o ar a aacutegua os animais

a vegetaccedilatildeo e as populaccedilotildees nativas buscando novos elementos explicativos do

funcionamento terrestre e da interaccedilatildeo da vida nesses ambientes O transporte dos

produtos naturais natildeo se daria somente das colocircnias para a metroacutepole as espeacutecies

vegetais e animais seriam aclimatadas em todas as possessotildees coloniais como

Goa Macau Guineacute Moccedilambique Angola e Brasil O planejamento a preparaccedilatildeo e

a execuccedilatildeo de viagens cientiacuteficas em todo o impeacuterio portuguecircs constituiacuteam assim

etapas obrigatoacuterias desse grande projeto (FIGUEIROcircA 2005)

O processo de preparaccedilatildeo das expediccedilotildees compreendia a elaboraccedilatildeo de instruccedilotildees

cientiacuteficas e o treinamento dos naturalistas para as viagens As instruccedilotildees redigidas

por Vandelli intituladas Viagens filosoacuteficas ou Dissertaccedilatildeo sobre as importantes

regras que o filoacutesofo naturalista nas suas peregrinaccedilotildees deve principalmente

observar de 1779 deixam claro o pensamento corrente na eacutepoca de que o

correspondecircncia com vaacuterios cientistas estrangeiros organizou e enriqueceu o Jardim Botacircnico do Palaacutecio da Ajuda em Lisboa A maior parte da produccedilatildeo cientiacutefica de Vandelli diz respeito agrave Histoacuteria Natural e mais especificamente agrave Botacircnica

291

conhecimento devia ter um caraacuteter uacutetil utilitaacuterio a ser usado em benefiacutecio do

progresso do Reino Em outro documento Breves instruccedilotildees aos correspondentes

da Academia das Ciecircncias de Lisboa sobre as remessas dos produtos e notiacutecias

pertencentes a Histoacuteria da Natureza para formar um Museu Nacional publicadas

pela Academia Real das Ciecircncias de Lisboa em 1781 compostas com o objetivo

maior de suprir um museu nacional que estava em processo de criaccedilatildeo satildeo dadas

orientaccedilotildees para se coletar objetos naturais e artificiais no Reino de Portugal e em

suas colocircnias possibilitando o estudo das ciecircncias naturais que levariam ao

adiantamento das Artes Comeacutercio Manufaturas e todos os mais ramos da

Economia

Incumbido da tarefa de executar os planos de realizaccedilatildeo uma de histoacuteria natural das

colocircnias partiu de Lisboa em 1ordm de setembro de 1783 em direccedilatildeo a Beleacutem no

Gratildeo-Paraacute o naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira97

Tinha como missatildeo dirigir a viagem preparar os diaacuterios inspecionar a manufatura

de desenhos e fazer as remessas de produtos naturais O jardineiro botacircnico

Agostinho Joaquim do Cabo e os desenhistas Joseacute Joaquim Freire e Joaquim Joseacute

Codina acompanhavam a expediccedilatildeo Juntamente com a comitiva dessa viagem agrave

Amazocircnia brasileira estavam o novo bispo e o governador do Estado do Gratildeo-Paraacute

Martinho de Sousa Albuquerque O material recolhido nas expediccedilotildees seria remetido

para diversas instituiccedilotildees do Reino particularmente para o Real Museu e Jardim

Botacircnico da Ajuda sob a direccedilatildeo de Vandelli

Chegando agrave Amazocircnia Alexandre Rodrigues Ferreira passou um breve periacuteodo em

Beleacutem Partiu depois para a exploraccedilatildeo de todo o curso superior do Rio Negro e do

Rio Branco Voltando ao Rio Amazonas embrenhou-se pelo Rio Madeira e alcanccedilou

os arredores de Cuiabaacute onde permaneceu por alguns meses antes de voltar para

97 Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na Bahia em 1756 e morreu em Lisboa em 1815 Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1774 recebendo o grau de bacharel em filosofia natural em 1778 No ano seguinte em 1779 obteve o grau de doutor em filosofia Posteriormente foi empregado no Jardim Botacircnico de Ajuda onde fazia demonstraccedilotildees de Histoacuteria Natural Apoacutes a expediccedilatildeo cientiacutefica realizada ao Brasil no periacuteodo de 1783 a 1792 foi contratado como administrador do Real Museu e Jardim Botacircnico da Ajuda onde trabalhou juntamente com o fundador deste jardim botacircnico o italiano Domenico Agostino Vandelli

292

Beleacutem No regresso em 1792 trazia um verdadeiro tesouro em ervas espeacutecimes

aquarelas e monografias descritivas da regiatildeo que explorou

Durante 9 anos Alexandre Rodrigues Ferreira percorreu as Capitanias do Gratildeo-

Paraacute Satildeo Joseacute do Rio Negro Mato Grosso e Cuiabaacute numa expediccedilatildeo que pode ser

comparada pelo esforccedilo despendido em prol das ciecircncias naturais agraves viagens

realizadas por Louis Antoine de Bougainville James Cook Charles Marie de la

Condamine e Alexander von Humboldt Humboldt98

98 Louis Antoine de Bougainville 1729 a 1811 oficial navegador e escritor francecircs Com 25 anos publicou um tratado de caacutelculo integral como suplemento do tratado de De lHocircpital Des infiniment petits e tornou-se membro da Royal Society Em 1766 recebeu de Louis XV a missatildeo de circunavegar o globo Ele se tornou o 14deg navegador da histoacuteria e o primeiro francecircs a conseguir tal feito e a realizaccedilatildeo dessa volta ao mundo revigorou o prestiacutegio da Franccedila apoacutes suas humilhantes derrotas durante a Guerra dos Sete Anos Ele visitou a ilha de Taiti em abril de 1768 e por pouco perdeu a oportunidade de se tornar seu descobridor desconhecendo a visita anterior de Samuel Wallis no HMS Dolphin menos de um ano antes Descrevendo o Taiti no seu livro de 1771 Voyage autour du monde ofereceu uma visatildeo de um paraiacuteso terrestre onde homens e mulheres viviam felizes em completa inocecircncia longe da corrupccedilatildeo da civilizaccedilatildeo Ele ilustrou o conceito de nobre selvagem e influenciou as ideacuteias utoacutepicas de filoacutesofos como Jean-Jacques Rousseau antes do advento da Revoluccedilatildeo francesa James Cook 1728 a 1779 navegador inglecircs pioneiro da exploraccedilatildeo do Oceano Paciacutefico e responsaacutevel pela descoberta da Austraacutelia Estudou naacuteutica matemaacutetica e astronomia Em 1755 ingressa na Marinha britacircnica Como cartoacutegrafo eacute incumbido de fazer trecircs viagens de circunavegaccedilatildeo Em 1768 no navio HMS Endeavour eacute o comandante escolhido para levar os membros da Royal Society ao Taiti para observar o tracircnsito de Vecircnus na primeira expediccedilatildeo cientiacutefica pelo Paciacutefico Apoacutes o sucesso da expediccedilatildeo cientiacutefica Cook prossegue com objectivos de exploraccedilatildeo Durante a viagem descobre o arquipeacutelago que batiza de Ilhas Sociedade na Polineacutesia Francesa e mapeia toda a Nova Zelacircndia No regresso descobre a costa ocidental da Austraacutelia Em 1772 Cook parte para nova circunavegaccedilatildeo ao comando das naus Resolution e Adventure Durante esta viagem chega agrave mais baixa latitude ao sul alcanccedilada ateacute entatildeo (70deg10S) cruzando pela primeira vez o ciacuterculo polar Antaacutertico Essa viagem resultou na descoberta das Ilhas Cook Em 1776 com os navios Resolution e Discovery parte para o que seria a sua uacuteltima missatildeo e descobre o arquipeacutelago do Havaiacute que chama de Sandwich Costeia a Ameacuterica e atravessa o estreito de Bering chegando ao Aacutertico No regresso ao Havaiacute Cook eacute morto num confronto com nativos Cook ficou conhecido pela preocupaccedilatildeo com a sauacutede e a alimentaccedilatildeo de sua tripulaccedilatildeo Em sua primeira viagem nenhum membro da tripulaccedilatildeo morre de escorbuto doenccedila causada pela falta de aacutecido ascoacuterbico no organismo e responsaacutevel pela morte de muitos marinheiros ateacute o seacuteculo XVIII Ele eacute considerado o pai da Oceania Alexander von Humboldt Humboldt 1769 a 1859 foi educado na Alemanha e recebeu formaccedilatildeo acadecircmica em geologia revelando-se interessado em vaacuterios campos da ciecircncia Em 1799 iniciou a sua ceacutelebre expediccedilatildeo agrave Ameacuterica do Sul ndash que iria incluir o Caribe Meacutexico e um raacutepido percurso pela Ameacuterica do Norte Desbravador de extraordinaacuteria importacircncia Ao longo de 5 anos percorreu 10000 km pelas Ameacutericas Atravessou a Cordilheira dos Andes partindo do litoral venezuelano e chegando ateacute Lima no Peru Subiu o Rio Orenoco atingindo o Rio Negro na entatildeo Ameacuterica portuguesa Visitou Cuba percorreu extensas regiotildees do Meacutexico terminando sua viagem nos Estados Unidos Introduziu na pesquisa cientiacutefica de campo as noccedilotildees de rigor e meacutetodo Suas contribuiccedilotildees abarcaram desde o estudo das correntes mariacutetimas (ele foi o descobridor da corrente do Paciacutefico que posteriormente levou o seu nome) ateacute o das placas tectocircnicas Foi ele quem desvendou o funcionamento dos vulcotildees Tambeacutem elucidou a relaccedilatildeo que havia entre a flora e o clima fundando assim a fitogeografia Foi o precursor dos estudos sobre a rara vegetaccedilatildeo encontrada no norte andino conhecida por Paacuteramos Seus estudos de climatologia levaram-no a empregar pela primeira vez as curvas de isotermas Tambeacutem foi ele o responsaacutevel pela ampla utilizaccedilatildeo das chamadas curvas de niacutevel em mapas Classificou milhares de exemplares da fauna e flora sul-americanas Ao escalar o vulcatildeo equatoriano em 1802 Chimborazo com 6310 m de altitude que na eacutepoca era considerada a montanha mais alta do mundo estabeleceu um recorde

293

Ao longo da jornada Alexandre Rodrigues Ferreira compocircs dezenas de memoacuterias

entre elas o Diaacuterio da Viagem Filosoacutefica pela Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro e

centenas de desenhos recolhendo artefatos da cultura indiacutegena e espeacutecimes dos

trecircs reinos No entanto os resultados da Viagem Filosoacutefica conduzida por ele natildeo

foram bem divulgados em Portugal Os relatos memoacuterias e desenhos produzidos

pelo naturalista permaneceram em manuscritos por quase um seacuteculo O material

recolhido pela expediccedilatildeo - plantas animais e artefatos - tambeacutem natildeo foi inventariado

adequadamente Em A Histoacuteria Natural em Portugal no Seacuteculo XVIII publicada em

Lisboa em 1987 Roacutemulo Vasco da Gama de Carvalho descreve a enorme coleccedilatildeo

deixada pelo naturalista baiano

Durante as invasotildees francesas boa parte da coleccedilatildeo da natureza amazocircnica

recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira seria levada para Paris como butim de

guerra accedilotildees que foram descritas por Joatildeo Carlos Pires Brigola como verdadeiros

saques Eacutetienne Geoffroy Saint-Hilaire investido da autoridade de Comissaacuterio a

partir de uma posiccedilatildeo de domiacutenio poliacutetico e militar obteve em uma uacutenica incursatildeo

um cobiccedilado patrimocircnio cientiacutefico e museoloacutegico respaldado pelo conceito ainda

hoje conhecido por espoacutelio universal (BRIGOLA 2003)

A despeito de todos os infortuacutenios a expediccedilatildeo conduzida por Alexandre Rodrigues

Ferreira constituiu-se no maior empreendimento cientiacutefico realizado no Brasil em

mundial atingindo 5987 m de altitude Escreveu inuacutemeros livros O primeiro deles uma descriccedilatildeo de sua viagem agrave Ameacuterica do Sul sob o tiacutetulo Uma narrativa pessoal O relato completo da viagem em 30 volumes ele publicou entre 1807-1839 Sua uacuteltima obra em 4 volumes intitulado Cosmos teve seu uacuteltimo livro concluiacutedo trecircs semanas antes de sua morte aos 90 anos de idade em 1759 na Alemanha Charles Marie de la Condamine 1701 a 1774 explorador e cientista francecircs Em 1731 fez expediccedilotildees agrave Aacutefrica do Norte e ao Oriente Meacutedio publicando suas primeiras observaccedilotildees cientiacuteficas Foi encarregado pela Acadeacutemie des Sciences da Franccedila para medir o comprimento do raio da Terra na linha do Equador Sua expediccedilatildeo partiu para a Ameacuterica do Sul no ano de 1735 e estabeleceu-se em Quito no atual Equador onde iniciou suas observaccedilotildees de campo Em 1743 la Condamine decidiu descer pelo Rio Napo ateacute alcanccedilar o Marantildeon o Solimotildees e o Amazonas de onde prosseguiu para Caiena realizando assim a primeira viagem exclusivamente cientiacutefica agrave regiatildeo Amazocircnica Sua expediccedilatildeo permitiu a primeira descriccedilatildeo da planta em que se extrai o quinino e de alguns venenos utilizados pelos ameriacutendios em suas flechas Ao retornar a Paris em 1745 trouxe consigo mais de duas centenas de objetos relacionados agrave Histoacuteria Natural que ofereceu agrave Buffon Foi amigo proacuteximo de Pierre Louis-Moreau de Maupertuis e de Franccedilois-Marie Arouet (Voltaire) Publicou em Paris a Relation abreacutegeacutee dun voyage fait dans linteacuterieur de lAmeacuterique meacuteridionale depuis la cocircte de la mer du Sud jusquaux cocirctes du Breacutesil et de la Guyane en descendant la riviegravere des Amazones lue agrave lassembleacutee publique de lAcadeacutemie des sciences le 28 avril 1745 Passou grande parte de sua vida fazendo campanha pela vacinaccedilatildeo sobretudo contra a variacuteola doenccedila que contraiu na infacircncia

294

todo o periacuteodo colonial A extraordinaacuteria coleccedilatildeo recolhida na Amazocircnia em quase

uma deacutecada de viagem pelos sertotildees brasileiros trouxe relevante contribuiccedilatildeo para

o progresso da Histoacuteria Natural e o conhecimento dos territoacuterios portugueses na

Ameacuterica

Em finais do seacuteculo XVIII apesar das descobertas cientiacuteficas realizadas pelas

viagens filosoacuteficas e pelas comissotildees de limites que revelaram com maior precisatildeo

a geografia dos territoacuterios coloniais Portugal e Espanha natildeo haviam conseguido

realizar as demarcaccedilotildees de suas fronteiras sul-americanas

Com a revoluccedilatildeo francesa ocorrida entre maio de 1789 e novembro de 1799 o

quadro poliacutetico europeu alterou-se profundamente Na Peniacutensula Ibeacuterica outras

mudanccedilas ocorreram nesse periacuteodo na Espanha com a morte de Carlos III em

1788 assumiu o trono seu sucessor Carlos IV e em Portugal com a demecircncia de

Dona Maria I Dom Joatildeo VI tornou-se regente em marccedilo de 1792

Com a ascenccedilatildeo de Napoleatildeo Bonaparte ao governo da Franccedila em novembro de

1799 no episoacutedio conhecido por Golpe do 18 Brumaacuterio as antigas rivalidades entre

Franccedila e Inglaterra em confronto pela hegemonia europeacuteia acabaram por envolver

a Espanha e Portugal colocando-os mais uma vez em posiccedilotildees opostas Os

portugueses procuraram adotar inicialmente uma poliacutetica de neutralidade Mas sua

antiga e estreita relaccedilatildeo com os ingleses prevaleceria no contexto das novas

alianccedilas que se formavam na Europa Napoleatildeo por sua vez desejava romper a

alianccedila anglo-portuguesa fechando assim os portos portugueses ao comeacutercio

britacircnico e passou a pressionar a Espanha para invadir Portugal

Franccedila e a Espanha assinaram sigilosamente em agosto de 1796 um acordo

conjunto de alianccedila ofensiva e defensiva conhecido por Segundo Tratado de Santo

Ildefonso pelo qual a Espanha declarou guerra agrave Inglaterra em 8 de outubro do

mesmo ano Desde entatildeo e ateacute a sua queda Napoleatildeo passou a ter um papel

preponderante na poliacutetica espanhola Em 1800 pela assinatura de um Terceiro

Tratado de Santo Ildefonso a Franccedila obteve novas concessotildees da Espanha Como

consequumlecircncia dessa alianccedila ambos os paiacuteses assinaram uma Convenccedilatildeo em

janeiro de 1801 pela qual um ultimato conjunto foi apresentado a Portugal Lisboa

295

deveria abandonar a sua tradicional alianccedila com a Inglaterra fechando os seus

portos aos britacircnicos e abrindo-os agrave Franccedila e agrave Espanha Deveria entregar parte de

seu territoacuterio como garantia da devoluccedilatildeo das ilhas espanholas de Trinidad Minorca

e Malta que estavam sob posse dos ingleses Teria ainda de pagar reparaccedilotildees de

guerra agrave Franccedila e agrave Espanha e rever os limites fronteiriccedilos com a Espanha Em

caso de recusa a aceitar os termos do ultimato Portugal seria invadido pela

Espanha para o que a Franccedila contribuiria com efetivos militares

Em 20 de maio de 1801 o exeacutercito espanhol invadiu Portugal pela regiatildeo do

Alentejo ocupando sem resistecircncia a cidade de Olivenccedila - ainda hoje sob posse

espanhola - e diversas outras posiccedilotildees portuguesas do Alto Alentejo O conflito

passou a ser conhecido por Guerra das Laranjas99 e resultou na conquista de parte

do territoacuterio portuguecircs com a incorporaccedilatildeo agrave Espanha da cidade lusitana de

Olivenccedila Por outro lado em terras americanas houve a retomada pelos luso-

brasileiros da regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees definindo-se assim as fronteiras

do sul do Brasil ateacute o Rio Quaraiacute Dessa forma voltava-se ao estabelecido pelo

acordo de Madri de 1750 para o limite sul das possessotildees portuguesas na Ameacuterica

O conflito terminou no mesmo ano de 1801 com a assinatura do Tratado de Paz e

de Amizade entre as Coroas de Portugal e de Espanha assinado em Badajoz pelos

Plenipotenciaacuterios do Priacutencipe Regente e de Sua Majestade Catoacutelica em 6 de Junho

de 1801 e ratificado por ambos os soberanos100 firmado sob forte pressatildeo

espanhola e ameaccedila de invasatildeo por tropas francesas101 estacionadas na fronteira

portuguesa

99 A designaccedilatildeo que o conflito tomou deve-se a um episoacutedio ocorrido quando do cerco agrave cidade de Elvas ocorrido em maio de 1801 dois soldados espanhoacuteis teriam colhido dois ramos de laranjeira com frutos que foram remetidas frescas por seu comandante Manuel de Godoy agrave rainha Maria Luiacutesa esposa de Carlos IV de Espanha gesto interpretado por muitos historiadores como indicativo de uma relaccedilatildeo iacutentima entre Godoy e sua soberana 100 O Tratado de Badajoz estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo 101 Os termos do Tratado de Badajoz foram ratificados pelo Priacutencipe-Regente de Portugal no dia 14 e pelo Rei da Espanha em 21 do mesmo mecircs mas foram rejeitados por Napoleatildeo Bonaparte Um novo Tratado foi celebrado em 29 de setembro de 1801 formulando imposiccedilotildees mais severas a Portugal obrigando-o entre outras coisas em relaccedilatildeo agrave Franccedila a aceitar como fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa o Rio Araguari e natildeo o Rio Oiapoque como havia sido estabelecido pelo Tratado de Madri de 1750 e se estendendo ateacute o Rio Branco no atual Estado de Roraima Portugal deveria ainda proibir os tecircxteis ingleses aceitando a entrada dos tecircxteis franceses no paiacutes

296

Os termos do acordo eram bastante desfavoraacuteveis para Portugal estabelecendo o

fechamento de todos os portos portugueses ao comeacutercio com a Gratilde-Bretanha a

restituiccedilatildeo pela Espanha das praccedilas e povoaccedilotildees conquistadas dos lusos no

conflito conservando em qualidade de Conquista [] a Praccedila de Olivenccedila seu

Territoacuterio e Povos estipulando-se a linha de fronteira naquele territoacuterio pelo Rio

Guadiana a proibiccedilatildeo do contrabando nas fronteiras entre ambos os paiacuteses e o

pagamento por parte de Portugal agrave Espanha de despesas de guerra102

O Tratado de Paz de Badajoz todavia ao estabelecer as condiccedilotildees de paz na

Peniacutensula Ibeacuterica natildeo fazia menccedilatildeo dos limites coloniais entre Portugal e Espanha

na Ameacuterica do Sul O acordo natildeo revalidou o Tratado de Santo Ildefonso nem

qualquer outro tratado anterior de limites ou seja natildeo estipulou a volta a uma

situaccedilatildeo vigente anterior agrave guerra

A natildeo confirmaccedilatildeo de acordos anteriores pelo Tratado de Badajoz apresenta-se

como uma novidade Ensina Heacutelio Vianna citando as observaccedilotildees do Baratildeo do Rio

Branco

Examinando os Tratados de Paz entre essas duas coroas depois da Restauraccedilatildeo de Portugal ver-se-aacute que a revalidaccedilatildeo expressa de todas as convenccedilotildees ante bellum e muito especialmente das que versavam sobre limites era condiccedilatildeo indispensaacutevel para que eles readquirissem a anterior vigecircncia Assim eacute que o artigo 13ordm do Tratado de Utrecht de 6 de fevereiro de 1715 revalidou os Tratados de 13 de fevereiro de 1668 e de 18 de junho de 1701 que pelo artigo 2ordm do Tratado de Paris de 10 de fevereiro de 1763 foram revalidados os de 1668 e 1715 e o de 12 de fevereiro de 1761 e pelo artigo 1ordm do Tratado de Santo Ildefonso em 1777 foram ratificados os de 13 de fevereiro de 1688 6 de fevereiro de 1715 e 10 de fevereiro de 1763 em tudo aquilo que expressamente natildeo fosse derrogado pelas disposiccedilotildees do novo tratado (RIO BRANCO103 1945 tomo 1 p 7 10 e 11 apud VIANNA 1954 p 83 e 84)

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que ldquoessa omissatildeo contrariava a praacutetica

habitual entre as naccedilotildees ibeacutericas de confirmar limites quando pactuavam tratados

de pazrdquo (GOacuteES FILHO 2001 p 198)

102 O Tratado de Badajoz estipulava claramente que a violaccedilatildeo de qualquer um dos seus artigos por qualquer uma das partes contratantes conduziria agrave sua anulaccedilatildeo o que veio a ocorrer com a assinatura do Tratado de Fontainebleau em 27 de outubro de 1807 e a subsequumlente invasatildeo de Portugal pelas tropas franco-espanholas O Princiacutepe Regente Dom Joatildeo logo que chegou ao Brasil declarou nulo o Tratado em 1ordm de maio de 1808 103 RIO BRANCO Baratildeo do Obras do Baratildeo do Rio Branco 1 Questotildees de Limites Repuacuteblica Argentina Reediccedilatildeo p 7 10 e 11 Rio de Janeiro 1945

297

Dessa forma o Tratado de Badajoz natildeo determinava a restituiccedilatildeo dos territoacuterios dos

Sete Povos das Missotildees receacutem-conquistados situaccedilatildeo que somente seria

oficializada mais tarde no tempo do Impeacuterio com base no uti possidetis do Tratado

de Madri Os hispano-americanos mantiveram o domiacutenio da regiatildeo platina e os luso-

brasileiros recuperaram a totalidade do atual Estado do Rio Grande do Sul onde

estaacute fixada a fronteira sul do Brasil mantendo ainda os vastos territoacuterios

conquistados no centro-oeste e na Amazocircnia

Ao findar o periacuteodo colonial as fronteiras do Brasil estavam quase estabelecidas

havia-se consolidado a doutrina da posse da terra como princiacutepio conceitual para a

produccedilatildeo dos limites O passo mais importante para o estabelecimento de uma

fronteira havia sido alcanccedilado ndash a definiccedilatildeo de limites o reconhecimento poliacutetico do

direito de posse

A tarefa de delimitaccedilatildeo operaccedilatildeo cartograacutefica na qual se traccedila a linha divisoacuteria sobre

os mapas e a demarcaccedilatildeo operaccedilatildeo fiacutesica na qual se implantam sobre o terreno os

marcos de fronteira haveriam de ser concluiacutedas no Impeacuterio e na Repuacuteblica104

sempre orientadas pelos princiacutepios gerais do Tratado de Madri que foi ratificado

pelos acordos de Santo Ildefonso (Mapa 26) Com a assinatura do Tratado de Madri ocorrida em 13 de janeiro de 1750 foram

finalmente estabelecidos os traccedilados de limites entre as possessotildees coloniais

espanholas e as possessotildees coloniais portuguesas no continente americano e na

Aacutesia e revogaram-se os tiacutetulos imprecisos e virtuais do Tratado de Tordesilhas

firmado em 1494 que desde o final do seacuteculo XV buscava separar os territoacuterios

conquistados pelos dois Reinos ibeacutericos

104 Quadro resumo dos Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos e a extensatildeo de seus limites em quilocircmetros

299

Paiacuteses fronteiriccedilos do Brasil

Tratado de fronteiras Extensatildeo total das fronteiras

em Km

Fronteiras de linha seca em

Km

Fronteiras por rios lagos e

canais em Km

Guiana Francesa

Delimitada desde o Tratado de Utrecht de 1713 com a

interpretaccedilatildeo dada pelo Laudo Arbitral de 1900

730

303

427

Suriname Tratado de 1906 593 593 - Guiana Tratado de 1926 1606 908 698 Venezuela Tratado de 1859 e pelo

Protocolo de 1928 2199 2199 -

Colocircmbia Tratados de 1907 e 1928 1644 835 809 Peru Tratados de 1851 e 1909 2995 992 2003 Boliacutevia Tratados de 1867 1903

1928 e Notas Reversais de Roboreacute de 1958

3423 751 2672

Paraguai Tratado de 1872 e pelo Tratado Complementar de

1927

1365 437 928

Argentina Tratado de 1898 (baseado no Laudo Arbitral de 1895) modificado pelos Artigos Declaratoacuterios de 1910 e

complementado pela Convenccedilatildeo de 1927

1261 25 1236

Uruguai Tratados de 1851 e 1909 1068 320 748 Total - 16884 7363 9521

Observaccedilotildees sobre Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos no Impeacuterio e na Repuacuteblica estatildeo em anexo a este estudo A Repuacuteblica Federativa do Brasil tem a aacuterea atual de 8511965 km2 com 4336 Km de leste a oeste e 4307 Km de norte a sul

Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de Madri

estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio do uti possidetis que acabaria por prevalecer na

demarcaccedilatildeo definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees

pelos bandeirantes expedicionaacuterios oficiais missionaacuterios e entradistas a realizaccedilatildeo

fiacutesica da expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a

inteligecircncia e a prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo

singular

Com base neste Tratado o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que

triplicada e logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas

receacutem-formadas Processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte onde as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia

300

Como ensina Synezio Sampaio Goacutees Filho apenas para citar um exemplo

importante os Estados Unidos da Ameacuterica herdaram da Inglaterra menos de um

deacutecimo de seu territoacuterio atual (GOacuteES FILHO 2001)

301

8 METODOLOGIA

ldquo[] a historicidade radicalmente brota tambeacutem da corporeidade e do ser-no-tempo O corpo munido dos sentidos e a necessidade de decidir [] fazem o homem descobrir aleacutem de sua situaccedilatildeo a sua proacutepria circunstacircncia Aberto ao exterior percebe que a corporeidade o limita Inserindo-se num contexto maior poreacutem daacute sentido a realidades variadas que constituem o seu habitat o seu mundo [] o homem toma consciecircncia do seu tempo e do seu espaccedilo [] Esta eacute a forma humana de crescer de fazer histoacuteria de ser presenccedila de ser sujeito enfim de ser histoacuterico A historicidade co-existe com a consciecircncia [] Na raiz do seu ser o homem foi criado para ser sujeito da histoacuteriardquo (GIRARDI amp QUADROS105 1998 p 37 apud MICHALISZYN amp TOMASINI 2005 p 16)

Este capiacutetulo tem por propoacutesito apresentar a metodologia adotada para o estudo

particularmente a natureza e o meacutetodo de pesquisa que foram utilizados

Ensina Pedro Demo que o conhecimento teoacuterico adequado acarreta rigor

conceitual anaacutelise acurada desempenho loacutegico argumentaccedilatildeo diversificada

capacidade explicativa (DEMO 1994 p 36) e que faz parte da pesquisa

metodoloacutegica o estudo dos paradigmas as crises da ciecircncia os meacutetodos e as

teacutecnicas dominantes da produccedilatildeo cientiacutefica (DEMO 1994 p 37)

Este estudo procurou cumprir as exigecircncias metodoloacutegicas previstas para a

elaboraccedilatildeo de um trabalho cientiacutefico Na abordagem teacutecnica do assunto explorado

buscou-se uma reconstruccedilatildeo objetiva e precisa do passado por meio de anaacutelise

bibliograacutefica e documental A pesquisa realizada foi orientada para responder agraves

questotildees inicialmente apresentadas motivadoras da investigaccedilatildeo do tema proposto

O objetivo da pesquisa eacute determinado pela particularidade do tema a ser estudado

Nesse contexto a pesquisa deve atender a um conjunto de objetivos especiacuteficos

que esclareccedilam os questionamentos propostos pelo tema A natureza do estudo

segundo os objetivos particulares da pesquisa pode ser exploratoacuteria descritiva ou

causal

105 GIRARDI Leopoldo Justino amp QUADROS Odone Joseacute Filosofia aprendendo a pensar 9ordf ed Porto Alegre Sagra Luzzatto 1998

302

ldquoPara Selltiz (1975) e Sbragia (1977) estudos exploratoacuterios possuem como principal objetivo familiarizar-se com o fenocircmeno ou conseguir nova compreensatildeo deste sendo sua caracteriacutestica baacutesica a relativa natildeo existecircncia de hipoacuteteses Jaacute os estudos descritivos por apresentarem precisamente as caracteriacutesticas de uma situaccedilatildeo tecircm como caracteriacutestica fundamental a exatidatildeo razatildeo pela qual a exigecircncia de hipoacuteteses jaacute aparece como uma condiccedilatildeo muitas vezes necessaacuteria se bem que natildeo indispensaacutevel Por fim estudos causais (natildeo somente no sentido restrito da causalidade como tambeacutem para expressar a busca do entendimento das relaccedilotildees entre variaacuteveis) procuram investigar possiacuteveis relaccedilotildees de causa e efeito sendo a existecircncia de hipoacuteteses preacutevias condiccedilotildees essenciais para o sucesso da pesquisardquo (SELLTIZ106 1975 SBRAGIA107 1977 apud ANDREASSI 1999 p 67)

A natureza deste estudo possui caracteriacutesticas exploratoacuterias descritivas e causais

Exploratoacuteria por perseguir o objetivo principal da pesquisa a compreensatildeo do

fenocircmeno da conquista e ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo colonial Descritiva

pela seleccedilatildeo de fontes diversas e avaliaccedilatildeo o mais isenta possiacutevel dos

acontecimentos ocorridos no periacuteodo histoacuterico investigado procurando alcanccedilar o

esclarecimento das questotildees levantadas pelo estudo Causal por investigar as

relaccedilotildees dos diversos protagonistas envolvidos na expansatildeo territorial luso-

brasileira na consolidaccedilatildeo do reconhecimento legal desse empreendimento frente

aos interesses coloniais de outras naccedilotildees europeacuteias e na definiccedilatildeo das fronteiras do

Brasil atual

O objetivo da investigaccedilatildeo determina o meacutetodo a ser utilizado Dessa forma para

alcanccedilar os objetivos desejados o meacutetodo de pesquisa adotado que melhor se

adequou agraves particularidades deste trabalho foi a reconstruccedilatildeo objetiva do periacuteodo

histoacuterico avaliado realizada por meio de pesquisa bibliograacutefica e documental

A investigaccedilatildeo do tema procurou apoiar-se na teacutecnica na isenccedilatildeo na previsatildeo e no

planejamento

Como ensina Albert Soboul ldquoToda a reflexatildeo do historiador eacute continuamente

solicitada pela teoria e eacute pelo acircngulo da conceptualizaccedilatildeo e da teorizaccedilatildeo que

podemos esperar esclarecer a anatomia e a fisiologia das sociedadesrdquo (SOBOUL

1965 p 37)

106 SELLTIZ C Jahoda M Deutsch M Cook S Meacutetodos de pesquisa nas relaccedilotildees sociais 5ordf ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1975 107 SBRAGIA R Uma anaacutelise das caracteriacutesticas da estrutura matricial em instituiccedilotildees de pesquisa e desenvolvimento industrial Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave Faculdade de Economia Administraccedilatildeo e Contabilidade da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1977

303

9 CONCLUSAtildeO

Pelo que ficou claramente demonstrado a conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

realizada pelos luso-brasileiros no periacuteodo colonial foram empreendimentos

conduzidos pelo Estado por meio de accedilotildees militares administrativas poliacuteticas e

diplomaacuteticas que tinham por finalidade manter e assegurar a posse desse territoacuterio

para o impeacuterio colonial portuguecircs A expansatildeo espontacircnea motivada por razotildees

exclusivamente econocircmicas natildeo eacute capaz de explicar a incorporaccedilatildeo portuguesa de

tatildeo vasta regiatildeo

Nos acordos de limites estabelecidos sobretudo a partir da segunda metade do

seacuteculo XVIII prevaleceria a doutrina defendida por Portugal para legitimar sua

expansatildeo territorial a ocupaccedilatildeo efetiva como argumento legal para a posse da terra

Desse modo ainda no periacuteodo colonial foi obtida a definiccedilatildeo das fronteiras da

Ameacuterica Portuguesa Como resultado do empenho diplomaacutetico lusitano houve a

incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de quase dois terccedilos de sua aacuterea atual A

Amazocircnia permaneceu brasileira em decorrecircncia do esforccedilo militar e poliacutetico

empreendidos por Portugal para a manutenccedilatildeo dessa vasta regiatildeo como parte

integrante de seu impeacuterio colonial ultramarino

A presenccedila dos primeiros europeus na regiatildeo amazocircnica foi iniciada com a

descoberta da foz do Rio Santa Maria de la Mar Dulce pelo espanhol Vicente Yaacutentildeez

Pinzoacuten possivelmente no ano de 1500 meses antes da chegada do descobridor

portuguecircs Pedro Aacutelvares Cabral agrave Bahia no Brasil e com as primeiras viagens

intencionais ou acidentais que partindo dos contrafortes andinos percorreram a

calha do grande rio ateacute atingir o Atlacircntico Coube ao tambeacutem espanhol Francisco de

Orellana (1500-1545) a primeira navegaccedilatildeo completa do grande rio realizada entre

dezembro de 1541 e julho de 1542 Conforme relato de viagem sua expediccedilatildeo teria

sido atacada ferozmente por nativos comandados por mulheres de aspecto

imponente Natildeo tardou para que essa histoacuteria corresse a Europa e o grande rio

navegado por Orellana passasse a ser conhecido como o Rio das Amazonas

O mundo amazocircnico foi entatildeo concedido para exploraccedilatildeo aos soldados espanhoacuteis

desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 Todas as concessotildees feitas pela Coroa

304

espanhola natildeo produziram resultado invalidadas porque os conquistadores

parecem natildeo ter querido se aventurar a perder recursos e a vida na difiacutecil

empreitada As alegaccedilotildees mencionavam os enormes esforccedilos que se faziam

necessaacuterios sobretudo diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil no

Peru ou em Nova Granada principalmente apoacutes o descobrimento do verdadeiro El

Dorado representado pelo cerro de Potosi na atual Boliacutevia Os espanhoacuteis

buscavam rendimentos mais imediatos e seguros Aleacutem disso a barreira

representada pela cordilheira andina era outro fator importante a considerar pois

dificultava a penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis instalados nos altiplanos do

Peru Dessa forma no seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo

pelos espanhoacuteis do vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais proacuteximas da

cidade de Quito na antiga proviacutencia de Maquipaacutero proacutexima agraves regiotildees dos Rios

Napo e Javari

O litoral norte da Ameacuterica do Sul no trecho hoje brasileiro e guianense apresentava

enormes dificuldades para o estabelecimento humano com costas quase deseacuterticas

no Cearaacute baixios nas proximidades do delta do Amazonas e mangues nas Guianas

natildeo revelando nada que estimulasse a ambiccedilatildeo dos espanhoacuteis e portugueses

quinhentistas Preocupados em manter o controle sobre a costa brasileira

ameaccedilada pelas incursotildees francesas limitados pelas dificuldades das navegaccedilotildees

no litoral norte brasileiro e desestimulados pela aparente falta de riquezas daquela

regiatildeo os portugueses natildeo procuraram se estabelecer na Amazocircnia no seacuteculo XVI

No entanto ainda nos quinhentos outros exploradores europeus se lanccedilaram agrave

exploraccedilatildeo do norte da Ameacuterica do Sul entre os Rios Orenoco e Amazonas

motivados principalmente pela pesca e pelo comeacutercio de produtos da regiatildeo No

final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a Ameacuterica era cada vez mais

contestado por outras naccedilotildees europeacuteias Ingleses holandeses e franceses que

disputavam o domiacutenio das terras americanas com espanhoacuteis e portugueses

entregaram-se agrave exploraccedilatildeo do Amazonas Em fins do seacuteculo XVI passado o tempo

dos caccediladores de tesouros lendaacuterios pescadores e comerciantes holandeses e

ingleses procuravam se instalar nessa vasta e pouco conhecida regiatildeo lanccedilando as

primeiras bases de implantaccedilotildees coloniais por meio do levantamento de feitorias e

pequenos fortes

305

Em 1612 poreacutem os franceses fariam nova e mais perigosa investida no Brasil

Aliados dos tupinambaacutes e liderados por Daniel de La Touche conhecido por senhor

de La Ravardiegravere tentaram fixar uma colocircnia na ilha do Maranhatildeo instalando a

Franccedila Equinocial com a fundaccedilatildeo de Saint Louis nome que homenageava o Rei

francecircs Luiacutes XIII Naquele momento as Coroas ibeacutericas estavam unificadas sob o

reinado de Felipe III de Espanha chamado Felipe II em Portugal periacuteodo

conhecido por Uniatildeo Ibeacuterica iniciado em 1580 e terminado em 1640 As notiacutecias da

ocupaccedilatildeo francesa do Maranhatildeo chegaram aos ouvidos das autoridades de Madri e

provocaram uma reaccedilatildeo imediata em 1613 Felipe III de Espanha ordenou ao

governador do Brasil para que ele estabelecesse residecircncia em Olinda de onde

melhor poderia acompanhar e comandar as iniciativas destinadas a expulsar

quaisquer invasores especialmente os franceses e para que prosseguisse na

descoberta e conquista do Rio Amazonas Apoacutes violentas accedilotildees de combate e

intensas negociaccedilotildees diplomaacuteticas em 3 de novembro de 1615 o Forte da Ilha de

Satildeo Luiz foi finalmente entregue aos portugueses

A expulsatildeo dos franceses representa um importante marco da conquista do litoral

no sentido Leste-Oeste e assinala o iniacutecio da conquista e da ocupaccedilatildeo da

hinterlacircndia amazocircnica A empreitada militar que resultou na ocupaccedilatildeo do Maranhatildeo

foi decidida e ordenada por Felipe III de Espanha e teve o propoacutesito de manter sob

o domiacutenio ibeacuterico o vasto litoral setentrional da Ameacuterica do Sul desde as

possessotildees portuguesas ao norte de Pernambuco ateacute as posiccedilotildees espanholas na

atual Venezuela

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia inicia-se portanto no periacuteodo dos Felipes -

durante a vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica (1580 a 1640) - ante a preocupaccedilatildeo da fixaccedilatildeo

francesa e de uma possiacutevel incursatildeo holandesa e inglesa contra a regiatildeo o que

poderia colocar em risco as minas de prata descobertas no Peru A ligaccedilatildeo fluvial

dos Andes ao Atlacircntico pelo Rio Amazonas representava verdadeira ameaccedila agrave

seguranccedila do impeacuterio colonial espanhol na Ameacuterica Era necessaacuterio controlar a

entrada desse vasto estuaacuterio e bloquear o acesso aos estrangeiros

Bem-sucedida a campanha contra os franceses no Maranhatildeo prosseguiu-se na

jornada ao Gratildeo-Paraacute sendo fundado em 12 de janeiro de 1616 na baiacutea de

306

Guajaraacute a Casa Forte de Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem futura cidade de

Nossa Senhora de Beleacutem Essa posiccedilatildeo defensiva tinha o propoacutesito de garantir o

domiacutenio ibeacuterico sobre a regiatildeo amazocircnica A fundaccedilatildeo de Beleacutem foi portanto

motivada fortemente por razotildees poliacuteticas Houve a preocupaccedilatildeo estrateacutegica de se

controlar esses vastos territoacuterios decidindo os portugueses por simplesmente

fechar sua porta de acesso A constituiccedilatildeo de um nuacutecleo urbano deveria funcionar

como um marco de posse e de defesa da imensa bacia amazocircnica contra as

investidas dos estrangeiros que havia muito tempo desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo

XVI exploravam o peixe-boi e drogas do sertatildeo devendo ser considerada como o

ecircxito de uma missatildeo poliacutetica e militar de repercussotildees sem precedentes na

Amazocircnia

O capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute nomeado pelo governador-geral do Brasil foi dotado

de regimento especial que lhe concedia autoridade para descobrir conquistar e

colonizar as terras do Amazonas ateacute o Cabo Norte Recebera ordens portanto para

expulsar os holandeses e ingleses que estivessem instalados na regiatildeo bem como

para se estabelecer em Beleacutem e arredores Determinaccedilotildees expressas de 1622

assinadas pelo proacuteprio Felipe IV de Espanha ordenavam explorar o curso do Rio

em direccedilatildeo a oeste fazer o descobrimento do Cabo Norte e expulsar os

estrangeiros Tais esforccedilos demonstram claramente as intenccedilotildees da Coroa Ibeacuterica

em conquistar a regiatildeo e estender-se mais ao norte possiacutevel preservando a entrada

do Rio Amazonas sob controle espanhol e portuguecircs

Em cumprimento agraves ordens de Madri diversas expediccedilotildees portuguesas tomaram

navios fizeram prisioneiros e arrasaram fortes holandeses e ingleses construiacutedos na

Amazocircnia Desde o ano da fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 foram conduzidas accedilotildees

militares contra os estrangeiros instalados no baixo Amazonas Em meados do

seacuteculo XVII a regiatildeo estava livre da atuaccedilatildeo desses concorrentes europeus Esses

episoacutedios revelam que a Histoacuteria da Amazocircnia se iniciou com intensas e

prolongadas batalhas fluviais e terrestres que resultaram na conquista de uma

vastiacutessima regiatildeo para o domiacutenio colonial portuguecircs

Nas primeiras trecircs deacutecadas de sua existecircncia Beleacutem enfrentou inuacutemeros conflitos

entre colonos e autoridades locais deposiccedilatildeo de governos confusas manobras de

307

sucessatildeo e apresamento abusivo e em grande escala de indiacutegenas Nesse periacuteodo

no entanto as accedilotildees militares conduzidas para a expulsatildeo dos estrangeiros e o

contato com os indiacutegenas arregimentados para as manobras permitiram aos

portugueses o aprendizado necessaacuterio para a luta em pequenas canoas a utilizaccedilatildeo

de teacutecnicas de emboscada e o combate sob tempestades tropicais Os timoneiros

foram familiarizados com a regiatildeo do baixo Amazonas Houve a instalaccedilatildeo e a

guarniccedilatildeo de pequenos fortes avanccedilados que passaram a atrair novos colonos A

ocupaccedilatildeo progredia lentamente expandindo-se rio acima numa intrincada rede

hidrograacutefica e aos poucos foi consolidando a presenccedila portuguesa na regiatildeo

O periacuteodo inicial da conquista portuguesa da Amazocircnia se deu sob a vigecircncia da

Uniatildeo Ibeacuterica O efeito dessa Uniatildeo sobre a expansatildeo territorial luso-brasileira para

aleacutem dos limites previstos no Tratado de Tordesilhas de 1494 natildeo encontra

consenso entre os historiadores No cerne da questatildeo a influecircncia exercida por ela

sobre o bandeirismo e o entradismo A despeito de qualquer polecircmica natildeo se pode

garantir que o movimento portuguecircs de expansatildeo territorial teria se desenvolvido da

mesma maneira Tivesse Espanha tomado medidas de defesa mais efetivas para

conter o avanccedilo lusitano nos sertotildees americanos e sobretudo natildeo sendo obrigada

a tratar Portugal com a reverecircncia de um aliado eacute possiacutevel e mesmo provaacutevel que

o bandeirismo natildeo tivesse alcanccedilado resultados territoriais tatildeo expressivos Outra

avaliaccedilatildeo permite considerar que o periacuteodo da Uniatildeo Ibeacuterica foi favoraacutevel para a

expansatildeo territorial portuguesa na Amazocircnia e no Centro-Oeste brasileiro e

extremamente desfavoraacutevel para os interesses coloniais de Portugal em suas

possessotildees na Aacutefrica na Aacutesia e no nordeste brasileiro invadidas pelos holandeses

que eram inimigos de Espanha

No caso particular da Amazocircnia a Uniatildeo Ibeacuterica representada por um soberano

comum permitiu que a expansatildeo portuguesa fosse natildeo soacute autorizada por Madri

como tambeacutem fora determinado que os esforccedilos para a expulsatildeo de estrangeiros e

a guarda do litoral norte coubessem aos lusitanos A unidade poliacutetica do periacuteodo

filipino permitiu tambeacutem a legalidade das accedilotildees portuguesas desde a conquista de

Satildeo Luiacutes e a fundaccedilatildeo de Beleacutem Era preciso proteger o Vice-Reinado do Peru das

investidas holandesas e inglesas os estabelecimentos espanhoacuteis no litoral

venezuelano natildeo possuiacuteam elementos para qualquer empreendimento distante

308

Nesse contexto o controle da entrada da bacia amazocircnica era essencial e os

portugueses os mais habilitados para conduzir a empreitada

Importantes decisotildees foram tomadas em relaccedilatildeo agrave Amazocircnia nesse periacuteodo o

prosseguimento da expediccedilatildeo de conquista e fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616

realizado em cumprimento agraves ordens reacutegias de Madri a separaccedilatildeo do Estado do

Maranhatildeo do Estado do Brasil decidida por determinaccedilatildeo real apoacutes ouvido o

Conselho de Estado por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 e os reforccedilos

militares em pessoal e material enviados para socorrer os portugueses do

Maranhatildeo

Natildeo haacute duacutevida de que a poliacutetica colonial de Madri durante a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica foi conduzida com o propoacutesito de garantir a defesa dos territoacuterios

amazocircnicos resguardando e protegendo o Vice-Reinado do Peru pelo seu acesso

atlacircntico das investidas estrangeiras e evidenciada sobretudo pelos esforccedilos

militares despendidos para a conquista e manutenccedilatildeo desses territoacuterios Tambeacutem

natildeo resta duacutevida de que espanhoacuteis e portugueses tinham seus proacuteprios interesses e

mantiveram-se distintos em sua personalidade fiacutesica poliacutetica e social razatildeo pela

qual com o advento da Restauraccedilatildeo em 1640 Portugal passou a reivindicar

aqueles territoacuterios da vastiacutessima bacia amazocircnica para seu impeacuterio colonial onde jaacute

andava avanccedilado o processo de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo lusitano

Para facilitar a administraccedilatildeo dos territoacuterios amazocircnicos o governo de Madri criou

em 1621 o Estado do Maranhatildeo - entidade autocircnoma politicamente independente

do Estado do Brasil O novo Estado compreendia os atuais Estados do Cearaacute Piauiacute

Maranhatildeo Paraacute parte do Amazonas e Amapaacute abrangendo quase toda costa norte

e quase todo o vale amazocircnico O restante do Brasil constituiacutedo pelas capitanias da

coroa do Rio Grande do Norte ateacute Satildeo Vicente e pelas demais capitanias privadas

chamava-se Estado do Brasil Razotildees geograacuteficas se impunham na reorganizaccedilatildeo

poliacutetica e administrativa do Brasil colonial com a separaccedilatildeo dos dois Estados do

Brasil e do Maranhatildeo O regime dos ventos e das correntes mariacutetimas essenciais

para a compreensatildeo das possibilidades das navegaccedilotildees da eacutepoca levaram Madri a

tomar esta decisatildeo Legislaccedilatildeo com aproximadamente 2000 documentos

constantes das Cartas Reacutegias Alvaraacutes e Decisotildees do Conselho Ultramarino -

309

guardadas na seccedilatildeo de manuscritos da Biblioteca Estadual do Paraacute no Arquivo

Nacional e na seccedilatildeo de manuscritos do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro -

regulou a vida dos primeiros colonizadores no momento em que entradistas

soldados e missionaacuterios foram incorporando a Amazocircnia ao impeacuterio lusitano Essa

legislaccedilatildeo determinou normas de administraccedilatildeo fixou planos de trabalho comutou

penalidades por parte do poder puacuteblico estabeleceu diretrizes para uma conquista e

ocupaccedilatildeo da terra e definiu aprovaccedilatildeo estatal para o esforccedilo que se realizava

contra a presenccedila de estrangeiros O Estado do Maranhatildeo sob diversas

denominaccedilotildees ao longo de mais cento e cinquumlenta anos trataraacute de seus assuntos

diretamente com Lisboa e soacute se reunificaraacute de fato ao Estado do Brasil em 1823

apoacutes o advento da Independecircncia O seu desenvolvimento histoacuterico seraacute diferente

daquele Teraacute representantes em Portugal interesses comerciais proacuteprios poliacutetica

colonial independente e governadores gerais orientados diretamente pelo Rei

Uma das mais importantes accedilotildees de conquista empreendidas na Amazocircnia ocorreu

pouco tempo depois da fundaccedilatildeo de Beleacutem A grande expediccedilatildeo fluvial de Pedro

Teixeira partiu do Forte do Gurupaacute em 28 de outubro de 1637 A expediccedilatildeo lanccedilou-

se para Oeste contra a correnteza conduzida por iacutendios remeiros pela calha do Rio

Amazonas Teixeira alcanccedilou a confluecircncia do conhecido Rio Tapajoacutes descobriu e

batizou o Rio Madeira instalou-se por algum tempo no Rio Negro navegou o

Solimotildees atravessando a terra dos iacutendios omaguaacutes e penetrando a regiatildeo que

hoje pertence ao Peru deixou o curso principal do Solimotildees subindo um afluente o

Rio Napo Oito meses depois em 24 de junho de 1638 a mais de 3500 km de

distacircncia de Beleacutem Teixeira finalmente alcanccedilou Quito No retorno ao Paraacute em 16

de agosto de 1639 provavelmente agraves margens do Rio Napo na confluecircncia com o

Rio Aguarico Pedro Teixeira fundou o povoado da Franciscana que conforme as

instruccedilotildees no seu regimento deveria servir de baliza aos domiacutenios das duas Coroas

Depois de quase dez meses de viagem Pedro Teixeira chegou a Beleacutem em 12 de

dezembro de 1639 tornando-se assim o primeiro homem a ter percorrido toda a

extensatildeo do mais caudaloso rio do mundo numa extenuante viagem de ida e volta

Embora estivesse Portugal ainda sob o domiacutenio espanhol na eacutepoca da expediccedilatildeo

Pedro Teixeira tomava posse das terras para os portugueses em nome de Felipe IV

Rei de Espanha e de Portugal No ato de fundaccedilatildeo de Franciscana lavrou a ata

diante de testemunhas espanholas e portuguesas

310

Eacute importante ressaltar que o empreendimento expedicionaacuterio de Pedro Teixeira teve

origem oficial As instruccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado que marcasse o limite

entre terras portuguesas e espanholas tomando posse da enorme regiatildeo situada a

leste desse marco foram cumpridas por ordens do governador do Gratildeo-Paraacute A

expediccedilatildeo tratava de assegurar para os portugueses a posse da maior parte do Rio

Amazonas antes que ocorresse a separaccedilatildeo das Coroas naquele momento

desejada em Portugal Os portugueses natildeo conseguiriam manter a fronteira em

Franciscana provavelmente construiacuteda em territoacuterio do Equador atual mas graccedilas agrave

expediccedilatildeo de Pedro Teixeira viriam a fixaacute-la no Rio Javari a mais de 2500 km da

foz do Rio Amazonas A expediccedilatildeo natildeo se tornou apenas um iacutecone na histoacuteria das

exploraccedilotildees foi tambeacutem em decorrecircncia dela que a maior parte da regiatildeo

amazocircnica e praticamente todo o curso principal do rio passariam a fazer parte do

impeacuterio colonial portuguecircs e posteriormente do territoacuterio brasileiro

As penetraccedilotildees realizadas a peacute e depois em canoas a partir de Satildeo Paulo sempre

de canoas a partir de Beleacutem e em uma pequena armada na fundaccedilatildeo da Colocircnia

de Sacramento resultaram no principal acontecimento do periacuteodo colonial a

dilataccedilatildeo de limites com a ocupaccedilatildeo de dois terccedilos do territoacuterio nacional atual

legalizada posteriormente em 1750 entre Portugal e Espanha quando da

assinatura do Tratado de Madri

Em finais do seacuteculo XVI surgiu o fenocircmeno histoacuterico mais caracteriacutestico do Brasil o

bandeirismo que juntamente com o entradismo no norte provocou a expansatildeo

geograacutefica do impeacuterio colonial portuguecircs para muito aleacutem dos traccedilados previstos

pela linha de Tordesilhas O movimento pode ser compreendido como um conjunto

de accedilotildees de penetraccedilatildeo territorial ocorridas aproximadamente entre 1580 e 1730 a

partir de Satildeo Paulo e que tinha por objetivo a caccedila ao iacutendio para escravizaccedilatildeo de

matildeo-de-obra e a procura de metais e pedras preciosas A penetraccedilatildeo dos sertotildees

brasileiros conduzida pelos paulistas implicaraacute tambeacutem na expansatildeo territorial da

Amazocircnia

A expediccedilatildeo conduzida pelo sertanista Raposo Tavares entre 1648 e 1651 que

partindo de Satildeo Paulo alcanccedilou Beleacutem pelos caminhos do interior do continente sul-

americano ficaria conhecida por bandeira de limites Ela foi realizada poucos anos

311

depois da viagem de Pedro Teixeira e tornou-se a maior proeza da Histoacuteria do

Bandeirismo a maior de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico feitas

no Brasil e uma das mais extraordinaacuterias do mundo natildeo soacute pela distacircncia

percorrida quase 10000 Km por via terrestre e fluvial mas sobretudo pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas que iriam advir dessa aventura na expansatildeo das possessotildees

portuguesas na Ameacuterica

As empresas de Raposo Tavares - as accedilotildees no Guairaacute em 1628 e 1629 as

incursotildees no Uruguai e no Tape em 1636 e 1637 e a expediccedilatildeo de 1648 a 1651 -

tiveram imenso significado poliacutetico foi por meio dessas accedilotildees que se expulsaram os

jesuiacutetas espanhoacuteis para os territoacuterios do meacutedio Uruguai e do Paranaacute permitindo as

futuras reivindicaccedilotildees territoriais portuguesas no sul e no oeste do Brasil

A grande expediccedilatildeo de 1648 fechou a passagem dos jesuiacutetas entre o Paraguai e a

planiacutecie de Santa Cruz e o Peru impedindo a expansatildeo dos espanhoacuteis em direccedilatildeo

ao Mato Grosso e meacutedio Paranaacute Como resultado do empreendimento vastas

regiotildees desconhecidas entre o troacutepico de Capricoacuternio e o Equador passaram a

figurar na cartografia portuguesa A revelaccedilatildeo da importacircncia do Rio Madeira sua

ligaccedilatildeo com os altiplanos andinos - via de acesso natural para as colocircnias

espanholas instaladas nos Andes permitindo a navegaccedilatildeo desde o delta do Rio

Amazonas para essas regiotildees montanhosas no interior do continente americano - foi

consequumlecircncia imediata da expediccedilatildeo de Raposo Tavares A partir dela vaacuterias

decisotildees poliacuteticas foram tomadas pelo governo de Lisboa determinando a ocupaccedilatildeo

do Rio Madeira pelos jesuiacutetas A expediccedilatildeo criou tambeacutem condiccedilotildees para a

exploraccedilatildeo de ouro das minas do Mato Grosso revelando caminhos e acessos que

seriam usados por outros bandeirantes

Natildeo se pode afirmar que os sertanistas tinham consciecircncia de que suas accedilotildees

estavam conquistando terras no interior da Ameacuterica para Portugal agrave custa da

Espanha Mas pode-se concluir que os bandeirantes tinham consciecircncia de que as

regiotildees que adentravam havia deacutecadas passavam a ser portuguesas

Outro fator extremamente importante para a ocupaccedilatildeo territorial e a consequumlente

expansatildeo dos domiacutenios coloniais portugueses foi a accedilatildeo missionaacuteria das Ordens

312

religiosas catoacutelicas As missotildees contribuiacuteram para fixar os marcos de penetraccedilatildeo ao

longo da extensa rede fluvial amazocircnica e foram utilizadas sistematicamente pela

Coroa para a realizaccedilatildeo de uma poliacutetica expansionista seja na aculturaccedilatildeo dos

indiacutegenas seja na implantaccedilatildeo de um modelo cristatildeo e catoacutelico a serviccedilo do Estado

portuguecircs A mentalidade colonialista encontrava-se impregnada de uma visatildeo

catequizadora e regeneradora dos territoacuterios conquistados o colonizador pretendia a

conversatildeo dos povos natildeo soacute a uma nova feacute mas a todo um sistema cultural

diferente a pregaccedilatildeo era o meio mais eficiente nesse processo de persuasatildeo A

imposiccedilatildeo dos novos valores encontrava justificaccedilatildeo em todos os campos moral

poliacutetico religioso e econocircmico e todos confirmavam que o processo de civilizar era

plenamente justificado pela conquista O colonizador se considerava o legiacutetimo

portador da cultura e da civilizaccedilatildeo e via como seu dever a conquista dos povos

baacuterbaros que estavam perdidos do reino de Deus Era dever da Coroa propagar a feacute

cristatilde e assim conquistar os povos ignorantes do verdadeiro Deus

A conquista da Amazocircnia natildeo poderia ser empreendida portanto sem a accedilatildeo

evangelizadora As principais Ordens religiosas que se estabeleceram ao longo dos

seacuteculos XVII e XVIII foram as dos carmelitas franciscanos da Ordem de Satildeo

Francisco da Proviacutencia de Lisboa mercedaacuterios jesuiacutetas franciscanos da Proviacutencia

da Piedade e outros franciscanos denominados Antoninos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho Essas Ordens foram distribuiacutedas geograficamente no territoacuterio amazocircnico

dividido agrave maneira dos grandes feudos As missotildees foram portanto dirigidas pela

Coroa e agiam como representantes dos interesses de Portugal

A ocupaccedilatildeo dos espaccedilos amazocircnicos pelos religiosos e colonos foi marcada por

graves conflitos de interesse sobretudo em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo indiacutegena mas

pode ser compreendida tambeacutem como um momento de grande expansatildeo territorial

com enorme alcance geograacutefico e geopoliacutetico A infiltraccedilatildeo rio acima pelo vale do

Amazonas inicia-se francamente na segunda metade do seacuteculo XVII e sua

vanguarda seratildeo as Ordens religiosas em particular os jesuiacutetas e carmelitas

A atuaccedilatildeo de catequese desenvolvida pelas Ordens religiosas foi fundamental para

a conquista e a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia sobretudo das regiotildees mais

distantes e menos sujeitas agrave accedilatildeo governativa exercida por Beleacutem Em meados do

313

seacuteculo XVIII os franciscanos estavam fortemente implantados no Cabo Norte na

Ilha de Marajoacute e nos afluentes do norte do Rio Amazonas os jesuiacutetas no Tocantins

no Xingu no Tapajoacutes e no Madeira os carmelitas no Negro no Branco e no

Solimotildees os capuchos no baixo Amazonas a partir do Gurupaacute e os mercedaacuterios

depois dos capuchos ateacute o Urubuiacute no meacutedio Amazonas

Por volta de 1740 havia cerca de 50000 indiacutegenas reduzidos em cerca de 63

missotildees de diversas Ordens religiosas nuacutemero equivalente aos habitantes dos Sete

Povos das Missotildees no atual Rio Grande do Sul Eacute importante ressaltar que sem as

drogas do sertatildeo natildeo haveria base econocircmica para as missotildees se estabelecerem

permanentemente As missotildees que prosperaram foram aquelas que tiveram sucesso

na exploraccedilatildeo das especiarias americanas valorizadas principalmente no comeccedilo

do seacuteculo XVIII quando jaacute estavam perdidas as possessotildees portuguesas no Oriente

As atividades necessaacuterias para a sobrevivecircncia econocircmica encontradas pelos

colonos foram a penetraccedilatildeo na floresta ou nos rios para colher os produtos ou

capturar o peixe e a conduccedilatildeo das embarcaccedilotildees que faziam todo o transporte

constituindo-se no uacutenico meio de locomoccedilatildeo possiacutevel da regiatildeo As condiccedilotildees

naturais eram desfavoraacuteveis agrave agricultura A conquista do vale amazocircnico viria a se

amparar nos recursos regionais principalmente aqueles que a natureza e a floresta

podiam oferecer um grande nuacutemero de gecircneros naturais aproveitaacuteveis e utilizaacuteveis

no comeacutercio as chamadas drogas do sertatildeo como o cravo a canela a castanha a

salsaparrilha a baunilha o breu as resinas as sementes oleaginosas a quina e

sobretudo o cacau aleacutem das madeiras dos peixes da caccedila e da tartaruga

Persistiu no periacuteodo colonial o modelo de produccedilatildeo extrativista base de toda a

atividade econocircmica regional

A exploraccedilatildeo das drogas do sertatildeo foi portanto uma atividade econocircmica essencial

na sustentaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia Por essa razatildeo um dos

agentes principais da penetraccedilatildeo territorial foi o chamado droguista do sertatildeo

sertanista ou simplesmente entradista colono leigo geralmente mesticcedilo e falante da

liacutengua geral como o mameluco paulista muitas vezes integrando as chamadas

tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que tinham por

objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

314

Adotou-se neste estudo a distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirismo

conforme conceituaccedilatildeo feita por Heacutelio Vianna considerando o entradismo como o

movimento que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de diversos pontos da costa leste

do Brasil para o interior ainda desconhecido devassou notaacutevel extensatildeo territorial

sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da Amazocircnia por via fluvial e que

perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-se no iniacutecio do seacuteculo XX com

a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre

Nos primeiros anos da presenccedila portuguesa na Amazocircnia inuacutemeras entradas foram

realizadas tanto pelos vales dos rios maranhenses (Gurupi Turiaccedilu Itapicuru e

Mearim) como pelo Rio Amazonas e seus afluentes O reconhecimento inicial da

regiatildeo foi feito por sertanistas experientes como Pedro Teixeira Bento Maciel

Parente Jerocircnimo de Albuquerque e Luiacutes Aranha que penetraram o rio acima para

muito aleacutem do delta seja para as accedilotildees contra estrangeiros a caccedila de iacutendios ou a

coleta das drogas do sertatildeo Uma das primeiras e mais importantes accedilotildees do

entradismo amazocircnico foi a fundaccedilatildeo do Forte do Gurupaacute construiacutedo na margem

direita do Rio Amazonas e proacuteximo agrave sua foz em 1624 o que permitiu aos

portugueses o controle de acesso ao grande rio Gurupaacute representou para a

conquista e penetraccedilatildeo da Amazocircnia o mesmo papel de Satildeo Paulo na interiorizaccedilatildeo

para o sul A partir dessas accedilotildees uma lenta infiltraccedilatildeo colonizadora iniciou a

penetraccedilatildeo pela intrincada rede hidrograacutefica da bacia amazocircnica

Embora difiacutecil a penetraccedilatildeo foi persistente Os portugueses implantaram seu proacuteprio

sistema econocircmico adaptando-se agraves condiccedilotildees regionais em grande medida

adversas Como resultado das expediccedilotildees do entradismo iniciadas desde a

fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 um imenso territoacuterio passou a ser reconhecido e

conquistado permitindo agrave Coroa portuguesa reivindicar a posse da regiatildeo

amazocircnica em detrimento dos interesses coloniais espanhoacuteis e franceses O

entradismo permitiu de fato a incorporaccedilatildeo da Amazocircnia ao mundo colonial

portuguecircs Nesse momento ainda natildeo estava legalizada a ocupaccedilatildeo territorial mas

o conhecimento e a exploraccedilatildeo da regiatildeo eram natildeo havia duacutevidas

empreendimentos luso-brasileiros

315

Um fator poliacutetico importante que traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 foi a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

desde 1621 Dessa forma antes do final do seacuteculo XVII entradistas soldados e

missionaacuterios portugueses percorriam livremente a regiatildeo promovendo a conquista e

realizando a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

Para garantir essa ocupaccedilatildeo o governo de Lisboa determinou o enfrentamento das

incursotildees francesas no norte do Amazonas a conquista dos Rios Negro e Branco a

expulsatildeo dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no Rio Solimotildees e a expediccedilatildeo ao Rio

Madeira para conter a presenccedila espanhola a oeste do Rio Guaporeacute Todas as accedilotildees

fizeram parte da estrateacutegia para garantir a posse da Amazocircnia e tinham por objetivo

preservar as conquistas territoriais empreendidas pelas expediccedilotildees oficiais pelos

missionaacuterios entradistas e bandeirantes

A criaccedilatildeo da Capitania do Cabo Norte em 1637 tinha por propoacutesito consolidar

posiccedilatildeo portuguesa na margem esquerda do baixo Amazonas Sua aacuterea

correspondia agrave do atual Estado do Amapaacute dilatado para o interior do continente no

litoral a Capitania estendia-se da foz do Rio Amazonas ateacute o Rio Oiapoque que

desaacutegua no oceano a oeste do Cabo Orange A reparticcedilatildeo desses grandes espaccedilos

cumpria funccedilotildees especiacuteficas obedecendo a uma poliacutetica colonial de ocupaccedilatildeo e de

defesa territorial que estabelecia as posiccedilotildees estrategicamente convenientes para

impedir o acesso agrave bacia amazocircnica

Expulsos definitivamente de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo em 1615 os franceses logo

procuraram estabelecer-se novamente na regiatildeo entre o Rio Orenoco e o Rio

Amazonas como jaacute haviam feito ingleses e holandeses Em 1626 realizaram uma

primeira tentativa de colonizaccedilatildeo ao longo do Rio Sinnamary e em 1634 fundaram

a cidade de Caiena ambas na atual Guiana Francesa ao norte do Amapaacute A partir

do porto de Caiena os franceses passaram a realizar incursotildees ao longo da costa

em direccedilatildeo ao sul ateacute o delta do Rio Amazonas onde pretendiam fixar posiccedilatildeo

316

Os conflitos com os portugueses instalados em Beleacutem e arredores na foz do Rio

Amazonas resultaram em uma longa disputa territorial pela posse das terras do

Cabo Norte resolvida em definitivo apenas em 1900 nos primeiros anos da

Repuacuteblica com o arbitramento internacional da questatildeo feito pelo Conselho Federal

Suiacuteccedilo que decidiu favoravelmente ao Brasil na definiccedilatildeo de suas fronteiras mais

setentrionais com a Guiana Francesa Por conta da disputa logo comeccedilaram as

divergecircncias entre portugueses e franceses em uma sucessatildeo de acordos ora

favoraacuteveis ora desfavoraacuteveis agrave Portugal e que precederam agrave decisatildeo final

Coube aos portugueses instalados em Beleacutem ainda sob a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica a missatildeo de defender e ocupar a regiatildeo do Cabo Norte Com o advento da

Restauraccedilatildeo Felipe IV de Espanha manteve as doaccedilotildees feitas aos portugueses

durante a vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica confirmando que os territoacuterios coloniais

portugueses continuavam ateacute o Rio Vicente Pinzoacuten Somente com a nomeaccedilatildeo do

Marquecircs de Ferroles em 1679 como governador da colocircnia que Caiena iniciou a

consolidaccedilatildeo da presenccedila francesa na regiatildeo Ele desencadeou as disputas

territoriais com os portugueses em uma clara tentativa de alongar a expansatildeo

francesa na direccedilatildeo da foz do Rio Amazonas

Durante todo o periacuteodo colonial o governo de Lisboa empreendeu esforccedilos

militares poliacuteticos e diplomaacuteticos para a manutenccedilatildeo do Cabo Norte como parte

integrante de seu impeacuterio ultramarino Determinou a fortificaccedilatildeo e o povoamento da

regiatildeo organizou escoltas mariacutetimas para a defesa do litoral chamadas de tropas

de guarda-costa repeliu invasotildees militares orientou a atuaccedilatildeo de religiosos nas

fronteiras deu independecircncia militar aos comandantes das fortalezas do Cabo Norte

para o enfrentamento de invasatildeo estrangeira orientou a fixaccedilatildeo de colonos vindos

da Ilha dos Accedilores enfrentou seacuterias crises poliacuteticas com a Coroa francesa e

sobretudo defendeu suas posiccedilotildees a favor da manutenccedilatildeo da regiatildeo nos

inuacutemeros tratados de limites firmados com a Franccedila

Todas essas determinaccedilotildees reacutegias deixam claro a opccedilatildeo poliacutetica de Lisboa para

manter o Cabo Norte e prover sua defesa contra os estrangeiros particularmente os

franceses de Caiena

317

A partir da segunda metade do seacuteculo XVII expediccedilotildees portuguesas intensificaram a

exploraccedilatildeo do Rio Negro principal afluente da margem esquerda do Rio Amazonas

alcanccedilado em 1657 por padres jesuiacutetas Pouco mais de uma deacutecada depois em

1669 foi iniciada a construccedilatildeo do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro na confluecircncia

do Rio Negro com o Rio Amazonas lanccedilando os fundamentos da futura cidade de

Manaus Ordens reacutegias datadas de 1688 1691 e 1693 determinaram que os jesuiacutetas

fossem encarregados da catequizaccedilatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Negro No ano

seguinte em 1694 outra Ordem reacutegia determinou que os carmelitas substituiacutessem

os inacianos nos vales dos Rios Negro e Solimotildees onde passariam a atuar a partir

do ano seguinte em 1695

A penetraccedilatildeo portuguesa entretanto natildeo foi realizada sem que houvesse conflitos e

resistecircncias O Rio Negro era habitado pelo grupo indiacutegena conhecido por manao

Com a chegada dos entradistas portugueses estabeleceu-se uma relaccedilatildeo comercial

entre eles Inicialmente os manaos trocavam indiacutegenas cativos por ferramentas

armas e tecidos tornando-se a regiatildeo do Rio Negro no iniacutecio do seacuteculo XVIII um

grande centro de abastecimento de matildeo-de-obra indiacutegena para Beleacutem As trocas

comerciais prosseguiam sem interrupccedilatildeo ateacute que um dos liacutederes manaos

Uiuiebeua foi morto pelos portugueses A partir de 1723 Ajuricaba filho do cacique

Uiuiebeua organizou uma espeacutecie de confederaccedilatildeo indiacutegena para vingar a morte de

seu pai impedindo por mais de 4 anos a navegaccedilatildeo pelo Rio Negro e o avanccedilo

portuguecircs na regiatildeo O conflito se estendeu por quase 6 anos entre 1723 a 1729

Finalmente em 1728 uma grande expediccedilatildeo punitiva capturou mais de duzentos

guerreiros indiacutegenas entre eles o liacuteder do movimento o manao Ajuricaba

Entretanto a resistecircncia dos manaos natildeo terminou com a morte de seu liacuteder

Ajuricaba pois houve outras rebeliotildees em 1729 e em 1759 antes que a regiatildeo

fosse completamente dominada A partir desse momento consolidada a ocupaccedilatildeo

do Rio Negro a expansatildeo portuguesa prosseguiu em direccedilatildeo ao Rio Branco

Da mesma forma que Portugal a Espanha tambeacutem lanccedilou matildeo de religiosos para

realizar as tarefas de conquista e ocupaccedilatildeo de seus territoacuterios coloniais Inuacutemeras

reduccedilotildees foram fundadas Chiquitos Moxos Maynas Putumayo e Orenoco

alcanccedilando respectivamente os Rios Mamoreacute Marantildeon Solimotildees Iccedilaacute e Orenoco

Os territoacuterios ocupados por essas missotildees se contrapunham agraves posiccedilotildees

318

portuguesas nos atuais Estados do Mato Grosso e Amazonas abrangendo os Rios

Madeira Mamoreacute Guaporeacute Solimotildees e Negro

A accedilatildeo missionaacuteria jesuiacutetica espanhola nos territoacuterios do alto Amazonas iniciou-se a

partir de Quito em finais do seacuteculo XVI e pouco a pouco foi se expandindo em

direccedilatildeo agrave Leste com o estabelecimento de aldeamentos missionaacuterios ao longo dos

Rios Napo Huallaga Ucayali Marantildeon e Solimotildees Em 1681 missionaacuterios jesuiacutetas

a serviccedilo de Espanha que atuavam no Rio Marantildeon e Solimotildees informaram aos

superiores da Ordem sobre a penetraccedilatildeo de sertanistas luso-brasileiros que

estavam segundo reclamavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os

interesses espanhoacuteis O movimento contraacuterio agrave presenccedila portuguesa no Rio

Solimotildees foi conduzido e liderado por um inaciano europeu nascido na Boecircmia o

padre Samuel Fritz Ele alcanccedilou Beleacutem em 1689 vindo das reduccedilotildees de Maynas

Sua viagem provocou grande repercussatildeo em Portugal informada dos planos de

expansatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis em direccedilatildeo a Beleacutem vindos do Peru e

resultou em uma seacuterie de decisotildees da Coroa em defesa daqueles territoacuterios

considerados portugueses

A partir da viagem do padre Fritz a questatildeo do domiacutenio do Rio Solimotildees ganhou

prioridade poliacutetica evidenciando o interesse do governo portuguecircs em expandir suas

fronteiras para os limites da hinterlacircndia amazocircnica onde os sertanistas jaacute haviam

alcanccedilado Nesse sentido Portugal foi mais efetivo na defesa de suas pretensotildees

territoriais e mostrou-se mais interessado em expandir suas fronteiras do que o

governo espanhol em ajudar seus missionaacuterios a defender suas reduccedilotildees De fato

se alguma resistecircncia houve da parte de Espanha agrave penetraccedilatildeo portuguesa essa

coube aos jesuiacutetas a seu serviccedilo mais diretamente empenhados em impedir esse

movimento do que as autoridades metropolitanas e as autoridades coloniais

espanholas Como parte desta poliacutetica colonial uma carta reacutegia datada de 1708 foi

expedida de Lisboa determinando ao governador do Estado que protegesse o Rio

Solimotildees das pretensotildees espanholas expulsando todos os missionaacuterios

estrangeiros que estivessem atuando na regiatildeo Em 1709 o governador do Gratildeo-

Paraacute enviou uma tropa de guerra para patrulhar o Rio Solimotildees e expulsar os

espanhoacuteis que laacute estivessem instalados obtendo uma retirada temporaacuteria dos

missionaacuterios O substituto do padre Fritz nas reduccedilotildees de maynas recebeu ajuda do

319

governador de Quito e retomou as missotildees receacutem-ocupadas A reaccedilatildeo portuguesa

foi conduzida em 1710 com uma expediccedilatildeo que derrotou os missionaacuterios

espanhoacuteis obrigando-os a evacuar a regiatildeo As posiccedilotildees espanholas ficaram

restritas a algumas reduccedilotildees no Rio Maranotilden Dessa forma entre 1709 e 1710 os

portugueses conquistaram definitivamente o Rio Solimotildees A partir da segunda

deacutecada do seacuteculo XVIII natildeo havia mais traccedilos da presenccedila espanhola no Rio

Solimotildees a regiatildeo era portuguesa Para consolidar a ocupaccedilatildeo o governo de

Lisboa ordenou que os missionaacuterios fundassem uma missatildeo no Rio Japuraacute e outra

no Rio Javari A que foi construiacuteda na confluecircncia dos Rios Marantildeon e Javari com o

nome de Satildeo Francisco do Javari a mais de 2500 Km de Beleacutem marcaria o limite

entre as possessotildees espanholas e portuguesas no Rio Amazonas sendo hoje o

ponto fronteiriccedilo entre os Estados do Brasil e da Colocircmbia

Desde o final do seacuteculo XVII missionaacuterios sertanistas e droguistas do sertatildeo

iniciaram a exploraccedilatildeo do Rio Madeira sobretudo apoacutes a descoberta de uma rica

regiatildeo extrativista cacaueira no vale deste rio Em 1688 coube oficialmente aos

jesuiacutetas a responsabilidade pela conversatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Madeira o

que intensificou as accedilotildees de catequese e penetraccedilatildeo na regiatildeo As informaccedilotildees

sobre a presenccedila de brancos rio acima passaram a alarmar as autoridades de

Beleacutem Estrangeiros no Rio Madeira representavam uma seacuteria ameaccedila aos

interesses portugueses Lisboa foi informada da situaccedilatildeo e determinou em 1722

que uma expediccedilatildeo fosse mandada para explorar o rio e esclarecer a situaccedilatildeo

Em novembro de 1722 a expediccedilatildeo fluvial partiu de Beleacutem Era comandada por

Francisco de Melo Palheta que fora incumbido oficialmente de se apossar do Rio

Madeira para Portugal verificando tambeacutem a real situaccedilatildeo dos espanhoacuteis que

estavam fixados rio acima Palheta percorreu e venceu o trecho encachoeirado do

Rio Madeira alcanccedilando a desembocadura do Rio Mamoreacute com o Rio Guaporeacute

entatildeo conhecido por Rio Iteacutenez decidiu entatildeo subir pelo Rio Mamoreacute onde

segundo as informaccedilotildees de que dispunha estavam instalados os espanhoacuteis e foi

em direccedilatildeo aos aldeamentos indiacutegenas mantidos pelos jesuiacutetas castelhanos

alcanccedilando a povoaccedilatildeo de Santa Cruz de Cajuava uma das reduccedilotildees dos moxos

na atual Boliacutevia ao norte de Santa Cruz de la Sierra e agraves margens do Rio Mamoreacute

Ao atingir as missotildees espanholas jesuiacuteticas dos moxos Palheta completa sua

320

missatildeo de reconhecimento da regiatildeo e intima os missionaacuterios espanhoacuteis a

abandonar aquelas posiccedilotildees afirmando-lhes que estavam operando em terras

pertencentes agrave Coroa portuguesa Os missionaacuterios espanhoacuteis natildeo deveriam

ultrapassar a margem direita do Rio Guaporeacute considerado territoacuterio colonial

portuguecircs Dessa forma depois de mostrar aos espanhoacuteis as pretensotildees dos

portugueses sobre os limites naturais de seus domiacutenios pelo Rio Guaporeacute Palheta

iniciou o regresso ao Paraacute chegando a Beleacutem em setembro de 1723 mais de 10

meses depois de iniciada a viagem

A expediccedilatildeo bloqueou definitivamente a penetraccedilatildeo dos jesuiacutetas espanhoacuteis das

missotildees de Santa Cruz de la Sierra ou dos moxos e a aldeia de Santa Cruz de

Cajuava agraves margens do Rio Mamoreacute logo foi abandonada em funccedilatildeo da pressatildeo

dos portugueses A missatildeo poliacutetica da expediccedilatildeo havia sido completamente

cumprida e aleacutem dela Palheta realizava uma notaacutevel descoberta geograacutefica ao

revelar a existecircncia do Rio Guaporeacute procurando informar-se sobre as regiotildees mais

avanccediladas daquele rio

O que Palheta a as autoridades do Gratildeo-Paraacute natildeo sabiam era que enquanto ocorria

a conquista e a ocupaccedilatildeo do Vale do Rio Madeira pelos entradistas portugueses e

paraenses vindos de Beleacutem em suas bandeiras fluviais assentando missotildees

religiosas e povoados coloniais os paulistas avanccedilavam com suas bandeiras

oriundas de Satildeo Paulo e convergiam quase que ao mesmo tempo para o Centro-

Oeste brasileiro e o sul da Amazocircnia Em 1718 e 1722 grandes jazidas de ouro

foram descobertas nos Rios Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute notiacutecia que

rapidamente se espalhou e provocou uma verdadeira corrida do ouro para a regiatildeo

Centro-Oeste do Brasil O primeiro nuacutecleo de povoamento da regiatildeo fundado em

1719 agraves margens do Rio Cuiabaacute transformou-se no centro de atraccedilatildeo da nova

regiatildeo mineradora recebendo em 1727 o tiacutetulo de vila por determinaccedilatildeo do

Capitatildeo General de Satildeo Paulo passando a se chamar Vila Real do Senhor Bom

Jesus do Cuiabaacute Pouco tempo depois em 1734 novas minas de ouro foram

encontradas nas cabeceiras do Rio Guaporeacute

Com a expansatildeo das atividades de mineraccedilatildeo na regiatildeo do Rio Guaporeacute iniciaram-

se novos enfrentamentos com os jesuiacutetas instalados nas reduccedilotildees de chiquitos

321

proacuteximas ao atual Estado do Mato Grosso do Sul e dos moxos junto a Mato Grosso

Os missionaacuterios espanhoacuteis haviam fundado vaacuterias reduccedilotildees na margem direita do

Rio Guaporeacute A reaccedilatildeo dos mineradores luso-brasileiros apoiados pelas autoridades

locais e pela Coroa portuguesa provocou a expulsatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis

instalados na regiatildeo As reduccedilotildees localizadas na margem direita do Rio Guaporeacute

foram atacadas e destruiacutedas e os padres e os iacutendios aldeados obrigados a se

transferirem para a margem oposta do rio Aleacutem disso a partir de 1745 Lisboa

decidiu enviar jesuiacutetas portugueses e iniciou a fundaccedilatildeo de missotildees religiosas que

defendessem seus interesses territoriais naquela regiatildeo

Em 1748 tendo por objetivo oficializar a ocupaccedilatildeo da regiatildeo e assegurar sua posse

fiscalizando de forma mais rigorosa a extraccedilatildeo das minas de ouro a Coroa

portuguesa decidiu desmembrar a Capitania de Satildeo Paulo criando a Capitania de

Mato-Grosso e Cuiabaacute Portugal manteve prioridade poliacutetica para a regiatildeo do Mato

Grosso sobretudo depois das descobertas de ouro na regiatildeo vindo a obter ecircxito

nas futuras negociaccedilotildees territoriais com a Espanha A argumentaccedilatildeo portuguesa

apoiou-se na ocupaccedilatildeo do territoacuterio e nesse sentido as expediccedilotildees de Antonio

Raposo Tavares (1648-1751) e Francisco de Melo Palheta (1722-1723) e Manoel

Felix de Lima (1748) justificariam plenamente as pretensotildees lusitanas o primeiro

por expulsar reduccedilotildees espanholas e revelar a ligaccedilatildeo do Rio Madeira com os

contrafortes andinos o segundo por estabelecer limites aos jesuiacutetas a serviccedilo de

Espanha e revelar o Rio Guaporeacute e o terceiro por estabelecer a ligaccedilatildeo entre o

Mato Grosso e Beleacutem permitindo as futuras monccedilotildees do norte que passariam a

navegar o eixo Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Ao ocupar o Rio Guaporeacute

os portugueses finalmente podiam pleitear uma fronteira natural na regiatildeo mais

central do continente sul-americano

Em 1719 um ano depois das descobertas de grandes jazidas de ouro no oeste

brasileiro foi organizada e financiada a primeira expediccedilatildeo fluvial para a regiatildeo das

minas Esses comboios de canoas organizados com o objetivo de estabelecer a

ligaccedilatildeo entre a Capitania de Satildeo Paulo e a zona mineradora do Rio Cuiabaacute e

posteriormente do Rio Guaporeacute criaram um sistema de transporte que passou a ser

conhecido por monccedilatildeo de povoado expediccedilotildees fluviais regulares que tinham a

funccedilatildeo de abastecer as minas com mercadorias e escravos e transportar os que

322

pretendiam explorar aqueles sertotildees tatildeo longiacutenquos O itineraacuterio adotado se

consolidou a partir de 1720 Os monccediloeiros utilizavam-se dos Rios Tietecirc Paranaacute e

Pardo ateacute encontrar o divisor das bacias do Paranaacute com o Paraguai o varadouro de

Camapoatilde A partir dele navegavam os Rios Taquari Paraguai Satildeo Lourenccedilo e

finalmente o Rio Cuiabaacute As expediccedilotildees partiam das atuais cidades de Porto Feliz e

Itu no Estado de Satildeo Paulo agraves margens do Rio Tietecirc e levavam pelo menos 5

meses de duraccedilatildeo Como era curto o prazo mais propiacutecio para a partida das

expediccedilotildees e evidentemente muito custoso o financiamento das viagens apenas

um comboio era organizado por ano reunindo embarcaccedilotildees particulares e oficiais

todas protegidas por um uacutenico aparato de defesa Por mais de 100 anos de 1719 a

1838 as monccedilotildees permitiram a ligaccedilatildeo fiacutesica dessas regiotildees e a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano Com a experiecircncia

adquirida pelas expediccedilotildees fluviais empreendidas pelos paulistas para alcanccedilar as

minas de Cuiabaacute houve a abertura de uma nova rota de comunicaccedilatildeo fluvial regular

conhecida por monccedilotildees do norte que permitiu a ligaccedilatildeo entre Vila Bela da

Santiacutessima Trindade no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute por meio da navegaccedilatildeo dos

Rios Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas

A ligaccedilatildeo fluvial regular de Satildeo Paulo agraves minas de Cuiabaacute que mais tarde em 1752

foi complementada pela navegaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela com Beleacutem

estabeleceu definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o entatildeo

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees e as monccedilotildees do norte dois

movimentos vigorosos de penetraccedilatildeo territorial finalmente passaram a delinear as

fronteiras ocidentais dos territoacuterios coloniais portugueses na Ameacuterica Agraves veacutesperas

da assinatura do Tratado de Madri de 1750 Espanha e Portugal encontravam-se

diante de uma realidade histoacuterica de um lado os jesuiacutetas instalados nas periferias

do impeacuterio colonial castelhano e de outro os bandeirantes luso-brasileiros que

haviam se transformado em comerciantes e mineradores instalados ao longo de

uma longa linha de povoaccedilotildees e fortificaccedilotildees defensivas bem mais a oeste do

previsto pelo Tratado de Tordesilhas Desse conflito de interesses prevaleceu a

posiccedilatildeo portuguesa de defesa da ocupaccedilatildeo do territoacuterio levada a termo pelos

paulistas bandeirantes e monccediloeiros os primeiros na conquista e revelaccedilatildeo da terra

e os segundos na ocupaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da posse

323

Essa vasta regiatildeo conquistada em grande parte pertencente agrave Amazocircnia brasileira

corresponde hoje aos atuais Estados do Mato Grosso Rondocircnia e Mato Grosso do

Sul

A expansatildeo realizada pelos bandeirantes e pelos entradistas da Amazocircnia havia

aberto ao impeacuterio portuguecircs um espaccedilo imenso e sua maior parte estava

inteiramente a oeste do meridiano de Tordesilhas portanto em territoacuterio sob o

ponto de vista dos acertos de 1494 legalmente espanhol Por outro lado natildeo se

podia esconder as novas realidades os limites foram sendo empurrados sem

cessar em direccedilatildeo a oeste sobre as posiccedilotildees espanholas Lisboa havia

estabelecido novas entidades administrativas nesses sertotildees - os bispados de Satildeo

Paulo e Mariana e as prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute criados em 1745 com a

autorizaccedilatildeo de Roma desde 1720 o desmembramento das Capitanias de Satildeo

Paulo e Minas do Ouro a criaccedilatildeo logo em 1748 das Capitanias do Mato Grosso e

Goiaacutes a transformaccedilatildeo em vilas dos arraiais de Cuiabaacute no Mato Grosso em 1719

e de Vila Boa em Goiaacutes em 1727 ndash que atestavam a ocupaccedilatildeo do territoacuterio e a

atividade econocircmica consideraacutevel que se desenvolvia nessa regiotildees como a criaccedilatildeo

de gado a exploraccedilatildeo mineral do solo e subsolo e a coleta das drogas do sertatildeo na

Amazocircnia Somado a todos esses argumentos a Coroa natildeo se mostrava disposta a

abrir matildeo das rendas obtidas nesses territoacuterios razatildeo pela qual a legalizaccedilatildeo

daquela aacuterea era tatildeo importante para o Estado portuguecircs Os descobrimentos de

ouro e a expansatildeo territorial haviam criado definitivamente uma nova realidade

colonial

Na Amazocircnia aleacutem da conquista e da ocupaccedilatildeo do territoacuterio Portugal tinha outros

argumentos a apresentar Podia invocar os tiacutetulos que possuiacutea desde a fundaccedilatildeo de

Beleacutem em 1616 tarefa delegada aos portugueses durante a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica A Capitania do Cabo Norte atual Estado do Amapaacute havia sido criada e

doada em 1637 a um suacutedito portuguecircs e a defesa contra a ameaccedila dos

estrangeiros na regiatildeo - holandeses franceses e ingleses - havia exigido o

engajamento dos colonos do Paraacute Ao estabelecer a Capitania do Cabo Norte

Felipe IV de Espanha estava criando direitos portugueses incontestaacuteveis sobre

aquela regiatildeo amazocircnica Portanto no caso especiacutefico do Estado do Maranhatildeo e

Gratildeo-Paraacute havia documentos que atestavam os direitos de Portugal antes mesmo

324

da ocupaccedilatildeo que viriam a empreender Somava-se agrave criaccedilatildeo do Cabo Norte o

reconhecimento espanhol impliacutecito feito em 1668 ao teacutermino da guerra entre

Portugal e Espanha provocada pela Restauraccedilatildeo de 1640 de que eram

portuguesas as regiotildees amazocircnicas ocupadas durante a duraccedilatildeo da Uniatildeo Ibeacuterica

de 1580 a 1640 mesmo que os territoacuterios estivessem a oeste de Tordesilhas Jaacute em

pleno seacuteculo XVIII os dois Tratados de Utrecht assinados em 1713 e 1715

estabeleceram que a Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees sobre a

regiatildeo definindo o Rio Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia

portuguesa na Ameacuterica aleacutem de admitir que a posse da Colocircnia do Sacramento

fundada em 1680 pelos lusitanos era por direito de Portugal Tratava-se na

realidade de um reconhecimento oficial proclamado em diplomas internacionais de

que os acertos territoriais previstos no Tratado de Tordesilhas podiam ser revistos

abrindo-se portanto importantes precedentes para novas discussotildees sobre a posse

das terras americanas Esses tiacutetulos legitimavam a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia realizada

pelos entradistas luso-brasileiros e missionaacuterios a serviccedilo de Portugal e

proclamavam igualmente como legiacutetima a expansatildeo dos limites portugueses em

direccedilatildeo agrave bacia do Prata

Principalmente a partir do reinado de Dom Joatildeo V de 1706 a 1750 Portugal passou

a priorizar a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais com o propoacutesito de revisar os

acordos anteriores de limites e abolir o Tratado de Tordesilhas firmado em 1494 A

aproximaccedilatildeo das Coroas ibeacutericas e a extraordinaacuteria atuaccedilatildeo de Alexandre de

Gusmatildeo nas negociaccedilotildees de fronteiras resultaram na assinatura em 1750 do

Tratado de Madri legalizava-se pelo argumento de posse da terra - uti possidetis - e

pela busca das fronteiras naturais a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia e do Centro-Oeste do

Brasil A importacircncia desse documento transcende agrave soluccedilatildeo temporaacuteria dos

conflitos que vinham separando as duas monarquias ibeacutericas a respeito dos seus

domiacutenios coloniais tratou-se na realidade da celebraccedilatildeo de um estatuto

internacional que viria garantir ao Estado brasileiro sua configuraccedilatildeo baacutesica atual

O reinado de Dom Joseacute I entre 1750 e 1777 constituiu um periacuteodo muito particular

da Histoacuteria de Portugal Durante seu governo houve profundas alteraccedilotildees na

poliacutetica de Estado com reflexos em todo impeacuterio colonial portuguecircs particularmente

em suas possessotildees americanas Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Mello futuro

325

Marquecircs do Pombal viria a personificar esse periacuteodo histoacuterico de quase 27 anos de

governo conhecido inequivocamente por Periacuteodo Pombalino

Na Amazocircnia Lisboa decidira tomar para si o controle das missotildees religiosas

realizando um programa de profunda reorganizaccedilatildeo poliacutetica econocircmica social

administrativa judicial e religiosa Essa poliacutetica propunha-se sobretudo a promover

o povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua posse Vilas foram

fundadas missotildees erguidas agrave categoria de vilas e sobretudo uma linha defensiva

de fortificaccedilotildees portuguesas construiacutedas para guarnecer os limites exteriores da

regiatildeo Satildeo Joseacute de Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira no Rio Negro Satildeo

Francisco Xavier de Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim no Rio Branco

Santo Antocircnio do Iccedilaacute na desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees Satildeo Joseacute de

Macapaacute na foz do Rio Amazonas e Real Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute Essas

fortificaccedilotildees permitiram a ocupaccedilatildeo definitiva do territoacuterio e demonstram o propoacutesito

de Lisboa em defender e consolidar o espaccedilo amazocircnico conquistado A defesa

militar dos territoacuterios coloniais coube aos contingentes permanentes de soldados

sediados nas casas fortes ou mesmo fortificaccedilotildees construiacutedas em pontos

estrategicamente escolhidos seja para controlar a navegaccedilatildeo ao longo dos rios ou

mesmo para marcar a presenccedila portuguesa nas regiotildees pretendidas Houve uma

clara poliacutetica de Estado apesar da escassez de recursos metropolitanos no sentido

de empreender as accedilotildees necessaacuterias para assegurar a posse daquele vasto

territoacuterio

Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de Madri

estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio que acabaria por prevalecer na demarcaccedilatildeo

definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees pelos

expedicionaacuterios missionaacuterios entradistas e bandeirantes a realizaccedilatildeo fiacutesica da

expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a inteligecircncia e a

prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo singular Com

base nesse acordo o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que triplicada e

logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas receacutem-

formadas processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte em que as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia A Amazocircnia a despeito de todas as dificuldades para sua

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colonizaccedilatildeo permaneceu brasileira graccedilas ao esforccedilo e ao empenho poliacutetico

empreendidos por Portugal para manter essa vasta regiatildeo como parte de seu

impeacuterio colonial ultramarino

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Tratados de Limites

1) Tratado de Tordesilhas - 7 de junho de 149

ldquoDom Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada de Toledo de Valecircncia de Galiza de Maiorca de Sevilha da Sardenha de Coacuterdova da Coacutersega de Muacutercia de Jaeacutem do Algarve de Algeciras de Gibraltar das ilhas de Canaacuteria conde e condessa de Barcelona senhores de Biscaia e de Molina duques de Atenas e de Neopatria condes de Roussilhatildeo e da Sardenha marqueses de Oristaacuten e de Gociano juntamente com o priacutencipe d Joatildeo nosso mui caro e mui amado filho primogecircnito herdeiro dos nossos ditos reinos e senhorios Em feacute do qual por d Henrique Henriques nosso mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas comissaacuterio-mor de Leatildeo nosso contador-mor e o doutor Rodrigo Maldonado todos do nosso Conselho foi tratado assentado e aceito por noacutes e em nosso nome e em virtude do nosso poder com o sereniacutessimo d Joatildeo pela graccedila de Deus rei de Portugal e dos Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica senhor da Guineacute nosso mui caro e mui amado irmatildeo e com Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa seu filho almotacel-mor do dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo e Arias de Almadana corretor dos feitos civis de sua corte e de seu foro todos do Conselho do dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo em seu e em virtude de seu poder seus embaixadores que a noacutes vieram sobre a demanda que noacutes e ao dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo pertence do que ateacute sete dias deste mecircs de junho em que estamos da assinatura desta escritura estaacute por descobrir no mar Oceano na qual dito acordo dos nossos ditos procuradores entre outras coisas prometeram que dentro de certo prazo nela estabelecido noacutes outorgariacuteamos confirmariacuteamos jurariacuteamos ratificariacuteamos e aprovariacuteamos a dita aceitaccedilatildeo por nossas pessoas e noacutes desejando cumprir e cumprindo tudo o que assim em nosso nome foi assentado e aceito e outorgado acerca do supradito mandamos trazer diante de noacutes a dita escritura da dita convenccedilatildeo e assento para vecirc-la e examinaacute-la e o teor dela de verbo ad verbum eacute este que se segue Em nome de Deus Todo-Poderoso Padre Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas realmente distintas e separadas e uma soacute essecircncia divina Manifesto e notoacuterio seja a todos quantos este puacuteblico instrumento virem dado na vila de Tordesillas aos sete dias do mecircs de junho ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro anos em presenccedila de noacutes os secretaacuterios e escribas e notaacuterios puacuteblicos dos abaixo assinados estando presentes os honrados d Henrique Henriques mordomo-mor dos mui altos e mui poderosos priacutencipes senhores d Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada etc e d Gutierre de Caacuterdenas comendador-mor dos ditos senhores rei e rainha e o doutor Rodrigo Maldonado todos do Conselho dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia e de Granada etc seus procuradores bastantes de uma parte e os honrados Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa seu filho almotaceacutel-mor do mui alto e mui excelente senhor d Joatildeo pela graccedila de Deus rei de Portugal e Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica e senhor da Guineacute e Arias de Almadana corregedor dos feitos ciacuteveis em sua corte e do seu Desembargo todos do Conselho do dito rei de Portugal e seus embaixadores e procuradores bastantes como ambas as ditas partes o mostraram pelas cartas e poderes e procuraccedilotildees dos ditos senhores seus constituintes o teor das quais de verbo ad verbum eacute este que se segue D Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo

de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada de Toledo de Valecircncia da Galiza da Maiorca de Sevilha de Sardenha de Coacuterdova da Coacutersega de Muacutercia de Jaeacutem de Algarve de Algeciras de Gibraltar das ilhas de Canaacuteria conde e condessa de Barcelona e senhores de Biscaia e de Molina duques de Atenas e de Neopatria condes de Roussilhatildeo e da Sardenha marqueses de Oristaacuten e de Gociano etc Em feacute do que o sereniacutessimo rei de Portugal nosso mui caro mui amado irmatildeo nos enviou como seus embaixadores e procuradores a Rui de Sousa do qual satildeo as vilas de Sagres e Beringel e a d Joatildeo de Sousa seu almotaceacutel-mor e Arias de Almadana seu corregedor dos feitos ciacuteveis em sua corte e de seu Desembargo todos do seu Conselho para entabolar e tomar assento e concoacuterdia conosco ou com nossos embaixadores e procuradores em nosso nome sobre a divergecircncia que entre noacutes e o sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo haacute sobre o que a noacutes e a ele pertence do que ateacute agora estaacute por descobrir no mar Oceano em razatildeo do que confiando de voacutes d Henrique Henriques nosso mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas comendador-mor de Leatildeo nosso contador-mor e o doutor Rodrigo Maldonado todos de nosso Conselho que sois tais pessoas que zelareis nosso serviccedilo e que bem fielmente fareis o que por noacutes vos for mandado e encomendado por esta presente carta vos damos todos nossos poderes completos naquela maneira e forma que podemos e em tal caso se requer especialmente para que por noacutes e em nosso nome e de nossos herdeiros e sucessores e de todos nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles possais tratar ajustar e assentar e fazer contrato e concoacuterdia com os ditos embaixadores do sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo em seu nome qualquer concerto assento limitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e concoacuterdia sobre o que dito eacute pelos ventos em graus de Norte e de Sul e por aquelas partes divisotildees e lugares do ceacuteu do mar e da terra que a voacutes bem visto forem e assim vos damos o dito poder para que possais deixar ao dito rei de Portugal e a seus reinos e sucessores todos os mares e ilhas e terras que forem e estiverem dentro de qualquer limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo que com ele assentarem e deixarem E outrossim vos damos o dito poder para que em nosso nome e no de nossos herdeiros e sucessores e de nossos reinos e senhorios e suacuteditos e naturais deles possais concordar a assentar e receber e acabar com o dito rei de Portugal e com seus ditos embaixadores e procuradores em seu nome que todos os mares ilhas e terras que forem ou estiverem dentro da demarcaccedilatildeo e limitaccedilatildeo de costas mares e ilhas e terras que ficarem por voacutes e por nossos sucessores e de nosso senhorio e conquista sejam de nossos reinos e sucessores deles com aquelas limitaccedilotildees e isenccedilotildees e com todas as outras divisotildees e declaraccedilotildees que a voacutes bem visto for e para que sobre tudo que estaacute dito e para cada coisa e parte disso e sobre o que a isso eacute tocante ou disso dependente ou a isso anexo ou conexo de qualquer maneira possais fazer e outorgar concordar tratar e receber e aceitar em nosso nome e dos ditos nossos herdeiros e sucessores de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles quaisquer tratados contratos e escrituras como quaisquer viacutenculos atos modos condiccedilotildees e obrigaccedilotildees e estipulaccedilotildees penas sujeiccedilotildees e renuacutencias que voacutes quiserdes e bem outorgueis todas as coisas e cada uma delas de qualquer natureza ou qualidade gravidade ou importacircncia que tenham ou possam ter ainda que sejam tais que pela sua condiccedilatildeo requeiram outro nosso especificado e especial mandado e que delas se devesse de fato e de direito fazer singular e expressa menccedilatildeo e que noacutes estando presentes poderiacuteamos fazer e outorgar e receber E outrossim vos damos poder suficiente para que possais jurar e jureis por nossas almas que noacutes e nossos herdeiros e sucessores suacuteditos naturais e vassalos adquiridos e por adquirir teremos guardaremos e cumpriremos e teratildeo

guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito tudo o que voacutes assim assentardes capitulardes jurardes outorgardes e firmardes livre de toda a cautela fraude engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo e assim possais em nosso nome capitular assegurar e prometer que noacutes em pessoa seguramente juraremos prometeremos outorgaremos e firmaremos tudo o que voacutes em nosso nome acerca do que dito eacute assegurardes prometerdes e acordardes dentro daquele lapso de tempo que vos bem parecer e que o guardaremos e cumpriremos realmente e com efeito sob as condiccedilotildees penas e obrigaccedilotildees contidas no contrato das bases entre noacutes e o dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo feito e concordado e sobre todas as outras que voacutes prometerdes e assentardes as quais desde agora prometemos pagar se nelas incorrermos para tudo o que e cada coisa ou parte disso vos damos o dito poder com livre e geral administraccedilatildeo e prometemos e asseguramos por nossa feacute e palavra real de ter guardar e cumprir noacutes e nossos herdeiros e sucessores tudo o que por voacutes acerca do que dito eacute em qualquer forma e maneira for feito e capitulado jurado e prometido e prometemos de o ter por firme bom e sancionado grato estaacutevel e vaacutelido e verdadeiro agora e em todo tempo e que natildeo iremos nem viremos contra isso nem contra parte alguma disso nem noacutes nem herdeiros e sucessores por noacutes nem por outras pessoas intermediaacuterias direta nem indiretamente sob qualquer pretexto ou causa em juiacutezo nem fora dele sob obrigaccedilatildeo expressa que para isso fazemos de todos os nossos bens patrimoniais e fiscais e outros quaisquer de nossos vassalos e suacuteditos e naturais moacuteveis e de raiz havidos e por haver Em testemunho do que mandamos dar esta nossa carta de poder a qual firmamos com os nossos nomes mandamos selar com o nosso selo Dada na vila de Tordesillas aos cinco dias do mecircs de junho ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro Eu el-rei Eu a rainha Eu Fernando Aacutelvarez de Toledo secretaacuterio do Rei e da Rainha nossos senhores a fiz escrever a seu mandado D Joatildeo por graccedila de Deus rei de Portugal e dos Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica e senhor de Guineacute etc A quantos esta nossa carta de poderes e procuraccedilatildeo virem fazemos saber que em virtude do mandado dos mui altos e mui excelentes e poderosos priacutencipes o rei d Fernando e a rainha d Isabel rei e a rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo de Siciacutelia de Granada etc nossos mui amados e prezados irmatildeos foram descobertas e achadas novamente algumas ilhas e poderiam adiante descobrir e achar outras ilhas e terras sobre as quais tanto umas como outras achadas e por achar pelo direito e pela razatildeo que nisso temos poderiam sobrevir entre noacutes todos e nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles que Nosso Senhor natildeo consinta a noacutes apraz pelo grande amor e amizade que entre todos noacutes existe e para se buscar procurar e conservar maior paz e mais firme concoacuterdia e sossego que o mar em que as ditas ilhas estatildeo e forem achadas se parte e demarque entre noacutes todos de alguma boa certa e limitada maneira e porque noacutes no presente natildeo podemos entender nisto pessoalmente confiante a voacutes Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa nosso almotaceacutel-mor e Arias de Almadana corregedor dos feitos ciacuteveis em nossa corte e do nosso Desembargo todos do nosso Conselho pela presente carta vos damos todo nosso poder completo autoridade e especial mandado e vos fazemos e constituiacutemos a todos em conjunto e a dois de voacutes e a cada um de voacutes (in solidum) se os outros por qualquer modo estiverem impedidos nossos embaixadores e procuradores na mais ampla forma que podemos e em tal podemos e em tal caso se requer e geral especialmente e de tal modo que a generalidade natildeo derrogue a especialidade nem a especialidade a generalidade para que por noacutes e em nosso nome e de nossos herdeiros e sucessores e de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e

naturais deles possais tratar concordar e concluir e fazer trateis concordeis e assenteis e faccedilais com os ditos rei e rainha de Castela nossos irmatildeos ou com quem para isso tenha os seus poderes qualquer concerto e assento limitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e concoacuterdia sobre o mar Oceano ilhas e terra firme que nele houver por aqueles rumos de ventos e graus de Norte e Sul e por aquelas partes divisotildees e lugares de seco e do mar e da terra que bem vos parecer E assim vos damos o dito poder para que possais deixar e deixeis aos ditos rei e rainha e a seus reinos e sucessores todos os mares ilhas e terras que estiverem dentro de qualquer limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo que com os ditos rei e rainha ficarem e assim vos damos os ditos poderes para em nosso nome e no dos nossos herdeiros e sucessores e de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles possais com os ditos rei e rainha ou com seus procuradores assentar e receber e acabar que todos os mares ilhas e terras que forem situados e estiverem dentro da limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo das costas mares ilhas e terras que por noacutes e nossos sucessores ficarem sejam nossos e de nossos senhorios e conquista e assim de nossos reinos e sucessores deles com aquelas limitaccedilotildees e isenccedilotildees de nossas ilhas e com todas as outras claacuteusulas e declaraccedilotildees que vos bem parecerem Os quais ditos poderes damos a voacutes os ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa e o licenciado Arias da Almadana para que sobre tudo o que dito eacute e sobre cada coisa e parte disso e sobre o que a isso eacute tocante e disso dependente e a isso anexo e conexo de qualquer maneira possais fazer e outorgar concordar tratar e distratar receber e aceitar em nosso nome e dos ditos nossos herdeiros e sucessores e todos nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles em quaisquer capiacutetulos contratos e escrituras com quaisquer viacutenculos pactos modos condiccedilotildees penas sujeiccedilotildees e renuacutencias que voacutes quiserdes e a voacutes bem visto for e sobre isso possais fazer e outorgar e faccedilais e outorgueis todas as coisas e cada uma delas de qualquer natureza e qualidade gravidade e importacircncia que sejam ou possam ser posto que sejam tais que por sua condiccedilatildeo requeiram outro nosso especial e singular mandado e se devesse de fato e de direito fazer singular e expressa menccedilatildeo e que noacutes presentes poderiacuteamos fazer e outorgar e receber E outrossim vos damos poderes completos para que possais jurar e jureis por nossa alma que noacutes e nossos herdeiros e sucessores suacuteditos e naturais e vassalos adquiridos e por adquirir teremos guardaremos e cumpriremos teratildeo guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito tudo o que voacutes assim assentardes e capitulardes e jurardes outorgardes e firmardes livre de toda cautela fraude e engano e fingimento e assim possais em nosso nome capitular assegurar e prometer que noacutes em pessoa asseguraremos juraremos prometeremos e firmaremos tudo o que voacutes no sobredito nome acerca do que dito eacute assegurardes prometerdes e capitulardes dentro daquele prazo e tempo que vos parecer bem e que o guardaremos e cumpriremos realmente e com efeito sob as condiccedilotildees penas e obrigaccedilotildees contidas no contrato das pazes entre noacutes feitas e concordadas e sob todas as outras que voacutes prometerdes e assentardes no nosso sobredito nome os quais desde agora prometemos pagar e pagaremos realmente e com efeito se nelas incorrermos Para tudo o que e cada uma coisa e parte disso vos damos os ditos poderes com livre e geral administraccedilatildeo e prometemos e asseguramos com a nossa feacute real ter e guardar e cumprir e assim os nossos herdeiros e sucessores tudo o que por voacutes acerca do que dito eacute em qualquer maneira e forma for feito capitulado e jurado e prometido e prometemos de o haver por firme sancionado e grato estaacutevel e valedouro desde agora para todo tempo e que natildeo iremos nem viremos nem iratildeo contra isso nem contra parte alguma disso em tempo algum nem por alguma

maneira por noacutes nem por si nem por intermediaacuterios direta nem indiretamente e sob pretexto algum ou causa em juiacutezo nem fora dele sob obrigaccedilatildeo expressa que para isso fazemos dos ditos nossos reinos e senhorios e de todos os nossos bens patrimoniais fiscais e outros quaisquer de nossos vassalos e suacuteditos e naturais moacuteveis e de raiz havidos e por haver Em testemunho e feacute do que vos mandamos dar esta nossa carta por noacutes firmada e selada com o nosso selo dada em nossa cidade de Lisboa aos oito dias de marccedilo Rui de Pina a fez no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro El rei E logo os ditos procuradores dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo de Siciacutelia de Granada etc e do dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc disseram que visto como entre os ditos senhores seus constituintes haacute certa divergecircncia sobre o que a cada uma das ditas partes pertence do que ateacute hoje dia da conclusatildeo deste tratado estaacute por descobrir no mar Oceano que eles portanto para o bem da paz e da concoacuterdia e pela conservaccedilatildeo da afinidade e amor que o dito senhor rei de Portugal tem pelos ditos senhores rei e rainha de Castela de Aragatildeo etc praz a suas altezas e os seus ditos procuradores em seu nome e em virtude dos ditos seus poderes outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha direta de poacutelo a poacutelo conveacutem a saber do poacutelo Aacutertico ao poacutelo Antaacutertico que eacute de norte a sul a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e decirc direita como dito eacute a trezentas e setenta leacuteguas das ilhas de Cabo Verde em direccedilatildeo agrave parte do poente por graus ou por outra maneira que melhor e mais rapidamente se possa efetuar contanto que natildeo seja dado mais E que tudo o que ateacute aqui tenha achado e descoberto e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito senhor rei de Portugal e por seus navios tanto ilhas como terra firme desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do levante dentro da dita raia para a parte do levante ou do norte ou do sul dele contanto que natildeo seja atravessando a dita raia que tudo seja e fique e pertenccedila ao dito senhor rei de Portugal e aos seus sucessores para sempre E que todo o mais assim ilhas como terra firme conhecidas e por conhecer descobertas e por descobrir que estatildeo ou forem encontrados pelos ditos senhores rei e rainha de Castela de Aragatildeo etc e por seus navios desde a dita raia dada na forma supra indicada indo pela dita parte de poente depois de passada a dita raia em direccedilatildeo ao poente ou ao norte-sul dela que tudo seja e fique e pertenccedila aos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc e aos seus sucessores para sempre Item os ditos procuradores prometem e asseguram em virtude dos ditos poderes que de hoje em diante natildeo enviaratildeo navios alguns conveacutem a saber os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo e de Aragatildeo etc por esta parte da raia para as partes de levante aqueacutem da dita raia que fica para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc nem o dito senhor rei de Portugal agrave outra parte da dita raia que fica para os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc a descobrir e achar terra nem ilhas algumas nem a contratar nem resgatar nem conquistar de maneira alguma poreacutem que se acontecesse que caminhando assim aqueacutem da dita raia os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc achassem quaisquer ilhas ou terras dentro do que assim fica para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves que assim seja e fique para o dito senhor rei de Portugal e para seus herdeiros para todo o sempre que suas altezas o hajam de mandar logo dar e entregar E se os navios do dito senhor de Portugal acharem quaisquer ilhas e terras na parte dos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo e de Aragatildeo etc que tudo tal seja e fique para os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo etc e para seus herdeiros para todo o sempre e que o dito

senhor rei de Portugal o haja logo de mandar dar e entregar Item para que a dita linha ou raia da dita partilha se haja de traccedilar e trace direita e a mais certa que possa ser pelas ditas trezentas e setenta leacuteguas das ditas ilhas de Cabo Verde em direccedilatildeo agrave parte do poente como dito eacute fica assentado e concordado pelos ditos procuradores de ambas as ditas partes que dentro dos dez primeiros meses seguintes a contar do dia da conclusatildeo deste tratado hajam os ditos senhores seus constituintes de enviar duas ou quatro caravelas isto eacute uma ou duas de cada parte mais ou menos segundo acordarem as ditas partes serem necessaacuterias as quais para o dito tempo se achem juntas na ilha da grande Canaacuteria e enviem nelas cada uma das ditas partes pessoas tanto pilotos como astroacutelogos e marinheiros e quaisquer outras pessoas que convenham mas que sejam tantas de uma parte como de outra e que algumas pessoas dos ditos pilotos e astroacutelogos e marinheiros e pessoas que sejam dos que enviarem os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo etc vatildeo no navio ou navios que enviar o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc e da mesma forma algumas das ditas pessoas que enviar o referido senhor rei de Portugal vatildeo no navio ou navios que mandarem os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo tanto de uma parte como de outra para que juntamente possam melhor ver e reconhecer o mar e os rumos e ventos e graus de sul e norte e assinalar as leacuteguas supraditas tanto que para fazer a demarcaccedilatildeo e limites concorreratildeo todos juntos os que forem nos ditos navios que enviarem ambas as ditas partes e levarem os seus poderes que os ditos navios todos juntamente constituem seu caminho para as ditas ilhas de Cabo Verde e daiacute tomaratildeo sua rota direita ao poente ateacute agraves ditas trezentas e setenta leacuteguas medidas pelas ditas pessoas que assim forem acordarem que devem ser medidas sem prejuiacutezo das ditas partes e ali onde se acabarem se marque o ponto e sinal que convenha por graus de sul e de norte ou por singradura de leacuteguas ou como melhor puderem concordar a qual dita raia assinalem desde o dito poacutelo Aacutertico ao dito poacutelo Antaacutertico isto eacute de norte a sul como fica dito e aquilo que demarcarem o escrevam e firmem como os proacuteprios as ditas pessoas que assim forem enviadas por ambas as ditas partes as quais hatildeo de levar faculdades e poderes das respectivas partes cada um da sua para fazer o referido sinal e delimitaccedilatildeo feita por eles estando todos conformes que seja tida por sinal e limitaccedilatildeo perpetuamente para todo o sempre para que nem as ditas partes nem algumas delas nem seus sucessores jamais a possam contradizer nem tiraacute-la nem removecirc-la em tempo algum por qualquer maneira que seja possiacutevel ou que possiacutevel possa ser E se por acaso acontecer que a dita raia e limite de poacutelo a poacutelo como estaacute declarado topar em alguma ilha ou terra firme que no comeccedilo de tal ilha ou terra que assim for encontrada onde tocar a dita linha se faccedila alguma marca ou torre e que a direito do dito sinal ou torre se sigam daiacute para diante outros sinais pela tal ilha ou terra na direccedilatildeo da citada raia os quais partam o que a cada umas das partes pertencer dela e que os suacuteditos das ditas partes natildeo ousem passar uns agrave porccedilatildeo dos outros nem estes agrave daqueles passando o dito sinal ou limite na tal ilha e terra Item porquanto para irem os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc dos reinos e senhorios ateacute sua dita porccedilatildeo aleacutem da dita raia na maneira que ficou dito eacute forccediloso que tenham de passar pelos mares desta banda da raia que fica para o dito senhor rei de Portugal fica por isso concordado e assentado que os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc possam ir e vir e vatildeo e venham livre segura e pacificamente sem contratempo algum pelos ditos mares que ficam para o dito senhor rei de Portugal dentro da dita raia em todo o tempo e cada vez e quando suas altezas e seus

sucessores quiserem e por bem tiverem os quais vatildeo por seus caminhos direitos e rotas desde seus reinos para qualquer parte do que esteja dentro da raia e limite onde quiserem enviar para descobrir e conquistar e contratar e que sigam seus caminhos direito por onde eles acordarem de ir para qualquer ponto da sua dita parte e daqueles natildeo se possam apartar salvo se o tempo adverso os fizer afastar contanto que natildeo tomem nem ocupem antes de passar a dita raia coisa alguma do que for achado pelo dito senhor rei de Portugal na sua dita porccedilatildeo e que se alguma coisa acharem os seus ditos navios antes de passarem a dita raia conforme estaacute dito que isso seja para o dito senhor rei de Portugal e suas altezas o hajam de mandar logo dar e entregar E porque poderia suceder que os navios e gentes dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc ou por sua parte teratildeo achado ateacute aos vinte dias deste mecircs de junho em que estamos da conclusatildeo deste tratado algumas ilhas e terra firme dentro da dita raia que se haacute de traccedilar de poacutelo a poacutelo por linha reta ao final das ditas trezentas e setenta leacuteguas contadas desde as ditas ilhas de Cabo Verde para o poente como dito estaacute fica acordado e assentado para desfazer qualquer duacutevida que todas as ilhas e terra firme que forem achadas e descobertas de qualquer maneira ateacute aos ditos vinte dias deste dito mecircs de junho ainda que sejam encontradas por navios e gentes dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc contanto que estejam dentro das primeiras duzentas e cinquumlenta leacuteguas das ditas trezentas e setenta leacuteguas contadas desde as ditas ilhas de Cabo Verde ao poente em direccedilatildeo agrave dita raia em qualquer parte delas para os ditos poacutelos que forem achadas dentro das ditas duzentas e cinquumlenta leacuteguas traccedilando-se uma raia ou linha reta de poacutelo a poacutelo onde se acabarem as ditas duzentas e cinquumlenta leacuteguas seja e fique para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc e para os seus sucessores e reinos para sempre e que todas as ilhas e terra firme que ateacute os ditos vinte dias deste mecircs de junho em que estamos forem encontradas e descobertas por navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo etc e por suas gentes ou de outra qualquer maneira dentro das outras cento e vinte leacuteguas que ficam para complemento das ditas trezentas e setenta leacuteguas em que haacute de acabar a dita raia que se haacute de traccedilar de poacutelo a poacutelo como ficou dito em qualquer parte das ditas cento e vinte leacuteguas para os ditos poacutelos que sejam achadas ateacute o dito dia sejam e fiquem para os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc e para os seus sucessores e seus reinos para todo sempre conforme eacute e haacute de ser seu tudo o que descobrirem aleacutem da dita raia das ditas trezentas e setenta leacuteguas que ficam para suas altezas como ficou dito ainda que as indicadas cento e vinte leacuteguas estejam dentro da dita raia das ditas trezentas e setenta leacuteguas que ficam para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc como dito estaacute E se ateacute os ditos vinte dias deste dito mecircs de junho natildeo for encontrada pelos ditos navios de suas altezas coisa alguma dentro das ditas cento e vinte leacuteguas e dali para diante o acharem que seja para o dito senhor rei de Portugal como no supra capiacutetulo escrito estaacute contido E que tudo o que ficou dito e cada coisa e parte dele os ditos d Henrique Henriques mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas contador-mor e do doutor Rodrigo Maldonado procuradores dos ditos mui altos e mui poderosos priacutencipes senhores o rei e a rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada etc e em virtude dos seus ditos poderes que vatildeo incorporados e os ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa seu filho e Arias de Almadana procuradores e embaixadores do dito mui alto e mui excelente priacutencipe o senhor rei de Portugal e dos AlgarvesdrsquoAqueacutem e drsquoAleacutem em Aacutefrica e senhor de Guineacute e em virtude dos seus ditos poderes que vatildeo supra-incorporados prometerem e assegurarem em nome dos seus ditos constituintes que eles e seus

sucessores e reinos e senhorios para todo o sempre teratildeo guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito livre de toda fraude e penhor engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo todo o contido nesta capitulaccedilatildeo e cada uma coisa e parte dele quiseram e outorgaram que todo o contido neste convecircnio e cada uma coisa e parte disso seraacute guardada e cumprida e executada como se haacute de guardar cumprir e executar todo o contido na capitulaccedilatildeo das pazes feitas e assentadas entre os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc e o senhor d Afonso rei de Portugal que em santa gloacuteria esteja e o dito senhor rei que agora eacute de Portugal seu filho sendo priacutencipe o ano que passou de mil quatrocentos e setenta e nove anos e sob aquelas mesmas penas viacutenculos seguranccedilas e obrigaccedilotildees segundo e de maneira que na dita capitulaccedilatildeo das ditas pazes estaacute contida E se obrigaram a que nem as ditas pazes nem algumas delas nem seus sucessores para todo o sempre iratildeo mais nem se voltaratildeo contra o que acima estaacute dito e especificado nem contra coisa alguma nem parte disso direta nem indiretamente nem por outra maneira alguma em tempo algum nem por maneira alguma pensada ou natildeo pensada que seja ou possa ser sob as penas contidas na dita capitulaccedilatildeo das ditas pazes e a pena cumprida ou natildeo cumprida ou graciosamente remida que esta obrigaccedilatildeo e capitulaccedilatildeo e assento deixe e fique firme estaacutevel e vaacutelida para todo o sempre para assim terem e guardarem e cumprirem e pagarem em tudo o supradito aos ditos procuradores em nome dos seus ditos constituintes obrigaram os bens cada um de sua dita parte moacuteveis e de raiz patrimoniais e fiscais e de seus suacuteditos e vassalos havidos e por haver e renunciar a quaisquer leis e direitos de que se possam valer as ditas partes e cada uma delas para ir e vir contra o supradito e cada uma coisa e parte disso realmente e com efeito livre toda a fraude penhor e engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo e natildeo o contradiratildeo em tempo algum nem por alguma maneira sob a qual o dito juramento juraram natildeo pedir absolviccedilatildeo nem relaxamento disso ao nosso santiacutessimo padre nem a outro qualquer legado ou prelado que a possa dar e ainda que de motu proprio a decircem natildeo usaratildeo dela antes por esta presente capitulaccedilatildeo suplicam no dito nome ao nosso santiacutessimo padre que haja sua santidade por bem confiar e aprovar esta dita capitulaccedilatildeo conforme nela se conteacutem e mandando expedir sobre isto suas bulas agraves partes ou a quaisquer delas que as pedir e mandam incorporar nelas o teor desta capitulaccedilatildeo pondo suas censuras aos que contra ela forem ou procederem em qualquer tempo que seja ou possa ser E assim mesmo os ditos procuradores no dito nome se obrigaram sob a dita pena e juramento dentro dos cem primeiros dias seguintes contados desde o dia da conclusatildeo deste tratado daratildeo uma parte a esta primeira aprovaccedilatildeo e ratificaccedilatildeo desta dita capitulaccedilatildeo escritas em pergaminho e firmadas nos nomes dos ditos senhores seus constituintes e seladas com os seus selos de cunho pendentes e na escritura que tiverem de dar os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc tenha de firmar e consentir e autorizar o mui esclarecido e ilustriacutessimo senhor o priacutencipe d Joatildeo seu filho de tudo o que dito eacute outorgaram duas escrituras de um mesmo teor uma tal qual a outra as quais firmaram com seus nomes e as outorgaram perante os secretaacuterios e testemunhas abaixo assinadas para cada uma das partes a sua e a qualquer que se apresentar vale como se ambas as duas se apresentassem as quais foram feitas e outorgadas na dita vila de Tordesillas no dita mecircs e ano supraditos D Henrique comendador-mor Rui de Sousa d Joatildeo de Sousa Doutor Rodrigo Maldonado Licenciado Arias Testemunhas que foram presentes que vieram aqui firmar seus nomes ante os ditos procuradores e embaixadores e outorgar o supradito e fazer o dito juramento o comendador Pedro de Leon o comendador Fernando de Torres vizinhos da vila de

Valladolid o comendador Fernando de Gamarra comendador de Lagra e Cenate contiacutenuos da casa dos ditos rei e rainha nossos senhores e Joatildeo Soares de Siqueira e Rui Leme e Duarte Pacheco contiacutenuos da casa do senhor rei de Portugal para isso chamados E eu Fernando Dalvares de Toledo secretaacuterio do rei e da rainha nossos senhores e de seu Conselho e seu escrivatildeo de Cacircmara e notaacuterio puacuteblico em sua corte e em todos os seus reinos e senhorios estive presente a tudo que dito estaacute declarado em um com as ditas testemunhas e com Estevam Baez secretaacuterio do dito senhor rei de Portugal que pela autoridade que os ditos rei e a rainha nossos senhores lhe deram para fazer dar sua feacute neste auto em seus reinos que esteve tambeacutem presente ao que dito estaacute e a rogo e outorgamento de todos os procuradores e embaixadores que em minha presenccedila e na sua aqui firmaram seus nomes este instrumento puacuteblico de capitulaccedilatildeo fiz escrever o qual vai escrito nestas seis folhas de papel de formato inteiro escritas de ambos os lados e mais esta em que vatildeo os nomes dos supraditos e o meu sinal e no fim de cada paacutegina vai rubricado o sinal do meu nome e o do dito Estevam Baez e em feacute disso pus aqui este meu sinal que eacute tal Em testemunho de verdade Fernatildeo Dalvares E eu dito Estevam Baez que por autoridade que os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc me deram para fazer puacuteblico em todos os seus reinos e senhorios juntamente com o dito Fernatildeo Dalvares a rogo e requerimento dos ditos embaixadores e procuradores a tudo presente estive e em feacute a certificaccedilatildeo disso aqui com o meu puacuteblico sinal assinei que eacute tal A qual dita escritura de assento e capitulaccedilatildeo e concoacuterdia supra incorporada vista e entendida por noacutes e pelo dito priacutencipe d Joatildeo nosso filho noacutes a aprovamos louvamos e confirmamos e outorgamos ratificamos e prometemos ter guardar e cumprir todo o supradito nela contido e cada uma coisa e parte disso realmente e com efeito livre de toda a fraude cautela e simulaccedilatildeo e de natildeo ir nem vir contra isso nem contra parte disso em tempo algum nem por alguma maneira que seja ou possa ser e para maior firmeza noacutes e o dito priacutencipe d Joatildeo nosso filho juramos por Deus pela Santa Maria e pelas palavras do Santo Evangelho onde quer que mais amplamente estejam impressas e pelo sinal da cruz na qual corporalmente colocamos nossas matildeos direitas em presenccedila dos ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa e o licenciado Arias de Almadana embaixadores e procuradores do dito e sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo de o assim ter e guardar e cumprir e a cada uma coisa e parte do que a noacutes incumbe realmente e com efeito como estaacute dito por noacutes e por nossos herdeiros e sucessores e pelos nossos ditos reinos e senhorios e suacuteditos e naturais deles sob as penas e obrigaccedilotildees viacutenculos e renuacutencias no dito contrato de capitulaccedilatildeo e concoacuterdia supra-escrito contidas por certificaccedilatildeo e corroboraccedilatildeo do qual firmamos nesta nossa carta nossos nomes e a mandamos selar com o nosso selo de cunho pendentes em fios de seda em cores Dada na vila de Areacutevalo aos dois dias do mecircs de julho ano do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro Eu el-rei Eu a rainha Eu o priacutencipe E eu Fernatildeo Dalvares de Toledo secretaacuterio drsquoel-rei e da rainha nossos senhores a fiz escrever por sua ordemrdquo

2) Tratado de Madri - 13 de janeiro de 1750

ldquoTrato de limites das conquistas entre os muito altos e poderosos senhores d Joatildeo V Rei de Portugal e d Fernando VI rei de Espanha assinado em 13 de janeiro de 1750 em Madri e ratificado em Lisboa a 26 do dito mecircs e em Madri a 8 de fevereiro do mesmo ano

Em nome da Santiacutessima Trindade

Os sereniacutessimos reis de Portugal e Espanha desejando eficazmente consolidar e estreitar a sincera e cordial amizade que entre si professam consideraram que o meio mais conducente para conseguir tatildeo saudaacutevel intento eacute tirar todos os pretextos e alhanar os embaraccedilos que possam adiante alteraacute-la e particularmente os que se podem oferecer com o motivo dos limites das duas coroas na Ameacuterica cujas conquistas se tecircm adiantado com incerteza e duacutevida por se natildeo haverem averiguado ateacute agora os verdadeiros limites daqueles domiacutenios ou a paragem donde se haacute de imaginar a linha divisoacuteria que havia de ser o princiacutepio inalteraacutevel da demarcaccedilatildeo de cada coroa E considerando as dificuldades invenciacuteveis que se ofereceriam se houvesse de assinalar-se esta linha com o conhecimento praacutetico que se requer resolveram examinar as razotildees e duacutevidas que se oferecessem por ambas as partes e agrave vista delas concluir o ajuste com reciacuteproca satisfaccedilatildeo e conveniecircncia

Por parte da Coroa de Portugal se alegava que havendo de contar-se os 180 graus da sua demarcaccedilatildeo desde a linha para o oriente ficando para Espanha os outros 180 para o ocidente e devendo cada uma das naccedilotildees fazer os seus descobrimentos e colocircnias nos 180 graus da sua demarcaccedilatildeo contudo se acha conforme as observaccedilotildees mais exatas e modernas dos astrocircnomos e geoacutegrafos que comeccedilando a contar os graus para o ocidente da dita linha se estende o domiacutenio espanhol na extremidade asiaacutetica do mar do Sul muitos mais graus que os 180 da sua demarcaccedilatildeo e por conseguumlinte tem ocupado muito maior espaccedilo do que pode importar qualquer excesso que se atribua aos portugueses no que talvez teratildeo ocupado na Ameacuterica meridional ao ocidente da mesma linha e princiacutepio da demarcaccedilatildeo espanhola

Tambeacutem se alegava que pela escritura de venda com pacto de retrovendendo outogarda pelos procuradores das duas coroas em Saragoccedila a 22 de abril de 1529 vendeu a coroa de Espanha a Portugal tudo o que por qualquer via ou direito lhe pertencesse ao ocidente de outra linha meridiana imaginada pelas ilhas das Velas situadas no mar do Sul a 17 graus de distacircncia de Maluco com declaraccedilatildeo que se Espanha consentisse e natildeo impedisse aos seus vassalos a navegaccedilatildeo da dita linha para o ocidente ficaria logo extinto e resoluto o pacto de retrovendendo e que quando alguns vassalos de Espanha por ignoracircncia ou por necessidade entrassem dentro dela e descobrissem algumas ilhas ou terras pertenceria a Portugal o que nesta forma descobrissem Que sem embargo desta convenccedilatildeo foram depois os espanhoacuteis a descobrir as Filipinas e com efeito se estabeleceram nelas pouco antes da uniatildeo das duas coroas que se fez no ano de 1580 por cuja causa cessaram as disputas que esta infraccedilatildeo suscitou entre as duas naccedilotildees poreacutem tendo-se depois dividido resultou das condiccedilotildees da escritura de Saragoccedila um novo tiacutetulo para que

Portugal pretendesse a restituiccedilatildeo ou o equivalente de tudo o que ocuparam os espanhoacuteis ao ocidente da dita linha contra o capitulado na referida escritura

Quanto ao territoacuterio da margem setentrional do rio da Prata alegava que com o motivo da fundaccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento excitou-se uma disputa entre as duas coroas sobre limites a saber se as terras em que se fundou aquela praccedila estavam ao oriente ou ao ocidente da linha divisoacuteria determinada em Tordesilhas e enquanto se decidia esta questatildeo se concluiu provisionalmente um tratado em Lisboa a 7 de maio de 1681 no qual se concordou que a referida praccedila ficasse em poder dos portugueses e que nas terras disputadas tivessem o uso e aproveitamento comum com os espanhoacuteis Que pelo artigo VI da paz celebrada em Utrecht entre as duas coroas em 6 de fevereiro de 1715 cedeu S M C toda a accedilatildeo e direito que podia ter ao territoacuterio e colocircnia dando por abolido em virtude desta cessatildeo o dito Tratado Provisional Que devendo em vigor da mesma cessatildeo entregar-se agrave Coroa de Portugal todo o territoacuterio da disputa pretendeu o governador de Buenos Aires satisfazer unicamente com a entrega da praccedila dizendo que pelo territoacuterio soacute entendia o que alcanccedilasse o tiro de canhatildeo dela reservando para a Coroa de Espanha todas as demais terras da questatildeo nas quais se fundaram depois a praccedila de Montevideacuteu e outros estabelecimentos que esta inteligecircncia do governador de Buenos Aires foi manifestamente oposta ao que se tinha ajustado sendo evidente que por meio de uma cessatildeo natildeo devia ficar a Coroa de Espanha de melhor condiccedilatildeo do que antes estava no mesmo que cedia e tendo ficado pelo Tratado Provisional ambas as naccedilotildees com a posse e assistecircncia comum naquelas campanhas natildeo haacute interpretaccedilatildeo mais violenta do que o supor que por meio da cessatildeo de S M C ficavam pertencendo privativamente agrave sua Coroa

Que tocando aquele territoacuterio a Portugal por tiacutetulo diverso da linha divisoacuteria determinada em Tordesilhas (isto eacute pela transaccedilatildeo feita no Tratado de Utrecht em que S M C cedeu o direito que lhe competia pela demarcaccedilatildeo antiga) devia aquele territoacuterio independentemente das questotildees daquela linha ceder-se inteiramente a Portugal com tudo o que nele se houvesse novamente fabricado como feito em solo alheio Finalmente que suposto pelo artigo VII do dito Tratado de Utrecht se reservou S M C a liberdade de propor um equivalente agrave satisfaccedilatildeo de S M F pelo dito territoacuterio e colocircnia contudo como haacute muitos anos passou o prazo assinalado para oferececirc-lo tem cessado todo o pretexto e motivo ainda aparente para dilatar a entrega do mesmo territoacuterio

Por parte da Coroa de Espanha se alegava que havendo de imaginar-se a linha de norte a sul a 370 leacuteguas ao poente das ilhas de Cabo Verde conforme o tratado concluiacutedo em Tordesilhas a 7 de junho de 1494 todo o terreno que houvesse nas 370 leacuteguas desde as referidas ilhas ateacute o lugar aonde se havia de assinalar a linha pertenceria a Portugal e nada mais por esta parte porque desde ela para o ocidente se hatildeo de contar os 180 graus da demarcaccedilatildeo de Espanha e ainda que por natildeo estar declarado de qual das ilhas de Cabo Verde se hatildeo de comeccedilar a contar as 370 leacuteguas se ofereccedila duacutevida e haja interesse notaacutevel por estarem todas elas situadas a leste-oeste com a diferenccedila de quatro graus e meio tambeacutem eacute certo que ainda cedendo Espanha e consentindo que se comece a contar desde a mais ocidental que chamam de Santo Antatildeo apenas poderatildeo chegar as 370 leacuteguas agrave cidade do Paraacute e mais colocircnias ou capitanias portuguesas fundadas antigamente nas costas do Brasil e como a Coroa de Portugal tem ocupado as duas margens do rio das

Amazonas ou Marantildeon subindo ateacute a boca do rio Javari que entra nele pela margem austral resulta claramente ter-se introduzido na demarcaccedilatildeo de Espanha tudo quanto dista a referida cidade da boca daquele rio sucedendo o mesmo pelo interior do Brasil com internaccedilatildeo que fez esta Coroa ateacute o Cuiabaacute e Mato Grosso

Pelo que toca agrave Colocircnia do Sacramento alegava que conforme os mapas mais exatos natildeo chega com muita diferenccedila agrave boca do rio da Prata a paragem onde se deveria imaginar a linha e consequumlentemente a referida colocircnia com todo o seu territoacuterio cai ao poente dela e na demarcaccedilatildeo de Espanha sem que obste o novo direito com que a reteacutem a Coroa de Portugal em virtude do Tratado de Utrecht porquanto nele se estipulou a restituiccedilatildeo por um equivalente e ainda que a Corte de Espanha o ofereceu dentro do termo prescrito no artigo VII natildeo o admitiu a de Portugal por cujo fato ficou prorrogado o termo sendo como foi proporcionado e equivalente e o natildeo tecirc-lo admitido foi mais por culpa de Portugal que de Espanha

Vistas e examinadas estas razotildees pelos dois sereniacutessimos monarcas com as reacuteplicas que se fizeram de uma e outra parte procedendo com aquela boa feacute e sinceridade que eacute proacutepria de priacutencipes tatildeo justos tatildeo amigos e parentes desejando manter os seus vassalos em paz e sossego e reconhecendo as dificuldades e duacutevidas que em todo o tempo fariam embaraccedilada esta contenda se se houvesse de julgar pelo meio da demarcaccedilatildeo acordada em Tordesilhas assim porque se natildeo declarou de qual das ilhas de Cabo Verde se havia de comeccedilar a conta das 370 leacuteguas como pela dificuldade de assinalar nas costas da Ameacuterica meridional os dois pontos ao sul e ao norte donde havia de principiar a linha como tambeacutem pela impossibilidade moral de estabelecer com certeza pelo meio da mesma Ameacuterica uma linha meridiana e finalmente por outros muitos embaraccedilos quase invenciacuteveis que se ofereceriam para conservar sem controveacutersia nem excesso uma demarcaccedilatildeo regulada por linhas meridianas e considerando ao mesmo tempo que os referidos embaraccedilos talvez foram pelo passado a ocasiatildeo principal dos excessos que uma e outra parte se alegam e das muitas desordens que perturbaram a quitaccedilatildeo dos seus domiacutenios resolveram pocircr termo agraves disputas passadas e futuras e esquecer-se e natildeo usar de todas as accedilotildees e direitos que possam pertencer-lhes em virtude dos referidos Tratados de Tordesilhas Lisboa Utrecht e da Escritura de Saragoccedila ou de outros quaisquer fundamentos que possam influir na divisatildeo dos seus domiacutenios por linha meridiana e querem que ao diante natildeo se trate mais dela reduzindo os limites das duas monarquias aos que se assinalaram no presente tratado sendo o seu acircnimo que nele se atenda com cuidado a dois fins o primeiro e principal eacute que se assinalem os limites dos dois domiacutenios tomando por balizas as paragens mais conhecidas para que em nenhum tempo se confundam nem decircem ocasiatildeo a disputas como satildeo a origem e curso dos rios e os montes mais notaacuteveis o segundo que cada parte haacute de ficar com o que atualmente possui agrave exceccedilatildeo das muacutetuas cessotildees que em seu lugar se diratildeo as quais se faratildeo por conveniecircncia comum e para que os confins fiquem quanto for possiacutevel menos sujeitos a controveacutersias

Para concluir este ajuste e assinalar os limites deram os dois sereniacutessimos reis aos seus ministros de uma e outra parte os plenos poderes necessaacuterios que se inseriram no fim deste tratado a saber Sua Majestade Fideliacutessima a Sua Excelecircncia o Senhor Tomaacutes Silva Teles Visconde de Villa-Nova de Cerveira do Conselho de S M F e do de Guerra mestre de campo general dos Exeacutercitos de S M F e seu

embaixador extraordinaacuterio na Corte de Madri e Sua Majestade Catoacutelica a Sua Excelecircncia o Senhor d Joseacute de Cavajal e Lencastre gentil-homem de Cacircmara de S M C com exerciacutecio ministro de Estado e decano deste Conselho governador do Supremo de Iacutendias presidente da Junta de Comeacutercio e Moeda e superintendente geral das Postas e Estafetas de dentro e fora de Espanha os quais depois de conferirem e tratarem a mateacuteria com a devida circunspecccedilatildeo e exame e bem instruiacutedos da intenccedilatildeo dos dois sereniacutessimos reis seus amos e seguindo as suas ordens concordaram no que se conteacutem dos seguintes artigos

Artigo I

O presente tratado seraacute o uacutenico fundamento e regra que ao diante se deveraacute seguir para a divisatildeo e limites dos dois domiacutenios em toda a Ameacuterica e na Aacutesia e em virtude disto ficaraacute abolido qualquer direito e accedilatildeo que possam alegar as duas coroas por motivo da bula do papa Alexandre VI de feliz memoacuteria e dos Tratados de Tordesilhas de Lisboa e Utrecht da escritura de venda outorgada em Saragoccedila e de outros quaisquer tratados convenccedilotildees e promessas o que tudo enquanto trata da linha da demarcaccedilatildeo seraacute de nenhum valor e efeito como se natildeo houvera sido determinado ficando em tudo o mais na sua forccedila e vigor e para o futuro natildeo se trataraacute mais da dita linha nem se poderaacute usar deste meio para a decisatildeo de qualquer dificuldade que ocorra sobre limites senatildeo unicamente da fronteira que se prescreve nos presentes artigos como regra invariaacutevel e muito menos sujeita a controveacutersias

Artigo II

As ilhas Filipinas e as adjacentes que possui a Coroa de Espanha lhe pertencem para sempre sem embargo de qualquer pertenccedila que possa alegar por parte da Coroa de Portugal com o motivo do que se determinou no dito Tratado de Tordesilhas e sem embargo das condiccedilotildees contidas na escritura celebrada em Saragoccedila a 22 de abril de 1529 e sem que a Coroa de Portugal possa repetir cousa alguma do preccedilo que pagou pela venda celebrada na dita escritura a cujo efeito S M F em seu nome e de seus herdeiros e sucessores faz a mais ampla e formal renunciaccedilatildeo de qualquer direito que possa ter pelos princiacutepios expressados ou por qualquer outro fundamento agraves referidas ilhas e agrave restituiccedilatildeo da quantia que se pagou em virtude da dita escritura

Artigo III

Na mesma forma pertenceraacute agrave Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas ou Marantildeon acima e o terreno de ambas as margens deste rio ateacute as paragens que abaixo se diratildeo como tambeacutem tudo o que tem ocupado no distrito de Mato Grosso e dele para parte do oriente e Brasil sem embargo de qualquer pretensatildeo que possa alegar por parte da Coroa de Espanha com o motivo do que se determinou no referido Tratado de Tordesilhas a cujo efeito S M C em seu nome e de seus herdeiros e sucessores desiste e renuncia formalmente a qualquer direito e accedilatildeo que em virtude do dito tratado ou por outro qualquer tiacutetulo possa ter aos referidos territoacuterios

Artigo IV

Os confins do domiacutenio das duas Monarquias principiaratildeo na barra que forma na costa do mar o regato que sai ao peacute do monte de Castilhos Grande de cuja fralda continuaraacute a fronteira buscando em linha reta o mais alto ou cumes dos montes cujas vertentes descem por uma parte para a costa que corre ao norte do dito regato ou para a lagoa Mirim ou del Meni e pela outra para a costa que corre do dito regato ao sul ou para o rio da Prata de sorte que os cumes dos montes sirvam de raia do domiacutenio das duas coroas e assim continuaraacute a fronteira ateacute encontrar a origem principal e cabeceiras do rio Negro e por cima deles continuaraacute ateacute a origem principal do rio Ibicuiacute prosseguindo pelo aacutelveo deste rio abaixo ateacute onde desemboca na margem oriental do Uruguai ficando de Portugal todas as vertentes que baixam agrave dita lagoa ou ao rio Grande de S Pedro e de Espanha as que baixam aos rios que vatildeo unir-se com o da Prata

Artigo V

Subiraacute desde a boca do Ibicuiacute pelo aacutelveo do Uruguai ateacute encontrar o do rio Peipiri ou Pequiri que desaacutegua na margem ocidental do Uruguai e continuaraacute pelo aacutelveo do Pepiri acima ateacute a sua origem principal desde a qual prosseguiraacute pelo mais alto do terreno ateacute a cabeceira principal do rio mais vizinho que desemboque no rio Grande de Curitiba por outro nome chamado Iguaccedilu Pelo aacutelveo do dito rio mais vizinho da origem do Pepiri e depois pelo do Iguaccedilu ou rio Grande de Curitiba continuaraacute a raia ateacute onde o mesmo Iguaccedilu desemboca na margem oriental do Paranaacute e desde esta boca prosseguiraacute pelo aacutelveo do Paranaacute acima ateacute onde se lhe ajunta o rio Igurei pela sua margem ocidental

Artigo VI

Desde a boca do Igurei continuaraacute pelo aacutelveo acima ateacute encontrar a sua origem principal e dali buscaraacute em linha reta pelo mais alto do terreno a cabeceira principal do rio mais vizinho que desaacutegua no Paraguai pela sua margem oriental que talvez seraacute o que se chamam de Corrientes e baixaraacute pelo aacutelveo deste rio ateacute a sua entrada no Paraguai desde a qual boca subiraacute pelo canal principal que deixa o Paraguai em tempo seco e pelo seu aacutelveo ateacute encontrar os pacircntanos que forma este rio chamados a lagoa dos Xarais e atravessando esta lagoa ateacute a boca do rio Jauru

Artigo VII

Desde a boca do Jauru pela parte ocidental prosseguiraacute a fronteira em linha reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute defronte da boca do rio Sarareacute que entra no dito Guaporeacute pela sua margem setentrional com declaraccedilatildeo que se os comissaacuterios que se hatildeo de despachar para o regulamento dos confins nesta parte na face do paiacutes acharem entre os rios Jauru e Guaporeacute outros rios ou balizas naturais por onde mais comodamente e com maior certeza se possa assinalar a raia naquela paragem salvando sempre a navegaccedilatildeo do Jauru que deve ser privativa dos portugueses e o caminho que eles costumam fazer do Cuiabaacute para o Mato Grosso os dois altos contraentes consentem e aprovam que assim se estabeleccedila sem atender a alguma porccedilatildeo mais ou menos no terreno que possa ficar a uma ou a outra parte Desde o lugar que na margem austral do Guaporeacute for assinalado para termo da raia como fica explicado baixaraacute a fronteira por todo o curso do rio

Guaporeacute ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute que nasce na proviacutencia de Santa Cruz de la Sierra atravessa a missatildeo dos Moxos e formam juntos o rio chamado da Madeira que entra no das Amazonas ou Marantildeon pela sua margem austral

Artigo VIII

Baixaraacute pelo aacutelveo destes dois rios jaacute unidos ateacute a paragem situada em igual distacircncia do dito rio das Amazonas ou Marantildeon e da boca do dito Mamoreacute e desde aquela paragem continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do Javari que entra no rio das Amazonas pela sua margem austral e baixando pelo aacutelveo do Javari ateacute onde desemboca no rio das Amazonas ou Marantildeon prosseguiraacute por este rio abaixo ateacute boco mais ocidental do Japuraacute que desaacutegua nele pela margem setentrional

Artigo IX

Continuaraacute a fronteira pelo meio do rio Japuraacute e pelos mais rios que a ele se ajuntam e que mais se chegarem ao rumo do norte ateacute encontrar o alto da Cordilheira de Montes que mediam entre o Orinoco e o das Amazonas ou Marantildeon e prosseguiraacute pelo cume destes montes para o oriente ateacute onde se estender o domiacutenio de uma e outra monarquia As pessoas nomeadas por ambas as coroas para estabelecer os limites conforme eacute prevenido no presente artigo teratildeo particular cuidado de assinalar a fronteira nesta parte subindo pelo aacutelveo da boca mais ocidental do Japuraacute de sorte que se deixem cobertos os estabelecimentos que atualmente tiveram os portugueses nas margens deste rio e do Negro como tambeacutem a comunicaccedilatildeo ou canal de que se servem entre estes dois rios e que se natildeo decirc lugar a que os espanhoacuteis com o pretexto ou interpretaccedilatildeo alguma possam introduzir-se neles nem na dita comunicaccedilatildeo nem os portugueses subir para o rio Orinoco nem estender-se para as proviacutencias povoadas por Espanha nem para os despovoados que lhe hatildeo de pertencer conforme os presentes artigos para o qual efeito assinalaram os limites pelas lagoas e rios endireitando a linha da raia quanto puder ser para a parte do norte sem reparar no pouco mais ou menos no terreno que fique a uma ou a outra Coroa com tanto que se logrem os fins expressados

Artigo X

Todas as ilhas que se acharem em qualquer dos rios por onde haacute de passar a raia conforme o prevenido nos artigos antecedentes pertenceratildeo ao domiacutenio a que estiverem mais proacuteximas em tempo seco

