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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE UNIVILLE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM PATRIMÔNIO CULTURAL E SOCIEDADE O SILÊNCIO GRITA, A MÃO NEGRA ACENA E A INVISIBILIDADE PERSISTE LUCIANE PIAI JOINVILLE 2014

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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM PATRIMÔNIO CULTURAL E SOCIEDADE

O SILÊNCIO GRITA, A MÃO NEGRA ACENA

E A INVISIBILIDADE PERSISTE

LUCIANE PIAI

JOINVILLE

2014

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LUCIANE PIAI

O SILÊNCIO GRITA, A MÃO NEGRA ACENA

E A INVISIBILIDADE PERSISTE

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade, na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Área de concentração: Patrimônio Cultural, Identidade e Cidadania. Orientadora: Dra. Sueli de Souza Cagneti.

JOINVILLE

2014

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Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Univille

Piai, Luciane

P579s O silêncio grita, a mão negra acena e a invisibilidade persiste / Luciane Piai; orientadora Dra. Sueli de Souza Cagneti– Joinville: UNIVILLE, 2014.

114f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural – Universidade da Região de Joinville)

1. Literatura infanto-juvenil. 2. Literatura afro-brasileira. 3.Literatura africana. 4. Escritores. 5. Cultura afro-brasileira. 6. Cultura africana. I. Cagneti, Sueli de Souza (orient.). II. Título.

CDD 809

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AGRADECIMENTOS

Aos pais Sibila e Laudelino pelo amor incondicional.

Às luzes, às forças e às sabedorias divinas pela proteção e inspiração.

À Sueli de Souza Cagneti, minha orientadora, o apoio fundamental nesse caminhar literário pelas africanidades. Às professoras Taiza Mara Rauen Moraes e Ilanil Coelho, pelas contribuições valiosas na banca de qualificação. A minha irmã Sandra e meus irmãos Luis Artur e Jeferson Josué pelo companheirismo. Monique, Isac e Luis Gustavo, sobrinhos, pelo incentivo. Aos Prolijianos, pela força e partilha das fontes literárias.

A minha turma e professores do Mestrado de Patrimônio Cultural e Sociedade, pelos momentos compartilhados. Aos familiares e amigos, por estarem torcendo por mim, aos mais próximos e

aos mais distantes. À Sandra pelo otimismo. Ao Claudio pela amizade

crescente.

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“Estimo o ideal de uma sociedade livre e

democrática, na qual todas as pessoas convivam

em harmonia e com oportunidades iguais. Esse é

um ideal ao qual pretendo dedicar minha vida e

que pretendo alcançar. No entanto, se for

preciso, esse é um ideal pelo qual estou disposto

a morrer.” (NELSON MANDELA)

Homenagem Póstuma ao grande líder “Madiba”.

(1918-2013)

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Dedico aos afro-brasileiros: crianças, jovens, mulheres e homens.

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RESUMO

A pesquisa intitulada O silêncio grita, a mão negra acena e a

invisibilidade persiste analisa a presença da temática e/ou autoria

brasileira, afro-brasileira, africana e estrangeira não africana na produção

literária de literatura infantil e juvenil do Brasil nos últimos anos. A

garimpagem dos livros produzidos, principalmente, na última década, foi

seguida de análise do ponto de vista da literariedade e da estética, como

também, sua categorização, tais como: reconto, revisitamento dos

clássicos, hibridismo, ficção, informativo, narrativa visual, poética, cordel,

memória, biografia e teóricos. Com o olhar na proposta da Lei 10. 639/2003

procurou apontar nas obras, acompanhada da análise de suas

especificidades, sugestões que pontuam para uma mediação leitora mais

consciente e eficaz. Os resultados obtidos a partir do corpus analisado

sugerem a possibilidade de tornar o afro-descendente e sua história recente

ou de seus ancestrais mais visível, com a intenção de contribuir para a

ressignificação de seu lugar como brasileiro independente da etnia a qual

pertença.

Palavras-chave: literatura infantil juvenil; literatura afro-brasileira; literatura

africana.

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ABSTRACT

The essay entitled The silence calls out, the black hand waves and the

invisibility goes on analyses the presence of Brazilian, Afro-Brazilian,

African and Non-African alien themes and authorship in the lettered

production of infant and juvenile literature into Brazil over the past few years.

The research here presented was based on the selection of the literary work

produced mainly in the last decade focused in the study of its literariness,

esthetic aspects and categorization such as retelling, review of the Classic

Works, hybridism, fiction, informative, narrative, visual, poetics, cordel,

memory, biography and theoretical. Taking in consideration the proposal of

the statute law 10.639/2003 as well as the evaluation of the literary work

features, the essay points out suggestions leading to a more sensible and

efficient compromised reading. The results of the studied corpus propose

the possibility of giving more visibility to the afro-descendant and his recent

past history or his ancestors past history. It also intends to contribute for the

redefinition of the afro-descendant role as a Brazilian citizen player within

the society regardless the ethnic group he belongs to.

Key-words: infant and juvenile literature; Afro-Brazilian literature; African

literature.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa Irmã-estrela. Fonte: MABANCKOU, 2013..............................38

Figura 2 – Capa de Ifá, o Adivinho. Fonte: PRANDI, 2002...............................41

Figura 3 – Capa de Xangô, o Trovão. Fonte: PRANDI, 2003...........................42

Figura 4 – Capa de Oxumarê, o Arco-Íris. Fonte: PRANDI, 2004....................42

Figura 5 – Capa de Conchas e Búzios. Fonte: RUI, 2013................................45

Figura 6 – Capa de O Coelho que falava latim. Fonte: PATRAQUIM, 2013....47

Figura 7 – Capa de A montanha da água lilás: fábula para todas as idades.

Fonte: PEPETELA, 2013...................................................................................48

Figura 8 – Capa de As cores da escravidão. Fonte: OLIVEIRA, 2013.............51

Figura 9 – Capa de Joãozinho e Maria. Fonte: COELHO & AGOSTINHO,

2013 ..................................................................................................................53

Figura 10 – Capa de Rapunzel e o Quibungo. Fonte: COELHO &

AGOSTINHO, 2012...........................................................................................53

Figura 11 – Capa de A Princesa e a Ervilha. Fonte: ISADORA, 2010..............55

Figura 12 – Obax e Nafisa, no livro Obax. Fonte: NEVES, 2010......................57

Figura 13 – Obax e sua mãe, na obra Obax. Fonte: NEVES, 2010.................57

Figura 14 – Capa de Meu nome é Pomme. Fonte: DIELTIENS, 2011.............58

Figura 15 – Capa de Aqualtune e as histórias da África. Fonte: MASSA,

2012 ..................................................................................................................59

Figura 16 – Capa de Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de

ritmo, 1926-1934. Fonte: MEIRELES, 2003......................................................60

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Figura 17 – Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-

1934. Fonte: MEIRELES, 2003..........................................................................61

Figura 18 – Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-

1934. Fonte: MEIRELES, 2003..........................................................................62

Figura 19 – Outra vez. Fonte: LAGO, 1984......................................................68

Figura 20 – Capa Uma Princesa nada boba. Fonte: ANTONIO, 2011.............70

Figura 21 – Uma Princesa nada boba. Fonte: ANTONIO, 2011......................71

Figura 22 – Uma Princesa nada boba. Fonte: ANTONIO, 2011......................72

Figura 23 – Capa Os donos da bola. Fonte: OLIVEIRA, 2010.........................74

Figura 24 – Os donos da bola. Fonte: OLIVEIRA, 2010...................................74

Figura 25 – Capa Cabelo de mola. Fonte: REZENDE, 2013............................75

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................11

1. O SILÊNCIO GRITA.....................................................................................16

2. A MÃO NEGRA ACENA – QUEM SE APROXIMA SÃO AS OBRAS

LITERÁRIAS COM A TEMÁTICA E/OU AUTORIA AFRICANA OU AFRO-

BRASILEIRA ....................................................................................................32

3. A INVISIBILIDADE AINDA PERSISTE?.....................................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................81

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................86

REFERÊNCIAS TEÓRICAS..............................................................................86

REFERÊNCIAS FICCIONAIS...........................................................................88

APÊNDICE........................................................................................................93

1. Resenhas......................................................................................................93

ANEXOS..........................................................................................................113

1. Lei nº 10.639/2003.......................................................................................113

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INTRODUÇÃO

Livros, literatura, contação de histórias, dramatizações, arte, cultura são

palavras que me abraçaram e me acompanharam nas últimas duas décadas.

Com elas fui crescendo e me envolvendo, cujo desdobramento hoje se

apresenta nos escritos com a temática e/ou autoria africana, afro-brasileira,

brasileira e estrangeira não africana na Literatura Infantil e Juvenil, intitulada O

silêncio grita, a mão negra acena e a invisibilidade persiste. Para chegar

até essa temática foi através do Programa Institucional de Literatura Infantil e

Juvenil –PROLIJ, na qual sou pesquisadora voluntária. O programa iniciou um

novo projeto em 2011: “O Estudo da Africanidade e seus Equívocos” e ele

continua até o presente momento. Foram muitos estudos realizados, entre eles

o “Abril Mundo 2012”, evento literário do PROLIJ, com o título “A Literatura

Africana e Afro-brasileira”, no qual além de fazer parte da organização, também

tive a oportunidade de escrever um artigo sobre essa temática para os anais do

evento. Assisti a palestra e a oficina do Prof. Dr. Reginaldo Prandi e a palestra

do ilustrador Maurício Negro, ambos estudiosos da cultura afro-brasileira e

africana. A partir desses estudos decidi, a convite da orientadora, iniciar a

pesquisa que ora se apresenta.

No início fiquei um pouco receosa, pois estava ciente do quanto deveria

estudar para me aprofundar no assunto, e ainda, dar conta de resolver uma

questão pessoal, pois durante o meu processo de formação não me foi

transmitida em nenhuma disciplina, a diversidade da cultura afro-brasileira e a

cultura africana. Ocorreram algumas angústias e sofrimentos durante o

processo, os livros referendados sobre o dilaceramento das famílias no período

escravista ou outros relacionados à escravidão, tocaram-me profundamente e,

às vezes, pensava que não daria conta de escrever sobre as africanidades,

porque essa era a visão que eu tinha do afro-descendente e do africano.

Passado o momento, fui adentrando nas profundezas das obras literárias e lá

descobri a riqueza da cultura afro-brasileira e a cultura africana, tão apagada e

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desconhecida por mim. O tema foi tomando proporções, penetrando-me com

admiração e com encantamento. Assim pude perceber o quanto o afro-

descendente era invisível para mim, em alguns aspectos. À medida que os

estudos avançavam, os véus iam caindo, a visão embaçada foi clareando. No

momento da escrita uma das preocupações foi com o uso da linguagem; minha

intenção é mostrar, ressignificar, valorizar o nosso povo afro-brasileiro.

Durante o percurso do mestrado houve dois momentos significativos, os

quais contribuíram para a minha bagagem cultural, literária e histórica para o

desenvolvimento do trabalho. A primeira foi a oportunidade de conhecer o

Quilombo dos Palmares e outros quilombos em Muquém, na cidade de União

de Palmares, em Alagoas, viagem essa, de estudo, com o grupo do PROLIJ,

pois estamos com o projeto Africanidades em andamento. Foi uma experiência

enriquecedora, pois vivi, senti e recebi a força dos ares dos antigos

quilombolas na Serra da Barriga, em Palmares. Escutei o batuque dos

tambores, vindos detrás das gigantescas árvores, toquei a árvore sagrada...

Recordei e vivenciei as memórias da história do espaço... A segunda foi

conhecer Salvador, uma viagem pessoal de cunho cultural, onde percorri todos

os dias o Centro Histórico do Pelourinho. Além de sentir a energia e recordar

as memórias do local, conheci: o Centro de estudos dos povos afro-índio-

americanos- CEPAIA, órgão da Universidade do Estado da Bahia, o Museu

Afro, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Negros, o Memorial das

Bahianas, a Feira de São Joaquim e outros lugares.

A intenção dos estudos é identificar na produção editorial livros de

temática e/ou autoria africana e afro-brasileira endereçadas as crianças e aos

jovens, buscando analisar, criticar, categorizar e apontar os procedimentos

existentes em relação aos discursos verbais e visuais presentes, visando a

compilação de uma referência nesse campo para o professor de ensino

fundamental e médio.

A presente pesquisa foi baseada na metodologia bibliográfica de caráter

analítico crítico, pois o objeto de estudo são obras literárias de literatura infantil

e juvenil de temática e/ou autoria africana, de autores africanos, afro-

brasileiros, brasileiros e estrangeiros não africanos, livros que foram publicados

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no Brasil. Para sua efetivação o trabalho foi dividido em cinco etapas. A

primeira refere-se aos dados de natureza quantitativa, foi realizado um

levantamento sistemático de um corpus de sessenta obras da produção

literária infantil e juvenil relacionados à temática, praticamente na última

década no Brasil. Foi realizada uma leitura exploratória, da qual se examinou

as capas, folha de rosto, sumário, introdução, prefácio, apresentação, notas,

ilustração, projeto gráfico, índice bibliográfico, notas de rodapé, epílogo,

anexos, o texto em si, tendo assim uma visão geral da obra e sua finalidade

para a pesquisa proposta.

No segundo momento houve a leitura seletiva de todas as obras com a

análise textual crítica qualitativa e interpretativa. Sob o critério da literariedade,

da cultura afro-brasileira e africana, da qualidade estética das ilustrações e dos

projetos gráficos. A partir desses critérios foram selecionados os livros

considerados de qualidade literária e coerente com a temática proposta, com

exceção de alguns considerados irrelevantes do ponto de vista literário,

estético e ou temática a fim de apontá-los em quais aspectos a obra deixou a

desejar. Na terceira etapa aconteceu a categorização do corpus analisado

como: reconto de lendas e mitos, revisitamento dos clássicos, hibridismo,

ficção, informativo, narrativa visual, coletâneas poéticas, cordel, memória,

biografia e teóricos. Ressalto o protagonismo do negro em muitas obras

literárias, independente do gênero literário, uma vez que essa característica

nos últimos dez anos vem crescendo consideravelmente.

Na quarta fase proponho a escrita detalhada de algumas obras

analisadas, sob o critério literário, a qualidade estética das ilustrações e dos

projetos gráficos. A última etapa se aprofunda nas relações entre as obras

literárias com o título da pesquisa estabelecendo uma leitura literária

comparativa, do ponto de vista da estética, da discursividade, do conteúdo

ficcional ou informativo pelas quais a cultura afro-brasileira e a africana ganham

o seu espaço.

A possibilidade de investigar esse corpus literário só foi possível porque

minha orientadora Profa. Dra. Sueli de Souza Cagneti disponibilizou as obras.

Ela, como membro votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil –

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FNLIJ recebe mensalmente um grande número de livros, dessa maneira pude

analisar um número considerável de publicações do ano de 2013, caso

contrário não seria possível, pois os mesmos ainda, em sua maioria, não são

encontrados nas livrarias da região.

A dissertação dividiu-se em três capítulos, seguindo o pensamento do

título do trabalho, no primeiro O silêncio grita... abordo o recorte da pesquisa

na Literatura Infantil Juvenil com a temática em questão, o quanto a mesma

vem se transformando na última década devido ao olhar político com o

sancionamento da Lei 10.639/2003, incluindo a obrigatoriedade da discussão

de temas relacionados à “História e Cultura Afro-Brasileira” em todas as

escolas brasileiras. Por conta da lei a indústria editorial tem uma demanda

considerável, por isso tem buscado autores brasileiros, afro-brasileiros,

africanos e estrangeiros de qualquer nacionalidade que apresentem a temática

africanidades. Percebe-se uma grande quantidade de publicações, e essas

estão chegando nos estabelecimentos de ensino, mas para que haja um

trabalho de competência leitora é necessário o papel do mediador de leitura.

Procurei abordar sucintamente as categorias encontradas nas obras

analisadas: hibridismo, reconto, revisitamento dos clássicos, ficção, informativo,

narrativa visual, coletâneas poéticas, cordel, memória, biografia e teóricos.

Busquei essencialmente apontar o protagonismo do negro, pois em décadas

anteriores era algo praticamente inexistente. As discussões estão baseadas

nas obras literárias abordadas e fundamentadas em alguns estudiosos que

vem refletindo a respeito: Schwarcz (2012), Cagneti & Silva (2013), Riche

(2012) referente ao reconto (oralidade) e Petit (2008) sobre a mediação leitora.

No segundo capítulo A mão negra acena – quem se aproxima são as

obras literárias com a temática e/ou autoria africana ou afro-brasileira a

intenção é mostrar como a Literatura Infantil e Juvenil evidencia uma cultura e

um povo através de seus gêneros literários, pois um leque se abriu com essa

diversidade cultural e étnica das obras analisadas por diferentes ângulos. As

reflexões são abordadas do ponto de vista da: literariedade, conteúdo,

ilustração, projeto gráfico, categoria, temática e autoria. Os livros são

identificados por autoria: africano, afro-brasileiro, brasileiro e estrangeiro não

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africano. Nesse capítulo a teoria se entrelaça com a ficção, numa junção

reflexiva do ponto de vista literário.

No último capítulo A invisibilidade ainda persiste? utilizei como

pressuposto teórico os estudos de Agrò (1991), Brant (2009), Cagneti & Silva

(2013) e Schwarcz (2012). A discussão caminhou pelo viés literário pondo a

invisibilidade em contraste com a visibilidade. Pretende-se perceber através

das obras que a invisibilidade independe da etnia. Apresento um número

significativo de obras literárias que visibilizam o afro-brasileiro como o africano.

Elas nos últimos dez anos vêm aos poucos dando visibilidade à cultura afro-

brasileira e à cultura africana em nosso país, através do reconhecimento de

nossas manifestações culturais, da religião afro-descendente e da diversidade

cultural, étnica, linguística dos povos africanos. Os estudos propostos sugerem

conhecer ou reconhecer os escritores, ilustradores e pesquisadores que

possibilitam a transmissão do conhecimento afro através da literatura. Todavia,

a pergunta fica suspensa A invisibilidade ainda persiste? Creio ser esta uma

pergunta instigante para novos desdobramentos e estudos mais aprofundados.

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1. O SILÊNCIO GRITA...

Abandonamos a terra e embarcamos. Queimamos nossas pontes atrás de nós – na verdade, fomos mais longe e destruímos a terra atrás de nós. Agora, barquinho, cuidado! Ao seu lado está o oceano: por certo ele nem sempre ruge e, às vezes, ele se esparrama como seda e ouro e devaneios de afabilidade. Mas horas virão em que você perceberá que ele é infinito e que não há nada mais atemorizante do que o infinito. Ah, o pobre pássaro que se sentia livre agora se choca contra as paredes dessa gaiola! Desgraça, quando você sente saudade da terra como se ela houvesse oferecido mais liberdade – e não há mais nenhuma „terra‟. Friedrich Nietzsche

1

Os anos passam, as pessoas tornam-se mais competentes

profissionalmente, reconstroem caminhos teóricos, passa a ter consciência da

vida e da história, possuem os recursos disponíveis com certa facilidade,

existem instrumentos que o ajudam no dia a dia para facilitar a rotina e,

contribuir para que possam continuar o seu aperfeiçoamento profissional e

intelectual, terem o seu momento de lazer, de convívio e de diálogo com a

família e os amigos. Nessa vida contemporânea com todas as descobertas,

com o mundo digital trazendo as informações em tempo real, o homem

avançou no domínio do intelectual, mas a meu ver, para alguns se perdeu o

essencial do ser humano – o olhar para o outro. O silêncio grita todos os dias,

quando não percebo o outro na sua totalidade. Nos estudos que ora se

apresentam a intenção é procurar evidenciar a cultura afro-brasileira, pois de

certa forma existe um silêncio em volta dessa cultura que ao longo da história

deixou-a apagada. Existem algumas instituições e uma delas o movimento

negro que vem trabalhando para visibilizar o negro e sua cultura, a fim de

conscientizar a sociedade brasileira para essa escuridão em torno de seres

humanos iguais a outros seres humanos.

1 Texto extraído do livro O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência, de Paul

Gilroy, tradução de Cid Knipel Moreira, São Paulo: Ed. 34, Rio de Janeiro: Universidade

Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001, pág. 31.

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A presente pesquisa volta o olhar para as africanidades brasileiras e as

africanidades, com o intuito de ressignificar as práticas culturais afro-brasileiras

e as africanas. Para concretizar esses estudos fiz um recorte selecionando

obras literárias da Literatura Infantil Juvenil, publicadas praticamente nos

últimos dez anos. Como pesquisadora voluntária do PROLIJ, esse grupo de

pesquisa está há três anos lendo os lançamentos literários de temática

africanidades, isto facilitou e proporcionou novos olhares sobre o tema.. Nesta

última década essa literatura passou por uma grande transformação e

revolução em relação ao afro-brasileiro, em função da modificação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394/96, pela Lei nº 10.639,

de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade

da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e alterada pela Lei nº 11.645, de

10 de março de 2008, acrescentando-lhe a temática indígena: “História e

Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Schwarcz reflete sobre essa lei como uma

forma de construir modelos diferentes de autoestima e criar políticas

pedagógicas sob novos olhares da história da população brasileira.

Uma lei como essa não é de fácil aplicação. Tem sido necessária uma ampla formação de professores em, por exemplo, História da África, ou no universo das culturas afro-brasileiras, para que não sejam divulgadas visões muito essencialistas sobre uma África mítica, ou acerca de uma só cultura e ainda mais exotizada. Também não se desconhecem as dificuldades enfrentadas quando se trata de estudar concepções religiosas complexas como o candomblé, sobretudo diante do predomínio do cristianismo em nosso país. Essa lei, no entanto, visa recuperar a diversidade de nossa formação e fazer jus à riqueza de nossa história híbrida em povos e culturas. (SCHWARCZ, 2012, p. 86)

Diante de nossa realidade brasileira, muitas leis são sancionadas e o

seu cumprimento, às vezes, acontece tardiamente. Diante do meu ponto de

vista parece-me que a Lei nº 10.639/03 chegou às escolas e a maioria dos

profissionais da educação se sente pressionada e não instrumentalizada para o

que prescreve a nova lei. Em nossa formação houve uma lacuna e, ainda

persiste, ao abordar as etnias afro-brasileiras e indígenas, formadoras da

cultura brasileira. Nesse momento de nossa história é preciso aperfeiçoar a

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formação em relação às temáticas africanidades para todos os

interessados/envolvidos com a educação. Cagneti & Silva discutem essas

questões e assim abordam:

A avaliação não poderia ser mais positiva em função antes de tudo do débito que nós, brasileiros, temos com essas etnias, suas histórias, sua arte, sua cultura, inclusive suas vidas, que foram por nós, durante séculos – se não ignoradas -, subestimadas. Além disso, numa via de duas mãos, por trazer à tona a história, a cultura e a arte desses africanos de diferentes partes da África e de seus descendentes aqui no Brasil, enriquecer também o mundo dos brancos, que – por preconceito ou por ignorância – até então, na sua maioria, as desconheciam.” (CAGNETI & SILVA 2013, p.13-14)

Entende-se que o papel do mediador é primordial para uma

ressignificação da cultura afro em nossas escolas. Se a escola passa por

mudanças, a comunidade em volta muda, a sociedade muda e o grito do

silêncio muda. Com esse olhar político significativo para os afro-brasileiros da

qual se cria uma lei, entra em cena a questão econômica, acima de tudo a

atividade capitalista. Há embricações sobre essa lei, a trama vai se constituindo

e suas implicações. Porque somos um país multicultural, e isso, gera conflitos

de interesse. O governo, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação – FNDE é o maior comprador de livros para a rede pública escolar. A

indústria editorial atenta aos interesses econômicos – a partir de 2003 – lança

uma quantidade significativa de publicações com o tema afro. É grande a

diversidade de obras literárias voltados para o público infantil e juvenil, foi dado

um salto qualitativo, são livros híbridos, onde a ficção e o informativo dialogam

entre si, projetos gráficos de alta qualidade, o ilustrador hoje é um criador, é o

autor de suas obras, sua narrativa visual é surpreendente e inovadora. Nas

reflexões de Rui de Oliveira sobre a arte de ilustrar para as crianças e jovens:

“A ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto termina, e

vice-versa.” (2008, p. 44) E ainda, quando se refere a palavra e a imagem:

Há momentos em que a abstração sugerida pela palavra atinge tal plenitude que se torna difícil encontrar, em uma linguagem tão concreta que é a ilustração, algo que pelo menos lhe seja equivalente. Cabe ao ilustrador discernir o momento a ser visualmente narrado para evitar o conflito entre o que o

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leitor imagina ser e o que ele está vendo. Nem tudo pode ser ilustrado. A ilustração deve ser sempre uma paráfrase visual do texto, sempre uma pergunta, nunca uma resposta. O que é representado, mesmo com o fisicismo próprio da ilustração, não deve ser de forma absoluta o objeto descrito, mas sua sombra. O material a ser utilizado pelo ilustrador não está diretamente nas palavras, mas no espaço entre elas. É nesse espaço vazio, indefinido, nessa área crepuscular entre uma palavra e outra, que se localiza a ilustração. (OLIVEIRA, 2008, p. 49-50)

Diante de todo esse material que chega à escola, essa por sua vez,

precisa trabalhar com esses livros, o professor com o dever de utilizá-lo em

sala de aula. No entanto, esse professor, na grande maioria, não teve uma

formação de literatura infantil juvenil, ou uma formação específica sobre as

africanidades. O docente, sem formação específica, como desenvolverá um

trabalho pedagógico de competência? A importância da formação do mediador

para uma competência leitora, quando se tratando dessa temática. Cagneti &

Silva fazem reflexões em relação à lei (BRASIL, 2003), pois ela vem trazer o

negro em primeiro plano nas obras literárias:

[...] essa lei chega colocando em foco uma literatura cujas narrativas, carregadas de mitos e ritos, respondem às ansiedades do homem contemporâneo, cansado da não explicação dos mistérios da vida e da morte. Ou ainda, digamos mais especificamente, da condição humana pela ciência que, definitivamente, tem tocado sempre mais nas questões tecnológicas e sempre menos nas questões humanas. A humanidade tem sentido o vazio da não presença de verdades, de respostas às suas inquietudes, de consolo e justificativa à sua finitude. Os mitos sempre estiveram presentes respondendo a essas questões que têm sido as mesmas desde que o homem se viu homem. E nas histórias preservadas pela oralidade, seja da cultura indígena, seja da cultura africana, saltam aos olhos os mitos e os ritos que respondem a esses questionamentos. (CAGNETI & SILVA, 2013, p. 14)

O leque de obras literárias que chegam tanto na escola como nas

livrarias, na sua grande maioria, é talvez desconhecida por parte dos

professores, dos alunos, dos mediadores de leitura e dos pais. Essa

constatação pude observar nas aulas de docência e em grupos que apliquei

essa pesquisa. Por isso, abro um espaço para falar de algo primordial quando

falamos em competências leitoras, o mediador. A lei sancionada, os livros de

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qualidades sendo publicado, o governo comprando, mas se não tivermos

alguém preparado para trabalhar, nada disso tem importância. O papel do

mediador de leitura se faz necessário tanto para o leitor-iniciante como para o

mais experiente. A mediação é um apoio fundamental, pois se mexe com vidas,

com vidas que estão dando seus primeiros passos na vida escolar, ou aqueles

que estão se auto-afirmando, ou já em processo de decisão para um caminhar

independente. Um profissional dessa área que pode ser: um professor, um

agente de leitura, um bibliotecário ou com outra denominação, pode e deve

modificar e/ou alterar o trajeto de uma pessoa, a sua emancipação e, o seu

enfrentamento com os obstáculos que a vida impõe. Petit defende que os

lugares voltados à leitura e o conhecimento não podem ser sem vida:

Se a pessoa se sente pouco à vontade em aventurar-se na cultura letrada devido à sua origem social, ao seu distanciamento dos lugares do saber, a dimensão do encontro com um mediador, das trocas, das palavras “verdadeiras”, é essencial. (PETIT, 2008, p. 154)

Trabalhar a fim de alcançar a competência leitora é um ofício árduo,

porque todos nós precisamos ler, independe do gostar ou não, ler para se

instruir. Para tanto, não se consegue alcançar um resultado de imediato, nem

de médio prazo, é um trabalho de longo tempo, de passos lentos e

perseverantes. O mediador precisa usar de estratégias de leitura, de

criatividade, apresentar a obra com o entusiasmo, com um brilho nos olhos.

Porque a leitura é desafiante, não é só prazer, é dor, é angústia. Petit resume

muito bem nesse seu comentário:

Vimos que a leitura é uma experiência singular. E que, como toda experiência, implica riscos, para o leitor e para aqueles que o rodeiam. O leitor vai ao deserto, fica diante de si mesmo; as palavras podem jogá-lo para fora de si mesmo, desalojá-lo de suas certezas, de seus “pertencimentos”. Perde algumas plumas, mas eram plumas que alguém havia colado nele, que não tinham necessariamente relação com ele. E às vezes tem vontade de soltar as amarras, de mudar de lugar. (PETIT, 2008, p. 146)

Para desempenhar a mediação é necessário um trabalho anterior, a

formação do mediador, só é possível transmitir/repassar quem tem algo para

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21

oferecer, dando conta das obras literárias, lendo na entrelinha, lendo o que

está além do texto verbal e visual. Para introduzir a questão das africanidades

e da cultura afro-brasileira e africana, necessita de preparação, de

conscientização e de um envolvimento pelo tema. Os demais provavelmente

vão deixar passar batido, não vão escutar o silêncio gritar. O mediador precisa

aumentar o repertório de seu espectador, porque a leitura precisa cada vez

mais de leitor com visão ampliada para dar conta da representação discursiva e

visual que a obra apresenta. O mundo ficcional foge das páginas de um livro e

chegam a nossa realidade, em nossa vida, em nossa sociedade. Um exemplo

é a obra do escritor africano Pepetela (2013), A montanha da água lilás:

fábula para todas as idades, a qual analiso no segundo capítulo. O leitor

precisa ampliar sua capacidade de apropriação de textos em suas diversas

formas. Aumentar sua bagagem cultural para assim apropriar-se, ao ponto de

re-conhecer, ou re-encontrar algo presente ou ausente.

Falo da mediação até por experiência própria, durante essa pesquisa fui

mediadora em três grupos distintos, em duas universidades. No estágio de

docência apliquei para uma turma do quarto ano do curso de Letras no seu

último semestre e para o primeiro ano de Pedagogia. E desenvolvi atividades

para um grupo da terceira idade. O tema trabalhado com todos os grupos foi o

mesmo da pesquisa: A presença da temática e/ou autoria africana e afro-

brasileira na literatura infantil e juvenil. No primeiro momento perguntei para

a turma o que vem em mente quando falamos da África, as respostas foram as

seguintes: miséria, fome, conflitos, animais selvagens e natureza. As palavras

eram praticamente idênticas nos três grupos, o que me leva a concluir que

muitas pessoas têm essa visão da África, porque é o que, normalmente, a

mídia televisiva transmite e o que a escola , de certa forma, nos ensinou. Em

seguida, contextualizei o continente africano através de um mapa, tecendo

comentários sobre os diferentes países e regiões, a fim de situar os alunos

sobre as obras literárias que seriam trabalhadas nas aulas através de uma

dinâmica de leitura. Apresentei os livros de literatura infantil e juvenil com

temática e/ou autoria africana e afro-brasileira para que os discentes

escolhessem a obra que mais lhes agradasse. O trabalho foi realizado

individualmente ou em grupo, após a escolha da história, a sua leitura, a

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22

análise discursiva e visual, e, então, os estudantes apresentaram-na para a

turma da sala, lendo-a, ou contando-a e tecendo comentários a seu respeito.

Os demais alunos também faziam as suas observações contribuindo com o

enriquecimento e aprofundamento da obra lida. Foram trazidas à tona as

semelhanças dos contos africanos com os contos de origem europeia, por

exemplo, Contos e Lendas da África2, de Yves Pinguilly, ilustrações de Cathy

Millet, como: a estrutura narrativa, os personagens animais, o jogo do poder, da

disputa, do mais esperto. Como também, uma aluna que leu A Tatuagem –

Reconto do Povo Luo3, do autor Rogério Andrade Barbosa, ilustrações de

Maurício Negro, e percebeu semelhanças com os contos indígenas brasileiros.

Os alunos perceberam quando o texto visual era tão ou mais significativo que o

verbal. Em algumas ilustrações a sua relevância fazia desnecessário o texto

verbal, como salientaram ser o caso da obra Obax4, de autoria e ilustração de

André Neves. Durante todo o processo conduzi para que os envolvidos ao

lerem a obra observassem a nacionalidade do autor e do ilustrador, o contexto

brasileiro ou africano e de qual país da África era originária, qual a categoria da

obra: um revisitamento dos contos de fadas europeu, um reconto africano, uma

ficção, um informativo, um híbrido e uma narrativa visual. Dessa maneira,

entraram em contato com a literatura dessa temática e tiveram a oportunidade

de analisar com a turma os textos e as ilustrações dos livros abordados. Foram

momentos de discussão literária e descobertas do continente africano e de

histórias da cultura afro-brasileira. Essa dinâmica envolveu aproximadamente

onze livros trabalhados em sala de aula. Em outra atividade procurei dar ênfase

à questão da invisibilidade do afro-descendente em nosso país, através da

leitura de obras literárias que apresentassem o negro como protagonista.

Juntamente com os alunos fiz os contrapontos da realidade vivida e as histórias

apresentadas numa análise comparativa. Trabalhei com os livros: Fuzarca5, de

2 PINGUILLY. Yves. Contos e Lendas da África. Ilustrações Cathy Millet. Tradução de

Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005

3 BARBOSA, Rogério Andrade. A tatuagem – Reconto do povo Luo. Ilustrações Maurício

Negro. São Paulo: Editora Gaivota, 2012.

4 NEVES, André. Obax. Ilustrações André Neves. São Paulo: Brinque – Book, 2010.

5 ROSA, Sonia. Fuzarca. Ilustrações Tatiana Paiva. 1. ed. São Paulo: Brinque-Book, 2011.

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Sonia Rosa, Uma Princesa nada boba6, de Luiz Antonio, Passarolindo7, de

Mário Vale e outros. Algumas discentes do último ano de Letras ao finalizar o

projeto disseram: essa foi a única oportunidade que tivemos de entrar em

contato com a literatura afro durante o curso. Nós não tínhamos noção de

como introduzí-la aos nossos futuros alunos. Uma discente de Pedagogia

comentou: o livro Passarolindo tem na escola onde trabalho, mas eu não

sabia apresentá-lo dessa maneira para os meus alunos. A aluna quis dizer que

não tinha conhecimento para apresentar uma obra onde a narrativa visual

predomina a verbal. Ler o que está além do texto. Uma senhora da terceira

idade ficou ainda mais interessada na sua origem afro, a outra, também afro-

descendente, queria mais informações para repassar a sua filha, um senhor fez

comentários da história que envolvia uma região da África. E assim, eu poderia

continuar tecendo comentários inúmeros que foram surgindo durante esse

processo. Enfim, antes de concluir essa dissertação, já obtive resultados

positivos em relação à pesquisa em foco.

A grande quantidade de publicações que chega mensalmente nas

livrarias é outro desafio, para os interessados que visam trabalhar em espaços

de leitura que, automaticamente, precisam passar por um processo de triagem.

Quais são as obras de qualidade literária, com discurso verbal e visual

encantadores e desafiantes? E outras carregadas de estereótipos, conceitos

equivocados, ou apenas uma máscara e/ou maquiagem, não dando conta de

ressignificar a cultura afro-brasileira.

O mercado editorial devido à grande demanda tem buscado autores

africanos e estrangeiros de qualquer nacionalidade, brasileiros – afro-

descendentes ou não - que apresentem a temática e/ou autoria afro.

Pensando por essa via, fiz um recorte para a pesquisa, na categoria de

literatura infantil juvenil, apresentando obras que possuem temática e/ou

autoria africana ou afro-brasileira. Após a leitura de um corpus de sessenta

6 ANTONIO, Luiz. Uma princesa nada boba. Ilustrações Biel Carpenter. São Paulo: Cosac

Naify, 2011.

7 VALE, Mário. Passarolindo. Belo Horizonte: RHJ, 1989.

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títulos, selecionei algumas para analisar a obra como um todo. A intenção é

mostrar como a literatura pode evidenciar uma cultura e um povo de uma forma

dinâmica, através de seus gêneros literários.

Quanto à autoria dos sessenta livros8 analisados, uma parte significativa

deles é de autores africanos de diversas regiões: República do Congo, Angola,

Moçambique, São Tomé e Príncipe, República da Guiné, Nigéria, Costa do

Marfim e Mali. Alguns morando atualmente em outros países como: Estados

Unidos, Inglaterra e Portugal. Isto vem mostrar o quanto de literatura africana

está chegando ao Brasil e, é ainda um pouco cedo para afirmar algo, mas há

indícios de que é essa força africana, através das palavras e da imagem, que

chega para se redescobrir/ressignificar o afro-descendente no Brasil. Há ainda

livros de autores de outros países que discutem a temática africanidades, como

Bélgica, França, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. E as autorias de

brasileiros e dos que se autodenominam afro-brasileiros que trabalham com a

temática, são de vários estados: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo,

Recife, Santa Catarina, Pernambuco e outros.

As obras literárias trazem marcas expressivas e criativas para o público

infantil e juvenil na contemporaneidade. Os diálogos entre as linguagens verbal

e visual enriquecem o livro, o trabalho cuidadoso com o projeto gráfico,

proporciona um prazer à leitura. A relação, ou diria, o abraçamento do literário

com a história, contribui para ambas as partes. Rui de Oliveira, escritor e

ilustrador brasileiro, presenteia-nos com ilustrações africanas e assim valoriza

e eterniza a África com o seu livro África eterna9, sendo um convite a uma

viagem pelo continente africano, ao mesmo tempo, que pontua o quanto da

África temos em nosso país. Sua obra foi publicada em 2010 para o público

juvenil, na categoria hibridismo, onde o informativo e a narrativa visual

dialogam harmoniosamente. Oliveira procurou fazer uma leitura da África na

sua totalidade, informou também as técnicas utilizadas nas ilustrações e assim

se expressa ao finalizar a sua obra:

8O corpus trabalhado na pesquisa encontra-se listado no segundo capítulo.

9 OLIVEIRA, Rui de. África eterna. 1. ed. São Paulo: FTD, 2010.

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Pretendi – assim espero -, com minhas ilustrações, transmitir o belo plasticismo da África, com suas roupas, cores e penteados, além de seus gingados e gestos. Procurei também representar um porte digno e monumental nas figuras humanas. [...] Utilizei nas ilustrações duas técnicas bem diversas: a tinta acrílica e a pintura em têmpera ao ovo. Usei também o pastel oleoso para fazer o modulado e as nuances das figuras, com a principal finalidade de transmitir a beleza, o movimento e a expressão corporal dos africanos. (OLIVEIRA, 2010, p. 61)

Detenho-me para a categorização de cada livro: uma delas é das mais

exploradas no momento, o “hibridismo”, está presente em diversas obras

literárias, quando temos duas ou mais categorias numa mesma obra, por

exemplo: a ficção e o informativo. A literatura africana apresenta elementos

próprios da cultura do continente africano, por exemplo: os mitos e os ritos

estão presentes. A obra africana vem acompanhada de mapas para

identificação dos países, regiões, povos, grupos linguísticos e étnicos. A

maioria delas vem com um glossário para explicar o significado dessas línguas

africanas. É uma categoria muito bem vinda para o público infantil e juvenil,

agrada também o adulto. O informativo ajudará o mediador a desenvolver uma

leitura competente e, se desejar, na interdisciplinaridade, juntamente com o

apoio de outros professores de diversas áreas.

Outra categoria é o “revisitamento dos clássicos”, ou seja, a

transposição de contos europeus para o contexto africano e brasileiro, uma

categoria que vem crescendo a cada ano. Deixa-se de ter uma visão só

europeia dos contos de fadas, da qual o protagonista era sempre o branco, as

características físicas do branco, o contexto e a cultura da Europa. Nessa

categoria, volta-se o olhar para outros continentes, na minha pesquisa mais

especificamente para o Brasil e a África. As ilustrações desses livros que

revisitam os clássicos são de personagens africanos ou afro-descendentes,

assim aproxima a criança e o adolescente do livro através de sua própria etnia,

pois são personagens que se identificam com esse público, através das

características físicas e do seu contexto social, no caso, de alguma região/país

do continente africano e/ou de um estado brasileiro.

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Um aspecto a ser levantado e dá visibilidade ao afro-descendente é o

“protagonismo do negro” é algo de certa forma recente no Brasil, pois se

pensarmos em alguns anos atrás era praticamente inexistente. Pouquíssimos

autores protagonizaram um negro em suas narrativas até muito pouco tempo

atrás. O escritor e ilustrador brasileiro Mário Vale fez isso na década de 80, do

século XX, em: Passarolindo10 e O almoço11. Angela Lago também fez na sua

narrativa visual na obra Outra vez12, em 1984. No começo do século XXI até

2013 são inúmeras obras de literatura infantil e juvenil que põem o personagem

principal negro. Em alguns casos, o negro surge como um personagem

secundário, mas que faz uma grande diferença na vida do protagonista, como é

o caso da obra: As cores da escravidão13, de Ieda de Oliveira, publicada em

2013, para o público juvenil.

Outra categoria que vem crescendo muito na literatura africana é do

“reconto africano”. Reconto é o ato de recontar/recriar uma história que se

ouviu ou se leu - da tradição oral de uma cultura, na qual a intenção do escritor

que recolheu essa narrativa oral é a de recriar exatamente o que leu ou ouviu.

Outra maneira é quando o escritor preserva os elementos básicos da história

original, mas reescreve acrescentando novos dados à história. Riche em seu

artigo intitulado: África e Brasil africano: das narrativas orais ao reconto,

esclarece:

Nos recontos transparecem: a dificuldade de acesso à narrativa oral que lhe deu origem e a circulação das narrativas orais na voz do contador de histórias, em função das migrações do ofício; a relação estreita existente entre contador, linguagem e comunidade narrativa. Outros aspectos a serem considerados são o universo simbólico que se esconde na escolha das personagens humanas e animais e o conhecimento do contexto e da cultura local para o reconto não soar falso na transposição para o livro. Nas traduções, a dificuldade de análise pelo desconhecimento do

10

VALE, Mário. Passarolindo. Belo Horizonte: RHJ, 1989.

11 VALE, Mário. O almoço. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1987.

12 LAGO, Angela. Outra vez. Ilustrações Angela Lago. Belo Horizonte: Miguilin, 1984.

13 OLIVEIRA, Ieda de. As cores da escravidão. Ilustrações d Rogério Borges, São Paulo: FTD, 2013.

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sistema linguístico original e a transposição para outro sistema, na maioria das vezes completamente diferente do original. (AGUIAR & MARTHA, 2012, p. 244)

São muitos escritores africanos, estrangeiros de várias nacionalidades e

brasileiros que estão recolhendo os contos e mitos da tradição oral africana,

transcrevendo-os ou reescrevendo-os. Nos estudos realizados percebi uma

quantidade significativa de livros de reconto e, normalmente, essa informação

encontra-se na capa do livro, dessa maneira, o leitor fica informado que a obra

é um reconto. Em algumas obras, além disso, também está inserido na capa ou

nas primeiras páginas, o país e o povo da qual é originário. A obra A

Tatuagem – Reconto do povo Luo14, é um exemplo, de Rogério Andrade

Barbosa e ilustrações de Maurício Negro, ambos brasileiros, escrita em 2012.

O autor insere o nome do povo na capa e, antes de iniciar a narrativa,

acrescenta dois mapas para situar o povo Luo que habita as regiões do

Quênia, Tanzânia e Uganda, pertencentes ao grupo linguístico dos nilóticos

ocidentais. Barbosa ainda explica que essa história pertence à série de contos

e lendas que foram preservados e repassados pelos anciãos das comunidades.

Júlio Emílio Braz, escritor afro-brasileiro, em sua obra Moçambique15,

ilustrada por Cárcamo, publicada em 2011, esclarece a origem dos contos

apresentados logo no início, antes do sumário, pois ele recebeu a pedido uma

quantidade respeitável de fotocópias retiradas de publicações, vindas da

cidade de Maputo, Moçambique:

Os textos aqui apresentados e recontados foram extraídos dos diários e cadernos de viagens e anotações do eminente filólogo, folclorista e escritor, Professor Antônio César Gomes Sobreira, escritos entre os anos de 1935 até sua morte em 14 de agosto de 2007, na cidade moçambicana de Nampula. (BRAZ, 2011, p. 5)

14

BARBOSA, Rogério Andrade. A tatuagem – Reconto do povo Luo. Ilustrações Maurício Negro. São

Paulo: Editora Gaivota, 2012.

15 BRAZ, Júlio Emílio. Moçambique. Ilustrações Cárcamo. São Paulo: Moderna, 2011.

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O autor ainda acrescenta no final das narrativas dos contos, as notas

finais, nas quais pontua quem é Antônio César Gomes Sobreira, e ainda, situa

geograficamente Moçambique o país da costa oriental da África Austral. Fala

da língua oficial o português, porém outras línguas tribais são consideradas

nacionais tais como: “[...] cicopi, cinyanja, cinyungwe, cisenga, cishona, ciyao,

echuwabo, ekoti, elomwe, gitonga, maconde, kimwani, macua, memane, suaíli,

suazi, xichanga, xironga, xitswa e zulu.” (BRAZ, 2011, p.135) Ao final

complementa, com dois mapas, a situação da África Política e Moçambique

Político,

Outro livro de contos recolhidos é do escritor francês Yves Pinguilly e

ilustrado por Cathy Millet: Contos e lendas da África16, escrito em 2005. No

sumário ao lado do título do conto o autor identifica o povo e o país de origem

da história. Em seguida, um mapa da África, na qual vêm assinalados os

países nos quais se originaram os contos e lendas e seus respectivos povos.

Para compreensão dos termos lingüísticos dos dialetos africanos, o autor antes

das narrativas incluiu um pequeno abecedário africano. O autor nasceu em

Brest, na Bretanha (França), conhecedor do continente africano há mais de

vinte e cinco anos, autor de romances e narrativas que têm como cenário o

Togo, Burkina Fasso, Níger e Guiné. Publicou também uma antologia de

contos da África Ocidental.

A obra, Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos17, recontos e

ilustrações de Celso Sisto, autor brasileiro, publicado em 2007, explica os

estudos e as pesquisas realizados sobre a diversidade de etnias do continente

africano, até a seleção dessa coletânea de vinte e nove histórias originárias de

diversos lugares da África. Identifica no sumário a origem da história, o povo e

o país a que pertence, por exemplo, os contos: Quatro aventuras de Anansi

(ashanti, Gana e oeste da Costa do Marfim, África Ocidental) e A pele de Oiá-

Iansã (iorubá, sudoeste da Nigéria, sul de Benin).

16

PINGUILLY. Yves. Contos e Lendas da África. Ilustrações Cathy Millet. Tradução de Eduardo Brandão.

São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

17 SISTO. Celso. Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos. Ilustrações Celso Sisto. São Paulo: Paulus,

2007.

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A obra Bojabi – A árvore mágica18 (2013), de Dianne Hofmeyr e do

ilustrador Piet Grobler, ambos africanos, moram na Inglaterra, tradução de

Carolina Maluf. A autora faz uma observação sobre a história já na página dos

créditos, que esta possui várias versões e sua primeira escrita é de Edith

Rickert, em 1923, chamada “Árvore Bojabi”. Hofmeyr diz que escolheu a que

conhece, é sua preferida, e assim faz a sua versão. Essa história é para o

público infantil, tem uma narrativa verbal repetitiva que agrada aos pequenos. A

ilustração ocupa o espaço maior das páginas, pondo os animais em

movimento, como é a narrativa verbal, ambas conversam entre si. O projeto

gráfico bem elaborado, com capa dura e cores harmoniosas, a serpente píton,

ocupa a segunda capa e a primeira página em tamanho gigante.

Temos ainda as categorias que são: “poética” e/ou lírica, na maioria das

vezes, em versos. Há os livros de “literatura de cordel”, baseadas na tradição

oral. A categoria: “ficção”, é a mais volumosa, obras publicadas tanto para o

público infantil como juvenil. Livros que são somente “informativos”, trazem o

conhecimento de um determinado assunto à tona, como exemplo: as

manifestações culturais e as crenças religiosas. Os livros de “memória”, na qual

o autor é o narrador, onde ele conta os fatos da sua vida; são histórias

baseadas em fatos reais. Os livros dos memorialistas africanos remetem às

estruturas familiares e modelos culturais dos povos da África como as

narrativas do escritor Camara Laye: O Menino negro19 e a do escritor e

ilustrador Baba Wagué Diakité: O dom da infância – Memórias de um

menino africano20. Ressalto alguns pontos fortes nessas obras: o respeito

que se tem pelos mais velhos, pelo seu acúmulo de sabedoria e o dom de

passar o conhecimento aos filhos, netos, bisnetos, como também, o culto aos

ancestrais. A natureza, tanto a flora e a fauna, é tratada com respeito porque

18

HOFMEYR, Dianne. Bojabi – A árvore mágica. Ilustrações Piet Grobler. Tradução Carolina Maluf. São

Paulo: Biruta, 2013.

19 LAYE, Câmara. O Menino Negro. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. 1 ed. São Paulo: Seguinte, 2013.

20 DIAKITÉ, Baba Wagué. O dom da Infância – Memórias de um menino africano. Tradução Marcos

Bagno. Editora: SM, 2012.

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ela está integrada ao homem. O valor dado às coisas mais simples, tão

abandonado hoje em nosso tempo devido à valorização do ter acima do ser.

A categoria “biografia” é quando o autor narra/registra a história de vida

de uma pessoa ou de várias pessoas. Normalmente as biografias são escritas

após a morte de alguém, mas isso atualmente vem mudando. Tenho como

exemplo o autor Alain Serres e o ilustrador Zaü, ambos franceses, com a obra:

Mandela: o africano de todas as cores21, escrito em 2012, antes da morte de

Nelson Mandela. Este livro foi resenhado nessa pesquisa.

A “narrativa visual” é uma categoria que vem crescendo

significativamente nos últimos anos dentro da literatura, ela é constituída por

apenas imagens sequenciais, a narrativa verbal está ausente. Esta narrativa é

composta por ritmo, composição, cores, luzes, sombras, contrastes, linhas e

outros elementos, tudo num equilíbrio harmonioso. A leitura através da imagem

narrativa é fundamental para as nossas crianças, assim, elas apuram o olhar

artístico e o senso crítico. A obra Os donos da bola, de Jô Oliveira, comentada

no terceiro capítulo, é um exemplo nessa pesquisa.

Para fechar as categorias citadas, temos os “teóricos”, que esclarecem e

contribuem para o entendimento das análises de obras literárias com temática

africana e afro-descendente, cito: Literatura infantil juvenil: diálogos Brasil-

África22, de Sueli de Souza Cagneti e Cleber Fabiano da Silva, catarinenses,

publicado em 2013. O sociólogo, escritor e pesquisador da área: Reginaldo

Prandi, ao escrever o prefácio desta obra fala o quanto esse diálogo vem

contribuir para os docentes e discentes e assim o aborda:

O livro e sua conversa se afirmam como orientação em favor do amor à nossa condição africana, uma arma contra o preconceito racial e cultural de que tanto padecemos. Pois é gostando dos personagens literários negros, míticos ou ficcionais, se divertindo com suas aventuras e compartilhando pela leitura suas

21

SERRES, Alain. Mandela: o africano de todas as cores. Ilustrações Zaü. Tradução André Telles. Rio de

Janeiro: Zahar, 2012. Edição brasileira publicada em 2013.

22 CAGNETI, Sueli de Souza; SILVA, Cleber Fabiano da. Literatura infantil e juvenil: diálogos Brasil –

África. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

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31

ações e pensamentos que a criança e o jovem podem se tornar sensivelmente imunes ao contágio por fontes de preconceito que setores e agências atrasados da sociedade, infelizmente, ainda alimentam. Uma sociedade tolerante e igualitária é uma sociedade melhor, e os livros podem ajudar na caminhada. O que o livro de Sueli e Cleber deseja é ajudar os outros livros a cumprirem seu papel formador, porque entre o livro e seu leitor muitos são os obstáculos a serem vencidos, muitos atalhos devem ser tomados. (CAGNETI & SILVA, 2013, p. 11)

Para esclarecer, quando utilizei o termo categoria para classificar as

obras literárias analisadas, poderia ter usado o termo gênero literário, pois as

distinções entre ambos são flexíveis e elas dialogam entre si. Antes ou durante

a pesquisa não foi estabelecido quais os gêneros que seriam trabalhados, na

medida em que se foi construindo o corpus de trabalho percebeu-se que

praticamente todos os gêneros foram surgindo nas obras, isso proporcionou

um leque do que vem sendo trabalhado com essa temática. Outro dado

significativo desse corpus é que metade dele foi publicada em 2013, ou seja,

cerca de trinta obras de temática e/ou autoria africana e afro-brasileira. Sendo

assim, a pesquisa inclinou-se para as obras recentes, sem deixar de lado

outras de valor inquestionável.

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2. A MÃO NEGRA ACENA – QUEM SE APROXIMA SÃO AS OBRAS

LITERÁRIAS COM A TEMÁTICA E/OU AUTORIA AFRICANA OU

AFRO-BRASILEIRA

Não importa quanto o passado pode parecer enevoado, um futuro iluminado vai nascer dele. Se você souber de onde veio, saberá para onde está indo. [...] É preciso ter boa aparência por dentro antes de tê-la por fora – diziam-nos os mais velhos. (DIAKITÉ, 2012, p. 9 e 12)

O Brasil é um país com uma cultura muito diversificada, vê-se de norte a

sul o multiculturalismo presente tanto na arte, nos costumes, nas variações

lingüísticas e nas características físicas de sua população. Focando nos

estudos dessa temática, serão destacados aspectos da cultura brasileira

enraizada na africana ou como é chamada de cultura afro-brasileira. É só

pensar..., um gosto culinário, as cores, a dança, a música, os folguedos.

A literatura é uma das artes que dá enxergamentos e acena para quem

quiser. Pensando por essa via, fiz um recorte para a pesquisa, na categoria de

literatura infantil juvenil, nas quais foram selecionadas obras que possuem

temática e/ou autoria africana, afro-brasileira, brasileira e estrangeira não

africana. Após a leitura de um corpus significativo, elencado abaixo, seleciono

alguns livros para tecer comentários. Para essa seleção não houve critérios

específicos, apenas contemplei os diversos gêneros literários para que todos

estivessem incluídos nessa análise. A intenção é mostrar como a literatura

pode evidenciar uma cultura e um povo de uma forma dinâmica e criativa,

através de seus gêneros literários. As reflexões que ora se apresentam foram

abordadas do ponto de vista da: literariedade, conteúdo, ilustração, projeto

gráfico, categoria, temática e autoria. Os livros são identificados por autoria:

africano, afro-brasileiro, brasileiro e estrangeiro não africano, para aumentar a

compreensão do espaço sócio-político da criação da obra e do seu autor. Há

uma dificuldade para classificar o autor brasileiro, como autor afro-brasileiro,

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porque normalmente ele mesmo não se autodenomina como tal, então, nessa

análise, só cito quando o escritor informa, caso contrário, registro somente a

autoria brasileira.

Para elucidar melhor o corpus sobre o qual me debrucei, descrevo-o. As

obras literárias acompanhadas de asterisco são as que foram selecionadas

para discussão durante o decorrer da dissertação.

* As garras do leopardo (2013), de Chinua Achebe com John Iroaganachi, ilustrações Mary GrandPré, Tradução Érico Assis, Companhia das Letrinhas.

Mundo palavreado (2013), de Ricardo Aleixo, ilustrações de Silvana Beraldo, Ed. Peirópolis.

Quidungo ( 2012), de Joaquim Almeida, Ed. Petrópolis.

* Uma princesa nada boba (2011), de Luiz Antonio, ilustrações Biel Carpenter, Cosac Naify.

* A tatuagem – Reconto do povo Luo (2012), Rogério Andrade Barbosa, ilustrações Maurício Negro, Editora Gaivota.

O lobo Ku Xibinhu: histórias que as crianças me contaram em Cabo verde (2013), Rogério Andrade Barbosa, ilustrações Jô Oliveira, Cortez.

O amigo de Darwin: Um jovem desenhista em Galápagos (2013), Rogério Andrade Barbosa, ilustrações Maurício Negro, Melhoramentos.

Zanzibar, a ilha assombrada (2012), Rogério Andrade Barbosa, ilustrações

Maurício Negro, Cortez.

O caraminguá (2013) Bia Bedran, ilustração Simone Matias, Nova Fronteira.

Os orixás sob o céu do Brasil (2013), Marion Villas Boas, ilustrações Sandro

Lopes, Biruta.

* Moçambique (2011), Júlio Emílio Braz, ilustrações Cárcamo, Moderna.

* Mil e uma estrelas (2011) Marilda Castanha, Comboio de Corda.

* As panquecas de mama Panya (2005), Mary e Rich Chamberlin, ilustrações Julia Cairns, tradução Cláudia Ribeiro Mesquita, Edições SM.

*Joãozinho e Maria (2013), Ronaldo Simões Coelho & Cristina Agostinho, ilustrações Walter Lara, Mazza Edições.

* Rapunzel e o Quibungo (2012), Ronaldo Simões Coelho & Cristina Agostinho, ilustrações Walter Lara, Mazza Edições.

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Tutu-Moringa: história que tataravó contou (2013), Elizabeth Rodrigues da Costa & Gabriela Romeu, ilustrações Marilda Castanha, Companhia das Letrinhas.

* Zumbi dos Palmares (2013), Madu Costa, ilustrador Josias Marinho, Mazza Edições.

* Mestre gato e comadre onça/ uma história de capoeira (2011), recontada e ilustrada por Carolina Cunha, Edições SM.

* O dom da Infância – Memórias de um menino africano (2012), Baba

Wagué Diakité, tradução Marcos Bagno, Editora: SM.

* Meu nome é Pomme (2011), Kristien Dieltiens, ilustracões Stefanie De Graef, tradução Cristiano Zwiesele do Amaral, Edições SM.

Um mundo de histórias de países distantes (2012), Graziella Favaro, tradução Maria Amália Camargo, vários ilustradores, FTD.

* Gente vestida de noite (2013), Susana Maria Fernandes, ilustração Vera Ferro, Abacatte.

* Menino Parafuso. (2008) Olívia de Mello Franco, ilustrações Angelo Abu, Autêntica.

* Os invisíveis (2013), Tino Freitas, ilustração Renato Moriconi, Casa da Palavra.

* O menino coração de tambor (2013), Nilma Lino Gomes, ilustrações Maurício Negro, Mazza Edições.

* A vassoura do ar encantado (2012), Zetho Cunha Gonçalves, ilustrações Andréa Ebert, Pallas.

* Rio sem margem: poesia da tradição oral africana (2013), Org. Zetho Cunha Gonçalves, ilustrações Thais Beltrame, Melhoramentos.

Dima, o passarinho que criou o mundo: mitos, contos e lendas dos países de língua portuguesa (2013), Zetho Cunha Gonçalves e outros autores, ilustrações Angelo Abu, Melhoramentos.

A linha e o linho (2013), Gilberto Gil, ilustrações Marcela Fernandes de Carvalho, Escrita Fina.

* Bojabi – A árvore mágica (2013), Dianne Hofmeyr, Ilustrações Piet Grobler, tradução Carolina Maluf, Biruta.

* A princesa e a ervilha (2010), Rachel Izadora, tradução Thaisa Burani, Edições Jogo de Amarelinha, Farol Literário.

* O garoto da camisa vermelha (2013), Otávio César de Souza Júnior, ilustrações Angelo Abu, Autêntica.

* Sortes de Villamor (2010), de Nilma Lacerda, Scipione.

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* Outra vez (1984), Angela Lago, Miguilin.

* O Menino Negro (2013), Câmara Laye, tradução de Rosa Freire d‟Aguiar, Seguinte.

* A dolorosa raiz do Micondó: poesia (2012), Conceição Lima, Geração editorial.

O pescador de histórias (2013), Heloisa Pires Lima, ilustrações Élon Brasil, Melhoamentos. * Maracatu nação (2013), Fabiana Ferreira Lopes, edições SM. * Irmã-Estrela (2013), Alain Mabanckou, ilustrações Judith Gueyfier, tradução Ligia Cademartori, FTD.

* Aqualtune e as histórias da África (2012), Ana Cristina Massa, Gaivota.

* Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-1943 (2003), Cecília Meireles, Martins Fontes.

* Obax (2010), André Neves, Brinque – Book.

* As cores da escravidão (2013), Ieda de Oliveira, ilustrações de Rogério Borges, FTD.

* Os donos da bola (2010), Jô de Oliveira, Escala Educacional.

O mundo no Black Power de Tayó (2013), Kiusam de Oliveira, ilustração Taisa Borges, Peirópolis.

* África eterna (2010), Rui de Oliveira, FTD.

A bicicleta que tinha bigodes (2012), Ondjaki, Pallas.

AvóDezanove e o segredo do soviético (2009), Ondjaki, Companhia das Letras.

Há prendisajens com o xão: o segredo húmido da lesma & outras descoisas (2011), Ondjaki, Pallas.

* O coelho que falava latim (2013), Luís Carlos Patraquim, ilustrações Roberto Chichorro, Melhoramentos.

* Contos e Lendas da África (2005), Yves Pinguilly, ilustrações Cathy Millet, tradução de Eduardo Brandão, Companhia das Letras.

* A montanha da água lilás: fábula para todas as idades (2013), Pepetela, ilustrações Maurício Negro, FTD.

* Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo (2007) Reginaldo Prandi, ilustrações Joana Lira, Companhia das Letras.

* Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira (2001), Reginaldo Prandi, ilustrações Paulo Monteiro, Cosac Naify.

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* Ifá, o adivinho: histórias dos deuses africanos que vieram para o Brasil com os escravos (2002), Reginaldo Prandi, ilustrações Pedro Rafael, Companhia das Letras.

* Oxumarê, o arco-íris (2004), Reginaldo Prandi, ilustrações Pedro Rafael, Companhia das Letras.

* Xangô, o trovão: outras histórias dos deuses africanos que vieram para o Brasil com os escravos (2003), Reginaldo Prandi, ilustrações Pedro Rafael, Companhia das Letras.

* Cabelo de Mola (2012), Alexsander Rezende, Paulus.

* Conchas e búzios (2013), Manoel Rui, ilustrações Maurício Negro, FTD.

* Fuzarca (2011), Sonia Rosa, ilustrações Tatiana Paiva, Brinque-Book.

A escravidão no Brasil (2013), Joel Rufino dos Santos, Melhoramentos.

* Ubuntu: eu sou porque nós somos (2013), Pedro Sarmento, Viajante do Tempo.

* Um presente para Adeola: origem: Nigéria (2013), Patrícia Engel Secco, ilustrações Edu A. Engel, Melhoramentos.

* Mandela: o africano de todas as cores (2012), Alain Serres, ilustrações Zaü, tradução André Telles, Zahar.

* Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos (2007), Celso Sisto, Paulus.

* A história do Chico Rei: um rei africano no Brasil (2010), Béatrice Tanaka, Edições SM.

* O almoço (1987), Mário Vale, Formato Editorial.

* Passarolindo (1989), Mário Vale, RHJ.

Coração de Passarinho (2013), Maurício Veneza, Dimensão.

* Kaputu Kinjila e o sócio dele, Kambaxi Kiáxi (2013), José Luandino Vieira, ilustrações Marilia Pirillo, Melhoramentos.

Apresento as obras analisadas, tratarei das especificidades do literário,

tecendo comentários referentes a sua construção e valores que veiculam.

1. IRMÃ- ESTRELA

O escritor Alan Mabanckou, natural da cidade de Ponta Negra, na

República do Congo, África, recebeu vários prêmios de literatura pelas suas

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obras. Desde 2007 é professor titular de Literatura Francesa na Universidade

da Califórnia, Estados Unidos. Na obra O menino negro, de Camara Laye,

Mabanckou escreveu o seu prefácio, intitulado “O menino negro, livro

iniciático”. Faz uma análise literária contemporânea: “[...] O menino negro, a

verdadeira certidão de nascimento de uma literatura africana autônoma, livre

dos dogmas, do tom panfletário, e entregava-nos em tom de sabedoria

prematura as páginas mais comoventes do continente negro.” (LAYE, 2013, p.

10) E ainda continua em sua abordagem:

Camara Laye teve de se empenhar pessoalmente por mais de duas décadas para se “documentar” junto aos quibandas malinqués e terminar esse livro, que preserva uma boa parte do que alguns chamariam de “oralidade” africana. Uma verdadeira herança legada à posteridade, dois anos antes se sua morte no Senegal... (LAYE, 2013, p. 11)

Inicio com essas observações por dois motivos antes da discussão da

obra em si: Primeiro, a obra Irmã-estrela, de Alain Mabanckou, ilustrações de

Judith Gueyfier (francesa), tradução de Ligia Cademartori, publicado em 2013,

é um livro inspirado na infância do autor, como o foi O menino negro, de Laye.

Segundo motivo é quando o protagonista conta para sua irmã-estrela que seu

pai trabalhava no hotel Victoria Palace, ele sempre trazia livros para casa

porque no hotel depois de lidos eram jogados nas lixeiras, esse contexto

encontra-se na página oito. Portanto, na página seguinte (p.9) a ilustração

apresenta o menino dormindo e ao seu lado alguns livros, um deles O menino

negro, recuperado pelos seguintes aspectos: Ainda nessa ilustração aparece

uma mão, supostamente feminina – sua mãe, tocando a capa do mesmo livro,

ela provavelmente pegará para lê-lo, ou talvez já leu, ou ainda, está indicando

ao espectador o valor da obra.

O projeto gráfico do livro Irmã-estrela apresenta ilustrações que

encantam pela delicadeza e pelos tons das cores, bem como o formato gráfico

quadrado em porte médio. A capa é apresentada em tom azul, onde aparece o

irmão sentado sobre a mão transparente da irmã, e essa, só aparece na quarta

capa. Há uns espirais em formato delicado em cor azul e preto que

complementam o espaço simbolizado pela cidade. As mesmas espirais

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encontram-se na segunda capa e na primeira página em cores vermelho e

preto, como também, na última página e na terceira capa em cores rosa

escuro, lilás e preto. Essas espirais aparecem nas demais páginas, como

nuvens, supostamente montanhas, na estampa de uma saia e de um turbante

de uma menina, que brinca de pular corda no pátio da escola. Lembro que a

cultura e a religião africana têm um movimento circular, portanto, essas espirais

têm sentido amplo para a obra. O traço da ilustradora é leve ao mostrar a

irmã-estrela, como todos os demais traços de suas pinturas. Os rostos, as

mãos, o corpo dos personagens são todos expressivos e transmitem uma

história contada, bem como outra – história oculta. A ilustração promove um

sentido de movimento, de vida.

Figura 1- Capa Irmã-estrela

Fonte: MABANCKOU, 2013

Outro aspecto que logo chama a atenção são as vestimentas e os

calçados impecáveis dos personagens. As personagens mulheres e meninas

usam muitos assessórios: brincos, pulseira, gargantilha, e na cabeça,

turbantes, birotes ou tranças. Os personagens homens e meninos usam

gravata, cinto, sapatos ou chinelos e os cabelos de corte. Outros elementos,

como as casas, o comércio, a moto, o varal, o pássaro, as árvores, a cama, os

carneiros, as bolas de gude, enfim, tudo que compõe a ilustração se harmoniza

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com as cores criando uma atmosfera sinestésica com as palavras. Quanto ao

texto, há sensibilidade estética ao abordar um tema como a morte. Quem já

não ouviu alguém dizer que o morto virou uma estrela brilhante no céu e que a

noite aparece para dizer que está olhando por todos os seus queridos? Eis um

novo dado para ser explorado pelo mediador literário, mostrando quanto uma

cultura se diferencia de outra a partir das suas concepções de vida e de morte.

2. UM PRESENTE PARA ADEOLA – ORIGEM NIGÉRIA

O livro Um presente para Adeola – origem Nigéria é de autoria de

Patrícia Engel Secco e ilustrado por Edu A. Engel, ambos são brasileiros. A

obra foi publicada em 2013. A autora cita no título da obra que se trata de um

reconto africano, de origem nigeriana, portanto, vem das histórias orais, ou

seja, são narrações da memória coletiva do povo. Secco, com sua experiência

na área literária infantil escreve com literariedade esse reconto. É um enredo,

ou trama marcante, onde a amizade e a cumplicidade são profundas, porém

em certo momento da vida reinam a inveja e o ciúme entre as duas amigas,

abrindo espaço para a vingança. É uma narrativa que leva o espectador a

querer chegar ao desfecho. As personagens são apresentadas num transcurso

de tempo cronológico. Passam de meninas a moças, depois como mulheres

casadas, mães e, então, vê-se a movimentação das personagens no espaço. O

enredo inicia apresentando as duas personagens principais: Ramla e Zola,

amigas inseparáveis. Com o passar do tempo, após o casamento, quando

Ramla tem o primeiro filho e Zola não consegue engravidar, passa a dedicar-se

a outra atividade para que a vida tenha sentido e com isso consegue adquirir

bens. Inicia uma quebra da situação inicial das amigas, pois Ramla começa a

ter inveja e ciúme de Zola, por não ter condições de adquirir bens materiais que

gostaria. Surgem os conflitos entre as duas amigas e uma situação a ser

resolvida que quebra a estabilidade primeira de uma personagem. Depois vem

a vingança da outra, onde é o clímax, o ponto de maior tensão da narrativa,

mata-se Adeola para devolver o colar de ouro totalmente preservado, sem

nenhum dano, ou não se devolve o colar. Zola soluciona esse conflito com um

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desfecho sem a violência. Como esse reconto vem da tradição oral, finaliza

com um valor moral. Nesse caso, a narrativa é uma alerta para que um erro

não justifique o outro, que o mal não seja punido com o mal, pois assim

crescerá a maldade e o desentendimento. Assim, como outras histórias da

tradição oral de outros continentes, que apresentam uma moralidade no final

da narrativa.

Quanto às ilustrações dessa obra, lembram estátuas ou peças de

chocolates, pois elas são estáticas, não apresentam um movimento natural do

ser humano. Como abordei anteriormente, o texto literário se dá em torno da

vida das personagens, apresentando-se dinâmico, contrariamente às imagens

que paralisam a narrativa visual, gerando um conflito entre a narrativa textual e

visual. Um menino de três anos ao ler o livro pelas imagens disse: que não

havia gostado do livro, porque as imagens são como estátuas. Sinalizando um

descompasso entre as linguagens: verbal e visual.

3. ZUMBI DOS PALMARES: EM CORDEL

A obra Zumbi dos Palmares: em cordel é de autoria de Madu Costa,

ela é mineira, afro-brasileira, contadora de histórias e professora. O ilustrador,

Josias Marinho, também é brasileiro; essa obra foi publicada em 2013. Destaco

a dedicatória da autora, pois é um grito da sua própria experiência como

membro do povo afro-descendente:

Este cordel é dedicado ao povo brasileiro: homens, mulheres e crianças, verdadeiros Zumbis na resistência diuturna por respeito às diferenças étnico-raciais. Em especial, aos Movimentos Negros organizados, que sempre lutaram radicalmente para afirmar os direitos do nosso povo. Axé!”(COSTA, 2013, p.3)

O cordel nordestino tem suas origens na oralidade, recebeu influências

dos contadores de histórias africanos e afro-descendentes, conforme apontam

alguns estudiosos. Costa - com seu cordel- transmite a história do Quilombo

dos Palmares, com ênfase em seu guerreiro e líder Zumbi, de forma sucinta,

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porém abrangente. Quando a li relembrei a minha viagem a União dos

Palmares, à Serra da Barriga a qual toca nessa história quando a escritora em

seus versos nos transporta para lá. Os versos expressam sentimentos da dor

do exílio:

Banzo era a tristeza De não ser mais gente, não. Saudades da mãe África, De pisar naquele chão, De se sentir humano E ser tratado como irmão. (COSTA, 2013, p.8)

O projeto gráfico do livro é simples, com ilustrações e letras em cor

preta, a capa é de cor branca, a qual vem ao encontro do título. A narrativa

visual possui qualidade artística e dialoga com a narrativa verbal. O livro é

composto de trinta e duas páginas.

4. IFÁ, O ADIVINHO; XANGÔ, O TROVÃO; OXUMARÊ, O ARCO-ÍRIS

Figura 2 – Capa de Ifá, o Adivinho

Fonte: PRANDI, 2002

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Figura 3 - Capa de Xangô, o Trovão

Fonte: PRANDI, 2003

Figura 4 - Capa de Oxumarê, o Arco-Íris

Fonte: PRANDI, 2004

Esses três livros do professor e sociólogo brasileiro, da Universidade de

São Paulo, Reginaldo Prandi, formam a Trilogia: Mitologia infantojuvenil dos

Orixás e eles foram baseados no seu livro para adultos: Mitologia dos orixás.

Ele com muito talento e sensibilidade traz ao público infantil e juvenil a história

dos deuses africanos trazidos pelos escravos. As obras foram publicadas em

2002, 2003 e 2004, respectivamente, com ilustrações de Pedro Rafael. Livros

recomendados para esse público, pois o texto verbal flui literalmente e o visual

vem complementar os mistérios dos orixás, tão desconhecidos para os não

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praticantes da religião afro. O autor teve o cuidado de explicar no final da

narrativa como os orixás chegaram ao Brasil, comentando ainda que são cerca

de vinte orixás cultuados aqui. Apresenta cada orixá com suas características,

as suas funções, a sua comida predileta, o seu dia da semana, o seu número e

sua cor. Prandi comenta o processo de criação dos livros, as contribuições que

o ajudaram a torná-lo realidade.

5. KAPUTU KINJILA E O SÓCIO DELE, KAMBAXI KIAXI

O livro é de autoria de José Luandino Vieira, nascido em Portugal, mas

emigrado, quando criança, com os pais para Angola. As ilustrações são de

Marilia Pirillo, brasileira, a obra foi editada em 2013. O livro é para o público

infantil, é ficcional e remete o leitor às fábulas, pois os dois animais, um

pássaro chamado Kaputu Kinjila e uma tartaruga com o nome de Kambaxi

Kiaxi resolvem ser sócios, porém o pássaro com sua avareza engana a

tartaruga, até o dia em que ela lhe dá o troco. O texto é conciso e as

ilustrações são de tamanho grande, com cores bem coloridas, dialogando com

o texto verbal harmoniosamente.

6. UBUNTU: EU SOU PORQUE NÓS SOMOS

O texto e as ilustrações são de Pedro Sarmento, brasileiro, tendo sido

editado em 2013. O livro dirigido para o público infantil e/ou infantojuvenil,

porém, o texto nos leva a uma reflexão profunda em relação à alteridade, tão

importante quando se discute a necessidade de tornar visível uma cultura que

– por séculos – foi se não ignorada, olhada com preconceitos. “Ubuntu é uma

palavra proveniente da língua Xhosa. Esta língua faz parte do grande grupo

lingüístico Bantu, que se localiza predominantemente na região da África

subsaariana.” (SARMENTO, 2013, s.p) A maioria dos escravos trazidos para o

Rio de Janeiro e Minas Gerais são desses grupos étnicos. O significado da

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palavra está no próprio título: “eu sou porque nós somos”. O autor consegue

através das palavras e, em forma de poesia, como também das ilustrações,

abordar o espírito comunitário de um eu que se relaciona com o outro e com o

universo em uma constância. Sarmento utiliza os olhos como um elemento que

perpassa todas as páginas, entrelaçando esse eu e o outro no universo: são

imagens enigmáticas e desenhos alegóricos. Eis um trecho do final do livro

para conhecimento: “Eu só sou eu... porque você é você. Eu sou todo mundo.

Eu sou porque nós somos. Nós somos a união. Nós somos ubuntu”.

(SARMENTO, 2013, s.p)

7. GENTE VESTIDA DE NOITE

Um exemplo de hibridismo literário cultural é essa obra de Susana Maria

Fernandes e ilustrado por Vera Ferro, ambas brasileiras, publicada em 2013. É

uma obra ficcional, baseada na realidade brasileira, recupera o momento

histórico da escravidão, quando negros são trazidos à força para cá como

escravos. O protagonista da história é o índio Kauá, que numa manhã acorda e

percebe um navio que traz criaturas com a cor da noite acorrentadas. Quando

chega mais perto percebe que as criaturas são iguais a ele, diferente somente

na cor, então, inicia-se um dilema pessoal, que desemboca numa pergunta:

“por qual motivo essas pessoas estão acorrentadas?” Um livro com ilustrações

delicadas que conversam com o texto verbal, trazendo à tona duas culturas

formadoras de nosso país: a indígena e a africana.

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8. CONCHAS E BÚZIOS

Figura 5 – Capa de Conchas e Búzios

Fonte: RUI, 2013

O título da obra Concha e Búzios remete à infância: aos momentos

mágicos de colher conchas na praia e tentar ouvir o mar à longa distância?

Bem, numa dessas histórias tem uma formiga que navega numa concha. As

façanhas são do angolano Manuel Rui, um experiente escritor, poeta,

ficcionista, jornalista, crítico literário, ativista cultural, dramaturgo e advogado.

Ele participou do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Nessa

obra, ele apresenta sete contos ficcionais, sendo que dois títulos gritam pelos

oprimidos, de forma literária, um deles, as personagens são duas cadeiras que

sempre suportam o peso, até o dia que resolvem dar um basta nessa situação.

Para complementar a obra, as ilustrações são do brasileiro Maurício Negro, um

estudioso da cultura africana, indígena, brasileira e afro-brasileira. Em cada

abertura de conto tem uma ilustração referente e uma cor específica para cada

um nas suas páginas. Enfim, todo o projeto gráfico é pensado para uma leitura

prazerosa. O prefácio e as notas vêm com o registro de Benjamin Abdala

Junior. O livro foi publicado em 2013. Nas narrativas há muitos vocábulos

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específicos da região de Angola, todavia o autor põe nota de rodapé para

explicá-los, numa preocupação/respeito com a criança e o adolescente

brasileiro. Parece que este é um meio entre tantos outros que se tem visto

aqui, de fazer uso da Literatura para que a invisibilidade africana

(essencialmente o número considerável de etnias que se diferenciam

significativamente entre si) não mais persista.

9. O COELHO QUE FALAVA LATIM

A narrativa apresenta o leão como um velho monarca, careca e

desdentado, com suas normas rígidas para com todos os animais, porém certo

dia um coelho que falava latim o desafia, enquanto o restante da bicharada

obedecia ao rei da selva. “O final desta estória, sabem os moleques que a

ouvem, pernas cruzadas, sentados no chão, os olhos brilhantes onde se reflete

o bruxulear avermelhado da fogueira. E riem.” (PATRAQUIM, 2013, p. 28) A

meninada já sabia: O mais esperto dos animais é o coelho. O autor quebra a

narrativa para falar dos meninos em volta da fogueira, que já sabiam qual seria

o término da história. Lembro que a fogueira é um lugar comum na África para

acontecer a contação de histórias. O autor moçambicano, Luís Carlos

Patraquim, tem uma vasta experiência no campo da escrita: poética,

dramaturgia, cinema, jornalismo, comentador de rádio e outros. Ao escrever

essa obra de ficção, na qual os personagens são animais, utiliza a linguagem

própria da África, no entanto, ele sublinha essas palavras ao longo da narrativa

e, no final, acrescenta um glossário com seu significado. Outro artista

experiente é o ilustrador Roberto Chichorro, de Moçambique, suas ilustrações

estão como que emoldurados por um quadro e dialogam com a narrativa

verbal.

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Figura 6 – Capa de O Coelho que falava latim

Fonte: PATRAQUIM, 2013

10. RIO SEM MARGEM: POESIA DA TRADIÇÃO ORAL AFRICANA

A obra é uma recolha de poesias da tradição oral africana, organizado

pelo escritor angolano Zetho Cunha Gonçalves e ilustrações de Thais

Beltrame, editada em 2013. O autor no início da obra explica que os poemas

são sobreposição e colagem, retradução e acrescenta versos ao material

original, baseados nos jogos de adivinho, nos provérbios, nos motejos, nos

poemas e canções dos dezoito povos étnicos, de diferentes dialetos e cultura

da Angola. A coletânea é composta por vinte e seis poemas, o autor registra a

identificação do povo a qual pertence a poesia. Acrescenta no final um

pequeno glossário e um elucidário, nos quais explica os procedimentos de

criação de cada poema em particular. Reescrevo uma citação do autor, que se

encontra na nota final da sua obra, para o entendimento da poesia africana:

A Poesia – que é a ponte que vem da ancestralidade e passa pelo presente, em direção ao porvir -, mais que a própria História, é a nossa Memória verdadeira: o âmago do nosso Ser enquanto indivíduos e Sociedade que se afirmam perante o Mundo, pela dádiva do seu rosto e da sua voz. Ou seja, uma afirmação de cidadania baseada no respeito aos ancestrais (coisa sagrada em toda a África), como forma de aceitar o Outro, apesar das diferenças, e com ele conviver em

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plena harmonia e festa, através da Poesia e da Cultura. (GONÇALVES, 2013, p. 80)

Observo que as ilustrações se fazem desnecessárias nessa obra, pois

as mesmas nada acrescentam e passam despercebidas. O projeto gráfico é

em cor preta e branca, uma pequena imagem e/ou símbolo estilizado que

compõe a capa e segue em todas as demais páginas, dando um toque

diferenciado na obra. Insiro um poema:

Onde somos iguais (Tradição oral cabinda, Angola)

Uma criança morreu

- é um morto. Um velho, rico e poderoso, morreu

- é um morto. (GONÇALVES, 2013, p. 24)

11. A MONTANHA DA ÁGUA LILÁS: FÁBULA PARA TODAS AS

IDADES

Figura 7 - Capa de A montanha da água lilás: fábula para todas as idades

Fonte: PEPETELA, 2013

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A trama da obra literária A montanha da água lilás: fábula para todas

as idades se desenrola junto aos lupis. O avô Bento com seu cachimbo em

volta da fogueira inicia a contação dizendo que aconteceu a história aqui perto

nas serras, mas talvez ela tenha sido trazida de outra parte da África, onde

também tem água lilás. Viviam nas montanhas seres diferentes, eram de

estatura baixa, peludos, menos no rosto. Não eram nem animais, nem homens,

todavia, pensavam, falavam e trabalhavam, eram chamados pelos outros

animais de lupis, devido ao som que emitiam: lupi-lupi-lupi, ou seja, lupilavam.

Certo dia no topo da montanha começa a brotar uma água lilás. A história é

longa, e muito por acontecer... O mundo da montanha da água lilás envolve

várias criaturas, cada um com seus interesses, uns com compaixão dos outros,

uns com sua ganância e seu egoísmo, outros tentando soluções viáveis para o

bem estar de todos. A sociedade dos lupis é das diferenças, dos constantes

conflitos, e é na diferença que se forma o grande conjunto arquitetônico. Sem

deixar seu “eu” de lado, o seu ideal, “o lupi-pensador e o lupi-poeta

continuaram na montanha, comendo as frutas das árvores.” (PEPETELA, 2013,

p. 108) O autor comenta que provavelmente os poemas que o lupi-poeta

contou chegaram ao conhecimento dos avós dos nossos avós e ao avô Bento,

assim chegando às gerações vindouras, nos contando à noite em torno da

fogueira. Pepetela é um autor angolano, esse é seu pseudônimo, o nome

mesmo é Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, recebeu vários prêmios

literários, ele foi militante do Movimento Popular de Libertação de Angola

(MPLA). É importante observar que o autor com toda sua experiência no

campo literário e político, repassa nessa obra específica os dilemas da

sociedade contemporânea angolana. As ilustrações são discretas e as cores

predominantes em tons terrosos são de autoria do brasileiro Maurício Negro.

Observo que apenas as três primeiras ilustrações da obra ocupam cada uma a

página inteira, uma ao lado do sumário, a outra na apresentação e a última

antes do início do primeiro capítulo. Nos demais capítulos são imagens

pequenas, todas de qualidade artística. Enfatizo que o texto verbal prevalece

nesse livro publicado em 2013. O prefácio vem assinado por Benjamin Abdala

Junior com o título: “Entre o sonho e a visão crítica, uma fonte perfumada”.

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12. O MENINO CORAÇÃO DE TAMBOR

Nilma Lino Gomes é a autora do livro O menino coração de tambor, é

mineira e declara-se afro-descendente. Maurício Negro, de São Paulo, é o

ilustrador. Obra de ficção infantojuvenil e foi publicada em 2013. Do meu ponto

de vista, essa história não nos surpreende como é uma das razões da

literatura, pois o enredo do começo ao fim é igual, não traz o clímax e um

desfecho diferente. A autora já no início da obra diz que o bebê é um

apreciador da música, gostava de dançar e, no final, ele torna-se um bailarino.

O ilustrador desse livro exagera nas imagens, são muitas na mesma página,

uma miscelânea de figuras enormes. Além disso, desenha corações em cinco

páginas, totalmente desnecessários, pois o título da obra já identifica: O

menino coração de tambor. E ainda, em outra página (não cito o número das

páginas porque o livro não as possui) quando o texto verbal diz: “Passo a

passo, Evandro Passos foi crescendo.” (GOMES, 2013, s.p) Maurício Negro

carimba vários pés infantis coloridos nas duas páginas, novamente sem

sentido, tornando-se redundante e desqualificando a obra. Dá a impressão que

para completar o texto verbal foram enchendo de imagens as páginas. O artista

informa as técnicas adotadas na produção das imagens, das quais utilizou:

pigmentos naturais, monotipias e recursos digitais, registrado no final do livro.

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13. AS CORES DA ESCRAVIDÃO

Figura 8- Capa de As cores da escravidão

Fonte: OLIVEIRA, 2013

A avó Tonha era uma adorável contadora de histórias, seus netos a

ouviam atentamente e, um deles, Antônio, torna-se o narrador e o protagonista

de As cores da escravidão. O menino conhecido como Tonho era educado,

sensível e analfabeto. Encantou-se e viveu a história do Gato de Botas, ele,

era o Marquês de Marabá, ainda sem o seu gato. Era uma vez... um Gato

Barbosa “que chega na cidade “pra ajudar todo mundo a ficar rico” e leva

embora [...]”, (OLIVEIRA, 2013, p.4) o menino com o seu sonho, encantado

com as promessas do “gato” convence o melhor amigo, chamado João, a

acompanhá-lo. Eles tinham aproximadamente 10 anos. A escravidão na

fazenda era negra, branca e sem infância. A autora, diante de tanto sofrimento,

põe um peão negro generoso, chamado Nlandu, para abrir os olhos do menino

para a real situação, então acontece o desencantamento: Tonho se dá conta

que ele não é e nem virá a ser o Marquês de Marabá – “Era tudo uma vez...”

(OLIVEIRA, 2013, p.50) Nlandu lhe apresenta pela primeira vez os livros e o

ensina a ler. “Na memória, a palavra da vó Tonha: a gente se acostuma com

tudo, mas sem história é arriscado de morrer.” (OLIVEIRA, 2013, p.55) A

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diretora da escola, outra personagem negra, lhe deixa marcas de bondade. A

autora, no final da narração, comenta o processo de criação do livro, dizendo

que baseou-se num documento contido no livro da Comissão Pastoral da Terra

(CPT) Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola. 1999.

p. 26-29. Reescrevo um trecho para refletirmos sobre algumas situações que

alguns cidadãos brasileiros ainda vivem:

Depois de ter feito um alqueire e meio de juquirão e 20 km de aceiros, eu vi uma cena perigosa de um companheiro menor com idade mais ou menos 10 anos, que andava mais eu: em uma sexta-feira ele tomou uma bota emprestada para ir ao trabalho, pois não queria comprar uma por preço de 20,00 reais, tinha medo de ficar devendo e não poder mais ir embora, depois disseram que ele tinha roubado a bota, então o Gato Fagoió levou ele para o mesmo barracão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda Flor da Mata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma de calibre 38, apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, e ele correu, entrou na mata e eu não vi mais. (OLIVEIRA, 2013, p.7)

A obra de ficção é de autoria de Ieda de Oliveira, carioca, afro-brasileira,

ilustrações do brasileiro Rogério Borges, foi editada em 2013. A narrativa é tão

bem amarrada que a cena vem à tona em nosso imaginário, não havendo

necessidade de mais nada para completá-la. No entanto, as imagens no início

de cada capítulo nos instigam para a continuação da leitura, são muito bem

elaboradas de forma discreta. Quanto à capa, é um par de botas preto num

suposto caminho, ou num chão de terra. A imagem da capa é uma imitação ou

uma recriação da tela em óleo do artista holandês Vincent van Gogh “As botas

da aldeã”, de 1886, acervo do Museu van Gogh. As diferenças entre elas são

mínimas, a do livro uma bota está um pouco de lado em relação à outra e na

de van Gogh uma bota está com o cano dobrado. Livro para o público juvenil

refletir sobre a escravidão que ainda assola o nosso país.

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14. JOÃOZINHO E MARIA; RAPUNZEL E O QUIBUNGO

Figura 9 – Capa de Joãozinho e Maria

Fonte: COELHO & AGOSTINHO, 2013

Figura 10 – Capa de Rapunzel e o Quibungo

Fonte: COELHO & AGOSTINHO, 2012

As obras Joãozinho e Maria e Rapunzel são contos clássicos dos

Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, nascidos na Alemanha no século XVIII. Os

escritores coletaram antigas narrativas populares, oriundas da tradição oral,

com o resultado da pesquisa, no início do século XIX publicaram a primeira

coletânea de 100 contos intitulada: “Kinder und Hausmaerchen” ( contos de

fadas para crianças e adultos), entre os principais está o “Hänsel und Gretel”, a

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história do clássico conto “João e Maria”. A estrutura dos contos de fadas

apresentam quatro etapas, sendo um caminho para a autodescoberta. A

primeira a travessia, a segunda o encontro, o terceiro a conquista e o quarto a

celebração.

Joãozinho e Maria, obra aqui apresentada, é um revisitamento dos

clássicos, numa adaptação de Cristina Agostinho, mineira de Ituiutaba e

Ronaldo Simões Coelho, mineiro de São João Del Rei, ilustrado por Walter

Lara, mineiro de Betim, editado em 2013. Esse revisitamento situa a obra no

espaço brasileiro, na Serra da Mantiqueira, próximo do Pico das Agulhas

Negras e da Cachoeira Véu de Noiva. Os elementos que compõem o enredo

são típicos da região brasileira, suas frutas, goiaba e jabuticaba; as espécies

de animais, onça, macaco, maritacas, tucanos, periquitos e saracuras; as

guloseimas, jujuba, maria-mole e pirulito. A narrativa segue a do conto clássico.

A diferença está na identificação e na aproximação por parte do espectador,

devido aos elementos inseridos. As ilustrações têm uma característica de

delicadeza nos traços e são elas que apresentam os protagonistas negros

porque o texto verbal não informa este aspecto. A própria capa já anuncia esse

protagonismo. Outra obra de revisitamento dos clássicos dos mesmos autores

e ilustrador, editado em 2012 é: Rapunzel e o Quibungo. Seguindo as

mesmas características da anterior, põe à protagonista Rapunzel numa região

brasileira, na Bahia, ela é uma menina afro-descendente. A narrativa inclui

elementos específicos do estado, o espaço onde inicia a história é na Lagoa do

Abaeté. Ela canta e sua voz parece com o canto do uirapuru. Quem surge é o

bicho papão Quibungo, ele a rapta. E ainda apresenta as frutas típicas: coco,

graviola, cupuaçu, cajá e umbu. Novamente são as ilustrações que referenciam

os personagens negros. Esses dois livros apresentam os contos de fadas com

uma nova roupagem, desde o espaço físico, os elementos brasileiros, até a

identificação dos personagens.

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15. A PRINCESA E A ERVILHA

Figura 11 – Capa de A Princesa e a Ervilha

Fonte: ISADORA, 2010

A princesa e a ervilha é uma obra da autora e ilustradora Rachel

Isadora, americana, publicada em 2010. É um revisitamento do conto de fadas

escrito por Hans Christian Andersen, dinamarquês, no século XIX. A autora

adaptou o conto europeu para a realidade do continente africano. A narrativa

permanece a mesma do original, apenas os personagens e o contexto são da

África. A autora possibilita, dessa forma, conhecer o príncipe e as princesas

africanas e um pouco da África, inclusive alguns vocábulos de língua africana.

Relato um episódio que aconteceu que vem contribuir com essa análise. Esse

livro apresentei para uma turma do curso de Letras23 quando estava fazendo o

estágio de docência durante o percurso do mestrado.

Quanto ao projeto gráfico este apresenta qualidade, a capa é dura, as

ilustrações chamam atenção pelo seu formato, tamanho e cor. As personagens

com os cabelos típicos africanos e com as vestimentas coloridas apontam

sobre o cenário africano.

23

A turma logo reconheceu o conto de Andersen e teceu comentários amargos após a leitura: Como

essa princesa foi boba em não retirar a ervilha que a incomodava para dormir. As princesas africanas

agiriam diferentes. A classe tinha conhecimento de outras histórias africanas, pois havia anteriormente

apresentado vários livros para as alunas. Portanto, sabiam que as princesas africanas são mulheres

inteligentes, guerreiras, espertas e estrategistas. Essa experiência esclareceu que a adaptação de um

conto europeu para outro continente pode ser uma espada de dois gumes. Os discentes, como foi essa

turma, com maturidade literária sabem discernir uma obra da outra.

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16. AS PANQUECAS DE MAMA PANYA

O livro As panquecas de mama Panya é uma ficção, baseada na

realidade africana, com uma narrativa simples, contando o dia a dia de uma

aldeia, especificamente na República do Quênia. Lá também se come

panquecas e o nome dado na língua local é vikaimati. As ilustrações são

também muito singelas, todavia, dialogam com o texto verbal. A obra tem no

final um informativo, no qual se conta a vida na aldeia queniana, um pouco

sobre a fauna e a flora local, a linguística, a localização com mapa e a receita

da panqueca de mama Panya. Os autores são americanos: Mary e Rich

Chamberlin e as ilustrações da inglesa Julia Cairns, que iniciou sua carreira

artística em Botsuana, sul da África, mora atualmente nos Estados Unidos,

obra publicada em 2005.

17. OBAX

O escritor e o ilustrador de Obax é André Neves, brasileiro, publicado

em 2010. É uma obra de ficção que protagoniza o negro, ela está ambientada

na África, na savana árida e nos costumes das aldeias isoladas. Obax, a

protagonista, uma menina ouvidora de boas histórias, ela mesma sozinha no

seu dia a dia vivencia e imagina muitas histórias. A mãe é a única pessoa a

quem ela pode confidenciar e receber o apoio. O amigo imaginário, Nafisa, a

acompanha em suas aventuras imagéticas.

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Figura 12 – Obax e Nafisa, no livro Obax

Fonte: NEVES, 2010

Figura 13 - Obax e sua mãe, na obra Obax

Fonte: NEVES, 2010

O livro como um todo é de uma delicadeza impressionante, tanto a

narrativa verbal como a visual, mas o visual se sobrepõe ao verbal, pela sua

inovação e reverência à qualidade estética, como todo o projeto gráfico do livro.

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18. MEU NOME É POMME

Figura 14 – Capa de Meu nome é Pomme

Fonte: DIELTIENS, 2011

Meu nome é Pomme é de autoria de Kristien Dieltiens e a ilustradora é

Stefanie De Graef, ambas são naturais da Bélgica, traduzido por Cristiano

Zwiesele do Amaral, uma obra de ficção que protagoniza o negro, foi publicada

em 2011. Uma narrativa verbal e visual de qualidade literária e estética. O

projeto gráfico acompanha essa qualidade, tanto na capa como nas demais

páginas. Apresento o início dessa narrativa, para aguçar a leitura:

Nasci quando o mundo começou. Eu sou eu. Meu nome é Pomme. Minha mãe é da África. Veio voando. Até chegar aqui.

Quando seus pés tocaram o chão, viu meu pai. E meu pai a viu.

Isso foi ainda antes de o mundo começar. Ela ainda não sabia que ele era o meu pai, porque ainda não me conhecia. (DIELTIENS, 2011, s.p)

Essa obra evidencia a questão da diferença, da integração dos povos,

um tema complexo e polêmico em alguns países. A autora e a ilustradora

conseguem trazer à tona essa temática de uma maneira surpreendente, pela

via do amor.

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19. AQUALTUNE E AS HISTÓRIAS DA ÁFRICA

O livro Aqualtune e as histórias da África é uma narrativa de ficção

baseada na realidade brasileira, na história do Quilombo dos Palmares, em

União dos Palmares, Alagoas. A jornalista e escritora Ana Cristina Massa,

carioca, é quem o criou, publicando-o em 2012. Eis um trecho dele:

Antes da terceira Bamburucema, Aqualtune vai voltar E consigo o tesouro ela vai trazer E o mundo inteiro vai saber Da história de um quilombo que vai se revelar. (MASSA, 2012, p. 82)

No final da história a autora apresenta informações históricas sobre

quem foi Aqualtune, uma princesa e guerreira africana, nascida no Congo,

África, trazida como escrava para o Brasil no século XVI. Segundo

especulações, ela talvez seja a mãe de Ganga Zumba ou a avó de Zumbi, o

grande líder do Quilombo dos Palmares. A obra ainda traz ao conhecimento do

leitor, informações sobre o povo Bantu, a história do quilombo e quem foi

Domingos Fernandes Calabar. O livro não informa quem foi o ilustrador. A capa

apresenta ao fundo um canavial, em tom marrom claro e em primeiro plano

uma princesa guerreira negra, com seus trajes e turbantes coloridos. As

estampas que compõem essa vestimenta são as mesmas que abrem cada

capítulo numa página inteira e na outra página inteira são canas em tom

esverdeado.

Figura 15 – Capa de Aqualtune e as histórias da África

Fonte: MASSA, 2012

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20. BATUQUE, SAMBA E MACUMBA: ESTUDOS DE GESTO E DE

RITMO, 1926-1934

Figura 16 – Capa de Batuque, samba e macumba: estudos de gesto

e de ritmo, 1926-1934

Fonte: MEIRELES, 2003

A obra Batuque, samba e macumba24: estudos de gesto e de ritmo,

1926-1934 é de autoria e ilustração de Cecília Meireles e foi reeditado em

2003. Conforme nota a esta edição de Alexandre C. Teixeira:

Este livro originou-se dos estudos de gesto e de ritmo realizados por Cecília a partir de 1926, os quais registram, em boa parte, motivos ligados ao carnaval. A reunião dos desenhos e estudos resultou em uma importante exposição, inaugurada na sede da Pró-Arte, no Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1933, com grande repercussão à época. (MEIRELES, 2003, p. 11)

Meireles também proferiu conferências em Portugal com o tema folclore negro

no Brasil, a repercussão foi grande, tanto da conferência como da exposição, e

isto, resultou em uma publicação na revista Mundo Português, em 1935. A

24

A obra de Cecília Meirelles está inserida em outra época, quando era permitido o termo macumba.

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primeira edição desse livro foi em 1983. O livro é informativo e nele a autora

evidencia a cultura popular brasileira, da qual o afro-descendente participa

ativamente. Os desenhos são o resultado dos estudos realizados durante um

período de dez anos baseados no gesto, no ritmo, nas indumentárias das

baianas e nos bambas. Portanto, as ilustrações evidenciam a figura do afro-

brasileiro, a imagem tenta resgatar a figura do negro. Contudo, percebe-se o

cuidado estético que se teve na criação do projeto gráfico da obra. Livro para o

público juvenil poder aprofundar seu conhecimento, tanto em relação à

escritora como também em relação às manifestações culturais no Brasil,

sobretudo, a importância do negro na formação cultural brasileira.

Figura 17 - Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo,

1926-1934

Fonte: MEIRELES, 2003

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Figura 18 - Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo,

1926-1934

Fonte: MEIRELES, 2003

21. A HISTÓRIA DE CHICO REI: UM REI AFRICANO NO BRASIL

A história de Chico Rei: um rei africano no Brasil é uma obra de

ficção e informativo, portanto, um livro híbrido, onde predomina o informativo.

Relata a história que o próprio título informa. Escrito por Béatrice Tanaka,

nascida em Czernowitz, região da Bucovina, Europa Oriental, brasileira desde

1950. Livro publicado em 2010. As ilustrações dialogam com o texto verbal,

enriquecendo a obra, pois as ilustrações contribuem para contar a história de

um rei africano que foi trazido para o Brasil como escravo para trabalhar nas

minas de ouro em Minas Gerais. Com muita astúcia, Chico, juntamente com

seus compatriotas, encontram uma maneira de alforriar-se. O livro além do

texto ficcional, baseado numa história verídica, apresenta a letra de um samba-

enredo do Salgueiro sobre Chico Rei, um poema de Cecília Meireles

“Romanceiro da Inconfidência” e texto sobre o carnaval da professora e

carnavalesca Maria Augusta Rodrigues.

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As obras até aqui analisadas apresentam apenas um pequeno recorte

do que vem sendo publicado no Brasil em relação à literatura africana e afro-

brasileira para o público infantil e juvenil. Muitos outros livros de qualidade

literária e estética já foram publicados e outros estão chegando às livrarias. O

corpus trabalhado na dissertação são livros de qualidade tanto literária como

estética, que poderão ajudar o mediador de leitura nas suas descobertas

literárias, como fez Bento, o menino negro, ex-escravo, que se impressionou

por Galápagos, personagem da obra de Rogério Andrade Barbosa: O amigo

de Darwin: um jovem desenhista em Galápagos ou ainda, envolver-se com

a história do sobrinho do Tio Rui, na obra A bicicleta que tinha bigodes, de

Ondjaki.

Debruçar-se sobre essas obras literárias aumentou o interesse em

aprofundar os estudos no que se refere à literatura afro-brasileira e a africana,

como também suas culturas. Um grande painel se desdobrou diante de meus

olhos ao ler a diversidade que essas etnias apresentam. A variedade de

gêneros literários que surgiam possibilitou analisar as obras por diferentes

ângulos. Foram mais de sessenta títulos trabalhados, dos quais alguns

selecionei para analisá-los mais especificamente, conforme apresentado nesse

capítulo. A quantidade de publicação é significativa nesses últimos anos no que

se refere à temática africanidades e isso pude perceber durante esse processo

de triagem, seleção e análise. Provavelmente posso dizer que a mão negra

acena e a Literatura Infantil Juvenil responde a esse aceno.

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4. A INVISIBILIDADE AINDA PERSISTE?

“[...] o prédio da estória toda que eu vou pôr: é que não fico bem se guardar essa estória só pra mim. a vida é como um mar, você vê, você mergulha...; se vi, posso contar pra pôr na cidade mais uns acontecidos; se chorei de sofrimentos e belezas, digo mesmo que fui feliz. se parece tou triste hoje na minha voz de iniciar as falas, é porque a saudade também anda disfarçada de tristezas que só dá para lhes encontrar nos nossos olhos... quer dizer, digo assim, para falar melhor: a vida parece é maior que o mar...! tou a falar à toa? (ONDJAKI, 2013, p.142)

Anos de invisibilidade, indiferença, silêncio aprisionado, memórias

subterrâneas, identidades burladas, vidas rasgadas... O indivíduo para a

sociedade praticamente deixa de ser humano e passa a ser objeto, ser

inexistente, ser insignificante, dando origem à alteridade invisível. Cagneti &

Silva em seus diálogos referem-se à alteridade em relação ao negro dessa

forma:

[...] se eu não me enxergo a partir do outro, ou seja, se não tenho consciência de que eu me constituo a partir do outro, fica difícil entender as metáforas, as alegorias, os confrontos que o texto literário propõe na relação que acaba se estabelecendo entre o leitor e os personagens ali representados. Quero dizer que, se eu não vejo o negro em mim e eu nele, pouco me servirá ler a respeito dele. [...] alguns movimentos propostos pela escola, muitas vezes de forma simplista e redutora dessa diversidade cultural, acabam por distanciar os alunos do real significado de quem seja esse outro. Com essas reflexões percebe-se a função da escola ao lidar com a arte literária. (CAGNETI & SILVA, 2013, p. 24)

A obra Os invisíveis (2013), de autoria do brasileiro Tino Freitas, por

exemplo, põe em discussão a invisibilidade independente da etnia. O

protagonista, um menino com “superpoder”, tem a capacidade de ver os

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invisíveis, enquanto os adultos em sua volta não mais percebem os indivíduos

invisíveis. O garoto cresce e com ele as mudanças comportamentais

acontecem, acaba não mais enxergando o outro. O livro leva-nos a reflexões

além do que se apresentam nas páginas, o herói caminha pelo viés da

invisibilidade social. O texto é conciso e as ilustrações são do artista brasileiro

Renato Moriconi. Outra obra que vem dialogar nessa reflexão e nos levar para

além das palavras é a do escritor angolano Ondjaki Os transparentes (2013),

novamente independe de etnia, no qual evidencia a vida de um homem comum

até o momento de seu limite como ser humano, à medida que ele vai tomando

mais consciência de sua vida e das tramas que envolvem a sociedade, esse

indivíduo vai ficando transparente. O livro é um romance para adulto. O texto

que abre as páginas da narrativa é:

acabou o tempo de lembrar choro no dia seguinte as coisas que devia chorar hoje [do bilhete amarrotado de Odonato] (ONDJAKI, 2013, p.7)

Odonato é o homem que aos poucos está ficando transparente, quando

refletia:

“- a verdade é ainda mais triste, Baba: não somos transparentes por não

comer... nós somos transparentes porque somos pobres.” (ONDJAKI, 2013, p.

190)

Ser invisível ou ser transparente independe da vontade humana, ou de sua

etnia, é uma condição sociocultural?

A história e a sociologia têm a função de elucidar os acontecimentos

ocorridos e os ainda em movimento em relação à invisibilidade social que está

presente em nosso país, uma relação de poder: dominantes e dominados, que

levam o indivíduo à margem da sociedade, lá ele vive e se estabelece. Remeto

ao conto A terceira margem do rio25, de Guimarães Rosa, o escritor coloca um

pai de família nessa terceira margem, dentro de uma canoa e ele fica vagando

sozinho num silêncio, sem contato com ninguém, entretanto, ele fica nas

25

Texto extraído do livro Primeiras Estórias, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988,

pág. 32. Disponível em: http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp acesso em 26 de

janeiro de 2013.

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proximidades onde se encontra sua família. O texto vem ao encontro dessa

discussão da invisibilidade do afro-brasileiro no nosso país. O nosso povo afro

encontra-se na ubiquidade e é parte integrante de nossa sociedade e de nossa

cultura. Vive ainda na terceira margem? Ettore Finazzi-Agrò em suas

argumentações no artigo intitulado: O duplo e a falta construção do outro e

identidade nacional na Literatura Brasileira, reflete sobre o quanto a nossa

Literatura Brasileira encontra-se na terceira margem, e assim aborda:

E é ainda um grande escritor brasileiro como Guimarães Rosa que nos oferece a figura conclusiva, a imagem determinante na sua ambigüidade, dessa “terceira margem”: o que não está nem cá nem lá, mas que é também o ponto ideal, o “lugar neutro”, em que cá e lá se entrecruzam e se compendiam; em que, mais profundamente, eles encontram a sua origem e o seu cumprimento. A escolha de viver sobre esse limite incerto, nesse terceiro lugar imaginário e, mesmo assim, real, pode servir de metáfora – sólida, consistente (como eu dizia) na sua fluidez, no seu caráter de abandono, de desistência – para uma nação que cedeu finalmente à sua Ubiqüidade, que se entregou ao seu Álibi, encontrando nesta “falta” como que uma plenitude que combina e harmoniza, dentro de si, todas as diferenças. (AGRÒ,1991, p. 53)

Na pesquisa aqui proposta minha intenção não é a teorização da

invisibilidade, nem os aspectos históricos ou sociais que a levaram a ficar tão

evidente. Meu foco é a Literatura Infantil Juvenil. Percebo que nos últimos dez

anos as obras literárias vêm aos poucos dando visibilidade à cultura afro-

brasileira e à cultura africana em nosso país. Com elas, nós brasileiros, vamos

reconhecendo as nossas manifestações culturais: folguedo Parafuso,

maracatu, capoeira e outras. Como também, aos não praticantes da religião

afro-descendente tem dado a oportunidade de conhecer a simbologia, os

deuses e os ritos que a envolvem. Os estudos propostos sugerem conhecer ou

reconhecer os nossos escritores, ilustradores e pesquisadores que possibilitam

a transmissão do conhecimento através da literatura.

A obra O garoto da camisa vermelha (2013), de Otávio Júnior, autor

carioca afro-descendente, ilustração de Angelo Abu, por exemplo, ficciona a

realidade do autor protagonista, quando menino, morador do morro carioca. Ele

encontra no lixão uma caixa de livros, os lê, e as palavras o levam a sonhar, e

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assim sucede sua transformação. É uma obra autobiográfica, poeticamente

construída, principalmente no campo visual. A quarta capa traz informações do

autor e de seus desdobramentos com a leitura, escrito por Rogério Andrade

Barbosa. Otávio Júnior criou uma biblioteca comunitária, hoje ele é conhecido

como o Livreiro do Alemão.

Outro livro, Maracatu nação (2013), de Fabiana Ferreira Lopes,

brasileira, é um livro informativo, no qual a autora historiadora apresenta uma

manifestação cultural de Recife, trazida pelos povos africanos que chegaram à

força no Brasil na época da escravidão. É um livro com o texto verbal conciso e

recheado de fotografias do maracatu.

Um dado que pude perceber quando apresentei essa temática aos

alunos no estágio de docência e ao grupo de terceira idade, é a possibilidade

de reconhecer um Brasil até então desconhecido (quero dizer a sua cultura

afro-brasileira) e conhecer uma África que era invisível (na sua diversidade de

etnias, grupos linguísticos e culturais). Provavelmente a literatura é um meio

pelo qual vem diminuir a distância entre África e Brasil, pois para a grande

maioria dos afro-descendentes, somente restaram as poucas memórias. As

obras literárias apresentam aspectos relevantes da África. A tradição oral

africana persiste há séculos e ainda hoje resisti. Esta resistência foi garantida

através de seus contadores de histórias, em volta de uma fogueira, repassando

de geração à geração os seus costumes, os seus mitos e seus contos e dos

griôs, contadores de histórias profissionais, transmitindo as histórias e a cultura

de seu povo com suas técnicas para as gerações futuras.

Os livros mostram, também, o dia a dia de uma aldeia africana: as

diferentes etnias, a diversidade de grupos lingüísticos, a luta pela

independência, os conflitos políticos e econômicos, o sofrimento de famílias

dilaceradas com o processo de escravidão, o conflito pessoal de não perder a

tradição e os costumes, mesmo longe de sua terra. Enfim, a resistência de uma

cultura.

A meu ver, um pouco da cultura da África está chegando aos brasileiros

pelo imaginário literário, pelo qual, provavelmente desdobrar-se-á em novos -

enxergamentos. A obra As garras do leopardo (2013), do famoso escritor

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nigeriano Chinua Achebe, falecido no ano passado, com colaboração de John

Iroaganachi, vem através de uma fábula e uma metáfora retratar a guerra civil

da Nigéria (1967-1970). É um livro de ficção, os personagens são animais, o

espaço é a floresta, o convívio é a realidade dos bichos, mas é uma literatura

de denúncia. Livro com narrativa verbal e visual com uma estética impecável.

As ilustrações são de Mary Grandpré, americana, tradução de Érico Assis.

Outra vez (1984) é uma obra de narrativa visual, da brasileira Angela

Lago, na qual a protagonista é uma menina afro-descendente.

Figura 19 – Outra vez

Fonte: LAGO, 1984

A protagonista, apaixonada pelo menino reizinho de outra etnia - é

simplesmente desprezada pelo garoto. Sendo uma garota sensível e linda, tem

um grande amigo e companheiro, seu cão, e esse a ajuda a recuperar seu

vaso de amor-perfeito, que simboliza seu coração, sua auto-estima e tudo

mais. A narrativa visual leva o espectador a refletir sobre as diferenças, o

desprezo, o fazer pouco caso pelo outro. Estas eram uma das características

da sociedade brasileira da época quando se colocava em evidência a questão

da diversidade. Ressalto que a contemporaneidade trouxe a cultura visual a um

plano de destaque; é ela que na maioria das vezes põe a temática afro em

primeiro plano na obra.

Mário Vale, por sua vez, escritor e ilustrador brasileiro, em sua obra

infantil O Almoço (1987), narra sua história somente através do visual. Seu

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protagonista é um homem negro. Ao chegar a casa, para almoçar, encontra

uma toca no seu jardim, um visitante inesperado “um coelho”, ele o recolhe e

leva-o para a sua cozinha. As ilustrações mostram a panela no fogo, dá para

imaginar o cozimento desse visitante, mas por surpresa, o homem oferece

cenouras ao coelho. Nessa obra vemos a generosidade e a partilha por parte

do homem negro para com o visitante coelho, onde ele oferece no almoço o

prato predileto do animal: saborosas cenouras cozidas. Assim, o protagonista

se coloca no lugar do outro. E tudo isso acontece sem que se toque na palavra

negra para definir o protagonista. Afinal, ser protagonista independe da cor do

personagem! Eis uma atitude diferenciada que – aliás – foge completamente ao

conceito equivocado utilizado pela maior parte do mundo escolar em relação à

inclusão.

A obra ficcional Passarolindo (1989), de Mário Vale, dirigida para o

público infantil conta a história de um pássaro que mora num sapato velho

pendurado no fio. Ele era muito feliz: brincava, passeava nas nuvens e toda

noite retornava para o sapato. Porém, certo dia, uma chuva intensa atingiu a

sua casa e ele pegou uma gripe forte com febre. Lá ficou doente, sozinho

dentro do sapato. Então, passou um menino descalço e tirou o sapato do fio e

cuidou muito bem do pássaro, até ele voltar a voar. Ao finalizar o menino

devolve o sapato ao fio e assim Passarolindo volta para sua casa. Quanto à

identidade do protagonista da história, ele só é visível através da ilustração,

pois aparecem apenas os seus pés e mãos negras. O texto verbal apenas

informa que foi um menino que tirou o sapato com uma vara. Aí está a

delicadeza do autor em protagonizar um negro na história de uma forma muito

natural. Vê-se por parte do menino um olhar para o outro e,

consequentemente, solidariedade para com o pássaro. Como ele se colocou no

lugar do outro, devolveu o sapato, pois era a casa do pássaro. Mesmo estando

descalço, não se apropriou do sapato. O autor em sua narrativa - tanto visual

como verbal, as quais dialogam entre si - apresenta o negro com suas

características como: solidariedade, compaixão, carinhoso, benevolente,

agindo como outro menino qualquer.

Fuzarca (2011), obra de ficção, escrita por Sonia Rosa e ilustrada por

Tatiana Paiva, ambas brasileiras. A palavra fuzarca significa farra, bagunça, e

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também, fusão, tipicamente brasileira, pois a mãe é branca e o pai é negro,

ambos são adeptos da cultura africana, a mãe joga capoeira e o pai é músico.

Os filhos são irmãos gêmeos, um menino negro e uma menina branca. A

família é muito entrosada e tem muitos amigos e os filhos dos amigos brincam,

cantam e tocam instrumentos musicais de origem afro, tudo numa grande

harmonia, sem preconceitos. A obra introduz uma mentalidade mais aberta e

visível da realidade brasileira, hoje, a maioria das famílias é mestiça.

A obra de ficção infantojuvenil: Uma Princesa nada boba (2011), de

Luiz Antonio e ilustrações de Biel Carpenter, ambos brasileiros, tem como

protagonista uma menina que insistentemente pergunta: Por que eu não podia

ser igual a uma princesa? Deseja ser uma princesa nos padrões dos contos de

fadas europeus: cabelos de fios escorridos, cachinhos dourados e de narizinho

pontudo. Por isso, sempre a mesma pergunta... Em consequência disso a

menina vivia andando nas bordas, com uma alegria vazia. O ilustrador

consegue transpor, como também transcender, o texto verbal em sua

ilustração.

Figura 20 - Capa Uma Princesa nada boba

Fonte: ANTONIO, 2011

Desde o início da narrativa ele deixa a menina praticamente coberta,

com roupas compridas, meias longas e uma sombrinha que lhe cobre o rosto e

metade do corpo. Assim o leitor não percebe a totalidade da personagem. A

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revelação se dá somente quando acontece o rito de passagem, de menina para

moça, na qual a avó tem um papel fundamental, transmitindo os seus

conhecimentos para a neta e assim possibilitando a sua descoberta e

transformação. Ao ter o entendimento de que as princesas negras não são

ingênuas como as que ela conhecia dos contos de fadas europeus, mas que

elas são mulheres guerreiras, inteligentes e estrategistas, além de terem uma

beleza exuberante. A garota, então, se identifica como princesa, fruto de sua

ancestralidade. Sua identidade se faz já com a aceitação de seu nome Odara,

pois anteriormente queria ser chamada de Stephanie e “Fazia questão de dizer:

“Com P e H”. ”(ANTONIO, 2011, s.p) Após a descoberta de algumas princesas

africanas e de sua própria beleza, o nome verdadeiro era agora admirado.

Odara, nome de princesa nada, nada boba.

Figura 21 - Uma Princesa nada boba

Fonte: ANTONIO, 2011

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Figura 22 - Uma Princesa nada boba

Fonte: ANTONIO, 2011

Para contraponto com esta história apresentada cito o conto “A princesa

negrina” (1912), de Cecília Bandeira de Mello Rebelo Vasconcelos,

pseudônimo Madame Chrysanthème, ilustração de Julião Machado, na obra

Contos para crianças, da Editora Franscisco Alves, o conto foi reescrito por

Schwarcz ( 2012, p. 10-11). No início do século XX havia todo um movimento

de embranquecer o povo brasileiro. O conto vem nessa perspectiva, havia uma

família nobre e branca, sem herdeiros, após insistentes pedidos da rainha, ela

é recompensada pelas suas boas ações com uma filha, porém nasce uma

princesa negra, que causa comoção em todos. A fada madrinha lhe dá uma

dádiva, se a menina permanecer no castelo até seus dezesseis anos, ela se

transformaria da cor de leite. Todavia, Rosa Negra é tentada por uma serpente

e sai de seu lar e se vê obrigada a se casar com um animal asqueroso

Urubucaru. Na noite de núpcias a princesa se desespera, porque perdeu toda a

esperança de se tornar branca, mas algo inesperado acontece:

(...) “Rosa Negra viu seus braços envolverem o mais belo e nobre jovem homem que já se pôde imaginar, e Urubucaru, agora o Príncipe Diamante, tinha os meigos olhos fixos sobre a mais alva princesa que jamais se vira”. Final da história: belo e branco, o casal conheceu para sempre “a real felicidade”. (SCHWARCZ, 2012, p. 11)

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O autor Antonio estabelece a sua protagonista, Odara, assumir a sua

identidade, sua cor e sua raça, pois ela no final da narrativa tem orgulho de

quem realmente é. Por outro ângulo, Madame Chrysanthème, é inovadora para

sua época, em abordar a questão da cor, num período de discriminação.

Contudo, sua protagonista, Rosa Negra, permanece com a mentalidade da sua

época, quer embranquecer, não há personalidade para assumir-se do jeito que

nasceu, é preciso que um elemento mágico a transforme na cor de leite para

ser feliz. Schwarcz em sua obra Nem preto, nem branco, muito pelo

contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira leva-nos a reflexões sobre o

conceito de cor e raça e assim define:

“De toda maneira, esse tipo de negociação em torno da cor aponta para outras feições singulares desse sistema brasileiro de marcação de diferenças. No lugar das definições precisas, no país usa-se muito mais a cor do que conceitos como raça quando é preciso identificar a pessoa alheia ou a si próprio. Na verdade, cor no Brasil é quase um vocabulário interno, como espaço para muitas derivações sociais. Como determinar a cor se, aqui, não se fica para sempre negro, e se “embranquece” por dinheiro ou se “empretece” por queda social? Ainda mais: como falar de raça se as pessoas mudam a definição sobre si mesmas dependendo da circunstância, do momento e do contexto?” Por aqui ninguém é “definitivamente” preto, ou sempre branco. (SCHWARCZ, 2012, p. 95)

Mil e uma estrelas (2011) da artista mineira Marilda Castanha é uma

obra de ficção infantil encantadora, tanto por sua narrativa verbal como visual,

protagoniza uma menina negra, contadora de histórias e de estrelas. Esperta,

ela convence o Ogro Gigante a devolver as estrelas ao firmamento, ajudando-o

a superar o medo da escuridão através de suas mil e um histórias, como uma

pequena Sherazade. O espaço da narrativa remete à África.

Os donos da bola (2010) é uma narrativa visual, de Jô Oliveira,

brasileiro. A capa e o título anunciam o enredo. Um gramado, uma bola e um

pé negro descalço. Evidencia quem realmente é o dono da bola – o negro.

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Figura 23 – Capa Os donos da bola

Fonte: OLIVEIRA, 2010

A história se passa no antigo Morro do Castelo, centro do Rio de

Janeiro, provavelmente entre o século XVIII ou XIX. Uma indígena com um

cesto cheio de “bolas,” deixa cair uma no chão, essa vai rolando morro abaixo,

chegando aos pés de meninos negros, eles vão se divertindo com ela, ao

mesmo tempo que estão sendo observados por um estrangeiro. Ao final do

livro, ironicamente, o autor mostra, através de suas imagens, como

sorrateiramente os lances e as regras do jogo são levadas pelo estrangeiro

para um navio inglês que parte dali.

Figura 24 – Os donos da bola

Fonte: OLIVEIRA, 2010

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Cabelo de mola (2013), de Alexsander Rezende, brasileiro, faz parte da

série diversão e consciência. O título é preconceituoso em relação ao cabelo e

sua ilustração mostra esse cabelo com cinco rabiscos enrolados, como se

fossem molas. Sabemos que o cabelo é um vínculo de identificação.

Figura 25 – Capa Cabelo de mola

Fonte: REZENDE, 2013

Toda a ilustração é sem qualidade estética. A representação verbal é

sem literariedade, evidencia o racismo de forma escrachada. O protagonista é

um menino consciente de sua negritude, observa-se na escrivaninha do seu

quarto alguns livros. O menino chorava, porque o tempo todo era rejeitado

pelos outros garotos devido a sua cor, tendo sido aceito pelo grupo somente

quando mostrou a sua aptidão para o futebol. Ninguém precisa ser aceito pelo

outro, por aquilo que tem ou faz, basta “ser”. O autor apresenta dois equívocos:

um ao abordar o cabelo e o outro a aceitação pelo “fazer”. No caso aqui, um

“fazer”, explorado já à exaustão, buscando mostrar o negro sempre como

alguém que entende apenas de futebol, samba e por aí vai.

A obra Sortes de Villamor (2010) , escrito por Nilma Lacerda,

brasileira, é um livro híbrido, cuja ficção é enriquecida com informações

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históricas ao final da obra. Sua capa em auto-relevo, em formato circular,

lembra a simbologia africana ou o mar, já que a cor é esverdeada, como toda a

história perpassa o oceano, a vida de Ismê Catureba, a de Branca e de Caim,

suas vidas e seus destinos. “Branca trouxe um mundo distante e desconhecido,

que chegava em retalhos, costurados em fala e silêncio”.(LACERDA, 2010, p.

20) Ela se insere na vida e cultura do afro-descendente para se salvar.

“Mundos conhecidos e desconhecidos misturam-se todo dia na vida de cada

um. ”(LACERDA, 2010, p. 21) E cada personagem luta com o que tem de

melhor, para buscar a sua identidade.

Uma obra memorialista da literatura africana que vem acrescentar muito

a esta discussão, por contribuir com a visibilidade do continente africano, é O

Menino Negro (2013): um romance africano, do escritor guineano Camara

Laye, escrito em 1953, porém, atual mesmo para o século XXI. Conforme Alan

Mabanckou, essa obra é um “livro iniciático, um dos textos fundadores da

literatura africana contemporânea”. (LAYE, 2013, p. 12) Laye foi muito criticado

na época por não abordar os conflitos de seu país. Ele trilha outros caminhos:

seus escritos estão baseados nas suas memórias de infância e de

adolescência, todavia, serviu de inspiração para muitos escritores de sua

geração e para os escritores contemporâneos do continente africano. O autor é

o próprio protagonista da narrativa e, de forma sensível e com literariedade,

traça um retrato da sua Alta Guiné. Quando o escreveu, já não morava na

África, mas na França. Possivelmente, é por estar longe de sua pátria e de

seus familiares que o autor transmite no seu relato tanto afeto e amor a cada

fase de sua vida. Durante a narrativa, ele faz questão de dizer que em certos

fatos era o que lembrava, fazendo-se perceber alguns vazios de informação, os

quais ele não se preocupou em preencher, pois não fazem falta ao texto, já que

as memórias literárias extrapolam o real vivido, transitando entre o real e o

imaginário.

Laye faz uma homenagem a sua mãe com a dedicatória “A minha mãe”,

que se estende à mulher africana. São sete frases com teor profundo, sendo a

última delas: “Mulher negra, mulher africana, ó tu, minha mãe, obrigado;

obrigado por tudo o que fizeste por mim, teu filho, tão longe, tão perto de ti!”

(LAYE, 2013, p. 5). O livro apresenta, ainda, os costumes, as tradições, a

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importância dos ritos na cultura africana; pormenoriza o rito de passagem, a

circuncisão, quando os candidatos desafiam o próprio medo do ritual secreto e

se superam. O foco principal está na convivência com seus pais, irmãos, tios,

avó, professores, mestres, líderes religiosos e amigos, todos contribuindo

significativamente com a sua formação. Laye rompe com toda forma de

representação da África até aquele momento. Os escritores africanos em suas

obras denunciavam as misérias, a dominação, o poder e os conflitos. Ele, um

jovem, longe de seu continente, representa a sua Guiné do seu ponto de

referência e, a sua narrativa é baseado nas suas memórias. Com isso, ele

inicia, ou seja, mostra uma nova face da África.

Destaco alguns rituais, fazeres e manifestações contidas na obra

abordada, iniciando com o prelúdio de um rito de passagem, quando os jovens

eram preparados para a circuncisão. É a passagem para nascer para a vida

adulta, abandonando a infância e a inocência para tornar-se homem. O ritual

era muito simbólico, se concentrava em duas fases: uma era aberta ao público

em geral e a outra um ritual reservado. Para os candidatos o ritual era familiar,

pois todos os anos assistiam à dança dos candidatos à circuncisão, chamada

“soli”, na grande praça da cidade. O rito público era dedicado à alegria, uma

festa barulhenta, da qual toda a cidade participava. Por outro lado, os meninos

durante alguns momentos da festa se revestiam de uma gravidade,

recordavam o semblante obscuro do rito secreto. Nas vésperas da circuncisão

os futuros circuncidados dançam o “coba”, com o seu canto: “- Coba! Aye coba,

lama!” Juntamente com os tam-tans, os tambores soam com força e todos

repetem o canto. Com os seus gorros e bubus dançam exaustivamente até

serem levados para um local distante na floresta, onde há uma fogueira. Lá

agachados e com os olhos fechados enfrentam o medo, supostos leões, que

não passam de ruídos, emitidos pelos homens. Todo esse ritual os ajuda a

enfrentar o momento da cirurgia, que acontece em questão de segundos,

porém sua recuperação é lenta. Os jovens são acompanhados pelo curandeiro,

pelos homens mais velhos e pelos rapazes que os ajudam nas semanas de

convalescença. Durante este período de recuperação não é permitido

encontrar mulheres, nem mesmo as suas mães.

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Esse ritual é de muito sofrimento para os meninos, tanto é que a mãe de

Laye tenta impedir que o filho participe, mas para o pai a tradição fala mais

alto. A crença, a tradição nos povos africanos, é muito marcante, ela está

acima de outros princípios. A obediência aos pais e aos mais velhos é sagrada.

Aos quinze anos, então, o garoto parte para Conacri, a fim de cursar o

ensino técnico, cidade distante da sua Kouroussa. Antes da partida sua mãe

lhe dá uma garrafa com água para lhe desenvolver a inteligência. É uma água

mágica que tem inúmeros poderes e um deles o de desenvolver o cérebro.

Essa bebida é preparada pelos marabutos, eles escrevem orações do Corão

numa prancheta, depois eles a apagam, lavando a prancheta e essa água é

cuidadosamente recolhida e misturada com mel, formando o essencial da

bebida. Essa bebida é comprada em Kankan, cidade muçulmana por alto

preço. O seu pai lhe oferece um pequeno chifre de bode contendo talismãs,

deve carregar consigo para lhe defender dos maus espíritos. A atitude dos pais

em ofertar (água e talismãs) ao filho tem um poder simbólico; contém um

significado em si que a população africana daquela região acredita e carrega

por ser presenteado pelos pais. Os pais e a família nessas culturas, de modo

geral, têm um laço forte que os une. O papel do mediador em reunir todos

esses elementos que aqui foram elencados e apresentar ao seu espectador a

fim de mostrar uma África que foge aos padrões estereotipados que às vezes

ainda está em nossas crianças e nossos jovens.

A obra literária Menino Parafuso (2008), de Olívia de Mello Franco,

ilustrações de Angelo Abu, é uma história de autoria brasileira e temática afro-

brasileira, está na categoria livro híbrido, reconta uma manifestação artística,

cultural e popular oriunda dos tempos da escravidão. Conforme explicação de

Franco no final da história:

O Folguedo Parafuso é uma manifestação folclórica típica da cidade de Lagarto, em Sergipe, e se desconhece a existência de algo semelhante em outro lugar do Brasil. É uma tradição popular de origem escrava. Dizem que surgiu na época em que os negros, sofridos trabalhadores dos engenhos de cana-de-açúcar, fugiam das senzalas e formavam os quilombos. (FRANCO, 2008, p. 31)

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Os escravos fugitivos necessitavam de comida e roupas para

sobreviverem, então roubavam as anáguas brancas das sinhás que estavam

estendidas nos varais e vestiam umas sobre as outras, deixando as mãos livres

para carregar outras coisas. A fim de não serem reconhecidos, usavam

disfarce com chapéus e pintavam o rosto com barro branco e, assim, corriam

pelos canaviais aos gritos e pulando na escuridão em direção às matas. Quem

os via pensava serem almas penadas ou assombrações. Com a libertação dos

escravos, essa manifestação continuou, sendo então, um desabafo dos

alforriados aos seus senhores. Depois virou uma brincadeira de fantasiados, os

gritos foram substituídos por cantigas em louvor a São Benedito, e os

movimentos de pular e girar transformou-se em coreografia ritmada. A origem

do nome “Parafuso” foi dada pelo Padre José Saraiva Salomão, ao ver um

grupo brincante passando ao largo da paróquia de Nossa Senhora da Piedade

do Lagarto, e disse: “Parecem mais uns parafusos a torcer e destorcer”.

(FRANCO, 2008, p. 32) As músicas que até hoje tocam foram compostas

também pelo padre. Os participantes do Folguedo Parafuso são dançarinos e

tocadores de sanfonas e instrumentos de percussão, um dos membros leva um

estandarte à frente com o nome do grupo. O desfile dos Parafusos acontece

tradicionalmente no mês de setembro, juntamente com a festa da padroeira.

Menino Parafuso é escrito com leveza, gingado e literariedade, indo ao

encontro de um fato histórico que aconteceu no tempo escravista. Nessa obra

é um menino cortador de cana, que sai dos canaviais e passa pelos quintais

catando as saias/anáguas limpas penduradas nos varais, e vai se vestindo com

elas formando várias camadas. A última anágua forma uma espécie de gola, e

falta então o chapéu, que é formado por um balde, que o menino encontra

atrás da bica. As ilustrações vêm ao encontro e ao ritmo da narrativa,

complementando assim a história. Na página 30 há três fotografias, de

Gleidson Prata, dessa manifestação artística em Lagarto, que contribuem para

a visualização desse reconhecimento cultural. Apresento o início da história

para se ter uma noção do texto:

Pulando em estrela e girando em pião, lá vem o menino reinão da cana... Veste calça de capoeira e não calça nada. Não dá golpes nem joga. Só pula e roda: quer dançar. Na hora do descanso, ele vem brincante. Antes de chegar à praça, passa por quintais, terreiros de

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roupas limpas, varais. É preciso se aprontar! (FRANCO, 2008, págs. 4-9)

A sociedade brasileira, de modo geral, vem sempre seguindo uns

padrões estabelecidos pelos países dominantes e, ou pela classe dominante,

todavia as manifestações populares vêm ganhando o seu espaço, como no

dizer de Brant: “Como não pode haver distinção entre a alta cultura e a cultura

popular, entre o frevo e o erudito, entre a música pop e o samba de raiz, os

mecanismos aprenderam a enxergar a arte sem preconceito.” (BRANT, 2009,

p. 93)

Volto meu olhar para o ângulo dessa pesquisa, as obras literárias estão

aí, para todos que queiram saber mais um pouco e um pouquinho mais sobre o

nosso Brasil e sobre a África, de uma forma literária. Enfim, a invisibilidade

ainda persiste? A Literatura pode contribuir para diminuí-la? Fica a resposta

aberta para novas pesquisas e novos desdobramentos a serem desenvolvidas

com a invisibilidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O silêncio gritou, a mão negra acenou e a invisibilidade persistiu... ou a

visibilidade surgiu... Com a chegada desse número significativo de obras

literárias de temática e/ou autoria africana, afro-brasileira, brasileira e

estrangeira não africana, na Literatura Infantil e Juvenil algumas

transformações vêm ocorrendo ou apontando para alguma mudança, pois

alguns aspectos até então desconhecidos/encobertos acabam se revelando, se

descortinando tanto na cultura afro-brasileira como na cultura africana. Esse é

um dos resultados após dez anos do sancionamento da Lei 10.639/2003, que

estabelece incluir no currículo oficial da Rede de Ensino Nacional a

obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Por que as

histórias da tradição oral desembocam na Literatura Infantil Juvenil? Porque a

escola necessita desses textos para cumprir a lei.

No século XVIII houve uma revolução da leitura na Europa, uma

mudança geral da mentalidade, como define Jurgen Habernas: “mudança

estrutural da opinião pública”. (WITTMANN, 1999, p. 138) A burguesia leitora

começou a questionar “o monopólio de informação e interpretação das

autoridades eclesiásticas e estatais”. (WITTMANN, 1999, p. 138) A palavra

impressa, essencialmente através da literatura proporcionou a comunicação e

a reflexão contribuindo para a identidade social e cultural da burguesia.

Cultura escrita e literatura tornaram-se campo de treinamento do auto-entendimento e da ponderação. Com isso, o livro e a leitura ganharam um novo valor na consciência pública. A leitura, para a qual a burguesia pela primeira vez teve tempo e poder de compra suficientes, ganhou função emancipadora e se tornou força social produtiva: ela ampliou o horizonte moral e espiritual, transformou o leitor num membro útil da sociedade, fez com que dominasse melhor o seu círculo de deveres e também serviu à carreira social. A palavra impressa tornou-se pura e simplesmente a representante burguesa de cultura. (WITTMANN, 1999, p. 138)

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Para que o novo leitor se aventurasse no mundo do livro era

fundamental ser alfabetizado. Todavia, por outro lado havia uma competência

de ouvinte, sem necessidade de alfabetização. Consistia na leitura em voz alta,

isso acontecia nas famílias e em grupos abertos. Os homens tinham o domínio

da leitura, porém, o público leitor feminino, tanto as esposas como as filhas da

burguesia, foram as mais atingidas pela leitura. Nesse período, a infância foi

reconhecida como fase da vida e houve uma dedicação de forma intensiva à

leitura para as crianças e para os jovens. A Literatura Infantil prosperou, ou

seja, através dos populares contos de fadas, de origem da tradição folclórica

oral. Lembrando que os contos de fadas originalmente eram para os adultos,

devido a esta demanda os contos passaram por um processo de transformação

ao serem reescritos, tanto pelos autores como pelos editores, ou seja, foram

adaptados para atender os leitores, muitos foram infantilizados e outros

reformulados conforme a moral da época, a fim de atingir o público infantil e os

jovens.

As “casas editoras” utilizaram as fábulas de La Fontaine, os contos de

fadas de Perrault e dos Irmãos Grimm, quando também a escola precisou de

Literatura Infantil para suas crianças e para seus jovens. Portanto, as histórias

da tradição oral passam a serem registradas e encaminhadas para o público

infantil e juvenil, modificando o formato do texto, deixando-o dinâmico,

conforme as necessidades.

Nesse momento, no início do século XXI, ocorre um processo parecido

com as histórias, os mitos, os contos da tradição oral africana, as quais estão

chegando ao Brasil com o nome de reconto. E as histórias orais brasileiras de

origem afro-descendente também começam a vir à tona, da oralidade,

passando à escrita. Isso vem acontecendo no Brasil, portanto, por conta da

educação, o que nos aponta mais uma das razões da Literatura Infantil Juvenil

ter estado sempre muito vinculada ao pedagógico.

Nas últimas duas décadas se produziu na Literatura Infantil Juvenil

grande quantidade e qualidade indiscutível, as quais abrangem todos os

gêneros literários e com muita diversidade. Esse é um dos aspectos da

contemporaneidade, a diversidade com que as obras se apresentam, por

exemplo, a narrativa visual ganha espaço e vem fazendo um trabalho que

transcende o verbal, outra são as obras híbridas preocupadas com o leitor,

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acrescentam mapas para situar geograficamente as etnias dos povos,

glossários para identificação linguística, notas de explicação sobre os

costumes, a economia, a política e outros. As demais categorias: reconto,

revisitamento dos clássicos, cordel, poesia, teóricos, ficção, informativo,

memória e biografia, também vêm apresentar a cultura afro-brasileira de uma

forma que evidencia a sua presença nas diversas regiões brasileiras, através

dos seus aspectos históricos, das suas manifestações culturais e religiosas, e

tantos outros elementos. Os livros apresentam a África e sua cultura por

diferentes ângulos, os países que a compõem, as variações linguísticas, a

grande quantidade de povos e suas particularidades, a sabedoria dos

ancestrais, o respeito aos mais velhos e a tradição, a importância dos rituais e

dos mitos para entender a condição humana.

Através dessas narrativas que estão chegando ao Brasil um panorama

se abre em relação ao continente africano, possibilita ao brasileiro enxergar a

origem de nossos afro-descendentes, vem à tona a história e os costumes,

visível para todos. A literatura se for mediada com competência leitora ajudará

a diminuir a invisibilidade existente em relação a essas duas culturas, por isso

é fundamental, nesse momento do país, olhar para a formação do mediador.

Os movimentos, a academia, os grupos específicos já vem realizando um

trabalho de ressignificação, mas ainda é preciso entrar nas escolas e nos

espaços de leitura com a mediação para apropriar-se dessas obras e

desenvolver trabalhos que vão além do dito e do escrito.

Embora muitos escritores estejam interessados em escrever sobre a

temática percebi que a grande maioria é de qualidade, uma porcentagem

mínima é realmente desqualificada. Isso vem mostrar uma das transformações

que já estão ocorrendo após a lei (BRASIL, 2003). A variedade de abordagens

em apontar o afro-descendente, não somente pelo “fazer” ou pelas habilidades

no futebol, como era comumente apresentado, mas através das manifestações

culturais: música, dança, ritmos, a religião com os seus deuses, a sabedoria

através dos mitos e contos, enfim todos os demais desdobramentos, vem

contribuir com a visibilidade.

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Quando fui garimpando as obras literárias até formar o corpus de

sessenta obras não selecionei por autores, nem tampouco por gêneros

literários, mas fui percebendo que todas as categorias acabaram sendo

contempladas, assim pude ter uma visão ampla do que vem sendo produzido

sobre a temática e/ou autoria afro-brasileira e africana em meu país. Muitos

livros são de autores africanos, esse dado vem mostrar o quanto da África está

chegando ao Brasil nos últimos anos. Outro dado levantado que ocorreu

durante a seleção, é o número elevado de publicações do ano de 2013,

aproximadamente trinta livros, por conta disso, acabei priorizando essas obras,

ou seja, todas pelas quais tive contato, estão incluídas nessa pesquisa.

Logicamente outras ainda estarão chegando enquanto esta pesquisa se fecha.

Esses livros são de autores brasileiros, afro-brasileiros, africanos e

estrangeiros de outras nacionalidades.

Trabalhei também com livros publicados em anos anteriores, sem deixá-

los de lado, pois seu valor é inquestionável. Portanto, cerca de trinta livros

inclusos nessa pesquisa foram publicados em 2013 e mais trinta e poucos

publicados em anos anteriores.

Ao chegar às reflexões finais da investigação proposta, sinto lacunas a

serem preenchidas e outras a serem desdobradas, uma delas é a questão do

termo “negro”. Quase no final dos estudos comecei a me questionar a respeito,

como esse não era o meu foco de abrangência, e também devido ao tempo

limitado não adentrei nesse requisito, mas com certeza com novos olhares ao

termo será possível discutí-lo.

Diante do panorama apresentado temos uma lei e obras literárias da

Literatura Infantil e Juvenil visibilizando o afro-brasileiro, isso é óbvio. O estudo

elencou essas obras e elas mesmas comprovaram a visibilidade do nosso afro-

descendente e do africano, portanto, reafirmo que a cultura afro-brasileira e a

africana estão sendo de certa forma representadas através da literatura, e esta

riqueza esta aí para todos que desejarem conhecê-las. Ciente das pessoas que

querem conhecê-las, mas não tem acesso. Outras têm a possibilidade de

leitura, mas não dão conta de lê-las. É fundamental a mediação por mãos

hábeis para a exploração, ressignificação, apropriação dessa literatura para

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que um maior número de brasileiros a conheça, e dessa maneira, poderá

contribuir para a visibilidade do afro-descendente. Todavia, penso que o Brasil

chegará em outra fase, assim espero, na qual não haverá mais distinções

étnicas para a literatura ou para a cultura, como vem sendo até o momento

denominada, mas vista e nomeada apenas como brasileira.

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86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS:

AGRÒ, Ettore Finazzi-. O duplo e a falta construção do outro e identidade

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KOUROUMA, Ahmadou. Homens da África. São Paulo: SM Edições, 2009.

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________. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo: Ática, 2004.

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LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

LOPES, Nei. História e cultura africana e afro-brasileira. São Paulo: Barsa Planeta, 2008.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

PAIVA, Aparecida & SOARES, Magda (Orgs). Literatura infantil: políticas e concepções. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Tradução Celina Olga de Souza. São Paulo: Ed. 34, 2008.

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012.

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VERSIANI, Daniela Beccaccia; YUNES, Eliana; CARVALHO, Gilda. Manual de reflexões sobre boas práticas de leitura. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Cátedra Unesco de leitura PUC-RIO, 2012.

WITTMANN, Reinhard. Existe uma revolução da leitura no final do século XVIII? In: História da leitura no mundo ocidental. CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. (Org.) Coleção Múltiplas Escritas. São Paulo: Ática, 1999.

ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

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2. REFERÊNCIAS FICCIONAIS:

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BARBOSA, Rogério Andrade. A tatuagem – Reconto do povo Luo. Ilustrações Maurício Negro. São Paulo: Editora Gaivota, 2012.

________. O lobo Ku Xibinhu: histórias que as crianças me contaram em Cabo verde. Ilustrações Jô Oliveira, São Paulo: Cortez, 2013.

________. O amigo de Darwin: Um jovem desenhista em Galápagos. Ilustrações Maurício Negro. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

________. Zanzibar, a ilha assombrada. Ilustrações Maurício Negro, São

Paulo: Cortez, 2012.

BEDRAN, Bia. O caraminguá. Ilustração Simone Matias. Rio de Janeiro: Nova

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BOAS, Marion Villas. Os orixás sob o céu do Brasil. Ilustrações Sandro

Lopes, São Paulo: Biruta, 2013.

BRAZ, Júlio Emílio. Moçambique. Ilustrações Cárcamo. São Paulo: Moderna,

2011.

CASTANHA, Marilda. Mil e uma estrelas. São Paulo: Comboio de Corda,

2011.

CHAMBERLIN, Mary e Rich. As panquecas de mama Panya. Ilustrações Julia Cairns. Tradução Cláudia Ribeiro Mesquita. São Paulo: Edições SM, 2005.

CHRYSANTHÈME. Contos para crianças. Ilustração de Julião Machado. In: Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. SCHWARCZ, Lilia Moritz. São Paulo: Claro Enigma, 2012.

COELHO, Ronaldo Simões & AGOSTINHO, Cristina. Joãozinho e Maria. Ilustrações Walter Lara, Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

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________. Rapunzel e o Quibungo. Ilustrações Walter Lara, Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.

COSTA, Elizabeth Rodrigues da & ROMEU, Gabriela. Tutu-Moringa: história que tataravó contou. Ilustrações Marilda Castanha, São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2013.

COSTA, Madu. Zumbi dos Palmares. Ilustrador Josias Marinho. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

CUNHA, Carolina. Mestre gato e comadre onça/ uma história de capoeira. Recontada e Ilustrada por Carolina Cunha. São Paulo: Edições SM, 2011.

DIAKITÉ, Baba Wagué. O dom da Infância – Memórias de um menino

africano. Tradução Marcos Bagno. Editora: SM, 2012.

DIELTIENS, Kristien. Meu nome é Pomme. Ilustracões Stefanie De Graef. Tradução Cristiano Zwiesele do Amaral. São Paulo: Edições SM, 2011.

FAVARO, Graziella. Um mundo de histórias de países distantes. Tradução Maria Amália Camargo. Vários ilustradores. 1. ed. São Paulo: FTD, 2012.

FERNANDES, Susana Maria. Gente vestida de noite. Ilustração Vera Ferro. 1 ed. Belo Horizonte: Abacatte, 2013.

FRANCO, Olívia de Mello. Menino Parafuso. Ilustrações Angelo Abu. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

FREITAS, Tino. Os invisíveis. Ilustração Renato Moriconi. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

GOMES, Nilma Lino. O menino coração de tambor. Ilustrações Maurício Negro. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

GONÇALVES, Zetho Cunha. A vassoura do ar encantado. Ilustrações Andréa Ebert. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

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GONÇALVES, Zetho Cunha e outros autores. Dima, o passarinho que criou o mundo: mitos, contos e lendas dos países de língua portuguesa. Ilustrações Angelo Abu. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

GIL, Gilberto. A linha e o linho. Ilustrações Marcela Fernandes de Carvalho. Rio de Janeiro: Escrita Fina, 2013.

HOFMEYR, Dianne. Bojabi – A árvore mágica. Ilustrações Piet Grobler. Tradução Carolina Maluf. São Paulo: Biruta, 2013.

ISADORA, Rachel. A princesa e a ervilha. Ilustrações da autora. Tradução Thaisa Burani, Edições Jogo de Amarelinha. São Paulo: Farol Literário, 2010.

JÚNIOR, Otávio César de Souza. O garoto da camisa vermelha. Ilustrações Angelo Abu. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

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LACERDA, Nilma. Sortes de Villamor. São Paulo: Scipione, 2010.

LAGO, Angela. Outra vez. Ilustrações Angela Lago. Belo Horizonte: Miguilin, 1984.

LAYE, Câmara. O Menino Negro. Tradução de Rosa Freire d‟Aguiar. 1 ed. São Paulo: Seguinte, 2013.

LIMA, Conceição. A dolorosa raiz do Micondó: poesia. São Paulo: Geração editorial, 2012.

LIMA, Heloisa Pires. O pescador de histórias. Ilustrações Élon Brasil, São Paulo: Melhoamentos, 2013. LIMA, Heloisa Pires & HERNANDEZ, Leila Leite. Toques do griô – Memórias sobre contadores de histórias africanos. Ilustrador: Kaneaki Tada. São Paulo: Melhoramentos, 2010. LOPES, Fabiana Ferreira. Maracatu nação. São Paulo: edições SM, 2013.

MABANCKOU, Alain. Irmã-Estrela. Ilustrações Judith Gueyfier. Tradução Ligia Cademartori. 1 ed. São Paulo : FTD, 2013.

MASSA, Ana Cristina. Aqualtune e as histórias da África. São Paulo: Gaivota, 2012.

MEIRELES, Cecília. Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-1943. 2 ed. São Paulo:Martins Fontes, 2003.

NEVES, André. Obax. Ilustrações André Neves. São Paulo: Brinque – Book, 2010.

OLIVEIRA, Ieda de. As cores da escravidão. Ilustrações d Rogério Borges, São Paulo: FTD, 2013.

OLIVEIRA, Jô de. Os donos da bola. Ilustrações do autor. São Paulo: Escala Educacional, 2010.

OLIVEIRA, Kiusam de. O mundo no Black Power de Tayó. Ilustração Taisa Borges. São Paulo: Peirópolis, 2013.

OLIVEIRA, Rui de. África eterna. 1. ed. São Paulo: FTD, 2010.

ONDJAKI. A bicicleta que tinha bigodes. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

________. AvóDezanove e o segredo do soviético. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

________. Há prendisajens com o xão: o segredo húmido da lesma & outras descoisas. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.

________. Os transparentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

PATRAQUIM, Luís Carlos. O coelho que falava latim. Ilustrações Roberto Chichorro. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

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PINGUILLY. Yves. Contos e Lendas da África. Ilustrações Cathy Millet. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

PEPETELA. A montanha da água lilás: fábula para todas as idades. Ilustrações Maurício Negro. 1. ed. São Paulo: FTD, 2013.

PRANDI, Reginaldo. Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo. Ilustrações Joana Lira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

________. Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira. Ilustrações Paulo Monteiro. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

________. Ifá, o adivinho: histórias dos deuses africanos que vieram para o Brasil com os escravos. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

________. Oxumarê, o arco-íris. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

________. Xangô, o trovão: outras histórias dos deuses africanos que vieram para o Brasil com os escravos. Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

REZENDE, Alexsander. Cabelo de Mola. São Paulo: Paulus, 2012.

RUI, Manoel. Conchas e búzios. Ilustrações Maurício Negro. 1.ed. São Paulo: FTD, 2013

ROSA, Sonia. Fuzarca. Ilustrações Tatiana Paiva. 1. ed. São Paulo: Brinque-Book, 2011.

SANTOS, Joel Rufino dos. A escravidão no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

SARMENTO, Pedro. Ubuntu: eu sou porque nós somos. Ilustrações Pedro Sarmento. Rio de Janeiro: Viajante do Tempo, 2013.

SECCO, Patrícia Engel. Um presente para Adeola: origem: Nigéria. Ilustrações Edu A. Engel. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

SERRES, Alain. Mandela: o africano de todas as cores. Ilustrações Zaü. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Edição brasileira publicada em 2013.

SISTO. Celso. Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos. Ilustrações Celso Sisto. São Paulo: Paulus, 2007.

TANAKA, Béatrice. A história do Chico Rei: um rei africano no Brasil. São Paulo: Edições SM, 2010.

VALE, Mário. O almoço. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1987.

________. Passarolindo. Belo Horizonte: RHJ, 1989.

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VENEZA. Maurício. Coração de Passarinho. Ilustração Maurício Veneza. Belo Horizente: Dimensão, 2013.

VIEIRA, José Luandino. Kaputu Kinjila e o sócio dele, Kambaxi Kiáxi. Ilustrações Marilia Pirillo. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

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APÊNDICE

1. Resenhas

As resenhas registradas vêm complementar os estudos e apresentar

mais algumas obras literárias. Elas foram publicadas entre os meses de

agosto de 2013 a fevereiro de 2014 no blog do PROLIJ – Programa

Institucional de Literatura Infantil Juvenil. Endereço:

http://blogdoprolij.blogspot.com.br/

1.1. Amor à minha Alta Guiné

Luciane Piai

O Menino Negro é um romance africano, do escritor guineano Camara

Laye, escrito em 1953, porém, atual mesmo para o século XXI. Conforme Alan

Mabanckou, essa obra é um “livro iniciático, um dos textos fundadores da

literatura africana contemporânea” (CAMARA, 2013, p. 12). Camara Laye foi

muito criticado na época por não abordar os conflitos políticos de seu país; ele

trilha outros caminhos: seus escritos estão baseados nas suas memórias da

infância e da adolescência, todavia, serviu de inspiração para muitos escritores

de sua geração e para os escritores contemporâneos do continente africano.

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Laye, o próprio protagonista da narrativa, de forma sensível e com

literariedade, traça um retrato da Alta Guiné. Quando o escreveu, já não

morava na África, e sim na França. Possivelmente, é por estar longe de sua

pátria e de seus entes queridos que o autor transmita no seu relato tanto afeto

e amor em cada fase de sua vida. A narrativa é marcada pela memória,

lembranças semi apagadas que denotam alguns vazios de informação, os

quais Laye não se preocupou em preenchê-los. A narrativa demonstra que as

memórias literárias extrapolam o real vivido, transitam entre o real e o

imaginário.

O livro apresenta, ainda, os costumes, as tradições, a importância dos

ritos na cultura africana; pormenoriza o rito de passagem e a circuncisão,

quando os candidatos desafiam o próprio medo do ritual secreto e se superam.

O foco principal está na convivência com seus pais, irmãos, tios, avó,

professores, mestres, líderes religiosos e amigos, tão rara para os dias atuais.

Leitor: é impossível não se debulhar em lágrimas no final dessa história.

Com certeza, você revivenciará laços de união com seu pai e sua mãe, assim

como Laye o fez, quando partiu novamente em busca de seus estudos,

seguindo seu destino.

FICHA TÉCNICA: Obra: O Menino Negro Autor: Camara Laye Tradutora: Rosa Freire d‟Aguiar. Editora: Seguinte Ano: 2013.

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1.2. A harmonia de uma aldeia

Luciane Piai

Caro leitor, eu estava desencantada/desacreditada dos mundos

mágicos das bruxas e de outros seres que povoam o imaginário. No entanto,

ao conhecer Mutango e Vilengo, as bruxas das Vassouras do Vento e das

Nuvens, respectivamente, minha credibilidade nos poderes das bruxas retornou

paulatinamente, com essas duas criaturas protetoras contribuindo para o bem

estar da aldeia. E quanto às suas idades, dizem que vivem há séculos.

Pense: quando você vê a chuva mansinha chegar e o sol nascer,

lembre-se que são elas que nos presenteiam. Bem, o restante de suas

façanhas vou deixar você descobrir, porque sabemos: com bruxas com tantos

poderes não dá para meter bobeira.

Este livro de ficção infantojuvenil angolano, A Vassoura do Ar

Encantado, foi escrito por Zetho Cunha Gonçalves, autor de Huambo, da

Angola, que passou a infância e a adolescência em Cutato, província do

Kuando – Kubango, onde aprendeu e vivenciou os costumes, as lendas de seu

povo e o respeito à natureza. Com essa experiência, dedica-se exclusivamente

à literatura e vive atualmente em Lisboa. As ilustrações são de Andrea Ebert,

natural de São Paulo.

FICHA TÉCNICA: Obra: A Vassoura do Ar Encantado Autor: Zetho Cunha Gonçalves Ilustrador: Andrea Ebert Editora: Pallas Ano: 2012

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96

1.3. As minhas memórias

Luciane Piai

Baba Wagué Diakité nasceu e viveu grande parte de sua vida na região

do Mali, África Ocidental. Na sua obra literária O dom da infância – Memórias

de um menino africano transmitem para o leitor a vivacidade de suas

memórias, sem deixar de lado sua origem simples e humilde, porém com uma

dignidade e fidelidade a todos os seus antepassados. A narrativa é recheada

de provérbios africanos, que fluem uma leveza pela voz de um garoto: “O corpo

inteiro de uma criança é de ouro, menos a cabeça – diziam -, e é necessário

um ancião dedicado para transformar essa cabeça em ouro.” (DIAKITÉ, 2012,

p. 16-17). Assim, esperava-se que as crianças e os jovens da família Diakité

crescessem com bom caráter e boa educação, com os valores passados na

aldeia. Os pais de Baba, vivendo longe da aldeia de Kassaro, desejaram que

seus filhos tivessem uma vivência significativa com seus familiares, de acordo

com a tradição. Então, desde pequeno, o menino conviveu com seus avós

paternos, seus tios e seus primos no compound (conjunto de moradias

cercadas por um muro, onde vivem as pessoas ligadas a um antepassado

comum).

O autor, também pintor e ceramista, ilustra a própria obra, utiliza

azulejos como suporte para suas pinturas e ilustrações. Ao término de suas

memórias faz um apêndice e dá o título de “Cantos da África Ocidental”. E,

assim, contextualiza a República do Mali, os habitantes dessa região, os

diversos povos africanos, entre eles, os Bambara. A história desse povo traz o

poder das palavras, já que na tradição oral africana os provérbios são muito

comuns. Ainda faz um breve relato da estrutura familiar e social da aldeia, a

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97

sua alimentação, o seu vestuário, as suas festas e o mercado. E você, está a

fim de experimentar instantes memoráveis nesse continente?

FICHA TÉCNICA: Obra: O dom da infância – Memórias de um menino africano Autor e ilustrador: Baba Wagué Diakité Tradução: Marcos Bagno Editora: SM (Cantos do Mundo) Ano: 2012

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98

1.4. Mitologia dos iorubas

Luciane Piai

Ocanrã, Ejiocô, Etaogundá, Irossum, Oxé, Obará, Odi, Ejiobê, Ossá,

Ofum, Ouorim, Ejilá-Xeborá, Ejiologbom, Icá, Oturá e Oturopom são os

dezesseis odus, chamados de príncipes do destino; eles fazem parte da

mitologia dos iorubás. Sabe qual é a missão deles? Bem, vou contar só um

pouquinho... Eles têm o ofício de colecionar e contar histórias; cada odu é

responsável por um assunto específico. Esse povo acredita que tudo na vida se

repete: o que acontece e acontecerá na vida de alguém já aconteceu no

passado para outra pessoa. As crianças iorubás, quando nascem, ficam sob a

proteção de um dos dezesseis príncipes do destino, o seu odu, o padrinho de

seu destino. Agora, fiquei pensando... Eu não tenho um odu, gostaria de tê-lo.

Privilégio dos iorubás !!! O povo fazia oferendas e rezas a eles a fim de receber

favores, proteção e orientação. Cada um tinha que cuidar de seu destino e

seguir a tradição. Como os príncipes do destino não vinham mais à Terra dos

homens, os adivinhos iorubás, através do jogo dos búzios, com os dezesseis

príncipes de Ifá, eram consultados para orientar a vida dos seres humanos.

Voltando à história... Os dezesseis príncipes trabalhavam para Ifá, o

deus, o orixá do destino, o mestre do acontecer da vida. Certo dia Ifá desejou

conhecer as histórias de cada odu, para saber o que aconteceria na terra.

Então convidou todos em sua casa no Orum, o céu dos deuses iorubás, para

uma reunião. Alguém faltou? Pense... E assim na primeira reunião Ifá

determinou que todos deveriam vir juntos à sua casa a cada dezesseis dias

para contar as histórias acontecidas; isso iria completar ao todo dezesseis

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reuniões. Imagine ao final de todas as reuniões: foram trezentas e uma

histórias contadas sobre a vida dos homens e mulheres. Calma, não se

assuste! Nesse livro são apenas dezesseis, pois “Ifá” escolheu apenas uma

história de cada reunião para ser narrada. Ah, já estava esquecendo: no final

de cada reunião era servido um delicioso banquete para todos os príncipes.

Que tal provarmos também?!

FICHA TÉCNICA:

Obra: Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira Autor: Reginaldo Prandi Ilustrador: Paulo Monteiro Editora: Cosac Naify Ano: 2001.

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1.5. Histórias vindas do continente africano

Luciane Piai

O SOPRO DOS ANCESTRAIS Ouça mais as coisas

que os seres. A voz do fogo se ouve,

ouça a voz da água, escute no vento

o arbusto soluçar. É o sopro dos ancestrais...

(Birago Diop, p.249)

A África vem até nós pelas sociedades orais que, tradicionalmente,

transmitiram de geração a geração as histórias e, atualmente, chegam através

da escrita. A obra é uma coletânea de Contos e lendas da África, composto

por dezessete contos e lendas africanas, assemelhando-se a outros contos

populares de outros continentes, escritos por Perrault, Irmãos Grimm e

Andersen, por também apresentarem homens ou animais que disputam quem

é o mais esperto ou o mais veloz. A vingança está presente na narrativa

através do castigo trágica da própria morte, para quem trai ou mente, assim

como a maldade para com o outro, a fim de ganhar alguma vantagem. No

conto com o título O caçador mais forte que o leão que engole a tempestade

observa-se que há uma moral no final da história: respeitar sempre o cachorro

mais velho que está com idade avançada.

Yves Pinguilly é um escritor francês que escreveu cerca de quarenta

livros para jovens, muitos tendo como cenário os países da África. É um

conhecedor apaixonado por esse continente há mais de vinte e cinco anos. O

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autor escolheu histórias de alguns países para essa narrativa, e logo no início

da obra ele situa o leitor com um mapa e assinala o país e o respectivo povo do

qual o conto e a lenda foram resgatados. Outro aspecto relevante e essencial

para a leitura é a existência de um pequeno abecedário africano que se

encontra no início das narrativas; apresenta vocábulos específicos desse

continente.

A ilustração de Cathy Millet é do tipo que nos surpreende a cada novo

conto, como uma nova ilustração que se lê com a pretensão de descobrir a

história, porém ela é sutil, apenas nos incentiva imediatamente à narrativa.

Seus traços são simples, lembram traços infantis. Neles, a forma geométrica

predomina, sendo de cor preta e branca, com sombreamento. Ficou

curioso/curiosa? Então venha logo, antes que o sol se ponha.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Contos e lendas da África Autor: Yves Pinguilly Ilustrador: Cathy Millet Tradutor: Eduardo Brandão Editora: Companhia das Letras Ano: 2005

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1.6. A voz de uma poetisa

Luciane Piai

O lirismo poético na obra A dolorosa raiz do Micondó, da poetisa e

jornalista de São Tomé e Príncipe, Conceição Lima, perpassa os versos,

transmitindo muita dor como foi identificado no próprio título da obra. A poetisa

ganhou destaque pelos seus poemas em 1975, no período pós-independência

de São Tomé e Príncipe; ela tem publicado em antologias, em jornais e em

revistas de diversos países. A obra, uma coletânea composta por vinte e sete

poemas, sugere um olhar para os acontecimentos históricos ocorridos com a

colonização. Na época do povoamento, o arquipélago recebeu escravos,

trazidos pelos portugueses, de vários países do continente africano para

trabalharem nas lavouras de cana-de-açúcar. Eram grupos de diferentes

origens e línguas. A autora reflete, em sua obra, essa diversidade linguística e

no final da coletânea apresenta um glossário com termos em crioulo.

Presente no título da obra, o termo Micondó, ou imbondeiro designa

uma árvore sagrada, com uma simbologia de retomada às origens, uma busca

nos antepassados. Essa árvore está presente em algumas regiões do

continente africano.

Conceição Lima, autor do citado livro, em seus versos faz uma crítica à

política local e também um grito pessoal e coletivo pela identidade, pois seu

povo foi separado neste processo de colonização. Além de transmitir

poeticamente todas as atrocidades ocorridas, a autora tem esperança e o

desejo de mudanças em seu país.

FICHA TÉCNICA: Obra: A dolorosa raiz de Micondó: poesia Autor: Conceição Lima Editora: Geração Editorial Ano: 2012

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1.7. Os orixás no Brasil Luciane Piai

O livro Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo

apresenta lendas e mitos africanos por meio de doze contos que abordam a

criação do mundo. A personagem principal desse enredo é uma fictícia jovem

mãe africana, chamada Adetutu, do povo iorubás. Ela foi capturada,

acorrentada e lançada num porão de navio negreiro para ser trazida ao Brasil,

juntamente com outros como escravos.

Foram muitas as suas perdas, grande o sofrimento, para esquecer a dor

do distanciamento dos seus dois filhos, Taió e Caiandê. Da sua família e da

sua aldeia, ela se transporta, através do sonho, para o mundo espiritual de seu

deus Xangô, de quem era filha e sacerdotisa devota. Uma única era a certeza:

não tinham lhe tirado as suas memórias; havia também orgulho de sua origem

nobre, de seus deuses e de seus ancestrais.

Adetutu sonhou com a criação do mundo e dele participou: Olorum, o

Ser Supremo, encarrega o filho mais velho, Oxalá, na missão da criação,

porém, devido a sua prepotência, Exu, seu irmão mais novo, apronta as suas

façanhas e Odudua, outro irmão, é quem cria todos os elementos do mundo.

Todavia, faltava criar o ser humano e esse poder estava na cabeça de Oxalá.

Após várias tentativas, ele consegue transformar em humanos. A Iemanjá,

chamada de Odóia, de Iá Mi, Rainha do Mar e Senhora do Oceano, coube

cuidar das cabeças de todos os homens e mulheres.

Prandi, no epílogo, continua a narrativa da chegada de Adetutu em

Salvador, Bahia, onde foi vendida como escrava urbana e após trinta anos

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compra a alforria e constrói um templo para Xangô; estava assim criado o

candomblé, a religião dos orixás em terras brasileiras.

O autor, no apêndice, apresenta através de documentos iconográficos o

ritual da religião afro. Que tal, você também participar da criação do mundo?

FICHA TÉCNICA:

Obra: Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo Autor: Reginaldo Prandi Ilustradora: Joana Lira Editora: Companhia das Letras Ano: 2007.

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1.8. Escutem o griô!

Luciane Piai

Os griôs são contadores de histórias da tradição oral africana; dominam

e guardam a palavra para o registro de suas memórias. O nome griô é

específico da antiga região do Mali e começou a ser utilizado no século XVII,

pois antes disso era conhecido por diéli. Em outras línguas, ou seja, em outros

países, eles recebem nomes diferentes como: jaaro, bambaado, wambaabe,

guewel e marok’i.

Para se tornar um deles era necessário ser filho de pai e mãe griôs e,

por tradição, receber uma educação especial para se tornar autêntico. É

interessante saber que cada grande vila tinha sua aldeia desses contadores de

histórias. Eles tinham as escolas específicas, nas quais aprendiam as técnicas

de memorização, a confecção dos instrumentos musicais e como tocá-los,

além do uso das vestimentas adequadas para cada ocasião. Quanto às

mulheres, elas recebem o nome de griotes. A sua formação é distinta da dos

homens, sendo transmitida de mãe à filha. Elas dominam o canto, a dança e

tocam os instrumentos. “Os griôs podem ter o conhecimento de mais de mil

contos ou ser peritos na arte dos provérbios.” (LIMA & HERNANDEZ, 2010, p.

26)

Eles conhecem as suas histórias e as repassam – palavra a palavra. E

entoam canções na hora da colheita, ao som de seus tambores, de seu

balafom e da sua kora, recordando, assim, o tempo da fartura.

Cada um tinha a sua faceta: os instrumentistas, os poetas, os cantores,

os dançarinos, os sábios dos provérbios, o distribuidor de contos e lendas, os

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guerreiros, os sacerdotes, os genealogistas, os conselheiros, os representantes

do governo e os diplomatas.

Que tal conhecer a história de Sundiata Keita e do seu griô, Bala

Fasekê Kouyaté? Venha ouvir a kora de vinte e uma cordas.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Toques do griô - Memórias sobre contadores de histórias africanos Autoras: Heloisa Pires Lima & Leila Leite Hernandez Ilustrador: Kaneaki Tada Editora: Melhoramentos Ano: 2010.

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1.9. Capoeira

A capoeira é amorosa, não é perversa. É um

hábito cortês que criamos dentro de nós, uma

coisa vagabunda. (Mestre Pastinha) 26

Luciane Piai

O livro Mestre gato e comadre onça / uma história de capoeira -

recontado e ilustrado por Carolina Cunha - é um valoroso material para se

conhecer as manifestações culturais, dentre as quais a capoeira é um legítimo

legado da tradição africana. Na obra, a autora com dinamismo, através de

personagens animais, ensina a ginga da capoeira de uma forma leve e

divertida. Leitor/leitora, você não pode perder as façanhas do gato capoeirista.

E ainda: para apreciar a leitura com um gingado próprio, acompanha um CD

com cantigas da capoeira, gravadas por crianças e mestres do Grupo Nzinga,

Espaço Cultural Pierre Verger e Projeto Pequenos do João. Tenho certeza que

a criançada vai adorar como eu também gostei.

A autora conheceu essa história da Iaiá Cici, uma contadora de histórias,

por isso ela a reconta. Mestre gato e comadre onça é uma fábula afro-

brasileira, muito conhecida e cantada pelos capoeiristas. Ah, se você

desconhece o vocabulário próprio desse jogo, não se preocupe, ele está no

final da história. E os golpes e os movimentos? Também está lá tudo explicado.

E quer saber mais, como por exemplo de qual país e povos ela é originária,

quais os mestres capoeiristas mais conceituados? Basta abrir as páginas e

26

http://nzinga.org.br/pt-br/mestre-gato-e-comadre-on%C3%A7a

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você encontra as respostas no final do livro. Chega de delongas e vamos à

leitura!

FICHA TÉCNICA:

Obra: Mestre gato e comadre onça / uma história de capoeira Autor: Carolina Cunha Ilustradora: Carolina Cunha Editora: Edições SM Ano: 2011

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1.10. Diálogos Brasil-África apontam caminhos para a mediação de novas

produções infantis e juvenis

Luciane Piai

A obra Literatura infantil juvenil: diálogos Brasil-África, de Sueli de

Souza Cagneti e Cleber Fabiano da Silva, publicado pela Autêntica, em 2013,

vem diretamente ao encontro de nossa realidade brasileira. Enfim, parece que

a Lei 10.639/2003, começa a ser vivenciada. Percebe-se, atualmente, uma

grande quantidade de livros infantis e juvenis com a temática africanidade

chegando mensalmente nas prateleiras das livrarias e das bibliotecas das

escolas, faltando, porém, repertório para que as obras sejam trabalhadas em

sua amplitude. Eis um livro que vem contribuir pioneiramente para a difusão e a

exploração de obras voltadas para a temática em questão por aqueles que

pretendem mediá-la, em especial, com crianças e jovens.

Os autores são experientes na área de literatura infantil e juvenil e

somente isso, já é motivo para essa leitura teórica. Não bastasse, são “cri-

ativos” quando trazem à tona a temática afro em forma de diálogo,

compreensível aos discentes, aos docentes e aos interessados em ser

sensibilizados para uma “trans-formação”, para um homem mais “cons-ciente”.

Como se sabe, a história cultural brasileira ficou alheia à cultura afro no Brasil

durante anos, todavia, esta última - por ser a essência de pessoas fortes e

sábias - resistiu e se infiltrou nos diversos cantos das terras tupiniquins.

O livro apresenta e analisa algumas obras literárias com essa temática

para possíveis leituras, tanto no campo verbal como no visual, instigando à

percepção do que se encontra nas bordas, nas entrelinhas, nos intertextos e

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nas metáforas, por diferentes ângulos e em contextos ampliados. Tal proposta

sugere uma mudança de pensamento em relação ao negro, ressignificando

olhares sobre ele.

As intenções dos autores estão claras, pois ressaltam que a obra é um

material de apoio ao professor, ao selecionar os livros, como também, a

apontar a importância da mediação do docente em sala de aula.

Vale lembrar que o prefácio foi escrito pelo Dr. Reginaldo Prandi,

professor da USP, sociólogo, escritor e pesquisador com ênfase nas religiões

afro-brasileiras.

Essa é leitura acertada!

FICHA TÉCNICA:

Obra: Literatura infantil juvenil: diálogos Brasil-África Autores: Sueli de Souza Cagneti e Cleber Fabiano da Silva Editora: Autêntica Ano: 2013

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1.11. O grande líder: Madiba

A partir de amanhã, será preciso mudar tudo no país, unidos, sem ódio e sem espírito de vingança.

(SERRES, 2012, p. 49)

Luciane Piai

O autor Alain Serres e o ilustrador Zaü, ambos franceses, apresentam a

obra: Mandela: o africano de todas as cores; um livro biográfico do maior

líder africano e do mundo nos últimos tempos. No Brasil, a obra foi editada em

2013, ano de sua morte, ocorrida em 5 de dezembro.

Serres conta toda a história de Mandela, do nascimento até depois do

exílio. Inicia sua narrativa em 1918, ano de nascimento do menino Rolihlahla,

na aldeia de Mvezo, na África do Sul. No primeiro dia na escola seu nome é

alterado para Nelson Mandela, pois recebe um nome cristão e britânico. Ele

sempre foi um aluno aplicado, forma-se em Direito em 1951, um dos primeiros

advogados negros de Joanesburgo.

O livro dá detalhes da história de luta de Mandela, suas primeiras

batalhas contra o apartheid, e os vinte e sete anos de prisão. Enfim, Mandela é

um homem livre no dia 10 de fevereiro de 1990, começa, então, outra grande

luta –mudanças em seu país, como a implantação de novas leis, respeitando

todos com igualdade. Em 27 de abril de 1994, acontecem as primeiras eleições

livres no país, pela primeira vez os negros votam. No dia 10 de maio do mesmo

ano, Mandela é o presidente da República. “Manifesta seu orgulho por dirigir

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„uma nação arco-íris, em paz consigo mesmo e com o mundo‟.” (SERRES,

2012, p. 60)

Leitor, essa obra é uma daquelas que nos pega de jeito, que nos torna

mais humanos e sensíveis a grandes causas como fez o líder Madiba.

A obra possui uma seção “Para compreender melhor”, na qual há um

mapa da África do Sul e suas principais cidades, também explicações sobre:

apartheid, CNA (Congresso Nacional Africano), colonização, economia,

geografia, população, línguas e outros. E ainda, a cronologia de toda a sua

história, algumas fotos significativas de momentos que marcaram a sua vida ou

a do seu país. Por último o poema preferido de Nelson durante seu período na

prisão: “Invictus”, do poeta britânico Willian Ernest Henley, escrito em 1875.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Mandela: o africano de todas as cores

Autor: Alain Serres

Ilustrador: Zaü

Tradução: André Telles

Editora: Zahar

Ano: 2012

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ANEXO

1. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. 27

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de

1996, que estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional, para incluir no currículo

oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da

temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e

dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei n

o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos

seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História

da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito

de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

27 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm acesso em

5 de dezembro de 2013.

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"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional da Consciência Negra‟."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115

o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque