UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul -...

200
UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Evandro Luís Becker AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E PARA IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL Santa Cruz do Sul, março de 2008

Transcript of UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul -...

Page 1: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Evandro Luís Becker

AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDAD E E PARA

IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMEN TO,

DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL

Santa Cruz do Sul, março de 2008

Page 2: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Evandro Luís Becker

AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDAD E E PARA

IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMEN TO,

DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito — Mestrado, área de concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, linha de pesquisa em Políticas Públicas de Inclusão Social, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rogério Gesta Leal

Santa Cruz do Sul, março de 2008

Page 3: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Evandro Luís Becker

AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDAD E E PARA

IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMEN TO,

DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL

Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito –

Mestrado, na Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, linha

de pesquisa em Políticas Públicas de Inclusão Social, da Universidade de Santa

Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Direito.

Prof. Dr. Rogério Gesta Leal

Professor Orientador

Prof. Dr. Leonel Ohlweiler

Professor da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA

Prof. Dr. João Telmo Vieira

Professor da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC

Page 4: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

"A cidade. Os modernos quase que completamente esqueceram o verdadeiro

sentido desta palavra: a maior parte confunde as construções materiais de

uma cidade com a própria cidade e o habitante da cidade com um cidadão.

Eles não sabem que as casas constituem a parte material, mas que a

verdadeira cidade é formada por cidadãos."

Jean-Jacques Rousseau - O Contrato Social

Page 5: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

AGRADECIMENTOS

Mais uma etapa, dentre muitas realizações ainda futuras, acaba de ser

concluída. Diante disso, devo expressar minha gratidão àqueles que me apoiaram,

sobretudo nos momentos difíceis, fazendo-me continuar quando tinha vontade de

desistir, ater-me no caminho certo quando disperso e, acima de tudo, a uma força

superiora, pela oportunidade de viver, guiando meus passos, iluminando meus

caminhos, hoje e sempre.

Obrigado, Pai Celestial, pela sabedoria que me delegaste para fazer a minha

escolha, dando a força suprema para a superação de todos os obstáculos na busca

dos meus objetivos.

Ao meu amor Elisângela, por ter acreditado neste meu sonho, quando nem

mesmo eu acreditava, pelo apoio incondicional em todos os momentos, pelo

companheirismo, pelo carinho, pelo afeto, pelo amor.

Agradeço aos meus familiares, como sinônimo de amor, dedicação e doação

constante... nenhuma palavra seria suficiente para descrever o quanto representam

em minha vida... ao meu pai pelo exemplo de homem correto e honesto, à minha

mãe, pela dedicação, carinho e doação e à minha irmã pela presença.

Ao professor e orientador Dr. Rogério Gesta Leal, pela confiança depositada,

dosando de forma equilibrada, liberdade para a elaboração deste trabalho e

direcionamento seguro e consistente.

Page 6: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Aos colegas e amigos conquistados nessa trajetória junto ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito, em especial às colegas Fabiana

Scaravonatti, Luciana Saldanha e Daiana Brandt, ao colega e promotor Neidemar

José Fachinetto e ao colega e defensor público Juliano Heinen, cujos laços de

companheirismo e amizade só o tempo há de reafirmar.

Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito da

Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um

curso de excelente qualidade.

Às funcionárias da Secretaria de Pós-Graduação em Direito da Universidade

de Santa Cruz do Sul – UNISC, pela dedicação e atenção dispensadas.

A todos meus sinceros agradecimentos!

Page 7: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

RESUMO

A presente dissertação tem por objetivo a elaboração de uma avaliação exemplificativa do instituto das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado nos artigos 32 a 34 do Estatuto da Cidade, com o intuito de verificar a sua viabilidade como instrumento de participação popular na gestão democrática da cidade, para implementação de projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil, objetivando alcançar, ainda, nos espaços urbanos existentes, as transformações urbanísticas necessárias em termos de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização ambiental. Atualmente, impulsionado pelo intenso processo de urbanização, grande parte da população está estabelecida nas cidades, transformando o mundo basicamente em urbano. A vida nas cidades surge como grande desafio, sendo, a crescente concentração populacional e ocupação desordenada do espaço urbano, as principais características do atual cenário urbanístico brasileiro. A ineficiente gestão urbana e a implementação de políticas urbanas inadequadas, acabam por exaurir o modelo estatal de gestão do espaço urbano. A Constituição Federal, através de capítulo próprio sobre Política Urbana, reflete uma conquista em defesa dos direitos quanto à cidade, e o Estatuto da Cidade, como meio de execução da política urbana, cria importantes instrumentos para executar a ordenação urbanística condizente com a realidade existente. A presente pesquisa pretende apurar elementos que auxiliem na formação de uma concepção de que as Operações Urbanas Consorciadas, podem, se efetivamente aplicadas, implementar projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no brasil. Neste sentido, a escolha das Políticas Públicas de Inclusão Social, como linha de pesquisa na prsente dissertação, busca delimitar as condições e possibilidades da gestão dos interesses públicos a partir da construção de políticas de inclusão social e participação política da cidadania, sobretudo a partir da ação conjunta do Poder Público, da iniciativa privada e da sociedade, baseada no espírito da Constituição-cidadã de 1988, como forma de extrair do Estatuto da Cidade a máxima efetividade que se espera de suas disposições, fazendo jus às expectativas de efetivação da participação popular na gestão e resolução das demandas sócio-urbanas existentes nas cidades brasileiras.

Palavras-chaves: Operações Urbanas Consorciadas – participação popular –

gestão urbana – regularização do espaço urbano

Page 8: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

ABSTRACT

The present work has as objective the elaboration of an evaluation of the

institute of the Joined Urban Operations, based on the articles 32 to 34 of the Statute of the City. With the intention to verify its viability as an instrument of popular participation in the democratic management of the city, for the implementation of projects and programs of planning, development and regularization of the urban area in Brazil, objectifying to reach, still, in the existing urban areas, the necessary urban transformations in infrastructure terms, social improvements and the environment valuation. Currently, stimulated by the intense process of urbanization, great part of the population is established in the cities, transforming the world basically into an urban place. Consequently, life in the cities appears as a great challenge, being, the increasing population concentration and disordered occupation of the urban area, the main characteristics of the current Brazilian urban scene. The inefficient urban management and the implementation of inadequately urban policies, make the exhaustion of the State’s model of urban area management. The Federal Constitution, through a proper chapter on Urban Policies, reflects an accomplishment on the defense of the rights related to the city, and the Statute of the City, as a way of execution of the urban policies, creates important instruments to execute the urban ordinance with the existing reality. The present research intends, hence, to find out elements that can help the formation of a conception that the Joined Urban Operations, can, if effectively applied, implement projects and programs of planning, development and regularization of the urban area in Brazil. In this way, the choice of the Public Politics of Social Inclusion, as line of research in the present study, searchs to delimit the conditions and possibilities of the management of the public interests from the construction of politics of social inclusion and participation politics of the citizenship, over all from the joint action of the Public Power, the private initiative and the society, based on the spirit of the 1988 Constitution (called as the one of the citizen), will be able to extract from the Statute of the City the maximum effectiveness of what is expected of its disposals, acting according to the expectations to accomplish the popular participation in the management and resolution of the social and urban existing requirements in the cities of Brazil.

Key-words: Joined Urban Operations – popular participation – urban

management; regularization of the urban area

Page 9: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10

1 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO: DA ORIGEM DOS PRIMEIROS

NÚCLEOS SOCIAIS ATÉ A CONCEPÇÃO ATUAL DAS CIDADES........................ 15

1.1 A origem dos primeiros núcleos sociais.............................................................. 17

1.2 A formação e o desenvolvimento histórico das cidades...................................... 24

1.3 A concepção atual das cidades........................................................................... 43

2 PRINCIPAIS MARCOS E ASPECTOS QUE CARACTERIZARAM A FORMAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL.................................... 55

2.1 Marcos normativo-constitucionais da formação do espaço urbano no Brasil..... 55

2.2 Marcos políticos, econômicos e sociais da formação do espaço urbano no

Brasil.......................................................................................................................... 64

2.3 Marco regulatório para a execução da política urbana: Lei Federal n°

10.257/2001 – Estatuto da Cidade............................................................................ 75

2.4 Aspectos do desenvolvimento urbano no território brasileiro.............................. 86

3 UMA AVALIAÇÃO EXEMPLIFICATIVA DAS OPERAÇÕES URBANAS

CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA

GESTÃO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL................... 104

3.1 Gestão urbana no Brasil: do exaurimento do modelo estatal à importância da

participação popular................................................................................................ 105

Page 10: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

3.2 Uma avaliação exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como

instrumentos de participação popular na gestão e regularização do espaço urbano

no Brasil................................................................................................................... 121

3.2.1 Principais aspectos do surgimento das Operações Urbanas Consorciadas.. 123

3.2.2 Características, conceito e natureza jurídica das Operações Urbanas

Consorciadas........................................................................................................... 128

3.2.3 Operações Urbanas Consorciadas implementadas no Brasil........................ 142

CONCLUSÃO.......................................................................................................... 157

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 164

ANEXOS.................................................................................................................. 178

Anexo A – Constituição da República Federativa do Brasil – artigos 182 e 183.... 179

Anexo B – Estatuto da Cidade – Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001................. 180

Page 11: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

INTRODUÇÃO

É, a partir da necessidade de comunicação, organização, troca e interação

entre os homens, que há o surgimento dos primeiros núcleos sociais e,

conseqüentemente, das primeiras cidades. Originalmente, na pré-história, os

homens eram essencialmente nômades, movimentando-se, constantemente, de uma

região para outra, utilizando-se das cavernas como abrigo, e da coleta de alimentos

para a sobrevivência.

Posteriormente, várias destas civilizações, através do domínio da técnica da

agricultura, passaram a se estabelecer em determinadas regiões, constituindo os

primeiros traços de colonização permanente, sendo que algumas destas aldeias

prosperassem de tal forma que acabaram formando uma nova espécie de colônia.

Verifica-se, pois, que, com o decorrer dos tempos, o homem antigo procura,

deliberadamente, romper com os isolamentos e estruturas existentes dentro destas

comunidades, até então demasiadamente estabilizada, com seu costumes e rotinas

fixas, fazendo com que esta evolução acabasse sendo o próprio cerne do

desenvolvimento das cidades.

A gradativa transformação da pré-histórica aldeia em cidade não teve como

primeira ou única característica a mudança de tamanho e dimensões, e, por

conseqüência, da necessidade de mais suprimentos, apesar de ambos serem

fatores constitutivos dentro desta evolução; pelo contrário, o que se verifica, na

realidade, é uma mudança de direção, atitude e finalidade, manifestada num novo

Page 12: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

tipo de organização, principalmente com a concentração de diversas funções, até

então dispersas e desorganizadas, em uma área limitada.

Atualmente, apesar do fenômeno da urbanização ter se constituído num

inquestionável meio para o planejamento e desenvolvimento das cidades, acabou,

também, criando inúmeras demandas urbanas, sejam de ordem social ou infra-

estrutural, visto que inúmeras destas cidades, diante do crescente adensamento

populacional, possuem seu território ocupado de forma irregular, ou seja, em

desacordo com a legislação urbanística existente.

Paralelamente, as políticas públicas elaboradas pelos entes estatais, ao longo

das últimas décadas, não refletiram a realidade urbana existente, ocasionando

conseqüências desastrosas para o desenvolvimento urbano, bem como foram

insuficientes para solucionar ou diminuir as demandas sócio-urbanas, ocasionando o

exaurimento do modelo estatal de gestão do espaço urbano.

Diante disso, uma das justificativas para a realização do presente estudo está

em identificar a existência, na legislação brasileira, de instrumentos urbanos capazes

de modificar a realidade em que estas cidades estão inseridas. Neste sentido, a

criação da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, d enominada de Estatuto da

Cidade, dispôs sobre as diretrizes gerais, bem como sobre os instrumentos que

devem ser observados quando da implementação, pelos governos municipais, das

políticas urbanas estabelecidas no texto constitucional. Frente às opções

disponibilizadas, o interesse em elaborar uma avaliação exemplificativa do instituto

das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado nos artigos 32 a 34 do

referido texto legal, tem razão no intuito de verificar a sua viabilidade como

instrumento para implementação de projetos e programas de planejamento,

desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil, objetivando alcançar,

nos espaços urbanos existentes, a consecução das transformações urbanísticas

necessárias em termos de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização

ambiental.

No mesmo sentido, diante da falência do modelo estatal de gestão do espaço

urbano e da incorporação, como direito, da participação popular nas decisões de

Page 13: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

interesse público, insurge também como justificativa desta pesquisa, a verificação da

importância dos princípios tendentes a regular a participação direta da sociedade na

produção e gestão das políticas públicas, estabelecendo um compromisso do poder

público com suas ações, através da gestão democrática da cidade.

A escolha das Políticas Públicas de Inclusão Social, como linha de pesquisa,

justifica-se pelo direcionamento da presente dissertação, voltando-se para o estudo

dos aspectos instituidores e característicos das Operações Urbanas Consorciadas,

sobretudo como modelo, exemplificativo, de instrumentos de participação popular na

gestão democrática da cidade e para implementação de projetos e programas de

planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil,

configurando-se num conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder

Público municipal, com a participação não só dos diversos setores da sociedade,

mas também dos investidores privados, que, juntos, buscarão a consecução dos

objetivos e diretrizes urbanísticos necessários à inclusão social dos habitantes das

áreas objetos das Operações Urbanas Consorciadas.

O método de abordagem empregado na investigação, análise, organização e

desenvolvimento da presente pesquisa, será o dedutivo, ou seja, partindo-se do

geral para o particular, busca-se, a partir de uma revisão bibliográfica, as fontes

necessárias para embasar os objetivos deste trabalho. Quanto ao método de

procedimento, será utilizado o monográfico, investigando-se o objeto em estudo,

tanto nos seus aspectos fundamentais, quanto nos demais elementos e ângulos

instituidores, definindo-o para os fins a que se destina.

A técnica de pesquisa utilizada para o desenvolvimento do conteúdo será a

exploratória, utilizando-se, para tanto, em termos de fontes de investigação, de

documentação indireta de referência à pesquisa, como documentos bibliográficos e

doutrinários, publicações pertinentes à matéria, boletins, jornais, revistas, livros,

alguns já identificados na bibliografia referencial anexa. Cumpre destacar que, na

elaboração de uma pesquisa científica, nem sempre é possível definir claramente

uma matriz teórica específica que lhe dê sustentação, motivo pelo qual a utilização

de marcos teórico-referenciais, a partir de pensadores do direito como Araújo,

Bonavides, Castells, Coulanges, Leal, Lefébvre, Meirelles, Mukai, Silva e Sjoberg,

Page 14: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

urbanistas como Maricato, Munford e Rolnik, e geógrafos como Goitia e Santos, que,

com suas reflexões sobre o espaço urbano, é que melhor refletem a possibilidade de

desenvolvimento dos conteúdos objetos deste estudo.

A partir destas concepções introdutórias, um breve resgate histórico da origem

dos primeiros núcleos sociais, compreendendo a evolução entre as primitivas aldeias

até a formação das primeiras cidades, destacando as características dos territórios

ocupados, o modo de vida, as atividades e técnicas empregadas no seu

desenvolvimento, como forma de dar substrato para, ao final, definir-se a atual

concepção de cidade, representam o alvo do primeiro capítulo desta dissertação.

Neste segundo capítulo, como forma de delimitar o alcance espacial deste

estudo, procura-se analisar os principais marcos que caracterizaram a formação e o

desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto

da Cidade como marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas

no capítulo constitucional referente à Política Urbana e, ao final, serão destacados

os principais aspectos que caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território

brasileiro a partir do século XX.

Os capítulos iniciais se destinaram a estabelecer as principais bases do

presente estudo, sobretudo através do resgate histórico dos principais aspectos do

desenvolvimento urbano. Diante disso, o caos urbanístico formado nas cidades

brasileiras, principalmente no decorrer do século passado, caracterizado pela

crescente concentração populacional e pela ocupação desordenada do espaço

urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente um desafio, cuja

finalidade é de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar de seus habitantes,

mas também uma questão de responsabilidade conjunta do Poder Público, da

sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.

Neste sentido, o terceiro capítulo, aborda, primeiramente, uma breve análise

conceitual da gestão urbana e alguns de seus reflexos no Brasil, sobretudo nas

últimas décadas, bem como os aspectos que levaram ao exaurimento do modelo

estatal de gestão e planejamento do espaço urbano até então existente, o qual,

Page 15: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

conforme se verifica, motivou uma discussão a respeito da gestão urbana e de sua

democratização, baseada na afirmação da importância da participação popular. Ao

final, pretende-se demonstrar, através de uma avaliação exemplificativa das

Operações Urbanas Consorciadas, sua importância como instrumento de

participação popular na gestão democrática da cidade e para implementação de

projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço

urbano no Brasil.

Page 16: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

1 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO: DA ORIGEM DOS

PRIMEIROS NÚCLEOS SOCIAIS ATÉ A CONCEPÇÃO ATUAL DAS CIDADES

É fato incontestável que, para garantir a sua sobrevivência, a maioria dos

animais precisa ter algumas necessidades básicas atendidas, como alimentação,

abrigo e defesa. Lewis Munford destaca que, entre certas espécies, como os

castores, a ocupação e colonização de uma determinada área acarretam a

realização de diversas atividades, como o corte de árvores, a edificação de represas

e a construção de moradias, que transformam cada grupo familiar numa associação

que cooperam em tarefas comuns, melhorando o seu habitat. Embora este exemplo

não retrate os atributos de uma cidade, está muito próxima da organização que

existia nas aldeias primitivas.1

Com o homem não poderia ser diferente, fazendo com que, desde os

primórdios da sua história, ele fosse levado a perceber que esses fatores poderiam

ser obtidos, mais facilmente, através da vida em comunidade. Então, devido a

incansável busca de melhores condições de sobrevivência, o ser humano deixou de

ser nômade e fixou-se em comunidade, passando a desenvolver novas técnicas,

como a agricultura e a criação de animais domésticos.

Desta forma, a constante evolução do homem, adaptando-se às mudanças e

desafios que se apresentavam no cotidiano, acaba por desenvolver um ambiente

que, juntamente com a necessidade de obter os meios para a sua sobrevivência,

comunicação, organização, troca e interação, dá origem à formação dos primeiros

1 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 12.

Page 17: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

núcleos sociais, ou seja, as cidades. É, portanto, esta predisposição à socialização,

que fez surgir a concepção do que, atualmente, conhecemos como cidade.

Observe-se, primeiramente, que a cidade se caracteriza por ser um objeto

conceitual, abstrato e, embora construído sobre uma base material formada por

edificações, arruamentos, monumentos, verifica-se que, a cada momento histórico, o

seu conceito requer que esta base material apresente uma dada dimensão e que

existam certas relações sociais no interior deste espaço construído, configurando o

que Henry Lefébvre chama de “espaço produzido”.2

A organização destes grupos sociais apresenta, portanto, inúmeros momentos

em sua evolução, fazendo com que a formação dos primeiros núcleos sociais e, por

conseqüência, dos espaços urbanos e, posteriormente, das cidades, passe pelo

desenvolvimento, em conjunto, de aspectos econômicos, políticos, religiosos e

culturais, cada qual possuindo, conforme a doutrina, sua importância em um

determinado momento histórico.

Neste sentido, Lewis Munford concebe a cidade como um organismo vivo, ou

seja, como um todo, afirmando que, ao se analisar o planejamento urbanístico, não

há como se afastar dos fatores históricos que colaboraram com a produção do

espaço urbano, devendo-se considerar, desta forma, todos os aspectos que

influenciaram no processo de formação das cidades até chegar-se ao ponto em que

se encontram atualmente.3

A partir destas concepções introdutórias, importante realizar, neste primeiro

capítulo, um breve resgate histórico da origem dos primeiros núcleos sociais,

compreendendo a evolução entre as primitivas aldeias até o formação das primeiras

cidades, destacando as características dos territórios ocupados, o modo de vida, as

atividades e técnicas empregadas no seu desenvolvimento, como forma de dar

substrato para, ao final, definir-se a atual concepção de cidade.

2 GEIGER, Pedro P. A urbanização brasileira nos novos contextos contemporâneos. In: O novo Brasil

urbano: impasses, dilemas, perspectivas. Maria Flora Gonçalves (org.). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995, p. 23.

3 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 35.

Page 18: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

1.1 A origem dos primeiros núcleos sociais

A provável origem do homem moderno, segundo estudos realizados por

Forattini, está ligada a duas hipóteses opostas: a primeira, denominada de teoria da

origem múltipla, é a mais aceita por grande número de pesquisadores, e pressupõe

que diversos núcleos populacionais, ancestrais do Homo erectus, de diferentes

partes do mundo, evoluíram de maneira independente, chegando até o Homo

sapiens; a segunda, a teoria única, considera que houve uma origem única na

África, seguida de amplos movimentos migratórios, do qual resultou a substituição

das formas arcaicas (neandertal), até a sua evolução à forma moderna.4

Atualmente, através da descoberta de novas técnicas científicas, sobretudo

com a análise da base genética – DNA, pesquisadores, antropólogos e arqueólogos

têm conseguido, não só nos locais de escavação, constituídos, na sua maioria por

sítios arqueológicos, mas ainda nos laboratórios e centros de computação, recuperar

os traços da história da humanidade, desde as mais remotas eras, com significativa

precisão. Diante disso, pesquisas indicam que o aparecimento do homem ocorreu há

alguns milhões de anos e durante um longo período viveu coletando seu alimento e

procurando abrigo no ambiente natural. Para a arqueologia, a história da civilização

humana começa na pré-história e continua até o presente século. O estudo da Pré-

história é muito difícil, pois depende da análise de documentos não escritos, como

restos de armas, utensílios de uso diário, pinturas, desenhos, entre outros.

Segundo Arruda, os estudiosos costumam distinguir a evolução do homem

durante a Pré-história em três grandes etapas: a antiga Idade da Pedra ou

Paleolítico Inferior (compreendida entre 500.000 a.C e 30.000 a.C.) e o Paleolítico

Superior (entre 30.000 a.C e 18.000 a.C.); a nova Idade da Pedra ou Neolítico (entre

18.000 a.C. e 5.000 a.C.) e a Idade dos Metais (entre 5.000 a.C. e 4.000 a.C.).

Ressalta-se que, convencionalmente, a divisão entre História e Pré-história tem

como marco a invenção da escrita, ocorrida por volta do ano 4.000 a.C.5

4 FORATTINI, Oswaldo Paulo. Ecologia, epidemiologia e sociedade. 1. ed., São Paulo: EDUSP, 1992,

p. 87-88. 5 ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. 13. ed., São Paulo: Editora Ática,

1990, p. 41.

Page 19: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Quando se iniciaram os primeiros estudos no sentido de buscar as origens da

formação das cidades, fatalmente esta concentração acaba centralizando-se,

apenas, na procura de remanescentes físicos, como objetos, instrumentos, armas e

edificações, deixando de lado todo um legado, como a invenção da linguagem,

técnicas e rituais, os quais poucos vestígios materiais se tem notícia, apesar da

grande importância que possuem para a identificação da formação e do modo de

vida dos núcleos sociais que as compunham.

Munford destaca que, para se chegar mais perto da origem das cidades,

necessário se faz complementar o trabalho realizado pelos arqueólogos que, através

de escavações, nas mais profundas camadas do solo, buscaram identificar vestígios

de uma planta baixa que, a princípio, pudesse indicar a existência de uma ordem

urbana. Para tanto, afirma que:

Se quisermos identificar a cidade, devemos seguir a trilha para trás, partindo das mais completas estruturas e funções urbanas conhecidas, para os seus componentes originários, por mais remotos que se apresentarem no tempo, no espaço e na cultura, em relação aos primeiros tells que já foram abertos. Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e antes de tudo isso, houve certa predisposição para a vida social que o homem compartilha, evidentemente, com diversas outras espécies animais.6

Neste sentido, é possível destacar alguns aspectos que caracterizaram o

processo de constituição dos primeiros grupos sociais organizados, cada qual

apresentando sua importância nos diversos momentos de sua evolução, como o

econômico, o político, o religioso e o cultural.

Apesar da doutrina dividir-se quanto ao destaque deste ou daquele aspecto,

Leal afirma que, ao se analisar o surgimento dos primeiros grupos sociais, acaba-se,

de forma unânime, dando relevo ao aspecto da concentração populacional como

conseqüência natural no processo de formação do espaço urbano.7 Porém,

contrariamente, Munford destaca que é necessária uma transformação urbana, não

o aumento da massa existente:

6 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 11. 7 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 04.

Page 20: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Em vista de seus rituais satisfatórios a que se opunham suas capacidades limitadas, nenhum mero aumento numérico haveria, com toda probabilidade, de bastar para transformar uma aldeia numa cidade. Essa modificação requeria um desafio exterior que violentamente arrancasse a comunidade das preocupações centrais com a reprodução e nutrição: uma finalidade que fosse além de mera sobrevivência (grifo nosso). Na evolução emergente, a introdução de um novo fator não faz apenas aumentar a massa existente, mas produz uma transformação geral, uma nova configuração, que altera suas propriedades, com a possibilidade de vida orgânica [...]. Assim também ocorre com o salto a partir da cultura de aldeia. Os antigos componentes da aldeia foram transportados ao novo plano e incorporados na nova unidade urbana; contudo, graças à ação de novos fatores, foram eles recompostos num padrão mais complexo e instável que o da aldeia – e, apesar disso, de uma forma que promoveu ulteriores transformações e desenvolvimentos. A composição humana da nova unidade tornou-se igualmente mais complexa; além do caçador, do camponês e do pastor, outros tipos primitivos introduziram-se na cidade e emprestaram sua contribuição à sua existência: o mineiro, o lenhador, o pescador, [...] desenvolvem-se outros grupos ocupacionais, o soldado, o banqueiro, o mercador, o sacerdote. Esta nova mistura urbana resultou numa enorme expansão das capacidades humanas em todas as direções. A cidade efetuou uma mobilização de potencial humano, um domínio sobre os transportes entre lugares distantes, uma intensificação da comunicação por longas distâncias no espaço e no tempo, uma explosão de inventividade, a par de um desenvolvimento em grande escala da engenharia civil, e, o que não é menos importante, promoveu uma nova e tremenda elevação da produtividade agrícola.8

Dentre os demais aspectos citados, Leal referendando as palavras de Adolf A.

Berle Júnior, destaca que o aspecto religioso surge, de forma marcante, já nas

primeiras aldeias. Assim, muito antes do surgimento das cidades, a ocupação das

cavernas pelo homem pré-histórico tinha não apenas a função de aglomeração

humana com o propósito de acasalamento ou proteção, mas sobretudo como forma

periódica e permanente de reunião social, estabelecendo-se como verdadeiros

locais sagrados, atraindo pessoas de diversas localidades, que partilhavam as

mesmas práticas mágicas ou crenças religiosas.9

Este ponto de encontro cerimonial, segundo Lewis Munford, constitui-se no

primeiro germe da cidade, ou seja, antes de ser uma residência periódica ou

permanente, a urbe se caracteriza como um ponto de encontro para o qual, em

intervalos determinados e regulares, os indivíduos, sejam em família ou grupos de

8 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 37-38. 9 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 05.

Page 21: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

um clã, peregrinavam, como forma de cultuar um símbolo sagrado ou reverenciar

seus antepassados.

Assim, tão logo estes indivíduos se desprendem das suas necessidades

animais imediatas, começam a atuar de forma concreta no quadro de sua existência,

deixando marcas tanto nas estruturas naturais que ocupam, como cavernas,

árvores, vales e fontes, quanto nos artefatos e instrumentos elaborados, deixando

claro que algumas das funções e finalidades da cidade já existiam naquelas

estruturas simples de concentração populacional, como forma de proporcionar apoio

e sustentação.10

Durante a pré-história, no período Paleolítico, possivelmente há mais de 15 mil

anos atrás, os homens eram essencialmente nômades, movimentando-se,

constantemente, de uma região para outra, em busca de água e alimentos, sendo

que a caça e a coleta de alimentos sustentavam somente um pequeno número,

necessitando, para assegurar a sua existência, de um amplo raio de ação e de

grande liberdade de movimento.

Desta forma, verifica-se que os primeiros assentamentos humanos utilizavam

as cavernas como abrigo, porém, com o seu crescimento e gradual aquisição de

conhecimento dos recursos que a natureza oferecia, acabaram construindo abrigos

artificiais, permitindo que a localização destes núcleos ocorresse junto de regiões

propícias para a agricultura, cercados por terras férteis e próximos a cursos d'água.

É, pois, uma característica da evolução humana, a troca da mobilidade pela

segurança, retornando a um ponto favorável que ofereça abrigo e boa alimentação.

Os aglomerados humanos foram o tipo de organização social que mais se

aproximaram das primeiras cidades, entretanto, somente a partir de algumas

condições pode-se compreendê-los separadamente das áreas de produção, e isto

aconteceu quando a acumulação permitiu a garantia de subsistência às categorias

sociais administrativas e às voltadas à segurança.

10 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 16.

Page 22: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

No fim do período Paleolítico existiu uma fase de transição para o período

Neolítico, chamada Mesolítico. Nesse período aumentou a precisão dos trabalhos

em osso, preparando a verdadeira revolução que ocorreria na época neolítica.

Segundo Mcevedy, a

[...] transição do modo de vida do Mesolítico para o Neolítico é um momento de viragem no desenvolvimento social e econômico do homem, comparável, em importância, às revoluções industrial e científica dos séculos XIX e XX. O contraste entre um acampamento mesolítico e uma aldeia de camponeses do Neolítico é tão frisante que justifica perfeitamente o termo revolução neolítica.11

Assim, entre 13 a 10 mil anos atrás, várias civilizações começaram a dominar a

técnica da agricultura, passando a se estabelecer em uma determinada região.

Neste período, denominado de Neolítico, os arqueólogos começam a encontrar

traços definitivos de colonização permanente, que se estendiam da Índia até o Mar

Báltico, inicialmente, com uma cultura baseada no emprego de crustáceos, peixes e

plantio de tuberculosas, após, conforme indícios, estas primeiras aldeias passaram a

possuir finalidades agrícolas, inclusive com a criação dos primeiros animais

domésticos, como porcos, galinhas, patos, gansos e animais de estimação, como o

cão. Esse processo de colonização, domesticação de animais e armazenamento do

suprimento alimentar, fez com que, sistematicamente, algumas destas aldeias

neolíticas prosperassem de tal forma que acabaram formando uma nova espécie de

colônia, através da associação permanente de famílias e vizinhos, com seus

canteiros, campos, animais, silos e celeiros, e, com o passar do tempo, estas

atividades foram sendo aperfeiçoadas, aumentando, assim, a capacidade de tração

e a mobilidade coletiva.12

Ao retroceder, historicamente, às primeiras aldeias primitivas, localizadas na

Mesopotâmia e no vale do Rio Nilo, entre 9.000 e 4.000 a.C., as mesmas eram

constituídas de um aglomerado de cabanas de barro cozido ou de construções de

caniço e lama, sendo que ao seu redor estendiam-se modestos e delimitados

canteiros e plantações, visto não haverem desenvolvido a técnica do arado. A dieta

11 MCEVEDY, Colin. Atlas da história antiga. Trad. Antonio G. Mattoso. 1 ed., São Paulo: Editora

Verbo, 1990, p 17. 12 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 17-19.

Page 23: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

era complementada por aves e peixes existentes em alagadiços ou rios próximos.

Munford, citando John A. Wilson, destaca que, até na aldeia mais primitiva, havia

“um pote afundado no piso para recolher a água da chuva que entrava pelo teto”,

bem como “a aldeia tinha um celeiro comum, constituído de cestos tecidos enfiados

na terra”, fato comprovado em restos rudes encontrados por arqueólogos em

pântanos poloneses, no fundo de lagos suíços, na lama do delta do Rio Nilo no

Egito, ou em fragmentos culturais dos sumérios, egípcios e gregos.13

Com o passar dos tempos, verifica-se que o homem antigo, deliberadamente,

procura romper com os isolamentos e estruturas desta comunidade até então

demasiadamente estabilizada, com seu costumes e rotinas fixas, não imaginando

que esta evolução seria o próprio cerne do desenvolvimento das cidades. Isso se

deve, principalmente, pelo próprio crescimento destas comunidades, que dependiam

sempre se mais alimentos, matérias-primas, habilidades e homens de outras

comunidades.

Por esta razão, para Munford, quando tudo isso aconteceu, a arcaica cultura de

aldeia acaba cedendo lugar à “civilização” urbana, em que a combinação de

criatividade e controle, de expressão e repressão, de tensão e libertação,

manifestou-se nas primeiras cidades, as quais podiam ser descritas como:

[...] uma estrutura especialmente equipada para armazenar e transmitir os bens da civilização e suficientemente condensada para admitir a quantidade máxima de facilidades num mínimo de espaço, mas também capaz de um alargamento estrutural que lhe permite encontrar um lugar que sirva de abrigo às necessidades mutáveis e às formas mais complexas de uma sociedade crescente e de sua herança social acumulada. A invenção de formas tais como o registro escrito, a biblioteca, o arquivo, a escola e as universidades, constitui um dos feitos mais antigos e mais característicos da cidade.14

Verifica-se, pois, que a transformação da aldeia em cidade não teve como

primeira ou única característica a mudança de tamanho e dimensões, apesar de

ambos serem fatores constitutivos dentro desta evolução; pelo contrário, houve, na

13 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 24-25. 14 Ibidem, p. 38-39.

Page 24: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

realidade, uma mudança de direção, atitude e finalidade, manifestada num novo tipo

de organização. Assim, de acordo com Goitia, citando Spengler:

[...] o que distingue a cidade da aldeia não é a extensão, nem o tamanho, mas a presença de uma alma da cidade, (...) a coleção de casas aldeã, cada uma com a sua própria história, converte-se num todo conjugado. E este conjunto vive, respira, cresce, adquire um rosto peculiar, uma forma e uma história internas.15

Para Leal, importante lembrar que, historicamente, no período Neolítico, a

aldeia, em sua forma exterior, já detinha muitas das características das futuras

pequenas cidades, apresentando diversas estruturas como a casa, o oratório, o

poço, a via pública e o agora, espécie de mercado não especializado. Ainda, a partir

do avanço de determinadas técnicas foi possível a utilização e o deslocamento de

grandes blocos, bem como o desvio de rios, propiciando o primeiro alargamento

geral das dimensões da cidade.16

Este processo evolutivo, que conduziu a ascensão para a cidade, não fez com

que antigos elementos criados pelas primeiras civilizações primitivas, quando se

estabeleceram em aldeias, como a agricultura e a criação de animais domésticos,

fossem apagados, como ocorreu na Suméria, onde estas atividades continuaram a

ser praticas em grande escala por aqueles que viviam dentro destas novas

cidades.17

A partir do desenvolvimento da técnica de fundição dos metais, inaugurou-se a

Idade dos Metais (5000 - 4000 a.C.), fazendo com que o homem abandone

progressivamente os instrumentos de pedra; inicialmente, predominavam a produção

de cobre, do estanho e do bronze (3000 a.C. no Egito e Mesopotâmia). O ferro

apareceu mais tarde (1500 a.C.), na Ásia Menor, ganhando preferência na

fabricação das armas. O que houve, na realidade, com a ascensão das cidades, foi

15 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 28. 16 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 57. 17 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 09.

Page 25: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

o início da concentração de diversas funções, até então dispersas e desorganizadas,

em uma área limitada.18

Destacadas as principais características e aspectos da origem dos primeiros

núcleos sociais, sobretudo a forma de ocupação territorial, o modo de vida e

desenvolvimento das primeiras técnicas de subsistência, o presente estudo

prossegue delineando os marcos históricos que deram origem à formação e

desenvolvimento das primeiras cidades.

1.2 A formação e o desenvolvimento histórico das ci dades

Historicamente, Ana Fani Alessandri Carlos sustenta que “foi em torno de 5.000

a.C. que surgem, junto ao rio Eufrates e em outros pontos da Ásia Menor, as

primeiras povoações às quais pode-se dar o nome de cidades”, destacando-se,

entre as mais antigas, Kisch, Ur e Uruk, que formavam a antiga Babilônia, que “era

tida como uma cidade-Estado, metrópole com grande área de influência que

englobava outras áreas, já era, por volta de IV a.C., o maior centro ligando o Oriente

e Ocidente”.19 Destaque-se, ainda, que as mais antigas civilizações surgiram, entre

4.000 a.C. e 2.000 a.C., às margens de grandes rios, como a Mesopotâmia junto aos

rios Tigre e Eufrates, a Palestina no rio Jordão, o Egito no vale do rio Nilo, a China

no Amarelo, o Paquistão e a Índia, nos rios Indo e Ganges.

Em seu texto “Origem e Evolução das Cidades”, Sjoberg relata que são três os

estágios que caracterizam as cidades, desde a sua origem até a época do

desenvolvimento da urbanização, todos relacionados com padrões tecnológicos,

econômicos, sociais e políticos de organização humana. O primeiro, chamado de

pré-urbano, está relacionado com a sociedade gentílica, em que pequenos grupos

homogêneos e auto-suficientes, constituídos por clãs ou gentes, de base

eminentemente familiar, dedicavam-se, principiológicamente, à busca e coleta de

alimentação para sua subsistência. Com a inevitável evolução, estes grupos tornam-

se mais complexos, surgindo as frátrias e as tribos, situando-se em espaços físicos

18 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 39. 19 CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8. ed., São Paulo: Contexto, 2005, p. 61-62.

Page 26: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

permanentes, gerando excedente de produção de alimentos, com seu conseqüente

condicionamento, sobretudo pelo desenvolvimento de técnicas agrícolas, bem como

a criação de animais domésticos, além do início da divisão e especialização das

tarefas. No segundo estágio, já com o aparecimento da cidade, chamado de

sociedade pré-industrial, tem-se o desenvolvimento da metalurgia e a utilização do

arado e da roda, capazes de multiplicar a produção e facilitar as tarefas. Há,

também, o surgimento a palavra escrita. Nesse contexto, desenvolvem-se as

primeiras cidades como Eridu, Erech, Lagash, Dish, Ur e Uruk (na Suméria);

Mohenjo-Daro e Harappa no vale do Indo (Paquistão); Khontaton no Egito; Babilônia

na Mesopotâmia; e, depois, Roma, Atenas e Tebas, modelo de cidades antigas, com

status de cidades-estado. Nas Américas, temos Tical na Guatemala (civilização

Maia); Teotihuacán no México (civilização Asteca) e, ainda, outras cidades no Peru

(civilização Inca). O terceiro estágio, da cidade industrial moderna, possui uma

organização humana complexa, caracterizada, sobretudo, pela educação de massa,

um sistema de divisão de classes e de grande avanço tecnológico, com a utilização

de novas fontes de energia como forma de desenvolvimento.20

FIGURA 1 – Evolução Urbana na Antigüidade

Fonte: SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

20 SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade.

2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 56 e ss.

Page 27: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A dificuldade de estabelecer marcos concretos sobre as origens da cidade está

no fato de que, muitos dos acontecimentos tiveram lugar antes dos primeiros

registros históricos, numa época em que a cidade já era antiga, sendo que suas

civilizações também já haviam se desenvolvido de maneira organizada e

sedimentada. O que se verifica, ainda hoje, é que muitas destas cidades e

civilizações não foram completamente decifradas, visto que continuam existindo

como lugares de morada, imunes à ação exploradora dos arqueólogos. Diante disso,

Munford lança sua inquietude ao dizer:

Por isso, as lacunas existentes nas provas são atordoantes: cinco mil anos de história urbana e talvez outro tanto de história proto-urbana se acham espalhados por algumas dezenas de sítios apenas parcialmente explorados. Os grandes marcos urbanos, Ur, Nipur, Uruk, Tebas, Heliópolis, Assur, Nínive, Babilônia, cobrem um período de três mil anos, cuja enorme vacuidade não podemos esperar preencher com um punhado de monumentos e umas poucas centenas de páginas de documentos escritos.21

Para Munford, apesar dos parcos vestígios materiais, o Egito e a Mesopotâmia

constituem as duas grandes civilizações que deram forma às primeiras cidade. Um

dos poucos traços em comum, entre o Egito e a Mesopotâmia, eram as

precondições comuns de existência geográfica que, a partir de 7.000 a.C.,

transformaram pastagens de gramas em estepes e desertos, fazendo, dos vales

pantanosos dos grandes rios, áreas propícias para a agricultura. Assim, inicialmente,

na Mesopotâmia, com o intuito de evitar os extremos das condições climáticas

decorrentes do calor tropical, seus habitantes, provavelmente em pequenas aldeias,

começaram a construir redes de irrigação, canais e locais de moradia junto de

represas, como forma de abrigo e proteção. O domínio das águas, impedindo a

escassez de água no início das culturas e os efeitos das enchentes no tempo da

colheita, juntamente com o desempenho mútuo das aldeias, planejamento e

aplicação das técnicas, levaram os arqueólogos sustentarem que a Mesopotâmia,

diante do excedente potencial de alimentos e a vitalidade do seu povo, tenha

tomado a dianteira na rede de cidades que se desenvolveram ao longo destes vales,

perto do golfo Pérsico.22

21 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 67. 22 Ibidem, p. 70-71.

Page 28: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Da mesma forma, na região do Egito, o clima passou de úmido e equatorial

para seco, fazendo com que, diante do processo de desertificação da região, tribos

nômades indo-européias se instalassem na região do vale do Rio Nilo, construindo

as primeiras cidades-estados, como Tebas, Mênfis e Tânis. O Egito apresenta uma

série de contrastes em comparação com a Mesopotâmia, tanto no aspecto de sua

vida cotidiana, como cultural, exemplo clássico, é a pouca importância dada à

imortalidade pelos sumérios e babilônicos, que foram os principais povos da

Mesopotâmia, enquanto que os egípcios utilizavam todos os materiais e recursos

para manter seus mortos vivos em forma corpórea, para manter os confortos da

existência terrena. Assim, é no vale do rio Nilo que se verifica o enorme salto

ocorrido entre a cultura tribal de aldeia, para uma cultura urbana centralizada em

torno do templo e do palácio.23

Entretanto, existem outros arqueólogos que defendem a teoria de que o

aparecimento das primeiras cidades ocorreu, não nos grandes vales aluviais, como

se julgava até a pouco, mas nas zonas montanhosas que delimitavam uma área

fértil, nas vertentes das montanhas do Irã, do Iraque, de Israel, da Jordânia e da

Síria.