Artigo XI

Ao mesmo tempo que os comissaacuterios nomeados por ambas as coroas forem assinalando os limites em toda a fronteira faratildeo as observaccedilotildees necessaacuterias para formar um mapa individual de toda ela do qual se tiraratildeo as coacutepias que parecerem necessaacuterias firmadas por todos que se guardaratildeo pelas duas cortes para o caso que ao diante se ofereccedila alguma disputa pelo motivo de qualquer infraccedilatildeo em cujo caso e em outro qualquer se teratildeo por autecircnticas e faratildeo plena prova E para que se natildeo ofereccedila a mais leve duacutevida os referidos comissaacuterios poratildeo nome de comum

acordo aos rios e montes que o natildeo tiverem e assinalaratildeo tudo no mapa com a individuaccedilatildeo possiacutevel

Artigo XII

Atendendo agrave conveniecircncia comum das duas naccedilotildees e para evitar todo o gecircnero de controveacutersias para o diante se estabeleceratildeo as muacutetuas cessotildees conteuacutedas nos artigos seguintes

Artigo XIII

Sua Majestade Fideliacutessima em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede para sempre agrave Coroa de Espanha a Colocircnia do Sacramento e todo o seu territoacuterio adjacente a ela na margem setentrional do rio da Prata ateacute os confins declarados no artigo IV e as praccedilas portos e estabelecimentos que se compreendem na mesma paragem como tambeacutem a navegaccedilatildeo do mesmo rio da Prata a qual pertenceraacute inteiramente agrave Coroa de Espanha e para que tenha efeito renuncia S M F todo o direito e accedilatildeo que tinha reservado agrave sua Coroa pelo Tratado Provisional de 7 de maio de 1681 e sua posse direito e accedilatildeo que lhe pertenccedila e possa tocar-lhe em virtude dos artigos V e VI do Tratado de Utrecht de 6 de fevereiro de 1715 ou por outra qualquer convenccedilatildeo tiacutetulo e fundamento

Artigo XIV

Sua Majestade Catoacutelica em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede para sempre agrave Coroa de Portugal tudo o que por parte de Espanha se acha ocupado por qualquer tiacutetulo ou direito possa pertencer-lhe em qualquer parte das terras que pelos presentes artigos se declaram pertencentes a Portugal desde o Monte de Castilhos Grande e sua fralda meridional e costa do mar ateacute a cabeceira e origem principal do rio Ibicuiacute e tambeacutem cede todas e quaisquer povoaccedilotildees e estabelecimentos que se tenham feito por parte de Espanha no acircngulo de terras compreendido entre a margem setentrional do rio Ibicuiacute e a oriental do Uruguai e os que possam ter-se fundado na margem oriental do rio Pepiri e a aldeia de Santa Rosa e outra qualquer que se possa ter estabelecido por parte de Espanha na margem oriental do rio Guaporeacute E Sua Majestade Fideliacutessima cede na mesma forma a Espanha todo o terreno que corre desde a boca ocidental do rio Japuraacute e fica entre meio do mesmo rio e do das Amazonas ou Marantildeon e toda a navegaccedilatildeo do rio Iccedilaacute e tudo o que se segue desde este uacuteltimo rio para o ocidente com a aldeia de S Cristoacutevatildeo e outra qualquer que por parte de Portugal se tenha fundado naquele espaccedilo de terras fazendo-se as muacutetuas entregas com as qualidades seguintes

Artigo XV

A Colocircnia do Sacramento se entregaraacute por parte de Portugal sem tirar dela mais que a artilharia armas poacutelvora e municcedilotildees e embarcaccedilotildees do serviccedilo da mesma praccedila e os moradores poderatildeo ficar livremente nela ou retirar-se para outras terras do domiacutenio portuguecircs com os seus efeitos e moacuteveis vendendo os bens de raiz O governador oficiais e soldados levaratildeo tambeacutem todos os seus efeitos e teratildeo a mesma liberdade de venderem os seus bens de raiz

Artigo XVI

Das povoaccedilotildees ou aldeias que cede S M C na margem oriental do rio Uruguai sairatildeo os missionaacuterios com todos os moacuteveis e efeitos levando consigo os iacutendios para os aldear em outras terras de Espanha e os referidos iacutendios poderatildeo levar tambeacutem todos os seus bens moacuteveis e semoventes e as armas poacutelvoras e municcedilotildees que tiverem em cuja forma se entregaratildeo as povoaccedilotildees agrave Coroa de Portugal com todas as suas casas igrejas e edifiacutecios e a propriedade e posse do terreno As que se cedem por Sua Majestade Fideliacutessima e Catoacutelica nas margens dos rios Pequiri Guaporeacute e das Amazonas se entregaratildeo com as mesmas circunstacircncias que a Colocircnia do Sacramento conforme se disse no artigo XIV e os iacutendios de uma e outra parte teratildeo a mesma liberdade para se irem ou ficarem do mesmo modo e com as mesmas qualidades que o hatildeo de poder fazer os moradores daquela praccedila exceto que os que se forem perderatildeo a propriedade dos bens de raiz se os tiverem

Artigo XVII

Em consequumlecircncia da fronteira e limites determinados nos artigos antecedentes ficaraacute para a Coroa de Portugal o monte de Castilhos Grande com a sua falda meridional e o poderaacute fortificar mantendo ali uma guarda mas natildeo poderaacute povoaacute-lo ficando agraves duas naccedilotildees o uso comum da Barra ou enseada que forma ali o mar de que se tratou no artigo IV

Artigo XVIII

A navegaccedilatildeo daquela parte dos rios por onde haacute de passar a fronteira seraacute comum agraves duas naccedilotildees e geralmente onde ambas as margens dos rios pertencerem agrave mesma Coroa seraacute privativamente sua a navegaccedilatildeo e o mesmo se entenderaacute da pesca nos ditos rios sendo comum agraves duas naccedilotildees onde o for a navegaccedilatildeo e privativa onde o for a uma delas a dita navegaccedilatildeo e pelo que toca aos cumes da cordilheira que hatildeo de servir de raia entre o rio das Amazonas e o Orinoco pertenceratildeo a Espanha todas as vertentes que caiacuterem para o Orinoco e a Portugal todas as caiacuterem para o rio das Amazonas ou Marantildeon

Artigo XIX

Em toda a fronteira seraacute vedado e de contrabando o comeacutercio entre as duas naccedilotildees ficando na sua forccedila e vigor as leis promulgadas por ambas as coroas que disto tratam e aleacutem desta proibiccedilatildeo nenhuma pessoa poderaacute passar do territoacuterio de uma naccedilatildeo para o da outra por terra nem por aacutegua nem navegar em todo ou parte dos rios que natildeo forem privativos da sua naccedilatildeo ou comuns com pretexto nem motivo algum sem tirar primeiro licenccedila do governador ou superior do terreno aonde haacute de ir ou sem que vaacute enviado pelo governador do seu territoacuterio a solicitar algum negoacutecio para o qual efeito levaraacute o seu passaporte e os transgressores seratildeo castigados com esta diferenccedila se forem apreendidos no territoacuterio alheio seratildeo postos em prisatildeo e nela se manteratildeo pelo tempo que quiser o governador ou superior que os fez prender poreacutem se natildeo puderem ser colhidos o governador ou superior da terra em que entrarem formaraacute um processo com justificaccedilatildeo das pessoas e do delito e com ele requereraacute ao juiz dos transgressores para que os castigue da mesma forma excetuando-se das referidas penas os que navegando

nos rios por onde vai a fronteira fossem constrangidos a chegar ao territoacuterio alheio por alguma urgente necessidade fazendo-a constar E para tirar toda a ocasiatildeo de discoacuterdia natildeo seraacute liacutecito nos rios cuja navegaccedilatildeo for comum nem nas suas margens levantar gecircnero algum de fortificaccedilatildeo nem pocircr embarcaccedilatildeo de registro nem plantar artilharia ou por outro qualquer modo estabelecer forccedila que possa impedir a livre e comum navegaccedilatildeo Nem tampouco seja liacutecito a nenhuma das partes visitar ou registrar ou obrigar que venham agrave sua margem as embarcaccedilotildees da parte oposta e soacute poderatildeo impedir e castigar aos vassalos da outra naccedilatildeo se aportarem na sua margem salvo em caso de indispensaacutevel necessidade como fica dito

Artigo XX

Para evitar alguns prejuiacutezos que poderiam ocasionar-se foi concordado que nos montes onde em conformidade dos precedentes artigos ficar posta a raia nos seus cumes natildeo seraacute liacutecito a nenhuma das duas potecircncias erigir fortificaccedilatildeo sobre os mesmos cumes nem permitir que os seus vassalos faccedilam neles povoaccedilatildeo alguma

Artigo XXI

Sendo a guerra ocasiatildeo principal dos abusos e motivo de se alterarem as regras mais bem concertadas querem Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica que se (e que Deus natildeo permita) se chegasse a romper entre as duas coroas se mantenham em paz os vassalos de ambas estabelecidos em toda a Ameacuterica meridional vivendo uns e outros como se natildeo houvera tal guerra entre os soberanos sem fazer-se a menor hostilidade nem por si soacutes nem juntos com os seus aliados E os motores e cabos de qualquer invasatildeo por leve que seja seratildeo castigados com pena de morte irremissiacutevel e qualquer presa que fizerem seraacute restituiacuteda de boa feacute e inteiramente E assim mesmo nenhuma das naccedilotildees permitiraacute o cocircmodo de seus portos e menos o tracircnsito pelos seus territoacuterios da Ameacuterica meridional aos inimigos da outra quando intentem aproveitar-se deles para hostilizaacute-la ainda que fosse em tempo que as duas naccedilotildees tivessem entre si guerra em outra regiatildeo A dita continuaccedilatildeo de perpeacutetua paz e boa vizinhanccedila natildeo teraacute soacute lugar nas terras e ilhas da Ameacuterica meridional entre os suacuteditos confiantes das duas monarquias senatildeo tambeacutem nos rios portos e costas e no mar Oceano desde a altura da extremidade austral da ilha de Santo Antatildeo uma das de Cabo Verde para a parte do sul e desde o meridiano que passa pela sua extremidade ocidental para a parte do poente de sorte que a nenhum navio de guerra corsaacuterio ou outra embarcaccedilatildeo de uma das duas coroas seja liacutecito dentro dos ditos termos em nenhum tempo atacar insultar ou fazer o miacutenimo prejuiacutezo aos navios e suacuteditos da outra e de qualquer atentado que em contraacuterio se cometa se daraacute pronta satisfaccedilatildeo restituindo-se inteiramente o que acaso se tivesse apresado e castigando-se severamente os transgressores Outrossim nem uma das duas naccedilotildees admitiraacute nos seus portos e terras da dita Ameacuterica meridional navios ou comerciantes amigos ou neutrais sabendo que levam intento de introduzir o seu comeacutercio nas terras da outra e de quebrantar as leis com que os dois monarcas governam aqueles domiacutenios E para a pontual observacircncia de todo o expressado neste artigo se faratildeo por ambas as cortes os mais eficazes encargos aos seus respectivos governadores comandantes e justiccedilas bem entendido que ainda em caso (que natildeo se espera) que haja algum incidente ou descuido contra o prometido e estipulado neste artigo natildeo serviraacute isso de

prejuiacutezo agrave observacircncia perpeacutetua e inviolaacutevel de tudo o mais que pelo presente tratado fica regulado

Artigo XXII

Para que se determinem com maior precisatildeo e sequer haja lugar agrave mais leve duacutevida ao futuro nos lugares por onde deve passar a raia em algumas partes que natildeo estatildeo nomeadas e especificadas distintamente nos artigos antecedentes como tambeacutem para declarar a qual dos domiacutenios hatildeo de pertencer as ilhas que se acharem nos rios que hatildeo de pertencer de fronteira nomearatildeo ambas as Majestades quanto antes comissaacuterios inteligentes os quais visitando toda a raia ajustem com a maior distinccedilatildeo e clareza as paragens por onde haacute de correr a demarcaccedilatildeo em virtude do que se expressa neste tratado pondo marcos nos lugares que lhes parecer conveniente e aquilo em que se conformarem seraacute vaacutelido perpetuamente em virtude da aprovaccedilatildeo e ratificaccedilatildeo de ambas as Majestades Poreacutem no caso em que se natildeo possam concordar em alguma paragem daratildeo conta aos sereniacutessimos reis para decidirem a duacutevida em termos justos e convenientes Bem entendido que o que os ditos comissaacuterios deixarem de ajustar natildeo prejudicaraacute de sorte alguma o vigor e observacircncia do presente tratado o qual independentemente disso ficaraacute firme e inviolaacutevel nas suas claacuteusulas e determinaccedilotildees servindo no futuro de regra fixa perpeacutetua e inalteraacutevel para os confins do domiacutenio das duas coroas

Artigo XXIII

Determinar-se-aacute entre as duas Majestades o dia em que se hatildeo de fazer as muacutetuas entregas da Colocircnia do Sacramento com o territoacuterio adjacente e das terras e povoaccedilotildees compreendidas na cessatildeo que faz S M C na margem oriental do rio Uruguai o qual dia natildeo passaraacute do ano depois que se firmar este tratado a cujo efeito logo que se ratificar passaratildeo Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica as ordens necessaacuterias de que se faraacute troca entre os ditos plenipotenciaacuterios e pelo que toca agrave entrega das mais povoaccedilotildees ou aldeias que se cedem por ambas as partes se executaraacute ao tempo que os comissaacuterios nomeados por elas chegarem agraves paragens da sua situaccedilatildeo examinando e estabelecendo os limites e os que houverem de ir a estas paragens seratildeo despachados com mais brevidade

Artigo XXIV

Declara-se que as cessotildees contidas nos presentes artigos natildeo se reputaratildeo como determinado equivalente umas de outras senatildeo que se fazem respeitando ao total do que se controvertia e alegava ou reciprocamente se cedia e agravequelas conveniecircncias e comodidades que ao presente resultavam a uma e outra parte e em atenccedilatildeo a isto se reputou justa e conveniente para ambas a concoacuterdia e determinaccedilatildeo de limites que fica expressada e como tal a reconhecem e aprovam Suas Majestades em seu nome e de seus herdeiros e sucessores renunciando qualquer outra pretensatildeo em contraacuterio e prometendo na mesma forma que em nenhum tempo e com nenhum fundamento se disputaraacute o que fica assentado e concordado nestes artigos nem com pretexto de lesatildeo nem outro qualquer pretenderatildeo outro ressarcimento ou equivalente dos seus muacutetuos direitos e cessotildees referidas

Artigo XXV

Para mais plena seguranccedila deste tratado convieram os dois altos contraentes em garantir reciprocamente toda a fronteira e adjacecircncias dos seus domiacutenios na Ameacuterica meridional conforme acima fica expressado obrigando-se cada um a auxiliar e socorrer o outro contra qualquer ataque ou invasatildeo ateacute que com efeito fique na paciacutefica posse e uso livre e inteiro do que se lhe pretendesse usurpar e esta obrigaccedilatildeo quanto agraves costas do mar e paiacuteses circunvizinhos a elas pela parte de S M F se estenderaacute ateacute as margens do Orinoco de uma e outra banda e desde Castilhos ateacute o estreito de Magalhatildees E pela parte de S M C se estenderaacute agraves margens de uma e outra banda do rio das Amazonas ou Marantildeon e desde o dito Castilhos ateacute o porto de Santos Mas pelo que toca ao interior da Ameacuterica meridional seraacute indefinida esta obrigaccedilatildeo e em qualquer caso de invasatildeo ou sublevaccedilatildeo cada uma das coroas ajudaraacute e socorreraacute a outra ateacute se reporem as cousas em estado paciacutefico

Artigo XXVI

Este tratado com todas as suas claacuteusulas e determinaccedilotildees seraacute de perpeacutetuo vigor entre as duas coroas de tal sorte que ainda em caso (que Deus natildeo permita) que se declarem guerra ficaraacute firme e invariaacutevel durante a mesma guerra e depois dela sem que nunca se possa reputar interrompido nem necessite de revalidar-se E presentemente se aprovaraacute confirmaraacute e ratificaraacute pelos dois Sereniacutessimos reis e se faraacute a troca das ratificaccedilotildees no termo de um mecircs depois da sua data ou antes se for possiacutevel

Em feacute do que e em virtude das ordens e plenos poderes que noacutes abaixo assinados recebemos de nossos amos el-rei fideliacutessimo de Portugal e el-rei catoacutelico de Espanha assinamos o presente tratado e lhe fizemos pocircr o selo de nossas armas Feito em Madri a treze de janeiro de mil setecentos e cinquumlenta

(Ass) Visconde Tomaacutes da Silva Teles e d Joseph de Carvajal y Lancasterrdquo

3) Tratado de El Pardo - 12 de fevereiro de 1761 ldquoTratado entre El-Rei o senhor Dom Joseacute I e Dom Carlos III Rei de Hespanha pelo qual se annulou o de 13 de janeiro de 1750 mandando-se observar os anteriores Assignado no Pardo 12 de fevereiro de 1761 Em Nome da Santissima Trindade Os serenissimos Rei de Portugal e Hespanha vendo por uma serie de successivas experiencias que na execuccedilatildeo do Tratado de Limites da Asia e da America celebrado entre as duas Coroas firmado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta e ratificado no mez Fevereiro do referido anno se tem sempre encontrado taes e tatildeo grandes difficuldades que alem de natildeo haverem sido conhecidas ao tempo em que se contratou natildeo soacute se natildeo poderam entatildeo ateacute agora por causa de terem sobrevindo em uns Paizes tatildeo distantes e pouco conhecidos das duas Cortes eacute indispensavel que dependessem das informaccedilotildees das muitas pessoas que a este fim foram empregadas por uma e outra parte informaccedilotildeens cuja contrariedade natildeo foi possiacutevel ateacute agora reduzir a concordia mas tambem porque as mesmas difficuldades fizeram conhecer que o referido Tratado de Limites estipulado substancial e positivamente para estabelecer uma perfeita harmonia entre as duas Coroas e uma inalteravel uniatildeo entre os vassalos drsquoellas se vio pelo contrario que desde o anno de mil setecentos e cincoenta e dois tem dado e daria no futuro muitos e muitos frequentes motivos e controversias e de contestaccedilotildees oppostas e tatildeo louvaveis fins sobre este claro conhecimento os dois Serenissimos Soberanos de muito accordo preferindo a todos e quasquer outros interesses o de fazer cessar e remover ateacute a mais remota occasiatildeo que possa alterar natildeo soacute a mutua harmonia e boa correspondencia que exigem os vinculos de Sua intima amizade e estreitos parentescos mas tambem a conservaccedilatildeo da mais amigavel uniatildeo entre os Seus respectivos vassalos depois de haver precedido sobre esta importante materia muitas e muito serias conferencias e de haver examinado com o maior circumspecccedilatildeo tudo o que ella eacute pertencente Autorisaram com os Plenos Poderes necessarios a saber Sua Magestade Fidelissima o Senhor Dom Joseph da Silva Peccedilanha do seu Conselho Seu Embaixador e Plenipotenciario nrsquoesta Corte de Madri e Sua Magestade Catholica o Senhor Dom Ricardo Wall Cavaleiro Commendador de Pentilde-Uzende na Ordem de Santiago Tenente General dos Exercitos de Sua Magestade do Seu Conselho de Estado Seu primeiro Secretario do Estado e do despacho Secretario interino da Guerra e Superintendente Geral dos Correios e Postos dentro e foacutera de Hespanha ao quaes depois de haverem exhibido e permutado reciprocamente as suas Plenipotencias achando-se bem instruidos das verdadeiras intenccedilotildees dos referidos dois Sereniacutessimos Reis Seus Amos e seguindo as Suas Reaes Ordens concordaram e concluiram de uniforme accordo os Artigos seguintes Artigo I O sobredito Tratado de Limites da Asia e da America celebrado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com todos os outros Tratados ou Convenccedilotildees que em consequencia drsquoelle se foram celebrando depois para regular as Instrucccedilotildees dos respectivos Commissarios que ateacute agora se empregaram nas demarcaccedilotildees dos

referidos limites e tudo o que em virtude drsquoellas foi autuado se estipula agora que ficam e se datildeo em virtude do presente Tratado por canccelados cassados e annulados como se nunca houvessem existido nem houvessem sido executados de sorte que todas as cousas pertencentes aos limites da America e Asia se restituem aos termos dos Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido celebrados entre as duas Coroas Contratantes antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta em forma que soacute estes Tratados Pactos e Convenccedilotildees celebrados antes do anno de mil setecentos e cincoenta ficam drsquoaqui em diante em sua forccedila e vigor Artigo II Logo que este Tratado for ratificado faratildeo os sobreditos Serenisimos Reis expedir copias drsquoelle authenticas aos seus respectivos Commissarios e Governadores nos limites da America declarando-lhes por cancellado cassado e annulado o referido Tratado de Limites assignado em treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com todas as Convenccedilotildees que drsquoelle a elle se seguirem e ordenando-lhes que dando por nullas e fazendo cessar todas as operaccedilotildees e actos respectivos agrave sua execuccedilatildeo derribem os monumentos ou padrotildees que foram erigidos em consequencia della e evacuem immediatamente os terrenos que foram occupados a titulo da mesma execuccedilatildeo ou com motivo do referido Tratado demolindo as habitaccedilotildees casas ou fortalezas que em consideraccedilatildeo do sobredito Tratado abolido se houverem feito ou levantado por uma outra parte e declarando-lhe que desde o mesmo dia da ratificaccedilatildeo do presente Tratado em diante soacute lhes ficaratildeo servindo as regras para se dirigirem os outros Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido estipulados entre as duas Coroas antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta porque todos e todas se acham instaurados e restituidos agrave sua primitiva e devida forccedila como se o referido Tratado de treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com os mais que drsquoelle se seguiram nunca houvessem existido e estas ordens se entregaratildeo por duplicados de uma agrave outra Corte para o mais prompto cumprimento drsquoellas Artigo III O presente Tratado e o que nrsquoelle se acha estipulado e contratado seratildeo de perpetua forccedila e vigor entre os dois referidos Serenissimos ReiS todos os Seus successores e entre as duas Coroas e se approvaraacute confirmaraacute e ratificaraacute por ambas as Magestades trocando-se as respectivas ratificaccedilotildeens no termo de um mez da data drsquoeste ou antes se couber no possiacutevel Em feacute do que e em virtude das Ordens e Plenos Poderes que Noacutes sobreditos Plenipotenciarios recebemos dos referidos Serenissmos Reis nossos Amos assignaacutemos o presente Tratado e o sellaacutemos com o sello das nossas Armas Em o Pardo aos doze de Fevereiro de mil setecentos sessenta e um Joseph da Silva Peccedilanha (L S) Don Ricardo Wall (L S)rdquo

4) Tratado de Santo Ildefonso - 1 de outubro de 1777

ldquoTratado Preliminar de Limites ndash Santo Ildefonso

Dona Maria I de Portugal e Carlos III de Espanha - 1Outubro1777

Havendo a Divina Providecircncia excitado nos augustos coraccedilotildees de Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica o sincero desejo de extinguir as discoacuterdias que tem havido entre as duas Coroas de Portugal e Espanha e seus respectivos Vassalos no espaccedilo de quase trecircs seacuteculos sobre os limites de seus domiacutenios na Ameacuterica e da Aacutesia Para efeito pois de conseguir tatildeo importantes objetos se nomeou os quais depois de haver-se comunicado os seus plenos poderes e de havecirc-los julgado expedidos em boa e devida forma convieram nos artigos seguintes regulados pelas ordens e intenccedilotildees dos seus Soberanos Artigo I Haveraacute uma paz perpeacutetua e constante assim por mar como por terra Artigo II Todos os prisioneiros que se houverem feito no mar ou na terra seratildeo Artigo III Como um dos principais motivos das discoacuterdias ocorridas entre as duas Coroas tem sido o estabelecimento portuguecircs da Colocircnia de Sacramento ilha de S Gabriel e outros convieram os dois Altos contratantes pelo bem reciacuteproco de ambas as naccedilotildees e para segurar uma paz perpeacutetua entre as duas que a dita navegaccedilatildeo dos rios da Prata e Uruguai e os terrenos das duas margens setentrional e meridional pertenccedilam privativamente agrave Coroa de Espanha e a seus suacuteditos ateacute o lugar em que desemboca no mesmo Uruguai pela margem ocidental o rio Pequiriacute ou Peperiguassuacute estendendo-se o domiacutenio da Espanha na referida margem setentrional ateacute a linha divisoacuteria que se formaraacute principiando pela parte do mar o arroio de Chuiacute e forte de S Miguel inclusive e seguindo as margens da Lagoa-Merim a tomar as cabeceiras ou vertentes do rio Negro as quais como todas as outras dos rios que vatildeo a desembocar nos referidos rios da Prata e Uruguai ateacute a entrada neste uacuteltimo Uruguai do dito Peperiguassuacute ficaratildeo privativas da mesma Coroa de Espanha com todos os territoacuterios que possui e que compreendem aqueles paiacuteses inclusa a referida Colocircnia do Sacramento e seu territoacuterio Artigo IV Para evitar outro motivo de discoacuterdias entre as duas Monarquias qual tem sido a entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Grande de S Pedro seguindo depois por suas vertentes ateacute o rio Jacuiacute cujas duas margens e navegaccedilatildeo tem pretendido pertencer-lhes ambas a Coroas convieram agora em que a dita navegaccedilatildeo e entrada fiquem privativamente para a de Portugal estendendo-se seu domiacutenio pela margem meridional ateacute o arroio Taim seguindo pelas margens da Lagoa da Mangueira em linha reta ateacute o mar e pela parte do continente iraacute a linha desde as margens dita Lagoa de Merim tomando a direccedilatildeo pelo primeiro arroio meridional

que entra no sangradouro ou desaguadouro dela e que corre pelo mais imediato ao forte portuguecircs de S Gonccedilalo desde o qual sem exceder o limite do dito arroio continuaraacute o domiacutenio de Portugal pelas cabeceiras dos rios que correm ateacute o mencionado Rio Grande e o Jacuiacute ateacute que passando por cima das do rio Ararica e Coiacuiacute que ficaratildeo da parte de Portugal e as dos rios Piratiniacute e Abiminiacute que ficaratildeo da parte da Espanha se tiraraacute uma linha que cubra os estabelecimentos portugueses ateacute o desembocadouro do rio Peperiguassuacute no Uruguai e assim mesmo salve e cubra os estabelecimentos e missotildees espanholas do proacuteprio Uruguai que hatildeo de ficar no atual estado em que pertencem agrave Coroa de Espanha Artigo V Conforme ao estipulado nos artigos antecedentes ficaratildeo reservadas entre os domiacutenios de uma e outra Coroa as Lagoas de Merim e da Mangueira e as liacutenguas de terra que medeiam entre elas e a costa do mar sem que nenhuma das duas naccedilotildees as ocupe servindo soacute de separaccedilatildeo de sorte que nem os portugueses passem o arroio de Taim linha reta ao mar ateacute a parte meridional nem os espanhoacuteis os arroios de Chuiacute e de S Miguel ateacute a parte setentrional Artigo VI A semelhanccedila do estabelecido no artigo antecedente ficaraacute tambeacutem reservado no restante da linha divisoacuteria tanto ateacute a entrada no Uruguai do rio Peperiguassuacute quanto no progresso que se especificaraacute nos seguintes artigos em espaccedilo suficiente entre os limites de ambas as naccedilotildees ainda que natildeo seja de igual largura a das referidas lagoas no qual natildeo possam edificar-se povoaccedilotildees por nenhuma das duas Partes nem construir-se fortalezas guardas ou postos de tropas de modo que os tais espaccedilos sejam neutros pondo-se marcos e sinais seguros que faccedilam constar aos vassalos de cada naccedilatildeo o siacutetio de que natildeo deveratildeo passar Artigo VII Os habitantes portugueses que houver na Colocircnia de Sacramento ilha de S Gabriel e outros quaisquer estabelecimentos que vatildeo cedidos agrave Espanha teratildeo a liberdade de retirar-se ou permanecer Artigo VIII Ficando jaacute sinalados os domiacutenios de ambas as Coroas ateacute a entrada do rio Pequiri ou Peperiguassuacute no Uruguai convieram os dois Altos contratantes em que a linha divisoacuterio seguiraacute aacuteguas acima do dito Peperiguassuacute ateacute sua origem principal e desde esta pelo mais alto do terreno debaixo das regras dadas no art VI continuaraacute a encontrar as correntes do rio Santo Antonio que desemboca no grande de Curitiba por outro nome chamado Iguassuacute seguindo este aacuteguas abaixo ateacute sua entrada no Paranaacute pela sua margem oriental e continuando entatildeo aacuteguas acima do mesmo Paranaacute ateacute aonde se lhe ajunta o rio Igureiacute pela sua margem ocidental Artigo IX Desde a boca ou entrada do Igureiacute seguiraacute a raia aacuteguas acima ateacute a sua origem principal e desde ela se tiraraacute uma linha reta pelo mais alto do terreno com atenccedilatildeo no ajustado no referido art VI ateacute chegar agrave cabeceira e vertente principal do rio mais vizinho agrave dita linha e que desaacuteguumle no Paraguai pela sua margem oriental que talvez seraacute o que chamam Correntes e entatildeo baixaraacute a raia pelas aacuteguas deste rio ateacute a

sua entrada no Paraguai desde cuja boca subiraacute pelo canal principal que deixa este rio em tempo seco e seguiraacute pelas aacuteguas ateacute encontrar os pacircntanos que forma o rio chamados a Lagoa dos Harayes e atravessaraacute esta lagoa ateacute a boca do rio Jauruacute Artigo X Desde a boca do Jauruacute pela parte ocidental seguiraacute a fronteira em reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute ou Itenes defronte da boca do rio Sarareacutepor tocircda a corrente do rio Guaporeacute ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute que nasce na proviacutencia de Santa Cruz da Serra e atravessa a missatildeo dos Moxos formando juntos o rio que chamam da Madeira o qual entra no Maranhatildeo ou Amazonas pela sua margem austral Artigo XI Baixaraacute a linha pelas aacuteguas destes dois rios Gaporeacute e Mamoreacute jaacute unidos com o nome de Madeira ateacute a paragem situada em igual distacircncia do rio Maranhatildeo ou Amazonas e da boca do dito Mamoreacute e desde aquela paragem continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do rio Javariacute que entra no Maranhatildeo pela sua margem austral e baixando pelo aacutelveo do mesmo Javariacute ateacute onde desemboca no Maranhatildeo ou Amazonas prosseguiraacute aacuteguas abaixo deste rio a que os espanhoacuteis costumam chamar Orellana e os iacutendios Guiena ateacute a boca mais ocidental do Japuraacute que desaacutegua nele pela margem setentrional Artigo XII Continuaraacute a fronteira subindo aacuteguas acima da dita boca mais ocidental do Japuraacute e pelo meio deste rio ateacute aquele ponto em que ficar cobertos os estabelecimentos portugueses das margens do dito rio Japuraacute e do Negro como tambeacutem a comunicaccedilatildeo ou canal de que se serviam os mesmos portugueses entre estes dois rios ao tempo de celebrar-se o Tratado de Limites de 13 de Janeiro de 1750 conforme ao sentido literal dele e do seu artigo IX que inteiramente se executaraacute buscando as lagoas e rios que se juntem ao Japuraacute e Negro e se avizinhem mais ao rumo do norte quando apartando-se dos rios haja de continuar a fronteira pelos montes que medeiam entre o Orenoco e Marantildeon ou Amazonas endireitando tambeacutem a linha da raia quanto puder ser para a parte do norte sem reparar no pouco mais ou menos de terreno que fique a uma ou a outra Coroa contanto que se logrem os fins jaacute explicados ateacute concluir a dita linha onde findam os domiacutenios das duas Monarquias Artigo XIII A navegaccedilatildeo dos rios por onde passar a fronteira ou raias seraacute comum as duas naccedilotildees ateacute aquele ponto em que pertencerem a ambas respectivamente as duas margens Artigo XIV Todas as ilhas que se acharem em qualquer dos rios por onde haacute de passar a raia segundo o convindo nos presentes artigos preliminares pertenceratildeo ao domiacutenio a que estiverem mais proacuteximas em tempo e estaccedilatildeo mais seca e se estiverem situadas a igual distacircncia de ambas as margens ficaratildeo neutras exceto quando forem de grande extensatildeo e aproveitamento pois entatildeo se dividiratildeo por metade formando a correspondente linha de separaccedilatildeo para determinar os limites de ambas as naccedilotildees

Artigo XV Para que se determinem tambeacutem com a maior exatidatildeo os limites insinuados nos artigos deste tratado e se especifiquem sem que tenha lugar a mais leve duacutevida no futuro todos os pontos por onde deve passar a linha divisoacuteria de modo que se possa estender um tratado definitivo com expressatildeo individual de todos eles se nomearatildeo comissaacuterios por Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica ou se daraacute faculdade aos governadores das proviacutencias para que eles ou as pessoas que se elegerem as quais sejam de conhecida probidade Artigo XVI Os comissaacuterios ou pessoas nomeadas nos termos que explica o artigo precedente aleacutem da regras estabelecidas neste tratado teratildeo presente para o que nele natildeo estiver especificado que os objetos da demarcaccedilatildeo da linha divisoacuteria devem ser a reciacuteproca seguranccedila e perpeacutetua paz Artigo XVII Qualquer indiviacuteduo das duas naccedilotildees que se apreender fazendo comeacutercio Artigo XVIII Nos rios cuja navegaccedilatildeo for comum agraves duas naccedilotildees em todo ou em parte natildeo se poderaacute levantar ou construir por alguma delas forte guarda ou registro Artigo XIX No caso de concorrerem algumas duacutevidas entre os vassalos Artigo XX Para perfeita execuccedilatildeo do presente tratado e sua perpeacutetua firmeza Artigo XXI Com o fim de consolidar a dita uniatildeo paz e amizade entre as duas Monarquias e de extinguir todo o motivo de discoacuterdia ainda pelo que respeita aos domiacutenios da Aacutesia Sua Majestade Fideliacutessima em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede a favor de Sua Majestade Catoacutelica seus herdeiros e sucessores todo o direito que possa ter ou alegar ao domiacutenio das ilhas Filipinas Marianas e o mais que possui naquelas partes a Coroa de Espanha Artigo XXII Em prova da mesma uniatildeo e amizade que tatildeo eficazmente se deseja pelos dois Augustos contratantes Sua Majestade Catoacutelica oferece restituir e evacuar dentro de quatro meses seguintes agrave ratificaccedilatildeo deste tratado a ilha de Santa Catarina e a parte do continente imediato a ela que houvessem ocupado as armas espanholas Artigo XXIII A esquadra e tropas portuguesas e espanholas Artigo XXIV Se para cumprimento e maior explicaccedilatildeo deste tratado se necessitar de estender e estenderem algum ou alguns artigos

Artigo XXV O presente tratado preliminar se ratificaraacute no preciso termo de 15 dias depois de firmado ou antes se for possiacutevel Em feacute do que noacutes outros os infra-escritos ministros plenipotenciaacuterios assinamos de nosso punho em nome de nossos Augustos Amos e em virtude das plenipotecircncias que para isso nos autorizaram o presente tratado preliminar de limites e o fizemos selar com o selo de nossa armas Feito em Santo Ildefonso no 1ordm de outubro de 1777 (LS) D Francisco Innocencio de Souza Coutinho (LS) El Conde de Florida Blanca ldquo

5) Tratado de Badajoz - 6 de Junho de 1801

ldquoTratado de Paz e de Amizade entre as Coroas de Portugal e de Espanha assinado em Badajoz pelos Plenipotenciaacuterios do Priacutencipe Regente e de Sua Majestade Catoacutelica em 6 de Junho de 1801 e ratificado por ambos os soberanos

Dom Joatildeo por Graccedila de Deus Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves daqueacutem e daleacutem Mar em Aacutefrica de Guineacute e da Conquista Navegaccedilatildeo e Comeacutercio da Etioacutepia Araacutebia Peacutersia e da Iacutendia etc Faccedilo saber a todos os que a presente Carta de Confirmaccedilatildeo Aprovaccedilatildeo e Ratificaccedilatildeo virem que em seis de Junho do presente ano se concluiu e assinou em Badajoz um Tratado de Paz e de Amizade entre Mim e o Mui Alto e Poderoso Priacutencipe Dom Carlos IV Rei Catoacutelico de Espanha Meu Bom Irmatildeo Tio e Sogro sendo Plenipotenciaacuterios para este efeito da Minha parte Luiacutes Pinto de Sousa Coutinho do Meu Conselho de Estado Gratilde-Cruz da Ordem de Avis Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Comendador Alcaide-Mor da Vila do Cano Senhor de Ferreiros e Tendais Ministro e Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios do Reino e Tenente-General dos Meus Exeacutercitos e por parte de El-Rei Catoacutelico Dom Manuel de Godoi Alvares de Faria Rios Sanches e Zarzosa Priacutencipe da Paz Duque de Alcudia Senhor de Souto de Roma e do estado de Albalaacute e Conde de Eacutevora Monte Grande de Espanha da Primeira Classe Regedor Perpeacutetuo da Vila de Madrid e das Cidades de Santiago Caacutedis Maacutelaga e Ecija e vinte e quatro da de Sevilha Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Gratilde-Cruz da Real e Distinguida Espanhola de Carlos III Comendador de Valenccedila de Ventoso Ribeira e Acenchal na de Santiago Cavaleiro e Gratilde-Cruz da Real Ordem de Cristo e da Religiatildeo de Satildeo Joatildeo Conselheiro de Estado Gentil-Homem da Cacircmara com exerciacutecio de Generaliacutessimo e Capitatildeo-General dos seus Exeacutercitos e Coronel-General das Tropas Suiacuteccedilas do qual Tratado o teor eacute o seguinte

Alcanccedilado o fim que Sua Majestade Catoacutelica se propocircs e considerava necessaacuterio para o Bem Geral da Europa quando declarou a Guerra a Portugal e combinadas mutuamente as Potecircncias Beligerantes com Sua dita Majestade Determinaram estabelecer e renovar os Viacutenculos de Amizade e de Boa Correspondecircncia por meio de um Tratado de Paz e havendo-se concordado entre si os Plenipotenciaacuterios das Trecircs Potecircncias Beligerantes convieram em formar dois Tratados sem que na parte essencial seja mais do que um pois que a Garantia eacute reciacuteproca e natildeo haveraacute validade em alguns dos dois quando venha a verificar-se a infracccedilatildeo em qualquer dos Artigos que neles se expressam Para efeito pois de conseguir tatildeo importante objecto Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves e Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha deram e concederam os seus Plenos poderes para entrar em Negociaccedilatildeo convecircm a saber Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves ao Excelentiacutessimo Senhor Luiacutes Pinto de Sousa Coutinho do seu Conselho de Estado Gratilde-Cruz da Ordem de Avis Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Comendador Alcaide-Mor da Vila do Cano Senhor de Ferreiros e Tendais Ministro e Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios do Reino e Tenente-General dos Seus Exeacutercitos E Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha ao Excelentiacutessimo Senhor Dom Manuel de Godoi Alvares de Faria Rios Sanches e Zarzosa Priacutencipe da Paz Duque de Alcudia Senhor de Souto de Roma e do estado de Albalaacute e Conde de Eacutevora Monte Grande de Espanha da Primeira Classe Regedor Perpeacutetuo da Vila de Madrid e das Cidades de Santiago Caacutedis

Maacutelaga e Ecija e vinte e quatro da de Sevilha Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Gratilde-Cruz da Real e Distinguida Espanhola de Carlos III Comendador de Valenccedila de Ventoso Ribeira e Acenchal na de Santiago Cavaleiro e Gratilde-Cruz da Real Ordem de Cristo e da Religiatildeo de Satildeo Joatildeo Conselheiro de Estado Gentil-Homem da Cacircmara com exerciacutecio de Generaliacutessimo e Capitatildeo-General dos seus Exeacutercitos e Coronel-General das Tropas Suiacuteccedilas etc Os quais depois de haver-se comunicado os seus Plenos poderes e de havecirc-los julgado expedidos em boa e devida forma concluiacuteram e firmaram os Artigos seguintes regulados pelas Ordens e Instruccedilotildees dos seus Soberanos

Artigo I

Haveraacute Paz Amizade e Boa Correspondecircncia entre Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves e Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha assim por mar como por terra em toda a extensatildeo dos Seus Reinos e Domiacutenios e todas as presas que se fizerem no mar depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado seratildeo restituiacutedas de boa feacute com todas as mercadorias e efeitos ou o seu valor respectivo

Artigo II

Sua Alteza Real fecharaacute os Portos de todos os Seus Domiacutenios aos Navios em geral da Gratilde-Bretanha

Artigo III

Sua Majestade Catoacutelica restituiraacute a Sua Alteza Real as Praccedilas e Povoaccedilotildees de Jeromenha Arronches Portalegre Castelo de Vide Barbacena Campo Maior e Ouguela com todos os seus Territoacuterios ateacute agora conquistados pelas suas Armas ou que se possam vir a conquistar e toda a Artilharia Espingardas e quaisquer outras municcedilotildees de Guerra que se achassem nas sobreditas Praccedilas Cidades Vilas e Lugares seratildeo igualmente restituiacutedas segundo o estado em que estavam no tempo em que foram rendidas e Sua dita Majestade conservaraacute em qualidade de Conquista para unir perpetuamente aos seus Domiacutenios e Vassalos a Praccedila de Olivenccedila seu Territoacuterio e Povos desde o Guadiana de sorte que este Rio seja o limite dos respectivos Reinos naquela parte que unicamente toca ao sobredito Territoacuterio de Olivenccedila

Artigo IV

Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves natildeo consentiraacute que haja nas Fronteiras dos seus Reinos depoacutesitos de efeitos proibidos e de Contrabando que possam prejudicar ao Comeacutercio e interesses da Coroa de Espanha mais do que aqueles que pertencem exclusivamente aacutes Rendas Reais da Coroa Portuguesa e que forem necessaacuterios para o consumo do Territoacuterio respectivo onde se acharem depositados e se neste ou outro Artigo houver infracccedilatildeo se daraacute por nulo o Tratado que agora se estabelece entre as Trecircs Potecircncias compreendida a muacutetua Garantia segundo se expressa nos Artigos do presente

Artigo V

Sua Alteza Real satisfaraacute sem dilaccedilatildeo e reintegraraacute aos Vassalos de Sua Majestade Catoacutelica todos os danos e prejuiacutezos que justamente reclamarem e que tenham sido causados pelas Embarcaccedilotildees da Gratilde-Bretanha ou dos Suacutebditos da Coroa de Portugal durante a Guerra com aquela ou esta Potecircncia e do mesmo modo se daratildeo as justas satisfaccedilotildees por parte de Sua Majestade Catoacutelica a Sua Alteza Real sobre todas as prezas feitas ilegalmente pelos Espanhoacuteis antes da Guerra actual com infracccedilatildeo do Territoacuterio ou debaixo do tiro de Canhatildeo das Fortalezas dos Domiacutenios Portugueses

Artigo VI

Sem que passe o termo de trecircs meses depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado reintegraraacute Sua Alteza Real ao Eraacuterio de Sua Majestade Catoacutelica os gastos que as suas Tropas deixaram de satisfazer ao tempo de se retirarem da Guerra da Franccedila e que foram causados nela segundo as Contas apresentadas pelo Embaixador de Sua dita Majestade ou que se apresentarem agora de novo salvos poreacutem todos os erros que se possam encontrar nas sobreditas Contas

Artigo VII

Logo que se firmar o presente Tratado cessaratildeo reciprocamente as hostilidades no preciso espaccedilo de vinte horas sem que depois deste termo se possam exigir Contribuiccedilotildees dos Povos conquistados nem alguns outros encargos mais do que aqueles que se costumam conceder aacutes Tropas amigas em tempo de paz E tanto que o mesmo Tratado for ratificado as Tropas Espanholas evacuaratildeo o Territoacuterio Portuguecircs no preciso espaccedilo de seis dias principiando a pocircr-se em marcha vinte e quatro horas depois da notificaccedilatildeo que lhes for feita sem que cometam no seu tracircnsito violecircncia ou opressatildeo alguma aos Povos pagando tudo aquilo que necessitarem pelos preccedilos correntes do Paiacutes

Artigo VIII

Todos os prisioneiros que se houverem feito assim no mar como na terra seratildeo logo postos em liberdade e mutuamente restituiacutedos dentro do espaccedilo de quinze dias depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado pagando contudo as diacutevidas que houverem contraiacutedo durante o tempo da sua detenccedilatildeo

Os doentes e feridos continuaratildeo a ser tratados nos Hospitais respectivos e seratildeo igualmente restituiacutedos logo que se acharem em estado de poderem fazer a sua marcha

Artigo IX

Sua Majestade Catoacutelica se obriga a Garantir a Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal a inteira conservaccedilatildeo dos Seus Estados e Domiacutenios sem a menor excepccedilatildeo ou reserva

Artigo X

As duas Altas Potecircncias Contratantes se obrigam a renovar desde logo os Tratados de Alianccedila defensiva que existiam entre as duas Monarquias com aquelas claacuteusulas e modificaccedilotildees poreacutem que exigem os Viacutenculos que actualmente unem a Monarquia Espanhola agrave Repuacuteblica Francesa e no mesmo Tratado se regularatildeo os socorros que mutuamente deveratildeo prestar-se logo que a urgecircncia das circunstacircncias assim o requeira

Artigo XI

O Presente Tratado seraacute ratificado no preciso termo de dez dias depois de firmado ou antes se for possiacutevel Em feacute do que Noacutes outros os infra escritos Ministros Plenipotenciaacuterios firmamos com o nosso punho em Nome dos Nossos Augustos Amos e em virtude dos Plenos poderes com que para isso nos autorizaram o presente Tratado e o fizemos selar com o Selo das nossas Armas

Feito na Cidade de Badajoz em seis de Junho de mil oitocentos e um

Luiacutes Pinto de Sousa (LS) El Principe de la Paz (LS)

E Sendo-me presente o mesmo Tratado cujo teor fica acima inserido e bem visto considerado e examinado por Mim tudo o que nele se conteacutem o aprovo ratifico e confirmo assim no todo como em cada uma das suas claacuteusulas e estipulaccedilotildees e pela presente o Dou por firme e vaacutelido para sempre prometendo em feacute e palavra Real observaacute-lo e cumpri-lo inviolavelmente e fazecirc-lo cumprir e observar sem permitir que se pratique coisa alguma em contraacuterio por qualquer modo que possa ser E em testemunho e firmeza do sobredito Fiz passar a presente Carta por Mim assinada selada com o Selo grande das Minhas Armas e referendada pelo Meu Conselheiro Ministro e Secretaacuterio de Estado abaixo assinado

Dado no Palaacutecio de Queluz aos catorze de Junho do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e um

O Priacutencipe Com Guarda

Lugar do Selo

Visconde de Anadia

Lisboa Na Reacutegia Oficina Tipograacutefica ano de MDCCCI (1801)rdquo

6) Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos no Impeacuterio e na Repuacuteblica1 Pela arbitragem ou pelo acordo direto diplomatas brasileiros estabeleceram as nossas fronteiras com base em documentaccedilatildeo cartograacutefica na histoacuteria e no principio do uti possidetis ou direito de posse consagrado no Tratado de Madri O trabalho de delimitaccedilatildeo foi concluiacutedo no seacuteculo XIX pela diplomacia brasileira notadamente por Duarte da Ponte Ribeiro Paulino Joseacute Soares de Souza Joaquim Caetano da Silva e o Visconde do Rio Branco Nos primeiros anos do seacuteculo XX os graves problemas de limites ainda pendentes foram solucionados pela accedilatildeo direta do Baratildeo do Rio Branco Com uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros o Brasil tem limites terrestres com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul Uruguai Argentina Paraguai Boliacutevia Peru Colocircmbia Venezuela Guiana e Suriname e com o Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana numa extensatildeo da ordem de 16886 quilocircmetros Peru Ao se constituiacuterem como naccedilotildees soberanas e independentes o Brasil em 7 de setembro de 1822 e o Peru em 28 de julho de 1824 ambos os paiacuteses buscaram de imediato encontrar alternativas amigaacuteveis para o problema de limites entre si A soluccedilatildeo encontrada foi a de se lanccedilar matildeo do princiacutepio de Uti Possidetis expressatildeo latina que significa como possuis Assim eacute que no dia 23 de outubro de 1851 foi assinado em Lima por Duarte de Ponte Ribeiro encarregado de Negoacutecios do Brasil e Bartolomeacute Herrera Ministro Interino das Relaccedilotildees Exteriores do Peru o Tratado de Comeacutercio Navegaccedilatildeo e Limites Nesse tratado reconheceu-se como limite a povoaccedilatildeo de Tabatinga e daiacute para o norte uma linha reta a encontrar o rio Japuraacute defronte da foz do Apapoacuteris ( mais tarde este trecho da fronteira que era disputado por Peru Colocircmbia e Equador passou para o domiacutenio da Colocircmbia) e de Tabatinga para oeste e para o sul o rio Javari desde a sua confluecircncia com o Amazonas Os trabalhos de definiccedilatildeo da linha de limites entre o Brasil e o Peru voltaram a ser acertados a partir de setembro de 1909 quando da assinatura do Tratado de Demarcaccedilatildeo Comeacutercio e Navegaccedilatildeo na cidade do Rio de Janeiro Esse documento teve como plenipotenciaacuterios o Baratildeo do Rio Branco Ministro de Estado das Relaccedilotildees Exteriores do Brasil e o Dr Hernaacuten Velarde Ministro Plenipotenciaacuterio Peruano no Brasil O acordo estabeleceu a definiccedilatildeo da linha de limites desde a nascente do rio Javari ateacute o iniacutecio da divisoacuteria brasileiro-boliviana no rio Acre (visto ainda natildeo ter sido decidida a pendencia junto a reta Apapoacuteris-Tabatinba soacute acertada por decisatildeo arbitral da Rainha da Espanha em 1922 em favor da Colocircmbia) Colocircmbia

A tentativa de acerto das fronteiras do Brasil com a Colocircmbia remonta agrave eacutepoca do movimento emancipacionista e a fragmentaccedilatildeo dos Vice-Reinados Espanhoacuteis na Ameacuterica em 1821 quando se constituiu a Gratilde-Colocircmbia que compreendia a atual Venezuela a Colocircmbia o Equador e o Panamaacute Em 1829 a Venezuela separou-se exemplo seguido pelo Equador em 1830 As proviacutencias restantes constituiacuteram a Repuacuteblica de Nova Granada que em 1857 passou a denominar-se Confederaccedilatildeo Granadina esta em 1863 tomou o nome de Estados Unidos da Colocircmbia e 1 ENGEL Juvenal Milton Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores do Brasil Disponiacutevel em wwwinfolnccbr Acessado em 27 de julho de 2006

finalmente em 1886 de Repuacuteblica da Colocircmbia O Panamaacute teve sua independecircncia somente em 1903 Apoacutes tentativas de acerto de nossas fronteiras em 1826 1853 18681870 e 18801882 em 1906 o Brasil e a Colocircmbia assinaram um protocolo que estabeleceu a divisatildeo dos limites em dois trechos o primeiro ao norte da desembocadura do rio Apopoacuteris e o segundo dessa desembocadura para o sul O Tratado de Bogotaacute de 2141907 acertou os limites ao norte de Apopoacuteris ateacute a fronteira com a Guiana deixando-se o acerto da reta Apopoacuteris Tabatinga para mais tarde visto estar essa regiatildeo sendo disputada pela Colocircmbia Peru e Equador Uma vez reconhecida a Colocircmbia (em 1922) como uacutenico paiacutes confinante na regiatildeo entre os rios Apapoacuteris e Amazonas foi acertada a fronteira nessa grande reta pelo Tratado de Limites e Navegaccedilatildeo Fluvial de 15111928 que tambeacutem previu uma Comissatildeo Mista para proceder a demarcaccedilatildeo com colocaccedilatildeo de marcos tanto neste trecho da fronteira como no trecho definido no tratado anterior de 1907 Em 1930 eacute constituida a Comissatildeo Mista de Demarcaccedilatildeo dos Limites Brasil-Colocircmbia estabelendo-se as intruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo da fronteira Em seguida eacute iniciada a contruccedilatildeo dos primeiros marcos na regiatildeo do Apapoacuteris Em 1937 eacute completada a demarcaccedilatildeo de toda a fronteira com a aprovaccedilatildeo de 29 marcos Os trabalhos de caracterizaccedilatildeo foram retomados de 1952 ateacute 1963 e novamente em 1976 com a instalaccedilatildeo da atual Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasileiro-Colombiana

Venezuela A Venezuela inicialmente fazendo parte da Gratilde-Colocircmbia (juntamente com Equador e Panamaacute) iniciou seu movimento emancipacionista do Reino da Espanha em 1821 Em 1829 separou-se desta Confederaccedilatildeo Quando por ocasisiatildeo da assinatura do Tratado de Limites e Navegaccedilatildeo de 1859 com o Brasil havia ainda pendecircncia entre Venezuela e Colocircmbia sobre as terras a oeste do rio Negro (pendecircncia soacute resolvida em 1891) Somente em 1880 as Comissotildees Mistas iniciaram a demarcaccedilatildeo dessa fronteira desde a nascente do Memachi ateacute ao Cerro Cupi terminando os trabalhos em 1882 De 1882 a 1884 a Comissatildeo brasileira prosseguiu nos trabalhos de demarcaccedilatildeo ateacute ao Monte Roraima sem a assistecircncia da Comissatildeo Venezuelana Durante esses dois periacuteodos chefiou a Comissatildeo brasileira o Tenente Coronel de Engenheiros Francisco Xavier Lopes de Arauacutejo depois Baratildeo de Parima Pelo laudo arbitral da Rainha Regente de Espanha (1891) o territoacuterio compreendido entre a referida nascente do Memachi e o Rio Negro foi atribuiacutedo agrave Colocircmbia O Protocolo assinado em Caracas a 9 de Dezembro de 1905 aprovou e reconheceu a demarcaccedilatildeo feita em 1880 pela Comissatildeo Mista desde a Pedra do Cucuiacute (Rio Negro) ateacute ao Cerro Cupi Em consequecircncia do Protocolo assinado na mesma cidade a 29 de Fevereiro de 1912 foi nomeada uma outra Comissatildeo Mista que colocou alguns marcos no trecho da fronteira compreendido entre o Rio Negro e o Salto Uaacute no Canal Maturacaacute Chefiou a Comissatildeo brasileira o Coronel de Engenharia Manoel Luiz de Mello Nunes Esses trabalhos foram realizados nos anos de 1914 e 1915 Em virtude do Protocolo de 24 de Julho de 1928 uma outra Comissatildeo Mista levou a efeito os trabalhos de demarcaccedilatildeo na chamada linha geodeacutesica Cucuiacute-Uaacute procedendo em seguida agrave caracterizaccedilatildeo da fronteira a partir do Monte Roraima As suas atividades foram interrompidas em 1934 e reiniciadas em 1939 dando continuidade na difiacutecil demarcaccedilatildeo das serras Parima e Pacaraima Com a introduccedilatildeo dos trabalhos de aerofotogrametria e adoccedilatildeo de modernas

teacutecnicas para uma perfeita caracterizaccedilatildeo da linha dos limites completou-se a fase demarcatoacuteria de todo o trecho em 1973 Guiana

Os limites do Brasil com a Repuacuteblica Cooperativa da Guiana (antiga Guiana Inglesa) foram estabelecidos no principio deste seacuteculo O assunto remonta a meados do seacuteculo XIX quando o Governo Imperial do Brasil protestou contra a indevida penetraccedilatildeo inglesa na regiatildeo do Pirara - ao norte e oeste dos rios Cotingo e Tacutu fronteira oeste da Guiana junto a Venezuela (chamada tambeacutem linha Schomburgk) Em 1901 foi assinado em Londres o Tratado de Arbitramento no qual o Brasil e Inglaterra submetem o litigio ao arbitramento de Sua Majestade o Rei da Italia Nessa ocasiatildeo foi feita uma Declaraccedilatildeo Anexa onde se estabeleceu que a leste do territorio contestado seguiriacutea o limite pelo divortium aquarum entre a bacia do Amazonas (no Brasil) e as do Corentyne e do Essequibo (na Guiana) O Laudo proferido em Roma (em junho de 1904) determinou que a fronteira entre o Brasil e a Guiana Britanica seguisse por uma linha que partindo do Monte Yakontipu iria na direccedilatildeo leste pelo divisor das aacuteguas ateacute a nascente do rio Mau (ou Ireng) Depois de proferido o Laudo o reconhecimento sobre a fronteira constatou que o rio Cotingo natildeo nasce no monte Yakontipu poreacutem no monte Roraima mais a oeste como havia sido constatado pela Comissatildeo Brasileira de Limites com a Venezuela em 1884 (ficando entatildeo em aberto a parte da fronteira entre o monte Yakontipuacute e o monte Roraima - iniacutecio da fronteira do Brasil com a Venezuela) Esta situaccedilatildeo somente foi resolvida em 22 de abril de 1926 por ocasiatildeo da assinatura de uma Convenccedilatildeo Complementar e de um Tratado Geral de Limites Em 18 de Marccedilo de 1930 foi aprovado o Protocolo de Instruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo da fronteira Em outubro e novembro de 1932 foi tambeacutem acertado por troca de Notas Reversais um Acordo para a Delimitaccedilatildeo de Aacutereas Ribeirinhas na Fronteira entre o Brasi e a Guiana Britacircnica onde se estabeleceu com clareza criteacuterios para adjudicaccedilatildeo de ilhas e o acompanhamento das alteraccedilotildees do leito ou talvegue de rios fronteiriccedilos Em seguida foi dado iniacutecio a construccedilatildeo dos marcos - desde o ponto de Trijunccedilatildeo Brasil-Guiana-Venezuela na serra Pacaraima ao longo dos rios Mau (ou Ireng) e Tacutuacute assim como na Serra Acaraiacute ateacute o ponto de Trijunccedilatildeo Brasil-Guiana-Suriname Esses trabalhos terminaram em janeiro de 1939 quando foi assinada a Ata da Deacutecima Primeira e uacuteltima Conferecircncia da Comissatildeo Mista aprovando a descriccedilatildeo da fronteira com seus respectivos apecircndices mapas e coordenadas de marcos (inclusive do marco BBG-11A construido em 1934 e localizado no extremo setentrional do Brasil) Apoacutes o surgimento da Repuacuteblica Cooperativa da Guiana em 1966 somente em novembro de 1994 foi o assunto da fronteira comum abordado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Primeira Conferecircncia da nova Comissatildeo Mista Brasileiro-Guianense de Limites que acordou a realizaccedilatildeo de uma inspeccedilatildeo geral dos marcos Suriname

A Repuacuteblica do Suriname corresponde agrave antiga Colocircnia Neerlandesa de Surinam ou Guiana Holandesa Os holandeses foram os primeiros que se estabeleceram na regiatildeo das Guianas depois da exploraccedilatildeo dos espanhoacuteis que por aliacute passaram na eacutepoca dos descobrimentos Com o Brasil nunca houve questotildees de limites uma vez que os holandeses natildeo excederam a linha divisoacuteria da bacia amazocircnica onde

jamais penetraram e que jamais pretenderam ao contraacuterio do que sucedeu com as Guianas Inglesa e Francesa Com esses dois paiacuteses vizinhos os holandeses tiveram graves questotildees a Guiana Inglesa que absorvera todo seu territoacuterio em 1803 teve de devolvecirc-lo em 1914 os problemas com os franceses somente foram resolvidos por sentenccedila arbitral do Czar da Ruacutessia em 1891 Finalmente a 5 de maio de 1906 apoacutes resolvidos os problemas com os paiacuteses visinhos os holandeses puderam assinar com o Brasil o tratado que fixa os limites pelo divortium aquarum separando as aguas dos rios que desaguam no Oceano Atlacircntico das aacuteguas dos rios que satildeo afluentes ou subafluentes amazocircnicos Esse tratado foi ratificado em 1908 poreacutem somente em 27 de abril de 1931 foi firmado o Protocolo de Instruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo dessa fronteira A fronteira foi levantada e demarcada de 1935 a 1938 pela Comissatildeo Mista Brasileiro-Neerlandesa que plantou 60 marcos aleacutem de participar da aprovaccedilatildeo e implantaccedilatildeo dos dois marcos de trijunccedilatildeo Terminada a demarcaccedilatildeo (com a assinatuara da Quinta e Uacuteltima Confecircrencia da Comissatildeo Mista) foram aprovados os trabalhos por troca de Notas Reversais Ateacute o presente natildeo foi reativada a Comissatildeo Mista de Limites entre o Brasil e o Suriname

Guiana Francesa

A fronteira do Brasil com a Franccedila tem antecedentes histoacutericos ainda em meados do seacuteculo XVIII Com a assinatura do Tratado de Utrecht em 1713 e com sua interpretaccedilatildeo confirmada pela Sentenccedila Arbitral do Conselho Federal Suiacuteccedilo de 1ordm de dezembro de 1900 ficou definitivamente acertada a delimitaccedilatildeo entre o Brasil e o aquele Departamento Ultramarino Francecircs Solucionado juridicamente o litiacutegio somente em 1955 tiveram iniacutecio os trabalhos de natureza teacutecnico-geograacuteficos que terminaram em 1962 com a implantaccedilatildeo de 7 marcos ao longo da fronteira terrestre no divisor de aacuteguas que corre pela serra de Tumucumaque Nessa ocasiatildeo ficou tambeacutem acertado que o rio Keriniutu eacute o formador principal do rio Oiapoque razatildeo pela qual foi em sua nascente principal assentado o uacuteltimo dos 7 marcos da linha seca Descendo o limite pelo talvegue dos rios Keriniutu e Oiapoque ficou acertado o limite terrestre e fluvial entre o Brasil e a Guiana Francesa ateacute a foz deste uacuteltimo rio na baia de Oiapoque Faltava o acordo para a localizaccedilatildeo do talvegue ao longo desta baia e o seu prolongamento numa perpendicular agrave linha de fechamento para caracterizar a delimitaccedilatildeo mariacutetima entre os dois paises Como decorrecircncia das negociaccedilotildees que se realizaram em Paris em 1979 e em Brasiacutelia em 1981 foi possivel definir do talvegue ao longo da baia de Oiapoque assim como a linha de delimitaccedilatildeo mariacutetima acertada pelo Tratado de Paris de 30 de janeiro de 1981

Boliacutevia

O primeiro tratado de limites entre o Brasil e a Boliacutevia foi assinado em 1867 quando ainda natildeo se conhecia corretamente a situaccedilatildeo geograacutefica dos rios na Bacia Amazocircnica tanto que um de seus artigos estabelecia a linha limite saiacutendo do rio Madeira por um paralelo para oeste ateacute as nascentes do Javari - estabelecendo ainda que se essas nascentes estivessem ao norte do paralelo (o que de fato ocorreu) a linha deveriacutea seguir desde a mesma latitude ateacute aquela nascente (origem do hoje nosso Estado do Acre) Esta situaccedilatildeo somente foi resolvida anos mais tarde (1903) pela accedilatildeo do Baratildeo de Rio Branco Os principais documentos internacionais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Tratado de Amizade Navegaccedilatildeo Limites e Comeacutercio (2731867) - Tratado de Petroacutepolis

(17111903)- Tratado de Natal (25121928) - Notas Reversais (29041941) - Instruccedilotildees para as Comissotildees de Limites - Acordo de Roboreacute - Nota Reversal Nr1 CR (2931958) Os primeiros periacuteodos demarcatoacuterios ocorreram na deacutecada de 1870 sendo Comissaacuterios brasileiros em 187071 o Capitatildeo de Mar e Guerra Antocircnio Claacuteudio Soido e de 1875 a 1877 o Coronel Rufino Eneacuteas Gustavo Galvatildeo (Baratildeo de Maracaju) substituido pelo Coronel Francisco Xavier Lopes de Arauacutejo (Baratildeo de Parima) que completou os trabalhos de demarcaccedilatildeo (1878) na regiatildeo Tendo sido reconhecida a fronteira desde a Baia Negra ao sul ateacute a regiatildeo dos rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira ao norte No periacuteodo de 1907 a 1914 para efetuar a demarcaccedilatildeo na regiatildeo Amazocircnica foi designado o Almirante Joseacute Cacircndido Guillobel partir de 1941 os trabalhos tecircm sido realizados de forma sistemaacutetica pela Comissatildeo Mista Demarcadora de Limites Brasileiro-Boliviana A uacuteltima indefiniccedilatildeo relativa a essa fronteira foi levantada pela Nota Reversal nr 1 CR integrante do chamado Acordo de Roboreacute de 1958 (aprovado pelo Congresso Nacional somente 10 anos apoacutes em 1968) Os trabalhos referentes ao trecho da linha-limite descrita nesse instrumento foram concluidos em 1979 Na deacutecada de 1980 o trabalho limitou-se a inspeccedilotildees unilaterais de marcos na fronteira seca e ao longo do rio Paraguai tendo-se constatado a necessidade de reconstruir diversos deles e de melhorar a caracterizaccedilatildeo em alguns setores A partir de 1990 teve prosseguimento o trabalho sistemaacutetico da Comissatildeo Mista tendo sido executadas inspeccedilotildees aeacutereas (com helicoacuteptero) em toda a linha-limite desde a regiatildeo do Acre ateacute o Ponto Tripartite Brasil-Bolivia-Paraguai (ao sul) assim como foram reconstruiacutedos alguns marcos principais e colocados novos marcos secundaacuterios e de alinhamento com o fim de melhorar a caracterizaccedilatildeo da fronteira seca

Paraguai

O Tratado que define a fronteira Brasil-Paraguai desde a foz do rio Apa no atual Estado de Mato Grosso do Sul ateacute a foz do rio Iguaccedilu no Paranaacute foi assinado a 9 de janeiro de 1872 A fronteira no rio Paraguai no trecho compreendido entre a foz do rio Apa e o desaguadouro da Bahia Negra - ponto tripartite Brasil-Paraguai-Boliacutevia - ficou estabelecida pelo Tratado Complementar de 21 de maio de 1927 Os principais documentos bilaterais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Tratado de Limites (911872) - Tratado Complementar ao de 1872 (2151927) - Protocolo de Instruccedilotildees (951930) - Tratado de Itaipu (2641973) - Protocolo Adicional ao Tratado de 1927 (4121975) - Notas aprovando a adjudicaccedilatildeo das ilhas do rio Paraguai (1521978) - Notas Reversais (1291980) Estabelecendo aacuterea de 25 mts de cada lado da linha limite) Os trabalhos de demarcaccedilatildeo iniciaram-se no mesmo ano da assinatura do Tratado de Limites (1872) e foram concluiacutedos em 1874 sendo Comissaacuterio brasileiro o Baratildeo de Maracaju (Coronel Rufino Eneas Gustavo Galvatildeo) e o paraguaio D Domingo Antonio Ortiz Nesse periacuteodo foram construidos 6 marcos (principais) ao longo da fronteira (trecircs na regiatildeo do rio Apa e mais trecircs divisor de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju) Deixou de ser construiacutedo marco no final da linha seca regiatildeo do Salto Grande das Sete Quedas no rio Paranaacute por ser este um acidente de fronteira considerado imutaacutevel conforme afirmavam as instruccedilotildees aos demarcadores da eacutepoca Circunstacircncia superveniente (o fechamento da barragem de Itaipu) fez desaparecer exatamente esse acidente geograacutefico que ficou submerso sob as aacuteguas do atual lago Na deacutecada de 1930 tiveram iniacutecio os trabalhos de caracterizaccedilatildeo nos divisores de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju tendo sido estudadas as posiccedilotildees dos marcos sobre o

levantamento topograacutefico dos ditos divisores (ao longo de mais de 430 quilocircmetros) Esses trabalhos foram realizados ateacute cerca de 12 quilocircmetros do rio Paranaacute Ao longo da fronteira seca (dividida para facilidade de trabalho em 4 setores) foram construiacutedos ateacute 1963 852 marcos (secundaacuterios e especiais) todos intervisiacuteveis O limite ao longo do rio Paraguai foi definido pelo Tratado Complementar de 1927 - que por ter redaccedilatildeo dubitativa foi implementado pelo Protocolo Adicional de 1975 Apoacutes entendimento da Comissatildeo Mista as ilhas ao longo do trecho limiacutetrofe do rio Paraguai foram adjudicadas a um e outro paiacutes (Notas de 15 de fevereiro de 1978) tendo sido construiacutedos nas campanhas de 1978 e de 1980 24 marcos nessas ilhas trabalho ainda natildeo ultimado A assinatura do Tratado de Itaipu em 1973 abriu caminho para a construccedilatildeo da barragem e da Hidroeleacutetrica de Itaipu e a consequente criaccedilatildeo de um lago artificial com aacuterea aproximada de 1400 km quadrados pouco ao norte da regiatildeo de Foz do Iguaccedilu O artigo 7ordm desse Tratado estabelece que as instalaccedilotildees destinadas agrave produccedilatildeo de energia eleacutetrica e obras auxiliares natildeo produziratildeo variaccedilatildeo alguma nos limites entre os dois paiacuteses estabelecidos nos Tratados vigentes Estatildeo assim preservados os limites definidos pelo Tratado de 1872 Nos uacuteltimos 20 anos a Comissatildeo Mista tem realizado sistemaacuteticas inspeccedilotildees nos marcos anteriormente construiacutedos assim como na chamada faixa non-aedificandi (de 50 metros de largura sendo 25 metros em cada paiacutes) que acompanha toda a fronteira seca e executado os trabalhos de reparaccedilatildeo ou reconstruccedilatildeo de marcos que se fizeram necessaacuterios A partir de 1990 concomitantemente com os trabalhos de inspeccedilatildeo e de reparaccedilatildeorecontruccedilatildeo de marcos tem-se procedido agrave re-determinaccedilatildeo das coordenadas geograacuteficas dos mesmos com base em pontos determinados por rastreamento de sateacutelites geodeacutesicos No divisor de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju os 825 marcos secundaacuterios aiacute existentes estatildeo intervisiacuteveis correspondendo a um intervalo meacutedio de pouco mais de 500 metros entre marcos sucessivos

Argentina

A fronteira Brasil-Argentina foi a uacuteltima das fronteiras do sul a ser definida por tratado (1898) e demarcada (19011904) Um aspecto curioso a assinalar eacute o de que o proacuteprio Ministro das Relaccedilotildees Exteriores que assinou pelo Brasil o Tratado de Limites (1898) foi trecircs anos apoacutes o Comissaacuterio brasileiro a demarcar a mesma fronteira o General Dioniacutesio Evangelista de Castro Cerqueira Os principais documentos internacionais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Laudo Arbitral do Presidente Grover Cleveland (521895) - Tratado de Limites (6101898) - Artigos Declaratoacuterios (4101910) - Convenccedilatildeo Complementar (27121927) - Notas de 1151970 e 1761970 para a constituiccedilatildeo de uma Comissatildeo Mista de Inpeccedilatildeo de Fronteira - Notas de 23101995 e 3111996 para a ampliaccedilatildeo das atribuiccedilotildees da Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasil-Argentina No periacuteodo de demarcaccedilatildeo (19011904) atuaram como Comissaacuterios pelo Brasil como jaacute foi dito o General Dioniacutesio Cerqueira e pela Argentina Pedro Ezcurra Nessa etapa foram construiacutedos ao longo de toda a fronteira 10 marcos principais 3 secundaacuterios 45 terciaacuterios (simples pilastras no uacutenico e pequeno trecho de fronteira seca) e 35 marcos em ilhas fluviais Com a finalidade de complementar o trecho final da linha de limite junto a foz do rio Quarai no rio Uruguai foi assinada a Convenccedilatildeo Complementar de 1927 Em 1928 reuniu-se nova Comissatildeo Mista que apenas reconstruiu os marcos terciaacuterios na fronteira seca Em 1970 constituiu-se a atual Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasil-Argentina que procedeu agrave vistoria completa de todos os marcos

anteriormente erigidos reconstruiu os que se encontravam em precaacuterio estado de conservaccedilatildeo e apoacutes executar o levantamento cuidadoso do trecho de fronteira seca projetou a intercalaccedilatildeo entre os marcos construiacutedos em 1904 de novos marcos terciaacuterios todos intervisiacuteveis para a perfeita caracterizaccedilatildeo da linha limite nesse setor (extremo oeste do estado do Paranaacute) foram tambeacutem construiacutedos marcos no trecho inicial mal definido do rio Peperi-Guassu O programa de construccedilatildeo desses novos marcos foi completado na campanha de 1986 atingindo-se um total de 310 marcos com intervale meacutedio de 80 metros de marco a marco Finalmente por troca de notas de 23 de outubro de 1995 e 31 de janeiro de 1996 foi assinado novo acordo definindo a ampliaccedilatildeo das atribuiccedilotildees da Comissatildeo Mista Uruguai Dentre todas as fronteiras brasileiras a fronteira Brasil-Uruguai foi a pioneira em todos os sentidos a ter sua formaccedilatildeo juriacutedica perfeitamente definida por tratado internacional (1851) a ser demarcada (18521862) e a ter iniciada sua caracterizaccedilatildeo (a partir de 1920) Os principais documentos bilaterais que trataram da definiccedilatildeo dos limites entre o Brasil e o Uruguai foram sucessivamente os seguintes - Tratado de Limites (12101851) - Tratado da Lagoa Mirim (30101909) - Convenccedilatildeo do Arroio Satildeo Miguel (751913) - Estatuto Juriacutedico da Fronteira (20121933) e - Notas Reversais sobre a fixaccedilatildeo da desembocadura do Arroio Chui (2171972) O principal periacuteodo de demarcaccedilatildeo desenvolveu-se de 1852 a 1862 tendo atuado como Comissaacuterio brasileiro o Marechal Francisco Joseacute de Souza Soares DAndrea Baratildeo de Caccedilapava (que faleceu em serviccedilo em 1858) e o brigadeiro Pedro dAlcantara Bellegarde (18581862) e como Comissaacuterio uruguaio o coronel Joseacute Maria Reyes que se retirou para Montevideacuteu apoacutes estarem vencidas as etapas principais do trabalho de demarcaccedilatildeo Nessa ocasiatildeo foram erigidos 13 marcos principais e 49 marcos intermeacutedios (ou secundaacuterios) ao longo de toda fronteira desde a barra do arroio Chuiacute ateacute a foz do Quarai no rio Uruguai Outro periacuteodo de trabalho na deacutecada de 1910 tratou da demarcaccedilatildeo na lagoa Mirim e no arroio Satildeo Miguel para cumprimento do Tratado de 1909 (quando o Brasil cedeu o condomiacutenio das aacuteguas dessa lagoa ao Uruguai) e da Convenccedilatildeo de 1913 (quando o Uruguai tambeacutem cedeu o condomiacutenio das aacuteguas do arroio Satildeo Miguel) Os trabalhos de caracterizaccedilatildeo foram executados em duas etapas inicialmente pela Comissatildeo Mista de Limites da Fronteira Brasil- Uruguai sendo Comissaacuterio brasileiro o Marechal Gabriel de Souza Pereira Botafogo (19201929) e depois a partir de 1930 a cargo - pelo lado brasileiro - da atual Segunda Comissatildeo Brasileira Demarcadora de Limites Nessa fase foi intercalado mais de um milhar de marcos entre os erigidos no seacuteculo passado Apoacutes periacuteodo de intensa negociaccedilatildeo (no iniacutecio da deacutecada de 1970) que culminou com a soluccedilatildeo do assunto atinente agrave definitiva fixaccedilatildeo da barra do arroio Chuiacute e agrave orientaccedilatildeo da divisoacuteria lateral mariacutetima (que se origina naquele ponto no azimute de 128 graus) a Comissatildeo Mista de Limites e de Caracterizaccedilatildeo da Fronteira Brasil-Uruguai deu estreito acompanhamento agraves obras de engenharia resultantes do acordo anteriormente mencionado as quais foram inauguradas em dezembro de 1978 A partir de 1970 a Comissatildeo Mista passou a efetuar inspeccedilotildees sistemaacuteticas nos marcos existentes com vistas agrave reconstruccedilatildeo ou reparaccedilatildeo dos que viessem a necessitar desses serviccedilos Ao longo dos 262 quilocircmetros do divisor de aacuteguas (nas coxilhas de Santana e Haedo) os 1080 marcos construiacutedos proporcionam um intervalo meacutedio de 260 metros entre marcos sucessivos e intervisiacuteveis

7) Cataacutelogo de documentos manuscritos avulsos referentes ao Brasil-limites existentes no Aquivo Histoacuterico Ultramarino

ORGANIZACcedilAtildeO

DESIGNACcedilAtildeO

COacuteDIGO COTA

Entidade Detentora Arquivo Histoacuterico Ultramarino

AHU

Grupo de Arquivos

Administraccedilatildeo Central ACL

Fundo Conselho Ultramarino CU Seacuterie

Brasil-Limites 059

Caixa 1 - 4 Cx Documentos 1 a 289 D

Datas Extremas 1699 ndash 1843

COTA

AHU_ACL_CU_059 Cx D

Inventaacuterio unidade de instalaccedilatildeo

Caixa

Datas extremas Documentos Doc Cx

1- 1699 - 1755 1 - 93 93 2- 1756 - 1761 94 - 168 75 3- 1762 - 1784 169 - 232 64 4- 1785 - 1843 233 - 289 57

205 - [post 1777 outubro 1] OFIacuteCIO (minuta) mencionando o envio do plano das demarcaccedilotildees dos limites para ser visto pelo rei da Espanha [D Carlos III] e explicando que em razatildeo da extensatildeo do Brasil e das dificuldades que apresentariam terrenos tatildeo pouco conhecidos seriam 4 as divisotildees da demarcaccedilatildeo especificando quais aacutereas caberiam a cada uma delas AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 291 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 205 206 - [post 1777 outubro 1] OFIacuteCIO (minuta) mencionando o plano geral para a demarcaccedilatildeo da fronteira entre os domiacutenios portugueses e espanhoacuteis na Ameacuterica e a propoacutesito de introduzir o tratado preliminar de limites de 1777 o autor faz uma longa explanaccedilatildeo sobre a

conquista da Ameacuterica desde o seu descobrimento por Cristovatildeo Colombo passando pelos navegadores em geral espanhoacuteis que descobriram e colonizaram outras partes deste continente indo ateacute aos Tratados de Limites feitos no seacuteculo XVIII em 1750 e 1777 AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 141 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 206 209 - [post 1778 junho 6] PLANO para execuccedilatildeo da Demarcaccedilatildeo dos Limites entre os domiacutenios espanhoacuteis e portugueses na Ameacuterica Meridional estabelecidos pelo tratado firmado em 1 de outubro de 1777 e pelas Instruccedilotildees de 6 de junho de 1778 dividido em capiacutetulos correspondentes agraves 3 divisotildees e suas subdivisotildees Obs doc em espanhol AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 143 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 209 211 - 1779 janeiro 27 Salvaterra de Magos OFIacuteCIO (minuta) do [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar] Martinho de Melo e Castro ao [vice-rei do estado do Brasil] Luiacutes de Vasconcelos e Sousa enviando carta reacutegia da rainha D Maria I com o plano geral das demarcaccedilotildees dos domiacutenios portugueses e espanhoacuteis da Ameacuterica a formaccedilatildeo de quatro divisotildees a primeira para o Rio Grande de Satildeo Pedro a segunda para Satildeo Paulo a terceira para Mato Grosso e a quarta para o Gratildeo-Paraacute e fazendo algumas reflexotildees para o sucesso desta difiacutecil comissatildeo Anexo carta reacutegia ofiacutecio e carta (minutas) AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 144 146 e 149 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 211 212 - [post 1779 novembro 20] OFIacuteCIO (minuta) comentando a memoacuteria que o embaixador de Portugal na Espanha D Francisco Inocecircncio de Sousa Coutinho remetera agrave Corte portuguesa sobre a resposta do governo espanhol acerca das operaccedilotildees a serem desenvolvidas pelas comissotildees de Demarcaccedilatildeo dos Limites entre Portugal e Espanha na Ameacuterica Meridional mencionando por onde deveria passar a fronteira nas vaacuterias divisotildees desde o Rio Grande no sul ateacute o Rio Negro no norte Anexo carta (minuta) AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 148 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 212 269 - 1802 julho 10 Lisboa ESCRITO do [secretaacuterio de estado dos Negoacutecios Estrangeiros e Guerra] D Joatildeo de Almeida de Melo e Castro ao [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar]visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] sobre a nota que recebera do encarregado dos negoacutecios da Espanha sobre o procedimento do [ex-governador da capitania de Mato Grosso] Joaacuteo Pereira Caldas quanto agrave demarcaccedilatildeo naquela aacuterea e queixando-se da ausecircncia dos comissaacuterios portugueses para a conclusatildeo dos trabalhos Anexo 2 informaccedilotildees 2 ofiacutecios (minutas) AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 266 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 269

270- 1802 julho 19 Satildeo Joatildeo dos Bem Casados OFIacuteCIO (coacutepia) do [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar]visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] ao [secretaacuterio de estado dos Negoacutecios Estrangeiros e Guerra] D Joatildeo de Almeida de Melo e Castro sobre a queixa dos espanhoacuteis sobre a Demarcaccedilatildeo dos Limites referente agraves fronteiras de Mato Grosso e aludindo aos ofiacutecios do vice-rei do estado do Brasil Luiacutes de Vasconcelos e Sousa e seus sucessor conde de Resende D Joseacute de Castro bem como a outros documentos sobre as demarcaccedilatildeo no Rio Grande de Satildeo Pedro e na capitania de Satildeo Paulo reportando-se aos comissaacuterios das vaacuterias partidas daquelas demarcaccedilotildees AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 265 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 270 277 - 1803 outubro 26 Rio de Janeiro OFIacuteCIO (2ordf via) do [vice-rei do estado do Brasil] D Fernando Joseacute de Portugal e Castro ao [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar] visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] sobre as reclamaccedilotildees do governo espanhol acerca das povoaccedilotildees portuguesas em territoacuterios que pelo Tratado Preliminar de 1777 seriam de Espanha como o teritoacuterio junto ao rio Japuraacute salto do Cupatiacute rio Javariacute rio Paraguai forte do Priacutencipe da Beira e forte de Nova Coimbra Obs anexos 4 avisos carta 3 ofiacutecios lembrete 1 em espanhol AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 269 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 277

  • CAPA13
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
  • SUMAacuteRIO
  • 1 INTRODUCcedilAtildeO
  • 2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS
  • 3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA
  • 4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA
  • 5 OS CONFLITOS
  • 6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS
  • 7 CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE
  • 8 METODOLOGIA
  • 9 CONCLUSAtildeO
  • BIBLIOGRAFIA
  • ANEXOS13

TADEU VALDIR FREITAS DE REZENDE

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras

Tese apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Histoacuteria

Departamento de Histoacuteria Econocircmica Orientadora Profa Dra Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright

Satildeo Paulo 2006

Tadeu Valdir Freitas de Rezende

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras

Tese apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Histoacuteria Histoacuteria Econocircmica

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ____________________________________________________________

Instituiccedilatildeo ___________________ Assinatura _____________________________

Agrave minha saudosa matildee com gratidatildeo e carinho

AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas cujo apoio ou envolvimento no trabalho auxiliaram a sua

consecuccedilatildeo

Agrave minha orientadora Profa Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright pelo

acolhimento de meu projeto pela contribuiccedilatildeo criacutetica e pertinente para seu

aperfeiccediloamento e sobretudo por sua amizade e incentivo constante

Ao Prof Emanuel Soares da Veiga Garcia por seu exemplo como docente e pelo

estiacutemulo para que o trabalho se constituiacutesse em uma tese de doutoramento

Aos Professores Vera Luacutecia Amaral Ferlini Benedicto Heloiz Nascimento Heinz

Dieter Heidmann e Iacuteris Kantor docentes das disciplinas que cursei pelas

importantes contribuiccedilotildees durante a abordagem de suas especialidades

Agrave minha famiacutelia e aos meus amigos pelo carinho e apoio permanentes

RESUMO

REZENDE Tadeu V F de A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial a definiccedilatildeo das fronteiras 2006 Tese de Doutoramento em

Histoacuteria Econocircmica da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2006 A conquista e ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo colonial foram empreendimentos

conduzidos pelo Estado planejados e executados com prioridade poliacutetica pelo

governo metropolitano que resultaram na incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de

aproximadamente 60 de sua aacuterea total atual Coube a Portugal ainda durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica sob ordens do Rei de Espanha a expulsatildeo dos franceses

de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo e a fundaccedilatildeo em 1616 do Forte do Preseacutepio de Santa

Maria de Beleacutem A partir dessa posiccedilatildeo pescadores e comerciantes ingleses e

holandeses que iniciavam sua instalaccedilatildeo no baixo Amazonas foram expulsos pelas

forccedilas portuguesas que passaram entatildeo a controlar o acesso agrave maior bacia

hidrograacutefica do mundo Com a criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute em

1621 - entidade poliacutetica autocircnoma e independente do Estado do Brasil - a

administraccedilatildeo desses territoacuterios passou a ser diretamente subordinada ao governo

de Lisboa iniciando-se um processo irreversiacutevel de exploraccedilatildeo e penetraccedilatildeo

territorial pela vasta rede hidrograacutefica amazocircnica Uma expediccedilatildeo oficial realizada

entre 1637 e 1639 pretendeu estabelecer um limite entre os domiacutenios das duas

Coroas ibeacutericas foi chefiada por Pedro Teixeira que lavrou ata de posse para

Portugal das terras situadas a oeste da povoaccedilatildeo de Franciscana fundada pelos

portugueses em pleno territoacuterio do Equador atual Pouco tempo depois entre 1647 e

1651 o bandeirante Antonio Raposo Tavares realizou uma das maiores expediccedilotildees

geograacuteficas da histoacuteria uma viagem de Satildeo Paulo a Beleacutem percorrendo mais de

5000 km pelos sertotildees do continente americano Essa expediccedilatildeo revelou acessos

do sul do Brasil para a Amazocircnia e a importacircncia do Rio Madeira e sua ligaccedilatildeo com

os altiplanos andinos Por essa razatildeo estrateacutegica a Coroa portuguesa determinou a

ocupaccedilatildeo do vale do Rio Madeira pelos missionaacuterios religiosos agentes

imprescindiacuteveis de conversatildeo e conquista que em pouco menos de um seacuteculo

depois da construccedilatildeo de Beleacutem haviam irradiado a ocupaccedilatildeo por meio de dezenas

de missotildees fundadas nos mais diversos pontos do territoacuterio amazocircnico Lisboa

determinou tambeacutem o enfrentamento das incursotildees francesas no norte do

Amazonas a conquista dos Rios Negro e Branco a expulsatildeo dos jesuiacutetas a serviccedilo

de Espanha do Rio Solimotildees e a expediccedilatildeo ao Rio Madeira para conter a presenccedila

espanhola a oeste do Rio Guaporeacute Todas as accedilotildees fizeram parte da estrateacutegia para

garantir a posse da Amazocircnia e tinham por objetivo preservar as conquistas

territoriais empreendidas pelas expediccedilotildees oficiais pelos missionaacuterios entradistas e

bandeirantes Principalmente a partir do reinado de Dom Joatildeo V de 1706 a 1750

Portugal passou a priorizar a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais com o propoacutesito

de revisar os acordos anteriores de limites e abolir o Tratado de Tordesilhas firmado

em 1494 A aproximaccedilatildeo das Coroas ibeacutericas e a extraordinaacuteria atuaccedilatildeo de

Alexandre de Gusmatildeo nas negociaccedilotildees de fronteiras resultaram na assinatura em

1750 do Tratado de Madri legalizava-se pelo argumento de posse da terra - uti

possidetis - e pela busca das fronteiras naturais a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia e do

Centro-Oeste do Brasil Na Amazocircnia Lisboa decidira tomar para si o controle das

missotildees religiosas realizando um programa de profunda reorganizaccedilatildeo poliacutetica

econocircmica social administrativa judicial e religiosa Essa poliacutetica propunha-se

sobretudo a promover o povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua

posse Vilas foram fundadas missotildees erguidas agrave categoria de vilas e sobretudo

uma linha defensiva de fortificaccedilotildees portuguesas construiacutedas para guarnecer os

limites exteriores da regiatildeo Satildeo Joseacute de Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira

no Rio Negro Satildeo Francisco Xavier de Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim

no Rio Branco Santo Antocircnio do Iccedilaacute na desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees

Satildeo Joseacute de Macapaacute na foz do Rio Amazonas e Real Priacutencipe da Beira no Rio

Guaporeacute Essas fortificaccedilotildees permitiram a ocupaccedilatildeo definitiva do territoacuterio e

demonstram o propoacutesito de Lisboa em defender e consolidar o espaccedilo amazocircnico

conquistado Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de

Madri estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio que acabaria por prevalecer na

demarcaccedilatildeo definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees

pelos expedicionaacuterios missionaacuterios entradistas e bandeirantes a realizaccedilatildeo fiacutesica da

expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a inteligecircncia e a

prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo singular Com

base nesse acordo o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que triplicada e

logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas receacutem-

formadas processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte em que as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia A Amazocircnia a despeito de todas as dificuldades para sua

colonizaccedilatildeo permaneceu brasileira graccedilas ao esforccedilo e ao empenho poliacutetico

empreendidos por Portugal para manter essa vasta regiatildeo como parte de seu

impeacuterio colonial ultramarino

Palavras-chave Amazocircnia ocupaccedilatildeo territorial expediccedilotildees oficiais missionaacuterios

entradistas bandeirantes negociaccedilotildees de fronteiras

ABSTRACT

REZENDE Tadeu V F de The conquest and settling of the Brazilian Amazon

region during the colonization period the definition of the borders 2006 Doctorate

thesis in Economic History at the College of Philosophy Languages and Human

Sciences University of Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2006

The conquest and settling of the Amazon region during the colonization period were

state-conducted enterprises planned and executed with political priority by the

metropolitan government which resulted in the incorporation to the Brazilian territory

of approximately 60 of its total present area It was Portugals duty still under the

Iberic Union under the King of Spains orders the expulsion of the French from Satildeo

Luiacutes do Maranhatildeo and the foundation in 1616 of the Forte do Preseacutepio de Santa

Maria de Beleacutem (Fort of the Nativity of Saint Mary of Bethlehem) As from that

position both fishermen and English and Dutch tradesmen who were beginning to

settle in the lower Amazon River were expelled by the Portuguese forces who then

started to control access to the worlds largest hydrographic basin After the

foundation of the states of Maranhatildeo and Gratildeo-Paraacute in 1621 - autonomous and

independent political entity of the State of Brazil - the administration of these

territories became directly subordinate to Lisbons government thus triggering an

irreversible process of territorial penetration and exploitation throughout the vast

Amazon hydrographic network An official expedition carried out between 1637 and

1639 had the aim of establishing a limit between the domains of both Iberic Crowns

it was led by Pedro Teixeira who wrote the possession registration document for

Portugal of the land located west of the Franciscan settlement founded by the

Portuguese where the current Equatorian territory lies Shortly afterwards between

1647 and 1651 explorer Antonio Raposo Tavares led one of the greatest geographic

expeditions in history a voyage from Satildeo Paulo to Beleacutem crossing over 5000

kilometers through the American continents wilderness This expedition revealed

both accesses from southern Brazil to the Amazon and the importance of the

Madeira River and its connection with the Andean highland For this strategic reason

the Portuguese Crown demanded the settling of the Madeira River valley by religious

missionaries invaluable agents of conversion and conquest who less than a century

after the construction of Beleacutem had irradiated the settling by means of tens of

missions founded in several points of the Amazon territory Lisbon also demanded

fighting against the French incursions north of the Amazon River the conquest of

both the Negro and Branco Rivers the expulsion of the Jesuits in service for Spain

from the Solimotildees River and the expedition to the Madeira River to hold back the

Spanish presence west of the Guaporeacute River All actions were part of the strategy to

guarantee possession of the Amazon region and aimed at keeping the territorial

conquests performed by the official expeditions by the missionaries and by both

official and unofficial explorers As from the ruling of Dom Joatildeo V especially from

1706 to 1750 Portugal started to prioritize the definition of its colonial borders with

the aim of revising previous border agreements and cancel the Treaty of Tordesilla

signed in 1494 The union of the Iberic Crowns and Alexandre de Gusmatildeos

extraordinary performance in the border negotiations resulted in the signature of the

Treaty of Madrid in 1750 the settling of Brazils Amazon and the Midwest regions

were legitimated by the uti possidetis argument through land ownership and the

search of natural borders In the Amazon region Lisbon had decided to take control

over the religious settlements conducting a deep political economic social

administrative judicial and religious reorganization in order to foster the territorys

population guarantee its defense and ownership Villages were set up missions

were upgraded to the categories of villages and above all a string of Portuguese

fortifications was built to back the outer limits of the region Satildeo Joseacute de Marabitanas

and Satildeo Gabriel da Cachoeira at the Negro River Satildeo Francisco Xavier de

Tabatinga at the Solimotildees River Satildeo Joaquim at the Branco River Santo Antocircnio

do Iccedilaacute at the delta of the Iccedilaacute and Solimotildees Rivers Satildeo Joseacute de Macapaacute at the

Amazonas River estuary and Real Priacutencipe da Beira at the Guaporeacute River These

fortifications allowed the definitive settling of the territory and reveal Lisbons purpose

in both defending and consolidating the conquered Amazon area Although it had

been revoked shortly after it was signed the Treaty of Madrid established the

doctrinal principle which would end up prevailing in Brazils final border layout The

Portuguese colonial expansion in America occurred thanks to the incursions into the

wilderness by official and unofficial explorers and missionaries and the Treaty of

Madrid the intelligence and political priority for the maintenance of such singular

territorial conquest Based on this agreement independent Brazil would see its

overall area more than tripled and would soon have to formalize its borders with the

newly-formed south American nations a process that did not take place in the

remaining Hispanic America or even in North America where major border changes

occurred after independence The Amazon region despite all difficulties for its

colonization remained Brazilian thanks to the effort and political engagement

employed by Portugal to maintain all this vast region as part of its overseas colonial

empire

Keywords Amazon territorial settling official expeditions missionaries entradistas

bandeirantes border agreements

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES Mapa 1 Fotomontagem da Ameacuterica do Sul realizada por sateacutelite artificial da terra19 Fonte South America NASAJPLCalTechCAGNGS NOAA AVHRR Ikm (221) 1990-1994 Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 74 e 75 Mapa 2 Divisatildeo poliacutetica atual da Ameacuterica do Sul20 Fonte Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 3 Amazocircnia Legal Brasileira21 Fonte Mapa poliacutetico do Brasil IBGE 2004 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 4 Ocupaccedilatildeo territorial em 160035 Fonte WEHLING Arno Formaccedilatildeo do Brasil colonial 3ordf ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 p 95

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 5 Viagem de Francisco de Orellana realizada entre dezembro de 1541 a junho de 154239

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 6 Penetraccedilatildeo do Rio Xingu e Tapajoacutes por ingleses e holandeses por volta de 162047 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77

Mapa 7 Posiccedilatildeo do Forte do Gurupaacute e do Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem em 162358 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 8 Estado do Maranhatildeo criado em 1621 compreendia o litoral desde o Cabo de Satildeo Roque no atual Estado do Rio Grande do Norte ao Rio Oiapoque no atual Estado do Amapaacute60 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 9 Expediccedilatildeo de Pedro Teixeira realizada entre 28 de outubro de 1637 e 12 de dezembro de 163974 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 10 Principais Bandeiras de Preaccedilatildeo 77 Fonte CAMPOS Francisco Antonio Luciano de 1999 Em wwwgeocitiescom bandeiras99pagina1html acesso em 20 de marccedilo de 2006 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Manuel Preto e Antonio Raposo Tavares - 1628 a 1633 Ascenso Ribeiro e Andreacute Fernandes - 1632 a 1633 Antonio Raposo Tavares Andreacute Fernandes e Fernatildeo Dias Pais - 1635 a 1637 Fernatildeo Dias Pais - 1638 Antonio Raposo Tavares - 1648 a 1651 Bartolomeu Bueno de Siqueira - 1670 Luis Castanho de Almeida - 1671 Domingos Jorge Velho - 1671 a 1674 Manuel de Campos Bicudo - 1673 Manuel Aacutelvares de Moraes Navarro - 1689 Matias Cardoso de Almeida - 1689 a 1698 Mapa 11 Principais Bandeiras de Prospecccedilatildeo 78 Fonte CAMPOS Francisco Antonio Luciano de 1999 e 2000 Em wwwgeocities combandeiras99pagina1html acesso em 20 de marccedilo de 2006

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Simatildeo Aacutelvares o velho - 1610 Lourenccedilo Castanho Tanque - 1658 Fernatildeo Dias Pais - 1674 Antonio Rodrigues Arzatildeo - 1693 Bartolomeu Bueno de Siqueira - 1694 Antonio Pires de Campos - 1716 Pascoal Moreira Cabral - 1718 Bartolomeu Bueno da Silva - 1722 Mapa 12 Ilha Brasil na carta de Joatildeo Teixeira Albernaacutes de 164085 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p119 Em vaacuterios mapas antigos portugueses o territoacuterio brasileiro eacute apresentado como uma ilha com fronteiras fluviais a oeste Jaime Cortesatildeo atribui agrave Coroa uma poliacutetica premeditada de ocupaccedilatildeo da ilha Brasil Mapa 13 Expediccedilatildeo de Raposo Tavares realizada entre finais de 1647 a fevereiro de 165197 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 14 Principais Missotildees religiosas da Amazocircnia construiacutedas ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII114 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 15 Ocupaccedilatildeo territorial em 1700128 Fonte WEHLING Arno Formaccedilatildeo do Brasil colonial 3ordf ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 p 145 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 16 Principais fortificaccedilotildees construiacutedas na Amazocircnia ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII129

Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 17 As disputas territoriais do Cabo Norte141 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p 275 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 18 Regiatildeo de atuaccedilatildeo do padre Samuel Fritz ao longo do Rio Solimotildees152 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 19 Penetraccedilatildeo portuguesa pelos vales dos Rios Negro e Branco160 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 20 Expediccedilatildeo de Francisco Palheta realizada entre 11 de novembro de 1722 a 13 de setembro de 1723166 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society p 76 e 77 1998 Mapa 21 Rota das monccedilotildees176 Fonte GOacuteES FILHO Synezio Sampaio Navegantes Bandeirantes Diplomatas Satildeo Paulo Editora Martins Fontes 2001 p 149 Os comboios levavam 5 meses para ir de Porto Feliz a Cuiabaacute Daiacute atravessando a peacute o mato-grosso do Rio Jauru chegava-se a Vila Bela no Rio Guaporeacute donde desde 1752 outras monccedilotildees as do Norte ligavam esta povoaccedilatildeo a Beleacutem Mapa 22 Mapa das Cortes de 1748212 Fonte Divisatildeo de informaccedilatildeo documental da Fundaccedilatildeo Biblioteca Nacional ldquoRoberto Simonsen assim se expressa sobre o Mapa das Cortes ldquoA carta do Brasil estaacute visivelmente deformada apresentando Cuiabaacute sob o mesmo meridiano da foz do Amazonas proacuteximo ao qual passaria a linha de Tordesilhas (um erro de nove

graus) Essa construccedilatildeo mostrando ser menor a aacuterea ocupada talvez tenha sido feita visando facilitar a aceitaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do princiacutepio do uti possidetis que integrou na Ameacuterica portuguesa tatildeo grande extensatildeo de terras ao oeste meridiano de Tordesilhasrdquo (27) Cortesatildeo eacute franco ldquoO Mapa das Cortes foi propositadamente viciado nas suas longitudes para fins diplomaacuteticosrdquo (28) Defende entretanto tal procedimento ldquoAlexandre de Gusmatildeo representava entatildeo uma poliacutetica de segredo que o Estado portuguecircs vinha praticando sobre seus descobrimentos geograacuteficos desde o seacuteculo de quatrocentos D Joatildeo V no fio de uma tradiccedilatildeo secular conservava secreta a cartografia dos Padres Matemaacuteticos O Mapa das Cortes natildeo passava da consequumlecircncia necessaacuteria duma velha poliacutetica praticada e oficializada ainda no seu tempordquo (29) Deixando de lado possiacuteveis consideraccedilotildees eacuteticas o que se pode dizer eacute que os espanhoacuteis tambeacutem adaptavam mapas a seus interesses poliacuteticos como o revelou por exemplo estudo publicado em nuacutemero recente de Imago Mundi sobre o mapa da Ameacuterica do Sul de Cruz Cantildeo y Olmedilla base do futuro Tratado de Santo Ildefonsordquo (GOacuteES FILHO 2001 p186 e 187) 27 Apud CORTESAtildeO Jaime Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madri Rio de Janeiro Instituto Rio Branco sd tomo I p 329 28 Id ibid p 332 29 Id ibid p 333 Mapa 23 Traccedilado de limites entre as possessotildees portuguesas e espanholas na Ameacuterica segundo o Tratado de Madri de 13 de janeiro de 1750218 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 24 Principais vilas fundadas por Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado no periacuteodo em que governou o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo entre 1751 e 1759 255 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 25 Principais fortificaccedilotildees construiacutedas para o controle dos limites exteriores da Amazocircnia na segunda metade do seacuteculo XVIII270 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77 Mapa 26 Representaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro segundo o Tratado de Tordesilhas de 1494 o Tratado de Santo Ildefonso de 1777 e os tratados de fronteira do Brasil com os paiacuteses hispano-americanos que resultaram na sua delimitaccedilatildeo atual298 Base Satellite Atlas of the World National Geographic Society 1998 p 76 e 77

SUMAacuteRIO

1INTRODUCcedilAtildeO

18

2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS21 As primeiras incursotildees ao Rio Amazonas Vicente Pinzoacuten22 As dificuldades para a ocupaccedilatildeo portuguesa 23 A Viagem de Francisco de Orellana 24 A lenda do El Dorado 25 Holandeses e ingleses pescadores e comerciantes

313133344043

3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA31 A expulsatildeo dos franceses e a ocupaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes 32 A fundaccedilatildeo de Beleacutem 33 A expulsatildeo dos holandeses e ingleses do baixo Amazonas

48485255

4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA41 A separaccedilatildeo do Brasil a criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo 42 O periacuteodo inicial 43 As implicaccedilotildees da Uniatildeo Ibeacuterica 44 A expediccedilatildeo de Pedro Teixeira45 O bandeirismo46 O mito da Ilha-Brasil47 A expediccedilatildeo de Raposo Tavares48 A accedilatildeo missionaacuteria49 O entradismo e o alargamento do territoacuterio

5959636671768390

102115

5 OS CONFLITOS51 As incursotildees francesas ao norte do Amazonas52 A missatildeo jesuiacuteta de Samuel Fritz e a disputa pela ocupaccedilatildeo do Rio

Solimotildees 53 A conquista do Rio Negro e Rio Branco54 A expediccedilatildeo ao Rio Madeira e a limitaccedilatildeo da presenccedila espanhola a

oeste do Rio Guaporeacute

131131

144155

162

6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS61 As monccedilotildees 62 A estrateacutegia portuguesa63 O Tratado de Madrid64 As transformaccedilotildees poliacuteticas65 As accedilotildees de Mendonccedila Furtado 66 A fortificaccedilatildeo do territoacuterio 67 As monccedilotildees do norte

173173187213226233257269

7 A CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE

274

8 METODOLOGIA

301

9 CONCLUSAtildeO

303

BIBLIOGRAFIA

327

ANEXOS

337

18

1 INTRODUCcedilAtildeO

ldquoJamais houve naccedilatildeo que em proporccedilatildeo dos seus meios tanto fizesse como a portuguesa Pequeno como eacute Portugal um dos mais diminutos reinos da Europa e longe de ser bem povoado apoderou-se por bom direito de ocupaccedilatildeo da parte bela do mundo novo e suceda o que suceder sempre o Brasil haacute de ser heranccedila de um povo lusitanordquo (SOUTHEY 1981 p 381)

A Amazocircnia propriamente dita estende-se por oito paiacuteses da Ameacuterica do Sul

abrange parte do Brasil Boliacutevia Peru Equador Colocircmbia Venezuela Repuacuteblica da

Guiana Suriname e Guiana Francesa compreende uma vasta regiatildeo ocupada por

florestas tropicais uacutemidas densas e natildeo densas das quais aproximadamente 60

encontram-se no Brasil reconhecida como a maior floresta tropical existente o

equivalente a 13 das reservas de florestas tropicais uacutemidas e o maior banco

geneacutetico do planeta conteacutem 15 da disponibilidade mundial de aacutegua doce e um

patrimocircnio mineral natildeo completamente mensurado Trata-se na realidade de um

megabioma1 composto de diversos ecossistemas dominados pela maior bacia

hidrograacutefica do mundo com aproximadamente 80 mil quilocircmetros navegaacuteveis2

(Mapa 1 e Mapa 2)

O conceito essencialmente poliacutetico de Amazocircnia Legal Brasileira foi instituiacutedo em

1953 por meio de dispositivo de lei para fins de planejamento econocircmico da regiatildeo

amazocircnica que compreende os Estados do Acre Amazonas Amapaacute Mato Grosso

Paraacute Rondocircnia Roraima Tocantins e grande parte do Maranhatildeo a oeste do

meridiano de 44ordm abrangendo natildeo soacute as florestas tropicais uacutemidas como tambeacutem

uma longa faixa de vegetaccedilatildeo de transiccedilatildeo cerrados no sul da regiatildeo e os campos

ao norte em Roraima Paraacute e Amapaacute3 (Mapa 3)

1 Bioma em ecologia eacute uma comunidade bioloacutegica - fauna e flora - estaacutevel e desenvolvida adaptada a um ambiente fiacutesico - solo aacutegua e ar- e suas interaccedilotildees entre si Um bioma pode ter uma ou mais vegetaccedilotildees predominantes eacute influenciado pelo macro clima tipo de solo condiccedilatildeo do substrato e outros fatores fiacutesicos divididos em terrestres ou continentais e aquaacuteticos Geralmente se daacute um nome local a um bioma em uma aacuterea especiacutefica por exemplo um bioma de vegetaccedilatildeo rasteira eacute chamado estepe na Aacutesia central savana no sul da Aacutefrica pampa na Ameacuterica do Sul campina na Ameacuterica do Norte cerrado no Brasil 2 Informaccedilotildees do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis Disponiacutevel em httpwwwibamagovbr acesso em 7 de junho de 2005 3 Informaccedilotildees da Agecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia httpwwwadagovbramazonialegislacaoasp acesso em 7 de junho de 2005

22

A aacuterea da Amazocircnia Legal perfaz uma superfiacutecie aproximada de 52 milhotildees de km2

o que corresponde a cerca de 61 do territoacuterio brasileiro Pertencem agrave Amazocircnia

Legal mais de 23 das fronteiras geograacuteficas do Paiacutes

A bacia hidrograacutefica amazocircnica envolve todo o conjunto de recursos hiacutedricos que

convergem para o Rio Amazonas o segundo mais extenso rio do mundo com 6751

km e o mais caudaloso de todos com um volume de aacutegua doce aproximadamente

56 vezes maior que o do Rio Nilo Nasce no lago Lauri ou Lauricocha (em quiacutechua

cocha lago) nos Andes do Peru a pouco mais de 10deg de Latitude Sul e por sua

origem lacustre apresenta inclinaccedilatildeo muito pequena menos de 100 metros em todo

seu trajeto no Brasil desce de 65m de altitude em Benjamin Constant no Estado

do Amazonas e apoacutes um percurso de mais de 3000 km alcanccedila o oceano

Atlacircntico Nos paiacuteses andinos recebe o nome de Rio Marantildeoacuten ao entrar no Brasil

recebe o nome de Rio Solimotildees e ao receber as aacuteguas do Rio Negro eacute

denominado propriamente de Rio Amazonas A largura meacutedia do Rio Amazonas eacute

de aproximadamente 5 km em alguns lugares de uma margem eacute impossiacutevel ver a

margem oposta por causa da curvatura da superfiacutecie terrestre No ponto onde o rio

mais se contrai ndash o chamado estreito de Oacutebidos ndash a largura diminui para 15 km e a

profundidade chega a 100 metros Agrave cerca de 1000 km da foz jaacute se fazem sentir os

primeiros efeitos das mareacutes e estima-se que o Amazonas lance ao oceano uma

descarga equivalente a 11 de toda a massa de aacuteguas continentais O Rio

Amazonas recebe grande nuacutemero de afluentes da margem direita os mais

importantes satildeo Huallaga Ucayali (no Peru) Javari Juruaacute Purus Madeira Tapajoacutes

e Xingu (no Brasil) pela margem esquerda Pastaza Napo (no Peru) Iccedilaacute Japuraacute

Negro Trombetas Paru e Jari (no Brasil) Em sua foz o Amazonas se divide em

dois braccedilos o braccedilo norte eacute o mais largo e corresponde ao verdadeiro estuaacuterio o

braccedilo sul eacute conhecido pelos nomes de Rio Paraacute e Baiacutea de Marajoacute Na realidade

esta eacute uma saiacuteda falsa agrave qual o Rio Amazonas se liga atraveacutes de uma seacuterie de

canais naturais A portentosa hidrografia amazocircnica apresenta fenocircmenos muito

curiosos No baixo curso o mais famoso eacute a chamada pororoca encontro violento

das aacuteguas do rio com as do mar sobretudo no mecircs do outubro quando as aacuteguas

estatildeo baixas e por ocasiatildeo das mareacutes altas de siziacutegia O fenocircmeno eacute

particularmente sensiacutevel nos lugares pouco profundos onde a sucessatildeo de ondas

fortiacutessimas pode causar danos e naufraacutegios No Guamaacute e outros rios de planiacutecie que

23

desembocam no estuaacuterio amazocircnico verificam-se duas enchentes por dia as mareacutes

de aacutegua doce provocadas pela variaccedilatildeo diurna do niacutevel do mar Outro fenocircmeno

que se observa no Amazonas e grandes afluentes em todo o seu percurso de

planiacutecie eacute o das terras caiacutedas resultante do solapamento das margens As aacuteguas

argilosas do Rio Amazonas tingem o oceano Atlacircntico ateacute uma distacircncia superior a

200 km da costa e diminuem sensivelmente sua salinidade4

Eacute importante ressaltar que quase todos os tributaacuterios do Rio Amazonas satildeo

navegaacuteveis ateacute grandes distacircncias do rio principal e a regiatildeo permite a utilizaccedilatildeo de

uma extensa rede de comunicaccedilatildeo fluvial que natildeo tem similar em nenhuma outra

parte do mundo De junho a dezembro os ventos e as correntes costumam opor-se

uns aos outros permitindo a navegaccedilatildeo rio acima utilizando-se os ventos ou rio

abaixo valendo-se das correntezas Esse fenocircmeno foi particularmente importante

no tempo da navegaccedilatildeo agrave vela (BOXER 2004)

A ocupaccedilatildeo europeacuteia desse imenso territoacuterio teve iniacutecio no final do seacuteculo XVI

quando foram iniciadas as primeiras tentativas de exploraccedilatildeo da regiatildeo e ocorreu

quase um seacuteculo apoacutes a descoberta da Ameacuterica em 1492

Essa ocupaccedilatildeo pode ser compreendida como parte e consequumlecircncia do processo de

expansatildeo europeu em direccedilatildeo ao Mar Oceano como era conhecido o Atlacircntico

iniciado no seacuteculo XV quando a Europa ainda sofria graves perturbaccedilotildees

econocircmicas e sociais causadas pelas devastaccedilotildees da Peste Negra e contava com

pequena oferta de matildeo-de-obra As rendas da aristocracia haviam decaiacutedo e os

monarcas e nobres competiam por poder e recursos ldquoEra tambeacutem uma sociedade

que se sentia ameaccedilada em suas fronteiras orientais pela presenccedila hostil do Islatilde e

pelo avanccedilo dos turcos otomanosrdquo (ELLIOTT 1997 p 139) Intranquumlila e ao mesmo

tempo moacutevel essa sociedade estava desejosa por conhecer o mundo aleacutem de seus

horizontes imediatos e por adquirir objetos de luxo e iguarias exoacuteticas do Oriente

Fruto de sua posiccedilatildeo geograacutefica proximidade com a Aacutefrica e apoiada sobre uma

longa costa atlacircntica a Peniacutensula Ibeacuterica teria papel decisivo nesse movimento de

4 Disponiacutevel em wwwtransportegovbrbithidrodetrioamazonashtm Acesso em 9 de marccedilo de 2006

24

expansatildeo A Reconquista pelos cristatildeos natildeo foi concluiacuteda ao atingir os limites da

proacutepria Peniacutensula Ibeacuterica Agrave medida que foram alcanccedilados os limites da expansatildeo

interna as forccedilas dinacircmicas da sociedade ibeacuterica medieval comeccedilaram a buscar

novas fronteiras no aleacutem-mar Desenvolveu-se entatildeo uma tradiccedilatildeo mariacutetima proacutepria

com a incorporaccedilatildeo de experiecircncias e novas teacutecnicas de navegaccedilatildeo que viriam a

permitir as viagens transoceacircnicas A Peniacutensula Ibeacuterica assume deste modo a

lideranccedila de um movimento de expansatildeo para Oeste numa eacutepoca em que a Europa

estava sendo bloqueada em suas fronteiras orientais particularmente pela

expansatildeo do Islatilde (ELLIOT 1997)

A ligaccedilatildeo da Europa com a Aacutesia no final da Idade Meacutedia dava-se atraveacutes de fraacutegeis

rotas terrestres e ldquo[] somente quando os portugueses se lanccedilaram ao Atlacircntico no

iniacutecio do seacuteculo XV eacute que se fechou a uacuteltima grande lacuna oceacircnica na

intercomunicaccedilatildeo mundialrdquo (JOHNSON 1997 p 241)

Os portugueses aprenderam a navegar o mar-oceano tinham desenvolvido a

caravela que era capaz de enfrentar melhor que outras embarcaccedilotildees os ventos

desfavoraacuteveis e haviam adaptado agraves condiccedilotildees do mar os instrumentos necessaacuterios

para as viagens de longa distacircncia como a buacutessola que indica as direccedilotildees a serem

seguidas e o astrolaacutebio que eacute fundamental para a localizaccedilatildeo pelos astros

Tambeacutem haviam formado uma classe de navegantes experientes os mais

preparados de sua eacutepoca

ldquoDe facto a maior contribuiccedilatildeo intelectual que os Portugueses atraveacutes de suas viagens mariacutetimas proporcionaram agrave Europa foi o conhecimento geograacutefico e a exatidatildeo naacuteutica As suas cartas e rotas eram as melhores da Europa Os Portugueses foram na realidade os descobridores dos impeacuterios mariacutetimos europeusrdquo (BOXER 1981 p21)

Dessa forma em 1415 empreendem a tomada de Ceuta no Marrocos importante

porto intermediaacuterio das caravanas vindas da Guineacute Inicia-se assim o periacuteodo dos

grandes descobrimentos que perduraria por aproximadamente um seacuteculo

terminando com a circunavegaccedilatildeo da Terra por Fernando de Magalhatildees e Sebastiatildeo

de Elcano entre 1519 e 1522 O marco culminante desse periacuteodo foi a viagem de

Vasco da Gama agrave Iacutendia (1497-1498) apoacutes a descoberta das ilhas da Madeira dos

25

Accedilores e de Cabo Verde e Satildeo Tomeacute e o contorno do continente africano por

Bartolomeu Dias (1487-1488)

Perturbaccedilotildees internas e a reconquista ainda por concluir impediram que Castela

alcanccedilasse a mesma expansatildeo ultramarina empreendida por Portugal ateacute finais do

seacuteculo XV Portugueses e espanhoacuteis rivalizaram-se tambeacutem nas navegaccedilotildees

mariacutetimas e disputaram durante deacutecadas a posse das Ilhas Canaacuterias pendecircncia

resolvida pelo Tratado de Alcaacuteccedilovas de 1479 que atribuiu agraves Canaacuterias a soberania

de Castela em troca de deixar para Portugal com exclusividade as rotas proacuteximas e

as terras da costa da Aacutefrica (referido no Tratado como Guineacute) e os arquipeacutelagos da

Madeira Cabo Verde e Accedilores

Entretanto um navegador genovecircs conhecedor da navegaccedilatildeo do Mediterracircneo

que viveu e aprendeu com os lusos a ampla experiecircncia da navegaccedilatildeo pelo mar

aberto depois de ter tido recusado seu projeto de exploraccedilatildeo pelo rei de Portugal

Dom Joatildeo II descobriu em 1492 a serviccedilo dos reis de Espanha sem mesmo ter

consciecircncia de sua realizaccedilatildeo o Novo Mundo que viria a ser batizado por Ameacuterica

A viagem de Cristoacutevatildeo Colombo credenciou agrave Espanha o direito de reivindicaccedilotildees no

contexto das novas descobertas

Em 1494 apoacutes intensas negociaccedilotildees com avanccedilos e recuos que levaram cerca de

um ano e meio embaixadores portugueses obtiveram em 7 de junho de 1494 a

assinatura de um novo tratado As bulas anteriores outorgadas por Alexandre VI

que favoreciam os reis catoacutelicos de Espanha haviam sido veementemente

recusadas por Portugal O novo acordo o Tratado da Capitulaccedilatildeo da Particcedilatildeo do

Mar Oceano regulava a partilha entre Espanha e Portugal das terras encontradas e

a serem encontradas no Atlacircntico Esse tratado foi a verdadeira base em que se

fundamentariam mais tarde os tratados de fronteiras do seacuteculo XVIII entre os quais

o de Utrecht em 1713 o de Madri em 1750 e o de Santo Ildefonso em 1777

Segundo Joatildeo Capistrano de Abreu O Tratado de Tordesilhas foi o primeiro ato

relevante da diplomacia moderna por ter sido negociado entre Estados e natildeo por

decisatildeo exclusiva dos Papas como ocorria na Idade Meacutedia (CAPISTRANO DE

ABREU 2000)

26

Jaime Cortesatildeo recorda que o objetivo poliacutetico tanto de Espanha como de Portugal

na eacutepoca era assegurar-se do caminho para as Iacutendias Informado por seu

conselheiro Pero de Covilhatilde Dom Joatildeo II preocupou-se com as terras do Oriente e

muito especialmente com as ceacutelebres ilhas Molucas entatildeo consideradas verdadeira

e mais rica mina de especiarias Somente alguns anos depois quando os

portugueses alcanccedilaram as Molucas eacute que Carlos V compreendeu o erro pois Dom

Joatildeo II natildeo soacute reservara para Portugal a posse da verdadeira rota para as Iacutendias

como tambeacutem uma grande parte do Brasil atual Quando celebrado Tordesilhas

tanto os reis de Espanha como o de Portugal haviam-se dado por satisfeitos os

primeiros na convicccedilatildeo de que eram os senhores da rota da Iacutendia e o segundo

porque estava certo de poder completar muito em breve o seu descobrimento

(CORTESAtildeO 1956)

Pelo Tratado de Tordesilhas a partilha das terras descobertas entre Portugal e

Espanha seria feita a partir da contagem de 370 leacuteguas a oeste das ilhas de Cabo

Verde natildeo definindo entretanto o comprimento da leacutegua a ser utilizada e a partir de

qual ilha de Cabo Verde deveria ser considerada a distacircncia acordada aleacutem disso

natildeo se conhecia naquela eacutepoca o processo para se calcular longitudes com

exatidatildeo De todo modo apesar de sua imprecisatildeo surge pela primeira vez a ideacuteia

de propriedade sobre territoacuterios alheios o que viria juntamente com outros fatores a

justificar a colonizaccedilatildeo da Ameacuterica

Em 1499 ou 1500 navegadores a serviccedilo de Espanha descobriram o Rio

Amazonas Natildeo se sabe ao certo se a descoberta foi realizada por Ameacuterico

Vespuacutecio como crecircem alguns ou se por Vicente Yanes Pinzoacuten como eacute

majoritariamente aceito (GOacuteES FILHO 2001) O fato eacute que oficialmente os

primeiros europeus a navegarem no Amazonas identificando sua foz foram os

espanhoacuteis Somente em 1616 mais de um seacuteculo depois com a construccedilatildeo da

Casa Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem por Francisco Caldeira de Castelo

Branco a bandeira portuguesa viria a tremular na Amazocircnia Embora navegado por

espanhoacuteis ingleses holandeses e franceses seria Portugal quem se apossaria das

duas margens e da maior parte da bacia hidrograacutefica amazocircnica

27

Graccedilas a esse processo de ocupaccedilatildeo lenta mas persistente que exigiu a expulsatildeo

de estrangeiros e a conjunccedilatildeo de outros fatores natildeo menos relevantes o Brasil

independente pocircde reivindicar e estabelecer suas fronteiras em locais tatildeo distantes

Como disse Joaquim Nabuco em O Direito do Brasil ldquoNada nas conquistas de

Portugal eacute mais extraordinaacuterio que a conquista do Amazonasrdquo (NABUCO 1941) A

penetraccedilatildeo portuguesa pelos Rios Amazonas Tocantins Xingu Tapajoacutes Madeira

Negro Branco Purus e Juruaacute viria a justificar o alargamento do territoacuterio colonial

luso-americano para muito aleacutem dos limites impostos por Tordesilhas

O propoacutesito deste trabalho de pesquisa e doutoramento eacute a defesa da tese de que a

conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia brasileira no periacuteodo colonial que resultou na

definiccedilatildeo dos limites da Ameacuterica Portuguesa junto agrave Coroa Espanhola e Francesa

foi sobretudo um empreendimento dirigido pelo Estado por meio de accedilotildees poliacuteticas

e diplomaacuteticas conduzidas com a finalidade de assegurar a posse desse territoacuterio

para o impeacuterio colonial portuguecircs A expansatildeo espontacircnea motivada por razotildees

exclusivamente econocircmicas natildeo eacute capaz de explicar a incorporaccedilatildeo portuguesa de

tatildeo vasta regiatildeo

Acredita-se que o presente trabalho seraacute uacutetil no sentido de sob o ponto de vista

acadecircmico contribuir para a melhor compreensatildeo das condiccedilotildees em que se deu a

expansatildeo territorial da Ameacuterica portuguesa A importacircncia dessa contribuiccedilatildeo pode

ainda estar relacionada a uma reavaliaccedilatildeo do legado colonial portuguecircs que por

meio do Tratado de Madrid 1750 permitiu no Impeacuterio e na Repuacuteblica a justificaccedilatildeo

necessaacuteria para as negociaccedilotildees e os acordos das fronteiras do Brasil com os paiacuteses

hispano-americanos e europeus

Ressalta-se importante a anaacutelise da contribuiccedilatildeo dos colonizadores portugueses

dos seus descendentes luso-brasileiros e do governo metropolitano em suas accedilotildees

poliacuteticas e diplomaacuteticas para a formaccedilatildeo das fronteiras amazocircnicas no periacuteodo

colonial Fundamental tambeacutem para a compreensatildeo desse processo de conquista e

ocupaccedilatildeo deve ser considerada a intensa miscigenaccedilatildeo de ameriacutendios e brancos

portugueses de nascimento ou natildeo que resultou em um novo elemento humano

com suas caracteriacutesticas proacuteprias de assimilaccedilatildeo europeacuteia e nativa

28

As seguintes perguntas baacutesicas refletem o problema de pesquisa a ser analisado

neste trabalho

bull Em que circunstacircncias se deu a expulsatildeo dos estrangeiros - franceses

holandeses e ingleses - instalados nos territoacuterios amazocircnicos no periacuteodo inicial

da colonizaccedilatildeo dessa regiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XVII

bull Como atuaram os diversos protagonistas na conquista e ocupaccedilatildeo desses

territoacuterios a partir da expulsatildeo dos estrangeiros

bull Quais foram as consequecircncias da Uniatildeo Ibeacuterica para a expansatildeo portuguesa na

regiatildeo

bull Que implicaccedilotildees para a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia pelos portugueses trouxe a

separaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo do Estado do Brasil

bull Qual foi o papel desempenhado pelas expediccedilotildees oficiais de reconhecimento do

territoacuterio na expansatildeo portuguesa sobretudo o empreendimento realizado por

Pedro Teixeira

bull Como situar o bandeirantismo no contexto da expansatildeo territorial da Amazocircnia

bull Que consequecircncias para a ocupaccedilatildeo portuguesa advieram da expediccedilatildeo de

Antonio Raposo Tavares ao Centro-Oeste e agrave Amazocircnia

bull Como o Estado promoveu e orientou a atuaccedilatildeo das Ordens religiosas no

processo de colonizaccedilatildeo da Amazocircnia

bull Quais foram as relaccedilotildees entre o entradismo e o alargamento do territoacuterio

bull Como Portugal enfrentou as ameaccedilas francesas no norte da Ameacuterica do Sul

bull Como se deu a conquista do Rio Negro e do Rio Branco

bull Como se resolveram as disputas com os jesuiacutetas espanhoacuteis instalados no Rio

Solimotildees e no Rio Guaporeacute

bull Qual foi o papel desempenhado pelo fenocircmeno das monccedilotildees e monccedilotildees do

norte na expansatildeo e manutenccedilatildeo do territoacuterio

bull Qual foi a estrateacutegia adotada por Portugal para garantir suas possessotildees

amazocircnicas obtidas com a penetraccedilatildeo territorial extra Tordesilhas

bull Quais foram as consequecircncias e implicaccedilotildees decorrentes dos tratados de limites

acordados sobretudo a partir do seacuteculo XVIII

bull Quais foram as accedilotildees adotadas por Lisboa para a defesa de suas possessotildees

coloniais na Amazocircnia

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bull Qual foi o papel do Estado Portuguecircs em sua atuaccedilatildeo europeacuteia e americana no

processo de expansatildeo territorial da Amazocircnia

Para responder a essas indagaccedilotildees o presente estudo divide-se em 9 capiacutetulos

No primeiro estatildeo expostos os propoacutesitos e o objeto deste estudo No segundo e no

terceiro abordam-se os antecedentes da ocupaccedilatildeo portuguesa do territoacuterio

amazocircnico considerando sobretudo suas motivaccedilotildees poliacuteticas O capiacutetulo dois

aborda o periacuteodo inicial de contato com a regiatildeo quando das primeiras viagens

intencionais ou acidentais dos espanhoacuteis e de outros europeus pelos rios da

Amazocircnia O capiacutetulo trecircs trata da expulsatildeo dos franceses de Satildeo Luiacutes do

Maranhatildeo da fundaccedilatildeo do Forte do Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem e da

expulsatildeo dos holandeses ingleses e irlandeses do Baixo Amazonas

No capiacutetulo quatro aprofunda-se o tema central acerca da conquista e ocupaccedilatildeo

portuguesa da regiatildeo e o alargamento do territoacuterio sob influecircncia de Portugal para

aleacutem dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas Para tanto destaca-se a

viagem de Pedro Teixeira agraves veacutesperas da Restauraccedilatildeo e a expediccedilatildeo de Raposo

Tavares bem como a atuaccedilatildeo das missotildees religiosas na Amazocircnia sobretudo os

jesuiacutetas

O capiacutetulo cinco descreve os conflitos pela posse do territoacuterio no final do seacuteculo XVII

e iniacutecio do seacuteculo XVIII envolvendo franceses no Cabo Norte holandeses no Rio

Branco e jesuiacutetas a serviccedilo dos interesses espanhoacuteis no Rio Solimotildees bem como a

limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo das missotildees jesuiacuteticas espanholas a oeste do Rio Guaporeacute

O capiacutetulo seis discorre sobre a percepccedilatildeo pela metroacutepole portuguesa da

necessidade de definiccedilatildeo das fronteiras coloniais americanas nos territoacuterios

amazocircnicos priorizando accedilotildees que tinham por objetivo o exerciacutecio do direito de

posse da regiatildeo e empreendendo gestotildees diplomaacuteticas nos foacuteruns europeus para

legalizar essa ocupaccedilatildeo que resultaram na assinatura do Tratado de Madrid em

1750 Aborda tambeacutem o periacuteodo Pombalino e as accedilotildees para a fortificaccedilatildeo e

demarcaccedilatildeo do territoacuterio

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O capiacutetulo sete trata do periacuteodo anterior agrave declaraccedilatildeo de independecircncia do Brasil e

da consolidaccedilatildeo das premissas mais importantes consagradas no Tratado de Madrid

e suas consequumlecircncias para os acordos futuros sobre as fronteiras do Brasil com os

paiacuteses hispano-americanos e a Franccedila

Segue-se a metodologia que foi empregada para a realizaccedilatildeo do trabalho

Por fim as consideraccedilotildees finais do estudo apresentam uma retomada sucinta mas

abrangente dos principais pontos discorridos durante o trabalho Conclui-se com a

sustentaccedilatildeo da tese de que a conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo

colonial foram empreendimentos conduzidos pelo Estado planejados e executados

com prioridade poliacutetica pelos governos de Lisboa nos acordos de limites

prevaleceria a doutrina defendida por Portugal para legitimar sua expansatildeo

territorial obtendo-se a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais americanas o que

resultou na incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de quase dois terccedilos de sua aacuterea

atual A Amazocircnia permaneceu brasileira em decorrecircncia do esforccedilo e do empenho

poliacutetico empreendidos por Portugal para a manutenccedilatildeo dessa vasta regiatildeo como

parte integrante de seu impeacuterio colonial ultramarino

31

2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar a presenccedila dos primeiros

europeus na regiatildeo amazocircnica iniciada com a descoberta pelos espanhoacuteis da foz

do Rio Santa Maria de la Mar Dulce possivelmente no ano de 1500 e com as

primeiras viagens intencionais ou acidentais que partindo dos contrafortes andinos

percorreram a calha do grande Rio ateacute atingir o Atlacircntico Trata-se na realidade de

um periacuteodo pouco documentado anterior agrave presenccedila portuguesa na regiatildeo que se

daria apenas com a fundaccedilatildeo de Beleacutem por Francisco Caldeira de Castelo Branco

em 1616 jaacute no iniacutecio do seacuteculo XVII A seccedilatildeo ainda procuraraacute analisar as

circunstacircncias em que se deram as primeiras viagens de exploraccedilatildeo dos territoacuterios

empreendidas por pescadores e comerciantes ingleses franceses e holandeses

21 As Primeiras Incursotildees no Rio Amazonas Vicente Pinzoacuten A descoberta da Ameacuterica pelo genovecircs Cristoacutevatildeo Colombo em 1492 financiada

pela rainha Izabel de Castela precede a uma seacuterie de viagens empreendidas pelos

espanhoacuteis na tentativa de encontrar o caminho para a Iacutendia ou para o Japatildeo

navegando pelo oceano Atlacircntico

Em sua terceira viagem realizada entre os anos de 1498 e 1500 navegando mais

para o sul Cristoacutevatildeo Colombo alcanccedilou a ilha de Trinidad proacutexima a atual

Venezuela e viu a terra firme do continente americano pela primeira vez embora

natildeo tivesse ainda noccedilatildeo de que estava em um novo continente quando alcanccedilou o

delta do Rio Orenoco imaginou ter finalmente chegado agrave Aacutesia Nas duas viagens

anteriores Colombo havia aportado em ilhas do Caribe e acreditava ter encontrado o

caminho para as Iacutendias atravessando o Atlacircntico

A chegada ao litoral norte da Ameacuterica do Sul pode ser compreendida como

consequumlecircncia natural das viagens espanholas aos mares das Antilhas pois esse

litoral eacute de um prolongamento da faixa de terra em torno das ilhas caribenhas

Muitos historiadores acreditam que trecircs outras pequenas frotas espanholas tocaram

o litoral norte da Ameacuterica do Sul antes mesmo de Cabral chegar agrave altura de Porto

32

Seguro em 22 de abril de 1500 Alonso de Ojeda Vicente Yaacutentildees Pinzoacuten e Diego de

Leppe Haacute tambeacutem o registro de que um francecircs de nome Jean Cousin teria

percorrido a costa brasileira entre o nordeste e o delta do Amazonas no ano de

1488 mas poucos acreditam que essa viagem tenha-se realizado

De fato Pinzoacuten e de Leppe teriam mesmo percorrido a costa brasileira desde o

cabo a que Pinzoacuten chamou de Santa Maria de la Consolacioacuten identificado por

muitos historiadores como o Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco ateacute o

Amapaacute (GOacuteES FILHO 2001) De todo modo Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten (1463-1514)

nascido em uma cidade de marinheiros Palos Espanha foi provavelmente o

primeiro explorador do Rio Amazonas a que chamou de Santa Maria de la Mar

Dulce acreditando inicialmente estar diante do Ganges

Pinzoacuten havia sido criado em uma famiacutelia de ricos marinheiros adquirindo uma

grande experiecircncia nas navegaccedilotildees graccedilas agraves viagens comerciais que havia

realizado desde a infacircncia em companhia de seu irmatildeo Martiacuten Alonso A eles satildeo

atribuiacutedas accedilotildees de pirataria entre 1477 e 1479 nas costas catalatildes e nas ilhas

Baleares Por intermeacutedio de seu irmatildeo o mais importante armador da regiatildeo aderiu

aos projetos de Cristoacutevatildeo Colombo quando nomeado capitatildeo da caravela Pinta e

tomando parte dos descobrimentos de Colombo

Atraiacutedo pelas perspectivas de riqueza que ofereciam os descobrimentos das novas

terras americanas Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten firmou em 6 de junho de 1499 com um

representante dos Reis Catoacutelicos um acordo que o autorizava a empreender novos

descobrimentos na Ameacuterica Um quinto das riquezas descobertas seria destinada

aos Reis sendo o restante dividido entre ele e seus homens

A famiacutelia de Pinzoacuten equipou entatildeo quatro pequenas caravelas e 75 homens

constituiacuteram a tripulaccedilatildeo A pequena frota lanccedilou-se ao mar em dezembro de 1499

Chegando a Cabo Verde foram arrastados por uma tempestade que os levou

provavelmente para a costa do Brasil onde aportaram em 26 de janeiro de 1500

trecircs meses antes da chegada do descobridor portuguecircs Pedro Aacutelvares Cabral Pin-

zoacuten decidiu bordear a costa na direccedilatildeo noroeste e descobriu a foz do Rio Amazonas

e do Orenoco Continuou sua rota ateacute o mar das Antilhas e se dirigiu ateacute a ilha de

33

Espanhola dali prosseguiu sua viagem para as Bahamas e depois da perda de seus

barcos empreendeu a viagem de retorno agrave Espanha onde chegou em setembro de

1500 A viagem foi um fracasso do ponto de vista econocircmico A famiacutelia Pinzoacuten se

encontrava-se agrave beira da ruiacutena mas do ponto de vista geograacutefico Vicente Yaacutentildeez

Pinzoacuten tornou-se o primeiro marinheiro a passar pela linha do Equador e a navegar

o Amazonas

22 As Dificuldades para a Ocupaccedilatildeo Portuguesa

Estabelecida a rota de navegaccedilatildeo para o Brasil apoacutes a descoberta de Cabral

Portugal iniciou as accedilotildees para criar um sistema de exploraccedilatildeo das novas terras O

Brasil naquela eacutepoca parecia ser apenas mais uma ilha do Atlacircntico Todavia ao

contraacuterio da Madeira e dos Accedilores era povoado por nativos selvagens embora

amistosos como se pensava Portugal viu-se obrigado a tratar o Brasil como a costa

da Aacutefrica e a exploraacute-lo por meio de um sistema de feitorias que desenvolvesse o

comeacutercio dos poucos produtos comercializaacuteveis encontrados a madeira para tintura

que viria a batizar a nova terra macacos escravos e papagaios (JOHNSON 1997)

O interesse pelo Brasil contudo natildeo era exclusivamente econocircmico representava

uma questatildeo geopoliacutetica para as potecircncias ibeacutericas se de fato o Brasil fosse uma

ilha como circundaacute-la e assim encontrar uma passagem oeste para as muito mais

lucrativas ilhas de especiarias das iacutendias Ocidentais Embora quase todos

concordassem com que a parte leste do Brasil estivesse incluiacuteda na esfera

portuguesa tal qual havia sido acordado em Tordesilhas em 1494 seraacute que a foz

do Amazonas ou do Prata rotas provaacuteveis em redor do Brasil ficariam do lado

portuguecircs ou espanhol A busca dessas respostas centrou-se principalmente no

Prata (JOHNSON 1997)

O comeacutercio ilegal de pau-brasil havia atraiacutedo franceses que natildeo aceitavam os

direitos exclusivos de Portugal sobre o Brasil Lisboa se esforccedilava para combater

essa praacutetica na imensa costa brasileira do Cabo de Santo Agostinho Pernambuco

ao norte ateacute Cananeacuteia Satildeo Paulo ao sul

34

O litoral norte da Ameacuterica do Sul no trecho hoje brasileiro e guianense apresentava

enormes dificuldades para o estabelecimento humano com costas quase deseacuterticas

no Cearaacute baixios nas proximidades do delta do Amazonas e mangues nas Guianas

natildeo revelando nada que estimulasse a ambiccedilatildeo dos espanhoacuteis e portugueses

quinhentistas (GOacuteES FILHO 2001)

A linha de Tordesilhas poderia passar pela foz do Rio Amazonas mas o leito do rio

estendia-se sem duacutevida pelo lado oeste isto eacute espanhol

Preocupados em manter o controle sobre a costa brasileira ameaccedilada pelas

incursotildees francesas limitados pelas dificuldades das navegaccedilotildees no litoral norte

brasileiro e desestimulados pela aparente falta de riquezas daquela regiatildeo os

portugueses natildeo procuraram se estabelecer na Amazocircnia no seacuteculo XVI (Mapa 4)

23 A Viagem de Francisco de Orellana

Curiosamente a Amazocircnia seraacute descoberta pela cabeceira do rio por exploradores

espanhoacuteis que viratildeo dos Andes peruanos e natildeo do delta entrada natural desse

imenso territoacuterio

Caberaacute a Francisco de Orellana (1500-1545) a primeira navegaccedilatildeo completa do

Rio Amazonas de dezembro de 1541 a julho de 1542 tendo sido percorridos mais

de 6000 quilocircmetros um feito notaacutevel para a eacutepoca

As tropas de Pizarro estavam instaladas no Peru desde 1532 na regiatildeo entatildeo

ocupada pelo Impeacuterio Inca Gonzalo Pizarro (irmatildeo caccedilula de Francisco Pizarro)

governador de Quito foi encarregado pela famiacutelia para montar uma expediccedilatildeo agrave

procura da Terra de Canela 5 e agrave tentativa de descobrimento do El Dorado

5 A canela eacute uma aacutervore originaacuteria do Sri Lanka antigo Ceilatildeo de Myanmar antiga Birmacircnia e da Iacutendia conhecida haacute mais de 4500 anos pelos chineses Seu nome eacute derivado da palavra indoneacutesia kayu manis que significa madeira doce mais tarde recebeu o nome hebreu quinnamon que evoluiu para o grego kinnamon A canela era a especiaria mais procurada na Europa e seu comeacutercio era muito lucrativo O monopoacutelio do comeacutercio da canela esteve nas matildeos dos portugueses no seacuteculo XVI passou para os holandeses com a Companhia das Iacutendias Orientais quando esses expulsaram em 1656 os portugueses do Ceilatildeo e depois para as matildeos dos ingleses a partir de 1796 quando esses ocuparam essa ilha As canelas satildeo algumas das espeacutecies mais antigas conhecidas pela humanidade a mais difundida eacute a Cinnamomum zeylanicum originaacuteria do Ceilatildeo atual Sri Lanka

36

A canela vinha da Iacutendia e era muito procurada naquela eacutepoca Os portugueses

dominavam esse comeacutercio usurparam-no dos venezianos graccedilas agraves descobertas

mariacutetimas de Vasco da Gama Surge em Quito o boato de que havia canela depois

das montanhas geladas dos Andes Se os espanhoacuteis a encontrassem poderiam

fazer fortunas (SOUBLIN 2003)

Em 1541 a expediccedilatildeo partiu de Quito descendo os Andes em direccedilatildeo ao

Amazonas Havia muitos afluentes a escolher Gonzalo decide descer pelo Rio

Coca que para sua infelicidade apresentava grande dificuldade para a navegaccedilatildeo

exigindo muito das tropas para vencer as corredeiras A progressatildeo era muito lenta

e Gonzalo resolve entatildeo construir um barco mais resistente Nesse momento um

novo grupo comandado por Francisco de Orellana reuacutene-se agrave expediccedilatildeo

(SOUBLIN 2003)

Orellana era oriundo da cidade de Trujillo Extremadura Espanha onde havia

combatido a serviccedilo dos Pizarros com quem tinha parentesco Perdera um olho em

combate e tinha fama de intelectual e linguumlista aprendera a liacutengua nativa quando

fundou a cidade de Guaiaquil Equador (SOUBLIN 2003)

Na junccedilatildeo do Rio Coca com o Rio dos Omaguaacutes provavelmente o Rio Napo

aproximadamente a 500 quilocircmetros do ponto de partida Orellana separa-se do

grosso da tropa e comeccedila a descer o rio agrave procura de viacuteveres Gonzalo o

encarregara da missatildeo recomendando seu retorno em 20 dias entregando a ele o

novo barco com toda a municcedilatildeo utensiacutelios e o cofre onde eram guardados os

dinheiros da expediccedilatildeo e de seus soacutecios (SOUBLIN 2003)

Orellana partiu no natal de 1541 e natildeo mais retornaria

Outras entretanto como a Caacutessia (Cinnamomum cassia) chamada de falsa-canela e conhecida como Canela-da-China tambeacutem tecircm importacircncia econocircmica essa espeacutecie eacute muito cultivada nas proviacutencias do sudoeste da China As partes mais uacuteteis das canelas satildeo o coacutertex dessecado e o oacuteleo O oacuteleo eacute obtido das folhas por destilaccedilatildeo por arraste a vapor Considerada siacutembolo da sabedoria a canela foi usada na antiguumlidade pelos gregos romanos e hebreus para aromatizar o vinho e com fins religiosos na Iacutendia e na China Motivo de lutas entre os povos a canela continua indispensaacutevel como tempero na culinaacuteria moderna A canela foi introduzida no Brasil pelos jesuiacutetas

37

Natildeo se sabe ao certo se ele traiu Gonzalo deliberadamente ou se de fato como

alegou mais tarde foi impedido de voltar por conta das corredeiras que o arrastaram

rio abaixo Seu destino era seguir as aacuteguas rumo ao desconhecido e entrar para a

histoacuteria com sua viagem pioneira pelo Amazonas (GOacuteES FILHO 2001)

Orellana tinha apenas dois barcos (bergantins) ambos com 57 pessoas Entre os

embarcados havia um jovem monge dominicano Frei Gaspar de Carbajal que viria

a ser o cronista da expediccedilatildeo ainda que natildeo tenha sido muito claro em suas

narrativas sobre os motivos pelos quais o comandante Orellana decidiu continuar a

viagem sem retornar agrave posiccedilatildeo em que se encontrava Gonzalo conforme o previsto

por eles

De qualquer forma intencional ou acidentalmente foi descendo o rio carregado

rapidamente pela correnteza Apoacutes muitos dias de viagem alcanccedilou a

desembocadura do Rio Napo que se juntava a um rio muito maior Naquele

momento ele jaacute estava navegando o Amazonas

Durante a viagem enfrentou grandes dificuldades relatadas por Carbajal lutas

constantes com os nativos ocupantes das margens dos rios sugerindo que as tribos

indiacutegenas eram numerosas e pouco amistosas (GOacuteES FILHO 2001)

Tambeacutem eacute descrito a existecircncia de grandes agrupamentos humanos no Solimotildees

estradas fortes indiacutegenas protegidos e terriacutevel mal tempo com chuvas torrenciais O

monge cita ainda o som de tambores de guerra e de feiticeiros que gesticulavam

ameaccediladoramente (SOUBLIN 2003)

O grande inimigo da viagem entretanto foi a fome relata novamente o dominicano

ldquoagrave falta de outros mantimentos soacute comiacuteamos couros cintos e solas de sapatos

cozidos com algumas ervas de maneira que tal era nossa fraqueza que natildeo

podiacuteamos ter em peacuterdquo (LEITAtildeO6 1941 p19 apud GOacuteES FILHO 2001 p138)

6 LEITAtildeO Melo Descobrimento do Rio das Amazonas 1941 p 60

38

Algo incomum viria a impressionar a tripulaccedilatildeo e toda a Europa Conforme relato de

Carbajal em 20 de junho de 1542 teriam sido atacados ferozmente por nativos

comandados por mulheres de aspecto imponente Eram ldquomulheres muito alvas e

altas com o cabelo comprido entranccedilado na cabeccedila Satildeo muito membrudas e

andam nuas em pecirclo tapadas as suas vergonhas com seus arcos e flexas nas

matildeos fazendo tanta guerra como dez iacutendiosrdquo (LEITAtildeO 1941 p 60 apud GOacuteES

FILHO 2001 p139) Assim descreve o monge a accedilatildeo dessas mulheres que natildeo

tinham seios A palavra grega a-mazoacuten que significa sem seios passou a ser

utilizada para referir-se a essas guerreiras Outros relatos datildeo conta de que essas

mulheres viviam em comunidades raptavam homens para procriar devolviam os

filhos homens e criavam as filhas preparando-as para a guerra Talvez inspirado por

fatos reais talvez confundido por homens de cabelos longos o fato eacute que natildeo tardou

para que essa histoacuteria do jovem monge corresse a Europa e o grande rio navegado

por Orellana passasse a ser conhecido como o Rio das Amazonas

Por volta de junho de 1542 os sobreviventes da expediccedilatildeo chegaram finalmente ao

mar conseguiram livrar-se dos bancos de areia dos recifes e das tempestades

alcanccedilando um porto espanhol da costa venezuelana (Mapa 5)

Orellana certamente o primeiro europeu a navegar o Amazonas em seu curso

principal foi imediatamente agrave Espanha para dar ciecircncia aos Reis de suas

descobertas e solicitou o governo dos territoacuterios ao longo do rio Em 2 de fevereiro

de 1544 obteve a concessatildeo real para explorar a Nueva Andalucia

Em 1546 como Governador e Capitatildeo-General das terras que descobrisse

organizou uma expediccedilatildeo para conquistar a regiatildeo No comando da tropa mal

organizada perdeu-se no delta do rio e morreu vitimado pelos iacutendios

Se Orellana tivesse ecircxito em sua expediccedilatildeo talvez hoje a Amazocircnia natildeo

pertencesse aos brasileiros mas aos herdeiros do aventureiro espanhol

40

24 A Lenda do El Dorado

Entre os conquistadores espanhoacuteis acreditava-se ter um grande grupo de incas

fugido para o interior quando da invasatildeo do Peru carregado com eles muitos

tesouros e fundado um novo grande impeacuterio chamado de Paititi Reforccedilava o

imaginaacuterio dos europeus receacutem chegados uma lenda indiacutegena do El Dorado de um

priacutencipe que a cada manhatilde se banhava em um lago e saiacutea untado de ouro e que

governava a terra mais rica do hemisfeacuterio americano

A princiacutepio os aventureiros e exploradores procuraram por El Dorado na Colocircmbia

a oeste da Cordilheira dos Andes Em 1535 o espanhol Sebastiaacuten de Benalcaacutezar

procurou El Dorado no sudoeste da Colocircmbia no mesmo ano em 1535 Nikolaus

Federmann um explorador alematildeo conduziu uma expediccedilatildeo em busca do El

Dorado na Venezuela e na Colocircmbia e em 1536 foi a vez do conquistador

espanhol Gonzalo Jimeacutenez de Quesada que novamente tentou encontrar El Dorado

na Colocircmbia todos sem sucesso

Com o passar do tempo e com os resultados negativos das primeiras expediccedilotildees os

espanhoacuteis estenderam suas buscas para aleacutem da Cordilheira dos Andes em direccedilatildeo

ao leste para onde apontavam os novos relatos dos iacutendios peruanos A partir de

entatildeo inuacutemeros viajantes descreveriam a Amazocircnia e seus habitantes ao longo de

diversas expediccedilotildees em busca do famoso El Dorado

Em 1560 parte uma expediccedilatildeo oficial encomendada pelo vice-rei do Peru

comandada por Francisco de Ursua tendo por objetivo procurar o lendaacuterio El

Dorado Ursua partiu do Rio Huallaga em terras do atual Peru com cerca de 370

soldados e dezenas de canoas e balsas enquanto outra parte da tropa seguia pelas

margens acompanhada por mais de 500 iacutendios Ao que tudo indica um de seus

oficiais um nobre basco de nome Lope de Aguirre aliou-se a um grupo de

amotinados que diante das dificuldades da expediccedilatildeo desejavam regressar ao

Peru Ursua foi assassinado e Aguirre assumiu o comando da expediccedilatildeo Como

seria impossiacutevel regressar desceram o curso do rio assombrados por sucessivos

assassinatos Aguirre enxergava opositores e traidores por todos os lados

Aparentemente foi a figura mais cruel e sanguinaacuteria de todos os conquistadores

