UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO CAMPUS ......Ao meu amado esposo Neidson, que foi escolhido pelo Senhor...
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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
CAMPUS GARANHUNS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL
(RE)ESCREVENDO VIDAS: AUTOBIOGRAFIAS DE JOVENS E ADULTOS EM
PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO
MAGNA KELLY DA SILVA SALES CALADO
GARANHUNS – PE
2015
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca Prof. Newton Sucupira
Faculdade de Formação de Professores de Pernambuco – FFPG/UPE
C141r Calado, Magna Kelly da Silva Sales
(Re)escrevendo vidas: autobiografias de jovens e adultos em processo de ressocialização/Magna Kelly da Silva Sales Calado, Garanhuns, 2015.
143 f.: il. Orientador: Prof. Dr Mário Medeiros da Silva Dissertação (Mestrado profissional em Letras) – Universidade de
Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Letras - PROFLETRAS, Garanhuns, 2015.
1 GÊNEROS TEXTUAIS 2 LINGUÍSTICA APLICADA 3 EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS (EJA) 4 SISTEMA PENITENCIÁRIO 5 CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO DO AGRESTE (CRA) II I Silva, Mário Medeiros da (orient.) II Título
CDD 23th ed. – 374.981
Elane Cristina de Oliveira Ishiguro – CRB4/1875
A Deus que direciona toda a minha vida.
Ao meu esposo Neidson pela retribuição do
amor.
À minha filha Maria Clara e ao meu filho Miguel Heitor por me ensinarem a amar sem
limites e me tornarem completa.
A todos que já passaram em minha vida e
deixaram um pouco de si e levaram um pouco
de mim.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus que é Dono e Senhor da minha vida, sempre me acolhe,
acalenta minha alma nos momentos de extrema inquietação e indica a direção correta.
Ao meu pai-avô Júlio Reis de Sales, (in memoriam) e minha mãe-avó Valdeci Izabel de Sales
(in memória), que não mediram esforços para me amar e cuidar de mim, agradeço a eles por
ser uma pessoa de valores éticos e morais, apesar de serem analfabetos, quiseram que eu
estudasse e acima de tudo, ensinaram-me a ser gente.
Ao meu amado esposo Neidson, que foi escolhido pelo Senhor para que eu pudesse amar e ser
amada, para ser o pai dos meus filhos, se entregar em oração por mim, ouvir minhas angústias
e ainda assumir os meus projetos como parte de um projeto dele mesmo.
Aos meus filhos Maria Clara e Miguel Heitor, através deles realizei o meu maior sonho e
aprendi o que é amar verdadeiramente, por tê-los me sinto completa, simplesmente pelo fato
de serem meus filhos.
À minha sogra Elizabeth Calado que sempre se mostrou disponível para cuidar dos meus
filhos e ainda me recebeu em sua casa.
Aos meus pais Juvanildo (in memória) e Carolina que sempre se orgulharam muito de mim,
sempre me amaram intensamente e torceram por mim sem medidas.
Às minhas irmãs Carleandra, Jucyélida, Jucilene e Jumelice, que demonstram um amor
verdadeiro e, dentro das suas possibilidades, procuram me ajudar e ficam na torcida para que
tudo ocorra bem.
À toda a minha família: sobrinhos, tios, tias e primos que, apesar das adversidades e
distâncias da vida, sempre estiveram do meu lado e sei que posso contar com todos eles.
Ao meu orientador, Professor Mário Medeiros, que serviu de esteio para esse trabalho, se
desdobrou para adentrar no universo da linguística, pesquisou, estudou, compreendeu e
orientou aplainando o terreno, suscitando os acertos.
À professora Jaciara Gomes pela professora que é, pelas vezes que me ouviu e fez colocações
tão oportunas e pelas colaborações na qualificação do projeto.
Ao professor Benedito Bezerra pelo professor que é, pelo empenho em buscar o Mestrado,
por ter se colocado de modo tão suave na qualificação do projeto e por ter me ouvido com
tanta delicadeza nos momentos em que o procurei.
Aos professores das disciplinas cursadas que, conseguiram mostrar com seriedade e
competência que o caminho do conhecimento é árduo, mas imensamente prazeroso.
À professora Kátia Cunha pela disponibilidade em analisar o trabalho.
Às amizades que surgiram durante este período do mestrado, umas mais distantes, outras mais
próximas, mas que ficarão guardadas no solo do meu coração.
À Capes pelo financiamento desse trabalho.
À amiga Edilaine Pereira de Sousa que desde o primeiro dia de aula se mostrou disponível
para me auxiliar e foi minha amiga, companheira de trabalhos acadêmicos, orientadora, e
corretora durante todo o trajeto.
Às amigas, Josefa, Alcione, Sílvia e Daniella que colaboraram, direta e indiretamente, na
realização deste trabalho, dando sugestões, incentivando e dividindo angústias.
A todos que durante esses dois anos passaram pela secretaria do PROFLETRAS, pela doçura,
organização e disponibilidade em servir.
Às minhas amigas por conhecerem minhas lutas e sempre trazerem uma palavra de humor,
sabedoria, consolo, orientação: Vânia, Bernadete, Telma, Dorgivanice, Gisélia, Paula, Keila,
Ana Célia, Vandrízia, Valdilene...
Às amigas Silvana Alves e Dirce Jaeger que no início dessa trilha trouxeram orientações
fundamentais.
Ao amigo Daniel Holanda que durante a minha pós-cesariana insistiu para que eu fizesse a
seleção para o mestrado.
À família do meu esposo com a qual também passei a partilhar a vida.
À minha cunhada Charlene que tantas vezes ajudou a cuidar dos meus filhos e suavizou
minha ausência.
Aos meus colegas, alunos e ex-alunos do Colégio Quinze por tudo o que já me fizeram viver e
aprender.
A todos que já foram meus alunos nas escolas do Estado por terem conseguido me fazer
continuar acreditando na melhoria da educação.
A todos os meus colegas de trabalho da escola do Centro de Ressocialização.
Enfim, e, especialmente, aos alunos da EJA do Centro de Ressocialização, que fizeram nascer
a busca por caminhos metodológicos que fossem significativos para o ensino de Língua
Portuguesa na prisão.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso.
Antoine de Saint-Exupéry
RESUMO
A presente pesquisa, na área da Linguística Aplicada, de natureza qualitativa-quantitativa,
direciona seus propósitos para alunos da Educação de Jovens e Adultos do Ensino
Fundamental de uma escola que funciona no interior do Centro de Ressocialização do Agreste
(CRA) em Canhotinho – PE. Nesse contexto, busca-se responder ao questionamento: Como
colaborar para um ensino de língua escrita mais relevante a jovens e adultos reclusos no
sistema penitenciário? Desse modo, o intuito da dissertação é analisar atividades de escrita
vinculadas à teoria dos gêneros textuais, elaboradas a partir de uma sequência didática, com
foco no gênero autobiografia, idealizadas especificamente para alunos jovens e adultos em
processo de ressocialização, tendo em vista aumentar suas possibilidades de sucesso no
enfrentamento dos desafios e perspectivas do mundo letrado contemporâneo. Nessa
perspectiva, a base teórica está ancorada, principalmente, nos estudos de Bazerman (2007,
2011) e Marcuschi (2008) que subsidiaram as reflexões sobre gêneros textuais e escrita, têm-
se ainda a contribuição de Geraldi (1987, 2003), Koch e Elias (2008, 2009), Sobral (2009),
Antunes (2003, 2007, 2009), estudiosos que contribuem com os direcionamentos acerca do
ensino da escrita. Quanto à intervenção metodológica, que se deu pela Sequência Didática
(SD), seguiram-se os direcionamentos de que advém de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004),
essa escolha se justifica por enxergá-la como uma prática na qual o trabalho é interativo e
compartilhado entre professores e alunos. A singularidade dos estudantes envolvidos explica a
opção pelo gênero autobiografia, pois esse gênero oportuniza aos sujeitos uma superior
consciência de quem são, e de como se constituíram como pessoa, seu entendimento de
mundo e atribuir nova roupagem aos episódios vividos. Finalizada a pesquisa, verifica-se que
houve algum aprimoramento das competências e habilidades de escrita, tendo em vista que os
textos produzidos apresentaram as características do gênero em estudo. Quando assumem a
autoria do que estão escrevendo, seus dizeres vinculam-se ao contexto de produção, portanto,
têm o que dizer, motivos para fazê-lo, entendimento do modo como dizer e sabem quem são
os seus interlocutores. Constata-se, então, que o modo de direcionar as atividades de escrita
foi crucial e ocorreu de maneira muito significativa, pois os alunos corresponderam às
expectativas. E ainda colabora para que ocorram reflexões a respeito da escrita em sala de
aula, por intermédio de metodologias pedagógicas que encaminhem um ensino com foco na
interação, e mais relevante para os estudantes nas ações de cidadania.
Palavras-chave: Gêneros Textuais. Escrita. Autobiografia. Ressocialização.
ABSTRACT
This research in the field of Applied Linguistics, qualitative-quantitative, directs its purposes
for students of the Youth and Adult Education of Elementary School at a school that works
inside the resocialization Center Agreste (CRA) in Canhotinho - PE. In this context, it seeks
to answer the question: How to work for a writing language teaching more relevant to young
and adult prisoners in the prison system? Thus, the dissertation aim is to analyze writing
activities related to the theory of genres, drawn from a didactic sequence, focusing on the
autobiography genre, devised specifically for young students and adults in rehabilitation
process, in order to increase their chances of success in addressing the challenges and
perspectives of contemporary literate world. From this perspective, the theoretical basis is
anchored mainly on studies of Bazerman (2007, 2011) and Marcuschi (2008) that supported
the discussions on textual and written genres, have even the contribution of Geraldi (1987,
2003), Koch and Elias (2008, 2009), Sobral (2009), Antunes (2003, 2007, 2009), scholars
who contribute to the directions on the teaching of writing. As for the methodological
intervention, which was due Teaching Sequence (DS), the directions were followed that
comes from Dolz, Noverraz and Schneuwly (2004), this choice is justified by see it as a
practice in which work is interactive and shared between teachers and students. The
uniqueness of the students involved explains the choice of genre autobiography because this
genre gives opportunity to subject a higher awareness of who they are, and how constituted as
a person, his understanding of the world and give new look to experienced episodes.
Completed the survey, it appears that there was some improvement of skills and writing skills,
given that the texts produced presented the gender characteristics of the study. When they
assume the authorship of what they are writing, their sayings are linked to the production
context, therefore, have to say, reason to do so, understanding of how to say and know who
their interlocutors. It appears, then, that the way of direct writing of the activities was crucial
and was in a very significant way, for students to meet expectations. And also collaborates to
occur reflections on writing in the classroom through teaching methods which refer a teaching
focusing on interaction, and more relevant to students in citizenship actions.
Keywords: Text Genre. Writing. Autobiography. Resocialization.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Perfil dos estudantes (páginas 73-75)
Tabela 2: Análise do Item 1 da sequência didática - Informações quanto ao nome, data e local
de nascimento - (página 79)
Tabela 3: Análise do Item 2 da sequência didática - Revela fatos importantes, tenta mostrar os
principais episódios da sua vida, de forma cronológica – (página 80)
Tabela 4: Análise do Item 3 da sequência didática- Pronomes pessoais e possessivos da 1ª
pessoais (página 80)
Tabela 5: Análise do Item 4 da sequência didática - Predomínio de verbos no Pretérito (página
81)
Tabela 6: Análise do Item 5 da sequência didática - Marcadores temporais, datas, anos,
expressões de tempo (página 81)
Tabela 7: Análise do Item 6 da sequência didática- Predomínio de sequências narrativas
(página 82)
Tabela 8: Análise do Item 7 da sequência didática - Marcadores espaciais / marcadores de
lugar (página 82)
Tabela 9: Análise do Item 8 da sequência didática - O relato dos fatos aparece,
frequentemente, pontuado de lembranças, de um colorido emocional (página 83)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
CAPÍTULO I: APORTE TEÓRICO: INDICANDO O CAMINHO........................................16
1.1. A escrita em uma dimensão social.....................................................................................16
1.2. A concepção de gênero no processo de escrita..................................................................25
1.3. O gênero autobiografia em foco........................................................................................31
1.4. Sequência Didática: o direcionamento..............................................................................39
CAPÍTULO II: AÇÃO PEDAGÓGICA..................................................................................46
2.1. Desenvolvimento da Sequência Didática sobre o gênero autobiografia...........................47
2.1.1. Primeiras Atividades: A motivação................................................................................49
2.1.2. Processos de escrita........................................................................................................58
2.1.2.1. Primeira escrita............................................................................................................58
2.1.2.2 Módulos........................................................................................................................60
2.1.2.3 Produção final...............................................................................................................66
2.2. Caracterização dos estudantes colaboradores do processo................................................66
CAPÍTULO III: OS DADOS E SUA ANÁLISE.....................................................................76
CAPÍTULO IV: RESULTADOS E REFLEXÕES: ACREDITAR É IMPRESCINDÍVEL....90
4.1 Algumas reflexões sobre os resultados...............................................................................90
4.2 Breves reflexões sobre a educação escolar no sistema carcerário......................................96
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEGUIR ACREDITANDO....................................................107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................113
ANEXOS …...........................................................................................................................117
11
INTRODUÇÃO
Quando se pretende direcionar um trabalho vinculado ao ensino da língua materna, defronta-
se não somente com as perspectivas teórico-metodológicas vistas nas pesquisas, mas também
na imprescindibilidade de um ensino qualificado.
Dessa forma, é sabido que na escola se articulam (ou não) diversas concepções pedagógicas
relacionadas ao ensino da língua, e que as mesmas podem (ou não) condizer com as propostas
das Diretrizes Nacionais e Estaduais da Educação. Nesse viés, existem proposições bem
construídas, outras ainda na base e muitas outras congeladas na troca dos conhecimentos
adquiridos.
Diante disso, o governo tem se mobilizado, por meio das avaliações nacionais, para tornar
lineares as concepções pedagógicas. A mídia divulga números que desassossegam os
envolvidos. Tais resultados enaltecem que sem habilidades básicas de linguagem não se
consegue processar informações das diversas áreas do conhecimento. Assim, não é possível o
desenvolvimento autônomo dos estudantes e compromete-se sua atuação na competitividade
imposta pela sociedade.
Portanto, ser professora de Língua Portuguesa há um pouco mais de dez anos, sendo cerca de
seis na Educação de Jovens e Adultos (EJA) serviu como incentivo para essas reflexões. A
sala de aula apresenta dificuldades para associar o uso da linguagem com a vivência social, é
muito comum que os conteúdos vivenciados se distanciem daquilo que se vive ou se exige em
sociedade. Principalmente a EJA. E como não se inquietar com o ensino de EJA no Sistema
Penitenciário? Sendo esse o contexto atual da minha docência, tornou-se necessário fazer uma
intervenção significativa, coerente com os estudos teóricos, voltada para o ensino-
aprendizagem do público que é alvo desta dissertação: estudantes jovens e adultos em
situação de reclusão.
Diante do exposto, direcionar este trabalho suscitou a relevância de que a pesquisa “casasse”
os objetivos educacionais com as questões sociais. Esse aluno precisava ser ouvido. A
educação no sistema carcerário não pode continuar sendo vista como privilégio e sim como
direito que obedece à Constituição Brasileira. Um dos relatores da ONU, Venor Muñoz
(2006), ressalta que não se pode negar o direito à educação a nenhum cidadão e destaca
12
Seja qual for o modelo carcerário, a educação constitui um direito
humano que deve ser garantido às pessoas privadas de liberdade. No
caso das pessoas menores de idade, trata-se de um direito
irrenunciável e de uma obrigação compulsória do Estado e
especialmente da administração carcerária. No caso das pessoas
maiores de idade, trata-se de um direito que deve ser garantido e
promovido como um recurso efetivo e concreto para uma vida digna
(MUÑOZ, 2006, p. 3).
Logo, ao determinar o público-alvo da pesquisa, veio à tona o questionamento: Como
colaborar para um ensino de língua escrita mais relevante a jovens e adultos reclusos no
sistema penitenciário? Essa questão guiou a abordagem e o modo de intervir
pedagogicamente. Nessa ótica, Bazerman (2011, p. 22) afirma
Cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato social. Os
fatos sociais consistem em ações sociais significativas realizadas pela
linguagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através de
formas textuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis.
Assim, os gêneros que circulam na sociedade devem ser tomados para o trabalho com a
língua, especialmente a língua em uso, pois eles modalizam o contato dos alunos com
diferentes maneiras com as quais a linguagem se constitui e permitem perceber as
características particulares de cada gênero, em outras palavras, o modo como cada um articula
o seu dizer do mundo.
Visto isso, dos inúmeros gêneros que transitam na sociedade, optou-se pela autobiografia, por
ser um gênero que direciona um passeio pelo decorrer de suas vidas, uma visita ao passado
com vistas ao futuro e assim se configura com maior significação para os estudantes de uma
escola no sistema penal, tendo em vista que seria uma possibilidade de incentivá-los a refletir
sobre os trajetos de suas vidas e o modo como elas continuarão.
Então, o intervir pedagógico ocorreu por meio de uma Sequência Didática (Dolz e Schneuwly,
2004) que uniu teoria e prática na visão da linguística aplicada, pois quando os problemas
relacionados à língua escrita foram detectados, procurou-se cercar de teorias que
contemplassem soluções viáveis. Visto que o trabalho é com a escrita, as atividades didáticas
configuram-se como etapas de produção textual. Tal metodologia se ancora no fato de
considerar as etapas de escrita momentos de interligação entre docente e discente, levando em
conta que o gênero textual é o objeto do ensino e o texto é a unidade.
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Dessa maneira, o objeto de estudo da pesquisa foi a análise de atividades de escrita, no
processo de ressocialização, realizadas por um grupo de apenados do CRA (Centro de
Ressocialização do Agreste), da Escola X, nomeadamente um grupo de 4 (quatro) alunos que
se encontram na III Fase da Educação de Jovens e Adultos (EJA), o que corresponde ao 6º e
7º ano do Ensino Fundamental regular. O trabalho tem foco no gênero autobiografia,
considerando que tal gênero aponta possibilidades de os ressocializandos compreenderem
como se constituíram enquanto sujeitos de uma sociedade em que a linguagem escrita
apresenta uma relevância de primeira linha.
A partir dessas discussões, desenham-se, então, os objetivos:
Geral:
Analisar atividades de escrita vinculadas à teoria dos gêneros textuais, elaboradas a partir de
uma sequência didática, com foco no gênero autobiografia, idealizadas especificamente para
alunos jovens e adultos em processo de ressocialização, tendo em vista aumentar suas
possibilidades de sucesso no enfrentamento dos desafios e perspectivas do mundo letrado
contemporâneo.
Específicos:
Associar as teorias que estão vinculadas à escrita, na perspectiva social dos gêneros
textuais, à prática, no intuito de que ampliem a significação da produção textual num
espaço de ressocialização;
Desenvolver uma sequência didática vinculada ao gênero autobiografia que seja
adequada para alunos reclusos;
Descrever as etapas da sequência didática, comparando as escritas iniciais e finais dos
alunos, considerando o âmbito e as circunstâncias de produção;
Refletir criticamente sobre a prática pedagógica do ensino-aprendizagem da escrita a
partir da sequência didática vivenciada com alunos reclusos, num paralelo às reflexões
que estão ligadas ao contexto de reclusão.
Por conseguinte, na tentativa de “dar conta” dos objetivos, verifica-se, na experiência
enquanto docente, que o lugar em que se discute efetivamente um ensino que considera a
linguagem nas suas relações interativas com o social é a vontade dos professores que
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assumem o ensino tenaz da língua em suas salas de aula.
Por isso, esta pesquisa caminha para este ponto, a busca por um ensino tenaz. Os documentos
nacionais direcionam o caminho, o problema já é conhecido, o desempenho dos alunos está
muito aquém do esperado, isso se revela nos resultados das provas e pesquisas. Então, mesmo
com tanto tempo na escola, por que não se altera a realidade do ensino?
A partir dessas reflexões, constata-se que existem diversas possibilidades de respostas. Dentre
elas está a mais destacada pelos educadores: o que se investe ora é insuficiente, ora se “perde”
pelo caminho ou através do descaso dos responsáveis pela formação qualificada dos
professores, que não raramente reproduzem o que é ditado pelos materiais didáticos sem ao
menos refletir. Saliente-se, entretanto, que outros tentam romper com essa realidade agindo
com ousadia. Contudo, fazem isso por conta própria, considerando sua vivência escolar,
esmiuçando as propostas presentes nas diretrizes curriculares e reinventando materiais
pedagógicos. Entendemos ser necessário contribuir com esse esforço tentando dá respaldo
científico a essas iniciativas.
Isso posto, o embasamento teórico desse trabalho foi alicerçado em Dolz e Schneuwly (2004)
Bazerman (2007, 2011), Geraldi (1985, 2003), Koch e Elias (2008, 2009), Marcuschi (2008,
2010) e Antunes (2003, 2007, 2009), cujos escritos colaboraram para elaboração da pesquisa
que empreendemos.
Considerando contribuições dos autores mencionados acima, dentre outros, a metodologia
consubstanciou-se numa Sequência Didática seguindo os estudos de Dolz e Schneuwly
(2004), com adaptações a partir do que foi observado no contexto e em sintonia com nossa
experiência enquanto docente. A ideia central consistiu em vincular teoria e prática
transformando a escrita em prática social, como sugerem estudiosos da Linguística.
A presente dissertação organiza-se do seguinte modo:
O capítulo 1 - Aporte Teórico: Indicando o Caminho – aponta os pressupostos teóricos que
serviram de base para as reflexões ligadas ao trabalho com a língua materna, especialmente no
que se refere à escrita, indicando os principais estudiosos que foram consultados para ancorar
as concepções de escrita, do estudo dos gêneros e da sequência didática. Então, encontram-se
no capítulo discussões referentes à escrita numa dimensão social, à concepção de gênero no
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processo de escrita, ao gênero autobiografia, e à sequência didática a partir do gênero em
foco.
O capítulo II – Ação Pedagógica – expõe a intervenção, descrevendo minuciosamente como
se desenvolveu a primeira escrita, os módulos e a escrita final das autobiografias a partir da
vivência da Sequência Didática, com alunos da Educação de Jovens e Adultos, da III Fase, de
uma escola dentro do sistema prisional, sempre num paralelo com as condições do contexto.
Ainda, será apontado o perfil dos estudantes que se envolveram no processo, com o objetivo
de destacar as circunstâncias de produção e as peculiaridades que envolvem o contexto.
Então, o foco deste capítulo é detalhar o desenvolvimento da sequência didática associado a
reflexões sobre as condições de produção e a caracterização dos estudantes que colaboraram
com o processo.
O capítulo 3 – Os Dados e sua Análise – faz a análise dos resultados obtidos, realizando um
paralelo comparativo entre a primeira escrita e a escrita final, destacando os avanços, ou não,
dos alunos que escreveram suas autobiografias direcionadas a partir da sequência didática
elaborada. Evidencia-se aqui o modo como a teoria favoreceu os direcionamentos e de que
maneira isso pode ser percebido nos textos produzidos pelos alunos. E ainda descreve o modo
como os textos finais circularam entre eles e que reações tiveram diante dessa situação.
O capítulo 4 – Resultados e Reflexões: Acreditar é Imprescindível – traz algumas reflexões a
partir dos resultados obtidos, vinculadas a algumas reflexões que se referem ao sistema
carcerário e a maneira como acontece a educação escolar nesses espaços, o que se expõe está
embasado, principalmente, nas observações e em alguns recortes teóricos que foram
encontrados ao longo dos estudos e que acredita-se que são informações que não
comprometem os envolvidos, não os expõe, portanto, estão adequadas para pesquisa.
A última parte - Considerações Finais: Seguir Acreditando – apresenta um compêndio das
reflexões realizadas ao longo do trabalho, no que remete às teorias visitadas, ao
desenvolvimento da sequência didática, ao desempenho dos alunos e às reflexões que
torneiam a contexto de reclusão e envolvimento da pesquisadora no decorrer de todo o
trabalho.
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CAPÍTULO I
APORTE TEÓRICO: INDICANDO O CAMINHO
O objetivo deste capítulo é refletir a partir dos pressupostos teóricos que serviram de subsídio
para as reflexões relacionadas ao trabalho com a língua materna, principalmente no que
concerne à escrita, a qual está fundamentada na concepção interacionista da linguagem.
Tomam-se, então, os estudos de Bazerman (2007, 2011) e Marcuschi (2008) como base para
os direcionamentos das reflexões sobre gêneros textuais e escrita. Seguem-se ainda os estudos
de Geraldi (1987, 2003), Koch e Elias (2008, 2009), Sobral (2009), Antunes (2003, 2007,
2009), autores que trazem colaborações com as reflexões acerca do ensino da escrita.
Deve-se considerar que a durante a pesquisa utilizou-se um direcionamento metodológico –
Sequência Didática – apoiado nos escritos de Dolz e Schneuwly (2004). Esse modo de
ancorar a teoria também decorre das orientações presentes nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (1997) que apontam o texto nos processos de escrita como lugar de interação social
concretizando-se nos gêneros textuais. Seguindo tais teorias, pautou-se a pesquisa, no intuito
de facilitar a reflexão sobre os passos metodológicos da prática de escrita nas salas de aula do
ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos de reclusos.
1.1 A ESCRITA EM UMA DIMENSÃO SOCIAL
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) tratam da produção escrita e da sua
compreensão como um complexo processo comunicativo e cognitivo. Destacam também a
importância de contextualizar o espaço de produção, indicando que “a prática de produção de
textos precisa realizar-se num espaço em que sejam consideradas as funções e o
funcionamento da escrita, bem como as condições nas quais é produzida: para que, para
quem, onde e como se escreve” (PCNs 1997, p. 68)
Os PCNs de Pernambuco (2012), voltados para a Educação de Jovens e Adultos dialogam
com os Parâmetros Curriculares Nacionais no que concerne à escrita, ambos defendem a
contextualização das propostas e se voltam para as produções a partir dos gêneros:
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A concepção que orienta a organização do eixo Escrita é a de
linguagem como forma de interação. A escrita é tomada, assim como a
leitura, em sua dimensão discursiva, como forma de representação da
linguagem oral, estruturada a partir de situações comunicativas reais e
contextualizadas. Desse modo, as propostas de escrita se organizam
tendo como referência os gêneros textuais. (PERNAMBUCO 2012, p.
58)
Julgando a relevância dos documentos oficiais para os direcionamentos dos trabalhos em sala
de aula, evidencia-se que se tornou oportuno verificar o modo como discutem o processo de
produção escrita, assim como verificar se há um consenso com a prática do presente trabalho.
Constatou-se, então, que a maneira como os documentos citados se fundamentam para
orientar as ações pedagógicas, de algum modo, condizem com o que os autores, que serviram
de base para o presente estudo, defendem, visto que, tanto os autores estudados quanto os
documentos enaltecem a escrita enquanto prática social contextualizada que se organiza por
meio dos gêneros. E foi nessa perspectiva que a pesquisa surgiu e se efetivou.
Nessa lente, buscou-se os estudos de Geraldi (2002), autor que frequentemente encadeia seus
estudos com a aplicação em sala de aula e sempre discute a relação do ensino da língua com
as propostas pedagógicas contemporâneas, já se posicionou sobre os documentos oficiais,
indicando que se houver coerência na interpretação dos docentes as práticas podem se tornar
eficazes, por isso trouxe muitas contribuições para esta pesquisa. O autor discorre sobre a
produção de texto como uma atividade em que acontece a produção de discursos, o sujeito
articula, aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo anteriormente lido. Os
direcionamentos do autor também defendem que a escrita se dá no social, pois se constrói a
partir de conjunturas reais essa articulação realizada pelos sujeitos, que pode ser viabilizada
pela escola.
Por essa razão, ancorou-se também em Bazerman (2005, 2011), linguista e pesquisador norte-
americano, que trouxe muitas contribuições para pesquisadores brasileiros, tendo em vista que
em seus estudos prioriza a perspectiva social para a escrita e às atribuições dos gêneros
textuais nas práticas de letramento. Suas colaborações tornaram-se cruciais, pois o linguista
trata os gêneros como atividades que medeiam as ações humanas na sociedade. Para o
pesquisador, a escrita se dá por meio dos gêneros e são eles que mantêm e constituem a
sociedade. Quando a escrita acontece, os cenários e contextos são recriados, pois “cada vez
que escrevemos, criamos um novo enunciado para uma nova circunstância. É por essa razão
que o ato de escrever é tão difícil” (BAZERMAN 2011, p. 67).
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Há sintonia entre as orientações de Bazerman (2005, 2011) e dos demais pesquisadores que
subsidiaram esse trabalho, como Geraldi (2002). Todos enxergam as organizações discursivas
que se estruturam na sociedade e esse deve ser o foco das práticas de escrita na escola.
Nesse viés, Soares (2001), assim como Bazerman (2005, 2011), apresenta preocupações
sociais, em seus estudos, nos traz um direcionamento pertinente, a respeito da apropriação da
escrita, na visão do letramento, ela nos diz que:
...ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a
escrever: aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a
de codificar em língua escrita e de decodificar a língua escrita;
apropriar-se da escrita tornar a escrita ‘própria’, ou seja, é assumi-la
como ‘propriedade' (SOARES,2001, p. 39).
Soares (2001, p. 36) nos assegura, ainda, que “quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a
leitura e, a envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente,
adquire um outro estado, uma outra condição”. Essa afirmação de Soares se materializa nas
circunstâncias, ainda que corriqueiras, em que se exige demonstração do domínio mínimo da
leitura e, principalmente, da escrita. Basta se pensar na necessidade de fazer uma lista de
compras, com competência ínfima da escrita, essa tarefa pode ser facilitada.
Bakhtin (1990) menciona a linguagem como fenômeno social, para esse autor o signo
linguístico só existe dentro do seu funcionamento social, ou seja, a concretização das
individualidades da língua ocorre na interação entre os sujeitos da enunciação, locutor e
interlocutor. Segundo Bakhtin e Volochinov (1990, p. 123):
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação
ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade
fundamental da língua.
A escrita é uma exigência primária para os dias hodiernos. Os cenários que circundam a
sociedade, de algum modo, estão concatenados com ocorrências que requisitam domínio da
escrita, sem o qual situações inteligíveis podem se estampar num formato emaranhado.
Dissemelhante do que era pleiteado em outras épocas. Tal causa se dá, por estarmos
contornados por contextos de escrita, tanto em circunstâncias cotidianas, quanto em
momentos formais. Então, Koch e Elias (2012), que trazem um trabalho mais didático do que
teórico, no entanto com uma essência muito reflexiva para a prática em sala, explanam:
19
Se houve um tempo em que era comum a existência de comunidades
ágrafas, se houve um tempo em que a escrita era de difícil acesso ou
uma atividade destinada a alguns poucos privilegiados, na atualidade,
a escrita faz parte da nossa vida, seja porque somos constantemente
solicitados a produzir textos escritos (bilhete, e-mail, listas de
compras, etc, etc.), seja porque somos solicitados a ler textos escritos
em diversas situações do dia-a-dia (placas, letreiros, anúncios,
embalagens, e-mail, etc., etc.) (KOCH E ELIAS 2012, p. 31).
Tornou-se imprescindível a envoltura com leitura e escrita, e os sujeitos reclusos não podem
se ver à margem dessa realidade. Os direcionamentos das atividades de escrita necessitam
apontar para o entendimento que é básico “aprender a ler e a escrever e, além disso, fazer uso
da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou
condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico, entre outros” (SOARES
2011, p. 38).
