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Palavras-Chave

Design / Cultura e Metodologia Projectual / Artesanato / Faça-Você-Mesmo /

Banco Alentejano

Resumo

A presente dissertação tem como objectivo primordial o questionamento do

papel do Design e da cultura e metodologia projectual na contemporaneidade. Procura-

se, simultaneamente, um maior destaque e aprofundamento no estudo, problematização

e divulgação da cultura material portuguesa, cruelmente esquecida e esmorecida pelo

tempo que a desgasta. Apresenta-se, aqui, uma aposta a uma abordagem alternativa à

cultura material e ao engradecimento dos saberes e objectos tradicionalmente nacionais.

Encontraremos, portanto, uma organização sob o ritmo de três capítulos

distintos, sendo que o primeiro se caracteriza como momento introdutório e contextual,

etapa de discussão de noções elementares do universo do Design (desde a sua própria

definição, à sensibilização para a percepção do conceito de ‘objecto’ e à compreensão

de todos os seus intervenientes). O segundo capítulo, aproxima-se de dois casos de

estudo, analisando em pormenor dois projectos que se assemelham à proposta

materializada nesta investigação e sustentando a sua existência utópica. Numa primeira

instância, observaremos o projecto Autoprogettazione, de Enzo Mari e, posteriormente,

Nomadic Furniture: D.I.Y. Projects That are Lighweight and Light on the Environment,

de James Hennessey e Victor Papanek. O terceiro e último capítulo é inteiramente

dedicado à minuciosa apresentação e observação do projecto proposto para este ensaio –

o Projecto em Aberto – desde a sua fundamentação, objectivos e metodologias, à sua

implementação real e consequentes tratamentos de dados.

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Keywords

Design / Projectual Methodology and Culture / Craftwork / Do-it-yourself /

Traditional Stool from Alentejo

Abstract

The current thesis primarly aims to question the role of Design and projectual

methodology and culture nowadays. It is also wanted to simultaneously give a higher

relevance and deeper study and divulgation of portuguese material culture, cruelly

forgotten by time passing by. Here is presented an alternative approach to the material

culture and the exaltation of the traditional and national knowledge and objects.

Therefore, we will find here an organization made by three distinct chapters,

being the first one a prelusive moment to discuss the elementary notions of the Design

universe (since it’s own definition, to the awareness of the notion of ‘object’ and the

understanding of all of it’s intervenients). The second chapter, focuse of two case

studies, analyzing in detail two projects that resemble to the proposal of this

investigation and support it’s utopical existence. First, we will observe the

Autoprogettazione project, by Enzo Mari and then, Nomadic Furniture: D.I.Y. Projects

That are Lighweight and Light on the Environment by James Hennessy and Victor

Papanek. The third and last chapter is entirely dedicated to the rigorous presentation and

observation of the proposed project for this essay – Projecto em Aberto – since it’s

foundation, objectives and methodologies, to it’s implementation and consequent data

processing.

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Agradecimentos

Para que esta dissertação tenha sido possível, muitos esforços foram traçados, a

nível individual. No entanto, todo o volume de investigação e matéria de projecto que

aqui apresento, não existiría, claramente, sem o auxílio, presença e incentivo de

diferentes elementos que me rodeiam. Culmina aqui um percurso, de crescimento

académico e pessoal, sendo esta a materialização da interacção, mais ou menos directa –

sob a forma de conversas, conselhos, ensinamentos, experiências – com os diferentes

intervenientes que, positivamente, cruzaram o meu caminho.

No plano académico, gostaria de começar por agradecer ao meu orientador, o

Prof. Dr. Paulo Parra, que me acompanha há já alguns anos, pelo apoio e acreditação no

meu projecto e na minha pessoa, como sendo capaz de o levar a bom porto. Um

obrigada pelo incentivo, pelas conversas e abertura a novas perspectivas e

conhecimentos – reflexo da sua experiência e relevo no campo do design português.

Ainda no domínio lectivo, gostaria também de prestar um agradecimento ao

Prof. José Viana, que ao longo de todo o percurso académico sempre se mostrou

disponível e interessado e também ao Prof. Dr. Eduardo Duarte, que simpaticamente

dispensou muito do seu tempo na correcção e esclarecimento de dúvidas de cariz

bibliográfico e técnico, referentes à redacção desta dissertação.

À minha família, mãe, pai, avós, agradeço todo o apoio incondicional, o

estímulo para continuar sempre em busca do melhor caminho. Recordo e gratifico o

acompanhamento de todas as etapas do meu trabalho, da sua discussão à leitura e

revisão ortográfica; bem como o reavivar de memórias passadas – tradições, costumes e

objectos – tão importantes na descoberta do fulcro desta investigação, e da minha

posição perante ela. Por estarem sempre lá, para ouvir e ajudar.

Nao poderia, sob qualquer circunstância, deixar de expressar o meu maior e mais

profundo agradecimento ao Luís Luz – elemento, para mim, fundamental durante toda

esta etapa, e nesta investigação, tendo sido sempre um grande apoio, incentivo e

inspiração. Sem ele, esta dissertação não seria, de facto, uma realidade. É também vital

agradecer a toda a família Luz, em especial na pessoa de Jerónima Luz, por me acolher,

agilizar etapas e simplificar dilemas, muitas vezes observados por lânguidos olhos –

tornou o mais longe em mais perto, acalentando-me com os conselhos e palavras certas.

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De valor inestimável foi o apoio prestado pela APPACDM – Associação

Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Évora, que me recebeu e

permitiu a aprendizagem in loco do empalhamento tradicional alentejano. Assim, dedico

um agradecimento à Dr. Helena Palma, Directora da APPACDM – Évora e à Dr.

Helena Raposo e em especial ao monitor das Oficinas de Restauro, o Sr. Cláudio, pela

sua paciência interminável e pela sua delicadeza e extraordinária prestabilidade. Não

poderiam, no entanto, deixar de ser mencionados os utentes da Oficina, que me

acompanharam e ajudaram sempre – Paulo e Domingos, Fernando, Gabriel, José Paulo,

Luís Cordovil, Emanuel e Flávio.

Pela sua devota, honesta e descomprometida prestabilidade, no estudo,

concepção e reprodução gráfica do Projecto, agradeço ao Gravador Paulo Lourenço,

pelo papel fundamental que desempenhou neste percurso, aproximando-me de novos

saberes e técnicas.

Também os meus amigos desempenharam um papel fundamental de apoio e

sustento não só ao meu trabalho e a esta dissertação em particular, mas à minha pessoa,

ao longo de todo este percurso. Não pretendo nomear cada um dos seus nomes, numa

inevitável hierarquização formal, que em nada engrandece a sua presença perante esta

homenagem, visto todos terem sido vitais, de diferentes formas, neste processo. Eles,

reconhecerão, certamente, a sua presença e força nesta frase.

Agradeço também profundamente a todos os que directa, ou indirectamente

inspiraram este projecto, gerando em mim novas ideias e vontades de agir; a todos os

que o receberam de braços abertos – aceitando divulgá-lo e engrandecê-lo e, acima de

tudo, a todos os participantes que têm cada vez mais aderido a este Projecto, começando

assim a desenhar-lhe a sua realidade.

Um muito obrigada a todos os que acreditam no Projecto em Aberto, e que o

ajudam a crescer e a exceder-se – tornando-o um projecto de todos; para todos.

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Índice Geral

Resumo ............................................................................................................................ 1 

Abstract ........................................................................................................................... 2 

Agradecimentos .............................................................................................................. 3 

Índice Geral ..................................................................................................................... 5 

Introdução ....................................................................................................................... 7

1) O Design – Conceitos e intervenientes no panorama da sociedade

contemporânea .............................................................................................................. 10 

1.1) Definição dos conceitos de ‘Design’ e de ‘Cultura Projectual’ ......................... 11 

1.2) Definição do conceito de ‘objecto’ .................................................................... 25 

1.2.2) Factores de desejo da materialidade – a relação entre o objecto e o

utilizador ............................................................................................................. 30 

1.3) O Design como meio de intervenção de diferentes agentes ............................... 36 

1.3.1) O papel do designer ................................................................................. 37 

1.3.2) O papel do produtor ou da indústria ....................................................... 42 

1.3.2.1) A industrialização e a produção em série .......................................... 45 

1.3.2.2) O artesanato e as produções mecanizadas de pequena escala ......... 53 

1.3.3) O papel do comerciante ............................................................................ 58 

1.3.4) O papel do consumidor/utilizador ............................................................ 60

2) O Projecto em Aberto – apresentação, fundamentação e caracterização de uma

abordagem alternativa à cultura projectual .............................................................. 64 

2.1) Introdução e fundamentação da pertinência do Projecto em Aberto .................. 65 

2.1.1) Objectivos e metodologia ......................................................................... 75

Conclusão ...................................................................................................................... 83 

Bibliografia .................................................................................................................... 86 

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Netgrafia ........................................................................................................................ 90 

Filmografia .................................................................................................................... 91 

Anexos ............................................................................................................................ 92 

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Introdução

À rivalidade e divergência universal, de perspectivas distintas, devemos a

indefinição do que cada um concebe e entende como Design – não conhecemos,

portanto, uma verdadeiramente definição globalizante, única e válida nos mais

diferentes códigos pessoais, profissionais, culturais e linguísticos. Sabemos da sua

proximidade à realidade material, ao objecto, responsabilizado-se pelo seu estudo e

existência, mas não somos , no entanto, capazes de traçar uma meta que marque o seu

início e muito menos um signo que fixe e generalize a sua acepção. Contudo, regemo-

nos segundo concepções fundamentais, que parecem desenhar-se numa cada vez maior

inadequação com a era em que vivemos. O excesso e artificialidade1 são palavras de

ordem na sociedade contemporânea, acelerada pelo sistema produtivo e económico que

a esgota e multiplica. Vivemos numa espiral de acções e consequências, que reproduz

incessantemente objectos inúteis, de morte prematura e anunciada, agravando o sistema

social e ambiental em que nos movemos. Urge a necessidade da emergência de novas

soluções e novas concepções do Design que conhecemos até aos dias de hoje. É vital

uma profunda reflexão e equalização entre o cenário social, político, económico e

ambiental, do qual fazemos parte, e o sistema de produção e consumo – para que seja

possível uma re-harmonização dos padrões interactivos de necessidade versus produção.

É, portanto, este panorama que apela e justifica a definição desta investigação

sob o mote Design em Aberto – Uma Abordagem Alternativa à Cultura Projectual. Esta

será a plataforma para a observação e compreensão de várias temáticas fundamentais a

esta discussão, como a definição de conceitos basilares como são os de ‘Design’, ou

‘objecto’, ou ainda a aproximação dos vários intervenientes necessários a um sistema de

projecto normalizado. Assim, veremos ao longo de todo o primeiro capítulo, quais os

seus papéis de actuação e as suas relações de interacção – desde o designer, ao

utilizador. As formas de produção e a indústria revelam-se também aqui numa posição

de extrema relevância, visto que, ao serem repensadas e modificadas, alteram por

completo o ciclo metodológico projectual que conhecemos. Analisaremos portanto, a

1 “A palavra’ artifício’ deriva do Latim ‘artificium’ (artifes, de art-, ars + fic-, variante de fac de ‘facere’) e significa ‘meios com que se obtém um artefacto. Produto de arte. Habilidade, astúcia, fingimento: recorrer ao artifício’. (... ) Assim, por evolução do significado de ‘techné’, o termo ‘artificum’ (do Latim, ars + artifex) tem o sentido de processo de apropriação da técnica (ars) para a construção de uma determinada realidade manipulada pelo artista (artifex).” SECCA RUIVO, Inês – Design para o futuro. O indíviduo entre o artifício e a natureza: Design Biónico, Design Natural, Biodesign e Design Simbiótico. Aveiro : Universidade de Aveiro, 2008. Tese de Doutoramento. p. 32.

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escala desde a produção manual e, por vezes, mais arcaica, à total mecanização e

industrialização que domina os tempos da actualidade.

A escolha a uma abordagem inquisitiva, consistente no seu poder de sugestão e

mudança, parece-nos envolvida por uma crescente urgência e inevitabilidade. É esta

urgência que o Projecto em Aberto, aqui defendido almeja auxiliar colmatar, no

panorama português (e através de uma abordagem própria e alternativa).

O desejo de proposição de mudança, cimentado através do projecto aqui

apresentado, encontra alento e fundamentação motivadora em casos de estudo que a ele

se assemlham, mostrando que, o que pareceria utópico e falível, já foi, de alguma forma,

testado, e deu frutos no passado. Focaremos então, parte da análise da possível

renovação do panorama projectual de Design em figuras de referência como são Enzo

Mari (1932), Victor Papanek (1927 – 1998) e James Hennessey (1920 – 1975).

Como objectivos primordiais, traçamos para esta dissertação, a referida

necessidade da mudança de paradigma de actuação no campo do Design, através da

aderência concreta ao projecto proposto como equação alternativa. Pretende-se que esta

seja uma leitura introspectiva, activa e questionadora. Como meta final, objectivamente

direccionada para o projecto prático, é necessária a maior adesão de participantes

possível, uma vez que, pelo seu cariz interactivo, necessita da força criativa do seu

público, para sobreviver e difundir-se.

A metodologia adoptada, para que desejos e objectivos, passsem a realidades

efectuadas, focou-se maioritariamente numa primeira instância de investigação e estudo

de referências bibliográficas (monografias, publicações em série, dissertações e teses,

palestras, filmes e plataformas online), com uma simultânea imersão em eventos e

cenários referentes ao meio artesanal e tradicional português, que permitiram uma cada

vez maior percepção do caminho certo a percorrer nesta investigação. Aqui, procurou-se

chegar ao entendimento de valores e noções basilares ao universo do Design, através da

imersão em altas referências literárias e históricas; introduzindo a problemática de

confrontação entre a forma de produção industrializada e artesanal. Também resultado

desta forma de actuação é o conhecimento e análise dos casos de estudo, auxiliares da

construção do ideal projectual para esta proposta.

Numa segunda instância, a forma de actuação traduziu-se numa realidade mais

activa, tendo a autora da dissertação aprendido a técnica de empalhamento (necessária à

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realização do projecto prático) junto de uma associação (APPACDM – Associação

Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, de Évora) que a acolheu,

transmitindo os saberes artesanais alentejanos, com a fidelidade de uma herança de

gerações. Neste segundo tempo de actuação, sempre igualmente baseado em

considerações científicas bibliográficas, decorreu a concepção e implementação junto

do público, do Projecto em Aberto, propriamente dito. Simultaneamente à procura do

confronto constante com as problemáticas questionadas no primeiro momento de

investigação, procurou-se também a concepção de um projecto final forte, auto-

sustentável, no seu máximo e, por fim, a análise interpretativa da reacção do utilizador.

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1) O Design – Conceitos e intervenientes no panorama da sociedade

contemporânea

O presente capítulo introduz de forma basilar a matéria que será subjugada para

discussão ao longo da investigação. Não se assume como inquisidor de verdades

absolutas e ditador de dogmas inquestionáveis, mas sim, como uma aproximação

globalizante à percepção de alguns dos conceitos vitais para o universo do Design, dos

seus intervenientes, do espaço a que pertence e da própria cultura material.

Como desejo, retém-se a vontade de que este seja um ponto de partida, um

elemento simultaneamente informativo, baseado em factos históricos, linguísticos e

científicos – enunciados, inclusivamente, por algumas das personalidades de relevo da

história do Design – mas também provocador de novas perspectivas, novas aceitações e

novas formas de pensar. Pretende-se, portanto, que esta seja uma força motivadora e

instigadora de um debate da noção partilhada da palavra Design.

O Capítulo 1), apresenta-se sob uma estrutura de subdivisões hierárquicas, onde

primeiramente procuraremos perceber e delinear a linha condutora que define e delimita

o amplo universo do Design, uma vez que este, é aqui, o protagonista. Nas suas

sucessivas ramificações, chegaremos ao debate acerca do objecto, o que de si

poderemos definir, quais as suas características, enquanto presença física que nos é tão

íntima e inevitável; como também os factores que tornam um produto desejável e

apetecível para o ser humano. Aqui, tentaremos perceber de que particularidades poderá

munir-se um objecto para se tornar mais atractivo. Qual será a fórmula desta relação

entre um ser inanimado, uma mera presença física, com o seu possível utilizador, como

se estabelecerá esta comunicação intrincada e sôfrega?

Num estágio ulterior iremo-nos focar nos vários intervenientes no Design. Como

haverá a oportunidade de apreender, o Design engloba em si um vasto campo de

sujeitos de acção, nas mais diversas etapas que o constituem enquanto disciplina,

enquanto verbo do fazer e concretizar. Adoptando a perspectiva mais corrente e

comercial da chegada de um produto às mãos do consumidor, poderemos observar no

decorrer do capítulo o variado leque de personagens activos. Desde o designer, ao

produtor, ao comercial até, por fim, ao utilizador.

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1.1) Definição dos conceitos de ‘Design’ e de ‘Cultura Projectual’

“Dar nome e conceito a algo que sempre esteve presente entre nós, é tarefa difícil. É como definir com exactidão um sentimento ou a forma humana de interpretar os signos à nossa volta. Há divergências, mas é em torno das coincidências que devemos posicionar nossas conclusões.”2

Para uma verdadeira imersão no intrincado jogo de temas que iremos

consequentemente abordar, ao longo de toda a investigação, apresenta-se como

necessidade primária irrefutável, uma aproximação à tentativa de compreensão sobre o

que falamos, quando falamos em Design. O Design, é tomado aqui como figura central,

o assunto a partir do qual, tudo se questiona, observa, relaciona e apreende. Muitos

foram já os esforços realizados para que se atingisse uma universalização da

compreensão do que é o Design. A conquista de uma definição globalizante, para este

campo, parece-nos a um primeiro olhar, uma tarefa bem mais simples e

descomprometida do que realmente é. A procura por um signo, imagético ou

gramaticalmente referenciado (e traduzido), representativo de uma mesma noção

colectiva, partilhando visões, opiniões, credos, revela-se cada vez mais infrutífera, ao

aprofundarmos as raízes e implicações deste problema.

Confrontados com a citação transcrita no início deste capítulo, cedo somos

anunciados à dificuldade de circunscrever o Design, numa derradeira e inquestionável

rotulação. Através de um jogo análogo sobre a dimensão tão etérea e subjectiva como

são os sentimentos, percebemos o atrito entre o desejo de criar uma linguagem

simbólica comum (para universalmente corresponder um referente a uma determinada

significação) e a efectiva compreensão e aceitação da mesma, perante uma vasta

comunidade. Poder-se-ía dizer que existem tantas definições e formas de ver o Design,

quantas são as pessoas que o analisam e perspectivam, à sua maneira.

Uma das formas geralmente tomadas para iniciar a busca do sentido desta

palavra que aqui se debate, é a análise da sua etimologia – o conhecimento de como

surgiu e ao que se refere. Esta, numa primeira instância, parece de facto, ser uma das

atitudes mais racionalmente orientadas, visto que, idilicamente solucionaria todas as

nossas indefinições – procurando simplesmente os significados de vocábulos,

2 PEREIRA, Vivian Gonçalves – O Design e o desejo: o sentimento de desejo e o poder de despertá-lo através do Design. São Paulo : Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes, 2008. p. 7.

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relacionados entre si. Assim, temos que “(...) design tem sua etimologia caótica. Com

sua raiz mais profunda vinda do latim ‘designare’ e do italiano ‘designo’, já aí

compreendemos a ambigüidade do termo, dado que a primeira raiz se relaciona a

designar, no sentido de projectar/atribuir, e a segunda a desenhar, num aspecto mais

concreto de concepção e registro.” No entanto, o autor continua “Apesar da origem

latina, a palavra design ainda ganha um contexto maior se analisada no âmbito anglo

saxônico. Design, enquanto palavra, há muito tempo figura na língua inglesa e é

carregada de diversos sentidos.”3

A linguagem, enquanto sistema simbólico de comunicação por signos, define-se

como um dos expoentes máximos de composição e diferenciação de cada cultura. Mais

do que alfabetos desenhados através de diferentes caracteres, temos que, cada cultura, se

rege e expressa através de ideais e princípios característicos (muitas das vezes,

intocáveis pela própria escrita, num patamar de volátil sublimação, que se queda pelos

conceitos) e assim os torna etnograficamente únicos e seus referentes.

No campo que debatemos, e voltando a domínios britânicos, temos que “(...)

‘design’ é igualmente um nome e um verbo e pode referir-se tanto ao produto final

como ao processo.”4 Ainda assim, se comparar-mos com um outro país como Itália,

com diferentes raízes linguísticas, temos que “Em italiano, como se sabe, não existe,

como em inglês, a dupla expressão ‘design’ e ‘drawing’, ou como em espanhol ‘diseño’

e ‘dibujo’, embora o vocábulo ‘disegno’ seja muitas vezes utilizado em substituição do

inglês ‘design’.”5 A respeito da etimologia podemos dizer que, esta se reveste de dotes

metamórficos, transformando o significado e expressividade de uma palavra ou

artefacto, aquando do seu confronto com diferentes situações, épocas, costumes e

culturas.6 Apontamos então, a especificidade de um conceito/palavra/artefacto e a sua

pertença a um determinado espaço e tempo, como um dos primeiros factores

contributivos para a desfocada e ambígua significação de Design.

Outro factor que poderá ser relevante nesta procura por uma definição

globalizante, poderá ser a falta de afastamento que conservamos perante o Design. Se

considerarmos que grande parte do legado material que nos envolve é, de alguma forma, 3 Ibid., p.7 4 Tradução livre de “We might begin by noting that ‘design’ is both a noun and a verb and can refer either to the end product or to the process.” LAWSON, Bryan – How designers think : the process demystified. 4ª ed. Oxford : Architectural Press/Elsevier, 2006. p. 3. 5 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p.130. 6 KRIPPENDORFF, Klaus – The semantic turn : a new foundation for design. London : Taylor & Francis Group, 2006. p. 11.

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fruto da relação do ser humano com o conceito sobre o qual nos debruçamos,

poderemos afirmar, com toda a clareza, que não conseguímos tomá-lo sob uma

perspectiva exterior, uma vez que fazemos parte de um mesmo sistema. É-nos

impossível uma tomada de posição totalmente imparcial e distanciada, por forma a

dissecar, analisar e compreender este universo. “Definir as origens de um termo ou

ofício que em tantos pontos está emaranhado com atitudes e pensamentos pertencentes

às diferentes sociedades desde seus primórdios é uma tarefa complexa.”7

Outro caminho possível para a descodificação do entendimento de Design será,

claramente a história; a aproximação a pontos de vista já tomados e defendidos, por

elevados nomes relacionados com esta área, ao longo dos anos do seu desenvolvimento.

Como já referido, são inúmeras as perspectivas sobre o que será o Design, e a partir de

quando poderemos associar esse termo a uma intenção pensada pelo Homem.

“Uma profissão não pode ser baseada na expectativa de que todos os seus

profissionais irão partilhar a mesma visão moral, e deverá, portanto, focar-se em

assuntos concretos de trabalho prático, de forma a definir a sua identidade social.”8

Através da afirmação de Victor Margolin testemunhamos, desde já, o confronto entre

uma enorme abrangência de posições, que poderemos restaurar. Alguns teóricos

defendem o surgimento do conceito de Design a par do surgimento dos primeiros

artefactos da pré-história.9 Conceito por vezes polémico, contestado por muitos, visto

defenderem o Design como um ‘instrumento’; baseado num projecto, num registo

pensado, orientado, num desenho – assemelhando-se mais a uma disciplina, regida por

rigor e estudo.10 Lutas políticas e geográficas, marcam também a história da vontade de

traçar uma derradeira origem para o Design. Países como o Reino Unido, por exemplo,

7 PEREIRA, Vivian Gonçalves – op. cit., p. 16. 8 Tradução livre de “A profession cannot be grounded in the expectation that all of its practitioners will share the same moral vision, and it must therefore focus on the concrete issues of practical work in order to define its social identity.” MARGOLIN, Victor – The politics of the artificial : essays on design and design studies. Chicago : The University of Chicago Press, 2002. p. 98. 9 “Design history in this sense does not begin of course with Industrial Age, but with the transition when man began no longer to accept nature as God or destiny and, for example, no longer perceived stones in their original form as an aid, but began to work them.” HÖGER, Hans – Design research. Milan : Editrice Abitare Segesta, 2008. p.69. 10 “(...) no cofundir ‘historia de las cosas’ con ‘historia de las cosas diseñadas’.” CHAVES, Norberto – El oficio más antiguo del mundo [Em linha]. Buenos Aires : Foroalfa, 2007, actual. - 2011. [Consult. 28 Maio 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://foroalfa.org/articulos/el-oficio-mas-antiguo-del-mundo>.

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tomam o seu artesanato como exemplar inquestionável dos seus primórdios – em

detrimento de tantas outras possibilidades, tão ou mais viáveis.11

Mas mais importante que o delinear de uma data irrefutável, balisando

concretamente o começo cronológico do Design, será a percepção global de como

poderá ser entendido.

“A maioria dos desconhecedores vê o design como uma arte aplicada, como algo referente à estética, e não como uma profissão sólida e autosuficiente, com conhecimentos técnicos, com capacidades próprias, e responsabilidades. Contrariamente, os designers, falam acerca de ideias inovadoras para coordenar as preocupações de várias disciplinas, de defender o bem estar dos utilizadores e equilibrar considerações sociais, políticas, culturais e ecológicas. O fio condutor na percepção dos designers, de si próprios, é a preocupação sobre o que as pessoas fazem com os artefactos.”12

Com efeito, partindo de uma perspectiva exterior, o Design poderá ser

deficitariamente interpretado ou reconhecido, inclusivamente associado a noções

preconcebidas, que pouco têm de verdade. Com antepassados fortemente justificados

na história13, a ideia de que o Design apenas existe como uma ‘cosmética’, aplicada a

produtos, de forma a dotá-los de características estéticas excepcionais e vendáveis,

ainda hoje perdura. Esta desacreditação, em nada mais se baseia, que não na falta de

informação e conhecimento da realidade contemporânea.

O Design, é muito mais do que a velha ideia de solucionar um dado problema,

através do desenho e concepção de um produto. Seja ele bidimensional ou

tridimensional, gráfico ou material. Muito menos, será ele então o referido responsável

pelo embelezamento de estruturas (previamente construídas ou planeadas). Muitos são

os que ainda consideram esta posição como verdadeira e dogmática (nomeadamente

11 Tradução livre de “(…) design, narrowly defined as a practice of shaping material objects, has its roots in fine art and only gradually adopted a limited body of technical knowledge. Early product designers within the European system of industrial production were artists who simply provided drawings for manufacturers. Nineteenth-century design theory was what some today would call ‘soft theory’. It had more to do with issues of decoration and form, which represented the preoccupation of designers at the time, than with technical expertise.” MARGOLIN, Victor – op. cit. 6, p. 30. 12 Tradução livre de “Most outsiders see design as an applied art, as having to do with aesthetics, unlike a solid profession unto itself, with technical knowledge, skills, and responsibilities to rely on. Insiders of design, by contrast, talk of innovative ideas coordinating the concerns of many disciplines, being advocates for users, and trying to balance social, political, cultural and ecological considerations. The underlying thread in designers self-perception is a concern for what people do with artifacts.” KRIPPENDORFF, Klaus – op. cit., p. 47. 13 Tomemos o exemplo da citação de Victor Margolin, ao afirmar que “The concept of design, as it was initially developed by early theorists such as Henry Cole (…) Cole thought the purpose of design was to improve the appearance of products” MARGOLIN, Victor – op. cit. 6, p. 107.

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alguns produtores, que estão, teoricamente, inseridos neste campo de acção). Apelando

à concepção de um ‘bom design’ (termo vulgarmente utilizado, de forma errónea e

impensada, traduzindo elevado grau de desconhecimento), deseja-se alcançar, como que

uma cobertura aplicada ‘a posteriori’ a um produto, que por dotes encantatórios tornar-

se-á apelativo, ornado de uma beleza concorrencial.

“Projetar a forma significa coordenar, integrar e articular todos aqueles fatores que, de uma maneira ou de outra, participam no processo constitutivo da forma do produto (...) Isto se refere tanto a fatores relativos ao uso, fruição e consumo individual ou social do produto (fatores funcionais, simbólicos ou culturais) quanto aos que se referem à sua produção (fatores técnico-construtivos, técnico-sistemáticos, técnico-produtivos e técnico-distributivos).”14

Poderemos então dizer que Design é a capacidade de coordenação de um

determinado número de ferramentas/disciplinas/saberes, seleccionados e associados

para um momento e necessidade particulares, de forma a conjecturar uma linguagem,

uma solução a uma questão particular. Design, é a busca da solução, mas mais do que

isso, é a problematização do que nos rodeia; é a linguagem que une uma sociedade; é o

funcionamento social, ético, ambiental e político, de uma comunidade, materializado

num produto/sistema/solução/equação – Design é uma linguagem, é comunicação.

“Design se define não apenas como gerador de projetos, soluções e modelos com bases

sólidas em um plano de fundo crescente de referências, mas também como uma

atividade com habilidade retórica, dado que abre uma porta de comunicação entre o

concreto e o simbólico, aproximando o material de seu usuário e criando um vínculo

extremamente poderoso entre eles.”15

Podemos ainda alegar que por Design, compreendemos também a transformação

de uma situação existente numa situação desejável e previsível, através de uma

metodologia própria. Como defende Victor Papanek (1927 – 1999) “Design é o esforço

consciente e intuitivo para impôr uma ordem significativa (...) O Design tem que ter um

significado.”16, tem que ter uma razão maior, uma essência fundamental, uma alma,

uma verdade. Mais do que qualquer outro adjectivo que poderá adornar e exaltar um

14 ICSDI – Conceitos de design [Em linha]. Scribd, 1958, actual. – 2012. [Consult. 28 Maio 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://pt.scribd.com/doc/3507920/CONCEITOS-DE-DESIGN>. 15 PEREIRA, Vivian Gonçalves – op. cit., p. 10. 16 Tradução livre de “Design is the conscious and intuitive effort to impose meaningful order. (…) Design must be meaningful.” PAPANEK, Victor – Design for the real world. 2ª ed. London : Thames & Hudson, 2009. p. 4.

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artefacto (belo, feio, prático, grande,...), ele deverá cumprir o seu propósito, ser fiel aos

ideais, valores sociais e éticos, materiais e humanos que nele residem.

O Design é também o resultado de uma lógica de funcionamento colectivo – de

união de esforços cognitivos, do confronto de diferentes linguagens do saber e seus

respectivos frutos. Em detrimento do problema que se encontra em questão, serão

correlacionadas as mais diversas disciplinas por forma a conceber um núcleo de

conhecimento concertado, relativo à especificidade da situação. Analisando a variedade

e quantidade informação revisitada e aprofundada pelo Design, em cada caso – para a

obtenção de conhecimentos suficientemente vastos e validados que irão integrar a

concepção de um produto/artefacto/sistema – dificilmente poderemos distingui-lo de

qualquer ciência aplicada.17

Ainda assim, a paralelização do Design com o universo cientifíco, é ainda uma

matéria ambígua e um pouco instável. É, de facto, comum a associação do Design à

Ciência, querendo nomeá-lo como tal, mas também o é a associação com a vertente

mais artística, embrenhando-o também como ramificação do campo das artes.

Frequentemente, na incerteza e vontade de catalogar o termo, este é, com toda a certeza,

definido como sendo um membro de parentesco ora das artes, ora da engenharia. Esta

noção acaba por ser um pouco alimentada pela multidisciplinaridade que lhe é

característica, já referida anteriormente.

“É bem comum confundir o ofício do design com a arte – o que inicia a eterna

discussão de design ser arte ou não (...) mas ainda há outras confusões clássicas, como

tentar colocá-lo como pura ciência ou como a natural curiosidade humana de inventar

coisas.”18 A questionação da pertença do Design no campo das artes é, logo à partida,

um problema ainda maior do que aqui tentamos resolver. A própria definição de arte

não tem as suas fronteiras bem demarcadas, e também ela suscita alguma discussão,

mesmo dentro da própria área. Relativamente à compreensão da diferença entre a

Ciência e o Design, poderemos adoptar a visão de Herbert Simon (1916 – 2001) ao

dizer que “As ciências naturais estão preocupadas em como as coisas são,...o design,

por outro lado, está preocupado em como as coisas deveriam ser, elaborando

17 HÖGER, Hans – op. cit., p. 84. 18 PEREIRA, Vivian Gonçalves – op. cit., p. 16.

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artefactos para atingir objectivos (...) Substituir o ‘são’ por ‘deveriam ser’ faz toda a

diferença.”19

Ao longo desta procura pela compreensão e definição do conceito de Design

temos, naturalmente, vindo a aproximar-nos do campo do design de produto ou

equipamento. Subentendido ao longo do discurso e da reunião das várias percepções,

esta dimensão mais material e tridimensional, tem vindo a ser cada vez mais elevada.

Assim, como consequência lógica desta análise, confirmamos a existência de uma

frondosa ramificação dentro deste universo.

Tomemos assim o Design enquanto noção global e genérica, cujas bases se

sedimentam sobre sólidas e comuns fundações, tendo simultaneamente múltiplas áreas

de aplicação e materialização de práticas e conhecimentos. Nomeando apenas alguns,

temos como exemplos aceites pela comunidade académica e profissional,

especializações como design de produto ou equipamento (como já referido), design

gráfico ou de comunicação, design multimedia, design têxtil,... Nesta diversidade de

aplicações, iremos claramente obter uma grande variedade de metodologias, e

características próprias, bem como, de resultados finais. No entanto, há já quem defenda

que estas distinções e fronteiras tradicionais estão largamente em desuso, tendo-se

tornado totalmente obsoletas.20

“(...) as fronteiras que balisavam estas áreas começaram a colapsar devido à influência da tecnologia,das estratégias de gestão, das forças sociais e das novas correntes intelectuais. Como resultado, as velhas divisões da prática do design aparecem agora cada vez mais inadequadas e ineficientes. Esta situação causou um intenso repensar do papel do designer, por parte dos utilizadores de serviços de design. A reviravolta do design é uma resposta para o mundo que está, ele próprio, em tumulto.”21

Como um dos responsáveis para a delonga desta repartição de especializações,

compartimentando cada vez mais os saberes e áreas de actuação em pequenos núcleos

independentes, poderemos apontar o sistema académico actual. Os cursos superiores,

19 Tradução livre de “The natural sciences are concerned with how things are, …design, on the other hand, is concerned with how things ought to be, with devising artifacts to attain goals (…) Replacing ‘is’ with ‘should be’ makes all the difference.” KRIPPENDORFF, Klaus – op. cit., p. 26. 20 KRIPPENDORFF, Klaus – op. cit.., p. 5. 21 Tradução livre de “(…) the boundaries around these problem areas have begun to collapse due to the influence of technology, management strategies, social forces, and new intellectual currents. As a result, the old divisions of design practice now appear increasingly inadequate and ineffectual. This situation has caused an intense rethinking of the designer’s role by users of design services. The upheaval in design is a response to a world situation that itself is in turmoil” MARGOLIN, Victor – op. cit., p. 80.

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que compõem os programas universitários, obrigam a uma automática tomada de

direcção, optando por uma tipologia em detrimento das outras, de forma a poder haver

uma especialização em determinadas temáticas.

Outro factor problemático que poderemos responsabilizar o sistema de ensino,

tal como ele é estruturado na contemporaneidade, é a orientação já um pouco viciada

para o cumprimento de uma série de passos estipulados, num percurso relativamente

normalizado. Maioritariamente devido a constrangimentos temporais, ao invés de

exaltar o espírito indagador do aluno, de forma a questionar ele mesmo o que é o Design

e que percurso quererá adoptar (uma vez que, aqui, já ficou clara a ambiguidade e

subjectividade deste campo), o academismo geralmente indica instantâneamente o

caminho, a par do projecto a desenvolver. Bryan Lawson dá conta disso mesmo ao

afirmar que “Uma das fraquezas da escola tradicional é que os estudantes, prestando

tanta atenção ao produto final do seu trabalho, falham a reflexão do processo.”22

Assim, caímos no risco de gerar designers pouco contemplativos e pouco capazes de

colocar em causa o processo de design e o que isso implica. Dever-se-ía incutir desde

cedo a noção da responsabilidade que um designer carrega, ao produzir mais e mais

objectos para preencher vazios. Como é defendido por alguns teóricos, o design de

produto é, actualmente, uma das profissões mais perigosas do mundo – um profissional

menos consciente das consequências dos seus actos, é mais um elemento produtor de

gadgets e artificialidades excessivas, desnecessárias e poluentes, que acabam por ser,

nada mais do que detritos. Um designer terá que se preocupar bem mais do que com a

concepção do produto que projecta, mas também com todos os enredos sociais,

económicos e ambientais que estão por detrás dele; tem igualmente que pensar no ciclo

de vida do produto, desde a matéria-prima utilizada, à produção e à sua morte e

reciclagem.

A cultura de projecto, a metodologia que um designer tem que adoptar é assim,

bem mais complexa e intrincada, do que se poderá julgar num primeiro relance. Mais

uma vez, aproveitamos para sublinhar que, fazendo jus à sua capacidade de investigação

e estudo de novas matérias, instigado pelo seu carácter curioso, o designer reúne

conhecimentos das mais diversas áreas – funcionando como pequenas especializações e

auxiliado por equipas de entendimento superior em cada matéria em particular – e

22 Tradução livre de “One of the weakness of the traditional studio is that students, in playing so much attention to the end product of their labours, fail to reflect sufficiently on their process.” LAWSON, Bryan – op. cit., p. 6.

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aplica-o no projecto especifíco do qual se encarrega. Coordenando saberes base que

adquiriu, e se relacionam directamente com o design de produto – como é, por exemplo,

a ergonomia, a estática e resistência de materiais, a história (entre muitos outros) – com

os pequenos desafios cognitivos com que se vai deparando, o designer é assim capaz de

encarar os problemas, compreendê-los e solucioná-los, de forma particular e

característica.23 Cada um de nós, indiferentemente da profissão que desempenha, põe

tudo aquilo que é, no que faz; e enquanto membro de uma sociedade que partilha, tem

responsabilidades para com ela, e tem que actuar perante ela, com as suas capacidades.

Assim, o designer, tem uma grande responsabilidade perante a sociedade que o envolve.

Vivemos tempos conturbados; as causas e as consequências reflectidas na

sociedade confundem-se, e parecemos encaixar na perfeição na visão caótica de Karl

Marx (1818 – 1883) e Marshal Berman (1940) ao descrever os tempos da modernidade.

“O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destroi os antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica (...) rápido e muitas vezes catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa (...) Estados nacionais cada vez mais poderosos, burocraticamente estruturados e geridos, que lutam com obstinação para expandir seu poder; movimentos sociais de massa e de nações desafiando seus governantes políticos ou econômicos, lutando por obter algum controle sobre suas vidas (...) um mercado capitalista mundial, drasticamente flutuante, em permanente expansão.”24

O modernismo, termo geralmente associado a eras ligadas ao desenvolvimento

tecnológico e da máquina (após a Primeira Guerra Mundial, nas formas refinadas da

‘máquina estética’ e a Segunda Guerra Mundial que traz o crescimento da alta

tecnologia),25 estende-se de forma crescente até aos dias de hoje, suplantado pela

imparável evolução tecnológica – agora sobre o nome de pós-modernismo (segundo

alguns teóricos). Esta emergência de um novo tipo de vida social e de nova ordem

económica é também frequente e eufemisticamente chamada de modernização,

23 Para mais informação acerca da cultura de projecto, consultar Anexo 1.2). 24 BERMAN, Marshal – Tudo o que é sólido desmancha no ar. trad. de Carlos Felipe Moisés e Ana Marial L. Ioriatti. 2ª ed. São Paulo : Editora Schwarcz, 1986. p. 15. 25 Ibid., p. 24.

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sociedade pós-industrial ou sociedade de consumo, sociedade dos media, do espectáculo

ou capitalismo multinacional.26

Frederic Jameson (1934), valorizado crítico literário e analista político, em

poucas palavras nos resume alguns dos problemas sentidos nos dias de hoje.

“Novos tipos de consumo, obsolescência programada, um ritmo ainda mais rápido de mudanças na moda e no ‘styling’, a penetração da propaganda, da televisão e dos meios de comunicação em grau até agora sem precedentes e permeando a sociedade inteira, a substituição do velho conflito cidade e campo, centro e província, pela terciarização e pela padronização universal, o crescimento das grandes redes de auto-estradas e o advento da cultura automóvel”27

Assistimos a uma mudança estrutural na sociedade de consumo, na medida em

que a cultura parece estar a fundir-se com o marketing. O ritmo que compassa a vida

profissional e pessoal de cada um de nós, enquanto cidadãos, é o de sujeição à lógica do

mercado. Vivemos hoje, segundo Hal Foster (1955), na terceira fase industrial

(imediatamente após um primeiro momento, nos anos 20, com a disseminação da rádio,

a conexão do som e da imagem nos filmes, e a cada vez maior reprodução mecânica –

valendo a categorização de ‘sociedade do espectáculo’, por Guy Debord (1931 – 1994)

– e um segundo, na produção consumista do pós-guerra), na era da revolução digital e

do ‘dot capitalism’.28

A ‘obsolescência’ dos produtos tornou-se ‘moda’ (entendam-se ambas as

palavras, com todo o peso negativista que acarretam), e parece já fazer parte do

pensamento de projecto de alguns designers (nomeadamente de grandes empresas,

protagonistas das lutas concorrenciais mais ferozes do mercado). A sociedade parece

estar a afundar-se numa maré de objectos cada vez mais supérfluos, idiotizantes, que

são responsáveis por gastos dos mais variados recursos (matéria-prima, força laboral,

capital), de aparente e errónea personalização (quando na verdade servem a uma

população standardizada, neste universo globalizado) e que, cada vez de forma mais

acelerada, serão postos de lado e substituídos por outros seus semelhantes. Este sistema

26 JAMESON, Frederic – Pós-modernidade e sociedade de consumo. trad. de Vinicius Dantas. São Paulo : Novos Estudos, 1985. p. 17. 27 JAMESON, Frederic – Pós-modernidade e sociedade de consumo. trad. de Vinicius Dantas. São Paulo : Novos Estudos, 1985. p. 26 28 FOSTER, Hal – Design and crime (and other diatribes). London : Verso, 2002. p. 11

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não será liberdade de expressão, liberdade de escolha, mas sim, eventualmente

opressão.29

Por todos estes factores, podemos voltar a afirmar o papel fulcral que o domínio

social e político tem no Design. Design é política. “Fazer Design, ainda que apenas

gráfico, significa fazer escolhar políticas, no sentido etimológico de estar envolvido

com a ‘polis’, a cidade e o estado, e escolher também significa estar atento às

consequências que resultam de exercer esta actividade. (...) Design é politico porque

concerne poder, valores, escolhas e consequências.”30

O Design é uma poderosa ferramenta e não pode apenas servir o desejo de criar

artefactos que se enquadrem na moda e na tendência do momento, como condão de

auto-bajulação para o designer que as idealiza. Os esforços de marketing estão a usar a

palavra ‘Design’ em excesso; tornando-a num adjectivo, capaz de encarecer e atribuir

status a determinadas marcas.

Esta dimensão supérflua e instantânea do Design tem que ser colocada em

questão, cambiando o foco de atenção para princípios e valores renovados, e maiores e

mais profundas preocupações. Muitos são os esforços neste sentido que começam cada

vez mais a surgir, e têm que ser valorizados como tal. A preocupação ambiental e as

campanhas, produtos e sistemas projectados para o alerta e melhoria da relação do

Homem com o planeta e a sua sustentabilidade, estará provavelmente no topo da

mudança de atitude através do Design. Parece já evidente que, perante o cenário de

desconstrução social, cultural, política e ambiental que enfrentamos, futuramente

teremos que, inevitavelmente, fortificar o pensamento metodológico e orientado para

uma solução concertada e certeira, deixando de ter espaço para tentativas ou

experiências crentes e aleatórias. A produção impensada, no ritmo de desmesura

exorbitante que conhecemos terá que terminar.

“Se Design é fazer mais do que meramente conformar-se com condições contratuais, se queremos tomar uma posição na actividade criativa, especialmente nas (...) mudanças radicais no mundo da economia, então temos que questionar as novas condições desta actividade. (...) as nossas atitudes e critérios obrigatórios estão no centro das atenções. Esta é uma chamada para a discussão de questões morais da vida quotidiana, de princípios éticos básicos e

29 Ibid., p. 40. 30 Tradução livre de “Designing, even though if only graphically, means making political choices in the etymological sense of being involved with the ‘polis’, the city and the state, and making choices also means being aware of the consequences that come from exercising this activity. (…) Design is political because it concerns power, values, choices and consequences.” HÖGER, Hans – op. cit., p. 90.

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atitudes políticas” deixando definitivamente de lado, três maus hábitos de “equidistância, relativismo e (confortável) tolerência”.31 É necessária uma mudança de paradigma. E com isto não queremos dizer que

precisemos de mais definições, novos estrangeirismos para renomear conceitos que

sempre existiram e todos nós conhecemos.32

“A derradeira definição de design de Chris Jones (1970): iniciar a mudança nas coisas feitas pelo Homem. (...) Tal definição é, provavelmente, demasiado generalista e abstracta para que seja útil à compreensão do design. Mas precisamos mesmo de uma única definição de design, ou devemos aceitar que o design é um assunto suficientemente complexo para ser sumarizado em menos de um livro? A resposta é, provavelmente, que nunca iremos encontrar uma definição única satisfatória, mas que a procura é muito mais importante que a descoberta.”33

Numa altura de ruptura, apenas sabemos que algo terá que ser diferente, novas

posições terão que ser tomadas. Não há o distanciamento necessário para apontar de

forma clara e neutra quais são, exactamente, os pontos que estão em total colapso e,

muito menos, quais as opções e atitudes que mudarão o rumo dos acontecimentos de

forma positiva e evolutiva. Nem mesmo designers, em debates e confrontos de ideias,

conseguem prever ao certo, ou chegar a um consenso, de como será o futuro do Design,

nem o que constitui a sua condição contemporânea. Somos parte de um universo cada

vez mais volátil e imprevisível, condições que põem em risco a noção de Design que

conhecemos e fomos construindo ao longo da história. “Já é tempo de o design

industrial ‘como o conhecemos’ acabar.” Afirma repreensivamente Victor Papanek, e

31 Tradução livre de “If design is to do more than merely conform to contractual conditions, if we want to take a stand on designer creative activity, especially on (…) radical changes in the world of economy, then we have to question the new conditions of this activity.” “equidistance, relativism and (comfortable) tolerance” Ibid., p. 107. 32 “(...) se pretendo decifrar mitos, é necessário que possa nomear conceitos. (...) Ora, normalmente, aquilo de que tenho mais necessidade é de conceitos efêmeros, ligados a contingências limitadas: assim, o neologismo é inevitável.” BARTHES, Roland – Mitologias. trad. de Rita Buongermino e Pedro de Souza. 11ª ed. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2001. p. 142. 33 Tradução livre de “Chris Jones (1970) – ‘ultimate definition’ of design: to initiate change in man-made things. (…) Such a definition is probably too general and abstract to b.e useful in helping us understand design. Do we really need a simple definition of design or should we accept that design is too complex a matter to be summarized in less than a book? The answer is probably that we shall never really find a single satisfactory definition but that the searching is probably much more important than the finding.” LAWSON, Bryan – op. cit., p. 33.

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continua afirmando que “Design honesto, que busque uma simplicidade verdadeira, é

assustadoramente cada vez mais raro.”34

Também Vilém Flusser, importante figura da história do Design, parece definir

claramente o sentimento de que algo está a falhar e que é necessário mudar.

“Até há pouco tempo, considerava-se que a história da humanidade era o processo através do qual a mão transformava gradualmente a natureza em cultura. Esta ideia, esta ‘confiança no progresso’, deve agora ser abandonada. Com efeito, é cada vez mais evidente que a mão não deixa em paz, por assim dizer, as coisas in-formadas, mas continua a agitá-las e a revolvê-las até esgotar totalmente a informação nelas contida.” 35

Se o Design é de facto a ‘ciência da artificialidade’, como chegou já a ser

nomeado – artificialidade ‘espectacular’ essa, da qual fazemos parte e temos vindo a

assistir crescer, então também o conceito de Design irá gradual e consequentemente

expandir-se. E aqui, a percepção dea significação de artifício, retém (paralelamente ao

facto de que se caracterizar como sendo um produto / artefacto) todo o carácter

depreciativo, que por vezes lhe está associado, nomeadamente no campo literário,

quando utilizado como referente a um “(...)’ discurso ou escrito brilhante, mas sem

muita substância’. (...) habilidade do sujeito criador para utilizar determinados meios,

cuja adopção assenta na construção da ilusão (exemplo: fogo de artifício).”36

A autora da tese de doutoramento, Design para o futuro. O indíviduo entre o

artifício e a natureza: Design Biónico, Design Natural, Biodesign e Design Simbiótico,

Inês Secca Ruivo, delonga ainda e aprofunda a concepção de artifício, mais intimamente

ligada à contemporaneidade, ao dizer que:

“Hoje, e a acrescer às noções anteriormente evocadas, a concepção de ‘artificío’ – no contexto da produção, da promoção e do consumo do objecto industrial – rege-se, crescentemente, pela noção que associa ao ‘artifício’ o valor de ‘astúcia’ de ‘ilusão’ e de ‘fingimento’. Ou seja, graças, em larga escala, às acções propagandísticas especializadas que se escondem por detrás da esmagadora maioria dos artefactos que consumimos, já não é possível

34 Tradução livre de “It is about time that industrial design, ‘as we have come to know it’, should cease to exist.” “Honest design striving for true simplicity has recently been frighteningly rare.” PAPANEK, Victor – op. cit., p. 34. 35 FLUSSER, Vilém – Uma filosofia do design. trad. de Sandra Escobar. Lisboa : Relógio d’Água, 2010. 36 SECCA RUIVO, Inês – Design para o futuro. O indíviduo entre o artifício e a natureza: Design Biónico, Design Natural, Biodesign e Design Simbiótico. Aveiro : Universidade de Aveiro, 2008. Tese de Doutoramento. p. 33.

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pensar o actual mundo artificial (dos objectos e das mensagens) sem considerar o seu impacto ‘simbólico’, enquanto possível agente manipulador do comportamento do próprio homem”37

É assim necessária a emergência de uma nova concepção de Design, com uma

nova estrutura organizacional e com um cada vez maior enfoque para manter,

desenvolver e integrar os seres humanos num meio ambiente ecológico e cultural,

afastando-se da cultura de consumo como sua principal característica identitária e

percebendo como traçar o seu novo papel, a sua nova fronteira de actuação perante o

mundo.

A extenuante procura da definição ‘óptima’ de Design, é apenas um caminho de

confronto de inúmeras perspectivas e visões, que enriquecem a concepção global do que

se poderá entender ser este conceito. Ainda assim, não é esta procura que trará algum

benefício ao panorama actual, visto que, não é possível (nem desejável) a chegada a um

consenso castrador. A determinação de uma definição para um termo, nada mais serve

do que para a sua catalogação teórica e para, a ainda maior, compartimentação de

assuntos que no fundo se deveriam reunir num esforço comum de parceria e dádiva à

sociedade contemporânea. O Design precisa de ser redesenhado e tomar parte activa, e

não de ser legendado e etiquetado, tornando-se em elemento passivo, preso num

presente estático. A constante evolução e mudança que nos sustenta, não permite a

criação de dogmas eternos e inquestionáveis.

37 Ibid., p. 37.

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1.2) Definição do conceito de ‘objecto’

Após o estudo da definição dos conceitos de Design e de Cultura Projectual,

parece-nos vital a reflexão do significado de ‘objecto’, visto ser o desenrolar do acto de

projecto do Design (de produtos e equipamentos), enquanto sistema sequencial. É o

fruto de um processo criativo e construtor de soluções; a materialização de todo o

desenvolvimento e estudo, levado a cabo, para uma situação particular.

Tal como para a definição de Design recorremos ao estudo etimológico da

palavra, também aqui, será este o nosso ponto de partida.

“Etimologicamente (‘objectum’) significa lançado contra, coisa existente fora de nós mesmos, coisa posta à frente de nós e que tem um carácter material: tudo o que é oferecido aos olhos e afecta os sentidos (Larousse). Os fiolósofos empregam o termo no sentido de pensamento, em oposição ao ser pensante ou sujeito (...) resistência ao indivíduo (...) a ideia de permanência, ligada à de inércia.”38

Somos aqui colocados diante de algumas das características que se relacionam

com a noção de ‘objecto’, ficando a clara noção de que é algo totalmente exterior ao

Homem, ainda que se estabeleça uma relação entre ambos. Em adição, podemos revelar

outros implicativos com este termo e com a sua definição, como é, o facto de serem

elementos produzidos pelo Homem – distanciando-se do ambiente natural, enquanto

concepção artificial39 – que servem de mediadores funcionais entre situações e actos

(definindo-se, por exemplo, por utensílios e produtos).

A questão da escala de um objecto, é também de grande importância para a sua

total compreensão. Um objecto, para que seja considerado como tal, apresenta uma

escala um pouco inferior à do Homem. Esta noção métrica, poderá variar em diferentes

graus de classificação.

38 Tradução livre de “Etimológicamente (‘objectum’) significa lanzado contra, cosa existente fuera de nosotros mismos, cosa puesta adelante de nosotros que tiene un carácter material: todo lo que se ofrece a la vista y afecta a los sentidos (Larousse). Los filósofos emplean el término en el sentido de lo pensado, en oposición al ser pensante o sujeto. (...) resistencia al individuo; (...) la idea de permanencia, ligada a la de inercia.” MOLES, Abraham A. – Teoría de los objetos. Barcelona : Editorial Gustavo Gili, 1974. p. 29. 39 “(...) as coisas agarradas pela mão são tomadas para serem transformadas. A mão in-forma as coisas que agarra. Assim surgem dois mundos em volta do ser humano: o mundo da ‘natureza’ (o das coisas presentes, para agarrar) e o mundo da ‘cultura’ (o das coisas à ‘mão’, in-formadas).” FLUSSER, Vilém – Uma filosofia do design. trad. de Sandra Escobar. Lisboa : Relógio d’Água, 2010.

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“Na prática vemo-nos obrigados a subdividir este campo (que vai de poucos milímetros a alguns metros) em quatro níveis de percepção baseados no conhecimento táctil: 1. Os objectos que podem ser transpostos (...) 2. Os objectos do nosso tamanha e com escassa mobilidade (...) 3. Os objectos sustentados pelos precedentes ou contidos neles e que se podem colher com a mão (...) 4. Os ‘microobjectos’ que se tomam entre os dedos.”40

Consequentemente, temos que, o objecto reveste-se de um carácter passivo e

manipulável; móvel e indenpendente – em grande parte, devido às suas restrições de

escala. Ele subjuga-se à vontade do Homem, visto ser construído com um fim funcional

específico, para uma determinada situação. A relação entre ambos, poderá ser definida

como unilateral, sendo que, cada vez mais, perante a evolução tecnológica, numa

sociedade crescentemente consumista, os objectos tomam um papel mais emocional e

‘humanizado’, desviando esta, que deveria ser uma relação de mero uso por necessidade

por parte do utilizador, numa inter-relação.

Seguindo a linguagem (que, como já referido anteriormente, será um dos

expoentes máximos de demarcação cultural), o ‘objecto’ é o verdadeiro testemunho

material de uma sociedade. Cada povo, cada civilização, põe tudo de si em totems

fisícos, representativos da sua verdade. O ‘objecto’ retém em si todas as especificidades

locais, relativas à sua origem (desde a matéria-prima, as formas de construção, as

‘mãos’ de quem o faz – a alma e a essência da cultura a que pertence). Actualmente,

nesta sociedade globalizada, o objecto acaba por deixar de ser comunicação particular e

específica de um tempo e espaço, para se tornar cada vez mais estandardizado e

‘específico’ de uma comunidade universal, sem características próprias e

diferenciadoras.

Sumarizando a apresentação deste conceito, tomamos como guia das várias

particularidades já apresentadas, que

“(...) o objecto é um elemento móvel e artificial do mundo circundante, fabricado pelo homem, acessível à percepção e destacável do seu ambiente circundante; feito à escala do homem, é essencialmente manipulável e subsiste através do tempo com uma permanência gratuita. Considerámos que a passividade do objecto é ‘essencial’, que está construída sobre uma experiência da vida e evolução que se inscreve na evolução humana global e que, por

40 Tradução livre de “En la práctica nos veremos obligados a subdividir este campo (que va de unos pocos milímetros a algunos metros) en cuatro niveles de percepción basados en el conocimiento tactil: 1. Los objetos en los que se penetra (...) 2. Los objetos de nuestra talla y con escasa movilidad (...) 3. Los objetos sostenidos por los precedentes o contenidos en ellos que pueden cogerse con la mano (...) 4. Los ‘microobjetos’, que se toman entre los dedos.” MOLES, Abraham A. – op. cit., p. 3.

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conseguinte, está solidamente ancorada no ser perceptivo. ‘Os objectos não deverão atrair porque não vivem – recorda Sartre –; servimo-nos deles, colocamo-los nos seus sítios, vivemos entre eles, são úteis, e nada mais.’”41

Como podemos atestar, pela consecutiva utilização de adjectivos e conjugações

verbais que instigam a submissão do objecto às necessidades do Homem, à sua

satisfação e ao cumprimento de uma tarefa, a significação de um objecto – a sua

implicação semântica – está ligada, em grande medida, à sua função. A definição de

objecto está sempre co-relacionada com a sua finalidade, com o exercicío que irá

cumprir, com a sua utilidade. O papel fundamental de um objecto é resolver ou

modificar uma situação mediante o acto e situação em que se o utiliza (ligações a raízes

semânticas de ‘utensílio’ e ‘útil’); ele é, mais do que tudo, um mediador entre o homem

e o mundo – é um interface.

Os objectos estão impregnados de significados e intenções e, como tal, eles são

comunicação, são portadores de signos e mensagens para quem os utiliza.

Compreendendo o objecto – produto de Design – enquanto forma de diálogo e união,

cedo lembramos a dimensão social e comunitária que referimos ser uma das formas de

ver o Design. Se este aplica o esforço de solucionar e comunicar na comunidade em que

intervém, o ‘objecto’ (produzido) é a prova disso mesmo, é a materialização desta

preocupação social. O Design é, como já debatido no Capítulo 1.1), um meio, uma

ferramenta para o relacionamento em sociedade, de todos os elementos que a compõem,

através dos objectos. Eles, estabelecem a comunicação necessária, uma vez que, neste

sistema social que construímos e habitamos, precisamos de um número de objectos

minímos, para a sobrevivência.

Adiantámos já, que a primeira etapa que o objecto enfrenta, é o seu estudo e

planeamento, concepção e manufactura – a sua origem. Inicialmente os objectos eram

produzidos por um artesão, facto que tem vindo a ser perdido no tempo. Este, pensava

vagamente na concepção, quase em simultâneo com a construção, não havendo aqui um

estudo ou projecção aprofundada do produto final. O trabalho do artesão assenta assim

sobre bases de engenho, talento e intuição. No entanto, com o advento da era industrial, 41 Tradução livre de “(...) el objeto es un elemento móvil y artificial del mundo circundante, fabricado por el hombre, accesible a la percepción y destacable de su entorno; hecho a la escala del hombre, es esencialmente manipulable y subsiste a través del tiempo con una gratuidad de permanencia. Hemos considerado que la pasividad del objeto es ‘esencial’, que está construida sobre una experiencia de la vida y de la evolución que se inscribe en la evolución humana global y que, por consiguiente está sólidamente anclada en el ser perceptivo. ‘Los objetos he aquí algo que no deberá atraer porque no vive – nos recuerda Sartre –; nos servimos de ello, los ponemos en su sitio, vivimos entre ellos, son útiles, nada más.’ MOLES, Abraham A. – op. cit., p. 31.

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o fabrico de objectos passou a estar entregue, maioritariamente, a máquinas, tendo como

precedente pensante e conhecedor, o ‘desenhador’ de produtos – o designer. Os

produtos, propriamente ditos, poderão ser caracterizados enquanto industriais, segundo

diversos parâmetros, dos quais, de forma bastante superficial, ilustraremos dois

exemplos como é a construção por via mecanizada ou ainda a integração de uma parte

(ou totalidade) mecânica no corpo do objecto.42

Após a concepção e produção do objecto, seguem-se as etapas da sua chegada ao

público a que se destina; a sua consequente utilização e, por fim, a sua morte, enquanto

produto funcional. Este fim de vida, originalmente forçado pela eventual falha para com

a função que o justificava, tem sido cada vez mais acelerado e propositadamente

provocado. As necessidades consumistas da sociedade actual incitam a criação de

tendências cada vez mais efémeras, para o consumo crescente de novos e consequentes

produtos – geralmente com o incentivo dos meios de comunicação. A oferta do mais

qualificado e duradouro, apostando na evolução de produção que temos vindo a assistir,

não é mais a prioridade. O objecto de compra, tem agora um tempo inferior de vida útil

(comparativamente ao que poderia ter na realidade), para que cedo obrigue à sua

substituição.

“(...) a obsolescênca planeada, que não se atreve a apresentar-se sob o seu verdadeiro nome e está destinada a criar ‘sub-repticiamente’ uma ‘consumibilidade’ (...) a sociedade estimula ‘explicitamente’ a mudança sistemática da categoria dos bens duradouros para a dos perecíveis e consumíveis (...) destinados, desde o seu nascimento, à mortalidade infantil, conservam, precisamente por isto, todo o frescor da juventude.”43

Hoje, a sociedade, representa um total desrespeito e descuidado perante os

objectos e, por consequência, perante si própria e pela constituição das suas

especificidades e diferenças. O excesso de produção impensada e desnecessária, erigido

pela evolução tecnológica que vivemos, banaliza e profana o conceito de objecto e as

expectativas minímas que podemos ter perante ele. O Homem, já acorrentado a uma

relação de dependência de objectos, para a sua sobrevivência, torna-se apenas mais um

42 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 92. 43 Tradução livre de “(...) la obsolescencia planificada, que no se atreve a presentearse con su verdadero nombre y está destinada a crear ‘subrepticiamente’ una ‘consumibilidad’ (...) la sociedad estimula ‘explícitamente’ el paso sistemático de la categoría de los bienes duraderos a la de los perecederos y consumibles (...) destinados desde su nacimiento a la mortalidad infantil y que conservan, precisamente por esto, todo el frescor de la juventud.” MOLES, Abraham A. – op. cit., p. 30.

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elemento tipificado, graças à massificação dos objectos, dos seus propósitos e

finalidades. Da especificidade de uma cultura ou necessidade, passamos a uma

globalização e estandardização da ‘individualidade’.

Muitas foram as teorias que, de forma futurista e divinatória, previam um

universo totalmente minimalista, pintado de branco, inundado pela virtualidade que

substituiria por completo a necessidade de objectos. Com a chegada da sociedade de

informação44 adivinhavam-se tempos de desmaterialização – no entanto, tal não

sucedeu. A aliança entre a ‘sociedade de informação’ (com maiores conhecimentos e

capacidades) e a sociedade industrial revelou apenas a ainda maior competência de

produção massiva. Assim, temos que “Parece evidente que a invasão de objectos, a

poluição do mundo com formas sólidas criadas pelo homem, converter-se-á em um dos

problemas fundamentais da sociedade futura. A imagem de ‘prêt à jeter’ (‘pronto a

deitar fora’) impôs-se com uma das imagens chave”.45

44 THACKARA, John – In the bubble : designing in a complex world. Cambridge : MIT: Massachusetts Institute of Technology, 2005. p. 10. 45 Tradução livre de “Parece evidente que la invasión de objetos, la polución del mundo con formas sólidas creadas por el hombre, se convertirá en uno de los problemas fundamentales de la sociedad futura. La imagen del «prêt à jeter» («listo para tirar») se ha impuesto como una de las imágenes clave” MOLES, Abraham A. – op. cit., p. 184.

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1.2.2) Factores de desejo da materialidade – a relação entre o objecto e o

utilizador

Como temos vindo a observar, o objecto – resultado das metodologias

projectuais do design de produto – estabelece uma forte relação com o utilizador que o

manipula. Este, concebe-o e utiliza-o a fim de realizar uma determinada tarefa, e o

objecto nada mais faz do que se submeter à sua vontade, cumprindo o seu dever

funcional. Esta relação, durará tanto tempo quanto a qualidade do produto o permita ou,

como cada vez mais frequentemente acontece, o próprio utilizador. Os produtos têm

cada vez menos a oportunidade de atingir o seu fim de vida, pela gritante ‘necessidade’

de uma constante troca por um artigo mais recente e inovador de acordo com as

tedências do momento. Os meios de comunicação, que criam modas regentes de toda

uma sociedade influenciável e sedenta de novidade, tornam-se em um dos maiores

responsáveis pela constante exigência de novidade.

A moda incita o desejo de posse por algo que nos levará a identificarmo-nos

com o outro, a pertencer a uma tribo e amplificarmos o nosso status e aparência social.

“Em relação ao primeiro estádio da evolução histórica da alienação, que se pode

caracterizar como uma degradação do ‘ser’ em ‘ter’, o espectáculo consiste numa

degradação ulterior do ‘ter’ em ‘parecer’.”46 Instantaneamente parecemos desejar o

mais recente produto que preenche todos os espaços comerciais de tendência, cujos

clientes são aqueles com os quais nos queremos identificar (ainda que, iludidos,

estejamos seguros de, ainda assim, marcar a diferença, tendo o poder de escolha para

nos ‘personalizarmos’ perante os outros). Esta massa quase indistinta de público

aglomerado, numa escala universal, rejeita o sentido de necessidade e a ponderação

racional dos comportamentos. “(...) a prática das massas nunca teve imediatamente

nenhuma relação (talvez nunca tenha) com as necessidades. Elas fizeram do consumo

uma dimensão de ‘status’ e de prestígio, de promessa inútil ou de simulação”47

De uma forma simples e em breves segundos, pode despoletar-se o perigoso

gatilho do desejo pela materialidade. Os objectos, produzidos numa torrente

massificada, imperando a quantidade acima da qualidade são, em grande parte, hoje

pensados a par da sua forma de publicitação. Frequentemente, é tão importante projectar

46 JAPPE, Anselm – Guy Debord. trad. de Iraci D. Poleti e Carla da Silva Pereira. Lisboa : Antígona, 2008. p. 17. 47 BAUDRILLARD, Jean – À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o surgimento das massas. trad. de Suely Bastos. 4ª ed. Brasil : Editora Brasiliense, 1985. p. 25.

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um produto, como traçar a forma como se irá dar a conhecer ao público, tornando-o na

nova ‘necessidade’ artificial que promete o aumento da qualidade de vida e da aceitação

entre os outros membros da comunidade. O materialismo e consumismo aparece-nos

cada vez mais associado aos objectivos de felicidade que tomamos como exemplo.

A definição singular do que constitui o desejo parece definir-se com a junção de

pequenos apontamentos tomados por alguns dos grandes pensadores da história.

“Já na obra de Platão podemos observar uma das primeiras correntes acerca do tema desejo (...) o objecto aparece sempre como algo que não está presente ou não se possui.” O autor continua, defendendo que “Schopenhauer também segue a linha de Platão, posicionando o desejo como um elemento de eterna falta. (...) o desejo se mostra a causa de todo o sofrimento humano, dado que a vida se resume a uma busca eterna pelo prazer momentâneo, que nada mais é que a supressão efêmera da dor causada pelo desejo. Contudo, depois de saciado temporariamente, ele voltará a se estabelecer no âmago do ser humano, dado que o desejo é sua real força motriz.”48

A origem da sensação de desejo, segundo Jacques Lacan (1901 – 1981), surge

desde logo com o nascimento do Homem, que cedo procura referências no ambiente que

o rodeia, tomando determinados elementos como figura de desejo e de orientação. O ser

humano, revela a necessidade de manter um objecto de reflexão, para suprir o seu

desejo. No entanto, ainda que este sentimento seja preenchido de diferentes formas

sucedâneas, será sempre aliado a um anseio ou frustração, a uma lacuna constante, um

vazio pela necessidade de um objecto de referência. Esta incapacidade de uma total

satisfação, segundo Séneca (4 a.C. – 65 d.C.) prende-se com o facto de “que parte do

prazer dessa relação está também no ‘acontecimento’: o momento em que alcançamos

o objeto que irá preencher a lacuna do ser.”49

Em resumo, podemos dizer que o desejo é a carência e a necessidade de

identificação com algo, exterior a nós, que promove a diferenciação do sujeito, ainda

que, suscite simultaneamente o sentimento de pertença a um grupo/sociedade. O objecto

de desejo poderá inclusivamente não apresentar fortes qualidades, que o distingam ou

elevem, no entanto, aparentarar-se-á como tal, perante quem o deseja.

48 PEREIRA, Vivian Gonçalves – O Design e o desejo: o sentimento de desejo e o poder de despertá-lo através do Design. São Paulo : Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes, 2008. p. 11. 49 Ibid., p. 13.

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“A voracidade irreprimível do consumo, dá-se, segundo J. Baudrillard, porque o que se consome na verdade é o que passa através do objecto e não o que nele fica retido (...) É a conversão do estatuto do objecto para um estatuto sistemático de signo que implica uma alteração no comportamento humano. O que é consumido não é o objecto mas sim o objecto-signo. (...) Isto explica porque é que não há limites ao consumo. Ele é uma prática idealista que nada tem a ver com a satisfação das necessidades, pois se assim não fosse ele encaminhar-se-ia para a satisfação ou mesmo saturação. Ao contrário dos objectos, os objectos-signos podem-se multiplicar infinitamente, razão pela qual o consumo não se satisfaz” 50

Paralelamente a estas conclusões, referidas nos vários testemunhos, sentimos de

forma destacada, uma característica constante entre eles. O desejo parece ser uma

sensação insistente, que não desaparece quando é ‘solucionada’. A repetição faz parte

deste jogo, uma vez que, mal o Homem possua o bem que desejou, e que sinta o prazer

desse instante, o instante seguinte será já de nova aspiração e almejo. Aqui, podemos

rever o sistema de actuação perfeito para o monopólio consumista, que tem que ser

consequentemente alimentado por si próprio, auto-sustentado – levando as pessoas ao

consumo desenfreado e persistente. Os produtos, reluzentes por uma cobertura de desejo

e fascinação, ganham por si só um valor acrescido ao valor real, tornando-se únicos e

alvo de caprichos de consumo seriado.

Para que a transformação entre desejo e a acção propriamente dita, a compra, a

tomada do objecto, se efective, é muito importante ter em conta a noção temporal das

reacções do sujeito. Esta evolução que vai da aspiração, à verdadeira posse, está em

grande medida dependente de grande determinação e impulsividade. É neste espiríto

que são tomadas a maioria das decisões de compra dos produtos da actualidade. O

cenário e circunstâncias são desenhadas para que o consumidor dependa de uma decisão

momentânea, levando-o a comprar, muitas das vezes, o que nem sequer necessita.

“Esse resultado de aproximação ou afastamento é o fim de um processo de consumo que se inicia nas mãos do designer. Para que no meio desse processo o desejo seja despertado e se torne um dado importante na avaliação do usuário, é importante que ele seja pensado desde o começo e tratado de forma estratégica. O sucesso de despertar emoções como o desejo através do design advém do conhecimento do processo e do entendimento de todas as suas fases antes mesmo de que o trabalho comece. A seguir, o modelo proposto que

50 PARRA, Paulo – Design simbiótico: cultura projectual, sistemas biológicos e sistemas tecnológicos. Lisboa : Faculdade de Belas-Artes, 2007. Tese de Doutoramento. p. 57.

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contempla essas etapas e suas interações visando o comportamento favorável no final do processo de consumo.”51

Embora cada pessoa tenha as suas próprias emoções (originadas, perante um

mesmo objecto, por diferentes preocupações), o seu papel perante o Homem e a forma

de as despoletar é a mesma. As emoções servem como ferramenta de adaptação,

fazendo com que nos aproximemos ou afastemos de determindas ideias, pessoas ou

objectos. Assim, temos que, o papel do design é criar uma cadeia de

reacções/preocupações, que resultarão numa emoção (neste caso, o desejo). Esta

preocupação terá que ser estudada desde cedo, para ser alcançada segundo diferentes

estratégias, de forma a obter diferentes resultados – experiência estética, experiência

simbólica ou emocional. As metodologias são várias ainda que tocando sempre em

alguns pontos de passagem obrigatória, quando se almeja a atenção e comercialização

perante um público determinado, como é o recurso a ferramentas do ‘marketing’.52

Recorrendo a apelos editoriais e publicitários, que vendem a imagem de algo, mais do

que o próprio conteúdo, tenta chegar-se ao público sob vias de encantamento e

fascinação. “Obtém-se a fascinação ao neutralizar a mensagem em benefício do meio,

ao neutralizar a idéia em proveito do ídolo, ao neutralizar a verdade em benefício do

simulacro. Pois é neste nível que os meios de comunicação funcionam. (...) Não é o

sentido nem o excesso de sentido que são violentamente agradáveis, é a sua

neutralização que fascina.”53

Falamos em comunicação, em mensagem, e não nos devemos prender

necessariamente à evidência da publicidade, dos dotes imagéticos e gráficos de um

anúncio ou dos artíficios que circundam o objecto – como é o caso, por exemplo, da

embalagem, que é muitas vezes alterada, para sugerir o melhoramento do produto, que

se mantém, intocado.54 A comunicação é feita pelo próprio objecto, e as alterações de

superficíe poderão ocorrer directamente nele. Segundo a denominação de styling,

conhecemos a realidade da aplicação de ‘cosmética’ no produto e da alteração de 51 Ibid., p. 30. Consultar Anexo 2 para verificação da tabela das várias etapas e interacções do Design como processo de comunicação incitando o desejo. 52 “(…) Marketing – launching, promoting, and monitoring the sales of goods and services – entered design considerations since the 1950s and has grown since into a multibillion-dollar industry.” KRIPPENDORFF, Klaus – The semantic turn : a new foundation for design. London : Taylor & Francis Group, 2006. p. 17. 53 BAUDRILLARD, Jean – op. cit., p.21. 54 “As competition grew, special seductions had to be devised, and the package become almost as important as the product. (The subjectivizing of the commodity is already apparent in streamlined design and becomes evermore surreal thereafter; indeed Surrealism is quickly appropriated by advertising.)” FOSTER, Hal – Design and crime (and other diatribes). London : Verso, 2002. p. 19.

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pequenos pormenores supérfluos, para que este ganhe um novo poder de atracção e

fascínio perante o público a que se destina – devido às vagas de tendência e moda

criadas pelas sociedades capitalistas intrinsecamente concorrenciais. Estas alterações na

apresentação de um objecto, são assim, frequentemente materializadas por motivações

meramente estéticas e com vista a um aumento da sua posição comercial – não tendo

qualquer verdadeira razão de melhoramento técnico ou funcional.

Em suma, compreendemos que um produto tem que ser profundamente pensado,

não apenas segundo as funções e especificidades técnicas que terá que cumprir, mas

também, em igual importância, em função da relação que desempenhará com o

utilizador – desde o momento em que este tem que ser cativado, no acto da compra,

perante uma vasta montra de produtos concorrentes. A interacção engrenada entre

ambos terá que ser estudada de forma a que nenhuma experiência negativa constitua

hipótese de resultado desta relação. O produto final deverá ser o resultado de um

profundo estudo e desenvolvimento de preocupações de cariz projectual e funcional,

mas também de intrusão e conhecimento do destinatário do mesmo, conhecendo-o, no

seu ambiente, rodeado das suas necessidades e exigências próprias e específicas.

“As coisas têm sido o principal tópico do discurso de design desde o começo do Século dezanove. Desenvolveram-se debates acerca da integridade dos materiais, do refinamento da forma, do artesanato versusas a produção em massa, e da relação entre forma e função. Na medida em que o discurso acerca das coisas dominou o pensamento de design, pouca atenção tem sido dedicada à relação entre as coisas e a experiência dos usuários.”55

São poucas as certezas que desenhamos, da relação entre Homem e objecto,

ainda que nos orientemos segundo algumas fórmulas encantatórias para tornar este

último, em sedução irresistível ao sentimento de posse e identificação social por parte

do sujeito. Ainda assim, parece-nos claro que, mais importante que a ‘cosmética’ de

pós-edição de um produto para, artificialmente, se tornar mais atractivo, é a honesta

compreensão, estudo e envolvimento na relação que criada, de forma a que esta seja

automaticamente harmónica, pela verdade e essencialidade que um objecto encerra na

justificação da sua existência.

55 Tradução livre de “Things have been the principal topic of design discourse since the early nineteenth century. Debates developed around the integrity of materials, the refinements of form, craft versus mass production, and the relation between form and function. To the degree that the discourse about things has dominated design thinking, insufficient attention has been paid to the relation between things and the experience of users.” MARGOLIN, Victor – The politics of the artificial : essays on design and design studies. Chicago : The University of Chicago Press, 2002. p. 39.

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O desenvolvimento cada vez mais acelerado da tecnologia e capacidades de

produção, dificultam o acesso ao verdadeiro conhecimento da vontade e necessidade do

usuário, visto estar em constante mudança e renovação. Reforçamos, no entanto, que na

concepção de um produto, o seu ‘pós-embelezamento’ em tudo se vale de

superficialidade e de interesses meramente económicos, tomando como primeira

preocupação a produção de algo rentável e não de um produto verdadeiro para quem o

produz, e acima de tudo para quem o utiliza.

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1.3) O Design como meio de intervenção de diferentes agentes

Como tem sido gradualmente anunciado até este ponto do decorrer análise que

fazemos, todo o universo do Design traça-se por meio de complexas teias de acções,

consequentes resultados e elementos activos e passivos. O projecto de design e o que ele

implica é um sistema intrincado composto pela intervenção de diferentes formas de

acção e conhecimento, em estágios distintos.

Ainda que essa seja a tendência mais comum, não é possível responsabilizar o

designer por todo o elenco de decisões e práticas que se materializam no decorrer da

concepção de um produto. Ele é (geralmente) incapaz de coordernar e executar todas as

tarefas que aparecem como parte integrante deste processo multifacetado – sendo tanto

mais difícil de o fazer, quanto maior fôr a dimensão do projecto em mãos. Assim, temos

que, não é apenas o designer que acompanha o objecto no seu ciclo de vida, mas sim,

diversas entidades, que desempenham um papel específico na cronologia deste ciclo.

Para lá da noção de equipa, já enunciada no Capítulo 1.1), referente à procura do

designer aliar diferentes tipos de conhecimento, de diferentes áreas – constituindo uma

equipa de trabalho – desta feita, falamos de uma grupo, igualmente variável consoante o

projecto de que faz parte, constituído por agentes de diferentes meios, com diferentes

objectivos, de forma a acompanhar toda a evolução do objecto.

Para efeitos futuros, no debate que levaremos de seguida, ao longo deste

Capítulo, iremos tomar como exemplo a organização de intervenientes mais comum na

contemporaneidade, associada a um percurso normalizado de um objecto – desde o seu

estudo e concepção, produção, passando pela distribuição, venda e utilização. Como tal,

iremos focar as nossas atenções, nos pontos de análise que se seguem, sobretudo sobre o

papel do designer, do produtor, do comerciante e, por fim, do utilizador, abarcando

simbolicamente e de forma simples, as etapas do ciclo de vida de um produto – ainda

que sejam muitos mais os actores que desempenham importantes papéis no processo de

design.

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1.3.1) O papel do designer

Feita a contextualização dos papéis intervenientes no processo de design, e

compreendida também a centralidade da figura do designer, que se destaca quase

enquanto elemento protagonista deste enredo, iremos neste ponto, analisar o porquê da

sua existência e que características o definem. Tal como referido aquando da definição

do conceito de Design, estes conceitos (nomeadamente o de designer) encontram-se

rodeados de alguns mitos e preconceitos, sendo um deles, o facto de que os designers

eram (e continuam ainda a ser, perante alguns) percepcionados como ‘desenhadores de

formas’, dotados de capacidades limitadas ao embelezamento de produtos previamente

pensados e estruturados por outrém. No entanto, e como já anteriormente defendido, o

papel do designer é muito mais do que o mero exercício de pensamento na forma, linha,

cor, textura, a par da excelência do domínio técnico e material.

Bem para além, da mais ou menos linear procura, por uma solução para uma

questão, existe toda uma colecção de ideias, valores, perspectivas socio-políticas, viva

dentro de cada designer. Este, não é uma ‘tábua rasa’ que roboticamente executa tarefas

em cadência de excepção. É antes, um ser humano, criativo, que paralelamente à

resolução dos problemas propostos, introduz variantes que lhe são intrínsecas, dando

contornos pessoais, seus característicos, ao projecto que desenvolve. O depósito e

confronto de novas problemáticas, deixadas por cada designer, na mesa redonda que é a

discussão projectual de problemas sociais e humanos, enriquece o seu estudo e

evolução, com a particularidade de cada ponto de vista e vivência.

José Saramago (1922 – 2010), um dos expoentes máximos da palavra e da

cultura portuguesas, declara, em certo ponto56, a sua obrigação de dar tudo quanto era

de si, em cada livro que escrevia, perante a sociedade que o acolhia (ou, mais

propriamente, que o filiava enquanto cidadão português). Afirmou que, enquanto

cidadão, escritor, por insignificante que fosse, o seu papel era escrever, e como tal, teria

que actuar perante a sociedade dessa forma, colocando nas suas histórias, tudo aquilo

que era – o autor define assim a sua obrigação e responsabilidade perante o seu trabalho

e perante os seus leitores. O papel do designer será semelhante. Transportar todo o seu

âmago para cada um dos seus projectos, actuando, em consciência perante a sociedade

que o abarca. O produto, em última instância acaba por ser a assinatura do designer, o

56 José e Pilar. Lisboa : JumpCut, 2010. 1 filme digital.

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seu testemunho de actuação – mais ou menos rectilínea e íntegra – e a materialização

dos valores etéreos que o moldam.

“O designer está numa posição em que têm que ser tomadas dificeis decisões morais e éticas. E há muitas formas diferentes de lidar com este dilema ético (...) Alguns venderam-se a um empregador e continuam a desenhar artigos de luxo, para uma pequena classe privilegiada. (...) Outros compreenderam que as mudanças sociais nos últimos dez anos proporcionam agora novas oportunidades para os designers”57

Temos assim, subjacente à profissão de designer industrial, uma forte noção de

ética e responsabilidade, que terá de monitorizar e prever, constantemente, as

consequências dos actos e decisões tomadas. Não é mais possível, perante o cenário

caótico da actualidade – aos mais diversos níveis, desde a economia ao meio ambiente –

produzir e materializar projectos impensados, caídos num vácuo de significação, valores

e normas. Para lá do eventual contrato com o cliente/industrial (no fundo, o seu

mecenas, que orientará, em parte, o decorrer da evolução do objecto) o designer também

se encontra instantaneamente implicado com o seu cliente final, o utilizador – a

sociedade.

Motivado pela projecção de uma possível mudança – que outros, sob diferentes

sustentos cognitivos, parecem não ver – de um presente conhecido, para um futuro

optimizado, o designer é mediador e agente de mudança e utiliza o desenho como forma

de comunicar. O desenho é parte integrante do processo criativo do pensar de um

produto e é uma das formas de expressão e de diálogo utilizado pelo designer, para

chegar junto de outros elementos, de diferentes áreas de actuação. Não é apenas do

desenho, e da sua capacidade de traduzir graficamente uma ideia que o designer se

mune para comunicar com as diferentes áreas de estudo com que trabalha

paralelamente. Isto é, ainda que cada área se encubra de códigos linguísticos e modos de

fazer próprios (factor que dificulta a comunicação livre entre cada uma delas), o

designer é o elemento de união destas diferenças. Graças ao facto de o Design abranger

e tocar várias áreas de trabalho, o designer desenvolve a capacidade de comunicação

generalizada com qualquer elemento que faça parte do processo projectual. Como um

57 Tradução livre de “The designer is in a position where difficult moral and ethical choices have to be made. And there are many different ways of dealing with this ethical dilemma.(…) Some have sold out to an employer and continue to design luxury items for a small privileged class. (…) Others realized that the social changes of the last ten or so years are providing new opportunities for designers” PAPANEK, Victor – Design for the real world. 2ª ed. London : Thames & Hudson, 2009. p. 38.

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intérprete, unifica, compreende e atribui sentido às redes de comunicação desenhadas

desde o artesão ou o industrial, o engenheiro ou o antropólogo, por exemplo. Poder-se-á

dizer que ele fala a língua das várias disciplinas em que se apoia e complementa – neste

que é, definitivamente, um trabalho de equipa. “Um dos seus primeiros objectivos será,

pois, o de reagrupar sinteticamente os dados extraídos das informações recebidas dos

diversos investigadores, técnicos, estatísticos, peritos do mercado e das técnicas de

laboração, de modo a poder tirar as conclusões que lhe permitam descobrir o tipo de

produto a projectar.”58

O domínio do designer de produto é predominantemente fisíco e material, vive

em experimentação e construção palpável, testando os limites e capacidades dos

materiais que utiliza, mas também o é conceptual. Ele não se encontra apenas apto a

desenhar produtos, entidades corpóreas, mas também espaços, conceitos, sistemas,

soluções imateriais, que resolvem – tanto quanto os objectos que projecta – as

necessidades do ser humano, optimizando a sua qualidade de vida. Não obstante, seja o

produto final material ou imaterial, o designer, terá inequivocamente que planificar e

estudar todo o processo das tarefas produtivas para o atingir, pensando toda a complexa

cadeia de produção e os seus intervenientes.

É também aqui que reside um pouco a diferença fundamental entre o designer e

o artesão – um outro fazedor de objectos, que poderá ser leigamente acoplado ao ideal

genérico que temos de um designer. Este último, tem sempre diante de si uma

planificação do processo metodológico de trabalho bastante abrangente – projectando de

antemão, e com muita dedicação à investigação e estudo das variantes implicadas na

equação em causa. Enquanto que o artesão, através da sua destreza e habilidade,

conjuntamente com o conhecimento secular que herda dos seus antepassados, constrói,

com os recursos que dispõe, um objecto que não esconde muita pesquisa ou prospecção

da futura utilização. Não queremos com isto dizer que os produtos artesanais são

impensados e distantes da necessidade a que se aplicam, são sim, fundamentados pelo

saber fazer, que se destina a uma utilização específica e já instituída – limitada e

moldada pelos recursos cognitivos e materiais (característicos e referentes a um local)

do artesão. O designer de produto, enquanto profissional, começa, por sua vez, a

adquirir os conhecimentos que lhe são essenciais no meio académico – em

universidades e instituições especializadas. No entanto, verdadeiro conhecimento, mais

58 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 97.

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relacionado com questões práticas e reais, vai sendo reunido ao londo do tempo em que

desenvolve os seus projectos e contacta com os diversificados elementos que poderão

integrar as suas equipas.

“Para que um desenhador possa ser verdadeiramente capaz de realizar um projecto, não limitado ao simples objecto, mas que se desenvolva numa vasta gama de produtos, e tomando em consideração todas as exigências sociais, económicas e artísticas que lhes estão subjacentes, convém – é até indispensável –, que tenha recebido um ensino completo, constituído por anos de estudo ‘undergraduat’e (que poderão já ser de ‘especialização’), seguido de um período de estudos ‘superiores’ (dos três aos cinco anos) que lhe dêem uma panorâmica completa dos complexos problemas que terá de enfrentar.”59

Podemos então tentar sumarizar algumas das características que parecem ser

essenciais a um designer de produto. Ele deverá responder por características de

observação, análise e inventividade/criatividade, terá também que conhecer e

relacionar-se com dados históricos, conhecendo as raízes da profissão que desempenha,

que irão fundamentar o seu trabalho, as suas pesquisas e soluções (de forma a aprender

com os aspectos positivos e não repetir os negativos). Paralalelamente, deverá conhecer

e dominar os materiais e as técnicas e modos de fazer, que poderão ser aplicados nos

seus projectos, estando sempre a par das evoluções sofridas, de forma a acompanhar o

seu tempo e poder apresentar, graças a elas, soluções inovadoras.

Como já debatido anteriormente, terá também que ser capaz de comunicar e

relacionar-se activamente com os elementos com quem trabalha e com os futuros

utilizadores dos seus produtos, conhecendo a sua realidade e o seu meio envolvente.

Deverá, então, dominar noções culturais, etnográficas e antropológicas, espácio-

temporais (do regionalismo à globalização), industriais e artesanais, tecnológicas,

ambientais (tomando plena consciência das consequências dos seus actos e dos produtos

que expele para o universo cada vez mais sobrelotado de objectos) e políticas.

Para além das suas competências técnicas e cognitivas, o designer terá também

que se destacar pela sua sensibilidade, de forma a detectar problemas, que outros, de

forma marginal, deixariam intocados.60

Agora, já mergulhados nos deveres e caracterização do que podemos entender

por designer de produto, presenciamos a crescente complexidade que estes encaram,

perante o caos de mudança que assistimos na actualidade, numa mecanismo imparável 59 Ibid., p. 98. 60 Para mais detalhes, acerca da definição e características de um designer, consultar o Anexo 3.

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de acontecimentos radicais. A necessidade de constante actualização a uma enciclopédia

sistematicamente renovável de evoluções tecnológicas, torna quase impossível a

dedicação a outra matéria em paralelo. Os designers, perante este movimento

transitório, de mudança de cenário nos bastidores da teatralidade do real, precisam

definir a sua posição e demarcar a sua própria caracterização, independentemente de

qualquer fórmula aqui anunciada. Como debatido ao longo de todo o Capítulo 1.1), o

Design encontra-se sob a incerteza de uma nova definição, e como tal, também os seus

intervenientes repensam a sua posição e pertinência.

Com uma cada vez maior consciência e conhecimento factual do seu peso na

sociedade61, os designers têm que envergar gradualmente novas formas de actuar,

menos nocivas, mais orientadas para uma economia do capital e de materiais, apostando

na força laboral do Homem – criando empregabilidade – e mais focada na sua origem

regional, valorizando os bens locais e a comunidade. (Focamo-nos aqui em apenas

alguns tópicos que parecem, aos poucos, ganhar algum relevo no panorama globalizado

da discussão de que será o Design, e de que preocupações se deverá encarregar, devido,

precisamente, ao extravasamento de coportamentos e opções menos correctas ao longo

dos anos.) Acima de tudo, deverá haver um respeito máximo pelo consumidor, para

aquele para quem projectamos um produto (visto que, até o próprio designer, é também

ele um consumidor, e pode relacionar-se com a experiência e as eventuais

necessidades). Ao respeitar o utilizador, o designer respeita simultaneamente o produto,

cria-o em honestidade. Ou, nesta relação de honestidade, reconhece a necessidade desse

silêncio, desse vazio de materialidade, solucionando o problema em causa de uma forma

alternativa a mais um objecto.

O designer não pode exercer a sua profissão como forma de se auto bajular, para

provar as suas capacidades e perder-se numa criação tonta, descabida, reflectora de si,

sem verdadeira consideração por ela mesma e pelo utilizador. Ele tem que fazer a sua

escolha – viver e servir o mundo real, ou continuar, num mundo virtual, como autómato

de vontades espontâneas, quer suas, quer dos seus clientes/produtores/industriais,

tornando-se subserviente do espírito da indústria e acima de tudo do consumismo

desenfreado e capitalismo feroz, ansioso pelo crescimento imparável.

61 “There are professions more harmful than industrial design, but only a very few of them. And possibly only one profession is phonier. Advertising design, in persuading people to buy things they don’t need, with money they don’t have, in order to impress others who don’t care, is probably the phoniest field in existence today. Industrial design, by concocting the tawdry idiocies hawked by advertisers, comes a close second.” PAPANEK, Victor – Design for the real world. 2ª ed. London : Thames & Hudson, 2009. p. [ix do Prefácio].

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1.3.2) O papel do produtor ou da indústria

Neste ponto, encontramo-nos já introduzidos à temática da diversidade de

intervenientes do processo de design, como também ao facto de que, neste esquema

sequencial – numa tentativa de organização cronológica, tanto quanto possível, referente

ao momento da assunção do papel desempenhado por cada elemento, neste esforço

colectivo – encontramos num patamar quase equivalente ao do designer, o produtor

(industrial ou manufactureiro) do produto que avistamos como final. Consideraremos

como produtor, a pessoa ou empresa que se responsabiliza e caracteriza pela produção62

de determinado bem, a partir dos recursos que possui e domina; aquele que constrói;

fabricante.

Como pudemos ver atrás, o cliente (e/ou produtor), habitualmente responsável

pelo briefing63, estabelece uma estreita relação com o designer. Isto é, no processo de

criação e desenvolvimento habitual de um produto, podemos depararmo-nos com dois

cenários possíveis – o designer estabelece os seus próprios objectivos e metas (o seu

briefing), assumindo o controlo das decisões intrínsecas ao produto e do

desenvolvimento do mesmo (podendo ou não tomar a iniciativa de se aliar a um

produtor ou patrocinador externo). Com maior frequência temos que a definição dos

limites e parâmetros que o produto deverá seguir, são da responsabilidade e almejo de

uma entidade externa – o cliente, recorrendo ao designer, com a encomenda para uma

necessidade (geralmente, de comercialização). Num dos cenários mais genéricos, este

cliente, detém também capacidades de produção de determinado bem (é um produtor)

associando-se portanto a um designer, para que este trabalhe, sobre as suas matérias-

primas e estruturas produtivas. Aqui, é o produtor, que prime o gatilho, que é o mote

para o desenvolvimento de todo o processo.

Temos então que, o produtor poderá aparecer precedendo o designer, se for

simultaneamente o cliente original, que determina as características base de orientação

62 “(...) ‘producción’, vemos que el prefijo ‘pro-‘ parece denotar impulso o movimiento hacia delante (como en ‘promover’, ‘propulsar’, ‘proseguir’ o ‘proferir’). Al mismo tiempo, el sufijo ‘ducir’ (que también forma parte de palavras como ‘conducir’, ‘reducir’, ‘abducir’, ‘inducir’, etc.) expresa la idea de ‘llevar’ o ‘conducir’, y está etimológicamente vinculado a las nociones de ‘tirar de’ o ‘traer’. (...) la palabra ‘producción’ (del latín ‘productĭo,-ōnis’) alude tanto a la acción de ‘producir’ (...) como al efecto que resulta de la misma: la cosa producida” GUADIX, Juan Carlos Ramos [et al]. – Ensayos sobre reproductibilidad. Granada : Editorial Universidad de Granada, 2008. p. 40. 63 Entendamos briefing como a delimitação e explanação da intenção e requisitos necessários à concepção de um determinado produto. Nele, encontraremos toda a informação base, necessária para a projecção de um objecto – nomeadamente qual o produto prentendido (ou necessidade/objectivo), qual o seu conceito e origem, para quem se destina, e que a recursos poderá recorrer.

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do produto, actuando em paralelo com o designer daí em diante. Poderá, no entanto, ser

apenas o detentor de matéria-prima ou mão-de-obra (humanizada ou mecanizada),

passando a actuar neste processo, aquando da construção material do produto

propriamente dito.

Analisando agora, de forma regressiva, o desenvolvimento do conceito de

produção e trabalho associado, facilmente concordamos que esta, começou por ser uma

realidade individualista (não havendo a noção de sindicato ou união de trabalhadores,

mas apenas cidadãos, dispersos num colectivo, desempenhando as suas funções). Era

também escassa a divisão do trabalho, bem como a recorrência a maquinaria – sendo

esta apenas uma ferramenta de auxílio do trabalhador – num esquema de produções

próprias, não dependentes de entidades empregadoras. Este cenário foi evoluindo, até

aos dias de hoje e o trabalhador, é hoje, na grande maioria dos casos, uma frágil

ramificação de uma entidade patronal, e também um mero auxiliar das máquinas,

perdendo o seu lugar de primazia para a tecnologia. A tendência, a que temos vindo a

assistir, é dispensar cada vez mais trabalho ‘muscular’, trocando-o por um mais

robótico. 64

Seguindo a deixa histórica relativa à produção, é ainda de salientar o facto de

que, em grande parte graças à pouca cultura material e à clara escassez de possibilidades

de escolha e comparação, ou seja, ao desconhecimento do produto por parte dos

consumidores, os produtores ganhavam uma liberdade de actuação inquestionável. Uma

vez que não havia alternativa ao que determinado produtor colocava no mercado, este

poderia seguir somente as suas vontades e ímpetos, ignorando toda e qualquer

preocupação com o seu cliente. A mera preocupação com a rentabilidade deixa

gradualmente de ser a única protagonista, à medida que os produtores se aliam aos

designers, procurando levar aos seus clientes o melhor produto possível, de forma a

vencer a feroz batalha da competitividade e concorrência. A preocupação com o cliente,

encontra-se agora no topo das prioridades. A competitividade é neste momento tão

intensa, que a preocupação com o bem estar e satisfação do cliente, outrora ignorada,

pode agora determinar o sucesso ou o fracasso de um produto novo. 65

Ainda dentro da esfera dos deveres e características do produtor, podemos

evidenciar a incontornável necessidade de que este, domine na sua totalidade os

64 Para descrição e maior detalhe da evolução das várias eras de produção, consultar o Anexo 4. 65 “Because competition is so intense, issues of user satisfaction that manufacturers once ignored can now determine the success or failure of a new product.” MARGOLIN, Victor – The politics of the artificial : essays on design and design studies. Chicago : The University of Chicago Press, 2002. p. 39.

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métodos e materiais que utiliza, bem como a sua aplicação prática na produção de

objectos específicos. A escolha dos materiais e do método de produção, devem

coordenar-se em perfeita harmonia e racionalidade, uma vez que são interdependentes,

deles incorrerão consequências. Tal como o designer tem que ser fiel ao objecto,

pensando nas formas correctas de chegar ao produto que projectou, de forma a não trair

a forma – fazendo uso da matéria-prima e formas de trabalhar para um produto coerente

e fiel à sua conceptualização – também o produtor terá esta obrigação. Indepentemente

das optimizações que terá que aplicar ao produto, limando os pormenores de mais difícil

execução, o produtor tem que ter a consciência de que desenhará consequências

estruturais no produto, por cada acção sua.

A própria evolução tecnológica dos modos de fazer, que sentimos cada vez mais

presente nos dias de hoje, introduz novos sabores ao objecto, tornando-o renovado,

através da experimentação de novos conhecimentos e descobertas.

A constante procura pela inovação e diferenciação, está também intrinsecamente

ligada com os factores de competitividade discutidos. Todas as pequenas ramificações,

que de alguma forma fazem parte do círculo existencial de um produto, servem como

forma de o distinguir, promover e caracterizar como único desejável. “Antigamente

bastava ao capital produzir mercadorias, o consumo sendo mera conseqüencia. Hoje é

preciso produzir os consumidores, é preciso produzir a própria demanda.”66 Hoje,

todos os factores envolventes do produto têm que ser pensados, desde a ideia que o

origina, até à sua produção e publicitação, de forma a, muitas das vezes, criar

necessidades e emergências de posse, não existentes até então. É desde a etapa da

produção que são, hoje em dia, criados artifícios de atracção e ‘cosmética’ sobre os

produtos, de forma a atrair os possíveis utilizadores. Se estes eram menosprezados pelos

produtores em outros tempos, são agora, a sua maior preocupação.

66 BAUDRILLARD, Jean – À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o surgimento das massas. trad. de Suely Bastos. 4ª ed. Brasil : Editora Brasiliense, 1985. p. 16.

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1.3.2.1) A industrialização e a produção em série

Como brevemente anunciado no capítulo anterior, temos que, a produção de um

objecto, o seu fabrico, poderá ser alcançado através de duas possíveis alternativas – o

trabalho manual, fruto do esforço humano e, como tal, de cariz artesanal ou segundo

vias mecanizadas, com intermediários robotizados, obtendo assim, um produto

industrial nascido nos braços mecânicos da indústria.

Para que a contextualização da produção industrial seja mais clara, é necessário

regressar às suas origens. Sendo claramente aceite como o ponto de viragem de uma

sociedade ligada à agricultura e ao trabalho humano, para uma nova realidade

mecanizada, a Revolução Industrial67 marca um período de fortes mudanças estruturais,

que se viriam a reflectir em todos os campos sociais. O aparecimento da máquina a

vapor e a consequente mecanização dos mais variados sectores da vida laboral,

desencadeou o aparecimento de uma nova sociedade e um novo Homem – um Homem

modernista. O gosto pela máquina, pelo seu ruído e eficiência cedo se torna numa

obcessão e na forma predominante de actuar. A máquina surge como substituta do

trabalhador – pretende alivia-lo dos trabalhos mais penosos, optimizando ao máximo a

produtividade e eficiência. Como consequência origina, no entanto, o seu afastamento

cada vez maior do ciclo produtivo.

O consumo e o valor do produto, são as grandes maiores preocupações nesta

nova e crescente sociedade capitalista. Criam-se linhas de montagem para que o tempo

de produção seja reduzido ao minímo, e o provento atinja os seus máximos. O trabalho

mecanizado ganha a cronometragem, dignifica a produtividade, sacrificando os

operários, que se tornam meros auxiliares escravizados das máquinas. Assiste-se então a

uma cada vez maior desumanização do trabalho.

“As fábricas atraíam os trabalhadores de comunidades agrícolas para cidades rapidamente superlotadas, e os artesãos perderam a sua independência e o seu orgulho no que faziam. O filósofo social Karl Marx descreveu a crescente desigualdade económica entre ‘os donos dos meios de produção’ e ‘os

67 Por Revolução Industrial, compreendemos o conjunto de mudanças iniciado em meados do Século XVIII, em Inglaterra, disseminando-se global e progressivamente no Século XIX. Fortes mudanças tecnológicas afectam os processos produtivos, a economia, e toda a estrutura social existente. As cidades, de novos contornos fabris e crescimento exponencial, transformam-se, recebendo cada vez mais novos operários, alterando a fisionomia dos países, que passam a ter interiores desertificados ao abandono. As distâncias a percorrer diminuem e a forma de transporte de pessoas e mercadorias cresce, com as ligações por ferrovias e comboios.

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trabalhadores’ que tinham que vender o seu trabalho. A indústria roubou à Terra recursos insubstituíveis e começou a poluir o ambiente com uma extensão ainda sentida nos dias de hoje. A moeda que regulava o crescimento na época era o capital.”68

O entusiasmo dos modernistas e futuristas celebra-se no movimento da máquina,

na sua força e vigor, destacando-os – “(...) livres modernos, que acreditamos no

radiante esplendor do nosso futuro.”69 – dos ‘escravos da tradição’, opostos à

reverência da máquina e da tecnologia. No entanto, o encantamento mecânico e de

multiplicação vivido no modernismo ao longo do Século XIX, tornando-se maior que si

próprio. O intuito original da produção industrial, que inocentemente anseia pela

consecutiva reprodução de objectos, para todos, prospera e extravasa para além do seu

controlo e conceito primário.70

A insana reprodutibilidade começa a exceder largamente as necessidades do real.

Nomeando o capital protagonista e principal objectivo deste sistema de produção, é

virtualmente necessária a contínua (re)produção de objectos, para que o lucro seja

sempre crescente. É a par deste ritmo autómato que urge a criação de métodos de

encantamento, para que seja mais do que a verdadeira necessidade utilitária, a razão da

constante compra de novos objectos. De forma a atrair o consumidor, promover o

sistema de circulação e de troca, e garantir um constante número de vendas, altera-se o

paradigma do consumo, instituindo-se noções de ‘moda’ e ‘tendência’, num ritmo de

constante renovação de necessidades inexistentes. Falamos portanto, de marketing e de

obsolescência programada.

68 Tradução livre de “Factories attracted workers from agricultural communities into quickly overcrowded cities, and craftsman lost their independence and pride in what they did. The social philosopher Karl Marx described the increasing economic inequality between ‘the owners of the means of production’ and ‘the laborers’ who had to sell their labor. Industry robbed the earth of irreplaceable resources and started to pollute the environment to an extent still felt today. The currency that regulated growth at that time was capital” KRIPPENDORFF, Klaus – The semantic turn : a new foundation for design. London : Taylor & Francis Group, 2006. p. 13. 69 BERMAN, Marshal – Tudo o que é sólido desmancha no ar. trad. de Carlos Felipe Moisés e Ana Marial L. Ioriatti. 2ª ed. São Paulo : Editora Schwarcz, 1986. p. 23. 70 Também Paulo Parra, se debruça sobre esta problemática, e adverte que “O poder das máquinas é certamente motivo de discussão polémica uma vez que parte dos seres humanos têm dificudade em se afastar das teorias antropocêntricas em que qualquer visão do mundo está sempre centrado no Homem, mas que as máquinas podem ter domínio sobre a vida não é discutível pois basta pensar nos sistemas técnicos de saúde ou de guerra, e na sua capacidade de manter ou tirar a vida para que a nossa consciência seja mais real.” PARRA, Paulo – Design simbiótico: cultura projectual, sistemas biológicos e sistemas tecnológicos. Lisboa : Faculdade de Belas-Artes, 2007. Tese de Doutoramento. p. 68.

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“Existem três tipos de obsolescência: tecnológica (é descoberta uma forma de produzir melhor ou mais elegante), material (o produto desgasta-se), e artificial (a morte da classificação do produto; ou os materiais são precários e irão desgastar-se num período de tempo previsível, ou determinadas partes mais significativas não são substituíveis ou reparáveis). (...) a obsolescência tecnológica aumentou (...) as mudanças vêm a um ritmo acelerado e furioso.”71

Um protudo poderá assim, enfrentar um precoce fim de vida, quer por desgaste

da sua imagem e estatuto (utilização social e de status) ou, muitas das vezes, pela

diminuta rentabilização dada à sua capacidade real de funcionamento (acelerando o fim

de vida do mesmo, para que possa rapidamente ser substituído).

Outra forma de incentivar o consumo ritmado e impensado, é a criação de novos

nichos e produtos de aplicação cada vez mais específica – levando a suscitar novas

falsas necessidades e hábitos de consumo. Estes objectos, fontes de informação e de

desejo, terão que primar, obrigatoriamente, pela novidade e criatividade. Exigem-se

constantes novos produtos, que se destaquem ainda que pela mais ínfima e superficial

particularidade. Esta forma sub-reptícia de criar um sistema contínuo de consumo,

justifica a instabilidade formal, de alguns dos produtos que se posicionam no mercado

de forma totalmente gratuita e impensada. Está também na base da actual total

vulgarização, desacreditação e desrespeito perante os objectos e pela cultura material. O

constante progresso tecnológico, tem também grande parte nesta incessante chegada de

novos produtos, desafiando os limites dos seus precedentes e concorrentes.

“O consumismo – esta perigosa condição entrópica que tende a dominar a economia e a mentalidade do homem ocidental – fez que, por parte do próprio utente, os valores intrínsecos dos objectos fossem menosprezados em relação aos valores meramente hedonistas e formais, com a imediata consequência de uma decadência de qualidade estrutural e técnica dos objectos. Chegou-se mesmo a falar de uma «crise do objecto», e alguns até vislumbraram um furuto próximo em que se verificaria o desaparecimento do objecto e a sua integração em circuitos e sistemas mais complexos. Na realidade, estamos longe do desaparecimento do objecto.”72

71 Tradução livre de “There are three types of obsolescence: technological (a better or more elegant way of doing things is discovered), material (the product wears out), and artificial (the death-rating of a product; either the materials are substandard and will wear out in a predictable time span, or else significant parts are not replaceable or repairable). (…) technological obsolescence has increased (…) changes have come at a fast and furious pace.” PAPANEK, Victor – Design for the real world. 2ª ed. London : Thames & Hudson, 2009. p. 34. 72 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 108.

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Como tem sido reforçado, a palavra produto não deverá, simbolicamente, ser associada

ao seu carácter de singularidade quando associada à noção de produção industrial –

deverá sim, surgir na sua forma plural, enquanto parte de uma colectividade composta

de elementos seus semelhantes seriados – de reproduções. “Ao contrário do ‘único’, que

fala da sua origem história e tradição pela qual sobrevive, o reproduzido industrial

surge, na sua perfeição sem passado nem futuro, como que sem momento histórico de

fundação. A reprodução industrial da ‘série’ recusa a morte que ameaça o ‘único’.”73

Todas as fases do trabalho em série devem ser cuidadosamente estudadas e

planeadas, de maneira a que não ocorra nenhum erro e que a rentabilidade seja máxima.

O conceito de produção em série, mais do que aos produtos em si, diz respeito so

sistema e metodologia de produção.

Ainda que tenhamos anteriormente definido o conceito de Design (Capítulo

1.1)), parece-nos vital reaviva-lo aqui de novo, à luz da especificidade da temática

industrial. Visto que a profissionalização do designer, reconhecido perante a sociedade

enquanto tal, se encontra mais associada ao período mecanizado, facilmente se define o

Design enquanto industrial. É certo, que a definição de design industrial é algo bem

mais definido e acordado pela sociedade e pelos intervenientes neste processo, do que a

definição de design, na sua acepção mais ampla e abrangente. É clara a demarcação da

origem e da área de actuação do design industrial, uma vez que se prende com o

surgimento da própria industrialização.

“O que se exige para poder considerar que um objecto pertence ao desenho industrial é: 1) a sua fabricação em série; 2) a sua produção mecânica, e 3) a presença nele de um quociente estético, devido ao facto de ter sido inicialmente projectado e não a uma sucessiva intervenção manual. Eis por que razão não é licito pensar em desenho industrial em relação aos objetos pertencentes a épocas anteriores à revolução industrial, (...) existe sempre um momento de projeto, de criação pelo desenho, e um momento repetitivo de produção mecanizada e em série.”74

O design industrial é um dos maiores contribuidores para a competitividade

económica global, pela sua constante prontidão ao levar sempre novos e apetecíveis

produtos ao utilizador, presa do jogo comercial e de marketing. Na sua definição de

design industrial, Gillo Dorfles (1910), avança ainda que é essencial o “(...) elo de

73 GUADIX, Juan Carlos Ramos [et al]. – Ensayos sobre reproductibilidad. Granada : Editorial Universidad de Granada, 2008. p. 174. 74 BERMAN, Marshal – op. cit., p. 12.

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conjunção entre o domínio da estética e o da produção; ao ponto de nunca ser possível

prescindir de um elemento publicitário e de atracção comercial, mesmo quando pode

parecer mais rigorosamente respeitado o único imperativo da função e da ‘boa

forma’.”.75 Esta preocupação estética, poderá ser preconceituosamente tomada como a

única valência do design industrial. São vários os exemplos que, na actualidade,

concebem um designer industrial, como um elemento que irá aumentar a atractividade

do produto e, como tal, as suas vendas – e nada mais. A competitividade entre empresas

é extremamente violenta, de tal forma que a que apresentar o produto mais inovador

ganhará compradores em detrimento das suas concorrentes e verá o seu objecto elevado

num monopólio de posse e capital.

Outro factor, de grande importância, a considerar na discussão da

industrialização e do design industrial é o comprador, o utilizador. Qual a sua

identidade? Como se caracteriza? Se temos como fruto desta relação produtiva, uma

massificação de objectos (numa escala quantitativa por vezes quase inumerável),

teremos como consequência uma massificação de utilizadores. O público que recebe

cada uma das reproduções seriadas, é também ele, na sua individualidade, um elemento

seriado, ‘sem identidade’, parte de uma massa social.

Segundo Jean Baudrillard (1927 – 2007), não é possível chegar à definição deste

conceito de ‘massas’, uma vez que não lhes reconhece qualquer sentido ou

racionalidade, ainda assim o autor adianta a tentativa da sua caracterização.

“Todo o confuso amontoado do social se move em torno desse referente esponjoso, dessa realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, desse nada: as massas. (...) elas absorvem toda a eletricidade do social e do político e as neutralizam, sem retorno. Não são boas condutoras do político, nem boas condutoras do social, nem boas condutoras do sentido em geral. (...) Elas são a inércia, a força da inércia, a força do neutro (...) A massa é sem atributo, sem predicado, sem qualidade nem referência. Aí está a sua definição, ou a sua indefinição radical. (...) na massa desaparece a polaridade do um e do outro. Essa é a causa desse vácuo e da força de desagregação (...) é o que nela produz a impossibilidade de circulação de sentido.”76

A massa – colectivo de seres individuais – é precisamente a negação de cada um

deles; a sua associação retira-lhes qualquer particularidade, valor ou importância. A sua

força, reside na sua própria desestruturação e inércia, no seu peso fundamental, imutável

75 Ibid., p. 60. 76 BAUDRILLARD, Jean – À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o surgimento das massas. trad. de Suely Bastos. 4ª ed. Brasil : Editora Brasiliense, 1985. p. 5.

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e estático. A massa é o que resta quando se esquece tudo do social; é o aglomerado que

unifica todas as identidades, de cada um dos seres que a compõem, perdendo-as para o

seu anonimato impassível. Estas apenas se interessam por mensagens, signos,

estereótipos. Actuando como um todo, interessam-se apenas por vontades massificadas

– o que o que parece ser bom para um elemento, é desejável para todos os outros. A

quantidade e o desenvolvimento tecnológico tornam-se sinónimo de qualidade de vida e

como tal, são consumidos cada vez mais bens e gadgets (que por sua vez, são expelidos,

a uma velocidade imparável), cada vez da mais alta tecnologia.

Perdem-se valores de individualidade e diversidade de comportamentos e opções

para uma sociedade estandardizada77, e em crescente globalização. Enfrentamos agora

um mercado comercial e laboral mundial, que continua em expansão, absorvendo e

destruindo todos os mercados regionais seus ‘concorrentes’. Os gostos e necessidades

tornam-se progressivamente mais internacionais e exigentes, fazendo de todo o universo

um mercado disponível e uma propriedade comum de toda a humanidade. “Em lugar

das velhas carências, satisfeitas pela produção interna, enfrentamos agora novas

carências que exigem, para sua satisfação, produtos de terras e climas distantes. Em

lugar da velha auto-suficiência local e nacional, deparamos, em todas as direções, com

a interdependência universal.”78

Compreender e satisfazer os apelos das massas é subjectivo, visto que é esta que

se adapta a um gosto estipulado a ela apresentado, sedutoramente publicitado e

editorado. As massas não têm gosto nem palavra, são apenas receptoras e digestoras do

que lhes é imposto e responsáveis pelo cada vez maior alargamento da aceitação desse

novo produto. O consumo torna-se, neste sentido, num acto irreflectido e impulsivo, que

torna a aparente decisão do consumidor, em obrigação e o transforma num autómato.

Proliferam, sem lei, ‘objectos-detrito’, que não apresentam qualquer valor de útil, quase

que nem mesmo simbólico, apenas o impulso momentâneo da posse, tornando-os em

nada mais do que mera mercadoria, valores de troca representativos do jogo de capital.

A aura de diferenciação e unicidade do objecto perde-se durante o ritual de reprodução

sistemática e de consumo cego e desenfreado. O universo cultural e material enfrenta

um abismo de homogeneização e distanciamento social “(...) quanto mais numerosos

são os seres, menores são as possibilidades de que se relacionem ao nível dos valores

77 “O conceito de standard (ou de ‘norma-padrão’) surge, portanto, com o aparecimento da máquina como instrumento capaz de multiplicar até ao infinito um determinado modelo.” op. cit. 6, p. 31. 78 BERMAN, Marshal – op. cit., p. 119.

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pessoais.”79 e quanto mais numerosos forem os objectos, menos valor e aproximação

terão do utilizador e mais insignificantes e comuns serão.

Não queremos com isto dizer que deveríamos acabar com a tecnologia, com os

seus sucessivos avanços e com a produção mecanizada de bens. Tal cenário não parece

possível e nem tão pouco desejável. Este sistema tem apenas que ser repensado e

reavaliado para que mais importante que a tecnologia e a indústria, sejam as pessoas.

“No início o paradigma vigente era o ‘fazer’. Impulsionados pela idéia de progresso infinito, a meta principal era a produção. Quanto mais se fazia, mais se progredia, mais era vendido. Esse conceito era atrelado a outro igualmente importante: a demanda infinita. Acreditava-se que tudo que era produzido, potencialmente seria vendido, sem grandes empecilhos. Contudo, essa visão foi mudando. Descobriu-se a propriedade finita dos recursos naturais, mão-de-obra e também do consumidor. Crises mundiais ajudaram a que o pensamento sobre a produção mudasse. O paradigma foi se alterando: de ‘fazer’, tornou-se ‘fazer sob determinados fatores’.”80

Ganhou-se gradualmente consciência que qualquer acto, apresenta uma

consequência – e uma série de actos impensados, massificados, resultam num crescendo

de reacções incontroladas. O capital concentra-se cada vez mais nas mãos de poucos,

em grande parte, pela produção unicamente pertencente a grandes fábricas e empresas

de grande porte, em ritmos alucinantes, que recheiam cidades – cada vez maiores e mais

cosmopolitas, extrapoladas de trabalhadores migrantes – que se desertificam a cada

passar do dia, por apenas armazenarem vidas em horários operários. As pequenas e

médias indústrias locais entram em total colapso, tal como o comércio, e não

conseguem competir com colossos; produtores profissionais incansáveis e sequiosos de

novidade e capital. O monopólio é real e orquestrado por algumas grandes sombras

invencíveis.

O universo que nos rodeia, altera-se a uma velocidade estonteante e vibrante. O

Homem, protagonista desta história ‘darwinista’, embrenhado num cenário de constante

mudança, envolve-se também ele em rituais de metamorfose e evolução, a par dos

progressos tecnológicos. A expansão material e cultural esgotou-se no seu campo de

79 Tradução livre de “(...) cuanto más numerosos so los seres, menores son las posibilidades de que se relacionen en el nivel de los valores personalizados.” MOLES, Abraham A. – Teoría de los objetos. Barcelona : Editorial Gustavo Gili, 1974. p. 15. 80 PEREIRA, Vivian Gonçalves – O Design e o desejo: o sentimento de desejo e o poder de despertá-lo através do Design. São Paulo : Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes, 2008. p. 17.

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actuação, atingindo os limites do universal. Já não há mais território por onde

disseminar e equalizar noções de (pós-)modernidade.

A globalização veio para ficar e estende os seus braços aglutinadores em todas

as direcções. Unifica povos e culturas, em dimensões de excesso, até ao ponto em que

não podem ser associadas. Ameaça roubar a especificidade e particularidade de cada

cultura, misturando-as num todo, universalizado e normalizado. Permite uma

aproximação favorável entre distâncias outrora intangíveis, optimizando a comunicação

e o conhecimento entre diferentes povos. A aproximação destas diferentes realidades

tem que ser medida em consciência e respeito por cada cultura, sem que esta ‘diluição

de fronteiras’, tome o verdadeiro sentido do seu significado.

O caso nacional é exemplo de várias da consequências já aqui abordadas, desta

produção massificada, globalizada e industrial. Poucos são os exemplos de

sobrevivência de pequeno comércio e produção regional. As grandes fábricas

desmoronam esforços seculares de manutenção da cultura produtiva portuguesa,

nomeadamente a cultura material. Graças ao cenário caótico que o país enfrenta,

necessitando fortes mudanças estruturais, a aposta na produção nacional é cada vez mais

deixada para segundo plano. Consumimos uma grande maioria de bens, nos mais

diversos sectores, importados de outros países – sem que como equivalência haja a

exportação de produtos nacionais. Accionam-se fontes de gasto dispensáveis, como é o

consequente transporte de mercadorias pelo mundo, colocando em causa o ambiente, a

frescura e qualidade de alguns bens e a descaracterização do consumo e do comprador

português. Todo este constrangimento internacional que nos circunda, leva também ao

inevitável desinteresse por parte das camadas mais jovens – já não tão praticantes de

lavores e formas de fazer anciãs – pelos produtos nacionais, característicos, únicos, e

pelo saber que lhes está associado.

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1.3.2.2) O artesanato e as produções mecanizadas de pequena escala

Tendo-nos debruçado sobre a produção industrial e mecanizada, sentimo-nos

forçados a avaliar também a produção artesanal (ou que recorra ao escasso auxílio de

instrumentos mecanizados, para pequenas séries ou peças únicas) – forma alternativa de

produção de produtos e bens de consumo. Como observámos no capítulo anterior, os

primórdios da produção de objectos prendem-se com a sua obrigatória manufactura

(graças à falta e desconhecimento dos mais diversos recursos que damos hoje por

garantidos, sem equacionar a sua existência). “(...)resposta a necessidades funcionais

específicas, como, em muitos casos, só as supria mediante a encomenta e em número

limitado. A mais relevante razão por detrás desse fenómeno prende-se com o factor

‘técnicas de produção artesanais’ (não massificadas) e com a relação:

necessidade/procura/capacidade de produção.”81 No entanto, após o nascimento da

mecanização do trabalho e do seu crescimento desgovernado, tem vindo a predominar

largamente este forma mecânica de produção. Os trabalhadores enfrentam a realidade de

um cada vez maior afastamento da sua fonte de trabalho, estando subjugados à

maquinaria.

Tal como os seus antepassados, fiéis e dependentes da forma artesanal de

produção, poucos vão sendo já os seguidores que dão vida a esta tradição, na

contemporaneidade. A industrialização dos postos de trabalho veio facilitar os modos de

produção, bem como reduzir os custos do produto final, de forma inigualável. Como tal,

o produto artesanal revela-se sempre mais dispendioso, junto de um mecanicamente

fabricado (eliminando a parcela relativa ao custeamneto de mão-de-obra) – ainda que de

qualidade verdadeiramente superior – uma vez que depende das mãos, habilidade e

tempo de um artesão. “A obra de artesanal, pela sua própria natureza, é uma obra que

deve ser produto da ‘manufactura’; e isto mesmo nos casos em que haja intervenção

parcial de uma máquina.”82

O objecto artesanal não se rege por requisitos de exactidão, tal como o produto

industrial – o que num produto de uma série (que se supõe igual entre si) seria um

defeito e um erro de fabrico, num objecto artesanal constitui a sua individualidade e

81 SECCA RUIVO, Inês – Design para o futuro. O indíviduo entre o artifício e a natureza: Design Biónico, Design Natural, Biodesign e Design Simbiótico. Aveiro : Universidade de Aveiro, 2008. Tese de Doutoramento. p. 35. 82 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 33.

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característica própria de diferenciação. Aqui o limite de tolerância de concepção é bem

mais livre do que a sua oponente produção industrial. É este pormenor de excepção,

diferente de todos os outros pormenores que marcam cada peça, que lhe confere o seu

fascínio e a própria essência desta forma laboral. É a aura de beleza melancólica e de

autenticidade do objecto.

“À mais perfeita reprodução falta sempre algo: o ‘hic et nunc’83 (...) a unidade de sua presença no próprio local onde se encontra. E a esta presença, única no entanto, e só a ela que se acha vinculada toda a sua história, lembramo-nos também das alterações materiais que a obra pode sofrer de acordo coma sucessão de seus possuidores. (...) O ‘hic et nunc’ do original constitui aquilo que se chama de sua autenticidade.” 84

As noções de autenticidade e genuinidade só farão, assim, sentido quando

associadas a um produto artesanal – único e particular – e não a de um produto

industrial, dado o seu carácter de parelha. Mesmo que o objecto de origens mecânicas,

tente forjar uma aparência mais desregrada e similar à de um objecto de origem manual,

esta aproximação nada mais será, que uma falsidade para consigo mesmo, mantendo a

tosca repetibilidade mecanizada como sua fundação basilar.

O trabalho que brota das mãos de um artesão é único e irrepetível, nada será

igual ou comparável. Cada elemento será particular e distinto na sua essência, de todos

os outros. É na mão do artesão que reside toda uma história de saberes, de vivências e

de regionalismos; de heranças culturais e de pertença a um local, à sua comunidade e

história. “(…) a mão que está cheia de si mesma, que possui uma historicidade própria,

não somente porque traz em si toda uma vida de sensações, mas também porque traz

em si toda uma vida de vontade. [...] É por isto, por exemplo, que o pianista traz a

memória nas mãos (...) o homem está por inteiro nas suas mãos, que manifestam o

próprio estilo de relacionamento com o mundo.”85

Esta especificidade de cada produto reflecte-se em quem guarda o desejo de se

diferenciar. Não se contentando com a sua padronização e diluição por entre a paisagem

massificada, o Homem sente necessidade de se destacar e o produto obtido pelo trabalho

manual, proporciona-o.

83 Do latim, significando literalmente ‘aqui e agora’. 84 BENJAMIN, Walter – A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. p. 3. 85 GUADIX, Juan Carlos Ramos [et al.] – Ensayos sobre reproductibilidad. Granada : Editorial Universidad de Granada, 2008. p. 90.

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Como expresso anteriormente, o produto industrial implica um estudo cuidado

de projecção desde as primeiras etapas de concepção – tudo está milimetricamente

previsto e desenhado e não podem haver desvios do estipulado no momento da

produção final. Em oposição, o produto artesanal vai sendo construído, ao sabor do

trabalho, pelo artesão, que molda e faz gradualmente crescer a seu peça. No universo do

artesanato, não encontraremos portanto, uma metodologia de funcionamento geral,

como na produção industrial e na concepção do design. O conhecimento que cada

artesão deposita nas suas criações, advém de uma transmissão pessoal, intemporal, de

geração em geração. Como tal, este não é um conhecimento ou um modo de fazer

representável por uma fórmula globalizante, nem está codificado em signos ou

instruções de aplicação e actuação. Não encontramos no artesanato um conjunto de

procedimentos articulados, metodológicos, que orientem ‘universalmente’ o trabalho a

desenvolver, como no design.

Sumarizando, o aparecimento da era industrial, tem vindo a arrastar os sectores

artesanais para a total decadência. Num jogo de poder e influência, os produtos nascidos

em berços mecânicos, elevam-se junto do público em ícones de desejo de posse e status,

de baixo custo, com canais de distribuição e divulgação megalómanos. Esta é uma

concorrência desigual, em que se torna quase impossível competir.

O artesanato perece no dia-a-dia do seu esquecimento, ocupa os tempos do

artesão, dá razão à sua tradição e habilidade, e amontoa-se em exemplares de escassa

procura, que fazem o sorriso de um turista. Não há paralelismo possível, nem devemos

procurar tê-lo. Devemos sim, procurar não esquecer as raízes materiais que nos

sustentam, e que nos dão sabor de alma nacional, de povo profundamente rico e

singular.

Muitos são os ecos de descrédito de uma possível metamorfose e renascimento

do artesanato, acreditando-o demasiado elitista ou dispendioso ao cidadão comum – por

carregar em si, o peso do tempo do fazer e do saber de gerações. “(...) que cada época

tenhas as suas leis de mercado particulares e não é possível manter artificialmente

vivas as obras artísticas cuja razão de ser seja contrastante com as constantes sócio-

económicas da época em questão.”86 Visto como mera expressão floclórica de uma

cultura popular, parece não ter em vista alternativas de sobrevivência garantida. No

86 DORFLES, Gillo – op. cit., p. 35.

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entanto, e como poderemos ver no Capítulo 2),87 há já testemunhos que crescem em

tamanho e em força, que provam o contrário, e que tentam lutar contra a maré

industrializada.

Perante o cenário económico, político e social da actualidade é clara a urgência

de mudança, e muitos são os paradigmas estabelecidos até à data, que terão que mudar.

Um deles, é precisamente a forma de produção dominante que monopoliza e esmaga a

contemporaneidade e os seus recursos (materiais, capitais e ambientais). “É óbvio que

com recursos diminutos e uma população mundial crescente, o princípio da automação

e estandardização é um disparate absoluto; mesmo assim, ele é ainda o sistema

dominante no qual e ao qual nos temos que adptar como a propaganda generalizada

nos quer fazer crer.”88

Não sabemos, de facto, se seguir o caminho do trabalho manual, apoiando as

fortes heranças artesanais que carregamos, é a opção mais acertada a tomar. Não

poderemos ter a certeza de que o resgate do artesanato, e de produções mais pensadas e

cuidadas, em pequena escala, transformadas e actualizadas para a contemporaneidade,

irão ser a solução para o problema que enfrentamos. Mas, não deixa de ser uma hipótese

viável, e que merece consideração. Como lembra Paulo Parra, na sua investigação no

âmbito da tese de doutoramento, “(...) a mudança não é suficiente, pois como refere

Alfred North Whitehead: ‘Pode existir mudança sem sentido e sem progresso’.”, é

necessária uma mudança com significação e valor, que não se perca numa intenção

isolada, vazia de consequências efectivas e progressistas. Considerando esta veemência,

Paulo Parra acrescenta ainda (sob o cunho justificativo da história da evolução do

objecto) que “mais do que um grande salto fruto de um inventor genial, o grande

progresso deveu-se, durante milhões de anos, sobretudo ao trabalho de artesãos e de

mecânicos anónimos que com os seus esforços combinados eram responsáveis por

pequenos e sequênciados progressos.”89

87 Consultar o Capítulo 2.1.1), p. 68. 88 Tradução livre de “It is obvious that with diminishing resources and a growing world population, the principle of automation and standardization is absolute nonsense; nonetheless it is still the dominating system in which and to which we have to adapt as the propaganda everywhere would have us believe.” HÖGER, Hans – Design research. Milan : Editrice Abitare Segesta, 2008. p. 108. 89 PARRA, Paulo – Design simbiótico: cultura projectual, sistemas biológicos e sistemas tecnológicos. Lisboa : Faculdade de Belas-Artes, 2007. Tese de Doutoramento. p. 77.

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Parece evidente, a necessidade de um abrandamento do ritmo de vida e produção

que assistimos,90 valorizando novamente o que de mais importante guardamos na nossa

história e apreciando cada bem pelo seu valor intrínseco, restituindo o respeito e

verdadeiro valor à cultura material.

90 Tradução livre de “ ‘Slowless is fundamental to quality,’ says industrial ecologist Ezio Manzini ‘to appreciate quality, I have to take time.’ (…) Business shows some signs of a return to slowness – thanks in large part to a revalorization of time as an element of trust.” THACKARA, John – In the bubble : designing in a complex world. Cambridge : MIT: Massachusetts Institute of Technology, 2005. p. 41.

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1.3.3) O papel do comerciante

Percorrendo o trilho de cada etapa experimentada por um objecto, encontramo-

nos agora num estágio quase final – o momento da sua distribuição e comercialização

(no caso de se tratar de um bem comercial – neste caso, será esse o nosso ponto de

partida, uma vez que é o cenário mais recorrente). Esta é a fase imediatamente

procedente da fabricação do produto. Uma vez pronto, este terá já estabelecidos (pelo

designer ou pelo cliente, responsável pelo briefing) os locais onde estará disponível ao

acesso do público-alvo a que se destina. Os canais de distribuição garantem, portanto, a

chegada dos produtos aos variados locais de intermédio com os utilizadores (os espaços

comerciais).

Uma vez chegados ao espaço comercial, os produtos enfrentam pela primeira

vez o mundo real e as primeiras reacções dos futuros utilizadores, sob supervisão do

comerciante. Como tal, este, detém a responsabilidade da primeira reacção (presencial)

provocada pelo objecto no futuro utilizador. Falamos aqui de uma reacção presencial,

visto que, no encadeamento de acções comerciais habituais, o consumidor estaria já

previamente seduzido e superficialmente informado acerca do produto, através das

fortes campanhas publicitárias levadas a cabo, de forma a destacá-lo da sua

concorrência – aqui com a preciosa ajuda do design gráfico.

Nos segundos iniciais de confronto físico entre ambos, estabelece-se uma

reacção de extrema importância – de conquista ou de rejeição imediata – e este será,

inconscientemente, um factor de grande relevo na decisão final de aquisição do produto.

Temos então que, os espaços comerciais têm um importante papel neste jogo de

encantamento com o cliente (jogando com os mais diversos factores, desde onde colocar

o objecto, como colocá-lo, junto de que outros elementos, qual a sua acessibilidade,

entre muitas outras estratégias) e sobre eles podemos dizer que:

“Cumprem uma função de distribuição, oferecem ao indíviduo uma matriz de objectos (...) com uma estrutura forte, mas meramente estatística para o organizador do estabelecimento; a loja é um ‘mural sociológico’ repleta de objectos. O ser humano reflecte aqui a sua imagem, nos objectos, mediante o acto de eleição, e o vendedor mediante o acto de apresentação (...) A loja, como sistema de exibição, de cristalização do mercado, de criação de desejos, de satisfação de necessidades, é essencialmente

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‘pública’; é um mural social em que produtores (ou distribuidores) e consumidores se enfrentam: é um ‘interface’.”91

Está nas mãos do comerciante, uma parte do sucesso de adesão a um produto, ou

a sua falha de entrada no mercado de circulação. Ainda que toda a forma de actuação

esteja já previamente lançada e profundamente estudada, na tentativa de antecipar tudo

o que virá acontecer, tal como num jogo de estratégia, a reacção do consumidor revela-

se muitas vezes inesperada, dissolvendo, por vezes, todos os esforços preparatórios

desenvolvidos. É apenas no embate da realidade, junto do comerciante, no seu território,

que a decisão final é consumada. É aqui que termina mais uma derradeira fase do

produto, imediatamente precedente da verdadeira utilização do mesmo, onde finalmente

irá culminar todo o esforço da equipa de concepção.

91 Tradução livre de “Cumplen una función de distribuición, ofrecen al individuo un despliegue de objetos (...) con una fuerte estructura, aunque puramente estadística, para el organizador del establecimiento; la tienda es una ‘pared sociológica’ repleta de objetos. El ser refleja aquí su imagen en los objetos mediante el acto de la elección, y el vendedor mediante el acto de presentación.(...) La tienda, como sistema de exhibición, de cristalización del mercado, de creación de deseos, de satisfacción de necesidades, es esencialmente ‘pública’; en una pared social en la que se enfrentan productores (o distribuidores) y consumidores: es un ‘interfaz’.” MOLES, Abraham A. – Teoría de los objetos. Barcelona : Editorial Gustavo Gili, 1974. p. 40.

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1.3.4) O papel do consumidor/utilizador

Encontramo-nos agora, no último ponto da escala percorrida por um produto, em

tempo de vida útil e funcional. Podemos adiantar que posteriormente, apenas se segue o

fim de vida do produto (devido a uma falha técnica e estrutural, comprometendo o seu

funcionamento ideal ou, como já vimos anteriormente, a uma obsolescência prematura)

e a sua consequente transformação – estágio em que não nos debruçaremos nesta

análise, visto não ser relevante para as questões em causa neste estudo.

Uma vez experimentado o confronto entre o utilizador e o produto, no espaço

comercial, e resultando esta ligação um vínculo satisfatório, a compra é efectuada,

fazendo com que finalmente o desejo de posse e de consumo se cumpra. “(...) os seres

humanos não reagem às propriedades físicas das coisas – à sua forma, estrutura e

função – mas aos seus significados pessoais e culturais. (...) Claramente, é mais

importante o significado do que a função.”92

Como já anteriormente debatido, esta necessidade de compra, este desejo

impulsivo, resume-se à vontade momentânea, ao preciso segundo do acto de possuir, de

comprar. É nesta fracção temporal que se deposita grande porção da magia prometida

nas campanhas publicitárias, é a realização de um anseio inconscientemente plantado

em nós. Em ‘nós’, encerra-se a significação de todo um público consumidor,

maioritariamente massificado, ainda que dividido em grandes correntes nucleares

sociais e comerciais. Empresas e respectivas campanhas focam-se especificamente num

determinado público-alvo, um núcleo social, que pretende conquistar e

representa/deseja todas as características do seu produto. Podemos então dizer que o

consumidor, este ‘indíviduo’ em forma de massa, poderá fazer parte de esferas mais

pequenas de actuação consoante os seus pontos de interesse e características particulares

(dentro do cenário mais global, universalizado, compreendemos pequenos domínios,

mais específicos, ainda que igualmente massificados)93.

92 Tradução livre de “(…) humans do not respond to the physical properties of things – to their form, structure and function – but to their individual and cultural meanings. (…) Clearly, meaning matters more than function.” KRIPPENDORFF, Klaus – The semantic turn : a new foundation for design. London : Taylor & Francis Group, 2006. p. [Prefácio] 93 “(...) a prática das massas nunca teve imediatamente nenhuma relação (talvez nunca tenha) com as necessidades. Elas fizeram do consumo uma dimensão de ‘status’ e de prestígio, de promessa inútil ou de simulação (...) as massas põem à prova a economia, resistem ao imperativo ‘objectivo’ das necessidades e à ponderação racional dos comportamentos e dos fins. Valor/signo em vez de valor de uso já é um desvio da economia política.” BAUDRILLARD, Jean – À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o surgimento das massas. trad. de Suely Bastos. 4ª ed. Brasil : Editora Brasiliense, 1985. p. 25.

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Não queremos com isto, dizer que todos os produtos são pensados e projectados

para as grandes massas, havendo claramente grandes excepções, de relevo – e que com

isto o consumidor/utilizador, não passará sempre de uma partícula atómica de um puzzle

indecifrável. Assim, especificando, temos que, determinado produto direcciona-se a um

consumidor específico, entidade una (que poderá depois multiplicar-se em números

massivos de elementos seus semelhantes).

Ainda que o utilizador esteja directamente implicado no processo de criação e

concepção do produto, desde a sua raíz (uma vez que este é estudado à semelhança das

suas necessidades e desejos) a sua intervenção propriamente dita, a sua participação

física, queda-se a este momento, a utilização do produto. Ele finaliza este ciclo de:

projecção, concepção, distribuição e comercialização, que tem vindo a ser analisado por

intermédio dos intervenientes que o ‘representam’, ao, finalmente, dar uso ao objecto

que foi para si concebido.

Uma vez em posse do objecto, o utilizador pode manipulá-lo como melhor

entender – cumprindo os trâmites a que este estaria destinado, ou subvertendo por

completo os pressupostos, ao dar-lhe uma nova vida através de uma utilização renovada

e iventiva. Dir-se-ía que grande maioria dos objectos adquiridos cumprirão as funções

para as quais estão destinados, mas que uma grande porção estará a desempenhar algo

totalmente diferente do expectável. Mesmo, por vezes, já incapaz de cumprir a sua

demanda original, um objecto em fim de vida, poderá auxiliar o Homem a remediar

determinado vazio material que se proporcione – fazendo com que o velho objecto, sem

uso, ganhe uma vida renovada, reajustando-se a uma outra necessidade.

Ainda acerca da relação entre o utilizador e o sistema produtor e comercial,

podemos dizer que funciona numa lógica cíclica e interdependente. Isto é, o consumidor

– já programado neste sistema comercial viciado, de constante aquisição e substituição

– exige uma incansável renovação de produtos frescos e apelativos. “De facto, embora

seja necessário estabelecer uma diferenciação de fruição na cultura de massa, o

produto destinado a essa mesma fruição despersonalizada e niveladora tem

necessidade de uma certa diferenciação para ser aceite, pelo que uma incessante

exigência de produtos ‘individualizados’ e ‘novos’ é determinada pelo público.”94

Este é já o esquema de consumo estabelecido, reconhecido e defendido na

contemporaneidade. Mas se o é, é graças à constante afirmação desta forma de vida que,

94 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 90.

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ao longo dos anos, acabou por moldar o sistema comercial, e a forma como o utilizador

percepciona o produto e o papel que desempenha em sua presença. Nem só o utilizador

detém toda a responsabilização pela aceleração do consumo, acabando por ser uma

consequência cíclica da própria insanidade inovadora da investigação e produção

tecnológica e de ponta. “A taxa de inovação dos produtos, particularmente em

electrónica, continua a acelerar, e os utilizadores estão condicionados a participar no

processo através do melhoramento regular dos produtos existentes, ao adquirir outros

novos.”95

O hiato de separação e desconhecimento dos universos de consumo e do

consumidor, versus a produção e fabricação de um objecto é assombrosa. O Homem

contemporâneo vive numa total exclusão do fabrico e origem dos objectos que consome

e de toda a cultura. Este alheamento perante as fases constituintes do seu percurso,

constituem uma desconcertante preocupação, com consequências reais e danosas para

os tempos vindouros e as gerações futuras. “Nós não sabemos como é feito um bem de

consumo, desconhecemos as dificuldades da sua produção, como deve ser o seu

aspecto, o toque, o cheiro, ou quanto deve custar para além do lucro do intermediário.

Perdemos a arte de comerciar e, com ela, a solidariedade que devemos à vida na

oficina.”96

Em falha está também o reconhecimento da sua exiguidade perante um colossal

império de bens plastificados, materializantes de impulsivos caprichos de consumo, que

se multiplicam em expoentes inquantificáveis e ignora a sua limitação de escolha e a sua

estandardização num universo que, de tamanha vastidão, a escolha parece ser real.

“(...) liberdade programada, uma escolha entre possibilidades predefinidas. Escolho com base em prescrições Parece que a sociedade do futuro imaterial será dividida em duas classes: os que programam e os que são programados. Na classe dos que produzem programas e na classe dos que se regem por programas. (...) As teclas à minha disposição são de tal forma numerosas que as pontas dos meus dedos não conseguem tocá-las todas. Por isso, tenho a sensação de tomar decisões de forma absolutamente livre.”97

95 Tradução livre de “The rate of product innovation, particularly in electronics, continues to accelerate, and users are conditioned to participate in the process through regular upgrading of existing products and acquisition of new ones.” MARGOLIN, Victor – The politics of the artificial : essays on design and design studies. Chicago : The University of Chicago Press, 2002. p. 85. 96 MORRIS, William – Artes Menores. trad. de Isabel Dona Botto. Lisboa : Antígona, 2003. p. 165. 97 FLUSSER, Vilém – Uma filosofia do design. trad. de Sandra Escobar. Lisboa : Relógio d’Água, 2010.

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Seguindo as teorização de Guy Debord (1931 – 1994) e a sua noção de

espectacularidade do mundo98, podemo-nos afirmar já exteriores a uma sociedade da

acção, da ordem do fazer, afogados numa necessidade de sentir, ainda que de forma

efémera em ritmos viciosos insaciáveis. Pouco nos interessamos pela cultura material e

buscamos sempre novos segundos de desejo e posse realizados, construindo uma

sinfonia de objectos coleccionados inúteis, sobrevalorizados, e injustamente associados

à denominação de função, valor de uso ou razão de existência.

Tal como foi defendida a necessidade de repensar o papel do design, a sua

intervenção na sociedade, bem como de todos os elementos nele activamente

participativos, como consequência, o utilizador também deverá sofrer grandes

alterações relativas à sua aceitação, comportamento e reconhecimento do valor e

imporância da cultura material, que o rodeia e define, enquanto ser social.

98 “(…) o espectáculo é a forma mais desenvolvida da sociedade baseada na produção de mercadorias e no ‘fetichismo da mercadoria’ que daí decorre (...) este último conceito constitui a chave para compreender o mundo actual, onde o resultado da actividade humana se opõe à humanidade, a ponto de a ameaçar de extinção através de uma catástrofe ecológica ou da guerra.” JAPPE, Anselm – Guy Debord. trad. de Iraci D. Poleti e Carla da Silva Pereira. Lisboa : Antígona, 2008. p.13. Para mais detalhes acerca da complexa definição de ‘espectáculo’ por Guy Debord, consultar: DEBORD, Guy – A sociedade do espectáculo. trad. de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro : Contraponto. e JAPPE, Anselm – Guy Debord. trad. de Iraci D. Poleti e Carla da Silva Pereira. Lisboa : Antígona, 2008.

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2) O Projecto em Aberto – apresentação, fundamentação e caracterização de uma

abordagem alternativa à cultura projectual

Como história encadeada em cursos de acção e argumentação inter-

consequentes, encontramo-nos agora chegados ao último capítulo, o terceiro momento,

culminante de todas as problemáticas discutidas ao longo desta investigação. Este é o

capítulo-chave de aproximação de todos os temas questionados, tornando-os

transversais entre si mesmos e renovando-os numa perspectivação singular, através da

formulação de um projecto prático – desígnio físico, materialidade de alguns dos mais

merecedores e destacados assuntos discorridos.

O Projecto em Aberto, que conheceremos neste Capítulo 2), traz-nos uma nova

concepção cíclica de subcapítulos, cuja intenção é a mais íntima aproximação à sua

essência e à sua razão existencial. Tal como temos vindo a verificar, seguir-se-á um uma

sequência de temas ligados entre si, em relações de causalidade, que nos dão conta de

todo o desenvolvimento e pertinência do projecto prático que assegura as fundações

deste trabalho.

Conheceremos primeiramente a contextualização e justificação do Projecto em

Aberto – proposta prática desta investigação, almejando-se um aprofundar posterior de

todas as suas especificidades estruturais e constituintes. Inicia-se aqui uma viagem,

orientada sobre as expectativas e concretizações do Projecto em Aberto, dando-o a

conhecer ao leitor. Pretende-se aqui umafruição deste, através da percepção da sua

fundamentação; objectivos e metodologia, funcionamento e potencialidades.

Como forma de uma maior aproximação do Projecto, anexa-se a esta leitura, a

sua prova física, o desdobrável (que será devidamente discutido nos seguintes capítulos)

– um exemplar original, obtido segundo a técnica de serigrafia, seriado e representativo

do produto final deste percurso projectual.

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2.1) Introdução e fundamentação da pertinência do Projecto em Aberto

“Se existe uma ligação tão forte entre a participação económica e o poder político, que argumento podemos esperar aplicar, a fim de transferir alguma da energia destes países em função do desenvolvimento sustentável, em vez da expansão do mercado? (...) Dada a poderosa capacidade do modelo expansionista estimular as aspirações humanas para uma vida confortável e prazeirosa, e os riscos políticos que estão na base da unidade do poder económico, a probabilidade de alcançar a abstinência generalizada do consumidor, em números significativos, é baixa.”99

Neste diálogo introspectivo que tem vindo a ser construído, eco da partilha entre

leitor e texto informativo e provocatório, temos suscitado algumas questões sobe o

universo do design, dado o cenário instável e cambiante da contemporaneidade.

Focámo-nos em questões centrais como as do consumo, cada vez mais elevado ao

extremo, que glorifica em dominantes pedestais o sistema de produção económica

capitalista em que vivemos. Vivemos numa sociedade asfixiada pela obrigatoriedade de

um autodesenvolvimento niilista, que aniquila tudo o que não pertence à lógica

mercantil de que se alimenta e que se expande para além de fronteiras locais, nacionais

e morais. A aceleração da produção e do desenvolvimento tecnológico é

asssustadoramente crescente, sem vista a uma normalização ou abrandamento. Segundo

as palavras de Gillo Dorfles (1910), pensador exponencial das problemáticas sociais e

do Design, enfrentamos uma situação que rapidamente se tornará “(...) patológica e

anormal.”100

De forma cúmplice, os meios de comunicação desvirtuam profundamente a

sociedade. Conluiam e certificam a aceleração do tempo normalizado, numa sequência

de ocorrências sempre crescentes e inovadoras – transformando o presente em rápidas

memórias passadas, sombras históricas esquecidas. Reflectem também o modo de vida

da actualidade, caracterizado por uma passividade generalizada que oferece o seu lugar

de acção à contemplação de imagens, vividas e escolhidas por outrém.

99 Tradução livre de “If there is such a close link between economic participation and political power, what argument can we then expect to marshal in order to shift some of the energy in these countries toward sustainable development rather than toward market expansion?(…) Given the powerful capacity of the expansion model to stimulate human aspirations for a life of comfort and pleasure and the political stakes that underlie the drive for economic power, the likelihood of achieving widespread consumer abstinence in significant numbers is low.” MARGOLIN, Victor – The politics of the artificial : essays on design and design studies. Chicago : The University of Chicago Press, 2002. p. 86. 100 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 109.

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Constróiem-se tempos vazios de conteúdo e significado, acelera-se o ritmo de

vida, alterando o meio circundante do Homem e alterando-o também como

consequência, num ser sem identidade, perdido na velocidade da sociedade da qual é

parte integrante. Pertencemos ao momento histórico com maior desenvolvimento e

abundância de possibilidades, mas também, provavelmente, com a maior queda de

valores e de pertença cultural – somos cobaias do nosso tempo, e elementos de

repercussão dos sistemas produtivos, económicos e políticos. E daqui, vale-nos a

questão “(...) o que fazer com a enorme acumulação de meios de que a sociedade

dispõe? Será que a vida efectivamente vivida pelo indivíduo se tornou mais rica? É

evidente que não. Enquanto o poder da sociedade no seu conjunto parece infinito, o

indivíduo depara-se com a impossibilidade de gerir o seu próprio universo.”101

Experimentamos, por isso, uma cada vez maior desacreditação no futuro proporcionado

pela tecnologia e pelos grandes feitos da inovação de ponta, sente-se entre a população

mundial, uma nebulosa revolta contra os dítames da máquina e da indústria, recusando,

de forma cada vez mais clara, o mundo freneticamente mecanizado, desumanizado e

padronizado pela civilização tecnológica.

“Com tal quantidade de objectos desfilando diante de meus olhos, eu vou

ficando aturdido. De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração,

embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o

que sou e qual o meu lugar. (...) Eu não sei, a cada dia, o que vou amar no dia

seguinte.”102 A pergunta a que devemos responder com toda a honestidade, é a se

queremos que este seja o cenário das nossas vivências, ou se, de facto ansiamos por algo

de diferente? Qual é, no fundo, a nossa posição perante o estado caótico dos sistemas

produtivos, e que papel queremos desempenhar nesta história, que é nossa era?

O estilo de vida que carregamos connosco não é mais viável nem compatível

com as nossas necessidades, enquantos cidadãos do mundo e de um meio ambiente e

social cada vez mais deteriorado. É evidente a necessidade de mudança na forma como

nos relacionamos como seres humanos, com ligações pessoais, profissionais ou

comerciais, e com a planeta que habitamos. “(...) todas as novas relações recém-

formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo o que é sólido desmancha

no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a

101 JAPPE, Anselm – Guy Debord. trad. de Iraci D. Poleti e Carla da Silva Pereira. Lisboa : Antígona, 2008. p. 14. 102 BERMAN, Marshal – Tudo o que é sólido desmancha no ar. trad. de Carlos Felipe Moisés e Ana Marial L. Ioriatti. 2ª ed. São Paulo : Editora Schwarcz, 1986. p. 16.

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enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com

outros homens.”103 Como diria Italo Calvino (1923 – 1985), é necessário tomar um

novo ponto de perspectivação de um problema, distanciarmo-nos, e apreciar, com outra

amplitude o problema estruturante da sociedade, com que nos deparamos. Devemos

portanto, considerar novas abordagens e diferentes formas de actuar, visto que a

metodologia utilizada até então, está em ruptura e em vias de metamorfose. É, portanto,

urgente a mudança do paradigma em que nos vemos mergulhados. Mais do que

inovação, que se apoia em noções abstractas de criar e experimentar, precisamos de

transformações estruturais profundas, que se fazem valer pela mistura e intersecção de

conhecimentos e diferentes áreas de actuação. Acerca da necessidade da drástica

mudança de padrões de consumo, neste modelo de desenvolvimento global, que se

encontra numa forte crise estrutural, Ezio Manzini propõe três possíveis cenários de

alternativa ao consumo actual, dos quais salientaremos apenas dois.

“No primeiro, os designers necessitariam desenvolver produtos que poderiam sobreviver enquanto artefactos técnicos e culturais, durante um maior período de tempo, do que aquele demonstrado pelos tempos de vida dos produtos anteriores. Neste cenário, o utilizador ou consumidor teria que desenvolver uma relação diferente com os seus produtos, precedendo a novidade e mudança pelo relacionamento e apreciação . (...) O terceiro cenário seria o mais drástico – o envolvimento com menos objectos, através de um consumo reduzido.”104

A contemplação de novos cenários alternativos, não se trata já de uma mera

questão subjectiva, de uma ideologia mais ou menos revolucionária – é sim, sem

margem para dúvidas ou hesitações, uma necessidade que deverá acercar-se de forma

igualmente real e aproximada de todos os cidadãos. Torna-se cada vez mais transparente

e cristalina, a noção de que os modelos vigentes até à data não se regem mais pelas

necessidades da sociedade, antes, alienando-a e esgotando-a ao querer moldá-la, tal

como matéria da sua vontade insana de desenvolvimento ininterrupto. “(...)as ideias

como derivadas de um molde, a cultura como uma rentabilidade economicista e o gosto

103 Ibid. p. 87. 104 Tradução livre de “In the first, designers would need to develop products that could survive as technical and cultural artifacts for a longer period of time than that demonstrated by the lifespans of previous products. The user or consumer in this scenario would have to develop a different relationship to his or her products, foregoing novelty and change for attachment and care. (…) The third scenario was the most drastic – the engagement with fewer objects through decreased consumption.” MARGOLIN, Victor – op. cit., p. 83.

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como uma farda que se veste sem a definição de um sentir individual.”105, são já noções

às quais não ripostamos, de tão familiares que as sentimos, ao viverem entre nós, como

reflexos da nossa própria identidade.

Assumamos a nossa pertença a um nova era, a uma era pós-modernista, pós-

industrial, e com ela, a necessidade de uma nova postura do design, adequada,

inovadora e auto-sustentável. Sublinhando as reiterações do precendente Capítulo 1.1),

compreendemos que a nossa posição perante o design terá que ser mais firme e

inquisidora de mudança, não havendo lugar para ingenuidades ou neutralidades seguras,

pois bem sabemos que o design tem sido cúmplice de imposições e desvarios materiais

e aniquilações culturais.

Não é claro qual será o novo caminho a percorrer, mas temos como certo que o

design deverá comprometer-se e concentrar-se nos problemas centrais da vida, ao

preocupar-se com as verdadeiras necessidades das pessoas e contribuir para a sua

qualidade de vida e para a optimização do mundo. O designer, em sua verdade, terá

sempre que ser muito mais do que um ditador de formas de comodidade e, cada vez

mais, ser capaz de separar a sua área fundamental de actuação, dos campos movediços

do marketing editorialista, travando a perversão e subversão do mercado, aplicada ao

consumidor. Acima de tudo, e honrando a sua responsabilidade enquanto cidadão

participativo, não deverá aguardar e sujeitar-se a iniciativas exteriores. Partirá

activamente na procura de alternativas viáveis para que possa contribuir, dentro dos

seus domínios, com aquilo que é – um ser social e político. É, portanto, essencial:

“(...) deixar de ser parte passiva dos processos de consumo; deixar de

vender a sua criatividade sem crítica; sublinhar a dimensão política do seu pensamento e prática; valorizar a investigação em design (que, como se sabe, tem uma componente fortíssima ligada às ciências sociais); desvalorizar as questões da ‘forma’ face às questões do conteúdo; e, em síntese, assumir na criação artística o diálogo com as diversas estruturas do poder como parte fundamental da produção de artefactos para o quotidiano das cidades.(...)Como se faz a revolta? De formas diversificadas, nomeadamente na assumpção, por parte do designer, da sua condição de cidadão, daí tirando consequências e modos de intervenção que não cabem apenas nos limites da simples cultura projectual.” 106

105 CEIA, Aurelindo Jaime – Afirmação do design enquanto interveniente. In FRANCO, Ricardo – O designer como autor [Em linha]. New York : Issuu, 2010. [Consult. 5 Set. 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://issuu.com/r.franco/docs/odesignercomoautor#download>. 106 Aurelindo Jaime Ceia

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Vemos nesta citação resumidas algumas das preocupações que um designer

deverá ter como obrigações e linhas de orientação da sua actuação. É aqui também

focada a importância da investigação em design, num lugar de progressivo destaque e

reconhecimento. Assim se gera, juntamente com a participação de outras disciplinas,

novo conhecimento científico, que por sua vez se transforma em inovação social,

técnica e científica.

A par do maior investimento na investigação no design, também a resolução de

problemas através da criação de sistemas ou plataformas ganha destacada reverência na

actualidade. A projecção e aplicação de sistemas, em oposição à mera criação de mais

objectos, parece vir a ser um bem continuamente necessário, dadas as suas

competências de aproximação da comunidade, ao agilizar a sua comunicação e tornar os

saberes e património de uns, na solução, aprendizagem e beneficência de outros.

Urge, portanto, compreender que é, de facto, possível e necessário explorar os

momentos de crise, que conhecemos e iremos por certo continuar a enfrentar, em

diferentes contornos, como trampolim responsável por abordagens inovadoras. A

história serve-nos de testemunho e incentivo ao mostrar-nos que em épocas de maior

caos social, emergiram refrescantes e regeneradoras ideias, sob a tutela de designers que

preferiram tomar uma posição activa, encarando o problema, ao propôr uma solução

alternativa (e por vezes, aparente e altamente experimental e insana).

“Crises podem aniquilar pessoas e companhias que são, por definição do mercado, relativamente fracas e ineficientes; podem abrir espaço para novos investimentos e redesenvolvimentos; podem forçar a burguesia a inovar, expandir e combinar seus instrumentos de maneira mais engenhosa que antes: crises podem, portanto, atuar como inesperadas fontes de força e resistência” 107

São então as alturas de maior conturbação que podem ser revertidas em cenários

positivos e em oportunidades de redesenvolvimento e renovação, tal como a que

vivemos na actualidade. A necessidade de mudança, desenha-se com tal força e

efectividade, que se torna clamor de todos os utilizadores que desejam um cenário

renovado, mais verdadeiro e essencial. “As pessoas estão entediadas com a ostentação e

com o ‘über-marketing’ [marketing exagerado]. Há uma verdadeira busca de

107 BERMAN, Marshal – op.cit., p. 100.

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identidade no meio da produção em massa e da globalização, e essa busca leva à

necessidade do que é pessoal, do que é natural, do que é real.” 108

Todos os esforços da actualidade e do nosso passado mercantil e expansionista,

têm sido aplicados de forma a que a globalização seja a nova moeda de troca, que cresça

e que alcance todos os pequenos sintomas de vida e produção. Hoje devemos, pelo

contrário, esforçar-nos por travar parte desta grandiosa e monumental força de

expansão, preocupando-nos sim, com o engrandecimento do que é local. Apostemos

numa re-regionalização, que não rejeita a imparável globalização, mas que sabe

equilibrar-se, harmonizando as noções de global e local. Não se pretende com isto,

assumir uma posição cega de um saudoso nacionalismo, apenas, a capacidade de

explorar e trabalhar o contexto no qual nos inserimos. Reduzir massivamente o danoso

transporte mundial de bens de troca; conhecer a nossa sociedade, os meandros em que

nos movemos e quem dele faz parte – todos os cidadãos que nos acompanham; devolver

vida e unicidade às especificidades e características do profundo tradicionalismo e

cultura própria de cada região, seriam alguns dos objectivos a alcançar. São exemplos

de um saudável e harmonioso equilíbrio entre a cultura local, tradição e saberes

ancestrais, e a cultura global, tecnológica, acesa por um desenvolvimento exponencial,

países como a Itália ou a Suécia e Finlândia, por exemplo. Destacam-se pela

sobrevivência de materialidades próprias e específicas, sob o impulso do braço

mecânico do desenvolvimento globalizado e universal. “Pode acontecer então que

voltar atrás seja uma maneira de seguir adiante.” 109

John Thackara (1951) aponta, no seu livro ‘In the bubble: designing in a

complex world’,110 os factores que considera serem fulcrais aquando da projecção de um

produto. Aqui, reforça a já discutida noção de obrigatoriedade do designer ter plena

consciência dos seus actos, considerando sempre os fluxos de energia e material

necessários e dispensados na concepção de um produto. Também vital é a total

prioridade que deverá ser dada ao Homem, receptor do produto que se projecta, para

que ele não se torne numa mera consequência envolvida num cenário maior que ele

próprio. Para tal é necessário focar todas as atenções para a honesta e concentrada 108 Tradução livre de “People are bored with the ostentatious and über-marketing. There is a real quest for identity in the midst of mass production and globalization, and that quest leads to what is personal, what is natural, what is real.” BEACH, Andy; BEACH, Elsa – Apartamento [Em linha]. Barcelona : Apartamento, 2010, actual. - 2011. [Consult. 1 Set. 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://www.apartamentomagazine.com/about.php>. 109 BERMAN, Marshal – op.cit., p. 34. 110 THACKARA, John – In the bubble : designing in a complex world. Cambridge : MIT – Massachusetts Institute of Technology, 2005.

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concepção de um produto, que não se molda pelo ímpeto comercial. Tackara, defende

também a criação de sistemas em detrimento da materilização de mais objectos sem

sentido e real necessidade, que apenas inudam o mundo; bem como, a assunção das

noções de espaço, tempo e diferenças culturais como valores positivos de incremento e

não como obstáculos.

As linhas de orientação traçadas por John Tackara, deverão reafirmar-se como

lemas e verdades da contemporaneidade que, cada vez mais iniciativas e projectos

deverão abraçar. Espera-se a contínua apresentação de novos projectos experimentais,

sempre orientados pela precisão incisiva do design, os quais deveremos respeitar e

reconhecer como verdadeiras alternativas. “(...) o trabalho experimental pode tornar-se

no ponto de partida para a mudança cultural na indústria e no comércio e no papel

desempenhado pela ética e responsabilidade. Estas não são medidas para produtos

singulares, mas primordial para a qualidade de interacção entre o design e a indústria

e a indústria e a sociedade.” 111 O aparecimento de novas alternativas, e de atitudes

esforçadas de desenvolvimento, que poderão resultar em viáveis soluções, servirão

também de motivação para novas ideias, iniciando um novo ciclo regenerador da

conjuntura contemporânea.

“É preciso pensar, conectar, agir e começar processos com sensibilidade. Precisamos promover novos relacionamentos fora dos lugares cativos habituais. Temos que aprender novas formas de colaborar e de realizar projectos. Temos que realçar a capacidade de união de todos os cidadãos, através do diálogo significativo sobre o seu ambiente e contexto, e acolher novas relações entre as pessoas que fazem coisas e as pessoas que as utilizam.”112

O cenário de caos e necessidade de mudança está desenhado, e está lançado o

desafio para que surjam formas de o solucionar e reverter. É perante esta realidade que

surge o projecto que vem atribuir forma e justificar esta investigação, suplantando toda

a discussão orientada até a este ponto da leitura – o Projecto em Aberto.

111 Tradução livre de “(…) experimental work can become the starting point for cultural change in industry and commerce and what role ethics and responsability play. These are not measures for single products, but for the paramount quality of interaction between design and industry and industry and society.” HÖGER, Hans – Design research. Milan : Editrice Abitare Segesta, 2008. p. 108. 112 Tradução livre de “We need to think, connect, act and start processes with sensitivity. We need to foster new relationships outside our usual stomping grounds. We have to learn new ways to collaborate and do projects. We have to enhance the ability of all citizens to engage in meaningful dialogue about their environment and context, and foster new relationships between the people who make things and the people who use them.” THACKARA, John – op.cit., p. 8.

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Este projecto, desenha-se num crescendo de questionações transversais ao

Capítulo 3.1), que acabámos de visitar, bem como a toda a análise de que temos sido

testemunhas. Pretende colocar em causa e opôr noções da contemporaneidade, que têm

estado em constante debate, como são:

a sociedade de consumo unicamente movida pela produção económica

capitalista;

a passividade generalizada e contemplação de imagens alheias;

a aceleração da produção e do desenvolvimento tecnológico em ritmos

asssustadoramente crescentes;

a revolta e desacreditação na indústria e no futuro proporcionado pela

tecnologia;

Enquanto alternativa e proposta a uma nova abordagem da cultura projectual, e à

relação entre o Homem e o objecto, materialização da sua cultura, este Projecto deverá,

como todo e qualquer ensaio experimental, erguer-se numa atitude que bebe convicção

e força, ao espiríto revolucionário. Não deverá confinar-se a uma neutralidade e

segurança insípida, insignificante, que cedo fenecerá, por falta de fôlego, investimento e

acreditação em si próprio. “Em qualquer caso, na minha opinião, uma investigação que

se esconda por detrás de uma parede de protecção de neutralidade e objectividade, é

tão inútil como se evitar tomar uma posição no que concerne ao contexto da sua

própria existência.”113

Deverá antes, alimentar-se do credo em si próprio, no efeito que poderá surtir junto

da comunidade em que irá intervir e da paixão que o move, e fundamenta todos os

detalhes, esforços e desenvolvimentos alcançados. De destemidas pretensões se reveste

o Projecto em Aberto, que por arriscadas ou utópicas que pareçam, são também a sua

razão de existência.

É pretenso também neste projecto, – que se tornará totalmente claro e explanado no

capítulo imediatamente seguinte – que vive para, e da, interacção com as pessoas, que

estas o façam crescer através do seu entusiasmo e identificação com os ideiais e

conhecimentos transmitidos. O desenrolar do projecto, deverá ser por si só, uma fonte

113 Tradução livre de “In any event in my view, research that hides itself behind a protective wall of neutrality and objectivity is nevertheless just as worthless, if it avoids taking a stand concerning the context of its own existence.” HÖGER, Hans – op. cit., p. 69.

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de energia criadora e participativa, que auto-sustenta o seu desenvolvimento e

perenidade. “A criação de alternativas sociais interessantes tem que ser tão

entusiasmante e cativante como foi o ímpeto da nova tecnologia. Uma cultura

comunitária e de conectividade tem que ser divertida e desafiadora, bem como

responsável. Uma estética de serviço e fluxo deverá inspirar-nos e não apenas

satisfazer-nos.”114

Porque, de facto, design é política, é economia, é parte do social, é necessária a

tomada de uma posição, firme e afastada de uma neutralidade nebulada e ilusória.

Tomemos os nossos esforços para transformar a cultura material e projectual,

nomeadamente e em especial destaque, a cultura portuguesa. Actuemos em consciência

e activamente, dando viva voz a tão ricas e profundas heranças que nos precedem.

Porque “Um povo mais culto é sempre um povo mais livre. (...) Semear cultura era

ontem um dever; hoje é imperativo. Não o fazer, é um atentado criminoso contra a

própria sobrevivência nacional.”115

De forma a melhor compreender o envolvimento do Projecto em Aberto através de

todas as problemáticas que têm sido aqui suscitadas, é conveniente a sumarização dos

pontos-chave já discutidos. Dados todos os factores que enfrentamos, resumimos então

a necessidade de:

sublinhar a dimensão política e a investigação em design;

explorar os momentos de crise para o redesenvolvimento e renovação;

separar marketing do design e travar perversão e subversão do mercado;

designer consciente dos seus actos;

apostar em sistemas ou plataformas;

apostar na honesta concepção de um produto – dar prioridade e primazia ao

consumidor;

considerar e economizar fluxos de energia e material necessários;

114 Tradução livre de “The creation of interesting social alternatives has to be as exciting and engaging as the buzz of new technology used to be. A culture of community and connectivity has to be fun and challenging, as well as responsible. An aesthetics of service and flow should inspire us, not just satisfy us.” THACKARA, John – op. cit., p. 8. 115 SIMÃO, José Veiga – O direito à educação. Lisboa : Publicações CIREP: Centro de Informação e Relações Públicas do M.E.N., 1971. p. 33.

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defender uma postura do design inovadora e auto-sustentável, activa e

independente de iniciativas exteriores;

apostar em novas alternativas, alimenta novas ideias e projectos;

relação utilizador-produto / renegar para segundo plano a necessidade de

novidade e consequente substituição;

questionar o ciclo de vida do produto e as etapas normalmente percorridas;

desenvolver produtos, enquanto artefactos técnicos e culturais, que sobrevivam

durante um maior período de tempo;

re-regionalização – explorar e trabalhar o contexto local (reduzir transporte

mundial de mercadorias; conhecer a nossa cultura, unificando as suas

especificidades e características);

assumir espaço, tempo e diferenças culturais como valores positivos;

mudar estilo de vida e forma como nos relacionamos com o outro;

aproximar a comunidade e optimizar comunicação – património de uns equivale

à solução, aprendizagem e beneficência de outros;

pensar, conectar, agir, promovendo novos relacionamentos e realizar projectos

através do diálogo sobre o seu ambiente;

aproximar quem faz o produto e quem o consome.

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2.1.1) Objectivos e metodologia

Introduzidos, no capítulo anterior, a uma contextualização da sociedade

contemporânea e aos problemas que o design enfrenta, e com os quais deverá

demonstrar maior preocupação, encontramo-nos no momento exacto para conhecer o

projecto que, nascido dessas mesmas preocupações, fundamenta esta investigação.

O Projecto em Aberto, nasce da vontade e necessidade de repensar a cultura

material actual, questionar como interagimos com os objectos, o que deles pensamos e

quais as consequências das nossas acções e intervenções. Aliado à vontade de fortalecer

o conhecimento das tradições portuguesas, trazendo-as à memória contemporânea,

nasce um testemunho físico, um desdobrável em papel, que é um veículo de divulgação

de cultura material e não apenas um guia para a construção de mais um objecto. No seu

interior encontraremos, de facto, instruções que auxíliam a concepção de um produto

específico, no entanto, esta folha, encerra em si, muito mais que uma catalogação ao

jeito de bricolage, de sugestões de materiais e técnicas de execução. No seu interior

seremos nostalgicamente remetidos para um dado local específico (dentro da limitação

geográfica nacional), ao sermos confrontados com o ensinamento de uma técnica

tradicional, pertencente à história geracional dos saberes artesanais portugueses.

Materializada num objecto totalmente novo, projectado propositadamente para

o Projecto em Aberto (pela autora desta investigação), estará uma técnica artesanal,

pertencente a dada região portuguesa. Este objecto, será assim, o intermediário para que

cheguemos ao contacto de muitos dos saberes ancestrais, que poucos preservam e que se

tornam cada vez mais esquecidos nas malhas do tempo.

Temos que, mais do que a mera criação de um produto, o Projecto em Aberto

assume-se como um sistema/plataforma, no fundo, uma fórmula de actuação, que se

pretende que seja equacionada tantas vezes quantos são os conhecimentos esquecidos

deste país. Não se trata, portanto, de um acto único sem procedentes, mas de uma forma

de actuar, uma abordagem alternativa do fazer do Design. Este Projecto, desenha-se

idealmente sob a vontade de seriação, como forma de documentar as várias técnicas

artesanais, características de norte a sul do território português, tornando-as apelativas

ao espírito adormecido da curiosidade de quem lhes é distante e desconexo.

Como gatilho de arranque do projecto, e para fins de estudo e investigação, a

primeira edição (Série Projecto em Aberto – N.º 1) foi lançada sob o mote do banco

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tradicional alentejano,116 e das respectivas técnicas de empalhamento. Como tal, esta é

assim, a representação, explanação e experimentação desta forma de actuação, é a

metáfora e a personificação de todo o projecto, maior do que si próprio.

A folha, é a figuração deste projecto – representando em si todo o valor do

objecto que comunica. Ao contrário de um comum banco, que chega directamente ao

utilizador, bastando apenas a sua colocação no meio comercial, o ‘objecto’ aqui, é

apenas uma folha e é ela que chegará directamente às mãos do consumidor.

Graficamente cuidada e estudada para que seja um meio de comunicação claro e

acessível, esta folha, através de canais de distribuição adequados e seleccionados, chega

às mãos do consumidor, de forma gratuita, e é nesse momento que todo o projecto

ganha sentido e significação. O ciclo começado pela recolha de informação junto do

artesão/produtor de um bem, fecha-se aquando da recepção e participação no projecto,

pelo utilizador.

Com o Projecto em Aberto temos, como é já visível, uma metodologia de

trabalho alternativa e um novo percurso aberto para o produto (neste caso, a folha)

desenhar. Especifiquemos portanto, de forma a compreendermos de forma meticulosa e

completa, todas as etapas referentes a este projecto. O primeiro momento do trabalho do

designer (aqui, referente à autora desta investigação) caracteriza-se pela pesquisa e

selecção de uma dada forma de produção artesanal e referentes conhecimentos

ramificados, que pertença à cultura tradicional portuguesa, justifique as suas raízes e

que, na maioria dos casos, se encontre já em quase extinção. A segunda etapa, obriga à

deslocação ao local que se encontre sobre análise, de forma a poder contactar

directamente com a fonte de todo o conhecimento – para que nos tornemos parte da

cultura em que nos submergimos, contactando com o espaço, matérias e comunidade a

ela referentes. Só assim, ao olhar para o produto final, sentiremos a sua verdade e a sua

razão. “Experimentalmente, nunca haverá uma alternativa simulada ao realmente

presenciar algo. (...) Não é possível substituir a força e o poder de uma conversa

116 Tomamos aqui a escolha de um ‘objecto-tipo’ – como salienta Paulo Parra em PARRA, Paulo – Design simbiótico: cultura projectual, sistemas biológicos e sistemas tecnológicos. Lisboa : Faculdade de Belas-Artes, 2007. Tese de Doutoramento. p.159. – um objecto já quase cliché, no universo de objectos reproduzidos sob a visão atenta do Design de Produto, mas que nunca perderá o seu lugar, e a sua razão de ser, a ‘necessidade-tipo’.

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pessoal fisicamente próxima. O processo de design tem que se tornar num contacto

mais pessoal.”117

Uma vez junto da matéria-prima e mão-de-obra conhecedora, com o auxílio de

artesãos/fabricantes especializados, segue-se a aprendizagem e total documentação da

técnica seleccionada. Após esta transferência de conhecimento, somos já capazes de

editar e agrupar todos os dados recolhidos, numa lógica coerente e encadeada de etapas

e acontecimentos. A informação deverá ser clara e concisa, tomando a forma de

imagens, auxiliadas por pequenos textos complementares. O desenho – veículo

escolhido para a transmissão desta mensagem – ganha aqui grande importância, visto

ser o responsável por toda a expressividade e transmissão de instruções que foram

originalmente presenciais. Para além dos registos próprios do designer (as projecções,

modelações e desenhos técnicos e de rigor) o desenho é aqui o meio e a mensagem para

o utilizador.

Tendo a informação recolhida e tratada, segue-se a sua composição e formatação

num desdobrável, que será posteriormente reproduzido. Aqui, a escolha sobre a forma

de impressão, recaiu sobre a serigrafia (técnica de gravura)118 (atentar à anexação do

exemplar desdobrável, edição original em serigrafia, ao volume do corpo de trabalho).

