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UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Faculdade de Medicina
Mestrado em Cuidados Continuados e Paliativos
SOBRE DIGNIDADE E MORTE: A EXPERINCIA DE PROFISSIONAIS EM
CUIDADOS PALIATIVOS NA REALIDADE DE UM SERVIO DE
ONCOLOGIA PEDITRICA DO BRASIL
FERNANDA GOMES LOPES
Coimbra, Portugal
2015
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FERNANDA GOMES LOPES
SOBRE DIGNIDADE E MORTE: A EXPERINCIA DE PROFISSIONAIS EM
CUIDADOS PALIATIVOS NA REALIDADE DE UM SERVIO DE
ONCOLOGIA PEDITRICA DO BRASIL
Dissertao apresentada Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, para obteno do grau de
Mestre em Cuidados Continuados e Paliativos.
Orientador: Marlia Dourado
Co-orientador: Antnio Barbosa
Coimbra, Portugal
2015
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RESUMO
O cncer considerado um problema de sade pblica, de acordo com o Instituto
Nacional do Cncer, e encontra-se entre as dez maiores causas de morte do mundo,
segundo a Organizao Mundial da Sade. Trata-se de uma doena crnica e
estigmatizada como fatal, envolta por sentimentos adversos, como medo e angstia,
tanto nos pacientes quanto em seus familiares. Quando ocorre em crianas, os
sentimentos intensificam-se, possivelmente por, culturalmente, essa idade no ser
associada a aspectos negativos e a morte. Esse momento torna-se mais delicado quando
se constata o prognstico desfavorvel e o paciente inserido na equipe de cuidados
paliativos. Todo esse processo de cuidados pressupe o acompanhamento de uma
equipe multiprofissional, preparada tcnica e emocionalmente, para lidar com todas as
nuances envolvidas na doena, inclusive com a morte, que se faz presente
cotidianamente. O presente trabalho visa compreender a experincia da promoo da
dignidade no morrer vivenciada pelos profissionais de uma equipe de cuidados
paliativos em oncologia peditrica. Para o alcance desse objetivo geral, busca-se
especificamente identificar o que entendem os profissionais de sade sobre os cuidados
paliativos e sua prtica, compreender como os profissionais lidam com o processo de
morrere reconhecer os recursos e estratgias utilizados pelos profissionais de sade para
trabalhar com crianas em cuidados paliativos.Baseia-se em uma pesquisa de campo,
realizada a partir de entrevistas semi-estruturadas, com nove profissionais da equipe de
cuidados paliativos, de um hospital de referncia em oncologia peditrica do estado do
Cear/Brasil. Com carter descritivo e abordagem qualitativa, utiliza para anlise dos
dados, a hermenutica crtica de Gadamer. Nos resultados da pesquisa, constata-se que a
maioria dos profissionais entrevistados, compreendem o conceito de cuidados paliativos
e seus princpios, e estabelecem, em sua prtica, condutas condizentes com os objetivos
da rea, priorizando a qualidade de vida e proporcionando maior dignidade no processo
de morrer dos pacientes. Alm disso, demonstram encontrar bons recursos de
enfrentamento que lhes servem como suporte para o trabalho cotidiano com a morte.
Contudo, apresentam dificuldade em lidar com a temtica, referenciando sentimentos
negativos e evitando o contato com o assunto, fatores que podem trazer implicaes
sua prtica cotidiana.Acredita-se que essas dificuldades sejam evidenciadas, no
somente por se tratar de um assunto estigmatizado cultural e socialmente, mas tambm
devido falta de formao terica e emocionalpara o trabalho com essas questes.
Torna-se evidente, portanto, a necessidade de criao de espaos formativos em prol da
capacitao terica dos profissionais para temticas que envolvem a morte, bem como, a
criao de momentos para a elaborao das demandas emocionais suscitadas. Com
intuito de contribuir, de maneira efetiva, na melhoria do servio prestado, essa pesquisa
prope a criao desses dois espaos, para que os profissionais possam exprimir seus
sentimentos, compartilhar percepes, emoes e pensamentos, visando a minimizao
das dores e dvidas diante das perdas sentidas constantemente. Essa proposta deve
fortalecer a coeso da equipe, tornando-a mais preparada, tanto terico quanto
emocionalmente, para trabalhar com a morte em seu cotidiano de trabalho.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Oncologia Infantil; Morte Digna.
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ABSTRACT
Cancer is considered a public health problem, according to the National Cancer
Institute, and it is among the ten main causes of death in the world, according to the
World Health Organization. It is a chronic and stigmatized disease as well as fatal,
surrounded by adverse feelings as fear and anguish, both in patients and in their
families. When it occurs in children, feelings are more intense, possibly because, in a
cultural perspective, this age is not associated with negative aspects and death. This
moment becomes even more delicate when an unfavorable prognosis is concluded and
the patient hasto enter the palliative care team. This whole process of care requires the
monitoring of a multidisciplinary team, technically and emotionally prepared to deal
with all the nuances involved in the disease, including death, which is currently present.
This study aims to understand the experience of promoting dignity in death, experienced
by a professional team of palliative care in pediatric oncology. To achieve this overall
objective, we aim to specifically identify what health professionals comprehend about
palliative care and its practice, to understand how professionals deal with the dying
process and to recognize the resources and strategies used by these professionals to
work with children in palliative care. This study is based on a field of research,
conducted from semi-structured interviews, which were held bynine professionals of a
palliative care team of a reference hospital in pediatric oncology in Cear/Brazil. It has
a descriptive content and qualitative approach, and ituses as data analysis the critical
hermeneutics of Gadamer. In the results of this research it appears that most of the
professionals interviewed understands the concept of palliative care and its principles,
and establish, in their practice, they conduct in line with the objectives of the area,
giving priority to quality of life and providing a greater dignity in the process of dying
of the patients. They also show to find good facing resources, which serve them as a
support for the daily work with the death. However, they have difficulty to deal with
thisissue, referencing negative feelings and avoiding contact with the subject, factors
that can have implications in their daily practice. It is believed that these difficulties are
evidenced not only because it is a stigmatized matter in a cultural and social
perspective, but also due to the lack of theoretical and emotional training to work with
these issues. It is thereforeclear that there is the need to create training spaces in order
to promote the theoretical training of professionals in themes that involves issues as
death, as well as the creation of spaces that allowsprofessionals to elaborate their
emotional demands. To effectivelycontribute with the improvement of the
providedservice, this research proposes the creation of these two spaces so that
professionals can express their feelings, share perceptions, emotions and thoughts, in
order to decrease pain and doubts in the face of losses they constantlyfeel. This proposal
should strengthen the team cohesion, turningit more prepared, both theoretical and
emotionally in order to work with death in their daily work.
Key-words: Palliative Care; Childrens Oncology; Dignified Death.
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AGRADECIMENTOS
A gratido o nico tesouro dos humildes
(William Shakespeare)
Serei eternamente grata a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam,
no somente para que essa dissertao se concretizasse, mas para que eu amadurecesse,
profissional e pessoalmente, com a finalizaodesse mestrado.Sinto uma enorme
satisfao em construir e compartilhar essa conquista com vocs. Por todas as trocas e
crescimento, esse trabalho fruto do nosso esforo, e por isso: Gratido!
Aos meus orientadores, Professora Doutora Marlia Dourado e Professor Doutor
Antnio Barbosa que assumiram o desafio de estabelecer a orientao desse estudo
distncia, sempre respeitando minhas escolhas e acolhendo minhas dvidas
prontamente, com sugestes e orientaes essenciais a construo desse trabalho.
A Deus, a quem recorri em momentos de angstia, mas tambm de agradecimento, me
fortalecendo para essa construo. Faltam-se palavras e transborda gratido.
Aos meus pais e meu irmo, por terem me ajudado sempre na construo de quem eu sou e
busca pelos meus sonhos, mostrando a potencialidade que possuo, e me apoiando nas mais
difceis decises, encorajando contnua luta e no desistncia dos meus objetivos.
Aomeu amor, por toda pacincia e abdicao, pela compreenso da importncia desse
momento, e por estar sempre de mos dadas comigo, acreditando nos meus sonhos e
lutando por eles, me apoiando e encorajando para no desistir dos meus objetivos,
mesmo quando o caminho parece rduo demais.
Aos meus amigos, de Fortaleza e Coimbra, por todo acolhimento e pacincia em ouvir
minhas dores e conquistas, dispondo sempre de palavras para me fazer levantar nos
momentos em que a fora parecia se esgotar.
Aqueles que diretamente contriburam com atitudes de grande valor para a efetivao
desse trabalho, a quem devo nomear e agradecer imensamente, pois sem eles esse
estudo no se concretizaria: Joaquim Alcoforado, Emanuelly Mota, Anice Holanda,
Luciana Maia, Karynne Melo, Liliane Brando, Priscilla Costa, Renata Holanda, Lilian
Queiroz, Catherine Moreira, Rebeka Maia, Daniele Negreiros, Renata Fernandes e
Isabel Marques.
Aos profissionais que prontamente se disponibilizaram a participar dessa pesquisa, com
quem partilhei anos de trabalho e por quem tenho um apreo e admirao imensos, esse
estudo fruto de uma construo coletiva e tem como objetivo devolver ao servio
maior desenvolvimento, retribuindo o tanto que me ajudaram a crescer.
http://pensador.uol.com.br/autor/william_shakespeare/
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Acho que para recuperar um pouco da
sabedoria de viver seria preciso que nos
tornssemos discpulos e no inimigo
Morte. Mas, para isso, seria preciso abrir
espaos em nossas vidas para ouvir a sua
voz. (Rubem Alves, 1991).
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SUMRIO
1 PREMBULO ............................................................................................................ 08
2INTRODUO ENQUADRAMENTO TERICO................................................. 16
2.1 Cncer Infantil.......................................................................................................... 16
2.2 Cuidados Paliativos ................................................................................................. 35
2.3 Morte ....................................................................................................................... 72
3 METODOLOGIA ....................................................................................................... 94
3.1 Objetivos .................................................................................................................. 94
3.1.1 Objetivo Geral ...................................................................................................... 94
3.1.2 Objetivo Especfico .............................................................................................. 94
3.2 Concepo terico-metodolgica ............................................................................ 94
3.3 Procedimentos metodolgicos ............................................................................... 100
3.4 Aquisio dos dados da pesquisa ........................................................................... 102
3.5 Anlise dos dados .................................................................................................. 106
4 RESULTADOS ........................................................................................................ 107
5 DISCUSSO E CONCLUSES ............................................................................. 123
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 142
APNDICE I: ENTREVISTA INDIVIDUAL............................................................. 171
APNDICE II: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........ 172
ANEXO I: APROVAO DA COMISSO DE TICA DA FACULDADE DE
MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (FMUC) ................................... 179
ANEXO II: APROVAO DO COMIT DE TICA EM PESQUISA DO HOSPITAL
INFANTIL ALBERT SABIN (HIAS) ........................................................................ 182
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1 PREMBULO
Aqueles que tiverem a fora e o amor
para ficar ao lado de um paciente moribundo,
com o silncio que vai alm das palavras,
sabero que tal momento no assustador nem doloroso,
mas um cessar em paz do funcionamento do corpo.
Ser terapeuta de um paciente que agoniza
nos conscientizar da singularidade de cada indivduo
neste oceano imenso da humanidade.
uma tomada de conscincia de nossa finitude,
de nosso limitado perodo de vida.
(KUBLER-ROSS, 2002)
O interesse pelo estudo do cncer infantil em correlao com os cuidados
paliativos surgiu a partir de minhas experincias como psicloga. Por isso, torna-se
interessante destacar meu percurso acadmico e profissional, experincias que
fomentaram as discusses de interesse desse trabalho, medida que se reconhece que a
escolha por temticas especficas de cunho cientfico se d em decorrncia de
inquietaes pessoais e profissionais do pesquisador.
No Brasil, diferente de outros espaos do mundo, a Psicologia Hospitalar
reconhecida como especialidade, desde 2000. A partir de ento, as universidades e os
hospitais tm disponibilizado espaos de discusso e vivncia que possibilitam aos
estudantes, contato com a prtica. Aproveitando essa ampliao do campo de atuao,
durante a graduao surgiram oportunidades de estar em contato com o ambiente
hospitalar, e medida que esta prtica se intensificava, apresentei grande interesse em
atuar profissionalmente nesse contexto.
Ainda como estudante, dispusda oportunidade de realizar um estgio no Centro
Peditrico do Cncer, campo de pesquisa dessa investigao, participando da criao da
equipe de cuidados paliativos. Posteriormente, com a graduao concluda e a
permanncia na instituio como psicloga, foi possvel prosseguir o acompanhamento
dos pacientes que se encontravam com doenas progressivas e incurveis.
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Durante esse tempo de experincia, foi notrio todo o desenvolvimento do
trabalho realizado por minha equipe, sendo possvel verificar os avanos e
reformulaes ocorridos durante quase dois anos de servio. Atravs dessa vivncia,
surgiu a necessidade de especializao na rea, visando maior aprofundamento de
conhecimentos cientficos e prticos, e execuo de pesquisas que contribussem com o
desenvolvimento do servio prestado por toda equipe. Dessa forma, o mestrado foi o
espao encontrado para catalisar este desenvolvimento de maneira diferenciada,
ampliando e aprofundando os conhecimentos na rea a partir do intercmbio entre
realidades diferentes, que permitisse a troca de culturas, linhas de pensamento e
formaes.
O conhecimento adquirido nas disciplinas cursadas proporcionou maior
criticidade no olhar sobre a atuao da equipe da qual participei, fator que impulsionou
novas indagaes e reflexes que fomentaram essa pesquisa. Esse estudo corrobora sua
relevncia medida que permite um retorno ao desenvolvimento qualitativo do servio
realizado no Centro Peditrico do Cncer, viabilizando equipe uma oportunidade de
reviso de seu saber, atravs da reflexo crtica de seu fazer. Essa ampliao de olhar
permite a abertura a novas atitudes e estratgias de atuao, ensejando o aprimoramento
do servio prestado pela equipe de cuidados paliativos.
Com fito de contribuir para a contnua melhoria do desempenho da equipe,
pensou-se em diversas questes importantes que poderiam ser trabalhadas. A primeira
constatao oriunda de minha prtica foi perceber o quanto um diagnstico de cncer
traz sofrimento a todos os envolvidos. Por se tratar de uma doena crnica e
estigmatizada como fatal, a notcia dessa patologia acompanhada de sentimentos
adversos, como medo e angstia, tanto nos pacientes quanto em seus familiares. Quando
ocorre em crianas, parece que o abalo intensifica-se, possivelmente por, culturalmente,
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no associarmos essa idade a sentimentos negativos e morte. Esse momento tambm
se torna mais delicado quando se constata o prognstico desfavorvel e o paciente
inserido na equipe de cuidados paliativos.
Todo esse processo de cuidados pressupe o acompanhamento de uma equipe
multiprofissional, que tambm deve estar preparada para lidar com todas as nuances
envolvidas nessa doena. Os profissionais devem ser capazes de proporcionar maior
dignidade no processo de morrer dos pacientes, no focando na cura, mas sim na busca
pela qualidade de vida de todos os envolvidos. Eles precisam estar preparados para
trabalhar com a morte, que se faz presente cotidianamente. No se trata de uma tarefa
fcil, posto que esse tema socialmente estigmatizado, abordado como algo de que
devemos fugir e temer. Assim, essa recusa da morte frequentemente traz inmeros
dilemas pessoais, ticos e sociais, aos profissionais.
Pensando nisso, diversos questionamentos foram suscitados. Os profissionais
dessa equipe esto preparados para a prtica dos cuidados paliativos? Possuem
embasamento terico para essa atuao? Como para esses profissionais trabalhar com
a morte, que se apresenta em seu cotidiano? O trabalho que a equipe realiza possibilita
maior dignidade no processo de morrer dos pacientes? Quais estratgias os profissionais
utilizam para suportar esse cotidiano repleto de sofrimento e dor?
Atravs dessas indagaes, concebo que o ponto nodal desse trabalho seja a
compreenso da morte para o profissional de sade, fator que interfere diretamente em
sua prtica de cuidados. Compreendendo que o profissional de uma equipe de cuidados
paliativos no lida em sua rotina somente com a morte do paciente, mas com a
constatao de sua finitude, considero que este sujeito precise problematizar a questo
da morte em sua vida, percebendo de que maneira esse aspecto o afeta e interfere em
seu fazer. Entendo, portanto, que essas questes precisam ser pensadas para que o
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profissional seja capaz de proporcionar maior dignidade no processo de morrer do
paciente, ampliando suas habilidades atravs da percepo de seus limites e
potencialidades para lidar com a temtica do morrer.
Doravante essas constataes e inquietaes, situa-se o cenrio cientfico atual
das temticas principais desse estudo. Para tal, foi desenvolvida, a princpio, uma
reviso bibliogrfica, em peridicos e dissertaes, nacionais e internacionais, no Portal
da Capes e da Biblioteca Virtual de Sade (BVS).
A primeira base de dados uma biblioteca virtual que dispe de um acervo
diversificado, de referencial multidisciplinar, contando com a colaborao de diversas
fontes, tais como a Web of Science e a Scopus. J a segunda, rene bibliografias da rea
da sade, tais como a Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Bireme (Biblioteca
Regional de Medicina), Medline (Literatura Internacional em Cincias da Sade), Lilacs
(Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade) e Cochrane (Coleo
de fontes de informao de boa evidncia em ateno sade). Concebendo essa
abrangncia, optou-se por estas bases de dados por serem consideradas as principais
plataformas de publicaes cientficas da rea da sade, utilizadas no Brasil.
Nesse primeiro momento, como forma de apresentar a situao atual dos
cuidados paliativos na oncologia peditrica, verifiquei na literatura estudos com focos
diversos, desde aspectos gerais sobre os cuidados paliativos na oncologia peditrica
(Charvin, 2002; Collins, 2002; Rodrguez, Cdiz, Faras, & Palma, 2005), at questes
mais especficas, como dados de mortalidade infantil no ambiente hospitalar (Villn et
al., 2012) aspectos de cuidado com paciente, familiares e equipe (Carvalho & Perina,
2003), alm da importncia da comunicao (Frana, Costa, Lopes, Nbrega, & Frana,
2013) e da passagem de ms notcias (Afonso & Minayo, 2013), bem como, o carter
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essencial de cuidado com os pacientes em processo de luto (Arantes & Dos Santos,
2013; Pessolato, Franco, & Carvalho, 2011).
Estudos revelam que a prtica dos cuidados paliativos oncopeditricos tem suma
importncia, considerando o diferencial na abordagem do trabalho com esse pblico e a
representatividade ainda de mortalidade dessa populao (Charvin, 2002; Collins, 2002;
Rodrguez, Cdiz, Faras, & Palma, 2005). salientando ainda que um dos maiores
objetivos dos cuidados paliativos a promoo de maior qualidade de vida e dignidade
no processo de morrer do paciente, atravs de uma trajetria em direo de uma boa
morte. ressaltado ainda que esse trabalho complexo, principalmente no que concerne
a assistncia infantil, deve ser realizado por uma equipe multiprofissional preparada
(Menezes & Barbosa, 2013; Souza et al., 2013).
salientada tambm a importncia de pesquisas voltadas para famlias ou
cuidadores principalmente referenciando as mes , entendendo que ao
acompanharem um paciente ao final de sua vida, podem apresentar alteraes fsicas,
emocionais e sociais, que necessitam de cuidados. Revelam, portanto, a importncia do
cuidado integral realizado com os familiares para lidarem com a doena e contriburem
com o tratamento, viabilizando a minimizao dos efeitos negativos decorrentes da
doena oncolgica e aumento da qualidade de vida de todos os envolvidos (Bosquet-del
et al., 2012; Ferreira, 2011; Geronutti, 2011; Ylamos, Fernndez, & Pascual, 2011).
Cabe ressaltar que, no levantamento bibliogrfico, destacou-se o relevante
nmero de produes na rea da enfermagem, com temticas diversas, entre elas: a
importncia da comunicao (Frana, Costa, Lopes, Nbrega, & Frana, 2013), a
percepo sobre a questo da morte digna (Souza et al., 2013), o cuidado (Monteiro,
Rodrigues, & Pacheco, 2012; Mutti et al., 2012), o olhar sobre a famlia (Silva, Issi, &
Motta, 2011), o processo de morrer (Carmo, 2010) e os focos da assistncia. (Monteiro,
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2008), em detrimento dos trabalhos das outras reas profissionais atuantes na sade. No
mbito mdico tambm surgiram estudos especficos, tanto sobre a percepo dos
oncologistas peditricos sobre os cuidados paliativos e suas dificuldades (Ferreira,
2011) quanto sobre o significado da morte para esses profissionais (Dos Santos, Aoki,
& Oliveira-Cardoso, 2013).