41

conhecido como El Tirano Aguirre e seu emblema era uma bandeira negra com duas

espadas cruzadas Chegou mesmo a proclamar a independecircncia das terras

amazocircnicas do domiacutenio espanhol Depois de muitos incidentes ao chegarem agrave foz

do Rio Amazonas seguiram para as Antilhas e assim como Orellana aportaram na

Ilha Margarita onde logo depois Aguirre foi assassinado por seus companheiros de

motim

O mundo amazocircnico jaacute havia sido concedido para exploraccedilatildeo aos soldados

espanhoacuteis desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 De acordo com o historiador

argentino Enrique de Gandia em uma seacuterie de atos de Carlos V que governou a

Espanha entre 1516 e 1555 Felipe II monarca de 1555 a 1598 e Felipe III de 1598

a 1621 a Amazocircnia fora doada a Diego de Ordaz em 1530 a Francisco de Orellana

em 1551 a Jerocircnimo de Aguayo em 1552 a Diego de Vargas em 1554 a Juan

Despes em 1563 a Hernandez de Serpa e Pedro Molover da Silva em 1568 a Juan

Ortiz de Zarate em 1569 a Antonio Berrio em 1585 a Hernando de Oruna y la Hoz

em 1601 e a Pedro de Betranilla em 1604 (REIS 1948)

Todas essas concessotildees natildeo produziram resultado invalidadas porque nenhum

desses conquistadores parecem ter querido se aventurar a perder recursos e a vida

na difiacutecil empreitada As alegaccedilotildees mencionavam os enormes esforccedilos que se

faziam necessaacuterios sobretudo diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil

no Peru ou em Nova Granada principalmente apoacutes o descobrimento do verdadeiro

El Dorado representado pelo cerro de Potosi Os espanhoacuteis buscavam rendimentos

mais imediatos e seguros No seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a

ocupaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais

proacuteximas da cidade de Quito na antiga proviacutencia de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees

dos Rios Napo e Javari - as chamadas proviacutencias dos iquitos omaacuteguas e pebas

certamente a cordilheira andina era um fator importante a considerar e dificultava a

penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis

Da parte portuguesa vaacuterias expediccedilotildees foram realizadas demonstrando tambeacutem o

interesse lusitano entre 1502 ou 1503 a viagem de Joatildeo Coelho e em periacuteodo natildeo

determinado entre 1503 e 1513 Joatildeo de Lisboa Diogo Ribeiro Fernam Froes

acompanhado pelos pilotos Francisco Corso e Pero Corso Fernam Froes e seus

42

pilotos teriam partido das costas de Pernambuco e atingido o ponto mais extremo do

Cabo Norte (Amapaacute) Em 1513 e 1514 navios portugueses passaram pela costa das

Guianas como demonstram representaccedilotildees feitas a Lisboa pelo embaixador

espanhol registradas por Rio Branco no primeiro volume de suas memoacuterias sobre

as fronteiras com a Guiana Francesa (REIS 1948)

Em 1553 Joatildeo de Melo da Silva explorou o curso inferior do Amazonas e

possivelmente a costa das Guianas tendo obtido uma concessatildeo de exploraccedilatildeo

assinada por Dom Joatildeo III A presenccedila de Luiz de Melo da Silva na regiatildeo

setentrional da costa brasileira por volta do ano de 1555 eacute lembrada por Robert

Southey (I 122) seus navios oriundos de Pernambuco foram impelidos para o

norte tendo esse navegador atingido a ilha de Margarida atual costa da Venezuela

onde encontrou os destroccedilos da fracassada tentativa de colonizaccedilatildeo iniciada em

nome do rei de Espanha por Francisco de Orellana em 1546 e 1545 (GADELHA

2002)

Um dos primeiros documentos conhecidos sobre o vale do Rio Amazonas eacute a Carta

de Diogo Nunes redigida em 1553 dirigida ao Rei de Portugal Dom Joatildeo III

conforme narra Jaime Cortesatildeo (1956 I 5-8 docs 58258-63) Nunes descreve a

sua descida pelo Amazonas desde o Peru em 1538 acompanhado por um

mercador espanhol e pede autorizaccedilatildeo a Dom Joatildeo III para realizar nova expediccedilatildeo

agrave regiatildeo com a finalidade de conquistar e colonizar aquelas terras de Espanha em

troca das mesmas concessotildees que recebiam os espanhoacuteis de seu Rei Carlos V Na

Carta Diogo Nuntildees narra trechos da viagem relatando ter encontrado na proviacutencia

de Maquipaacutero uma tribo de iacutendios denominados chachapoas fabricantes de armas

e braceletes de ouro Refere-se agrave facilidade de se passar do Amazonas ao Prata

conforme informaccedilotildees que recolhera de tribos Um dos caminhos afirma partia de

Satildeo Vicente por terra atravessando as cabeceiras dos rios do Brasil Essas

informaccedilotildees seriam comprovadas pelos sertanistas na segunda metade do seacuteculo

XVII quando partindo da capitania do Gratildeo-Paraacute foram navegados os afluentes do

Amazonas e vencidos os sertotildees desses rios ampliando o territoacuterio ateacute a regiatildeo do

atual Mato Grosso (GADELHA 2002)

43

Outra importante fonte documental sobre a presenccedila de espanhoacuteis e portugueses na

regiatildeo eacute a cartografia da eacutepoca registrando os acidentes fisiograacuteficos do litoral entre

a Guiana e o Maranhatildeo ora em um idioma e ora em outro demonstrando que o

reconhecimento desses acidentes havia sido feito primeiramente por esses

navegadores

Naus espanholas e portuguesas percorreram a regiatildeo amazocircnica durante todo o

seacuteculo XVI Essas expediccedilotildees suscitaram muitas especulaccedilotildees a respeito de

riquezas e de relatos lendaacuterios na Amazocircnia fazendo com que mais exploradores de

diversas nacionalidades se lanccedilassem agrave exploraccedilatildeo do norte da Ameacuterica do Sul

entre os Rios Orenoco e Amazonas sempre motivados pela ideacuteia de fazer riqueza e

em muitos casos de encontrar o tatildeo sonhado El Dorado

25 Holandeses e Ingleses Pescadores e Comerciantes

Conforme exposto anteriormente a descoberta do Rio das Amazonas pelo espanhol

Francisco de Orellana que desceu o Rio desde os Andes ateacute alcanccedilar o Atlacircntico

entre 1541 e 1542 provocou grande repercussatildeo no continente europeu

Na realidade a Europa soacute viria a ficar interessada pelas descobertas fantaacutesticas do

novo continente apoacutes a chegada do capitatildeo Francisco de Orellana Quem descreveu

as histoacuterias extraordinaacuterias de Orellana foi o cronista Gonzalo Hernaacutendez de Oviedo

y Valdeacutes que teve a oportunidade de se encontrar com Orellana em Santo Domingo

e ouvir a narraccedilatildeo da viagem do proacuteprio capitatildeo Oviedo entatildeo enviou uma carta ao

Cardeal Pietro Bembo na Itaacutelia exaltando as riquezas naturais encontradas na

Terra das Amazonas A carta foi apresentada no dia 20 de janeiro de 1543 e

publicada em Veneza em 1556 chamando a atenccedilatildeo dos governos colonialistas

europeus para uma aacuterea inexplorada de consideraacuteveis proporccedilotildees A carta dizia

entre muitas outras coisas imaginaacuterias que mulheres combatiam em guerra viviam

sem parceiros sob o comando de outra mulher natildeo possuiacuteam ambos os peitos e

natildeo cuidavam de seus filhos mas entregavam-nos aos pais

Tambeacutem surgiam novas estoacuterias como o lendaacuterio Sir Walter Raleigh um dos

favoritos da corte de Elizabeth da Inglaterra que dizia ter alcanccedilado a regiatildeo

44

amazocircnica e ter ensinado agraves cunhatildes guerreiras a pronunciar o sagrado nome de sua

majestade provocando grande interesse e entusiasmo para novas aventuras

descobridoras

Quase que de imediato apoacutes a divulgaccedilatildeo dessas lendas ingleses e holandeses

que disputavam o domiacutenio da Ameacuterica com os ibeacutericos entregaram-se agrave exploraccedilatildeo

do Amazonas No final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a Ameacuterica era cada

vez mais contestado Barcos pesqueiros podiam ser vistos no baixo Amazonas por

volta de 1580 Ingleses holandeses e franceses jaacute pescavam bacalhau na Terra

Nova desde o iniacutecio do seacuteculo a expansatildeo das atividades pesqueiras para aacuteguas

sul-americanas embora menos piscosas que as do norte natildeo decepcionavam Os

pescadores holandeses cortavam e salgavam o peixe-boi7 em seus barcos e de

volta a Honfleur e Sluis contavam estranhas histoacuterias de iacutendios mostravam aos

negociantes plantas secas plumas cascas e tabaco iniciando-se desta forma o

interesse dos comerciantes em estabelecer negoacutecios na Amazocircnia (SOUBLIN

2003)

Em fins do seacuteculo XVI passado o tempo dos caccediladores de tesouros lendaacuterios

pescadores e comerciantes procuram obter vantagem econocircmica nessa vasta e

pouco conhecida regiatildeo lanccedilando as primeiras bases de implantaccedilotildees coloniais por

meio do levantamento de feitorias e pequenos fortes

Segundo informaccedilotildees de Joanes de Laet recolhidas por Rio Branco e pelo

historiador Caetano Silva os holandeses atingiram o vale do Rio Amazonas entre os

anos de 1599 e 1600 alcanccedilando o Rio Xingu onde teriam construiacutedo as pequenas

feitorias de Orange e Nassau na margem direita do referido rio Os ingleses por sua

vez teriam permanecido nessa primeira fase da exploraccedilatildeo restritos ao Oiapoque

7 O peixe-boi amazocircnico manatim manatiacute ou manati tambeacutem chamado de guaraguaacute ou vaca-marinha eacute o uacutenico mamiacutefero aquaacutetico herbiacutevoro habita ambientes rasos dos rios estuaacuterios e do mar podendo pesar algo em torno de 750 kg quando adulto e medir 45 m de comprimento Existem trecircs espeacutecies no mundo distribuiacutedas uma no Atlacircntico outra habita as aacuteguas doces e costeiras do oeste da Aacutefrica e a terceira com ampla distribuiccedilatildeo nas Ameacutericas desde o Meacutexico e os Estados Unidos vivendo nas ilhas da Ameacuterica Central e na Ameacuterica do Sul na Colocircmbia Venezuela as Guianas e o Brasil A espeacutecie da Amazocircnia eacute fluvial pode ser encontrada no Tocantins Xingu Tapajoacutes Madeira Negro Orenoco Rio Branco alcanccedilando a foz do Amazonas ateacute a Ilha de Marajoacute Herbiacutevoro sendo endecircmico da bacia amazocircnica Iacutendios e habitantes regionais utilizam sua carne e gordura como fonte de sustento A espeacutecie foi intensamente caccedilada por pescadores e colonizadores europeus no iniacutecio da exploraccedilatildeo americana

45

tendo sido construiacuteda na regiatildeo por Charles Leigh uma pequena colocircnia

abandonada em 1606 que viria a ser restabelecida em 1609 por Roberto Harcourt

Este entatildeo obteve de Sua Majestade Jaime I em 28 de agosto de 1613 para si e

para Sir Thomas Challener e John Rovenson por meio de uma carta patente os

territoacuterios compreendidos entre o Amazonas e o Ezequibo Entretanto tal

empreendimento natildeo logrou ecircxito em razatildeo do abandono da pequena colocircnia do

Oiapoque pelos colonos ingleses em 1612 Depois desse insucesso Sir Tomas Roe

teria reconhecido o delta do Rio Amazonas e na segunda deacutecada do seacuteculo XVII

teria plantado uma colocircnia com 20 ingleses e irlandeses no vale amazocircnico

instalando pequenas feitorias e alcanccedilando o Rio Xingu

Novamente os holandeses em 1616 penetraram o Amazonas ateacute alcanccedilarem o Rio

Tapajoacutes e Pedro Adriansen a serviccedilo de uma organizaccedilatildeo mercantil de Flessingen

estabeleceu um forte e uma colocircnia entre os Rios Gorupaba e Ginipapo instalando-

se inicialmente 40 colonos e algumas famiacutelias que de pronto iniciaram cultura de

tabaco8 e urucu9 primeiro passo para um ativo comeacutercio de especiarias amazocircnicas

8 O tabaco eacute uma planta que pode atingir 2 m de altura cujas folhas medem ateacute 60 e 70 cm de comprimento as flores dispostas em cachos ou em paniacuteculas certas espeacutecies constituem belas plantas ornamentais chama-se vulgarmente erva-santa e eacute de origem americana no entanto haacute escritores que pretendem que seja uma planta asiaacutetica e que tenha podido ser levada em tempos muito remotos para o Novo Continente mas tambeacutem eacute certo que em parte alguma se menciona que o tabaco existisse no velho mundo antes do descobrimento da Ameacuterica o que leva a crer que seja esta efetivamente americana Cristoacutevatildeo Colombo em 1492 ao abordar a ilha de S Salvador observou que os habitantes de ambos os sexos fumavam por meio de um instrumento denominado pelos indiacutegenas tabacos Introduzido na Europa ainda no seacuteculo XVI passou a ser igualmente conhecida por erva-santa em virtude das qualidades medicinais que entatildeo lhe atribuiacuteam Jaacute os iacutendios a supunham remeacutedio eficaz para a cura de todas as doenccedilas pela embriaguez que o haacutebito tornava agradaacutevel Os europeus consideravam-no uma verdadeira panaceacuteia remeacutedio infaliacutevel para as enxaquecas pneumonia chagas gota raiva e servindo ateacute como narcotizo aperitivo etc Sob o ponto de vista quiacutemico eacute caracterizado pela presenccedila de um alcaloacuteide especial a nicotina e parece que o haacutebito de se fumar foi introduzido primeiro em Inglaterra em 1585 por Sir Francisco Drake que de volta da Virgiacutenia propagou e ensinou a manipulaacute-lo segundo o processo dos naturais daquela regiatildeo O gosto da substacircncia passou a fornecer grandes proventos aos produtores e comerciantes europeus alcanccedilando prestiacutegio e elevados preccedilos (Transcrito por Manuel Amaral) 9 O urucum ou Urucu do tupi uru-ku (vermelho) eacute uma aacutervore originaacuteria da Ameacuterica do Sul mais especificamente da regiatildeo amazocircnica com grandes folhas de cor verde-claro produzem flores rosadas com muitos estames os frutos satildeo caacutepsulas armadas por espinhos maleaacuteveis que se tornam vermelhas quando maduras Entatildeo abrem-se revelando pequenas sementes dispostas em seacuterie envolvidas por arilo vermelho Pode atingir ateacute 6 metros de altura e suas sementes de cor avermelhada satildeo comumente usadas como corante natural Era e ainda eacute utilizado tradicionalmente pelos iacutendios brasileiros e peruanos como fonte de mateacuteria prima para tinturas vermelhas para os mais diversos fins entre eles protetor da pele contra o sol contra picadas de insetos e usada na culinaacuteria para realccedilar a cor dos alimentos O chaacute das sementes tem accedilatildeo digestiva expectorante e laxante a infusatildeo das folhas tambeacutem atua contra a bronquite faringite e inflamaccedilatildeo dos olhos O poacute eacute digestivo laxante expectorante febriacutefugo cardiotocircnico hipotensor e antibioacutetico agindo como antiinflamatoacuterio para contusotildees e feridas A tintura do urucum eacute usada como antiacutedoto do aacutecido

46

com a Holanda Nenhuma dessas feitorias contou com mais de uma centena de

moradores europeus mas por meio delas foi iniciada uma exploraccedilatildeo sistemaacutetica de

madeiras gomas e oacuteleos nativos e plantaccedilotildees de cana tabaco e algodatildeo (REIS

1948)

Ateacute o segundo dececircnio do seacuteculo XVII quando os portugueses comeccedilaram a

ultrapassar a divisoacuteria de Tordesilhas as companhias de Londres e Flessingen

promoviam um ativo comeacutercio de madeiras e pescado depois de terem iniciado

plantios de cana algodatildeo e tabaco e os proacuteprios governos passaram a estimular

abertamente essas empresas (Mapa 6)

No final do seacuteculo XVI a Amazocircnia era explorada e ocupada em sua maioria por

holandeses e ingleses Os portugueses procuravam estabelecer-se na rica regiatildeo

canavieira de Pernambuco sua presenccedila na Amazocircnia ainda natildeo se havia iniciado

pruacutessico (veneno da mandioca) Esta espeacutecie vegetal ainda eacute cultivada por suas belas flores e frutos atrativos Levado para Europa pelos primeiros colonizadores eacute mundialmente empregado como corante de diversos fins principalmente na induacutestria alimentiacutecia

48

3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar as circunstacircncias em que se

deram os antecedentes da ocupaccedilatildeo portuguesa na regiatildeo amazocircnica a tomada de

Satildeo Luiacutes dos franceses e a fundaccedilatildeo de Beleacutem com a consequumlente expulsatildeo dos

holandeses nos Rios Xingu e Paru e dos ingleses em Macapaacute na regiatildeo do baixo

Amazonas Trata-se de um periacuteodo que antecede agrave fixaccedilatildeo portuguesa iniciado em

1613 com os primeiros combates contra os franceses em Satildeo Luiacutes e que perdura

ateacute meados do seacuteculo XVII com a ocupaccedilatildeo portuguesa

31 A Expulsatildeo dos Franceses e a Ocupaccedilatildeo de Satildeo Luiacutes

A partir de 1504 logo apoacutes a descoberta do Brasil e ao longo de mais de um seacuteculo

os franceses atraiacutedos principalmente pela exploraccedilatildeo comercial do pau-brasil10

foram-se estabelecendo em diversos locais da costa brasileira entre o Cabo de Satildeo

Roque no Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro

Em 1556 Nicolas Durand de Villegagnon desembarcou na ilha que hoje leva seu

nome na Baiacutea de Guanabara ali fundando a chamada Franccedila Antaacutertica e iniciando

um periacuteodo de continuados conflitos entre franceses e portugueses sendo por estes

expulso em 1567 Entretanto o reveacutes da Franccedila Antaacutertica natildeo fez os franceses

desistirem de seus empreendimentos no Brasil levou-os a desviar para o Norte suas

expediccedilotildees aliando-se a diversos grupos indiacutegenas ao longo da costa brasileira

No iniacutecio de 1580 jaacute se encontrava consolidada a colonizaccedilatildeo com nuacutecleos de

povoamento no litoral brasileiro os mais importantes na Bahia Pernambuco Rio de

Janeiro e Satildeo Vicente O governo metropolitano agora sob o regime da Uniatildeo das

10 O pau-brasil ocorre desde o Estado do Rio Grande do Norte ateacute o Rio de Janeiro na floresta Atlacircntica de madeira muito pesada dura compacta resistente e de textura fina adapta-se frequumlentemente em terrenos secos inexiste na cordilheira mariacutetima Os iacutendios brasileiros utilizavam essa aacutervore para a confecccedilatildeo de arcos flechas e em pinturas vaacuterias com seu corante vermelho-intenso extraiacutedo do cerne A teacutecnica foi ensinada aos portugueses pelos proacuteprios iacutendios que tambeacutem foram encarregados de cortar aparar e arrastar a madeira ateacute o litoral O ciclo econocircmico teve iniacutecio em 1503 e ateacute 30 anos apoacutes a chegada dos portugueses era o uacutenico recurso explorado pelos colonizadores A aacutervore poreacutem natildeo existia soacute no Brasil jaacute era conhecida na Europa antes da descoberta do novo mundo na eacutepoca do descobrimento os aacuterabes comercializavam o pau-brasil trazido de lugares como a ilha de Sumatra na Indoneacutesia e Sri Lanka

49

Coroas Ibeacutericas11 resolveu ultimar a conquista do litoral norte de Pernambuco e

Itamaracaacute isto eacute a Paraiacuteba e o Rio Grande do Norte onde franceses e indiacutegenas

continuavam a negociar pau-brasil Pouco antes da Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas em

1574 Frutuoso Barbosa rico morador de Pernambuco oferecera seus recursos

financeiros e materiais para apaziguar os tabajaras e os potiguaras da Paraiacuteba e

expulsar os franceses com quem ambos os grupos mantinham relaccedilotildees comerciais

Com o apoio de uma pequena frota comandada pelo espanhol Diego Flores Valdez

que aportara em Pernambuco com destino ao Rio do Prata Frutuoso Barbosa apoacutes

choques graves entre os proacuteprios conquistadores e campanha contra os potiguaras

celebra em 1580 um acordo de paz com os tabajaras Havia sido dado o primeiro

passo para a consolidaccedilatildeo da conquista definitiva da Paraiacuteba ocorrida entre os anos

de 1584 e 1587 Entretanto a irradiaccedilatildeo para o litoral norte ainda natildeo havia se

consolidado somente na deacutecada seguinte Manuel Mascarenhas Homem e

Jerocircnimo de Albuquerque completariam a missatildeo construindo em 1598 o forte dos

Trecircs Reis Magos futuro nuacutecleo da vila de Natal na entrada do Rio Potengi

ultimando a conquista do atual Rio Grande do Norte

O interesse das autoridades locais em estender seu domiacutenio para o norte onde as

tribos da regiatildeo opunham constantes resistecircncias (os potiguaras aliados dos

franceses e posteriormente os tabajaras aliados dos portugueses) bem como a

necessidade de expulsar definitivamente da regiatildeo os comerciantes franceses

(vistos como permanente ameaccedila agrave posse portuguesa) impulsionou o movimento de

conquista da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte Esse empreendimento pode ser

tambeacutem analisado como consequumlecircncia da expansatildeo da lavoura canavieira da

criaccedilatildeo de gado e da vontade dos colonos de se estabelecerem com sesmarias ao

norte de Pernambuco

Continuando a penetraccedilatildeo para o Norte em 1608 os portugueses constroem o forte

de Nossa Senhora do Amparo no itineraacuterio da Paraiacuteba ao Rio Ibiapava na regiatildeo

atual de Aracati no litoral este do Cearaacute que foi por muito tempo o arraial e ponto

mais avanccedilado do interior em direccedilatildeo ao Maranhatildeo linha direta para os reforccedilos de 11 Este assunto seraacute abordado mais detalhadamente quando se analisaraacute sua implicaccedilatildeo e consequumlecircncia na expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica entre 1580 e 1640 periacuteodo em que perdurou a Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas

50

soldados e de sertanistas que por terra desde Pernambuco estabeleciam os

contatos com aquela capitania (SOUTHEY12 1965 vol II p 34-40 apud

GADELHA 2002 p7) Eram entatildeo os extremos da costa setentrional brasileira frequumlentados por franceses

e holandeses que comerciavam com as tribos locais Em 1612 poreacutem os franceses

fariam nova e mais perigosa investida no Brasil Aliados dos tupinambaacutes e liderados

por Daniel de La Touche conhecido por senhor de La Ravardiegravere tentaram fixar

uma colocircnia na ilha do Maranhatildeo instalando a Franccedila Equinocial13 com a fundaccedilatildeo

de Saint Louis nome que homenageava o Rei francecircs Luiacutes XIII

As notiacutecias chegavam aos ouvidos de Madri e em 1613 Felipe III da Espanha

chamado Felipe II em Portugal naquele periacuteodo da Uniatildeo Ibeacuterica (1580-1640)

ordenava ao novo governador do Brasil Gaspar de Sousa estabelecer residecircncia

em Olinda de onde melhor poderia acompanhar e comandar as iniciativas

destinadas a expulsar quaisquer invasores especialmente os franceses e

12 SOUTHEY Robert Histoacuteria do Brasil 1965 vol II p 34-40 13 COSTA Alexandre de Souza Franccedila Equinocial Disponiacutevel em wwwgeocitiescom acesso em 10 de junho de 2005 O projeto da Franccedila Equinocial pode ser dividido em duas fases distintas o reconhecimento e a ocupaccedilatildeo A primeira fase foi organizada por La Ravardiegravere com o apoio de Francisco de Rasilly Senhor des Aumels Nicolau de Harlay de Sancy Baratildeo de la Molle e de Gros-Bois com o objetivo de reconhecer a regiatildeo viabilizar a construccedilatildeo de um forte e manter o conviacutevio paciacutefico com os iacutendios para uma posterior ocupaccedilatildeo com colonos Nessa fase a expediccedilatildeo era composta de trecircs navios cuja tripulaccedilatildeo era basicamente de voluntaacuterios muitos deles fidalgos e aventureiros aleacutem de quatro padres capuchinhos e um portuguecircs e alguns iacutendios que se encontravam em degredo na ilha de Fernando de Noronha E foi assim que em 1611 a bandeira francesa com flores-de-lis foi hasteada pela primeira vez no Maranhatildeo em meio aos tupinambaacutes La Ravardiegravere cumpriu sua missatildeo no Brasil regressando seis meses mais tarde agrave Franccedila pondo fim agrave primeira fase da Franccedila Equinocial Em 19 de marccedilo de 1612 zarpa uma frota composta de trecircs navios de Cancale Bretanha La Regente comandada por La Ravardiegravere auxiliado por Rasilly Charlotte com o Baratildeo de Sancy e a nau Sante-Anne com o irmatildeo de Rasilly Entre os tripulantes havia alguns padres capuchinhos entre os quais destacou-se Claude dAbbeville a quem se deve o registro de todos os acontecimentos da Franccedila Equinocial Dois meses depois a frota chega ao Maranhatildeo o desembarque fora completamente paciacutefico mediante o reconhecimento feito por Charles des Vaux acolhido com manifestaccedilotildees de amizade pelos tupinambaacutes Os primeiros dias da colocircnia foram de total alegria e festa contudo La Ravardiegravere resolveu organizaacute-la para garantir uma convivecircncia harmoniosa de esforccedilo convergente e sob a garantia da sua autoridade que seria regida pelas acuteLoys fondamentales eacutetablies en I Isle de Maragnanacute A organizaccedilatildeo da Franccedila Equinocial teve iniacutecio com a construccedilatildeo de um forte mdash batizado por ordem de Rasilly com o nome de Satildeo Luiacutes em homenagem ao rei Luiacutes XIII o Justo e que posteriormente deu origem agrave cidade de Satildeo Luiacutes mdash com vinte peccedilas de artilharia como estava previsto no plano inicial da construccedilatildeo da nova colocircnia Em novembro de 1612 como tudo corria bem para os franceses no Maranhatildeo La Ravardiegravere decidiu-se ir agrave Franccedila para discutir assuntos da colocircnia com a corte

51

ldquoprosseguir na descoberta e conquista do rio das Amazonas e partes adjacentes[]rdquo

(BERREDO14 1905 175-186 Apud SOUTHEY 1981 p 282)

Cumprindo ordens reacutegias a primeira expediccedilatildeo para a reconquista do Maranhatildeo

organizada pelo governador-geral Gaspar de Sousa teve como comandante

Jerocircnimo de Albuquerque15 o efetivo das tropas compreendia centenas de

portugueses brasileiros e indiacutegenas que partiram de Pernambuco por via mariacutetima

em 1613 (GADELHA 2002)

Os auxiacutelios do Forte de Nossa Senhora do Amparo chegaram rapidamente

enquanto do Rio Grande do Norte avanccedilava Felipe Camaratildeo e sua tropa Auxiliado

por eles Martim Soares fundador do Forte de Nossa Senhora do Amparo levantaria

no mesmo ano de 1613 o Forte de Nossa Senhora do Rosaacuterio no litoral conhecido

por Buraco das Tartarugas (Jericoacoara) Cearaacute ponto mais proacuteximo da ilha grande

do Maranhatildeo e da fortaleza dos franceses (GADELHA 2002)

Jerocircnimo de Albuquerque acabou aportando no Maranhatildeo e depois de alguns

revezes fundou em Guaxenduba dentro do periacutemetro urbano da atual Satildeo Luiacutes o

arraial de Santa Maria Nas lutas esporaacutedicas entre franceses e luso-brasileiros

houve impasse ou seja natildeo ocorrera uma vitoacuteria definitiva de nenhuma das partes

resultando numa treacutegua negociada entre La Ravardiegravere e Diogo Campos A ideacuteia era

manter as posiccedilotildees que ocupavam agrave espera de uma decisatildeo das cortes respectivas

Consultadas as Cortes o Rei Felipe III (Rei de Portugal e Espanha) natildeo concordou

com a discussatildeo do problema firmando-se no direito certo que tinha Portugal agrave

posse das terras Determinou que fosse enviada nova expediccedilatildeo militar para ajudar

as forccedilas jaacute quarteladas no Maranhatildeo

14 BERREDO Bernardo Pereira de Anais Histoacutericos do Estado do Maranhatildeo 3ordf ed Florenccedila Tipographia Berbeacutera 1905 15 Filho de Jerocircnimo de Albuquerque cunhado de Duarte Coelho primeiro donataacuterio de Pernambuco e de D Maria do Espiacuterito Santo Arco Verde filha do chefe tabajara Arco Verde fidalgo da Casa Real capitatildeo-mor e conquistador do Rio Grande do Norte e do Maranhatildeo estudou no coleacutegio dos jesuiacutetas de Olinda Em 1597 comandou parte das tropas enviadas ao Rio Grande do Norte para garantir o domiacutenio portuguecircs ameaccedilado pelos piratas franceses e depois de erguido um forte fundada a cidade de Natal 1599 foi entatildeo capitatildeo-mor do Rio Grande de 1603 a 1610 tendo os franceses ocupado terras no Maranhatildeo Jerocircnimo de Albuquerque foi escolhido para comandar uma jornada para expulsaacute-los

52

La Ravardiegravere vendo que natildeo havia mais possibilidades de encontrar uma maneira

diplomaacutetica para resolver o assunto e sabendo de sua inferioridade numeacuterica em

homens e material beacutelico au camp devant le fort de Saint-Louis des Franccedilais

rende-se em 3 de novembro de 1615 ao ultimato do chefe portuguecircs Jerocircnimo de

Albuquerque entregando o Forte da Ilha de Satildeo Luiacutes ao comandante Alexandre

Moura receacutem-chegado de Pernambuco com reforccedilos militares Jerocircnimo de

Albuquerque que desde entatildeo se apelidou Maranhatildeo passou a governar a nova

colocircnia com sede na cidade de Satildeo Luiacutes fundada pelos franceses

A expulsatildeo dos franceses eacute o verdadeiro marco da conquista do litoral no sentido

Leste-Oeste e assinala o iniacutecio da conquista e ocupaccedilatildeo da hinterlacircndia amazocircnica

De acordo com Tordesilhas os domiacutenios de Portugal na extremidade norte da

Ameacuterica do Sul reduziam-se a uma estreita faixa de terra no delta do Rio Amazonas

Entretanto demasiadamente absorvida pelas preocupaccedilotildees de controlar as riquezas

de Potosiacute que financiavam a poliacutetica expansionista na Europa a Espanha pouco se

preocupou com a defesa das extremidades dos seus territoacuterios sul americanos O

litoral amazocircnico conforme indica Aziz Nacib AbSaber uma imensa faixa litoracircnea

que estendendo-se por aproximadamente 1850 km do Cabo Norte atual Amapaacute

ao Maranhatildeo e abrangendo todo o litoral do Paraacute passaria ao controle portuguecircs

Bem-sucedida a campanha contra os franceses no Maranhatildeo autoridades e

povoadores luso-brasileiros empenhariam seus esforccedilos na ocupaccedilatildeo do Gratildeo-Paraacute

vindo a consolidar ateacute meados do seacuteculo XVIII a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia (GADELHA

2002)

32 A Fundaccedilatildeo de Beleacutem

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia inicia-se no periacuteodo dos Felipes (Uniatildeo

Ibeacuterica entre 1580 e 1640) ante a preocupaccedilatildeo de uma possiacutevel incursatildeo holandesa

e inglesa contra a regiatildeo o que poderia colocar em risco as minas de prata do Peru

(TEIXEIRA DA SILVA 1990) A ligaccedilatildeo fluvial dos Andes ao Atlacircntico pelo Rio

Amazonas representava verdadeira ameaccedila agrave seguranccedila do impeacuterio colonial

espanhol na Ameacuterica Era necessaacuterio o controle da entrada desse vasto estuaacuterio e o

bloqueio de acesso aos estrangeiros

53

Gaspar de Sousa governador-geral do Brasil por ordem do vice-rei de Portugal ao

nomear Alexandre Moura comandante da conquista de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo

concedia a seu regimento poderes para que se fizesse a jornada do gram Paraacute e

Rio das Amazonas e se botassem delles os estrangeiros que aly residen (REIS

1948 vol 1 p24)

Em cumprimento a essas ordens reacutegias em 13 de dezembro de 1615 pouco depois

de receber dos franceses o Forte da Ilha de Satildeo Luiz em 3 de novembro daquele

ano Moura nomeava Jerocircnimo de Albuquerque capitatildeo-mor do Maranhatildeo

responsaacutevel por concretizar a colonizaccedilatildeo portuguesa na regiatildeo e Francisco

Caldeira de Castelo Branco capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute dotado de regimento

especial do governador-geral Gaspar de Sousa que lhe concedia autoridade

suficiente para descobrir conquistar e colonizar do Amazonas ateacute o Cabo Norte

(GADELHA 2002)

Recorda Arthur Ceacutezar Ferreira Reis que nesse momento

ldquo A conquista da costa Leste-Oeste estava quase encerrada Seu capiacutetulo final poreacutem ia ser escrito mais adiante no vale amazocircnico onde outros estrangeiros comeccedilavam a instalar-se [] e processava-se evidentemente dentro do meridiano tordesilhano segundo o ponto de vista portuguecircsrdquo (REIS 1948 p23)

Em 25 de dezembro de 1615 Castelo Branco saiacutea do Forte de Satildeo Luiacutes rebatizado

como Forte de Satildeo Felipe em direccedilatildeo ao delta do Amazonas e em janeiro de 1616

adentrava seu largo estuaacuterio Buscaram evitar ao norte a famosa Boca do Dragatildeo

formada pela confluecircncia das aacuteguas dos Rios Paraacute e Tocantins dirigiram-se ao sul

entrando na baiacutea de Guajaraacute formada pela foz dos Rios Guamaacute Maju e Acaraacute e

iniciando na terra firme do territoacuterio tupinambaacute em 12 de janeiro de 1616 a

construccedilatildeo da paliccedilada da Casa Forte de Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem futura

cidade de Nossa Senhora de Beleacutem Entre outros importantes sertanistas que se

destacaram na conquista da regiatildeo acompanhava Castelo Branco o piloto Antocircnio

Vicente Cochado a quem se deve o mapeamento da costa do Maranhatildeo ao Gratildeo-

Paraacute e um jovem alferes que iria se destacar na conquista do vale do Amazonas

Pedro Teixeira Aleacutem do perigo da reaccedilatildeo tupinambaacute Castelo Branco teria de

54

enfrentar holandeses e ingleses que progressivamente instalavam colocircnias e

feitorias desde a Guiana ateacute a regiatildeo do baixo Amazonas (GADELHA 2002)

Curiosamente ao fundar Beleacutem naquelas margens na foz dos Rios Guamaacute Maju e

Acaraacute Castelo Branco acreditava estar sobre as margens do imenso Rio das

Amazonas enganando-se quanto agrave localizaccedilatildeo exata do rio (SOUTHEY 1981)

A fundaccedilatildeo de Beleacutem foi fortemente motivada por razotildees poliacuteticas (PRADO JR

1971) diretamente relacionadas a uma preocupaccedilatildeo estrateacutegica o controle da vasta

regiatildeo da Amazocircnia Os portugueses decidiram simplesmente fechar sua porta de

acesso A construccedilatildeo do Forte do Preseacutepio nuacutecleo original da cidade de Beleacutem

asseguraria o objetivo (PRADO JR 1971) Importante considerar tambeacutem a

perspectiva da conquista de novas terras para plantaccedilatildeo de canaviais e construccedilatildeo

de engenhos assim como a preocupaccedilatildeo de evitar possiacuteveis concorrentes em tatildeo

rica induacutestria Isso explica a investida vitoriosa contra os indiacutegenas nativos e a

ocupaccedilatildeo da costa Leste-Oeste mdash em que a navegaccedilatildeo pelo regime de ventos

tornava difiacutecil a comunicaccedilatildeo com o restante do Brasil mdash bem como as primeiras

accedilotildees empreendidas apoacutes a fundaccedilatildeo de Beleacutem para a expulsatildeo dos estrangeiros

principalmente holandeses ingleses e franceses das margens do Amazonas

(SIMONSEN 1978)

Recorda Regina Maria A Fonseca Gadelha a importacircncia de Pernambuco como

ponto de partida para a expansatildeo portuguesa em direccedilatildeo agrave Amazocircnia

ldquoOs estudos de Arthur Ceacutezar Ferreira Reis demonstram como a ocupaccedilatildeo da fronteira norte e sua inflexatildeo no rumo leste-oeste ligam-se definitivamente ao nuacutecleo da colonizaccedilatildeo de Pernambuco Assim como Satildeo Paulo de Piratininga foi o nuacutecleo de irradiaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo para o sul e para Minas Gerais a vila de Olinda foi o principal ponto de partida e de apoio agrave irradiaccedilatildeo da penetraccedilatildeo portuguesa no litoral setentrional ateacute o Maranhatildeo se expandindo atraveacutes da posse do Gratildeo-Paraacute mdash expansatildeo que adquiriu relevacircncia sobretudo entre 1580 e 1616 data da expulsatildeo dos franceses e incorporaccedilatildeo definitiva desses territoacuterios agrave coroa de Portugalrdquo (GADELHA 2002 p6)

De todo modo a fundaccedilatildeo de Beleacutem atendia agraves novas necessidades da Coroa

Ibeacuterica evitando pocircr em risco o domiacutenio espanhol sobre a regiatildeo A constituiccedilatildeo de

um nuacutecleo urbano deveria funcionar como um marco de posse e de defesa da

55

imensa bacia amazocircnica contra as investidas dos estrangeiros que havia muito

tempo desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo XVI exploravam o peixe-boi e algumas

drogas do sertatildeo (MENDONCcedilA PIRES 2002) devendo ser considerada como o

ecircxito de uma missatildeo poliacutetica e militar de repercussotildees sem precedentes na

Amazocircnia

33 A Expulsatildeo dos Holandeses e Ingleses no Baixo Amazonas

Como foi visto anteriormente ao final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a

Ameacuterica era cada vez mais contestado Barcos pesqueiros atuavam no baixo

Amazonas em busca de novos cardumes pescadores holandeses cortavam e

salgavam o peixe-boi em seus barcos estabelecendo com os portos batavos de

Honfleur e Sluis um rentoso comeacutercio de plantas secas plumas cascas e tabaco

(SOUBLIN 2003)

Para atender agraves suas necessidades comerciais por volta de 1596 holandeses e

ingleses iniciam a montagem de feitorias e pequenos estabelecimentos militares na

regiatildeo do delta do Rio Amazonas As primeiras incursotildees satildeo empreendidas

individualmente por comerciantes motivados pelas possibilidades de lucro Suas

expediccedilotildees partiam para atingir o litoral da Guiana penetrando depois pelo Rio

Amazonas Duas companhias organizadas em Flessingen e em Londres financiaram

posteriormente o empreendimento O comeacutercio que se estabeleceu compreendia a

produccedilatildeo extraiacuteda da floresta principalmente o urucum e madeiras e o pescado

salgado (REIS 1972)

Viu-se tambeacutem que a Coroa Ibeacuterica tinha notiacutecias dessas investidas preocupaccedilatildeo

que resultou na decisatildeo de tomar a foz do Rio Amazonas Castelo Branco foi

nomeado capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute dotado de regimento especial do governador-

geral Gaspar de Sousa que lhe concedia autoridade suficiente para descobrir

conquistar e colonizar do Amazonas ateacute o Cabo Norte Recebera ordens enfim para

expulsar os holandeses e ingleses que estivessem instalados na regiatildeo bem como

para estabelecer-se em Beleacutem e arredores (GADELHA 2002)

56

No proacuteprio ano da fundaccedilatildeo de Beleacutem Pedro Teixeira que viria a ter papel de

destaque na histoacuteria da Amazocircnia aprisiona uma nau holandesa cuja artilharia

serviu para reforccedilar o Forte do Preseacutepio Havia notiacutecia de que holandeses estavam

fixados no Rio Xingu (CAPISTRANO DE ABREU 2000) Em 1623 Teixeira parte

para encontrar os flamengos em uma embarcaccedilatildeo especialmente construiacuteda para a

ocasiatildeo levando consigo um pequeno grupo de soldados brancos e indiacutegenas

aliados para realizar as accedilotildees de combate Alcanccedilou o Xingu tomou e destruiu dois

postos de comeacutercio holandecircs retomando o rio para o controle portuguecircs Mas a

Companhia das Iacutendias Ocidentais16 fundada em 1621 por comerciantes batavos

com o objetivo de exercer o monopoacutelio comercial holandecircs nas Ameacutericas e na Aacutefrica

Ocidental decide fundar no Rio Paru afluente norte do Rio Amazonas outra colocircnia

comercial Para proteger este entreposto foi construiacutedo um pequeno forte destruiacutedo

posteriormente por uma nova accedilatildeo de Teixeira que decide entatildeo construir na

margem sul proacuteximo ao forte holandecircs destruiacutedo o Forte do Gurupaacute Nesse local

atacou e afundou um navio batavo vindo de um ponto distante rio acima do Rio

Tapajoacutes a tripulaccedilatildeo foi morta ou afogou-se mas um jovem inglecircs incorporou-se ao

grupo de Teixeira vindo a ser seu timoneiro preferido para navegar na Amazocircnia

Os reveses sofridos natildeo foram suficientes para afastar os holandeses A Companhia

das Iacutendias Ocidentais envia um navio para restabelecer as feitorias e reconstruir o

forte Em nova accedilatildeo de combate poreacutem Teixeira captura o barco queima-o e leva

seus canhotildees para Beleacutem (SOUBLIN 2003) O uacuteltimo estabelecimento holandecircs

conhecido foi tomado por Sebastiatildeo de Lucena em 1646 no Maicareacute proacuteximo do

Cabo Norte no atual Amapaacute (CAPISTRANO DE ABREU 2000) Impedidos de

adentrar na regiatildeo pelo Rio Amazonas os holandeses decidiram instalar-se mais ao

norte onde mantiveram suas uacutenicas colocircnias na Ameacuterica do Sul as Guianas

Eacute Importante registrar que Luiacutes Aranha Vasconcelos que chegaria a Beleacutem em maio

de 1623 para reforccedilar as tropas do Gratildeo Paraacute recebera ordens expressas do

secretaacuterio portuguecircs Francisco de Lucena em Aranjuez datadas de 4 de maio de

1622 assinadas pelo proacuteprio Felipe IV de Espanha para explorar o curso do Rio 16 Para garantir e ampliar seus negoacutecios na Ameacuterica e na Aacutefrica governo e empresas comerciais privadas holandesas formam em 1621 a Companhia das Iacutendias Ocidentais um misto de sociedade mercantil militarizada e empresa colonizadora com o objetivo de garantir o mercado fornecedor de accediluacutecar e quando possiacutevel criar colocircnias nas regiotildees produtoras A companhia interfere tambeacutem no traacutefico negreiro monopoacutelio entatildeo portuguecircs indispensaacutevel ao modelo de produccedilatildeo accedilucareira instaurado no Brasil

57

em direccedilatildeo a oeste fazer o descobrimento do Cabo Norte e expulsar os

estrangeiros Tais esforccedilos demonstram claramente as intenccedilotildees da Coroa Ibeacuterica

em conquistar a regiatildeo e estender-se mais ao norte possiacutevel preservando a entrada

do Rio Amazonas sob controle espanhol e portuguecircs (REIS 1948 vol 1)

Por sua vez os ingleses preferiram a foz do Rio Amazonas mais proacuteximo do delta

do rio seu estabelecimento mais ocidental segundo Capistrano de Abreu foi

assentado no Cajari Eles tambeacutem foram perseguidos por diversas expediccedilotildees

portuguesas comandadas por Pedro Teixeira e Jaacutecome Raimundo de Noronha que

tomaram navios fizeram prisioneiros e arrasaram fortes No assalto ao forte inglecircs

de Filipe Raimundo de Noronha descreve a apreensatildeo de canhotildees e armas

diversas a morte de 83 estrangeiros o aprisionamento de 13 e a destruiccedilatildeo dos

indiacutegenas combatentes que aterrorizados nunca mais vieram a fazer as pazes com

os estrangeiros (CAPISTRANO DE ABREU 2000) A falta de iacutendios amigos -

fornecedores de tabaco algodatildeo urucum e drogas - desestimula novos

empreendimentos comerciais dificultados ainda mais pela construccedilatildeo do Forte do

Gurupaacute estabelecido em local estrateacutegico no comeccedilo do delta amazocircnico

excelente posto de observaccedilatildeo avanccedilado e precioso complemento do Forte do

Preseacutepio na margem direita do rio Fica assim firmada a presenccedila de Portugal ateacute o

Cabo Norte e livre de inimigos estrangeiros todo o baixo Amazonas (CAPISTRANO

DE ABREU 2000) (Mapa 7)

Esses episoacutedios segundo Ferreira Reis ldquogeralmente esquecidos nas paacuteginas das

crocircnicas nacionaisrdquo (REIS 1948 p 45) revelam que a histoacuteria da Amazocircnia se

iniciou com intensas e prolongadas batalhas fluviais e terrestres que resultaram na

conquista de uma vastiacutessima regiatildeo sob domiacutenio colonial portuguecircs

59

4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar o periacuteodo inicial da conquista e

ocupaccedilatildeo da regiatildeo amazocircnica para aleacutem dos limites impostos pelo Tratado de

Tordesilhas Para facilitar a administraccedilatildeo cria-se o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-

Paraacute separando-o do Estado do Brasil decisatildeo tomada ainda na vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica No alargamento do territoacuterio colonial portuguecircs destacam-se as expediccedilotildees

de Pedro Teixeira e de Antonio Raposo Tavares bem como a atuaccedilatildeo das missotildees

jesuiacutetas no interior da Amazocircnia O periacuteodo marcado pela fixaccedilatildeo portuguesa na

regiatildeo inicia-se em 1616 com a fundaccedilatildeo de Beleacutem e perdura ateacute a primeira

metade do seacuteculo XVIII com a expulsatildeo dos comerciantes holandeses no Rio

Branco

41 A Separaccedilatildeo do Brasil A Criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo

O Estado do Maranhatildeo surgiu como entidade autocircnoma politicamente independente

do Estado do Brasil por determinaccedilatildeo do Rei Felipe III de Espanha - Felipe II de

Portugal - por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 O novo Estado estendia-

se do Rio Oiapoque ao Cabo de Satildeo Roque compreendendo as capitanias do Paraacute

Cumatilde Maranhatildeo e Cearaacute subordinadas ao governo geral de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo

(LOUREIRO 1978) (Mapa 8)

A capitania do Cabo Norte tambeacutem subordinada ao Estado do Maranhatildeo existiu

transitoriamente Foi fundada em 1637 e extinguiu-se de fato apoacutes a morte de seu

donataacuterio em 1642 e seu territoacuterio ter sido incorporado ao Paraacute (HANDELMANN

1982)

O novo Estado compreendia os atuais Estados do Cearaacute Piauiacute Maranhatildeo Paraacute

parte do Amazonas e Amapaacute abrangendo quase toda costa norte e quase todo o

vale amazocircnico

O restante do Brasil constituiacutedo pelas capitanias da coroa do Rio Grande do Norte

ateacute Satildeo Vicente e pelas demais capitanias privadas chamava-se Estado do Brasil

61

Razotildees geograacuteficas se impunham na reorganizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa do

Brasil colonial com a separaccedilatildeo dos dois Estados do Brasil e do Maranhatildeo O

regime dos ventos e das correntes mariacutetimas essenciais para a compreensatildeo das

possibilidades das navegaccedilotildees da eacutepoca levaram Madri a tomar esta decisatildeo

O regime dos ventos explica a maior independecircncia de que desde o iniacutecio da

ocupaccedilatildeo gozaram as autoridades coloniais do Maranhatildeo e do Gratildeo-Paraacute em

relaccedilatildeo ao governador-geral do Brasil pela facilidade de comunicaccedilatildeo direta e mais

raacutepida com Lisboa do que com Salvador A travessia de Lisboa a Beleacutem podia ser

vencida em 45 dias de viagem bem menos custoso do que chegar agrave Bahia ou ao

Rio de Janeiro o que poderia consumir uma jornada de ateacute 3 meses A ligaccedilatildeo de

Satildeo Luiacutes com Beleacutem era realizada em aproximadamente 10 dias de navio agrave vela

(SOUBLIN 2003)

Pilotos e navegadores que cruzavam a linha do Equador viajando pelo Atlacircntico

com destino agraves capitanias do norte do Brasil ou para as Antilhas sabiam que o bom

ecircxito da travessia dependia fundamentalmente do regime desses ventos

Ultrapassada a linha do Equador os aliacutesios sopram na direccedilatildeo leste-oeste e do mar

para a terra facilitando ou impedindo a travessia das naus Uma observaccedilatildeo mais

atenta da carta do litoral setentrional brasileiro indica uma maior inflexatildeo do litoral a

partir de Jericoacoara no Cearaacute dificultando os ventos a ultrapassagem e virada

das naus com destino agraves capitanias do sul Esse fenocircmeno desde cedo foi

conhecido dos pilotos portugueses que temiam a inflexatildeo para o Rio Grande do

Norte conduzindo as naus com maior rapidez da baiacutea do Maranhatildeo para Lisboa do

que para Olinda Recife ou Salvador (GADELHA 2002)

Martim Soares em missatildeo de espionagem ao forte dos franceses por ordem de

Jerocircnimo de Albuquerque depois de cumprido o reconhecimento de Satildeo Luiacutes ao

tentar regressar do Maranhatildeo para o forte de Jericoacoara natildeo conseguiu controlar

seu navio tendo sido inuacuteteis todos os esforccedilos dos pilotos para dominar as monccedilotildees

dos aliacutesios Southey relatando o fato informa

ldquoTinha este descoberta a colocircnia [dos franceses] e reconhecida bem a sua forccedila procurado voltar contra a monccedilatildeo Coisa eacute esta quase impossiacutevel tatildeo constantes sopram os ventos em sentido oposto que uma brisa do

62

Maranhatildeo para Pernambuco se olha para assim dizer como milagrosa Perdido na tentativa um mastro teve afinal de demandar a Espanha como o caminho mais curto para casa dali despachou desde logo o piloto com a notiacutecia para o Brasil e foi ecircle mesmo expor o caso ao ministro em Madrirdquo (SOUTHEY 1981 p283)

Anos depois o padre Antonio Vieira comprovaria o fenocircmeno quando o navio em

que regressava para Pernambuco foi obrigado a se deter no Cearaacute e ele

impossibilitado de seguir viagem teve de regressar a Satildeo Luiacutes

O caminho pelo interior demonstrava ser muito perigoso principalmente devido agrave

presenccedila de grupos indiacutegenas hostis que por muitos anos ainda resistiriam aos

portugueses As travessias por terra eram tambeacutem particularmente penosas em

decorrecircncia dos incertos periacuteodos de estiagem que ocorriam no Piauiacute Cearaacute e

Pernambuco Por essa razatildeo desde o iniacutecio os capitatildees-gerais e governadores do

Maranhatildeo gozaram de maior independecircncia seus regimentos lhes davam amplos

poderes inclusive o poder militar (GADELHA 2002)

Livre de qualquer subordinaccedilatildeo ao Estado do Brasil e em ligaccedilatildeo permanente com

o Reino de onde recebia ordens diretas o Maranhatildeo dispunha de um regimento

especial que lhe fixava as normas dentro das quais devia ordenar a coisa puacuteblica A

criaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo permitia a instalaccedilatildeo de um governo local para uma

vasta regiatildeo que exigia o estabelecimento de uma administraccedilatildeo mais aproximada

da metroacutepole e um governo independente estaria mais capacitado para tomar as

imediatas medidas de proteccedilatildeo e defesa (REIS 1948)

Recorda Arthur Ceacutezar Ferreira Reis que uma legislaccedilatildeo com aproximadamente

2000 documentos constantes das Cartas Reacutegias Alvaraacutes e Decisotildees do Conselho

Ultramarino - guardadas na seccedilatildeo de manuscritos da Biblioteca Estadual do Paraacute no

Arquivo Nacional e na seccedilatildeo de manuscritos do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico

Brasileiro - regulou a vida dos primeiros colonizadores no momento em que

sertanistas soldados e missionaacuterios foram incorporando a Amazocircnia ao impeacuterio

lusitano Essa legislaccedilatildeo determinou normas de administraccedilatildeo fixou planos de

trabalho comutou penalidades por parte do poder puacuteblico estabeleceu diretrizes

para uma conquista e ocupaccedilatildeo da terra e definiu aprovaccedilatildeo estatal para o esforccedilo

que se realizava contra a presenccedila de estrangeiros (REIS 1948)

63

Diversas foram as denominaccedilotildees recebidas ao longo de sua vigecircncia uma

adaptaccedilatildeo agraves prioridades poliacuteticas e econocircmicas que foram surgindo Assim entre

1621 e 1652 Estado do Maranhatildeo com sede em Satildeo Luiacutes reunido novamente ao

Estado do Brasil em 1652 voltou a separar-se 2 anos depois em 1654 quando

recebeu o nome de Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute de 1751 a 1772 tornou-se

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e sua sede foi transferida para Beleacutem mantendo-

se a autonomia do Maranhatildeo que tambeacutem se ligava diretamente a Lisboa sem

subordinaccedilatildeo a Beleacutem em 1772 o Estado do Gratildeo-Paraacute passou a ser denominado

Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro separado do Estado do Maranhatildeo e Piauiacute e em

1774 foram formalmente integrados ao Estado do Brasil Entretanto a integraccedilatildeo

poliacutetica da Amazocircnia com o resto do Brasil soacute se deu com a instalaccedilatildeo da Corte de

Dom Joatildeo VI no Rio de Janeiro em 1808 quando entatildeo as duas capitais Beleacutem e

Manaus se lhe subordinaram17

O Estado do Maranhatildeo sob diversas denominaccedilotildees ao longo de mais cento e

cinquumlenta anos trataraacute de seus assuntos diretamente com Lisboa e soacute se reunificaraacute

de fato ao Estado do Brasil em 1823 apoacutes o advento da Independecircncia O seu

desenvolvimento histoacuterico seraacute diferente daquele Teraacute representantes em Portugal

interesses comerciais proacuteprios poliacutetica colonial independente e governadores gerais

orientados diretamente pelo Rei (LOUREIRO 1978)

42 O Periacuteodo Inicial Durante os primeiros anos de existecircncia a nova colocircnia foi assolada por conflitos

internos rivalidades pessoais entre colonos e principalmente guerras contra os

indiacutegenas Os tupinambaacutes que viviam nos arredores de Beleacutem tinham notiacutecias de

tribos guerreiras massacradas pelos portugueses e obrigadas ao trabalho escravo

nas lavouras suas relaccedilotildees com os franceses eram melhores com quem

mantinham contato mais amigaacutevel

Embora bem recebido e apesar da desconfianccedila natural por conta das informaccedilotildees

que tinham sobre os portugueses Francisco Caldeira de Castelo Branco - fundador

17 Em 1656 o Cearaacute retornava permanentemente ao Estado do Brasil e em 1751 o Piauiacute tornou-se capitania da Coroa dentro do Estado do Maranhatildeo

64

de Beleacutem - natildeo foi capaz de manter boas relaccedilotildees com os nativos os incidentes

comeccedilaram a ocorrer nas primeiras semanas de sua administraccedilatildeo e os indiacutegenas

foram severamente punidos Em resposta as tribos da regiatildeo se aliaram e sob a

lideranccedila de um guerreiro tupinambaacute atacaram Beleacutem O Forte do Preseacutepio estava

bem localizado sobre uma colina cercada por pacircntanos e guarnecido por canhotildees a

superioridade das armas e a resistecircncia portuguesa conseguiram enfraquecer as

accedilotildees dos tupinambaacutes (SOUBLIN 2003)

Castelo Branco iniciou desse modo um periacuteodo de represaacutelias e condenaccedilotildees seu

temperamento e suas praacuteticas violentas contra os indiacutegenas condenados foram

descritos por Capistrano de Abreu rdquoamarrava o condenado a diversas canoas

mandava remar em sentidos opostos ateacute os membros despregarem do troncordquo

(CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 139)

Em novembro de 1618 quase trecircs anos apoacutes a fundaccedilatildeo de Beleacutem a piora de suas

relaccedilotildees com os colonos provocou uma rebeliatildeo Castelo Branco foi deposto

mandado preso para Portugal e morreu na prisatildeo do Limoeiro em Lisboa

(CAPISTRANO DE ABREU 2000) Para substituir o capitatildeo-mor deposto os

colonos escolheram Baltasar Rodrigues que diante do acircnimo dos indiacutegenas

solicitou auxiacutelio de Pernambuco para combater as rebeliotildees O governador-geral

Luiacutes e Souza enviou para Beleacutem socorro comandado pelo novo capitatildeo-mor

Jerocircnimo Fragoso Um dos componentes dessa forccedila expedicionaacuteria Bento Maciel

Parente que veio a se tornar conhecido por sua brutalidade com os tupinambaacutes e

temido por sua violecircncia massacrou indistintamente todas as tribos em guerra da

regiatildeo Os sobreviventes aderiram aos portugueses e os afluentes da margem sul do

Amazonas abaixo do Tocantins natildeo mais ameaccedilaram Beleacutem O novo capitatildeo-mor

que fora nomeado para governar o Maranhatildeo Jerocircnimo Fragoso faleceu logo apoacutes

sua chegada Bento Maciel Parente assumiu deste modo o comando da colocircnia

governando-a por 4 anos ateacute 1627 quando da vinda de Manuel de Souza de Saacute

nomeado para o cargo

Lembra John Hemming que a documentaccedilatildeo existente sobre os primeiros 35 anos

da ocupaccedilatildeo portuguesa no Paraacute e no baixo Amazonas eacute relativamente pequena

Os relatos histoacutericos mais contundentes desse periacuteodo foram feitos pelo

65

contemporacircneo Vicente de Salvador18 (1564 -1636 ou 1639) e posteriormente por

Bernardo Pereira de Berredo19 (Governador do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo Paraacute

entre 1718 e 1722) somados a alguns documentos oficiais e breves relatos dos

missionaacuterios capuchinhos e de alguns exploradores como Simatildeo Estaacutecio da

Silveira20

Essas fontes revelam que a situaccedilatildeo inicial de colonizaccedilatildeo da Amazocircnia eacute de quase

anarquia com permanentes conflitos de interesse entre os colonizadores e

sobretudo uma eacutepoca de muito sofrimento para os iacutendios Os colonos da vila de

Beleacutem conquistaram as tribos ocupantes das margens dos rios que corriam para o

norte do Paraacute do baixo Tocantins e de outros rios entre ele e o Xingu Algumas

tribos foram atraiacutedas para Beleacutem com a promessa de receberem mercadorias

outras simplesmente apresadas em ataques surpresas (HEMMING 1997)

Nas primeiras trecircs deacutecadas de sua existecircncia Beleacutem enfrentou constantes

rivalidades internas (GOacuteES FILHO 2001) deposiccedilatildeo de governos confusas

manobras de sucessatildeo Entretanto as accedilotildees para a expulsatildeo dos estrangeiros

holandeses e ingleses empreendidas por Pedro Teixeira e Jaacutecome Raimundo de

Noronha e o contato com os indiacutegenas arregimentados mais pela forccedila do que pelo

convencimento permitiram aos portugueses o aprendizado necessaacuterio para a luta

em pequenas canoas tais como instalar pequenos canhotildees nessas embarcaccedilotildees

utilizar teacutecnicas de emboscada e combater sob tempestades tropicais Os timoneiros

foram familiarizados com a regiatildeo do baixo Amazonas houve a instalaccedilatildeo e a

guarniccedilatildeo de pequenos fortes avanccedilados que passaram a atrair novos colonos

principalmente para Gurupaacute Macapaacute e Gametaacute no Rio Tocantins (SOUBLIN 2003)

A ocupaccedilatildeo progredia lentamente expandindo-se rio acima numa intrincada rede

hidrograacutefica e aos poucos foi consolidando a presenccedila portuguesa na Amazocircnia

18 Autor de Histoacuteria do Brasil concluiacuteda em 20 de dezembro de 1627 ficou ineacutedita ateacute 1888 19 Autor de Anais Histoacutericos do Estado do Maranhatildeo em que se daacute notiacutecia de seu descobrimento e tudo o mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto ateacute o de 1718 20 Autor da Relaccedilatildeo Sumaacuteria das Cousas do Maranhatildeo concluiacuteda em 1619 e publicada em Lisboa em 1624

66

43 As Implicaccedilotildees da Uniatildeo Ibeacuterica21 O impeacuterio colonial ibeacuterico que durou de 1580 a 1640 estendendo-se de Macau na

China a Potosi no Peru foi de fato como lembra o historiador Charles Ralph

Boxer o primeiro impeacuterio mundial onde o sol nunca se punha (BOXER 1981)

Natildeo houve grande resistecircncia agrave ocupaccedilatildeo da Coroa portuguesa por Felipe II de

Espanha A maioria da nobreza portuguesa e do alto clero eram favoraacuteveis agrave uniatildeo

21 Ocorreu entre 1580 e 1640 quando a dinastia Filipina governou Espanha e Portugal sob reinado comum Os reis que governaram nesse periacuteodo foram Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) entre 1580 a 1598 Filipe III de Espanha (Filipe II de Portugal) entre 1598 e 1621 e Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal) entre 1621 e 1640 A dinastia filipina subiu ao trono portuguecircs na crise sucessoacuteria de 1580 iniciada apoacutes a morte do Rei D Sebastiatildeo de Portugal na batalha de Alcaacutecer-Quibir Sem descendentes seus em linha direta e do seu sucessor e tio-avocirc o Cardeal-Rei D Henrique havia trecircs hipoacuteteses de sucessatildeo -Catarina de Portugal neta de Manuel I de Portugal casada com Joatildeo I Duque de Braganccedila ou o seu filho adolescente Teodoacutesio -Antoacutenio Prior do Crato neto de Manuel I mas por via ilegiacutetima e -Filipe de Habsburgo Rei de Espanha tambeacutem neto de Manuel I por via feminina Apoacutes intensas negociaccedilotildees Filipe de Espanha acabou por ser reconhecido como rei de Portugal nas Cortes de Tomar de 1581 No entanto a ideacuteia da perda de independecircncia levou a uma revoluccedilatildeo liderada pelo prior do Crato que chegou a ser proclamado rei em 1580 e governou ateacute 1583 na Ilha Terceira nos Accedilores O prior do Crato acabaria derrotado sobretudo pelo apoio da nobreza tradicional e da burguesia a Filipe Para conseguir esses apoios Filipe comprometeu-se a manter e a respeitar os foros costumes e privileacutegios dos portugueses O mesmo aconteceria com os ocupantes de todos os cargos da administraccedilatildeo central e local assim como com os efetivos das guarniccedilotildees e das frotas da Guineacute e da Iacutendia Nas cortes estiveram presentes todos os procuradores das vilas e cidades portuguesas exceccedilatildeo feita agraves accedilorianas fieacuteis ao rival derrotado de Filipe II o prior do Crato Era o princiacutepio da uniatildeo pessoal que vigoraria sem grandes alteraccedilotildees ateacute cerca de 1620 Portugal e Espanha juntos passaram a formar o maior Impeacuterio que jaacute existiu no mundo em todos os tempos chamado de Uniatildeo Ibeacuterica e compreendia territoacuterios do Meacutexico Cuba Ameacuterica Central Ameacuterica do Sul Aacutefrica Iacutendia (Goa Calicute) Filipinas China (Macau Cantatildeo) Indoneacutesia (Timor Leste) e o Sacro Impeacuterio Romano-Germacircnico jaacute que Filipe II era da dinastia dos Habsburgos Os reinados de Filipe I e Filipe II foram relativamente paciacuteficos principalmente porque a monarquia espanhola pouco interferiu nas questotildees de Portugal que continuavam a ser administradas por portugueses A partir de 1630 jaacute no reinado de Filipe III a situaccedilatildeo evoluiu para uma maior interferecircncia espanhola e um crescente descontentamento As inuacutemeras guerras em que Espanha se vira envolvida nos uacuteltimos anos contra os Paiacuteses Baixos (Guerra dos Oitenta Anos) e Inglaterra por exemplo haviam custado vidas portuguesas e oportunidades comerciais Duas revoltas portuguesas em 1634 e 1637 natildeo chegaram a ter proporccedilotildees perigosas mas em 1640 o poder militar espanhol ficou reduzido pela guerra com a Franccedila e a revolta na Catalunha A gota daacutegua foi a intenccedilatildeo do Conde Duque de Olivares em 1640 de usar tropas portuguesas contra os catalatildees que estavam igualmente descontentes O Cardeal de Richelieu atraveacutes dos seus agentes em Lisboa encontrou um liacuteder em Joatildeo II Duque de Braganccedila neto de Catarina de Portugal Aproveitando-se da vantagem da falta de popularidade da governadora Margarida de Saboacuteia Duquesa de Macircntua e do seu secretaacuterio de estado Miguel de Vasconcelos os liacutederes do partido da independecircncia conduziram uma revoluccedilatildeo nacionalista em 1ordm de dezembro de 1640 A 15 de dezembro de 1640 o Duque de Braganccedila foi aclamado Rei como Dom Joatildeo IV Muitos historiadores consideram que a Uniatildeo das Coroas Ibeacutericas foi prejudicial ao Reino Portuguecircs devido agraves guerras travadas na Europa pelos reis Habsburgo A partir daiacute deflagrou-se um periacuteodo de decliacutenio poliacutetico de endividamento e de dependecircncia econocircmica que diminuiacuteram consideravelmente o poderio lusitano no continente e no mundo colonial

67

Ainda sob o efeito da fracassada accedilatildeo militar do Rei Dom Sebastiatildeo na batalha de

Alcaacutecer Quibir verdadeiro desastre para Portugal o povo e o baixo clero natildeo

estavam organizados suficientemente para se oporem agraves propostas de uniatildeo o que

havia naquele momento com a perda do Rei era desacircnimo e falta de lideranccedila A

cruzada contra os mouros causou seacuterios prejuiacutezos para a economia do paiacutes Era

necessaacuterio pagar resgates elevados para recuperar os milhares de cativos

capturados

Apesar disso o sentimento nacional portuguecircs ainda era bastante forte e como

lembra novamente Charles Ralph Boxer o proacuteprio Felipe II foi bastante prudente

para assegurar que em 1581 na Assembleacuteia das Cortes que sancionou legalmente

a sua ocupaccedilatildeo da Coroa os dois impeacuterios coloniais permanecessem com relativa

autonomia constituindo-se em entidades separadamente administradas O modelo

de uniatildeo era o mesmo adotado pelo Reino Unido da Escoacutecia e da Inglaterra as duas

Coroas passariam a ter uma uniatildeo pessoal da monarquia O mesmo rei Rei Felipe II

de Espanha e Felipe I de Portugal jurou preservar as leis e a liacutengua portuguesa

consultar os conselheiros portugueses em todos os assuntos que dissessem

respeito a Portugal e agraves possessotildees portuguesas e nomear apenas funcionaacuterios

portugueses para essas possessotildees Ficavam os espanhoacuteis expressamente

proibidos de comerciar ou se estabelecer em territoacuterios portugueses e os

portugueses de comerciar e de se estabelecer em territoacuterios espanhoacuteis (BOXER

1981)

Esse periacuteodo de uniatildeo das coroas produziu enormes reflexos no vastiacutessimo impeacuterio

colonial ibeacuterico O movimento de expansatildeo para os sertotildees da Ameacuterica Portuguesa

conhecido hoje como bandeirismo22 pode ser avaliado sob polecircmica e controvertida

interpretaccedilatildeo de renomados historiadores No cerne da questatildeo a discussatildeo sobre

os efeitos dessa uniatildeo sobre a expansatildeo territorial portuguesa para aleacutem dos limites

previstos no Tratado de Tordesilhas

A uniatildeo ibeacuterica eacute considerada por alguns como fundamental para o surgimento e

desenvolvimento do movimento bandeirante Natildeo havendo fronteiras que definissem

22 Os reflexos do bandeirismo para a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia seratildeo abordados em item especiacutefico

68

a Ameacuterica portuguesa da Ameacuterica espanhola os colonos portugueses e luso-

brasileiros estariam implicitamente autorizados a transitar sobre esse territoacuterio

comum suacuteditos que eram do mesmo rei A defesa dessa primeira tese alega que

natildeo havia fronteiras na Ameacuterica sob as mesmas ordenaccedilotildees estavam todos em um

uacutenico espaccedilo colonial comum

O historiador Alfredo Ellis Junior defende a ideacuteia da inexistecircncia de limites entre o

domiacutenio espanhol e portuguecircs nesse periacuteodo ldquoOs moradores de ambas as regiotildees

poliacuteticas natildeo tinham barreiras para passar dos domiacutenios espanhoacuteis para os

portugueses pois essas reparticcedilotildees poliacuteticas pertenciam a uma soacute naccedilatildeordquo (ELLIS

Jr23 1944 p 65 apud GOacuteES FILHO 2001 p 97)

Cassiano Ricardo considera como favoraacutevel agrave expansatildeo bandeirante rdquoa remoccedilatildeo do

mito juriacutedico (a linha de Tordesilhas) que era imobilizador e a exacerbaccedilatildeo do mito

do ouro que era expansionistardquo (RICARDO24 1954 p 34 apud GOacuteES FILHO

2001 p 98)

A outra tese defendida agrave luz de vasta documentaccedilatildeo oficial e outras fontes sustenta

que as naccedilotildees ibeacutericas permaneceram independentes na Ameacuterica cada uma

tratando de seus proacuteprios interesses tendo permanecido separados como antes o

que era espanhol do que era portuguecircs

Defensor mais veemente da separaccedilatildeo das colocircnias Jaime Cortesatildeo chega a

afirmar que o Brasil nunca foi espanhol durante o periacuteodo filipino

ldquoBem longe de formar com a Espanha uma soacute naccedilatildeo Portugal conservava todos os seus foros liberdades e privileacutegios usos e costumes formando reino e coroa a parte tanto na metroacutepole como nas proviacutencias ultramarinasldquo (CORTESAtildeO25 1958 p 78 apud GOacuteES FILHO 2001 p 98)

O comprometimento de Felipe II de Espanha - Felipe I de Portugal - assumido na

Assembleacuteia das Cortes em 1581 quando da aceitaccedilatildeo oficial da uniatildeo de 23 ELLIS JR Alfredo Raposo Tavares e sua eacutepoca Rio de Janeiro p 65 Joseacute Olympio 1944 24 RICARDO Cassiano O Tratado de Petroacutepolis p 34 Rio de Janeiro Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores 1954 25 CORTESAtildeO Jaime Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial do Brasil p 78 Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura Rio de Janeiro 1958

69

estabelecer riacutegida separaccedilatildeo na administraccedilatildeo dos assuntos coloniais as vaacuterias

cartas reacutegias e outras instruccedilotildees agraves colocircnias no que se referem aos interesses

especiacuteficos de cada Coroa em alguns casos conflitantes e as proibiccedilotildees de contato

entre as colocircnias tudo leva a considerar que a uniatildeo ibeacuterica natildeo pode ser vista

como causa do movimento bandeirante As duas Ameacutericas espanhola e portuguesa

permaneceram separadas natildeo soacute pelas distacircncias consideraacuteveis mas sobretudo

porque se mantiveram com identidades culturais e administrativas particularmente

distintas uma da outra

O que se pode afirmar dessa discussatildeo polecircmica eacute que natildeo se pode garantir que o

movimento portuguecircs de expansatildeo territorial teria se desenvolvido da mesma

maneira tivesse Espanha tomado medidas de defesa mais efetivas para conter o

avanccedilo lusitano nos sertotildees americanos e sobretudo natildeo sendo obrigada a tratar

Portugal com a reverecircncia de um aliado eacute possiacutevel e mesmo provaacutevel que o

bandeirismo natildeo teria alcanccedilado resultados territoriais tatildeo expressivos Outra

avaliaccedilatildeo permite considerar que o periacuteodo da uniatildeo ibeacuterica foi favoraacutevel para a

expansatildeo territorial para o interior particularmente na Amazocircnia e no Centro-Oeste

e extremamente desfavoraacutevel para os interesses coloniais portugueses com a

invasatildeo pelos holandeses inimigos de Espanha de possessotildees lusitanas na Aacutefrica

na Aacutesia e no rico nordeste brasileiro

No caso particular da Amazocircnia a unidade ibeacuterica representada por um soberano

comum permitiu que a expansatildeo portuguesa fosse natildeo soacute autorizada por Madri

como tambeacutem foi determinado que os esforccedilos para a expulsatildeo de estrangeiros e a

guarda do litoral norte coubessem aos lusitanos A unidade poliacutetica do periacuteodo

filipino permitiu a legalidade das accedilotildees portuguesas desde a conquista de Satildeo Luiacutes

e a fundaccedilatildeo de Beleacutem Era preciso proteger o Vice Reinado do Peru das investidas

holandesas e inglesas os estabelecimentos espanhoacuteis no litoral venezuelano natildeo

possuiacuteam elementos para qualquer empreendimento distante Nesse contexto o

controle da entrada da bacia amazocircnica era essencial e os portugueses mais

habilitados para conduzir a empreitada

As notiacutecias que chegavam aos ouvidos de Madri sobre a presenccedila de estrangeiros

na regiatildeo conduziram agrave decisatildeo em 1613 de Felipe III de Espanha - Felipe II em

70

Portugal - de ordenar ao novo governador do Brasil Gaspar de Sousa que

estabelecesse residecircncia em Olinda de onde melhor poderia acompanhar e

comandar as iniciativas destinadas a expulsar quaisquer invasores especialmente

os franceses e prosseguir na descoberta e conquista daquelas terras do Rio das

Amazonas Depois de realizadas as accedilotildees militares e estabelecida a treacutegua entre

portugueses e franceses no Maranhatildeo jaacute em 1615 Felipe III tambeacutem natildeo aceitou

negociar com o Rei da Franccedila e natildeo abriu matildeo de Satildeo Luiacutes defendendo os

interesses metropolitanos particularmente neste caso o interesse lusitano

Importantes decisotildees foram tomadas em relaccedilatildeo agrave Amazocircnia nesse periacuteodo o

prosseguimento da expediccedilatildeo de conquista e fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616

realizado em cumprimento agraves ordens reacutegias de Madri a separaccedilatildeo do Estado do

Maranhatildeo do Estado do Brasil decidida por determinaccedilatildeo real apoacutes ouvido o

Conselho de Estado por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 e os reforccedilos

militares em pessoal e material enviados para socorrer os portugueses do

Maranhatildeo

Documentos espanhoacuteis existentes no Museu Britacircnico datados de 4 de novembro

de 1621 enviados de Madri ao Conselho do Governo em Lisboa e revelados por Rio

Branco em suas memoacuterias sobre os limites com a Guiana Francesa indicam

claramente a intenccedilatildeo da Espanha de utilizar-se dos portugueses para a conquista e

ocupaccedilatildeo da regiatildeo

ldquoque se poblasse la costa que corre del Brasil hasta Santo Thomeacute de Guyana y Bocas Del Drago y los demais rios y los que fuerem tan anchos que no alcance la artilharia de uma parte aacute outra se fortifiquem y aunque esta conquista es la Corona de Castilla se podria encomendar a la de Portugal por venirles mas a quenta y que por la noticia que ay de que en la otra costa ay poblaciones deIngleses y Olandeses se podria embiar a reconozer e conforme lo que huviesse podraacute tomar resolucion y prevehir lo necessaacuterio para echar losrdquo (REIS 1948 p 39)

Haacute registros tambeacutem lembra Ferreira Reis de que irlandeses catoacutelicos tentaram

mais de uma vez obter autorizaccedilatildeo para se instalarem na regiatildeo amazocircnica junto agrave

Corte de Espanha solicitaccedilotildees que sempre foram negadas veementemente por

Madri por serem esses irlandeses suacuteditos da monarquia inglesa

71

Natildeo haacute duacutevida de que a poliacutetica colonial de Madri durante a vigecircncia da uniatildeo

ibeacuterica foi conduzida com o propoacutesito de garantir a defesa dos territoacuterios

amazocircnicos resguardando e protegendo o Vice-Reinado do Peru pelo seu acesso

atlacircntico das investidas estrangeiras e evidenciada sobretudo pelos esforccedilos

militares despendidos para a conquista e manutenccedilatildeo desses territoacuterios Tambeacutem

natildeo resta duacutevida de que espanhoacuteis e portugueses tinham seus proacuteprios interesses e

mantiveram-se distintos em sua personalidade fiacutesica poliacutetica e social razatildeo pela

qual com o advento da Restauraccedilatildeo em 1640 Portugal passou a reivindicar

aqueles territoacuterios da vastiacutessima bacia amazocircnica para seu impeacuterio colonial onde jaacute

andava avanccedilado o processo de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo lusitano

44 A Expediccedilatildeo de Pedro Teixeira

Em 5 de fevereiro de 1636 os frades espanhoacuteis Andreacutes de Toledo e Domingo de

Brieva desembarcaram em Beleacutem acompanhados por seis soldados A pequena

tripulaccedilatildeo narrou a histoacuteria de que vinham de Quito e haviam sobrevivido a uma

expediccedilatildeo que partira com o propoacutesito de evangelizar a Amazocircnia peruana O

governador do Gratildeo-Paraacute Jaacutecome Raimundo de Noronha informado dos fatos

decidiu enviar uma expediccedilatildeo para reconhecer em sentido inverso o percurso

realizado pelos espanhoacuteis Havia a desconfianccedila por parte dos portugueses de que

apesar da distacircncia e dos indiacutegenas hostis ao longo do caminho pudessem os

castelhanos ricamente instalados na poderosa Quito descer os rios e atacar Beleacutem

(SOUBLIN 2003)

Por outro lado se a viagem fosse bem sucedida poderia permitir a conquista de

terras para Portugal e o acesso ao comeacutercio com os espanhoacuteis instalados em uma

rica regiatildeo mineradora (GOacuteES FILHO 2001)

72

Noronha escolheu para comandar a missatildeo o capitatildeo-mor Pedro Teixeira26

conhecido por ter participado de inuacutemeras accedilotildees de combate da tomada de Satildeo

Luiacutes da fundaccedilatildeo de Beleacutem de guerras contra iacutendios hostis da expulsatildeo de

estrangeiros e de missotildees sertanistas no baixo Amazonas Jaime Cortesatildeo cita o

que fora ordenado a Pedro Teixeira em outubro de 1637 ldquoReconhecer

minuciosamente o rio ateacute Quito verificar os melhores lugares em que o rio pudesse

ser fortificado () e finalmente fundar () uma povoaccedilatildeo que marcasse os limites

no Amazonas da soberania portuguesardquo (CORTESAtildeO 1965 p 405) A Uniatildeo das

Coroas facilitava a decisatildeo de empreender esse tipo de missatildeo a incursatildeo natildeo

deveria ser vista como intromissatildeo inimiga em terras espanholas

A grande expediccedilatildeo fluvial de Pedro Teixeira partiu de Gurupaacute em 28 de outubro de

1637 com 70 soldados e aproximadamente 1200 iacutendios flecheiros embarcados

em 47 canoas de grande porte O guia escolhido foi o Frei Domingos de Brieva o

religioso que havia descido o rio recentemente A incursatildeo considerada por muitos

historiadores como a maior faccedilanha sertanista da Amazocircnia tinha por objetivo

viabilizar o acesso agrave regiatildeo peruana por via atlacircntica e marcar a presenccedila

portuguesa o mais adentro possiacutevel do territoacuterio

A expediccedilatildeo da qual faziam parte entre outros o cronista Mauriacutecio de Heriarte e

alguns religiosos como o capelatildeo franciscano Agostinho das Chagas lanccedilou-se

para Oeste contra a correnteza conduzida por iacutendios remeiros pela calha do Rio

Amazonas Os acampamentos eram improvisados e pousava-se onde era possiacutevel

26 Nasceu na Vila de Cantanhede a 20 km de Coimbra Portugal em 1587 Pouco se conhece sobre sua famiacutelia e os primeiros anos de sua vida Chegou ao Brasil em 1607 Apoacutes a expulsatildeo dos franceses do Maranhatildeo no final de 1615 o governo portuguecircs envia uma expediccedilatildeo agrave foz do Rio Amazonas visando consolidar sua posse sobre a regiatildeo A forccedila lusa foi constituiacuteda de trecircs companhias e como subalterno de uma delas segue o entatildeo alferes Pedro Teixeira em 12 de janeiro de 1616 a tropa entrou na Baiacutea de Guajaraacute e em local bem selecionado foi erguido o Forte que tomou o nome de Preseacutepio origem da atual cidade de Beleacutem Naquele mesmo ano Teixeira participou da abertura de uma estrada ligando as Capitanias do Paraacute e Maranhatildeo em 1622 do ataque e tomada de um forte holandecircs em 1625 de uma viagem de exploraccedilatildeo pelo baixo Amazonas e em 1631 da defesa do assalto inglecircs ao Forte Santo Antocircnio A maior de todas as suas faccedilanhas teria iniacutecio em outubro de 1639 agrave frente de mais de 1000 homens entre militares iacutendios e colonos empreende viagem de exploraccedilatildeo da calha do Rio Amazonas partindo de Beleacutem Empregando cerca de 50 grandes canoas Teixeira atinge Quito no Equador e regressa a Beleacutem depois de haver percorrido mais de 7000 km de rios e trilhas Contribuiria com esse feito para assegurar a posse de vasta porccedilatildeo da bacia Amazocircnica para Portugal Teixeira foi nomeado para o cargo de capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute tomando posse em fevereiro de 1640 mas sua gestatildeo foi curta durando ateacute maio de 1641 Em 4 de julho desse ano faleceu na mesma Beleacutem que auxiliou a fundar e consolidar

73

A navegaccedilatildeo seguia sempre agraves mesmas horas do dia Valendo-se do conhecimento

e da adaptaccedilatildeo agrave selva Teixeira alcanccedilou a confluecircncia do conhecido Rio Tapajoacutes

descobriu e batizou o Rio Madeira instalou-se por algum tempo no Rio Negro

navegou o Solimotildees atravessando a terra dos iacutendios omaguaacutes e penetrando a

regiatildeo que hoje pertence ao Peru deixou o curso principal do Solimotildees subindo um

afluente o Rio Napo Oito meses depois em 24 de junho de 1638 com menos da

metade da tripulaccedilatildeo a mais de 3500 km de distacircncia de Beleacutem Teixeira finalmente

alcanccedilou Quito

O presidente do Tribunal de Quito responsaacutevel pelo governo local ficou alarmado

com o feito de Teixeira Temia que o rio comeccedilasse a ser utilizado pelos

portugueses para a conquista do Peru Depois de mais de 7 meses em Quito

Teixeira foi entatildeo mandado de volta acompanhado por dois jesuiacutetas destacados

pelas autoridades espanholas especialmente para descrever a jornada Cristobal

de Acuntildea e Andreacutes de Artieda Em 16 de fevereiro de 1639 Teixeira iniciou a viagem

de retorno para Beleacutem

Em 16 de agosto de 1639 provavelmente agraves margens do Rio Napo na confluecircncia

com o Rio Aguarico Pedro Teixeira fundou o povoado da Franciscana que

conforme as instruccedilotildees no seu regimento deveria servir ldquo() de baliza aos domiacutenios

das duas Coroasrdquo Natildeo restaram vestiacutegios dessa povoaccedilatildeo e natildeo haacute muitas

informaccedilotildees sobre ela questiona-se inclusive a autenticidade da famosa Ata de

Franciscana divulgada por Bernardo Pereira de Berredo27 no seacuteculo XVIII em que o

historiador afirma ter copiado a referida Ata do arquivo de Beleacutem onde natildeo mais se

encontra (GOacuteES FILHO 2001) (Mapa 9)

Mas o registro da fundaccedilatildeo de Franciscana permaneceu e eacute hoje considerado como

ensina Heacutelio Vianna rdquoda maior importacircncia para a histoacuteria da expansatildeo portuguesa

na Ameacuterica do Sulrdquo (VIANNA 1974 p300)

27 Historiador e governador do Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute no periacuteodo de 1718 a 1722 autor de Annaes Historicos do Estado de Maranhatildeo em que se da noticia do seu descobrimento e tudo o mais que nelle tem succedido desde o anno em que foy descuberto ate o de 1718 editado em Lisboa 1749

75

Pedro Teixeira chegou a Beleacutem em 12 de dezembro de 1639 depois de quase dez

meses de viagem e tornou-se assim o primeiro homem a ter percorrido toda a

extensatildeo do mais caudaloso rio do mundo numa extenuante viagem de ida e volta

Essa expediccedilatildeo foi descrita por Cristobal de Acuntildea no livro Nuevo Descubrimento

del Grande Rio de las Amazonas editado em Madri em 1641 Acuntildea era um dos

jesuiacutetas espanhoacuteis que por ordens de Quito havia embarcado com Teixeira para o

retorno a Beleacutem O governo espanhol mandou imediatamente recolher e destruir a

publicaccedilatildeo Preocupava-se com a divulgaccedilatildeo da rota para as minas peruanas e com

as pretensotildees territoriais portuguesas relacionadas agraves suas colocircnias na Ameacuterica

sobretudo depois da Restauraccedilatildeo receacutem-ocorrida em 1640 A medida entretanto

natildeo impediu que mais tarde a expediccedilatildeo fosse usada pela Coroa lusitana para

reivindicar a posse da Amazocircnia Embora estivesse Portugal ainda sob o domiacutenio espanhol na eacutepoca da expediccedilatildeo

Pedro Teixeira tomava posse das terras para os portugueses em nome de Felipe IV

Rei de Espanha e de Portugal No ato de fundaccedilatildeo de Franciscana lavrou a ata

diante de testemunhas espanholas e portuguesas conforme transcriccedilatildeo de Arthur

Ceacutezar Ferreira Reis

ldquoQue tomava posse das ditas terras e sitio em nome de El Rey Felippe IV nosso Senhor pela Corocirca de Portugal se havia quem a dita posse contradissesse ou tivesse embargos que lhe pocircr que alli estava o Escrivatildeo da dita jornada e descobrimento que lhes receberia por quanto alli vinhatildeo Religiosos da Companhia de Jesus por ordem da Real Audiencia de Quito e porque he terra remota e povoada de muitos Indios natildeo houve por elles nem por outrem quem lhe contradissesse a dita posse pelo que eu Escrivatildeo tomey terra nas matildeos e a dey na matildeo do Capitatildeo mor e em nome de El Rey Fillipe IV nosso Senhor o que houve por metido e envestido na dita posse pela Coroa de Portugal do dito sitio e mais terras rios navegaccedilotildees e commerciordquo (REIS 1948 tomo I p 52-53)

Eacute importante considerar que o empreendimento expedicionaacuterio de Pedro Teixeira

teve origem oficial em cumprimento agraves ordens do governador do Gratildeo-Paraacute Jaime

Cortesatildeo conclui que as instruccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado que marcasse o

limite entre terras portuguesas e espanholas tomando posse da enorme regiatildeo

situada a leste desse marco e a proximidade da data de separaccedilatildeo das Coroas

ibeacutericas estariam intimamente relacionadas a uma conspiraccedilatildeo que resultaria na

independecircncia de Portugal em 1640 Na opiniatildeo do historiador a expediccedilatildeo de

76

Pedro Teixeira tratava de assegurar para os portugueses a posse da maior parte do

Rio Amazonas antes que ocorresse a separaccedilatildeo das Coroas naquele momento

desejada em Portugal (GOacuteES FILHO 2001)

Os portugueses natildeo conseguiriam manter a fronteira em Franciscana supostamente

construiacuteda em territoacuterio do Equador atual mas graccedilas agrave expediccedilatildeo de Pedro

Teixeira viriam a fixaacute-la no Rio Javari a mais de 2500 km da foz do Rio Amazonas

A expediccedilatildeo natildeo se tornou apenas um iacutecone na histoacuteria das exploraccedilotildees foi

tambeacutem em decorrecircncia dela que a maior parte da regiatildeo amazocircnica e praticamente

todo o curso principal do rio passariam a fazer parte do impeacuterio colonial portuguecircs e

posteriormente do territoacuterio brasileiro

45 O Bandeirismo

ldquoA obra das bandeiras paulistas natildeo pode ser bem compreendida em toda a sua extensatildeo se natildeo a destacarmos um pouco do esforccedilo portuguecircs como um empreendimento que encontra em si mesmo uma explicaccedilatildeo embora ainda natildeo ouse desfazer-se de seus viacutenculos com a metroacutepole europeacuteia e que desafiando todas as leis e todos os perigos vai dar ao Brasil sua atual silhueta geograacuteficardquo (HOLANDA 2004 p 101)

Em finais do seacuteculo XVI surgiu o fenocircmeno histoacuterico mais caracteriacutestico do Brasil o

bandeirismo ou bandeirantismo Esse fenocircmeno provocou a expansatildeo geograacutefica do

impeacuterio colonial portuguecircs para muito aleacutem dos traccedilados previstos pela linha de

Tordesilhas O movimento bandeirante pode ser compreendido como um conjunto

de inuacutemeras accedilotildees de penetraccedilatildeo territorial ocorridas aproximadamente entre 1580

e 1730 a partir de Satildeo Paulo que tinham por objetivo a caccedila ao iacutendio para

escravizaccedilatildeo de matildeo-de-obra e a procura de metais e pedras preciosas (Mapas 10

e 11)

As penetraccedilotildees realizadas a peacute e depois em canoas a partir de Satildeo Paulo sempre

de canoas a partir de Beleacutem e em uma pequena armada na fundaccedilatildeo da Colocircnia

de Sacramento resultaram no principal acontecimento do periacuteodo colonial a

dilataccedilatildeo de limites com a ocupaccedilatildeo de dois terccedilos do territoacuterio nacional atual

legalizada posteriormente em 1750 entre Portugal e Espanha quando da

assinatura do Tratado de Madri (GOacuteES FILHO 2001)

79

A fixaccedilatildeo dos portugueses no interior do continente americano resultado desta

penetraccedilatildeo natildeo ocorreu como recorda A H de Oliveira Marques em uma aacuterea

contiacutenua e com populaccedilotildees presas ao cultivo da terra pelo contraacuterio verificava-se

em pontos quase isolados verdadeiras ilhas de povoamento ao redor de um ponto

de passagem ou parada ou de uma jazida de exploraccedilatildeo de mineacuterio ocorria com

pequenos grupos de homens que geralmente se instalavam em territoacuterio pouco

conhecido muito distante do litoral e com precaacuterias comunicaccedilotildees com os centros

de irradiaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo (OLIVEIRA MARQUES 1998)

Quando esse movimento de expansatildeo se estabiliza principalmente com as

descobertas minerais jaacute na sua fase final fundam-se vilas povoa-se o interior e

inicia-se a criaccedilatildeo de gado podendo-se afirmar que a maior parte da expansatildeo

geograacutefica do Brasil se fez em torno do bandeirismo

Segundo Seacutergio Buarque de Holanda esse movimento criou na cidade de Satildeo

Paulo uma sociedade de caracteriacutesticas especiais ldquosua vocaccedilatildeo estaacute no caminho

que convida ao movimento natildeo na grande lavoura que cria indiviacuteduos sedentaacuteriosrdquo

(HOLANDA28 1986 p 26 apud GOacuteES FILHO 2001 p 2)

A expansatildeo territorial promovida pelos paulistas consequumlecircncia poliacutetica das

investidas ao interior do Brasil natildeo encontra paralelo na histoacuteria americana

Entretanto apesar de sua importacircncia esse movimento natildeo produziu uma

historiografia variada sendo extremamente pobre em informaccedilotildees oriundas de

fontes particulares e em especial dos proacuteprios bandeirantes condutores das accedilotildees

de penetraccedilatildeo Natildeo haacute como deixaram os conquistadores espanhoacuteis sobre suas

investidas americanas uma documentaccedilatildeo consistente com informaccedilotildees variadas e

detalhadas Nenhum soacute dos grandes sertanistas do seacuteculo XVII ressalta Alice

Canabrava deixou o relato de suas penetraccedilotildees Segundo ela as razotildees dessa

deficiecircncia de informaccedilotildees pode ser explicada pela natureza independente das

accedilotildees dos bandeirantes Enquanto que na Ameacuterica hispacircnica o patrociacutenio oficial

exigia que de tudo se controlasse a empresa dos bandeirantes era de natureza

proacutepria e seus participantes natildeo se sentiam inclinados a prestar contas agraves

28 HOLANDA Seacutergio Buarque de O Extremo Oeste p26 Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1986

80

autoridades metropolitanas ou coloniais Aleacutem disso Satildeo Paulo era uma vila muito

primitiva e pobre natildeo se conhecendo relatos produzidos ou conservados pelos seus

proacuteprios moradores sobre as viagens dos sertanistas (RODRIGUES 1963)

De contemporacircneo do movimento o que existe eacute uma abundante literatura jesuiacuteta

anti-bandeirante fonte baacutesica de pesquisa para a maioria dos historiadores Foram

os jesuiacutetas espanhoacuteis que primeiro descreveram as accedilotildees de preaccedilatildeo de iacutendios nas

missotildees do Guairaacute (instaladas no atual oeste paranaense) do Uruguai e do Tape

(ambas no atual Rio Grande do Sul) e do Itatim (no sudoeste do Mato Grosso do

Sul) A historiografia dos bandeirantes fica assim reduzida agraves impressotildees de Antonio

Ruiz de Montoya29 e Nicolaacutes del Techo30

Montoya descreveu os choques violentos havidos com os paulistas nas vaacuterias

reduccedilotildees do Guairaacute e admitiu que sua obra era uma peccedila de propaganda em defesa

dos iacutendios Seus escritos satildeo considerados por muitos historiadores como um

manifesto impregnado de exagero construiacutedo para despertar simpatia a favor dos

indiacutegenas e indignaccedilatildeo do leitor contra os paulistas Por vezes mistura o real e o

milagroso e embora traga informaccedilotildees valiosas eacute vago e impreciso sobre

acontecimentos importantes De todo modo sua obra serviu de inspiraccedilatildeo a del

Techo que descreveu os esforccedilos dos colonizadores e os ataques dos paulistas

contra as reduccedilotildees do Guairaacute e do Tapes

Infelizmente o movimento bandeirista natildeo atraiacutea a historiografia oficial portuguesa

demasiadamente empenhada em retratar as accedilotildees contra os invasores holandeses

em Pernambuco e especialmente preocupada em destacar os aspectos da poliacutetica

externa de Portugal contra os flamengos

A proacutepria denominaccedilatildeo do movimento natildeo encontra unanimidade entre os

historiadores ensinado nos livros didaacuteticos como entradas e bandeiras segundo o

29 Antonio Ruiz de Montoya foi nomeado superior das reduccedilotildees do Guairaacute em 1620 e eacute considerado um dos mais importantes missionaacuterios hispacircnicos Nasceu em Lima no Peru e tornou-se especialista na liacutengua guarani Escreveu a Conquista espiritual hecha por los religiosos de la compantildeia de Jesuacutes en las Provincias de Paraguay Paranaacute Uruguay y Tape publicada em Madri em 1639 30 Nicolas del Techo missionaacuterio belga Escreveu a Historia de la provincia del Paraguay de la Compantildeiacutea de Jesuacutes publicada em 1673

81

caraacuteter oficial ou particular do empreendimento Assim as entradas seriam

expediccedilotildees organizadas pelo governo e as bandeiras incursotildees de caraacuteter

puramente particular

Esta discussatildeo eacute muito bem conduzida por Synezio Sampaio Goacutees Filho lembrando

que essa divisatildeo entre entradas e bandeiras divulgada por Basiacutelio de Magalhatildees em

1913 natildeo deveria ser mais adotada nos livros didaacuteticos apoacutes ter sido provado por

muitos pesquisadores do tema e por documentos divulgados posteriormente que a

participaccedilatildeo do poder puacuteblico e da iniciativa privada se confundem em muitos

casos natildeo haacute um caraacuteter puramente oficial ou estritamente particular nas investidas

ao interior Tambeacutem natildeo encontra mais respaldo a tese de Alfredo Ellis Jr de que as

entradas seriam constituiacutedas por pequenos grupos de homens que percorriam os

sertotildees agrave procura de pedras e metais preciosos e as bandeiras grandes grupos que

guerreavam e escravizavam iacutendios (GOacuteES FILHO 2001)

Curiosamente esse movimento de penetraccedilatildeo territorial tatildeo tipicamente brasileiro

natildeo encontrou ainda uma conceituaccedilatildeo baacutesica nem mesmo uma nomenclatura

padronizada

Heacutelio Vianna faz distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirantismo

Considera o entradismo como aquele que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de

diversos pontos da costa leste do Brasil para o interior ainda desconhecido

devassou notaacutevel extensatildeo territorial sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da

Amazocircnia por via fluvial e que perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-

se no iniacutecio do seacuteculo XX com a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre Partindo da costa

atlacircntica do Sul para o Norte as entradas vicentinas (anteriores agraves bandeiras) as

entradas cariocas capixabas (caracterizadas por procura de pedras preciosas

incluindo esmeraldas) de Porto Seguro baianas (incluindo as da Capitania de

Ilheacuteus) sergipanas pernambucanas cearenses maranhenses e amazocircnicas (estas

saiacutedas do Gratildeo-Paraacute) satildeo a expressatildeo desse movimento que duraria mais de 3

seacuteculos da Histoacuteria do Brasil (VIANNA 1974)

Ao bandeirantismo como designaccedilatildeo do movimento de penetraccedilatildeo realizado

principalmente por moradores da Capitania de Satildeo Vicente depois denominada de

82

Satildeo Paulo que teria iniciado com o chamado ciclo da caccedila ao iacutendio ainda na

segunda metade do seacuteculo XVI ocorrido na proacutepria Capitania nas atuais regiotildees Sul

e Oeste do Brasil de Satildeo Paulo ao atual Rio Grande do Sul alcanccedilando o Mato

Grosso Minas Gerais e Goiaacutes antes do grande ciclo do ouro Em sua segunda fase

as bandeiras do ouro de lavagem essencialmente vicentino atuando na atual regiatildeo

do Paranaacute Em um terceiro momento o ciclo do sertanismo de contrato

caracterizado pelas expediccedilotildees de paulistas assalariados para combater e reprimir

em nome do governo iacutendios sublevados inicialmente nas Capitanias da Bahia e

Ilheacuteus e posteriormente no Rio Grande do Norte e Cearaacute bem como os negros de

Palmares ao sul da Capitania de Pernambuco atual Alagoas Em uma quarta etapa

as bandeiras do grande ciclo do ouro com a descoberta do metal em Minas Gerais

Goiaacutes e Mato Grosso alcanccedilando tambeacutem as regiotildees centrais da Bahia e Ilheacuteus Ao

uacuteltimo ciclo de povoamento quando passado o momento maior da mineraccedilatildeo

levas de paulistas foram povoar com fazendas de criaccedilatildeo de gado os campos dos

atuais Paranaacute e Santa Catarina bem como regiotildees litoracircneas como Paranaguaacute e

Laguna e regiotildees do interior como o Rio Satildeo Francisco (VIANNA 1974)

Evidentemente essa divisatildeo em ciclos tem finalidade didaacutetica e objetiva facilitar a

compreensatildeo do bandeirismo em seus diferentes desdobramentos e momentos

histoacutericos particulares Heacutelio Vianna ressalta que o assunto varia de autor para autor

e ainda estaacute rdquoinsuficientemente consolidado na Histoacuteria do Brasilrdquo (VIANNA 1974 p

319)

A proacutepria palavra bandeira natildeo encontra interpretaccedilatildeo uacutenica seria um haacutebito tupi

levar um tipo de estandarte em suas incursotildees beacutelicas e escravizadoras imitado

pelos portugueses segundo Capistrano de Abreu ou segundo o historiador

espanhol Ramoacuten Blanco Las Bandeiras seriam uma imitaccedilatildeo de unidades

militarizadas que foram utilizadas em muitas incursotildees territoriais feitas pelos luso-

brasileiros para capturar os indiacutegenas Tambeacutem parece certo afirmar que os

bandeirantes natildeo denominavam assim suas incursotildees pelos sertotildees brasileiros natildeo

na eacutepoca das accedilotildees contra os jesuiacutetas missionaacuterios espanhoacuteis Documentos

portugueses da eacutepoca usam a palavra entrada jornada viagem frota e mesmo guerra no caso de expediccedilotildees maiores Os participantes satildeo chamados de homens

sertanistas ou soldados desta vila Tambeacutem chamados de maloqueros de San Pablo

83

pelos jesuiacutetas espanhoacuteis - referecircncia agrave maloca nome de uma tribo indiacutegena que

incursionava contra outros iacutendios que aparece em dicionaacuterios antigos espanhoacuteis

Ainda conhecidos como mamelucos do aacuterabe mamluk escravo ou do tupi mama-

ruco mistura da corruptela mamaluco passando para mameluco (GOacuteES FILHO

2001)

Segundo Synezio Sampaio Goacutees Filho os historiadores contemporacircneos em um

esforccedilo didaacutetico para identificar os diversos aspectos do movimento tendem a usar

entradas para designar as campanhas geralmente oficiais para o conhecimento da

terra e busca de metais preciosos especialmente no seacuteculo XVI na chamada costa

leste dando origem agraves vaacuterias povoaccedilotildees litoracircneas como Porto Seguro Salvador e

Olinda em especial e na costa norte agraves expediccedilotildees fluviais do seacuteculo XVII que

penetraram na Amazocircnia depois da fundaccedilatildeo de Beleacutem O termo bandeiras

escolhido como o mais adequado para o movimento ocorrido a partir de 1581 na

Capitania de Satildeo Vicente ou Satildeo Paulo capitania que em certa eacutepoca chegou a

abranger o Sul e o Centro-Oeste do Brasil Assim as bandeiras abrangem um

movimento mais duradouro irradiado a partir de Satildeo Paulo de Piratininga e que teria

repercussotildees particulares na expansatildeo geograacutefica colonial portuguesa em territoacuterio

sul-americano (GOacuteES FILHO 2001)

Por essa razatildeo seraacute adotado neste estudo o termo bandeirismo ou bandeirantismo

para focalizar o movimento de penetraccedilatildeo dos sertotildees brasileiros conduzido pelos

paulistas e analisada a sua implicaccedilatildeo na expansatildeo territorial da Amazocircnia

46 O Mito da Ilha Brasil

Desde o iniacutecio do seacuteculo XVI explica Jaime Cortesatildeo os portugueses comeccedilaram a

delinear em seus mapas uma entidade geograacutefica proacutepria para referir-se agrave sua

colocircnia americana compreendida entre o delta do Amazonas e o estuaacuterio do Prata

o que evidentemente ultrapassava os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas

(CORTESAtildeO 1965)

O mapa do Brasil de Lopo Homem de 1519 pela primeira vez define uma vasta

aacuterea compreendida entre as bacias fluviais do Rio Amazonas e do Rio do Prata

84

como uma unidade geograacutefica e humana pertencente a Portugal Nas cartas de

1525 e 1527 traccediladas por Diogo Ribeiro o Amazonas e o Prata se dirigem ao

encontro um do outro ateacute suas nascentes que se aproximam formando quase uma

grande ilha Somado a essas representaccedilotildees cartograacuteficas entre 1528 e 1543 Joatildeo

Afonso cosmoacutegrafo portuguecircs em sua obra Voyages aventureux publicada em

1599 mas escrita por volta de 1528 afirmava que tanto o Amazonas por ele

chamado de Maranhatildeo como o Rio do Prata nasciam de um mesmo lago no interior

do continente e que seriam perfeitamente navegaacuteveis permitindo a circunavegaccedilatildeo

daquele imenso territoacuterio americano A concepccedilatildeo de uma Ilha chamada Brasil

limitada pelo oceano e pelos dois grandes rios comeccedila a aparecer na cartografia

portuguesa e estrangeira por volta de 1559 com a carta de Andreacute Homem no

primeiro documento em que o Brasil eacute representado como uma ilha (CORTESAtildeO

1965) (Mapa 12)

Desde os primeiros tempos de exploraccedilatildeo o Governo portuguecircs e os governantes

locais teriam a noccedilatildeo da impropriedade do meridiano de 370 leacuteguas como divisor de

sua colocircnia americana Cortesatildeo afirma que ldquoO Tratado de Tordesilhas atribuindo agrave

soberania lusa uma base frusta e inviaacutevel de Estado serviu de estiacutemulo agrave busca

porfiada de novos lineamentos geograacuteficos que lhe dessem formaccedilatildeo orgacircnica e

condiccedilotildees de seguranccedilardquo (CORTESAtildeO 1965 p 9)

A noccedilatildeo de uma base territorial insuficiente teria sido adquirida dos tupis-guaranis a

grande naccedilatildeo indiacutegena que povoou quase toda a costa leste do Brasil e o atual

Paraguai A influecircncia dos tupis-guaranis teria sido decisiva para a incorporaccedilatildeo

desse conceito com a assimilaccedilatildeo da ideacuteia de unidade da terra em que eles

habitavam Os portugueses aprenderam a liacutengua dos iacutendios percorreram suas

trilhas adquiriram seus haacutebitos e tambeacutem teriam adquirido a noccedilatildeo de unidade

geograacutefica Cortesatildeo desenvolve sua tese apoiado na grande capacidade de

expansatildeo que possuiacuteam os tupis-guaranis conhecedores dos caminhos que

levavam de Cananeacuteia ou de Satildeo Vicente ateacute os povoados espanhoacuteis do atual

Paraguai O chamado Piabiru era um sistema de caminhos que transpunham a Serra

do Mar pela maneira mais raacutepida e teria sido percorrido pelos primeiros

colonizadores portugueses como Joatildeo Ramalho desde meados do seacuteculo XVI

podendo-se alcanccedilar o Peru incaico pela subida do Rio Paraguai apoacutes a travessia

86

do Alto Chaco Embora tivessem uma cultura geograacutefica rudimentar de sua aacuterea de

ocupaccedilatildeo e de deslocamento teriam comunicado aos europeus uma noccedilatildeo de

unidade do territoacuterio incompatiacutevel com o Tratado de Tordesilhas

A terra dos tupis-guaranis seria uma ilha limitada no interior pelo encontro dos dois

grandes rios o do norte e o do sul (o Prata) que se encontravam numa imensa

lagoa chamada em diferentes tempos e lugares como Xaraes o mais comum

Eupana Paytiti Dourada Manoa etc Nos primeiros tempos o grande rio do norte

foi identificado como sendo o Rio Tocantins ficando assim a lagoa no planalto

central Essa representaccedilatildeo traduzia a ideacuteia de que havia uma ilha alongada de

norte a sul e quase totalmente dentro dos limites de Tordesilhas em consonacircncia

com a concepccedilatildeo da eacutepoca de que a Ameacuterica era mais estreita do que realmente eacute

o que explicaria o temor dos espanhoacuteis em relaccedilatildeo aos habitantes de Satildeo Paulo que

estariam proacuteximos demais das minas de Potosi

Isso explica porque sob o pretexto das dificuldades de calcular a longitude exata do

meridiano os mapas cartograacuteficos (tanto de portugueses como de espanhoacuteis) dos

seacuteculos XVI e XVII buscaram falsear a representaccedilatildeo do Brasil ou a das terras do

Extremo Oriente (GOacuteES FILHO 2001)

Assim teriam os colonizadores entrado em contato com o mito da Ilha-Brasil

expressatildeo divulgada tambeacutem pelo geoacutegrafo do seacuteculo XIX Jaime Batalha Reis em

obra publicada em 1896 quando usou a expressatildeo Ilha Brasileira (GOacuteES FILHO

2001)

Nas obras de Jaime Cortesatildeo sobretudo em Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial

do Brasil publicada em 1966 a geografia e a etnografia sul-americana levam o autor

a desenvolver a tese de que a posiccedilatildeo e o espaccedilo em que hoje se assenta o Brasil

se explicariam um pelo outro melhor dizendo a posiccedilatildeo e o espaccedilo facilitaram a

ocupaccedilatildeo territorial do paiacutes e dessa forma beneficiaram a ocupaccedilatildeo da hinterlacircndia

brasileira pelos portugueses ainda no seacuteculo XVI que viria ser consolidada nos

seacuteculos XVII e XVIII (GADELHA 2002)

Desta forma escreve Jaime Cortesatildeo sobre esta unidade geograacutefica

87

ldquoUm dos mais extraordinaacuterios conjuntos hidrograacuteficos do planeta moldado sobre o relevo do continente e abrangendo a mais vasta unidade vegetal das Ameacutericas envolve a aacuterea da floresta tropical num imenso arco e sistema de circulaccedilatildeo fluvial Essa coordenaccedilatildeo loacutegica de tatildeo grande importacircncia na formaccedilatildeo geograacutefica e orgacircnica do Brasil avulta logicamente quando sobrepomos ao mapa orograacutefico geral da Ameacuterica do Sul e o das suas grandes formaccedilotildees vegetaisldquo (CORTESAtildeO 1965 p 10)

Assim compreendido a expansatildeo territorial pela regiatildeo amazocircnica que levou os

lusitanos a ultrapassarem os limites estabelecidos por Tordesilhas incorporando

definitivamente a Amazocircnia ao impeacuterio colonial portuguecircs deve-se em grande parte

agrave realidade geograacutefica expressa no mito da Ilha-Brasil

A extensatildeo das terras pertencentes a Portugal por Tordesilhas iniciada no delta do

Rio Amazonas ateacute terminar na ilha de Santa Catarina seria insuficiente para a accedilatildeo

de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo e natildeo ofereceria base estaacutevel agrave formaccedilatildeo de um

verdadeiro Estado Esse territoacuterio estaria comprimido entre duas bacias

hidrograacuteficas a do Tocantins e a do Paranaacute Se essas importantes vias de acesso

ao interior do continente caiacutessem em matildeos espanholas a seguranccedila das

possessotildees portuguesas na Ameacuterica ficaria seriamente ameaccedilada sendo facilitada

sua invasatildeo e conquista Ao sul a estreita faixa de terra desde o Rio de Janeiro ateacute

o litoral do atual Estado de Santa Catarina seria inviaacutevel como parte de um Estado

independente O meridiano de Tordesilhas ameaccedilava portanto a unidade

geograacutefica e econocircmica do territoacuterio que se estendia como uma ilha limitado por

duas bacias fluviais (GADELHA 2002)

Por outro lado havia a unidade indiacutegena os tupis-guaranis e os aruaques que

habitavam a terra compreendida por essa unidade geograacutefica oferecendo um

acentuado contraste cultural com os quiacutexuas e os aimaraacutes que povoavam os

planaltos andinos

ldquoOu os espanhoacuteis baixando o Amazonas e seus afluentes de um lado e do outro subindo o Paranaacute restabeleciam aquela unidade expulsando os portugueses da sua legiacutetima mas inviaacutevel faixa ocidental ou os segundos aliados aos antigos possuidores da terra e seguindo o caminho oposto realizavam a unidade da grande ilha Brasil amazocircnica-platinardquo (CORTESAtildeO 1965 p 30)

88

O relevo e a hidrografia existentes do lado do territoacuterio colonial portuguecircs

contrastavam com a fronteira natural representada pelos contrafortes da cordilheira

andina que dividia inclusive os domiacutenios meridionais da Ameacuterica espanhola Jaime

Cortesatildeo ressalta a importacircncia repressora dessa muralha que foi um dos grandes

obstaacuteculos agrave penetraccedilatildeo dos espanhoacuteis na Amazocircnia

Fator adicional para manter a separaccedilatildeo dos territoacuterios espanhoacuteis dos portugueses

teria sido a descoberta da prata de Potosiacute que influenciou as decisotildees poliacuteticas dos

reis espanhoacuteis levando-os a tentar impedir qualquer abertura de caminho que

pudesse interferir no riacutegido controle do contrabando e outros desvios controle este

exercido pela Coroa sobre os caminhos que conduziam a prata americana para a

Espanha (GADELHA 1980)

Em toda a extensatildeo norte-sul o relevo e a hidrografia do continente sul americano

beneficiavam a expansatildeo portuguesa Ao norte e ao sul se estendem os afluentes

das bacias fluviais amazocircnica e platina que correm relativamente paralelas em

direccedilatildeo ao Atlacircntico e em direccedilatildeo contraacuteria ao Paciacutefico Essas bacias teriam sido

responsaacuteveis pela relativa facilidade com que se deu a penetraccedilatildeo e a ocupaccedilatildeo do

territoacuterio extra Tordesilhas e sua anexaccedilatildeo ao impeacuterio colonial portuguecircs Como

afirma Jaime Cortesatildeo antes mesmo da chegada dos europeus os iacutendios e depois

os bandeirantes e sertanistas mamelucos e portugueses que partiam de vaacuterios

pontos do territoacuterio brasileiro vararam por terra e canoas de um rio a outro a regiatildeo

comum das respectivas vertentes dos afluentes formadores dos Rios Amazonas e

Prata (GADELHA 2002)

Ressalta Regina Gadelha que

ldquoA unidade geograacutefica compreendia outra ainda mais soacutelida a unidade cultural da ocupaccedilatildeo humana composta por povos largamente diferenciados daqueles contidos pela cordilheira andina e representados pelas civilizaccedilotildees maia-incaacuteica que todavia nunca excederam as bordas da floresta tropical equatoriana venezuelana e boliviana Poreacutem do outro lado da cordilheira adentrando os limites da floresta tropical os grupos humanos eram outros conforme demonstrado pelos trabalhos do antropoacutelogo francecircs Alfred Meacutetraux31 ao analisar o extenso movimento migratoacuterio dos povos preacute-colombianos (aruak karib tupi guarani jecirc e

31MEacuteTRAUX Alfred Migrations Historiques des Tupi-Guarani Journal de la Socieacuteteacute des Ameacutericanistes de Paris 19 1927 pp 1-45

89

outros) que dominavam e controlavam o territoacuterio da Ameacuterica do Sul desde o Orenoco ateacute o Prata ocupando natildeo somente o interior das terras como ainda a vasta extensatildeo do litoral atlacircntico portuguecircsrdquo (GADELHA 2002 p2 e 3)

O mito da Ilha-Brasil persistiu no tempo e foi dilatando para oeste o chamado rio do

norte que deixou de ser identificado como Rio Tocantins e incorporou a ideacuteia do Rio

Amazonas e Madeira como uma linha fluvial contiacutenua O conceito de territoacuterio

colonial brasileiro foi-se ampliando e o territoacuterio imaginado pelos portugueses foi

adquirindo forma vagamente parecida com a atual

A fundaccedilatildeo de Beleacutem teria sido fundamental para a ampliaccedilatildeo do conceito da Ilha-

Brasil pois a posse do delta amazocircnico fez compreender aos portugueses o quanto

seria precaacuteria a soberania sobre essa aacuterea do territoacuterio brasileiro se o vale viesse a

cair em matildeo dos espanhoacuteis A viagem de Pedro Teixeira que em 1637 subiu pela

primeira vez o Rio Amazonas ateacute Quito teve duas consequumlecircncias geograacuteficas

importantiacutessimas a fundaccedilatildeo de Franciscana no miacutetico rio do Ouro possivelmente

no Rio Aguaripo em pleno Equador atual o que tendeu a dilatar a Ilha-Brasil em

direccedilatildeo oeste da Ameacuterica do Sul e o conhecimento do curso do Rio Madeira cujas

nascentes pareciam situar-se na regiatildeo auriacutefera do Potosiacute (GOacuteES FILHO 2001) o

que estabeleceu segundo Jaime Cortesatildeo ldquoos termos dum programa de geografia e

soberania poliacutetica a ser resolvida por Antonio Raposo Tavaresrdquo (CORTESAtildeO 1965

p 247)

A expediccedilatildeo conduzida pelo sertanista Raposo Tavares entre 1648 e 1651 que

ficou conhecida por bandeira de limites realizada poucos anos depois da viagem de

Pedro Teixeira viria a se tornar a maior proeza da Histoacuteria do Bandeirismo e a maior

de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico realizadas no Brasil uma das

expediccedilotildees geograacuteficas mais extraordinaacuterias do mundo natildeo soacute pela distacircncia

percorrida quase 10000 km por via terrestre e fluvial mas sobretudo pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas que iriam advir dessa aventura a expansatildeo das possessotildees

portuguesas na Ameacuterica

90

47 A Expediccedilatildeo de Raposo Tavares

ldquoComo aventura como epopeacuteia a histoacuteria dos Estados Unidos natildeo tem nada comparaacutevel Um Fernatildeo Dias Pais um Antocircnio Raposo Tavares um Borba Gato soacute encontram siacutemiles entre os gigantes da conquista do Meacutexico e do Peru ou entre os conquistadores franceses do Canadaacute ldquoQuando se sabe por experiecircncia proacutepriardquo ndash escreve o soacutebrio Saint Hilaire ndash ldquoquanta fadiga e privaccedilotildees e perigos ainda hoje esperam o viajor que se aventura nestas regiotildees longiacutenquas e depois se conhecem os pormenores das viagens interminaacuteveis de antigos paulistas fica-se estupefato e levado a crer que estes homens pertenciam a uma raccedila de gigantesldquo (MOOG 2000 p 187)

Desde muito antes de surgirem os primeiros aldeamentos missionaacuterios na bacia do

Rio do Prata os paulistas jaacute percorriam o interior distante do mar em expediccedilotildees de

apresamento de iacutendios que passaram a ser conhecidas por expediccedilotildees de preaccedilatildeo

ou seja de captura e aprisionamento

A vocaccedilatildeo sertanista dos paulistas era o resultado de uma seacuterie de condiccedilotildees

geograacuteficas econocircmicas e sociais particulares que distinguiam Satildeo Paulo de

Piratininga das vilas coloniais litoracircneas Separada do litoral pela muralha da Serra

do Mar a populaccedilatildeo da pequena vila voltava-se para o sertatildeo32 e apesar de

afastada dos principais centros mercantis sua populaccedilatildeo crescera muito Boa parte

dos habitantes de Satildeo Vicente havia migrado para o planalto quando os canaviais

plantados no litoral por Martim Afonso de Sousa entraram em decadecircncia jaacute na

segunda metade do seacuteculo XVI arruinando muitos fazendeiros Apoiados em uma

cultura de subsistecircncia baseada no trabalho escravo a preaccedilatildeo dos indiacutegenas era

vista como o principal meio para sua sobrevivecircncia econocircmica os escravos negros

custavam muito mais que os habitantes paulistas podiam pagar

Estudos recentes sobre a sociedade que se formou na vila de Satildeo Paulo e nas

regiotildees adjacentes realizados por John Manuel Monteiro com o tiacutetulo de Negros da

terra analisando os dois primeiros seacuteculos de colonizaccedilatildeo revelam que o chamado

bandeirismo de apresamento de iacutendios natildeo teve por principal objetivo o

32 A palavra sertatildeo deriva por afeacuterese (processo de mudanccedila linguumliacutestica que consiste na supressatildeo de fonema no princiacutepio do vocaacutebulo) de desertatildeo remetendo imediatamente agrave ideacuteia de enormes espaccedilos e pouco povoamento Eacute palavra portuguesa antiga que aparece na carta de Caminha sendo brasileirismo a utilizaccedilatildeo do plural sertotildees Essa palavra natildeo encontra exata traduccedilatildeo para outras liacutenguas podendo ser considerado como vocaacutebulo bem brasileiro por razatildeo da imediata compreensatildeo de seu significado quando usada no Brasil (GOacuteES FILHO 2001)

91

abastecimento de matildeo-de-obra dos engenhos de accediluacutecar do litoral em especial do

nordeste como tem sido aceito mais correntemente mas deveu-se sobretudo agrave

necessidade da agricultura na regiatildeo em torno de Satildeo Paulo maior produtora de

trigo da colocircnia no periacuteodo de 1630 a 1680 (GOacuteES FILHO 2001)

A partir de 1619 os sertanistas vicentinos intensificaram os ataques contra as

reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas33 organizadas no interior do continente e que

reuniam milhares de iacutendios adestrados na agricultura e nos trabalhos manuais mais

valiosos portanto que outros grupos natildeo aculturados e ferozes Aleacutem disso o

controle holandecircs sobre os mercados africanos no periacuteodo da ocupaccedilatildeo do

Nordeste a partir do iniacutecio do seacuteculo XVII dificultou o traacutefico de negros para o Brasil

Os colonos voltaram-se assim para o trabalho indiacutegena o que provocou o aumento

da procura e a consequumlente elevaccedilatildeo nos preccedilos do escravo iacutendio considerado

como negro da terra e que custava em meacutedia cinco vezes menos que os escravos

africanos O bandeirismo de preaccedilatildeo tornou-se assim uma atividade altamente

rentaacutevel e atacar as reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas deve ter sido a maneira mais

faacutecil para a captura dos indiacutegenas Diante dos frequumlentes ataques dos paulistas os

jesuiacutetas comeccedilaram a recuar suas missotildees para o interior e exigiram armas do

governo espanhol A resposta foi nova ofensiva dessa vez desencadeada pelas

autoridades de Assunccedilatildeo do Paraguai que possuiacuteam laccedilos econocircmicos com os

colonos do Brasil Mesmo apoacutes o teacutermino da Uniatildeo Ibeacuterica em 1640 quando os

guaranis finalmente receberam armas dos espanhoacuteis os paulistas foram apoiados

pelo bispo Dom Bernardino de Caacuterdenas inimigo dos jesuiacutetas e governador do

Paraguai Os reinos ibeacutericos podiam lutar entre si na Europa no entanto as

33 A partir de 1610 os jesuiacutetas espanhoacuteis deram iniacutecio agrave fundaccedilatildeo de reduccedilotildees missionaacuterias na regiatildeo austral da Ameacuterica do Sul Fundaram Santo Inaacutecio del Pirapoacute e Nuestra Sentildeora del Loreto agrave margem esquerda do Rio Paranapanema e entre os anos de 1623 e 1630 implantaram naquela regiatildeo mais onze aldeias administradas por eles que deram origem agrave Proviacutencia de Guairaacute San-Xavier (ou Javier) San-Joseacute Encarnacioacuten (Itapuatilde) San-Miguel San-Pedro San-Pablo Angeles (Los siete Arcaacutengeles) Santo-Tomaacutes Concepcioacuten Santo Antonio e Jesus-Maria Essas aldeias missionaacuterias estavam distribuiacutedas pelas margens dos Rios Paranapanema Itarareacute Iguaccedilu e margem esquerda do Rio Paranaacute Na Proviacutencia do Uruguai no atual Rio Grande do Sul entre 1617 e 1634 fundaram dez missotildees religiosas Candelaacuteria de Caaszapaacutemini San Nicolaacutes Maacutertires de Caaroacute (referecircncia aos jesuiacutetas mortos no Japatildeo) San Carlos de Caapi Apoacutesteles de Caazapaacuteguazuacute San Miguel Santo Tomeacute San Joseacute de Itaquatiaacute e San Cosme y San Damiaacuten Pouco depois surgiu San Lourenccedilo San Borja e Santo Acircngelo esta ultima em 1707 Nesta mesma regiatildeo gauacutecha ergueu-se a Proviacutencia de Tape entre 1632 e 1634 situada agrave leste composta de seis povoaccedilotildees Natividad de Araricaacute Santa Tereza de Ibituruna Santa Ana San Joaquim Jesus Maria de Yequiacute e San Cristoacutebal

92

repuacuteblicas comunitaacuterias guaranis eram vistas como inimigo comum daqueles que

estavam interessados na exploraccedilatildeo das terras americanas

Jaime Cortesatildeo acrescenta que a lavoura em propriedade latifundiaacuteria como a dos

moradores de Satildeo Paulo senhores de extensas sesmarias natildeo podia ser conduzida

sem a matildeo de obra escrava razatildeo pela qual foram empreendidas as accedilotildees de

apresamento de iacutendios sobretudo com a interrupccedilatildeo feita pelos holandeses do

traacutefego de escravos do Golfo da Guineacute Luanda e Bengela que abastecia os

mercados da Bahia Pernambuco e Rio de Janeiro (CORTESAtildeO 1965)

Uma breve cronologia da implantaccedilatildeo das reduccedilotildees jesuiacuteticas e das accedilotildees dos

paulistas transcrita a seguir demonstra claramente que o bandeirismo de preaccedilatildeo

se intensificou no iniacutecio do seacuteculo XVII provocando inevitaacuteveis confrontos entre os

missionaacuterios espanhoacuteis e os bandeirantes

1557 - Os espanhoacuteis edificam Ciudad Real proacuteximo agrave foz do Rio Piquiri no Paranaacute 1562 - Joatildeo Ramalho ataca as tribos do Rio Paraiacuteba enquanto os jesuiacutetas ajudam a dissolver a Confederaccedilatildeo dos Tamoios 1576 - Os espanhoacuteis fundam Vila Rica na margem esquerda do Rio Ivaiacute 1579 - Jerocircnimo Leitatildeo ataca as aldeias das margens do Rio Anhembi (Tietecirc) 1594-1599 - Afonso Sardinha e Joatildeo do Prado investem contra as tribos do Jeticaiacute 1595 - Uma carta reacutegia proiacutebe a escravizaccedilatildeo dos indiacutegenas 1597 - Martim Correia de Saacute parte do Rio de Janeiro e chega ao Rio Sapucaiacute ou Verde 1602 - Nicolau Barreto percorre os sertotildees do Paranaacute Paraguai e Boliacutevia atingindo as nascentes do Rio Pilcomayu 1606 - Manuel Preto segue rumo ao sul agrave frente de uma bandeira 1607 - Outra expediccedilatildeo dessa vez chefiada por Belchior Dias Carneiro dirige-se para o sul do Brasil 1610 - Jesuiacutetas castelhanos fundam os povoados de Santo Inaacutecio e Loreto na margem esquerda do Rio Paranapanema 1619 - Manuel Preto ataca aldeias de Jesus Maria e Santo Inaacutecio na Proviacutencia do Guairaacute 1620 - Os jesuiacutetas iniciam o povoamento do atual Rio Grande do Sul com duas administraccedilotildees a Proviacutencia do Tape com seis povos e a do Uruguai com dez reduccedilotildees 1623-1630 - Onze aldeias compotildeem a Proviacutencia do Guairaacute limitada pelos Rios Paranapanema Itarareacute Iguaccedilu e Paranaacute (margem esquerda) 1626 - Surge a Proviacutencia do Paranaacute com sete reduccedilotildees entre os Rios Paranaacute e Uruguai 1628 - Manuel Preto e Antocircnio Raposo Tavares destroem as reduccedilotildees do Guairaacute em vaacuterias campanhas que terminam em 1633 1631 - Os jesuiacutetas criam a Proviacutencia do Itatim a sudeste do atual Mato Grosso

93

1633 - Antonio Raposo Tavares inicia a invasatildeo do atual Rio Grande do Sul 1639 - A Espanha concede permissatildeo para que os iacutendios se armem 1640 - Os jesuiacutetas satildeo expulsos de Satildeo Paulo 1648 - Uma expediccedilatildeo chefiada por Raposo Tavares percorre as regiotildees de Mato Grosso Boliacutevia Peru e Amazocircnia retornando a Satildeo Paulo em 1651 1661 - Fernatildeo Dias Pais atravessa os sertotildees do sul ateacute a serra de Apucarana 1670 - Bartolomeu Bueno de Siqueira atinge Goiaacutes 1671-74 - Estecircvatildeo Ribeiro Baiatildeo Parente e Braacutes Rodrigues de Arzatildeo cruzam o sertatildeo nordestino 1671 - Domingos Jorge Velho chefia uma expediccedilatildeo ao Piauiacute 1673 - Manuel Dias da Silva o Bixira atinge Santa Feacute nas missotildees paraguaias 1673 - Manuel de Campos Bicudo percorre terras entre as bacias platina e amazocircnica Em Goiaacutes encontra-se com Bartolomeu Bueno da Silva 1675 - Francisco Pedroso Xavier destroacutei Vila Rica del Espiacuteritu Santo a sessenta leacuteguas de Assunccedilatildeo 1689 - Manuel Aacutelvares de Moraes Navarro combate tribos do Rio Satildeo Francisco e chega ao Cearaacute e ao Rio Grande do Norte Convocado pelo governo-geral Matias Cardoso de Almeida enfrenta os iacutendios bravos do Cearaacute e do Rio Grande do Norte em sucessivas campanhas que terminam em 1694

As investidas contra as reduccedilotildees do Guairaacute atual oeste paranaense foram

realizadas a partir de 1619 e apoacutes violentas accedilotildees entre os anos de 1628 e 1629

culminaram com a destruiccedilatildeo dessas missotildees em 1633 Tambeacutem foram atacadas as

reduccedilotildees do Uruguai e do Tape ambas no atual Rio Grande do Sul

Um dos sertanistas que mais se destacou nessas incursotildees foi o portuguecircs Antocircnio

Raposo Tavares34 Ele chegou ao Brasil em 1618 com aproximadamente 20 anos

de idade para acompanhar seu pai que fora nomeado governador da Capitania de

Satildeo Vicente pelo Conde de Monsanto donataacuterio da capitania Seu pai exerceria

tambeacutem as funccedilotildees de provedor-mor da fazenda real e apoacutes sua morte ocorrida em

1622 Raposo Tavares fixou-se em Satildeo Paulo do Piratininga

34 Antonio Raposo Tavares nasceu em Beja de Satildeo Miguel no Alentejo Portugal em 1598 e morreu em Satildeo Paulo em 1658 Chegou ao Brasil em 1618 quando seu pai assumiu o cargo de governador da Capitania de Satildeo Vicente Apoacutes a morte do pai fixou-se em Satildeo Paulo do Piratininga em 1622 Participou de inuacutemeras bandeiras de preaccedilatildeo aos sertotildees dos atuais Estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do Sul e Mato Grosso ocupadas entatildeo pelas reduccedilotildees jesuiacuteticas do Guairaacute do Uruguai e do Tape e do Itatim Em 1648 iniciou uma expediccedilatildeo sem precedentes saindo de Satildeo Paulo pelas margens do Rio Tietecirc atingiu o Rio Paraguai alcanccedilando a regiatildeo serrana dos Andes quando entatildeo desceu os Rios Mamoreacute e Madeira alcanccedilando finalmente o Rio Amazonas o qual navegou ateacute a fortaleza do Gurupaacute no atual Estado do Paraacute de onde retornou a Satildeo Paulo em 1651 Nos mais de trecircs anos consumidos nessa jornada na que viria a ser chamada bandeira dos limites percorreu uma distacircncia de aproximadamente 10000km realizando a maior de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico ocorrida no Brasil

94

Segundo Jaime Cortesatildeo atas da Cacircmara de Satildeo Paulo datadas de 1627

denunciam Raposo Tavares como organizador de uma incursatildeo ao sertatildeo havendo

notiacutecia de que teria partido em 1628 para accedilotildees contra as reduccedilotildees dos jesuiacutetas

espanhoacuteis no Guairaacute atual oeste paranaense tendo permanecido naquela regiatildeo e

se envolvido nessa empreitada ateacute o ano seguinte Em 1ordm de janeiro de 1633 tomou

posse do cargo de juiz ordinaacuterio da vila de Satildeo Paulo a que fora eleito sendo

promovido logo depois ao cargo de ouvidor da Capitania de Satildeo Vicente pelo proacuteprio

Conde de Monsanto Em meados desse mesmo ano teria participado das accedilotildees de

assalto ao aldeamento dos jesuiacutetas do Mariuacute proacuteximo de Satildeo Paulo e por essa

razatildeo apoacutes as queixas dos inacianos ao governador geral Diogo Luiacutes de Oliveira

perde o cargo de ouvidor recuperado logo depois no Rio de Janeiro apoacutes sua

defesa e absolviccedilatildeo das acusaccedilotildees feitas pelos jesuiacutetas Em 1636 partiu para novas

incursotildees contra a missatildeo do Tape reduccedilotildees jesuiacutetas hoje situadas no atual Estado

do Rio Grande do Sul regressando a Satildeo Paulo em meados do ano seguinte Em

abril de 1638 recebeu carta de doaccedilatildeo de sesmaria pelo capitatildeo-mor de Satildeo

Vicente em nome do Conde de Monsanto Em 1639 foi incorporado como capitatildeo

de companhia na leva que o Conde da Torre mandara levantar nas capitanias do sul

para a defesa da Bahia sendo encarregado no ano seguinte do alistamento dos

paulistas para o socorro contra os holandeses Documentos indicam que participou

de batalhas navais para a restauraccedilatildeo de Pernambuco sendo promovido a mestre

de campo e que teria desembarcado para combates em terra no atual Estado do Rio

Grande do Norte e apoacutes 4 meses de marcha retornado para Bahia de onde

finalmente regressava para Satildeo Vicente O uacuteltimo registro em que aparece o nome

do sertanista antes da expediccedilatildeo de 1648 data de abril de 1642 em que no livro

de notas do tabeliatildeo de Santana de Parnaiacuteba os vereadores e moradores da vila lhe

delegavam poderes gerais de representaccedilatildeo Dessa data em diante ateacute o ano de

1648 natildeo haacute outro registro de sua presenccedila na capitania (CORTESAtildeO 1965)

Jaime Cortesatildeo defende a tese de que Raposo Tavares esteve em Portugal nesse

periacuteodo e que teria sido ldquoencarregado de uma missatildeo em grande parte secretardquo

(CORTESAtildeO 1965 p 341)

O que poderia ser de conhecimento ostensivo seria a tentativa de se descobrir

metais preciosos a outra missatildeo de natureza estritamente sigilosa seria

95

reconhecer o oeste do Brasil e identificar aquilo que poderia ser de interesse para

Portugal Com a chancela do Rei Dom Joatildeo IV teria estado em Portugal traccedilando

os planos da expediccedilatildeo junto agraves altas autoridades do Reino o objetivo seria o de

aumentar a aacuterea do interior sul-americano sob domiacutenio portuguecircs descobrindo

novos territoacuterios e se possiacutevel reservas de metais preciosos Jaacute nessa eacutepoca

conhecia-se a rota de Satildeo Paulo ao Peru e Jaime Cortesatildeo acredita ateacute que as

reduccedilotildees jesuiacuteticas do Itatim no sudoeste do Mato Grosso tenham sido instaladas

naquela regiatildeo para bloquear essa via de acesso aos paulistas

Sobre essa tese voltar-se-aacute a comentar a seguir a descriccedilatildeo da expediccedilatildeo

A grande expediccedilatildeo conduzida pelo mestre-de-campo Antocircnio Raposo Tavares foi

estruturada militarmente reunia milhares de iacutendios liderados por algumas centenas

de mamelucos e portugueses dividia-se em companhias com estado-maior

vanguardas e flanqueadores o armamento baacutesico era o arco e a flecha mas

contavam tambeacutem com algumas armas de fogo natildeo possuiacuteam animais de carga e

ao contraacuterio do que se possa pensar evitavam as vias fluviais para natildeo

comprometer a surpresa quando das investidas contra as tribos indiacutegenas

geralmente instaladas agraves margens dos rios Somente no seacuteculo XVIII quando foram

descobertas as minas de Cuiabaacute eacute que as monccedilotildees comeccedilaram a seguir pelo Rio

Tietecirc - ou Anhembi como era entatildeo denominado - rumo aos centros mineradores do

Mato Grosso As regiotildees percorridas eram pedregosas ou cobertas por mata e eram

mais facilmente vencidas por homens em marcha a peacute e geralmente descalccedilos em

sua maioria Essa praacutetica era comum entre os indiacutegenas e logo foi adquirida pelos

paulistas

Descriccedilotildees encontradas em documentos espanhoacuteis descrevem os paulistas como

homens rudes e acostumados a longas e fatigantes caminhadas a peacute atraveacutes de

matas desconhecidas O proacuteprio Padre Ruiz de Montoya em Memorial dirigido ao

Rei de Espanha em 1643 descreve os paulistas como ldquoandarilhos por monte e vale

a peacute e descalccedilo mas em ordem de guerra capazes de se alimentar com

frugalidade aproveitando-se auxiliado pelos iacutendios dos recursos regionaisrdquo

(CORTESAtildeO 1965 p158)

96

Raposo Tavares dividiu a expediccedilatildeo em duas colunas A primeira chefiada por ele

proacuteprio reunia 120 paulistas e 1200 iacutendios tupis a segunda um pouco menor

contando com no maacuteximo 80 paulistas igualmente acompanhada por iacutendios era

comandada por Antocircnio Pereira de Azevedo Viajando separadamente em dois

grupos eacute possiacutevel que a tropa de Raposo Tavares tenha partido em um dos uacuteltimos

meses de 1647 e utilizado os caminhos do Piabiru ateacute a confluecircncia do Rio

Paranapanema com o Paranaacute A tropa de Antocircnio Pereira de Azevedo partiu no

iniacutecio de 1648 e baixou pelo Rio Tietecirc Os dois grupos teriam descido pelo Rio

Paranaacute alcanccedilado o Rio Ivenheima para passar ao Rio Aquidauana ao Rio Miranda

e por fim ao Rio Paraguai na regiatildeo em que hoje se assenta Corumbaacute onde se

reuniram em dezembro de 1648 e ocuparam a reduccedilatildeo de Santa Baacuterbara A tropa

de Antocircnio Pereira de Azevedo teria enfrentado o transbordamento do Rio Paraguai

(comum nessa eacutepoca do ano) antes de se reunir agrave tropa de Raposo Tavares tendo

sido severamente castigada por pestes fome e hostilidades indiacutegenas perdendo

metade dos portugueses e duas partes dos iacutendios que haviam iniciado a jornada

Finalmente ao teacutermino de mais de um ano de muitas miseacuterias depois de unificada

contando com no maacuteximo 150 brancos e mamelucos e um nuacutemero indefinido de

iacutendios a expediccedilatildeo prosseguiu viagem em abril de 1649 Alcanccedilou o Rio Guapaiacute ou

Rio Grande de onde avanccedilou em direccedilatildeo agrave cordilheira dos Andes Atingiu

provavelmente em junho a regiatildeo serrana da cordilheira em plena Ameacuterica

espanhola entre as cidades de Potosiacute e Santa Cruz de la Sierra atual territoacuterio da

Boliacutevia Aiacute permaneceu ateacute meados de 1650 explorando o mais possiacutevel a regiatildeo

De julho de 1650 a fevereiro de 1651 jaacute reduzida a algumas dezenas de homens35

empreendeu a etapa final da viagem seguiu pelo Rio Guapaiacute ateacute os Rios Mamoreacute e

Madeira atingindo o Rio Amazonas por onde chegou ao forte do Gurupaacute nas

proximidades de Beleacutem (CORTESAtildeO 1965) (Mapa 13)

Jaime Cortesatildeo ressalta que a expediccedilatildeo enfrentou toda sorte de dificuldades ateacute o

completamento da viagem atravessando a regiatildeo tropical entre o Troacutepico de

Capricoacuternio e o Equador entre duas das maiores bacias hidrograacuteficas do mundo

percorreram uma distacircncia equivalente a 23 graus de latitude e 20 graus de

35 Desembarcaram em Beleacutem 59 paulistas e alguns iacutendios (LOUREIRO 1978)

98

longitude Cortaram planaltos venceram rios encachoeirados sendo obrigados a

interminaacuteveis transbordos de carga e canoas realizados em marchas a peacute sem o

auxiacutelio de animais de carga atravessaram pantanais rasgaram picadas na selva

expostos agraves emboscadas dos iacutendios e agraves picadas de cobras cortaram savanas

ressecadas e esteacutereis subiram os contrafortes de uma das mais altas cordilheiras do

mundo desceram e percorreram planiacutecies imensas enfrentaram novamente as

cachoeiras interminaacuteveis e os rios mais caudalosos do planeta ateacute alcanccedilar

finalmente a vasta planiacutecie do delta amazocircnico Dois terccedilos dos sertotildees percorridos

eram completamente desconhecidos natildeo se tendo nenhum relato ou registro

anterior de qualquer natureza sobre as regiotildees que seriam percorridas (CORTESAtildeO

1965)

Padre Vieira relata que somente durante o periacuteodo em que a expediccedilatildeo passou na

regiatildeo serrana dos Andes perdeu provavelmente mais da metade dos homens com

os quais iniciou a exploraccedilatildeo

Os remanescentes da grande expediccedilatildeo chegaram exaustos e doentes ao forte de

Gurupaacute e ao voltarem para Satildeo Paulo Raposo Tavares estaria tatildeo desfigurado pela

expediccedilatildeo que nem os seus parentes o teriam reconhecido

A subida pelo Rio Madeira superando as cachoeiras e todos os demais obstaacuteculos

da natureza soacute foi realizada um seacuteculo depois da expediccedilatildeo de Raposo Tavares

quando Joseacute Gonccedilalves da Fonseca pela primeira vez alcanccedilou o Mato Grosso

partindo de Beleacutem

Mesmo Vieira lembra Jaime Cortesatildeo que tatildeo asperamente censurou os paulistas

por suas accedilotildees contra as missotildees jesuiacuteticas espanholas natildeo hesita em afirmar que

a empresa de Raposo Tavares ldquofoi uma das mais notaacuteveis que ateacute hoje se tem feito

no mundordquo

Como resultado da expediccedilatildeo vastas regiotildees desconhecidas entre o troacutepico de

Capricoacuternio e o Equador passaram a figurar na cartografia portuguesa

99

Jaime Cortesatildeo afirma que a bandeira de Raposo Tavares foi uma expediccedilatildeo de

iniciativa essencialmente oficial que tinha por objetivos o descobrimento geograacutefico

e de minas de metais preciosos relacionada com os problemas de limites e as

dificuldades financeiras enfrentadas pelo Reino em guerra contra a Espanha apoacutes a

Restauraccedilatildeo Raposo Tavares teria recebido as instruccedilotildees de viagem em Lisboa e

estaria perfeitamente inteirado de sua missatildeo secreta reconhecer territoacuterios e

encontrar riquezas minerais para a Coroa portuguesa Entretanto reconhece

tambeacutem que sob o ponto de vista da Coroa a empresa foi um insucesso pois natildeo

foram encontradas as minas tatildeo esperadas por Dom Joatildeo IV (CORTESAtildeO 1965)

Cortesatildeo privilegia assim a accedilatildeo orientadora da Coroa portuguesa no bandeirismo

como um fator de ampliaccedilatildeo territorial do Brasil colonial e julga que houve accedilatildeo

poliacutetica dirigida pelo Estado nas incursotildees que destruiacuteram as reduccedilotildees jesuiacuteticas

espanholas no Sul e no Oeste desalojando os missionaacuterios do Guairaacute do Tape e do

Itatim e limitando a atuaccedilatildeo dos castelhanos nesses territoacuterios

Segundo Synezio Sampaio Goacutees Filho natildeo se pode negar que os portugueses

sempre procuraram dar ao Brasil uma forma compacta e com limites niacutetidos A

cartografia portuguesa e de outras naccedilotildees europeacuteias desde os mapas-muacutendi de

Hondius(1608) e Bleau(1650) davam agrave colocircnia portuguesa uma conformaccedilatildeo

insular com contornos fluviais bem definidos a oeste pelos rios do norte e do Prata

Haacute vaacuterios documentos oficiais que provam a determinaccedilatildeo estatal de expandir os

territoacuterios coloniais portugueses ateacute os seus limites naturais e convenientes as

entradas do Amazonas e do Prata sempre foram consideradas e desejadas

buscando-se tambeacutem limites fluviais que definissem a fronteira oeste no interior do

continente americano inicialmente coincidentes com o traccedilado de Tordesilhas e

mais tarde ignorando-se esse meridiano (GOacuteES FILHO 2001)

Entretanto assinala que a orientaccedilatildeo da Coroa sobre o movimento bandeirante natildeo

aparece relevante nos estudos de Taunay e Alcacircntara Machado predominando a

ideacuteia de que o bandeirismo foi um movimento espontacircneo provocado por razotildees

primordialmente econocircmicas e locais Mesmo Jaime Cortesatildeo natildeo chega a afirmar

que o movimento teve como causa principal a orientaccedilatildeo da Coroa Esclarece no

entanto que algumas bandeiras tiveram finalidade de reconhecer e ocupar territoacuterio

100

e considera que atribuir agraves bandeiras apenas o caraacuteter econocircmico seria amputar o

movimento de sua dimensatildeo mais nobre a dimensatildeo poliacutetica (GOacuteES FILHO 2001)

Todavia natildeo consegue Jaime Cortesatildeo provar em seu estudo mais aprofundado

Raposo Tavares e a formaccedilatildeo territorial do Brasil que a expediccedilatildeo foi organizada

pelo Governo portuguecircs e que sua finalidade era tomar territoacuterios Natildeo eacute possiacutevel

demonstrar esta tese de forma irrefutaacutevel

Em carta endereccedilada ao Padre Provincial do Brasil escrita provavelmente em 1653

Padre Vieira daacute uma explicaccedilatildeo completamente escravagista para a expediccedilatildeo

ldquopartiam os moradores de Satildeo Paulo ao sertatildeo em demanda de uma naccedilatildeo de iacutendios chamados serranos (habitavam a regiatildeo atual de Santa Cruz de la Sierra) distante daquela capitania muitas leacuteguas pela terra adentro com intento de ou por forccedila ou por vontade os arrancarem de suas terras e os trazerem agraves de Satildeo Paulo e aiacute se servirem deles como costumamrdquo (CORTESAtildeO 1965 p 400)

Historiadores atuais tendem a considerar o bandeirismo como um movimento de

inspiraccedilatildeo local conduzido sobretudo por interesses econocircmicos como a preaccedilatildeo

de iacutendios e a procura de metais Nesse contexto a incursatildeo de Raposo Tavares agraves

missotildees do Itatim estaria inserida natildeo sendo possiacutevel inferir nos documentos

disponiacuteveis sobre a expediccedilatildeo que outros objetivos como a conquista de terras para

a Coroa portuguesa fizessem parte das preocupaccedilotildees do bandeirante

A independecircncia do bandeirismo em relaccedilatildeo agrave metroacutepole eacute opiniatildeo recorrente tida

como a interpretaccedilatildeo ortodoxa do movimento de expansatildeo dos paulistas

Pensamento dominante nos livros que tratam do assunto natildeo faltando descriccedilotildees

de jornadas que mostram seus protagonistas imbuiacutedos de interesses puramente

locais sem nenhuma solidariedade com os objetivos do Governo portuguecircs rdquoO

paulista palmilhou a maior parte da terra inoacutespita e grande dos sertotildees brasileiros

quase soacute sem nenhum auxiacutelio oficial e muitas vezes infringindo ordens severas do

Ultramarrdquo (PRADO JR36 1972 p 84 Apud GOacuteES FILHO 2001 p113)

36 Prado Jr Paulo Pauliacutestica e Retrato do Brasil p 84 Rio de Janeiro Livraria Joseacute Olympio Editora 1972

101

A conclusatildeo sobre essa discussatildeo se as bandeiras de preaccedilatildeo do seacuteculo XVII na

Capitania de Satildeo Vicente sobretudo a de Raposo Tavares foram espontacircneas ou

dirigidas pela Coroa portuguesa parece inclinar-se para a explicaccedilatildeo econocircmica foi

um movimento de inspiraccedilatildeo econocircmica local sem planejamento estatal De

qualquer forma natildeo se pode negar que embora natildeo tivesse orientaccedilatildeo oficial o

bandeirismo trouxe imensas consequumlecircncias poliacuteticas

As empresas de Raposo Tavares - as accedilotildees no Guairaacute em 1628 e 1629 as

incursotildees no Uruguai e no Tape em 1636 e 1637 e a expediccedilatildeo de 1648 a 1651 - na

opiniatildeo do Baratildeo de Rio Branco no seu esboccedilo sobre a Histoacuteria do Brasil tiveram

imenso significado poliacutetico foi por meio dessas accedilotildees que se expulsaram os jesuiacutetas

espanhoacuteis para os territoacuterios do meacutedio Uruguai e do Paranaacute permitindo as futuras

reivindicaccedilotildees territoriais portuguesas no sul e no oeste do Brasil A grande

expediccedilatildeo de 1648 fechou a passagem dos jesuiacutetas entre o Paraguai e a planiacutecie de

Santa Cruz e o Peru impedindo a expansatildeo dos espanhoacuteis em direccedilatildeo ao Mato

Grosso e meacutedio Paranaacute (CORTESAtildeO 1965)

A revelaccedilatildeo da importacircncia do Rio Madeira sua ligaccedilatildeo com os altiplanos andinos -

via de acesso natural para as colocircnias espanholas instaladas nos Andes permitindo

a navegaccedilatildeo desde o delta do Rio Amazonas para essas regiotildees montanhosas no

interior do continente americano - foi consequumlecircncia imediata da expediccedilatildeo de

Raposo Tavares Vaacuterias decisotildees poliacuteticas foram tomadas por Dom Pedro I desde

os fins do seacuteculo XVII determinando a ocupaccedilatildeo do baixo Madeira pelos jesuiacutetas

A expediccedilatildeo criou tambeacutem as condiccedilotildees para a exploraccedilatildeo de ouro das minas do

Mato Grosso revelando caminhos e acessos que seriam usados por outros

bandeirantes

Natildeo se pode afirmar que os sertanistas teriam consciecircncia de que suas accedilotildees

estavam conquistando terras no interior da Ameacuterica para Portugal agrave custa da

Espanha Mas segundo Cassiano Ricardo pode-se concluir que os bandeirantes

tinham consciecircncia de que as regiotildees que adentravam havia deacutecadas passavam a

ser portuguesas

102

ldquoTodos os tratados referentes a limites entre o Brasil e os paiacuteses hispano- americanos estatildeo como se sabe ligados ao bandeirismo que levou nossa fronteira moacutevel para Oeste Natildeo se pode falar em fronteira sem o argumento da penetraccedilatildeo histoacutericardquo (RICARDO 1970 p 576 e 577)

48 Accedilatildeo Missionaacuteria

ldquoOs outros reinos da cristandade Senhor tecircm como objetivo a preservaccedilatildeo dos seus vassalos para alcanccedilarem a felicidade temporal nesta vida e a felicidade eterna na outra E o reino de Portugal aleacutem deste objetivo que eacute comum a todos tem por seu objetivo particular e especial a propagaccedilatildeo e a extensatildeo da feacute catoacutelica nas terras pagatildes para que Deus o criou e fundou E quanto mais Portugal agir no sentido de manter este objetivo tanto segura seraacute a sua conservaccedilatildeo e quanto mais dele divirja tanto mais duvidoso e perigoso seraacute o seu futurordquo 37

Na Amazocircnia as missotildees religiosas foram extremamente importantes para a

ocupaccedilatildeo territorial e a consequumlente expansatildeo dos domiacutenios coloniais portugueses

As missotildees contribuiacuteram para fixar os marcos de penetraccedilatildeo ao longo da extensa

rede fluvial amazocircnica e foram utilizadas sistematicamente pela Coroa para a

realizaccedilatildeo de uma poliacutetica expansionista seja na aculturaccedilatildeo dos gentios

americanos seja na implantaccedilatildeo de um modelo cristatildeo e catoacutelico a serviccedilo do

Estado portuguecircs ldquoO expandir fronteiras e assegurar limites em regiotildees tatildeo iacutenvias soacute poderia ser tarefa do militar aiacute enviado por dever de ofiacutecio ou do missionaacuterio por ideal de evangelizaccedilatildeo Missionaacuterios e militares cruzam continuamente seus caminhos nos rios da Amazocircnia uns estabelecendo aldeamentos indiacutegenas e outros levantando fortalezas quase sempre o missionaacuterio precedendo o militar ou mesmo seguindo solitaacuterio na sua tarefa Ambos poreacutem assim como os parcos nuacutecleos de colonizaccedilatildeo dependem inteiramente do elemento indiacutegena Isto permite dizer que a poliacutetica indigenista eacute a chave da poliacutetica de Estado para a regiatildeo amazocircnica E o instrumento privilegiado desta poliacutetica seraacute o missionaacuteriordquo (BEOZZO 1983 p 28 e 29)

Desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem em janeiro de 1616 os missionaacuterios religiosos

iniciaram sua fixaccedilatildeo na regiatildeo O objetivo primordial dos trabalhos de catequese era

a evangelizaccedilatildeo das populaccedilotildees indiacutegenas consideradas afastadas do verdadeiro

Deus e dominadas por viacutecios e paixotildees incompatiacuteveis com a feacute cristatilde A Amazocircnia

oferecia uma multidatildeo imensa de almas a serem convertidas agrave feacute verdadeira era

37 Carta do Padre Antonio Vieira ao Rei Dom Afonso VI escrita em abril de 1657 Apud BOXER Charles Ralph O Impeacuterio Colonial Portuguecircs (1415-1825) Lisboa Ediccedilotildees 70 1981 p 226

103

preciso empreender as accedilotildees necessaacuterias para conquistar essa gente e tiraacute-los da

idolatria ensinando e implantando valores catoacutelicos e europeus

A mentalidade colonialista encontrava-se impregnada de uma visatildeo catequizadora e

regeneradora dos territoacuterios conquistados o colonizador pretendia a conversatildeo dos

povos natildeo soacute a uma nova feacute mas a todo um sistema cultural diferente a pregaccedilatildeo

era o meio mais eficiente nesse processo de persuasatildeo A imposiccedilatildeo dos novos

valores encontrava justificaccedilatildeo em todos os campos moral poliacutetico religioso e

econocircmico e todos confirmavam que o processo de civilizar era plenamente

justificado pela conquista O colonizador se considerava o legiacutetimo portador da

cultura e da civilizaccedilatildeo e via como seu dever a conquista dos povos baacuterbaros que

estavam perdidos do reino de Deus Esta mentalidade prevaleceu nas relaccedilotildees da

metroacutepole com a colocircnia e pode ser entendida como uma relaccedilatildeo de poder do

Estado senhor das novas terras conquistador dos povos e administrador da justiccedila

e da economia Tratava-se na realidade de uma hierarquia de valores entre o

dominador e o dominado Era dever da Coroa propagar a feacute cristatilde e assim

conquistar os povos ignorantes do verdadeiro Deus (ARAUacuteJO 1998)

Uma estrutura centralizadora norteava toda a administraccedilatildeo colonial portuguesa o

Estado estendeu aos territoacuterios conquistados seu sistema burocraacutetico e legislativo

impondo agraves colocircnias o mesmo aparelho estatal da metroacutepole O rei senhor do

comeacutercio da navegaccedilatildeo e da conquista definia-se como possuidor maacuteximo do

poder poliacutetico e patrocinador das descobertas Dos missionaacuterios religiosos esperava-

se que agissem em conformidade com os pressupostos do serviccedilo colonial que era

de sua competecircncia Cabia-lhes pois missionar para a conversatildeo dos gentios

atuando sempre pelo rei e pelo reino Os interesses do Estado encontram-se

perfeitamente integrados aos objetivos da catequese a reduccedilatildeo dos indiacutegenas

deveria ser empreendida para a gloacuteria de Deus em nome do Rei e para o bem do

Reino

A conquista da Amazocircnia natildeo poderia ser empreendida portanto sem a accedilatildeo

evangelizadora As principais Ordens religiosas que se estabeleceram ao longo dos

seacuteculos XVII e XVIII foram as dos carmelitas franciscanos da Ordem de Satildeo

Francisco da Proviacutencia de Lisboa mercedaacuterios jesuiacutetas franciscanos da Proviacutencia

104

da Piedade e outros franciscanos denominados Antoninos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho Essas Ordens foram distribuiacutedas geograficamente no territoacuterio amazocircnico

dividido agrave maneira dos grandes feudos (ARAUacuteJO 1998)

A orientaccedilatildeo das Ordens religiosas era que aldeassem os nativos geralmente

dispersos em amplos territoacuterios para melhor evangelizaacute-los e para tambeacutem evitar a

possiacutevel influecircncia dos hereges protestantes representados pelos holandeses e

ingleses que frequumlentavam a regiatildeo Tupinambaacutes tapuias tabajaras

tamarambeses tocantins quanis pacajareacutes nhuanas anduraacutes e aruaacutes dentre

outras naccedilotildees indiacutegenas frequumlentemente rivais entre si ocupavam a regiatildeo a ser

conquistada

Os primeiros religiosos enviados para a Amazocircnia acompanhavam a expediccedilatildeo de

Jerocircnimo de Albuquerque que como se viu anteriormente havia sido organizada

pelo governador-geral do Brasil Gaspar de Sousa para a reconquista do Maranhatildeo

partindo de Pernambuco por via mariacutetima em 1613 O efetivo das tropas

compreendia centenas de portugueses brasileiros e indiacutegenas e com eles estavam

alguns padres encarregados do acompanhamento da missatildeo militar de conquista de

Satildeo Luiacutes territoacuterio sob controle dos franceses

As accedilotildees das principais Ordens religiosas na Amazocircnia foram imprescindiacuteveis para a

fixaccedilatildeo dos portugueses na regiatildeo Seraacute apresentado a seguir a avaliaccedilatildeo de

quase um seacuteculo e meio de atuaccedilatildeo desses religiosos do periacuteodo da conquista de

Satildeo Luiacutes em 1615 ateacute a morte do Rei Dom Joatildeo V em 1750 Esse periacuteodo

abrange a fase inicial da ocupaccedilatildeo do territoacuterio amazocircnico e antecede a

administraccedilatildeo de Dom Joseacute I mais conhecida como periacuteodo pombalino que seraacute

tratado especificamente mais adiante tendo em vista suas particularidades e suas

implicaccedilotildees para a expansatildeo colonial portuguesa na regiatildeo

A ocupaccedilatildeo dos espaccedilos amazocircnicos pelos religiosos e colonos foi marcada por

graves conflitos de interesse sobretudo em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo indiacutegena mas

pode ser compreendida tambeacutem como um momento de grande expansatildeo territorial

com enorme alcance geograacutefico e geopoliacutetico Como ensina Serafim Leite

105

ldquoEsta incorporaccedilatildeo definitiva do Amazonas ao Brasil fez-se com as jornadas dos capitatildees com as entradas dos colonos e com a catequese dos missionaacuterios Triacuteplice elemento oficial particular religioso este simultaneamente particular e oficial interdependentes todos trecircs e nem sempre concordesldquo (SERAFIM LEITE 1943 p27)

Os Jesuiacutetas38

Desde os primeiros momentos da conquista da costa leste-oeste os jesuiacutetas

estiveram presentes os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes chegaram agrave regiatildeo

amazocircnica em 1616 quando da fundaccedilatildeo de Beleacutem e os padres Benedito Amador

Lopo do Couto e Luis Figueira partindo de Satildeo Luiacutes atuaram na evangelizaccedilatildeo do

Rio Monim no atual Estado do Maranhatildeo

Entretanto com a chegada a Beleacutem do inaciano Luiacutes de Figueira em 1636 vindo do

Maranhatildeo a presenccedila da Ordem ganha maior destaque com as accedilotildees de catequese

e a construccedilatildeo de aldeamentos missionaacuterios Figueira percorreu os Rios Tocantins e

Pacajaacute e promoveu a conversatildeo do Rio Xingu onde fundou a missatildeo de Itacuruccedilu

(mais tarde Vieiros) em 1637 Neste trabalho foi secundado por Roque de

Hundertpfund que em 1639 instalou a missatildeo de Sousel no mesmo rio Em 1637

Figueira retornou a Portugal e publicou o livro Memorial sobre as terras e gentes do

38 A Companhia de Jesus cujos membros satildeo conhecidos como Jesuiacutetas foi fundada por um grupo de estudantes da Universidade de Paris liderados por Inaacutecio Lopez de Loyola Em 15 de agosto de 1534 Inaacutecio e 6 outros estudantes (Pedro Faber Francisco Xavier Alfonso Salmeron Jacob Laines e Nicolau Bobedilla - espanhoacuteis e Simatildeo Rodrigues - portuguecircs) encontraram-se na Igreja de Santa Maria Montmartre de Paris e fundaram a Companhia de Jesus - para desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionaacuterio em Jerusaleacutem ou para ir aonde o papa nos enviar sem questionar Em 1537 eles viajaram ateacute a Itaacutelia em busca de aprovaccedilatildeo papal da sua nova ordem o Papa Paulo III concedeu-lhes uma recomendaccedilatildeo e autorizou que fossem ordenados padres foram ordenados em Veneza pelo bispo de Arbe em 24 de Junho daquele ano e devotaram-se inicialmente a pregar e em obras de caridade em Itaacutelia Na companhia de Faber e Lainez Inaacutecio viajou ateacute Roma em outubro de 1538 para pedir ao papa a aprovaccedilatildeo da nova ordem a congregaccedilatildeo de cardeais deu um parecer positivo agrave constituiccedilatildeo apresentada e em 27 de setembro de 1540 Paulo III confirmou a ordem atraveacutes da Bula Regimini militantis Ecclesiae que integra a Foacutermula do Instituto onde estaacute contida a legislaccedilatildeo substancial da nova Ordem O nuacutemero dos seus membros foi no entanto limitado a 60 esta limitaccedilatildeo foi poreacutem posteriormente abolida pela bula Injunctum nobis de 14 de marccedilo de 1543 Inaacutecio de Loyola foi escolhido para servir como primeiro superior-geral enviou os seus companheiros e missionaacuterios para vaacuterios paiacuteses europeus com o propoacutesito de criar escolas liceus e seminaacuterios escreveu as constituiccedilotildees jesuiacutetas adotadas em 1554 que deram origem a uma organizaccedilatildeo rigidamente disciplinada enfatizando a absoluta auto-abnegaccedilatildeo e a obediecircncia ao Papa e aos superiores hieraacuterquicos (perinde ac cadaver disciplinado como um cadaacutever nas palavras de Inaacutecio) O seu grande princiacutepio tornou-se o lema dos jesuiacutetas Ad Majorem Dei Gloriam (tudo por uma maior gloacuteria de Deus)

106

Maranhatildeo Gratildeo-Paraacute e o rio Amazonas um dos primeiros estudos sobre a regiatildeo e

expocircs as prioridades missionaacuterias perante o Conselho Ultramarino organizar e

moralizar os colonos amparar e converter os iacutendios e criar um bispado no Estado do

Maranhatildeo subordinado diretamente ao arcebispado de Lisboa (LOUREIRO 1978)

Tendo os jesuiacutetas prestado apoio decisivo para a Restauraccedilatildeo Figueira conseguiu

do Rei Dom Joatildeo IV a exclusividade para a instalaccedilatildeo de novas missotildees na

Amazocircnia em detrimento da Ordem dos franciscanos

O crescimento da Companhia de Jesus obrigou a vinda de mais religiosos para

ajudarem nos trabalhos de catequese e em 1643 embarcaram em Lisboa 14

jesuiacutetas com destino agrave Amazocircnia acompanhando o receacutem-nomeado governador

Pedro de Albuquerque A nau em que viajavam naufragou nas costas da Ilha do

Marajoacute tendo morrido no desastre 11 dos 14 missionaacuterios jesuiacutetas entre os quais o

padre Luis de Figueira O principal objetivo dessas accedilotildees era a tentativa de

implantaccedilatildeo de um sistema de missotildees no Maranhatildeo e na Amazocircnia agrave semelhanccedila

do que jaacute havia sido feito no Brasil

A partir de 1650 depois de iniciada a evangelizaccedilatildeo do Rio Xingu e do Rio Paraacute os

missionaacuterios atingiram o Rio Tapajoacutes e o meacutedio Amazonas e em 1652 para

reforccedilar os quadros da Ordem chegaram a Beleacutem mais 9 jesuiacutetas dirigidos pelo

padre Francisco Veloso sendo criado em 26 de janeiro do ano seguinte o coleacutegio

de Santo Alexandre fundamental para a expansatildeo da atividade missionaacuteria na

regiatildeo

Mas a atuaccedilatildeo da Companhia ganharia maior peso poliacutetico e ideoloacutegico com a

presenccedila do Padre Antocircnio Vieira39 que em 24 de novembro de 1652 chega ao

Maranhatildeo investido da autoridade de Superior das Missotildees

39 Padre Antocircnio Vieira (1608-1697) Sacerdote e orador portuguecircs natural de Lisboa partiu para o Brasil com a famiacutelia aos 6 anos de idade frequumlentou o Coleacutegio dos Jesuiacutetas na Bahia tendo ingressado na Companhia de Jesus em 1623 Ordenado sacerdote em 1634 jaacute entatildeo proferira alguns sermotildees e se iniciara na catequizaccedilatildeo dos indiacutegenas Em 1641 viajou para Portugal integrando a comitiva de reconhecimento e homenagem ao novo monarca Dom Joatildeo IV Veio a conquistar a estima do Rei que o fez seu confessor conselheiro e pregador da Corte e o encarregou de algumas embaixadas na Europa ocupando assim um lugar de destaque na vida do paiacutes A sua intervenccedilatildeo na poliacutetica nacional se fez atraveacutes da atividade de pregador por denuacutencias e criacuteticas agrave injusticcedila e agrave corrupccedilatildeo de colonos e administradores no Brasil Segundo ele deveria proceder-se com

107

Vieira inicia um intenso trabalho de pregaccedilatildeo aprende liacutenguas indiacutegenas escreve

catecismo nas liacutenguas nativas e desenvolve um ambicioso plano de accedilatildeo para a

evangelizaccedilatildeo da Amazocircnia (SOUBLIN 2003)

Desde o seacuteculo XVI o Conciacutelio de Trento havia exigido que os pagatildeos deveriam ser

evangelizados em sua proacutepria liacutengua uma tarefa impossiacutevel dada a diversidade

linguumliacutestica da Amazocircnia Os jesuiacutetas escolheram entatildeo a liacutengua mais difundida e

qualquer que fosse o idioma da tribo resgatada para a missatildeo ensinava-se o maior moderaccedilatildeo na perseguiccedilatildeo inquisitorial aos cristatildeos-novos de forma a salvaguardar os capitais destes e reconhecer a sua contribuiccedilatildeo para a guerra de independecircncia Tal posiccedilatildeo valeu-lhe alguns oacutedios e o rancor da Inquisiccedilatildeo A sua luta em prol dos direitos dos iacutendios brasileiros originou tambeacutem reaccedilotildees por parte dos colonos evidentes no seu ceacutelebre Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes (todo ele alegoacuterico mas claramente alusivo aos problemas entre indiacutegenas e colonos) pregado a 13 de Junho de 1654 na cidade de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo - trecircs dias antes de embarcar ocultamente para o Reino a procurar o remeacutedio da salvaccedilatildeo dos Iacutendios De regresso ao Brasil em 1652 foi portador de um decreto de libertaccedilatildeo dos iacutendios Foi esta a sua fase de mais intensa accedilatildeo evangeacutelica Entretanto tendo falecido Dom Joatildeo IV seu protetor e tendo deflagrado conflitos entre os colonos e os missionaacuterios estes uacuteltimos foram expulsos do Maranhatildeo Vieira foi obrigado a regressar a Lisboa em 1661 Data do ano seguinte o seu Sermatildeo da Epifania constituindo uma defesa dos missionaacuterios e um ataque aos colonos Como apoiava Dom Pedro foi perseguido pelos partidaacuterios de Dom Afonso VI Entretanto a Inquisiccedilatildeo acusando-o de heresia instaurou-lhe um processo e prendeu-o entre 1665 e 1667 As acusaccedilotildees dirigiam-se agrave sua crenccedila messiacircnica e visionaacuteria Apoiando-se nas Trovas do Bandarra e nas Sagradas Escrituras profetizava a ressurreiccedilatildeo de Dom Joatildeo IV a quem caberia a concretizaccedilatildeo do Quinto Impeacuterio portuguecircs que coincidiria com o reino de Cristo na Terra (crenccedila miacutetica descrita no texto Esperanccedilas de Portugal Quinto Impeacuterio do Mundo primeira e segunda vida del-rei Dom Joatildeo IV) Entre 1669 e 1675 permaneceu em Roma e regressando a Lisboa iniciou a publicaccedilatildeo dos seus Sermotildees entre os quais se encontram os ceacutelebres Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes (jaacute referido) e o Sermatildeo da Sexageacutesima verdadeiro tratado de retoacuterica oratoacuteria objeto de reflexatildeo deste sermatildeo que denota o perfeito domiacutenio dos processos da oratoacuteria sacra Regressou agrave Bahia em 1681 tendo sido superior das missotildees do Brasil e Maranhatildeo e ainda visitador do Brasil em 1688 Sua obra eacute indissociaacutevel da sua intensa accedilatildeo como homem puacuteblico compotildee-se de cerca de 200 sermotildees de mais de quinhentas cartas e uma seacuterie de documentos de poliacutetica diplomacia profecia religiatildeo etc Neles demonstra uma profunda capacidade de anaacutelise e denuacutencia dos viacutecios humanos com grande realismo e inteligecircncia implacaacutevel na sua accedilatildeo moralista Simultaneamente foi o visionaacuterio do Quinto Impeacuterio o idealista utoacutepico e profeacutetico de um messianismo em que se conjugavam as crenccedilas sebastianistas tradicionais e as crenccedilas messiacircnicas de origem judaica Em ambos os casos socorreu-se da sua extraordinaacuteria capacidade oratoacuteria pela qual num estilo claro sedutor e simples e segundo os preceitos escolaacutesticos e retoacutericos da escola jesuiacuteta recorria a processos pseudoloacutegicos de interpretaccedilatildeo das escrituras num discurso fortemente alegoacuterico e metafoacuterico aplicando os sinais e passagens da Biacuteblia agrave realidade sua contemporacircnea Os seus textos revelam um grande virtuosismo no domiacutenio da liacutengua e dos seus efeitos no auditoacuterio expandindo cada motivo de forma dialeacutetica e envolvente causando espanto pelas revelaccedilotildees e consequecircncias do seu jogo de raciociacutenios que por vezes se aproximam do maravilhoso Exprimiu de forma exemplar e viva muitos dos princiacutepios artiacutesticos do barroco o que levou no iluminismo oitocentista a um certo descreacutedito da sua figura Considerado frequentemente um dos paradigmas da prosa claacutessica portuguesa foi o maior orador sacro do paiacutes e simultaneamente um dos maiores apologistas do messianismo nacional que justificava todo o seu empenho na valorizaccedilatildeo e reforma da economia e na forccedila poliacutetica do paiacutesOs seus Sermotildees foram publicados em quinze volumes entre 1679 e 1748 (desde 1642 vinham sendo feitas ediccedilotildees isoladas de seus sermotildees) Sermatildeo Introito Desenvolvimento Peroraccedilatildeo Sermatildeo pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda Sermatildeo da Sexagenaacuteria sobre a arte de pregar Sermatildeo de Santo Antoacutenio aos Peixes Conservam-se tambeacutem as Cartas (1735) a Histoacuteria do Futuro Livro Ante-Primeiro (1718) e uma Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofiacutecio (1957) e Profecias (onde se fortaleceu o mito do Sebastianismo acerca do miacutetico regresso daquele soberano portuguecircs)

108

nheengatu40 (BESSA FREIRE 1983) uma espeacutecie de versatildeo setentrional do idioma

tupi Essa liacutengua passou a ser conhecida como liacutengua geral e era utilizada em todas

as missotildees jesuiacuteticas proibindo-se a utilizaccedilatildeo do portuguecircs que viria a ser adotado

muito mais tarde mais de um seacuteculo depois por decisatildeo do Marquecircs de Pombal em

determinaccedilatildeo real - o alvaraacute reacutegio de 15 de agosto de 1758 Dessa forma a

evangelizaccedilatildeo passou a ser realizada por meio da liacutengua geral o que facilitou

enormemente a conversatildeo dos iacutendios por meio da catequese em liacutengua nativa A

liacutengua geral ajudou na expansatildeo territorial da Ordem e permitiu a infiltraccedilatildeo cultural

dos valores cristatildeos e europeus

Segundo Prado Juacutenior a infiltraccedilatildeo rio acima pelo vale do Amazonas inicia-se

francamente na segunda metade do seacuteculo XVII e sua vanguarda seratildeo as Ordens

religiosas em particular os jesuiacutetas e carmelitas (PRADO Jr 1971)

O crescimento das missotildees jesuiacutetas provocou tensotildees ainda maiores com os

colonos intensificando-se o conflito entre eles Os moradores reivindicavam o direito

de administrar os iacutendios sob o argumento de que sem essa matildeo-de-obra natildeo

poderiam levar adiante a tarefa de colonizaccedilatildeo As agitaccedilotildees se tornaram mais

frequumlentes na medida em que os padres se recusavam a permitir a escravizaccedilatildeo

indiacutegena

As primeiras instruccedilotildees reais restringindo o trabalho escravo datam de 1652 os dois

capitatildees do Paraacute e do Maranhatildeo receberam instruccedilotildees de Lisboa para proibir o

resgate dos iacutendios e libertar todos os que se encontravam cativos Os colonos natildeo

aceitaram acatar essas restriccedilotildees e o governo local sob fortes pressotildees suspendeu

a vigecircncia daquelas determinaccedilotildees enquanto requerimentos eram dirigidos agrave Corte 40 Joseacute Bessa Freire em estudo realizado sobre a comunicaccedilatildeo dos portugueses colonizadores com os ameriacutendios brasileiros considera possiacutevel ldquodistinguir cinco fases que grosso modo cobriram os seguintes momentos histoacutericos cabendo assinalar que as datas que servem de marco para cada etapa satildeo baseadas apenas em alguns documentos aos quais tivemos acesso natildeo devendo portanto servir como referecircncias definitivas nem momentos de ruptura - Fase dos inteacuterpretes (seacuteculo XVI) - Etapa de implantaccedilatildeo do nheengatu (1616 a 1686) - Expansatildeo do nheengatu (1686 a 1757) com apoio oficial (1686 a 1727) e sem apoio oficial (1727 a 1757) - Tentativas de portugalizaccedilatildeo (1757 a 1850) e - Processo de hegemonia da liacutengua portuguesa (comeccedila a partir de 1850)rdquo

109

em protesto agraves medidas adotadas A Carta Reacutegia de 17 de outubro de 1653

reformulou as instruccedilotildees iniciais e determinou que as Cacircmaras de Beleacutem e de Satildeo

Luiacutes juntamente com o desembargador Joatildeo Cabral de Barros designado

sindicante do assunto examinassem todos os casos de escravidatildeo A Carta liberava

a captura de escravos nos seguintes termos guerra justa por oposiccedilatildeo ao

cristianismo quando os indiacutegenas estivessem aliados aos inimigos do Reino por

roubo por antropofagia e se fossem negadas as solicitaccedilotildees de auxiacutelio em lutas

contra tribos hostis Os jesuiacutetas natildeo se conformaram com a resoluccedilatildeo e por meio do

Padre Vieira representaram ao Rei obtendo nova Carta Reacutegia datada de 9 de abril

de 1655 que anulava a anterior libertava de novo os iacutendios e dava aos jesuiacutetas o

poder temporal sobre eles (LOUREIRO 1978)

Apesar dos conflitos permanentes entre colonos e jesuiacutetas no curto periacuteodo de 40

anos a Companhia de Jesus cresceu enormemente Em 1655 possuiacutea 28 aldeias

no Amazonas 11 no Maranhatildeo 7 no Tocantins e 6 no Paraacute Em praticamente quase

todas as expediccedilotildees que se formaram para o reconhecimento do interior nota-se a

presenccedila dos jesuiacutetas eles conseguem reduzir os pacajaacutes e em 1657 fundam a

missatildeo do Tarumatilde Entre 1655 e 1660 pacificam milhares de tupinambaacutes

tupinambaras aruaques condorizes jurunas cariatoacutes e finalmente em 1661 o

proacuteprio Padre Vieira pacifica 40000 aruatildes da Ilha do Marajoacute

Entretanto a luta pela emancipaccedilatildeo indiacutegena perduraria por muito tempo Em 1661

nova onda de insatisfaccedilatildeo e revolta contra os jesuiacutetas resultou na primeira expulsatildeo

da Ordem de Cristo do Estado do Maranhatildeo Vieira escreveu em 1655 ldquoTemos

contra noacutes o povo as religiotildees os donataacuterios das capitanias-mores e igualmente

todos que nesse reino e neste Estado satildeo interessados no sangue e suor dos

indiacutegenasrdquo (SUESS 1999)

Obrigado a se afastar das missotildees o padre Vieira eacute aprisionado em Beleacutem e

mandado pelos revoltosos de volta a Lisboa Com a morte de seu protetor o Rei

Dom Joatildeo IV Vieira permaneceraacute em Lisboa respondendo a um processo de

heresia movido contra ele por seus desafetos da Inquisiccedilatildeo portuguesa Ele

retornaria ao Brasil somente em 1681 vindo a falecer na Bahia em 1697

110

No periacuteodo em que permaneceu agrave frente das missotildees do Estado do Maranhatildeo o

padre Vieira percorreu milhares de quilocircmetros em atividade missionaacuteria redigiu

catecismo em vaacuterias liacutenguas nativas e fundou dezenas de missotildees muitas das quais

viriam a se tornar vilas importantes Sua atuaccedilatildeo permitiu sobretudo a ampliaccedilatildeo

da presenccedila portuguesa nos territoacuterios amazocircnicos

Expulsos pela revolta dos colonos de 1661 os inacianos retornam ao Estado por

forccedila de nova Carta Reacutegia datada de 12 de setembro de 1663 Entre os anos de

1663 e 1684 houve um periacuteodo de concessotildees e acomodaccedilotildees de interesse entre

colonos e a Ordem findo o qual os padres da Companhia de Jesus satildeo expulsos

novamente no curso da rebeliatildeo liderada pelo fazendeiro Manuel Beckman em

1684 Punidos os responsaacuteveis do levante os jesuiacutetas foram reconduzidos aos

coleacutegios e agraves missotildees e por meio do Regimento das Missotildees de 1686 consolidam

sua atuaccedilatildeo ficando responsaacuteveis pelo governo espiritual temporal e poliacutetico das

aldeias Entretanto outra lei de 28 de abril de 1688 restabeleceu o cativeiro dos

iacutendios legislaccedilatildeo que foi novamente anulada em 1705

Uma Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 determinou a divisatildeo do vale amazocircnico

em aacutereas de atuaccedilatildeo das diferentes Ordens religiosas cabendo agrave Companhia de

Jesus a margem direita do Rio Amazonas e a margem esquerda entre o Rio Negro e

o Rio Iccedilaacute enquanto que aos capuchos de Santo Antocircnio coube as terras do Cabo

Norte ateacute o Rio Jari e o Rio Paru e aos capuchos da Piedade o Gurupaacute e as aldeias

do Rio Urubu ao Rio Trombetas Nova decisatildeo reacutegia de 29 de novembro de 1694

reformularia a anterior e cedia aos mercedaacuterios o Rio Urubu e aos carmelitas o Rio

Negro e o Rio Solimotildees (LOUREIRO 1978)

O movimento de expansatildeo das missotildees jesuiacutetas permitiu ainda a conversatildeo dos

itacaiunas em 1721 e a fundaccedilatildeo de uma missatildeo nas cachoeiras de Santo Antocircnio

no Rio Madeira em 1728

A atuaccedilatildeo da Companhia de Jesus permitiu a fundaccedilatildeo de dezenas de missotildees no

interior da Amazocircnia estendendo-se pelos Rios Xingu Paraacute Araticu Pacajaacute

Tapajoacutes Amazonas Negro Abacaxis Iccedilaacute e Madeira Essas missotildees fundadas entre

1637 e 1728 conforme o quadro relacionado a seguir tornaram-se marcos da

111

presenccedila portuguesa na hinterlacircndia amazocircnica e viriam a justificar a expansatildeo dos

limites coloniais de Portugal para muito aleacutem dos acertos de Tordesilhas

Fundaccedilatildeo Missatildeo Vila Rio 1637 Itacuruccedilu Vieiros Xingu 1639 ------- Sousel Xingu 1639 Piauori Pombal Xingu 1656 Maturacaacute Porto de Moz Xingu 1653 Maracanatilde Cintra --------- 1653 Mortiguara Beja Paraacute 1653 Araticu Oeiras Araticu 1653 Aruacaraacute Portel Pacajaacute 1653 Borari Alter do Chatildeo Tapajoacutes 1653 Santo Inaacutecio Boim Tapajoacutes 1661 Tapuiuccedilu Santareacutem Tapajoacutes 1661 Taparajoacute Tapera Aveiro Tapajoacutes 1661 Matapu Pinhel Tapajoacutes 1655 Aibi --------- Amazonas 1655 Arapiuns Franca Tapajoacutes 1655 Uruitaacute Vigia Paraacute 1655 Aricuru Melgaccedilo Pacajaacute 1655 Cumaru Poiais Negro 1655 Samauma ------- ------------- 1668 Santo Elias Airatildeo Negro 1696 Abacaxis Itacoatiara Abacaxis 1723 Santo Antonio Santo Antonio Iccedilaacute 1728 Trocano Borba Madeira 1728 Santo Antonio ------- Madeira 1728 Satildeo Francisco Humaitaacute Madeira

Os Carmelitas

Os carmelitas acompanhavam as tropas de reforccedilo comandadas por Alexandre de

Moura que saindo de Pernambuco vieram apoiar as accedilotildees de Jerocircnimo de

Albuquerque contra os franceses no Maranhatildeo Fundaram em 1615 um convento

na Ilha do Medo em Satildeo Luiacutes e a partir de 1624 instalaram-se em Beleacutem onde

dois anos depois em 1626 construiacuteram o primeiro convento do Paraacute

Tratando da reparticcedilatildeo da Amazocircnia entre as principais Ordens religiosas

missionaacuterias a Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 natildeo contemplou os carmelitas

112

Todavia nova Carta Reacutegia datada de 29 de novembro de 1694 reformulando a

anterior atribuiu aos carmelitas a evangelizaccedilatildeo do Rio Negro e do Rio Solimotildees

A accedilatildeo dos missionaacuterios carmelitas no Rio Solimotildees foi marcada pelo conflito com

os jesuiacutetas espanhoacuteis que instalaram suas missotildees em diversos pontos ao longo do

rio Sob a direccedilatildeo do Padre Samuel Fritz as missotildees espanholas ameaccedilaram a

presenccedila portuguesa na regiatildeo Tratar-se-aacute deste assunto mais detidamente no item

2 do capiacutetulo seguinte

Sob o aspecto da expansatildeo territorial os carmelitas tambeacutem devem ser

considerados responsaacuteveis pela infiltraccedilatildeo portuguesa na hinterlacircndia amazocircnica

Importantes vilas foram fundadas a partir dos aldeamentos carmelitas Olivenccedila e

Tefeacute no Rio Amazonas Barcelos no Rio Negro e Boa Vista no Rio Branco Essas

povoaccedilotildees foram construiacutedas em pontos muito distantes de Beleacutem e viriam a fazer

parte da argumentaccedilatildeo lusitana na questatildeo da definiccedilatildeo dos limites coloniais com a

Coroa de Espanha

Os Mercedaacuterios

Acompanhavam Pedro Teixeira no regresso da expediccedilatildeo que alcanccedilou Quito

realizada entre os anos de 1637 e 1639 os freis mercedaacuterios Pedro de la Rua Cirne

e Alfonso Almejo e os irmatildeos leigos Juan de la Merced e Juan de la Conception A

Ordem de Nossa Senhora das Mercecircs uma congregaccedilatildeo religiosa de origem

espanhola encontrava-se em atividade no vice-reino do Peru desde o seacuteculo XVI

Cirne fundou em Beleacutem em 1640 o primeiro convento mercedaacuterio da Amazocircnia

Decretada a Restauraccedilatildeo os mercedaacuterios foram expulsos da Amazocircnia portuguesa

por ordens de Espanha retornando apenas no ano de 1646 Suas principais

atividades nos territoacuterios do Paraacute e do Maranhatildeo foram as missotildees e nuacutecleos

doutrinais distribuiacutedas ao longo do Rio Negro e Urubu A Ordem Mercedaacuteria chegou

a ter em 1751 3 conventos no Maranhatildeo em 1660 fundou a missatildeo Saracaacute futura

vila de Silves considerada a mais antiga povoaccedilatildeo do atual Estado do Amazonas e

em 1663 fundou as missotildees de Satildeo Pedro Nolasco e Satildeo Raimundo Nonato

ambas no Rio Urubu

113

Os Capuchos

Estes religiosos chegaram agrave regiatildeo amazocircnica em eacutepocas diferentes e em 3 grupos

distintos Os primeiros a chegar foram os capuchos da Proviacutencia de Santo Antocircnio

frei Cosme de Satildeo Domingos e frei Manuel da Piedade que participaram das accedilotildees

contra os franceses acompanhando as tropas de Jerocircnimo de Albuquerque Apoacutes a

tomada de Satildeo Luiacutes e a fundaccedilatildeo de Beleacutem os freis capuchos Cristoacutevatildeo do Rosaacuterio

Felipe Boaventura e Antocircnio de Marciana fundaram em 1617 o convento do Una

no Paraacute A segunda leva da Ordem a chegar foram os capuchos de Nossa Senhora

da Piedade ou de Satildeo Joseacute eram 9 religiosos vindos de Lisboa em 1693 e que se

instalaram no Gurupaacute Finalmente em 1706 os capuchos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho chegam a Beleacutem e fundam o convento de Satildeo Boaventura

A Carta Reacutegia de 19 de marccedilo de 1693 que tratava da reparticcedilatildeo da Amazocircnia entre

as principais Ordens religiosas missionaacuterias atribuiu aos capuchos de Santo Antocircnio

a regiatildeo do Cabo Norte o Rio Jari e Rio Paru e aos capuchos da Piedade as aacutereas

do Gurupaacute e do Rio Trombetas

A vila de Oacutebidos importante ponto de controle da passagem de navios no Rio

Amazonas por se tratar da regiatildeo do rio de maior estreitamento da margem cerca

de 15 km foi fundada em 1697 pelos capuchos de Nossa Senhora da Piedade ou

de Satildeo Joseacute (LOUREIRO 1978) (Mapa 14)

A atuaccedilatildeo de catequese desenvolvida pelas Ordens religiosas foi fundamental para

a conquista e a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia sobretudo das regiotildees mais

distantes e menos sujeitas agrave accedilatildeo governativa exercida por Beleacutem Em meados do

seacuteculo XVIII os franciscanos estavam fortemente implantados no Cabo Norte na

Ilha de Marajoacute e nos afluentes do norte do Rio Amazonas os jesuiacutetas no Tocantins

no Xingu no Tapajoacutes e no Madeira os carmelitas no Negro no Branco e no

Solimotildees os capuchos no baixo Amazonas a partir do Gurupaacute e os mercedaacuterios

depois dos capuchos ateacute o Urubu no meacutedio Amazonas

115

Na Amazocircnia por volta de 1740 havia cerca de 50000 indiacutegenas reduzidos em

cerca de 63 missotildees de diversas Ordens religiosas nuacutemero equivalente aos

habitantes dos Sete Povos das Missotildees no atual Rio Grande do Sul (WEHLING

1999)

As missotildees foram dirigidas pela Coroa e agiam como representantes dos interesses

de Portugal

Eacute importante ressaltar que segundo recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho sem as

drogas do sertatildeo natildeo haveria base econocircmica para as missotildees se estabelecerem

permanentemente lembra ainda como assinalou tambeacutem Caio Prado Juacutenior que as

missotildees que prosperaram foram aquelas que tiveram sucesso na exploraccedilatildeo das

especiarias americanas valorizadas sobretudo no comeccedilo do seacuteculo XVIII quando

jaacute estavam perdidas as possessotildees portuguesas no Oriente (GOacuteES FILHO 2001)

ldquoNatildeo eacute demais insistir no assunto porque foi essa avanccedilada representada pela accedilatildeo das Tropas de Guerra Tropas de Resgate ou pelas missotildees que se foram estabelecendo pelo sertatildeo adentro que veio assegurar os tiacutetulos em que se fundou o Estado Portuguecircs para compor sua carta de soberania sobre a hinterlacircndia e defendecirc-la pelas armas e pela eloquumlecircncia de seus diplomatas e estadistasrdquo (REIS 1948 tomo 2 p12)

49 O Entradismo e o Alargamento do Territoacuterio

ldquoMenos ativos natildeo haviam sido entretanto os portugueses em alargar-se partindo do Paraacute em diferentes direccedilotildees pelos rios acima Se na verdade considerarmos quatildeo estreita nesga de terra constitui o reino de Portugalsobre pequeno tatildeo mal povoadoe como ele em parte por fanatismo em parte por desconfianccedila e em parte tambeacutem por esse orgulho que no caraacuteter nacional lhe predomina nenhum auxiacutelio para as suas colocircnias queria tirar do excesso de populaccedilatildeo e atividade de outros paiacuteses acharemos terem feito os brasileiros talvez maiores e mais raacutepidos progressos em proporccedilatildeo dos seus meios do que colonos de outra qualquer naccedilatildeo Com tanta ignoracircncia e falsidade tecircm os portugueses e especialmente os portugueses americanos sido acusados de frouxidatildeo e indolecircncia Tinham-se estabelecido tatildeo longe pelo Amazonas acima que suscitaram com a Espanha muitas questotildees sobre limites e alguns remotos receios a respeito da seguranccedila do Peru Tinham penetrado pelo Rio Negro e daqui por uma cadeia de rios e lagoas ateacute averiguarem o fato extraordinaacuterio de uma comunicaccedilatildeo entre o Amazonas e o Orenoco alcanccedilando com as suas canoas as missotildees espanholasrdquo (SOUTHEY 1981 p 204)

116

Com a expulsatildeo dos franceses de Satildeo Luiacutes em 1615 e a fundaccedilatildeo de Beleacutem em

1616 os portugueses iniciaram o processo de conquista e ocupaccedilatildeo territorial da

regiatildeo amazocircnica Os motivos para a fixaccedilatildeo portuguesa naquela regiatildeo como

exposto anteriormente foram poliacuteticos holandeses e ingleses tentavam se

estabelecer no vale do grande rio era prioritaacuterio para a poliacutetica colonial de Felipe III

de Espanha conter essa penetraccedilatildeo e expulsar os concorrentes estrangeiros

missatildeo militar que havia sido delegada aos portugueses A partir dessas accedilotildees uma

lenta infiltraccedilatildeo colonizadora iniciou a penetraccedilatildeo pela intrincada rede hidrograacutefica

da bacia amazocircnica

Como foi visto anteriormente os primeiros anos da empreitada de conquista

territorial satildeo obscuros marcados por inuacutemeros registros de conflitos entre os

colonos e as autoridades locais apresamento abusivo e em grande escala dos

indiacutegenas e diversas refregas contra os estrangeiros ingleses e holandeses que

mantinham relaccedilotildees comerciais com as tribos da regiatildeo

Nesses primeiros anos da presenccedila portuguesa na Amazocircnia inuacutemeras entradas

foram realizadas tanto pelos vales dos rios maranhenses (Gurupi Turiaccedilu Itapicuru

e Mearim) como pelo Rio Amazonas e seus afluentes O reconhecimento inicial da

regiatildeo foi feito por sertanistas experientes como Pedro Teixeira Bento Maciel

Parente Jerocircnimo de Albuquerque e Luiacutes Aranha que penetraram o rio acima para

muito aleacutem do delta seja para as accedilotildees contra estrangeiros a caccedila de iacutendios ou a

procura mesmo de outras riquezas

Adotar-se-aacute neste trabalho a distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirismo

conforme conceituaccedilatildeo feita por Heacutelio Vianna considerando o entradismo como o

movimento que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de diversos pontos da costa leste

do Brasil para o interior ainda desconhecido devassou notaacutevel extensatildeo territorial

sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da Amazocircnia por via fluvial e que

perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-se no iniacutecio do seacuteculo XX com

a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre Ao bandeirantismo conforme se abordou

anteriormente como designaccedilatildeo do movimento de penetraccedilatildeo realizado

principalmente por moradores da Capitania de Satildeo Vicente depois denominada de

Satildeo Paulo que teria comeccedilado com o chamado ciclo da caccedila ao iacutendio ainda na

117

segunda metade do seacuteculo XVI ocorrido na proacutepria Capitania nas atuais regiotildees Sul

e Oeste do Brasil de Satildeo Paulo ao atual Rio Grande do Sul alcanccedilando o Mato

Grosso Minas Gerais e Goiaacutes (VIANNA 1974)

Uma das primeiras e mais importantes accedilotildees do entradismo amazocircnico foi a

fundaccedilatildeo do forte do Gurupaacute construiacutedo na margem direita do Rio Amazonas e

proacuteximo agrave sua foz por Bento Maciel Parente em 1624 o que permitiu aos

portugueses o controle de acesso ao grande rio Segundo Arno Wehling Gurupaacute

representou para a conquista e penetraccedilatildeo da Amazocircnia o mesmo papel de Satildeo

Paulo na interiorizaccedilatildeo para o sul (WEHLING 1999)

Todavia a colonizaccedilatildeo da regiatildeo foi lenta e a irradiaccedilatildeo portuguesa tambeacutem

condicionada agraves necessidades econocircmicas dos colonos

Recorda Arno Wehling que desde a deacutecada de 1620 haviam sido implantados na

Amazocircnia lavouras de subsistecircncia criaccedilatildeo de gado e alguns engenhos de accediluacutecar

mas a caracteriacutestica mais marcante era a pobreza da regiatildeo Em 1637 Satildeo Luiacutes

tinha 310 homens livres incluindo 60 soldados da guarniccedilatildeo aleacutem de centenas ou

possivelmente milhares de iacutendios a maioria deles escravizados Beleacutem por sua vez

era ainda menor tinha 130 homens livres dos quais 50 soldados aleacutem de um

nuacutemero indefinido de indiacutegenas A fortaleza do Gurupaacute recorda o historiador chave

do controle da Amazocircnia e de onde partiria naquele mesmo ano de 1637 a

expediccedilatildeo de Pedro Teixeira era defendida por apenas 30 soldados Repetia-se no

Estado do Maranhatildeo o mesmo fenocircmeno de ocupaccedilatildeo de extensos territoacuterios por

escassos contingentes humanos caracteriacutestica marcante do impeacuterio portuguecircs em

todos os continentes em que mantinha possessotildees coloniais

Por outro lado os espanhoacuteis no seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII

ocupavam apenas as regiotildees mais proacuteximas da cidade de Quito na antiga proviacutencia

de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees dos Rios Napo e Javari - as chamadas proviacutencias

dos iquitos omaacuteguas e pebas e natildeo haviam ainda avanccedilado sobre o vale

amazocircnico no sentido de oeste para leste Os portugueses poreacutem sobretudo a partir

da segunda metade do seacuteculo XVII jaacute haviam-se infiltrado por quase todo o vale

amazocircnico ocupando o caminho aberto por Pedro Teixeira que em 1639 tomara

118

posse da regiatildeo para Portugal em nome do Rei de Espanha balizando a linha de

fronteiras entre as duas naccedilotildees ibeacutericas (GADELHA 2002)

Outro fator poliacutetico importante que traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 foi a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

desde 1621 Dessa forma antes do final do seacuteculo XVII sertanistas soldados e

missionaacuterios portugueses percorriam livremente o vale do Amazonas e ocupavam as

suas margens e as de seus afluentes mais proacuteximos no grande delta atingindo o Rio

Negro desde 1656 e consolidando a ocupaccedilatildeo em 1669 com a construccedilatildeo do forte

de Satildeo Joseacute do Rio Negro nuacutecleo inicial da cidade de Manaus junto agrave confluecircncia

das aacuteguas desse rio com o Solimotildees

A base econocircmica da penetraccedilatildeo portuguesa na regiatildeo amazocircnica diferia

profundamente daquela adotada como princiacutepio nos demais nuacutecleos do litoral

brasileiro A lavoura da cana-de-accediluacutecar e a agricultura em geral natildeo progrediram na

regiatildeo conforme ensina Caio Prado Juacutenior em uma anaacutelise detalhada das

condicionantes econocircmicas dessa empresa colonial na Amazocircnia

As condiccedilotildees naturais eram desfavoraacuteveis agrave agricultura A conquista do vale

amazocircnico viria a se amparar em outros recursos regionais sobretudo aqueles que

a natureza e a floresta podiam oferecer um grande nuacutemero de gecircneros naturais

aproveitaacuteveis e utilizaacuteveis no comeacutercio eram as chamadas drogas do sertatildeo como o

cravo a canela a castanha a salsaparrilha a baunilha o breu as resinas as

sementes oleaginosas a quina e sobretudo o cacau aleacutem das madeiras e dos

produtos do reino animal peixes caccedila e tartaruga Prado Juacutenior afirma rdquoNa extraccedilatildeo

desses produtos encontraraacute a colonizaccedilatildeo amazocircnica sua base econocircmicardquo

(PRADO Jr 1971 p 69)

As atividades necessaacuterias para a sobrevivecircncia econocircmica encontrada pelos

colonos foram a penetraccedilatildeo na floresta ou nos rios para colher os produtos ou

capturar o peixe e a conduccedilatildeo das embarcaccedilotildees que faziam todo o transporte e se

constituiacutea no uacutenico meio de locomoccedilatildeo possiacutevel na regiatildeo

119

A consequumlecircncia direta desse processo de coleta de produtos naturais que estavam

dispersos na floresta de forma irregular e em largos espaccedilos foi a distribuiccedilatildeo rala e

natildeo linear da populaccedilatildeo tambeacutem dispersa na ocupaccedilatildeo territorial da regiatildeo A rede

hidrograacutefica era a base fundamental para esse modelo de extrativismo Segundo

Prado Juacutenior numa sociedade em que as fontes de produccedilatildeo se dispersam

irregularmente sem pontos de concentraccedilatildeo apreciaacutevel natildeo satildeo elas como se deu

na agricultura e na mineraccedilatildeo que fixam o povoador mas sim as vias de

comunicaccedilatildeo a que o autor chamou de estradas liacutequidas

Como a aacuterea que o coletor de produtos naturais precisava alcanccedilar era muito

grande mesmo para os padrotildees atuais e o esgotamento das fontes era frequumlente

nessa forma de exploraccedilatildeo a via de comunicaccedilatildeo natural e faacutecil era o rio que

passou a se constituir no uacutenico poacutelo estaacutevel de atraccedilatildeo de povoamento A

organizaccedilatildeo da produccedilatildeo por sua vez natildeo tem por base a propriedade fundiaacuteria

como na agricultura ou na mineraccedilatildeo mas a exploraccedilatildeo que se realizava na floresta

para todos disponiacutevel devia-se levar em conta a sazonalidade da colheita

respeitando a eacutepoca proacutepria do ano Era preciso organizar no momento oportuno

expediccedilotildees para realizar a colheita dos produtos naturais O empresaacuterio deveria

reunir os homens e os iacutendios necessaacuterios para a empreitada tudo feito sob a

fiscalizaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas locais interessadas tambeacutem no mercado de

trabalho a ser utilizado nas obras de construccedilatildeo de quarteacuteis fortalezas e hospitais

Dessa disputa em torno da matildeo-de-obra indiacutegena entre colonos missionaacuterios e

autoridades puacuteblicas resultavam violecircncia e conflitos permanentes Depois de

organizada a expediccedilatildeo devia seguir fortemente guarnecida para se defender da

hostilidade de tribos selvagens muitas vezes a guarniccedilatildeo era composta por tropa

regular cedida pelas autoridades locais As maiores expediccedilotildees podiam ser

compostas por dezenas de embarcaccedilotildees navegando rio acima agrave procura de pontos

favoraacuteveis para o trabalho coletor frequumlentemente a enormes distacircncias do ponto

de partida O carregamento podia consumir semanas ou mesmo meses de trabalho

duro findo o qual a expediccedilatildeo retornava e o empresaacuterio entregava sua produccedilatildeo

aos comerciantes que se incumbiam das demais tarefas de exportaccedilatildeo Uma

avaliaccedilatildeo dessa atividade econocircmica apoiada na colheita de produtos naturais

forma principal e quase uacutenica de produccedilatildeo e base de colonizaccedilatildeo do vale

amazocircnico permite concluir que ela se desenvolveu sob o signo da instabilidade

120

sobretudo em relaccedilatildeo ao complexo problema de assimilaccedilatildeo dos indiacutegenas e a

flutuaccedilatildeo dos preccedilos internacionais Afirma Prado Juacutenior que a colonizaccedilatildeo da

Amazocircnia foi muito mais uma aventura que propriamente a constituiccedilatildeo de uma

sociedade estaacutevel e organizada (PRADO Jr 1971)

Arthur Ceacutesar Ferreira Reis acrescenta que as expediccedilotildees entradistas tinham

adicionalmente o objetivo militar de rdquosustentar o domiacutenio lusitano contra as incursotildees

de franceses e espanhoacuteis que sucederam aos ingleses e batavos nas tentativas de

apossar-se da Amazocircniardquo (REIS41 1960 p 262 apud GOacuteES FILHO 2001 p144)

Um dos agentes principais da penetraccedilatildeo amazocircnica foi portanto o chamado

droguista do sertatildeo sertanista ou simplesmente entradista colono leigo geralmente

mesticcedilo e falante da liacutengua geral como o mameluco paulista ora integrando as

chamadas tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que

tinham por objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

O tiacutetulo Droga iacutendio e missionaacuterio escolhido por Ernani Silva Bueno no volume

sobre a Amazocircnia de sua Histoacuteria do Brasil para o capiacutetulo que trata da ocupaccedilatildeo

dos rios da bacia amazocircnica entre os anos de 1640 e 1755 apresenta uma concisa

abordagem daqueles que foram os agentes da expansatildeo colonial portuguesa na

regiatildeo (GOacuteES FILHO 2001)

A escravizaccedilatildeo indiacutegena foi adotada em larga escala pelos colonizadores

amazocircnicos Na Amazocircnia do seacuteculo XVII e XVIII recorda Arno Wehling foram 3 as

formas utilizadas para se obter matildeo-de-obra indiacutegena as simples expediccedilotildees

armadas chamadas tropas de guerra cujo objetivo declarado era punir tribos hostis

aos portugueses mas que na realidade quase sempre buscavam o apresamento

puro e simples as chamadas tropas de resgates a mais comum das expediccedilotildees e

que pretendiam resgatar iacutendios que de fato ou supostamente jaacute eram escravos de

outro grupo indiacutegena e os conhecidos descimentos forma dirigida por missionaacuterios

que trouxeram iacutendios ao longo de deacutecadas - agraves vezes tribos inteiras - para serem

aldeadas nos arredores das cidades e vilas Os iacutendios descidos apesar de serem

41 REIS Arthur Ceacutesar Ferreira Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo Brasileira Satildeo Paulo Difusatildeo Europeacuteia do Livro Tomo I A eacutepoca colonial 2 vols p 262 1960

121

considerados livres poderiam ser requisitados para o serviccedilo real e o trabalho

domeacutestico dos colonos (WEHLING 1999)

Exigia-se para os casos de tropas de guerra e tropas de resgates a decretaccedilatildeo

pelas autoridades locais da tambeacutem chamada guerra justa nem sempre obtida com

facilidade sobretudo diante da reaccedilatildeo contraacuteria dos missionaacuterios e dos intermitentes

dispositivos de proibiccedilatildeo legal da escravizaccedilatildeo dos indiacutegenas Os iacutendios

aprisionados em combate seriam escravizados em cativeiro perpeacutetuo os

resgatados permaneceriam escravos por 10 anos obtendo depois a liberdade

Dessa forma a irradiaccedilatildeo portuguesa prosseguiu lenta mas incessantemente pela

intrincada malha hidrograacutefica amazocircnica tropas de guerra tropas de resgates

descimentos ou mesmo expediccedilotildees oficiais contra os franceses e espanhoacuteis

percorreram a regiatildeo

ldquoem flotilhas de embarcaccedilotildees do mais variado tipo desde a ubaacute indiacutegena agrave coberta de grande porte e aos lanchotildees para mar subiram e desceram rios velejaram ao longo da costa atlacircntica afrontando mil perigos indiferentes a quanto obstaacuteculo natural ou natildeo lhes foi aparecendo Penetraram a regiatildeo no rumo norte no rumo oeste e mesmo no rumo sul Por iniciativa privada Por iniciativa do proacuteprio governo Ao lado desses soldados e funcionaacuterios civis do Estado e dos sertanistas que serviam os objetivos mercantis dos colonos os religiosos operavam com a mesma agilidaderdquo (REIS 1948 p 55)

O quadro abaixo transcrito daacute a dimensatildeo das accedilotildees de penetraccedilatildeo portuguesa na

Amazocircnia ocorrida desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem ateacute agraves veacutesperas da assinatura do

Tratado de Madri em 1750

1621- Felipe III de Espanha autoriza Bento Maciel Parente a explorar o Amazonas

1623- Luiacutes Aranha de Vasconcelos vindo de Lisboa por ordem de Madri sobe o Rio

Amazonas visita a regiatildeo das ilhas faz proceder a sondagens e combate os

holandeses e ingleses

1626- Pedro Teixeira percorre trechos do Rio Tapajoacutes agrave frente de uma tropa de

resgates

1627- Pedro da Costa Favela comanda uma tropa de guerra ao Rio Pacajaacutes

afluente do Tocantins

122

1628- Pedro Teixeira e Bento Rodrigues de Oliveira sobem o Rio Amazonas agrave testa

de uma tropa de resgate

1632- Feliciano Coelho castiga os ingaiacutebas aliados dos ingleses na foz do

Amazonas

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas agrave testa de uma grande expediccedilatildeo

atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo com o Rio

Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo as tropas

de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio Tapajoacutes

1651- Chega ao Gurupaacute depois de percorrer os Rios Mamoreacute Madeira e

Amazonas a expediccedilatildeo de Antonio Raposo Tavares que saindo de Satildeo Paulo

depois de percorrer o Tietecirc alcanccedilou o Paraguai adentrando nos altiplanos andinos

do Vice Reinado do Peru antes de descer o Rio Grande e alcanccedilar o Mamoreacute Sua

expediccedilatildeo expulsou definitivamente jesuiacutetas instalados no atual Mato Grosso

revelou o Rio Madeira e sua ligaccedilatildeo com os territoacuterios coloniais espanhoacuteis criou

condiccedilotildees para a exploraccedilatildeo de ouro nessa regiatildeo e permitiu a reivindicaccedilatildeo

portuguesa sobre a regiatildeo oeste do Brasil

1651- Bartolomeu Bueno de Ataiacutede por ordem real vai ao Rio do Ouro em busca

de minas

1654- Joatildeo de Bittencourt Muniz penetra o Rio Jari no Cabo Norte

1657- Os jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires atingem o Rio Negro e sobem

ateacute o Rio Tarumatilde onde montam uma missatildeo

1660- Pedro Costa Favela alcanccedila o Rio Araguari onde monta uma fortificaccedilatildeo

1663- Manuel Coelho no comando de uma tropa de resgate alcanccedila o Rio

Solimotildees

1668-1669- Pedro da Costa Favela capitatildeo de uma tropa de resgates volta ao Rio

Urubu passando depois ao Rio Negro

1669- Os jesuiacutetas comeccedilam a frequumlentar as aacuteguas do Rio Madeira e fundam a

missatildeo dos tupinambaranas

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro lanccedilando os fundamentos do

fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da futura cidade de Manaus

1671- Os jesuiacutetas Manoel Pires e Joatildeo Maria Gorzoni sobem o Rio Solimotildees

1671- O sertanista Manoel Coelho penetra no alto Solimotildees agrave frente de uma tropa

de resgates

1673- Francisco Lopes com uma tropa de resgates percorre o Rio Solimotildees

123

1673- Francisco da Mota Falcatildeo sobe o Rio Tocantins ao encontro dos paulistas

Sebastiatildeo Paes de Barros e Pascoal Paes de Arauacutejo que atacavam os guajarus

aliados dos portugueses

1674- Por ordem real uma expediccedilatildeo sobe o Rio Tocantins procurando os mesmos

paulistas que constava terem descoberto minas de ouro na regiatildeo

1681- Os missionaacuterios espanhoacuteis que operavam no Marantildeon e Solimotildees reclamam

perante seus superiores contra a penetraccedilatildeo dos sertanistas luso-brasileiros que

estavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os interesses de Espanha

1684- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilotildees no Rio Solimotildees a fim de garantir a

soberania portuguesa na regiatildeo

1687- O governador Antocircnio de Albuquerque Coelho de Carvalho vai ao Rio

Araguari e aos lagos do Cabo Norte

1688- Ordem reacutegia para que os jesuiacutetas tomassem conta dos grupos indiacutegenas do

Rio Madeira e do Rio Negro Em cumprimento a essas determinaccedilotildees os inacianos

entram em atividade nesses rios

1688- O sertanista Andreacute Pinheiro com o jesuiacuteta Joatildeo Maria Gorzoni operam

intensamente no Rio Negro

1689- Num memorial apresentado agraves autoridades paraenses e ao Vice-Rei do Peru

o missionaacuterio Samuel Fritz a serviccedilo de Espanha registra sob protesto a presenccedila

dos sertanistas luso-brasileiros que subiam o Rio Solimotildees penetravam jaacute no

Marantildeon numa irradiaccedilatildeo que punha em perigo os interesses de Espanha

1691- Antocircnio de Miranda e Noronha vai ao Rio Solimotildees conduzindo o jesuiacuteta

Samuel Fritz que missionaacuterio dos maynas trazia ao Solimotildees o campo de suas

atividades catequistas Antocircnio de Miranda e Noronha em presenccedila dos inacianos

declara a regiatildeo como parte integrante dos territoacuterios da Coroa portuguesa

1691- Nova ordem reacutegia para que os jesuiacutetas operem no Rio Negro

1692- A Cacircmara de Beleacutem peticiona a Sua Majestade para que mande mais

missionaacuterios para o Rio Madeira Rio Negro e Rio Branco

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foi atribuiacutedo o Rio Negro o Rio Madeira e o

Rio Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e Solimotildees

passariam depois para os carmelitas

1693- O Conselho Ultramarino decide atender agrave solicitaccedilatildeo da Cacircmara de Beleacutem em

torno da remessa de missionaacuterios para os Rios Madeira Negro e Branco

124

1694- Ordem reacutegia determina que os carmelitas substituam os jesuiacutetas no vale do

Rio Negro

1695- Antocircnio de Miranda e Noronha volta ao Solimotildees procedendo a um inqueacuterito

para apurar a penetraccedilatildeo espanhola que continuava a operar-se por intermeacutedio dos

jesuiacutetas de maynas

1695- Os carmelitas entram em atividade no Rio Solimotildees e no Rio Negro

1696- Ordem reacutegia mandando pocircr fora do Rio Solimotildees todos os espanhoacuteis que

fossem encontrados nesse trecho do vale amazocircnico que devia ser mantido sob a soberania luso-brasileira 1696- O capitatildeo-general Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho com grande

comitiva de que faziam parte o capitatildeo-mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros

funcionaacuterios graduados do Estado visita a hinterlacircndia comeccedilando a inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro

1697- Souza Fundatildeo e Joseacute Muniz de Mendonccedila retomam o forte de Cumauacute que os

franceses de Caiena tinham ocupado

1697- Joseacute Antunes da Fonseca por ordem real toma posse solene do Rio

Solimotildees para a Coroa portuguesa entregando a catequese das populaccedilotildees nativas

agrave Ordem dos carmelitas

1697- Antocircnio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre a atuaccedilatildeo

que deveriam exercer tanto no Rio Solimotildees como no Rio Negro sendo que naquela

regiatildeo deveriam agir de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo

assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias renovando as determinaccedilotildees

anteriores

1702- Manoel Cordeiro Jordatildeo comanda tropa de guerra ao Marajoacute contra a naccedilatildeo

aroari e outros grupos

1706- Francisco Soeiro de Vilhena sobe o Rio Tapajoacutes com uma tropa de resgate

1706- Alvaraacute de agradecimento aos carmelitas pela accedilatildeo decisiva na defesa dos

interesses portugueses na regiatildeo do Rio Solimotildees

1708- Samuel Fritz que orientava as missotildees dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no

Marantildeon e procurava salvar para a soberania espanhola aquelas terras eacute contido

pela presenccedila dos carmelitas e dos sertanistas paraenses e maranhenses

1709- Inaacutecio Correa de Oliveira potildee fora do Rio Solimotildees os inacianos que sob a

direccedilatildeo de Joatildeo Batista Sana trabalhavam para os interesses de Espanha

125

1710- Joseacute Antunes da Fonseca combate os espanhoacuteis que haviam incendiado os

aldeamentos dos carmelitas portugueses no Rio Solimotildees e aprisionado o capitatildeo

Inaacutecio Correa por ordem do governador Cristovatildeo da Costa Freire

1711- Pedro Correa Teixeira corre o litoral ateacute o Cabo Norte com o posto de

Tenente Guarda Costa

1720- Diogo Pinto da Gaya explora os Rios Tocantins e Araguaia por ordens do

governador Berredo

1722- Miguel de Siqueira Chaves sobe o Rio Solimotildees em uma diligecircncia oficial

verificando as condiccedilotildees da soberania luso-brasileira em face dos propoacutesitos dos

jesuiacutetas a serviccedilo da Espanha

1722- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilatildeo no Rio Solimotildees e no Napo onde devia

ser mantida a fronteira dos territoacuterios portugueses com os espanhoacuteis no vale

amazocircnico

1722- Francisco de Melo Palheta sobe o Rio Madeira por ordem do governador

Joatildeo de Maya da Gama para verificar a existecircncia de brancos nas cabeceiras do

rio atingindo a missatildeo espanhola de Santa Cruz de Cajuava

1722- Tomaacutes Teixeira no comando de uma tropa de resgate sobe o Rio Amazonas

1723- Joatildeo Paes do Amaral por ordem do governador Joatildeo de Maya da Gama vai

ao Cabo Norte para verificar a existecircncia de padrotildees que ali atestem a posse

portuguesa

1723- Manoel Braga sobe o Rio Negro com uma tropa de resgate sendo atacado

por Ajuricaba que confederara os manaos contra os portugueses

1723-1729- Belchior Mendes de Moraes Joatildeo Paes do Amaral e outros fazem

guerra a Ajuricaba no Rio Negro conseguindo por fim aprisionaacute-lo A seguir passam

agraves cachoeiras do alto combatendo os mayapemas aliados dos manaos

1724- Estevatildeo de Albuquerque por ordem de Maya da Gama sobe em

descobrimento o Rio Tapajoacutes

1725- Fernatildeo Coelho de Souza sobe o Rio Tapajoacutes

1726- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe o Rio Negro penetra

o Rio Cassiquiari e atinge o Rio Orenoco onde daacute notiacutecias da regiatildeo ao superior dos

jesuiacutetas

1731-1732- Belchior Mendes Moraes sobe o Rio Solimotildees passa ao Marantildeon com

o objetivo de levantar casa forte na boca do Napo ateacute onde chegavam entatildeo as

incursotildees sertanistas

126

1732- Gregoacuterio de Moraes Rego com tropa de resgate opera com excessos na

regiatildeo cujas tabas satildeo tambeacutem visitadas nessa mesma eacutepoca por outros

sertanistas

1734- Ordem reacutegia mandando expulsar ou prender qualquer espanhol que fosse

encontrado no Rio Solimotildees

1734- Alexandre de Souza Freire capitatildeo-general do Estado apresenta longo

informe sobre a situaccedilatildeo do Rio Solimotildees que era um domiacutenio da Coroa

portuguesa

1736- Cristovatildeo Ayres Botelho penetra com tropa de resgate no vale do Rio Branco

1737- Nova ordem reacutegia mandando agir contra os espanhoacuteis que pretendessem

incursionar sobre o Rio Solimotildees

1737- Os jesuiacutetas espanhoacuteis protestam perante o capitatildeo-general do Paraacute contra a

atuaccedilatildeo luso-brasileira que se ampliava dia a dia sobre o Marantildeon em direccedilatildeo ao

Napo O capitatildeo-general Castelo Branco responde provando o fundamento legal

dessa expansatildeo

1739- O mestre de campo Francisco Fernatildeo Cardoso e o tenente-coronel Joatildeo

Pacheco descobrem minas de ouro no Rio Manoel Alves Branco afluente do Rio

Tocantins

1740- Lourenccedilo Belfort e Francisco Xavier de Andrade com tropa de resgate operam

no vale do Rio Branco

1741- Os paulistas Joatildeo Pacheco do Couto e Jacinto de Satildeo Payo Soares atingem o

Rio Tocantins vindos de Satildeo Paulo

1741- Os jesuiacutetas espanhoacuteis que atuavam no Marantildeon informam em longas

memoacuterias endereccediladas aos seus superiores que os sertanistas brasileiros

irradiavam em direccedilatildeo ao Napo

1742- Manoel Felix de Lima saiacutedo de Cuiabaacute desce o Rio Madeira ateacute Beleacutem

1742- Leonardo Oliveira paulista desce o Rio Tapajoacutes vindo do Mato Grosso

1744- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe os Rios Negro e

Branco

1747- Joatildeo de Souza de Azevedo ituano desce o Rio Tapajoacutes vindo do Mato

Grosso

1749- Joseacute Leme do Prado paulista vindo do Mato Grosso desce o Rio Madeira

por onde depois regressa agravequela capitania

127

1749- Joatildeo de Souza de Azevedo inicia expediccedilatildeo ao Rio Madeira subindo e

descendo o rio de e ateacute Mato Grosso (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

Como resultado da penetraccedilatildeo dessas expediccedilotildees iniciada com a fundaccedilatildeo de

Beleacutem no ano de 1616 um imenso territoacuterio passou a ser reconhecido e

conquistado permitindo agrave Coroa portuguesa reivindicar a posse da regiatildeo

amazocircnica em detrimento dos interesses coloniais espanhoacuteis e franceses

Ao findar o seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo da vastiacutessima capitania do Gratildeo-Paraacute

sintetizava-se nos seguintes nuacutemeros uma cidade Beleacutem 4 vilas Vila Souza do

Caeteacute (1634) Vila Viccedilosa de Santa Cruz de Cametaacute (1637) Gurupaacute (1637) e Nossa

Senhora de Nazareacute da Vigia (1693) e mais de 70 estabelecimentos missionaacuterios

entre aldeamentos de iacutendios descidos e fazendas das missotildees (ARAUacuteJO 1998) (Mapa 15)

Embora lenta e difiacutecil a ocupaccedilatildeo portuguesa foi persistente implantou seu proacuteprio

sistema econocircmico adaptando-se agraves condiccedilotildees regionais em grande medida

adversas Como balanccedilo desse periacuteodo no ano de 1751 a Amazocircnia contava com

24 engenhos de accediluacutecar e mais de 400000 cabeccedilas de gado na Ilha do Marajoacute

Pouco depois em 1759 estima-se em 17000 peacutes de cafeacute plantados no Gratildeo-Paraacute e

consideraacuteveis lavouras de cacau (REIS 1948)

Entretanto persistia o modelo de produccedilatildeo extrativista a base de toda a atividade

econocircmica da Amazocircnia colonial

A defesa militar dos territoacuterios coloniais coube aos contingentes permanentes de

soldados sediados nas casas fortes ou mesmo fortificaccedilotildees construiacutedas em pontos

estrategicamente escolhidos seja para controlar a navegaccedilatildeo ao longo dos rios ou

mesmo para marcar a presenccedila portuguesa nas regiotildees pretendidas Houve uma

clara poliacutetica de Estado apesar da escassez de recursos metropolitanos no sentido

de empreender as accedilotildees necessaacuterias para assegurar a posse daquele vasto

territoacuterio Uma linha defensiva foi implantada desde a construccedilatildeo forte do Preseacutepio

em 1616 (Mapa 16) O quadro abaixo demonstra claramente a implantaccedilatildeo

sistemaacutetica de fortificaccedilotildees defensivas na Amazocircnia colonial

130

- Gurupaacute em 1623

- Desterro em 1638

- Araguari em 1660

- Satildeo Pedro Nolasco em 1665

-Satildeo Joseacute do Rio Negro em 1669

-Nossa Senhora das Mercecircs da Barra em 1685

-Santo Antocircnio de Macapaacute em 1688

-Paru em 1693

-Santareacutem em 1697

-Pauxis em 1698

-Casa forte do Guamaacute em 1726

-Reduto do Macapaacute em 1738

-Fortim em 1738

-Bateria de Barcelos em 1755

-Curiauacute em 1761

-Satildeo Gabriel da Cachoeira de Marabitanas em 1762

-Macapaacute em 1765

-Satildeo Francisco Xavier de Tabatinga em 1770

-Reduto de Satildeo Joseacute em 1771

-Bateria de Santo Antonio em 1773

-Satildeo Joaquim do Rio Branco em 1777

-Nossa Senhora de Nazareacute de Alcobaccedila em 1780

-Bateria das ilhas de Piriquitos em 1792 e

-Bateria das ilhas de Braganccedila em 1802 (REIS 1948 tomo 2 p 57 e 58)

Tratar-se-aacute adiante em outros capiacutetulos sobre a poliacutetica oficial para a implantaccedilatildeo e

construccedilatildeo das fortificaccedilotildees amazocircnicas sobretudo no periacuteodo pombalino

Como resultado do entradismo realizado no seacuteculo XVII e na primeira metade do

XVIII imensos territoacuterios do vale amazocircnico foram de fato incorporados ao mundo

colonial portuguecircs Natildeo ocorrera ainda a legalizaccedilatildeo dessa ocupaccedilatildeo mas o

conhecimento e a exploraccedilatildeo da regiatildeo eram natildeo havia duacutevidas um

empreendimento luso-brasileiro

131

5 OS CONFLITOS

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar os conflitos pela posse dos

territoacuterios amazocircnicos ocorridos no final do seacuteculo XVII e iniacutecio do Seacuteculo XVIII

envolvendo franceses no Cabo Norte indiacutegenas no Rio Negro e Rio Branco e

jesuiacutetas a serviccedilo dos espanhoacuteis no Rio Solimotildees bem como a limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo

das missotildees jesuiacuteticas espanholas a oeste do Rio Guaporeacute

51 As incursotildees francesas ao norte do Amazonas

No iniacutecio do seacuteculo XVII sabia-se que a foz do Rio Amazonas dava acesso a uma

imensa bacia hidrograacutefica e que de algum modo era possiacutevel por meio dela atingir

o Peru e suas riquezas minerais O controle da foz do grande rio revestia-se de

importacircncia fundamental para a poliacutetica colonial das Coroas europeacuteias

particularmente para Espanha e Portugal Comerciantes ingleses franceses e

holandeses como anteriormente visto ameaccedilavam a ocupaccedilatildeo ibeacuterica da regiatildeo

(WEHLING 1999)

Desde a fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 os portugueses passaram a conquistar e

ocupar o litoral norte da Ameacuterica do Sul Construiacuteram fortes no Paraacute e no delta do

Rio Amazonas expulsaram os estrangeiros em accedilotildees sistemaacuteticas determinadas

pela poliacutetica oficial de apossar-se daqueles territoacuterios e sobretudo iniciaram a

infiltraccedilatildeo pela grande rede hidrograacutefica reconhecendo e explorando as regiotildees

ainda desconhecidas

Por outro lado Franccedila Inglaterra e Holanda passaram a rivalizar-se com a Coroa

Ibeacuterica unificada incursionando no Mar das Caraiacutebas e no norte do continente sul-

americano entre os deltas do Rio Orenoco na atual Venezuela e o Rio Amazonas

A presenccedila desses estrangeiros impedia que Madri realizasse a junccedilatildeo de suas

fronteiras coloniais costeiras (MAURO 1991)

Estando os portugueses instalados em Beleacutem e compreendendo a necessidade da

expulsatildeo imediata dos estrangeiros da Amazocircnia tarefa que poderia ser melhor

cumprida pelos lusos Felipe III de Espanha por meio de um decreto de 1621 como

132

visto anteriormente decidiu criar o Estado do Maranhatildeo entidade autocircnoma e

politicamente independente do Estado do Brasil O novo Estado estendia-se do Rio

Oiapoque no atual Estado do Amapaacute ao Cabo de Satildeo Roque no Rio Grande do

Norte compreendendo as capitanias do Paraacute Cumatilde Maranhatildeo e Cearaacute

subordinadas ao governo geral de Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo

Expulsos definitivamente de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo em 1615 os franceses logo

procuraram estabelecer-se novamente na regiatildeo entre o Rio Orenoco e o Rio

Amazonas como jaacute haviam feito ingleses e holandeses Em 1626 realizaram uma

primeira tentativa de colonizaccedilatildeo ao longo do Rio Sinnamary e em 1634 fundaram

a cidade de Caiena ambas na atual Guiana Francesa ao norte do Amapaacute As

razotildees para essa implantaccedilatildeo natildeo se prendem apenas agraves accedilotildees frequumlentes e

continuadas de pilhagem que os franceses empreendiam contra as frotas

espanholas carregadas de prata no Mar das Caraiacutebas nem mesmo ao comeacutercio de

trocas estabelecido com os indiacutegenas e ao mito do eldorado na realidade Caiena

constituiu-se na tentativa de criaccedilatildeo de uma colocircnia produtora de tabaco accediluacutecar e

outros produtos tropicais O traacutefico de escravos negros era tambeacutem muito atraente

para os comerciantes franceses e estava em franca expansatildeo nos territoacuterios

coloniais americanos (MAURO 1991)

A partir do porto de Caiena os franceses passaram a realizar incursotildees ao longo da

costa em direccedilatildeo ao sul ateacute o delta do Rio Amazonas onde pretendiam fixar

posiccedilatildeo

Para fazer frente agraves pretensotildees estrangeiras na regiatildeo os portugueses decidiram

manter o mesmo sistema de administraccedilatildeo implantado nos seus demais territoacuterios

coloniais dividindo a regiatildeo em capitanias e distribuindo sesmarias aos colonos que

laacute se fixavam A reparticcedilatildeo desses grandes espaccedilos cumpria funccedilotildees especiacuteficas

obedecendo a uma poliacutetica colonial de ocupaccedilatildeo e de defesa territorial que

estabelecia as posiccedilotildees estrategicamente convenientes para impedir o acesso agrave

bacia amazocircnica

Assim foram criadas ou doadas por ordem cronoloacutegica a Capitania Real do Gratildeo-

Paraacute em 1621 a Capitania do Caeteacute em 1627 a Capitania de Camutaacute em 1637 a

133

Capitania do Cabo Norte em 1637 a Capitania de Marajoacute em 1655 e a Capitania

do Xingu em 1681 O Gurupaacute e terras circunvizinhas natildeo foram doadas

constituiacuteram uma Capitania Real com capitatildeo-mor nomeado pelo Rei e dotada de

regimento especial (REIS 1948)

A criaccedilatildeo da Capitania do Cabo Norte que recebeu o nome oficial de Capitania da

Costa do Cabo Norte foi feita por meio do ato reacutegio de 14 de junho de 1637 e tinha

por propoacutesito consolidar posiccedilatildeo na margem esquerda do baixo Amazonas Sua

aacuterea correspondia agrave do atual Estado do Amapaacute dilatado para o interior do

continente no litoral a capitania estendia-se da foz do Rio Amazonas ateacute o Rio

Oiapoque que desaacutegua no oceano a oeste do Cabo Orange A doaccedilatildeo dessa

estrateacutegica capitania foi feita a Bento Maciel em reconhecimento aos serviccedilos que

ele havia prestado para a conquista da regiatildeo42

Depois da fixaccedilatildeo dos franceses em Caiena os conflitos com os portugueses

instalados em Beleacutem e arredores na foz do Rio Amazonas resultaram em uma

longa disputa territorial resolvida em definitivo apenas em 1900 na Repuacuteblica com

o arbitramento internacional da questatildeo feito pelo Conselho Federal Suiacuteccedilo que

decidiu favoravelmente ao Brasil na definiccedilatildeo de suas fronteiras mais setentrionais

com a Guiana Francesa Entretanto a decisatildeo final reconhecendo como brasileira a

regiatildeo em disputa soacute foi possiacutevel diante de vasta documentaccedilatildeo e fortes

argumentos todos apresentados por Rio Branco ao governo de Berna provando os

esforccedilos de colonizaccedilatildeo portuguesa da regiatildeo sobretudo aqueles empreendidos no

periacuteodo colonial

Pretendiam os franceses que os limites de sua possessatildeo sul americana fossem ateacute

o Cabo Norte ao norte do Rio Araguari que desaacutegua praticamente na foz do Rio

Amazonas Ressalta Syneacutesio Sampaio Goacutees Filho que o proacuteprio nome da empresa

criada pelo cardeal Richelieu em 1633 para colonizar a regiatildeo a Companie du Cap

Nort demonstra claramente as intenccedilotildees francesas de ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

(GOacuteES FILHO 2001)

42 A Capitania do Cabo Norte subordinada ao Estado do Maranhatildeo existiu transitoriamente sendo extinta de fato apoacutes a morte de seu terceiro donataacuterio que natildeo deixou herdeiros e seu territoacuterio revertido para o domiacutenio da Coroa

134

Os portugueses por sua vez alegavam que o limite entre os seus domiacutenios e os dos

franceses estava claramente definido pelo Rio Oiapoque conhecido tambeacutem por Rio

Vicente Pinzoacuten

Essa questatildeo de fronteiras era particularmente importante sobretudo porque o

objeto de impasse e disputa natildeo dizia respeito apenas a uma faixa de terra litoracircnea

o que estava em jogo era o controle exclusivo da estrateacutegica navegaccedilatildeo pelo Rio

Amazonas

Por conta da disputa logo comeccedilaram as divergecircncias entre portugueses e

franceses sobre a posse das terras do Cabo Norte em uma sucessatildeo de acordos

ora favoraacuteveis ora desfavoraacuteveis que precederam agrave decisatildeo final soacute conseguida

como se verificou nos primeiros anos da Repuacuteblica

Conforme anteriormente comentado documentos espanhoacuteis existentes no Museu

Britacircnico datados de 4 de novembro de 1621 enviados de Madri ao Conselho do

Governo em Lisboa e revelados por Rio Branco em suas memoacuterias sobre os limites

com a Guiana Francesa indicam claramente a intenccedilatildeo da Espanha em se utilizar

dos portugueses para a conquista e ocupaccedilatildeo amazocircnica priorizando sobretudo as

terras situadas na regiatildeo do Cabo Norte

ldquoque se poblasse la costa que corre del Brasil hasta Santo Thomeacute de Guyana y Bocas Del Drago y los demais rios y los que fuerem tan anchos que no alcance la artilharia de uma parte aacute outra se fortifiquem y aunque esta conquista es la Corona de Castilla se podria encomendar a la de Portugal por venirles mas a quenta y que por la noticia que ay de que en la otra costa ay poblaciones de Ingleses y Olandeses se podria embiar a reconozer e conforme lo que huviesse podraacute tomar resolucion y prevehir lo necessaacuterio para echar losrdquo (REIS 1948 tomo 1p 39)

A partir do Cabo Norte podiam os estrangeiros alcanccedilar o vale amazocircnico

ameaccedilando toda a empresa colonial ibeacuterica na regiatildeo A defesa e a posse daqueles

territoacuterios eram incontestavelmente uma prioridade de Madri Como os espanhoacuteis

instalados na Venezuela natildeo podiam defender toda a orla mariacutetima ateacute o Rio

Amazonas a incumbecircncia dessa missatildeo coube aos portugueses instalados em

Beleacutem

135

Bento Maciel tomou posse da doaccedilatildeo concedida por Felipe IV de Espanha a

Capitania do Cabo Norte em 30 de maio de 1639 sendo sucedido apoacutes sua morte

em 1641 por seu filho Bento Maciel Parente Com o advento da Restauraccedilatildeo Dom

Joatildeo IV manteve a doaccedilatildeo filipina em carta patente de 9 de julho de 1645

confirmando que os territoacuterios coloniais portugueses continuavam ateacute o Rio Vicente

Pinzoacuten Em 1647 os portugueses expulsaram um grupo de holandeses que

procuravam instalar-se na regiatildeo dos lagos do Rio Araguari e penetraram no Rio

Jari em 1654 estabelecendo as condiccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado (REIS

1948)

Os franceses por sua vez haviam abandonado Caiena e o litoral guianense em

1653 apoacutes uma fracassada tentativa de colonizaccedilatildeo deixando a regiatildeo livre para a

ocupaccedilatildeo dos holandeses do Suriname e de outros batavos que haviam sido

expulsos de Pernambuco retornando uma deacutecada mais tarde em 1664 em

cumprimento a uma resoluccedilatildeo de Jean-Baptiste Colbert (1619-83) responsaacutevel

pelas reformas financeiras do reinado de Luiacutes XIV Essa nova tentativa tambeacutem

fracassou e em 22 de setembro de 1666 Caiena caiacutea em matildeos de ingleses sendo

restituiacuteda agrave Franccedila por um acordo de paz entre as duas Coroas Logo depois em

1674 os holandeses se apossam da colocircnia francesa sendo expulsos somente 3

anos mais tarde Ressalta Freacutedeacuteric Mauro que foi necessaacuteria a intervenccedilatildeo de uma

esquadra francesa comandada pelo almirante drsquoEstreacutes para repelir os holandeses

da regiatildeo em batalha ocorrida na foz do Rio Oiapoque no ano de 1677 (MAURO

1991)

Foi com a nomeaccedilatildeo do marquecircs de Ferroles em 1679 como governador da

colocircnia que Caiena iniciou a consolidaccedilatildeo da presenccedila francesa na regiatildeo

Entretanto mesmo admitindo judeus e protestantes para aumentar o povoamento

Caiena permaneceu uma colocircnia pobre e pouco atrativa principalmente quando

comparada agraves demais colocircnias francesas das Caraiacutebas Guadalupe e Martinica Foi

tambeacutem com o marquecircs de Ferrolles que se iniciaram as disputas territoriais com os

portugueses ele expediu cartas de autorizaccedilatildeo aos colonos para empreendimentos

comerciais na regiatildeo do Rio Oiapoque voltando as atenccedilotildees para leste em uma

clara tentativa de alongar a expansatildeo francesa na direccedilatildeo da foz do Rio Amazonas e

desviar de Beleacutem parte do traacutefico de especiarias regionais as drogas do sertatildeo

136

vindas do interior amazocircnico Os franceses comeccedilaram entatildeo a realizar incursotildees

nas terras do Cabo Norte motivados pelos lucros do pescado e do escambo com os

nativos chegaram mesmo agraves proximidades de Gurupaacute sendo repelidos daquela

regiatildeo em 1679 Diante dessas ameaccedilas os portugueses passaram a organizar

escoltas partindo de Desterro e Araguari para fiscalizar o litoral ateacute o Oiapoque e

reprimir o escambo feito com os nativos (REIS 1948)

Apesar das incursotildees francesas e do patrulhamento portuguecircs a regiatildeo litoracircnea do

Cabo Norte permanecia pouco explorada e muito pouco povoada

Pouco antes dessas incursotildees em 1660 e cumprindo ordens reacutegias Pedro da

Costa Favela alcanccedilou o Rio Araguari e levantou fortificaccedilotildees que deveriam garantir

o esforccedilo de expansatildeo dos coletores de drogas do sertatildeo proteger a accedilatildeo dos

missionaacuterios portugueses e manter o controle dos indiacutegenas da regiatildeo Segundo

Arthur Ceacutesar Ferreira Reis ateacute entatildeo a presenccedila dos franceses de Caiena entre o

Rio Oiapoque e o Rio Amazonas natildeo podia ser comprovada restringindo-se a accedilotildees

de alguns poucos mercenaacuterios a serviccedilo dos holandeses (REIS 1948)

Diante das incursotildees francesas Lisboa expediu carta reacutegia datada de 1ordm de abril de

1680 determinando que padres da Companhia de Jesus fossem mandados atuar do

outro lado do Rio Amazonas na parte do Cabo Norte Os padres Piacuteer Luigi Consalvi

e Aloiacutesio Conrado Pfeil iniciaram a catequese no Rio Araguari O padre Pfeil que era

matemaacutetico e pintor estudou a regiatildeo e traccedilou um mapa com os acidentes

geograacuteficos desde o Rio Amazonas remetendo as informaccedilotildees para a Corte (REIS

1948)

Outra carta reacutegia essa datada de 2 de setembro de 1684 ordenou ao governador

do Estado que estudasse a fortificaccedilatildeo do Cabo Norte bem como colhesse as

informaccedilotildees sobre os iacutendios e a situaccedilatildeo do povoamento luso-brasileiro Informada

Lisboa sobre a accedilatildeo dos franceses principalmente de suas relaccedilotildees comerciais

com os nativos o Conselho Ultramarino expediu parecer para que o governador

impedisse as accedilotildees dos estrangeiros na regiatildeo aprisionando se necessaacuterio

aqueles que descumprissem essas determinaccedilotildees reais consolidadas em carta

reacutegia de 2 de fevereiro de 1686 Mas apesar dessas medidas natildeo cessou a

137

penetraccedilatildeo francesa nos territoacuterios considerados portugueses Lisboa entatildeo

determinou em 24 de fevereiro de 1686 que fosse levantada uma fortificaccedilatildeo na

antiga posiccedilatildeo inglesa do Torrego Uma comissatildeo composta pelo capitatildeo-mor do

Paraacute um engenheiro e dois jesuiacutetas percorreu o Cabo Norte escolhendo as

posiccedilotildees para instalaccedilatildeo dos fortes e das missotildees religiosas erigindo uma pequena

casa-forte na confluecircncia do Rio Maiacari com o Rio Araguari acesso aos lagos

interiores da regiatildeo a despeito de todas as condiccedilotildees adversas sobretudo dos

alagadiccedilos caracteriacutesticos daquela costa e da pororoca que ameaccedilava a navegaccedilatildeo

A casa-forte do Maiacari-Araguari foi guarnecida por 25 soldados e 3 canhotildees e

ficaria pronta em dezembro de 1687 Em 25 de marccedilo de 1688 Dom Pedro II

nomeou Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho para comandar as fortalezas

do Cabo Norte dando a ele independecircncia em relaccedilatildeo ao governador do Estado do

Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute para decidir sobre accedilotildees militares (REIS 1948)

Todas essas determinaccedilotildees reacutegias deixam claro a opccedilatildeo poliacutetica e militar de Lisboa

para manter a regiatildeo e prover sua defesa contra os estrangeiros particularmente os

franceses de Caiena

Mas de todo modo a situaccedilatildeo permanecia indefinida e o proacuteprio de Ferrolles

penetrou o Rio Araguari alcanccedilando a fortaleza portuguesa em 1688 Durante a

incursatildeo de Ferrolles encontrou-se com o padre Pfeill reivindicou a posse daqueles

territoacuterios e preparou uma minuciosa descriccedilatildeo de sua aventura agraves autoridades

francesas

A partir dessa viagem Lisboa intensificou as determinaccedilotildees ao governador do

Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute as cartas reacutegias de outubro e novembro de 1690

setembro de 1691 e novembro de 1692 ordenavam a atuaccedilatildeo de religiosos nas

fronteiras a proibiccedilatildeo de guerra aos iacutendios aliados dos franceses e agradeciam os

esforccedilos de fortificaccedilatildeo em andamento no Cabo Norte A carta reacutegia de 19 de marccedilo

de 1693 regulava as atividades das Ordens religiosas e sua distribuiccedilatildeo territorial na

Amazocircnia cabendo aos padres de Santo Antocircnio a tarefa de atuar nas terras ao

norte do Amazonas (REIS 1948)

138

A situaccedilatildeo se deteriora Em 1697 de Ferrolles recebe ordens especiais de Luiacutes XIV

para levar adiante a expansatildeo francesa ateacute o Rio Amazonas incursionando sobre as

posiccedilotildees portuguesas do Cabo Norte Depois de 11 dias de viagem tendo saiacutedo de

Caiena alcanccedila a fortaleza de Macapaacute em 31 de maio de 1697 toma a fortificaccedilatildeo

e prossegue ateacute o Rio Paru onde destroacutei outro forte laacute existente

Naquele momento o governador do Estado enfrentava outras questotildees relacionadas

aos limites amazocircnicos missionaacuterios a serviccedilo de Espanha ameaccedilavam se apossar

do Rio Solimotildees e havia notiacutecia de que holandeses incursionavam no Rio Negro e

no Rio Branco A situaccedilatildeo do Cabo Norte exigiu uma accedilatildeo raacutepida dos portugueses

que reconquistaram Macapaacute em 10 de julho de 1697 Novas instruccedilotildees para

resguardar a regiatildeo satildeo enviadas ao governador em 12 e 14 de dezembro de 1697

no ano seguinte cartas reacutegias de 4 de marccedilo e 9 de dezembro determinavam que

se impedisse tambeacutem as accedilotildees dos holandeses do Suriname

Todavia questotildees da poliacutetica europeacuteia ofereceram uma soluccedilatildeo temporaacuteria para o

impasse do Cabo Norte Uma aproximaccedilatildeo entre Luiacutes XIV e Pedro II por ocasiatildeo da

sucessatildeo de Espanha resultou na assinatura de um Tratado Provisoacuterio em 4 de

marccedilo de 1700 estabelecendo uma treacutegua na disputa as terras entre o Rio

Oiapoque e o Rio Amazonas passaram a ser consideradas neutras ateacute a concepccedilatildeo

de um ajuste definitivo esse acerto permitia que as relaccedilotildees de amizade entre as

duas coroas natildeo fossem alteradas

Seriam demolidos os fortes de Araguari Cumauacute e Macapaacute devendo ser retirado

deles todo pessoal a serviccedilo das fortificaccedilotildees incluindo os aldeamentos indiacutegenas

nos arredores daquelas praccedilas Portugueses e franceses ficariam impedidos de

ocupar aquelas terras ateacute que se chegasse a uma soluccedilatildeo definitiva para o impasse

(REIS 1948)

Confirmado em 18 de junho de 1701 o Tratado Provisoacuterio torna-se Tratado definitivo

e perpeacutetuo Os portugueses foram levados a reconhecer uma neutralidade que dava

agrave Franccedila a oportunidade de enfim legalmente pleitear direitos sobre a regiatildeo

incluindo mesmo a livre navegaccedilatildeo do Amazonas O Tratado foi francamente

desfavoraacutevel aos interesses coloniais portugueses

139

A situaccedilatildeo poliacutetica europeacuteia entretanto mudou rapidamente Portugal e Franccedila

desfizeram suas alianccedilas durante a Guerra de Sucessatildeo da Espanha ocorrida entre

1701 e 1713 o que colocou em lados opostos as duas Coroas europeacuteias Com o

apoio da Inglaterra os portugueses declararam nulo os dois acordos firmados com a

Espanha e apelaram aos aliados ingleses para que interviessem visando a uma

soluccedilatildeo negociada para a questatildeo do Cabo Norte

Em 11 de abril de 1713 na Holanda sob a mediaccedilatildeo da rainha inglesa Anne e ao

final da Guerra de Sucessatildeo Portugal e Franccedila assinaram o Primeiro Tratado de

Utrecht pelo qual Portugal graccedilas ao apoio de seu aliado britacircnico conseguiu que a

Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees estabelecendo o Rio

Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica

Luiacutes XIV reconhecia que ldquoas duas margens do rio Amazonas tanto a meridional

como a setentrional eram de inteira propriedade domiacutenio e soberania de Sua

Majestade Portuguesaldquo prometendo mesmo ldquonunca apresentar qualquer pretensatildeo

agrave navegaccedilatildeo e ao uso do referido rio fosse a que pretexto fosserdquo (Artigo X do

Tratado de Utrecht)

O artigo VIII natildeo deixa duacutevidas ldquoSua Majestade Cristianiacutessima desistiraacute para sempre

[] de todo e qualquer direito e pretensatildeo que pode ou poderaacute ter sobre a

propriedade das terras chamadas do Cabo Norte e situadas entre os rios Amazonas

e Japoc ou Vicente Pinzoacutenrdquo 43

43 Transcriccedilatildeo do Tratado de Paz entre Sua Majestade Cristianiacutessima e Sua Majestade Portuguesa concluiacutedo em Utrecht a 11 de abril de 1713 Artigo VIII A fim de prevenir toda a ocasiatildeo de discoacuterdia que poderia haver entre os vassalos da Coroa de Franccedila e os da Coroa de Portugal Sua Majestade Cristianiacutessima desistiraacute para sempre como presentemente desiste por este Tratado pelos termos mais fortes e mais autecircnticos e com todas as claacuteusulas que se requerem como se elas aqui fossem declaradas assim em seu nome como de seus Descendentes Sucessores e Herdeiros de todo e qualquer direito e pretensatildeo que pode ou poderaacute ter sobre a propriedade das terras chamadas de Cabo do Norte e situadas entre o Rio das Amazonas e o de Japoc ou de Vicente Pinzoacuten sem reservar ou reter porccedilatildeo alguma das ditas terras para que elas sejam possuiacutedas daqui em diante por Sua Majestade Portuguesa seus Descendentes Sucessores e Herdeiros com todos os direitos de Soberania Poder absoluto e inteiro Domiacutenio como parte de seus Estados e lhe fiquem perpetuamente sem que Sua Majestade portuguesa seus Descendentes Sucessores e Herdeiros possam jamais ser perturbadas na dita posse por Sua Majestade Cristianiacutessima seus Descendentes Sucessores e Herdeirosrdquo

140

A assinatura do Tratado de Utrecht entretanto natildeo resolveu definitivamente a

questatildeo de fronteira do Cabo Norte

Lembra Syneacutesio Goacutees Filho que poucos anos apoacutes o acordo de paz mais

precisamente a partir de 1725 as autoridades francesas de Caiena comeccedilaram a

manifestar duacutevidas sobre a localizaccedilatildeo do Rio Japoc ou Vicente Pinzoacuten referido no

Tratado de Utrecht (GOacuteES FILHO 2001) (Mapa 17) O ato reacutegio de 15 de abril de 1709 anterior portanto ao Tratado de Utrecht

determinava que fossem organizadas forccedilas volantes sob a denominaccedilatildeo de tropas

de guarda-costas que deveriam zelar pela seguranccedila dos missionaacuterios e colonos ao

longo da costa ateacute o Rio Oiapoque combatendo as tentativas francesas de

penetraccedilatildeo Assinado o acordo de paz os patrulhamentos foram mantidos

principalmente porque os franceses de Caiena mantiveram suas accedilotildees comerciais

aleacutem do Rio Oiapoque em territoacuterio acordado como portuguecircs (REIS 1948)

Apesar dessas precauccedilotildees as incursotildees dos corsaacuterios franceses se intensificaram

com o aprisionamento de indiacutegenas do Cabo Norte sobretudo durante o governo de

Claude Guillouet dOrvilliers agrave frente da administraccedilatildeo de Caiena entre os anos de

1716 a 1720 e 1722 a 1729 A reaccedilatildeo portuguesa a essas investidas foi mais eficaz

com o capitatildeo-general Joatildeo da Maia da Gama que governou o Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute entre os anos de 1722 e 1728 periacuteodo em que foram intensificadas as

rotineiras expediccedilotildees das tropas de guarda-costas e organizadas quatro grandes

expediccedilotildees militares agrave regiatildeo

Tambeacutem foi durante seu governo que em 1727 o oficial portuguecircs Francisco de

Mello Palheta ao regressar de uma missatildeo em Caiena trouxe as primeiras mudas

de cafeacute para o Brasil44

44 As mudas plantadas no Paraacute floresceram sem dificuldade mas natildeo seria no ambiente amazocircnico que a nova planta iria tornar-se a principal do paiacutes um seacuteculo e meio mais tarde Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o consumo da bebida crescia extraordinariamente exigindo o constante aumento da produccedilatildeo o cafeacute saltou para o Rio de Janeiro onde comeccedilou a ser plantado em 1781 por Joatildeo Alberto de Castello Branco Tinha iniacutecio assim um novo ciclo econocircmico na histoacuteria do paiacutes Esgotado o ciclo da mineraccedilatildeo do ouro em Minas Gerais outra riqueza surgia provocando a emergecircncia de uma aristocracia e promovendo o progresso do Impeacuterio e da Primeira Repuacuteblica Penetrando pelo vale do rio Paraiacuteba a mancha verde dos cafezais que jaacute dominava paisagem fluminense chegou a Satildeo Paulo que a partir da deacutecada de 1880 passou a ser o principal produtor

142

Os portugueses decidiram ampliar entatildeo a fortaleza de Satildeo Joseacute do Macapaacute em

1738 com o objetivo de melhorar a defesa da regiatildeo e barrar as incursotildees dos

franceses

Apesar desses esforccedilos a colonizaccedilatildeo do Cabo Norte viria a ganhar novo impulso

apenas no periacuteodo pombalino quando Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado

assumiu o governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo em 24 de setembro de

1751 Em dezembro do mesmo ano Mendonccedila Furtado organizou uma expediccedilatildeo a

Macapaacute constituiacuteda por soldados e colonos vindos da Ilha dos Accedilores Apesar das

dificuldades e da insalubridade da regiatildeo assolada por epidemias e doenccedilas a

manutenccedilatildeo do Cabo Norte foi uma preocupaccedilatildeo permanente das autoridades

portuguesas nesse periacuteodo

Caiena por sua vez manteve no seacuteculo XVIII uma posiccedilatildeo secundaacuteria em relaccedilatildeo

agraves colocircnias francesas das Antilhas mas sua economia natildeo podia ser desprezada A

colocircnia manteve um plano de colonizaccedilatildeo e povoamento produzia accediluacutecar embora

tivesse havido forte decliacutenio na produccedilatildeo no periacuteodo de 1698 a 1771 exportava para

os mercados europeus o roucou aacutervore usada pela induacutestria da tinturaria produzia

tambeacutem cacau cafeacute e algodatildeo (MAURO 1991)

Com o expansionismo da Franccedila napoleocircnica a situaccedilatildeo portuguesa no contexto

das potecircncias europeacuteias ficou cada vez mais fraacutegil assumindo mesmo uma niacutetida

posiccedilatildeo de fraqueza Em 10 de agosto de 1797 apoacutes sofrer fortes pressotildees

Portugal assina o chamado Tratado de Paris pelo qual se estabelecia como limite

das possessotildees portuguesas do Cabo Norte o Rio Calccediloene entre o Rio Oiapoque

e o Rio Araguari Em 6 de junho de 1801 pelo Tratado de Badajoacutes Portugal recua

novamente aceitando como limite o Rio Araguari e em seguida pelo Tratado de

Madri assinado em 29 de setembro de 1801 cedeu mais ainda aceitando que a

fronteira passasse pelo pequeno Rio Carapanatuba que desaacutegua no estuaacuterio do

Amazonas proacuteximo ao Forte de Macapaacute No Tratado de Amiens assinado em 27 de

marccedilo de 1802 entre Franccedila e Espanha sem a presenccedila portuguesa restaurou-se

a fronteira pelo Rio Araguari (GOacuteES FILHO 2001)

nacional da rubiaacutecea (cafeacute) Na sua marcha foi criando cidades e fazendo fortunas Ao terminar o seacuteculo XIX o Brasil controlava o mercado cafeeiro mundial

143

Todos esses acordos foram firmados em momento de extrema fragilidade da poliacutetica

externa portuguesa e representavam se implementados enormes perdas

territoriais ameaccedilando toda a expansatildeo colonial realizada na Amazocircnia desde o

iniacutecio do seacuteculo XVII

A ascensatildeo de Napoleatildeo Bonaparte ao poder na Franccedila declarando-se imperador

em 1804 deu iniacutecio agraves chamadas guerras napoleocircnicas As relaccedilotildees jaacute difiacuteceis entre

as duas Coroas resultaram na invasatildeo de Portugal pelos exeacutercitos franceses e em

declaraccedilatildeo de guerra agrave Franccedila pelo priacutencipe regente Dom Joatildeo em maio de 1808

nessa altura jaacute estabelecido em terras brasileiras no Rio de Janeiro Portugal

declarou tambeacutem nulos todos os acordos posteriores a Utrecht assinado em 1713

sob a alegaccedilatildeo de que haviam sido obtidos pela forccedila Apoacutes a declaraccedilatildeo de guerra

Dom Joatildeo e seu ministro da Guerra Dom Rodrigo de Souza Coutinho planejaram

uma incursatildeo militar aos domiacutenios franceses em Caiena Em novembro de 1808 as

tropas portuguesas sob o comando de Manoel Marques partiram de Beleacutem em 12

de janeiro de 1809 Caiena capitulava e era entatildeo anexada aos territoacuterios coloniais

portugueses Manoel Marques governou Caiena provisoriamente e em marccedilo de

1810 Joatildeo Severiano Maciel da Costa assumiu a administraccedilatildeo da nova possessatildeo

portuguesa dando iniacutecio a uma administraccedilatildeo de quase 8 anos45

Entre 1814 e 1815 os liacutederes das naccedilotildees europeacuteias reuniram-se no chamado

Congresso de Viena constituiacutedo para discutir e promover a reorganizaccedilatildeo territorial

europeacuteia no periacuteodo do poacutes-guerra napoleocircnica O principal objetivo era redefinir o

mapa poliacutetico da Europa e restaurar o equiliacutebrio rompido por Napoleatildeo

Como resultado imediato do Congresso de Viena Portugal e Franccedila firmaram novo

acordo de limites coloniais com o propoacutesito de encerrar a disputa pelo Cabo Norte

tambeacutem conhecida como Questatildeo Caiena Os portugueses se comprometeram a

devolver Caiena desde que os franceses reconhecessem o Rio Oiapoque como

limite entre suas possessotildees americanas

45 Sobre a administraccedilatildeo portuguesa de Caiena ver estudo de SOARES Ana Carolina Eiras Coelho e DUARTE Elaine Cristina Ferreira publicado no Artigo O Impeacuterio luso-brasileiro Caiena Disponiacutevel em wwwarquivonacionalgovbrhistoriacolonial acesso em 4 de abril de 2006

144

O texto do Tratado estabelecia que o territoacuterio colonial portuguecircs ia ldquoateacute o Rio

Oiapoque cuja embocadura estaacute situada entre o quarto e o quinto grau de latitude

Norte limite que Portugal sempre considerou como o fixado pelo Tratado de

Utrechtrdquo 46

Caiena foi devolvida aos franceses em 1817 apoacutes a assinatura de uma convenccedilatildeo

particular entre a Franccedila e o novo Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves

A questatildeo do Cabo Norte natildeo se encerraria com os acordos firmados na Convenccedilatildeo

de Viena em 1815 seriam necessaacuterios mais esforccedilos no Impeacuterio e na Repuacuteblica

para consolidar definitivamente a conquista da regiatildeo realizada sobretudo no

periacuteodo colonial47

52 A missatildeo jesuiacuteta de Samuel Fritz e a disputa pela ocupaccedilatildeo do Rio Solimotildees Viu-se anteriormente que o mundo amazocircnico jaacute havia sido concedido para

exploraccedilatildeo aos soldados espanhoacuteis desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 De

acordo com o historiador argentino Enrique de Gandia em uma seacuterie de atos de 46 Transcriccedilatildeo de parte do Ato do Congresso de Viena assinado em 9 de junho de 1815 Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil para manifestar de maneira incontestaacutevel a sua consideraccedilatildeo particular para com Sua Majestade Cristianiacutessima se obriga a restituir a sua dita Majestade a Guiana Francesa ateacute o rio Oiapoque cuja embocadura estaacute situada entre o quarto e o quinto graus de latitude setentrional limite que Portugal considerou sempre como o que fora fixado pelo Tratado de Utrecht A eacutepoca da entrega desta Colocircnia agrave Sua Majestade Cristianiacutessima seraacute determinada assim que as circunstacircncias o permitirem por uma Convenccedilatildeo particular entre as duas Cortes e proceder-se-aacute amigavelmente com a maior brevidade agrave fixaccedilatildeo definitiva dos limites das Guianas Portuguesa e Guiana conforme o sentido exato do artigo oitavo do Tratado de Utrecht 47 Lembra Syneacutesio Sampaio Goacutees Filho que ldquoEm 1861 eacute publicado em Paris o livro LOyapok et lAmazone de Joaquim Caetano da Silva considerado unanimemente como a maior contribuiccedilatildeo - com os documentos e mapas que apresentou ndash para a defesa dos direitos do Brasil ao Amapaacute ateacute o surgimento 28 anos depois da memoacuteria do Baratildeo do Rio Branco Caetano da Silva nascera em Jaguaratildeo natildeo longe do arroio do Chuiacute limite extremo sul do Brasil e curiosamente tornou-se o autor da grande obra a justificar a posse do Oiapoque o limite extremo norte Uma exceccedilatildeo extrema agrave regra de Arthur Reis de que homens do Impeacuterio nascidos fora da Amazocircnia por ela natildeo se interessaram muito[] Finalmente a primeiro de dezembro de 1900 foi entregue a Rio Branco na sede de sua missatildeo a vila Trautcheim em Berna a sentenccedila do arbiacutetrio Em que pese a opiniatildeo em contraacuterio de alguns autores entre os quais Dioniacutesio Cerqueira a sentenccedila foi inteiramente favoraacutevel ao Brasil Na costa atlacircntica a divisa foi fixada pelo Oiapoque - afinal reconhecido como o Japoc ou Vicente Pinzoacuten de Utrecht ndash e no interior da Guiana o limite ficou sendo divisor de aacuteguas os montes de Tucumaque muito mais proacuteximo das pretensotildees maacuteximas do Brasil do que da Franccedila que reivindicava diferentemente do que mostram muitos mapas da questatildeo um territoacuterio que ultrapassava a regiatildeo do Rio Trombetas A questatildeo do Amapaacute para ela envolvia uma aacuterea de 500000 km2 isto eacute quase 4 vezes maior que o atual Estado do Amapaacute que tem 1400000 km2rdquo (GOacuteES FILHO 2001 p273 e 277)

145

Carlos V que governou a Espanha entre 1516 e 1556 de Felipe II monarca de

1556 a 1598 e de Felipe III rei de 1598 a 1621 a Amazocircnia fora doada a Diego de

Ordaz em 1530 a Francisco de Orellana em 1551 a Jerocircnimo de Aguayo em

1552 a Diego de Vargas em 1554 a Juan Despes em 1563 a Hernandez de

Serpa e Pedro Molover da Silva em 1568 a Juan Ortiz de Zarate em 1569 a

Antonio Berrio em 1585 a Hernando de Oruna y la Hoz em 1601 e a Pedro de

Betranilla em 1604 (REIS 1948)

Todas essas concessotildees no entanto natildeo produziram resultados invalidadas

porque os espanhoacuteis parecem natildeo ter querido se aventurar na difiacutecil empreitada de

colonizaccedilatildeo do vale amazocircnico Alegavam que seriam necessaacuterios muitos recursos

para viabilizar essa empresa Os esforccedilos para conquista da Amazocircnia sobretudo

diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil no Peru ou em Nova Granada

natildeo seriam compensadores

No seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo pelos espanhoacuteis do

vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais proacuteximas da cidade de Quito na

antiga proviacutencia de Maquiparo proacutexima agraves regiotildees dos Rios Napo e Javari - as

chamadas proviacutencias dos iquitos omaacuteguas e pebas eles natildeo haviam ainda

avanccedilado sobre o vale amazocircnico no sentido de oeste para leste Outro fator que

certamente dificultou essa irradiaccedilatildeo foi a existecircncia da cordilheira andina que

dificultava sobremaneira a penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis funcionando

quase como uma muralha de separaccedilatildeo (GADELHA 2002) Os portugueses por sua vez sobretudo a partir da segunda metade do seacuteculo XVII

jaacute haviam se infiltrado por quase todo o vale amazocircnico ocupando o caminho aberto

por Pedro Teixeira que em 1639 tomara posse da regiatildeo para Portugal em nome

do Rei de Espanha balizando a linha de fronteiras entre as duas naccedilotildees

(GADELHA 2002)

Outro fator poliacutetico importante traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

146

desde 1621 Dessa forma tendo o controle do delta amazocircnico antes do final do

seacuteculo XVII sertanistas soldados e missionaacuterios portugueses percorriam livremente

o vale do Amazonas e ocupavam as suas margens e as de seus afluentes mais

proacuteximos no grande delta atingindo o Rio Negro desde 1656 (GADELHA 2002)

Os acontecimentos e as expediccedilotildees mais importantes que percorreram o Rio

Solimotildees desde a viagem de Pedro Teixeira ateacute a expulsatildeo definitiva dos

missionaacuterios a serviccedilo de Espanha estatildeo descritos a seguir e revelam que

portugueses jaacute haviam alcanccedilado a regiatildeo bem mais cedo que os espanhoacuteis

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas e o Solimotildees agrave testa de uma grande

expediccedilatildeo atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo

com o Rio Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo

as tropas de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio

Tapajoacutes

1663- Manuel Coelho com uma tropa de resgates alcanccedila o Rio Solimotildees

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro na confluecircncia com o

Solimotildees lanccedilando os fundamentos do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da

futura cidade de Manaus

1671- Os jesuiacutetas Manoel Pires e Joatildeo Maria Gorzoni sobem o Rio Solimotildees

1671- O sertanista Manoel Coelho penetra no alto Solimotildees agrave frente de uma tropa

de resgate

1673- Francisco Lopes com uma tropa de resgate percorre o Solimotildees

1681- Os missionaacuterios espanhoacuteis que operavam no Marantildeon e Solimotildees

reclamaram perante seus superiores contra a penetraccedilatildeo dos sertanistas luso-

brasileiros que estavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os

interesses de Espanha

1684- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilotildees no Rio Solimotildees a fim de garantir a

soberania portuguesa na regiatildeo

1689- Num memorial apresentado agraves autoridades paraenses e ao Vice-Rei do Peru

o missionaacuterio Samuel Fritz a serviccedilo de Espanha registra sob protesto a presenccedila

dos sertanistas luso-brasileiros que subiam o Rio Solimotildees penetravam jaacute no

Marantildeon numa irradiaccedilatildeo que punha em perigo os interesses de Espanha

147

1691-Antonio de Miranda e Noronha vai ao Rio Solimotildees conduzindo o jesuiacuteta

Samuel Fritz e em presenccedila dos inacianos declara a regiatildeo como parte integrante

dos territoacuterios da Coroa portuguesa

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram atribuiacutedos os Rio Negro Madeira e

Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e Solimotildees

passariam depois para os carmelitas

1695- Antocircnio de Miranda e Noronha volta ao Solimotildees procedendo a um inqueacuterito

para apurar a penetraccedilatildeo espanhola que continuava a operar-se por intermeacutedio dos

jesuiacutetas de maynas

1695- Os carmelitas entram em atividade no Solimotildees e no Negro

1696- Ordem reacutegia mandando pocircr fora do Solimotildees todos os espanhoacuteis que fossem

encontrados nesse trecho do vale amazocircnico que devia ser mantido sob a soberania luso-brasileira

1697- Joseacute Antunes da Fonseca por ordem real toma posse solene do Solimotildees

para a Coroa portuguesa entregando a catequese das populaccedilotildees nativas agrave Ordem

dos Carmelitas

1697- Antonio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre a atuaccedilatildeo

que deveriam exercer tanto no Solimotildees como no Rio Negro sendo que naquela

regiatildeo deveriam agir de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo

assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias renovando as determinaccedilotildees

anteriores

1706- Alvaraacute de agradecimento aos carmelitas pela accedilatildeo decisiva na defesa dos

interesses portugueses na regiatildeo do Solimotildees

1708- Samuel Fritz que orientava as missotildees dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no

Marantildeon e procurava salvar para a soberania espanhola aquelas terras eacute contido

pela presenccedila dos carmelitas e dos sertanistas paraenses e maranhenses

1709- Inaacutecio Correa de Oliveira potildee fora do Solimotildees os inacianos que sob a

direccedilatildeo de Joatildeo Batista Sana trabalhavam para os interesses de Espanha

1710- Joseacute Antunes da Fonseca combate por ordem do governador Cristovatildeo da

Costa Freire os espanhoacuteis que haviam incendiado os aldeamentos dos carmelitas

portugueses no Solimotildees e aprisionado o capitatildeo Inaacutecio Correa

148

1722- Miguel de Siqueira Chaves sobe o Solimotildees em uma diligecircncia oficial

verificando as condiccedilotildees da soberania luso-brasileira em face dos propoacutesitos dos

jesuiacutetas a serviccedilo da Espanha

1722- Ordem reacutegia para levantar fortificaccedilatildeo no Solimotildees e no Napo onde devia ser

mantida a fronteira dos territoacuterios portugueses com os espanhoacuteis no vale amazocircnico

1731-1732- Belchior Mendes Moraes sobe o Solimotildees passa ao Marantildeon com o

objetivo de levantar casa-forte na boca do Rio Napo ateacute onde chegavam entatildeo as

incursotildees sertanistas

1732- Gregoacuterio de Moraes Rego com tropa de resgates opera com excessos na

regiatildeo cujas tabas satildeo tambeacutem visitadas nessa mesma eacutepoca por outros

sertanistas

1734- Ordem reacutegia mandando expulsar ou prender qualquer espanhol que fosse

encontrado no Solimotildees

1734- Alexandre de Souza Freire capitatildeo-general do Estado apresenta longo

informe sobre a situaccedilatildeo do Solimotildees que era um domiacutenio da Coroa portuguesa

1737- Nova ordem reacutegia mandando agir contra os espanhoacuteis que pretendessem

incursionar sobre o Solimotildees

1737- Os jesuiacutetas espanhoacuteis protestam perante o capitatildeo-general do Gratildeo-Paraacute

contra a atuaccedilatildeo luso-brasileira que se ampliava dia a dia sobre o Marantildeon em

direccedilatildeo ao Rio Napo O capitatildeo-general Castelo Branco responde provando o

fundamento legal dessa expansatildeo

1741- Os jesuiacutetas espanhoacuteis que atuavam no Marantildeon informam em longas

memoacuterias endereccediladas aos seus superiores que os sertanistas brasileiros

irradiavam em direccedilatildeo ao Napo (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

Desinteressados pela regiatildeo do vale amazocircnico desde o seacuteculo XVII as

autoridades espanholas preferiram entregar aos missionaacuterios franciscanos e depois

aos jesuiacutetas a missatildeo de defesa de seus territoacuterios coloniais americanos perifeacutericos

mais extremos

Da mesma forma que Portugal a Espanha tambeacutem lanccedilou matildeo de religiosos para

realizar as tarefas de conquista e ocupaccedilatildeo de seus territoacuterios coloniais Inuacutemeras

missotildees ou como chamavam os espanhoacuteis reduccedilotildees foram fundadas Chiquitos

149

Moxos Maynas Putumayo e Orenoco alcanccedilando respectivamente os Rios

Mamoreacute Marantildeon Solimotildees Iccedilaacute e Orenoco (REIS 1948)

Os territoacuterios ocupados por essas missotildees se contrapunham agraves posiccedilotildees

portuguesas nos atuais Estados do Mato Grosso e Amazonas abrangendo os Rios

Madeira Mamoreacute Guaporeacute Solimotildees e Negro

A accedilatildeo missionaacuteria jesuiacutetica espanhola nos territoacuterios do alto Amazonas iniciou-se a

partir de Quito no atual Equador e Pasto na Colocircmbia no final do seacuteculo XVI e

pouco a pouco foi se expandindo ateacute as zonas adjacentes A pequena cidade de

Borja nas margens do Rio Marantildeon transformou-se na base de irradiaccedilatildeo dos

inacianos em direccedilatildeo ao vale amazocircnico O estabelecimento de aldeamentos

missionaacuterios ao longo dos Rios Napo Huallaga Ucayali Marantildeon e Solimotildees foram

de fato as primeiras tentativas de controle efetivo da regiatildeo realizadas pelos

colonizadores espanhoacuteis e contaram com o auxiacutelio da Companhia de Jesus

(PREZIA 1981)

A regiatildeo a leste de Borja era povoada pelos maynas uma das primeiras naccedilotildees

indiacutegenas a ser catequizada pelos jesuiacutetas e a ser alvo dos escravizadores de

iacutendios os encomenderos A partir da catequese desse grupo uma vasta aacuterea

amazocircnica viria a ser conhecida como proviacutencia de maynas ou mais precisamente

por reduccedilotildees de maynas

Em 1681 missionaacuterios jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha que atuavam no Rio Marantildeon

e Solimotildees informaram aos superiores da Ordem sobre a penetraccedilatildeo de sertanistas

luso-brasileiros que estavam segundo reclamavam em franca atividade na regiatildeo

pondo em perigo os interesses espanhoacuteis

O movimento contraacuterio agrave presenccedila portuguesa no Rio Solimotildees foi conduzido e

liderado por um inaciano europeu nascido na Boecircmia o padre Samuel Fritz48

48 Samuel Fritz (1654-1725) nasceu em Trutnov na Boecircmia do Norte Em 1672 foi para Praga estudar filosofia e um ano mais tarde ingressou na Companhia de Jesus Em 1680 foi admitido na Universidade Olomouc para estudar teologia onde em 1683 decidiu tornar-se missionaacuterio solicitando ao superior da Ordem que fosse enviado ao Novo Mundo No continente sul-americano Samuel Fritz trabalhou durante quase 20 anos entre os omaacuteguas grupo eacutetnico de origem tupi que

150

No dia 28 de novembro de 1684 depois de uma difiacutecil travessia do Atlacircntico que

consumiu mais de 2 meses de viagem chega a Cartagena na atual Colocircmbia o

padre Samuel Fritz acompanhado por outros missionaacuterios enviados para a

catequizaccedilatildeo no Rio Marantildeon Apoacutes curto descanso o grupo parte para o interior

do continente numa empreitada de aproximadamente 2000 km de extensatildeo

inicialmente sobem contra a corrente o Rio Magdalena e depois fazem a

travessia pela cadeia dos Andes ateacute Quito onde chegam em 27 de agosto de

1685 Laacute permanecem por 2 meses alojados no coleacutegio jesuiacuteta da cidade

planejando a organizaccedilatildeo das missotildees evangelizadoras Em outubro iniciam uma

longa viagem atravessando a cordilheira andina em direccedilatildeo agrave Amazocircnia Em 18 de

novembro quase 1 ano depois de sua chegada agrave Ameacuterica Fritz alcanccedila o povoado

de Laguna o centro da proviacutencia de maynas fundada agrave margem direita do Rio

Huallaga no Vale do Rio Marantildeon Em Laguna eacute encarregado pelo superior da

Ordem da missatildeo de catequese da tribo dos omaacuteguas grupo eacutetnico numeroso e

muito temido que habitava numerosas ilhas e margens do vale meacutedio do Rio

Amazonas desde o Rio Napo afluente da margem esquerda ateacute o Rio Negro Nos

primeiros meses de 1686 o padre Fritz alcanccedila a regiatildeo dos omaacuteguas e inicia sua

atuaccedilatildeo junto agravequeles indiacutegenas com os quais viveu ateacute 1704 quando entatildeo foi

promovido a superior da Ordem e viu-se obrigado a retornar agrave Laguna No periacuteodo

em que permaneceu nos territoacuterios dos omaacuteguas fundou mais de 30 reduccedilotildees

nomeando Satildeo Joaquim como o centro principal da missatildeo

No iniacutecio do ano de 1689 Fritz iniciou a navegaccedilatildeo do Rio Amazonas em direccedilatildeo

aos territoacuterios visitados e ocupados pelos portugueses Sua intenccedilatildeo era ampliar as

reduccedilotildees espanholas no vale amazocircnico com a conversatildeo das diversas tribos que

estavam instaladas ao longo do Rio Maranotilden e Solimotildees Durante a viagem fundou

as missotildees de Taracuateua (futura Nossa Senhora de Guadalupe) Satildeo Paulo dos

Cambebas (Satildeo Paulo de Olivenccedila) Santana do Coari (Coari) Amaturaacute ou Satildeo

habitava o vale meacutedio do Rio Amazonas Nessa regiatildeo Fritz fundou mais de 30 reduccedilotildees Em 1689 iniciou a navegaccedilatildeo a jusante do Rio Amazonas Durante a viagem apoacutes adquirir uma enfermidade viu-se obrigado a buscar ajuda em Beleacutem O governador local tomou-o por espiatildeo e o deteve na cidade por 18 meses Logo que foi libertado por ordem da Coroa portuguesa regressou agrave sua missatildeo em julho de 1691 Tornou-se um ativista pelos direitos dos indiacutegenas posicionando-se como defensor dos interesses do Rei espanhol na regiatildeo do Rio Solimotildees em um momento marcado por disputas coloniais entre as Coroas ibeacutericas Seu famoso mapa traccedilado com base nas mediccedilotildees que tomou durante sua viagem eacute considerado a representaccedilatildeo mais proacutexima da realidade que ateacute entatildeo havia sido feita do Rio Amazonas

151

Cristoacutevatildeo (Castro de Avelatildees) e Santa Teresa do Tape (Ega ou Tefeacute) todas ao

longo dos Rios Marantildeon e Solimotildees nas proximidades do Rio Negro - regiatildeo que jaacute

vinha sendo visitada pelos portugueses desde o iniacutecio da deacutecada de 1660 pelas

expediccedilotildees das tropas de resgates e pelos sertanistas coletores de drogas do

sertatildeo (LOUREIRO 1978) (Mapa 18)

Durante a viagem apoacutes adquirir uma enfermidade Fritz viu-se obrigado a buscar

ajuda em Beleacutem vindo a percorrer todo o curso do Rio Solimotildees e Amazonas ateacute a

sua foz Quando alcanccedilou seu destino entretanto o governador Antonio de

Albuquerque Coelho de Carvalho que governou o Estado entre 1690 a 1701

considerou o missionaacuterio como um espiatildeo a serviccedilo de Espanha e o deteve na

cidade por dezoito meses Quando libertado por ordem da Coroa portuguesa

regressou agrave sua missatildeo em julho de 1691 acompanhado por uma escolta de 20

homens sob o comando do capitatildeo Antonio de Miranda Noronha O vice-rei do

Peru Melchior Portocarrero Lazo de La Veja determinou em Lima que o

missionaacuterio voltasse agraves atividades no Rio Solimotildees substituindo-o em 1704 pelo

jesuiacuteta Joatildeo Batista de Sana (LOUREIRO 1978)

A viagem do padre Samuel Fritz produziu um diaacuterio muito interessante sobre a

regiatildeo amazocircnica Recorda Renan Freitas Pinto que suas anotaccedilotildees oferecem

informaccedilotildees sobre um momento particular da ocupaccedilatildeo da Amazocircnia por espanhoacuteis

e portugueses O ponto de vista de seus escritos eacute o de um missionaacuterio a serviccedilo da

Companhia de Jesus em sua versatildeo espanhola portanto tambeacutem e principalmente

a serviccedilo da Coroa de Espanha Quando se refere aos colonos e autoridades

portugueses utiliza termos quase sempre negativos buscando caracterizar a

presenccedila lusitana no vale como uma ameaccedila ao trabalho de civilizaccedilatildeo e

cristianizaccedilatildeo das populaccedilotildees nativas Para Samuel Fritz o que diferencia

fundamentalmente os portugueses dos espanhoacuteis eacute que os primeiros satildeo

predadores dos povos indiacutegenas por meio de guerras e escravizaccedilatildeo enquanto que

os espanhoacuteis mesmo tendo usado meacutetodos igualmente violentos em seus contatos

com os povos indiacutegenas tinham modificado o conteuacutedo dessas relaccedilotildees em direccedilatildeo

a uma conduta de convivecircncia marcada pela toleracircncia e pela cooperaccedilatildeo muacutetua

(PINTO 2005)

153

Os inacianos a serviccedilo de Espanha produziram 2 versotildees de uma importante carta

geograacutefica o Mapa Geographico del Rio Marantildeon o Amazonas feito pelo Padre

Samuel Fritz da Companhia de Jesus missionaacuterio neste mesmo Rio Amazonas no

ano de 1691 e o mapa El gran rio Marantildeon o Amazonas gravado em metal pelo

padre Juan de Narvaez em Quito no ano de 1707 O segundo tornou-se o mais

conhecido e nele se encontram informaccedilotildees sobre vilas povoaccedilotildees aldeias

naccedilotildees indiacutegenas minas e trilhas O famoso mapa de Fritz traccedilado com base nas

mediccedilotildees que tomou durante a sua viagem eacute considerado a representaccedilatildeo

geograacutefica mais proacutexima da realidade do Rio Amazonas que ateacute entatildeo havia sido

feita Esse trabalho serviu principalmente como ponto de partida para toda a

cartografia subsequumlente aiacute incluiacuteda a carta do Rio Amazonas desenhada pelo

famoso naturalista francecircs Charles-Marie de la Condamine publicada em Paris em

1745 com a sua Relation abreacutegeacutee dun voyage fait dans linteacuterieur de lAmeacuterique

meacuteridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusquaux cocirctes du Breacutesil et de la

Guyane en descendant la riviegravere des Amazones Fritz tambeacutem se dedicou ao estudo

de diferentes liacutenguas indiacutegenas e as suas anotaccedilotildees contribuiacuteram para a

identificaccedilatildeo da Amazocircnia sob a perspectiva da ciecircncia em particular nos campos

da cartografia geografia e etnologia (FARIA 2004)

Samuel Fritz foi um ativo defensor dos direitos dos iacutendios e posicionou-se

francamente a favor da presenccedila espanhola na regiatildeo dos Rios Maranotilden e

Solimotildees Sua viagem provocou grande repercussatildeo em Portugal informada dos

planos de expansatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis em direccedilatildeo a Beleacutem vindos do

Peru e resultou em uma seacuterie de decisotildees da Coroa em defesa daqueles territoacuterios

considerados portugueses O periacuteodo no qual se passou a viagem em finais do

seacuteculo XVII foi igualmente marcado por vaacuterias disputas coloniais entre as Coroas

ibeacutericas A partir da viagem do padre Fritz a questatildeo do domiacutenio do Rio Solimotildees

ganhou prioridade poliacutetica evidenciando o interesse do governo portuguecircs em

expandir suas fronteiras para os limites da hinterlacircndia amazocircnica onde os

sertanistas jaacute haviam alcanccedilado Nesse sentido Portugal foi mais efetivo na defesa

de suas pretensotildees territoriais e mostrou-se mais interessado em expandir suas

fronteiras do que o governo espanhol em ajudar seus missionaacuterios a defender suas

reduccedilotildees De fato se alguma resistecircncia houve da parte de Espanha agrave penetraccedilatildeo

portuguesa essa coube aos jesuiacutetas a seu serviccedilo mais diretamente empenhados

154

em impedir esse movimento do que as autoridades metropolitanas e as autoridades

coloniais espanholas

Como parte dessa poliacutetica colonial em 20 de marccedilo de 1708 uma carta reacutegia foi

expedida de Lisboa determinando ao governador do Estado Costa Freire que

protegesse o Rio Solimotildees das pretensotildees espanholas expulsando todos os

missionaacuterios estrangeiros que estivessem atuando na regiatildeo Em 1709 o

governador do Gratildeo-Paraacute enviou uma tropa de guerra sob o comando do Capitatildeo

Correia de Oliveira para patrulhar o Rio Solimotildees e expulsar os espanhoacuteis que laacute

estivessem instalados obtendo uma retirada temporaacuteria dos missionaacuterios

O Padre Joatildeo Batista de Sana substituto de Samuel Fritz nas reduccedilotildees de maynas

desde 1704 recebeu ajuda do governador de Quito Luis de Iturbide e retomou as

missotildees receacutem-ocupadas prendendo o carmelita portuguecircs Inaacutecio de Oliveira e

outros 5 soldados lusos A reaccedilatildeo portuguesa foi conduzida em 1710 pelo

sargento-mor Joseacute Antunes da Fonseca que agrave frente de 130 soldados e 300 iacutendios

aliados derrotou os missionaacuterios espanhoacuteis obrigando-os a evacuar a regiatildeo As

posiccedilotildees espanholas ficaram restritas a algumas reduccedilotildees no Rio Maranotilden Dessa

forma entre 1709 e 1710 os portugueses conquistaram definitivamente o Rio

Solimotildees A partir da segunda deacutecada do seacuteculo XVIII natildeo havia mais traccedilos da

presenccedila espanhola no Rio Solimotildees a regiatildeo era portuguesa (LOUREIRO 1978)

Para consolidar a ocupaccedilatildeo o governo de Lisboa ordenou que os missionaacuterios

fundassem uma missatildeo no Rio Japuraacute e outra no Rio Javari A que foi construiacuteda na

confluecircncia dos Rios Marantildeon e Javari com o nome de Satildeo Francisco do Javari a

mais de 2500 km de Beleacutem marcaria o limite entre as possessotildees espanholas e

portuguesas no Rio Amazonas sendo hoje o ponto fronteiriccedilo entre os Estados do

Brasil e da Colocircmbia

Com a expulsatildeo dos jesuiacutetas da Espanha na segunda metade do seacuteculo XVIII por

determinaccedilatildeo do proacuteprio governo espanhol as autoridades metropolitanas e

coloniais foram progressivamente abandonando as aacutereas amazocircnicas e permitindo

a ocupaccedilatildeo portuguesa de vastos territoacuterios como aqueles onde haviam sido

instaladas as reduccedilotildees de maynas Incorporou-se assim ao impeacuterio colonial

155

portuguecircs toda a regiatildeo do Rio Solimotildees A insistecircncia poliacutetica de Portugal em

manter suas possessotildees coloniais americanas certamente produziu melhores

resultados

53 A conquista do Rio Negro e Rio Branco

Viu-se anteriormente que a penetraccedilatildeo territorial realizada pelos portugueses na

Amazocircnia ocorreu tambeacutem devido agrave accedilatildeo dos droguistas do sertatildeo sertanistas ou

simplesmente entradistas geralmente colonos leigos em sua maioria mesticcedilos e

falantes da liacutengua geral como os mamelucos paulistas ora compondo as

expediccedilotildees coletoras das especiarias amazocircnicas ora integrando as chamadas

tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que tinham por

objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

Desde a expediccedilatildeo de Pedro Teixeira de 1639 o movimento de expansatildeo territorial

prosseguiu incessantemente por uma intrincada malha hidrograacutefica seja por decisatildeo

de iniciativa privada ou por determinaccedilatildeo dos governos locais e metropolitanos

Dessa forma a partir da segunda metade do seacuteculo XVII expediccedilotildees portuguesas

intensificaram a exploraccedilatildeo do Rio Negro principal afluente da margem esquerda do

Rio Amazonas alcanccedilado em 1657 pelos jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires

que subindo o rio ateacute a regiatildeo do Rio Tarumatilde montaram a primeira missatildeo religiosa

naqueles territoacuterios

Pouco mais de uma deacutecada depois em 1669 Francisco da Mota Falcatildeo iniciou a

construccedilatildeo do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro na confluecircncia do Rio Negro com o

Rio Amazonas lanccedilando os fundamentos da futura cidade de Manaus

Ordens reacutegias datadas de 1688 1691 e 1693 determinaram que os jesuiacutetas fossem

encarregados da catequizaccedilatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Negro tendo sido

fixado pelo uacuteltimo documento referenciado o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem

religiosa instalada na Amazocircnia Aos jesuiacutetas haviam sido inicialmente atribuiacutedos

aleacutem do Rio Negro os Rios Madeira e Solimotildees

156

No ano seguinte em 1694 tendo em vista a extensatildeo das obrigaccedilotildees impostas agrave

Companhia de Jesus na Amazocircnia outra Ordem reacutegia determinou que os carmelitas

substituiacutessem os inacianos nos vales dos Rios Negro e Solimotildees onde passariam a

atuar a partir de 1695

Em 1696 o governador geral do Estado Antonio de Albuquerque Coelho de

Carvalho visitou a regiatildeo da hinterlacircndia amazocircnica comeccedilando uma inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro tendo sido acompanhado pelo capitatildeo-

mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros funcionaacuterios graduados do Estado No ano

seguinte em 1697 distribuiu instruccedilotildees aos carmelitas sobre como esses

missionaacuterios deveriam atuar tanto no Solimotildees como no Rio Negro Alertou

especialmente para que agissem de maneira a evitar a infiltraccedilatildeo espanhola

naquelas regiotildees Sobre o mesmo assunto foram expedidas outras ordens reacutegias

renovando as determinaccedilotildees anteriores

A penetraccedilatildeo portuguesa entretanto natildeo foi realizada sem que houvesse conflitos e

resistecircncias

O Rio Negro era habitado pelo grupo indiacutegena conhecido por manao que exercia o

controle sobre outros grupos menores com os quais conviviam na regiatildeo Com a

chegada dos sertanistas portugueses estabeleceu-se uma relaccedilatildeo comercial entre

eles Inicialmente os manaos trocavam indiacutegenas cativos por ferramentas armas e

tecidos tornando-se a regiatildeo do Rio Negro no iniacutecio do seacuteculo XVIII um grande

centro de abastecimento de matildeo-de-obra indiacutegena para Beleacutem

As trocas comerciais prosseguiam sem interrupccedilatildeo ateacute que um dos liacutederes manaos

Uiuiebeua foi morto pelos portugueses em decorrecircncia de um desacordo sobre o

preccedilo a ser pago pelos indiacutegenas aprisionados A partir de 1723 os portugueses

passaram a ser atacados por Ajuricaba49 filho do cacique Uiuiebeua que organizou

uma espeacutecie de confederaccedilatildeo indiacutegena para vingar a morte de seu pai impedindo

por mais de 4 anos a navegaccedilatildeo pelo Rio Negro e o avanccedilo portuguecircs na regiatildeo

49 Na liacutengua geral Ajuricaba eacute um nome composto por Ajuri que significa reuniatildeo e por Cauaacute marimbondo

157

Logo foram levantadas suspeitas de que os manaos estariam negociando armas e

municcedilatildeo com os holandeses estabelecidos no Rio Orenoco na atual Venezuela

Arthur Ceacutezar Ferreira Reis observa que em estudo realizado por Joaquim Nabuco

em O Direito do Brasil escrito com o propoacutesito de esclarecer a questatildeo de limites

com a Guiana Inglesa e em documentaccedilatildeo da eacutepoca disponiacutevel no Arquivo Puacuteblico

do Paraacute pode-se concluir que as acusaccedilotildees contra Ajuricaba foram forjadas por

colonos e negociantes de escravos indiacutegenas (REIS 1948)

O argumento de que a alianccedila entre os manaos e os holandeses poderia impedir a

atuaccedilatildeo e mesmo ameaccedilar a presenccedila portuguesa na regiatildeo levou o governador

Joatildeo Maia da Gama que governou o Estado entre 1722 e 1728 a informar Lisboa

sobre os ataques de Ajuricaba Os relatos oficiais informavam ainda que o liacuteder

manao conduzia uma bandeira holandesa hasteada em sua canoa quando

guerreava contra os portugueses

Na fase inicial do conflito foram tentados alguns acordos de paz por mediaccedilatildeo dos

missionaacuterios jesuiacutetas Mas Ajuricaba natildeo estabeleceu nenhum acordo natildeo

acreditando que os portugueses fossem capazes de cumprir suas promessas e

atuando em emboscadas e em pequenas accedilotildees de guerrilha manteve os ataques

aos destacamentos portugueses

Tendo tomado conhecimento do que se sucedia e temendo que os holandeses se

instalassem na regiatildeo Portugal determinou que uma accedilatildeo militar fosse empreendida

para contornar a situaccedilatildeo e esmagar o movimento indiacutegena Belchior Mendes de

Moraes foi destacado pelo governador do Estado Joatildeo Maia da Gama para chefiar

as tropas de guerra no Rio Negro O conflito se estendeu por quase 6 anos entre

1723 e 1729

Finalmente em 1728 uma grande expediccedilatildeo punitiva capturou mais de duzentos

guerreiros indiacutegenas entre eles o liacuteder do movimento o manao Ajuricaba O relatoacuterio

oficial da missatildeo empreendida por Belchior Mendes de Moraes informa como teriam

sido realizadas as accedilotildees de captura transcritas a seguir

158

ldquoNossa gente o localizou em sua aldeia mas ele organizou uma defesa antes de se completar o cerco Depois de tiros de uma peccedila de artilharia ele decidiu abandonar a aldeia e escapar seguido de alguns outros maiorais Nossos homens o perseguiram e o procuraram nos dias precedentes pelas aldeias de seus aliados O baacuterbaro e infiel Ajuricaba e mais seis ou sete chefes menores seus aliados foram finalmente capturados e mais duzentos ou trezentos prisioneiros foram trazidos junto com ele quarenta destes seratildeo tomados em pagamento pelas despesas feitas por Vossa Majestade nessa guerra e trinta outros para o fundo da taxa realldquo (SOUZA 1979 p9)

Os aprisionados foram embarcados para julgamento em Beleacutem Durante a viagem

na altura da Baiacutea de Boissu em frente ao forte de Satildeo Joseacute da Barra que deu

origem agrave cidade de Manaus ao atravessar o encontro das aacuteguas do Rio Negro e

Solimotildees houve um levante dos indiacutegenas conforme descrito no relatoacuterio da

missatildeo a seguir transcrito ldquoQuando Ajuricaba estava vindo como prisioneiro para a cidade de Beleacutem e ainda estava navegando no rio ele e outros homens levantaram-se na canoa onde estavam sendo conduzidos agrilhoados e tentaram matar os soldados Estes sacaram de suas armas e feriram alguns deles e mataram outros Entatildeo Ajuricaba saltou para a aacutegua com outro chefe e jamais reapareceu vivo ou morto Deixando de lado o sentimento pela perdiccedilatildeo de sua alma ele nos fez uma grande gentileza libertando-nos dos temores de sermos obrigados a guardaacute-lordquo(SOUZA 1979 p9)

O historiador Arthur Ceacutesar Ferreira Reis assim descreve o ocorrido ldquoA lenda informa que houve choque violento De parte a parte muito heroiacutesmo Os portugueses agrave certa altura depois de batidos em quatro investidas jaacute principiavam a desanimar quando alguns soldados completando o cerco atacaram Ajuricaba pela retaguarda conseguindo vencecirc-lo Adianta a lenda que nessa refrega Ajuricaba perdendo o filho tatildeo bravo quanto ele o jovem Cucunaccedila lanccedila-se entre os inimigos infringindo-lhes vaacuterias perdas sendo afinal preso e posto a ferro Transportado para Beleacutem depois de ser procedida nova devassa onde se amontoaram vaacuterias provas para o libelo acusatoacuterio ao grande guerreiro em caminho antes de chegar agrave embocadura do rio Negro tentou libertar-se e aos companheiros Sublevou mesmo em grilhotildees a gentilidade das embarcaccedilotildees ameaccedilando seriamente a tropa de Paes do Amaral e Belchior Dominado o levante depois de muito sangue vertido para natildeo se sujeitar agraves humilhaccedilotildees do inimigo ufano da vitoacuteria lanccedila-se com outro principal agraves aacuteguas do oceano fluvial que tanto amava perecendo afogado com grande satisfaccedilatildeo dos conquistadores livres de vez das preocupaccedilotildees de tecirc-lo sob a mais rigorosa vigilacircncia ateacute Beleacutem confessou o governador Maia da Gamardquo (REIS 1974 p 82)

Os resultados da intervenccedilatildeo militar foram comunicados a Lisboa em 26 de

setembro de 1728 Entretanto a resistecircncia dos manaos natildeo terminou com a morte

de seu liacuteder Ajuricaba pois houve outras rebeliotildees em 1729 e em 1759 antes que a

regiatildeo fosse completamente dominada

159

Antocircnio Joseacute Souto Loureiro ressalta que Belchior Mendes de Moraes teria

continuado a accedilatildeo militar tendo destruiacutedo muitas aldeias do Rio Negro e eliminado

mais de 20000 indiacutegenas manaos (LOUREIRO 1978)

Com a penetraccedilatildeo dos portugueses no Rio Negro e em direccedilatildeo ao Rio Branco natildeo

se confirmou a presenccedila de comerciantes holandeses na regiatildeo e ao que tudo

indica o boato de que eles atuavam no vale daquele rio foi eficazmente utilizado

como argumento poliacutetico para as accedilotildees militares determinadas por Lisboa

Novamente os portugueses foram mais efetivos na defesa de seus interesses

coloniais na hinterlacircndia amazocircnica (Mapa 19) O quadro resumo dos acontecimentos e as expediccedilotildees mais importantes que

percorreram o Rio Negro desde a viagem de Pedro Teixeira ateacute a ocupaccedilatildeo do Rio

Branco estatildeo descritos a seguir e revelam que portugueses deram forte prioridade

agraves accedilotildees de ocupaccedilatildeo da regiatildeo consolidando posiccedilatildeo frente aos demais

colonizadores europeus

1637-1639- Pedro Teixeira sobe o Amazonas agrave testa de uma grande expediccedilatildeo

atinge Quito e regressa apoacutes ter assinalado na confluecircncia do Rio Napo com o Rio

Aguarico os limites de Portugal e Espanha no vale amazocircnico Ateacute entatildeo as tropas

de resgates e os buscadores de droga natildeo tinham passado do Rio Tapajoacutes

1657- Os jesuiacutetas Francisco Veloso e Manuel Pires atingem o Rio Negro sobem ateacute

o Rio Tarumatilde onde montam uma missatildeo

1668-1669- Pedro da Costa Favela capitatildeo de uma tropa de resgate volta ao Rio

Urubu passando depois ao Rio Negro

1669- Francisco da Mota Falcatildeo penetra o Rio Negro lanccedilando os fundamentos do

fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro raiz da futura cidade de Manaus 1688- Ordem reacutegia para que os jesuiacutetas tomassem conta dos grupos indiacutegenas do

Rio Madeira e do Rio Negro Em cumprimento a essas determinaccedilotildees os inacianos

entram em atividade nesses rios

1688- O sertanista Andreacute Pinheiro e o jesuiacuteta Joatildeo Maria Gorzoni operam

intensamente no Rio Negro

1691- Nova ordem reacutegia para que os jesuiacutetas operem no Rio Negro

161

1692- A Cacircmara de Beleacutem peticiona a Sua Majestade para que mande mais

missionaacuterios para o Rio Madeira Rio Negro e Rio Branco

1693- Carta reacutegia fixando o campo de atuaccedilatildeo de cada Ordem religiosa que

trabalhava na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram atribuiacutedos o Rio Negro o Rio Madeira e

o Rio Solimotildees Pela extensatildeo de suas obrigaccedilotildees os vales do Rio Negro e

Solimotildees passariam depois para os carmelitas

1693- O Conselho Ultramarino decide atender agrave solicitaccedilatildeo da Cacircmara de Beleacutem em

torno da remessa de missionaacuterios para os Rios Madeira Negro e Branco

1694- Ordem reacutegia determina que os carmelitas substituam os jesuiacutetas no vale do

Rio Negro

1695- Os carmelitas entram em atividade no Solimotildees e no Negro

1696- O capitatildeo-general Antocircnio de Albuquerque Coelho de Carvalho com grande

comitiva de que faziam parte o capitatildeo-mor do Paraacute o ouvidor-mor e outros

funcionaacuterios graduados do Estado visita a hinterlacircndia comeccedilando a inspeccedilatildeo pelo

Cabo Norte e terminando-a no Rio Negro 1697- Antocircnio de Albuquerque distribui instruccedilotildees aos carmelitas sobre como

deveriam atuar tanto no Solimotildees como no Rio Negro de maneira a evitar a

infiltraccedilatildeo espanhola Sobre o mesmo assunto satildeo expedidas outras ordens reacutegias

renovando as determinaccedilotildees anteriores 1723- Manoel Braga sobe o Rio Negro com uma tropa de resgate sendo atacado

por Ajuricaba que confederara os manaos contra os portugueses

1723-1729- Belchior Mendes de Moraes Joatildeo Paes do Amaral e outros fazem

guerra a Ajuricaba no Rio Negro conseguindo por fim aprisionaacute-lo A seguir passam

agraves cachoeiras do alto combatendo os mayapemas aliados dos manaos

1726- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe o Rio Negro penetra

o Rio Cassiquiari e atinge o Orenoco onde daacute notiacutecias da regiatildeo ao superior dos

jesuiacutetas

1736- Cristovatildeo Ayres Botelho penetra com tropa de resgate o vale do Rio Branco

1740- Lourenccedilo Belfort e Francisco Xavier de Andrade com tropa de resgate

operam no vale do Rio Branco

1744- Francisco Xavier de Moraes com tropa de resgate sobe os Rios Negro e

Branco (REIS 1948 tomo 2 p 50 a 55)

162

54 A expediccedilatildeo ao Rio Madeira e a limitaccedilatildeo da presenccedila espanhola a oeste do Rio Guaporeacute

Desde o final do seacuteculo XVII missionaacuterios sertanistas e droguistas do sertatildeo

iniciaram a exploraccedilatildeo do Rio Madeira sobretudo apoacutes a descoberta de uma rica

regiatildeo extrativista cacaueira no vale desse rio

As expediccedilotildees coletoras eram normalmente organizadas em Beleacutem Reunidos os

homens e os iacutendios necessaacuterios para a empreitada a navegaccedilatildeo era iniciada rio

acima ateacute a confluecircncia com o Rio Madeira consumindo nessa jornada quase 2

meses de viagem Seguiam fortemente guarnecidas para se defender da hostilidade

de tribos selvagens e em muitos casos a guarniccedilatildeo era composta por tropa regular

cedida pelas autoridades locais Uma vez alcanccedilada a regiatildeo coletora e apoacutes

instalados os homens em clareiras abertas proacuteximas agraves margens dos rios o trabalho

era iniciado Pequenos grupos eram formados e distribuiacutedos pela regiatildeo para realizar

as atividades de coleta que consumia geralmente mais 3 ou 4 meses incluindo o

carregamento do produto Finda a faina a expediccedilatildeo retornava para Beleacutem e as

favas de cacau eram entatildeo entregues aos comerciantes que se incumbiam das

demais tarefas de exportaccedilatildeo (SOUBLIN 2003)

Desde 1669 missionaacuterios religiosos jaacute haviam iniciado atividades na regiatildeo do Rio

Madeira fundando uma missatildeo jesuiacuteta onde os tupinambaranas estavam fixados A

partir desse aldeamento deu-se iniacutecio agrave expansatildeo da atuaccedilatildeo da Ordem dos

inacianos pelo vale do Madeira

Em 1688 por determinaccedilatildeo reacutegia coube oficialmente aos jesuiacutetas a

responsabilidade pela conversatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Madeira e do Rio

Negro o que intensificou as accedilotildees de catequese e penetraccedilatildeo na regiatildeo

determinaccedilatildeo retificada pouco mais tarde no ano 1693 em outra Carta reacutegia que

distribuiacutea territorialmente por aacuterea de atuaccedilatildeo os encargos de cada Ordem religiosa

na Amazocircnia aos jesuiacutetas foram confirmados o Rio Negro e o Rio Madeira e

atribuiacutedo tambeacutem o Rio Solimotildees

163

As incursotildees dos sertanistas ao Rio Madeira sobretudo dos preadores de iacutendios

resultaram em conflitos frequumlentes com as populaccedilotildees nativas da regiatildeo Recorda

Jean Soublin que entre 1716 e 1719 os toraacutes uacutenico grupo que oferecia alguma

resistecircncia agrave penetraccedilatildeo portuguesa no Rio Madeira foi completamente

desarticulado depois de investidas desses indiacutegenas contra a missatildeo jesuiacuteta de

Abacaxis fundada em 1696 pouco abaixo da confluecircncia do Rio Madeira com o Rio

Amazonas (SOUBLIN 2003)

As informaccedilotildees sobre a presenccedila de brancos rio acima colhidas principalmente de

prisioneiros indiacutegenas passaram a alarmar as autoridades de Beleacutem Estrangeiros

no Rio Madeira representavam uma seacuteria ameaccedila aos interesses portugueses

Lisboa foi informada da situaccedilatildeo e determinou por meio de uma Carta reacutegia datada

de 25 de marccedilo de 1722 que uma expediccedilatildeo fosse mandada para explorar o rio e

esclarecer a situaccedilatildeo (LOUREIRO 1978)

No dia 11 de novembro do mesmo ano em 1722 a expediccedilatildeo partiu de Beleacutem Era

comandada pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta o mesmo que havia

participado da escolta do padre Samuel Fritz ao Vice-Reinado do Peru em 1691

apoacutes a detenccedilatildeo do inaciano por 18 meses em Beleacutem e que viria a se tornar mais

conhecido por ter trazido para o Paraacute mudas de cafeacute de Caiena em 1727

A expediccedilatildeo fluvial de Palheta era composta por ldquo118 pessoas 30 armas de fogo e

iacutendios frecharrdquo (CAPISTRANO DE ABREU50 1963 p 341 apud GOacuteES FILHO

2001 p 91) embarcados em uma pequena frota de 6 embarcaccedilotildees e foi incumbida

oficialmente de se apossar do Rio Madeira para Portugal verificando tambeacutem a real

situaccedilatildeo dos espanhoacuteis que estavam fixados rio acima e sobretudo a localizaccedilatildeo

de seus povoados mais proacuteximos

Passados quase 3 meses de viagem em 2 de fevereiro de 1723 Palheta alcanccedilou a

confluecircncia do Rio Madeira com o Rio Amazonas e depois de percorrer o Madeira

por mais 17 dias decidiu fundar o arraial de Santa Cruz de Iriumar

50 CAPISTRANO DE ABREU Joatildeo Capiacutetulos de Histoacuteria Colonial e os caminhos antigos e o povoamento do Brasil 1963 p 341

164

Em 1deg de agosto de 1723 apoacutes percorrer e vencer o trecho encachoeirado do Rio

Madeira a expediccedilatildeo alcanccedilou a desembocadura do Rio Mamoreacute com o Rio

Guaporeacute entatildeo conhecido por Rio Iteacutenez Palheta decidiu entatildeo subir pelo Rio

Mamoreacute onde segundo as informaccedilotildees de que dispunha estavam instalados os

espanhoacuteis abandonou a foz do Rio Guaporeacute onde chegara e foi em direccedilatildeo aos

aldeamentos indiacutegenas mantidos pelos jesuiacutetas castelhanos alcanccedilou a povoaccedilatildeo

de Santa Cruz de Cajuava uma das reduccedilotildees dos moxos na atual Boliacutevia ao norte

de Santa Cruz de la Sierra e agraves margens do Rio Mamoreacute

O relatoacuterio da expediccedilatildeo de Palheta escrito por um de seus subordinados

descreveu a viagem uma sequumlecircncia de obstaacuteculos vencidos com grandes

dificuldades sobretudo devido agrave transposiccedilatildeo das cachoeiras do Madeira como eacute

relatado na Narraccedilatildeo da viagem e descobrimento que fez o sargento-mor Francisco

de Melo Palheta no rio Madeira e suas vertentes desde 11 de novembro de 1722

atheacute 12 de setembro de 1723 transcrita parcialmente a seguir

ldquo fomos agrave cachoeira chamada Iaguerites aonde chegamos veacutespera de Satildeo Joatildeo e nela vimos sem encarecimento uma figura do Inferno porque tendo eu visto grandes cachoeiras como satildeo as horriacuteveis e celebradas do rio dos Tapajoacutes e do rio Tocantins [] e as mais que se seguem pelo rio de Araguaia [] pois nenhuma iguala nem tem paridade a esta do rio da Madeira na sua grandeza e despenhadeiros de pedras e rochedos tatildeo altos que nos pareceu impossiacutevel a passagem como na realidade pois para a passarmos foi necessaacuterio fazer-se caminho cortando uma ponta de terra onde fizemos faxinas [] e fizemos uma boa grade de madeira por onde se puxaram as galeotas [] que com muita fadiga [] se puxaram as mais e se carregaram outra vez com farinhas e municcedilotildees que as fomos comboiar mais de meia leacutegua de caminho por terra Daqui continuamos nossa jornada passando cachoeiras umas atraacutes das outras e chegamos agrave quinta cachoeira a que chamam Mamiu que gastamos trecircs dias em passar nela as galeotas agrave corda [] fomos seguindo nossa viagem agrave cachoeira chamada Apama veacutespera de Satildeo Pedro e fazendo faxinas igualmente soldados e iacutendios rompemos as matas pela terra a dentro dois quartos de leacuteguas em que gastamos dois dias em fazer caminho e grade rompendo a golpe de machado e alavancas grandes pedras e afastando outras aos nossos ombros com bem risco de vida [] toda a limitaccedilatildeo que temos de farinhas que eacute tatildeo limitada a medida em que se daacute que apenas eacute para dois bocados de boca e fechada cabe em uma matildeo toda logo tambeacutem o que vamos comendo satildeo camaleotildees e uns animais a que chamam capivaras e alguns por se natildeo atrever a estas poucas carnes comem soacute os ovos dos ditos lagartos Peixes de nenhuma casta nem sorte se acha que das pobres espingardas eacute que vamos passando a remediar a vida [] chegamos agrave paragem em que o rio estava tapado com uma grande cachoeira e andamos buscando canal com excessivo trabalho Comeccedilamos a passar a 9 de julho e a 12 do dito eacute que saiacutemos dela e logo avistamos o apartamento do rio que vai ao Sul para onde seguiacuteamos a nossa jornada deixando o famoso rio da Madeira a Oeste entramos pelo dito a que os espanhoacuteis chamam Mamoreacute e neste mesmo dia passamos

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dele a primeira cachoeira [] prosseguimos nossa derrota ateacute as bocas dos rios de aacutegua branca e de aacutegua preta onde chegamos no 1ordm de agosto Este caudaloso rio drsquoaacutegua preta se aparta do rio Branco correndo na boca a Sueste quarta de Sul a cujo rio chamam os Espanhoacuteis Iteacutenez e o dito rio Branco parte a sudeste quarta de Oeste na entrada a que tambeacutem os espanhoacuteis chamam Mamoreacute Entre estes dois rios nos aposentamos em uma longa praia de areia e daqui seguimos o rio branco por nos parecer mais pequeno (como eacute) e este declarar sinais de habitado [] E sendo a 6 de agosto o sentinela que fazia o quarto da lua falou a uma canoa que vinha rio abaixo com dez iacutendios espanhoacuteis foi o Cabo em pessoa na sua galeota tomar-lhes o encontro e falar com eles e trazendo-os para a praia donde estaacutevamos se informou o nosso Cabo cabalmente e tomamos um guia para nos levar seguros ao porto de grande povoaccedilatildeo de santa Cruz de Cajuava e no seguinte dia por horas de veacutesperas encontramos cinco canoas que iam deste rio Mamoreacute para o de Iteacutenez e assim que nos avistamos levantaram uma cruz por bandeira e perguntado-nos se eacuteramos cristatildeos lhes responderam que sim e Portugueses a que sorrindo-se benzendo-se todos a um tempo cristatildeos portuguesesrdquo

Ao atingir as missotildees espanholas jesuiacuteticas dos moxos recorda Arthur Ceacutezar

Ferreira Reis Palheta completa sua missatildeo de reconhecimento da regiatildeo e intima os

missionaacuterios espanhoacuteis a ldquoabandonar aquelas posiccedilotildees afirmando-lhes que estavam

operando em terras pertencentes agrave Coroa portuguesa Natildeo fosse obedecida a

intimaccedilatildeo e os governantes paraenses possuiacuteam os meios materiais para obrigaacute-los

a executar o que lhes determinavardquo (REIS 1948 tomo 2 p 17) Os missionaacuterios

espanhoacuteis natildeo deveriam ultrapassar a margem direita do Rio Guaporeacute territoacuterio

colonial portuguecircs segundo insistia Palheta

Dessa forma depois de mostrar aos espanhoacuteis as pretensotildees dos portugueses

sobre os limites naturais de seus domiacutenios pelo Rio Guaporeacute Palheta iniciou o

regresso ao Paraacute em 11 de agosto de 1723 chegando a Beleacutem no dia 12 de

setembro do mesmo ano mais de 10 meses depois de iniciada a viagem (Mapa 20)

A expediccedilatildeo bloqueou definitivamente a penetraccedilatildeo dos jesuiacutetas espanhoacuteis das

missotildees de Santa Cruz de la Sierra ou dos moxos e a aldeia de Santa Cruz de

Cajuava agraves margens do Rio Mamoreacute logo foi abandonada em funccedilatildeo da pressatildeo

dos portugueses A missatildeo poliacutetica da expediccedilatildeo havia sido completamente

cumprida e aleacutem dela Palheta realizava uma notaacutevel descoberta geograacutefica ao

revelar a existecircncia do Rio Guaporeacute procurando informar-se sobre as regiotildees mais

avanccediladas daquele rio

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O que Palheta a as autoridades do Gratildeo-Paraacute natildeo sabiam era que enquanto ocorria

a conquista e a ocupaccedilatildeo do Vale do Rio Madeira pelos entradistas portugueses e

paraenses vindos de Beleacutem em suas bandeiras fluviais assentando missotildees

religiosas e povoados coloniais tendo por suporte econocircmico a coleta das drogas do

sertatildeo os paulistas avanccedilavam com suas bandeiras oriundas de Satildeo Paulo e

convergiam quase que ao mesmo tempo para o Centro-Oeste brasileiro e o sul da

Amazocircnia

Eacute oportuno ressaltar que o Brasil desde 1621 estava dividido em dois Estados

distintos o Estado do Brasil organizado sob o controle de um governo geral com

sede em Salvador ateacute 1763 depois transferida para o Rio de Janeiro e o Estado do

Maranhatildeo com denominaccedilotildees diversas ao longo do tempo mas administrado

diretamente por Lisboa Natildeo havia comunicaccedilatildeo fiacutesica e administrativa entre estas

duas entidades coloniais As ligaccedilotildees mariacutetimas eram extremamente difiacuteceis e as

estradas natildeo existiam tendo sido aberta apenas uma trilha costeira entre Recife e

Satildeo Luiacutes por volta de 1700 A regiatildeo do Mato Grosso no centro do continente sul

americano era na realidade um grande sertatildeo desconhecido Nesse sentido parece

natildeo ter havido uma accedilatildeo coordenada de ocupaccedilatildeo do territoacuterio muito provavelmente

por desconhecimento por parte da administraccedilatildeo de Lisboa de que o Rio Guaporeacute

tinha suas nascentes proximamente localizadas ao Rio Cuiabaacute este por sua vez

correndo em direccedilatildeo ao Rio do Prata

Natildeo se pode esquecer entretanto que o portuguecircs Antocircnio Raposo Tavares vindo

de Satildeo Paulo alcanccedilou Beleacutem navegando o Rio Mamoreacute e o Rio Madeira entre

1648 e 1651 70 anos antes de Palheta e revelando a ligaccedilatildeo que existe do Madeira

com as posiccedilotildees espanholas instaladas na cordilheira andina

Desde a segunda metade do seacuteculo XVII portanto bandeiras paulistas de preaccedilatildeo

de iacutendios e de prospecccedilatildeo de ouro realizavam incursotildees na regiatildeo dos atuais

Estados do Mato Grosso do Sul Mato Grosso e Rondocircnia

No ano de 1719 no comando de uma bandeira de preaccedilatildeo Antocircnio Pires de

Campos percorreu a chapada dos Parecis em Rondocircnia alcanccedilando a regiatildeo dos

campos gerais da atual cidade de Vilhena (MACHADO 2005)

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Praticamente ao mesmo tempo os bandeirantes Pascoal Moreira Cabral em 1718

e Miguel Sutil em 1722 descobriram grandes jazidas de ouro nos Rios Coxipoacute-

Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute notiacutecia que rapidamente se espalhou e provocou uma

verdadeira corrida do ouro para a regiatildeo Oeste do Brasil O primeiro nuacutecleo de

povoamento da regiatildeo fundado em 8 de abril de 1719 agraves margens do Rio Cuiabaacute

transformou-se no centro de atraccedilatildeo da nova regiatildeo mineradora recebendo em

1727 o tiacutetulo de vila por determinaccedilatildeo do Capitatildeo General de Satildeo Paulo passando

a se chamar Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute

Nas cabeceiras do Rio Guaporeacute navegado por Francisco Palheta em 1723 os

irmatildeos Fernando e Arthur Paes de Barros Joseacute Martins Charo e Joseacute Pinheiro

descobriram no ano de 1734 importantes minas de ouro As densas florestas

encontradas na regiatildeo que substituiacuteam os campos e cerrados ateacute entatildeo percorridos

pelos bandeirantes passaram a ser conhecidas por mato grosso do rio Jauru que

mais tarde daria nome ao Estado do Mato Grosso A descoberta das minas do Rio

Guaporeacute resultou na fundaccedilatildeo das povoaccedilotildees de Santa Ana e Satildeo Francisco Xavier

que viriam a se comunicar com Cuiabaacute em 1736 por um caminho terrestre de mais

de 400 km de extensatildeo No mesmo ano de 1736 os bandeirantes Armando de

Almeida Morais e Tristatildeo Cunha Gago alcanccedilaram o curso meacutedio do Rio Guaporeacute

encontrando ouro em um de seus afluentes pela margem da direita o Rio

Corumbiara onde estabeleceram um acampamento de mineraccedilatildeo

Para as autoridades portuguesas de Lisboa a navegaccedilatildeo pelos Rios Guaporeacute e

Madeira representavam seacuteria ameaccedila de evasatildeo fiscal por contrabando do ouro do

Mato Grosso A exemplo do que ocorria com os espanhoacuteis no Peru que sofriam com

o contrabando em suas colocircnias temia-se que as novas riquezas minerais receacutem-

descobertas fossem desviadas para Beleacutem aleacutem disso havia o perigo dos

castelhanos instalados em Santa Cruz de la Sierra que poderiam avanccedilar naqueles

territoacuterios e ameaccedilar a exploraccedilatildeo portuguesa mais um argumento para que natildeo

fosse permitido o acesso estrangeiro agrave regiatildeo

Por essas razotildees a navegaccedilatildeo pelo Rio Madeira foi oficialmente proibida por meio

do Alvaraacute reacutegio de 27 de outubro de 1733 decisatildeo que viria a ser abolida apenas em

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1752 com a abertura do Madeira para as relaccedilotildees comerciais com as outras

capitanias

Com a expansatildeo das atividades de mineraccedilatildeo na regiatildeo do Rio Guaporeacute iniciaram-

se novos enfrentamentos com os jesuiacutetas instalados nas reduccedilotildees de chiquitos

proacuteximas ao atual Estado do Mato Grosso do Sul e dos moxos junto a Mato Grosso

Os missionaacuterios espanhoacuteis haviam fundado vaacuterias reduccedilotildees na margem direita do

Rio Guaporeacute Santa Rosa fundada em 1740 proacutexima agrave foz do Rio Satildeo Domingos

Satildeo Miguel e Satildeo Nicolau instaladas no mesmo ano respectivamente proacuteximas agrave

foz e no baixo curso do Rio Satildeo Miguel e Satildeo Simatildeo instalada em 1746 na foz do

Rio Corumbiara (MACHADO 2005)

Entretanto a reaccedilatildeo dos mineradores luso-brasileiros apoiados pelas autoridades

locais e pela Coroa portuguesa provocou a expulsatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis

instalados na regiatildeo As reduccedilotildees localizadas na margem direita do Rio Guaporeacute

foram atacadas e destruiacutedas e os padres e os iacutendios aldeados obrigados a se

transferirem para a margem oposta do rio Aleacutem disso a partir de 1745 Lisboa

decidiu enviar jesuiacutetas portugueses e iniciou a fundaccedilatildeo de missotildees religiosas que

defendessem seus interesses territoriais naquela regiatildeo

A expansatildeo da mineraccedilatildeo pelo Rio Guaporeacute intensificou-se e a proibiccedilatildeo da

navegaccedilatildeo pelo Rio Madeira decidida oficialmente desde 1733 foi desrespeitada

por um pequeno grupo de sertanistas liderados por Manoel Felix de Lima Em 1742

eles infringiram as proibiccedilotildees reacutegias de comerciar com os castelhanos e

empreenderam viagem ateacute Beleacutem navegando o Madeira51

51 Despacho assinado por Dom Joatildeo V sobre a viagem de Felix de Lima ldquoFaccedilo saber a voacutes Joatildeo de Abreu Castelo Branco Governador e Capitatildeo-General do Estado do Maranhatildeo que se viu a vossa carta de 24 de fevereiro do ano passado socircbre remeteres presos a Manoel de Freitas Machado e Manoel Felix de Lima em razatildeo de que saindo das Minas de Mato-Grosso anexas do Cuiabaacute com outros nove companheiros foram por caminhos nunca praticados agraves terras dos domiacutenios de Castela para efeito de comprarem cavalos e bois e como ali se lhes natildeo permitisse desceram quatro decircles pelas cabeceiras do rio da Madeira e passando por algumas minas dos domiacutenios chegaram ao Paraacute trecircs donde logo se ausentou um decircles e como por ecircsse excesso entendereis que estatildeo incursos na lei de 27 de outubro de 1733 pela qual proiacutebo caminhos novos para entrar ou sair de quaisquer minas estabelecidas chamareis ao ouvidor para proceder na forma da mesma leirdquo

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Ao chegarem a Beleacutem foram aprisionados pelo governador Joatildeo de Abreu Castelo

Branco sendo entatildeo enviados a Lisboa para serem pessoalmente inquiridos sobre a

expediccedilatildeo

A viagem de Felix de Lima comprovou a ligaccedilatildeo fluvial entre a regiatildeo das minas do

Mato Grosso com o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo Paraacute por meio dos Rios Guaporeacute

Mamoreacute Madeira e Amazonas Estava assim revelada uma rota que pouco mais

tarde seria utilizada pelas monccedilotildees do norte que durante mais de 50 anos entre

1752 e 1808 foi responsaacutevel natildeo soacute pela comunicaccedilatildeo entre o Centro-Oeste do

Brasil com o Gratildeo-Paraacute mas principalmente pela consolidaccedilatildeo da presenccedila

portuguesa nos limites ocidentais de suas possessotildees americanas

Dessa forma mesmo estando ainda proibida a navegaccedilatildeo do Madeira Joatildeo de

Souza Azevedo sertanista que jaacute havia descido antes todo o curso do Rio Tapajoacutes

empreendeu em 1748 a partir de Beleacutem uma viagem agraves minas do Mato-Grosso

para vender mercadorias regressando depois a Beleacutem utilizando-se da mesma rota

para retorno Realizara assim a primeira viagem de ida e volta entre Beleacutem e o Mato

Grosso de que se tem notiacutecia vindo a ser o primeiro monccediloeiro do norte tendo

escapado agraves penalidades impostas a seu precursor Felix de Lima condenado em

Lisboa (GOacuteES FILHO 2001) Naquele mesmo ano de 1748 tendo por objetivo oficializar a ocupaccedilatildeo da regiatildeo e

assegurar sua posse fiscalizando de forma mais rigorosa a extraccedilatildeo das minas de

ouro a Coroa portuguesa decidiu desmembrar a Capitania de Satildeo Paulo criando a

Capitania de Mato Grosso e Cuiabaacute

Permanece o questionamento sobre a inaccedilatildeo dos espanhoacuteis frente agrave penetraccedilatildeo

portuguesa em territoacuterios tatildeo ocidentais em relaccedilatildeo ao traccedilado de Tordesilhas

Segundo opiniatildeo de Synezio Sampaio Goacutees Filho amparada em estudo sobre esse

assunto os espanhoacuteis natildeo reforccedilaram militarmente sua presenccedila na regiatildeo de

Cuiabaacute por 3 grandes motivos primeiro natildeo havia ateacute as uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XVIII meacutetodo eficaz e preciso para calcular longitudes conseguido apenas em

1765 com o cronocircmetro de Harrison Os governos de Espanha e Portugal

provavelmente tinham ideacuteia de que os limites ocidentais haviam sido ultrapassados

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entretanto natildeo podiam avaliar o quanto Por outro lado os garimpeiros de Cuiabaacute e

do Guaporeacute certamente desconheciam a longitude em que estavam natildeo tendo a

noccedilatildeo exata de que incursionavam a oeste da linha prevista em Tordesilhas52

O segundo motivo teria sido puro e simples desinteresse dos espanhoacuteis por essa

nova regiatildeo mineradora do Mato Grosso suas imensas riquezas descobertas desde

o iniacutecio da colonizaccedilatildeo americana na cordilheira andina e um impeacuterio espalhado

pelo mundo inteiro natildeo estimulavam a conquista de novas terras reagindo apenas

naquelas posiccedilotildees consideradas estrateacutegicas como o controle do Prata Aleacutem disso

essa vasta aacuterea servia para isolar suas colocircnias instaladas nos altiplanos bolivianos

uma proteccedilatildeo natural das riquiacutessimas minas contra possiacuteveis incursotildees de

penetraccedilatildeo dos portugueses53

O terceiro e uacuteltimo pode ser atribuiacutedo agrave situaccedilatildeo poliacutetica da Espanha nos anos

imediatamente anteriores agrave assinatura do Tratado de Madri de 1750 um paiacutes

enfraquecido por crises e guerras convencido de que natildeo dispunha de condiccedilotildees

para povoar o centro do continente sul-americano e nem mesmo de impedir que os

portugueses o fizessem54

De todo modo diante da inaccedilatildeo dos espanhoacuteis que se restringiram agraves trocas de

informaccedilotildees epistolares entre as reduccedilotildees jesuiacuteticas dos moxos e as autoridades de

Buenos Aires e Lima e natildeo tomaram nenhuma iniciativa militar efetiva Portugal

manteve prioridade poliacutetica para a regiatildeo do Mato Grosso sobretudo depois das

descobertas de ouro na regiatildeo vindo a obter ecircxito nas futuras negociaccedilotildees

territoriais com a Espanha

A argumentaccedilatildeo portuguesa apoiou-se na ocupaccedilatildeo do territoacuterio e nesse sentido

as expediccedilotildees de Antonio Raposo Tavares (1648-1751) Francisco de Melo Palheta

(1722-1723) e Manoel Felix de Lima (1748) justificariam plenamente as pretensotildees

lusitanas o primeiro por expulsar reduccedilotildees espanholas e revelar a ligaccedilatildeo do Rio

52 GOacuteES FILHO Synesio Sampaio Paz das Fronteiras Coloniais Alexandre de Gusmatildeo o Grande Obreiro do Tratado de Madrid Centro Oeste Disponiacutevel em www2mregovbrmissoes_pazport capitulo 1 acesso em 17 de abril de 2006 53 Idem 54 Idem

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Madeira com os contrafortes andinos o segundo por estabelecer limites aos

jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha e revelar o Rio Guaporeacute e o terceiro por estabelecer

a ligaccedilatildeo entre o Mato Grosso e Beleacutem permitindo as futuras monccedilotildees do norte que

passariam a navegar o eixo Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Ao ocupar o

Rio Guaporeacute os portugueses finalmente podiam pleitear uma fronteira natural na

regiatildeo mais central do continente sul-americano

173

6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar a estrateacutegia adotada por Portugal

no periacuteodo em que se tornou uma necessidade geopoliacutetica a definiccedilatildeo das fronteiras

coloniais entre as Coroas ibeacutericas Avaliaraacute a atuaccedilatildeo diplomaacutetica de Alexandre de

Gusmatildeo que culminou com a assinatura do Tratado de Madri - o maior instrumento

juriacutedico ateacute entatildeo acordado entre duas naccedilotildees modernas para a reparticcedilatildeo de suas

possessotildees coloniais - responsaacutevel pela adoccedilatildeo do direito de posse para a soluccedilatildeo

nos foacuteruns internacionais de disputas de territoacuterio e que legou ao Impeacuterio e agrave

Repuacuteblica um espaccedilo fiacutesico em que se assentaria o Estado do Brasil

Pretende analisar tambeacutem as accedilotildees tomadas pelo Governo de Lisboa apoacutes a

assinatura do Tratado para a fortificaccedilatildeo e ocupaccedilatildeo do territoacuterio bem como

apreciar o fenocircmeno das monccedilotildees um sistema de transporte fluvial que se

desenvolveu inicialmente para permitir as comunicaccedilotildees entre Satildeo Paulo e as

minas de ouro dos Rios Cuiabaacute e Guaporeacute e posteriormente entre o Centro-Oeste

do Brasil e o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo pela navegaccedilatildeo dos Rios Guaporeacute

Mamoreacute Madeira e Amazonas As monccedilotildees natildeo soacute permitiram o acesso agravequeles

sertotildees brasileiros mas sobretudo consolidaram a presenccedila portuguesa e a

incorporaccedilatildeo ao seu patrimocircnio colonial de milhotildees de km2 com o alargamento do

territoacuterio para mais de 1800 km a oeste do meridiano de Tordesilhas

61 As Monccedilotildees

ldquoNa histoacuteria do bandeirismo tomado em sentido restrito eacute liacutecito omitir-se sem perda essencial o capiacutetulo das monccedilotildees Estas principiam a aparecer quando aquele jaacute entrava em decliacutenio e aparecem servidas por instrumentos diferentes guiadas por meacutetodos proacuteprios e movidos ateacute certo ponto por uma nova raccedila de homens Contudo em acepccedilatildeo mais ampla talvez um pouco arbitraacuteria que procure envolver sob o mesmo roacutetulo os vaacuterios movimentos tendentes em parte agrave dilataccedilatildeo das nossas fronteiras e ao aproveitamento de nosso territoacuterio cabe-lhe um lugar definido e um lugar - acrescente-se ndash que natildeo pode ser pequeno e nem irrelevanterdquo (HOLANDA 1957 p 160)

Com a descoberta de grandes jazidas minerais nos Rios Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e

Cuiabaacute em 1718 e em 1722 iniciou-se uma verdadeira corrida do ouro para o

Centro-Oeste do Brasil A regiatildeo transformou-se rapidamente em um novo poacutelo de

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atraccedilatildeo de mineradores e aventureiros motivados pelas notiacutecias muitas vezes

fantasiosas de riqueza faacutecil e raacutepida De todo modo essas lavras foram as que mais

facilmente produziram ouro no Brasil Logo apoacutes a descoberta os instrumentos de

trabalho utilizados foram improvisados e com as proacuteprias matildeos conseguia-se

extrair o metal dos aluviotildees Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute primeiro

nuacutecleo de povoamento da regiatildeo fundada em 8 de abril de 1719 agraves margens do Rio

Cuiabaacute passou a ser o destino das expediccedilotildees que partindo sobretudo de Satildeo

Paulo buscavam alcanccedilar aqueles sertotildees tatildeo remotos

Naqueles momentos iniciais de euforia recorda Seacutergio Buarque de Holanda o poder

de atraccedilatildeo exercido pelas lendaacuterias riquezas de Cuiabaacute provocou um ecircxodo tatildeo

grande que quase arruinou Satildeo Paulo reduzindo dramaticamente as atividades

econocircmicas da capitania desarticulando famiacutelias e deixando na miseacuteria muitos dos

que permaneceram no planalto paulista Podiam ser contadas aos milhares as

pessoas que fazendo parte da populaccedilatildeo vaacutelida chegaram ao arraial cuiabano nos

primeiros anos de exploraccedilatildeo do ouro (HOLANDA 1957)

O primeiro cronista das minas de Cuiabaacute Joseacute Barbosa de Saacute sobre a saiacuteda dos

paulistas para Cuiabaacute escreveu ldquose abalaratildeo muitas gentes deixando casas

fazenda mulheres e filhos botando-se para estes sertotildees como se fora a terra da

promissatildeordquo (HOLANDA55 1976 p 49 apud GOacuteES FILHO 2001 p147)

Logo apoacutes as descobertas de ouro em 1718 feitas por Pascoal Moreira Cabral a

regiatildeo mineradora de Cuiabaacute foi alcanccedilada igualmente por outra bandeira paulista

chefiada por Fernando Dias Falcatildeo que socorreu os primeiros descobridores com

armas e municcedilotildees Sua chegada foi decisiva para a manutenccedilatildeo das lavras receacutem-

abertas principalmente por conter a accedilatildeo dos iacutendios que se opunham agrave presenccedila

dos brancos na regiatildeo No ano seguinte agraves descobertas em 1719 de volta a Satildeo

Paulo Moreira Cabral organizou e financiou a primeira viagem para as minas

cuiabanas A expediccedilatildeo fluvial deveria conduzir os elementos necessaacuterios para

realizar a exploraccedilatildeo das riquezas encontradas desde artesatildeos diversos como

55 HOLANDA Seacutergio Buarque de Monccedilotildees 1976 Op Cit p 49

175

carpinteiros e ferreiros ateacute suprimentos baacutesicos para a manutenccedilatildeo do novo arraial

(HOLANDA 1957)

Quando Dias Falcatildeo alcanccedilou Cuiabaacute vindo de Satildeo Paulo estava inaugurando uma

rota de viagem que durante mais de cem anos aproximadamente entre 1719 a

1838 permitiu natildeo soacute a ligaccedilatildeo fiacutesica daqueles sertotildees mineradores com o planalto

paulista mas sobretudo a presenccedila portuguesa na regiatildeo Centro-Oeste do Brasil

As primeiras expediccedilotildees percorreram roteiros de viagem variados empreendidas

sem ordem e desrespeitando eacutepoca do ano determinada razatildeo pela qual houve

muitas perdas em recursos e em vidas resultando no insucesso de vaacuterias empresas

que pretendiam alcanccedilar as minas cuiabanas

A existecircncia de arvoredos densos utilizados como mateacuteria-prima para o fabrico das

embarcaccedilotildees e o acesso facilitado ao Rio Tietecirc foram determinantes na escolha de

Araraitaguaba ou Araritaguaba - na liacutengua indiacutegena parede das araras - regiatildeo

pouco agrave frente da vila de Itu e que viria a ser conhecida mais tarde por Nossa

Senhora da Matildee dos Homens de Araritaguaba ou Porto Feliz como o principal ponto

de partida das expediccedilotildees agraves minas de Cuiabaacute

O itineraacuterio adotado que se consolidou a partir de 1720 previa descer o Rio Tietecirc

em canoas ateacute a sua foz alcanccedilado o Rio Paranaacute descer suas aacuteguas ateacute atingir o

Rio Pardo afluente pela margem direita do Paranaacute subir entatildeo o Pardo vencendo o

seu trecho de cachoeiras ateacute encontrar o divisor das bacias do Paranaacute com o

Paraguai alcanccedilado o varadouro de aproximadamente 14 km de extensatildeo que

logo em 1725 com a fundaccedilatildeo no local da fazenda Camapoatilde viria a ser conhecido

por esse nome transpor as canoas a peacute e principalmente refazer as reservas de

alimentos das expediccedilotildees a partir do varadouro da fazenda do Camapoatilde descer o

Rio Taquari ateacute alcanccedilar o Rio Paraguai subir entatildeo o Paraguai ateacute atingir o Rio Satildeo

Lourenccedilo afluente do Paraguai pela margem esquerda e finalmente alcanccedilar o Rio

Cuiabaacute subindo o rio ateacute o arraial de Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabaacute

(Mapa 21)

177

As expediccedilotildees que partiam das atuais cidades de Porto Feliz e Itu no atual Estado

de Satildeo Paulo agraves margens do Rio Tietecirc com o propoacutesito de alcanccedilar a regiatildeo

mineradora de Cuiabaacute levavam pelo menos 5 meses de duraccedilatildeo e eram realizadas

sob condiccedilotildees de extrema dificuldade havia mais de 100 corredeiras a serem

vencidas obrigando muitas vezes agrave descarga completa da carga e ao iccedilamento das

canoas por meio de cordas febres endecircmicas das regiotildees atravessadas insetos de

toda ordem e muitos animais peccedilonhentos rios infestados por piranhas

temperaturas variadas que ultrapassavam frequumlentemente os 40 graus celsius

associadas a rigorosas condiccedilotildees de umidade e um regime de chuvas intenso e

sobretudo havia a ameaccedila permanente dos ataques de iacutendios

Os iacutendios da regiatildeo eram particularmente aguerridos e muitas monccedilotildees chegaram

a ser dizimadas por eles Os iacutendios canoeiros do Pantanal os paiaguaacutes foram

segundo as crocircnicas da eacutepoca os inimigos mais terriacuteveis com que se defrontaram as

monccedilotildees no seacuteculo XVIII Mataram mais de 600 pessoas e apresaram 20 canoas de

uma monccedilatildeo que se dirigia para Cuiabaacute em 1725 provocando enorme consternaccedilatildeo

em Cuiabaacute as perdas de vidas e os prejuiacutezos causados a ponto de faltar

suprimentos na povoaccedilatildeo ldquohouve fome e um frasco de sal chegou a ser vendido por

meia libra de ourordquo (MOURA 2001)

Afirma o cronista Joseacute Barbosa de Saacute56 que ateacute entatildeo os portugueses natildeo

conheciam muito bem esse grupo indiacutegena

ldquoVindo () conserva de canoas de povoado para estas conquistas () com muitos escravos e fazendas para negoacutecio foi acometido do gentio Paiaguaacute () acabaram as vidas todos () escapando soacute um branco e um negro () morreram seiscentas pessoas e levou o gentio vinte canoas () Natildeo se sabia que gentio era onde habitava e que nome tinha por natildeo ser o nome Paiaguaacute ateacute entatildeo conhecido inquirindo-se dos iacutendios domeacutesticos naturais das vargens cientes das naccedilotildees circunvizinhas () declararam que eram Paiaguaacute gentio de corso que natildeo tinha morada certa viviam sobre as aacuteguas sustentando-se de montaria pelo Paraguai e pantanais gente que jaacute em outro tempo fora aldeada pelos padres missionaacuterios da Proviacutencia do Paraguai de onde haviam fugido () e que enquanto os Guatoacute tiveram forccedilas natildeo fizeram os Paiaguaacute aventuras por serem deles acossados e que como os brancos destruiacuteram os Guatoacute fossem tambeacutem destruir os Paiaguaacuterdquo (SAacute 1755 apud PRESOTTI 2006 p 4)

56 Joseacute Barbosa de Saacute foi primeiro cronista da Histoacuteria do Mato Grosso Escreveu em 1755 a Relaccedilatildeo das povoaccedilotildees de Cuiabaacute e Mato Grosso de seus princiacutepios ateacute os tempos presentes

178

Outro grupo combativo era o dos guaicurus os terriacuteveis iacutendios cavaleiros originaacuterios

do Chaco paraguaio-boliviano considerados pelas autoridades espanholas os mais

agressivos iacutendios da regiatildeo e que deram origem agrave hipoacutetese hoje abandonada de

que o cavalo seria autoacutectone do continente americano (GOacuteES FILHO 2001)

Cedo ensina Seacutergio Buarque de Holanda as necessidades de defesa impuseram a

formaccedilatildeo de grandes comboios que substituiacuteram as pequenas unidades

empregadas inicialmente O prazo mais apropriado para iniciar essas navegaccedilotildees

era muito curto ocorrendo preferencialmente nos meses de marccedilo e abril e em

alguns casos em fins de maio mas nunca ultrapassando o dia de Satildeo Joatildeo em

meados de junho Esse prazo estava diretamente relacionado ao volume de aacuteguas

dos rios mais cheios nessa eacutepoca do ano o que facilitava sobremaneira a

navegaccedilatildeo ateacute o destino final tornando-a menos arriscada Como era curto o prazo

mais propiacutecio para a partida das expediccedilotildees e evidentemente muito custoso o

financiamento das viagens apenas um comboio era organizado por ano reunindo

embarcaccedilotildees particulares e oficiais todas protegidas por um uacutenico aparato de

defesa (HOLANDA 1957)

Ressalta Seacutergio Buarque de Holanda que a teacutecnica de navegaccedilatildeo fluvial adotada

para empreender essas expediccedilotildees era quase exclusivamente indiacutegena desde a

escolha da madeira a ser transformada nas embarcaccedilotildees principalmente canoas

cavadas em um soacute tronco e muito rasas construiacutedas com a tecnologia dos iacutendios a

partir da peroba e da ximbauacuteva ateacute o proacuteprio sistema de navegaccedilatildeo empregado

Afirma mesmo que era praticamente nula a influecircncia europeacuteia na construccedilatildeo e

conduccedilatildeo dessas embarcaccedilotildees (HOLANDA 1957)

Para resguardar as mercadorias e mantimentos transportados adotaram-se as

medidas de toldar as canoas para protegecirc-las das chuvas evitando-se que as

provisotildees se estragassem usar mosquiteiros para proteger as tripulaccedilotildees e

passageiros das intempeacuteries e dos ataques de insetos e distribuir a carga na parte

central da canoa reservando a proa para os remeiros geralmente em nuacutemero de 6

aleacutem do piloto e do proeiro e a popa para os passageiros nunca excedendo 25 ou

30 pessoas embarcadas por canoa Os remeiros remavam em peacute como os iacutendios e

navegavam entre as 8 horas da manhatilde e as 5 horas da tarde quando embicavam as

179

canoas nos barrancos dos rios para armar os acampamentos Algumas

embarcaccedilotildees maiores chegavam a transportar ateacute 400 arrobas de carga Aleacutem das

mercadorias era transportado o mantimento a ser consumido na viagem renovadas

as provisotildees quando da parada no varadouro da fazenda Camapoatilde O nuacutemero de

canoas e pessoas de um comboio tambeacutem variava bastante sabe-se que um dos

maiores o do capitatildeo-general da Capitania de Satildeo Paulo Dom Rodrigo Ceacutesar de

Menezes que transferiu provisoriamente a administraccedilatildeo de governo para Cuiabaacute

partiu de Porto Feliz em 1726 com mais de 300 canoas e aproximadamente 3000

pessoas

As tripulaccedilotildees eram alimentadas com uma raccedilatildeo diaacuteria de pouco mais de 100

gramas de toucinho 1 litro de farinha de milho ou de mandioca e frac12 litro de feijatildeo

feijatildeo que constituiacutea a base de toda a dieta dos viajantes recorrendo-se tambeacutem agrave

pesca agrave caccedila e agrave coleta de palmitos e frutos57 (HOLANDA 1957)

Esses comboios de canoas organizados com o objetivo de estabelecer contato

entre a capitania de Satildeo Paulo e as regiotildees mineradoras do Rio Cuiabaacute e Guaporeacute

criaram um sistema de transporte que passou a ser conhecido por monccedilatildeo de

povoado expediccedilotildees fluviais regulares que tinham a funccedilatildeo de abastecer as minas

com mercadorias e escravos e transportar os que pretendiam explorar aqueles

sertotildees tatildeo longiacutenquos Por mais de 100 anos de 1719 a 1838 como visto

anteriormente as monccedilotildees permitiram a ligaccedilatildeo fiacutesica dessas regiotildees e a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano

57 ldquoAntes do pocircr-do-sol costumavam os homens arranchar-se e cuidar da ceia que constava principalmente de feijatildeo com toucinho o panem nostrum quotidianum dos navegantes segundo expressatildeo de um deles aleacutem da indefectiacutevel farinha de milho ou de mandioca e algum pescado apanhado pelo caminhordquo (HOLANDA Seacutergio Buarque Monccedilotildees Rio de Janeiro Joseacute Olympio Editora 1945 p 186)

180

A palavra monccedilatildeo58 de procedecircncia aacuterabe teve seu uso generalizado entre os

marinheiros portugueses durante os grandes descobrimentos mariacutetimos no Oriente

Originalmente teve em portuguecircs o significado de designar os ventos alternados

que determinavam as eacutepocas de navegaccedilatildeo no Oceano Iacutendico sendo utilizada mais

tarde para designar as estaccedilotildees adequadas agraves viagens os periacuteodos em que

sopravam os ventos mais favoraacuteveis ou mesmo a estaccedilatildeo mais apropriada para a

navegaccedilatildeo Lembra Seacutergio Buarque de Holanda que as armadas partiam de Lisboa

nos meses de marccedilo e abril para chegarem aos portos de destino na Aacutesia no mecircs de

setembro pois ficavam os navios impedidos de se aproximar da costa ateacute fins de

agosto Essa periodicidade regular impunha restriccedilotildees ao planejamento das viagens

condicionando-as aos meses do ano mais propiacutecios (HOLANDA 1957)

As expediccedilotildees saiacutedas de Satildeo Paulo eram igualmente restringidas por condiccedilotildees

naturais determinantes natildeo eram os ventos que se impunham como na carreira da

Iacutendia mas o regime dos rios mais facilmente navegaacuteveis na eacutepoca das cheias que

coincidiam com as monccedilotildees portuguesas nos mesmos meses de marccedilo e abril

tornando a viagem menos difiacutecil e arriscada quando realizada neste periacuteodo Dessa

forma tambeacutem limitada por uma periodicidade regular e anual as expediccedilotildees agraves

minas de Cuiabaacute passaram a ser igualmente designadas a partir da segunda

deacutecada do seacuteculo XVIII por monccedilatildeo ou monccedilatildeo de povoado

A duraccedilatildeo da viagem das expediccedilotildees que saiacuteam de Satildeo Paulo para alcanccedilar Cuiabaacute

consumia no miacutenimo 5 meses o mesmo tempo necessaacuterio para realizar a carreira

da Iacutendia o comboio de navios que por 350 anos na mais difiacutecil e longa rota

mariacutetima da eacutepoca ligou Lisboa a Goa A volta das monccedilotildees era mais raacutepida e

durava 2 meses porque as canoas estavam mais vazias e navegava-se na maior

parte dos trechos a favor dos rios (GOacuteES FILHO 2001)

58 HOUAISS Antocircnio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Editora Objetiva 2001 A palavra monccedilatildeo eacute atualmente usada para designar o vento perioacutedico de ciclo anual que sopra principalmente no sudeste da Aacutesia alternativamente do mar para a terra e da terra para ao mar durante muitos meses do ano Na costa brasileira sopra em direccedilatildeo ao norte de marccedilo a agosto e para o sul nos outros meses do ano A palavra tambeacutem significa tempo ou quadra do ano favoraacutevel agrave navegaccedilatildeo podendo ser usada com a conotaccedilatildeo figurativa de ocasiatildeo favoraacutevel ou oportunidade Monccedilatildeo tem origem no aacuterabe mawsim ou na variaccedilatildeo vulgar mawsatildem que quer dizer data ou estaccedilatildeo do ano fixada para que ocorra algo como a safra por exemplo ou para que se faccedila alguma coisa como uma festa religiosa peregrinaccedilatildeo agrave Meca ou uma feira solene

181

Nos primeiros anos de existecircncia a regiatildeo mineradora de Cuiabaacute era extremamente

dependente dos suprimentos trazidos pelas monccedilotildees do sal aos tecidos tudo

chegava por elas quase nada aleacutem do ouro era produzido nas minas os moradores

do arraial cuiabano recorda Seacutergio Buarque de Holanda levavam uma vida muito

semelhante a dos iacutendios coletores e caccediladores (HOLANDA 1957)

A interrupccedilatildeo do fluxo de abastecimento das monccedilotildees provocava fome e elevaccedilatildeo

extrema de preccedilos sobretudo dos produtos de subsistecircncia A vocaccedilatildeo das zonas

mineradoras era a lavra de ouro e soacute aos poucos foram sendo introduzidos animais

de criaccedilatildeo como porcos galinhas bois e cavalos vindos de Satildeo Paulo e

transportados com enorme dificuldade A caccedila e a pesca constituiacuteam atividade

obrigatoacuteria para sobrevivecircncia dos mineradores e aos poucos pequenas roccedilas de

milho mandioca feijatildeo e aboacutebora foram gradualmente sendo cultivados ao lado das

lavras e dos rios na periferia das vilas e arraiais Desenvolveram-se tambeacutem nas

roccedilas de subsistecircncia a plantaccedilatildeo de banana melancias batata fumo e cana-de-

accediluacutecar esta destinada em sua maioria no seacuteculo XVIII agrave fabricaccedilatildeo de aguardente

Na periferia das vilas passou a se desenvolver produccedilatildeo agriacutecola e pecuaacuteria de

subsistecircncia o que permitiu a fixaccedilatildeo dos mineradores agrave terra sobretudo a partir do

crescimento das atividades econocircmicas voltadas para uma sociedade sedentaacuteria As

profissotildees mais usuais em serviccedilos e ofiacutecios mecacircnicos eram pedreiros arrieiros

serralheiros ferreiros caldeireiros carpinteiros seleiros sapateiros alfaiates oleiros

e barbeiros Os demais negoacutecios ocorreriam por conta e risco dos armadores

particulares que com suas monccedilotildees trafegavam com todo tipo de mercadoria entre

o litoral e o interior Dessa forma diversas vilas foram surgindo e os luso-brasileiros

expandindo sua presenccedila naqueles sertotildees centro-americanos

Em estudo realizado sobre a ocupaccedilatildeo urbana do Centro-Oeste brasileiro Jovam

Vilela Silva concluiu que a maior parte da populaccedilatildeo mato-grossense foi constituiacuteda

de iacutendios incorporados de diferentes formas a esses luso-brasileiros caboclos

aliaram-se portugueses em menor nuacutemero que vinham exercer atividades de

comeacutercio varejista e atacadista de secos e molhados burocratas da administraccedilatildeo

puacuteblica militares e uma quantidade razoaacutevel de escravos negros africanos todos

182

responsaacuteveis pela fixaccedilatildeo portuguesa nas vilas que foram fundadas ao longo do

seacuteculo XVIII conforme descrito no quadro a seguir

Ano Designaccedilatildeo da localidade Mudanccedila de nome nome

atual ou localizaccedilatildeo Observaccedilotildees

1718 Arraial do Rio Coxipoacute-Mirim ------ Distrito de Cuiabaacute 1719 Arraial de N S da Penha de

Franccedila Forquilha Distrito de Cuiabaacute

1722 Lavras de Sutil Riacho Prainha Distrito de Cuiabaacute 1722 Capela N S Rosaacuterio e NS Bom

Jesus de Cuiabaacute e de Satildeo Benedito

Antigo Tanque do Ernesto Distrito de Cuiabaacute

1724 Arraial de N S da Conceiccedilatildeo A velha ndash uma leacutegua de Cuiabaacute

Distrito de Cuiabaacute

1724 Arraial do Ribeiratildeo Meia leacutegua de Cuiabaacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Arraial do Jacey 3 a 4 leacuteguas do Coxipoacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Lavra do Motuca -------- Distrito de Cuiabaacute 1724 Porto Geral Meia leacutegua de Cuiabaacute Distrito de Cuiabaacute 1724 Porto do Borralho Rio Cuiabaacute acima Distrito de Cuiabaacute 1725 Lugar de Camapoan (Fazenda) ndash

criava-se gado bovino e equumlino ndash cultiva-se milho feijatildeo e pequenos animais para abastecer os viajantes

Varadouro de 6350 braccedilas entre o Rio Pardo e o rio Taquari ndash as margens de riacho homocircnomo

Ficava no caminho utilizado pelos comboieiros no roteiro das monccedilotildees de povoado paulista

1728 Diamantino (Minas do Alto Paraguai)

Sobreviveu e hoje eacute a cidade de Diamantino

Margens do Rio Paraguai - nascente

1730 Arraial dos Cocaes Sobreviveu e hoje eacute a cidade de N S do Livramento

Distrito de Cuiabaacute

1731 Minas de Mato Grosso Localizado entre os rios Galera e Sarareacute

Distrito de Vila Bela Vale do Rio Guaporeacute

1734 Arraial do Brumado Ribeiratildeo do mesmo nome Distrito de Cuiabaacute 1736 Arraial de Satildeo Francisco Xavier Acima do Rio Sarareacute Distrito de Vila Bela 1731 a 1740

Surgiram os Arraiais de Santana Satildeo Vicente Nossa Senhora do Pilar Ouro Fino e Lavrinhas - ruiacutenas

Minas situadas entre os Rios Galera e Sarareacute ndash Vale do Rio Guaporeacute

Distrito de Vila Bela da Santiacutessima Trindade

1745 Minas do Rio Arinos Em 1766 passa a ser conhecida como Lavras do Vizeu

Rio Arinos ndash acima de Diamantino

1750 Minas do Araeacutes ou Amarante Rio das Mortes Caminho pra Goiaacutes Arraial de Santo Antocircnio Sobreviveu ndash atual cidade de

S Antonio de Leverger Distrito de Cuiabaacute

1751 Lugar de Santa Anna (missatildeo) Povoado com vaacuterias etnias indiacutegenas

Em 1769 foi renomeada para Lugar de Guimaratildees

Distrito de Cuiabaacute - atual Chapada dos Guimaratildees

1752 Vila Bella da Santiacutessima Trindade Antigo Pouso Alegre ndash Capital da Capitania de Mato Grosso

Na deacutecada de 1950 foi conhecida como Mato Grosso

Distrito de Vila Bela da Santiacutessima Trindade

1754 Lugar de Satildeo Joatildeo dos Iacutendios (missatildeo) Vaacuterias etnias indiacutegenas

1769 ndash Lugar de Lamego Distrito de Mato Grosso

1754 Presiacutedio de Nossa Senhora da 1760 ndash Forte de Braganccedila Distrito de Mato

183

Conceiccedilatildeo ndash ruiacutenas ndash atualmente este territoacuterio faz parte do Estado de Rondocircnia Povoado com iacutendios migrados de Moxos ndash vaacuterias etnias

1766 ndash Fortaleza Priacutencipe da Beira

Grosso Margem direita do Rio Guaporeacute

1754 Aldeia de Satildeo Joseph (missatildeo) Povoado com vaacuterias etnias indiacutegenas

1ordm na casa redonda ndash rio Guaporeacute Em 1756 sobe para o rio dos Mequeacutens e em 1769 denominou-se Lugar de Loemil

Distrito de Mato Grosso Margem direita do Rio Guaporeacute

1773 Registro de Insua Sobreviveu ndash atual cidade de Alto Araguaia

Caminho terrestre entre MT e GO

1775 Fortaleza de Nova Coimbra Margem esquerda do Rio Paraguai ndash Fecho dos Morros

Povoado com iacutendios Terena e Kirikinaus

1777 Arraial dos Beripoconeacute- povoada com iacutendios do mesmo nome e mais tarde com outras etnias

Em 1781 denominada Vila de Satildeo Joatildeo dacuteEl Rei Caminho entre Cuiabaacute e Caacuteceres

Sobreviveu ndash atual cidade de Poconeacute

1778 Povoaccedilatildeo de Albuquerque ndash povoado com iacutendios de varias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Corumbaacute

Margem esquerda do Rio Paraguai

Povoaccedilatildeo de Vila Maria do Paraguai ndash povoada com iacutendios de vaacuterias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Satildeo Luiz de Caacuteceres

Margem esquerda do Rio Paraguai ndash povoada com iacutendios Saravekas (Chiquitos)

1782 Casal Vasco ndash povoado com iacutendios de vaacuterias etnias

Sobreviveu ndash atual cidade de Casalvasco

Rio Barbados ndash povoada com iacutendios Saravekas e Koraveka

1797 Presiacutedio de Miranda ndash povoado com nativos de vaacuterias etnias

Margens do rio Apa (Mondego)

Povoado com iacutendios Terena

Fontes Revista do Instituto Histoacuterico de Mato Grosso anos XXV e XXVII 1943-1944 tomos XLI e LII Virgiacutelio Correcirca Filho ndash Histoacuteria de Mato Grosso INL RJ 1969 p 344 Revista do Arquivo Puacuteblico de Mato Grosso nordm 02 p55 a 63 caixa 18 nordm 1162 1164 1165 1174 micro fichas nordm 273 274 275 Correspondecircncia de Antocircnio Rolim de Moura EdUFMT NDIHR Documentos Ibeacutericos MENDONCcedilA Rubens de Histoacuteria de Mato Grosso Cuiabaacute 1970 p 25 a 31 apud SILVA Jovam Vilela A loacutegica portuguesa na ocupaccedilatildeo urbana do territoacuterio mato-grossense Disponiacutevel em wwwccerqueira hpgigcombr acesso em 19 de abril de 2006

Em finais do seacuteculo XVIII a accedilatildeo de ocupaccedilatildeo do territoacuterio que se processou na

Capitania de Mato Grosso natildeo deixava duacutevidas de que a posse e o domiacutenio da

regiatildeo era portuguecircs Nas disputas com os espanhoacuteis o argumento principal era de

que jaacute havia sido criada uma sociedade colonial portuguesa ao longo de uma linha

de fronteira avanccedilada no centro-oeste brasileiro com povoaccedilotildees e outros nuacutecleos

urbanizados Essa vasta regiatildeo conquistada corresponde hoje aos atuais Estados do

Mato Grosso Mato Grosso do Sul e Rondocircnia em grande parte pertencente agrave

Amazocircnia brasileira

Seacutergio Buarque de Holanda considera que a migraccedilatildeo para a regiatildeo mineradora de

Cuiabaacute sobretudo quando ocorreram as monccedilotildees foi em quase todos os seus

184

aspectos e efeitos imediatos de ocupaccedilatildeo do territoacuterio uma forma de migraccedilatildeo

ultramarina Os monccediloeiros partiam de um porto no planalto paulista para atingirem

5 meses depois um outro porto cuiabano numa expediccedilatildeo de travessia de uma

aacuterea tatildeo grande e tatildeo distante que podia ser comparada a um oceano Nesse

sentido considera tambeacutem que a colonizaccedilatildeo paulista de Cuiabaacute foi uma reacuteplica em

menor escala do que foi a colonizaccedilatildeo portuguesa do Brasil (HOLANDA 1957)

Com o surgimento de novos caminhos que levavam a Cuiabaacute sobretudo aqueles

que podiam ser percorridos por vias terrestres e que passavam pelas minas de

Goiaacutes e o gradual esgotamento da produccedilatildeo de ouro as viagens fluviais que

partiam de Satildeo Paulo foram-se tornando cada vez mais raras Pode-se mesmo

afirmar que no comeccedilo do seacuteculo XIX jaacute estavam francamente decadentes as

uacuteltimas ocorreram por volta de 1838 pouco mais de 100 anos depois da descoberta

do ouro cuiabano quando uma epidemia de tifo grassou no Rio Tietecirc ldquodeixando

poucos sobreviventes entre o que ainda restava dos mareantes e pilotos de Porto

Felizrdquo (HOLANDA 1957 p 178)

Com a descoberta do ouro em Goiaacutes em 1725 mais um poacutelo de atraccedilatildeo de ouro se

revelava no Brasil depois das minas gerais e das minas de Cuiabaacute as minas de

Goiaacutes o que resultou na abertura de um caminho terrestre para Goiaacutes partindo de

Satildeo Paulo e mais tarde prolongada por mais de 1000 Km ateacute atingir Cuiabaacute Esses

caminhos terrestres foram responsaacuteveis pela introduccedilatildeo na regiatildeo do chamado ciclo

muar que acabou por substituir o ciclo das monccedilotildees As viagens feitas pelos Rios

Tietecirc Paranaacute e Pardo foram sendo substituiacutedas pelas expediccedilotildees terrestres

igualmente difiacuteceis partia-se de Satildeo Paulo com mulas carregadas passava-se por

Goiaacutes chegando-se ao Mato Grosso onde as mercadorias transportadas eram

entatildeo vendidas Ao longo do seacuteculo XIX com o advento da navegaccedilatildeo a vapor

novamente voltou-se a adotar o caminho fluvial para alcanccedilar o Mato Grosso mas

os rios navegados passaram a ser outros o Prata o Paranaacute e o baixo Paraguai as

canoas do velho Anhembi desapareceriam e natildeo voltariam mais (GOacuteES FILHO

2001)

185

Na avaliaccedilatildeo do papel histoacuterico desempenhado pelas monccedilotildees natildeo haacute consenso

sobre o enquadramento ou natildeo desse fenocircmeno no contexto do movimento

bandeirista

Alfredo Ellis Jr defende que o bandeirismo teria terminado no comeccedilo do seacuteculo

XVIII quando se iniciavam as expediccedilotildees fluviais para Cuiabaacute O autor natildeo inclui as

monccedilotildees no movimento bandeirante considerando-as caracteriacutesticas do seacuteculo

XVIII e ressalta que diferente das bandeiras as monccedilotildees eram exclusivamente

fluviais seguiam roteiros fixos formavam arraiais nos locais conhecidos que

percorriam agrave medida em que as viagens se sucediam e tinham um uacutenico objetivo

alcanccedilar as minas de ouro dos Rios Cuiabaacute e Guaporeacute Tambeacutem formavam uma

sociedade diferenciada os monccediloeiros estariam mais afeitos a uma disciplina

naturalmente imposta pela organizaccedilatildeo e conduccedilatildeo dos grandes comboios fluviais

ao contraacuterio dos bandeirantes preadores de iacutendios e caccediladores de ouro que por

sua mobilidade e espiacuterito individualista natildeo se ajustavam agrave rotina do comerciante

monccediloeiro (ELLIS59 1934 apud GOacuteES FILHO 2001 p 145)

Affonso Taunay por sua vez retratou as monccedilotildees como um movimento que seguia

a proacutepria trajetoacuteria bandeirante no espiacuterito conquistador do europeu que havia se

tornado mesticcedilo ressaltando os riscos as dificuldades as lutas e sobretudo as

motivaccedilotildees de viagem o apresamento de iacutendios e a procura por novas jazidas

minerais Tambeacutem destaca o alargamento das fronteiras dos paulistas e

consequumlentemente do territoacuterio portuguecircs mais propriamente como uma

necessidade para a subsistecircncia de Satildeo Paulo pobre de homens e de recursos

econocircmicos Nesse contexto mais aproxima que distancia os dois movimentos de

expansatildeo territorial tatildeo marcadamente caracteriacutesticos do Brasil colonial60

Affonso Taunay ressalta tambeacutem que as monccedilotildees mais ainda que as bandeiras

que teriam tido similares na conquista russa da Sibeacuteria foram um fenocircmeno

exclusivamente brasileiro nada havendo de comparaacutevel em outras regiotildees do

mundo (TAUNAY 1975 apud GOacuteES FILHO 2001 p 147) 59 ELLIS Jr Alfredo O Bandeirantismo paulista e o recuo do meridiano 1934 60 TAUNAY Affonso Histoacuteria das bandeiras paulistas 1975 Apud DICK Maria Vicentina de Paula do Amaral e SEABRA Maria Cacircndida Trindade Costa de Caminho das aacuteguas povos dos rios - uma visatildeo etnolinguumliacutestica da toponiacutemia brasileira Em wwwfilologiaorgbr Acesso em 19 de abril de 2006

186

Haacute outros historiadores que consideram as bandeiras e as monccedilotildees como parte de

um movimento uacutenico de expansatildeo territorial As monccedilotildees podem entatildeo ser vistas

como uma adaptaccedilatildeo agraves novas condiccedilotildees de exploraccedilatildeo completando o papel de

ocupaccedilatildeo e posse de territoacuterios iniciado pelas bandeiras

Para Seacutergio Buarque de Holanda as monccedilotildees foram continuadoras das bandeiras

Ele assinala que houve uma afinidade especial entre elas ldquo ateacute um momento

incerto de transiccedilatildeo espeacutecie de zona obscura onde ambas se encontram e se

confundemrdquo (BUARQUE DE HOLANDA 1957 p 160)

O historiador considera que a histoacuteria das monccedilotildees seria de certa forma o

prolongamento da histoacuteria das bandeiras paulistas em sua expansatildeo para o Brasil

central havendo muitos pontos em comum entre as bandeiras e as monccedilotildees

Ambas teriam sido antes de tudo movimentos de expansatildeo territorial as bandeiras

por revelarem o conhecimento do territoacuterio dos sertotildees do Brasil e as monccedilotildees por

garantirem o povoamento das regiotildees descobertas Foram as monccedilotildees segundo

opina que consolidaram a posse das terras entre o planalto paulista e os sertotildees do

centro-oeste regiotildees haacute muito tempo conhecidas pelos bandeirantes Nesse

sentido as monccedilotildees teriam sido uma nova fase do sertanismo paulista

Deve-se tambeacutem ensina Seacutergio Buarque de Holanda agrave experiecircncia adquirida pelas

expediccedilotildees fluviais empreendidas pelos paulistas para alcanccedilar as minas de

Cuiabaacute a abertura de nova rota de comunicaccedilatildeo fluvial regular entre Vila Bela da

Santiacutessima Trindade no Mato Grosso e Beleacutem no Estado do Gratildeo-Paraacute por meio

da navegaccedilatildeo dos Rios Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Esse fenocircmeno

conhecido por monccedilotildees do norte seraacute visto adiante mais detalhadamente

ldquoA funccedilatildeo histoacuterica dessa estrada de mais de 10000 quilocircmetros de comprimento que abraccedila quase todo o Brasil supera mesmo a de quaisquer outras linhas de circulaccedilatildeo natural do nosso territoacuterio sem exclusatildeo do proacuteprio Satildeo Francisco por muitos denominado o rio da unidade nacionalrdquo (BUARQUE DE HOLANDA 1957 p 178)

A ligaccedilatildeo fluvial regular de Satildeo Paulo agraves minas de Cuiabaacute que mais tarde em 1752

foi complementada pela navegaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela com Beleacutem

187

estabeleceu definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o entatildeo

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees e as monccedilotildees do norte dois

movimentos vigorosos de penetraccedilatildeo territorial finalmente passaram a delinear as

fronteiras ocidentais dos territoacuterios coloniais portugueses na Ameacuterica Agraves veacutesperas

da assinatura do Tratado de Madri de 1750 Espanha e Portugal encontravam-se

diante de uma realidade histoacuterica de um lado os jesuiacutetas instalados nas periferias

do impeacuterio colonial castelhano e de outro os bandeirantes luso-brasileiros que se

haviam transformado em comerciantes e mineradores instalados ao longo de uma

longa linha de povoaccedilotildees e fortificaccedilotildees defensivas bem mais a oeste do previsto

pelo Tratado de Tordesilhas Desse conflito de interesses prevaleceu a posiccedilatildeo

portuguesa de defesa da ocupaccedilatildeo do territoacuterio levada a termo pelos paulistas

bandeirantes e monccediloeiros os primeiros na conquista e revelaccedilatildeo da terra e os

segundos na ocupaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da posse

62 A Estrateacutegia Portuguesa

ldquoA certeza de que Deus estava do seu lado e de que podia intervir e intervinha diretamente em seu favor foi sem duacutevida um fator importante na conquista e manutenccedilatildeo de Ceuta tal como nas viagens de descobrimentos e conquista que se lhe seguiram Quando a crenccedila de que eram um povo escolhido por Deus para a expansatildeo da feacute foi reforccedilada [] o resultado foi um nacionalismo de duraccedilatildeo e firmeza excepcionais Este nacionalismo ajuda a explicar as razotildees pelas quais os portugueses conseguiram conservar uma parte tatildeo grande do seu precaacuterio impeacuterio mariacutetimo durante tanto tempordquo (BOXER 1981 p356)

Viu-se anteriormente que o seacuteculo XVII foi marcado pela expansatildeo territorial da

Ameacuterica portuguesa relacionado sobretudo agraves accedilotildees de conquista empreendidas

pelos paulistas em direccedilatildeo ao sul e ao Centro-Oeste do Estado do Brasil e ao

entradismo luso-brasileiro conduzido no Estado do Maranhatildeo que lenta mas

persistentemente foi ocupando o vale amazocircnico a partir de Beleacutem no Paraacute

Paradoxalmente ao lado desse movimento de expansatildeo territorial que vinha

ocorrendo no continente americano Portugal sofreu ao longo dos seiscentos

pesadas perdas coloniais impostas principalmente pelas Proviacutencias Unidas a partir

da uniatildeo das coroas ibeacutericas havida entre 1580 e 1640 Na realidade desde 1568

durante o reinado de Felipe II de Espanha os holandeses iniciaram um irreversiacutevel

movimento contraacuterio agrave dominaccedilatildeo da Coroa espanhola que perduraria ateacute o seacuteculo

188

seguinte com a conclusatildeo de um acordo de paz entre os dois paiacuteses assinado nos

anos de 1668-69

Em finais do seacuteculo XVI e iniacutecio do XVII o impeacuterio colonial ibeacuterico passou a ser

insistentemente atacado pelos batavos e em menor escala pelos ingleses que

tambeacutem questionavam as pretensotildees monopolistas de Portugal no comeacutercio da

Guineacute na Aacutefrica Entretanto mais vulneraacutevel que as posiccedilotildees coloniais espanholas

bem instaladas nos altiplanos andinos e mexicanos as feitorias e instalaccedilotildees

costeiras portuguesas foram o alvo preferencial das investidas holandesas Aleacutem

disso recorda Charles Ralph Boxer os holandeses decidiram fazer uma guerra

ultramarina evitando lutar em Flandres e atacando com sua crescente forccedila naval as

possessotildees coloniais ibeacutericas seu objetivo era minar o poder da peniacutensula

interrompendo ou diminuindo o fluxo dos recursos econocircmicos enviados das

colocircnias Portugal elo mais fraco da uniatildeo peninsular sofreu mais fortemente que a

Espanha a pressatildeo das hostilidades assim em 1598-1599 as ilhas de Satildeo Tomeacute e

Priacutencipe foram atacadas por barcos holandeses dando iniacutecio a uma seacuterie de accedilotildees

de guerra contra as colocircnias portuguesas na Aacutefrica na Aacutesia e no Brasil O efeito

para o impeacuterio colonial portuguecircs foi devastador Na Aacutesia os holandeses

conquistaram as principais ilhas de especiarias das Iacutendias Orientais as ilhas

Molucas e o monopoacutelio de cravo-da-iacutendia devastaram sistematicamente o comeacutercio

portuguecircs desde o Golfo Peacutersico ateacute o Japatildeo conquistando uma a uma suas

colocircnias costeiras tomaram a fortaleza portuguesa no estreito de Malaca e

conquistaram os estabelecimentos portugueses na costa do Ceilatildeo e outras

posiccedilotildees em Malabar terminando por conseguir o monopoacutelio comercial com o

Japatildeo em 1639 e por controlar completamente por volta da deacutecada de 1660 o

comeacutercio asiaacutetico do cravo-da-iacutendia da noz moscada da canela e da pimenta

Restaram aos portugueses apenas Macau no sul da China e as ilhas do Timor na

Indoneacutesia Na Aacutefrica Oriental Portugal conseguiu manter o controle sobre

Moccedilambique mas na Aacutefrica Ocidental os holandeses tomaram as posiccedilotildees

lusitanas na Costa do Ouro natildeo conseguindo por muito tempo manter a conquista

sobre Angola Benguela e Satildeo Tomeacute e Priacutencipe todas retomadas pelos portugueses

ateacute 1648-49 No Brasil depois da raacutepida ocupaccedilatildeo da Bahia em 1624 e 1625

invadiram Pernambuco em 1630 sendo definitivamente expulsos em 1654 por meio

de accedilotildees de guerra que hoje bem poderiam ser chamadas de accedilotildees de guerrilha

189

numa campanha de quase uma deacutecada conduzida por alguns portugueses e muitos

mulatos negros iacutendios e mesticcedilos Permaneceu o Brasil portuguecircs perderam-se

quase todas as possessotildees coloniais na Aacutesia e mantiveram-se outras na Aacutefrica esse

pode ser o balanccedilo das investidas holandesas contra o impeacuterio colonial portuguecircs

accedilotildees de hostilidade que prosseguiram mesmo depois da Restauraccedilatildeo ocorrida em

1640 e que soacute teriam fim com a accedilatildeo mediadora dos ingleses e a assinatura de um

armistiacutecio chamado por Boxer de paz de esgotamento assinado entre Portugal

Holanda e Espanha em 1668 e 1669 (BOXER 1981)

Aos acordos de paz firmados com grande expectativa natildeo se seguiram tempos de

recuperaccedilatildeo da economia portuguesa Nas duas deacutecadas seguintes o que se viu

foram a deterioraccedilatildeo do preccedilo do accediluacutecar e do fumo seus produtos coloniais mais

importantes e o aumento de preccedilo dos artigos importados da Europa setentrional

como cereais tecidos e outros produtos manufaturados Tudo agravado por uma

crise monetaacuteria sem precedentes no Brasil e Angola onde havia uma carecircncia

crocircnica de moeda e por terriacuteveis pestes iniciadas no meio da deacutecada de 1680 que

causaram seacuterios prejuiacutezos em Angola um surto de variacuteola e na Bahia e

Pernambuco quase ao mesmo tempo entre 1686 e 1691 uma epidemia de febre

amarela A situaccedilatildeo era muito grave e algumas medidas foram tomadas a tentativa

de fomentar a induacutestria tecircxtil local a restriccedilatildeo agraves importaccedilotildees de artigos de luxo

sobretudo os franceses a criaccedilatildeo de uma Casa da Moeda na Bahia em 1694 e a

fundaccedilatildeo da Colocircnia de Sacramento no atual Uruguai proacuteximo a Buenos Aires em

1680 que tinha por objetivo beneficiar-se do contrabando da prata desviada das

minas do Peru Os resultados positivos decorrentes desta poliacutetica econocircmica natildeo

duraram muito preferiu-se priorizar a exportaccedilatildeo de vinho a fomentar os tecircxteis as

safras de accediluacutecar brasileiras continuaram ruins prejudicadas pelas chuvas e pelas

pestes e a manutenccedilatildeo de Sacramento passou a ser extremamente dispendiosa

com a oposiccedilatildeo e as hostilidades dos espanhoacuteis de Buenos Aires (BOXER 2004)

Perdidas as antigas posiccedilotildees coloniais sobretudo as da Aacutesia para os holandeses e

apesar de toda a crise econocircmica enfrentada naqueles anos o Brasil tornara-se no

seacuteculo XVII a colocircnia de maior importacircncia para Portugal responsaacutevel pela maior

parte das rendas de ultramar que ingressavam no reino

190

Uma notiacutecia surpreendente surgida na uacuteltima deacutecada dos seiscentos colocaria o

Brasil definitivamente no centro das atenccedilotildees de Lisboa a descoberta tardia de ouro

de aluviatildeo em uma escala sem precedentes feita por grupos de paulistas em suas

andanccedilas pelos sertotildees brasileiros Possivelmente encontradas entre os anos de

1693 e 1695 as minas rapidamente passaram a atrair uma multidatildeo de homens

vindos de vaacuterios cantos do Brasil e mesmo de Portugal para a regiatildeo que mais tarde

viria a ser conhecida por Minas Gerais Era a recompensa por quase duzentos anos

de buscas infrutiacuteferas pelas riquezas mais desejadas naqueles tempos coloniais

Pouco tempo mais tarde em 1718 e 1722 novas descobertas foram feitas na regiatildeo

do Rio Cuiabaacute complementadas pelas notiacutecias do ouro de Goiaacutes em 1725 e da

regiatildeo do Rio Guaporeacute encontradas em 1734 e 1736 Em finais de 1720 na regiatildeo

das Minas Gerais acharam-se tambeacutem grandes minas de diamante tatildeo

importantes que o governo portuguecircs resolveu para melhor controlar a regiatildeo de

lavra criar em 1740 um distrito dos diamantes rigidamente isolado por um

regimento especial da Coroa

A descoberta de ouro e de diamantes no interior do Brasil ocorridas em finais do

seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII traria repercussotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas

imediatas uma parcela significativa da populaccedilatildeo litoracircnea de Pernambuco Bahia e

Rio de Janeiro se deslocou e se instalou nas regiotildees mineradoras ao mesmo tempo

em que estimulou a economia colonial igualmente produziu uma crise de matildeo-de-

obra nas lavouras de accediluacutecar e tabaco das cidades costeiras e provocou um enorme

aumento na importaccedilatildeo de negros africanos para os trabalhos nas minas e

plantaccedilotildees

Ressalta Caio Prado Junior que a mineraccedilatildeo de ouro no Brasil viria a ocupar ateacute a

deacutecada de 1780 o centro das atenccedilotildees de Portugal e a maior parte do cenaacuterio

econocircmico da colocircnia todas as demais atividades entraram em decadecircncia O ouro

substituiu aquele que foi por mais de um seacuteculo e meio uma das razotildees da proacutepria

colonizaccedilatildeo portuguesa o accediluacutecar A migraccedilatildeo da populaccedilatildeo para as minas foi tatildeo

intensa que superaria consideradas as proporccedilotildees e as condiccedilotildees do Brasil

colonial a famosa corrida do ouro da Califoacuternia no seacuteculo XIX Em algumas

deacutecadas uma vasta regiatildeo interna natildeo inferior a 2 milhotildees de km2 os sertotildees

191

desabitados ou ocupados pelos indiacutegenas viria a ser povoado Povoamento esparso

lembra o autor distribuiacutedo em pequenos nuacutecleos separados por enormes distacircncias

e precariacutessimas comunicaccedilotildees Esse movimento fixaria no interior da colocircnia por

volta do iniacutecio do seacuteculo XIX quase 15 da populaccedilatildeo oficial brasileira excetuando-

se eacute claro os nativos natildeo aculturados permitindo a ocupaccedilatildeo do centro do

continente sul-americano e dando um novo impulso para a colonizaccedilatildeo portuguesa

Como consequumlecircncia da mineraccedilatildeo houve o deslocamento do eixo econocircmico

brasileiro anteriormente localizado nos centros accedilucareiros do nordeste sobretudo

em Pernambuco e na Bahia agora deslocado para o sudeste natildeo soacute para as

capitanias de Minas Gerias e Rio de Janeiro mas tambeacutem para a de Satildeo Paulo que

passariam a abastecer as minas do interior estimulando as atividades econocircmicas

dessas regiotildees principalmente a agricultura e a pecuaacuteria atividades que

conheceram um periacuteodo de grande desenvolvimento (PRADO Jr 1971) A

transferecircncia da capital do Estado do Brasil de Salvador na Bahia para o Rio de

Janeiro ocorrida em 1763 reflete politicamente as modificaccedilotildees econocircmicas que

tiveram curso desde a descoberta do ouro vindo a nova capital a transformar-se

rapidamente no principal centro urbano do impeacuterio ultramarino portuguecircs

Para Arno Wehling o seacuteculo XVIII representou para o Brasil a eacutepoca da

consolidaccedilatildeo colonial especialmente com as descobertas do ouro e dos diamantes

no centro do paiacutes o que articulou internamente a colonizaccedilatildeo portuguesa

transformando um arquipeacutelago de colocircnias isoladas em um continente mesmo que

ainda relativamente integrado As ligaccedilotildees foram-se estabelecendo por meio das

rotas de comeacutercio e abastecimento do interior devendo-se especial atenccedilatildeo agrave

introduccedilatildeo da criaccedilatildeo de gado e agrave expansatildeo da pecuaacuteria para os sertotildees coloniais

O autor considera tambeacutem que as profundas transformaccedilotildees ocorridas na poliacutetica

europeacuteia no seacuteculo XVIII refletiram-se grandemente na colocircnia determinando

inclusive a necessidade do traccedilado de suas fronteiras (WEHLING 1999)

A partir da descoberta do ouro de Minas Gerais Cuiabaacute Goiaacutes e Guaporeacute o

interesse portuguecircs pelo Brasil tomaria um novo impulso a todo custo deveriam ser

mantidos os esforccedilos para defender e explorar a colocircnia acentuando-se o desejo da

Coroa de controlar melhor a administraccedilatildeo de seus negoacutecios coloniais brasileiros

Nesse contexto a expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica assumiu um caraacuteter

192

irreversiacutevel se jaacute fazia parte da poliacutetica oficial a reivindicaccedilatildeo da posse desses

territoacuterios havia chegado a hora de tornar-se prioridade poliacutetica de Estado fato que

natildeo pode ser esquecido na compreensatildeo do territoacuterio de proporccedilotildees continentais

ocupado pelo Brasil atual

Para preservar o Brasil era imperativo definir suas fronteiras com o impeacuterio colonial

espanhol Isso pressupunha a difiacutecil tarefa de abolir o principal acordo anterior o

Tratado de Tordesilhas assinado em 1494 e que fora baseado em uma bula papal

Este decreto natildeo poderia ser simplesmente descumprido pela vontade de um

monarca mesmo diante das precedentes quebras de acordos feitas com frequumlecircncia

pelos reis europeus que natildeo hesitaram em modificaacute-los em seu proacuteprio benefiacutecio

Tratava-se de um assunto de Estado a ser discutido com a Coroa espanhola que

necessariamente deveria ter a aprovaccedilatildeo da Igreja

As discussotildees sobre os limites coloniais sul americanos iniciadas em fins do seacuteculo

XVII foram conduzidas principalmente durante o reinado de Dom Joatildeo V que

governou Portugal no periacuteodo de 1706 a 1750

No final do seacuteculo XVII conforme foi visto anteriormente Portugal estava muito

enfraquecido no cenaacuterio poliacutetico europeu A aproximaccedilatildeo entre Pedro II e Luiacutes XIV

de Franccedila por ocasiatildeo da sucessatildeo de Espanha resultou na assinatura de um

Tratado Provisoacuterio em 4 de marccedilo de 1700 estabelecendo uma treacutegua na disputa

pelas terras do Cabo Norte as terras entre o Rio Oiapoque e o Rio Amazonas

passaram a ser consideradas neutras ateacute a concepccedilatildeo de um ajuste definitivo

Confirmado em 18 de junho de 1701 o Tratado Provisoacuterio torna-se Tratado definitivo

e perpeacutetuo e os portugueses foram levados a reconhecer uma neutralidade que

dava agrave Franccedila a oportunidade de enfim legalmente pleitear direitos sobre a regiatildeo

incluindo mesmo a livre navegaccedilatildeo do Amazonas Esses Tratados foram

francamente desfavoraacuteveis aos interesses coloniais portugueses Mas a situaccedilatildeo se

modificou rapidamente quando Portugal e Franccedila desfizeram suas alianccedilas durante

a Guerra de Sucessatildeo da Espanha ocorrida entre 1701 e 1713 o que colocou em

lados opostos essas duas Coroas europeacuteias Com o apoio da Inglaterra os

portugueses declararam nulos os dois acordos firmados com a Espanha e apelaram

193

aos aliados ingleses para que interviessem visando a uma soluccedilatildeo negociada da

questatildeo do Cabo Norte

Durante o iniacutecio do reinado de Dom Joatildeo V em 11 de abril de 1713 na Holanda e

ao final da Guerra de Sucessatildeo Portugal e Franccedila assinaram o Primeiro Tratado de

Utrecht pelo qual Portugal graccedilas ao apoio de seu aliado britacircnico conseguiu que a

Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees estabelecendo o Rio

Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica

Pouco tempo depois em 9 de fevereiro de 1715 foi assinado entre Portugal e

Espanha o Segundo Tratado de Utrecht que restabelecia a posse da Colocircnia de

Sacramento fundada em 1680 para Portugal

O reconhecimento da soberania sobre as terras amazocircnicas e a restituiccedilatildeo da

Colocircnia de Sacramento representavam natildeo soacute uma vitoacuteria para a poliacutetica colonial

portuguesa como tambeacutem o reconhecimento oficial proclamado em diplomas

internacionais de que os acertos territoriais previstos no Tratado de Tordesilhas

deveriam e podiam ser revistos abriram-se portanto importantes precedentes para

novas discussotildees sobre a posse das terras americanas Legitimou-se pela primeira

vez a ocupaccedilatildeo realizada pelas expediccedilotildees oficiais pelos entradistas e missionaacuterios

a serviccedilo de Portugal na Amazocircnia e proclamou-se a expansatildeo dos limites

portugueses em direccedilatildeo agrave bacia do Prata Legalizava-se finalmente uma situaccedilatildeo

de fato a presenccedila lusitana para aleacutem dos limites de Tordesilhas natildeo mais poderia

ser ignorada

O interesse da alta administraccedilatildeo portuguesa no conhecimento pormenorizado da

regiatildeo amazocircnica pode ser comprovado por vaacuterias determinaccedilotildees do governo de

Lisboa para que fossem colhidas informaccedilotildees seguras e diretas sobre as posiccedilotildees

ocupadas pelos espanhoacuteis naqueles territoacuterios61 (REIS 1948 tomo 2 p 37 e 38)

61 - Ordem de Lisboa datada de 5 de outubro de 1716 ao governador Cristovam da Costa Freire para que fosse confeccionada uma relaccedilatildeo do Rio das Amazonas e das distacircncias em que ficam as missotildees assim da cidade de Beleacutem do Gratildeo-Paraacute como de Quito e que se declare se ha alguma demarcaccedilatildeo feita natural ou ajustada por posse ou fato por onde se separam os domiacutenios de nossa parte e de Castela - Ordem reacutegia de 18 de abril de 1739 em que o Conselho Ultramarino determinou ao Capitatildeo- General Joatildeo de Abreu Castelo Branco que esclarecesse modo possiacutevel a distacircncia e os rumos em que ficam as nossas uacuteltimas aldeas e as castelhanas que nelas confinam assim entre si como a respeito do Gratildeo-Paraacute

194

Todavia foi em torno do Rio do Prata que se deram os conflitos coloniais62 mais

importantes Portugal e Espanha priorizaram a definiccedilatildeo de seus limites territoriais

ao sul do continente americano a questatildeo platina assumiu o centro das discussotildees

diplomaacuteticas e os interesses de ambas as Coroas necessariamente deveria ser

considerado para se chegar a um acordo comum De um lado a Espanha defendia a

necessidade de manter o controle exclusivo do rio entrada estrateacutegica para o interior

do continente de outra parte Portugal procurava buscar uma fronteira natural ao sul

e tambeacutem ter acesso agraves riquezas do Peru que pelo rio eram contrabandeadas As

lutas pela posse da Colocircnia do Santiacutessimo Sacramento fundada em 1680 e as

tentativas de ocupaccedilatildeo dos territoacuterios que atualmente abrangem o Uruguai e o

Estado do Rio Grande do Sul marcaram as disputas entre as Coroas ibeacutericas na

primeira metade do seacuteculo XVIII

Felipe V Rei de Espanha no periacuteodo de 1700 a 1746 natildeo se conformava com a

presenccedila portuguesa no Prata tendo sido tomado segundo alguns historiadores

espanhoacuteis por verdadeira obsessatildeo pelo assunto defendendo a extinccedilatildeo da

Colocircnia do Sacramento e o regresso dos portugueses ao Brasil Recorda Freacutedeacuteric

Mauro que a Espanha dirigiu todos os seus esforccedilos para impedir uma penetraccedilatildeo

- Ordem do Secretaacuterio de Estado Marco Antonio de Azeredo Coutinho datada de 15 de setembro de 1748 ordenando ao Capitatildeo Francisco Pedro de Mendonccedila Gurjatildeo que os mineiros receacutem-chegados a Beleacutem pelas aacuteguas do Rio Tapajoacutes fossem mandados em uma expediccedilatildeo que deveria proceder ao estudo minucioso da regiatildeo do Rio Madeira A expediccedilatildeo partiu em 14 de julho de 1749 e alcanccedilou Vila Bela do Mato Grosso depois de 9 meses de viagem dela resultando vaacuterios mapas e cartas hidrograacuteficas do itineraacuterio percorrido 62 GOacuteES FILHO Synezio Sampaio A Paz das Fronteiras Coloniais Alexandre de Gusmatildeo o Grande Obreiro do Tratado de Madrid Disponiacutevel em www2mregovbrmissoes_pazportcapitulo1 Acesso em 2 de maio de 2006 ldquoDuas vezes antes de 1750 a Colocircnia de Sacramento foi invadida por tropas espanholas provenientes de Buenos Aires A primeira ocupaccedilatildeo ocorreu logo apoacutes sua fundaccedilatildeo mas os portugueses conseguiram reavecirc-la diplomaticamente pelo Tratado de Lisboa de 1681 (que atribuiacutea ao Papa o julgamento definitivo sobre onde passava a linha de Tordesilhas na boca do Prata) A segunda ocupaccedilatildeo espanhola durou onze anos de 1704 a 1715 e foi consequumlecircncia de posiccedilotildees divergentes que tinham Portugal e Espanha na Guerra da Sucessatildeo na Espanha Pelo Segundo Tratado de Utrecht de 1715 Sacramento foi novamente restituiacuteda a Portugal Houve tambeacutem vaacuterios cercos o maior deles provocado por um incidente diplomaacutetico ocorrido em Madri em 1735 que acabou num estado de guerra entre os dois paiacuteses o governo de Buenos Aires aproveitou a oportunidade para tentar tomar a Colocircnia 23 meses de resistecircncia ofereceu entatildeo o governador portuguecircs de Sacramento tendo os espanhoacuteis levantado o cerco em 1737 Anos antes de 1750 Sacramento estava isolada e apesar de os luso-brasileiros terem-se fixado em Rio Grande em 1737 no escoadouro da lagoa dos Patos os espanhoacuteis dominavam a maior parte da regiatildeo intermediaacuteria as vacarias do mar a partir de suas bases de expansatildeo Montevideacuteu e Maldonado No Tratado de Madri acordou-se a devoluccedilatildeo de Sacramento que natildeo ocorreu conforme o previsto permanecendo sem soluccedilatildeo definitiva a situaccedilatildeo daquela possessatildeo portuguesa No Impeacuterio em torno do Prata foi tambeacutem que se deram as uacutenicas guerras que envolveram diretamente o Brasil as do Uruguai 1820-1821 1826-1827 e 1864 da Argentina 1850-1852 e a do Paraguai 1865-1870rdquo

195

portuguesa no Rio do Prata semelhante agravequela que havia sido conduzida a partir de

Beleacutem para o interior do continente americano O controle de Buenos Aires sobre a

bacia platina tornou-se a maior preocupaccedilatildeo dos espanhoacuteis ao longo do seacuteculo

XVIII Recorda o historiador que essa prioridade refletiu-se na criaccedilatildeo em 1776 do

Vice-Reinado de la Plata quando foram anexadas agrave Buenos Aires as ricas regiotildees

mineiras de Santa Cruz a proviacutencia de Charcas e a cidade de Potosiacute (MAURO

1991)

Outra razatildeo teria tambeacutem alarmado as autoridades de Madri a ameaccedila inglesa na

regiatildeo A Inglaterra representava grande perigo natildeo soacute por sua grande expansatildeo

colonial e mercantil mas tambeacutem porque podia valer-se de sua alianccedila com Portugal

para atingir o Prata Agravequela altura Buenos Aires era uma cidade dominada por

negociantes portugueses e navios ingleses frequumlentavam o estuaacuterio do Prata sob a

proteccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento realizando intenso contrabando o que trazia

grandes prejuiacutezos para os interesses monopolistas espanhoacuteis Entre 1739 e 1742

por ocasiatildeo da guerra entre Espanha e Inglaterra uma frota de guerra inglesa

pretendeu apoacutes ter realizado accedilotildees militares contra o Panamaacute descer o Atlacircntico

para atacar Buenos Aires Esse perigo natildeo podia ser desprezado a presenccedila

portuguesa no Prata poderia permitir uma accedilatildeo inglesa Portugal precisava deixar

sua posiccedilatildeo na regiatildeo

Para Jaime Cortesatildeo o cerco a Sacramento empreendido pelos espanhoacuteis de

Buenos Aires entre 1735 e 1737 e a guerra entre Inglaterra e Espanha63

deflagrada em 1739 com duraccedilatildeo ateacute 1742 teriam sido as razotildees principais que

levaram Lisboa e Madri agraves negociaccedilotildees de um acordo que estabelecesse fronteiras

em seus territoacuterios americanos Charles Ralph Boxer considera que outro importante

motivo teria feito Portugal empenhar-se nos acertos de limite com os espanhoacuteis a

situaccedilatildeo extremamente criacutetica da Iacutendia portuguesa particularmente nos anos de

1737 a 1740 quando os maratas conquistaram Baccedilaim e a feacutertil Proviacutencia do Norte

63 AQUINO Jesus e Oscar Histoacuteria das Sociedades Americanas - As Guerras Intercoloniais Editora ao Livro Teacutecnico Disponiacutevel em wwwhistorianetcombr acesso em 2 de maio de 2006 ldquoTambeacutem conhecida por Guerra da Orelha de Jenkins iniciada em 1739 e terminada em 1742 entre Inglaterra e Espanha apoacutes a denuacutencia de um comerciante inglecircs feita em Londres de que teria tido sua orelha decepada supostamente por piratas espanhoacuteis Durante as hostilidades a Geoacutergia na Ameacuterica foi atacada sem sucesso por frota espanhola e numerosos colonos anglo-americanos morreram na fracassada incursatildeo inglesa agrave Cartagena no Vice-Reino de Nova Granadardquo

196

tendo Goa escapado por pouco do mesmo desfecho As custosas expediccedilotildees de

socorro em dinheiro e homens mandada anualmente para o auxiacutelio da Iacutendia

tornava impossiacutevel o socorro simultacircneo de Sacramento uma vez que natildeo havia

recursos para atuar ao mesmo tempo e de forma adequada em duas frentes tatildeo

distantes (BOXER 2004)

Os esforccedilos de aproximaccedilatildeo entre as duas Coroas levaram Dom Joatildeo V a oferecer

sua filha a infanta portuguesa Dona Maria Baacuterbara para casar-se com o Priacutencipe

das Astuacuterias herdeiro do trono espanhol e futuro Fernando VI recebendo em troca a

infanta espanhola Dona Maria Ana Vitoacuteria para desposar o priacutencipe portuguecircs Dom

Joseacute que viria a suceder Dom Joatildeo V Esses acertos matrimoniais celebrados em

1729 seriam extremamente favoraacuteveis para a assinatura do futuro acordo de divisatildeo

colonial entre as duas Coroas Mais adiante seratildeo apresentadas brevemente sua

influecircncia e suas implicaccedilotildees

Lembra Robert Southey que os sentimentos de oacutedio dos Reis espanhoacuteis Felipe V e

Isabel Farnese contra Dom Joatildeo V natildeo se arrefeceram com os casamentos

realizados entre as duas famiacutelias reais sendo mantidas as hostilidades ateacute o

falecimento do Rei espanhol ocorrida em 1746 (SOUTHEY 1981)

Entre os anos de 1715 e 1738 os diplomatas portugueses lotados em Madri Pedro

de Vasconcelos Manoel de Siqueira Dom Luis da Cunha Joseacute da Cunha Brochado

Dom Rodrigo Anes de Saacute Almeida e Meneses (Marquecircs de Abrantes) e Pedro

Aacutelvares Cabral vinham discutindo tambeacutem os interesses de Lisboa advogando em

defesa de uma soluccedilatildeo para as questotildees de fronteiras Natildeo conseguiram

entretanto demover a ideacuteia dos representantes espanhoacuteis de que os portugueses

estavam usurpando terras que pertenciam agrave Espanha (REIS 1948)

O enfrentamento das questotildees de limites que colocavam em posiccedilotildees contraacuterias as

Coroas ibeacutericas exigiu da diplomacia portuguesa uma preparaccedilatildeo intensa e

persistente ateacute que uma proposta de tratado fosse enviada para apreciaccedilatildeo dos

negociadores espanhoacuteis Coube a Portugal a iniciativa da proposta apresentada

pela primeira vez no ano de 1747 em Madri pelo embaixador Tomaz da Siva Teles

Toda a argumentaccedilatildeo portuguesa em defesa da expansatildeo territorial realizada no

197

continente sul-americano e que tratava tambeacutem de outras disputas coloniais havia

sido elaborada ao longo de deacutecadas pelo Secretaacuterio do Rei conforme passou a ser

chamado por seus bioacutegrafos o brasileiro Alexandre de Gusmatildeo64 Curiosamente

64 ldquoNascido na vila do Porto de Santos em 1695 era de uma famiacutelia conhecida mas de poucas posses sendo seu pai Francisco Lourenccedilo Rodrigues cirurgiatildeo-mor do presiacutedio local Entre doze irmatildeos trecircs tomaram o sobrenome do amigo paterno e protetor familiar o jesuiacuteta Alexandre de Gusmatildeo escritor e fundador do Seminaacuterio de Beleacutem em Salvador Alexandre como se vecirc tem o nome e o sobrenome do renomado inaciano Um de seus irmatildeos mais velhos Bartolomeu o padre voador foi famoso por suas experiecircncias com balotildees uma delas aliaacutes desastrosa perante Dom Joatildeo V e sua Corte Com 15 anos depois de ter estudado na Bahia no coleacutegio de seu padrinho e homocircnimo Alexandre vai a Lisboa onde consegue proteccedilatildeo real segundo alguns autores porque Dom Joatildeo V gostou de um poema do santista sobre sua real pessoa para usar outra expressatildeo da eacutepoca Proteccedilatildeo e certamente talentos que entatildeo jaacute se revelavam valeram-lhe a nomeaccedilatildeo para um posto diplomaacutetico em Paris junto ao Embaixador portuguecircs Dom Luis Manuel da Cacircmara Conde de Ribeira Grande Na ida passa alguns meses em Madri e ali se familiariza com o problema de que se ocuparaacute centralmente em sua vida profissional as fronteiras coloniais na Ameacuterica do Sul e a importacircncia que o enclave da Colocircnia tinha no estabelecimento destas Em Paris onde ficou 5 anos frequumlentou escolas superiores tendo-se doutorado em Direito Civil Romano e Eclesiaacutestico Como curiosidade mencione-se que durante sua estada na Franccedila talvez para reaprumar financcedilas combalidas abriu uma casa de jogos o que hoje natildeo seria muito aceitaacutevel para um diplomata na mesma situaccedilatildeo Regressa a Lisboa e eacute de novo designado para uma missatildeo no exterior desta vez em Roma onde permanece sete anos Nesse periacuteodo entre outros logros conseguiu propor ao Papa para seu Rei o tiacutetulo de Fideliacutessimo emparelhando-o pois agraves majestades da Espanha e da Franccedila que jaacute tinham os tiacutetulos papais de Catoacutelica e Cristianiacutessima respectivamente Volta definitivamente a Lisboa em 1722 e passa a ter intensa atividade literaacuteria e acadecircmica Integra o grupo apodado de estrangeirados favoraacuteveis a que Portugal se liberasse das tradiccedilotildees anquilosadas e se abrisse aos novos ventos do iluminismo e do racionalismo que vinham da Franccedila e da Inglaterra Jaacute entatildeo se percebe o humor a ousadia e a propensatildeo agrave caricatura que caracterizam seu estilo de se comunicar Alexandre de Gusmatildeo eacute nomeado em 1730 Secretaacuterio Particular de Dom Joatildeo V e nesse mesmo ano feito membro do Conselho Ultramarino A partir de entatildeo fica muito influente nas decisotildees do Governo portuguecircs sobretudo nos assuntos de Roma (mas nestes havia em Lisboa a concorrecircncia de cardeais nuacutencios ordens religiosas) e nos assuntos do Brasil (aqui sim era o Papa) Jaacute chegou preparado para estas uacuteltimas funccedilotildees conhecia o Brasil como ningueacutem e sabia como era importante para Portugal que nessa eacutepoca jaacute havia perdido para a Inglaterra e a Holanda suas possessotildees orientais assegurar-se firmemente da colocircnia americana dilatada muito aleacutem de Tordesilhas Tomando posse de seu cargo comeccedila o trabalho completado em 1750 que lhe garante permanecircncia nos anais da diplomacia do Brasil e de Portugal acordar com a Espanha limites para o Brasil de maneira que seu territoacuterio incluiacutesse todas as terras ocupadas pelos luso-brasileiros Alexandre eacute um poliacutegrafo que pensou e escreveu sobre muitos assuntos Jaime Cortesatildeo ao estudar em todas as fontes disponiacuteveis a obra de Gusmatildeo surpreende-se com a extensatildeo e variedade da mesma correspondecircncia oficial oficiosa ou familiar memoacuterias poliacuteticas e geograacuteficas ensaios sobre economia poliacutetica criacutetica literaacuteria costumes sociais e ateacute sobre uma nova ortografia da liacutengua portuguesa discursos acadecircmicos e panegiacutericos libretos de oacutepera poemas traduccedilotildees de poemas e rimaacuterios a coleccedilatildeo dos seus pareceres como conselheiro do Conselho Ultramarino ou como assessor de Dom Joatildeo V e finalmente as suas minutas de leis portarias alvaraacutes bulas cartas e ordens reacutegias de toda a sorte e acima de tudo instruccedilotildees e correspondecircncia diplomaacutetica sobre atos ou tratados em negociaccedilotildees com a Santa Seacute a Espanha a Franccedila e a Gratilde-Bretanha De sua extensa obra o que tem para os brasileiros particular realce satildeo seus estudos sobre o Brasil A matildeo e a mente do paulista vecircem-se em todos os atos importantes da poliacutetica da metroacutepole em relaccedilatildeo agrave colocircnia nesses anos baacutesicos para sua formaccedilatildeo territorial isto eacute entre 1730 e 1750 a emigraccedilatildeo de casais accedilorianos para ocupar o Rio Grande do Sul a capitaccedilatildeo isto eacute o imposto per capita sobre a produccedilatildeo auriacutefera a vinda ao Brasil de especialistas em determinaccedilatildeo de longitudes para se ter uma ideacuteia exata do que Portugal ocupara no Continentee a defesa escrita das ocupaccedilotildees portuguesas na Ameacuterica do Sul com argumentos extremamente soacutelidos Lembremos para finalizar estas observaccedilotildees sobre a vida de Alexandre que assinado o Tratado sua estrela se apaga com a morte do Rei seu protetor e a ascensatildeo de Dom Joseacute I com o futuro Marquecircs de Pombal como Primeiro-Ministro Vecircm agora os tempos tristes dos ataques ao acordo e da perseguiccedilatildeo poliacutetica Em 1753

198

lembra Synezio Sampaio Goacutees Filho ateacute meados do seacuteculo XX os historiadores

mais destacados do Brasil natildeo fizeram referecircncias a Alexandre de Gusmatildeo ou

brevemente o citaram em suas obras Os estrangeiros que melhor escreveram sobre

a Histoacuteria do Brasil no seacuteculo XIX Carl Friedrich Philipp von Martius Robert Southey

e Gottfried Heinrich Handelman nada falam de Gusmatildeo citado com brevidade por

Francisco Adolfo de Varnhagen ao mencionar seu papel nas negociaccedilotildees do

Tratado de Madri sendo ignorado completamente por Capistrano de Abreu que

escreveu a melhor siacutentese de nosso periacuteodo colonial e esquecido ainda por Caio

Prado Junior em seu estudo sobre o povoamento e a vida material e social do Brasil

na Colocircnia Ao contraacuterio dos livros de Histoacuteria o nome de Gusmatildeo pode ser

encontrado em histoacuterias literaacuterias em 1841 foi publicado na cidade do Porto a

Colecccedilatildeo de vaacuterios escritos ineacuteditos poliacuteticos e histoacutericos de Alexandre de Gusmatildeo

obra que tornou-se fonte para publicaccedilotildees futuras e que comprova o seu talento

poliacutetico e literaacuterio No final do seacuteculo XIX Camilo Castelo Branco em seu Curso de

literatura portuguesa destaca as qualidades de Alexandre de Gusmatildeo comparando-

o ao Padre Antonio Vieira na literatura e ao Marquecircs de Pombal na poliacutetica E nos

primeiros anos do seacuteculo XX o Baratildeo do Rio Branco em uma de suas Efemeacuterides

brasileiras publicadas no Jornal do Comeacutercio escrevendo sobre Madri afirmou o

verdadeiro negociador do tratado foi o ilustre paulista Alexandre de Gusmatildeo embora

seu nome natildeo figure no documento Em estudos realizados pelo embaixador Arauacutejo

Jorge publicados em 1916 o papel de Gusmatildeo nos assuntos do Brasil e em

particular na negociaccedilatildeo do Tratado de Madri foi minuciosamente levantado em

Alexandre de Gusmatildeo - o avocirc dos diplomatas brasileiros Nesse estudo haacute um

resumo de seus trabalhos no Governo os levantamentos de problemas da Colocircnia

do Sacramento e os conflitos pela posse do Sul no atual Estado do Rio Grande do

Sul e Uruguai bem como uma discussatildeo sobre os pontos fundamentais do tratado

que chegaram agraves duas Cortes No entanto o trabalho mais amplamente

documentado sobre o negociador de Madri apareceria nos anos de 1950 com a

obra de Jaime Cortesatildeo Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madri que destacou

morre abandonado pobre frustrado Natildeo faltaram amarguras em seus uacuteltimos anos inclusive privadas como a morte da esposa e o incecircndio em que perdeu casa e bens As qualidades de negociador que entatildeo revelou servidas por conhecimentos da Histoacuteria e da Geografia do Brasil fizeram-no o grande advogado dos interesses brasileiros no seacuteculo XVIII Como o seria Rio Branco no virar do nosso seacuteculo sem esquecer a ponte que entre esses dois vultos representa no Impeacuterio Duarte da Ponte Ribeirordquo (GOacuteES FILHO 2001 p 179 a 183)

199

sobretudo sua accedilatildeo poliacutetica e diplomaacutetica nas negociaccedilotildees do Tratado em favor das

posiccedilotildees coloniais portuguesas na Ameacuterica (GOacuteES FILHO 2001)

Receacutem-chegado a Lisboa em 1710 com apenas 15 anos de idade Alexandre de

Gusmatildeo cedo consegue a simpatia e a proteccedilatildeo de Dom Joatildeo V tendo sido pouco

tempo depois enviado a Paris como secretaacuterio da embaixada portuguesa incumbida

da missatildeo de negociar a paz consequumlente agrave Guerra de Sucessatildeo da Espanha

ocorrida entre 1701 e 1713 Em Paris permaneceu por 5 anos e jaacute em 1720 foi

designado para atuar em Roma no Vaticano auxiliando seu irmatildeo o padre

Bartolomeu Lourenccedilo nos esforccedilos do Governo para conseguir o pleiteado tiacutetulo de

Fideliacutessimo para o Monarca portuguecircs atuaccedilatildeo destacada que mereceu elogios do

proacuteprio Papa Em 1722 retornou definitivamente a Lisboa sendo encarregado da

funccedilatildeo de conduzir os negoacutecios do Reino nas suas relaccedilotildees com Roma e com as

potecircncias europeacuteias vindo a desenvolver nesse periacuteodo intensa atividade literaacuteria e

acadecircmica No ano de 1730 Dom Joatildeo V confiou a ele o estudo das diversas

questotildees de Estado nomeando-o Secretaacuterio Particular do Rei uma espeacutecie de

ministro sem pasta chamado de Secretaacuterio drsquoEl Rei e nesse mesmo ano tambeacutem

por decisatildeo real foi feito membro do Conselho Ultramarino Agrave frente dos assuntos de

ultramar iniciou a execuccedilatildeo de uma poliacutetica que tinha por objetivo recuperar o

patrimocircnio colonial portuguecircs entre 1730 e 1750 concebeu e planejou a emigraccedilatildeo

de casais accedilorianos para ocupar Santa Catarina e o Rio Grande do Sul introduziu

na colocircnia brasileira a capitaccedilatildeo isto eacute uma espeacutecie de imposto per capita sobre a

produccedilatildeo de ouro determinou a vinda ao Brasil de especialistas em cartografia e

matemaacutetica para realizar o levantamento de longitudes que esclarecessem de fato

a extensatildeo da ocupaccedilatildeo portuguesa produziu as defesas escritas das ocupaccedilotildees

portuguesas na Ameacuterica do Sul construindo argumentos soacutelidos e convincentes

Sua inteligecircncia objetiva e a experiecircncia adquirida no trato dos assuntos de Estado

sobretudo das questotildees de ultramar fizeram de Alexandre de Gusmatildeo o homem

forte de Dom Joatildeo V ateacute a morte do Rei em 1750

Como homem de confianccedila do Rei conhecido por seu pragmatismo e sua

capacidade de argumentaccedilatildeo Dom Joatildeo V determinou que Alexandre de Gusmatildeo

assumisse a direccedilatildeo das negociaccedilotildees para um ajustamento das diferenccedilas entre

Portugal e Espanha a respeito dos limites coloniais dos dois Reinos

200

Pelas matildeos dele passavam as informaccedilotildees dos capitatildees-generais funcionaacuterios

civis militares e religiosos das colocircnias de ultramar Essas informaccedilotildees eram

coletadas em todas as partes do impeacuterio particularmente no Brasil e

proporcionaram um conhecimento da ampliaccedilatildeo territorial brasileira e de sua

configuraccedilatildeo econocircmica Aleacutem da documentaccedilatildeo recebida das colocircnias e das

determinaccedilotildees do Conselho Ultramarino para que fossem feitas verificaccedilotildees

geograacuteficas locais ele chegou mesmo a ouvir os depoimentos dos homens que

desembarcavam no Reino vindos dos sertotildees brasileiros pouco conhecidos tendo

visitado as capitanias do Rio de Janeiro Minas Gerais e Satildeo Paulo no periacuteodo de

1729 a 1730 Era Gusmatildeo o maior especialista em assuntos coloniais do Brasil

Segundo Arauacutejo Jorge Alexandre Gusmatildeo

ldquoconhecia a fundo a Histoacuteria do Brasil a sua constituiccedilatildeo poliacutetica e econocircmica a psicologia das novas populaccedilotildees adestradas nas lutas contiacutenuas contra a invasatildeo estrangeira estava familiarizado com todos os episoacutedios da extraordinaacuteria marcha colonizadora que triplicara o patrimocircnio colonial americano da monarquia portuguesardquo (JORGE 1916 p 44)

Cabe aqui uma breve anaacutelise da personalidade de Dom Joatildeo V o Magnacircnimo

quase sempre apresentado como recorda Charles Rauph Boxer como o mais

apaacutetico e supersticioso dos reis portugueses ldquoativo apenas em seus amores e em

suas prodigalidades para com as igrejas e a muacutesicardquo Seis anos antes de sua morte

ocorrida em 1750 o Rei foi acometido por frequumlentes crises de epilepsia o que

inutilizou sua atuaccedilatildeo como chefe de Estado Entretanto antes de sua doenccedila

estudos de documentos do Conselho Ultramarino submetidos agrave aprovaccedilatildeo do Rei

demonstram que Dom Joatildeo V era um monarca bastante ativo Com frequumlecircncia

redigia de proacuteprio punho notas agrave margem dos documentos orientando sobre o que

queria ver cumprido provando ainda que ele natildeo assinava os despachos sem ler o

conteuacutedo dos papeacuteis e que nem sempre aceitava passivamente a opiniatildeo de seus

conselheiros Depoimentos de estrangeiros igualmente ressaltam sua capacidade

de trabalho sobretudo na assimilaccedilatildeo e no despacho dos negoacutecios oficiais

(BOXER 2004)

201

Na realidade o Rei Dom Joatildeo V tentou imitar das mais variadas formas o Rei Sol

Luiacutes IV esforccedilando-se para inaugurar uma era dourada de absolutismo em Portugal

Durante seu reinado Portugal alcanccedilou uma posiccedilatildeo de prestiacutegio e importacircncia

internacional que nunca mais tivera desde a descoberta do caminho mariacutetimo para

as Iacutendias em finais do seacuteculo XV Lisboa voltou a ser uma das mais ricas cidades da

Europa principalmente devido ao ouro que chegava sem cessar das minas do

Brasil Foram construiacutedas as bibliotecas de Coimbra Mafra e do Coleacutegio Oratoriano

de Lisboa e criada a Real Academia Portuguesa de Histoacuteria Por outro lado foram

igualmente desperdiccedilados recursos em estabelecimentos religiosos extremamente

dispendiosos em gastos excessivos com o patriarcado e na construccedilatildeo do Palaacutecio

Mosteiro de Mafra levantado entre 1717 e 1735 que rivalizava em luxo e grandeza

com o de Versalhes dos Reis franceses e com o Escorial dos espanhoacuteis (BOXER

1981)

Por um longo periacuteodo de tempo o ouro e os diamantes chegados do Brasil criaram a

sensaccedilatildeo de que a grave crise que o Reino vivera desde a Restauraccedilatildeo estava

superada A proteccedilatildeo inglesa ainda que obtida a custo de concessotildees comerciais e

tratados nem sempre vantajosos parecia garantir a estabilidade do impeacuterio colonial

cuja parte mais significativa era o Brasil Nem sempre empregado em benefiacutecio do

desenvolvimento da induacutestria e da agricultura essas riquezas foram sendo gastas

em doaccedilotildees agraves igrejas e aos mosteiros e em outros monumentos e quando foi

preciso construir o Aqueduto das Aacuteguas Livres de Lisboa os habitantes da cidade

tiveram que contribuir com uma taxa suplementar um imposto cobrado sobre o

vinho a carne e o azeite

A preocupaccedilatildeo com o seu prestiacutegio pessoal levou Dom Joatildeo V a relaccedilotildees tensas

com o papado no periacuteodo de 1728 e 1732 mas logo superadas pela generosidade

do Rei para com a Igreja e seus cardeais que receberam grandes quantidades de

ouro brasileiro Os presentes enviados como testemunha de respeito real os

donativos para as obras da Igreja os aneacuteis episcopais com pesados diamantes as

subvenccedilotildees tudo enfim servia para atrair a atenccedilatildeo de Sua Santidade para o

pequeno Portugal cujo Rei sofria por natildeo ter sua religiosidade reconhecida

oficialmente como a do Rei de Espanha Rei Mui Catoacutelico ou como a do Rei francecircs

Rei Cristianiacutessimo Bento XIV finalmente cedeu agraves genuflexotildees e agraves moedas de

202

ouro e proclamou em 1748 Dom Joatildeo V Rei Fideliacutessimo para a longa lista de

tiacutetulos em sua assinatura oficial O proacuteprio Papa Bento XIV havia inaugurado

pessoalmente o Convento de Mafra pouco tempo antes no ano 1744 Foi tambeacutem

no seu reinado que a Santa Seacute atribuiu a Lisboa em 1716 a dignidade de

Patriarcado no mesmo niacutevel que o de Roma e o de Veneza tornando-se assim o

arcebispo de Lisboa um dos trecircs patriarcas do Ocidente

Portugal tinha tambeacutem a necessidade do apoio da Igreja para legitimar as

conquistas territoriais que empreendeu no centro do continente americano Dessa

forma Dom Joatildeo V convenceu o Papa Bento XIV a criar em 8 de dezembro de

1745 por meio da Bula Candor Lucis os bispados de Satildeo Paulo e Mariana e as

prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute Ressalta Freacutedeacuteric Mauro que desta maneira Lisboa

obtinha uma espeacutecie de reconhecimento oficial por parte da Igreja da ocupaccedilatildeo

efetiva que havia realizado nos sertotildees do Brasil preparando a argumentaccedilatildeo e os

fundamentos teoacutericos do princiacutepio de posse o uti possidetis que sua diplomacia iria

utilizar pouco tempo depois para justificar os novos limites coloniais com a Ameacuterica

espanhola Assim uma espeacutecie de uti possidetis religioso precedeu o uti possidetis

diplomaacutetico que seria utilizado por Alexandre de Gusmatildeo durante as negociaccedilotildees

do Tratado de Madri (MAURO 1991)

Dom Joatildeo V tinha tambeacutem um enorme interesse pela cartografia de suas

possessotildees americanas despertado em especial pela divulgaccedilatildeo de um mapa da

Ameacuterica do Sul publicado em Paris no ano de 1722 pelo geoacutegrafo francecircs

Guillaume de Lisle O mapa feito pela primeira vez com a mediccedilatildeo de latitudes e

longitudes observadas por meios astronocircmicos mostrava claramente que a Colocircnia

do Sacramento o vale do Rio Amazonas e as minas de Cuiabaacute e do Guaporeacute

estavam localizadas em territoacuterios pertencentes oficialmente agrave Espanha pelo

Tratado de Tordesilhas Uma coacutepia deste trabalho foi enviada de Paris pelo

embaixador portuguecircs Dom Luis da Cunha e certamente Alexandre de Gusmatildeo

dela tomou conhecimento A revelaccedilatildeo de que um especialista de outra naccedilatildeo

pudesse realizar um levantamento cartograacutefico sobre a Ameacuterica do Sul onde o

acesso de estrangeiros era dificultado e as informaccedilotildees geograacuteficas mantidas em

segredo deve ter alertado as autoridades portuguesas para a necessidade de

203

realizar os seus proacuteprios estudos O que estava em jogo eram os interesses de

Estado de Portugal sobretudo em relaccedilatildeo ao controle de seus domiacutenios coloniais

Jaime Cortesatildeo expotildee a situaccedilatildeo portuguesa de maneira muito apropriada

ldquoO Rei e as classes cultas acordam para o estudo da geografia da cartografia e por consequumlecircncia tambeacutem da astronomia Que os problemas da soberania e o desejo de afirmaacute-la sobre novos vastos e ricos territoacuterios estavam na base desse renascimento natildeo haacute como negaacute-lo Mas a dissertaccedilatildeo de de Lisle foi o sinal de alertardquo (CORTESAtildeO65 1956 parte I tomo I p 281 apud GOacuteES FILHO 2001 p189 e 190)

Muito possivelmente sob influecircncia de Alexandre de Gusmatildeo que conhecia o Brasil

e sabia de sua importacircncia para Portugal a essa altura desfalcado de suas

possessotildees coloniais no Oriente perdidas para a Inglaterra e a Holanda Dom Joatildeo

V resolveu entatildeo secretamente preparar um Atlas do Brasil com latitudes e

longitudes obtidas por meio de mediccedilotildees locais

Contratou os jesuiacutetas italianos padres Carbone e Carpassi que chegaram em

Lisboa em 1722 o primeiro tornou-se conselheiro de confianccedila do Rei

permanecendo em Portugal e o segundo embarcou para o Brasil em 1729 com o

jesuiacuteta portuguecircs Diogo Soares com a missatildeo de elaborar um Novo Atlas do Brasil

Eles visitaram juntos a Colocircnia do Sacramento grande parte da costa sul do Brasil e

a Capitania de Minas Gerais O Conselho Ultramarino desejava obter informaccedilotildees

mais seguras sobre a real localizaccedilatildeo dos territoacuterios ocupados pelos portugueses em

relaccedilatildeo ao meridiano de Tordesilhas particularmente depois da expansatildeo

empreendida para o oeste brasileiro com as descobertas de ouro feitas em Cuiabaacute e

no Guaporeacute O trabalho cartograacutefico desses jesuiacutetas foi mantido em segredo pela

Coroa e considerado como era praxe em Portugal como segredo de Estado

(BOXER 2004)

Como resultado do trabalho dos jesuiacutetas e dos engenheiros militares do exeacutercito

portuguecircs croquis esboccedilos pontos de referecircncia astronocircmicos e sobretudo cartas

cartograacuteficas foram enviadas em grande nuacutemero a partir da deacutecada de 1730 para a

apreciaccedilatildeo do Conselho Ultramarino A supremacia cientiacutefica dos portugueses sobre 65 CORTESAtildeO Jaime Alexandre de Gusmatildeo e o Tratado de Madrid Parte I tomo I p 281 Rio de Janeiro 1956

204

os espanhoacuteis no conhecimento dos territoacuterios sul-americanos viria a tornar-se

decisiva Lisboa saberia usar esses estudos a seu favor quando das futuras

negociaccedilotildees de Madri

Com a morte de Felipe V ocorrida em julho de 1746 ascende ao trono espanhol

Felipe VI casado com a infanta portuguesa Dona Maria Baacuterbara Essa pode ser

considerada a oportunidade histoacuterica para o iniacutecio dos entendimentos sobre a

divisatildeo colonial ibeacuterica Os sentimentos de oacutedio dos Reis espanhoacuteis Felipe V e

Isabel Farnese contra Dom Joatildeo V natildeo permitiram qualquer aproximaccedilatildeo entre as

duas Coroas Superado esse obstaacuteculo com a morte do Rei espanhol Portugal

tomou a iniciativa para ajustar as diferenccedilas e fixar os limites entre os domiacutenios das

duas monarquias Muitos historiadores como Robert Southey e Charles Rauph

Boxer consideram como decisiva a atuaccedilatildeo da Rainha Dona Maria Baacuterbara para o

desfecho do acordo de 1750 grandemente favoraacutevel aos interesses portugueses O

novo Rei teria sido fortemente influenciado pela Rainha por quem nutria sentimentos

de grande afeiccedilatildeo e confianccedila A Rainha que para muitos nunca tivera os dotes da

beleza considerada excessivamente feia e gorda mostrava-se muito inteligente e

benevolente no juiacutezo comum das coisas e certamente essas caracteriacutesticas

predispuseram os acircnimos espanhoacuteis em favor do acordo

O negociador espanhol Dom Joseph de Carvajal y Lancaster agrave frente da direccedilatildeo

dos negoacutecios de coloniais espanhoacuteis tambeacutem defendia uma poliacutetica de boa

vizinhanccedila com Portugal e de harmonia peninsular Arthur Ceacutezar Ferreira Reis

lembra que em um conjunto de reflexotildees que ele reunira em relaccedilatildeo agraves atitudes

poliacuteticas que convinham agrave Espanha os ingleses e os portugueses sempre eram bem

considerados os primeiros pela expressatildeo de sua forccedila naval agravequela altura jaacute

estavam com o domiacutenio dos mares a manutenccedilatildeo do impeacuterio colonial espanhol

dependia de uma aproximaccedilatildeo com eles os segundos pela possibilidade de uma

reestruturaccedilatildeo da unidade Ibeacuterica sobretudo e tambeacutem por conta de que os

portugueses eram aliados seculares dos ingleses (REIS 1948)

Pouco tempo depois dos funerais do Rei de Espanha no ano de 1747 partiram de

Lisboa as instruccedilotildees ao embaixador portuguecircs Dom Tomaz da Silva Teles para a

abordagem da questatildeo de limites coloniais Estudos diplomaacuteticos geograacuteficos e

205

administrativos que deveriam levar agrave consolidaccedilatildeo das fronteiras americanas foram

minuciosamente preparados por Alexandre de Gusmatildeo e compunham a exposiccedilatildeo

do problema segundo o ponto de vista de Portugal Eacute importante ressaltar que

Gusmatildeo apesar de natildeo ser o negociador em pessoa nas Cortes de Madri foi o

arquiteto do acordo e seu fiscalizador direto durante todo o desenvolvimento dos

trabalhos

Eacute Capistrano de Abreu quem aborda com muita concisatildeo a necessidade de um

acordo ldquoA raacutepida expansatildeo do Brasil pelo Amazonas ateacute o Javari no Mato Grosso

ateacute o Guaporeacute e agora no Sul urgiu a necessidade de atacar de frente a questatildeo de

limites entre as possessotildees portuguesas e espanholas sempre adiada sempre

renascenterdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 209)

A expansatildeo realizada pelos bandeirantes e pelos entradistas da Amazocircnia havia

aberto ao impeacuterio portuguecircs um espaccedilo imenso e sua maior parte estava

inteiramente a oeste do meridiano de Tordesilhas portanto em territoacuterio sob o

ponto de vista dos acertos de 1494 legalmente espanhol Por outro lado natildeo se

podia esconder as novas realidades os limites foram sendo empurrados sem

cessar em direccedilatildeo a oeste sobre as posiccedilotildees espanholas Lisboa havia

estabelecido novas entidades administrativas nesses sertotildees - os bispados de Satildeo

Paulo e Mariana e as prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute criados em 1745 com a

autorizaccedilatildeo de Roma desde 1720 o desmembramento das Capitanias de Satildeo

Paulo e Minas do Ouro a criaccedilatildeo logo em 1748 das Capitanias do Mato Grosso e

Goiaacutes a transformaccedilatildeo em vilas dos arraiais de Cuiabaacute no Mato Grosso em 1719

e de Vila Boa em Goiaacutes em 1727 ndash que atestavam a ocupaccedilatildeo do territoacuterio e a

atividade econocircmica consideraacutevel que se desenvolvia nessa regiotildees como a criaccedilatildeo

de gado a exploraccedilatildeo mineral do solo e subsolo e a coleta das drogas do sertatildeo na

Amazocircnia Somado a todos esses argumentos a Coroa natildeo se mostrava disposta a

abrir matildeo das rendas obtidas nesses territoacuterios razatildeo pela qual a legalizaccedilatildeo

daquela aacuterea era tatildeo importante para o Estado portuguecircs Os descobrimentos de

ouro e a expansatildeo territorial haviam criado definitivamente uma nova realidade

colonial

206

Na Amazocircnia aleacutem da conquista e da ocupaccedilatildeo do territoacuterio Portugal tinha outros

argumentos a apresentar Podia invocar os tiacutetulos que possuiacutea desde a fundaccedilatildeo de

Beleacutem em 1616 tarefa delegada aos portugueses durante a vigecircncia da uniatildeo

ibeacuterica A Capitania do Cabo Norte atual Estado do Amapaacute havia sido criada e

doada em 1637 a um suacutedito portuguecircs e a defesa contra a ameaccedila dos

estrangeiros na regiatildeo - holandeses franceses e ingleses - havia exigido o

engajamento dos colonos do Paraacute Ao estabelecer a Capitania do Cabo Norte

Felipe IV de Espanha estava criando direitos portugueses incontestaacuteveis sobre

aquela regiatildeo amazocircnica Portanto no caso especiacutefico do Estado do Maranhatildeo e

Gratildeo-Paraacute havia documentos que atestavam os direitos de Portugal antes mesmo

da ocupaccedilatildeo que viriam a empreender Somava-se agrave criaccedilatildeo do Cabo Norte o

reconhecimento espanhol impliacutecito feito em 1668 ao teacutermino da guerra entre

Portugal e Espanha provocada pela Restauraccedilatildeo de 1640 de que eram

portuguesas as regiotildees amazocircnicas ocupadas durante a duraccedilatildeo da uniatildeo ibeacuterica

de 1580 a 1640 mesmo que os territoacuterios estivessem a oeste de Tordesilhas Jaacute em

pleno seacuteculo XVIII como foi visto antes os dois Tratados de Utrecht assinados em

1713 e 1715 estabeleceram que a Franccedila renunciasse formalmente agraves suas

pretensotildees sobre a regiatildeo definindo o Rio Oiapoque como limite entre a Guiana

Francesa e a colocircnia portuguesa na Ameacuterica aleacutem de admitir que a posse da

Colocircnia do Sacramento fundada em 1680 pelos lusitanos era por direito de

Portugal Tratava-se na realidade de um reconhecimento oficial proclamado em

diplomas internacionais de que os acertos territoriais previstos no Tratado de

Tordesilhas podiam ser revistos abrindo-se portanto importantes precedentes para

novas discussotildees sobre a posse das terras americanas Esses tiacutetulos legitimavam a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia realizada pelos entradistas luso-brasileiros e missionaacuterios a

serviccedilo de Portugal e proclamavam igualmente como legiacutetima a expansatildeo dos

limites portugueses em direccedilatildeo agrave bacia do Prata

O principal argumento invocado por Alexandre de Gusmatildeo que viria a imortalizar

seu nome na Histoacuteria foi a adoccedilatildeo do direito de posse para resoluccedilatildeo dos conflitos

territoriais entre Portugal e Espanha Natildeo se pode esquecer que Gusmatildeo havia sido

doutorado em Direito Civil Romano e Eclesiaacutestico em Paris em 1715 e que sua

larga experiecircncia como Secretaacuterio particular do Rei e membro do Conselho

Ultramarino pode ser comprovada pela leitura das minutas de leis portarias alvaraacutes

207

bulas cartas e ordens reacutegias diversas bem como das instruccedilotildees e correspondecircncia

diplomaacutetica sobre atos ou tratados em negociaccedilotildees com a Santa Seacute a Espanha a

Franccedila e a Gratilde-Bretanha todos redigidos ou diretamente orientados por ele

O princiacutepio juriacutedico que seria utilizado no futuro tratado de limites foi buscado no

Direito Civil Romano nos Institutes do Imperador Justiniano aplicando-se o seu

princiacutepio de Uti Possidetis ita possideatis (possuiraacutes na medida em que jaacute possuiacuteres

ou quem possui de fato deve possuir de direito) no Direito Puacuteblico internacional

Essas ideacuteias eram bem recentes na Europa e permitiam muitos questionamentos a

respeito do direito sobre as possessotildees coloniais Certamente jaacute natildeo era possiacutevel

mais contestar a ocupaccedilatildeo portuguesa nas Minas Gerais na regiatildeo de Satildeo Paulo ou

no baixo Amazonas mas no Rio Negro no Solimotildees no Madeira ou no Guaporeacute a

situaccedilatildeo natildeo era tatildeo clara Lisboa natildeo tinha muitos suacuteditos naquelas regiotildees e a

maioria deles era de iacutendios protegidos pelas missotildees muito pouca gente para a

pretensatildeo de ocupar tanta terra Os portugueses sentiam-se mais tranquumlilos nas

margens do Solimotildees onde os padres da Ordem do Carmo mantinham sob seu

controle as missotildees arrancadas dos jesuiacutetas de Samuel Fritz A propoacutesito do Rio

Negro ocupado apenas parcialmente esperava-se apresentar outro argumento a

presenccedila comprovada no curso inferior do rio determinaria a propriedade no trecho

rio acima ateacute a sua nascente Mas a maior dificuldade estava no Centro-Oeste no

Rio Guaporeacute de importacircncia primordial pela descoberta de minas de ouro na sua

margem oriental ocupaccedilatildeo portuguesa ameaccedilada pela existecircncia de reduccedilotildees

espanholas instaladas na regiatildeo na mesma margem direita do rio (SOUBLIN 2003)

Para as negociaccedilotildees sobre o sul do Brasil Alexandre de Gusmatildeo decidiu propor

uma reviravolta na poliacutetica portuguesa da eacutepoca admitindo ceder a Colocircnia do

Sacramento tatildeo duramente defendida em troca de outras concessotildees territoriais

Portugal perseguia desde antes da fundaccedilatildeo de Sacramento ocorrida em 1680 o

objetivo de alcanccedilar o Rio do Prata e a partir dali construir seus limites coloniais

com a Espanha No entanto a Colocircnia soacute foi mantida por meio de custosas accedilotildees

militares empreendidas sobretudo para a defesa de uma posiccedilatildeo isolada e tatildeo

fortemente hostilizada pelos espanhoacuteis de Buenos Aires Os portugueses natildeo

208

conseguiram no sul a ocupaccedilatildeo dos territoacuterios intermediaacuterios que unissem

Sacramento ao Estado do Brasil ficando a posiccedilatildeo lusitana grandemente

dependente do abastecimento mariacutetimo e do socorro enviado por Lisboa e pelas

autoridades brasileiras O povoamento natildeo foi suficiente para implantar a

colonizaccedilatildeo desejada a posiccedilatildeo portuguesa estabelecida mais ao sul do Brasil

naquela altura era a vila de Laguna fundada em 1676 no litoral do atual Estado de

Santa Catarina e uma frustrada tentativa de tomar posse de Montevideacuteu

empreendida em 1723 pelos portugueses mostrou mais uma vez a disposiccedilatildeo

espanhola de manter o controle exclusivo de acesso ao Prata O cerco da Colocircnia

ocorrido entre 1735 e 1737 jaacute demonstrava agraves autoridades mais pragmaacuteticas de

Lisboa que natildeo seria possiacutevel manter a posiccedilatildeo por muito mais tempo era preciso

entatildeo negociar uma retirada com as compensaccedilotildees decorrentes dessa decisatildeo

Alexandre de Gusmatildeo jaacute havia defendido a manutenccedilatildeo de Sacramento para a

soberania portuguesa seja por meios diplomaacuteticos seja pelo uso da forccedila Poreacutem

em documento elaborado como Secretaacuterio do Conselho Ultramarino datado de

1735 reconhece naquela altura que o melhor seria negociar com os espanhoacuteis

mesmo porque o Segundo Tratado de Utrecht de 1715 abria a possibilidade de

que portugueses e espanhoacuteis se entendessem sobre a Colocircnia mediante

compensaccedilotildees Gusmatildeo consultou Dom Luiacutes da Cunha um dos negociadores de

Utrecht Gomes Freire drsquoAndrade governador do sul do Brasil e Cunha Brochado

embaixador portuguecircs junto agrave Corte espanhola que jaacute em 1725 indicara o

imperativo da entrega da Colocircnia mais cedo ou mais tarde aos vizinhos

castelhanos De todos colheu a opiniatildeo de que natildeo seria possiacutevel manter a posiccedilatildeo

indefinidamente Mas a cessatildeo da Colocircnia natildeo era consenso entre as autoridades

portuguesas da eacutepoca Em uma carta de 66 paacuteginas Gusmatildeo argumentou sua

posiccedilatildeo contra as duras criacuteticas que recebeu do brigadeiro Antonio Pedro de

Vasconcelos inconformado com a possibilidade da perda da Colocircnia posiccedilatildeo que o

brigadeiro havia defendido como soldado O documento insistia nas vantagens da

nova orientaccedilatildeo que se sobrepunham aos prejuiacutezos da perda da pequena vila

acentuando a importacircncia da legalizaccedilatildeo das conquistas efetuadas pela expansatildeo

portuguesa particularmente no norte e no centro-oeste como compensaccedilatildeo pela

desistecircncia de Sacramento (REIS 1948)

209

A resposta espanhola agrave primeira proposta portuguesa feita em 1747 manteve a

defesa dos velhos tiacutetulos de Tordesilhas e do convecircnio de Badajoacutes insistindo que

Portugal estava ocupando territoacuterios muito vastos que deveria devolver agrave Espanha

Portugal enviou uma nova proposta agora articulando um acordo que defendia

veementemente suas posiccedilotildees e propunha a compensaccedilatildeo pela devoluccedilatildeo de

Sacramento A proposta foi bem recebida em Madri para quem interessava de fato o

domiacutenio da bacia platina e a incorporaccedilatildeo da Colocircnia ao impeacuterio colonial espanhol

soacute assim a Espanha poderia se apossar das duas margens do Prata evitando o

contrabando das riquezas do Peru que passava por Sacramento No norte e no

centro-oeste brasileiro a ocupaccedilatildeo portuguesa estava em adiantado processo de

consolidaccedilatildeo natildeo parecia mais ser possiacutevel reverter essa situaccedilatildeo Um acordo

permitiria tambeacutem interromper a expansatildeo portuguesa em andamento na Ameacuterica do

Sul e impedir que a rivalidade peninsular decorrente das disputas americanas fosse

aproveitada por naccedilotildees inimigas de Madri para o seu enfraquecimento

A treacuteplica espanhola veio logo a seguir Buscava melhorar aspectos formais e

introduzir algumas novidades no projeto de acordo Todas essas negociaccedilotildees foram

conduzidas secretamente pelos dois governos ateacute a assinatura do documento

definitivo As articulaccedilotildees em torno de um acordo equilibrado com a Espanha

defendido por Gusmatildeo tinham na realidade o objetivo de garantir a Amazocircnia e o

Centro-Oeste cedendo se necessaacuterio sua posiccedilatildeo platina do Sacramento Aleacutem

disso o acerto permitiria criar-se no sul do Brasil uma linha divisoacuteria que impedisse

tentativas expansionistas espanholas sobretudo aquelas que pudessem partir de

Buenos Aires

Lembra Synezio Sampaio Goacutees Filho que as propostas portuguesas construiacutedas por

Alexandre de Gusmatildeo estavam articuladas em torno dos seguintes objetivos

principais

a) era necessaacuterio celebrar um tratado geral de limites e natildeo fazer ajustes

sucessivos sobre trechos especiacuteficos como queria originalmente a Espanha

b) tal tratado soacute poderia ser feito abandonando-se o meridiano de Tordesilhas violado pelos portugueses na Ameacuterica e mais ainda pela Espanha no hemisfeacuterio oposto

210

c) as colunas estruturais do acordo seriam os princiacutepios do uti possidetis e das fronteiras naturais assim referidos respectivamente no preacircmbulo ldquocada parte haacute de ficar com o que atualmente possuirdquo e ldquoos limites dos dois Domiacutenios satildeo a origem e o curso dos rios e os montes mais notaacuteveisrdquo

d) a Colocircnia do Sacramento e o territoacuterio adjacente eram portugueses se natildeo pelo Tratado de Tordesilhas certamente pelo segundo Tratado de Utrecht de 1715

e) poder-se-ia admitir (eacute clara a lembranccedila da Colocircnia do Sacramento) que uma parte troque o que lhe eacute de tanto proveito com a outra parte a que faz maior dano que ela o possuardquo nas palavras do proacuteprio Gusmatildeo (GOacuteES FILHO 2001 p184 a 185)

As reacuteplicas espanholas por sua vez argumentavam

a) sendo certo que as Filipinas caiacuteam na zona da soberania espanhola

[sabe-se hoje que natildeo] o melhor para Portugal era prescindir de qualquer alegaccedilatildeo nesse hemisfeacuterio

b) sobre a Colocircnia do Sacramento mais que qualquer eventual direito era intoleraacutevel para a Espanha ser ela com o contrabando que propiciava como diz Dom Joseacute de Carbajal ldquocausa de la disipacioacuten de las riquezas del Perurdquo

c) era aconselhaacutevel a troca da Colocircnia do Sacramento por uma aacuterea equivalente (citando outra vez o Ministro espanhol) faacutecil de encontrar nos territoacuterios de Cuiabaacute e Mato Grosso ainda que agrave morte de Felipe V o Governo espanhol estudasse os meios para recobraacute-la

(GOacuteES FILHO 2001 p 185)

Com o avanccedilo das negociaccedilotildees o territoacuterio das reduccedilotildees jesuiacuteticas dos Sete Povos

das Missotildees foi utilizado como a moeda de troca pela cessatildeo da Colocircnia do

Sacramento concordando a Espanha em ceder os estabelecimentos que possuiacutea na

margem direita do Rio Guaporeacute atual regiatildeo onde estaacute o Forte do Priacutencipe da Beira

onde havia a missatildeo jesuiacutetica espanhola de Santa Rosa Como compensaccedilatildeo os

espanhoacuteis ficariam com o acircngulo formado pelos Rios Amazonas e Japuraacute onde

havia um forte portuguecircs anterior ao forte de Tabatinga A descriccedilatildeo das fronteiras

pode ser perfeitamente acompanhada pela leitura das pormenorizadas cartas que

Alexandre de Gusmatildeo enviava ao negociador portuguecircs em Madri Os limites que

emergem dessas cartas satildeo basicamente os que figuram no proacuteprio Tratado cuja

primeira versatildeo que pouco difere do texto definitivo Gusmatildeo enviou a Madri no final

de 1748

211

Gusmatildeo dispunha de uma superioridade muito grande sobre os negociadores

espanhoacuteis por conta de seus conhecimentos geograacuteficos sobre a Ameacuterica do Sul

elementos cientiacuteficos que eram ignorados pelos espanhoacuteis sobretudo em razatildeo dos

levantamentos cartograacuteficos que foram mandados fazer do Brasil desde a deacutecada de

1730 Lembra Arthur Cezar Ferreira Reis que Jean Baptista Bourguignon drsquoAnville

primeiro cartoacutegrafo do Rei da Franccedila considerado o maior especialista de sua eacutepoca

em toda a Europa elaborara por solicitaccedilatildeo de Dom Luiacutes da Cunha quando em

missatildeo diplomaacutetica na Franccedila uma carta do Brasil divulgada em 1748 documento

que fora feito com base nas informaccedilotildees portuguesas possivelmente entre 1743 e

1744 mas que natildeo tivera grande divulgaccedilatildeo na Europa Mantendo a tradicional

poliacutetica de sigilo portuguesa que vinha ocorrendo desde o periacuteodo dos

descobrimentos mariacutetimos Alexandre de Gusmatildeo preferiu elaborar outra carta

alegando dispor de informaccedilotildees totalmente desconhecidas por parte dos espanhoacuteis

Essa carta o Mapa dos confins com as terras da Coroa de Espanha Ameacuterica

Meridional que ficou conhecida como o Mapa das Cortes 66 (Mapa 22) foi enviada a

Madri em 8 de fevereiro de 1748 com as linhas de limites pleiteadas pelos

portugueses (REIS 1948)

Seu traccedilado representa uma caricatura do Brasil construiacuteda com a intenccedilatildeo de natildeo

atemorizar os negociadores espanhoacuteis desviando-se para leste todo o Brasil

meridional O objetivo dessa distorccedilatildeo eacute muito claro diminuir o traccedilado das terras

americanas desejadas pelos portugueses propositadamente viciado nas suas

longitudes para fins diplomaacuteticos67

O Mapa das Cortes peccedila fundamental para que se chegasse a um acordo que

atendesse aos propoacutesitos portugueses foi aprovado por ambas as Cortes e tornou-

se a base para as negociaccedilotildees de fronteiras bem como para as futuras campanhas

de demarcaccedilatildeo

66 O nome Mapa das Cortes como ficou conhecido deve-se ao fato do documento conter no verso as assinaturas e os selos dos Ministros Plenipotenciaacuterios das duas Coroas 67 Havia erros de longitude na representaccedilatildeo cartograacutefica que favoreciam os interesses de Portugal Segundo Max Justo Guedes a regiatildeo do Alto Paraguai havia sido desviada para o leste entre quatro e sete graus a extensatildeo do Rio Amazonas-Solimotildees reduzida em trecircs graus e os afluentes do mesmo rio notadamente o Madeira e seu formador o Guaporeacute e o Tocantins chegaram a ter desvios de nove graus

212

A 13 de janeiro de 1750 Dom Tomaz da Silva Teles Visconde de Vila Nova de

Cerveira e Dom Joseph de Carvajal y Lancaster firmavam em Madri em nome das

duas Coroas o Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos

senhores Don Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha

Alexandre de Gusmatildeo o principal artiacutefice do Tratado de Madri na concepccedilatildeo e na

negociaccedilatildeo do acordo convencera finalmente os espanhoacuteis a adotar os princiacutepios

do uti possidetis e das fronteiras naturais seus objetivos haviam sido alcanccedilados A

importacircncia desse documento transcende agrave soluccedilatildeo temporaacuteria dos conflitos que

vinham separando as duas monarquias ibeacutericas a respeito dos seus domiacutenios

coloniais tratou-se na realidade da celebraccedilatildeo de um estatuto internacional que

viria garantir ao Estado brasileiro sua configuraccedilatildeo baacutesica atual

63 O Tratado de Madri

Com a assinatura do Tratado de Madri ocorrida em 13 de janeiro de 1750 foram

finalmente estabelecidos os traccedilados de limites entre as possessotildees espanholas e

portuguesas no continente americano e na Aacutesia e revogavam-se os tiacutetulos

imprecisos e virtuais do Tratado de Tordesilhas firmado em 1494 que desde o final

do seacuteculo XV buscava separar os territoacuterios coloniais dos dois reinos ibeacutericos

Embora viesse a ser anulado pelo Tratado de El Pardo 11 anos depois em 1761 o

acordo de Madri foi quase que integralmente reaproveitado pelo Tratado de Santo

Ildefonso de 1777 excetuando-se a adoccedilatildeo de outros acertos firmados para as

fronteiras da regiatildeo sul do Brasil Esse uacuteltimo tratado natildeo duraria muito tempo pois

novamente em guerra peninsular Portugal e Espanha declararam Santo Ildefonso

nulo em 1801 e no mesmo ano com a assinatura de um acordo de paz por meio

do Tratado de Badajoz nenhum outro acordo anterior foi revalidado

O Tratado de Madri teve curta vigecircncia formal embora tivesse sido firmado com a

intenccedilatildeo de estabelecer uma soluccedilatildeo permanente aos conflitos coloniais ibeacutericos

Apesar disso tornou-se peccedila fundamental para a fixaccedilatildeo dos contornos territoriais

brasileiros servindo o seu texto de base para legitimar a presenccedila luso-brasileira e

resolver as pendecircncias de fronteiras que viriam a ocorrer no Impeacuterio e na Repuacuteblica

O Tratado eacute em grande medida responsaacutevel pela atual configuraccedilatildeo territorial em

que se assenta o Estado do Brasil Foi nesse instrumento juriacutedico aplicado ao

214

Direito Internacional e produzido por Alexandre de Gusmatildeo68 que Portugal e

Espanha se apoiaram para a resoluccedilatildeo de suas disputas territoriais Com o Tratado

de Madri legalizou-se a posse dos vastos territoacuterios da Amazocircnia e das atuais

regiotildees do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul um acordo de reparticcedilatildeo territorial

sem precedentes no trato das questotildees de fronteiras coloniais

Antes de sua assinatura nos dois Estados coloniais portugueses na Ameacuterica no

Estado do Brasil e no Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute natildeo se sabia exatamente

onde terminava os territoacuterios de Portugal e onde se iniciava o governo de Espanha

Nas palavras de Laura de Mello e Souza ldquoos limites geograacuteficos foram ateacute meados

do seacuteculo XVIII fluidos e indefinidosrdquo (SOUZA 1997 vol 1 p 23)

Esses territoacuterios coloniais incertos com fronteiras indefinidas e abertas resultaram

como foi visto anteriormente na ocupaccedilatildeo do vale amazocircnico no desbravamento

dos sertotildees de Cuiabaacute Goiaacutes e Mato Grosso na ocupaccedilatildeo do sul e na proacutepria

fundaccedilatildeo de Sacramento ignorando-se quase que por completo sobretudo pelos

entradistas do norte e pelos bandeirantes paulistas os limites teoricamente definidos

pelo meridiano de 1494 Ao adotar as accedilotildees diplomaacuteticas e poliacuteticas preconizadas

por Alexandre de Gusmatildeo para a defesa de seu patrimocircnio colonial extra

Tordesilhas Portugal obteve a aceitaccedilatildeo formal de suas conquistas americanas e

beneficiou-se de um acordo em grande medida vantajoso para os seus interesses

coloniais Natildeo se pode esquecer que a uma situaccedilatildeo de fato resultante da

68 ldquoProvando a filiaccedilatildeo direta nas ideacuteias de Alexandre de Gusmatildeo de artigos baacutesicos do Tratado de Madri haacute um documento de excepcional interesse em parte manuscrito pelo proacuteprio Alexandre de Gusmatildeo com correccedilotildees e adiccedilotildees de Dom Luiacutes da Cunha Tem o tiacutetulo longo como era uso na eacutepoca de Dissertation qui deacutetermine tant geacuteographiquement que par les traiteacutes faits entre la Couronne de Portugal et celle dEspagne quels sont les limites de leurs dominations en Ameacuterique cest-agrave-dire du cocircteacute de la Riviegravere de la Plate Foi escrito em francecircs porque objetivava divulgar na Europa a posiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca de mais uma das divergecircncias entre Portugal e Espanha sobre a posse da Colocircnia do Sacramento (o chamado Conflito do Prata que durou de 1735 a 1737) Realmente aiacute estaacute a ideacuteia de que o Tratado de Tordesilhas deve ser abandonado por ser indemarcaacutevel de que mesmo que se prove que os portugueses violaram esse tratado na Ameacuterica os espanhoacuteis certamente o violaram no Oriente e de que a soluccedilatildeo deveria necessariamente ser encontrada em negociaccedilotildees globais com concessotildees muacutetuas Tais negociaccedilotildees ademais conclui o trabalho publicado em 1736 soacute poderiam basear-se nas duas regras do uti possidetis e das fronteiras naturais Regras que curiosamente levam-nos de volta ao passado nebuloso dos mitos o do el dorado que atraindo os bandeirantes ao acircmago da Ameacuterica do Sul levou-os a ocupar dois-terccedilos do Brasil atual relaciona-se com o uti possidetis e o da ilha Brasil que tendeu a dar ao paiacutes uma conformaccedilatildeo orgacircnica com divisas fluviais liga-se agraves fronteiras naturais Natildeo se chegou ao Prata no Sul mas se ficou com o Rio Grande do Sul Mato Grosso e a maior parte da bacia do Amazonas o que natildeo eacute poucordquo (GOacuteES FILHO 2001 p190 e 191)

215

vantagem portuguesa pela posse da terra principalmente no norte e no centro-

oeste seguiu-se a uma situaccedilatildeo de direito o reconhecimento legal dessa ocupaccedilatildeo

por parte dos espanhoacuteis

O ouro do Brasil havia provocado natildeo soacute o interesse poliacutetico pelos assuntos da

colocircnia americana mas foi tambeacutem a causa de relativa estabilidade econocircmica que

Portugal experimentou ateacute o final do seacuteculo XVIII Entre 1735 e 1755 periacuteodo de

maior produccedilatildeo das minas a meacutedia anual de extraccedilatildeo foi avaliada em

aproximadamente 15 toneladas o suficiente para que a Coroa portuguesa

ganhasse parte do prestiacutegio e da importacircncia internacional perdidos ao longo do

seacuteculo XVII A estabilidade poliacutetica vivida ao longo de quase cinco deacutecadas do

reinado de Dom Joatildeo V e a conjuntura de alianccedilas pessoais favoraacuteveis nas Cortes

ibeacutericas igualmente contribuiacuteram para o ecircxito portuguecircs nos acertos de Madri

(GOacuteES FILHO 2001)

O Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos senhores Don

Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha assinado em 13 de

janeiro de 1750 em Madri e ratificado em Lisboa a 26 do dito mecircs e em Madri a 8

de fevereiro do mesmo ano 69 inicia-se com o reconhecimento da necessidade de

um acordo entre as duas Coroas que pusesse fim aos conflitos de interesse

territoriais sobretudo nas colocircnias americanas conforme transcrito a seguir

ldquo[] Os sereniacutessimos reis de Portugal e Espanha [] consideraram que [] os embaraccedilos [] particularmente os que se podem oferecer com o motivo dos limites das duas coroas na Ameacuterica cujas conquistas se tecircm adiantado com incerteza e duacutevida por se natildeo haverem averiguado ateacute agora os verdadeiros limites daqueles domiacutenios [] resolveram examinar as razotildees e duacutevidas que se oferecessem por ambas as partes e agrave vista delas concluir o ajuste com reciacuteproca satisfaccedilatildeo e conveniecircnciardquo

As alegaccedilotildees portuguesas prendiam-se ao fato da ocupaccedilatildeo espanhola ter

supostamente excedido os limites previstos em Tordesilhas no Mar do Sul na Aacutesia

com o estabelecimento dos castelhanos nas Filipinas em 1580 logo apoacutes o iniacutecio

de vigecircncia da uniatildeo ibeacuterica fazendo referecircncia tambeacutem ao desrespeito dos

espanhoacuteis agrave Convenccedilatildeo de Saragoccedila assinada em 1529 ndash uma escritura de venda

feita pelo Rei de Espanha ao de Portugal da regiatildeo onde se encontrava o 69 O Tratado de Madri estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo

216

arquipeacutelago das Molucas estabelecido tambeacutem na base de um meridiano localizado

agrave leste dessas ilhas passando pelas ilhas denominadas las Velas e de Santo

Thomeacute Quanto ao territoacuterio da margem sul do Rio do Prata a colocircnia portuguesa do

Sacramento recordava Portugal os tiacutetulos e tratados que legalizavam sua ocupaccedilatildeo

o Tratado Provisional de 1681 em que o Rey Don Carlos II de Castela

comprometia-se a devolver a Colocircnia aos portugueses enquanto comissotildees de

ambas as Coroas discutiriam os direitos de cada uma recorrendo se necessaacuterio ao

arbitramento do Papa caso natildeo chegassem a nenhum acordo comum e o Segundo

Tratado de Utrecht celebrado em 1715 entre Portugal e Espanha que reconhecia

o direito de Portugal sobre a Colocircnia do Sacramento ao restabelecer sua posse para

Portugal

Por sua parte as alegaccedilotildees espanholas denunciavam a ocupaccedilatildeo portuguesa das

duas margens do Rio Amazonas ou Rio Marantildeon alcanccedilando-se a boca do Rio

Javari bem como a presenccedila dos luso-brasileiros no interior do Brasil ateacute Cuiabaacute e

Mato Grosso regiotildees situadas a oeste do traccedilado de Tordesilhas portanto territoacuterio

de Castela Quanto a Sacramento os espanhoacuteis insistiam que os mapas mais

exatos provavam que a Colocircnia com todo o seu territoacuterio estava na regiatildeo de direito

exclusivo de Madri admitindo uma troca territorial como compensaccedilatildeo pela retirada

portuguesa conforme previa o Segundo Tratado de Utrecht

Expostas as argumentaccedilotildees de ambos o acordo previa o entendimento negociado

entre as Coroas ibeacutericas e o abandono dos princiacutepios previstos em tratados

anteriores sobretudo o de Tordesilhas em 1494

[] resolveram pocircr termo agraves disputas passadas e futuras e esquecer-se e natildeo usar de todas as accedilotildees e direitos que possam pertencer-lhes em virtude dos Tratados de Tordesilhas Lisboa Utrecht e da Escritura de Saragoccedila ou de outros quaisquer fundamentos que possam influir na divisatildeo dos seus domiacutenios por linha meridiana e querem que ao diante natildeo se trate mais dela reduzindo os limites das duas monarquias aos que se assinalaram no presente tratado

Mantidos como princiacutepios desde o iniacutecio das negociaccedilotildees os fundamentos do

tratado foram enunciados antes mesmo da redaccedilatildeo de seus artigos reguladores a

adoccedilatildeo de limites ou fronteiras naturais e o direito de posse reconhecido como

legiacutetimo para regularizar a ocupaccedilatildeo dos territoacuterios prevendo ainda que em casos

217

excepcionais poderia haver a troca de territoacuterios para se chegar a um acordo mais

equitativo

ldquo[] sendo o seu acircnimo que nele se atenda com cuidado a dois fins o primeiro e principal eacute que se assinalem os limites dos dois domiacutenios tomando por balizas as paragens mais conhecidas para que em nenhum tempo se confundam nem decircem ocasiatildeo a disputas como satildeo a origem e curso dos rios e os montes mais notaacuteveis o segundo que cada parte haacute de ficar com o que atualmente possui agrave exceccedilatildeo das muacutetuas cessotildees que em seu lugar se diratildeo as quais se faratildeo por conveniecircncia comum e para que os confins fiquem quanto for possiacutevel menos sujeitos a controveacutersiasrdquo

Essas proposiccedilotildees aprovadas pelo tratado consagravam assim pela primeira vez

um entendimento internacional muacutetuo sobre a partilha de territoacuterios coloniais em

litiacutegio apoiadas sobretudo na ocupaccedilatildeo efetiva da terra e seu decorrente direito de

posse

Estabelecidos os princiacutepios de entendimento seguiram-se os artigos reguladores de

cada questatildeo

ldquoPara concluir este ajuste e assinalar os limites [] dois sereniacutessimos reis [] concordaram no que se conteacutem dos seguintes artigosrdquo Artigo I rdquoO presente tratado seraacute o uacutenico fundamento e regra que ao diante se deveraacute seguir para a divisatildeo e limites dos dois domiacutenios em toda a Ameacuterica e na Aacutesia []rdquo Artigo II ldquoAs ilhas Filipinas e as adjacentes que possui a Coroa de Espanha lhe pertencem para sempre [] Portugal [] faz a mais ampla e formal renunciaccedilatildeo de qualquer direito []rdquo Artigo III ldquoNa mesma forma pertenceraacute agrave Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas ou Marantildeon acima e o terreno de ambas as margens deste rio ateacute as paragens que abaixo se diratildeo como tambeacutem tudo o que tem ocupado no distrito de Mato Grosso e dele para parte do oriente e Brasil [] Espanha [] desiste e renuncia formalmente a qualquer direito e accedilatildeo [] possa ter aos referidos territoacuteriosrdquo

Esses dois artigos permitiram de fato a viabilizaccedilatildeo do tratado o Rei espanhol

reconhecia que dominava ilegalmente as Ilhas Filipinas enquanto o Rei portuguecircs

admitia que os seus suacuteditos ocupavam tambeacutem ilegalmente os sertotildees do

continente sul-americano

Os Artigos IV V e VI definiram o traccedilado das fronteiras do sul e do centro-oeste do

Brasil ateacute o Rio Jauru tributaacuterio do Rio Paraguai e situado a oeste de Cuiabaacute e os

Artigos VII VIII e IX estabeleceram a fronteira oeste e norte do Brasil riscando os

limites da regiatildeo amazocircnica

218

Artigo VII ldquoDesde a boca do Jauru pela parte ocidental prosseguiraacute a fronteira em linha reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute [] ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute [] e formam juntos o rio chamado da Madeira que entra no das Amazonas ou Marantildeon pela sua margem australrdquo Artigo VIII rdquo[] continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do Javari que entra no rio das Amazonas [] e baixando pelo aacutelveo do Javari ateacute onde desemboca no rio das Amazonas[] prosseguiraacute por este rio abaixo ateacute a boca mais ocidental do Japuraacute []rdquo Artigo IX ldquoContinuaraacute a fronteira pelo meio do rio Japuraacute [] ao rumo do norte ateacute encontrar o alto da Cordilheira de Montes que mediam entre o Orinoco e o das Amazonas ou Marantildeon e prosseguiraacute pelo cume destes montes para o oriente ateacute onde se estender o domiacutenio de uma e outra monarquiardquo (Mapa 23)

Tendo conhecimento da ligaccedilatildeo da bacia do Orenoco com a do Amazonas pela

navegaccedilatildeo do Rio Cassiquiari esse artigo IX previa que as futuras comissotildees a

serem nomeadas pelas duas Coroas para a demarcaccedilatildeo das fronteiras tivessem

especial atenccedilatildeo ao assinalar esses limites ficando expressamente proibida a

penetraccedilatildeo portuguesa em direccedilatildeo ao Orenoco

Estava assim regularizada com o traccedilado do acordo a ocupaccedilatildeo portuguesa

realizada desde 1616 com a fundaccedilatildeo de Beleacutem incorporando-se ao patrimocircnio

colonial portuguecircs uma regiatildeo com aproximadamente 5 milhotildees de km2 a Amazocircnia

do Brasil

O Artigo X instruiacutea sobre a posse das ilhas que ficassem nos rios divisoacuterios entre os

dois domiacutenios e o Artigo XI estabelecia que na medida em que fossem sendo

assinalados os limites de fronteira os comissaacuterios fizessem as observaccedilotildees

necessaacuterias para formar um mapa uacutenico nomeando conjuntamente os acidentes

geograacuteficos desconhecidos e guardando coacutepia dos mapas para os casos de

eventuais disputas futuras

A partir do Artigo XII estabeleciam-se as muacutetuas concessotildees territoriais entre

Portugal e Espanha segundo os entendimentos comuns acordados pelas duas

Coroas ibeacutericas

Dessa forma no Artigo XIII ldquo Sua Majestade Fideliacutessima [] cede para sempre agrave Coroa de Espanha a Colocircnia do Sacramento e todo o seu territoacuterio adjacente a ela [] como

219

tambeacutem a navegaccedilatildeo do mesmo rio da Prata a qual pertenceraacute inteiramente agrave Coroa de Espanha []rdquo

E como contrapartida no Artigo XIV ldquoSua Majestade Catoacutelica [] cede para sempre agrave Coroa de Portugal [] terras [] desde o Monte de Castilhos Grande [] ateacute a cabeceira e origem principal do rio Ibicuiacute e tambeacutem cede todas e quaisquer povoaccedilotildees [] no acircngulo de terras compreendido entre a margem setentrional do rio Ibicuiacute e a oriental do Uruguai e os que possam ter-se fundado na margem oriental do rio Pepiri e a aldeia de Santa Rosa e outra qualquer [] na margem oriental do rio Guaporeacute E Sua Majestade Fideliacutessima cede na mesma forma a Espanha todo o terreno que corre desde a boca ocidental do rio Japuraacute e fica entre meio do mesmo rio e do das Amazonas ou Marantildeon e toda a navegaccedilatildeo do rio Iccedilaacute e tudo o que se segue desde este uacuteltimo rio para o ocidente com a aldeia de S Cristoacutevatildeo e outra qualquer que por parte de Portugal se tenha fundado naquele espaccedilo de terras fazendo-se as muacutetuas entregas []rdquo

Portugal jaacute havia reconhecido que as Ilhas Filipinas ficariam para a Espanha mas

sem duacutevida alguma a Colocircnia do Sacramento era a mais valiosa concessatildeo

portuguesa segundo os interesses espanhoacuteis Como compensaccedilatildeo desses acertos

aos portugueses seriam cedidos o direito permanente agrave posse do vale do Rio

Amazonas as regiotildees de Vila Bela e Cuiabaacute e as missotildees do Itatim Guairaacute e Tape

Os Artigos XIII e XIV evidenciavam mais uma vez a priorizaccedilatildeo espanhola do Prata

nas negociaccedilotildees de limites Dom Joatildeo V concordava em ceder a Colocircnia do

Sacramento mas preservava os vastos territoacuterios da Amazocircnia Mato Grosso e

Goiaacutes muito mais importantes para Portugal entre o contrabando do Rio do Prata e

o ouro descoberto nos sertotildees parecia mais razoaacutevel abrir matildeo das custosas

pretensotildees platinas Fernando VI por sua vez concordou em ceder as missotildees

jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai - conhecidas como os Sete

Povos das Missotildees situadas no oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul - pela

posse de Sacramento decidindo-se assim por garantir o controle completo do

escoamento de prata do Vice-Reino do Peru e impedindo pretensotildees portuguesas e

de seus aliados ingleses Na praacutetica o tratado previa a permuta da Colocircnia do

Sacramento pela regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees e a entrega do territoacuterio

triangular formado Rio Japuraacute e Rio Amazonas com a navegaccedilatildeo do Rio Iccedilaacute para o

recebimento da margem direita do Rio Guaporeacute Com a cessatildeo de Sacramento e de

um pequeno trecho em territoacuterio amazocircnico garantia-se para Portugal o tiacutetulo

220

juriacutedico de posse da Amazocircnia e do Mato Grosso trocas francamente favoraacuteveis aos

interesses coloniais portugueses

Os Artigos XV e XVI tratavam dos acertos de entrega de Sacramento dos Sete

Povos das Missotildees e das margens dos Rios Pequiri Guaporeacute e Amazonas

estabelecendo o Artigo XVII outro acerto de procedimentos em relaccedilatildeo ao monte de

Castilhos Grande na regiatildeo sul do Brasil e o Artigo XVIII as regras para a

navegaccedilatildeo e pesca comum dos rios de fronteira e dos rios privativos de cada Coroa

bem como a definiccedilatildeo de que pelos cumes da cordilheira divisoacuteria entre o Rio

Amazonas e o Orenoco pertenceriam agrave Espanha todas as vertentes que caiacutessem

para o Orenoco e a Portugal todas as que caiacutessem para o Rio Amazonas

O contrabando e o comeacutercio entre as duas naccedilotildees foram proibidos no Artigo XIX

estabelecendo-se tambeacutem que natildeo poderiam ser construiacutedas fortificaccedilotildees nas

margens dos rios de fronteira com navegaccedilatildeo comum Igualmente ficavam

proibidas no Artigo XX as construccedilotildees de fortificaccedilotildees e povoados sobre a linha de

alturas divisoacuteria das duas Coroas

O Artigo XXI apresentava outra inovaccedilatildeo importante e considerada por vaacuterios

autores brasileiros como a semente do futuro pan-americanismo ldquoSendo a guerra

ocasiatildeo principal dos abusos e motivo de se alterarem as regras mais bem

concertadas querem Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica que se (e que Deus

natildeo permita) se chegasse a romper entre as duas coroas se mantenham em paz os

vassalos de ambas estabelecidos em toda a Ameacuterica meridional vivendo uns e

outros como se natildeo houvera tal guerra entre os soberanos sem fazer-se a menor

hostilidade nem por si soacutes nem juntos com os seus aliadosrdquo Esse dispositivo natildeo

permitia que houvesse guerra no continente sul-americano mesmo que Portugal e

Espanha estivessem em combate na Europa Cabe lembrar que sua autoria

segundo Jaime Cortesatildeo eacute de Dom Joseph de Carvajal y Lancaster o negociador

espanhol e natildeo de Alexandre de Gusmatildeo como supunham alguns estudiosos

(GOacuteES FILHO 2001)

221

Foi prevista no tratado no Artigo XXII a nomeaccedilatildeo de comissotildees demarcadoras de

fronteiras de ambas os reinos que atuariam na definiccedilatildeo dos limites entre as duas

Coroas percorrendo no terreno os trechos previstos pelos acertos de Madri

As devoluccedilotildees da Colocircnia do Sacramento e da margem oriental do Rio Uruguai

segundo o Artigo XXIII deveriam ser feitas pelos dois monarcas em tempo inferior a

um ano depois de firmado o tratado e nas demais regiotildees o mais breve possiacutevel

apoacutes a chegada das comissotildees demarcadoras

No Artigo XXIV as duas monarquias ibeacutericas declaravam que as concessotildees

previstas no acordo natildeo teriam sido feitas por outras equivalentes teriam antes de

tudo sido pensadas para atender agraves conveniecircncias e interesses totais de cada

Coroa Os reis se comprometiam tambeacutem a reconhecer e aprovar os acordos do

tratado renunciando a quaisquer pretensotildees ou disputas futuras contraacuterias ao que

havia sido firmado

Comprometiam-se igualmente na Ameacuterica a se ajudarem mutuamente em caso de

agressatildeo de outra potecircncia estrangeira conforme o Artigo XV enunciava

ldquoPara mais plena seguranccedila deste tratado convieram os dois altos contraentes em garantir reciprocamente toda a fronteira e adjacecircncias dos seus domiacutenios na Ameacuterica meridional [] obrigando-se cada um a auxiliar e socorrer o outro contra qualquer ataque ou invasatildeo [] e em qualquer caso de invasatildeo ou sublevaccedilatildeo cada uma das coroas ajudaraacute e socorreraacute a outra ateacute se reporem as cousas em estado paciacuteficordquo

Finalmente o Artigo XXV reiterava a intenccedilatildeo das duas Coroas de manter em

definitivo os acordos pactuados em Madri Mesmo que houvesse guerra entre

Portugal e Espanha natildeo deveria o acordo ser interrompido ou revalidado

Certamente o Tratado de Madri havia sido produzido dentro de um clima favoraacutevel

ao entendimento peninsular sendo assinado com as melhores intenccedilotildees possiacuteveis

sobretudo diante do quadro poliacutetico de grande instabilidade vivido pela Europa

agravequela altura

No acordo assinado em Madri em 1750 eacute possiacutevel identificar claramente os

objetivos portugueses e espanhoacuteis que nortearam as poliacuteticas das duas Coroas em

relaccedilatildeo aos seus domiacutenios coloniais americanos Interessava a Portugal conseguir

222

um equiliacutebrio com a Espanha nas negociaccedilotildees de partilha territorial dessa forma a

maior parte da bacia amazocircnica ficava para os luso-brasileiros enquanto que o Rio

do Prata deveria ser entregue definitivamente aos espanhoacuteis Garantia-se tambeacutem o

reconhecimento de posse das regiotildees mineradoras do centro-oeste e a

consequumlente fronteira ocidental do Brasil permanecendo para os portugueses os

Rios Tocantins Tapajoacutes e Madeira e preservando-se a comunicaccedilatildeo fluvial de

Cuiabaacute a Beleacutem No sul conservava-se o atual Estado do Rio Grande do Sul com a

cessatildeo espanhola dos Sete Povos das Missotildees na margem esquerda do Rio

Uruguai estabelecendo-se assim fronteiras coloniais bem definidas em uma regiatildeo

tatildeo sensiacutevel para os interesses de ambas as Coroas Por outro lado para a

Espanha o acordo representava a contenccedilatildeo do avanccedilo portuguecircs para oeste nos

territoacuterios que considerava seus por direito e a garantia de que o Prata ficaria sob

seu controle exclusivo com a cessatildeo de Sacramento Preservava-se o importante

acesso sul americano para o Vice-Reinado do Peru preocupaccedilatildeo permanente das

autoridades de Castela em razatildeo do comeacutercio ilegal anglo-portuguecircs na regiatildeo

preservando Buenos Aires de provaacuteveis accedilotildees de invasatildeo estrangeira

Os historiadores em geral tendem a considerar o acordo de Madri natildeo apenas

favoraacutevel a Portugal mas tambeacutem equilibrado em relaccedilatildeo agraves pretensotildees de

Espanha

Para o historiador inglecircs Robert Southey em Histoacuteria do Brasil terceiro volume

publicada em Londres em 1819

ldquoA linguagem e o teor todo deste memoraacutevel tratado estatildeo dando testemunho da sinceridade e boas intenccedilotildees das duas cortes Parecem na verdade os dois soberanos contratantes ter-se adiantado ao seu seacuteculo Procederam com uma lealdade que quase pode considera-se coisa nova na diplomacia e tentando estabelecer perpeacutetua paz nas suas colocircnias fossem quais fossem as disputas entre eles se suscitassem na Europa puseram um exemplo digno de recordar-se como meio praticaacutevel de minorar os males da guerrardquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 249)

Em concordacircncia com Southey o alematildeo Gottfried Heinrich Handelman em Histoacuteria

do Brasil publicada pela primeira vez na Alemanha em 1860 declarou que o

tratado de limites havia sido no seu todo razoaacutevel e vantajoso para as ambas as

Coroas (HANDELMANN 1982)

223

Na avaliaccedilatildeo que fez sobre o acordo de Madri particularmente em relaccedilatildeo agrave

Amazocircnia Arthur Cezar Ferreira Reis natildeo eacute menos otimista que outros historiadores

brasileiros e assim lembra

ldquoA Amazocircnia desbravada e ocupada em seus maiores espaccedilos pelos luso-brasileiros integrava-se nesses mesmos espaccedilos agrave soberania de Portugal Legalizava-se a situaccedilatildeo criada pelo movimento expansionista O Tratado de Madri era um termo feliz nos objetivos de paz e de harmonia para os povos de origem ibeacuterica da Sulameacutericardquo (REIS 1948 vol 2 p 61)

Opiniatildeo contraacuteria agrave maioria dos estudiosos do tratado Joatildeo Capistrano de Abreu

em Capiacutetulos de Histoacuteria Colonial (1550-1800) publicado em 1928 considerou

entretanto ldquoAgora com razatildeo condenavam-no (o Tratado de Madri por volta de 1761 quando de sua anulaccedilatildeo) os representantes dos dois governos agrave vista de seus resultados faacuteceis de evitar a natildeo ser a claacuteusula baacuterbara relativa aos sete povos do Uruguairdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 213)

Sua simpatia pelos iacutendios e sua formaccedilatildeo humanista levaram o historiador a aceitar

tambeacutem os julgamentos sempre negativos sobre os bandeirantes contidos nos

relatos dos jesuiacutetas espanhoacuteis Em sua avaliaccedilatildeo o Tratado de Madri foi injusto

sobretudo em relaccedilatildeo ao ecircxodo dos indiacutegenas provocado no atual Estado do Rio

Grande do Sul A explicaccedilatildeo de que a Espanha havia cedido territoacuterios na Ameacuterica

para legalizar sua posse das Filipinas natildeo eacute igualmente bem aceita por ele essa

justificativa segundo opina valorizava excessivamente as possessotildees espanholas

no Oriente em relaccedilatildeo ao Brasil

ldquoO uti possidetis reconhecido em 1750 anulado em 1761 veio outra vez a prevalecer Se natildeo se explicasse pela superioridade relativa das posiccedilotildees portuguesas nas zonas litigiosas seria uma das ironias da histoacuteria averiguar que do mero apego agrave posse das Filipinas procederam todas as concessotildees por parte da Espanhardquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 214)

Capistrano acreditava na superioridade da presenccedila portuguesa nos territoacuterios

cedidos por Lisboa e nesse contexto os portugueses teriam cedido mais do que

deveriam ceder Tal posiccedilatildeo pode ser mantida com ressalvas no centro-oeste e no

norte onde a presenccedila portuguesa era predominante entretanto natildeo era totalmente

verdadeira para o sul onde certamente os espanhoacuteis eram mais fortes

224

De todo modo os historiadores brasileiros vecircem os acertos de Madri como o

desfecho favoraacutevel de uma negociaccedilatildeo muito difiacutecil principalmente se ambas as

Coroas natildeo cedessem de parte a parte Synezio Sampaio Goacutees Filho recorda a

opiniatildeo do Baratildeo do Rio Branco

O estudo do Tratado de 1750 deixa a mais viva e grata impressatildeo da boa feacute lealdade e grandeza de vistas que inspiraram esse ajuste amigaacutevel de antigas e mesquinhas querelas consultando-se unicamente os princiacutepios superiores da razatildeo e da justiccedila e as conveniecircncias da paz e da civilizaccedilatildeo da Ameacuterica (RIO BRANCO70 1974 vol VI p 21 apud GOacuteES FILHO 2001 p165)

Synezio Sampaio Goacutees Filho lembra ainda que na historiografia portuguesa o

Tratado de Madri eacute visto como igualmente vantajoso exceccedilatildeo feita ao historiador

Pedro Soares Martinez voz divergente em relaccedilatildeo a essa posiccedilatildeo mais comum

Ressalta entretanto que os especialistas hispano-americanos geralmente vecircem os

acordos de Madri com grande antipatia e por vezes declarado desprezo

considerando-o prejudicial agraves colocircnias americanas de Espanha e em consequumlecircncia

aos paiacuteses sul-americanos em que se transformaram O historiador argentino Carlos

Correa Luna por exemplo caracteriza Madri como o tratado que ldquolegitimoacute uma

magna usurpacioacuten territorialrdquo (SANZ71 1957 p 14 apud GOacuteES FILHO 2001)

Julgamentos severos tambeacutem foram feitos contra a atuaccedilatildeo da Rainha espanhola

Dona Maria Baacuterbara de Braganccedila que fora infanta portuguesa e o negociador

espanhol Dom Joseph de Carbajal y Lancaster ambos receberam criacuteticas que os

acusam dentre outras coisas de trair os interesses nacionais espanhoacuteis

Numa apreciaccedilatildeo geral sobre os acordos firmados pelo Tratado de Madri em 1750

pode-se concluir que Portugal legalizou a ocupaccedilatildeo de vastos territoacuterios

americanos sobretudo a Amazocircnia o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul e a

Espanha igualmente regularizou suas posiccedilotildees no Oriente com a renuacutencia

portuguesa sobre as Filipinas os limites coloniais ibeacutericos natildeo mais seriam virtuais

linhas de meridiano como a prevista por Tordesilhas mas adotavam-se como

70 Baratildeo do Rio Branco Obras completas Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1974 vol VI p 21 71 SANZ Luis Santiago La Cuestioacuten de Misiones Buenos Aires Editorial Ciecircncias Econocircmicas 1957 p 14

225

fronteiras os acidentes geograacuteficos facilmente identificaacuteveis no terreno e a ocupaccedilatildeo

efetiva do territoacuterio resultaria no direito de propriedade Como parte do acordo e nos

casos consensualmente decididos poderia haver a troca de territoacuterios para

preservar os interesses maiores de ambas as Coroas Aleacutem de dar tiacutetulo juriacutedico a

quase dois terccedilos do territoacuterio brasileiro aacuterea que jaacute havia sido ocupada pelos

portugueses a permuta da Colocircnia do Sacramento pela regiatildeo dos Sete Povos das

Missotildees resultaria na definiccedilatildeo das fronteiras do sul com a incorporaccedilatildeo do Rio

Grande

Na realidade o Tratado de Madri estabeleceu a divisatildeo de um continente e ao

definir os limites coloniais portugueses e espanhoacuteis estava traccedilando as futuras

fronteiras do Estado do Brasil

A Amazocircnia natildeo havia sido esquecida nas negociaccedilotildees territoriais Provou-se mais

uma vez que definitivamente a manutenccedilatildeo da regiatildeo era uma prioridade poliacutetica

de Estado para Portugal

64 As Transformaccedilotildees Poliacuteticas

O ano de 1750 foi marcado por acontecimentos extremamente relevantes para a

Histoacuteria de Portugal e do Brasil que resultaram em profundas transformaccedilotildees na

poliacutetica oficial de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

Charles Ralph Boxer em The Golden Age of Brazil (A Idade de Ouro do Brasil

Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial) publicado pela primeira vez em

1962 considera que a metade do seacuteculo XVIII mais precisamente o proacuteprio ano de

1750 ldquomarca sob vaacuterios aspectos o fim de uma eacutepoca na histoacuteria luso-brasileirardquo

(BOXER 2004 p 309)

Naquele ano de 1750 em 13 de janeiro ocorreu a assinatura do Tratado de Madri

entre as Coroas ibeacutericas que legalizava a ocupaccedilatildeo lusitana de territoacuterios

americanos extra Tordesilhas em 31 de julho a morte de Dom Joatildeo V cujo reinado

iniciado em 1706 e terminado quase 44 anos depois foi o mais longo da Histoacuteria de

Portugal e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I responsaacutevel pelo iniacutecio de um novo

ciclo da administraccedilatildeo portuguesa o do despotismo esclarecido marcadamente

apoacutes a nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Mello futuro Marquecircs de

226

Pombal como Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino com plenos poderes

que exerceria virtualmente por mais de duas deacutecadas o poder absoluto em

Portugal

Tambeacutem se encerrava nesse momento o avanccedilo dos paulistas em direccedilatildeo a oeste

marcando assim o fim de um ciclo de fundamental importacircncia para a expansatildeo e

ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro o bandeirismo tendo sido tomada ainda a decisatildeo

mais ou menos no momento em que se iniciou o decliacutenio da produccedilatildeo das minas de

ouro do Brasil de se pocircr fim agrave cobranccedila da taxa de capitaccedilatildeo - um imposto fixo

cobrado por cada escravo que o minerador possuiacutesse

Cabe ressaltar que por volta desse periacuteodo iniciou-se na Inglaterra a Revoluccedilatildeo

Industrial e a Europa foi varrida por novas ideacuteias que passaram a questionar os

privileacutegios do clero e da nobreza Grandes transformaccedilotildees que natildeo eram exclusivas

de Portugal antes de tudo refletiam a inquietaccedilatildeo geral que vinha ocorrendo no

campo das ideacuteias e da poliacutetica europeacuteia

Com as descobertas de ouro e diamantes feitas a partir do final do seacuteculo XVII

havia-se estabelecido uma dependecircncia econocircmica de Portugal em relaccedilatildeo agraves

riquezas que provinham dos sertotildees do Brasil A preservaccedilatildeo dos territoacuterios

alcanccedilados pelos paulistas no sul no centro-oeste e no norte e pelos entradistas e

missionaacuterios na Amazocircnia passou a ser uma prioridade poliacutetica das autoridades de

Lisboa As fronteiras haviam sido avanccediladas para milhares de quilocircmetros em

direccedilatildeo a oeste resultando na necessidade de ocupaccedilatildeo efetiva e de defesa de

vastas extensotildees territoriais O deslocamento de populaccedilotildees para as regiotildees

mineradoras do interior do Brasil foi em um primeiro momento prejudicial para a

produccedilatildeo agriacutecola das regiotildees litoracircneas resultou poreacutem na consequumlente fixaccedilatildeo

portuguesa nos sertotildees do continente consolidando mudanccedilas poliacuteticas e

econocircmicas importantes na vida colonial brasileira sobretudo a partir da segunda

metade do seacuteculo XVIII

A Ameacuterica portuguesa ainda dividida em duas entidades coloniais distintas o

Estado do Brasil e o Estado do Maranhatildeo e do Gratildeo-Paraacute apresentava realidades

regionais bastante diversas

227

A colonizaccedilatildeo do Estado do Maranhatildeo continuou precaacuteria ao longo da primeira

metade dos setecentos marcada sobretudo pelos conflitos entre colonos e

missionaacuterios jesuiacutetas sobre a questatildeo da matildeo-de-obra indiacutegena Os inacianos

defendiam o modelo social teoloacutegico e poliacutetico das missotildees - aldeamentos

administrados pelos religiosos que sobre os indiacutegenas exerciam tanto o poder

espiritual como o temporal os colonos ndash proprietaacuterios droguistas e comerciantes ndash

defendiam por sua vez a utilizaccedilatildeo do trabalho escravo dos iacutendios fundamental

segundo seu ponto de vista para levar adiante qualquer projeto econocircmico viaacutevel

para a regiatildeo Esse conflito de interesses resultou como anteriormente foi visto na

expulsatildeo dos jesuiacutetas da Amazocircnia nos anos de 1661 e 1684 levada a termo pelos

colonos paraenses que queriam livrar-se da concorrecircncia dos religiosos e desejavam

assumir plenamente o controle do trabalho escravo indiacutegena A Coroa portuguesa

restabeleceu naquelas duas situaccedilotildees a presenccedila dos missionaacuterios expulsos

apoiando suas accedilotildees de catequese e aculturaccedilatildeo importantes para o projeto

geopoliacutetico de ocupaccedilatildeo territorial que estava em andamento na regiatildeo Cabe

ressaltar que o poder exercido pela Ordem dos Jesuiacutetas era muito grande Eles

estavam intimamente ligados ao movimento que conduziu agrave Restauraccedilatildeo de 1640

sendo extremamente influentes na Corte dos Reis da Casa de Braganccedila desde

Dom Afonso IV que assumiu o trono em dezembro de 1640 ateacute Dom Joatildeo V que

morreu em 1750 Mantiveram portanto um periacuteodo de mais de um seacuteculo de

estreitas relaccedilotildees com a Coroa portuguesa o que favoreceu enormemente os

interesses da Companhia

Apesar de todas essas divergecircncias relacionadas agrave questatildeo indiacutegena entre colonos

e jesuiacutetas a economia do Estado conseguiu estabilizar-se particularmente no Paraacute

Natildeo estava apoiada na agricultura na pecuaacuteria ou na mineraccedilatildeo como ocorria no

Estado do Brasil mas baseada principalmente na exploraccedilatildeo das drogas do sertatildeo

- produtos que agravequela altura encontravam grande aceitaccedilatildeo nos mercados

europeus Beleacutem tornou-se assim mais importante que Satildeo Luiacutes capital oficial do

Estado muito dependente ainda do cultivo da cana-de-accediluacutecar do tabaco e do

algodatildeo que eram produzidos com grande dificuldade sobretudo por conta da falta

de matildeo-de-obra negra e da insuficiecircncia de escravos indiacutegenas

228

No Gratildeo-Paraacute os missionaacuterios haviam alcanccedilado os principais rios amazocircnicos e

fundado dezenas de missotildees alcanccedilando por volta da deacutecada de 1750 se forem

consideradas todas as Ordens religiosas um nuacutemero total de 63 aldeamentos e uma

populaccedilatildeo de aproximadamente 50000 iacutendios reduzidos Essas estimativas muito

provaacuteveis foram feitas por Joatildeo Luacutecio de Azevedo no periacuteodo anterior agrave grande

epidemia de variacuteola que assolou a regiatildeo amazocircnica entre os anos de 1743 e 1750

vitimando parcela importante dessa populaccedilatildeo (AZEVEDO72 1930 p 228 a 230

apud BOXER 2004 p 304)

Aleacutem da coleta das drogas do sertatildeo as aldeias jesuiacutetas plantavam cacau cafeacute e

em maior escala algodatildeo mantendo ainda importantes fazendas de criaccedilatildeo de

gado na Ilha do Marajoacute

A relativa prosperidade da regiatildeo foi registrada por Charles Marie de la Condamine

cientista encarregado pela Acadeacutemie des Sciences da Franccedila para medir o

comprimento do raio da Terra na linha do Equador Sua expediccedilatildeo partiu para a

Ameacuterica do Sul no ano de 1735 e estabeleceu-se em Quito no atual Equador a

partir de onde iniciou suas observaccedilotildees de campo Em 1743 la Condamine decidiu

descer pelo Rio Napo ateacute alcanccedilar os Rios Marantildeon Solimotildees e Amazonas

realizando assim a primeira viagem exclusivamente cientiacutefica agrave regiatildeo Amazocircnica

Ao atingir o aldeamento jesuiacuteta portuguecircs de Satildeo Paulo de Olivenccedila agraves margens do

Rio Solimotildees a cerca de 150 km da atual fronteira do Brasil com a Colocircmbia e Peru

em terras hoje brasileiras la Condamine observou

ldquorecebemos um tratamento que nos fez esquecer que estaacutevamos no centro da Ameacuterica afastados 500 leacuteguas de terras habitadas por europeus Em Satildeo Paulo comeccedilamos a ver em lugar de casas e igrejas feitas de caniccedilos capelas e presbiteacuterios de alvenaria barro e tijolo e muralhas brancas e limpashellip O comeacutercio com o Paraacute daacute a esses iacutendios e a seus missionaacuterios um ar de abastanccedila que distingue agrave primeira vista as missotildees portuguesas das castelhanashelliprdquo (LA CONDAMINE73 1778 p 93 apud COSTA 2006)

Seu depoimento sobre Beleacutem foi igualmente elogioso 72 AZEVEDO Joatildeo Luacutecio drsquo Os jesuiacutetas no Gratildeo Paraacute suas missotildees e a colonizaccedilatildeo Coimbra 1930 p 228-230 73 LA CONDAMINE Charles Marie de Relation abreacutegeacute drsquoun voyage fait dans lrsquointerieur de lrsquo Amerique Meridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusqursquoau cocirctes du Breacutesil e de la Guyane em descendant la riviegravere des Amazons lute a lrsquoAssambleacutee publique de Acadeacutemie des Sciences de 28 Avril 1745 Paris 1745 Reediccedilatildeo de Maestricht 1778 p 93

229

ldquo na saiacuteda dos bosques do Amazonas nos vimos transportados para a Europa Achamos uma grande cidade com ruas bem alinhadas casas alegres e a maior parte reconstruiacutedas em pedra e ladrilhos nos uacuteltimos trinta anos e magniacuteficas igrejasrdquo (LA CONDAMINE74 1778 p 173 e 174 apud BOXER 2004 p 307)

De todo modo apesar do relativo crescimento econocircmico observado nas missotildees e

em Beleacutem por volta do ano de 1750 as vilas e as povoaccedilotildees amazocircnicas eram

poucas e muito pobres A manutenccedilatildeo dos vastos territoacuterios do Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute recentemente legalizados nos acordos de Madri com a definiccedilatildeo das

fronteiras coloniais com a Espanha exigia de Lisboa preocupaccedilatildeo particular Com a

morte de Dom Joatildeo V e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I em agosto de 1750

uma nova poliacutetica de ocupaccedilatildeo seria adotada para a Amazocircnia e seus efeitos viriam

a ser sentidos por todos os agentes envolvidos na colonizaccedilatildeo da regiatildeo

O reinado de Dom Joseacute I constituiu um periacuteodo muito particular da Histoacuteria de

Portugal Durante seu governo houve profundas alteraccedilotildees na poliacutetica interna e

externa de Lisboa com reflexos em todo impeacuterio colonial portuguecircs Adotaram-se

novas medidas para a conduccedilatildeo dos assuntos do Brasil e particularmente do

Estado do Maranhatildeo que pretendiam implementar mudanccedilas estruturais na vida

daquelas sociedades coloniais

Um homem viria a personificar esse periacuteodo histoacuterico Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e

Mello75 futuro Marquecircs do Pombal que emprestaria seu nome para designar esses

quase 27 anos de governo conhecido inequivocamente por Periacuteodo Pombalino

74 LA CONDAMINE Charles Marie de Relation abreacutegeacute drsquoun voyage fait dans lrsquointerieur de lrsquo Amerique Meridionale depuis la cocircte de la Mer du Sud jusqursquoau cocirctes du Breacutesil e de la Guyane em descendant la riviegravere des Amazons lute a lrsquoAssambleacutee publique de Acadeacutemie des Sciences de 28 Avril 1745 Paris 1745 Reediccedilatildeo de Maestricht 1778 p 173 e 174 75 Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo nasceu em Lisboa a 13 de maio de 1699 Estudou na Universidade de Coimbra foi nomeado em 1738 embaixador portuguecircs em Londres e em 1745 para o mesmo posto em Viena cargo que exerceu ateacute 1748 Com a ascensatildeo de Dom Joseacute I em 1750 foi nomeado Secretaacuterio dos Negoacutecios Estrangeiros e da Guerra Atuou com grande energia apoacutes o terremoto que destruiu Lisboa em 1 de novembro de 1755 organizando as forccedilas de socorro e planejando a reconstruccedilatildeo da cidade No episoacutedio garantiu definitivamente a confianccedila do Rei sendo entatildeo nomeado em 1756 Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino com plenos poderes A partir de entatildeo passou a governar em regime absoluto tendo por objetivo racionalizar a administraccedilatildeo do Estado sem enfraquecer o poder real Procurou implementar um programa ambicioso de reformas poliacuteticas econocircmicas administrativas e sociais influenciado pelas ideacuteias e princiacutepios do Iluminismo em voga na Europa da eacutepoca Acabou na praacutetica com os autos de feacute e com a discriminaccedilatildeo dos cristatildeos novos aboliu a escravidatildeo em Portugal e nas colocircnias das Iacutendias reorganizou o sistema educacional reestruturou a Universidade de Coimbra elaborou um novo coacutedigo penal introduziu novos colonos nos domiacutenios coloniais portugueses criou vaacuterias Companhias monopolistas de

230

Ele teve uma origem relativamente desprestigiada Nascera na pequena nobreza

rural o que natildeo era suficiente para qualificaacute-lo a ocupar posiccedilotildees mais elevadas na

administraccedilatildeo estatal portuguesa da eacutepoca Em 1723 entretanto em circunstacircncias

pouco convencionais Sebastiatildeo Joseacute casou-se com uma viuacuteva mais velha que

pertencia agrave alta sociedade portuguesa Para superar a resistecircncia da famiacutelia da

noiva contraacuteria agrave ideacuteia de ter a filha casada com um homem pertencente a uma

classe social inferior ele decidiu raptar sua futura esposa e realizar o casamento

mesmo sem o consentimento de seus pais Esse casamento permitiu a integraccedilatildeo

de Sebastiatildeo Joseacute a um grupo seleto representante da alta fidalguia lusitana

Apesar disso sua carreira poliacutetica iria iniciar-se relativamente tarde quando ele jaacute se

aproximava dos 40 anos de idade em 1738 ao ser nomeado por Dom Joatildeo V

embaixador em Londres onde passaria 5 anos de sua vida e onde tomou contato e

pocircde observar de perto a crescente prosperidade comercial e mariacutetima da Inglaterra

naquele momento agraves veacutesperas da Revoluccedilatildeo Industrial Ao teacutermino de sua missatildeo

em 1743 regressou a Lisboa e pouco depois em 1745 foi nomeado Enviado

Especial e Ministro Plenipotenciaacuterio junto agrave Corte de Viena permanecendo em seu

novo posto por mais 4 anos Em Viena casou-se novamente apoacutes ter ficado viuacutevo

de sua esposa portuguesa com a sobrinha do Marechal Heinrich Richard Conde de

Daun figura de destaque da alta sociedade vienense Um casamento que recebeu o

apoio da proacutepria Imperatriz da Aacuteustria Dona Maria Teresa Com a morte de Dom

Joatildeo V e a ascensatildeo ao trono de Dom Joseacute I em 1750 e apoacutes solicitaccedilatildeo da

Comeacutercio e associaccedilotildees corporativas reorganizou o Exeacutercito fortaleceu a Marinha procurou desenvolver a agricultura o comeacutercio e as financcedilas puacuteblicas apoiando-se nos princiacutepios do mercantilismo tentou incrementar a produccedilatildeo nacional em relaccedilatildeo agrave concorrecircncia estrangeira desenvolver o comeacutercio colonial e incentivar a produccedilatildeo de manufaturas realizou uma reforma do sistema fiscal estabelecendo nova estrutura para cobranccedila dos impostos centralizada pela Real Fazenda de Lisboa sob seu controle direto fundou o Banco Real e implementou diversas medidas para fortalecer o poder absoluto em Portugal contrariando particularmente os interesses da nobreza e do clero No atentado contra a vida do rei ocorrido em 1758 implicou alguns aristocratas e jesuiacutetas a famiacutelia dos Taacutevora e o Duque de Aveiro julgados culpados da accedilatildeo foram executados apoacutes raacutepido julgamento sendo expulsos os jesuiacutetas e confiscados os bens da Companhia de Jesus em todo Reino no ano de 1759 No mesmo ano de 1759 como forma de compensaccedilatildeo por parte de Dom Joseacute I pela sua grande intervenccedilatildeo contra os que participaram no atentado do proacuteprio monarca Sebastiatildeo Joseacute recebe o tiacutetulo de Conde de Oeiras Ao receber o tiacutetulo de Marquecircs em 1770 Pombal exerceu quase que exclusivamente o poder de governar Portugal ateacute a morte de Dom Joseacute I ocorrida em 1777 depois do que foi condenado por abuso de poder e expulso da Corte retirando-se para sua propriedade rural onde morreu no dia 8 de maio de 1782 Natildeo faltaram adjetivos para descrever o caraacuteter e os modos de governar do todo-poderoso ministro de Dom Joseacute I governante ilustrado deacutespota esclarecido ditador sanguinaacuterio ou tirano progressista Pombal eacute ainda hoje considerado uma das figuras mais controvertidas e carismaacuteticas da Histoacuteria de Portugal tendo sua administraccedilatildeo influenciado profundamente o mundo colonial lusitano sobretudo nos assuntos relacionados agrave Ameacuterica portuguesa

231

Rainha Maria Ana austriacuteaca de nascimento viuacuteva de Dom Joatildeo V que se tornara

muito amiga da mulher de Sebastiatildeo Joseacute nomeada sua dama de companhia o

futuro Marquecircs de Pombal foi nomeado Secretaacuterio dos Negoacutecios Estrangeiros e da

Guerra Logo adquiriu no Conselho do Rei uma grande influecircncia atribuiacuteda por

muitos agrave sua inteligecircncia e sobretudo agrave sua vontade eneacutergica Subjugou facilmente

os seus colegas de ministeacuterio e assumiu a preponderacircncia das accedilotildees executivas de

governo contrapondo-se violentamente a qualquer obstaacuteculo que surgisse quando

da execuccedilatildeo de seus projetos Mas foi o grande terremoto ocorrido em 1ordm de

novembro de 1755 que devastou Lisboa e impressionou toda a Europa que

permitiu a consolidaccedilatildeo definitiva do poder poliacutetico que Sebastiatildeo Joseacute viria a

exercer ateacute a morte de Dom Joseacute em 1777 A accedilatildeo raacutepida e eneacutergica do ministro

nas accedilotildees de amparo aos sobreviventes e na reconstruccedilatildeo da cidade produziu uma

profunda impressatildeo no Rei que foi persuadido a manter a capital em Lisboa a

despeito da possibilidade de transferi-la para Coimbra ou outro local qualquer como

chegou a ser sugerido por muitos A crise trouxe tambeacutem grande popularidade ao

ministro e Dom Joseacute passou a depositar nele uma confianccedila quase cega Apesar

dos oacutedios e das invejas despertados na nobreza Dom Joseacute nomeou-o logo depois

do terremoto em 1756 ao posto de Secretaacuterio de Estado de Negoacutecios do Reino

com plenos poderes iniciando-se assim um periacuteodo de governo autoritaacuterio e

despoacutetico exercido em nome do Rei pelo todo poderoso ministro O futuro 1ordm Conde

de Oeiras e 1ordm Marquecircs de Pombal passou a governar a partir de entatildeo em regime

absoluto adotando medidas para racionalizar a administraccedilatildeo do Estado sem

enfraquecer o poder real Ele acreditava que para superar as dificuldades

enfrentadas pelo Reino era imprescindiacutevel a realizaccedilatildeo de reformas estruturais sob

o governo de um soberano fortalecido ainda que para tanto devesse se apoiar nas

novas ideacuteias da Ilustraccedilatildeo europeacuteia que natildeo poupavam criacuteticas agravequela velha ordem

poliacutetica e social existentes Procurou assim implementar o seu ambicioso programa

de reformas poliacuteticas econocircmicas administrativas e sociais pondo em praacutetica

medidas que tiveram enormes repercussotildees tanto em sua eacutepoca como muito tempo

depois e que viriam a afetar particularmente a conduccedilatildeo dos assuntos coloniais na

Ameacuterica portuguesa

O Estado do Brasil e o Estado do Maranhatildeo e Gratildeo-Paraacute eram naquela altura as

mais importantes possessotildees ultramarinas lusitanas base de todo o sistema

232

imperial setecentista portuguecircs sua defesa e desenvolvimento constituiacuteam

preocupaccedilotildees prioritaacuterias do governo de Lisboa Dentro desse contexto poliacutetico

Pombal procurou reformar as relaccedilotildees entre a Metroacutepole e as Colocircnias seu principal

objetivo era criar condiccedilotildees para o reerguimento do Reino e recuperar o seu

prestiacutegio perdido

Para assegurar a posse da Amazocircnia ao mundo colonial portuguecircs a administraccedilatildeo

Pombalina tomaria complexas decisotildees relacionadas sobretudo agrave concessatildeo da

liberdade aos iacutendios importaccedilatildeo de matildeo-de-obra escrava imigraccedilatildeo povoamento

expulsatildeo dos jesuiacutetas economia e controle fiscal demarcaccedilatildeo de fronteiras poliacutetica

de fortificaccedilatildeo militar construccedilatildeo e reforma urbana organizaccedilatildeo administrativa e

judicial e reforma de ensino Profundas transformaccedilotildees seriam implementadas em

um curto periacuteodo de tempo alterando profundamente a realidade da regiatildeo energia

poliacutetica que claramente teve a intenccedilatildeo de manter portuguesa aquela parte do

mundo

65 As accedilotildees de Mendonccedila Furtado

Como parte do esforccedilo de reorganizaccedilatildeo do impeacuterio colonial portuguecircs Sebastiatildeo

Joseacute de Carvalho e Mello futuro Marquecircs do Pombal decide nomear seu meio

irmatildeo Francisco Xavier de Mendonccedila Furtado para governar o Estado do Maranhatildeo

e Gratildeo-Paraacute ponto nevraacutelgico do Impeacuterio sobretudo apoacutes o reconhecimento

espanhol da ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia legitimada pelo receacutem-assinado

Tratado de Madri Mendonccedila Furtado fora escolhido dentre aqueles que pertenciam

ao ciacuterculo pessoal mais iacutentimo e de maior confianccedila de Sebastiatildeo Joseacute e

encarregado da implantaccedilatildeo da nova poliacutetica formulada para aquela vasta regiatildeo ao

norte da Ameacuterica do Sul Sua missatildeo era ambiciosa executar um programa de

reorganizaccedilatildeo econocircmica social administrativa judicial religiosa e sobretudo

poliacutetica buscando uma exploraccedilatildeo mais racional daquela colocircnia americana Como

objetivos mais prementes dessa poliacutetica estavam a fixaccedilatildeo das fronteiras

amazocircnicas e a manutenccedilatildeo da unidade territorial da Ameacuterica portuguesa Lisboa

decidiu priorizar o controle desses territoacuterios por meio de uma intervenccedilatildeo direta

orientando o novo governador para que fosse iniciado um processo intensivo de

233

assimilaccedilatildeo dos aldeamentos missionaacuterios convertendo-os em vilas e lugares bem

como priorizando o povoamento de posiccedilotildees criacuteticas e a reurbanizaccedilatildeo da regiatildeo

Em 24 de Setembro de 1751 o capitatildeo-de-fragata Francisco Xavier de Mendonccedila

Furtado tomou posse no governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo renomeado

em funccedilatildeo da importacircncia econocircmica e poliacutetica assumida por Beleacutem Aleacutem da tarefa

de transferir a sede do Estado o novo Capitatildeo-General trazia consigo instruccedilotildees

reacutegias puacuteblicas e secretas entregues pessoalmente por seu irmatildeo em Lisboa

Chegava ao Gratildeo-Paraacute imbuiacutedo de um projeto reformador da regiatildeo amazocircnica

As instruccedilotildees reacutegias puacuteblicas e secretas sobre a maneira pela qual deveria conduzir

os assuntos de governo haviam sido elaboradas em maio de 1751 pelo Conselho

Ultramarino Elas orientavam o governador a manter acima de tudo as zonas de

fronteira sob vigilacircncia ressaltando que as forccedilas militares do Estado deveriam estar

sempre pontas para enfrentar as ameaccedilas externas Para a Companhia de Jesus

foram dadas instruccedilotildees para que estabelecessem missotildees na fronteira com Caiena

e nas regiotildees dos Rios Japuraacute e Javari trechos em que a presenccedila portuguesa era

ainda aquela altura incerta

Mendonccedila Furtado foi descrito como um homem eneacutergico e intempestivo capaz de

empenhar-se completamente a exemplo de seu irmatildeo na superaccedilatildeo dos

obstaacuteculos que surgissem contra as suas vontades Logo tratou de reunir-se com os

sertanistas que viajaram pelos rios amazocircnicos e as autoridades locais para inteirar-

se sobre a situaccedilatildeo das fronteiras ouvindo depoimentos contraacuterios aos acordos de

Madri considerados por muitos como favoraacuteveis aos espanhoacuteis e contraacuterios aos

interesses portugueses Influenciado pelas opiniotildees que havia colhido em janeiro de

1752 enviou uma carta a Diogo de Mendonccedila Corte Real presidente do Conselho

Ultramarino com uma longa exposiccedilatildeo afirmando que o Tratado natildeo atendia aos

interesses nacionais naquela parte do Impeacuterio

O governador tambeacutem escreveu a Lisboa expondo argumentos favoraacuteveis agrave

liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira proibida pela Coroa desde 1733 por receio

de evasatildeo do ouro das minas de Cuiabaacute e Mato Grosso para Beleacutem Em sua

exposiccedilatildeo alegou que a abertura do rio era necessaacuteria para a garantia da presenccedila

234

portuguesa na regiatildeo e que os espanhoacuteis poderiam por sua vez adentrar agravequelas

posiccedilotildees proibidas Sugeriu a construccedilatildeo de uma fortaleza e a fundaccedilatildeo de nuacutecleos

de povoamento ao longo do rio e assim conseguiu quebrar as resistecircncias do

Conselho Ultramarino que por decisatildeo reacutegia de 14 de novembro de 1752 decretou

a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira Como seraacute visto mais adiante essa

decisatildeo permitiu o estabelecimento de uma rota comercial entre Vila Bela no Mato

Grosso e Beleacutem no Paraacute conhecida como monccedilatildeo do norte - responsaacutevel por

parcela importante das trocas entre as minas do centro-oeste do Brasil com o Estado

do Gratildeo-Paraacute comunicaccedilotildees fluviais que natildeo soacute estabeleceram definitivamente a

ligaccedilatildeo de Satildeo Paulo a Beleacutem pelos sertotildees do continente americano no contorno

fluvial da imaginada Ilha Brasil como tambeacutem permitiram a consolidaccedilatildeo da

presenccedila portuguesa naquelas regiotildees de fronteira Recebida a decisatildeo de Lisboa

de liberaccedilatildeo do rio Mendonccedila Furtado designou um destacamento militar para se

instalar na aldeia de Trocano primeiro passo de uma seacuterie de decisotildees que viriam a

ser tomadas para apossar-se efetivamente da regiatildeo do Rio Madeira

No mesmo ano de 1752 em 24 de junho em Aranjuez na Espanha Dom Joseph de

Carbajal y Lancaster e o Visconde de Vilanova firmaram o Tratado das Instruccedilotildees

para as turmas demarcadoras Retificado por Dom Joseacute em 5 de julho estabelecia

o programa de trabalho a ser executado para as demarcaccedilotildees dos territoacuterios

portugueses e espanhoacuteis era preciso estabelecer limites em regiotildees pouco

conhecidas em algumas delas sem que jamais tivessem sido vistos os rios ou as

montanhas que as delimitavam e sem que se conhecesse muita bem sua posiccedilatildeo

geograacutefica

Foram organizadas duas comissotildees mistas uma portuguesa e outra espanhola uma

para operar na regiatildeo Norte outra para atuar na regiatildeo meridional Cada uma

subdvidida em 3 turmas responsaacuteveis pela demarcaccedilatildeo dos limites em trechos bem

definidos dos territoacuterios A comissatildeo mista do Sul foi encarregada da missatildeo de fazer

o levantamento de demarcaccedilatildeo desde Castilhos Grandes atual cidade de Castillos

no Uruguai agraves margens do Oceano Atlacircntico ateacute o Rio Jauru no atual Paraguai

Foram seus comissaacuterios Gomes Freire de Andrade do lado de Portugal e Marquecircs

235

de Val de Liacuterios da Espanha Suas 3 subdivisotildees trabalharam entre 1752 e 1759

com interrupccedilatildeo de 1754 a 1756 devido agrave chamada Guerra Guaraniacutetica76

Em 6 de julho de 1752 Sebastiatildeo Joseacute envia uma carta a seu irmatildeo em Beleacutem

dando-lhe ciecircncia sobre o Tratado das Instruccedilotildees e nomeando-o Principal

Comissaacuterio e Ministro Plenipotenciaacuterio nas Conferecircncias sobre a Demarcaccedilatildeo dos

Limites Setentrionais do Estado do Brasil confiando-lhe portanto a

responsabilidade pela demarcaccedilatildeo das fronteiras da Amazocircnia e alertando-o para a

necessidade de se antecipar aos espanhoacuteis nos trabalhos das comissotildees No iniacutecio

do ano seguinte em 30 de abril de 1753 Dom Joseacute outorgava plenos poderes a

Mendonccedila Furtado para atuar junto aos espanhoacuteis enviando instruccedilotildees pessoais

escritas de proacuteprio punho orientando-o para que se evitasse confundir os dois Rios

Negros que apareciam nas cartas geograacuteficas o que marcava os limites com os

espanhoacuteis era o ocupado pelas missotildees carmelitas e desaguava no Rio Amazonas

que a demarcaccedilatildeo do trecho compreendido pelo Rio Madeira-Guaporeacute e o Rio Jauru

era de importacircncia crucial e que deveria-se ter muito cuidado para que os espanhoacuteis

natildeo ficassem com terras entre Cuiabaacute e Mato Grosso As instruccedilotildees insistiam que o

Rio Madeira e o Guaporeacute constituiacuteam um curso fluvial uacutenico e que a linha a ser

tirada a partir do ponto meacutedio do Rio Madeira prevista pelos acordos de Madri era a

questatildeo mais sensiacutevel dos trabalhos da comissatildeo com a preocupaccedilatildeo de se

estender os limites o mais possiacutevel para o sul a fim de afastar os espanhoacuteis de

pretensotildees sobre o Rio Purus Orientava Dom Joseacute que deveriam ser realizados

estudos sobre a geografia e a histoacuteria natural das aacutereas percorridas pelas turmas

demarcadoras assim como deveriam ser feitos os levantamentos de observaccedilotildees

astronocircmicas aproveitando-se os sertanistas conhecedores da regiatildeo para

integrarem as turmas a serem constituiacutedas As aldeias espanholas situadas na 76 Pelo Tratado de Madri de 1750 a Espanha concordou em ceder para Portugal as missotildees jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai conhecidas como os Sete Povos das Missotildees (povoaccedilotildees indiacutegenas de Satildeo Niacutecolas Satildeo Luiacutes Satildeo Lorenzo Satildeo Borja Satildeo Acircngelo Satildeo Batista e Satildeo Miguel) situadas no oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul Conforme previam os acordos os jesuiacutetas espanhoacuteis e os iacutendios guaranis de Sete Povos das Missotildees deveriam transferir-se para o lado ocidental do Rio Uruguai para permitir a ocupaccedilatildeo portuguesa da regiatildeo Com o apoio parcial dos jesuiacutetas no iniacutecio de 1753 os iacutendios guaranis aldeados nas reduccedilotildees espanholas comeccedilaram a impedir os trabalhos de demarcaccedilatildeo da fronteira e anunciaram a decisatildeo de permanecer na regiatildeo de Sete Povos Como resposta as autoridades espanholas e portuguesas enviaram tropas militares para impor o previsto nos acordos e desalojar os rebelados provocando a reaccedilatildeo indiacutegena que ficou conhecida por Guerra Guaraniacutetica No ano de 1754 tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideacuteu reuniram-se na fronteira do atual Uruguai com as forccedilas militares luso-brasileiras enviados do Rio de Janeiro sob o comando do general Gomes Freire Os dois exeacutercitos atacaram frontalmente as formaccedilotildees indiacutegenas e apoacutes violentos conflitos controlaram a resistecircncia guarani dominando a regiatildeo de Sete Povos em maio de 1756

236

margem oriental do Rio Madeira-Guaporeacute deveriam ser recebidas logo evitando

assim quaisquer dificuldades de navegaccedilatildeo dessa via de acesso que de Cuiabaacute

alcanccedilava Beleacutem percorrendo o coraccedilatildeo do continente A aldeia de Satildeo Cristoacutevatildeo

no Rio Solimotildees que deveria passar agrave matildeo dos espanhoacuteis em virtude do Tratado

de Limites conforme observaccedilotildees astronocircmicas mais recentes estava em terras

que o mesmo tratado assegurava a Portugal uma soluccedilatildeo harmocircnica para o caso

deveria ser tentada com os espanhoacuteis O Rei determinava ainda que Mendonccedila

Furtado chegasse ao Rio Negro no local previsto para o encontro das turmas com a

maior antecedecircncia possiacutevel para causar a melhor impressatildeo aos demarcadores

espanhoacuteis (REIS 1948)

A comissatildeo mista do Norte tambeacutem seria dividida em 3 turmas A primeira desceria

pelo Rio Negro e Rio Amazonas ateacute alcanccedilar o Rio Madeira quando entatildeo subiria o

curso deste rio e do Rio Guaporeacute estabelecendo a fronteira ateacute a confluecircncia dos

Rios Jauru e Paraguai e levantaria o curso meacutedio do Rio Madeira recebendo a

aldeia de Santa Rosa e quaisquer outras povoaccedilotildees que possuiacutessem os espanhoacuteis

na margem oriental do Rio Guaporeacute e do Madeira A segunda demarcaria o trecho

entre a boca mais ocidental do Rio Japuraacute ateacute a cordilheira que separasse as bacias

do Rio Amazonas e do Orenoco estabelecido o curso meacutedio do Rio Madeira pela

primeira turma faria o traccedilado da linha paralela Madeira-Javari e determinaria

tambeacutem a latitude meacutedia dos rios afluentes da margem esquerda do Rio Solimotildees

ateacute o Rio Japuraacute A terceira comeccedilaria seus trabalhos onde a segunda tivesse

concluiacutedo os seus ou seja no cume da cordilheira norte ou no divisor de aacuteguas das

bacias do Rio Amazonas e Orenoco e estabeleceria os limites pelas cordilheiras

setentrionais ateacute a foz do Rio Oiapoque no Atlacircntico

O Tratado de Instruccedilotildees estabelecia que os demarcadores espanhoacuteis viriam pelo

Rio Orenoco encontrar-se com os portugueses no Rio Negro em local escolhido

para o iniacutecio dos trabalhos de demarcaccedilatildeo que os dois demarcadores chefes

organizassem em comum acordo as 3 turmas de trabalho com comissaacuterios

subalternos cirurgiotildees geoacutegrafos capelatildees e iacutendios de serviccedilo e escolta que no

decorrer dos trabalhos de campo fosse feito o tombamento das condiccedilotildees

geograacuteficas econocircmicas etnoloacutegicas e do mesmo modo das riquezas de flora e

fauna atribuindo-se nomes para identificaccedilatildeo precisa das posiccedilotildees levantadas que

237

em toda a fronteira fincassem marcos colhendo-se informaccedilotildees para a elaboraccedilatildeo

de um mapa da regiatildeo demarcada e que fossem evitadas quaisquer controveacutersias

remetendo para decisatildeo dos chefes das comissotildees aquelas pendecircncias natildeo

resolvidas pelas turmas

Para o cumprimento das tarefas de demarcaccedilatildeo Lisboa decidiu pela contrataccedilatildeo de

teacutecnicos estrangeiros para a composiccedilatildeo das turmas Naquela altura Portugal natildeo

dispunha de quadros teacutecnicos suficientes para mobiliar suas turmas apenas com os

seus nacionais Depois de terem sido contratados pela Europa esses homens foram

enviados a Beleacutem Os que mais se destacaram nos trabalhos na Amazocircnia natildeo soacute

pelas demarcaccedilotildees realizadas mas sobretudo por uma seacuterie de outras tarefas de

fortificaccedilatildeo reforma urbana e construccedilatildeo de vilas e povoaccedilotildees foram o desenhador

bolonhecircs Antocircnio Joseacute Landi o capitatildeo engenheiro alematildeo Joatildeo Andreacute Schwebel o

capitatildeo engenheiro alematildeo Gaspar Joatildeo Geraldo Gronsfeld o capitatildeo engenheiro

portuguecircs Gregoacuterio Rebello Ribeiro Camacho o ajudante engenheiro alematildeo Adam

Leopold de Breuning o ajudante engenheiro mantuano Henrique Antonio Galluzzi o

engenheiro e sargento-mor portuguecircs Sebastiatildeo Joseacute da Silva o ajudante

engenheiro alematildeo Philippe Sturm o tenente Manuel Gotz o matemaacutetico bolonhecircs

Joatildeo Acircngelo Brunelli o astrocircnomo e padre jesuiacuteta huacutengaro Ignaacutecio Szentmartony o

auxiliar matemaacutetico italiano Domingo Sambucetti o cirurgiatildeo italiano Daniel Panelli e

o aprendiz matemaacutetico portuguecircs Henrique Wilkens

Schwebel seria encarregado de retratar todas as povoaccedilotildees por onde passaria a

expediccedilatildeo de Mendonccedila Furtado rumo ao aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro e de

fazer relatoacuterios sobre o estado das fortalezas e suas necessidades de reparos

Galluzzi inicialmente responsaacutevel pela construccedilatildeo dos marcos de fronteira ficaria

encarregado mais tarde de fazer um mapa da Amazocircnia com a delimitaccedilatildeo das

freguesias o que resultou em um dos documentos cartograacuteficos mais importantes da

regiatildeo levantamento responsaacutevel pela formaccedilatildeo dos futuros municiacutepios amazocircnicos

o Mapa Geral do Bispado do Paraacute repartido nas suas freguesias de 1759 sendo

tambeacutem o autor do projeto de reforma da Fortaleza de Macapaacute Sambucetti viria a

ser o autor do desenho e projeto de Mazagatildeo vila construiacuteda no atual Estado do

Amapaacute sendo promovido a ajudante engenheiro foi tambeacutem autor do projeto de

construccedilatildeo do Forte Real Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute no atual Estado de

238

Rondocircnia Wilkens ficaria tempos depois do desembarque responsaacutevel pelos

trabalhos de reestruturaccedilatildeo de Macapaacute Gronsfeld relataria os problemas das

fortificaccedilotildees propondo mudanccedilas nos planos originais vindo a ser inclusive o autor

de projetos para Beleacutem Sturm autor do projeto que transformaria Mariuaacute em Vila de

Barcelos e dos projetos das Fortalezas de Satildeo Joseacute das Marabitanas no Rio Negro

e de Satildeo Joaquim no Rio Branco aleacutem de muitos planos de palaacutecios e igrejas

Tomaacutes Rodrigues da Costa e Manuel Aacutelvares Calheiros sargentos-mores

engenheiros portugueses que desembarcaram no Paraacute em 1757 por pedido de

Mendonccedila Furtado desenvolveram importantes trabalhos da Costa foi encarregado

logo que chegou da continuaccedilatildeo das obras de Macapaacute e Calheiros responsaacutevel

pela recriaccedilatildeo no Estado da Aula de Engenharia Landi entretanto seria aquele a

alcanccedilar mais fama e prestiacutegio dentre os teacutecnicos das demarcaccedilotildees autor de

projetos para construccedilatildeo de inuacutemeras vilas amazocircnicas e outros para reformas em

Beleacutem (ARAUacuteJO 1998)

O novo Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo permanecia ainda com os seus velhos

problemas o conflito permanente entre os colonos e missionaacuterios religiosos

sobretudo os jesuiacutetas pela disputa da matildeo-de-obra indiacutegena Mendonccedila Furtado

muito cedo teve que enfrentar essa questatildeo sobretudo quando iniciou os

preparativos para organizar a comissatildeo demarcadora Ele expediu orientaccedilotildees aos

superiores das 6 Ordens religiosas que operavam no Estado convocou o apoio da

Cacircmara de Beleacutem e deu instruccedilotildees expressas ao superior carmelita responsaacutevel

pelo aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro onde deveria ocorrer o encontro entre as

duas comissotildees demarcadoras portuguesa e espanhola conforme acertado pelo

Tratado de Instruccedilotildees Era preciso iniciar um amplo trabalho de preparaccedilatildeo para o

recebimento das equipes desde a construccedilatildeo de instalaccedilotildees de hospedagem ateacute a

plantaccedilatildeo de roccedilas e estocagem de viacuteveres

Em outubro de 1753 desembarcaram em Beleacutem dois Regimentos militares

recrutados em Lisboa traziam o instrumental necessaacuterio para o levantamento

astronocircmico das regiotildees a serem demarcadas e iriam compor as guarniccedilotildees de

Macapaacute e da fortaleza a ser erguida no Rio Branco

Em fins de 1753 comeccedilaram a chegar ao conhecimento do governador que as

ordens dadas em maio daquele mesmo ano natildeo estavam sendo cumpridas Os

239

indiacutegenas abandonavam o trabalho e a deserccedilatildeo continuada dessa matildeo-de-obra

comprometia todo o planejamento de produccedilatildeo e estocagem de gecircneros Mendonccedila

Furtado enviou entatildeo oficiais ao Rio Negro para organizar e fazer cumprir as suas

determinaccedilotildees Do sul recebia notiacutecias sobre incidentes que envolviam a comissatildeo

demarcadora e sobre as dificuldades encontradas por Gomes Freire sobretudo a

resistecircncia dos jesuiacutetas espanhoacuteis em abandonar a regiatildeo dos Sete Povos das

Missotildees Decidiu viajar em junho de 1754 mas as embarcaccedilotildees que estavam sendo

construiacutedas na Casa das Canoas de Beleacutem natildeo ficaram prontas A tudo se

justificava com a deserccedilatildeo dos indiacutegenas e a suposta complacecircncia ou mesmo

resistecircncia dos religiosos aos projetos do governador Mendonccedila Furtado ia

consolidando a ideacuteia de que os religiosos principalmente os jesuiacutetas eram os

responsaacuteveis diretos pelos insucessos de suas accedilotildees governativas Tudo isso

informou a seu irmatildeo em Lisboa diversas vezes sendo por muitos historiadores

considerado que foi a partir daiacute que se iniciou o sentimento de oacutedio quase

obsessivo alimentado por Sebastiatildeo Joseacute contra a Companhia de Jesus

culminando com a sua expulsatildeo do Reino no ano de 1759

Apesar de todas essas dificuldades em 2 de outubro de 1753 Mendonccedila Furtado

partiu de Beleacutem com destino ao aldeamento de Mariuaacute no Rio Negro A expediccedilatildeo

contava com 25 embarcaccedilotildees e 796 pessoas 12 pilotos 411 remeiros 62 escravos

205 soldados 3 capelatildees e mais cirurgiotildees engenheiros geoacutegrafos desenhadores

matemaacuteticos e outros teacutecnicos diversos Depois de 88 dias de viagem enfrentando

a deserccedilatildeo indiacutegena e a escassez de alimentos ao longo do percurso ele finalmente

alcanccedilou o seu destino aportando em Mariuaacute em 28 de dezembro de 1753 (REIS

1948)

O Tratado das Instruccedilotildees previa que os demarcadores espanhoacuteis viriam pelo Rio

Orenoco ateacute alcanccedilarem o Rio Cassiquiari quando entatildeo navegando por ele

atingiriam o Rio Negro os portugueses subiriam o Rio Amazonas e depois o Rio

Negro ateacute as primeiras posiccedilotildees portuguesas instaladas naquele rio os comissaacuterios

espanhoacuteis e portugueses deveriam se reunir naquele local para juntos iniciarem os

trabalhos de demarcaccedilatildeo da comissatildeo O governador escolhera Mariuaacute futura vila

de Barcelos por acreditar que o aldeamento apresentava a melhor localizaccedilatildeo e

boas condiccedilotildees para acomodar as equipes De todo modo seguindo-se agrave instalaccedilatildeo

240

dos homens foi iniciado um intenso programa de construccedilatildeo e melhoramentos

urbanos para acomodar os demarcadores e suas turmas aterros abertura de ruas e

praccedilas erguimento de edificaccedilotildees puacuteblicas igrejas alojamentos aquartelamentos e

habitaccedilotildees para brancos e indiacutegenas Astrocircnomos e geoacutegrafos foram encarregados

por sua vez de no decorrer da viagem realizar levantamentos astronocircmicos e

cientiacuteficos estudos sobre os nativos e seus costumes registros sobre animais aves

plantas rios lagoas e montes Desse trabalho resultou o Mappa Geographico dos

Rios por onde navegou o Ilmo e Exmo Senhor Francisco Xavier de Mendonccedila

Furtado sahindo da cidade do Paraacute para o Arraial do Rio Negro no dia 2 de outubro

de 1754 com a exata delineaccedilatildeo da maior parte do Rio das Amazonas e Rio Negro

por onde o mesmo senhor continuou a viagem ateacute a aldeia do Mariuaacute Mendonccedila Furtado permaneceu na regiatildeo agrave espera dos espanhoacuteis aprestando as

medidas determinadas por Lisboa Enviou expediccedilotildees de reconhecimento ao Rio

Negro e Solimotildees apercebendo-se da fragilidade da ocupaccedilatildeo portuguesa em

algumas regiotildees especiacuteficas sobretudo no alto Rio Negro na desembocadura do

Rio Japuraacute no Rio Solimotildees no Rio Javari e no Rio Madeira Havia tambeacutem

recebido ordens expressas do Rei de que era preciso a todo custo manter a

navegaccedilatildeo plena sobre o Madeira-Guaporeacute Tratou igualmente de ouvir

depoimentos dos sertanistas que conheciam a aacuterea e foi acumulando um extenso

inventaacuterio sobre as caracteriacutesticas da regiatildeo a descriccedilatildeo dos rios e seus afluentes

as comunicaccedilotildees entre eles os trechos navegaacuteveis as riquezas de flora e fauna os

recursos minerais as populaccedilotildees nativas e levantamentos cientiacuteficos diversos

Nesse periacuteodo de permanecircncia na regiatildeo do Rio Negro Mendonccedila Furtado manteve

intensa correspondecircncia epistolar com Lisboa e alertou agrave Coroa sobre a

conveniecircncia de se criar uma nova regiatildeo administrativa naqueles territoacuterios

fronteiriccedilos com as colocircnias espanholas Beleacutem estava muito distante caso fosse

necessaacuterio agir rapidamente para a defesa daquelas terras Naquela altura a

prioridade poliacutetica portuguesa estava assentada na manutenccedilatildeo dos territoacuterios

coloniais americanos reconhecidos legalmente pelos acordos de Madri Aleacutem disso

as autoridades da nova capitania poderiam exercer na sua zona de jurisdiccedilatildeo a

tarefa de vigiar de perto as accedilotildees dos missionaacuterios jesuiacutetas contrariando eventuais

manobras que pudessem pocircr em risco o poder da Coroa na regiatildeo Evidentemente

241

o governador tinha os jesuiacutetas como perigosos agrave integridade da Ameacuterica portuguesa

Acolhendo sua sugestatildeo foi decretada por meio de uma carta reacutegia em 3 de marccedilo

de 1755 a criaccedilatildeo da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro com sede na aldeia

jesuiacutetica de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees proacutexima agrave atual cidade de

Tabatinga no Estado do Amazonas na fronteira entre Brasil e Colocircmbia A criaccedilatildeo

da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro completava o sistema defensivo

estabelecido nas fronteiras ocidentais das possessotildees portuguesas americanas

iniciada com a Capitania do Mato Grosso criada em 1748 O mesmo documento

tambeacutem elevava agrave categoria de vila a aldeia jesuiacuteta de Trocano no Rio Madeira

futura vila de Borba a Nova importante ponto de apoio da rota comercial que estava-

se estabelecendo entre as minas de Vila Bela e Beleacutem Em carta datada de 17 de

marccedilo de 1755 Sebastiatildeo Joseacute alerta seu irmatildeo sobre a importacircncia da nova

capitania

ldquoQuero a ereccedilatildeo do novo governo do Rio Negro o qual agora bem vereis que deve ser promovido com o maior cuidado pela indispensaacutevel necessidade de se povoar essa fronteira Occidental e de segurarmos com ella a navegaccedilatildeo do Rio da Madeira para o Matto Grosso e a passagem daquellas Minas para o Cuyabaacuterdquo (REIS 1948 tomo 2 p 302 e 303)

Mendonccedila Furtado enviou o sargento-mor Gabriel da Silva Filgueiras para

providenciar a instalaccedilatildeo da vila de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees E partiu

pessoalmente para o Rio Madeira para oficializar a elevaccedilatildeo da aldeia de Trocano agrave

categoria de vila nomeada de Borba a Nova em 1ordm de janeiro de 1756

Depois da viagem ao Madeira o governador retornou agrave Mariuaacute e laacute permaneceu

aguardando a chegada dos representantes espanhoacuteis Entretanto com o passar do

tempo percebeu que seu afastamento de Beleacutem estava gerando instabilidades O

bispo Dom Frei Miguel de Bulhotildees oficialmente autorizado para substituiacute-lo na

direccedilatildeo do Estado colocava-o a par de suas dificuldades relatando os incidentes

que comeccedilaram a surgir contra a accedilatildeo do capitatildeo-general e principalmente

incriminando os jesuiacutetas por atos contraacuterios agrave sua administraccedilatildeo considerando-os

desestabilizadores do poder da Coroa no Estado Com a demora da comissatildeo

demarcadora espanhola que natildeo se sabia ao certo onde estava e com as notiacutecias

recebidas de Beleacutem Mendonccedila Furtado decidiu regressar ao Paraacute depois de mais

de dois anos agrave espera dos castelhanos havia chegado em Mariuaacute em 28 de

242

dezembro de 1753 e retornava agora em 23 de maio de 1756 para reassumir suas

funccedilotildees governativas

Desde marccedilo do ano anterior em 1755 havia sido informado por seu irmatildeo

Sebastiatildeo Joseacute de uma seacuterie de medidas que estavam sendo tomadas para

enfrentar as dificuldades criadas pelos jesuiacutetas agraves accedilotildees de governo de Lisboa

sendo alertado ainda sobre o levante dos iacutendios dos Sete Povos no sul do Brasil

fomentado segundo ele pela Companhia de Jesus Mendonccedila Furtado devia agir

com energia para evitar um possiacutevel entendimento entre os jesuiacutetas portugueses e

espanhoacuteis naquela regiatildeo de fronteira Temia-se que estivessem planejando uma

rebeliatildeo para estabelecer um impeacuterio teocraacutetico na Ameacuterica Os incidentes do sul

poderiam repetir-se agora no Paraacute uma inquietaccedilatildeo que foi transformada em

verdadeira guerra Em um pequeno resumo de suas preocupaccedilotildees Sebastiatildeo Joseacute

termina uma carta endereccedilada a seu irmatildeo datada de 17 de marccedilo de 1755 da

seguinte forma

ldquoEscuso de vos lembrar o muito que se faz necessaacuterio separar os Padres Jesuiacutetas (que jaacute claramente estatildeo fazendo esta guerra) da fronteira de Hespanha valendo-vos para isso de todos os possiacuteveis pretextos Tambeacutem seraacute bom que acheis meios para lhes interromperes toda communicaccedilatildeo com os outros PP que residem nos Domiacutenios de Hespanha ganhando algumas pessoas daquellas por onde passarem estas correspondecircncias ou interceptando-as havendo para isso occasiatildeo que o permittatildeo visto que com esta Potencia Ecclesiastica nos achamos em tatildeo dura e tatildeo custosa guerrardquo(REIS 1948 tomo 2 p 303)

Mendonccedila Furtado fizera severas criacuteticas ao sistema implantado pelo Regimento das

Missotildees de dezembro de 1686 que autorizava aos religiosos a administraccedilatildeo

espiritual e temporal dos iacutendios resultando segundo pensava em verdadeiro

monopoacutelio da matildeo-de-obra indiacutegena Os aldeamentos natildeo eram apenas dedicados agrave

catequese ou agraves praacuteticas religiosas desenvolviam-se neles atividades sociais e

econocircmicas responsaacuteveis pela manutenccedilatildeo da proacutepria missatildeo As Ordens eram

isentas do pagamento de impostos e tornaram-se ao longo de sua expansatildeo pela

Amazocircnia as principais estruturas econocircmicas da regiatildeo construindo coleacutegios

residecircncias engenhos de accediluacutecar fazendas de gado e praticamente controlando o

comeacutercio das drogas do sertatildeo Aleacutem disso haviam implantado em toda Amazocircnia

a chamada liacutengua geral ou nheengatu falada natildeo soacute nos sertotildees como tambeacutem na

proacutepria cidade de Beleacutem motivo adicional de preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao controle

243

exercido pelos religiosos sobre os nativos Com o estabelecimento de suas missotildees

- as primeiras comunidades do interior amazocircnico - os religiosos haviam feito o

trabalho inicial de introduccedilatildeo do catolicismo entre os nativos suprimindo suas

crenccedilas pagatildes difundindo uma liacutengua geral que uniformizava a comunicaccedilatildeo na

regiatildeo e substituindo os padrotildees culturais indiacutegenas pela visatildeo de mundo dos

europeus Faltava tornar toda aquela gente sujeita ao poder da Coroa tornaacute-los

vassalos do rei garantindo sua subordinaccedilatildeo e serviccedilo em benefiacutecio do progresso

do Reino Mas todo o poder entretanto era exercido pelos religiosos que passaram

a ser vistos como um obstaacuteculo agrave poliacutetica de controle do Estado Assim pensava

Mendonccedila Furtado e seu irmatildeo todo poderoso Sebastiatildeo Joseacute orientaccedilatildeo poliacutetica

que jaacute fazia parte das instruccedilotildees secretas de 1751 ldquo restriccedilatildeo ao poder temporal

dos missionaacuterios aboliccedilatildeo da ordem juriacutedica em vigor supressatildeo do regime

missionaacuterio vigenterdquo (FRAGOSO77 1980 p 156 apud BEOZZO 1983 p 56)

Quando chegou a Beleacutem em 22 de dezembro de 1756 Mendonccedila Furtado recebeu

a incumbecircncia de por em praacutetica uma profunda reforma poliacutetica e econocircmica

decidida por Lisboa nos decretos de 6 de junho de 1755 e que traria reflexos

diretos e imediatos para toda a regiatildeo amazocircnica a Lei de liberdade de pessoas

bens e comeacutercio dos iacutendios do Paraacute e Maranhatildeo e a instituiccedilatildeo da Companhia Geral

do Gratildeo Paraacute e Maranhatildeo Essas medidas iriam sustentar a administraccedilatildeo de

Mendonccedila Furtado e pretendiam literalmente reorganizar a Amazocircnia

A liberdade dos iacutendios havia sido sugerida por Mendonccedila Furtado como soluccedilatildeo

para o impasse com os jesuiacutetas Em uma carta datada de 14 de marccedilo de 1755

Sebastiatildeo Joseacute informava a seu irmatildeo no Paraacute que Dom Joseacute resolvera reduzir as

Aldeyas e Fazendas a Villas e Povoaccedilotildees Civis e tomara a mesma Rezoluccedilatildeo a

Respeito da liberdade dos Iacutendios na conformidade de certa Doutrina de Soloacuterzano

permanecendo ainda em segredo esse negoacutecio ateacute que Mendonccedila Furtado se

recolhesse ao Paraacute depois da viagem de demarcaccedilatildeo pelo interior da regiatildeo

amazocircnica (FLEXOR 2003)

77 FRAGOSO Frei Hugo Os aldeamentos franciscanos no Gratildeo-Paraacute in Das Reduccedilotildees latino-americanas agraves lutas indiacutegenas atuais 1980 p 156

244

O jurista espanhol Juan de Soloacuterzano y Pereyra e alguns filoacutesofos franceses

sobretudo Jean-Jacques Rousseau elaboraram conceitos filosoacuteficos que defendiam

a liberdade dos iacutendios americanos O francecircs havia escrito sobre a origem e

fundamento da desigualdade entre os homens e o espanhol Poliacutetica Indiana

editada pela primeira vez em 1629 que propunha adaptaccedilotildees do direito espanhol

romano e comum ao direito dos iacutendios Recorda Maria Helena Ochi Flexor que

Soloacuterzano influenciou profundamente o pensamento portuguecircs sobre a questatildeo

indiacutegena O proacuteprio Mendonccedila Furtado declarou possuir uma coacutepia da obra Dele

satildeo as ideacuteias de brandura no trato com os iacutendios a criacutetica severa dos excessos

cometidos pelos religiosos a obrigaccedilatildeo ao trabalho a renuacutencia da ociosidade a

obrigaccedilatildeo do uso da liacutengua espanhola o casamento com brancos a educaccedilatildeo das

crianccedilas a liberdade e os privileacutegios dos iacutendios (FLEXOR 2003)

A nova lei de liberdade dos iacutendios foi complementada por um alvaraacute datado de 7 de

junho de 1755 que abolia inteiramente o poder temporal dos missionaacuterios tornando

os iacutendios sob o ponto de vista legal vassalos iguais aos demais brancos

submetidos agrave accedilatildeo do direito comum aplicando-se a eles as mesmas normas

existentes para o regime de propriedade e trabalho Cacircmaras juiacutezes e outras

instituiccedilotildees poliacuteticas seriam igualmente outorgadas aos iacutendios para a sua plena

integraccedilatildeo ao regime poliacutetico vigente As aldeias maiores deveriam ser elevadas agrave

categoria de vilas instalando-se nelas as Cacircmaras municipais correspondentes e as

aldeias menores promovidas a lugares ou povoaccedilotildees e entregues agrave administraccedilatildeo

dos iacutendios Todas as medidas previstas na lei tinham por objetivo evidente civilizar e

educar os iacutendios promovendo assim sua assimilaccedilatildeo definitiva agrave sociedade dos

brancos instalando-os em nuacutecleos urbanos para garantir o povoamento e a

ocupaccedilatildeo do territoacuterio

A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo foi criada segundo o seu proacuteprio

alvaraacute de instituiccedilatildeo com o objetivo principal de desenvolver a agricultura e o

povoamento da regiatildeo amazocircnica estabelecendo relaccedilotildees comerciais lucrativas

para o Reino Pretendia de fato fortalecer as bases produtivas da regiatildeo e fomentar

o comeacutercio com Lisboa Para tornaacute-la forte e lucrativa foram concedidos amplos

privileacutegios de atuaccedilatildeo como monopoacutelios isenccedilotildees fiscais e incentivos aos capitais

estrangeiros Articulada com a lei de liberdade dos iacutendios a criaccedilatildeo da Companhia

permitiria reorganizar a produccedilatildeo interna e dar ao Estado do Gratildeo-Paraacute condiccedilotildees

245

para aplicar a nova poliacutetica econocircmica planejada por Sebastiatildeo Joseacute A criaccedilatildeo da

empresa monopolista era tambeacutem fortemente apoiada por Mendonccedila Furtado que a

considerava fundamental para a recuperaccedilatildeo da economia do Estado um

empreendimento comercial que envolvia homens de negoacutecios de Lisboa e de Beleacutem

e que deveria atuar no desenvolvimento da produccedilatildeo colonial A empresa forneceria

matildeo-de-obra negra importada para o trabalho nas lavouras e receberia como paga

os gecircneros produzidos na regiatildeo

Em carta datada de 12 de maio de 1755 enviada a seu irmatildeo no Paraacute Sebastiatildeo

Joseacute tratando do que considerou ldquoos trecircs grandes negoacutecios do estabelecimento da

Companhia para o comeacutercio e a introduccedilatildeo de negros nesse Estado da taxaccedilatildeo

das cocircngruas aos regulares e da liberdade dos iacutendiosrdquo afirma que ldquo o primeiro dos

referidos negoacutecios que faz natildeo soacute a base dos outros dois que deixo referidos mas

tambeacutem o fundamento soacutelido das felicidades espirituais desse Estado se acha

concluiacutedordquo (RAYMUNDO 2006 nuacutemero 3 p 129)

As decisotildees tomadas por Lisboa foram portanto planejadas em conjunto ao

mesmo tempo em que se criava a Companhia para fomentar o comeacutercio retirava-se

o controle que os religiosos exerciam sobre a matildeo-de-obra e se estabelecia a

liberdade do indiacutegena a partir daquele momento considerado como mais um

vassalo civil do Reino Dessa forma os benefiacutecios da economia regional seriam

revertidos dos religiosos para a Coroa corrigindo o que Sebastiatildeo Joseacute via como

uma distorccedilatildeo na atuaccedilatildeo dos missionaacuterios

Por volta daqueles anos a economia colonial do Estado do Brasil entrava em um

periacuteodo de grave decliacutenio sobretudo com a decadecircncia das minas e a queda da

produccedilatildeo de accediluacutecar O Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo entretanto conheceu

relativo desenvolvimento a Companhia Geral de comeacutercio permitiu a integraccedilatildeo de

um sistema de exportaccedilatildeo de produtos agriacutecolas sobretudo do algodatildeo enviado

para a Europa a partir de 1760 e que viria como ensina Caio Prado Juacutenior a

transformar o Maranhatildeo em um curto periacuteodo de poucas deacutecadas em uma das

capitanias mais ricas e destacadas da Ameacuterica portuguesa

ldquoNatildeo eacute somente economicamente que se transforma a mudanccedila eacute mais profunda Com o algodatildeo vieram os escravos africanos ndash ou vice-versa

246

preferivelmente - modifica-se a feiccedilatildeo eacutetnica da regiatildeo ateacute entatildeo composta na sua quase totalidade salvo a maioria dos colonos brancos de iacutendios e seus derivados mesticcedilos O algodatildeo apesar de branco tornaraacute preto o Maranhatildeordquo (PRADO JR 1971 p 82)

Antes marginalmente situado em relaccedilatildeo agrave poliacutetica mercantilista portuguesa o

Maranhatildeo passou a integrar o antigo sistema colonial atingindo a categoria de

quarta proviacutencia mais importante do impeacuterio portuguecircs A Companhia fornecia

creacuteditos escravos e ferramentas aos lavradores e os estimulava a que se

dedicassem agrave produccedilatildeo do algodatildeo Dessa forma o Maranhatildeo em cujo porto

entrava um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam dos iacutendios

escravos para sobreviver conheceu uma excepcional prosperidade particularmente

no fim da eacutepoca colonial recebendo em seu porto de 100 a 150 navios e exportando

mais de um milhatildeo de libras por ano (GOMES 2006)

Mendonccedila Furtado que retornara de Mariuaacute em 22 de dezembro de 1756 passou a

enfrentar uma seacuterie de crises poliacuteticas e militares Havia a suposta resistecircncia jesuiacuteta

em obedecer agraves determinaccedilotildees reacutegias rebeliotildees como a ocorrida em 1ordm de marccedilo

de 1757 em Mariuaacute contra o atraso no pagamento de soldos e levantes indiacutegenas

contra a atuaccedilatildeo dos missionaacuterios na regiatildeo do alto Rio Negro Suas tarefas

incluiacuteam ainda a instalaccedilatildeo da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro a elevaccedilatildeo agrave

categoria de vila de vaacuterios aldeamentos missionaacuterios os trabalhos de construccedilatildeo da

vila de Macapaacute fronteira com os franceses de Caiena e da vila de Borba no Rio

Madeira o mais importante ponto de apoio entre as minas do Mato Grosso e o Paraacute

Durante o ano de 1757 o governador permaneceu em Beleacutem para restabelecer a

ordem e implementar as mudanccedilas decorrentes da nova legislaccedilatildeo

Para a execuccedilatildeo da Lei de liberdade de pessoas bens e comeacutercio dos iacutendios do

Paraacute e Maranhatildeo de 6 de junho de 1755 Mendonccedila Furtado elaborou e publicou

em 3 de maio de 1757 os 95 paraacutegrafos do Diretoacuterio que se deve observar nas

Povoaccedilotildees dos Iacutendios do Paraacute e Maranhatildeo enquanto Sua Majestade natildeo mandar o

contraacuterio A liberdade plena dos iacutendios natildeo podia ser imediatamente concedida

acreditava-se que eles natildeo fossem capazes de se inserir na sociedade civilizada

sem a tutela de um homem branco um responsaacutevel civil nomeado pelo Estado para

conduzi-los agrave integraccedilatildeo aos costumes e agraves leis do Reino Para cada nova vila ou

povoaccedilatildeo seria empossado um Diretor atribuiacutedo das funccedilotildees de instruccedilatildeo e

247

orientaccedilatildeo dos iacutendios praacutetica corrente em alguns lugares da Europa e mesmo de

Portugal que se implantava agora no Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e que viria a

se tornar extensivo ao Estado do Brasil

Paraacutegrafo I do Diretoacuterio ldquoSendo Sua Majestade servido pelo Alvaraacute com forccedila de Lei de 7 de Junho de 1755 abolir a administraccedilatildeo Temporal que os Regulares exercitavam nos Iacutendios das Aldeias deste Estado mandando-as governar pelos seus respectivos Principais como estes pela lastimosa rusticidade e ignoracircncia com que ateacute agora foram educados natildeo tenham a necessaacuteria aptidatildeo que se requer para o Governo sem que haja quem os possa dirigir propondo-lhes natildeo soacute os meios da civilidade mas da conveniecircncia e persuadindo-lhes os proacuteprios ditames da racionalidade de que viviam privados para que o referido Alvaraacute tenha a sua devida execuccedilatildeo e se verifiquem as Reais e piiacutessimas intenccedilotildees do dito Senhor haveraacute em cada uma das sobreditas Povoaccedilotildees em quanto os Iacutendios natildeo tiverem capacidade para se governarem um Diretor que nomearaacute o Governador e Capitatildeo General do Estado o qual deve ser dotado de bons costumes zelo prudecircncia verdade ciecircncia da liacutengua e de todos os mais requisitos necessaacuterios para poder dirigir com acerto os referidos iacutendios debaixo das ordens e determinaccedilotildees seguintes que inviolavelmente se observaratildeo enquanto Sua Majestade o houver assim por bem e natildeo mandar o contraacuteriordquo

O propoacutesito geral das medidas previstas no Diretoacuterio era o de alcanccedilar a conversatildeo

dos iacutendios agrave civilidade cultura e comeacutercio libertando os iacutendios da exploraccedilatildeo dos

missionaacuterios religiosos e da escravizaccedilatildeo dos colonos Previa tambeacutem o

documento incentivos ao casamento de colonos brancos com iacutendios a educaccedilatildeo

dos indiacutegenas dentro dos costumes portugueses e severas penas anti-

discriminatoacuterias proibindo-se chamar os mesticcedilos de caboclos igualando-os em

tudo sob o ponto de vista legal aos outros vassalos brancos do Reino Tratava-se

de um ambicioso projeto de aculturaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos nativos segundo o

pensamento iluminista da eacutepoca transformando-os de pescadores e caccediladores em

agricultores e comerciantes determinando-se as culturas que deveriam ser

cultivadas pelos iacutendios e exportadas pela receacutem-criada Companhia Geral de

comeacutercio

Os resultados praacuteticos que seriam obtidos pela aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo do Diretoacuterio

contrastariam enormemente com o ideaacuterio de seus propoacutesitos conforme ensina Joseacute

Oscar Beozzo

ldquoO Regimento pombalino longe de introduzir a liberdade dos iacutendios e protegecirc-los contra o trabalho forccedilado obriga os Principais das Povoaccedilotildees a entregar quantos iacutendios fossem requisitados pelos moradores para servir

248

aos seus interesses particulares erigidos em interesse comum e do proacuteprio Estado mesmo em detrimento das necessidades dos proacuteprios iacutendios [] Longe de abolir a administraccedilatildeo dos iacutendios o Diretoacuterio simplesmente trocou a direccedilatildeo do missionaacuterio pelo do Diretor funcionaacuterio civil do Estado [] A uacutenica modificaccedilatildeo introduzida na reparticcedilatildeo (da matildeo-de-obra) eacute que se alterava a tradicional divisatildeo tripartite entre iacutendios repartidos para o serviccedilo das Ordens Religiosas iacutendios entregues aos moradores e iacutendios reservados para o Estado introduzindo-se a divisatildeo em duas porccedilotildees iguais uma para os serviccedilos do Estado e outra para os serviccedilos dos moradores com exceccedilatildeo dos religiososrdquo (BEOZZO 1983 p 66)

Mendonccedila Furtado decidiu tambeacutem proibir a utilizaccedilatildeo da liacutengua geral ou

nheengatu adotada de forma espontacircnea desde os primeiros anos da colonizaccedilatildeo

e que permitia a comunicaccedilatildeo entre colonos e iacutendios e entre iacutendios de diferentes

etnias formalizada pelo alvaraacute reacutegio de 1681 que instituiacutea formalmente o seu uso na

catequese e na instruccedilatildeo do iacutendio para o trabalho Naquela altura ao se estabelecer

uma liacutengua uacutenica os colonizadores se adaptavam para enfrentar o problema da

diversidade linguumliacutestica da Ameacuterica portuguesa A decisatildeo do governador de tornar

obrigatoacuterio o uso da liacutengua portuguesa revela que a questatildeo linguumliacutestica era uma

preocupaccedilatildeo importante no momento em que se consolidava a ocupaccedilatildeo territorial

da regiatildeo amazocircnica A uniformidade da liacutengua utilizada no mesmo espaccedilo colonial

era vista como fator primordial de identidade e coesatildeo do impeacuterio Muitos estudiosos

chegam a afirmar que esta medida associada agrave expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759

evitou que o Brasil se tornasse um paiacutes biliacutenguumle A medida permitia ainda a

retomada do controle civil do Estado sobre as populaccedilotildees indiacutegenas aldeadas nas

missotildees religiosas tudo de acordo com a poliacutetica oficial do periacuteodo pombalino

Paraacutegrafo 6 do Diretoacuterio ldquoSempre foi maacutexima inalteravelmente praticada em todas as Naccedilotildees que conquistaram novos Domiacutenios introduzir logo nos povos conquistados o seu proacuteprio idioma por ser indisputaacutevel que este eacute um dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos ruacutesticos a barbaridade dos seus antigos costumes e ter mostrado a experiecircncia que ao mesmo passo que se introduz neles o uso da Liacutengua do Priacutencipe que os conquistou se lhes radica tambeacutem o afeto a veneraccedilatildeo e a obediecircncia ao mesmo Priacutencipe Observando pois todas as Naccedilotildees polidas do Mundo este prudente e soacutelido sistema nesta Conquista se praticou tanto pelo contraacuterio que soacute cuidaram os primeiros Conquistadores estabelecer nela o uso da Liacutengua que chamaram geral invenccedilatildeo verdadeiramente abominaacutevel e diaboacutelica para que privados os Iacutendios de todos aqueles meios que os podiam civilizar permanecessem na ruacutestica e baacuterbara sujeiccedilatildeo em que ateacute agora se conservavam Para desterrar esse perniciosiacutessimo abuso seraacute um dos principais cuidados dos Diretores estabelecer nas suas respectivas Povoaccedilotildees o uso da Liacutengua Portuguesa natildeo consentindo por modo algum que os Meninos e as Meninas que pertencerem agraves Escolas e todos aqueles Iacutendios que forem capazes de instruccedilatildeo nesta mateacuteria usem da liacutengua proacutepria das suas Naccedilotildees ou da chamada geral mas unicamente da Portuguesa na forma que Sua

249

Majestade tem recomendado em repetidas ordens que ateacute agora se natildeo observaram com total ruiacutena Espiritual e Temporal do Estadordquo

Mesmo antes da instituiccedilatildeo do Diretoacuterio Mendonccedila Furtado demonstrava sua

intenccedilatildeo clara de reprimir as liacutenguas nativas pelo ensino do idioma portuguecircs Nas

instruccedilotildees dirigidas a Francisco Portilho e Melo que fora nomeado para governar a

aldeia de Santa Ana de Macapaacute o governador jaacute recomendava em 1753 o seu

uso ldquoFaraacute VM toda a diligecircncia para lhes ensinar a liacutengua portuguesa natildeo os praticando nunca pela chamada da Terra mais do que para lhes explicar alguma palavra que eles natildeo entendam em portuguecircs e para se irem fazendo senhores dela seraacute muito conveniente que VM os trate frequumlentemente e em estando algum mais corrente no nosso idioma ordenar-lhe que natildeo fale aos outros senatildeo em portuguecircs e faraacute a estes mais agrados e agasalhos que aos mais ldquo (LESSA 2006)

Depois da divulgaccedilatildeo do Diretoacuterio em 15 de janeiro de 1758 Mendonccedila Furtado

deixou o Paraacute para uma nova expediccedilatildeo ao Rio Negro Desembarcou em Mariuaacute

apoacutes 3 meses de viagem em 24 de abril e reiniciou a organizaccedilatildeo do aldeamento

elevado agrave condiccedilatildeo de vila com o novo nome de Barcelos em 6 de maio de 1758

No dia seguinte empossou o primeiro governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio

Negro Joaquim de Melo e Povoas decidindo por manter sua sede em Barcelos ao

inveacutes de Satildeo Joseacute do Javari no Rio Solimotildees como previa a carta reacutegia de criaccedilatildeo

da Capitania datada de 3 de marccedilo de 175578

Esse documento autorizava Mendonccedila Furtado a definir os limites orientais e

meridionais da nova unidade administrativa os limites setentrionais e ocidentais se

estenderiam ateacute as raias dos domiacutenios espanhoacuteis pelas linhas convencionadas

pelas comissotildees demarcadoras A 10 de maio em carta a Melo e Povoas Furtado

determinou os limites com a Capitania de Mato Grosso ao sul pela cachoeira de

Satildeo Joatildeo ou Araguari hoje Santo Antocircnio a leste o Gratildeo-Paraacute pelo Rio Nhamundaacute

ateacute sua foz no Rio Amazonas Estava assim cumprida mais uma etapa de sua

missatildeo na Amazocircnia

78 A capital da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro ficou sediada em Barcelos ateacute 1791 quando Manuel da Gama Lobo DAlmada que governou a Capitania no periacuteodo de 1786 e 1799 temendo uma invasatildeo espanhola pelo Rio Negro decidiu transferir a sede para o Lugar da Barra atual cidade de Manaus na confluecircncia do Rio Solimotildees com o Rio Negro A sede da Capitania voltou para Barcelos em 1799 sendo definitivamente mudada para o Lugar da Barra em 1808

250

Mendonccedila Furtado estava empenhado tambeacutem em fazer cumprir a elevaccedilatildeo dos

aldeamentos religiosos agrave categoria de vilas ou povoaccedilotildees Os novos nuacutecleos

urbanos criados com a finalidade de fixar os nativos e colonos ao solo fariam parte

de um sistema de defesa e ocupaccedilatildeo territorial especialmente importante na

Amazocircnia

Ressalta Maria Helena Ochi Flexor que a criaccedilatildeo das vilas no periacuteodo pombalino se

deu dentro de um programa poliacutetico amplo natildeo se tratando de uma decisatildeo isolada

e que alcanccedilou as possessotildees portuguesas na Ameacuterica na Iacutendia na Aacutefrica nas

ilhas atlacircnticas e no proacuteprio territoacuterio metropolitano europeu Segundo relatos da

maioria dos governantes indicados para a implantaccedilatildeo do projeto de urbanizaccedilatildeo os

colonos portugueses vindos para as colocircnias americanas haviam-se adaptado ao

modo dos iacutendios vivendo errantes e entregando-se agrave ociosidade e agrave preguiccedila Era

imperativo fazecirc-los viver em sociedade civil (FLEXOR 2003)

ldquoA elevaccedilatildeo de uma aldeia ou povoaccedilatildeo em vila possuiacutea ritual proacuteprio Esse ato era puacuteblico e a ele concorriam as autoridades e povo e cabia ao Ouvidor dirigir o ato da cerimocircnia Todos os criadores de vilas seguiam o mesmo cerimonial Esse cerimonial de implantaccedilatildeo das vilas era bastante simboacutelico O Ouvidor convocava por editais os habitantes da povoaccedilatildeo e de vilas vizinhas para no dia exato das sete para as oito horas da manhatilde estar agrave frente das casas de sua aposentadoria para o acompanhar no ato Todos se encaminhavam ao lugar e siacutetio limpo medido demarcado para terreno da praccedila com as ruas jaacute traccediladas e preparado com arcos e enfeites festivos onde o Ouvidor levantava o pelourinho e aclamava a vila com o chapeacuteu na matildeo dizendo em voz alta e inteligiacutevel Real-Real-Real esta nova Vila pelo nosso Augusto e Fideliacutessimo Monarcha D Joseacute o primeiro Rei de Portugal repetindo a frase por trecircs vezes ao que se seguiam festejos e um Te Deum Laudamus com ladainhas e muacutesica e missa De cada um dos atos se fazia registrordquo (FLEXOR 2003)

A reforma urbana que estava em andamento era parte integrante de um projeto para

civilizar a Amazocircnia uma poderosa construccedilatildeo ideoloacutegica baseada no discurso

reformador pombalino da constituiccedilatildeo de um novo espaccedilo civil na regiatildeo Esse

projeto valorizava a atuaccedilatildeo de um Estado forte e a existecircncia de uma sociedade

secularizada Deveriam ser adotados os princiacutepios da racionalidade para a

construccedilatildeo das novas vilas da regiatildeo e assim poder-se-ia fixar o iacutendio agrave terra agora

como suacutedito do Rei e alcanccedilar o objetivo tatildeo fortemente perseguido da

dinamizaccedilatildeo do comeacutercio do Reino

251

Paraacutegrafo 80 do Diretoacuterio ldquoMas como a Real intenccedilatildeo dos nossos Fideliacutessimos Monarcas em mandar fornecer as Povoaccedilotildees de novos Iacutendios se dirige natildeo soacute ao estabelecimento das mesmas Povoaccedilotildees e aumento do Estado mas agrave civilidade dos mesmos Iacutendios por meio da comunicaccedilatildeo e do Comeacutercio [] para que os mesmos Iacutendios se possam civilizar pelos suaviacutessimos meios do Comeacutercio e da comunicaccedilatildeo e estas Povoaccedilotildees passem a ser natildeo soacute populosas mas civis[]rdquo Paraacutegrafo 36 do Diretoacuterio ldquoEntre os meios que podem conduzir qualquer Repuacuteblica a uma completa felicidade nenhum eacute mais eficaz que a introduccedilatildeo do Comeacutercio porque ele enriquece os Povos civiliza as Naccedilotildees e consequumlentemente constitui poderosas as Monarquias []rdquo

Determinava-se que fossem substituiacutedos os nomes baacuterbaros dos aldeamentos

renomeando-os por outros de origem portuguesa sendo conveniente tambeacutem que

os iacutendios perdessem seus nomes pagatildeos para que pudessem ser distinguidos uns

dos outros como vassalos obedientes agraves ordens reacutegias

Paraacutegrafo 11 do Diretoacuterio ldquoA Classe dos mesmos abusos se natildeo pode duvidar que pertence tambeacutem o inalteraacutevel costume que se praticava em todas as Aldeias de natildeo haver um soacute Iacutendio que tivesse sobrenome E para se evitar a grande confusatildeo que precisamente havia de resultar de haver na mesma Povoaccedilatildeo muitas Pessoas com o mesmo nome e acabarem de conhecer os Iacutendios com toda a evidecircncia que buscamos todos os meios de os honrar e tratar como se fossem Brancos teratildeo daqui por diante todos os Iacutendios sobrenomes havendo grande cuidado nos Diretores em lhes introduzir os mesmos Apelidos que os das Famiacutelias de Portugal por ser moralmente certo que tendo eles os mesmos Apelidos e Sobrenomes de que usam os Brancos e as mais Pessoas que se acham civilizadas cuidaratildeo em procurar os meios liacutecitos e virtuosos de viverem e se tratarem agrave sua imitaccedilatildeordquo

Mendonccedila Furtado decidiu entatildeo em ato de elogio intencional ao poder do Rei

renomear todas as povoaccedilotildees da Amazocircnia com os nomes das vilas da Casa dos

Braganccedilas O que estava de fato realizando era a execuccedilatildeo do projeto de criar

povoaccedilotildees civis em oposiccedilatildeo ao que ateacute entatildeo existia os aldeamentos controlados

pelos religiosos Ele jaacute havia instituiacutedo a poliacutetica do Diretoacuterio que normatizava os

procedimentos administrativos para os novos nuacutecleos de povoamento era preciso

entatildeo promover a reforma in loco

Sua primeira prioridade desde que chegou ao Estado havia sido a defesa das

fronteiras especialmente com os franceses de Caiena A regiatildeo de Macapaacute e do

Cabo Norte sempre mereceram sua atenccedilatildeo especial recomendado que havia sido

pelas autoridades de Lisboa sobre sua importacircncia estrateacutegica Era preciso povoaacute-la

para melhor defendecirc-la de eventuais agressotildees externas Em dezembro de 1751

pouco mais de 2 meses depois de ter assumido o governo do Estado Mendonccedila

252

Furtado organizou uma expediccedilatildeo agrave fortificaccedilatildeo de Macapaacute para criar um novo

nuacutecleo de povoamento mandou com ela os accedilorianos que haviam se alistado para ir

ao Gratildeo-Paraacute - mais de 80 casais quase 5 centenas de pessoas - saiacutedas da Ilha

Terceira e chegadas a Beleacutem em 29 de agosto de 1751 e que viriam a ser os

responsaacuteveis pelo povoamento da futura vila79

Quando saiu em sua segunda missatildeo ao Mariuaacute no Rio Negro em janeiro de 1758

zarpou em direccedilatildeo ao Cabo Norte tinha o propoacutesito de elevar o povoado agrave categoria

de Vila de Satildeo Joseacute de Macapaacute onde criou a Cacircmara Municipal e empossou as

autoridades locais no iniacutecio do mecircs de fevereiro daquele ano

No periacuteodo em que governou o Estado de 1751 a 1759 fundou na Amazocircnia

aproximadamente 60 vilas povoaccedilotildees e lugares trabalho urbanizador que cumpria

uma poliacutetica clara de ocupaccedilatildeo e defesa do territoacuterio Engenheiros militares

matemaacuteticos geoacutegrafos desenhadores e auxiliares viajavam de um ponto a outro

da regiatildeo amazocircnica implantando e vistoriando obras O que estava em andamento

de fato era um processo de investimento urbano teacutecnico em seu planejamento

entretanto poliacutetico e estrateacutegico na sua execuccedilatildeo

Mendonccedila Furtado refundou em 1753 a Vila Nova de Braganccedila no mesmo local da

antiga Vila Souza do Caeteacute importante ponto de apoio no litoral paraense no

caminho de Beleacutem para Satildeo Luiacutes do Maranhatildeo Antes de Braganccedila agraves margens do

Rio Guamaacute na regiatildeo da antiga casa forte que laacute existia criou no mesmo ano outra

vila batizada por Oureacutem Sua construccedilatildeo facilitaria o transporte do que fosse

produzido na vila ou a ela chegasse de Braganccedila permitindo a ligaccedilatildeo fluvial com a

sede do Estado Beleacutem Determinou ainda que fosse aberto um caminho por terra

entre as duas vilas e que casais de accedilorianos se instalassem na regiatildeo Galluzzi

79 MADEIRA Artur Boavida Ilheacuteus accedilorianos na colonizaccedilatildeo do Brasil na segunda metade do seacuteculo XVIII Disponiacutevel em wwwceha-madeiranetnoticias congressosbrasilamadeira Acesso em 07 de junho de 2006 Novas levas de accedilorianos chegaram a Beleacutem em novembro de 1752 eram ao todo 430 ilheacuteus e foram mandados participar da colonizaccedilatildeo das vilas de Braganccedila e de Oureacutem nas margens dos Rios Guaccedilu e Caeteacute no atual Estado do Paraacute Em setembro de 1754 um navio com casais de accedilorianos naufragou perto de Beleacutem transportava 74 pessoas das quais 38 morreram Outra leva chegaria em junho de 1757 sendo 23 casais destacados para o estabelecimento da Vila de Borba a nova no Rio Madeira

253

desenhou em 1754 um importante mapa do caminho terrestre aberto entre Oureacutem

e Braganccedila ambas situadas no atual Estado do Paraacute

Em 1756 elevou pessoalmente agrave categoria de vila a aldeia jesuiacuteta de Trocano no

Rio Madeira renomeada de vila de Borba a Nova reconverteu tambeacutem o

aldeamento missionaacuterio carmelita de Satildeo Francisco Xavier do Javari na confluecircncia

do Rio Solimotildees com o Javari para Satildeo Joseacute do Javari As duas vilas tinham

posicionamento especialmente estrateacutegico a primeira como jaacute foi visto estava a

meio caminho de Beleacutem para as minas do Mato Grosso proacutexima tambeacutem dos

aldeamentos espanhoacuteis de Santa Rosa Satildeo Miguel e Satildeo Simatildeo no Rio Guaporeacute e

a segunda nos limites mais ocidentais com os castelhanos no Rio Solimotildees

No ano de 1757 5 vilas foram fundadas na Ilha do Marajoacute Chaves Monforte

Monsaraz Soure e Salvaterra renomeando respectivamente as aldeias de

Anajatiba Joanes Caya Menino Jesus e Conceiccedilatildeo aleacutem do lugar de Mondis

antiga aldeia de Satildeo Joseacute

No ano de 1758 entretanto Mendonccedila Furtado realizou pessoalmente as

cerimocircnias de elevaccedilatildeo da maioria das aldeias Partiu de Beleacutem em 15 de janeiro e

alcanccedilou Mariuaacute em 4 de maio em uma expediccedilatildeo que redesenhou a Amazocircnia o

aldeamento jesuiacuteta de Araticu foi rebatizado para Oeiras o aldeamento jesuiacuteta de

Guaracuru Melgaccedilo o aldeamento jesuiacuteta de Arucara Portel o aldeamento dos

Padres da Conceiccedilatildeo de Guarimuccedilu Arraiolos o aldeamento dos Padres da

Conceiccedilatildeo de Tubareacute Esposende no Gurupaacute funda Almerim Urubuquara se

transforma em Outeiro o aldeamento dos religiosos da Piedade Monte Alegre

Borary Alter do Chatildeo Santo Ignaacutecio Vila Boim Satildeo Joseacute Pinhel Tapajoacutes

Santareacutem Cumaru Vila Franca dos frades da Piedade de Pauxis Oacutebidos e

finalmente o aldeamento jesuiacuteta de Abacaxis renomeado para Serpa

A partir de Barcelos no Rio Negro rebatizada em 6 de maio o governador

prosseguiu renomeando as aldeias de Nhamundaacute Pedreira Baracoa Cumaru

Aracary Jahu Camaraacute e Dary respectivamente para Faro Moura Thomar

Poyares Carvoeiro Ayratildeo Moreira e Lamalonga

254

No Rio Xingu encarregou o ouvidor Pascoal de Abranches Madeira para continuar a

tarefa transformando as aldeias jesuiacutetas de Piragury Itacurussaacute Aricaraacute e dos

frades da Piedade de Maturu em Pombal Vieiros Souzel e Porto de Moacutes

respectivamente (Mapa 24)

Em agosto de 1758 Dom Joseacute decidiu convocar Mendonccedila Furtado para compor

seu Ministeacuterio substituindo-o em suas funccedilotildees de governador do Estado por Manuel

Bernardo de Melo e Castro e de Chefe da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos Limites

pelo capitatildeo-general do Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura

Tendo tomado conhecimento de sua substituiccedilatildeo Mendonccedila Furtado instruiu o

receacutem-empossado governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de

Melo e Povoas para que tomasse todas as providecircncias necessaacuterias caso os

demarcadores espanhoacuteis chegassem agrave regiatildeo informando imediatamente ao novo

chefe da Comissatildeo no Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura Ele havia

organizado e tivera aprovado por Sua Majestade um Systema das demarcaccedilotildees da

parte norte documento que tambeacutem fora remetido para orientar as accedilotildees do novo

chefe da Comissatildeo e que continha instruccedilotildees detalhadas de como proceder com os

castelhanos

Em 26 de dezembro de 1758 Mendonccedila Furtado estava novamente de volta a

Beleacutem Seu substituto jaacute o aguardava para receber as funccedilotildees de governo Em 7 de

marccedilo do ano seguinte em 1759 ele finalmente regressou agrave Lisboa

Sua atuaccedilatildeo agrave frente dos negoacutecios do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no periacuteodo

de 1751 a 1759 foi decisiva para a implantaccedilatildeo da nova poliacutetica portuguesa para a

Amazocircnia A despeito de toda a polecircmica que possa envolver a questatildeo indiacutegena

Mendonccedila Furtado tomou medidas de largo alcance para a ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo

daquela parte tatildeo vasta do impeacuterio portuguecircs

Mesmo natildeo tendo cumprido sua missatildeo junto aos demarcadores espanhoacuteis tratou

de consolidar a presenccedila portuguesa na regiatildeo criando a estrateacutegica Capitania de

Satildeo Joseacute do Rio Negro reformando vilas construindo fortificaccedilotildees e sobretudo

inteirando-se da realidade local Durante anos esteve em campanhas pelas florestas

256

e pelos sertotildees amazocircnicos contribuindo consideravelmente para aumentar o

conhecimento da geografia regional

Procurou cumprir as instruccedilotildees reacutegias puacuteblicas e secretas recebidas do Conselho

Ultramarino ao ser nomeado governador documento que continha o cerne da nova

poliacutetica pombalina para a regiatildeo a liberdade dos iacutendios e sua consequumlente

integraccedilatildeo como vassalos do Rei a aboliccedilatildeo do poder temporal dos missionaacuterios e

o incentivo agrave produccedilatildeo e ao comeacutercio A Coroa decidira tomar para si o controle do

Estado sua reforma era ampla e profunda propunha-se sobretudo a promover o

povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua posse Natildeo haacute duacutevidas

quanto ao propoacutesito reformador dessa poliacutetica colonial uma das maiores prioridades

do governo de Lisboa e igualmente natildeo deve haver duacutevidas de que as medidas

implantadas por Mendonccedila Furtado contribuiacuteram para manter a Amazocircnia parte do

impeacuterio colonial portuguecircs

66 A Fortificaccedilatildeo do Territoacuterio

ldquoDeixando de fora o iniacutecio da colonizaccedilatildeo das ilhas atlacircnticas e as primeiras campanhas expansionistas no Norte de Aacutefrica realizadas ainda no seacuteculo XV temos nos comeccedilos do seacuteculo XVI a regiatildeo da Iacutendia como o principal ponto de ancoragem do impeacuterio ultramarino A expressatildeo eacute liacutecita pois de ancoradouros de facto se tratava para um impeacuterio que se situava mais no mar que na terra A estrutura comercial mariacutetima servia-se em terra do estabelecimento de feitorias Estas em princiacutepio pouco mais seriam que lugares de armazenamento de mercadorias estabelecidos no litoral com a autorizaccedilatildeo dos governantes locais Um elemento no entanto transformaraacute a feitoria comercial em territoacuterio do impeacuterio ndash a fortificaccedilatildeo O acto de fazer fortaleza aparece citado com orgulho nas crocircnicas da Iacutendia como garante da soberania portuguesa Agraves sombras das fortificaccedilotildees no territoacuterio por elas estabelecido surgiram as primeiras instalaccedilotildees urbanas Na repeticcedilatildeo deste processo funda-se o paradigma inicial do urbanismo da expansatildeo portuguesa que associa a cidade agrave fortificaccedilatildeo [] Em todo e qualquer momento da colonizaccedilatildeo dos territoacuterios ultramarinos a Coroa portuguesa pretendeu estar presente [] Aleacutem de povoadores e colonos o Estado portuguecircs transferiu-se a si proacuteprio para os seus vastos territoacuterios Estabeleceu uma estrutura de controlo administra-tivo que se caracterizava essencialmente pela implantaccedilatildeo de um complexo sistema de funcionaacuterios reacutegios que se deviam encarregar de todas as actividades poliacuteticas juriacutedicas e econocircmicas das colocircnias Tal estrutura assumidamente centralizada norteava toda a administraccedilatildeo colonial portuguesa [] Estado e fortificaccedilatildeo apresentam-se assim como os elementos que instauram a gecircnese do urbanismo colonial portuguecircs [] O Estado pela presenccedila em si estrutural do sistema administrativo As fortificaccedilotildees pela sua presenccedila fiacutesica [] E a Coroa pairava sobre as tarefas de fortificaccedilatildeo e da criaccedilatildeo das cidades com o mesmo papel que detinha em toda a empreitada das conquistas ultramarinas Era o titular

257

maacuteximo do empreendimento desde o patrociacutenio das descobertasrdquo (ARAUacuteJO 1998 p 25 e 26)

Mendonccedila Furtado havia iniciado a implantaccedilatildeo de uma nova poliacutetica de ocupaccedilatildeo

da Amazocircnia e seu retorno a Lisboa ocorrido em 7 de marccedilo de 1759 natildeo

interrompeu as accedilotildees reformadoras que Sebastiatildeo Joseacute planejara para execuccedilatildeo

naquela vasta porccedilatildeo do impeacuterio colonial portuguecircs na Ameacuterica Para substituiacute-lo

nas funccedilotildees de governador do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo foi nomeado

Manuel Bernardo de Melo e Castro e para a chefia da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos

Limites o capitatildeo-general do Mato Grosso Dom Antonio Rolim de Moura O receacutem-

empossado governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de Melo e

Povoas fora igualmente instruiacutedo para tomar providecircncias urgentes caso os

demarcadores espanhoacuteis chegassem agrave regiatildeo para iniciar os trabalhos nas

fronteiras informando imediatamente ao novo chefe da Comissatildeo no Mato Grosso

O ano de 1759 tambeacutem ficaria marcado definitivamente pela expulsatildeo dos jesuiacutetas

de todo o impeacuterio portuguecircs Sebastiatildeo Joseacute que recebera em 6 de junho o tiacutetulo de

Conde de Oeiras saiu-se fortalecido politicamente por Dom Joseacute I apoacutes o atentado

contra a vida do Rei ocorrida em setembro do ano anterior em 1758 A pronta e

eneacutergica intervenccedilatildeo do ministro para o levantamento dos culpados rendeu-lhe

mais prestiacutegio e poder diante da nobreza lusitana parte dela supostamente

envolvida no episoacutedio A famiacutelia dos Taacutevora e o Duque de Aveiro foram implicados

no incidente e executados apoacutes raacutepido julgamento O novo Conde de Oeiras

aproveitou-se desse momento de forccedila poliacutetica para resolver em definitivo uma

questatildeo que tanto o preocupava o suposto e indevido poder que a seu juiacutezo era

exercido pela Companhia de Jesus suspeita tambeacutem por estar envolvida no

planejamento das accedilotildees contra o Rei Em suas alegaccedilotildees Sebastiatildeo Joseacute atacava

os jesuiacutetas por seus privileacutegios e isenccedilotildees acusando-os igualmente de estarem

sabotando o Tratado de Madri ao negarem-se a abandonar as missotildees religiosas e

ao insuflarem agrave resistecircncia os guaranis No resto da Europa eram divulgadas

informaccedilotildees fantasiosas de que os jesuiacutetas haviam feito fortunas em suas reduccedilotildees

americanas Essa campanha anti-jesuiacutetica havia sido empreendida com

determinaccedilatildeo e acabou por convencer Dom Joseacute da necessidade de se tomar uma

medida draacutestica em 3 de setembro de 1759 sob a alegaccedilatildeo de que a Companhia

de Jesus agia como um poder autocircnomo dentro do Estado portuguecircs uma Carta de

258

Lei determinava a proscriccedilatildeo desnaturalizaccedilatildeo e expulsatildeo dos jesuiacutetas dos

domiacutenios portugueses A medida previa o sequumlestro de bens o fechamento dos

coleacutegios e a extinccedilatildeo das missotildees religiosas Segundo Robert Southey no Estado

do Brasil foram presos e expulsos 168 padres jesuiacutetas na Bahia 153 em

Pernambuco Cearaacute e Paraiacuteba e 145 no Rio de Janeiro no Estado do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo teriam sido expulsos mais 150 inacianos (SOUTHEY 1981) Os bens da

Companhia em sua maior parte propriedades rurais e urbanas foram confiscados e

leiloados sendo arrematados por comerciantes e fazendeiros Em 7 de julho de

1760 Portugal rompeu relaccedilotildees diplomaacuteticas com o papado deportando para a

Itaacutelia muitos dos jesuiacutetas que estavam presos em Lisboa Essas decisotildees tiveram

imediata repercussatildeo na Europa Espanha e Franccedila decidiram respectivamente em

1764 e 1767 pelo banimento da Companhia de Jesus em seus reinos

consequumlecircncia direta da intensa pregaccedilatildeo anti-jesuiacutetica conduzida por Portugal E

em 21 de julho de 1773 o Papa Clemente XIV por meio da carta Dominus Ac

Redeptor Noster decide oficialmente pela extinccedilatildeo da Ordem dos inacianos em

todo o mundo catoacutelico

Com a expulsatildeo dos missionaacuterios da Companhia de Jesus das possessotildees

portuguesas sobretudo da Amazocircnia a poliacutetica reformadora iniciada por Mendonccedila

Furtado fora definitivamente legitimada por Lisboa Onde antes atuavam as missotildees

religiosas mesmo que inicialmente a serviccedilo dos propoacutesitos de Estado agora o

proacuteprio Estado assumia as funccedilotildees de ocupaccedilatildeo e defesa dos territoacuterios

conquistados

Na Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro Joaquim de Melo e Povoas sobrinho de

Sebastiatildeo Joseacute que havia sido empossado por Mendonccedila Furtado em maio de

1758 prosseguiu no trabalho de refundaccedilatildeo dos aldeamentos indiacutegenas

transformados em vilas e rebatizados com nomes portugueses elevando a aldeia de

Anibareacute para Silves Tefeacute para Ega Satildeo Pedro e Satildeo Paulo para Olivenccedila

Tracoatuba para Fonte Boa Coary para Alvelos Urauaacute para Alvarens e Maturaacute para

Castro de Avelatildees

Por sua vez no governo do Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no periacuteodo de marccedilo

de 1759 a setembro de 1763 Manuel Bernardo de Melo e Castro construiu os fortes

259

de Satildeo Joseacute das Marabitanas ou Cucuiacute um projeto de Sturm e Satildeo Gabriel Satildeo

Gabriel da Cachoeira ou Uaupeacutes ambos localizados em pontos estrateacutegicos e ainda

pouco povoados do alto Rio Negro Essas fortificaccedilotildees consolidaram a presenccedila

portuguesa na regiatildeo e evitaram possiacuteveis reivindicaccedilotildees territoriais por parte dos

espanhoacuteis elas permitiram que vastos territoacuterios ainda pouco guarnecidos viessem

a ser de fato incorporados ao impeacuterio colonial lusitano

Como ensina Antocircnia Fernanda Pacca de Almeida Wright

ldquo[] a existecircncia de fortalezas e outros monumentos defensivos no Brasil pode ser apreciada no seu aspecto tanto geograacutefico quanto poliacutetico-estrateacutegico e defensivo natildeo desprezando os aspectos econocircmicos militares religiosos e urbaniacutesticos de tais obras Iniciamos com a evidecircncia oferecida pela seleccedilatildeo geograacutefica-estrateacutegica da localizaccedilatildeo das fortificaccedilotildees existentes no territoacuterio brasileiro indicadores da funccedilatildeo de defesa natural das cidades e pontos vulneraacuteveis[] As fortalezas construiacutedas no Brasil em Aacutefrica e na Aacutesia satildeo monumentos eloquumlentes dessa caracteriacutestica civilizadora portuguesa que ensina sobretudo uma liccedilatildeo multidisciplinar na qual a defesa tambeacutem eacute ocupaccedilatildeo iacutempeto puniccedilatildeo e passiacutevel ponto de partida para a grande conquista territorial deste povo de homens do marrdquo (WRIGHT 1999 p 9 e 35)

As fortificaccedilotildees construiacutedas pelos portugueses na Amazocircnia tornaram-se em sua

maioria nuacutecleos formadores de vilas e cidades edificadas em pontos do territoacuterio

cuidadosamente escolhidos reuniam natildeo soacute o aparato militar de defesa como os

aquartelamentos os paioacuteis de poacutelvora o corpo da guarda a casa de artilharia a

cadeia e os alojamentos da tropa como tambeacutem outras edificaccedilotildees e instalaccedilotildees

necessaacuterias agrave sua sobrevivecircncia e que passaram a fixar e atrair aqueles homens agrave

terra como a igreja a enfermaria a casa da farinha a fonte de aacutegua e as moradias

das famiacutelias A posiccedilatildeo a ser fortificada devia primordialmente atender aos

propoacutesitos poliacuteticos da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo e defesa do territoacuterio essenciais para

garantir ao Estado a justificaccedilatildeo de posse daqueles vastos espaccedilos geograacuteficos

Fortificar natildeo significava apenas defender militarmente mas sobretudo marcava a

presenccedila portuguesa naquelas regiotildees tatildeo distantes A fortificaccedilatildeo era antes de

tudo a consecuccedilatildeo de um objetivo poliacutetico que pode ser compreendido muito

claramente nos posicionamentos de Lisboa para assegurar suas possessotildees

amazocircnicas

260

O governador Melo e Castro realizou esforccedilo consideraacutevel para fazer cumprir as

orientaccedilotildees da Coroa para o aparelhamento defensivo da regiatildeo empenhou-se na

finalizaccedilatildeo das obras de fortificaccedilatildeo em andamento e investiu nos planos de

construccedilatildeo daquelas que deveriam ser levantadas Uma de suas prioridades foi a

reformulaccedilatildeo do projeto de fortificaccedilatildeo de Macapaacute preocupaccedilatildeo permanente de

Lisboa diante da ameaccedila francesa Sturm autor de outros vaacuterios projetos de

construccedilatildeo e reforma incluindo o planejamento da vila de Silves no Rio Amazonas

foi encarregado de realizar o plano para a reformulaccedilatildeo de Macapaacute Melo e Castro

tambeacutem realizou viagens de vistoria e inspeccedilatildeo de obras determinando que nas

novas vilas receacutem-fundadas fossem planejadas a execuccedilatildeo coordenada da

construccedilatildeo das casas da Cacircmara e da Cadeia e que fossem erguidas olarias e

igrejas paroquiais

Em setembro de 1763 Fernando da Costa de Ataiacutede Teive assumiu o governo do

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo permanecendo em suas funccedilotildees ateacute novembro

de 1772 Nesses mais de 9 anos de administraccedilatildeo realizou grandes intervenccedilotildees

em Beleacutem procurando dar agrave capital do Estado uma monumentalidade proacutepria de sua

importacircncia poliacutetica Eacute entretanto em Macapaacute e na construccedilatildeo da Vila Nova

Mazagatildeo que concentrou seus esforccedilos e investimentos

Ataiacutede Teive iniciou as obras do projeto definitivo da fortaleza de Macapaacute e o

planejamento e construccedilatildeo de uma nova vila para abrigar os moradores expulsos da

praccedila de Mazagatildeo80 no norte da Aacutefrica no atual Marrocos E tambeacutem mandou

fundar o fortim de Santo Antocircnio no Rio Iccedilaacute

80 Mazagatildeo foi conquistada no norte da Aacutefrica no ano de 1514 e permaneceu portuguesa ateacute o iniacutecio de 1769 vindo a constituir-se nesse periacuteodo em uma das fortificaccedilotildees mais bem construiacutedas e guardadas de todo o impeacuterio ultramarino Entretanto mais de 250 anos depois da ocupaccedilatildeo constantes hostilidades de tribos aacuterabes e ataques de um sultatildeo local forccedilaram a retirada desta posiccedilatildeo africana Lisboa decidiu por sua evacuaccedilatildeo e transferecircncia dos mazaganistas para o Estado do Gratildeo-Paraacute Em marccedilo de 1769 Mendonccedila Furtado informou ao governador Ataiacutede Teive sobre a decisatildeo reacutegia de construir uma vila relativamente proacutexima agrave Macapaacute no atual Estado do Amapaacute para o acolhimento dessa populaccedilatildeo refugiada de aproximadamente 2000 pessoas Sebastiatildeo Joseacute havia decidido forccedilar o embarque desses colonos para o Paraacute Inicialmente haviam sido instalados em Lisboa e muitos se empenharam para natildeo embarcar para a Amazocircnia De todo modo em setembro de 1769 em torno de 340 famiacutelias aproximadamente 1000 pessoas partiram com destino a Beleacutem transportados pela Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo Em janeiro de 1770 desembarcaram no Paraacute tendo permanecido em Beleacutem ateacute o ano seguinte quando entatildeo foi iniciado o transporte das primeiras levas de colonos para o local da construccedilatildeo da nova vila escolhido pelo proacuteprio Mendonccedila Furtado Domingos Sambucetti ficou encarregado da confecccedilatildeo da planta da vila aproveitando-se de um pequeno povoado jaacute existente o de Santa Ana do Rio Mutuacaacute Sua localizaccedilatildeo era estrateacutegica tanto no sentido de proporcionar reforccedilo aos soldados da guarniccedilatildeo da vila de Satildeo Joseacute de Macapaacute em caso de uma invasatildeo francesa como tambeacutem atendia agrave uma orientaccedilatildeo reacutegia de se instalarem

261

Em 20 de agosto de 1772 uma Carta Reacutegia dividiu o Estado do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo em dois novos Estados independentes o do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro com

sede em Beleacutem e o do Maranhatildeo e Piauiacute com sede em Satildeo Luiacutes

Como primeiro governador do receacutem-criado Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro e

uacuteltimo governador do periacuteodo pombalino na Amazocircnia foi nomeado Joatildeo Pereira

Caldas que permaneceria em suas funccedilotildees ateacute marccedilo de 1780

Pereira Caldas enfrentou muitas dificuldades financeiras e poliacuteticas natildeo tendo sido

capaz de prosseguir no projeto pombalino de reforma urbana iniciado por Mendonccedila

Furtado em 1751 Poucas fundaccedilotildees de vilas e fortificaccedilotildees foram feitas em seu

periacuteodo de governo e as obras em que investiu foram em sua maioria de

manutenccedilatildeo dos trabalhos iniciados por outros governadores Em 1774 por decisatildeo

reacutegia o Estado do Gratildeo-Paraacute e Rio Negro e o Estado do Maranhatildeo e Piauiacute foram

formalmente integrados ao Estado do Brasil Decisatildeo que na praacutetica natildeo alterou

substancialmente as relaccedilotildees de dependecircncia e ligaccedilatildeo direta de Beleacutem com

Lisboa Com a morte de Dom Joseacute em 1777 e o fim do poder exercido pelo

Marquecircs de Pombal extinguiu-se em 1778 a Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo em razatildeo das queixas constantes dos comerciantes do Paraacute de que a

empresa monopolista era a principal responsaacutevel pelas diacutevidas e dificuldades

econocircmicas do Estado

No contexto das demarcaccedilotildees de fronteira ainda sob a vigecircncia dos acertos

previstos no Tratado de Madri de 1750 o substituto de Mendonccedila Furtado o

capitatildeo-general do Mato Grosso e tambeacutem cartoacutegrafo e astrocircnomo Dom Antonio

Rolim de Moura assumiu em marccedilo de 1759 a chefia da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo

feitorias no caminho entre o Paraacute e Mato Grosso Natildeo logrou ecircxito entretanto o projeto de instalaccedilatildeo da nova vila os mazaganistas insistiam em permanecer em Lisboa ou Beleacutem e aqueles que chegaram agrave nova vila enfrentaram uma situaccedilatildeo de penuacuteria e doenccedila Cartas sucessivas ao Conselho Ultramarino enviadas pela Cacircmara da vila evidenciavam uma resistecircncia permanente ao projeto de assentamento Assim em 1783 jaacute no reinado de Dona Maria I os remanescentes que haviam ficado na vila obtiveram autorizaccedilatildeo para se instalarem em qualquer lugar de sua escolha dentro do Estado do Paraacute A decisatildeo reacutegia implicou de fato no fim da vila e marcou tambeacutem o fim de um ciclo da era pombalina e seu projeto de reforma urbana da Amazocircnia Somente no seacuteculo XIX a regiatildeo seria novamente retomada com a instalaccedilatildeo nas proximidades da antiga vila de um novo nuacutecleo urbano rebatizado simplesmente de Mazagatildeo (ARAUacuteJO 1998)

262

dos Limites Ele havia sido nomeado em 25 de setembro de 1748 para instalar e

governar a Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute em terras desmembradas da

Capitania de Satildeo Paulo e do Estado do Gratildeo-Paraacute criada por Alvaraacute reacutegio de 8 de

maio daquele mesmo ano A aacuterea geograacutefica desta nova capitania abrangia a maior

parte das terras hoje formadoras do Estado de Rondocircnia Mato Grosso e parte do

Mato Grosso do Sul

A descoberta do ouro e a expansatildeo bandeirante justificavam essas medidas

poliacuteticas antecipando-se Portugal aos espanhoacuteis na oficializaccedilatildeo da posse de parte

importante do centro do continente sul-americano O eixo navegaacutevel formado pelos

Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute entendidos como prolongamento de um uacutenico rio

balizava as pretensotildees portuguesas para a fronteira com os castelhanos

Rolim de Moura que era primo de Dom Joatildeo V recebera instruccedilotildees particulares do

proacuteprio Rei orientando-o para que priorizasse a regiatildeo do Mato Grosso e que natildeo

instalasse a capital da Capitania em Cuiabaacute A regiatildeo vizinha aos espanhoacuteis onde

estavam instaladas algumas missotildees jesuiacutetas no lado oriental do Rio Guaporeacute devia

ser sua maior preocupaccedilatildeo Em 17 de janeiro de 1751 ele assumiu o cargo em

Cuiabaacute e logo tratou de procurar novo local para criar a capital nas proximidades da

fronteira Dessa forma em 19 de marccedilo de 1752 levantou agrave margem do Rio

Guaporeacute no lugar denominado Pouso Alegre e a mais de 400 Km a oeste de

Cuiabaacute a capital da Capitania com o nome de Vila Bela da Santiacutessima Trindade A

posiccedilatildeo escolhida permitia o acesso fluvial a Beleacutem e se contrapunha aos jesuiacutetas

espanhoacuteis das reduccedilotildees de Santa Rosa Satildeo Simatildeo e Satildeo Miguel fixadas a leste do

Rio Guaporeacute desde 1743 e vinculadas ao Vice-Reinado do Peru Pelo Tratado de

Madri as fronteiras coloniais portuguesas viriam do Rio Jauru tributaacuterio da bacia do

Rio Paraguai e alcanccedilariam o eixo dos Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute A escolha

estrateacutegica da posiccedilatildeo de Vila Bela era o primeiro passo para a incorporaccedilatildeo

definitiva daqueles territoacuterios jaacute reconhecidos como portugueses Eacute importante

ressaltar que no mesmo ano de fundaccedilatildeo da vila por decisatildeo reacutegia de 14 de

novembro de 1752 decretou-se a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira antes

proibida por Lisboa Essa decisatildeo permitiu o estabelecimento de uma rota comercial

entre Vila Bela no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute conhecida como monccedilatildeo do

norte responsaacutevel por parcela importante das trocas entre as minas do centro-oeste

do Brasil com o Estado do Gratildeo-Paraacute comunicaccedilotildees fluviais que estabeleceram

263

definitivamente a ligaccedilatildeo de Satildeo Paulo a Beleacutem pelos sertotildees do continente sul-

americano Mendonccedila Furtado por sua vez designou um destacamento militar para

se instalar na aldeia de Trocano tomando o primeiro passo para apossar-se

efetivamente da regiatildeo do Rio Madeira

Rolim de Moura81 exerceu o cargo de governador da Capitania de Mato Grosso por

quase 14 anos de 1751 ateacute o fim de 1764 e durante seu governo implementou a

poliacutetica de ocupaccedilatildeo territorial preconizada por Lisboa suas accedilotildees voltaram-se para

o povoamento da regiatildeo e a expulsatildeo das reduccedilotildees espanholas da margem oriental

do Rio Guaporeacute fomentando tambeacutem o ecircxodo dos iacutendios reduzidos pelos

castelhanos para a margem portuguesa Nesse periacuteodo comeccedila a se formar na

regiatildeo uma sociedade mercantilista e escravocrata constituiacuteda por militares

religiosos funcionaacuterios puacuteblicos sertanistas mineradores de ouro comerciantes

pequenos fazendeiros e donos de engenho

Em 1754 o governador fundou um destacamento militar na antiga reduccedilatildeo de Santa

Rosa agraves margens do Rio Guaporeacute denominando-a de Guarda de Santa Rosa Velha

e que tinha por objetivo combater e impedir os ataques dos espanhoacuteis do Vice-

Reinado do Peru No ano de 1757 agraves margens da Cachoeira do Salto Grande hoje

Cachoeira do Teotocircnio em Porto Velho no Rio Madeira foi fundado o arraial de

Nossa Senhora da Boa Viagem

A fundaccedilatildeo em 1760 do Forte Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo no mesmo local da

Guarda de Santa Rosa Velha na faixa de fronteira do Rio Guaporeacute provocou forte

reaccedilatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis que queriam recuperar a posse da antiga

reduccedilatildeo para el rei catoacutelico Rolim de Moura rebateu as criacuteticas dos religiosos

alegando que os missionaacuterios espanhoacuteis tinham espontaneamente deixado a

regiatildeo e que os portugueses desde muito usufruiacuteam a navegaccedilatildeo do rio Aleacutem

disso havia os tiacutetulos de Madri que oficializavam a presenccedila lusitana A construccedilatildeo

do forte obedecia a um processo poliacutetico em andamento dirigido por Lisboa e

81 Foi transferido em 1765 para o governo da Bahia e em 1767 nomeado Vice-Rei do Brasil cargo de que pediu demissatildeo dois anos mais tarde Dom Antocircnio Rolim de Moura Tavares Conde de Azambuja foi o 10ordm Vice-Rei do Brasil exercendo o cargo de 17 de novembro de 1767 a 4 de novembro de 1769 Tinha larga experiecircncia em administraccedilatildeo colonial como Governador da Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute e da Bahia Morreu em 1782

264

executado por Rolim de Moura para a ocupaccedilatildeo da regiatildeo do extremo oeste sul-

americano Dessa forma menos de dois anos depois em 1762 foi fundada tambeacutem

a povoaccedilatildeo de Satildeo Miguel agraves margens do mesmo Rio Guaporeacute (BRAZIL 2000)

Em 1762 o Forte Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo sofreu um violento ataque espanhol

entre 800 ou 1200 homens em aproximadamente 40 canoas atacaram pelo Rio

Guaporeacute e tomaram a posiccedilatildeo portuguesa Rolim de Moura foi forccedilado a retirar suas

tropas mas retornou em seguida trazendo reforccedilos de Vila Bela Desalojou os

espanhoacuteis e retomou a fortificaccedilatildeo O episoacutedio evidenciou a necessidade de se

aumentar a vigilacircncia em relaccedilatildeo aos espanhoacuteis e em 1772 jaacute sob o governo de

Luiz Pinto de Souza Coutinho o forte foi reconstruiacutedo e rebatizado com o nome de

Forte de Braganccedila futuro Forte Real Priacutencipe da Beira

A missatildeo recebida por Rolim de Moura para substituir Mendonccedila Furtado na chefia

da Comissatildeo de Demarcaccedilatildeo dos Limites no iniacutecio de 1759 soacute podia ser

plenamente cumprida com a chegada da comissatildeo espanhola chefiada por Dom

Joseph de Iturriaga O Tratado das Instruccedilotildees para as turmas demarcadoras havia

sido firmado em 24 de junho 1752 em Aranjuez na Espanha e estabelecia o

programa de trabalho a ser executado para as demarcaccedilotildees dos territoacuterios

portugueses e espanhoacuteis na Ameacuterica Estabelecia tambeacutem que os demarcadores

espanhoacuteis viriam pelo Rio Orenoco encontrar-se com os portugueses no Rio Negro

em local escolhido para o iniacutecio dos trabalhos de demarcaccedilatildeo Passados mais de 7

anos da assinatura do acordo o representante espanhol ainda natildeo havia chegado

ao seu destino

Iturriaga recebera as instruccedilotildees secretas redigidas para os comissaacuterios espanhoacuteis

de Dom Joseph de Carvajal em 30 de setembro de 1753 A comissatildeo deveria

embarcar em Cadiz na Espanha e dirigir-se para Cumanaacute na atual Venezuela

quando entatildeo subiria o Rio Orenoco ateacute alcanccedilar o Rio Cassiquiari e finalmente o

Rio Negro Em 15 de fevereiro de 1754 Iturriaga partiu de Cadiz e em 9 de abril

atingiu Cumanaacute Logo se defrontou com as dificuldades locais para transportar e

equipar suas equipes e alegando falta de recursos para prosseguir para o Rio

Negro Iturriaga dirigiu-se para Cabruta na atual Guiana onde decidiu permanecer

A demora em Cabruta suscitou suspeitas de que o comissaacuterio espanhol havia se

265

aliado aos jesuiacutetas e agravequeles que na Corte se opunham aos acordos de Madri

Apesar disso um pequeno destacamento precursor foi enviado ao Rio Negro

atingindo Barcelos em outubro de 1759 A vila natildeo estava em condiccedilotildees de receber

os demarcadores os armazeacutens estavam vazios e as edificaccedilotildees construiacutedas em

madeira natildeo resistiram agrave demora dos espanhoacuteis O governador do Estado do Gratildeo-

Paraacute Manuel Bernardo de Melo e Castro orientou Joaquim de Melo e Povoas

governador da Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro a retardar a chegada de

Iturriaga A subida ao trono espanhol de Carlos III em agosto de 1759 apoacutes a

morte de Fernando VI que havia assinado o Tratado de Madri em 1750 mudaria

profundamente a orientaccedilatildeo poliacutetica em relaccedilatildeo aos acordos de fronteiras As

dificuldades para a devoluccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento a Guerra Guaraniacutetica

conduzida na regiatildeo de Sete Povos os gastos gerados pelas comissotildees e

principalmente a oposiccedilatildeo de influentes autoridades tanto espanholas quanto

portuguesas resultariam na assinatura em 12 de fevereiro de 1761 do Tratado de

El Pardo estabelecido entre Dom Joseacute I de Portugal e Carlos III de Espanha que

oficialmente tornava nulo o Tratado de Madrid de 1750 Desde 15 de abril de 1760

Madri havia ordenado que natildeo se prosseguisse nos trabalhos das demarcaccedilotildees

comunicando em 3 de outubro do mesmo ano que a comissatildeo estava dissolvida e

autorizando Iturriaga a permanecer na fronteira para a fundaccedilatildeo de novos

povoamentos espanhoacuteis (REIS 1948)

Apesar do fracasso das demarcaccedilotildees na Amazocircnia e no Mato Grosso as

consequumlecircncias do Tratado de Madri natildeo podiam mais ser ignoradas Mendonccedila

Furtado havia tomado medidas para ampliar a ocupaccedilatildeo portuguesa reorganizando

profundamente a vida poliacutetica social e econocircmica da regiatildeo ampliou-se

definitivamente o conhecimento da realidade geograacutefica daqueles territoacuterios - o

Systema das demarcaccedilotildees da parte norte de Mendonccedila Furtado as expediccedilotildees

oficiais e o levantamento da carta dos Rios Amazonas Negro e Madeira satildeo

exemplificadores desse processo construiu-se desde o Mato Grosso ateacute os limites

mais setentrionais uma linha defensiva nas zonas de fronteira com os espanhoacuteis

vilas e fortificaccedilotildees foram erguidas em pontos distantes e estrateacutegicos estabeleceu-

se definitivamente a ligaccedilatildeo fluvial pelo eixo dos Rios Madeira Mamoreacute e Guaporeacute

permitindo a ligaccedilatildeo de Cuiabaacute e Satildeo Paulo com Beleacutem no Paraacute pelo interior do

continente consolidou-se a divisatildeo poliacutetica planejada por Lisboa com a criaccedilatildeo da

266

Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro e a Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute

estabelecendo-se toda a organizaccedilatildeo administrativa que a medida exigia

expulsaram-se definitivamente as reduccedilotildees espanholas na banda oriental do Rio

Guaporeacute consolidando a presenccedila portuguesa na regiatildeo muitos membros da

comissatildeo de limites desenvolveram projetos urbanos cientiacuteficos e de fortificaccedilotildees de

extrema relevacircncia para a ocupaccedilatildeo portuguesa O empenho de Lisboa em suas

accedilotildees anteriores e posteriores ao Tratado de Madri revelam que a Amazocircnia e o

Mato Grosso foram uma prioridade poliacutetica para a alta administraccedilatildeo portuguesa

A anulaccedilatildeo dos acordos de Madri natildeo resultou em recuo dos administradores

portugueses na implantaccedilatildeo dos projetos de fortificaccedilatildeo dos territoacuterios amazocircnicos

Lembra Maria do Carmo Brazil que durante o seacuteculo XVIII o pensamento portuguecircs

sobre a colonizaccedilatildeo americana previa a ocupaccedilatildeo do interior o que significava

primordialmente povoamento e defesa do territoacuterio Instruccedilotildees foram elaboradas por

Lisboa aos administradores coloniais para atrair fixar colonos e consolidar uma forccedila

de defesa para a manutenccedilatildeo dessas vastas regiotildees Essas Instruccedilotildees

expressavam verdadeira orientaccedilatildeo de governo evidenciando racionalidade e

coerecircncia administrativa sobretudo em relaccedilatildeo agrave defesa e agraves atividades

econocircmicas a serem desenvolvidas como o comeacutercio a produccedilatildeo mineral e a

produccedilatildeo agriacutecola (BRAZIL 2000)

A atuaccedilatildeo de Dom Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres capitatildeo-general

da Capitania do Mato Grosso e Cuiabaacute no periacuteodo de dezembro de 1772 a

novembro de 1789 demonstra claramente que a poliacutetica de ocupaccedilatildeo e defesa das

fronteiras coloniais natildeo foi interrompida por Lisboa mesmo apoacutes a assinatura do

Tratado de El Pardo em 1761 Ele planejou a ocupaccedilatildeo da margem oriental do Rio

Paraguai e a fortificaccedilatildeo das margens dos rios concretizada na construccedilatildeo do Forte

Priacutencipe da Beira no meacutedio Guaporeacute e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda no

Alto e Meacutedio Paraguai Fundou tambeacutem em posiccedilotildees estrategicamente localizadas

no ano de 1778 as povoaccedilotildees de Albuquerque hoje Corumbaacute no atual Mato

Grosso do Sul e Vila Maria atual Caacuteceres no Mato Grosso consolidando a poliacutetica

portuguesa de apossar-se da regiatildeo Essas accedilotildees contiveram as ameaccedilas dos

267

espanhoacuteis e de grupos indiacutegenas hostis e permitiram igualmente que fosse feita a

ocupaccedilatildeo das terras ao sul de Cuiabaacute no atual Estado do Mato Grosso do Sul

O Real Forte do Priacutencipe da Beira localizado no atual Estado de Rondocircnia a mais

de 1000 km de Cuiabaacute constitui um capiacutetulo especial da histoacuteria das fortificaccedilotildees no

Brasil Sua construccedilatildeo teve por propoacutesito proteger a navegaccedilatildeo dos Rios Madeira-

Mamoreacute-Guaporeacute contra as investidas espanholas e servir de ponto de apoio aos

viajantes da rota Cuiabaacute Vila Bela e Beleacutem Lisboa pretendia intensificar o comeacutercio

por essa nova rota e a fortificaccedilatildeo garantiria a seguranccedila da regiatildeo sobretudo

quando da transferecircncia das arrobas de ouro das minas do Mato Grosso para o

Paraacute Pereira e Caacuteceres inspecionou o local da construccedilatildeo em 1773 e no dia 20 de

junho de 1776 lanccedilou a pedra fundamental da fortificaccedilatildeo82

O projeto foi encarregado ao engenheiro Domingos Sambucetti que morreu de

malaacuteria antes do teacutermino da obra tendo sido substituiacutedo pelo sargento-mor e

engenheiro militar Ricardo Franco de Almeida e Serra 7 anos depois de iniciada a

construccedilatildeo o forte foi finalmente inaugurado em 20 de agosto de 1783 Seu nome

foi escolhido por Pereira e Caacuteceres para homenagear o primogecircnito de Dona Maria I

Dom Joseacute II Priacutencipe da Beira uma cidade de Portugal Erguido em plena regiatildeo da

selva amazocircnica Priacutencipe da Beira eacute ainda hoje um eloquumlente marco da

82 Na ocasiatildeo do lanccedilamento da pedra fundamental foi lavrada a seguinte Ata Vindo o Ilmordm e Exmordm Sr Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres a este lugar situado na margem oriental do rio Guaporeacute desta capitania em distacircncia de mil braccedilas pouco mais ou menos da antiga Fortaleza da Conceiccedilatildeo o qual lugar tinha sido escolhido e aprovado pelo mesmo Sr Depois de circunspectamente o reconhecer ouvindo a vaacuterios engenheiros com particularidade ao ajudante de infantaria com o dito exerciacutecio Domingos Sambocetti a quem pela sua inteligecircncia tem cometido a direccedilatildeo principal das obras para nele se fundar a outra nova Fortaleza que Sua Majestade ordenou assim porque estaacute livre das maiores excrescecircncias do dito rio como porque o terreno eacute naturalmente o mais soacutelido e o mais acomodado em todos os sentidos que podia desejar-se Cuja Pedra foi com efeito posta no Alicerce do Acircngulo flanqueado no Baluarte em que de presente se trabalha cujo acircngulo com pequena diferenccedila olha para o poente e determinou o dito Senhor que a mesma Fortaleza de hoje em diante se denomine - REAL FORTE DO PRIacuteNCIPE DA BEIRA - consagrando-se os quatro Baluartes em que haacute de consistir a saber A Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo o referido em que se trabalha com direccedilatildeo geral do poente a Santa Baacuterbara o outro que vira para o Sul ambos adjacentes ao rio e a Santo Antocircnio de Paacutedua e a Santo Andreacute Avelino os outros dois que devem corresponder-lhes o que tudo se fez sendo presentes o Capitatildeo de Dragotildees da Capitania de Goyas Joseacute de Mello e Castro de Vilhena referido Engenheiro Domingos Sambocetti o Tenente de Dragotildees Joseacuteph Manoel Cardoso da Cunha o Tenente em Segundo de Artilharia Thomeacute Joseacute de Azevedo o Alferes de Dragotildees Joaquim Pereyra de Albuquerque o Capitatildeo Joaquim Lopes Poupino Intendente de Obras de que se faz Auto com mais quatro coisas em que o dito Senhor Governador e Capitatildeo-general assinou e da mesma forma os sobreditos com as pessoas que abaixo constam e eu Antocircnio Ferreira Coelho Escrivatildeo da Fazenda Real que o escrevi

268

engenharia militar portuguesa e assinala de forma inequiacutevoca as intenccedilotildees poliacuteticas

de Lisboa para a manutenccedilatildeo daqueles territoacuterios83

Para guarnecer os limites exteriores da regiatildeo amazocircnica foram construiacutedos

sobretudo na segunda metade do seacuteculo XVIII as fortificaccedilotildees de Satildeo Joseacute de

Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira no Rio Negro Satildeo Francisco Xavier de

Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim no Rio Branco Santo Antocircnio do Iccedilaacute na

desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees Satildeo Joseacute de Macapaacute na foz do Rio

Amazonas e Real Forte do Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute (Mapa 25)

A linha defensiva criada pelas fortificaccedilotildees portuguesas no contorno da Amazocircnia

permitiu a consolidaccedilatildeo definitiva da ocupaccedilatildeo do territoacuterio e demonstra inequiacutevoca-

mente a prioridade poliacutetica de Lisboa em defender e manter aquele espaccedilo

conquistado

67 As Monccedilotildees do Norte

ldquoAgrave experiecircncia dos praacuteticos pilotos e proeiros das canoas das monccedilotildees deve-se em parte a abertura das comunicaccedilotildees regulares entre Mato Grosso e o Paraacute que viriam criar mais uma linha de comeacutercio para aqueles sertotildees Essa via constitui em realidade um prolongamento na direccedilatildeo do extremo norte do velho caminho fluvial que avanccedila do sul do planalto paulista A funccedilatildeo histoacuterica dessa estrada de mais de dez mil quilocircmetros de comprimento que abraccedila quase todo o Brasil supera mesmo a de quaisquer outras linhas de circulaccedilatildeo natural de nosso territoacuterio sem exclusatildeo do proacuteprio Satildeo Francisco por muitos denominado o rio da unidade nacionalldquo (HOLANDA 1957 p 178 e 179)

Como foi visto anteriormente a descoberta de grandes jazidas minerais nos Rios

Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute em 1718 e em 1722 provocou uma verdadeira

corrida do ouro para o Centro-Oeste do Brasil Para as autoridades de Lisboa a

navegaccedilatildeo pelos Rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira representava uma seacuteria ameaccedila

de evasatildeo fiscal por contrabando de ouro das minas do Mato Grosso A exemplo

83 A fortificaccedilatildeo possui 970 metros de periacutemetro uma muralha de 10 metros de altura 4 baluartes cada um com 14 canhoneiras Em sua volta ainda pode se observar o fosso utilizado como obstaacuteculo de passagem No interior existiam 14 residecircncias para oficiais aleacutem de capela armazeacutem e depoacutesito Entre um baluarte e outro as muralhas medem 92 metros A cal de pedra utilizada na construccedilatildeo da fortaleza subiu pelo Rio Madeira vinda de Beleacutem Os pedreiros foram recrutados em Satildeo Paulo Beleacutem e Mato Grosso Os canhotildees vieram do Paraacute em viagem que durou 5 anos O canteiro de obras atraiu muitas pessoas chegando a registrar-se aproximadamente 800 povoadores dedicados agrave construccedilatildeo ou agrave lavoura de cereais e cafeacute

269

do que ocorria com os espanhoacuteis no Peru que sofriam com o contrabando em suas

colocircnias temia-se que as riquezas minerais receacutem-descobertas fossem desviadas

por essa rota fluvial para Beleacutem no Paraacute Aleacutem disso havia a ameaccedila dos

castelhanos instalados em Santa Cruz de la Sierra que poderiam avanccedilar sobre

aqueles territoacuterios e ameaccedilar a exploraccedilatildeo portuguesa mais um argumento para

que natildeo fosse permitido o acesso agrave regiatildeo Por essas razotildees a navegaccedilatildeo pelo Rio

Madeira foi oficialmente proibida por meio do Alvaraacute reacutegio de 27 de outubro de

1733 Pouco tempo depois em 1742 essa decisatildeo foi desrespeitada por um

pequeno grupo de sertanistas liderados por Manoel Felix de Lima Infringindo as

proibiccedilotildees reacutegias de comerciar com os castelhanos ele empreendeu viagem ateacute

Beleacutem navegando o Rio Madeira Mendonccedila Furtado entatildeo governador do Estado

do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo expocircs a Lisboa argumentos favoraacuteveis agrave liberaccedilatildeo da

navegaccedilatildeo do rio insistia que a abertura era necessaacuteria para a garantia da presenccedila

portuguesa na regiatildeo e que os espanhoacuteis poderiam por outro lado adentrar aquelas

posiccedilotildees proibidas e natildeo ocupadas Sugeriu inclusive a construccedilatildeo de uma

fortaleza e a fundaccedilatildeo de nuacutecleos de povoamento ao longo do rio conseguindo

quebrar as resistecircncias do Conselho Ultramarino que por decisatildeo reacutegia de 14 de

novembro de 1752 decretou a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio Madeira para as

relaccedilotildees comerciais com as outras capitanias

A ligaccedilatildeo fluvial de Satildeo Paulo com as regiotildees mineradoras do Rio Cuiabaacute e Guaporeacute

havia sido realizada em 1719 estabelecendo-se a partir dessa data um sistema de

transportes que passou a ser conhecido por monccedilatildeo de povoado expediccedilotildees

fluviais regulares que tinham a funccedilatildeo de abastecer as minas com mercadorias e

escravos e transportar os que pretendiam explorar e se aventurar naqueles sertotildees

longiacutenquos Desde 1719 ateacute 1838 por mais de 100 anos as monccedilotildees permitiram a

ligaccedilatildeo fiacutesica de Satildeo Paulo com o Mato Grosso e foram consolidando a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano

Com a abertura do Rio Madeira em 1752 o governo portuguecircs passou a estimular

as comunicaccedilotildees entre Vila Bela e Beleacutem oficializando uma nova rota fluvial que

passou a ser conhecida por monccedilatildeo do norte Articulada com a monccedilatildeo de povoado

podia-se alcanccedilar Beleacutem partindo-se de Satildeo Paulo por meio dessas duas rotas

fluviais que cruzavam o interior do continente

271

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que as canoas utilizadas pelas monccedilotildees do

norte tambeacutem chamadas de ubaacutes podiam transportar ateacute 3000 arrobas de carga e

aproximadamente 20 homens 7 vezes mais do que carregavam as canoas

paulistas As condiccedilotildees de navegaccedilatildeo tambeacutem eram diferentes os rios amazocircnicos

mais volumosos que os rios paulistas e mato-grossenses apresentavam menor

dificuldade para a realizaccedilatildeo da empreitada Para vencer os mais de 100 trechos

encachoeirados no percurso das monccedilotildees de povoado os homens eram obrigados

a desembarcar a carga e na maioria das vezes transportar por terra as proacuteprias

embarcaccedilotildees na rota das monccedilotildees do norte o maior obstaacuteculo eram as corredeiras

do Alto Madeira entre os atuais municiacutepios de Guajaraacute-Mirim e Porto Velho ambos

no atual Estado de Rondocircnia As duas rotas eram navegadas por comboio de

canoas e utilizavam-se igualmente de uma eacutepoca propiacutecia do ano para a realizaccedilatildeo

das viagens traccedilos caracteriacutesticos comuns que resultaram na mesma denominaccedilatildeo

monccedilatildeo (GOacuteES FILHO 2001)

Esse roteiro de comunicaccedilatildeo percorria trechos ainda natildeo povoados pelos

portugueses No entanto com o passar do tempo ao longo dos rios foram-se

formando vilas arraiais lugares e aldeias Lavras de ouro roccedilas de subsistecircncia

criaccedilatildeo de gado e plantaccedilatildeo de accediluacutecar foram atraindo e fixando os homens agravequelas

terras tatildeo distantes dos centros litoracircneos Construiacuteram-se olarias teares de

algodatildeo faacutebricas de cal e de sal e outras tantas instalaccedilotildees necessaacuterias agrave

sobrevivecircncia desses novos colonos

Ressalta Jovam Vilela Silva que na periferia das vilas fortalezas presiacutedios e

lugares se desenvolveu a produccedilatildeo agriacutecola e a pecuaacuteria de subsistecircncia

responsaacuteveis ao longo do tempo pela fixaccedilatildeo dos mineradores agrave terra As

profissotildees mais usuais prendiam-se aos serviccedilos e ofiacutecios mecacircnicos pedreiros

arrieiros serralheiros ferreiros caldeireiros carpinteiros seleiros sapateiros

alfaiates oleiros e barbeiros Desenvolveram-se tambeacutem as atividades de coleta de

drogas do sertatildeo e indiacutegenas dispersos muitos deles oriundos das reduccedilotildees

espanholas de moxos e chiquitos foram sendo atraiacutedos para a regiatildeo oriental do Rio

Guaporeacute Os comboios das monccedilotildees do norte organizados por conta e risco de

armadores particulares trafegavam com todo tipo de mercadoria entre o Paraacute e os

272

sertotildees do Mato Grosso Aleacutem desse roteiro fluvial utilizou-se em menor escala o

transporte terrestre entre Goiaacutes e Mato Grosso realizando-se a ligaccedilatildeo entre Cuiabaacute

e Vila Bela por meio de uma malha de ligaccedilotildees terrestres e fluviais internas que

alcanccedilava as fortalezas construiacutedas no percurso dos Rios Guaporeacute e Paraguai

(SILVA 2006)

A rota de navegaccedilatildeo desenvolvida pela monccedilatildeo do norte permitiu a ligaccedilatildeo entre a

Capitania do Mato Grosso e o Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo por mais de meio

seacuteculo e contribuiu enormemente para a sobrevivecircncia das populaccedilotildees do

Guaporeacute constituindo-se o eixo navegaacutevel dos Rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira

essencial para o desenvolvimento da regiatildeo

Segundo David M Davidson as monccedilotildees do norte tiveram importante papel no

comeacutercio do centro-oeste brasileiro e podem ser divididas em 3 fases distintas na

primeira entre 1752 e 1768 teriam sido responsaacuteveis por 21 do comeacutercio total da

regiatildeo na segunda entre 1769 e 1788 durante a atuaccedilatildeo da Companhia Geral do

Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo transportavam 34 das mercadorias que chegavam e

saiacuteam de Vila Bela e na terceira fase de 1788 a 1808 teriam enfrentado forte

decliacutenio culminando com a extinccedilatildeo quase total da atividade comercial por esse eixo

fluvial Nesse periacuteodo as comunicaccedilotildees por terra entre Vila Bela e Cuiabaacute com as

cidades litoracircneas da costa leste passaram a ser absolutamente dominantes o

que provocou a decadecircncia econocircmica definitiva da rota das monccedilotildees do norte o

comeacutercio com Beleacutem foi gradativamente tornando-se secundaacuterio com a

concorrecircncia das novas ligaccedilotildees terrestres (DAVIDSON84 1983 p 69 apud GOacuteES

FILHO 2001 p 159)

Com a decadecircncia das minas de Cuiabaacute e do Guaporeacute a economia do centro-oeste

brasileiro tornou-se dependente da criaccedilatildeo de gado e da agricultura de subsistecircncia

O decliacutenio das monccedilotildees do norte coincide com a dependecircncia econocircmica que se

estabelecia entre o Mato Grosso e a regiatildeo sudeste brasileira

A importacircncia dessa rota de comeacutercio natildeo pode entretanto ser desconsiderada no

contexto da expansatildeo territorial do Brasil Com a liberaccedilatildeo da navegaccedilatildeo do Rio

84 DAVIDSON David M Rivers and Empires the Madeira route and the incorporation of the brazilian farwest 1737-1808 p 69 Michigan University Microfilms Int 1983

273

Madeira e a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute

estabeleceram-se definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o

entatildeo Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees do norte uniram-se agraves

monccedilotildees de povoado e passaram a delinear as fronteiras ocidentais dos territoacuterios

coloniais portugueses na Ameacuterica rotas que viriam a se constituir em dois vigorosos

movimentos de penetraccedilatildeo e ocupaccedilatildeo territorial do centro-oeste e da Amazocircnia

brasileira

274

7 CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE

ldquoA linguagem e o teor deste memoraacutevel tratado (referindo-se ao Tratado de Madri) estatildeo dando testemunho da sinceridade e boas intenccedilotildees das duas cortes Parecem na verdade os dois soberanos contratantes ter-se adiantado ao seu seacuteculo [] que quase pode considerar-se coisa nova na diplomacia e tentando estabelecer perpeacutetua paz nas suas colocircnias fossem quais fossem as disputas entre eles se suscitassem na Europa puseram um exemplo digno de recordar-se como meio praticaacutevel de minorar os males da guerrardquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 249)

Este capiacutetulo tem como principal objetivo analisar os acordos de limites firmados

entre as Coroas ibeacutericas apoacutes a anulaccedilatildeo do Tratado de Madri de 1750 no contexto

das mudanccedilas poliacuteticas ocorridas na Europa na segunda metade do seacuteculo XVIII

Mesmo tendo sido anulado pelo Tratado de El Pardo onze anos depois em 1761 o

acerto de Madri foi quase que integralmente reaproveitado pelo Tratado de Santo

Ildefonso de 1777 excetuando-se a adoccedilatildeo de modificaccedilotildees para as fronteiras da

regiatildeo sul do Brasil Esse uacuteltimo tratado no entanto natildeo duraria muito tempo pois

novamente em guerra peninsular Portugal e Espanha declararam Santo Ildefonso

nulo em 1801 e no mesmo ano assinaram um acordo de paz o Tratado de

Badajoz que natildeo revalidava nenhum acordo anterior sobre limites coloniais

O Tratado de limites das conquistas entre os muitos altos e poderosos senhores Don

Joatildeo V Rey de Portugal e Don Fernando VI Rey de Espanha assinado em 13 de

janeiro de 1750 em Madri embora tivesse sido firmado com a intenccedilatildeo de

estabelecer uma soluccedilatildeo permanente aos conflitos coloniais ibeacutericos teve curta

vigecircncia formal Mas apesar disso tornou-se peccedila fundamental para a fixaccedilatildeo dos

contornos territoriais brasileiros servindo o seu texto de base para resolver as

pendecircncias de fronteiras que viriam a ocorrer no Impeacuterio e na Repuacuteblica sendo em

grande medida responsaacutevel pela atual configuraccedilatildeo territorial em que se assenta o

Estado do Brasil Prevaleceria a doutrina defendida por Alexandre de Gusmatildeo e

consolidada nos princiacutepios do direito de posse ou uti possidetis instrumento juriacutedico

que veio a ser definitivamente consagrado para a soluccedilatildeo das disputas de territoacuterio

no continente sul-americano

275

Entretanto desde sua assinatura o Tratado de Madri sofreu fortes resistecircncias na

Corte portuguesa muitos natildeo se conformavam com a cessatildeo da Colocircnia do

Sacramento e a consequumlente e definitiva desistecircncia sobre importante porccedilatildeo da

bacia do Rio do Prata na Corte espanhola o acordo era visto como uma imposiccedilatildeo

da Rainha portuguesa e contraacuterio aos interesses do paiacutes sendo extremamente

permissivo em relaccedilatildeo agraves pretensotildees territoriais de Portugal Aleacutem disso a cessatildeo

dos Sete Povos aos luso-brasileiros havia provocado a reaccedilatildeo contraacuteria dos jesuiacutetas

espanhoacuteis sobretudo daqueles responsaacuteveis pelas reduccedilotildees dos guaranis

instaladas na margem oriental do Rio Uruguai

As mortes de Dom Joatildeo V ocorrida em 1750 de Alexandre de Gusmatildeo em 1753

do negociador espanhol Dom Joseacute de Carbajal y Lancaster em 1754 de Dona

Maria Baacuterbara Rainha de Espanha em 1758 e de Dom Fernando VI em 1759 -

principais defensores do Tratado de Limites - contribuiacuteram igualmente para o

enfraquecimento poliacutetico das posiccedilotildees defendidas em 1750

Na Ameacuterica as reduccedilotildees jesuiacuteticas espanholas da margem oriental do Rio Uruguai

os Sete Povos das Missotildees - povoaccedilotildees indiacutegenas de Satildeo Nicolas Satildeo Luis Satildeo

Lorenzo Satildeo Borja Santo Acircngelo Satildeo Batista e Satildeo Miguel situadas no oeste do

atual Estado do Rio Grande do Sul deflagraram um conflito contra os trabalhos de

demarcaccedilatildeo de fronteira e a transferecircncia para o lado ocidental do Rio Uruguai

reaccedilatildeo indiacutegena que ficou conhecida por Guerra Guaraniacutetica O conflito teve iniacutecio

em 1754 e a regiatildeo soacute veio a ser totalmente controlada em maio de 1756 apoacutes

violentos combates entre tropas espanholas e portuguesas contra a resistecircncia

guarani O episoacutedio foi largamente utilizado como propaganda anti-jesuiacuteta e serviu

tambeacutem como mais um argumento desfavoraacutevel aos acordos celebrados em Madri

No norte no Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo Mendonccedila Furtado denunciava agraves

autoridades de Lisboa a atuaccedilatildeo jesuiacuteta como o principal obstaacuteculo aos trabalhos de

demarcaccedilatildeo

276

Na Europa as relaccedilotildees poliacuteticas entre Portugal e Espanha haviam se deteriorado

enormemente com a Guerra dos Sete Anos85 ocorrida entre 1756 e 1763 e mais

uma vez estavam as duas naccedilotildees ibeacutericas em posiccedilotildees opostas

Com a morte de Dom Fernando VI ocorrida em agosto de 1759 sobe ao trono da

Espanha em 11 de setembro do mesmo ano seu meio irmatildeo entatildeo Rei das Duas

Siciacutelias atual Naacutepoles e Siciacutelia Dom Carlos III O novo Rei se opunha frontalmente

aos acordos assinados em Madri e logo iniciou uma profunda mudanccedila de

orientaccedilatildeo da poliacutetica externa espanhola A aproximaccedilatildeo com Portugal e Inglaterra

levadas a termo por influecircncia de Dom Joseacute de Carbajal y Lancaster foi

abandonada por um estreitamento de relaccedilotildees com a Franccedila Carlos III que

pertencia agrave casa dos Bourbon firmara com Luiacutes XV o chamado Pacto de Famiacutelia -

um tratado de alianccedila militar ofensiva e defensiva que lhe obrigou a entrar na

Guerra dos Sete Anos declarada pela Franccedila contra a Inglaterra e cujos resultados

seriam desastrosos tanto para os franceses quanto para os espanhoacuteis

Entretanto ensina Emanuel Soares da Veiga Garcia que

ldquoO reinado de Carlos III foi o periacuteodo chave da vida poliacutetica e econocircmica da Espanha por ocasiatildeo do seacuteculo XVIII Sua administraccedilatildeo nitidamente reformista tingiu com todas as matizes o quadro da administraccedilatildeo puacuteblica espanhola quer no plano nacional quer no setor colonialrdquo (GARCIA 1968 p 31)

85 A Guerra dos Sete Anos entre Franccedila Aacuteustria e seus aliados Ruacutessia Sueacutecia e Espanha contra Inglaterra Pruacutessia e Hannover foi travada no periacuteodo de 1756 a 1763 Considerada como o primeiro conflito de caraacuteter mundial foi precedida por uma profunda reformulaccedilatildeo do sistema de alianccedilas entre as principais potecircncias europeacuteias evidenciando a rivalidade colonial e econocircmica entre Franccedila e Inglaterra e a disputa pela supremacia na Alemanha entre Aacuteustria e Pruacutessia A guerra se alastrou do territoacuterio norte-americano e indiano ao continente europeu franceses e ingleses disputavam posiccedilotildees territoriais nos atuais Estados Unidos e na Iacutendia aleacutem disso colonos britacircnicos instalados na costa nordeste americana passaram a reivindicar a posse dos estados franceses da Terranova e Nova Escoacutecia no norte da Ameacuterica Ao longo dos sete anos as grandes potecircncias europeias levaram a guerra agraves suas possessotildees coloniais em todo o mundo os ingleses apoderam-se de Quebec e de Montreal conquistando ateacute a regiatildeo dos Grandes Lagos dominam ainda os territoacuterios franceses nas Antilhas na Aacutefrica e na Iacutendia Como consequumlecircncia a Inglaterra submeteu grande parte do impeacuterio colonial francecircs a Franccedila cedeu agrave Inglaterra o Canadaacute Cabo Bretatildeo Senegal e Gacircmbia e agrave Espanha ndash que entra na guerra em 1761 ndash a Louisiana A Espanha por sua vez cedeu a Floacuterida aos ingleses No cocircmputo global do conflito a Inglaterra e a Ruacutessia saiacuteram-se vitoriosas Em 10 de fevereiro de 1763 na Franccedila foi firmado o acordo de paz conhecido por Tratado de Paris Pelo Tratado de Hubertsburg a Aacuteustria por sua vez cedeu definitivamente a Sileacutesia agrave Pruacutessia A Pruacutessia se afirmou como concorrente da Aacuteustria na lideranccedila dos estados alematildees lanccedilando as bases do seu futuro impeacuterio colonial As importantes vitoacuterias inglesas sobre a Franccedila consolidadas no Tratado de Paris lanccedilaram as bases do futuro impeacuterio colonial inglecircs A Guerra dos Sete Anos acirrou tambeacutem as divergecircncias anglo-americanas quando Londres decidiu por penalizar os colonos americanos com parte dos custos da guerra lanccedilando assim os fundamentos da luta pela independecircncia dos Estados Unidos

277

Em Portugal Sebastiatildeo Joseacute o poderoso ministro de Dom Joseacute I natildeo fazia questatildeo

de opor-se publicamente ao Tratado de Limites acordado em Madri ele natildeo

concordava com a cessatildeo da Colocircnia do Sacramento e nutria grande antipatia por

seu antecessor Alexandre de Gusmatildeo aleacutem disso atribuiacutea os insucessos nas

demarcaccedilotildees de fronteira agrave resistecircncia dos jesuiacutetas em se submeter ao poder do

Estado Dessa forma por iniciativa da Corte portuguesa em propostas de 1757 e

1758 firmavam-se as conversaccedilotildees para a anulaccedilatildeo do Tratado de Madri

Ricardo Wall um francecircs de origem irlandesa que ocupara antes o cargo de

embaixador espanhol em Londres havia sido nomeado por Dom Fernando VI para

substituir Dom Joseacute de Carvajal y Lancaster morto em 1754 no acompanhamento

das demarcaccedilotildees de fronteira previstas pelos acordos de Madri Wall conduziu um

longo estudo sobre as vantagens e desvantagens do Tratado de Limites que era

chamado pelos espanhoacuteis de Tratado de Permuta tendo iniciado desde 1756 ainda

sob o governo de Dom Fernando VI entendimentos com Sebastiatildeo Joseacute para a

assinatura de outro acordo que pusesse fim aos conflitos provocados pela Guerra

Guaraniacutetica

Dessa forma considerando insuperaacuteveis as dificuldades de demarcaccedilatildeo ocorridas

tanto no sul quanto no norte das possessotildees coloniais ibeacutericas sul-americanas

Portugal e Espanha decidiram simplesmente por revogar o Tratado de Madri

Em 12 de fevereiro de 1761 em El Pardo na Espanha Joseph da Silva Peccedilanha

representante portuguecircs e Don Ricardo Wall representante espanhol devidamente

autorizados por seus Reis assinaram um Tratado86 de trecircs artigos que

formalmente anulava o Tratado de Madri e que invalidou - de certo modo

temporariamente - os acordos de limites coloniais firmados em 1750

ldquoTratado entre El-Rei o senhor Dom Joseacute I e Dom Carlos III Rei de Hespanha pelo qual se annulou o de 13 de janeiro de 1750 mandando-se observar os anteriores Assignado no Pardo 12 de fevereiro de 1761 Em Nome da Santissima Trindade Os serenissimos Rei de Portugal e Hespanha vendo por uma serie de successivas experiencias que na execuccedilatildeo do Tratado de Limites da Asia e

86 O Tratado de El Pardo estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo

278

da America celebrado entre as duas Coroas firmado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta [] se tem sempre encontrado taes e tatildeo grandes difficuldades [] se vio pelo contrario que desde o anno de mil setecentos e cincoenta e dois tem dado e daria no futuro muitos e muitos frequentes motivos e controversias e de contestaccedilotildees oppostas [] os dois Serenissimos Soberanos de muito accordo[] concordaram e concluiram de uniforme accordo os Artigos seguintes Artigo I O sobredito Tratado de Limites [] com todos os outros Tratados ou Convenccedilotildees [] ficam e se datildeo em virtude do presente Tratado por canccelados cassados e annulados como se nunca houvessem existido nem houvessem sido executados de sorte que todas as cousas pertencentes aos limites da America e Asia se restituem aos termos dos Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido celebrados entre as duas Coroas Contratantes antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta [] Artigo II [] o referido Tratado de Limites assignado em treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta [] dando por nullas e fazendo cessar todas as operaccedilotildees e actos respectivos agrave sua execuccedilatildeo derribem os monumentos ou padrotildees que foram erigidos em consequencia della e evacuem immediatamente os terrenos que foram occupados a titulo da mesma execuccedilatildeo ou com motivo do referido Tratado demolindo as habitaccedilotildees casas ou fortalezas que em consideraccedilatildeo do sobredito Tratado abolido se houverem feito ou levantado por uma e outra parte [] Artigo III O presente Tratado e o que nrsquoelle se acha estipulado e contratado seratildeo de perpetua forccedila e vigor entre os dois referidos Serenissimos Reis [] Em feacute do que e em virtude das Ordens e Plenos Poderes que Noacutes sobreditos Plenipotenciarios recebemos dos referidos Serenissmos Reis nossos Amos assignaacutemos o presente Tratado e o sellaacutemos com o sello das nossas Armas Em o Pardo aos doze de Fevereiro de mil setecentos sessenta e um Joseph da Silva Peccedilanha (L S) Don Ricardo Wall (L S)rdquo

O Tratado de El Pardo cancelava cassava e anulava todos os acertos territoriais

acordados em Madri determinando a interrupccedilatildeo dos trabalhos das Comissotildees de

Demarcaccedilatildeo e a evacuaccedilatildeo das terras ocupadas em razatildeo de sua execuccedilatildeo O

novo acordo retomava a situaccedilatildeo anterior de fronteiras coloniais indeterminadas e

pressupunha tambeacutem a manutenccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento pelos portugueses e

a devoluccedilatildeo dos Sete Povos aos espanhoacuteis questotildees fulcrais que natildeo seriam

resolvidas pelas intenccedilotildees celebradas em El Pardo

279

Portugal e Espanha natildeo tinham a intenccedilatildeo de renunciar aos seus tiacutetulos juriacutedicos e

agraves suas conquistas coloniais Os conflitos entre luso-brasileiros e hispano-

americanos prosseguiriam na regiatildeo platina e a separaccedilatildeo entre portugueses e

espanhoacuteis na Europa colocados em posiccedilotildees opostas com a Guerra dos Sete Anos

acirraria ainda mais essas diferenccedilas em solo sul-americano Como reflexo dessas

divergecircncias em outubro de 1762 tropas espanholas comandadas pelo

Governador de Buenos Aires Pedro Antonio de Ceballos y Cortes invadiram a

Colocircnia do Sacramento passaram pelas fortalezas de Santa Teresa Satildeo Miguel e a

guarda do Chuiacute ocupando a vila de Rio Grande na barra da Lagoa dos Patos e

obrigando a capital a mudar-se agraves pressas para Viamatildeo

Com a assinatura do Tratado de Paris em 10 de fevereiro de 1763 que punha fim agrave

Guerra dos Sete Anos Ceballos recebeu da Europa ordens de armistiacutecio Decidiu

entatildeo devolver Sacramento mas manteve a ocupaccedilatildeo espanhola em regiotildees do

atual Estado do Rio Grande do Sul por mais 13 anos Esse acordo tambeacutem natildeo

resolveria as disputas territoriais entre espanhoacuteis e portugueses na regiatildeo do Prata

A situaccedilatildeo se agravaria ainda mais quando Portugal conseguiu em 1776 retomar

seus territoacuterios no Rio Grande O governo de Madri decidiu novamente empreender

uma accedilatildeo militar contra os portugueses instalados na regiatildeo platina O Vice-Rei

Governador e Capitatildeo-General das Proviacutencias do Rio do Prata e Supremo

Presidente da Audiecircncia do Prata87 o receacutem-nomeado Pedro de Ceballos sob

ordens de guerra partiu de Caacutediz na Espanha em novembro de 1776 ao comando

de uma expediccedilatildeo de mais de 9000 homens fortemente armados em fevereiro de

1777 atacou e tomou a Ilha de Santa Catarina e em junho do mesmo ano obteve

a rendiccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento Entretanto quando estava-se preparando

para o ataque ao Rio Grande de Satildeo Pedro no caminho de Maldonado no atual

Uruguai recebeu ordens de Madri para suspender as hostilidades negociaccedilotildees de

paz estavam sendo conduzidas com Lisboa Ceballos dirigiu-se entatildeo para Buenos

Aires onde logo assumiria no mecircs de outubro as funccedilotildees de Vice-Rei do Prata As

87 Carlos III criou em 1776 o Vice-Reinado do Rio do Prata com sede em Buenos Aires formado pelas proviacutencias de Buenos Aires Paraguai Tucumaacuten Potosiacute Santa Cruz de la Sierra e Charcas e as cidades de Mendoza e San Juan del Pico separadas do Vice-Reinado do Peru territoacuterios que atualmente pertencem agrave Argentina Uruguai Paraguai Boliacutevia parte do Chile e parte do Brasil A enorme superfiacutecie que abarcava o Vice-Reinado do Peru dificultava as tarefas de governo por essa razatildeo Madri decidiu criar em parte desse territoacuterio o Vice-Reinado do Rio do Prata - uma nova divisatildeo administrativa e poliacutetica

280

lutas no sul poreacutem natildeo estavam encerradas prosseguiriam ateacute o primeiro quartel

do seacuteculo XIX jaacute sob a vigecircncia do primeiro reinado apoacutes a Independecircncia do Brasil

de Portugal

Na Europa o panorama poliacutetico novamente se modificara com a morte de Dom

Joseacute I ocorrida em 23 de fevereiro de 1777 sobe ao trono portuguecircs Dona Maria I

sobrinha de Carlos III de Espanha Grupos descontentes com a administraccedilatildeo do

Marquecircs de Pombal o poderoso ministro do Rei articularam sua demissatildeo a

Rainha entatildeo decide afastaacute-lo de suas funccedilotildees iniciando um periacuteodo de

reorientaccedilatildeo da poliacutetica portuguesa uma verdadeira reaccedilatildeo ao pombalismo

conhecido como viradeira88

Dona Maria reata relaccedilotildees com o governo de Madri enviando Dom Francisco

Inocecircncio de Souza Coutinho para negociar uma soluccedilatildeo diplomaacutetica ante a invasatildeo

espanhola do sul do Brasil

Em 1ordm de outubro de 1777 Souza Coutinho e o Conde de Florida Blanca em nome

dos Reis de Portugal e Espanha concluiacuteram em San Ildefonso - um dos palaacutecios do

rei espanhol situado nas proximidades de Toledo na Espanha - o Tratado

Preliminar de Limites que trazia como preacircmbulo a intenccedilatildeo de servir ldquode base e

fundamento ao Tratado definitivo de Limitesrdquo e que viria a ser conhecido por Primeiro

Tratado de Santo Ildefonso ou simplesmente por Tratado de Santo Ildefonso89

As exigecircncias feitas pelo negociador espanhol impuseram a assinatura de um

acordo preliminar de limites ateacute que se firmasse um novo e definitivo tratado Pelo

texto firmado em San Ildefonso Portugal cedia a Colocircnia do Sacramento perdendo

tambeacutem os direitos sobre a regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees conforme a seguir

transcrito mas mantinha a posse dos territoacuterios do centro-oeste e da Amazocircnia

acordada no Tratado de Madri 88 Viradeira eacute a designaccedilatildeo dada ao periacuteodo da administraccedilatildeo portuguesa que se iniciou em 13 de marccedilo de 1777 com a nomeaccedilatildeo por Dona Maria I dos novos Secretaacuterios de Estado em substituiccedilatildeo aos que haviam sido nomeados pelo Marquecircs de Pombal Houve nesse periacuteodo uma progressiva quebra do controle estatal sobre muitas atividades econocircmicas com a extinccedilatildeo de alguns monopoacutelios mercantis estabelecidos por Pombal ocorrendo uma retomada da influecircncia da Igreja e da alta nobreza sobre o Estado Muitos dos presos poliacuteticos foram libertados e muitos nobres foram reabilitados alguns a tiacutetulo poacutestumo 89 O Tratado de Santo Ildefonso estaacute reproduzido em anexo a este estudo

281

ldquoTratado Preliminar de Limites ndash Santo Ildefonso Dona Maria I de Portugal e Carlos III de Espanha - 1Outubro1777 Havendo a Divina Providecircncia excitado nos augustos coraccedilotildees de Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica o sincero desejo de extinguir as discoacuterdias que tem havido entre as duas Coroas de Portugal e Espanha e seus respectivos Vassalos no espaccedilo de quase trecircs seacuteculos sobre os limites de seus domiacutenios na Ameacuterica e da Aacutesia [] Artigo III Como um dos principais motivos das discoacuterdias ocorridas entre as duas Coroas tem sido o estabelecimento portuguecircs da Colocircnia de Sacramento ilha de Satildeo Gabriel e outros convieram os dois Altos contratantes [] que a dita navegaccedilatildeo dos rios da Prata e Uruguai e os terrenos das duas margens setentrional e meridional pertenccedilam privativamente agrave Coroa de Espanha e a seus suacuteditos [] Artigo IV Para evitar outro motivo de discoacuterdias entre as duas Monarquias qual tem sido a entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Grande de S Pedro seguindo depois por suas vertentes ateacute o rio Jacuiacute cujas duas margens e navegaccedilatildeo tem pretendido pertencer-lhes ambas a Coroas convieram agora em que a dita navegaccedilatildeo e entrada fiquem privativamente para a de Portugal [] os estabelecimentos e missotildees espanholas do proacuteprio Uruguai que hatildeo de ficar no atual estado em que pertencem agrave Coroa de Espanha Em feacute do que noacutes outros os infra-escritos ministros plenipotenciaacuterios assinamos de nosso punho em nome de nossos Augustos Amos e em virtude das plenipotecircncias que para isso nos autorizaram o presente tratado preliminar de limites e o fizemos selar com o selo de nossa armas Feito em Santo Ildefonso no 1ordm de outubro de 1777 (LS) D Francisco Innocencio de Souza Coutinho (LS) El Conde de Florida Blanca ldquo

Os espanhoacuteis comprometiam-se a devolver a Ilha de Santa Catarina e outras terras

ocupadas por eles no atual Rio Grande do Sul bem como interromper

imediatamente as lutas na regiatildeo o territoacuterio de Satildeo Pedro do Rio Grande ficaria

dividido ao meio no sentido longitudinal passando o limite nas imediaccedilotildees da atual

cidade de Santa Maria e a Espanha manteria o controle exclusivo sobre a

navegaccedilatildeo e as terras das duas margens do Rio do Prata

O acordo obrigou Portugal a ceder tambeacutem alguns territoacuterios no Golfo da Guineacute

permitindo assim que a Espanha tivesse acesso ao mercado escravista dos negros

africanos exercido ateacute entatildeo por ingleses franceses holandeses italianos e

portugueses O Tratado de El Pardo - natildeo confundir com o de 1761 - assinado em

11 de marccedilo de 1778 Tratado de amizade comeacutercio neutralidade e garantia

reciacuteproca firmado entre Espanha e Portugal pelo que este cede a Espanha as ilhas

282

de Fernatildeo Poacute e Ano Bom confirmava e validava o Tratado Preliminar assinado em

Santo Ildefonso no ano anterior em 1777 Essa alianccedila e aproximaccedilatildeo entre

portugueses e espanhoacuteis duraria ateacute o final do seacuteculo XVIII quando novamente as

duas Coroas ibeacutericas voltaram a tomar posiccedilotildees contraacuterias no cenaacuterio poliacutetico

europeu

O Tratado de Santo Ildefonso conservava em linhas gerais os limites estabelecidos

pelo Tratado de Madri embora com prejuiacutezo para Portugal no extremo sul do Brasil

mas consagrava por outro lado como princiacutepio doutrinaacuterio o uti possidetis ao

adotar como regra de fixaccedilatildeo de limites entre os domiacutenios a conquista e a

ocupaccedilatildeo efetiva dos territoacuterios

A maioria dos historiadores portugueses e brasileiros entretanto considera o acordo

desfavoraacutevel para Portugal Heacutelio Vianna considera que rdquoEmbora definitivamente consagrando a doutrina do uti possidetis era injusto o Tratado de Santo Ildefonso pela penalidade imposta a Portugal da perda da Colonia de Sacramento sem a compensaccedilatildeo dos Sete Povos das Missotildees Orientais do Uruguairdquo(VIANNA 1954 p 73)

O Visconde de Satildeo Leopoldo julga-o ldquoum tratado mais que todos leonino e capciosordquo

(SAtildeO LEOPOLDO90 1902 tomo 65 vol 105 p 347 apud VIANNA 1954 p 73) e

Francisco Adolfo Varnhagen afirma terem sido seus artigos ldquoditados pela Espanha

quase com as armas na matildeo e os pactos natildeo podiam deixar de parecer-se aos do

leatildeo com a ovelha timoratardquo (VARNHAGEN 1962 tomo IV p 267 e 268)

Robert Southey ressalta que ldquoOs portugueses poreacutem recordam este tratado como

ditado pela injusticcedila e aceito pela fraqueza Em outros tempos talvez ele natildeo

houvesse sido aceito []rdquo (SOUTHEY 1981 vol 3 p 357)

Na opiniatildeo de Heinrich Handelmann entretanto o Tratado Santo Ildefonso era

vantajoso justamente por reafirmar em linhas gerais os acordos de Madri e garantir

a configuraccedilatildeo das fronteiras do Brasil ldquo[] pareceram aos portugueses muito desvantajosos e injustos e pouca aprovaccedilatildeo acharam na opiniatildeo puacuteblica poreacutem o Brasil podia em todo

90 Visconde de Satildeo Leopoldo Revista Trimestral do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro tomo 65 vol 105 p 347 Rio de Janeiro 1902

283

caso contentar-se com isso pois alcanccedilava finalmente a definitiva fixaccedilatildeo de suas fronteiras pelo tratado preliminar de primeiro de outubro de 1777 que se natildeo era tatildeo favoraacutevel como o primeiro de 1750 sempre era ainda bastante vantajosordquo (HANDELMANN 1982 p 150)

Joatildeo Capistrano de Abreu - que jaacute havia demonstrado veemente opiniatildeo contraacuteria

aos efeitos sangrentos da transferecircncia das reduccedilotildees jesuiacuteticas da banda oriental do

Uruguai os Sete Povos das Missotildees preconizada pelo Tratado de Madri de 1750 -

escreveu que ldquo[] Santo Ildefonso [] em quase tudo semelhante ao de Madri e

mais humano e generoso que este pois natildeo impunha ecircxodos cruentosrdquo

(CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 214)

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que historiadores hispano-americanos

tambeacutem condenam o Tratado Santo Ildefonso defendendo a tese de que a Espanha

poderia ter obtido muito mais naquelas negociaccedilotildees (GOacuteES FILHO 2001 p 194)

O argentino Miguel Angel Scenna afirma ldquoSan Ildefonso lamentable [para os

espanhoacuteis] en cuanto fueacute negociado cuando Espantildea teniacutea las cartas de triunfo en la

mano y estaba en condiciones de invadir militarmente el Brasilrdquo (SCENNA91 1975

p 62 apud GOacuteES FILHO 2001 p 194)

No momento da assinatura do Tratado a Espanha estava em evidente superioridade

em relaccedilatildeo agrave Portugal havia ocupado com ecircxito a Ilha de Santa Catarina e a

Colocircnia do Sacramento e era mais forte militarmente ante os luso-brasileiros no Rio

Grande de Satildeo Pedro

Haacute entretanto outras avaliaccedilotildees feitas por historiadores hispacircnicos que concordam

ser o Tratado de Santo Ildefonso um acordo bastante razoaacutevel uma vez que refletiu

a situaccedilatildeo poliacutetica da Espanha naquele momento muito mais favoraacutevel do que agrave

eacutepoca do Tratado de Madri Heacutelio Vianna cita o argentino Carlos Calvo para

exemplificar esta opiniatildeo sobre Santo Ildefonso

ldquoMais vantajoso agrave Espanha que o de 1750 deixou-a com o domiacutenio absoluto e exclusivo do Rio da Prata arvorando sua bandeira na Colocircnia

91 SCENNA Miguel Angel Argentina-Brasil Cuatro siglos de Rivalidad p 62 Buenos Aires 1975

284

do Sacramento e estendendo sua autoridade sobre os campos do Ibicuiacute [a regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees] na margem oriental do Uruguai sem mais sacrifiacutecio que a devoluccedilatildeo da ilha de Santa Catarina de que se havia apoderado por conquistardquo (CALVO92 1862 p 129 apud VIANNA 1954 p 73)

Um julgamento mais objetivo e menos apaixonado sobre o Tratado de Santo

Ildefonso evidencia que os acordos firmados em 1777 conservaram para o Brasil

basicamente o mesmo traccedilado das linhas de fronteiras do Tratado de Madri

estabelecendo novos limites apenas na regiatildeo sul Portugal oficializava ainda a

ocupaccedilatildeo territorial com o tiacutetulo de posse de vastas porccedilotildees de terra do centro-oeste

e da Amazocircnia brasileira incorporando-os definitivamente a seu impeacuterio colonial

Para a execuccedilatildeo do Tratado de Santo Ildefonso foram nomeadas 4 comissotildees

mistas responsaacuteveis por demarcar as fronteiras entre as possessotildees coloniais sul-

americanas espanholas e portuguesas A primeira se encarregaria do Arroio do Chuiacute

ao Rio Igureiacute abrangendo parte da atual Regiatildeo Sul do Brasil a segunda do Rio

Igureiacute ao Rio Jauru nas Regiotildees Sul e Centro-Oeste a terceira partiria do Rio Jauru

ateacute o ponto meacutedio do curso do Rio Madeira a partir de onde passaria a linha

paralela rumo ao Rio Javari e por este e pelo Rio Solimotildees abaixo ateacute a boca mais

ocidental do Rio Japuraacute e a quarta subindo o Rio Japuraacute alcanccedilaria as cordilheiras

que separam as bacias do Rio Amazonas e do Rio Orenoco ateacute atingir o Rio

Oiapoque e sua foz no Oceano Atlacircntico

Lisboa determinou que a primeira comissatildeo demarcadora fosse chefiada pelo Vice-

Rei do Brasil e a segunda terceira e quarta pelos governadores de Satildeo Paulo

Mato Grosso e Gratildeo-Paraacute respectivamente As divergecircncias que haviam surgido

para os trabalhos de demarcaccedilatildeo previstos pelo Tratado de Madri viriam a se repetir

com o novo acordo de Santo Ildefonso de tal sorte que as comissotildees chefiadas

pelos governadores de Satildeo Paulo e Mato Grosso a segunda e a terceira nunca

viriam a se reunir com as equipes espanholas

A primeira comissatildeo organizada em 1781 e sujeita ao Vice-Rei do Brasil Luiacutes de

Vasconcelos e Souza soacute se reuniu com os espanhoacuteis no ano de 1784 para o iniacutecio 92 CALVO Carlos Recueil Complet des Traieacutes Conventions Capitulations Armistices et autres actes diplomatiques de tous lecircs eacutetats de lrsquoAmeacuterique Latine depuits lrsquoanneacutee 1493 jusqursquoa nos jours Tomo III p 129 Paris 1862

285

dos trabalhos de campo Logo surgiram divergecircncias entre as posiccedilotildees portuguesas

e castelhanas que retardaram o prosseguimento das tarefas de demarcaccedilatildeo Em

Santa Maria no atual Rio Grande do Sul no ano de 1787 a comissatildeo interrompeu

seu trabalho

A imprecisatildeo da localizaccedilatildeo dos Rios Igureiacute e Corrientes provocou enorme

discordacircncia no trecho previsto para a demarcaccedilatildeo da segunda comissatildeo natildeo se

chegando a um consenso sobre esse assunto ateacute os finais do seacuteculo XVIII

No centro-oeste no trecho previsto para a terceira comissatildeo Dom Luiz de

Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres capitatildeo-general da Capitania do Mato

Grosso e Cuiabaacute no periacuteodo de dezembro de 1772 a novembro de 1789 fora

encarregado da chefia da equipe portuguesa nas tarefas demarcatoacuterias Embora natildeo

tenha-se encontrado com os representantes espanhoacuteis nunca tendo realizado

trabalho em conjunto Pereira e Caacuteceres planejou a ocupaccedilatildeo da margem oriental do

Rio Paraguai e implementou a construccedilatildeo do Forte Priacutencipe da Beira no meacutedio

Guaporeacute e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda no Alto e no Meacutedio Paraguai

fundando tambeacutem em posiccedilotildees estrategicamente localizadas no ano de 1778 as

povoaccedilotildees de Albuquerque hoje Corumbaacute no atual Mato Grosso do Sul e Vila

Maria hoje Caacuteceres no Mato Grosso Esse trabalho de fortificaccedilatildeo das margens dos

Rios Paraguai e Guaporeacute permitiu a consolidaccedilatildeo da presenccedila portuguesa na

regiatildeo conduzido sem a interferecircncia das equipes espanholas previstas para as

demarcaccedilotildees93

A quarta comissatildeo que ficara encarregada dos trabalhos de demarcaccedilatildeo da

Amazocircnia - desde o Rio Japuraacute ateacute alcanccedilar as cordilheiras que separam as bacias

do Rio Amazonas e do Rio Orenoco atingindo o Rio Oiapoque e sua foz no Oceano

Atlacircntico - foi constituiacuteda por Joatildeo Pereira Caldas Governador do Gratildeo-Paraacute e

comissaacuterio chefe Teodoacutesio Constantino de Chermont tenente-coronel de artilharia e

93 O governador Luiacutes de Albuquerque de Melo Pereira e Caacuteceres promoveu exploraccedilotildees fluviais e terrestres em vaacuterias regiotildees da Capitania de Mato Grosso aumentando enormemente o conhecimento geograacutefico da regiatildeo ofereceu agrave rainha de Portugal Dona Maria I a Carta em q se mostra a corrente dos rios Guaporeacute e Mamoreacute a principiar em Va Bella captal do Mato Grosso e a Planta da nova Povoaccedilatildeo de Cazalvasco documentos de grande valor histoacuterico e que atualizavam na Corte as informaccedilotildees sobre o centro-oeste brasileiro

286

engenheiro Henrique Wilkens Matos capitatildeo de infantaria e engenheiro Joseacute

Simotildees de Carvalho astrocircnomo Joseacute Joaquim Vitoacuterio da Costa cartoacutegrafo Euzeacutebio

Antocircnio de Ribeiros sargento-mor de infantaria e engenheiro Ricardo Franco de

Almeida Serra capitatildeo de infantaria e engenheiro Francisco Joseacute de Lacerda e

Almeida astrocircnomo Pedro Alexandrino Pinto de Sousa capitatildeo de infantaria e

engenheiro e Manuel da Gama Lobo drsquoAlmada Para comissaacuterio chefe espanhol foi

nomeado Dom Francisco de Requentildea autor da Historia de las Demarcaciones de

Liacutemites en la Ameacuterica entre los Dominios de Espantildea y Portugal onde registrou a

versatildeo espanhola das dificuldades da demarcaccedilatildeo documento que viria a ser

utilizado mais tarde pelas naccedilotildees hispano-americanas no seacuteculo XIX para dar

suporte agraves suas reivindicaccedilotildees territoriais na Amazocircnia

Joatildeo Capistrano de Abreu relata detalhadamente as divergecircncias ocorridas entre

as posiccedilotildees portuguesas e espanholas

ldquoTinham os comissaacuterios de demarcar a fronteira do Javari agrave boca mais ocidental do Japuraacute e seguir por este acima ateacute um rio que resguardasse os estabelecimentos portugueses do rio Negro A boca mais ocidental do Japuraacute originou graves discussotildees por um chamar de boca ao que o outro considerava furo isto eacute um canal que levava aacuteguas do Solimotildees ao Japuraacute em vez de trazecirc-las [] Nunca se decidiu agrave vista dos muacuteltiplos varadouros imaginaacuterios ou verdadeiros alegados por parte de Portugal [] Requena reclamou a posse de Tabatinga [] Joatildeo Pereira Caldas [] declarou-se prestes a fazer a entrega de Tabatinga se os espanhoacuteis lhe entregassem Satildeo Carlos forte do alto rio Negro fundado na expediccedilatildeo de Dom Joseacute de Iturriaga malogrado comissaacuterio da primeira demarcaccedilatildeordquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 216)

O impasse sobre a devoluccedilatildeo de Tabatinga aos espanhoacuteis natildeo foi resolvido por

Pereira Caldas ou mesmo por Lobo drsquoAlmada seu sucessor na chefia da comissatildeo

mantendo-se a posse portuguesa de Tabatinga mesmo depois de encerradas as

demarcaccedilotildees Requentildea conseguiu licenccedila para voltar agrave Europa e Lisboa o autorizou

a descer o Rio Amazonas sob a orientaccedilatildeo secreta de que o espanhol natildeo visse

povoaccedilatildeo alguma ou que natildeo pudesse tomar nota de nenhuma informaccedilatildeo

importante sobre as posiccedilotildees portuguesas ao longo do Rio

Synezio Sampaio Goacutees Filho recorda a retenccedilatildeo de Tabatinga pelos portugueses na

opiniatildeo de Pedro Moncayo y Esparza escritor e historiador equatoriano do comeccedilo

do seacuteculo XIX

287

ldquoEl agente de Portugal sin desconocer la justicia de la reclamacioacuten hecha por el comisario espantildeol dioacute por excusa para retener la fortaleza de Tabatinga que no podria entregarla sin recibir al mismo tiempo las fortalezas que perteneciacutean a Portugal y que poseiacutea Espantildea en los maacutergenes del riacuteo Negrordquo (Apud QUESADA94 1920 p 267 apud GOacuteES FILHO 2001 p 197)

Persistiriam as divergecircncias das comissotildees de limites conduzidas no sul no centro-

oeste do Brasil e na Amazocircnia impedindo que as campanhas de demarcaccedilatildeo

atingissem os objetivos previstos pelos acordos de fronteira

Sobre os insucessos dos trabalhos de demarcaccedilatildeo Francisco Adolfo de Varnhagen

considera concisamente

ldquoOs comissaacuterios foram nomeados partiram apresentaram-se sobre os terrenos natildeo para porem marcos e levantarem as plantas mas para discutirem e para agrave forccedila de muita discussatildeo retirarem-se brigados As duas naccedilotildees natildeo conseguiram os fins a que se haviam proposto e o tratado natildeo passou nunca de preliminarrdquo (VARNHAGEN 1962 p 209)

Os fracassos das campanhas de demarcaccedilatildeo natildeo permitiram que as fronteiras

coloniais americanas fossem demarcadas no terreno embora alguns marcos

tivessem sido chantados os limites entre os territoacuterios portugueses e espanhoacuteis

continuavam indefinidos Ao final do seacuteculo XVIII natildeo se podia ainda oficialmente

afirmar com seguranccedila onde terminava a jurisdiccedilatildeo de Espanha e onde se iniciava

a soberania portuguesa Sabia-se no entanto que o argumento de posse dos

territoacuterios era o mais defensaacutevel diante de tantas divergecircncias

Natildeo se pode deixar de considerar por outro lado que apesar dessa indefiniccedilatildeo de

limites coloniais o governo portuguecircs manteve a poliacutetica de ocupaccedilatildeo de suas

possessotildees americanas e realizou consideraacutevel esforccedilo para empreender as

demarcaccedilotildees com os espanhoacuteis Documentos existentes no Arquivo Histoacuterico

Ultramarino de Lisboa anexados a este estudo revelam que a posse dos territoacuterios

da Amazocircnia e do Mato Grosso sempre mereceu a atenccedilatildeo da Coroa portuguesa

94 Apud QUESADA Vicente G Histoacuteria Diplomaacutetica Latino-Americana La poliacutetica imperialista Del Brasil y las questiones de limites de las repuacuteblicas sudamericanas p 267 Buenos Aires Talleres Graacuteficos 1920

288

apesar da evidente prioridade para a soluccedilatildeo da questatildeo platina e a definiccedilatildeo das

fronteiras da regiatildeo sul do Brasil

O fracasso das demarcaccedilotildees reconhecido por Joatildeo Capistrano de Abreu natildeo

impediu a contribuiccedilatildeo para o conhecimento geograacutefico e cientiacutefico que as

comissotildees legaram em seu trabalho de penetraccedilatildeo do territoacuterio

ldquoO trabalho efetuado limitou-se agrave fronteira do Chuiacute ao Iguaccedilu e do Javari ao Japuraacute isto durante anos de arguacutecia dilaccedilotildees inaccedilatildeo de que cada naccedilatildeo lanccedilava agrave outra culpa exclusiva [] Poder-se-ia dizer que com isso ganhou a geografia das respectivas regiotildees Pois os cientistas exploraram rios descreveram plantas e animais enviaram curiosas espeacutecimes dos trecircs reinos para os estabelecimentos de aleacutem-marrdquo (CAPISTRANO DE ABREU 2000 p 215)

O periacuteodo das campanhas de demarcaccedilatildeo que se seguiu aos acordos de Santo

Ildefonso de 1777 coincide com o das expediccedilotildees cientiacuteficas promovidas pelas

naccedilotildees europeacuteias em suas possessotildees coloniais O conceito de utilidade social da

ciecircncia articulava-se ao movimento de renovaccedilatildeo de ideacuteias conhecido por

iluminismo95

Em Portugal sobretudo na segunda metade do seacuteculo XVIII houve um enorme

esforccedilo de renovaccedilatildeo do conhecimento promovido principalmente pelo Estado

Nesse contexto Lisboa tentou aproximar-se dos sistemas coloniais europeus

particularmente o francecircs e o inglecircs utilizando-se de cientistas engenheiros-

cartoacutegrafos meacutedicos receacutem-formados pela Universidade de Coimbra ou por

academias corporativas e altos funcionaacuterios dotados de formaccedilatildeo ilustrada

95 O conceito de iluminismo tem sido utilizado largamente no ensinamento de Histoacuteria para abarcar o movimento cultural que se desenvolveu na Inglaterra Holanda e Franccedila nos seacuteculos XVII e XVIII e que deu origem agraves ideacuteias de liberdade poliacutetica e econocircmica defendidas pela ascendente classe burguesa europeacuteia O movimento alcanccedilou tambeacutem outras naccedilotildees da Europa e influenciou de diferentes maneiras e intensidades a Ameacuterica a Aacutefrica e a Aacutesia Em um primeiro momento o eixo desse movimento de ideacuteias se concentrou na Franccedila e na Inglaterra mas rapidamente articulou-se dentro de um conceito cosmopolita e a circulaccedilatildeo livre ou clandestina de novas ideacuteias foi disseminada de Lisboa agrave Satildeo Petesburgo refletindo-se no modo de pensar a histoacuteria a moral o direito a religiatildeo a esteacutetica e a poliacutetica Os filoacutesofos e economistas que difundiam essas ideacuteias chamados de iluministas acreditavam ser propagadores da luz e do conhecimento Eacute importante ressaltar a adoccedilatildeo dos termos Luz Luz da razatildeo Luz da boa razatildeo Luz da experiecircncia Luzes Luzes do seacuteculo e expressotildees de mesmo sentido como civilizar ilustrar e iluminar na linguagem de reformadores e publicistas da eacutepoca bem como o uso mais comum de ilustrado ou esclarecido e menos frequumlentemente de iluminado Esses homens de razatildeo usavam uma linguagem proacutepria recorriam aos mesmos meacutetodos de verificaccedilatildeo e partilhavam os resultados de suas experiecircncias construindo o conceito do princiacutepio da utilidade social da ciecircncia

289

A participaccedilatildeo da Coroa no processo de renovaccedilatildeo cultural e cientiacutefica pode ser

dimensionada por uma seacuterie de medidas efetivas tomadas pelo Estado para a

formaccedilatildeo de uma elite de caraacuteter ilustrado como a criaccedilatildeo do Coleacutegio dos Nobres

da Academia Militar e a reforma da Universidade de Coimbra bem como a

requisiccedilatildeo de professores de Fiacutesica Astronomia Quiacutemica Matemaacutetica e Histoacuteria

Natural dos principados italianos para ensinarem nas instituiccedilotildees de ensino

portuguesas Acircngela Domingues ressalta que a Coroa procurou fornecer os meios

teacutecnicos humanos e financeiros necessaacuterios agraves viagens cientiacuteficas que se

realizaram ao Brasil agrave Aacutefrica e agrave Aacutesia Ela determinou tambeacutem os campos de

atuaccedilatildeo e estudo definindo diretrizes cientiacuteficas ou estabelecendo prioridades para

certas aacutereas geograacuteficas recebendo e gerindo as informaccedilotildees oriundas dos mais

diversos pontos do impeacuterio que eram endereccediladas agrave Secretaria de Negoacutecios

Ultramarinos ou ao Real Gabinete de Histoacuteria Natural Jardim Botacircnico da Ajuda

Hospital Militar ou Hospital de Satildeo Joseacute As observaccedilotildees e o material coletado por

funcionaacuterios da administraccedilatildeo ou por homens de ciecircncia no desempenho de

missotildees oficiais eram em geral centralizados em Lisboa Aleacutem disso os

governadores e capitatildees-generais das diferentes capitanias tiveram papel

fundamental no exerciacutecio da nova poliacutetica de conhecimento e exploraccedilatildeo do

ultramar No caso do Brasil a introduccedilatildeo de novas espeacutecies de plantas em

diferentes regiotildees da colocircnia dependia tambeacutem do zelo de seus administradores

Uma das experiecircncias mais bem-sucedidas foi a fundaccedilatildeo do Jardim Botacircnico de

Beleacutem em 1796 durante o governo de Francisco Mauriacutecio de Sousa Coutinho que

aclimatou no Brasil o tamarineiro o sapoti a mangueira e a fruta-patildeo todas trazidas

de Caiena atual Guiana Francesa (DOMINGUES 2000)

Apoacutes a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777 iniciou-se o

planejamento das expediccedilotildees que iriam compor as comissotildees demarcadoras de

fronteiras que partiram para Brasil em 1780 Domenico Agostino Vandelli96 sugeria

96 Domenico Agostino Vandelli nasceu em Paacutedua na Itaacutelia e formou-se em Filosofia pela Universidade de mesmo nome Foi convidado pelo Marquecircs de Pombal no acircmbito da reforma da Universidade de Coimbra para vir para Portugal ocupar um lugar na Faculdade de Filosofia chegando a Lisboa em 1765 Na Faculdade de Filosofia foi nomeado docente de Quiacutemica e de Histoacuteria Natural Ficou tambeacutem responsaacutevel pela seleccedilatildeo do local da implantaccedilatildeo do Jardim Botacircnico do estabelecimento do Laboratoacuterio Quiacutemico e do Museu de Histoacuteria Natural da Universidade de Coimbra Em 1787 foi para Lisboa onde se tornou o primeiro diretor do Jardim Botacircnico da Ajuda Foi membro de vaacuterias academias cientiacuteficas nomeadamente da Academia Real das Ciecircncias de Lisboa onde apresentou diversas memoacuterias relativas agrave Agricultura agrave Induacutestria e agrave Economia Trocou

290

que um naturalista acompanhasse essas expediccedilotildees que cumpririam tambeacutem a

funccedilatildeo de levantamento dos recursos naturais dos territoacuterios a serem explorados As

chamadas viagens filosoacuteficas foram concebidas como comissotildees mistas de

demarcaccedilatildeo e levantamento cientiacutefico Em 1768 Vandelli jaacute havia iniciado o

estabelecimento de um jardim botacircnico junto ao Palaacutecio Real da Ajuda sua

finalidade aleacutem de proporcionar ao priacutencipe herdeiro uma educaccedilatildeo cientiacutefica - que

faria dele futuramente um monarca esclarecido - era auxiliar o progresso da

agricultura ao tornar-se o local de experiecircncias em larga escala sobre a cultura de

plantas que revertessem em benefiacutecios de interesse econocircmico para o impeacuterio

portuguecircs A criaccedilatildeo do Complexo Museoloacutegico da Ajuda na expressatildeo de Joatildeo

Carlos Pires Brigola centralizava o vasto projeto de se produzir uma histoacuteria natural

das colocircnias (BRIGOLA 2003)

O projeto baseava-se em um amplo levantamento dos produtos naturais dos reinos

vegetal animal e mineral com a finalidade de se descobrir novas espeacutecies e

contribuir para o desenvolvimento cientiacutefico Pretendia igualmente avaliar as

potencialidades econocircmicas das possessotildees coloniais As expediccedilotildees deveriam

fazer observaccedilotildees geograacuteficas e colher informaccedilotildees sobre o ar a aacutegua os animais

a vegetaccedilatildeo e as populaccedilotildees nativas buscando novos elementos explicativos do

funcionamento terrestre e da interaccedilatildeo da vida nesses ambientes O transporte dos

produtos naturais natildeo se daria somente das colocircnias para a metroacutepole as espeacutecies

vegetais e animais seriam aclimatadas em todas as possessotildees coloniais como

Goa Macau Guineacute Moccedilambique Angola e Brasil O planejamento a preparaccedilatildeo e

a execuccedilatildeo de viagens cientiacuteficas em todo o impeacuterio portuguecircs constituiacuteam assim

etapas obrigatoacuterias desse grande projeto (FIGUEIROcircA 2005)

O processo de preparaccedilatildeo das expediccedilotildees compreendia a elaboraccedilatildeo de instruccedilotildees

cientiacuteficas e o treinamento dos naturalistas para as viagens As instruccedilotildees redigidas

por Vandelli intituladas Viagens filosoacuteficas ou Dissertaccedilatildeo sobre as importantes

regras que o filoacutesofo naturalista nas suas peregrinaccedilotildees deve principalmente

observar de 1779 deixam claro o pensamento corrente na eacutepoca de que o

correspondecircncia com vaacuterios cientistas estrangeiros organizou e enriqueceu o Jardim Botacircnico do Palaacutecio da Ajuda em Lisboa A maior parte da produccedilatildeo cientiacutefica de Vandelli diz respeito agrave Histoacuteria Natural e mais especificamente agrave Botacircnica

291

conhecimento devia ter um caraacuteter uacutetil utilitaacuterio a ser usado em benefiacutecio do

progresso do Reino Em outro documento Breves instruccedilotildees aos correspondentes

da Academia das Ciecircncias de Lisboa sobre as remessas dos produtos e notiacutecias

pertencentes a Histoacuteria da Natureza para formar um Museu Nacional publicadas

pela Academia Real das Ciecircncias de Lisboa em 1781 compostas com o objetivo

maior de suprir um museu nacional que estava em processo de criaccedilatildeo satildeo dadas

orientaccedilotildees para se coletar objetos naturais e artificiais no Reino de Portugal e em

suas colocircnias possibilitando o estudo das ciecircncias naturais que levariam ao

adiantamento das Artes Comeacutercio Manufaturas e todos os mais ramos da

Economia

Incumbido da tarefa de executar os planos de realizaccedilatildeo uma de histoacuteria natural das

colocircnias partiu de Lisboa em 1ordm de setembro de 1783 em direccedilatildeo a Beleacutem no

Gratildeo-Paraacute o naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira97

Tinha como missatildeo dirigir a viagem preparar os diaacuterios inspecionar a manufatura

de desenhos e fazer as remessas de produtos naturais O jardineiro botacircnico

Agostinho Joaquim do Cabo e os desenhistas Joseacute Joaquim Freire e Joaquim Joseacute

Codina acompanhavam a expediccedilatildeo Juntamente com a comitiva dessa viagem agrave

Amazocircnia brasileira estavam o novo bispo e o governador do Estado do Gratildeo-Paraacute

Martinho de Sousa Albuquerque O material recolhido nas expediccedilotildees seria remetido

para diversas instituiccedilotildees do Reino particularmente para o Real Museu e Jardim

Botacircnico da Ajuda sob a direccedilatildeo de Vandelli

Chegando agrave Amazocircnia Alexandre Rodrigues Ferreira passou um breve periacuteodo em

Beleacutem Partiu depois para a exploraccedilatildeo de todo o curso superior do Rio Negro e do

Rio Branco Voltando ao Rio Amazonas embrenhou-se pelo Rio Madeira e alcanccedilou

os arredores de Cuiabaacute onde permaneceu por alguns meses antes de voltar para

97 Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na Bahia em 1756 e morreu em Lisboa em 1815 Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1774 recebendo o grau de bacharel em filosofia natural em 1778 No ano seguinte em 1779 obteve o grau de doutor em filosofia Posteriormente foi empregado no Jardim Botacircnico de Ajuda onde fazia demonstraccedilotildees de Histoacuteria Natural Apoacutes a expediccedilatildeo cientiacutefica realizada ao Brasil no periacuteodo de 1783 a 1792 foi contratado como administrador do Real Museu e Jardim Botacircnico da Ajuda onde trabalhou juntamente com o fundador deste jardim botacircnico o italiano Domenico Agostino Vandelli

292

Beleacutem No regresso em 1792 trazia um verdadeiro tesouro em ervas espeacutecimes

aquarelas e monografias descritivas da regiatildeo que explorou

Durante 9 anos Alexandre Rodrigues Ferreira percorreu as Capitanias do Gratildeo-

Paraacute Satildeo Joseacute do Rio Negro Mato Grosso e Cuiabaacute numa expediccedilatildeo que pode ser

comparada pelo esforccedilo despendido em prol das ciecircncias naturais agraves viagens

realizadas por Louis Antoine de Bougainville James Cook Charles Marie de la

Condamine e Alexander von Humboldt Humboldt98

98 Louis Antoine de Bougainville 1729 a 1811 oficial navegador e escritor francecircs Com 25 anos publicou um tratado de caacutelculo integral como suplemento do tratado de De lHocircpital Des infiniment petits e tornou-se membro da Royal Society Em 1766 recebeu de Louis XV a missatildeo de circunavegar o globo Ele se tornou o 14deg navegador da histoacuteria e o primeiro francecircs a conseguir tal feito e a realizaccedilatildeo dessa volta ao mundo revigorou o prestiacutegio da Franccedila apoacutes suas humilhantes derrotas durante a Guerra dos Sete Anos Ele visitou a ilha de Taiti em abril de 1768 e por pouco perdeu a oportunidade de se tornar seu descobridor desconhecendo a visita anterior de Samuel Wallis no HMS Dolphin menos de um ano antes Descrevendo o Taiti no seu livro de 1771 Voyage autour du monde ofereceu uma visatildeo de um paraiacuteso terrestre onde homens e mulheres viviam felizes em completa inocecircncia longe da corrupccedilatildeo da civilizaccedilatildeo Ele ilustrou o conceito de nobre selvagem e influenciou as ideacuteias utoacutepicas de filoacutesofos como Jean-Jacques Rousseau antes do advento da Revoluccedilatildeo francesa James Cook 1728 a 1779 navegador inglecircs pioneiro da exploraccedilatildeo do Oceano Paciacutefico e responsaacutevel pela descoberta da Austraacutelia Estudou naacuteutica matemaacutetica e astronomia Em 1755 ingressa na Marinha britacircnica Como cartoacutegrafo eacute incumbido de fazer trecircs viagens de circunavegaccedilatildeo Em 1768 no navio HMS Endeavour eacute o comandante escolhido para levar os membros da Royal Society ao Taiti para observar o tracircnsito de Vecircnus na primeira expediccedilatildeo cientiacutefica pelo Paciacutefico Apoacutes o sucesso da expediccedilatildeo cientiacutefica Cook prossegue com objectivos de exploraccedilatildeo Durante a viagem descobre o arquipeacutelago que batiza de Ilhas Sociedade na Polineacutesia Francesa e mapeia toda a Nova Zelacircndia No regresso descobre a costa ocidental da Austraacutelia Em 1772 Cook parte para nova circunavegaccedilatildeo ao comando das naus Resolution e Adventure Durante esta viagem chega agrave mais baixa latitude ao sul alcanccedilada ateacute entatildeo (70deg10S) cruzando pela primeira vez o ciacuterculo polar Antaacutertico Essa viagem resultou na descoberta das Ilhas Cook Em 1776 com os navios Resolution e Discovery parte para o que seria a sua uacuteltima missatildeo e descobre o arquipeacutelago do Havaiacute que chama de Sandwich Costeia a Ameacuterica e atravessa o estreito de Bering chegando ao Aacutertico No regresso ao Havaiacute Cook eacute morto num confronto com nativos Cook ficou conhecido pela preocupaccedilatildeo com a sauacutede e a alimentaccedilatildeo de sua tripulaccedilatildeo Em sua primeira viagem nenhum membro da tripulaccedilatildeo morre de escorbuto doenccedila causada pela falta de aacutecido ascoacuterbico no organismo e responsaacutevel pela morte de muitos marinheiros ateacute o seacuteculo XVIII Ele eacute considerado o pai da Oceania Alexander von Humboldt Humboldt 1769 a 1859 foi educado na Alemanha e recebeu formaccedilatildeo acadecircmica em geologia revelando-se interessado em vaacuterios campos da ciecircncia Em 1799 iniciou a sua ceacutelebre expediccedilatildeo agrave Ameacuterica do Sul ndash que iria incluir o Caribe Meacutexico e um raacutepido percurso pela Ameacuterica do Norte Desbravador de extraordinaacuteria importacircncia Ao longo de 5 anos percorreu 10000 km pelas Ameacutericas Atravessou a Cordilheira dos Andes partindo do litoral venezuelano e chegando ateacute Lima no Peru Subiu o Rio Orenoco atingindo o Rio Negro na entatildeo Ameacuterica portuguesa Visitou Cuba percorreu extensas regiotildees do Meacutexico terminando sua viagem nos Estados Unidos Introduziu na pesquisa cientiacutefica de campo as noccedilotildees de rigor e meacutetodo Suas contribuiccedilotildees abarcaram desde o estudo das correntes mariacutetimas (ele foi o descobridor da corrente do Paciacutefico que posteriormente levou o seu nome) ateacute o das placas tectocircnicas Foi ele quem desvendou o funcionamento dos vulcotildees Tambeacutem elucidou a relaccedilatildeo que havia entre a flora e o clima fundando assim a fitogeografia Foi o precursor dos estudos sobre a rara vegetaccedilatildeo encontrada no norte andino conhecida por Paacuteramos Seus estudos de climatologia levaram-no a empregar pela primeira vez as curvas de isotermas Tambeacutem foi ele o responsaacutevel pela ampla utilizaccedilatildeo das chamadas curvas de niacutevel em mapas Classificou milhares de exemplares da fauna e flora sul-americanas Ao escalar o vulcatildeo equatoriano em 1802 Chimborazo com 6310 m de altitude que na eacutepoca era considerada a montanha mais alta do mundo estabeleceu um recorde

293

Ao longo da jornada Alexandre Rodrigues Ferreira compocircs dezenas de memoacuterias

entre elas o Diaacuterio da Viagem Filosoacutefica pela Capitania de Satildeo Joseacute do Rio Negro e

centenas de desenhos recolhendo artefatos da cultura indiacutegena e espeacutecimes dos

trecircs reinos No entanto os resultados da Viagem Filosoacutefica conduzida por ele natildeo

foram bem divulgados em Portugal Os relatos memoacuterias e desenhos produzidos

pelo naturalista permaneceram em manuscritos por quase um seacuteculo O material

recolhido pela expediccedilatildeo - plantas animais e artefatos - tambeacutem natildeo foi inventariado

adequadamente Em A Histoacuteria Natural em Portugal no Seacuteculo XVIII publicada em

Lisboa em 1987 Roacutemulo Vasco da Gama de Carvalho descreve a enorme coleccedilatildeo

deixada pelo naturalista baiano

Durante as invasotildees francesas boa parte da coleccedilatildeo da natureza amazocircnica

recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira seria levada para Paris como butim de

guerra accedilotildees que foram descritas por Joatildeo Carlos Pires Brigola como verdadeiros

saques Eacutetienne Geoffroy Saint-Hilaire investido da autoridade de Comissaacuterio a

partir de uma posiccedilatildeo de domiacutenio poliacutetico e militar obteve em uma uacutenica incursatildeo

um cobiccedilado patrimocircnio cientiacutefico e museoloacutegico respaldado pelo conceito ainda

hoje conhecido por espoacutelio universal (BRIGOLA 2003)

A despeito de todos os infortuacutenios a expediccedilatildeo conduzida por Alexandre Rodrigues

Ferreira constituiu-se no maior empreendimento cientiacutefico realizado no Brasil em

mundial atingindo 5987 m de altitude Escreveu inuacutemeros livros O primeiro deles uma descriccedilatildeo de sua viagem agrave Ameacuterica do Sul sob o tiacutetulo Uma narrativa pessoal O relato completo da viagem em 30 volumes ele publicou entre 1807-1839 Sua uacuteltima obra em 4 volumes intitulado Cosmos teve seu uacuteltimo livro concluiacutedo trecircs semanas antes de sua morte aos 90 anos de idade em 1759 na Alemanha Charles Marie de la Condamine 1701 a 1774 explorador e cientista francecircs Em 1731 fez expediccedilotildees agrave Aacutefrica do Norte e ao Oriente Meacutedio publicando suas primeiras observaccedilotildees cientiacuteficas Foi encarregado pela Acadeacutemie des Sciences da Franccedila para medir o comprimento do raio da Terra na linha do Equador Sua expediccedilatildeo partiu para a Ameacuterica do Sul no ano de 1735 e estabeleceu-se em Quito no atual Equador onde iniciou suas observaccedilotildees de campo Em 1743 la Condamine decidiu descer pelo Rio Napo ateacute alcanccedilar o Marantildeon o Solimotildees e o Amazonas de onde prosseguiu para Caiena realizando assim a primeira viagem exclusivamente cientiacutefica agrave regiatildeo Amazocircnica Sua expediccedilatildeo permitiu a primeira descriccedilatildeo da planta em que se extrai o quinino e de alguns venenos utilizados pelos ameriacutendios em suas flechas Ao retornar a Paris em 1745 trouxe consigo mais de duas centenas de objetos relacionados agrave Histoacuteria Natural que ofereceu agrave Buffon Foi amigo proacuteximo de Pierre Louis-Moreau de Maupertuis e de Franccedilois-Marie Arouet (Voltaire) Publicou em Paris a Relation abreacutegeacutee dun voyage fait dans linteacuterieur de lAmeacuterique meacuteridionale depuis la cocircte de la mer du Sud jusquaux cocirctes du Breacutesil et de la Guyane en descendant la riviegravere des Amazones lue agrave lassembleacutee publique de lAcadeacutemie des sciences le 28 avril 1745 Passou grande parte de sua vida fazendo campanha pela vacinaccedilatildeo sobretudo contra a variacuteola doenccedila que contraiu na infacircncia

294

todo o periacuteodo colonial A extraordinaacuteria coleccedilatildeo recolhida na Amazocircnia em quase

uma deacutecada de viagem pelos sertotildees brasileiros trouxe relevante contribuiccedilatildeo para

o progresso da Histoacuteria Natural e o conhecimento dos territoacuterios portugueses na

Ameacuterica

Em finais do seacuteculo XVIII apesar das descobertas cientiacuteficas realizadas pelas

viagens filosoacuteficas e pelas comissotildees de limites que revelaram com maior precisatildeo

a geografia dos territoacuterios coloniais Portugal e Espanha natildeo haviam conseguido

realizar as demarcaccedilotildees de suas fronteiras sul-americanas

Com a revoluccedilatildeo francesa ocorrida entre maio de 1789 e novembro de 1799 o

quadro poliacutetico europeu alterou-se profundamente Na Peniacutensula Ibeacuterica outras

mudanccedilas ocorreram nesse periacuteodo na Espanha com a morte de Carlos III em

1788 assumiu o trono seu sucessor Carlos IV e em Portugal com a demecircncia de

Dona Maria I Dom Joatildeo VI tornou-se regente em marccedilo de 1792

Com a ascenccedilatildeo de Napoleatildeo Bonaparte ao governo da Franccedila em novembro de

1799 no episoacutedio conhecido por Golpe do 18 Brumaacuterio as antigas rivalidades entre

Franccedila e Inglaterra em confronto pela hegemonia europeacuteia acabaram por envolver

a Espanha e Portugal colocando-os mais uma vez em posiccedilotildees opostas Os

portugueses procuraram adotar inicialmente uma poliacutetica de neutralidade Mas sua

antiga e estreita relaccedilatildeo com os ingleses prevaleceria no contexto das novas

alianccedilas que se formavam na Europa Napoleatildeo por sua vez desejava romper a

alianccedila anglo-portuguesa fechando assim os portos portugueses ao comeacutercio

britacircnico e passou a pressionar a Espanha para invadir Portugal

Franccedila e a Espanha assinaram sigilosamente em agosto de 1796 um acordo

conjunto de alianccedila ofensiva e defensiva conhecido por Segundo Tratado de Santo

Ildefonso pelo qual a Espanha declarou guerra agrave Inglaterra em 8 de outubro do

mesmo ano Desde entatildeo e ateacute a sua queda Napoleatildeo passou a ter um papel

preponderante na poliacutetica espanhola Em 1800 pela assinatura de um Terceiro

Tratado de Santo Ildefonso a Franccedila obteve novas concessotildees da Espanha Como

consequumlecircncia dessa alianccedila ambos os paiacuteses assinaram uma Convenccedilatildeo em

janeiro de 1801 pela qual um ultimato conjunto foi apresentado a Portugal Lisboa

295

deveria abandonar a sua tradicional alianccedila com a Inglaterra fechando os seus

portos aos britacircnicos e abrindo-os agrave Franccedila e agrave Espanha Deveria entregar parte de

seu territoacuterio como garantia da devoluccedilatildeo das ilhas espanholas de Trinidad Minorca

e Malta que estavam sob posse dos ingleses Teria ainda de pagar reparaccedilotildees de

guerra agrave Franccedila e agrave Espanha e rever os limites fronteiriccedilos com a Espanha Em

caso de recusa a aceitar os termos do ultimato Portugal seria invadido pela

Espanha para o que a Franccedila contribuiria com efetivos militares

Em 20 de maio de 1801 o exeacutercito espanhol invadiu Portugal pela regiatildeo do

Alentejo ocupando sem resistecircncia a cidade de Olivenccedila - ainda hoje sob posse

espanhola - e diversas outras posiccedilotildees portuguesas do Alto Alentejo O conflito

passou a ser conhecido por Guerra das Laranjas99 e resultou na conquista de parte

do territoacuterio portuguecircs com a incorporaccedilatildeo agrave Espanha da cidade lusitana de

Olivenccedila Por outro lado em terras americanas houve a retomada pelos luso-

brasileiros da regiatildeo dos Sete Povos das Missotildees definindo-se assim as fronteiras

do sul do Brasil ateacute o Rio Quaraiacute Dessa forma voltava-se ao estabelecido pelo

acordo de Madri de 1750 para o limite sul das possessotildees portuguesas na Ameacuterica

O conflito terminou no mesmo ano de 1801 com a assinatura do Tratado de Paz e

de Amizade entre as Coroas de Portugal e de Espanha assinado em Badajoz pelos

Plenipotenciaacuterios do Priacutencipe Regente e de Sua Majestade Catoacutelica em 6 de Junho

de 1801 e ratificado por ambos os soberanos100 firmado sob forte pressatildeo

espanhola e ameaccedila de invasatildeo por tropas francesas101 estacionadas na fronteira

portuguesa

99 A designaccedilatildeo que o conflito tomou deve-se a um episoacutedio ocorrido quando do cerco agrave cidade de Elvas ocorrido em maio de 1801 dois soldados espanhoacuteis teriam colhido dois ramos de laranjeira com frutos que foram remetidas frescas por seu comandante Manuel de Godoy agrave rainha Maria Luiacutesa esposa de Carlos IV de Espanha gesto interpretado por muitos historiadores como indicativo de uma relaccedilatildeo iacutentima entre Godoy e sua soberana 100 O Tratado de Badajoz estaacute reproduzido na iacutentegra em anexo a este estudo 101 Os termos do Tratado de Badajoz foram ratificados pelo Priacutencipe-Regente de Portugal no dia 14 e pelo Rei da Espanha em 21 do mesmo mecircs mas foram rejeitados por Napoleatildeo Bonaparte Um novo Tratado foi celebrado em 29 de setembro de 1801 formulando imposiccedilotildees mais severas a Portugal obrigando-o entre outras coisas em relaccedilatildeo agrave Franccedila a aceitar como fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa o Rio Araguari e natildeo o Rio Oiapoque como havia sido estabelecido pelo Tratado de Madri de 1750 e se estendendo ateacute o Rio Branco no atual Estado de Roraima Portugal deveria ainda proibir os tecircxteis ingleses aceitando a entrada dos tecircxteis franceses no paiacutes

296

Os termos do acordo eram bastante desfavoraacuteveis para Portugal estabelecendo o

fechamento de todos os portos portugueses ao comeacutercio com a Gratilde-Bretanha a

restituiccedilatildeo pela Espanha das praccedilas e povoaccedilotildees conquistadas dos lusos no

conflito conservando em qualidade de Conquista [] a Praccedila de Olivenccedila seu

Territoacuterio e Povos estipulando-se a linha de fronteira naquele territoacuterio pelo Rio

Guadiana a proibiccedilatildeo do contrabando nas fronteiras entre ambos os paiacuteses e o

pagamento por parte de Portugal agrave Espanha de despesas de guerra102

O Tratado de Paz de Badajoz todavia ao estabelecer as condiccedilotildees de paz na

Peniacutensula Ibeacuterica natildeo fazia menccedilatildeo dos limites coloniais entre Portugal e Espanha

na Ameacuterica do Sul O acordo natildeo revalidou o Tratado de Santo Ildefonso nem

qualquer outro tratado anterior de limites ou seja natildeo estipulou a volta a uma

situaccedilatildeo vigente anterior agrave guerra

A natildeo confirmaccedilatildeo de acordos anteriores pelo Tratado de Badajoz apresenta-se

como uma novidade Ensina Heacutelio Vianna citando as observaccedilotildees do Baratildeo do Rio

Branco

Examinando os Tratados de Paz entre essas duas coroas depois da Restauraccedilatildeo de Portugal ver-se-aacute que a revalidaccedilatildeo expressa de todas as convenccedilotildees ante bellum e muito especialmente das que versavam sobre limites era condiccedilatildeo indispensaacutevel para que eles readquirissem a anterior vigecircncia Assim eacute que o artigo 13ordm do Tratado de Utrecht de 6 de fevereiro de 1715 revalidou os Tratados de 13 de fevereiro de 1668 e de 18 de junho de 1701 que pelo artigo 2ordm do Tratado de Paris de 10 de fevereiro de 1763 foram revalidados os de 1668 e 1715 e o de 12 de fevereiro de 1761 e pelo artigo 1ordm do Tratado de Santo Ildefonso em 1777 foram ratificados os de 13 de fevereiro de 1688 6 de fevereiro de 1715 e 10 de fevereiro de 1763 em tudo aquilo que expressamente natildeo fosse derrogado pelas disposiccedilotildees do novo tratado (RIO BRANCO103 1945 tomo 1 p 7 10 e 11 apud VIANNA 1954 p 83 e 84)

Recorda Synezio Sampaio Goacutees Filho que ldquoessa omissatildeo contrariava a praacutetica

habitual entre as naccedilotildees ibeacutericas de confirmar limites quando pactuavam tratados

de pazrdquo (GOacuteES FILHO 2001 p 198)

102 O Tratado de Badajoz estipulava claramente que a violaccedilatildeo de qualquer um dos seus artigos por qualquer uma das partes contratantes conduziria agrave sua anulaccedilatildeo o que veio a ocorrer com a assinatura do Tratado de Fontainebleau em 27 de outubro de 1807 e a subsequumlente invasatildeo de Portugal pelas tropas franco-espanholas O Princiacutepe Regente Dom Joatildeo logo que chegou ao Brasil declarou nulo o Tratado em 1ordm de maio de 1808 103 RIO BRANCO Baratildeo do Obras do Baratildeo do Rio Branco 1 Questotildees de Limites Repuacuteblica Argentina Reediccedilatildeo p 7 10 e 11 Rio de Janeiro 1945

297

Dessa forma o Tratado de Badajoz natildeo determinava a restituiccedilatildeo dos territoacuterios dos

Sete Povos das Missotildees receacutem-conquistados situaccedilatildeo que somente seria

oficializada mais tarde no tempo do Impeacuterio com base no uti possidetis do Tratado

de Madri Os hispano-americanos mantiveram o domiacutenio da regiatildeo platina e os luso-

brasileiros recuperaram a totalidade do atual Estado do Rio Grande do Sul onde

estaacute fixada a fronteira sul do Brasil mantendo ainda os vastos territoacuterios

conquistados no centro-oeste e na Amazocircnia

Ao findar o periacuteodo colonial as fronteiras do Brasil estavam quase estabelecidas

havia-se consolidado a doutrina da posse da terra como princiacutepio conceitual para a

produccedilatildeo dos limites O passo mais importante para o estabelecimento de uma

fronteira havia sido alcanccedilado ndash a definiccedilatildeo de limites o reconhecimento poliacutetico do

direito de posse

A tarefa de delimitaccedilatildeo operaccedilatildeo cartograacutefica na qual se traccedila a linha divisoacuteria sobre

os mapas e a demarcaccedilatildeo operaccedilatildeo fiacutesica na qual se implantam sobre o terreno os

marcos de fronteira haveriam de ser concluiacutedas no Impeacuterio e na Repuacuteblica104

sempre orientadas pelos princiacutepios gerais do Tratado de Madri que foi ratificado

pelos acordos de Santo Ildefonso (Mapa 26) Com a assinatura do Tratado de Madri ocorrida em 13 de janeiro de 1750 foram

finalmente estabelecidos os traccedilados de limites entre as possessotildees coloniais

espanholas e as possessotildees coloniais portuguesas no continente americano e na

Aacutesia e revogaram-se os tiacutetulos imprecisos e virtuais do Tratado de Tordesilhas

firmado em 1494 que desde o final do seacuteculo XV buscava separar os territoacuterios

conquistados pelos dois Reinos ibeacutericos

104 Quadro resumo dos Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos e a extensatildeo de seus limites em quilocircmetros

299

Paiacuteses fronteiriccedilos do Brasil

Tratado de fronteiras Extensatildeo total das fronteiras

em Km

Fronteiras de linha seca em

Km

Fronteiras por rios lagos e

canais em Km

Guiana Francesa

Delimitada desde o Tratado de Utrecht de 1713 com a

interpretaccedilatildeo dada pelo Laudo Arbitral de 1900

730

303

427

Suriname Tratado de 1906 593 593 - Guiana Tratado de 1926 1606 908 698 Venezuela Tratado de 1859 e pelo

Protocolo de 1928 2199 2199 -

Colocircmbia Tratados de 1907 e 1928 1644 835 809 Peru Tratados de 1851 e 1909 2995 992 2003 Boliacutevia Tratados de 1867 1903

1928 e Notas Reversais de Roboreacute de 1958

3423 751 2672

Paraguai Tratado de 1872 e pelo Tratado Complementar de

1927

1365 437 928

Argentina Tratado de 1898 (baseado no Laudo Arbitral de 1895) modificado pelos Artigos Declaratoacuterios de 1910 e

complementado pela Convenccedilatildeo de 1927

1261 25 1236

Uruguai Tratados de 1851 e 1909 1068 320 748 Total - 16884 7363 9521

Observaccedilotildees sobre Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos no Impeacuterio e na Repuacuteblica estatildeo em anexo a este estudo A Repuacuteblica Federativa do Brasil tem a aacuterea atual de 8511965 km2 com 4336 Km de leste a oeste e 4307 Km de norte a sul

Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de Madri

estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio do uti possidetis que acabaria por prevalecer na

demarcaccedilatildeo definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees

pelos bandeirantes expedicionaacuterios oficiais missionaacuterios e entradistas a realizaccedilatildeo

fiacutesica da expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a

inteligecircncia e a prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo

singular

Com base neste Tratado o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que

triplicada e logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas

receacutem-formadas Processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte onde as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia

300

Como ensina Synezio Sampaio Goacutees Filho apenas para citar um exemplo

importante os Estados Unidos da Ameacuterica herdaram da Inglaterra menos de um

deacutecimo de seu territoacuterio atual (GOacuteES FILHO 2001)

301

8 METODOLOGIA

ldquo[] a historicidade radicalmente brota tambeacutem da corporeidade e do ser-no-tempo O corpo munido dos sentidos e a necessidade de decidir [] fazem o homem descobrir aleacutem de sua situaccedilatildeo a sua proacutepria circunstacircncia Aberto ao exterior percebe que a corporeidade o limita Inserindo-se num contexto maior poreacutem daacute sentido a realidades variadas que constituem o seu habitat o seu mundo [] o homem toma consciecircncia do seu tempo e do seu espaccedilo [] Esta eacute a forma humana de crescer de fazer histoacuteria de ser presenccedila de ser sujeito enfim de ser histoacuterico A historicidade co-existe com a consciecircncia [] Na raiz do seu ser o homem foi criado para ser sujeito da histoacuteriardquo (GIRARDI amp QUADROS105 1998 p 37 apud MICHALISZYN amp TOMASINI 2005 p 16)

Este capiacutetulo tem por propoacutesito apresentar a metodologia adotada para o estudo

particularmente a natureza e o meacutetodo de pesquisa que foram utilizados

Ensina Pedro Demo que o conhecimento teoacuterico adequado acarreta rigor

conceitual anaacutelise acurada desempenho loacutegico argumentaccedilatildeo diversificada

capacidade explicativa (DEMO 1994 p 36) e que faz parte da pesquisa

metodoloacutegica o estudo dos paradigmas as crises da ciecircncia os meacutetodos e as

teacutecnicas dominantes da produccedilatildeo cientiacutefica (DEMO 1994 p 37)

Este estudo procurou cumprir as exigecircncias metodoloacutegicas previstas para a

elaboraccedilatildeo de um trabalho cientiacutefico Na abordagem teacutecnica do assunto explorado

buscou-se uma reconstruccedilatildeo objetiva e precisa do passado por meio de anaacutelise

bibliograacutefica e documental A pesquisa realizada foi orientada para responder agraves

questotildees inicialmente apresentadas motivadoras da investigaccedilatildeo do tema proposto

O objetivo da pesquisa eacute determinado pela particularidade do tema a ser estudado

Nesse contexto a pesquisa deve atender a um conjunto de objetivos especiacuteficos

que esclareccedilam os questionamentos propostos pelo tema A natureza do estudo

segundo os objetivos particulares da pesquisa pode ser exploratoacuteria descritiva ou

causal

105 GIRARDI Leopoldo Justino amp QUADROS Odone Joseacute Filosofia aprendendo a pensar 9ordf ed Porto Alegre Sagra Luzzatto 1998

302

ldquoPara Selltiz (1975) e Sbragia (1977) estudos exploratoacuterios possuem como principal objetivo familiarizar-se com o fenocircmeno ou conseguir nova compreensatildeo deste sendo sua caracteriacutestica baacutesica a relativa natildeo existecircncia de hipoacuteteses Jaacute os estudos descritivos por apresentarem precisamente as caracteriacutesticas de uma situaccedilatildeo tecircm como caracteriacutestica fundamental a exatidatildeo razatildeo pela qual a exigecircncia de hipoacuteteses jaacute aparece como uma condiccedilatildeo muitas vezes necessaacuteria se bem que natildeo indispensaacutevel Por fim estudos causais (natildeo somente no sentido restrito da causalidade como tambeacutem para expressar a busca do entendimento das relaccedilotildees entre variaacuteveis) procuram investigar possiacuteveis relaccedilotildees de causa e efeito sendo a existecircncia de hipoacuteteses preacutevias condiccedilotildees essenciais para o sucesso da pesquisardquo (SELLTIZ106 1975 SBRAGIA107 1977 apud ANDREASSI 1999 p 67)

A natureza deste estudo possui caracteriacutesticas exploratoacuterias descritivas e causais

Exploratoacuteria por perseguir o objetivo principal da pesquisa a compreensatildeo do

fenocircmeno da conquista e ocupaccedilatildeo da Amazocircnia no periacuteodo colonial Descritiva

pela seleccedilatildeo de fontes diversas e avaliaccedilatildeo o mais isenta possiacutevel dos

acontecimentos ocorridos no periacuteodo histoacuterico investigado procurando alcanccedilar o

esclarecimento das questotildees levantadas pelo estudo Causal por investigar as

relaccedilotildees dos diversos protagonistas envolvidos na expansatildeo territorial luso-

brasileira na consolidaccedilatildeo do reconhecimento legal desse empreendimento frente

aos interesses coloniais de outras naccedilotildees europeacuteias e na definiccedilatildeo das fronteiras do

Brasil atual

O objetivo da investigaccedilatildeo determina o meacutetodo a ser utilizado Dessa forma para

alcanccedilar os objetivos desejados o meacutetodo de pesquisa adotado que melhor se

adequou agraves particularidades deste trabalho foi a reconstruccedilatildeo objetiva do periacuteodo

histoacuterico avaliado realizada por meio de pesquisa bibliograacutefica e documental

A investigaccedilatildeo do tema procurou apoiar-se na teacutecnica na isenccedilatildeo na previsatildeo e no

planejamento

Como ensina Albert Soboul ldquoToda a reflexatildeo do historiador eacute continuamente

solicitada pela teoria e eacute pelo acircngulo da conceptualizaccedilatildeo e da teorizaccedilatildeo que

podemos esperar esclarecer a anatomia e a fisiologia das sociedadesrdquo (SOBOUL

1965 p 37)

106 SELLTIZ C Jahoda M Deutsch M Cook S Meacutetodos de pesquisa nas relaccedilotildees sociais 5ordf ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1975 107 SBRAGIA R Uma anaacutelise das caracteriacutesticas da estrutura matricial em instituiccedilotildees de pesquisa e desenvolvimento industrial Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave Faculdade de Economia Administraccedilatildeo e Contabilidade da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1977

303

9 CONCLUSAtildeO

Pelo que ficou claramente demonstrado a conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

realizada pelos luso-brasileiros no periacuteodo colonial foram empreendimentos

conduzidos pelo Estado por meio de accedilotildees militares administrativas poliacuteticas e

diplomaacuteticas que tinham por finalidade manter e assegurar a posse desse territoacuterio

para o impeacuterio colonial portuguecircs A expansatildeo espontacircnea motivada por razotildees

exclusivamente econocircmicas natildeo eacute capaz de explicar a incorporaccedilatildeo portuguesa de

tatildeo vasta regiatildeo

Nos acordos de limites estabelecidos sobretudo a partir da segunda metade do

seacuteculo XVIII prevaleceria a doutrina defendida por Portugal para legitimar sua

expansatildeo territorial a ocupaccedilatildeo efetiva como argumento legal para a posse da terra

Desse modo ainda no periacuteodo colonial foi obtida a definiccedilatildeo das fronteiras da

Ameacuterica Portuguesa Como resultado do empenho diplomaacutetico lusitano houve a

incorporaccedilatildeo ao territoacuterio do Brasil de quase dois terccedilos de sua aacuterea atual A

Amazocircnia permaneceu brasileira em decorrecircncia do esforccedilo militar e poliacutetico

empreendidos por Portugal para a manutenccedilatildeo dessa vasta regiatildeo como parte

integrante de seu impeacuterio colonial ultramarino

A presenccedila dos primeiros europeus na regiatildeo amazocircnica foi iniciada com a

descoberta da foz do Rio Santa Maria de la Mar Dulce pelo espanhol Vicente Yaacutentildeez

Pinzoacuten possivelmente no ano de 1500 meses antes da chegada do descobridor

portuguecircs Pedro Aacutelvares Cabral agrave Bahia no Brasil e com as primeiras viagens

intencionais ou acidentais que partindo dos contrafortes andinos percorreram a

calha do grande rio ateacute atingir o Atlacircntico Coube ao tambeacutem espanhol Francisco de

Orellana (1500-1545) a primeira navegaccedilatildeo completa do grande rio realizada entre

dezembro de 1541 e julho de 1542 Conforme relato de viagem sua expediccedilatildeo teria

sido atacada ferozmente por nativos comandados por mulheres de aspecto

imponente Natildeo tardou para que essa histoacuteria corresse a Europa e o grande rio

navegado por Orellana passasse a ser conhecido como o Rio das Amazonas

O mundo amazocircnico foi entatildeo concedido para exploraccedilatildeo aos soldados espanhoacuteis

desde Vicente Yaacutentildeez Pinzoacuten em 1501 Todas as concessotildees feitas pela Coroa

304

espanhola natildeo produziram resultado invalidadas porque os conquistadores

parecem natildeo ter querido se aventurar a perder recursos e a vida na difiacutecil

empreitada As alegaccedilotildees mencionavam os enormes esforccedilos que se faziam

necessaacuterios sobretudo diante da possibilidade de obterem riqueza mais faacutecil no

Peru ou em Nova Granada principalmente apoacutes o descobrimento do verdadeiro El

Dorado representado pelo cerro de Potosi na atual Boliacutevia Os espanhoacuteis

buscavam rendimentos mais imediatos e seguros Aleacutem disso a barreira

representada pela cordilheira andina era outro fator importante a considerar pois

dificultava a penetraccedilatildeo dos conquistadores espanhoacuteis instalados nos altiplanos do

Peru Dessa forma no seacuteculo XVI e na primeira metade do seacuteculo XVII a ocupaccedilatildeo

pelos espanhoacuteis do vale do Amazonas natildeo ultrapassou as regiotildees mais proacuteximas da

cidade de Quito na antiga proviacutencia de Maquipaacutero proacutexima agraves regiotildees dos Rios

Napo e Javari

O litoral norte da Ameacuterica do Sul no trecho hoje brasileiro e guianense apresentava

enormes dificuldades para o estabelecimento humano com costas quase deseacuterticas

no Cearaacute baixios nas proximidades do delta do Amazonas e mangues nas Guianas

natildeo revelando nada que estimulasse a ambiccedilatildeo dos espanhoacuteis e portugueses

quinhentistas Preocupados em manter o controle sobre a costa brasileira

ameaccedilada pelas incursotildees francesas limitados pelas dificuldades das navegaccedilotildees

no litoral norte brasileiro e desestimulados pela aparente falta de riquezas daquela

regiatildeo os portugueses natildeo procuraram se estabelecer na Amazocircnia no seacuteculo XVI

No entanto ainda nos quinhentos outros exploradores europeus se lanccedilaram agrave

exploraccedilatildeo do norte da Ameacuterica do Sul entre os Rios Orenoco e Amazonas

motivados principalmente pela pesca e pelo comeacutercio de produtos da regiatildeo No

final do seacuteculo XVI o monopoacutelio ibeacuterico sobre a Ameacuterica era cada vez mais

contestado por outras naccedilotildees europeacuteias Ingleses holandeses e franceses que

disputavam o domiacutenio das terras americanas com espanhoacuteis e portugueses

entregaram-se agrave exploraccedilatildeo do Amazonas Em fins do seacuteculo XVI passado o tempo

dos caccediladores de tesouros lendaacuterios pescadores e comerciantes holandeses e

ingleses procuravam se instalar nessa vasta e pouco conhecida regiatildeo lanccedilando as

primeiras bases de implantaccedilotildees coloniais por meio do levantamento de feitorias e

pequenos fortes

305

Em 1612 poreacutem os franceses fariam nova e mais perigosa investida no Brasil

Aliados dos tupinambaacutes e liderados por Daniel de La Touche conhecido por senhor

de La Ravardiegravere tentaram fixar uma colocircnia na ilha do Maranhatildeo instalando a

Franccedila Equinocial com a fundaccedilatildeo de Saint Louis nome que homenageava o Rei

francecircs Luiacutes XIII Naquele momento as Coroas ibeacutericas estavam unificadas sob o

reinado de Felipe III de Espanha chamado Felipe II em Portugal periacuteodo

conhecido por Uniatildeo Ibeacuterica iniciado em 1580 e terminado em 1640 As notiacutecias da

ocupaccedilatildeo francesa do Maranhatildeo chegaram aos ouvidos das autoridades de Madri e

provocaram uma reaccedilatildeo imediata em 1613 Felipe III de Espanha ordenou ao

governador do Brasil para que ele estabelecesse residecircncia em Olinda de onde

melhor poderia acompanhar e comandar as iniciativas destinadas a expulsar

quaisquer invasores especialmente os franceses e para que prosseguisse na

descoberta e conquista do Rio Amazonas Apoacutes violentas accedilotildees de combate e

intensas negociaccedilotildees diplomaacuteticas em 3 de novembro de 1615 o Forte da Ilha de

Satildeo Luiz foi finalmente entregue aos portugueses

A expulsatildeo dos franceses representa um importante marco da conquista do litoral

no sentido Leste-Oeste e assinala o iniacutecio da conquista e da ocupaccedilatildeo da

hinterlacircndia amazocircnica A empreitada militar que resultou na ocupaccedilatildeo do Maranhatildeo

foi decidida e ordenada por Felipe III de Espanha e teve o propoacutesito de manter sob

o domiacutenio ibeacuterico o vasto litoral setentrional da Ameacuterica do Sul desde as

possessotildees portuguesas ao norte de Pernambuco ateacute as posiccedilotildees espanholas na

atual Venezuela

A conquista e a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia inicia-se portanto no periacuteodo dos Felipes -

durante a vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica (1580 a 1640) - ante a preocupaccedilatildeo da fixaccedilatildeo

francesa e de uma possiacutevel incursatildeo holandesa e inglesa contra a regiatildeo o que

poderia colocar em risco as minas de prata descobertas no Peru A ligaccedilatildeo fluvial

dos Andes ao Atlacircntico pelo Rio Amazonas representava verdadeira ameaccedila agrave

seguranccedila do impeacuterio colonial espanhol na Ameacuterica Era necessaacuterio controlar a

entrada desse vasto estuaacuterio e bloquear o acesso aos estrangeiros

Bem-sucedida a campanha contra os franceses no Maranhatildeo prosseguiu-se na

jornada ao Gratildeo-Paraacute sendo fundado em 12 de janeiro de 1616 na baiacutea de

306

Guajaraacute a Casa Forte de Preseacutepio de Santa Maria de Beleacutem futura cidade de

Nossa Senhora de Beleacutem Essa posiccedilatildeo defensiva tinha o propoacutesito de garantir o

domiacutenio ibeacuterico sobre a regiatildeo amazocircnica A fundaccedilatildeo de Beleacutem foi portanto

motivada fortemente por razotildees poliacuteticas Houve a preocupaccedilatildeo estrateacutegica de se

controlar esses vastos territoacuterios decidindo os portugueses por simplesmente

fechar sua porta de acesso A constituiccedilatildeo de um nuacutecleo urbano deveria funcionar

como um marco de posse e de defesa da imensa bacia amazocircnica contra as

investidas dos estrangeiros que havia muito tempo desde o uacuteltimo quartel do seacuteculo

XVI exploravam o peixe-boi e drogas do sertatildeo devendo ser considerada como o

ecircxito de uma missatildeo poliacutetica e militar de repercussotildees sem precedentes na

Amazocircnia

O capitatildeo-mor do Gratildeo-Paraacute nomeado pelo governador-geral do Brasil foi dotado

de regimento especial que lhe concedia autoridade para descobrir conquistar e

colonizar as terras do Amazonas ateacute o Cabo Norte Recebera ordens portanto para

expulsar os holandeses e ingleses que estivessem instalados na regiatildeo bem como

para se estabelecer em Beleacutem e arredores Determinaccedilotildees expressas de 1622

assinadas pelo proacuteprio Felipe IV de Espanha ordenavam explorar o curso do Rio

em direccedilatildeo a oeste fazer o descobrimento do Cabo Norte e expulsar os

estrangeiros Tais esforccedilos demonstram claramente as intenccedilotildees da Coroa Ibeacuterica

em conquistar a regiatildeo e estender-se mais ao norte possiacutevel preservando a entrada

do Rio Amazonas sob controle espanhol e portuguecircs

Em cumprimento agraves ordens de Madri diversas expediccedilotildees portuguesas tomaram

navios fizeram prisioneiros e arrasaram fortes holandeses e ingleses construiacutedos na

Amazocircnia Desde o ano da fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 foram conduzidas accedilotildees

militares contra os estrangeiros instalados no baixo Amazonas Em meados do

seacuteculo XVII a regiatildeo estava livre da atuaccedilatildeo desses concorrentes europeus Esses

episoacutedios revelam que a Histoacuteria da Amazocircnia se iniciou com intensas e

prolongadas batalhas fluviais e terrestres que resultaram na conquista de uma

vastiacutessima regiatildeo para o domiacutenio colonial portuguecircs

Nas primeiras trecircs deacutecadas de sua existecircncia Beleacutem enfrentou inuacutemeros conflitos

entre colonos e autoridades locais deposiccedilatildeo de governos confusas manobras de

307

sucessatildeo e apresamento abusivo e em grande escala de indiacutegenas Nesse periacuteodo

no entanto as accedilotildees militares conduzidas para a expulsatildeo dos estrangeiros e o

contato com os indiacutegenas arregimentados para as manobras permitiram aos

portugueses o aprendizado necessaacuterio para a luta em pequenas canoas a utilizaccedilatildeo

de teacutecnicas de emboscada e o combate sob tempestades tropicais Os timoneiros

foram familiarizados com a regiatildeo do baixo Amazonas Houve a instalaccedilatildeo e a

guarniccedilatildeo de pequenos fortes avanccedilados que passaram a atrair novos colonos A

ocupaccedilatildeo progredia lentamente expandindo-se rio acima numa intrincada rede

hidrograacutefica e aos poucos foi consolidando a presenccedila portuguesa na regiatildeo

O periacuteodo inicial da conquista portuguesa da Amazocircnia se deu sob a vigecircncia da

Uniatildeo Ibeacuterica O efeito dessa Uniatildeo sobre a expansatildeo territorial luso-brasileira para

aleacutem dos limites previstos no Tratado de Tordesilhas de 1494 natildeo encontra

consenso entre os historiadores No cerne da questatildeo a influecircncia exercida por ela

sobre o bandeirismo e o entradismo A despeito de qualquer polecircmica natildeo se pode

garantir que o movimento portuguecircs de expansatildeo territorial teria se desenvolvido da

mesma maneira Tivesse Espanha tomado medidas de defesa mais efetivas para

conter o avanccedilo lusitano nos sertotildees americanos e sobretudo natildeo sendo obrigada

a tratar Portugal com a reverecircncia de um aliado eacute possiacutevel e mesmo provaacutevel que

o bandeirismo natildeo tivesse alcanccedilado resultados territoriais tatildeo expressivos Outra

avaliaccedilatildeo permite considerar que o periacuteodo da Uniatildeo Ibeacuterica foi favoraacutevel para a

expansatildeo territorial portuguesa na Amazocircnia e no Centro-Oeste brasileiro e

extremamente desfavoraacutevel para os interesses coloniais de Portugal em suas

possessotildees na Aacutefrica na Aacutesia e no nordeste brasileiro invadidas pelos holandeses

que eram inimigos de Espanha

No caso particular da Amazocircnia a Uniatildeo Ibeacuterica representada por um soberano

comum permitiu que a expansatildeo portuguesa fosse natildeo soacute autorizada por Madri

como tambeacutem fora determinado que os esforccedilos para a expulsatildeo de estrangeiros e

a guarda do litoral norte coubessem aos lusitanos A unidade poliacutetica do periacuteodo

filipino permitiu tambeacutem a legalidade das accedilotildees portuguesas desde a conquista de

Satildeo Luiacutes e a fundaccedilatildeo de Beleacutem Era preciso proteger o Vice-Reinado do Peru das

investidas holandesas e inglesas os estabelecimentos espanhoacuteis no litoral

venezuelano natildeo possuiacuteam elementos para qualquer empreendimento distante

308

Nesse contexto o controle da entrada da bacia amazocircnica era essencial e os

portugueses os mais habilitados para conduzir a empreitada

Importantes decisotildees foram tomadas em relaccedilatildeo agrave Amazocircnia nesse periacuteodo o

prosseguimento da expediccedilatildeo de conquista e fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616

realizado em cumprimento agraves ordens reacutegias de Madri a separaccedilatildeo do Estado do

Maranhatildeo do Estado do Brasil decidida por determinaccedilatildeo real apoacutes ouvido o

Conselho de Estado por meio de um decreto de 13 de junho de 1621 e os reforccedilos

militares em pessoal e material enviados para socorrer os portugueses do

Maranhatildeo

Natildeo haacute duacutevida de que a poliacutetica colonial de Madri durante a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica foi conduzida com o propoacutesito de garantir a defesa dos territoacuterios

amazocircnicos resguardando e protegendo o Vice-Reinado do Peru pelo seu acesso

atlacircntico das investidas estrangeiras e evidenciada sobretudo pelos esforccedilos

militares despendidos para a conquista e manutenccedilatildeo desses territoacuterios Tambeacutem

natildeo resta duacutevida de que espanhoacuteis e portugueses tinham seus proacuteprios interesses e

mantiveram-se distintos em sua personalidade fiacutesica poliacutetica e social razatildeo pela

qual com o advento da Restauraccedilatildeo em 1640 Portugal passou a reivindicar

aqueles territoacuterios da vastiacutessima bacia amazocircnica para seu impeacuterio colonial onde jaacute

andava avanccedilado o processo de ocupaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo lusitano

Para facilitar a administraccedilatildeo dos territoacuterios amazocircnicos o governo de Madri criou

em 1621 o Estado do Maranhatildeo - entidade autocircnoma politicamente independente

do Estado do Brasil O novo Estado compreendia os atuais Estados do Cearaacute Piauiacute

Maranhatildeo Paraacute parte do Amazonas e Amapaacute abrangendo quase toda costa norte

e quase todo o vale amazocircnico O restante do Brasil constituiacutedo pelas capitanias da

coroa do Rio Grande do Norte ateacute Satildeo Vicente e pelas demais capitanias privadas

chamava-se Estado do Brasil Razotildees geograacuteficas se impunham na reorganizaccedilatildeo

poliacutetica e administrativa do Brasil colonial com a separaccedilatildeo dos dois Estados do

Brasil e do Maranhatildeo O regime dos ventos e das correntes mariacutetimas essenciais

para a compreensatildeo das possibilidades das navegaccedilotildees da eacutepoca levaram Madri a

tomar esta decisatildeo Legislaccedilatildeo com aproximadamente 2000 documentos

constantes das Cartas Reacutegias Alvaraacutes e Decisotildees do Conselho Ultramarino -

309

guardadas na seccedilatildeo de manuscritos da Biblioteca Estadual do Paraacute no Arquivo

Nacional e na seccedilatildeo de manuscritos do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro -

regulou a vida dos primeiros colonizadores no momento em que entradistas

soldados e missionaacuterios foram incorporando a Amazocircnia ao impeacuterio lusitano Essa

legislaccedilatildeo determinou normas de administraccedilatildeo fixou planos de trabalho comutou

penalidades por parte do poder puacuteblico estabeleceu diretrizes para uma conquista e

ocupaccedilatildeo da terra e definiu aprovaccedilatildeo estatal para o esforccedilo que se realizava

contra a presenccedila de estrangeiros O Estado do Maranhatildeo sob diversas

denominaccedilotildees ao longo de mais cento e cinquumlenta anos trataraacute de seus assuntos

diretamente com Lisboa e soacute se reunificaraacute de fato ao Estado do Brasil em 1823

apoacutes o advento da Independecircncia O seu desenvolvimento histoacuterico seraacute diferente

daquele Teraacute representantes em Portugal interesses comerciais proacuteprios poliacutetica

colonial independente e governadores gerais orientados diretamente pelo Rei

Uma das mais importantes accedilotildees de conquista empreendidas na Amazocircnia ocorreu

pouco tempo depois da fundaccedilatildeo de Beleacutem A grande expediccedilatildeo fluvial de Pedro

Teixeira partiu do Forte do Gurupaacute em 28 de outubro de 1637 A expediccedilatildeo lanccedilou-

se para Oeste contra a correnteza conduzida por iacutendios remeiros pela calha do Rio

Amazonas Teixeira alcanccedilou a confluecircncia do conhecido Rio Tapajoacutes descobriu e

batizou o Rio Madeira instalou-se por algum tempo no Rio Negro navegou o

Solimotildees atravessando a terra dos iacutendios omaguaacutes e penetrando a regiatildeo que

hoje pertence ao Peru deixou o curso principal do Solimotildees subindo um afluente o

Rio Napo Oito meses depois em 24 de junho de 1638 a mais de 3500 km de

distacircncia de Beleacutem Teixeira finalmente alcanccedilou Quito No retorno ao Paraacute em 16

de agosto de 1639 provavelmente agraves margens do Rio Napo na confluecircncia com o

Rio Aguarico Pedro Teixeira fundou o povoado da Franciscana que conforme as

instruccedilotildees no seu regimento deveria servir de baliza aos domiacutenios das duas Coroas

Depois de quase dez meses de viagem Pedro Teixeira chegou a Beleacutem em 12 de

dezembro de 1639 tornando-se assim o primeiro homem a ter percorrido toda a

extensatildeo do mais caudaloso rio do mundo numa extenuante viagem de ida e volta

Embora estivesse Portugal ainda sob o domiacutenio espanhol na eacutepoca da expediccedilatildeo

Pedro Teixeira tomava posse das terras para os portugueses em nome de Felipe IV

Rei de Espanha e de Portugal No ato de fundaccedilatildeo de Franciscana lavrou a ata

diante de testemunhas espanholas e portuguesas

310

Eacute importante ressaltar que o empreendimento expedicionaacuterio de Pedro Teixeira teve

origem oficial As instruccedilotildees para a fundaccedilatildeo de um povoado que marcasse o limite

entre terras portuguesas e espanholas tomando posse da enorme regiatildeo situada a

leste desse marco foram cumpridas por ordens do governador do Gratildeo-Paraacute A

expediccedilatildeo tratava de assegurar para os portugueses a posse da maior parte do Rio

Amazonas antes que ocorresse a separaccedilatildeo das Coroas naquele momento

desejada em Portugal Os portugueses natildeo conseguiriam manter a fronteira em

Franciscana provavelmente construiacuteda em territoacuterio do Equador atual mas graccedilas agrave

expediccedilatildeo de Pedro Teixeira viriam a fixaacute-la no Rio Javari a mais de 2500 km da

foz do Rio Amazonas A expediccedilatildeo natildeo se tornou apenas um iacutecone na histoacuteria das

exploraccedilotildees foi tambeacutem em decorrecircncia dela que a maior parte da regiatildeo

amazocircnica e praticamente todo o curso principal do rio passariam a fazer parte do

impeacuterio colonial portuguecircs e posteriormente do territoacuterio brasileiro

As penetraccedilotildees realizadas a peacute e depois em canoas a partir de Satildeo Paulo sempre

de canoas a partir de Beleacutem e em uma pequena armada na fundaccedilatildeo da Colocircnia

de Sacramento resultaram no principal acontecimento do periacuteodo colonial a

dilataccedilatildeo de limites com a ocupaccedilatildeo de dois terccedilos do territoacuterio nacional atual

legalizada posteriormente em 1750 entre Portugal e Espanha quando da

assinatura do Tratado de Madri

Em finais do seacuteculo XVI surgiu o fenocircmeno histoacuterico mais caracteriacutestico do Brasil o

bandeirismo que juntamente com o entradismo no norte provocou a expansatildeo

geograacutefica do impeacuterio colonial portuguecircs para muito aleacutem dos traccedilados previstos

pela linha de Tordesilhas O movimento pode ser compreendido como um conjunto

de accedilotildees de penetraccedilatildeo territorial ocorridas aproximadamente entre 1580 e 1730 a

partir de Satildeo Paulo e que tinha por objetivo a caccedila ao iacutendio para escravizaccedilatildeo de

matildeo-de-obra e a procura de metais e pedras preciosas A penetraccedilatildeo dos sertotildees

brasileiros conduzida pelos paulistas implicaraacute tambeacutem na expansatildeo territorial da

Amazocircnia

A expediccedilatildeo conduzida pelo sertanista Raposo Tavares entre 1648 e 1651 que

partindo de Satildeo Paulo alcanccedilou Beleacutem pelos caminhos do interior do continente sul-

americano ficaria conhecida por bandeira de limites Ela foi realizada poucos anos

311

depois da viagem de Pedro Teixeira e tornou-se a maior proeza da Histoacuteria do

Bandeirismo a maior de todas as expediccedilotildees de reconhecimento geograacutefico feitas

no Brasil e uma das mais extraordinaacuterias do mundo natildeo soacute pela distacircncia

percorrida quase 10000 Km por via terrestre e fluvial mas sobretudo pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas que iriam advir dessa aventura na expansatildeo das possessotildees

portuguesas na Ameacuterica

As empresas de Raposo Tavares - as accedilotildees no Guairaacute em 1628 e 1629 as

incursotildees no Uruguai e no Tape em 1636 e 1637 e a expediccedilatildeo de 1648 a 1651 -

tiveram imenso significado poliacutetico foi por meio dessas accedilotildees que se expulsaram os

jesuiacutetas espanhoacuteis para os territoacuterios do meacutedio Uruguai e do Paranaacute permitindo as

futuras reivindicaccedilotildees territoriais portuguesas no sul e no oeste do Brasil

A grande expediccedilatildeo de 1648 fechou a passagem dos jesuiacutetas entre o Paraguai e a

planiacutecie de Santa Cruz e o Peru impedindo a expansatildeo dos espanhoacuteis em direccedilatildeo

ao Mato Grosso e meacutedio Paranaacute Como resultado do empreendimento vastas

regiotildees desconhecidas entre o troacutepico de Capricoacuternio e o Equador passaram a

figurar na cartografia portuguesa A revelaccedilatildeo da importacircncia do Rio Madeira sua

ligaccedilatildeo com os altiplanos andinos - via de acesso natural para as colocircnias

espanholas instaladas nos Andes permitindo a navegaccedilatildeo desde o delta do Rio

Amazonas para essas regiotildees montanhosas no interior do continente americano - foi

consequumlecircncia imediata da expediccedilatildeo de Raposo Tavares A partir dela vaacuterias

decisotildees poliacuteticas foram tomadas pelo governo de Lisboa determinando a ocupaccedilatildeo

do Rio Madeira pelos jesuiacutetas A expediccedilatildeo criou tambeacutem condiccedilotildees para a

exploraccedilatildeo de ouro das minas do Mato Grosso revelando caminhos e acessos que

seriam usados por outros bandeirantes

Natildeo se pode afirmar que os sertanistas tinham consciecircncia de que suas accedilotildees

estavam conquistando terras no interior da Ameacuterica para Portugal agrave custa da

Espanha Mas pode-se concluir que os bandeirantes tinham consciecircncia de que as

regiotildees que adentravam havia deacutecadas passavam a ser portuguesas

Outro fator extremamente importante para a ocupaccedilatildeo territorial e a consequumlente

expansatildeo dos domiacutenios coloniais portugueses foi a accedilatildeo missionaacuteria das Ordens

312

religiosas catoacutelicas As missotildees contribuiacuteram para fixar os marcos de penetraccedilatildeo ao

longo da extensa rede fluvial amazocircnica e foram utilizadas sistematicamente pela

Coroa para a realizaccedilatildeo de uma poliacutetica expansionista seja na aculturaccedilatildeo dos

indiacutegenas seja na implantaccedilatildeo de um modelo cristatildeo e catoacutelico a serviccedilo do Estado

portuguecircs A mentalidade colonialista encontrava-se impregnada de uma visatildeo

catequizadora e regeneradora dos territoacuterios conquistados o colonizador pretendia a

conversatildeo dos povos natildeo soacute a uma nova feacute mas a todo um sistema cultural

diferente a pregaccedilatildeo era o meio mais eficiente nesse processo de persuasatildeo A

imposiccedilatildeo dos novos valores encontrava justificaccedilatildeo em todos os campos moral

poliacutetico religioso e econocircmico e todos confirmavam que o processo de civilizar era

plenamente justificado pela conquista O colonizador se considerava o legiacutetimo

portador da cultura e da civilizaccedilatildeo e via como seu dever a conquista dos povos

baacuterbaros que estavam perdidos do reino de Deus Era dever da Coroa propagar a feacute

cristatilde e assim conquistar os povos ignorantes do verdadeiro Deus

A conquista da Amazocircnia natildeo poderia ser empreendida portanto sem a accedilatildeo

evangelizadora As principais Ordens religiosas que se estabeleceram ao longo dos

seacuteculos XVII e XVIII foram as dos carmelitas franciscanos da Ordem de Satildeo

Francisco da Proviacutencia de Lisboa mercedaacuterios jesuiacutetas franciscanos da Proviacutencia

da Piedade e outros franciscanos denominados Antoninos da Conceiccedilatildeo da Beira e

Minho Essas Ordens foram distribuiacutedas geograficamente no territoacuterio amazocircnico

dividido agrave maneira dos grandes feudos As missotildees foram portanto dirigidas pela

Coroa e agiam como representantes dos interesses de Portugal

A ocupaccedilatildeo dos espaccedilos amazocircnicos pelos religiosos e colonos foi marcada por

graves conflitos de interesse sobretudo em relaccedilatildeo agrave escravidatildeo indiacutegena mas

pode ser compreendida tambeacutem como um momento de grande expansatildeo territorial

com enorme alcance geograacutefico e geopoliacutetico A infiltraccedilatildeo rio acima pelo vale do

Amazonas inicia-se francamente na segunda metade do seacuteculo XVII e sua

vanguarda seratildeo as Ordens religiosas em particular os jesuiacutetas e carmelitas

A atuaccedilatildeo de catequese desenvolvida pelas Ordens religiosas foi fundamental para

a conquista e a ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia sobretudo das regiotildees mais

distantes e menos sujeitas agrave accedilatildeo governativa exercida por Beleacutem Em meados do

313

seacuteculo XVIII os franciscanos estavam fortemente implantados no Cabo Norte na

Ilha de Marajoacute e nos afluentes do norte do Rio Amazonas os jesuiacutetas no Tocantins

no Xingu no Tapajoacutes e no Madeira os carmelitas no Negro no Branco e no

Solimotildees os capuchos no baixo Amazonas a partir do Gurupaacute e os mercedaacuterios

depois dos capuchos ateacute o Urubuiacute no meacutedio Amazonas

Por volta de 1740 havia cerca de 50000 indiacutegenas reduzidos em cerca de 63

missotildees de diversas Ordens religiosas nuacutemero equivalente aos habitantes dos Sete

Povos das Missotildees no atual Rio Grande do Sul Eacute importante ressaltar que sem as

drogas do sertatildeo natildeo haveria base econocircmica para as missotildees se estabelecerem

permanentemente As missotildees que prosperaram foram aquelas que tiveram sucesso

na exploraccedilatildeo das especiarias americanas valorizadas principalmente no comeccedilo

do seacuteculo XVIII quando jaacute estavam perdidas as possessotildees portuguesas no Oriente

As atividades necessaacuterias para a sobrevivecircncia econocircmica encontradas pelos

colonos foram a penetraccedilatildeo na floresta ou nos rios para colher os produtos ou

capturar o peixe e a conduccedilatildeo das embarcaccedilotildees que faziam todo o transporte

constituindo-se no uacutenico meio de locomoccedilatildeo possiacutevel da regiatildeo As condiccedilotildees

naturais eram desfavoraacuteveis agrave agricultura A conquista do vale amazocircnico viria a se

amparar nos recursos regionais principalmente aqueles que a natureza e a floresta

podiam oferecer um grande nuacutemero de gecircneros naturais aproveitaacuteveis e utilizaacuteveis

no comeacutercio as chamadas drogas do sertatildeo como o cravo a canela a castanha a

salsaparrilha a baunilha o breu as resinas as sementes oleaginosas a quina e

sobretudo o cacau aleacutem das madeiras dos peixes da caccedila e da tartaruga

Persistiu no periacuteodo colonial o modelo de produccedilatildeo extrativista base de toda a

atividade econocircmica regional

A exploraccedilatildeo das drogas do sertatildeo foi portanto uma atividade econocircmica essencial

na sustentaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo portuguesa da Amazocircnia Por essa razatildeo um dos

agentes principais da penetraccedilatildeo territorial foi o chamado droguista do sertatildeo

sertanista ou simplesmente entradista colono leigo geralmente mesticcedilo e falante da

liacutengua geral como o mameluco paulista muitas vezes integrando as chamadas

tropas de resgates ou tropas de guerra em expediccedilotildees fluviais que tinham por

objetivo a preaccedilatildeo de iacutendios

314

Adotou-se neste estudo a distinccedilatildeo entre o movimento entradista e o bandeirismo

conforme conceituaccedilatildeo feita por Heacutelio Vianna considerando o entradismo como o

movimento que iniciado no seacuteculo XVI e partindo de diversos pontos da costa leste

do Brasil para o interior ainda desconhecido devassou notaacutevel extensatildeo territorial

sobretudo no seacuteculo XVII com a conquista da Amazocircnia por via fluvial e que

perduraria ainda nos seacuteculos XVIII e XIX encerrando-se no iniacutecio do seacuteculo XX com

a aquisiccedilatildeo do Estado do Acre

Nos primeiros anos da presenccedila portuguesa na Amazocircnia inuacutemeras entradas foram

realizadas tanto pelos vales dos rios maranhenses (Gurupi Turiaccedilu Itapicuru e

Mearim) como pelo Rio Amazonas e seus afluentes O reconhecimento inicial da

regiatildeo foi feito por sertanistas experientes como Pedro Teixeira Bento Maciel

Parente Jerocircnimo de Albuquerque e Luiacutes Aranha que penetraram o rio acima para

muito aleacutem do delta seja para as accedilotildees contra estrangeiros a caccedila de iacutendios ou a

coleta das drogas do sertatildeo Uma das primeiras e mais importantes accedilotildees do

entradismo amazocircnico foi a fundaccedilatildeo do Forte do Gurupaacute construiacutedo na margem

direita do Rio Amazonas e proacuteximo agrave sua foz em 1624 o que permitiu aos

portugueses o controle de acesso ao grande rio Gurupaacute representou para a

conquista e penetraccedilatildeo da Amazocircnia o mesmo papel de Satildeo Paulo na interiorizaccedilatildeo

para o sul A partir dessas accedilotildees uma lenta infiltraccedilatildeo colonizadora iniciou a

penetraccedilatildeo pela intrincada rede hidrograacutefica da bacia amazocircnica

Embora difiacutecil a penetraccedilatildeo foi persistente Os portugueses implantaram seu proacuteprio

sistema econocircmico adaptando-se agraves condiccedilotildees regionais em grande medida

adversas Como resultado das expediccedilotildees do entradismo iniciadas desde a

fundaccedilatildeo de Beleacutem em 1616 um imenso territoacuterio passou a ser reconhecido e

conquistado permitindo agrave Coroa portuguesa reivindicar a posse da regiatildeo

amazocircnica em detrimento dos interesses coloniais espanhoacuteis e franceses O

entradismo permitiu de fato a incorporaccedilatildeo da Amazocircnia ao mundo colonial

portuguecircs Nesse momento ainda natildeo estava legalizada a ocupaccedilatildeo territorial mas

o conhecimento e a exploraccedilatildeo da regiatildeo eram natildeo havia duacutevidas

empreendimentos luso-brasileiros

315

Um fator poliacutetico importante que traria consequumlecircncias imediatas para a expansatildeo

portuguesa na regiatildeo ocorrido apoacutes a Restauraccedilatildeo de 1640 foi a confirmaccedilatildeo das

doaccedilotildees territoriais feitas por Felipe IV de Espanha aos portugueses durante a

vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica bem como das doaccedilotildees anteriores feitas por seu pai

desde 1621 Dessa forma antes do final do seacuteculo XVII entradistas soldados e

missionaacuterios portugueses percorriam livremente a regiatildeo promovendo a conquista e

realizando a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia

Para garantir essa ocupaccedilatildeo o governo de Lisboa determinou o enfrentamento das

incursotildees francesas no norte do Amazonas a conquista dos Rios Negro e Branco a

expulsatildeo dos jesuiacutetas a serviccedilo de Espanha no Rio Solimotildees e a expediccedilatildeo ao Rio

Madeira para conter a presenccedila espanhola a oeste do Rio Guaporeacute Todas as accedilotildees

fizeram parte da estrateacutegia para garantir a posse da Amazocircnia e tinham por objetivo

preservar as conquistas territoriais empreendidas pelas expediccedilotildees oficiais pelos

missionaacuterios entradistas e bandeirantes

A criaccedilatildeo da Capitania do Cabo Norte em 1637 tinha por propoacutesito consolidar

posiccedilatildeo portuguesa na margem esquerda do baixo Amazonas Sua aacuterea

correspondia agrave do atual Estado do Amapaacute dilatado para o interior do continente no

litoral a Capitania estendia-se da foz do Rio Amazonas ateacute o Rio Oiapoque que

desaacutegua no oceano a oeste do Cabo Orange A reparticcedilatildeo desses grandes espaccedilos

cumpria funccedilotildees especiacuteficas obedecendo a uma poliacutetica colonial de ocupaccedilatildeo e de

defesa territorial que estabelecia as posiccedilotildees estrategicamente convenientes para

impedir o acesso agrave bacia amazocircnica

Expulsos definitivamente de Satildeo Luiacutes no Maranhatildeo em 1615 os franceses logo

procuraram estabelecer-se novamente na regiatildeo entre o Rio Orenoco e o Rio

Amazonas como jaacute haviam feito ingleses e holandeses Em 1626 realizaram uma

primeira tentativa de colonizaccedilatildeo ao longo do Rio Sinnamary e em 1634 fundaram

a cidade de Caiena ambas na atual Guiana Francesa ao norte do Amapaacute A partir

do porto de Caiena os franceses passaram a realizar incursotildees ao longo da costa

em direccedilatildeo ao sul ateacute o delta do Rio Amazonas onde pretendiam fixar posiccedilatildeo

316

Os conflitos com os portugueses instalados em Beleacutem e arredores na foz do Rio

Amazonas resultaram em uma longa disputa territorial pela posse das terras do

Cabo Norte resolvida em definitivo apenas em 1900 nos primeiros anos da

Repuacuteblica com o arbitramento internacional da questatildeo feito pelo Conselho Federal

Suiacuteccedilo que decidiu favoravelmente ao Brasil na definiccedilatildeo de suas fronteiras mais

setentrionais com a Guiana Francesa Por conta da disputa logo comeccedilaram as

divergecircncias entre portugueses e franceses em uma sucessatildeo de acordos ora

favoraacuteveis ora desfavoraacuteveis agrave Portugal e que precederam agrave decisatildeo final

Coube aos portugueses instalados em Beleacutem ainda sob a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica a missatildeo de defender e ocupar a regiatildeo do Cabo Norte Com o advento da

Restauraccedilatildeo Felipe IV de Espanha manteve as doaccedilotildees feitas aos portugueses

durante a vigecircncia da Uniatildeo Ibeacuterica confirmando que os territoacuterios coloniais

portugueses continuavam ateacute o Rio Vicente Pinzoacuten Somente com a nomeaccedilatildeo do

Marquecircs de Ferroles em 1679 como governador da colocircnia que Caiena iniciou a

consolidaccedilatildeo da presenccedila francesa na regiatildeo Ele desencadeou as disputas

territoriais com os portugueses em uma clara tentativa de alongar a expansatildeo

francesa na direccedilatildeo da foz do Rio Amazonas

Durante todo o periacuteodo colonial o governo de Lisboa empreendeu esforccedilos

militares poliacuteticos e diplomaacuteticos para a manutenccedilatildeo do Cabo Norte como parte

integrante de seu impeacuterio ultramarino Determinou a fortificaccedilatildeo e o povoamento da

regiatildeo organizou escoltas mariacutetimas para a defesa do litoral chamadas de tropas

de guarda-costa repeliu invasotildees militares orientou a atuaccedilatildeo de religiosos nas

fronteiras deu independecircncia militar aos comandantes das fortalezas do Cabo Norte

para o enfrentamento de invasatildeo estrangeira orientou a fixaccedilatildeo de colonos vindos

da Ilha dos Accedilores enfrentou seacuterias crises poliacuteticas com a Coroa francesa e

sobretudo defendeu suas posiccedilotildees a favor da manutenccedilatildeo da regiatildeo nos

inuacutemeros tratados de limites firmados com a Franccedila

Todas essas determinaccedilotildees reacutegias deixam claro a opccedilatildeo poliacutetica de Lisboa para

manter o Cabo Norte e prover sua defesa contra os estrangeiros particularmente os

franceses de Caiena

317

A partir da segunda metade do seacuteculo XVII expediccedilotildees portuguesas intensificaram a

exploraccedilatildeo do Rio Negro principal afluente da margem esquerda do Rio Amazonas

alcanccedilado em 1657 por padres jesuiacutetas Pouco mais de uma deacutecada depois em

1669 foi iniciada a construccedilatildeo do fortim de Satildeo Joseacute do Rio Negro na confluecircncia

do Rio Negro com o Rio Amazonas lanccedilando os fundamentos da futura cidade de

Manaus Ordens reacutegias datadas de 1688 1691 e 1693 determinaram que os jesuiacutetas

fossem encarregados da catequizaccedilatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Negro No ano

seguinte em 1694 outra Ordem reacutegia determinou que os carmelitas substituiacutessem

os inacianos nos vales dos Rios Negro e Solimotildees onde passariam a atuar a partir

do ano seguinte em 1695

A penetraccedilatildeo portuguesa entretanto natildeo foi realizada sem que houvesse conflitos e

resistecircncias O Rio Negro era habitado pelo grupo indiacutegena conhecido por manao

Com a chegada dos entradistas portugueses estabeleceu-se uma relaccedilatildeo comercial

entre eles Inicialmente os manaos trocavam indiacutegenas cativos por ferramentas

armas e tecidos tornando-se a regiatildeo do Rio Negro no iniacutecio do seacuteculo XVIII um

grande centro de abastecimento de matildeo-de-obra indiacutegena para Beleacutem As trocas

comerciais prosseguiam sem interrupccedilatildeo ateacute que um dos liacutederes manaos

Uiuiebeua foi morto pelos portugueses A partir de 1723 Ajuricaba filho do cacique

Uiuiebeua organizou uma espeacutecie de confederaccedilatildeo indiacutegena para vingar a morte de

seu pai impedindo por mais de 4 anos a navegaccedilatildeo pelo Rio Negro e o avanccedilo

portuguecircs na regiatildeo O conflito se estendeu por quase 6 anos entre 1723 a 1729

Finalmente em 1728 uma grande expediccedilatildeo punitiva capturou mais de duzentos

guerreiros indiacutegenas entre eles o liacuteder do movimento o manao Ajuricaba

Entretanto a resistecircncia dos manaos natildeo terminou com a morte de seu liacuteder

Ajuricaba pois houve outras rebeliotildees em 1729 e em 1759 antes que a regiatildeo

fosse completamente dominada A partir desse momento consolidada a ocupaccedilatildeo

do Rio Negro a expansatildeo portuguesa prosseguiu em direccedilatildeo ao Rio Branco

Da mesma forma que Portugal a Espanha tambeacutem lanccedilou matildeo de religiosos para

realizar as tarefas de conquista e ocupaccedilatildeo de seus territoacuterios coloniais Inuacutemeras

reduccedilotildees foram fundadas Chiquitos Moxos Maynas Putumayo e Orenoco

alcanccedilando respectivamente os Rios Mamoreacute Marantildeon Solimotildees Iccedilaacute e Orenoco

Os territoacuterios ocupados por essas missotildees se contrapunham agraves posiccedilotildees

318

portuguesas nos atuais Estados do Mato Grosso e Amazonas abrangendo os Rios

Madeira Mamoreacute Guaporeacute Solimotildees e Negro

A accedilatildeo missionaacuteria jesuiacutetica espanhola nos territoacuterios do alto Amazonas iniciou-se a

partir de Quito em finais do seacuteculo XVI e pouco a pouco foi se expandindo em

direccedilatildeo agrave Leste com o estabelecimento de aldeamentos missionaacuterios ao longo dos

Rios Napo Huallaga Ucayali Marantildeon e Solimotildees Em 1681 missionaacuterios jesuiacutetas

a serviccedilo de Espanha que atuavam no Rio Marantildeon e Solimotildees informaram aos

superiores da Ordem sobre a penetraccedilatildeo de sertanistas luso-brasileiros que

estavam segundo reclamavam em franca atividade na regiatildeo pondo em perigo os

interesses espanhoacuteis O movimento contraacuterio agrave presenccedila portuguesa no Rio

Solimotildees foi conduzido e liderado por um inaciano europeu nascido na Boecircmia o

padre Samuel Fritz Ele alcanccedilou Beleacutem em 1689 vindo das reduccedilotildees de Maynas

Sua viagem provocou grande repercussatildeo em Portugal informada dos planos de

expansatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis em direccedilatildeo a Beleacutem vindos do Peru e

resultou em uma seacuterie de decisotildees da Coroa em defesa daqueles territoacuterios

considerados portugueses

A partir da viagem do padre Fritz a questatildeo do domiacutenio do Rio Solimotildees ganhou

prioridade poliacutetica evidenciando o interesse do governo portuguecircs em expandir suas

fronteiras para os limites da hinterlacircndia amazocircnica onde os sertanistas jaacute haviam

alcanccedilado Nesse sentido Portugal foi mais efetivo na defesa de suas pretensotildees

territoriais e mostrou-se mais interessado em expandir suas fronteiras do que o

governo espanhol em ajudar seus missionaacuterios a defender suas reduccedilotildees De fato

se alguma resistecircncia houve da parte de Espanha agrave penetraccedilatildeo portuguesa essa

coube aos jesuiacutetas a seu serviccedilo mais diretamente empenhados em impedir esse

movimento do que as autoridades metropolitanas e as autoridades coloniais

espanholas Como parte desta poliacutetica colonial uma carta reacutegia datada de 1708 foi

expedida de Lisboa determinando ao governador do Estado que protegesse o Rio

Solimotildees das pretensotildees espanholas expulsando todos os missionaacuterios

estrangeiros que estivessem atuando na regiatildeo Em 1709 o governador do Gratildeo-

Paraacute enviou uma tropa de guerra para patrulhar o Rio Solimotildees e expulsar os

espanhoacuteis que laacute estivessem instalados obtendo uma retirada temporaacuteria dos

missionaacuterios O substituto do padre Fritz nas reduccedilotildees de maynas recebeu ajuda do

319

governador de Quito e retomou as missotildees receacutem-ocupadas A reaccedilatildeo portuguesa

foi conduzida em 1710 com uma expediccedilatildeo que derrotou os missionaacuterios

espanhoacuteis obrigando-os a evacuar a regiatildeo As posiccedilotildees espanholas ficaram

restritas a algumas reduccedilotildees no Rio Maranotilden Dessa forma entre 1709 e 1710 os

portugueses conquistaram definitivamente o Rio Solimotildees A partir da segunda

deacutecada do seacuteculo XVIII natildeo havia mais traccedilos da presenccedila espanhola no Rio

Solimotildees a regiatildeo era portuguesa Para consolidar a ocupaccedilatildeo o governo de

Lisboa ordenou que os missionaacuterios fundassem uma missatildeo no Rio Japuraacute e outra

no Rio Javari A que foi construiacuteda na confluecircncia dos Rios Marantildeon e Javari com o

nome de Satildeo Francisco do Javari a mais de 2500 Km de Beleacutem marcaria o limite

entre as possessotildees espanholas e portuguesas no Rio Amazonas sendo hoje o

ponto fronteiriccedilo entre os Estados do Brasil e da Colocircmbia

Desde o final do seacuteculo XVII missionaacuterios sertanistas e droguistas do sertatildeo

iniciaram a exploraccedilatildeo do Rio Madeira sobretudo apoacutes a descoberta de uma rica

regiatildeo extrativista cacaueira no vale deste rio Em 1688 coube oficialmente aos

jesuiacutetas a responsabilidade pela conversatildeo dos grupos indiacutegenas do Rio Madeira o

que intensificou as accedilotildees de catequese e penetraccedilatildeo na regiatildeo As informaccedilotildees

sobre a presenccedila de brancos rio acima passaram a alarmar as autoridades de

Beleacutem Estrangeiros no Rio Madeira representavam uma seacuteria ameaccedila aos

interesses portugueses Lisboa foi informada da situaccedilatildeo e determinou em 1722

que uma expediccedilatildeo fosse mandada para explorar o rio e esclarecer a situaccedilatildeo

Em novembro de 1722 a expediccedilatildeo fluvial partiu de Beleacutem Era comandada por

Francisco de Melo Palheta que fora incumbido oficialmente de se apossar do Rio

Madeira para Portugal verificando tambeacutem a real situaccedilatildeo dos espanhoacuteis que

estavam fixados rio acima Palheta percorreu e venceu o trecho encachoeirado do

Rio Madeira alcanccedilando a desembocadura do Rio Mamoreacute com o Rio Guaporeacute

entatildeo conhecido por Rio Iteacutenez decidiu entatildeo subir pelo Rio Mamoreacute onde

segundo as informaccedilotildees de que dispunha estavam instalados os espanhoacuteis e foi

em direccedilatildeo aos aldeamentos indiacutegenas mantidos pelos jesuiacutetas castelhanos

alcanccedilando a povoaccedilatildeo de Santa Cruz de Cajuava uma das reduccedilotildees dos moxos

na atual Boliacutevia ao norte de Santa Cruz de la Sierra e agraves margens do Rio Mamoreacute

Ao atingir as missotildees espanholas jesuiacuteticas dos moxos Palheta completa sua

320

missatildeo de reconhecimento da regiatildeo e intima os missionaacuterios espanhoacuteis a

abandonar aquelas posiccedilotildees afirmando-lhes que estavam operando em terras

pertencentes agrave Coroa portuguesa Os missionaacuterios espanhoacuteis natildeo deveriam

ultrapassar a margem direita do Rio Guaporeacute considerado territoacuterio colonial

portuguecircs Dessa forma depois de mostrar aos espanhoacuteis as pretensotildees dos

portugueses sobre os limites naturais de seus domiacutenios pelo Rio Guaporeacute Palheta

iniciou o regresso ao Paraacute chegando a Beleacutem em setembro de 1723 mais de 10

meses depois de iniciada a viagem

A expediccedilatildeo bloqueou definitivamente a penetraccedilatildeo dos jesuiacutetas espanhoacuteis das

missotildees de Santa Cruz de la Sierra ou dos moxos e a aldeia de Santa Cruz de

Cajuava agraves margens do Rio Mamoreacute logo foi abandonada em funccedilatildeo da pressatildeo

dos portugueses A missatildeo poliacutetica da expediccedilatildeo havia sido completamente

cumprida e aleacutem dela Palheta realizava uma notaacutevel descoberta geograacutefica ao

revelar a existecircncia do Rio Guaporeacute procurando informar-se sobre as regiotildees mais

avanccediladas daquele rio

O que Palheta a as autoridades do Gratildeo-Paraacute natildeo sabiam era que enquanto ocorria

a conquista e a ocupaccedilatildeo do Vale do Rio Madeira pelos entradistas portugueses e

paraenses vindos de Beleacutem em suas bandeiras fluviais assentando missotildees

religiosas e povoados coloniais os paulistas avanccedilavam com suas bandeiras

oriundas de Satildeo Paulo e convergiam quase que ao mesmo tempo para o Centro-

Oeste brasileiro e o sul da Amazocircnia Em 1718 e 1722 grandes jazidas de ouro

foram descobertas nos Rios Coxipoacute-Mirim Coxipoacute e Cuiabaacute notiacutecia que

rapidamente se espalhou e provocou uma verdadeira corrida do ouro para a regiatildeo

Centro-Oeste do Brasil O primeiro nuacutecleo de povoamento da regiatildeo fundado em

1719 agraves margens do Rio Cuiabaacute transformou-se no centro de atraccedilatildeo da nova

regiatildeo mineradora recebendo em 1727 o tiacutetulo de vila por determinaccedilatildeo do

Capitatildeo General de Satildeo Paulo passando a se chamar Vila Real do Senhor Bom

Jesus do Cuiabaacute Pouco tempo depois em 1734 novas minas de ouro foram

encontradas nas cabeceiras do Rio Guaporeacute

Com a expansatildeo das atividades de mineraccedilatildeo na regiatildeo do Rio Guaporeacute iniciaram-

se novos enfrentamentos com os jesuiacutetas instalados nas reduccedilotildees de chiquitos

321

proacuteximas ao atual Estado do Mato Grosso do Sul e dos moxos junto a Mato Grosso

Os missionaacuterios espanhoacuteis haviam fundado vaacuterias reduccedilotildees na margem direita do

Rio Guaporeacute A reaccedilatildeo dos mineradores luso-brasileiros apoiados pelas autoridades

locais e pela Coroa portuguesa provocou a expulsatildeo dos missionaacuterios espanhoacuteis

instalados na regiatildeo As reduccedilotildees localizadas na margem direita do Rio Guaporeacute

foram atacadas e destruiacutedas e os padres e os iacutendios aldeados obrigados a se

transferirem para a margem oposta do rio Aleacutem disso a partir de 1745 Lisboa

decidiu enviar jesuiacutetas portugueses e iniciou a fundaccedilatildeo de missotildees religiosas que

defendessem seus interesses territoriais naquela regiatildeo

Em 1748 tendo por objetivo oficializar a ocupaccedilatildeo da regiatildeo e assegurar sua posse

fiscalizando de forma mais rigorosa a extraccedilatildeo das minas de ouro a Coroa

portuguesa decidiu desmembrar a Capitania de Satildeo Paulo criando a Capitania de

Mato-Grosso e Cuiabaacute Portugal manteve prioridade poliacutetica para a regiatildeo do Mato

Grosso sobretudo depois das descobertas de ouro na regiatildeo vindo a obter ecircxito

nas futuras negociaccedilotildees territoriais com a Espanha A argumentaccedilatildeo portuguesa

apoiou-se na ocupaccedilatildeo do territoacuterio e nesse sentido as expediccedilotildees de Antonio

Raposo Tavares (1648-1751) e Francisco de Melo Palheta (1722-1723) e Manoel

Felix de Lima (1748) justificariam plenamente as pretensotildees lusitanas o primeiro

por expulsar reduccedilotildees espanholas e revelar a ligaccedilatildeo do Rio Madeira com os

contrafortes andinos o segundo por estabelecer limites aos jesuiacutetas a serviccedilo de

Espanha e revelar o Rio Guaporeacute e o terceiro por estabelecer a ligaccedilatildeo entre o

Mato Grosso e Beleacutem permitindo as futuras monccedilotildees do norte que passariam a

navegar o eixo Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas Ao ocupar o Rio Guaporeacute

os portugueses finalmente podiam pleitear uma fronteira natural na regiatildeo mais

central do continente sul-americano

Em 1719 um ano depois das descobertas de grandes jazidas de ouro no oeste

brasileiro foi organizada e financiada a primeira expediccedilatildeo fluvial para a regiatildeo das

minas Esses comboios de canoas organizados com o objetivo de estabelecer a

ligaccedilatildeo entre a Capitania de Satildeo Paulo e a zona mineradora do Rio Cuiabaacute e

posteriormente do Rio Guaporeacute criaram um sistema de transporte que passou a ser

conhecido por monccedilatildeo de povoado expediccedilotildees fluviais regulares que tinham a

funccedilatildeo de abastecer as minas com mercadorias e escravos e transportar os que

322

pretendiam explorar aqueles sertotildees tatildeo longiacutenquos O itineraacuterio adotado se

consolidou a partir de 1720 Os monccediloeiros utilizavam-se dos Rios Tietecirc Paranaacute e

Pardo ateacute encontrar o divisor das bacias do Paranaacute com o Paraguai o varadouro de

Camapoatilde A partir dele navegavam os Rios Taquari Paraguai Satildeo Lourenccedilo e

finalmente o Rio Cuiabaacute As expediccedilotildees partiam das atuais cidades de Porto Feliz e

Itu no Estado de Satildeo Paulo agraves margens do Rio Tietecirc e levavam pelo menos 5

meses de duraccedilatildeo Como era curto o prazo mais propiacutecio para a partida das

expediccedilotildees e evidentemente muito custoso o financiamento das viagens apenas

um comboio era organizado por ano reunindo embarcaccedilotildees particulares e oficiais

todas protegidas por um uacutenico aparato de defesa Por mais de 100 anos de 1719 a

1838 as monccedilotildees permitiram a ligaccedilatildeo fiacutesica dessas regiotildees e a presenccedila

portuguesa no centro-oeste do continente sul-americano Com a experiecircncia

adquirida pelas expediccedilotildees fluviais empreendidas pelos paulistas para alcanccedilar as

minas de Cuiabaacute houve a abertura de uma nova rota de comunicaccedilatildeo fluvial regular

conhecida por monccedilotildees do norte que permitiu a ligaccedilatildeo entre Vila Bela da

Santiacutessima Trindade no Mato Grosso e Beleacutem no Paraacute por meio da navegaccedilatildeo dos

Rios Guaporeacute Mamoreacute Madeira e Amazonas

A ligaccedilatildeo fluvial regular de Satildeo Paulo agraves minas de Cuiabaacute que mais tarde em 1752

foi complementada pela navegaccedilatildeo sistemaacutetica de Vila Bela com Beleacutem

estabeleceu definitivamente as comunicaccedilotildees entre o Estado do Brasil e o entatildeo

Estado do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo As monccedilotildees e as monccedilotildees do norte dois

movimentos vigorosos de penetraccedilatildeo territorial finalmente passaram a delinear as

fronteiras ocidentais dos territoacuterios coloniais portugueses na Ameacuterica Agraves veacutesperas

da assinatura do Tratado de Madri de 1750 Espanha e Portugal encontravam-se

diante de uma realidade histoacuterica de um lado os jesuiacutetas instalados nas periferias

do impeacuterio colonial castelhano e de outro os bandeirantes luso-brasileiros que

haviam se transformado em comerciantes e mineradores instalados ao longo de

uma longa linha de povoaccedilotildees e fortificaccedilotildees defensivas bem mais a oeste do

previsto pelo Tratado de Tordesilhas Desse conflito de interesses prevaleceu a

posiccedilatildeo portuguesa de defesa da ocupaccedilatildeo do territoacuterio levada a termo pelos

paulistas bandeirantes e monccediloeiros os primeiros na conquista e revelaccedilatildeo da terra

e os segundos na ocupaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da posse

323

Essa vasta regiatildeo conquistada em grande parte pertencente agrave Amazocircnia brasileira

corresponde hoje aos atuais Estados do Mato Grosso Rondocircnia e Mato Grosso do

Sul

A expansatildeo realizada pelos bandeirantes e pelos entradistas da Amazocircnia havia

aberto ao impeacuterio portuguecircs um espaccedilo imenso e sua maior parte estava

inteiramente a oeste do meridiano de Tordesilhas portanto em territoacuterio sob o

ponto de vista dos acertos de 1494 legalmente espanhol Por outro lado natildeo se

podia esconder as novas realidades os limites foram sendo empurrados sem

cessar em direccedilatildeo a oeste sobre as posiccedilotildees espanholas Lisboa havia

estabelecido novas entidades administrativas nesses sertotildees - os bispados de Satildeo

Paulo e Mariana e as prelazias de Goiaacutes e Cuiabaacute criados em 1745 com a

autorizaccedilatildeo de Roma desde 1720 o desmembramento das Capitanias de Satildeo

Paulo e Minas do Ouro a criaccedilatildeo logo em 1748 das Capitanias do Mato Grosso e

Goiaacutes a transformaccedilatildeo em vilas dos arraiais de Cuiabaacute no Mato Grosso em 1719

e de Vila Boa em Goiaacutes em 1727 ndash que atestavam a ocupaccedilatildeo do territoacuterio e a

atividade econocircmica consideraacutevel que se desenvolvia nessa regiotildees como a criaccedilatildeo

de gado a exploraccedilatildeo mineral do solo e subsolo e a coleta das drogas do sertatildeo na

Amazocircnia Somado a todos esses argumentos a Coroa natildeo se mostrava disposta a

abrir matildeo das rendas obtidas nesses territoacuterios razatildeo pela qual a legalizaccedilatildeo

daquela aacuterea era tatildeo importante para o Estado portuguecircs Os descobrimentos de

ouro e a expansatildeo territorial haviam criado definitivamente uma nova realidade

colonial

Na Amazocircnia aleacutem da conquista e da ocupaccedilatildeo do territoacuterio Portugal tinha outros

argumentos a apresentar Podia invocar os tiacutetulos que possuiacutea desde a fundaccedilatildeo de

Beleacutem em 1616 tarefa delegada aos portugueses durante a vigecircncia da Uniatildeo

Ibeacuterica A Capitania do Cabo Norte atual Estado do Amapaacute havia sido criada e

doada em 1637 a um suacutedito portuguecircs e a defesa contra a ameaccedila dos

estrangeiros na regiatildeo - holandeses franceses e ingleses - havia exigido o

engajamento dos colonos do Paraacute Ao estabelecer a Capitania do Cabo Norte

Felipe IV de Espanha estava criando direitos portugueses incontestaacuteveis sobre

aquela regiatildeo amazocircnica Portanto no caso especiacutefico do Estado do Maranhatildeo e

Gratildeo-Paraacute havia documentos que atestavam os direitos de Portugal antes mesmo

324

da ocupaccedilatildeo que viriam a empreender Somava-se agrave criaccedilatildeo do Cabo Norte o

reconhecimento espanhol impliacutecito feito em 1668 ao teacutermino da guerra entre

Portugal e Espanha provocada pela Restauraccedilatildeo de 1640 de que eram

portuguesas as regiotildees amazocircnicas ocupadas durante a duraccedilatildeo da Uniatildeo Ibeacuterica

de 1580 a 1640 mesmo que os territoacuterios estivessem a oeste de Tordesilhas Jaacute em

pleno seacuteculo XVIII os dois Tratados de Utrecht assinados em 1713 e 1715

estabeleceram que a Franccedila renunciasse formalmente agraves suas pretensotildees sobre a

regiatildeo definindo o Rio Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e a colocircnia

portuguesa na Ameacuterica aleacutem de admitir que a posse da Colocircnia do Sacramento

fundada em 1680 pelos lusitanos era por direito de Portugal Tratava-se na

realidade de um reconhecimento oficial proclamado em diplomas internacionais de

que os acertos territoriais previstos no Tratado de Tordesilhas podiam ser revistos

abrindo-se portanto importantes precedentes para novas discussotildees sobre a posse

das terras americanas Esses tiacutetulos legitimavam a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia realizada

pelos entradistas luso-brasileiros e missionaacuterios a serviccedilo de Portugal e

proclamavam igualmente como legiacutetima a expansatildeo dos limites portugueses em

direccedilatildeo agrave bacia do Prata

Principalmente a partir do reinado de Dom Joatildeo V de 1706 a 1750 Portugal passou

a priorizar a definiccedilatildeo de suas fronteiras coloniais com o propoacutesito de revisar os

acordos anteriores de limites e abolir o Tratado de Tordesilhas firmado em 1494 A

aproximaccedilatildeo das Coroas ibeacutericas e a extraordinaacuteria atuaccedilatildeo de Alexandre de

Gusmatildeo nas negociaccedilotildees de fronteiras resultaram na assinatura em 1750 do

Tratado de Madri legalizava-se pelo argumento de posse da terra - uti possidetis - e

pela busca das fronteiras naturais a ocupaccedilatildeo da Amazocircnia e do Centro-Oeste do

Brasil A importacircncia desse documento transcende agrave soluccedilatildeo temporaacuteria dos

conflitos que vinham separando as duas monarquias ibeacutericas a respeito dos seus

domiacutenios coloniais tratou-se na realidade da celebraccedilatildeo de um estatuto

internacional que viria garantir ao Estado brasileiro sua configuraccedilatildeo baacutesica atual

O reinado de Dom Joseacute I entre 1750 e 1777 constituiu um periacuteodo muito particular

da Histoacuteria de Portugal Durante seu governo houve profundas alteraccedilotildees na

poliacutetica de Estado com reflexos em todo impeacuterio colonial portuguecircs particularmente

em suas possessotildees americanas Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Mello futuro

325

Marquecircs do Pombal viria a personificar esse periacuteodo histoacuterico de quase 27 anos de

governo conhecido inequivocamente por Periacuteodo Pombalino

Na Amazocircnia Lisboa decidira tomar para si o controle das missotildees religiosas

realizando um programa de profunda reorganizaccedilatildeo poliacutetica econocircmica social

administrativa judicial e religiosa Essa poliacutetica propunha-se sobretudo a promover

o povoamento do territoacuterio e a garantir sua defesa e sua posse Vilas foram

fundadas missotildees erguidas agrave categoria de vilas e sobretudo uma linha defensiva

de fortificaccedilotildees portuguesas construiacutedas para guarnecer os limites exteriores da

regiatildeo Satildeo Joseacute de Marabitanas e Satildeo Gabriel da Cachoeira no Rio Negro Satildeo

Francisco Xavier de Tabatinga no Rio Solimotildees Satildeo Joaquim no Rio Branco

Santo Antocircnio do Iccedilaacute na desembocadura do Rio Iccedilaacute com o Solimotildees Satildeo Joseacute de

Macapaacute na foz do Rio Amazonas e Real Priacutencipe da Beira no Rio Guaporeacute Essas

fortificaccedilotildees permitiram a ocupaccedilatildeo definitiva do territoacuterio e demonstram o propoacutesito

de Lisboa em defender e consolidar o espaccedilo amazocircnico conquistado A defesa

militar dos territoacuterios coloniais coube aos contingentes permanentes de soldados

sediados nas casas fortes ou mesmo fortificaccedilotildees construiacutedas em pontos

estrategicamente escolhidos seja para controlar a navegaccedilatildeo ao longo dos rios ou

mesmo para marcar a presenccedila portuguesa nas regiotildees pretendidas Houve uma

clara poliacutetica de Estado apesar da escassez de recursos metropolitanos no sentido

de empreender as accedilotildees necessaacuterias para assegurar a posse daquele vasto

territoacuterio

Embora tivesse sido revogado logo apoacutes sua assinatura o Tratado de Madri

estabeleceu o princiacutepio doutrinaacuterio que acabaria por prevalecer na demarcaccedilatildeo

definitiva das fronteiras do Brasil Deve-se agrave penetraccedilatildeo dos sertotildees pelos

expedicionaacuterios missionaacuterios entradistas e bandeirantes a realizaccedilatildeo fiacutesica da

expansatildeo colonial portuguesa na Ameacuterica e ao Tratado de Madri a inteligecircncia e a

prioridade poliacutetica para a manutenccedilatildeo dessa conquista territorial tatildeo singular Com

base nesse acordo o Brasil independente teria sua aacuterea total mais que triplicada e

logo trataria de oficializar suas fronteiras com as naccedilotildees sul-americanas receacutem-

formadas processo que natildeo ocorreu no restante da Ameacuterica hispacircnica e nem

mesmo na Ameacuterica do Norte em que as grandes alteraccedilotildees de fronteiras se deram

depois da independecircncia A Amazocircnia a despeito de todas as dificuldades para sua

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colonizaccedilatildeo permaneceu brasileira graccedilas ao esforccedilo e ao empenho poliacutetico

empreendidos por Portugal para manter essa vasta regiatildeo como parte de seu

impeacuterio colonial ultramarino

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Tratados de Limites

1) Tratado de Tordesilhas - 7 de junho de 149

ldquoDom Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada de Toledo de Valecircncia de Galiza de Maiorca de Sevilha da Sardenha de Coacuterdova da Coacutersega de Muacutercia de Jaeacutem do Algarve de Algeciras de Gibraltar das ilhas de Canaacuteria conde e condessa de Barcelona senhores de Biscaia e de Molina duques de Atenas e de Neopatria condes de Roussilhatildeo e da Sardenha marqueses de Oristaacuten e de Gociano juntamente com o priacutencipe d Joatildeo nosso mui caro e mui amado filho primogecircnito herdeiro dos nossos ditos reinos e senhorios Em feacute do qual por d Henrique Henriques nosso mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas comissaacuterio-mor de Leatildeo nosso contador-mor e o doutor Rodrigo Maldonado todos do nosso Conselho foi tratado assentado e aceito por noacutes e em nosso nome e em virtude do nosso poder com o sereniacutessimo d Joatildeo pela graccedila de Deus rei de Portugal e dos Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica senhor da Guineacute nosso mui caro e mui amado irmatildeo e com Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa seu filho almotacel-mor do dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo e Arias de Almadana corretor dos feitos civis de sua corte e de seu foro todos do Conselho do dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo em seu e em virtude de seu poder seus embaixadores que a noacutes vieram sobre a demanda que noacutes e ao dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo pertence do que ateacute sete dias deste mecircs de junho em que estamos da assinatura desta escritura estaacute por descobrir no mar Oceano na qual dito acordo dos nossos ditos procuradores entre outras coisas prometeram que dentro de certo prazo nela estabelecido noacutes outorgariacuteamos confirmariacuteamos jurariacuteamos ratificariacuteamos e aprovariacuteamos a dita aceitaccedilatildeo por nossas pessoas e noacutes desejando cumprir e cumprindo tudo o que assim em nosso nome foi assentado e aceito e outorgado acerca do supradito mandamos trazer diante de noacutes a dita escritura da dita convenccedilatildeo e assento para vecirc-la e examinaacute-la e o teor dela de verbo ad verbum eacute este que se segue Em nome de Deus Todo-Poderoso Padre Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas realmente distintas e separadas e uma soacute essecircncia divina Manifesto e notoacuterio seja a todos quantos este puacuteblico instrumento virem dado na vila de Tordesillas aos sete dias do mecircs de junho ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro anos em presenccedila de noacutes os secretaacuterios e escribas e notaacuterios puacuteblicos dos abaixo assinados estando presentes os honrados d Henrique Henriques mordomo-mor dos mui altos e mui poderosos priacutencipes senhores d Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada etc e d Gutierre de Caacuterdenas comendador-mor dos ditos senhores rei e rainha e o doutor Rodrigo Maldonado todos do Conselho dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia e de Granada etc seus procuradores bastantes de uma parte e os honrados Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa seu filho almotaceacutel-mor do mui alto e mui excelente senhor d Joatildeo pela graccedila de Deus rei de Portugal e Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica e senhor da Guineacute e Arias de Almadana corregedor dos feitos ciacuteveis em sua corte e do seu Desembargo todos do Conselho do dito rei de Portugal e seus embaixadores e procuradores bastantes como ambas as ditas partes o mostraram pelas cartas e poderes e procuraccedilotildees dos ditos senhores seus constituintes o teor das quais de verbo ad verbum eacute este que se segue D Fernando e d Isabel por graccedila de Deus rei e rainha de Castela de Leatildeo

de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada de Toledo de Valecircncia da Galiza da Maiorca de Sevilha de Sardenha de Coacuterdova da Coacutersega de Muacutercia de Jaeacutem de Algarve de Algeciras de Gibraltar das ilhas de Canaacuteria conde e condessa de Barcelona e senhores de Biscaia e de Molina duques de Atenas e de Neopatria condes de Roussilhatildeo e da Sardenha marqueses de Oristaacuten e de Gociano etc Em feacute do que o sereniacutessimo rei de Portugal nosso mui caro mui amado irmatildeo nos enviou como seus embaixadores e procuradores a Rui de Sousa do qual satildeo as vilas de Sagres e Beringel e a d Joatildeo de Sousa seu almotaceacutel-mor e Arias de Almadana seu corregedor dos feitos ciacuteveis em sua corte e de seu Desembargo todos do seu Conselho para entabolar e tomar assento e concoacuterdia conosco ou com nossos embaixadores e procuradores em nosso nome sobre a divergecircncia que entre noacutes e o sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo haacute sobre o que a noacutes e a ele pertence do que ateacute agora estaacute por descobrir no mar Oceano em razatildeo do que confiando de voacutes d Henrique Henriques nosso mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas comendador-mor de Leatildeo nosso contador-mor e o doutor Rodrigo Maldonado todos de nosso Conselho que sois tais pessoas que zelareis nosso serviccedilo e que bem fielmente fareis o que por noacutes vos for mandado e encomendado por esta presente carta vos damos todos nossos poderes completos naquela maneira e forma que podemos e em tal caso se requer especialmente para que por noacutes e em nosso nome e de nossos herdeiros e sucessores e de todos nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles possais tratar ajustar e assentar e fazer contrato e concoacuterdia com os ditos embaixadores do sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo em seu nome qualquer concerto assento limitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e concoacuterdia sobre o que dito eacute pelos ventos em graus de Norte e de Sul e por aquelas partes divisotildees e lugares do ceacuteu do mar e da terra que a voacutes bem visto forem e assim vos damos o dito poder para que possais deixar ao dito rei de Portugal e a seus reinos e sucessores todos os mares e ilhas e terras que forem e estiverem dentro de qualquer limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo que com ele assentarem e deixarem E outrossim vos damos o dito poder para que em nosso nome e no de nossos herdeiros e sucessores e de nossos reinos e senhorios e suacuteditos e naturais deles possais concordar a assentar e receber e acabar com o dito rei de Portugal e com seus ditos embaixadores e procuradores em seu nome que todos os mares ilhas e terras que forem ou estiverem dentro da demarcaccedilatildeo e limitaccedilatildeo de costas mares e ilhas e terras que ficarem por voacutes e por nossos sucessores e de nosso senhorio e conquista sejam de nossos reinos e sucessores deles com aquelas limitaccedilotildees e isenccedilotildees e com todas as outras divisotildees e declaraccedilotildees que a voacutes bem visto for e para que sobre tudo que estaacute dito e para cada coisa e parte disso e sobre o que a isso eacute tocante ou disso dependente ou a isso anexo ou conexo de qualquer maneira possais fazer e outorgar concordar tratar e receber e aceitar em nosso nome e dos ditos nossos herdeiros e sucessores de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles quaisquer tratados contratos e escrituras como quaisquer viacutenculos atos modos condiccedilotildees e obrigaccedilotildees e estipulaccedilotildees penas sujeiccedilotildees e renuacutencias que voacutes quiserdes e bem outorgueis todas as coisas e cada uma delas de qualquer natureza ou qualidade gravidade ou importacircncia que tenham ou possam ter ainda que sejam tais que pela sua condiccedilatildeo requeiram outro nosso especificado e especial mandado e que delas se devesse de fato e de direito fazer singular e expressa menccedilatildeo e que noacutes estando presentes poderiacuteamos fazer e outorgar e receber E outrossim vos damos poder suficiente para que possais jurar e jureis por nossas almas que noacutes e nossos herdeiros e sucessores suacuteditos naturais e vassalos adquiridos e por adquirir teremos guardaremos e cumpriremos e teratildeo

guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito tudo o que voacutes assim assentardes capitulardes jurardes outorgardes e firmardes livre de toda a cautela fraude engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo e assim possais em nosso nome capitular assegurar e prometer que noacutes em pessoa seguramente juraremos prometeremos outorgaremos e firmaremos tudo o que voacutes em nosso nome acerca do que dito eacute assegurardes prometerdes e acordardes dentro daquele lapso de tempo que vos bem parecer e que o guardaremos e cumpriremos realmente e com efeito sob as condiccedilotildees penas e obrigaccedilotildees contidas no contrato das bases entre noacutes e o dito sereniacutessimo rei nosso irmatildeo feito e concordado e sobre todas as outras que voacutes prometerdes e assentardes as quais desde agora prometemos pagar se nelas incorrermos para tudo o que e cada coisa ou parte disso vos damos o dito poder com livre e geral administraccedilatildeo e prometemos e asseguramos por nossa feacute e palavra real de ter guardar e cumprir noacutes e nossos herdeiros e sucessores tudo o que por voacutes acerca do que dito eacute em qualquer forma e maneira for feito e capitulado jurado e prometido e prometemos de o ter por firme bom e sancionado grato estaacutevel e vaacutelido e verdadeiro agora e em todo tempo e que natildeo iremos nem viremos contra isso nem contra parte alguma disso nem noacutes nem herdeiros e sucessores por noacutes nem por outras pessoas intermediaacuterias direta nem indiretamente sob qualquer pretexto ou causa em juiacutezo nem fora dele sob obrigaccedilatildeo expressa que para isso fazemos de todos os nossos bens patrimoniais e fiscais e outros quaisquer de nossos vassalos e suacuteditos e naturais moacuteveis e de raiz havidos e por haver Em testemunho do que mandamos dar esta nossa carta de poder a qual firmamos com os nossos nomes mandamos selar com o nosso selo Dada na vila de Tordesillas aos cinco dias do mecircs de junho ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro Eu el-rei Eu a rainha Eu Fernando Aacutelvarez de Toledo secretaacuterio do Rei e da Rainha nossos senhores a fiz escrever a seu mandado D Joatildeo por graccedila de Deus rei de Portugal e dos Algarves drsquoAqueacutem e drsquoAleacutem-mar em Aacutefrica e senhor de Guineacute etc A quantos esta nossa carta de poderes e procuraccedilatildeo virem fazemos saber que em virtude do mandado dos mui altos e mui excelentes e poderosos priacutencipes o rei d Fernando e a rainha d Isabel rei e a rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo de Siciacutelia de Granada etc nossos mui amados e prezados irmatildeos foram descobertas e achadas novamente algumas ilhas e poderiam adiante descobrir e achar outras ilhas e terras sobre as quais tanto umas como outras achadas e por achar pelo direito e pela razatildeo que nisso temos poderiam sobrevir entre noacutes todos e nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles que Nosso Senhor natildeo consinta a noacutes apraz pelo grande amor e amizade que entre todos noacutes existe e para se buscar procurar e conservar maior paz e mais firme concoacuterdia e sossego que o mar em que as ditas ilhas estatildeo e forem achadas se parte e demarque entre noacutes todos de alguma boa certa e limitada maneira e porque noacutes no presente natildeo podemos entender nisto pessoalmente confiante a voacutes Rui de Sousa senhor de Sagres e Beringel e d Joatildeo de Sousa nosso almotaceacutel-mor e Arias de Almadana corregedor dos feitos ciacuteveis em nossa corte e do nosso Desembargo todos do nosso Conselho pela presente carta vos damos todo nosso poder completo autoridade e especial mandado e vos fazemos e constituiacutemos a todos em conjunto e a dois de voacutes e a cada um de voacutes (in solidum) se os outros por qualquer modo estiverem impedidos nossos embaixadores e procuradores na mais ampla forma que podemos e em tal podemos e em tal caso se requer e geral especialmente e de tal modo que a generalidade natildeo derrogue a especialidade nem a especialidade a generalidade para que por noacutes e em nosso nome e de nossos herdeiros e sucessores e de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e

naturais deles possais tratar concordar e concluir e fazer trateis concordeis e assenteis e faccedilais com os ditos rei e rainha de Castela nossos irmatildeos ou com quem para isso tenha os seus poderes qualquer concerto e assento limitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e concoacuterdia sobre o mar Oceano ilhas e terra firme que nele houver por aqueles rumos de ventos e graus de Norte e Sul e por aquelas partes divisotildees e lugares de seco e do mar e da terra que bem vos parecer E assim vos damos o dito poder para que possais deixar e deixeis aos ditos rei e rainha e a seus reinos e sucessores todos os mares ilhas e terras que estiverem dentro de qualquer limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo que com os ditos rei e rainha ficarem e assim vos damos os ditos poderes para em nosso nome e no dos nossos herdeiros e sucessores e de todos os nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles possais com os ditos rei e rainha ou com seus procuradores assentar e receber e acabar que todos os mares ilhas e terras que forem situados e estiverem dentro da limitaccedilatildeo e demarcaccedilatildeo das costas mares ilhas e terras que por noacutes e nossos sucessores ficarem sejam nossos e de nossos senhorios e conquista e assim de nossos reinos e sucessores deles com aquelas limitaccedilotildees e isenccedilotildees de nossas ilhas e com todas as outras claacuteusulas e declaraccedilotildees que vos bem parecerem Os quais ditos poderes damos a voacutes os ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa e o licenciado Arias da Almadana para que sobre tudo o que dito eacute e sobre cada coisa e parte disso e sobre o que a isso eacute tocante e disso dependente e a isso anexo e conexo de qualquer maneira possais fazer e outorgar concordar tratar e distratar receber e aceitar em nosso nome e dos ditos nossos herdeiros e sucessores e todos nossos reinos e senhorios suacuteditos e naturais deles em quaisquer capiacutetulos contratos e escrituras com quaisquer viacutenculos pactos modos condiccedilotildees penas sujeiccedilotildees e renuacutencias que voacutes quiserdes e a voacutes bem visto for e sobre isso possais fazer e outorgar e faccedilais e outorgueis todas as coisas e cada uma delas de qualquer natureza e qualidade gravidade e importacircncia que sejam ou possam ser posto que sejam tais que por sua condiccedilatildeo requeiram outro nosso especial e singular mandado e se devesse de fato e de direito fazer singular e expressa menccedilatildeo e que noacutes presentes poderiacuteamos fazer e outorgar e receber E outrossim vos damos poderes completos para que possais jurar e jureis por nossa alma que noacutes e nossos herdeiros e sucessores suacuteditos e naturais e vassalos adquiridos e por adquirir teremos guardaremos e cumpriremos teratildeo guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito tudo o que voacutes assim assentardes e capitulardes e jurardes outorgardes e firmardes livre de toda cautela fraude e engano e fingimento e assim possais em nosso nome capitular assegurar e prometer que noacutes em pessoa asseguraremos juraremos prometeremos e firmaremos tudo o que voacutes no sobredito nome acerca do que dito eacute assegurardes prometerdes e capitulardes dentro daquele prazo e tempo que vos parecer bem e que o guardaremos e cumpriremos realmente e com efeito sob as condiccedilotildees penas e obrigaccedilotildees contidas no contrato das pazes entre noacutes feitas e concordadas e sob todas as outras que voacutes prometerdes e assentardes no nosso sobredito nome os quais desde agora prometemos pagar e pagaremos realmente e com efeito se nelas incorrermos Para tudo o que e cada uma coisa e parte disso vos damos os ditos poderes com livre e geral administraccedilatildeo e prometemos e asseguramos com a nossa feacute real ter e guardar e cumprir e assim os nossos herdeiros e sucessores tudo o que por voacutes acerca do que dito eacute em qualquer maneira e forma for feito capitulado e jurado e prometido e prometemos de o haver por firme sancionado e grato estaacutevel e valedouro desde agora para todo tempo e que natildeo iremos nem viremos nem iratildeo contra isso nem contra parte alguma disso em tempo algum nem por alguma

maneira por noacutes nem por si nem por intermediaacuterios direta nem indiretamente e sob pretexto algum ou causa em juiacutezo nem fora dele sob obrigaccedilatildeo expressa que para isso fazemos dos ditos nossos reinos e senhorios e de todos os nossos bens patrimoniais fiscais e outros quaisquer de nossos vassalos e suacuteditos e naturais moacuteveis e de raiz havidos e por haver Em testemunho e feacute do que vos mandamos dar esta nossa carta por noacutes firmada e selada com o nosso selo dada em nossa cidade de Lisboa aos oito dias de marccedilo Rui de Pina a fez no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro El rei E logo os ditos procuradores dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo de Siciacutelia de Granada etc e do dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc disseram que visto como entre os ditos senhores seus constituintes haacute certa divergecircncia sobre o que a cada uma das ditas partes pertence do que ateacute hoje dia da conclusatildeo deste tratado estaacute por descobrir no mar Oceano que eles portanto para o bem da paz e da concoacuterdia e pela conservaccedilatildeo da afinidade e amor que o dito senhor rei de Portugal tem pelos ditos senhores rei e rainha de Castela de Aragatildeo etc praz a suas altezas e os seus ditos procuradores em seu nome e em virtude dos ditos seus poderes outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha direta de poacutelo a poacutelo conveacutem a saber do poacutelo Aacutertico ao poacutelo Antaacutertico que eacute de norte a sul a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e decirc direita como dito eacute a trezentas e setenta leacuteguas das ilhas de Cabo Verde em direccedilatildeo agrave parte do poente por graus ou por outra maneira que melhor e mais rapidamente se possa efetuar contanto que natildeo seja dado mais E que tudo o que ateacute aqui tenha achado e descoberto e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito senhor rei de Portugal e por seus navios tanto ilhas como terra firme desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do levante dentro da dita raia para a parte do levante ou do norte ou do sul dele contanto que natildeo seja atravessando a dita raia que tudo seja e fique e pertenccedila ao dito senhor rei de Portugal e aos seus sucessores para sempre E que todo o mais assim ilhas como terra firme conhecidas e por conhecer descobertas e por descobrir que estatildeo ou forem encontrados pelos ditos senhores rei e rainha de Castela de Aragatildeo etc e por seus navios desde a dita raia dada na forma supra indicada indo pela dita parte de poente depois de passada a dita raia em direccedilatildeo ao poente ou ao norte-sul dela que tudo seja e fique e pertenccedila aos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc e aos seus sucessores para sempre Item os ditos procuradores prometem e asseguram em virtude dos ditos poderes que de hoje em diante natildeo enviaratildeo navios alguns conveacutem a saber os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo e de Aragatildeo etc por esta parte da raia para as partes de levante aqueacutem da dita raia que fica para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc nem o dito senhor rei de Portugal agrave outra parte da dita raia que fica para os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc a descobrir e achar terra nem ilhas algumas nem a contratar nem resgatar nem conquistar de maneira alguma poreacutem que se acontecesse que caminhando assim aqueacutem da dita raia os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc achassem quaisquer ilhas ou terras dentro do que assim fica para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves que assim seja e fique para o dito senhor rei de Portugal e para seus herdeiros para todo o sempre que suas altezas o hajam de mandar logo dar e entregar E se os navios do dito senhor de Portugal acharem quaisquer ilhas e terras na parte dos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo e de Aragatildeo etc que tudo tal seja e fique para os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leatildeo etc e para seus herdeiros para todo o sempre e que o dito

senhor rei de Portugal o haja logo de mandar dar e entregar Item para que a dita linha ou raia da dita partilha se haja de traccedilar e trace direita e a mais certa que possa ser pelas ditas trezentas e setenta leacuteguas das ditas ilhas de Cabo Verde em direccedilatildeo agrave parte do poente como dito eacute fica assentado e concordado pelos ditos procuradores de ambas as ditas partes que dentro dos dez primeiros meses seguintes a contar do dia da conclusatildeo deste tratado hajam os ditos senhores seus constituintes de enviar duas ou quatro caravelas isto eacute uma ou duas de cada parte mais ou menos segundo acordarem as ditas partes serem necessaacuterias as quais para o dito tempo se achem juntas na ilha da grande Canaacuteria e enviem nelas cada uma das ditas partes pessoas tanto pilotos como astroacutelogos e marinheiros e quaisquer outras pessoas que convenham mas que sejam tantas de uma parte como de outra e que algumas pessoas dos ditos pilotos e astroacutelogos e marinheiros e pessoas que sejam dos que enviarem os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo etc vatildeo no navio ou navios que enviar o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc e da mesma forma algumas das ditas pessoas que enviar o referido senhor rei de Portugal vatildeo no navio ou navios que mandarem os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo tanto de uma parte como de outra para que juntamente possam melhor ver e reconhecer o mar e os rumos e ventos e graus de sul e norte e assinalar as leacuteguas supraditas tanto que para fazer a demarcaccedilatildeo e limites concorreratildeo todos juntos os que forem nos ditos navios que enviarem ambas as ditas partes e levarem os seus poderes que os ditos navios todos juntamente constituem seu caminho para as ditas ilhas de Cabo Verde e daiacute tomaratildeo sua rota direita ao poente ateacute agraves ditas trezentas e setenta leacuteguas medidas pelas ditas pessoas que assim forem acordarem que devem ser medidas sem prejuiacutezo das ditas partes e ali onde se acabarem se marque o ponto e sinal que convenha por graus de sul e de norte ou por singradura de leacuteguas ou como melhor puderem concordar a qual dita raia assinalem desde o dito poacutelo Aacutertico ao dito poacutelo Antaacutertico isto eacute de norte a sul como fica dito e aquilo que demarcarem o escrevam e firmem como os proacuteprios as ditas pessoas que assim forem enviadas por ambas as ditas partes as quais hatildeo de levar faculdades e poderes das respectivas partes cada um da sua para fazer o referido sinal e delimitaccedilatildeo feita por eles estando todos conformes que seja tida por sinal e limitaccedilatildeo perpetuamente para todo o sempre para que nem as ditas partes nem algumas delas nem seus sucessores jamais a possam contradizer nem tiraacute-la nem removecirc-la em tempo algum por qualquer maneira que seja possiacutevel ou que possiacutevel possa ser E se por acaso acontecer que a dita raia e limite de poacutelo a poacutelo como estaacute declarado topar em alguma ilha ou terra firme que no comeccedilo de tal ilha ou terra que assim for encontrada onde tocar a dita linha se faccedila alguma marca ou torre e que a direito do dito sinal ou torre se sigam daiacute para diante outros sinais pela tal ilha ou terra na direccedilatildeo da citada raia os quais partam o que a cada umas das partes pertencer dela e que os suacuteditos das ditas partes natildeo ousem passar uns agrave porccedilatildeo dos outros nem estes agrave daqueles passando o dito sinal ou limite na tal ilha e terra Item porquanto para irem os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc dos reinos e senhorios ateacute sua dita porccedilatildeo aleacutem da dita raia na maneira que ficou dito eacute forccediloso que tenham de passar pelos mares desta banda da raia que fica para o dito senhor rei de Portugal fica por isso concordado e assentado que os ditos navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc possam ir e vir e vatildeo e venham livre segura e pacificamente sem contratempo algum pelos ditos mares que ficam para o dito senhor rei de Portugal dentro da dita raia em todo o tempo e cada vez e quando suas altezas e seus

sucessores quiserem e por bem tiverem os quais vatildeo por seus caminhos direitos e rotas desde seus reinos para qualquer parte do que esteja dentro da raia e limite onde quiserem enviar para descobrir e conquistar e contratar e que sigam seus caminhos direito por onde eles acordarem de ir para qualquer ponto da sua dita parte e daqueles natildeo se possam apartar salvo se o tempo adverso os fizer afastar contanto que natildeo tomem nem ocupem antes de passar a dita raia coisa alguma do que for achado pelo dito senhor rei de Portugal na sua dita porccedilatildeo e que se alguma coisa acharem os seus ditos navios antes de passarem a dita raia conforme estaacute dito que isso seja para o dito senhor rei de Portugal e suas altezas o hajam de mandar logo dar e entregar E porque poderia suceder que os navios e gentes dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc ou por sua parte teratildeo achado ateacute aos vinte dias deste mecircs de junho em que estamos da conclusatildeo deste tratado algumas ilhas e terra firme dentro da dita raia que se haacute de traccedilar de poacutelo a poacutelo por linha reta ao final das ditas trezentas e setenta leacuteguas contadas desde as ditas ilhas de Cabo Verde para o poente como dito estaacute fica acordado e assentado para desfazer qualquer duacutevida que todas as ilhas e terra firme que forem achadas e descobertas de qualquer maneira ateacute aos ditos vinte dias deste dito mecircs de junho ainda que sejam encontradas por navios e gentes dos ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc contanto que estejam dentro das primeiras duzentas e cinquumlenta leacuteguas das ditas trezentas e setenta leacuteguas contadas desde as ditas ilhas de Cabo Verde ao poente em direccedilatildeo agrave dita raia em qualquer parte delas para os ditos poacutelos que forem achadas dentro das ditas duzentas e cinquumlenta leacuteguas traccedilando-se uma raia ou linha reta de poacutelo a poacutelo onde se acabarem as ditas duzentas e cinquumlenta leacuteguas seja e fique para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc e para os seus sucessores e reinos para sempre e que todas as ilhas e terra firme que ateacute os ditos vinte dias deste mecircs de junho em que estamos forem encontradas e descobertas por navios dos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragatildeo etc e por suas gentes ou de outra qualquer maneira dentro das outras cento e vinte leacuteguas que ficam para complemento das ditas trezentas e setenta leacuteguas em que haacute de acabar a dita raia que se haacute de traccedilar de poacutelo a poacutelo como ficou dito em qualquer parte das ditas cento e vinte leacuteguas para os ditos poacutelos que sejam achadas ateacute o dito dia sejam e fiquem para os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc e para os seus sucessores e seus reinos para todo sempre conforme eacute e haacute de ser seu tudo o que descobrirem aleacutem da dita raia das ditas trezentas e setenta leacuteguas que ficam para suas altezas como ficou dito ainda que as indicadas cento e vinte leacuteguas estejam dentro da dita raia das ditas trezentas e setenta leacuteguas que ficam para o dito senhor rei de Portugal e dos Algarves etc como dito estaacute E se ateacute os ditos vinte dias deste dito mecircs de junho natildeo for encontrada pelos ditos navios de suas altezas coisa alguma dentro das ditas cento e vinte leacuteguas e dali para diante o acharem que seja para o dito senhor rei de Portugal como no supra capiacutetulo escrito estaacute contido E que tudo o que ficou dito e cada coisa e parte dele os ditos d Henrique Henriques mordomo-mor e d Gutierre de Caacuterdenas contador-mor e do doutor Rodrigo Maldonado procuradores dos ditos mui altos e mui poderosos priacutencipes senhores o rei e a rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo da Siciacutelia de Granada etc e em virtude dos seus ditos poderes que vatildeo incorporados e os ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa seu filho e Arias de Almadana procuradores e embaixadores do dito mui alto e mui excelente priacutencipe o senhor rei de Portugal e dos AlgarvesdrsquoAqueacutem e drsquoAleacutem em Aacutefrica e senhor de Guineacute e em virtude dos seus ditos poderes que vatildeo supra-incorporados prometerem e assegurarem em nome dos seus ditos constituintes que eles e seus

sucessores e reinos e senhorios para todo o sempre teratildeo guardaratildeo e cumpriratildeo realmente e com efeito livre de toda fraude e penhor engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo todo o contido nesta capitulaccedilatildeo e cada uma coisa e parte dele quiseram e outorgaram que todo o contido neste convecircnio e cada uma coisa e parte disso seraacute guardada e cumprida e executada como se haacute de guardar cumprir e executar todo o contido na capitulaccedilatildeo das pazes feitas e assentadas entre os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc e o senhor d Afonso rei de Portugal que em santa gloacuteria esteja e o dito senhor rei que agora eacute de Portugal seu filho sendo priacutencipe o ano que passou de mil quatrocentos e setenta e nove anos e sob aquelas mesmas penas viacutenculos seguranccedilas e obrigaccedilotildees segundo e de maneira que na dita capitulaccedilatildeo das ditas pazes estaacute contida E se obrigaram a que nem as ditas pazes nem algumas delas nem seus sucessores para todo o sempre iratildeo mais nem se voltaratildeo contra o que acima estaacute dito e especificado nem contra coisa alguma nem parte disso direta nem indiretamente nem por outra maneira alguma em tempo algum nem por maneira alguma pensada ou natildeo pensada que seja ou possa ser sob as penas contidas na dita capitulaccedilatildeo das ditas pazes e a pena cumprida ou natildeo cumprida ou graciosamente remida que esta obrigaccedilatildeo e capitulaccedilatildeo e assento deixe e fique firme estaacutevel e vaacutelida para todo o sempre para assim terem e guardarem e cumprirem e pagarem em tudo o supradito aos ditos procuradores em nome dos seus ditos constituintes obrigaram os bens cada um de sua dita parte moacuteveis e de raiz patrimoniais e fiscais e de seus suacuteditos e vassalos havidos e por haver e renunciar a quaisquer leis e direitos de que se possam valer as ditas partes e cada uma delas para ir e vir contra o supradito e cada uma coisa e parte disso realmente e com efeito livre toda a fraude penhor e engano ficccedilatildeo e simulaccedilatildeo e natildeo o contradiratildeo em tempo algum nem por alguma maneira sob a qual o dito juramento juraram natildeo pedir absolviccedilatildeo nem relaxamento disso ao nosso santiacutessimo padre nem a outro qualquer legado ou prelado que a possa dar e ainda que de motu proprio a decircem natildeo usaratildeo dela antes por esta presente capitulaccedilatildeo suplicam no dito nome ao nosso santiacutessimo padre que haja sua santidade por bem confiar e aprovar esta dita capitulaccedilatildeo conforme nela se conteacutem e mandando expedir sobre isto suas bulas agraves partes ou a quaisquer delas que as pedir e mandam incorporar nelas o teor desta capitulaccedilatildeo pondo suas censuras aos que contra ela forem ou procederem em qualquer tempo que seja ou possa ser E assim mesmo os ditos procuradores no dito nome se obrigaram sob a dita pena e juramento dentro dos cem primeiros dias seguintes contados desde o dia da conclusatildeo deste tratado daratildeo uma parte a esta primeira aprovaccedilatildeo e ratificaccedilatildeo desta dita capitulaccedilatildeo escritas em pergaminho e firmadas nos nomes dos ditos senhores seus constituintes e seladas com os seus selos de cunho pendentes e na escritura que tiverem de dar os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo de Aragatildeo etc tenha de firmar e consentir e autorizar o mui esclarecido e ilustriacutessimo senhor o priacutencipe d Joatildeo seu filho de tudo o que dito eacute outorgaram duas escrituras de um mesmo teor uma tal qual a outra as quais firmaram com seus nomes e as outorgaram perante os secretaacuterios e testemunhas abaixo assinadas para cada uma das partes a sua e a qualquer que se apresentar vale como se ambas as duas se apresentassem as quais foram feitas e outorgadas na dita vila de Tordesillas no dita mecircs e ano supraditos D Henrique comendador-mor Rui de Sousa d Joatildeo de Sousa Doutor Rodrigo Maldonado Licenciado Arias Testemunhas que foram presentes que vieram aqui firmar seus nomes ante os ditos procuradores e embaixadores e outorgar o supradito e fazer o dito juramento o comendador Pedro de Leon o comendador Fernando de Torres vizinhos da vila de

Valladolid o comendador Fernando de Gamarra comendador de Lagra e Cenate contiacutenuos da casa dos ditos rei e rainha nossos senhores e Joatildeo Soares de Siqueira e Rui Leme e Duarte Pacheco contiacutenuos da casa do senhor rei de Portugal para isso chamados E eu Fernando Dalvares de Toledo secretaacuterio do rei e da rainha nossos senhores e de seu Conselho e seu escrivatildeo de Cacircmara e notaacuterio puacuteblico em sua corte e em todos os seus reinos e senhorios estive presente a tudo que dito estaacute declarado em um com as ditas testemunhas e com Estevam Baez secretaacuterio do dito senhor rei de Portugal que pela autoridade que os ditos rei e a rainha nossos senhores lhe deram para fazer dar sua feacute neste auto em seus reinos que esteve tambeacutem presente ao que dito estaacute e a rogo e outorgamento de todos os procuradores e embaixadores que em minha presenccedila e na sua aqui firmaram seus nomes este instrumento puacuteblico de capitulaccedilatildeo fiz escrever o qual vai escrito nestas seis folhas de papel de formato inteiro escritas de ambos os lados e mais esta em que vatildeo os nomes dos supraditos e o meu sinal e no fim de cada paacutegina vai rubricado o sinal do meu nome e o do dito Estevam Baez e em feacute disso pus aqui este meu sinal que eacute tal Em testemunho de verdade Fernatildeo Dalvares E eu dito Estevam Baez que por autoridade que os ditos senhores rei e rainha de Castela de Leatildeo etc me deram para fazer puacuteblico em todos os seus reinos e senhorios juntamente com o dito Fernatildeo Dalvares a rogo e requerimento dos ditos embaixadores e procuradores a tudo presente estive e em feacute a certificaccedilatildeo disso aqui com o meu puacuteblico sinal assinei que eacute tal A qual dita escritura de assento e capitulaccedilatildeo e concoacuterdia supra incorporada vista e entendida por noacutes e pelo dito priacutencipe d Joatildeo nosso filho noacutes a aprovamos louvamos e confirmamos e outorgamos ratificamos e prometemos ter guardar e cumprir todo o supradito nela contido e cada uma coisa e parte disso realmente e com efeito livre de toda a fraude cautela e simulaccedilatildeo e de natildeo ir nem vir contra isso nem contra parte disso em tempo algum nem por alguma maneira que seja ou possa ser e para maior firmeza noacutes e o dito priacutencipe d Joatildeo nosso filho juramos por Deus pela Santa Maria e pelas palavras do Santo Evangelho onde quer que mais amplamente estejam impressas e pelo sinal da cruz na qual corporalmente colocamos nossas matildeos direitas em presenccedila dos ditos Rui de Sousa e d Joatildeo de Sousa e o licenciado Arias de Almadana embaixadores e procuradores do dito e sereniacutessimo rei de Portugal nosso irmatildeo de o assim ter e guardar e cumprir e a cada uma coisa e parte do que a noacutes incumbe realmente e com efeito como estaacute dito por noacutes e por nossos herdeiros e sucessores e pelos nossos ditos reinos e senhorios e suacuteditos e naturais deles sob as penas e obrigaccedilotildees viacutenculos e renuacutencias no dito contrato de capitulaccedilatildeo e concoacuterdia supra-escrito contidas por certificaccedilatildeo e corroboraccedilatildeo do qual firmamos nesta nossa carta nossos nomes e a mandamos selar com o nosso selo de cunho pendentes em fios de seda em cores Dada na vila de Areacutevalo aos dois dias do mecircs de julho ano do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e noventa e quatro Eu el-rei Eu a rainha Eu o priacutencipe E eu Fernatildeo Dalvares de Toledo secretaacuterio drsquoel-rei e da rainha nossos senhores a fiz escrever por sua ordemrdquo

2) Tratado de Madri - 13 de janeiro de 1750

ldquoTrato de limites das conquistas entre os muito altos e poderosos senhores d Joatildeo V Rei de Portugal e d Fernando VI rei de Espanha assinado em 13 de janeiro de 1750 em Madri e ratificado em Lisboa a 26 do dito mecircs e em Madri a 8 de fevereiro do mesmo ano

Em nome da Santiacutessima Trindade

Os sereniacutessimos reis de Portugal e Espanha desejando eficazmente consolidar e estreitar a sincera e cordial amizade que entre si professam consideraram que o meio mais conducente para conseguir tatildeo saudaacutevel intento eacute tirar todos os pretextos e alhanar os embaraccedilos que possam adiante alteraacute-la e particularmente os que se podem oferecer com o motivo dos limites das duas coroas na Ameacuterica cujas conquistas se tecircm adiantado com incerteza e duacutevida por se natildeo haverem averiguado ateacute agora os verdadeiros limites daqueles domiacutenios ou a paragem donde se haacute de imaginar a linha divisoacuteria que havia de ser o princiacutepio inalteraacutevel da demarcaccedilatildeo de cada coroa E considerando as dificuldades invenciacuteveis que se ofereceriam se houvesse de assinalar-se esta linha com o conhecimento praacutetico que se requer resolveram examinar as razotildees e duacutevidas que se oferecessem por ambas as partes e agrave vista delas concluir o ajuste com reciacuteproca satisfaccedilatildeo e conveniecircncia

Por parte da Coroa de Portugal se alegava que havendo de contar-se os 180 graus da sua demarcaccedilatildeo desde a linha para o oriente ficando para Espanha os outros 180 para o ocidente e devendo cada uma das naccedilotildees fazer os seus descobrimentos e colocircnias nos 180 graus da sua demarcaccedilatildeo contudo se acha conforme as observaccedilotildees mais exatas e modernas dos astrocircnomos e geoacutegrafos que comeccedilando a contar os graus para o ocidente da dita linha se estende o domiacutenio espanhol na extremidade asiaacutetica do mar do Sul muitos mais graus que os 180 da sua demarcaccedilatildeo e por conseguumlinte tem ocupado muito maior espaccedilo do que pode importar qualquer excesso que se atribua aos portugueses no que talvez teratildeo ocupado na Ameacuterica meridional ao ocidente da mesma linha e princiacutepio da demarcaccedilatildeo espanhola

Tambeacutem se alegava que pela escritura de venda com pacto de retrovendendo outogarda pelos procuradores das duas coroas em Saragoccedila a 22 de abril de 1529 vendeu a coroa de Espanha a Portugal tudo o que por qualquer via ou direito lhe pertencesse ao ocidente de outra linha meridiana imaginada pelas ilhas das Velas situadas no mar do Sul a 17 graus de distacircncia de Maluco com declaraccedilatildeo que se Espanha consentisse e natildeo impedisse aos seus vassalos a navegaccedilatildeo da dita linha para o ocidente ficaria logo extinto e resoluto o pacto de retrovendendo e que quando alguns vassalos de Espanha por ignoracircncia ou por necessidade entrassem dentro dela e descobrissem algumas ilhas ou terras pertenceria a Portugal o que nesta forma descobrissem Que sem embargo desta convenccedilatildeo foram depois os espanhoacuteis a descobrir as Filipinas e com efeito se estabeleceram nelas pouco antes da uniatildeo das duas coroas que se fez no ano de 1580 por cuja causa cessaram as disputas que esta infraccedilatildeo suscitou entre as duas naccedilotildees poreacutem tendo-se depois dividido resultou das condiccedilotildees da escritura de Saragoccedila um novo tiacutetulo para que

Portugal pretendesse a restituiccedilatildeo ou o equivalente de tudo o que ocuparam os espanhoacuteis ao ocidente da dita linha contra o capitulado na referida escritura

Quanto ao territoacuterio da margem setentrional do rio da Prata alegava que com o motivo da fundaccedilatildeo da Colocircnia do Sacramento excitou-se uma disputa entre as duas coroas sobre limites a saber se as terras em que se fundou aquela praccedila estavam ao oriente ou ao ocidente da linha divisoacuteria determinada em Tordesilhas e enquanto se decidia esta questatildeo se concluiu provisionalmente um tratado em Lisboa a 7 de maio de 1681 no qual se concordou que a referida praccedila ficasse em poder dos portugueses e que nas terras disputadas tivessem o uso e aproveitamento comum com os espanhoacuteis Que pelo artigo VI da paz celebrada em Utrecht entre as duas coroas em 6 de fevereiro de 1715 cedeu S M C toda a accedilatildeo e direito que podia ter ao territoacuterio e colocircnia dando por abolido em virtude desta cessatildeo o dito Tratado Provisional Que devendo em vigor da mesma cessatildeo entregar-se agrave Coroa de Portugal todo o territoacuterio da disputa pretendeu o governador de Buenos Aires satisfazer unicamente com a entrega da praccedila dizendo que pelo territoacuterio soacute entendia o que alcanccedilasse o tiro de canhatildeo dela reservando para a Coroa de Espanha todas as demais terras da questatildeo nas quais se fundaram depois a praccedila de Montevideacuteu e outros estabelecimentos que esta inteligecircncia do governador de Buenos Aires foi manifestamente oposta ao que se tinha ajustado sendo evidente que por meio de uma cessatildeo natildeo devia ficar a Coroa de Espanha de melhor condiccedilatildeo do que antes estava no mesmo que cedia e tendo ficado pelo Tratado Provisional ambas as naccedilotildees com a posse e assistecircncia comum naquelas campanhas natildeo haacute interpretaccedilatildeo mais violenta do que o supor que por meio da cessatildeo de S M C ficavam pertencendo privativamente agrave sua Coroa

Que tocando aquele territoacuterio a Portugal por tiacutetulo diverso da linha divisoacuteria determinada em Tordesilhas (isto eacute pela transaccedilatildeo feita no Tratado de Utrecht em que S M C cedeu o direito que lhe competia pela demarcaccedilatildeo antiga) devia aquele territoacuterio independentemente das questotildees daquela linha ceder-se inteiramente a Portugal com tudo o que nele se houvesse novamente fabricado como feito em solo alheio Finalmente que suposto pelo artigo VII do dito Tratado de Utrecht se reservou S M C a liberdade de propor um equivalente agrave satisfaccedilatildeo de S M F pelo dito territoacuterio e colocircnia contudo como haacute muitos anos passou o prazo assinalado para oferececirc-lo tem cessado todo o pretexto e motivo ainda aparente para dilatar a entrega do mesmo territoacuterio

Por parte da Coroa de Espanha se alegava que havendo de imaginar-se a linha de norte a sul a 370 leacuteguas ao poente das ilhas de Cabo Verde conforme o tratado concluiacutedo em Tordesilhas a 7 de junho de 1494 todo o terreno que houvesse nas 370 leacuteguas desde as referidas ilhas ateacute o lugar aonde se havia de assinalar a linha pertenceria a Portugal e nada mais por esta parte porque desde ela para o ocidente se hatildeo de contar os 180 graus da demarcaccedilatildeo de Espanha e ainda que por natildeo estar declarado de qual das ilhas de Cabo Verde se hatildeo de comeccedilar a contar as 370 leacuteguas se ofereccedila duacutevida e haja interesse notaacutevel por estarem todas elas situadas a leste-oeste com a diferenccedila de quatro graus e meio tambeacutem eacute certo que ainda cedendo Espanha e consentindo que se comece a contar desde a mais ocidental que chamam de Santo Antatildeo apenas poderatildeo chegar as 370 leacuteguas agrave cidade do Paraacute e mais colocircnias ou capitanias portuguesas fundadas antigamente nas costas do Brasil e como a Coroa de Portugal tem ocupado as duas margens do rio das

Amazonas ou Marantildeon subindo ateacute a boca do rio Javari que entra nele pela margem austral resulta claramente ter-se introduzido na demarcaccedilatildeo de Espanha tudo quanto dista a referida cidade da boca daquele rio sucedendo o mesmo pelo interior do Brasil com internaccedilatildeo que fez esta Coroa ateacute o Cuiabaacute e Mato Grosso

Pelo que toca agrave Colocircnia do Sacramento alegava que conforme os mapas mais exatos natildeo chega com muita diferenccedila agrave boca do rio da Prata a paragem onde se deveria imaginar a linha e consequumlentemente a referida colocircnia com todo o seu territoacuterio cai ao poente dela e na demarcaccedilatildeo de Espanha sem que obste o novo direito com que a reteacutem a Coroa de Portugal em virtude do Tratado de Utrecht porquanto nele se estipulou a restituiccedilatildeo por um equivalente e ainda que a Corte de Espanha o ofereceu dentro do termo prescrito no artigo VII natildeo o admitiu a de Portugal por cujo fato ficou prorrogado o termo sendo como foi proporcionado e equivalente e o natildeo tecirc-lo admitido foi mais por culpa de Portugal que de Espanha

Vistas e examinadas estas razotildees pelos dois sereniacutessimos monarcas com as reacuteplicas que se fizeram de uma e outra parte procedendo com aquela boa feacute e sinceridade que eacute proacutepria de priacutencipes tatildeo justos tatildeo amigos e parentes desejando manter os seus vassalos em paz e sossego e reconhecendo as dificuldades e duacutevidas que em todo o tempo fariam embaraccedilada esta contenda se se houvesse de julgar pelo meio da demarcaccedilatildeo acordada em Tordesilhas assim porque se natildeo declarou de qual das ilhas de Cabo Verde se havia de comeccedilar a conta das 370 leacuteguas como pela dificuldade de assinalar nas costas da Ameacuterica meridional os dois pontos ao sul e ao norte donde havia de principiar a linha como tambeacutem pela impossibilidade moral de estabelecer com certeza pelo meio da mesma Ameacuterica uma linha meridiana e finalmente por outros muitos embaraccedilos quase invenciacuteveis que se ofereceriam para conservar sem controveacutersia nem excesso uma demarcaccedilatildeo regulada por linhas meridianas e considerando ao mesmo tempo que os referidos embaraccedilos talvez foram pelo passado a ocasiatildeo principal dos excessos que uma e outra parte se alegam e das muitas desordens que perturbaram a quitaccedilatildeo dos seus domiacutenios resolveram pocircr termo agraves disputas passadas e futuras e esquecer-se e natildeo usar de todas as accedilotildees e direitos que possam pertencer-lhes em virtude dos referidos Tratados de Tordesilhas Lisboa Utrecht e da Escritura de Saragoccedila ou de outros quaisquer fundamentos que possam influir na divisatildeo dos seus domiacutenios por linha meridiana e querem que ao diante natildeo se trate mais dela reduzindo os limites das duas monarquias aos que se assinalaram no presente tratado sendo o seu acircnimo que nele se atenda com cuidado a dois fins o primeiro e principal eacute que se assinalem os limites dos dois domiacutenios tomando por balizas as paragens mais conhecidas para que em nenhum tempo se confundam nem decircem ocasiatildeo a disputas como satildeo a origem e curso dos rios e os montes mais notaacuteveis o segundo que cada parte haacute de ficar com o que atualmente possui agrave exceccedilatildeo das muacutetuas cessotildees que em seu lugar se diratildeo as quais se faratildeo por conveniecircncia comum e para que os confins fiquem quanto for possiacutevel menos sujeitos a controveacutersias

Para concluir este ajuste e assinalar os limites deram os dois sereniacutessimos reis aos seus ministros de uma e outra parte os plenos poderes necessaacuterios que se inseriram no fim deste tratado a saber Sua Majestade Fideliacutessima a Sua Excelecircncia o Senhor Tomaacutes Silva Teles Visconde de Villa-Nova de Cerveira do Conselho de S M F e do de Guerra mestre de campo general dos Exeacutercitos de S M F e seu

embaixador extraordinaacuterio na Corte de Madri e Sua Majestade Catoacutelica a Sua Excelecircncia o Senhor d Joseacute de Cavajal e Lencastre gentil-homem de Cacircmara de S M C com exerciacutecio ministro de Estado e decano deste Conselho governador do Supremo de Iacutendias presidente da Junta de Comeacutercio e Moeda e superintendente geral das Postas e Estafetas de dentro e fora de Espanha os quais depois de conferirem e tratarem a mateacuteria com a devida circunspecccedilatildeo e exame e bem instruiacutedos da intenccedilatildeo dos dois sereniacutessimos reis seus amos e seguindo as suas ordens concordaram no que se conteacutem dos seguintes artigos

Artigo I

O presente tratado seraacute o uacutenico fundamento e regra que ao diante se deveraacute seguir para a divisatildeo e limites dos dois domiacutenios em toda a Ameacuterica e na Aacutesia e em virtude disto ficaraacute abolido qualquer direito e accedilatildeo que possam alegar as duas coroas por motivo da bula do papa Alexandre VI de feliz memoacuteria e dos Tratados de Tordesilhas de Lisboa e Utrecht da escritura de venda outorgada em Saragoccedila e de outros quaisquer tratados convenccedilotildees e promessas o que tudo enquanto trata da linha da demarcaccedilatildeo seraacute de nenhum valor e efeito como se natildeo houvera sido determinado ficando em tudo o mais na sua forccedila e vigor e para o futuro natildeo se trataraacute mais da dita linha nem se poderaacute usar deste meio para a decisatildeo de qualquer dificuldade que ocorra sobre limites senatildeo unicamente da fronteira que se prescreve nos presentes artigos como regra invariaacutevel e muito menos sujeita a controveacutersias

Artigo II

As ilhas Filipinas e as adjacentes que possui a Coroa de Espanha lhe pertencem para sempre sem embargo de qualquer pertenccedila que possa alegar por parte da Coroa de Portugal com o motivo do que se determinou no dito Tratado de Tordesilhas e sem embargo das condiccedilotildees contidas na escritura celebrada em Saragoccedila a 22 de abril de 1529 e sem que a Coroa de Portugal possa repetir cousa alguma do preccedilo que pagou pela venda celebrada na dita escritura a cujo efeito S M F em seu nome e de seus herdeiros e sucessores faz a mais ampla e formal renunciaccedilatildeo de qualquer direito que possa ter pelos princiacutepios expressados ou por qualquer outro fundamento agraves referidas ilhas e agrave restituiccedilatildeo da quantia que se pagou em virtude da dita escritura

Artigo III

Na mesma forma pertenceraacute agrave Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas ou Marantildeon acima e o terreno de ambas as margens deste rio ateacute as paragens que abaixo se diratildeo como tambeacutem tudo o que tem ocupado no distrito de Mato Grosso e dele para parte do oriente e Brasil sem embargo de qualquer pretensatildeo que possa alegar por parte da Coroa de Espanha com o motivo do que se determinou no referido Tratado de Tordesilhas a cujo efeito S M C em seu nome e de seus herdeiros e sucessores desiste e renuncia formalmente a qualquer direito e accedilatildeo que em virtude do dito tratado ou por outro qualquer tiacutetulo possa ter aos referidos territoacuterios

Artigo IV

Os confins do domiacutenio das duas Monarquias principiaratildeo na barra que forma na costa do mar o regato que sai ao peacute do monte de Castilhos Grande de cuja fralda continuaraacute a fronteira buscando em linha reta o mais alto ou cumes dos montes cujas vertentes descem por uma parte para a costa que corre ao norte do dito regato ou para a lagoa Mirim ou del Meni e pela outra para a costa que corre do dito regato ao sul ou para o rio da Prata de sorte que os cumes dos montes sirvam de raia do domiacutenio das duas coroas e assim continuaraacute a fronteira ateacute encontrar a origem principal e cabeceiras do rio Negro e por cima deles continuaraacute ateacute a origem principal do rio Ibicuiacute prosseguindo pelo aacutelveo deste rio abaixo ateacute onde desemboca na margem oriental do Uruguai ficando de Portugal todas as vertentes que baixam agrave dita lagoa ou ao rio Grande de S Pedro e de Espanha as que baixam aos rios que vatildeo unir-se com o da Prata

Artigo V

Subiraacute desde a boca do Ibicuiacute pelo aacutelveo do Uruguai ateacute encontrar o do rio Peipiri ou Pequiri que desaacutegua na margem ocidental do Uruguai e continuaraacute pelo aacutelveo do Pepiri acima ateacute a sua origem principal desde a qual prosseguiraacute pelo mais alto do terreno ateacute a cabeceira principal do rio mais vizinho que desemboque no rio Grande de Curitiba por outro nome chamado Iguaccedilu Pelo aacutelveo do dito rio mais vizinho da origem do Pepiri e depois pelo do Iguaccedilu ou rio Grande de Curitiba continuaraacute a raia ateacute onde o mesmo Iguaccedilu desemboca na margem oriental do Paranaacute e desde esta boca prosseguiraacute pelo aacutelveo do Paranaacute acima ateacute onde se lhe ajunta o rio Igurei pela sua margem ocidental

Artigo VI

Desde a boca do Igurei continuaraacute pelo aacutelveo acima ateacute encontrar a sua origem principal e dali buscaraacute em linha reta pelo mais alto do terreno a cabeceira principal do rio mais vizinho que desaacutegua no Paraguai pela sua margem oriental que talvez seraacute o que se chamam de Corrientes e baixaraacute pelo aacutelveo deste rio ateacute a sua entrada no Paraguai desde a qual boca subiraacute pelo canal principal que deixa o Paraguai em tempo seco e pelo seu aacutelveo ateacute encontrar os pacircntanos que forma este rio chamados a lagoa dos Xarais e atravessando esta lagoa ateacute a boca do rio Jauru

Artigo VII

Desde a boca do Jauru pela parte ocidental prosseguiraacute a fronteira em linha reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute defronte da boca do rio Sarareacute que entra no dito Guaporeacute pela sua margem setentrional com declaraccedilatildeo que se os comissaacuterios que se hatildeo de despachar para o regulamento dos confins nesta parte na face do paiacutes acharem entre os rios Jauru e Guaporeacute outros rios ou balizas naturais por onde mais comodamente e com maior certeza se possa assinalar a raia naquela paragem salvando sempre a navegaccedilatildeo do Jauru que deve ser privativa dos portugueses e o caminho que eles costumam fazer do Cuiabaacute para o Mato Grosso os dois altos contraentes consentem e aprovam que assim se estabeleccedila sem atender a alguma porccedilatildeo mais ou menos no terreno que possa ficar a uma ou a outra parte Desde o lugar que na margem austral do Guaporeacute for assinalado para termo da raia como fica explicado baixaraacute a fronteira por todo o curso do rio

Guaporeacute ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute que nasce na proviacutencia de Santa Cruz de la Sierra atravessa a missatildeo dos Moxos e formam juntos o rio chamado da Madeira que entra no das Amazonas ou Marantildeon pela sua margem austral

Artigo VIII

Baixaraacute pelo aacutelveo destes dois rios jaacute unidos ateacute a paragem situada em igual distacircncia do dito rio das Amazonas ou Marantildeon e da boca do dito Mamoreacute e desde aquela paragem continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do Javari que entra no rio das Amazonas pela sua margem austral e baixando pelo aacutelveo do Javari ateacute onde desemboca no rio das Amazonas ou Marantildeon prosseguiraacute por este rio abaixo ateacute boco mais ocidental do Japuraacute que desaacutegua nele pela margem setentrional

Artigo IX

Continuaraacute a fronteira pelo meio do rio Japuraacute e pelos mais rios que a ele se ajuntam e que mais se chegarem ao rumo do norte ateacute encontrar o alto da Cordilheira de Montes que mediam entre o Orinoco e o das Amazonas ou Marantildeon e prosseguiraacute pelo cume destes montes para o oriente ateacute onde se estender o domiacutenio de uma e outra monarquia As pessoas nomeadas por ambas as coroas para estabelecer os limites conforme eacute prevenido no presente artigo teratildeo particular cuidado de assinalar a fronteira nesta parte subindo pelo aacutelveo da boca mais ocidental do Japuraacute de sorte que se deixem cobertos os estabelecimentos que atualmente tiveram os portugueses nas margens deste rio e do Negro como tambeacutem a comunicaccedilatildeo ou canal de que se servem entre estes dois rios e que se natildeo decirc lugar a que os espanhoacuteis com o pretexto ou interpretaccedilatildeo alguma possam introduzir-se neles nem na dita comunicaccedilatildeo nem os portugueses subir para o rio Orinoco nem estender-se para as proviacutencias povoadas por Espanha nem para os despovoados que lhe hatildeo de pertencer conforme os presentes artigos para o qual efeito assinalaram os limites pelas lagoas e rios endireitando a linha da raia quanto puder ser para a parte do norte sem reparar no pouco mais ou menos no terreno que fique a uma ou a outra Coroa com tanto que se logrem os fins expressados

Artigo X

Todas as ilhas que se acharem em qualquer dos rios por onde haacute de passar a raia conforme o prevenido nos artigos antecedentes pertenceratildeo ao domiacutenio a que estiverem mais proacuteximas em tempo seco

Artigo XI

Ao mesmo tempo que os comissaacuterios nomeados por ambas as coroas forem assinalando os limites em toda a fronteira faratildeo as observaccedilotildees necessaacuterias para formar um mapa individual de toda ela do qual se tiraratildeo as coacutepias que parecerem necessaacuterias firmadas por todos que se guardaratildeo pelas duas cortes para o caso que ao diante se ofereccedila alguma disputa pelo motivo de qualquer infraccedilatildeo em cujo caso e em outro qualquer se teratildeo por autecircnticas e faratildeo plena prova E para que se natildeo ofereccedila a mais leve duacutevida os referidos comissaacuterios poratildeo nome de comum

acordo aos rios e montes que o natildeo tiverem e assinalaratildeo tudo no mapa com a individuaccedilatildeo possiacutevel

Artigo XII

Atendendo agrave conveniecircncia comum das duas naccedilotildees e para evitar todo o gecircnero de controveacutersias para o diante se estabeleceratildeo as muacutetuas cessotildees conteuacutedas nos artigos seguintes

Artigo XIII

Sua Majestade Fideliacutessima em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede para sempre agrave Coroa de Espanha a Colocircnia do Sacramento e todo o seu territoacuterio adjacente a ela na margem setentrional do rio da Prata ateacute os confins declarados no artigo IV e as praccedilas portos e estabelecimentos que se compreendem na mesma paragem como tambeacutem a navegaccedilatildeo do mesmo rio da Prata a qual pertenceraacute inteiramente agrave Coroa de Espanha e para que tenha efeito renuncia S M F todo o direito e accedilatildeo que tinha reservado agrave sua Coroa pelo Tratado Provisional de 7 de maio de 1681 e sua posse direito e accedilatildeo que lhe pertenccedila e possa tocar-lhe em virtude dos artigos V e VI do Tratado de Utrecht de 6 de fevereiro de 1715 ou por outra qualquer convenccedilatildeo tiacutetulo e fundamento

Artigo XIV

Sua Majestade Catoacutelica em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede para sempre agrave Coroa de Portugal tudo o que por parte de Espanha se acha ocupado por qualquer tiacutetulo ou direito possa pertencer-lhe em qualquer parte das terras que pelos presentes artigos se declaram pertencentes a Portugal desde o Monte de Castilhos Grande e sua fralda meridional e costa do mar ateacute a cabeceira e origem principal do rio Ibicuiacute e tambeacutem cede todas e quaisquer povoaccedilotildees e estabelecimentos que se tenham feito por parte de Espanha no acircngulo de terras compreendido entre a margem setentrional do rio Ibicuiacute e a oriental do Uruguai e os que possam ter-se fundado na margem oriental do rio Pepiri e a aldeia de Santa Rosa e outra qualquer que se possa ter estabelecido por parte de Espanha na margem oriental do rio Guaporeacute E Sua Majestade Fideliacutessima cede na mesma forma a Espanha todo o terreno que corre desde a boca ocidental do rio Japuraacute e fica entre meio do mesmo rio e do das Amazonas ou Marantildeon e toda a navegaccedilatildeo do rio Iccedilaacute e tudo o que se segue desde este uacuteltimo rio para o ocidente com a aldeia de S Cristoacutevatildeo e outra qualquer que por parte de Portugal se tenha fundado naquele espaccedilo de terras fazendo-se as muacutetuas entregas com as qualidades seguintes

Artigo XV

A Colocircnia do Sacramento se entregaraacute por parte de Portugal sem tirar dela mais que a artilharia armas poacutelvora e municcedilotildees e embarcaccedilotildees do serviccedilo da mesma praccedila e os moradores poderatildeo ficar livremente nela ou retirar-se para outras terras do domiacutenio portuguecircs com os seus efeitos e moacuteveis vendendo os bens de raiz O governador oficiais e soldados levaratildeo tambeacutem todos os seus efeitos e teratildeo a mesma liberdade de venderem os seus bens de raiz

Artigo XVI

Das povoaccedilotildees ou aldeias que cede S M C na margem oriental do rio Uruguai sairatildeo os missionaacuterios com todos os moacuteveis e efeitos levando consigo os iacutendios para os aldear em outras terras de Espanha e os referidos iacutendios poderatildeo levar tambeacutem todos os seus bens moacuteveis e semoventes e as armas poacutelvoras e municcedilotildees que tiverem em cuja forma se entregaratildeo as povoaccedilotildees agrave Coroa de Portugal com todas as suas casas igrejas e edifiacutecios e a propriedade e posse do terreno As que se cedem por Sua Majestade Fideliacutessima e Catoacutelica nas margens dos rios Pequiri Guaporeacute e das Amazonas se entregaratildeo com as mesmas circunstacircncias que a Colocircnia do Sacramento conforme se disse no artigo XIV e os iacutendios de uma e outra parte teratildeo a mesma liberdade para se irem ou ficarem do mesmo modo e com as mesmas qualidades que o hatildeo de poder fazer os moradores daquela praccedila exceto que os que se forem perderatildeo a propriedade dos bens de raiz se os tiverem

Artigo XVII

Em consequumlecircncia da fronteira e limites determinados nos artigos antecedentes ficaraacute para a Coroa de Portugal o monte de Castilhos Grande com a sua falda meridional e o poderaacute fortificar mantendo ali uma guarda mas natildeo poderaacute povoaacute-lo ficando agraves duas naccedilotildees o uso comum da Barra ou enseada que forma ali o mar de que se tratou no artigo IV

Artigo XVIII

A navegaccedilatildeo daquela parte dos rios por onde haacute de passar a fronteira seraacute comum agraves duas naccedilotildees e geralmente onde ambas as margens dos rios pertencerem agrave mesma Coroa seraacute privativamente sua a navegaccedilatildeo e o mesmo se entenderaacute da pesca nos ditos rios sendo comum agraves duas naccedilotildees onde o for a navegaccedilatildeo e privativa onde o for a uma delas a dita navegaccedilatildeo e pelo que toca aos cumes da cordilheira que hatildeo de servir de raia entre o rio das Amazonas e o Orinoco pertenceratildeo a Espanha todas as vertentes que caiacuterem para o Orinoco e a Portugal todas as caiacuterem para o rio das Amazonas ou Marantildeon

Artigo XIX

Em toda a fronteira seraacute vedado e de contrabando o comeacutercio entre as duas naccedilotildees ficando na sua forccedila e vigor as leis promulgadas por ambas as coroas que disto tratam e aleacutem desta proibiccedilatildeo nenhuma pessoa poderaacute passar do territoacuterio de uma naccedilatildeo para o da outra por terra nem por aacutegua nem navegar em todo ou parte dos rios que natildeo forem privativos da sua naccedilatildeo ou comuns com pretexto nem motivo algum sem tirar primeiro licenccedila do governador ou superior do terreno aonde haacute de ir ou sem que vaacute enviado pelo governador do seu territoacuterio a solicitar algum negoacutecio para o qual efeito levaraacute o seu passaporte e os transgressores seratildeo castigados com esta diferenccedila se forem apreendidos no territoacuterio alheio seratildeo postos em prisatildeo e nela se manteratildeo pelo tempo que quiser o governador ou superior que os fez prender poreacutem se natildeo puderem ser colhidos o governador ou superior da terra em que entrarem formaraacute um processo com justificaccedilatildeo das pessoas e do delito e com ele requereraacute ao juiz dos transgressores para que os castigue da mesma forma excetuando-se das referidas penas os que navegando

nos rios por onde vai a fronteira fossem constrangidos a chegar ao territoacuterio alheio por alguma urgente necessidade fazendo-a constar E para tirar toda a ocasiatildeo de discoacuterdia natildeo seraacute liacutecito nos rios cuja navegaccedilatildeo for comum nem nas suas margens levantar gecircnero algum de fortificaccedilatildeo nem pocircr embarcaccedilatildeo de registro nem plantar artilharia ou por outro qualquer modo estabelecer forccedila que possa impedir a livre e comum navegaccedilatildeo Nem tampouco seja liacutecito a nenhuma das partes visitar ou registrar ou obrigar que venham agrave sua margem as embarcaccedilotildees da parte oposta e soacute poderatildeo impedir e castigar aos vassalos da outra naccedilatildeo se aportarem na sua margem salvo em caso de indispensaacutevel necessidade como fica dito

Artigo XX

Para evitar alguns prejuiacutezos que poderiam ocasionar-se foi concordado que nos montes onde em conformidade dos precedentes artigos ficar posta a raia nos seus cumes natildeo seraacute liacutecito a nenhuma das duas potecircncias erigir fortificaccedilatildeo sobre os mesmos cumes nem permitir que os seus vassalos faccedilam neles povoaccedilatildeo alguma

Artigo XXI

Sendo a guerra ocasiatildeo principal dos abusos e motivo de se alterarem as regras mais bem concertadas querem Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica que se (e que Deus natildeo permita) se chegasse a romper entre as duas coroas se mantenham em paz os vassalos de ambas estabelecidos em toda a Ameacuterica meridional vivendo uns e outros como se natildeo houvera tal guerra entre os soberanos sem fazer-se a menor hostilidade nem por si soacutes nem juntos com os seus aliados E os motores e cabos de qualquer invasatildeo por leve que seja seratildeo castigados com pena de morte irremissiacutevel e qualquer presa que fizerem seraacute restituiacuteda de boa feacute e inteiramente E assim mesmo nenhuma das naccedilotildees permitiraacute o cocircmodo de seus portos e menos o tracircnsito pelos seus territoacuterios da Ameacuterica meridional aos inimigos da outra quando intentem aproveitar-se deles para hostilizaacute-la ainda que fosse em tempo que as duas naccedilotildees tivessem entre si guerra em outra regiatildeo A dita continuaccedilatildeo de perpeacutetua paz e boa vizinhanccedila natildeo teraacute soacute lugar nas terras e ilhas da Ameacuterica meridional entre os suacuteditos confiantes das duas monarquias senatildeo tambeacutem nos rios portos e costas e no mar Oceano desde a altura da extremidade austral da ilha de Santo Antatildeo uma das de Cabo Verde para a parte do sul e desde o meridiano que passa pela sua extremidade ocidental para a parte do poente de sorte que a nenhum navio de guerra corsaacuterio ou outra embarcaccedilatildeo de uma das duas coroas seja liacutecito dentro dos ditos termos em nenhum tempo atacar insultar ou fazer o miacutenimo prejuiacutezo aos navios e suacuteditos da outra e de qualquer atentado que em contraacuterio se cometa se daraacute pronta satisfaccedilatildeo restituindo-se inteiramente o que acaso se tivesse apresado e castigando-se severamente os transgressores Outrossim nem uma das duas naccedilotildees admitiraacute nos seus portos e terras da dita Ameacuterica meridional navios ou comerciantes amigos ou neutrais sabendo que levam intento de introduzir o seu comeacutercio nas terras da outra e de quebrantar as leis com que os dois monarcas governam aqueles domiacutenios E para a pontual observacircncia de todo o expressado neste artigo se faratildeo por ambas as cortes os mais eficazes encargos aos seus respectivos governadores comandantes e justiccedilas bem entendido que ainda em caso (que natildeo se espera) que haja algum incidente ou descuido contra o prometido e estipulado neste artigo natildeo serviraacute isso de

prejuiacutezo agrave observacircncia perpeacutetua e inviolaacutevel de tudo o mais que pelo presente tratado fica regulado

Artigo XXII

Para que se determinem com maior precisatildeo e sequer haja lugar agrave mais leve duacutevida ao futuro nos lugares por onde deve passar a raia em algumas partes que natildeo estatildeo nomeadas e especificadas distintamente nos artigos antecedentes como tambeacutem para declarar a qual dos domiacutenios hatildeo de pertencer as ilhas que se acharem nos rios que hatildeo de pertencer de fronteira nomearatildeo ambas as Majestades quanto antes comissaacuterios inteligentes os quais visitando toda a raia ajustem com a maior distinccedilatildeo e clareza as paragens por onde haacute de correr a demarcaccedilatildeo em virtude do que se expressa neste tratado pondo marcos nos lugares que lhes parecer conveniente e aquilo em que se conformarem seraacute vaacutelido perpetuamente em virtude da aprovaccedilatildeo e ratificaccedilatildeo de ambas as Majestades Poreacutem no caso em que se natildeo possam concordar em alguma paragem daratildeo conta aos sereniacutessimos reis para decidirem a duacutevida em termos justos e convenientes Bem entendido que o que os ditos comissaacuterios deixarem de ajustar natildeo prejudicaraacute de sorte alguma o vigor e observacircncia do presente tratado o qual independentemente disso ficaraacute firme e inviolaacutevel nas suas claacuteusulas e determinaccedilotildees servindo no futuro de regra fixa perpeacutetua e inalteraacutevel para os confins do domiacutenio das duas coroas

Artigo XXIII

Determinar-se-aacute entre as duas Majestades o dia em que se hatildeo de fazer as muacutetuas entregas da Colocircnia do Sacramento com o territoacuterio adjacente e das terras e povoaccedilotildees compreendidas na cessatildeo que faz S M C na margem oriental do rio Uruguai o qual dia natildeo passaraacute do ano depois que se firmar este tratado a cujo efeito logo que se ratificar passaratildeo Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica as ordens necessaacuterias de que se faraacute troca entre os ditos plenipotenciaacuterios e pelo que toca agrave entrega das mais povoaccedilotildees ou aldeias que se cedem por ambas as partes se executaraacute ao tempo que os comissaacuterios nomeados por elas chegarem agraves paragens da sua situaccedilatildeo examinando e estabelecendo os limites e os que houverem de ir a estas paragens seratildeo despachados com mais brevidade

Artigo XXIV

Declara-se que as cessotildees contidas nos presentes artigos natildeo se reputaratildeo como determinado equivalente umas de outras senatildeo que se fazem respeitando ao total do que se controvertia e alegava ou reciprocamente se cedia e agravequelas conveniecircncias e comodidades que ao presente resultavam a uma e outra parte e em atenccedilatildeo a isto se reputou justa e conveniente para ambas a concoacuterdia e determinaccedilatildeo de limites que fica expressada e como tal a reconhecem e aprovam Suas Majestades em seu nome e de seus herdeiros e sucessores renunciando qualquer outra pretensatildeo em contraacuterio e prometendo na mesma forma que em nenhum tempo e com nenhum fundamento se disputaraacute o que fica assentado e concordado nestes artigos nem com pretexto de lesatildeo nem outro qualquer pretenderatildeo outro ressarcimento ou equivalente dos seus muacutetuos direitos e cessotildees referidas

Artigo XXV

Para mais plena seguranccedila deste tratado convieram os dois altos contraentes em garantir reciprocamente toda a fronteira e adjacecircncias dos seus domiacutenios na Ameacuterica meridional conforme acima fica expressado obrigando-se cada um a auxiliar e socorrer o outro contra qualquer ataque ou invasatildeo ateacute que com efeito fique na paciacutefica posse e uso livre e inteiro do que se lhe pretendesse usurpar e esta obrigaccedilatildeo quanto agraves costas do mar e paiacuteses circunvizinhos a elas pela parte de S M F se estenderaacute ateacute as margens do Orinoco de uma e outra banda e desde Castilhos ateacute o estreito de Magalhatildees E pela parte de S M C se estenderaacute agraves margens de uma e outra banda do rio das Amazonas ou Marantildeon e desde o dito Castilhos ateacute o porto de Santos Mas pelo que toca ao interior da Ameacuterica meridional seraacute indefinida esta obrigaccedilatildeo e em qualquer caso de invasatildeo ou sublevaccedilatildeo cada uma das coroas ajudaraacute e socorreraacute a outra ateacute se reporem as cousas em estado paciacutefico

Artigo XXVI

Este tratado com todas as suas claacuteusulas e determinaccedilotildees seraacute de perpeacutetuo vigor entre as duas coroas de tal sorte que ainda em caso (que Deus natildeo permita) que se declarem guerra ficaraacute firme e invariaacutevel durante a mesma guerra e depois dela sem que nunca se possa reputar interrompido nem necessite de revalidar-se E presentemente se aprovaraacute confirmaraacute e ratificaraacute pelos dois Sereniacutessimos reis e se faraacute a troca das ratificaccedilotildees no termo de um mecircs depois da sua data ou antes se for possiacutevel

Em feacute do que e em virtude das ordens e plenos poderes que noacutes abaixo assinados recebemos de nossos amos el-rei fideliacutessimo de Portugal e el-rei catoacutelico de Espanha assinamos o presente tratado e lhe fizemos pocircr o selo de nossas armas Feito em Madri a treze de janeiro de mil setecentos e cinquumlenta

(Ass) Visconde Tomaacutes da Silva Teles e d Joseph de Carvajal y Lancasterrdquo

3) Tratado de El Pardo - 12 de fevereiro de 1761 ldquoTratado entre El-Rei o senhor Dom Joseacute I e Dom Carlos III Rei de Hespanha pelo qual se annulou o de 13 de janeiro de 1750 mandando-se observar os anteriores Assignado no Pardo 12 de fevereiro de 1761 Em Nome da Santissima Trindade Os serenissimos Rei de Portugal e Hespanha vendo por uma serie de successivas experiencias que na execuccedilatildeo do Tratado de Limites da Asia e da America celebrado entre as duas Coroas firmado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta e ratificado no mez Fevereiro do referido anno se tem sempre encontrado taes e tatildeo grandes difficuldades que alem de natildeo haverem sido conhecidas ao tempo em que se contratou natildeo soacute se natildeo poderam entatildeo ateacute agora por causa de terem sobrevindo em uns Paizes tatildeo distantes e pouco conhecidos das duas Cortes eacute indispensavel que dependessem das informaccedilotildees das muitas pessoas que a este fim foram empregadas por uma e outra parte informaccedilotildeens cuja contrariedade natildeo foi possiacutevel ateacute agora reduzir a concordia mas tambem porque as mesmas difficuldades fizeram conhecer que o referido Tratado de Limites estipulado substancial e positivamente para estabelecer uma perfeita harmonia entre as duas Coroas e uma inalteravel uniatildeo entre os vassalos drsquoellas se vio pelo contrario que desde o anno de mil setecentos e cincoenta e dois tem dado e daria no futuro muitos e muitos frequentes motivos e controversias e de contestaccedilotildees oppostas e tatildeo louvaveis fins sobre este claro conhecimento os dois Serenissimos Soberanos de muito accordo preferindo a todos e quasquer outros interesses o de fazer cessar e remover ateacute a mais remota occasiatildeo que possa alterar natildeo soacute a mutua harmonia e boa correspondencia que exigem os vinculos de Sua intima amizade e estreitos parentescos mas tambem a conservaccedilatildeo da mais amigavel uniatildeo entre os Seus respectivos vassalos depois de haver precedido sobre esta importante materia muitas e muito serias conferencias e de haver examinado com o maior circumspecccedilatildeo tudo o que ella eacute pertencente Autorisaram com os Plenos Poderes necessarios a saber Sua Magestade Fidelissima o Senhor Dom Joseph da Silva Peccedilanha do seu Conselho Seu Embaixador e Plenipotenciario nrsquoesta Corte de Madri e Sua Magestade Catholica o Senhor Dom Ricardo Wall Cavaleiro Commendador de Pentilde-Uzende na Ordem de Santiago Tenente General dos Exercitos de Sua Magestade do Seu Conselho de Estado Seu primeiro Secretario do Estado e do despacho Secretario interino da Guerra e Superintendente Geral dos Correios e Postos dentro e foacutera de Hespanha ao quaes depois de haverem exhibido e permutado reciprocamente as suas Plenipotencias achando-se bem instruidos das verdadeiras intenccedilotildees dos referidos dois Sereniacutessimos Reis Seus Amos e seguindo as Suas Reaes Ordens concordaram e concluiram de uniforme accordo os Artigos seguintes Artigo I O sobredito Tratado de Limites da Asia e da America celebrado em Madri a treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com todos os outros Tratados ou Convenccedilotildees que em consequencia drsquoelle se foram celebrando depois para regular as Instrucccedilotildees dos respectivos Commissarios que ateacute agora se empregaram nas demarcaccedilotildees dos

referidos limites e tudo o que em virtude drsquoellas foi autuado se estipula agora que ficam e se datildeo em virtude do presente Tratado por canccelados cassados e annulados como se nunca houvessem existido nem houvessem sido executados de sorte que todas as cousas pertencentes aos limites da America e Asia se restituem aos termos dos Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido celebrados entre as duas Coroas Contratantes antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta em forma que soacute estes Tratados Pactos e Convenccedilotildees celebrados antes do anno de mil setecentos e cincoenta ficam drsquoaqui em diante em sua forccedila e vigor Artigo II Logo que este Tratado for ratificado faratildeo os sobreditos Serenisimos Reis expedir copias drsquoelle authenticas aos seus respectivos Commissarios e Governadores nos limites da America declarando-lhes por cancellado cassado e annulado o referido Tratado de Limites assignado em treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com todas as Convenccedilotildees que drsquoelle a elle se seguirem e ordenando-lhes que dando por nullas e fazendo cessar todas as operaccedilotildees e actos respectivos agrave sua execuccedilatildeo derribem os monumentos ou padrotildees que foram erigidos em consequencia della e evacuem immediatamente os terrenos que foram occupados a titulo da mesma execuccedilatildeo ou com motivo do referido Tratado demolindo as habitaccedilotildees casas ou fortalezas que em consideraccedilatildeo do sobredito Tratado abolido se houverem feito ou levantado por uma outra parte e declarando-lhe que desde o mesmo dia da ratificaccedilatildeo do presente Tratado em diante soacute lhes ficaratildeo servindo as regras para se dirigirem os outros Tratados Pactos e Convenccedilotildees que haviam sido estipulados entre as duas Coroas antes do referido anno de mil setecentos e cincoenta porque todos e todas se acham instaurados e restituidos agrave sua primitiva e devida forccedila como se o referido Tratado de treze de Janeiro de mil setecentos e cincoenta com os mais que drsquoelle se seguiram nunca houvessem existido e estas ordens se entregaratildeo por duplicados de uma agrave outra Corte para o mais prompto cumprimento drsquoellas Artigo III O presente Tratado e o que nrsquoelle se acha estipulado e contratado seratildeo de perpetua forccedila e vigor entre os dois referidos Serenissimos ReiS todos os Seus successores e entre as duas Coroas e se approvaraacute confirmaraacute e ratificaraacute por ambas as Magestades trocando-se as respectivas ratificaccedilotildeens no termo de um mez da data drsquoeste ou antes se couber no possiacutevel Em feacute do que e em virtude das Ordens e Plenos Poderes que Noacutes sobreditos Plenipotenciarios recebemos dos referidos Serenissmos Reis nossos Amos assignaacutemos o presente Tratado e o sellaacutemos com o sello das nossas Armas Em o Pardo aos doze de Fevereiro de mil setecentos sessenta e um Joseph da Silva Peccedilanha (L S) Don Ricardo Wall (L S)rdquo

4) Tratado de Santo Ildefonso - 1 de outubro de 1777

ldquoTratado Preliminar de Limites ndash Santo Ildefonso

Dona Maria I de Portugal e Carlos III de Espanha - 1Outubro1777

Havendo a Divina Providecircncia excitado nos augustos coraccedilotildees de Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica o sincero desejo de extinguir as discoacuterdias que tem havido entre as duas Coroas de Portugal e Espanha e seus respectivos Vassalos no espaccedilo de quase trecircs seacuteculos sobre os limites de seus domiacutenios na Ameacuterica e da Aacutesia Para efeito pois de conseguir tatildeo importantes objetos se nomeou os quais depois de haver-se comunicado os seus plenos poderes e de havecirc-los julgado expedidos em boa e devida forma convieram nos artigos seguintes regulados pelas ordens e intenccedilotildees dos seus Soberanos Artigo I Haveraacute uma paz perpeacutetua e constante assim por mar como por terra Artigo II Todos os prisioneiros que se houverem feito no mar ou na terra seratildeo Artigo III Como um dos principais motivos das discoacuterdias ocorridas entre as duas Coroas tem sido o estabelecimento portuguecircs da Colocircnia de Sacramento ilha de S Gabriel e outros convieram os dois Altos contratantes pelo bem reciacuteproco de ambas as naccedilotildees e para segurar uma paz perpeacutetua entre as duas que a dita navegaccedilatildeo dos rios da Prata e Uruguai e os terrenos das duas margens setentrional e meridional pertenccedilam privativamente agrave Coroa de Espanha e a seus suacuteditos ateacute o lugar em que desemboca no mesmo Uruguai pela margem ocidental o rio Pequiriacute ou Peperiguassuacute estendendo-se o domiacutenio da Espanha na referida margem setentrional ateacute a linha divisoacuteria que se formaraacute principiando pela parte do mar o arroio de Chuiacute e forte de S Miguel inclusive e seguindo as margens da Lagoa-Merim a tomar as cabeceiras ou vertentes do rio Negro as quais como todas as outras dos rios que vatildeo a desembocar nos referidos rios da Prata e Uruguai ateacute a entrada neste uacuteltimo Uruguai do dito Peperiguassuacute ficaratildeo privativas da mesma Coroa de Espanha com todos os territoacuterios que possui e que compreendem aqueles paiacuteses inclusa a referida Colocircnia do Sacramento e seu territoacuterio Artigo IV Para evitar outro motivo de discoacuterdias entre as duas Monarquias qual tem sido a entrada da Lagoa dos Patos ou Rio Grande de S Pedro seguindo depois por suas vertentes ateacute o rio Jacuiacute cujas duas margens e navegaccedilatildeo tem pretendido pertencer-lhes ambas a Coroas convieram agora em que a dita navegaccedilatildeo e entrada fiquem privativamente para a de Portugal estendendo-se seu domiacutenio pela margem meridional ateacute o arroio Taim seguindo pelas margens da Lagoa da Mangueira em linha reta ateacute o mar e pela parte do continente iraacute a linha desde as margens dita Lagoa de Merim tomando a direccedilatildeo pelo primeiro arroio meridional

que entra no sangradouro ou desaguadouro dela e que corre pelo mais imediato ao forte portuguecircs de S Gonccedilalo desde o qual sem exceder o limite do dito arroio continuaraacute o domiacutenio de Portugal pelas cabeceiras dos rios que correm ateacute o mencionado Rio Grande e o Jacuiacute ateacute que passando por cima das do rio Ararica e Coiacuiacute que ficaratildeo da parte de Portugal e as dos rios Piratiniacute e Abiminiacute que ficaratildeo da parte da Espanha se tiraraacute uma linha que cubra os estabelecimentos portugueses ateacute o desembocadouro do rio Peperiguassuacute no Uruguai e assim mesmo salve e cubra os estabelecimentos e missotildees espanholas do proacuteprio Uruguai que hatildeo de ficar no atual estado em que pertencem agrave Coroa de Espanha Artigo V Conforme ao estipulado nos artigos antecedentes ficaratildeo reservadas entre os domiacutenios de uma e outra Coroa as Lagoas de Merim e da Mangueira e as liacutenguas de terra que medeiam entre elas e a costa do mar sem que nenhuma das duas naccedilotildees as ocupe servindo soacute de separaccedilatildeo de sorte que nem os portugueses passem o arroio de Taim linha reta ao mar ateacute a parte meridional nem os espanhoacuteis os arroios de Chuiacute e de S Miguel ateacute a parte setentrional Artigo VI A semelhanccedila do estabelecido no artigo antecedente ficaraacute tambeacutem reservado no restante da linha divisoacuteria tanto ateacute a entrada no Uruguai do rio Peperiguassuacute quanto no progresso que se especificaraacute nos seguintes artigos em espaccedilo suficiente entre os limites de ambas as naccedilotildees ainda que natildeo seja de igual largura a das referidas lagoas no qual natildeo possam edificar-se povoaccedilotildees por nenhuma das duas Partes nem construir-se fortalezas guardas ou postos de tropas de modo que os tais espaccedilos sejam neutros pondo-se marcos e sinais seguros que faccedilam constar aos vassalos de cada naccedilatildeo o siacutetio de que natildeo deveratildeo passar Artigo VII Os habitantes portugueses que houver na Colocircnia de Sacramento ilha de S Gabriel e outros quaisquer estabelecimentos que vatildeo cedidos agrave Espanha teratildeo a liberdade de retirar-se ou permanecer Artigo VIII Ficando jaacute sinalados os domiacutenios de ambas as Coroas ateacute a entrada do rio Pequiri ou Peperiguassuacute no Uruguai convieram os dois Altos contratantes em que a linha divisoacuterio seguiraacute aacuteguas acima do dito Peperiguassuacute ateacute sua origem principal e desde esta pelo mais alto do terreno debaixo das regras dadas no art VI continuaraacute a encontrar as correntes do rio Santo Antonio que desemboca no grande de Curitiba por outro nome chamado Iguassuacute seguindo este aacuteguas abaixo ateacute sua entrada no Paranaacute pela sua margem oriental e continuando entatildeo aacuteguas acima do mesmo Paranaacute ateacute aonde se lhe ajunta o rio Igureiacute pela sua margem ocidental Artigo IX Desde a boca ou entrada do Igureiacute seguiraacute a raia aacuteguas acima ateacute a sua origem principal e desde ela se tiraraacute uma linha reta pelo mais alto do terreno com atenccedilatildeo no ajustado no referido art VI ateacute chegar agrave cabeceira e vertente principal do rio mais vizinho agrave dita linha e que desaacuteguumle no Paraguai pela sua margem oriental que talvez seraacute o que chamam Correntes e entatildeo baixaraacute a raia pelas aacuteguas deste rio ateacute a

sua entrada no Paraguai desde cuja boca subiraacute pelo canal principal que deixa este rio em tempo seco e seguiraacute pelas aacuteguas ateacute encontrar os pacircntanos que forma o rio chamados a Lagoa dos Harayes e atravessaraacute esta lagoa ateacute a boca do rio Jauruacute Artigo X Desde a boca do Jauruacute pela parte ocidental seguiraacute a fronteira em reta ateacute a margem austral do rio Guaporeacute ou Itenes defronte da boca do rio Sarareacutepor tocircda a corrente do rio Guaporeacute ateacute mais abaixo da sua uniatildeo com o rio Mamoreacute que nasce na proviacutencia de Santa Cruz da Serra e atravessa a missatildeo dos Moxos formando juntos o rio que chamam da Madeira o qual entra no Maranhatildeo ou Amazonas pela sua margem austral Artigo XI Baixaraacute a linha pelas aacuteguas destes dois rios Gaporeacute e Mamoreacute jaacute unidos com o nome de Madeira ateacute a paragem situada em igual distacircncia do rio Maranhatildeo ou Amazonas e da boca do dito Mamoreacute e desde aquela paragem continuaraacute por uma linha leste-oeste ateacute encontrar com a margem oriental do rio Javariacute que entra no Maranhatildeo pela sua margem austral e baixando pelo aacutelveo do mesmo Javariacute ateacute onde desemboca no Maranhatildeo ou Amazonas prosseguiraacute aacuteguas abaixo deste rio a que os espanhoacuteis costumam chamar Orellana e os iacutendios Guiena ateacute a boca mais ocidental do Japuraacute que desaacutegua nele pela margem setentrional Artigo XII Continuaraacute a fronteira subindo aacuteguas acima da dita boca mais ocidental do Japuraacute e pelo meio deste rio ateacute aquele ponto em que ficar cobertos os estabelecimentos portugueses das margens do dito rio Japuraacute e do Negro como tambeacutem a comunicaccedilatildeo ou canal de que se serviam os mesmos portugueses entre estes dois rios ao tempo de celebrar-se o Tratado de Limites de 13 de Janeiro de 1750 conforme ao sentido literal dele e do seu artigo IX que inteiramente se executaraacute buscando as lagoas e rios que se juntem ao Japuraacute e Negro e se avizinhem mais ao rumo do norte quando apartando-se dos rios haja de continuar a fronteira pelos montes que medeiam entre o Orenoco e Marantildeon ou Amazonas endireitando tambeacutem a linha da raia quanto puder ser para a parte do norte sem reparar no pouco mais ou menos de terreno que fique a uma ou a outra Coroa contanto que se logrem os fins jaacute explicados ateacute concluir a dita linha onde findam os domiacutenios das duas Monarquias Artigo XIII A navegaccedilatildeo dos rios por onde passar a fronteira ou raias seraacute comum as duas naccedilotildees ateacute aquele ponto em que pertencerem a ambas respectivamente as duas margens Artigo XIV Todas as ilhas que se acharem em qualquer dos rios por onde haacute de passar a raia segundo o convindo nos presentes artigos preliminares pertenceratildeo ao domiacutenio a que estiverem mais proacuteximas em tempo e estaccedilatildeo mais seca e se estiverem situadas a igual distacircncia de ambas as margens ficaratildeo neutras exceto quando forem de grande extensatildeo e aproveitamento pois entatildeo se dividiratildeo por metade formando a correspondente linha de separaccedilatildeo para determinar os limites de ambas as naccedilotildees

Artigo XV Para que se determinem tambeacutem com a maior exatidatildeo os limites insinuados nos artigos deste tratado e se especifiquem sem que tenha lugar a mais leve duacutevida no futuro todos os pontos por onde deve passar a linha divisoacuteria de modo que se possa estender um tratado definitivo com expressatildeo individual de todos eles se nomearatildeo comissaacuterios por Suas Majestades Fideliacutessima e Catoacutelica ou se daraacute faculdade aos governadores das proviacutencias para que eles ou as pessoas que se elegerem as quais sejam de conhecida probidade Artigo XVI Os comissaacuterios ou pessoas nomeadas nos termos que explica o artigo precedente aleacutem da regras estabelecidas neste tratado teratildeo presente para o que nele natildeo estiver especificado que os objetos da demarcaccedilatildeo da linha divisoacuteria devem ser a reciacuteproca seguranccedila e perpeacutetua paz Artigo XVII Qualquer indiviacuteduo das duas naccedilotildees que se apreender fazendo comeacutercio Artigo XVIII Nos rios cuja navegaccedilatildeo for comum agraves duas naccedilotildees em todo ou em parte natildeo se poderaacute levantar ou construir por alguma delas forte guarda ou registro Artigo XIX No caso de concorrerem algumas duacutevidas entre os vassalos Artigo XX Para perfeita execuccedilatildeo do presente tratado e sua perpeacutetua firmeza Artigo XXI Com o fim de consolidar a dita uniatildeo paz e amizade entre as duas Monarquias e de extinguir todo o motivo de discoacuterdia ainda pelo que respeita aos domiacutenios da Aacutesia Sua Majestade Fideliacutessima em seu nome e de seus herdeiros e sucessores cede a favor de Sua Majestade Catoacutelica seus herdeiros e sucessores todo o direito que possa ter ou alegar ao domiacutenio das ilhas Filipinas Marianas e o mais que possui naquelas partes a Coroa de Espanha Artigo XXII Em prova da mesma uniatildeo e amizade que tatildeo eficazmente se deseja pelos dois Augustos contratantes Sua Majestade Catoacutelica oferece restituir e evacuar dentro de quatro meses seguintes agrave ratificaccedilatildeo deste tratado a ilha de Santa Catarina e a parte do continente imediato a ela que houvessem ocupado as armas espanholas Artigo XXIII A esquadra e tropas portuguesas e espanholas Artigo XXIV Se para cumprimento e maior explicaccedilatildeo deste tratado se necessitar de estender e estenderem algum ou alguns artigos

Artigo XXV O presente tratado preliminar se ratificaraacute no preciso termo de 15 dias depois de firmado ou antes se for possiacutevel Em feacute do que noacutes outros os infra-escritos ministros plenipotenciaacuterios assinamos de nosso punho em nome de nossos Augustos Amos e em virtude das plenipotecircncias que para isso nos autorizaram o presente tratado preliminar de limites e o fizemos selar com o selo de nossa armas Feito em Santo Ildefonso no 1ordm de outubro de 1777 (LS) D Francisco Innocencio de Souza Coutinho (LS) El Conde de Florida Blanca ldquo

5) Tratado de Badajoz - 6 de Junho de 1801

ldquoTratado de Paz e de Amizade entre as Coroas de Portugal e de Espanha assinado em Badajoz pelos Plenipotenciaacuterios do Priacutencipe Regente e de Sua Majestade Catoacutelica em 6 de Junho de 1801 e ratificado por ambos os soberanos

Dom Joatildeo por Graccedila de Deus Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves daqueacutem e daleacutem Mar em Aacutefrica de Guineacute e da Conquista Navegaccedilatildeo e Comeacutercio da Etioacutepia Araacutebia Peacutersia e da Iacutendia etc Faccedilo saber a todos os que a presente Carta de Confirmaccedilatildeo Aprovaccedilatildeo e Ratificaccedilatildeo virem que em seis de Junho do presente ano se concluiu e assinou em Badajoz um Tratado de Paz e de Amizade entre Mim e o Mui Alto e Poderoso Priacutencipe Dom Carlos IV Rei Catoacutelico de Espanha Meu Bom Irmatildeo Tio e Sogro sendo Plenipotenciaacuterios para este efeito da Minha parte Luiacutes Pinto de Sousa Coutinho do Meu Conselho de Estado Gratilde-Cruz da Ordem de Avis Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Comendador Alcaide-Mor da Vila do Cano Senhor de Ferreiros e Tendais Ministro e Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios do Reino e Tenente-General dos Meus Exeacutercitos e por parte de El-Rei Catoacutelico Dom Manuel de Godoi Alvares de Faria Rios Sanches e Zarzosa Priacutencipe da Paz Duque de Alcudia Senhor de Souto de Roma e do estado de Albalaacute e Conde de Eacutevora Monte Grande de Espanha da Primeira Classe Regedor Perpeacutetuo da Vila de Madrid e das Cidades de Santiago Caacutedis Maacutelaga e Ecija e vinte e quatro da de Sevilha Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Gratilde-Cruz da Real e Distinguida Espanhola de Carlos III Comendador de Valenccedila de Ventoso Ribeira e Acenchal na de Santiago Cavaleiro e Gratilde-Cruz da Real Ordem de Cristo e da Religiatildeo de Satildeo Joatildeo Conselheiro de Estado Gentil-Homem da Cacircmara com exerciacutecio de Generaliacutessimo e Capitatildeo-General dos seus Exeacutercitos e Coronel-General das Tropas Suiacuteccedilas do qual Tratado o teor eacute o seguinte

Alcanccedilado o fim que Sua Majestade Catoacutelica se propocircs e considerava necessaacuterio para o Bem Geral da Europa quando declarou a Guerra a Portugal e combinadas mutuamente as Potecircncias Beligerantes com Sua dita Majestade Determinaram estabelecer e renovar os Viacutenculos de Amizade e de Boa Correspondecircncia por meio de um Tratado de Paz e havendo-se concordado entre si os Plenipotenciaacuterios das Trecircs Potecircncias Beligerantes convieram em formar dois Tratados sem que na parte essencial seja mais do que um pois que a Garantia eacute reciacuteproca e natildeo haveraacute validade em alguns dos dois quando venha a verificar-se a infracccedilatildeo em qualquer dos Artigos que neles se expressam Para efeito pois de conseguir tatildeo importante objecto Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves e Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha deram e concederam os seus Plenos poderes para entrar em Negociaccedilatildeo convecircm a saber Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves ao Excelentiacutessimo Senhor Luiacutes Pinto de Sousa Coutinho do seu Conselho de Estado Gratilde-Cruz da Ordem de Avis Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Comendador Alcaide-Mor da Vila do Cano Senhor de Ferreiros e Tendais Ministro e Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios do Reino e Tenente-General dos Seus Exeacutercitos E Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha ao Excelentiacutessimo Senhor Dom Manuel de Godoi Alvares de Faria Rios Sanches e Zarzosa Priacutencipe da Paz Duque de Alcudia Senhor de Souto de Roma e do estado de Albalaacute e Conde de Eacutevora Monte Grande de Espanha da Primeira Classe Regedor Perpeacutetuo da Vila de Madrid e das Cidades de Santiago Caacutedis

Maacutelaga e Ecija e vinte e quatro da de Sevilha Cavaleiro da Insigne Ordem do Tosatildeo de Ouro Gratilde-Cruz da Real e Distinguida Espanhola de Carlos III Comendador de Valenccedila de Ventoso Ribeira e Acenchal na de Santiago Cavaleiro e Gratilde-Cruz da Real Ordem de Cristo e da Religiatildeo de Satildeo Joatildeo Conselheiro de Estado Gentil-Homem da Cacircmara com exerciacutecio de Generaliacutessimo e Capitatildeo-General dos seus Exeacutercitos e Coronel-General das Tropas Suiacuteccedilas etc Os quais depois de haver-se comunicado os seus Plenos poderes e de havecirc-los julgado expedidos em boa e devida forma concluiacuteram e firmaram os Artigos seguintes regulados pelas Ordens e Instruccedilotildees dos seus Soberanos

Artigo I

Haveraacute Paz Amizade e Boa Correspondecircncia entre Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves e Sua Majestade Catoacutelica El-Rei de Espanha assim por mar como por terra em toda a extensatildeo dos Seus Reinos e Domiacutenios e todas as presas que se fizerem no mar depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado seratildeo restituiacutedas de boa feacute com todas as mercadorias e efeitos ou o seu valor respectivo

Artigo II

Sua Alteza Real fecharaacute os Portos de todos os Seus Domiacutenios aos Navios em geral da Gratilde-Bretanha

Artigo III

Sua Majestade Catoacutelica restituiraacute a Sua Alteza Real as Praccedilas e Povoaccedilotildees de Jeromenha Arronches Portalegre Castelo de Vide Barbacena Campo Maior e Ouguela com todos os seus Territoacuterios ateacute agora conquistados pelas suas Armas ou que se possam vir a conquistar e toda a Artilharia Espingardas e quaisquer outras municcedilotildees de Guerra que se achassem nas sobreditas Praccedilas Cidades Vilas e Lugares seratildeo igualmente restituiacutedas segundo o estado em que estavam no tempo em que foram rendidas e Sua dita Majestade conservaraacute em qualidade de Conquista para unir perpetuamente aos seus Domiacutenios e Vassalos a Praccedila de Olivenccedila seu Territoacuterio e Povos desde o Guadiana de sorte que este Rio seja o limite dos respectivos Reinos naquela parte que unicamente toca ao sobredito Territoacuterio de Olivenccedila

Artigo IV

Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal e dos Algarves natildeo consentiraacute que haja nas Fronteiras dos seus Reinos depoacutesitos de efeitos proibidos e de Contrabando que possam prejudicar ao Comeacutercio e interesses da Coroa de Espanha mais do que aqueles que pertencem exclusivamente aacutes Rendas Reais da Coroa Portuguesa e que forem necessaacuterios para o consumo do Territoacuterio respectivo onde se acharem depositados e se neste ou outro Artigo houver infracccedilatildeo se daraacute por nulo o Tratado que agora se estabelece entre as Trecircs Potecircncias compreendida a muacutetua Garantia segundo se expressa nos Artigos do presente

Artigo V

Sua Alteza Real satisfaraacute sem dilaccedilatildeo e reintegraraacute aos Vassalos de Sua Majestade Catoacutelica todos os danos e prejuiacutezos que justamente reclamarem e que tenham sido causados pelas Embarcaccedilotildees da Gratilde-Bretanha ou dos Suacutebditos da Coroa de Portugal durante a Guerra com aquela ou esta Potecircncia e do mesmo modo se daratildeo as justas satisfaccedilotildees por parte de Sua Majestade Catoacutelica a Sua Alteza Real sobre todas as prezas feitas ilegalmente pelos Espanhoacuteis antes da Guerra actual com infracccedilatildeo do Territoacuterio ou debaixo do tiro de Canhatildeo das Fortalezas dos Domiacutenios Portugueses

Artigo VI

Sem que passe o termo de trecircs meses depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado reintegraraacute Sua Alteza Real ao Eraacuterio de Sua Majestade Catoacutelica os gastos que as suas Tropas deixaram de satisfazer ao tempo de se retirarem da Guerra da Franccedila e que foram causados nela segundo as Contas apresentadas pelo Embaixador de Sua dita Majestade ou que se apresentarem agora de novo salvos poreacutem todos os erros que se possam encontrar nas sobreditas Contas

Artigo VII

Logo que se firmar o presente Tratado cessaratildeo reciprocamente as hostilidades no preciso espaccedilo de vinte horas sem que depois deste termo se possam exigir Contribuiccedilotildees dos Povos conquistados nem alguns outros encargos mais do que aqueles que se costumam conceder aacutes Tropas amigas em tempo de paz E tanto que o mesmo Tratado for ratificado as Tropas Espanholas evacuaratildeo o Territoacuterio Portuguecircs no preciso espaccedilo de seis dias principiando a pocircr-se em marcha vinte e quatro horas depois da notificaccedilatildeo que lhes for feita sem que cometam no seu tracircnsito violecircncia ou opressatildeo alguma aos Povos pagando tudo aquilo que necessitarem pelos preccedilos correntes do Paiacutes

Artigo VIII

Todos os prisioneiros que se houverem feito assim no mar como na terra seratildeo logo postos em liberdade e mutuamente restituiacutedos dentro do espaccedilo de quinze dias depois da Ratificaccedilatildeo do presente Tratado pagando contudo as diacutevidas que houverem contraiacutedo durante o tempo da sua detenccedilatildeo

Os doentes e feridos continuaratildeo a ser tratados nos Hospitais respectivos e seratildeo igualmente restituiacutedos logo que se acharem em estado de poderem fazer a sua marcha

Artigo IX

Sua Majestade Catoacutelica se obriga a Garantir a Sua Alteza Real o Priacutencipe Regente de Portugal a inteira conservaccedilatildeo dos Seus Estados e Domiacutenios sem a menor excepccedilatildeo ou reserva

Artigo X

As duas Altas Potecircncias Contratantes se obrigam a renovar desde logo os Tratados de Alianccedila defensiva que existiam entre as duas Monarquias com aquelas claacuteusulas e modificaccedilotildees poreacutem que exigem os Viacutenculos que actualmente unem a Monarquia Espanhola agrave Repuacuteblica Francesa e no mesmo Tratado se regularatildeo os socorros que mutuamente deveratildeo prestar-se logo que a urgecircncia das circunstacircncias assim o requeira

Artigo XI

O Presente Tratado seraacute ratificado no preciso termo de dez dias depois de firmado ou antes se for possiacutevel Em feacute do que Noacutes outros os infra escritos Ministros Plenipotenciaacuterios firmamos com o nosso punho em Nome dos Nossos Augustos Amos e em virtude dos Plenos poderes com que para isso nos autorizaram o presente Tratado e o fizemos selar com o Selo das nossas Armas

Feito na Cidade de Badajoz em seis de Junho de mil oitocentos e um

Luiacutes Pinto de Sousa (LS) El Principe de la Paz (LS)

E Sendo-me presente o mesmo Tratado cujo teor fica acima inserido e bem visto considerado e examinado por Mim tudo o que nele se conteacutem o aprovo ratifico e confirmo assim no todo como em cada uma das suas claacuteusulas e estipulaccedilotildees e pela presente o Dou por firme e vaacutelido para sempre prometendo em feacute e palavra Real observaacute-lo e cumpri-lo inviolavelmente e fazecirc-lo cumprir e observar sem permitir que se pratique coisa alguma em contraacuterio por qualquer modo que possa ser E em testemunho e firmeza do sobredito Fiz passar a presente Carta por Mim assinada selada com o Selo grande das Minhas Armas e referendada pelo Meu Conselheiro Ministro e Secretaacuterio de Estado abaixo assinado

Dado no Palaacutecio de Queluz aos catorze de Junho do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e um

O Priacutencipe Com Guarda

Lugar do Selo

Visconde de Anadia

Lisboa Na Reacutegia Oficina Tipograacutefica ano de MDCCCI (1801)rdquo

6) Tratados de Fronteiras firmados entre o Brasil e os paiacuteses hispano-americanos no Impeacuterio e na Repuacuteblica1 Pela arbitragem ou pelo acordo direto diplomatas brasileiros estabeleceram as nossas fronteiras com base em documentaccedilatildeo cartograacutefica na histoacuteria e no principio do uti possidetis ou direito de posse consagrado no Tratado de Madri O trabalho de delimitaccedilatildeo foi concluiacutedo no seacuteculo XIX pela diplomacia brasileira notadamente por Duarte da Ponte Ribeiro Paulino Joseacute Soares de Souza Joaquim Caetano da Silva e o Visconde do Rio Branco Nos primeiros anos do seacuteculo XX os graves problemas de limites ainda pendentes foram solucionados pela accedilatildeo direta do Baratildeo do Rio Branco Com uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros o Brasil tem limites terrestres com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul Uruguai Argentina Paraguai Boliacutevia Peru Colocircmbia Venezuela Guiana e Suriname e com o Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana numa extensatildeo da ordem de 16886 quilocircmetros Peru Ao se constituiacuterem como naccedilotildees soberanas e independentes o Brasil em 7 de setembro de 1822 e o Peru em 28 de julho de 1824 ambos os paiacuteses buscaram de imediato encontrar alternativas amigaacuteveis para o problema de limites entre si A soluccedilatildeo encontrada foi a de se lanccedilar matildeo do princiacutepio de Uti Possidetis expressatildeo latina que significa como possuis Assim eacute que no dia 23 de outubro de 1851 foi assinado em Lima por Duarte de Ponte Ribeiro encarregado de Negoacutecios do Brasil e Bartolomeacute Herrera Ministro Interino das Relaccedilotildees Exteriores do Peru o Tratado de Comeacutercio Navegaccedilatildeo e Limites Nesse tratado reconheceu-se como limite a povoaccedilatildeo de Tabatinga e daiacute para o norte uma linha reta a encontrar o rio Japuraacute defronte da foz do Apapoacuteris ( mais tarde este trecho da fronteira que era disputado por Peru Colocircmbia e Equador passou para o domiacutenio da Colocircmbia) e de Tabatinga para oeste e para o sul o rio Javari desde a sua confluecircncia com o Amazonas Os trabalhos de definiccedilatildeo da linha de limites entre o Brasil e o Peru voltaram a ser acertados a partir de setembro de 1909 quando da assinatura do Tratado de Demarcaccedilatildeo Comeacutercio e Navegaccedilatildeo na cidade do Rio de Janeiro Esse documento teve como plenipotenciaacuterios o Baratildeo do Rio Branco Ministro de Estado das Relaccedilotildees Exteriores do Brasil e o Dr Hernaacuten Velarde Ministro Plenipotenciaacuterio Peruano no Brasil O acordo estabeleceu a definiccedilatildeo da linha de limites desde a nascente do rio Javari ateacute o iniacutecio da divisoacuteria brasileiro-boliviana no rio Acre (visto ainda natildeo ter sido decidida a pendencia junto a reta Apapoacuteris-Tabatinba soacute acertada por decisatildeo arbitral da Rainha da Espanha em 1922 em favor da Colocircmbia) Colocircmbia

A tentativa de acerto das fronteiras do Brasil com a Colocircmbia remonta agrave eacutepoca do movimento emancipacionista e a fragmentaccedilatildeo dos Vice-Reinados Espanhoacuteis na Ameacuterica em 1821 quando se constituiu a Gratilde-Colocircmbia que compreendia a atual Venezuela a Colocircmbia o Equador e o Panamaacute Em 1829 a Venezuela separou-se exemplo seguido pelo Equador em 1830 As proviacutencias restantes constituiacuteram a Repuacuteblica de Nova Granada que em 1857 passou a denominar-se Confederaccedilatildeo Granadina esta em 1863 tomou o nome de Estados Unidos da Colocircmbia e 1 ENGEL Juvenal Milton Ministeacuterio das Relaccedilotildees Exteriores do Brasil Disponiacutevel em wwwinfolnccbr Acessado em 27 de julho de 2006

finalmente em 1886 de Repuacuteblica da Colocircmbia O Panamaacute teve sua independecircncia somente em 1903 Apoacutes tentativas de acerto de nossas fronteiras em 1826 1853 18681870 e 18801882 em 1906 o Brasil e a Colocircmbia assinaram um protocolo que estabeleceu a divisatildeo dos limites em dois trechos o primeiro ao norte da desembocadura do rio Apopoacuteris e o segundo dessa desembocadura para o sul O Tratado de Bogotaacute de 2141907 acertou os limites ao norte de Apopoacuteris ateacute a fronteira com a Guiana deixando-se o acerto da reta Apopoacuteris Tabatinga para mais tarde visto estar essa regiatildeo sendo disputada pela Colocircmbia Peru e Equador Uma vez reconhecida a Colocircmbia (em 1922) como uacutenico paiacutes confinante na regiatildeo entre os rios Apapoacuteris e Amazonas foi acertada a fronteira nessa grande reta pelo Tratado de Limites e Navegaccedilatildeo Fluvial de 15111928 que tambeacutem previu uma Comissatildeo Mista para proceder a demarcaccedilatildeo com colocaccedilatildeo de marcos tanto neste trecho da fronteira como no trecho definido no tratado anterior de 1907 Em 1930 eacute constituida a Comissatildeo Mista de Demarcaccedilatildeo dos Limites Brasil-Colocircmbia estabelendo-se as intruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo da fronteira Em seguida eacute iniciada a contruccedilatildeo dos primeiros marcos na regiatildeo do Apapoacuteris Em 1937 eacute completada a demarcaccedilatildeo de toda a fronteira com a aprovaccedilatildeo de 29 marcos Os trabalhos de caracterizaccedilatildeo foram retomados de 1952 ateacute 1963 e novamente em 1976 com a instalaccedilatildeo da atual Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasileiro-Colombiana

Venezuela A Venezuela inicialmente fazendo parte da Gratilde-Colocircmbia (juntamente com Equador e Panamaacute) iniciou seu movimento emancipacionista do Reino da Espanha em 1821 Em 1829 separou-se desta Confederaccedilatildeo Quando por ocasisiatildeo da assinatura do Tratado de Limites e Navegaccedilatildeo de 1859 com o Brasil havia ainda pendecircncia entre Venezuela e Colocircmbia sobre as terras a oeste do rio Negro (pendecircncia soacute resolvida em 1891) Somente em 1880 as Comissotildees Mistas iniciaram a demarcaccedilatildeo dessa fronteira desde a nascente do Memachi ateacute ao Cerro Cupi terminando os trabalhos em 1882 De 1882 a 1884 a Comissatildeo brasileira prosseguiu nos trabalhos de demarcaccedilatildeo ateacute ao Monte Roraima sem a assistecircncia da Comissatildeo Venezuelana Durante esses dois periacuteodos chefiou a Comissatildeo brasileira o Tenente Coronel de Engenheiros Francisco Xavier Lopes de Arauacutejo depois Baratildeo de Parima Pelo laudo arbitral da Rainha Regente de Espanha (1891) o territoacuterio compreendido entre a referida nascente do Memachi e o Rio Negro foi atribuiacutedo agrave Colocircmbia O Protocolo assinado em Caracas a 9 de Dezembro de 1905 aprovou e reconheceu a demarcaccedilatildeo feita em 1880 pela Comissatildeo Mista desde a Pedra do Cucuiacute (Rio Negro) ateacute ao Cerro Cupi Em consequecircncia do Protocolo assinado na mesma cidade a 29 de Fevereiro de 1912 foi nomeada uma outra Comissatildeo Mista que colocou alguns marcos no trecho da fronteira compreendido entre o Rio Negro e o Salto Uaacute no Canal Maturacaacute Chefiou a Comissatildeo brasileira o Coronel de Engenharia Manoel Luiz de Mello Nunes Esses trabalhos foram realizados nos anos de 1914 e 1915 Em virtude do Protocolo de 24 de Julho de 1928 uma outra Comissatildeo Mista levou a efeito os trabalhos de demarcaccedilatildeo na chamada linha geodeacutesica Cucuiacute-Uaacute procedendo em seguida agrave caracterizaccedilatildeo da fronteira a partir do Monte Roraima As suas atividades foram interrompidas em 1934 e reiniciadas em 1939 dando continuidade na difiacutecil demarcaccedilatildeo das serras Parima e Pacaraima Com a introduccedilatildeo dos trabalhos de aerofotogrametria e adoccedilatildeo de modernas

teacutecnicas para uma perfeita caracterizaccedilatildeo da linha dos limites completou-se a fase demarcatoacuteria de todo o trecho em 1973 Guiana

Os limites do Brasil com a Repuacuteblica Cooperativa da Guiana (antiga Guiana Inglesa) foram estabelecidos no principio deste seacuteculo O assunto remonta a meados do seacuteculo XIX quando o Governo Imperial do Brasil protestou contra a indevida penetraccedilatildeo inglesa na regiatildeo do Pirara - ao norte e oeste dos rios Cotingo e Tacutu fronteira oeste da Guiana junto a Venezuela (chamada tambeacutem linha Schomburgk) Em 1901 foi assinado em Londres o Tratado de Arbitramento no qual o Brasil e Inglaterra submetem o litigio ao arbitramento de Sua Majestade o Rei da Italia Nessa ocasiatildeo foi feita uma Declaraccedilatildeo Anexa onde se estabeleceu que a leste do territorio contestado seguiriacutea o limite pelo divortium aquarum entre a bacia do Amazonas (no Brasil) e as do Corentyne e do Essequibo (na Guiana) O Laudo proferido em Roma (em junho de 1904) determinou que a fronteira entre o Brasil e a Guiana Britanica seguisse por uma linha que partindo do Monte Yakontipu iria na direccedilatildeo leste pelo divisor das aacuteguas ateacute a nascente do rio Mau (ou Ireng) Depois de proferido o Laudo o reconhecimento sobre a fronteira constatou que o rio Cotingo natildeo nasce no monte Yakontipu poreacutem no monte Roraima mais a oeste como havia sido constatado pela Comissatildeo Brasileira de Limites com a Venezuela em 1884 (ficando entatildeo em aberto a parte da fronteira entre o monte Yakontipuacute e o monte Roraima - iniacutecio da fronteira do Brasil com a Venezuela) Esta situaccedilatildeo somente foi resolvida em 22 de abril de 1926 por ocasiatildeo da assinatura de uma Convenccedilatildeo Complementar e de um Tratado Geral de Limites Em 18 de Marccedilo de 1930 foi aprovado o Protocolo de Instruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo da fronteira Em outubro e novembro de 1932 foi tambeacutem acertado por troca de Notas Reversais um Acordo para a Delimitaccedilatildeo de Aacutereas Ribeirinhas na Fronteira entre o Brasi e a Guiana Britacircnica onde se estabeleceu com clareza criteacuterios para adjudicaccedilatildeo de ilhas e o acompanhamento das alteraccedilotildees do leito ou talvegue de rios fronteiriccedilos Em seguida foi dado iniacutecio a construccedilatildeo dos marcos - desde o ponto de Trijunccedilatildeo Brasil-Guiana-Venezuela na serra Pacaraima ao longo dos rios Mau (ou Ireng) e Tacutuacute assim como na Serra Acaraiacute ateacute o ponto de Trijunccedilatildeo Brasil-Guiana-Suriname Esses trabalhos terminaram em janeiro de 1939 quando foi assinada a Ata da Deacutecima Primeira e uacuteltima Conferecircncia da Comissatildeo Mista aprovando a descriccedilatildeo da fronteira com seus respectivos apecircndices mapas e coordenadas de marcos (inclusive do marco BBG-11A construido em 1934 e localizado no extremo setentrional do Brasil) Apoacutes o surgimento da Repuacuteblica Cooperativa da Guiana em 1966 somente em novembro de 1994 foi o assunto da fronteira comum abordado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Primeira Conferecircncia da nova Comissatildeo Mista Brasileiro-Guianense de Limites que acordou a realizaccedilatildeo de uma inspeccedilatildeo geral dos marcos Suriname

A Repuacuteblica do Suriname corresponde agrave antiga Colocircnia Neerlandesa de Surinam ou Guiana Holandesa Os holandeses foram os primeiros que se estabeleceram na regiatildeo das Guianas depois da exploraccedilatildeo dos espanhoacuteis que por aliacute passaram na eacutepoca dos descobrimentos Com o Brasil nunca houve questotildees de limites uma vez que os holandeses natildeo excederam a linha divisoacuteria da bacia amazocircnica onde

jamais penetraram e que jamais pretenderam ao contraacuterio do que sucedeu com as Guianas Inglesa e Francesa Com esses dois paiacuteses vizinhos os holandeses tiveram graves questotildees a Guiana Inglesa que absorvera todo seu territoacuterio em 1803 teve de devolvecirc-lo em 1914 os problemas com os franceses somente foram resolvidos por sentenccedila arbitral do Czar da Ruacutessia em 1891 Finalmente a 5 de maio de 1906 apoacutes resolvidos os problemas com os paiacuteses visinhos os holandeses puderam assinar com o Brasil o tratado que fixa os limites pelo divortium aquarum separando as aguas dos rios que desaguam no Oceano Atlacircntico das aacuteguas dos rios que satildeo afluentes ou subafluentes amazocircnicos Esse tratado foi ratificado em 1908 poreacutem somente em 27 de abril de 1931 foi firmado o Protocolo de Instruccedilotildees para a demarcaccedilatildeo dessa fronteira A fronteira foi levantada e demarcada de 1935 a 1938 pela Comissatildeo Mista Brasileiro-Neerlandesa que plantou 60 marcos aleacutem de participar da aprovaccedilatildeo e implantaccedilatildeo dos dois marcos de trijunccedilatildeo Terminada a demarcaccedilatildeo (com a assinatuara da Quinta e Uacuteltima Confecircrencia da Comissatildeo Mista) foram aprovados os trabalhos por troca de Notas Reversais Ateacute o presente natildeo foi reativada a Comissatildeo Mista de Limites entre o Brasil e o Suriname

Guiana Francesa

A fronteira do Brasil com a Franccedila tem antecedentes histoacutericos ainda em meados do seacuteculo XVIII Com a assinatura do Tratado de Utrecht em 1713 e com sua interpretaccedilatildeo confirmada pela Sentenccedila Arbitral do Conselho Federal Suiacuteccedilo de 1ordm de dezembro de 1900 ficou definitivamente acertada a delimitaccedilatildeo entre o Brasil e o aquele Departamento Ultramarino Francecircs Solucionado juridicamente o litiacutegio somente em 1955 tiveram iniacutecio os trabalhos de natureza teacutecnico-geograacuteficos que terminaram em 1962 com a implantaccedilatildeo de 7 marcos ao longo da fronteira terrestre no divisor de aacuteguas que corre pela serra de Tumucumaque Nessa ocasiatildeo ficou tambeacutem acertado que o rio Keriniutu eacute o formador principal do rio Oiapoque razatildeo pela qual foi em sua nascente principal assentado o uacuteltimo dos 7 marcos da linha seca Descendo o limite pelo talvegue dos rios Keriniutu e Oiapoque ficou acertado o limite terrestre e fluvial entre o Brasil e a Guiana Francesa ateacute a foz deste uacuteltimo rio na baia de Oiapoque Faltava o acordo para a localizaccedilatildeo do talvegue ao longo desta baia e o seu prolongamento numa perpendicular agrave linha de fechamento para caracterizar a delimitaccedilatildeo mariacutetima entre os dois paises Como decorrecircncia das negociaccedilotildees que se realizaram em Paris em 1979 e em Brasiacutelia em 1981 foi possivel definir do talvegue ao longo da baia de Oiapoque assim como a linha de delimitaccedilatildeo mariacutetima acertada pelo Tratado de Paris de 30 de janeiro de 1981

Boliacutevia

O primeiro tratado de limites entre o Brasil e a Boliacutevia foi assinado em 1867 quando ainda natildeo se conhecia corretamente a situaccedilatildeo geograacutefica dos rios na Bacia Amazocircnica tanto que um de seus artigos estabelecia a linha limite saiacutendo do rio Madeira por um paralelo para oeste ateacute as nascentes do Javari - estabelecendo ainda que se essas nascentes estivessem ao norte do paralelo (o que de fato ocorreu) a linha deveriacutea seguir desde a mesma latitude ateacute aquela nascente (origem do hoje nosso Estado do Acre) Esta situaccedilatildeo somente foi resolvida anos mais tarde (1903) pela accedilatildeo do Baratildeo de Rio Branco Os principais documentos internacionais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Tratado de Amizade Navegaccedilatildeo Limites e Comeacutercio (2731867) - Tratado de Petroacutepolis

(17111903)- Tratado de Natal (25121928) - Notas Reversais (29041941) - Instruccedilotildees para as Comissotildees de Limites - Acordo de Roboreacute - Nota Reversal Nr1 CR (2931958) Os primeiros periacuteodos demarcatoacuterios ocorreram na deacutecada de 1870 sendo Comissaacuterios brasileiros em 187071 o Capitatildeo de Mar e Guerra Antocircnio Claacuteudio Soido e de 1875 a 1877 o Coronel Rufino Eneacuteas Gustavo Galvatildeo (Baratildeo de Maracaju) substituido pelo Coronel Francisco Xavier Lopes de Arauacutejo (Baratildeo de Parima) que completou os trabalhos de demarcaccedilatildeo (1878) na regiatildeo Tendo sido reconhecida a fronteira desde a Baia Negra ao sul ateacute a regiatildeo dos rios Guaporeacute Mamoreacute e Madeira ao norte No periacuteodo de 1907 a 1914 para efetuar a demarcaccedilatildeo na regiatildeo Amazocircnica foi designado o Almirante Joseacute Cacircndido Guillobel partir de 1941 os trabalhos tecircm sido realizados de forma sistemaacutetica pela Comissatildeo Mista Demarcadora de Limites Brasileiro-Boliviana A uacuteltima indefiniccedilatildeo relativa a essa fronteira foi levantada pela Nota Reversal nr 1 CR integrante do chamado Acordo de Roboreacute de 1958 (aprovado pelo Congresso Nacional somente 10 anos apoacutes em 1968) Os trabalhos referentes ao trecho da linha-limite descrita nesse instrumento foram concluidos em 1979 Na deacutecada de 1980 o trabalho limitou-se a inspeccedilotildees unilaterais de marcos na fronteira seca e ao longo do rio Paraguai tendo-se constatado a necessidade de reconstruir diversos deles e de melhorar a caracterizaccedilatildeo em alguns setores A partir de 1990 teve prosseguimento o trabalho sistemaacutetico da Comissatildeo Mista tendo sido executadas inspeccedilotildees aeacutereas (com helicoacuteptero) em toda a linha-limite desde a regiatildeo do Acre ateacute o Ponto Tripartite Brasil-Bolivia-Paraguai (ao sul) assim como foram reconstruiacutedos alguns marcos principais e colocados novos marcos secundaacuterios e de alinhamento com o fim de melhorar a caracterizaccedilatildeo da fronteira seca

Paraguai

O Tratado que define a fronteira Brasil-Paraguai desde a foz do rio Apa no atual Estado de Mato Grosso do Sul ateacute a foz do rio Iguaccedilu no Paranaacute foi assinado a 9 de janeiro de 1872 A fronteira no rio Paraguai no trecho compreendido entre a foz do rio Apa e o desaguadouro da Bahia Negra - ponto tripartite Brasil-Paraguai-Boliacutevia - ficou estabelecida pelo Tratado Complementar de 21 de maio de 1927 Os principais documentos bilaterais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Tratado de Limites (911872) - Tratado Complementar ao de 1872 (2151927) - Protocolo de Instruccedilotildees (951930) - Tratado de Itaipu (2641973) - Protocolo Adicional ao Tratado de 1927 (4121975) - Notas aprovando a adjudicaccedilatildeo das ilhas do rio Paraguai (1521978) - Notas Reversais (1291980) Estabelecendo aacuterea de 25 mts de cada lado da linha limite) Os trabalhos de demarcaccedilatildeo iniciaram-se no mesmo ano da assinatura do Tratado de Limites (1872) e foram concluiacutedos em 1874 sendo Comissaacuterio brasileiro o Baratildeo de Maracaju (Coronel Rufino Eneas Gustavo Galvatildeo) e o paraguaio D Domingo Antonio Ortiz Nesse periacuteodo foram construidos 6 marcos (principais) ao longo da fronteira (trecircs na regiatildeo do rio Apa e mais trecircs divisor de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju) Deixou de ser construiacutedo marco no final da linha seca regiatildeo do Salto Grande das Sete Quedas no rio Paranaacute por ser este um acidente de fronteira considerado imutaacutevel conforme afirmavam as instruccedilotildees aos demarcadores da eacutepoca Circunstacircncia superveniente (o fechamento da barragem de Itaipu) fez desaparecer exatamente esse acidente geograacutefico que ficou submerso sob as aacuteguas do atual lago Na deacutecada de 1930 tiveram iniacutecio os trabalhos de caracterizaccedilatildeo nos divisores de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju tendo sido estudadas as posiccedilotildees dos marcos sobre o

levantamento topograacutefico dos ditos divisores (ao longo de mais de 430 quilocircmetros) Esses trabalhos foram realizados ateacute cerca de 12 quilocircmetros do rio Paranaacute Ao longo da fronteira seca (dividida para facilidade de trabalho em 4 setores) foram construiacutedos ateacute 1963 852 marcos (secundaacuterios e especiais) todos intervisiacuteveis O limite ao longo do rio Paraguai foi definido pelo Tratado Complementar de 1927 - que por ter redaccedilatildeo dubitativa foi implementado pelo Protocolo Adicional de 1975 Apoacutes entendimento da Comissatildeo Mista as ilhas ao longo do trecho limiacutetrofe do rio Paraguai foram adjudicadas a um e outro paiacutes (Notas de 15 de fevereiro de 1978) tendo sido construiacutedos nas campanhas de 1978 e de 1980 24 marcos nessas ilhas trabalho ainda natildeo ultimado A assinatura do Tratado de Itaipu em 1973 abriu caminho para a construccedilatildeo da barragem e da Hidroeleacutetrica de Itaipu e a consequente criaccedilatildeo de um lago artificial com aacuterea aproximada de 1400 km quadrados pouco ao norte da regiatildeo de Foz do Iguaccedilu O artigo 7ordm desse Tratado estabelece que as instalaccedilotildees destinadas agrave produccedilatildeo de energia eleacutetrica e obras auxiliares natildeo produziratildeo variaccedilatildeo alguma nos limites entre os dois paiacuteses estabelecidos nos Tratados vigentes Estatildeo assim preservados os limites definidos pelo Tratado de 1872 Nos uacuteltimos 20 anos a Comissatildeo Mista tem realizado sistemaacuteticas inspeccedilotildees nos marcos anteriormente construiacutedos assim como na chamada faixa non-aedificandi (de 50 metros de largura sendo 25 metros em cada paiacutes) que acompanha toda a fronteira seca e executado os trabalhos de reparaccedilatildeo ou reconstruccedilatildeo de marcos que se fizeram necessaacuterios A partir de 1990 concomitantemente com os trabalhos de inspeccedilatildeo e de reparaccedilatildeorecontruccedilatildeo de marcos tem-se procedido agrave re-determinaccedilatildeo das coordenadas geograacuteficas dos mesmos com base em pontos determinados por rastreamento de sateacutelites geodeacutesicos No divisor de aacuteguas das serras de Amambaiacute e Maracaju os 825 marcos secundaacuterios aiacute existentes estatildeo intervisiacuteveis correspondendo a um intervalo meacutedio de pouco mais de 500 metros entre marcos sucessivos

Argentina

A fronteira Brasil-Argentina foi a uacuteltima das fronteiras do sul a ser definida por tratado (1898) e demarcada (19011904) Um aspecto curioso a assinalar eacute o de que o proacuteprio Ministro das Relaccedilotildees Exteriores que assinou pelo Brasil o Tratado de Limites (1898) foi trecircs anos apoacutes o Comissaacuterio brasileiro a demarcar a mesma fronteira o General Dioniacutesio Evangelista de Castro Cerqueira Os principais documentos internacionais que trataram de sua definiccedilatildeo foram os seguintes - Laudo Arbitral do Presidente Grover Cleveland (521895) - Tratado de Limites (6101898) - Artigos Declaratoacuterios (4101910) - Convenccedilatildeo Complementar (27121927) - Notas de 1151970 e 1761970 para a constituiccedilatildeo de uma Comissatildeo Mista de Inpeccedilatildeo de Fronteira - Notas de 23101995 e 3111996 para a ampliaccedilatildeo das atribuiccedilotildees da Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasil-Argentina No periacuteodo de demarcaccedilatildeo (19011904) atuaram como Comissaacuterios pelo Brasil como jaacute foi dito o General Dioniacutesio Cerqueira e pela Argentina Pedro Ezcurra Nessa etapa foram construiacutedos ao longo de toda a fronteira 10 marcos principais 3 secundaacuterios 45 terciaacuterios (simples pilastras no uacutenico e pequeno trecho de fronteira seca) e 35 marcos em ilhas fluviais Com a finalidade de complementar o trecho final da linha de limite junto a foz do rio Quarai no rio Uruguai foi assinada a Convenccedilatildeo Complementar de 1927 Em 1928 reuniu-se nova Comissatildeo Mista que apenas reconstruiu os marcos terciaacuterios na fronteira seca Em 1970 constituiu-se a atual Comissatildeo Mista de Inspeccedilatildeo dos Marcos da Fronteira Brasil-Argentina que procedeu agrave vistoria completa de todos os marcos

anteriormente erigidos reconstruiu os que se encontravam em precaacuterio estado de conservaccedilatildeo e apoacutes executar o levantamento cuidadoso do trecho de fronteira seca projetou a intercalaccedilatildeo entre os marcos construiacutedos em 1904 de novos marcos terciaacuterios todos intervisiacuteveis para a perfeita caracterizaccedilatildeo da linha limite nesse setor (extremo oeste do estado do Paranaacute) foram tambeacutem construiacutedos marcos no trecho inicial mal definido do rio Peperi-Guassu O programa de construccedilatildeo desses novos marcos foi completado na campanha de 1986 atingindo-se um total de 310 marcos com intervale meacutedio de 80 metros de marco a marco Finalmente por troca de notas de 23 de outubro de 1995 e 31 de janeiro de 1996 foi assinado novo acordo definindo a ampliaccedilatildeo das atribuiccedilotildees da Comissatildeo Mista Uruguai Dentre todas as fronteiras brasileiras a fronteira Brasil-Uruguai foi a pioneira em todos os sentidos a ter sua formaccedilatildeo juriacutedica perfeitamente definida por tratado internacional (1851) a ser demarcada (18521862) e a ter iniciada sua caracterizaccedilatildeo (a partir de 1920) Os principais documentos bilaterais que trataram da definiccedilatildeo dos limites entre o Brasil e o Uruguai foram sucessivamente os seguintes - Tratado de Limites (12101851) - Tratado da Lagoa Mirim (30101909) - Convenccedilatildeo do Arroio Satildeo Miguel (751913) - Estatuto Juriacutedico da Fronteira (20121933) e - Notas Reversais sobre a fixaccedilatildeo da desembocadura do Arroio Chui (2171972) O principal periacuteodo de demarcaccedilatildeo desenvolveu-se de 1852 a 1862 tendo atuado como Comissaacuterio brasileiro o Marechal Francisco Joseacute de Souza Soares DAndrea Baratildeo de Caccedilapava (que faleceu em serviccedilo em 1858) e o brigadeiro Pedro dAlcantara Bellegarde (18581862) e como Comissaacuterio uruguaio o coronel Joseacute Maria Reyes que se retirou para Montevideacuteu apoacutes estarem vencidas as etapas principais do trabalho de demarcaccedilatildeo Nessa ocasiatildeo foram erigidos 13 marcos principais e 49 marcos intermeacutedios (ou secundaacuterios) ao longo de toda fronteira desde a barra do arroio Chuiacute ateacute a foz do Quarai no rio Uruguai Outro periacuteodo de trabalho na deacutecada de 1910 tratou da demarcaccedilatildeo na lagoa Mirim e no arroio Satildeo Miguel para cumprimento do Tratado de 1909 (quando o Brasil cedeu o condomiacutenio das aacuteguas dessa lagoa ao Uruguai) e da Convenccedilatildeo de 1913 (quando o Uruguai tambeacutem cedeu o condomiacutenio das aacuteguas do arroio Satildeo Miguel) Os trabalhos de caracterizaccedilatildeo foram executados em duas etapas inicialmente pela Comissatildeo Mista de Limites da Fronteira Brasil- Uruguai sendo Comissaacuterio brasileiro o Marechal Gabriel de Souza Pereira Botafogo (19201929) e depois a partir de 1930 a cargo - pelo lado brasileiro - da atual Segunda Comissatildeo Brasileira Demarcadora de Limites Nessa fase foi intercalado mais de um milhar de marcos entre os erigidos no seacuteculo passado Apoacutes periacuteodo de intensa negociaccedilatildeo (no iniacutecio da deacutecada de 1970) que culminou com a soluccedilatildeo do assunto atinente agrave definitiva fixaccedilatildeo da barra do arroio Chuiacute e agrave orientaccedilatildeo da divisoacuteria lateral mariacutetima (que se origina naquele ponto no azimute de 128 graus) a Comissatildeo Mista de Limites e de Caracterizaccedilatildeo da Fronteira Brasil-Uruguai deu estreito acompanhamento agraves obras de engenharia resultantes do acordo anteriormente mencionado as quais foram inauguradas em dezembro de 1978 A partir de 1970 a Comissatildeo Mista passou a efetuar inspeccedilotildees sistemaacuteticas nos marcos existentes com vistas agrave reconstruccedilatildeo ou reparaccedilatildeo dos que viessem a necessitar desses serviccedilos Ao longo dos 262 quilocircmetros do divisor de aacuteguas (nas coxilhas de Santana e Haedo) os 1080 marcos construiacutedos proporcionam um intervalo meacutedio de 260 metros entre marcos sucessivos e intervisiacuteveis

7) Cataacutelogo de documentos manuscritos avulsos referentes ao Brasil-limites existentes no Aquivo Histoacuterico Ultramarino

ORGANIZACcedilAtildeO

DESIGNACcedilAtildeO

COacuteDIGO COTA

Entidade Detentora Arquivo Histoacuterico Ultramarino

AHU

Grupo de Arquivos

Administraccedilatildeo Central ACL

Fundo Conselho Ultramarino CU Seacuterie

Brasil-Limites 059

Caixa 1 - 4 Cx Documentos 1 a 289 D

Datas Extremas 1699 ndash 1843

COTA

AHU_ACL_CU_059 Cx D

Inventaacuterio unidade de instalaccedilatildeo

Caixa

Datas extremas Documentos Doc Cx

1- 1699 - 1755 1 - 93 93 2- 1756 - 1761 94 - 168 75 3- 1762 - 1784 169 - 232 64 4- 1785 - 1843 233 - 289 57

205 - [post 1777 outubro 1] OFIacuteCIO (minuta) mencionando o envio do plano das demarcaccedilotildees dos limites para ser visto pelo rei da Espanha [D Carlos III] e explicando que em razatildeo da extensatildeo do Brasil e das dificuldades que apresentariam terrenos tatildeo pouco conhecidos seriam 4 as divisotildees da demarcaccedilatildeo especificando quais aacutereas caberiam a cada uma delas AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 291 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 205 206 - [post 1777 outubro 1] OFIacuteCIO (minuta) mencionando o plano geral para a demarcaccedilatildeo da fronteira entre os domiacutenios portugueses e espanhoacuteis na Ameacuterica e a propoacutesito de introduzir o tratado preliminar de limites de 1777 o autor faz uma longa explanaccedilatildeo sobre a

conquista da Ameacuterica desde o seu descobrimento por Cristovatildeo Colombo passando pelos navegadores em geral espanhoacuteis que descobriram e colonizaram outras partes deste continente indo ateacute aos Tratados de Limites feitos no seacuteculo XVIII em 1750 e 1777 AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 141 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 206 209 - [post 1778 junho 6] PLANO para execuccedilatildeo da Demarcaccedilatildeo dos Limites entre os domiacutenios espanhoacuteis e portugueses na Ameacuterica Meridional estabelecidos pelo tratado firmado em 1 de outubro de 1777 e pelas Instruccedilotildees de 6 de junho de 1778 dividido em capiacutetulos correspondentes agraves 3 divisotildees e suas subdivisotildees Obs doc em espanhol AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 143 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 209 211 - 1779 janeiro 27 Salvaterra de Magos OFIacuteCIO (minuta) do [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar] Martinho de Melo e Castro ao [vice-rei do estado do Brasil] Luiacutes de Vasconcelos e Sousa enviando carta reacutegia da rainha D Maria I com o plano geral das demarcaccedilotildees dos domiacutenios portugueses e espanhoacuteis da Ameacuterica a formaccedilatildeo de quatro divisotildees a primeira para o Rio Grande de Satildeo Pedro a segunda para Satildeo Paulo a terceira para Mato Grosso e a quarta para o Gratildeo-Paraacute e fazendo algumas reflexotildees para o sucesso desta difiacutecil comissatildeo Anexo carta reacutegia ofiacutecio e carta (minutas) AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 144 146 e 149 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 211 212 - [post 1779 novembro 20] OFIacuteCIO (minuta) comentando a memoacuteria que o embaixador de Portugal na Espanha D Francisco Inocecircncio de Sousa Coutinho remetera agrave Corte portuguesa sobre a resposta do governo espanhol acerca das operaccedilotildees a serem desenvolvidas pelas comissotildees de Demarcaccedilatildeo dos Limites entre Portugal e Espanha na Ameacuterica Meridional mencionando por onde deveria passar a fronteira nas vaacuterias divisotildees desde o Rio Grande no sul ateacute o Rio Negro no norte Anexo carta (minuta) AHU-Brasil-Limites cx 2 doc 148 AHU_ACL_CU_059 Cx 3 D 212 269 - 1802 julho 10 Lisboa ESCRITO do [secretaacuterio de estado dos Negoacutecios Estrangeiros e Guerra] D Joatildeo de Almeida de Melo e Castro ao [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar]visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] sobre a nota que recebera do encarregado dos negoacutecios da Espanha sobre o procedimento do [ex-governador da capitania de Mato Grosso] Joaacuteo Pereira Caldas quanto agrave demarcaccedilatildeo naquela aacuterea e queixando-se da ausecircncia dos comissaacuterios portugueses para a conclusatildeo dos trabalhos Anexo 2 informaccedilotildees 2 ofiacutecios (minutas) AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 266 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 269

270- 1802 julho 19 Satildeo Joatildeo dos Bem Casados OFIacuteCIO (coacutepia) do [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar]visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] ao [secretaacuterio de estado dos Negoacutecios Estrangeiros e Guerra] D Joatildeo de Almeida de Melo e Castro sobre a queixa dos espanhoacuteis sobre a Demarcaccedilatildeo dos Limites referente agraves fronteiras de Mato Grosso e aludindo aos ofiacutecios do vice-rei do estado do Brasil Luiacutes de Vasconcelos e Sousa e seus sucessor conde de Resende D Joseacute de Castro bem como a outros documentos sobre as demarcaccedilatildeo no Rio Grande de Satildeo Pedro e na capitania de Satildeo Paulo reportando-se aos comissaacuterios das vaacuterias partidas daquelas demarcaccedilotildees AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 265 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 270 277 - 1803 outubro 26 Rio de Janeiro OFIacuteCIO (2ordf via) do [vice-rei do estado do Brasil] D Fernando Joseacute de Portugal e Castro ao [secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar] visconde de Anadia [Joatildeo Rodrigues de Saacute e Melo Meneses e Souto Maior] sobre as reclamaccedilotildees do governo espanhol acerca das povoaccedilotildees portuguesas em territoacuterios que pelo Tratado Preliminar de 1777 seriam de Espanha como o teritoacuterio junto ao rio Japuraacute salto do Cupatiacute rio Javariacute rio Paraguai forte do Priacutencipe da Beira e forte de Nova Coimbra Obs anexos 4 avisos carta 3 ofiacutecios lembrete 1 em espanhol AHU-Brasil-Limites cx 3 doc 269 AHU_ACL_CU_059 Cx 4 D 277

  • CAPA13
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
  • SUMAacuteRIO
  • 1 INTRODUCcedilAtildeO
  • 2 A DESCOBERTA DA AMAZOcircNIA PELOS EUROPEUS
  • 3 ANTECEDENTES DA OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA
  • 4 A OCUPACcedilAtildeO PORTUGUESA
  • 5 OS CONFLITOS
  • 6 A NECESSIDADE DA DEFINICcedilAtildeO DAS FRONTEIRAS
  • 7 CONSOLIDACcedilAtildeO DO DIREITO DE POSSE
  • 8 METODOLOGIA
  • 9 CONCLUSAtildeO
  • BIBLIOGRAFIA
  • ANEXOS13