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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
HOMICÍDIO PASSIONAL: QUANDO O AMOR MATA
Por: Gustavo Antonio Lannes Diaz
Orientador
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2011
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
HOMICÍDIO PASSIONAL: QUANDO O AMOR MATA
Apresentação de monografia à Universidade
Cândido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito e
Processo Penal.
Por: Gustavo Antonio Lannes Diaz
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AGRADECIMENTOS
À minha esposa, meus pais e amigos.
4
DEDICATÓRIA
À Viviane, pelo amor e dedicação
incondicional.
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RESUMO
O crime de homicídio privilegiado, tal qual previsto no Código Penal
vigente, é punido com pena privativa de liberdade, consubstanciada na
reclusão de seu autor; contudo, constitui causa de diminuição de pena, pois o
legislador leva em consideração as influências psicológicas na motivação do
crime, como a paixão e a violenta emoção que levam o indivíduo ao
cometimento de tal delito.
Existem diversos posicionamentos da doutrina, da jurisprudência e
casos reais que servem como ilustração no estudo deste instituto, o que torna
o tema rico em informações e em relevância jurídica e social, razão pela qual
analisaremos as consequências do homicídio praticado pela pessoa contra
o(a) próprio(a) companheiro(a) para a sociedade, visto que o assunto se torna
cada vez mais atual, com a ocorrência cotidiana deste tipo de crime.
São veiculadas notícias recorrentes sobre a ocorrência de tais delitos
nos meios de comunicação, rendendo manchetes nos principais jornais, e
sendo assim, o assunto revela-se de valia não só para a comunidade jurídica
mas para a sociedade em um contexto geral, pois trata-se de interesse social e
contemporâneo.
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METODOLOGIA
Os métodos utilizados na elaboração da presente monografia são a
pesquisa bibliográfica em livros e revistas acadêmicas na área do Direito
Penal, baseada nas obras de grandes e renomados autores.
Foi realizada, ainda, pesquisa em internet, além de estudo de casos
concretos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Homicídio passional: Aspectos legais 10
1.1 - O Homicídio Privilegiado 11 1.2 - O Homicídio Qualificado 13 1.3 – Homicídio Qualificado-privilegiado 15 CAPÍTULO II - Personalidade e características do criminoso 18
passional
CAPÍTULO III- Responsabilização penal do homicida passional 25
CAPÍTULO IV – Casos concretos ocorridos no Brasil 29
CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 39
ÍNDICE 41
FOLHA DE AVALIAÇÃO 42
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INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade e principalmente após a formação
da sociedade sempre existiram os crimes passionais. Com toda certeza,
podemos afirmar que tais crimes sempre existirão, principalmente porque tais
delitos, dentre eles o chamado homicídio passional, são motivados por uma
paixão, geralmente cega e irracional, que pode levar uma pessoa a cometer
atentado ao bem jurídico mais importante: a vida.
O homicídio passional não escolhe entre seus autores e vítimas, a
idade, classe social, cor de pele. Portanto, é um crime muito democrático,
bastando que haja um sentimento envolvido, seja ele amor, ódio ou vingança,
sentimentos estes inerentes aos seres humanos.
Como o próprio nome do trabalho sugere – Homicídio passional: quando
o amor mata – esta monografia visa tão somente analisar os aspectos jurídicos
do homicídio privilegiado cometidos sob influência da paixão e da violenta
emoção, cometidos entre cônjuges, companheiros, parceiros ou afins,
interpretando a conceituação teórica, as diferentes condutas e as possíveis
punições para este tipo de crime.
Para melhor enquadrar o sujeito ativo do crime passional é necessário
compreender que a emoção e a paixão não são sinônimos, possuindo
aspectos jurídicos distintos que dizem respeito à tipificação e aplicação da
pena. Tal entendimento permitirá, ao final da análise do caso concreto,
estabelecer a responsabilidade penal do indivíduo e respectiva reprimenda
estatal.
Importante questão, igualmente abordada, é estabelecer a natureza
jurídica do homicídio passional, de acordo com o caso analisado, definindo-o
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como homicídio qualificado ou privilegiado, o que repercute diretamente na
pena a ser aplicada.
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CAPÍTULO I
HOMICÍDIO: ASPECTOS LEGAIS
Primeiramente, antes de adentrar no estudo do homicídio passional,
cabe-nos ressaltar o conceito de homicídio, um dos crimes mais relevantes no
estudo jurídico, até porque trata-se do delito que atinge o bem jurídico mais
importante do ser humano: a vida.
A palavra homicídio vem do latim "hominis excidium", que significa o ato
de uma pessoa matar outra. Já a conceituação jurídica mais aceita em nosso
ordenamento jurídico é que o homicídio é a eliminação da vida humana extra-
uterina praticada por outro ser humano. Logo, o homicídio é um crime comum,
podendo ser praticado por qualquer pessoa contra qualquer pessoa viva.
Senão, vejamos o que dispõe o Código Penal sobre o tipo de homicídio:
“Art. 121 - Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 a 20 anos.”
A lei máxima do país, a Constituição da República Federativa do Brasil,
em seu artigo 5º, também tutela a vida como um direito individual do cidadão,
conforme transcrito a seguir:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:”
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Segundo Cezar Roberto Bittencourt: “Dentre os bens jurídicos de que o
indivíduo é titular e para cuja proteção a ordem jurídica vai ao extremo de
utilizar a própria repressão penal, a vida destaca-se como o mais valioso. A
conservação da pessoa humana, que é a base de tudo, tem como condição
primeira a vida, que, mais que um direito, é a condição básica de todo direito
individual, porque sem ela não há personalidade, e sem esta não há que se
cogitar de direito individual”.
Já Nelson Hungria considera o homicídio como: (...) o tipo central dos
crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime
por excelência. É o padrão da delinqüência violenta ou sanguinária, que
representa como que uma reversão atávica às eras primeiras, em que a luta
pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e
animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da
humanidade civilizada.