Em sintonia com o que foi visto, Bazerman (2007) concede uma apreciação notável no que se
refere à escrita, seu posicionamento vai além daquilo que costumeiramente se sobrepõe. O
estudioso enaltece os elementos intrínsecos ao indivíduo durante o processo de produção
escrita, conforme o autor:
a escrita pode nos permitir perseguir alguns pensamentos que
causariam muita ansiedade se perseguidos na presença imediata de
outras pessoas, mas ela também nos deixa sozinhos com nossos
fantasmas de consequências catastróficas, sem o alívio da presença
tranquilizadora de um ouvinte acolhedor. A escrita nos dá o espaço
para transformar nossa experiência e aprendizagem em palavras
coerentes e reflexivas, provendo, dessa forma, meios para se
desenvolver um conhecimento pessoalmente significativo. A escrita,
através da antecipação retórica de nossa audiência e do efeito de
nossas palavras, provê oportunidades para que nos tornemos mais
reflexivos e ponderados em nossas relações com nossos ouvintes e
com as interpretações sociais das palavras que pronunciamos
(BAZERMAN 2007, p. 117).
A firmeza que guia essa discussão de Bazerman (2007), nesse trecho, é a de que por meio da
escrita, além de se metodizar a atuação no mundo, também se outorga significação às
situações demandadas nas atividades do dia a dia. Ele assevera que a escrita se vincula ao
íntimo dos sujeitos que a praticam. As atividades sociais são inúmeras e são realizadas
diariamente, e o autor evidencia esse fator. Nessa ótica, as palavras, sejam faladas, lidas ou
escritas ganham outros tons diante das vivências. Entende-se, assim, que é por meio da
linguagem que o homem existe, na condição de sujeito que se inscreve em certo contexto
social.
20
Por conseguinte, atividades de escrita, nessa perspectiva, elaboradas com propósitos bem
definidos, podem contribuir para o aprimoramento de competências e habilidades, pois o
aluno ao atuar com a língua e sobre ela, aprenderá a escrever. Nessa ótica, Soares (2001)
afirma que o aluno
aprende a escrever agindo e interagindo com a língua escrita,
experimentando escrever, ousando escrever, fazendo uso de seus
conhecimentos prévios sobre a escrita, levantando e testando hipóteses
sobre as correspondências entre o oral e o escrito. (SOARES 2001, p.
53)
A escrita ocorre, também, a partir das percepções individuais, e os ajustes e aprendizagens
mais refinadas ocorrem exatamente seguindo essas hipóteses.
Geraldi (2003) defende que existem muitas articulações relacionadas ao modo como o mundo
é visto durante a produção textual, assim ocorre uma interligação com o que foi assegurado
por Magda Soares, ambos se referem à vitalidade da escrita, tratam da autenticidade que
ocorre nesse processo, e considera:
a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto
de chegada) de todo processo de ensino-aprendizagem da língua. [...]
Sobretudo, é porque no texto que a língua - objeto de estudos - se
revela em totalidade. [...] Na produção de discursos, o sujeito articula,
aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo que, vinculado a uma
certa formação discursiva, dela não é decorrência mecânica, seu
trabalho sendo mais do que mera reprodução: se fosse apenas isso, os
discursos seriam sempre idênticos, independentemente de quem e para
quem resultam. (GERALDI 2003), p. 135-136
É necessário reiterar o caráter social da linguagem em atividades de escrita, destacando o
modo como o texto se constitui dialogicamente da interação entre os sujeitos, como enaltece
Costa (2002, p. 68), num trabalho que dialoga com o de Geraldi (2003) e Soares (2001),
destaca que “produzir textos - ser escritor - é agir simbolicamente sobre o mundo, produzindo
sentidos para o outro: um sujeito que pensa, sente e tem algo a dizer a outros sujeitos”.
As idealizações intelectivas se consubstanciam por intermédio da escrita. O escritor
sistematiza o julgamento que faz da vida e o leva para o papel, desnudando assim suas
concepções, no fito de se fazer assimilado. Nesse prisma, Koch e Elias (2012, p 33) nos
exprimem que olham
21
a escrita como representação do pensamento, “escrever é expressar o
pensamento no papel”, por conseguinte, tributária de um sujeito
psicológico, individual, dono e controlador de sua vontade e de suas
ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma
representação mental, “transpõe” essa representação para o papel e
deseja que esta seja “captada” pelo leitor da maneira como foi
mentalizada.
A produção textual é um processo complexo e conjectura um sujeito não simplesmente
vigilante, quanto às exigências impostas por sua realidade sócio-histórica e cultural, mas
também com predisposição para agir cognitiva e discursivamente em todas as etapas da
produção. Sobre essa realidade, assegura-se em Bazerman (2011, p.11) que:
A escrita é imbuída de agência. A escrita não existiria sem que nós,
como indivíduos, não trabalhássemos nem nos arriscássemos ao fazê-
la. Tampouco existiria sem uma história de invenção e manutenção de
sistemas de escrita, tecnologias de inscrição, gêneros e uso e
disseminação socialmente organizados – cada qual envolvendo
inúmeras ações cuidadosas da parte de muitas pessoas. Além do mais,
a escrita está profundamente associada a valores de originalidade,
personalidade, individualidade – com razão, porque nos fornece os
meios pelos quais deixamos traços de nossa existência, nossas
condições de vida, nossos pensamentos, nossas ações e nossas
intenções. Ainda mais, a escrita fornece-nos os meios pelos quais
alcançamos outros através do tempo e do espaço, para compartilhar
nossos pensamentos, para interagir e para cooperar.
Bazerman (2011) argumenta que como surge um novo enunciado para uma nova situação, a
escrita torna-se um processo complexo. Para o estudioso, as circunstâncias de escrita, através
dos gêneros, constroem a identidade, pois quando se participa de dada esfera social
comunicativa assume-se uma postura linguística que condiz com o contexto. A asseveração
que regula as discussões apresentadas por Bazerman (2011) é a de que por meio dos textos,
tanto se organizam as ações no mundo, como se atribui sentido aos eventos sociais originados
nas atividades diárias. O autor sempre apresenta inúmeros protótipos de operações sociais,
que são consumadas na vida todos os dias.
A respeito da noção de conjunto de gêneros, coleção de tipos de textos que uma pessoa num
determinado papel tende a produzir, Bazerman (2011, p. 33) afirma que:
se você identificar todas as formas de escrita com as quais um aluno
deve se envolver para estudar, para comunicar-se com o professor e
colegas de sala, para submeter-se ao diálogo e à avaliação, você terá
definido as competências, desafios e oportunidades de aprendizagem
oferecidas por essa disciplina.
22
Portanto, Bazerman (2011) faz referência a importância de o professor ampliar seus
conhecimentos a respeito dos gêneros, orientado por suas pretensões pedagógicas. A priori,
não se podem definir quais são os melhores gêneros, é necessário, pois, considerar as
carências e preferências dos alunos e o que é indispensável para cada série ou nível de ensino.
As considerações que se mostraram até aqui são muito convenientes, para se decidir o que
deve ter privilégio nas atividades de produção textual no âmbito escolar. O direcionamento
não foca conteúdos formais, mas práticas diversas que levam em conta o interior dos sujeitos
envolvidos, as reflexões e decisões a respeito do que se quer revelar sobre a escrita.
Bazerman (2011) traz um encaminhamento subjetivo, a respeito da escrita, porém torna-se
palpável ao se analisar seus dizeres à luz das vivências escolares, ou até mesmo cotidianas, ele
afirma que
A escrita nos permite uma semiprivacidade para enfrentar nossos
pensamentos, memórias, emoções, como também nossos desejos para
a criação de uma presença de mundo. Permite-nos utilizar os nossos
recursos internos e também os externos, como leituras, documentos,
evidências e outros que são de alguma importância para nós, para
nossa situação atual e para os atos que desejamos realizar. Uma vez
que a escrita ocorre off-line, podemos ponderar, moldar e melhorar o
que estamos fazendo, antes de torná-lo público – para depois, no texto
resultante, a escrita nos permitir ver o que temos feito. Através da
escrita, fazemos nosso marco no mundo, um marco potencialmente
pensado, feito com habilidade e desenvolvido maduramente.
(BAZERMAN 2011, p. 11)
Assim, basta recorrer à memória e lembrar dos rascunhos, parece impossível ver um texto
pronto logo na primeira tentativa. As análises do que foi escrito são muito recorrentes, até
mesmo em textos de gêneros particulares, como anotações de rotina, listas de compras. E, é
fato que o texto “representa” quem o escreveu, por isso a preocupação em expor o melhor
formato. Até porque, diferente da oralidade, a escrita é mais durável, mais visível, já que se
pode ler e reler aquilo que foi escrito.
Desse modo, é imprescindível aproximar a escrita ao aluno, mostrar que suas escolhas
linguísticas têm relevância, que aquilo que ele tem a dizer é/pode ser interessante. Para tal, as
propostas devem, de algum modo, se reportar às práticas sociais. Os gêneros que circulam na
sala de aula necessitam estar vinculados à realidade do aluno, no intento de facilitar o
envolvimento com as suas ações de escrita. Quanto ao distanciamento do que aparece para o
aluno e aquilo que ele se sente capaz de fazer, Bazerman (2011, p. 18) nos inquieta dizendo
23
que:
A distância entre a escrita estudantil e o que leem obscurece a agência
dos alunos. Com o que ele pode contribuir para o conhecimento,
quando tudo o que leem é tão autoritário e está além de seu nível da
escrita e dos tipos de tarefa que podem fazer? O papel do aluno parece
ser copiar, memorizar ou, na melhor das hipóteses, imitar o trabalho
dos melhores escritores. Como podem escrever algo, mesmo
modestamente interessante, frente a trabalhos tão perfeitos, muito
menos contribuir com algo novo e significativo? É provável que os
alunos não pareçam ser agentes sérios para si mesmos ou para os seus
professores/leitores/avaliadores.
Em vista disso, é relevante que o ensino da escrita contemple as individualidades, dentre as
quais podem se destacar o contexto de experiências vividas, os sentimentos diante de dada
realidade e as relações interpessoais, como será visto na produção da autobiografia e que
podem se configurar em outros gêneros, pois as atividades de escrita devem, de alguma
maneira, criar vínculos com a “vida real”. Os direcionamentos carecem de instigar uma escrita
para ser mostrada e compartilhada, como bem vemos em Bazerman (2011, p. 18)
O movimento de escrita pessoal é uma tentativa de enfrentar o peso
potencialmente opressivo da autoridade. Os alunos são pelo menos as
autoridades de suas próprias vidas e sentimentos. A escrita pessoal
pode ser de grande interesse para as pessoas que os cercam. Mesmo se
a escrita imaginativa não chega aos padrões de trabalhos profissionais
publicados, tem um valor especial se é feita e compartilhada por
pessoas familiares umas com as outras. Se colegas, família e amigos
constituem a audiência, a escrita constrói identidade, relações e
compreensão mútua.
Ainda nesse viés, muito se tem discutido acerca do papel do professor nas atividades de
escrita, empiricamente já é sabido que a figura docente não é mais a única responsável pelos
resultados satisfatórios, o aluno tem que assumir a autonomia que lhe é exigida nas esferas
sociais, imaginadas na escola, assim, encontramos no embasamento buscado em Bazerman
(2011, p. 52) que diz:
A importância dos processos, das motivações e das mensagens para a
escrita dos alunos removeu o professor do atril e outorgou aos alunos
importantes funções de autoridade – não importa qual das muitas
variedades de pedagogia da escrita seguidas.
Nessa lente, sabe-se que não é possível dicotomizar a escrita na sala de aula e a vida na
sociedade, ambas mantêm uma relação intrínseca, mesmo reconhecendo que a escrita
individual se materializa mais comumente em sala de aula, ainda que, muitas vezes, de modo
artificial. Bazerman (2001, p. 52) apresenta preocupações a esse respeito e aponta sua
percepção:
24
Sempre soubemos que escrever é um ato social, mas, recentemente,
começamos a examinar com mais atenção as implicações disso para a
anatomização das atividades, da localização, da dinâmica social de
cada instância da escrita. Começamos a perceber como a sala de aula é
um cenário particular da escrita – nem um cenário natural inato nem
artificial inato, nem necessariamente liberal – apenas um cenário da
escrita.
Logo, um cuidado que se deve ter, é considerar a sintonia entre as produções propostas e a
prática social que se quer destacar, e também o modo como o estudo de determinado gênero
pode orientar as ações sociais. A produção escrita não ocorre enclausurada, é inescusável se
ancorar em algo e refletir sobre as estratégias linguísticas mais oportunas para o texto que se
pretende escrever. Ainda com Bazerman (2011, p. 57-58) vemos que:
Uma vez que escrever não é algo isolado, mas a realização textual de
um amplo espectro de interações humanas, não se pode afirmar a
priori, que qualquer caminho particular seja o caminho apropriado
para se escrever e que qualquer gênero particular tenha que ser
praticado em uma aula de escrita. A escrita vai acontecer em uma
grande variedade de ocasiões.
Sendo assim, à medida em que se desenvolvem atividades de escrita na perspectiva dos
estudos de Bazerman (2011), fica nítido que as aprendizagens são transferíveis, aquilo que se
aprende em dado momento, de alguma maneira, pode servir de reflexão para diferentes
situações, assim quando outras circunstâncias se desenharem, será executável retomar o que
fora aprendido. O autor atesta que:
a escrita ganha força expressiva não porque segue caminhos
puramente subjetivos e privados, mas porque ganha um comando mais
amplo dos recursos culturalmente disponíveis e aprende como usar
esses recursos para criar circunstâncias reconhecíveis. (BAZERMAN
2011, p. 130)
As discussões vistas apontam para possibilidades pertinentes e viáveis no que condiz ao
ensino-aprendizagem da escrita. Denota-se a escrita enquanto prática social que não se
desprende de um gênero. A sala de aula é enaltecida como espaço em que a escrita se efetiva.
O aluno é o agente do processo. Todos os meios que inter-relacionam a escola com a vivência
social, no que concerne à escrita, são válidos, pois “assim, a determinação de como ensinar a
escrever é uma questão de escolha social e ética, mas os eventos reais da sala de aula e a
aprendizagem são produtos dinâmicos da interação acima de qualquer controle do indivíduo”
(Bazerman 2011, p. 58).
25
No próximo tópico, será feita uma abordagem acerca da concepção de gênero através de
recortes dos principais aportes teóricos, num diálogo com outras bases que têm relevância
para a pesquisa, e que se assemelham a ideias defendidas, assim como serão discutidas
questões pertinentes a relação entre gênero e escrita, sempre se reportando a relevância social
de um e outra.
1.2. A CONCEPÇÃO DE GÊNERO NO PROCESSO DE ESCRITA
Não é de hoje que se utiliza o termo gênero, esse vocábulo alia-se aos estudos linguísticos e
discursivos no ocidente já na Antiguidade greco-latina, segundo os estudos da retórica
clássica. Silveira (2005, p. 47-48), nos diz que “a retórica constitui o mais antigo estudo sobre
os usos do discurso, verificando-se já, no chamado sistema retórico, a preocupação explícita
com os gêneros na atividade discursiva”.
Adentrando mais no surgimento dos estudos dos gêneros, depara-se com informações que
asseguram que esse estudo raiou com Platão, na literatura, e com Aristóteles na tradição
retórica. Ficando posteriormente por conta de Horácio e Quintiliano (MARCUSCHI 2008). O
conceito de gênero se expandiu, e cabe em diversas esferas, diferente de seus primórdios em
que se relacionava diretamente às produções literárias. Marcuschi (2008), tratou de modo
peculiar acerca dos gêneros, podendo ser considerado o principal representante dessa temática
no Brasil, traz um recorte relevante sobre a origem dos estudos dos gêneros numa visão
histórica, resumidamente o autor diz que:
A expressão ‘gênero’ esteve, na tradição ocidental, especialmente
ligada aos gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão para se
firmar com Aristóteles, passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade
Média, o Renascimento e a Modernidade, até os primórdios do século
XX. Atualmente, a noção de gênero não se vincula apenas à literatura.
(MARCUSCHI 2008, p. 147)
Há algum tempo as pesquisas sobre gêneros textuais no Brasil têm se fortalecido, e se tornado
imanente ao processo de ensino-aprendizagem da língua. Já no século XX as discussões
teóricas começaram a enfocar a inevitabilidade de se aplicar os estudos em âmbitos escolares.
Sobretudo, quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) de Língua Portuguesa
inserem o panorama dos gêneros textuais nas orientações pedagógicas do ensino da língua.
Sendo esse documento adotado para a prática nas escolas brasileiras, ocorre uma preocupação
maior com a abordagem e o ensino dos gêneros por parte dos docentes. Marcuschi (2008)
26
acrescenta que essa realidade fez o número de trabalhos aumentar significativamente.
Bazerman (2011) tem se dedicado especialmente ao gênero como uma categoria psicossocial
que suscita historicamente. Dessa maneira, é imprescindível verificar o contexto sócio-
histórico e o sujeito cognitivo, já que é apoiado neles que acepções são identificadas,
moldadas, localizadas e recebidas. O estudioso concede uma formulação conectada com a
vida e com as ações sociais. Para o teórico:
Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos
de ser. São frames para a ação social. São ambientes para a
aprendizagem, são os lugares onde o sentido é construído. Os gêneros
moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das
quais interagimos. Gêneros são os lugares familiares para onde nos
dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os
outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não familiar.
(BAZERMAN 2011, p. 23)
Bakhtin (2003, p. 261), que serviu de embasamento para muitos estudos, inclusive Marcuschi
(2008) se apoia muito em seus direcionamentos, e também Bazerman conversa com os seus
conceitos, aponta o gênero como “tipo relativamente estável de enunciado”. Conceito esse
que foi esmiuçado, interpretado e utilizado por muitos linguistas e estudiosos afins. A partir da
visão de Bakhtin, mais precisamente “relativamente estável”, Sobral (2009, p. 115) afirma: “o
gênero discursivo é estável porque conserva traços que o identificam como tal e é mutável
porque está em constante transformação, se altera a cada vez que é empregado”. Enaltece o
dinamismo do gênero, muito defendido pelos teóricos dessa pesquisa. Ao postular tal
explicação, Bakhtin, como já foi dito, serve de embasamento para tantos outros estudiosos
que surgiram depois dele. Em seus dizeres, Bakhtin associa o uso da língua às ações humanas
e oportuniza reflexões acerca do modo como o uso real da língua, na perspectiva dos gêneros,
se efetua. Para ele:
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e
escritos). [...] Esses enunciados refletem as condições específicas e as
finalidades de cada referido campo da atividade humana não só por
seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela
seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua,
mas, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN
2003, p. 261).
Ainda na perspectiva de Bakhtin (2003), quanto ao uso da língua em contextos específicos e a
importância dada ao estudo dos gêneros, no intento de indicar que os gêneros são produções
autênticas que se definem por si sós, Sobral (2009, p. 119) assegura:
27
O gênero se define como certas formas ou tipos relativamente estáveis
de enunciados/discursos que têm uma lógica própria, de caráter
concreto, e recorrem a certos tipos estáveis de textualização (tipos de
frases e de organizações frasais mobilizadas costumeiramente pelos
enunciados e discursos de certos gêneros), mas não necessariamente a
textualizações estáveis (frases e organizações frasais que sempre se
repitam), pois são tipos ou formas de enunciados.
Dolz e Schneuwly (2004), estudiosos do Interacionismo Sócio-discursivo que mantêm um
diálogo com Bazerman (2007, 2011), que é da Nova Retórica, perspectivas que têm pontos
em comum, pois conferem caráter social ao estudo dos gêneros e comumente aparecem
correlacionados quanto às suas linhas de pesquisa, como ocorre em Marcuschi (2008),
apontam que os gêneros na escola podem ser abordados de diferentes formas:
1 - O desaparecimento da comunicação em prol da objetivação: “os gêneros são considerados
desprovidos de qualquer relação com uma situação de comunicação autêntica” (Idem, p. 65).
2- A escola como lugar de comunicação: a escola é tomada como autêntico lugar de
comunicação, e as situações escolares como ocasiões de produção/recepção de textos (gêneros
escolares).
3- Negação da escola como lugar específico de comunicação: o aluno é levado ao domínio do
gênero, exatamente como este funciona (realmente) nas práticas de linguagem de referência.
Para tanto criam-se situações que devem reproduzir as das práticas de linguagem.
Pelo que foi verificado em Dolz e Schneuwly (2004), constata-se que as ações torneadoras da
produção textual se asseguram em gêneros, tendo em vista que eles encaminham o autor à
elaboração discursiva, cuja mediação ocorrerá através das escolhas linguísticas que dão forma
ao gênero em foco. A escola se esculpe como lugar em que a produção textual é orientada, ou
seja, é um espaço determinante para recriações sociais e elaboração de textos.
Dessa forma, é através dos gêneros que as atividades discursivas, utilizadas pela sociedade
como meio de atuação sobre o outro, tomam forma. Os discursos não são organizados ao
vento, tudo o que se diz tem como pauta situações minudentes do modo como funciona e se
vincula aos objetivos comunicativos que se quer alcançar, pois “uma abordagem de gênero
como atividade pode apoiar o crescimento dos estudantes como escritores e agentes efetivos,
realizando coisas no mundo através de sua escrita” (BAZERMAN 2011, p. 09).
28
Por essa razão, ao elaborar enunciados, sejam orais, sejam escritos, almeja-se que se adéquem
aos contextos de produção, porque dessa maneira se concretiza o intuito do sujeito de atuar
pela e através da linguagem. Para Bazerman (2011, p. 10) a produção de um gênero “é um
meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais
aquelas ações são significativas e motivadoras”.
A respeito dos elementos característicos dos gêneros, Bazerman (2011, p. 32) chama a atenção
para a mudança no gênero e na situação ao longo do tempo. Assim, para o autor, ao se
conceber os gêneros apenas através dessas “características sinalizadoras”, ignoram-se “as
diferenças de percepção e compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer novas
necessidades percebidas em novas circunstâncias e as mudanças no modo de compreender o
gênero com o decorrer do tempo”.
A partir dos escritos de Dolz e Schneuwly (2004, p. 64), entendemos que:
A aprendizagem da linguagem se dá, precisamente, no espaço situado
entre as práticas e as atividades de linguagem [...] Os gêneros textuais,
por seu caráter genérico, são um termo de referência intermediário
para a aprendizagem. Do ponto de vista do uso e da aprendizagem, o
gênero pode, assim, ser considerado um megainstrumento que fornece
um suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma
referência para os aprendizes.
Nesse sentido, o número de gêneros será correspondente às situações particulares de uso que
os usuários da língua fizerem, pois, as situações fazem nascer construções composicionais
distintas. A esse respeito, Bakhtin (2003, p. 283) assegura que “a diversidade desses gêneros é
determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e
das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação”. Afinando-se
com o que Bakhtin defende, Bazerman (2011, p. 59) diz que “em geral, pode-se dizer que, em
um dado tempo, em uma sociedade particular, o repertório de gêneros comunicativos constitui
o ‘centro’ das dimensões comunicativas da vida social”.
Mesmo apresentando conceitos distintos, relaciona-se, não raramente, o conceito de variedade
de gênero com o de variedade textual. Sobre tal questão, Marcuschi (2008, p. 154-155)
discorre apresentando a seguinte diferença:
Tipo textual designa uma espécie de construção teórica definida pela
natureza linguística de sua composição [aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas, estilo]. [...] Em geral abrangem meia
29
dúzia de categorias [...]. Já o gênero textual refere os textos
materializados em situações comunicativas recorrentes. [...] Em
contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em
situações comunicativas diversas, constituindo em princípio listagens
abertas.
Marcuschi (2008, p. 155) ainda diz que “não se pode tratar o gênero do discurso
independentemente de sua realidade social e de sua relação com as atividades humanas”. E
isso só se realiza através dos textos que surgem a partir dos gêneros. Sendo assim, pode-se
afirmar que os enunciados surgem nas situações reais, sócio-históricas, nos diversos âmbitos
das ações humanas e que são por meio delas firmados. As situações reais em que a linguagem
é produzida suscitam característica fixas para os gêneros. Assim, “o gênero não é visto apenas
como instrumento de comunicação, mas como objeto de ensino-aprendizagem. Nesse caso, a
prática de linguagem assume caráter fictício” (DOLZ E SCHENEUWLY 2004, p. 65).
Em meio a esse contexto, o estudo do gênero não se limita à produção escrita de determinado
modelo textual, consegue, além disso, direcionar copiosas ações sociais, fator que enaltece a
criticidade no íntimo das inúmeras circunstâncias da sociedade. Bazerman (2011, p. 09-10)
avaliza:
Gênero, como um conceito rico nos estudos linguísticos, pode nos
falar da mente, da sociedade, da linguagem e da cultura e até da
organização e do funcionamento das leis e da economia, como
também de muitos outros aspectos da vida letrada moderna. Mesmo
assim, essas questões nos ajudam a compreender, principalmente,
como as pessoas aprendem a ser participantes competentes nas
sociedades letradas complexas e como as práticas educacionais podem
ajudar a tornar tais pessoas competentes para serem agentes sociais
efetivos.
Bazerman (2011) discorre sobre o ensino de gêneros, destacando a magnitude de centralizar o
interesse, utilidade e relação do gênero com a vivência dos alunos, o que é correto, tendo em
vista a quantidade de alunos que não se sentem motivados a produzir textos justamente pelo
fato de as propostas quase sempre estarem desconectadas da sua vida. Nesse sentido, afirma:
O ensino de gêneros evoca todos os problemas de motivação, atenção,
compreensão, aplicação e transferência que surgem quando se tenta
ensinar um assunto a alguém, sem considerar o interesse, o
envolvimento, a experiência e a atividade dessa pessoa. O ensino de
uma disciplina abstrata, separada de seus usos, pode parecer uma
subjugação a sistema de ordem impostos, em vez de ser a provisão de
ferramentas úteis para a vida que os estudantes podem adquirir para
seus propósitos pessoais. (BAZERMAN 2011, p. 10)
É sabido que a sociedade se consolida por meio das situações comunicativas que o sujeito
30
integra repetidamente. Tais situações podem ser assimiladas, a começar por diálogos ou
mensagens instantâneas até uma conferência. Em outras palavras, de elaborações
textualizadas do cotidiano variando gradativamente às difíceis e de categorias que carecem de
colocações peculiares. Essas situações sociais em que a língua é utilizada configuram os
gêneros textuais. Assim, compete ao professor dar orientações e construir os cenários que
motivem por meio de gêneros com significado para os alunos. Esses gêneros devem levar os
estudantes a apropriar-se de ações e papéis específicos.
Então, no escopo de manter os estudantes no centro dos direcionamentos do trabalho com os
gêneros textuais, Bazerman (2011, p. 11) afirma:
Eu acredito que se reconhecemos os estudantes como agentes,
aprendendo a usar criativamente a escrita dentro das formas
interacionais tipificadas, mas dinamicamente cambiantes que
chamamos de gêneros, eles virão a entender o poder da escrita e serão
motivados a fazer o trabalho árduo de aprender a escrever
efetivamente.
Concatenado, principalmente, com Bazerman (2007, 2011), Dolz e Schneuwly (2004) e
Marcuschi (2008), e ainda sendo amplamente reconhecível a existência de múltiplos gêneros,
era necessário optar por um, para direcionar o presente trabalho. Escolheu-se então o gênero
autobiografia por ter se revelado como de grande significação para os estudantes que estão
reclusos. Tendo em vista que “é no ensino que colocamos nosso conhecimento a serviço da
sociedade” (BAZERAN 2011, p. 09), e correlacionando com os estudos de gênero
apresentado, averígua-se que a escolha foi oportuna.
Fica claro, a partir das exposições, que as reflexões justificam a escolha do gênero e
Bazerman (2011), com enfoque no traquejo da sala de aula, no entanto sem se distanciar de
sua principal preocupação, que é o estudo dos gêneros em uma abordagem específica, faz-nos
reportar reforçando:
Vale apena lembrar que estudantes são apenas pessoas, normalmente
jovens, passando pelas escolas para aumentar suas possibilidades de
ter sucesso na vida e de contribuir com a sociedade. É na sala de aula
que os educadores de letramento têm a oportunidade de trabalhar e de
contribuir para o crescimento e o desenvolvimento da maioria dos
membros da sociedade. (BAZERMAN 2011, P. 09)
Nessa linearidade, o tópico que segue versa sobre o gênero escolhido, a autobiografia, sua
justificabilidade para o contexto e o modo como se constitui socialmente. Serão discutidos
31
alguns pontos que tratam da escrita de si, a partir de estudiosos diversos que se ocuparam da
temática, fazendo links com as teorias de base, no que concerne à escrita e ao estudo de
gênero.
1.3 O GÊNERO AUTOBIOGRAFIA EM FOCO
Muitos gêneros textuais circulam na sociedade, porém o gênero autobiografia é muito
relevante para alunos de uma unidade penal, pelo fato de ser um meio de direcionar uma
reflexão pertinente, relativa à sua história de vida, assim seu futuro pode, de alguma maneira,
ser ressignificado. Bazerman (2005, p. 31) diz que os gêneros “são parte do modo como os
seres humanos dão forma às atividades sociais”. Sendo um recorte da vida, em duas
perspectivas, a escrita de uma autobiografia se mostra oportuna.
Assim sendo, durante o trabalho com gêneros, na perspectiva do presente trabalho, ancorada
em estudiosos da linguagem “as práticas de letramento decorrem de um interesse real na vida
dos alunos, servindo para atingir algum outro fim que vai além da mera aprendizagem da
língua, no seu aspecto formal” (KLEIMAN, 2000, p. 238). Escrevendo sobre si, a partir do
interesse que têm em contar sua vida, os objetivos almejaram ir, realmente, além daquilo que
se propõe enquanto ensino de língua.
Sob essa ótica, Geraldi (2010), que se ocupa com as questões do funcionamento da língua,
firma que a linguagem, enquanto processo de subjetividade, marca as trajetórias individuais
de sujeitos que se fazem sociais também pela língua que compartilham. Então, na elaboração
de uma autobiografia, quem a produz visita e retoma inúmeros discursos que constituíram sua
formação, tanto enquanto estudante, quanto na condição de sujeito, e sua postura no que
condiz ao modo como descortina o mundo se desnuda naquilo que escreve. A esse respeito,
em virtude das marcas de autoria no texto autobiográfico, Fortunato (2011, p. 08) consolida:
No que diz respeito às marcas de autoria, sabemos que o autor dialoga
com outros discursos, com seus personagens, e exerce sua autoria de
uma posição definida na obra. Ele conecta o mundo representado ao
mundo real, porque seu discurso refrata suas posições com relação ao
objeto, com relação a outros discursos.
Desse modo, o gênero autobiografia afigurou-se como o mais adequado, visto que direcionar
a produção de uma autobiografia promoveu reflexões imprescindíveis. Tal escolha se justifica
pelo fato de que os sujeitos envolvidos na pesquisa apresentam uma notória necessidade de
32
falar sobre si, e também estão cercados de gêneros afins, como os depoimentos e as
confissões. Avistando essa necessidade, evidencia-se que essa foi a melhor escolha, dado que,
partiu de uma ânsia dos envolvidos e “é preciso definir as dimensões ensináveis de um gênero
para facilitar a apropriação deste como instrumento e possibilitar o desenvolvimento de
capacidades de linguagens diversas que a ele estão associadas” (DOLZ E SCHNEUWLY
2004, p. 76).
Sendo assim, ao narrar sua trajetória de vida, o aluno tem a oportunidade de relembrar seu
passado ressignificando-o, nessa reflexão, seu presente também é ressignificado. Falando de
alunos/ressocializandos, enxergamos a narrativa autobiográfica como constituinte de uma
possibilidade singular para a formação. O aluno retoma sua vida e sua trajetória,
compreendendo como se construiu aquilo que ele é, ou deseja ser. Essa compreensão contribui
com a criticidade de seus atos, seus relacionamentos interpessoais em diversas instâncias da
vida. Contribui também para a leitura que faz do mundo.
Nessa linearidade, Bazerman (2011), sempre com foco nas vivências sociais, e a aproximação
com a sala de aula, afirma que:
A abordagem social de gênero transforma-o em uma ação social, e
assim em uma ferramenta de agência. O truque na sala de aula é tornar
viva aquela agência para os alunos, para que eles percebam que a
escrita é uma poderosa ferramenta para a formação e o desempenho de
intenções em todas as esferas de atividades. (BAZERMAN 2011, p. 19
e 20)
Mais uma vez, Bazerman (2011) traz à tona a importância de se manusear devidamente as
atividades de produção textual em sala de aula, reportando-se a imprescindibilidade de
aproximar a sugestão da sala de aula às ações sociais. Nesse escopo, ao refletir sobre o gênero
autobiografia, nos deparamos com Bentes (2004) atestando que em tal gênero os recursos
estilísticos estão postos ao se falar do estilo coloquial visto no decorrer do relato por meio da
fala. Ao passo que se tematiza a personagem, se trabalha a estrutura composicional. Aliado a
construção da personagem pode-se trabalhar recursos estilísticos e discursivos. A autora
sustenta, ainda, que a autobiografia não apresenta apenas um formato, porém inúmeros, e
caminha lado a lado com outros gêneros que, do mesmo modo, têm o intuito de conhecer a
história de vida de alguém.
De forma concomitante, o trabalho com o gênero autobiografia oportuniza aos estudantes o
33
entendimento de sua formação na qualidade de indivíduos de um sistema sócio-histórico, no
qual a linguagem tem um mérito ímpar. Pelo fato de esse gênero propiciar ao aluno, enquanto
passa pelos tramites de escrita e reescrita, uma “visita” reflexiva a sua própria vida.
Comumente se contam histórias. E, nossa memória, de modo mais ou menos definido, registra
a história da nossa vida.
Nesse contexto, durante a produção de um gênero textual, a compreensão do tema é marcada
por quem o produz. Categoricamente, na autobiografia o juízo de valor é bem marcado, pois
ocorre uma reconstrução de sentidos para o nosso existir, tanto na narração escrita, quanto na
oral. Ao relatar individualmente sua história de vida, aquele que o faz enfatiza os pontos mais
relevantes no que remete a sua personalidade, por isso não existe anonimato na autobiografia.
Portanto, uma autobiografia nunca é ao todo individual, seu autor sempre convida diversas
vozes, dos tantos outros sujeitos que de alguma maneira ajudaram a construir sua história de
vida. Nesse viés, Sobral (2009 p. 50) assegura que:
a sociedade é constituída pelos sujeitos e ao mesmo tempo constitui os
sujeitos; a ideologia precisa da psiquê para ter sentido e a psiquê é
afetada pela ideologia, e as duas convergem na formação do chamado
signo ideológico, um signo que resulta das avaliações sociais e
pessoais do mundo concreto.
Logo, se os sujeitos formam a sociedade e são formados por ela. Essa evidência, certamente
afetará as construções linguísticas desses sujeitos, em virtude das escolhas que se
materializam na produção de um gênero, e sendo uma autobiografia, tais elementos tornam-se
mais nítidos.
Nesse sentido, numa abordagem mais voltada para as construções e escolhas linguísticas,
Antunes (2010) diz que no texto nada é particular e se constitui um elo em cada unidade do
sentido maior expresso pelo todo. Segundo ela, analisar textos é procurar descobrir seus
esquemas de composição, sua orientação temática e o seu propósito comunicativo. Não se
pode abandonar a identificação das partes que o constituem, que funções se pretendem, que
vínculos escondem entre si e os constituintes da situação, os efeitos semânticos que aparecem
como consequência de seleções do léxico e das estruturas sintáticas. Os aspectos gramaticais
mostram-se para dar sentido.
É sabido que o protagonista da autobiografia é o próprio autor. Partindo do conteúdo expresso
34
na autobiografia, é possível levantar hipóteses sobre a identidade desses sujeitos.
Considerando que o gênero em questão possibilita apreciação valorativa que se constrói
acerca do tema em questão, sobre si mesmo e sobre o contexto em que está inserido. Esse
aluno, alvo da pesquisa, que também é apenado, não fica no anonimato, no perfil de um
estudante/preso, passa a ser um sujeito que tem uma história.
A partir disso, ao ouvir relatos da vida dos presidiários, constata-se que não tiveram uma vida
fácil, vale ressaltar que não se enxerga nisso uma desculpa para a criminalidade. Todavia, ao
se olhar com afetividade para o que eles vivenciam e vivenciaram, dentro e fora do sistema
prisional, sente-se a inevitabilidade de oportunizar a esses alunos um panorama da leitura e da
escrita que tenha logicidade, razão em sua existência, que os faça admitir que tais habilidades
substanciais podem ampará-los no cotidiano, na vida profissional e em outras instâncias da
vida pessoal.
Sob essa reflexão e levando em conta os aspectos que se convencionaram socialmente sobre o
gênero autobiografia, é possível que o autor apresente um posicionamento mais abrangente,
pois não se preocupará com a forma, seu foco estará voltado para a construção do conteúdo,
como também ocorre com outros gêneros. Como atesta Marcuschi (2008, p. 150):
Cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina
e lhe dá uma esfera de circulação. Aliás, esse será um aspecto bastante
interessante, pois todos os gêneros têm uma forma e uma função, bem
como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá
basicamente pela função e não pela forma.
Em suma, Marcuschi (2008) diz que cada gênero tem suas finalidades e servem para ser
veiculados em âmbitos específicos, como também sua estrutura é própria, condizente com o
conteúdo a que se destina, todavia, sua finalidade se sobressai às demais características.
Dessa maneira, o trabalho com o gênero autobiografia possibilita esmiuçar, de modo
conveniente, é óbvio, o mundo do aluno e, no caso dos alunos em questão, adentrar num
universo que almeja transformação, mudança. É possível evidenciar que nas alças da escrita
se constrói a cidadania. Mesmo as circunstâncias mostrando-se tão difíceis, a educação é o
melhor caminho para quem almeja um futuro promissor e com mais dignidade. Sua voz pode
ser ouvida, e é possível reconhecê-la nos meios sociais. É possível clamar que faz parte do
mundo e é formado por ele.
35
Quanto ao gênero autobiografia, considerando o contexto da prisão, é possível levar em conta,
assim como ressaltam Vasconcelos e Cardoso (2009, p. 654) que:
Contar a própria história é um exercício de autoconsciência, de
distanciamento que faz com que o narrador, numa espécie de reflexão
interna, seja expectador de si mesmo: um eu que deseja contar sua
história pessoal, que cria e ao mesmo tempo observa, dialoga e
intervém no processo de criação.
Então, Cardoso (2009) remete ao fato de que quem escreve sobre a própria vida consegue se
ver, fazer uma autoanálise e intervir na construção que faz de si mesmo. Assim, a
autobiografia permite a inter-relação entre o sujeito pessoa e o sujeito que enuncia, pois faz
com que haja um alinhamento entre acontecimentos externos armazenados pelos traquejos dos
dias vividos e a reconstituição dos mesmos no contexto presente, numa reconstrução que sem
dúvida irá condizer com o espaço que o autor assume ideologicamente. Portanto, faz crescer a
probabilidade de o aluno entender como a história de sua vida desenhou o seu percurso
histórico e de que modo ele redireciona sua vida.
Paul Ricoeur (1997), filósofo francês, buscou um aprofundamento político a respeito do
homem, especialmente aquele que se questiona e reflete por meio de narrativas de si mesmo.
Para ele, reconstruir o que foi vivido, por meio da escrita, se revela como circunstância
privilegiada de indagar a formação identitária e as significações da vida constituídas através
de várias experiências de autores que em sua prática desvencilham o mundo, entendem-no e
oferecem-no para ser lido. Ricoeur (1997, p. 30), nos atesta que
[.....] a vida narrada não é a vida vivida. A experiência da narração é
aquela que transforma o vivido no contado ou, melhor dizendo,
consiste na configuração dos acontecimentos da vida em um enredo,
que por seu lado, permite uma refiguração dessa mesma vida,
dotando-a de uma identidade narrativa que pode ser interpretada e
compreendida.
Esse autor, em sua filosofia, faz referência às narrativas autobiográficas, fala em interpretar e
compreender esse modelo textual, à proporção que vincula o entendimento de si mesmo ao
mundo que circunda o sujeito, nos processos de elaboração dessas narrativas. Ricoeur (1994,
p. 15), incita a reconsiderar a produção da narrativa autobiográfica reiterando que:
O desafio último tanto da identidade estrutural da função narrativa é o
caráter temporal da existência humana. O mundo exibido por qualquer
obra narrativa é sempre um mundo temporal. (...) O tempo torna-se
tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo;
em compensação a narrativa é significativa na medida em que esboça
traços da experiência temporal.
36
Ainda que não se tenha explorado profundamente a filosofia de Ricoeur (1994), ficou claro
que ele define as narrativas de si mesmo como modo de formação do sujeito, e sendo assim,
lugar para questionar e problematizar o eu, paralelo às produções escritas, não apenas nas
autobiografias, mas também em outros gêneros que trazem o eu, buscado na memória de
quem escreve. Ou seja, aponta tais narrativas como lugar no qual a identidade se revela, não
somente a identidade pessoal, no entanto, especialmente a identidade narrada.
Galle (2006, p. 76) sugere que “um esquema básico e abstrato deste processo que seria a
formação do sujeito, a crise sofrida por ele, a assimilação da crise e a reconfiguração da
identidade”. Assim, os envolvidos reconstruirão seu passado, redefinindo o presente. Essa
proposição de Galle (2006) diz respeito a postura que o sujeito assume ao enunciar e ao modo
em que faz a organização da narrativa que irá formatar o sentido da história que conta.
Sendo assim, é relevante ressaltar que, no que se refere à escrita de tal gênero, tendo em vista
que o escritor assume a posição de enunciador e o modo como se faz a organização da escrita
vão revelar o sentido daquilo que vai se contar, ao mesmo tempo em que se escreve, pois
Galle (2006, p. 78) assegura que “nesta perspectiva, são as estruturas textuais que merecem
mais atenção, como o uso dos tempos verbais, a estrutura comunicativa implícita e os meios
que distinguem o eu - narrador - do eu – protagonista”. Isso posto, evidencia-se que é
necessário se apoiar em uma direção para entender o gênero, esboçando uma óptica que
permita reconhecer as peculiaridades ínfimas nas quais se compõe.
Destarte, a construção temática da autobiografia bebe nas fontes da memória, vai buscar lá as
lembranças que ressignificam sua história, trazendo para o texto os fatos mais marcantes,
numa sequência. No entanto, cada escritor enfatiza períodos e acontecimentos específicos. É
comum uma reflexão sobre suas experiências. Galle (2006, p. 72) destaca que “[...] o sujeito
articula desde um determinado momento o ‘espaço das suas experiências’ (passado) e o
‘horizonte das suas expectativas’ (futuro) no seu entrelaçamento com a sociedade e a
história”.
Consequentemente, todo gênero apresenta marcas linguísticas e um estilo de linguagem. Na
autobiografia, um eu narra o percurso histórico, e essa é a principal característica, o
pressuposto básico para a constituição desse gênero e tanto o estilo como as escolhas
linguísticas estão condicionados a ela. Segundo Castro (2011, p. 84):
37
A opção pelo foco narrativo em primeira pessoa faz parte da estratégia
ideológica intrínseca a uma autobiografia. Ela é o elemento articulador
do passado, cujo dom é o de imprimir um viés a este passado,
indicando que a principal personagem dos eventos a serem descritos
vai ser - terá que ser - aquele que fala, senão nas ações que
eventualmente executa, mas com toda certeza, na perspectiva que
assume e imprime ao passado - isso tanto para o bem como para o mal
do próprio narrador. [...] É o foco narrativo assumido pelo autor da
autobiografia, aliado à perspectiva ideológica que assume em relação a
este passado, que criam o campo fértil para as avaliações e
julgamentos formulados pelo narrador. A autobiografia é, portanto,
uma narrativa autocentrada na figura do narrador, fazendo com que a
sua voz ecoe mais forte do que todas as outras, dominando-as e
submetendo-as ao seu monopólio avaliativo.
Constata-se, com esse recorte de Castro (2011), que a narrativa autobiográfica tem o intento
de apontar veracidade nos fatos apresentados, os vínculos de quem escreve consigo mesmo,
com os que estão a sua volta e com a humanidade. Quanto a isso, Galle (2006, p.71) alega
que:
A unidade da narração autobiográfica, consequentemente, não é dada,
mas constantemente ‘construída’ pelo sujeito por meio dos
acontecimentos vividos e lembrados. Esta unidade construída e, por
outro lado, precária, não é fútil nem ilusória, pois é exatamente desta
forma que a integridade ética do sujeito pode ser alcançada.
À vista disso, esse gênero não seleciona interlocutores, existem pessoas que se interessam
pelas histórias de vida tanto de famosos quanto de cidadãos que vivem no anonimato. Os
veículos de comunicação que fazem esses textos circularem na sociedade são diversos:
internet, revistas, jornais, livros, etc. Sua construção composicional pode ser em prosa ou em
verso. Segundo Galle (2006, p.71) o autor-sujeito que enuncia, se esforça “em criar coerência
no caos das ocorrências da vida. Para lograr esta coerência, ou seja, a unidade dos elementos
discrepantes e de traços contraditórios, não resta ao sujeito outro recurso senão a narração”.
Por conseguinte, existem ao menos dois formatos para um texto autobiográfico. Pode ser
escrito de modo minucioso, por meio de um livro que conta todos os trajetos pelos quais o
auto passou; pode ser um texto pequeno, curto, nos quais o autor expõe recortes de alguns
episódios de seu viver de modo subjetivo ou objetivo, destacando elementos que ele julga de
maior relevância. Existem autobiografias que tomam tamanha dimensão que chegam a se
transformar em filme.
Dessa maneira, torna-se oportuno destacar os dizeres a respeito dos fundamentos de Bakhtin
(2011, p. 24):
É interessante lembrar que, na concepção de Bakhtin, mesmo a
38
narrativa autobiográfica exige um autor - criador com excedente de
visão (olhar de fora, acréscimo meu) e conhecimento, exige duas
consciências não coincidentes. A autobiografia não é mero discurso
direto do escritor sobre si mesmo, pronunciado do interior do evento
da vida vivida. Ao escrever sua autobiografia, o escritor precisa se
deslocar, se posicionar fora dos limites do apenas vivido, se tornar um
outro em relação a si mesmo, isto é, precisa olhar-se com um certo
excedente de visão e conhecimento. Só assim poderá dar relativo
acabamento ao vivido.
Por isso, esse modo de escrever não é apenas um relato das vivências de quem escreve,
entretanto nele se configura a ação criadora, pois o autor tendo em mãos as experiências
vividas, seu propósito de contar, o tomam arquitetando e finalizando a sequência da atividade
estética.
No panorama difundido por Bazerman (2011), no tocante ao estudo dos gêneros, depara-se
com um posicionamento expressivo atinente à história de vida, conceituada no trabalho como
autobiografia, o autor certifica que:
Na perspectiva do gênero, as histórias dos alunos vão supri-los com os
gêneros que carregam consigo para a sala de aula, as suas percepções
de como essas formas de participação comunicativa podem ou não ser
reveladas na sala de aula, com que codificação e transformação, e
como eles, alunos, vão responder às expectativas genéricas que o
professor constrói na dinâmica da sala de aula. (BAZERMAN 2011, p.
56)
Assim, averígua-se que o trabalho com o gênero autobiografia afigura-se com uma relevância
ímpar, levando em conta a imponência dos estudos de Bazerman (2011) e o que ele assegura
sobre os gêneros dessa natureza, pois esse autor atesta que o envolvimento com esse tipo de
gênero pode garantir melhor desempenho na produção de outros que torneiam a vida dos
alunos.
Destarte, discutidos esses pontos, é conveniente enfatizar que o gênero foi escolhido por se
revelar um tanto quanto atrativo para os estudantes que também são reclusos, assim como por
ter uma proximidade com as confissões, experiência vivida por todos eles. Tal fator, de algum
modo, facilita a escrita, tendo em vista que se vincula com o decorrer de suas vidas. Mesmo
sabendo que
a maioria dos gêneros tem características de fácil reconhecimento que
sinalizam a espécie de texto que são. E, frequentemente, essas
características estão intimamente relacionadas com as funções
principais ou atividades realizadas pelo gênero (BAZERMAN, 2011,
p. 40).
39
Embasada nas proposições de Marcuschi (2008) e de Bazerman (2011) a respeito de gênero
textual e tipo textual, classifica-se, então, a autobiografia como gênero por fazer referência
aos textos que se materializam em circunstâncias de comunicação com propósitos
enunciativos marcados por uma tenção particular. Na categoria de tipo textual, trata-se de uma
narrativa, determinado por traços de caráter linguístico.
O ponto que segue se ocupará em trazer alguns aspectos da sequência didática, que foi a
metodologia escolhida para fundamentar a ação pedagógica, no entanto a discussão se dará no
campo da teoria, já que haverá um momento para apresentar a construção efetiva, a prática e
os resultados obtidos. O intento deste ponto é apontar o que se entende por sequência didática
a partir dos estudos realizados.
1.4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA: O DIRECIONAMENTO
Encontrou-se como meio de fazer uma intervenção significativa no processo de escrita a
elaboração de uma Sequência Didática (SD), que se consolidou em seguir etapas para a escrita
e reescrita do gênero em foco, em uma perspectiva interacionista dos estudos da linguagem.
Seguiu-se, então, os direcionamentos de Dolz e Schneuwly (2004, p. 82), segundo os autores
“Uma “sequência didática” é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. Como as práticas de leitura e
produção não têm sido feitas de forma significativa, percebe-se que, atualmente, há uma
busca de se levar para sala de aula possibilidade de ensino do “texto em seu funcionamento e
em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as
propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos”. (DOLZ E
SCHNEUWLY, 2004, p.10)
Marcuschi (2008, p. 213), em seus estudos referentes à teoria da sequência didática proposta
por Dolz e Schneuwly, afirma que “a proposta parte da ideia de que é possível e desejável
ensinar gêneros textuais públicos da oralidade e da escrita e isso pode ser feito de maneira
ordenada”. O autor faz uma interpretação demasiadamente oportuna ao longo de todo o
estudo a respeito da SD, ele elucida inúmeras particularidades que desvencilham a
especulação da presente pesquisa. Marcuschi (2008, p. 213) deslinda que:
Os procedimentos têm um caráter modular e levam em conta tanto a
oralidade como a escrita. O trabalho distribuiu-se ao longo de todas as
40
séries do ensino fundamental. A ideia central é a de que se devem criar
situações reais com contextos que permitam reproduzir em grandes
linhas e no detalhe a situação concreta de produção textual incluindo
sua circulação, ou seja, com atenção para o processo de relação entre
produtores e receptores.
Dessa maneira, o direcionamento da produção textual a partir da teoria dos gêneros, de acordo
com o método da SD, tem como ponto de partida uma produção inicial, que pode ser de
leitura, escrita ou fala, no momento em que “o aluno estaria atendendo uma situação real de
comunicação, em dada esfera social, revelando as representações que têm do gênero em
questão” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.95).
Nessa linha, Teberosky (1995, p. 188-189) trata da questão de que o professor deve apresentar
modelos de leitura, com o objetivo de guiar os alunos para a produção textual, posto que a
aprendizagem da escrita de determinados tipos textuais se dá a partir de outros textos de igual
tipologia. Destarte, a pesquisa de Teberosky confabula com o procedimento da sequência
didática, visto que, é imperioso, na SD, rodear o aluno com modelos do gênero em questão,
com o fim de que ele se aproprie dos seus atributos. No mesmo enfoque, Prestes (2000, p.
115) revalida:
não basta o professor apenas fornecer textos para leitura: ele precisa
instruir seus alunos, levá-los a perceber como os escritores
organizaram os textos que eles estão lendo, que características tais
textos possuem, para que, conscientes dessas características, tenham
subsídios para produzirem melhor seus próprios textos.
Desse modo, a escrita inicial é o primeiro passo para a construção dos módulos, que servirão
para intervir nos problemas que surgirão, no propósito de oferecer, aos alunos, os elementos
de que necessitam para a produção de um bom texto do gênero em questão, em outras
palavras, que o aluno se aproprie das principais características e marcas linguísticas e traga
isso para o seu texto, já que “toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma
decisão didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem” (DOLZ e SCHNEUWLY
2004, p. 69). A primeira escrita é o momento em que os alunos revelam as representações que
têm sobre o gênero e que irão guiar o trabalho do professor. Segundo os autores se a situação
de comunicação estiver bem definida, todos os alunos conseguirão produzir o texto, mesmo
que não apresentem todas as características do gênero proposto (DOLZ e SCHNEUWLY
2004,p. 86). Nessa ótica, Marcuschi (2008, p. 215) clarifica que:
Essa primeira produção pode ser feita em esboço geral e ainda apenas
treinando o gênero sem uma destinação específica. Posteriormente,
será feitos os ajustes até a produção final. Esse esboço deve ser tido
41
como o primeiro contato com o gênero. Essa etapa é crucial, pois
representa a primeira atividade de produção em que o texto vai ser
avaliado e revisto tantas vezes quantas necessárias e sucessivamente
passando por módulos...
O que conclui a SD é uma produção final, cujo objetivo é fazer com que o aluno coloque em
prática o que aprendeu em cada módulo, o que propicia também uma avaliação geral de todas
as etapas do processo, pois segundo Dolz e Schneuwly (2004, p.83):
Uma SD tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar
melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar
de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação.
[...] As SDs servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de
linguagem novas ou dificilmente domináveis.
Quanto à produção final, consultou-se, também, os escritos de Marcuschi (2008), no intuito
de sondar se há harmonia com as conclusões a que se chegou, e nos estudos desse autor
depara-se com uma reflexão equivalente ao que se deduziu:
Esta parte da sequência é reservada à produção final do gênero. Nesse
momento, o aluno põe em prática o que aprendeu ao longo dos
módulos, após a análise da produção inicial. Aqui o professor pode
proceder a uma avaliação somativa e não apenas formativa. Nessa
produção final, o trabalho concentra-se no polo do aluno. Aqui o aluno
obtém um controle sobre sua própria aprendizagem e sabe o que fez,
por que fez e como fez. Aprende a regular suas ações e suas formas de
produção e seleção do gênero de acordo com a situação em que ele
pode ser produzido. Essa avaliação deve levar em conta tanto os
progressos do aluno como tudo o que lhe falta para chegar a uma
produção efetiva de seu texto segundo o gênero pretendido.
(MARCUSCHI 2008, p. 216)
Sendo assim, seguiu-se no presente trabalho o direcionamento metodológico de Dolz e
Schneuwly (2004), com adaptações, construiu-se a seguinte composição organizacional:
1º passo - Motivação - Apresentação de uma situação inicial, necessidade e motivo de
produção;
2º passo – Escolha do gênero (considerando o que dizer, para quem, em que veículo de
comunicação, com que objetivo);
3º passo – Identificação do gênero em foco
Pesquisa sobre o gênero;
Leitura de exemplares do gênero, verificando a função social, a temática, a estrutura
composicional e o estilo;
4º passo – Produção de texto do gênero, a partir da motivação;
5º passo – Reescrita do texto, depois de ter vivenciado os módulos, com o propósito de
42
amenizar as dificuldades e aproximá-lo aos exemplos que circulam na sociedade.
Diante das discussões, destaca-se que antes de desenvolver as propostas com os alunos, é
imprescindível construir os Módulos Didáticos do Gênero, nomenclatura definida pelos
estudiosos de Genebra, Dolz e Schneuwly (2004), nas orientações de transpor didaticamente
os gêneros para o ensino, da fundamentação que orienta essa construção e do passo a passo
que guia a proposta. Segundo Bazerman (2011, p. 30)
este processo de mover-se em direção a formas de enunciados
padronizados, que reconhecidamente realizam certas ações em
determinadas circunstâncias, e de uma compreensão padronizada de
determinadas situações, é chamado de tipificação.
Portanto, decidiu-se pela elaboração da SD por considerar que esse reconhecimento do gênero
com o qual se tem a pretensão de trabalhar, nesta circunstância o gênero é autobiografia,
permitirá um domínio mais amplo quanto ao gênero. Esse fator é relevante pois, se há
pretensão em trazer um gênero para trabalhar em sala de aula, inicialmente deve-se estudar o
gênero com o qual se pretende trabalhar. Já que, deve-se, segundo Bazerman (2011, p. 35)
levar em consideração o sistema de atividades junto com o sistema de
gêneros é focalizar o que as pessoas fazem e como os textos ajudam as
pessoas a fazê-lo, em vez de focalizar os textos como fins em si
mesmos .
Assim sendo, a SD pode ser apontada como lugar de interação entre alunos, professores,
textos e leitores. Tal caminho se configura como uma via de diversas possibilidades para se
desenvolver as teorias que suscitam das pesquisas linguísticas. Enxerga-se permanência em
sua formulação, pelo fato de estar pautada de modo sólido de acordo com os postulados de
Dolz e Schneuwly (2004). Pelo fato de possibilitar um trabalho em conjunto compilando
teoria e prática, que na vivência dos envolvidos, no processo ensino-aprendizagem, veem a
linguagem como modo de interação em que se tem como resultado a elaboração de um
produto final com mais significação, resultado da interação.
Logo, as atividades de escrita que seguem a proposta da SD se desenha de modo mais
conciso, pelo fato de permitir que os alunos se envolvam com modelos do gênero em estudo,
isso faz com que surjam diferentes modos de realização da escrita, as leituras que eles fazem
para se apropriar das características do gênero permitem que isso ocorra, Bazerman (2011, p.
43) nos diz que:
43
Quando pedimos aos nossos alunos para escrever somente sobre suas
experiências, é possível que eles apenas se aproveitem daquelas
conversações anteriores em que ainda estão engajados e dessa forma
limitem a extensão e a variedade de seu pensamento e de sua escrita.
Podemos usar a leitura para apresentar novas oportunidades
conversacionais que atraiam alunos para comunidades públicas,
profissionais e acadêmicas mais amplas. Assim, os alunos aprenderão
a escrever dentro dos contextos altamente letrados que enfrentarão
mais tarde na vida.
Sob essa perspectiva, para se conseguir êxito em ações pedagógicas que abarcam essa
concepção no ensino da língua, é que se defende a sequência didática como lugar de
privilégio no imbricamento entre a teoria e a prática. Ainda mais, faz nascer uma situação na
qual o professor aparece como autor das ações pedagógicas e não simplesmente transmissor
do conteúdo “vendido” pelo livro didático. Mesmo quando usar o material didático, o fará
mais adequadamente, considerando a realidade que lhe surge na prática de sala de aula.
Assim, a participação do aluno torna-se efetiva, pois é protagonista de seus textos e “a criação
de cada autor de um texto num gênero identificável é tão individual em suas características
que o gênero não parece fornecer meios adequados e fixos para descrever a realização
individual de cada texto sem empobrecimento” (Bazerman 2011, p. 51). Considera-se que
“forma e conteúdo têm importância e são determinados apenas dentro do enquadre do
funcionamento social e contextual do gênero” (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004 p.11).
Portanto, a SD é tida como uma maneira bem-sucedida de aplicar teorias, nos dias de hoje,
que subjazem ao ensino dos gêneros. Trabalhar com a linguagem real, de acordo com a SD,
assegura-se em uma metodologia que posiciona o sujeito em situações muito próximas da
realidade, segundo as concepções que a sustentam. Tendo em vista que ((DOLZ E
SCHNEUWLY, 2004 p. 82):
É possível ensinar a escrever textos e a exprimir-se oralmente em
situações públicas escolares e extraescolares. [...] criar contextos de
produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e
variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções,
das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de
suas capacidades de expressão oral e escrita...
Assim, é seguindo essa maneira de conceber o ensino que o trabalho com a produção textual
foi proposto na sequência didática com os alunos ressocializandos.
Posto isso, buscou-se, nos módulos, direcionar os alunos a fim de que percebessem que o
texto é resultado de escolhas estruturais e temáticas, realizadas pelo autor, levando em
44
consideração o receptor dos textos, as circunstâncias do contexto e o modo como se realiza.
Bazerman (2011, p. 36) ratifica que:
Ao estabelecermos a importância da voz do escritor e a autoridade da
percepção pessoal, aprendemos a dar peso ao que o aluno quer dizer, a
ser paciente com o processo complexo da escrita, a oferecer
simpáticos conselhos sobre como fazer em vez de o que não fazer, e a
ajudar o aluno a descobrir as motivações pessoais para aprender a
escrever.
Nessa lente, a escrita de um texto se insere numa realidade comunicativa real e significativa,
assim como ocorre nas aulas, ou se espera que aconteça, no intuito de ser compreendida como
em que se constitui na condição de sujeitos no processo de interação verbal. Bazerman (2011)
a respeito da escrita, atesta que a sala de aula ainda é esculpida como lugar em que a escrita se
materializa de modo genuíno, pois:
Apesar dos grandes experimentos no ensino da escrita durante as
últimas duas décadas, a sala de aula continua algo naturalizado. Muito
do trabalho em nossa área tem sido o de tornar explícitos e
consensualmente validados esses aspectos da competência escrita que
nós, pessoas letradas, conhecemos como algo de ordem prática...
(BAZERMAN 2011, p. 51)
Nesse viés, experimentar a SD como procedimento para atividades de escrita no âmbito
escolar revela-se de modo instigante, pois
assim, a determinação de como ensinar a escrever é uma questão de
escolha social e ética, mas os eventos reais da sala de aula e a
aprendizagem são produtos dinâmicos da interação acima de qualquer
controle do indivíduo (BAZERMAN 2011, p. 58).
Quanto aos módulos, os estudiosos Dolz e Schneuwly (2004, p 88) apontam que “o
movimento geral da SD vai, portanto, do complexo para o simples: da produção inicial aos
módulos, cada um trabalhando uma ou outra capacidade necessária ao domínio de um gênero.
No fim, o movimento leva novamente ao complexo: a produção final”. Esses mesmos autores
asseguram que:
O princípio essencial de elaboração de um módulo que trate de um
problema de produção textual é o de variar os modos de trabalho. [...]
Em cada módulo, é muito importante propor atividades as mais
diversificadas possíveis, dando, assim, a cada aluno a possibilidade de
ter sucesso, por diferentes vias, às noções e aos instrumentos,
aumentando, desse modo, suas chances de sucesso. (DOLZ E
SCHNEUWLY 2004, p. 89)
45
Constata-se, então, que o sistema de ensino com as sequências relaciona-se com o sistema
instrutivo tradicional, que se focava, inicialmente, na supremacia das estruturas gramaticais,
presumindo que, apenas esse domínio oportuniza versar sobre os problemas de redação ou
expressão. De maneira oposta, a SD se propõe a vincular profundamente as metodologias de
expressão e estudos gramaticais, dispondo os segundos em serventia das primeiras. As
sequências didáticas instauram e arrematam com uma produção textual. Distintas instruções
linguísticas, a desenvolverem-se ao longo dos módulos, são designadas e projetadas na
proporção em que for possível fornecer amparo específico às aptidões de expressão.
Afinal, as atividades recomendadas numa sequência não conseguem, é óbvio, dar conta de
todas as fragilidades de escrita, nem de todas as características concebíveis para que se
domine dado gênero. Então, elas carecem de ser selecionadas com fundamento no parâmetro
de translocamento de conhecimentos a outras circunstâncias da sistematização dos textos.
No próximo capítulo será exposta a metodologia: o modo como se desenvolveu a primeira
escrita, os módulos e a escrita final das autobiografias a partir do procedimento metodológico
Sequência Didática. Também será traçado um perfil dos estudantes envolvidos no processo,
para situar as condições de produção e as particularidades do contexto.
46
CAPÍTULO II
AÇÃO PEDAGÓGICA
O presente capítulo tem o intuito de descrever o trabalho desenvolvido por meio da Sequência
Didática (SD) sobre o gênero autobiografia, vivenciada com alunos da Educação de Jovens e
Adultos, III Fase (que corresponde ao 5º e 6º ano), de uma escola situada no Centro de
Ressocialização do Agreste (CRA) em Canhotinho-PE. A definição e categorização teórica,
que serviram de âncora para o trabalho, no que se refere à SD, foram apresentadas no último
item do capítulo anterior. Como foi exposto, no referido item, a SD se baseia nos estudos de
Dolz e Schneuwly (2004) e na análise que Marcuschi (2008) faz destes mesmos autores.
É válido salientar que, quanto à escrita e ao estudo de gênero, também foram apresentadas as
discussões que norteiam o trabalho, tendo como principais fontes de pesquisa Bazerman
(2007, 2011), Marcuschi (2008) e Dolz e Schneuwly (2004), pelo fato de evidenciarem que a
escrita se dá ou reflete o social e se materializa através dos gêneros, fator que condiz com a
proposta da SD. Desse modo, as três vertentes da pesquisa (escrita, gênero e sequência
didática) se afinam, e encaminham o trabalho de maneira significativa, por direcionarem não
só a teoria como também a prática.
Assim sendo, serão esmiuçadas as atividades desenvolvidas com os alunos durante a
aplicação da sequência didática, seguidas de reflexões ao longo da exposição, e ainda serão
assinaladas algumas características dos estudantes envolvidos no processo. Julgou-se
necessário conhecer o perfil dos alunos, pelo fato de se tratar de um âmbito muito peculiar e
que não pode ser visto do mesmo modo que as demais esferas da sociedade, por conter em sua
rotina, como se vê na mídia, elementos que desassossegam os que lá estão. Tais elementos não
“cabem” nessa pesquisa, no entanto não podem ser totalmente desconsiderados, ainda que não
sejam tratados especificamente. Em suma, a rotina da penitenciária, pelo que foi constatado,
geralmente, apresenta circunstâncias que incomodam muito os detentos e isso traz
implicações para a vida escolar dentro do sistema, já que “a prisão excede a simples privação
da liberdade” (FOUCAULT, 1987, p. 205)
47
2.1 DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE O GÊNERO
AUTOBIOGRAFIA
A sequência didática que se apresenta baseia-se no trabalho de Dolz e Schneuwly (2004), que
fundamentam a parte prática. Busca trazer alguma reflexão a respeito do questionamento que
se impôs: Como coadjuvar para um ensino de língua escrita mais relevante a jovens e adultos
reclusos?
Os encontros ocorreram entre outubro e dezembro de 2014, em um total de seis encontros de
três horas-aulas, dada a forma organizacional e metodológica da escola.
Então, optar por essa prática metodológica, como artifício de transposição didática, ocorreu
por perceber esse fazer pedagógico um tanto quanto prolífero, ele permite que o texto se
materialize a partir de reflexões pertinentes. Tendo em vista que, para alcançar o propósito
final, a escrita do texto, adota-se a leitura dos textos a serem vistos na motivação como o
direcionamento a ser seguido para assistir à ação de elaborar seus próprios textos.
Assim, no rastreio de práticas pedagógicas que se revelassem eficazes para cercar essa
compreensão, no que condiz ao ensino da língua, é que se vê na sequência didática um
recurso privilegiado de junção entre teoria e prática. Ainda mais, nasce uma sistematização na
qual o professor se configura autor da ação pedagógica e não somente o que transfere o
conteúdo do livro didático, e mesmo quando se utilizar do material didático, saberá fazê-lo
com autenticidade, adequando ao contexto da sala de aula. Nessa circunstância, o aluno
também se torna protagonista, pois é responsável por sua produção.
Desse modo, a sequência didática foi eleita como uma maneira exitosa de aplicar teorias que
dão apoio ao ensino da língua. O trabalho com a linguagem advinda das situações reais,
propositura da SD, materializa-se em um método que posiciona os alunos em circunstâncias,
tanto mais efetivas quanto viáveis, de interação verbal, pois ele tem a oportunidade de refletir
a partir da sua própria escrita, (re)construiu os sentidos do texto embasado no que ele mesmo
produziu. A esse respeito pode-se consultar o Capítulo 1 para refletir sobre o que se coloca a
respeito da definição de sequência didática.
Logo, seguindo essa maneira de configurar o ensino, o trabalho se propôs nos módulos da SD
48
desenvolvida com estudantes da Educação de Jovens e Adultos reclusos. Houve um empenho,
durante as etapas, em direcionar os alunos a deduzir que o texto é consequência de escolhas
temáticas e estruturais, realizadas por quem o escreveu, levando em conta para quem escreveu
e em que contexto se deu a escrita. A produção textual adentra um momento comunicativo
real e com sentido.
Portanto, o trabalho suscita a partir de um direcionamento em que se motiva o aluno a se
envolver com o gênero em questão. Isso se dá por meio da leitura de exemplares do gênero e
de uma argumentação, advinda do professor, no intento de contribuir para que o estudante
perceba que tal gênero pode ser interessante para ser escrito por ele. Ainda nessa etapa, o
aluno é incitado a compreender o significado do gênero que será esmiuçado. Essas
proposições ocorrem em momentos distintos.
A partir dessa etapa, sugere-se a primeira escrita do gênero. E esse texto é que encaminha a
elaboração dos módulos, cujos propósitos giram em torno daquilo que se pretende alcançar,
neles são verificadas as fragilidades, no que alude à escrita, e o modo de intervir ou melhorar
os aspectos identificados.
Posteriormente, são construídos os módulos, a fim de que o aluno possa ir refletindo a partir
da própria escrita e assim consiga ir “transformando-a”, até chegar num perfil mais desejável.
Esses módulos são bastante flexíveis, cada gênero, em cada contexto, implica um enfoque
específico. Nesse caso, desenharam-se de modo tal, que conseguissem abordar questões
inerentes às características do gênero e a aspectos gramaticais e ortográficos, sendo as
primeiras questões mais relevantes.
Depois que são vivenciados os módulos, vem a escrita final, cujo objetivo principal é verificar
se os alunos se apropriaram das características do gênero e se houve alguma interferência,
durante os módulos, no que remete aos domínios gramaticais e ortográficos. Por fim, é dado
aos alunos um retorno daquilo que eles construíram.
No caso da proposta de Dolz e Schnewly (2004), deve haver uma divulgação do texto final,
ou seja, escolhe-se uma maneira de fazer os textos produzidos serem lidos por várias pessoas.
No presente trabalho, essa etapa se deu de modo muito tímido, em decorrência das condições
pessoais e contextuais dos estudantes, no entanto se efetivou.
49
Isso visto, no próximo item será exposto o modo como se deu a motivação, todos os
pormenores dessa etapa e algumas discussões que vão contribuir para a compreensão do
trabalho. Os demais itens trarão as especificidades da primeira escrita, dos módulos e da
escrita final.
2.1.1 Primeiras atividades: a motivação
Seguindo os pressupostos de Dolz e Schneuwly (2004), a primeira atividade da sequência
didática é a motivação. Nesse momento, é exposto ao aluno algo instigante, algo que o
estimule e, posteriormente, sentir vontade de escrever um texto do gênero escolhido. Por essa
razão, o gênero precisa ter sentido para o aluno, atender uma necessidade pessoal ou social.
Tanto Bazerman (2005), quanto Marcuschi (2008) tratam dessa questão, eles apontam a
necessidade de os gêneros de algum modo terem relação com as vivências dos estudantes. No
caso do presente trabalho, a motivação se deu a partir de um diálogo, no qual se destacava
que:
- Muitos famosos contam suas próprias vidas;
- Pessoas anônimas constroem suas autobiografias;
- Muitos filmes são elaborados a partir da autobiografia de famosos e anônimos;
- O filme Carandiru foi construído a partir de relatos autobiográficos de detentos, ex-detentos
e funcionários da casa de detenção;
- Muitos ex-presidiários já escreveram suas autobiografias.
Assim, à medida que iam se colocando os pontos destacados, foi se construindo um diálogo
muito interessante, pois todos eles já haviam assistido ao filme Carandiru, e de algum modo
enxergavam a própria vida ali encenada. Todos já haviam assistido filmes que contavam a
história de alguém, inclusive mencionaram que são filmes baseados em fatos reais,
geralmente as histórias são de muita luta e sofrimento, mas que trazem algum ensinamento.
Foi destacado, que muitas pessoas escreveram suas histórias sem a menor pretensão de vê-las
nos cinemas ou de apresentá-las para alguém as ler. No entanto, isso ocorreu. Todos
concordaram que isso poderia ocorrer com suas histórias e ficaram muito interessados na
discussão. Dos dez alunos envolvidos nessa primeira etapa, seis conheciam ex-detentos que
escreveram livros enquanto estavam na cadeia. E dos quatro, que ficaram até o final e
constituíram o corpus, dois estavam entre os seis. Um deles comentou que muitas vezes sentiu
vontade de escrever sua história, mas nunca o fez, e agora estava tendo a oportunidade.
50
Sendo assim, aproveitou-se o ensejo para estimulá-los com mais afinco. Indicando que eles
poderiam, a partir dessas atividades, ampliar e continuar escrevendo em suas celas e quem
sabe se antes de saírem da cadeia não teriam escrito seus livros, contando de modo encantador
suas autobiografias. Muitos ficaram empolgados e disseram que iriam fazer isso algum dia.
Por isso, que Dolz e Schneuwly (2004, p. 84) afirmam que “a apresentação da situação é,
portanto, o momento em que a turma constrói uma representação da situação de comunicação
e da atividade de linguagem a ser executada. Trata-se de um momento crucial e difícil”.
Então, essa etapa é decisiva, pode tomar muito tempo, mas não é possível sugerir a primeira
escrita sem que ela ocorra. Enquanto o aluno não conseguir enxergar um motivo importante
para escrever, vai enfrentar muitos entraves, porque a escrita vai continuar sendo algo distante
da vida, algo que não ocorre nas circunstâncias reais, apenas imaginárias. Quando o motivo
surge, toda a discussão apresentada sobre escrita, discutida no primeiro capítulo, toma forma,
já que sua funcionalidade social se efetiva. O aluno começa a perceber que, no caso do gênero
em questão, sua história pode ultrapassar os muros da cadeia e ser vista ou lida por muitas
pessoas.
Apontada a motivação, depois de muita conversa a respeito dos elementos motivadores, cada
um se posicionando e trazendo algum elemento pessoal para contribuir, vivenciou-se outro
momento. Fizeram-se os seguintes questionamentos:
- O que significa a palavra BIOGRAFIA?
- O que significa a palavra AUTOBIOGRAFIA?
Eles indicaram que não conheciam os sentidos dessas palavras, já tinham “ouvido falar”, mas
não saberiam explicar, assim foi explicado que:
BIO = vida; GRAFIA = escrita. Então Biografia significa “registro da vida de uma pessoa”.
AUTO = a si mesmo. Autobiografia significa “o registro escrito da própria vida”, ou seja, uma
biografia escrita pelo próprio autor, o autor seleciona e narra acontecimentos de sua própria
vida.
Vale ressaltar que o que diz respeito ao gênero autobiografia foram traçadas inúmeras
considerações no capítulo 1, as definições são bem pertinentes e ancoram a presente etapa.
Feita essa explicação, eles demonstraram que compreenderam, de modo simplificado, que
51
quem conta a própria vida, escreve uma autobiografia. Esse momento também foi muito
importante, pois eles careciam de ser direcionados a escrever uma autobiografia tendo
conhecimento específico do que se tratava tal nomenclatura.
Desse modo, feita a motivação, analisados os sentidos das palavras biografia e autobiografia,
foi entregue a cada aluno a autobiografia de Patativa do Assaré, numa ficha como no formato
que segue:
1ª Leitura
AUTOBIOGRAFIA DE PATATIVA DO ASSARÉ
Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira
da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de
Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual
depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher.
Eu sou o segundo filho.
Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de
meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com
a idade de doze anos, frequentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses,
porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de
Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não frequentei mais escola nenhuma, porém
sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança
que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los.
De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos,
pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do
Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com
16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu
já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam.
Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado,
quando alguém me convida para este fim.
Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que
mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus
versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará,
52
prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu
primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.
Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que
era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na
publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo
referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco
meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores
que lá encontrei.
De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser
entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em
seu Salão, onde cantei os motes que me deram. Quando cheguei na Serra de Santana,
continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai
de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu
pai. Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando
desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que
continua fora do programa da verdadeira democracia.
Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em
consequência da moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d’olhos.
Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar
a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.
ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré.
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assare/#sthash.Fz737J71.dpuf
Cada aluno fez a leitura silenciosa do texto, em seguida, fez-se uma leitura em voz alta.
Depois da leitura, juntos, solicitou-se que os alunos fossem pontuando no texto os elementos
que o fazem ser considerado uma autobiografia. Nessa etapa, os alunos apontaram, de
imediato, que era a vida de Patativa de Assaré contada por ele mesmo. E, ainda, destacaram
que acharam interessante o modo como ele (Patativa do Assaré) contou sua vida. Surgiu,
nesse momento, uma colocação interessante, praticamente todos os alunos indicaram que já
saíram de suas cidades, em busca de uma vida melhor em outros estados, mas tiveram seus
53
planos frustrados e esse elemento coincide com a história de vida do autor em foco.
Vivenciado esse momento, entregou-se outra ficha de leitura aos alunos, antes da leitura foi
indicado que se tratava do relato de um ex-detento e que era um recorte de sua vivência
enquanto presidiário. O texto foi o seguinte:
2º Leitura
"Cheguei à cadeia pública de Osasco no dia 12 de abril por volta das vinte e duas
horas. Uma surpresa me aguardava: eu fora recomendado, como se diz no vocabulário
carcerário.
À minha frente, dois carcereiros queriam fazer a revista em mim e em meus pertences.
Ao tirar a roupa, comecei a ser agredido de forma violenta. Socos no estômago, pontapés no
rosto. Os caras batiam duro, provavelmente conheciam algum tipo de arte marcial. Com um
pedaço de madeira nas mãos, um deles mandou que eu me virasse para a parede e levantasse
um dos pés.
Tortura. Já com o corpo todo dolorido, obedeci. Como se pegasse a pata de um cavalo,
pegou meu pé, desferiu uma série de golpes na sola até ficar tudo adormecido. Os covardes
bateram nos dois pés. Ao final da sessão de tortura olhei para baixo e um inchaço se
pronunciava. Mandaram que eu me vestisse.
Com dificuldades, obedeci. Quase não conseguindo caminhar devido aos ferimentos
nos pés, acompanhava os carcereiros que me levavam para o X-9 daquela cadeia pública.
Diziam durante o percurso que na cela que iriam me colocar só havia exu. Queriam dizer que
lá estariam os presos mais perigosos e violentos."
Texto publicado no Jornal "O Estado de São Paulo" em 23/07/2001
Feita a segunda leitura, ficou nítido que eles se envolveram muito mais, pois se tratava de
uma realidade que se aproxima muito do contexto em que estão inseridos. Mesmo não se
tratando especificamente de uma autobiografia, com todos os elementos que se desejava
evidenciar, tornou-se oportuno levar o texto, por ser um relato e por ir ao encontro da história
vivida pelos alunos. Esse texto proporcionou uma reflexão interessante, alguns alunos
apontaram que se escrevessem um texto com essas características poderiam sofrer alguma
represália do sistema, comentaram que só o fariam se ficassem ricos depois que saíssem do
54
sistema penitenciário. Assim, o direcionamento levou em conta essa preocupação que se
desenhou, pois a proposta de produção escrita deveria se vincular ao que “aprenderam” e às
reflexões realizadas na presente etapa. Como destacam Dolz e Schneuwly (2004, p. 84):
A apresentação da situação visa expor aos alunos um projeto de
comunicação que será realizado “verdadeiramente” na produção final.
Ao mesmo tempo, ela os prepara para a produção inicial, que pode ser
considerada uma primeira tentativa de realização do gênero que será,
em seguida, trabalhado nos módulos.
Desse modo, o encaminhamento dado deveria, de algum modo, direcioná-los para a escrita
que estava por vir. Logo, era fundamental que não houvesse nenhum entrave, que coibisse o
desenvolvimento das etapas. Posto isso, foi feito um diálogo acerca do modo como se
construiu o filme Carandiru, nacionalmente conhecido, cujo roteiro foi criado a partir dos
relatos autobiográficos de detentos, ex-detentos e funcionários da penitenciária. Esse foi um
momento ápice, já que todos já haviam assistido ao filme e já vivenciaram circunstâncias
semelhantes às retratadas no filme. Eles não sabiam que detentos e ex-detentos haviam
ajudado a construir o roteiro, essa informação foi muito relevante para eles. Então, foi
proposta a seguinte leitura:
3ª Leitura
Paraíso Carandiru, de Sidney Salles
A autobiografia do ex-presidiário Sidney Salles conta como ele vivenciou o massacre, voltou
para o crime após ser solto e conseguiu se livrar do vício no crack com a ajuda de uma
missionária. Hoje, ele coordena um instituto para reabilitação e desintoxicação de jovens em
Jundiaí, em São Paulo.
Estação Carandiru,de Drauzio Varella
Livro narra o convívio entre o médico Drauzio Varella e os presos durante dez anos de
atendimento voluntário no Carandiru. Conta a história de presos com quem manteve contato,
a rotina deles, os dramas vividos e as crueldades cometidas no presídio. Destaque para a
narração, conforme a versão dos detentos, do dia 2 de outubro de 1992, quando a PM invadiu
o pavilhão 9 e matou mais de 100 presos. Obra foi vencedora do Prêmio Jabuti 2000.
55
Vidas do Carandiru, de Humberto Rodrigues
O jornalista Humberto Rodrigues, preso por um ano e meio no Carandiru, conta neste relato
como encontrou histórias de otimismo e esperança em meio ao inferno da maior penitenciária
da América Latina.
Pavilhão 9 – Paixão e Morte no Carandiru, de Hosmany Ramos
Cirurgião plástico preso acusado de diversos crimes, Hosmany Ramos narra neste
livro de contos a versão do massacre contada por um presidiário que conviveu com ele na
prisão.
Luiz Alberto Mendes se tornou criminoso nas ruas de São Paulo. Escreveu estas
memórias na prisão, onde cumpre pena por homicídio e outros crimes. Com emoção e talento,
ele oferece o testemunho de seu percurso e procura compreender a violência, o
encarceramento e a dor.
Até os seis anos, Luiz Alberto era um santo para a mãe e um débil mental para o pai.
Ao entrar na escola, virou um capeta. Apanhava em casa, tinha medo do pai e um amor
desmedido pela mãe. Fugiu pela primeira vez aos doze anos. Conheceu o sexo, as drogas e o
rock'n'roll, começou a furtar dos pais, tornou-se punguista e ladrão, esteve nas Febens da
época, passou a assaltar e matou um homem, tudo isso antes dos dezenove anos. Foi
brutalizado e torturado sistematicamente. O escritor, no entanto, foge das explicações óbvias e
da vitimização: nem as dificuldades materiais nem a brutalidade do pai servem de
justificativa. Mendes afirma que um certo glamour e um certo gosto de liberdade o seduziram
para o crime. Não escreveu um livro de denúncia, nem exatamente uma autobiografia. No
esforço de compreender os caminhos de sua vida, transforma a matéria bruta da memória e
cria uma narrativa que vale cada minuto da atenção dos leitores.
Essas leituras foram fundamentais, porque partiram de uma autobiografia, de fato, para outros
textos que se aproximam de tal gênero, no entanto com uma formatação que direciona a
reflexão que servirá de base para a escrita do texto, pois trazem uma temática condizente com
a realidade dos alunos. Nessa perspectiva, Dolz e Schneuwly (2004, p. 85) afirmam:
56
A fase inicial de apresentação da situação permite, portanto, fornecer
aos alunos todas as informações necessárias para que conheçam o
projeto comunicativo visado e a aprendizagem de linguagem a que
está relacionado. Na medida do possível, as sequências didáticas
devem ser realizadas no âmbito de um projeto de classe, elaborado
durante a apresentação da situação, pois este torna as atividades de
aprendizagem significativas e pertinentes.
Os autores apontam que é necessário se abastecer, envolver o aluno com leituras que
permitam que eles se apropriem das características do gênero, mas isso deve se dar de modo
bem direcionado. O mais importante é que o aluno se sinta estimulado a escrever seu próprio
texto, esteja envolvido com esse gênero e que acredite que consegue escrever um texto com
características semelhantes aos que conheceu.
Foi feita, ainda, a leitura de mais uma autobiografia, para de fato aproximar o aluno do gênero
em questão. O texto foi o que segue.
4ª Leitura
Texto autobiográfico de Monteiro Lobato
Nasci José Renato Monteiro Lobato, em Taubaté-SP, aos 18 de abril de 1882. Falei tarde e aos
5 anos de idade ouvi, pela primeira vez, um célebre ditado... Concordei. Aos 9 anos resolvi
mudar meu nome para José Bento Monteiro Lobato desejando usar uma bengala de meu pai,
gravada com as iniciais J.B.M.L. Fui Juca, com as minhas irmãs Judite e Esther, fazendo
bichos de chuchu com palitos nas pernas. Por isso, cada um de meus personagens; Pedrinho,
Narizinho, Emília e Visconde representam um pouco do que fui e um pouco do que não pude
ser. Aos 14 anos escrevi, para o jornal "O Guarani", minha primeira crônica. Sempre amei a
leitura. Li Carlos Magno e os 12 pares de França, o Robinson Crusoé e todo o Júlio Verne.
Formei-me em Direito em 1904, pela Universidade de São Paulo. Queria ter cursado Belas
Artes ou até Engenharia, mas meu avô, Visconde de Tremembé, amigo de Dom Pedro II,
queria ter na família um bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Em maio de 1907 fui
nomeado promotor em Areias - SP, casando-me no ano seguinte com Maria Pureza da
Natividade, com quem tive o Edgar, o Guilherme, a Marta e a Rute. Vivi no interior, nas
pequenas cidades, sempre escrevendo para jornais e revistas. Em 1911 morreu o meu avô,
Visconde de Tremembé, e dele herdei a fazenda Buquira, passando de promotor a fazendeiro.
Na fazenda escrevi o Jeca Tatu, símbolo nacional. Comprei a "Revista do Brasil" e comecei,
então, a editar meus livros para adultos. "Urupês" iniciou a fila em 1918. Surgia a primeira
editora nacional "Monteiro Lobato & Cia", neste mesmo ano. Antes de mim, os livros do
57
Brasil eram impressos em Portugal. Quiseram me levar para a Academia Brasileira de Letras.
Recusei. Não quis transigir com a praxe de lá implorar votos. Tive muitos convites para
cargos oficiais de grande importância. Recusei a todos. Getúlio Vargas (presidente do Brasil
na ocasião) convocou-me para ser o Ministro da Propaganda. Respondi que a melhor
propaganda para o Brasil, no exterior, era a "Liberdade do Povo", a constitucionalização do
país. Minha fama de propagandista decorria da minha absoluta convicção pessoal. O caso do
petróleo, por exemplo, e do ferro. Éramos ricos em energia hidráulica e minérios e não
somente café e açúcar. Durante 10 anos, gritei essas verdades. Fui sabotado e
incompreendido. Dediquei-me à Literatura Infantil já em 1921. E, retomei a ela, anos depois,
desgostoso dos adultos. Com "Narizinho Arrebitado", lancei o "Sítio do Pica-pau Amarelo" .O
sítio é um reino de liberdade e encantamento. Muitos já o classificaram de República. Eu
mesmo, por intermédio de um personagem, o Rei Carol, da Romênia, no livro A Reforma da
Natureza, disse ser o Sítio uma República. Não; República não é, e sim um reino. Um reino
cuja rainha é a D. Benta. Uma rainha democrática, que reina pouco. Uma rainha que permite
liberdade absoluta aos seus súditos. Súditos que também governam. Um deles, Emília, é
voluntariosa, teimosa, renitente então renuncia os seus desejos e projetos. Narizinho e
Pedrinho são as crianças de ontem, de hoje e amanhã, abertas a tudo, querendo ser felizes,
confrontando suas experiências com o que os mais velhos dizem, mas sempre acreditando no
futuro. Mas eu precisava de instrumentos idôneos para que o trânsito do mundo real para o
fantástico fosse possível, pois, como ir à Grécia? Como ir à Lua? Como alcançar os anéis de
Saturno? Bem, a lógica das coisas impunha a existência desse instrumento. Primeiro surgiu o
"O Pó de Pirlimpimpim" que transportaria para todo o sempre, os personagens de um lugar
para outro, vencendo o "ESPAÇO". O "FAZ-DE-CONTA", Pó número 2, venceria a barreira
do “TEMPO", suprindo as impossibilidades de acontecimentos. Finalmente pensei no
"SUPER-PÓ", inventado pelo Visconde de Sabugosa, em o Minotauro, que transportaria, num
átimo, para qualquer lugar indeterminado, desde que desejado. Como disse a Emília: "é um
absurdo terminar a vida assim, analfabeto!". Eu poderia ter escrito muito mais, perdi muito
tempo escrevendo para gente grande. Precisava ter aprendido mais... Hoje aos 4 de julho de
1948, vítima de um colapso, na cidade de São Paulo parto para outra dimensão. Mas o que
tinha de essencial, meu espírito jovem, minha coragem, está vivo no coração de cada criança.
Viverá para sempre, enquanto estiver presente a palavra inconfundível de “Emília”.
Monteiro Lobato
Disponível em: <http://www.cocfranca.com.br/biografia.htm>. Acesso em: 2 outubro de 2014.
58
Sendo assim, foram feitas essas leituras para que os alunos se apropriassem do estilo de
escrita desse gênero. A esse respeito, Marcuschi (2008), na análise que faz a respeito da
metodologia, sequência didática, proposta por Dolz e Schneuwly nos orienta que
É importante que nesta fase sejam apresentados a exemplares do
gênero a ser realizado. Os alunos podem ler textos do mesmo gênero
ou ouvir, se for o caso de gêneros orais. Os alunos podem discutir
sobre a questão. O primeiro encontro com o gênero pode ter o
acompanhamento do professor para se discutir aspectos de sua
organização. (MARCUSCHI 2008, p. 215)
Tanto Dolz e Schneuwly (2004) quanto Marcuschi (2008) enaltecem a importância da etapa
descrita, tratam da motivação enquanto etapa indispensável. Inclusive, falam que essa etapa é
tida como a base, não apenas por ocorrer no início, mas por sustentar a escrita inicial, aquela
que será responsável pelas demais reflexões.
Nessa lente, o próximo item tratará da primeira escrita, a produção inicial. Trará uma
abordagem descritiva referente a essa etapa, mencionará a postura dos alunos num diálogo
com alguns recortes da teoria.
2.1.2 Processos de escrita
2.1.2.1 Primeira escrita
Antes de propor, diretamente, que os alunos escrevessem uma autobiografia, foi tida uma
conversa, indicando que eles poderiam optar por escrever ou não. Como também, destacou-se
que eles poderiam selecionar quais “partes” de suas vidas eles gostaria de contar por meio da
escrita da autobiografia. Em suma, foi dito que eles estavam livres para escrever do modo que
julgassem mais conveniente. É valido ressaltar que nenhum deles se recusou a escrever. E se
decidiu agir desse modo para que nenhum se sentisse acuado, pelo fato de estarem,
constantemente, em conflito emocional por razões diversas. Pediu-se que trocassem ideias
entre si, para que um “inspirasse” o outro antes da escrita. Marcuschi (2008, p. 215) falando
sobre a primeira produção afirma que “essa produção inicial é a primeira formulação do texto
que pode ser realizada tanto coletiva como individualmente”.
Ainda nessa perspectiva, os alunos foram estimulados a fazer uma visita ao passado.
Solicitou-se que eles fossem buscar lá no fundo do baú das suas memórias as recordações da
infância, da adolescência. Pediu-se que tentassem lembrar das grandes alegrias e tristezas de
59
suas vidas, das pessoas que foram marcantes, do modo como se constituíram como pessoa, o
que os levou ao crime. Estimulando-os a pensar em como eles gostariam de contar suas vidas,
que palavras seriam as mais bonitas e comoventes para aqueles que teriam a oportunidade de
lê-los. Esse momento foi muito agradável e emocionante, pois eles pensavam em suas vidas,
riam, ficavam com os olhos lacrimejando e se mostravam muito pensativos, especialmente
quando se repetia a expressão “visitem suas vidas para escrevê-las ou reescrevê-las”.
Nesse contexto, foi solicitado que escrevessem suas autobiografias. Prontamente, todos se
colocaram a fazê-lo. Esse momento é tido como um grande marco, já que “a produção inicial
tem um papel central como reguladora da sequência didática, tanto para os alunos quanto para
o professor” (DOLZ e SCHNEUWLY 2004, p. 86).
Foi possível constatar que os alunos não ficavam planejando o que escrever. Nenhum deles se
preocupou com rascunhos, nem ficou lendo e relendo o que ia escrevendo. Eles apenas
escreviam. Em nenhum momento fizeram perguntas acerca da escrita das palavras ou
questões afins. Ainda que se tenha dito que “qualquer coisa” poderiam pedir ajuda. Algumas
vezes, foi verificado os alunos comentando que não sabiam escrever essa ou aquela palavra,
mas que iam escrever de qualquer jeito. Essa observação aponta que as atividades de escrita,
não raramente, estão torneadas de preocupações com questões gramaticais e ortográficas. Mas
tudo seguiu tranquilamente, e um grande silêncio se fez presente. Silêncio agradável, com
vestígios de concentração e empenho em fazer o melhor. Era perceptível que estavam
“caprichando” na letra e buscando oferecer o seu melhor, afinal eram suas histórias de vida no
papel.
Vale ressaltar ainda que muitos deles se mostram apreensivos quando se aproxima o toque de
recolher, por conta das tantas atividades que eles precisam realizar antes de serem trancados:
pegar o alimento, que eles chamam de boia, pegar água para beber e tomar banho, enfim. No
entanto, nesse dia, eles ficaram tão envolvidos que saíram da escola alguns minutos depois do
toque, podendo comprometer suas atividades rotineiras. Alguns deles comentaram que
poderiam escrever melhor se tivessem mais tempo, porém não era possível fazer isso em suas
celas, pois existe certa agitação. Existe ainda a possibilidade do “baculejo”, uma espécie de
revista em que os seus pertences podem se perder ou se misturar com os dos demais. Logo,
eles poderiam perder os textos. Outros disseram que moram em pavilhões mais tranquilos, e
ficam em quartinhos individuais, mas não conseguiriam escrever tudo lá, pois ficam com
60
muitos “castelos”, na linguagem deles são reflexões, inquietações que assolam seus
pensamentos. Todavia, todos eles indicaram que se fosse para atender uma necessidade da
professora dariam um jeito.
Antes de entregar seus textos, a maioria deles disse que esperavam que seus escritos fossem
entendidos, pois escrevem muito errado. Outros apontaram que seus textos poderiam
apresentar uma realidade muito dura, parecendo assustador, mas era pura verdade tudo o que
estavam contando. Outros disseram que não tinham nada de muito interessante para contar,
estavam participando para atender a um pedido da professora. E outros perguntaram se ainda
teriam a oportunidade de finalizar a atividade. Diante dessas falas, foi dito que não se
preocupassem, seus textos seriam entendidos, seria empolgante conhecer suas histórias, ainda
que tivessem momentos muito tristes, e ainda teríamos outro momentos para dar um
acabamento melhor aos textos. Todos se mostraram entusiasmados ao entregar seus textos.
Essas situações confirmam as discussões de Dolz e Schneuwly (2004), os autores destacam
que “a produção inicial é igualmente o primeiro lugar de aprendizagem da sequência” (p.
87). Observando as reflexões e empenho dos alunos, já nesse momento, verifica-se que a
aprendizagem se efetiva.
A partir da etapa descrita, construíram-se os módulos, cujos detalhamentos serão vistos no
item que segue, por meio de uma abordagem descritiva.
2.1.2.2 Módulos
Ao analisar a primeira escrita, foram constatados inúmeros desvios quanto a questões
notacionais da língua: pontuação, acentuação, ortografia, juntura, construção dos períodos e
problemas afins. No entanto, a construção de sentido não estava comprometida, ou seja, era
possível acompanhar a sequência lógica dos textos.
Sendo assim, sabia-se que não ia ser possível dar conta de todos esses problemas, mas era
necessário fazer alguma intervenção no que se refere aos aspectos notacionais. No entanto, o
mais importante seria a possibilidade de refletirem o ato de escrita como uma ação que se dá
também no social, na vida. Como não havia tempo para trabalhar minuciosamente cada
problema, optou-se por uma prática em que todos pudessem refletir e desenvolver uma
61
autocorreção da sua escrita, pois assim poderiam fazê-lo quando estivessem em outro
contexto.
Nessa perspectiva, construíram-se os módulos, sempre priorizando a reflexão e o
conhecimento que trazem acerca dos aspectos vistos. Isso porque foi percebido que muitos
deles “erravam” e “acertavam” repetidas vezes a mesma coisa, demonstrando que já tinham
alguma noção, precisavam aperfeiçoar a prática. E pelo modo como se organiza a rotina
desses alunos e do próprio sistema penitenciário, é inviável trabalhar conteúdos gramaticais,
torna-se fundamental o desenvolvimento de atividades em que eles possam refletir e entender
como se constrói a escrita.
- I módulo
Os textos dos alunos foram digitados tal qual escreveram. Na sala foi explicado que ali
estavam seus textos, como eles haviam escrito, e que esses textos seriam distribuídos entre
eles, mas eles não receberiam seus textos naquele momento, os textos circulariam pela sala.
Desse modo, cada aluno recebeu um texto de um colega e coletivamente foi solicitado que
fossem analisando e identificando os “erros”. Pode parecer incrível, mas eles desempenharam
muito bem essa atividade. À medida que um ia verificando alguma coisa, ia marcando, no
texto mesmo, e corrigindo. Eles riam muito durante essa atividade. E ficavam sempre falando
que imaginavam como estava seu próprio texto.
Nesse módulo, eles foram sendo instigados a verificar, especialmente, erros de ortografia.
Levaram-se alguns dicionários para que eles pudessem consultar, caso tivessem dúvida acerca
da escrita de alguma palavra, apenas dois alunos utilizaram os dicionários. Os demais, às
vezes perguntavam se a palavra estava correta. Um deles ficou perdido, sem noção nenhuma
de como analisar o texto do colega e disse que não saberia corrigir, outro colega foi
orientando, mas mesmo assim ele não conseguiu evoluir muito.
Logo depois, cada um recebeu seu texto com as “correções” feitas pelos colegas. Eles
analisaram e concordaram com as marcações dos colegas, inclusive acharam outras falhas que
os colegas não identificaram e eles mesmos o fizeram.
Assim, foram questionados acerca da ortografia, foi perguntado se eles se preocupam em
62
escrever de acordo com as normas ortográficas, se eles escrevem a mesma palavra de modos
diferentes, o que acham de quem escreve corretamente. Os pensamentos eram unânimes,
todos apontaram que gostariam muito de escrever corretamente, mas muitas vezes não se
lembram ou não sabem como se escrevem determinadas palavras. Destacaram que nem
percebem que escrevem as palavras de várias maneiras. Quando foi questionado sobre o que
fazem para tentar escrever as palavras corretamente, eles responderam que raramente
escrevem, mas quando o fazem, ou ficam com vergonha ou enfrentam e escrevem de qualquer
jeito.
Os direcionamentos dados nessa etapa tinham um foco na reflexão, destacava-se que
deveriam analisar o que estavam escrevendo, acionar a memória já que muitas palavras eram
suas velhas conhecidas ou já as tinham conhecido de vista. Nessa linearidade, eles foram
encaminhados a não escrever aleatoriamente, mas adquirir o hábito de planejar o que estão
escrevendo e desenvolver uma escrita mais reflexiva. Foi destacado que a escrita segue
padrões convencionalizados socialmente e que ela deve seguir essa padronização, para que a
comunicação se efetive, caso contrário o que se escreve pode não ser entendido, então nossas
vozes ficam no anonimato.
A partir dessas reflexões, construiu-se o segundo módulo, como será descrito, ainda no intento
de direcionar uma reflexão mais autônoma, com as preocupações cabíveis.
II módulo
No quadro branco, da sala de aula, foi apresentado um apanhado geral dos principais
problemas identificados (pontuação, acentuação, ortografia, juntura, construção dos períodos)
através de explicações específicas e adequadas ao nível dos alunos. Numa abordagem em que
fosse possível direcioná-los a perceber tais problemas nos seus textos em outras
circunstâncias. Isso pode ser afirmado, porque os alunos interagiam e quando questionados
apontavam entendimento. Foram expostos recortes dos textos dos alunos, tal qual escreveram,
para que coletivamente com o auxílio da professora fosse feita a correção. Esses mesmos
recortes foram comparados às correções que um fez do texto do outro. Sempre procurando
direcionar a autorreflexão.
Em diversos momentos, eles indicaram que só agora estavam pensando nesse ou naquele
63
problema. Esse momento foi muito proveitoso, pois alunos reclusos estavam tendo a
oportunidade de refletir a partir da própria escrita e dos seus pares.
A partir disso, encaminhou-se para o próximo módulo, que manteve a mesma essência,
direcionar a autorreflexão.
III módulo
Cada aluno recebeu seu texto digitado com correções de pontuação e ortografia. Eles ficaram
extasiados ao ver seus textos com aquele formato. Muitos deles comentaram que depois de
digitado o texto ficou muito curto, que ainda faltava muito para conseguir escrever um livro,
ou para que suas histórias se tornassem roteiro de filme. Isso serviu de motivo para estimulá-
los a ampliar seus textos. Individualmente, realizaram a leitura de seus textos, depois trocaram
entre si a fim de que uns lessem os textos dos outros, eles não demonstraram nenhuma
resistência, ficaram empolgados em ler as autobiografias dos colegas. Foi solicitado que eles
observassem o estilo dos colegas e verificassem se não seria possível “pescar” alguma coisa
para levar para os seus textos. Nesse momento, alguns deles pediram para ler novamente
alguns textos, e outros comentaram que ninguém deveria “roubar” seu jeito de escrever ou sua
história, a situação foi muito descontraída. Foi indicado ainda que um desse sugestão ao
outro. Nesse caso, eles tiveram mais dificuldade, apenas apontaram que os colegas deveriam
contar mais coisas, que estavam falando pouco, não estavam contando tudo. Mas não
conseguiram dizer que palavras os colegas deveriam usar. Outro comentou que se soubesse
dizer alguma coisa usaria no próprio texto, não iria ficar dando ideia para o texto do colega
ficar mais bonito do que o seu. Aproveitou-se o ensejo para apontar que todos os textos
poderiam ficar igualmente bonitos e se diferenciar na essência da história.
Assim, nesse módulo foram pontuadas algumas sugestões para enriquecer os textos, mas sem
muitas interferências, pois as marcas de autoria deveriam partir das reflexões que cada um
fez, ainda que fosse um momento de reflexão, muitas sugestões poderiam descaracterizar os
textos dos alunos.
Desse modo, seguiu-se para o próximo módulo, em que se construiu uma autoavaliação,
quanto à estrutura e as principais características do gênero.
64
IV módulo
Nesse módulo, foi solicitado que cada aluno relesse seu texto, fizesse uma autoavaliação a
partir dos elementos vinculados à estrutura composicional. Portanto, foi entregue a cada aluno
uma ficha com o formato que se apresenta:
Sequência Didática – Autobiografia
Análise da 1ª Escrita
Releia a 1ª escrita da sua autobiografia, verifique se os seguintes elementos estão
contemplados ou não. Em seguida, indique na tabela, o que for identificando ou não,
assinalando um X nos espaços convenientes:
Marcas do gênero
Contempla
totalmente
Contempla
parcialmente
Não contempla
1) Informações quanto ao seu
nome, data e local de
nascimento.
2) Revela fatos importantes,
tenta mostrar os principais
episódios da sua vida, de forma
cronológica.
3) Pronomes pessoais e
possessivos da 1ª pessoa
(eu/meu/minha..).
4) Predomínio de verbos no
Pretérito.
5) Marcadores temporais, datas,
anos, expressões de tempo (“há
dez anos”, “naquele tempo”,
“naquela época”, “tempo em
que”, “um tempo depois”, etc.).
6) Predomínio de sequências
65
narrativas.
7) Marcadores espaciais /
marcadores de lugar: (“era uma
região...”, “naquele lugar...”,
“foi o lugar onde...”, etc.)
8) O relato dos fatos aparece,
frequentemente, pontuado de
lembranças, de um colorido
emocional.
Os alunos tiveram certa dificuldade em preencher a tabela, foi necessário orientar um a um e
reproduzi-la no quadro, para que pudessem ter uma visualização melhor. Então, cada item foi
sendo explicado no quadro e individualmente. Eles só começaram a se apropriar depois do
terceiro item, mesmo assim as orientações individuais continuaram, e vez ou outra algum
comentava que estava com dificuldade. Finalizado o preenchimento da tabela, foi feita uma
retomada de cada item, a fim de que eles pudessem analisar se haviam assinalado os pontos
adequadamente. Todos tinham expressões positivas e nenhum comentou que não estava
entendendo ou que tinha preenchido errado. Esse momento foi crucial, pois foi a partir dele
que se reestruturou o texto.
A respeito do desenvolvimento dos módulos, destacam-se os dizeres de Dolz e Schneuwly
(2004, p. 87-88)
Nos módulos, trata-se de trabalhar os problemas que apareceram na
primeira produção e de dar aos alunos os instrumentos necessários
para superá-los. A atividade de produzir um texto escrito ou oral é, de
uma certa maneira, decomposta, para abordar, um a um e
separadamente, seus diversos elementos, à semelhança de certos
gestos que fazemos para melhorar as capacidades de natação nos
diferentes estilos.
Então, é notório que os módulos cumpriram o propósito esperado, pois as dificuldades foram
trabalhadas e os alunos tiveram a oportunidade de se apropriar dos elementos necessários para
sanar algumas das dificuldades. O resultado será apresentado na análise dos dados, e será
possível verificar que, a sequência, nesse caso, teve bons frutos.
66
2.1.2.3 Produção final
A produção final se dá a partir das reflexões de cada módulo, como afirmam Dolz e
Schneuwly (2004, p. 90) “a sequência é finalizada com uma produção final que dá ao aluno a
possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos
módulos”.
Nessa perspectiva, foi entregue a cada aluno uma cópia do seu primeiro texto, outra do seu
texto corrigido e outra da tabela com as marcações que eles fizeram. E, assim, foi proposto
que eles reescrevessem seus textos levando em conta todas as reflexões da sala ao longo dos
módulos. Para tal, realizou-se uma retrospectiva oral dos módulos, pois é muito comum, nas
salas de aula da penitenciária, que tenham dificuldades em lembrar de conteúdos vivenciados
em outras aulas. Os alunos alegam que a cadeia perturba a mente, por isso é sempre
necessário fazer retomadas das questões tratadas anteriormente. Ao revisar os pontos
discutidos eles foram recompondo mentalmente o que havia ocorrido. Isso foi percebido a
partir de breves questionamentos. Destaca-se que foi fundamental fazer essa retomada, tendo
em vista que o desenvolvimento de atividades com a memória “fresca” se dá de modo mais
satisfatório.
Isso feito, cada aluno foi reescrevendo seu texto. Paralelo a isso, eles iam olhando
superficialmente os textos que tinham em mãos e vez ou outra perguntavam como se
escreviam determinadas palavras. Assim como na primeira escrita, apesar de agora se estar
com um número reduzido de alunos, como será explicado no próximo item, eles se mostraram
entusiasmados, faziam a reescrita com afinco. E não demonstraram preocupação com a hora,
ao contrário, durante o intervalo para o lanche saíram e voltaram rapidamente, e isso não
costuma acontecer. Geralmente, eles lancham e ficam pelos corredores conversando com os
colegas de outras turmas ou da sua mesmo, até ouvirem o toque da campa. Porém, nesse dia,
voltaram à sala antes mesmo de ouvirem o toque. Fator que chamou a atenção e demonstrou
que estavam empenhados em “reescrever suas vidas”.
No próximo item, será apresentado um perfil dos alunos, construído partir de observações
empíricas e da análise do resultado de uma entrevista realizada com os alunos envolvidos.
2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS ESTUDANTES COLABORADORES DO PROCESSO
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A sequência didática iniciou com um grupo de dez alunos, todos matriculados na III fase da
EJA, do turno da tarde. Esses dez participaram do primeiro momento, a motivação, e a escrita
inicial. Todavia, quando os módulos foram construídos, cinco, dos dez, já não estavam mais
frequentando a escola, e quatro, desses cinco, não estavam mais na unidade. Procurou-se
saber, discretamente, as razões e foi informado, por outros alunos da escola, que três deles
saíram para o pernoite e não retornaram, um estava no isolamento e outro não queria mais
frequentar a escola. Essas situações são muitos comuns, pelo que foi constatado na escola. Por
isso, há uma rotatividade muito grande. Ainda se conseguiu localizar o último, que estava sem
querer frequentar a escola, na tentativa de envolvê-lo novamente na sequência didática. Ao
conversar com ele, o mesmo informou que estava “de papel batido”, ou seja, seu livramento
estava encaminhado e poderia sair a qualquer momento, então “não precisava mais estudar”.
Depois que foi exposta a importância de seu retorno, ele prometeu que voltaria, mas no dia
seguinte recebeu livramento condicional e foi embora. Deixando o recado com um colega.
Sendo assim, seguiram-se os trabalhos com apenas cinco alunos. Quando se chegou na última
etapa, a escrita final, veio a notícia de que mais um havia recebido livramento. Então, o
corpus da pesquisa foi construído com as produções dos quatro que permaneceram.
Tornou-se oportuno trazer essas informações, pois é uma realidade muito recorrente nessa
unidade penal, tendo em vista que trabalha com o regime semiaberto e os detentos têm o
direito de ir para suas casas a cada três meses, por um período de sete dias, o que eles chamam
de pernoite, nessas saídas, muitos deles não voltam, e, ainda, por receber reclusos “em fim de
carreira”, ou seja, que estão prestes a voltar para o convívio, muitos deles nem sabem quanto
tempo vão ficar por lá.
Isso exposto, traz-se o perfil desse aluno. Para saber quem é esse aluno, aplicou-se um breve
questionário aberto, no qual os alunos eram convidados a responder algumas questões em
uma ficha que lhes foi entregue. Inicialmente, foi informado que o questionário era parte do
trabalho e que eles poderiam responder apenas aquilo que considerassem conveniente, eles
não precisariam se identificar. O questionário não foi feito logo no início do processo por
conta das condições do contexto, o aluno carecia se sentir seguro, confiante e envolvido com a
sequência didática, acreditou-se que se fosse, no início, convidado a responder ao
questionário, poderia se sentir acuado. Por isso, o questionário foi aplicado paralelo à etapa
final.
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Considerando o contexto exposto e as justificativas que se fizeram pertinentes, será apontado
o perfil dos alunos.
Nessa etapa, foram entregues aos alunos uma ficha com as seguintes questões e proposições:
1. Você pertence a que classe social?
( ) baixa ( ) média baixa ( ) média ( ) média alta ( ) alta
2. Qual o seu estado civil?
( ) casado ( ) solteiro ( ) tenho companheira ( ) tenho companheiro
3. Você tem filhos?
( ) sim ( ) não
4. Caso a resposta dada à questão 3 tenha sido sim, responda:
a) quantos? ___________
b) você o(s) criou? _______
c) mantém contato com ele(s)? __________________
5. Você foi “criado” por:
( ) pais ( ) apenas mãe ( ) apenas pai ( ) avós ( ) outros familiares
( ) outras pessoas
________________________________________________________________
6. Qual a sua profissão? __________________________________
7. Qual a profissão dos seus pais ou de quem foi responsável por sua “criação”?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8. Qual o nível de escolaridade dos seus pais ou dos que foram responsáveis pela sua criação?
( ) analfabetos ( ) assinam o nome
( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino fundamental completo
( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio completo
( ) ensino superior
9. Onde você nasceu?
___________________________________________________________________________
10. Onde você foi criado?
___________________________________________________________________________
11. Qual o delito pelo qual está respondendo?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
69
12. Cometeu outro(s) delito(s) pelo(s) qual/quais não responde? ( ) sim ( ) não
13. Você trabalha na prisão? ( ) sim ( ) não
14. Você já passou por outras cadeias? ( ) sim ( ) não
15. Você é reincidente? ( ) sim ( ) não
16. Você acredita em ressocialização? ( ) sim ( ) não
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
17. Quanto à escola:
a) Como você avalia o nível das aulas?
( ) fraco ( ) bom ( ) ótimo ( ) excelente
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
b) Como você avalia o nível dos professores?
( ) fraco ( ) bom ( ) ótimo ( ) excelente
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
c) A escola favorece a sua ressocialização?
( ) sim ( ) não
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
d) Alguma coisa que você aprendeu na escola da cadeia vai ser útil quando estiver lá fora?
( ) sim ( ) não
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
e) Costuma faltar às aulas?
( ) sim ( ) não
f) Pretende continuar estudando fora da prisão?
( ) sim ( ) não
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
70
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Ao entregar a ficha para que respondessem às questões, foram dadas orientações sobre o que
se desejava saber em cada questão, e foi destacado que as linhas que aparecem em algumas
questões e no final estavam ali para que eles pudessem “abrir o coração”, e comentar algo que
considerassem importante. Destaca-se que nenhum aluno se recusou a responder, eles ficaram
muito envolvidos e concentrados. Os estudantes tinham idade entre 20 anos, o mais jovem, e
42 anos, o mais velho. Isso já havia sido apurado durante as conversas. São jovens que têm
grandes chances de passar muito tempo ainda na sociedade.
Assim, obtiveram-se os dados da tabela a seguir que se configuram como:
Questionário 1 Questionário 2 Questionário 3 Questionário 4
Classe Social Média baixa Média baixa Média baixa Baixa
Estado civil Tem
companheira
Tem
companheira
Tem
companheira
Solteiro
Filhos Sim, 3 Sim Sim, 3 Não
Criou os filhos Sim dois Não -
Mantém contato
com os filhos
- sim Não -
Foi criado por Avós pais Pais pais
Profissão Pintor Agricultor Agricultor Entregador de
gás de cozinha
Profissão dos
pais ou
Motorista e
cozinheira
Cortadores de
cana
Agricultores Pedreiro e
agricultora
71
responsáveis
Nível de
Escolaridade dos
pais ou
responsáveis
Ensino
Fundamental
Incompleto
Ensino
Fundamental
Incompleto
Assinam o nome Analfabetos
Cidade de
nascimento
Aracaju – SE Usina Nossa
Senhora de
Lurdes
Venturosa - Pe João Alfredo -
PE
Cidade onde foi
criado
Garanhuns - PE Timbaúba - PE Arcoverde - Pe João Alfredo - Pe
Delito que o
levou à cadeia
Art. 157
(Subtrair coisa
móvel alheia,
para si ou para
outrem, mediante
grave ameaça ou
violência a
pessoa, ou depois
de havê-la, por
qualquer meio,
reduzido à
impossibilidade
de resistência) e
Art. 12
(Importar ou
exportar, remeter,
preparar,
produzir,
fabricar, adquirir,
vender, expor à
venda ou
oferecer, fornecer
ainda que
gratuitamente, ter
em depósito,
transportar, trazer
consigo, guardar,
prescrever,
ministrar ou
entregar, de
qualquer forma, a
consumo
substância
entorpecente ou
que determine
dependência
física ou
psíquica, sem
Art. 155
(Subtrair, para si
ou para outrem,
coisa alheia
móvel)
Art. 121 (Matar
alguém)
Art. 214
(Violação sexual
mediante fraude)
72
autorização ou
em desacordo
com
determinação
legal ou
regulamentar)
Cometeu outro(s)
delito(s) pelos
quais não
responde
Não - Não -
Trabalha na
prisão
Sim não Não sim
Já passou por
outras cadeias
Sim sim Sim sim
É reincidente Sim não Não -
Acredita em
ressocialização
Sim sim Sim sim
Qual o nível das
aulas
Bom bom Excelente Excelente
Qual o nível dos
professores
Ótimo ótimo Excelente Excelente
A escola
favorece à
ressocialização
Sim sim Sim sim
Algo
que aprendeu na
escola vai ser útil
para a vida fora
da prisão
Sim sim Sim sim
Costuma Faltar
às aulas
Sim não Não não
Pretende
continuar
estudando
quando sair da
cadeia
Não sim Sim sim
Tabela 1
Analisando as entrevistas, verificou-se que no item que remete ao delito, todos trouxeram o
Artigo do Código Penal referente ao crime que cometeram, por não se tratar de uma
linguagem tão conhecida, foi feito um resumo acerca de cada código apontado. Desse modo,
verifica-se que os delitos são todos diferentes. É muito comum eles utilizarem essa
linguagem, nunca se ouviu, nem durante as atividades da sequência, nem em outros
73
momentos, qualquer aluno fazer menção ao seu delito sem indicar o código.
Outra evidência que se destaca é que é muito natural e não causa nenhum constrangimento um
chamar o outro de ladrão ou bandido, eles até gostam e isso é feito, principalmente, por
detentos que se relacionam bem. É nítido, também, que existe, nesse grupo e em outros com
os quais se tem alguma convivência, que há certa repugnância com os que praticam violência
sexual. Esses, inclusive, se mostram um pouco retraídos e constrangidos durante seu período
de pernoite, pois eles saem de acordo com o código, então um fica sabendo o que o outro fez,
ainda que não conheça os detalhes do delito. O fato de se ter no grupo “representantes” de
delitos distintos, isso se torna verificável.
Foi, ainda, percebido que não só os estudantes aqui envolvidos, como a maioria dos detentos
são pessoas desfavorecidas economicamente, é possível perceber, nos corredores da escola e
no acesso à mesma que o cenário é de muita pobreza, inclusive os participantes apontaram na
entrevista que são de classe social média baixa.
Foi possível verificar ainda, em conversas informais com o grupo e com outros alunos da
escola, que muitos deles não têm os nomes de seus pais em seus registros de nascimento, são
filhos de mãe solteira. E, muitos, não tiveram convivência com seu pai, apenas com a mãe ou
as avós.
Nessas conversas, eles sempre falavam nas mulheres com as quais já se envolveram. É muito
comum ouvi-los falar em traição por parte de suas mulheres, como também eles traem muito,
mesmo estando presos.
Na entrevista, é verificável que todos apontaram que a escola favorece a ressocialização. No
cotidiano percebe-se que eles não se preocupam muito com a aprendizagem, seu foco é a
remição de pena, no entanto não apontam que o problema esteja na escola e sim neles
mesmos. Sempre destacam que o fato de estar preso torna o pensamento confuso, prejudica a
memória, então prejudica muito a aprendizagem.
74
Estar em espaço de ressocialização faz com que se percebam muitos fatores que torneiam o
contexto, e não tem como tais fatores passarem despercebidos. Tem-se a sensação de estar em
outro mundo, com o qual temos que interagir. Nesse espaço, ninguém precisa fazer perguntas
sobre a rotina, ou sobre a vida dos alunos, eles contam tudo pelos corredores da escola, tanto
falam do cotidiano como falam de suas vidas. Tem-se a impressão de que querem estar
sempre desabafando.
Todos os entrevistados elogiaram os professores, e isso se verifica no dia a dia, eles mantêm
um relacionamento muito amigável com os docentes. As salas de aula são muito tranquilas,
quando há alguma agitação, está vinculada às perturbações vivenciadas nos pavilhões ou em
seus anseios, seja pela saudade da família, seja pela perspectiva de sair. Não se percebe
nenhum conflito professor-aluno, como é comum nas salas de aula de fora da cadeia.
Outra evidência é que eles conhecem outras penitenciárias, nessa eles estão terminando a
pena, mas conhecem outras realidades e sempre fazem comparações, apenas por ouvir e
obserar, não dá para perceber em qual/quais a realidade é mais leve. Mas percebe-se que o
fato de poderem sair para o pernoite é muito bom para eles, como também a oportunidade,
que alguns têm, de trabalhar fora, no externo, os deixa mais leves, segundo eles.
Um fator que se evidenciou, porque eles sempre comentam, é que estão pagando pelo que
fizeram, mas que existem muitas outras pessoas que cometeram crimes e nunca foram nem
serão presas, assim, de alguma maneira, eles se sentem injustiçados.
Diante do cenário descrito, fica evidente que são estudantes/ressocializandos desfavorecidos
economicamente, que passam por momentos de muito conflito. Eles demonstram que têm
vontade de ampliar seus conhecimentos, no entanto sempre alegam que as circunstâncias do
contexto dificultam a aprendizagem. Alguns rompem com essa realidade e conseguem atender
as expectativas, outros demonstram que estão acomodados e não querem fazer o menor
esforço. Assim, o desdobramento do professor torna-se bem maior e as atividades propostas
devem sempre levar em conta as questões que circundam essa realidade.
75
No próximo capítulo, será feita a análise dos resultados obtidos, numa comparação entre a
primeira escrita e a escrita final, apontando os avanços, ou não, dos alunos que produziram
suas autobiografias a partir da sequência didática proposta. Tentar-se-á mostrar de que modo a
teoria contribuiu para os direcionamentos e como isso pode ser percebido nos textos
produzidos pelos alunos. Neste capítulo será descrito também o modo como os textos finais
circularam entre eles e como agiram diante dessa situação.
76
CAPÍTULO III
OS DADOS E SUA ANÁLISE
No presente capítulo, será feita a análise comparativa da escrita inicial com a escrita final, a
partir dos pressupostos de Dolz e Schneuwly (2004), no que concerne à Sequência Didática
(SD). Serão destacados os avanços (ou não) dos alunos quanto aos aspectos do gênero
autobiografia, já apontados no Capítulo 2, numa tentativa de dialogar com as teorias que
ancoraram a pesquisa. E ainda tentar-se-á mostrar o modo como os textos foram recebidos por
eles, os alunos, e seus pares, e quais suas reações diante dessa exposição do que escreveram
sobre si mesmos.
Assim, esse capítulo se constitui como uma fotografia das etapas de escrita, pois a análise das
produções iniciais e finais mostra que a produção textual vinculada a um gênero e direcionada
a partir de uma SD se configura com boas expectativas. Produzir uma autobiografia, de
alguma maneira, é desnudar-se diante daqueles que a leem e ao mesmo tempo em que causa
satisfação, pode trazer algum desconforto.
As referências de cada escritor não se darão de modo a identificar a identidade dos alunos, por
conta das condições em que estão inseridos. Será apontado apenas o que se acredita caber
aqui. Então, eles serão identificados como Estudante 1, Estudante 2, Estudante 3 e
Estudante 4. Cada item analisado será exposto por meio de tabela, destacando se o aluno
contemplou totalmente, contemplou parcialmente ou não contemplou o que se evidencia no
item. Serão destacados alguns trechos das autobiografias dos estudantes, tal qual eles
escreveram, para apontar como os dados foram analisados. Sempre que for necessário
escrever seus nomes será colocada a referência de Estudante e o número correspondente, os
textos produzidos podem ser visualizados integralmente nos Anexos.
Dessa maneira, ao analisar a primeira escrita e comparando com a segunda, verificaram-se os
seguintes resultados:
Item 1 - Informações quanto ao nome, data e local de nascimento
77
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 2 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 4 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Tabela 2
Essas informações apareciam, geralmente, no início de cada autobiografia estudada. Nos
textos dos alunos foi possível verificar que o Estudante 1 não contemplou, em momento
algum ele fez menção a esses elementos, já os demais traziam uma ou outra informação
dessas. Já na reescrita, apenas o Estudante 1 não contemplou totalmente, os outros traziam
essas informações.
O Estudante 1 inicia o texto da primeira escrita assim: a minha vida ela foi totalmente pezada
olha eu completei dezoito anos e fui até São paulo... (Estudante 1)
Já na reescrita, o Estudante 1 dá início ao seu texto destacando o seguinte: nasci na cidade de
João Alfredo tenho quarenta i dois anos gosto muito de cantar... (Estudante 1)
O Estudante 2 começa a primeira escrita apontando o ano e a cidade em que nasceu: Bem eu
nasci 1979 emgaranhuns fui criad com a minha vó... (Estudante 2)
Em sua reescrita ele traz os elementos apresentados: Eu detento “estudante 2” nasci em
aracaju 22/11/1979 ais 19 horas da noite na cidade chamada tabanhana i vem mora em
garanhuns
Percebe-se que eles se apropriaram dessa característica da autobiografia e materializaram em
seus textos, inclusive apontaram que era muito simples trazer essas informações e não sabiam
como tinham se esquecido.
Item 2 - Revela fatos importantes, tenta mostrar os principais episódios da sua vida, de
forma cronológica
78
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Não contempla Não contempla
Estudante 2 Contempla parcialmente Contempla parcialmente
Estudante 3 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 4 Não contempla Contempla parcialmente
Tabela 3
Os alunos não seguiram uma ordem cronológica dos fatos de suas vidas. Durante a leitura de
seus textos não se consegue acompanhar a ordem em que os fatos aconteceram.
Principalmente na primeira escrita. Isso não empobreceu os seus textos, ao contrário, trouxe
uma vai e vem que se tornou muito significativo. Na reescrita é possível verificar alguma
ordem sequencial, mas ainda com lacunas. Há mais evidências da realidade atual. Os quatro
estudantes falaram superficialmente dos fatos ocorridos em suas vidas, detiveram-se mais ao
presente. O contexto que engloba a realidade atual é muito latente, certamente esse é o motivo
de não trazerem para o texto outros episódios que, de certo modo, não se relacionem com a
sua condição de detento e as expectativas de futuro. Como enaltece Marcuschi (2008, p. 64)
A língua recebe sua determinação a partir de um conjunto de fatores
definidos pelas condições de produção discursiva que concorrem para
a manifestação de sentidos com base em textos produzidos em
situações interativas.
Item 3 - Pronomes pessoais e possessivos da 1ª pessoas (eu/meu/minha...)
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 2 Contempla totalmente Contempla totalmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 4 Contempla totalmente Contempla totalmente
Tabela 4
Esse item quase não apresentou problemas, pois todos eles se apropriaram da informação de
que a autobiografia é você contando sua vida, assim o eu se fez muito presente. Apenas os
79
Estudantes 1 e 3, na primeira escrita, em algumas circunstâncias, falavam como se estivessem
se referindo a uma terceira pessoa. Porém, na segunda escrita, o eu imperou em todos os
textos. Interessante observar que eles se colocavam no texto e tratavam a professora como
interlocutora direta e talvez única.
Item 4 - Predomínio de verbos no Pretérito
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 2 Contempla totalmente Contempla totalmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 4 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Tabela 5
Esse item, também, apresentou resultados satisfatórios. Embora não tenham demonstrado
tanto domínio a respeito do emprego dos verbos, no que se refere a modo, tempo, dentre
outros aspectos, as construções dos textos fazem-se evidentes quanto ao emprego do pretérito.
O foco não ficou apenas nos verbos, mas também em expressões afins. Sempre faziam
menção ao passado, ainda que o contexto atual se fizesse tão presente, reportavam-se aos
fatos ocorridos anteriormente.
Item 5 - Marcadores temporais, datas, anos, expressões de tempo
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 2 Contempla parcialmente Contempla parcialmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla parcialmente
Estudante 4 Não contempla Contempla parcialmente
Tabela 6
Houve certa dificuldade em empregar os marcadores temporais, os textos estruturaram-se
quase sem esses marcadores. Ressalva aos marcadores analisados no primeiro item, por
80
contemplar a data de nascimento. Ademais, as expressões vinculam-se constantemente ao
presente. Ao reportar-se ao passado, os verbos é que fazem essa função.
Item 6 - Predomínio de sequências narrativas
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 2 Contempla parcialmente Contempla parcialmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla parcialmente
Estudante 4 Não contempla Contempla parcialmente
Tabela 7
Assim como as sequências cronológicas não se completaram na totalidade, as sequências
narrativas também não receberam destaque. Os estudantes favoreceram mais os aspectos
ligados às reflexões do contexto atual, raramente trouxeram à tona as narrações que apontam
o espaço e o tempo em que os fatos aconteceram, estiveram sempre ocupados em tentar
mostrar as suas expectativas de vida e as situações vividas no presente.
Item 7 - Marcadores espaciais / marcadores de lugar
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 2 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 3 Não contempla Contempla parcialmente
Estudante 4 Não contempla Contempla parcialmente
Tabela 8
Esses marcadores não apareceram na primeira escrita, já na reescrita, todos os estudantes em
algum momento utilizaram, ainda que de modo muito sutil falam dos lugares por onde
passaram.
81
Item 8 - O relato dos fatos aparece, frequentemente, pontuado de lembranças, de um
colorido emocional
Estudantes 1ª Escrita 2ª Escrita
Estudante 1 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 2 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 3 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Estudante 4 Contempla parcialmente Contempla totalmente
Tabela 9
Esse é o item que recebeu mais destaque, todos eles se preocuparam em “emocionar” os seus
leitores. Essa questão havia sido pontuada durante a abordagem para direcionar a reescrita, foi
solicitado que eles se expressassem com a alma e todos se mostraram reflexivos. No
direcionamento foi indicado que as pessoas gostariam de se emocionar com os textos deles,
por isso seria muito interessante se eles conseguissem realmente se colocar no texto, falar
sobre suas vidas de modo a comover os seus interlocutores. É provável que esse tenha sido o
motivo que os fez deixar um pouco de lado os outros pontos.
Então, como foi visto nas discussões a partir dos estudos sobre Bazerman (2005), os gêneros
textuais nos representam, eles atendem às nossas necessidades, aos nossos interesses e se
concretizam a partir das vivências particulares, portanto não existe uma estrutura definida
numa totalidade. Nesse contexto, extravasar as inquietações do presente torna-se mais
importante do que trazer a sequência dos fatos ocorridos anteriormente.
Nessa perspectiva, Marcuschi (2008, p. 72-73) afirma que “o texto é o resultado de uma ação
linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele
surge e funciona”. Essa questão do funcionamento também é defendida por Bazerman (2005),
para ele o gênero precisa ter funcionalidade para quem o usa, por essa razão a agência é tão
destacada. As intenções, ao escrever um texto, esbarram nas dificuldades de escrita, mesmo
assim direciona-se o que será dito seguindo essas intenções.
A condição de detento, de algum modo, os distancia daquilo que os construiu enquanto
pessoa, pois “quando se impõe um castigo a alguém, não é para puni-lo pelo o que ele fez,
82
mas para transformá-lo naquilo que ele é” (FOUCAULT, 2010, p. 169). Ainda sem grandes
especulações, esses dizeres de Foucault (2010) se materializam nos textos escritos por eles.
Seus escritos representam aquilo que são no momento em que escreveram.
Destacam-se a seguir alguns trechos que foram apontados pelos estudantes como partes que
mais exemplificam suas emoções, que mais revelam aquilo que eles são, que os representam.
Como foi mencionado, os recortes são fiéis à escrita dos alunos, mesmo apresentando
inúmeros desvios ortográficos, de concordância, pontuação, pois são dificuldades que
carecem de um trabalho mais extenso para serem sanados em sua totalidade, é possível
compreender de modo lógico as intenções de cada um. São trechos da reescrita, a saber.
Estudante 1:
… não tenho mãe moro com a minha irma a minha
sobrinha que tem sete aninho de idade i o meu cunhado
Ele que e um caminhoneiro um Esselente espozo pra
minha irmã o meu sonho e u dia pode grava o meu
primeiro ceder pra Eu poder ajudar a quem não tem
quaze nada eu tenho muita fer em Deus que vou aucansar
o meu obijetivo.
Estudante 2:
… só Deus por nos eu agradeso a ele todos dia porele
temidado paciencia para mim sopera tanto tempo preso
em vários presidios pasano porvaras cituações precarias
tem dia que eu durmo e mia cordo com pesadelos terives
com pesoas chorando gritano de dor eu tambem eu tenho
estas senas namia mente e poricrivel qui parece eu não
pasei poressas agonias.
… aminha família que esta miesperando para uma nova
vida sem malisa sem maldade eu agradeso de mais a mia
capacidade que eu achava qui não ia comcegui mais tinha
uma pessoa do meu lado todo tempo que e Deus e minha
mulher que não desistil de mim.
Estudante 3:
Minha vida não foi fácil; mas estou vencendo graças a
Deus e minha família que está comigo até agora. Mas
também; não faço por onde ela se desgostar de mim.
83
Minha mãe falou que eu posso ir pra qualquer canto que
ela vai atrás de mim. Fiquei triste quando fui preso por ter
abandonado minha família que estava sempre au meu
lado todos os dias...
Estudante 4:
Sou de uma família clasci média. Onde eu morava é uma
região de poucos abitantes, foi naquele lugar onde aminha
imfancia foi renegado, minha infancia não foi um berço de
ouro, ao 12 anos trabalhava no pesado para ajudar meus
pais, também estudava, mas os fins de semana eu pegava
frete na feira.
Eu tropecei em muitas pedras, mas me levantei e segui em
frente. Passei necessidade cheguei a uma fase que tive até
que mendigar para fortalecer e saciar a fome.
Lendo e relendo repetidas vezes os textos desses alunos, constata-se que o ato de escrever
realmente transcende os direcionamentos e estruturas fixas, sempre há uma surpresa para o
professor, a esse respeito Foucault (2001, p. 268) diz
A escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente além de
suas regras, e passa assim para fora. Na escrita, não se trata de
manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da
amarração de um sujeito em uma linguagem; trata-se da abertura de
um espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer.
Nesse trecho, Foucault (2001) trata da escrita de si, e ele enaltece que há um distanciamento
entre o eu que escreve e o eu sujeito, pessoa, que tem uma vida, uma história. Isso é
verificável nos trechos apontados pelos alunos, tratam do que eles são, mas não permitem,
diretamente, ao leitor enxergar quem eles são, de fato. Larrosa (2001, p. 40), a esse respeito,
aponta que
Tem de se estar à altura das palavras que digo e que me dizem. E,
sobretudo, tem de se fazer continuamente com que essas palavras
destrocem e façam explodir as palavras preexistentes. Somente o
combate das palavras ainda não ditas contra as palavras já ditas
permite a ruptura do horizonte dado, permite que o sujeito se invente
de outra maneira, que o eu seja outro.
Assim sendo, mesmo sem adentrar na análise do discurso, observa-se essas interfaces do
mesmo eu que quer representar-se naquilo que escreve. Foucault (2006) se posiciona a esse
84
respeito, falando sobre a escrita, sem tratar especificamente do gênero em foco, mas
apontando as inquietações que esse ato pode suscitar, ele enfatiza que
Gostaria de escapar desta atividade fechada, solene, redobrada sobre si
mesma, que é, para mim, a atividade de colocar palavras no papel. [...]
Eu gostaria que ela [a escrita] fosse um algo que passa, que é jogado
assim, que se escreve num canto de mesa, que se dá, que circula, que
poderia ter sido um panfleto, um cartaz, um fragmento de filme, um
discurso público, qualquer coisa... (FOUCAULT 2006, p. 81)
Tornou-se oportuno trazer os dizeres de Foucault (2001, 2006, 2012) porque a pesquisa se
afina com os seus estudos e pelo desdobramento de suas análises quanto ao sistema
carcerário, assim suas contribuições foram muito válidas, ainda que não tenham aparecido na
construção da teoria, na presente fase do trabalho elas se enaltecem e enriquecem o que está
sendo discutido.
Ainda na lente dos escritos dos estudantes, suas percepções expressas no gênero
autobiografia, e retomando as reflexões de Foucault (2001, 2006) depara-se com Clarice
Lispector (1994), escritora de gêneros narrativos, numa perspectiva subjetiva, que trata muito
da alma e da construção humana, ainda que de modo fictício, no entanto muitos recorrem aos
seus escritos para veem-se a si mesmos, logo, é viável trazê-la para as discussões que aqui se
apresentam. Sobre o processo que torneia e caracteriza a escrita, a autora assegura
O processo de escrever é feito de erros – a maioria, essenciais – de
coragem e preguiça, desespero e esperança de vegetativa atenção, de
sentimento constante (não pensamento) que não conduz a nada, não
conduz a nada, e de repente aquilo que se pensou que era “nada” – era
o próprio assustador contato com a tessitura de viver – e esse instante
de reconhecimento (igual a uma revelação) precisa ser recebido com a
maior inocência, com a inocência de que se é feito. (LISPECTOR
2004, p. 483-484)
Diante das análises apresentadas e das contribuições teóricas recortadas e apontadas até aqui,
é notório que os estudos que serviram de base para a pesquisa, como Marcuschi (2008),
Bazerman (2005, 2011) e Dolz e Schneuwly (2004), de fato, direcionaram aquilo a que se
propunha, pois são autores que tratam os gêneros textuais como um fato social que se vincula
ao contexto, as inquietações, especulações e carências de quem os escreve e isso se evidencia
nos resultados obtidos a partir do que foi evidenciado na sequência didática. Os textos dos
alunos ao mesmo tempo que surpreendem, atendem às expectativas. Eles representam a sua
vivência e aquilo que eles conceberam como sendo uma autobiografia. Nessa lente, depara-se
85
com Koch (2003) em sua extensa discussão sobre contexto, ela enaltece que as unidades
linguísticas devem ser consideradas em sua totalidade e não de modo isolado, a autora diz que
É possível considerar as unidades linguísticas isoladamente, mas que
tal análise é insuficiente e que é preciso levar em conta outra coisa no
exterior, isto é, o contexto. Isto significa fazer uma análise dos
elementos não de forma isolada, mas em agrupamentos, em
combinação, em funcionamento com outros elementos. (KOCH 2003,
p. 25)
Feitas as análises, como se considerou oportuno, aliadas as discussões que se tornaram
necessárias e convenientes, faz-se imprescindível descrever o modo como os textos
circularam entre os alunos e como eles reagiram, a partir daquilo que se pode perceber e
deduzir.
Então, antes de entregar a cada um uma cópia do seu texto reescrito, foi feita uma exposição
referente aos resultados obtidos, comparando a primeira escrita com a reescrita, mostrando os
mesmos dados aqui expostos. Eles demonstraram pouco entendimento dessa comparação.
Inclusive apontaram que nem tinham constatado isso, quiseram apenas escrever os textos
“melhorzinhos”, mesmo se sentindo esgotados para a escrita.
Desse modo, os textos foram entregues especificamente a quem os escreveu e foi solicitado
que cada um, individualmente, que realizasse a leitura do seu texto. Eles se mostraram
acanhados mas não se recusaram, enquanto um lia os demais ficavam compenetrados no que o
colega havia dito sobre si, foi assim durante a leitura dos quatro textos, todos muito atentos às
leituras dos colegas. Encerradas as leituras abriu-se um debate a respeito do que cada um
trouxe em seu texto. Foi unânime a ideia de que eles todos “esqueceram” de trazer para seus
textos alguns elementos solicitados pela professora, no entanto eles demonstraram ter gostado
dos textos dos colegas, inclusive uns elogiavam os outros. É importante destacar que todos
eles acharam que escreveram pouco, que poderiam falar mais, no entanto têm certas
dificuldades com a escrita. Essas colocações confirmam os recortes dos autores destacados no
presente capítulo e vão ao encontro do que Marcuschi (2008) defende quando diz que
escrever é muito difícil, pois há um desdobramento cognitivo muito intenso.
Nessa linearidade, foi questionado se eles gostariam de ficar com as cópias de seus textos,
como modo de especular suas reações, e todos, de modo enfático, disseram que sim. Foi
86
indagado se iriam mostrar seus textos a alguém e novamente responderam que sim, inclusive
comentaram que alguns parentes sabiam que eles estavam contribuindo com os estudos da
professora e quem sabe, se algum dia, não escreveriam um livro a partir da ideia do texto que
tinham em mãos.
Ainda foi solicitado fixar uma cópia do texto de cada um no mural da escola e eles permitiram
que isso ocorresse. A curiosidade foi geral, os outros alunos ficaram muito interessados em ler
os textos escritos, no entanto eles pediram que os textos fossem retirados no mesmo dia, pois
tinham receio de que aquilo que eles escreveram pudesse de alguma maneira os prejudicar.
Isso é muito comum na prisão, eles falam muito sobre suas vidas, mas em pequenos grupos,
aos professores... Porém não gostam de muita exposição e ter seus textos com seus nomes,
suas vidas, suas expectativas de futuro colados no mural da escola era demais para eles, de
acordo com a sua linguagem “melhor ficar só para nós e para os estudos da professora”.
Sendo assim, antes de encerrar o turno os textos foram retirados e todos ficaram satisfeitos.
Todavia, diversos alunos, das outras turmas, perguntaram se aquele trabalho seria feito com
eles também, se a professora não gostaria que eles ajudassem em sua pesquisa, segundo eles,
gostariam muito de escrever suas histórias.
Foi solicitado que eles partilhassem os textos que escreveram com o maior número de pessoas
que pudesse. Inicialmente, eles acharam que ninguém iria se interessar, entretanto, alguns dias
depois, de modo informal, todos quatro apontaram que mostraram os textos a diversas
pessoas, principalmente familiares durante as visitas e os que leram gostaram muito.
Chegaram a comentar que a família concorda com a ideia da professora de que que eles
devem escrever mais e transformar todos os dias que passaram na prisão em um livro. Esse
ponto foi ápice, pois escrever não é fácil e estar num contexto de prisão e ainda conseguir
transformar suas vidas em palavras, e mais, alimentar a esperança de ampliar aquilo que seria
uma atividade para “ajudar nos estudos da professora”, e transformar no sonho de escrever
seu próprio livro, parecia muito para eles, mas eles sonharam. O contexto de uma produção
torna-se muito evidente nas produções, como aponta Koch (2003, p.33) quando traz em seus
escritos diversas concepções de contexto de maneira descritiva, a autora assevera que “o
contexto é o conjunto de todas propriedades da situação social que são sistematicamente
relevantes para a produção, compreensão ou funcionamento do discurso e de suas estruturas”.
Dessa maneira, esse trajeto de esmiuçar os textos dos alunos fez com que fosse visto que
87
escrever um texto não é simplesmente relatar suas experiências vividas, existe também um
desdobramento estético para elaborar um texto com coerência e coesão, ainda que fragilizado
linguisticamente, o qual permite saber como esse estudante sistematizou o que seria dito sobre
si, que caminhos cruzou que o levaram à prisão e o que espera para o futuro, nessa ótica,
Faraco (2011, p. 24) assegura que “a autobiografia não é mero discurso direto do escritor
sobre si mesmo. Ao escrever o autor precisa olhar-se com um certo excedente de visão e
conhecimento. Só assim poderá dar relativo acabamento ao vivido”.
A partir da reescrita, o texto passa por uma análise, verificando os atributos particulares
apontados no capítulo 2 referente ao gênero autobiografia: conteúdo temático, estilo de
linguagem e construção composicional, definidos pelo contexto em que se produz tal gênero.
No que concerne ao contexto de produção verifica-se que os textos foram escritos em
primeira pessoa, que é característica da composição do gênero autobiografia, e que
determinam outras marcas linguísticas que direcionam esse tipo de narração, atribuindo um
tom de verdade aos episódios em relação às memórias que retomam para construir sua história
de vida. Definem-se como interlocutores a professora e os colegas de sala, por quem os
textos, inicialmente, passarão. Sendo assim, verifica-se que tanto na primeira escrita quanto
na reescrita os requisitos vinculados ao gênero autobiografia foram obedecidos, já que o
caminho da narração correspondeu ao que se esperava. Quanto ao conteúdo temático,
constatou-se que as produções direcionam-se no intuito de preservar o tema já no começo. Os
alunos têm como foco algum recorte da infância, o modo como se constituíram como pessoas,
a vivência com a família, seu sofrimento, suas lutas, seguidos da esperança de viver dias
melhores quando saírem da prisão. Cada ponto desse segue uma perspectiva cronológica. Não
há expressões que mensurem às emoções de cada fase de suas vidas, a ênfase está na busca de
dias melhores. Tal fator indica que o vínculo entre a reconstrução do passado e a elaboração
do texto escrito é muito sutil e com pouca progressão textual. Utilizaram um estilo de
linguagem um tanto quanto simples, trazendo marcas linguísticas fundamentais para a
elaboração do gênero em foco, os verbos estão no pretérito, quando falam do passado, no
presente, se estão tratando de uma situação do presente e no futuro ao demonstrar o que
esperam para quando sair da prisão. Os pronomes foram empregados em primeira pessoa.
Existem marcadores de tempo, lugar, poucos mas aparecem e são recursos de progressão
textual e fazem com que, de alguma maneira, seja possível localizar os espaços em que se
deram os fatos. Os operadores argumentativos são raros, porém permitem o desenvolvimento
do texto, apontando pouco conhecimento para esse tipo de articulação. As expressões tentam
88
indicar as emoções, são expressões positivas, ainda que revelem certa tristeza, angústia,
preocupação com a sua condição. A composição dos textos se construiu através de elementos
da narração, semelhante ao relato de experiências, correspondendo ao pensamento de Galle
(2006, p. 71) quando destaca que o eu autor e o eu que fala no texto se desdobram “em criar
coerência no caos das ocorrências da vida. Para lograr esta coerência, ou seja, a unidade dos
elementos discrepantes e de traços contraditórios, não resta ao sujeito outro recurso senão a
narração”. Nos textos analisados, os alunos corresponderam ao direcionamento da produção
que solicitava a escrita de um texto em que se revelassem somente as circunstâncias que eles
julgassem oportunas e importantes no decorrer de suas vidas. Assim como vemos em Bakhtin
(1997, p. 86) no texto em que discorre sobre o autor
O que importa não é o aspecto da forma linguística que, em qualquer
caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o
locutor o que importa é aquilo que permite que a forma linguística
figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo adequado às
condições de uma situação concreta dada. Para o locutor, a forma
linguística não tem importância enquanto sinal estável e sempre igual
a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível.
Este é o ponto de vista do locutor.
As discussões de Bakhtin (1997) buscam desvencilhar o ponto de vista daquele que fala num
texto, e na especulação de adentrar nesse mundo é que se vê nesses dizeres explicação para as
inferências feitas a partir dos escritos dos alunos, tendo em vista que escreveram a partir do
mesmo gênero, no entanto cada um fez uso dos recursos linguísticos de acordo com sua
própria condição.
Nessa linearidade, é possível afirmar que os textos se configuraram de um jeito muito
simples, comparados ao trabalho estético, entretanto atente às expectativas de sua elaboração
no interior das competências e habilidades linguísticas que os alunos demonstram nessa etapa,
tendo em vista que as tantas interferências não influenciaram muito de uma escrita para outra.
As seleções linguísticas se dão no plano individual, e é muito complexo interferir nesse
processo. Todavia, as reflexões para chegar a reescrita impuseram um trabalho exaustivo, que
fez com que todos, os quatro que chegaram até o fim e os que iniciaram no grupo, pudessem
analisar sobre as escolhas que necessitam ser feitas por quem vai escrever, no direcionamento
das informações que se quer revelar. Constata-se, pois, que o modo de direcionar os módulos,
etapas de análise e reflexão, junto as atividades de escrita e reescrita, interferiu de maneira
significativa no resultado obtido, já que os alunos foram responsivos diante da proposta.
89
Diante dessa abordagem, o trabalho segue para o próximo capítulo, que trará algumas
colocações relacionadas aos resultados que já foram expostos e analisados no presente
capítulo, seguido de uma abordagem sucinta sobre o sistema penitenciário, de modo geral, e
da unidade em que a pesquisa se desenvolveu. O que se refere ao sistema penitenciário, seja
local seja geral são considerações empíricas.
90
CAPÍTULO IV
RESULTADOS E REFLEXÕES: ACREDITAR É IMPRESCINDÍVEL
O presente capítulo busca trazer algumas reflexões a partir dos resultados obtidos, aliadas a
algumas reflexões pertinentes ao sistema carcerário e ao modo como se constitui a educação
escolar nesses espaços. O que se coloca teve embasamento, principalmente, nas observações
realizadas e em alguns recortes de estudiosos que foram encontrados e lidos no decorrer da
pesquisa.
4.1 Algumas reflexões sobre os resultados
Finalizados todos os módulos, tendo a exposição dos textos finais para o grupo e para a escola
como as ações que os concluíram, constatou-se que houve desenvolvimento de competências
e habilidades, tanto no que se refere à leitura, quanto a escrita. A esse respeito Medeiros
(2012), no que concerne a estudos minuciosos sobre competências aponta que
não basta ter conhecimentos, é preciso dispor de recursos que os
mobilizem e os transformem em ações apropriadas ao enfrentamento
contextualizado das situações-problema postas pela atividade do
trabalho pedagógico. Logo a noção de competência se impõe.
(MEDEIROS 2012, p. 32)
Esses dizeres de Medeiros (2012) contribuem para a pesquisa de maneira muito oportuna,
pois trazem uma abordagem voltada para a educação, como um todo, e tem-se os documentos
nacionais (PCNs, Matriz de Referência do Enem, etc.) que trabalham na perspectiva do
desenvolvimento de competências e habilidades para todas as áreas do conhecimento. No
entanto, é muito complexo para os professores se apropriarem e direcionarem as aulas para
esse fim. E no desenvolvimento de atividades dentro do sistema prisional é que isso se torna
complexo mesmo. Como direcionar o desenvolvimento das competências e habilidade de
alunos que são presidiários? É necessário muita reflexão a partir de um embasamento que, de
certo modo, considere o contexto. Dentro dessa mesma discussão, Marcuschi (2008) faz uma
colocação interessante e instigante, ele diz que
91
… deve-se ter muito cuidado com a noção de competência
comunicativa que não se restringe a uma dada teoria da informação ou
da comunicação, mas que deve levar em conta os parâmetros mais
amplos de uma etnografia da fala, uma análise das interações verbais,
produções discursivas e atividades verbais e comunicativas em geral
sem ignorar a cognição. É nesse contexto que se situa a questão
gramatical e todo o trabalho com a língua. Trata-se de valorizar a
reflexão sobre a língua, saindo do ensino normativo para um ensino
mais reflexivo. (MARCUSCHI 2008, p. 55)
Ainda nessa discussão, têm-se Kirsch e Jungeblut (In Soares, 2001) destacando que
“letramento não é simplesmente um conjunto de habilidades de leitura e escrita, mas, muito
mais que isso, é o uso dessas habilidades para atender às exigências sociais” (SOARES 2001,
p. 74). Suas discussões se correlacionam com o letramento, temática que, embora não tenha
sido esmiuçada nesse trabalho, foi vista de algum modo e se alinha com as questões aqui
colocadas, principalmente por estar ancorada nas preocupações sociais que torneiam o
processo de ensino-aprendizagem. Bazerman (2011) dialoga com Soares (2001), pois ao tratar
do letramento, ele defende que “à medida que as pessoas desenvolvem uma compreensão do
mundo comunicativo, suas práticas de letramento podem mudar para se adequarem à sua
visão mais profunda do que a escrita faz e como o faz” (BAZERMAN 2011, p. 115).
Nessa percepção, a partir da leitura dos textos elaborados pelos alunos, ficou claro que eles
atenderam ao que se esperava quanto às peculiaridades do gênero, já que, de maneira simples
e mesmo com dificuldades no contexto, cumpriram o que foi determinado pelas condições de
produção. O eu esteve presente em todas as narrativas, construindo um protagonista-autor;
encontram-se nos textos episódios da realidade vivida pelos autores; tem-se como
interlocutora direta a professora e indiretos os outros participantes do grupos, seus familiares,
os demais alunos da escola, outras pessoas que puderam ler seus textos e ainda a academia,
tendo em vista que eles tinham conhecimento de que os textos iriam fazer parte de um corpus,
ou seja, era parte dos estudos da professora e circulariam no meio acadêmico e poderiam ser
apreciados por “muitas pessoas inteligentes”, segundo as palavras deles; os veículos de
comunicação que fariam os textos ganharam visibilidade – mural da escola e pesquisa da
professora – norteou a envoltura desses estudantes na triagem dos acontecimentos de suas
vidas que ganhariam forma textual e seriam conhecidos por muitas pessoas que não fazem
parte da sua convivência; o uso do método narrativo evidenciou que percorreu uma trajetória
cronológica, tentando organizar os acontecimentos narrados em uma sucessão linear, ainda
que tenham enfrentado dificuldades para conseguir construir a linha do tempo de suas vidas
92
da infância para a vida adulta, mas houve a tentativa, sempre com um desenlace que idealiza o
futuro, a expectativa de viver dias melhores, enaltecendo a vontade de resgatar ou reiniciar
nova vida, nova história. Essa peculiaridade esteve presente em todos os textos.
Essas evidências direcionam-se para questões maiores, pontos que defendem um vínculo entre
as atividades de leitura e escrita e as práticas sociais que estão presentes no contexto em que
os textos ganham forma e vida, porque “não basta apenas ensinar a ler e a escrever, é preciso
oferecer condições para os indivíduos fazerem uso das práticas sociais de leitura e escrita”
(SOARES 2001, p. 58). Bakhtin (2003) também tratou dessa questão em seus estudos, ele fala
do contexto de enunciação como situação social e afirma que “qualquer que seja o aspecto da
expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação
em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (BAKHTIN 2003, p.
103). As colocações de Bakhtin (2003) tornam-se de suma importância para confirmar o que
vem sendo defendido a respeito de se considerar enfaticamente o contexto em que os textos se
construíram, e se tratando de uma prisão, esse fator ganha mais peso ainda, tendo em vista que
“a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e,
por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN 2003,
p. 107/108). Numa exemplificação mais ampla, o autor traz uma sobreposição de ideias, no
intuito de firmar a importância da situação de produção, evidenciando os elementos que
podem compor essas realidades, sua abordagem menciona a comunicação, mas pode ser
vinculada aos processos de produção textual. Ele assegura que
Um importante problema decorre daí: o estudo das relações entre a
interação concreta e a situação extralinguística – não só a situação
imediata, mas também, através dela, o contexto social mais amplo.
Essas relações tomam formas diversas, e os diversos Elementos da
situação recebem, em ligação com uma ou outra forma, uma
significação diferente (assim, os elos que se estabelecem com os
diferentes elementos de uma situação de comunicação artística
diferem dos de uma comunicação científica). A comunicação verbal
não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo
com a situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se
inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles
sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode,
evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global
em perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação,
a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de
caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual,
cerimônias, etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento,
desempenhando um papel meramente auxiliar. (BAKHTIN 2003, p.
118)
93
Nessa discussão, em que o contexto, situação de produção, aparece como elemento norteador
dos processos de uso da língua e, no caso da pesquisa em questão, isso vem atrelado ao estudo
dos gêneros vinculado com a sequência didática que foi vivenciada, sem esquecer dos fatores
sociais que também estão associados aos gêneros e ao uso da língua oral e escrita, traz-se
novamente a contribuição de Bazerman (2011), que tem preocupações sociais latentes e tanto
enriqueceu essa pesquisa, ele também trata dos espaços de produção e reafirma o que foi
colocado por Bakhtin (2003) a esse respeito, de acordo com o estudioso da Califórnia
Identidades e formas de vida são construídas dentro dos espaços
sociais em desenvolvimento, identificados por atos comunicativos
reconhecíveis... cada pessoa, através da comunicação por gênero,
desenvolve habilidades comunicativas e compreende melhor o mundo
com que está se comunicando. Cada pessoa também se torna apta a
participar com êxito e fazer contribuições individuais dentro dos
espaços discursivos relevantes. (BAZERMAN 2011, p. 114 e 115)
Ainda nessa lente, quem é convidada para a discussão é Koch (2003), que traz um estudo
interessante em seu livro Desvendando os Segredos do Texto, já foi mencionado que o
trabalho dessa autora é mais didático, por isso mesmo relevante. À medida em que vai
tratando do trabalho com textos, ela vai trazendo exemplos e direcionando à reflexão. Seu
texto faz menção a vários “tipos” de contexto, geralmente, os conceitos que ela apresenta
estão seguidos de explicação, ou fazem-se entender a partir das informações que os torneiam.
Destacam-se os seguintes: contexto de situação - contexto social - contexto sócio-cognitivo -
contexto cognitivo - contexto sócio-histórico-cultural - contexto extralinguístico. Em suma, a
autora afirma que
É possível considerar as unidades linguísticas isoladamente, mas que
tal análise é insuficiente e que é preciso levar em conta outra coisa no
exterior, isto é, o contexto. Isto significa fazer uma análise dos
elementos não de forma isolada, mas em agrupamentos, em
combinação, em funcionamento com outros elementos.” (KOCH
2003, p. 25)
Desse modo, fica claro que quando os alunos assumem a autoria dos seus escritos,
correspondem à proposta descrita nos PCNs (1997): escrever o quê? Para quem? Por quê? Em
que contexto? Em que gênero? Qual o veículo de divulgação? Há ainda um diálogo com o que
é proposto por Geraldi (2003) quando trata de autoria na produção textual: tinham o que
dizer; razões para dizer; interlocutores a quem dizer; sabiam o espaço de publicação e
divulgação. Bazerman (2011) afirma que ao participar de um gênero acabamos moldamo-nos
94
às formas desse gênero já que
quando começar a escrever naqueles gêneros, você começará a pensar
de maneira ativa, produzindo enunciados pertencentes àquela forma
de vida, e também adotará todos os sentimentos, esperanças,
incertezas e ansiedades relacionadas ao ato de tornar-se uma presença
visível naquele mundo, participante das atividades disponíveis.
(BAZERMAN 2011, p. 110)
Portanto, para atender a tais exigências os estudantes optaram por táticas linguísticas no
intuito de moldar os seus interesses de comunicação. Tais interesses concretizaram-se numa
metodologia que posicionou em exercício e grandeza de compartilhamento da linguagem, já
que os alunos, ao contarem os fatos de suas vidas, versando, logo, a mesma temática, o
realizaram de maneiras distintas pelo fato de se constituírem como pessoas cada qual com sua
história de vida, como sujeitos heterogêneos, ainda que estejam num único lugar de reclusão,
o ambiente é o mesmo, todavia o modo como se constituíram enquanto sujeitos ocorreu de
modo único, individual numa trajetória particular, o que aproxima as evidências em seus
textos é a condição do presente e o que almejam para o futuro: dias melhores.
Nessa mesma linearidade, Bazerman (2011) diz que ao entrarmos em contato com um gênero
e nos engajarmos em práticas de leitura e escrita, passamos por um processo de
transformação, pois conforme o estudioso
gêneros moldam as intenções, os motivos, as expectativas, a atenção, a
percepção, o afeto, e o quadro interpretativo O gênero traz para o
momento local as ideias, os conhecimento, as instituições e a s
estruturas mais geralmente disponíveis que reconhecemos como
centrais á sua atividade. (BAZERMAN 2011, p. 111)
Assim, vê-se que as escolhas linguísticas se dão no plano individual, no entanto por haver
relação contextual para a produção, e ainda por estarem na mesma condição social, seus
textos constroem-se de maneira aproximada, e isso evidencia o que Bazerman (2011) aponta
quando trata dos gêneros enquanto elementos que atentem às necessidades dos indivíduos que
os elaboram. Como esses alunos almejam tanto a liberdade e foram incitados a escreverem
suas autobiografias, não seria possível para eles deixarem de lado essa evidência, ainda que
tenham se formado enquanto sujeitos de maneiras tão distintas.
Nessa lente, vê-se também que quanto ao que é exigido a respeito das situações reais de
comunicação renova-se o que é postulado por Marcuschi (2008) e Bazerman (2011) quando
95
apontam que as produções dos alunos, que se efetivam em sala de aula, não podem ser feitas
ao acaso, devem ter um propósito bem definido, segundo esses mesmos autores, que tiveram
seus escritos tão discutidos ao longo desse trabalho, principalmente no capítulo 1, não tem
como produzir um texto sem finalidade, sem uma pretensão comunicativa. Esse fator vai ao
encontro do que é posto por Bakhtin/Volochinov (1990) no que concerne ao caráter dialógico
da linguagem, firmando o processo da interação verbal que ocorre entre os sujeitos envolvidos
na comunicação e também traz à tona a discussão de Soares (2001) sobre letramento, quando
destaca que “o letramento altera o estado ou condição do indivíduo em vários aspectos:
sociais, culturais, políticos, linguístico e até econômico” (SOARES, 2001, p. 18).
Sendo assim, as discussões construídas a partir dos estudos teóricos que se desenharam ao
longo de todos os capítulos, mas especificamente no primeiro capítulo, que teve como
objetivo indicar as teorias que serviram de base para a pesquisa serviram, principalmente, para
afinar a teoria com aquilo que se propunha fazer na prática. Nessa construção teórica foi
apontado o gênero como fenômeno social e que a escrita se constrói a partir desses gêneros e
tanto um quanto outro estão vinculados a fatores contextuais, internos e externos, pois os
enunciados que se elaboram assumem a forma dos conhecimentos adquiridos, das vivências
de cada um no passado e no momento presente. Tudo o que torneia a vida, de alguma
maneira, serve de preparação para a escrita. Por isso, aquilo que os alunos dizem/escrevem, se
relacionam com seus conhecimentos adquiridos e armazenados no decorrer de sua existência.
Isso posto, verifica-se que a apresentação dos resultados obtidos, apresentados aqui no
Capítulo 4, vinculam-se ao que foi estudado e discutido na teoria, os aspectos observados e
abordados serviram como orientadores para descrever tais resultados. Quando se lê ou se
escreve um texto, os aspectos se integram (condições de produção, conteúdo temático, estilo
da linguagem e construção composicional) de acordo com o que foi mostrado, não se
separam, pois objetivam atingir as finalidades do projeto de escrita. Desse modo, é básico
analisar os textos dos alunos discriminando o percurso seguido, levando em conta que “o
texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus
vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2008, p. 72-73).
Diante dessas colocações, e numa extensa reflexão a respeito das produções dos alunos, que
também são presos e isso não pode ser desconsiderado nesse processo, por mais que o
trabalho tenha como foco os estudos linguísticos. Retoma-se a discussão de Marcuschi
96
(2008), tão citado no presente trabalho, e que pensou o estudo da língua sempre vinculado aos
sujeitos que a utilizam para escrever ou falar, ele, em suas discussões sobre o interacionismo,
em que se destaca a relevâncias das condições circunstâncias para o uso da língua, seja em
qual âmbito for, enaltece que
Tomo a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas,
flexíveis, criativas e indeterminadas quanto à informação ou estrutura.
De outro ponto de vista, pode-se dizer que a língua é um sistema de
práticas sociais e históricas sensíveis à realidade sobre a qual atua,
sendo-lhe parcialmente prévio e parcialmente dependente esse
contexto em que se situa. Em suma, a língua é um sistema de práticas
com o qual os falantes/ouvintes (escritores/leitores) agem e expressam
suas intenções com ações adequadas aos objetivos em cada
circunstância, mas não construindo tudo como se fosse uma pressão
externa pura e simples. (MARCUSCHI 2008, p. 61)
Marcuschi (2008) destaca nessa citação pontos relevantes para o estudo da língua, ele aponta
aí aquilo que é a base de seus escritos, as práticas sociais e histórias. Para ele, os elementos
citados é que compõem o contexto, e que a concretização do uso da língua vem envolvida
pelas intencionalidades dos usuários dessa mesma língua.
4.2 Breves reflexões sobre a educação escolar no sistema carcerário
As mídias divulgam o tempo todo dados que apontam um crescimento exacerbado da
criminalidade no Brasil e ainda destacam que o governo tem muitas dificuldades para
enfrentar esse problema. Desse modo, a sociedade, como um todo, rejeita e se sente
incomodada com as prisões, existe uma representação simbólica desses espaços, pois,
segundo o que se pensa, aglomeram criminosos, pessoas que não vão se recuperar. Logo, é
muito comum que se destaque o endurecimento das penas como uma saída, geralmente, não
há preocupação com o confinamento e degradação humana dentro dos espaços de reclusão.
Quanto a essa realidade, Maia (2009, p. 10) indica
A superlotação carcerária afronta a condição humana dos detentos,
aumenta a insegurança penitenciária, o abuso sexual, o consumo de
drogas, diminui as chances de reinserção social do sentenciado, além
de contrariar as condições mínimas de exigências dos organismos
internacionais. O que fazer com os sentenciados e como corrigi-los
sempre assombrou a sociedade. Punição, vigilância, correção. Eis o
aparato para “tratar” o sentenciado. Conhecer a prisão é, portanto,
compreender uma parte significativa dos sistemas normativos da
sociedade.
97
Ao observar o que Maia (2009) destaca e o que a mídia propaga, constata-se que existe um
fosso entre a ressocialização de fato e aquilo que se vive nas prisões, levando em conta essas
evidências percebe-se que não há um direcionamento para a formação cidadã. Essa realidade
impõe muitas inquietações, especialmente para quem tem um envolvimento direto com os
detentos. Surgem inúmeros questionamentos: Como se posicionar enquanto docente desse
contexto? O que fazer para ao menos suavizar os impactos dessa realidade? Os professores
das prisões devem se manter neutros quanto às circunstâncias que envolvem os alunos?
A partir desses questionamentos e inquietações e visitando rapidamente documentos que
tratam da educação nas prisões, que não é o foco do trabalho, mas não pode se desligar por
conta do contexto, depara-se com a resolução nº 1990/20 de 24 de maio 1994 da UNESCO,
que dialoga com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas aprovada
em 1948, nos termos da resolução 217ª em seu Artigo 26 em que se diz que “toda pessoa tem
direito à educação”. Nesse diálogo, o documento da UNESCO destaca que
Todos os reclusos devem gozar de acesso à educação, com inclusão de
programas de alfabetização, educação básica, formação profissional,
atividades recreativas, religiosas e culturais, educação física e
desporto, educação social, ensino superior de serviços de bibliotecas.
(UNESCO, 1994, p.1)
Ainda nessa linha, foi visto que a Lei de Execuções penais (Lei nº 7.210 de 11/07/1984)
regulamenta o Sistema Penitenciário Brasileiro, essa Lei trata da assistência ao preso com o
objetivo de prevenir o crime e direcionar o retorno à convivência em sociedade e ainda trata
da assistência educacional.
Nessa linha, num estudo voltado também para a Educação Prisional e tratando
especificamente da legislação, Medeiros, Vieira e Rodrigues (2014) afirmam
As Diretrizes Curriculares Nacionais, embora comprometidas em
contemplar a diversidade social, étnica e cultural existente no Brasil,
não alcançavam especificamente os estabelecimentos prisionais. Este
fato por si só fazia com que a educação, que é um direito de todos, não
fosse ofertada aos cidadãos brasileiros em privação de liberdade
dentro de parâmetros respeitadores das características dessa clientela.
Na perspectiva de preencher essa lacuna da oferta, e para melhorar o
ensino nas nossas penitenciárias, foram elaboradas a Resolução n° 03,
de 11 de março de 2009, do Ministério da Justiça e da Educação que
dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos
estabelecimentos penais e a Resolução n° 2, de 19 de maio de 2010
que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação
98
para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos
estabelecimentos penais. (MEDEIROS, VIEIRA E RODRIGUES,
2014, p. 86)
Ainda nessa lente, há um documento internacional que tem como título “Regras mínimas para
o tratamento de prisioneiros”, e a ONU, por meio do Conselho Econômico e Social o aprovou
em 1957, esse documento trata do acesso dos reclusos à educação, segundo informações de
Carreira (2009, p.11)
devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de
todos os reclusos, incluindo instrução religiosa. A educação de
analfabetos e jovens reclusos deve estar integrada no sistema
educacional do país, para que depois de sua libertação possam
continuar, sem dificuldades, a sua formação. Devem ser
proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os
estabelecimentos penitenciários em benefício da saúde mental e física.
Assim sendo, os profissionais da educação devem estar cientes dessas leis para que possam
atuar de modo a contribuir no processo de ressocialização. Nesse trabalho, não é possível
“medir” se houve alguma contribuição para a ressocialização, no entanto pode-se deduzir que
ainda que sutilmente isso ocorreu, já que se dá num processo que inter-relaciona diversos
elementos e atividades de escrita que favorecem uma reflexão e um passeio pela própria vida,
certamente trazem bons frutos, nesse contexto. E não é surreal fazer essa colocação, já que
foram partilhados tantos depoimentos e colocações dos estudantes que apontam para o que se
afirmou.
Isso posto, e ainda pensando na educação por trás das grades, foi visto que os documentos que
gerem essa educação estão ancorados nos documentos que embasam a Educação de Jovens e
Adultos, e foram encontrados documentos nacionais que servem de parâmetro para essa
realidade, vale ressaltar que esses documentos não são tão acessíveis e aqui se fala em
recortes encontrados em outros trabalhos que buscaram abordar temáticas similares às da
presente pesquisa. Foi visto que já existem artigos, dissertações, teses que tratam da realidade
prisional, muitos recortes que já apontam para uma discussão maior.
Então, na vivência enquanto professora do sistema prisional, teve-se a informação de que a
Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco pretende desenvolver um documento para
reger a Educação nas penitenciárias e cadeias, inclusive os professores desses espaços já estão
participando de uma formação que tem o objetivo de discutir as práticas pedagógicas nesses
99
espaços e ainda conhecer a história da educação prisional, as leis que regulamentam essa
educação e assuntos afins, já tivemos dois encontros na penitenciária em que se desenvolveu a
pesquisa.
Assim sendo, houve um empenho em buscar escritos que trouxessem algum aparato para
pensar o ensino dentro da penitenciária, já que não foi encontrado nada específico voltado
para língua portuguesa, e tendo em vista, pelo que foi apontado nos encontros de formação, e
nas pesquisas, existem pessoas que têm as mesmas preocupações. Nessa busca, depara-se com
Ireland (2011, p.19) enaltecendo que
O contexto prisional apresenta aparentes antíteses e contradições para
o desenvolvimento do processo educativo. A educação busca
contribuir para a plena formação e a libertação do ser humano,
enquanto o encarceramento visa privar as pessoas da convivência
social normal e mantê-las afastadas do resto da sociedade. No entanto,
ao perder a sua liberdade, a pessoa presa não perde o seu direito à
educação e a outros direitos humanos básicos. Como componente
fundamental do processo de ressocialização, a oferta de educação para
a população carcerária – em geral, jovens com baixa escolaridade e
precária qualificação profissional – não pode se restringir à
escolarização e precisa ser articulada com outras ações formativas e
assistenciais.
Com esses dizeres de Ireland (2011), entende-se que não há contradição na educação de
jovens e adultos aprisionados. A educação almeja ser libertadora, por meio dos
conhecimentos, e a prisão priva do convívio social, mas permite o acesso à educação, ao
mundo do conhecimento. Por isso o trabalho precisa ser coletivo, tanto dos educadores,
quanto dos demais envolvidos no processo de ressocialização.
Assim, foi verificado, sem ter uma fonte específica, que cada Estado “se responsabiliza” pela
educação dos seus detentos, não há um modelo ou parâmetro unificado, como os PCNs, por
exemplo. O projeto-político-pedagógico deve ser construído a partir das particularidades de
cada prisão, mais ou menos como ocorre com a educação das demais escolas, existem os
documentos de base, no entanto cada uma molda de acordo com as suas carências,
necessidades. Como não há um modelo pronto para as escolas regulares, não haveria para
escolas das prisões.
A penitenciária em que se desenvolveu a pesquisa é tida como tranquila, e pelo que foi
percebido nas observações e conversas, principalmente com ressocializandos que passaram
100
por outras instituições, isso é verificável, segundo eles “aqui é bem melhor”, os principais
problemas são de convivência entre eles mesmos, pois é muito difícil partilhar a vida com
tantas pessoas diferentes, desconhecidas, isso gera conflitos, que geralmente eles mesmos
resolvem sem acionar os agentes. Como estão terminando a pena, passam a ideia de que estão
muito empenhados em sair da prisão, então, evitam ao máximo ter problemas que os
prejudiquem. Os alunos que frequentam a escola, são tidos como diferentes, ainda de acordo
com a percepção deles mesmos, “são aqueles que querem alguma coisa”, que pensam em
melhorar de vida e que apresentam um comportamento mais “suave”. Mesmo diante desse
cenário tão “ameno”, é comum ouvir a mídia e a sociedade dizer que presos são perigosos,
que penitenciária é um lugar terrível, acompanhar notícias de rebeliões, enfim, e sair
diariamente para trabalhar num lugar desses não é fácil. É como se estivéssemos sempre em
alerta, quem não acredita que a ressocialização é possível e que cada aula, cada ação voltada
para esse fim é uma semente que está sendo plantada não consegue trabalhar no sistema
penitenciário.
Dessa maneira, é necessário enxergar além do crime, visualizar além do preso, pois todos eles
algum dia voltarão para a sociedade, ainda que nos assustemos com o que fizeram, torna-se
imprescindível fazer algo que contribua para o seu retorno. Só se ressocializa aquele que já
viveu em sociedade, e a organização da vida por trás das grades traz em seu formato muitas
peculiaridades da vida fora das celas. Na cadeia e fora dela, luta-se pela vida e convive-se
com pessoas boas e más, óbvio que em um lugar e em outro as circunstâncias se configuram
de maneiras distintas.
Nessa lente, é conveniente trazer a abordagem de Aguirre (2009) a respeito do que, segundo
ele, são prisões, o “conceito” que ele traz alinha-se com o que se tem visto nas observações
mencionadas, ele diz que
As prisões são muitas coisas ao mesmo tempo: instituições que
representam o poder e a autoridade do estado; arenas de conflito,
negociação e resistência; espaços para a criação de formas subalternas
de socialização e cultura; poderosos símbolos de modernidade (ou a
ausência dela); artefatos culturais que representam as contradições e
tensões que afetam as sociedades; empresas econômicas que buscam
manufaturar tanto bens de consumo como eficientes trabalhadores;
centros para a produção de distintos tipos de conhecimentos sobre as
classes populares; e, finalmente, espaços onde amplos segmentos da
população vivem parte de suas vidas, formam suas visões de mundo,
entrando em negociação e interação com outros indivíduos e com
autoridades do Estado. (AGUIRRE, 2009, p. 35)
101
Diante dessas discussões, vê-se que não é fácil ser professor do sistema penitenciário, pois a
realidade está torneada de diversos fatores que chegam a confundir os pensamentos de quem
está dentro das cadeias, seja trabalhando, seja como detento, claro que em intensidades muito
diferentes. Ireland (2011) entende essas dificuldades e pensa na educação prisional de modo
amplo, consegue visualizar os resultados que isso pode trazer para a sociedade. Destaca,
também, que é imprescindível valorizar os profissionais que atuam nas prisões. A esse
respeito Ireland (2011, p. 30) afirma
A abrangência da oferta é fundamental no sentido de procurar uma
educação para todos. Contudo, a qualidade do processo educativo, que
inclui formação e salários apropriados para os educadores, materiais
didáticos e recursos pedagógicos adequados e, também, a elaboração
de um projeto político-pedagógico – abrangendo e articulando
escolarização com outras atividades educativas não formais, de
formação profissional, de leitura, de cultura e de educação física – é
igualmente central.
Assim, quando se estar na condição de professora do sistema e defrontando-se com todas
essas reflexões é que, realmente, se acredita que é fundamental unir diversas práticas
pedagógicas e educativas, sejam formais ou informais e enxergar a possibilidade de elaborar
um currículo que atenda às carências de aprendizagem dos alunos que estão reclusos sem
desconsiderar o respeito à dignidade humana, embora seja tão adverso diante de tanta
criminalidade. A palavra é acreditar, e nesse contexto, ela se torna latente, e é mesmo
fundamental.
Então, foi percebido que os detentos se transfiguram, eles dizem que na escola agem de uma
maneira e quando estão nos pavilhões agem de outro modo, a esse respeito Teixeira (1990)
compara os aprisionados com camaleões, ela nomeia como “identidade de camaleão”,
referindo-se a essa capacidade, ela afirma que essa adaptação “não pode ser vista como sinal
de fraqueza ou de frouxidão, mas de sua força, pois é por meio da camuflagem, da máscara,
que ele consegue resistir e sobreviver” (TEIXEIRA, 1990, p.148). Os alunos falam sempre
isso, “não posso ser eu mesmo, preciso sobreviver” e essa sobrevivência é diária.
Sendo assim, pelo que se vê na mídia, e pelo que sutilmente é possível verificar na prisão em
questão, esses espaços são constituídos de vigilância contínua, às vezes fragilizada, situações
de violência, que ficamos sabendo apenas pelos alunos, não ocorre às nossas vistas e punição,
que no presente contexto trata-se de uma espécie de isolamento que segundo eles chega a ser
102
leve comparando com outras penitenciárias. Isso nos faz pensar que o homem preso não é ele
de fato, e sim um papel, uma personagem que assumiu para se situar e sobreviver naquele
espaço. Portanto, raramente será possível estabelecer um paralelo entre o preso e o homem
livre quanto aos aspectos sociais, culturais e de personalidade, desse modo, segundo Goffman
(1974, p.23)
se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte
para o mundo exterior, o que já foi denominado ‘desculturamento’,
isto é, ‘destreinamento’, o que o torna temporariamente incapaz de
enfrentar alguns aspectos de sua vida diária.
Esses aspectos devem ser considerados pelos que fazem a educação nas prisões, não somente
o que se refere ao ensino, como também o que se relaciona com os sujeitos que ali estão,
ainda que se veja a escola como um lugar “separado”, as questões vinculadas às inquietações
e preocupações não se desprendem desses sujeitos.
Logo, quem tem algum interesse em educação prisional, além do que foi apontado, necessita
considerar o que é destacado por Ottoboni (1984, p. 93)
somente quando o preso sente a presença de alguém que lhe oferece
uma amizade sincera, destas que não exigem compensações ou
retorno, é que se inicia o processo de desalojamento das coisas más
armazenadas em seu interior e a verdade começa a assumir o seu
lugar, restaurando, paulatinamente, a autoconfiança, revitalizando os
seus próprios valores. Isso se chama libertação interior.
Esses dizeres, fazem pensar no compromisso do educador que atua no sistema penitenciário,
assumir esse perfil torna-se vital. Pois a educação se desenha como uma porta para a
libertação interior e exterior e o professor torna-se o principal acesso. Freire (1995),
sabiamente, em suas pesquisas que teve interesse na educação dos oprimidos, diz que “a
melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a que se
submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa” (p.96). Ainda
segundo Freire (1983), que sempre pensou a educação vinculada à existência humana, não é
possível refletir a respeito da educação de um detento sem levar em conta que o homem nunca
está acabado, nunca está totalmente completo, ele se forma durante todo o decorrer de sua
existência e é sempre possível crescer mais, evoluir, tem o poder de fazer e refazer, criar e
recriar.
103
Ainda nessas discussões, é notório que as falas dos reclusos constroem-se num paradoxo entre
o conformismo e a resistência no local com o contrário, no que diz respeito ao que pensam de
fato, no entanto “é a maneira que encontram para sobreviver às imposições do sistema”
(Teixeira, 1988, p.183). Então, os sujeitos que recebem punição continuam com suas
convicções, mas buscam submeterem-se ao que o sistema impõe, para sobreviver. Embora
sejam submetidos à condenação rigorosa e estejam sob o poder do Estado, conseguem manter
sua identidade, seus valores e a esperança de continuar vivendo em liberdade. Para sobreviver
precisam abafar a fúria, mentir, fingir e conter-se. Tudo isso de acordo com o que é verificável
em suas falas. Sempre comentam que não podem apresentar a visão que realmente têm das
coisas e das circunstâncias vividas. Sendo assim, ir à escola pode estar relacionado à vontade
de aprender alguma coisa, passar o tempo, ou ter algum privilégio junto ao sistema, tendo
sempre em mente que o foco é sair da prisão.
Assim, atendem às expectativas do sistema que consiste em manter a ordem e se for preciso
utilizam-se dos recursos que têm disponíveis, sejam “disciplinando”, castigando ou punindo e
não raramente o ponto principal não é a ressocialização, e sim preservar a “tranquilidade”,
Sabatelli (2009, p. 34) confirma isso
A disciplina não objetiva “educar” aquela pessoa que ingressa na
prisão, mas somente manter a ordem. Obviamente que a manutenção
da ordem conta com a adaptação do indivíduo ao sistema, mas seu
objetivo principal é fazer unicamente com que os presos se submetam
ao sistema, de forma passiva sem ulteriores questionamentos, não se
objetiva mudar o condenado, mas simplesmente levá-lo a que aceite, e
de modo passivo, permanecer na prisão pelo tempo que for necessário
para o cumprimento de pena, sem criar problemas para a
administração.
Portanto, ainda que não estejam conscientes da função histórica da escola e de suas
contribuições para construir a cidadania, o seu intento, ao estar lá, é obedecer as “regras da
casa para quem quer ficar bem na fita” e acelerar seu processo e “ir para a rua” o mais rápido
possível.
A partir dessa realidade, ficam as indagações: o que fazer nessa escola? Qual a função dos
professores dessas escolas? Cada detento tem uma ideia diferente a respeito dessas questões,
alguns conseguem trazer um discurso que o que aprendem na escola pode ajudar em sua vida
fora da cadeia, outros enxergam a escola como um bom passatempo, “pelo menos não estão
na cela arrumando confusão”, mas muitos dizem que o interesse é a remição de pena pelos
104
dias estudados e há ainda aqueles que acham que escola não tem nenhuma serventia, mesmo
estando no sistema não têm interesse nenhum em frequentá-la. Por isso, é verificável que uma
escola na penitenciária traz consigo peculiaridades que as distinguem significativamente de
outras, e que a comunidade dos ressocializandos, ainda que seja apenas uma parcela, tem
expectativas de adquirir conhecimentos e se preparar para atuar na sociedade.
Assim, conclui-se que a liberdade é o ápice de tudo o que pensam e fazem, tudo torneia o tão
sonhado momento de receber o Alvará de soltura, estar livre, voltar ao convívio social.
Estudar, trabalhar, “baixar a cabeça” diante do que não aceitam em seu íntimo, orar, enfim,
tudo com o mesmo propósito. Outras coisas podem ser aproveitadas e levadas em
consideração, todavia o que vale mesmo é sair da prisão, nada se compara a esse desejo. De
acordo com Gadotti (1993, p.134), “a liberdade é a única força que move o preso.”
Diante disso, essa realidade não pode ser desconsiderada por quem trabalha na penitenciária,
principalmente os envolvidos com o ensino-aprendizagem, mesmo sabendo que a escola não é
tudo e que não se deve criar expectativa do que não é possível oferecer. É fundamental que
todos estejam empenhados em cumprir de modo responsável aquilo que um processo de
ressocialização justo e correto se propõe, não dá para ficar se esquivando das
responsabilidades que são atribuídas a cada pessoa que atua nesse processo, sejam agentes,
equipe da saúde, equipe da educação, enfim, todos. E a atuação dos agentes é de extrema
relevância, pelo fato de estarem atuando de modo muito próximo aos detentos e isso implica
diretamente no que se acredita ser ressocialização. Se a atuação do professor é importante, a
dos agentes ganham uma dimensão ainda maior. Nessa ideia, Maeyer (2006, p.32), alega
A educação na prisão não significa educação para os presidiários. A
educação na prisão na perspectiva do aprender por toda a vida para
todos envolve o ambiente e, portanto, o staff e os agentes
penitenciários. Em muitos países, os agentes penitenciários recebem
uma formação básica a respeito de deveres, medidas de segurança. O
possível papel deles em amparar e promover educação formal e não-
formal não está ainda suficientemente enfatizado. Algumas
experiências têm sido promovidas com sucesso em alguns poucos
países, e o papel social dos agentes penitenciários tem sido destacado
e valorizado – eles são as pessoas que mais têm contato com os
prisioneiros. O papel que cumprem entre todos os que atuam na prisão
e com relação às famílias dos internos crucial. A educação na prisão
deve realmente incluir os agentes penitenciários que, em muitos
países, também tem um baixo nível de escolaridade e nenhum acesso à
educação continuada.
Diante das palavras de Maeyer (2006) confirma-se o que foi percebido nas observações, os
105
detentos mesmo apontam que consideram os agentes despreparados para o processo de
ressocialização, eles alegam que são poucos os que acreditam na “recuperação” do preso, e
afirmam ainda que ainda que pareça adverso, chegam a “sentir pena” dos agentes, pois veem
que é uma função muito estressante, outros detentos falam em abuso de poder, no entanto,
sempre transmitem a ideia de que os agentes também são vítimas, de alguma maneira. Não é
possível saber se são verdadeiros nessas colocações pois os detentos com os quais se têm
contato na escola são poucos em relação ao número que existe na unidade. Ressalve-se que o
trabalho foi desenvolvido na escola, cujo espaço, segundo a nossa visão, representa apenas
um recorte da realidade dominante que é a cadeia. Algumas vezes, têm-se a impressão de que
a escola não “cabe” na cadeia, por mais que a escola atenda especificamente à comunidade
carcerária e que suas ações impliquem diretamente na atuação do detento como um todo, pois
um sujeito que se envolve com o universo do conhecimento, ainda que em condições
precárias, interfere no meio em que vive. Mesmo assim, a sensação é de que a cadeia “manda”
na escola e de que a escola “incomoda” um pouco o desenvolvimento da cadeia.
Nesse contexto, tem-se a escola como um espaço isolado, que nem sempre se contextualiza
com os pormenores que torneiam aquela realidade prisional. Contrária a isso, a ideia que
sustenta essa pesquisa defende que “como experiência designadamente humana, a educação é
uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1998, p. 110). Assegura que a escola não
deveria simplesmente estar na prisão, mas planejar suas ações aliadas aos demais segmentos
da prisão, caminhando na mesma direção, num diálogo afinado, voltado para os propósitos da
ressocialização.
Dentro dessa perspectiva, Medeiros, Vieira e Rodrigues (2014) fazem uma abordagem muito
oportuna referente ao intento da legislação aguçando uma reflexão em que se traz os sujeitos
envolvidos no processo para o centro das questões relacionadas à ressocialização. Os autores
apontam que
A intenção fundante desses diplomas legais é a de que as instituições
carcerárias se tornem mais humanas, possibilitando uma
ressocialização mais consistente e mais adequada a reinserção de ex-
apenados à sociedade. O sistema penitenciário brasileiro como tantos
outros, precisa proporcionar uma educação que possibilite ao detento
ou ex-detento refletir sobre estratégias de sua volta à sociedade. A
capacidade de reflexão e de formação pessoal propiciada por uma
escolarização pertinente, poderão ajudá-lo em futuros esforços de
inserção no mercado de trabalho e consequentemente no convício
social. Esta consciência, só aflora com a análise crítica de sua inserção
no mundo em que vive. (MEDEIROS, VIEIRA E RODRIGUES 2014,
p.84)
106
Desse modo, seria fundamental que se firmassem as Diretrizes Nacionais e Estaduais voltadas
para a educação nas prisões e que houvesse uma interação maior entre escola e cadeia. Pois
pelo que se pode deduzir, o problema não é, ao todo, falta de vontade, mas a carência de um
direcionamento específico, num âmbito maior, para que isso ocorra. Também é imprescindível
uma formação minuciosa para os professores que atuam nas prisões, a prática pedagógica não
pode ficar a mercê do “dom” ou das escolhas de cada um, tanto no que concerne à regência
em sala de aula quanto no que concerne ao currículo.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEGUIR ACREDITANDO
Ao finalizar as análises referentes aos textos produzidos pelos alunos, resultado da mediação
pedagógica, pode-se indicar que o modo de direcionar as atividades relacionadas à escrita
interviu consideravelmente nos resultados conquistados. Através das atividades realizadas na
Sequência Didática que, como foi descrito no capítulo 3, e que reaparecem nos anexos,
retratou uma seriedade específica de elaboração, tornou-se realizável conhecer
expressivamente o gênero autobiografia, igualmente direcionar os estudantes, sujeitos das
etapas, para que escrevessem suas próprias autobiografias, com autoria e algum
direcionamento voltado para o estudo da língua, no intento de serem construídas por meio dos
seus diz. Esses resultados sustentam a nossa principal recomendação que é a de que o ensino
de Língua Portuguesa em ambientes prisionais se dê através da adaptação do modelo de SD
que desenvolvemos aqui a partir dos passos sugeridos por, Dolz e Schneuwly (2004, p. 83)
Uma Sd tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar
melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de
uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. [...]
As SDs servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de
linguagem novas ou dificilmente domináveis.
Assim, houve muitos ganhos com a vivência da sequência didática, dentre eles o mais
relevante foi a possibilidade de escrever um texto que pertence a um gênero que atende às
necessidades pessoais, já que os alunos tinham o que dizer, não simplesmente porque iriam
falar sobre suas vidas, porém porque estavam cientes dos propósitos daquela escrita e de qual
a finalidade daquilo que estavam escrevendo. Essa especificidade interativa que torneia a
linguagem, enaltecida e explanada nas etapas da SD, nos processos de escrita e reescrita dos
textos e nas demais atividades desenvolvidas nos módulos, possibilitou expor aos alunos que:
para escrever é fundamental ter conteúdo, saber o que dizer;
a escrita não se constrói apenas na escola, mas também a partir das leituras realizadas,
das experiências vividas, tanto na escola como fora dela;
existe uma interligação entre leitura e escrita;
bons escritores admitem que a escrita acarreta um vínculo entre os interlocutores, num
afinamento de ideias, do que está sendo dito e do que se pretende;
a escrita traz consigo um papel social, pois atende a alguma circunstância sócio-
108
comunicativa entre os interlocutores;
a escrita acontece por meio de diversos gêneros textuais, com o propósito de satisfazer
às carências de enunciação dos usuários da língua, nas situações reais de uso.
Diante disso, sabe-se que para os pontos citados se concretizarem faz-se necessário um longo
processo. Portanto, nem à distância é possível pensar que essas ações atenderam em plenitude
às necessidades de aprendizagem dos alunos, no que remete ao aprimoramento das
competências e habilidades de escrita, tendo em vista que cada um utiliza a linguagem de
modo individual, por conta da maneira como se constituíram como pessoas, tanto social
quanto historicamente, e ainda de acordo com o nível de escolaridade de cada um,
independente da série em que estejam. Dessa maneira, entende-se que o ingresso ao universo
do conhecimento, construído pelo estudante, se dá na sequência do processo ensino-
aprendizagem das diversas áreas do conhecimento. Logo, uma questão crucial é levar em
conta a linguagem em uso, pois a língua atende às necessidades de interação dos seus usuários
e isso acontece dentro das situações reais de comunicação. Então, o texto se configura como o
objeto do conhecimento e o lugar em que ocorre a interação verbal, assim, o professor é
aquele que auxilia a proximidade do aluno com o conhecimento, faz a mediação e não apenas
transmite o saber.
Portanto, ao admitir os pontos frágeis da intervenção pedagógica realizada através da
sequência didática, por meio dos pontos destacados, é importante enaltecer a relevância do
que se ganhou, a sequência permitiu, pela dedicação individual dos estudantes, uma melhora
da escrita. Foram inúmeras reflexões. A descoberta de suas limitações particulares tornou-se
campo prolífico para conscientizar a respeito dos entraves nos processos de escrita, e do quão
grandemente é necessário utilizá-la de modo eficaz. Indubitavelmente, isso já gratifica todo o
processo no rastreio de atingir os objetivos traçados para a pesquisa e sobre os quais pode-se
perceber, pelos resultados apontados, que foram alcançados. Apresentar uma mediação
pedagógica na estrutura de sequência didática para a produção de um gênero determinado, a
autobiografia, em que finalizou com a partilha dos textos com os demais colegas de sala, da
escola e da família, executou um sentido singular à prática pedagógica, aguçando atração,
simpatia e animando os alunos para realizarem as atividades, que foram sugeridas nos
módulos.
Nessa lente, essa prática buscou, já a partir do primeiro momento, acompanhar o
109
direcionamento de uma ação que reunisse o estudo da linguagem em uso com aquilo que se
propunha realizar, de acordo com o que ocorre numa aula de língua portuguesa, ou deveria
ocorrer, simultaneamente, no caminho para a utilização da linguagem no ambiente escolar,
com proposituras bem claras, não somente para a escola como uma obrigação, sem um
fundamento.
Então, todas as etapas do trabalho oportunizaram alargar criticamente a visão para a atuação
enquanto docente de língua portuguesa, no que remete, principalmente, às atividades de
escrita e compreender que a atuação do professor necessita ser vista em um esquema de
ensino que valorize, de maneira simples e bem elaborada, um planejamento preciso das
finalidades que se têm. E ainda, ter uma base teórica que sustente a prática, levando em conta
que caso o professor não se afine com os estudos teóricos contemporâneos, que se vinculam
às abordagens metodológicas do ensino de língua portuguesa, continuará no “vício” de
reproduzir e não será ele mesmo o produtor do conhecimento. Porém, são conhecidos os
obstáculos nascidos dessas deduções, levando em conta o contexto da educação nacional no
que remete à formação do professor, às políticas educacionais, à estrutura das escolas, à falta
de motivação tanto do docente quanto do discente, além da realidade social, econômica e
cultural.
Mesmo assim é necessário refletir. A partir de tudo o que foi discutido, enxerga-se um modo
praticável de trabalho. Quando se assume um gênero como conteúdo de ensino, e ele atende
ao interesse dos alunos, é fundamental, num primeiro momento, verificar as circunstâncias de
sua produção, e ainda os elementos que compõem sua estrutura: conteúdo temático, estilo da
linguagem e construção composicional. Isso por meio das atividades direcionadas pelo
professor, para na sequência solicitar que produzam um texto escrito, com o propósito de
fazer o texto circular, ao menos naquele espaço social, efetivando uma interação verbal real e
com sentido para quem escreve. Isso foi presumido ao indicar o estudo do gênero
autobiografia, e os resultados indicam que a interferência foi significativa, pois os textos
mesmo sendo simples corresponderam, na maior parte dos itens, ao que foi proposto.
No que se refere ao local em que se deu a intervenção pedagógica, a que a pesquisa se voltou
e que suscitou a presente dissertação, percebe-se que há semelhança entre os alunos
ressocializandos e os alunos que estudam em escolas “comuns”, quanto ao desenvolvimento
cognitivo e disponibilidade para aprender, porque apontam as mesmas fragilidades no
110
desenvolvimento das competências e habilidades de escrita dos demais alunos da Educação
de Jovens e Adultos que não frequentaram a escola na idade regular, com os quais já se
trabalhou.
O fator que fez a diferença nesse trabalho, e que se configurou de modo muito relevante, foi a
opção pelo gênero, pois ele permitiu, mais do que o aprimoramento das habilidades de escrita,
objetivo relevante do ensino-aprendizagem da língua, fez com que o seu eu, sua voz, através
das autobiografias que escreveram e fizeram circular em esferas distintas, adquirisse nova
roupagem, fazendo o trabalho ganhar natureza social. Pois esse aluno ao interagir com a
linguagem, com os textos lidos e ao adentrar em suas memórias, conduziu uma visão
diferenciada para o seu itinerário histórico, o qual definiu o percurso de sua vida, numa
atividade que visava retomar aquilo que ele é, sua identidade, na condição de sujeito que se
integra, por meio da linguagem, aos vínculos interpessoais.
Assim sendo, percebe-se que a realização desse trabalho colocou os alunos numa posição
inquietante e simultaneamente atraente, já que se viram respeitados e com condição de
encarar o incitamento que se lhe sugeriu. Também sentiu-se a pesquisadora desafiada por esse
trabalho, no entanto cada passo seguido teve seu valor e sua importância nesse caminho,
como certa vez foi lido “seja como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos
muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas”. Estar envolvida
com o ensino se assemelha muito a isso, tem que acreditar que o aluno pode voar.
A palavra é acreditar...
Chegando ao fim desse trabalho vejo que caminhei por um terreno desconhecido. Conversei
com os teóricos, com meus propósitos pessoais e profissionais, coloquei a mim e aos alunos
em desafio, testando nossos limites. Vivi momentos fáceis e difíceis, lutei gentilmente com a
teoria e a prática no dia a dia da sala de aula. É possível afirmar que hoje sou duas, já estou
mais tranquila por ter finalizado o meu próprio desafio, mas fico inquieta com aquilo que me
espera. Não estou livre, mas essa prisão me satisfaz.
Assim, afirmo que achar o percurso para realizar esse trabalho foi o mais doloroso, pois
existem muitas opções de pesquisa. A frente do conflito, ouvi o meu coração, era preciso fazer
algo na minha escola e pelos meus alunos, assim como realizar um trabalho prático, no caso a
111
sequência didática. Ainda que não fosse nada novo, atribui nova roupagem, planejei e realizei
as atividades, adentrei teórica e pessoalmente e trouxe os alunos para junto de mim, foi tanto,
que vencemos inúmeras circunstâncias dificultosas que são comuns nos espaços educacionais
das penitenciárias, como rotatividade, ausência de alunos e outros motivos que não fazem
parte da escola em si. Porém, eu quis fazer esse trabalho e isso me conduzia, principalmente
por ser professora dessa escola e por conhecer superficialmente as legislações que se
vinculam à educação prisional. Ficou evidente que essa legislação não vem de tão longe e
durante muito tempo foi negada, mesmo constando na Constituição Federal como direito de
todo cidadão. Pôr em prática tais leis garante a concretização do direito e corresponde ao que
a sociedade almeja, pois suaviza a volta do recluso à convivência social. Como destaca
Medeiros, Vieira e Rodrigues (2014, p. 87)
a educação em ambientes prisionais se torna um decisivo instrumento
para a ressocialização do detento e a proposta de educação nas prisões
joga um papel determinante para a reinserção social. Esta educação
tem que se orientar para busca do alargamento da consciência.
Desse modo, fazer uma intervenção pedagógica, tendo o gênero autobiografia como foco, foi
o que encaminhou o alcance dos objetivos. Esse intervir fez com que trabalhassem a
linguagem de modo concreto, através da leitura, escrita e verificação das minúcias do gênero
e dos intentos sociais, ao instigar os reclusos a analisarem as razões que os conduziram ao
mundo do crime, fazendo deles pessoas que vivem à margem da sociedade. Tiveram a
oportunidade de pensar em como suas vidas podem ganhar novo desenho, um dos propósitos
de optar pelo gênero que, admito ser uma colaboração tênue, mas que tem seu valor,
considerando o contexto de estar por trás das grades. Um resultado significativo que se
observou, tanto dos que participaram como dos que leram as autobiografias foi o fato de
pensarem e comentarem que a partir do que estavam vivendo ou vendo pensavam em escrever
um livro sobre suas histórias. Veem-se essas práticas com bons olhos, pois ao refletirem sobre
suas próprias vidas e se sentirem motivados para a escrita, têm-se uma escrita significativa, o
que a torna uma prática social. E ainda, faz surgir um pensamento a respeito de sua vida em
sociedade. Foi possível observar que os alunos se empenham mais à medida que se envolvem
com as leituras dos exemplares do gênero, passam a valorizar mais aquilo que irão produzir.
Como já foi dito, não se está querendo afirmar que os problemas foram todos superados.
Indica-se que os alunos puderam refletir e demonstraram estar conscientes de que para
suavizar as dificuldades de uso da linguagem escrita precisam continuar percorrendo os
112
caminhos da escolarização.
Diante disso, entende-se que a conscientização é um ponto fundamental para o
desenvolvimento das habilidades e competências tanto de leitura quanto de escrita dos alunos.
No decorrer do trabalho, foram destacadas algumas reflexões pertinentes às práticas de
escrita, retoma-se essa imprescindibilidade de vencer as práticas impróprias que ainda
perduram no ensino-aprendizagem, por mais que as discussões que resultam das pesquisas
sejam consistentes.
Então, foi acreditando que é possível encontrar direcionamentos plausíveis para encarar a
realidade da escola nas penitenciárias que esse trabalho foi concebido. Sabe-se que é somente
um dos direcionamentos que pretende-se expandir para novas reflexões, fazendo nascer o
diálogo para se construir outros modos em que haja um trabalho significativo com a
linguagem em contexto real de uso. Olhando para trás, é possível enxergar nitidamente
diversas fragilidades que agora poderiam ser corrigidas, pois a visão de hoje é mais sensata e
madura. No entanto, retificando as frestas do projeto, verifica-se que houve colaboração para
o posicionamento que sempre esteve pautado no perfil que já era defendido, o de que o
docente não pode ficar acomodado ou distante das necessidades, com a defesa de que não
recebe formação adequada ou não vê conjunturas que favoreçam sua atuação. Professor e
aluno estão em sala de aula, ainda que hajam fatores desfavoráveis na educação nacional.
Dessa maneira, nessa partida, ou nessa guerra, há vários jogadores ou lutadores e as
pretensões não são as mesmas para todos, fica-se, então, na torcida por aqueles que com as
bolas ou armas (teóricas, físicas, pedagógicas, psicológicas, econômicas, etc.) que têm em
mãos entram no jogo, vão à luta, agem e buscam exercer sua função de educador que é
favorecer o exercício da cidadania.
113
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117
ANEXOS
118
ANEXO A
1ª ESCRITA – ESTUDANTE 1
119
ANEXO B
2ª ESCRITA - PRIMEIRA PARTE– ESTUDANTE 1
120
ANEXO C
2ª ESCRITA - SEGUNDA PARTE – ESTUDANTE 1
121
ANEXO D
1ª ESCRITA – ESTUDANTE 2
122
ANEXO E
2ª ESCRITA - PRIMEIRA PARTE– ESTUDANTE 2
123
ANEXO F
2ª ESCRITA – SEGUNDA PARTE – ESTUDANTE 2
124
ANEXO G
1ª ESCRITA - ESTUDANTE 3
125
ANEXO H
2ª ESCRITA – ESTUDANTE 3
126
ANEXO I
PRIMEIRA ESCRITA – ESTUDANTE 4
127
ANEXOS J
FOTOGRAFIAS DO TRABALHO
FOTOGRAFIA 1
FOTOGRAFIA 2
FOTOGRAFIA 3
FOTOGRAFIA 4
128
FOTOGRAFIA 5
FOTOGRAFIA 6
FOTOGRAFIA 7
129
FOTOGRAFIA 8
FOTOGRAFIA 9
FOTOGRAFIA 10
130
ANEXO K
ORGANIZAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
A organização que se propõe é uma adaptação elaborada a partir do esquema de Dolz e
Schneuwly (2004) na qual a SD se organiza da seguinte forma:
Figura 1
A partir do esquema acima, tendo em vista a escolha do gênero textual e levando em conta o
que dizer, para quem e em que local/veículo de comunicação, organiza-se a seguinte
Sequência Didática:
1. APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO (faz-se nesse momento a motivação, envolve-se o
aluno com gênero com o qual se pretende trabalhar, apresentando motivos reais que possam
servir de estímulo para a produção).
2. RECONHECIMENTO E ANÁLISE DO GÊNERO SELECIONADO através de:
a) Seleção de exemplares do gênero.
b) Pesquisa e estudo sobre o gênero
b) Leitura de textos do gênero, esmiuçando e verificando:
-seu papel social,
- seu conteúdo temático,
- sua estrutura composicional,
- seu estilo,
3. PRODUÇÃO DA PRIMEIRA ESCRITA DO GÊNERO, considerando a motivação
apontada no primeiro momento.
4. ANÁLISE DA PRIMEIRA ESCRITA identificando as fragilidades, com as quais se
pretende trabalhar.
131
5. ELABORAÇÃO DOS MÓDULOS em que se trabalhar do modo mais adequado para
sanar ou ao menos amenizar os problemas identificados na primeira escrita.
6. REESCRITA DO TEXTO produzido, depois de ter vivenciados e trabalhado as
dificuldades identificadas nos módulos, com o intuito de se ter um texto, semelhante, no que
se refere à estrutura de seus “modelos” que circulam na sociedade.
7. DIVULGAÇÃO DO GÊNERO, o texto necessita ganhar vida e circular socialmente,
levando em conta os interlocutores e o contexto social de produção.
132
ANEXO L
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
GÊNERO TEXTUAL AUTOBIOGRAFIA
(EJA - ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL – ESTUDANTES RECLUSOS)
1. SELEÇÃO DO GÊNERO TEXTUAL E MOTIVAÇÃO
Ao iniciar o trabalho, destacaram-se motivos, necessidades para animar os alunos. Nesse
trabalho, os alunos foram motivados por meio de um diálogo, no qual se destacou que:
- Muitos famosos contam suas próprias vidas;
- Pessoas anônimas constroem suas autobiografias;
- Muitos filmes são elaborados a partir da autobiografia de famosos e anônimos;
- O filme Carandiru foi construído a partir de relatos autobiográficos de detentos, ex-detentos
e funcionários da casa de detenção;
- Muitos ex-presidiários já escreveram suas autobiografias.
Apontada a motivação, depois de um diálogo intenso a respeito dos elementos motivadores,
cada um se posicionando e trazendo algum elemento pessoal para contribuir, foram feitos os
seguintes questionamentos:
- O que significa a palavra BIOGRAFIA?
- O que significa a palavra AUTOBIOGRAFIA?
A partir das respostas, destacou-se:
BIO = vida; GRAFIA = escrita. Então Biografia significa “registro da vida de uma pessoa”.
AUTO = a si mesmo. Autobiografia significa “o registro escrito da própria vida”, ou seja, uma
biografia escrita pelo próprio autor, o autor seleciona e narra acontecimentos de sua própria
vida.
Depois dessa definição, foi feita uma comparação com as respostas dos alunos e manteve-se
algum diálogo para firmar esses conceitos.
2. RECONHECIMENTO E ANÁLISE DO GÊNERO SELECIONADO
“AUTOBIOGRAFIA”
Entregou-se a cada aluno a autobiografia de Patativa do Assaré, que está abaixo, solicitou-se
133
que realizem uma leitura silenciosa e em seguida fizessem uma leitura em voz alta do texto:
1ª Leitura
AUTOBIOGRAFIA DE PATATIVA DO ASSARÉ
Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira da
Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de
Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual
depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher.
Eu sou o segundo filho.
Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu
irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a
idade de doze anos, frequentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém
sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de
Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não frequentei mais escola nenhuma, porém
sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança
que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los.
De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos,
pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do
Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com
16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu
já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam.
Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando
alguém me convida para este fim.
Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora
no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus
versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará,
prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu
primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.
134
Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era
tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na
publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo
referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco
meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores
que lá encontrei.
De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à
Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão,
onde cantei os motes que me deram. Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na
mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma
numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai. Não
tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde
que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua
fora do programa da verdadeira democracia.
Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em consequência da
moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d’olhos.
Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a
minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.
ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré.
Depois dessa leitura solicitou-se que os alunos apontassem no texto elementos que o
caracterizam como autobiografia. Houve um direcionamento, questionando se os textos
apresentam as seguintes características:
- nome do autor, data e local de seu nascimento;
- informações relevantes da vida dessa pessoa;
135
- pronomes pessoais e possessivos na primeira pessoa (singular/plural);
- verbos no pretérito perfeito e pretérito imperfeito. (caso seja conveniente aponte a diferença
entre pretérito perfeito e pretérito imperfeito);
- o relato dos episódios na autobiografia aparece pontuado de lembranças, com um colorido
emocional.
Depois de analisar o texto com os alunos foram feitos os questionamentos
- De quem fala o texto?
- Alguém conhece Patativa do Assaré?
- Quando esse texto foi produzido?
- Onde esse texto foi publicado?
- Qual objetivo desse texto?
- Quem vai ler esse texto?
Foi proposta, então, a seguinte leitura:
2º Leitura
"Cheguei à cadeia pública de Osasco no dia 12 de abril por volta das vinte e duas horas. Uma
surpresa me aguardava: eu fora recomendado, como se diz no vocabulário carcerário.
À minha frente, dois carcereiros queriam fazer a revista em mim e em meus pertences. Ao
tirar a roupa, comecei a ser agredido de forma violenta. Socos no estômago, pontapés no
rosto. Os caras batiam duro, provavelmente conheciam algum tipo de arte marcial. Com um
pedaço de madeira nas mãos, um deles mandou que eu me virasse para a parede e levantasse
um dos pés.
Tortura. Já com o corpo todo dolorido, obedeci. Como se pegasse a pata de um cavalo, pegou
meu pé, desferiu uma série de golpes na sola até ficar tudo adormecido. Os covardes bateram
nos dois pés. Ao final da sessão de tortura olhei para baixo e um inchaço se pronunciava.
Mandaram que eu me vestisse.
Com dificuldades, obedeci. Quase não conseguindo caminhar devido aos ferimentos nos pés,
136
acompanhava os carcereiros que me levavam para o X-9 daquela cadeia pública. Diziam
durante o percurso que na cela que iriam me colocar só havia exu. Queriam dizer que lá
estariam os presos mais perigosos e violentos."
Texto publicado no Jornal "O Estado de São Paulo" em 23/07/2001
Analisar junto com os alunos que relação há entre esse trecho e uma autobiografia, direcionar
o diálogo a partir das respostas dos alunos.
Propor agora a leitura dos seguintes recortes:
3ª Leitura
Paraíso Carandiru, de Sidney Salles
A autobiografia do ex-presidiário Sidney Salles conta como ele vivenciou o massacre, voltou
para o crime após ser solto e conseguiu se livrar do vício no crack com a ajuda de uma
missionária. Hoje, ele coordena um instituto para reabilitação e desintoxicação de jovens em
Jundiaí, em São Paulo.
Estação Carandiru,de Drauzio Varella
Livro narra o convívio entre o médico Drauzio Varella e os presos durante dez anos de
atendimento voluntário no Carandiru. Conta a história de presos com quem manteve contato,
a rotina deles, os dramas vividos e as crueldades cometidas no presídio. Destaque para a
narração, conforme a versão dos detentos, do dia 2 de outubro de 1992, quando a PM invadiu
o pavilhão 9 e matou mais de 100 presos. Obra foi vencedora do Prêmio Jabuti 2000.
Vidas do Carandiru, de Humberto Rodrigues
O jornalista Humberto Rodrigues, preso por um ano e meio no Carandiru, conta neste relato
como encontrou histórias de otimismo e esperança em meio ao inferno da maior penitenciária
da América Latina.
137
Pavilhão 9 – Paixão e Morte no Carandiru, de Hosmany Ramos
Cirurgião plástico preso acusado de diversos crimes, Hosmany Ramos narra neste livro de
contos a versão do massacre contada por um presidiário que conviveu com ele na prisão.
Luiz Alberto Mendes se tornou criminoso nas ruas de São Paulo. Escreveu estas memórias na
prisão, onde cumpre pena por homicídio e outros crimes. Com emoção e talento, ele oferece o
testemunho de seu percurso e procura compreender a violência, o encarceramento e a dor.
Até os seis anos, Luiz Alberto era um santo para a mãe e um débil mental para o pai. Ao
entrar na escola, virou um capeta. Apanhava em casa, tinha medo do pai e um amor
desmedido pela mãe. Fugiu pela primeira vez aos doze anos. Conheceu o sexo, as drogas e o
rock'n'roll, começou a furtar dos pais, tornou-se punguista e ladrão, esteve nas Febens da
época, passou a assaltar e matou um homem, tudo isso antes dos dezenove anos. Foi
brutalizado e torturado sistematicamente. O escritor, no entanto, foge das explicações óbvias e
da vitimização: nem as dificuldades materiais nem a brutalidade do pai servem de
justificativa. Mendes afirma que um certo glamour e um certo gosto de liberdade o seduziram
para o crime. Não escreveu um livro de denúncia, nem exatamente uma autobiografia. No
esforço de compreender os caminhos de sua vida, transforma a matéria bruta da memória e
cria uma narrativa que vale cada minuto da atenção dos leitores.
Destacou-se que os últimos trechos lidos não são autobiografias, de fato, mas são recortes que
podem fazê-los refletir a respeito do gênero e ainda manter o diálogo a respeito da temática
dos trechos solicitando que eles relacionem com as suas vidas naquele momento.
Solicitou-se que os alunos realizem a leitura de mais uma autobiografia para se firmar de fato
a caracterização do gênero. Entregou-se então a autobiografia de Monteiro Lobato, que segue:
4ª Leitura
Texto autobiográfico de Monteiro Lobato
Nasci José Renato Monteiro Lobato, em Taubaté-SP, aos 18 de abril de 1882. Falei tarde e aos
5 anos de idade ouvi, pela primeira vez, um célebre ditado... Concordei. Aos 9 anos resolvi
mudar meu nome para José Bento Monteiro Lobato desejando usar uma bengala de meu pai,
gravada com as iniciais J.B.M.L. Fui Juca, com as minhas irmãs Judite e Esther, fazendo
138
bichos de chuchu com palitos nas pernas. Por isso, cada um de meus personagens; Pedrinho,
Narizinho, Emília e Visconde representam um pouco do que fui e um pouco do que não pude
ser. Aos 14 anos escrevi, para o jornal "O Guarani", minha primeira crônica. Sempre amei a
leitura. Li Carlos Magno e os 12 pares de França, o Robinson Crusoé e todo o Júlio Verne.
Formei-me em Direito em 1904, pela Universidade de São Paulo. Queria ter cursado Belas
Artes ou até Engenharia, mas meu avô, Visconde de Tremembé, amigo de Dom Pedro II,
queria ter na família um bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Em maio de 1907 fui
nomeado promotor em Areias - SP, casando-me no ano seguinte com Maria Pureza da
Natividade, com quem tive o Edgar, o Guilherme, a Marta e a Rute. Vivi no interior, nas
pequenas cidades, sempre escrevendo para jornais e revistas. Em 1911 morreu o meu avô,
Visconde de Tremembé, e dele herdei a fazenda Buquira, passando de promotor a fazendeiro.
Na fazenda escrevi o Jeca Tatu, símbolo nacional. Comprei a "Revista do Brasil" e comecei,
então, a editar meus livros para adultos. "Urupês" iniciou a fila em 1918. Surgia a primeira
editora nacional "Monteiro Lobato & Cia", neste mesmo ano. Antes de mim, os livros do
Brasil eram impressos em Portugal. Quiseram me levar para a Academia Brasileira de Letras.
Recusei. Não quis transigir com a praxe de lá implorar votos. Tive muitos convites para
cargos oficiais de grande importância. Recusei a todos. Getúlio Vargas (presidente do Brasil
na ocasião) convocou-me para ser o Ministro da Propaganda. Respondi que a melhor
propaganda para o Brasil, no exterior, era a "Liberdade do Povo", a constitucionalização do
país. Minha fama de propagandista decorria da minha absoluta convicção pessoal. O caso do
petróleo, por exemplo, e do ferro. Éramos ricos em energia hidráulica e minérios e não
somente café e açúcar. Durante 10 anos, gritei essas verdades. Fui sabotado e
incompreendido. Dediquei-me à Literatura Infantil já em 1921. E, retomei a ela, anos depois,
desgostoso dos adultos. Com "Narizinho Arrebitado ",lancei o "Sítio do Pica-pau Amarelo" .O
sítio é um reino de liberdade e encantamento. Muitos já o classificaram de República. Eu
mesmo, por intermédio de um personagem, o Rei Carol, da Romênia, no livro A Reforma da
Natureza, disse ser o Sítio uma República. Não; República não é, e sim um reino. Um reino
cuja rainha é a D. Benta. Uma rainha democrática, que reina pouco. Uma rainha que permite
liberdade absoluta aos seus súditos. Súditos que também governam. Um deles, Emília, é
voluntariosa, teimosa, renitente então renuncia os seus desejos e projetos. Narizinho e
Pedrinho são as crianças de ontem, de hoje e amanhã, abertas a tudo, querendo ser felizes,
confrontando suas experiências com o que os mais velhos dizem, mas sempre acreditando no
futuro. Mas eu precisava de instrumentos idôneos para que o trânsito do mundo real para o
fantástico fosse possível, pois, como ir à Grécia? Como ir à Lua? Como alcançar os anéis de
139
Saturno? Bem, a lógica das coisas impunha a existência desse instrumento. Primeiro surgiu o
"O Pó de Pirlimpimpim" que transportaria para todo o sempre, os personagens de um lugar
para outro, vencendo o "ESPAÇO". O "FAZ-DE-CONTA", Pó número 2, venceria a barreira
do “TEMPO", suprindo as impossibilidades de acontecimentos. Finalmente pensei no
"SUPER-PÓ", inventado pelo Visconde de Sabugosa, em o Minotauro, que transportaria, num
átimo, para qualquer lugar indeterminado, desde que desejado. Como disse a Emília: "é um
absurdo terminar a vida assim, analfabeto!". Eu poderia ter escrito muito mais, perdi muito
tempo escrevendo para gente grande. Precisava ter aprendido mais... Hoje aos 4 de julho de
1948, vítima de um colapso, na cidade de São Paulo parto para outra dimensão. Mas o que
tinha de essencial, meu espírito jovem, minha coragem, está vivo no coração de cada criança.
Viverá para sempre, enquanto estiver presente a palavra inconfundível de “Emília”.
Monteiro Lobato
Disponível em: <http://www.cocfranca.com.br/biografia.htm>. Acesso em: 2 outubro de 2014.
3. PRODUÇÃO DA PRIMEIRA ESCRITA DO GÊNERO
Nesse momento, foi importante destacar que os alunos podiam escolher os trechos da sua vida
que queriam e poderiam fazer conhecidos, por conta do fato de estarem reclusos e se sentirem
acuados em destacar pontos que possam comprometê-los ao algo assim. Eles foram instigados
a mergulhar profundamente em suas memórias, solicitou-se que ficassem alguns momentos
pensando nos fatos marcantes de suas vidas e lembrando de modo cronológico como se
constituíram enquanto pessoas. Só depois desse momento é que se propôs que escrevessem.
Os alunos escreveram numa folha padronizada, para que se sentissem valorizados e
estimulados a escrever. Uma folha com o seguinte cabeçalho:
Autobiografia – 1ª Escrita
Aluno: ____________________________________________________________________
A partir do que foi exposto e levando em conta o que você aprendeu, escreva um texto que
pertence ao gênero autobiografia
4. ANÁLISE DA PRIMEIRA ESCRITA
Essa análise priorizou um direcionamento em que se direcionou uma autorreflexão a partir das
fragilidades identificadas, pois não seria possível trabalhar minuciosamente questões
140
específicas, em virtude das questões que torneiam o contexto, como a rotatividade, as
inquietações psicológicas, etc.
5. ELABORAÇÃO DOS MÓDULOS
I módulo
- Digitaram-se os textos dos alunos tal qual escreveram, esses textos foram distribuídos pela
sala de modo que cada um recebeu o texto de outro colega e não o seu
- Solicitou-se que analisassem e identificassem os “erros” dos textos que receberam e
marcassem de alguma maneira
- Foi proposto que utilizassem o dicionário, caso fosse necessário verificar a escrita de alguma
palavra
- Recolheram-se os textos e eles foram entregues aos seus donos, solicitando que analisassem
as correções que os colegas fizeram
- Direcionou-se uma reflexão a respeito de questões ortográficas
- Apontaram-se maneiras simples que pudessem facilitar a escrita adequada à norma-padrão,
como tentar escrever palavras que não conhece relembrando de outra parecida com aquela que
ele conhece
- Enalteceu-se que a escrita é social, segue padrões convencionalizados socialmente e que vai
sendo aprimorada à medida em que refletimos mais sobre ela e nos apropriamos dos
direcionamentos.
II módulo
- Apresentou-se no quadro um apanhado geral dos principais problemas identificados
(pontuação, acentuação, ortografia, juntura, construção dos períodos) por meio de explicações
específicas e adequadas ao nível dos alunos, numa abordagem em que fosse possível
direcioná-los a perceber tais problemas nos seus textos em outras circunstâncias.
- Expuseram-se recortes dos textos dos alunos, tal qual escreveram, para que coletivamente
com o auxílio da professora fosse feita a correção.
- Compararam-se às correções que um fez do texto do outro, procurando direcionar a
autorreflexão.
III módulo
- Entregou-se a cada aluno seu texto digitado com correções de pontuação e ortografia.
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- Solicitou-se que cada um realizasse a leitura do seu texto em seguida fez-se os textos
circularem pela sala, a fim de que um conhecesse o texto do outro.
- Orientou-se para que observassem os textos dos colegas e conseguissem “pescar” alguma
coisa para levar para os seus textos.
- Indicou-se que se necessário relessem algum texto novamente.
- Foram estimulados a sugerir alguma coisa para os textos dos colegas.
- Apontou-se que todos os textos poderiam ficar igualmente bonitos e se diferenciar na
essência da história.
- Pontuou-se algumas sugestões para enriquecer os textos, mas sem muitas interferências, pois
as marcas de autoria deveriam partir das reflexões que cada um faz, ainda que seja um
momento de reflexão, muitas sugestões podem descaracterizar os textos dos alunos.
IV módulo
- Solicitou-se que cada aluno relesse seu texto, fizesse uma autoavaliação a partir dos
elementos vinculados à estrutura composicional.
- Entregou-se a cada aluno uma ficha com o formato que se apresenta, para que pudessem
analisar seus textos:
Sequência Didática – Autobiografia
Análise da 1ª Escrita
Estudante:
_______________________________________________________________________
Releia a 1ª escrita da sua autobiografia, verifique se os seguintes elementos estão
contemplados ou não. Em seguida, indique na tabela, o que for identificando ou não,
assinalando um X nos espaços convenientes:
Marcas do gênero
Contempla
totalmente
Contempla
parcialmente
Não contempla
1) Informações quanto ao seu
nome, data e local de
nascimento.
2) Revela fatos importantes,
tenta mostrar os principais
episódios da sua vida, de forma
142
cronológica.
3) Pronomes pessoais e
possessivos da 1ª pessoa
(eu/meu/minha..).
4) Predomínio de verbos no
Pretérito.
5) Marcadores temporais, datas,
anos, expressões de tempo (“há
dez anos”, “naquele tempo”,
“naquela época”, “tempo em
que”, “um tempo depois”, etc.).
6) Predomínio de sequências
narrativas.
7) Marcadores espaciais /
marcadores de lugar: (“era uma
região...”, “naquele lugar...”,
“foi o lugar onde...”, etc.)
8) O relato dos fatos aparece,
frequentemente, pontuado de
lembranças, de um colorido
emocional.
- Orientou-se o preenchimento da tabela item por item, foi necessário reproduzir a tabela no
quadro para facilitar o preenchimento ou fazer orientações individuais.
- Depois que preencheram a tabela, retomou-se cada item, a fim de que eles pudessem analisar
se assinalaram os pontos adequadamente.
6. REESCRITA DO TEXTO
Ao chegar aqui, esperava-se que os alunos estivessem mais preparados para escrever um texto
do gênero autobiografia. Desse modo, indicou-se a reescrita do texto.
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- Entregou-se a cada aluno uma cópia do seu primeiro texto, outra do seu texto corrigido e
outra da tabela com as marcações que eles fizeram.
- Realizou-se uma retrospectiva oral dos módulos, pois é muito comum, nas salas de aula da
penitenciária, que tenham dificuldades em lembrar de conteúdos vivenciados em outras aulas.
- Propôs-se que eles reescrevessem seus textos levando em conta todas as reflexões da sala ao
longo dos módulos.
- Destacou-se que eles deveriam buscar contemplar totalmente o que não foi contemplado ou
que foi contemplado parcialmente na primeira escrita.
7. DIVULGAÇÃO DO GÊNERO
O texto deve se tornou público, conhecido, buscou-se uma forma possível para divulgação.
Inicialmente circulou pela sala. Considerando o contexto de reclusão, os textos foram
partilhados pelos alunos da escola por meio do mural e ainda foi solicitado que buscassem
partilhar os seus textos com a sua família e suas visitas.