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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
ALCOOLISMO: DOENÇA, TRATAMENTO E TERAPIA FAMILIAR
Por: FLÁVIA ROSA DA SILVA
Orientador
Prof.ª Fabiane Muniz
RIO DE JANEIRO
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
ALCOOLISMO: DOENÇA, TRATAMENTO E TERAPIA FAMILIAR
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Terapia de Família.
Por: Flávia Rosa da Silva
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos amigos pelo apoio e
compreensão relacionada a minha
ausência, enquanto me dedico em
minha trajetória profissional. Em
especial às amigas Delma Argento,
Norma Melo, Ritha Guedes e Maria
Tereza Lopes, pelo carinho e amizade.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, Jaci Soares da Silva (in
memorian), por ter sido um grande
homem, meu melhor amigo, meu
alicerce, meu porto seguro. À minha
mãe, irmãos e sobrinhos, por
acreditarem em mim e pela ajuda,
carinho e amor.
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RESUMO
Este estudo, requisito parcial para obtenção de grau em Pós-
graduação Latu Senso em Terapia de Família, discute a temática da alcoolimia
como patologia que ocasiona grandes prejuízos à sociedade. Nesta
perspectiva, este estudo tem como objetivo analisar as definições e conceitos
que posicionam o alcoolismo como patologia, apresentando propostas de
tratamento do alcoolismo, considerando os aspectos familiares e a inserção
desta no acompanhamento psicológico, com ênfase na terapia cognitiva
comportamental. Para isso, a autora realiza levantamento bibliográfico sobre o
tema, refletindo sobre produções de diferentes estudiosos da problemática,
dentre eles Ronaldo Laranjeiras, Analice Gigliotti, Bernard Rangé, entre outros,
além das definições apresentadas pelo CID-10 e o DSM IV.
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METODOLOGIA
Esta monografia utiliza como metodologia a pesquisa bibliográfica, através de
investigação de conteúdos teóricos e documentais que possibilitam discorrer
sobre o tema em questão e desenvolver o conteúdo teórico abordado de
maneira descritiva e reflexiva. Este processo de investigação teórica e
documental utiliza-se de materiais acessíveis ao público em geral, de cunho
acadêmico e científico, como livros, periódicos, teses, dissertações, relatórios
de pesquisa, artigos, internet e jornais. Todo entendimento adquirido neste
processo investigativo é descrito neste trabalho, através da utilização de uma
linguagem formal, compreensiva e científica. Durante a elaboração do texto,
houve a preocupação em trabalhar com uma linguagem simples, de fácil
entendimento, facilitando a compreensão do leitor sobre o tema..
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - A DOENÇA E SUAS FORMAS CLÍNICAS 09
CAPÍTULO II - DOENÇA DA FAMÍLIA 22
CAPITULO III – O TRATAMENTO DO ALCOOLISMO 31
CONCLUSÃO 45
BIBLIOGRAFIA 47
INDICE 50
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INTRODUÇÃO
Ao considerar a importância de estudos na área que visem a
prevenção e a superação dos danos sociais e psicológicos advindos do
alcoolismo o presente trabalho pretende ampliar o debate sobre a problemática
e contribuir para o fomento de novos estudos e práticas, que venham
possibilitar o desenvolvimento de políticas públicas efetivas na área.
Pretende-se, ainda, discutir e analisar reflexivamente as definições e
conceitos que posicionam o alcoolismo como patologia, as propostas de
tratamento psicológico e a implicância destes fatores na família.
A motivação para a realização deste trabalho resulta de experiências
vivenciadas no cotidiano e da influência dos estudos desenvolvidos na
trajetória acadêmica. Estas motivações geraram a expectativa de contribuir
para a ampliação, no meio acadêmico, da discussão sobre o tema alcoolismo,
promovendo pesquisas, projetos e ações que versem mais especificamente
sobre os aspectos familiares envolvidos na questão. Acreditamos que a
conscientização da sociedade a respeito da doença em paralelo com a
crescente atuação do profissional de psicologia seja na prevenção, no
tratamento ou em estratégias de redução de danos venha a contribuir para a
superação do estigma que acompanha os que apresentam problema no uso de
álcool e suas famílias.
Para atingir os objetivos deste estudo será pesquisa bibliográfica.
O primeiro capítulo apresenta a contextualização do alcoolismo
enquanto patologia, e discute sobre as formas clínicas da doença,
considerando os aspectos que influenciam o abuso e/ou dependência do
álcool. O segundo capítulo descreve o sistema familiar como objeto de estudo
para compreensão do fenômeno do alcoolismo. O terceiro capítulo realiza uma
discussão sobre o tratamento do alcoolismo, considerando os aspectos
familiares e a inserção desta no acompanhamento psicológico, com ênfase na
terapia cognitiva comportamental.
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CAPÍTULO I
O ALCOOLISMO E SUAS FORMAS CLÍNICAS
Este capítulo apresenta a contextualização do alcoolismo enquanto
patologia, e discute sobre as formas clínicas da doença, considerando os
aspectos que influenciam o abuso e/ou dependência do álcool. Para isso utiliza
como fundamentação teórica estudos especializados na temática, como DSM-
IV, CID-10, e de autores como Delma Neves (2004, Analice Gigliotti e Marco
Antonio Bessa (2004), Evandro Coutinho (1992), entre outros.
1.1 Aspectos Sociais
O álcool é a substância química mais utilizada pela humanidade. Sua
presença é praticamente obrigatória na maioria das festas e em diversos rituais
religiosos, dos países em que seu consumo é lícito. Alguns registros
arqueológicos apontam que este consumo possui uma trajetória de
aproximadamente oito mil anos, sendo encontrados registros de sua produção
e consumo nos estudos das sociedades celtas, grega, romana, egípcia e
babilônica (MORAIS, 2005)
Na atualidade, existe uma grande variedade de bebidas alcoólicas,
obtidas por fermentação ou destilação da glicose presente em cereais, raízes e
frutas. A produção de bebidas típicas é até mesmo motivo de orgulho para
muitos países (como a produção de cachaça no Brasil, de vinho, em países
como Itália e Portugal, de cerveja, em países como Alemanha e Holanda, entre
outros).
Não obstante, o orgulho pela produção de uma bebida típica nacional,
muitos países sofrem os impactos causados pelo abuso e/ou dependência do
álcool na população. O abuso e a dependência do álcool ocasionam grande
prejuízo às sociedades, que vão desde os custos com a prevenção do
problema até o tratamento, seja da saúde física ou mental dos indivíduos e das
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famílias afetadas por este relevante problema de saúde pública. Para além dos
prejuízos individuais e familiares encontramos também prejuízos de ordem
social e econômica (BRESIGHELLO, 2005).
Alguns dados da literatura refletem os malefícios relatados
anteriormente, a partir de dados sobre o consumo de álcool no Brasil:
“No Brasil, o álcool é responsável por 85% das internações decorrentes do uso de drogas; 20% das internações em clínica geral e 50% das internações masculinas psiquiátricas. Somente entre os anos de 1995 e 1997, as internações decorrentes do uso abusivo e dependência de álcool e outras drogas geraram um gasto de 310 milhões de reais. Além disso, estudo realizado em Recife, Brasília, Curitiba e Salvador detectou índice de 61% de casos de alcoolemia em pessoas envolvidas em acidentes de trânsito” (MORAES et. al., 2006, p. 323-324).
Embora não haja registros que possam delimitar o período exato da
gênese da utilização do álcool como substancia de consumo, estudos
antropológicos descrevem seu uso já em sociedades antigas, como as célticas
(MORAIS, 2005). Já neste período, o álcool, resultante da fermentação natural
de frutas e cereais, era utilizado como bebida socializante, consumida em
reuniões, rituais, festas. Desde então, cada sociedade desenvolveu seus
próprios métodos de produção da bebida e de oportunidades de socialização
do ato de consumi-la.
Além de estabelecer os momentos propícios para o ato de beber,
atribuindo diferentes significados às variadas oportunidades existentes, cada
sociedade também institui o momento para que haja a inicialização do
consumo alcoólico: a permissão para ingestão de bebidas alcoólicas, de certo
modo, integra os ritos de passagem para a vida adulta de algumas sociedades
(NEVES, 2004).
Atualmente, na grande maioria dos países, a idade de permissão para
o consumo coincide com a maioridade penal (que marca a entrada do
indivíduo na vida adulta). No entanto, é comum encontrar entre grupos de
adolescentes o consumo desta substância, ainda que sua venda não seja
permitida. Este consumo acontece principalmente em festas particulares.
11
Contudo, se a venda é proibida para aqueles que possuem idade inferior a
dezoito anos, supõe-se que, muitas vezes, este consumo seja proporcionado
pelos próprios adultos.
Este processo de socialização presente na produção e consumo de
bebida alcoólica é transmitido entre as gerações, que ensinam, umas as
outras, conhecimentos sobre dosagem, diferentes procedimentos e tempos de
fermentação e aspectos relacionados diretamente ao consumo. Essa
transmissão de conhecimentos é muito comum, principalmente nos casos do
gênero masculino, como podemos verificar através de narrativas que
demonstram, embora possam parecer absurdas, a existência de pais que,
ainda na infância de seus filhos, já molharam a chupeta dos mesmos na
cerveja.
Este comportamento de transmissão de conhecimento sobre o
consumo alcoólico entre gerações, muitas vezes, é tido como aceitável no
meio social, pelo fato de estar integrado com algumas regras implícitas que
regem o “consumo saudável”: não beber sozinho, utilizar a bebida alcoólica
como substância facilitadora da troca e da integração social, não exagerar no
consumo, não utilizar a bebida para falar de assuntos desagradáveis e
indesejados, entre outros (NEVES, 2004).