O número de publicações reproduzidas, em cada edição, estará limitado às condições

disponíveis, uma vez que, como já referido, este é um projecto sem fins lucrativos, e

que viverá com o eventual auxílio de patrocínios e apoios. No caso específico da

primeira edição, foram realizadas 100 reproduções, numeradas, do formato original.

A etapa seguinte prende-se com a distribuição e chegada do desdobrável ao

utilizador e eventual participante. São seleccionados locais específicos, que pelas suas

características se identifiquem com o projecto, espaços estes que serão a forma de

contacto directo com as pessoas. É, nesta fase essencial, a capacidade de encantamento

e curiosidade que o Projecto consegue provocar, para que seja suficiente a vontade de

recolher o ‘objecto’ de papel e levá-lo consigo. A partir deste momento, o projecto é

livre e completa o seu ciclo – nada mais está nas mãos do designer; o utilizador, tem o

domínio total e completo da sua folha, do seu eventual futuro objecto. No caso desta

Edição N.º 1, é assim feita a conexão ‘directa’ entre um artesão alentejano e um curioso

117 Tradução livre de “Experimentally, there will never be a simulated alternative to actually being there. (…) It is not possible to substitute the strength and power of a personal conversation of close physical proximity. Design process must become a more personal contact process rather than less.” HÖGER, Hans – Design research. Milan : Editrice Abitare Segesta, 2008. p. 110. 118 Teremos seguidamente, no Capítulo 2.2.2) toda a justificação e concepção gráfica do Projecto em Aberto, aprofundando alguns dos temas já aqui sugeridos.

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habitante da cidade de Lisboa, por exemplo, através de uma folha que nela encerra toda

a história de um objecto.

A última etapa deste percurso, poder-se-á dizer ser o retorno de algum feedback

por parte dos que se sentiram cativados pela folha do Projecto em Aberto, pelos

participantes. Isto é, espera-se que, uma vez na posse do desdobrável do Projecto em

Aberto, o utilizador tome alguma acção motivada por este projecto, idealmente o

seguimento das instruções anexadas e a construção do objecto projectado (neste caso,

construir um banco, e empalhar o seu assento). De forma a criar uma multiplicidade

absoluta de interpretações deste projecto, o participante, não recebe nada para além da

referida folha (não é fornecido qualquer tipo de material ou ferramentas). Pretende-se

que cada objecto construído por cada utilizador, seja único em si mesmo, e diferente de

todos os outros exemplares que possam ser feitos – ainda que todos tenham partido de

um mesmo projecto comum. Tal como o título de uma pintura pode, à partida, encerrar

muitas das portas da imaginação livre e descomprometida, também a oferenda de todos

os detalhes do projecto, já tratados e polidos, diminui em grande escala o poder criativo

de cada indivíduo.

Uma das particularidades que distingue este projecto, dos já referidos casos de

estudo, é precisamente a etapa final do processo – a resposta dos participantes, através

da submissão de imagens do seu produto final, numa plataforma online. Esta recepção

de registos, de cada interpretação do projecto, finaliza todo este processo percorrido,

documentando globalmente a diversidade de abordagens tomadas.

Este projecto pretende afirmar-se como verdadeira alternativa à cultura

projectual, tendo, no entanto, plena consciência da sua posição utópica e aparentemente

irrealizável. Não é sua pretensão assumir-se como eventual forma de actuação de

substituição ao actual formato normalizado de produção e consumo, visto que tal

cenário nunca se realizaria. “(...) é lógico que cada época tenhas as suas leis de

mercado particulares e não é possível manter artificialmente vivas as obras artísticas

cuja razão de ser seja contrastante com as constantes sócio-económicas da época em

questão.”119 Ainda que sejam necessárias drásticas transformações estruturantes na

sociedade de produção económica e consumo contemporânea, como visto até ao

momento, sabemos que o sistema projectual e produtivo actual está já profundamente

aceite enraízado entre nós.

119 DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito. Lisboa : Edições 70, 1963. p. 36.

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Acima de tudo, deseja-se com este projecto, suscitar o diálogo e a questionação

do papel do Design e de todos os seus intervenientes, aproximando o designer do

utilizador, mas também, elevar a cultura material portuguesa, a sua história e os seus

saberes, que enriquecem a nossa cultura e os quais, por norma, não são devidamente

valorizados. O design, deverá ser aqui a forma de acesso ao público mais generalizado

possível, devolvendo-lhe a sua cultura de forma nova e simplificada, para que por ela se

enamorem novamente. Pode e dever tornar-se no instrumento e vontade de participação

e mudança da sociedade, de cada cidadão. Paralelizando com o universo das belas-artes,

encontramos um ponto de ligação na citação de Walter Benjamim (1892 – 1940), ao

dizer que “Sempre foi uma das tarefas essenciais da arte a de suscitar determinada

indagação num tempo ainda não maduro para que se recebesse plena resposta.(...)

Segundo André Breton, a obra de arte só tem valor na medida em que agita os reflexos

do futuro.” 120

Em jeito de sumarização, recuperando os pontos conclusivos do Capítulo 3.1),

nosso precedente, paralelizamos e confrontamos agora cada problematização com a

proposta de resolução através do Projecto em Aberto.

sublinhar a dimensão política e a investigação em design – com o Projecto em

Aberto, focamos as nossas atenções para regiões portuguesas e atribuimos novo

poder a zonas descentralizadas ao apoiar a produção interna e reduzir a entrada

de uma importação massificada;

explorar os momentos de crise para o redesenvolvimento e renovação – no

cenário de contenção e mudança que enfrentamos, cada vez com um menor

rendimento e possibilidades económicas, as pessoas tentam reduzir as suas

despesas e consumo, começando a produzir bens por si próprias (enunciado base

deste Projecto); através do Projecto em Aberto, permite-se também, a renovação

do espírito português e o incentivo da qualidade do que é nacional;

separar marketing do design e travar perversão e subversão do mercado – o

Projecto em Aberto constrói-se longe do marketing agressivo de consumo, uma

vez que não tem fins lucrativos (a sua publicidade é apenas a sua forma de

circulação e chegar ao público), age apenas com o intuito e objectivo de

120 BENJAMIM, Walter – A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. p. 15.

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estabelecer o diálogo entre o designer, o utilizador, e a cultura portuguesa, não

pretendendo, por isso, alienar e monopolizar os consumidores, apenas actuar a

seu favor;

designer consciente dos seus actos – neste caso, a designer (autora desta

investigação) actua, de facto, em total conformidade com a sua consciência,

(movendo-se apenas pela paixão do projecto que desenvolve) ao ajudar a

renascer o interesse e procura por determinados produtos mais esquecidos na

tentativa de contrabalançar o encantamento da massificação de produtos

descartáveis e devolver a unicidade e carácter afectivo e simbólico aos objectos;

apostar na honesta concepção de um produto / dar prioridade e primazia ao

consumidor – cada produto concebido pelo Projecto em Aberto, foca-se

essencialmente no consumidor, e na experiência que este retirará da sua

participação, mas também preocupa-se com o produtor/artesão – ao levar o

conhecimento do seu trabalho a um público mais alargado;

considerar e economizar fluxos de energia e material necessários – acrescida à

evidente preocupação tomada ao desenhar o objecto, para que este seja

económico a nível de material e energia dispendida, ao responsabilizar

directamente o consumidor pela produção do seu próprio objecto, serão evitados

desperdícios característicos da produção em massa, sendo apenas produzido o

necessário, com o investimento possível a cada um;

defender uma postura do design inovadora e auto-sustentável, activa e

independente de iniciativas exteriores – o Projecto em Aberto toma a dianteira

activa, lançando-se como acção independente, que age pela sua acreditação em si

próprio e no seu espírito inovador; toma a iniciativa e estabelece-se com o desejo

de se tornar um projecto totalmente auto-sustentável (dado o facto de necessitar

alguns apoios, apenas relativos ao financiamento de deslocações e reproduções

do desdobrável);

apostar em novas alternativas, alimenta novas ideias e projectos – contrariamente

ao que pensamos, surgem, felizmente, cada vez mais projectos que se focam na

investigação e no fortelacimento da cultura nacional (focando-se na vertente

artesanal e do objecto; como também em tradições, costumes, cantares). É

necessário o movimento cíclico da sociedade e, após um momento de extâse

tecnológico, de massificação e importação (em que impera o espírito que apenas

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o que é produzido em outros países tem qualidade), começa a estabelecer-se a

necessidade do que é nacional, do que é singular e regional (Como exemplos a

consultar, anunciamos aqui três projectos (que estão, actualmente, em grande

desenvolvimento) através da sua página online: 1) http://www.saberfazer.org ; 2)

http://www.aldeiapedagogica.net; 3)

http://www.amusicaportuguesaagostardelapropria.org;121

relação utilizador-produto / renegar para segundo plano a necessidade de

novidade e consequente substituição – o que deverá mover a adesão e particpação

neste Projecto não é o espírito consumista, ansioso por constante novidade, mas a

identificação com esta filosofia e a curiosidade de aprender uma técnica

tradicional e conhecer, consequentemente, mais amiúde as nossas raízes;

questionar o ciclo de vida do produto e as etapas normalmente percorridas – no

Projecto em Aberto são subvertidas algumas das etapas habituais que um produto

percorre – do designer, o produto (desdobrável com as instruções) passa

imediatamente para o consumidor, transpondo o fabrico em série, a distribuição

e, por fim, o comércio. O Projecto em Aberto será então responsável pela

eliminicação de algumas etapas e consequentes postos de trabalho? Não, essa não

é a intenção do Projecto; havendo plena consciência que nunca será uma solução

massificada, não se fará sentir um impacto esmagador no comércio e fabrico de

bens necessários, aquando da sua implementação e eventual crescimento;

desenvolver produtos, enquanto artefactos técnicos e culturais, que sobrevivam

durante um maior período de tempo – uma vez que a concepção dos produtos

está a cargo do próprio utilizador, é criada uma relação instantânea de

identificação e afectividade, fazendo com que o objecto adquira o seu respeito, ao

verificar-se a vontade de manter e preservar esta entidade material simbólica;

re-regionalização / explorar e trabalhar o contexto local e reduzir transporte

mundial de mercadorias – é necessário e tangível, com o Projecto em Aberto,

conhecer a nossa cultura, unificando as suas especificidades e características;

consumidor faz o seu proprio produto (ou manda fazer) e não necessita portanto

121 BERNARDO, Alice – Saber Fazer [Em linha]. [Consult. 2 Dez. 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://www.saberfazer.org>. PEDAGÓGICA, Aldeia – Aldeia Pedagógica de Portela [Em linha]. [Consult. 17 Out. 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://www.aldeiapedagogica.net>. A música portuguesa a gostar dela própria – Vídeos [Em linha]. [Consult. 23 Nov. 2011]. Disponível em WWW:<URL:http://www.amusicaportuguesaagostardelapropria.org>.

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que ele viaje até si; apostar na diferença de cada região, acentuar as

particularidades e singularidades de cada uma;

assumir espaço, tempo e diferenças culturais como valores positivos - tudo faz

parte da singularidade de cada região, cada cultura, e isso poderá transparecer

tudo para um produto de excepção;

mudar estilo de vida e forma como nos relacionamos com o outro - o projecto em

aberto permite um maior diálogo e relacionamento entre a comunidade. Desde a

procura da localizaçao da folha, à partilha de conhecimentos guardados, ao

recorrer a comércio local e carpinteiros...;

aproximar a comunidade e optimizar comunicação / património de uns equivale à

solução, aprendizagem e beneficência de outros - o que é o desgosto de uns

(anciãos que carregam consigo o peso de serem os únicos a guardarem as

tradições e saberes) poderá ser a alegria e solução de outros, ao aprenderem mais

de si e da sua cultura, realizando-se na construção de um objecto;

pensar, conectar, agir, promovendo novos relacionamentos e realizar projectos

através do diálogo sobre o seu ambiente - o projecto age e une realidades

distantes e distintas (do campo à cidade; de norte a sul);

aproximar quem faz o produto e quem o consome - a relação entre o designer e o

fabricante/utilizador é directa, intermediada pela folha desdobrável do projecto.

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Conclusão

Traçados os objectivos, numa perspectiva temporal provavelmente, com elevada

ambição, surgiram alguns imprevistos, que têm contrariado os tempos previamente

estabelecidos, levando a que neste momento não seja ainda inteiramente possível a

apresentação de todos os dados necessários e desejados para a compreensão e

completude do presente estudo. O panorama exposto neste volume de trabalho, não

demonstra, lamentavelmente, a profundidade, empenho e dedicação da investigação

levada a cabo, fazendo com que o todo, seja entendido apenas por uma parcela

diminuta.

Conhecemos já a contextualização e toda a fundamentação do trabalho prático

que esta dissertação representa – o Projecto em Aberto. Percorremos toda a teorização

que sedimenta o solo de recepção do projecto em causa, tratando de noções basilares do

universo do Design, por forma a mais tarde, em paralelo com esta nova proposta,

questioná-las e oferecer-lhes contraponto. Fomos também já introduzidos à fórmula de

actuação do Projecto em Aberto, dos seus desejos e objectivos, da sua metodologia –

conhecemos a equação que permite uma nova abordagem à cultura de projecto e dos

próprios objectos. Falta, no entanto, conhecer a concretização real do projecto, a sua

fisicidade, materializada numa primeira edição (num desdobrável), que nos fala acerca

do banco alentejano, ícone nacional. Se estamos já familiarizados com a fórmula, não

estamos com o resultado. Em falta sentimos, consequentemente, a apresentação do

projecto final, das suas funcionalidades e potencialidades; o seu estudo e concepção

material e gráfica, bem como a sua implementação, testagem e recolha de dados

referentes à recepção e reacção dos participantes.

O Projecto em Aberto vive da interacção com o público, do seu retorno criativo

e pessoal. Sem a sua participação, o seu fundamento esmorece e fenece sem qualquer

registo de sucesso e cumprimento dos objectivos traçados. Devido à evidente e

compreensível dificuldade de adesão imediata ao Projecto em Aberto, por parte de

eventuais participantes, o feedback tarda e compromete a compreensão do confronto

desta investigação com a realidade. Afastado de uma recepção substancial de propostas,

na sua diversidade, não poderemos compreender o projecto na sua essência e nas suas

verdadeiras potencialidades.

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Outro factor de relevo, anexo às necessidades e desejos defraudados neste

trabalho, é a urgência da discussão e paralelização de semelhanças e diferenças da

proposta apresentada com projectos seus semelhantes – protagonistas da história

universal do design. Eles são o projecto Autoprogettazione, por Enzo Mari (1932) e o

projecto Nomadic Furniture: D.I.Y. Projects That are Lightweight and Light on the

Environement122, por James Hennessy (1920 – 1975) e Victor Papanek (1927 – 1998), e

caracterizam-se ambos como base de justificação e sustento do Projecto em Aberto.

(De referir, é ainda a falta de referência óbvia a alguns dados bibliográficos

fundamentais, de nomes de relevo no panorama nacional do Design, associados ao tema

discutido e essenciais à sua compreensão, como é o caso do orientador desta

dissertação, o Prof. Dr. Paulo Parra.)

É, portanto, ainda necessária, a anexação de informação suplementar para o

conhecimento global de toda a investigação. É com grande pesar que a autora assinala

as falhas acima expostas, na esperança que estas possam, de alguma forma, ser

colmatadas, para a completa percepção e imersão neste Projecto, que se quer real e

contínuo para um futuro, dentro do Design português. Seria fundamental e

verdadeiramente importante para a autora, a oportunidade de retomar algumas das

temáticas em falha, atrás anunciadas, que impossibilitam a total conclusão da

dissertação.

A imperiosidade de completar este processo já começado, é de extrema

importância e significado, para a autora. O Projecto em Aberto é condigno de um

verdadeiro estudo e análise, em todas as suas particularidades, por forma a que possa

crescer e autonomizar-se como força verdadeiramente alternativa à cultura projectual. É

já vasto o núcleo de pessoas que acreditam e defendem positivamente o projecto, tal

como a autora, (que lhe tem sido inteiramente dedicada e devota, nele depositando tudo

de si) que partilham o desejo de que este seja um projecto de sucesso, que se concretize

e marque a sua posição,de forma tão firme, quanto a vontade de o fazer crescer.

As proporções do investimento feito até este momento, excedem qualquer

expectativa passada, que pudesse sumplantar esta investigação. Igualmente desmesurada

é a força e motivação sentidas, para poder esperançosamente direccionar este projecto

122 HENNESSEY, James; PAPANEK, Victor – Nomadic Furniture: D.I.Y. Projects That are Lightweight and Light on the Environement. Atglen : Schiffer, 2008.

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para um bom caminho e torná-lo numa pertença de todos os portugueses que com ele se

identificam, tal como é desejado.

Contrariando a génese da palavra ‘conclusão’, aqui não sumarizamos ou

encerramos nada, antes, desejamos que, benevolamente, possam ser colmatos os hiatos

enumerados, para que a investigação espelhe e reflicta toda a honestidade, genuinidade

e potencialidade, do Projecto em Aberto e por consequência, o desejo, a força

motivadora e o sonho de lhe dar continuidade, levando-o a bom porto.

"É um sonho, direis vós, de algo que nunca existiu e que nunca se concretizará (...) e por isso, uma vez que o mundo ainda está vivo e em movimento, maior é a minha esperança de que venha a existir. É verdade, é um sonho; mas houve sonhos que se concretizaram, sonhos de coisas tão boas e necessárias que não pensamos mais nelas (...) Em todo o caso, como sonho que é, peço-vos que me perdoeis por o colocar assim perante vós, pois é o fundamento de todo o meu trabalho (...) e não sairá nunca do meu pensamento: e eu estou aqui, esta noite, perante vós, para pedir a vossa ajuda na concretização deste sonho, desta esperança."123

123 MORRIS, William – Artes Menores. trad. de Isabel Dona Botto. Lisboa : Antígona, 2003. p. 53.

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Anexos

Anexo 1 - 1.1)

1.1) Definição dos conceitos de Design e de cultura projectual

DORFLES, Gillo – Introdução ao desenho industrial. trad. de Carlos Aboim de Brito.

Lisboa : Edições 70, 1963. p.130.

“Design: equivale a ‘projectar através do desenho’. Geralmente utilizado em vez de

‘Industrial Design’ e, por sua vez, subdivisível nas diversas subespecialidades de:

‘Visual’: Que compreende todas as actividades da realização de projectos relativas ao

grafismo, tipografia, ‘lettering’, fotografia, cinema, desenho animado;

‘Product’: (Relativo ao projecto de objectos de uso) equivale praticamente ao desenho

industrial;

‘Interior’: Arquitectura de interiores.

‘Shelter’: Projecto de habitações.

‘Industrial’: (Desenho industrial) é uma expressão inglesa equivalente a ‘projectos

para a indústria’ e foi adoptada de maneira diferente consoante a língua: ‘esthétique

industrielle’ em francês, ‘Industrielle Formgebung’ ou ‘Produktgestaltung’ em alemão,

‘Industrielle Vormgeevingem’ holandês. Nas línguas eslavas a expressão é diferente:

em croata, ‘industrijko oblikovanie’ (que equivale ao alemão ‘Produktgestaltung’); em

checo, ‘technické výtvarnictvo’; em russo, ‘techniceskaia estetika’ (que corresponde

‘esthétique industrielle’ dos franceses); enquanto o designer é traduzido em croata

como ‘dizajner’, esloveno como ‘oblikovalec’ (isto é, ‘formador’, ‘gestalter’), em russo

como ‘Kudoznik-konstruktor’ (isto é, pintor-construtor). Em italiano, como se sabe, não

existe, como em inglês, a dupla expressão ‘design’ e ‘drawing’, ou como em espanhol

‘diseño’ e ‘dibujo’, embora o vocábulo ‘disegno’ seja muitas vezes utilizado em

substituição do inglês design.

Total: (Desenho total) utiliza-se esta expressão para indicar o projecto relativo a todos

os sectores de um produto complexo (empresa, hotel, grandes armazéns) em que o

design relativo aos objectos singulares produzidos deve ser coordenado com o design

relativo ao grafismo e à própria arquitectura dos edifícios ligados ao mesmo complexo.

O total design insere-se no âmbito da imagem coordenada (‘corporate image’) de um

produto ou de uma firma.”

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Anexo 1.2)

1.1) Definição dos conceitos de Design e de cultura projectual

LAWSON, Bryan – How designers think : the process demystified. 4ª ed. Oxford :

Architectural Press/Elsevier, 2006. p. 120.

“Design Problems:

1) Design problems cannot be comprehensively stated

2) Design problems require subjective interpretation

3) Design problems tend to be organized hierarchically

Design Solutions:

1) There are an inexhaustible number of different solutions

2) There are no optimal solutions to design problems

3) Design solutions are often holistic responses

4) Design solutions are a contribution to knowledge

5) Design solutions are parts of other design problems

The Design Process:

1) The process is endless

2) There is no infallibly correct process

3) The process involves finding as well as solving problems

4) Design inevitably involves subjective value judgment

5) Design is a prescriptive activity – one of the popular models for the design

process to be found in the literature on design methodology is that of scientific

method. (…) The most important, obvious and fundamental difference is that

design is essentially prescriptive whereas science is predominantly descriptive.

Designers do not aim to deal with questions of what is, how and why but, rather,

with what might be, could be and should be. While scientists may help us to

understand the present and predict the future, designers may be seen to

prescribe and to create the future, and thus their process deserves not just

ethical but also moral serenity.

6) Designers work in the context of a need for action – design is not an end in

itself. The whole point of the design process is that it will result in some action

to change the environment in some way.”

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Anex

1.2.2

PERE

pode

Esco

Anex

1.3.1

HÖG

exper

xo 2

2) Factores

EIRA, Viv

er de desp

ola de Comu

xo 3

1) O papel d

GER, Hans –

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8. p. 31.

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08. p. 120.

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- the various levels in which human communication takes place: cognitive,

physical, emotional, social; how the designer’s designs effects communication in

unpredictable ways, how there is no communication without misunderstanding

- the characteristics of man as a tangle of daily and exceptional experience,

fabricated and spontaneous, usual and unique: experience and perceptions that

take place in a context of interactive, technological and non-technological

environments in constant evolution

- how one proceeds by background and ethnographic and almost journalistic

techniques in order to create credible settings

- various planning processes, various applicable methods in moments of the

planning in order to interact with and think about the project and of how to

realize the creative ability of the team

- how one interacts with a project just begun, a project in process and a

completed project: how this interaction is adapted to the various contexts it has

to be received in: how the consequence, desired and undesired, of those

interactions are managed

- the state of art in planning of environments, objects and analogical, digital and

interactive systems related to software, hardware systems, work organizations

and the possibility of outsourcing parts of the project

- the various possibilities of prototyping and of how they are applied to the

various stages of the planning process, maintaining a correct balance between

finished and unfinished products

- how interaction is tested from an ergonomic point of view, the observation to

user behavior and the behavior of the planned system when functioning, whether

analogical or digital in its hardware and software components

Obviously the designer is not an expert in everything but is able to find the right

experts and communicate with them, understand their point of view, the parameters of

work and put them into effect.

Within the meaning of this the designer operates in the knowledge that his work, as

any cultural work, is not the end-product but a network node that re-elaborates, re-

creates and substantially ‘makes human culture’.”

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Anexo 4

1.3.2) O papel do produtor

MORRIS, William – Artes Menores. trad. de Isabel Dona Botto. Lisboa : Antígona,

2003. p. 165.

“Existiram três grandes eras de produção desde o início da Idade Média.

Durante o primeiro período, o período medieval, todo o método de produção era

individualista, pois, embora os trabalhadores se organizassem em grandes associações

para a protecção do trabalho, associavam-se na qualidade de cidadãos, não como

trabalhadores. Existia pouca ou nenhuma divisão de trabalho e a escassa maquinaria

utlizada funcionava simplesmente como uma espécie de ferramenta diversificada, para

colaborar no trabalho manual do trabalhador, e não para o suplantar. O trabalhador

trabalhava para si próprio, e não para um empregador capitalista, sendo por isso

senhor do seu trabalho e do seu tempo: este foi o período da produção manual pura.

Quando, na parte final do século XVI, começaram a aparecer o empregador capitalista

e o chamado trabalhador livre, os trabalhadores foram concentrados em oficinas, as

velhas máquinas-ferramentas foram melhoradas, e finalmente uma nova invenção, a

divisão do trabalho, chegou às oficinas. A divisão de trabalho continuou a crescer ao

longo do século XVII e foi aperfeiçoada no século XVIII, quando a unidade de trabalho

passou a ser um grupo, e não um único homem; ou, por outras palavras, o trabalhador

tornou-se uma mera parte de uma máquina composta algumas vezes totalmente por

seres humanos e outras vezes por seres humanos e máquinas para poupar trabalho, as

quais, no final deste período, estavam a ser inventadas em grande número (...) Na parte

final do século XVIII tem início a última fase de produção, até à actualidade, na qual a

máquina automática veio suplantar o trabalho manual, transformando o trabalhador,

que em tempos fora um artesão apoiado por ferramentas, e depois parte de uma

máquina, num encarregado de máquinas.”