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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
A contribuição e a importância do lúdico e da
psicomotricidade na Educação Infantil
Por:
Renata dos Santos Marinho
Orientadora:
Maria Poppe
Rio de Janeiro
2004
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
A contribuição e a importância do lúdico e da
psicomotricidade na Educação Infantil
OBJETIVOS:
Facilitar os professores a compreender os
benefícios da psicomotricidade na Educação
infantil, assim como conscientizá-los que as
atividades lúdicas agem como base
facilitadora na contribuição de
aprendizagem.
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AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos à minha mãe pela
dedicação.
À professora Maria Poppe pelo
compromisso.
4
DEDICATÓRIA
A meus alunos, que tanto me desperta o
prazer em continuar a descobrir.
5
RESUMO
O indivíduo através do movimento, comunica e transforma o mundo
que o rodeia. É baseado nessa idéia que a psicomotricidade tem um papel
fundamental no início da vida escolar da criança. Na educação Infantil os
principais objetivos são: aprimorar os movimentos da criança e oportunizar
através de atividades, o desenvolvimento psíquico e motor da criança de
uma forma integrada.
O movimento, a agressividade, o barulho, o prazer corporal, são
indispensáveis para o desenvolvimento da criança. Estes comportamentos
devem ser aceitos pelo educador de maneira verdadeira e aberta, além de
oferecer à criança (desde cedo) vários meios de exprimir e experimentar,
sempre respeitando as etapas de seu desenvolvimento. A partir do momento
que o educador impõe alguma coisa para a criança, ela perde o prazer de
realizar qualquer atividade na escola.
A criança quando atingiu a disponibilidade criadora, não tem
problemas com as aprendizagens escolares. Basta que o educador forneça-
lhe os conhecimentos indispensáveis, ela própria saberá organizá-los.
Para que tudo isso seja possível, é preciso que as professoras que
trabalham principalmente com a educação infantil, tenham formação
psicopedagógica completa, materiais adequados, locais amplos e não as
sobrecarregar com classes numerosas.
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METODOLOGIA
O procedimento metodológico utilizado foi através de pesquisas
bibliográficas.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................08
CAPÍTULO I EDUCAÇÃO INFANTIL............................................................11
CAPÍTULO II DESMISTIFICANDO O LÚDICO.............................................15
CAPÍTULO III A ESCOLA COMO ESPAÇO LÚDICO...................................28
CAPÍTULO IV PSICOMOTRICIDADE...........................................................47
CAPÍTULO V CONTRIBUIÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE.........................54
CONCLUSÃO................................................................................................60
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................62
ÍNDICE...........................................................................................................66
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INTRODUÇÃO
O desenvolvimento infantil se encontra particularmente vinculado ao
brincar, uma vez que este último se apresenta como a linguagem própria da
criança, através da qual lhe será possível o acesso à cultura e sua
assimilação, num movimento dialético característico do processo de
crescimento e amadurecimento. Neste sentido, o brincar se apresenta como
fundamental tanto ao desenvolvimento cognitivo e motor da criança quanto à
sua socialização, sendo um importante instrumento de intervenção em
saúde durante a infância.
A criança se utiliza da linguagem do brincar para apreender novas
situações, elaborando psiquicamente vivências de seu cotidiano e possíveis
conflitos internos. Dessa forma, o brincar facilita o acesso à atividade
simbólica, já que através dos jogos simbólicos a realidade externa pode ser
assimilada à realidade interna. Pode-se dizer que a criança se apropria de
experiências dolorosas através do brincar, esse espaço de ilusão situado
entre o real e a fantasia. Ela passa então a ser sujeito e não somente objeto
da experiência.
Os antigos já sabiam da importância do brincar no desenvolvimento
integral do ser humano. Aristóteles, quando classificou os vários aspectos do
homem, dividiu-os em homo sapiens (o que conhece e aprende), homo faber
(o que faz, produz) e homo ludens (o que brinca, o que cria).
Em nenhum momento, um dos aspectos sobrepujou o outro como
mais importante ou mais significativo. Na sua imensa sabedoria, os povos
antigos sabiam que mente, corpo e alma são indissolúveis, embora tenham
suas características próprias.
9
O grande trunfo das atividades lúdicas é o fato de elas estarem
centradas na emoção e no prazer, mesmo quando o jogo pode trazer
alguma angústia ou sofrimento. Nesses casos, quando a criança exprime
emoções consideradas negativas, o jogo funciona como uma “catarsis”, uma
limpeza da alma, que dá lugar para que outras emoções mais positivas se
instalem.
Sentimentos como raiva, tristeza ou frustração fazem parte da nossa
vida diária. Poder exprimi-los através de um jogo, uma brincadeira, não só
nos aliviará do fardo, como nos ensinará a utilizar o humor de forma a
fortalecer nossa resiliência. Chutar uma bola ou virar cambalhota podem ser
maneiras saudáveis de liberar aquela adrenalina concentrada em nosso
organismo e que, muitas vezes, não nos permite nos concentrarmos nas
atividades mentais, incluindo o aprendizado.
Felizmente pouco a pouco, os muitos especialistas, e os nem tanto,
estão percebendo o peso e a importância do lúdico para o desenvolvimento
saudável, não só de crianças e adolescentes, mas também de adultos de
qualquer idade.
Através do lúdico e da brincadeira, podemos desenvolver atividades
que farão com que a criança vivencie o seu mundo e desenvolva o
pensamento e o comportamento criativo nas diferentes fases do seu
desenvolvimento.
Com as atividades lúdicas, poderemos trabalhar também, aspectos
fundamentais dentro da Educação Infantil como lateralidade, equilíbrio,
coordenação motora e percepção, fazendo sempre uma estreita relação com
outras áreas do conhecimento, preservando sempre o objetivo principal, que
é estimular a criatividade.
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Constatar que as atividades lúdicas nas classes de educação infantil,
são atividades que irão desenvolver a criatividade e ao mesmo tempo farão
com que os alunos tenham um aprendizado significativo e prazeroso.
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CAPÍTULO I:
EDUCAÇÃO INFANTIL
1.1 Histórico
O período de atendimento às crianças da faixa etária zero a seis
anos, foi e é uma preocupação constante de todas as épocas.
Platão (400 a.c.) ao escrever a República, já dizia que a educação
iniciada no lar teria como objetivo o preparo para o exercício da cidadania, e
esse preparo deveria ser realizado num clima de liberdade.
Comenius (1592 – 1670) reconhecia o período pré-escolar como o
desenvolvimento da criança. Ele considerava indispensável que a criança
tivesse: experiências com materiais concretos, um sono tranqüilo, uma boa
alimentação e contato com a natureza.
Rosseau (1712 – 1778) foi contra a teoria de uma educação centrada
nos interesses e na vida social do adulto. Ele propôs substituí – la por uma
educação que seguisse o livre desenvolvimento da própria natureza da
criança. A partir de suas idéias, a criança deixou de ser tratada por padrões
adultos, e de aprender coisas de adultos. Passando a ser vista como uma
pessoa qualquer que tem sentimentos, desejos e idéias próprias.
Rosseau começou a intensificar a tendência psicológica na educação.
Esta tendência compreendia a educação a partir da criança, da sua
natureza, dos seus instintos e das suas capacidades.
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Para Rosseau, ensinar consistia em fornecer à criança as
oportunidades para o funcionamento das atividades que são naturais em
cada fase. Abordou também as fases do desenvolvimento humano,
tornando-o vital para a educação. Foi o primeiro a introduzir a teoria do
desenvolvimento por etapas, que posteriormente foram estudadas e
aprofundadas por Jean Piaget.
Pestalozzi (1746-1827), baseado em Rosseau, defendeu que a
educação deveria ocorrer em um ambiente o mais natural possível, sob um
clima de disciplina estrita mas amorosa, contribuindo assim para o
desenvolvimento infantil. Em relação à educação, propunha atividades de
música, arte, soletração, geografia, aritmética e muitas atividades de
linguagem oral e de contato com a natureza.
Froebel (1782-1852), discípulo de Pestalozzi, fez avançar idéias
dentro da educação pré-escolar, no quadro das novas influências teóricas e
ideológicas – liberalismo e nacionalismo- de seu tempo. Foi influenciado por
uma perspectiva mística e por um ideal político de liberdade que propôs a
criação de kindergartens (jardins de infância) onde as crianças – (pequenas
sementes que adubadas e expostas a condições favoráveis em seu meio
ambiente, desabrochariam em um clima de amor, simpatia e
encorajamento) – estariam livres para aprender sobre si mesmas e sobre o
mundo. As atividades práticas seriam do interesse e desejo das crianças.
Isto porque, para ele o poder de criar era inato na criança.
O nome de Maria Montessori (1870-1952) também se inclui na lista
dos principais pioneiros construtores da idéia de uma educação infantil. Sua
grande contribuição foi à criação de materiais adequados à exploração
sensorial pelas crianças e específicos a cada objetivo educacional. Propôs,
ainda, que houvesse uma diminuição do tamanho do mobiliário usado pelas
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crianças na pré-escola e a exigência de miniaturizar os objetos domésticos
cotidianos a serem usados para brincar na casinha da boneca.
Piaget (1982), também deu sua contribuição, não no sentido
pedagógico, mas sim no que diz respeito à construção da inteligência
humana, que segundo ele inicia no período sensório-motor (0 a 2 anos),
depois o período simbólico ou pré-operatório (2 a 7 anos), em seguida o
lógico-concreto (7 a 12 anos) e finalmente o lógico-formal de 12 anos em
diante.
Para Piaget o desenvolvimento infantil resulta de combinações entre
aquilo que o organismo herda e as circunstâncias que o meio oferece. Essa
interação se dá através da assimilação e acomodação, os esquemas de
assimilação vão progredindo, se modificando, configurando então os
estágios de desenvolvimento.
Os estágios evoluem como uma espiral, de maneira que cada
estágio engloba o anterior e o amplia. Ele não define idades rígidas para os
estágios, considera que se apresentam em uma seqüência constante, um
construtivismo seqüencial. Tal processo de desenvolvimento é influenciado
pela maturação, exercitação, pela aprendizagem social (aquisição de
valores) e pela equilibração. A educação deve possibilitar a criança o
desenvolvimento amplo e dinâmico, desde o período sensório-motor até o
operatório-abstrato.
O Brasil também acompanhou o movimento de reestruturação do
homem pela educação. Com referência ao ensino pré-escolar são citados:
Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Heloísa Marinho.
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Pode – se dizer que é importante programar um estudo centrado nas
necessidades e potencialidades da criança, proporcionando um constante
vivenciar de situações. Através disso pode –se sentir que cada criança é
um grande potencial, e que está à espera de um adulto que incentive para a
autodescoberta e a auto – realização criativa.
1.2 – Finalidade da Educação Infantil
A pré – escola foi implantada no Brasil para combater os fracassos
da educação primária, passando a constituir – se como prática preventiva.
Seu modelo de trabalho se baseia na educação primária: modelo de
educação essencialmente mecanicista, onde a escola obriga o aluno a
interiorizar ensinamentos e princípios de maneira contínua e metódica,
formando hábitos. Mesmo quando a ação pedagógica cessa esses hábitos
continuam. Esses ensinamentos e princípios geram práticas e atitudes que
favoreçam o modelo sócio – econômico – político defendido pela classe
dominante. Mediante esta imposição, os indivíduos não conseguem
elaborar a sua própria visão de mundo.
Infantil se refere ao período de atendimento formal das crianças na
faixa etária de zero a seis anos. No Brasil esse atendimento precede o
início da escolarização obrigatória que é fixado por lei aos sete anos de
idade.
Um dos principais objetivos da Educação infantil é prepara a criança
para ser alfabetizada. Este preparo está voltado para a parte psicomotora,
pois é através das atividades psicomotoras que a criança poderá construir
as estruturas de pensamento e ação (relação entre linguagem, lógica,
espaço – tempo, psicomotor e sócio – afetiva), necessárias para o seu
desenvolvimento.
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CAPÍTULO II:
DESMISTIFICANDO O LÚDICO
o discurso do senso comum, quando se refere às atividades lúdicas,
as considera simples divertimentos ou passatempos que dão prazer à
criança, mas sem significação alguma. Para Vygotsky (1993, p. 52),
definir as atividades lúdicas como apenas prazerosas e divertidas é incorreto, porque muitos jogos – que apresentam a possibilidade de serem ganhos ou perdidos – podem ser acompanhados de desprazer quando o resultado é desfavorável aos anseios da criança ou quando, também, ela é obrigada a participar de certas brincadeiras sem antes ser motivada, de forma eficaz, a compartilhar da ação ou, ainda, quando as atividades não partem de suas próprias necessidades.
Desta forma, podemos reafirmar que a atuação da criança nas
atividades lúdicas precisa estar atrelada à relação afetiva e ao incentivo do
contexto em que ela está inserida. Contexto este que pode ou não ajudar a
criança a ser ativa, a se sentir motivada, a se encorajar frente às
descobertas.
O tipo de relação que a criança tem com as pessoas que a envolve é
que vai auxiliar o seu desenvolvimento. Logo, o mundo externo é fator
influenciador do mundo interno do indivíduo, sendo o responsável pelo
sucesso ou fracasso de suas práticas corporais. Com direito a errar, tendo a
incerteza tolerada, a criança é sempre impulsionada a ter confiança em si e
no mundo que a cerca.
Neste processo, as práticas educativas precisam ser açambarcadas
pelo lúdico, a fim de facilitar o educador a perceber que a forma dinâmica
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de compreender o avanço de uma criança (de um estágio de
desenvolvimento para outro) é pelo meio do movimento corporal, uma vez
que a corporeidade e a motricidade são bases facilitadoras para uma teoria
pedagógica.
Os “problemas” ou dificuldades em relação à leitura e a à escrita, tão
apontados pelos professores, podem ser resolvidos ou mesmo sanados
mais rapidamente quando o docente permitir à criança vivências corporais
com o mundo que a rodeia, pois não podemos mais deixar de considerar o
movimento corporal como base necessária ao desenvolvimento intelectual.
Quando as práticas educativas deixarem de ser tão rígidas em
relação à corporeidade e à motricidade, com certeza, muitos educadores
perceberão que o mover espontâneo é fator essencial ao desenvolvimento
da criança. Isto porque a imaginação, o prazer à criação, as regras e as
emoções experimentadas pelas crianças durante as atividades lúdicas são
instâncias facilitadoras do processo ensino – aprendizagem.
Geralmente, quando debruçamos nossos olhares ao recreio escolar,
percebemos que as crianças brincam intensamente entre si, enquanto a
figura do professor é quase sempre ausente. Talvez isto ocorra porque
grande parte dos educadores ainda não compreende que as brincadeiras
não são simplesmente um divertimento, mas necessidades vitais ao
desenvolvimento global da criança.
Com isso, os professores deixam de compartilhar com os alunos o
processo de desenvolvimento das atividades ou um processo educativo
mais amplo pelo simples comodismo que toma conta de sua prática
educativa.
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Notamos que vários educadores ainda consideram que a alegria, o
prazer e o movimento corporal durante o percurso das atividades escolares
podem ser manifestações prejudiciais à assimilação dos conteúdos
transmitidos. A maioria dos professores que tem esta visão acredita que o
cérebro pode não captar aquilo que está sendo ensinado, pelo simples fato
de a criança estar em movimento, considerando, assim, a manifestação
corporal como sendo um “corruptor” da mente.
Feijó (1996, p. 69) esclarece o quanto às atividades lúdicas
necessitam extrapolar as demarcações do brincar espontâneo, porque
todo movimento realizado pelas crianças no percurso dessas atividades não é impensado e, sim, funcional e satisfatório. Sendo assim, o corpo passa a ser uma necessidade básica da personalidade e um traço eficaz da psicofisiologia, “precisando ser compreendido como algo tão essencial quanto respirar e receber afeto”.
Para Manuel Sérgio (1998, p.29), a formação docente é que leva
muitos educadores a desconhecerem que o desenvolvimento cognitivo da
criança baseia-se no jogo corporal, na praticidade com o próprio corpo, no
movimento impregnado de ludismo, na interação com os objetos e com os
outros indivíduos e na exploração do meio sócio – espaço – temporal.
Daí a necessidade de o sistema escolar procurar sempre atualizar
seus docentes para que essa mentalidade dicotômica entre corpo e mente
seja superada e que a inserção das atividades lúdicas seja considerada
essencial ao desenvolvimento holístico da criança por permitir que ela
amplie, simultaneamente, tanto o seu aspecto biológico como cognitivo,
psicológico, social e cultural.
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É imprescindível que a inclusão das brincadeiras tenham o mesmo
teor que as disciplinas básicas, como nos alerta Le Boulch (1986, p.42),
porque oportunizam a interação e favorecem a socialização, a criatividade e
a autonomia, sendo o meio mais condizente para facilitar a aprendizagem.
Desse modo, além das brincadeiras auxiliarem a criança a solucionar
problemas que fogem, muitas vezes, às regras e normas estabelecidas pelo
grupo, resolvem, ainda, as mais variadas situações, tanto em relação à
satisfação dos seus próprios desejos e prazeres como para levar a criança
a discordar de qualquer situação que não lhe agrade.
Segundo esta ótica, podemos afirmar que toda brincadeira produz
mudanças na criança, não só no plano do conhecimento, mas também, na
hierarquização de valores, isto porque, durante o percurso das atividades
lúdicas, a criança interage com o meio sócio – cultural e com outras
crianças, o que lhe promove a sua auto-afirmação.
A alegria e o prazer que as brincadeiras proporcionam, ou até
mesmo a agressividade manifestada durante tais atividades, devem ser
consideradas formas de ações internas conduzidas pelas ações externas.
Assim, é enfrentando as dificuldades e os obstáculos ao seu redor que a
criança desabrocha suas potencialidades cognitivas, físicas, afetivas e
sociais.
Dito isto, o brincar deve ser considerado tão essencial quanto as
outras necessidades básicas vitais do ser humano, pois, além de
possibilitar o encanto, proporciona as bases essenciais ao pleno
desenvolvimento do indivíduo. Como nos expressa Zanotti (1996):
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A criança que não brinca, não se aventura em algo novo, desconhecido. Se, ao contrário, é capaz de brincar, de fantasiar, de sonhar, está revelando ter aceitado o desafio do crescimento, a possibilidade de errar, de tentar e arriscar para progredir e evoluir (p.7).
Quando o professor se conscientizar da ineficácia e rigidez de
práticas educativas que não consideram a educação pelo movimento
corporal, a alegria e a imaginação como ingredientes essenciais ao
desenvolvimento global da criança – por permitir que ela se expresse de
forma espontânea aos próprios desejos e emoções, auxiliando, assim, não
só o desenvolvimento cognitivo como, também, a construção da sua própria
personalidade -, com certeza haverá mudanças na postura didática
profissional.
Dando continuidade a esse processo, Desiderati (1999) afirma que:
A brincadeira é fundamental ao desenvolvimento do indivíduo, porque ela não é apenas uma lenta acumulação de mudanças unitárias, mas sim um processo dialético complexo, da inter – relação de fatores externos e internos que passam pelos processos de adaptação, supera e vence os obstáculos com os quais a criança cruza [..] sendo uma considerável fonte de desenvolvimento (p.25).
Contudo, Luckesi (1994, p. 51) afirma que as brincadeiras não são
atividades que se dão apenas na infância, mas durante o transcurso de
toda a vida do ser humano. O autor considera que sem o lúdico a vida seria
rígida, triste e isenta de criatividade, uma vez que é a partir da potência
criativa do “homo ludens” que se produz o objeto pelo “Homo faber”, pela
própria curiosidade da vida humana.
É inevitável considerar o lúdico muito mais do que um simples mover
espontâneo; é preciso reconhecê-lo como traço essencial da psicofisiologia
do comportamento humano por constituir – se numa necessidade básica de
todo indivíduo, a qual possibilita ao sujeito se expressar em todos os
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sentidos, bem como constitui o meio mais favorável ao seu próprio
desenvolvimento psicomotor, cognitivo e psicológico.
Há 27 anos, Cratty (1975, p.19) já advertia que a criança, quando
interage com brincadeiras, adquire conhecimentos e desenvolve
potencialidades particulares. No entanto, o autor destaca que, durante a
integração destas atividades, os movimentos têm sempre a função
formativa e social, influenciando tanto o seu aspecto físicomotor quanto o
psicoafetivo.
Precisamos perceber que a criança não é, simplesmente, um
fenômeno biológico e natural, mas, acima de tudo, social, já que ela não
possui somente um aparelhamento instintivo, como os outros animais. Todo
indivíduo precisa ser socializado e necessita ser “educado”. Entretanto, as
pessoas que o circundam é que determinam os valores e comportamentos
que ele deve assimilar, condicionando – o social e culturalmente a apropriar
– se dos comportamentos durante o percurso de seu desenvolvimento.
É no mundo social que a criança se desenvolve e, sem que ele
perceba, são perpassados os comportamentos e os valores que ela
necessita assimilar, de acordo com seu respectivo sexo. Nesta interação
com o adulto ou com outras crianças mais experientes é que o indivíduo
desenvolve a sua personalidade, cujo reflexo do mundo externo é bem forte
sobre o mundo interno, procedendo assim a própria natureza psicológica
feminina ou masculina.
Dessa forma, segundo Foucault (1995, p. 48), o desenvolvimento do
corpo não se dá de forma natural, mas segundo regras de construção social
e politicamente imposta. Dessa forma, podemos afirmar, que a sociedade
controla os impulsos espontâneos da criança para reforçar o aprendizado
de comportamentos estereotipados.
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Conseqüentemente, desde cedo, a criança é sancionada à prática de
brincadeiras e à utilização de brinquedos considerados “adequados” ao seu
sexo, sendo adaptada a agir de acordo com sua condição de gênero,
conforme nos indicam alguns estudiosos (Louro, 1998, p. 34).
A antropologia nos ajuda a entender que a passagem das atividades
lúdicas é feita de acordo com o sexo da criança, devido à subordinação dos
interesses do patriacardo, que impõe uma construção social de
comportamentos diferenciados e tipificados tanto para o menino quanto
para a menina.
Nessa linha, a espontaneidade da criança passa a ser reprimida e os
movimentos exercidos durante as atividades lúdicas são diferenciados, o
que resulta em uma ampliação de habilidades motoras características ao
sexo masculino e feminino.
As diferenças biológicas entre meninos e meninas levam o adulto a
predestinar modificações de comportamento entre as crianças. O brincar
espontâneo passa a ser controlado pelas normas sociais vigentes,
condicionando as crianças a apresentarem um comportamento desejado
que nada tem de natural.
Assim, a criança é influenciada a escolher ou a “desejar” os tipos de
brincadeiras e brinquedos de que queira participar e passa a se comportar
pelos estereótipos femininos e masculinos, não se permitindo uma prática
real do que ela realmente quer brincar.
Nessa perspectiva, Romero (1995) esclarece que:
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Na aquisição do papel masculino e feminino, durante as atividades lúdicas, a criança é influenciada a desenvolver a própria corporeidade e motricidade desigualmente. As oportunidades e, como conseqüência, o desenvolvimento de certas habilidades motor irá sobressair mais em um sexo do que no outro, não porque um sexo seja mais hábil do que o outro, mas porque o movimento do corpo emerge de forma estereotipada. Geralmente, as habilidades individuais, segundo o sexo, não são levadas em consideração porque a cultura é que determina como o corpo deve se expressar. (p.6)
Ao oferecer brinquedos à criança, a família precisa desmistificar
conceitos que até hoje estão presentes, como a boneca não ser apropriada
ao menino e, da mesma forma, o futebol não se considerado esporte
adequado à menina. Tanto a família quanto a escola precisam propiciar a
todas as crianças os mesmos tipos de brincadeiras, assim o acesso aos
mesmos tipos de brinquedos e esportes.
Se realmente pretendemos permitir que uma criança desenvolva de
forma natural e global, é imprescindível considerarmos quaisquer atividades
lúdicas e suas respectivas ações como direitos de toda criança. Não
podemos mais idealizar um modelo de criança, asfixiando sua
espontaneidade, descaracterizando – a e, especialmente, restringindo seus
movimentos. Devemos quebrar o paradigma da partilha dos mundos entre
um espaço masculino e um espaço feminino em que a dicotomia sexual
seja “compreendida como desigualdade, não aparecendo mais forte da
ordem natural das coisas” (Oliveira,1998, p. 75).
A instituição escolar precisa incluir em seu currículo a brincadeira
como fonte facilitadora do desenvolvimento geral da criança, visto que só
assim ela pode vivenciar o seu corpo globalmente e, concomitantemente,
refletir sobre o desenvolvimento traçado diferenciadamente entre meninos e
meninas, no decorrer de seu próprio desenvolvimento.
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Uma vez que a criança aprenda a se movimentar pelos próprios
meios, sem discriminação sexual, ela se identifica como dona de um corpo
que é único e como presença concreta no mundo que sente, pensa e faz.
Partindo deste conceito, acolher a cultura infantil é aceitar a risada, a
espontaneidade e o prazer, é perceber que as crianças têm necessidade de
trazer à tona sua própria personalidade, de acordo com o desenvolvimento
familiar e o mundo sócio – cultural em que está inserida.
Para ratificar o exposto, Sodré (apud Araújo,1996), afirma:
A alegada inocência da criança [..] é o álibi do adulto para uma
violência latente [..]. isto porque a extrema idealização da
infância significa morte da criança real. O conceito idealizado;
universal e abstrato de infância, continuamente reafirmado pelas
matrizes ideológicas do mundo ocidental, apóia – se na exclusão
ou na discriminação das formas concretas de existência da
criança, portanto numa violência (p.31).
Acreditamos que essa pedagogia opressora – que coloca as crianças
sentadas, imóveis e estáticas por um longo período, com o discurso de que
assim a aprendizagem se torna mais eficaz, desrespeitando o ritmo
individual dos alunos – seja abolida pelo sistema educacional
contemporâneo, bem como seja buscada a desmistificação de
comportamentos sexualmente tipificados, nos quais traçam uma cultura
própria ao menino e outra menina.
Somente desta forma estaremos colaborando para que a criança
perceba que ela possui uma identidade única, em uma dimensão
antropológica. Logo, tanto faz para a criança ser menino ou menina: o
importante é assegurar-lhe a liberdade de escolher as atividades lúdicas de
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que queira participar, sem ser obrigada a comportar – se conforme os
padrões tipificados que a sociedade tanto apregoa.
Romero (1995) aborda essa questão, emitindo a seguinte visão:
Algumas das diferenças psicológicas entre os sexos que merecem atenção dos estudiosos foram os comportamentos dicotômicos da agressão, característica comumente atribuída como manifestação masculina, e a dependência mais freqüentemente observada no sexo feminino. Essas diferenças não são natas, mas desenvolvidas no processo de socialização.
Na aquisição do papel masculino e feminino, incentiva–se mais a independência do menino, recompensando – o por esse comportamento. Do menino não é tolerado que expresse tristeza na derrota de um jogo, através de lágrimas, pois “homem não chora” ; já das meninas se aceita, porque é um comportamento “adequado” ao seu sexo (p. 243 e 244).
Desse modo, não podemos mais aceitar discursos repassados pelos
livros didáticos, pelas literaturas e pelos meios de comunicação, que
freqüentemente traçam comportamentos tipificados sexualmente,
transgredindo e descaracterizando o comportamento infantil em prol de
“atividades instituídas: de acordo com o sexo, não permitindo à criança uma
prática real do que ela quer brincar” (Mello e Romero,2000).
Precisamos proporcionar à criança possibilidades para que ela
ocorra, salte, pule, imagine e participe de qualquer tipo de atividade, sem
limitações e opressões. Isto significa que “assim, por exemplo, não tem
sentido reduzir a atividade de uma menina por ser considerada ‘moleca’
demais, nem tampouco exigir de um menino tímido e afetuoso um
comportamento mais agressivo e atirado” (Aranha,1990, p. 170).
Como nos afirma Dolio (1995, p. 103):
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Por meio do processo de imitação prestigiosa é possível perceber a força de tradição de um determinado valor ou costume cultural. Para uma menina, assumir determinados comportamentos historicamente vistos como masculinos, como ser mais agressiva ou jogar futebol, implica ir contra uma tradição. Implica ser chamada de “machona” pelos meninos ou ser repreendida pelos pais. Da mesma forma, para um menino, assumir uma postura delicada, mais afetiva, e brincar de maneira mais contida implica ser chamado de “bicha” ou “efeminado”: [..]. não resta dúvidas de que é mais cômodo cumprir os ditames sociais e, assim, ser valorizado como uma pessoa bem – sucedida (p. 103).
É imperioso conscientizar a maioria do corpo docente de que o
processo de desenvolvimento de uma criança acontece a partir de toda
experiência que ela obtém com o próprio corpo, por meio de brincadeiras,
dos jogos e brinquedos. É na relação com as regras e os valores adquiridos
durante essas atividades que a criança se socializa, cria o hábito de
respeito mútuo, o espírito de criatividade e de solidariedade, buscando
compreender a conviver com os conflitos mais facilmente.
Os recursos pedagógicos tão defendidos para auxiliar o processo
ensinoaprendizagem não podem desconsiderar as brincadeiras como
fontes inevitáveis ao desenvolvimento e à educação do intelecto. Tais
recursos devem proporcionar também os mesmos tipos de atividades
lúdicas tanto para os meninos quanto para as meninas, visando possibilitar
que essas crianças evoluam de forma natural, sem condicionamentos de
“caráter sexual”.
As crianças que participam, desde cedo, de experiências através do
próprio corpo tornam-se mais expressivas, encontram mais prazer ao
fazerem as coisas, lidam melhor com as dificuldades e os limites. Neste
sentido, devemos considerar a atividade lúdica como fenômeno mais
eloqüente da unidade do seu humano e como elemento indispensável ao
desenvolvimento de todo indivíduo.
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Além de auxiliarem a criança a compor sua própria personalidade, as
atividades lúdicas desafiam e motivam os professores a buscarem a
exploração, a reflexão, a descoberta, a cooperação e aceitação de modelos
de crianças ativas, interativas, criativas e exploradoras.
Assim, a verdadeira educação é aquela que traz à tona a felicidade
da criança e tem como objetivo favorecer a troca de repertórios e os
procedimentos de resolução de problemas pelo movimento, fazendo uso de
variadas formas de organização das atividades, mas sem esquecer o ritmo
próprio de cada aluno e com as mesmas oportunidades tanto para os
meninos quanto para as meninas.
O professor que permite numerosas situações pelo movimento
corporal, nas quais a criança aprende e experimente diferentes formas de
comportamentos e de estímulos na própria capacidade criadora, é capaz de
perceber os anseios, os medos, a alegria, os problemas que muitas das
vezes a criança não expressa verbalmente, mas que com certeza, são
manifestados corporalmente.
Logo, propor desafios pela brincadeira é auxiliar a natureza da
aprendizagem, porque a atividade lúdica está vinculada à troca de
informações, à cooperação, às regras, à socialização, enfim, atua como um
instrumento de passagem do raciocínio concreto ao abstrato, denominada
“zona proximal” pela qual a criança, através de interferências de outros
pode transformar suas ações e assim se desenvolver.
O grande desafio da escola é deixar de ser um local para alunos
imóveis, olhares fixos na lousa e cabeças sobre o caderno para se
transformar em um espaço provocador do saber, um ponto de encontro do
prazer, da alegria da descoberta, da convivência, da consciência em elevar
as competências de seu alunado.
27
As práticas educativas precisam organizar o espaço-temporal a partir
do próprio corpo da criança, considerando os movimentos como um
potencial cognitivo que se encontra na história de vida de qualquer
indivíduo, independentemente de sexo, correlacionada às diferenças de
ritmos individuais, aos fatores psicológicos e fisiológicos, assim como às
questões de gênero.
28
CAPÍTULO III
A ESCOLA COMO ESPAÇO LÚDICO
A introdução da brincadeira no contexto infantil inicia-se,
timidamente, com a criação dos jardins de infância, fruto da expansão da
proposta froebeliana que influencia a educação infantil de todos os países.
A difusão não é uniforme, pois depende de valores selecionados,
apropriações de elementos de teoria e forma como seus discípulos a
traduzem. A apropriação resume o modo pelo qual cada realidade interpreta
um dado teórico que reflete a orientação cultural de cada país.
Spodek e Saracho (1990, p. 49) comentam que os Estados Unidos
foram o modelo inicial para a grande maioria dos países. Missionários
cristãos, protestantes disseminaram o jardim froebeliano em muitos países
asiáticos e latinos – americanos.
Para adaptar a pedagogia froebeliana aos pressupostos da filosofia
confuciana que subsidia culturas orientais, China e Coréia modificam idéias
relativas ao desenvolvimento individual para justificar a ênfase no grupo, a
base do sistema desses países. Da mesma forma, a implantação do
modelo froebeliano no período de modernização do Japão, na era Meiji
(1868 – 1880), sob a influência americana, exige a tradução e adaptação da
obra Mutter und Koselieder, que inclui músicas e gravuras coerentes com
valores da cultura japonesa. (Spodek e Saracho, 1990, p. 67)
A apropriação do brincar enquanto ação livre ou supervisionada
depende da forma como foi divulgada pelos discípulos froebelianos:
29
Schrader-Breymann e Bertha Von Marenholz-Bullow. A primeira cria a Casa
pestalozzi-Frobel, com orientação para o brincar livre, influenciando a
Suécia e, a segunda, volta – se para o uso diretivo dos dons froebelianos,
recebendo o apoio dos americanos. (Haddad e Johansson, 1995, p. 92)
Marenholz – Bullow, seleciona os dons, deixando de lado o
simbolismo das brincadeiras interativas e a ação livre da criança, tornando
a instituição mais parecida com a escola. Schrader – Breymann, opõe – se
ao caráter disciplinador, faz o jardim de infância aproximar – se do lar,
introduzindo tarefas domésticas como parte do currículo, que juntamente
com as brincadeiras, representam os eixos do desenvolvimento da criança
na proposta sueca. (Haddad e Johansson, 1995, p. 84)
Nos Estados Unidos, na virada do século, a literatura mais recente
sugere que os programas froebelianos enfatizam o brincar supervisionado,
que encoraja a uniformidade e o controle nos estabelecimentos destinados
a imigrantes pobres e o brincar livre prevalece nas escolas particulares de
elite (Bloch e Choi, 1990, p. 34)
Bloch e Choi (1990, p. 15) indicam a presença do brincar
supervisionado nas creches que surgem ainda no século 19, durante a
Guerra Civil, estimuladas pelo Movimento de Assentamento das Famílias,
pelo crescente aumento de pobres urbanos, fruto de deslocamentos sociais
causados pela industrialização, urbanização e intensa imigração.
Nessa época, o América sendo uma sociedade relativamente
homogênea busca ideal como liberdade individual, ordem social e unidade
nacional. Com a penetração dos imigrantes e o crescimento da pobreza
urbana, buscam – se meios para americanizar imigrantes a partir da
educação. Predominam crenças acerca da diferença de necessidades de
crianças pobres e de elite, de que as crianças aprendem melhor por meio
30
do brincar, mas rejeita – se a noção do brincar não supervisionado como
educação. Essa interpretação fortalece a perspectiva do jogo educativo, do
brincar orientado visando à aquisição de conteúdos escolares, a
perspectiva adotada pela Baronesa Marenholz – Bullow, divulgadora dos
jardins de infância nos Estados Unidos. (Vandewalder, 1923, p. 72)
Embora Froebel definisse o brincar como ação livre da criança, a
adoção da supervisão relaciona – se com o interesse em concebê–lo como
forma eficaz de gerar unidade ideológica e social em populações éticas e
classes sociais distintas (Bloch e Choi, 1990, p. 31).
Sendo a primeira meta da educação infantil americana, daquele
período, a socialização (entenda – se americanização) de crianças de
diferentes etnias, de nível econômico baixo, a maioria dos jardins urbanos
destinadas a essa população incluem disciplina e ordem no cotidiano
institucional. Tais escolas encorajam o brincar em sua forma estruturada
incluindo música, jogos formalizados, marchas, atividades contendo
programas estruturados e dirigidos. Ao privilegiar dons e ocupações, a
experiência americana exclui brincadeiras simbólicas livres, justificando as
críticas de William Harris e Susan Blow. (Kisimoto, 1998, p. 27).
A teoria froebeliana, ao considerar o brincar como atividade livre e
espontânea da criança e, dons e atividades, um suporte para o ensino,
permite a variação do brincar ora como atividade livre ora orientada.
As concepções froebelianas de educação, homem e sociedade estão
intimamente vinculados ao brincar e expressas em The Education of Man
(Froebel, 1912c, p. 43).
31
Froebel diverge de Rosseau ao apontar a necessidade da jardineira,
o profissional que deve, à semelhança do jardineiro, cuidar da planta, podá-
la e regá-la, no jardim de infância, a metáfora da criança semelhante à
planta em crescimento. Entretanto, sugere que, no início, a educação deve
ser “somente protetora, guardadora e não prescritiva, categórica
interferidora” (Froebel, 1912c, p. 7) e que o desenvolvimento da
humanidade requer a liberdade de ação do ser humano, “a livre e
espontânea representação do divino no homem” (Froebel, 1912c, p. 7),
“objeto de toda educação bem como o destino do homem” (Froebel, 1912c,
p. 10).
Entende que é destino da criança
“viver de acordo com sua natureza, tratada corretamente, e deixada livre, para que use todo seu poder. (...) A criança precisa aprender cedo como encontrar por si mesmo o centro de todos os seus poderes e membros, para agarrar e pegar com suas próprias mãos, andar com seus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos” (Froebel, 1912c, p. 21)
Ao elevar o homem à imagem de Deus, criador de todas as coisas,
postula que a criança deve possuir as mesmas qualidades e “ser
produtiva e criativa” (Froebel, 1912c, p.21). Dessa forma, para que o ser
humano expresse a espiritualidade de Deus, seria necessária “a liberdade
para auto-atividade e autodeterminação da parte do homem, criado para ser
livre à imagem de Deus.” (Froebel, 1912c, p.11)
Concepções de homem e sociedade envolvendo a liberdade do ser
humano de autodeterminar-se, buscar o conhecimento para a humanidade
desenvolver-se, definem a função da educação infantil que se reflete no
brincar, considerado “a fase mais importante da infância – do
desenvolvimento humano neste período – por ser a auto-ativa
representação do interno – a representação de necessidades e impulsos
internos,” (Froebel, 1912c, p.54-55)
32
“a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo – da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo...A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de outros...Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação.” (Froebel,1912c, p.55)
Para Harris, editor das obras froebelianas:
“Froebel é o reformador pedagógico que fez mais que todos os restantes juntos, por dar valor à educação, ao que os alemães chamam “método de desenvolvimento pela atividade espontânea”, que permite plena expressão, porque os atos da criança que joga são o resultado de suas próprias decisões e motivações e não obediência ao mando ou sinal do mestre.” (Hughes, 1925, p.194)
Considerado por Blow (1991, p.54), psicólogo da infância, Froebel
introduz o brincar para educar e desenvolver a criança. Sua teoria
metafísica pressupõe que o brincar permite o estabelecimento de relações
entre objetos culturais e a natureza, unificados pelo mundo espiritual.
Froebel concebe o brincar como atividade livre e espontânea, responsável
pelo desenvolvimento físico, moral, cognitivo, e os dons ou brinquedos,
objetos que subsidiam atividades infantis. Entende, também, que a criança
necessita de orientação para seu desenvolvimento.
A perspicácia do educador leva-o a compreender que a educação é
ato intencional, que requer orientação, materializados na função da
jardineira usar materiais para facilitar a construção do conhecimento de pré-
escolares. Entretanto, a aquisição do conhecimento, requer a auto-
atividade, capaz de gerar autodeterminação que se processa
especialmente pelo brincar. Programas froebelianos permitem a inclusão de
atividades orientadas subsidiadas por pequenos objetos geométricos,
33
chamados dons, materiais como bolas, cilindros, cubos, papéis recortados,
anéis, argila, desenhos, ervilhas, palitos de madeira pelos quais se realizam
atividades orientadas, as ocupações, geralmente intercaladas por
movimentos e músicas.
Representada pelas brincadeiras interativas entre a mãe e a criança,
há outra modalidade, de natureza simbólica, de imitação de situações do
cotidiano, por gestos e cantos, o espaço propício para a ação iniciada da
criança, que permite a expressão e determinação. Desta forma, a teoria
froebeliana proporciona subsídios para a compreensão da brincadeira como
ação livre da criança e o uso dos dons, objetos, suporte da ação docente,
conhecidos hoje como materiais pedagógicos, permite a aquisição de
habilidades e conhecimentos, justificando os jogos educativos.
A apropriação da teoria froebeliana como brincar supervisionado
pode ser analisada a partir de categorias como: tipo de instituição, classe
social de seus freqüentadores, concepções de criança e instituição infantil e
a forma de funcionamento das mesmas (tempo integral ou parcial).
Nos primeiros tempos da educação infantil brasileira, à semelhança
da experiência americana, o brincar, no imaginário dos profissionais
apresenta tonalidades diferenciadas conforme o tipo de instituição e a
clientela atendida. Prestam serviços à criança pequena: jardins de infância
e instituições de atendimento infantil (asilos infantis, creches, escolas
maternais, parques infantis). Os jardins de infância froebelianos penetram
nas instituições particulares, como inovação pedagógica, destinadas à elite
da época, como exemplo de modernidade, que oferece um curso
semelhante ao divulgado no então modelar sistema educacional americano.
Os estudos sobre o brincar indicam graduais alterações
especialmente nos materiais destinados às brincadeiras.
34
Os materiais froebelianos foram questionados por não atender às
necessidades das crianças. Para G. Stanley Hall, dons e atividades
froebelianas propiciam atividades sedentárias e não desenvolvem os
grandes músculos, cujos movimentos precedem a manipulação, nem
oportunizam a linguagem, exploração e criatividade. Tais discussões
redundaram em críticas aos dons e ocupações, considerados tediosos e
sua substituição por artes, marcenaria, grandes blocos de construção e
brincadeiras de faz-de-conta. Alice Temple, Patt Hill e Caroly Pratts
recomendam blocos de construção maiores e leves, acessórios para
brincadeiras de faz-de-conta e animais como novas formas de suporte
material para brincadeiras. (Bloch e Choi, 1990, p.50)
Essa evolução dos materiais cria a necessidade de adequar o
espaço da brincadeira, sem que se perca a característica do brincar como
ação livre, iniciada e mantida pela criança. A prática pedagógica brasileira
por longo tempo não referenda a associação íntima entre materiais,
espaços e brincadeiras.
A dissociação passa a ser revista em propostas que começam a
circular a partir da expansão das creches, fruto de movimentos sociais que
se acentuam nos anos 70 e avançam nas décadas seguintes.
Questionamentos sobre a natureza das instituições infantis colocam em
destaque o brincar como proposta para educar crianças em idade infantil.
Preocupadas prioritariamente com a educação higiênica, emocional,
religiosa e física, as creches começam a discutir a educação das crianças
em novas bases. Algumas adotam propostas conteudísticas incluindo, na
rotina diária, atividades gráficas voltadas para tarefas de alfabetização,
outras adotam o brincar espontâneo, sem suporte material e outras
começam a formar grupos de estudos para compreender melhor a natureza
de um trabalho educativo vinculado ao brincar. A concepção biológica, de
criança natural e espontaneísta como opção para instituições destinadas às
35
classes populares recebe o apoio do governo nos programas de educação
compensatória.
O grande viés desse movimento é a adoção do brincar livre sem
materiais e espaços adequados às crianças. O brincar livre, embora
desejável, torna-se utópico, uma vez que a criança não dispõe de
alternativas, de objetos culturais, ou espaços para implementar seus
projetos de brincadeira. Pretende-se desenvolver a criança a partir do que
se tem na instituição, ou seja, quase nada.
A proposta de Vygotski (1993, p.83) de inserir objetos culturais para
estimular o imaginário infantil não se expande. Grandes espaços internos e
externos, como salões, salas e corredores sempre vazios, são utilizados
para as ditas brincadeiras livres, que pela ausência de objetos ou cantos
estimuladores, favorecem correrias, empurrões. Alguns exemplares de
brinquedos, geralmente doados, por sua quantidade e natureza, impedem a
elaboração de qualquer temática de brincadeira, regra que prevalece nas
instituições. Naquelas que adquirem brinquedos observa-se uma
inadequação de tipo e uso.
Em geral, há predomínio de brinquedos destinados ao
desenvolvimento cognitivo, como blocos lógicos, encaixe e classificação e
pouca representatividade do campo simbólico. Nas creches que dispõem de
berçários, há falta de brinquedos para a primeira idade (Kishimoto, 1998,
p.78).
Os brinquedos ficam expostos como decoração e não servem de
suporte ao desenvolvimento motor da criança. Móbiles são pendurados no
alto, nas paredes, distantes do olhar e da mão da criança. Enfim, o uso do
brinquedo prende-se à decoração da sala, não funciona como suporte de
brincadeira e exploração do ambiente.
36
A revisão curricular dos anos 80, reafirmando o valor do folclore, de
brinquedos e brincadeiras tradicionais permite a instalação de
Brinquedotecas como instituições que emprestam brinquedos e oferecem
novos espaços de exploração lúdica. Divulgada na Europa a partir dos anos
60, penetra no Brasil nos anos 80, levando as instituições a voltarem à
atenção para o brincar infantil. A introdução de brinquedotecas dentro de
instituições de educação infantis, tradicionalmente de orientação
conteudística ou sanitárias e higiênicas, certamente contribuem para os
profissionais repensarem o papel da brincadeira para crianças dessa faixa
etária.
Se a função da brinquedoteca é emprestar brinquedos e oferecer
espaço para animação cultural, podemos compreender que o uso corrente,
em muitas instituições infantis, distancia-se dessa prática. Substituir a falta
de brinquedos e materiais para desenvolver atividades com pré-escolares
introduzindo brinquedotecas aparece mais uma vez como forma de
escamotear os objetivos desse nível de ensino. Adotar uma instituição da
“moda”, que valoriza o lúdico como um apêndice, sem questionar as
funções da brincadeira enquanto proposta educativa é outro exemplo que
mascara a inconsistência de um projeto educativo baseado no brincar
(Kishimoto, 1998, p.46).
Pré-escolas particulares, que funcionam em sobrados, com salas
pequenas, geralmente de orientação acadêmica, procuram absorver idéias
relativas ao uso do brincar, criando brinquedotecas. Neste caso, salas
abarrotadas de mesinhas e cadeiras para receber cerca de 20 crianças,
impedem a reorganização do espaço físico com a introdução de brinquedos
e cantos para brincadeiras.
37
Criada em alguma sala disponível, a brinquedoteca é a alternativa
para sanar a dificuldade, e ao mesmo tempo, garantir a orientação
conteudística. A brinquedoteca enquanto espaço distinto, fora da sala de
aula é a imagem que predomina no imaginário de uma profissional da
creche:
“teria uma coisa que eu li, que eu acho que seria interessante, uma brinquedolândia, né? Um lugar pras crianças brincarem fora da sala de aula. Um espaço também tampado, arejado, mas só com brincadeiras, com uma tia diferente. Uma tia que não fosse a deles...” (Veillard, 1996, p.84)
Pela visão do profissional, o brincar não pode integrar-se às
atividades educativas, ocupa lugar fora da sala, não sendo sua tarefa
interagir com a criança por meio da brincadeira, cabe a outro esse papel. As
razões da dicotomia entre o educar e o brincar indicam as dificuldades
enfrentadas pelas profissionais de compreender o lúdico: “Você ter
pessoas, assim, que fossem treinadas, e que tivessem sempre nessa
questão da brincadeira. Porque eu acho que a brincadeira é uma coisa
muito difícil, porque eu tenho dificuldade pra criar brincadeiras”
(Veillard,1996, p.84).
O rodízio de uso da sala por várias turmas permite que, pelo menos
uma vez por semana, as crianças tenham acesso aos brinquedos e
brincadeiras. Mas mesmo nessas ocasiões, nem sempre se garante o uso
livre dos brinquedos. Predominam atividades dirigidas pelos professores
selecionando brinquedos educativos ou delimitando o tipo de brinquedo
utilizado pela criança. O brincar enquanto recurso para desenvolver a
autonomia da criança deixa de ser contemplado nesse tipo de utilização.
Nas instituições em que se permite o uso livre, cantos extremamente
estruturados e fixos, impedem a criação de projetos de brincadeiras por
parte da criança. A concepção de brincar como forma de desenvolver a
38
autonomia das crianças requer um uso livre de brinquedos e materiais, que
permita a expressão dos projetos criados pelas crianças. Só assim, o
brincar estará contribuindo para a construção da autonomia. A pré-escola
japonesa dá um exemplo muito claro de como é possível acreditar na
criança, dar espaço para que cada uma crie seu projeto de brincadeira na
companhia de seus pares. (Kishimoto, 1996a, p.84)
3.1– O Brincar na visão de Piaget
Piaget (1974, p.102) estrutura o jogo em três categorias: o jogo do
exercício – onde o objetivo é exercitar a função em si -, o jogo simbólico –
onde o indivíduo se coloca independente das características do objeto,
funcionando em esquema de assimilação, e o jogo de regra, no qual está
implícita uma relação inter individual que exige a resignação por parte do
sujeito. Piaget cita ainda uma quarta modalidade, que é o jogo de
construção, em que a criança cria algo. Esta última situa-se a meio
caminho entre o jogo e o trabalho, pelo compromisso com as características
do objeto. Tais modalidades não se sucedem simplesmente acompanhando
as etapas das estruturas cognitivas, pois, tanto o bebê pode fazer um jogo
de exercício, como também uma criança poderá sucessivas perguntas só
pelo prazer de perguntar.
Para ele, a origem do jogo está na imitação que surge da preparação
reflexa. Imitar consiste em reproduzir um objeto na presença do mesmo. É
um processo de assimilação funcional, quando o exercício ocorre pelo
simples prazer. A essa modalidade especial de jogo, Piaget denominou de
jogo de exercício. Em suas pesquisas ele mostra que a imitação passa por
várias etapas até que, com o passar do tempo, a criança é capaz de
representar um objeto na ausência do mesmo. Quando isso acontece,
significa que há uma evocação simbólica de realidades ausentes. É uma
39
ligação entre a imagem (significante) e o conceito (significado), capaz de
originar o jogo simbólico, também chamado de faz-de-conta.
Para Piaget, o símbolo nada mais é do que um meio de agregar o
real aos desejos e interesses da criança.
Paulatinamente, o jogo simbólico vai cedendo lugar ao jogo de
regras, porque a criança passa do exercício simples às combinações sem
finalidade e depois com finalidade. Esse exercício vai se tornando coletivo,
tendendo a evoluir para o aparecimento de regras que constituem a base
do contrato moral.
As regras pressupõem relações sociais ou interpessoais. Elas
substituem o símbolo, enquadrando o exercício nas relações sociais. As
regras são, para Piaget, a prova concreta do desenvolvimento da criança.
3.2 O brincar na visão de Vygotsky
O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal
(capacidade que a criança possui), pois na brincadeira a criança comporta-
se num nível que ultrapassa o que está habituada a fazer, funcionando
como se fosse maior do que é.
O jogo traz oportunidade para o preenchimento proximal (capacidade
que a criança possui), pois na brincadeira a criança comporta-se num nível
que ultrapassa o que está habituada a fazer, funcionando como se fosse
maior do que é.
40
Na medida em que cresce, a criança impõe ao objeto um significado.
O exercício do simbolismo ocorre justamente quando o significado fica em
primeiro plano.
Do ponto de desenvolvimento da criança, a brincadeira traz
vantagens sociais, cognitivas e afetivas. Ainda, segundo esse autor, a
brincadeira possui três características: a imaginação, a imitação e a regra.
Elas estão presentes em todos os tipos de brincadeiras infantis, tanto nas
tradicionais, naquelas de faz-de-conta, como ainda nas que exigem regras.
Podem aparecer também no desenho, como atividade lúdica.
Do ponto de vista psicológico, Vygotsky atribui ao brinquedo um
papel importante, aquele de preencher uma atividade básica da criança, ou
seja, ela é um motivo para a ação.
Segundo o autor, a criança pequena, por exemplo, tem uma
necessidade muito grande de satisfazer os seus desejos imediatamente.
Quanto mais jovem é a criança, menor será o espaço entre o desejo e sua
satisfação. No pré-escolar há uma grande quantidade de tendências e
desejos não possíveis de ser realizados imediatamente, e é nesse
momento que os brinquedos são inventados, justamente para que a criança
possa experimentar tendências irrealizáveis.
A impossibilidade de realização imediata dos desejos cria tensão, e a
criança se envolve com o ilusório e o imaginário, onde seus desejos podem
ser realizados. É o mundo dos brinquedos.
Segundo Vygotsky (1991, p.24), a imaginação é um processo novo
para a criança, pois constitui uma característica típica da atividade humana
consciente. É certo, porém, que a imaginação surge da ação, e é a primeira
41
manifestação da emancipação da criança em relação às restrições
situacionais. Isso não significa necessariamente que todos os desejos não
satisfeitos dão origem aos brinquedos.
3.3 O brincar na visão de Winnicott
Para o psicanalista Winnicott (1975, p.43), a garantia do espaço de
brincar é suporte do sentimento de que vale a pena viver, insistir, “querer
ser maior do que é na realidade”.
Esse autor talvez esteja entre os teóricos do brincar que mais
tenham ressaltado a importância do aspecto relacional da brincadeira.
A partir de uma extensa investigação clínica com bebês, postula para
o brincar o espaço potencial de relação de criatividade com o mundo.
Caracteriza essa atividade que permite ao homem conhecer o
mundo e a si próprio criativamente, como “espaço de função da liberdade
de criação”. No brincar, e, talvez, apenas no brincar, é que a criança inicia
sua liberdade de criação (1975, p.79).
Winnicott postula, ainda, que é no “brincar mútuo”, e não no “brincar
submisso” que se realiza esse espaço potencial de relação criativa com o
mundo. Sua “Teoria Sobre os Fenômenos Transacionais” fala desse campo
relacional, onde os primeiros diálogos da criança com o mundo parecem
como fundamentos de suas experiências culturais.
Em sua obra “Brincar e Realidade” (1975, p.17), Winnicott analisa o
conceito dos fenômenos transacionais. Esses fenômenos estão na origem
42
da vida imaginativa e localizando-se no espaço potencial das primeiras
relações do bebê com o mundo. O brincar e a experiência cultural são a
ampliação desse espaço. Winnicott estudou, ainda, o impulso criativo,
ressaltando a complexidade e a significância dos estágios primitivos da
relação de objeto e da formação de símbolos. A teoria “dos objetos
transacionais” é resultado desse estudo, “não tanto o objeto usado, quanto
o uso do objeto” (1975, p.10). Para esse autor, os fenômenos transacionais
descrevem a jornada do bebê, desde o puramente subjetivo até a
objetivação. Revelar o seu sentido desperta o respeito à infância e às suas
formas próprias de aprender.
Desde o nascimento, o ser humano está envolvido com o problema
da relação entre o que é objetivamente percebido e aquilo que é
subjetivamente concebido. Na sustentação deste paradoxo, situa-se o seu
grau de saúde. Nessa relação entre “mundo interno” e “mundo externo”,
Winnicott reivindica uma terceira área de experimentação, onde se dão os
espaços transacionais: espaços intermediários entre a viabilidade do bebê e
a sua crescente habilidade...”.
É sabido que, assim que nascem, os bebês tendem a usar o punho,
os dedos e os polegares. Sabe-se, igualmente, que após alguns meses,
bebês de ambos os sexos passam a gostar de brincar com bonecas e que a
maioria das mães não permitem aos seus bebês acesso a algum objeto
especial... Encontra-se, então, uma grande variação de eventos desde as
primeiras atividades do “punho na boca” (objetos “EU”), até a ligação a um
ursinho, uma boneca e os brinquedos em geral (objetos “não EU”) (1975,
p.13).
Na relação com o objeto transacional, o bebê passa do controle
onipotente, mágico, para o controle da manipulação, envolvendo o reotismo
muscular e o prazer da coordenação dos movimentos.
43
A adaptação da mãe às necessidades do bebê dá a este a “ilusão”
de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria
capacidade de criar. A coordenação psicomotora que se dá na passagem
da motilidade (movimento sem deslocamento) para a mobilidade, tem s ver
com o ritmo da curiosidade satisfeita, permitindo à criança construir sua
relação objeto com o mundo.
Segundo Winnicott, esta experiência de poder criar a partir de si
próprio é suporte do sentimento de segurança. O fato de a criança sentir
que vale a pena viver, sentir-se segura para crescer, investir, brincar,
aprender, ... garante o seu verdadeiro self.
Winnicott associa, ainda, o verdadeiro self ao gesto espontâneo, só
sentido do gesto não reprimido. É na expressão espontânea que está,
também, a possibilidade de conexão entre o corpo e o sentimento...”. É
através da brincadeira que a criança liga idéias com a função corporal;
pode-se, então, reconhecer mais nitidamente a tendência saudável que
existe na brincadeira, que relaciona mutuamente os dois aspectos da vida:
o funcionamento físico e a vivência de idéias.” (Winnicott, 1975, p.164)
Desta forma, o autor fundamenta a importância do impulso de
curiosidade de poder exprimir-se. Se este é constantemente reprimido, o
que se observa é o impulso infantil submetido a um controle, o que pode
provocar ansiedade.
Para Winnicott, o impulso de curiosidade é o próprio impulso
criativo... “este pode ser considerado algo em si..., mas também, algo que
se faz presente quando qualquer pessoa – bebê, criança, adolescente,
adulto ou velho – se inclina de maneira saudável para algo ou realiza
44
deliberadamente alguma coisa.” (1975, p. 100). À medida que a criança
amplia as suas relações, o ritmo desse impulso, inicialmente por ela
estabelecido, vai, aos poucos, encontrando o ritmo do outro.
Na relação do adulto com a criança, o ritmo mais adequado a um
desenvolvimento saudável é aquele que equilibra a interdição (proibição de
fazer) e a invasão (anulação do fazer). Quando está presente esse
equilíbrio, o adulto é “continente” para a criança. Esta contensão de seu
“apetite de viver” propicia, ao mesmo tempo, segurança e liberdade para
ser, arriscar, experimentar, aprender...! A perda do viver criativo é, para
este autor, a perda do sentimento de que a vida tem significado. Viver
criativamente, ou não, estaria relacionado à...”qualidade e quantidade das
provisões ambientais no começo ou nas fases primitivas...” (1975, p.103).
Winnicott lembra, ainda que o que se contrapõe ao viver criativo é um tipo
de relacionamento de submissão, onde a pessoa reconhece o mundo,
apenas, como algo a que se ajustar, ou a exigir adaptação.
O destino dos fenômenos transacionais é perderem o seu
significado. A sua ampliação tem ligação direta com o brincar, espalhando-
se por todo o campo cultural da vida adulta.
Sobre isso, Winnicott afirma:
“Concretizo minha idéia sobre a brincadeira, reivindicando que o brincar tem um lugar... não é dentro... tampouco é fora. Para controlar o que está fora, há que fazer coisa, não simplesmente pensar ou desejar; e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer.”. (Winnicott 1975, p.63).
A criança traz para dentro da área da brincadeira objetos e
fenômenos oriundos da realidade externa, usando-os a serviço da realidade
45
interna. Nesse processo, ela coloca para fora uma amostra de seu potencial
onírico.
“Na área de superposição entre o brincar da criança e o de outra
pessoa, á possibilidade de introduzir enriquecimentos” (idem, p.74). Porém,
para permitir o brincar como experiência criativa, Winnicott esclarece, é
preciso que ele aconteça no “brincar mútuo”.
O adulto envolvido com a criança que brinca assume um lugar dentro
da relação. Sendo o adulto capaz de entrar na brincadeira, permite à
criança “surpreender-se na brincadeira”. Esta atitude é diferente daquela
cujo interesse recai sobre o “uso da brincadeira” na utilização do seu
conteúdo para fins de qualquer tipo de tratamento.
Para Winnicott, uma atitude de respeito ao brincar deve incluir o
reconhecimento de que este pode tornar-se assustador...
“Os jogos e sua organização devem ser encarados como a uma tentativa de prevenir o aspecto assustador do brincar. Quando o organizador tem de se envolver numa posição de administrador, ocorre a implicação de que a criança, ou crianças são incapazes de brincar no sentido criativo” (idem, p.75)
A teoria de Winnicott postula, portanto, que o desenvolvimento da
percepção objetiva da criança acerca do mundo e de si própria necessita de
um ambiente relacional “suficientemente bom” – um ambiente que a acolha,
ao mesmo tempo em que permita a sua livre expressão. Esse ambiente
assim concebido possibilita a socialização das crianças na direção de
sujeitos mais seguros, críticos e criativos: ...”As atividades lúdicas são,
neste ponto, especialmente importante, visto serem, ao mesmo tempo,
reais e concretas, por uma parte, e imaginada ou sonhada, por outra; e,
embora as experiências lúdicas permitam sentimentos de todos os gêneros,
46
as brincadeiras livres e o comportamento precisam tornar-se relacionados
com o grupo”. (idem, p. 219). A brincadeira facilita esse diálogo,
constituindo-se num dos meios característicos das crianças de fazer
perguntas e explicar coisas e fatos.
47
CAPÍTULO IV:
PSICOMOTRICIDADE
4.1 Fundamentação Epistemológica da
Psicomotricidade
Ao abordar-se psicomotricidade, quer-se perspectivar as relações
recíprocas, incessantes e permanentes dos fatores: neurofisiológicos,
psicológicos e sociais, que intervém na integração, elaboração e realização
do movimento humano.
Atualmente a psicomotricidade encontra-se enriquecida com os
estudos: da via instintivo-emocional, com os da linguagem, com os da
imagem do corpo e com os aspectos perceptivos e práxicos. Esses estudos
deram ao movimento humano uma dimensão mais científica e menos
mecanicista.
A psicomotricidade, além dos problemas de debilidade mental e
motora, se interessa pelos estudos da delinqüência (Heuyer), da turbulência
(Wallon), da instabilidade (Abramson) e da emocionalidade e agressividade.
Muitas investigações têm sido feitas no campo da psicomotricidade.
Essas investigações caem sempre na defesa de um conceito: “não há
movimentos para os homens, mas homens que se movimentam, assim
como não há objetos para os homens, mas homens que os utilizam”.
48
O movimento resulta das situações concretas vividas pela criança.
Ela precisa expandir seus movimentos, explorar seu corpo e o espaço físico
para que possa ter um crescimento sadio. É através das atividades
psicomotoras cotidianas (atividades de vida diária) e planejadas como:
desenhar uma história, jogos com linhas, com bolas, etc., que a motricidade
é desenvolvida.
A criança quando brinca experimenta, descobre, inventa e exercita.
Na medida em que experimenta, ela aprende a controlar seus movimentos
estabelecendo ordem em seu mundo e desenvolvendo de modo combinado
e integrado as estruturas de pensamento e ação (relações de linguagem,
lógicas, espaço-temporais, psicomotoras e sócio-afetivas), necessárias para
o seu desenvolvimento.
O movimento é sempre a expressão de uma existência.
O corpo não é uma máquina posta em movimento por um psiquismo
que habita o cérebro. Por esse motivo, não podemos comparar o
movimento do homem com o movimento de uma máquina. O movimento
humano não pode ter uma descrição tão exata e tão processual como o
movimento de uma máquina; ele não se desenrola independentemente do
seu consciente.
É impossível descobrir todos os processos e significações do
movimento, tendo em vista que a sua variabilidade é infinita, e o seu fim
indeterminado.
É através do movimento que o envolvimento atinge o pensamento,
assim como é inconcebível perceber o homem sem envolvimento e o
homem sem movimento.
49
A motricidade é a projeção de um mundo (o próprio homem) em
outro mundo (envolvimento). O movimento automático da respiração ou o
reflexo, são sinônimos de vida, de presença e conhecimento. Onde existe
movimento existe vida.
4.2 A importância de Jean Piaget no estudo da
Psicomotricidade
Jean Piaget foi um dos autores que mais estudou as inter-relações
entre a motricidade e a percepção. Para ele a motricidade interfere na
inteligência, antes da aquisição da linguagem.
O movimento constrói um sistema de esquemas de assimilação e
organiza o real a partir de estruturas espaço temporais e causais.
As percepções e os movimentos, quando estabelecem relação com o
meio exterior, produzem a função simbólica, gerando então a linguagem. A
linguagem dá origem à representação e ao pensamento.
É no movimento que a coordenação dos sistemas sensorimotores se
estabelece e se concretiza. Segundo Piaget a realização do movimento leva
à assimilação, se tornando elemento de compreensão prática, e ao mesmo
tempo compreensão e ação.
Para Piaget a motricidade é muito importante na formação da
imagem mental e na representação imagética (revela imaginação).
50
Através do movimento o indivíduo estabelece uma constante
interação com o mundo. Isto permite-lhe um controlo e uma
intencionalidade progressiva, possibilitando os conhecimentos dos
pormenores da ação.
A motricidade intervém em todos os níveis do desenvolvimento das
funções cognitivas, na percepção e nos esquemas sensoriomotores.
A inteligência para Piaget é uma adaptação, é o resultado de uma
certa experimentação motora integrada e interiorizada.
A adaptação, como uma das estruturas de estabilização, garante a
conservação e o equilíbrio entre o organismo e o meio. A partir do momento
em que o organismo se transforma em função do meio, há adaptação.
O processo de adaptação é subdividido em: assimilação (constitui o
funcionamento do organismo que coordenando os dados do meio, os
incorpora) e a acomodação (resultado de pressões exercidas pelo meio).
É através da adaptação motora e intelectual que se tem a
confirmação de um equilíbrio progressivo entre um processo assimilador e
uma acomodação complementar.
4.3 Áreas Psicomotoras
4.3.1 – Comunicação e Expressão
51
A linguagem é função de comunicação, expressão e de socialização.
É através dela que o indivíduo troca experiências e atua (verbal e
gestualmente) no mundo.
Os exercícios fono-articulatórios e respiratórios incluem-se nesta
área, pois a linguagem verbal depende da articulação e da respiração.
4.3.2 - Percepção
É a capacidade de reconhecer e compreender estímulos recebidos.
Ela está ligada à atenção, à consciência e à memória.
É através dos estímulos que podemos perceber e discriminar.
Primeiro sentimos através dos sentidos, em seguida realizamos uma
mediação entre o sentir e o pensar. Depois de ter feito isso discriminamos.
É por intermédio da discriminação que conseguimos saber diferenciar o que
é amarelo do que é azul, e a diferença entre o quatro e o nove.
4.3.3 – Coordenação
A coordenação motora está ligada ao desenvolvimento físico, e é
vista como a união harmoniosa de movimentos. Ela supõe integridade e
maturação do sistema nervoso.
A coordenação motora é subdividida em coordenação dinâmica
global ou geral, visomanual ou fina e visual.
A coordenação dinâmica global abrange todo o corpo do indivíduo e
dessa forma faz com que os grupos musculares diferentes trabalhem ao
52
mesmo tempo a fim de que se execute movimentos voluntários mais ou
menos complexos.
Já na coordenação visomanual os pequenos músculos trabalham em
harmonia na realização de atividades que utilizam dedos, mãos e pulsos.
A coordenação visual se refere aos movimentos específicos com os
olhos em todas as direções.
As atividades psicomotoras relacionadas à área da coordenação
estão subdivididas em três áreas: orientação, conhecimento corporal e
lateralidade e habilidades conceituais.
No processo de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, a
orientação ou estruturação espacial / temporal é muito importante, pois todo
corpo animado ou inanimado ocupa um espaço em um dado momento.
A orientação espacial e temporal corresponde à organização
intelectual do meio, estando ligada à consciência, à memória e às
experiências vivenciadas pelo indivíduo.
Através de todos os sentidos, a criança percebe o seu próprio corpo,
e é em função do tempo que o seu corpo ocupa um espaço no ambiente.
O conhecimento corporal abrange a imagem corporal (a
representação visual do corpo, a impressão que a pessoa tem de si), o
conceito corporal (é o conhecimento intelectual sobre as partes e funções) e
o esquema corporal (que regula a posição dos músculos e partes do corpo).
O esquema corporal é inconsciente e se modifica com o tempo.
53
Ao falar de conhecimento corporal está inserido a lateralidade. A
lateralidade é a percepção dos lados direito e esquerdo, e da atividade
desigual dos lados.
Segundo Coste a lateralização nos permite acompanhar os seguintes
passos: a localização do próprio corpo, a projeção de pontos referenciais a
partir do corpo, e a organização do espaço independente do corpo.
A discriminação entre direita e esquerda só se inicia quando
percebemos que o corpo possui dois lados e que um é mais utilizado que o
outro.
4.3.4 – Habilidades Conceituais
Alguns estudiosos afirmam que as atividades psicomotoras são pré-
requisitos para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.
Segundo Constance Kamii, a criança avança na medida do
conhecimento lógico-matemático, através da coordenação das relações que
anteriormente estabeleceu entre os objetos. Para que a criança possa
construir um conhecimento físico, é necessário que ela tenha um sistema
de referência lógico-matemático que lhe possibilite relacionar novas
observações com o conhecimento já existente.
54
CAPÍTULO V:
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOMOTRICIDADE
5.1 – Educação Psicomotora como base de toda educação
na Educação Infantil
A vida escolar não começa aos seis anos com a aprendizagem
estereotipada da leitura, da escrita e do cálculo; ela se inicia na Educação
infantil. As crianças muito novas mal conhecem o seu corpo, e a sua
estrutura corporal ainda é imprecisa. É a partir da relação psicomotora que
a criança começa a conhecer o seu corpo e a estabelecer novas interações
com os outros e o mundo.
O educador deve considerar não só as atividades psicomotoras
previstas no planejamento, deve considerar também as atividades
psicomotoras espontâneas. Essas atividades valorizam o saber pessoal da
criança. “Agir, conhecer e desenvolver-se implicam o desejo da criança”
(Cabral, 1998, p. 13). Ela própria se impõe obstáculos para afirmar sua
identidade.
No momento em que a criança está desenvolvendo atividades livres,
surgem desejos, conflitos, fantasmas (que se elaboram na relação corporal
e verbal). Tudo isso facilitará a relação da criança com o professor,
contribuindo para o seu desenvolvimento.
Muitos estudiosos (psicólogos e psiquiatras) afirmam que o período
na educação infantil é muito importante para o desenvolvimento da
inteligência e da personalidade da criança. A Educação Infantil dá
55
condições para que a criança passe por todos os estágios: do sensório-
motor ao estágio perceptivo-motor; do afetivo ao racional e do egocentrismo
à socialização. Na passagem do estágio sensório-motor ao estágio
perceptivo-motor falar das primeiras possibilidades de abstrações. A criança
primeiramente se utiliza dos meios de expressão plástica para desenvolver
seu pensamento. Estas expressões se dão através das manipulações de
objetos, não havendo separação entre o ato e o pensamento.
Ao falar da passagem do afetivo ao racional, está nos referindo à
afetividade consciente (pouco individualizada na criança nova) e
inconsciente (na qual a criança é totalmente dependente). É através desta
abordagem que surge a abordagem racional, na medida em que a
afetividade não é reprimida. Estas noções são indispensáveis para que a
criança organize o seu próprio mundo. Quando se efetua a separação entre
o racional e o afetivo, a inteligência conceitual é desenvolvida juntamente
com a afetividade consciente.
A criança antes de entrar na Educação Infantil, vivenciou relações
afetivas boas e más, somente no seu meio familiar. Será preciso que ela se
adapte a um novo meio, que ela descubra uma forma de se relacionar com
o desconhecido (sem nenhum laço afetivo particular).
“É comum dizer que as crianças novas são egocêntricas e que
brincam sozinhas no meio das outras, mas não com as outras”.
(LAPIERRE, 1989, p.82). Essas crianças de dois a seis anos (estágio pré-
operacional) vêem as coisas a partir de sua própria perspectiva e não
imaginar que haja outros pontos de vista. Quando conversam não levam em
consideração as necessidades do ouvinte. A criança pequena pensa a
partir de uma perspectiva limitada e deve ampliá-la. A criança egocêntrica
tem a dificuldade de entender que o adulto não vê o espaço físico da
mesma perspectiva (dela).
56
A criança (pré-operacional) descentra seu pensamento da mesma forma como o bebê descentra seu comportamento no estágio sensório-motor. O recém-nascido age como se o mundo estivesse centrado em torno de si e precisa aprender a se comportar de modo adaptativo. De modo semelhante, a criança pequena a partir de uma perspectiva limitada e deve ampliá-la. (Piaget, 1982, p.82)
Nesta idade o pensamento é freqüentemente não formulado e
semiconsciente (intermediário entre a consciência e a inconsciência). É
importante que a criança perceba que pode ser compreendida pelo outro e
que este irá lhe proporcionar um diálogo. A partir disso o pensamento da
criança é valorizado e através dessa valorização ela irá desenvolver a
iniciativa, a criatividade e a autonomia intelectual.
5.2 – A Educação Psicomotora na prática da Educação
Infantil
Nesta idade o corpo, o objetivo, a ação, o pensamento, o afetivo, o
real, o imaginário e o racional estão estritamente ligados, e só vão se
diferenciar com o tempo (pouco a pouco).
É através dessa globalidade que o professor pode trabalhar, sem se
preocupar, as atividades pedagógicas, tais como: trabalho manual,
expressão verbal, desenho, iniciação à matemática, educação psicomotora,
etc.. Estes exercícios só têm interesse para o adulto, ele se sente confiante
face à criatividade aparentemente desordenada da criança. Infelizmente, a
forma como o professor aplica essas atividades impede que a criança seja
criativa, e acaba cortando as passagens espontâneas e lógicas.
Não se deve dar total liberdade às crianças, pois o não-
direcionamento contínuo acaba gerando confusão e insegurança na
57
criança. As crianças sentem a necessidade de serem conduzidas,
organizadas em suas atividades; sem essa orientação elas acabam
dispersando.
É preciso que o professor conheça o estágio evolutivo com o qual
esteja trabalhando, para que as atividades psicomotoras possam estar
contribuindo de forma acertada, integrada e ampla no desenvolvimento da
criança.
Nesta fase a atenção está voltada para o objetivo, seu corpo é
apenas o meio de ação. É através do objeto, que se relaciona com a
criança ( mesmo tendo como objetivo o domínio da ação motora e
psicomotora). Este domínio só se dá através das atividades psicomotoras
que se encontram agrupadas por áreas, e que serão utilizadas pelo
educador ao longo dos períodos letivos da Educação Infantil. Cita-se a
seguir as áreas que podem ser trabalhadas pela psicomotricidade na
Educação Infantil, e que são fundamentais para o pleno desenvolvimento
integral do indivíduo.
Com isso a psicomotricidade contribui na Educação Infantil como
uma mola mestra em cada estágio descrito por Jean Piaget, para explicar o
desenvolvimento integral dos indivíduos.
1. Atividades na área de Linguagem Oral e Escrita:
• exercícios fonoarticulatórios;
• exercícios respiratórios;
• exercícios de expressão verbal e gestual.
2. Atividades na área de percepção:
58
• Exercícios de percepção tátil;
• Exercícios de percepção gustativa;
• Exercícios de percepção auditiva;
• Exercícios de percepção visual.
3. Atividades na área de coordenação:
• Exercícios de coordenação dinâmica global;
• Exercícios de coordenação visomanual ou fina;
• Exercícios de coordenação visual.
4. Atividades na área de orientação:
• Exercícios de orientação temporal;
• Exercícios de orientação espacial.
5. Atividades da área de conhecimento corporal e
lateralidade
• Exercícios de conhecimento corporal;
• Exercícios de lateralidade.
5.3 – A prática pedagógica sob nova perspectiva
59
Ultimamente ao analisar a educação tem-se tido a preocupação com
as questões sociais. Vários aspectos com relação á conduta da escola
foram analisados, tais como: a questão da discriminação, da evasão e da
repetência.
As pesquisas realizadas no Brasil com relação à evasão são ainda
muito limitadas. Elas demonstram que não é o aluno que se evade, é o
sistema escolar que o exclui. O papel do sistema escolar é o de produzir a
desigualdade social e o processo de exclusão é um dos principais objetivos
deste sistema. Através das colocações de H. Pellegrino de que a idéia de
escola para todos é mais um dos recursos de que a burguesia se utiliza
para esconder a luta de classes, sob a noção de que todos têm os mesmos
direitos, mas alguns são menos capazes, pode-se verificar que a própria
escola reforça esse tipo de pensamento.
Houve uma crítica à educação compensatória. Ela afirmava que a
sociedade também é responsável pelo fracasso escolar.
Atualmente se tem a preocupação em não desvincular o indivíduo de
seu contexto sócio-cultural, desvalorizar suas experiências de vida e de não
discriminar os alunos portadores de diferentes deficiências (visuais,
auditivas, físicas ou mentais).
60
CONCLUSÃO
O professor da Educação infantil lida com a criança em processo de
desenvolvimento em uma etapa básica da formação de sua personalidade.
Segundo Jean Piaget essa criança passa por etapas.
Embora as crianças progridam passando pelas mesmas etapas,
apresentam diferenças quanto à idade em que se tornam aptas a executar
certas atividades e ao modo como são capazes de executá-las. Essas
diferenças são atribuídas ao ritmo próprio de maturação de cada criança e
às diferentes situações de aprendizagem a que cada uma tem acesso. O
professor terá que ter um conhecimento não só dos estágios de maturação,
mas também da psicomotricidade. Ela é a combinação entre motricidade (o
indivíduo executando a ação), intelecto (o pensamento) e as emoções
(alegria, tristeza, ansiedade, etc.), é um processo ensino-aprendizagem que
apresenta atividades que irão auxiliar o educando no aproveitamento e
desenvolvimento de suas potencialidades.
É importante que o professor vivencie a psicomotricidade, pois
quando se vivencia alguma coisa, no envolver, sente-se, vibra-se, integra-
se e entrega-se. A partir disso sente-se mais seguro porque já se é íntimo
da situação proposta: se conhece as emoções, dificuldades e se relaciona
prazer, movimento e inteligência.
Assim, propiciar o desenvolvimento global da criança é conscientizar
a família, assim como a comunidade escolar, da necessidade das crianças
61
em aprenderem no prazer, no diálogo corporal, na articulação com as
brincadeiras, porque é no movimento que essas atividades proporcionam
que consigamos alcançar o outro, tanto humano, quanto individual, social e
culturalmente.
62
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ZANOTTI, Célia Regina. O brincar na visão dos professores da pré-escola
Criarte. Espírito Santo,1996.
66
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.............................................................................................08
CAPÍTULO I EDUCAÇÃO INFANTIL .........................................................11
1.1 Histórico.................................................................................................11
1.2 Finalidades............................................................................................14
CAPÍTULO II DESMISTIFICANDO O LÚDICO...........................................15
CAPÍTULO III A ESCOLA COMO ESPAÇO LÚDICO..................................28
3.1 O brincar na visão de Piaget..................................................................38
3.2 O brincar na visão de Vygotsky..............................................................39
3.3 O brincar na visão de Winnicott.............................................................41
CAPÍTULO IV PSICOMOTRICIDADE........................................................47
4.1 Fundamentação epistemológica da Psicomotricidade.........................47
4.2 A importância de Jean Piaget no estudo da Psicomotricidade............49
4.3 Áreas psicomotoras.............................................................................50
4.3.1 Linguagem Oral e Escrita............................................................51
4.3.2 Percepção...................................................................................51
4.3.3 Coordenação ..............................................................................51
4.3.4 Habilidades..................................................................................53
67
CAPÍTULO V CONTRIBUIÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE........................54
5.1 Educação Psicomotora como base de toda Educação Infantil........54
5.2 A Educação Psicomotora na prática da Educação Infantil..............56
5.3 A prática pedagógica sob nova perspectiva....................................58
CONCLUSÃO.............................................................................................60
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................62
ÍNDICE........................................................................................................66
68
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Universidade Candido Mendes
Graduação “Lato Sensu”
Projeto Vez do Mestre
Título: A contribuição e a importância do lúdico e da
Psicomotricidade na Educação Infantil.
Por
Renata dos Santos Marinho
Orientadora
Maria Poppe
Avaliado por: __________________________________Grau_________.
__________________, ______de__________________de_______
69