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0 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “ LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE ADOÇÃO: COMO INSTRUMENTO EMERGENTE DE INCLUSÃO SOCIAL Por: Dulce Regina Nascimento Lima Orientador Prof. Ms Ana Paula Lettieri Fulco Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ADOÇÃO: COMO INSTRUMENTO EMERGENTE DE INCLUSÃO

SOCIAL

Por: Dulce Regina Nascimento Lima

Orientador

Prof. Ms Ana Paula Lettieri Fulco

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ADOÇÃO: COMO INSTRUMENTO EMERGENTE DE INCLUSÃO

SOCIAL

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Psicologia Jurídica.

Por: Dulce Regina Nascimento Lima

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AGRADECIMENTOS

À minha professora Ana Paula Letierri Fulco,

pela atenção, dedicação e competência na

orientação dessa monografia. Aos meus

colegas da turma de Psicologia Jurídica que,

compartilharam comigo durante o ano de

2006.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia ao meu pai Olímpio

do Nascimento Lima e minha mãe Angelina

Ferreira da Mata Lima por todo amor que tem

dedicado a mim.

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EPÍGRAFE

“Eu vi o menino correndo eu vi o tempoBrincando ao redor do caminho daquele menino.Eu pus os meus pés no riacho E acho que nunca os tireiO sol ainda brilha na estada e eu nunca passeiEu vi a mulher preparando outra pessoaO tempo não pára pr’eu olhar para aquela barrigaA vida é amiga da arteÉ a parte que o sol me ensinouO sol que atravessa essa estrada que nunca passou.Por isso uma força me leva a cantarPor isso essa força estranhaPor isso é que eu canto não posso pararPor isso essa voz tamanha...”

Caetano Veloso

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RESUMO

O objetivo desse trabalho é apresentar a importância da adoção como instrumento

emergente de inclusão social. Propõe-se refletir sobre a contribuição da teoria de Pierre

Legendre a partir de sua hipótese que aponta duas vertentes necessárias à eficiência da função

paterna no que diz respeito a constituição do sujeito, a saber, as ancoragens simbólicos sociais

e a transmissão dos nomes, respectivamente, apóiam-se nas montagens jurídicas e na

autoridade da palavra do pai. Infere-se a importância dos Estudos de Legendre como alerta

aos operadores do Direito da importância dos aspectos subjetivos para inclusão social da

criança em processo de adoção. Trata de saber que as funções dos pais são essencialmente

funções simbólicas. Essa função geral é a que consiste em fundar o sujeito humano;

independente de ser adotado ou não para que ele possa viver incluído na sociedade como

sujeito de direito e sujeito de desejo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7

CAPÍTULO I – O ABANDONO ......................................................................................... 10

CAPÍTULO II – A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA COMO INCLUSÃO SOCIAL ......... 18

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 27

ANEXO ................................................................................................................................. 31

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INTRODUÇÃO

Uma adoção legal e afetivamente orientada proporciona à criança a sensação de pertencer àquele grupo familiar, condição essencial para o desenvolvimento da segurança pessoal, da auto-estima, e do estabelecimento da própria identidade como membro de um grupo e como ser individual.(Maldonado, 1995, p. 38)

Esse trabalho é a tentativa de abrir espaço para reflexão sobre a importância da

divulgação do tema sobre a cultura da adoção e sua importância na inclusão do sujeito. Além

disso, a motivação principal de escrever sobre este tema deve-se a minha participação como

voluntária na Organização Civil Não Governamental Quintal da Casa de Ana que me ofereceu

a oportunidade de integrar sua equipe multidisciplinar com o objetivo de realizar um trabalho

psicossocial no projeto “Lar para Todos”, o qual visa atender as crianças que encontram nos

abrigos de Niterói/RJ.

O tema adoção causa diversos impactos nas pessoas, tais como: um pai adotivo

relata que levou a documentação de seu filho para matrícula escolar, e a atendente ao ver o

sobrenome diferente, pois o menino ainda estava na situação de guarda. Ela disse: “Então, o

menino não é o seu filho!”. O pai se sentiu muito incomodado com isso e repetiu: “Ele é

meu filho”. Mas o atendente continuava a repetir a mesma frase: “Então, o menino não é seu

filho”. O mesmo pai relata que seu filho já tinha passado por dezesseis pais cadastrados, mas

nenhum o quis porque sua cabeça era grande e seus dedos muito curtos. Ele adotou a criança

e, este passou pelo processo de aprendizagem sem nenhum problema.

Como bem lembra Piccini sobre este tipo de experiência que alguns adotados

passam:

(...) o adotado não deixa indiferentes as pessoas: algumas o sentem dotado de certo fascínio pelo seu misterioso passado; outros o julgam merecedor de amparado, suspeitando antigas desproteções; outras, mais preconceituosas, o consideram, inevitavelmente, marcado por características negativas (Piccini, 1986, p.116).

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Abordam-se os conceitos de família, filiação e parentalidade para falar de adoção.

Brito observa que: “A parentalidade e a filiação são fundadas, nas diferentes culturas, a partir

de três eixos fundamentais: o jurídico, o biológico e o afetivo, sendo necessário, a conjugação

de pelo menos dois desses eixos para a família ser percebida como verdadeira” (Brito, 1999,

p.38).

Diante disso, observa-se a importância de tal conjugação, a partir do momento que

é avaliada a influência da lei neste processo. Na legislação brasileira, através da Constituição

Federal de 1988, art. 227, parágrafo 6º e, posteriormente ratificado no art. 20 do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), a condição do adotado está definitivamente equiparada à

biológica, como veremos no capítulo três.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem por base a Doutrina de

Proteção Integral, que tem o objetivo de garantir os direitos de crianças e jovens sem qualquer

espécie de distinção, de acordo com a Constituição Federal (1988) e com a Convenção

Internacional dos Direitos da Criança (1989).

“Art. 1º: Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”

(Brasil, 1990).

Fonseca (2002) aponta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

privilegia três princípios que são extremamente significativos na inclusão social do adotado:

a igualdade, a liberdade e o bem-estar da criança.

A noção da igualdade está refletida na igualdade de condições entre os filhos

adotados e biológicos; de liberdade no que diz respeito à colocação do filho adotado na

família consangüínea independentemente da vontade de todos os seus membros e; por último

a com o bem-estar da criança através da garantia de seus direitos.

O Capítulo I desenvolve a história do abandono desde as suas origens até os dias

atuais, perpassando pela questão do mito materno.

No Capítulo II aborda-se a importância da adoção como instrumento emergente de

inclusão social. Apresentam-se seus aspectos jurídicos e psicanalíticos através,

principalmente, dos trabalhos de Legendre, advogado e psicanalista, considerado um grande

influenciador no pensamento dos operadores de direito nas Varas de Família, na França.

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Desta forma, a realização desse estudo considera importantes as legislações que

contribuíram para inclusão social de crianças abandonadas, alijadas de sua condição de

sujeito, assim como da Psicanálise.

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CAPÍTULO I

O ABANDONO

(...) as dores da esterilidade cruzam-se com as dores do abandono. São dores diferentes que cicatrizam a ritmos diferentes (Sá e Cunha, 1996, p. 22).

Há um diálogo entre abandono e adoção, pois são tristes experiências deflagradas

na vida de mães, geralmente miseráveis que não tem condições de criar seus filhos.

O ato de abandonar crianças é um fenômeno mundial, com casos registrados desde

os tempos bíblicos. O Antigo Testamento descreve o abandono de Moisés nas águas do Rio

Nilo e, nas margens do Rio Tibre os dos irmãos Remo e Rômulo, fundadores de Roma.

Desde a década de 1960, historiadores profissionais de todo o mundo vêm

trazendo contribuições sobre o tema abandono.

Philippe Ariès (1981) apresentou uma obra magnífica sobre a criança no Antigo

Regime, inclusive dissertando sobre o abandono.

No Brasil, trabalhos semelhantes começaram a ser apresentados a partir de 1980,

como o de Gilberto Freire, no seu famoso clássico Casa-Grande e Senzala (1936), ele

descreve a meninice senhorial e escreva, recorrendo a fontes documentais inéditas.

Priore (2004) confirma que a história social de crianças abandonadas tem raízes

antigas, principalmente as que se referem a recém-nascidos.

Segundo Mota (2005), o Papa Inocêncio III (1198-1216), consternado com o

sofrimento de crianças, que eram encontradas mortas nas redes de pesca, em Roma, criou a

roda dos enjeitados no hospital Santo Espírito. Este ato de caridade tinha o objetivo de salvar

a vida dos inocentes, além de preservar a identidade daqueles que as abandonavam. O mesmo

procedimento se repetiu na Bahia (Brasil), em 1726, quando foi instalada a primeira roda dos

expostos.

No final da Idade Média, o número de crianças abandonadas aumentou devido à

peste negra de 1348, pois a população européia ficou bastante reduzida pelo alto índice de

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mortalidade. Por isso, o grande número de crianças órfãs exigiu uma intervenção das

instituições vinculadas aos burgos e cidades medievais.

Já Portugal, antes da colonização do Brasil, começou a criar formas de auxílio

destinadas às crianças abandonadas através das Santas Casas de Misericórdia, Câmaras

Municipais e hospitais.

A partir de 1550, os jesuítas começaram no Brasil uma atividade pioneira com as

crianças indígenas abandonadas, criando os Colégios de Órfãos para esta camada da

população.

Posteriormente, ainda no Brasil, nas capitanias da Bahia, Rio de Janeiro e Minas

Gerais, as câmaras coloniais passaram a pagar famílias para acolher crianças abandonadas,

denominadas pejorativamente, na época, de enjeitados ou expostos.

Como lembrado, anteriormente, por Mota (2005), somente mais adiante surgem as

primeiras rodas dos expostos na Santa Casa de Salvador em 1726 e, na do Rio de Janeiro, em

1738. Logo após a Independência do Brasil, esta instituição passou por grande

desenvolvimento, alcançando um total de doze rodas, por volta do século XIX.

A roda dos expostos se constituía em tonéis de madeira giratórios, presos no meio

da parede, unindo a rua ao interior do imóvel, onde havia um espaço destinado para acolher

recém-nascidos que ali eram abandonados.

As crianças mantidas na Santa Casa eram mantidas no estabelecimento até

completarem sete anos de idade. Posteriormente, eram disponibilizados para serviços

remunerados ou em troca de alimento e moradia.

Gonçalves (1987) aponta que o estudo referente à roda dos expostos deve levar a

reflexão sobre o tipo de moral que conduzia as relações familiares, na época. Estes abrigos de

enjeitados podem ser considerados como instrumentos emergentes de regulação dos possíveis

desvios familiares.

No Brasil, essas instituições surgiram a partir da estrutura familiar colonial que

tinha o cristianismo como referência para orientar seus preceitos e regras.

Sabe-se que a moral cristã restringe suas práticas reprodutivas apenas nos limites

do casamento, oficializado pela Santa Igreja. A procriação ocorrida fora do casamento era

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objeto de recriminação e, estava sujeita as sanções, tanto religiosas como sociais, pois estas

duas instâncias se confundiam.

Portanto, no Brasil, o abandono focalizava, fundamentalmente, às crianças brancas

e pardas de ambos os sexos, oriundas das classes mais pobres. Mas, também, eram

abandonadas crianças havidas fora do casamento, como as de adultério, além daquelas tidas

em relações fortuitas e incestuosas.

Segundo Venâncio (1999), durante a colonização surge uma modalidade selvagem

de abandono caracterizada pelo abandono de crianças em calçadas, florestas, terrenos baldios

e praias. Onde, não era raro, ao amanhecer, encontrarem corpos de crianças devorados por

cães e porcos.

Já as mães escravas não tinham possibilidades de abandonar seus filhos, pois estes

pertenciam aos senhores.

Observa-se, entretanto, que o abandono de crianças não era comum no meio rural,

pois camponeses e pescadores pobres valorizavam a força de trabalho familiar, pois esta tinha

um papel fundamental na sobrevivência da unidade doméstica.

As crianças filhas de mães rurais eram mantidas junto a si para desempenhar

alguma função de ajuda ou apoio nas tarefas domésticas ou do campo. Evitava-se enviar os

filhos para a casa de um vizinho ou parente, pois isso poderia se constituir num déficit na

economia doméstica dos pequenos proprietários rurais. Enquanto, na cidade, o trabalho

infantil não tinha muito valor, pois as atividades exigiam profissionais especializados, ou

havia a exigência de força física, o que levava a desvalorização da criança o que o contribuía

na decisão em relação a abandoná-lo.

Portanto, não foi só a miséria que usou as Rodas como foi visto, outros fatores

influenciaram na sua manutenção.

Uma questão central sobre os estudos levantados sobre a história da infância

abandonada aborda o mito do “amor materno”.

“As mulheres que abandonavam os filhos manifestariam desamor em relação a

eles, ou o gesto decorria de uma imposição de natureza econômica ou moral?” (Venâncio,

1999, p. 24).

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Sobre este assunto, Venâncio apresenta um dado importante a respeito da

preocupação que as mães tinham com seus filhos ao entregá-los na roda dos expostos. Ele

refere-se aos bilhetes, que as mães prendiam às roupas de suas crianças ao abandoná-las na

roda dos expostos. Apesar de ser uma fonte documental interessante, deve ser vista com

olhos críticos. Pois segundo Venâncio (1999), tais bilhetes podem ter sido escritos por

padres, pois estes dominavam a escrita, na época. Há uma hipótese que tais bilhetes

estivessem sendo usados para fins políticos, com intuito de sensibilizar vereadores ou

administradores coloniais, que consideravam o abandono uma representatividade de

irresponsabilidade e falta de amor materno. Um provedor da Santa Casa de Misericórdia do

Rio de Janeiro apresenta sua indignação através de duras críticas a roda dos expostos, pois a

considerada jazigo de meninos que favoreciam os desatinos de mães.

Mas, também, Venâncio (1999) observa que se as mães procuravam padres para

escrever os bilhetes, demonstra que elas tinham algum sentimento pelos seus filhos.

Os bilhetes, em questão, estão nos Arquivos das Santas Casas de Misericórdia de

Salvador e do Rio de Janeiro, no período de 1726 a 1938, quando milhares de crianças foram

deixadas em suas Rodas.

Na maioria dos escritos era pedido bom tratamento aos filhos. Alguns pediam o

batismo ou sua confirmação, pois havia sido feito de maneira incompleta. Exemplo de um

bilhete de 9 de janeiro de 1759: “(...) esta menina chama-se Rita, está batizada em casa por

sacerdote e se lhe faltam os santos óleos (...)”.

A preocupação das mães que abandonavam seus filhos se expressava, também,

através da indicação do nome e sobrenome da criança, apesar de que no Brasil, entre os

séculos XVIII e XIX, a transmissão dos sobrenomes ainda não era regulamentada. Um

bilhete de 29 de maio de 1782 diz: “(...) vai esse menino que já é batizado, chama-se Antônio

José de Deus”.

Também, havia preocupação com a discriminação que a criança poderia passar se

reflete na observação da origem racial da mesma, como exemplificado neste bilhete: “(...)

porque é branco, legítimo e cristão-velho”.

Em alguns bilhetes, observa-se que o abandono está vinculado a impossibilidade

de mães solteiras, adúlteras ou religiosas ficarem com seus filhos, por conta do preconceito da

sociedade. Assim, temos um bilhete de 19 de agosto de 1760 que diz assim: “(...) a quem por

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mercê e honra de Deus pertence tomar conta dessas crianças quando nascem de pessoas

recolhidas que tem Pai (...)”.

Portanto, pode-se concluir que o abandono de crianças não deveria ser considerado

como uma falta de responsabilidade ou desamor de suas mães mas testemunham o abandono

de crianças decorrentes de imposições morais e econômicas.

Assim sendo, no Brasil, inicialmente, as crianças abandonadas originaram-se da

moral patriarcal dos senhores de engenho da Bahia e do Rio de Janeiro, frutos da população

livre e liberta da época.

Logo, tanto as mulheres brancas da elite que rejeitavam seus filhos amedrontadas

com a condenação quanto às mestiças e brancas pobres sofriam ao abandonar seus filhos, por

isso considera-se que o amor materno não é inexistente quando a mãe comete este gesto de

infortúnio.

Teses de Medicina que foram produzidas como requisito de conclusão de curso, na

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no final dos anos 30, revelaram detalhes da moral

social vigente, na época, e das sérias conseqüências para a mulher, sobretudo no que dizia

respeito ao abandono de crianças.

Gonçalves (1987) observa que as teses tratam de privilegiar um tipo de mulher

como aquela denominada a mulher boa mãe e boa esposa, em detrimento daquelas

consideradas como: a mundana, a mulher de vida fácil, a prostituta. Assim definidas por

recusarem o papel de mãe e esposa.

Os médicos higienistas que redigiram essas teses, tratam a Roda como um

problema de moral familiar e pública. Assumiam que os asilos eram um tipo de remédio para

tratar a má-conduta da mulher, com o objetivo de levá-la do arrependimento e, ao retorno a

uma vida digna.

Acreditavam, também, que a Roda protegia as mulheres de crimes morais, além de

oferecer alternativa ao infanticídio. As estatísticas revelaram que a Roda de Salvador

apresentava um predomínio de expostos brancos, o que caracterizava a dupla moral das

famílias brasileiras de classe média ou alta de raça branca.

Pode-se concluir que a grande maioria de expostos no Brasil Colonial foi o

resultado de relações ilícitas de mulheres de condição social elevada.

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A França e a Inglaterra, nos anos 20 e 30 do século XIX, começam um debate

sobre a eficácia da manutenção da Roda na resolução da demanda crescente do abandono de

crianças. Defendiam a extinção da Roda, pois consideravam que esta contribuía para o

aumento do abandono e, que os asilos de crianças não passavam de maus exemplos de

imoralidade. Ou seja, as instituições, na verdade, davam um tiro pela culatra ao concorrer

para a aceleração de depravação dos costumes e da moral, enquanto, as dissertações médicas

brasileiras apresentavam argumentos em favor da manutenção da Roda.

Portanto, conclui-se que não se pode explicar o abandono de crianças a partir de

uma única causa como a pobreza, pois há inúmeros fatores em jogo como foi demonstrado

anteriormente.

Assim como Venâncio, Mota (2005) faz uma desconstrução da figura da mãe que

abandona seus filhos como uma personagem sem alma e sem sentimento materno. Considera

essas mães violentadas pelo preconceito da sociedade, pela ignorância e pela miséria reinante

até os dias atuais. Essas mães passam a ser estigmatizadas, pois contrariam tanto as normas

sociais quanto a sacralidade existente no mito da maternidade.

Portanto, Mota (2005) afirma que as mães não abandonam seus filhos, mas os

entrega, para adoção devido a severas dificuldades econômicas. Os momentos que antecedem

essa entrega as envolvem em sentimentos de dúvida, incerteza e, culpa diante do

desconhecido. Acrescenta que há um processo de luto após a entrega do filho, por isso

acredita na necessidade de se criar intervenções no microssistema, com envolvimento de

políticas governamentais e ações legais comunitárias.

O trabalho de Mota (2005), com mães do século XXI, que entregaram seus filhos

para adoção a fez concluir que é necessário, para elaboração do luto, que a mãe antes de

entregar seu filho para adoção estabeleça, inicialmente, um vínculo e construa uma imagem

do mesmo para que tenha condições psicológicas e emocionais de separar-se dele

adequadamente. Além disso, seria necessário que essa mãe biológica participasse dessa

decisão, com um profissional qualificado, para se cientificar das conseqüências de seu ato e

das alternativas disponíveis, completamente livres de pressões familiares e sociais.

Essa conclusão de Mota (2005) contraria o aspecto jurídico, elencado no ECA e no

Novo Código Civil, que considera a criança em processo de adoção como um elemento

desvinculado de sua mãe biológica. Pois seu estudo está direcionado na compreensão interna

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da decisão da mãe em separar-se de seu filho, além de priorizar seu estado e dinâmica

psicológica na pós-entrega.

Nos muitos casos atendidos, verificou-se que o luto vivenciado pelas mães, quando

não é franqueado pelo meio onde ela vive, não é elaborado de forma adequado. Por isso,

constata-se que o abandono é considerado um processo difícil de ser vivenciado, pois as mães

tomam decisões devido a pressões sofridas em diferentes níveis, que perpassam o familiar,

social e institucional.

Então, observa-se que a determinação da adoção fechada legalizado pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Novo Código Civil (NCC) se constitui num

abismo, criado juridicamente, entre o adotado e a sua origem biológica.

No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) verifica-se que os registros

quanto à adoção são lacrados. Subentende-se uma ruptura completa no contato entre a criança

e seus pais biológicos, o que vai impedir o adotando acessar informações relativas a sua

origem.

Art. 47: O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.§ 3º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro (Brasil, 1990).

Enquanto, o Novo Código Civil ratifica a mesma informação: “Art. 1626: A

adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e

parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento” (Brasil, 2002).

Nos EUA, a área jurídica se atualizou, pois já legalizou essa questão como um

processo no qual os pais biológicos e adotivos encontram-se para trocar informações

identificatórias, que ultrapassam aquelas meramente genéticas e de saúde. Inclusive, várias

entidades norte-americanas trabalham com mães biológicas, em grupo de reflexão, o que

desencadeou um processo, por parte delas, de alerta a sociedade sobre as questões que

envolvem a entrega de um filho em adoção.

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Portanto, deve-se lembrar aos juristas que a ação humana não é só razão, nem

acaba na dimensão legal sancionada como legítima, pois essas mães, oriundas das camadas

mais pobres da população, não têm legitimidade garantida em lei para o reconhecimento de

sua dor não franqueado ao luto.

Além disso, constata-se que ao arquivar a certidão original do adotado,

indisponibilizando-a para consulta posterior afronta um dos mais básicos direitos do ser

humano para constituição de sua subjetividade, o direito à própria identidade.

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CAPÍTULO II

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA COMO INCLUSÃO SOCIAL

O homem, desde antes de seu nascimento e para além da morte, está preso na cadeia simbólica que fundou a linhagem, antes que nela seja bordada a história (Lacan, 1966, p. 468).

Lacan afirma que a família não é natural, mas sim cultural. O que explica as

variadas formas nas quais ela se apresenta nas diferentes culturas. A família é uma

estruturação, onde cada membro ocupa um lugar definido. Esses lugares de pai, de mãe, de

filho não estão necessariamente vinculados a uma função biológica ou por qualquer ato

formal. A conclusão é que a Lei pode atribuir uma paternidade, por exemplo, através do

exame de DNA, mas nunca conseguirá coagir o genitor a tornar-se o pai. Nesse sentido, o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz uma importante contribuição com o artigo

19, a saber:

Art. 19: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Brasil, 1990).

Portanto, nesse texto há a compreensão de que a paternidade e a maternidade

podem ser exercidas em famílias não-biológicas, que são nomeadas como famílias substitutas

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A adoção é uma das possibilidades que

essa legislação prevê como família substituta.

Esta se propõe a trazer para o convívio doméstico uma criança ou adolescente

que, por qualquer motivo, foi desprovida da família de origem ou teve homologado a

destituição do poder familiar. A família substituta vai acolher a criança ou adolescente como

se fosse um membro seu. De tal forma, que vai proporcionar os devidos cuidados materiais e

afetivos dos quais a criança tanto necessita para seu desenvolvimento sadio. Pois, além das

funções de sustento, guarda e educação elencadas no artigo 33 do Estatuto da Criança e

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Adolescente (ECA), essa nova família pode exercer perfeitamente a função paterna necessária

à constituição do sujeito para sua inclusão social e resgate de sua cidadania.

“Art. 33: A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e

educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a

terceiros, inclusive a seus pais” (Brasil, 1990).

Logo, um dos membros da família substituta poderá exercer a função paterna,

estabelecendo os necessários limites a uma criança para que ela possa se constituir como

sujeito.

Esse é um dos motivos da importância de um grupo reflexivo sobre a adoção,

pois os futuros adotantes poderão refletir sobre a construção da subjetividade da criança que

está muito vinculada à organização psíquica daqueles que cuidam dela, de como esses novos

pais se colocam frente à sua própria sexualidade, inclusive em relação a fantasia que têm de

ser pai e/ou mãe e, também, pensar no lugar que a criança, adotiva ou não, ocupa no universo

psíquico dos pais.

A psicanálise aponta que as determinações e os efeitos dos desejos inconscientes

são complexos. Significa dizer que além das marcas que existem anteriores a história da

adoção, e que produzem marcas em sua subjetividade, também há os antigos enigmas dos pais

adotivos que vão se atualizar nessa nova relação familiar, a adoção, com a inclusão de um

novo membro. Por não estarem acessíveis a consciência, essas produções podem gerar

encontros e/ou desencontros, entre pais e filhos, de vários tipos.

A definição de adoção, segundo Weber, “é a criação jurídica de um laço de

filiação entre duas pessoas”(Weber, 2006, p.15). Logo a adoção é um fato social que está

marcado pelo sobrenome, o qual é a indicação e o reconhecimento social de que a pessoa

pertence a uma nova família. Portanto, a partir do momento em que o sobrenome é

transmitido ocorre a filiação que significa que a pessoa pertence a história daquela família.

Por isso, a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a equiparação do filho

adotivo em direitos e deveres ao filho biológico, ratificado posteriormente pelo art. 20 do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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Art. 227: § 6º: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (Brasil, 1988).

Logo, o Direito inscreve o ser humano na ordem da filiação conforme

modalidades particulares e próprias de cada cultura. A criança é instituída como filho(a) de ...

pelo Direito. Então, a pessoa é submetida ao primado do simbólico, às leis genealógicas.

Genealogia significa estudar o objeto desde suas origens até a atualidade. As leis

genealógicas permitem que a pessoa se inscreva como ser vivente, pois capacita o sujeito a

reproduzir a vida instituída na forma falada, codificada, simbolicamente organizada. Para vir-

a-ser desejante, a criança tem que se referir a um Nome, o que significa referir-se a uma

genealogia.

Legendre faz uma reflexão sobre o que é um Pai para um filho a ser humanizado

como sujeito do direito e do desejo. Demonstra na sua teoria genealógica que o pai é o

representante de uma função e que seu ofício é representar as leis da cidade e o interdito

maior que as fundamenta, a saber: a proibição do incerto. Mas anterior a isso, deve-se

transmitir seu Nome, o patronímico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu artigo 47 contribui com a

afirmação de Legendre, pois aponta:

Art. 47: O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.§ 1º - A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como onome de seus ascendentes. (Brasil, 1990).

A interface Direito e Psicanálise verifica na sua prática que é o fracasso da

função paterna, do ofício do pai, que impede a pessoa de se constituir como sujeito. Quando

falha a junção dos três fatores considerados fundamentais para constituição do sujeito, o

biológico, o social, o inconsciente, através da operação simbólica, ocorre a “quebra do

sujeito”, conforme diz Legendre.

Portanto, o ser humano não se auto-funda, não se autoriza por si mesmo a se

humanizar, ou seja, a falar e desejar em seu próprio nome. Legendre afirma que “sustentar o

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desejo de viver necessita do apoio simbólico daquele pelo qual formos chamados a viver na

qualidade de filho de...” (Legendre apud Altoé, p. 15).

Apesar do artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ratificado pelo

Novo Código Civil, art. 1625, menciona que a adoção deve trazer “vantagens” para o

adotando, não especifica o que sejam essas vantagens. Mas, constata-se a partir da teoria de

Legendre que a vantagem principal é considerar a adoção como um instrumento emergente de

inclusão social.

Art. 43: A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos (Brasil, 1990).

Art. 1625: Somente será admitida a adoção que constitui efetivo benefício para o adotando (Brasil, 2002).

A criança não escolhe seus pais, assim como não escolhe seu nome. De

imediato, ela se encontra alienada pela sociedade, e suas leis de linhagem, e pelo desejo de

seus pais, que se apresenta expresso minimamente pela escolha de seu pré-nome, inscrito no

seu patronímico. Essa dupla alienação é a condição da possibilidade da inscrição social da

criança e de sua ancoragem subjetiva.

Observa-se que os grupos humanos não são organizados segundo regras de

parentescos universais, mas as linhagens o são, assim como a interdição do incerto. As

linhagens são os conjuntos de pais e mães entre os quais pode-se traçar laços genealógicos

matrilineares ou patrilineares.

Legendre aponta que “o Nome é uma categoria histórica e normativa. Suas

características jurídicas de indisponibilidade e de imutabilidade dão a criança um espaço, uma

moradia institucional, simbolizando um limite, uma referência” (Legendre apud Altoé, 2004,

p.17).

Portanto, o direito ao reconhecimento da paternidade e ao da construção do

vínculo parental é de suma importância para o desenvolvimento emocional, social e cognitivo

da criança, pois lhe traz a segurança da presença da figura dos genitores, mas principalmente

da figura paterna em sua vida, evitando assim a sensação de abandono e desapego.

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O vínculo decorrente da paternidade dá o direito à criança de utilizar-se do nome

da família, o que simbolicamente garante um estado de pertencimento irrevogável, como

pode-se constatar no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 48, assim como no Novo

Código Civil, artigo 1610:

Art. 48: A adoção é irrevogável (Brasil, 1990).

Art. 1610: O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento (Brasil, 2002).

Por isso, nomear uma criança não se reduz, simplesmente, a dizer que ela é filho

de fulano de tal, mas significa antes de tudo em declarar que ela possui, de uma forma

socialmente autorizada, o nome de fulano de tal.

Então o nome confere à criança um lugar dentro da linhagem, enquanto o direito

lhe oferece o espaço onde ela poderá construir sua estrutura psíquica.

Nota-se que Legendre insiste sobre as funções de nominação e das regras

genealógicas, pois ambas permitem produzir diferenciações e a transmissão da vida.

Para produzir a diferenciação deve-se ter em conta que o nome da família não se

reduz ao sobrenome do pai concreto, seja ele biológico ou não, que reconheceu a criança.

Isso significa dizer que a criança é filha da lei simbólica. O sobrenome é um tema específico

do ser humano, ou seja, relativo a palavra, consequentemente também do inconsciente, que se

constitui num sistema de representações estruturadas como uma linguagem.

“Nomear é humanizar e produzir a possibilidade, para um sujeito humano, de

transmitir vida ‘visível’” (Legendre apud Altoé, 2004, p. 5).

Portanto, o sobrenome inscreve a criança dentro de uma ordem e a situa em

relação a sua linhagem.

Forma um laço, mas interdita-o também, no que diz respeito ao incerto.

A criança somente torna-se sujeito desejante quando submete-se a uma inscrição,

ora prescritiva, ora proibitiva. Seu sobrenome se constitui na sua identidade social e

subjetiva.

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O que remete a cada um de nós a refletir sobre o que é ser um pai. Alguns

juristas já estão de acordo que um pai não deveria ser considerado apenas como um

progenitor. O papel que o pai desempenha é de um intermediário entre a criança e sua

linhagem, observando sua relação à ancestralidade e sua separação da mãe.

Ou seja, pode-se deduzir que se a criança representa para um pai a continuação

de sua linhagem, logo o pai é um filho que ao tomar para si o ofício de pai que lhe é

conferido, endereça uma demanda dos seus próprios pais.

Portanto, o sobrenome transmitido representa a indestrutibilidade da espécie,

simbolizado pela morte sucessiva dos ancestrais.

Por isso, seria importante que os juristas levassem em consideração a importância

de um trabalho de humanização a partir da elaboração dessa problemática do pai, em relação à

criança institucionalizada em abrigos.

A adoção oferece à criança um lar permanente, além de uma base social segura

que vai atender suas necessidades básicas. Caso ela não possa ser criada por sua família

biológica, poderá ser adotada e criada por novos pais que lhe fornecerão condições para

crescer com segurança e equilíbrio.

Muitos estudos, como o de Spitz (1979), demonstram que mesmo instituições

consideradas adequadas não podem oferecer a criança as condições que ela necessita para se

desenvolver de modo saudável no plano afetivo. Por isso, o Estatuto da Criança e do

Adolescente elenca nos seus artigos 15 e 16:

Art. 15: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas Leis.

Art. 16: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (...)V- participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação (Brasil, 1990).

Entende-se, então, que somente bons cuidados físicos não são suficientes para

efetivar o crescimento emocional normal. Logo, as crianças, por se encontrarem em processo

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de desenvolvimento, necessitam de pais, afeto, ou seja, de uma família que para participar da

construção tanto de sua identidade subjetiva, quanto de sua identidade social.

Quando fala-se em crianças, a palavra necessidade se impõe, pois elas dependem

de forma vital, tanto materialmente quanto psiquicamente, de uma família que cuide delas e as

eduquem. De forma que essa interação se baseia em amor, segurança, firmeza constituindo

um ambiente familiar rico em trocas afetivas e simbólicas.

A partir de Freud, a psicanálise vem demonstrando a grande importância das

primeiras etapas de vida na formação dos alicerces básicos referentes a formação do

psiquismo humano.

Por isso, enfatiza-se a importância de uma família substituta, quando a criança

não pode ser criada por seus pais.

A palavra adotar provém do latim “adoptare”, que significa considerar, cuidar,

escolher. A adoção representa para a criança a possibilidade de concretizar sua condição de

sujeito de direito.

A inclusão da criança nesse campo privilegiado, a família, produz efeito de

dirimir a violência sofrida por ela ao ser abandonada, além de resgatar sua cidadania perdida.

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CONCLUSÃO

O ser humano, fisicamente, é um mamífero, e, psiquicamente, é um ser de filiação lingüística, e portanto, de adoção (Françoise Dolto apud Paiva, 2004, p. 83).

A elaboração dessa monografia forneceu uma visão geral da importância da

adoção como resgate de cidadania da criança.

A construção do vínculo necessita do afeto para contribuir no processo de

desenvolvimento da criança. A qualidade do vínculo que é cultivado é fruto de uma conquista

que fortalecerá os laços afetivos dentro da família adotiva.

O ser humano não se reduz simplesmente a seus vínculos biológicos, mas é na

cultura e na linguagem que as relações se tornam estruturantes, ou seja, é necessário

reconhecer a dimensão simbólica e, não apenas reduzi-la ao caráter biológico.

É importante constatar que a criança adotiva, ao ser falada por antecedência no

discurso e no desejo de seus futuros pais, está sendo incluída nas leis de filiação e nominação,

constituindo-se sujeito de desejo.

Além disso, a construção subjetiva do sujeito, adotado ou não, relaciona-se a outro

eixo de referência como o discurso jurídico.

Na legislação brasileira, através da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), observa-se que a criança tem na constituição de sujeito de

direito garantida através de vários artigos que foram citados neste trabalho.

Como referência teórica foi utilizada a obra de Pierre Legendre que estuda as

noções de autoridade e parentalidade na relação entre pais e filhos, levando em consideração

as categorias de filiação, que são categorias de reprodução de vida. Enfatiza-se neste trabalho

a idéia de poder genealógico e sua relação com a fundação do sujeito. O poder genealógico

baseado na natureza simbólica, caracteriza-se na noção lógica de PAI, inspirado por Freud.

Portanto, por um lado a criança adotada se inscreve numa cadeia de desejos,

expectativas, fantasias inconscientes, ou seja, determinações simbólicas nas quais se

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encontram a questão de sua origem como sujeito desejante. Por outro lado, a legislação lhe

garante a convivência familiar através da adoção para que ela se constitua como sujeito de

direito.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes

Título da Monografia: Adoção: instrumento emergente de inclusão social.

Autora: Dulce Regina Nascimento Lima

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