A civilização egípcia foi umas das primeiras grandes civilizações da

humanidade, mantendo suas formas políticas, artísticas, literárias e religiosas,

principalmente devido à sua localização geográfica, apesar das influências culturais

e contatos estrangeiros. O Império Antigo, com a capital em Mênfis, iniciou-se com a

unificação dos reinos do Alto e Baixo Egito, empreendida pelo faraó Menés,

estendendo-se até 2.130 a.C., e se caracterizou por grandes obras de irrigação e de

agricultura, cultivando o trigo e a cevada, domesticando alguns animais, além da

construção das grandes pirâmides pelo Império Antigo, no tempo da IV Dinastia.24

Em seus estudos, Munford ressalta que, por volta do ano de 2.500 a.C, já era

possível identificar, através dos vestígios arqueológicos encontrados, que:

23 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 71-72. 24 WIKIPÉDIA. História Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/História_Antiga>. Acesso

em: 17 jun 2007.

Page 29: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

[...] todas as características essenciais da cidade tinham tomado forma e haviam encontrado para si um lugar na cidadela, senão na comunidade urbana total. O recinto murado, a rua, o quarteirão de casas, o mercado, o recinto do templo com seus pátios interiores, o recinto administrativo, o recinto das oficinas – tudo isso existia pelo menos em forma rudimentar; e a própria cidade, como símbolo estético, completo e poderoso, a ampliar e enriquecer, a potencialidade humana, achava-se visível.25

Nestas estruturas urbanas existentes, era evidente o contraste entre a cidade

antiga e a aldeia, pois as aldeias eram identificadas por suas vielas, estreitas e

tortuosas, pelas construções deficitárias, que não dispunham de recursos sanitários

eficientes, convivendo constantemente num meio insalubre, de mau cheiro, infestado

por pragas e doenças. Contrariamente, a cidade antiga caracterizava-se pela sua

riqueza, com infra-estrutura invejável, ruas centrais largas, de fácil circulação. O que

se verifica é que os melhoramentos em infra-estrutura foram demasiadamente lentos

nos períodos que se seguiram ao nascimento das cidades.

A cidade, para Benevolo, constitui-se em local de estabelecimento aparelhado,

diferenciado e ao mesmo tempo privilegiado, sede da autoridade, tendo origem nas

primitivas aldeias, mas não é apenas uma aldeia que cresceu, ela se forma quando

os serviços já não são executados pelas pessoas que cultivam a terra, mas por

outras que não têm esta obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o

excedente do produto total. Nasce, assim, o contraste entre dois grupos sociais,

dominantes e subalternos: os serviços já podem se desenvolver através da

especialização, e a produção agrícola pode crescer utilizando estes serviços. A

sociedade se torna capaz de evoluir e de projetar a sua evolução. A cidade, centro

maior desta evolução, não só é maior do que a aldeia, mas se transforma com uma

velocidade muito maior.26

Estas cidades antigas, da mesma forma que os primeiros núcleos sociais pré-

históricos, possuíam um caráter sagrado, sob domínio absoluto da religião,

revelando a crença de que o homem havia sido criado senão para outro propósito

que servir aos seus deuses, razão última da existência da cidade. Esta concepção

25 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 104. 26 BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad. Sílvia Mazza. 3. ed., São Paulo, Editora

Perspectiva, 1997-2001, p. 243.

Page 30: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

se estendeu até o Cristianismo, quando, segundo Coulanges, começou a imperar

um desenvolvimento harmônico entre a sociedade e religião, sobretudo porque:

[...] de início a família vive isolada, e o homem só conhece os deuses domésticos theo patro, dii gentilis. Acima da família forma-se a fratria com o seu deus, teós pharaios, Juno curialis. A seguir temos a tribo, e o deus da tribo, théos phylios. Chega-se enfim à cidade e concebe-se um deus cuja proteção abrange a cidade inteira theós polieus, penates publici. Hierarquia de crenças, hierarquia de associações. A idéia religiosa foi, entre os antigos, o sopro inspirador e organizador da sociedade.27

O autor Marcelo Lopes de Souza, ao tratar sobre o surgimento das primeiras

cidades, resume com precisão este processo, asseverando que elas surgem:

[...] como resultado de transformações sociais gerais – econômicas, tecnológicas, políticas e culturais -, quando, para além de povoados de agricultores (ou aldeias), que eram pouco mais que acampamentos permanentes de produtores diretos que se tornaram sedentários, surgem assentamentos permanentes maiores e muito mais complexos, que vão abrigar uma ampla gama de não-produtores: governantes (monarcas, aristocratas), funcionários (como escribas), sacerdotes e guerreiros. A cidade irá, também, abrigar artesãos especializados, como carpinteiros, ferreiros, ceramistas, joalheiros, tecelões e construtores navais, os quais contribuirão com suas manufaturas para o florescimento do comércio entre os povos.28

Diante disso, Mumford destaca um fato importante que teve origem,

provavelmente, com a fundação das cidades, a noção de divisão do trabalho,

através da fixação das atividades como formas de ocupação da vida. Assim, o

trabalho especializado passa a ser ocupação para o ano inteiro, ganhando, o

trabalhador especializado, tamanha importância, sendo fato “tão universal que se

tornou uma segunda natureza do homem urbano”. A aceitação da divisão do

trabalho, apesar de todas as limitações, reside no fato de que, nesta época, a

existência da liberdade e da autonomia já era constante, diferentemente do regime

anterior, baseado na coesão familiar e unicidade tribal.29

27 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.

143. 28 SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003,

p. 46. 29 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 112-119.

Page 31: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Portanto, o que caracterizou os primeiros aglomerados sociais, permitindo que

estes possam vir a ser entendidos como cidade, foi o fato da existência de uma

primitiva divisão social do trabalho a partir das comunidades agrícolas. Entretanto, a

marca da cidade foge a estas limitações rurais. Ela é produto de uma enorme

mobilização de vitalidade, poder e riqueza. Esta estratificação ocupacional produziu,

na cidade antiga, uma pirâmide urbana formada, no seu ápice, pelo governo

absoluto e, abaixo deste, as camadas de mercadores, artífices, camponeses,

marinheiros, criados, libertos e escravos.

Segundo Burns, é por volta de 2.000 a.C. que “os centros de civilização do

mundo ocidental deixaram de se limitar principalmente ao Oriente Próximo. A essa

altura, duas novas culturas, na Grécia e na Itália, já caminhavam para a

maturidade”30, temos então, na Grécia Antiga, uma das mais extraordinárias formas

de organização social, a pólis e, por conseguinte, a política, emergindo como

instrumentos para a participação ativa na cidade.

Em seu período clássico antigo, a Grécia Antiga representava, territorialmente,

as áreas compreendidas como Chipre, Anatólia, sul da Itália e da França e, ainda, a

costa do mar Egeu, além de assentamentos gregos no litoral de outros países, como

o Egito. Historicamente, os gregos originaram-se da invasão de povos que migraram

para a Península Balcânica, no início do terceiro milênio a.C, sendo pioneiros os

aqueus, os jônicos, os dóricos e os eólios, todos indo-arianos provenientes da

Europa Oriental. Estas populações eram conhecidas como “helênicas”, pois sua

organização clânica, fundamentava-se, misticamente, na crença de que descendia

do deus Heleno, filho de Deucalião e Pirra.31

O desenvolvimento da cidade, naquela parte do mundo, inicia na ilha de Creta,

junto ao Mar Egeu, cuja civilização, chamada de minóica, era formada pela fusão

dos habitantes da ilha com as populações invasoras vindas da Ásia Menor. Situado

na porção sul da Península Balcânica, este território era caracterizado pelo seu

30 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves

espaciais. Trad. de Donaldson M. Garschagen. 41. ed., São Paulo: Globo, 2001, p. 87. 31 WIKIPÉDIA. Grécia Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:

17 jun 2007.

Page 32: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

relevo montanhoso, cuja cordilheira dominante, a dos Montes Pindo, separavam a

costa oriental, banhada pelo Mar Egeu, da costa ocidental, banhada pelo Mar

Adriático. Segundo Munford, as férteis terras baixas suportavam a agricultura

iniciada no período neolítico, e suas encostas, eram cultivadas com castanheiro,

figueiras, oliveiras e videiras, compondo a dieta rica em cereais, somando-se a

pesca costeira. Destaca, ainda, que seus habitantes formavam comunidades

distintas, não sujeitas a qualquer sistema comum de controle, ou seja, ainda não

estavam suficientemente coesos no sentido de constituir um povo único, com uma

cultura homogênea, porém viveram juntos, pacificamente, visto que, entre estas

comunidades, não havia fortificações, comungando de um único sistema econômico,

comprovado através dos vestígios encontrados em suas ruínas, como instrumentos

de metal, vasos de pedra, entre outros. Posteriormente, tiveram como principal

atividade econômica o comércio, criando uma civilização centrada em grandes

palácios, como Cnosso, os quais apresentavam sistemas de iluminação e esgotos,

que reportavam aos vestígios encontrados nas cidades do Indo, como Harappa e

Mohenjo-Daro, assim como as fachadas sofisticadas sugeriam ambientes interiores

complicados, porém a grande novidade, a janela, deixa para trás as sombrias

residências sem janela da antiga Suméria.32 Conhecedores da escrita (Linear A e

Linear B), destacaram-se, também, pelo trabalho em ouro e gemas, bem como por

uma cerâmica decorada com motivos marítimos e geométricos.

A partir do século VIII a.C, formam-se, pela Grécia Antiga, diversas cidades

independentes, cada qual com seu próprio sistema de governo, código de leis,

calendário, moeda, chamadas de pólis. Neste contexto, o autor Werner Jaeger

enfatiza que o termo grego pólis era traduzido “tanto como Estado, como por

cidade”, sendo que:

O que realmente era novo e trouxe definitivamente consigo a progressividade e geral urbanização do Homem foi a exigência de todos os indivíduos participarem ativamente do Estado e na vida pública e adquirirem consciência dos seus deveres cívicos, completamente diversos do da esfera da sua profissão privada.33

32 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 136-139. 33 JAEGER, Werner. A formação do homem grego. Trad. de Artur M. Pariera. São Paulo: Herder,

1969, p. 135.

Page 33: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Assim como em outros centros antigos, a pólis grega se constituía, sobretudo,

como templo, estratificada como morada dos deuses, possuindo, desta forma, a

função de atrair os homens em torno de um deus, junto ao sagrado oráculo de

Apolo, bem como era o símbolo da integridade e do equilíbrio, coordenando e

ordenando o crescimento urbano.34

Segundo Fustel de Coulanges, neste período da antigüidade, os institutos que

representavam cidade e urbe não eram sinônimos, enquanto a primeira “era a

associação religiosa e política das famílias”; a segunda, tinha por característica

representar “o lugar de reunião, o domicílio e sobretudo o santuário dessa

sociedade”.35

Continua o autor expondo que, outro fator fundamental que determinou a

organização territorial grega na forma de cidades-estado, claramente definidas,

separadas e independentes, compostas cada qual de um núcleo urbano, bem como

por campos e aldeias habitadas por comunidades agrícolas, foi a sua topografia.

Desta forma, a pólis era construída, geralmente no topo de uma colina, fundada a

partir de sagrados ritos religiosos; enquanto que no sopé da colina, em local não

considerado recinto sagrado, havia um aglomerado de casas destinadas ao

domicílio da plebe.36

Diante disso, historiadores descrevem que, de modo geral, a extensão

territorial de cada pólis variava entre 1.000 e 10.000 km², compreendendo uma área

urbana e outra rural. A área urbana, conforme destacado anteriormente, se

estabelecia em torno da colina fortificada, denominando-se acrópole (do grego

akrós, alta e pólis, cidade), concentrando, além dos seus mais importantes edifícios,

como o Erectéion e o Partenon, o centro comercial e manufatureiro, onde artesãos e

operários produziam tecidos, roupas, sandálias, armas, ferramentas, artigos e

cerâmica e vidro. Na área rural, a população dedicava-se às atividades agro-

pastoris, cultivando oliveiras, videiras, trigo e cevada, e criando rebanhos de cabras,

34 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 151. 35 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.

145. 36 Ibidem, p. 260.

Page 34: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

ovelhas, porcos e cavalos. Apesar da existência de uma completa autonomia política

e social entre as pólis gregas, o comércio e a divisão de trabalho era muito intenso

entre as cidades gregas, como exemplo, Atenas importava 80% de seus alimentos,

sobretudo cereais, enquanto exportava azeite, chumbo, prata, bronze, cerâmica e

vinho.37

A população das cidades-estado gregas era de aproximadamente 20.000

habitantes na área urbana, sendo que, no século IV a.C., as maiores cidades eram

Atenas, com estimados 170.000 habitantes, distribuídos numa área de 2.500 km²,

Siracusa, com aproximadamente 150.000 habitantes, em 5.500 km², Corinto com

mais de 100.000 habitantes, e Esparta que, apesar de pouco urbanizada, tendo em

vista possuía 40.000 habitantes, em 7.500 km² de território. Destaque-se, ainda, o

desenvolvimento de outras pólis como Micenas, Mégara, Erétria, Tirinto e Tróia.

Destaque-se, por fim, que a base da cidade grega possui sua origem

intrinsecamente ligada ao grande desenvolvimento já existente nas aldeias que a

compunham, sobretudo com a existência de elementos como: a Assembléia de

Magistrados; a praça formal de mercado, espaço público de reunião da aldeia, bem

como destinado, algumas vezes, para a realização de troca de produtos; a fonte

encanada e o teatro.38 Como exemplo, Leal destaca o Ágora que, além de ser o

principal centro dinâmico, estando, desde o princípio separado do templo, constituía-

se no local em que os moradores da cidade se reuniam para a deliberação das

decisões, o que, provavelmente, já deveria existir a muito tempo nas primeiras

aldeias.39

Eis que, sob grande influência cultural grega, desenvolve-se no Ocidente outra

civilização, a romana, com tamanha voracidade que “ao final do século I a.C. Roma

37 WIKIPÉDIA. Grécia Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:

17 jun 2007. 38 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 150. 39 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, 1998, p. 54.

Page 35: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

já impusera seu domínio sobre todo o mundo helenístico, assim como sobre a parte

da atual Europa Ocidental”.40

Ainda, segundo Leal, as cidades, bases da civilização romana, como Roma,

[...] acumulavam características diversas e descritas a partir de funções comerciais e administrativas, derivadas da concentração em uma mesma aglomeração, de um poder exercido mediante a conquista de um vasto território, que passa a ser propriedade privada da Cidade e do Governo Imperial. A penetração romana em outras civilizações adota a forma de uma colonização urbana, com o assentamento de funções administrativas e de exploração mercantil. Assim, a cidade não é um lugar de produção, mas de gestão e dominação, ligado à primazia social do aparato político-administrativo.41

Observa-se que, desde o princípio, entre os gregos e romanos, a lei surgiu

naturalmente como parte da religião, reunindo, nos antigos códigos das cidades, um

conjunto de ritos e prescrições religiosas, bem como dispositivos legislativos

atinentes, inclusive, às normas sobre o direito de propriedade.

Segundo Munford, o Império Romano desenvolveu-se a partir de um único

centro de poder, o qual, sempre em ampla expansão, acabou caracterizando-se

como “vasta empresa construtora de cidades”, deixando a marca de Roma em

diversos territórios pelos quais se estendeu, entre eles, partes da Europa, da África

do Norte e da Ásia Menor, alterando o cotidiano e forma de vida de inúmeras

cidades antigas, ao estabelecer seu estilo de ordem, através de cidades colônias,

cidades livres, cidades sob a lei municipal romana, cidades tributárias, cada qual

com sua forma diferente.42

Apesar dos fundamentos da cidade romana terem origem na cultura helênica,

ela acabou incorporando os aspectos religiosos e supersticiosos dos etruscos,

utilizando-os em cerimoniais quando da fundação de novos centros urbanos.

Juntamente com este caráter sagrado, a cidade romana era concebida no sentido de

40 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves

espaciais. Trad. de Donaldson M. Garschagen. 41. ed., São Paulo: Globo, 2001, p. 139. 41 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 55-56. 42 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 227.

Page 36: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

se sintonizar com a ordem cósmica, possuindo, dentro de sua extensão, o

“pomerium”, caracterizado como um cinturão sagrado, dentro do qual havia a

proibição de construção de qualquer tipo de edificação.43

Historicamente, o mais vasto Império da Antigüidade se desenvolveu a partir da

cidade-estado de Roma, fundada na península itálica durante o século VIII a.C. e,

durante seus 12 séculos de existência, contribuiu, imensuravelmente, para o

desenvolvimento no Mundo Ocidental de várias áreas de estudo, sendo que sua

história persiste como uma grande influência até nos dias de hoje. A engenharia civil

romana merece destaque pelas contribuições que trouxeram ao desenvolvimento

dos territórios ocupados, como a construção de estradas que interligavam todo o

império, a edificação de aquedutos que levavam água limpa até as cidades, bem

como a criação de complexos sistemas de esgotos para dar vazão à água servida e

aos dejetos das casas. A chamada Arquitetura Clássica, apesar da enorme

influência grega, possuía características próprias, cujo estilo expandiu-se por toda a

Europa, devido ao expansionismo do Império Romano, através da construção dos

aquedutos, basílica, estradas romanas, o arco do triunfo, o anfiteatro, as termas e os

edifícios. No âmbito das escolas particulares, o desenvolvimento de obras, como os

palácios urbanos e as vilas de veraneio da classe patrícia, foram erguidas em

regiões privilegiadas da cidade, sempre com decoração e ornamentos distribuídos

em torno de seus jardins. Enquanto isso, a plebe vivia em construções muito

parecidas com nossos atuais edifícios, com portas que davam acesso a sacadas e

terraços, mas sem divisões de ambientes, tetos de telha de barro cozido.44

A principal característica das cidades, neste período, era sua constituição em

grandes extensões territoriais, fazendo com que, como modo de defesa, elas fossem

circundadas por muralhas e fossos, indicando, assim, a primeira divisão entre o

ambiente natural aberto e a área central da cidade. Desta forma, juntamente com a

ascensão das cidades, verifica-se que muitas de suas funções, até então dispersas,

43 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 07. 44 WIKIPÉDIA. Roma Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:

17 jun 2007.

Page 37: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

foram organizadas e ordenadas dentro de uma área limitada.45 Várias das cidades

do vasto Império Romano tinham mais de 50.000 habitantes, chegando, as maiores,

como Roma, Éfeso, Cartago e Alexandria, a ter mais de 350.000 habitantes.

O Império Romano, caracterizado pela expansão desenfreada, acaba, diante

da busca incessante do poder e da conquista, fragmentando-se, sobretudo ao

perder o controle sobre os meios econômicos e sociais, tão essenciais para a

continuação de sua existência. Apesar do declínio romano ter ocorrido a partir de

180 d.C., a transição entre o final da história antiga para a Idade Média somente

ocorre no século V.

O intenso medo, o colapso comercial e a reduzida produtividade agrícola por

parte da população do Império Romano do Ocidente, fizeram com que a maioria dos

habitantes destas áreas urbanas da Europa, migrassem, gradualmente, para o

campo, mais exatamente em direção aos feudos, instituto característico das

propriedades em geral à época.

Assim, com o término do Império Romano, há uma remodelação na

organização da sociedade européia, na qual, o poder central e unificador,

representado por Roma, cede lugar à uma organização social e econômica

descentralizada: o sistema feudal, cuja característica era ser essencialmente agrário,

e a sua sociedade, também agrária, foi tradicionalmente definida como imóvel,

dividida em três camadas que não se misturam: os nobres, o clero e os servos. As

condições sociais básicas da sociedade feudal eram senhor e servo. O senhor se

definia pela posse legal da terra, pela posse do servo e pelo monopólio do poder

militar, político e judiciário. O servo se definia pela posse útil da terra, pelo fato de

dever obrigações e pelo direito de ser protegido pelo senhor.46

As cidades medievais, a partir do século X, eram formadas por antigas colônias

urbanas que se transformaram em cidades mais ou menos autogovernadas e de

45 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 39. 46 ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. 13. ed., São Paulo: Editora Ática,

1990, p. 68.

Page 38: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

novas colônias que, sob os mandamentos do senhor feudal, eram dotadas de

privilégios e direitos.47 Apesar da moradia medieval não apresentar infra-estrutura e

espaços funcionais, verifica-se, também, neste período, o surgimento de

determinados órgãos e instituições públicas até então ausentes nas civilizações

urbanas, cuja inserção nas cidades promoveu o desenvolvimento de significativas

funções, como é o caso do forno público na padaria, da casa de banho municipal, e

dos inúmeros hospitais.

A cidade da época medieval, propriamente dita, conforme ensinamento de

Goitia,

[...] só aparece em começos do século XI, e desenvolve-se principalmente nos séculos XII e XIII. Até esse momento, a organização feudal e agrária da sociedade domina completamente. Frente a esta, o crescimento das cidades é originado principalmente pelo desenvolvimento de grupos específicos, do tipo mercantil e artesão. [...] Com o desenvolvimento do comércio nos séculos XI e XII, vai se constituindo uma sociedade burguesa que é composta não só de viajantes, mas também por outra gente fixada permanentemente nos centros onde o tráfico se desenvolve: portos, cidades de passagem, mercados importantes, vilas de artesãos, etc. Estabelecem-se nestas cidades pessoas que exercem os ofícios requeridos pelo desenvolvimento dos negócios: armadores de barco, fabricantes de aparelhos de velejar, de barris, de embalagens diversas, e até geógrafos que desenham os mapas marítimos, etc. A cidade atrai, por conseguinte, um número cada vez maior de pessoas do meio rural que encontram ali um ofício e uma ocupação que, em muitos casos, os liberta da servidão do campo. Esta sociedade burguesa que paulatinamente, se vai desenvolvendo, é o estímulo da cidade medieval.48

O que se verifica, com o início da Idade Média, segundo Leal, citando Henry

Lefébvre, é que a cidade ressurge da união de uma fortaleza já preexistente, em

torno da qual se organizaram um núcleo habitacional, um núcleo de serviços e o

desenvolvimento de um mercado, alimentado pelos produtos advindos das novas

rotas comerciais. Estas bases dão forma à instituições político-administrativas

próprias de cada cidade, as quais dão consistência interna e uma maior autonomia.49

47 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 286. 48 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 21. 49 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 56.

Page 39: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Nesta mesma perspectiva, ao Benevolo aduz que a cidade fortificada da Idade

Média é demasiadamente pequena para acolher todos estes núcleos, formando-se,

assim, ao seu redor os chamados subúrbios que, em breve, se tornam maiores que

o núcleo original. Diante disso, é necessário construir um novo cinturão de muros,

incluindo os subúrbios e as outras instalações (igrejas, abadias, castelos) fora do

velho recinto. A nova cidade assim formada, contínua a crescer da mesma forma, e

constrói outros cinturões de muros cada vez maus amplos.50

Segundo Goitia,

[...] a necessidade desta muralha, que é característica da cidade medieval, esteve, em muitos casos, na causa da origem das finanças municipais. Esta contribuição adquiriu rapidamente caráter obrigatório, e tornou-se extensiva, além da fortificação, a outras obras comuns, como a manutenção das vias públicas. Quem não se submetia a esta contribuição era expulso da cidade e perdia seus direitos. A cidade, portanto, acabou por adquirir uma personalidade legal que estava acima dos seus membros. Era uma comuna com personalidade jurídica própria e independente.51

Portanto, dentre as características da Idade Média, verifica-se que a

concentração e o crescimento não ocorriam ao redor de grandes cidades, mas em

diversas cidades pequenas, cercada por cinturões de muros, favorecendo a unidade

e a comunicação. Da mesma forma, quanto à economia, verificava-se um cenário de

equilíbrio entre o ambiente urbano e o rural, caracterizado pelo emprego racional

das fontes de energia e matéria prima na produção local. Porém, diante da evolução,

especialização e centralização do poder econômico nos grandes centros, esse

equilíbrio até então existente se deteriora, fazendo com que as cidades menores

acabem se tornando dependentes.

Esta crise tende a originar um novo período histórico, denominado de Idade

Moderna, a qual trouxe inúmeros reflexos sobre o espaço urbano. Tem início por

volta de 1500, com a corrida pelo descobrimento, em que os europeus navegaram

até outros continentes em busca de novas conquistas territoriais e riquezas, fazendo

surgir a Revolução Comercial, que perdurou até 1800.

50 BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad. Sílvia Mazza. 3. ed., São Paulo, Editora

Perspectiva, 1997-2001, p. 301. 51 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 22.

Page 40: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Na verdade, Leal destaca que, desde a Revolução Comercial de 1400, e

depois o mercantilismo e a Revolução Industrial do século XVII, o centro do poder

político e econômico, seja na Europa e na América do Norte, consubstancia-se num

novo conjunto de forças, que buscam a expansão de um novo modelo de gestão e

desenvolvimento do espaço urbano, qual seja, o capitalismo.52

Para José Afonso da Silva, é no século XVII que esse modelo já tinha alterado

toda a balança de poder, os mercadores foram os principais responsáveis pela

expansão urbana. O crescimento da cidade comercial, no entanto, se deu de forma

lenta, pois teve que enfrentar resistência tanto na estrutura quanto nos costumes da

cidade medieval.53

A construção das cidades não objetivava mais o desenvolvimento de um

espaço urbano livre e seguro, mas um meio de consolidar o poder político existente,

dando lugar às cidades absolutas, com crescimento e ocupação desordenados. Esta

característica acaba suplantando uma política de elevados gastos financeiros com a

defesa das cidades, sobretudo com o custeio de exércitos e novas fortificações,

levando ao agravamento e, conseqüente dificuldade de expansão destas cidades,

causando uma valorização imobiliária das terras, a falta de locais públicos comuns,

um aumento da concentração populacional a partir do século XVII, ocasionando o

aumento dos aluguéis, o alojamento da população em locais sem infra-estrutura e

serviços, como os cortiços, que acabam se proliferando nas principais cidades

européias.

Mumford destaca que a partir desta época (século XVII), o poder exercido pelo

capitalismo imprime um estímulo à expansão urbana, possuindo como principais

interessados, os mercadores, financistas e senhores de terra. O aumento da

especulação, tende a desmantelar toda uma estrutura da vida urbana, e a liberdade

para investimentos privados, visando o lucro e acumulação, desvincula-se do bem-

estar da comunidade. Assim,

52 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 12. 53 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1998,

p. 17.

Page 41: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

[...] a cidade, desde o princípio do século XIX, foi tratada não como uma instituição pública, mas como uma aventura comercial privada, a ser afeiçoada a qualquer modo que pudesse aumentar a rotatividade e fazer subirem mais ainda os valores dos terrenos.54

Embora a cidade seja uma instituição milenar, o processo de urbanização da

humanidade só veio a acontecer bem mais recentemente, a partir da Revolução

Industrial, na passagem do século XVIII para o século XIX. Até 1850, nenhum país

possuía população urbana superior à rural. O Reino Unido, berço da revolução

industrial (e exatamente por isso), foi a primeira nação a atingir esse patamar. O

desenvolvimento da cidade industrial moderna, nos moldes que a conhecemos hoje,

se deu exatamente nesse período, há cerca de 200 anos atrás, resultando num

fenômeno que podemos denominar como sociedade urbano-industrial. Durante os

séculos XIX e XX, urbanização e industrialização foram processos praticamente

associados. As sociedades se urbanizaram na medida em que se industrializaram.55

Com a evolução promovida pela Revolução Industrial, as operações comerciais

nas cidades se ampliam de tal forma que passam a incumbir-se da organização e

racionalização das operações relacionadas à produção industrial, bem como dos

serviços públicos e privados dela decorrentes. Ainda, neste sentido:

A formação e mesmo o desenvolvimento das cidades tomaram, assim, grande impulso com o desenvolvimento da industrialização. A indústria absorve os centros urbanos já importantes nos fins do século XVIII e durante o século XIX, predominantemente em alguns setores, como os da indústria gráfica e de papel, ambas já desenvolvidas de forma artesanal nas grandes cidades. A fábrica e todos os investimentos necessários para que o capital desenvolvesse plenamente a capacidade produtiva as unidades industriais, exigiam a ampliação dos mercados, o que quer dizer o fortalecimento das relações entre os lugares. A especialização funcional que começou com a manufatura manifestou-se numa divisão social do trabalho cada vez mais complexa à medida que o capitalista fazia mais investimentos na unidade industrial, com o objetivo de ampliar sua capacidade produtiva.56

54 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 461. 55 BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu Figueiredo de. Cidade: Espaço da Cidadania. In:

GIOMETTI, Analúcia B. R.; BRAGA, Roberto (orgs.). Pedagogia Cidadã: Cadernos de Formação. São Paulo: UNESP-PROPP, 2004, p. 105-120.

56 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 59.

Page 42: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Embora as cidades tenham sido, ao longo de toda a sua história, um local de

reunião de inúmeras atividades, foi somente com a Revolução Industrial que a sua

importância aumentou, tendo passado a atrair, para os empregos no comércio e na

indústria, massas de trabalhadores que anteriormente viviam nas regiões rurais.

Nunca as cidades cresceram tanto como sob o regime capitalista de produção. Os

países chamados desenvolvidos já passaram por esse processo de urbanização ao

implantar uma economia decorrente de uma técnica de produção industrializada.

O professor Luiz Ernani Bonesso de Araújo destaca que é digno de ser

registrado o impacto, no âmbito das cidades, advindo com a Revolução Industrial,

sobretudo pois ela completa, definitivamente, o ciclo de crescimento urbano, através

da produção de riqueza, o surgimento de um novo tipo de padrão de vida social, e,

conseqüentemente, o início do êxodo rural, visto que o excedente de mão-de-obra

agrícola é utilizado nos setores industriais e de serviços.57

A criação destas cidades industriais, favorecidas pela crescente concentração

demográfica, acarreta o surgimento de inúmeras fábricas e, conseqüentemente, de

um ambiente urbano degradado, “desperdiçando recursos e energia, desvalorizando

a vida, sob a égide da máquina e do dinheiro, planejando de acordo com seus

resultados específicos, revertendo em desemprego e mau emprego, em doença e

loucura, em vício e apatia, em indolência e crime”.58

Ao se refletir sobre a funcionalidade destas cidades, pode-se indagar que

peculiaridades intrínsecas as poderiam fazer diferentes do campo. A cidade grande,

por sua complexidade e estigma, acaba recebendo contingentes populacionais com

escolaridade e qualificação profissional diversificados e tem, ou teve, ao longo de

décadas, de acomodá-los em domicílios dos mais variados padrões, como casas,

apartamentos e domicílios coletivos, muitos deles, como pode-se verificar,

atualmente, subnormais ou assentamentos informais.

57 ARAÚJO, Luiz Ernani Bonesso de. A Questão Fundiária na Ordem Social. Santa Cruz do Sul: Fisc,

1985, p. 23 e ss. 58 GEDDES, Patrick. Cidades em evolução. Trad. de Maria José Ferreira de Castilho. Campinas:

Papirus, 1994, p. 78.

Page 43: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Desta forma, os autores que retrataram as condições das cidades industriais do

século XIX não poupam palavras para descrever o caos urbano existente nos mais

diversos setores, como circulação, higiene e infra-estrutura. Dentre eles, uma

observação bastante pertinente a esse respeito é feita pelo geógrafo David Clark

quando ele afirma que é discutível se as condições de vida, nas cidades do século

XIX, eram significativamente piores do que as que existiam na zona rural antes da

industrialização, visto que a concentração da carência, nos bairros pobres das

cidades, tornou visível a pobreza e as doenças e, surgindo como ameaças às

classes médias e altas, fez com que essas condições fossem definidas como um

problema básico para a sociedade.59

Uma das grandes marcas desse século tem sido o “formidável crescimento dos

grandes centros urbanos, que não se verificava anteriormente porque o avanço

demográfico geral era muito mais lento e porque esse excedente demográfico não

era absorvido pelas grandes cidades”.60 Contudo, nas últimas décadas, o ritmo de

crescimento das cidades está sendo muito superior ao das possibilidades de

previsão das autoridades públicas, a sua capacidade de assimilar os problemas e

geralmente dos recursos disponíveis para proceder às reformas de grande vulto que

se fazem necessárias para criar novas estruturas eficazes.

Neste sentido, o crescimento das cidades por não se dar acompanhado do

desenvolvimento sócio-econômico e das funções urbanas, traz em seu bojo uma

crescente marginalização social, isso porque não oferece condição de absorver e de

empregar os elevados contingentes humanos que o campo repeliu. Para Goitia, este

fenômeno fez com boa parte da população que chega às cidades,

[...] é forçada a se distribuir nos locais mais “miseráveis e abandonados, invadindo propriedades alheias ou zonas com condições urbanas inadequadas. Isto deu lugar aos chamados bidonvilles das cidades francesas ou argelinas, as chabolas (barracas de madeira) ou chabolismo espanhol, as famosas favelas brasileiras, os ranchos venezuelanos, etc. Não há cidade em processo de crescimento agressivo que não sofra destas manifestações patológicas”.61

59 CLARK, David. Introdução à geografia urbana. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 54. 60 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 30. 61 Ibidem, p. 31.

Page 44: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Diante destas constatações, importante destacar que o estudo do processo de

origem e evolução das cidades é fundamental para que, tantos seus habitantes,

quanto os administradores públicos e planejadores, possam direcionar o crescimento

das mesmas, através de uma gestão democrática, influenciando na implementação

de políticas públicas direcionadas para o melhoramento da circulação, dos custos de

urbanização, da vida diária dos cidadãos e dos instrumentos público-urbanos.

Finalizado este breve resgate histórico sobre a formação e desenvolvimento

das primeiras cidades, bem como observados os principais aspectos que

caracterizaram a evolução das mesmas até o presente momento, impõe-se, como

complementação final deste capítulo, desenvolver um estudo sobre a atual

concepção e definição das cidades.

1.3 A concepção atual das cidades

Apesar da inquestionável evolução, percebe-se que a cidade continua a ser

uma incógnita de difícil solução. Sendo produto das relações humanas, transforma-

se quando a sociedade se transforma e pode ser percebida de várias formas e sob

diversos ângulos, sendo que, conforme estudado nos tópicos anteriores, a origem da

cidade não é um feito recente: é resultante de um processo histórico.

Com base nesta assertiva e segundo Henry Lefébvre, ao se afirmar que a

urbanização, e conseqüente visão que temos, atualmente, das cidades, é resultado

do processo de industrialização, não significa que está se descartando o que a

cidade já representava antes da indústria, ou seja, não é admissível menosprezar o

que significou a cidade oriental, ligada ao modo de produção asiático; as cidades

gregas e romanas, com sua arquitetura clássica, apesar de baseada no escravismo;

ou a cidade medieval, inserida em relações feudais; dentro deste processo de

formação do espaço urbano.62

Atualmente, fixar o conceito de cidade não se tornou uma tarefa fácil, pois não

há um padrão mundial que defina uma cidade, variando de país para país. Pode-se

62 LEFÉBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 37.

Page 45: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

discutir, nesse diapasão, qual seriam os critérios para definir que uma determinada

extensão territorial detenha o título de cidade ou centro urbano. Critérios como a

densidade populacional por quilômetro quadrado, ou ainda a forma predominante da

atividade econômica, uma vez considerados isoladamente não representam

elementos exaustivos do conceito de cidade. Tradicionalmente, muitos organismos

públicos, bem como inúmeros autores, consideram a existência de uma cidade

baseados em critérios quantitativos, como a Organização das Nações Unidas –

ONU, que optaram por esse conceito, definindo como cidade aquelas localidade cuja

população urbana tenha pelo menos 20.000 habitantes.63

Nesta perspectiva, por exemplo, na Dinamarca, bastam 250 habitantes para

uma comunidade urbana ser considerada uma cidade, e na Islândia, apenas 300

habitantes. Na França, a menor entidade político-administrativa são as comunas,

sendo que o termo cidade (ville) é aplicado apenas pelo Instituto de Estatísticas da

França – INSEE para aquelas que possuam um mínimo de 2.000 habitantes, e na

Espanha, 10.000 habitantes. Na Itália, o termo cittá é atribuído aquele comune que

contenha áreas residenciais, industriais e comerciais, bem como desenvolver

funções administrativas que envolvam uma área geográfica mais ampla, ao contrário

da paese, que é a forma para denominar pequenos e médios comunes.

Em Portugal, ao longo da Idade Média, as primeiras cidades representavam as

sedes de diocese, porém, com o decorrer do tempo, outras vilas foram promovidas a

cidade, por questões geo-estratégicas, demográficas ou econômicas. É através da

Lei n° 11/82, que foram definidas as condições nece ssárias para que uma localidade

tenha o estatuto de cidade, entre elas, possuir mais de 8.000 eleitores e, pelo

menos, metade dos seguintes equipamentos coletivos: instalações hospitalares,

farmácias, corporação de bombeiros, casa de espetáculo ou centro cultural, museu e

biblioteca, hotéis, estabelecimento de ensino preparatório, secundário, pré-primários

e infantis, transporte público, parques ou jardins públicos.64

63 CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2003, p.

15-16. 64 WIKIPÉDIA. Cidade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade>. Acesso em: 17 jun 2007.

Page 46: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Outros países, sobretudo os de língua inglesa, como os Estados Unidos da

América e o Canadá – com exceção da província de Quebec – apresentam duas

definições de cidade, city e town, sendo a primeira considerada a cidade

propriamente dita, uma cidade primária, enquanto que a segunda, refere-se a uma

cidade de pequeno porte, uma cidade secundária. O que também define se uma

área urbana receberá o estatuto de city ou town, é o número de habitantes, mais de

3.000 habitantes para a city, e entre 500 e 2.500 habitantes para a town.

No Brasil, o conceito de cidade é definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística – IBGE, órgão oficial do Governo Federal responsável pelos censos

demográficos, sendo que qualquer comunidade urbana, caracterizada como sede de

município ou de distrito, pode ser considerada uma cidade, independente do número

de habitantes.65

O conceito demográfico e quantitativo de cidade, pelo qual se considera cidade

o aglomerado urbano com determinado número de habitantes, é muito difundido

entre a maioria dos estudiosos, sendo, também, a concepção que orienta a definição

oferecida por Sjoberg:

[...] a cidade é uma comunidade de dimensões e densidade populacional consideráveis, abrangendo uma variedade de especialistas não-agrícolas, nela incluída a elite culta.66

José Afonso da Silva afirma que, para chegar à sua formulação, importante

destacar que nem todo núcleo habitacional pode ser considerado como espaço

urbano e, conseqüentemente, definido como cidade. O referido autor assevera que

existem alguns requisitos mínimos a serem preenchidos para tanto, não bastando a

existência de um aglomerado de residências, como: 1) densidade demográfica

específica; 2) profissões urbanas diversificadas, sejam no comércio ou ramo

manufatureiro; 3) economia urbana permanente, sem deixar de lado a relação com o

65 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em:

<http://www.ibge.org.br>. Acesso em: 27 jul 2007. 66 SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade.

2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 38.

Page 47: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

meio rural; 4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos

próprios.67

Diante disso, surge outra dificuldade para formular o conceito de cidade, visto

que, conforme destacado no parágrafo anterior, nem todo núcleo urbano pode ser

considerado uma cidade. É neste sentido, que a partir do emprego da sociologia

urbana se tem tentado buscar firmar conceitos de cidade, como “uma situação

humana”, “uma organização geral da sociedade”, “como centro de consumo em

massa”, “como fábrica social”, ou, nas palavras de Henry Lefébvre como “projeção

da sociedade sobre um local”.68

A cidade sempre se caracterizou como espaço de luta entre os mais diversos

tipos de classes e movimentos sociais no sentido de reivindicar seus direitos,

sobretudo melhores condições de vida. Desta forma, como forma de resistência

contra a segregação, a fusão dos interesses do Estado, da sociedade em geral e da

iniciativa privada, direcionou-se para a busca do direito à cidade. Para Corrêa, todos

estes agentes sociais, constituem-se, segundo seus interesses, em modeladores do

espaço urbano na atualidade.69

O espaço urbano, entendido como uma organização territorial e social

complexa, é construído pelo conjunto de relações que se estabelecem ao seu

entorno e com seus habitantes, as quais compreendem variáveis sociais,

econômicas, físico-espaciais e ambientais, que fazem parte deste complexo

emaranhado de relações e demandas, o que requer habilidades de planejamento e

gestão de forma a gerar espaços urbanos democráticos, socialmente justos e com

adequadas condições físico-ambientais.70

Numa análise contemporânea, não se pode enfocar a questão urbana sem

destacar a história do processo de urbanização, que, por sua vez, introduz a 67 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros

Editores Ltda., 1997, p. 18-19. 68 LEFÉBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 56. 69 CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989, p. 07-08. 70 RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Pequena Digressão sobre Conforto Ambiental e Qualidade de Vida

nos Centros Urbanos. In: Revista Ciência & Ambiente. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, v.1, n. 1, jul., 1990, p. 36-58.

Page 48: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

problemática do desenvolvimento das sociedades, principalmente aquele relativo ao

crescimento e adensamento populacional,

Isto quer dizer, se é claro que o processo de formação das cidades é a base das redes urbanas e condiciona a organização social do espaço, que quase sempre se detém na taxa de crescimento demográfico, ligando num mesmo discurso ideológico a evolução das formas espaciais de uma sociedade e a difusão de um modelo cultural sobre a base de uma dominação política.71

Para Maria Lucia Bezerra, o termo urbano designa uma forma particular de

ocupação do espaço por uma população, ou seja, a aglomeração, resultante de uma

forte concentração e de uma densidade relativamente elevada, com uma grande

diferenciação funcional e social. Mas, é sobretudo pelas relações sociais que se

estabelecem nesse espaço, decorrentes de uma aproximação físico-territorial e de

um sistema cultural sintonizado com um projeto de modernidade, que se expressa o

modo de vida urbano.72

Porém, a situação em que se encontram estes espaços urbanos no presente,

também permite confundir e não entender a cidade e seus papéis, daí o fato dela ser

tudo e nada ao mesmo tempo. Atualmente, as cidades passam por sérias

dificuldades, mas mesmo assim, têm papel de grande importância como o locus de

grandes transformações. Dentre estas, as transformações na estrutura econômica,

acarretadas pelo desenvolvimento, não somente provocam rápida urbanização, mas

também forte concentração urbana. Assim, a paisagem dos domicílios pode nos

permitir imaginar que tal cidade é moderna, porque as moradias apresentam-se

interessantes, cômodas e com bom design. Isso pode ser comum a qualquer cidade,

desde a metrópole à cidade interiorana, entretanto, quando penetramos no interior

de qualquer cidade metropolitana, é que podemos diagnosticar ou não um retrato de

mazela e de impactos ecológicos.

71 CASTELLS, Manuel. La Question Urbaine. Paris: Ed. François Maspero, 1973, p. 18. In: BEZERRA,

Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim Nabuco – textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2005.

72 BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim Nabuco – textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2005.

