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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAIS E PUBLICIDADE A Grande Salada: Um estudo sobre Barbie Dreamhouse Adventures a partir da leitura de gênero Monique Renault de Castro 14/0029001 Brasília Universidade de Brasília 1/2019

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAIS E PUBLICIDADE

A Grande Salada:

Um estudo sobre Barbie Dreamhouse Adventures a partir da leitura de gênero

Monique Renault de Castro

14/0029001

Brasília

Universidade de Brasília

1/2019

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A Grande Salada:

Um estudo sobre Barbie Dreamhouse Adventures a partir da leitura

de gênero

Memorial descritivo do produto apresentado à

Faculdade de Comunicação da Universidade de

Brasília (UnB), como requisito parcial à obtenção do

título de bacharel em Comunicação Social com

Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Wagner Antônio Rizzo

Brasília

Universidade de Brasília

1/2019

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE AUDIOVISUAIS E PUBLICIDADE

Memorial descritivo do produto apresentado à Faculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial à obtenção do título de

bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

A Grande Salada:

Um estudo sobre Barbie Dreamhouse Adventures a partir da leitura de gênero

Monique Renault de Castro

BANCA EXAMINADORA

___________________________

Prof. Orientador Dr. Wagner Rizzo

___________________________

Profa. Dra. Selma Oliveira

___________________________

Prof. Dr. Marcelo Feijó Rocha Lima

___________________________

Suplente: Prof. Ronald Souza de Jesus

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Quando quis menos,

obtive tudo.

São João da Cruz

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AGRADECIMENTOS

Por Ele e para Ele, sempre foram, e sempre serão todas as coisas. Ao meu primeiro

e verdadeiro Amor.

À quem veio primeiro. Vitória. Quem tudo mudou aqui dentro e tanto ensinou

às outras partes de mim que estariam por vir. Natally, Nicolas, Emma. A todas as

crianças que inundaram meu coração (e meus olhos), nessa jornada e em caminhos

antigos, em qualquer canto do mundo. Não posso mensurar tudo que aprendi com

gente de tamanho pequeno e alma gigante.

Às mulheres da minha família: Mãe, Marcelle e Vivi. Obrigada pelos abraços,

carinhos e paciência tão resiliente, mesmo com o meu eu grosseiro e emburrado.

Sem vocês eu não conseguiria. A última, minha irmã de alma, vida e TCC, as

palavras se cansam de tanta repetição. Eu te desejo o mundo a partir dessa porta

que fechamos juntas, e com ela, que abramos muitas outras lado a lado.

Aos pedacinhos de mim que vieram se encaixando ao longo da jornada (Lola,

May, Nana, Anaju, Fê, Emi, Bru, Tidinhos, Cais) ou se reencaixando (Athan), mesmo

não presentes (fisicamente ou o tempo inteiro), se hoje sou um pouquinho mais, é

porque vocês somaram em algum momento de despedaço e me fizeram enxergar

além da tempestade. Ao rei da ''pacienza'' e compreensão, que esteve comigo nas

muitas noites não dormidas, essa é só a primeira das muitas fases difíceis que

dividiremos na vida, mas se a gente vai juntinho, a gente vai sempre bem.

E finalmente, aos mestres que me constituíram Comunicadora. Feijó, Dione,

Ronald, Luciano, Russi. Agradeço o ensino excelente, a dedicação, a fonte

incansável de conhecimento. Em especial à dupla Wagner e Selma que tanto me

acolheram (em todos os sentidos) ao longo do curso. Por todos os abraços, as

sessões terapêuticas, a didática maluca, a casa aberta e as longas conversas no

cantinho do Lab. Não tem dedicatória que retribua o ensinar distante de

metodologias enfadonhas, mas inundado de experiências de vida. Obrigada por

caminharem comigo meus passos curtinhos e confusos. Levo vocês para além da

UnB. E meu diploma é seu também, Selminha. Sou inteiramente grata por partilhar

as descobertas do início ao fim com você. Um misto de inspiração, orgulho e amor.

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RESUMO

O presente memorial tem como objetivo narrar o ensaio experimento denominado

Aniversário de Rita. O evento foi planejado e produzido, a partir da observação do

corpus composto por episódios da animação Barbie Dreamhouse Adventures, das

mídias e a própria boneca Barbie. A meta foi problematizar e desconstruir a imagem

da menina perfeita apresentada ao público infantil, majoritariamente feminino. Os

Estudos de Gênero foram o referencial teórico escolhido para balizar a leitura crítica

do corpus, que identificou alguns estereótipos associados à personagem, e estes

foram usados como critério de desconstrução, tanto no planejamento do evento,

como na direção de arte do ensaio. Já com os registros em mãos, as crianças que

participaram do ensaio foram reunidas em um aniversário/oficina, na qual foram

incentivadas a criarem sua própria leitura do Aniversário de Rita, em versão

scrapbook. Elas quebraram alguns estereótipos previamente identificados e também

desconstruíram a própria desconstrução planejada para o ensaio.

Palavras Chave: Comunicação, Barbie, Criança, Gênero, Desconstrução,

Aniversário.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS 6

INTRODUÇÃO 7

PROBLEMA 12

JUSTIFICATIVA 12

OBJETIVO 13

REFERENCIAL TEÓRICO 15

You Can Be Anything 19

A Grande Salada 22

Cenário e figurino 23

Paleta de Cores 26

Ficha técnica 28

O Scrapbook 29

METODOLOGIA 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37

Outras referências 39

APÊNDICE 39

Orçamento do Produto 39

Lista da origem dos objetos de cena utilizados 40

Links de acesso aos registros e vídeos de making of 41

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA NOME PÁG

1 Aniversário da Carla Cristina, Luziânia - GO, 1990 8

2 O presente surpresa da Chelsea, 2018 9

3 Resultados para as buscas “brinquedos para meninas” 18

4 Página da rede social de Lifestyle da boneca Barbie 20

5 Frame do making of do ensaio fotográfico 23

6 Croquis iniciais do figurino 25

7 Referência para as maquiagens 25

8 Desconstrução do ambiente 26

9 Frames de As Pequenas Margaridas 27

10 Frames de Virgens Suicidas 27

11 Paleta de cores do ensaio 27

12 O Scrapbook 41

13 Quadros de organização no Trello 42

14 Antes e depois 42

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1. INTRODUÇÃO

O espectro social presente em festas de aniversário percorre as veias culturais

desde a Grécia antiga. Mas somente com a celebração do nascimento de Jesus, o

mundo ocidental tomou para si o existir perante a virada do ano (particular). O que

antes era um ritual pagão, torna-se, então, o primeiro evento social em que

marcamos presença (LINTON, 1952).

A estrutura das comemorações tendiam para um padrão comum: a

personagem principal centralizada, mais bem vestida que os convidados. Sapatos

brilhantes, vestido de festa, um penteado bonito, comportamento excepcional.

Acompanhada das figuras parentais, ou familiares mais próximas. As crianças

reunidas ao redor da mesa. Demonstro em registro pessoal, retirado de álbuns

antigos de família, a proximidade e o caráter habitual destes padrões.

Figura 1- Aniversário da Carla Cristina, Luziânia - GO, 1990

Fonte: Registro de álbuns de fotografia pessoal

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Alguns pais constantemente à espreita, apurando em todo tempo a certeza

de que seus filhos não os fariam passar vergonha. Este sentimento de que quando

as crianças se divertiam, algo seguramente estava fora do lugar, (desconforto

observado, principalmente, para com meninas) em muito justifica o teor unicamente

social do aniversário. É uma celebração, um rito de passagem, que nada muda,

senão a afirmativa de que mais um número de 365 dias nos foi acrescentado à

conta. Mas durante o longo caminho que é traçado até que o dia da virada seja

contado, ali sim é onde habitam as verdadeiras experimentações e mutações do

homem em ser.

Ao reconhecer as padronizações descritas, como uma espécie de escopo

anual do evento, não pude ignorar algumas representações no campo

comunicacional. Pela primeira vez, ao acompanhar minha sobrinha de 6 anos em

um episódio de Barbie Dreamhouse Adventures, reconheci imediatamente alguns

estereótipos (desdobramentos em REFERENCIAL TEÓRICO) ilustrados e

normatizados na série.

A animação trouxe uma réplica do aniversariar, em caricatura exacerbada e

de forma não representativa, no universo tradicional da menina em plena

sociedade, em que os bons modos, a natureza, o orgânico (por se tratar da versão

pequena da mulher, é espontaneamente associado à nutrição, maternidade) são

sistemas estruturais e simbólicos.

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Figura 2 - O presente surpresa da Chelsea, 2018

Fonte: Print - Reprodução no youtube.com 1

A personagem principal é a Barbie (loira, branca, norte americana, magra,

elite da Califórnia com seus amigos e família). A cena mostra o aniversário de sua

irmã mais nova, Chelsea. Todo o enredo gira em torno do presente perfeito e as

várias ''aventuras'' que ocorrem até o momento da festa. Durante o evento, o

contexto é a perfeição, muito semelhante com o que se é replicado na realidade de

festas de meninas da mesma faixa etária. Tudo é rosa, branco, limpo, os

convidados são impecáveis e as brincadeiras são disciplinadas pela presença do

adulto controlador. As crianças estão vestidas com total desconforto e não fosse

animação, as aventuras, ou o sentar no chão seria provavelmente inviável, mas em

nada isso interfere, tendo em vista que a Barbie sempre será bem sucedida em

absolutamente tudo que faz.

O incômodo foi crescente à medida que eu recordava a constante repetição

nos meus aniversários, nas festas da minha família e até em eventos que eu mesma

ajudei a organizar para sobrinhas. Vivemos o branco, a limpeza, a delicadeza,

(BEAUVOIR, 1967, p.198) o feminino enquadrado em padrões estruturais advindos

do patriarcado. Nada é tão mulher quanto a maternidade. Os brinquedos que nos

são dados preparam ótimas enfermeiras, cozinheiras, faxineiras, perfeitas donas de

1 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Z1JWp3g7l4s . Acesso em: 10/2018

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casa. À mulher cabe a profissão auxiliar (BEAUVOIR, 1970, p.20), das quais já

nascem prontas pela simples possibilidade de um dia ser mãe.

Nessa sequência de análises e conversas entre mim e a Viviane, nasceu a

inevitabilidade do experimentar. O conhecer. Eis o primeiro rascunho do Aniversário

de Rita. Foi em estado de observância, espaço amplo e propício para a curiosidade

frutificar, com todas as portas - intelectuais, artísticas, psicológicas - escancaradas a

conhecer de fato quem são as meninas que habitam entre o ser barbie (ou não ser),

o querer ser mulher, ser feminina, treinar ninar um bebê com uma boneca ou não. O

coexistir com o termo mulher é compreender ou desconfigurar a afirmativa de

Simone de Beauvoir (1970) quando diz que: Se hoje não há mais feminilidade, é

porque nunca houve. Significará isso que a palavra ‘mulher’ não tenha nenhum

conteúdo (p.8). Para tanto, é necessário reconhecer e dar a devida liberdade ao

feminismo, que, mesmo não tão explorado nestes termos, refere-se também àquelas

meninas que amam o rosa, a Barbie, que ainda desconhecem, mas já não querem

abrir mão da maternidade, mesmo depois de compartilharem a jornada de luta da

mulher.

Desde que, naturalmente, a mãe, dona de casa, encontre-se coberta e

protegida pela família tradicional, este conceito estrutural não necessita ser

diretamente defendido. É imprescindível que o feminismo se oponha a esta figura,

em termos obrigatórios, como única e exclusiva opção da mulher. Entretanto,

jamais inviabilize o preceito inicial de total soberania que deve exercer sobre si

mesma. Por vezes, as integrantes dos movimentos feministas em seus discursos

esquecem que é ofício da luta permitir que a mulher esteja onde ela queira estar e,

talvez, a menina - possivelmente em decorrência do poder da sociedade de massa,

indústria cultural e produto cultural - adote a realidade da Barbie como própria.

Mesmo em contato com o universo de possibilidades expandidas pelas batalhas

diárias feministas, é possível que a menina reconheça-se com a feminilidade e

padrões elitistas da personagem, e dessa forma, pretenda continuar afagando suas

bonecas. Cabe ao movimento incluir, providenciar compreensão, observar e

aprofundar-se em toda a casta de manifestações, sejam elas ou não, resultantes do

sistema industrial de grandes marcas, como a Mattel.

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Decidi falar de futuro citando o passado. Os recortes de situações que, eu

como fotógrafa e Viviane como Diretora de Arte, reconhecemos nos registros e

também na decoração, talvez representem mais a geração das autoras do que das

fotografadas. Mas, mesmo que de uma forma não literal, a subjetividade presente

na educação de meninas é similar em diversas gerações.

Durante longas discussões sobre a superficialidade do que é compreendido

como aniversário, senti que era justo considerar este fenômeno como sinônimo de

coleção de experimentos vivenciados. Às vezes estes são situações ruins, mas que

em muito representam apenas ganho de mais responsabilidade. Apesar de

gerarem no indivíduo traumas e machucados, essas ocorrências são popularmente

consideradas experiências positivas por significarem superação, força e rigidez.

Completar mais um ano de vida nos torna meninas de 10, 11 ou 20 anos.

Todavia, o simples fato de existir não é mais que envelhecer, o que é

referencialmente um processo puramente biológico, qual seja: amadurecer.

Entretanto, diferente de frutas, que além das mudanças físicas muda-se também

seu sabor e sua textura, seres humanos não compartilham uma coesão entre suas

características físicas e seu estado psicológico. A definição da palavra amadurecer

é oriunda de processos orgânicos presentes na natureza, trazidos para a vida e o

desenvolvimento social. Dessa forma, usamos como padrão fatores que não se

igualam ao que ocorre no psicológico e emocional de uma criança em formação.

Com isso, vi a oportunidade de entender melhor nossa formação como

mulher dentro do contexto de uma infância e pré-adolescência entre os anos 90 e

2000 e revisitar o consumo midiático intenso sob o qual fomos expostas nesse

período. A partir daí, estruturamos em conjunto um Aniversário em experimento, e o

realizamos juntas, porém, seu desdobramento em produtos exigiu nossa

separação, para maior aprofundamento em áreas específicas.

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2. PROBLEMA

Nesta configuração, um misto de desapontamento e curiosidade se instaurou, não

de modo exclusivamente crítico, uma sede por mudanças ou algo do gênero, mas o

interesse em experimentar um possível outro lado fez com que a desconstrução

gerasse indagações. Caso um evento social, usual e regular como o aniversário,

ganhasse desprovimento de toda sua padronização, a narrativa resultante seria,

ainda sim, a mesma das ilustrações na série da Barbie? Quais regras regeriam o

ambiente desprovido de normas e tomado pela desinibição? A ordenação

permaneceria?

3. JUSTIFICATIVA

Todo estudo que tem por objetivo colaborar com a expressão do que ser mulher

simboliza, principalmente através da arte, é sem dúvida de extrema importância.

Seja para apoiar o processo construtivo social - tendo em vista ser um ensaio

desenvolvido por duas mulheres - ou para incentivar os movimentos feministas a

jamais desistirem e continuarem alçando a voz até que as normas da sociedade

androcêntrica, que definem o que a mulher é ou deva ser, possam ser modificadas.

Pretendo, com este produto e memorial, trazer contribuições para a

compreensão dos fatos que se passam no universo comunicacional, particurlamente

o infantil, e que se perpetuam anos após anos consolidando a condição feminina sob

a ótica de marcas, não de mulheres.

Ao lidar com crianças, ou, ao olhar sem pressa para nossas não tão distantes

infâncias, pronto percebe-se que é fácil interpretar o futuro por trás da comunicação

que nos é programada. As opções são mínimas, o diálogo é quase inexistente. O

estereótipo e a estrutura social já prediz quem seremos. Isto é, seremos mães,

amáveis, dóceis, cuidadoras, delicadas e femininas. Mas esta falta de formulação de

diálogo não pode nos conformar. É com essa motivação incansável e incessante que

eu proponho A Grande Salada: Um estudo sobre Barbie Dreamhouse Adventures a

partir da leitura de gênero como forma de narrativa fotográfica de um ensaio

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experimento em que retiramos as amarras e permitimos, às meninas que

participaram, a breve liberdade de não serem pequenas barbies. Procuramos

lembrar que antes do chá de bebê azul ou rosa, a Barbie ou o Max Steel,

primeiramente vem a criança.

4. OBJETIVO

4.1. Objetivo Geral

Configurar a narrativa da conduta social obtida através do ensaio experimento

denominado Aniversário de Rita, que teve como base de modelo feminino a série da

Mattel: Barbie Dreamhouse Adventures. Observar os caminhos comportamentais

desconstruídos naquele ambiente e como elas são regidas em um espaço social

neutro.

Possibilitar que os registros ganhem outra perspectiva através do scrapbook,

nas mãos das próprias crianças participantes do evento. Acompanhar o processo

criativo e tentar ponderar a compreensão narrativa que elas exprimiram durante o

dia do ensaio.

Sei que palavras não são suficientes - mas também não são imprescindíveis -

para causar reflexões, e com o Aniversário de Rita, foi possível evocar o poder da

imagem. Com a realização das fotografias, o objetivo foi trazer questões sobre as

projeções da infância, da feminilidade como símbolo e das influências que

personagens midiáticas, como a Barbie, tem na vida das garotas. Porém, tenho

ciência de que todo produto imagético, seja as fotos em si ou seu desenvolvimento

em scrapbook, está a mercê da bagagem cultural de quem o observa e, sendo

assim, sei que os mais diversos observadores trarão suas próprias questões e

conclusões sobre o processo e produto, independente da desenvoltura inicial que o

projeto deu partida em suas autoras.

Com esse experimento, coloquei em prática o conhecimento que adquiri

sobre o fazer comunicacional dentro e paralelo aos nossos estudos na Universidade.

Ao trabalhar com direção de arte e fotografia publicitária, optei por dissecar territórios

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que, apesar de muito estudados, tive relativamente pouco contato durante a

graduação. Este memorial tem como objetivo secundário orientar, de alguma forma,

futuros alunos que tenham interesse em trabalhar, ou apenas tocar diferentes

relacionamentos, com as respectivas áreas.

4.2. Objetivos Específicos

● Estudar, na referência histórica do feminismo, os alicerces que

perpetuam um modelo de feminino no espaço comunicacional até os

dias de hoje (método bibliográfico);

● Fazer uma leitura crítica da animação Barbie Dreamhouse

Adventures a partir da leitura de gênero;

● Reconhecer, através do ensaio Aniversário de Rita, quais

comportamentos são imanentes em crianças, e contestam a figura

da menina (o sexo recluso e auxiliar);

● Registrar pelo ensaio Aniversário de Rita exemplos da influência de

mídias como a Barbie, identificar estereótipos e como a

desconstrução ocorre em um ambiente desregrado ( método

experimental);

● Possibilitar que as crianças participantes da festa se apropriem de

suas imagens registradas e façam sua própria narrativa no formato

de um scrapbook (método qualitativo).

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5. REFERENCIAL TEÓRICO

As mudanças e permanências na condição feminina nesta memória são

observadas debaixo do olhar de gênero na infância. Este que, de acordo com

Soihet (2003), é definido como a padronização de análise, demonstrando as

principais características estruturais que diferenciam as relações sociais entre

homens e mulheres.

Essa esfera teve seu início na literatura do movimento feminista para auxiliar

sua compreensão e desmistificar a ideia do ''machismo ao contrário'' (DINIZ, 2012).

A partir do século XX, a força de linguagem aumenta, e com ela, a definição da

efígie feminismo, somado a vários setores estruturais coletivos, como por exemplo,

progressistas (ZANETTI, 2008, p. 4-5; DINIZ, 2012, p. 103). Mais do que a

libertação de padrões, o movimento busca o autoconhecimento da mulher, um

estudo social de identificação que não se restringe a sucumbir o machismo, mas se

imerge em discussões que o oriunda, bem como a desconstrução da ideia

estereotipada dos gêneros.

O fortalecimento da representatividade da mulher na mídia - um universo

tomado pela influência masculina e consequentemente pela expressão de um

comportamento social que, teoricamente, cabe a mulher - provoca novas

indagações. Entre elas, se as condutas representadas realmente procedem da figura

feminina, de como ela gostaria de se enxergar, ou se somente refletem as definições

culturais e históricas que estruturam a sociedade, como bem comenta Simone

Beauvoir (1997):

Se passamos em revista algumas dessas obras consagradas à mulher,

vemos que um dos pontos de vista mais amiúde adotados é o do bem

público, do interesse geral; em verdade, cada um entende, com isso, o

interesse da sociedade tal qual deseja manter ou estabelecer. Quanto a

nós, estimamos que não há outro bem público senão o que assegura o bem

individual dos cidadãos. (BEAUVOIR, p. 22)

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E pela constância, acabamos por considerar e reforçar a imagem, como

exatamente a manifestação que gostaríamos de entregar:

Não há nenhuma possibilidade de medir a felicidade de outrem e é sempre

fácil declarar feliz a situação que se lhe quer impor. Os que condenamos à

estagnação, nós os declaramos felizes sob o pretexto de que a felicidade é

a imobilidade. É, portanto, uma noção a que não nos referimos. A

perspectiva que adotamos é a da moral existencialista. (BEAUVOIR, 1997,

p.22)

Essa é a evidência de que o feminismo abriu uma área de conhecimento que

muitas vezes é invadida por noções não pertencentes à cultura alusiva em questão e

é comum encontrarmos saberes definindo, conceitualizando e participando da

condição feminina com pertencimento, como se aquela representatividade dissesse

respeito à idealização primária do movimento estudado.

Moore (2000) apresenta a importância de se levar em consideração a

pluralidade das experiências da vivência feminina. É preciso pesar a relevância de

que um movimento traçado pela essência da mulher seja cabalmente representado e

fundamentado por protagonistas também mulheres. E, automaticamente, as

consequências de consentir um outro olhar, de quem não é atingido pela causa

durante esse processo de solidificação da figura feminina.

Para isso, faz-se necessário este recorte de gênero e a compreensão de

como o papel da mulher é atravessado pelas influências comunicacionais e a

estereotipização, que, de forma resumida se refere a uma categorização geral para

cada pessoa. Fazendo, assim, referência ao conjunto da qual pertencem

(Bodenhausen & Richeson, 2010). Este processo define um objeto intelectivo de

categorização inelutável, em que automaticamente é efetivado e controlam as

condutas do sistema social (Devine, 1989).

Ou seja, esse composto de agrupamento divide a sociedade em

compreensões de capacidade, em que a mulher se classifica, claramente no

conjunto da amabilidade. Refere-se à ''sinceridade, lealdade, moralidade,

sociabilidade, comunidade e boas intenções, enquanto ao homem, cabe a

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''inteligência, assertividade e eficácia'' (Fiske, Cuddy, & Glick, 2007 apud CUNHA,

2017, p. 11). Essa definição promove uma compensação dupla face. Dessa forma,

a tendência é a realização de um julgamento positivo, de um lado, e negativo do

outro. Ocorre, então, uma dualidade de avaliação como hostil e competente, e seu

oposto amável e incompetente. Os estereótipos andam majoritariamente em dupla,

como forma de contrapeso (Fiske, Cuddy, & Glick, 2007 apud CUNHA, 2017, p.

11). Para cada juízo desfavorável há outro favorável para compensar.

Essa compensação, ocorre, então, de modo que em uma instância a mulher

é útil para a maternidade, o lar, e proporcionalmente é incompetente para a

indústria e o trabalho. Dessa forma, debaixo da estrutura social que nos configura

incompetentes, dificilmente sairíamos, em um processo natural, das asas da

subordinação. Isto evidencia que os comportamentos preconceituosos, com os

quais nos deparamos ao longo da vida, são reforçados por uma ambivalência de

estereótipos, em que o feminino usual é claramente encontrado na dualidade

amável/incompetente, também denominados “paternalistas” (Cuddy, Fiske, & Glick,

2007 apud CUNHA, 2017, p. 12).

Não é difícil reconhecer que estas amarras sociais, tais como os estereótipos

condicionados à mulher, alvorecem na infância. A forte influência presente nos

campos lúdicos dos brinquedos e nos muitos caminhos midiáticos fazem parte

desta jornada em formação. As brincadeiras relativas às meninas não possibilitam

nada mais que um ensaio da vida doméstica e uma experimentação dos

paradigmas que terão que enfrentar, quando perceberem que seus corpos

raramente estarão de acordo com as imagens ilustradas nos mais diversos, porém

não diversificados, brinquedos para meninas.

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Figura 3 - Resultados para as buscas “brinquedos para meninas” e “brinquedos para

meninos”

Fonte: Print - Pesquisa no google.com

Tal afirmativa é, descrita na fala de Rodari:

A menina que brinca com suas bonecas e, enfim, com o seu riquíssimo

enxoval, móveis, utensílios, pratinhos, xícaras, eletrodomésticos, casas e

cidades em miniatura, reproduz, no jogo todo seu conhecimento da vida

doméstica, exercita a manipulação dos objetos, compondo-os e

recompondo-os, designando-lhes um espaço e um papel; mas ao mesmo

tempo as bonecas lhe são úteis para dramatizar suas próprias relações, e

eventualmente seus conflitos. (RODARI, 1982, p.104)

Nesta dialética, a menina se projeta para o mundo, toma a compreensão dos

futuros limites de sua vivência, inicia o processo de quem ela tem ensaiado para ser,

convive com a impecabilidade de suas bonecas e passa a desenvolver critérios

silenciosos que circulam a construção da mulher.

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Independente dos caminhos que se desenrolam, é inegável que a brincadeira

possui importante papel na construção da criança e da condição feminina, bem

como Jean Chateau afirma ''A brincadeira é fundamental para o crescimento do ser

humano'' (CHATEAU, 1987).

Estudar na infância somente o crescimento, o desenvolvimento das funções,

sem considerar o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistível pelo

qual a criança modela sua própria estátua. Não se pode dizer de uma

criança ''que ela cresce''. Apenas seria preciso dizer ''que ela se torna

grande'' pelo jogo. Pelo jogo ela desenvolve as possibilidades virtuais que

afloram sucessivamente à superfície de seu ser, assimila-as e as

desenvolve, une-as e as combina, coordena seu ser e lhe dá vigor.

(CHATEAU, 1987, p.14)

5.1. You Can Be Anything 23

Desde 1959, a forte presença do posicionamento inteiramente pessoal da Barbie

traçou uma longa trajetória na vida das garotas. A fala empoderada You Can Be

Anything marca grande parte da infância e adolescência de meninas do mundo todo.

É claro que, sem a menor dificuldade, nota-se que a frase refere-se à exigência

estética e ao restrito formato que faz jus ''ao ideal da mulher moderna e branca do

Primeiro Mundo, ágil, esportista e consumista'' (ALTMANN, p.12). O universo da

mulher desenhado pela boneca educa, já na primeira infância, seu lugar na

sociedade, desde que magras, loiras, em um conversível rosa e em profissões

perpassadas pela beleza.

A representatividade e toda força comunicacional é inquestionável e

expande-se para a amplitude cultural. Trata-se de um brinquedo com vínculo

emocional, e que sua personalidade consumista, não só persiste em um sistema

simbólico, como também é compelida goela abaixo através de uma estratégia

marcante e primorosa. Para todas as idades, em todos os produtos. São roupas,

2 Citação assinada pela marca e disponível no site oficial da Barbie: https://barbie.mattel.com/en-us/about/you-can-be-anything.html . Acesso em: 19 mai. 2019

3 Tradução: Você pode ser qualquer coisa.

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acessórios, sites, filmes, séries, vídeos, móveis, decorações para casa, para festas,

livros e assim marcha até que seus ideais sejam naturalizados entre o imaginário de

meninas de diferentes épocas e fases.

Figura 4 - Página da rede social de Lifestyle da boneca Barbie

Fonte: Print do user @barbiestyle 4

As experiências que vivenciamos socialmente são responsáveis pela

formação de imagem que adquirimos com o decorrer do tempo, “não são coisas

concretas, mas são criadas como parte do ato de pensar” (LAPLANTINE, 1997. p.

101). As lembranças se formam, e constituem o imaginário simbólico que utilizamos

no ato de existir e expressar aquilo que nos interioriza. Tudo é relacionado e atinge,

não instantaneamente, mas com o desenvolvimento do imaginário, a compreensão

que então adquirimos do externo. Isso inclui a compreensão de nós mesmas, da

concepção que formamos de nossos próprios corpos.

Apesar disso, muitas mulheres, criadas sob mesma influência midiática, se

opõem artisticamente a este modelo dominante. Essas contra representações

funcionam como uma reação ao fluxo base conduzido pelos padrões citados como

4 Disponível em www.instagram.com/barbiestyle/. Acesso em: 22/05/2019

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os da Barbie. O produto controverso existe e está disponível para consumo da

mesma forma que o primeiro. Funciona como uma reação à ação. Como é o caso do

clipe Aqua - Barbie Girl , que utiliza-se da ironia em sua pura execução, em forma de 5

exibição e personificação da própria boneca. O comportamento da personagem

chega a soar irritante, e os momentos em que, mesmo humana, ela ainda passa-se

pela boneca - quando o braço é arrancado, por exemplo, o discurso crítico vem à

luz. A festa enfadonha em conjunto com o refrão Life in plastic, is fantastic também 6

reforça uma contradição de linguagem e gera questionamentos pertinentes sobre

este estilo de vida.

Outras cantoras que trabalham com uma narrativa direta, sem rodopios,

como é o caso de Lily Allen em Hard Out Here , ou Pink em Stupid Girls , são 7 8

personalidades importantíssimas de oposta manifestação e também atuam para a

formação independente do comportamento feminino. A própria Lisa, personagem da

animação Os Simpsons, expande esse espaço de reconhecimento como uma figura

contestadora, com alto desenvolvimento intelectual, ambientalista, liberal, feminista,

diligente e ainda sim, extremamente sensível. Estas protagonizam a mesma força na

mídia em que estão imagens como as da Barbie, mas com discursos completamente

empoderados, em semelhante posição de formadoras de opinião. São por esses e

muitos outros empenhos no ambiente comunicacional que, hoje, o futuro do

processo de construção da mulher possui incontáveis possibilidades, mesmo em

face de reações discriminatórias e machistas. O processo é longo e a luta pela

igualdade não deve estagnar jamais. Mas, são por imagens em contraponto como às

exemplificações, que, como mulher, posso ter certeza de haver espaço tanto para a

mulher sozinha, independente, desapegada do próprio sexo, como também para a

mulher que sonha com seu lar desde criança.

5 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ZyhrYis509A . Acesso em: 7 mai. 2019 6 Traduzido por: ''Vida em plástico, é fantástico'' 7Dísponível em https://vimeo.com/11126144 . Acesso em: 25 jul. 2018 8Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BR4yQFZK9YM . Acesso em 1 jun. 2019

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5.2. A Grande Salada

O nome da personagem do ensaio, denominada Rita, veio do termo ritual de

passagem. A ideia era representar um momento ritualístico e pouco seria mais literal

do que apresentar uma festa de aniversário. Nasceu, então, o Aniversário de Rita.

Encontramos um lugar neutro (Acervo café - cafeteria de essência

desconstrutiva), assumimos a liberdade presente na criança (nesse caso observa-se

meninas) e possibilitamos uma abertura de ambiente, brincadeiras e convenções

sociais. Eram meninas desprovidas da pressão de gênero, do controle presente nas

paredes do evento social. Foi uma festa completamente fora dos padrões

convencionais. A correria entre as cadeiras foi constante, bem como os roubos de

brigadeiro da mesa de docinhos antes do parabéns, que deixou de ser roubo, pois

não havia quem coibisse o ato.

Durante o parabéns desordenado, Vivi, em tudo entusiasmada, não conteve a

ansiedade e com o olhar procurou reprovação. Enfiou a mão no bolo retirando com

os dedos seu primeiro pedaço. Foi a porta necessária. As outras copiaram a

brilhante ideia e o alvoroço incontrolável (sem que realmente ninguém o quisesse

controlar) declarou-se interminável.

Os presentes ao pé da mesa satirizaram brinquedos de meninas. Havia

vassoura, rodo, panela de pressão, materiais de enfermagem, louças. Nada de

brinquedo. Utensílios realmente funcionais.

E, de forma intuitiva, eu imaginava tamanha decepção em receber objetos

reais, tão entediantes. Durante a descoberta, imediatamente o lúdico presente nas

cores rosas da panelinha de brinquedo transmutaram a panela dura e inanimada,

tornando-se livre a diversão entre elas e a incompreensão da minha parte.

Rita, personagem principal e mais velha, permaneceu em intenso

desconforto. Não entendeu os presente e achou a festa muito infantil. Em grande

parte do tempo ficou com vontade que acabasse logo e entendemos que a ela não

estava imposto um comportamento mais liberto ou algo semelhante.

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Ali constavam seis meninas: Júlia/Rita (13 anos), Cacau (10 anos), Vivi (8

anos), Madu (7 anos), Naty (6 anos) e a Emma (1 ano).

Figura 5 - Frame do making of do ensaio fotográfico

Fonte: Vídeo realizado por Geovanna Belizze

5.2.1. Cenário e figurino

A mulher carrega em seu corpo um rito de passagem muito pontual. A primeira

menstruação é um momento simbólico, independentemente da cultura na qual essa

mulher está inserida. Nas tribos Yanomami, por exemplo, quando a menina tem sua

menarca, ela é afastada da tribo e, por seu sangue ser considerado venenoso,

passa por diversas situações complicadas nesse isolamento, como ser alimentada

por uma vara por não poder tocar em sua própria comida.

Durante milênios a mulher foi associada às forças da natureza devido à

fertilidade e ao seu papel da reprodução da espécie. Ela provocava medo

no homem por causa de acontecimentos que eram inexplicáveis, como a

maternidade. Esse medo provocado pelo desconhecido levou o homem a

manter a mulher sob seu controle, garantindo sua superioridade em relação

a ela. (DELUMEAU, 1990 apud FOLLADOR, 2009, p.6)

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Ao pensar o espaço do aniversário, queríamos um lugar que também fizesse

parte da experiência, ao invés de colocar a personagem em um fundo infinito e

apenas caracterizá-la com símbolos que representassem o que gostaríamos de

provocar, intensificando a experimentação.

Assim, decidimos que o tema do aniversário de Rita seria primavera;

primeiramente por causa da expressão completar primaveras, mas também para

aproveitar todas as referências visuais que retratam essa mulher renascentista

selvagem, envolta de natureza, misteriosa. Um verdadeiro fenômeno natural gerador

de vida. As meninas foram caracterizadas em referência a frutas e, também, devido

ao fato de fazerem parte desse universo de organicidade. As frutas escolhidas foram

kiwi (Madu), banana (Cacau), manga (Vivi), jabuticaba (Naty) e Rita (Júlia) era a

pitaya. Vesti-las referenciando frutas nos deu uma abertura para brincar com

texturas e formas no figurino. Vivi, por exemplo, estava vestida com um cachecol de

pelinhos que pretendiam reproduzir os fiapos da manga; enquanto Rita estava com

um xale branco de bolinhas brancas que simulava o interior de um dos tipos de

pitaya. Na maquiagem seguimos a mesma linha: formas arredondadas e cores

vibrantes, referentes à natureza.

Figura 6 - Croquis iniciais do figurino

Fonte: Registro feito por Vivi Morais

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Figura 7 - Referência para as maquiagens

Fonte: Referência retirada do site pinterest.com

Figura 8 - Desconstrução do ambiente

Fonte: Registro feito pela autora

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5.2.2. Paleta de Cores

A paleta de cores para o cenário e figurino foi criada com o auxílio do livro If it’s

purple someone’s gonna die (2005) de Patti Bellantoni, um clássico do estudo de

cores para o cinema. Entretanto, apesar de haver um arcabouço teórico sobre os

simbolismos implícitos no uso de cada cor, o que guiou a direção de arte da Viviane,

majoritariamente, foram as paletas de cores dos filmes referência e das cenas que

passavam sensações parecidas com as que queríamos experimentar.

Os tons pastéis e mais claros foram em referência ao filme As Virgens

Suicidas (Sofia Coppola, 2000), que trouxeram uma referência narrativa para a

estética do Aniversário, por conseguir unir um tom de estranhamento a uma figura

delicada, adolescente e pueril.

Figura 9 - Frames de As Pequenas Margaridas

Fonte: As Pequenas Margaridas, Tchecoslováquia, 1966

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Figura 10 - Frames de Virgens Suicidas

Fonte: Virgens Suicidas, Estados Unidos, 2000

Figura 11 - Paleta de cores do ensaio

Fonte: Paleta de cores desenvolvida pela Diretora de Arte Vivi Morais

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5.2.3. Ficha técnica

Apesar de estarmos fazendo quase tudo em conjunto, organizamos a equipe

separando fotografia, direção de arte e produção. Contamos com Maria Luisa

Paganine, Elisa Souza e Geovanna Belizze como maquiadoras; Marcelle Renault

como assistente de produção e de figurino; Luísa Cruz e Joel Rodriguez como

assistentes de produção e making of; Patrícia Morais como assistente de arte; e a

frente da equipe, Monique Renault na fotografia, Viviane Morais na direção de arte e

Amanda Alves na direção de produção.

Os equipamentos utilizados foram:

CÂMERAS Fotos: Canon 5D Mark III

Making of: Canon 60D

LENTES 28 - 75mm, 2.8 70 - 200mm, 2.8 50mm, 1.8

ILUMINAÇÃO Dois Softboxes Dois Flashes

Anteriormente, organizamos o momento de utilização de cada equipamento, e

antes que o ensaio começasse, a iluminação estava inteiramente montada.

É importante pontuar que nenhuma estrutura perdurou. No momento que

compreendemos que a desconstrução acometida pelas crianças ganhava forma e

moldava nosso trabalho, nos despimos do planejamento e fomos com elas.

Majoritariamente, utilizamos a lente 28 - 75mm, e apesar do grande alcance angular,

o efeito gerado se aproximava da ideia lúdica que tínhamos primordialmente. Para

detalhes de objetos e decoração, foi utilizada a 70 - 200mm. A câmera 60D e lente

50mm foram utilizadas somente na realização do making of. Os grandes aparatos de

iluminação intimidavam as meninas e interferiam na brincadeira. Dessa forma, só

utilizamos efetivamente os flashes para dar uma estética, com luz estourada,

semelhante as fotos dos álbuns de festas de família que utilizamos como referência.

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5.3. O Scrapbook

No dia 9 de Junho realizamos o aniversário de uma das minhas sobrinhas,

Naty, que também participou do ensaio. Para comemorar, sugerimos um dia de

atividades em casa e a ideia era finalizar com uma festa surpresa. Devido a amizade

que surgiu após o experimento, ela pediu para que convidássemos o restante das

meninas que participaram do evento. Vi, então, a oportunidade de possibilitar o

desdobramento de narrativa pelas próprias crianças.

Após algumas brincadeiras e atividades juntas, eu perguntei se elas

gostariam de criar um álbum de fotos com os registro do dia. Eu já possuía todas as

fotos impressas, e até então, elas ainda não haviam tido contato com o resultado

completo em nenhum momento. Elas adoraram a ideia, e de forma previsível, me

perguntaram se deveriam fazer ''de um jeito que você gostasse''. Eu expliquei que

aquele momento pertencia a elas e que eu gostaria de saber como foi o dia, o que

elas acharam ou qualquer outra informação que achassem pertinente.

Foram disponibilizados para a produção do scrapbook os seguintes materiais:

folhas, mais de 200 registros impressos e sem edição, canetinhas, lápis de cor,

caneta colorida, adesivos, giz de cera, cola, tesoura, perfurador, rascunho, folhas

estampadas e régua.

Registrei o áudio de alguns momentos de discussão que considerei

importante. Parte das transcrições serão apresentadas para melhor compreensão do

próprio produto. É importante lembrar que as respostas não foram obtidas

organizadamente, todas respondiam quase que ao mesmo tempo, então, o texto diz

respeito a um emaranhado de vozes e diferentes opiniões que foram debatendo e

sobrepondo ao longo da conversa:

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● O que é TCC?

- Ter cc. [risos]

- Eu que inventei essa piada.

- É uma festa dos adultos para as crianças, feito perfeito para elas, e que as

crianças se divertem e os adultos só tiram fotos, e conseguem seus

empregos, enquanto as crianças estão tendo o seu dia perfeito. Isso pra mim

é um TCC. Além de ter cc, é isso.

- Tudo.

- O que eu mais gostei foi o bolo. Eu me esqueci o que mais teve.

- Tudo que não tem glitter, não é arte.

- Só é arte o que tem glitter.

- Glitter é a melhor coisa do mundo.

- Não é não, é comida.

- Vocês sabiam que glitter não escreve como a gente pensa? Tem dois Ts

- glit ter... Glitê-ter

- Tia, a Cacau tá colocando glitter na foto.

● O que foi diferente pra vocês?

- O clima foi diferente.

- Como assim o clima?

- O clima quer dizer as fotos, o som, o sol refletindo deixando tudo perfeito. Lá

foi o perfeito sonho.

- O tema foi normal, porque a minha priminha já fez um aniversário com tema

de fruta assim.

- Os presentes foram esquisitos.

- E era aniversário da Rita, mas a gente que abriu os presentes. Eu acho que

ela não queria não.

- Tinha panela, mas eu entendi a panela. As panelas significam cozinhar as

frutas.

- É, tomate é fruta, pode cozinhar o tomate.

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- Eu tenho uma panela de pressão em miniatura que funciona, e também uma

panela de tapioca.

- Os presentes foram mesmo esquisitos.

- Se fosse um aniversário de menino, seria coisa de futebol, bola, carrinho.

- As atacações no bolo também foi diferente.

- Nenhuma festa ninguém pode tocar no bolo. Só quando você ganhar a fatia.

Acho que não gostam, acham que é falta de respeito. Eles não pensam nas

crianças.

- As crianças tem que atacar o bolo. Tem que ter um bolo para as crianças e

um bolo para os adultos.

- É, assim fica mais justo. E nessa festa teve um bolo pras crianças. Isso foi

ótimo.

- Foi super justo conosco, crianças.

● Qual nome vocês querem colocar na capa?

- Álbum da festa

- Aniversário da Rita

- Aniversário do TCC

- O dia sensacional das meninas

- O dia perfeito

- Confusão dos doces

- Emoções de uma festa

- Um aniversário para as crianças

- A festa de frutas

- Uma salada de fruta

- A festa da salada de fruta

- Barbie vs fruta

- Rita: A Grande Salada de fruta

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6. METODOLOGIA

Planejamos um ensaio fotográfico em desconstrução, e primeiramente, produzimos

um pré-projeto a duas mãos, para nos direcionar durante toda a produção. O

planejamento contou com buscas de referências visuais, em sites como o Pinterest , 9

Behance , filmes, revistas impressas de moda como a Vogue Kids, longas 10

conversas com ex colegas, também autores de produtos pela Faculdade de

Comunicação e principalmente com professores que nos disponibilizaram tempo e

paciência.

Após a busca de referências anterior ao inicio do produto, realizamos uma

pesquisa experimental. Permitimos um caos dominado por crianças, para que

observássemos o comportamento e relacionássemos com o corpus. Registramos o

decorrer do dia em fotos, vídeos e áudios. O evento, que ocorreu no Acervo Café,

localizado Guará II QE 40 lote 18, contou com uma estrutura completa de

aniversário. Havia a mesa de doces ao centro, que continha o bolo, frutas,

descartáveis. No cenário havia um letreiro de Feliz Aniversário, balões espalhados

pelo chão e paredes, plantas decorativas, os presentes ao redor da mesa, a

personagem Rita, aniversariante, e as crianças convidadas, todas caracterizadas.

Os presentes selecionados satirizavam os brinquedos para meninas. Havia

panela de pressão, vassoura, utensílios de cozinha, materiais de profissão… Tudo

era realmente funcional e embalado como presentes de verdade. A reação

observada e registrada foi completamente diferente do que esperávamos. De

imediato, surgiu uma incompreensão, que durou pouquíssimo tempo e logo

tornaram-se brinquedos divertidíssimos nas mãos das garotas. A afirmativa era:

''Brincar de casinha é a nossa coisa preferida, tia, como você adivinhou?''.

A finalidade do registro, vem em encontro com a terceira parte do projeto: a

revisão bibliográfica. A partir deste ponto, eu e Viviane nos separamos para o

desdobramento nas diferentes áreas da comunicação que cursamos. Houve o

aprofundamento nos temas Barbie, leitura de gênero, feminismo, construção de

9 Disponível em https://br.pinterest.com/. Acesso em: Out. 2018 10 Disponível em https://www.behance.net . Acesso em: Out. 2018

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narrativa, desconstrução - conferir a bibliografia consultada posteriormente

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

Após uma extensa pesquisa teórica, redigi os fatos de forma descritiva e

associei ao material estudado. Desenvolvi o problema apresentado, e utilizei os

dados coletados na pesquisa experimental para analisar possíveis soluções.

Como a penúltima parte do projeto, utilizei a pesquisa qualitativa, durante um

evento descontraído que ocorreu em minha casa e contou com a presença de todas

as participantes do experimento. Possibilitei que elas se apropriassem das próprias

imagens e de toda criatividade que estivesse ao alcance para desenvolver a própria

narrativa em formato de um álbum fotográfico. Ao oferecer a possibilidade de que

elas produzissem o material, eu estava ciente de que talvez elas negassem, ou

simplesmente não tivessem vontade. Caso ocorresse, este seria tomado como

resultado de minha pesquisa. Todavia, elas adoraram a ideia e decidiram como

fariam.

O planejamento - desenvolvido por elas - foi: cada uma produziu uma página

e contou a história da maneira que desejava - seja por desenho, textos, recortes -, e

ao final, elas uniriam todas as páginas formando um scrapbook completo.

Durante a produção do álbum, eu registrei áudios de conversas entre elas, e

ao todo, eu induzi somente três vezes um assunto para observar e coletar opiniões

sobre determinado tópico - parte da transcrição do áudio encontra-se em

REFERENCIAL TEÓRICO - O Scrapbook.

Ao final do dia, elas escolheram entre si duas representantes para gravar um

vídeo explicando tudo que foi feito. O link do vídeo encontra-se disponível. 11

Finalizando as análises, coletei todos os dados, resultados, o produto

desenvolvido, experimentações e experiências observadas e desenvolvi este

Memorial. O teor narrativo demonstra a pessoalidade do projeto como um todo, e

possibilita a aproximação do leitor com todas as segmentações do produto.

11 Dísponivel em http://bit.ly/2RuwaUN

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro momento, rascunhei sensações esperadas, desenvolvimentos

imagéticos que demonstraram claramente em que pé considero o comportamental

de meninas. A proposta apostava na liberdade e desconstrução, mas uma espécie

de resultado imaginado apontava para o outro lado. No mesmo instante que tive

contato com as meninas e elas estabeleceram uma relação entre si, tudo se desfez.

A conexão inesperada, a brincadeira e a ligação instantânea, obviamente tocou em

mim uma correlação com as crianças que não permitiu uma só censura. Eu me

sentei ao chão. Brincamos, conversamos. Eu me afastei, assisti a bagunça realizada

no cenário montado, eu me reaproximei e quase que invisivelmente registrei os

apertos de buchecha. Vez ou outra ouvia um ''tia, fotógrafa a gente, olha só!

Estamos modelando pra você''. A ideia era de um ensaio, hoje conto uma

experiência do meu eu tia, fotógrafa, amiga individualmente de cada menina ali. E

isso se tornou tão expresso, que pouquíssimas foram as vezes que não me

emocionei enquanto descrevia o resultado, as fotos e a experiência para quem quer

que fosse.

Inicialmente planejei fotos como o produto. Realizamos o ensaio, e nos

deparamos com um resultado completamente caótico, neste contexto, decidi agregar

experimento à palavra ensaio. O universo daquele dia se expandiu lindamente para

uma outra ótica. As crianças começaram a definir por si só o que cada uma era, o

que era devido e o que não era, e eu, instantaneamente, entendi que não poderia

limitar nenhuma ação, já que meu trabalho era sobre crianças, não sobre um objeto

inanimado.

Foi em conversa/desabafo com o professor Wagner que, sabiamente, me

recordou que todas as escolhas deveriam ser assumidas. Não havia erro, eram

registros. E, certamente, as meninas deveriam ser consideradas a ponto de

receberem uma explicação sobre tudo que ocorreu ali. Da mesma forma que elas

me abriram o afetivo, sensitivo, expuseram-se internamente para mim, como tia e

fotógrafa, eu teria, não só a responsabilidade de não expô-las, mas também de

empoderá-las de alguma forma. Sempre usam-se crianças, mas nunca há de fato

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um interesse em saber o discurso individual que elas querem transmitir. Foi, então,

que decidi entregá-las todo meu trabalho, e permiti que elas finalizassem pelas

próprias mãos, olhares, e compreensões do Aniversário de Rita, inteiramente meu

produto e o título do Memorial.

E então o Scrapbook: um álbum, da qual minha única participação foi

conceder folhas, colas, tesouras, tinta, muito glitter e todo um arsenal de figurinhas.

Elas escolheram o layout, elas nomearam, elas decidiram a ordem e a narrativa dos

fatos. Elas contaram a própria história e jamais me perguntaram o que é um trabalho

final, mas definiram sozinhas o que TCC significa.

Como contrapartida, decidi fazer da banca um momento explicativo. Elas

estarão presentes, e como não terão acesso a este documento, o foco será que elas

compreendam o que foi o trabalho, o que é, pela perspectiva adulta um TCC e, ainda

concederei um tempo da apresentação para que elas contem por si, caso sintam-se

confortáveis, o produto que elas mesmas originaram.

É então, - não limitado a sua representação imagética de registro, mas como

forma clara de linguagem, e sobretudo, em uma nova dimensão de instrumento

atemporal, como quem viaja entre o nascer e crescer, o aniversariar e o relembrar -

que o próprio experimento se refaz em novo olhar narrativo, sensível, e

extremamente pessoal, nas mãos das próprias meninas que possibilitaram o evento

e o produto.

Analisando posteriormente o que foi criado, há uma outra forma de

compreensão que exprime que a narrativa não só extrapolou o momento da criança,

como também estacionou na fase adolescente. Quando éramos mais novas, uma

das maiores humilhações que alguém poderia passar, era ter seu diário lido por

alguém sem prévia autorização. Aquele era o espaço da construção da intimidade da

menina. Hoje os ditos diários são majoritariamente imagéticos e estão disponíveis

online a centenas de seguidores

Entender o vazio e as conexões entre conceito e produto, e relacionar o

conceito, produto e, principalmente, memorial com Comunicação, foi um desafio que

enfrentamos por meses até entender a solução da equação. Isto resultou, também,

na separação de produtos para que cada uma pudesse se debruçar em sua área de

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atuação - no meu caso Publicidade, e Viviane no Audiovisual. Em toda a fase inicial,

nosso trabalho caminhou pela psicologia infantil, educação, antropologia, nas artes,

mas nunca na Comunicação. Agora, depois de tanto refazer, enfim assumimos o

teor experimental de um projeto final. Compreendi que, definitivamente, ainda não

entendo tudo que o mercado me exige, mas enxergo com intensa gratidão, o tanto

que (errei) e aprendi naturalmente, sobre o desenvolver comunicacional com este

produto.

Muitas vezes fui indagada sobre o porquê da utilização de crianças para as

fotos, sendo o amadurecimento - e as correlações que fazemos com ele - um

processo comum a toda vida. Primeiramente, me atentei que originalmente

queríamos trabalhar com crianças, por tudo que a infância e o tamanho pequeno

representa - falo pessoalmente. Porém, com o andar do trabalho, acabei

compreendendo que restringir as modelos a garotas foi um fator importantíssimo de

identificação para mim, criando um laço de pertencimento ao projeto que talvez a

escolha de outra faixa etária - ou de trabalhar com gêneros mistos - não permitiria.

Ter realizado o ensaio no Acervo Café, possibilitou a otimização do processo,

dando uma estrutura mais confiável do que a que tínhamos anteriormente.

Dentre os muitos aprendizados, entendi que trabalhar com criança é

realmente abraçar o caos e isso exige mais do que planejamento. Exige amor, exige

esperar menos, querer pouco e, também, a paciência para lidar com o maravilhoso

imprevisível. Na teoria sabíamos que crianças se cansam mais rapidamente e, têm

total dificuldade em seguir um cronograma. Esse espaço de caos se tornou amplo, e

dele veio a responsabilidade de nossas melhores fotos.

Todas as vezes que planejei ter muito, não obtive nada. No escopo, dentro de

um olhar adulto para as fotos, as coisas se desencaixavam. Eu me perdia

completamente, não encontrava justificativa e o trabalho transformava-se em uma

porção de fragmentos desconectados. Compreender que não bastava utilizar-se da

imagem de crianças, mas dar a elas o poder da narrativa, de dominar o trabalho em

tudo, foi de fato a melhor solução para um projeto real. Hoje, enxergo um

experimento tão sensível quanto minha relação com as meninas - ou com a minha

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própria infância. Não teve um encontro em que não nos divertimos. Não existiu o

peso de um trabalho, foi inteiramente descoberta.

Sem que pudesse ser diferente, fecho este ciclo com incontáveis

experimentações. Enquanto nosso campo acadêmico possibilitar que o aprendizado

não se restrinja a livros ou salas de aula, a Comunicação continuará ganhando força

para acessar corpos, pessoas, vivências muito maiores que as paredes da

biblioteca. Crianças, fotografias, encontros de trajetórias ensinam. Os muitos

professores consultados, como verdadeiros livros ambulantes, também. Não posso

mensurar o enorme ganho recebido nestes últimos meses, mas posso compartilhar.

É um álbum engraçado, com erros ortográficos e páginas do avesso, que acomoda

teorias significativas e a simplicidade da criança em seu fazer comunicacional

particular.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTMANN, Helena. Barbie e sua história: gênero, infância e consumo. Campinas,

2013. Disponível em: <http://bit.ly/2Kx45LJ>. Acesso em: 03.09.2018.

BARTHES, Roland. Análise Estrutural da Narrativa: seleção de ensaios da revista

''Communications''. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1971.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: 2. A experiência vivida. 2ª Ed. Paris:

Librairie Galliard, v. 2, 1967.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. 4ª Ed. Paris: Librairie

Galliard, 1970.

CHATEAU, Jean. O Jogo e a Criança. São Paulo: Summus, 1987.

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CUNHA, Raissa. Estereótipos femininos: Competência e amabilidade em avaliações

implícitas, explícitas e de empregabilidade. Brasília, 2017.

DANTAS, Tiago. "Aniversário"; Brasil Escola. Disponível em:

https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/aniversario.htm. Acesso em 22 de junho

de 2019.

FISKE, S. T., CUDDY, A. J., & Glick, P. (2007). Universal dimensions of social

cognition: Warmth and competence. Trends in cognitive sciences, 11(2), 77- 83.

FOLLADOR, Kellen Jacobsen. A mulher na visão do patriarcado brasileiro: uma

herança ocidental. Revista fato & versões, v. 1, n. 2, 2009.

HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: AS CRIANÇAS E A LITERATURA

FANTÁSTICA. Brasil: Summus,1980.

LINTON, Ralph e Adelin. The Lore of Birthdays. New York: Omnigraphics, p.8,

18-20, 1952.

MORIN, Egdar. O cinema ou o homem imaginári: ENSAIO DE ANTROPOLOGIA

SOCIOLOGICA. 2ª Ed. Brasil: E REALIZAÇÕES, 2014.

NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na

arte. 5ª Ed. Summus, 1993.

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TEIXEIRA, Maria das Graças. Brinquedos e Brincadeiras e a construção do

conhecimento. Salvador, 2007. Disponível em <http://bit.ly/2WYsvj7> Acesso em: 20

set. 2018

VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

WOLF, Naomi. O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as

mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

8.1. Outras referências

ADVENTURES, Barbie™ Dreamhouse. O Bolo Perfeito!. Rainmaker Studios,

Canadá, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ySQ0JfpOUAQ>.

Acesso em: 11. 2018.

ADVENTURES, Barbie™ Dreamhouse. O presente surpresa da Chelsea. Rainmaker

Studios, Canadá, 2018. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=Z1JWp3g7l4s>. Acesso em: 10. 2018.

BARBIE, Site. Você pode se divertir com o jogo da Barbie Dreamhouse Adventures!.

America do Sul. <https://play.barbie.com/pt-br/game/dreamhouse-adventures>

Acesso em: 20.04.2019

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9. APÊNDICE

9.1. Orçamento do Produto

Produção

Locação R$ 700,00

Almoço R$ 200,00

Lanche 1 R$ 95,00

Cachê R$ 400,00

Lanche 2 R$ 100,00

Total R$ 1.495

Arte

Elementos do cenário R$ 360,00

Frutas para a mesa do bolo R$ 82,00

Primeira compra de figurino R$ 69,99

Segunda compra de figurino R$ 35,99

Terceira compra de figurino R$ 89,90

Total R$ 637,88

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9.2. Lista da origem dos objetos de cena utilizados

Lista de objetos do Aniversário Origem

Letras Feliz aniversário Compra

Corda Compra

Figurino Compra/Aproveitamento pessoal

Papel de presente Compra

Pano de fundo Empréstimo

Pano de mesa Empréstimo

Balões Compra

Velas Compra

Presentes Empréstimo

Plantas Empréstimo

Bolo Troca - A Cozinha Doce

Docinhos Compra

Frutas Compra

Descartáveis Compra

Locação Aluguel

Equipamentos Empréstimo

Descartáveis Compra

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9.3. Links de acesso aos registros e vídeos de making of

<http://bit.ly/2RuwaUN>

Figura 12 - O Scrapbook

Fonte: Registros da autora

Figura 13 - Quadros de organização no Trello

Fonte: Print da autora

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Figura 14 - Antes e depois

Fonte: Registros do Aniversário

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