Nessa reviso, poucos foram os estudos com foco na equipe multiprofissional.
As pesquisas com esse vis ressaltam a importncia da equipe de sade, como unidade
capaz de viabilizar aes de suporte e alvio de sofrimento, no mbito biolgico e psico-
scio-espiritual, tanto para as crianas quanto para seus familiares. ressaltado que a
preparao do profissional, tanto tcnica quanto psicolgica, contribui
significativamente para o sucesso e continuidade do tratamento (Areco, 2011;
Nascimento et al., 2013).
A partir do panorama geral dessas temticas, ratifica-se a ideia de que a equipe
profissional tem imensa responsabilidade no acompanhamento de pacientes e familiares
em cuidados paliativos. Conforme visto na literatura, os profissionais influenciam no
tratamento do paciente, desde a comunicao diagnstica at o acompanhamento no luto
dos familiares. Para que seja minimizado o sofrimento fsico e psicossocial dos
usurios, esta equipe precisa estar preparada para acompanh-los em todo seguimento
de cuidados, principalmente no processo de morrer.
Contudo, a maioria dos estudos voltados especificamente para a equipe de sade,
apesar de trazerem a importncia da mesma, no abordam diretamente o preparo dos
profissionais para lidarem com o cncer na infncia, ainda mais se tratando de um
momento quando o prognstico no favorvel e o paciente deve ser acompanhado em
seu processo de morrer. Dessa maneira, percebe-se a falta de referenciais que, alm de
focalizarem a equipe como essencial ao acompanhamento, busquem compreender o
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preparo dos profissionais para o alcance dos objetivos dos cuidados paliativos,
promovendo maior qualidade de vida e alvio do sofrimento, e para lidarem com a
morte, proporcionando maior dignificao no processo de morrer dos pacientes.
Outrossim, carece na literatura, estudos que referenciem servios da regio do
nordeste brasileiro. As pesquisas encontradas so realizadas em sua maioria na regio
sudeste do pas. Considerando, portanto, a importncia do desenvolvimento de servios
e equipes especializadas que estejam preparadas para atuar com o cncer infantil na
regio do nordeste do Brasil, evidencia-se a necessidade de realizao dessa pesquisa no
Centro Peditrico do Cncer, referncia de oncologia peditrica no somente no estado
do Cear, mas nas localidades adjacentes. Assim, focando-se na equipe de cuidados
paliativos dessa instituio, este estudo possibilita o aprimoramento de servios e
aperfeioamento das equipes de sade j existentes no pas.
Entendendo a importncia da equipe de sade, mostra-se a relevncia desse
trabalho, medida que se acredita que com o desenvolvimento dos profissionais, os
cuidados possam ser aperfeioados e, consequentemente, os danos acarretados pela
doena, aos pacientes e familiares, possam ser minimizados. Alm disso, viabiliza-se a
colaborao no processo de dignificao do morrer, cumprindo de maneira efetiva um
dos objetivos principais dos cuidados paliativos. Por fim, verifica-se que esta pesquisa
pode contribuir tanto para o aprimoramento da assistncia prestada nessa instituio,
quanto para o avano do conhecimento na rea e desenvolvimento da prtica dos
cuidados paliativos no pas.
Diante do exposto, esta pesquisa visa compreender a experincia da promoo
da dignidade de morrer vivenciada pelos profissionais de uma equipe de cuidados
paliativos em oncologia peditrica. Apresenta como objetivos especficos a
identificao do que entendem os profissionais de sade sobre os cuidados paliativos e
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sua prtica, a compreenso de como os profissionais lidam com o processo de morrer, e
o reconhecimento de recursos e estratgias utilizados pelos profissionais para trabalhar
com crianas em cuidados paliativos.
Para o alcance das metas expostas, essa pesquisa estrutura-se em captulos que
se complementam, apresentando as principais concepes das temticas essenciais a
investigao. O primeiro captulo introduz a fundamentao terica, que embasa esta
pesquisa a partir da reviso de literatura sobre os temas mais importantes para o estudo:
cncer infantil, cuidados paliativos e morte. O segundo captulo abordar a metodologia
da pesquisa, explanando aspectos fundamentais como: concepo terico-metodolgica
e aspectos mais diretivos como procedimentos, aquisio, coleta e anlise dos dados. O
terceiro captulo tem como foco os resultados. E por fim, no quarto captulo, sero
realizadas as anlises e discusses dos dados, bem como as concluses obtidas.
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2 INTRODUO ENQUADRAMENTO TERICO
2.1. Cncer Infantil
No h riqueza maior que a sade do corpo,
nem contentamento maior que a alegria do corao.
melhor a morte do que uma vida amarga,
e o descanso eterno, mais que uma doena prolongada.
(ECLESISTICO, 30, 16-17)
Nas ltimas dcadas, mundialmente, elucida-se um processo de transio
epidemiolgica, havendo mudanas no perfil de mortalidade da populao, com a
diminuio de doenas infecciosas e o aumento de doenas crnico-degenerativas,
como o cncer (Carmo, Barreto & Jnior, 2003). Assim, constata-se que o nmero de
casos de cncer temaumentado em todo mundo, e especificamente no Brasil, a doena
vem ganhando cada vez maior destaque.
Desde 2003, o cncer considerado um problema de sade pblica, de acordo
com o Instituto Nacional do Cncer, devido sua abrangncia epidemiolgica, social e
econmica. (Brasil, INCA, 2012), e encontra-se entre as dez maiores causas de morte no
mundo, segundo a Organizao Mundial da Sade (Brasil, INCA, 2011a).
Em relatrio da Agncia Internacional para Pesquisa em Cncer consta que o
impacto global da doena mais que dobrou em 30 anos (WHO, 2008). Dessa maneira,
evidencia-se como uma das doenas mais desafiantes da atualidade, devido a aspectos
do tratamento e busca pela cura, medida que interfere de forma significativa na sade
e qualidade de vida dos indivduos acometidos pela doena e seus familiares.
O Instituto Nacional do Cncer ressalta as estimativas mundiais que indicam o
surgimento de cerca de 14,1 milhes de novos casos de cncer e 8,2 milhes de mortes
por esta doena, no ano de 2012. Verificam que globalmente em 2030 haver 21,4
milhes de novos casos de cncer e 13,2 milhes de mortes em sua decorrncia. No
Brasil, a estimativa de 2014 indicou a ocorrncia de aproximadamente 576 mil casos
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novos de cncer, evidenciando a magnitude do problema da doena no pas (Brasil,
INCA, 2014).
Devemos entender que esse termo representa:
(...) um conjunto de mais de 100 tipos diferentes de doenas que tm em
comum o crescimento desordenado de clulas anormais com potencial
invasivo. Alm disso, sua origem se d por condies multifatoriais. Esses
fatores causais podem agir em conjunto ou em sequncia para iniciar ou
promover o cncer (carcinognese) (Brasil, INCA, 2014, p.25).
A partir disso, entende-se que no cncer h diviso e crescimento celular
descontrolado. A clula adquire multiplas alteraes genticas mutaes, delees
e/ou outras e irreversivelmente, ao longo do tempo, as caractersticas de malignidade,
passando a ser uma clula que cresce de forma autnoma, indiferenciada (perde a
capacidade de desenvolver funes especializadas), com perda de inibio de contacto,
e capacidade de mestastizardesenvolver metstases noutros locais, distncia. (INCA,
online) Como destacam Jnior, Batocchio e Lessa (2014):
O cncer destaca-se pela formao de um tecido constitudo por clulas
autnomas com habilidades e capacidades bem diferentes das que o
antecederam. A possibilidade de invaso tecidual e metastizao so marcas
reconhecidas das neoplasias malignas (p.2).
Ainda a partir da definio do Instituto Nacional do Cncer, podemos entender
que no se conhece uma causa especfica para o aparecimento da doena, e que
provavelmente, no advm de uma causa nica, e por isso diz-se que possui etiologia
multifatorial (Hugues 1987 como citado em Carvalho, 2002). Assim, compreende-se
que vrios fatores podem estar envolvidos no surgimento do cncer, constituindo-se
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tanto por fatores externos quanto internos ao organismo, bem como pela inter-relao
entre eles.
Como causas externas podemos ressaltar os fatores relacionados ao meio
ambiente, como hbitos ou costumes sociais e culturais, tendo como exemplo o
contgio por vrus, a exposio a radiao ou poluentes, o uso de drogas, substncias
alimentcias ou medicamentos, entre outras substncias referenciadas como
cancergenas ou carcingenos, que atuam alterando a estrutura gentica das clulas do
indivduo. J com relao s causas internas, entende-se que tem relao
prioritariamente com a predisposio gentica (Trichopoulos, Li, & Hunter1996 como
citado em Carvalho, 2002; INCA, online; Jnior, Batocchio, & Lessa, 2014). 80% a
90% dos cnceres esto associados a fatores ambientais. Alguns deles so bem
conhecidos: o cigarro pode causar cncer de pulmo, a exposio excessiva ao sol pode
causar cncer de pele, e alguns vrus podem causar leucemia (INCA, online).
Constata-se ainda que, mesmos sabendo que dos canceres advm de causas
externas, ainda no foi possvel prevenir efetivamente a doena, fator constatado em
dados estatsticos sobre o cncer. Essa situao evidenciada em pases em
desenvolvimento, como o Brasil, onde a exposio a fatores de risco parece aumentar
com o passar dos anos (Jnior, Batocchio, & Lessa, 2014).
Na literatura, destacam-se poucas evidncias que relacionem a causa da doena
com a exposio ambiental na infncia. Caran e Luisi (2014) destacam que 90 a 95%
dos tumores na infncia ocorrem devido a mutaes genticas, ou seja, relacionadas a
questes internas. Conforme revelado pelo Instituto Nacional do Cncer (2009):
A associao entre cncer peditrico e fatores de risco ainda no est
totalmente bem estabelecida, na qual fatores de risco ambientais e
comportamentais como tabagismo, alcoolismo, alimentao, prtica de
atividade fsica regular, exposio ao sol, entre outros j esto bem
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descritos na literatura como associados a vrios tipos de neoplasias na
populao adulta (Brasil, INCA, 2009, p.38).
Contudo, citada tambm uma remota possibilidade de interligao entre o
cncer infantil e fatores ambientais, podendo ocorrer, de maneira indireta, na primeira
infncia, atravs do contato com os adultos, ou durante a vida intrauterina. (Brasil,
INCA, 2014). So evidenciadas influncias qumicas, fsicas ou biolgicas na placenta
como fatores significantes no desenvolvimento de tumores na infncia (Teles, 2005).
Existem, portanto, diferenas significativas entre os cnceres de adulto e
infantis, e essas peculiaridades justificam a necessidade de serem estudados e tratados
separadamente.A origem biolgica, os fatores de risco, os tipos histolgicos, o
localanatmico e as respostas ao tratamento so salientados como diferenas
significativas na apresentao clnica, nas medidas de preveno e cuidados do cncer
infanto-juvenil (Camargo & Kurashima, 2007; Pollock, Doroshow, Khayat, Nakao, &
O'Sullivan, 2006).
Histopatologicamente, podemos ainda diferenci-los, tendo em vista que o
jovem apresenta curto perodo de latncia e crescimento rpido, contudo, tem melhor
prognstico quando comparado ao pblico adulto (Brasil, INCA, 2009, 2014). Assim,
nessa idade, as neoplasias malignas se originam em clulas embrionrias, evoluindo
mais rapidamente, e por isso sendo mais agressivas e invasivas, contudo podendo
apresentarmaior susceptibilidade ao tratamento (Brasil, INCA, 2011b; Reis, Santos, &
Thuler, 2007).
Dessa forma, a compreenso da doena depende da faixa etria a que se refere.
Com relao a incidncia, na idade adulta, o cncer mais comum o de pele no
melanoma, seguido dos tumores de prstata, de mama feminina, de clon e reto, de
pulmo, de estmago e de colo do tero. J na infncia e na adolescncia, a leucemia o
tipo de cncer mais evidente na populao, acometendo cerca de 25% a 35% dos casos
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20
apresentados. Nos pases desenvolvidos os linfomas ocupam o terceiro tipo de cncer
mais comum, e nos pases em desenvolvimento ocupam o segundo lugar. Juntamente
com as leucemias e os linfomas, esto os tumores do sistema nervoso central, como as
trs neoplasias que mais acometem a populao infanto-juvenil brasileira (Brasil, INCA,
2011b, 2014).
Existe uma variao na proporo dos vrios tipos de cncer infanto-juvenil
nas populaes. Em alguns pases em desenvolvimento, onde a populao de
crianas chega a 50%, a proporo do cncer infantil representa de 3% a 10%
do total de neoplasias. J nos pases desenvolvidos, essa proporo diminui,
chegando a cerca de 1%. A mortalidade tambm possui padres diferentes.
Enquanto nos pases desenvolvidos o bito por neoplasia considerado a
segunda causa de morte na infncia, correspondendo a cerca de 4% a 5%
(crianas de 1 a 14 anos), em pases em desenvolvimento, essa proporo
bem menor, cerca de 1%, porque as mortes por doenas infecciosas so as
principais causas de bito (Brasil, INCA, 2014, p.53).
O Instituto Nacional do Cncer ressalta que o cncer infantil, apesar de ser uma
doena rara e com alta perspectiva curativa, considerado a segunda causa de morte,
nos pases desenvolvidos, e encontra-se atrs somente das mortes por doenas
infecciosas, nos pases em desenvolvimento. No Brasil, as neoplasias ocupam a
segunda posio (7%) de bitos de crianas e adolescentes (de 1 a 19 anos) em 2011,
perdendo somente para bitos por causas externas, configurando-se como a doena que
mais mata (Brasil, INCA, 2014, p.54).
O Censo Demogrfico de 2010 demonstra o aumento de jovensno Brasil,
ocupando cerca de 30% da populao. Estima-se que os tumores peditricos ocupam a
mdia de 3% dos casos novos de cncer no Brasil. Isso significa que em 2014, dos
394.450 casos novos, estimou-se que haveriam 11.840 crianas ou adolescentes
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21
acometidos pela doena. Por isso, percebe-se que apesar de raro, quando comparado ao
cncer em adultos, apresenta um nmero significativo de casos a serem tratados, que
merecem ateno diferenciada (Brasil, INCA, 2014).
Esse nmero de casos novos estimados, quando calculado para diferentes
estados e regies do pas, deve servir como parmetro para o planejamento de
aes e organizao dos centros ou unidades com oncopediatria, na medida
em que os melhores resultados so esperados quando respeitadas escalas que
possam garantir um nmero razovel de casos acompanhados por ano e por
servio. Desse modo, evita-se a excessiva fragmentao da oferta,
frequentemente associada a resultados insatisfatrios e pior desempenho dos
servios de acompanhamento (Brasil, INCA, 2011b, pp.19-20).
Aocorrncia desses casos epidemiolgicos permite o estabelecimento de
estratgias e aes de preveno e controle do cncer, auxiliando na modificao do
cenrio da doena na populao brasileira, contribuindo para a reduo da incidncia e
mortalidade do cncer (INCA, 2014).
A preveno e o controle do cncer precisam adquirir o mesmo foco e a
mesma ateno que a rea de servios assistenciais, pois o crescente aumento
do nmero de casos novos far com que no haja recursos suficientes para
dar conta das necessidades de diagnstico, tratamento e acompanhamento. A
consequncia sero mortes prematuras e desnecessrias. Assim, medidas
preventivas devem ser implementadas agora para reduzir a carga do
cncer(...) (Brasil, INCA, 2014, p.25).
Essas estratgias de controlo do cncer podem ser direcionadas a indivduos
assintomticos ou sintomticos. As aes direcionadas a sujeitos que no apresentam
sintomas podem ser desenvolvidas a partir de dois objetivos. Na preveno primria, o
objetivo evitar o aparecimento da doena, atravs do controle de exposio aos fatores
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de risco, j no rastreamento o foco detectar a doena e/ou leses em fase inicial. Como
ao voltada para indivduos sintomticos, com a doena em fase inicial, realiza-se o
diagnstico precoce (WHO, 2002).
Jnior, Batocchio e Lessa (2014, p.11-13) salientam as prevenes primria,
secundria e terciria. Para melhor visualizao, as informaes esto dispostas no
quadro1, construdo a partir das ideias dos autores.
Quadro 1 - Nveis de preveno. Tabela adaptada ao texto retirado de Jnior, Batocchio & Lessa (2014)
Preveno
Primria
Providncias criadas visando a evitao ou reduo da exposio a fatores de
risco para o desenvolvimento do cncer, inibindo seu aparecimento. Pode ser
feita por meio de campanhas de orientao.
Preveno
Secundria
Aes que busquem promove a deteco precoce do cncer, identificando a
doena no seu incio, alterando o seu desenvolvimento e tornando o seu
tratamento efetivo e definitivo, o que tem como consequncia a diminuio da
morbidade e mortalidade. importante favorecer a educao da populao e
dos profissionais da sade, no sentido de detectar sinais e sintomas precoces
do cncer, e o rastreamento por meio de exames clinicolaboratoriais de
pessoas assintomticas e que apresentem fatores de risco.
Preveno
Terciria
Cuidados utilizados para o restabelecimento e reabilitao do paciente j
diagnosticado e tratado de uma neoplasia maligna, evitando os efeitos
sequelares do tratamento e impedindo as eventuais recidivas
Jnior, Batocchio e Lessa (2014) sugerem que se deve buscar trabalhar de
maneira profiltica contra o cncer, visando eliminar os fatores de risco que
influenciariam em seu aparecimento, fator que demonstra a importncia do foco na
efetivao de programas de preveno e rastreamento contra a doena. No Brasil, apesar
do crescimento de esforos direcionados a esses servios, constatam-se diversas
dificuldades em sua implementao, pois a efetivao desses programas requer a
aquisio de recursos financeiros para custear, a exemplo, a qualificao e
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23
especializao de profissionais, bem como a aquisio e manuteno de aparelhos de
valores elevados.
Em um pas com dimenses continentais como o Brasil, torna-se difcil
pesquisar os novos casos de cncer, bem como realizar procedimentos e
tratamentos dentro de protocolos estabelecidos, em funo das grandes
diferenas socioeconmicas, apesar dos esforos dos profissionais de sade.
(...) Apesar da boa vontade de todos os profissionais e da colaborao de
todos os envolvidos nesse programa, entende-se que sua aplicabilidade
morosa, cara e carente de uma determinao poltico-social (Jnior,
Batocchio, & Lessa, 2014, p.8).
Quando voltamos a ateno para a infncia, algumas mudanas de foco devem
ser consideradas. Nessa faixa etria as medidas de preveno primria no so efetivas,
pois os fatores exgenos exercem pouca ou nenhuma influncia nesse pblico e,
portanto, a reduo da exposio a fatores cancergenos de ordem ambiental ou
comportamental no exercem influncia no desenvolvimento da doena (Brasil, INCA,
2011b).
Com relao preveno secundria, percebe-se atravs de estudos que o
rastreamento no apresenta bons dados de efetividade. J o diagnstico precoce tem
demonstrado ser uma estratgia eficaz, que permite a reduo da morbidade e
mortalidade da doena. Assim, o diagnstico precoce tem sido colocado como estratgia
de controlo primordial nos cnceres peditricos, inclusive mais do que nos cnceres de
adulto, pois permite o diagnstico em estgios iniciais, favorecendo a utilizao de
tratamentos precoces, menos agressivos e com menor toxidade, acarretando menos
sequelas na vida do paciente (Brasil, INCA, 2011b).
Ratificando essa ideia, Jurberg, Gouveia e Belisrio (2006) revelam que o
cncer uma doena que pode ter cura, porm para um bom prognstico necessrio
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um diagnstico precoce (p.140). Fonseca (2004) salienta tambm a necessidade de
investimento nessa medida preventiva, quando ressalta que dois teros dos cnceres
diagnosticados em crianas so considerados curveis quando realizado diagnstico
precoce e tratamento especializado.
Contextualizando essa questo ao no Brasil, tem-se que:
No Brasil, iniciativas para o diagnstico e o tratamento do cncer se
iniciaram nos primeiros anos do sculo XX. Tais iniciativas eram puramente
ligadas ao diagnstico e ao tratamento, visto que pouco ou nada era
conhecido acerca da preveno primria do cncer. Tudo que se sabia era que
o diagnstico mais precoce possvel parecia influenciar no prognstico dessa
doena (Jnior, Batocchio, & Lessa, 2014, p.4).
Com o passar dos anos, estabeleceu-se que o cncer poderia ser tratado
profiltica, primria ou secundariamente (Jnior, Batocchio, & Lessa, 2014). Com o
desenvolvimento da sade, atravs de avanos teraputicos e metodolgicos do
diagnstico precoce, a perspectiva curativa cresceu, e o cncer distanciou-se do carter
agudo e fatal que possua anteriormente, passando a ser considerada uma doena
crnica, com tratamento prolongado (Camargo & Kurashima, 2007). Assim, nos
ltimos anos houve o crescimento da taxa de cura e sobrevivncia de crianas e
adolescentes acometidos com cncer, devido principalmente ao desenvolvimento, cada
vez maior, de tcnicas que auxiliam o diagnstico precoce, bem como pelo surgimento
de abordagens teraputicas novas e com aprimoramento de profissionais especializados
na rea (Braga, Latorre, & Curado, 2002; Camargo & Kurashima, 2007).
Nos ltimos trinta anos, houve uma evoluo da sobrevincia na oncologia
peditrica, perodo em que a doena foi se distanciado da associao direta com a morte,
havendo a perspectiva curativa de 70% dos casos, em centros desenvolvidos (Brasil,
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INCA, online). Portanto, verifica-se que, no Brasil o ndice de sobrevivncia de
pacientes com a doena, apresenta evoluo similar aos pases mais desenvolvidos.
Atualmente, oito de dez crianas e adolescentes acometidos pelo cncer tero a sade
reestabelecida aps o trmino dos tratamentos (Hospital do Cncer, 2003; Rodrigues &
Camargo, 2003).
No entanto, importante salientar as alteraes existentes nesse padro de cura,
ao pensarmos nas especificidades de cada tipo de doena oncolgica. A Leucemia
Linfide Aguda, por exemplo, pode atingir 80% de cura, enquanto outros cnceres, a
possibilidadede cura estimadaem apenas 30% (Mendona, 2003; Oliveira, Viana,
Arruda, Ybarra, & Romanha, 2005).
Apesar dos ganhos considerveis na sobrevivncia do pblico infanto-juvenil, h
uma preocupao crescente com a criao de propostas de cuidadosdiferenciados a essa
populao, justificada pela ainda alta expressividade de mortalidade. Assim, apesar de
haver medidas preventivas efetivas, o maior desafio no cncer infanto-juvenil o
diagnstico precoce da doena, pois muitas crianas e adolescentes chegam s
instituies especializadas tardiamente, com a doena j em estdio avanado (Brasil,
INCA, 2011b).
Alguns fatores podem dificultar o processo de diagnstico precoce, como as
condies socioeconmicas, o acesso restrito tecnologias diagnsticas, os problemas de
organizao da rede do sistema de sade, assim como a desinformao dos pais e dos
mdicos, que muitas vezes no encontram-se preparados para ter o cncer como uma
das primeiras hipteses diagnsticas (Cavicchioli, Menossi, & Lima, 2007). So
destacados tambm como fatores que podem retardar o tempo diagnstico: o tipo do
tumor, a localizao do tumor, a idade do paciente, a suspeita clnica, a extenso da
doena, cuidado e/ou percepo da doena pelos pais, nvel de educao dos pais, a
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distncia aocentro de tratamento e o sistema de cuidado de sade (Brasil, INCA,
2011b). Outro fator que dificulta odiagnstico a apresentao clnica de certos tipos de
tumores. Muitos sinais e sintomas do cncer, como febre, vmitos, sangramento,
cefaleias e dores abdominais, so comuns a outras doenas frequentes na infncia. Esse
no reconhecimento do cncer como hiptese diagnstica inicial, advindo da
dificuldade de definio e percepo clara dos sintomas, pode retardar o direcionamento
dos casos para especialistas e, consequentemente, adiar a deteco precoce da doena
(Brasil, INCA, 2011b). Fator ratificado por Caran e Luisi (2014), quando ao falarem
dessa faixa etria, afirmam que o cncer apresenta manifestaes inespecficas e
comuns a vrias doenas da infncia (p.22).
Rodrigues e Camargo (2003) ratificam essa ideia, quando ressaltam que
dificilmente o pediatra geral se depara, em sua prtica clnica, com casos de neoplasia
maligna. Assim, diante de sinais e sintomas comuns a outras doenas da infncia ou que
podem ser confundidos com processos fisiolgicos do desenvolvimento normal da
criana, o cncer no a primeira hiptese considerada. Apesar de salientarem a
perspectiva dos profissionais, os autores alertam para a responsabilidade de todos os
envolvidos, incluindo familiares e servios de sade, no processo de reconhecimento e
investigao de sinais e sintomas da doena. Assim, a perspectiva de prognstico e
sobrevivncia, em oncologia peditrica, depender da associao de diversos aspectos,
envolvendo a responsabilidade de todos que podem ser envolvidos no diagnstico
precoce, incluindo familiares, mdicos e demais profissionais, alm dos servios de
sade.
Para o comeo do tratamento, e consequente avano no prognstico,
necessrio que haja inicialmente uma suspeio da doena. Atravs da deteco de
sinais e sintomas, inicia-se a investigao para a confirmao diagnstica. O diagnstico
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componente fundamental, na medida em que a sua confirmao permite identificar os
rgos comprometidos, a extenso da doena (estadiamento), e a condio funcional do
paciente, fatores essenciais para a realizao do planeamento teraputico mais adequado
(Brasil, INCA, 2012).Essa investigao pode ser realizada atravs da retirada de tecido
para anlise (bipsia ou puno) e o patologista, por meio do estudo das clulas
(citolgico) ou do tecido fixado em blocos de parafina, pode nos dizer se o material
proveniente de doena benigna ou maligna Exames de sangue, as radiografias, as
tomografias, as ressonncias, entre outros, so igualmente salientados(Yamaguchi,
2003, p.23).
Teles (2005) cita os exames laboratoriais, como um mtodo essencial na
avaliao de neoplasias em crianas. Ressalta a importncia do hemograma e avaliao
da funo renal e heptica, considerando que muitos tumores evoluem com metstase na
medula ssea, nessa faixa etria. Alm disso, salienta a indicao do mielograma e
bipsia ssea para avaliao de comprometimento medular e a puno lombar, para o
estudo do lquor, em tumores que envolvem o sistema nervoso central. Diagnsticos por
imagem podem ser realizados atravs de ultrassom, tomografia computadorizada e
ressonncia magntica, que permitem a determinao do local, tamanho e forma dos
tumores infantis. Alm disso, o RX de trax essencial em tumores que tem
possibilidade de desenvolver metstases pulmonares.
O Instituto Nacional do Cncer (2012) diz que:
O diagnstico de cncer feito a partir da histria clnica e exame fsico
detalhados, e, sempre que possvel, de visualizao direta da rea atingida,
utilizando exames endoscpicos como broncoscopia, endoscopia, digestiva
alta, mediastinoscopia, pleuroscopia, retossigmoidoscopia, colonoscopia,
endoscopia urolgica, laringoscopia, colposcopia, laparoscopia e outros que
fizerem necessrios, como a mamografia para a deteco do cncer de mama.
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(...) O tecido das reas que for notada alterao dever ser biopsiado e
encaminhado para confirmao do diagnstico por meio do exame
histopatolgico, realizado pelo mdico anatmopatologista (p.68).
Atravs da constatao diagnstica so tomadas decises teraputicas coerentes
e indicados os tratamentos mais adequados, considerando a histria natural do tumor, o
tipo e extenso da patologia, alm das caractersticas individuais de cada caso. As trs
modalidades de tratamentos mais utilizadas so cirurgia, a quimioterapia e a
radioterapia (Brasil, INCA, 2012; Caran & Luisi, 2014; Teles, 2005; Yamaguchi, 2003).
Elas podem ser usadas em conjunto, variando apenas quanto suscetibilidade dos
tumores a cada uma das modalidades teraputicas e melhor sequncia de sua
administrao (Brasil, INCA, 2012, p. 69). importante salientar desde j que os
tratamentos abaixo, embora demonstrem sua eficia provocam inmeros efeitos
secudrios/colaterais, que tambm devem ser considerados (Caran & Luisi, 2014).
As cirurgias podem ser indicadas como primeira parte do tratamento, na retirada
do tumor em momento inicial, dependendo do tamanho e localizao do mesmo, ou
aps a reduo do tumor com outros tratamentos, como o de quimioterapia e
radioterapia (Lopes &Bianchi, 2000; Yamaguchi, 2003).
A modalidade de quimioterapia, tratamento sistmico do cancro, varia de acordo
com sua finalidade, podendo ter o objetivo de curar, de controlar o crescimento da
doena ou de aliviar sintomas. O Instituto Nacional do Cncer (2012, pp.69-70) ressalta
os diferentes tipos, quesero evidenciados atravs do quadro 2, para melhor
visualizao.
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Quadro 2 - Modalidades de Quimioterapia. Tabela adaptada do texto retirado de Brasil, INCA (2012)
Quimioterapia Prvia
Neoadjuvante ou
Citorredutora
Indicada para a reduo de tumores locale regionalmente avanados
que, no momento, so irressecveis ou no. Tem finalidade de
tornar os tumores ressecveis ou de melhorar o prognstico do
paciente.
Quimioterapia Adjuvante ou
Profiltica
Indicada aps tratamento cirrgico curativo, quando o paciente no
apresenta qualquer evidncia de neoplasia maligna detectvel por
exame fsico e exames complementares.
Quimioterapia Curativa Tem finalidade de curar pacientes com neoplasias malignas para os
quais representa o principal tratamento (podendo ou no estar
associada cirurgia e radioterapia). Alguns tipos de tumores no
adulto, assim como vrios tipos de tumores que acometem crianas
e adolescentes, so curveis com a quimioterapia.
Quimioterapia para Controle
Temporrio de Doena
Indicada para o tratamento de tumores slidos, avanados ou
recidivados, ou neoplasias hematopoticas de evoluo crnica.
Permite melhorar a sobrevivncia (meses ou anos), mas sem
possibilidade de cura; sendo, porm, possvel obter-se o aumento
da sobrevivncia global do doente.
Quimioterapia Paliativa Indicada para paliao de sinais e sintomas que comprometem a
capacidade funcional do paciente, mas no repercute,
obrigatoriamente, na sua sobrevivncia. Independente da via de
administrao, de durao limitada, tendo em vista a
incurabilidade do tumor (doena avanada, recidiva ou
metasttica), que tende a evoluir a despeito do tratamento aplicado.
Estudos demonstram o carter nocivo desse tipo de tratamento ao organismo do
paciente, pois o efeito dessa medicao no ocorre somente em clulas doentes, mas
sobre todo corpo, desencadeando assim efeitos secundrios importantes, como nuseas,
vmitos, cansao, perda de cabelo, reaes alrgicas, depresso no sistema
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imunolgico, entre outros. Em momentos posteriores, podem acarretar
comprometimentos cardacos, neurolgicos e pulmonares. Os efeitos secundrios so
variveis, dependendo de diversos fatores como tecido afetado, tipo de droga utilizada
ou da concentrao plasmtica da droga, bem como tempo de exposio (Camargo,
Lopes, & Novaes, 2000; Hospital do Cncer, 2003)
A radioterapia um recurso utilizado para o controle e erradicao da doena
atravs da irradiao ionizante na regio afetada pelo tumor. Com uma dose pr-
calculada de radiao, aplicada durante um determinado tempo em um volume de tecido
do tumor, erradicam-se as clulas tumorais, buscando menor dano s clulas adjacentes,
que faro a regenerao do local irradiado (Ladeia, Castro, & Miziara-Filho, 2010). Da
mesma forma que a quimioterapia, a irradiao no tem ao somente em clulas
tumorais, mas afeta as clulas saudveis. Assim, esse mtodo teraputico tambm
apresenta efeitos colaterais importantes, que podem ser imediatos ou tardios. Os efeitos
imediatos, geralmente so tolerveis e reversveis, a exemplo de epitelites, mucosites,
mielodepresso, anovulao ou azoospermia, entre outros. Como principais efeitos
tardios da radioterapia esto as atrofias e fibroses, bem como o hipodesenvolvimento
corporal ou da rea irradiada, deformidades estticas, esterilidade, doenas coronariana
precoce, fibrose pulmonar, prejuzos na maturao do sistema nervoso central e dficits
neuropsicolgicos (Lopes & Bianchi, 2000).
A escolha quanto ao uso dos tratamentos mais adequados em crianas e
adolescentes, varivel, em funo da idade, da carga tumoral e da preocupao com
potenciais complicaes do tratamento. Alm disso, os tratamentos, nessa faixa etria,
podem apresentar tanto o objetivo de aumentar a sobrevivncia, auxiliando na
minimizao dos efeitos tardios dos tratamentos, como de reintegrar o sujeito em seu
contexto social, preservando a qualidade de vida (Camargo & Kurashima, 2007).
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Como relatam Caran e Luisi (2014):
O cncer na criana diferente do cncer do adulto. Nessa faixa etria, os
tumores geralmente respondem bem ao tratamento, em especial
quimioterapia. Portanto, o prognstico de crianas e adolescentes com cncer
muito bom. Entretanto, cada paciente deve ser avaliado individualmente,
com uma srie de exames para pesquisa da extenso do tumor
(estadiamento). A partir desse estudo, ser feito o planejamento teraputico
adequado: escolha de quimioterpicos, tempo de tratamento, necessidade de
radioterapia ou cirurgia (p.24).
Assim, compreendemos que o cncer peditrico uma doena desafiante e
complexa, capaz de afetar a criana, sua famlia, bem como os profissionais envolvidos
nesse processo (Kohlsdorf, 2010; Mutti, Paula, & Souto, 2010).Alm disso, o
diagnstico dessa doena exige mudanas significativas no mbito fsico, psicolgico e
social de todos os envolvidos, medida que pacientes e familiares modificam sua rotina
para se enquadrar nova situao, tentando se reorganizar frente crise instalada
(Castro, 2007; Pedro & Funghetto, 2005; Volpini, 2007).
Com relao s mudanas fsicas, podemos verificar os efeitos significativos nos
diversos momentos da doena. As crianas e os adolescentes, desde a investigao
diagnstica, so expostos a inmeros procedimentos invasivos e dolorosos. Essas
reaes se intensificam, medida que o tratamento vai sendo realizado, considerando
toda complexidade que envolve cada teraputica, bem como seus efeitos colaterais.
Com relao aos aspectos psicossociais, o cncer pode ser entendido como uma doena
crnica que afeta o desenvolvimento da criana e tem implicaes sobre todo o sistema
familiar, tendo alta incidncia e repercusses na vida da criana e sua famlia
(Nascimento, Rocha, Hayes, & Lima, 2005, p.470). Como demonstra Teles(2005):
O cncer impe ao indivduo perdas de diferentes naturezas, como a perda da
sade, da integridade psicolgica, da rotina diria. um processo permeado
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de temores e angstias, instalando-se um estado de crise, o que implica em
desorganizao e desarmonizao da pessoa como um todo. Em outras
palavras, ter cncer ser submetido a uma multifatoriedade de riscos vida:
vida social, ao processo de desenvolvimento, dentre outros. (p.40)
Desde o perodo pr-diagnstico o cncer se apresenta como uma experincia
sofrida e assustadora, devido a todos os procedimentos que devem ser realizados. A
confirmao diagnstica e o tratamento constituem-se como momentos difceis, repletos
de incertezas e medos, que exigem uma readaptao e aprendizagem de novas formas de
organizao por parte de todos, por afetar o campo psicossocial do paciente (Teles,
2005).
Bifulco e Faleiros (2014) confirmam que todo diagnstico de cncer sempre
acompanhado de uma carga emocional muito grande e de fantasias decorrentes dos
medos do portador e da famlia, seja em relao ao tratamento propriamente dito ou
sua evoluo (p. 443). associada socialmente a sentimentos devastadores e ao
sofrimento, sendo substituda no vocabulrio comum por aquela doena ou doena
ruim. Esse posicionamento social demonstra o estigma carregado por essa patologia,
que muitas vezes, evita-se falar o nome. Contudo, importante salientar a necessidade
de se discutir questes que envolvem o cncer, mediante sua alta taxa de incidncia e
prevalncia em nossa sociedade (Jnior, Batocchio, & Lessa, 2014).
A confirmao diagnstica faz com que a possibilidade de morte se faa
presente, medida que a doena ainda carrega o estigma de doena fatal. Assim, apesar
dos avanos cientficos, o diagnstico de cncer ainda est associado ao sofrimento e
morte (Antonelli et al., 2004; Fonseca, 2004).Sob essa perspectiva, Castro (2007)
argumenta que o impacto da doena na criana depender da durao, sintomatologia,
gravidade, visibilidade da doena, tipos de intervenes mdicas que requer,
caractersticas da criana e das relaes familiares. Essas experincias modificam a
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rotina do paciente, afastando-o da famlia, do colgio e dos amigos durante os
internamentose em perodos mais crticos do tratamento, podendo causar medo,
insegurana, ansiedade, alm de outros sentimentos que afetam a criana e os seus
familiares.
O adoecimento e o tratamento afetam a vida do paciente e da famlia em todas as
esferas, visto que a doena modificar a rotina domstica, o quadro financeiro, a rotina
profissional, a vida conjugal e todos os relacionamentos interfamiliares.Assim, o
diagnstico dessa patologia na infncia capaz de atingir os pacientes no somente no
mbito fsico, mas tambm afetar sua integridade psicolgica. Essa vivncia pode ser
geradora de sentimentos adversos, como o sofrimento, angstia e medo diante de
mutilaes, dores ou morte (Chiattone, 1998).
De acordo com Menezes, Passareli, Drude, Santos, e Do Valle (2007) o
diagnstico do cncer infantil e seu tratamento afetam no somente o paciente, mas
tornam os familiares vulnerveis ao sofrimento psquico, medida que provocam um
impacto sistmico sobre a organizao familiar.A reao dos familiares depender de
diversos fatores, entre condies psquicas, sociais, econmicos e culturais, bem como a
rede de apoio disponvel, a personalidade da criana, o estgio da doena e as condies
hospitalares (Castro&Piccinini, 2002).
Cardoso (2007) demonstra que:
A criana e seus familiares tm todos estes medos compartilhados e suas
vidas e rotinas transformadas com a descoberta da doena. Cada criana e
cada famlia iro reagir de formas diferentes, tudo depender, entre outros
fatores, no s do estgio em que a doena se encontra como da
personalidade de cada um dos sujeitos envolvidos, mas em todos os casos,
recursos internos sempre sero utilizados para o melhor enfrentamento de
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uma situao to difcil que ter um cncer ou ter um filho com este
diagnstico (p.25).
Entende-se, portanto, a partir de Caran e Petrilli (2010) a complexidade de
aspectos envolvidos no cncer, tornando-se evidente a necessidade do acompanhamento
de uma equipe multiprofissional, que deve estar atenta no somente para as questes
fsicas da doena, mas tambm para os desafios psicolgicos e sociais apresentados.
Mutti, Paula e Souto (2010) acreditam que para trabalhar com esse pblico e lidar com a
amplitude dessa doena, os profissionais devem estar tecnicamente preparados e
sensivelmente educados, visando um atendimento humanizado e integrado. Kohlsdorf
(2010) salienta a necessidade de preparao dos profissionais para lidar com um
contexto repleto de estresse e perdas. Leite, Caprara e Coelho Filho (2007), ao falarem
da prtica do mdico, salientam que a oncologia peditrica pressupe uma prtica
diferenciada, atravs de profissionais com competncias e habilidades especficas para
acompanhar a criana, seus pais ou cuidadores, e outros familiares. Ampliando essa
viso, entende-se que necessria a integrao de uma equipe de sade
multiprofissional, capaz de asegurar uma assistncia de qualidade, visando o cuidado
global do paciente e seus familiares.
Assim, evidente que o paciente com cncer, bem como com outras doenas,
deve ser tratado de maneira holstica, considerando a complexidade dos fatores
biolgicos, psicolgicos, sociais envolvidos. Dessa maneira, evita-se a fragmentao do
sujeito, vislumbrando o paciente de maneira integral, tendo maior coerncia com a
definio de sade preconizada atualmente. Atravs da interao entre diferentes
especialidades e conhecimentos, o sujeito pode ser tratado em consonncia com a
complexidade de todo seu processo de adoecimento.
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A assistncia multiprofissional permite verificar as repercusses da doena em
todos os mbitos da vida do paciente, buscando a preservao e recuperao de sua
qualidade de vida. Dessa maneira, a relao da trade paciente-famlia-equipe viabiliza o
favorecimento de maior qualidade de vida nesse processo de cuidados (Mitchell, Clarke,
& Sloper, 2006).
A integrao da equipe intensifica-se, quando referenciamos pacientes que
apresentam essas doenas crnicas, em estdios avanados. Nesses casos, a equipe deve
estar preparada para trabalhar e enfrentar a doena e o processo de morrer, tanto com o
paciente como com seus familiares (Maciel et al., 2006). Para maior apropriao dessa
fase do tratamento, precisamos compreender melhor o que referenciamos como
cuidados paliativos.
2.2 Cuidados Paliativos
Aqueles que possuem o privilgio de acompanhar algum
nos seus ltimos momentos
sabem que eles entram em um espao de tempo muito ntimo.
A pessoa, antes de morrer, tentar depositar naqueles que a acompanham
o essencial de si mesma.
Mediante um gesto, uma palavra, s vezes somente um olhar
tratar de dizer o que lhe importa verdadeiramente
e que nem sempre pde ou soube diz-lo.
(HENNEZEL, LA MUERTE NTIMA)
Para maior compreenso dos cuidados paliativos, primeiramente, essencial
explicitar o que entende-se por cuidado e de que maneira essa prtica se estabelece em
nossa sociedade. importante compreender que:
O cuidado existe desde que h vida humana e, como atos de humanidade,
por meio dele que a vida se mantm. Durante milhares de anos, no esteve
associado a nenhum ofcio ou profisso e sua histria se constri sob duas
orientaes que coexistem, complementam-se e se geram mutuamente: cuidar
para garantir a vida e cuidar para recuar a morte (Coelho & Fonseca, 2005, p.
215).
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A compreenso do cuidado se modificou durante os tempos. Conforme Zeferino
et al. (2008), o cuidado comeou a ser desenvolvido como forma de sobrevivncia,
sendo o principal criador de laos entre os sujeitos. Com o advento do Cristianismo, o
cuidado passou a ser uma ao predominante entre as mulheres, realizado por irms de
caridade, que prestavam aes ao nvel espiritual e protegiam a integridade corporal dos
doentes. Nascia, nessa poca, uma medicina inspirada no saber da doutrina dos padres.
Com o nascimento da clnica, os mdicos passaram a ser especialistas, tendo
como funo a identificao e extirpao do mal que o doente era portador (Coelho &
Fonseca, 2005). Em simultneo, iniciou-se a formao da sociedade capitalista, fator
que gerou implicaes considerveis nas formas de estabelecimento das relaes.
Para implementar sua prtica, os especialistas precisavam de mo-de-obra
para as inmeras tarefas que assegurassem a investigao e o tratamento das
doenas. O processo de institucionalizao da sade se deu articulado
formao da sociedade capitalista, portanto, atendendo a interesses poltico-
ideolgicos que transformaram o cuidar pela preservao da vida em cuidar
para a recuperao de corpos produtivos. A cura das doenas era o alvo e
visava repor a fora de trabalho incapacitada pelas enfermidades. O
desenvolvimento da cincia e da tecnologia, ao longo de todo o sculo XX,
fez com que o afago, o aperto de mo, oferecendo apoio e suporte, ou mesmo
o olhar carinhoso e amigo, fossem substitudos pela mquina, que passou a
realizar o cuidado (Coelho & Fonseca, 2005, p. 215).
A partir disto, a cura passou a ser objetivo principal da medicina, ocorrendo uma
mudana de foco para a adoo de tcnicas em detrimento do cuidar (Zeferino et al.,
2008). Atualmente, permanece o desafio organizao dos servios de produo do
cuidado, transcender a competncia tcnico-cientfica herdeira do modelo biomdico
(Machado, Pinheiro, & Guizardi, 2004).
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Pinheiro e Guizardi (2004) destacam que:
Historicamente, o campo da sade tem sido marcado por intervenes
balizadas por um certo exerccio do poder-saber tcnico, cujo principal efeito
e, ao mesmo tempo, premissa de sua viabilidade pode ser identificado na
produo de um outro objeto de interveno, e no sujeito de relao. Um
outro (comunidade, paciente famlia etc.) desprovido de singularidade,
desejo, saber e histria. Em suma, um encontro que se tem concretizado
mediante a referncia da normalizao que marca o exerccio do poder
disciplinar que configurou e determinou as relaes sociais na modernidade
(pp. 37-38).
Corroborando com essa ideia, Lacerda e Valla (2004) revelam que:
O modelo mdico hegemnico [tambm dito modelo biomdico] a orientar
grande parte das prticas de sade dos servios pblicos pautado no
diagnstico e tratamento das doenas definidas pelo saber cientfico,
priorizando-se as alteraes e leses corporais, em detrimento dos sujeitos e
suas necessidades. Nesse modelo biomdico, existe pouco espao para escuta
dos sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e para a ateno e
cuidado integral sade (p.91).
vista disso, compreende-se que o cuidado com paciente est para alm do
estabelecimento de prticas tecnolgicas, com fins exclusivamente curativos (Souza,
Souza, & Souza, 2005). Dessa forma, o conceito de cuidado deve ultrapassar a prtica
pautada exclusivamente em tcnicas e atividades impessoais e burocratizadas,
considerando os sujeitos de quem cuidam (Hochman& Armus, 2004).
Deve inserir-se a prtica do cuidado integral nos servios de sade, indo de
encontro ao reducionismo do cuidado tcnico exercido tradicionalmente pelos
profissionais, dado seu estreito compromisso com o modelo biomdico (Ayres, 2004;
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Corbani, Brtas, & Matheus, 2009; Gomes, Caetano, & Jorge, 2010; Machado,
Pinheiro, & Guizardi, 2004). A importncia do cuidado integral ainda ratificada por
Mello Filho e Silveira (2005), Pinheiro e Guizardi (2004) e Souza, Muniz Filha, Silva,
Monteiro e Fialho (2006) compreendendo que esse cuidado pressupe o entendimento
do homem como um ser complexo e dinmico, que deve ser visto em sua totalidade e
particularidade.
Essas ideias compactuam com o conceito de cuidado proposto por Boff (1999),
quando afirma que cuidar mais que um ato; uma atitude. Portanto abrange mais que
um momento de ateno, de zelo e desvelo. Representa uma atitude de ocupao,
preocupao, de responsabilizao e de envolvimento afetivo com o outro (p.33, grifos
do autor). Alm de corroborarem com a conceituao de Ayres (2004), que entende o
cuidado como:
Um construto filosfico, uma categoria com a qual se quer designar
simultaneamente, uma compreenso filosfica e uma atitude prtica frente
ao sentido que as aes de sade adquirem nas diversas situaes em que se
reclama uma ao teraputica, isto , uma interao entre dois ou mais
sujeitos visando o alvio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar,
sempre mediada por saberes especificamente voltados para essa finalidade
(p. 74, grifos do autor).
O cuidado ento entendido como constructo necessrio ao mbito da sade, a
partir do estabelecimento da desconstruo e ruptura com modelo essencialmente
curativo, visando um olhar sobre o sujeito em sua totalidade, sem reduzi-lo apenas
doena. Essa mudana da lgica do modelo biomdico, pautado em uma viso
fragmentada do sujeito, comeou a ocorrer, a partir da redefinio de sade estabelecida
pela Organizao Mundial de Sade, em 1946, considerando-a um total bem-estar
fsico, mental, social, e, posteriormente, espiritual (Vilela & Mendes, 2003). A partir
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dessa ampliao, a prestao de assistncia sade passou a se organizar no somente
atravs da busca da cura, mas tambm pela oferta de cuidados (Pessini, 2001). No
mbito da oferta de cuidados, podemos compreender a insero da prtica dos cuidados
paliativos na sade.
Pessini (2001, 2004) defende que, apesar dos cuidados paliativos terem iniciado
somente por volta de 1960, essa prtica, em um formato diferenciado do modelo
contemporneo, teve sua origem no sculo IV, atravs do movimento hospice. Esse
retorno histrico realizado para maior compreenso do conceito de cuidados paliativos
realizado por diversos autores, medida que referenciam os termos cuidados
paliativos e hospice como sinnimos. Matsumoto (2012) acredita que esses
conceitos confundem-se historicamente, e por isso salientamos a necessidade da
realizao de um apanhado histrico, para fins de esclarecimento.
A palavra hospice advm do termo latino hospitium que significa hospedagem,
hospitalidade, fazendo referncia tanto ao local de acolhida quanto ao vnculo que se
estabelecia entre as pessoas (Pessini, 2004; Twycross, 2000). A origem desse termo
pode ser compreendida j na Antiguidade, quando pessoas comuns, por misericrdia,
ofertavam assistncia aos necessitados. Esses cidados ofereciam em suas residncias,
hospitalidade aos moribundos, que poderiam ser peregrinos, viajantes ou enfermos
(McCoughlan, 2004; Pessini, 2001, 2004).
Uma das primeiras notcias histricas desse modelo de cuidado da romana
Fabola, uma matrona crist que, em meados do sculo IV, disponibilizava sua casa para
o acolhimento de necessitados vindos da sia, frica e dos pases do leste. Como uma
obra de caridade e misericrdia, esta senhora oferecia alimentao e vestimenta aos
carentes, acolhia os estrangeiros e visitava os enfermeiros e prisioneiros, dando origem
ao movimento hospice (Pessini, 2001, 2004; Twycross, 2000).
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De acordo com Pessini (2001, 2004), durante a Idade Mdia, esse movimento de
cuidados com pessoas gravemente enfermas e em estgio terminal, foi assumido pela
igreja. Teixeira e Lavor (2006) destacam que esse auxlio tinha como objetivo a
atenuao de sintomas e acompanhamento dos doentes em seu processo de morrer,
orientadas pelos conhecimentos mdicos da poca, mas tambm baseados na moral
religiosa crist. Durante as cruzadas, os clrigos e religiosos, ocupavam hospedarias ao
longo dos caminhos entre a Europa e o Oriente, com intuito de oferecer conforto fsico e
espiritual aos guerreiros que buscavam retornos as suas casas para morrer. Nye (2003)
ressalta a construo de santurios religiosos, tanto no leste da Europa quanto na
Amrica do Norte, durante o sculo XVI ao sculo XVIII, como casas de refugiados,
que abrigavam peregrinos e doentes. De acordo com Saunders (2004), no sculo XIX,
houve uma propagao dessa prtica em organizaes religiosas catlicas e protestantes,
que passaram a ter caractersticas de hospitais. Esses lugares eram conhecidos como
hospices, exercendo cuidados espirituais, visando o controlo da dor.
Segundo Milicevic (2002) e Pessini (2001, 2004) a fundao do primeiro
hospice, criado com intuito especfico de atender moribundos, ocorreu em Lyon, na
Frana, em 1842, fundado por Madame Jeanne Garnier. Nesse espao, tambm foi
utilizada pela primeira vez a palavra hospice como um lugar onde os doentes eram
levados para morrer. Posteriormente, de acordo com Milicevic (2002) foram criados
espaos similares na Inglaterra e na Irlanda, bem como em outros pases da Europa.
Pessini (2004) e Saunders (2004) salientam o Sr. Joseph Hospice, fundado em
1905, na Gr Bretanha, pelas Irms Irlandesas da Caridade. Alm desse, evidenciado o
St. Columba, criado em 1885, em Londres (Pessini, 2004) e o Our Ladys Hospice of
Dying, em 1879, em Dublin (Saunders, 2004). Contudo, dentre os inmeros exemplos
de hospice, destaca-se o Saint Lukes, criado em 1893, como nica instituio fundada
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por um mdico, para acolher pobres moribundos, revelando maior semelhana com as
instituies de modelo hospice, dos tempos atuais (Milicevic, 2002; Pessini, 2004).
O movimento de criao desses espaos foi interrompido, com a dissoluo das
ordens religiosas durante a Reforma e a modernizao e aprimoramento da cincia
fatores que redirecionam o foco do cuidado para a cura das enfermidades. Dessa
maneira, com o desenvolvimento da medicina, ao longo dos sculos, o hospital tornou-
se ambiente prioritrio de cuidados de sade. Mesmo diante desse deslocamento para o
ambiente hospitalar, os hospices continuaram a existir, permanecendo com a prestao
de cuidados espirituais. No entanto, a construo da ideia de cuidado especializado
surgiu apenas com a iniciativa de Cicely Saunders, na dcada de 60, com a fundao do
movimento do hospice moderno (McCoughlan, 2004).
Assim, evidenciam-se mudanas no conceito de hospice, durante os anos.
Verificou-se que primeiramente esse termo se referia aos abrigos voltados para conforto
e cuidado de peregrinos e viajantes, e de maneira mais ampliada, posteriormente passou
a designar os locais destinados a acolher e cuidar de pessoas com doenas incurveis e
avanadas. Aps Cicely Saunders, o termo hospice se estendeu de um local onde
exerce-se a prtica dos cuidados paliativos, para representar uma filosofia de trabalho
(Maciel, 2006).
Essa proposta surge em resposta a desumanizao que ocorria na sade, da
poca. Com os avanos da medicina evidenciados no sculo XX, a cura foi imposta
como objetivo maior dos profissionais de sade, medida que prevalecia em um
ambiente de doenas infecciosas e agudas, que controladas, permitiam maior
expectativa de vida populao. Com o aumento da longevidade, as doenas crnicas e
a morte passaram a ocorrer com maior frequncia. No entanto, o aumento do tempo de
vida no implicou uma melhora de cuidados com a morte. Devido a sofisticao do uso
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de tecnologias, os profissionais, passaram a negar a morte, com a iluso de um controle
pleno das doenas (Neto, 2010). Travou-se portanto, uma luta incessante pela cura, e os
pacientes terminais tornaram-se smbolo de impotncia, evidenciando as limitaes da
prtica mdicas s necessidades de sade apresentadas (McCoughlan, 2004).
vista disso, o deslocamento do modelo biomdico, de promoo de cura sem
foco na qualidade de vida, juntamente com as mudanas do processo de adoecimento,
ocorridas em decorrncia de transies demogrficas e epidemiolgicas em sade,
articuladas ao progressivo aumento da expectativa de vida e das doenas crnicas e
degenerativas, possibilitaram o surgimento de questionamentos ticos acerca dos
cuidados oferecidos aos doentes terminais (Machado, 2009). A ideia dos cuidados
paliativos surge ento como um movimento antagnico a proposta de sade e cuidados
vigentes. Trata-se de uma mudana do paradigma que suscita reflexes sobre os
binmios sade e doena, vida e morte, cura e cuidado (Bushatsky, 2010).
Como forma de reao ao modelo de sade vigente na poca, em 1960, h a
iniciao de movimentos sociais em prol da promoo de maior dignidade no processo
de morrer dos doentes, incluindo a criao do modelo contemporneo de cuidados
paliativos (Machado, 2009). Em meados do sculo XX, surge, portanto, o Movimento
Hospice Moderno, originando o que chamamos atualmente de Cuidados Paliativos ou
Filosofia Hospice. Atravs da iniciativa da enfermeira, assistente social e mdica,
Cicely Saunders, viabiliza-se o compromisso com uma nova forma de cuidar (Saunders,
2004).
Atravs da prtica com pacientes oncolgicos, Saunders percebe a necessidade
de atuao no alvio da dor e minimizao do desconforto vivenciado pelos doentes nos
momentos de sofrimento. Dessa maneira, constata a ausncia de frmacos mais eficazes
para o alvio da dor (Saunders, 2001) e atravs de uma pesquisa com anotaes clnicas
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e gravaes de relatos dos pacientes, evidencia que o alvio da dor possibilitado com a
administrao regular e contnua de analgsicos. Esse estudo sistemtico com 1.100
pacientes com cncer avanado foi realizado entre 1958 e 1965, com pacientes tratados
no St. Josephs Hospice. Publicado por Robert Twycross, em meados dos anos 70, esse
estudo permitiu a constatao de que os opiceos no eram causadores de adico nos
pacientes e que a oferta sistemtica dessas medicaes no causavam problemas de
tolerncia, mas sim possibilitavam alvio real da dor (Saunders, 2004).
Essas experincias foram essenciais para o desenvolvimento de sua filosofia, e
permitiram que trouxesse, de maneira indita, o conceito de dor total. Saunders amplia o
conceito de dor, trazendo-a como um constructo composto por elementos fsicos,
psicolgicos/emocionais, sociais e espirituais. Dessa maneira, reconhece que os
cuidados prestados devem visar o alvio do sofrimento, em todas as suas nuances, com
foco na qualidade de vida (McCoughlan, 2004).
Em 1967 Saunders funda o St. Christophers Hospice, primeiro hospice
moderno da histria. A consolidao desse servio permitiu tanto a assistncia aos
doentes e familiares, quanto o desenvolvimento de ensino e pesquisa na rea (Pessini,
2005). Atualmente, essa instituio conhecida como um dos principais servios de
cuidados paliativos do mundo (De Marco, Abud, Lucchese, & Zimmermann, 2012),
pois se transformou num modelo de assistncia, ensino e pesquisa no cuidado dos
pacientes terminais e suas famlias (Pessini, 2004, p. 184). Atravs desse movimento
estende-se a criao de novos hospices, no mais como locais de excluso dos
moribundos, mas sim como espaos multidisciplinares, que visam garantir a qualidade
de vida de pessoas que apresentam doenas graves ou encontrem-se em fase final de
vida. Nesses locais, preconiza-se o cuidado ativo e integral a pacientes com doenas que
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ameaassem sua vida, intentando a minimizao do sofrimento e promoo de maior
qualidade de vida (Machado, 2009).
Constata-se ento que a filosofia dos cuidados paliativos, mesmo diante de um
contexto crescente de tecnologizao dos cuidados de sade:
cultiva um 'reconhecimento crescente da futilidade e indignidade da
continuao de tratamentos mdicos caros e invasivos para os pacientes que
esto claramente morrendo nos hospitais.' () Nessa perspectiva, os
cuidados paliativos no se iniciam simplesmente quando o tratamento mdico
falhou, mas so parte de uma abordagem altamente especializada para ajudar
as pessoas a viver e enfrentar o morrer da melhor forma possvel
(McCoughlan, 2004, pp.169-170).
Esse entendimento permite a compreenso de que no se deve confundir os
cuidados paliativos com a induo da morte (eutansia), ou com a suspenso dos
tratamentos. Os cuidados paliativos o apressam a morte, apenas a aceitam como parte
inexorvel de um processo. Tambm no se suspende todo o tratamento, apenas os
considerados fteis (distansia) (Pessini & Bertachini, 2004, p.5).
Dessa maneira, nos cuidados paliativos busca-se uma morte ocorrida no tempo
certo (ortotansia), no desqualificando os esforos para a cura, mas tambm no
fomentando a utilizao de recursos desnecessrios que posterguem a vida a qualquer
custo (Pessini & Bertachini, 2004). Todas as intervenes da equipe de sade devem ser
dirigidas no sentido de aliviar os sintomas e tornar mais suportvel o processo de
morte (De Marco & Degiovani como citado emDe Marco, Abud, Lucchese, &
Zimmermann, 2012, p. 318). Nesse tratamento busca-se pela realizao de intervenes
que prezem pela dignidade do ser humano, at o momento de sua morte (McCoughlan,
2004).
Dessa maneira, essencial compreender que:
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O Cuidado Paliativo no se baseia em protocolos, mas sim em princpios.
No se fala mais em terminalidade, mas em doena que ameaa a vida.
Indica-se o cuidado desde o diagnstico, expandindo nosso campo de
atuao. No falaremos tambm em impossibilidade de cura, mas na
possibilidade ou no de tratamento modificador da doena, desta forma
afastando a ideia de no ter mais nada a fazer. Pela primeira vez, uma
abordagem inclui a espiritualidade dentre as dimenses do ser humano. A
famlia lembrada, portanto assistida tambm aps a morte do paciente, no
perodo de luto (Matsumoto, 2012, p.26, grifos da autora).
A entrada nos cuidados paliativos ento no simboliza que nada mais pode ser
feito. Conforme demonstra Gutierrez (2001):
abre-se uma ampla gama de condutas que podem ser oferecidas ao paciente e
sua famlia. Condutas no plano concreto, visando o alvio da dor, a
diminuio do desconforto, mas sobretudo a possibilidade de situar-se frente
ao momento do fim da vida, acompanhado por algum que possa ouv-los e
sustente seus desejos (p. 92).
Aps a concretizao da experincia do St. Christophers Hospice, a prtica dos
cuidados paliativos foi difundida mundialmente. Como marcos histricos, temos na
dcada de