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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA CRIME ORGANIZADO Por: Erica Barreiros de Araújo Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

CRIME ORGANIZADO

Por: Erica Barreiros de Araújo

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

CRIME ORGANIZADO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Penal e Processual

Penal.

Por: Erica Barreiros de Araújo

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AGRADECIMENTOS

...dedico esta vitória à minha mãe

Esther por confiar em meu potencial e

me apoiar em todos os momentos...

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DEDICATÓRIA

.....aos meus pais e aos meus amigos...

RESUMO

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Este trabalho monográfico tem por finalidade demonstrar a problemática no que tange a conceituação e definição do que chamamos de “crime organizado”, tema este altamente controvertido, fazer ver suas características e modos de execução, ilustrar em parâmetros nacional e internacional a origem, o desenvolvimento, os principais questionamentos atuais e os métodos de extinção dessa modalidade criminosa. Objetiva-se também elucidar a questão do crime organizado diante da Constituição Federal e as consequências da criação da Lei nº 9.034/95 (Lei das organizações criminosas) em um plano Penal e Processual Penal, bem como sua real aplicação no que diz respeito às jurisprudências brasileiras. Finalmente, busca-se expor os meios operacionais para colheita de provas trazidos pela referida lei e as medidas de supressão ao fenômeno denominado “crime organizado”.

METODOLOGIA

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O presente trabalho se consubstancia em um estudo descritivo e

explicativo, com o levantamento de obras como livros, periódicos, documentos

e textos.

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------7

1 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS--------8

1.1 Definição------------------------------------------------------------------------------------8

1.2 Características---------------------------------------------------------------------------10

1.3 As facetas de uma Organização Criminosa: O Tráfico------------------------16

2 CRIME ORGANIZADO NO MUNDO ------------------------------------------------18

2.1 A origem do crime organizado-------------------------------------------------------18

2.2 A máfia italiana e sua evolução-----------------------------------------------------18

2.3 Principais atuações do crime organizado no mundo---------------------------20

2.4 Cooperação internacional-------------------------------------------------------------20

3 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL--------------------------------------------------22

3.1 O crime organizado à luz da Constituição Federal-----------------------------30

3.2 O Rio e as facções criminosas------------------------------------------------------31

4 A TIPIFICAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO DIANTE DO CODIGO PENAL E

SUA CONSEQUÊNCIA NO PLANO PROCESSUAL PENAL-----------------34

5 CRIME ORGANIZADO NA JURISPRUDÊNCIA ----------------------------------41

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6 MEIOS OPERACIONAIS E MEDIDAS DE COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO--------------------------------------------------------------------------------47

CONCLUSÃO---------------------------------------------------------------------------------55

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------58

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INTRODUÇÃO

De fato a criminalidade vem assumindo nos tempos atuais forma

diversa da que apresentava em um passado não muito distante. Este fato

evidencia-se na medida em que são constantes, em todo o mundo, debates,

pesquisas, estudos e iniciativas legislativas para alterar o Direito Penal, bem

como o Direito Processual Penal, adequando-os aos novos fatos.

Assim, uma das espécies de criminalidade que se apresenta hoje

em dia, e que vem se desenvolvendo amplamente através do processo de

globalização, é a da criminalidade organizada. Esta espécie criminosa a que

estamos nos referindo é uma manifestação diversa de tudo que já foi visto,

distinta de tudo que se conhecia sobre a criminalidade, cujo surgimento e

desenvolvimento se devem às especiais condições oferecidas pela sociedade

moderna, principalmente pelos avanços tecnológicos, tanto na área da

comunicação e da informatização como na área econômica.

Consequentemente, a escassez de recursos, a má administração de

rendas, a corrupção no alto da pirâmide político-econômica, seguidas das

desigualdades sociais, e atreladas à busca frenética de poder e riqueza, faz

proliferar os mais diversos tipos de atividades clandestinas, irregulares e

ilícitas. Essas atividades, por sua vez, encontram, diante do avanço tecnológico

um campo fértil para a proliferação do crime organizado, que passa a contar

com uma série de elementos que facilitam suas ações, com o objetivo de

fornecer à sociedade bens ou serviços de obtenção difícil e por isso mesmo

caros e rentáveis.

Podemos afirmar que as atividades das organizações criminosas se destinam a

oferecer a uma parcela da sociedade produtos ou serviços, vedados por lei

e/ou repelidos pela moral e pelos bons costumes, ou em si insuficientes,

porém, para a sociedade de um modo geral tem ares de legitimidade, inclusive

pode parecer que tais serviços oferecidos pelas organizações criminosas são

em prol desta, não obstante, sabemos que não é esta a realidade, tais

atividades são sempre oferecidas dentro de um contexto que tem como escopo

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a obtenção de lucros e o acúmulo de riquezas e são praticadas por uma

organização criminosa que tende ser ainda maior em todo o país, que são as

milícias, uma das espécies de organizações criminosas existentes. A

dificuldade na obtenção é exatamente o que os tornam preciosos, uma vez que

está diretamente ligada às características daqueles produtos ou serviços.

Trataremos, portanto, de todas essas facetas do crime organizado e

abordaremos todos os aspectos relevantes deste fenômeno que atrai cada vez

mais a atenção dos estudiosos, seja nas áreas da sociologia, do direito, da

filosofia, ou da criminologia.

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1 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

1.1 DEFINIÇÃO

Podemos citar como fundamento a Convenção de Palermo que

versa sobre o crime organizado transnacional e que adentrou em nosso

ordenamento jurídico através do Decreto nº 5.015/2004 para definir o que seria

crime organizado. A Convenção em seu artigo 2º nos descreve que:

Grupo criminoso organizado é um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL, 2000).

Por sua vez o renomado Professor Doutor em Direito Penal pela

Universidade de Madri, Mestre em Direito penal pela USP e diretor-presidente

da Rede de Ensino LFG, Luiz Flávio Gomes, expõe que:

Se não existe nenhuma definição legal válida, no direito interno brasileiro, do que se entende por organização criminosa, resulta evidente que nenhuma restrição (a qualquer direito fundamental) é cabível com base nesta locução indefinida e vaga. (GOMES, Luiz Flávio. 2010).

Então podemos notar que muitos autores em sua vertente

garantista, defensores do chamado direito penal moderno, entendem que o

crime organizado ou a organização criminosa, como tal, não é tratada em

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nenhum diploma legal do ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, o que

querem estes autores dizer é que apesar de a Lei nº 9.034/95 referir-se a

“quadrilha ou bando, associação criminosa e organização criminosa”, esta

última modalidade não tem definição naquela lei e em nenhum outro dispositivo

legal, o que não ocorre com as outras duas, já que o tipo penal quadrilha ou

bando é previsto no art. 288 do Código Penal1 e associação criminosa tem

duas previsões legais, uma na atual Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e outra

na Lei do Genocídio (Lei nº 2.889/56).

Portanto, quanto à expressão “Organização Criminosa”, não se pode

tê-la como juridicamente definida ou conceituada, ou que a participação em

organização criminosa esteja tipificada em si, o que causa obstáculos aos

operadores do direito no que se refere a determinados instrumentos ou meios

de prova a serem utilizados no combate à criminalidade organizada, pois não

se tem tal conceito definido em lei. Esse apego a tamanha precisão tem razão

de ser, tendo em vista a função de garantia da lei penal, representada pelo

princípio do nullum crimen, nulla poena, sine lege stricta.

Assim, ficam prejudicados específicos dispositivos da Lei nº

9.034/95, que tratam exclusivamente da prática de crimes decorrentes de

organização criminosa, como o art. 5º, que diz ser obrigatória a identificação

criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações

criminosas, independentemente da identificação civil que possuam aquelas

pessoas, o art. 6º, que prevê a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços), quando a

colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações

penais e sua autoria e o art. 7º, que diz que não será concedida liberdade

provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva

participação em organização criminosa.

Notadamente no caso dos arts. 9º e 10, tal prejudicialidade é

evidente, tendo em vista que prevêem que o réu não poderá apelar em

liberdade “nos crimes previstos” naquela Lei, e que os condenados “por crimes

decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em

1 Art. 288 do CP: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

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regime fechado.” Ora, a Lei nº 9.034/95 se omitiu na definição do fenômeno do

crime organizado, ficando a cargo da doutrina solucionar essa questão, o que é

inaceitável, uma vez que, segundo o princípio da legalidade penal, todo e

qualquer elemento típico deve estar previsto em lei. À doutrina como fonte do

Direito Penal mediata, cabe interpretar a lei, mas não criar tipos penais, sob

pena de se gerar insegurança jurídica. Contudo, a referida lei trouxe inúmeros

meios operacionais que poderiam ser utilizados para combate ao crime

organizado, motivo pelo qual torna a vida dos operadores do direito ainda mais

difícil, pois com o silêncio da lei no que tange a definição de crime organizado,

restará impossibilitada a utilização de tais meios para combatê-lo.

Assim sendo, a lei de combate ao crime organizado somente poderá

ser empregada no que se refere aos delitos de quadrilha ou bando e

associação criminosa, pois estes sim possuem definição legal, mas no que diz

respeito às organizações criminosas essa não poderá incidir, pois juridicamente

não se possui uma definição, conforme posicionamento de doutrinadores que

defendem uma visão garantista do Direito Penal.

1.2 CARACTERÍSTICAS

a) Participação de agentes estatais

O crime organizado não tem como principal objetivo a busca do

poder estatal, mas sim o comprometimento dos agentes públicos, a infiltração

de seus homens, influenciando e, desta forma, até determinando postura e

conduta oficiais que favoreçam a organização, a qual desfrutará, de forma

clandestina, das benesses a serem ofertadas. Se tornando assim um poder

paralelo e usufruindo do poder oficial, garantindo, assim, sua impunidade.

É importante para as organizações criminosas infiltrar-se no Estado,

se associando a agentes estatais encarregados de efetivamente combater à

criminalidade organizada.

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O alto poder de corrupção do crime organizado, proveniente de seu

elevado nível econômico, faz com que agentes do Estado participem da

atividade, causando inércia, ou melhor, paralisação estatal no combate ao

crime. Pior, a participação de agentes estatais cria uma falsa sensação de

segurança, vez que continuam a agir em detrimento de outros casos, mas com

relação àquele específico, daquela organização a qual pertence o agente, a

ação estatal permanece completamente estática, permitindo que aquela

organização se perpetue em seus lucros e se fortaleça ainda mais.

Óbvio, ainda, que a ação criminosa com o apoio de agentes estatais

tornará impossível o desmantelamento de qualquer organização criminosa,

seja porque será avisada acerca de eventual operação policial, seja porque as

investigações não prosperarão em seu desfavor e mais, seja pelo desinteresse

do Estado, representado por agentes que figuram nas folhas de pagamento e

até mesmo nas chefias da organização que se pretende eliminar.

b) Criminalidade difusa

A criminalidade difusa caracteriza-se pela ausência de vítimas

singulares, ou seja, as vítimas são pessoas indeterminadas, ligadas entre si por

situações da vida.

Esse aspecto é muito importante em razão de que, em não havendo

vítimas diretas, os prejuízos não são visíveis imediatamente e sequer em

médio prazo, o que nos deixa claro deste modo a existência da próxima

característica estudada neste trabalho, que veremos adiante. Assim, quando se

descobre a ocorrência criminosa, o dano já se mostra imenso e quase sempre

irreparável, até porque, quando há prejuízo ao erário, ao Poder Público

somente resta a busca do valor apropriado pela organização, tarefa esta muito

lenta, burocrática, difícil e de poucos resultados.

c) Pouca visibilidade dos danos

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Neste caso, é desnecessário dizer que o prejuízo causado pelas

organizações criminosas é altíssimo. Contudo, este não é verificado

inicialmente, levando-se em conta o caráter oculto de suas atividades e sua

difícil elucidação que ocorre pelo alto grau de operacionalidade que possui.

Quando de fato são descobertas as suas atividades já não há mais tempo hábil

para se pleitear a reparação, que na maioria das vezes é impossível.

Exemplos da dificuldade de se visualizar os danos causados podem

ser no caso de organizações criminosas ligadas à sonegação fiscal, voltadas a

lesar a previdência social, onde se desvia muito dinheiro, sem que ninguém

perceba, e quando se descobre o prejuízo, este já se revela monstruoso.

Contudo, o prejuízo não se mostra apenas financeiro, mas decorre também do

desgaste institucional, ocasionando descrédito nos órgãos públicos, que

deveriam prevenir e reprimir tais crimes.

d) Alto grau de operacionalidade

Um dos graves problemas, ao se tratar de crime organizado, é

aquele relativo ao alto grau de operacionalidade dos grupos criminosos, os

quais possuem integrantes com elevado nível de qualificação nas diversas

áreas e que recebem excelente remuneração e quase nunca possuem

informações relacionadas ao restante da organização, a fim de evitar que

essas informações vazem, o que no linguajar dos órgãos de inteligência se

costuma chamar de compartimentação.

Contando com a existência destes dois requisitos, quais sejam:

Profissionais de alta qualificação, em tempo integral, e, ainda equipamentos de

última geração, esses grupos criminosos possuem uma mobilidade invejável,

podendo atuar, concomitantemente, em vários Estados da Federação e

consequentemente em vários países do mundo, transferindo valores e

informações com uma velocidade incrível, tendo em vista a facilidade de se

praticar atividades ilícitas por meio da internet, sendo esta ainda considerada

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um espaço onde a lei de fato não se faz presente e, via de consequência,

tornando muito difícil o rastreamento das organizações criminosas.

e) Mutação constante

Diante das várias dificuldades que se enfrenta ao lidar com

organizações criminosas, é necessário muito tempo de investigação para que

se consiga mapear e levantar as ações destes grupos, o que implica em alto

custo de investigação, verba de que o Estado em geral não dispõe, ou que

dispondo, a deveria canalizar para outras necessidades da população.

Com efeito, outro grande obstáculo ao combate das organizações

criminosas se afigura ao averiguar que estas possuem uma característica

mutante, ou seja, atuam utilizando-se de empresas que servem apenas de

fachada e de pessoas chamadas “laranjas” e de tempo em tempo, mudam toda

a estrutura administrativa, mudando as empresas, neste momento

encontramos em diversos noticiários casos de pessoas que são enganadas

com promessas de determinados serviços e ao se dirigirem à empresa

contratada encontram as portas fechadas, este seria um exemplo do caráter

mutante de uma organização criminosa, e estão sempre se diversificando,

inclusive removendo pessoas para outros postos em outros lugares, utilizando-

se de outras contas bancárias.

Deste modo, uma investigação que caminhava regularmente e já

apresentava um custo vultuoso para o Estado, de hora para outra torna-se

perdida em face a alteração do modus operandi da organização, fato que muito

contribui para dificultar a prevenção e repressão à criminalidade organizada.

f) Caráter transnacional

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Atualmente a característica mais expressiva da organização

criminosa é a “transnacionalização” (internacionalização), fenômeno decorrente

da globalização, qual seja a debilidade da repressão por parte do Estado

devido à restrição de atuação aos limites geográficos do seu território, se faz

necessário destacar aqui que tais limites geográficos em nada dificultam as

atividades das organizações criminosas e que talvez este seria o ponto a ser

discutido perante os Órgãos competentes para se tentar combater o fenômeno

da criminalidade organizada. Como já vimos, as organizações criminosas não

respeitam as fronteiras dos países (principalmente no que diz respeito aos

crimes praticados pela internet), atuando onde possam auferir lucro,

dificultando assim a aplicação das leis penais dos respectivos Estados em que

desenvolvem suas ações ilícitas. Normalmente, a organização criminosa se

encontra fixada em uma base territorial, com ramificações em diversas outras

localidades.

g) Planejamento empresarial

Como regra, a organização criminosa possui estrutura e

planejamento empresarial, com firmas constituídas, formalmente ou não,

envolvendo, por exemplo, custos das atividades, formas de pagamento do

pessoal, recrutamento de pessoas qualificadas, programação de fluxo de

“mercadorias”, planejamento dos itinerários, etc. Quanto mais rica e firmemente

estruturada a organização, menores os riscos na sua atuação.

h) Hierarquia

Esta seria a característica que mais facilmente se verifica quando o

assunto é crime organizado, pois a hierarquia existente neste tipo de delito é

piramidal, ou seja, os operadores se encontram figurados na sua base e no

ápice, os chefes da organização, onde há o poder de decisão. Sua hierarquia é

mais forte do que a militar, e muitas vezes, os fracassos das missões e

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operações são decididos com a pena capital. Há um rígido controle nas

divisões das tarefas, levando-se às últimas consequências quaisquer rupturas

à sua obediência. Nem as instituições militares, em suas missões, infundem

tamanho temor às consequências do desrespeito às ordens dadas, uma vez

que, obviamente, a organização criminosa não encontra limites em balizas

legais, o que traz uma assimetria de poderes entre Estado e Organizações

Criminosas no combate travado entre ambos, o que leva alguns estudiosos a

defenderem o chamado direito penal do inimigo, teoria enunciada por Günther

Jakobs, em que em resumo, aquele que infringe a lei penal é considerado

inimigo do Estado e da sociedade.

i) Poder econômico-financeiro

Podem estar distribuídos no país ou no exterior os recursos

econômico-financeiros da organização criminosa. No país, encontramos em

poder de terceiros (“testas-de-ferro”, “laranjas”), empregados em empresas de

fachada, em empresas com alto giro financeiro, empresas de apoio, imóveis

rurais e urbanos, veículos, aeronaves, lanchas, etc. Já no exterior, notamos

outras variações como aplicações em paraísos fiscais, em empresas off shore,

no mercado imobiliário. Pelo seu poder econômico é que penetram no mercado

e com esse potencial abalam as estruturas do Estado por meio da corrupção.

Daí a importância de se atingir esse poderio econômico do crime organizado.

j) Poder de representação

Esse tipo de criminalidade necessita, para a sua própria

sobrevivência, do poder de representação, através do qual influencia e

corrompe agentes públicos, fazendo prosperar seus projetos de redução de

penas, indultos, tratados, convênios, acordos nacionais e internacionais e

anistias. Contam ainda com o apoio de algumas ONGs – Organizações Não

Governamentais – como, por exemplo, em projetos legislativos visando à

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descriminalização das drogas; de lideranças sindicais, comunitárias, ou

religiosas; de entidades de classe, etc., exercendo pressões nos governos, nos

órgãos públicos e suas instituições, visando medidas que, de alguma forma,

beneficiam a atuação das organizações criminosas. Vemos, ainda, o poder de

corrupção atuando nas estruturas dos organismos policiais, no Ministério

Público, no Poder Judiciário, nos órgãos fiscalizadores, instituições estas que

deveriam zelar pela legalidade, justiça e moral.

l) Fachada legal

As organizações criminosas têm em seu organograma instituições

de caridade, fundações sem fins lucrativos, escritórios, agências, bem como

empresas de diversos ramos de atividade, tudo com o objetivo único de servir

de frente, de vitrine para as organizações, maquiando as atividades ilícitas que

por detrás se desencadeiam.

1.3 AS FACETAS DE UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: O TRÁFICO

A expressão “Crime Organizado” é muito ampla, abrangendo assim

inúmeras atividades criminosas, podemos destacar pelo menos duas como

sendo idênticas, mas completamente diversas em suas essências, são elas: O

tráfico de drogas no morro e o tráfico de drogas realizado no asfalto.

Com base no filme Falcão, meninos do tráfico, produzido pelo rapper

MV Bill e pelo centro de audiovisual da Central Única das Favelas,

conseguimos destacar algumas peculiaridades do tráfico de drogas realizado

nas favelas brasileiras e dessa forma podemos enxergar uma atividade ilícita e

organizada, liderada pelo traficante que por sua vez conta com o auxílio de

seus “soldados”, estes atuam nessa função por vários motivos, dentre eles:

ausência da família, falta de oportunidade no mercado de trabalho, falta de

estudo, de dinheiro e de apoio, e em geral se sentem ignorados e

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marginalizados pela sociedade, a maneira que eles encontram para ter a

possibilidade de manter a si e a sua família infelizmente é ingressando no

mundo do crime, no tráfico.

Embora o tráfico do asfalto seja realizado da mesma forma que o da

favela, surge por razões diversas, na maioria das vezes é praticado por jovens

de classe média, classe média alta que não precisariam praticar tais condutas,

pois em regra possuem boa educação e uma família estruturada e na maioria

das vezes possuem um bom trabalho, mas na realidade seus objetivos com o

tráfico são específicos, como por exemplo, ter reconhecimento entre a galera,

ostentar luxo nas festas, curtir com os amigos e de fato nem imaginam o que

pode estar por vir em uma eventual prisão e não conseguem entender a real

gravidade de suas ações.

Face à extraordinária dimensão da marginalização social, política,

cultural e econômica de muitos setores da sociedade, propicia-se a inserção de

muitos na criminalidade, fazendo com que esta por sua vez obtenha

proporções elevadas. Por este motivo, devem ser adotadas políticas sociais

capazes de melhorar a situação das pessoas mais desfavorecidas e de garantir

a igualdade, a justiça e a equidade no âmbito da aplicação da lei, do processo

penal, da aplicação de penas, da condenação e do tratamento, a fim de evitar

qualquer discriminação fundada em razões de ordem socioeconômica, cultural,

étnica, de nacionalidade, política, de sexo ou de riqueza. É necessário partir da

premissa de que a constituição de uma verdadeira justiça social na distribuição

dos bens materiais e imateriais entre todos os que compõem a sociedade, a

extinção de todas as formas de opressão, de desigualdade e de exploração

econômica e social, bem como uma efetiva garantia dos direitos individuais e

das liberdades fundamentais constituem a principal esperança de êxito no

combate ao crime e na sua erradicação da sociedade em geral.

Como se pode verificar nessa breve exposição, o crime organizado

está em todas as classes sociais, pode ser praticado por diversos motivos e

com objetivos desconhecidos, o que podemos concluir é que o Brasil vai ter

que refletir sobre essa questão do ponto de vista de quem é o culpado e a

vítima.

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2 CRIME ORGANIZADO NO MUNDO

2.1 A ORIGEM DO CRIME ORGANIZADO

É de suma importância fazermos uma breve exposição do que mais

adiante faremos com maior detalhe, tal seja, salientar as dessemelhanças

existentes entre uma mera organização criminosa e o crime organizado no

sentido aqui tratado. Pois, para que qualquer grupo criminoso obtenha êxito em

suas atividades, é imprescindível um mínimo de estruturação, há de haver uma

organização, ainda que mental.

No entanto, é relevante reforçarmos que a finalidade principal deste

trabalho é o estudo do crime organizado stricto sensu e não organizações

criminosas que embora possuam certa organização ainda não se enquadram

em nosso objetivo. Então, deveremos entender por crime organizado aquele

pelo qual seus integrantes se estruturam de forma empresarial, organizações

estas demasiadamente requintadas, com utilização de alta tecnologia e

profissionais qualificados, com elevado poder econômico e com infiltrações em

diversos ramos de atividades comerciais e governamentais.

Apesar de a origem do nome Máfia também levantar, atualmente,

muitas divergências e polêmicas entre estudiosos deste tema e operadores do

direito, sabe-se que foi através da Máfia Italiana que o crime organizado se

originou e passou a ganhar a delimitação que aqui será abordada.

2.2 A MÁFIA ITALIANA E SUA EVOLUÇÃO

A palavra Máfia desde o século XIX até os dias atuais fora utilizada

no sentido de referir-se a atividades diversificadas, fazendo com que ocorresse

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nos dias de hoje grande problemática no que tange à origem desta palavra,

bem como a origem da organização criminosa a qual passou a designar.

Segundo Lupo (LORENCINI, 2002, p. 25-26) a Máfia seria, em sua

origem, “uma organização caracterizada pela descrença em relação ao Estado

e, portanto, pelo hábito de fazer justiça por si mesmo” (o que é expressamente

vedado em nosso ordenamento jurídico, conforme art. 345 do CP) 2.

Ivan Luiz da Silva (1998, p.51) expôs a Máfia Italiana como sendo

“um poder paralelo com a finalidade de auferir lucros ilegais, corrompendo

também o Poder Público para obter a impunidade por seus crimes e aumentar

seus lucros”.

De fato, é verdade que por volta dos anos 1970 a Máfia Italiana se

descrevia como uma grande empresa que praticava crimes, concentrando seus

cuidados nas atividades que obtinham maior lucratividade, empregando

recursos humanos e tecnológicos de alto nível, buscando, principalmente, a

acúmulo de capital por meio do tráfico de drogas.

Conforme conta a historiografia do crime, os mafiosos de

antigamente eram pessoas de alto poder aquisitivo. Sempre foram donos de

diversos bens, lícitos ou ilícitos. Com o passar dos tempos, é mais que natural

que estes criminosos com visão empresarial acentuada, passassem a

diversificar as atividades das suas empresas criminosas, ainda mais contando

com mão-de-obra qualificada e tecnologia de ponta. Deste modo, a Máfia

passou a modificar suas ações criminosas para dificultar ainda mais as ações

investigatórias de quem tem o dever de combatê-las, indo desde a simples

exploração imobiliária, até à lavagem de dinheiro e o tráfico transnacional de

seres humanos, passando pelo tráfico de drogas e armas e contrabando de

órgãos, que são atualmente as modalidades de crimes mais praticados por

meio de organizações criminosas.

As articulações no mundo do crime foram tão relevantes para as

organizações quanto sua diversificação no que diz respeito às atividades 2 Art. 345 do CP: Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena: detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

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criminosas. Hoje, se tem notícia de que grande parte dos seguimentos da

sociedade, um exemplo claro seria o segmento relacionado à política,

encontram-se infiltrados por pessoas que direta ou indiretamente compõem

uma organização criminosa. Esta infiltração veio a tornar-se uma característica

comum e mais um dos grandes entraves ao combate desta modalidade

criminosa.

2.3 PRINCIPAIS ATUAÇÕES DO CRIME ORGANIZADO NO MUNDO

A criminalidade organizada transnacional possui sua atuação

sempre diversificada, obtendo assim comando sobre várias espécies delituosas

em todo o mundo. Contudo, vale salientar três principais modalidades

criminosas, levando-se em conta a elevada lucratividade que proporcionam.

Quais sejam: o Tráfico de Drogas, o Tráfico de Armas e o Tráfico de Seres

Humanos. Neste sentido, observa-se que tão exacerbada lucratividade faz com

que a organização criminosa disponha do capital necessário à ampliação e

aprimoramento de suas atividades.

2.4 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Estudadas as dimensões mundiais do crime organizado, é preciso

elaborar urgentemente novos e eficazes acordos de cooperação, de âmbito

mais global.

A interação entre os Estados membros da Federação,

principalmente no que tange às informações relacionadas à prática de delitos é

igualmente uma atividade importante que é preciso ampliar e fortalecer. Os

Estados deveriam apoiar de maneira eficiente todas as iniciativas tomadas quer

por outros Estados ou países quer pelas instituições internacionais voltadas ao

combate à criminalidade organizada e deveriam repreender os outros Estados

do perigo iminente que esta representa. Todos os países deveriam participar

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na luta contra as organizações criminosas, que é uma preocupação mundial e

diz respeito a todos. Assim sendo, seria imperioso dedicar, em parâmetro

internacional, um esforço coerente e sustentado, com o objetivo inicial de troca

de dados e de recursos operacionais para consequente supressão das

organizações criminosas.

Deveriam organizar estratégias eficientes e métodos que focassem

em uma melhor demarcação entre mercados financeiros lícitos e mercados de

capitais ilícitos.

Deveriam provocar a organização de conferências internacionais

ou internas, nas quais integrassem agentes competentes pelo serviço de

repressão ao crime organizado, bem como representantes do Ministério

Público e do Poder Judiciário. Deveriam energizar a cooperação técnica em

todas as suas modalidades, expandindo os respectivos serviços consultivos,

permitindo, assim, que se compartilhassem experiências e que se ajudassem

os países que delas carecessem.

Deveriam fragmentar as técnicas modernas, nos domínios dos

controles de passaportes e de viagens, e encorajar-se a identificar e vigiar os

automóveis, barcos e aeronaves utilizados para roubos, transferências

internacionais ou para expedições. Deveriam inventar ou aprimorar banco de

dados que reunissem informações sobre a aplicação das leis, sobre as

transações financeiras e sobre os delinquentes, tendo devidamente em conta o

caráter confidencial destas informações, isto por si só auxiliaria

abundantemente ao combate às organizações criminosas.

Deveriam dar preferência às questões de subsídio ao judiciário,

como o auxílio nas diligências processuais, nas questões relacionadas às

execuções penais, apreensão e o confisco de bens ilícitos, bem como de

processos relativos à extradição. Deveriam apoiar buscas comparativas e a

reunião de dados sobre as questões voltadas à criminalidade transnacional, às

suas origens, aos seus integrantes e as outras formas de criminalidade, assim

como a sua prevenção e repressão.

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Os institutos regionais e inter-regionais das Nações Unidas para a

prevenção do crime, a luta contra a criminalidade de uma maneira geral e as

organizações, sejam elas governamentais ou não, deveriam dar maior foco à

questão das organizações criminosas, que é uma problemática comum a todos.

3 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

O precedente do crime organizado brasileiro é encontrado no

cangaço, este movimento teve origem entre o final do século XIX e primeira

metade do século XX. Seus membros se organizavam hierarquicamente e

praticavam atividades delituosas em diversos Estados do nordeste brasileiro.

A criminalidade organizada nacional se estabilizou em meados do

século XX, depois da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41),

que previu inúmeras contravenções penais, entre elas o jogo do bicho. Em

meados dos anos 1980, ápice do jogo do bicho, a estabilidade e o poder

econômico dos grupos criminosos que comandavam esse negócio ilegal

ficaram mais visíveis tendo em vista a divulgação da corrupção policial

praticada pelos exploradores da contravenção em relação aos agentes

públicos que deveriam coibi-la.

Entre os anos 1970 e 1980 deu-se início às facções criminosas,

principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. A resposta do

Estado não foi ágil, pois transcorreu aproximadamente 20 anos entre a

existência de grupos criminosos urbanos organizados e a lei que tratou do assunto

(Lei nº 9.034/95) e além da demora esta lei fora alvo de duras críticas, uma

delas, a de facultar a atuação inquisitorial do juiz, que será abordada mais

adiante.

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Embora haja controvérsia, nos parece que nacionalmente falando,

nenhum grupo criminoso atingiu a complexidade de grupos criminosos

encontrados em outros locais, contudo, vale ressaltar que o crime organizado

no Brasil já alcançou grande proporção, se tornando assim, cada vez mais

comum, pois, podemos encontrar notícias deste tipo de delito em diversos

telejornais corriqueiramente. O crime organizado está presente e com força

assustadora. É possível notar, muito claramente, a marca que o crime

organizado deixou, mais evidentemente em alguns Estados membros que em

outros. Desta forma a população brasileira observa a tudo de forma apática.

Seja como for, a verdade é que a realidade brasileira é bem propícia

para o crescimento, entre nós, de organizações criminosas tão ou mais

complexas que as existentes em outros países, vejamos mais a frente os

motivos pelos quais se constituir uma organização criminosa em nosso país é

algo relativamente simples.

Inicialmente, porque há uma enorme facilidade em se constituir

empresas, muitas das quais jamais atuaram realmente em seu ramo sem que

sejam fiscalizadas neste aspecto. Porque de fato nos falta um Órgão

Fiscalizador que possa agir de maneira eficiente. Soma-se a isso o fato de que

os instrumentos e os órgãos de combate à lavagem de dinheiro são

absolutamente insuficientes e estatisticamente inoperantes, contudo devemos

observar um crescente esforço para que este quadro se modifique. Outrossim,

a atividade de câmbio clandestina no Brasil é muito pouco reprimida, eis que

em plena luz do dia, sem maiores problemas e aos olhos dos agentes de

repressão e/ou de fiscalização, é possível efetuar troca de moeda, facilitando,

com isso, a atuação dos grupos criminosos.

Outra realidade brasileira a ser analisada é o fato de ser o Brasil um

considerável produtor de matérias químicas que são empregadas por

laboratórios na produção das drogas ilícitas, certo é que tais produtos químicos

têm por finalidade a entrada ilegal nos países vizinhos que produzem drogas

ilícitas, como por exemplo a Bolívia e a Colômbia, países estes que fazem

fronteira com o Brasil e é de lá que saem os maiores traficantes de drogas. Não

por acaso, vem se tornando uma realidade inegável que o Brasil, hoje em dia, é

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refúgio seguro para alguns líderes do narcotráfico colombiano e europeu, até

mesmo porque está situado num ponto estratégico de ligação do continente

americano ao europeu e vale acrescentar a escassa fiscalização de nossas

fronteiras.

Já passou por inúmeras fases o debate público sobre o crime

organizado no Brasil, em cada uma dessas fases satisfazem diagnósticos e

tendências de reestruturação e de atuação do sistema penal institucionalizado.

Uma visão geral no que tange este tema pode ser organizada a partir de alguns

aspectos, quais sejam: o reconhecimento do problema pelos formadores de

opinião pública, pelos tomadores de decisão, e, finalmente, pela massificação

da discussão pela mídia; e as tendências de reestruturação e de atuação do

sistema penal institucionalizado em face do problema depende de vários

fatores, entre os quais estão a pressão mundial, a crise interna do Brasil e a

capacidade de veto das corporações policiais e militares de impedir alterações

em suas atribuições.

Há, atualmente, uma grande divergência acerca da existência e da

atuação do crime organizado no Brasil. As Comissões Parlamentares de

Inquérito, instaladas no Congresso Nacional e em várias Assembléias

Legislativas, objetivaram apurar a atuação das organizações criminosas em

diversas áreas, tais como no tráfico de drogas, na adulteração e falsificação de

medicamentos, na corrupção nos Poderes Executivos, Legislativos e

Judiciários, etc., o que levou à adoção de várias medidas preventivas e

repressivas, como a aprovação da Lei de Proteção a Testemunhas (Lei nº

9.807/99) e a determinação, no âmbito das Polícias Judiciárias, de delegacias

especializadas na repressão das ações praticadas pelo crime organizado.

O Brasil, segundo a visão de alguns estudiosos do tema organização

criminosa, é refúgio ideal para criminosos de alto nível, é atraente local para a

prática da lavagem de dinheiro, tendo em vista a facilidade de se constituir e

extinguir empresas, e a facilidade também com relação às movimentações

financeiras, é passagem para o tráfico de drogas, concentra boa porcentagem

das contas bancárias dos narcotraficantes, é o principal produtor e fornecedor

de matérias químicas para os laboratórios clandestinos para a produção de

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drogas ilícitas como visto anteriormente, é hoje cada vez mais consumidor de

drogas ilícitas, o que vem se ampliando e se modificando a cada ano.

Podemos verificar que as organizações criminosas zelam sempre

pela diversificação de seus produtos e é exatamente o que vem ocorrendo no

norte do Brasil com relação ao tráfico de drogas, que com a produção de uma

nova droga, que se tornou conhecida dos brasileiros entre o final do ano de

2010 e início de 2011, chamada “OXI” (do termo oxidado), que é resultado da

união de cocaína, ácido sulfúrico, cal e querosene ou gasolina, fez com que se

atraísse ainda mais consumidores tendo em vista que seus efeitos podem ser

ainda mais devastadores que os do “crack”. Há suspeitas de que esta droga já

esteja sendo traficada em sete Estados da região norte brasileira. Motivo pelo

qual o Estado de uma maneira geral deve se manter em alerta e buscar de

forma urgente e eficiente o combate às organizações criminosas, antes que se

faça vítimas de forma epidêmica em nosso país.

Diversos Estudos e pesquisas nos têm revelado a existência de

organizações criminosas atuando em nosso país, mais especificamente em

algumas cidades que em outras. Dentre elas, podemos citar:

Jogo do Bicho – atua nas grandes cidades brasileiras. Embora seja

aceito por grande parte da sociedade, ainda não ocorreu o fenômeno da

descriminalização no que se refere ao jogo do bicho, tal prática ainda

permanece sendo tipificada como contravenção, conforme art. 58 da Lei de

Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) 3.

As facções criminosas – que podem ser encontradas principalmente

nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, quais sejam:

Comando Vermelho (C.V.) – atua com mais destaque no Rio de

Janeiro, sendo voltado para o tráfico de drogas, tráfico de armas e extorsão,

roubos e assaltos à banco.

Amigos dos Amigos (A.D.A.) – a facção surgiu dentro dos presídios

do Rio de Janeiro durante os anos 90, logo se aliando ao extinto Terceiro

3 Art. 58 do Decreto-Lei 3.688/41: Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração: Pena: prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.

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Comando, para diminuir o poderio do Comando Vermelho como veremos mais

detalhadamente à frente. Em 2002 houve uma divisão entre a A.D.A. e o

Terceiro Comando e tornaram-se rivais. Os traficantes ligados ao Terceiro

Comando então optaram entre seguir para a A.D.A. ou ir para o Terceiro

Comando Puro.

Terceiro Comando Puro (T.C.P.) – é uma organização criminosa

tipicamente carioca, que teve início no Complexo da Maré no ano de 2002,

quando o Terceiro Comando desfez sua aliança com a A.D.A.(Amigos dos

amigos), e os traficantes do então Terceiro Comando ou migraram de vez para

o lado da A.D.A., ou foram para o T.C.P.

Primeiro Comando da Capital (P.C.C.) – organização criminosa

formada por criminosos dos mais diversos ramos delituosos. Atuam com mais

destaque em São Paulo, principalmente dentro dos presídios, de onde seus

líderes comandam a vida e o comportamento de cada preso e de seus

familiares. As suas atividades criminosas são das mais variadas: desde

assassinatos encomendados, sequestros, extorsões, roubos, até o tráfico de

armas e de drogas.

O crime organizado é um desses problemas brasileiros que

atravessam décadas sem uma reação eficiente para solucioná-los. Para se ter

uma idéia para extinguir a inflação, foi necessário uma década de tentativas

fracassadas, inúmeros presidentes da República, ministros da Fazenda e

planos econômicos frustrados. A solução somente se apresentou quando se

chegou a uma verdadeira confusão econômica e a um programa de combate à

hiperinflação que possuía as medidas corretas e o apoio da sociedade. O

mesmo parece estar ocorrendo com a criminalidade organizada. O Brasil não

aguenta mais, a sociedade se mobilizou e está fazendo pressão. As

autoridades, embora ainda envolvidas num jogo de empurra-empurra,

passaram a discutir seriamente a questão.

O povo brasileiro se encontra descrente na política, pois diariamente

encontramos na mídia notícias de escândalos relacionados à corrupção em

nosso país e as organizações criminosas ligadas á corrupção agem como

qualquer outra organização criminosa, pois muitas das vezes somos

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surpreendidos com notícias de assassinatos no mundo da política e sempre

pelo mesmo motivo: dinheiro, que na maioria das vezes é público. Podemos

citar como exemplo o assassinato do prefeito de Jandira, Braz Paschoalin em

10 de Dezembro de 2010, as investigações que ainda não foram concluídas, ao

menos não publicamente, nos mostram claramente a participação de

organização criminosa composta por políticos. O brasileiro se encontra ímpio

no Estado, na justiça e principalmente na lei, porque infelizmente se lê a todo

momento informações assustadoras relacionadas à corrupção, tráfico de

influência e crimes bárbaros praticados por políticos em atividade típica de

organização criminosa.

Para reprimir o crime organizado, o Brasil dispõe de inúmeros

policiais, pertencentes às policias Militar, Civil e Federal. É um número bastante

satisfatório, pois nas principais cidades brasileiras, a proporção entre policiais e

a população é equivalente a da cidade de Nova York. O problema está mesmo

no despreparo. Nossos policiais formam entre os mais ineficientes do mundo.

No tempo em que eles elucidam um caso, seus colegas americanos e ingleses

desvendam mais que o triplo. É difícil imaginar desempenho mais insatisfatório,

mas os especialistas asseguram que, se a polícia trabalhasse melhor e

atingisse padrões de Primeiro Mundo, a Justiça entraria em colapso (se é que

já não entrou). Podemos perceber que o problema é mais complexo do que de

fato aparenta. Seria necessário lançar dez vezes mais editais nomear dez

vezes mais juízes além de abrir cinco vezes mais vagas em prisões, o que

atualmente é praticamente impossível.

Contudo, existem motivos para tão insignificante desempenho da

polícia brasileira. Um policial militar em início de carreira recebe em torno de

1.000 reais por mês e só dobra os vencimentos se chegar a tenente. Com os

salários oferecidos no Brasil é difícil atrair bons candidatos para a carreira.

Com total acesso a armas e desfrutando de muito poder, o policial brasileiro

age de maneira inadequada. Além disso, a tortura é o principal método de

colheita de provas e a corrupção um hábito, saliente-se que a utilização da

tortura como meio de prova é expressamente vedado em nosso ordenamento

jurídico (Lei nº 9.455/97).

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Podemos analisar de acordo com diversos especialistas quais são

as medidas capazes de reduzir a criminalidade organizada no Brasil. Há um

consenso em relação a sete delas, todas ligadas ao trabalho de policiamento:

1- Integração das policias: A única maneira de eliminar com o acúmulo de

poder concentrado em único Ente Público é criar novos Órgãos de

comando. Neste caso, policiais civis e militares fariam parte de um mesmo

sistema. Haveria uma única Instituição Policial tratando de prevenção,

repressão e investigação, assim se tornariam ainda mais fortes.

2- Retirada de maus policiais: Remover policiais que de certa forma

prejudiquem a reputação da Instituição Policial, ou seja, aqueles que de

alguma forma são réus em processos pela prática de crimes relativamente

graves. Contudo, a nossa Constituição impede a demissão de funcionários

públicos, exceto em casos excepcionais. Vale ressaltar também que deve

ser observado o princípio constitucional da presunção de inocência (inciso

LVII do art. 5º da CF/88) 4.

3- Gastar melhor o dinheiro público: O Brasil gasta mal o dinheiro da

segurança. Na Polícia Federal, os salários são altos (um delegado ganha

em torno de 11.000 reais iniciais), mas falta dinheiro para a gasolina e

várias delegacias estão sob ameaça de despejo. O caso das polícias Civil e

Militar é ainda pior. A estrutura é péssima, e os vencimentos piores ainda.

4- Elaboração de um banco de informações: Em alguns países utilizam-se

modelos excelentes. São Paulo fez uma experiência nesse sentido e

realizou inúmeras descobertas. Por meio da análise dos boletins de

4 Art. 5º, Inciso LVII da CF/88: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

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ocorrência, ficou-se sabendo que 40% dos crimes da capital paulista

acontecem em apenas 1% das ruas. Igualmente se verificou que os

policiais não efetuam a ronda em locais e horários de maior ocorrência de

crimes. Com essas informações, o policial responsável poderia coordenar

melhor a tropa, definir objetivos e, desta forma, cobrar resultados dos

subordinados. E ainda poderá ser montado esse banco de dados pelos

Estados a fim de se capturar mais rapidamente criminosos que praticam

delitos em um Estado e se evadem para outro. A integração entre os

Estados é indispensável para o combate eficiente à criminalidade.

5- Policiamento Ostensivo: Essa medida gera um resultado duplo. De um lado,

a presença física do policial armado intimida a ação do marginal. De outro,

só a ação de investigação nas ruas feita por equipes bem preparadas leva

ao desmantelamento das quadrilhas.

6- Desburocratizar a ação policial: Durante o trabalho de investigação, o

policial perde tempo com o processo, que é refeito duas vezes, inicialmente

pelo promotor e depois pelo juiz. E vale ressaltar que em uma delegacia

informatizada (que não são muitas), fazer queixa de furto de veículo demora

horas.

7- Desarmamento da população: A maior parte dos crimes que ocorrem no

Brasil são cometidos por meio de armas de fogo ilegais. Ninguém acredita

que a medida vá conter a ação dos bandidos à curto prazo, mas já seria um

grande passo para se chegar ao fim da criminalidade organizada e terá

desta forma grande efeito no futuro.

Um exemplo que demonstra perfeitamente o terror que vivemos com

a criminalidade organizada no Brasil no passado e sofremos reflexo até hoje

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não poderia ser outro, em 2006, o PCC deixou em pânico uma das maiores

cidades brasileiras, a cidade de São Paulo e inspirou a produção do filme

"Salve Geral", dirigido por Sérgio Rezende. É o que podemos verificar em uma

reportagem da Revista Veja em 24 de Maio de 2006:

O homem que comandou a rebelião simultânea de 73 presídios paulistas, provocou uma onda de atentados no estado e, ao que tudo indica, ordenou o cessar-fogo aos seus comparsas depois de mais de 100 horas de terror, não é reconhecido pela Justiça como líder de uma organização criminosa. Aos olhos da lei, Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", é simplesmente um condenado por assalto a bancos.

Ao longo de quatro dias, sua organização conseguiu impor o terror aos 11 milhões de habitantes da cidade de São Paulo. Policiais foram assassinados, prédios públicos sofreram ataques a bomba, ônibus arderam em chamas, serviços básicos foram interrompidos e agências bancárias, escolas e comércio fecharam suas portas. Tudo porque um bando de criminosos se recusava a perder as regalias a que estava acostumado nas penitenciárias comuns. A transferência de 765 detentos ligados ao PCC para a penitenciária de Presidente Venceslau, de regras mais rígidas, foi o estopim para a espiral de violência que teve como epicentro a maior e a mais rica metrópole brasileira. Entre policiais, criminosos e cidadãos comuns, foram 152 mortos, vítimas dos 293 atentados cometidos pelo PCC de Marcola. (CARNEIRO, Marcelo. 2006).

A grande preocupação das autoridades brasileiras consiste em

impedir a transformação do Brasil em base das muitas máfias e organizações

criminosas internacionais. As facilidades de comunicação e de constituição de

empresas aparentemente legais, a extensão territorial, a grande rede hoteleira,

os inúmeros portos e aeroportos oficiais e clandestinos, a proximidade

geográfica com os países produtores de droga, a densa malha viária,

hidroviária, aeroportuária e portuária, o mercado financeiro estável, somado à

globalização das atividades criminosas, as expectativas dos altos lucros, poder

e impunidades aliadas a outros problemas nacionais transformam o nosso país

em importante centro para a instalação do crime organizado e para a lavagem

de dinheiro.

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3.1 O CRIME ORGANIZADO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição da República Federativa do Brasil em vigor desde 05

de Outubro de 1988 se mostra omissa no que se refere ao crime organizado, a

mesma não faz referência à expressão “crime organizado” diretamente, nem

dita medidas de combate à esta modalidade criminosa, contudo, dispõe que

são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia o tráfico ilícito de

entorpecentes, delito este que é, em regra, praticado de forma organizada, a

tortura, o terrorismo e aqueles crime definidos como hediondos.

A preocupação do legislador constituinte em combater o tráfico de

drogas é visualizada igualmente em outras passagens do texto constitucional,

pois, no Título II, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Lei Maior

dispôs que se comprovado o envolvimento do brasileiro naturalizado nesta

espécie de delito, será permitida sua extradição; no Título V, que versa sobre a

Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, em seu capítulo III, sobre

Segurança Pública, frisou que o combate ao tráfico de drogas são atribuições

da Polícia Federal, sem prejuízo da ação de outros Órgãos Públicos, enquanto

o Título IX, que dispôes sobre as Disposições Constitucionais Gerais, indicou

serem cabíveis a expropriação das terras destinadas ao cultivo ilegal de

plantas psicotrópicas e o confisco dos bens com valor econômico apreendido

no combate ao tráfico de drogas.

Ainda ao versar sobre o príncipio da defesa da paz e ao garantir aos

brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade de seus Direitos

Fundamentais, a Constituição Federal legitimou a adoção de ações

internacionais e nacionais para previnir e reprimir crimes, especialmente

aqueles relacionados à organização criminosa, que por sua vez poderão

comprometer a convivência pacífica entre povos e atingir severamente as

pessoas.

Há inúmeras reflexôes que podem ser feitas a partir do texto

constitucional em relação ao crime organizado, porque dele é possível extrair

indicadores de proporcionalidade que orientarão o combate aos crimes para a

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criação da legislação infraconstitucional e para a interpretação e aplicação

dessas leis pela doutrina e pela Justiça.

Em síntese, o texto constitucional brasileiro trata do tráfico ilícito de

drogas e o equipara ao crime hediondo. O tráfico de drogas, muitas vezes

praticado mediante ação de organizações criminosas, é enfraquecido por meio

da possível extradição do brasileiro naturalizado, desde que reste comprovado

o envolvimento do mesmo em crime de tráfico de drogas, da prevenção e

repressão realizadas pela Polícia Federal, da expropriação das terras utilizadas

para o plantio ilegal e do confisco dos bens de valor apreendidos em

decorrência do tráfico de drogas.

O referido suporte constitucional permite que os Órgãos Estatais

enfrentem o crime organizado, mas deve ser feito, de acordo com alguns

doutrinadores, com respeito aos direitos e garantias individuais traçados pela

própria Constituição Federal.

3.2 O RIO E AS FACÇÕES CRIMINOSAS

A título de curiosidade, neste momento, iremos buscar a origem das

facções criminosas, que são espécies de organizações criminosas, e que se

encontram até hoje nos morros da cidade do Rio de Janeiro.

Três fatos históricos ocorridos entre o fim dos anos 1970 e começo

dos anos 1980 evidenciam o início das facções de drogas no Rio e marcaram

as diferenças do crime carioca do existente nos demais Estados brasileiros. O

primeiro foi a união de presos políticos e presos comuns no Presídio de Ilha

Grande, relação que contribuiu para a estruturação dos fundadores da

nascente Falange Vermelha em busca de atividades criminosas lucrativas.

A aposta no tráfico de drogas feita por esta nova facção que

acabava de surgir só deu certo porque, nessa época bolivianos e colombianos

buscavam contatos na América Latina para alargar a exportação de cocaína e

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diversificar as vendas. Por fim, houve substancial aumento entre os anos de

1981 e 1986 da rede varejista nos morros e favelas cariocas que teve como

principal razão a política do governador Leonel Brizola, que a partir do ano de

1983 suspendeu a ação da polícia nos morros.

O surgimento das facções criminosas e do tráfico de drogas no Rio

de Janeiro já não é algo difícil de se saber, ela é descrita em livros como “O

Bandido da Chacrete”, “No Coração do Comando”, “Lembrancinha do Adeus”,

de Julio Ludemir; “A História Secreta do Crime Organizado”, de Carlos Amorim,

e “400 contra 1”, autobiografia de William da Silva Lima, um dos fundadores da

quadrilha, filme de Caco Souza.

O mistério das facções e a ideologia quase suicida de alguns

integrantes cresceram com episódios como no filme “400 contra 1”, que no ano

de 2010 estreou no cinema nacional. Que conta no ano de 1980, ao fugir da

polícia, outro fundador do Comando Vermelho (CV), conhecido como “Bigode”,

se refugiou no Conjunto dos Bancários, na Ilha do Governador, e durante

aproximadamente 13 horas trocou tiros com 400 policiais até ser morto. “A

idéia de matar ou morrer é valorizada entre os integrantes da facção desde

essa época”, diz Júlio Ludemir. Esta passagem inclusive foi a inspiração para o

título do filme de Caco Souza.

O Comando Vermelho e o Terceiro Comando (CV e TC): As

primeiras ações da Falange foram de roubo à banco. Em 1980, o grupo

conseguiu liderar mais de cem fugas que resultaram em pânico na rede

bancária. Os bancos se defenderam com estratégias eficientes e com isso

dificultaram as ações destes grupos criminosos, levando os bandidos a se

aventurarem em outro seguimento, no tráfico.

O Comando Vermelho passou a dominar as tradicionais bocas de

fumo administradas por pequenos traficantes de maconha, pois agora possuía

um bom fornecedor de cocaína. Em 1985, já detinha 70% de todos os pontos

de venda em um grande mercado.

A violenta disputa por territórios começa também nessa época. No

ano de 1983, ainda no Presídio de Ilha Grande, bandidos que ficavam na

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terceira galeria, vindos principalmente da zona oeste do Rio de Janeiro,

travaram uma guerra violenta com integrantes do então Comando Vermelho.

Nascia assim, o Terceiro Comando, que optaria pelo tráfico para lucrar, se

armar e disputar territórios com o CV. Apesar das guerras contínuas, no

começo dos anos 2000, relatórios do setor de inteligência da Polícia do Rio

calculavam que o CV, com contatos internacionais, movimentavam cerca de

240 milhões de dólares por ano.

Amigos dos amigos (ADA): A disputa por territórios ficaria ainda

mais violenta no ano de 1994, quando ocorre aquela que a título de

curiosidade se tornou uma das maiores traições no mundo do crime carioca,

Orlando Jogador, líder do CV no Complexo do Alemão, é assassinado

brutalmente por Uê por motivos ligados a mulheres. Depois do homicídio, Uê

cria os Amigos dos Amigos (ADA) no Morro do Adeus, vizinho do Alemão, e

inicia uma batalha sangrenta que vai durar até setembro de 2002. Ele

consegue um bom fornecedor de cocaína e apoio de bandidos importantes.

A honra de Orlando Jogador foi lavada por Marcinho VP, que era

seu amigo fiel, espécie de braço direito. A força de Marcinho VP no Comando

Vermelho aumenta ainda mais nessa época. Foi ele quem emanou ordens de

dentro do Presídio de Catanduvas, orientando o bandido FB a iniciar os

ataques que deixaram o Rio de Janeiro em pânico.

Unidade de Polícia Pacificadora (UPP): As rixas violentas entre o CV

e a ADA foram enfraquecidas depois que as UPPs se instalaram nos morros do

Rio de Janeiro. A queda no movimento de comércio de drogas, acentuada com

a chegada da polícia, levou os antigos inimigos a se unirem contra o Estado. O

Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro, para onde fugiu grande parte dos

traficantes expulsos, são considerados quartel-general do CV. A Rocinha, que

até 2003 era dominada pelo Comando, hoje é reduto e principal fonte de lucro

da ADA. As facções se juntaram para lutar contra a Polícia. E poucos

arriscavam a prever os próximos capítulos dessa história.

Podemos dizer que este próximo capítulo veio à tona no final do ano

de 2010, com a mega operação que contou com 1.350 policiais entre Militares,

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Civis e Federais, bem como com Tropas da Marinha, Exército e Aeronáutica

que exterminou, se é que podemos falar assim, o tráfico de drogas no

Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, prendendo traficantes que por sua

vez tinham um papel importante no comando do tráfico não só naquela

comunidade, mas em muitas outras, apreendendo enorme quantidade de

drogas, dinheiro, armas e munições e assim ocupando essas comunidades e

retirando-as de uma vez por todas das mãos do poder paralelo, desarticulando

assim as facções criminosas, fazendo prevalecer a força e a figura do Estado,

já que foi mencionado pelo Governador Sérgio Cabral que as Tropas Militares

e a Polícia Militar permanecerá até a implantação da UPP nessas localidades.

A conclusão que podemos retirar desse feliz episódio é que a ação

conjunta das Policias Militar, Civil e Federal e das forças armadas faz toda a

diferença e quem sabe é esse o caminho para que o Estado do Rio de Janeiro

se veja livre do controle dessas facções criminosas.

4 A TIPIFICAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO DIANTE DO CODIGO PENAL E

SUA CONSEQUÊNCIA NO PLANO PROCESSUAL PENAL

Convém refletir nos critérios que possibilitam a definição normativa

do chamado “crime organizado”, quais sejam: estrutural (número mínimo de

integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade

organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo).

Utilizando tais critérios podemos alcançar uma definição de crime organizado,

como sendo aquele praticado por três pessoas ou mais, permanentemente

associadas (lembrando-se que não cabe nesta modalidade criminosa o

concurso de pessoas eventual) que praticam reiteradamente crimes a serem

estipulados pelo legislador, tendo em vista a realidade de cada país.

Salientando-se que tal conceituação não possui amparo legal e não se

encontra expressa em nenhum diploma legal.

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Verdade é que a Lei nº 9.034/95 procurou tutelar o crime

organizado, bem como dispôs de meios operacionais de combate a este,

contudo, não partiu de uma específica conceituação de crime organizado, não

o definiu, não classificou as condutas que caracterizariam a criminalidade

organizada nem ao menos procurou acoplar essas questões para delimitar a

matéria, com relação a estes assuntos a lei se mostrou omissa. Em um

primeiro momento a lei apenas se preocupou em equiparar o crime organizado

aos crimes de quadrilha ou bando e associação criminosa.

Embora houvesse, posteriormente, a alteração do art. 1º da referida

lei, trazida pela Lei nº 10.217/2001, esta não solucionou a problemática, tão

somente acrescentou a expressão “ou organizações ou associações

criminosas de qualquer tipo” e introduziu os meios investigatórios referentes à

infiltração policial juntamente com a interceptação ambiental.

Note-se que pela escrita atual da lei sobrevêm os ilícitos de

quadrilha ou bando (que de fato sabemos o que é e está tipificado no art. 288

do Código Penal); organização criminosa (que embora esteja inserida na lei,

não se tem como saber a sua real definição por não haver tipificação em nosso

ordenamento jurídico); e associação criminosa (onde temos a tipificação tanto

na Lei nº 11.343/06, art. 35 como na Lei nº 2.889/56, art. 2º) 5. Ainda, na

opinião do renomado doutrinador Luís Flávio Gomes:

A definição de crime organizado abrange a quadrilha ou bando, que claramente com o advento da Lei nº 10.217/01 passou a ser tratado como crime organizado, apesar de constituir delito diverso do verdadeiro crime organizado, as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico, assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e todos os ilícitos delas decorrentes, pois a referida lei fez com

5 Art. 35 da Lei nº 11.343/06: Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e parágrafo 1º, e 34 desta lei: Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos dias-multa. Art. 2º da Lei nº 2.889/56: Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no art. anterior: Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.

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que tais expressões se tornassem equivalentes. (GOMES, Luiz Flávio, 2002).

Esse conceito, em consequência, não abrange o crime organizado,

por falta de definição legal em nosso Ordenamento Jurídico, como já

mencionado, não abrange igualmente o concurso de pessoas onde há a

exigência dos requisitos da eventualidade e da instantaneidade, tendo em vista

que tais delitos por si só exigem a pluralidade de pessoas obrigatoriamente.

Cabe observar em um parâmetro processual que, o crime

organizado, devido a sua característica diversificada, também requer o

desenvolvimento de meios investigatórios diferenciados dos crimes comuns, na

medida em que se busca uma maior eficiência em seu combate. Nesta

vertente, a evolução da criminalidade individual para a criminalidade

especialmente organizada, esta objeto de nosso estudo, que dispõe de meios

operacionais modernos e de alta tecnologia e que possui ainda a seu favor o

caráter obscuro de suas ações, em certa medida se torna imune aos meios

tradicionais de investigação, determinou desta forma a busca de novos meios

operacionais e de investigação que deverão ser adotados pela Polícia.

No mesmo sentido, a criminalidade organizada, especialmente a

voltada ao tráfico de drogas, tem evoluído de maneira avassaladora nos

últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que dispõem de meios

financeiros de origem ilícita e cuja capacidade de operação supera as das

clássicas organizações comuns, razão pela qual os meios tradicionais de

investigação se mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração das

organizações e aproximar-se de quem as comandam.

O Poder Legislativo por sua vez deveria animar-se a adoção de uma

legislação que primeiramente nos trouxesse a definição de crime organizado e

que, outrossim, definisse novas infrações em matéria de lavagem de capitais, e

de fraudes relacionadas a abertura e utilização de contas bancárias sob um

nome falso. A criminalidade informática constitui igualmente um domínio que

seria necessário examinar, tendo em vista a dificuldade de se apurar crimes

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cometidos por meio da internet. Além disso, deveriam reformar-se as

legislações civis e fiscais e as disposições regulamentares relativas à luta

contra o crime organizado. Deveriam compartilhar as informações disponíveis

sobre as inovações importantes ocorridas nos últimos tempos, a fim de facilitar

a padronização do direito penal no que tange às organizações criminosas,

mundialmente falando.

É certo que as organizações criminosas conseguem maquiar a sua

real culpabilidade na prática de delitos, pois utilizam para este fim, meios

eficientes para a inutilização das provas, possuindo mecanismos engenhosos,

muitas vezes mais sofisticados que os da própria polícia. Podemos citar como

exemplo o que ocorre quando as organizações criminosas praticam o crime de

homicídio, neste caso a arma de fogo utilizada é destruída para que não haja

vestígios, o automóvel utilizado é incendiado, os locais de atuação são na

maioria das vezes desconhecidos, as testemunhas são assassinadas (a

chamada “queima de arquivo”) ou ameaçadas e no interior dos grupos

criminosos as informações são reservadas, ao modo que apenas pessoas

selecionadas recebem informações sobre atuações ou até mesmo integrantes

da organização criminosa, tudo para dificultar a investigação. Ainda podemos

verificar a aquisição de equipamentos eletrônicos de alta tecnologia capazes de

facilmente identificar a presença de microfones ou micro câmeras instalados,

afetando, assim, a colheita de provas.

Devido a dificuldade em se obter provas incisivas no caso da

criminalidade organizada, medidas como interceptações telefônicas e

ambientais, quebra de sigilo bancário e fiscal dos denunciados, medidas estas

trazidas pela Lei nº 9.034/95, tem sido de grande valia. Observa-se que de

acordo com o VIII Congresso das Nações Unidas em sua recomendação nº 10,

realizada em Havana, no ano de 1991, expõe que “a interceptação das

telecomunicações e o uso de métodos de vigilância eletrônicos são também

importantes e eficazes para a apuração do crime organizado.”

Neste caso, essas estratégias utilizadas para a obtenção de provas

têm se mostrado eficazes para o rastreamento das operações financeiras,

muitas com amarrações internacionais, resultantes da lavagem de capitais.

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Saliente-se que tais métodos, para alguns doutrinadores, devem ser utilizados

com cautela, a fim de evitar lesão aos direitos personalíssimos garantidos aos

cidadãos. É o que defende o renomado doutrinador abaixo:

O fundamento teórico dessa tendência restritiva está no fato de que, assim como os direitos fundamentais do cidadão, o bem-estar da comunidade e a preservação e repressão criminal também possuem assento constitucional e não podem ser sacrificados por uma concepção puramente individualista. Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos à idéia de responsabilidade e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam em risco os direitos fundamentais da sociedade. (ANDRADE, J. C. Vieira, 1983)

Como se há de observar, existem divergências na doutrina a

respeito da questão acima mencionada. Alguns autores afirmam que o Estado

jamais deve suprimir os direitos individuais, direitos estes consagrados pela Lei

Maior, pois notável é o perigo de um anacronismo na história, podendo,

inclusive, ocasionar o retorno do sistema ditatorial.

Com a finalidade de se preservar os direitos personalíssimos, o

legislador infraconstitucional ao prever normas para a colheita de provas,

disciplinou um procedimento confidencial para o juiz colher a prova que resultar

em violação de sigo preservado pela Constituição Federal ou por lei, cujo ato

diligenciado será conservado externo ao processo e em local seguro, conforme

art. 3º, §3º, da Lei nº 9.034/956.

6 Art. 3º Parágrafo 3º da Lei nº 9.034/95: O autor de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão deve servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.

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Por fim, o legislador, tratando-se de crimes de lavagem ou ocultação

de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de diversos

crimes praticados por organizações criminosas, determinou que o juiz decidirá

pessoalmente pela liberação dos bens, direitos e valores apreendidos somente

quando comprovada a licitude de sua origem pelo investigado ou acusado.

Salienta-se que o Supremo Tribunal Federal, por meio da ação

direta de inconstitucionalidade nº 1570, ajuizada pela Procuradoria Geral da

República, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/957 no

que tange aos sigilos fiscais e eleitorais, alegando ainda que a Lei

Complementar nº 105/01, norma esta superveniente e hierarquicamente

superior, regulou a questão do sigilo bancário e financeiro, revogando a

questão destes sigilos trazidos pela Lei nº 9.034/95, por incompatibilidade. Foi

defendido ainda pela Suprema Corte que o juiz deve se incumbir apenas de

analisar as provas, atendendo-se sempre ao Princípio da Imparcialidade, sendo

claramente incompatível com a sua função e com o sistema acusatório a

diligência pessoal.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, o referido

dispositivo legal transformou o magistrado em investigador, violando

notoriamente o Princípio do Devido Processo Legal, prejudicando, assim sua

imparcialidade, como veremos mais detalhadamente quando estudarmos os

meios operacionais e as medidas de combate ao crime organizado.

Não obstante, a referida lei continua em pleno vigor no que tange

aos sigilos fiscais e eleitorais, sendo regulada nestes casos pela referida Lei

Complementar, incorrendo em violação aos sigilos preservados pela Lei

Fundamental.

Embora haja tamanha controvérsia entre os doutrinadores

processualistas com relação à limitação dos direitos fundamentais no que se

refere ao colhimento de provas, a jurisprudência tem se manifestado no sentido

de corroborar com a restrição dos direitos fundamentais em prol da sociedade

7 Art. 3º da Lei nº 9.034/95: Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adorado o mais rigoroso segredo de justiça.

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e eficiência no combate ao crime organizado, pois alega-se que os direitos

fundamentais não são absolutos. Como podemos verificar na decisão proferida

pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2º Região:

PROCESSUAL – HABEAS CORPUS – QUEBRA DE

SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X E XII DA CF).

– I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face de determinadas circunstancias, como, na espécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo.

III. Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial regularmente instaurado, intervenção do parquet federal e prévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida. (TRF 2ª REGIÃO, HC nº 95.02.22528- 7 – RJ 3 ª Turma. Relator: Desembargador Federal:. Valmir Peçanha, 13/02/1996).

No mesmo sentido:

OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que

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as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (MANDADO DE SEGURANÇA nº 23452, Relator: Min. Celso de Mello,16/09/1999)

É importante ressaltar que deve se buscar um equilíbrio entre o

respeito aos direitos fundamentais e os limites da ação judicial, sendo de fato,

vedados os abusos, devendo ser observado o princípio da proporcionalidade, o

qual orienta o Estado na adoção de medidas, no modo que estas não violem

fundamentos trazidos pela Lei Maior. Deve ser realizado neste caso um juízo

preliminar pelo magistrado relativo à idoneidade, necessidade e

proporcionalidade do meio de prova, somente desta forma poderá ser

autorizada a sua adoção. Finalmente, deve ser verificada a pertinência e a

relevância, à luz dos elementos de prova e, por fim, fazer uma valoração da

prova.

5 CRIME ORGANIZADO NA JURISPRUDÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça proferiu algumas decisões,

especialmente em habeas corpus, onde há direta ou indiretamente menção ao

crime organizado. É o que se pode verificar em um recurso de HC que versava

sobre furto de veículos, o STJ, neste caso, entendeu aplicável a Lei nº

9.034/95, já em outro, o STJ firmou entendimento de que em se tratando de

indiciado envolvido em atividade típica de organização criminosa, por exemplo,

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ligada ao jogo do bicho, seria necessária sua prisão preventiva, dada a

necessidade de garantia da ordem pública (art. 312 do CPP) 8.

No mesmo sentido a 5ª Turma manteve a prisão preventiva de

impetrante que fora preso por atividade praticada de forma organizada e em

outra decisão, desta vez com relação ao crime de tráfico de drogas, entendeu o

STJ que se a imputação indica periculosidade decorrente do modus operandi

na prática dos crimes atribuídos à organização criminosa, a prisão preventiva

se faz necessária. E por fim, em uma outra decisão o STJ não concedeu a

ordem de Habeas Corpus por estar configurado que o impetrante seria

integrante de organização criminosa.

Observa-se então, que o Superior Tribunal de Justiça fixa

entendimento de que quando os delitos são realizados traduzindo-se de

alguma das características do crime organizado, aplica-se a Lei nº 9.034/95 no

que se refere aos meios operacionais e admite-se a conceituação trazida pelo

Decreto n 5.015/04. Como podemos verificar nitidamente no RHC 5304 / SP

julgado pelo então Órgão Superior:

DECISÃO DA 5ª TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RHC nº 5304/SP – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS –

1996/0009069-6

Relator: Ministro Cid Flaquer Scartezzini

Órgão Julgador: 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça

Data do Julgamento: 26/03/1996

Data da Publicação/ Fonte: DJ 27/05/1996 p. 17881 RSTJ Vol. 87 p. 330

Ementa:

8 Art. 312 do CPP: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

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RECURSO EM 'HABEAS CORPUS' - CRIME DE QUADRILHA OU BANDO-

IMPOSSIBILIDADE DE AVERIGUAÇÃO VIA HC - REGIME INICIAL

FECHADO-APLICAÇÃO DA LEI 9034/95.

A VIA ELEITA NÃO SE PRESTA PARA PERQUIRIR SE SE HOUVE COM

ACERTO, A DECISÃO MONOCRATICA, EM IMPUTAR A PRATICA DELITIVA

COMO CRIME ORGANIZADO. O REGIME PRISIONAL FECHADO, SE

AMOLDA AOS DITAMES DA LEI 9034/95, O QUE RETIRA A ALEGAÇÃO DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL.RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Concluímos então, com fundamento nas jurisprudências obtidas em

diversos Tribunais, inclusive STJ e STF que a lei que tutela o Crime

Organizado (Lei nº 9.034/95), vem sendo aplicada, apesar de posicionamentos

favoráveis a sua não aplicação, podemos observar também que a configuração

do delito como atividade típica de crime organizado acarreta que estes sejam

considerados de perigo abstrato e julgados com maior rigor, é o que se pode

verificar em jurisprudências recentes, quais sejam:

DECISÃO DA 1ª TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

HC 97777 / MS - MATO GROSSO DO SUL

Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Julgamento: 26/10/2010

Órgão Julgador: 1ª Turma - STF

Publicação: DJe-223 DIVULG 19-11-2010 PUBLIC 22-11-2010

Paciente: Wassim Raymond El Hage

Impetrante: Luiz do Amaral e outros

Coator: Superior Tribunal de Justiça

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Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA

DE FOGO OU MUNIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 18 DA LEI 10.826/2003.

TIPICIDADE RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO.

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM DENEGADA. I – A objetividade

jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal,

para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como

um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva

que a lei propicia. II – No caso em exame, a proibição da conduta pela qual o

paciente está sendo processado visa, especialmente, combater e prevenir o

tráfico internacional de armas e munições, cuja maior clientela é o crime

organizado transnacional, que, via de regra, abastece o seu arsenal por meio

do mercado ilegal, nacional ou internacional, de armas. III – Mostra-se

irrelevante, no caso, cogitar-se da mínima ofensividade da conduta (em face da

quantidade apreendida), ou, também, da ausência de periculosidade da ação,

porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o

resultado concreto da ação, o que também afasta a possibilidade de aplicação

do princípio da insignificância. IV – É reiterada a jurisprudência desta Suprema

Corte no sentido de que o trancamento de ação penal constitui medida

reservada a hipóteses excepcionais, como "a manifesta atipicidade da conduta,

a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de

indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas" (HC 91.603, Rel. Min.

Ellen Gracie), o que não se verifica na espécie. V – Habeas corpus denegado.

DECISÃO DA 6ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO

DE JANEIRO

Processo nº 080057-90.2006.8.19.0001 (2007.050.00533) - APELACAO - 1ª

Ementa

Relator: Desembargador Jose Augusto de Araújo

Órgão Julgador: 6ª Câmara Criminal – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

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Data do Julgamento: 30/03/2010

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE. SENTENÇA

CONDENATÓRIA QUE FIXA A PENA NO MÍNIMO LEGAL E ESTABELECE O

REGIME FECHADO PARA O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA SANÇÃO

RECLUSIVA. APELO DEFENSIVO POSTULANDO A REDUÇÃO DA PENA

PRIVATIVA DE LIBERDADE ABAIXO DO PATAMAR MÍNIMO E A SUA

SUBSTITUIÇÃO POR SANÇÃO RESTRITIVA DE DIREITOS, BEM ASSIM O

ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. PLEITOS INCONSISTENTES.

RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Tendo sido as penas-base

(privativa de liberdade e pecuniária) fixadas no mínimo legal, descabida se

apresenta, na segunda fase da dosimetria da pena, a sua redução abaixo do

limite mínimo em decorrência de meras atenuantes genéricas (confissão

espontânea e menoridade), a teor do que dispõe a súmula 231 do Superior

Tribunal de Justiça.2. Não obstante se cuidar de ré tecnicamente primária e de

bons antecedentes, impossível se mostra a aplicação da causa de diminuição

de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, porquanto há nos

autos prova de que a acusada se dedicava às atividades criminosas

relacionadas ao nefando comércio ilícito de substâncias entorpecentes, o que

se conclui das circunstâncias da prisão reveladora de atividade típica de crime

organizado -, pois foi ela presa em flagrante na Rodoviária Novo Rio,

proveniente da cidade de São Paulo, quando desembarcava com grande

quantidade de droga - quase vinte e cinco quilos de maconha -, o que fazia

para fins de tráfico, como confessado em juízo. 3. Sendo o tráfico ilícito de

entorpecente delito constitucionalmente considerado hediondo, inviável se

apresenta a fixação do sistema aberto ou mesmo semiaberto - para o início do

cumprimento da sanção privativa de liberdade, bem assim a substituição da

pena de reclusão por restritivas de direitos, uma vez que tais benefícios, de

natureza geral, não se afiguram compatíveis com a regra especial da Lei n.º

8.072/90, que determina seja a sanção privativa de liberdade cumprida

inicialmente em regime fechado, independentemente do quantum da

reprimenda, o que não é inconstitucional nem afronta o princípio da

individualização da pena.4. Recurso desprovido.

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DECISÃO DA 8ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO

PAULO

Habeas Corpus/ Ação Penal 990092236016

Relator: Eduardo Braga

Órgão Julgador: 8ª Câmara Criminal – Tribunal de Justiça de São Paulo

Data de Julgamento: 12/11/2009

Data de registro: 17/12/2009

Ementa: Quadrilha ou bando armado; roubo duplamente qualificado; homicídio

duplamente, qualificado, consumado,- por duas vezes; homicídio, duplamente

qualificado, tentado, por duas vezes; explosão qualificada, além de incidência

de crime previsto na Lei n. 9.034/95 (prevenção e repressão ao crime

organizado). Prisão preventiva. Decisão fundamentada. Pedido de revogação.

Não cabimento. ORDEM DENEGADA.

Na mesma acepção podemos ratificar a conclusão anterior de que

de fato o conceito de “crime organizado” trazido pela Convenção de Palermo,

que adentrou em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº

5.015/2004 vem sendo aplicado pelos nossos Tribunais quando o assunto é

organização criminosa, é o que podemos observar em informativos publicados

no início do ano de 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça:

INFORMATIVOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Informativo Nº: 0465 do Superior Tribunal de Justiça

Período: 28 de Fevereiro a 04 de Março de 2011.

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PRISÃO PREVENTIVA. ATUAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. A Turma

entendeu que a necessidade de paralisar ou reduzir as atividades de

organizações criminosas é fundamento válido à manutenção da prisão

preventiva por se enquadrar no conceito de garantia da ordem pública, razão

pela qual denegou a ordem de habeas corpus. Na espécie, ressaltou a Min.

Relatora haver indícios de que o paciente faz parte de um grupo especializado

na prática reiterada de estelionatos. Precedentes citados do STF: HC 95.024-

SP, DJe 20/2/2009; HC 92.735-CE, DJe 9/10/2009; HC 98.968-SC, DJe

23/10/2009; do STJ: HC 113.470-MS, DJe 22/3/2010, e RHC 26.824-GO, DJe

8/3/2010. HC 183.568-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/3/2011.

Informativo Nº: 0467 do Superior Tribunal de Justiça

Período: 21 a 25 de março de 2011.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DESCAMINHO. LAVAGEM. DINHEIRO. Trata-

se de paciente denunciada em decorrência de operação policial a qual

investigava as atividades de sociedades empresárias pertencentes ao mesmo

grupo empresarial, como incursa nos arts. 288 e 334 do CP c/c art. 1º, V e VII,

da Lei n. 9.613/1998, em continuidade delitiva. Na impetração, busca-se o

trancamento parcial da ação penal quanto à acusação de lavagem de dinheiro

(art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/1998) e em relação à acusação por formação de

quadrilha (art. 288 do CP). Alega haver inépcia da peça vestibular no que diz

respeito ao crime previsto no art. 288 do CP, sustentando que não existe

conceito legal da expressão “organização criminosa”. Para o Min. Relator, o

trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional e a tese

da impetração não merece prosperar. Explica que a expressão “organização

criminosa” ficou estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro com o Dec. n.

5.015/2004, o qual promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional (Convenção de Palermo, que, no art. 2, a, definiu tal

conceito), aprovado pelo Dec. Legislativo n. 231/2003. Segundo o Min. Relator,

a definição jurídica de organização criminosa não se submete ao princípio da

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taxatividade como entende a impetração, pois o núcleo do tipo penal previsto

na norma é "ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta

ou indiretamente, de crime", sendo a expressão "organização criminosa" um

complemento normativo do tipo, tratando-se, no caso, de uma norma penal em

branco heteróloga ou em sentido estrito, que independe de complementação

por meio de lei formal. Assevera que entender o contrário, de acordo com a

tese defendida pelos impetrantes, seria não admitir a existência de normas

penais em branco em nosso ordenamento jurídico, situação que implicaria o

completo esvaziamento de inúmeros tipos penais. Também destaca que a

Recomendação n. 3/2006 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propõe a

adoção do conceito de “crime organizado” estabelecido na Convenção de

Palermo, bem como a jurisprudência do STF e do STJ não diverge desse

entendimento. Por fim, ressalta que não procedem as alegações de inépcia da

inicial, pois a denúncia aponta fatos que, em tese, configuram o crime de

formação de quadrilha para prática de crimes de lavagem de dinheiro e contra

a Administração Pública, bem como que somente o detalhamento das provas

na instrução criminal esclarecerá se houve e qual foi a participação da paciente

nos delitos imputados pelo Parquet. Diante do exposto, a Turma denegou a

ordem. Precedentes citados do STF: RHC 102.046-SP, DJe 10/11/2010; HC

100.637-BA, DJe 24/6/2010; HC 91.516-PI, DJe 4/12/2008; do STJ: APn 460-

RO, DJ 25/6/2007; HC 77.771-SP, DJe 22/9/2009; HC 63.716-SP, DJ

17/12/2007; HC 89.696-SP, DJe 23/8/2010; HC 89.472-PR, DJe 3/8/2009, e

HC 102.292-SP, DJe 22/9/2008. HC 138.058-RJ, Rel. Min. Haroldo Rodrigues

(Desembargador convocado do TJ-CE), julgado em 22/3/2011.

6 MEIOS OPERACIONAIS E MEDIDAS DE COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO

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Primeiramente, a própria Lei que tutela o crime organizado (Lei nº

9.034/95) descreveu meios investigatórios especificamente voltados à

prevenção e repressão das organizações criminosas e que não podem ser

utilizados para a investigação de crimes comuns. Tais medidas, que

poderíamos dizer excepcionais, estão previstas no artigo 2º da lei, e a do inciso

III ("acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras

e eleitorais") necessitam da prévia autorização judicial, o que não ocorre com

as demais, conforme vem decidindo a Suprema Corte. Não obstante, no que se

refere ao sigilo bancário, é de se analisar que a Lei Complementar nº 105/01,

em seu artigo 2º, § 1º 9, prevê expressamente a possibilidade do afastamento

de sigilo pelas autoridades administrativas do Banco Central do Brasil (Bacen)

e em seu artigo 6º 10 autorizou o fisco a afastar os sigilos bancários e fiscais de

pessoa sobre a qual recai suspeita de compor organização criminosa.

De qualquer modo, fixa-se o entendimento de que o Ministério

Público não pode afastar o sigilo diretamente, o que constitui uma barreira ao

combate do crime organizado, que necessita do fator celeridade para a

eficiência de suas ações, incluindo aqui aquelas voltadas a permitir que o

capital tido como ilícito venha a se tornar legal, estabelecendo, que os órgãos

oficiais de prevenção e repressão também adquiram rapidez em suas ações. O

paradoxo é ainda monstruoso quando se admite que as Comissões

Parlamentares de Inquérito (CPI) tenham a possibilidade de afastar qualquer

sigilo, à exceção da interceptação telefônica, diante da cláusula de reserva

constitucional (art. 58, § 3º e inciso XII, do artigo 5º, ambos da CF/88) 11.

9 Art. 2º Parágrafo 1º da Lei Complementar nº 105/01: O sigilo, inclusive quanto as contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil:... 10 Art. 6º da Lei Complementar nº 105/01: As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. 11 Art. 58 Parágrafo 3º da CRFB/88: As comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas, serão criadas pelas Câmaras dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se

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Surge assim, como entrave ao combate do crime organizado, a

questão dos sigilos. Realmente, as fronteiras detêm a ação dos juízes, mas

não a dos criminosos, como já vimos ao estudarmos as características das

organizações criminosas. Observa-se que o Estado enfrenta como primeiro

obstáculo o seu próprio limite geográfico, enquanto que para as organizações

criminosas, que tem a transnacionalidade como característica, não existem

fronteiras

Deste modo, o primeiro passo parece ser estabelecer uma medida

educativa, de forma que o Estado ocupe os vazios existentes ao longo de

décadas de descaso com segmentos essenciais à sociedade como a educação

e a política econômica voltadas a atingir os ideais constitucionais. Nesse

sentido, não se pode, seriamente, pensar em suprimir o crime organizado, se

em determinados espaços de seu território os agentes públicos não possuem

livre trânsito, como nos morros e favelas, abrindo-se espaço para que o crime

organizado passe a exercer a força que o Estado, por omissão, não exerce,

como é o caso das milícias.

É medida imperiosa a constituição de uma consciência cidadã,

fundada no respeito ao Princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana. Devemos destacar assim que a participação da população é essencial

para o combate ao crime organizado, observamos que tal participação teve um

notório crescimento nos dias atuais, podemos citar como causas de tal fato a

maior confiança e credibilidade para com o Estado, que por meio de suas

ações vem mostrando à sociedade de que lado ela deve estar. As operações

realizadas pelo Estado só demonstram a prevalência deste, trazendo ao

cidadão esperança de uma sociedade melhor e confiança no Poder Público,

fazendo com que os mesmos denunciem e apóiem o Estado nesta luta árdua

de combate à criminalidade organizada.

for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Art. 5º, Inciso XII da CRFB/88: É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas , de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

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Um exemplo de cidadania é o que podemos notar em uma

reportagem da Revista Veja em 31 de Agosto de 2005 que apesar de não ser

atual nos mostra o quão é relevante a participação da sociedade no combate

ao crime organizado:

É tudo verdade! Aposentada filma da janela a cumplicidade de polícia e tráfico e desmonta quadrilha no Rio. Durante anos, uma aposentada carioca assistiu a barbaridades pela janela de seu apartamento, de frente para a favela instalada na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Nas barbas da polícia, traficantes transitavam livremente com armas de todo tipo e crianças e adolescentes consumiam maconha, cocaína e crack em plena luz do dia. Em 2003, depois de tentar por várias vezes denunciar o que via às autoridades, ela perdeu a paciência. Comprou uma filmadora (a prazo) e começou a registrar as cenas. Para se proteger, colocou película escura nas janelas (que já tinham sido alvo de tiros) e filmava através de um buraco na cortina do apartamento onde vivia sozinha. Há três meses, entregou o resultado – 22 fitas, com cerca de 33 horas de gravação – à polícia fluminense. Com base nas informações, a polícia montou uma grande operação de escuta telefônica e, na semana passada, anunciou a prisão de treze traficantes e nove policiais militares acusados de vender-lhes proteção e armas. Os diálogos gravados pela polícia reforçam o absurdo das cenas filmadas por dona Vitória – nome fictício da aposentada, que está sob responsabilidade do programa estadual de proteção à testemunha. As gravações deixam clara a ligação de policiais militares com traficantes como Ronaldo Silva, o "Ronaldinho", chefe do tráfico na favela, preso na penitenciária de Bangu 3, e Sérgio Francisco do Nascimento, o "Mais Velho", que está foragido. Num dos diálogos, Mais Velho combina com Amir "Playboy" (o cabo Amir Jorge da Silva Filho, preso na semana passada) o valor da "ajuda" que a polícia receberia para deixar os traficantes em paz. O cabo diz ao bandido que quem está "na casinha" (na guarita) "é um pessoal que trabalha comigo" e informa que o valor inicial da tal ajuda é de 2.000 reais. A aposentada, de 80 anos de idade, que teve de deixar o apartamento onde viveu por quase quarenta anos, ganhou espaço na imprensa internacional. "Os traficantes do Brasil vão pensar duas vezes antes de cruzar com uma idosa", exagerou o diário argentino Clarín. O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, saudou sua coragem. "Ela deu um basta", disse Itagiba. É verdade que dona Vitória foi corajosa e que sua indignação é louvável em tempos nos quais muita gente boa acha normal conviver com traficantes. Ela não deixa de ser, no entanto, uma cidadã levada a correr um risco que seria desnecessário se suas denúncias tivessem sido ouvidas

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de início. Dona Vitória deu um basta, também, à inoperância da polícia, mas pelo visto não adiantou. No dia seguinte à prisão dos denunciados, bandidos passeavam livremente pela Ladeira dos Tabajaras. (SOARES, Luciola. 2005).

Faz-se necessário também que as escolas de formação e

aperfeiçoamento das carreiras públicas dos órgãos responsáveis pela

repressão e combate ao crime organizado iniciem, conjuntamente, gestões no

sentido de se iniciarem e aperfeiçoarem encontros, seminários, cursos, etc.,

para a troca de informações e a padronização de práticas no enfrentamento do

problema, treinando recursos humanos envolvidos com a aplicação da lei,

como investigadores de polícia, promotores de justiça e juízes criminais,

analistas de inteligência e financeiros e agentes do fisco, entre outras carreiras.

Nesse sentido devem ser examinadas as melhores práticas na luta contra o

crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção no contexto da

investigação, cooperação internacional, colaboração e proteção de

testemunhas, prevenção e legislação contra o crime organizado e a

colaboração entres os vários órgãos públicos e entidades da sociedade civil

que tenham envolvimento com o assunto.

O crime organizado possui um caráter universal, ao mesmo tempo

que diversificado, e isso é o suficiente para que este incida sobre países

diversos. A discussão sobre o enfraquecimento do crime organizado seria

muito mais do que um tema estritamente relacionado às estruturações da lei,

na medida em que demanda esforços envolvendo vários segmentos do

governo e da sociedade, pois o problema é de todos. A questão do combate ao

crime organizado não pode estar focada tão somente na previsão de locais de

novas ocorrências desta modalidade criminosa, mas sim na adoção de

medidas efetivas para o enfraquecimento da criminalidade organizada.

Um interessante rol de medidas de combate ao crime organizado

seria: o uso eficiente da inteligência policial; a necessidade de legislação

especialmente produzida com a finalidade de promover o enfraquecimento das

atividades do crime organizado, bem como conceituar tal conduta; a utilização

de operações de inteligência, realizadas em longo prazo e por profissionais

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gabaritados; um controle específico no que tange aos crimes eletrônicos; a

implantação de programas de proteção a testemunhas; a utilização de

instrumentos jurídicos de expropriação de bens, nos casos envolvendo

manifestações do crime organizado; a análise criminal por integrantes dos

vários órgãos policiais num gabinete integrado das informações precisas que

forneçam uma visão geral do crime organizado, de seus modos de execução.

São estes os pré-requisitos necessários, para em um primeiro momento,

solucionarmos esta problemática

Vale ressaltarmos ainda os meios operacionais trazidos pela Lei nº

9.034/95 em seu artigo 2º e algumas considerações, quais sejam:

1- Ação controlada (Flagrante prorrogado, retardado ou diferido)

Consiste no retardamento da ação policial, para que esta possa

realizar-se no momento oportuno com o objetivo de melhor aproveitamento das

provas. Como se depreende no artigo 2º, inciso II da Lei nº 9.034/95.

2- Quebra do sigilo de dados bancários, financeiros, fiscais e eleitorais

Tal meio operacional está descrito no artigo 2º, inciso III da

mencionada lei. Sendo certo que devemos observar o conteúdo do artigo 3º

que versa sobre a preservação do sigilo constitucional, descrevendo ainda que

no caso do inciso III do artigo 2º o juiz realizará pessoalmente tais diligências,

até mesmo na fase investigatória, o que nos traz estranheza, pois parece-nos

que este dispositivo violaria o sistema acusatório, o adotado no Brasil, se

aproximando muito do sistema inquisitório, que tem por características a

extrema concentração de poder na figura do julgador, o qual recolhe a prova de

ofício e determina sua produção, é realizado sem as garantias constitucionais

sendo o acusado considerado mero objeto de investigação e a parcialidade,

nos fazendo então concluir que as atribuições do Ministério Público e da Polícia

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Judiciária estariam suprimidas, tendo em vista que aquele só seria provocado

no momento de apresentação da denúncia, pois a investigação em si já estaria

sendo realizada diretamente pelo magistrado.

Contra este artigo 3º foi proposta a Ação Direta de

Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal de número 1570 e a

Corte Suprema então se manifestou sobre o tema.

Em relação aos dados fiscais e eleitorais o artigo 3º foi declarado

inconstitucional, pois atentava contra o sistema acusatório na medida em que

atribuía ao juiz as funções de investigador e inquisidor. Apontando ainda que a

imparcialidade do Juiz estaria prejudicada, bem como as funções atribuídas

constitucionalmente ao Ministério Público e à Polícia Judiciária.

No tocante ao sigilo de dados bancários e financeiros, o Supremo

Tribunal Federal entendeu que o artigo 3º teria sido revogado pela

superveniência da Lei Complementar nº 105/01 que passou a disciplinar a

matéria.

3- Captação e interceptação ambiental

Está previsto no artigo 2º, inciso IV da lei. A interceptação

ambiental seria a captação da conversa entre dois ou mais interlocutores por

uma terceira pessoa, sem consentimento e que esteja no mesmo local ou não

em que se dá a conversa. Vale salientar ainda que tal interceptação se dá em

um determinado ambiente público ou privado. Muitas indagações são feitas

com relação a serem válidas ou não tais interceptações por violarem direito e

garantias fundamentais.

Devemos analisar que se a conversa não for reservada e não

ocorrer em ambiente privado, não será considerada invalida mesmo que esta

interceptação tenha sido realizada sem autorização judicial.

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Por outro lado, se a conversa for reservada e ocorrer em ambiente

privado a captação ambiental sem autorização judicial irá constituir prova ilícita

por ofensa ao direito constitucional de intimidade, salvo se o agente estiver em

legitima defesa.

4- Infiltração de agentes policiais

Está prevista no artigo 2º, inciso V da referida lei, sendo esta

diligência realizada por uma pessoa integrante da estrutura dos serviços

policiais ou de órgão de inteligência que é introduzida em uma organização

criminosa, ocultando sua real identidade tendo como finalidade a obtenção de

informações para que seja possível a desarticulação da referida organização.

Vale mencionar a natureza jurídica e alguns aspectos relevantes

com relação ao agente infiltrado, o mesmo então é considerado um meio de

obtenção de prova, depende de autorização judicial e está previsto não

somente na Lei nº 9.034/95 em seu inciso V, mas também na lei de drogas (Lei

nº 11.343/06) em seu artigo 53, inciso I12 que por sua vez também prevê

autorização judicial.

Um outro aspecto importante com relação ao assunto seria a

fixação dos limites na atuação do agente infiltrado como meio operacional.

Limites estes que não foram abordados na lei das organizações criminosas e

nem em nenhum outro diploma legal. Sendo mencionados então pela doutrina,

são eles, a não responsabilidade do agente infiltrado por eventual crime de

quadrilha ou associação criminosa, pois estaria ele protegido por uma

excludente de antijuridicidade, seria ela o estrito cumprimento do dever legal,

podendo ser utilizada ainda uma teoria moderna que versa sobre a imputação

objetiva onde o mesmo não criou um risco proibido, mas sim um risco

permitido.

12 Art. 53, Inciso I da Lei nº 11.343/06: A infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes.

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Uma outra questão relevante seria a de o agente infiltrado praticar

homicídio em decorrência da ameaça de ser descoberta a sua identidade. A

doutrina então aponta uma solução, qual seja, a inexigibilidade de conduta

diversa, que seria uma excludente da culpabilidade. Ainda diante da lacuna

legislativa, há ainda a possibilidade de aplicação ao agente infiltrado da lei de

proteção à testemunha (Lei nº 9.807/99).

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CONCLUSÃO

Verdade é que de fato o Brasil enfrenta graves dificuldades quando

o assunto é o combate à criminalidade organizada, sendo imperiosa, a

aplicação de medidas eficazes relacionadas à Política, ao Judiciário e às

Instituições competentes para prevenir e reprimir as ações das organizações

criminosas. Somente desta forma poderemos combater o crime organizado,

bem como extinguir de uma vez por todas a raiz desta problemática.

Neste primeiro instante é necessário atentar-se ao colapso do

sistema penitenciário nacional, tendo em vista que o nosso regime prisional

sofre do fenômeno da superlotação, da inércia, dos maus tratos e da tortura, da

corrupção e da ineficaz administração dos Diretores dos presídios, todas estas

questões dificultam a efetivação de um dos principais objetivos da sanção

penal, qual seja, a reinserção social do condenado. Contudo, os presídios

passam a atuar como verdadeiras “escolas do crime”, na medida em que o

Poder Público não mais consegue suprir a demanda e combater a violência,

fator este que contribui de maneira significativa para a formação de

organizações criminosas, que iniciam suas atividades muitas das vezes dentro

do próprio presídio.

Não há dúvida da necessidade de investimentos pelo Estado para a

prevenção e repressão desses delitos. Note-se que o crime organizado, na

maioria das vezes, supre o papel do Poder Público, oferecendo serviços de

primeira necessidade à comunidade, atuando desta forma como um verdadeiro

Estado paralelo, ações como essas, em um primeiro momento até são

admitidas pela comunidade, mas com o passar do tempo esta se vê prisioneira

desses grupos criminosos. Deste modo, não há a efetiva participação da

população, estes são coagidos pelos criminosos e preferem obedecer à lei do

silêncio. Ademais, enquanto o Estado não cumprir seu papel perante a

sociedade, muitos adentrarão no mundo do crime.

Vale salientar a necessidade em equipar e organizar a Polícia

Judiciária, aparelhando esta com tecnologia de ponta, treinando profissionais

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de forma efetiva, concedendo aos seus integrantes salários compatíveis com o

cargo exercido, exonerando os maus policiais e motivando aqueles que amam

o que fazem e cumprem com seu dever legal perante a sociedade, pois

somente desta forma poderemos lutar em condições iguais contra o crime

organizado.

O que se faz importante é a especialização do Ministério Público,

com a criação de núcleos voltados à investigação de organizações criminosas.

Inclusive, já obtemos a comprovação de que a união de diversos Órgãos, como

Polícia Militar, Civil e Federal, Ministério Público, Receita Federal e Forças

Armadas contribui de forma significativa no combate ao crime organizado, já

que esta união ocasiona uma eficiência maior na colheita de dados e de

provas.

Também se deve considerar de suma importância a questão da

proteção àqueles que de alguma forma auxiliam nas investigações, assim

como seus familiares. Ainda, a questão da bonificação ao acusado que de fato

colaborar para o desmantelamento das organizações criminosas, como

diminuição de pena.

Outrossim, medida relevante é o combate à corrupção nos Poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário, punindo aqueles que se encontram no

Poder para zelar pela sociedade e que na verdade somente zelam pelos

próprios interesses, integrando organizações criminosas.

Sabe-se que somente com a efetiva união dos países a fim de se

enfrentar o problema do crime organizado, é que de fato este poderá ser

erradicado. Para isso, o Brasil vem se esforçando ao modo de estabelecer

acordos de cooperação.

Diante das questões acima mencionadas, muitas são as soluções de

combate à criminalidade organizada. Contudo, é preciso haver uma união de

esforços dos mais variados setores da sociedade civil e dos Estados de Direito

com relação a um melhor gasto do dinheiro público, à ambição política, ao

esforço e empenho daqueles que apuram, denunciam e julgam o crime

organizado, à criação de leis aplicáveis ao delito em questão e à formação de

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uma consciência cidadã, somente desta forma será possível enfraquecer e até

mesmo extinguir a atuação do crime organizado.

Portanto, a análise do crime organizado realizada por este trabalho

monográfico sugere as conclusões seguintes: o problema enfrentado pela

legislação brasileira atual no que se refere à ausência de definição legal para o

conceito de “crime organizado”, o que de fato prejudica determinados

dispositivos da Lei 9.034/95; o tráfico de drogas como ponto mais relevante no

que se refere ao crime organizado, entre outras espécies delituosas; as áreas

de fronteira, que estão sob uma fiscalização claramente insuficiente e ineficaz,

contribuindo assim para as atividades do crime organizado. Dentre outras

conclusões relevantes, o ponto essencial em todo este quadro é de fato a

vontade política. Este é um elemento apontado de forma unânime, tanto entre

os doutrinadores e os pesquisadores, como entre os julgadores.

Por fim, cabe ressaltar que para se conseguir o combate à

criminalidade organizada, são necessárias mudanças efetivas nos mais

variados setores da sociedade. Ou seja, somente com a integração entre o

Brasil e outros países e entre Estados da Federação, conjuntamente com o

auxílio da população e a real uniformidade entre os Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário, bem como entre o Ministério Público e a Polícia é que

de fato poderemos dar início no que se refere à solução da questão do crime

organizado no Brasil e no mundo.

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PIMENTA, Paulo. Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Crime Organizado. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/download/CPI_Crime_Organizado/Relat%C3%B3rio_final_da_cpi_do_crime_organizado.htm>, acesso em: 28/04/2011.

SOARES, Luciola. Em profundidade Crime Organizado. <http://veja.abril.com.br/310805/p_094.html>, acesso em: 14/06/2010.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO---------------------------------------------------------------------------2

AGRADECIMENTO---------------------------------------------------------------------------3

DEDICATÓRIA---------------------------------------------------------------------------------4

RESUMO-----------------------------------------------------------------------------------------5

METODOLOGIA-------------------------------------------------------------------------------6

SUMÁRIO----------------------------------------------------------------------------------------7

INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------9

1 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS---

----8

1.1 Definição------------------------------------------------------------------------------------8

1.2 Características---------------------------------------------------------------------------10

1.3 As facetas de uma Organização Criminosa: O Tráfico------------------------16

2 CRIME ORGANIZADO NO MUNDO ------------------------------------------------18

2.1 A origem do crime organizado-------------------------------------------------------18

2.2 A máfia italiana e sua evolução-----------------------------------------------------18

2.3 Principais atuações do crime organizado no mundo---------------------------20

2.4 Cooperação internacional-------------------------------------------------------------20

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3 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL--------------------------------------------------22

3.1 O crime organizado à luz da Constituição Federal-----------------------------30

3.2 O Rio e as facções criminosas------------------------------------------------------31

4 A TIPIFICAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO DIANTE DO CODIGO PENAL E

SUA CONSEQUÊNCIA NO PLANO PROCESSUAL PENAL-----------------34

5 CRIME ORGANIZADO NA JURISPRUDÊNCIA ---------------------------------41

6 MEIOS OPERACIONAIS E MEDIDAS DE COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO-------------------------------------------------------------------------------47

CONCLUSÃO--------------------------------------------------------------------------------55

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------58

BIBLIOGRAFIA------------------------------------------------------------------------------68

ÍNDICE---------------------------------------------------------------------------------------71