Page 49: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A cidade tornou-se madura no capitalismo e nele também está envelhecendo,

com todas as contradições que acumulou em apenas um pouco mais de dois

séculos de crescimento exponencial. A sociedade capitalista se caracteriza pelos

fenômenos da industrialização ou revolução tecnológica e pelo processo acelerado

de urbanização, com todas as profundas seqüelas deste. As conseqüências

advindas não se manifestam somente no campo, mas principalmente no ambiente

urbano e industrial. Como enfatiza Cavalcante, no Brasil, a maioria das cidades não

tem conseguido formar uma “cultura urbana”, mas apenas uma “cultura de massas”.

Entende o autor, que a baixa qualidade de vida urbana é o efeito de um modelo de

cidade que cresceu economicamente mais depressa do que se desenvolveu

socialmente, o que, por sua vez, é efeito do modelo de globalização advindo do

desenvolvimento capitalista.73

Diante disso, verifica-se que o impacto econômico da globalização modifica

radicalmente a estrutura urbana e social das cidades, impondo novos padrões de

política e de gestão urbanas. Borja e Castells, consideram que três macro-processos

inter-relacionados – globalização, informacionalização e espraiamento urbano

generalizado –, parecem estar convergindo no sentido do desaparecimento da

cidade como uma forma específica de sociedade relacionada a territórios. Depois de

existirem por milênios, as cidades pareceriam estar caindo em um inevitável declínio

histórico no limiar do novo milênio. Isto não significa que os problemas urbanos

desaparecerão. Ao contrário, agora, mais que nunca, no processo de uma ampla

urbanização, as formas de como agir com habitação e serviços urbanos, e de como

proteger o meio ambiente, são problemas agravados por uma forma de

assentamento no território que é mais predatória que as formas anteriores.74

Hoje, na visão de Munford, as dimensões físicas e o alcance que todos

possuem sobre a cidade estão sempre em constante mudança, o que significa que a

maior parte das funções e estruturas nela existentes necessitem ser refundidas, no

sentido de promover a consecução das suas finalidades. No futuro, a cidade deve se

73 CAVALCANTE, Enoque G. Capital, meio ambiente e qualidade da vida urbana. In: Revista de

Geografia, Recife, ano 4, jan./dez., 1986, p. 23-28. 74 BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: the management of the cities in the

information age. 5. ed., Madrid: Taurus, 2000, p. 74.

Page 50: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

consubstanciar em instrumento para o desenvolvimento de todos os setores nela

existentes, sejam econômicos, políticos, culturais ou sociais. Atualmente, os

processos cada vez mais automáticos de produção e expansão urbana se afastam

dos objetivos desejáveis para os habitantes das cidades, quais sejam, melhores

condições de vida.75

Portanto, a garantia da qualidade de vida das pessoas, que cada vez em maior

número vivem nas cidades, depende de uma série de fatores que devem ser

considerados em conjunto e inter-relacionados. Esses fatores são de ordem

ambiental, cultural, social, econômica e política, além da tecnologia empregada para

oferecer maior conforto à população. Antes de qualquer coisa, a forma como as

pessoas vivem em uma sociedade está condicionada pela maneira como se criam

as condições materiais que sustentam essa sociedade, de acordo com as

necessidades objetivas e subjetivas de sujeitos concretos.

A cidade, como ambiente vivo, construída pela inteligência humana, encontra-

se em plena transformação, agregando, ao longo do tempo, novas funções e, assim,

garantindo o planejamento e desenvolvimento urbano, bem como o bem-estar de

seus habitantes. Na cidade pós-moderna, que não se limita mais ao espaço-físico

territorial, surgem novas funções sociais, sobretudo porque a cidade, que se

comunica e se organiza em redes, passa a ser olhada sobre uma outra ótica.

Estando, portanto, em constante processo físico de transformação, a cidade

gera produtos e resíduos, num processo contínuo e constante, que acabam

refletindo, também, nos aspectos ambientais, sociais, econômicos e políticos. O que

se pretende, no futuro próximo, é buscar o seu equilíbrio com a natureza, através da

sustentabilidade. Há, no entanto, quem, como Alexander Mitscherlich faça a

advertência:

Pensando na cidade do futuro, esta não pode ser apenas aquelas das nações industrializadas da Europa ocidental cujos problemas não provem em primeiro lugar do aumento de população, mas muito mais das tendências de acumulação das empresas industriais. Os milhões de homens não-civilizados, não instruídos e, em conseqüência disso, condenados à

75 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil

R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 615-616.

Page 51: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

vegetação material e espiritual, não podem ser absorvidos em cidades que pretendem ser espaço vital.76

Para Goitia, a cidade moderna tem se deixado levar em demasia pelas

prioridades definidas pelo tráfego. Diante do desenfreado desenvolvimento urbano,

para alguns, principalmente os setores públicos, o tráfego é primordial e a sua

solução deve orientar todas as outras soluções urbanas, porém o mesmo autor

adverte que “não faz sentido planificar com vista ao tráfego sem planificar ainda mais

profundamente com vista a outras necessidades humanas”.77

Na concepção de Ana Fani Alessandri Carlos, a cidade é muito mais do que a

consecução das necessidades vitais e imediatas (habitação, infra-estrutura,

segurança, trabalho), ela possui uma identidade. A cidade é um modo de viver,

pensar, produzir idéias, comportamentos, valores, formas, lazer e cultura. Mas

também, nela é que surgem e fundem-se os interesses do capital, a ação do Estado

e a luta dos seus habitantes, tornando-a, assim como referia Lewis Munford, um

organismo vivo, em que há a produção e segregação do espaço urbano, enquanto

materialização do direito à cidade. Neste sentido, a cidade aparece como um bem

material, como uma mercadoria que é consumida de acordo com as leis e a

reprodução do capital, tornando o espaço urbano um produto de valorização, sendo

negociada no mercado imobiliário enquanto mercadoria.78

Neste sentido, a cidade, enquanto empreendimento, deverá satisfazer às

necessidades individuais e coletivas dos vários setores de sua população, sendo

que, para tanto, deve-se articular recursos humanos, financeiros, institucionais,

políticos e naturais para sua produção, funcionamento e manutenção. A este

processo dirigido para operar a cidade, dá-se o nome de gestão urbana. A gestão

democrática do espaço urbano é, portanto, uma ação política, componente do

governo da cidade, responsável pela elaboração de políticas públicas, pela sua

concretização em programas e pela execução dos projetos.

76 MITSCHERLICH, Alexander. A cidade do futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1972, p. 51. 77 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 38. 78 CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8. ed., São Paulo: Contexto, 2005, p. 26-27.

Page 52: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Henry Lefébvre enfatiza o aspecto dialético do urbano e da produção do

espaço e põe em evidência a cidade do século XX, em que bens antes raros se

tornaram abundantes e bens antes abundantes, como a luz, o ar, a água e o próprio

espaço tornaram-se raros.79

Atualmente, o problema a ser resolvido não é somente prover moradia e

serviços básicos. É de outra escala, a de construir a cidade nos novos espaços

urbano-regionais, o que significa providenciar respostas efetivas à pelo menos cinco

novos desafios: trabalho e emprego; segurança; integração sócio-cultural;

sustentabilidade; governança. Borja e Castells propõem três princípios para orientar

o desenvolvimento da cidade: o direito à cidade, a legitimidade dos governos locais

pela proximidade com sua população, e a declaração universal dos direitos dos

cidadãos. Em suma, os autores apresentam três conjuntos de conclusões sobre

democracia local, políticas urbanas, e cidades na esfera das relações internacionais,

no tocante à questão das cidades na globalização.80

Deve-se, como forma de alterar o atual quadro em que se encontram as

cidades, buscar uma nova identidade, que procura descobrir suas verdadeiras

funções. É, portanto, a partir da cidade sustentável, conectada em redes sociais e

econômicas, e ao meio-ambiente, que irá se verificar o cumprimento destas suas

funções, promovendo o planejamento e desenvolvimento urbano e garantindo o

bem-estar de seus habitantes.

Neste sentido, segundo Hely Lopes Meirelles, um dos primeiros instrumentos

que surgiram como modelo para a cidade moderna, planejada e com funções

delimitadas em seu espaço físico-territorial, foi a Carta de Atenas. Desde a década

de 1930, quando o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna se reuniu, que

se destacam, como funções do espaço urbano, a habitação, trabalho, circulação e

recreação. No Brasil, o marco histórico da implantação destas diretrizes e funções foi

o projeto de Lucio Costa, quando da construção de Brasília.81

79 LEFÉBVRE, Henry. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, p. 64. 80 BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: the management of the cities in the

information age. 5. ed., Madrid: Taurus, 2000, p. 78. 81 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 377.

Page 53: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Posteriormente, com a criação do Conselho Europeu de Urbanistas (CEU),

reunindo diversos setores relacionados com o urbanismo, propôs-se uma Nova

Carta de Atenas. Esta, ao analisar as cidades contemporâneas e suas funções,

tratou de apresentar propostas para o futuro das cidades no século XXI, devendo

sofrer revisão de quatro em quatro anos. A primeira foi aprovada no congresso

realizado em 20 de novembro de 2003, em Lisboa, Portugal, recebendo o nome de

Carta Constitucional de Atenas 2003 – A visão das Cidades para o Século XXI do

Conselho Europeu de Urbanistas. Dentre as diretrizes, propõe uma rede de cidades

que almeje:

[...] conservar a riqueza cultural e diversidade, construída ao longo da história; conectar-se através de uma variedade de redes funcionais; manter uma fecunda competitividade, porém esforçando-se para a colaboração e cooperação e contribuir para o bem-estar de seus habitantes e usuários. 82

Ainda, propõe o equilíbrio social envolvendo não apenas as pessoas, mas

também as comunidades, para solucionar os problemas de acessibilidade à

educação, saúde e outros bens sociais, possibilitando reduzir a ruptura social

causada pela exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade. Neste sentido, o

planejamento do espaço urbano também surge como elemento importante para

eliminar as diferenças e dar um caráter de continuidade através de intervenções

para proteger e melhorar a qualidade de vida dos habitantes das cidades.

A nova Carta de Atenas de 2003 estabelece um comprometimento às cidades

modernas no sentido de implementação, na medida do possível, de não quatro, mas

doze funções, consideradas verdadeiras diretrizes a serem efetivadas, dentre eles:

cidade para todos, cidade participativa, cidade refúgio, cidade saudável, cidade

produtiva, cidade inovadora, cidade do movimento racional e da acessibilidade,

cidade do meio ambiente (ecológica/sustentável), cidade da cultura, cidade e a

continuidade de caráter (histórica). Estes conceitos não podem ser prescindidos

pelos gestores do meio urbano neste novo milênio, sobretudo com vistas a

82 LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003. Disponível em: <http://www.ceu-ectp.org>. Acesso

em: 14 set 2006.

Page 54: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

possibilitar que a cidade, em sendo sustentável, mantenha a qualidade de vida não

apenas para esta mas principalmente para as futuras gerações.83

Referidas funções, podem ser dividas em três grupos:

- funções urbanísticas: habitação, trabalho, lazer e mobilidade;

- funções de cidadania: educação, saúde, proteção e segurança; e

- funções de gestão: prestação de serviços, planejamento, preservação do

patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana.

Há, porém, de se convir, que a questão sobre as funções da cidade moderna

amplia-se, sobretudo porque o impulso ocorrido no desenvolvimento de tecnologias

inovadoras gerou uma nova visão sobre o espaço urbano, não apenas sobre o real,

com suas avenidas, edifícios, diversificação dos meios de locomoção, fábricas,

comércio, escritórios, universidades. Para Castells, são as tecnologias de

telecomunicações que unem este espaço urbano real a um ambiente virtual, fazendo

com que espaço e tempo se unam, estabelecendo uma nova dimensão material da

vida humana.84

O que se verifica, na realidade, é que a otimização destas funções não se

concretiza uniformemente, sobretudo porque os recursos existentes nas cidades não

são suficientes para tanto, bem como os atualmente disponíveis são utilizados para

solucionar as necessidades sociais mais prementes. No Brasil, particularmente, Leal

assevera que:

[...] a Constituição de 1988 subordinou o cumprimento da função social da propriedade urbana às exigências da ordenação da cidade, o que estabelece de forma muito clara quais as diretrizes a serem observadas no gerenciamento dos espaços privados localizados em zona urbana, ou seja, aquelas que venham ao encontro dos princípios e garantias fundamentais da cidadania brasileira, priorizadas sobre os interesses privados ou setoriais porventura existentes.85

83 LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003. Disponível em: <http://www.ceu-ectp.org>. Acesso

em: 14 set 2006. 84 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 85 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 121.

Page 55: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

O mesmo autor aduz que tais garantias somente poderão ser levadas a cabo

através da adoção de políticas públicas de desenvolvimento urbano, objetivando

ordenar o pleno desenvolvimento de todos os segmentos sociais, em especial o

bem-estar dos habitantes das cidades. Para tanto, uma das formas de exercício

destas políticas públicas seria a utilização dos instrumentos disponibilizados pelo

Estatuto da Cidade, sobretudo através do Plano Diretor, que surge como

instrumentos de promoção do adequado planejamento e controle do uso,

parcelamento e ocupação do espaço urbano.86

Após este breve resgate histórico sobre a origem dos primeiros núcleos sociais,

da conseqüente evolução ocorrida entre as primitivas aldeias até a formação e

desenvolvimento das primeiras cidades, com suas características, forma de

ocupação territorial e desenvolvimento urbanístico, chegando à definição das atuais

concepções do instituto da cidade, o capítulo subseqüente, como forma de delimitar

o alcance espacial deste estudo, busca destacar os principais marcos e aspectos

que caracterizaram a formação e desenvolvimento do espaço urbano no Brasil,

sobretudo a partir do século XX.

86 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 133.

Page 56: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

2 PRINCIPAIS MARCOS E ASPECTOS QUE CARACTERIZARAM A

FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO URBANO NO BRAS IL

Neste segundo capítulo, como forma de delimitar o alcance espacial deste

estudo, são analisados os principais marcos que caracterizaram a formação e o

desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto

da Cidade como marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas

no capítulo constitucional referente à Política Urbana. Finalizando, serão destacados

os principais aspectos que caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território

brasileiro a partir do século XX.

Diante disso, ao se tratar dos marcos que fundamentaram a formação e

desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, merece importância, inicialmente, a

ponderação sobre os marcos normativo-constitucionais que baseiam o direito de

propriedade e demais aspectos relacionados à configuração territorial do Brasil.

Neste sentido, a história constitucional brasileira tem início com a independência.

Sendo a urbanização um processo dinâmico, a sucessão de textos constitucionais,

ao mesmo tempo em que influenciaram o desenvolvimento das cidades, trouxeram

tratamentos diferentes à cidade e à propriedade, conforme os momentos históricos.

2.1 Marcos normativo-constitucionais da formação do espaço urbano no Brasil

Historicamente, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 já

dispunha sobre a consagração plena do direito de propriedade, bem como

estabelecia a divisão do território em províncias, podendo ser subdivididas a bem do

Estado. A administração das províncias ficava a cargo das Câmaras Municipais, que,

Page 57: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

diante do centralismo provincial, que não confiava nas administrações locais, trouxe

para as “Municipalidades a mais estrita subordinação administrativa e política aos

presidentes das Províncias”, sendo, portanto, meramente administrativas. Sem

órgãos adequados para o exercício de suas funções, a organização das

municipalidades, ficou estagnada, fato que somente se alterou com a criação, pela

Lei n° 18, de 11 de abril de 1835, na Província de São Paulo, do cargo de prefeito. 87

A propriedade, como instituto eminentemente privatista, assume destaque, na

Constituição de 1824, a partir do artigo 179:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...] XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.88

Apesar da evidente concentração de poder, que impede o desenvolvimento das

autonomias locais e regionais, a Constituição do Império, ao menos no plano formal,

assegurou a garantia de direitos e o respeito à separação dos poderes, princípios

que não comungavam com o absolutismo.

Com a proclamada a República em 1889, o constitucionalismo brasileiro,

influenciado pelo modelo americano, institui o sistema republicano, a forma

presidencial de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma

suprema corte, apta e decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder. Segundo

Bonavides, consagra-se um modelo de “Estado Liberal, que representava a ruptura

com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em valores de

estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade”.89

87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes

Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 36. 88 BRASIL, Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

89 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 331.

Page 58: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro

de 1891, é a primeira do período republicano, e estabelecia a transformação das

antigas províncias em Estados (artigo 2°), organiza dos de forma a assegurar a plena

autonomia dos Municípios, sobretudo ao que diga respeito ao seu interesse (artigo

68). Com a nomeação dos prefeitos ficando a cargo do governador estadual, o

centralismo continuou a imperar, desrespeitando a autonomia municipal e qualquer

garantia de democrática. Diante disso, comenta Silva que lhe faltou “vinculação com

a realidade do país, por isso, não teve a eficácia social, não regeu os fatos que

previra, não fora cumprida”.90

A propriedade foi mantida em toda a sua plenitude, nos moldes da constituição

imperial, ressalvada a desapropriação por necessidade ou utilidade pública,

mediante prévia indenização:

Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.91

A partir da Constituição de 1891, contempla-se a tripartição dos poderes,

aduzindo o artigo 15 que “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o

Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.92 Desta forma, houve

o enfraquecimento do poder central e o fortalecendo dos poderes regionais e locais,

até então sufocados pelo poder centralizador do Império. Porém, tem-se presente a

construção da “política do coronelismo”, que funcionava na base da coerção, da

força e de leis próprias, elegendo os governadores, os deputados e os senadores, e

confrontando formalmente a Constituição.

90 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003,

p. 79. 91 BRASIL, Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível

em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

92 SILVA, op. cit., p. 79.

Page 59: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Esse período da história perdurou até a década de 1930, quando, com a

instalação de um Governo Provisório, Getúlio Vargas promoveu a reorganização

constitucional do país, através da formulação da segunda Constituição Republicana

em 16 de julho de 1934. Muitas idéias democráticas, frutos da Revolução de 1930,

acabaram tendo reflexo nesta Constituição, percebendo-se “a presença de traços

fundamentais do constitucionalismo alemão”93, através da inclusão de novos

princípios referentes aos direitos fundamentais, ressaltando seu aspecto social.

Destaca-se, na Constituição de 1934, que ela “teve para o Municipalismo o

sentido de um renascimento”94, pois, apesar do município não ser considerado um

ente federativo, impôs aos Estados o respeito à autonomia dos Municípios:

Art. 13. Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse; e, especialmente: I – a eletividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele ser eleito por esta; II – a decretação dos seus impostos e taxas, a arrecadação e aplicação das suas rendas; III – a organização dos serviços de sua competência.95

Outra inovação foi quanto ao conceito de propriedade como função social, tida

por Leal96 “como grande marco formal do direito positivo brasileiro em matéria de

propriedade urbana e mesmo em sede de urbanismo, eis que a partir daí se tem um

parâmetro legal de orientação sobre a natureza jurídica e política da propriedade”,

assim dispondo:

Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como

93 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 327. 94 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes

Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 38. 95 BRASIL, Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível

em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

96 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 89.

Page 60: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.97

Houve, também, a preocupação quanto às condições de trabalho, sobretudo no

campo, tendo em vista a predominância, neste período, de grande parte da

população viver na zona rural. O parágrafo 4°, do a rtigo 121 preconizava a fixação

do homem no campo, cuidando de sua educação e assegurando a colonização e

aproveitamento de terras públicas, através da cooperação entre a União e os

Estados na organização de colônias agrícolas, a serem destinadas aos habitantes

de zonas periféricas e empobrecidas das cidades. Apesar de serem propostas

constitucionais, tais previsões não se concretizaram, agravando o empobrecimento

da população e a aglomeração urbana, que foram marcas do desenvolvimento sem

ordenamento e planejamento das cidades brasileiras.

Posteriormente, com o golpe de Estado de 1937, as inovações constitucionais

não são integralmente implementadas, e a autonomia dos municípios sofre os

efeitos, sendo cassada a eletividade do prefeito, conforme disposto nos artigos 26 e

27 da Constituição de 1937:

Art. 26 – Os Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e, especialmente: a) à escolha dos Vereadores pelo sufrágio direto dos munícipes alistados eleitores na forma da lei; b) a decretação dos impostos e taxas atribuídos à sua competência por esta Constituição e pelas Constituições e lei dos Estados; c) à organização dos serviços públicos de caráter local. Art. 27 – O Prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado.98

Hely Lopes Meirelles, comentando o referido período da história municipal

brasileira, assinala que:

[...] no regime de 1937, as Municipalidades foram menos autônomas que sob o centralismo imperial, porque, na Monarquia, os interesse locais era debatidos nas Câmaras de Vereadores e levados ao conhecimento dos

97 BRASIL, Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível

em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

98 BRASIL, Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

Page 61: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

governadores (Lei de 1828) ou das Assembléias Legislativas das Províncias (Ato Adicional de 1834), que proviam a respeito, ao passo que, no sistema intervencional do Estado Novo, não havia qualquer respiradouro para as manifestações locais em prol do Município, visto que os prefeitos nomeados governavam discricionariamente, sem a colaboração de qualquer órgão local de representação popular.99

No mesmo sentido, a função social da propriedade já apregoada na

Constituição de 1934, experimenta um grande revés, pois, apesar do artigo 122

assegurar o direito de propriedade, ressalvado, unicamente, pela desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, também transfere a

definição do seu conteúdo, alcance e limites à regulamentação do seu exercício.

O país, com o fim do Governo Ditatorial em 1945, experimenta um novo

processo de constitucionalização e redemocratização, e a Constituição de 1946

implementa importantes conquistas para os municípios, começando pela

descentralização da administração, assegurando, ainda, a autonomia política (artigo

28, I), administrativa (artigo 28, II) e financeira:

Art. 28. A autonomia dos Municípios será assegurada: I – pela eleição do Prefeito e dos Vereadores; II – pela administração própria, o que concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente, a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas; b) à organização dos serviços públicos locais.100

Juntamente com a edição das leis orgânicas, a autonomia municipal deixa de

ser apenas nominal, sendo exercida de direito e de fato. O direito de propriedade,

contemplada no capítulo dos direitos e garantias individuais, possui a seguinte

previsão no parágrafo 16 do artigo 141:

Art. 141 – [...] § 16 – É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da

99 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes

Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 39. 100 BRASIL, Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

Page 62: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.101

Porém, estampado no artigo 147, há dispositivo limitando o uso da

propriedade, que será condicionado ao bem-estar social, sobretudo com a promoção

da justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

Com a instauração do Regime Militar em 1964, a história constitucional redige

um novo capítulo, destacando que a Constituição de 1967, juntamente com a

Emenda Constitucional de 1969, mantiveram o regime federativo nos moldes

anteriores. 102 Porém, nesse novo quadro, apesar do artigo 15, incisos I e II, manter a

autonomia municipal quanto à eleição dos seus prefeitos e vereadores, bem como

para arrecadação dos tributos e organização dos serviços públicos, os parágrafos 1°

a 4° imprimem diversas restrições de cunho administ rativo e organizacional, além de

ampliar os casos de intervenção do Estado no Município. Quanto ao direito de

propriedade, manteve-se a previsão contida na Constituição de 1946, imprimindo-se

como inovação, a introdução da função social da propriedade como um dos

princípios da ordem econômica e social.

Em 1985, com a redemocratização do Brasil, inaugurou-se um novo período na

história das instituições políticas brasileiras, que teve como auge a promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988, trazendo

consigo importantes avanços. Segundo Meirelles, a carta brasileira, “corrigindo falha

das anteriores, integrou o Município na Federação, como entidade de terceiro grau –

na ordem decrescente da nossa Federação: União – Estados – Municípios”. 103 Essa

correção veio nos artigos 1°, caput, e 18, caput:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

101 BRASIL, Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.

102 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 353. 103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes

Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 42.

Page 63: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.104

Importante salientar a diferença de tratamento dada pelas Constituições

brasileiras e leis pertinentes à propriedade em comparação às atualmente aplicáveis.

Isto se deve, principalmente, em face do previsto no antigo Código Civil de 1916,

para o qual a propriedade tinha seu conceito de forma absoluta e com pouca

adequação à realidade social ou a sua função coletiva. O referido texto legal foi um

dos primeiros diplomas legais a estipular limitações ao direito de propriedade, pois,

além de prever o direito de vizinhança, também estipulava determinadas limitações

urbanísticas, através de normas capazes de atrelar o interesse privado em prol do

público.

Porém, segundo ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são expressões daqueles, porém, tal como admitimos e dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, nisto sim, limitações à liberdade e à propriedade.105

Em relação ao direito de propriedade, a velha concepção civilista é alterada. A

Constituição de 1988 condiciona seu conceito e significado, estando o regime

jurídico da propriedade fundamentado nela própria, pois é garantido o direito de

propriedade, conforme expresso no artigo 5°, inciso s XXII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade;106

104 BRASIL, Constituição (1988). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. 105 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1983, p.

164. 106 BRASIL, op. cit.

Page 64: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Ainda, o texto constitucional vigente foi pródigo ao tratar da propriedade, em

outros dispositivos, indicando a sua importância dentro do atual quadro urbanístico

brasileiro, como se pode verificar nos artigos 5°, XXIII (referente ao atendimento,

pela propriedade, da sua função social), artigo 5°, XXIV (que trata da desapropriação

por necessidade ou utilidade pública), artigo 176 (que trata das jazidas e demais

recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica), artigo 177 (que trata dos

monopólios da União), artigos 183 e 191 (que tratam do usucapião) e artigo 186 (ao

definir o cumprimento da função social pela propriedade rural).

Porém, ao atentar para o texto constitucional de 1988, merece destaque a

recepção de importantes princípios, diretrizes e instrumentos relativos à questão

urbana, sobretudo a partir da introdução de capítulo próprio destinado à Política

Urbana. Este fato, por si só, já destaca a preocupação do constituinte com as

relações relativas à disciplina quanto à formação e desenvolvimento do espaço

urbano, reafirmando estes princípios constitucionais como importantes instrumentos

para a realização de transformações qualitativas nestes espaços urbanos, sobretudo

para a consecução da melhoria na qualidade de vida do enorme contingente

populacional estabelecido nas cidades brasileiras, bem como para a proteção do

meio ambiente e para implementação de espaços urbanos constituídos de infra-

estrutura e serviços dignos à habitação, recreação, circulação e trabalho.

Ensina José Afonso da Silva que, em primeiro lugar,

[...] só podem ser consideradas normas gerais urbanísticas aquelas que, expressamente mencionadas na Constituição, fixem os princípios e diretrizes para o desenvolvimento urbano nacional, estabeleçam conceitos básicos de sua atuação e indiquem os instrumentos para a sua execução. O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto de normas gerais promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a ser seguido, visando orientar a adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de cidades e melhoria da qualidade de vida da população. Quer dizer, o campo das normas gerais, será o desenvolvimento interurbano e o mero delineamento para o desenvolvimento intra-urbano. Aqui, seu limite específico. Avançar neste será invadir terreno municipal.107

107 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 58.

Page 65: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

É, portanto, no capítulo dedicado à Política Urbana, que se encontram os

fundamentos político-constitucionais que deverão nortear a execução, pelo Poder

Público municipal, da política de desenvolvimento do espaço urbano, condicionada,

porém, às diretrizes gerais a serem estabelecidas pela União, com base na

competência que lhe foi atribuída expressamente pelo artigo 21, XX, combinado com

o artigo 182, ambos da Constituição Federal. Na leitura de Silva, nesses dois textos

constitucionais são encontrados:

[...] os fundamentos das duas amplas perspectivas da política urbana: uma que tem como objeto o desenvolvimento adequado do sistema de cidades (planejamento interurbano) em nível nacional ou macrorregional de competência federal; e a outra que considera o desenvolvimento urbano no quadro do território municipal (planejamento intraurbano) de competência local. De permeio, se insere a competência estadual para legislar concorrentemente com a União sobre Direito Urbanístico (art. 24, I) o que abre aos Estados, no mínimo, a possibilidade de estabelecer normas de coordenação dos planos urbanísticos no nível de suas regiões administrativas, além de sua expressa competência para, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.108

Diante da análise dos principais marcos normativo-constitucionais que

basearam o direito de propriedade no Brasil e que deram suporte à formação e

desenvolvimento do espaço urbano, merece consideração, também, identificar os

marcos políticos, econômicos e sociais que, historicamente, caracterizaram a

ocupação do espaço urbano e ensejaram o desenvolvimento das cidades brasileiras.

2.2 Marcos políticos, econômicos e sociais da forma ção do espaço urbano no

Brasil

O marco da colonização do território brasileiro foi o descobrimento do Brasil no

ano de 1500. Porém, apesar de fato histórico, Leal destaca que neste início de

período colonial, o processo de povoamento não é imediato, começando tão

somente no litoral, a partir de 1530, com forma de defesa e exploração da terra, ou

seja, os objetivos das primeiras cidades eram comerciais e militares.109

108 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 49. 109 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 62.

Page 66: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Neste mesmo sentido, Reis Filho destaca que “não existiu urbanização no

Brasil durante os primeiros anos, enquanto Portugal praticou em relação ao novo

território uma política de colonização com base apenas na economia predatória da

extração do pau-brasil”.110 É, a partir do cultivo da cana-de-açúcar, em meados do

século XVI, que se inicia o desenvolvimento econômico de alguns centros urbanos,

sobretudo Salvador e Pernambuco.

A inexistência de um ordenamento jurídico, regulamentando a vida, os direitos,

as garantias, os deveres e estrutura do poder sobre o território descoberto, acarreta

a ocupação desordenada do solo urbano no Brasil, bem como traz conseqüências

que se refletem por todo o espaço territorial, segundo observa Silva:

Na dispersão do poder político durante a colônia e na formação de centros efetivos de poder locais, se encontram os fatores reais do poder, que darão a característica básica da organização política do Brasil na fase imperial e nos primeiros tempos na fase republicana, e ainda não de todo desaparecida: a formação coronelística oligárquica.111

Como forma de estimular o desenvolvimento, instituem-se as Capitanias

Hereditárias, promovendo a organização espacial e desencadeando a colonização

do Brasil. Constituídas pela divisão do território em doze partes, eram concedidas a

particulares que quiseram morar no Brasil e fossem capazes de colonizá-lo e

defendê-lo. Em 10 de março de 1534, Dom João III fez a primeira concessão, via

carta de doação, em favor de Duarte Coelho, da Capitania de Pernambuco.112

Até a sua independência, em 1822, o Brasil fora regido pelas ordenações

Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, e se restringiu à expansão e criação de novos

centros urbanos, idéia esta que encontrava óbice na concepção centralizadora das

Capitanias Hereditárias.113 A inexpressiva expansão municipalista neste período,

deve-se porque “as cidades tinham pequena expressão no período colonial, posto

110 REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil. São Paulo:

Pioneira, 1968, p. 183. 111 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2. ed., São Paulo: Malheiros,

2003, p. 72.

112 Ibidem, p. 69. 113 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes

Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.

Page 67: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

que a base econômica estava no campo, mas serviam de centro de emanação do

poder político e administrativo da metrópole”.114

Porém, segundo Leal, é a partir do Estado de São Paulo que há uma ruptura

desta concepção centralizadora, onde seus habitantes avançam em direção ao

interior, fundando inúmeras vilas e povoados, que, mesmo sem planejamento ou

aprovação oficial, acarretaram a expansão da vida urbana, tendo como marco o

início do ciclo do ouro a partir de século XVIII. O mesmo ocorre nas Minas Gerais,

com o surgimento de novas cidades, atraindo um número cada vez maior de

migrantes de todas as regiões, dando origem às primeiras rotas de transporte interno

que, posteriormente, com o deslocamento do centro de exploração de minérios para

outros locais como Goiás e Mato Grosso, fazem surgir novas cidades.115

Nos primórdios do processo de urbanização do Brasil houve, segundo Caio

Prado Junior, três etapas principais quanto ao modo de organização do território:

[...] a primeira fase (1530/1570) apresenta como ponto alto a fundação do Rio de Janeiro, em 1567. O segundo período situa-se entre 1580 a 1640, com a criação de vilas e cidades, propiciando uma urbanização sistemática da costa norte, em direção à Amazônia. Num terceiro momento (1650/1720), são fundadas trinta e cinco vilas, elevando-se duas delas à categoria de cidade: Olinda e São Paulo; e, ao final deste período, a rede urbana é constituída por um respeitável conjunto de sessenta e três vilas e oito cidades.116

Diante desse crescimento, sobretudo na região Sudeste, além do aumento da

produção de riquezas e, conseqüentemente, da população, houve a mudança, em

1763, da capital brasileira de Salvador para o Rio de Janeiro, que se tornou, durante

o auge da exploração do ouro, o principal centro exportador e canal de comunicação

com o exterior, possuindo grande influência estratégica. O declínio desta atividade

exploratória trouxe recessão à economia brasileira, acarretando maior dependência

para com a agricultura. Neste período, que foi até o final da primeira metade do

século XIX, houve uma estagnação na expansão e desenvolvimento das cidades.

114 MUKAI, Toshio. Direito e legislação urbanística no Brasil: história, teoria, prática. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 17. 115 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 63. 116 PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1988, p. 84 e ss.

Page 68: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Leal destaca que, “de modo geral, é a partir do século XVIII, nos moldes do

modelo europeu, que a urbanização no Brasil se desenvolve e a casa torna-se a

residência mais importante do fazendeiro ou do senhor do engenho”. 117 No entanto,

“foi necessário ainda mais um século para que a urbanização atingisse sua

maturidade, no século XIX, e ainda um século para adquirir as características com

as quais a conhecemos hoje”.118

No início de 1808, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro teve início

a fase monárquica. A abertura dos portos ao comércio exterior, realizada por Dom

João VI, promove a criação e o desenvolvimento de inúmeras cidades, bem como

melhoramentos urbanos, pavimentação de ruas, realização de aterros, incremento

na construção e disponibilização de infra-estrutura e serviços, evidenciando a

preocupação do Poder Público com o processo de organização do espaço urbano.119

A partir da proclamação da independência em 1822, a capital do Rio de Janeiro

se firma como maior centro comercial e principal exportador do país, no entanto,

estava destituída de infra-estrutura e serviços urbanos capazes de absorver as

demandas urbanas existentes. O domínio da economia, pela produção de café nas

províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, atrai uma enorme

quantidade de migrantes e imigrantes, o que acarreta, entre outras conseqüências, a

aceleração do processo de urbanização com a saturação dos núcleos urbanos, e o

agravamento do problema habitacional, pois:

[...] enquanto predominava a vida rural, o problema não se punha, porque cada qual cuidava de organizar a sua própria moradia segundo sua condições econômicas, utilizando para isso terrenos públicos ou particulares, ainda que a população pobre morasse sempre em condições precárias. Não se tinha consciência de um direito especial, inerente à pessoas humana, que é o direito à moradia.120

117 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 16. 118 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2005, p. 21-22. 119 HAHNER, June E. Pobreza e política. Brasília: UNB, 1994. In: LEAL, Rogério Gesta. Direito

Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 18.

120 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 341.

Page 69: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Ao mesmo tempo, a construção de rodovias, a partir de 1850, facilitando o

deslocamento, bem como o escoamento da produção e a conexão entre os centros

urbanos, intensifica o processo de concentração de atividades nas cidades maiores.

O aumento das exportações proporciona a geração de recursos que foram utilizados

na melhoria da infra-estrutura e dos serviços públicos existentes nestas cidades,

fazendo com que grandes fazendeiros, senhores de engenho, e habitantes de outras

cidades pequenas e desorganizadas, acabassem se estabelecendo nestas grandes

cidades, donde, Roger Bastide, destaca que:

A primeira revolução, a da urbanização, inicia-se no século XVIII, mas só atinge sua plena expansão no século XIX. A casa da cidade torna-se a residência mais importante do fazendeiro ou do senhor de engenho que só vai à sua propriedade no momento do corte e da moenda da cana. A segunda revolução foi técnica. [...] surge na Bahia a primeira máquina a vapor, em 1834, [...]. O antigo engenho de água ou de tração animal desaparece. [...] há, a partir de 1872, uma reviravolta: a passagem de engenho para usina.121

Para Milton Santos, é a partir do século XVIII que, de forma geral, há o

desenvolvimento da urbanização no Brasil, porém foi necessário mais de um século

para ela atingisse sua maturidade, já no século XIX, e ainda mais um para adquirir

todas as características que a define atualmente em nossas cidades.122 Contudo,

segundo Leal, esta criação urbana, trata-se muito mais de geração de cidades do

que de um verdadeiro processo de urbanização, sendo a mecanização do trabalho e

da indústria o vetor de um novo impulso a este fenômeno, que conhece sua primeira

aceleração no século XIX. 123

Verifica-se, então, o rápido aumento da importância das cidades no final do

século XIX, sobretudo quando estas deixam para trás o aspecto colonial que sobre

elas imperava. Neste sentido, Moreira destaca que:

No século XIX, com o rompimento do Estado Colonial Português, o eixo economia-política unifica-se sob um mesmo território, formando-se uma estrutura espacial única. Nasce o Estado Nacional. A ordenação espacial agora é operada pelo bloco de poder formado pelos plantacionistas e pela

121 BASTIDE, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo: Difel, 1978, p. 56-57. 122 SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2005, p. 21-22. 123 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 67.

Page 70: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

burguesia mercantil, que se fundem numa classe agromercantil com o desenvolvimento da acumulação primitiva interna nascida da fusão do eixo economia-política.124

As cidades da região Sul experimentaram maior dinamismo e crescimento,

comparando com as do Norte e Nordeste, sobretudo Porto Alegre que, apesar de

possuir poucos milhares de habitantes, tornou-se, devido a facilidade de confluência

da navegação com as demais regiões econômicas, um importante centro comercial,

recebendo diversos melhoramentos de infra-estrutura e serviços urbanos. Nesta

mesma dinâmica, a importância e o poder de São Paulo, devido ao café, acarretou o

desenvolvimento do comércio, bem como a expansão da cidade, tanto que, sua

ocupação não se restringia mais ao centro antigo, espalhando-se, irregularmente,

por outras áreas mais afastadas. Já o Rio de Janeiro, como sede do poder imperial,

acaba recebendo o investimento de inúmeros melhoramentos urbanísticos,

acelerando o crescimento da cidade, tanto fisicamente, quanto demograficamente.125

Nesta região, desenvolveram-se zonas residenciais nas quais era visível a

divisão de classes sociais, abrigando, a zona sul, diante dos investimentos em infra-

estrutura e serviços urbanos, os ricos, que constroem casas imponentes, em bairros

novos e vastos terrenos; enquanto que a oeste, os pobres, que enfrentavam

diversos problemas urbanos e sociais, habitando casas insalubres e superpovoadas,

proliferando, a partir da segunda metade do século XIX, a constituição de inúmeros

cortiços nos bairros antigos, como exemplo típico de habitação popular.

Na medida que o século XIX avança, há uma transferência cada vez maior de

habitantes para localidades mais distantes do centro, diante da preocupação com o

abastecimento e saneamento urbano e a defesa da construção de moradias

populares nos subúrbios. A cidade se consolida como cenário de intervenções

públicas localizadas, não existindo, ainda, a noção de efetivação de um modelo

urbanístico, ficando o Estado brasileiro silente quanto à qualidade de vida da

124 MOREIRA, Ruy. O movimento operário e o movimento cidade-campo. Rio de Janeiro: Editora

Vozes, 1995, p. 43. 125 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 65-66.

Page 71: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

população, reforçando a desigualdade a partir da implementação de políticas

urbanas voltadas para um pequeno segmento da sociedade.126

O Brasil, na visão de Milton Santos, caracterizou-se, durante séculos, como

sendo um grande arquipélago, no qual diversos subespaços se desenvolveram

segundo lógicas e ditames próprios, muitas vezes ditados por aqueles que detinham

o poder político ou econômico, ou segundo os reflexos das relações que mantinham

com o mundo exterior. Esse quadro é relativamente alterado, a partir de mudanças

ocorridas tanto nos sistemas de engenharia, quanto no sistema social. O primeiro se

deve à implantação de estradas de ferro, melhoria dos portos e criação de meios de

comunicação que imprimem um novo desenvolvimento a essa parte do território

brasileiro; o segundo, através dos influxos do comércio internacional, das formas

capitalistas de produção, comércio, trabalho e consumo. 127

Do mesmo modo, verifica-se uma aceleração da urbanização do interior,

reforçado pelo desenvolvimento das capitais locais, através do recebimento de

investimentos de ordem privada que são revertidos em programas de infra-estrutura

e serviços urbanos. Porém, apenas no início do século XX, a partir da década de

1920, é que se discute a introdução de normas tendentes a regularizar o

ordenamento do espaço urbano no Brasil, tendo como pioneirismo, a elaboração do

Plano Diretor do Rio de Janeiro, cujo objetivo era a identificação com o modelo

europeu, fazendo com que as intervenções urbanas criem uma nova imagem de

cidade, sendo a modernização seu principal vetor.128

As relações econômicas, após os anos 1940-1950, adquirem grande

importância, impondo à urbanização brasileira a incidência de inúmeras dinâmicas

urbanas na totalidade de seu território, visto que, até a II Guerra Mundial, a base da

economia da maioria das grandes cidades era a agricultura, representando

126 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 67. 127 SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2005, p. 29. 128 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço

urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 22.

Page 72: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

qualitativa e quantitativamente o processo urbano brasileiro, operando-se um

crescimento demográfico das capitais, somente após este período conflitivo.

A divisão do trabalho acarreta o crescimento destes espaços urbanos, sendo

elemento de diferenciação entre as regiões. A lógica da industrialização não se

consubstancia somente com a criação de atividades industriais nos espaços

urbanos, mas como processo social, que inclui a formação de um mercado interno

nacional, que permite a implementação de infra-estrutura e equipamentos urbanos,

como forma de integrar e desenvolver estas localidades, promovendo o consumo, as

relações sociais, e ativando o processo de urbanização, que irá se suplantar com o

crescimento demográfico das cidades, fato característico do espaço urbano

brasileiro.129

Apesar da relevância histórica aferida aos marcos políticos e econômicos na

formação e desenvolvimento do espaço urbano brasileiro, foi, conforme destacado

anteriormente, somente a partir do novo texto constitucional, que se verifica uma

modificação decisiva quanto à ótica analítica do secular direito de propriedade,

passando de uma visão estritamente absoluta, cerrada e dogmática, para uma

perspectiva sociológica. Neste sentido, para José Afonso da Silva, a função social da

propriedade e da cidade é conceito constitucional consignado como norma de

conteúdo programático, a ser instituída pelos municípios brasileiros.130

Não há mais como, na atualidade, consagrar o entendimento de direito

absoluto dado pelo Direito Civil à propriedade, devendo as propriedades urbanas,

bem como as rurais, servirem aos interesses da sociedade, cumprindo com sua

funcionalidade, esta é a opinião de André Ramos Tavares para quem “não há mais

como considerar a propriedade como direito puramente privado, ou mesmo como

direito individual”.131

129 SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2005, p. 30. 130 SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Malheiros

Editores, 2002. p. 141. 131 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p.

475.

Page 73: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Assim, apesar da propriedade estar inserida entre os direitos individuais (artigo

5º, XXIII, da CF), está também relacionada entre aqueles princípios, cuja aplicação,

deve estar em consonância com os ditames da justiça social, assegurando a todos

uma existência digna. É o que leciona o referido autor, ao fazer uma análise do

disposto no artigo 170 e incisos da Constituição Federal:

A Constituição brasileira, é certo, também arrola a propriedade privada e sua função social entre os princípios gerais da ordem econômica, nos incisos II e III do art. 170. Dessa forma, embora a propriedade esteja prevista entre os direitos individuais, está igualmente inserida entre os princípios da atividade econômica. Há, portanto, necessidade de compatibilização entre os preceitos constitucionais, o que significa dizer, em última instância, que a propriedade não mais pode ser considerada em seu caráter puramente individualista. A essa conclusão se chega tanto mais pela constatação de que a ordem econômica, na qual se insere expressamente a propriedade, tem como finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (caput do art. 170). A circunstância de a propriedade apresentar, simultaneamente, caráter dúplice, servindo ao individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois, a necessidade de uma compatibilização de conteúdos dos diversos mandamentos constitucionais. Como direito individual, o instituto da propriedade, como categoria genérica, é garantido, e não pode ser suprimido da atual ordem constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem parcialmente delimitado pela própria Constituição, quando impõe a necessidade, de que haja o atendimento de sua função social, assegurando-se a todos uma existência digna nos ditames da justiça social.132

Assim, o artigo 170 apresenta a propriedade privada e a função social como

princípios da ordem econômica, visando assegurar a todos uma existência digna,

conforme os ditames da justiça social. Não cumprida a função social, pode a

propriedade ser desapropriada, como previsto nos artigos 182, § 4°, inciso III e artigo

184 da Constituição Federal. Portanto, somente com a Constituição Federal de 1988

é que seu previu um tratamento adequado ao princípio, havendo, inclusive, previsão

de ônus e penalidades em caso de inobservância ao princípio da função social.

Diante disso, pode-se dispor que a função social da propriedade urbana

caracteriza-se, por um lado, pela limitação administrativa da utilização do bem,

contrapondo-se ao interesse pessoal, egoístico, em favor do interesse coletivo,

132 TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p.

476.

Page 74: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

geral, não apenas do momento presente, mas também futuro. A propriedade

constitui-se numa peça, num órgão do tecido urbano, onde exerce uma função em

beneficio de toda a sociedade e de seu proprietário.

Celso Ribeiro Bastos, ao definir a função social da propriedade como norma

constitucional que objetiva corrigir deformações no uso individual da propriedade em

prejuízo do coletivo, acentua que o termo, embora aparentemente vago, reflete a

preocupação da Constituição de não propor um termo estático e sim evolutivo, que

deve ser entendido de forma correlacionada com outros princípios. E acrescenta

enfatizando que “função social da propriedade nada mais é do que o conjunto de

normas da Constituição que visa, por vezes, até com medidas de profunda

gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal”.133

Na mesma linha de pensamento, Comparato afirma que, sendo de interesse da

sociedade a garantia constitucional do direito individual de propriedade, este deve,

pois, ser compatibilizada com os ditames da justiça social, evidenciando o

cumprimento da função social da propriedade, aduzindo, ainda, que:

Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são limites negativos aos direitos do proprietário, mas a noção de função, no sentido em que é empregado o termo nesta matéria (e a matéria é precisamente a função social da propriedade), significa um poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que este objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se está diante de um interesse coletivo e essa função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica.134

O caput do artigo 182 da Constituição Federal, determina que, para a

consecução da função social, o proprietário dê uma utilização socialmente justa ao

objeto do seu direito de propriedade, devendo o interesse geral se sobrepor sobre

ao interesse individual, garantindo assim o bem-estar de todos. Assim,

133 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.

136. 134 COMPARATO. Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito

Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 32.

Page 75: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

É bem verdade que um adequado desenvolvimento urbano constitui também condição fundamental para o desenvolvimento das atividades econômicas que ocorrem nas cidades, e sem as quais não são criadas riquezas a serem compartilhadas por todo o corpo social. Mas parece certo que a finalidade mais imediata dos dispositivos constitucionais em questão é viabilizar a democratização das funções sociais da cidade em proveito de seus habitantes, prevendo mecanismos de promoção do adequado aproveitamento do solo urbano.135

Para Toshio Mukai, a propriedade urbana cumpre a sua função social não

somente quando atende aos princípios constitucionais, mas também ao contemplar

as diretrizes estabelecidas no artigo 2° do Estatut o da Cidade, em complementação

ao disposto no artigo 39 do mesmo diploma legal, afirmando que:

Essas exigências fundamentais estão consubstanciadas nas dezesseis diretrizes elencadas no artigo 2° da Lei n° 10.257/ 01 (Estatuto da Cidade), diretrizes essas que, obrigatoriamente, deverão estar contidas no Plano Diretor, segundo dispõe o artigo 39 do Estatuto.136

Neste sentido, importante destacar a recepção apresentada pelo próprio

Estatuto da Cidade sobre o conceito de função social da propriedade,

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.

Assim também o novo Código Civil, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002,

estabelece que o direito de propriedade deve ser exercido em conformidade com os

fins econômicos e sociais. Afirma o § 1°, do artigo 1228 do Código Civil que:

Art. 1228. [...] § 1°. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (grifo nosso)

Apesar da inovação legislativa quanto ao instituo da função social da

propriedade, Leal alerta que:

135 CAMMAROSANO, Marcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: Estatuto da

Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 22.

136 MUKAI, Toshio. Direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 20.

Page 76: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Em termos de contextualização da abordagem do tema, numa sociedade como a brasileira em que há brutal concentração de renda e terras, analfabetismo generalizado, condições inumanas de salário e habitação, desemprego, mortalidade em todas as faixas etárias em razão da desnutrição, etc., a discussão sobre a função social da propriedade urbana e da cidade tem de ser feita em meio à inexistência de reformas estruturais e de conjunto, tão necessárias e ausentes ao mesmo tempo, não bastando o Estado possuir uma Constituição como panacéia salvadora.137

Analisados os principais marcos políticos, econômicos e sociais que

caracterizaram a formação do espaço urbano no Brasil, importante fazer uma breve

reflexão sobre a importância da Lei Federal n° 10.2 57/2001, que instituiu o Estatuto

da Cidade, como marco regulatório para a execução da Política Urbana,

consubstanciada nos artigos 182 e 183 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988.

2.3 Marco regulatório para a execução da política u rbana: Lei Federal n°

10.257/2001 – Estatuto da Cidade

O planejamento urbano no Brasil teve início, sobretudo, a partir do final do

século XIX, despontando, sobretudo, na década de 1960, atingindo seu auge nos

anos 70, quando, no regime autoritário, o Poder Público, através de um forte

intervencionismo estatal, apresentava-se como o único agente capaz de promover o

desenvolvimento econômico e social. Buscava-se, mediante procedimentos

racionais, realizar a cidade ideal, com espaços perfeitamente controlados e

ordenados, sobretudo com a realização de investimentos em transporte, sistema

viário, infra-estrutura e equipamentos públicos e, ainda, a instituição de mecanismos

de controle e fiscalização.138

Porém, no decorrer da década de 1970, diante dos primeiros sinais de crise do

modelo econômico, tal situação começa a se alterar, ao mesmo tempo em que se

iniciam campanhas pela desestatização e movimentos pela redemocratização do

País. O mesmo ocorre no campo do planejamento urbano, tendo em vista que

137 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 111. 138 SÃO PAULO (Município). Um novo instrumento na construção da cidade: a parceria entre os

setores público e privado. In: Diário Oficial do Município de São Paulo, ano 41, n. 247, 24 de dezembro de 1996.

Page 77: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

muitos dos planos realizados, sem as intervenções necessárias, e o reflexo com a

realidade, acabaram não se concretizando, e o predominante padrão de gestão e

planejamento urbano, centralizado, homogeneizante e autoritário, tem a sua eficácia

questionada, acabando por exaurir o modelo de gestão e planejamento urbanos até

então existentes, e iniciando-se uma discussão a respeito da sua democratização.

Nas palavras de Fernandes, o intensivo crescimento das cidades brasileiras,

sobretudo a partir da década de 1930, provocou mudanças fundamentais na ordem

sócio-econômica, refletindo, também, em importantes conseqüências culturais e

ambientais. Assim, apesar da legislação urbanística ter avançado, este se deu de

forma pouco sistemática, sendo urgente a necessidade de se repensar o marco

teórico jurídico aplicável ao processo de desenvolvimento urbano.139

No mesmo sentido, para Bastos, “o fenômeno de industrialização, auxiliado

pelo desenvolvimento dos meios de transportes provoca violentas modificações nas

antigas e equilibradas relações entre o meio rural e o meio urbano”. A intensa

urbanização, fenômeno que significa o incremento significativo de novas áreas nas

cidades e intensificação do gênero urbano de vida em todas a áreas já existentes, é

o acontecimento típico que se seguiu com a Revolução Industrial. Referindo que,

[...] da necessidade de impedir o aparecimento inevitável de inúmeros males ligados a esse crescimento desordenado, começou a surgir uma especialização nova, que visa não só ordenar a cidade, mas, agora com uma preocupação de maior alcance, qual seja a de disciplinar e conseguir estabelecer técnicas de intervenção no processo de ocupação do espaço.140

Concomitantemente a isto, afirma Leal, a maioria dos municípios brasileiros

acaba tendo seu território ocupado em desacordo com a legislação urbanística,

motivo pelo qual, afirma não existir uma consciência coletiva urbanística ou

ambientalista voltada para a solução destas ocupações desordenadas, as quais

geram deteriorações no meio ambiente e o caos sócio-ocupacional. Neste sentido,

proliferam-se loteamentos clandestinos e favelas em área de proteção ambiental,

condomínios em área rurais e as invasões de terras, acabam se tornando uma

139 FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil: uma introdução. In: Direito

Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Edésio Fernandes (organizador). Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 18-19.

140 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 62.

Page 78: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

constante dentro desta desordem urbana. Há, portanto, segundo o referido autor,

uma grande defasagem entre o modelo adotado pela legislação urbanística e a

realidade vivenciada nas cidades brasileiras, sobretudo porque a irregularidade se

tornou a tônica quando do uso do solo e das construções nas cidades.141

Assim, inicia-se, em nível de governo federal, a discussão sobre a elaboração

de um projeto de lei que tivesse como escopo alterar o quadro jurídico no que se

refere aos instrumentos disponíveis para que se interviesse sobre o ordenamento e

uso do solo urbano. Neste período, já era consenso nos meios técnicos, de que as

administrações públicas locais não dispunham de um instrumental urbanístico

adequado para gerir e ordenar os problemas e demandas geradas pelos ineficientes

processos de planejamento e desenvolvimento e a implementação de infra-estrutura

e serviços público-urbanos. Também, de relevância crescente, era a necessidade de

estabelecimento de meios capazes de agilizarem os processos de urbanização,

sobretudo quanto a programas de habitação e regularização fundiária.142

Os primeiros estudos neste sentido ocorreram no âmbito da Comissão

Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), órgão do Ministério do Interior, que,

através da Resolução CNDU n° 16, de 07 de abril de 1982, criou um grupo de

trabalho para elaborar um anteprojeto de lei sobre os objetivos e a promoção do

desenvolvimento urbano. Após algumas reuniões e com pareceres favoráveis de

Miguel Reale e Hely Lopes Meirelles, esse colegiado, pela Resolução do CNDU n°

18, de 22 de fevereiro de 1983, aprovou o referido anteprojeto de lei.143

Com a repercussão negativa da publicação da versão do anteprojeto de lei na

sua íntegra, o mesmo somente voltou a ocupar a cena pública em 1983, através do

então Ministro do Interior, Mário Andreazza, mas, apesar de novamente ter gerado

reações adversas por parte dos mesmos setores, a proposta foi encaminhada para o

141 LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço

Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80. 142 CARDOSO, Adauto Lúcio. A Cidade e seu Estatuto: uma avaliação urbanística do Estatuto da

Cidade. In: CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. (Org.). Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. v. 1, Rio de Janeiro: Editora Revan Ltda, 2003, p. 28.

143 GASPARINI, Diógenes. Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002, p. 03.

Page 79: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Congresso Nacional e oficializada como Projeto de Lei n° 775/1983, cujo contexto se

pretendia a promoção do desenvolvimento urbano, através das seguintes inovações:

- criação de uma legislação própria para a cidade que refletisse as relações e

realidades urbanas do Brasil;

- explicitação do preceito constitucional da função social da propriedade,

adotando como pontos básicos: a) oportunidade de acesso à propriedade urbana e à

moradia; b) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes da urbanização; c)

correção das distorções da valorização da propriedade urbana; d) regularização

fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda; e e)

adequação do direito de construir às normas urbanísticas;

- criação de novos instrumentos para habilitar os prefeitos e demais

administradores urbanos a melhor orientar o crescimento das cidades e a corrigir as

distorções existentes, ou as que venham a ocorrer;

- participação do cidadão, da associação comunitária, do vizinho e do Ministério

Público na fiscalização do cumprimento dos preceitos estabelecidos no projeto de lei

e nas normas federais, estaduais e municipais pertinentes ao urbanismo;

- definição das obrigações para com a cidade por parte da União, dos Estados

e dos municípios;

- estabelecimento de condições para a transferência do direito de construir de

um terreno para outro, nas cidades, em benefício da preservação do patrimônio

urbanístico, artístico, arqueológico e paisagístico ou para implantação de

equipamentos urbanos e comunitários.

No Congresso Nacional houve a apresentação de inúmeros substitutivos que

buscavam, ou ampliar o alcance da lei, ou restringi-lo, no intuito de criar certos

óbices à implementação de alguns instrumentos. Todo este debate trouxe, inclusive,

repercussões sobre a opinião pública, transformando a questão urbana num tema de

interesse social. O Movimento Nacional de Reforma Urbana, organização formada

por movimentos sociais e representações de setores técnicos e profissionais,

apresenta uma proposta de emenda popular na qual agrega, ao tema dos

instrumentos urbanísticos, a questão dos direitos urbanos e da democracia.144

144 CARDOSO, Adauto Lúcio. Questão urbana e meio ambiente: tendências e perspectivas. In:

Revista Proposta. Revista da FASE, Rio de Janeiro, n. 62, 1994, p. 30-34.

Page 80: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Os debates, por fim, acabaram sendo traduzidos nos artigos 182 e 183 da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que criaram capítulo próprio

sobre a Política Urbana, a qual deve ser executada pelo Poder Público municipal,

conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes, inclusive impondo limitações ao exercício do direito de propriedade,

como forma de assegurar sua função social, bem como estabelecendo os

instrumentos adequados ao seu exercício, como o Plano Diretor.145

Diante do novo texto constitucional, Cardoso146 cita o estabelecimento de

importantes princípios e instrumentos relativos à questão urbana, como:

- o surgimento de um marco regulatório nacional para a política urbana, com a

recepção, pela primeira vez, de um capítulo específico na Constituição brasileira;

- a descentralização, remetendo responsabilidades e dando poderes ao Poder

Público municipal para implementar uma política urbana;

- a consecução da função social da cidade e da propriedade, através do

cumprimento do Plano Diretor, favorecendo a retomada do planejamento urbano;

- a democratização da gestão urbana;

- o estabelecimento de instrumentos de implementação da política urbana:

Plano Diretor, desapropriação de imóveis urbanos, parcelamento ou edificação

compulsórios, imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo, usucapião

urbano e operações urbanas consorciadas.

Para Celso Ribeiro Bastos, a norma constitucional que trata da política de

desenvolvimento urbano (artigo 182 da CF) “abre campo para que o Estado assuma

a função de ditar diretrizes para o desenvolvimento urbano”. E acrescenta que “não

se trata de impor um planejamento cogente, vinculante, a todos os habitantes de

uma cidade, nem dispor de forma coercitiva, sobre a destinação dos imóveis”.147

145 FERNANDES, Marlene. Estatuto da Cidade: uma vida melhor para a população urbana. In:

Revista de Administração Municipal. n. 224, Rio de Janeiro: IBAM, 2000. 146 CARDOSO, Adauto Lúcio. Reforma urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente.

In: Cadernos IPPUR. ano XI, n. 1 e 2, Rio de Janeiro: IPPUR, 1997, p. 79. 147 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2, 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2001, p. 183.

Page 81: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

As atribuições outorgadas pela Constituição Federal de 1988 no âmbito do

desenvolvimento urbano implicaram, por conseguinte, maior flexibilidade da ação

executiva e legislativa quando comparadas com aquelas da Constituição vigente até

aquela data. À União foi atribuída competência para legislar, instituindo normas

gerais de direito urbanístico, diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive

habitação, saneamento básico e transportes urbanos e desapropriação, além das

competências executivas previstas no texto constitucional (art. 21, XX, da CF).148

Apesar da disposição constitucional, referente à Política Urbana, necessário se

fez a regulamentação, através de legislação específica, de abrangência nacional,

para a consecução e implementação destes princípios, diretrizes e instrumentos. A

partir disso, os projetos de lei em tramitação se tornaram relativamente obsoletos,

sendo que, dentre aqueles os projetos de lei e substitutivos que se sucedem, o

primeiro a ser aprovado é de n° 181, apresentado em 1989, de autoria do então

senador Pompeu de Souza, denominado Estatuto da Cidade.

Assim, após mais de uma década de discussão e negociação em torno do

Projeto de Lei n. 5788/90, houve a aprovação da Lei Federal n° 10.257, de 10 de

julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, entrando em vigor no dia 09 de

outubro de 2001, noventa dias após sua publicação, consoante determina o seu

artigo 58, regulamentando o capítulo constitucional sobre a Política Urbana, que

busca, através de suas diretrizes gerais e instrumentos de política urbana, tornar a

tarefa de gerir e planejar as cidades mais instrumentalizada, garantindo a

consecução das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes.

Para Rolnik, as inovações contidas no Estatuto da Cidade refletem: a) um

conjunto de instrumentos de natureza urbanística voltada para induzir, mais do que

normatizar, as formas de uso ocupação do solo; b) uma nova estratégia de gestão

que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios

148 LOMAR, Paulo Villela. Estudo e análise dos instrumentos legais de planejamento e gestão do solo

urbano. In: Base Conceitual e Hipóteses do Estudo Gestão do Uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano. Brasília: Ipea, 1997.

Page 82: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

sobre o destino da cidade; e c) a ampliação das possibilidades de regularização das

posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.149

A regulamentação constitucional, para Saule Junior, acaba dando suporte

jurídico às estratégias e aos processos de planejamento urbano, sobretudo à ação

das Administrações Públicas municipais, que têm se empenhado no enfrentamento

das graves questões urbanas e sociais que têm afetado a vida da enorme parcela da

população brasileira que vive em cidades. Desta forma, se o texto constitucional

afirma o papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de

planejamento urbano e na condução do processo de gestão urbana nas cidades, o

Estatuto da Cidade consolida esse espaço, ampliando a competência jurídica e da

ação política municipal, destacando, sobretudo, a importância da consecução de

uma gestão democrática das cidades a partir da participação popular.150

Fernandes enfatiza a importância destes processos e instrumentos para a

gestão urbana das cidades e para a democratização das formas de acesso ao solo e

à moradia urbana. Através do Estatuto da Cidade, verifica-se a instituição das bases

necessárias para uma mudança da qualidade política do processo de construção da

ordem jurídico-urbanística, a partir da pretensão de que a descentralização e

democratização sejam garantidoras da plena legitimidade social dos processos de

planejamento urbano, formulação de políticas públicas, aprovação de leis

urbanísticas e gestão das cidades.151

O Estatuto da Cidade, ao regulamentar o capítulo sobre a Política Urbana,

qualifica, de maneira inequívoca, o Direito Urbanístico como ramo autônomo do

Direito Público brasileiro, principalmente pela grande relevância que estes novos

149 ROLNIK, Raquel. Plano Diretor Estatuto da Cidade - instrumento para as cidades que sonham

crescer com justiça e beleza. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 25, n. 52, jan./jun. 2002, p. 11-18.

150 SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade: instrumentos de reforma urbana. In: Gestão Urbana e de Cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-ROM).

151 FERNANDES, Edésio. Do Código Civil ao estatuto da cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: Revista da Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre. V. 4, n. 15, 2001, p. 11-33.

Page 83: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

instrumentos jurídicos e urbanísticos criados, possuem como marco de ordenação,

planejamento, desenvolvimento e gestão urbana para as cidades brasileiras.152

Para Schvarsberg, a desenfreada urbanização brasileira acabou por gerar,

diante das imensas diferenças entre as áreas centrais e periféricas, inúmeras

injustiças e profundas desigualdades na sociedade, que, combinados com políticas

urbanas e práticas de gestão pautadas no clientelismo, resultaram em diversos

processos sócio-econômicos excludentes.153

O planejamento urbano, estabelecido sob planos diretores e zoneamentos

baseados numa legislação urbanística obsoleta, criou uma cidade virtual, com

padrões de ocupação do solo baseados nas práticas de investimento imobiliário,

destinando o território urbano, constituído de áreas regulares, para o mercado das

classes média e alta, ocasionando uma dinâmica urbana, em que, as áreas de

menor valor especulativo são descartadas, reproduzindo-se como espaço para a

constituição de precários assentamentos populares, em áreas periféricas.

Igualmente, esta dinâmica reflete uma grave situação política: o Poder Público se

torna sócio destes investimentos imobiliários rentáveis e estabelece uma base

política popular nos assentamentos, fazendo com que a condição de ilegalidade e

informalidade destes, os transformem em reféns de favores do Poder Público. A

visão clientelista dos programas de gestão e regulação urbanística, trata a cidade

como objeto puramente técnico, cabendo a lei estabelecer padrões satisfatórios de

atuação, sem considerar os conflitos e as contradições existentes, como a real

necessidade de infra-estrutura e serviços em um determinado espaço urbano.

Como forma de modificar este cenário, a regulamentação efetuada pelo

Estatuto da Cidade surge com a função de se estabelecer como uma espécie de

caixa de ferramentas do planejamento e da política urbana das cidades brasileiras,

152 GRAZIA, Grazia di. Reforma urbana e o Estatuto da Cidade. In: Gestão urbana e de cidades. Belo

Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-ROM). 153 SCHVARSBERG, Benny. Seminário Cidades – FAU-UnB, sobre Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano. Primeira palestra: O Estatuto da Cidade. (autor: Prof. Dr. Benny Schvarsberg – Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos). Disponível em: < http://www.soeaa.org.br/60_soeaa/noticia_debates_01.htm>. Acesso em: 16 out. 2006.

Page 84: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

sendo, segundo a Constituição Federal de 1988 e o próprio Estatuto da Cidade, o

Plano Diretor, a chave que abre esta caixa.154

Nesse particular, ao comentar o Estatuto da Cidade, Cammarosano assevera:

Enfim, o Estatuto da Cidade reclama esforço exegético comprometido sobretudo com a finalidade a que se destina, de inquestionável relevância pública, sendo também responsabilidade nossa – estudiosos do Direito – emprestar nossa contribuição para que se revele, afinal, dotado das eficácias jurídica e social que constituem seu escopo.155

O autor Rogério Gesta Leal, em sua análise sobre a importância do Estatuto da

Cidade, defende a idéia de que, na verdade,

[...] as diretrizes que expõe o Estatuto da Cidade expressam verdadeiras opções políticas fundamentais do legislador e da comunidade nacional no campo da gestão do espaço urbano brasileiro, configurando, assim, uma eleição de valores éticos e sociais como fundantes, por sua vez, de uma idéia de Estado e de Sociedade (Democráticos de Direito). Por tais motivos, estas diretrizes não expressam somente uma natureza jurídica normativa, mas também política, ideológica e social, como, de resto, o Direito e as demais normas de qualquer sistema jurídico.156

Quanto às diretrizes gerais do Estatuto da Cidade, Macruz faz referência que

estão compreendidas pela garantia do direito a cidades sustentáveis (direito à terra

urbana, moradia, saneamento e infra-estrutura urbana, transporte e serviços

públicos, trabalho e lazer, para as presentes e futuras gerações), pela gestão

democrática da cidade, que se dispõe por meio da participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade nos planos e

projetos de desenvolvimento urbano, pela cooperação entre os governos, iniciativa

privada e demais setores da sociedade no processo de urbanização, atendendo ao

interesse social, pelo planejamento das cidades, à distribuição da população e as

154 CARDOSO, Adauto Lúcio. Planejamento urbano no Brasil: paradigmas e experiências. In: Espaço

e Debates. n. 03, São Paulo: NERU, 1994, p. 22. 155 CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI,

Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio. (Coord.). Estatuto da Cidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26.

156 LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 92-93.

Page 85: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

atividades econômicas do município, corrigindo as distorções do crescimento urbano

e seus efeitos sobre o ambiente.157

Pela disposição do artigo 2° do Estatuto da Cidade, o objetivo da política

urbana é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e da propriedade

urbana, tendo como diretrizes gerais: a garantia do direito às cidades sustentáveis,

entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à

infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.

O referido artigo, na perspectiva de Leal, destaca uma das primeiras e grandes

diretrizes-princípios que informam a política urbana, ou seja, o âmbito de

sustentabilidade das cidades, que precisa ser medido em face dos direitos e

garantias fundamentais asseguradas pela Carta Constitucional e do espaço físico e

social em que eles podem se dar, qual seja, no âmbito das cidades, destacando que

as mesmas estão totalmente vinculadas à força normativa da constituição.158

Porém, Nelson Saule Júnior destaca que a cidade, marcada pela desigualdade

social e pela exclusão territorial, não é capaz de produzir um desenvolvimento

sustentável, situando o problema, da seguinte forma:

[...] o direito ao desenvolvimento e o direito a um meio ambiente sadio têm como vínculo o desenvolvimento sustentável (...). O princípio do desenvolvimento sustentável fundamenta o atendimento das necessidades e aspirações do presente, sem comprometer a habilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. (...) a política de desenvolvimento urbano deve ser destinada para promover o desenvolvimento sustentável, de modo a atender as necessidades essenciais das gerações presentes e futuras. O atendimento dessas necessidades significa compreender o desenvolvimento urbano como uma política pública que torne efetivo os direitos humanos, de modo a garantir à pessoa humana uma qualidade de vida digna (grifo nosso).159

Destaca-se, também, entre os ensejos do Estatuto da Cidade, a oferta de

equipamentos de infra-estrutura urbanos comunitários, transporte coletivo e serviços 157 MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. Estatuto da Cidade e seus

instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTR, 2002, p. 16 a 17. 158 LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço

Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 94. 159 SAULE Júnior, Nelson - Novas perspectivas do Direito Urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da Política Urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 65 e 69.

Page 86: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

públicos adequados às necessidades e características locais, bem como o controle

do uso do solo, com o intuito de evitar o parcelamento excessivo do solo em relação

à infra-estrutura existente. Para exemplificar, a expansão urbana deve ser

compatível com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do

município e com a integração entre atividades urbanas e rurais no desenvolvimento

sócio-econômico do município.

O Estatuto da Cidade estabelece, ainda, a observação da justa distribuição dos

bônus e ônus decorrentes do processo de urbanização, da função redistributiva da

política urbana, com a adequação e utilização dos investimentos e gastos públicos

em conformidade aos objetivos de planejamento e desenvolvimento urbano, além da

recuperação dos investimentos do Poder Público que tenham resultado em

valorização de imóveis urbanos.

Dentre outros objetivos dispostos, os programas destinados a implementar

políticas de regularização fundiária e de urbanização de áreas ocupadas pela

população de baixa renda, através de normas especiais urbanísticas e ambientais,

possuem o intuito de, juntamente com a simplificação da legislação de parcelamento

e uso do solo, reduzir os custos e aumentar a oferta de imóveis, atendendo uma das

maiores demandas urbanas da atualidade que é o déficit habitacional, ocasionado

pelo crescente adensamento e concentração populacional nas cidades brasileiras.

Esta concepção inovadora de gestão e planejamento trazida pelo Estatuto da

Cidade concentra-se em alguns preceitos, como a criação de novos instrumentos

urbanísticos voltados para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantia do bem-estar de seus habitantes, o respeito às formas de uso e ocupação

do solo, a ampliação das possibilidades de regularização de áreas urbanas situadas

na ambigüidade entre a cidade legal e a cidade real (ilegal), a implementação de

uma nova estratégia de gestão, incorporando a idéia de democracia, com

participação popular nos processos decisórios do destino da cidade.160

160 FERREIRA, João Sette Whitaker. Alcances e limitações dos instrumentos urbanísticos na

construção de cidades democráticas e socialmente justas. In: V Conferência das Cidades, Brasília: Câmara Federal, 02 de dezembro de 2003.

Page 87: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

O Estatuto da Cidade representa não somente um novo marco regulatório do

espaço urbano, mas também histórico, pois, ao respeitarem as diretrizes e os

instrumentos dispostos, quando da implementação dos programas de planejamento,

gestão, estratégias e regras da ocupação do solo e de urbanização das cidades,

estarão visando um crescimento ordenado e sustentável. Desta forma, a qualidade

da vida no espaço urbano, através da implementação dos seus instrumentos

urbanísticos, tende a melhorar, visto que, embora constituído de ferramentas

importantes, não era apenas por falta de instrumentos legais que, anteriormente,

não se implementava uma política urbana, tendo em vista que, ao lado das variáveis

políticas (de nada adiantam instrumentos postos à disposição de lideranças políticas

que não pretendem utiliza-los ou o fazem de forma inadequada ou ineficiente), deve-

se considerar os aspectos orçamentários do financiamento das cidades, que,

atualmente, não bastam para a consecução das demandas estritamente

urbanísticas, sendo preciso encontrar mecanismos de cooperação e gestão que

confiram sustentabilidade para as cidades brasileiras.

Diante do alcance regulamentar do Estatuto da Cidade, Rogério Gesta Leal

assevera que,

Assim, pela dimensão de suas disposições norteadoras, o Estatuto da Cidade adquiriu o status de ser o novo marco institucional na trajetória da tão apregoada reforma urbana, isto porque se preocupa com o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o direito às cidades sustentáveis. Em vários artigos e parágrafos, esse direito é especificado, se propondo a ordenar e controlar o uso do solo de forma a evitar a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação ambiental. Na verdade, este Estatuto da Cidade representa um passo marcante em matéria urbanística, podemos dizer até histórico.161

Após estas breves considerações a respeito do Estatuto da Cidade e da sua

importância como marco regulatório para a execução da política urbana,

consubstanciada nos artigos 182 e 183 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, como forma de delimitar o alcance territorial deste estudo, no item

final deste capítulo, busca-se determinar os principais aspectos que caracterizaram o

desenvolvimento urbanístico no território brasileiro a partir do século XX.

161 LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço

Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80-81.

Page 88: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

2.4 Aspectos do desenvolvimento do espaço urbano no território brasileiro

Ao realizar um estudo mais aprofundado sobre os aspectos da formação do

espaço urbano brasileiro, sobretudo no último século, necessário se faz enfocar as

principais características do processo de urbanização, e, conseqüentemente, as

problemáticas introduzidas quando do planejamento e desenvolvimento das cidades,

entre elas o acelerado crescimento e adensamento populacional. Para Castells,

Isto quer dizer, se é claro que o processo de formação das cidades é a base das redes urbanas e condiciona a organização social do espaço, que quase sempre se detém na taxa de crescimento demográfico, ligando num mesmo discurso ideológico a evolução das formas espaciais de uma sociedade e a difusão de um modelo cultural sobre a base de uma dominação política.162

Segundo Santos, o Brasil deixou o século XIX com aproximadamente 10% da

população vivendo nas cidades, sendo que, apesar de já se apresentarem cidades

de grande porte desde o período colonial, somente a partir da virada do século XIX e

das primeiras décadas do século XX, é que o processo de urbanização começa a se

consolidar, impulsionado pela proclamação da República, pela demanda de

trabalhadores livres e pelo surgimento de uma indústria ainda tímida, porém que se

desenvolve na esteira das necessidades básicas do mercado interno. Nesse período

histórico, o índice de urbanização já estava bastante modificado, pois, se havia

crescido “menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de

6,8% para 10,7%) foram necessários apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para

que essa taxa triplicasse passando a 31,24%”.163

Os sensos estatísticos brasileiros, realizados deste 1872, mostram sucessivos

aumentos da população ao longo do século XX, havendo um crescimento, neste

período, de quase dez vezes, sendo que esta aceleração se acentua a partir da

década de 1950, quando as cidades tiveram um acréscimo de 34,9% na sua

população. No período que se segue, entre 1950 e 1960, ainda há um elevado

crescimento urbano, com aumento de 32,9%, entre 1970 e 1980 de 27,8%, entre 162 CASTELLS, Manuel. La Question Urbaine. Paris: Ed. François Maspero, 1973, p. 18. In:

BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim Nabuco – textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2006

163 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 25.

Page 89: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

1980 e 1990 de 23,4%, chegando a 15,5% no período de 1991 a 2000. Porém, as

taxas médias anuais de crescimento, diminuíram de assombrosos 3,49%, para

1,63%, o que confirma uma tendência de redução segundo os sensos realizados.164

Esta inversão verificada não implica uma descentralização populacional, porém

uma verdadeira desconcentração, na qual as grandes metrópoles continuam como

importantes receptores de migrantes internos, contudo, o que se intensifica, a partir

da década de 1980, é que outros centros urbanos acabam se consolidando como

cidades de porte médio, recepcionando, cada vez mais, grande parcela desta

população, passando a ter uma grande importância no desenvolvimento e

dinamismo econômico, estabelecendo-se como fonte para a análise dos fenômenos

urbanos, bem como para o desafio de planejar e formular políticas públicas urbanas.

Historicamente, a partir da década de 1930, quando a economia brasileira

deixa de se centralizar, eminentemente, no setor agrário exportador, o Estado passa

a investir em infra-estrutura para o desenvolvimento da indústria nacional, o que,

segundo Caio Prado Junior, constitui um caminho de avanço, não somente para o

desenvolvimento das forças produtivas, mas também do crescimento e da

modernização da sociedade e das áreas urbanas ocupadas. O processo de

industrialização, implantado a partir da década de 1940, produziu um espaço urbano

em consonância às exigências de produção em massa das condições gerais

necessárias à reprodução dos trabalhadores urbanos. No final daquela década,

tiveram início as políticas habitacionais, articulando o capital imobiliário e a produção

em massa de habitações populares, formando, nas décadas seguintes, imensas

periferias nas grandes cidades brasileiras.165

Esta transformação ocorrida no espaço urbano é descrita por Leal:

Talvez a evidência mais contundente disso, seja perceptível na radical transformação ocorrida no campo da urbanização de determinados territórios, totalmente desordenada e clandestina, em face das exigências contingenciais da própria industrialização, gerando verdadeiros

164 BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 out. 2005. 165 PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 09-15.

Page 90: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

aglomerados humanos sem a menor condição de habitabilidade, higiene e segurança.166

Este processo de urbanização, verificado em diversas cidades brasileiras,

consolidou a base para o surgimento de um urbanismo moderno, a partir da

realização de obras de saneamento e infra-estrutura básica, promoção de um

embelezamento paisagístico, implantação de uma normatização quanto ao mercado

imobiliário e de regras de planejamento e desenvolvimento urbanos. Porém, o

mesmo não contemplou todos os setores, e a população excluída, que acabou

expulsa dos centros urbanos, refugiando-se em regiões periféricas, imediações de

morros, ou áreas distantes, que ocasionam o surgimento de núcleos urbanos

irregulares e de favelas.167

Apesar do acelerado crescimento econômico, sobretudo, no período de 1940 a

1980, este não foi suficiente para modificar a desigualdade e exclusão social

existente, fato que, na realidade, se agravou com o impacto do declínio econômico

enfrentado nas décadas de 1980 e 1990. O aspecto característico do espaço

urbano, até a década de 1970, foi a concentração progressiva e acentuada da

população em cidades cada vez maiores, que ocorreram a partir de três importantes

fases: primeiramente, a aglomeração em núcleos urbanos menores; posteriormente,

uma multiplicação da concentração populacional em cidades de tamanho médio; e,

por fim, a metropolização de um grande número de cidades, cuja população

alcançou cerca de um milhão de habitantes. As regiões metropolitanas brasileiras,

instituídas a partir da década de 1970, cujo núcleo era constituído pelas já densas e

grandes cidades, caracterizavam-se pela concentração das atividades econômicas e

pelo acentuado adensamento populacional, originado pelas migrações internas,

devido à oferta de empregos, renda, acesso a bens, serviços e infra-estrutura

urbanos, o que explica o fato destas regiões concentrarem, neste período, a quarta

parte da população brasileira.168

166 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto

Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 81. 167 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,

2001, p. 17. 168 OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade; para compreender.... Rio de Janeiro:

IBAM/DUMA, 2001, p. 07.

Page 91: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A partir dessa década, entra em crise o modelo de urbanização experimentado

entre 1940 e 1970, gerando uma enorme esforço para o estabelecimento de

condições para a formulação de alternativas de planejamento urbano, como uma

tentativa de controlar a urbanização, particularmente no que tange ao ordenamento

urbano e no controle do surgimento e expansão das periferias, assentamentos

irregulares e favelas. Porém, apesar dos censos demográficos, a partir da década de

1980, assinalarem uma diminuição do crescimento populacional, principalmente com

a desconcentração espacial das atividades econômicas e pela formação de novos

centros urbanos, os problemas de desigualdade e exclusão social não foram

solucionados, bem como aqueles decorrentes de gestões e planejamentos urbanos

inadequados, com a falta ou ineficiência de infra-estrutura e serviços urbanos.

Estes problemas não se agravam simplesmente pela recessão ocorrida nos

setores de produção e industrialização, ou do recuo das políticas públicas sociais e

urbanas, mas reflete o aprofundamento de uma desigualdade numa sociedade

histórica e tradicionalmente desigual, que, segundo Paulo Arantes, tornaram-se

modelo internacional exemplar de desigualdade e exclusão social, tendo em vista o

aumento do desemprego, das relações informais de trabalho, das taxas de violência

e pobreza nas áreas urbanas.169

Neste sentido, pode-se destacar e analisar outro aspecto importante e

articulado à exclusão social, tendo como cenário mais recente a expansão e

consolidação do processo de urbanização caracterizado pelo crescimento

desordenado nas cidades brasileiras, que diz respeito à globalização, a qual, a partir

de 1990, imprimiu novas questões ao habitar urbano, trazendo consigo um

agravamento das questões urbanas e sociais. Paralelamente, o processo de

urbanização brasileiro adquire uma característica de expansão que altera o modelo

altamente concentrador nas metrópoles, para expandir em número e tamanho outras

cidades brasileiras, configurando-se, a concentração e ocupação desordenada do

espaço urbano, uma das principais características do atual cenário brasileiro.

169 ARANTES, Paulo E. A desordem do progresso. In: Revista Tiers Monde, 2000.

Page 92: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Assim, no decorrer do século XX, o Brasil, como os demais países latino-

americanos, apresentou intenso processo de urbanização, o que trouxe inúmeras

questões sociais, que acabaram se refletindo nos mais diversos setores do país.

Dados importantes, como os assinalados pela Agenda 21 Brasileira, indicam que na

América Latina, a proporção de pessoas que moram em cidades era de 61,32%, no

ano de 1975, chegando a 76,51% em 2000, e podendo atingir 84,67% no ano de

2020. No Brasil, já no ano de 1996, tínhamos quase 79% da população nas cidades,

e as projeções elaboradas apontam para uma taxa de 88,94% no ano de 2020.170

Para Saule Júnior, a cidade é um fenômeno global, sendo que o adensamento

populacional que ocorre nos centros urbanos se constitui como principal fenômeno

de origem de complexas demandas, fazendo com que seja necessário repensar a

cidade enquanto espaço de vida, história e desenvolvimento humano, não somente

por profissionais com formação técnica em planejamento, expansão e gestão

pública, mas sobretudo por todos os cidadãos que vivem nesta contextualização.171

Diante disso, verifica-se, neste curto período, como um dos principais

indicadores urbanos, que refletem este desenfreado desenvolvimento das cidades, o

crescimento populacional, cuja fração urbana, no ano de 1960, já representava

44,93% da população total, contra 55,07% de população rural, e, transcorridos dez

anos, esta relação acaba se invertendo, chegando 55,92% da população a viver nas

áreas urbanas, enquanto que a população que permanece estabelecida nas áreas

rurais ou interioranas diminui para 44,08% da população total. Atualmente, segundo

dados do Censo Demográfico de 2000, a concentração populacional nas cidades

quase que dobrou em comparação à taxa representativa da década de 1960,

atingindo a marca de 81,23% do total da população brasileira.172

A inversão verificada através destes indicadores, reflete um crescente

abandono, pelos moradores, das povoações rurais, bem como das cidades

170 BRASIL. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional.

Agenda 21 Brasileira. Bases para discussão. Brasília, março de 2000, p. 64. 171 SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito à cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis.

São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 63. 172 BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006.

Page 93: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

pequenas e desorganizadas, os quais rumam, na sua totalidade, para os centros

urbanos, porém, segundo Leal:

Esta criação urbana, contudo, trata-se muito mais de geração de cidades do que de um verdadeiro processo de urbanização – entendido aqui como um planejamento ordenado e refletido sobre as condições e possibilidades do crescimento e desenvolvimento urbano sustentado.173

Quando da análise dos números absolutos, que representam o quadro

anteriormente mencionado, revela-se um assombroso crescimento dos habitantes

das áreas urbanas, principalmente entre os anos de 1940 e 2000, quando a

população que reside nas cidades aumentou de 18,8 milhões de habitantes para, no

ano de 2000, chegar a 138 milhões, recebendo as cidades cerca de 120 milhões de

novos habitantes. Considerando somente a última década do século XX, as cidades

brasileiras aumentaram em 22.718.968 habitantes.174 Essa explosão urbana coincide

com o término da acelerada expansão econômica vivida neste período, o que

introduziu, no âmbito das cidades, um paradigma: além de refletirem o progresso e o

desenvolvimento, acabaram por reproduzir as injustiças e desigualdades sociais.

Ricardo Pereira Lira indica, para ilustrar o quadro gerado, como causas

determinantes do adensamento populacional urbano: a migração populacional para

os centros urbanos em decorrência da oferta de trabalho ocasionada pela

industrialização, o conseqüente assentamento desta população de maneira

desordenada e sem planejamento, a desenfreada proliferação das áreas periféricas,

decorrente do baixo preço e da falta de infra-estrutura e serviços urbanos nestas

áreas e a atividade especulativa gerada pelos proprietários de imóveis localizados

entre as periferias e os centros urbanos. 175

Paralelamente ao adensamento populacional e, sobretudo ao desenfreado

processo de urbanização verificados, quanto à ocupação do espaço urbano, as

desigualdades que se formam são caracterizadas, principalmente, pelo déficit

habitacional, fruto, de um assentamento desordenado, pela inexistência, deficiência

173 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998, p. 67. 174 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,

2001, p. 16. 175 LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 175.