Estabelecidas tais considerações sobre o tipo penal do homicídio,
verificamos que, de acordo com os fatos e suas circunstâncias, será
determinada a classificação do delito em: simples, culposo, privilegiado ou
qualificado.
Ao presente estudo, acerca do homicídio passional, interessa analisar
as formas privilegiada e qualificada.
1.1 O Homicídio Privilegiado
No tocante ao homicídio privilegiado, o §1º do art. 121 do Código Penal,
preceitua que:
(...) se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em
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seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de
um sexto a um terço.
Da leitura do diploma legal transcrito acima, verifica-se que três são as
hipóteses que configuram o homicídio privilegiado: a primeira, se o agente
mata alguém impelido por motivo de relevante valor social; a segunda,
impelido por motivo de relevante valor moral; ou, a terceira, sob domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Entende-se por “motivo de relevante valor social ou moral” aquilo que é
aprovado pela moral vigente na sociedade, cabendo citar o clássico e sempre
recorrido exemplo da eutanásia, em que diante do irremediável sofrimento da
vítima por compaixão abrevia-se o seu sofrimento.
O saudoso jurista Heleno Fragoso bem sintetizou o tema da seguinte
maneira: “o motivo de valor social é aquele que atende aos interesses ou fins
da vida coletiva. O valor moral do motivo se afere segundo os princípios éticos
dominantes. São aqueles motivos aprovados pela moralidade média,
considerados nobres e altruístas..”
Existe também aquela conduta que é praticada pelo agente dominado
de violenta emoção e logo em seguida à injusta provocação da vítima. Como
se percebe a provocação da vítima tem que ser injusta, para configurar tal
benesse ao agente, caso contrário o homicídio não será privilegiado.
Quanto a esta modalidade, o autor José Frederico Marques a nomeou
como “homicídio emocional”, pelo fato de ser atribuída ao sujeito ativo uma
carga de emoção grande. Segundo suas palavras: “Tradicionalmente
conhecida como ímpeto de ira ou justa dor e é historicamente considerada nos
casos de provocação da vítima, flagrante adultério e morte dada ao ladrão.”
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É necessário diferenciar a atenuante genérica prevista no art. 65, III, “c”,
última parte do Código Penal, que não se confunde com a figura privilegiada
do homicídio, pois na primeira o crime é praticado sob influência, e não
domínio de violenta emoção e sem o requisito da imediatabilidade que possui o
homicídio privilegiado. Ou seja no homicídio privilegiado, a lei exige que o
sujeito esteja sob o domínio de violenta emoção, enquanto que na atenuante,
basta que o sujeito esteja sob a influência da violenta emoção.
Atendo-se à temática desta monografia , podemos criar um exemplo
típico de um homicídio passional privilegiado. Imaginemos um marido que ao
chegar mais cedo em casa, após um dia de trabalho, flagra sua esposa com
outro homem na cama do casal e imbuído de uma violenta carga emocional,
comete o homicídio na hora, hipótese em que fica clara a injusta provocação
das vítimas, consubstanciado na traição conjugal.
1.2 O Homicídio Qualificado
Classifica-se como homicídio qualificado quando se reúnem no delito as
circunstâncias previstas nos incisos I, II, III e IV, § 2º do art. 121 do Código
Penal, devendo-se salientar que o homicídio pode se apresentar na forma
qualificada, duplamente qualificada e até triplamente qualificada.
Neste sentido, considera-se qualificado o homicídio motivado por
algumas razões, se praticado mediante determinados meios que denotem
crueldade, insídia ou perigo comum ou de forma a dificultar ou tornar
impossível a defesa da vítima; ou se cometido com a finalidade de atingir fins
especialmente reprováveis (execução, ocultação, impunidade ou vantagem de
outro crime).
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A distinção mais acentuada entre o homicídio privilegiado e o homicídio
qualificado está diretamente ligada à dosimetria da pena a ser aplicada e o
regime a ser cumprido, com relação à progressão. Afinal, no primeiro,
acrescenta-se ao tipo penal as circunstâncias que fazem diminuir a
reprovabilidade do crime, atenuando a pena. No segundo, agregam-se
circunstâncias que elevam esta reprovabilidade do delito, o que leva ao
aumento de pena.
As qualificadoras de cunho subjetivas são aquelas previstas nos incisos
I e II, § 2º do art. 121 do CP. A primeira delas, a circunstância é o motivo torpe,
que é o motivo repugnante, vil, imoral, que deve ser severamente punida.
A segunda circunstância é o motivo fútil, que é um motivo
desproporcional ou inadequado que se caracteriza por uma enorme
desproporção entre a moral da conduta e o resultado morte repercutida no
meandro social.
É fútil o motivo que pela sua mínima importância, não seria uma causa
suficiente para o crime.
Nos incisos III e IV, art. 121, § 2º do CP estão as qualificadoras que
tratam dos meios e modo de execução. Segundo Heleno Fragoso: “meio é o
instrumento de que se serve o agente para a prática da ação delituosa; modo
de execução é forma de conduta”.
Eis que o meio insidioso, por exemplo o emprego de veneno, que
configura um meio dissimulado na eficiência maléfica do crime.
Em relação ao meio cruel, por exemplo, o emprego da tortura e da
asfixia, é o que intensifica de forma desnecessária a agonia da vítima, ou
revela um traço de brutalidade na personalidade do agente fora do comum ou
dissonante do sentimento de piedade.
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Existe, ainda, o emprego de meios que possam resultar perigo comum,
capazes de causar uma catástrofe ou tragédia, por exemplo.
1.3 O Homicídio Privilegiado – Qualificado
Estabelecidas as peculiaridades e distinções dos homicídios qualificado
e do privilegiado chega o momento de se apreciar sobre a possibilidade
jurídica de existir uma terceira figura híbrida, a do homicídio privilegiado-
qualificado.
Conforme dito, a sua forma híbrida é motivo de debate acirrado na
doutrina e na jurisprudência, eis que se discute sobre a compatibilidade ou não
de circunstâncias que, simultaneamente, qualificam e privilegiam o homicídio.
Embora ainda não haja posicionamento unânime por parte dos
operadores do direito, por certo que pode haver a combinação de
circunstâncias privilegiadoras com qualificadoras objetivas.
Deve ser registrado que há posição no meio jurídico no sentido de que,
pela disposição do Código Penal, e em função de ser o privilégio mero causa
de diminuição da pena, a figura do homicídio privilegiado-qualificado seria
inadmissível. .
Cabe citar alguns doutrinadores como José Frederico Marques,
Tourinho Filho e Hermínio Marques Portos, que se filiam na corrente de que se
o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri ao reconhecer o homicídio
privilegiado serão havidos por prejudicados os quesitos referentes a eventuais
qualificadoras, não admitindo, assim, a figura do homicídio privilegiado-
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qualificado.
No entanto, em sentido oposto, revela-se que a corrente majoritária
segue outro direcionamento, havendo a posição sedimentada de que as
circunstâncias privilegiadoras podem concorrer com as qualificadoras.
As causas de privilégio são subjetivas, enquanto que as qualificadoras
de motivo fútil e torpe não podem concorrer com as circunstâncias
qualificativas de caráter subjetivo que logicamente as contradizem, mas
admitem concurso com as qualificadoras objetivas.
De acordo com o festejado doutrinador Julio Fabbrini Mirabete: “numa
interpretação sistemática, o homicídio qualificado por constituir o § 2º do art.
121, não poderia obter a redução de pena que é prevista no §1º do mesmo
artigo. Não se pode negar, porém, que, em tese, nada impede a concomitância
de uma circunstância subjetiva, que constitua o privilégio, com uma
circunstância objetiva prevista entre as qualificadoras, como, por exemplo, o
homicídio praticado sob o domínio de violenta emoção com o uso de asfixia. O
que não se pode admitir é a coexistência de circunstâncias subjetivas do
homicídio privilegiado e qualificado.”
Sintetizando a questão, concluímos que é perfeitamente possível a
configuração de tal instituto jurídico híbrido, porém é indispensável que as
qualificadoras sejam de natureza objetiva, ressaltando-se que as
privilegiadoras são todas subjetivas, visto que se relacionam com o motivo do
crime ou com o estado anímico do agente.
Contudo, verifica-se que as qualificadoras podem ser subjetivas ou
objetivas. Para que se possa falar em homicídio qualificado privilegiado, de
certo que é necessário que a qualificadora seja objetiva, para desta forma,
haver compatibilidade com a privilegiadora subjetiva.
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A conclusão, ao analisarmos todo o exposto, é que para se falar em
homicídio qualificado privilegiado deve-se mencionar duas situações
específicas, quais sejam, homicídio qualificado por motivo cruel e insidioso.
CAPÍTULO II
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PERSONALIDADE E CARACTERÍSTICAS DO
CRIMINOSO PASSIONAL
Estabelecidas as definições jurídicas acerca do crime de homicídio e
suas qualificações, bem como sobre o homicídio passional em si, cumpre
passar ao estudo da conseqüência do cometimento do referido ilícito, ou seja,
discorrer sobre a responsabilização penal do homicida passional e as suas
implicações jurídicas.
Conforme leciona Eugenio Raúl Zaffaroni, o "delito ou crime" seria uma
construção destinada a cumprir determinada função sobre algumas pessoas e
acerca de outras, por intermédio de "coações", na busca de atingir um
"controle social" e manter uma "estrutura de poder". O crime é, por essa via de
pensamento, a prática de determinado ato defendido por uma proibição em lei,
susceptível de uma "sanção penal", a fim de resguardar a "paz aparente" na
sociedade.”
Portanto, chegamos à constatação de que em relação aos delinqüentes
passionais, as paixões são mais ameaçadoras e anti-sociais do que, por
exemplo, a ambição que acarreta ao roubo ou furto; porque a paixão,
entendida como uma "afetividade duradoura e prolongada", desencadeia no
indivíduo um grau descontrolado de cegueira em relação aos seus limites
diante da sociedade.
A paixão que leva ao homicídio, pela maioria considerada um
sentimento doentio, tem em sua origem o padecimento de um transtorno de
personalidade. As pessoas que cometem este tipo de crime geralmente sofrem
de instabilidade afetiva e são conduzidas, na maioria dos casos, a desenvolver
um transtorno explosivo de personalidade, onde perdem a capacidade de
discernimento e domínio sobre seus atos, e passam a agir de maneira
agressiva.
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Este estado intolerante e impulsivo é característico dos sociopatas. Tal
indivíduo sofre de uma perturbação variável de sua auto-imagem e abranda
suas demasiadas frustrações por intermédio da violência em relação ao
próximo.
Logo, nesta linha de pensamento, a autoridade social imposta
coercitivamente pelo Estado, que é exercida através da aplicação do Direito, é
violada pela forma mais grave pelo indivíduo, que mata motivado por uma
paixão mórbida e desmedida, haja vista a ausência de razão em seus atos.
Nos tempos antigos, estudos psiquiátricos foram formulados em relação
ao crime e procuraram sustentar a tese de que nítidas diferenças existiam
entre os delinqüentes e as demais pessoas da sociedade.
Uma destas teses bastante famosas e estudadas foi a do criminoso nato
formulada por Cesare Lombroso, tendo por base algumas peculiaridades da
espécie humana, reconhecíveis em virtude de singulares características
corporais e anímicas.
O criminoso nato de Lombroso, apesar da grande importância para a
criminologia à época, já está mais que superado atualmente. Muitas outras
teorias e classificações foram elaboradas por vários estudiosos, em várias
épocas, tentando explicar o ser criminoso e não mais se aceita a ideia de um
indivíduo, que por suas características naturais já nasça com predisposição à
delinquência.
Outras teorias e classificações também tentaram subdividir em espécies
os criminosos passionais, tendo como embasamento ora a personalidade, ora
as características físicas do homicida. Uma dessas classificações foi elaborada
por Carrara, que distinguia a paixão raciocinante da paixão cega, admitindo
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que a primeira não perturba, nem diminui a responsabilidade do delinquente,
enquanto que a segunda perturba e diminui, a paixão que ele chama de cega.
Paixões raciocinantes seriam aquelas que deixam no sobressalto do
animo, a possibilidade do uso da razão, a livre inteligência, como acontece na
ambição, no ódio e na vingança; paixão cega seria aquela que, como o ciúme,
o amor, o medo, perturbam o uso desta razão.
Enrico Ferri apresentou outra classificação muito famosa seguida por
muitos adeptos, dividindo os criminosos passionais entre aqueles que
possuíam paixões sociais e outros que seriam donos de paixões anti-sociais,
paixões existentes no momento do crime e só admitindo para a primeira classe
a atenuação da responsabilidade.
Segundo este entendimento, só se deveria classificar como criminoso
passional aquele que fosse motivado por uma paixão social, sendo este tipo de
paixão toda aquela que não fosse contrária aos interesses da coletividade,
sendo levado o delinquente por uma impulsividade e afetividade.
Atualmente, os estudiosos dos seres humanos passionais se afastaram
um pouco dessas famosas classificações e convergem na ideia de que esses
indivíduos que se tornam homicidas são pessoas que não aguentam viver sem
ter o que querem. Acreditam que o sentimento em questão não trata de ciúme
ou amor, mas de posse. Entendem, basicamente, que não existe crime
cometido por amor.
Conforme o entendimento de Luiz Ângelo Dourado, especialista em
psicologia criminal, o homicida passional é, acima de tudo, um narcisista, ou
seja, uma pessoa vaidosa, com autoconfiança exagerada. Tais pessoas
passam a vida enamorada de si, elegem a si próprios ao invés de aos outros,
como objeto de amor. Reage contra quem tiver a audácia de julgá-lo uma
pessoa comum, que pode ser traída, desprezada, e não amada.
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Uma das características do “assassino passional” é que raramente se
arrependem, o que pode ser constado quando passarmos ao estudo de casos
concretos. Comumente estes homicidas são, em sua maioria, homens, mas
também existem mulheres que cometem este tipo de delito, por terem uma
personalidade extremamente vaidosa, serem pessoas ciumentas, possessivas
e inseguras, e além de tudo isso existir a falta de amor próprio.
Podemos constatar que, para algumas pessoas, a traição ou fim do
relacionamento as leva a tentar destruir seu objeto de desejo, isto está
diretamente ligado com a personalidade de cada um e sua carga cultural.
Raramente podemos prever que alguém matará, principalmente diante de tais
circunstâncias.
Já as mulheres costumam ser mais resistentes, e quando traídas, a
maioria delas perdoa ou tenta o suicídio, pois, historicamente, a educação lhes
dá mais tolerância. No entanto, quando cometem este tipo de crime podem ser
mais cruéis do que os homens. Já se ouviu falar em mulher traída que jogou
água quente no ouvido do marido quando o mesmo estava dormindo ou cortou
o seu órgão genital, o que faz parte do imaginário popular.
Verifica-se que não existe uma característica física ou psicológica
individualizada dos homicidas passionais e cada um possui características
quase que imperceptíveis na sua personalidade, que só depois de
determinadas situações é que são extravasadas, exteriorizadas, às vezes
culminado com atitudes extremas, como o homicídio passional.
A maioria dos criminosos passionais atribue à paixão os crimes que
cometem, quando na verdade, o que os motivou foi uma doença psicológica.
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Neste caso, se faz necessário saber diferenciar a doença psicológica de
um descontrole emocional, pois cada uma tem repercussão individualizada no
ordenamento jurídico, recebendo tratamentos diversos.
A paixão é uma espécie de obsessão, mas há a necessidade de se
verificar quando esta obsessão é patológica ou não. Um dos requisitos
necessários para ficar configurada a inimputabilidade do agente é a patologia
do individuo no momento do crime.
O Professor Genival Veloso de França ao estudar os transtornos
mentais e comportamentais faz a seguinte classificação entre as síndromes
mais comuns, que são: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; a
paranóia e as personalidades psicopáticas.
A esquizofrenia é uma psicose endógena, de forma episódica ou
progressiva, de manifestações variadas, comprometendo o psiquismo na
esfera volitiva e intelectiva. É a mais freqüente das psicoses, no entanto, não
se sabe se esse mal é uma entidade clínica, uma síndrome ou um modo
existencial. Pode levar a uma variedade muito grande de delitos, exóticos e
incompreensíveis pela sua inutilidade. Os mais graves são decorrentes da
forma paranóide. Em regra, o crime desses pacientes é repentino, inesperado
e sem motivos.
Conforme aduz o referido Professor, surgem na evolução desse mal,
tendências ao suicídio, automutilações, agressões, roubos, atentados violentos
ao pudor e exibicionismo. Uma das características dos portadores desse
transtorno mental é a tendência repetitiva e estereotipada dos delitos, e sua
marcha interrompida instantânea e inexplicavelmente.
Outro tipo de transtorno mental elencado por Genival França é a psicose
maníaco-depressiva, tipo de transtorno mental cíclico, com crises de excitação
psicomotora e estado depressivo, isoladas, de intensidade, duração e
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disposições variáveis, sem maior repercussão sobre a inteligência. Neste caso,
para se verificar a imputabilidade, leva-se em consideração estar ou não o
paciente com a sintomatologia do mal.
Nestes delitos dos portadores da enfermidade serão considerados semi-
imputáveis ou inimputáveis, o que equivale no nosso Código Penal à privação
parcial ou total da razão.
A terceira espécie explicada pelo Professor acima referenciado, é a
paranóia, que é um transtorno mental marcado por permanentes concepções
delirantes ou ilusórias, que permitem manifestações de egocentrismo,
conservando-se claros o pensamento, a vontade e as ações. O paranóico tem
alto conceito de si próprio, e esta doença se manifesta de várias formas, e uma
delas é a paranóia de ciúme, que é considerado um delírio que tem
desenvolvimentos artificiosos, lentos e progressivos, sem nenhuma motivação
caracterizadora, podendo resultar cenas violentas de ciúme ou de escândalo
público, com separação ou abandono do cônjuge. Algumas vezes, acusam a
esposa de infidelidade, vigiando-lhe os passos ou analisando a fisionomia dos
filhos, a fim de compará-los com as do suposto amante da mulher.
Os portadores desse transtorno são passíveis de todas as formas
imagináveis de delito, que vão desde a calúnia ou a difamação até o homicídio.
Seriam eles colocados na posição de semi-imputáveis. Apesar de os
paranóicos tenham conhecimento da lei e da moral, e uma dose de
pensamento e de ações normais, devem ser incluídos como inimputáveis, pelo
tratamento de que podem dispor e pelo prejuízo que lhes pode trazer o
cárcere.
Já as personalidades psicopáticas também podem se apresentar de
diversas formas, mas não são, essencialmente, personalidades doentes ou
patológicas, pois seu traço mais marcante é a perturbação da afetividade e do
caráter, enquanto que a inteligência se mantém normal ou acima do normal.
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Por fim, para estabelecer a crucial diferença entre doença psicológica e
descontrole emocional podemos afirmar que podem existir, entre milhares de
pessoas diferentes, três tipos de assassinos passionais: o neurótico, o
psicótico e o psicopata.
CAPÍTULO III
RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO HOMICIDA
PASSIONAL
Primeiramente, conceitua-se responsabilidade penal como a obrigação
que alguém tem de arcar com as implicações jurídicas do crime, é o dever que
a pessoa tem de prestar contas em relação à conseqüências de sua ação.
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A ideia de responsabilidade está sujeita à imputabilidade do individuo,
ou seja, não responderá às conseqüências do fato criminoso senão o que tem
a consciência de sua antijuricidade e tem intenção executá-lo.
O Direito Penal não transige com o motivo nem com o passional, pois
cometido o delito, é prevista punição severa para ambos. Em um homicídio,
caso seja considerado cometido por amor ou paixão, revela-se que em tais
circunstâncias não há nenhum sentimento nobre, pelo contrário, os
sentimentos que motivam o homicida vão do orgulho ferido, ao ódio e a
vingança.
A responsabilidade penal do agente é proporcional ao mal cometido e
em regra, os homicídios entre parceiros ou ex-parceiros são premeditados,
sendo que o assassino, na maioria dos casos, planeja detalhadamente sua
ação e, quando chega o momento de matar, age de modo covarde e friamente.
Não podemos confundir passionalidade com a figura penal atenuante da
violenta emoção. Esta última é reação violenta e passageira, já a paixão é um
estado crônico, duradouro, obsessivo.
Nem sempre um homicida passional vai ter a sua pena atenuada, tudo
vai depender de como o fato delituoso foi realizado e os motivos que
conduziram a tais desígnios.
De acordo com a Lei, todos os casos devem ser punidos em
conformidade com os fatos, só devendo o sujeito ser absolvido caso seja
constatado a inimputabilidade, por ter se averiguado a existência de um amor
mórbido, doentio, de acordo com o art. 26 do Código Penal.
Por tudo isso que o papel daquele que aplica a lei é tão importante,
como bem salienta Genival França: “o julgador tem de ser, antes de tudo, um
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cientista do comportamento humano. O julgador não pode ser apenas um frio
executor de decisões contra atividades anti-sociais, prendendo infratores da lei.
Julgar um homem sem conhecê-lo é uma forma indisfarçável de
“charlatanismo jurídico”, simplesmente porque cada delinqüente é tão diferente
dos outros como desiguais e complicadas são suas próprias infrações. Mais
importante do que os homens conhecerem a Justiça é a Justiça conhecer o
homem”.
Em relação à imputabilidade e à responsabilidade, podemos afirmar que
aquela é a condição de quem é capaz de realizar um ato com pleno
discernimento. É um fato subjetivo, psíquico e abstrato. Ao cometer a infração,
o individuo transforma essa capacidade num fato concreto.
Por outro flanco, a responsabilidade é uma conseqüência de quem tinha
pleno entendimento e deverá pagar por isso. Porém, essa responsabilidade
deve ser vista de situação para situação e de pessoa para pessoa, levando-se
em conta o grau de imputabilidade de cada um.
A imputabilidade é atribuição pericial, através de diagnóstico ou
prognóstico de uma conclusão médico legal, e a responsabilidade penal um
fato da competência judicial, o qual será analisado juntamente com outros
dados processuais.
Caso o sujeito não seja inimputável, ou seja, tratando-se de indivíduo
plenamente imputável e capaz de responder pelos seus atos, ressaltamos que
para o Código Penal brasileiro a emoção ou a paixão não excluem a
culpabilidade de quem fere ou mata uma outra pessoa (art. 28, inciso I), sendo
esta a regra. Portanto, para o Direito Penal positivado na norma escrita, não há
tratamento específico e mais brando para o homicida passional. Ao contrário,
pois se entendermos que o ódio, a inveja ou a ambição pode ser fruto de uma
paixão incontrolável (ou, ao menos, difícil de ser controlada), temos de admitir
que a lei positiva não só não atenua a culpabilidade do agente, mas considera
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a conduta como uma forma qualificada de homicídio, muito mais grave pela
maior quantidade de pena e, também, pelas conseqüências repressivas
resultantes do fato.
Quem comete o crime sob a influência de uma forte paixão ou emoção
não poderá ser absolvido, seja pelo juiz singular, seja pelo Tribunal do Júri. No
máximo, poderá ser contemplado com a causa privilegiadora de redução de
pena prevista no § 1º, do art. 121.
Mas, só no caso de "violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima". É preciso reconhecer que, em matéria de política
repressiva a essa forma de conduta violenta, o atual Código Penal rompeu
com uma prática jurídica anterior. Na verdade, a lei penal anterior a 1940
isentava de pena o agente que tivesse praticado o fato sob a influência de
"completa perturbação dos sentidos e da inteligência" (art. 27, § 4º, da
Consolidação das Leis Penais – CLP) e que era, por muitos, considerada como
uma "válvula de impunidade" dos homicidas passionais.
Segundo o Direito Penal vigente, a regra é que tanto a emoção quanto a
paixão (a primeira, uma manifestação do psiquismo ou da consciência humana
mais fugaz e passageira, a segunda mais duradoura e prolongada) não
excluem a imputabilidade do agente. A doutrina, em regra, não questiona a
solução adotada pela lei positiva, sendo certo que
o legislador de 1940 adotou um critério de severidade que, à luz da moderna
teoria da culpabilidade atualmente predominante, pode ser questionado por
motivo de Política Criminal.
Como acertadamente assinalou Aníbal Bruno, esta é uma realidade que
não poderia ser desconsiderada pelo "Direito Penal da culpabilidade baseada
no pressuposto de que o atuar do agente seja expressão de normal
deliberação da vontade".
28
A verdade é que, na opção feita pelo legislador de 1940, sem dúvida
prevaleceram razões de Política Criminal: o bem jurídico maior - segurança
coletiva – não poderia transigir com a ideia de eventual absolvição do homicida
passional, mesmo nos casos de ter o agente se conduzido sob a influência de
forte emoção ou paixão. Só haverá redução do juízo de culpabilidade, portanto,
quando o agente tiver sido acometido de "violenta emoção" e logo após injusta
provocação da vítima.
CAPÍTULO IV
CASOS CONCRETOS
Inúmeras são as mulheres que morrem ao romper o relacionamento
amoroso com seus companheiros. Torna-se difícil a compreensão de que com
tantos avanços conquistados pelas mulheres ao longo do último século, os
crimes passionais continuem ocorrendo no país com a mesma intensidade.
Contudo, embora aquela seja a maioria, os crimes cometidos pela
mulher contra o homem também ocorrem, com menor frequência.
Resta claro que a passionalidade não se confunde com violenta
emoção. O termo “passional” deriva de paixão e não de emoção e nem de
29
amor. Este homicídio não é cometido de impulso, ao contrário, é
detalhadamente planejado.
O homicídio passional tem alcançado um patamar inadmissível, haja
vista que cerca de 10 mulheres são diariamente assassinadas. Infelizmente,
tornou-se um elemento do cotidiano com uma assiduidade assustadora e
distinta do que se espera de uma sociedade evoluída.
À guisa de ilustração, antes de adentrar nos casos concretos
propriamente ditos, podemos citar o personagem problemático de
Shakespeare, o clássico Otelo.
Segundo o clássico da literatura, a tragédia de Otelo é uma história de
um amor verdadeiro, mas que envenenado pelo ciúme levou seu personagem
principal, Otelo, ao cometimento de um homicídio passional movido pelo ciúme
sem fundamentos, baseado apenas na maldade e ambição de outra pessoa, a
quem Otelo julgava ser seu amigo, de nome Iago, que serviu-se de um acaso e
induziu um sentimento destrutivo em Otelo. Certo dia, transtornado pelo ciúme,
Otelo matou sua esposa asfixiada.
Passando para os exemplos reais, podemos citar, a priori, um homicídio
praticado por uma mulher contra seu parceiro. Trata-se do caso de uma
homicida passional bastante cruel, Neide Maria Lopes, que ficou conhecida
como a “Fera da Penha”, que em 06 de junho de 1960, a fim de se vingar de
seu amante engendrou uma trama sórdida.
Neide tramou da seguinte forma: primeiro apanhou a filha de seu
amante na escola, uma menina de apenas 4 anos de idade, e após andar sem
rumo por vários locais, a levou a um terreno baldio, localizado em frente ao
logradouro conhecido como “Matadouro da Penha”, onde lhe deu um tiro na
cabeça e, em seguida, com a criança ainda viva, derramou álcool sobre o
30
corpo e ateou fogo. O resultado foi uma condenação imposta a Neide a uma
pena de 33 anos de reclusão. O caso é lembrado até hoje.
Outro caso, desta vez mais recente e ainda fresco na memória popular,
é o caso da garota Eloá, famoso pela ampla cobertura jornalística ao vivo.
Após ser mantida por mais de cem horas em cativeiro, terminou o cárcere
privado de Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, alvejada na virilha e na cabeça
por seu ex-namorado, Lindemberg Alves, de 22 anos.
Lindemberg foi à casa de Eloá imbuído de evidente animus necandi,
preparado para tudo e armado até os dentes, com munição bastante para
matar quantas pessoas fossem necessárias para alcançar o seu objetivo de
vingança. Ao adentrar no apartamento da família da vítima, surpreendeu-se
com a presença de três amigos da ex-namorada que estavam na residência
para fazer um trabalho escolar, e após negociar com a Polícia foi soltando os
amigos um a um, até ficar somente com Eloá.
Seu intento era matar a moça para aliviar o sentimento de rejeição que o
atormentava. Contudo, o intento assassino não admite barganha. Somente a
própria vítima poderia ter tido sucesso em uma negociação com Lindemberg,
porém, ela teria que convencê-lo de que estava disposta a reatar a relação,
caso contrário o efeito seria contrário.
O desfecho ocorreu após cinco dias de tensão, de negociações que não
avançavam e do inexplicável retorno da amiga Nayara, 15, ao apartamento
onde a ação se desenrolava, a polícia, então, decidiu invadir o local. Colocou
explosivos na porta de entrada do apartamento, provocando pânico nos
jornalistas e curiosos que ali faziam plantão, e alertado pelo barulho
ensurdecedor, Lindemberg disparou sua arma imediatamente, alvejando duas
vezes Eloá e ferindo Nayara no rosto, sendo que devido a erro de pontaria não
matou a amiga. O tiro na virilha evidenciou a intenção de atingir
predeterminada região.
31
Após o homicídio Lindemberg, durante as conversas que manteve com
o irmão da moça e que foram gravadas pela polícia, informou que estava com
ódio de Eloá, que não conseguia nem olhar para a cara dela, revelando, assim
a principal característica do crime passional.
Não se pode deixar de mencionar o Caso Daniela Perez, quando o
assunto é crime passional, eis o grande rumor na mídia deste assassinato
ocorrido em 28 de dezembro de 1992.
Na época, a atriz Daniella Perez fazia grande sucesso interpretando a
personagem Yasmin, na novela De Corpo e Alma, de autoria de sua mãe
Glória Perez, formando par romântico com o personagem Bira, vivido pelo seu
algoz, o ator Guilherme de Pádua.
No dia 28 de dezembro, Daniella e Guilherme gravaram a cena do fim
do romance dos personagens e logo após a cena, o ator teve uma crise de
choro e procurou por Daniella por diversas vezes no camarim. Segundo as
camareiras do estúdio, ele entregou a Daniella dois bilhetes, mas a jovem se
recusou a dizer do que se tratavam, apenas aparentou grande nervosismo.
Naquela tarde, Guilherme deixou o estúdio na Barra da Tijuca onde a
novela era gravada, foi até seu apartamento na Avenida Atlântica, em
Copacabana, e buscou sua mulher Paula Thomaz, grávida de 4 meses, onde
buscaram um lençol e um travesseiro, deixando o prédio novamente em
direção ao estúdio onde Daniella continuava gravando. Ao chegar ao local,
Paula ficou esperando no estacionamento deitada no banco de trás do
Santana de Guilherme, coberta com um lençol enquanto o ator retornou ao
estúdio.
Já à noite, Daniella acabou de gravar as cenas e deixou os estúdios se
dirigindo ao estacionamento na companhia de Guilherme, tendo a atriz saído
32
dirigindo seu automóvel e logo após Guilherme saiu atrás dirigindo o seu,
quando minutos depois, Daniella parou no posto de combustível localizado na
Avenida Alvorada para abastecer. Na saída do posto, seu carro foi fechado
pelo de Guilherme que a esperava no acostamento. Após a fechada, os dois
desceram de seus respectivos carros e Guilherme deferiu um soco no rosto da
atriz que caiu desacordada, fato presenciado por dois frentistas do posto.
Ato contínuo, Guilherme colocou a atriz desacordada no banco de trás
de seu automóvel, que passou então a ser dirigido por Paula, enquanto
Guilherme tomou a direção do carro de Daniella e ambos saíram do Posto em
direção a, uma rua deserta da Barra da Tijuca, parando em um terreno baldio.
No local, os assassinos começaram a apunhalar Daniella dentro do
carro e depois transportaram o corpo da atriz para o matagal onde continuaram
a desferir golpes. A perícia realizada na época comprovou que Daniella Perez
foi morta com 18 estocadas que atingiram o pulmão, o coração e o pescoço da
atriz.
Inicialmente o ator negou a autoria do crime, mas no mesmo dia do
interrogatório acabou confessando. Paula chegou a confessar a participação
no crime, mas em depoimento negou a autoria do crime, e então Guilherme e
Paula ficaram presos definitivamente no dia 31 de Dezembro.
Guilherme, em seus depoimentos, afirmou que Daniella o assediava,
pressionando para que ele terminasse seu casamento com Paula e assumisse
um romance com ela.
Todo o país ficou chocado com a brutalidade do crime, ainda maior ao
saber que o assassino era o ator Guilherme de Pádua, sendo destaque em
todos os telejornais no Brasil e até no exterior.
33
Por iniciativa da autora Glória Perez, foi promulgada a Lei dos Crimes
Hediondos, e a partir daí, o homicídio qualificado (praticado por motivo torpe ou
fútil, ou cometido com crueldade) passou a ser incluído na Lei dos Crimes
Hediondos, que não permite pagamento de fianças e impõe que seja cumprido
um tempo maior da pena para a progressão do regime fechado ao semi-
aberto.
Em 23 de Janeiro, o júri condenou o ator por 5 votos a 2, e em maio de
1997 foi a vez de Paula Nogueira Thomaz ir a júri popular, sendo condenada
pelo júri por 4 votos a 3, que condenou a ré a 18 anos e seis meses. Ambos
saíram da cadeia antes de cumprirem 7 anos de pena em 1999, o que gerou
indignação social.
Ainda, o caso Doca Street ocorreu em 1981, sendo o paulista Raul
Fernandes do Amaral Street condenado a 15 anos de prisão pelo assassinato
da namorada Ângela Diniz, conhecida como “Pantera de Minas”. Doca foi
condenado a dois anos com direito a sursis (suspensão condicional da pena).
Na época, movimentos feministas eram recorrentes e sob o slogan
“Quem ama não mata” pediram novo julgamento, e devido a um recurso do
Ministério Público o assassino foi parar atrás das grades.
No referido caso, Doca namorou Ângela por quatro meses e a matou
com três tiros no rosto e um na nuca. Poucos meses antes, havia se separado
da mulher, Adelita Scarpa, e perdendo os privilégios por ser casado com uma
mulher rica, para viver um romance com Ângela.
O homicídio se desencadeou após uma crise de ciúme de Doca Street,
que iniciou uma discussão que precedeu o assassinato de Ângela, em 1976,
na casa de veraneio dela, em Búzios. Doca cumpriu a pena imposta e
atualmente trabalha no ramo de venda de automóveis em São Paulo.
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Caso extremamente famoso e emblemático foi o do músico Lindomar
Castilho, artista de sucesso nos anos 80. O crime aconteceu em 1981, no bar
Belle Époque, em São Paulo. Lindomar atirou no peito da ex-mulher, a cantora
Eliana de Grammont, que tinha 26 anos.
A vítima Eliana e o assassino Lindomar se casaram dois anos antes do
crime. O artista era agressivo, ciumento e bebia excessivamente. O delito
ocorreu após 20 dias da separação ter sido formalizada.
Segundo consta dos autos, Lindomar descobriu que a ex-mulher tinha
um caso com seu primo Carlos, ao qual imputa culpa: “Esse parente meu foi o
causador de tudo, de desavenças, de problemas”.
De pouca coisa adiantou a brilhante defesa do cantor no Tribunal do
Júri: condenação a 12 anos e dois meses. O réu cumpriu parte da pena em
liberdade.
Segundo o testemunho do primo do acusado, o violonista Carlos
Roberto da Silva, parceiro musical da vítima: “Ele estava a quase dois metros
dela quando disparou. Levantei do banco e atirei o violão no rosto do
assassino. Somente mais tarde percebi que também estava ferido, com uma
bala na barriga. Mesmo assim, acompanhei Eliana, que chegou morta no
hospital.”
Conforme afirmado pelo próprio criminoso: “Não há registro do que
aconteceu em minha cabeça. Eu a amava com certeza total. Qualquer pessoa
sob forte emoção é capaz de fazer o mesmo. Me desliguei da realidade por
causa de uma violenta emoção”, disse Lindomar em seu testemunho,
obviamente já orientado por um advogado, até mesmo pelo uso de jargão
jurídico.
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Atualmente, Lindomar Castilho possui 62 anos, e diz que aprendeu com
a tragédia: “No momento de desespero não conte até dez. Conte até dez
bilhões e, depois, vá até a praia contar grão por grão de areia.”
Estes são apenas alguns dos casos de homicídio passional mais
famosos do Brasil, sem contar os diversos casos ocorridos diariamente, que
permanecem no completo anonimato.
CONCLUSÃO
A presente monografia serve como estudo de aspectos relevantes
concernentes ao crime passional e da espécie jurídica do homicídio qualificado
privilegiado.
Procurou-se trazer à discussão não apenas elementos teórico-jurídicos,
mas também casos concretos, de grande repercussão, o que constitui grande
interesse da sociedade contemporânea.
Obviamente não há a pretensão de se esgotar completamente todos os
conceitos existentes e discussões jurídicas com a elaboração desta
monografia, porém, demonstra-se de forma objetiva, que o crime passional é
um dos delitos mais antigos e que perpetua-se através de diferentes gerações,
contudo, atualmente, após diversos estudos na área temos um posicionamento
diverso dos tempos antigos.
Desta forma, esta foi a grande intenção do trabalho - trazer ao debate
social O problema do crime passional -, e porque não dizer, levantar conflitos
que levem à reflexão social sobre o comportamento exercido nestes casos e,
36
por conseqüência, expor como nossos semelhantes e a justiça brasileira
reagem perante à barbárie que se tenta justificar como resultado de uma
paixão desmedida e insana.
Através do estudo foi possível perceber a grande evolução da posição
da mulher na sociedade ao passo que, tornou-se também provedora do lar
com a inserção no mercado de trabalho e não mais apenas dona de casa,
disputando em igualdade de condições posições anteriormente privativas dos
homens e tal fato reflete no modo como são realizados os julgamentos dos
casos de crimes passionais.
Verificou-se que não se mata por amor. O homicida passional sempre
age impulsionado por ódio, vingança, possessividade e egocentrismo; enfim,
não se conforma na maioria das vezes com o fim do relacionamento. Estes
homicidas trazem consigo um histórico de transtornos de todo tipo, e o crime
cometido não é apenas movido por sentimento momentâneo, mas sim fruto de
sua mentalidade distorcida.
Juridicamente, tem-se que o Código Penal esclarece em seu artigo 28,
inciso I, que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade, ou seja, o
homicida passional possui culpabilidade e deverá ser julgado pelo delito.
Contudo, deve ser ressaltado que a doença mental torna o indivíduo
inimputável, já o descontrole emocional e a paixão não. É o que trata o art. 28
do Código Penal, não excluindo, portanto, a imputabilidade do agente quando
comete o crime neste estado.
Tem se tornado árdua a missão dos estudiosos do tema ao tentar definir
a natureza de tal conduta, visto que é impossível prever o que se passa na
mente humana e desvendar a razão pela qual as pessoas agem no intuito de
destruir aquele ou aquela que é o objeto do seu desejo.
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Concluímos que o homicídio em espécie, levando-se em consideração o
sentido jurídico da emoção e paixão, e motivado pelo primeiro sentimento,
seria privilegiado, porém, se fosse cometido com o segundo sentimento, seria
qualificado, com fulcro nas qualificadoras subjetivas.
Restou esclarecido, ainda, a possibilidade de o homicídio passional
constituir um homicídio privilegiado qualificado, sendo que a conclusão é que
depende da análise do caso real, não havendo como se responder
abstratamente.
Por fim, a conclusão a que se chega após todo o exposto na presente
monografia, é que nada justifica o cometimento do homicídio passional, ainda
mais nos dias de hoje, em que, ao contrário dos tempos antigos, não há mais
tolerância com os assassinos passionais, tendo em vista que atualmente tais
casos são punidos severamente, não sendo mais aceita a antiga expressão
“matar por amor”.
38
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Batista, Nilo. Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Revan, 2010.
40
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
HOMICÍDIO: ASPECTOS LEGAIS 10
1.1 – O HOMICÍDIO PRIVILEGIADO 11
1.2 – O HOMICÍDIO QUALIFICADO 13
1.3 - O HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO 15
CAPÍTULO 2
PERSONALIDADE E CARACTERÍSTICAS DO
CRIMINOSO PASSIONAL 18
CAPÍTULO 3
RESPONSABILIDADE PENAL DO HOMICIDA PASSIONAL 25
41
CAPÍTULO 4
CASOS CONCRETOS 29
CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 39
ÍNDICE 41
42
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes/Faculdade integrada
AVM
Título da monografia: Homicídio passional: quando o amor mata.
Autor: Gustavo Antonio Lannes Diaz
Data da entrega: 02/04/2011
Avaliado por: Conceito: