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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PRG CURSO DE PSICOLOGIA / HABILITAÇÃO PSICÓLOGO TRABALHO DE FINAL DE CURSO O desaparecimento de um membro da família: estudo dos aspectos da dinâmica e reestruturação familiar. Autora: Alessandra Oliveira Souza Orientadora: Profª. Drª. Maria Alexina Ribeiro. Banca Examinadora: Edna Maria da Silva Andrade Melo.

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PRG

CURSO DE PSICOLOGIA / HABILITAÇÃO PSICÓLOGO

TRABALHO DE FINAL DE CURSO

O desaparecimento de um membro da família: estudo dos aspectos da dinâmica e

reestruturação familiar.

Autora: Alessandra Oliveira Souza

Orientadora: Profª. Drª. Maria Alexina Ribeiro.

Banca Examinadora: Edna Maria da Silva Andrade Melo.

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O desaparecimento de um membro da família: estudo dos aspectos da dinâmica e da reestruturação familiar.

RESUMO

O desaparecimento de um membro é vivido por muitas famílias com grande sofrimento, tendo em vista a ruptura das relações estabelecidas com a pessoa, que repentinamente deixa de fazer parte do convívio familiar. Os sentimentos mais presentes envolvem a questão da ambigüidade que permeia a família no decorrer dos anos, dificultando a busca e a elaboração do luto. Atualmente, de acordo com o Ministério da Justiça existem 45 crianças e adolescentes desaparecidas no Distrito Federal. O presente estudo buscou compreender como as famílias se reestruturam diante do desaparecimento de um membro. Para tanto, investigamos a dinâmica familiar, os papéis exercidos por cada membro, as formas e circunstâncias do desaparecimento, bem como os processos que são envolvidos diante da perda, principalmente, os relacionados à perda ambígua. Para realização do estudo escolhemos a teoria sistêmica, já que a base da investigação proposta relaciona-se diretamente com as questões familiares. Nesse sentido, o método utilizado foi a pesquisa qualitativa, através do estudo de caso, onde entendemos ser possível acessar questões de maneira mais profunda, aproximando o pesquisador dos colaboradores. Foram realizadas duas entrevistas com uma família que vive em seu contexto atual o desaparecimento de um de seus membros. As entrevistas foram realizadas na Universidade Católica de Brasília e na residência da família, sendo gravadas em fita. Os dados foram analisados e interpretados à luz da abordagem sistêmica da família e os instrumentos utilizados para compreensão do fenômeno estudado foram os roteiros de entrevista e o genograma. Os resultados demonstraram que o sofrimento é algo presente em suas vidas após o desaparecimento, bem como o sentimento inacabado de dúvida. Apesar da mobilização familiar a busca do membro não teve êxito. A reestruturação e as mudanças positivas no contexto familiar são identificadas como: menor valor às questões materiais, aprendizado com a experiência, aproveitamento dos momentos livres com as pessoas que fazem parte da família, aumento da comunicação e preocupação com acontecimentos vividos por cada membro. Os dados do estudo foram discutidos e relacionados aos encontrados na literatura.

Palavras-chave: desaparecimento, família, perda ambígua.

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PARECER

Apresento o Trabalho de Final de Curso “O desaparecimento de um membro da

família: estudo dos aspectos da dinâmica e reestruturação familiar”, de Alessandra

Oliveira Souza.

A pesquisa teve como objetivo geral: conhecer a repercussão que o

desaparecimento de um membro tem sobre a dinâmica familiar, identificando suas

estratégias de enfrentamento e mecanismos de reestruturação. Os objetivos específicos

foram: conhecer a estrutura familiar anterior e posterior ao desaparecimento do seu

membro; identificar os mecanismos e as estratégias utilizadas pela família para o

enfrentamento do problema e indicar elementos importantes para que terapeutas sistêmicos

possam trabalhar com famílias que tenham este tipo de demanda.

O estudo se faz importante tendo em vista a quantidade de famílias que convivem

com o desaparecimento de um de seus membros, sejam crianças, adolescentes, adultos ou

idosos. De acordo com os autores da abordagem sistêmica da família a perda representa

uma transição maior que rompe os padrões de interação do ciclo de vida, e, portanto,

requer uma reorganização familiar e propõe desafios de adaptação. Entendemos que os

resultados aqui apresentados poderão contribuir para a compreensão de como a família

vive o desaparecimento de seu ente, a insegurança e a incerteza de que algum dia o terão

em seu convívio novamente.

Trata-se de um tema atual e pouco estudado. Destacam-se a originalidade da

pesquisa, o aprofundamento do levantamento bibliográfico realizado, os cuidados

metodológicos e preocupações éticas, que renderam a esse TFC a nota máxima da banca

examinadora.

Brasília, 30 de março de 2007.

Professora Doutora Maria Alexina Ribeiro

Orientadora da pesquisa

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SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................................2 SUMÁRIO.........................................................................................................................4 1 - INTRODUÇÃO.........................................................................................................6 2 – REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................10

2.1 – Família ....................................................................................................................10 2.2 – Estrutura, Adaptação e Papéis Familiares...............................................................14 2.3 – Ciclo de Vida Familiar............................................................................................17 2.4 – A Perda na Família .................................................................................................19 2.5 – Perda Ambígua .......................................................................................................22 2.6 – A Morte e o Ciclo de Vida Familiar .......................................................................31 2.7 - Resiliência ...............................................................................................................33

3 - OBJETIVOS.............................................................................................................41 3.1 - Objetivo Geral .........................................................................................................41 3.2 – Objetivos Específicos .............................................................................................41

4 – MÉTODO .................................................................................................................42 4.1 – Participantes............................................................................................................43

FIGURA I ........................................................................................................................44 GENOGRAMA ...............................................................................................................44

FIGURA II ......................................................................................................................45 LEGENDA - GENOGRAMA .........................................................................................45 4.2 – Instrumentos............................................................................................................46 4.3 – Procedimentos.........................................................................................................47 4.4 – Análise dos Dados ..................................................................................................48

5 – ESTUDO DE CASO .............................................................................................50 5.1 – A Família de João ...................................................................................................50 5.2 – O Desaparecimento.................................................................................................50 5.3 – Expectativa e mistério.............................................................................................51 5.4 – A dor da ausência....................................................................................................51 5.5 – Rotina......................................................................................................................51 5.6 – Dificuldades encontradas na busca .........................................................................51 5.7 – Facilidades e tentativas ...........................................................................................51 5.8 – Religião...................................................................................................................51 5.9 – Apoio psicológico ...................................................................................................51 5.10 – Apoio governamental............................................................................................51 5.11 – Saber o que aconteceu...........................................................................................51 5.12 – Perda ambígua.......................................................................................................51 5.13 – Uma palavra, uma frase, um sentimento...............................................................51 5.14 – Relacionamento familiar antes e após o desaparecimento....................................51

6 – DISCUSSÃO............................................................................................................51 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................51 8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................51 Anexo I..............................................................................................................................51

Roteiro de Entrevista com a Família................................................................................51 Anexo II ............................................................................................................................51

Dados do Desaparecido ...................................................................................................51

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Anexo III ..........................................................................................................................51 Roteiro da Entrevista Semi-estruturada ...........................................................................51

Anexo IV ..........................................................................................................................51 Termo de Livre Consentimento .......................................................................................51

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1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho surgiu do interesse em investigar e compreender como as

famílias de pessoas desaparecidas se reestruturam diante da perda de seu membro. Uma

visita à casa rosada, sede do Governo da Argentina, em janeiro de 2005, em uma tarde de

quinta-feira, motivou-me ainda mais a trabalhar com o referido tema. Lá foi possível

perceber, mesmo que superficialmente, a repercussão que o desaparecimento de uma

pessoa pode ter na vida dos seus familiares. Neste dia da semana, quinta-feira, há mais de

trinta anos, mães de pessoas desaparecidas na época da ditadura militar, se reúnem para

reivindicar do governo o paradeiro de seus entes. Fazem “panelaço”, religiosamente, e,

principalmente, choram pela perda e falta de informações. Famílias que são obrigadas a

conviver com a impossibilidade de velarem os corpos de seus entes queridos e de

superarem os longos anos de angústia e incerteza.

Diante da problemática apresentada foi possível determinar alguns parâmetros

fundamentais para nortear o presente estudo. Que estratégias de enfrentamento essas

famílias utilizam para lidar com a perda, como redefinem os papéis familiares diante do

desaparecimento repentino, como lidam com a ambigüidade tão salientada pelos autores

que estudam o problema e, finalmente, como a psicoterapia familiar - sistêmica pode

compreender a dinâmica dessas famílias e como este estudo pode indicar parâmetros

essenciais para que terapeutas possam trabalhar com este tipo de demanda.

O estudo tem como finalidade conhecer a estrutura familiar anterior e posterior ao

desaparecimento, pois como ressalta Andolfi (1984, apud CERVENY; BERTHOUD,

2002) a família é um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo

complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o

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crescimento psicossocial de seus membros. Esse processo dual de continuidade e

crescimento permite o desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo,

assegura a diferenciação entre seus membros.

A estrutura familiar demarca e fortemente caracteriza como o individuo age dentro

e fora do contexto familiar. O estudo se atentará para as relações familiares a partir da

confirmação do desaparecimento.

É necessário também conhecer as circunstâncias que envolveram o momento do

desaparecimento, bem como a fase do ciclo de vida familiar, pois como postulam alguns

autores, o momento de cada família, diante do mesmo problema, pode ser vivido de

diferentes maneiras. Gerson e McGoldrick (1995) consideram que o ciclo de vida familiar

é um fenômeno complexo. Ele é um espiral da evolução familiar, na medida em que as

gerações avançam no tempo em seu desenvolvimento do nascimento à morte. Já Cerveny e

Berthoud (2002) o descrevem como sendo um conjunto de etapas ou fases definidas sob

alguns critérios (idade dos pais, filhos, tempo de união de um casal, entre outros) pelos

quais as famílias passam, desde o início da sua constituição em uma geração até a morte

dos indivíduos que a iniciaram.

O desaparecimento de um membro pode atingir a dinâmica familiar de diversas

formas, mas a sensação de perda permeia todas elas, pois, geralmente, a confirmação do

fato é regada a mistério e despreparo dos familiares, já que não costumam contar com a

possibilidade de perder uma pessoa de tal maneira. Sendo assim, os aspectos que envolvem

a perda, dentro do contexto familiar, é demasiadamente relevante diante da tentativa de

compreensão desse fenômeno.

Gerson e McGoldrick (1995) consideram a perda como uma transição maior que

rompe os padrões de interação do ciclo de vida, e que, portanto, requer uma reorganização

familiar e propõe desafios de adaptação compartilhados. O senso de movimento de uma

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família através do ciclo de vida pode ficar paralisado ou distorcido depois de uma perda, e

os genetogramas nos permitem traçar o efeito das perdas ao longo do tempo. Outra

característica vivida por grande parte das famílias, que possuem algum membro

desaparecido, é definida por alguns teóricos como perda ambígua. Esta compreensão

permite averiguar a capacidade que os membros familiares vão lidar com o problema.

Para Walsh e McGoldrick (1998) a ambigüidade em torno de uma perda interfere

na obtenção de controle sobre ela, freqüentemente produzindo depressão nos familiares.

Um ente querido pode estar fisicamente ausente, mas psicologicamente presente, como em

situações de seqüestro, “desaparecimentos” de dissidentes políticos ou de soldados em

ação. A incerteza quanto à morte de um membro pode ser uma agonia para a família. Por

exemplo, no caso de uma criança desaparecida, a família pode se consumir nos esforços

para manter a esperança, mesmo temendo pelo pior, e busca tentativas desesperadas de

obter informações que confirmem o destino da criança. A impossibilidade de recuperar um

corpo pode aumentar o sofrimento.

Uma das estratégias de enfrentamento para lidar com esse tipo de situação,

geradora de grande sofrimento e angústia, parece ser a capacidade que todos os indivíduos

possuem de serem resilientes, ainda que algumas pessoas sejam mais ou menos detentoras

de tal característica. Walsh (1998, apud MELILLO; OJEDA, 2005, p. 81) afirma que a

resiliência não é uma essência, que alguns possuem e outros não. Para eles é necessário

que a pessoa seja capaz de reconhecer os problemas e limitações a enfrentar, comunicá-los

aberta e claramente, registrar os recursos pessoais e coletivos existentes e organizar e

reorganizar as estratégias e metodologias, tantas vezes quanto necessário, revisando e

avaliando perdas e ganhos.

Atualmente, segundo informações do Ministério da Justiça, existem cerca de 45

crianças e adolescentes desaparecidos no Distrito Federal, sendo que 17 desapareceram

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após enfrentarem algum tipo de conflito familiar. Nesse sentido, o estudo se faz necessário

e importante, tendo em vista a quantidade de famílias que convivem com o

desaparecimento de um de seus membros. Contribuirá também para a compreensão de

como a família vive o desaparecimento de seu ente. Como lidam com a insegurança e a

incerteza de que algum dia terão em seu convívio novamente o familiar?

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2 – REFERENCIAL TEÓRICO

Na busca de compreendermos a problemática apresentada e de viabilizar o presente

estudo que tem por objetivo “Conhecer a repercussão que o desaparecimento de um

membro tem sobre a dinâmica familiar, identificando suas estratégias de enfrentamento e

mecanismos de reestruturação”, foi necessário um aporte teórico que abordasse os

conceitos que envolvem o tema pesquisado. Neste estudo, abordaremos alguns conceitos,

tais como: família, papéis familiares, ciclo de vida familiar, a morte e o ciclo de vida

familiar, perda na família, perda ambígua e resiliência.

2.1 – Família

Minuchin (1982) ressalta que a teoria familiar está fundamentada no fato de que o

homem não é um ser isolado. Ele é um membro ativo e reativo de grupos sociais. O que

experiência como real depende de componentes tanto internos como externos.

Von Bertallanfy (1972, apud CALIL, 1987, p. 17) afirma que a família pode ser

considerada como um sistema aberto, devido ao movimento de seus membros dentro e fora

de uma interação uns com os outros e com sistemas extrafamiliares (meio ambiente –

comunidade), num fluxo recíproco constante de informação, energia e material. A família

tende também a funcionar como um sistema total. As ações e comportamentos de um dos

membros influenciam e simultaneamente são influenciados pelos comportamentos de todos

os outros.

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A família pode, então, ser vista como um sistema que se auto-governa através de regras, as quais definem o que é e o que não é permitido. Estabiliza-se, equilibra-se em torno de certas transações que são a concretização dessas regras. O sistema familiar oferece resistência a mudanças além de um certo limite, mantendo, tanto quanto possível, os seus padrões de interação – sua homeostasia. Existem padrões alternativos disponíveis dentro do sistema, mas qualquer desvio que vá além do seu limite de tolerância aciona mecanismos que restabelecem o padrão usual. O mecanismo utilizado na família para restabelecimento da homeostase é denominado retroalimentação negativa, ou feedback negativo. (CALIL, 1987, p. 19)

Para Osório (1996), família não é um conceito unívoco. Segundo ele, pode-se até

afirmar, que a família não é uma expressão passível de conceituação, mas tão somente de

descrições; ou seja, é possível descrever as várias estruturas ou modalidades assumidas

pela família através dos tempos, mas não defini-la ou encontrar algum elemento comum a

todas as formas com que se apresenta este agrupamento humano.

Andolfi (1984, apud CERVENY e BERTHOUD, 2002, p. 17), considera que a

família é um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo

que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento

psicossocial de seus membros. Esse processo dual de continuidade e crescimento permite o

desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação

entre seus membros.

As autoras complementam ainda que a unidade familiar também é um sistema

composto por indivíduos que podem ser considerados sistemas por si só e ainda ser parte

do sistema familiar, que fazem parte de um sistema familiar maior que se inclui em outros

sistemas mais amplos como o econômico e sociocultural.

A família proporciona o marco adequado para a definição e conservação das

diferenças humanas, dando forma objetiva aos papéis distintos, mas mutuamente

vinculados, do pai, da mãe, e dos filhos, que constituem os papéis básicos em todas as

culturas. Pichon-Rivière (1981, apud OSÓRIO, 1996, p. 15).

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Féres-Carneiro (1992) ressalta que dependendo da forma como o grupo familiar

estrutura-se e da dinâmica que estabelece, ele pode funcionar como facilitador ou como

dificultador na formação da saúde mental de seus membros. Não é tarefa fácil fazer a

distinção entre famílias mentalmente sadias e famílias mentalmente enfermas.

Para Osório (1996) existem alguns elementos introdutórios que possibilitam

condições para formular uma definição ad hoc, de cunho operativo, sobre família:

Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais – aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (irmãos) – e que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. [...] a família pode se apresentar, a grosso modo, sob três formatos básicos: a nuclear (conjugal), a extensa (consangüínea) e a abrangente.

Féres-Carneiro (1983) utiliza uma classificação criada por Pichon-Rivière,

Fernandez e Tubert (1970) para classificar as famílias em: aglutinadas, uniformadas,

isoladas e integradas. Na família aglutinada, há uma falha da identidade grupal,

compensada pela tendência exagerada à aglutinação, o que dificulta a individualização de

seus membros. Há um absolutismo do papel materno e um exagero das normas maternas.

A interação é estereotipada e há um predomínio de mensagens concretas e com intensa

carga emocional.

Para a família uniformada, a falha na identidade grupal é compensada pela

tendência exagerada à uniformidade. Há um absolutismo do papel paterno e um exagero

das normas paternas. A interação também é estereotipada e as mensagens são, ao mesmo

tempo, concretas e abstratas, com carga emocional controlada.

Já na família isolada, há um predomínio excessivo das identidades individuais, com

perda da identidade grupal. A interação é escassa e os papéis familiares estão ausentes.

Não é relevante o grau de abstração e as mensagens quase não têm carga emocional.

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Por último, o autor descreve a família integrada, onde há um equilíbrio entre a

identidade individual e a grupal. A interação é estável e flexível. Existe equilíbrio entre os

papéis e as normas, e essas são discutidas explicitamente. As mensagens são concretas e

abstratas, com carga emocional instrumental.

Toda família enfrenta situações de tensão e a família sadia não pode ser distinguida da família enferma pela ausência de problemas. Para avaliar uma família, o terapeuta deve dispor de um esquema conceitual do funcionamento familiar, baseado na concepção da família como sistema que opera dentro de contextos sociais específicos. Tal esquema deve considerar que a família é um sistema sócio-cultural aberto, em processo de transformação; mostra um desenvolvimento através de certo número de etapas; adapta-se às circunstâncias em mudança de modo a manter uma continuidade e fomentar o crescimento psicossocial de cada membro. Minuchin (1977, apud FÉRES-CARNEIRO, 1983, p.15)

Carter e McGoldrick (1995) consideram que a família compreende todo o sistema

emocional de pelo menos três, e agora freqüentemente quatro, gerações. Esse é o campo

emocional operativo em qualquer momento dado. Afirmam que a influência da família

esteja restrita aos membros de uma determinada estrutura doméstica ou a um dado ramo

familiar nuclear do sistema.

Para as autoras, na nossa realidade, sob a denominação família, existe uma

pluralidade de composições que incluem laços consangüíneos, relações não formalizadas

por parentesco, família conjugal extensa, núcleo doméstico, família não legitimada

juridicamente, entre outras. A constituição familiar acontece de diferentes formas e sua

configuração se dá através de regras distintas que somente satisfazem aqueles que a

integram. As autoras levantam algumas questões como: como os membros da família se

relacionam? Como estabelecem e mantêm os vínculos? Como lidam com problemas e

conflitos? Que tipos de rituais cultivam?

Salientam ainda sobre a etapa desenvolvimental da seguinte maneira: quando essa

família começou? Os filhos ainda são pequenos ou já são adolescentes? Os pais são jovens

ou estão na meia idade? É uma família na qual convivem três, quatro gerações, com netos,

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noras, genros, avós? Ou é um núcleo reduzido a pessoas de muito mais idade que já têm a

responsabilidade da criação de gerações mais novas?

Segundo as autoras ao longo desse processo, os afetos, as percepções dos papéis e

funções de cada um, a dinâmica das relações e o investimento emocional também estão em

constante mudança e reorganização, fazendo com que em cada etapa o significado que o

sistema adquire na vida particular de cada indivíduo seja diferenciado.

Num grupo familiar sadio, verdadeiramente operativo, cada membro conhece e desempenha seu papel específico, de acordo com as leis da complementariedade, e o grupo é aberto à comunicação no processo de aprendizagem social. Ele enfatiza o conceito de aprendizagem do papel no grupo familiar, na medida em que considera que as falhas na instrumentalização do papel geram no indivíduo um sentimento de insegurança, predispondo-o a doenças. Um grupo familiar que possui uma boa rede de comunicação, que se desenvolve eficazmente em sua tarefa, é um grupo operativo, no qual cada membro possui um papel específico, porém com determinado grau de plasticidade que permite assumir outros papéis funcionais. Pichon-Rivière (1978, apud FÉRES-CARNEIRO, 1983)

2.2 – Estrutura, Adaptação e Papéis Familiares

Para Minuchin (1982), a estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências

funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. Uma

família é um sistema que opera através de padrões transacionais. Transações repetidas

estabelecem padrões de como, quando e com quem se relacionar e estes padrões reforçam

o sistema. Quando uma mãe diz a seu filho para tomar o seu suco e ele obedece, esta

interação define quem ela é em relação a ele e quem ele é em relação a ela, naquele

contexto e naquele momento. Operações repetidas, nestes termos, constituem um padrão

transacional.

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Os padrões transacionais regulam o comportamento dos membros da família. São mantidos por dois sistemas de repressão. O primeiro é genérico, envolvendo as regras universais que governam a organização familiar. Por exemplo, deve existir uma hierarquia de poder, em que os pais e os filhos têm diferentes níveis de autoridade. Também deve haver uma complementaridade de funções, com o marido e a mulher aceitando a interdependência e operando como uma equipe. O segundo sistema é o idiossincrático, envolvendo as expectativas mútuas de membros específicos da família. A origem destas expectativas está mergulhada em anos de negociações explícitas e implícitas entre os membros da família, freqüentemente em torno de pequenos eventos cotidianos. Desta maneira, o sistema mantém a si mesmo. Oferece resistência à mudança, além de certo alcance, e mantém padrões preferidos, desde que possíveis. Padrões alternativos estão disponíveis dentro do sistema. Mas qualquer desvio que ultrapasse o limiar de tolerância do sistema, faz surgirem mecanismos que restabelecem o âmbito costumeiro. Quando surgem situações de desequilíbrio do sistema, é comum que os membros da família achem que os outros membros não estão cumprindo as suas obrigações. Então, aparecem reivindicações de lealdade familiar e manobras que induzem culpa. (MINUCHIN, 1982. p.p. 57)

Féres-Carneiro (1992) define papel, no grupo familiar, como as funções de cada

membro a partir das posições que ocupa nos subsistemas conjugal, parental, fraterno e

filial. A família é facilitadora de saúde emocional, na medida em que cada membro

conhece e desempenha seu papel específico.

A autora afirma ainda que os papéis são definidos quando fica explícito para a

família, a função de cada membro, de acordo com sua posição no grupo familiar. São

adequados quando cada membro se comporta, no grupo familiar, tendo em vista a

definição de suas funções específicas no mesmo. São flexíveis quando permitem aos

membros da família assumir outras funções no funcionamento familiar, diferentes daquelas

relativas ao papel específico de cada um, quando se fizer necessário.

Para Osório (1996), os papéis familiares nem sempre correspondem aos indivíduos

que convencionalmente designamos como seus depositários. Assim, o papel nutrício de

uma mãe eventualmente poderá ser desempenhado por uma avó ou mesmo pelo pai; o

papel fraterno poderá estar acoplado ao papel do avô que circunstancialmente desempenha

funções de confidente ou companheiro de um neto que é filho único; o papel filial poderá

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estar depositado num dos cônjuges cuja maturidade emocional o torne carente da proteção

e cuidados habitualmente requeridas por uma criança, e assim por diante.

Minuchin (1982) considera que a família tem passado por mudanças que

correspondem às mudanças da sociedade. Tem assumido ou renunciado a funções de

proteção e socialização de seus membros em resposta às necessidades da cultura. Neste

sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos. Um é interno, a

proteção psicossocial de seus membros; e outro é externo, a acomodação a uma cultura e a

transmissão dessa cultura.

Para o autor, a estrutura familiar deve ser capaz de se adaptar, quando as

circunstâncias mudam. A existência continuada de família, como um sistema, depende de

uma extensão suficiente de padrões, da acessibilidade de padrões transacionais alternativos

e da flexibilidade para mobilizá-los, quando necessário. Desde que a família deve

responder as mudanças internas e externas, deve ser capaz de transforma-se de maneira que

atendam às novas circunstâncias, sem perder a continuidade, que proporciona um esquema

de referência para seus membros.

A família é sujeita à pressão interna, que provém de mudanças evolutivas nos seus próprios membros e subsistemas, e à pressão exterior, proveniente das exigências para se acomodar às instituições sociais significativas, que têm um impacto sobre os membros familiares. Responder a estas exigências, tanto de dentro como de fora, requer uma transformação constante da posição dos membros da família, em relação um com o outro, de maneira que possam crescer, enquanto o sistema familiar mantém a continuidade. (MINUCHIN, 1982, pp. 64)

Para Minuchin (1982), existem muitas fases na própria evolução natural da família

que exigem a negociação de novas regras familiares. Novos subsistemas devem aparecer e

novas linhas de diferenciação devem ser delineadas. Nesse processo, surgem

inevitavelmente conflitos. De forma ideal, os conflitos serão resolvidos por negociações de

transição e a família se adaptará com sucesso. Estes conflitos oferecem uma oportunidade

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para o crescimento de todos os membros da família. Todavia, se tais conflitos não são

resolvidos, os problemas transicionais podem dar origem a problemas adicionais.

2.3 – Ciclo de Vida Familiar

Carter e McGoldrick (1995) enfatizam que uma aplicação rígida das idéias

psicológicas ao ciclo de vida “normal” pode ter um efeito prejudicial, caso promova um

ansioso auto-escrutínio que desperte o medo de que qualquer desvio das normas seja

patológico.

As autoras afirmam que a perspectiva do ciclo de vida familiar vê os sintomas e as

disfunções em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo, e a terapia como

ajudando a restabelecer o momento desenvolvimental da família, formulando problemas

acerca do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando

dominar e do futuro para o qual está se dirigindo. A família é mais do que a soma de suas

partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o

contexto primário do desenvolvimento humano.

Sobre o ciclo de vida familiar, Cerveny e Berthoud (2002) o descrevem como sendo

um conjunto de etapas ou fases definidas sob alguns critérios (idade dos pais, filhos, tempo

de união de um casal, entre outros) pelos quais as famílias passam, desde o início da sua

constituição em uma geração até a morte do ou dos indivíduos que a iniciaram.

Gerson e McGoldrick (1995) consideram que o ciclo de vida familiar é um

fenômeno complexo. Ele é um espiral da evolução familiar, na medida em que as gerações

avançam no tempo em seu desenvolvimento do nascimento à morte. Os genogramas são

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retratos gráficos da história e do padrão familiar, mostrando a estrutura básica, a

demografia, o funcionamento e os relacionamentos da família. Eles são uma taquigrafia

utilizada para descrever os padrões familiares à primeira vista. Eles proporcionam uma

visão de um quadro trigeracional de uma família e de seu movimento através do ciclo de

vida.

É particularmente importante observar as idades dos membros da família na medida em que se movem através do ciclo de vida. Existe um momento normativo para a transição a cada uma de suas fases. Essas normas estão sempre mudando, e têm variado através das culturas e por toda a história, mas podem servir como um ponto de partida para compreendermos mais sobre as transições de ciclo de vida numa família. É importante, ao avaliar uma transição de ciclo de vida, examinar os estressores existentes na família naquele momento. Quando vemos perdas e eventos traumáticos coincidentes no genograma, devemos começar a explorar seu possível efeito sobre o processo do ciclo de vida. (GERSON; MCGOLDRICK, 1995, p.146)

Dentro de uma perspectiva sistêmica Gerson e McGoldrick (1995) ressaltam que a

perda é considerada como uma transição maior que rompe os padrões de interação do ciclo

de vida, e que, portanto, requer uma reorganização familiar e propõe desafios de adaptação

compartilhados. O senso de movimento de uma família através do ciclo de vida pode ficar

paralisado ou distorcido depois de uma perda, e os genogramas nos permitem traçar o

efeito das perdas ao longo do tempo.

Para Walsh e McGoldrick (1998), o movimento específico de uma perda no ciclo

de vida familiar multigeracional da família pode criar um risco maior de conseqüências

disfuncionais. As complicações são mais prováveis em casos de:

(1) Perdas prematuras: o movimento do ciclo de vida familiar e as expectativas sociais,

bem como a idade cronológica, contribuem para a prematuridade de uma morte e para seu

impacto sobre os sobreviventes. Os múltiplos papéis e relacionamentos nas famílias

implicam a experiência de perda ainda mais, como na morte de cônjuge/pai no mesmo

estágio familiar da criação de filhos pequenos.

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(2) Coincidência de múltiplas perdas ou perda no momento de outro grande estresse

familiar: a coincidência temporal de múltiplas perdas ou de uma perda com outros

estressores e fatos evolutivos marcantes produz um acúmulo de estresse que pode soterrar

a família, complicando as tarefas de luto.

(3) Perdas traumáticas não resolvidas no passado e, em particular, replicações de

aniversários transgeracionais: algumas famílias e indivíduos com perdas traumáticas

anteriores parecem ter se tornado mais resistentes com a experiência, enquanto outros se

tornam mais vulneráveis a perdas subseqüentes. Quando as questões de separação são

proeminentes nos problemas apresentados clinicamente, a relevância das perdas passadas

deve ser cuidadosamente avaliada. Quando as famílias têm dificuldade com transições

normativas, como a saída dos filhos de casa, prestamos uma atenção especial a indícios de

lutos não resolvidos de perdas passadas, cujas lembranças estejam bloqueadas ou

distorcidas ou onde os sentimentos sejam extremamente intensos ou dissociados.

Walsh e McGoldrick (1998) acreditam que, de todas as experiências humanas, a

morte coloca os desafios adaptativos mais dolorosos para as famílias.

2.4 – A Perda na Família

Walsh e McGoldrick (1998) consideram que a partir de uma perspectiva familiar

sistêmica, a perda pode ser vista como um processo transacional que envolve o morto e os

sobreviventes em um ciclo de vida comum, que reconhece tanto a finalidade da morte

como a continuidade da vida. Atingir o equilíbrio neste processo é a tarefa mais difícil que

uma família deve enfrentar em sua vida.

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As autoras afirmam que embora reconheçam a diversidade das respostas culturais,

individuais e familiares à perda, consideram os processos familiares como determinantes

cruciais de adaptação saudável ou disfuncional à perda. Ressaltam que em nosso tempo,

passamos a esconder a morte, tornando o processo de adaptação à perda ainda mais difícil.

Em contraste com outras culturas tradicionais, nossa sociedade carece de suportes culturais

para ajudar as famílias a integrarem o fato da morte a vida que continua.

Walsh e McGoldrick (1998) acreditam que todas as perdas requerem um luto, que

reconheça a desistência e transforme a experiência para que possamos internalizar o que é

essencial e seguir em frente.

O pensamento direto a respeito da morte, ou o pensamento indireto a respeito de manter-se vivo e evitar a morte, ocupa mais tempo do homem do que qualquer outro tema ... O principal entre todos os temas tabus é a morte. Uma grande porcentagem das pessoas morre só, presa em seus próprios pensamentos, que não podem comunicar para os outros. Existem aí pelo menos dois processos em operação. Um é o processo intrapsíquico do self, o qual sempre envolve alguma negação da morte. O outro é o sistema fechado de relações: as pessoas não podem comunicar os pensamentos que têm, para não incomodarem a família ou os outros. BOWEN (1976, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 29)

Bowen (1976, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 30) considera que muito

depois da perda, o sistema familiar pode sofrer uma onda de choque como é descrito

abaixo:

Uma “rede de temores secundários” pode ocorrer em qualquer ponto do sistema familiar extenso nos meses ou anos que se seguem a eventos emocionais sérios em uma família. Ela ocorre mais freqüentemente após a morte ou ameaça de morte de um membro significativo da família, mas pode ocorrer após outros tipos de perda. Ela está relacionada às reações usuais de sofrimento ou luto das pessoas próximas àquela que morreu. Ela opera em uma rede subterrânea de dependência emocional entre os membros da família. A dependência emocional é negada, os eventos sérios aparentam não ser relacionados, a família procura camuflar qualquer conexão entre os eventos e há uma vigorosa reação de negação emocional, na qual ninguém tenta relacionar os eventos entre si.

Walsh e McGoldrick (1998) relatam que a desatenção da terapia familiar à perda

anda de mãos dadas com a negação da morte em nossa cultura. Em sua observação clínica

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Rosaldo (1989, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 31), considera que nossa

sociedade trata o sofrimento como um assunto particular, os clínicos, assim como os outros

de fora da família, tendem a evitar fazer perguntas a respeito do impacto da perda,

reforçando a “comunicação invisível dos enlutados”.

Paul e Paul (1982, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 32) advertem que a

aversão de um clínico à morte e ao sofrimento pode prejudicar sua capacidade de

diagnosticar e tratar um problema sistêmico familiar corretamente enquanto ligado ao luto,

resultando em uma concentração pouco útil em sintomas secundários.

Kuhn (1981, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 32) afirma que a perda não

é simplesmente um evento discreto; ao contrário, ela envolve um processo transacional ao

longo do tempo, com a abordagem da morte em suas conseqüências. A perturbação

individual após uma perda não se deve somente ao sofrimento, mas também é resultado de

mudanças no realinhamento no campo emocional da família.

Walsh e McGoldrick (1998) ressaltam que para ajudar as famílias frente à perda,

os terapeutas devem reavaliar a história familiar, substituindo as premissas deterministas

da causalidade por uma perspectiva evolucionista. Assim como o contexto social, o

contexto temporal oferece uma matriz de sentidos na qual se insere todo o comportamento.

Embora uma família não possa mudar seu passado, as mudanças no presente e no futuro

ocorrem em relação a ele. Elas propõem que as famílias precisam estar em equilíbrio ou

em harmonia com seu passado, não em uma luta para recuperá-lo, escapar dele ou esquecê-

lo. Afirmam ainda que ajudá-las a reconstruir sua história e colocar suas perdas em uma

perspectiva mais funcional é uma parte essencial para ajudá-las a mudar suas relações com

o passado e o futuro.

Em relação à morte, Walsh e McGoldrick (1998) recuperam uma consideração de

Lewis, Beavers, Gossett e Phillips (1976) onde dizem que a morte traz desafios adaptativos

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comuns, exigindo uma reorganização imediata e a longo prazo e mudanças nas definições

de identidade e objetivos da família. A capacidade de aceitar a perda está no âmago de

todas as habilidades dos sistemas familiares saudáveis, em contraste com as famílias

severamente disfuncionais, que demonstram padrões de má adaptação ao lidarem com

perdas inevitáveis, unindo-se na fantasia e na negação para desfocar a realidade e insistir

na atemporalidade e na perpetuação de laços nunca desfeitos.

Walsh e McGoldrick (1998) propõem algumas tarefas adaptativas para a vivência

de processos complexos como o luto: 1 - O reconhecimento compartilhado da realidade da

morte e a experiência comum de perda. Tal reconhecimento é facilitado pela informação

clara e pela comunicação aberta sobre os fatos e circunstâncias da morte. A comunicação

entre a família é vital no curso do processo de perda. 2 – A reorganização do sistema

familiar e o reinvestimento em outras relações e projetos de vida. O processo de

recuperação envolve um realinhamento das relações e a redistribuição dos papéis

necessários para compensar a perda e prosseguir com a vida familiar.

2.5 – Perda Ambígua

Para Walsh e McGoldrick (1998) um dos fatores que influenciam a adaptação

familiar à perda é a perda ambígua. A ambigüidade em torno de uma perda interfere com a

obtenção de controle sobre ela, freqüentemente produzindo depressão nos familiares. Um

ente querido pode estar fisicamente ausente, mas psicologicamente presente, como em

situações de seqüestro, “desaparecimentos” de dissidentes políticos ou de soldados em

ação. A incerteza quanto à morte de um membro pode ser uma agonia para a família. Por

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exemplo, no caso de uma criança desaparecida, a família pode se consumir nos esforços

para manter a esperança, mesmo temendo pelo pior, e busca tentativas desesperadas de

obter informações que confirmem o destino da criança. A impossibilidade de recuperar um

corpo pode complicar o sofrimento.

Outros aspectos importantes considerados por elas são: a coesão familiar e a

diferenciação dos membros. A adaptação à perda é facilitada pela coesão da unidade

familiar no apoio mútuo, equilibrada com a tolerância e o respeito às diferentes respostas à

perda dos vários membros da família; a flexibilidade do sistema familiar. A estrutura

familiar, em particular as regras, papéis e limites, precisa ser flexível, ainda que clara, para

a reorganização após a perda; a comunicação aberta versus segredo. É importante que os

clínicos promovam um clima familiar de confiança mútua, apoio e tolerância para uma

gama de respostas à perda. Segredos, mitos e tabus em torno da perda interferem no seu

controle. Quando a comunicação é bloqueada, o indizível tem mais chances de ser

expresso por meio de sistemas disfuncionais ou comportamentos destrutivos.

Em uma publicação do Jornal do Brasil, em 21 de setembro de 2001, após o

atentado terrorista à cidade de Nova Iorque, é relatado o grande sofrimento das famílias

vitimas do grande desastre às torres gêmeas. Brody (2001) acredita que parentes, amigos e

colegas das vítimas dos ataques terroristas do 11 de setembro podem estar lutando com um

tipo particular de dor, que costuma atacar todos aqueles que perdem entes queridos em

desastres nos quais os corpos nunca são encontrados. Afirma que Psicólogos e cientistas

sociais referem-se a esse fenômeno como “perda ambígua”, expressão cunhada por Pauline

Boss, professora de ciências sociais no âmbito familiar da Universidade de Minessota, para

definir a mágoa não-resolvida que pode ocorrer quando não existem formas de atestar com

certeza se uma pessoa desaparecida está viva ou morta.

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O autor faz uma comparação ao dizer que a permanência dessa dor e a

impossibilidade de lidarmos com ela ajuda a explicar a tenacidade de um movimento como

o das Mães de Maio, que, desafiando o medo que assolava a Argentina de então, cobravam

dia após dia dos chefes da ditadura militar notícias sobre seus filhos desaparecidos,

simplesmente desaparecidos, sem nenhum cadáver e nenhuma informação nos porões da

repressão.

Boss (1999, apud Brody, 2001) afirma que sem informações claras e uma firme

certeza, até mesmo pessoas muito fortes adotam uma postura ambivalente em relação à sua

dor e tornam-se, assim, incapazes de decidir o que fazer em seguida. Elas não sabem se a

pessoa desaparecida será encontrada, o que congela sua dor e também o processo

psicológico que deveria lidar com ela. Alerta ainda que não saber se alguém está vivo ou

morto, não ter um corpo, isso torna muito mais difícil para qualquer um lidar com a dor.

Há quem consiga tomar uma decisão a respeito, decretando que o ente querido está morto,

mas muita gente é incapaz de fazer isso. É normal essa necessidade humana de confirmar a

morte primeiro. A autora ainda ressalta que tocar a vida em frente não significa que o

assunto esteja encerrado. Para ela, esse assunto nunca de encerra. Algumas pessoas não

esquecem jamais, não superam jamais.

A respeito da adaptação à perda, Walsh e McGoldrick (1998) consideram que a

dissociação, a negação e a repressão de um indivíduo podem ser habilidades importantes

de enfrentamento na sobrevivência e no controle de traumas e perdas catastróficas, como

ocorreu na tentativa de genocídio do Holocausto nazista. Mas, com o tempo, a manutenção

destes padrões pode ter conseqüências disfuncionais para os outros membros de um

sistema familiar. A persistência do bloqueio da comunicação e dos rompimentos físicos e

emocionais do passado pode restringir as relações conjugais e criar o risco de efeitos sérios

para as gerações seguintes.

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Segundo Boss (2005) em uma perspectiva sociológica, quando entes queridos

desaparecem é difícil manter os limites familiares, os papéis ficam confusos, tarefas

permanecem negligenciadas, casais e famílias ficam imobilizados. De uma perspectiva

psicológica, a percepção fica bloqueada pela ambigüidade e falta de informações; decisões

têm que ser deixadas de lado; processos de luto e de enfrentar os problemas ficam

congelados.

Não existem apenas aspectos negativos a serem considerados em situações de perda

como confirmam Walsh e McGoldrick (1998) ao dizerem que as famílias que

experimentaram muitas mortes prematuras, traumáticas, podem desenvolver tanto um

sentimento de serem “amaldiçoadas” e incapazes de superar estas experiências quanto

podem ver a si mesmas como sobreviventes, que podem ser atingidos, mas nunca

derrotados. Acreditam que quando as famílias podem se reunir e compartilhar a

experiência de sofrimento, mudanças muito positivas costumam acompanhar o luto,

fortalecendo a unidade familiar e todos os seus membros.

Por outro lado, Boss (2005) ressalta que em todo o mundo as pessoas ficam

traumatizadas por entes queridos desaparecidos em guerra, genocídio, holocausto, limpeza

étnica, seqüestros, extermínios e terrorismo político. Com as cicatrizes de perda ambígua,

os jovens crescem e formam suas próprias famílias.

A resolução depois de uma perda, raramente é absoluta, principalmente quando um ente querido desaparece sem deixar rastro. Sem um corpo para enterrar, a situação desafia a cicatrização, então os terapeutas são treinados para ver o contexto maior – o estímulo externo que causa a ambigüidade – e forma na família, comunidade e forças culturais. A autora considera também que nem todas as situações de perda ambígua levam ao trauma e imobilização. Apesar da ausência de um membro da família, algumas famílias ou membros percebem a presença dos entes queridos claramente, mesmo que não se apresente desta forma para o terapeuta. (BOSS, 2005, p. 23)

De acordo com a pesquisa realizada por Boss (2005), na cidade de Nova Iorque,

após o atentado de 11 de setembro, casais e famílias permanecem resilientes apesar do

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trauma da perda ambígua. Nesse sentido, tanto a percepção individual quanto a coletiva

são necessárias. Essa percepção psicológica da pessoa desaparecida e se eles ainda

consideram-na presente na família, é tão crítica para a recuperação do trauma quanto à

documentação demográfica da estrutura familiar presente.

Outras características são defendidas por Melillo e Ojeda (2005) como a capacidade

de fantasiar, imaginar situações, cultivar e conservar os sonhos e as esperanças, sem que

isto signifique alimentar falsas ilusões. Ainda, capacidade de inovação, de criação, de

adaptação (para enfrentar o novo, aproveitando tudo o que traz como ensinamento);

capacidade de superar impotências e obstáculos, não se dando facilmente por vencidos,

habilidade para estimular os mais necessitados, sem abandoná-los; capacidade de

aproveitar e gerar recursos, de construir definições coletivas de limites, pautas, papéis,

objetivos, necessidades e estratégias; capacidade de se projetar no tempo e antecipar outro

momento em que a situação tenha mudado, ou seja, experimentar sensações de esperança.

Com uma perda bem definida, há uma clareza, atestado de óbito, velório e a oportunidade de ver, honrar e arranjar os restos. Com a perda ambígua nada disso existe. A clareza necessária para a manutenção de limites (no sentido sociológico) ou cicatrização (no sentido psicológico) é inatingível. Perda ambígua é estruturalmente um problema quando induz à ambigüidade dentro dos limites familiares, na participação e no estar em sociedade, por exemplo, papéis paternos ignorados, decisões adiadas, tarefas diárias negligenciadas, membros ignorados ou desligados, rituais e celebrações cancelados mesmo que eles sejam a união da vida familiar. Perda ambígua é, psicologicamente, um problema, quando há sentimentos de desesperança que levam à depressão, passividade e ambivalência que causam culpa, ansiedade e imobilização. Tais situações irresolúveis tendem a bloquear a cognição, bloquear o manejo do enfrentamento e do estresse e congelar o processo de luto BOSS (1999, apud BOSS, 2005, p. 25).

Na pesquisa realizada por Boss (2005) onde famílias que tiveram membros que

morreram ou desapareceram após o atentado de 11 de setembro é retratada a situação da

perda ambígua, onde é normalizado o estresse, a confusão e a ambivalência estabeleceram

o cenário para os membros das famílias escutarem as percepções e histórias de cada um

sobre os desaparecidos; e ajudaram as famílias a reconstruir papéis, regras e rituais. A

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meta, a longo prazo, foi para os membros das famílias encontrarem algum significado

(outro além da própria culpa) sobre suas perdas e a ambigüidade.

Diante do trabalho realizado em Nova Iorque, a autora faz algumas reflexões que

cabem serem ressaltadas neste trabalho, como:

1 – muitos terapeutas e profissionais médicos tendem a considerar como irracionais

ou patológicos os membros familiares que acreditam que os desaparecidos ainda estejam

vivos.

Segundo o autor, muitos profissionais parecem desconfortáveis em não ter como

esclarecer a ambigüidade que envolve a perda. Eles se tornaram impacientes com as

famílias que permaneciam com esperança, mesmo que fosse importante aos que estavam

sofrendo ter alguém que os escutassem pacientemente e sem julgar sua história. No senso

social, o relato de uma pessoa sobre perda não é real, e, portanto, não solucionável, até que

alguém se disponha a ouvi-la.

2 – Pais, adolescentes e crianças contam que escutar relatos sobre pessoas

desaparecidas ajuda-os a seguir em frente, apesar da ambigüidade.

Enquanto os profissionais encorajam adultos, adolescentes e crianças a

compartilhar uma história sobre um ente querido desaparecido, alguns não queriam falar,

mas, naquele ambiente, eles escutaram e isso provou ser terapêutico também. Em um

ambiente de grupo, era mais fácil para adultos e crianças achar apoio e, portanto, superar a

relutância de falar ou expressar sentimentos.

3 – É mais útil o agrupamento de vários familiares em seu próprio ambiente de

comunidade sentar em círculos, para que possam escutar as histórias de cada um e formar

novas conexões através da experiência comum.

Encontros de várias famílias (ao contrário de chamá-los de sessões de terapia

familiar) em um ambiente de comunidade (ao invés de consultório) provou ser uma

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intervenção altamente eficaz em ajudar os pais e filhos a recuperar sua resiliência.

Originalmente não comunicativos, os desolados pela perda de um familiar começaram a se

conectar com os outros que sofriam pelo mesmo motivo, tanto nos encontros em casa ou

nos seus bairros.

4 – Pessoas comuns podem entender a terapia de perda ambígua e são capazes de

aplicá-la em si mesmos para entender e enfrentar novas situações de perda obscura.

5 – Ambigüidade não é um problema para toda família ou membro dela.

Alguns indivíduos e famílias conseguem viver com perda ambígua sem efeitos

negativos.

6 – Os rituais e símbolos familiares são o âmago da vida em família e

especialmente úteis em reconstruir interações familiares, quando há perda ambígua.

Símbolos, cerimônias e rituais fomentados por pessoas de confiança de um

ambiente de comunidade familiar ajudaram as famílias a sinalizarem a permissão de iniciar

o luto, mesmo que não tivessem um corpo para enterrar.

7 – O estresse da ambigüidade parece ser maior e mais debilitante para indivíduos e

famílias mais dirigidas ao controle e à autoridade.

Pessoas acostumadas a ter respostas, estar no controle, ser capaz de consertar uma

situação, ter os meios de resolver os problemas, parecem ser menos capazes de tolerar a

ambigüidade.

8 – Nomear a ambigüidade como a culpada e externalizá-la, diminui a própria

culpa, vergonha familiar e resistência terapêutica.

Depois de uma perda traumática, indivíduos e famílias como um todo, geralmente,

culpam a si mesmos. Nossa tarefa terapêutica depois de uma perda traumática é

externalizar a culpa. Nomear a ambigüidade externa como a causa é útil para reduzir a

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própria culpa e a vergonha da família, mas o próximo passo é aumentar a tolerância deles

por nunca ter uma resposta clara.

9 – Avaliação e tratamento para transtorno agudo ou pós-traumático são

insuficientes e, às vezes, inapropriados desde que TEPT (Transtorno de Estresse Pós-

traumático) difere conceitualmente e, portanto, clinicamente de perda ambígua.

APA (1994, apud Boss, 2005, p. 34) afirma que a Terapia para transtorno de

estresse pós-traumático é direcionada ao indivíduo e não inclui a família (exemplo, pai,

mãe, casal, filho ou outros membros da família). É não sistêmica e focada na patologia,

não na força e resiliência. A autora acredita ainda que são necessários muitos estudos sobre

o 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos que foram citadas em sua pesquisa com as

famílias de desaparecidos e, sobretudo, sobre os aspectos que envolvem a perda, sendo

assim, ela cita seis passos fundamentais ainda a serem alcançados, são eles:

- Mais pesquisas clínicas são necessárias sobre os efeitos a longo prazo de perda

ambígua no resiliente e no desesperado. Para entender os efeitos a longo prazo de perda

ambígua, nós devemos estudar os indivíduos e famílias resilientes tão bem quanto os

sintomáticos.

- Mais informações são necessárias sobre a ocorrência simultânea dos dois tipos de

perda ambígua, especialmente no que se refere à prevenção de negligência não intencional

para com uma criança em virtude da tristeza traumática não resolvida.

- Mais comparações clínicas em culturas cruzadas são necessárias para identificar

as familiaridades assim como as diferenças nas famílias que estão reagindo às perdas

ambíguas. Enquanto reações diversas e estratégias únicas de enfrentar as dificuldades são

documentadas, é necessário também identificar as reações comuns, para ajudar famílias

angustiadas por trauma ou perda. Mais estudos são necessários sobre padrões de

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comunicação reprimida ou distorcida como indicado pelos segredos de família que mantém

a negação da morte.

- Para entender melhor a resiliência familiar e como ela é alcançada ou corroída, a

autora sugere mais estudos clínicos em várias situações de perda ambígua, porque é o teste

definitivo para a resiliência familiar. Para os clínicos notarem essas forças, precisam

reconstruir suas visões de normalidade versus patologia, de estrutura familiar versus

função e de quem é considerado família, psicologicamente, não apenas fisicamente.

Estudos são necessários para melhor entender quando uma perda é ambígua e quando não,

e porque os efeitos variam mesmo dentro de um casal ou família. Diferenças de

personalidade, experiências de vida, crescimento pessoal, assim como crenças espirituais e

culturais podem responder por diferenças.

- Membros de família individualmente e famílias como um todo devem ser

observados para entender, sistematicamente, o impacto da perda ambígua. Por ser um

transtorno relacional a perda ambígua necessita de tratamento em um setting relacional.

Famílias (assim autodefinidas) devem ser tratadas como uma unidade, mesmo que

membros possam individualmente, e isto de fato é bem provável, sentir a ambigüidade e a

perda de forma diferente. Clínicos trabalham em dois níveis, mas as relações sistêmicas,

familiar e comunitária, são superiores porque dão suporte a indivíduos adultos e crianças

através de sua perda traumática em comum.

A maioria dos profissionais ainda não foi treinada para perceber as diferenças entre o estresse da morte e o estresse profundamente traumatizante de um ente querido desaparecido. Diagnósticos tradicionais, intervenções e objetivos não alcançam a origem dos sintomas traumatizantes – a ambigüidade. Com perda ambígua, os tratamentos tradicionais para o trauma e perda são insuficientes e o objetivo de cicatrização é inapropriado. Ao contrário, nós usamos abordagens baseadas em família e comunidade para achar significado e esperança, apesar de não haver cicatrização. Ao invés de duvidar dos clientes, achando que eles estão fingindo para faltar às suas obrigações, os clínicos testemunham e validam seus esforços. (BOSS, 2005, p. 40).

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A autora acredita que se juntou a eles a falta de informação – para nós profissionais,

também não há respostas definitivas sobre esse tipo único de perda. Juntos, nós,

aprendemos a tolerar a ambigüidade e a viver com o paradoxo da ausência e da presença.

Com a teoria da perda ambígua como guia, clínicos podem prevenir problemas a longo

prazo nas dinâmicas familiares, os quais de outro modo, poderiam solidificar por gerações

nas famílias dos desaparecidos.

Goldman (apud Brody, 2001), afirma que todos nós sofremos uma perda ambígua.

Perdemos nossa inocência e nossa sensação de segurança. A perda está aí, diante de nós,

mas somos incapazes de colocá-la em perspectiva. Não conseguimos encontrar nenhum

alívio interior e, quanto ao exterior, quem vai nos consolar se estão todos sofrendo? Nem a

experiência adianta: quem já tinha sofrido um grande trauma está sentindo a nova perda

ainda mais.

2.6 – A Morte e o Ciclo de Vida Familiar

Para Brown (1995), existem muitas evidências clínicas, a partir da terapia familiar,

de que a morte é um processo sistemático do qual todos os membros participam de

maneiras mutuamente reforçadoras, sendo aquele que apresenta o sintoma apenas um dos

que foram, direta ou indiretamente, afetados pela perda de uma pessoa da família. Embora

a negação da morte funcione para nos manter inconscientes de sua eventualidade e de seus

efeitos, ela, na verdade, tem uma função positiva nas famílias com doentes terminais,

permitindo que elas mantenham a esperança de vida. (CARTER; MCGOLDRICK, 1995,

p. 393).

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A autora considera que quanto mais tarde no ciclo de vida, menor é o grau de

estresse associado à morte e à doença grave. A morte, numa idade mais avançada, é

considerada como um processo natural. Na experiência da autora, as mortes ou doenças

graves cujas vítimas estão em plenitude da vida são as que provocam maior ruptura na

família. Isso pode ser parcialmente compreendido pelo fato de que é nesta fase do ciclo de

vida que os indivíduos têm as maiores responsabilidades.

A morte de um filho certamente é considerada pela maioria das pessoas como a maior tragédia da vida. Essa visão origina-se do fato de que a morte de uma criança parece completamente fora do lugar no ciclo de vida. Em termos do funcionamento instrumental do sistema familiar, a criança pequena é um membro da família com poucas responsabilidades e fatores emocionais, e, conseqüentemente, uma doença grave ou morte não deixa uma lacuna impossível de preencher nas responsabilidades globais da família. Diz que cada tipo de morte tem implicações na reação e no ajustamento familiar. As mortes súbitas pegam o individuo e/ou a família despreparados. A família reage com choque. Não há tempo para despedidas ou para a resolução das questões de relacionamento. Não há nenhum luto antecipatório. (BROWN, 1995, p.401)

Muitas reações emocionais e dificuldades de ajustamento a longo prazo

relacionadas à morte se originam da falta de franqueza no sistema familiar. Bowen (1976,

apud Brown, 1995, p. 405. In: CARTER; MCGOLDRICK, 1995) afirma que franqueza

quer dizer a capacidade de cada membro da família de permanecer não-reativo à

intensidade emocional no sistema e de comunicar seus sentimentos aos outros sem esperar

que os outros sejam influenciados por esses sentimentos.

Nem todas as mortes têm igual importância para o sistema familiar. Em geral, quanto mais emocionalmente significativa é aquela pessoa para a família, mais provável que sua morte seja seguida por uma agitação nas varias gerações. A razão para esse efeito é dupla: o rompimento no equilíbrio familiar e a tendência familiar a negar a dependência emocional quando essa dependência é grande. (BROWN, 1995, p. 407)

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2.7 - Resiliência

Os aspectos saudáveis da recuperação e a capacidade de superar as perdas nos

diversos contextos são também compreendidos por outros teóricos como a capacidade que

todo ser humano ou qualquer instituição possui de ser resiliente, ou seja, conseguir superar

e conviver com o sofrimento, construindo estados de bem-estar.

Pynoos (1984, apud MELILLO; OJEDA, 2005, p. 75) define o conceito de

resiliência como sendo o enfoque que, não obstante as adversidades sofridas por uma

pessoa, família ou comunidade, estas têm capacidades potenciais para se desenvolver e

alcançar níveis aceitáveis de saúde e bem-estar. Essas capacidades permitem tolerar,

manipular e aliviar as conseqüências psicológicas, fisiológicas, comportamentais e sociais,

provenientes de experiências “traumáticas”, sem se desviar muito do curso do

desenvolvimento, com a compreensão adequada das experiências e de suas reações.

Para Melillo e Ojeda (2005) resiliência não é uma essência, que alguns possuem e

outros não. Walsh (1998, apud MELILLO; OJEDA, 2005, p. 81) observa que é necessário

que a pessoa seja capaz de reconhecer os problemas e limitações a enfrentar, comunicá-los

aberta e claramente, registrar os recursos pessoais e coletivos existentes e organizar e

reorganizar as estratégias e metodologias, tantas vezes quanto necessário, revisando e

avaliando perdas e ganhos.

Dentro do âmbito das relações, Melillo e Ojeda (2005) acreditam ainda que se

produzam algumas práticas, como: ter atitudes demonstrativas de apoios emocionais

(relação de confirmação e confiança nas competências dos protagonistas); conversar em

busca de acordos sobre prêmios e castigos; e ter conversas onde se construam significados

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compartilhados sobre os acontecimentos prejudiciais, com coerência narrativa e sentido

dignificador para seus protagonistas.

Walsh e Grotberg (apud CASABIANCA; HIRSCH, 2003) definem resiliência

como sendo a capacidade humana para enfrentar, sobrepor-se a ser fortalecido ou

transformado, por experiências de adversidade.

Walsh (2003, apud LANDAU; SAUL, 2004) define resiliência como a capacidade

de reagir à adversidade, ficar mais forte e com mais recursos. É um processo ativo de

resistência, auto-recuperação, e crescimento em resposta à crise e ao desafio, a habilidade

para suportar e reagir aos desafios da vida. Os autores definem resiliência da comunidade

como a capacidade da mesma de ter esperança e fé para suportar a maioria dos traumas e

perdas, superar a adversidade e prevalecer, geralmente com recursos, competência e união.

Para a mensuração da resiliência em comunidades os autores utilizaram o modelo LINC

(Modelo de Resiliência das Comunidades) em sua pesquisa com comunidades da Baixa

Manhattan após o atentado de 11 de setembro de 2001 e com dissidentes de

“desaparecidos” em Buenos Aires.

Para a utilização do método LINC de facilitar a resiliência da comunidade em

resposta à maioria dos desastres, Landau e Saul (2004) indicaram alguns fatores chaves na

desorganização e na recuperação. Estes fatores serão apresentados a seguir.

1 – Desorganização do sistema familiar e da comunidade: processo, função, estrutura e

organização.

Durkhein citado pelos autores afirma que quando a sociedade está perturbada por

grandes crises, o desequilíbrio resultante torna-a temporariamente incapacitada para usar

sua função reguladora.

2 – Transições como estressoras.

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Landau e Saul (2004) afirmam que durante grandes revoltas, tais como trauma

severo, o movimento coordenado dos indivíduos, famílias e comunidades é desruptivo.

Esta perda de coordenação determina, nos indivíduos e nas famílias, ou outros subsistemas

da comunidade, movimentos em direções distintas, imprevisíveis e em diferentes graus de

mudança.

3 – Transições e estressores catastróficos ou devastadores: o impacto do luto e da perda

não resolvida e a emergência de resiliência.

O comportamento aditivo é uma tentativa de adaptação à desorganização da

unidade familiar, afastando a atenção da família sobre a magoa e as constantes

necessidades da pessoa adita dificultam-lhe a saída de casa, mantendo a família unida. A

adição também ilustra a capacidade das famílias a encaminhar-se em direção à auto-cura,

acessando sua resiliência através das gerações.

4 – O impacto dos grandes desastres sobre a dinâmica familiar.

Esse tipo de agressão na família determina numerosas transições em curto espaço

de tempo e, inevitavelmente, resulta em conflito transacional. Para ilustrar esta situação, os

autores citam Boss (1999) ao afirmar que, um exemplo visto, freqüentemente durante um

trauma severo, é o da criança que perdeu um ou os dois pais e deve tornar-se,

prematuramente, auto-suficiente e responsável por outros e se um dos pais desaparece ou

morre uma aliança com o outro progenitor pode conduzir a parentalização da criança.

Enquanto o progenitor ou outro membro significativo da família está ausente, uma situação

de perda ambígua desorganiza o funcionamento da família, enquanto os membros

encontram-se no ostracismo.

Se o progenitor ausente reaparece, é inevitável o surgimento de uma crise séria. Se

o progenitor ou outro membro da família morre, o poder daquela perda é extremo e,

novamente, é multiplicado através da comunidade em situações de trauma severo.

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5 – Mudanças nos padrões vinculares.

Perel e Saul (1989, apud LANDAU; SAUL, 2004), ressaltam que a dinâmica mais

poderosa nas famílias que sofreram perda e trauma intenso desenvolve-se em torno de

casos de separação.

6 – Perda da habilidade de contextualizar.

Clark (2003, apud LANDAU; SAUL, 2004), afirma que, quando as pessoas estão

traumatizadas, não contextualizam bem em virtude da desorganizada comunicação sobre

os fatos, seu isolamento e silêncio, e interferem os processos cognitivos e biológicos

normais.

7 – Impacto sobre o padrão de comunicação.

No trabalho realizado por Landau e Saul (2004) com famílias sobreviventes de

tortura, de ataques terroristas e famílias de “desaparecidos” (dissidentes políticos da

América do Sul), os autores notaram a dupla mensagem dada às crianças, quando seus pais

falam sobre experiências traumáticas em sua presença, enquanto instruem-nas a não ouvir.

Ao contrário, também presenciaram comoventes exemplos de aspectos positivos de

comunicação.

8 – Impacto sobre o plano social.

Chemtob e Taylor (2002, apud LANDAU; SAUL, 2004), falam sobre o modelo

evolutivo da resposta ao trauma, teoria do modelo de sobrevivência, propondo que dois

sistemas tornam-se ativados em um desastre ou experiência de estresse severo. O primeiro

é o sistema de detecção de perigo, isto é, as pessoas estão psicologicamente alertas e

hipersensíveis aos sinais de qualquer sinal de perigo no ambiente. O segundo é o sistema

associado que conduz à união social e coesão grupal. A ativação destes dois sistemas é

adaptativa na primeira fase após o desastre, mas uma vez que o perigo tenha passado, as

pessoas podem não ser capazes de modular o afeto e retornar ao estado normal de alerta,

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retirando-se para subsistemas menores que possam sentir-se seguros. Esta fragmentação

social é um exemplo de uma adaptação que foi inicialmente necessária para a

sobrevivência, mas que se tornou disfuncional quando perpetuado através do tempo.

9 – Impacto dos grandes desastres sobre os recursos da família e comunidade.

O estresse ocorre quando as pessoas perdem seus recursos, estão temerosos com

suas perdas, ou estão incapazes de desenvolver ou melhorar recursos que demandam

esforço significativo. Seguindo eventos extremamente estressantes, aqueles com menos

recursos são mais profundamente impactados e menos capazes de mobilizar a comunidade

como um todo. A comunidade geralmente tem reservas escondidas, ou recursos que,

quando compartilhados, oferecem apoio adicional e força aos indivíduos e às famílias. O

apoio mútuo pode reduzir o impacto de grandes perdas, auxiliando as pessoas a apoiarem-

se a si mesmas em seu processo de recuperação.

10 – Reconectando o processo transacional.

Famílias e comunidades têm a inerente capacidade para curar-se. É esta capacidade

que necessita ser mobilizada para curar-se do impacto e das conseqüências do trauma

severo. Calhoun e Tedeschi (1999, apud LANDAU; SAUL, 2004) para dizer que a

resiliência é demonstrada pela habilidade de re-sincronizar e reconectar o processo

transacional e mobilizar as forças discutidas. Crescimento pós-traumático é uma expressão

mensurável e concreta de resiliência em ação, uma ilustração da força inerente e

competência da alma humana.

Um aspecto importante sobre a resiliência é a comunicação, como afirmam Labres

e Souza (2004, p. 32). Para os autores a comunicação congruente se dá quando os níveis de

mensagens verbal e não verbal se reforçam mutuamente, não contrariando um ao outro. A

clareza é demonstrada em frases coerentes, que se mantém no mesmo tema; e assertividade

é a capacidade de se pedir aquilo que se quer e se precisa.

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Os casais que apresentam resiliência demonstram uma comunicação congruente,

clara, assertiva, com mensagens completas, numa linguagem explicita que facilita o

entendimento de seu conteúdo. Neste processo também está incluída a capacidade dos

membros do casal de expressar suas emoções abertamente, compartilhando seus mais

variados sentimentos, tais como, felicidade, dor, tristeza, medo, saudade, etc (LABRES;

SOUZA, 2004)

Em uma outra pesquisa realizada por Casabianca e Hirsch (2003) com pessoas que

atravessaram a crise financeira e as inúmeras mudanças de governo na Argentina foram

verificadas algumas condutas para limitar o dano ou sentir-se melhor (condutas de

resiliência), as respostas significativas desde o ponto de vista estatístico, foram:

1. Ao nível individual:

- revalorizar aspectos não materiais da vida;

- aprender com a experiência vivida;

- tratar de enfatizar o que se pode resgatar e não o que se perde;

- evitar ou diminuir a exposição por meios de comunicação social.

2. Ao nível das relações de casal / família:

- aumentar o diálogo com o casal / filhos / pais;

- compartir idéias criativas para enfrentar gastos comuns;

- pensar e/ou fazer atividades de cuidado mútuo;

- desenvolver novos papéis necessários para a família.

3. Ao nível das redes sociais:

- estreitar vínculos com amigos;

- por em funcionamento ações de solidariedade, compreensão e apoio para enfrentar

os problemas;

- inserir-se em programas de trabalho social*;

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- buscar novas formas de representatividade social e política não tradicionais*.

* Estas duas categorias ressaltaram-se estatisticamente pelo inverso.

4. Ao nível das instituições:

- cuidar dos recursos existentes nas instituições;

- transmitir valores positivos ou atitudes éticas nos lugares de trabalho ou

participação;

- envolver-se em tarefas de capacitação ou formação pessoal dentro das instituições

às quais pertence.

A pesquisa ainda demonstra que as condutas de resiliência não são culturalmente

tão diversas quando, especialmente os adultos, conseguem valorizar idéias novas e efetivas

para o desenvolvimento humano. Implica por parte do indivíduo a presença ou capacidade

para adquirir:

- um objetivo pelo qual viver;

- habilidade para atrair ou usar suportes afetivos de outros;

- curiosidade e manejo intelectual;

- habilidade para recordar ou evocar imagens de figuras positivas e de apoio;

- necessidade e habilidade para ajudar os outros (altruísmo);

- desejo de sair de uma situação de desesperança para uma de esperança adquirida

(“espírito de luta”);

- habilidade para manter-se em contato com os afetos, sem negá-los ou reprimi-los,

quando eles surgem (são o motor para impulsionar novas condutas);

- desenvolvimento do sentimento de auto-estima;

- habilidade para aprender com a experiência;

- visão de que é possível e desejável a restauração de uma ordem moral civilizada

ou humana.

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A família é sempre integrada por um grupo de pessoas, pelo menos, duas, sendo

que estas estão também inseridas no contexto social de uma comunidade. Para tanto, é

necessário avaliar algumas questões que envolvem a perda e o trauma para estes sistemas

ou subsistemas quando alguma situação ocorre.

Landau e Saul (2004) sugerem uma avaliação que contemple algumas questões

como: como reconhecer resiliência em famílias e comunidades em situações traumáticas?

Como isto se apresenta? Como obtemos uma compreensão de onde as famílias estavam

durante ou após o desastre? Quais são as condições sob as quais a resiliência emerge da

perda? Como as pessoas demonstram estar oprimidas pela vulnerabilidade, ou mostram seu

senso de otimismo, apesar das situações horrendas? Como sabemos se elas estão acessando

seus recursos, se presentes? Como elas demonstram sua conexão com suas famílias, cultura

e comunidade? Como sabemos quando uma comunidade está conservando cuidadosamente

recursos através de sua inatividade, mais do que demonstrando uma falta de resiliência e

energia para curar-se?

Para ajudar os membros familiares e a comunidade a reconhecerem os aspectos

práticos da resiliência é preciso examinar os fatores que diretamente impactam o processo,

a estrutura, a função e a organização destas como destacam Landau e Saul (2004).

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3 - OBJETIVOS

3.1 - Objetivo Geral

Conhecer a repercussão que o desaparecimento de um membro tem sobre a

dinâmica familiar, identificando suas estratégias de enfrentamento e mecanismos de

reestruturação.

3.2 – Objetivos Específicos

• Conhecer a estrutura familiar anterior e posterior ao desaparecimento do seu

membro.

• Conhecer as circunstâncias nas quais ocorreu o desaparecimento.

• Identificar os mecanismos e as estratégias utilizadas pela família para o

enfrentamento do problema.

• Compreender a dinâmica familiar e indicar elementos importantes para que

terapeutas sistêmicos possam trabalhar com este tipo de demanda.

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4 – MÉTODO

Para que fosse possível conhecer o fenômeno do desaparecimento e compreender a

repercussão do mesmo na família privilegiamos uma análise qualitativa, pois, segundo

Martins e Bicudo (1994) a pesquisa qualitativa busca a compreensão particular daquilo que

estuda. Uma idéia mais geral sobre tal pesquisa é que ela não se preocupa com

generalizações, princípios e leis. A generalização é abandonada e o foco da sua atenção é

centralizado no específico, no peculiar, no individual, almejando sempre a compreensão e

não a explicação dos fenômenos estudados. Ressaltam ainda que existem, pelo menos,

duas qualidades necessárias para a pesquisa qualitativa, que tentamos aqui alcançá-los, a de

natureza teórica e prática.

Para atender aos objetivos propostos no trabalho, utilizamos o estudo de caso como

meio de investigação. O critério de escolha foi definido a partir dos conceitos da teoria

sistêmica que enfoca a dinâmica familiar. Foi convidada, para participar do estudo, uma

família que possuía em seu contexto o desaparecimento de um de seus membros.

Aquilo que nas teorias o pesquisador aprende sobre observações empíricas e as

experiências por ele vividas devem constituir o ponto de partida. Essas duas aprendizagens

fornecem a instrumentalização para observar e analisar a realidade de modo teórico desde

o início. Fornecem recursos para ver os objetos da percepção na sua origem social,

histórica e de funcionamento, na sua interdependência e determinação do seu

desenvolvimento. (MARTINS; BICUDO, 1994)

Para Demo (1991), a avaliação qualitativa não é uma iniciativa externa, de fora para

dentro. Só é factível, em profundidade, como forma de auto-expressão. Mais importante

que nosso diagnóstico, é o diagnóstico da comunidade. Pode-se analisar a participação dos

outros, mas, se fizermos somente isto, perderemos o cerne do fenômeno participativo, que

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é a autopromoção. Ademais, a qualidade não se capta observando-a, mas vivenciando-a.

Passa necessariamente pela prática, pois sua lógica é a da sabedoria, mas do que a da

ciência, que se permite apenas analisar, estudar e observar.

Sendo assim, a escolha do estudo de caso se justifica pelo interesse em vivenciar e

compreender o fenômeno do desaparecimento sob a perspectiva de uma família,

aprofundando e privilegiando a dinâmica e o contexto no qual estão inseridos. A

possibilidade de ampliar a compreensão sobre o fenômeno, além do que está visível e

mensurável abrange a possibilidade de acessar os processos subjetivos que formam o

relacionamento familiar.

4.1 – Participantes

Participou da pesquisa a família de João, 40 anos, professor, desaparecido desde o

dia 07 de janeiro de 2001. Os membros que participaram do estudo foram, D. Laura,

genitora, 69 anos, aposentada; Clarissa, irmã de João, 39 anos, casada, funcionária pública

e Roberto, irmão de João, 43 anos, casado, policial militar. As pessoas citadas estão

representadas na Figura 1, assim como os demais membros da família nuclear e extensa.

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FIGURA I

GENOGRAMA

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FIGURA II

LEGENDA - GENOGRAMA

Vive no mesmo domicílio

Homem sem identificação

Casamento

Filho adotivo falecido

Homem desaparecido

Separação

Mulher falecida

Homem falecido

Mulher

Homem

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4.2 – Instrumentos

A coleta de dados realizada com a família ocorreu mediante entrevistas estruturada

e semi-estruturada, elaboração do Genograma e transcrição da gravação de áudio.

Foram elaborados dois roteiros de entrevista, o primeiro que tinha como objetivo

conhecer alguns dados específicos da família, como caracterização do desaparecimento,

idade dos membros, naturalidade, estado civil, escolaridade, profissão, entre outros; e o

segundo que consistia na entrevista semi-estruturada realizada com os membros da família.

Esta última foi direcionada a todos aqueles que, voluntariamente, decidiram participar do

estudo, neste caso, a mãe, o irmão e a irmã da pessoa desaparecida. Os roteiros de

entrevistas estão representados nos Anexos I, II e III.

A elaboração do Genograma foi outro recurso utilizado com o intuito de

compreender a dinâmica, o funcionamento e os aspectos transgeracionais da família. Carter

e McGoldrick (1995) consideram que os genogramas são retratos gráficos da história e do

padrão familiar, mostrando a estrutura básica, a demografia, o funcionamento e os

relacionamentos da família. Eles são uma taquigrafia utilizada para descrever os padrões

familiares à primeira vista.

A gravação da entrevista com a família, bem como a sua descrição teve como

objetivo preservar o conteúdo das informações, contudo, tendo em vista a escolha do

método qualitativo, a pesquisadora, esteve atenta a compreensão do fenômeno através de

outros meios de comunicação, como a não-verbal e gestual.

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4.3 – Procedimentos

Ao iniciar a presente pesquisa o primeiro passo foi realizar contato com os órgãos

governamentais competentes, tanto por telefone quanto por e-mail. Infelizmente não foi

possível obter informações sobre os casos de desaparecimento no Distrito Federal além das

informações disponíveis nos sites, como o do Ministério Público. A justificativa fornecida

por um funcionário foi a de que para ter acesso às informações seria necessária uma

autorização judicial, já que os processos são sigilosos. As buscas de informações em duas

delegacias na cidade do Gama não tiveram sucesso, já que em três contatos o responsável

por esta área não se encontrava.

Ao divulgar o projeto do presente estudo na exposição de painéis da Universidade

Católica de Brasília, tive contato com uma pessoa que conhecia uma família que convivia

com o desaparecimento de um de seus membros.

Foi realizado então o primeiro contato com a família, através da cunhada da pessoa

desaparecida. Neste dia, ela esclareceu que João era irmão de seu esposo e então fiz

contato diretamente com ele. Marcamos um encontro, no qual foi realizada a entrevista

para conhecimento do caso e coleta de alguns dados específicos.

Neste dia também foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, bem como as etapas

necessárias para que a investigação e a coleta de dados acontecesse. O encontro ocorreu na

Universidade Católica de Brasília e teve duração de três horas. Foi realizada a leitura do

Termo de Consetimento, sendo logo após assinado pelo entrevistado. Neste momento

foram esclarecidas também as informações necessárias para clareza de como seria a

utilização dos resultados, deixando evidente que somente utilizaria para fins acadêmicos

aquilo que fosse dito. Colocamo-nos à disposição para qualquer esclarecimento e

afirmamos que os resultados da pesquisa seriam disponibilizados também para a família.

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Por último, foi solicitado a este representante que explicasse a pesquisa aos demais

familiares para que mediante a autorização dos mesmos fosse possível realizar a entrevista.

Após a confirmação, por telefone, que alguns integrantes da família desejavam

participar do estudo foi marcado outro encontro, agora com o intuito de realizar a

entrevista semi-estruturada com os membros familiares. Este encontro foi realizado na casa

da mãe da pessoa desaparecida, já que segundo a família era o local adequado e de maior

acesso aos que desejavam participar. A entrevista durou quatro horas e trinta minutos,

incluindo o tempo para esclarecimento do Termo de Consentimento e dos objetivos da

pesquisa. Foi realizada também a construção do Genograma da família para compreensão

atual e histórica da mesma, já que no primeiro encontro alguns dados não faziam parte do

conhecimento do entrevistado. Toda entrevista foi gravada com prévia autorização de

todos os participantes.

4.4 – Análise dos Dados

Para a análise dos dados, com base na teoria sistêmica e no método qualitativo,

foram utilizadas as seguintes etapas:

1º etapa: Transcrição de todos os depoimentos dos integrantes da família;

2º etapa: Leitura dos relatos realizados durante a entrevista pelo entrevistador;

3º etapa: Agrupamento dos temas predominantes.

Os resultados então foram analisados qualitativamente a partir do conteúdo das

duas entrevistas e do Genograma, sendo sempre norteados à luz da teoria sistêmica

familiar.

Foram identificados e analisados os seguintes aspectos da dinâmica familiar:

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1 – constituição da família;

2 – ciclo de vida familiar;

3 – história familiar;

4 – relacionamento familiar;

5 – desaparecimento;

6 – rotina;

7 – funcionamento familiar;

8 – papéis familiares;

9 – perda ambígua;

10 – dinâmica familiar.

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5 – ESTUDO DE CASO

5.1 – A Família de João

A família de João é composta por seis irmãos, filhos de D. Laura com alguns

relacionamentos que não foram mencionados. João era o caçula entre os homens e único

fruto de um de seus relacionamentos. Foi criado somente pela mãe e após sua separação

conjugal retornou a seu convívio. A irmã Clarissa, que participou do estudo ainda morava

na mesma casa e, portanto, possuía maior contato com João, apesar das oscilações no

relacionamento dos mesmos. João teve um relacionamento com Ângela do qual nasceram

três filhos, o mais velho Pedro que decidiu morar com o pai e a avó após a separação dos

pais e os outros dois filhos, Marina e Antônio que moram com a mãe em outro estado.

Durante a entrevista, não foi mencionada nenhuma informação sobre o pai de João, os

integrantes da família limitaram-se a dizer que não gostariam de falar sobre o assunto.

Roberto, outro membro que participou do presente trabalho conviveu com João durante

todo o período da infância e adolescência, mas na fase adulta mantiveram-se afastados, já

que ambos casaram e não mantinham contato com muita freqüência.

5.2 – O Desaparecimento

No dia 07 de janeiro de 2001, João sai de casa afirmando estar indo para São Paulo

para visitar um amigo. Após duas semanas sem notícias, a família começa a desconfiar de

que poderia ter acontecido algo com o mesmo, já que não costumava ficar sem dar

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notícias. Por volta deste período o amigo que ele iria visitar ligou para a mãe de João

avisando que havia mudado para outra cidade. Neste momento, a família começa a ter

certeza de que algo estava errado. A sobrinha de João recebe um telefonema informando

que o carro do mesmo estava em Goiânia e a partir deste fato inicia-se o processo de busca.

É feito o boletim de ocorrência policial e a família começa a procurá-lo em hospitais,

delegacias, depósitos de veículos e no Instituto Médico Legal (IML).

A polícia começa a agir e instala um identificador de chamadas na casa onde

receberam a ligação, contudo a pessoa não faz mais contato. Neste período D. Laura recebe

um cartão bancário em nome do mesmo e então resolve solicitar ao banco um rastreamento

das movimentações bancárias. São informados que a conta sofreu duas movimentações em

lugares localizados na cidade de Cabo Frio – RJ.

Recebem outro telefonema, agora de um homem, afirmando que ele estava em

posse dos documentos de João e que foram entregues há alguns dias pelo mesmo após

solicitar que José segurasse suas roupas e os documentos. O irmão mais velho envia uma

foto para um amigo que morava em Cabo Frio para fazer a divulgação do caso, quando

este chega ao IML e reconhece um corpo que diz parecer com a foto de João. A família

então se mobiliza e Roberto, juntamente com o seu cunhado, seguem para o Rio de Janeiro.

Quando chegam à cidade de Cabo Frio não reconhecem o corpo como sendo de João e

então iniciam um trabalho de divulgação em conjunto com a polícia local, rádio e TV.

Neste período de uma semana em que permaneceu na cidade Roberto descobre que

o carro do irmão que se encontrava no depósito havia sido achado em frente a uma pousada

com sinais de arrombamento das portas. Dentro do carro havia documentos e uma tabela

de remédios. A caixa de remédios encontrada sinaliza a interrupção do tratamento que o

mesmo fazia há algum tempo com “Carbolitium”.

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Segundo Roberto o comportamento de João sempre foi normal, apesar de alguns

períodos de desestabilização, provocados, principalmente, após a separação, desemprego e

interrupção dos estudos.

No período em que Roberto esteve em Cabo Frio conheceu várias pessoas que

afirmaram ter tido contato com o irmão, mas as pistas não eram confirmadas. Pelo relato

dessas pessoas, João parecia estar morando na rua e conseguia se manter através da ajuda

de alguns moradores ou com alguns serviços que prestava. A última notícia sobre o mesmo

foi obtida em uma vila de pescadores onde ele buscou informações sobre como trabalhar

com a pesca. Do local saem vários navios para o alto mar, permanecendo por vários dias

para efetivação da pesca. Roberto suspeita que o irmão tenha conseguido ir com um desses

navios e, por isso, não conseguiu encontrá-lo.

Algum tempo depois a família financiou uma viagem a um amigo para que

permanecesse na cidade por alguns dias na tentativa de encontrá-lo, mas o mesmo não

conseguiu nenhuma informação concreta. Não houve mais contato e nem informações a

respeito de João.

Atualmente, o caso saiu da esfera policial, já que expirou o período do inquérito.

Permanece no âmbito judicial, pois foi necessário designar tutela dos bens de João para a

sua mãe na tentativa de manter o patrimônio que o filho conseguiu construir até o período

em que esteve em Brasília.

5.3 – Expectativa e mistério

Na medida em que a família foi percebendo, diante das evidências, que João havia

desaparecido, muitas foram as hipóteses levantadas por todos com o intuito de explicar o

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que ocorreu. Em casos de desaparecimento isso é muito comum, pois a família não possui

informações claras e precisas sobre o que aconteceu com o seu membro. Toda e qualquer

informação parece se concretizar como esperança para o reencontro, mesmo quando elas

parecem não possuir fundamento. Outro fator evidente é que diante de uma prova, a

mobilização familiar é muito intensa, despertando sempre grande expectativa e esperança.

Segundo Roberto: “João falou para o José segurar a carteira e a blusa, mas ele não

voltou mais. Então, é aquilo que minha mãe falou de perder as esperanças. Diante dessa

informação, teve até colegas que trabalharam comigo na investigação, que acham que ele

poderia ter se afogado. Porque nessa dele ir à praia e não voltar mais. As únicas provas

que temos são os documentos, o carro e as várias pessoas que estiveram com ele em Cabo

Frio. Outra comprovação é o movimento bancário em que ele fez uma única compra na

cidade”.

D. Laura afirma: “Fiquei tão alegre quando Clarissa deu a notícia sobre o rapaz

que estava com os documentos. Nos primeiros anos que me sustentava era aquela

esperança, acho que mãe não quer acreditar. Mãe é a última que não quer acreditar,

então era aquilo que ficava na minha mente, que ele chegava, que voltava, que a gente iria

ter notícias que ele estava em algum lugar. Com o passar do tempo a gente tem que

aceitar a realidade”.

Para Clarissa: “Alguma coisa aconteceu porque não era próprio dele, mesmo ele

estando com problema, mesmo estando em crise não era típico dele ficar... ele já tinha

saído andando e depois chegava aqui em casa. Ele não ficava de jeito nenhum parado.

Acho que mesmo que ele tivesse sido afogado, mesmo assim o corpo dele podia ter sido

recuperado”.

Os relatos mostram que cada membro familiar possui uma visão diferente sobre o

que pode ter acontecido. No caso de Roberto, que esteve nos locais de onde a família

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recebeu as últimas notícias sobre o paradeiro de João, sua visão parece ser mais realista e

concreta.

5.4 – A dor da ausência

Ao lidar com a realidade da confirmação do desaparecimento a família parece ter

oscilado entre momentos esperançosos e outros de falta de esperança. O tempo parece ser

um fator determinante neste processo, já que para todos, com o passar dos anos a ausência

da pessoa se tornou menos sofrida. Segundo Clarissa: “O primeiro ano foi o período mais

difícil, mas em compensação era o ano que a gente tinha mais esperança. Com as buscas,

a gente alternava tristeza com esperança. O primeiro ano é aquele ano de mais esperança,

mas depois a gente sente a tristeza, mas é como quando perdemos alguém, você vai se

acostumando, não é se acostumando, você vai tocando a vida, você aprende a conviver

com aquela ausência”.

A mãe de João aparenta grande sofrimento quando relata como é ter que conviver

com a ausência do filho. Ela chegava a pensar que os filhos estavam poupando de maior

sofrimento como afirma: “Meus filhos sabem que ele morreu e não querem me falar.

Falar assim eu não consigo porque não tenho palavras, é tão dolorido, o tanto que você

pensar é mais difícil. Eu sei que sofri demais e assim... eu acordava à noite e me dava

vontade de sair andando. Você vai aceitando porque se ele morreu mesmo de repente é

aceitar, com o passar do tempo você vai até melhorando as forças”.

Para Roberto, que esteve presente no local do desaparecimento, a visão parece ser

um pouco diferente: “Eu estive lá em Cabo Frio e tive quase uma confirmação do fato dele

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ter morrido afogado, mas eu estive com pessoas que estiveram com ele dias antes da

minha chegada. O fato dele ter falado que iria à praia e não ter voltado já não bate, não

caracteriza que morreu, porque depois tiveram pessoas que estiveram com ele”.

5.5 – Rotina

A reestruturação familiar parece ser algo fundamental para lidar com a ausência da

pessoa, já que a esperança tende a diminuir com o passar do tempo e a hipótese de morte se

torna, cada vez mais, presente. É percebido também que os membros apesar de possuírem

basicamente as mesmas informações assimilam de maneiras diferentes, pois a elaboração

de algumas fantasias misturadas com fatores da realidade se torna evidente.

Diante do desaparecimento, a rotina dos membros da família sofreu algumas

alterações, principalmente para D. Laura. No início, houve a mobilização familiar para a

busca, contudo, diante de suas obrigações cada um foi retomando as atividades do dia-a-

dia. Ela afirma que: “a minha rotina mudou mais pela minha saúde que ficou muito

abalada. Desde então minha pressão ficou alta, e a tristeza, sei lá. De um tempo para cá

estou até melhorando, mas minha saúde abalou terrivelmente”.

Para Clarissa, sua rotina não sofreu grandes alterações já que possuía uma série de

atribuições e responsabilidades que exigiam dela continuidade das atividades, tais como

trabalhar, cuidar dos filhos e da casa: “A gente continua porque a gente tem os filhos, tem

a família, você tem que levar a vida e tem que continuar, não pode parar. Naqueles

momentos em que você está sozinha, à noite, ou quando reúne a família, então é quando

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cai na realidade de que sempre está faltando alguém. Mas assim a rotina, no dia-a-dia,

você procura levar normalmente porque tem seus afazeres”.

Para Roberto a rotina parece também não ter sofrido alteração, já que também

necessitava continuar exercendo atividades e responsabilidades como pai de família e

trabalhador: “Parece que de todos da família, lógico que cada um tem a sua forma de

sentir a perda de um membro da família, eu fui o que menos modifiquei. Como estive no

local, no qual ele desapareceu até a minha saída permaneci muito esperançoso. Sempre

carrego comigo a crença de que ele está vivo”.

A família teve dificuldade de assumir as responsabilidades que cabiam a João.

5.6 – Dificuldades encontradas na busca

As dificuldades enfrentadas pela família na busca de João foram inúmeras. No

âmbito da justiça parece ter sido algo desgastante para toda a família, já que a morosidade

das decisões e a alta burocracia dificultavam as ações dos familiares.

Segundo Clarissa: “Na parte prática da coisa a dificuldade foi desde o início, até

para ir buscar o carro dele. Tivemos que entrar na Justiça e declarar a ausência dele

judicialmente. Tudo é através do juiz para poder levantar a quantia de dinheiro do Banco

para poder pagar a prestação do carro dele, de um lote que tem numa cidade de Goiás.

São as dificuldades burocráticas do dia-a-dia que você não consegue. A Fundação deixou

de pagar o salário dele e a gente teve que comprovar junto a eles que não foi abandono de

cargo. Tem o processo dele de declaração de ausência na justiça e o processo de

inventário porque depois de dois anos consecutivos, sem a pessoa aparecer, você tem que

entrar com o processo de inventário. São as coisas da justiça que você tem que mexer.

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Emocional a gente já falou é a falta da pessoa e a própria dificuldade de lidar com a

situação”.

A família demonstra também a dificuldade encontrada em lidar com um evento tão

inesperado, já que, segundo os familiares ninguém jamais tinha vivenciado algo

semelhante. Outra dificuldade apontada pela família é a mobilização dos órgãos

competentes, como a polícia na investigação de atitudes ou acontecimentos suspeitos como

a situação descrita por Roberto: “O que me entristeceu e até hoje ainda fico triste é da

polícia não ter se empenhado na hora que localizou o veículo e ter buscado a origem do

carro, pois ela simplesmente levou para o depósito e lá colocou como se fosse um carro

qualquer, não se atentou que era um carro de Brasília e que o proprietário poderia estar

em dificuldade. Se eles tivessem empenhado em descobrir a origem do carro, eles teriam

chegado a nós e teria facilitado, pois teríamos ganhado tempo. O carro já estava lá por

mais de trinta dias, ou seja, se eles tivessem empenhado e a gente teria se deslocado e de

repente poderíamos ter encontrado ele lá”.

Já para Clarissa a falta de preparo dos familiares diante da situação foi outra

dificuldade: “Eu penso que em uma situação dessa a gente não sabe o que fazer por que a

gente pensa mil coisas, mas, às vezes, a gente fica sem saber que caminho tomar. De

repente se a gente tivesse, assim que ele viajou, com 10 ou 15 dias tivesse pensado que já

era para ele ter voltado ou ido atrás. Você fica esperando, não sabendo que atitude tomar.

O tempo é tudo, às vezes, você vai tomar uma atitude e já está atrasada. A falta de saber o

que fazer. A gente não podia sair de uma hora para outra porque todo mundo trabalha e

não existe isso de sair para procurar um irmão que desapareceu”.

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5.7 – Facilidades e tentativas

Os meios de comunicação como rádios, jornais e televisão foram receptivos ao

pedido de ajuda da família, pois conseguiram espaço para a divulgação do caso em

diferentes locais e momentos.

Segundo Roberto: “Tivemos ainda a oportunidade de divulgar na televisão e

outros meios como rádio e jornal por conta do conhecimento que temos, mas imagina

quem não possui isso. A gente esgotou todas as possibilidades, pois conseguimos divulgar

bastante o caso”.

Para Clarissa, outro fator de contribuição foi o conhecimento que a família tinha no

meio policial, já que Roberto é militar. “A nossa facilidade ainda era porque o nosso

irmão é do meio militar, mas a gente fica pensando nas famílias que não têm nem como

alguém tomar a frente. Só Deus sabe o que a gente fez para ir atrás dele, mas a gente sabe

que muitas pessoas devem pensar que a família não fez nada. O pouco que a gente ainda

chegou foi porque a gente teve condições, mas imagina uma família totalmente

desamparada e sem condição. Ela vai simplesmente deixar, entregar nas mãos de Deus

por que a gente que tem um pouco de conhecimento por que eu trabalho no meio da

justiça a gente já teve dificuldade”.

5.8 – Religião

Para D. Laura a religião sempre esteve presente. “O religioso porque sou da Igreja

Católica e muita gente me apoiou. De qualquer forma eu sei que Deus está olhando ele,

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mesmo se ele não estiver mais aqui. Eu entrego para o Senhor e se ele estiver precisando

de alguma coisa que Deus olhe por ele”.

Clarissa também recorreu à sua crença para melhor convivência com o evento:

“Não procurei nenhuma ajuda, somente Deus. O que a gente pede para Deus é que tenha

notícia”.

5.9 – Apoio psicológico

Segundo D. Laura: “O lado psicológico vem depois. Eu fui encaminhada para

psicóloga, mas eu começava com um, começava com outro e pensava psicólogo não vai

resolver nada. Eu chorava e chorava lá e voltava com aquele mesmo sentimento”.

Clarissa acredita que as famílias que passam por esse tipo de situação poderiam ter

apoio psicológico ou grupos de auto-ajuda para compartilharem suas vivências. “Acho que

uma coisa importante que poderia ter para famílias que vivem nesse tipo de situação é que

tivéssemos um grupo de apoio como tem para vários casos, pois o fato de conhecer

famílias que estão passando pelo mesmo problema te dá mais forças. Se existe não

conheço. Juntos poderíamos até solucionar alguns casos. Se tivesse uma entidade que

cuidasse só disso, em todos os estados seria muito bom”.

5.10 – Apoio governamental

Diante do relato dos familiares fica claro o descontentamento com a atitude do

Estado em relação às pessoas que convivem com a questão do desaparecimento. O

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conhecimento e a influência em certos órgãos governamentais contribuíram para a

obtenção das informações que adquiriram.

Segundo Clarissa: “A gente não tem uma lei que ampare. Simplesmente é tocar a

vida porque do governo a gente não tem apoio. Você vai a uma delegacia e eles querem

colocar na sua cabeça que a pessoa foi porque quis. Em qualquer lugar, seja na delegacia,

no Ministério Público, na entrada no processo da Justiça o que eles querem é passar, em

primeiro lugar, que foi uma opção da pessoa. A família pensa assim... é uma decepção.

Nós esperávamos que eles tomassem uma atitude assim: vamos procurar, vamos realmente

ajudar. Eles sempre dizem vamos esperar, pois de repente foi uma opção dele porque pode

não estar bem com a família, pode ter brigado com a mulher, que brigou com os filhos e

que saiu de casa porque foi algum motivo assim. Não fica como uma vida que pode estar

se perdendo, mas mais um caso para a estatística. Ajuda governamental mesmo não tem,

pelo menos, não sabemos e ninguém informou”.

5.11 – Saber o que aconteceu

A vontade de obter informações sobre o que aconteceu com a pessoa desaparecida é

recorrente, já que diante da dúvida muitas são as fantasias criadas em torno da situação.

Para D. Laura esse desejo é explícito:

“Eu tinha muita vontade de ver o que aconteceu com João, nem que fosse em

sonho. Eu pedia muito para que isso acontecesse, mas depois eu caí na realidade que isso

não é a vontade de Deus não depende da minha vontade e eu tenho que aceitar a vontade

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dele. Eu não posso ficar cobrando aquilo que não é para mim, e eu nunca tive um sonho,

uma voz, uma sensação de que ele estivesse aqui”.

5.12 – Perda ambígua

Diante do desaparecimento a suspeita de que João tenha morrido, perdido a

consciência pela falta de medicação ou mesmo ter ido morar no exterior denota a

dificuldade que as pessoas têm em elaborar os sentimentos de maneira mais organizada e

coerente, evitando assim mais sofrimento com situações que podem não passar de

fantasias.

Como afirma D. Laura: “Quando morre uma pessoa a gente fica com aquilo, não sei

se é porque a gente sabe que morreu ou não. Ele eu nunca tive nada. A gente fica

alimentando a esperança de que ele esteja vivo”.

Clarissa, quando fala do desaparecimento de João, mostra que falta uma referência,

ou seja, não sabe que termos usar para a falta do irmão: “É como uma perda, a gente tem

que continuar. Você aceita porque tem que aceitar, não é porque você conforma. É como a

morte, você aceita porque é uma realidade”.

5.13 – Uma palavra, uma frase, um sentimento

O desaparecimento de um membro desperta sentimentos diferentes como foi

verificado no depoimento de cada familiar. Por isso, foi solicitado que cada um, através de

uma palavra ou frase, traduzisse o sentimento mais predominante diante do fato.

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Para D. Laura, “esperança” é o sentimento mais presente em sua vida. Já para

Clarissa, a “dúvida e a incerteza” sobre o que o aconteceu é o que mais a incomoda.

Segundo Roberto: “A falta da pessoa. O que marca muito a família é a falta da pessoa e

não saber o que aconteceu com ela”.

A família, a todo o momento, se remete ao sentimento de esperança em encontrar

João, contudo, ressalta que com o passar do tempo isso tende a diminuir, pois a falta de

informação e a incerteza sobre o desfecho da história inibem a manutenção de tal

sentimento.

Clarissa retrata seu sentimento em relação à esperança: “Esperança é só o tempo, e

com o passar do tempo deixa a gente mais desanimada. A gente não pode perder. A

esperança não morre nunca”.

A mãe de João parece alimentar esse sentimento de forma mais presente e

conservadora: “Esperança a gente sempre tem, mas o tempo diminui a intensidade, temos

sempre esperança”.

5.14 – Relacionamento familiar antes e após o desaparecimento

Tanto o funcionamento quanto as relações da família de João parecem ter se

modificado após o evento do desaparecimento. Apesar do sofrimento gerado pela situação,

de alguma maneira, a família se reestruturou e conseguiu estreitar os laços de amor,

carinho, amizade, atenção e cuidado entre seus membros. As relações marcadas

anteriormente pela distância, hoje, são descritas através da união, aproximação e

preocupação.

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O adoecimento da mãe, logo após o desaparecimento de João, demandou dos

demais filhos maior atenção. A relação entre eles e João possuía algo em comum, já que

todos concordaram que sofria grandes alterações, principalmente, porque este último se

distanciava do convívio familiar sempre que não estava bem. Como existia uma grande

freqüência na oscilação de humor de João, muitas vezes os familiares também preferiam se

afastar. Clarissa afirma que: “alternava muito, como ele tinha esse problema de tomar

remédio, então, às vezes, ele estava extremamente alegre, participativo no meio familiar, e

outras vezes, estava extremamente isolado, ficava sempre no quarto. Quando ele se

isolava, a gente já sabia. Antes mesmo, ele jovem, a gente não sabia que ele tinha o

problema psicológico, só descobrimos depois. Quando jovem ele era uma pessoa

extremamente rebelde, nervosa e se irritava facilmente”.

Segundo D. Laura, “ele era uma pessoa amiga, caridosa. Ele tinha facilidade muito

grande, uma amizade mais com as pessoas fora do que de casa. Eu principalmente, às

vezes, ele ficava chateado comigo, não queria falar, de cara ruim, mas de repente ele

mudava aquele quadro e ficava alegre. Essa viagem ele não ligou, mas quando ele saiu de

casa tava em crise, ele não estava bem, estava triste, estava contrariado. A gente sabia

que ele não estava bem, não queria falar”.

Para Roberto o seu relacionamento com João era restrito, como descreve a seguir:

“a gente se via pouco porque desde quando ele constituiu família e eu também... ele

morava em um determinado local com a família dele e eu com a minha. Depois da

separação dele, quando veio morar com a minha mãe, a gente começou a se ver mais nos

finais de semana. Meu contato com ele era mais limitado”.

Após o desaparecimento as relações familiares, como dito anteriormente, sofreram

alterações, o convívio familiar se tornou mais freqüente e a aproximação dos membros é

reconhecida por todos como algo real e positivo.

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No discurso de Clarissa isso fica muito claro quando ela diz: “Nos aproximamos

mais depois do que aconteceu. A gente se deixava levar muito pela correria do dia-a-dia,

pela distância porque todo mundo mora longe. Hoje, todo mundo é mais preocupado com

a saúde da minha mãe, então a gente procura sempre estar próximo a ela. Muitas vezes a

gente pensa: onde a gente errou? A gente se preocupa muito mais. Começa a valorizar

menos as coisas banais e materiais”.

Para Roberto também houve uma mudança positiva conforme é observado em seu

relato: “Positivamente mudou a questão da união da família, pois aumentou. O que

melhorou é que hoje somos mais preparados, pois se tivesse outro fato desse saberíamos

como agir para alcançar o objetivo que era encontrá-lo. O que melhorou foi à questão da

união da família, está mais humana. É uma experiência desagradável, mas é uma

experiência”.

D. Laura também reconhece que houve maior aproximação e aceitação: “O

sentimento se aproxima mais. A gente passa a valorizar a pessoa que temos, seja ela boa

ou ruim, com suas qualidades ou defeitos porque, às vezes, a gente exclui muito”.

Existe um reconhecimento por parte de todos os integrantes da família de que os

problemas psicológicos de João, ao longo da vida, dificultaram o relacionamento entre ele

e os demais familiares, já que a diferença, em muitos momentos, era fator de exclusão,

como exemplifica D. Laura:

“A gente ver como são excluídas as pessoas na sociedade porque começa mesmo

dentro de casa. A pessoa com problema não é reconhecida. Pode até mesmo ter o mesmo

amor, mas não deixa de ter diferença. E na perda do meu filho, principalmente, com os

problemas que ele tinha, mesmo eu como mãe ficava chateada porque ele era daquele

jeito. Com a perda a gente passa a valorizar como cada um de nós tem uma importância

muito grande. Como cada filho, do jeito que ele é, tem importância para uma mãe. A

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partir do momento em que temos um filho, uns são mais meigos, outros mais rebeldes, mas

para uma mãe todos são iguais. Quando a gente perde que a gente pensa quantas falhas

teve de mim para ele”.

Já os papéis familiares desempenhados pelos membros que participaram da

entrevista não sofreram grandes alterações, já que D. Laura sempre desempenhou o papel

de “chefe da casa”, sendo sempre responsável pelas tarefas e cuidados do lar e da família.

Clarissa descreve como o papel de sua mãe é desempenhado dentro da família: “Os filhos

dele, desde que ele e a esposa se separaram ficaram com a mãe e somente o mais velho

que é aqui o que mora com minha mãe desde pouco antes do pai desaparecer. Na verdade,

sempre foi minha mãe que tomou a frente de tudo. Minha mãe sempre teve o papel de

cuidar e então isso não se modificou”.

E D. Laura afirma: “Sempre tomei a frente de tudo, apesar de que sempre ele

trabalhou e ajudou em coisas pequenas dentro de casa. Agora, o filho dele é do mesmo

jeito. Ele ajuda no que pode e a família é assim sempre, um ajuda o outro”.

Para ela ainda o apoio familiar e o amor destinado a essas pessoas a fortalece na

superação da ausência do filho: “Também tenho meus outros filhos e não posso me

entregar. Sempre me apóiam e me ajudam e aí eu consigo viver”.

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6 – DISCUSSÃO No presente estudo ressaltamos alguns aspectos da família nuclear no intuito de

compreender os padrões relacionais que a mesma estabelece, analisando a repercussão do

desaparecimento de um de seus membros ao longo do ciclo de vida familiar.

Segundo Osório (1996), a família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três

tipos de relações pessoais – aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade

(irmãos). A família pode se apresentar, a grosso modo, sob três formatos básicos: a nuclear

(conjugal), a extensa (consangüínea) e a abrangente.

A família nuclear de João é basicamente formada pela mãe, cinco irmãos e três

filhos. Foi casado, mas no momento do desaparecimento estava separado e morava com a

sua mãe. D. Laura sempre possuiu o papel de cuidadora do lar e o retorno de João à sua

casa não modificou essa configuração. Para autores, como Osório (1996), isso se justifica,

porque afinal todo ser humano necessita estar em contato com outros no intuito de

relacionar-se. A constituição da maneira que está respeita as condições inerentes a

qualquer família, que pode assumir parâmetros adaptativos de acordo com a sua realidade.

Para Cerveny e Berthoud (2002), o ciclo de vida familiar é um conjunto de etapas

ou fases definidas sob alguns critérios (idade dos pais, filhos, tempo de união de um casal,

entre outros) pelos quais as famílias passam, desde o início da sua constituição em uma

geração até a morte do ou dos indivíduos que a iniciaram.

A família de João corresponde a um padrão de organização no qual, na medida em

que as necessidades ou problemas vão surgindo, seus membros se movimentam na

tentativa de se adaptarem, e mesmo com o desaparecimento de um dos seus integrantes

conseguiram absorver aspectos positivos sobre a situação e se adaptarem à nova realidade.

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A ruptura do casamento de João parece ter desestabilizado alguns aspectos

referentes à sua condição de vida, pois no relato de Roberto fica clara a mudança de

comportamento do mesmo. Este período foi marcado também pelo desemprego e

interrupção dos estudos. Apesar dos longos anos de distância entre a separação e o

desaparecimento fica nítido que o momento vivido por João demarcou uma mudança em

seu padrão de comportamento, já que as dificuldades enfrentadas em decorrência de seus

problemas psicológicos se tornaram mais presentes. Os problemas enfrentados por João

podem ter dificultado a convivência com a sua ex-mulher, o que levou à inevitável

separação.

É importante, ao avaliar uma transição de ciclo de vida, examinar os estressores

existentes na família naquele momento. Quando vemos perdas e eventos traumáticos

coincidentes no genograma, devemos começar a explorar seu possível efeito sobre o

processo do ciclo de vida (GERSON; MCGOLDRICK, 1995, p.146).

Como a família de origem tem como característica agir de forma aglutinada como

considera Feres-Carneiro (1983, apud PICHON-RIVIÉRE; FERNANDEZ; TUBERT,

1970), eles conseguem acolher novamente João, porém sem permitir espaço às

características que ele deveria possuir em sua família nuclear. Ou seja, ele retorna à família

de origem perdendo o papel de responsável por uma família para a condição de ser cuidado

novamente pela mãe. Essa mudança de papéis demandava uma reorganização familiar,

pois contraria o ciclo natural dos momentos vividos por cada membro familiar, pois D.

Laura já estava iniciando um período de desligamento da convivência, em casa, com os

filhos, já que a maioria deles estavam casados, ou próximo a se casarem, e João poderia

manter alguns aspectos do papel desempenhado em sua família nuclear caso prosseguisse a

sua vida sem o retorno a casa de sua mãe.

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Segundo Féres-Carneiro (1992), os papéis, no grupo familiar, são como as funções

de cada membro a partir das posições que ocupa nos subsistemas conjugal, parental,

fraterno e filial. A família é facilitadora de saúde emocional, na medida em que cada

membro conhece e desempenha seu papel específico. Os papéis são definidos quando fica

explícito para a família, a função de cada membro, de acordo com sua posição no grupo

familiar.

Uma família ao se constituir, enquanto casal e logo mais com a chegada dos filhos,

estabelece alguns papéis que passam a ser seguidos. O desempenho desses papéis não se

restringe à família nuclear, mas também à extensa. Diante de uma mudança, como a perda

de um membro, na estrutura familiar, as características assumidas podem se alterar, ou

simplesmente se fortalecer na tentativa de manter o equilíbrio do sistema. A família de

João, de alguma maneira, manteve a maioria dos papéis, fortalecendo o sistema, para

preservação das funções exercidas por cada membro.

Para qualquer família, a ausência de uma pessoa, seja por morte, doença grave ou

desaparecimento requer uma série de providências legais, pois para o Estado a família

somente pode usufruir algo ou se responsabilizar por alguém a partir do momento em que

qualquer situação como as descritas acima ocorrem. Nos casos de morte ou doença grave a

comprovação corre em processos menos burocráticos, já que com o atestado de um

Hospital, do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) ou do Instituto Médico Legal

(IML) facilmente é comprovada a situação de uma pessoa. Já nos casos de

desaparecimento existe a necessidade de um processo judicial para comprovação da

ausência da pessoa.

Essa dificuldade foi vivida pela família na medida em que tiveram que se

responsabilizar perante os compromissos de João. Diante da necessidade de comprovar

legalmente a situação, para que fosse possível assumir o controle sobre as

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responsabilidades que cabiam a ele, foi importante buscar os procedimentos determinados

pelos órgãos governamentais.

O momento vivido pela família, na época do desaparecimento, era marcado por

algumas transformações, pois João havia retornado ao convívio com sua mãe e também seu

filho mais velho o que modificou alguns aspectos do funcionamento desta família, pois

como afirma alguns autores todo ser humano é marcado por fases representadas pelo ciclo

de vida familiar e, neste caso, a separação e o retorno à casa da mãe modificaram algumas

funções essenciais. Em termos de “ciclo de vida familiar” o esperado para uma pessoa com

condições saudáveis de vida é que, após uma separação, a pessoa consiga prosseguir sua

vida sem a dependência de outras pessoas, contudo a doença enfrentada por João pode ter

impedido que o mesmo tivesse condições para fazer essa transição. D. Laura, portanto,

estava vivendo a fase “sem filhos” e voltou a conviver com João. Outra mudança marcante

que a família vai enfrentar é o desaparecimento de João, visto como uma perda regada à

dor e incertezas.

Para Minuchin (1982), a estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências

funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. Uma

família é um sistema que opera através de padrões transacionais. Transações repetidas

estabelecem padrões de como, quando e com quem se relacionar e estes padrões reforçam

o sistema. O autor afirma ainda que a estrutura familiar deve ser capaz de se adaptar,

quando as circunstâncias mudam, pois a existência continuada de família, como um

sistema, depende de uma extensão suficiente de padrões, da acessibilidade de padrões

transacionais alternativos e da flexibilidade para mobilizá-los, quando necessário.

Em confirmação ao que ocorreu na família de João, alguns autores como Walsh e

McGoldrick (1998), estabelecem que diante de alterações na estrutura familiar,

principalmente, nas situações que envolvem perda, é necessário um processo de mudança.

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Na concepção da família esta mudança, apesar do sofrimento vivido, ocorreu

positivamente pela melhora das relações.

João possuía 39 anos no momento do desaparecimento, estava separado e seus

filhos já eram adultos. Nos relatos da família observamos que ele sofria de um transtorno

psicológico em decorrência da baixa de lítio no cérebro. Essa condição exigia de João um

tratamento contínuo que consistia na ingestão de medicamento que atuasse como

estabilizador de humor. Não existia clareza por parte dos integrantes da família sobre um

diagnóstico preciso do que ocorria com João ou, pelo menos, a família não quis deixar

claro a sua existência. A suspeita do transtorno aconteceu tardiamente, já que, pelos

relatos, o comportamento de João possuía uma regularidade desde a sua infância, mas

somente na fase adulta a família procurou ajuda profissional com o intuito de identificar o

que ocorria.

Alguns episódios de internação foram descritos pela família, mas segundo a

mesma, na época do desaparecimento, João estava fazendo o tratamento recomendado por

seu Psiquiatra, o que dificulta, ainda mais a compreensão da família sobre o que realmente

aconteceu. Acreditam que, por algum motivo, João parou de tomar a medicação e que em

decorrência disso ele pode ter tido dificuldade em discernir o que estava fazendo.

Para Graeff e Brandão (1999), o lítio é utilizado no tratamento de pacientes em

crise maníaca ou hipomaníaca (embora, nesses casos, um neuroepilético possa produzir

efeitos benéficos de aparecimento mais rápido) e na prevenção de ataques tanto maníacos

como depressivos, em pacientes com transtorno bipolar. Essa última é a principal indicação

desse fármaco, e valeu-lhe a denominação de “estabilizador de humor”. Outras condições

nas quais os efeitos benéficos do lítio têm sido relatados incluem: tratamento agudo de

episódio depressivo, potencialização de antidepressivos em pacientes resistentes à terapia,

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agressividade, esquizofrenia, alcoolismo, tensão pré-menstrual, tireotoxicase, coréia de

Huntington e algumas distonias.

O uso contínuo de tal medicamento reforça a hipótese de que João possuía algum

transtorno grave, como transtorno bipolar, que oscila entre fases maníacas e depressivas. A

família reconhece que o comportamento dele sofria grandes alterações, demarcados por

momentos de extremo isolamento e outros em que estava exageradamente ativo, chegando

a apresentar níveis consideráveis de agressividade.

O que ocorria com João dificultava a relação e a ajuda dos familiares, já que diante

do comportamento diferente do mesmo, todos optavam por se afastarem, como afirma D.

Laura, ao reconhecer que sentia um certo pré-conceito por achá-lo diferente.

A relação familiar nos aspectos em que envolviam João sofria grandes alterações,

pois na medida em que os sintomas começavam a surgir tanto ele se afastava do convívio

familiar, como também os demais membros se afastavam dele. A convivência,

principalmente quando não tinham entendimento do que poderia estar acontecendo, era

difícil, pois ninguém sabia como lidar com a situação e atribuíam a ele a responsabilidade

pelo distanciamento.

Nos aspectos que envolvem as relações familiares este processo engloba a

participação do maior número de integrantes. Para Casabianca e Hirsch (2003) aumentar o

diálogo; compartir de idéias criativas para enfrentar gastos comuns; pensar e fazer

atividades de cuidado mútuo, e o desenvolvimento de novos papéis necessários à família

são fundamentais para a manutenção dos aspectos saudáveis do relacionamento familiar, o

que facilita consideravelmente, nos momentos de dificuldade, a maneira como a família irá

proceder diante de determinada situação.

Assim sendo, não existe um padrão a ser seguido para se manter uma boa ou má

relação familiar. Tudo isso dependerá de diferentes fatores presentes no dia-a-dia das

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pessoas. A história familiar, a cultura, os valores, as crenças, a situação financeira, entre

tantos outros fatores podem influenciar, contudo, dificilmente determinar a maneira como

os membros de uma família se relacionam. Diante de um evento de sofrimento e perda, por

exemplo, pode-se perceber melhora no tipo de relação anteriormente estabelecida. Os

demais membros possuíam uma relação considerada por eles como boa, contudo acreditam

que com a ocorrência do desaparecimento ela tem se tornado cada vez melhor, pois a dor

da perda e a convivência com a ausência de João provocaram, em todos os membros,

maior necessidade de aproximação e cuidado.

Gerson e McGoldrick (1995) ressaltam que a perda é considerada uma transição

maior que rompe os padrões de interação do ciclo de vida, e que, portanto, requer uma

reorganização familiar e propõe desafios de adaptação compartilhados. O senso de

movimento de uma família através do ciclo de vida pode ficar paralisado ou distorcido

depois de uma perda, e os genogramas nos permitem traçar o efeito das perdas ao longo do

tempo. Tal necessidade é explicada também pelo princípio da homeostase, em que o

sistema, de diferentes formas, procura equilibrar suas forças e formas de funcionamento

para voltar ao equilíbrio diante de uma brusca mudança.

A manutenção de alguns papéis ou mesmo a sua alteração, quando necessário, foi

fundamental para a preservação da saúde mental dessa família, pois o desaparecimento,

como qualquer perda, desperta sentimentos de sofrimento e extrema dor. A escolha da

manutenção dos papéis de alguns membros foi fundamental para que a dinâmica familiar

não sofresse uma desestruturação, capaz de romper com os aspectos saudáveis existentes.

Kuhn (1981, apud WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 32) afirma que a perda não

é simplesmente um evento discreto; ao contrário, ela envolve um processo transacional ao

longo do tempo, com a abordagem da morte em suas conseqüências. A perturbação

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individual após uma perda não se deve somente ao sofrimento, mas também é resultado de

mudanças no realinhamento no campo emocional da família.

Apesar do equilíbrio conquistado por esta família, sentimentos como dúvida,

incerteza e luto inacabado estão presentes em todos os membros. Esta perda de caráter

ambíguo provoca sentimentos contraditórios em diversos momentos. Conviver com esta

realidade demonstrou ser o grande fator de sofrimento para a família, já que as tentativas

para resolução do caso, bem como para o fechamento de processos emocionais esbarram

em questões práticas como a falta de informações.

Walsh e McGoldrick (1998) acreditam que todas as perdas requerem um luto, que

reconheça a desistência e transforme a experiência para que possamos internalizar o que é

essencial e seguir em frente. Explicam que um dos fatores que dificultam a adaptação

familiar à perda é o fato dessa perda ser ambígua. A ambigüidade em torno de uma perda

interfere com a obtenção de controle sobre ela, freqüentemente produzindo depressão nos

familiares. Um ente querido pode estar fisicamente ausente, mas psicologicamente

presente, como em situações de seqüestro, “desaparecimentos” de dissidentes políticos ou

de soldados em ação. A incerteza quanto à morte de um membro pode ser uma agonia para

a família. Por exemplo, no caso de uma criança desaparecida, a família pode se consumir

nos esforços para manter a esperança, mesmo temendo pelo pior, e busca tentativas

desesperadas de obter informações que confirmem o destino da criança. A impossibilidade

de recuperar um corpo pode complicar o sofrimento.

As várias hipóteses criadas pelos membros da família para explicar o que pode ter

ocorrido denotam a dificuldade que muitas pessoas têm em elaborar os sentimentos de

maneira mais organizada e coerente, evitando assim mais sofrimento com situações que

podem não passar de fantasias. Esse mecanismo é criado para que o processo possa ser

compreendido como explicação lógica ao que ocorreu, proporcionando possibilidade de

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recuperação diante da perda. Essa confusão é comum nos casos de perda ambígua,

sobretudo pela ambigüidade dos sentimentos envolvidos.

A família de João percorre um caminho parecido ao exemplificarem as diversas

posições sobre o que acreditam ter ocorrido com ele, mesmo tendo as mesmas informações

sobre o fato. À primeira vista esse mecanismo parece dificultar a compreensão dos mesmos

sobre a perda do membro, contudo ao acreditarem em certas situações fica mais fácil

assimilar o que ocorreu.

D. Laura consegue identificar um processo depressivo pelo qual passou,

principalmente no primeiro ano após o desaparecimento de João. A forte angústia gerada

pela falta de informação e o sofrimento advindo da perda proporcionaram um período de

profunda tristeza e de grande abalo físico e emocional. O fato de não saber o que ocorreu

ao filho criava e ainda cria uma série de fantasias sobre o que pode ter ocorrido com ele,

pois muitos são os momentos em que sonha em ter contato com o mesmo, pede a Deus

para que ele apareça como uma imagem ou simplesmente visualiza João na figura de

outras pessoas na rua. Em situações como esta, a postura adotada por D. Laura é tida como

aceitável e distante de algum determinismo patológico como consideram Melillo e Ojeda

(2005).

Para Melillo e Ojeda (2005) é comum em situações de perda fantasiar, imaginar

situações, cultivar e conservar os sonhos e esperanças, sem que isto signifique alimentar

falsas ilusões. Ainda, capacidade de inovação, de criação, de adaptação (para enfrentar o

novo, aproveitando tudo o que traz como ensinamento); capacidade de superar impotências

e obstáculos, não se dando facilmente por vencidos, habilidade para estimular os mais

necessitados, sem abandoná-los; capacidade de aproveitar e gerar recursos, de construir

definições coletivas de limites, pautas, papéis, objetivos, necessidades e estratégias;

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capacidade de se projetar no tempo e antecipar outro momento em que a situação tenha

mudado, ou seja, experimentar sensações de esperança.

Para todos os membros da família, principalmente para Clarissa isso é nítido, pois a

mudança nas relações entre seus familiares após o desaparecimento de João é clara. A

capacidade que possuem de enfrentar as situações, ajudar o próximo e criar estratégias para

lidar com os problemas é demasiadamente maior após a ausência de João. Para todos eles o

fato trouxe vários aprendizados para a vida de cada um.

Segundo Boss (2005), em uma perspectiva sociológica, quando entes queridos

desaparecem é difícil manter os limites familiares, os papéis ficam confusos, tarefas

permanecem negligenciadas, casais e famílias ficam imobilizados. De uma perspectiva

psicológica, a percepção fica bloqueada pela ambigüidade e falta de informações; decisões

têm que ser deixadas de lado; processos de luto e de enfrentar os problemas ficam

congelados.

A família vivenciou este processo ao se deparar com a formação da ambigüidade

diante do que aconteceu após o desaparecimento de João, pois a falta de informação e a

impossibilidade de finalizarem o processo da perda impossibilitaram assumir uma posição

definitiva sobre a história. Assumir a postura de que João realmente possa ter morrido é

algo ainda difícil para toda a família, o que impossibilita que consigam estabelecer um

processo de luto que finalize ou que diminua o estado de constante dúvida sobre o que

ocorreu.

A resolução depois de uma perda, raramente é absoluta, principalmente quando um

ente querido desaparece sem deixar rastro. Sem um corpo para enterrar, a situação desafia

a cicatrização, então os terapeutas são treinados para ver o contexto maior – o estímulo

externo que causa a ambigüidade – e forma na família, comunidade e forças culturais.

Nem todas as situações de perda ambígua levam ao trauma e imobilização. Apesar da

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ausência de um membro da família, algumas famílias ou membros percebem a presença

dos entes queridos claramente, mesmo que não se apresente desta forma para o terapeuta

(BOSS, 2005).

D. Laura menciona, em diversos momentos, a vontade que sente em receber

notícias, ainda que não sejam agradáveis, pois a angústia vivida pela falta de informação

impossibilita fechar a história, como se, a todo momento, existisse a possibilidade de

retorno do filho ao convívio familiar, mesmo após cinco anos sem nenhuma notícia sobre

seu paradeiro. A falta do corpo, para todos eles, impede que aceitem a morte de João, ainda

que, acreditem que se caso recebessem essa informação poderiam continuar suas vidas

com menos preocupação sobre as condições de vida que João poderia estar levando sem o

apoio familiar.

A possibilidade de morte ou a hipótese de que isso possa ter ocorrido com pessoas

que desapareceram é muito grande, o que ocorreu com os membros da família de João ao

relarem que em diversos momentos, desde o último encontro, chegaram a imaginar que ele

poderia ter morrido. Para a família, a morte é a última possibilidade que gostariam de

acreditar, contudo diante da dificuldade em finalizar um processo regado a incertezas e

muita angústia ela acaba se tornando uma possibilidade de alívio para constante dor e

ambigüidade. Segundo D. Laura: “Você vai aceitando porque se ele morreu mesmo, de

repente é aceitar, com o passar do tempo você vai até melhorando as forças”.

Boss (1999, apud Brody, 2001) considera que sem informações claras e uma firme

certeza, até mesmo pessoas muito fortes adotam uma postura ambivalente em relação à sua

dor e tornam-se, assim, incapazes de decidir o que fazer em seguida. Elas não sabem se a

pessoa desaparecida será encontrada, o que congela sua dor e também o processo

psicológico que deveria lidar com ela. Alerta ainda que não saber se alguém está vivo ou

morto, não ter um corpo, isso torna muito mais difícil para qualquer um lidar com a dor.

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Há quem consiga tomar uma decisão a respeito, decretando que o ente querido está morto,

mas muita gente é incapaz de fazer isso. É normal essa necessidade humana de confirmar a

morte primeiro. A autora ainda ressalta que tocar a vida em frente não significa que o

assunto esteja encerrado. Para ela, esse assunto nunca se encerra. Algumas pessoas não

esquecem jamais, não superam jamais.

Clarissa deixa clara a angústia vivida pela falta de informação: “Alguma coisa

aconteceu porque não era próprio dele, mesmo ele estando com problema, mesmo estando

em crise não era típico dele ficar... ele já tinha saído andando e depois chegava aqui em

casa. Ele não ficava de jeito nenhum parado. Acho que mesmo que ele tivesse sido

afogado, mesmo assim o corpo dele podia ter sido recuperado”. D. Laura também faz

referência ao sentimento de angústia ao relatar que: “Eu tinha muita vontade de ver o que

aconteceu com João, nem que fosse em sonho. Eu pedia muito para que isso acontecesse,

mas depois eu caí na realidade que isso não é a vontade de Deus não depende da minha

vontade e eu tenho que aceitar a vontade dele.

A família, apesar do mecanismo saudável que tem tentado cultivar através da

melhora de suas relações, ainda não consegue assumir uma postura sobre o que aconteceu

a João, preferindo, de certa maneira, cultivar sentimentos de esperança sobre o paradeiro

do ente. Essa atitude é vivida por todos os membros apesar de algumas diferenças sobre a

forma com que cada um enfrenta a situação.

A esperança é um recurso utilizado por todos os membros da família, em alguns

momentos, para cultivarem a idéia de que em algum dia, poderiam ter em seu convívio, a

presença de João. A permanência desse sentimento, segundo a própria família tende a

diminuir com o passar do tempo já que para eles, a chance do aparecimento de João é, cada

vez, menor. Sob o ponto de vista da superação da perda o mecanismo utilizado pela família

é saudável e extremamente positivo, contudo a permanência de tal sentimento em demasia

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pode provocar estados de maior angústia, já que a probabilidade de obtenção de uma

informação e retorno do ente à sua casa é tão remota quanto a de jamais recebê-la.

Os membros da família citam uma série de mudanças que aconteceram após o

desaparecimento de João, como: maior aproximação entre os membros, menor valor as

questões materiais, aprendizado com a experiência, aproveitamento dos momentos livres

com as pessoas que fazem parte da família, aumento da comunicação e preocupação com o

que acontece com cada membro. Landau e Saul (2004) afirmam que o apoio mútuo pode

reduzir o impacto de grandes perdas, auxiliando as pessoas a apoiarem-se a si mesmas em

seu processo de recuperação. Segundo Clarissa: “Nos aproximamos mais depois do que

aconteceu. A gente se deixava levar muito pela correria do dia-a-dia, pela distância

porque todo mundo mora longe. Hoje, todo mundo é mais preocupado com a saúde da

minha mãe, então a gente procura sempre estar próximo a ela. Muitas vezes a gente

pensa: onde a gente errou? A gente se preocupa muito mais. Começa a valorizar menos as

coisas banais e materiais”.

Uma condição fundamental para que indivíduos consigam superar grandes perdas é

a capacidade que possuem em ser resilientes. Diante do acontecimento todos os integrantes

da família demonstraram tal capacidade, haja vista os aspectos positivos que conseguiram

alcançar após o fato. D. Laura, apesar das dificuldades que enfrentou e ainda enfrenta

consegue também absorver esses aspectos positivos e, sobretudo, manter sua vida de

maneira saudável intermediando e cuidando em prol de sua qualidade de vida.

Walsh (2003, LANDAU; SAUL, 2004) define resiliência como sendo a capacidade

de reagir à adversidade, ficar mais forte e com mais recursos. É um processo ativo de

resistência, auto-recuperação, e crescimento em resposta à crise e ao desafio, a habilidade

para suportar e reagir aos desafios da vida. Os autores definem resiliência da comunidade

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como a capacidade da mesma de ter esperança e fé para suportar a maioria dos traumas e

perdas, superar a adversidade e prevalecer, geralmente com recursos, competência e união.

Os membros da família consideram e definem algumas atitudes comuns a

resiliência como, valorização das relações familiares, esperança, aceitação, espiritualidade,

crescimento, capacidade de mudança e também de permanecerem estáveis, proteção,

união, entre outros.

Algumas condutas de resiliência são descritas também por Casabianca e Hirsch

(2003) e coincidem como as relatadas pela família, como: revalorizar aspectos não

materiais da vida; aprender com a experiência vivida; tratar de enfatizar o que se pode

resgatar e não o que se perde; aumentar o diálogo com o casal / filhos / pais; compartir

idéias criativas para enfrentar gastos comuns; pensar e/ou fazer atividades de cuidado

mútuo e desenvolver novos papéis necessários para a família.

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7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou conhecer a repercussão que o desaparecimento de um

membro tem sobre a dinâmica familiar, identificando suas estratégias de enfrentamento e

mecanismos de reestruturação. A análise da dinâmica familiar, portanto, foi fundamental,

pois, para que fosse possível alcançar os nossos objetivos era necessário conhecer este

universo. Ao longo dos anos, a sociedade convive com inúmeras histórias de

desaparecimento de pessoas, mas as explicações sobre as causas que levam alguém a sair

da convivência familiar ainda são poucas. A diversidade de motivos e formas de

desaparecimento também dificultam traçar um padrão de comportamento comum àqueles

que se ausentam do convívio familiar.

O objetivo de estudar uma família foi alimentado pelo interesse em saber como

seus membros conseguem lidar com uma questão tão peculiar e dolorosa quanto o

desaparecimento. Foi fundamental, portanto, conhecer a estrutura familiar anterior e

posterior ao desaparecimento, as circunstâncias nas quais ocorreu o fato e, por último,

identificar as estratégias utilizadas pela família para a convivência e enfrentamento do

problema.

Na família de João foi percebido que a estrutura familiar havia passado por uma

nova configuração, pois após a separação conjugal ele voltou a morar com sua mãe. Essa

passagem demonstra uma inversão ou um retorno no ciclo de vida familiar, pois os papéis

e as funções que outrora já tinham sido modificados sofreram uma mudança no sentido, de

volta a uma fase anterior do ciclo de vida familiar. Outro fato importante a ser mencionado

é que João sofria de um transtorno mental, o que pode ter sido um fator importante tanto

para a separação como para a decisão de morar novamente com a família de origem, já que

poderia não ter condições suficientes para assumir a responsabilidade de continuar sua vida

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sozinho. Entendemos que este transtorno também pode ter influenciado o seu

comportamento de sair de casa da forma como aconteceu.

Várias são as alternativas que uma família possui para lidar com o fato, como

inquérito policial, divulgação em meios de comunicação como rádio, tv, jornal e Internet,

ONGS, processo judicial, entre outros. Mesmo com os recursos disponíveis, grande parte

dos casos, não são resolvidos, já que na maioria das vezes, as informações sobre o

acontecimento são limitadas, como no caso da família estudada que não conseguiu

encontrar seu ente, mesmo com alguns informações que indicavam o paradeiro da pessoa.

O descontentamento da família diante da maneira pela qual os órgãos

governamentais tratam a questão é algo a ser considerado, pois segundo eles ao procurarem

ajuda sempre são influenciados a pensar que a pessoa desaparecida saiu do convívio

familiar por vontade própria, o que dificulta a sensibilização das pessoas competentes na

busca de informações que expliquem o fato. Essa queixa foi relatada por todos os

membros, com particular sofrimento de Roberto, irmão da pessoa desaparecida, que é

policial militar. Segundo o mesmo, é muito triste perceber como alguns colegas de

profissão foram relapsos e fizeram pouco caso de informações fundamentais para o

esclarecimento do desaparecimento de seu irmão, como o momento em que acharam o

carro de João com indícios de arrombamento e não comunicaram aos órgãos competentes

para que fosse identificada a procedência do veículo.

Esse descontentamento sinaliza um alerta não só para as pessoas que trabalham em

órgãos governamentais, mas para qualquer cidadão que diante de uma informação prefere

não se manifestar repassando e divulgando aquilo que sabe. Uma atitude sensata e coerente

pode contribuir decididamente com êxito na busca de uma pessoa.

O levantamento bibliográfico realizado para elaboração do presente estudo

evidenciou que o desaparecimento de um membro da família pode ser vivido de diferentes

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formas, contudo, alguns pesquisadores têm identificado características comuns à maioria

daqueles que convivem com tal realidade. Sentimentos que envolvem a perda ambígua e a

capacidade de resiliência necessária para superação da perda do membro familiar são

exemplos mencionados tanto pelos teóricos, quanto identificados na família estudada.

Para todos os membros da família a dificuldade em esclarecer o que aconteceu com

João dificulta a compreensão e a definição sobre os sentimentos envolvidos. Afirmam que

possuem esperança apesar do longo tempo sem informações, mas este sentimento tende a

diminuir com o passar do tempo. A ambigüidade também é relatada como sendo uma

característica presente após o desaparecimento, pois o fato de não ter certeza sobre o que

ocorreu, tanto desperta expectativas do retorno de João ao convívio familiar, quanto

levanta suspeita sobre a sua possível morte.

As instituições governamentais geralmente, limitam-se à divulgação dos casos para

a procura daqueles que desapareceram. Ao abordar a família do desaparecido tentamos

abrir um espaço de reflexão sobre a realidade de inúmeras pessoas que convivem com este

processo. Nesse sentido, o estudo permitiu a compreensão da dinâmica familiar e de como

cada indivíduo percebe e convive com as questões que envolvem o desaparecimento. O

tipo de relação estabelecida com a pessoa desaparecida e o acesso às informações sobre o

que ocorreu parecem determinar os sentimentos envolvidos diante da perda.

O estudo permitiu compreender também que apesar do grande sofrimento gerado

pela perda do ente é possível perceber mecanismos saudáveis de funcionamento e até

mesmo melhora das relações existentes no âmbito familiar. Essa capacidade é definida por

alguns autores como resiliência e foi constatada diante da reestruturação apresentada pela

família de João. A família, em diversos momentos, declara que após o desaparecimento de

João foi possível reavaliar alguns valores que permitiram uma nova visão sobre as relações

estabelecidas. O convívio família, a preocupação com o outro, a união, a desvalorização de

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coisas materiais são características mencionadas por todos os membros da família para

retratarem a melhora do relacionamento familiar.

O restrito acesso às informações, nos órgãos governamentais, sobre famílias que

possuem algum membro desaparecido dificultou a ampliação da pesquisa, bem como o

entendimento da dimensão dessa realidade dentro de nossa sociedade. De outro lado, a

disponibilidade e a boa vontade da família estudada retrata a necessidade que os mesmos

possuem em encontrar apoio e meios de divulgação sobre o desaparecimento de seu

familiar. Essa burocracia também foi identificada pela família, pois enfrentaram vários

obstáculos para resolver questões relacionadas a João, como pagamento de dívidas,

movimentação bancária, recebimento de pagamento, declaração de desaparecido, entre

outras.

Alguns autores como Boss (2005) falam sobre a dificuldade que alguns

profissionais possuem em lidar com questões relacionadas à perda. Essa dificuldade foi

retratada por D. Laura ao dizer que apesar de ter procurado ajuda, não conseguiu perceber

melhora de sua condição, pois o trabalho realizado era sempre insuficiente. Acreditamos

que os profissionais de saúde mental precisam estudar e pesquisar mais para trabalhar com

famílias em situações de perdas de forma mais efetiva. Além desta instrumentalização é

necessário também trabalhar suas próprias questões relacionadas à crise, perda e morte.

Consideramos que os nossos objetivos foram alcançados e a riqueza dos dados

encontrados se deve à escolha do método. A entrevista semi-estruturada, o genograma e a

gravação dos relatos foram fundamentais para a análise dos dados, pois desta maneira a

preservação dos conteúdos mencionados, bem como o estudo das mesmas ocorreu pautado

pela fidedignidade. A utilização de uma metodologia qualitativa foi assertiva na medida

em que permitiu conhecer a dinâmica da família de João de maneira aprofundada, bem

como a repercussão que seu desaparecimento teve para seus familiares. A análise dos

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dados à luz da concepção da abordagem sistêmica permitiu identificar aspectos

importantes para o entendimento de como a família vivenciou a problemática do

desaparecimento, sem perder de vista os aspectos individuais.

A escolha doa autores mencionados no estudo, mostrou-se adequada, contudo, a

dificuldade em encontrá-los, deve ser mencionada, já que a questão do desaparecimento é

um tema recorrente a qualquer sociedade, mas que não desperta grande interesse, pois, a

maioria dos estudos relacionados à perda direciona suas buscas somente as questões

relacionadas à morte. Poucos são aqueles que envolvem o tema do desaparecimento ao

tratarem das perdas vividas pelos indivíduos e pela família.

Acreditamos que o presente estudo possa contribuir significativamente para as

famílias que convivem com o contexto do desaparecimento, para os órgãos governamentais

competentes e para os diversos profissionais de saúde, especialmente psicólogos que

venham a trabalhar com esse tipo de demanda.

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8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRODY, J. E. A dor que nunca vai embora: NY busca seus desaparecidos e descobre que a morte comprovada machuca menos. 21 de setembro de 2001 JB On-line. Disponível em: jbonline.terra.com.br/jb/papel/paginadois/.../jorpg220010920001.html. Acesso em: 16 maio 2006 às 14h58min. BOSS, P. O trauma da perda ambígua: Reflexões ao trabalhar com as famílias dos desaparecidos depois de 11/09/2001, Pensando Famílias, a. 7, n. 8, p. 21 – 44, 2005. BROWN, F. H. O impacto da morte e da doença grave sobre o ciclo de vida familiar. In: CARTER, B. e MCGOLDRICK, M., 1995. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 393 – 407. CALIL, V. L. L. Terapia familiar e de Casal. São Paulo: Summus, 1987. CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma estrutura para a terapia familiar. In: As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. CASABIANCA, R.; HIRSCH, H. Argentina 2001-2003: estresse, trauma e resiliência. Pensando Famílias, a 5, n. 5, p. 33 – 43, 2003. CERVENY. C. M. O.; BERTHOUD. C. M. E. Família, sistemas e ciclo vital. In: Visitando a Família ao longo do Ciclo Vital. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. DEMO, P. Avaliação Qualitativa. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1991. FÉRES-CARNEIRO, T. Saúde e doença emocional na família: Diagnóstico e terapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. ______. Família e Saúde Mental. Psicologia, Teoria e Pesquisa. v. 8, Suplemento, pp. 485-493, 1992. ______. Família: Diagnóstico e Terapia. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

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GERSON, R.; MCGOLDRICK, M. Genetogramas e o ciclo de vida familiar. In: CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GRAEFF. F. G; BRANDÂO, M. L. Neurobiologia das doenças mentais. 5 ed. São Paulo: Lemos Editorial, 1999. LABRES, C.L.S.; SOUZA, P. P. Uma Correlação entre a Comunicação e Resiliência nos Casais. Pensando Famílias. a 6, n. 7, p. 29 – 34, 2004. LANDAU, J.; SAUL, J. Facilitando a Resiliência da Família e da Comunidade em Resposta a Grandes Desastres. Pensando Famílias, Ano 6, nº 7. p. 35-66, 2004. MARTINS. J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: Fundamentos e recursos básicos. 2 ed. São Paulo: Editora Moraes, 1994. MELILLO, A.; OJEDA, E. M. S. (Orgs.) Resiliências familiares. In: ______. Resiliência – descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005. MINUCHIN, Salvador. Famílias: Funcionamento e Tratamento. Jurema Alcides Cunha (Trad). Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. WALSH, F.; MCGOLDRICK, M. A perda e a família: Uma perspectiva Sistêmica. In: ______. Morte na família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Anexo I

Roteiro de Entrevista com a Família

Dados do Entrevistado:

Idade do entrevistado:

Naturalidade:

Sexo:

Estado Civil:

Número de filhos:

Idade dos filhos:

Sexo dos filhos:

Nível de Escolaridade:

Religião: Praticante? ( ) Sim ( ) Não

Profissão:

Pai: ( ) Vivo Idade:

( ) Falecido Motivo:

Mãe: ( ) Vivo Idade:

( ) Falecido Motivo:

Número de irmãos:

Idade dos irmãos:

Sexo dos irmãos:

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Anexo II

Dados do Desaparecido

Idade do desaparecido:

Naturalidade:

Sexo:

Estado Civil:

Número de filhos:

Idade dos filhos:

Nível de Escolaridade:

Profissão:

Pai: ( ) Vivo Idade:

( ) Falecido Motivo:

Mãe: ( ) Vivo Idade:

( ) Falecido Motivo:

Número de irmãos:

Idade dos irmãos:

Sexo dos irmãos

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Anexo III

Roteiro da Entrevista Semi-estruturada a) Em que situação foi recebida a notícia do desaparecimento de seu familiar?

b) Quantos anos você e a pessoa tinham na época?

c) O que acredita que ocorreu?

d) Já recebeu alguma prova que explique o que aconteceu?

e) Como era o seu relacionamento com a pessoa?

f) Como tem vivido com a ausência dessa pessoa em sua vida?

g) A sua rotina de vida ou a rotina familiar sofreu alguma alteração depois do

desaparecimento?

h) Quais são as maiores dificuldades na obtenção de informações?

i) Procurou algum tipo de ajuda? Que tipo?

j) Que meios tem buscado para a convivência com esta perda?

k) – Sente esperança de encontrar a pessoa? Caso não tenha, o que faz pensar desta

maneira?

l) Qual o sentimento mais predominante diante da perda?

m) Como percebe o funcionamento da família diante do fato?

n) Suas relações familiares foram afetadas? Em que sentido?

o) Mudou algum hábito após ter recebido a confirmação do desaparecimento?

p) Você exercia algum papel ou função familiar que atualmente não exerce mais?

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Anexo IV UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO - PRG CURSO DE PSICOLOGIA

Termo de Livre Consentimento

Este questionário faz parte de uma pesquisa desenvolvida como

Trabalho de Final de Curso de Graduação em Psicologia. Neste sentido,

estamos solicitando sua colaboração, garantindo que suas respostas serão de

caráter absolutamente confidencial e serão utilizadas apenas com finalidades

acadêmicas, auxiliando-nos na compreensão da questão envolvida, para que

seja possível proporcionar um melhor serviço à comunidade. Não é necessário

se identificar.

Sua colaboração é muito importante.

Muito Obrigado.

Assinatura e data.

Responsáveis pela pesquisa:

Alessandra Oliveira Souza Profª. Drª. Maria Alexina Ribeiro