Page 94: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

e falta de qualidade dos serviços e da infra-estrutura existentes, pela ocupação

predatória e inadequada de áreas, muitas vezes, localizadas em pontos de risco ou

de proteção ambiental, e pelos conflitos sociais e fundiários.

Estas características, juntamente com os dados coletados pelo Censo

Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE176, de 2000,

expressam um quadro preocupante, no qual, entre os anos de 1991 e 2000, o

número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil, atingindo cerca de 3.905

núcleos. François Bremaeker177, com base nos mesmos dados, afirma que foram

encontradas favelas em 27,6% dos municípios brasileiros. Em 56,6% dos municípios

com população entre 50 mil e 100 mil habitantes existem favelas, o mesmo

acontecendo em 79,9% daquelas com população entre 100 mil e 500 mil habitantes

e na totalidade dos municípios com população superior a 500 mil habitantes.

Maricato revela, segundo coleta de diversas fontes, que a população estimada

que mora em favelas, em algumas cidades brasileiras seria de: Rio de Janeiro, 20%;

São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia, 13,3%; Salvador, 30%; Recife, 46%;

e Fortaleza, 31%. Há que se ater, também, que o número de favelas não esgota a

ilegalidade quanto à ocupação irregular do solo, na qual temos que somar o universo

dos loteamentos ilegais, que se multiplicam devido a inexistência de fiscalização e

de uma legislação urbana detalhista e abundante.178

O futuro das cidades brasileiras, para Ribeiro e Santos Júnior, depende dos

desdobramentos da crise econômica enfrentada pelo Brasil nestas últimas décadas,

bem como das soluções políticas e de gestão pública que forem encontradas para:

[...] a adaptação de cada cidade a esse novo modelo de gestão vai depender de várias características e condicionantes, entre os quais os decorrentes do sistema político local. Nada indica que tais mudanças signifiquem melhoria da qualidade de vida e maior justiça social. O desafio está em buscar modelos de políticas que combinem às novas exigências da

176 BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006. 177 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 23.

178 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 38.

Page 95: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

economia urbana globalizada a regulação pública da produção da cidade e o enfrentamento do quadro de exclusão social.179

Enquanto não houver a implantação desses novos modelos de política e

gestão urbana, restará à população de baixa renda ocupar as áreas periféricas, mais

baratas, pois desprovidas de infra-estrutura básica, ou ocupar áreas ambientalmente

frágeis ou inadequadas, que, para serem urbanizadas, necessitam de planejamento

e organização, o que não acaba ocorrendo na maioria das ocasiões, tendo em vista

o alto custo a ser comprometido pelos entes públicos, bem como a indisponibilidade

de instrumentos urbanísticos destinados a implementar políticas públicas de

desenvolvimento e planejamento nestes espaços urbanos. Paralelamente, a

crescente ocupação destas áreas ocasiona mazelas de ordem natural, como

enchentes, erosões e contaminação dos mananciais, onde os primeiros prejudicados

são os habitantes daqueles locais e, com o descontrole desses processos, atingirão

a cidade como um todo. Ainda, a minoria estabelecida nos centros urbanos com

melhor infra-estruturada acaba sendo objeto de especulação imobiliária, gerando

uma alteração nas características de ocupação dessa parte da cidade.

Este desenfreado modelo de expansão urbana, verificado nas cidades

brasileiras, identifica a quase total ausência de planejamento, organização e

desenvolvimento sustentável, caracterizado, sobretudo, pelas desigualdades sócio-

econômicas e por opções de planejamento e de políticas urbanas que acabam

excluindo as demandas urbanas mais urgentes e necessárias, bem como aquela

parcela da população que não possui oportunidades de crescimento. Para Faria180,

a estruturação do espaço urbano brasileiro possui uma dupla característica:

Por um lado, concentra grandes contingentes populacionais – em termos de tamanho absoluto – em um número reduzido de áreas metropolitanas e grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, outras áreas metropolitanas e capitais regionais e sub-regionais; por outro, alimenta o crescimento da população urbana de um número grande – e crescente – de cidades de diferentes tamanhos que se integram num complexo padrão de divisão territorial do trabalho social tanto entre o campo e a cidade como entre as cidades.

179 RIBEIRO, Luiz Cesar de Q.; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Globalização fragmentação e

reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994, p. 15.

180 FARIA, Vilmar E. Cinqüenta anos de urbanização no Brasil; tendências e perspectivas. São Paulo: Novos Estudos, 1991, p. 103.

Page 96: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Os problemas de ordem urbana e social, obviamente, se expandem juntamente

com o processo de crescimento das cidades, levando consigo todas as contradições

e conflitos inerentes às desigualdades sociais que dão sustentação à uma exclusão

cada vez mais abrengente. Esta constatação teria pouco efeito significativo, visto

que estaríamos nos referindo aos aspectos quantitativos mais aparentes destes

processos, no entanto, a exclusão social apresenta-se de modo peculiar, nesta

contextualização, isto é, há peculiaridades na exclusão social, tal como ela se

manifesta, coincidentemente, nestes últimos 20 (vinte) anos.

A taxa atual de urbanização de 81,2% (Censo Demográfico do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2000), podendo atingir 88,94% da

população do país em 2020, caracteriza o Brasil como sendo extremamente

urbanizado. Entretanto, numa análise mais aprofundada, José Eli da Veiga contesta

esta realidade, afirmando que, em um enorme número de municípios, a pouca

densidade populacional mantêm características e estilo de vida rural. Seguindo,

fundamenta sua crítica nos critérios utilizados para classificar como cidade todas as

sedes municipais existentes, sem levar em conta as suas características estruturais

ou funcionais, afirmando que, pelo menos 4.500 dos municípios brasileiros, nos

quais vivem 52 milhões de habitantes, não possuem características urbanas, nem

mesmo há um processo migração dos núcleos rurais como comumente divulgado.181

Dados recentes indicam que o quadro atual da rede urbana do país é

constituída de 5.562 municípios, dos quais 440 (todos com população acima de 100

mil habitantes) e o Distrito Federal concentram mais da metade da população

brasileira. Estes 440 municípios estão distribuídos, segundo classificação do

IPEA/IBGE/UNICAMP182 em 111 centros urbanos brasileiros, dos quais 82 são

centros sub-regionais, 16 centros regionais, 4 metrópoles regionais, 7 metrópoles

nacionais e 2 metrópoles globais.

181 VEIGA, José Eli da. A Ilusão do Brasil Urbano. In: Revista Urbana. set., Rio de Janeiro: Instituto

Light, 2002, p. 36-39. 182 IPEA, IBGE, UNICAMP. Estudos básicos para caracterização rede urbana. In: Caracterização e

tendências da rede urbana do Brasil. vol. 2. Brasília: IPEA, 2002.

Page 97: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Ao considerar o crescimento das metrópoles nos últimos 30 (trinta) anos, não

houve uma desmetropolização, pois, se, em 1970, o Brasil possuía apenas 02 (duas)

metrópoles, com população acima de 2 (dois) milhões de habitantes, as mesmas

passaram para 07 (sete), no ano 2000. Neste mesmo período, as cidades com

população entre 20 mil e 100 mil habitantes aumentaram de 226 cidades em 1970,

para 1.262 em 2000, e sua população quadruplicou, passando, em números

absolutos, de 9.062.000 para 36.031.000 de habitantes, representando cerca de

26,12% da população brasileira.183

Paralelamente, as cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil

habitantes, passaram de 40 para 194, sendo que, no ano 2000, elas concentravam

27,23% da população brasileira, contra 17% das cidades acima de 500 mil

habitantes e 16,23% das metrópoles. Estes dados comprovam o incremento

populacional ocorrido nas cidades médias no período entre 1970 à 2000, passando

de 11,77% do total de habitantes no país, para 27,23%, ou seja, um aumento de

quase 150%, devido, em grande parte, ao crescimento de centros intermediários,

pertencentes às regiões metropolitanas. Em contraposição, nas pequenas cidades,

cuja população não ultrapassa 20 mil habitantes, apesar de haver um aumento

significativo em números absolutos, passando de 3.574 para 4.074 no período entre

1970 a 2000, tiveram um decréscimo em suas populações na ordem de 50%,

passando de 26,17% da população total em 1970, para 13,40% no ano de 2000.184

As transformações ocorridas na formação do espaço urbano brasileiro, devido

ao crescimento, sobretudo, das cidades médias, não só apontam para novas

demandas sociais urbanas mas, principalmente, redefinem o conceito dos espaços

públicos, dando novos conteúdos aos lugares. É, pois, nesta perspectiva, que as

cidades médias ganham importância, para a compreensão das questões urbanas

brasileiras, ou seja, aquilo que era visível nas metrópoles, como o adensamento

populacional, a ocupação irregular de áreas urbanas e suburbanas, a insuficiência e

ineficiência da infra-estrutura e dos serviços urbanos e sociais, agora também é

característica destas cidades, ocasionando um verdadeiro desleixo para com os

183 BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul 2006. 184 Ibidem.

Page 98: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

direitos básicos da população.185

Uma análise dos problemas existentes nas metrópoles, com a conseqüente

elaboração de diretrizes e políticas públicas urbanas tendentes a solucioná-los, não

pode ser reproduzido nas cidades médias brasileiras, pois a urbanização brasileira

está consubstanciada em cidades que possuem produção, consumo e

especificidades sociais próprios, devendo-se pensar de forma a elaborar um

programa para a solução destas demandas urbanas e sociais como um todo, visto

que a diferença está na proporção em que as demandas se apresentam, não na

complexidade de sua solução. Assim, apesar de suas peculiaridades regionais e

locais, todas as cidades abrigam, seja com maior ou menor intensidade, problemas

urbanos que afetam seu desenvolvimento, particularmente os decorrentes de:

dificuldade de acesso a áreas urbanizadas, déficit de moradias adequadas, falta e

ineficiência dos serviços básicos e infra-estrutura urbanos, desemprego, violência e

marginalização social. A concentração populacional e o modelo de exclusão

territorial que marcam o desenvolvimento de nossas cidades promovem e expõem a

tragédia em que se tornou o urbanismo no Brasil.186

Para tanto, necessária a adoção de instrumentos para a implementação de

políticas públicas destinadas ao desenvolvimento e organização das cidades,

assentadas, conforme Leal, na defesa da função social da propriedade e da cidade:

Em termos de contextualização da abordagem do tema, numa sociedade como a brasileira em que há brutal concentração de renda e terras, analfabetismo generalizado, condições inumanas de salário e habitação, desemprego, mortalidade em todas as faixas etárias em razão da desnutrição, etc., a discussão sobre a função social da propriedade urbana e da cidade tem de ser feita em meio à inexistência de reformas estruturais e de conjunto, tão necessárias e ausentes ao mesmo tempo, não bastando o Estado possuir uma Constituição como panacéia salvadora.187

185 ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente. Análise do Desempenho Produtivo dos

Centros Urbanos Brasileiros no Período 1975/96. In: ANDRADE; Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente (orgs.). Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA, 2001, p. 12.

186 BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FERNANDES, Marlene Allan. Cidades sustentáveis: subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21, IBAM-ISER-REDEH, 2000.

187 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998, p. 111.

Page 99: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Deste panorama resulta uma fragmentação das cidades, agravado pela

existência de segregações sociais, econômicas, culturais, políticas e territoriais, na

qual, a exclusão territorial é uma realidade, sobretudo para a população de baixa

renda, através da delimitação da ocupação dos territórios. Paralelamente, busca-se

o isolamento das classes altas em condomínios fechados, que se transformam em

“cidades” dentro da cidade, obstaculizadas com os mais sofisticados sistemas de

segurança, como forma de garantir a proteção de seus habitantes, o acesso a

serviços urbanos eficientes e infra-estruturas privilegiadas.188

Ana Maria Brasileiro, corroborando este quadro, identifica que:

As cidades mostram-se estratificadas, com áreas privilegiadas, dotadas de infra-estrutura, equipamentos urbanos e sociais, onde habita a população de média e alta rendas. Estas áreas contrastam com extensas regiões periféricas, privadas de muitos dos serviços públicos considerados essenciais.189

Esta exclusão territorial, somada à crescente concentração populacional, é

extremamente acentuada nos municípios brasileiros, nos quais, em 100% daqueles

com mais de 500 mil habitantes, existem grandes contingentes de moradias

irregulares e grande concentração de favelas, fenômeno que ocorre também em

88,08% dos municípios com população entre 100 e 500 mil habitantes e em 59,84%

dos que possuem de 20 a 100 mil habitantes. Também surpreende os índices de

irregularidades mesmo nas cidades pequenas, com até 20 mil habitantes, 36,46%

destes lugares possuem moradias irregulares.190

Essa irregularidade assume múltiplas faces, caracterizando a condição de

"irregular" no Brasil. São favelas resultantes da ocupação de áreas privadas à

espera de valorização; de áreas doadas ao Poder Público por loteamentos; cortiços

improvisados em imóveis deteriorados; loteamentos clandestinos e irregulares;

conjuntos habitacionais ocupados e sob ameaça de despejo; casas sem "habite-se".

188 ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato. Instrumentos Urbanísticos Contra a Exclusão Social. In:

Revista Polis. n. 29, 1997, p. 43-55. 189 BRASILEIRO, Ana Maria. Política urbana – quem decide?. In: PESSOA, Álvaro (Coord.). Direito do

urbaniscmo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p. 36.

190 BRASIL. Ministério das Cidades. Regimento da 1ª Conferência Nacional das Cidades. 2003. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br>. Acessado em: 24 out. 2005.

Page 100: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Ainda, há a irregularidade produzida pelas classes média e alta, que tem hoje na

figura do condomínio fechado (burlando a lei de parcelamento do solo) e da

privatização da orla marítima e fluvial algumas de suas expressões.

Uma das mais graves conseqüências desse processo de produção irregular do

espaço das cidades é a degradação ambiental dos cenários urbanos. A falta de

acesso regular a um espaço de radicação nas cidades leva a população carente a

buscar alternativas junto ao mercado imobiliário ilegal, que atua quase sempre em

áreas ambientalmente vulneráveis, justamente aquelas áreas que, por suas

características e gravames legais, estão fora do mercado imobiliário regular,

loteando áreas de preservação ambiental como encostas e morros, matas nativas e

margens de mananciais e cursos d’água. Neste sentido, importa induzir que:

Esse processo de exclusão social e territorial acaba por explicar, em parte, uma das causas do desequilíbrio e da degradação ambiental, quer do meio ambiente natural, quer do artificial ou construído. Explica, por exemplo, porque famílias carentes "preferem" ocupar as encostas íngremes dos morros, para "viver a emoção" de colocar em risco sua integridade física e de sua prole, e porque "optam" por invadir áreas públicas ou alojar-se nas margens de córregos, nos mangues e áreas de preservação permanente.191

As demandas existentes nos núcleos urbanos não são novas e estão cada vez

mais evidentes na proporção em que as cidades crescem. Como exemplo, podemos

destacar as periferias, cada vez mais distantes dos centros urbanos e, praticamente,

desprovidas de serviços e infra-estrutura urbanos; a constituição e expansão de

favelas, oriundas de invasões a áreas, muitas vezes, de risco ou de preservação

ambiental; a especulação imobiliária; as cidades cada vez mais verticalizadas;

fenômenos que, somados, formam um verdadeiro caos urbanístico.

Apesar de não existir uma estimativa segura do número de famílias e

domicílios instalados em favelas ou assemelhados, dados preliminares da Secretaria

Nacional de Programas Urbanos afirmam que este fenômeno está presente na maior

parte da rede urbana brasileira, sobretudo pela exclusão destes núcleos

populacionais do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais,

191 FREITAS, José Carlos de. Estatuto da cidade e equilíbrio no espaço urbano. Disponível em:

<http://www.jus.com.br>. Acesso em: 17 maio 2007.

Page 101: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

multiplicando-se em áreas frágeis e, muitas vezes, além de degradadas, localizadas

em área de proteção ambiental, não passíveis de urbanização.192

O que se verifica, dentro desta rede urbana complexa e heterogênea, é que

são as pequenas cidades, com população de até 20.000 habitantes, abrigando,

portanto, menos de 20% da população nacional, porém representando 72,96% do

total de municípios, que apresentam os menores índices de desenvolvimento e as

maiores dificuldades de gestão público-urbana, sobretudo pelo contínuo acúmulo de

carências sociais e de infra-estrutura e serviços urbanos. No lado oposto desta rede

urbana, as regiões metropolitanas, onde se concentram aproximadamente um terço

da população urbana do país, possuem os maiores percentuais de carências e as

demandas e precariedades são muito mais acentuadas.193

O contexto dos problemas urbanos não se resume somente nestas

irregularidades, dados da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, indicam

que aproximadamente 60 milhões de brasileiros, estabelecidos em 9,6 milhões de

domicílios urbanos, não dispõem de coleta de esgoto. Ainda, cerca de 15 milhões de

habitantes em 3,4 milhões de domicílios não dispõe de acesso à água encanada e,

destes, uma grande parcela que possui ligação, não tem água diariamente e nem

água potável de qualidade. Quanto ao esgoto coletado, a deficiência no tratamento,

indica que, quase 75% de todo o esgoto sanitário coletado nas cidades é despejado

"in natura", contribuindo, decisivamente, para a poluição dos mananciais, cursos

d'água urbanos e das praias.194

Além disso, os dados indicam que 16 milhões de brasileiros não são atendidos

pelo serviço de coleta de lixo, sendo que, nos municípios de grande e médio porte,

onde o sistema de coleta deveria atingir toda a produção diariamente, esse serviço

não atende adequadamente os moradores das favelas, das ocupações irregulares e

dos bairros populares. Paralelamente, em 64% dos municípios, o lixo coletado é

192 BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:

<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005. 193 BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:

<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005. 194 Ibidem.

Page 102: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

depositado em lixões, sem adequado condicionamento e destinação e, em muitos

municípios pequenos, não há a disponibilização de serviço de limpeza pública.195

Os problemas de ordem urbana, enfrentados atualmente no Brasil, são, como

verificado, um legado da História, originados pela ocupação e desenvolvimento

irregulares das cidades. O desenfreado fenômeno de urbanização acarretou

inúmeras conseqüências, como o agravamento do quadro de exclusão social,

evidenciado pelo crescimento da violência urbana, bem como pela inexistência ou

ineficácia dos programas sociais, assim como da exclusão territorial, diante do

crescimento desordenado das grandes cidades, cujas extensas periferias foram

sendo ocupadas por uma população constituída, na sua maioria, de pessoas

expulsas das áreas centrais ou oriundas de outras localidades em busca de

trabalho, renda e acesso a bens e serviços urbanos.

Assim, para mudar o quadro que se apresenta, a efetivação de um urbanismo

de qualidade no Brasil é uma necessidade crescente. Dentro desta problemática, a

verificação dos principais indicadores urbanos se faz necessária, na medida que o

estabelecimento das áreas se configuram como de maior relevância, possam ser

objeto de planejamento e execução de políticas urbanas, segundo os instrumentos

urbanísticos disponíveis, gerando melhor qualidade de vida para a população. No

caso brasileiro, o amplo diagnóstico efetuado através dos trabalhos da Agenda 21,

materializado no documento “Cidades Sustentáveis”, observou que:

No Brasil, as taxas elevadas e crescentes de urbanização observadas nas últimas duas décadas promoveram o agravamento dos problemas urbanos, em função do crescimento desordenado e concentrado, da ausência ou carência de planejamento, da demanda não atendida por recursos e serviços de toda ordem, da obsolescência da estrutura física existente, dos padrões ainda atrasados de sua gestão e das agressões ao ambiente urbano.196

Juntamente com os dados coletados, o diagnóstico efetuado pela Agenda 21

Brasileira demonstra, segundo Bezerra e Fernandes, que as inúmeras as demandas

e problemas enfrentados pela rede de cidades brasileiras, foram consolidadas a 195 BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:

<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005. 196 BRASIL. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional.

Agenda 21 Brasileira. Bases para discussão. Brasília, março de 2000, p. 64.

Page 103: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

partir da falta de desenvolvimento, planejamento e padrões atrasados de gestão

urbana.197

Outra linha de pensamento colocado por críticos do planejamento urbano,

como Souza, é a de que, mais do que a falta ou ineficiência de planejamento, o que

ocorreu foi um planejamento direcionado a políticas urbanas inadequadas que

levaram ao cenário urbano atual. Pode-se, através das disposições realizadas pelo

referido diagnóstico, destacar que:

- as cidades brasileiras cresceram desordenadamente;

- há carência de recursos e serviços públicos;

- as redes de infra-estrutura, bem como os espaços urbanos são insuficientes;

- existem sérias agressões às áreas ocupadas, as quais, muitas vezes, além de

degradadas, localizam-se em área de proteção ambiental, não passíveis de

urbanização;

- há a necessidade de um fortalecimento das estruturas institucionais e a

melhoria de mecanismos de participação popular no processo decisório.198

Ainda, podemos definir, a partir destes dados coletados, que o diagnóstico do

panorama urbano brasileiro se caracteriza, principalmente, pela existência de

inúmeros problemas nestes espaços urbanos, gerados, principalmente, pela

crescente concentração populacional e conseqüente adensamento desordenado,

pela ocupação indiscriminada de áreas irregulares, desconstituídas, na sua maioria,

de infra-estrutura e serviços urbanos e sociais básicos, bem como por um

planejamento, ordenamento e desenvolvimento inadequado, oriundo da carência de

recursos e serviços, de agressões ao ambiente e da obsolescência da infra-estrutura

e dos espaços construídos.

Portanto, resolver estes problemas se torna tarefa das mais urgentes, sendo

necessário, para tanto, a implementação de instrumentos urbanísticos de

197 BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FERNANDES, Marlene Allan. Cidades sustentáveis:

subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21, IBAM-ISER-REDEH, 2000.

198 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. 2ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 23.

Page 104: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

reorganização, reordenação, planejamento e desenvolvimento do espaço urbano

existente. A consecução destas políticas urbanas deve visar, prioritariamente, a

reabilitação das áreas degradadas, a redefinição funcional destas áreas, a promoção

de programas de renovação do espaço urbano, bem como o ordenamento e

planejamento do trânsito, buscando a solução das demandas urbanas, agregando,

para tanto, o esforço estatal, a iniciativa privada e a participação da sociedade.

Analisados os principais marcos normativo-constitucionais, políticos,

econômicos e sociais que caracterizaram a formação e o desenvolvimento do

espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto da Cidade como

marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas no capítulo

constitucional referente à Política Urbana, e destacados os principais aspectos que

caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território brasileiro a partir do

século XX, no capítulo final desta dissertação, pretende-se realizar uma avaliação

exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como instrumento de

participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil.

Page 105: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

3 UMA AVALIAÇÃO EXEMPLIFICATIVA DAS OPERAÇÕES URBAN AS

CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPU LAR

NA GESTÃO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASI L

Nos dois capítulos iniciais, como forma de estabelecer as principais bases do

presente estudo, foi realizado um resgate histórico dos principais aspectos do

desenvolvimento urbano, desde a formação dos primeiros núcleos sociais, a origem,

formação e desenvolvimento das primeiras cidades, até a concepção do que,

atualmente, é a cidade. Posteriormente, para delimitar o alcance territorial, foram

analisados os marcos normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais da

formação do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto da

Cidade como marco regulatório para a execução da política urbana, destacando-se,

desta forma, as principais características do desenvolvimento urbanístico no território

brasileiro a partir do século XX.

O caos urbanístico formado nas cidades brasileiras no decorrer do século

passado, caracterizado pela crescente concentração populacional e pela ocupação

desordenada do espaço urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente

um desafio, cuja finalidade é de ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar

de seus habitantes, mas também uma questão de responsabilidade conjunta do

Poder Público, da sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.

Neste sentido, este terceiro capítulo, aborda, primeiramente, uma breve análise

conceitual da gestão urbana e alguns de seus reflexos no Brasil, sobretudo nas

últimas décadas, bem como os aspectos que levaram ao exaurimento do modelo

Page 106: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

estatal de gestão e planejamento do espaço urbano até então existente, o qual,

conforme se verifica, motivou uma discussão a respeito da gestão urbana e de sua

democratização, baseada na afirmação da importância da participação popular. Ao

final, pretende-se demonstrar, através de uma avaliação exemplificativa das

operações urbanas consorciadas, sua importância como instrumento de participação

popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil, para tanto, fora

realizado um breve estudo sobre os principais aspectos do seu surgimento, suas

características, conceito e natureza jurídica, bem como uma análise das primeiras

experiências implementadas no Brasil.

3.1 Gestão urbana no Brasil: do exaurimento do mode lo estatal à importância

da participação popular

A cidade surge como locus do viver humano em sociedade, através da

comunicação, organização, troca e interação sociais, em níveis de diversidade e

complexidade diferenciados. Assim, a cidade, como espaço geográfico, reúne uma

multiplicidade de atividades humanas que possuem grande relevância social,

econômica e ambiental, fazendo-se necessário definir estratégias de gestão urbana

para superar as demandas decorrentes do seu crescimento e desenvolvimento.199

Deve-se, pois, compreender a cidade como um organismo vivo - com formas

de organização e funcionamento expresso em tempos e movimentos próprios –

modificada, cotidianamente, pela ação dos homens, impondo a necessidade de se

buscar formas de administrar os processos sociais que a produzem e modificam, na

perspectiva de melhorar a qualidade de vida, transformando a cidade num locus

sustentável e saudável para vida do homem em sociedade.200

199 FURTADO, Maria de Fátima R. de G. Cidades Sustentáveis. Disponível em:

<http://www.cecibr.org>. Acesso em: 10 nov. 2005. 200 A analogia à cidade como um organismo vivo se reduz a sua capacidade de receber as influências

do meio social, político, econômico e regional onde está inserida, bem como de reagir a estas influências, transformando-se. Entretanto, não se pode considerar a cidade como um organismo vivo que constitui uma totalidade, onde as partes formam um todo orgânico com objetivo comum, pois as diversas categorias sociais que compõem a cidade têm interesses próprios, provocando uma situação dialeticamente convergente e conflitiva. In: GALINDO, Evania Freires. A intersetorialidade como requisito para construção de uma Cidade Saudável: política de Saneamento e de Saúde no Recife (gestão 2001-2004) - Estudo de Caso. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano). Recife, UFPE, 2004.

Page 107: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A urbanização acelerada e o crescimento desordenado, além de modificar o

espaço urbano, revelam dois tipos de cidades: as formais, criadas e planejadas,

servidas de infra-estrutura básica, e a informal, cujo desenvolvimento ocorreu fora do

traçado original, sem o mínimo de infra-estrutura. Para essas tipologias, são

necessários instrumentos de planejamento urbano a serem utilizados na orientação

do uso e ocupação do solo. A complexidade desses problemas urbanos obriga que

planejadores e urbanistas reflitam sobre as questões e busquem novas alternativas

e leis de controle urbanístico sobre o espaço físico nas cidades.

Neste sentido, verifica-se que um dos princípios básicos da atividade estatal

dentro das cidades é a gestão, seja na área política, financeira, social ou urbana,

pois aquele que impulsiona e exerce essa ação de ordenação precisa ter

consciência daquilo que é desejável para o local sob o qual exerce a administração,

bem como do que, razoavelmente, pode lograr com os meios de que dispõe, ou seja,

utilizar-se adequadamente dos meios e instrumentos de que dispõe na consecução

das suas ações.201

Desta forma, o conceito de gestão, analisado sob a ótica da administração,

relaciona-se com o conjunto de recursos e atividades destinadas ao ato de gerir. O

processo de gestão é uma função organizacional básica da administração,

consubstanciando-se nos mais diversos processos com o intuito de estabelecer

quais as ações de gestão são desejáveis e como as mesmas serão elaboradas. Nas

palavras de Tavares, gestão é fazer administração nas organizações e, para tanto,

procura reunir planejamento estratégico e administração em um único processo.202

A cidade, por ser um organismo dinâmico e em constante mutação, no qual se

encontram múltiplos contrastes e inúmeras dificuldades, necessita da gestão e, no

presente estudo, da gestão urbana, para desempenhar seu papel relevante no

planejamento e desenvolvimento, contribuindo na diminuição dos contrastes e

dificuldades existentes, assim como prevendo possíveis demandas que possam

surgir no futuro, utilizando-se, para tanto, dos meios e instrumentos disponíveis.

201 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1981, p. 16. 202 TAVARES, Mauro Calixta. Gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000, p. 156.

Page 108: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A gestão urbana também pode ser entendida como uma atividade

intervencionista da administração sobre o urbano, apresentando, nesse sentido, um

novo conceito em gestão pública e política, no qual se conjugam os conceitos

tradicionais do princípio da autoridade estatal, juntamente com novas tendências de

uma gestão compartilhada e interinstitucional que envolve a conjugação dos

esforços do Poder Público, da sociedade e da iniciativa privada.203

Caracteriza-se, portanto, como o conjunto de recursos e instrumentos a serem

aplicados na cidade como um todo, visando qualificar a infra-estrutura e os serviços

urbanos, propiciando melhores condições de vida e aproximando os cidadãos das

decisões e ações do poder público, utilizando, para isso, de recursos da tecnologia,

da informação e da comunicação, como forma de efetivação de uma democracia

participativa.

Desta forma, o ato de governar deve se tornar, o quanto possível, um processo

interativo, tendo em vista que nenhum agente social possui, isoladamente,

conhecimento e recursos para resolver estes problemas, havendo, portanto, a

criação de redes e de parcerias públicas-privadas, que nada mais são do que

processos políticos, cada dia mais dominantes no novo mundo urbano fragmentado

e essencial dentro deste agir governamental.

Haddad adverte para o fato de que, quase sempre, os problemas de insucesso

de projetos e programas de planejamento e desenvolvimento urbano não se

encontram na ausência de estruturas organizacionais para a sua efetividade, porém

podem estar nas dificuldades político-institucionais de sua implementação ou na

necessidade de criação de novos instrumentos de gestão urbana adequados para

lidar com as complexas demandas que surgem no cenário das cidades brasileiras.204

Neste sentido, conforme observado anteriormente, a inversão da ocupação da

população do campo para a cidade, assim como o desenfreado crescimento das

203 CARVALHO, Paulo César Pires; OLIVEIRA, Aluísio Pires de. Estatuto da cidade: anotações à Lei

10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juruá, 2002, p. 91. 204 HADDAD, Paulo R. Agenda 21 Brasileira - Versão Preliminar. Comissão de Políticas de

Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional - Secretaria-Executiva, fev., 2002. CD-ROM.

Page 109: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

cidades, ocasionado pela desordenada ocupação do espaço urbano, sobretudo ao

longo das últimas décadas, nas cidades brasileiras, tem sido fruto de processos

equivocados e programas de planejamento urbano desastrosos, resultando no

surgimento de uma imensa gama de demandas de ordem urbana, trazendo

conseqüências catastróficas em face da inexistência de uma infra-estrutura urbana.

Estes problemas podem ser considerados herança, primeiro, do modelo de

políticas públicas adotado pelo Poder Público e, segundo, das espécies de

planejamento urbano que influenciaram essas práticas, muitas vezes baseadas em

leis urbanísticas destinadas, unicamente, a atender interesses individuais. Neste

sentido, Egler destaca que:

[...] o planejamento urbano da década de 70 constitui um conjunto de planos, instrumentos e legislações que tem a cidade e os cidadãos como objetos e não como sujeitos da política. Os resultados desse processo são bem conhecidos, visto que o crescimento das cidades brasileiras não se molda a esse projeto de planejamento. A falácia desse ideário e dos seus instrumentos de ação levou o planejamento urbano a os planos diretores para as prateleiras dos arquivos mortos.205

O destino do planejamento do espaço urbano nas cidades foi, portanto, durante

as últimas décadas, o esquecimento, visto que, desacreditado ante o insucesso de

suas propostas, acaba sendo alvo dos órgãos que controlam os recursos financeiros

públicos, os quais, diante dos inconvenientes que possam trazer para a cidade,

obrigam-se a atentar para decisões que, pela falta de entrosamento dos vários

setores envolvidos e de uma melhor avaliação dos aspectos que o desenvolvimento

urbano, não têm como atribuição o planejamento urbanístico e social.

As limitadas possibilidades de atendimento, pelo ente estatal, das demandas

sociais e urbanas existentes e a distância dos representantes eleitos dos interesses

de seus eleitores, acabam, segundo Amaral, gerando o que se pode chamar de

"crise de legitimidade" do Estado moderno, aduzindo que

O desvanecimento do poder representante do cidadão, limitado no seu poder de escolha do mandatário, e a liberdade do mandatário, agindo sem vínculo com a representação, agravam a falência da democracia

205 EGLER, Tâmara Tânia Cohen. A gestão do lugar e da cidade. In: Cadernos IPPUR/UFRJ, ano VIII,

n. 1, abr., 1994, p. 77.

Page 110: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

representativa tanto mais quando outros órgãos, organismos, instituições e entidades, sem raiz na vontade popular, sem pouso na soberania do voto, sem legitimidade popular, adquirem poder constituinte e, assim, passam a gerar direitos e poder, numa flagrante usurpação de mandato, que fratura de forma irremediável a democracia e a representação popular, sem a qual aquela falece por inanição.206

Neste contexto de insucesso, ocasionado pela inércia estatal, sobretudo diante

das dificuldades técnico-financeiras, ou da prática de políticas urbanas que não

refletem as demandas existentes, Barbosa chama a atenção de que o crescimento,

cada vez maior, dos centros urbanos induz a um decréscimo na:

[...] participação da sociedade no processo de planejamento, pois além da concentração e centralização do capital, há outros fatores impeditivos e geradores de uma monopolização do poder social. Este tipo de sociedade e de monopolização passa a dificultar ou mesmo negar ao homem as condições básicas para sua expressão individual ou social, através de ações planejadas e participativas.207

Acrescente-se a essa dificuldade, uma inércia dos próprios habitantes das

cidades que, por comodismo, passam a formar um exército de silenciosos, numa

conivência por omissão, sem se atentarem de que todas estas demandas, que

surgem nos centros urbanos, afetam diretamente no seu bem-estar e na qualidade

de vida enquanto sujeitos das cidades.

Para Di Giuseppe, o planejamento urbano no Brasil despontou nas instituições

na década de 1960, atingindo seu auge nos anos 70, exatamente no período do

regime autoritário, marcado por forte intervencionismo estatal, quando o Poder

Público se apresentava como o único agente capaz de promover o desenvolvimento

econômico e social. Mas, no decorrer da década de 1980, tal situação começa a

alterar-se, quando, em nível nacional, começam a manifestar-se os primeiros sinais

da crise do modelo econômico, ao mesmo tempo em que se iniciam campanhas pela

desestatização e movimentos pela redemocratização do País.208

206 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In:

GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 20.

207 BARBOSA, Mário da Costa. Planejamento e serviço social. 4. ed., São Paulo: Cortez Editora, 1991, p. 21.

208 DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Estatuto da cidade. FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Mariana Moreira (coord.). São Paulo, 2001, p. 378-379.

Page 111: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Portanto, somente a partir da década de 1980, que se verifica o surgimento, no

Brasil, de uma severa crítica ao modelo estatal de planejamento do espaço urbano,

visto que o Estado, organizado e com capacidade de intervenção e realização de

investimentos, acaba sofrendo diversos abalos com a crise econômica e fiscal,

enfraquecendo os programas e projetos de planejamento e a própria atividade de

gestão do espaço urbano, caracterizado por intervenções autoritárias e de conteúdo

antipopular.209

Assim, o surgimento de imensas diferenças entre as áreas centrais e

periféricas, combinadas com políticas urbanas e práticas de gestão pautadas no

clientelismo, resultou em diversos processos sócio-econômicos excludentes. Esta

visão clientelista dos programas de gestão urbanística, caracterizou a cidade como

um objeto puramente técnico, necessitando o estabelecimento de lei própria no

sentido de indicar padrões satisfatórios de atuação, bem como de meios e

instrumentos capazes de satisfazer a real necessidade de infra-estrutura e serviços,

modificando o modelo estatal de gestão urbana existente, e já exaurido no tempo.210

Nesse cenário, refere Leal que a “escassez de recursos públicos destinados às

cidades ao longo de décadas vem acumulando um brutal déficit na oferta de infra-

estrutura e de serviços urbanos”. Além disso, as áreas que recebem melhoramentos

públicos de forma mais intensiva, indubitavelmente, são as áreas mais centrais, que

“supervalorizam-se pela enorme diferença de qualidade que oferecem face às áreas

periféricas”. A escassez de recursos públicos designados às cidades “provoca,

assim, a exacerbação da renda diferencial imobiliária, traduzida na ampliação da

diferença de preços de terrenos, de imóveis construídos e de seus aluguéis”.211

Todos esses fatores têm sido alvo crescente da atenção de órgãos governamentais, agências financiadoras, entidades da sociedade civil e especialistas de diversas áreas do conhecimento, estimulando importantes

209 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão

Urbanos. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 43. 210 SCHVARSBERG, Benny. Seminário Cidades – FAU-UnB, sobre Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano. Primeira palestra: O Estatuto da Cidade. (autor: Prof. Dr. Benny Schvarsberg – Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos). Disponível em: <http://www.soeaa.org.br/60_soeaa/noticia_debates_01.htm>. Acesso em: 16 out. 2005.

211 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc.1998, p. 78.

Page 112: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

articulações voltadas a uma revisão das políticas públicas destinas à cidade e sua constitucional função social. Isto implica pensar uma gestão democrática das cidades, um planejamento urbano ético, o direito à cidadania, i.e., condições de vida urbana dignas para todos os cidadãos.212

Diante desta crise e embalada pela popularidade do termo gestão, utilizado,

sobremaneira, na administração empresarial, verifica-se a ampliação da tendência

de substituição entre os termos planejar e gerir. Nas palavras de Souza:

Planejar é tentar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios (...) gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas (...) Longe de serem concorrentes ou intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos e complementares. 213

Diante disso, Bucci frisa o sentido e a importância do alcance da palavra

gestão, como compreendendo uma grande amplitude de responsabilidade de

coordenação e planejamento, implicando, a gestão democrática das cidades, na

participação dos cidadãos e habitantes nas funções de direção, controle e avaliação

das políticas públicas urbanas destinadas ao planejamento e regularização do

espaço urbano de suas cidades.214

A partir deste foco conceitual, pode-se delinear que o desafio está,

primeiramente, em identificar os complexos problemas e as diversas demandas que

compõe o cotidiano urbano do Brasil e, posteriormente, buscar, através do emprego

equilibrado dos recursos e meios disponíveis, planejar, implementar e gerir os

processos e instrumentos de desenvolvimento e produção tanto do espaço urbano,

quanto do social.

No campo das políticas urbanas, destaca-se que os déficits e desigualdades

sócio-espaciais existentes no contexto brasileiro, bem como os processos de

exclusão e segregação territorial decorrem, como anteriormente disposto, dos traços

212 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e

políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc,1998, p. 78. 213 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão

Urbanos. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 46. 214 BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão Democrática da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu;

FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da cidade. 1. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 323.

Page 113: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

históricos determinantes do processo de urbanização, bem como dos padrões de

atuação do Estado, que incluem, também, deixar à deriva os assentamentos

informais e periféricos existentes.

A gestão urbana eficiente impõe mais do que programas para assegurar

melhores condições de vida aos habitantes da cidade, mas também se configuram

em importante instrumento para a manutenção e sobrevivência de legados

históricos, artísticos e a salvaguarda de belezas naturais. Ao contrário de certos

casos, a ação urbanística incide, também, em áreas envelhecidas e deterioradas,

com o objetivo de renová-las, bem como criar condições para o desenvolvimento e

satisfação das funções básicas do ser humano.215

Diante disso, as transformações ocorridas nas últimas décadas acabaram por

exigir um novo padrão de qualificação dos gestores público-urbanos. Com o

surgimento dos primeiros sinais de esgotamento das estratégias de sustentação do

crescimento econômico e dos processos de desenvolvimento, diante dos elevados

gastos por parte do Estado, a tendência da Administração Pública, em sobrepor os

seus atos ao consentimento do cidadão, ainda predominante no Brasil, é substituída

por novos modelos de gestão do interesse público, em que o papel da participação

dos habitantes das cidades é valorizado como colaborador, co-gestor, prestador e

fiscalizador das atividades da Administração Pública, como forma de democratização

da gestão e do planejamento urbano.216

O grande desafio, pois, dos gestores público-urbanos está em dirimir os

conflitos de interesses, equilibrando as forças que tencionam a arena de disputas

das políticas públicas no cenário urbano. Neste sentido, o modelo político no qual

serão sustentadas as políticas públicas é que definirá o grau de comprometimento

com cada variável que integra a produção das cidades, as prioridades e a forma de

condução dos processos de planejamento e gestão das demandas existentes.

215 SÉGUIN, Elida. Estatuto da cidade: promessa de inclusão social, justiça social. Rio de Janeiro:

Forense, 2002, p. 51. 216 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 205.

Page 114: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Desta forma, neste novo quadro que se apresenta, a adoção de modelos

menos centralizados e rígidos de gestão e planejamento se torna não apenas uma

opção equilibrada de administração, mas, sobretudo, uma necessidade econômica e

política, tendo em vista a reduzida capacidade regulatória e de investimento dos

poderes públicos. O novo caminho a ser adotado aponta para a efetivação de uma

democracia participativa, no planejamento e na gestão, como forma alternativa à

submissão do agir administrativo unilateral do Estado.217

A partir desta nova concepção, Leal coloca que, é no espaço da cidade,

quando constituído pela participação popular, que as responsabilidades de gestão

dos interesses comunitários, uma vez compartilhadas, devem resultar em políticas

públicas integradoras de inclusão social, fruto da articulação entre os interesses

públicos e privados, cujas bases filosóficas e operacionais devem ser pensadas e

executadas no conjunto destes interesses.218

Para a efetivação de tais melhorias, é imprescindível, portanto, que se tenha

uma clara noção do que é participação, conceito muito deturpado por utilizações

inapropriadas, onde de real participação há muito pouco. Para fins de compreensão

de o que é participação no planejamento, primeiramente se faz necessário

compreender o que é planejamento. Neste sentido, segundo Souza, a essência do

planejamento, em especial o relacionado ao meio urbano, apesar de vir recebendo

inúmeras críticas, é uma atividade essencial, e

[...] deve assumir seu papel de direcionar esforços para fins que dizem respeito a valores e expectativas que, sob um ângulo radicalmente democrático, não podem ser definidos por uma instância técnica ou política separada do restante da sociedade. Os fins têm de ser estabelecidos pelos próprios envolvidos, cabendo aos intelectuais, no máximo, o papel de contribuir para a sua discussão crítica.219

Na perspectiva de Cardia, pode-se definir a participação como “um processo ao

longo do qual decisões são tomadas”, assim, a participação da população é tida

217 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão

Pública. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 46. 218 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 56. 219 SOUZA, op. cit., p. 37.

Page 115: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

como a atuação desta no processo de planejar e, portanto, na tomada de

decisões.220

Diante disso, a participação popular se torna importante instrumento de

legitimidade para a consolidação de políticas públicas urbanas, bem como se perfaz

em canal de legitimação de interesses e direitos não realizados ou implementados

pelo poder estatal. É, pois, por meio do diálogo “Estado-Sociedade”, que se verifica

a possibilidade de uma nova visão e interpretação do direito, mais aberta, justa e

consciente dos problemas sócio-urbanos, motivo por que a participação popular é

essencial para uma nova leitura e aplicação dos instrumentos urbanísticos e

jurídicos destinados à consecução da justiça social.221

Como forma de resgate da participação popular, busca-se legitimar as ações

estatais através de mecanismos que garantam uma vinculação entre as decisões

políticas e a vontade da população. Para tanto, são inseridos nos ordenamentos

jurídicos, instrumentos para que o povo participe diretamente da formulação da

vontade governamental, efetivando-se, ao lado da gestão democrática da cidade, o

conceito de democracia participativa, definida, segundo ensinamento de Roberto

Amaral, como:

[...] um processo de construção gradual que não compreende o banimento de todas as formas de representação, mas sua substituição por aqueles instrumentos de participação popular que implicam intervenção do governado na governança e seu controle sobre os governantes.222

A democracia participativa, como requisito ao desenvolvimento de políticas

públicas urbanas, deve ser implementada pela conjunção de esforços entre o Estado

e a sociedade, do que se depreende que só existe participação se o Estado viabiliza

os meios para sua efetivação, por meio de um processo educativo e de

conscientização gradativa que permita às camadas populacionais observar, em seu

220 CARDIA, Nancy das Graças. Planejadores e Participação da População no Planejamento

Habitacional. Tese de Mestrado. São Paulo: USP, 1981, p. 16. 221 COMPARATO, Fábio Konder. A organização constitucional da função planejadora. In: CAMARGO,

Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 87.

222 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 49.

Page 116: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

entorno, suas necessidades e carências, bem como os instrumentos teóricos,

jurídicos e práticos para melhorar o espaço urbano em que se situam, fortalecendo a

participação política e democrática, como pleno exercício da cidadania.223

Pretende-se, portanto, através da democracia participativa, atenuar o abismo

existente entre governantes e governados, retomando-se a concepção de que,

dentro de um regime democrático não há como se retirar a possibilidade da

sociedade participar diretamente do exercício do poder, já que é a própria sociedade

que detém a titularidade de tal poder. A expressão democracia participativa,

portanto, revela-se:

A democracia não é apenas uma forma de governo, uma modalidade de Estado, um regime político, uma forma de vida. É um direito da Humanidade (dos povos e dos cidadãos). Democracia e participação se exigem, democracia participativa constitui uma tautologia virtuosa. Não há democracia sem participação, sem povo. O regime será tanto mais democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e direta manifestação da vontade do cidadão.224

O marco temporal desta transformação, como mencionado anteriormente, é a

década de 1980, quando se verifica a consecução de importantes conquistas para a

democracia, sobretudo no sentido de favorecer a presença da população nas

decisões da cidade. Primeiramente, há o retorno das eleições diretas em 1985, e,

logo após, a promulgação da Constituição Federal de 1988, que fizeram com que os

conceitos participação e cidadania começassem a andar juntos. A luta pela

participação popular se torna uma importante conquista social através da nova

Constituição, visto que, segundo Nunes,

[...] num país onde o poder de decisão foi historicamente monopolizado pelos representantes de uma elite econômica muito restrita, a participação da população significa uma democratização desse poder.225

223 BERGER, Maria Luiza Dias de Almeida. A democracia participativa e o papel dos atores sociais.

Sociais e Humanas, v. 5, dez./1990, Santa Maria, p. 30. 224 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito

constitucional de luta e resistência; por uma nova hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 283.

225 NUNES, Débora. Por uma pedagogia da participação popular. In: Organizações e Sociedade. v. 6, n. 16. Salvador: EAUFBA, 2006, p. 14.

Page 117: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

A Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida, o marco legal da

redemocratização, um avanço significativo para transformações na gestão das

cidades. Tem início uma nova forma de compreender as demandas urbanas dentro

de um contexto sócio-político e econômico, possuindo, como foco principal, a

questão social. De acordo com Soares e Gondim,

A própria Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política, estabelecendo vários mecanismos de reforços à iniciativas populares.226

Através do processo de redemocratização brasileiro, marcado, sobretudo, pela

ação coletiva de diferentes atores sociais que, em sua luta contra o autoritarismo,

buscaram limitar o poder do Estado, verifica-se a geração de potenciais

organizativos no terreno da sociedade civil e de alternativas de organização política.

Neste sentido, Dagnino ressalta que a experiência de construção democrática

brasileira caracteriza-se pela possibilidade de trânsito de projetos configurados no

interior da sociedade civil para o âmbito do Estado, endereçados à democratização

das políticas públicas, em especial aqueles destinados para serem aplicados na

esfera local.227

O professor Ricardo Hermany, corroborando o referido entendimento, aduz

que:

As políticas públicas essenciais para o resgate das promessas da modernidade são mais eficazes se discutidas e formadas a partir de um amplo processo de engajamento dos atores sociais, numa relação dialética entre Estado e sociedade que permita a consolidação de uma cidadania governante.228

Portanto, a participação popular, nos termos em que é concebida pela

Constituição Federal, pode, ou melhor, deve ter lugar em todos os níveis de 226 SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder

local. In: SOARES, José Arlindo; BAVA, Silvio Caccia (orgs.). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo, Cortez, 1998, p. 75.

227 DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, Espaços Públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 287.

228 HERMANY, Ricardo. Direito social e poder local: possibilidades e perspectivas para a construção de um novo paradigma de integração entre sociedade e espaço público estatal. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional Público - Doutorado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2003, p. 296.

Page 118: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

exercício do poder político, porém, é em nível local, por excelência, que ele tem seu

habitat natural, sobretudo porque é nas comunidades menores, que formam a

maioria dos municípios brasileiros, que se pode vislumbrar uma maior interação

entre a população e os governantes, sendo elemento incentivador e facilitador da

participação. Neste sentido, Mourão ensina que:

Como célula política da organização nacional, é no Município que se apresentam as condições propícias à participação popular, não só pela existência de uma relativa homogeneidade na composição de cada comunidade local como pela maior possibilidade de identificação dos interesses comuns e dos meios a serem utilizados para a sua realização.229

Para Dowbor, a questão do poder local está emergindo rapidamente, tornando-

se uma das questões fundamentais da nossa organização como sociedade. Ao

destacar como local authority em inglês, communautés locales em francês, ou ainda

como espaço local, enfatiza, ainda, que o poder local está no centro do conjunto de

transformações que envolvem a descentralização, a desburocratização e a

participação, bem como as chamadas novas tecnologias urbanas, observando que:

No caso dos países subdesenvolvidos, a questão se reveste de particular importância na medida em que o reforço do poder local permite, ainda que não assegure, criar equilíbrios mais democráticos frente ao poder absurdamente centralizado nas mãos das elites. 230

Roberto Amaral chega até mesmo a rotular o fortalecimento do poder local

como condição de existência da democracia, o que basta para demonstrar a

importância das regras sobre gestão democrática da cidade para a efetividade da

democracia participativa estabelecida pela Constituição Federal de 1988.231

O conceito de participação popular aponta como elemento central e

fundamental, a participação da sociedade civil de forma organizada e não episódica.

Nesta perspectiva, Teixeira observa que a participação popular se distende para

além dos espaços institucionalizados e de relação com o Estado, referindo-se a um 229 MOURÃO, Laís de Almeida (coord). Gestão municipal democrática. São Paulo: FUNDAÇÃO

PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Unidade de Produção de Pareceres e Informações Jurídicas – UPPIJ, 2001, p. 17.

230 DOWBOR, Ladislau. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense S.A., 1999, p. 11. 231 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In:

GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 52.

Page 119: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

[...] processo complexo e contraditório de relação entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se definem pelo fortalecimento da sociedade civil através da atuação organizada de indivíduos, grupos e associações.232

Tratando da participação popular, Callegari salienta que para se tornar efetiva,

faz-se necessário uma nova postura por parte dos governantes e um maior

envolvimento por parte da sociedade civil. Observa que, sobretudo no município, em

havendo motivação e vontade política, a proximidade física entre governantes e

governados favorece a participação, sendo que:

É fundamental, portanto, que todas essas considerações estejam presentes, ao se procurar incentivar a participação. Mas não só em termos de mobilização para trabalhos específicos ou manifestações eventuais, quando um esforço concentrado pode viabilizar o intento; mais importante é o que o interesse de participar seja mantido vivo permanentemente e, nesse sentido, um dos caminhos é o da criação e institucionalização de mecanismos facilitando o acesso às informações que embasam as decisões e aos controles sobre a execução do que é decidido.233

Diante destas considerações, questiona-se se há possibilidade de se efetuar

essa integração entre governo e governados. Em seu parecer, Cardia afirma, de

modo claro e absoluto, de que “a relação de poder entre os planejadores e a

população de baixa renda, mascarada nas entrevistas, nas oposições técnico/leigo

ou saber/vivência, permite constatar a inviabilidade da participação da população de

baixa renda no processo de planejamento habitacional”. Observa, ainda, que esta

discrepância existente entre o modo como os planejadores e técnicos percebem a

população de baixa renda e o conceito de participação, torna-se uma barreira

intransponível à participação popular no âmbito de seu trabalho, consolidada na

premícia de que somente uma dissolução de poder, abriria espaço para uma “real”

participação dessa população.234

Para Cunill-Grau, a participação se afirma como importante instrumento para o

aprofundamento da democracia e para a reivindicação de democracia participativa,

complementando os mecanismos de representação. A recuperação de figuras da

232 TEIXEIRA, Elenaldo. Sociedade civil e participação cidadã no poder local. Salvador: UFBA, 2000,

p. 46. 233 CALLEGARI, Newton. Pensar o Município. São Paulo: CEPAM, 1993, p. 35-36. 234 CARDIA, Nancy das Graças. Planejadores e Participação da População no Planejamento

Habitacional. Tese de Mestrado. São Paulo: USP, 1981, p. 98.

Page 120: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

democracia direta, a participação cidadã na formulação de políticas e decisões

estatais e a possibilidade de deliberação pública constituem os conteúdos evocados

na noção de democracia participativa. A participação popular, concebida nos marcos

da noção de democracia participativa, remete ao fortalecimento e à democratização

da sociedade e do Estado, assim como à redefinição das relações entre Estado e

sociedade. Ao delimitar o conceito de participação popular, a autora aduz que:

[...] se refere à participação política, embora se afaste dela por pelo menos dois sentidos: abstrai tanto a participação em partidos políticos como a que o cidadão exerce quando elege representantes.235

De fato, para Rolnik e Pinheiro, democratizar as decisões é fundamental para

transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os

cidadãos e, sobretudo, como compromisso assumido pelos cidadãos, bem como

para assegurar que todos se sintam responsáveis e responsabilizados, no processo

de construir e implementar as políticas urbanas necessárias para solucionar os

problemas e demandas existentes, assim como efetivar os princípios definidores da

política urbana, estampados no Estatuto da Cidade.236

É difícil acreditar, conforme vem defendendo a maioria das administrações

públicas brasileiras, que a participação seja a peça chave para a solução de todos

os problemas urbanos. Porém, o grande desafio está no comprometimento das

atuais gestões em proporcionar, a todos os cidadãos, o direito de participar, através

de forma direta e representativa, no controle e planejamento de sua cidade,

priorizando o fortalecimento, transparência e eficácia, pois

[...] quando se pensa a participação num sentido mais profundo, de partilha de poder envolvendo a formulação e a implementação de políticas públicas, torna-se essencial buscar mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade e eficácia.237

235 CUNNIL-GRAU, Nuria. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão

pública e representação social. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 1998, p. 81. 236 ROLNIK, Raquel; PINHEIRO, Otilie. Plano Diretor participativo: Guia para elaboração pelos

Municípios e cidadãos. Brasília: Ministério das Cidades: Confea, 2005, p. 14. 237 SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder

local. In: SOARES, José Arlindo; BAVA, Silvio Caccia (orgs.). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo: Cortez, 1998, p. 84.

Page 121: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Diante disso, a questão da publicização de políticas públicas de planejamento e

gestão do espaço urbano das cidades é outro fator de grande relevância, pois leva a

discussão ao conhecimento dos cidadãos comuns, assim como a possibilidade de

participar efetivamente das decisões, elaborando propostas alternativas. Também

“não se vai imaginar que, de uma hora para outra, todos os cidadãos (ou, pelo

menos, todos aqueles interessados) irão se munir de conhecimentos técnicos de

planejamento urbano e administração pública”.238

Democratizar o poder local implementando políticas sociais no âmbito dos

municípios pode gerar possibilidades inovadoras na gestão pública com o

aprofundamento e consolidação da democracia em nosso país. “Por meio das

políticas sociais, é possível alterar a distribuição de poder na sociedade,

transformando privilégios em direitos, direitos em princípios, ou seja, em direitos na

prática”.239

Na visão de Matus é importante “traçar, antecipadamente, o rumo das ações a

ser empreendidas hoje”. Não devemos esperar que chegue o amanhã, ou

acabaremos agindo tardiamente ao enfrentar problemas já criados e podemos

acabar perdendo grandes oportunidades por não ter como enfrentá-las.240 Dessa

forma, as esferas públicas de participação popular devem possuir como escopo

programas e projetos sociais com o intuito de favorecer as camadas mais

desfavorecidas. Também há necessidade dos municípios constituírem um

verdadeiro sistema de gestão democrática das cidades através do planejamento e

da constituição de esferas públicas municipais, com a efetiva participação popular e

poder de decisão da comunidade sobre a aplicação dos recursos públicos.

Destacados, inicialmente, alguns aspectos da gestão urbana no Brasil, os quais

acabaram levando ao exaurimento do modelo estatal de gestão e planejamento do

espaço urbano até então existente, bem como ao início da discussão a respeito da 238 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão

urbanos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 419. 239 FLEURY, Sonia. Políticas sociais e democratização do poder local. In: VERGARA, S. C.;

CORRÊA, V. L. A. de (org.). Propostas para uma gestão pública municipal efetiva. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 91.

240 MATUS, Carlos. Adeus, senhor presidente, governantes, governados. São Paulo: Edições Fundap, 1997, p. 43.

Page 122: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

democratização da gestão urbana, sobretudo a partir da importância da participação

popular, pretende-se, na parte final deste capítulo, demonstrar, através de uma

avaliação exemplificativa das operações urbanas consorciadas, sua importância

como instrumento de participação popular na gestão e regularização do espaço

urbano no Brasil, para tanto, será realizado um breve estudo sobre os principais

aspectos do seu surgimento, suas características, conceito e natureza jurídica, bem

como uma análise das primeiras experiências implementadas no Brasil.

3.2 Uma avaliação exemplificativa das Operações Urb anas Consorciadas como

instrumentos de participação popular na gestão e re gularização do espaço

urbano no Brasil

No capítulo anterior, quando analisados os principais aspectos do

desenvolvimento urbano e os marcos da formação do espaço urbano no Brasil,

constatou-se que as formas de ilegalidade nas cidades são, atualmente, cada vez

mais freqüentes, conseqüência do processo de segregação espacial e exclusão

social que tem caracterizado o desenvolvimento urbano nas cidades brasileiras.

Como forma de sobrevivência, um número cada vez maior de pessoas

descumpre a legislação existente, para ter um lugar nas cidades, vivendo em

condições precárias ou mesmo insalubres e perigosas, geralmente em áreas

desprovidas de infra-estrutura urbana adequada. Como observa Edésio Fernandes,

se consideradas tais formas de acesso ao solo urbano e de produção da moradia,

entre 40 e 70% da população urbana das grandes cidades dos países em

desenvolvimento, neles se incluindo o Brasil, estão vivendo ilegalmente.241

A inversão da ocupação da população do campo para a cidade, o desenfreado

crescimento das cidades, a desordenada ocupação do espaço urbano, a

implantação de programas de ordenamento e planejamento urbanos desastrosos e a

falta de uma política urbana de cunho social, resultaram no surgimento de uma

241 FERNANDES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a

trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 49.

Page 123: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

imensa gama de problemas e demandas de ordem urbana, trazendo conseqüências

catastróficas em face da inexistência de uma infra-estrutura urbana.

Na mesma proporção, a proliferação de favelas e loteamentos irregulares é

uma das conseqüências mais desastrosas no processo de exclusão sócio-espacial

que tem caracterizado o crescimento urbano em nosso país. Os dados coletados

pelo Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE242,

de 2000, indicam que, entre os anos de 1991 e 2000, o número de favelas teria

aumentado 22% em todo o Brasil, tendo sido encontradas favelas em 27,6% dos

municípios brasileiros. Em 56,6% dos municípios com população entre 50 mil e 100

mil habitantes existem favelas, o mesmo acontecendo em 79,9% daquelas com

população entre 100 mil e 500 mil habitantes e na totalidade dos municípios com

população superior a 500 mil habitantes.243

Em seu estudo sobre as alternativas para a crise urbana, Maricato revela que a

população estimada morando em favelas, em algumas cidades brasileiras seria de:

Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia, 13,3%;

Salvador, 30%; Recife, 46%; e Fortaleza, 31%. Há que se ater, também, que o

número de favelas não esgota a ilegalidade quanto à ocupação irregular do solo, na

qual temos que somar o universo dos loteamentos ilegais, que se multiplicam devido

a inexistência de fiscalização e de uma legislação urbana detalhista e abundante.244

Aparentemente, o número de problemas urbanos no Brasil é infinito, podendo

ser elencadas outros tantos associadas às grandes cidades, como a pobreza, a

segregação espacial e a degradação ambiental. Souza observa, neste contexto, que

o Estado, juntamente com o setor imobiliário, investe diferencialmente nas áreas

residenciais da cidade, estabelecendo estímulos e zoneamentos que consolidam a

segregação, resultando na chamada “fragmentação sócio-político-espacial”, que

seria um aumento de disparidades sociais, encarada como uma conseqüência da 242 BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006. 243 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 23.

244 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 38.

Page 124: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

globalização econômico-financeira, a qual gera riqueza, cada vez mais concentrada

para poucos, e pobreza para muitos.245

Ainda, os espaços públicos existentes têm sido associados a locais

desprotegidos e perigosos, tornando-se, aos poucos, menos freqüentados, ao

mesmo passo que os estabelecimentos comerciais e industriais vão se concentrando

em lugares considerados mais seguros e confortáveis, agravando, dessa forma, a

segregação espacial.

Diante disso, a adoção de novos instrumentos de política urbana para as

cidades, como as operações de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada,

está, certamente, vinculada ao surgimento de um novo modo de pensar e agir sobre

o espaço urbano, principalmente junto às gestões municipais. Diana Teresa Di

Giuseppe destaca, como já referido anteriormente, que este fato se deve, seja pelo

esgotamento dos modelos de gestão e planejamento urbanos existentes, seja pelo

escasseamento de recursos financeiros para viabilizar obras urbanas, ou pela

combinação dessas duas circunstâncias.246

Como prosseguimento do estudo, no sentido de realizar uma avaliação

exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como instrumentos de

participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil, o

primeiro item subseqüente apresenta um breve resgate dos principais aspectos que

caracterizaram o surgimento das Operações Urbanas Consorciadas.

3.2.1 Principais aspectos do surgimento das Operaçõ es Urbanas Consorciadas

O Direito Urbanístico brasileiro, já a partir dos anos 1980, demandava a criação

de um novo instrumento que pudesse solucionar questões que afetavam o

reordenamento e planejamento do espaço urbano, sobretudo por causa de quatro

245 SOUZA, Marcelo Lopes de. Problemas urbanos e conflitos sociais. In: SOUZA, Marcelo Lopes de.

ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 81-91. 246 DI GIUSEPPE, Diana Teresa. A crise do planejamento urbano: uma experiência alternativa em

São Paulo (o caso dos Núcleos Regionais de Planejamento). São Paulo: FGV/ Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação de mestrado em Administração Pública).

Page 125: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

aspectos: a falta de recursos públicos para realizar investimentos de transformação

urbanística das áreas, a convicção de que investimentos públicos geram valorização

imobiliária que pode ser captada pelo Poder Público, a convicção de que o controle

do potencial construtivo era a grande “moeda” que o Poder Público poderia contar

para entrar na operação e a crítica às estratégias correntes de controle de uso e

ocupação do solo e de sua incapacidade de promover o urbanismo.247

Diante disso, segundo Maricato e Ferreira, o consenso em torno da aplicação

das Operações Urbanas Consorciadas se deve à aceitação que vem ganhando a

idéia de se efetivar parcerias entre o Poder Público e os diferentes agentes sociais

na gestão da cidade, como forma de superação das dificuldades que o Estado

enfrenta. Tanto a idéia da parceria público-privada, como do próprio instrumento da

Operação Urbana, não são originários do Brasil.248

Historicamente, a concepção de introduzir as Operações Urbanas como

instrumentos urbanísticos possui duas matrizes, uma de origem européia e outra

norte-americana. No caso europeu, a legislação francesa instituiu, em 1967, as

Zones D´Ámenagement Concertée – ZAC, que foram pioneiras como marco

regulatório na criação e estruturação de projetos destinados à renovação de antigas

áreas não mais utilizadas, bem como para a implantação de grandes equipamentos

urbanísticos e sociais. Na avaliação de Maricato e Ferreira,

As ZAC’s atingem diretamente a estrutura fundiária das áreas afetadas. O Estado adquire as terras em áreas “degradadas” (por direito de preempção ou por simples desapropriação), faz as melhorias de infra-estrutura, e decide o uso para cada lote resultante de sua intervenção, realizando inclusive o projeto arquitetônico do edifício a ser construído no local, em alguns casos. Vende as áreas e os projetos destinados a equipamentos públicos aos respectivos órgãos responsáveis (Ministério da Educação para as escolas, da Saúde para hospitais, Setor de Parques para praças etc.), e as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos comerciais (também com os projetos prontos) à iniciativa privada. Cobrando desta última, a plus-valia produzida pela valorização da intervenção, consegue

247 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 80.

248 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 237.

Page 126: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

recursos para amortizar financeiramente a operação como um todo e garantir a oferta de moradias.249

O que se verifica é que, com a globalização e a reestruturação econômica do

início dos anos 1980, há um redimensionamento das atividades econômicas,

fazendo com que antigas zonas industriais, ocupadas com infra-estruturas que

davam suporte a essas atividades, acabaram perdendo, ou mesmo reduzindo sua

função, e, devido a sua localização, acabem se consolidando como áreas para

grandes projetos de reestruturação urbana pelo Poder Público em conjunto com

diversos setores da iniciativa privada. Neste sentido, verifica-se que:

Já na década de 70, inicia-se na Europa e nos EUA um processo paulatino de déficit de arrecadação do Estado, devido a problemas como o aumento do desemprego, o alto custo de manutenção do Estado-Providência e a crise fiscal, todos relacionados com as transformações paradigmáticas geradas pela reestruturação produtiva e o esgotamento do modelo fordista-taylorista. Por essa razão, ganharam força políticas visando a uma co-responsabilização da gestão das cidades por todos os agentes participantes da produção do espaço urbano. (...) Outro fato que alimentou a recepção bem sucedida da proposta de operações urbanas está na possibilidade desta representar uma alternativa para as amarras da legislação modernista/funcionalista, uma possibilidade de flexibilização da legislação contra esse “engessamento”. Regras que pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em instrumentos de indução comentários urbanísticos todo o território urbano, desconhecendo, freqüentemente, especificidades espaciais, sociais e ambientais, foram perdendo paulatinamente prestígio.250

Dentre os exemplos europeus, com a exceção da operação de Docklands, em

Londres, cuja primordial intenção era proceder ao redesenho de boa parte da área

portuária, através de investimentos estritamente privados, a mesma acabou não se

sustentando, sendo necessário a mobilização de investimentos públicos, a grande

maioria dos projetos de renovação urbana realizados através da implementação das

operações urbanas consorciadas, teve o financiamento, basicamente, de recursos

públicos, contrariando as diretrizes no sentido da co-participação da iniciativa

privada, bem como dos agentes participantes da produção do espaço urbano, como

forma de co-responsabilização na gestão das cidades.

249 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:

diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 238.

250 Ibidem, p. 239.

Page 127: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

No caso norte-americano, a participação do capital privado sempre foi mais

intensa, visto que as operações norte americanas, pós a década de 1970, além de

terem por escopo o redesenho das cidades, foram formuladas no bojo da crise dos

programas de renovação urbana, marcados pela demolição em massa de bairros

antigos e sua substituição por vias de tráfego intenso e arranha-céus. Segundo

Altshuler e Gomez-Ibañez, estes programas começaram a sofrer enorme resistência

e crítica por parte dos habitantes destas localidades, que pressionavam no sentido

de serem respeitados os espaços urbanos existentes, bem como da necessidade de

que os projetos fossem mais discutidos com as comunidades interessadas. Desta

matriz, surgiram os community rehabilitation programs (Community Development

Block Grant e Community Development Corporations), assim como uma série

crescente de exigências no sentido de que fossem implementadas contrapartidas de

ordem social diante dos grandes empreendimentos realizados.251

Apesar das críticas, exemplos como as renovações do bairro portuário de Fells

Point, em Baltimore, ou do Píer 17 em Nova York, ambas nos EUA, são tidas pelos

especialistas como exemplos de sucesso de Operações Consorciadas, visto que, em

ambos os casos, as diretrizes das intervenções objetivaram a revitalização de áreas

“degradadas”, valorizando o uso do porto, alavancando oportunidades econômicas,

sobretudo voltadas para o turismo e o lazer, e permitindo uma melhor ocupação da

área, resultando na criação de espaços públicos centrais bastante dinâmicos e

relativamente populares, guardados os desvirtuamentos estruturais inerentes ao

capitalismo.252

Em ambos os casos, o desafio estava em promover uma reutilização de

algumas áreas da cidade que não possuíam mais uma função específica, diante do

seu esvaziamento decorrente de processos de reconversão da cidade, sobretudo

como conseqüência da mudança dos fluxos de produção e capital privado, bem

como para fazer frente às transformações urbanísticas necessárias, mas que, devido

251 ALTSCHULER, Alan; GOMEZ-IBAÑEZ, José. Regulation for Revenue. Cambridge: Lincoln

Institute of Land Policy/ The Brookings Institution, 1993. In: BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 79.

252 MURICY, Cláudia. Operações Urbanas: Como você avalia a realização das articulações público-privadas no Brasil?. In: Cadernos de Urbanismo. Rio de Janeiro, n.3, nov. 2000, p.15-21.

Page 128: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

à crise fiscal e reforma do Estado, restringiram a capacidade de investimento do

Poder Público a partir da década de 1970.253

Em que pese a existência, nas cidades brasileiras, de áreas que necessitem de

uma readequação de suas funções, a transposição dessas experiências européias

ou norte-americanas, para o caso brasileiro não é automática, sobretudo porque,

conforme já estudado no item anterior, a maioria das políticas públicas, associadas à

iniciativa privada, acabam visando uma dinamização do mercado imobiliário,

revitalizando, fatalmente, uma região que atinge somente parte da sociedade. Isto

não significa que as Operações Urbanas Consorciadas não possam, nem devam

existir no Brasil, devem, porém, cumprir seu papel como instrumento gerador de

alguma democratização do espaço urbano.

Para tanto, Maricato e Ferreira254 observam que a comparação com os modelos

de Operação Consorciada europeus deve ser feita com extrema cautela, apesar da

concordância, de experientes urbanistas paulistas, de que, quando se iniciaram as

discussões sobre as Operações Urbanas Consorciadas no Brasil, o exemplo francês

das ZACs – Zônes d’Aménagement Concerté, tiveram alguma influência. Porém,

existem diferenças enormes, e hoje dificilmente alguma comparação pode ser feita,

sobretudo porque tais instrumentos envolvem um mercado que é muito mais

includente do que o nosso, bem como, historicamente, possuem uma longa tradição

política e de integração social, o que possibilita um efetivo engajamento da

sociedade civil organizada nesses processos.

Neste sentido, são enormes as diferenças na qual se insere o instrumento das

Operações Urbanas Consorciadas na realidade brasileira, especialmente quanto à

participação da sociedade civil organizada, que ainda é muito pequena, mesmo na

experiência dos orçamentos participativos. O que se verifica é que o Estado, como

ocorre historicamente, acaba servindo aos interesses das classes dominantes, e a

253 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 78.

254 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 240.

Page 129: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

maioria das leis, e não haveria de ser diferente com a das Operações Urbanas

Consorciadas, tendem a responder aos interesses específicos dos dominantes e não

a considerar as demandas generalizadas da sociedade. Outra grande diferença,

segundo Maricato, está na tradição de investimento social da iniciativa privada,

especialmente o americano, enquanto que no Brasil a tradição é contrária, visto que

são os recursos públicos que sustentaram e continuam sustentando a atividade

empresarial privada.255

Apesar dessas advertências e tomando a devida cautela contra importação de

modelos, a comparação entre as realidades norte-americana, européia e latino-

americana pode ser útil para a avaliação dos problemas e potencialidades que as

Operações Urbanas Consorciadas podem eventualmente apresentar. Assim, mesmo

entre Estados Unidos e Europa pode haver importantes diferenças nos modos de

aplicação das Operações Urbanas Consorciadas, conforme o Estado mantenha

maior ou menor grau de interferência no processo.

Por mais que essa perspectiva pessimista possa ser amenizada com o avanço

da organização da sociedade civil, há de se ressaltar que se faz necessária uma

mudança mais efetiva desse quadro, especialmente através de uma profunda

reviravolta na própria estrutura social, política e econômica da nossa sociedade.

Realizado um breve estudo sobre os principais aspectos do surgimento das

Operações Urbanas Consorciadas, sobretudo através dos modelos europeus e

norte-americano, necessário se faz, para sua melhor compreensão, determinar suas

características, conceito e natureza jurídica dentro da legislação brasileira.

3.2.2 Características, conceito e natureza jurídica das Operações Urbanas

Consorciadas

Diante do objetivo da presente pesquisa, qual seja, a realização de um estudo

exemplificativo das Operações Urbanas Consorciadas como instrumentos de 255 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:

diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 242.

Page 130: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil,

necessário destacar as principais características existentes na legislação brasileira

sobre este instituto, seu conceito, natureza jurídica e a importância da sua utilização

na ordenação da cidade, sobretudo para a consecução de projetos e programas de

desenvolvimento e planejamento urbanístico nas cidades brasileiras.

Inicialmente, o artigo 4° do Estatuto da Cidade con templa os instrumentos da

política urbana que visam ao atendimento da função social da propriedade urbana.

Dentre esses instrumentos, encontra-se, no inciso V, letra “p”, as operações urbanas

consorciadas, que, segundo Francisco, são um conjunto de ações entre os Poder

Público e a iniciativa privada que têm em vista possibilitar o desenvolvimento de uma

determinada área do município, mediante a conjugação de esforços para que a

mencionada área venha a ter as conformações e características almejadas pelo

plano urbanístico municipal.256

No mesmo sentido, Adílson de Abreu Dallari esclarece que “mais importante,

porém, é destacar a instrumentalização da atuação do Poder Público em matéria

urbanística. Ou seja, a institucionalização de um conjunto de meios e instrumentos

expressamente vocacionados para a intervenção urbanística, possibilitando ao

Poder Público uma atuação vigorosa e concreta nesse setor”.257

O caput do artigo 32 do Estatuto da Cidade determina que somente através de

lei municipal específica, baseada no Plano Diretor, é que serão delimitadas as áreas

nas quais poderão ser implementadas as Operações Urbanas Consorciadas, bem

como o § 1° conceitua-o nos seguintes termos:

Art. 32. [...] § 1°. Considera-se operação urbana consorciada o co njunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

256 FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade comentado. São Paulo: Editora Juarez de

Oliveira, 2001, pg. 214. 257 DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana. In: DALLARI, Adílson Abreu; FERRAZ,

Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei n° 10.257/2001). 2. ed., São Pa ulo: Malheiros, 2006, p. 71-86.

Page 131: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Portanto, o primeiro aspecto a ser destacado neste instrumento urbanístico é

que o mesmo deva ser implementado sobre uma área, ou território do município

demarcado, previamente delimitado em lei municipal específica, segundo as

diretrizes do Plano Diretor, definindo sobre este, um projeto de estrutura fundiária,

um potencial imobiliário, em que as formas de ocupação do solo e a distribuição dos

usos sejam distintas daquelas atualmente vigentes.

Apesar de utilizada em várias cidades brasileiras, a compreensão do termo

“operações urbanas consorciadas” nunca foi objeto de consenso entre os urbanistas

e planejadores brasileiros. Alguns entendem que o termo genérico “operação

urbana” denota qualquer intervenção pública urbanizadora, como a implementação

de um novo conjunto residencial ou a urbanização de favelas; outros, que se refere,

também, à aplicação de instrumentos normativos no sentido de possibilitar a

alteração de índices e parâmetros urbanísticos em certa zona ou área urbana,

viabilizando, desta forma, a consecução de determinados objetivos.

Um aspecto importante para definir a Operação Urbana Consorciada relaciona-

se aos seus objetivos, isto porque, segundo Paulo José Villela Lomar, o conceito de

Operações Urbanas pode englobar diversas atividades. A título de exemplificação,

as Operações Urbanas Integradas possuíam como objetivo a aquisição de áreas

para a urbanização; as Operações Urbanas Controladas, relacionavam-se às

medidas a serem tomadas pelo Poder Público para evitar que a população carente

fosse expulsa pela valorização da área; e a Operação Urbana Interligada previa a

alteração do índice urbanístico como forma de incentivo a desfavelização. Assim, o

núcleo para a definição das referidas Operações Urbanas é justamente a

transformação urbanística estrutural, melhorias sociais e a valorização ambiental.258

A acepção contemplada no artigo 32, § 1°, do Estatu to da Cidade, consiste em

considerar a operação urbana consorciada como um tipo especial de intervenção

urbanística, através da iniciativa privada ou pública, voltada para a transformação

estrutural do ambiente urbano existente e que envolve, alternativa ou

258 LOMAR, Paulo José Villela; Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adílson Abreu;

FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei n° 10.257/2001). 2. ed., São Pa ulo: Malheiros, 2006, p. 251.

Page 132: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

simultaneamente, a combinação de capital de investimento público e privado, a partir

da modificação ou do redesenho da estrutura espacial existente, bem como do

manejo e da apropriação dos direitos de uso e edificação do solo e das obrigações

privadas de urbanização.

Em resumo, o objetivo geral da operação urbana é promover a recuperação de

ambientes degradados e a adequação da infra-estrutura, edificações, instrumentos e

serviços urbanos às inovações tecnológicas dentro da perspectiva de adaptação das

cidades aos atuais processos de transformação social e econômica.259

Ocupa-se, assim, de promover um plano de reconstrução e redesenho da

estrutura urbanística, econômica e social de um setor específico da cidade, já

selecionado pelo Plano Diretor, segundo os objetivos gerais da política urbana nele

definidas. Através das operações urbanas consorciadas se procura articular um

conjunto de programas e intervenções infra-estruturais, coordenadas pelo Poder

Público municipal, devidamente definidas em lei, com a finalidade de promover a

preservação, recuperação ou transformação de áreas urbanas.

Para Macruz e outros é oportuno invocar algumas diretrizes fixadas no Estatuto

da Cidade que se vinculam às operações urbanas consorciadas, dentre elas a

constante no inciso III do artigo 2° que apregoa a cooperação entre os governos, a

iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em

atendimento ao interesse social, bem como as previstas no inciso VI, letras “f” e “g”,

com o intuito de ordenar e controlar o uso do solo, de forma a evitar a deterioração

das áreas urbanizadas e a poluição e a degradação ambiental.260

Tendo em vista ser uma de suas finalidades a valorização ambiental, evitando

a deterioração, poluição e degradação destas áreas, as operações urbanas

consorciadas exigem, para sua implementação, conforme prevê o Estatuto da

Cidade, a realização de audiência pública entre o Poder Público e da população

259 MOREIRA, Ana Luísa Nogueira; ARAÚJO, Marinella Machado. Operações Urbanas Consorciadas

no Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/ marinella_machado_araujo-2.pdf>. Acesso em: 19 set 2007.

260 MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. O Estatuto da Cidade e seus instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTr, 2002, pg. 107.

Page 133: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

diretamente interessada (art. 2º, XIII), vez que as atividades a serem desenvolvidas

numa iniciativa como esta, inevitavelmente têm efeitos sobre o meio ambiente

natural ou construído, gerando transformações urbanísticas, estruturais, ou seja,

uma profunda mudança no espaço urbano, dando lhe o cunho de instrumento de

atuação-ação-gestão democrática da cidade.

Caracteriza-se, primeiramente, pela concentração de esforços no sentido de

que uma determinada área do município alcance as conformações idealizadas pelo

plano urbanístico municipal, exigindo, para tanto, a contrapartida de proprietários,

usuários permanentes e investidores privados. É a medida mais adequada para a

realização da política urbana reformadora ou corretiva, devendo ser um instrumento

urbanístico de grande utilização diante do quadro que se encontra o

desenvolvimento e planejamento das cidades brasileiras.

Diante destas disposições, podemos, resumidamente, utilizarmos o conceito

proferido por Flores e Santos para definirmos as operações urbanas consorciadas:

Pode-se, por fim, conceituar operações urbanas consorciadas como um conjunto de providências coordenadas pelo Poder Público Municipal, através do Plano Diretor e de legislação específica, com a participação imprescindível dos proprietários, moradores e investidores privados, visando atingir ao interesse público, o qual se consubstancia na melhoria da ocupação do solo urbano e na valorização de determinadas áreas da cidade.261

Tratadista do assunto, Nelson Saule Junior na obra Novas Perspectivas do

Direito Urbanístico Brasileiro, assim pontifica:

A Operação Urbana é compreendida como um conjunto integrado de intervenção e medidas a ser coordenadas pelo Poder Público, com a participação de recursos da iniciativa privada. A lei específica da operação urbana deverá fixar um estoque de área edificável específico para a região, independente daquele definido para a zona onde será executada a obra. No caso de existência de população de baixa renda residente na região, a operação urbana deve definir uma área para a construção de habitações de interesse social destinada à essa população. Essa medida visa evitar a ocorrência de lesão ao direito à moradia dessa população, de modo que

261 FLORES, Patrícia Teixeira de Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentários ao

estatuto da cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002, pg. 105.

Page 134: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

não seja expulsa da área devido à valorização imobiliária decorrente das melhorias proporcionadas pela operação urbana.262

Maricato e Ferreira, ao discorrer sobre a inserção do instrumento urbanístico

das operações urbanas consorciadas no Direito Urbanístico, destacam que outro

fato que alimentou a recepção bem sucedida da proposta de implementação das

mesmas está na possibilidade desta representar uma alternativa para as amarras da

legislação modernista/funcionalista existente, configurando-se na possibilidade de

flexibilização da legislação contra esse “engessamento”. Diante disso, regras que

pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em todo o território urbano,

desconhecendo, freqüentemente, as especificidades espaciais, sociais e ambientais

do espaço urbano, foram perdendo paulatinamente prestígio.263

Apesar de ser considerado um instituto novo, tendo em vista a recente

regulamentação pelo Estatuto da Cidade, este instrumento de política urbana já

possuía regulamentação na doutrina pátria, sobretudo baseada em experiências já

implementadas, conforme observação de José Afonso da Silva:

Operação urbana integrada compreende um conjunto integrado de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, visando a alcançar transformações urbanísticas e estruturais, a melhoria e a valorização ambiental, de área delimitada por lei específica. Essa lei traça as diretrizes e os objetivos da operação urbana.264

No mesmo sentido, segue o referido autor, destacando a existência de outro

instrumento de política urbana, porém com características diferentes:

A operação urbana interligada (ou operação de interesse social) foi lançada em São Paulo como um instrumento destinado a solucionar o problema das favelas. Seu regime jurídico consta da Lei 10.209, de 9.12.1986, segundo a qual os proprietários de terrenos ocupados por favelas ou núcleos poderão requerer, à Prefeitura, a modificação dos índices e característica de uso e ocupação do solo do próprio terreno ocupado pela favela, ou de outros, de

262 SAULE JUNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 317. 263 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:

diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 239.

264 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 329.

Page 135: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

sua propriedade, desde que se obriguem a construir e a doar, à Municipalidade, habitações de interesse social para a população favelada.265

Ainda, segundo os ensinamentos de José Afonso da Silva, a Operação Urbana

Consorciada deve ser compreendida como “toda atuação urbanística que envolve

alteração da realidade urbana com vista a obter nova configuração da área”,

concentrando-se, portanto, em três pilares: atuação urbanística, alteração da

realidade urbana e nova configuração da área.266 Quanto ao primeiro pilar, o referido

autor não esclarece em que consiste referida atuação, porém, destaca que nas

relações urbanísticas, incide “o princípio de que o urbanismo é uma função pública,

e fornece ao direito urbanístico sua característica de instrumento urbanístico

normativo pelo qual o Poder Público atua no meio social e no meio privado, para

ordenar a realidade (...), sem prejuízo do princípio da legalidade”.267

O segundo pilar, que se refere à “alteração da realidade urbana”, compreende

um processo de renovação urbana, através da transformação de áreas degradadas,

caracterizadas, na sua maioria, pelo abandono, pobreza, desorganização e poluição.

Este fenômeno de renovação urbana pode ocorrer de duas formas, primeiramente

segundo uma ocorrência histórica, ou seja, trata-se de um processo histórico de

ocupação do espaço, conforme as características e as necessidades existentes à

época; a outra, diz respeito à urbanização de uma área, em que há uma intervenção

deliberada, como forma de obter a renovação de zonas (transformar uma zona

antiga em moderna), a renovação pontual (com o objetivo de adaptar o imóvel as

condições gerais de zoneamento), ou, ainda, a renovação de infra-estrutura (através

de grandes empreendimentos, como aqueles ligados ao setor viário). Por fim, ao

salientar no último pilar o conceito de “nova configuração da área”, entende que

deverão ser respeitadas as diretrizes gerais constantes no Plano Diretor ou na lei

específica da Operação Urbana Consorciada, bem como os objetivos e as metas a

serem buscadas pelo Poder Público quando da sua consecução.268

265 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

1997, p. 330. 266 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 360. 267 Ibidem, p. 45. 268 Ibidem, p. 361-362.

Page 136: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Para Pedro Jorgensen Júnior, a expressão “Operação Urbana” compreende um

conceito genérico, que pode englobar qualquer atividade do Estado orientada para a

urbanificação, ou seja, pode dizer respeito “a gêneros de ação urbanística, que,

embora conexos, podem diferir consideravelmente dependendo do lugar e da

circunstância”, como um projeto ou intervenção urbana, em que o Estado está

direcionado no sentido de promover alterações infra-estruturais, como a implantação

de um conjunto habitacional ou uma avenida, como instrumentos que visem a

alteração de índices urbanísticos, ou como uma espécie de intervenção urbanística

caracterizada pela combinação de investimento de capital público e privado,

redesenho da estrutura fundiária e alteração dos direitos de uso e edificação.

Observa que,

Essas operações têm caráter de projeto urbano (por oposição à atividade de controle urbano), para o quê, além de institutos normativos especiais, o setor público necessita lançar mão de dispositivos gerenciais adequados (empresa pública, empresa de economia mista, escritório técnico, agência ou comitê executivo etc), diferenciados da operação urbana corrente. Essas operações-projeto diferem radicalmente da obra pública tradicional em termos de complexidade social da intervenção, do tempo de maturação do plano/projeto, do grau de incerteza quanto aos resultados, das fontes de recursos, dos prazos e métodos de execução da organização gerencial, da metodologia de avaliação de resultados, etc.269

Diante disso, apesar da sua aparente complexidade, a Operação Urbana

Consorciada pode ser compreendida como uma forma de atuação do Poder Público,

no sentido de implementar um “projeto urbano”, através da obtenção de recursos,

sobretudo privados, cujos mecanismos utilizados buscam alterar a realidade urbana

existente, conforme os objetivos e metas especificados em lei.

Há que se destacar que as operações urbanas consorciadas dizem respeito à

consecução de intervenções e medidas em certo espaço físico, ou seja, delimitado;

enquanto que o instituto acima descrito, a operação urbana interligada, geralmente

se refere à determinada propriedade, podendo impor aproveitamento superior ao

estabelecido de forma genérica em lei específica, assim como aumentando o

coeficiente de aproveitamento outorgado pelo Poder Público municipal através da

exigência de uma contrapartida. 269 JÚNIOR, Pedro Jorgensen. Operações Urbanas: uma ponte necessária entre regulação

urbanística e o investimento direto. In: Cadernos de Urbanismo. 3/10-11. Ano 1, Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, novembro de 2000.

Page 137: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

As medidas que compreendem as operações urbanas consorciadas são

exemplificadas pelo artigo 32, § 2° do Estatuto da Cidade, sendo que, as

consubstanciadas no inciso I, são de ordem legal, visto que possuem como escopo a

modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e

subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto

ambiental delas decorrente, ou seja, trazem alterações técnicas já anteriormente

definidas na legislação urbana; enquanto isso, as inseridas no inciso II, tendentes a

viabilizar a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em

desacordo com a legislação vigente, são determinantes para a implementação de

políticas públicas de desenvolvimento e planejamento urbanos, com a conseqüente

inclusão daqueles que habitam estes espaços urbanos, portanto, de ordem social.

Ainda, o artigo 33 aponta para a obrigatoriedade de constar, da lei específica

que instituir a operação urbana consorciada, todos os requisitos e regras a serem

adotadas quando da sua execução e implementação, citando-se a sustentação de

Moreira, Netto e Ambrosis:

As atividades urbanísticas a serem implementadas em uma operação urbana devem estar perfeitamente delineadas na lei específica que a instituir. Desse modo, estará o Poder Público autorizado a efetuar ações no sentido de sua implementação. Destaque-se que não bastará a lei dispor genericamente sobre essa atividade, mas se específica quanto aos critérios que deverão ser adotados. 270

Merecem destaque na aprovação da lei específica que versar sobre o plano de

implementação da operação urbana consorciada: a definição da área atingida; o

programa de ocupação da área; o atendimento econômico e social da população

atingida; a finalidade; a realização do estudo prévio de impacto de vizinhança; a

contrapartida daqueles tiveram benefícios, cujos valores, segundo § 1° do artigo 33,

serão aplicados na própria operação urbana consorciada, dispondo o Poder Público

municipal de recursos próprios com os quais ajuntará aos recursos privados para

executar o plano de operação urbana; a forma de controle da operação, contendo,

obrigatoriamente, a participação de representantes da sociedade civil,

270 AZEVEDO NETTO, Domingos Theodoro de; DE AMBROSIS, Clementina; MOREIRA, Mariana

(coordenadores). Estatuto da cidade. São Paulo: FPFL – CEPAM, 2001, pg. 475.

Page 138: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

caracterizando-se, portanto, como verdadeiro instrumento para a consecução da

gestão democrática nas cidades .

No § 2° do mesmo artigo, é estabelecido que qualque r licença ou autorização

expedida pelo Poder Público municipal em desacordo com a lei específica que

implementar o plano de operação urbana consorciada será nula. Para Hely Lopes

Meirelles, redação mais adequada tecnicamente seria alvará de licença ou alvará de

autorização, visto que:

O alvará é o instrumento da licença ou da autorização para construir ou lotear. Não se confunde licença com autorização: licença é ato administrativo vinculado e definitivo; autorização é ato administrativo discricionário e precário. A licença, quando concedida regularmente gera direito subjetivo à continuidade da atividade licenciada nas condições estabelecidas em lei; a autorização não gera direito à continuidade da atividade autorizada, por ser uma aquiescência de natureza precária.271

Por fim, o artigo 34 do Estatuto da Cidade contempla um instituto que tem

causado polêmica, os certificados de potencial adicional de construção. Importante

destacar que sua emissão não é obrigatória, porém quando emitidos, sua

negociação, segundo o § 1°, poderá se dar livrement e, podendo ser utilizados

unicamente na área objeto da operação. Assim, conforme determinado no § 2°,

quando apresentado o pedido de licença para construir, o certificado de potencial

adicional de construção adquirido poderá ser utilizado no pagamento da área de

construção que supere os índices estabelecidos pela legislação, dentro dos limites

aprovados no plano da operação urbana consorciada.

Em São Paulo, a criação do Certificado de Potencial Adicional de Construção -

CEPAC, transfigurou-se, inclusive, como título negociável em bolsa, podendo ser

convertido, quando necessário, em quantidades de metros quadrados de área de

construção computável, e aplicados em qualquer ponto do território delimitado pelo

plano da Operação Urbana Consorciada a ser implementada. Sua instituição

objetivava a agilização de aprovação das propostas por meio de um mecanismo

automático de concessão de incentivos, mas, principalmente, a obtenção prévia de

271 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9. ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo,

Adilson Abreu Dallari e Daniela Libório di Sarno. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 80.

Page 139: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

recursos destinados a cobrir os custos de desapropriação e de obras públicas

adicionais.272

Dentre as operações urbanas existentes em São Paulo, destaca-se a das

Águas Espraiadas, que compreende uma área de 14.134.000 m², onde estão

previstos custos de R$ 1,1 bilhão, ou o equivalente a 3.750.000 CEPAC’s de R$

300,00 (preço mínimo deste papel). O destino destes recursos deve se dar da

seguinte forma: R$ 350 milhões para o atendimento à população estabelecida em

favelas e R$ 750 milhões para desapropriações e obras de melhoria e infra-

estrutura. A Operação Águas Espraiadas foi a única que teve leilão até então,

ocorrido em 20 de julho deste ano na Sociedade Operadora do Mercado de Ativos -

SOMA este leilão foi estruturado pelo Banco do Brasil. Na ocasião, foram adquiridos

todos os 100 mil certificados ofertados ao valor mínimo de R$ 300,00 por papel,

valor baixo se comparado ao preço dos terrenos da região.

Esse mecanismo de reversão dos recursos à municipalidade confere às

Operações Urbanas um caráter redistributivo, na medida em que os ingressos

oriundos do setor privado venham a ser aplicados em obras, melhorias,

equipamentos ou programas de interesse da coletividade. Apesar disso, Mariana Fix

faz uma leitura crítica dos CEPAC’s, afirmando que:

Um primeiro problema dos CEPAC’s é a desvinculação que o título cria entre a compra do potencial construtivo e a posse do lote. Como qualquer um pode comprar o título, tendo ou não lote na região, e seu valor – como com qualquer título financeiro – pode variar, gera-se um novo tipo de especulação imobiliária, ‘financeirizada’. Os defensores dessa idéia dizem que tal dinâmica não está à mercê do mercado, já que os CEPAC’s serão lançados em operações específicas, sob controle do Poder Público. Além disso, os CEPAC’s teriam um ‘forte componente social’, pois poderiam ser vendidos para alavancar a reurbanização de favelas ou recuperações de cortiços, e seus recursos poderiam ser utilizados em melhorias na cidade toda.273

Ainda, quando da implantação de uma operação urbana consorciada é

fundamental a realização de uma análise quanto aos impactos do novo

272 HORBACH, Carlos Bastide et al. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001 – Comentários.

Coord. Odete Medauar; Fernando Dias Menezes de Almeida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 149-150.

273 FIX, Mariana. Fórmula Mágica da Parceria: Operações Urbanas em São Paulo. In: Cadernos de Urbanismo, n. 3. Rio de Janeiro, novembro de 2000, p. 23-27.

Page 140: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

empreendimento, particularmente nos sistemas de circulação viária e transporte

coletivo. A área da operação urbana não deve ser tratada isoladamente, sendo

dimensionados, apenas, os impactos internos, mas se deve considerar a

repercussão de todas as obras ao seu entorno. Neste ponto, os impactos externos à

região da operação, como o impacto de vizinhança e o impacto ambiental, devem

ser, na medida do possível, absorvidos e pagos com os recursos por ela gerados.

Diante disso, o Estatuto da Cidade é claro ao afirmar, no artigo 36, que, como

medida condicionadora para a obtenção de licenças e autorizações de construção,

ampliação e funcionamento de empreendimentos e atividades privadas ou públicas,

em área urbana, necessária a expedição do Estudo Prévio de Impacto de

Vizinhança (EIV), que deverá, segundo o artigo 37, contemplar os efeitos positivos e

negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população

residente na área e suas proximidades, incluindo, na análise, questões como o

adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação

do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte

público, ventilação e iluminação, e paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

No mesmo sentido, estabelece o artigo 225, § 1°, IV da Constituição Federal de

1988, que toda e qualquer atividade que, potencial ou efetivamente, oferecer riscos

ao equilíbrio ambiental deverá submeter-se a um estudo prévio e conseqüente

relatório de impacto ambiental (EIA). Segundo Macruz e Moreira, impõe-se a

necessidade de elaboração do estudo de impacto ambiental (EIA), pois o mesmo

“[...] tem por objeto avaliar as proporções das possíveis alterações que um

empreendimento, público ou privado, pode ocasionar ao meio ambiente”.274 Através

deste estudo prévio, busca-se prever a possível ocorrência de dano ao meio

ambiente, seja em decorrência de um projeto ambiental, seja de um urbanístico.

Ao analisar as Operações Urbanas Consorciadas e o impacto ambiental que

sua implantação pode acarretar sobre as áreas urbanas especificadas, Rolnik

leciona que

274 MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. Impacto de vizinhança. In:

Estatuto da Cidade e seus instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTR, 2002, p. 131.

Page 141: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

[...] são definições específicas para uma certa área da cidade que se quer transformar, que prevêem um uso e uma ocupação distintos das regras gerais que incidem sobre a cidade e que podem ser implantadas com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados. O Estatuto da Cidade admite a possibilidade de que estas operações ocorram; entretanto, exige que – em cada lei municipal que aprovar uma Operação como esta – devam ser incluídos, obrigatoriamente: o programa e projeto básicos para a área, o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação e o estudo de impacto de vizinhança . Com estas medidas se procura evitar que as operações sejam somente “liberações” de índices construtivos para atender interesses particulares, ou simples operações de valorização imobiliária que impliquem expulsão de atividades e moradores de menor renda. trata-se, uma vez mais, de desenvolver a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização e do planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influencia, de modo, a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente , diretrizes fundamentais orientadas pelo Estatuto da Cidade (artigo 2°, IV e IX). (Grifo nosso).275

Conforme discorrido anteriormente, diante do contexto atual dos municípios

brasileiros, caracterizado pela ausência de recursos públicos e da ineficácia dos

serviços de gestão pública, houve a procura pela iniciativa privada. Nesse sentido,

com a implementação das Operações Urbanas Consorciadas, Camila Maia Pyramo

Costa destaca a existência de equívocos a respeito da sua natureza jurídica,

evidenciando que, desde que respeitados o texto constitucional e a legislação

municipal específica, “poderá o Poder Público transferir ao agente privado a tarefa

de executar operações urbanas”. E mais, diante de uma suposta ineficácia “dos

atuais instrumentos usuais de planejamento e urbanização”, torna-se necessário

“adotar uma modalidade de planejamento que possibilite ampla negociação entre

agentes públicos e agentes privados”.276

Por sua vez, Márcia Walquíria Batista dos Santos afirma que:

Nota-se neste tipo de operação a possibilidade do Poder Público se associar com a iniciativa privada no intuito de efetuar melhorias em determinadas regiões, obviamente com vistas ao desenvolvimento urbano. As chamadas “parcerias” com a iniciativa privada representam recurso bastante utilizado atualmente, em especial devido à grande dificuldade de

275 ROLNIK, Raquel. Comentários urbanísticos. In: FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da

Cidade comentado: Lei 10.257/2001 – Lei do Meio Ambiente Artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 68-69.

276 COSTA, Camila Maia Pyramo. Operações Urbanas Consorciadas. In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental. v. 1, n. 6, Belo Horizonte, nov./dez. 2002, p. 544.

Page 142: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

atender os objetivos propostos, com parcos recursos públicos disponíveis (e muitas vezes mal administrado).277 (Grifo nosso)

Não há, na visão de Caramuru Afonso Francisco a transferência, pelo Poder

Público, ao particular, da execução das Operações Urbanas, visto que as mesmas,

desde o início, são geridas pelo Poder Público Municipal. O que ocorre, em verdade,

é a captação de recursos privados para a realização de obras de infra-estrutura.278

Diante disso, qual seria a natureza jurídica das Operações Urbanas

Consorciadas? No posicionamento de José Afonso da Silva, a função pública do

urbanismo é exercida por meio de atos urbanísticos e “processos e operações

fáticas ou materiais produtores de efeitos jurídicos”. Os atos jurídicos urbanísticos

são “declarações de vontade que produzem efeitos jurídicos de nascimento,

resguardo, modificação ou de extinção de direitos ligados à organização de espaços

habitáveis”, classificados em atos jurídicos procedimentais e em atos urbanísticos

isolados. Os primeiros são aqueles que ordenam um determinado procedimento

urbanístico, como os atos integrantes de um plano de reurbanização. Os atos

urbanísticos isolados são aqueles que se inserem em um procedimento e não

apresenta relação de dependência com os demais, como a licença e o alvará para

construir. Os fatos jurídicos urbanísticos, por sua vez, correspondem “a atuações

materiais de natureza urbanística que não produzem efeito jurídico direto”, dividindo-

se em fatos urbanísticos operacionais e fatos urbanísticos isolados. Os primeiros,

integram “as operações materiais de execução de procedimento urbanístico, como a

execução de um plano de reurbanização”. Já os fatos urbanísticos isolados

correspondem a um fato urbanístico como a abertura de uma rua.279

Analisadas as características, o conceito e a natureza jurídica das Operações

Urbanas Consorciadas junto à legislação brasileira, essencial se torna a análise das

principais experiências implementadas no Brasil, como forma de se proceder a uma

277 SANTOS, Márcia Walquíria Batista. Dos instrumentos da Política Urbana. In: ALMEIDA, Fernando

Dias Menezes de Almeida; MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade. Lei n° 10.257, de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: RT, 2004, p. 215.

278 FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 214.

279 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46-47.

Page 143: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

avaliação exemplificativa da sua utilização como instrumento de participação popular

na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil.

3.2.3 Operações Urbanas Consorciadas implementadas no Brasil

No Brasil, antes mesmo da regulamentação do referido instituto pelo Estatuto

da Cidade, o pioneirismo quando da criação das operações urbanas consorciadas

ocorreu em São Paulo, visto que desde 1985, quando da proposta do Plano Diretor

já constava referido instituto, sendo que seu conceito foi institucionalizado com a

aprovação da Lei n° 10.676/88, que definiu o Plano Diretor da cidade de São Paulo,

com posterior inclusão na Lei Orgânica do Município. Portanto, desde 1988, este

novo instrumento urbanístico de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada

vem sendo aplicado e, não obstante o curto período implementação, já reflete alguns

resultados positivos.

Os primeiros estudos realizados pela Secretaria Municipal de Urbanismo de

São Paulo, indicavam como objetivos das Operações Urbanas: a) a reordenação do

processo de urbanização, com a indução à ocupação de determinadas regiões da

cidade; b) a formação do estoque de terras para fins sociais e públicos; c) a

obtenção de recursos para subsidiar programas de habitação para a população de

baixa renda; d) a captação pelo poder público dos benefícios econômicos, diretos e

indiretos, resultantes dos empreendimentos (ou investimentos) para a reaplicação

em novas operações de cunho social; e) a obtenção de efeitos econômicos no

sentido de desbloquear os recursos imobilizados de forma especulativa, em

benefício da atividade produtiva desenvolvida pelo setor imobiliário e pelo setor

público na produção do espaço urbano.

Segundo estudos realizados por Di Giuseppe280, a partir a criação deste

instrumental urbanístico, quatro operações urbanas de grande relevância foram

aprovadas e colocadas em prática no município de São Paulo:

- a Operação Urbana Anhangabaú, aprovada pela Lei 11.090/91; 280 DI GIUSEPPE, Diana Teresa. A crise do planejamento urbano: uma experiência alternativa em

São Paulo (o caso dos Núcleos Regionais de Planejamento). São Paulo: FGV/ Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação de mestrado em Administração Pública).

Page 144: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

- a Operação Urbana Água Branca, aprovada pela Lei 11.774/95;

- a Operação Urbana Faria Lima, aprovada pela Lei 11.732/95;

- a Operação Urbana Centro, aprovada pela Lei 12.349/97.

Como forma de verificar a validade da implementação das Operações Urbanas

Consorciadas, importante destacar, brevemente, as experiências ocorridas em nível

nacional, sobretudo no Estado de São Paulo. Diante disso, a Operação Urbana

Anhangabaú teve como motivação a implantação de obras destinadas à

reurbanização do Vale do Anhangabaú, culminando com a “revitalização” da área

central e da valorização dos imóveis privados no entorno da obra gerada por este

investimento. A partir da Lei n° 11.090/91, objetiv aram-se a melhoria da paisagem

urbana e da qualidade ambiental, o melhor aproveitamento dos imóveis vagos ou

subutilizados, o incentivo à preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental

urbano e a regularização de imóveis construídos em desconformidade com a

legislação urbanística e edilícia vigentes. Visava, ainda, à ampliação e articulação

dos espaços de uso público, em particular dos arborizados e destinados a pedestres

e à complementação das obras de drenagem e infra-estrutura. Até outubro de 1992,

um ano após o início da operação que durou 4 anos, foram protocolados apenas

cinco propostas, das quais três se utilizavam de mecanismo da regularização, uma

era de construção nova e uma era reforma com aumento de área construída em

prédio de valor histórico e arquitetônico. De qualquer forma, até o fim da operação, a

Comissão Normativa de Legislação Urbanística – CNLU havia aprovado somente a

proposta de regularização de 5.368,29 m², referente à área construída da Bolsa de

Valores de São Paulo, resultando a contrapartida financeira de 5.282.807,20 UFIR’s,

o equivalente, na época, a US$ 2.666.665,00.281

Posteriormente, com o fim do prazo de vigência da Operação Urbana

Anhangabaú, a Lei n° 12.349/97 definiu para a mesma área a implementação da

chamada Operação Urbana Centro, que, ampliada para uma área de 660 hectares,

incluindo os chamados Centro Velho e Centro Novo e parte de bairros centrais,

como Glicério, Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia, determinava duas áreas

281 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 87.

Page 145: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

de intervenção: Área de Especial Interesse, que corresponde ao núcleo da área de

intervenção, e a Coroa Envoltória. Nessas áreas poderão ser concedidos vários tipos

de incentivos, como a modificação dos índices urbanísticos, características de uso e

ocupação do solo e das disposições do Código de Edificações, a regularização de

edificações, a cessão de espaço público aéreo ou subterrâneo, e a transferência do

potencial construtivo de imóveis preservados ou tombados. O coeficiente de

aproveitamento máximo dos terrenos na região dado pelo zoneamento que era igual

a 4,0, podendo ser substancialmente elevado, em função do uso e localização do

terreno, bem como do que se deseja incentivar. Os recursos auferidos devem ser

destinados a obras de melhoria urbana, à recuperação e reciclagem dos prédios

públicos em geral, ao pagamento de eventuais desapropriações, ou à restauração

de imóveis tombados. As propostas de participação foram submetidas à apreciação

da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, constituída por representantes

do Poder Público e diversas entidades sociais, conforme atribuições definidas na lei.

A Operação Urbana Centro, em 5 anos de vigência, aprovou apenas uma proposta

de construção nova, com índices alterados (um Shopping Cultural, do Grupo Silvio

Santos, no bairro do Bexiga) e uma regularização, totalizando uma contrapartida

financeira de R$ 940.000,00. Além destas, duas transferências de potencial de

imóveis tombados foram realizadas.282

A Operação Urbana Água Branca, instituída pela Lei n° 11.774/95, abarca um

território com cerca de 500 hectares, e sua criação justificou-se por estar situada

numa área próxima ao Centro, com muitos terrenos vagos ou subutilizados e, ao

mesmo tempo, bem servida por transporte coletivo nos vários modos (trem, ônibus e

metrô), além de apresentar problemas crônicos de drenagem. Dentre seus objetivos,

destaca-se o de promover a complementação e otimização da infra-estrutura

urbanística já instalada, a reintegração de áreas seccionadas pela ferrovia e o

aumento da taxa de permeabilidade do solo. Diante disso, foram determinadas

concessões para possíveis alterações na legislação de uso e ocupação do solo e

edilícia, regularização de edificações, concessão do espaço aéreo e subterrâneo e

transferência de potencial construtivo. Assim como as demais operações urbanas, a

282 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 87-88.

Page 146: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

análise técnica de cada proposta é realizada por uma Comissão Intersecretarial,

composta e coordenada conforme determinação legal. A contrapartida pode ser

paga em moeda corrente nacional, cujos recursos são integrados ao Fundo Especial

da Operação Urbana, em obras públicas vinculadas aos seus objetivos, ou em bens

imóveis inseridos no perímetro da operação. Até o momento, a operação tem um

grande empreendimento aprovado, a implantação de um grande Centro Empresarial,

sobre uma área de 100.000 m², cuja contrapartida financeira é da ordem de R$ 19

milhões, pagos em obras públicas a serem executadas pelo proponente.283

Envolvendo uma área com aproximadamente 450 hectares, situada na região

sudoeste do Município de São Paulo, a Operação Urbana Faria Lima, instituída pela

Lei n° 11.732/95, tornou-se uma das mais dinâmicas do ponto de vista do mercado

imobiliário, justificando-se pela necessidade de prolongamento da Av. Faria Lima,

através da criação de uma via paralela à Av. Marginal do Rio Pinheiros, aliviando,

assim, a saturação viária. Compreende duas áreas distintas: Área Diretamente

Beneficiada, lindeira às obras de prolongamento da Av. Faria Lima e Av. Hélio

Pellegrino, e uma área mais ampla, a Área Indiretamente Beneficiada. Nessas áreas,

como forma de incentivo, fora concedida a modificação dos parâmetros urbanísticos

estabelecidos na legislação de uso e ocupação do solo, e a cessão do espaço

público aéreo ou subterrâneo. A lei estabeleceu um estoque de área edificável

adicional, que na Área Diretamente Beneficiada é de 1.250.000 m², e na Área

Indiretamente Beneficiada, de 1.000.000 m². O programa de investimentos inclui,

além das obras viárias, um novo terminal de ônibus, habitações de interesse social,

destinadas à venda financiada para a população favelada existente no perímetro e

seu entorno, a construção de habitações multifamiliares para venda financiada à

população residente em área de desapropriação e que queira permanecer na região,

e, ainda, a aquisição de imóveis para implantação de praças e equipamentos

institucionais. Apenas o custo do viário (incluindo as desapropriações) seria de R$

120 a 150 milhões. Estes programas, no entanto, nunca saíram do papel, tendo a

Operação Faria Lima, até hoje, investido apenas em melhoramentos viários, como

os dois prolongamentos da Av. Faria Lima e o prolongamento da Av. Hélio

283 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 88.

Page 147: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Pellegrino, além de começar também a configurar uma nova situação fundiária com

as propostas já aprovadas, já que em mais de 60% dos casos houve agregação de

pequenos lotes para formar os terrenos que se beneficiaram da Operação Urbana. A

aprovação dessa proposta trouxe para os cofres municipais mais de R$ 200 milhões,

montante que já cobriu o custo da implantação da avenida – que foi feita às

expensas do poder público – apenas no que se refere à própria obra, já que os

recursos para as desapropriações saíram dos cofres públicos.284

Para Oliveira, a Operação Faria Lima ocasionou alterações substanciais na

área situada na região sudoeste do Município de São Paulo, sendo importante

salientar que, além do dever de recair sobre área com infra-estrutura e instrumentos

urbanos deficitários, ou com destinação não mais condizente com a realidade da

cidade, as alterações provocadas pela operação devem recepcionar possíveis novos

encargos, como obras para prosseguimento da expansão urbana.285

No Rio de Janeiro, pequenas operações urbanas consorciadas, denominadas

de Consórcios Imobiliários, resultaram de acordos formais entre o Poder Público e a

iniciativa privada, e geraram recursos diretos e indiretos. A Secretaria Municipal de

Urbanismo implementou estas operações, dividindo-as em quatro categorias: a)

obrigações relativas a grupamentos de edificações residenciais cujo objetivo é obter

edifícios, terrenos ou recursos para a construção de equipamentos municipais; b)

obrigações de urbanização cujo objetivo é a complementação ou extensão da infra-

estrutura; c) operações interligadas que são os únicos contratos feitos nos quais a

contrapartida financeira é mensurada e d) obrigações relativas a gestão de recuos

decorrentes das normas de alinhamento.286

Ainda, no município do Rio de Janeiro, a Fundação de Parques e Jardins da

Prefeitura tem buscado, como tem acontecido em muitas cidades, parcerias com a 284 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 89.

285 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. 1. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 87.

286 MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 241.

Page 148: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

iniciativa privada ou associações para a manutenção de praças, jardins, mobiliário.

Além da ampliação dos recursos a serem utilizados na manutenção desse

patrimônio, os aspectos da educação ambiental, da responsabilidade coletiva sobre

a paisagem construída e da participação também são importantes.287

Em Belo Horizonte, o instrumento da operação urbana foi instituído pelo Plano

Diretor (Lei n° 7.165/96), sendo que a primeira a s er aprovada, trata-se de uma

parceria entre Poder Público municipal, iniciativa privada e Rede Ferroviária. Uma

área de propriedade da Rede Ferroviária, não utilizada e que possui uma edificação

tombada, a Casa do Conde de Santa Marina, passarão a ser propriedade pública,

sendo a casa restaurada, abrigando o Museu do Trem, e todo o terreno em volta terá

uso cultural. Em contrapartida, será cedido parâmetro urbanístico adicional para o

terreno remanescente, que permanece patrimônio da Rede Ferroviária, e que irá a

leilão já com esse valor adicionando à propriedade.288

Outro exemplo de operação urbana em Belo Horizonte é o da Estação BHBUS

Barreiro, em que o próprio interesse público urbanístico justificou o tratamento

diferenciado no local, já que o mesmo possuía deficiência na articulação viária e de

transportes, na infra-estrutura urbana, sobretudo com a ocupação irregular de

calçadas por comerciantes, camelôs, ambulantes e mobiliário urbano e insegurança

para circulação de veículos e pedestres. Para tanto, foram realizadas audiências

públicas, com grande participação da sociedade civil, moradores, usuários e

empresariado, bem como reuniões dos Conselhos Municipais, que subsidiaram o

projeto, acompanhando, supervisionando e fiscalizando a implantação da operação

urbana. Houve, ainda, a requalificação do antigo e principal centro comercial do

Barreiro, através da implantação de programa de revitalização urbana, com novo

plano de circulação de veículos e pedestres, renovação de calçadas, tratamento

paisagístico, despoluição visual, programas junto a catadores de papel e grafiteiros e

reorganização do comércio ambulante para uma melhor limpeza urbana.

287 OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Discutindo a operação urbana a partir do Rio de Janeiro: o caso da

área central de Madureira. In: Cadernos de Urbanismo. n. 3, Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Urbanismo, novembro de 2000, p. 30.

288 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 90.

Page 149: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Ao final, o projeto possibilitou o aproveitamento e desenvolvimento do potencial

polarizador de negócios e serviços, assim como o aumento do potencial de consumo

das 500 mil pessoas que circulam pela região, além de dinamizar a economia local,

criando empregos e postos de trabalho diretos e indiretos, diante das boas

condições de acessibilidade, infra-estrutura, segurança e opções de lazer e cultura,

recursos humanos qualificados, estimulado a vinda de novos investimentos. Tornou-

se, portanto, um exemplo de operação urbana bem sucedida e eficaz, pois observou

a diretriz da gestão democrática de sua implementação, mediante informação e

participação da sociedade civil, adequando-se à capacidade de mobilização dos

empreendedores privados, sem prejuízo da coordenação pelo Poder Público

municipal objetivando sempre que o interesse público fosse alcançado. O consórcio

entre o setor público e o setor privado, ao se apoiar nos princípios da função social

da propriedade urbana, na livre concorrência e na igualdade, demonstrou bastante

clareza na sua realização.289

Em Campo Grande, a figura da operação urbana aparece sob a denominação

de Urbanização Negociada, conforme Plano Diretor sob Lei complementar n° 2.813,

de 17 de junho de 1991 e a Urbanização Consorciada está no artigo 14 do Plano

Diretor, conforme Lei Complementar n° 05, de 22 de novembro de 95. A Lei da

Urbanização Negociada foi criada especificadamente para o projeto de Urbanização

do Parque das Nações Indígenas. Antes da aprovação do Plano Diretor, existia um

projeto que previa sua implementação entre duas avenidas, abrigando, nas suas

margens, edificações verticalizadas. Localizado no centro da cidade, em uma área

muito valorizada, de uso estritamente residencial, o proprietário a cedeu em troca de

potencial construtivo em outra área. A área remanescente, às margens da avenida,

também seria fruto da liberação do potencial construtivo, permitindo a verticalização.

Como o processo foi muito demorado, apesar de uma parte da área ser alvo dessa

legislação de Urbanização Negociada, outra parte foi simplesmente desapropriada

pelo Governo do Estado através de um decreto. A legislação não foi mais utilizada e

foi reformulada no final de 2.000, admitindo a transferência de potencial quando se

tratasse de área ambiental ou cultural e restringindo a alteração de índices e usos

289 MOREIRA, Ana Luísa Nogueira; ARAÚJO, Marinella Machado. Operações Urbanas Consorciadas

no Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/ marinella_machado_araujo-2.pdf>. Acesso em: 19 set 2007.

Page 150: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

vinculando-a à realização de obras de interesse social ou qualificação urbanística.

Nessa reformulação foram delimitadas algumas áreas para serem foco dessas

operações urbanas, de interesse do município, de caráter cultural, como o Centro e

a Estação de Trem originária da cidade; e de caráter ambiental, como por exemplo

cabeceiras de córregos ocupadas.290

As operações urbanas em Natal envolveram áreas que apresentavam valor

histórico-cultural significativo para o patrimônio da cidade e que necessitavam

recuperação e vitalização. Objetos de lei específica, com participação da iniciativa

privada e população local interessada, o plano deve prever a reacomodação, no

próprio perímetro da operação, de usos e atividades que precisem ser deslocadas

em função das transformações aprovadas. Em contrapartida, incentivos fiscais foram

previstos para proprietários que aderirem ao programa de intervenção nos lotes

privados. Um Comitê de Gestão da Operação, composto por agentes envolvidos no

processo, deverá ser criado para gerir e acompanhar o processo. Em função das

modificações pretendidas, além da determinação de um estoque de área edificável

específica, deve-se criar um programa de obras públicas necessárias. O estoque de

área edificável deverá ser vendido aos empreendedores interessados na operação,

e os recursos obtidos integrarão o Fundo de Urbanização, devendo ser aplicados na

própria área da operação, portanto não são objetos de especulação, servem para

financiar as modificações pretendidas. Os bairros de Cidade Alta e Ribeira são áreas

de operação urbana que ainda estão em andamento. Entretanto, os resultados são

ainda muito pequenos. Não há muita participação popular no processo pois é uma

área de uso predominantemente comercial, e as habitações são precárias e

esparsas, cuja população não é organizada.291

No município de Santo André, o projeto Eixo Tamanduatehy, reflete a

combinação de um grande projeto com pequenas operações urbanas. Propôs-se a

requalificar o principal eixo de transportes da cidade, correspondendo a uma faixa

290 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 90-91.

291 BENTES, Dulce. Aplicação de Novos Instrumentos Urbanísticos no Município de Natal. In: ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato (orgs.). Instrumentos Urbanísticos contra a Exclusão Social. Revista Pólis, n. 29, São Paulo: Instituto Pólis, 1997.

Page 151: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

situada entre a Avenida dos Estados, a estrada de ferro e a Avenida Industrial. Em

uma primeira etapa, foram feitas propostas para o projeto de requalificação da área,

sem que no entanto se chegasse a um projeto que sintetizasse e integrasse o

conjunto das propostas. Apesar da inexistência de um projeto de lei de operação

urbana e da ausência do projeto síntese, foram realizadas pequenas operações

urbanas, referentes a empreendimentos isolados e implementadas por meio de leis

específicas para cada projeto. Um centro empresarial (Cidade Pirelli), um Shopping

Center e um conjunto hoteleiro são exemplos desse tipo de pequena operação

urbana. Esses projetos trouxeram para o município contrapartidas urbanísticas –

readequação viária, ampliação e requalificação de espaços e passeios públicos,

arborização, projeto arquitetônico de equipamentos sociais. As operações urbanas

aprovadas denominavam-se: a) Operação Urbana Industrial I, aprovada pela Lei n°

7.496/97, permitia a permuta de uma área para a ampliação do sistema viário da Av.

Industrial, em contrapartida haveria a doação de outra área; b) Operação Urbana

Industrial II – Cyrella, aprovada pela Lei n° 7.873 /99, destinada à concessão de

benefícios urbanísticos através da outorga onerosa e da doação de área,

envolvendo uma área de 16.545,6 m², cujo benefício econômico de R$ 264.730,00

foi destinado à contrapartida no valor de R$ 132.000,00 e doação de 20% do

terreno, destinado à ampliação e reforma do Parque Duque de Caxias; c) Operação

Urbana Flat da Av. Portugal, aprovada pela Lei n° 7 .700/98 e Lei n° 7.904/99,

compreende a concessão de benefícios urbanísticos, caracterizados pela permissão

de uso no lote em Zona A2/A4 e da utilização do pavimento térreo compartimentado,

envolvendo uma área construída de 19.268,88 m², com benefício econômico de R$

487.460,00, contrapartida de R$ 292.000,00, destinado ao custeio da execução do

projeto arquitetônico do centro de Atividades Andrezinho Cidadão; d) Operação

Urbana Pirelli (Cidade Pirelli), aprovado pela Lei n° 7.700/98 e Lei n° 7.904/99,

destina-se a implantação de um Plano Urbanístico de revitalização da área com a

concessão de benefícios urbanísticos e mudança de zoneamento através de outorga

onerosa, permuta de áreas e de isenção de IPTU. No local serão construídos: Hotel

4 estrelas, Centro de Convenção, Praças e Rua de Comércio 24 horas, em área

construída de 258.810 m², com benefício econômico de R$ 487.460,00,

Page 152: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

contrapartida de R$ 292.000,00, destinado ao custeio da execução do projeto

arquitetônico do centro de Atividades Andrezinho Cidadão.292

As Operações Urbanas Consorciadas, conforme já analisado anteriormente,

caracteriza-se pelo conjunto de medidas e intervenções coordenadas pelo Poder

Público, com a participação de setores da iniciativa privada, objetivando alcançar em

uma área específica, as transformações urbanísticas necessárias. Porém, para

lograr êxito na consecução dos objetivos, necessário definir uma estratégia capaz de

despertar o interesse da iniciativa privada, para que esta venha efetivamente a

participar de sua implementação, através do custeio de obras, melhorias ou

equipamentos de interesse público. Como aponta Ambrosis:

Evidentemente, o investidor participa da OU se for de seu interesse. No entanto, o Poder Público poderá ter interesse em desenvolver locais que não oferecem muitos atrativos para os empreendedores. É por isso que é recomendável a criação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano para onde iriam os recursos advindos de todas as OUs, recursos que seriam redistribuídos pelo Poder Público, conforme as prioridades para o conjunto da cidade. Tal fundo teria um caráter eminentemente redistributivo.293

Em contrapartida, poderão ser concedidos vários tipos de incentivos, como a

modificação dos índices urbanísticos, características de uso e ocupação do solo e

das disposições do Código de Edificações (exceto itens relativos à segurança), a

regularização de edificações, a cessão de espaço público aéreo ou subterrâneo, e a

transferência do potencial construtivo de imóveis preservados ou tombados.

Os recursos auferidos devem ser destinados a obras de melhoria urbana, à

recuperação e reciclagem dos próprios públicos em geral, ao pagamento de

eventuais desapropriações realizadas no perímetro da operação urbana consorciada

realizada, ou à restauração de imóveis tombados, esta condicionada ao seu

posterior ressarcimento.

292 BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,

de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 92-93.

293 DE AMBROSIS, Clementina. Recuperação da valorização imobiliária decorrente da urbanização. In: O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima.-Cepam, 1999, p. 280.

Page 153: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Avaliando sua utilização no Brasil, Fernanda Sanchez pondera que:

As operações urbanas, tanto em cidades do chamado primeiro mundo, quanto em nossas cidades latino-americanas tem se centrado, muitas vezes em revitalização de áreas degradadas ou em renovação de logradouros subutilizados. São, geralmente, operações pontuais. Penso que o próprio conteúdo dos termos revitalização ou renovação, plenamente incorporados na retórica dos planejadores, pode ser questionado. Ele parece indicar uma leitura autoritária ou parcial dos lugares urbanos. Revitalizar lugares mediante operações urbanas, sugere a inferência direta de que neles não haveria mais vida social, que seria recriada mediante o gesto planejador. Assim, pode se tratar de pretensão tecnocrática que solapa a intenção de varrer expressões outras de vida social, incômodas e incompatíveis com a nova semântica dos espaços renovados das chamadas cidades corporativas. A organização econômica da cidade pode construir, com estas operações muito invisíveis, fronteiras, bordas, metáforas espaciais para designar a natureza das divisões sociais legitimadas no tempo e através do espaço.294

Assim, tendo em vista que as irregularidades ocorrem de diversas formas e em

diferentes áreas no Brasil, surge uma convergência de interesses quando está em

pauta a regularização da propriedade urbana, sobretudo aquelas localizadas em

áreas de risco e de preservação ambiental. Neste contexto estão favelas, cortiços,

loteamentos clandestinos e irregulares, provenientes de áreas públicas e privadas

destinadas a preservação ambiental, ou doadas ao poder público por loteamentos,

ou, ainda, à espera de valorização financeira, bem como, há irregularidade, também,

na ocupação da orla marítima e fluvial pelas classes média e alta, ou naquelas áreas

destinadas a implementação de condomínio fechado. É certo, pois, que:

Tais operações podem contemplar, outrossim, uma anistia, pois facultam a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente (art. 32, § 2º, II). Mas essa anistia não pode, à evidência, ser extensiva a ponto de perdoar infrações a normas que tutelam o meio ambiente cultural ou natural, como edificações feitas em bens tombados ou em áreas de preservação permanente, por exemplo, posto que o instituto das operações urbanas consorciadas visa, nesse ponto, a valorização ambiental (art. 32, § 1º), não o inverso.295

Mesmo utilizados com estas características, urbanistas, como Mendonça,

lecionam no sentido de defender as Operações Urbanas Consorciadas, sobretudo

porque acredita tratar-se não somente de instrumentos urbanísticos destinados à 294 SANCHEZ, Fernanda. Como você avalia a realização das articulações público-privadas no Brasil?

In: Cadernos de Urbanismo. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rio de Janeiro, novembro de 2002.

295 FREITAS, José Carlos de. Estatuto da cidade e equilíbrio no espaço urbano. Disponível em: <http//:www.jus.com.br>. Acesso em: 17 maio 2007, p. 10.

Page 154: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental,

porém de mecanismos de coibição de processos especulativos do solo urbano, de

resgate para os cofres públicos da valorização imobiliária decorrente de obras

públicas, enfim, mecanismos de cumprimento da função social da propriedade

urbana.296

Na concepção de Di Giuseppe, esse novo instrumento deverá encontrar

bastante receptividade por parte dos governos municipais das cidades que

eventualmente não o tenham ainda aplicado, por trazer a possibilidade de viabilizar

obras e melhorias de interesse público com os recursos provenientes do setor

privado. Ao mesmo tempo, abre a perspectiva de estabelecer-se novas formas de

relacionamento entre o Poder Público e os setores da sociedade envolvidos, mais

participativas.297

Trata-se, portanto, de instituto de largo alcance social, sobretudo diante da

existência de um considerável número de imóveis em situação irregular no Brasil,

visto que:

As estimativas variam muito, e as realidades municipais também, mas não seria exagero afirmar que, pelo menos 30% a 50% das famílias moradoras dos territórios urbanos brasileiros, em média, moram irregularmente (no Recife estima-se que este índice se aproxime de 70% dos domicílios urbanos). Essa irregularidade assume múltiplas faces e diversas tipologias estão marcadas pela condição "irregular" no Brasil. São favelas resultantes da ocupação de áreas privadas que se encontravam vazias à espera de valorização; favelas em áreas públicas resultantes da ocupação de áreas doadas ao Poder Público por loteamentos; cortiços improvisados em casarões deteriorados e sem as mínimas condições de habitabilidade; loteamentos clandestinos e irregulares ; conjuntos habitacionais ocupados e sob ameaça de despejo; casas sem "habite -se" , etc. Além disso, há a irregularidade produzida pelas classe média e alta, que tem hoje na figura do condomínio fechado (burlando a lei de parcelamento do solo) e da privatização da orla marítima e fluvial algumas de suas expressões mais importantes.

Diante desta realidade apresentada, uma das mais nefastas conseqüências

desse processo de produção irregular das cidades é a degradação ambiental dos

296 MENDONÇA, Jupira Gomes de. Plano Diretor, Gestão Urbana e Descentralização: Novos

Caminhos, Novos Debates. In: FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.156.

297 DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Estatuto da cidade. FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Mariana Moreira (coord.). São Paulo, 2001, p. 379-380.

Page 155: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

cenários urbanos. A falta de acesso regular a um espaço de radicação nas cidades

leva, conseqüentemente, a população carente a buscar alternativas junto ao

mercado imobiliário ilegal, que atua quase sempre em áreas ambientalmente

vulneráveis (justamente aquelas áreas “excluídas”, por suas características e

gravames legais, do mercado imobiliário regular) loteando áreas de preservação

ambiental como encostas e topos de morro, matas nativas e margens de mananciais

e cursos d’água.298

É importante destacar, ainda, que é facultado aos proprietários de imóveis

localizados nas áreas de Operações Urbanas utilizá-lo de acordo com os parâmetros

estabelecidos na legislação que permanece em vigência. Desse modo, àqueles

proprietários que não queiram ou não possam participar do plano urbanístico,

permanece garantido o direito de utilização das suas propriedades urbanas segundo

o zoneamento vigente.

Partindo do estudo dos aspectos históricos que deram origem as primeiras

cidades, após dos marcos normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais

da ocupação do solo urbano no Brasil, verifica-se que o fomento da participação dos

habitantes das cidades, confere ao Poder Público municipal, em parceria com os

diversos setores da iniciativa privada, subsidiado pelo Estatuto da Cidade e pelo

Plano Diretor, um instrumento urbanístico ímpar e altamente estruturado para a

consecução de políticas públicas de desenvolvimento e planejamento urbanísticos

nas cidades brasileiras, sobretudo visando a regularização e reordenação do espaço

urbano no Brasil, denominado Operações Urbanas Consorciadas.

Apesar de se apresentar como um instrumento urbanístico de recente criação,

já há um consenso em torno da validade de sua aplicação, efetivando-se como

importante parceria entre o Poder Público e os diferentes setores da sociedade na

gestão da cidade, como forma de superação das dificuldades que o Estado enfrenta.

Justifica-se, portanto, sua importância para a consecução de uma nova e moderna

forma de gestão, caracterizando seu uso pelo caráter redistributivo, pelo potencial de

arrecadação, e pelas perspectivas de reestruturação ou reurbanização de áreas

298 ROLNIK, Raquel. O que é cidade? São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 09-14.

Page 156: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

degradadas ou desprovidas de infra-estrutura e serviços urbanos, ou mesmo para

redirecionar o crescimento e expansão dentro do espaço urbano existente, com o

aporte e participação do financiamento privado.

As operações urbanas consorciadas, portanto, com observância das diretrizes

de gestão democrática de sua implementação, mediante informação e participação

da sociedade civil, de sua adequação aos aspectos peculiares de cada uma, de sua

capacidade de mobilização da iniciativa privada, de do Poder Público do município, a

fim de que o interesse público seja verdadeiramente alcançado, de expressar de

modo mais concreto a lei municipal do Plano Diretor, seriam uma parceria entre os

setores públicos e privado, e a sociedade civil, na busca de melhorias sociais,

valorização do meio ambiente e transformações urbanas estruturais.

Assim, a experiência de efetivação das operações urbanas no Brasil, deve-se

pela conjunção da ação do Poder Público em consonância com o efetivo interesse

da iniciativa privada em investir. Desta forma, sendo o objetivo do instrumento a

reestruturação e reurbanização de áreas indicadas pelo Plano Diretor como

necessárias e estratégicas, necessário se faz o estabelecimento de uma política

global imobiliária e fundiária como estratégia importante para a própria viabilização

das operações.

A necessidade de intervenções no campo do urbanismo, do projeto urbano,

tratando setores do território de forma singular e trabalhando o desenho de espaços

públicos é real e pode constituir um dos objetivos da aplicação deste instrumento.

Entretanto, uma visão global da cidade em relação à segmentação dos mercados, às

formas de produção da cidade e sua relação com o tecido econômico social

resultante é pré-requisito para a definição da área que deva ser objeto de uma

operação e de seu programa.

Por outro lado, ao longo dos anos, operações urbanísticas, restritas a apenas

um empreendimento, em reduzido espaço territorial, foram sendo praticadas pelas

prefeituras sob a denominação de “operações urbanas”. Estas pequenas operações,

envolvem tanto a doação de contrapartidas obrigatórias dependendo da natureza do

empreendimento, como concessões específicas de potencial adicional de construção

Page 157: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

em troca de contrapartidas públicas, definidas na lei específica, que gerou o

empreendimento. Neste caso as operações têm servido, de forma geral, a promover

pequenas intervenções, em escala local, geralmente vinculadas à obtenção de

espaços públicos, áreas verdes e equipamentos coletivos, solucionando,

emergencialmente, a falta de recursos públicos para serem investidos nestes

espaços urbano.

Embora as Operações Urbanas Consorciadas pareçam instrumentos de

reforma urbana que englobem uma dimensão física mais abrangente, devem ser

compreendidas, simplesmente, como formas de parceria entre os setores público e

privado, tendo como principal objetivo promover novo modo de gestão do espaço

urbano e para a implementação das políticas públicas de desenvolvimento e

planejamento das cidades brasileiras.

Consubstancia-se, portanto, como novo instrumento colocado à disposição dos

governos municipais, sobretudo ao viabilizar obras e melhorias de interesse público

com recursos provenientes do setor privado, bem como ao estabelecer uma nova

forma de relacionamento entre o Poder Público e os setores da sociedade, que se

tornam mais participativos, diante da implementação de projetos e programas

urbanísticos com vista ao desenvolvimento e planejamento do espaço urbano nas

cidades brasileiras.

Page 158: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

CONCLUSÃO

Na presente dissertação, buscou-se, inicialmente, através do resgate dos

principais aspectos históricos que embasaram a formação e o desenvolvimento do

espaço urbano, fixar as bases do presente estudo. Assim, ao estabelecer os marcos

normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais que caracterizaram a

formação e o desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, acabam evidenciados os

principais aspectos que configuraram o cenário urbanístico do território brasileiro.

Dentre eles, o caos urbano formado nas cidades no decorrer do século passado,

oriundo do crescente adensamento populacional e da ocupação desordenada do

espaço urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente um desafio no

sentido de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar de seus habitantes,

mas também uma questão de responsabilidade conjunta do Poder Público, da

sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.

Paralelamente ao adensamento populacional e, sobretudo ao desenfreado

processo de urbanização ocorrido nas cidades brasileiras, as desigualdades que se

formam são caracterizadas, principalmente, pelo déficit habitacional, fruto, de um

assentamento desordenado, pela inexistência, deficiência e falta de qualidade dos

serviços e da infra-estrutura existentes, pela ocupação predatória e inadequada de

áreas, muitas vezes, localizadas em pontos de risco ou de proteção ambiental, e

pelos conflitos sociais e fundiários. Ainda, a crescente ocupação destas áreas

ocasiona mazelas de ordem natural, como enchentes, erosões e contaminação dos

Page 159: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

mananciais, onde os primeiros prejudicados são os habitantes daqueles locais e,

com o descontrole desses processos, atingirão a cidade como um todo.

O espaço urbano pode se apresentar irregular por diversos motivos, de

diversas formas e em diferentes áreas no Brasil. Assim, o intenso processo de

urbanização, verificado em diversas cidades brasileiras, consolidou a necessidade

do surgimento de um urbanismo moderno, a partir da realização de obras de

saneamento e infra-estrutura básica, promoção de um embelezamento paisagístico,

implantação de uma normatização quanto ao mercado imobiliário e de regras de

planejamento e desenvolvimento urbanos. Porém, o mesmo não contemplou todos

os setores, e a população excluída acabou expulsa dos centros urbanos, refugiando-

se em regiões periféricas, imediações de morros, ou áreas distantes, que ocasionam

o surgimento de núcleos urbanos irregulares e de favelas.

Os problemas de ordem urbana, enfrentados atualmente no Brasil, são, como

verificado, um legado da História, originados pela ocupação e desenvolvimento

irregulares das cidades. Portanto, resolver estes problemas se torna tarefa das mais

urgentes, sendo necessário a implantação de instrumentos urbanísticos de

reorganização, reordenação, planejamento e desenvolvimento do espaço urbano

existente. A consecução destas políticas urbanas deve visar, prioritariamente, a

reabilitação das áreas degradadas, a redefinição funcional destas áreas, a promoção

de programas de renovação do espaço urbano, bem como o ordenamento e

planejamento do trânsito, buscando a solução das demandas urbanas, agregando,

para tanto, o esforço estatal, a iniciativa privada e a participação da sociedade.

Atualmente, diante da inclusão de novos valores, sobretudo advindos com a

promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como a

exigência do cumprimento das funções social e ambiental da propriedade e da

cidade, é certo que a propriedade não comporta mais o caráter absoluto de sua

utilização individualista. Assim, em matéria de desenvolvimento, organização e

planejamento urbanístico, nossa Carta Constitucional foi inovadora, sobretudo com a

inclusão de capítulo próprio sobre a Política Urbana, e definindo o Plano Diretor

como instrumento básico para tanto, bem como estabelecendo ao Poder Público

municipal a responsabilidade pela sua execução, podendo, para tanto, contar com a

Page 160: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

cooperação da iniciativa privada e dos demais setores da sociedade. Como forma de

implementação destas diretrizes, necessário se fez a regulamentação do texto

constitucional, fato que logrou êxito a partir da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001,

denominada de Estatuto da Cidade.

Com base nestes preceitos, a elaboração de uma avaliação exemplificativa do

instituto das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado nos artigos 32 a

34 do referido texto legal, com o intuito de verificar a sua viabilidade como

instrumento de participação popular na gestão democrática da cidade e para

implementação de projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e

regularização do espaço urbano no Brasil, bem como alcançar, nos espaços urbanos

existentes, a consecução das transformações urbanísticas necessárias em termos

de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização ambiental, tornou-se o objeto da

presente dissertação.

As Operações Urbanas Consorciadas, apesar de se apresentarem como um

instrumento urbanístico de recente criação, já possuem um consenso em torno da

validade de sua aplicação, efetivando-se como importante parceria entre o Poder

Público e os diferentes setores da sociedade na gestão da cidade e na regularização

do espaço urbano. Justifica-se, portanto, sua importância para a consecução de uma

nova e moderna forma de gestão, caracterizando seu uso pelo caráter redistributivo,

pelo potencial de arrecadação, e pelas perspectivas de reestruturação ou

reurbanização de áreas degradadas ou desprovidas de infra-estrutura e serviços

urbanos, ou mesmo para redirecionar o crescimento e expansão dentro do espaço

urbano existente, com o aporte e participação do financiamento privado.

Assim, baseado na análise dos diversos exemplos já implementados nas

grandes capitais brasileiras, e dos resultados satisfatórios obtidos, verifica-se que a

experiência de efetivação das Operações Urbanas Consorciadas no Brasil, deve-se

pela conjunção da ação do Poder Público em consonância com o efetivo interesse

da iniciativa privada em investir. Ao mesmo tempo, sendo o objetivo do instrumento

a reestruturação e reurbanização de áreas indicadas pelo Plano Diretor como

necessárias e estratégicas, necessário se faz o estabelecimento de uma política

Page 161: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

global imobiliária e fundiária como estratégia importante para a própria viabilização

deste instrumento urbanístico.

Neste sentido, não resta dúvida que a Operação Urbana Consorciada deverá,

também, dar ênfase à proteção do meio ambiente, devendo nas áreas mais

sensíveis e de dificultosa conciliação, como áreas de preservação permanente ou de

eminente risco, procurar resguardar o patrimônio natural no grau máximo possível,

sem deixar de implementar a política de melhoria urbana. Em áreas ocupadas, onde

houve supressão total do bem ambiental, deve, também, ser possibilitada a

execução da operação de modo que sejam garantidas as condições mínimas de

segurança e habitabilidade, já que a maioria dos assentamentos se dá em áreas de

risco ambiental, como encostas e áreas de mananciais.

Dentre as experiências de implantação de Operações Urbanas Consorciadas,

sobretudo no Estado de São Paulo, verificou-se que elas somente obtiveram êxito

porque ocorreram em áreas em que já existia um grande interesse do mercado

imobiliário. As parcerias realizadas, sob o ponto de vista econômico, ativeram-se

àqueles setores em que, efetivamente, houve interesse da iniciativa privada em

investir. Assim, o objetivo principal deste instrumento, até o presente momento, não

foi reestruturar ou reurbanizar áreas urbanas desprovidas de infra-estrutura, bem

como reorganizar o crescimento e a expansão urbana, mas investir em áreas que já

possuíam valorização e interesse pela especulação imobiliário, concentrando, desta

forma, a maioria dos investimentos da cidade.

Ainda, ao longo dos anos, constatou-se que as operações urbanísticas, ficaram

restritas a apenas um empreendimento, implementadas em área de espaço territorial

reduzido. Estas pequenas operações, envolveram tanto a doação de contrapartidas

obrigatórias, dependendo da natureza do empreendimento, como concessões

específicas de potencial adicional de construção, como a troca de outras

contrapartidas públicas, definidas na lei específica, e geradas pelo próprio

empreendimento. De forma geral, as operações têm servido a promover pequenas

intervenções, em escala local, geralmente vinculadas à obtenção de espaços

públicos, áreas verdes e equipamentos coletivos, solucionando, emergencialmente,

a falta de recursos públicos para serem investidos nestes espaços urbanos.

Page 162: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Desta forma, apesar do ambiente favorável à implantação do modelo, os

avanços têm sido tímidos e mais restritos ao plano normativo, destacando-se as

experiências isoladas de alguns municípios que conseguiram alavancar processos

na implementação de Operações Urbanas Consorciadas em adequação aos seus

Planos Diretores, incorporando os novos termos urbanísticos ajustados aos objetivos

e diretrizes fixados no Estatuto da Cidade, sobretudo objetivando, segundo o artigo

2°, caput, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade

urbana.

É, através da implementação deste importante instrumento urbanístico, que se

pode buscar a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao

transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, contemplado no inciso I do

referido artigo, bem como da concretização da gestão democrática da cidade,

constante nos incisos II e III, através da participação da população, em cooperação

com os governos e a iniciativa privada, no processo de urbanização.

Do mesmo modo, diante do crescente adensamento populacional e da

ocupação desordenada do espaço urbano, sua implementação, em consonância

com os objetivos delineados na lei específica que a instituiu, tende a atender,

também, as diretrizes traçadas pelo inciso IV do artigo 2° do Estatuto da Cidade,

como a distribuição espacial da população em áreas adequadas ao seu

desenvolvimento, evitando, desta forma, as distorções do desenfreado crescimento

urbano, sobretudo ordenando e controlando o uso do solo, de forma a evitar a

utilização inadequada dos imóveis urbanas em relação à infra-estrutura urbana

existente, a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação

ambiental, preconizadas no inciso VI. Complementando, a oferta de equipamentos

urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos, dispostos no inciso V,

consubstanciam-se no mínimo necessário para que esta população viva com

dignidade, dentro de uma política urbana adequada aos interesses e necessidades

da população local.

Importante destacar, ainda, que, nos processos de implantação de

empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio

Page 163: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança das áreas existentes,

como pode ocorrer quando da implantação de uma Operação Urbana Consorciada,

o artigo 2°, inciso XIII, é claro ao determinar a r ealização de audiência entre o Poder

Público municipal e a população diretamente interessada, visto que vez que as

atividades a serem desenvolvidas numa iniciativa como esta, inevitavelmente têm

efeitos sobre o meio ambiente natural ou construído, gerando transformações

urbanísticas e estruturais, ou seja, uma profunda mudança no espaço urbano, dando

lhe o cunho de instrumento de atuação-ação-gestão democrática da cidade para a

promoção do pleno desenvolvimento do espaço urbano.

Embora as operações urbanas consorciadas pareçam instrumentos de reforma

urbana que englobem projetos urbanísticos com dimensão física mais abrangente,

devem ser compreendidas, simplesmente, como formas de parceria entre os setores

público e privado, tendo como principal objetivo promover um novo modo de gestão

do espaço urbano, para a implementação de políticas públicas de desenvolvimento e

planejamento das cidades brasileiras.

Por conseguinte, constata-se que, enquanto não houver a implantação desses

novos modelos de instrumentos urbanísticos, com o objetivo de alcançar, nas áreas

determinadas em lei, as transformações urbanísticas infra-estruturais, sociais e de

valorização ambiental necessárias, restará à população, diante do crescente

adensamento populacional e da ocupação desordenada do espaço urbano, ocupar

as áreas periféricas, mais baratas, pois desprovidas de infra-estrutura básica, ou

ocupar áreas ambientalmente frágeis ou inadequadas, que, para serem urbanizadas,

necessitam de planejamento e organização, o que não acaba ocorrendo na maioria

das ocasiões, tendo em vista o alto custo a ser comprometido pelos entes públicos,

destinados a implementar políticas públicas de desenvolvimento e planejamento

nestes espaços urbanos.

Por fim, pode-se concluir que as Operações Urbanas Consorciadas se

consubstanciam como novo instrumento urbanístico colocado à disposição dos

governos municipais, sobretudo para viabilizar obras e melhorias de interesse

público com recursos provenientes do setor privado, bem como para estabelecer

uma nova forma de relacionamento entre o Poder Público e os setores da

Page 164: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

sociedade, que se tornam mais participativos, diante da implementação de projetos e

programas urbanísticos com vista ao desenvolvimento e planejamento do espaço

urbano nas cidades brasileiras. Constitui-se, portanto, na implantação de um novo

modelo de gestão da política urbana, com a participação dos maiores interessados:

a comunidade.

Page 165: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

REFERÊNCIAS

ALTSCHULER, Alan; GOMEZ-IBAÑEZ, José. Regulation for Revenue. Cambridge: Lincoln Institute of Land Policy/ The Brookings Institution, 1993. In: BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003. ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente. Análise do Desempenho Produtivo dos Centros Urbanos Brasileiros no Período 1975/96. In: ANDRADE; Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente (orgs.). Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA, 2001. ARANTES, Paulo E. A desordem do progresso. In: Revista Tiers Monde, 2000. ARAÚJO, Luiz Ernani Bonesso de. A Questão Fundiária na Ordem Social. Santa Cruz do Sul: Fisc, 1985. ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. 13. ed., São Paulo: Editora Ática, 1990. AZEVEDO NETTO, Domingos Theodoro de; DE AMBROSIS, Clementina; MOREIRA, Mariana (coordenadores). Estatuto da cidade. São Paulo: FPFL – CEPAM, 2001.

Page 166: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

BARBOSA, Mário da Costa. Planejamento e serviço social. 4. ed., São Paulo: Cortez Editora, 1991. BASTIDE, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo: Difel, 1978. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. ______. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad. Sílvia Mazza. 3. ed., São Paulo, Editora Perspectiva, 1997-2001. BENTES, Dulce. Aplicação de Novos Instrumentos Urbanísticos no Município de Natal. In: ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato (orgs.). Instrumentos Urbanísticos contra a Exclusão Social. Revista Pólis, n. 29, São Paulo: Instituto Pólis, 1997. BERGER, Maria Luiza Dias de Almeida. A democracia participativa e o papel dos atores sociais. Sociais e Humanas, v. 5, dez./1990, Santa Maria. BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FERNANDES, Marlene Allan. Cidades sustentáveis: subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21, IBAM-ISER-REDEH, 2000. BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim Nabuco – textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002. ______. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência; por uma nova hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003. BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: the management of the cities in the information age. 5. ed., Madrid: Taurus, 2000.

Page 167: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu Figueiredo de. Cidade: Espaço da Cidadania. In: GIOMETTI, Analúcia B. R.; BRAGA, Roberto (orgs.). Pedagogia Cidadã: Cadernos de Formação. São Paulo: UNESP-PROPP, 2004. BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui %C3%A7ao91.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui %C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37. htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46. htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Constituição (1988). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006. ______. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul 2006. ______. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional. Agenda 21 Brasileira. Bases para discussão. Brasília, março de 2000. ______. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.org.br>. Acesso em: 27 jul 2007. ______. Ministério das Cidades. Regimento da 1ª Conferência Nacional das Cidades. 2003. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br>. Acessado em: 24 out. 2005. ______. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005.

Page 168: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

BRASILEIRO, Ana Maria. Política urbana – quem decide?. In: PESSOA, Álvaro (Coord.). Direito do urbaniscmo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981. BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão Democrática da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da cidade. 1. ed., São Paulo: Malheiros, 2002. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. Trad. de Donaldson M. Garschagen. 41. ed., São Paulo: Globo, 2001. CALLEGARI, Newton. Pensar o Município. São Paulo: CEPAM, 1993. CAMMAROSANO, Marcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. ______. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio. (Coord.). Estatuto da Cidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006. CARDIA, Nancy das Graças. Planejadores e Participação da População no Planejamento Habitacional. Tese de Mestrado. São Paulo: USP, 1981. CARDOSO, Adauto Lúcio. A Cidade e seu Estatuto: uma avaliação urbanística do Estatuto da Cidade. In: CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. (Org.). Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. v. 1, Rio de Janeiro: Editora Revan Ltda, 2003. ______. Planejamento urbano no Brasil: paradigmas e experiências. In: Espaço e Debates. n. 03, São Paulo: NERU, 1994. ______. Questão urbana e meio ambiente: tendências e perspectivas. In: Revista Proposta. Revista da FASE, Rio de Janeiro, n. 62, 1994. ______. Reforma urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente. In: Cadernos IPPUR. ano XI, n. 1 e 2, Rio de Janeiro: IPPUR, 1997. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8. ed., São Paulo: Contexto, 2005.

Page 169: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

CARVALHO, Paulo César Pires; OLIVEIRA, Aluísio Pires de. Estatuto da cidade: anotações à Lei 10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juruá, 2002. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. ______. La Question Urbaine. Paris: Ed. François Maspero, 1973. In: BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim Nabuco – textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2006. CAVALCANTE, Enoque G. Capital, meio ambiente e qualidade da vida urbana. In: Revista de Geografia, Recife, ano 4, jan./dez., 1986. CLARK, David. Introdução à geografia urbana. São Paulo: DIFEL, 1985. COMPARATO, Fábio Konder. A organização constitucional da função planejadora. In: CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. ______. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2003. COSTA, Camila Maia Pyramo. Operações Urbanas Consorciadas. In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental. v. 1, n. 6, Belo Horizonte, nov./dez. 2002. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002. CUNNIL-GRAU, Nuria. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão pública e representação social. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 1998. DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, Espaços Públicos e construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

Page 170: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

DALLARI, Adílson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei n° 10.257/2001). 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006 . DE AMBROSIS, Clementina. Recuperação da valorização imobiliária decorrente da urbanização. In: O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima.-Cepam, 1999. DI GIUSEPPE, Diana Teresa. A crise do planejamento urbano: uma experiência alternativa em São Paulo (o caso dos Núcleos Regionais de Planejamento). São Paulo: FGV/ Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação de mestrado em Administração Pública). ______. Operações Urbanas Consorciadas. In: Estatuto da cidade. FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Mariana Moreira (coord.). São Paulo, 2001. DOWBOR, Ladislau. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense S.A., 1999. EGLER, Tâmara Tânia Cohen. A gestão do lugar e da cidade. In: Cadernos IPPUR/UFRJ, ano VIII, n. 1, abr., 1994. FARIA, Vilmar E. Cinqüenta anos de urbanização no Brasil; tendências e perspectivas. São Paulo: Novos Estudos, 1991. FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil: uma introdução. In: Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Edésio Fernandes (organizador). Belo Horizonte: Del Rey, 2000. ______. Do Código Civil ao estatuto da cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: Revista da Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre. V. 4, n. 15, 2001. ______. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. FERNANDES, Marlene. Estatuto da Cidade: uma vida melhor para a população urbana. In: Revista de Administração Municipal. n. 224, Rio de Janeiro: IBAM, 2000. FERREIRA, João Sette Whitaker. Alcances e limitações dos instrumentos urbanísticos na construção de cidades democráticas e socialmente justas. In: V Conferência das Cidades, Brasília: Câmara Federal, 02 de dezembro de 2003.

Page 171: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

FIX, Mariana. Fórmula Mágica da Parceria: Operações Urbanas em São Paulo. In: Cadernos de Urbanismo, n. 3. Rio de Janeiro, novembro de 2000. FLEURY, Sonia. Políticas sociais e democratização do poder local. In: VERGARA, S. C.; CORRÊA, V. L. A. de (org.). Propostas para uma gestão pública municipal efetiva. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. FLORES, Patrícia Teixeira de Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentários ao estatuto da cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002. FORATTINI, Oswaldo Paulo. Ecologia, epidemiologia e sociedade. 1. ed., São Paulo: EDUSP, 1992. FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade comentado. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. FREITAS, José Carlos de. Estatuto da cidade e equilíbrio no espaço urbano. Disponível em: <http//:www.jus.com.br>. Acesso em: 17 maio 2007. FURTADO, Maria de Fátima R. de G. Cidades Sustentáveis. Disponível em: <http://www.cecibr.org>. Acesso em: 10 nov. 2005. GASPARINI, Diógenes. Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002. GEDDES, Patrick. Cidades em evolução. Trad. de Maria José Ferreira de Castilho. Campinas: Papirus, 1994. GEIGER, Pedro P. A urbanização brasileira nos novos contextos contemporâneos. In: O novo Brasil urbano: impasses, dilemas, perspectivas. Maria Flora Gonçalves (org.). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995. GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998. GRAZIA, Grazia di. Reforma urbana e o Estatuto da Cidade. In: Gestão urbana e de cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-ROM).

Page 172: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

HADDAD, Paulo R. Agenda 21 Brasileira - Versão Preliminar. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional - Secretaria-Executiva, fev., 2002. CD-ROM. HAHNER, June E. Pobreza e política. Brasília: UNB, 1994. In: LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. HERMANY, Ricardo. Direito social e poder local: possibilidades e perspectivas para a construção de um novo paradigma de integração entre sociedade e espaço público estatal. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional Público - Doutorado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2003. HORBACH, Carlos Bastide et al. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001 – Comentários. Coord. Odete Medauar; Fernando Dias Menezes de Almeida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. IPEA, IBGE, UNICAMP. Estudos básicos para caracterização rede urbana. In: Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. vol. 2. Brasília: IPEA, 2002. JAEGER, Werner. A formação do homem grego. Trad. de Artur M. Pariera. São Paulo: Herder, 1969. JÚNIOR, Pedro Jorgensen. Operações Urbanas: uma ponte necessária entre regulação urbanística e o investimento direto. In: Cadernos de Urbanismo. 3/10-11. Ano 1, Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, novembro de 2000. LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003. Disponível em: <http://www.ceu-ectp.org>. Acesso em: 14 set 2006. LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998. ______. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. ______. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006. LEFÉBVRE, Henry. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.

Page 173: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

______. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001. LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. LOMAR, Paulo José Villela. Estudo e análise dos instrumentos legais de planejamento e gestão do solo urbano. In: Base Conceitual e Hipóteses do Estudo Gestão do Uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano. Brasília: Ipea, 1997. ______. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adílson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei n° 10.257/2001). 2. ed., São Pa ulo: Malheiros, 2006. MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. Estatuto da Cidade e seus instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTR, 2002. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002. MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. MATUS, Carlos. Adeus, senhor presidente, governantes, governados. São Paulo: Edições Fundap, 1997. MCEVEDY, Colin. Atlas da história antiga. Trad. Antonio G. Mattoso. 1 ed., São Paulo: Editora Verbo, 1990. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9. ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Adilson Abreu Dallari e Daniela Libório di Sarno. São Paulo: Editora Malheiros, 2005. ______. Direito municipal Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

Page 174: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

______. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1983. MENDONÇA, Jupira Gomes de. Plano Diretor, Gestão Urbana e Descentralização: Novos Caminhos, Novos Debates. In: FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. MITSCHERLICH, Alexander. A cidade do futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1972. MOREIRA, Ana Luísa Nogueira; ARAÚJO, Marinella Machado. Operações Urbanas Consorciadas no Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/marinella_machado_araujo-2.pdf>. Acesso em: 19 set 2007. MOREIRA, Ruy. O movimento operário e o movimento cidade-campo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1995. MOURÃO, Laís de Almeida (coord). Gestão municipal democrática. São Paulo: FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Unidade de Produção de Pareceres e Informações Jurídicas – UPPIJ, 2001. MUKAI, Toshio. Direito e legislação urbanística no Brasil: história, teoria, prática. São Paulo: Saraiva, 1988. ______. Direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004. MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998. MURICY, Cláudia. Operações Urbanas: Como você avalia a realização das articulações público-privadas no Brasil?. In: Cadernos de Urbanismo. Rio de Janeiro, n.3, nov. 2000. NUNES, Débora. Por uma pedagogia da participação popular. In: Organizações e Sociedade. v. 6, n. 16. Salvador: EAUFBA, 2006.

Page 175: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Discutindo a operação urbana a partir do Rio de Janeiro: o caso da área central de Madureira. In: Cadernos de Urbanismo. n. 3, Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Urbanismo, novembro de 2000. OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade; para compreender.... Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. 1. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1988. ______. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1968. RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Pequena Digressão sobre Conforto Ambiental e Qualidade de Vida nos Centros Urbanos. In: Revista Ciência & Ambiente. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, v.1, n. 1, jul., 1990. RIBEIRO, Luiz Cesar de Q.; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Globalização fragmentação e reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. ROLNIK, Raquel. Comentários urbanísticos. In: FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da Cidade comentado: Lei 10.257/2001 – Lei do Meio Ambiente Artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ______. O que é cidade? São Paulo: Brasiliense, 1996. ______. Plano Diretor Estatuto da Cidade - instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 25, n. 52, jan./jun. 2002. ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato. Instrumentos Urbanísticos Contra a Exclusão Social. In: Revista Polis. n. 29, 1997.

Page 176: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

ROLNIK, Raquel; PINHEIRO, Otilie. Plano Diretor participativo: Guia para elaboração pelos Municípios e cidadãos. Brasília: Ministério das Cidades: Confea, 2005. SANCHEZ, Fernanda. Como você avalia a realização das articulações público-privadas no Brasil? In: Cadernos de Urbanismo. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rio de Janeiro, novembro de 2002. SANTOS, Márcia Walquíria Batista. Dos instrumentos da Política Urbana. In: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de Almeida; MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade. Lei n° 10.257, de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: RT, 2004. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. SÃO PAULO (Município). Um novo instrumento na construção da cidade: a parceria entre os setores público e privado. In: Diário Oficial do Município de São Paulo, ano 41, n. 247, 24 de dezembro de 1996. SAULE Júnior, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico brasileiro. Ordenamento constitucional da Política Urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1997. ______. Direito à cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. São Paulo: Max Limonad, 1999. ______. Estatuto da Cidade: instrumentos de reforma urbana. In: Gestão Urbana e de Cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-ROM). SCHVARSBERG, Benny. Seminário Cidades – FAU-UnB, sobre Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Primeira palestra: O Estatuto da Cidade. (autor: Prof. Dr. Benny Schvarsberg – Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos). Disponível em: < http://www.soeaa.org.br/60_soeaa/noticia_ debates_01.htm>. Acesso em: 16 out. 2006. SÉGUIN, Elida. Estatuto da cidade: promessa de inclusão social, justiça social. Rio de Janeiro: Forense, 2002. SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Malheiros Editores, 2002.

Page 177: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

______. Curso de direito constitucional positivo. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003. ______. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. ______. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1997. ______. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1998. ______. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2006. SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972. SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder local. In: SOARES, José Arlindo; BAVA, Silvio Caccia (orgs.). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo, Cortez, 1998. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ______. Problemas urbanos e conflitos sociais. In: SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003. TAVARES, Mauro Calixta. Gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000. TEIXEIRA, Elenaldo. Sociedade civil e participação cidadã no poder local. Salvador: UFBA, 2000. VEIGA, José Eli da. A Ilusão do Brasil Urbano. In: Revista Urbana. set., Rio de Janeiro: Instituto Light, 2002. WIKIPÉDIA. Cidade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade>. Acesso em: 17 jun 2007. ______. Grécia Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em: 17 jun 2007.

Page 178: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

______. História Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/História_Antiga>. Acesso em: 17 jun 2007. ______. Roma Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em: 17 jun 2007.

Page 179: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

ANEXOS

Page 180: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Anexo A – Constituição da República Federativa do B rasil – artigos 182 e 183.

CAPÍTULO II - DA POLÍTICA URBANA

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para

cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa

indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área

incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado

aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até

dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da

indenização e os juros legais.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,

utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que

não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou

à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de 1 vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Page 181: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Anexo B – Estatuto da Cidade – Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001.

LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DIRETRIZES GERAIS

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da

Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso

da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos

cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes

gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra

urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte

e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras

gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,

execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento

urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da

sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da

população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de

influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus

efeitos negativos sobre o meio ambiente;

Page 182: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços

públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às

características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados

em relação à infra-estrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como

pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização

ou não utilização;

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

g) a poluição e a degradação ambiental;

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,

tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob

sua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de

expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e

econômica do Município e do território sob sua área de influência;

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

urbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e

dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar

os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes

segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a

valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e

construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos

processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos

potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto

ou a segurança da população;

Page 183: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população

de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,

uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da

população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e

das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da

oferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção

de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o

interesse social.

Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política

urbana:

I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o

equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;

III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das

condições habitacionais e de saneamento básico;

IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,

saneamento básico e transportes urbanos;

V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território

e de desenvolvimento econômico e social.

CAPÍTULO II

DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA

Seção I

Dos instrumentos em geral

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de

desenvolvimento econômico e social;

Page 184: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais

menos favorecidos;

Page 185: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

s) referendo popular e plebiscito;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de

vizinhança (EIV).

§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que

lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.

§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,

desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação

específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos

poderá ser contratada coletivamente.

§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de

recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social,

garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade

civil.

Seção II

Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá

determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano

não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos

para implementação da referida obrigação.

§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:

I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em

legislação dele decorrente;

II – (VETADO)

§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o

cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de

registro de imóveis.

§ 3o A notificação far-se-á:

I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao

proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha

poderes de gerência geral ou administração;

II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na

forma prevista pelo inciso I.

Page 186: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão

municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do

empreendimento.

§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei

municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas,

assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um

todo.

Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à

data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou

utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.

Seção III

Do IPTU progressivo no tempo

Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na

forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no

§ 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a

majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica

a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor

referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em

cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se

cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação

progressiva de que trata este artigo.

Seção IV

Da desapropriação com pagamento em títulos

Page 187: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o

proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o

Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos

da dívida pública.

§ 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e

serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e

sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por

cento ao ano.

§ 2o O valor real da indenização:

I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante

incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o

mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei;

II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros

compensatórios.

§ 3o Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para

pagamento de tributos.

§ 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo

máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.

§ 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder

Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses

casos, o devido procedimento licitatório.

§ 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as

mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o

desta Lei.

Seção V

Da usucapião especial de imóvel urbano

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos

e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,

utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que

não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,

independentemente do estado civil.

Page 188: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo

possuidor mais de uma vez.

§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito,

a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura

da sucessão.

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros

quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco

anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos

ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,

desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,

acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,

mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de

imóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,

independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de

acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de

extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos

condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do

condomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão

tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os

demais, discordantes ou ausentes.

Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão

sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser

propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial

urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II – os possuidores, em estado de composse;

Page 189: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade,

regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente

autorizada pelos representados.

§ 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do

Ministério Público.

§ 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita,

inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como

matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no

cartório de registro de imóveis.

Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito

processual a ser observado é o sumário.

Seção VI

Da concessão de uso especial para fins de moradia

Art. 15. (VETADO)

Art. 16. (VETADO)

Art. 17. (VETADO)

Art. 18. (VETADO)

Art. 19. (VETADO)

Art. 20. (VETADO)

Seção VII

Do direito de superfície

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície

do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública

registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o

espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,

atendida a legislação urbanística.

§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

Page 190: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que

incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua

parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da

concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato

respectivo.

§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os

termos do contrato respectivo.

§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o

superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em

igualdade de condições à oferta de terceiros.

Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:

I – pelo advento do termo;

II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo

superficiário.

Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio

do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,

independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o

contrário no respectivo contrato.

§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o

superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.

§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de

imóveis.

Seção VIII

Do direito de preempção

Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência

para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

§ 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá

o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos,

renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.

Page 191: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado

na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao

mesmo imóvel.

Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público

necessitar de áreas para:

I – regularização fundiária;

II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

III – constituição de reserva fundiária;

IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de

interesse ambiental;

VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;

IX – (VETADO)

Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deverá

enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das

finalidades enumeradas por este artigo.

Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para

que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse

em comprá-lo.

§ 1o À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compra

assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço,

condições de pagamento e prazo de validade.

§ 2o O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local

ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos termos

do caput e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta

apresentada.

§ 3o Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o

proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da

proposta apresentada.

§ 4o Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar

ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do

imóvel.

Page 192: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 5o A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é

nula de pleno direito.

§ 6o Ocorrida a hipótese prevista no § 5o o Município poderá adquirir o imóvel

pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta

apresentada, se este for inferior àquele.

Seção IX

Da outorga onerosa do direito de construir

Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir

poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,

mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a

área edificável e a área do terreno.

§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único

para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona

urbana.

§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos

coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-

estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida

alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas

para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;

II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;

III – a contrapartida do beneficiário.

Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de

construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos

incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Seção X

Das operações urbanas consorciadas

Page 193: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar

área para aplicação de operações consorciadas.

§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e

medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos

proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o

objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias

sociais e a valorização ambiental.

§ 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras

medidas:

I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação

do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o

impacto ambiental delas decorrente;

II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em

desacordo com a legislação vigente.

Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará

o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:

I – definição da área a ser atingida;

II – programa básico de ocupação da área;

III – programa de atendimento econômico e social para a população

diretamente afetada pela operação;

IV – finalidades da operação;

V – estudo prévio de impacto de vizinhança;

VI – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e

investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I e

II do § 2o do art. 32 desta Lei;

VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com

representação da sociedade civil.

§ 1o Os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma do inciso VI

deste artigo serão aplicados exclusivamente na própria operação urbana

consorciada.

§ 2o A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas as

licenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em

desacordo com o plano de operação urbana consorciada.

Page 194: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá

prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de

potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados

diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

§ 1o Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente

negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da

operação.

§ 2o Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial

adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões

estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei

específica que aprovar a operação urbana consorciada.

Seção XI

Da transferência do direito de construir

Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário

de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante

escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação

urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário

para fins de:

I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,

ambiental, paisagístico, social ou cultural;

III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas

ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

§ 1o A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao

Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do

caput.

§ 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à

aplicação da transferência do direito de construir.

Seção XII

Do estudo de impacto de vizinhança

Page 195: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou

públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de

impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção,

ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e

negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população

residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das

seguintes questões:

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que

ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal,

por qualquer interessado.

Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de

estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação

ambiental.

CAPÍTULO III

DO PLANO DIRETOR

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,

assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de

vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas

as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da

política de desenvolvimento e expansão urbana.

Page 196: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

§ 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal,

devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual

incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.

§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez

anos.

§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua

implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da

população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações

produzidos.

§ 5o (VETADO)

Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos

no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com

significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

§ 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no

inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano

diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.

§ 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser

elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor

ou nele inserido.

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,

edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e

de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;

II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;

III – sistema de acompanhamento e controle.

Page 197: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

CAPÍTULO IV

DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados,

entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e

municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional,

estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de

desenvolvimento urbano;

V – (VETADO)

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a

alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e

consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes

orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação

pela Câmara Municipal.

Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações

urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a

garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área

atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimento

deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização

financeira do aproveitamento do imóvel.

§ 1o Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de

urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público

Page 198: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento,

unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.

§ 2o O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será

correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o

disposto no § 2o do art. 8o desta Lei.

Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a

serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.

Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,

desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação

específica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis

públicos:

I – terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se

aplicando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;

II – constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de

financiamentos habitacionais.

Art. 49. Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir da

entrada em vigor desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição de diretrizes

de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos de parcelamento e de

edificação, realização de vistorias e expedição de termo de verificação e conclusão

de obras.

Parágrafo único. Não sendo cumprida a determinação do caput, fica

estabelecido o prazo de sessenta dias para a realização de cada um dos referidos

atos administrativos, que valerá até que os Estados e Municípios disponham em lei

de forma diversa.

Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos

incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de

entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos.

Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao

Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a

Município e a Prefeito.

Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da

aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade

administrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:

I – (VETADO)

Page 199: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do

imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o

desta Lei;

III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com

o disposto no art. 26 desta Lei;

IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir

e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;

V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo

com o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;

VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do §

4o do art. 40 desta Lei;

VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância

do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;

VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a

27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente,

superior ao de mercado.

Art. 53. O art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar

acrescido de novo inciso III, remunerando o atual inciso III e os subseqüentes: .(Vide

Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.8.2001)

"Art. 1o .......................................................

...................................................................

III – à ordem urbanística;

.........................................................." (NR)

Art. 54. O art. 4o da Lei no 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte

redação:

"Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,

inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou

aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico

(VETADO)." (NR)

Art. 55. O art. 167, inciso I, item 28, da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de

1973, alterado pela Lei no 6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com a

seguinte redação:

"Art. 167. ...................................................

I - ..............................................................

Page 200: UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC ÁREA DE ... · Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um curso de excelente qualidade. Às funcionárias

..................................................................

28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regularidade

do parcelamento do solo ou da edificação;

........................................................." (NR)

Art. 56. O art. 167, inciso I, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido

dos seguintes itens 37, 38 e 39:

"Art. 167. ....................................................

I – ..............................................................

37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão

de uso especial para fins de moradia, independente da regularidade do

parcelamento do solo ou da edificação;

38) (VETADO)

39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;" (NR)

Art. 57. O art. 167, inciso II, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido

dos seguintes itens 18, 19 e 20:

"Art. 167......................................................

II – ..............................................................

18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de

imóvel urbano;

19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;

20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano." (NR)

Art. 58. Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua

publicação.

Brasília, 10 de julho de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO