UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM … · Nem tudo é fácil É difícil fazer alguém...
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRO PRETO
MARIA INS ROSSELLI PUCCIA
Violncia por parceiro ntimo e morbidade materna grave
RIBEIRO PRETO
2012
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MARIA INS ROSSELLI PUCCIA
Violncia por parceiro ntimo e morbidade materna grave
Tese apresentada ao Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de Concentrao: Enfermagem Linha de Pesquisa: Sociedade, Sade e Enfermagem Orientadora: Profa. Dra. Marli Villela Mamede
RIBEIRO PRETO
2012
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Assinatura: _________________________________ Data: ___/___/___
Maria Ins Rosselli Puccia
Puccia, Maria Ins Rosselli
Violncia por parceiro ntimo e morbidade materna grave. Ribeiro Preto, 2012.
144 p.; 30 cm
Tese, apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto/USP. rea de concentrao: Enfermagem.
Orientadora: Mamede, Marli Villela.
1. Violncia domstica. 2. Mulheres maltratadas. 3. Complicaes na gravidez. 4. Mortalidade materna. 5. Ateno Sade.
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Nome: PUCCIA, Maria Ins Rosselli
Ttulo: Violncia por parceiro ntimo e morbidade materna grave
Tese apresentada ao Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Cincias.
Aprovado em: 30/11/2012
Banca Examinadora
Profa. Dra. Marli Villela Mamede Instituio: EERP - USP
Julgamento Aprovada Assinatura: ________________________
Profa. Dra. Ana Maria de Almeida Instituio: EERP - USP
Julgamento Aprovada Assinatura: ________________________
Profa. Dra. Flvia de Azevedo Gomes Instituio: EERP - USP
Julgamento Aprovada Assinatura: ________________________
Profa. Dra. Leila Maria Geromel Dotto Instituio: UFAC - Externo
Julgamento Aprovada Assinatura: ________________________
Prof. Dr. Rodolfo de Carvalho Pacagnella Instituio: UFSCar - Externo
Julgamento Aprovada Assinatura: ________________________
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DEDICATRIA
Para Ricardo, Victor e Joo Vicente, que me
permitem viver o amor em sua plenitude.
A Izaura, minha me (in memorian), que me
conduz por este caminho.
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AGRADECIMENTO ESPECIAL
Profa. Dra. Marli Villela Mamede, que me acolheu prontamente como
orientanda, acreditando desde o incio no projeto proposto. Agradeo imensamente
pelo carinho, confiana, pacincia, respeito e amizade. Mais que o aprendizado
cientfico que me proporcionou, levo comigo seus ensinamentos sobre os valores de
vida!
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AGRADECIMENTOS
todas as mulheres que participaram do estudo, muito obrigado! Cada
entrevista realizada teve um significado especial para o meu aprendizado cientfico e
pessoal.
A toda equipe do Hospital Municipal Universitrio de So Bernardo do
Campo, pela colaborao no estudo. Particularmente agradeo s enfermeiras:
Camila, Cida, Cleusa, Cristiane, Debora, Denise, Elenice, rica, Eveline, Fabiana,
Ivanete, Karla, Liege, Luciana, Marlene, Monica Barbosa, Monica Maia, Rosa, Rose,
Sanae, Selma, Silvia, Tatiane, Thalita e Vanessa; ao enfermeiro Cleber; Alexandra e
toda equipe da agncia transfusional, pois sem a enorme colaborao de vocs a
coleta de dados da pesquisa no teria sido possvel.
Igualmente agradeo a toda equipe do Hospital da Mulher, pela
colaborao no estudo. Em especial s enfermeiras: Adriana, Aline, Alice, Ana
Paula, Denise, Gisele, Ivone, Juliane, Juliana, Maria, Maria Solidade, Marilsa,
Simone, Tatiane e equipe da agncia transfusional, sem a ajuda das quais a
pesquisa no teria sido concretizada neste hospital.
Ao Prof. Dr. Luiz de Souza, estatstico da Faculdade de Medicina de
Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, pela disponibilidade, pacincia e
trabalho desenvolvido no planejamento amostral e anlise dos dados.
Profa. Dra. Lilia Blima Schraiber, Professora Associada do Departamento
de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo,
pelos ensinamentos e autorizao do uso do instrumento: Sade da Mulher,
Relaes familiares e Servios de Sade.
A Profa. Dra. Simone Grilo Diniz, pelo incentivo e reflexes sobre a temtica
de Gnero e Sade Materna.
Ao Dr. Joo Paulo Dias de Souza e ao Prof. Dr. Guilherme Cecatti pela
ateno em responderem aos meus questionamentos.
Ao Ivaldo Olmpio da Silva, analista de sistemas do Departamento de
Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, pela
grande contribuio na confeco do banco de dados da pesquisa.
Profa. Dra. Ana Maria de Almeida, Profa. Dra. Flvia Azevedo Gomes,
Profa. Dra. Leila Maria Geromel Dotto e ao Prof. Dr. Rodolfo de Carvalho
Pacagnella pelas grandes contribuies ao presente estudo.
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s colegas docentes da Faculdade de Medicina do ABC pelo apoio nos
momentos mais difceis da execuo do projeto.
s colegas docentes da Universidade Paulista pelo carinho, amizade e
incentivo.
Prefeitura Municipal de Santo Andr, pela concesso de licena sem
vencimentos para realizao do doutorado.
A minha irm Mrcia e Tia Laura, eternas companheiras de todos os dias,
por acreditarem tanto em mim.
Ao meu irmo Nelson, ocupado com o sacerdcio, mas sempre to prximo.
Aos meus filhos Victor e Joo Vicente, pela alegria e energia de todos os
dias.
Ao meu marido Ricardo, por todo amor, carinho, pacincia e compreenso.
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Nem tudo fcil
difcil fazer algum feliz, assim como fcil fazer triste.
difcil dizer eu te amo, assim como fcil no dizer nada
difcil valorizar um amor, assim como fcil perd-lo para sempre.
difcil agradecer pelo dia de hoje, assim como fcil viver mais um dia.
difcil enxergar o que a vida traz de bom, assim como fcil fechar os olhos e atravessar a rua.
difcil se convencer de que se feliz, assim como fcil achar que sempre falta algo.
difcil fazer algum sorrir, assim como fcil fazer chorar.
difcil colocar-se no lugar de algum, assim como fcil olhar para o prprio umbigo.
Se voc errou, pea desculpas...
difcil pedir perdo? Mas quem disse que fcil ser perdoado?
Se algum errou com voc, perdoa-o...
difcil perdoar? Mas quem disse que fcil se arrepender?
Se voc sente algo, diga...
difcil se abrir? Mas quem disse que fcil encontrar algum que queira escutar?
Se algum reclama de voc, oua...
difcil ouvir certas coisas? Mas quem disse que fcil ouvir voc?
Se algum te ama, ame-o...
difcil entregar-se? Mas quem disse que fcil ser feliz?
Nem tudo fcil na vida... Mas, com certeza, nada impossvel.
Precisamos acreditar, ter f e lutar para que no apenas sonhemos,
Mas tambm tornemos todos esses desejos, realidade!!!
Ceclia Meireles
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RESUMO
PUCCIA, M. I. R. Violncia por parceiro ntimo e morbidade materna grave. Ribeiro Preto. 2012. 144 f. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2012. Violncia por parceiro ntimo (VPI) e morbidade materna grave constituem-se em importantes agravos sade sexual e reprodutiva feminina e representam formas de expresso das desigualdades de gnero. De acordo com os critrios clnicos, laboratoriais e de manejo relativos morbidade materna grave, adotados pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para a definio de condies potencialmente ameaadoras da vida materna (CPAV), este estudo teve por objetivo analisar a associao entre VPI na gravidez atual e ocorrncia de CPAV entre mulheres atendidas em maternidades pblicas da Grande So Paulo. Gestantes e purperas que constituram a populao de estudo (N=446) foram divididas em dois grupos distintos: 1) que desenvolveram CPAV durante o ciclo gravdico puerperal atual, definidas como casos (n= 109); e 2) que no apresentaram qualquer tipo de intercorrncia clnica, laboratorial ou de manejo no mesmo ciclo, definidas como controles (n=337). Respeitando-se os preceitos da tica em pesquisa com seres humanos, os casos e os controles foram selecionados por meio de visitas dirias aos locais de estudo entre novembro de 2010 e junho de 2011; prximo da alta hospitalar, entrevistas estruturadas foram conduzidas para investigao retrospectiva de VPI durante a gravidez atual, por meio de questionrio adaptado do Estudo Multipases da OMS sobre Sade da Mulher e Violncia Domstica. A relao entre a varivel resposta (CPAV), a varivel de exposio (VPI) e demais variveis independentes, foi avaliada por meio de propores, testes qui-quadrado ou exato de Fisher e pelo modelo de regresso logstica mltiplo. Identificou-se prevalncia de near miss materno de 5,62/1.000NV, ou seja, 0,56% e, Razo de Resultados Maternos Severos de 6,37/1.000NV. Considerando-se a tipificao da violncia, observou-se prevalncia de 12,7% de violncia psicolgica; 7,6% de violncia fsica e 1,6% de violncia sexual durante a gestao atual entre casos e controles. A despeito da ausncia de significncia estatstica entre a exposio VPI na gestao atual, relatada por 13% da amostra, e a ocorrncia do desfecho CPAV, verificou-se que tanto as gestantes expostas VPI quanto as mulheres que desenvolveram CPAV, apresentam fatores associados s condies sociodemogrficas e reprodutivas desfavorveis. Concluiu-se sobre a importncia do monitoramento de casos CPAV que, assim como o rastreamento rotineiro da VPI entre gestantes, deve ser includo no processo de trabalho dos enfermeiros. Isto importante para promover a qualificao da ateno sade materna. Palavras-chave: Violncia Domstica. Mulheres Maltratadas. Complicaes na Gravidez. Mortalidade Materna. Ateno Sade.
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ABSTRACT
PUCCIA, M. I. R. Intimate partner violence and severe maternal morbidity. Ribeiro Preto. 2012. 144 f. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2012. Intimate partner violence (IPV) and severe maternal morbidity represents importants womens sexual and reproductive health issues, as well as an expression means of gender inequalities. According to clinical, laboratory-based and management-based criteria concerning severe acute maternal morbidity adopted by World Health Organization (WHO) to define potentially life-threatening maternal condition, this study aims to analyze the association between IPV in current pregnancy and potentially life-threatening condition among women cared in Great So Paulo public hospitals. Pregnant and postpartum women who constituted the study population (N=446) were categorized into two distinct groups: 1) who developed potentially life-threatening condition during current pregnancy, childbirth or postpartum, called cases (n= 109); and 2) women who did not attended to any clinical, or laboratory-based and management-based criteria, called controls (n=337). According to the ethical standards of human research, cases and controls were selected through daily visits at study settings during November 2010 and June 2011; near discharge from hospital, the structured interviews were conducted to investigate the prospective relationship among IPV during current pregnancy through a questionnaire adapted from Who Multi-country Study on Womens Health and Domestic Violence Against Women. The relationship between response variable (potentially life-threatening maternal condition), the exposition variable (IPV) and the others independents variables was assessed by proportions, chi square test or Fisher's exact test and multiple regression logistic. The maternal near miss prevalence identified was 5,62/1.000 live births, or 0,56%. The Severe Maternal Outcome Ratio was 6,37/1.000 live births. Considering the violences types, the study have found 12,7% of psychological, 7,6% of physical and 1,6% of sexual injuries during current pregnancy among cases and controls. Despite the absence of statistical significance between VPI exposition in current pregnancy, which was related by 13% of the total sample, and the potentially life-threatening maternal outcome, it was verified that both pregnant women exposed to IPV as those who developed potentially life-threatening conditions, showed factors associated with sociodemographic and reproductive unfavorable conditions. In conclusion, it is recommended potentially life-threatening condition continued audit, as well as the IPV routine screening among pregnant women should be included in the nurses working process. It`s important to improve the quality of maternal care health system. keywords: Domestic violence. Battered women. Pregnancy complications. Maternal mortality. Health care.
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RESUMEN
PUCCIA, M. I. R. Violencia en la pareja y la morbilidad materna severa. Ribeiro Preto. 2012. 144 f. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2012. Violencia en la pareja (IPV) y la morbilidad materna severa representan un dao significativo a la salud sexual y reproductiva femenina y se encuentran en formas de expresin de las desigualdades de gnero. De acuerdo con los criterios clnicos, de laboratorio y de lo manejo clnico de la morbilidad materna severa adoptados por la Organizacin Mundial de la Salud (OMS) para definir las mujeres con enfermedades potencialmente fatales (WPLTC), el presente estudio tuvo como objetivo analizar la asociacin entre IPV en el embarazo en curso y lo desarrollo de enfermedades potencialmente fatales entre mujeres que acuden a los hospitales pblicos en el Gran So Paulo. Las mujeres embarazadas y posparto que constituyeron la poblacin de estudio (N=446), se dividieron en dos grupos distintos: 1) que desarroll condiciones que sean potencialmente en peligro la vida materna durante el embarazo en curso, el parto y el puerperio, es definido como casos (n= 109); y 2) que no ha mostrado ninguna complicacin clnica, laboratorio o de la gestin clnica, es definido como controles (n=337). Respetando los principios de la tica en la investigacin con seres humanos, casos e controles fueran seleccionados a travs de visitas al da a los hospitales de estudio entre noviembre de 2010 y junio de 2011; cuando estaban cerca de dado de alta, han sometidos a una entrevista estructurada para la investigacin retrospectiva de la violencia en la pareja durante el embarazo, utilizando un cuestionario adaptado del Estudio Multipases de la OMS sobre Salud de la Mujer y Violencia Domstica. La relacin entre la variable de respuesta (WPLTC)), la variable IPV y otras variables independientes se evalu mediante proporciones, teste chi-cuadrado o exacto de Fisher y regresin logstica mltiple. Se ha identificado la prevalencia observada de near miss materno de 5,62/1.000NV, en otras palabras, 0,56% y, la Razn de los Resultados Maternos Severos 6,37/1.000NV. Teniendo en cuenta la caracterizacin de la violencia, la prevalencia observada de violencia psicolgica fue de 12,7%, mientras que la violencia fsica fue de 7,6% y 1,6% la violencia sexual durante el embarazo en curso entre casos y controles. A pesar de la falta de significacin estadstica entre la exposicin a la IPV en el embarazo en curso, reportado por 13% de la muestra, y la ocurrencia del hecho (WPLTC), se ha encontrado que las mujeres embarazadas expuestas a ambos VPI y que desarrollaron enfermedades potencialmente fatales, han mostrado factores asociados a las condiciones socio demogrficas y reproductivas desfavorables. Se concluye sobre la importancia de seguimiento de los casos que, as como la deteccin rutinaria de IPV entre las mujeres embarazadas, debe ser incluido en el proceso de trabajo de la enfermera. Esto es importante para la quilificacin de la atencin a la salud materna. Palabras clave: Violencia domstica. Mujeres maltratadas. Complicaciones del embarazo. Mortalidad materna. Atencin a la salud.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Efeitos da violncia contra a mulher sobre a sua sade ........................................... 42
Figura 2 - O espectro da morbidade materna: da gravidez no complicada at o bito materno ................................................................................
45
Figura 3 - Delineamento do estudo ........................................................................................... 51
Figura 4 - Espectro da morbidade materna grave: das condies potencialmente ameaadoras da vida at o bito materno .......................................
69
Figura 5 - Frequncia de outras complicaes relacionadas ocorrncia de morbidade materna grave So Paulo 2012 ..........................................................................................................................
71
Figura 6 - Distribuio de casos de morbidade materna grave, segundo tipo de desfecho e critrios definidores de gravidade de manejo So Paulo 2012 ................................................................
73
Figura 7 - Distribuio dos casos de morbidade materna grave segundo ocorrncia de complicaes hemorrgicas - So Paulo 2012.........................................................................
73
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Marcadores de disfuno orgnica como critrios definidores de near miss, segundo Mantel et al.(1998) .................................................................................................................... 46
Quadro 2 - Critrios para definio de morbidade materna grave, adotados por Waterstone, Bewley, Wolfe (2001) .......................................................................................................................
47
Quadro 3 - Critrios de incluso dos casos CPAV, segundo respectivos marcadores mais frequentes .................................................................
56
Quadro 4 - Condies potencialmente ameaadoras da vida (CPAV), segundo Pacagnella (2011) ........................................................................
102
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuio das mulheres entrevistadas, segundo caractersticas sociodemogrficas, reprodutivas e de parceria- So Paulo 2012 ......................................................................................
68
Tabela 2 - Condies potencialmente ameaadoras da vida materna, segundo locais de estudo, nmero de nascidos vivos e Razo de Resultados Maternos Severos (RRMS) So Paulo 2012 ..................................................................................................
70
Tabela 3 - Descrio de casos CPAV, segundo fatores de morbidade materna grave (MMG) So Paulo 2012.............................................
70
Tabela 4 - Ocorrncia de casos near miss (NMM) e bitos maternos (OM), segundo fatores de morbidade materna grave So Paulo 2012 .........................................................................................
72
Tabela 5 - Distribuio dos casos de morbidade materna grave e dos controles, segundo variveis sociodemogrficas, reprodutivas e de parceria So Paulo 2012 ........................................................
74
Tabela 6 - Modelo de regresso logstica mltiplo, razes de chances ajustadas e correspondentes intervalos de 95% de confiana para morbidade materna grave entre gestantes e purperas, segundo variveis selecionadas So Paulo 2012 ..................................................................................................
76
Tabela 7 - Distribuio de frequncias de violncia psicolgica na gravidez atual relatada por gestantes e purperas, segundo variveis sociodemogrficas, reprodutivas e de parceria So Paulo 2012 .....................................................................................
77
Tabela 8 - Modelo de regresso logstica mltiplo, razes de chances ajustadas e correspondentes intervalos de 95% de confiana para violncia psicolgica na gravidez atual entre gestantes e purperas, segundo variveis selecionadas So Paulo 2012 .............................................................................
80
Tabela 9 - Distribuio de frequncias de violncia fsica na gravidez atual relatada por gestantes e purperas, segundo variveis sociodemogrficas, reprodutivas e de parceria So Paulo 2012 .....................................................................................
80
Tabela 10 - Modelo de regresso logstica mltiplo, razes de chances ajustadas e correspondentes intervalos de 95% de confiana para violncia psicolgica na gravidez atual entre gestantes e purperas, segundo variveis selecionadas So Paulo 2012 .............................................................................
83
Tabela 11 - Distribuio de frequncias de violncia sexual na gravidez atual relatada por gestantes e purperas, segundo variveis sociodemogrficas, reprodutivas e de parceria So Paulo 2012 .....................................................................................
84
Tabela 12 - Distribuio dos casos de morbidade materna grave e dos controles, segundo tipificao de violncia ocorrida na gravidez atual, entre gestantes e purperas So Paulo 2012 .............................................................................................................
86
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LISTA DE ABREVIATURAS
ABC Santo Andr, So Bernardo e So Caetano do Sul.
ACNM Colgio Americano de Enfermeiras Parteiras
ACOG Colgio Americano de Obstetras e Ginecologistas
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome - Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
ALT Alanina Transaminase
AMA Associao Mdica Americana
AST Aspartato Transaminase
AVC Acidente Vascular Cerebral
bpm Batimentos por minuto
CH Concentrado de hemcias
CHANGE Center for Health and Gender Equity
CID-10 Classificao Internacional de Doenas 10 reviso
CPAV Condies Potencialmente Ameaadoras da Vida
CTS Conflict Tactics Scale
DHL Desidrogenase lctica
dl Decilitro
FEBRASGO Federao Brasileira de Ginecologia e Obstetrcia
g Gramas
H0 Hiptese de nulidade
H1 Hiptese alternativa
Hb Hemoglobina
HELLP Hemolytic, Elevated Liver (Enzymes), Low Platelet (Count) Hemlise, elevao de enzimas hepticas e baixa contagem de plaquetas
HIV Human Immunodeficiency Virus Vrus da Imunodeficincia humana
HMU Hospital Municipal Universitrio
HMulher Hospital da Mulher
IC Intervalo de confiana
IOT Intubao orotraqueal
Mx. Mximo
MgSO4 Sulfato de magnsio
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min. Minuto
Mn. Mnimo
ml Mililitro
MMG Morbidade Materna Grave
mmHg Milmetros de mercrio
NMM Near Miss Materno
NV Nascidos Vivos
O2 Oxignio
C Graus centgrados
OM bito Materno
OMS Organizao Mundial de Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
p1 Proporo de gestantes que sofreram violncia na populao sem complicaes na gravidez
p2 Proporo de gestantes que sofreram violncia na populao com condies potencialmente ameaadoras da vida"
P25 Percentil 25
P75 Percentil 75
PA Presso Arterial
PaCO2 Presso parcial de gs carbnico
PaO2/FiO2 Relao entre presso parcial de oxignio e frao inspirada de oxignio
RC Razo de Chances
RMM Razo de Mortalidade Materna
RRMS Razo de Resultados Maternos Severos
TGO Transaminase Glutmico-Oxalactica
TGP Transaminase Glutmico-Pirvica
UTI Unidade de Terapia Intensiva
VPI Violncia por Parceiro ntimo
WHA World Health Assembly
WHO World Health Organization
-
SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 23
1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 29
2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 32
2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 32
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................... 32
3 REVISO DE LITERATURA ................................................................................. 34
3.1 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO (VPI) ...................................................... 34
3.2 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO COMO UMA QUESTO DE SADE PBLICA ................................................................................................................... 36
3.3 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO NA GESTAAO..................................... 39
3.4 MORBIDADE MATERNA GRAVE COMO SUBSDIO PARA O ESTUDO DA MORTALIDADE MATERNA ...................................................................................... 43
4 MTODOS ............................................................................................................. 50
4.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 50
4.2 POPULAO E AMOSTRA ................................................................................ 50
4.2.1 Dimensionamento da Amostra ......................................................................... 50
4.2.2 Procedimento Amostral ................................................................................... 52
4.3 LOCAL DA PESQUISA ....................................................................................... 53
4.4 DEFINIO DE CASO E CRITRIOS DE INCLUSO E EXCLUSO ............... 55
4.5 INSTRUMENTOS ................................................................................................ 59
4.6 DEFINIO DAS VARIVEIS ............................................................................. 60
4.6.1 Variveis dependentes ..................................................................................... 60
4.6.1.1 Varivel CPAV ............................................................................................... 60
4.6.1.2 Varivel violncia por parceiro ntimo ............................................................ 61
4.6.2 Variveis independentes .................................................................................. 61
4.6.2.1 Variveis independentes explicativas ............................................................ 61
4.6.2.2 Variveis independentes de ajustamento ..................................................... 61
4.7 COLETA DE DADOS .......................................................................................... 62
4.8 ANLISE ESTATSTICA ..................................................................................... 63
4.9 ASPECTOS TICOS........................................................................................... 65
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5 RESULTADOS ....................................................................................................... 67
5.1 CARACTERIZAO DA AMOSTRA ................................................................... 67
5.2 MORBIDADE MATERNA GRAVE ....................................................................... 69
5.3 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO NA GRAVIDEZ ATUAL .......................... 77
6 DISCUSSO .......................................................................................................... 88
6.1 ANLISE DOS DADOS ....................................................................................... 88
6.2 LIMITES E POTENCIALIDADES DO ESTUDO ................................................ 101
7 CONCLUSES .................................................................................................... 108
REFERNCIAS ....................................................................................................... 111
APNDICES ........................................................................................................... 125
APNDICE I Termo de consentimento livre e esclarecido ................................... 125
APNDICE II Instrumento utilizado para anlise de pronturios .......................... 126
ANEXOS ................................................................................................................. 131
ANEXO A Instrumento utilizado para entrevistas ................................................. 131
ANEXO B Folha de rosto para pesquisa envolvendo seres humanos. ................ 141
ANEXO C Protocolo de aprovao do projeto de pesquisa pelo comit de tica em pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC. ................................................... 142
ANEXO D - Protocolo de aprovao do projeto de pesquisa pelo comit de tica em pesquisa da Secretaria de Sade da Prefeitura do Municpio de Santo Andr. ............................................................................................................. 143
ANEXO E Declarao referente autorizao para desenvolvimento do projeto de pesquisa no Hospital da Mulher. ........................................................................ 144
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APRESENTAO
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Apresentao
APRESENTAO
A inquietude sobre a temtica da violncia contra a mulher, especialmente
aquela praticada por parceiros ntimos, me acompanha desde o incio do meu
trabalho como enfermeira, quando tive a gratificante oportunidade de trabalhar na
maternidade de um hospital pblico da regio do ABC paulista, atendendo mulheres
da periferia. Era um tempo em que a violncia sofrida por estas mulheres no estava
includa na agenda da sade, sendo apreendida como uma questo da vida pessoal.
O fato que h vinte e cinco anos atrs, eu j podia perceber a dor, o
sofrimento e os efeitos da violncia entre as mulheres sob os nossos cuidados. Mas
a grande questo: o que poderamos fazer? Este no era um problema de sade.
No havia tecnologias apropriadas para abordagem, nem servios preparados para
o atendimento.
Posteriormente, o trabalho na ateno bsica em sade, desenvolvendo
aes individuais e coletivas com mulheres, tornou inevitvel o confronto com a
temtica da violncia contra mulheres, alm do agravante de que, na medida da
exposio dos problemas vivenciados, as mulheres, sua maneira, solicitavam
apoio das profissionais que as atendiam. Foi ento, que nos grupos de mulheres
optamos por desenvolver aes que incentivassem o fortalecimento destas mulheres
enquanto sujeitos de seu autocuidado. Este foi um divisor de guas em minha
prtica profissional, permitindo-me entender que a violncia era um problema de
sade, sim!
Desta forma, a partir de 1998 tive a oportunidade de participar de vrios
cursos de capacitao para atendimento a mulheres em situao de violncia, que
me proporcionaram a compreenso sobre novos paradigmas assistenciais, assim
como novas oportunidades de formao, especialmente a participao no projeto de
pesquisa: Sade da Mulher, Relaes familiares e Servios de Sade, coordenado
pela Profa. Dra. Lilia Blima Schraiber, a quem sou muito grata.
Da participao neste projeto transcorreu-se o mestrado, e dos novos
paradigmas assistenciais compreendidos, desencadearam-se vrias aes e
servios implantados, no municpio de Santo Andr, quando me dediquei por cerca
-
Apresentao
de doze anos ao desenvolvimento de polticas pblicas de ateno sade da
mulher, atuando no nvel de gesto em sade.
Concluda a dissertao de mestrado, surgiu o interesse em desenvolver um
projeto inovador que agregasse a violncia por parceiro ntimo a outro tema
significativo de sade sexual e reprodutiva a mortalidade materna.
Por razes pessoais e profissionais, o projeto somente tornou-se possvel
anos depois, quando representando a Rede Feminista de Sade, em um seminrio
em Braslia, o acaso me reservou a grande oportunidade de conhecer a Profa. Dra.
Marli Villela Mamede, que acreditou em mim desde o princpio e permitiu que o
projeto se concretizasse.
Apresentamos ento comunidade cientfica, os resultados da investigao e
as reflexes sobre temas to distintos, to complexos, mas intrinsecamente
relacionados s experincias de vida de muitas mulheres sob os cuidados da sade
pblica no nosso pas.
-
22
INTRODUO
-
23 1 Introduo
1 INTRODUO
Sob a perspectiva dos direitos humanos fundamentais, a sexualidade e a
reproduo humanas representam dimenses da cidadania e da vida democrtica, a
partir de um conjunto de direitos individuais e coletivos que devem interagir em
busca da igualdade nas relaes pessoais e sociais (COSTA, 2009).
A sade sexual e reprodutiva, compreendida como capacidade de desfrutar
uma vida sexual satisfatria e sem riscos, envolve autonomia de deciso, direitos,
conduta tica, ruptura com a moral conservadora e superao das desigualdades de
gnero, raa, classe e de expresso sexual (GIFFIN, 2002).
A sade sexual e reprodutiva das mulheres representa, portanto, um desafio
para as polticas pblicas sociais, uma vez que esta temtica suscita o debate
intersetorial e pressupe responsabilidades por parte do Estado, especialmente no
que diz respeito implementao de aes que, sob o enfoque das vulnerabilidades
sociais, individuais e programticas, promovam o bem-estar e previnam a
morbimortalidade (COSTA, 2009). As polticas de sade devem assegurar o manejo
adequado dos eventos vitais como a gravidez, parto, puerprio, aleitamento materno
e contracepo; dos agravos relacionados ao abortamento, morbidade materna
grave, s infeces sexualmente transmissveis e HIV/AIDS, violncia domstica e
sexual; alm da preveno da mortalidade materna e neonatal (GIFFIN, 2002;
COSTA, 2009).
Desta forma, entende-se que as pesquisas e estudos relacionados sade
sexual e reprodutiva podem contribuir significativamente com o desenvolvimento de
polticas de sade, especialmente em determinadas circunstncias em que se
observa impacto negativo nos indicadores de sade ou comprometimento do acesso
e forma de uso dos servios de ateno, como a morbimortalidade materna, a
vulnerabilidade a infeces sexualmente transmissveis e HIV/AIDS, a interrupo
voluntria da gravidez em condies inseguras, entre outras.
Neste sentido, o presente estudo prope a qualificao da anlise da sade
sexual e reprodutiva a partir de dois eventos de grande relevncia em sade pblica:
a morbidade materna grave e a violncia contra a mulher perpetrada por parceiro
ntimo.
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24 1 Introduo
Parte-se do princpio da estreita relao entre violncia por parceiro ntimo
(VPI) e morbidade materna grave, na medida em que estes agravos constituem-se
em importantes formas de expresso das desigualdades de gnero, estando
associados ao baixo grau de desenvolvimento humano. (GIFFIN, 2002).
Segundo Espinoza e Camacho (2005), as elevadas taxas de violncia
domstica, que inclui a violncia praticada pelo parceiro ntimo, e as
desproporcionais razes de mortalidade materna em pases em desenvolvimento,
representam srios problemas de sade pblica e esto relacionados na medida em
que mulheres morrem anualmente vtimas de violncia domstica perpetrada por
seus parceiros ntimos durante a gravidez ou durante o perodo ps-parto.
A associao entre estes dois eventos, VPI e morte materna uma condio
nem sempre percebida ou considerada na prtica assistencial em sade. Se por um
lado as repercusses deste tipo de violncia sobre a sade das mulheres, que
particularmente podem ser agredidas ou maltratadas durante a gravidez ou no
perodo ps-parto, usualmente no so identificadas como tal; por outro,
extremamente difcil compreender se uma morte materna foi decorrente de VPI ou
se uma complicao da gravidez, que repercutiu em morbidade materna grave, tem
como agravante tal situao de violncia.
Vale destacar que no cotidiano dos servios de sade no se fala e no se
pergunta rotineiramente sobre VPI. Trata-se de um fenmeno da esfera privada, de
difcil abordagem pelo modelo clssico da clnica baseado na queixa-conduta.
Ademais, a abordagem desta temtica vai alm deste modelo de ateno e, de uma
maneira geral, os profissionais da sade no esto preparados para inquirir as
mulheres sobre temticas sensveis e que em tese, se enquadrem no campo
psicossocial. Acrescenta-se que os roteiros, formulrios e fichas de anamnese,
tambm no esto formatados para incluir tais questionamentos, dificultando a
ampliao do dilogo para alm da queixa principal e motivo pelo qual a cliente
procurou o servio. (ELLSBERG, 2006; HINDIN, 2006).
Desta forma, torna-se igualmente difcil compreender o fenmeno da VPI do
ponto de vista da mortalidade materna - aquela que ocorre em qualquer tempo da
gravidez, no parto ou no ps-parto, incluindo-se o ps-parto tardio, ou seja, at um
ano aps o desfecho da gravidez (WHO, 1996). O que ocorre que, se uma
gestante vier a falecer em virtude de uma agresso provocada pelo seu prprio
parceiro ntimo, as causas do bito sero explicadas luz das consequncias
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25 1 Introduo
orgnicas que levaram ao bito. Entretanto, esta ocorrncia no ser computada
nas estatsticas de morte materna, o que torna as mortes de mulheres no ciclo
gravdico-puerperal, causadas ou agravadas pela VPI, um fenmeno invisvel sob a
perspectiva epidemiolgica (CAMPERO et al., 2006).
A VPI reconhecida como um problema comportamental, assim como o
alcoolismo e o abuso de drogas. Entretanto, somente estes ltimos constam da 10a
Reviso da Classificao Internacional de Doenas - (OMS, 1997), a violncia no
especificada nesta classificao o que implica na identificao de um nmero
bastante reduzido de mortes devido a este tipo de violncia (ESPINOZA;
CAMACHO, 2005; WHO, 1996).
Embora se compreenda que a morte materna decorrente de VPI no conste
da CID-10 (OMS, 1997), vale destacar que as fontes de informao utilizadas no
processo de investigao dos bitos maternos tambm no permitem a identificao
desta ocorrncia em associao VPI, a exemplo das mscaras sugeridas para
estudo dos bitos maternos (BRASIL, 2007).
Por definio, no considerada morte materna a que provocada por
fatores acidentais ou incidentais (BRASIL, 2007, p.12). Tais ocorrncias so
classificadas como morte materna no obsttrica, tendo em vista seu carter no
relacionado gestao e ao seu manejo. Acrescenta-se: Tambm chamada por
alguns autores, como morte no relacionada. Estes bitos no so includos no
clculo da razo de mortalidade materna (BRASIL, 2007, p.12).
Por outro lado, a investigao das repercusses da VPI sobre a sade das
gestantes, a partir do desfecho de maior gravidade que representado pelo bito
materno, pode implicar em vieses significativos para o estudo. Isto porque as fontes
secundrias de informao como os atestados de bitos e formulrios de
atendimentos nos servios de sade mostram-se insuficientes para responder ao
fenmeno da violncia contra a mulher de uma maneira geral.
Em se tratando de histria de vida to particular e de foro ntimo da mulher
em situao de violncia perpetrada pelo seu parceiro, deve-se considerar a
limitao de qualquer investigao sobre o tema, que no envolva a obteno de
informaes com a prpria mulher, o que tambm no exclui a possibilidade de
limitaes.
-
26 1 Introduo
Com objetivo de analisar a subnotificao de mortes violentas em geral e
relacionadas com a gravidez, estudo pioneiro desenvolvido no Mxico utilizou-se de
autpsias verbais, como um dos recursos metodolgicos para investigar as causas
dos bitos. Segundo dados oficiais ocorreram 18 bitos maternos, enquanto o
estudo verificou 23 bitos maternos diretos e quatro mortes por violncia durante a
gestao e o ps-parto, dentre 227 declaraes de bito de mulheres entre 12 e 49
anos (j excludas as declaraes que justificaram suficientemente que no se
tratavam de mortes maternas nem mortes por violncia). Foi concludo que a
gestao representou o fator desencadeante do homicdio ou suicdio de quatro
mulheres com histrico de violncia domstica, sendo um caso de violncia por
parceiro ntimo. (CAMPERO et al., 2006).
Portanto a autpsia verbal consiste em uma tcnica sensvel, baseada em um
questionrio estruturado, que busca compreender com riqueza de informaes, o
emaranhado de fatores relacionados construo da histria do bito (CAMPOS et
al., 2010). Pode representar uma alternativa para a investigao de bitos maternos
associados VPI. Entretanto, deve ser considerado que as informaes so obtidas
junto aos familiares e pessoas de convvio da mulher. Cabe destacar a possibilidade
de vis de informao, visto que o informante-chave sobre as questes relativas ao
bito, na maioria das vezes o prprio parceiro.
Outro n crtico para a compreenso do fenmeno da VPI no contexto da
ocorrncia do bito materno diz respeito subnotificao das mortes maternas nos
pases em desenvolvimento, como o Brasil. Se por um lado, este indicador
representativo das iniquidades sociais e de gnero, apresentando taxas elevadas
nestes pases em decorrncia de baixo grau de desenvolvimento humano; por outro,
observa-se que o registro dos eventos vitais, assim como a vigilncia e estudo das
mortes maternas ainda so negligenciados por parte de gestores, profissionais de
sade, e pela sociedade em geral (SOUZA et al., 2005; TANAKA; MITSUIKI, 1999).
As estimativas de mortalidade materna invariavelmente so imprecisas e
calculadas incorretamente, considerando-se o bito materno enquanto um evento
pouco frequente em nmeros absolutos, com o agravante das subnotificaes que
comumente ocorrem (MANTEL et al., 1998; TANAKA; MITSUIKI, 1999).
A Organizao Mundial da Sade considera elevada a RMM superior a
25/100.000NV e em seu ltimo relatrio considerou uma estimativa de RMM para o
Brasil em 2008 de 58/100.000NV. Segundo o Ministrio da Sade, a Razo de
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27 1 Introduo
Mortalidade Materna (RMM) entre 2006 e 2008 apresentou decrscimo, com valores
correspondentes a 77,2/100.000NV e 68,7/100.000NV respectivamente, ou seja,
consideravelmente superiores a RMM recomendada pela OMS (WHO, 2010;
BRASIL, 2011). Segundo Morse et al. (2011), alm de elevada RMM, observa-se
que h inconsistncias nos valores estimados deste indicador e importantes
diferenas regionais, relacionados principalmente a baixa efetividade das polticas
pblicas para superao deste problema.
Por outro lado, o principal objetivo dos estudos das mortes maternas
identificar os fatores que desencadearam tais ocorrncias, que estejam relacionados
s deficincias em todos os nveis da ateno sade. Representa, portanto, uma
auditoria da qualidade do cuidado obsttrico que pretende oferecer subsdios para
que gestores e profissionais de sade atuem sobre aqueles fatores, de forma a
reduzir tais ocorrncias a patamares prximos do zero (BRASIL, 2007).
Em certa medida, o que se observa nos pases desenvolvidos, onde as
mortes maternas so agora eventos to raros, que pressupem longo perodo de
tempo de estudo, limitando a utilidade do indicador de mortalidade materna como
instrumento de medida da qualidade da assistncia materna (PATTINSON et al.,
2003).
Considerando-se que o risco de morte aps um evento de morbidade materna
grave elevado, assim como as repercusses de longo prazo sade e qualidade
de vida das mulheres, a investigao dos casos denominados como near miss
materno, tem sido utilizada como uma ferramenta de melhor qualidade para a
compreenso da severidade destes casos, com base em critrios clnicos e
laboratoriais, relacionados s especificidades da patologia que foi instalada, alm de
critrios relacionados complexidade de manejo, como admisso em unidade de
terapia intensiva ou necessidade de interveno cirrgica de urgncia e demais
fatores relacionados disfuno ou falncia orgnica, como choque, insuficincia de
rgos vitais, entre outras (CECATTI et al., 2007; PACAGNELLA et al., 2010).
Segundo Sousa et al. (2006) near miss um termo utilizado pelos
americanos para descrever um choque entre aeronaves que quase aconteceu, no
fosse o bom julgamento ou at mesmo a sorte dos pilotos e/ou controladores de voo.
O significado de quase perda tambm utilizado por militares quando o disparo de
um projtil no acerta por pouco o seu alvo. J no campo da sade materna o termo
foi introduzido por Stones et al. em 1991 e, inicialmente, se referia quelas mulheres
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28 1 Introduo
que quase morreram em decorrncia de complicaes obsttricas, caso no
tivessem sido assistidas adequadamente (SOUSA et al.,2006).
Embora ainda represente uma metodologia recente e existam controvrsias
acerca dos seus critrios definidores, os estudos "near miss diferem da anlise
focada nos bitos maternos, pois possibilitam maior conhecimento sobre os fatores
relacionados ao processo de complicaes de um caso de morbidade materna
grave, tendo em vista que as ocorrncias "near miss apresentam-se em maior
nmero absoluto que os bitos. Por outro lado, incluem a possibilidade de obteno
de informaes das prprias pacientes com relao ao processo de adoecimento e
assistncia recebida (SOUZA et al., 2005; SOUSA et al., 2006; AMARAL et al.,
2007; MARTINS, 2007).
Desta forma near miss representa uma alternativa para o estudo de mortes
maternas e, neste sentido, pode contribuir para a compreenso sobre fenmeno da
VPI sob a ptica do seu mais alto grau de gravidade para a sade materna, entre
mulheres que sobreviveram situao de quase morte, ora consideradas como
casos near miss materno.
Entretanto, os critrios definidores de casos near miss materno, esto sendo
discutidos nos ltimos anos e sua utilizao na prtica clnica passa, atualmente, por
um processo de transio, visto que recentemente a OMS lanou um consenso, que
restringe tais casos s ocorrncias de disfuno orgnica, reduzindo sobremaneira o
nmero de casos representativos near miss materno como ser abordado mais
adiante (SAY et al., 2009; PACAGNELLA, 2011).
De acordo com esta recomendao da OMS (SAY et al., 2009) mostra-se
vivel o estudo sobre as condies potencialmente ameaadoras da vida (CPAV),
que a partir de uma escala gradativa de complicaes na gravidez, referem-se aos
casos de morbidade materna grave, incluindo-se os casos near miss.
Considerando-se que a exposio de mulheres VPI em perodo prximo ou
durante a gestao acarreta consequncias danosas sade materna, a presente
reflexo suscitou o seguinte questionamento: a VPI aumenta as chances de
ocorrncia de condies potencialmente ameaadoras da vida materna?
Neste sentido, a partir da hiptese de que a VPI predispe a maiores chances
de CPAV, pretende-se investigar sobre VPI ocorrida durante a gravidez atual entre
dois grupos distintos de gestantes ou purperas: 1) que desenvolveram morbidade
materna grave, segundo critrios relacionados s condies potencialmente
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29 1 Introduo
ameaadoras da vida, e 2) que no apresentaram nenhum tipo de intercorrncia
clnica durante o ciclo gravdico puerperal.
1.1 JUSTIFICATIVA
Entende-se que a investigao sobre violncia por parceiro ntimo em perodo
recente ao ciclo gravdico, por parte das mulheres que apresentaram o desfecho de
condies potencialmente ameaadoras da vida - CPAV na gestao atual poder
representar uma alternativa para os estudos sobre VPI associada ao desfecho morte
materna. Alm disto, a investigao de violncia por parceiro ntimo recente entre
casos com CPAV poder minimizar a exposio a possveis vieses,
comparativamente a outras metodologias desenvolvidas de estudos que
investigaram violncia e morte materna. Isto porque os prprios sujeitos da pesquisa
sero informantes-chaves, com vantagens sobre a investigao focada nos casos de
bitos maternos, que parte da coleta de informaes em formulrios de atendimento
ou registros de bitos, ou de entrevistas com terceiros, com maior possibilidade de
vieses. Outra vantagem a ser considerada refere-se maior ocorrncia, em nmeros
absolutos de eventos CPAV em comparao aos eventos near miss e bitos
maternos, facilitando a operacionalizao do estudo.
Espera-se que a magnitude do problema e a caracterizao dos casos de VPI
identificados estimulem a elaborao de novos estudos, assim como o
aprofundamento de investigaes sobre o tema e o monitoramento destes agravos,
de forma que as estimativas sejam mais confiveis e contribuam com a qualificao
das aes de sade para as mulheres.
A despeito dos acordos internacionais, dos quais o Brasil signatrio; dos
incentivos governamentais e das agncias de fomento s aes de reduo da
mortalidade materna; das redes e servios de proteo e apoio s mulheres vtimas
de violncia, entende-se que os estudos que ampliem a reflexo e a compreenso
destes eventos de forma associada, ou seja, VPI entre mulheres que desenvolveram
CPAV durante o ciclo gravdico puerperal, em certa medida, fornecero subsdios
para a qualificao de programas de atendimento e apoio a mulheres expostas
violncia por parceiro ntimo.
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30 1 Introduo
Acrescenta-se a oferta de subsdios para a implementao de novas
tecnologias de ateno que assegurem o acesso das mulheres assistncia digna e
solidria em todas as suas necessidades clnicas e psicoemocionais,
particularmente no que se refere incorporao da temtica na agenda de
prioridades da ateno em enfermagem.
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31
OBJETIVOS
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32 2 Objetivos
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar a associao entre violncia praticada por parceiro ntimo na
gravidez atual e ocorrncia de condies potencialmente ameaadoras da
vida entre mulheres atendidas em maternidades pblicas da Grande So
Paulo.
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
Estimar a prevalncia de violncia psicolgica, fsica e sexual praticada
por parceiro ntimo durante a gravidez atual, entre as mulheres com
desfecho CPAV e entre as mulheres sem desfecho CPAV;
Comparar as caractersticas sociodemogrficas, de sade sexual e
reprodutiva entre os dois grupos distintos de mulheres investigadas;
Analisar os fatores associados ocorrncia de violncia por parceiro
ntimo na gestao atual, e ao desfecho morbidade materna grave.
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33
REVISO DE LITERATURA
-
34 3 Reviso de Literatura
3 REVISO DE LITERATURA
3.1 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO (VPI)
De acordo com a Organizao Mundial da Sade, atravs da Assembleia
Mundial de Sade de 1996 (WHA, 1996) a violncia dividida em trs grandes
categorias: autoinfligida, interpessoal e coletiva. Cada uma destas categorias
subdividida de forma a exprimir diferentes tipos e definies de violncia, assim
como a natureza dos atos de violncia perpetrados. Desta forma a violncia por
parceiro ntimo, situa-se na categoria de violncia interpessoal, ocorrida no espao
familiar ou de relacionamento ntimo e resulta do uso intencional da fora fsica ou
de poder contra outra pessoa, de forma concreta ou sob ameaa, e que resulte
ou tenha uma alta probabilidade de resultar em danos fsicos, sexuais,
psicolgicos, privao ou negligncia e at a morte (KRUG et al., 2002).
Embora esta definio se aplique s diversas formas de parceria ntima, o
presente estudo adotar como definio a violncia praticada por homens contra as
mulheres, considerando-se a relao interpessoal de parceria ntima.
Neste sentido, a violncia por parceiro ntimo est circunscrita no complexo
contexto da violncia contra a mulher, que de acordo com a Conveno de Belm do
Par (OMS, 1994, p.1) compreendida como qualquer ao ou conduta, baseada
no gnero, que cause morte, dano ou sofrimento fsico, sexual ou psicolgico
mulher, tanto no mbito pblico como no privado.
Ao definir o uso do termo violncia por parceiro ntimo, verificaram-se na
literatura vrias terminologias que se referem violncia contra a mulher, como por
exemplo, violncia intrafamiliar, violncia conjugal, violncia domestica contra a
mulher, mulher golpeada e a prpria denominao de violncia de gnero
(NGULO-TUESTA, 1997).
Estes significados esto condicionados complexidade do tema, a partir de
diferentes perspectivas tericas e disciplinares, como tambm s diferenas culturais
especficas de cada sociedade (ELLSBERG, 2000).
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35 3 Reviso de Literatura
Assim, a depender do mtodo de estudo, define-se o uso do termo que
melhor se aplica. Por exemplo, em se tratando de violncia domstica, compreende-
se que qualquer membro da famlia seja ele homem, mulher, criana, pessoa adulta
ou idosa, esteja sofrendo agresses fsicas, psicolgicas ou sexuais,
independentemente do sexo do agressor (ELLSBERG, 2000). Por outro lado, ao se
utilizar o termo violncia familiar, pressupe-se a vinculao de laos consanguneos
entre agredido e agressor. A violncia domstica mais ampla e mais complexa,
abrangendo pessoas que vivem ou convivem sob o mesmo teto, mas no
necessariamente guardam vnculos de parentesco (SAFFIOTI, 1997).
Portanto, para melhor circunscrever a violncia a qual as mulheres esto
submetidas no mbito de suas relaes afetivas com homens, no presente estudo
optou-se pelo uso do termo violncia por parceiro ntimo violncia conjugal, visto
que esta ltima sugere a necessidade do estabelecimento de uma relao formal de
parceria atravs do casamento (NGULO-TUESTA, 1997).
Conclui-se que a violncia por parceiro ntimo representa um fenmeno da
esfera da vida privada, porm de grande interesse pblico, pois reconhecida como
uma violao dos direitos universais e configura-se como um dos determinantes de
sade sexual e reprodutiva, com implicaes significativas no processo de cuidar da
sade das mulheres (ELLSBERG, 2006).
Desta forma, considera-se relevante acrescentar que a violncia por parceiro
ntimo tambm pode ser compreendida como violncia de gnero. De acordo com a
Declarao de Eliminao da Violncia Contra a Mulher (ONU, 1993), a violncia de
gnero resulta de quaisquer atos que provoquem danos fsicos, sexuais ou
psicolgicos para as mulheres; que ocorram no mbito pblico ou privado; e que
tenham como premissa as desigualdades de gnero.
Inmeros estudos vm tentando compreender a dinmica da violncia sob a
perspectiva de gnero, dada a assimetria de poder que as relaes de parceria
ntima podem assumir, a partir das relaes socioculturais intersubjetivas entre
homens e mulheres, estabelecidas ao longo da histria (SCOTT 1990; HEILBORN
1997; SAFFIOTI 1999; BARBIERI, 2004; NARVAZ; KOLLER, 2006).
Para Scott (1990) gnero representa o fio condutor para a compreenso da
complexa rede de fatores relacionados violncia por parceiros e, segundo a
autora: "Gnero um elemento constitutivo de relaes sociais baseado nas
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36 3 Reviso de Literatura
diferenas percebidas entre os sexos, e o gnero uma forma primeira de significar
as relaes de poder." (SCOTT, 1990, p.15).
A autora acrescenta:
"Seria melhor dizer que o gnero um campo primeiro no seio do qual o poder articulado. O gnero no o nico campo, mas ele parece ter constitudo um meio persistente e recorrente de tornar eficaz a significao de poder no Ocidente, na tradio judaico-crist bem como islmica." (SCOTT, 1990, p.16).
Assim entende-se que os papis sociais assumidos por homens e mulheres
na nossa sociedade determinam relaes de opresso e poder, que acentuam o
carter social das desigualdades entre os sexos (SCOTT, 1990; LOURO, 1995;
HEILBORN, 1997; SAFFIOTI, 1999; BARBIERI, 2004).
De acordo com a Organizao Mundial da Sade (OMS, 1993), a violncia
contra as mulheres, incluindo-se a violncia por parceiro ntimo como sua mais
importante e frequente forma de manifestao, tanto uma consequncia como
causa da desigualdade de gnero. Desta forma, a incluso da igualdade de gnero
como um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio, representa o
reconhecimento por parte da comunidade internacional, de que as questes da
igualdade de sade, desenvolvimento e gnero, esto intimamente interligadas,
justificando-se a adoo de programas que promovam a autonomia e o
empoderamento das mulheres (GARCIA-MORENO et al., 2006).
3.2 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO COMO UMA QUESTO DE SADE
PBLICA
Embora os dados de prevalncia sejam diversos, os estudos disponveis
mostram a alta magnitude da violncia por parceiro ntimo (VPI).
Dados da Organizao Mundial de Sade (GARCIA-MORENO et al., 2006)
apontam alta prevalncia de VPI de acordo com um estudo multicntrico realizado
com 24.097 mulheres de dez pases. Em se tratando de VPI fsica e/ou sexual,
alguma vez na vida, a prevalncia variou de 15% a 71%. J a ocorrncia de VPI
fsica e/ou sexual recente, ou seja, no ltimo ano, variou entre 4% e 54%.
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37 3 Reviso de Literatura
Estudo de Schraiber et al. (2007) identificou entre 3093 usurias de servios
de ateno primria de So Paulo em 2001, 55% de prevalncia de casos de
violncia fsica e/ou sexual por qualquer agressor, pelo menos uma vez na vida.
Destes, 45,3% (n=1399 usurias) corresponderam a agresses praticadas pelo
parceiro atual ou anterior.
A anlise dos dados de entrevistas com mulheres atendidas em trs servios
de sade de ateno primria de Santo Andr, que compuseram um dos stios da
pesquisa coordenada por Schraiber et al. (2007), identificou prevalncia de 40,2%
(IC95%=34,9-45,6%) de violncia fsica e/ou sexual perpetrada por parceiros ntimos
alguma vez na vida. A violncia fsica relatada foi de 35% e a sexual em 18% dos
casos. Cabe destacar, que em se tratando de violncia recente, ou seja, nos ltimos
12 meses, a proporo de violncia fsica e/ou sexual encontrada foi de 8,8%
(IC95%=6,0-12,5%). Em torno de um para cada quatro casos, os atos de violncia
tendem a ser severos e so repetitivos em quase 60% dos casos (PUCCIA, 2004).
Estudo transversal com 504 mulheres de 15 a 49 anos, conduzido em
unidades de ateno primria sade de um municpio do interior de So Paulo em
2008, identificou que mais de um tero das mulheres sofreu violncia fsica pelo
parceiro ntimo alguma vez na vida. Dentre os fatores associados identificados pela
anlise mltipla, foram identificados: morar em casa alugada; ter sofrido abuso
sexual na infncia; parceiro agredido fisicamente na infncia; o uso de lcool pela
entrevistada e pelo parceiro; uso de drogas pelo parceiro (VIEIRA; PERDONA;
SANTOS, 2011).
Em se tratando da anlise da ocorrncia de casos de VPI em servios
hospitalares, observou-se 69,4% de prevalncia deste tipo de violncia entre
mulheres acima de 15 anos, atendidas em situao de emergncia devido a causas
externas, em dois hospitais pblicos do Rio de Janeiro. Em 100% dos casos de VPI,
as agresses fsicas estiveram presentes (DESLANDES et al., 2000).
A magnitude da VPI tambm se verifica a partir das consequncias dos atos
perpetrados, na sade das mulheres. Esto associados VPI, agravos como
sofrimento psquico (abuso de lcool e drogas, risco de suicdio, depresso,
ansiedade); distrbios gastrointestinais e alimentares; queixas vagas e inespecficas;
cefaleia e problemas de ordem sexual e reprodutiva (dores plvicas, doenas
sexualmente transmissveis, AIDS, doena inflamatria plvica, gravidez indesejada
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38 3 Reviso de Literatura
e abortamento) entre outros (ELLSBERG, 2006; KRUG et al., 2002; GARCIA-
MORENO et al., 2006).
Desta forma, a VPI representa um grave problema de sade pblica, no
s por causa dos seus efeitos sobre a sade das mulheres, mas tambm pelo
impacto causado na forma de uso dos servios de sade, e pelas significativas
contribuies dos profissionais de sade na reduo das suas consequncias. No
mbito da sade pblica podem ser empreendidos esforos para a qualificao da
ateno, desenvolvimento de pesquisas, alm de programas de preveno, com
abordagem multidisciplinar e multissetoriais, na identificao das mulheres vitimadas
e insero das mesmas em programas especficos de atendimento (KRUG et al.,
2002; SCHRAIBER; DOLIVEIRA; COUTO, 2006).
Citando D'OLIVEIRA (1996, p. 42),
Diante do impacto da violncia por parceiro ntimo sobre a sade das mulheres, os servios de sade podem se revelar como uma porta de entrada preferencial para os casos de violncia domstica e sexual, representando um potencial ambiente para a escuta, ateno e sigilo, sem pr-julgamento, denncia ou punio. As aes desenvolvidas nos servios de sade podem fortalecer as noes de direitos, cidadania e preveno, qualificando a abordagem da temtica na rea da sade sexual e reprodutiva.
A VPI tambm tem implicaes para o sistema de sade, tanto no que se
refere s demandas por assistncia direta aos agravos fsicos decorrentes dos atos
praticados, assim como os casos de violncia cronificados sem leses aparentes,
que procuram por atendimento em reiteradas vezes, com queixas vagas e
inespecficas. Estas mulheres sentem muito medo e vergonha em revelar sua
situao de vida, o que implica na deteco de casos que usualmente no so
diagnosticados na rotina dos servios, e acabam por comprometer a capacidade de
resposta, elevando o custo em sade (SCHRAIBER et al. 2002).
H que se considerar que desde a dcada de 90, tm-se observado avanos
em termos de polticas pblicas de proteo s mulheres em situao de violncia,
que incluem o setor sade, mas infelizmente ainda so insuficientes para o
enfrentamento da VPI. (ELLSBERG, 2006).
Portanto a melhor compreenso da dinmica da VPI sob o enfoque das
desigualdades de gnero e suas implicaes no processo de sade e doena
fundamental que sejam implementadas abordagens mais eficazes na ateno
sade das mulheres, tanto do ponto de vista preventivo quanto assistencial.
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39 3 Reviso de Literatura
3.3 VIOLNCIA POR PARCEIRO NTIMO NA GESTAAO
consenso entre estudos recentes que a violncia por parceiro ntimo (VPI)
representa um grave problema de sade pblica, dada a sua magnitude e
consequncias associadas sade fsica, mental e reprodutiva das mulheres,
incluindo-se os efeitos adversos sobre a sade das gestantes e recm-nascidos
(ELLSBERG, 2006).
Segundo esta autora, a violncia na gestao to comum quanto as outras
condies rastreadas normalmente no pr-natal. Estudos realizados em vrios
pases do conta de uma prevalncia de violncia fsica em gestantes, entre 3 a
11% em pases desenvolvidos e entre 4 a 32% em pases em desenvolvimento
(ELLSBERG, 2006; LENT et al., 2000; RUZ, 2004). Estas diferentes taxas de
prevalncia sugerem que as normas culturais de cada pas, em certa medida,
podem relativamente influenciar no grau de vulnerabilidade que o perodo de
gravidez expe a atos violentos.
Vale destacar que estas taxas so variveis em funo da metodologia
utilizada no estudo, dos tipos de violncia investigados, do pas onde foi realizada a
pesquisa, alm de fatores culturais, socioeconmicos e demogrficos (DOUBOVA et
al., 2007; KIM et al., 2010). Considerando-se a tipificao da VPI isoladamente,
observa-se que a violncia psicolgica mais frequente, com taxas variveis de
19% at 93% entre as gestantes ou purperas (DOUBOVA et al., 2007; AUDI et al.,
2008), seguida pela violncia fsica que variou entre 2% e 21% (BULLOCK et al.,
2006; PERALES et al., 2009), e em menor proporo a violncia sexual, de 4,4% e
8%. (VALLADARES et al., 2009; DEVECI et al., 2007).
Embora sejam inconclusivos, estudos sugerem a gravidez como fator de risco
para VPI, cuja violncia pode ter incio na gestao ou alterar o seu padro quanto
frequncia e gravidade ao longo do ciclo gravdico-puerperal. Alguns autores
incluem a gravidez entre as principais causas de violncia domstica (MENEZES et
al., 2003; OLIVEIRA, 2008).
Por outro lado, evidncias sugerem que a violncia tende a se perpetuar no
ps-parto, tendo em vista que a gestante invariavelmente permanece ao lado do seu
agressor (OLIVEIRA, 2008). A despeito das situaes em que a gravidez, por si,
tenha resultado de uma violncia sexual, como no caso de um crime de estupro, os
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40 3 Reviso de Literatura
estudos revelam que a maioria das mulheres que so maltratadas durante a
gestao tambm o foram antes e depois da gravidez (ELLSBERG, 2006).
A violncia na gravidez pode trazer importantes repercusses para a sade
materna e fetal. Estudo americano, realizado com gestantes de baixa renda, com 18
anos ou mais e idade gestacional igual ou superior a 20 semanas, no identificou
associao entre abuso fsico durante a gestao e baixo peso ao nascer.
Entretanto a presena de estresse devido a abuso psicolgico, fsico ou sexual
durante a gravidez foi associado tanto ao baixo peso ao nascer quanto menor
mdia de peso ao nascimento, aps a utilizao de modelos de regresso mltiplo
ajustados para variveis comportamentais, psicossociais, demogrficas e mdicas
(ALTARAC; STROBINO, 2002).
No Brasil as taxas de prevalncia de violncia contra gestantes perpetradas
pelo parceiro ntimo so variveis, devendo ser considerado o tipo de violncia
investigado e caractersticas metodolgicas do estudo. Um inqurito realizado em
Recife com purperas identificou prevalncia de violncia fsica domstica de 13,1%
antes da gestao e de 7,4% durante a gestao. Observou-se ainda, que o padro
de violncia se alterou durante a gravidez, tendo cessado em 43,6%, diminudo em
27,3% e aumentado em 11% dos casos. Verificou-se ainda, que as variveis que se
mantiveram associadas com violncia foram baixa escolaridade e histria de
violncia na famlia da mulher, consumo de lcool e desemprego dos parceiros
(MENEZES et al., 2003).
Por outro lado, um estudo realizado em Campinas (SP) com 1.379 gestantes
atendidas em unidades bsicas de sade, identificou 19,1% de violncia psicolgica,
e 6,5% de violncia fsica/sexual (AUDI et al., 2008).
Estudo realizado com mulheres de 15 a 49 anos de 14 servios pblicos de
sade da Grande So Paulo, revelou que 20% daquelas que j engravidaram
referiram algum tipo de episdio de VPI (psicolgica, fsica ou sexual) em alguma
gestao. Foi observado que ter sofrido violncia psicolgica e fsica perpetrada por
familiar, inicio da vida sexual antes dos 19 anos, recusa de uso de camisinha pelo
parceiro, Transtorno Mental Comum e no coabitar com parceiro so fatores
associados violncia na gestao. (DURAND; SCHRAIBER, 2007).
Shoffner (2008) defende que no existe um perfil especfico de mulher que
esteja sendo agredida, visto que a VPI ocorre em diversos contextos sociais,
econmicos, educacionais e profissionais. O abuso fsico ou sexual pode ser
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41 3 Reviso de Literatura
facilmente observado em alguns casos ou apresentar-se escamoteado em meio a
queixas vagas e inespecficas, passando-se despercebido pelos profissionais de
sade, sem que possam ser levantadas suspeitas.
A violncia durante a gravidez vem sendo associada com uma variedade de
riscos obsttricos, incluindo ingresso tardio ao pr-natal, dficit de autocuidado, uso
abusivo de tabaco, lcool e outras substncias, tentativa de suicdio, depresso,
sndrome de estresse ps-traumtico, infeces sexualmente transmissveis,
gravidez indesejada, gravidez na adolescncia, vulvovaginites, sangramentos,
abortamento, infeco do trato urinrio, alm de dficit de ganho ponderal na
gestao e mortes violentas na gravidez (TALLEY et al., 2006; MILLER et al., 2007;
BAILEY et al., 2007; SILVERMAN et al., 2007; SMALL et al., 2008; SHARPS et al.
2008).
Alm disto, devem-se considerar as repercusses da violncia fsica materna
sobre a sade fetal. Neste sentido, estudos verificaram desfechos como crescimento
fetal restrito, baixo peso ao nascer, prematuridade, natimortalidade e mortalidade
infantil (ELLSBERG, 2006; LENT et al., 2000; MENEZES et al., 2003; OLIVEIRA,
2008; SHARPS; LAUGHON; GIANGRANDE, 2008; SILVERMAN et al., 2006).
A literatura tambm relata consequncias da violncia de maior gravidade
sobre a gestao, como descolamento prematuro de placenta, rotura uterina,
sndromes hipertensivas, corioamnionite, entre outras (SHARPS; LAUGHON;
GIANGRANDE, 2008; SILVERMAN et al., 2006; SANCHEZ et al., 2008; LEONE et
al., 2010). Entretanto, ainda so escassos os estudos que tratem das implicaes
da VPI sobre a morbidade materna grave, assim como sobre a morte materna
(OLIVEIRA, 2008).
Neste sentido, observa-se na figura 1, conforme proposto por HEISE et al.
(1999), que as complicaes na gravidez e morte materna representam
repercusses significativas da VPI no contexto da sade sexual e reprodutiva e das
causas de mortalidade feminina.
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42 3 Reviso de Literatura
Fonte: Center for Health and Gender Equity (CHANGE). Traduo Livre.
Figura 1 - Efeitos da violncia contra a mulher sobre a sua sade
Os estudos mostram que pouco se sabe sobre os fatores associados ao
rastreamento de VPI durante a gravidez entre mulheres latinas, considerando-se que
a maioria das gestantes no questionada sobre VPI no atendimento ao pr-natal e
no parto (RODRIGUEZ et al., 2009).
Segundo Lent et al. (2000), o trabalho de parto e o parto podem ser
particularmente difceis para mulheres com histrico de abuso fsico e sexual. Com a
progresso do trabalho de parto, o aumento da dor, o sentimento de perda de
controle, o excesso de exames de toque realizado por vrias pessoas da equipe
pode resultar em comportamentos inesperados: de muito silencioso e passivo a de
gritos, choro, ou incontrolvel pavor. Estas situaes podem ser evitadas se a
equipe tiver conhecimento prvio de violncia vivenciada por estas mulheres, de
forma a oferecer acolhimento e ateno solidria. (LENT et al., 2000).
ABUSO PELO PARCEIRO
Consequncias No Fatais Consequncias Fatais
Sade Fsica Leses Sintomas Fsicos Obesidade Severa Incapacidade Permanente Fraqueza
Homicdio Suicdio Morte Materna AIDS
Condies Crnicas Sndrome da Dor Crnica Distrbios Gastrointestinais Fibromialgia Sndrome do Clon Irritvel Queixas Somticas (Vagas)
Sade Mental Stress Ps Traumtico Depresso Ansiedade Sndrome do Pnico/Fobias Disfuno Sexual Baixa Auto-Estima Abuso de Substncias
Hbitos Danosos a Sade Fumar Usar lcool e Drogas Fazer Sexo Inseguro Inatividade Fsica Comer Exageradamente
Sade Reprodutiva Gravidez Indesejada DST/AIDS Dustrbios Ginecolgicos Abortamento Provocado Complicaes na Gravidez Prematuridade/Baixo Peso ao Nascer Doena Inflamatria Plvica
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43 3 Reviso de Literatura
Por outro lado, deve-se considerar que o momento do parto no propcio
para o relato de situaes de violncia, pois as mulheres podero sentir-se
intimidadas e constrangidas para revelar fatos de sua vida privada a pessoas com as
quais ela ainda no construiu um vnculo de confiana suficiente para tal exposio.
A equipe de atendimento ao parto geralmente no a mesma que a acompanhou
durante o pr-natal. No obstante, ressalta-se que o parceiro agressor muitas vezes
seu acompanhante no momento do parto e os pronturios cada vez mais esto
acessveis aos pacientes e familiares, representando, portanto elementos
impeditivos para que a mulher responda a possveis perguntas relacionadas
violncia. (LENT et al., 2000).
Cabe destacar que quaisquer medidas de interveno voltadas para o
problema exigem, como primeiro passo, a identificao das vtimas e, em segundo
lugar, a compreenso dos possveis fatores de risco associados. Portanto, prope-
se neste momento uma analise sobre as possibilidades de identificao de mulheres
na gestao, no parto ou no ps-parto, com complicaes da gravidez que tenham
sido desencadeadas ou agravadas pela VPI, incluindo-se aquelas com risco de vida.
3.4 MORBIDADE MATERNA GRAVE COMO SUBSDIO PARA O ESTUDO DA
MORTALIDADE MATERNA
A mortalidade materna o principal indicador usado para monitorar a sade
materna nos Estados Unidos. A reduo da mortalidade materna uma das metas
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio para 2015, e representa um grande
desafio para os pases em desenvolvimento, onde so observadas as maiores taxas
deste indicador, exigindo-se intervenes mais urgentes na assistncia obsttrica
(GELLER et al., 2002; UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2008).
Deve-se considerar, no entanto, que para cada mulher que morre durante o
ciclo gravdico puerperal, um nmero considervel sofre em consequncia de
severas complicaes de morbidade materna (GELLER et al., 2002).
Segundo Godoy et al. (2008, p. 537),
A morbidade materna tem sido cada vez mais foco de ateno dos estudiosos da rea de sade da mulher, considerando que sua proporo
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44 3 Reviso de Literatura
bem maior do que o evento do bito. muito relevante compreender por que mulheres grvidas adoecem, do que adoecem e quais so as repercusses para sua sade.
Diante deste cenrio, estudos sobre mortalidade materna tm recomendado a
anlise dos casos que sobreviveram a complicaes potencialmente fatais
relacionadas aos estados de morbidade materna grave (PATTINSON et al., 2003;
SOUZA et al., 2005; PACAGNELLA et al., 2010).
Por outro lado, a realizao de tais estudos oferece a vantagem de propiciar
uma anlise quantitativa mais abrangente e apurada sobre as complicaes
obsttricas, bem como o conhecimento dos fatores relacionados qualidade da
assistncia a partir dos prprios relatos das mulheres que quase morreram em
decorrncia destes agravos (MANTEL et al., 1998; GODOY et al., 2008).
A prevalncia de casos near miss e de morbidade materna grave bastante
varivel. As taxas encontradas variam de menos de 1/1000 a 82/1000 nascidos
vivos (ADISASMITA et al., 2008; AMARAL et al., 2007). Estudo realizado nas 27
capitais brasileiras identificou, entre todas as mulheres admitidas no hospital durante
a gravidez, parto e no perodo ps-parto, uma prevalncia de near miss de
44,3/1000 nascidos vivos. Em So Paulo a razo encontrada foi de 33,6/1000NV
(IC95%=32,8-34,4) (SOUSA et al., 2008).
Contudo near miss refere-se a um conceito recente e muito controverso
entre os pesquisadores, especialmente no que se refere aos critrios definidores de
estados de morbidade materna grave, pois near miss representa condies de
extrema gravidade ou quase morte (SOUSA et al., 2006; SOUZA et al., 2005;
MARTINS, 2007; AMARAL et al., 2007; SOUSA et al., 2008).
Segundo Amaral et al. (2007, p.486),
A morbidade materna um continuum que se inicia com a ocorrncia de uma complicao durante a gestao, parto ou puerprio, e que termina na morte, podendo-se reconhecer, separadamente, um grupo de extrema gravidade, conhecido como near miss.
Neste sentido, Say et al.(2009) propuseram uma ilustrao grfica da
morbidade materna, desde a gestao no complicada at o bito materno, com
destaque para as condies potencialmente ameaadoras da vida, que representam
o objeto do presente estudo, conforme mostra a Figura 2.
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45 3 Reviso de Literatura
Figura 2 - O espectro da morbidade materna: da gravidez no complicada at o bito materno (Say et al., 2009).
Acrescenta-se que o conceito de near miss modificou-se ao longo dos
ltimos anos. Os estudos iniciais utilizavam-se de marcadores de disfuno segundo
os sistemas orgnicos para definio de casos near miss (Quadro 1), que deveriam
ser considerados caso o tratamento adequado no fosse institudo oportunamente. A
presena de qualquer um destes marcadores em qualquer fase da gestao at seis
semanas aps o seu desfecho, seriam definidores de um caso near miss (MANTEL
et al. 1998).
Near Miss Materna
bito Materno
Todas as gestaes
Gestaes com Complicaes Gestaes sem Complicaes
Sem Condies
Ameaadoras
da Vida Com Condies
Ameaadoras da
Vida
Condies Potencialmente
Ameaadoras da Vida
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46 3 Reviso de Literatura
Quadro 1 - Marcadores de disfuno orgnica como critrios definidores de near miss, segundo Mantel et al.(1998).
1. Edema pulmonar que implique na administrao intravenosa de furosemida ou intubao endotraqueal
2. Parada cardaca
3. Hipovolemia que requeira 5 unidades de reposio de sangue total ou plasma
4. Admisso em UTI decorrente de sepse
5. Histerectomia de emergncia decorrente de sepse
6. Intubaao e ventilao assistida por mais de 60 min., exceto por anestesia geral.
7. Saturao perifrica de O2 < 90% por mais de 60 min.
8. Relao entre a presso parcial de oxignio e a frao inspirada de oxignio (PaO2/FiO2)
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47 3 Reviso de Literatura
sndrome HELLP, hemorragia grave, sepse grave, e rotura uterina, como critrios
para definio operacional de morbidade materna grave (Quadro 2)
(WATERSTONE; BEWLEY; WOLFE, 2001; MARTINS, 2007; SOUZA et al., 2005;
SOUSA et al., 2006).
Quadro 2 - Critrios para definio de morbidade materna grave adotados por Waterstone, Bewley, Wolfe (2001).
Patologias Graves Condies Clnicas
Pr-eclampsia severa Presso arterial 170/110 mmHg; proteinria; oligria; distrbios visuais; dor epigstrica; trombocitopenia; edema pulmonar.
Eclampsia Convulses na gestao ou nos 10 dias aps o parto, acompanhada de dois ou mais fatores: hipertenso > 170/110mmHg; proteinria; trombocitopenia ou alterao dos nveis de aspartato aminotransferase.
Sndrome HELLP Hemlise bilirrubinas totais; alterao de enzimas hepticas e plaquetopenia.
Hemorragia Severa Perda superior a 1.500 ml de sangue, com necessidade de reposio de quatro ou mais unidades de sangue.
Sepse Severa Temperatura acima de 38C ou a 36C; taquicardia; taquipnia; PaCO2 < 32mmHg; aumento na contagem de leuccitos; insuficincia renal; hipoperfuso; alterao do nvel de conscincia; hipotenso.
Rotura uterina Determinante de parto de emergncia
Fonte: WATERSTONE; BEWLEY; WOLFE (2001) Traduo livre.
O uso de critrios clnicos requer cautela nas condies de maior gravidade,
em virtude dos diferentes parmetros utilizados pelos pesquisadores, como por
exemplo, o limite de volume de sangue perdido que caracteriza hemorragia grave
(SOUSA et al., 2006).
A despeito das consideraes apresentadas, so inmeras as vantagens da
utilizao de near miss como ferramenta para a melhoria da qualidade da ateno
obsttrica e para a reduo das taxas de mortalidade materna. O importante que
os servios de sade adotem uma definio operacional de casos de morbidade
materna grave factvel e estvel ao longo do tempo, considerando-se a realidade
local (SOUSA et al., 2006).
Com o propsito de alcanar uma situao em que a morte materna possa
ser evitada, os casos de morbidade materna grave, devem ser identificados
precocemente, de forma consistente e uniforme, para que as medidas de ateno e
preveno sejam adequadamente institudas. Assim, a Organizao Mundial da
Sade (OMS), atravs do WHO Working Group on Maternal Mortality and Morbidity
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48 3 Reviso de Literatura
Classifications, adotou um consenso acerca dos critrios definidores aplicvel em
todo o mundo (SAY et al., 2009; CECATTI et al., 2011).
Desta forma, um caso de near miss materno definido como:
A mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicao que ocorreu durante a gravidez, parto ou dentro de 42 dias de interrupo da gravidez. (SAY et al., 2009, p. 3).
Os pesquisadores que integram o WHO Working Group on Maternal Mortality
and Morbidity Classifications utilizam-se primeiramente de trs abordagens para a
identificao de um caso near miss, ou seja, critrios clnicos relacionados
morbidade materna grave; necessidade de intervenes relacionadas
complexidade de manejo; evidncias de disfuno orgnica (SAY et al., 2009;
SOUZA et al. 2010a; SOUZA et al., 2010b; CECATTI et al., 2011).
Reconhecendo-se que a disfuno de rgo importante para a identificao
de casos near miss, recentemente o grupo da OMS props que esta definio
operacional inclua uma abordagem multifacetada, considerando-se sinais clnicos,
exames laboratoriais e critrios de gesto clnica (SAY et al., 2009; CECATTI et al.,
2011; PACAGNELLA, 2011).
Portanto, os critrios recentemente aprovados pela OMS tornam possvel o
reconhecimento precoce dos casos mais graves, a partir da identificao de
condies potencialmente ameaadoras da vida (CPAV), permitindo a adoo de
medidas especficas para minimizar as consequncias da morbidade materna grave
e, principalmente, que de fato reduzam as mortes maternas por causas evitveis em
todo o mundo, especialmente nos pases em desenvolvimento (CECATTI et al.,
2011; HADDAD et al., 2011; PACAGNELLA, 2011).
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49
MTODOS
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50 4 Mtodos
4 MTODOS
4.1 TIPO DE ESTUDO
Trata-se de um estudo caso-controle desenvolvido com mulheres atendidas
em duas maternidades pblicas da regio do ABC paulista, durante um perodo de
oito meses, entre 01 de Novembro de 2010 e 30 de Junho de 2011, para avaliar o
efeito da violncia psicolgica, fsica e sexual praticada por parceiro ntimo na
ocorrncia de morbidade materna grave, a partir dos critrios da OMS (SAY et al.,
2009) referentes s condies potencialmente ameaadoras da vida no ciclo
gravdico puerperal.
4.2 POPULAO E AMOSTRA
A populao do presente estudo caracteriza-se por mulheres que se
encontravam no ciclo gravdico-puerperal, atendidas durante o perodo do estudo
nos hospitais selecionados.
4.2.1 Dimensionamento da Amostra
O dimensionamento da amostra do presente estudo partiu da hiptese
alternativa (H1) de que a prevalncia de VPI entre as gestantes ou purperas que
apresentaram condies potencialmente ameaadoras da vida na gestao atual
(casos) maior do que entre as gestantes ou purperas sem complicaes durante
o ciclo gravdico puerperal, (controles) (Figura 3).
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51 4 Mtodos
Figura 3 - Delineamento do estudo
Considerando-se que p1 e p2 so as propores de gestantes ou purperas
que sofrem violncia nas populaes sem complicaes e com condies
potencialmente ameaadoras da vida, respectivamente, prope-se o seguinte teste
de hipteses:
H0: p1 = p2 contra H1: p2 > p1
A despeito da variabilidade das taxas de VPI na gestao, foram
considerados como parmetro os estudos nacionais que identificaram taxas entre
6,5 a 20% (AUDI et al., 2008; MENEZES et al., 2003; OLIVEIRA, 2008; DURAND;
SCHRAIBER, 2007). Para o clculo do tamanho da amostra considerou-se uma da
taxa estimada de prevalncia de VPI na gestao de 10%, conforme proposto por
Menezes et al. (2003), nos mtodos de seu estudo.
A fim de estimar a frequncia de casos com CPAV nos hospitais selecionados
para a pesquisa, optou-se pela realizao de um estudo piloto, a partir da anlise de
pronturios referentes s internaes obsttricas do ms de julho, tendo sido
identificada a ocorrncia de 13 casos, de acordo com os critrios estabelecidos pela
Organizao Mundial da Sade (SAY et al., 2009).
Considerando-se a verificao de um total de 596 nascidos vivos no referido
ms, obteve-se uma razo de casos de morbidade materna grave de 21,81/1000
DESFECHO: CONDIES POTENCIALMENTE
AMEAADORAS DA VIDA
DESFECHO: GESTAO, PARTO E
PUERPRIO SEM COMPLICAES
Expostas VPI na Gravidez Atual
(p2)
No Expostas VPI na Gravidez Atual
(p1)
Expostas VPI na
Gravidez Atual (p2)
No Expostas VPI na Gravidez Atual
(p1)
CASOS CONTROLES
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52 4 Mtodos
nascidos vivos. Embora este resultado esteja abaixo do estimado por Sousa et al.
(2006) para o Estado de So Paulo, observa-se que este parmetro encontra-se
dentro dos limites identificados na literatura (ADISASMITA et al., 2008; AMARAL et
al., 2007).
Desta forma, atravs do pacote estatstico STATA, verso 9.0 (STATA, 2006)
foi calculada a amostra do estudo, para detectar uma diferena mnima de 10% nas
propores das duas populaes, representada por n=88 casos com desfechos
potencialmente fatais e 3n=264 controles, ou seja, gestantes ou purperas sem
complicaes, segundo um nvel de significncia de 0,05 e poder do teste de 0,80.
Durante a execuo do estudo, optou-se pela incluso de um nmero maior
de casos na amostra em razo da possibilidade de excluses, que aps anlise
criteriosa dos critrios de elegibilidade, no ocorreram. Assim, foi includo o total de
122 casos CPAV, dentre os quais quatro bitos maternos. Considerando-se nove
perdas entre os 118 casos elegveis, decorrentes de alta hospitalar, evaso ou
transferncias, o presente estudo contou com uma amostra final de 109 casos CPAV
e 337 controles, totalizando 446 mulheres investigadas sobre a exposio VPI.
4.2.2 Procedimento Amostral
Para a seleo dos casos utilizou-se como critrio a incluso de todos os
indivduos elegveis para o estudo, admitidos nos hospitais selecionados, durante o
perodo de estudo, segundo critrios adotados para a coleta de dados que seg