Esta realidade implica a integração de diferentes instituições na busca
de soluções e estratégias para a superação dos desafios encontrados na
problemática do alcoolismo, que incluem desde instituições da esfera pública
até organizações familiares, da sociedade civil e de diferentes campos
profissionais.
Delma Neves (2004) considera que estes padrões sociais instituídos
relacionados ao consumo alcoólico são uma forma de controle social:
“Beber em grupo acena para a proscrição de que não se deve beber sozinho ou ao desabrigo dos valores e afiliações comunitárias. Beber isolado, na maior parte dos casos, não se associa a um costume da sociedade, salvo em atividades periféricas de grupos relativamente insulados, ou sociedades referidas a ideologias individualizantes. (...) Mesmo que a ingestão de bebidas alcoólicas seja valorizada para alcançar ou alterar estados de consciência e de expressão de
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sentimentos, essa transição prescrita deve ocorrer em contextos especiais, geralmente associados à ingestão de alimentos e à facilitação de atividades interpessoais, portanto, administrada pela situação coletiva” (NEVES, 2004, p. 8-9).
O que é condenado não é o consumo do álcool, mas o comportamento
inadequado dos indivíduos, que se desviam dos instituídos pela sociedade.
Neste contexto, consideram-se desviantes aqueles que ingerem o álcool em
dosagens superiores às limitadas socialmente, em ocasiões em que
determinada sociedade não considera como propícia e adequada ou sem
considerar seu caráter socializante, assim como aquele que se abstém
integralmente do consumo alcoólico também é, de certa forma, percebido
como um desviante.
Estes desvios costumam ser caracterizados por termos pejorativos
como: embriaguez, bebedor, bêbado, embriagado, alcoólatra, alcoólico,
alcoolista, alcoólico ativo, alcoólico passivo etc. Por outro lado, “há uma
recorrente valorização do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem
interferir no desempenho de papéis a ele atribuídos” (NEVES, 2004).
Algumas sociedades têm no álcool um código de polidez e de
masculinidade, necessário, em alguns eventos sociais, à promoção de vínculos
sociais. Da mesma maneira, as próprias bebidas são objetos hierarquizantes,
que delimitam socialmente os eventos e os seus consumidores: como os
aguardentes (ou cachaça) muito consumidos em botecos, uísques em reuniões
profissionais, cerveja em eventos sociais como praia e futebol, etc.
Mais do que desvios, o abuso na ingestão de bebida alcoólica ou a
dependência desta se mostra como um problema social. O reconhecimento
deste como um problema de saúde e não apenas social possibilitou o
desenvolvimento de estudos de prevenção e tratamento do alcoolismo.
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1.2 A instituição do alcoolismo como doença
No período da Revolução Industrial a produção de bebida alcoólica
passou a resultar, não somente dos diferentes processos de fermentação
natural, mas também de técnicas de destilação que promoveram aumento
considerável de produção e consumo de bebida alcoólica e do teor alcoólico da
mesma. Este aumento resultou em abusos e problemas que influenciaram o
meio científico a pesquisarem o assunto. Nesta nova realidade de produção e
consumo de bebidas alcoólicas são registradas as primeiras considerações
sobre os malefícios e prejuízos deste consumo, nos trabalhos de Benjamin
Rush e Thomas Trotter (GIGLIOTTI e BESSA, 2004).
No século XIX, destaca-se a produção de Magnus Huss, que introduz o
conceito de “alcoolismo crônico”, como um estado de intoxicação pelo álcool
que se apresentava com sintomas físicos, psiquiátricos ou mistos (GIGLIOTTI
e BESSA, 2004). No final do século XIX, nos Estados Unidos, o movimento
social “Temperança”, tenta, através dos conceitos morais da época, controlar o
uso do álcool. Até que no século XX, este movimento culminou com a Lei
Seca, que proibia no país a produção e consumo de álcool. Esta lei foi
revogada anos mais tarde, no período presidencial de Franklin Roosevelt, o
que deu continuidade aos problemas resultantes do uso abusivo do álcool e
estimulou novas pesquisas (MARQUES, 2001).
Na década de 1940, o movimento “Alcoólicos Anônimos” (A.A) e o
modelo médico também influenciam no tratamento do alcoolismo como
doença. No entanto, os países socialistas ainda consideravam esta
problemática sobre a perspectiva do comportamento desviante, punindo
juridicamente os que abusavam do consumo alcoólico.
No século XX, Elvin Morton Jellinek com seu clássico trabalho "The
Disease Concept of Alcoholism", exerceu grande influência na evolução do
conceito de alcoolismo, classificando-o como doença e diferenciando os
transtornos por uso do álcool em tipos: gama e delta, aqueles que envolviam
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um claro processo de dependência; alfa, beta, épsilon, sem dependência
(GIGLIOTTI e BESSA, 2004).
Em 1952, o alcoolismo é incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico
das Desordens Mentais (DSM I) da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e
em sua segunda estruturação (DSM II) o classifica de acordo com a
Classificação Internacional das Doenças (CID 8) da Organização Mundial de
Saúde, que classificava os problemas relacionados ao uso abusivo do álcool
em: dependência, episódios de beber excessivo e beber excessivo habitual
(MARQUES, 2001).
Na década de 1970, Grifith Edwards e Milton Gross propuseram uma
nova síndrome, a Síndrome de Dependência do Álcool (SDA), tida como
consenso nos instrumentos diagnósticos CID 10 e DSM IV (GIGLIOTTI e
BESSA, 2004).
1.3 Síndrome de Dependência do Álcool (SDA)
A Síndrome de Dependência do Álcool é um transtorno que se constitui
ao longo do desenvolvimento do indivíduo e que depende da interação entre
fatores biológicos, culturais e ambientais. Segundo esta definição, a maneira
como ocorrerá a relação entre o indivíduo e a substância alcoólica depende de
um processo de aprendizado individual e social, que envolve diversos fatores.
Assim, só em considerar o alcoolismo como uma síndrome já há um
avanço, pois suas possibilidades de causas são ampliadas e não mais restritas
a um ou dois fatores e o tratamento tem como exigência a consideração da
individualidade do paciente, ao invés da universalização.
Em seus estudos, Grifith Edwards e Milton Gross definem que a
Síndrome de Dependência Alcoólica tem como elementos: o estreitamento do
repertório, a saliência do comportamento em busca do álcool, o aumento da
tolerância ao álcool, sintomas repetidos de abstinência, Alívio ou evitação dos
sintomas de abstinência pelo aumento da ingestão da bebida, percepção
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subjetiva da necessidade de beber e a reinstalação após a abstinência
(GIGLIOTTI e BESSA, 2004).
O estreitamento de repertório corresponde ao fato do indivíduo, que
inicialmente ingere o álcool em horários e dias variados, consumindo diferentes
tipos de bebidas, desde bebidas mais leves ou mais fortes, sem a necessidade
de atingir um nível especifico de teor alcoólico, passa a ter que consumir o
álcool com mais frequência e numa quantidade cada vez maior. Esse aumento
crescente de frequência e de quantidade de consumo alcoólico faz com que o
indivíduo, em determinado momento, passe a não mais se importar se o
momento é ou não adequado para beber.
Este estreitamento, em estágios avançados, faz com que o indivíduo
consuma bebida alcoólica compulsiva e incontrolavelmente. O indivíduo passa
a ignorar os danos fisiológicos, sociais ou psicológicos do álcool, tendo como
principal preocupação aliviar os sintomas da abstinência.
A saliência do comportamento de busca do álcool se refere ao fato de
que, com o estreitamento do repertório de beber, o indivíduo passa a priorizar
o consumo alcoólico, criando desculpas para transformar situações em que
este consumo seria inaceitável em propícias, ou seja, qualquer fato se torna
motivo para o ato de beber. Até que em determinado momento, este ato não
depende mais de motivações, mas se torna a própria motivação do sujeito. A
ingestão de bebida alcoólica passa a ser o cerne da vida do individuo, uma
prioridade que supera qualquer outro valor.
Com a evolução da Síndrome de Dependência Alcoólica, para que o
indivíduo alcance os efeitos que obtinha em seu início de consumo, este
precisa ingerir doses cada vez mais altas. Ao mesmo tempo, este desenvolve a
capacidade de realizar atividades, apesar de altas concentrações sanguíneas
de álcool.
Quando o álcool é ingerido, a interrupção desta ingestão ou sua
diminuição gera sinais e sintomas que variam de intensidade, se
apresentando, inicialmente, de maneira leve, intermitente e pouco
incapacitante. Quando o indivíduo encontra-se numa fase mais severa de
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dependência estes sintomas se manifestam de forma cada vez mais
significativa. Dentre estes sintomas mais expressivos podem ser identificados
os tremores, náuseas, vômitos, sudorese, cefaléia, cãibras, tonturas,
irritabilidade, ansiedade, fraqueza, inquietação, depressão, pesadelos, ilusões
e alucinações (visuais, auditivas ou tácteis).
Nas fases mais avançadas da SDA é possível identificar o elemento de
alívio ou evitação dos sintomas pelo aumento da ingestão da bebida, na qual
os portadores da síndrome afirmam que bebem para aliviar os sintomas ou
evitá-los. A este tipo de atitude está relacionado o elemento da percepção
subjetiva da necessidade de beber, na qual este portador sofre pressão
psicológica para beber e aliviar os sintomas de abstinência.
A reinstalação após a abstinência é um elemento da Síndrome de
Dependência Alcoólica que tem estreita relação com a filosofia do grupo
Alcoólicos Anônimos, que exorta aos seus integrantes a necessidade de evitar
o “primeiro gole”. Este elemento se refere ao fato de, mesmo que o portador da
síndrome experimente longos períodos de abstinência, uma simples recaída
possibilita a restabelecimento do antigo padrão de dependência.
Estes elementos não são obrigatórios em todos os casos. Como
anteriormente explicado, ser considerado como uma síndrome significa que
existem diversos modos de consumo de substâncias alcoólicas que podem
ocasionar problemas para o indivíduo. Nesta perspectiva são incluídos tanto os
casos de dependência do álcool quanto os casos de uso abusivo da
substância. O DSM IV segue esta diferenciação entre uso abusivo e
dependência, seguindo o modelo desenvolvido por Grifith Edwards e Milton
Gross (GIGLIOTTI e BESSA, 2004).
Conforme o DSM IV, o uso abusivo de álcool (incluído entre as
substâncias psicoativas) se caracteriza como um padrão desadaptativo de uso
de substâncias que levam ao comprometimento ou sofrimento significativo, que
ocorre dentro de um período de doze meses e deve apresentar um ou mais
critérios dentre os seguintes, sem que este uso inclua os critérios que
caracterizem a dependência:
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1. Uso recorrente da substância alcoólica, afetando as atividades
produtivas do sujeito (trabalho, atividades domésticas ou educacionais).
2. Uso recorrente da substância alcoólica mesmo em situações
perigosas (o que oferece risco à saúde tanto ao usuário quanto a terceiros,
como dirigir alcoolizado, por exemplo).
3. Vivenciar de maneira recorrente problemas legais relacionados com
o uso de substâncias alcoólicas
4. Usar continuamente a substância alcoólica, mesmo que esta
acarrete em problemas sociais ou interpessoais, persistentes ou recorrentes,
causados ou exacerbados pelos efeitos de substância.
Este mesmo manual define apresenta como critérios definidores da
dependência alguns dos elementos da Síndrome de Dependência Alcoólica,
apresentados por Grifith Edwards e Milton Gross. A dependência, como padrão
desadaptativo de uso de substâncias, segundo o DSM IV, pressupõe o
comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por
três ou mais dos seguintes itens, ocorrendo em qualquer momento de um
mesmo período de 12 meses:
1. Tolerância – pode ser caracterizada de duas maneiras: 1a.
Necessidade de aumentar a quantidade de consumo de álcool para alcançar
intoxicação ou o efeito desejado; 1b. Efeito marcadamente diminuído com o
uso continuado da mesma quantidade do álcool.
2. Síndrome de abstinência, que pode se manifestar quando ocorre:
2a. Síndrome de abstinência característica para a substância alcoólica; 2b. O
indivíduo utiliza o álcool, ou outra substância semelhante, para aliviar ou
prevenir os sintomas da abstinência.
3. Aumenta-se a quantidade consumida da substância ou os períodos
de tempo para consumo.
4. Há desejo persistente ou esforços fracassados de extinguir ou
controlar o consumo de álcool.
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5. Grande quantidade de tempo é dispensada às atividades
necessárias a obter a bebida, consumi-la ou para a recuperação de seus
efeitos.
6. Abandono ou redução de atividades sociais, profissionais ou
recreativas importantes devido ao consumo de álcool.
A CID 10 também considera o alcoolismo como um transtorno com
múltiplas repercussões na saúde do indivíduo, classificando os Transtornos
Mentais e de Comportamento Decorrentes do Uso de Álcool (F10), de acordo
com as seguintes subdivisões:
F10.0 – Intoxicação aguda
F10.1 – Uso nocivo
F10.2 – Síndrome de dependência
F10.3 – Estado de abstinência
F10.4 – Estado de abstinência com delirium
F10.5 – Transtorno psicótico
F10.6 – Síndrome amnésica
F10.7 – Transtorno psicótico residual e de início tardio
F10.8 – Outros transtornos mentais e de comportamento
F10.9 – Transtorno mental e de comportamento não-especificado
As características que regem as definições da SDA e os critérios que
definem as diferenças entre uso abusivo de álcool de dependência alcoólica
demonstram por si só a relação direta entre a doença e as interações sociais
do portador da síndrome. Assim como este inicia seu consumo alcoólico para
se integrar socialmente, em reuniões de família, de trabalho, de colegas de
escola, entre outros, o uso abusivo desta substância, bem como a
dependência, geram barreiras entre o portador da síndrome e os grupos
sociais ao qual era integrado anteriormente.
Ao ter que ingerir uma quantidade maior de bebida alcoólica para
atingir os efeitos desejáveis, que anteriormente exigiam menos teor alcoólico
19
no sangue, devido a tolerância criada, o sujeito passa a beber de maneira mais
recorrente, substituindo atividades anteriormente realizadas pelas
oportunidades de beber. Com isso, juntamente com as atividades, são
colocados em segundo plano, os aspectos que estavam relacionados com as
mesmas, como crescimento profissional, desenvolvimento pessoal, amigos,
relações sociais, namoros, etc.
Ao mesmo tempo, o abandono destas atividades e a utilização cada
vez mais frequente do álcool ocasiona problemas como perda de amigos,
emprego, reprovações escolares, acidentes de trânsito, possíveis brigas, entre
outros. Estes problemas somados aos sintomas fisiológicos que a abstinência
pode proporcionar tende a reforçar ainda mais o aumento do consumo
alcoólico, num processo de retroalimentação da síndrome.
1.4 Padrões de Uso
Conforme Analice Gigliotti e Marco Antonio Bessa (2004), além da
necessidade de diagnosticar se o paciente alcoolista possui síndrome de
dependência ou se seu quadro patológico é o de uso nocivo, é fundamental
identificar seu padrão de consumo alcoólico, para que se possa estabelecer o
nível de gravidade do uso do álcool. A investigação sobre o padrão de uso da
substância alcoólica é relevante para o diagnóstico do paciente alcoolista não
só por identificar o nível de gravidade do caso, como por auxiliar na
observação dos rituais de uso e no desenvolvimento de estratégias de
mudanças.
Os critérios para a identificação dos padrões de consumo de álcool
têm como critérios a quantidade, a frequência e a variabilidade do uso pelo
indivíduo. Estes critérios podem ser investigados através da busca pela
identificação do padrão de ingestão de álcool pelo sujeito através da
investigação de um longo período (último ano ou últimos meses) ou através da
avaliação de um período curto, onde se foca o número de ocasiões específicas
ou mesmo o período das últimas 24 horas (COUTINHO, 1992).
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Ao escolher pela avaliação de um período longo, a quantidade de
álcool ingerido não tende a ser priorizada, mas sim a frequência. Por outro
lado, ao avaliar períodos curtos, há uma tendência a focar a quantidade de
álcool que o sujeito parece ter o costume de ingerir. Esta última forma de
avaliação pode levar a erros na classificação dos padrões de consumo do
sujeito, conforme Poikolainem (apud COUTINHO, 1992), pois não considera a
variabilidade da frequência da ingestão de bebida alcoólica pelo sujeito.
Evandro Coutinho (1992) defende que as avaliações sejam, tanto a
longo quanto em curto prazo, baseadas em questionários sobre quantidade,
freqüência e variabilidade do uso, o que facilita a identificação e distinção
diagnóstica do uso abusivo do álcool ou da Síndrome de Dependência do
Álcool. A utilização de um diário de registro possibilita também identificar
bebedores que estão sob risco.
Para identificar a quantidade de ingestão de álcool para definir os
padrões de consumo do álcool esta é medida em unidades. Cada unidade
corresponde a 10g (dez gramas) de álcool. A conversão de 1 unidade para
cada dez gramas de uma bebida é realizada após a multiplicação da
quantidade da bebida por sua concentração alcoólica. Por exemplo, se uma
taça de vinho tinto de 90ml tem concentração alcoólica de 12%, para se obter
a conversão, primeiramente multiplica-se a quantidade (90) pela concentração
(12%). Assim, verifica-se que esta taça possui 11g de álcool, o que equivale a
1,1 unidade. A partir da conversão do consumo de álcool por um indivíduo em
unidades e da relação destas com o peso, estatura e o sexo do indivíduo,
classifica-se se o padrão de consumo deste sujeito é seguro ou não.
Laranjeira e Pinsky (2001), na busca pela identificação dos diferentes
níveis de riscos proporcionados pela quantidade de álcool ingerido, definem a
seguinte classificação:
_Risco baixo para a saúde das mulheres: ingestão alcoólica de
quantidade inferior a 14 unidades por semana;
_Risco baixo para a saúde dos homens: consumo alcoólico inferior a
21 unidades por semana;
21
_Risco moderado para a saúde das mulheres: ingestão alcoólica de 15
a 35 unidades por semana;
_Risco moderado para a saúde dos homens: ingestão alcoólica de 22
a 50 unidades por semana;
_Risco alto para a saúde das mulheres: ingestão alcoólica superior a
36 unidades por semana;
_Risco alto para a saúde homens: ingestão alcoólica superior a 51
unidades por semana.
Este padrão de consumo delimitado refere-se ao consumo do álcool ao
longo de uma semana, por isso a necessidade de contrastá-lo à freqüência e à
variabilidade do uso. Uma pessoa que consome em um único dia o limite
máximo das unidades de álcool considerado aceitável ao longo da semana
estará ocasionando mais risco à sua saúde do que se a quantidade alcoólica
consumida ultrapassar um pouco considerado aceitável, porém distribuindo
este consumo entre sete dias sequentes da semana.
As diferenças entre a quantidade de unidades de consumo alcoólico e
o risco a saúde entre homens e mulheres tem como principal fator as
diferenças físicas entre masculino e feminino, como o fato do organismo da
mulher apresentar maior proporção de gordura corpórea, o que faria com que o
álcool atingisse maiores concentrações sanguíneas (LARANJEIRA e PINSKY,
2001).
22
CAPÍTULO II
A DOENÇA DA FAMÍLIA
Este capítulo descreve o sistema familiar como objeto de estudo para
compreensão do fenômeno do alcoolismo, fundamentando-se em estudos
desenvolvidos por Eliana Trindade (2006), Geraldo Ballone (2006), Anaídes
Orth (2005), José Manoel Bertolote (1997), entre outros.
2.1 Abordagem Sistêmica
O estudo sobre alcoolismo não se detém ao alcoolista, mas investigam
a dinâmica de interação das famílias em que estes são membros. Esta análise
familiar busca identificar os aspectos relevantes presentes na dinâmica
parental do alcoolista, avaliando os possíveis efeitos patogênicos do
alcoolismo neste âmbito.
Inicialmente, a questão familiar nos estudos sobre o alcoolismo
utilizava como principal eixo de análise a biogenética, tanto para o
desenvolvimento de práticas de prevenção quanto de tratamento. A
abordagem sistêmica trouxe uma nova perspectiva sobre o alcoolista e suas
relações parentais, considerando que a transmissão desta doença não está
exclusivamente correlacionada às questões genéticas, mas está, muitas vezes,
ligada aos fatores psicossociais que envolvem as famílias.
A perspectiva sistêmica defende que a presença do alcoolismo
denuncia a existência de desequilíbrios no sistema familiar e que “o contexto
familiar do alcoolista é disfuncional”. Esta abordagem é desenvolvida através
de algumas evidências clínicas, como: a constatação de que os sintomas dos
pacientes alcoolistas voltavam a se manifestar, após estes terem voltado aos
seus lares; a complexidade dos vínculos do sujeito alcoolista com sua família
23
de origem e a interação do indivíduo na sua relação de casal (TRINDADE,
COSTA E ZILLI, 2006, p. 275).
Na abordagem sistêmica o alcoolismo é analisado como um sintoma,
que denuncia e representa uma disfunção no contexto familiar total. O ideário
conceitual sistêmico defende que todas as pessoas que compõem a unidade
familiar têm um papel na maneira como funciona a família, como se relacionam
os membros entre si e na forma como finalmente, o sintoma irrompe
(TRINDADE, COSTA e ZILLI, 2006).
O alcoolismo é percebido como um fenômeno complexo e multifatorial,
no qual um desses fatores sistêmicos que o envolve é o relacionamento entre
o alcoolista e a família. No entanto, não se pode definir apenas um tipo
específico de funcionamento, assim como nem todas as famílias de alcoolistas
podem ser consideradas disfuncionais. Mas é importante compreender que em
muitas ocorre um processo de circularidade em que a não funcionalidade e a
dependência alcoólica, assim como outros tipos de drogadicção, são
mutuamente reforçados (ORTH, 2005).
2.2 Co-dependência
O alcoolismo é uma patologia que envolve todo o ambiente e membros
da família. Há uma série de jogos psicológicos que envolvem todos os
membros, fazendo com que a família se movimente na base de desempenhos
neuróticos que retro-alimentam a alcoolimia (ORTH, 2005).
No entanto, todas as questões e conflitos que possam existir no
ambiente familiar que predispõe o alcoolismo de um de seus membros, com a
presença da alcoolimia, é “camuflado”. Nenhum dos aspectos que
desencadeiam a disfunção familiar é bem observado, porque todas as
atenções passam a estar voltadas para o alcoolista, através do sentimento de
que o dependente alcoólico é a causa dos conflitos familiares e que outras
questões familiares não podem ser cuidadas porque todos os esforços devem
estar voltados para a cura do alcoolista.
24
A presença do alcoolista em uma família aciona nos demais membros
desta o desenvolvimento de comportamentos, que estes consideram ser
fundamentais para resgatar a estabilidade familiar (BERTOLOTE, 1997).
Esta necessidade de desempenhar um papel que “absolva” o alcoolista
pode se desenvolves como um transtorno neurótico que atingem um ou mais
membros da família do alcoolista é a co-dependência.
A co-dependencia alcoólatra passa a ser estudada, na década de
1970, através do comportamento das companheiras dos alcoolistas, que fez
com que estas fossem nomeadas de co-alcoólatras. É possível perceber em
esposas de alcoolistas um esforço extremo em busca pela estabilidade
familiar, ao mesmo tempo em que se questiona sobre sua capacidade como
esposa e como mulher. O cônjuge do alcoolista passa a se responsabilizar
pelo desenvolvimento do alcoolismo de seu companheiro e, por isso, se
responsabiliza pelas atividades dele e por seu tratamento e recuperação
(LAWSON, 1999).
Esta observação sobre o comportamento dos cônjuges de alcoolistas e
a compreensão de que havia um mecanismo que envolvia os transtornos do
alcoolismo e da co-dependência fez com que a associação dos Alcoólicos
Anônimos realizasse reuniões paralelas com os cônjuges dos alcoolistas, nas
quais perceberam como denominador comum entre os membros o fato de que
toda a vida familiar girava em torno do dependente (BALLONE, 2006).
A co-dependência, no entanto, não é exclusiva do cônjuge. Muitas
vezes, os filhos ou cônjuge acreditam que a condição do alcoolista é culpa
deles e, por isso, desenvolvem comportamentos para minimizar este
sentimento de culpa. Estes membros podem se tornar personagens, como: o
filho-pai, responsável, que tem tudo sob controle; o bode expiatório, que se
sente culpado pelo problema, colocando-se com freqüência em situações
difíceis; o alienado, que fica quieto e passa tanto quanto tempo for possível
sozinho; e ainda o mascote, que é o palhaço da família (LAWSON, 1999).
Orth (2005) exemplifica a relação co-dependente que estimula o
desenvolvimento do alcoolista através da relação entre mãe e filho(a), na qual
25
a primeira tende a estabelecer um estado de simbiose com sua prole, de tal
modo que o trata como se ele tivesse idade e responsabilidade inferior ao que
realmente apresenta.
A co-dependência pode se manifestar como um intrometimento em
todas as coisas da pessoa que, para o co-dependente, necessita ser cuidado
(como controle do horário de tomar banho, alimentação, vestuário, enfim, tudo
o que diz respeito à vida do outro) ou mesmo se responsabilizando pelas
ações e compromissos do outro. Por outro lado, no caso do alcoolista, estas
atitudes do co-dependente lhe propiciam um comportamento ainda mais
irresponsável.
De acordo com Sérgio Ballone (2006), quando um familiar faz com que
sua vida gire em torno do alcoolista, expressa-se um dos sintomas da co-
dependência.
“Co-dependentes são esses familiares, normalmente cônjuge ou companheira (o), que vivem em função da pessoa problemática, fazendo desta tutela obsessiva a razão de suas vidas, sentindo-se úteis e com objetivos apenas quando estão diante do dependente e de seus problemas. São pessoas que têm baixa auto-estima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da pessoa dependente” (BALLONE, 2006, s/p.).
O que se observa nestes casos é que a co-dependência é um
transtorno próprio daquele que o desenvolve. O alcoolista é um fator favorável
para que o co-dependente desenvolva seus sintomas, mas a predisposição a
co-dependência é própria de quem o desenvolve, assim como a do alcoolismo
é própria do alcoolista. Caso, o co-dependente não tivesse vínculo afetivo com
o alcoolista, provavelmente, em suas relações afetivas, tenderia a estabelecer
vínculos com pessoas que lhes permitisse atuar conforme os padrões de
conduta e pensamentos que caracterizam a co-dependência.
O co-dependente tende a estabelecer vínculos afetivos, nos quais
possa ser o salvador, protetor ou consertador, mesmo que não perceba ou
negue que, de fato, está prejudicando e agravando o problema do outro.
26
Assim, há uma dinâmica entre o dependente alcoólico e o seu co-dependente
que retroalimentam a patologia na relação (LAWSON, 1999).
2.3 Dinâmica Familiar
A família é o ambiente que, em geral, inicia o processo de
desenvolvimento afetivo do ser humano. Cada família tem sua própria
dinâmica, suas estratégias particulares de lidar com conflitos e situações que
lhes são específicas, podendo o alcoolismo servir como uma dessas
estratégias, transpondo para o alcoolista a responsabilidade pelos conflitos
existente no ambiente familiar, enquanto outros conflitos são negados. O
alcoolismo se reproduz no meio familiar, exercendo um papel adaptativo e
funcional às questões que emergem neste meio.
“o drogadicto é o portador do sintoma da disfunção familiar e colabora para manter a homeostase da mesma; reforça o padrão controlador dos pais, mesmo não sendo, tal prática, adequada às suas necessidades; que é comum outros membros da família apresentarem comportamentos aditivos, tais como compulsão ao jogo, à comida, ao trabalho, às drogas e outros. Em muitos casos, o comportamento adicto cria situações para desfocalizar o problema de relacionamento” (ORTH, 2005, p. 31).
O ambiente familiar em que o alcoolista se integra é, em diferentes
níveis, afetado de forma negativa e, de forma especial, os descendentes
(filhos, netos, sobrinhos), que, ainda em processo de desenvolvimento, já
experimentam tensões e conflitos, entre os adultos, motivadas pelo alcoolismo
e/ou abuso do álcool. Esta experiência conflituosa na infância e adolescência é
investigada para verificar se estão relacionadas ao fato de filhos de alcoolistas
estarem sendo identificados como grupo de risco psiquiátrico e de alto risco
para ocorrência de problemas no seu desenvolvimento emocional.
Além de incluídos no grupo de risco psiquiátrico, outro aspecto
negativo imposto às crianças e adolescentes inseridas em um ambiente
familiar que convive com um alcoolista é a maior probabilidade destes
27
desenvolverem o alcoolismo. Esta vivência em um ambiente familiar em que o
alcoolismo está presente pode também ocasionar problemas severos
relacionados à socialização, propiciando muitas vezes o desenvolvimento de
um comportamento anti-social mais severo (TRINDADE, COSTA e ZILLI,
2006).
“A família, uma das três fontes de socialização primária, ao construir vínculos saudáveis, comunica normas sociais salutares para os seus membros. Mas, famílias disfuncionais podem transmitir normas desviantes através do modelo de comportamento dos pais para os filhos. Os problemas de vinculação familiar advêm, em sua maioria, daqueles lares onde faltam habilidades para a criação dos filhos, reduzindo as chances de transmissão efetiva de normas sociais saudáveis” (SHENKER e MINAYO, 2003, p.302).
Através de experimentos voltados para análise da capacidade
comunicativa, foi possível perceber que a competência comunicativa em filhos
de alcoolistas, depressivos e bebedores sociais, apresentam déficits em todas
as dimensões, como clareza comunicativa e auto-referência. Outra pesquisa
sobre alcoolismo (especifica sobre o fenômeno de filhas de pais alcoolistas
que casam com alcoolistas) apresentou como um de seus resultados o fato de
que a herança, tanto genética, quanto psicossocial, que as filhas receberam
dos pais comprometeram suas vidas e suas percepções do relacionamento
com o pai, assim como as mensagens que essas mulheres recebem de seus
maridos; além disso, essas mulheres tinham uma predisposição a uma
comunicação rígida quando interagiam com seus pais e maridos (HILL e
GAUER, 1998).
Hill e Gauer publicaram, em 1998, o resultado da análise semiótica dos
relatos de filhos de alcoolistas, sobre os quais concluíram que as seqüelas
decorrentes das vivências familiares perduram durante longos períodos. A
baixa auto-estima, a grande dificuldade de alcançar intimidade nas relações e
uma visão de mundo marcada pelo medo restringem sobremaneira a vida
desses indivíduos. Outro resultado observado foi o fato de que os filhos adultos
de alcoolistas formam conclusões errôneas, como: não falar com pessoas de
fora da família sobre o pai alcoolista, entender que o problema era seu e que
28
ninguém mais se preocuparia com isso, sentir-se constantemente constrangido
com a situação e sentir-se pouco respeitado pelos professores temendo que
sua vida pudesse ser igual à de seus pais e parentes.
“Sem dúvida ser filho de alcoolista é uma condição de grande dor, sofrimento, constrangimento e vergonha social. Observa-se uma multiplicidade de papéis que os filhos de alcoolistas são convidados a vivenciar nessas famílias: substituto parental para os irmãos e irmãs mais novos, substituto marital coligado em uma cumplicidade edipiana com o genitor não alcoolista, vítima de violências incestuosas, mediador e conselheiro, terapeuta familiar para o casal sempre em crise” (TRINDADE, COSTA e ZILLI, 2006, p. 278).
Embora os filhos sofram diretamente com a presença do alcoolista no
ambiente familiar, estes não são os únicos. O consumo excessivo do álcool e
os dispositivos criados pelo alcoolista para justificar ou minimizar este consumo
interferem na transparência da comunicação entre o alcoolista e seu (a)
companheiro (a).
O casal passa a vivenciar conflitos e crises, que muitas vezes chegam
a se concretizar em violência física e em brigas conjugais. Em consequência, o
álcool acaba por se apresentar como uma das principais causas de violência
doméstica. O casal passa a vivenciar um ciclo composto por momentos de
tensões, conflitos e até mesmo violência e de períodos de “lua-de-mel”, no qual
o alcoolista se mostra arrependido e busca a reparação do dano causado e a
reconciliação.
A família dos alcoolistas, assim como a dos adictos, funciona como um
sistema de retroalimentação negativa, no qual cada indivíduo deste sistema
exerce influência no outro e que acaba influenciando um terceiro, que volta a
influenciar o primeiro, fechando o ciclo que se repete continuamente (ORTH,
2005).
Este ciclo afeta o relacionamento da família com o ambiente social. O
(a) companheiro (a) e, até mesmo, os filhos, podem evitar participar de eventos
por saberem que nestes serão servidas bebidas alcoólicas, o que poderá
suscitar no alcoolista um comportamento inadequado. Este comportamento
29
inadequado pode somente constranger ou agredir os elementos da família,
como pode também atingir outras pessoas que estejam participando do
evento.
Até mesmo no trabalho ou nas atividades escolares, familiares do
alcoolista podem evitar relacionamentos mais íntimos com colegas de trabalho
ou de escola para não precisar falar sobre este tipo de problema familiar.
Assim, a família passa a conviver com um nível alto de ansiedade que não se
restringe ao ambiente familiar.
Por outro lado, a ansiedade que passa a estar presente no ambiente
familiar pelo receio do consumo de álcool pelo membro alcoolista acaba
influenciando este a beber para tentar diminuir este sentimento de ansiedade.
Nas palavras de TRINDADE, COSTA e ZILLI (2006, p. 279):
“O processo de beber para diminuir a ansiedade, acaba aumentando a ansiedade familiar em resposta a este beber, criando um espiral, que pode gerar um colapso e este um padrão crônico de funcionamento do sistema familiar”.
Assim como no ambiente familiar está presente o ciclo embriaguez-
sobriedade, parece existir nesses sistemas familiares uma predisposição a
repetição transgeracional do fenômeno. O padrão de interação dos membros
da família alcoolista tende a acarretar em risco psicológico para a manutenção
desta patologia intergeracionalmente. O risco genético apresenta uma
realidade passível de conscientização, mas a mudança dependerá do
comportamento e decisão dos próprios membros das famílias em que o ciclo
alcoolista está presente.
“A família alcoólica é marcada por uma série de jogos psicológicos e todos se envolvem na progressão da doença. O lar do alcoólico se movimenta na base de desempenhos neuróticos e excêntricos, onde o pai vive super-reagindo ao agente químico, e a mãe super-reagindo ao dependente químico e os filhos vão apresentar alguns papéis de ajustamento ou repulsividade ao sistema familiar em crise” (TRINDADE, COSTA e ZILLI, 2006, p. 279-280).
30
Este aspecto familiar da patologia demonstra a necessidade de mudar
as estratégias de prevenção e tratamento, considerando que, não apenas o
alcoolista precisa ser acompanhado, mas todos os membros da família, assim
como deve ser estudada a estrutura em que esta família está organizada e
investigar quais padrões interacionais estão auxiliando na manutenção do ciclo
embriaguez-sobriedade, de forma vertical (transgeracional) e horizontal (núcleo
familiar).
31
CAPÍTULO III
O TRATAMENTO DO ALCOOLISMO
Este capítulo aborda o tratamento do alcoolismo, considerando os
aspectos familiares e a inserção desta no acompanhamento psicológico, com
ênfase na terapia cognitiva comportamental. Esta discussão fundamenta-se
em estudos desenvolvidos por Bernard Rangé e Alan Marlat (2008), Nely
Castro (2002), Ronaldo Laranjeira, Sérgio Nicastri, Cláudio Jerônimo e Ana
Marques (2000), entre outros.
3.1 Tratamento: abordagem comportamental
O tratamento dos pacientes que apresentem abuso no uso do álcool
ou Síndrome de Dependência Alcoólica é realizado através da associação do
tratamento farmacológico com o clínico. O ideal, nestes casos, é que haja um
trabalho interdisciplinar que atente para a saúde física, psicológica e social do
indivíduo.
“Como o uso do álcool é capaz de produzir conseqüências físicas, intelectuais, psicológicas e sociais para o dependente, os programas de terapia são multidisciplinares e o tratamento é realizado em longo prazo, com o objetivo de conseguir uma abstinência satisfatória. Vale ressaltar que os tratamentos são voltados tanto para o indivíduo acometido quanto para os familiares” (HECKMANN e SILVEIRA, 2009, p.80).
Este tratamento pode ocorrer tanto através de internação domiciliar ou
hospitalar, quanto através de acompanhamento ambulatorial. Em muitos
casos, principalmente quando o sujeito é diagnosticado como apenas
apresentando abuso no uso do álcool, o tratamento farmacológico é
dispensado, contudo, o tratamento psicossocial deve ser indispensável.
Em relação a atuação do profissional de psicologia, esta pode variar de
acordo com as convicções e opções teóricas e pragmáticas de cada
32
profissional. Este estudo descreve o tratamento do alcoolismo através da
perspectiva da terapia cognitivo-comportamental. Esta escolha se deu pelo fato
de que “muitos estudos confirmaram a efetividade da terapia cognitivo-
comportamental no tratamento do alcoolismo” (RANGÉ e MARLAT, 2008, p.
S92).
O tratamento psicoterapêutico do alcoolismo é desenvolvido através da
junção entre o acompanhamento individual e a participação em atividades de
grupos.
O acompanhamento individual tem como objetivo fortalecer o alcoolista
como sujeito, através de uma oferta de estímulos, compartilhamento de
informações e técnicas para alívio das tensões emocionais. Há também a
utilização de técnicas comportamentais para reforçar o desenvolvimento de
comportamentos positivos, confrontando-os com as reações comportamentais
inadequadas.
A participação em atividades de grupos com interesses comuns ou de
indivíduos igualmente comprometidos é importante para a troca de vivências e
para que todos possam refletir sobre diferentes possibilidades de reação a
uma mesma experiência. Além disso, o grupo oferece amparo emocional e
aceitação, possibilitando que o indivíduo lide de modo mais positivo com a
realidade e suas exigências, se tornando autoconfiante e tolerante tanto com
os seus quanto com os fracassos e as decepções dos que fazem parte de sua
convivência (HECKMANN e SILVEIRA, 2009).
É importante ressaltar que, além do tratamento do paciente, é
necessário assegurar que este e sua família tenham acesso a informações e
compreendam todos os aspectos que envolvem o uso abusivo e crônico do
álcool. Além de ser orientada sobre esta patologia, a família, como parte
integrante dessa disfunção, precisa ser encaminhada para tratamento.
Conforme LARANJEIRA, NICASTRI, JERONIMO e MARQUES, (2000, p. 66):
“Em qualquer dos níveis de comprometimento que o indivíduo se apresente, é essencial trabalhar os conceitos de síndrome de dependência e abstinência alcoólica, com objetivo claro de desenvolver, nesse sistema familiar, a crítica sobre seu papel nesse transtorno, como também promover sua mudança de
33
pensamento e comportamento. Trabalhar a auto- estima e a importância da desintoxicação, assim como a prevenção da recaída, são estratégias a serem adotadas nessa fase inicial do tratamento, não só com o paciente, como também com seu sistema familiar e social”.
A alcoolimia não é uma patologia que afete exclusivamente ou de
maneira mais taxativa a saúde fisiológica do paciente, mas afeta percepções,
comportamentos e relações humanas, entre outros aspectos que estão ligados
diretamente aos aspectos psicossociais deste paciente. Ao atingir a saúde
psicológica do sujeito, sintomas como depressão, descontrole da ansiedade,
co-dependência, se instalam e agravam ainda mais a sua qualidade de vida.
Por isso a importância de aliar ao tratamento médico o
acompanhamento terapêutico psicológico, como forma de promover o
desenvolvimento de habilidades para o enfrentamento efetivo da alcoolimia. É
necessário auxiliar o alcoolista em tratamento a desenvolver habilidades
sociais básicas, comportamentos assertivos e habilidades de confronto, que
lhe permitam identificar situações de risco, lidar com emoções e se reestruturar
cognitivamente (RANGÉ e MARLAT, 2008).
O modelo de aprendizagem social, componente da Teoria Cognitiva
Comportamental, considera o comportamento de beber, assim como os
comportamentos em geral, algo que foi aprendido pelo sujeito. Esta
aprendizagem resulta de influências sociais, familiares e de pares que
modelam comportamentos, crenças e expectativas referentes ao álcool.
“As atitudes e comportamentos dos pais em relação ao álcool são os melhores preditores do consumo de bebida na adolescência. Desta forma, por exemplo, o álcool pode ser usado pelos pais para relaxar após o trabalho, e isto provavelmente cria nas crianças um modelo de comportamento de usar álcool ou maconha como um relaxante. Atitudes extremas em relação à sobriedade de pais abstinentes também são risco aumentado para o desenvolvimento de problemas com bebida. Um aspecto principal é que esse modelo pode não se aplicar somente para o comportamento de beber, mas também para o uso de uma substância que possa produzir o mesmo efeito” (RANGÉ e MARLAT, 2008, p. S89-90).
34
Os efeitos do álcool exercem um papel de reforço positivo,
funcionando como um facilitador social, que permite ao sujeito relaxar, ao
mesmo tempo em que atua como um reforço negativo que minimiza suas
ansiedades a respeito da expectativa gerada em relação ao outro, reduzindo
tensão, aliviando dores e inibições sociais. Como no condicionamento
pavloviano, as associações entre o álcool e a satisfação que ele produz são
reforçadas, fortalecidas, tendo maior probabilidade de ocorrências futuras. Os
fatores cognitivos emocionais positivos (felicidade, relaxamento, redução de
estados negativos de humor) parecem, para o alcoolista, estarem mais
próximos e, portanto com maior possibilidade de exercer função de reforço,
que os efeitos negativos do consumo excessivo do álcool - acidente de veículo,
lutas, polícia, ausência do trabalho ou em atividades escolares/ acadêmicas
(SILVA e SERRA, 2004).
Ao se abster de atividades sociais que lhe agradavam (como ir ao
cinema, teatro, concertos, etc.) para participar de eventos em que haja
consumo alcoólico, o alcoolista exclui os repertórios alternativos, que poderiam
gerar reforços distintos, restringindo seu comportamento cada vez mais ao uso
do álcool. Daí a opção por utilizar a Terapia Cognitivo Comportamental, como
forma de romper com estes reforços e com as “crenças” geradas pelos
pacientes.
O modelo cognitivo de abuso de substância considera que, assim
como em outros transtornos, como depressão e ansiedade, experiências nas
fases iniciais da vida propiciam a patologia e favorecem o desenvolvimento de
esquemas, formados por crenças nucleares básicas e crenças condicionais.
A exposição e a experiência com uso de drogas desenvolvem crenças
particulares que podem facilitar ou evitar seu uso. Por exemplo, uma pessoa
exposta a um ambiente em que as pessoas bebem e não tem problema com a
adicção, mas, pelo contrário, se mostram mais descontraídas, pode pensar:
"Todos estão se divertindo”. Ou em um momento de tensão, por estar em um
ambiente em que não se sente à vontade e que o individuo experimenta o
álcool e se sente relaxado e sociável, pode passar a crer: "Sou mais sociável
35
quando bebo". Dessa maneira, as crenças facilitadoras são ativadas (SILVA e
SERRA, 2004).
Outro conceito da teoria cognitiva comportamental importante para se
compreender a patologia e estabelecer ações de tratamento é o de
autoeficácia. Este conceito propõe que as pessoas tendem a repetir certos
comportamentos quando acreditam em sua capacidade pessoal de
desempenhá-los corretamente. Muitas vezes, o alcoolista consome álcool por
acreditar que consegue controlar seu uso. É necessário utilizar a autoconfiança
do alcoolista para fortalecer a auto-eficácia de resistir ao uso de álcool e
diminuir a probabilidade de recaídas (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Para isso, a primeira demanda do tratamento psicológico da alcoolimia
é o fortalecimento da aliança terapêutica, através do entendimento empático
do problema do cliente, combinado com a aceitação incondicional (RANGÉ e
MARLAT, 2008).
É importante que o terapeuta compreenda seu paciente e não tome
sua hostilidade e resistência como falta de vontade ou desinteresse no
tratamento. O terapeuta precisa identificar essa resistência como reflexo da
dor, consequencia de todo sofrimento que acompanha a trajetória de sua
doença, e do medo de romper com um comportamento no qual já conhece os
resultados para desempenhar uma função social nova, sob a qual não tem
controle e que lhe assusta ou da qual “fugiu” anteriormente.
O próprio terapeuta traz consigo preconceitos sobre a doença e sobre
o que levou ao seu desenvolvimento, o que também influencia nas limitações
ao tratamento. Por isso, além de explorar o significado e função das ações
aparentemente oposicionistas e autodestrutivas do paciente, avaliando suas
crenças sobre a terapia, é também importante avaliar as próprias crenças do
terapeuta sobre o paciente. “Saber como usar sentimentos desagradáveis em
colaboração na relação terapêutica como algo útil e lucrativo para o processo
terapêutico é uma habilidade muito valiosa” (RANGÉ e MARLAT, 2008, p.
S91).
36
Quando o terapeuta desenvolve um comportamento empático para
com o paciente, é mais fácil identificar elementos em sua história de vida que
auxiliem no processo de mudança do estilo de vida que está levando o
alcoolista a desenvolver o comportamento de dependência. Ao identificar os
aspectos da vida do alcoolista que lhe são fonte de estresse é mais fácil
reduzir a probabilidade de recaídas, auxiliando o paciente, inicialmente, a evitar
estas fontes de estresse para, ao longo do tratamento, aprender a equilibrar
esta tensão. Para isso, algumas técnicas e instrumentos podem ser
associadas ao tratamento, como prática de exercícios físicos, tentativa de
melhorar a alimentação através de uma dieta balanceada, técnicas de
relaxamento e de inoculação de estresse, entre outros (RANGÉ e MARLAT,
2008).
O modelo cognitivo apresenta alguns programas específicos de
tratamento de adição. Este trabalho discorre sobre dois: Programa SMART
Recovery©, baseado na terapia racional emotiva comportamental de Albert
Ellis; e o Programa de Treinamento de Grupo do Centro de Estudos, Pesquisa
e Reabilitação em Alcoolismo (CEPRAL), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
O termo SMART (traduzido do inglês como "esperto " ou "inteligente")
é uma sigla que corresponde às palavras Self-Management And Recovery
Treatment (tratamento de recuperação por auto-manejo). O objetivo deste
programa é auxiliar os indivíduos a atingir independência de seus
comportamentos adictivos, sejam de substâncias ou de atividades. Este
programa é voltado para todos os tipos de comportamento adictivo, incluindo
alcoolismo, abuso de drogas, jogo compulsivo e adicção a outras substâncias e
atividades (RANGÉ e MARLAT, 2008).
O SMART tem como focos principais quatro questões: a motivação
para se abster; o enfrentamento das fissuras; a resolução de problemas,
manejo de pensamentos, sentimentos e comportamentos; e o equilíbrio no
estilo de vida, no qual o indivíduo é estimulado a balancear e diferenciar as
satisfações momentâneas das duradouras. Para tratar dessas questões, o
programa desenvolve instrumentos e técnicas que permitam ao paciente a se
37
sentirem mais motivados ao tratamento e à prevenção do uso do álcool ou
componentes adictivos específicos de cada paciente, a reconhecer suas dores
e lidar com elas, contrapondo o que para eles é realmente importante (RANGÉ
e MARLAT, 2008).
Algumas técnicas que o programa recomenda são voltadas para o
monitoramento das atividades. Esse monitoramento pode ocorrer através do
uso de matriz 2 x 2 de vantagens-desvantagens, no qual se tem por estratégia
o fortalecimento da ambivalência que esses pacientes geralmente apresentam.
Além disso, busca-se utilizar técnicas de resolução de problemas, de forma
que o paciente saiba como lidar com situações de risco. Para o manejo das
fissuras, são propostos registros diários de pensamentos/crenças enfrentados
com respostas racionais. O uso de cartões de enfrentamento contendo
enunciados para controlar crenças também é recomendado. O uso de
dramatizações também pode servir como estratégia para treinar a
assertividade da recusa a drogas (RANGÉ e MARLAT, 2008).
A partir do reconhecimento das crenças e pensamentos que levam a
consumir álcool é recomendado aos pacientes adiá-lo por 5 minutos, 10
minutos, 1 hora etc., tentando tirar o foco do impulso através de outras
atividades, como assistir TV, usar o computador, fazer algum relaxamento,
falar com alguém, limpar ou consertar coisas no trabalho ou em casa, entre
outros. O programa leva o paciente a valorizar a manutenção de seu foco em
metas de longo prazo, ao invés de buscar recompensas imediatas (RANGÉ e
MARLAT, 2008).
O programa do CEPRAL apresenta como objetivo principal o
desenvolvimento do treinamento de grupo para dependentes de álcool
baseado numa abordagem cognitivo-comportamental, visando à remissão
completa de seu uso. Para isso, busca desenvolver atividades que possibilitem
a aprendizagem e prática de novos comportamentos substitutos para o
comportamento de beber através de treinamento de habilidades inter e
intrapessoais, ensinando estratégias de enfrentamento que podem ser usadas
para lidar com situações de alto risco (internas e externas) que possam levar
ao comportamento adictivo. Outras estratégias do programa estão
38
relacionadas às mudanças no estilo de vida, para o favorecimento manutenção
do processo de mudança nos hábitos produzidos pelo tratamento (RANGÉ e
MARLAT, 2008).
O treinamento de habilidades interpessoais do programa é voltado
para que o indivíduo possa reconhecer sinais sociais e possa desenvolver sua
capacidade de começar, manter e mudar conversas com amigos e estranhos.
Neste processo, são utilizadas técnicas de fortalecimento de comportamentos
assertivos, como "dizer não” ou "pedir mudanças nos comportamentos de
outras pessoas". Esse treinamento de habilidades intrapessoais é associado
com o aprendizado de estratégias de relaxamento muscular e/ou respiratório,
manejo da raiva e reestruturação cognitiva para reduzir ansiedade e/ou
estados de humor depressivo (SILVA e SERRA, 2004).
Outro objetivo do CEPRAL é permitir que o indivíduo seja capaz de
identificar situações de alto risco de recaída (como ir num bar na sexta-feira,
deprimido e abstinente) e crenças que facilitam o uso do álcool. Além disso,
desenvolve ações de incentivo ao aumento de freqüência de atividades,
principalmente atividades agradáveis, como estratégia para mudança de estilo
de vida, além de estímulos para participação destes em novos grupos sociais,
que não estejam associados às atividades que envolvam o consumo de álcool
(RANGÉ e MARLAT, 2008).
O CEPRAL defende que treinamento de habilidades sociais é eficaz no
tratamento do alcoolismo, que o comportamento adictivo é funcionalmente
associado a déficits de habilidades de enfrentamento de situações
problemáticas do cotidiano e que a aquisição de habilidades para reconhecer e
lidar com situações de risco contribui para um estado de Remissão Completa
Inicial. O Programa CEPRAL apresenta um roteiro de tratamento que pode ser
utilizado e adaptado por profissionais no tratamento do alcoolista, estruturado
em sessões (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Na primeira sessão, o plano de trabalho é introduzido o plano de
trabalho, as regras e normas que guiarão o trabalho em grupo são
apresentadas a cada membro. O modelo de prevenção de recaídas é
39
introduzido, bem como o modelo cognitivo e o modelo de treinamento de
habilidades sociais. Além disso, esta apresentação levanta um relatório breve
do problema de cada participante para propósitos de avaliação. Dentre os
objetivos desta sessão primária estão: deixar os pacientes confortáveis,
interagindo entre si e sendo aconselhados sobre os princípios gerais do grupo,
objetivos, procedimentos e regras (CASTRO, 2002).
O programa sugere que a segunda sessão seja usada para gerenciar
pensamentos relativos ao álcool, levantando discussões e exercícios em grupo
que incentivem o uso de pensamentos substitutos para pensamentos sobre
bebida. Há ainda a sugestão de introduzir neste encontro a técnica da matriz
2x2 de vantagens e desvantagens do comportamento de beber, tornando mais
explícito os benefícios de não beber, comparando-os aos de beber, baseado
na experiência prévia de cada membro com a bebida (CASTRO, 2002).
O roteiro dedica à terceira sessão ao desenvolvimento de estratégias
de resolução de problemas, através do exercício de reconhecimento de que os
problemas de fato existem, mas que podem ser resolvidos. A proposta é que
se realize a técnica de brainstorm, na qual soluções diferentes, mesmo aquelas
que são aparentemente estranhas, são propostas. Cada solução proposta
pelos membros devem ter seus prós e contras objetivamente analisados,
estabelecendo uma hierarquia, na qual a alternativa mais promissora é
selecionada e usada. Também é sugerida a utilização de Técnicas de
dramatização e discussão de grupo para esse exercício de reconhecimento de
problemas (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Para s sessões subseqüentes o programa sugere o treinamento de
habilidades sociais, com o objetivo de desenvolver as habilidades básicas de
comunicação. Podem ser utilizadas para isso, perguntas abertas que incluam
advérbios, como quando, desde quando, onde, o que, como, por que etc., para
que a resposta seja mais longa e possa favorecer a identificação de possíveis
experiências em comum. As técnicas de comunicação utilizadas devem fazer
com que as pessoas falem sobre si mesmas, descrevendo fatos e experiências
em suas vidas, favorecendo a descoberta de identidades ocasionais entre os
membros. Os membros devem ser estimulados a manter seu no
40
desenvolvimento da escuta e da observação. Cabe ao terapeuta identificar
neste processo os obstáculos que podem prejudicar uma comunicação
eficiente por cada membro, de forma que posteriormente estas limitações
venham a ser superadas (SILVA e SERRA, 2004).
Após o fortalecimento de habilidades sociais básicas, o programa
aponta para a realização de atividades para o treinamento assertivo, no qual os
membros poderão aprender a expressar os próprios sentimentos de forma
direta, honesta e apropriada, falando clara, firme e decididamente,
estabelecendo contato visual e usando enunciados na primeira pessoa, além
de aprender a solicitar mudanças no comportamento de outras pessoas. É
ainda necessário que os membros aprendam a ofertar e receber elogios,
receber críticas de outras pessoas, criticar outras pessoas, recusar bebidas
alcoólicas etc.
As sessões subseqüentes são propostas para melhorar os
relacionamentos íntimos, através do desenvolvimento de habilidades de
enfrentamento de dificuldades e conflitos. Nestas sessões o programa sugere
que sejam enfatizadas algumas habilidades conjugais, como expressar
sentimentos empática e assertivamente, habilidades de discussão ou
negociação, além de resolução de conflitos e problemas, mudança pessoal e
ajuda.
Outro aspecto a ser observado nas sessões voltadas para as
habilidades comunicacionais é a importância da comunicação não-verbal,
sendo apresentanda a importância dos componentes de postura, espaço
(distância) entre duas pessoas, contato visual, sinais com a cabeça, expressão
facial, tom de voz, gestos e mímica, entre outros, durante os processos
comunicativos (SILVA e SERRA, 2004).
As sessões de treinamento de habilidades também devem incluir,
conforme o CEPRAL, técnicas de relaxamento muscular e respiratório, além do
uso de técnicas imaginárias. Estas técnicas são importantes porque muitos
bebedores usam o álcool como um tipo de automedicação para relaxar e
controlar tensões, estresse e ansiedade, sendo, por isso, importante que estes
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membros aprendam a estar consciente de seus momentos de tensões
corporais e aprendam a relaxar, através de exercícios de tensão e relaxamento
dos oito grupos musculares específicos (relaxamento muscular progressivo,
proposto por Jacobson, década de 1950). Outros tipos de relaxamento que
estas sessões devem propor são os que incluem exercícios de técnica
respiratória, descritos como respiração diafragmática, como aqueles realizados
em ioga e/ou aulas de meditação (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Conforme o programa é importante que as sessões também tenham
como foco atingir reversões de pensamentos negativos e desenvolver a
percepção sobre como eles influenciam nossos sentimentos. Assim, será
possível substituí-los por outros pensamentos mais realistas, combatendo
sentimentos tristes e prevenindo recaídas. Além disso, o programa sugere que,
ao longo do tratamento, sejam realizadas revisões de treinamentos de
prevenção de recaídas, dos modelos cognitivos (pensamentos automáticos e
crenças), do treinamento de habilidades sociais (assertividade, comportamento
não-verbal, receber e fazer críticas, negociação) e da importância da empatia
nos relacionamentos íntimos (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Há ainda a sugestão do aumento de atividades agradáveis com o
objetivo de incentivar a importância da quantidade de tempo dedicado ao lazer
e a atividades que oferecem prazer é uma forma de evitar pensamentos
negativos. Outro objetivo é estimular o aumento da rede de apoio social como
forma adquirir e manter relacionamentos interpessoais que podem fornecer o
apoio para que um indivíduo se sinta mais confiante em suas habilidades.
Outra técnica a ser introduzida no tratamento é a de elaboração de
planos emergenciais para uma variedade de situações de estresse que podem
surgir de maneira inesperada, que inclua estratégias para resolvê-las. O
membro e o terapeuta lidarão juntos com problemas persistentes e mudanças
que ocorrerão em todo processo, desde o momento em que o grupo é
formado.
De acordo com o programa do CEPRAL, a última sessão deve ser
focada para o diálogo sobre prevenção de recaídas para aumentar a
42
consciência de que decisões (aparentemente) irrelevantes podem causar
recaídas. Ainda é importante ressaltar aos membros que cada escolha precisa
ser pensada, de maneira a antecipar riscos e analisar possibilidade de
recaídas. Ao final, também é necessário realizar uma análise do tratamento,
com uma despedida adequada do grupo, que inclua um feedback para os
terapeutas (RANGÉ e MARLAT, 2008).
Porém, como já discutido, este programa e qualquer outro só
apresentará resultados se houver empatia entre paciente e terapeuta, que leve
à adesão do primeiro. O que não significa que o terapeuta possa assumir a
responsabilidade dos problemas do paciente, mas que pode auxiliá-lo no
enfrentamento destes.
3.2 A família no processo terapêutico
Como verificado através do CID-10 e do DSM-IV, a Síndrome de
Dependência Alcoólica e o Uso Abusivo do Álcool são patologias que merecem
atenção de todas as áreas acadêmicas de saúde. Estas patologias são
multifacetadas e complexas, por isso, o foco do tratamento não deve ser
voltado exclusivamente para a substância psicoativa, mas é necessário
compreender a relação entre o sujeito, a dependência e os grupos sociais em
que este está inserido.
Dentre os grupos sociais envolvidos no processo de dependência está
a família. A disfuncionalidade familiar pode servir como propulsora do
desenvolvimento da alcoolimia, assim como sua reestruturação pode servir
como antídoto, quando a dependência já estiver instalada (SCHENKER e
MINAYO, 2003).
Shencker e Minayo (2003) defendem que as abordagens que
envolvem a unidade familiar no tratamento da dependência alcoólica são
consideradas mais efetivas que as abordagens de tratamento individual.
43
Perceber o alcoolista como parte integrante de um sistema disfuncional
direciona o processo terapêutico para o reconhecimento da necessidade de
incluir a família no tratamento, já que esta também apresenta questões
patológicas. A dependência alcoólica, em muitos casos, reflete que, apesar de
todo sofrimento que a alcoolimia possa oferecer, sua presença já foi assimilada
pela família como algo natural e até mesmo funciona como pilar do equilíbrio
daquele parâmetro familiar conhecido dos seus membros. A dificuldade para
muitas famílias é que estas querem tratar do alcoolista, mas não querem
alterar a estrutura do sistema social estabelecido. O alcoolista é isolado, como
“o problema”, não sendo percebido como um integrante de uma dinâmica
disfuncional (DO CARMO, 2003).
No caso em que há, por exemplo, associada ao alcoolismo a patologia
de co-dependência, há grande dificuldade deste co-dependente (seja a mãe
protetora ou a esposa “salvadora”, entre outros) atuar menos para que o
alcoolista possa desenvolver atividades e responsabilidades que lhes são
próprias. Assim, o tratamento individual do alcoolista não alcançará a
complexidade envolvida nesta dependência.
A própria trajetória da alcoolimia desenvolvida por um dos membros do
grupo familiar gera na dinâmica familiar comportamentos disfuncionais. Com
as primeiras experiências da perda de controle do uso da substância alcoólica,
os membros do sistema familiar desenvolvem comportamentos inadequados e
equívocos comunicacionais (como o silêncio sobre as questões que
incomodam e a não-abordagem direta e clara das dificuldades familiares) com
o objetivo de minimizar os problemas relativos ao mau uso do álcool. O silêncio
e omissão inicial, aos poucos, evolui para um processo de isolamento social e
de exercício de papéis funcionais inadequados (como a mulher que se
responsabiliza pelas atividades do marido ou o filho que se sente responsável
pela educação do pai). Este abalo nas funcionalidades da dinâmica familiar
podem levar a conflitos e sentimentos como raiva e ao rompimento dos laços
familiares (DO CARMO, 2003).
Assim como o alcoolista precisa ocupar as responsabilidades de seu
papel funcional na estrutura familiar e de suas atividades cotidianas, a família
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também precisa aprender a transpor as relações disfuncionais presentes. Para
isso, os padrões relacionais devem ser modificados, os membros precisam
aprender a utilizar de uma comunicação adequada e mais verdadeira,
enfrentando perdas e dificuldades, sem desrespeitar as funções de cada
membro, sem que alguns superfuncionem enquanto outros subfuncionem (DO
CARMO, 2003).
O tratamento da dependência exige uma reestruturação do sistema
familiar e esta só é possível se todos os membros participarem deste
processo. Quando o alcoolista se recupera, necessita de um ambiente que
esteja adaptado às suas mudanças e que o inclua como responsável
(MINUCHIN, 1990, p. 58).
A abordagem da família no tratamento da dependência tem se
mostrado essencial nos quadros de dependência, pois neste campo de
tratamento as trocas emocionais mais importantes do sujeito serão
acompanhadas (MINUCHIN, 1990).
Todos os membros do sistema familiar estão envolvidos na
disfuncionalidade que leva ao alcoolismo. Mas, mesmo que não houvesse um
membro propenso a se tornar alcoolista, outras patologias poderiam emergir
no sistema disfuncional, através de qualquer outro participante. Isto torna claro
que o alcoolista, se apresenta como um sintoma em uma patologia que
acomete toda a estrutura familiar e que, portanto, todo esse sistema precisa de
acompanhamento terapêutico adequado.
45
CONCLUSÃO
As patologias causadas pela dependência psicoativa, dentre elas o
álcool, são, na contemporaneidade, um problema de saúde pública que atinge
desde o espaço privado (da família) até o público. Assim como o alcoolismo
afeta as relações familiares ele afeta também o Poder Público, através dos
custos com a prevenção e tratamento ou com cuidados com questões
consequentes do uso de álcool: como violência, principalmente doméstica, e
acidentes de trânsitos.
Os prejuízos ultrapassam a esfera individual e familiar, atingindo
também a ordem social e econômica. A problemática do alcoolismo precisa ser
discutida e considerada por todos esses âmbitos.
Neste debate, é importante considerar que o alcoolismo é complexo e
envolve questões, cujos limites se entrelaçam. Esta fragilidade dos limites pode
ser verificada através da aceitação do álcool como objeto socializante, quando
há um incentivo para que as pessoas bebam, como forma de se tornarem mais
comunicativas e “soltas”, enquanto, por outro lado, este consumo também é
reprovado, quando quem bebe desenvolve ações e comportamentos
considerados inadequados.
Outro exemplo de antagonismo em relação ao consumo de álcool está
relacionada com o incentivo ao consumo e o tratamento da patologia no
ambiente familiar: a família pode ser impulsionadora da patologia, como pode
ser instrumento de tratamento. Este estímulo ao consumo pode ocorrer tanto
pela estrutura disfuncional da família como pelo costume social familiar de
inicializar precocemente as crianças e adolescentes ao consumo alcoólico, em
festas ou comemorações. Por outro lado, o tratamento pode ser viabilizado
com o auxílio da família que compreende o alcoolismo como uma patologia,
que adere ao tratamento e que reconhece a necessidade de promover a
autonomia do alcoolista, evitando se responsabilizar pelos compromissos que
lhes são próprios.
46
Esse conflito entre os benefícios oferecidos pelo consumo de álcool e
os prejuízos que o mau uso acarreta reforça crenças que precisam ser
desconstruídas, tanto pelo dependente quanto por seus familiares: como
crenças de que é necessário beber para ter coragem de falar sobre
determinados assuntos na família, ou de que a família tem que se
responsabilizar pelos compromissos do alcoolista por ele não ser “capaz”.
A terapia cognitiva comportamental baseia seu tratamento na
desconstrução dessas crenças e no desenvolvimento de habilidades,
principalmente as relacionadas à comunicação, para que o alcoolista possa
desenvolver comportamentos que o auxiliem na superação de suas
concepções errôneas. Além de superar suas próprias crenças, a terapia
cognitiva comportamental tem como objetivo desenvolver habilidades que
tornem o alcoolista autônomo, em seu ambiente familiar, trabalhista e social.
Essa autonomia é iniciada principalmente com o desenvolvimento de uma
comunicação adequada, baseada no desenvolvimento de argumentos
objetivos e escuta do outro.
O tratamento individual, no entanto, não apresentará resultados se o
dependente voltar a conviver em um ambiente que hostiliza suas capacidades
e o inferioriza. Ou ainda se conviver em um ambiente em que os outros
membros não o auxiliarem, se conscientizando de não lhes oferecer bebida,
por exemplo. Por isso, o tratamento individual aliado ao familiar, com o objetivo
de reestruturar suas disfuncionalidades, como co-dependência ou erros
comunicacionais, auxiliará tanto o dependente quanto o ambiente em que este
convive.
Nesta perspectiva, este trabalho defende que as discussões sobre o
alcoolismo, que envolvam seus múltiplos aspectos, deve ser contínua. Com a
participação da sociedade e do Poder Público nestes debates será possível
desenvolver programas e ações que previnam o alcoolismo, evitando gastos e
desgastes pessoais e familiares. A proposta é que o meio acadêmico e os
profissionais da área da saúde, social e de políticas públicas construam e
produzam conhecimentos sobre a patologia, em suas diferentes faces.
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50
INDICE
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I:
A Doença e Suas Formas Clínicas 09
1.1 Aspectos Sociais 09
1.2 A instituição do alcoolismo como doença 13
1.3 Síndrome de Dependência do Álcool (SDA) 14
1.4 Padrões de uso 19
CAPÍTULO II -
A doença da Família 22
2.1 Abordagem Sistêmica 22
2.2 Co-Dependência 23
2.3 Dinâmica Familiar 26
CAPITULO III -
O tratamento do Alcoolismo 31
3.1 Tratamento: abordagem comportamental 31
3.2 A família no processo terapêutico 42
CONCLUSÃO 45
BIBLIOGRAFIA 47
INDICE 50