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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A MITIGAÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA DIANTE DA NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SEU REFLEXO NA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Aluna ILKA TORRES DE SOUZA K214325 Orientador Prof. FRANCIS RAJZMAN Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A MITIGAÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA

DIANTE DA NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 212 DO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SEU REFLEXO NA

GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Aluna

ILKA TORRES DE SOUZA

K214325

Orientador

Prof. FRANCIS RAJZMAN

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A MITIGAÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA

DIANTE DA NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 212 DO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SEU REFLEXO NA

GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito e

Processo Penal

Por: Ilka Torres de Souza

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AGRADECIMENTOS

Ao Corpo Docente do Instituto A Vez

do Mestre pela dedicação e atenção

dispensada na tarefa de atualizar e

aprofundar meus conhecimentos no

Direito e Processo Penal, ao

Desembargador Ricardo Bustamante,

pelas lições diárias na lida com os

processos e, principalmente, pelo

senso de justiça que os anos não

conseguiram arrancar de seu espírito.

Especial agradecimento também para

meu companheiro Adriano, meu filho

João e minhas amigas Patrícia e Lúcia

pela paciência que tiveram comigo

neste último ano.

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DEDICATÓRIA

A meus pais, que me estimularam e

possibilitaram minhas conquistas

pessoais e intelectuais.

Ao meu filho João, presente de Deus que

preencheu meu espírito com sua

felicidade e bondade.

Ao Adriano, que redobrou os cuidados

com João para que eu pudesse concluir o

curso.

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RESUMO

O presente estudo tem por finalidade analisar a modificação

introduzida pela Lei nº 11.690, de 09 de junho de 2008, com foco no artigo 212

do Código de Processo Penal, que trata da produção da prova oral,

consagrando o sistema acusatório no ordenamento jurídico processual penal

brasileiro e ressaltando a importância a que foram elevadas as partes da

relação processual penal, dando ênfase à posição em que se encontra

atualmente o magistrado nesse cenário, e o reflexo disto na garantia do direito

constitucional do devido processo legal e outros correlatos.

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METODOLOGIA

Para elaboração da presente monografia, foram consultados manuais

de Direito Processual Penal, de Direito Constitucional, artigos em revistas

especializadas em Direito, textos extraídos em consulta pela internet e

pesquisa jurisprudencial perante os Tribunais Superiores e Tribunais de Justiça

estaduais.

A apresentação do tema é desdobrada em fases, buscando-se pincelar

a trajetória histórica do processo, em especial o penal, comparação com direito

estrangeiro e questões de fundo enfrentadas na doutrina e jurisprudência

pátrias.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O Processo Penal Brasileiro 10

1.1. Origem 10

1.2. Sistemas Inquisitivo e Acusatório 14

1.3. Modelo Brasileiro e a Constituição de 1988 14

CAPÍTULO II - A Prova Oral no Processo Penal 17

2.1. A Nova Redação do Art. 212 do CPP 17

2.1.1. Interpretação Literal 18

2.1.2. Interpretação Histórica 19

2.1.3. Interpretação Teleológica – a ratio legis e a ratio legislatoris 20

2.1.4. Interpretação Sistemática –reforma do CPP 22

2.1.5. A máxima efetividade das normas constitucionais como guia

hermenêutico 24

2.2. O Poder Instrutório do Juiz – mitigação ou abolição do sistema

presidencialista 25

2.3. A Inobservância da ordem do artigo 212 do CPP – causa de

nulidade relativa ou absoluta 26

2.4. Jurisprudência 31

CONCLUSÃO 55

BIBLIOGRAFIA 59

ÍNDICE 60

FOLHA DE AVALIAÇÃO 61

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INTRODUÇÃO

A recente alteração pontual do Código de Processo Penal pela Lei nº

11.690, que entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008, no que se refere à

colheita da prova testemunhal, trouxe uma profunda inovação e uma

aproximação maior com o modelo acusatório “adversial system”, o qual

estabelece uma nítida divisão dos papéis a serem desempenhados pelas

partes – acusação e defesa -, exigindo do Estado-juiz, concretizado na figura

do magistrado, uma distância da persecução penal e limitação dos atos

instrutórios de ofício.

Chegamos a essa conclusão na análise literal do texto do artigo 212 do

Código de Processo Penal:

“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes

diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas

que puderem induzir resposta, não tiverem relação com a

causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz

poderá complementar a inquirição”.

No entanto, será esta a única interpretação ou a melhor que se possa

dar a “nova face” do processo penal brasileiro?

É inegável que esta modificação é de grande e substancial importância

pois permite uma intervenção direta das partes na produção da prova,

respeitando o debate na construção da “verdade”, sujeita à verificação e

refutação, determinando que o julgador seja um gestor do material colhido.

Este singelo trabalho se propõe a identificar os limites dessa atuação

do magistrado e as consequências de sua inobservância em face da garantia

constitucional do devido processo legal e demais princípios dele consequentes,

pincelando algumas posições colhidas na doutrina e jurisprudência pátria.

Para tanto, se faz necessária breve explanação sobre os sistemas

inquisitorial e acusatório, com enfoque no modelo adotado pelo legislador

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brasileiro, além de confrontar o antigo e atual texto do artigo 212 do Código de

Processo Penal e a redação do artigo correspondente no Projeto do novo

Código, tudo isto comparado com o espírito da Constituição da República.

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CAPÍTULO 1

O PROCESSO PENAL BRASILEIRO

1.1. Origem

Nossa legislação penal tem origem nas Ordenações do Reino de

Portugal, sendo que a efetivamente brasileira é o Código de Processo Criminal

de Primeira Instância, de 1832, devendo ser mencionadas algumas

disposições processuais previstas na Constituição Imperial de 1824,

principalmente no artigo 179:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos

dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a

segurança individual, e a propriedade, é garantida pela

Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar

de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.

II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica.

III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.

(...)

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo

inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por

seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou

inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada

nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

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VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada,

excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de

vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão,

sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas

aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos

dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a

extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle

assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os

nomes do seu accusador, e os das testermunhas,

havendo-as.

IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á

prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar

fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral

nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis

mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca,

poderá o Réo livrar-se solto.

X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser

executada, senão por ordem escripta da Autoridade

legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem

a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei

determinar.

O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa

formada, não comprehende as Ordenanças Militares,

estabelecidas como necessarias á disciplina, e

recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são

puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a

prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos

mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação

dentro do determinado prazo.

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XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade

competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por

ella prescripta.

XII. Será mantida a independencia do Poder Judicial.

Nenhuma Autoridade poderá avocar as Causas

pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os Processos

findos.

XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer

castigue, o recompensará em proporção dos

merecimentos de cada um.

(...)

XVII. A' excepção das Causas, que por sua natureza

pertencem a Juizos particulares, na conformidade das

Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões

especiaes nas Causas civeis, ou crimes.

XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e

Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e

Equidade.

XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a

marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis.

XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.

Por tanto não haverá em caso algum confiscação de

bens, nem a infamia do Réo se transmittirá aos parentes

em qualquer gráo, que seja.

XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas,

havendo diversas casas para separação dos Réos,

conforme suas circumstancias, e natureza dos seus

crimes.

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(...)

XXXIV. Os Poderes Constitucionaes não podem

suspender a Constituição, no que diz respeito aos direitos

individuaes, salvo nos casos, e circumstancias

especificadas no paragrapho seguinte.

XXXV. Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos,

pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por

tempo determinado algumas das formalidades, que

garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer por

acto especial do Poder Legislativo. Não se achando

porém a esse tempo reunida a Assembléa, e correndo a

Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta

mesma providencia, como medida provisoria, e

indispensavel, suspendendo-a immediatamente que

cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo

num, e outro caso remetter á Assembléa, logo que

reunida fôr, uma relação motivada das prisões, e d'outras

medidas de prevenção tomadas; e quaesquer

Autoridades, que tiverem mandado proceder a ellas,

serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a

esse respeito.” (destacamos apenas os incisos

pertinentes à matéria em debate)

No século passado, mais precisamente em 1941, sob inspiração da

legislação processual italiana, de 1930, ou seja, em pleno regime fascista,

surge o atual Código de Processo Penal que vige até hoje, sofrendo

modificações ao longo do tempo. Como foi elaborado em bases autoritárias em

razão do paradigma escolhido, o princípio fundamental que norteava o Código

era o da presunção de culpa, cenário que, lamentavelmente, na prática, ainda

verificamos, não obstante a previsão Constitucional em contrário há

praticamente de 22 anos.

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Em 1967, tivemos a primeira grande alteração do CPP, com a Lei nº

5.349, que flexibilizou inúmeras regras restritivas do direito à liberdade. Em

1973 e 1977, outras significativas modificações em 1995, com a Lei nº 9.099, e

em 1996, com a Lei nº 9.271, e, mais recentemente, com as Leis nºs

10.792/2003, 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008.

1.2. Sistemas Inquisitivo e Acusatório

Como explana Eugênio Pacelli, “a doutrina costuma separar o sistema

processual inquisitório do modelo acusatório pela titularidade atribuída ao

órgão da acusação: inquisitorial seria o sistema em que as funções de

acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão),

enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a

pessoas (ou órgãos) distintos.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de

Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris Ltdª, 2009. p.9.)

Segue, ainda, o autor, indicando as principais características dos

referidos sistemas:

“a) No sistema acusatório, além de se atribuir a órgãos

diferentes as funções de acusação (e investigação) e de

julgamento, o processo, rigorosamente falando, somente

teria início com o oferecimento da acusação;

b) Já no sistema inquisitório, como o juiz atua também na

fase de investigação, o processo se iniciaria com a notitia

criminis, seguindo-se a investigação, acusação e

julgamento.” (idem, p. 9.)

1.3. Modelo Brasileiro e a Constituição de 1988

O sistema acusatório surgiu na ordem jurídica brasileira como corolário

do princípio do devido processo legal, expresso no artigo 5°, LIV, da

Constituição da República, contemplando a garantia de que ao réu sempre

será assegurado um julgamento justo.

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Neste sentido, além dos princípios expressos (princípios do

contraditório e da ampla defesa, da motivação das decisões judiciais, da

proibição do uso de provas obtidas por meios ilícitos, etc.), reconheceu o

legislador constituinte, implicitamente, outras garantias processuais (princípio

da imparcialidade do juiz, princípio acusatório, etc.), as quais nitidamente se

extraem do corpo da Constituição da República.

Assim, o princípio acusatório adotado pela Carta Magna de 1988

demanda dos operadores do direito o abandono das práticas inquisitoriais,

arraigadas na cultura jurídica do nosso país, atribuindo o devido valor a cada

um dos atores processuais: ao Estado-Juiz, a função de árbitro da demanda,

garante dos direitos individuais do acusado e julgador; ao Estado-Promotor e

ao réu, a função de parte, com os respectivos direitos, deveres, ônus e

faculdades.

“Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo

princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente,

o texto constitucional instituiu um sistema de amplas

garantias individuais, a começar pela afirmação da

situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a

sua responsabilidade penal por sentença condenatória

passada em julgado: “ninguém será considerado culpado

até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”

(art. 5º, LVII).

A mudança foi radical. A nova ordem passou a exigir que

o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente,

como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e

mais que isso, que se transformasse em um instrumento

de garantia do indivíduo em face do Estado.” (OLIVEIRA,

Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Juris Ltdª, 2009. p.9.)

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Desta forma, mesmo que ainda haja alguma discrepância entre a

legislação em vigor e a ordem Constitucional, é certo que, ao longo do tempo,

tem se buscado aparar as arestas, visando à harmonização de todo sistema

legal, abandonando-se cada vez mais o modelo inquisitivo, que ainda

permanece entre nós na chamada fase pré-processual, ou seja, no inquérito

policial, o que ensejaria numa equivocada conclusão de que teríamos adotado

o sistema misto (o qual pressupõe a existência de suas fases procedimentais

distintas: a instrução preliminar e a judicial), destacando, ainda, que é cada vez

menor a participação ativa do juiz na instrução probatória, atuando de ofício.

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CAPÍTULO II

A PROVA ORAL NO PROCESSO PENAL

2.1. A nova redação do artigo 212 do CPP

Dispunha a antiga redação do artigo 212 do CPP que as perguntas das

partes seriam requeridas ao juiz, que as formularia à testemunha. Tratava-se

da inquirição de testemunhas através do sistema presidencialista ou inquirição

indireta, em que apenas ao juiz incumbia dirigir-se à pessoa que estivesse

prestando depoimento. Com a alteração feita pela Lei Nº 11.690, de 9 de junho

de 2008, passou o referido dispositivo a possuir a seguinte redação:

“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes

diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas

que puderem induzir resposta, não tiverem relação com a

causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz

poderá complementar a inquirição”.

Diante da nova redação, acendeu-se na doutrina discussão em relação

ao momento em que o magistrado deve fazer as perguntas à testemunha, ou

seja, se antes ou depois das partes. E se porventura o procedimento correto

for a formulação de perguntas direta e inicialmente pelas partes, haveria

nulidade em caso de inversão desta ordem? Em caso positivo, de que

natureza seria esta nulidade: relativa (sujeita à preclusão e cujo

reconhecimento demanda demonstração de prejuízo) ou absoluta? Enfim,

foram estas as dúvidas que surgiram no meio jurídico.

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Ou seja, se a ordem permanece a mesma, vale dizer, o juiz toma o

depoimento da testemunha, as partes o seguem, inquirindo diretamente e,

caso necessário, o juiz complementará os esclarecimentos. Em outras

palavras, diante das recentes alterações, somente teria sido suprimido o

sistema presidencial de reperguntas, e nada mais, ou seja, continuaria o juiz

sendo o primeiro a questionar a testemunha sobre o thema probandum.

Assim, duas foram as mudanças introduzidas pela nova lei. Primeiro, foi

permitir que as partes possam fazer perguntas diretamente às testemunhas,

característica típica do sistema acusatório inglês, de forma a permitir maior

protagonismo das partes na produção da prova. A outra inovação está na

ordem das perguntas: de acordo com o caput as partes perguntam

diretamente; e em seguida no parágrafo único, sobre os pontos não

esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição. Para esta conclusão,

podem ser utilizadas tanto a interpretação literal, a histórica, a teleológica e a

sistemática, além do princípio da máxima efetividade das normas

constitucionais.

2.1.1. Interpretação literal

A interpretação literal deste dispositivo é: as partes perguntam primeiro

que o juiz; as perguntas feitas pelo juiz são complementares e facultativas.

Para esta interpretação literal, basta analisar a sequência das disposições:

primeiro o caput autoriza as partes a perguntarem e, na seqüência, o parágrafo

único autoriza o juiz a perguntar. Ademais, o parágrafo único utiliza a

expressão complementação, de sorte que, para o juiz complementar algo

necessariamente deverá haver os pontos não esclarecidos, decorrentes das

perguntas formuladas pelas partes. Finalmente, o parágrafo único utiliza a

expressão "poderá", indicando que a intervenção do juiz na produção da prova

não é obrigatória mas facultativa, e apenas poderia ser facultativa se as

perguntas fossem formuladas pelas partes.

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Seria absurda e ilógica uma interpretação do dispositivo que defenda

que a norma apenas veio possibilitar que primeiro o juiz pergunte, em segundo

lugar as partes perguntem e em terceiro lugar, se o juiz tiver uma outra dúvida

sobre os pontos que ele mesmo já perguntou, possa perguntar novamente,

criando uma espécie de contraditório de perguntas pelo juiz. Esta interpretação

peca por acabar criando uma norma sem sentido, pois, caso se entenda que o

juiz deveria perguntar primeiro, ainda assim como presidente do ato

processual, ele poderia a qualquer momento sanar a dúvida, não sendo

necessário um artigo para falar o óbvio.

2.1.2. Interpretação histórica

Alguns afirmam que o atual art. 212 não difere muito da redação do

antigo art. 212, pois o antigo dispositivo afirmava que as perguntas das partes

seriam requeridas ao juiz e o novo dispositivo afirma que as perguntas das

partes serão formuladas diretamente às testemunhas. Assim, argumentam que

a única alteração do dispositivo foi permitir as perguntas diretas, sem alterar a

ordem da inquirição.

No entanto, não havia na redação antiga do CPP qualquer norma que

estabelecesse que o juiz perguntaria primeiro, nem mesmo havia norma que

estabelecesse que o juiz faria perguntas. Estava implícito neste sistema que as

perguntas eram feitas pelo juiz, o que embasa o sistema presidencialista, o

magistrado como centralizador da instrução. Tanto que no interrogatório

apenas o juiz poderia formular perguntas. Há claro ranço inquisitivo, pois o

CPP de 1941 ainda trabalhava na lógica da cultura jurídica em que foi

concebido, uma cultura ainda impregnada da tradição inquisitiva do processo

penal do Império e das Ordenações Portuguesas, de uma postura ativa do juiz

na investigação e produção da prova, alem da origem autoritária que inspirou a

legislação italiana nascida nas raias do fascismo. Não se deve esquecer que o

CPP admitia, por exemplo, a ação penal ex officio pelo juiz nas hipóteses de

contravenções penais e crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa

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(antigos artigos 531 a 538 do CPP e Lei n. 4.611/1965). A lógica do CPP era

esta: monopólio da persecução penal pelo juiz e concessão às partes (quase

que como um favor) da possibilidade de participação na produção da prova.

Apesar de não poderem participar do interrogatório, as partes poderiam

participar da colheita dos depoimentos. Assim, esta lógica inquisitiva do CPP

não pode influenciar uma interpretação atual do dispositivo à luz dos princípios

constitucionais. Ademais, se a intenção da lei fosse apenas permitir as

perguntas diretas, não haveria necessidade da inclusão do parágrafo único,

esclarecendo que o juiz pergunta de forma complementar, apenas se houve

ponto não esclarecido, conforme já analisado supra.

2.1.3. Interpretação teleológica – a ratio legis e ratio legislatoris

A interpretação teleológica também milita à favor da interpretação

sustentada. É que a finalidade da norma (ratio legis) é instituir um sistema

garantista que permita assegurar maior imparcialidade ao magistrado,

colocando-o em uma postura de maior distanciamento da responsabilidade de

comprovar a prática da infração penal. Ora, se, como vista acima na análise

dos poderes instrutórios do juiz, o juiz possui apenas poderes suplementares

aos das partes, nada mais lógico que o juiz pergunte após as partes. Com esta

disposição se assegura que o juiz será mais imparcial e também se permite

que, em caso de dúvida, o juiz possa esclarecer os pontos ainda nebulosos e

assim não sacrificar o princípio da busca da verdade. Esta interpretação ali a

defesa do sistema acusatório com a possibilidade suplementar de iniciativa

probatória.

A ratio legis, de forma clarividente, é buscar maior imparcialidade ao

juiz, distanciando-o da colheita das provas, concedendo a este sujeito

processual tão-somente poderes complementares aos das partes, vale dizer,

esclarecendo pontos ainda obscuros acerca das perguntas dirigidas pelas

partes.

Por oportuno, leia-se o seguinte comentário:

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“Analisando o processo de formação da lei em seus

debates no Congresso Nacional, é possível afirmar que a

vontade do legislador foi assegurar que as partes

perguntassem primeiro que o juiz. Neste sentido,

Comissão instituída pelo Poder Judiciário apresentou à

Senadora Ideli Salvatti propostas de emendas, que foram

apresentadas por esta Senadora à CCJ do Senado

Federal, para alteração do PLC n. 37/2007 (originário do

PL n. 4.205/2001 da Câmara dos Deputados). Dentre

estas, constava a Emenda Modificativa n. 07, que

alterava a redação original para permitir que o juiz

perguntasse antes que as partes, ao argumento de que,

sendo ele destinatário da prova, deveria ter primazia em

sua colheita. [...]

Todavia, esta Emenda n. 07 foi rejeitada pela CCJ do

Senado, que seguiu o Parecer n. 1.089/2007, da lavra do

Relator do projeto de lei no Senado, Senador Mozarildo

Cavalcanti. Este parecer é eloqüente e merece

transcrição das partes ligadas a este ponto: Todos os

projetos de lei da chamada Reforma do Código de

Processo Penal estão fundados no modelo acusatório,

reconhecidamente o mais apto à consecução de um

processo penal não apenas ético, mas igualmente mais

simples, célere, transparente e desburocratizado,

trazendo maior eficiência e atacando a impunidade.”

(Thiago André Pierobom de Ávila - A nova ordem das

perguntas às testemunhas no processo penal (CPP, art.

212), www.jusnavigandi.com.br

Analisando o processo de formação da lei em seus debates no

Congresso Nacional, é possível afirmar que a vontade do legislador foi

assegurar que as partes perguntassem primeiro que o juiz.

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Ora, a rejeição da emenda mediante este parecer demonstra

inequívoca intenção do legislador de cumprir o sistema acusatório previsto na

Constituição, de forma que efetivamente se estabelecer que as partes devem

perguntar primeiro que o juiz, reservando a este atuação supletiva,

preservando sua imparcialidade mediante maior passividade na produção da

prova. É certo que a vontade do legislador não é decisiva para a interpretação

da lei, pois esta ganha vida própria ao ser editada; todavia, este é

inequivocamente o ponto de partida hermenêutico para a construção da

interpretação.

2.1.4. Interpretação sistemática – a reforma do CPP

A interpretação sistemática também permite a conclusão de que a

ordem das perguntas deve ser: primeiro, as partes e, após, o juiz. A Lei n.

11.690/2008 vem em conjunto com outras leis oriundas da comissão de

juristas do Ministério da Justiça para reforma do CPP. Todas estas normas

buscam acolher o sistema acusatório, de forma que não se pode deixar de

reconhecer que este conjunto de normas possui um viés mais garantista.

Por exemplo, a Lei n. 11.719/2008 deu nova redação ao art. 384 do

CPP para abolir a mutatilo libelli sem aditamento pelo Ministério Público, que

flagrantemente violava o sistema acusatório por importar em iniciativa de

imputação penal de fatos novos e diversos ex officio pelo juízo, violando o

princípio acusatório ou a ampla defesa, além, é claro, do princípio da

correlação. Agora a nova legislação apenas permite a mutatio libelli mediante

prévio aditamento do Ministério Público. Ademais, a Lei n. 11.719/2008 aboliu

no procedimento ordinário (e em todos os demais) a fase das antigas

"diligências complementares pelo juiz", prevista no revogado art. 502 do CPP.

É certo que ainda existe a possibilidade de oitiva de testemunhas referidas (art.

209) bem como o juiz possui o poder de determinar re-interrogatório (art. 196).

Todavia, não mais existe mais esta fase de iniciativa probatória do juiz como

algo normal no procedimento, indicando que a normalidade é que as partes

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venham se desincumbir de seu ônus probatório mediante o requerimento dos

esclarecimentos que julgarem necessários, que então serão deferidos pelo juiz.

Estas duas inovações decorrentes da revogação da mutatio libelli ex officio

pelo juiz sem aditamento bem como a revogação da fase das diligências

complementares pelo juiz são indicativas da intenção da reforma, ou seja, de

colocar o juiz em uma posição de maior imparcialidade, distanciando-o da

produção de ofício da prova e das atividades da acusação. Portanto, não há

dúvidas que o sistema processual decorrente da reforma é o sistema

acusatório.

Assim, a interpretação do novo art. 212 deve ser feita dentro deste

contexto de uma reforma destinada a assegurar a implantação do sistema

acusatório, o mais puro possível. O fato de o juiz formular perguntas após as

partes colocará necessariamente o juiz numa posição de mais distância do

ônus de provar e certamente auxiliará a mudar a atual cultura inquisitiva que

ainda permeiam algumas das disposições do CPP e estão presentes na praxe

forense.

Para que a interpretação sistemática não fique truncada, é necessário

analisar suas implicações com outras situações nas quais o Código ainda

mantém ordem diversa para as perguntas. Por exemplo, no interrogatório, a

ordem das perguntas de acordo com o art. 188 será, primeiro, o juiz e, após,

as partes. Especificamente para o interrogatório, há uma lógica de o primeiro a

indagar ser o juiz, pois o interrogatório é um ato de autodefesa e também um

ato de prova, consistente no direito do réu de fornecer diretamente ao juiz de

seu caso a sua versão dos fatos. Desta forma, sendo o interrogatório ato de

autodefesa, justifica-se que seja dirigido ao juiz e, portanto, por ele presidido.

Ademais, não se pode esquecer que, até antes da edição da Lei n.

10.792/2003 as partes sequer participavam do interrogatório, que era

entendido como "ato privativo do juiz". Assim, conceder a palavra às partes

após o juiz já foi considerado um avanço processual nesta época.

Outra situação na qual há ordem diversa para as perguntas é no

julgamento plenário do Tribunal do Júri, conforme determina o art. 473, caput,

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do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.689/2008. Este dispositivo incluiu

o sistema de perguntas diretas pelas partes, mas manteve a ordem de

inquirição inicial pelo juiz. A manutenção desta regra especificamente para o

Tribunal do Júri possui sua lógica também. Provavelmente a disposição é feita

para evitar que os jurados sejam influenciados por uma instrução conduzida

majoritariamente pela acusação. Quem pergunta primeiro normalmente explora

mais o potencial de informações de uma testemunha, restando aos demais

apenas esclarecer os pontos não explorados; como normalmente as

testemunhas dos fatos já constam do inquérito e, portanto, são testemunhas

da acusação (já que o ônus de comprovar a culpa é da acusação), se as

partes perguntassem antes do juiz presidente aconteceria que a maioria das

provas seria explorada pela acusação, situação que poderia induzir os jurados

a crerem que a acusação possui mais provas que a defesa e, portanto, sua

tese é a correta, o que não necessariamente é verdade. Ademais, como o juiz

presidente não julga os fatos, esta situação de perguntar primeiro não

comprometeria sua imparcialidade e, portanto, não violaria o sistema

acusatório, apenas asseguraria melhor andamento dos trabalhos em um

procedimento muito mais ritualístico que o habitual. Portanto, o fato de no

julgamento plenário do Tribunal do Júri a ordem das perguntas ser primeiro juiz

e após as partes não traz qualquer assistematicidade à interpretação literal do

art. 212.

2.1.5. A máxima efetividade das normas constitucionais como

guia hermenêutico

Finalmente, considerando que o sistema acusatório foi expressamente

acolhido pela CF/1988, art. 129, I, esta interpretação teleológica acima exposta

do art. 212 possibilita a máxima efetividade das normas constitucionais. Em

tese, o Poder Judiciário, ao interpretar a norma do art. 212 do CPP, possui

duas opções: entender que o juiz ainda possui o poder de perguntar primeiro

(portanto, possui uma postura mais ativa na colheita da prova) ou entender que

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a reforma alterou a ordem para preservar-lhe maior imparcialidade. A pergunta

trivial é: qual das duas interpretações assegurará uma maior efetividade à

norma constitucional? Certamente, a interpretação que permitir maior

imparcialidade do magistrado, sem sacrificar o princípio da busca da verdade

no processo.

Assim, a máxima efetividade das normas constitucionais deve guiar o

processo de hermenêutica jurídica, balizando o discurso jusfundamental

tendente à concretização destes princípios fundamentais na leitura (e releitura)

da legislação infraconstitucional.

2.2. O Poder Instrutório do Juiz – mitigação ou abolição do

sistema presidencialista

No presente tópico, busca-se uma análise da nova redação dada ao

art. 212, do CPP e que vem sendo interpretada por grande parte da doutrina

brasileira como sinal da abolição do sistema presidencialista de inquirição de

testemunhas até então vigente, e, de outro, apenas uma mitigação.

Em relação ao tema, verificamos nos tópicos anteriores que o sistema

presidencialista não foi totalmente abolido do nosso processo penal, primeiro

porque o legislador ainda mantem em várias passagens a atuação direta do

juiz na produção da prova, como, por exemplo, no interrogatório, ato que

atualmente autoriza a intervenção da acusação e da defesa técnica, sendo que

ainda no sistema de repergunta, tal como ocorria na redação antiga do artigo

212 do CPP.

Outrossim, apesar da previsão legal de as partes questionarem

diretamente às testemunhas, é de se observar que o legislador não previu a

quem caberia resumir os depoimentos, eis que não há taquígrafos em todos os

juízos e tribunais e, na prática, não são os promotores e advogados ou

defensores públicos que ditam os resumos que constam nas atas, mas, sim, os

próprios magistrados e, neste ponto, pode ocorrer que se dê mais ênfase a

uma das teses, e isso, não se pode negar, é fruto de que a maioria de nossos

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magistrados ainda não consegue se posicionar de forma imparcial na análise

das provas, para deixar às partes a função que somente a elas compete, que é

a de trazer elementos que dêem credibilidade a sua tese; ao juiz caberia

observar a maneira como elas se portam, garantindo a equivalência de forças

e a observância do princípio constitucional do devido processo legal e

daqueles que dele decorressem (ampla defesa, juízo competente e imparcial

etc).

Desta maneira, diante deste cenário, é pertinente concluir-se que o

legislador apenas mitigou o sistema presidencialista, mantendo ainda um ranço

do sistema inquisitorial.

2.3. A Inobservância da ordem do artigo 212 do CPP – causa de

nulidade relativa ou absoluta

Outra questão que tem sido debatida com fervor é em relação à

inobservância na ordem de inquirição das testemunhas, qual seja, se a

violação do art. 212 do CPP gera nulidade do ato e de que ordem, se relativa

ou absoluta. Por fim, ainda neste título, traçarei um panorama da

jurisprudência pátria no cenário atual.

A redação anterior não indicava a ordem, era mais uma construção

doutrinária e jurisprudencial. Com a modificação do artigo 212 do CPP, foi

retomado o debate. O que até então tínhamos era o juiz iniciando as perguntas

e então as partes formulavam outras que entendem pertinentes, devendo

aquela que arrolou a testemunha apresentar as perguntas ao juiz e a parte

adversa, depois, fazia as suas, podendo o juiz, em ambas as situações,

indeferir as perguntas que não forem pertinentes.

Segundo a nova redação do dispositivo, as reperguntas serão feitas

diretamente pelas partes à testemunha.

A atual redação preconiza que as perguntas serão formuladas pelas

partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem

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induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na

repetição de outra já respondida.

A redação anterior dispunha que as perguntas das partes serão

requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar

as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou

importarem repetição de outra já respondida.

Segundo o sistema presidencialista, findas as perguntas do magistrado

na busca da verdade real, as partes dirigiam as suas a ele que as formulava

para a testemunha.

Mudamos de estágio, saímos do sistema presidencialista e entramos

no sistema da pergunta direta ou do cross examination, sem escala para o

destino. A parte passa a ter contato direto com a testemunha, formulando

diretamente as perguntas. Estas perguntas que vêm após as do juiz, são

denominadas de reperguntas. E o que são reperguntas? São as indagações

sobre pontos a serem elucidados, complementados ou esclarecidos para as

partes.

No novo sistema da pergunta direta ou cross examination o juiz

somente fiscalizará as perguntas formuladas. Feita a indagação, a testemunha

aguardará o deferimento judicial para resposta. Tratando-se de pergunta

objetiva, relacionada aos fatos e inovadora, o juiz autorizará a testemunha a

responder. Do contrário, se a pergunta não guardar relação com a causa ou for

repetida, impõe-se o indeferimento. Curial que o indeferimento deverá constar

do termo, imediatamente após a pergunta formulada.

“O art. 212 do CPP, com redação dada pela Lei

11.690/2008, determinou que as perguntas às

testemunhas (no sistema da cross examination) serão

formuladas pelas partes diretamente. Sobre os pontos

não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição

(parágrafo único do art. 212 do CPP). A forma

estabelecida, como se vê, é esta: primeiro a inquirição

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das partes, depois vem o complemento do juiz (quando

necessário). Indaga-se: e se não observada essa forma

(essa ordem), esse vício gera nulidade do ato?

Duas orientações emanam da jurisprudência:

(a) a inobservância na ordem de inquirição das

testemunhas – com violação do art. 212 do CPP – gera a

nulidade do ato (assim como dos subsequentes):

“Cuida-se de habeas corpus impetrado pelo Ministério

Público em favor da paciente, contra acórdão proferido

pelo TJ que julgou improcedente reclamação ajuizada nos

autos de processo crime pelo qual foi condenada à pena

de um ano e cinco meses e 15 dias de reclusão em

regime semiaberto e ao pagamento de 15 dias-multa, pela

prática do delito disposto no art. 342, § 1º, do CP. O

impetrante narra que, designada audiência de instrução e

julgamento, ela se realizou em desacordo com as normas

do art. 212 do CPP, com a nova redação que lhe foi dada

pela Lei n. 11.690/2008, pois houve inversão na ordem de

formulação das perguntas. Isso posto, a Turma concedeu

a ordem para anular a audiência realizada em

desconformidade com o art. 212 do CPP e os atos

subsequentes, determinando-se que outra seja procedida

nos moldes do referido dispositivo, ao entendimento de

que ficou suficientemente demonstrada a nulidade

decorrente do ato em apreço, em razão de evidente

ofensa ao devido processo legal, sendo mister reiterar

que contra a paciente foi proferida sentença condenatória,

bem demonstrando que, diante do novo método utilizado

para a inquisição de testemunhas, a colheita da prova de

forma diversa, indubitavelmente, acarretou-lhe evidente

prejuízo, sendo bastante para declarar nulo o ato

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reclamado e os subsequentes e determinar que outro seja

realizado dentro dos ditames legais. HC 145.182-DF, Rel.

Min. Jorge Mussi, julgado em 4/2/2010.”

(b) a inobservância do art. 212 do CPP não gera nulidade:

“A Lei n. 11.690/2008 alterou a redação do art. 212 do CPP e

modificou a ordem de inquirição das testemunhas, ao estabelecer

que, primeiramente, as partes devem perguntar e, só ao final,

poderá o juiz fazê-lo de forma suplementar, tal qual pugna o

modelo norte-americano (cross-examination). Porém, a oitiva de

testemunha sem observância dessa nova ordem não resulta

nulidade absoluta, pois não se altera o sistema acusatório nem se

viola a lei. O juiz, no modelo brasileiro, não é mero expectador,

visto que possui participação ativa no processo cujo controle

incumbe-lhe. Dele se espera a proteção de direitos e garantias

constitucionais e também a busca da verdade real. Anote-se que

o próprio CPP, em seu art. 473, permite que, no júri, as

perguntas sejam feitas inicialmente pelo juiz presidente e,

depois, pelas partes diretamente. Vê-se que o caráter acusatório

é o mesmo nos dois procedimentos, de sorte que não há a

nulidade pela alteração da ordem de perguntas. Precedente

citado: HC 121.215-DF, DJe 18/11/2008. HC 144.909-PE, rel.

Min. Nilson Naves, julgado em 4/2/2010.”

Nossa posição: o sistema da cross examination (em linha

de coerência com o princípio acusatório) prioriza a

produção das provas pelas partes. O juiz não atua nessa

área ou só atua supletivamente (complementarmente)

(consante o que ficou estabelecido no art. 156, II, do

CPP). Existe uma forte polêmica sobre a ordem na

inquirição das testemunhas. Pela letra do art. 212 a

prioridade é das partes. Só depois é que atua o juiz. O

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dispositivo que acaba de ser citado conflita com o art. 473

assim como com o art. 205 do CPP. Ocorre que esses

últimos textos legais foram construídos no tempo do

sistema antigo (que conferia primazia ao juiz, na produção

das provas).

Melhor examinando o tema, devemos concluir que o

propósito do art. 212 foi o de inaugurar um novo sistema

(o da cross examination), abandonando o antigo (sistema

presidencialista). Novos tempos, novos horizontes. Não

se pode pensar um sistema novo com nossas

mentalidades passadas (anteriores). A inobservância da

ordem do art. 212 do CPP pode trazer seríssimos

prejuízos para o acusado. Para evitar esse risco o mais

adequado é seguir o novo sistema (com todas as suas

sortes e seus azares). Se interpretamos o novo com

cabeça antiga, nunca se implanta um novo modelo. O

novo é novo e o antigo é antigo. Se o legislador fez uma

nova opção, não pode o juiz, com sua cabeça antiga,

destruir esse novo horizonte, no plano interpretativo. Bem

pensado o tema, a primeira corrente (no sentido da

nulidade, quando constatado prejuízo) é a que melhor

retrata o novo direito.” (Luis Flávio Gomes –

WWW.lfg.com.br)

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2.4. Jurisprudência

EMENTA: HABEAS CORPUS . NULIDADE.

RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO.

JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO

INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM

AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.

INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS

PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A

REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO

DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO

EVIDENCIADO.

1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a

partir de agosto de 2008, determina que as vítimas,

testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e

primeiramente pela acusação e na sequência pela

defesa, possibilitando ao magistrado complementar a

inquirição quando entender necessários esclarecimentos.

2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no

mencionado ato, consignando que o Juízo Singular

incorreu em error in procedendo , caracteriza

constrangimento, por ofensa ao devido processo legal,

sanável pela via do habeas corpus, o não colhimento de

reclamação referente à apontada nulidade.

3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do

método acusatório, permite que a produção da prova oral

seja realizada de maneira mais eficaz, diante da

possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do

contexto das declarações colhidas, bem delineando as

atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é

evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da

respectiva forma.

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4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar,

anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e

os demais atos subsequentes, determinando-se que outra

seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.

(STJ – 5ª Turma - HABEAS CORPUS Nº 121.216 - DF

(2008/0255943-3) , RELATOR: MINISTRO JORGE

MUSSI)

EMENTA - HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL

PENAL. LEI Nº 11.690/08. INTERPRETAÇÃO DO ART.

212 DO CPP. INVERSÃO NA ORDEM DE

FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. NULIDADE.

INOCORRÊNCIA.

1. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a

redação do art. 212 do Código de Processo Penal,

passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-

Americano, chamado cross-examination, no qual as

testemunhas são questionadas diretamente pela parte

que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua

inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os

esclarecimentos remanescentes e o poder de

fiscalização.

2. A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita

de provas, mas procurou, principalmente, garantir mais

neutralidade ao magistrado e conferir maiores

responsabilidades aos sujeitos parciais do processo

penal, que são, na realidade, os grandes interessados na

produção da prova.

3. No caso, observa-se que o juiz de primeiro grau

concedeu às partes a oportunidade de questionar as

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testemunhas diretamente. A ausência dessa fórmula gera

nulidade absoluta do ato, pois se cuida de regramento

jurídico cogente e de interesse público.

4. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do

art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido

uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma

interpretação sistemática, a não observância dessa regra

pode gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por

se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida

do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas,

ainda que subsidiariamente, para o esclarecimento da

verdade real, sendo certo que, aqui, o interesse protegido

é exclusivo das partes.

5. Não se pode olvidar, ainda, o disposto no art. 566 do

CPP: " não será declarada a nulidade de ato processual

que não houver influído na apuração da verdade

substancial ou na decisão da causa.

6. Habeas corpus denegado.

(STJ, 6ª Turma, HABEAS CORPUS Nº 121.215 - DF

(2008/0255940-8) denegada a ordem de habeas corpus,

por maioria, nos termos do voto do Sr. Ministro Og

Fernandes, que lavrará o acórdão, vencida a Sra. Ministra

Relatora, que a concedia, na esteira do entendimento da

5ª Turma, tendo citado no seu voto vencido o proferido no

HC 121216, nominando-o leading case. Votaram com o

Sr. Ministro Og Fernandes os Srs. Ministros Haroldo

Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) e

Nilson Naves. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro

Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Voto vencido da Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS

MOURA (Relatora), vencida, que se destaca:

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“Não há dúvida de que o trabalho da Comissão

capitaneada pela Professora Ada Pellegrini Grinover,

tanto quanto a Comissão presidida pelo Ministro Hamilton

Carvalhido, consagrou o princípio acusatório [Em sentido

contrário, entendendo que a reforma parcelar, tal qual

implementada, não rompeu com as amarras do modelo

inquisitório, conferir: COUTINHO, Jacinto Nelson de

Miranda. As reformas parciais do CPP e a gestão da

prova: segue o princípio inquisitivo. Boletim IBCCRIM ,

São Paulo, ano 16, n. 188, p. 11-13, jul. 2008. O autor

asseverou: O que se há de reafirmar, enfim, é que

reformas parciais não mudam o sistema porque não vão

no núcleo do problema, ou seja, no princípio inquisitivo ,

que permanece intacto, o que se pode constatar com as

recentes reformas , mormente aquela referente à prova e,

nela, no que diz com a chamada teoria geral da prova.

Basta que se veja, neste sentido, a nova redação do art.

156, do CPP, dada pela Lei nº 11.690, publicada em

10.06.08, que faculta ao juiz, de ofício, determinar a

produção de provas e a realização de diligências que

julgar necessárias para “dirimir suas dúvidas”].

Neste diapasão, digna de nota foi a ressonância da

modificação trazida pela Lei 11.690, de 9 de junho de

2008, relativamente à instrução criminal.

O tema tem merecido considerações doutrinárias em

sentidos divergentes.

Há quem sustente que a nova redação do art. 212 do

CPP não representou a consagração do cross-

examination , em que as partes perguntam diretamente à

testemunha, sem a interferência do juiz, porque o sistema

anglo-saxão de exame cruzado “é muito mais do que a

mera possibilidade de formação de perguntas diretas

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pelas partes como fez o art. 212. O cross-examination é a

imposição de que a acusação faça a inquirição das

testemunhas e após, obrigatoriamente, a faça a defesa,

com a possibilidade de reexame pelo inquisidor originário.

O objetivo é afastar inconsistências dos depoimentos. Ao

juiz é resguardada apenas a função de manutenção da

ordem e realização de perguntas suplementares ”.

De outra sorte, tem-se entendido, de forma prevalecente

na doutrina, que a reforma adotou, de forma explícita, o

sistema do exame cruzado da testemunha, razão pela

qual ao juiz caberá formular perguntas complementares

após aquelas feitas diretamente pelas partes. E, ainda

que não haja, no texto do atual art. 212 do CPP, a

previsão de que a parte que arrolou a testemunha e fez o

exame direto possa dirigir novas perguntas depois de

encerrado o exame cruzado, como existe no sistema

anglo-americano e na legislação italiana, tal possibilidade

não pode ser excluída: “(...) também nessa situação – de

aparecerem no exame cruzado informações novas – deve

ser dada oportunidade a quem fez o primeiro exame de

esclarecê-las. Mas isso, é claro, sempre dentro dos

limites de pertinência e relevância, não sendo possível

imaginar que a reinquirição se preste a tornar o

depoimento interminável, nem ocasião para antecipar a

discussão da causa. Também é evidente que à parte

contrária, que já fez o exame cruzado, não serão

admitidas outras indagações” [Cf. Antonio Magalhães

Gomes Filho. Provas – Lei 11.690 de 09.06.2008. As

reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os

projetos de reforma . Coord. Maria Thereza Rocha de

Assis Moura. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 288. No sentido

de que a modificação do art. 212 do CPP trouxe

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significativo avanço para a consolidação do modelo

acusatório, v. Leopoldo Stefanno Louveira, Comentários

ao HC 121.216/DF, na sessão Jurisprudência Anotada do

Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais , ano

17, n. 200, jul. 2009, p. 1274].

A aplicação do art. 212 do CPP pode, em primeiro

momento, trazer alguma dificuldade prática, na medida

em que o sistema presidencialista permaneceu em vigor

durante mais de 60 anos.

Mas, a tal pretexto, não se pode ignorar o espírito do

legislador de trazer, de forma explícita, o modelo

acusatório para o processo penal brasileiro, abolindo,

assim, a moldura anteriormente em vigor. [Advirta-se,

como o fez Antonio Magalhães Gomes Filho (op. cit., p.

287), ao comentar o novo art. 212 do CPP, que a

alteração legislativa reclama “não só conhecimentos

jurídicos, mas também algum preparo nas áreas da

psicologia e da argumentação. Não bastará formular

perguntas à testemunha, mas principalmente saber como

fazê-lo e, em certos casos, deixar de fazer”]. (MOURA,

Maria Thereza Rocha, MAHMOUD, Mohamad Ale Hasan.

A reforma processual penal: precedentes do Superior

Tribunal de Justiça. Revista de Informação Legislativa .

Brasília, Ed. do Senado Federal, no prelo).

O caso em foco conduz-me à conclusão de tratar-se de

nulidade de cariz absoluto, tendo em vista a violação de

cânones de natureza constitucional, a inviabilizar a

escorreita prestação jurisdicional.

Lembre-se, ainda, o teor do parecer do Ministério Público

Federal:

“O cerne da questão repousa em se saber se a natureza

da nulidade engendrada pela não observância do que

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dispõe o art. 212, caput e par. único do CPP, i.e., se a

inquirição das testemunhas primeiramente pelo juízo (e,

posteriormente, pelas partes) teria, ipso facto, o condão

de determinar a declaração de nulidade do processo

desde a audiência de instrução, por se tratar de nulidade

absoluta, ou, ao contrário, tratar-se-ia de nulidade

relativa, a exigir, além da sua alegação opportuno

tempore, a demonstração de prejuízo.

Dúvidas não há de que o tema nulidades está

intrinsecamente ligado à existência de prejuízo, seja este

efetivo ou potencial (art. 563 do CPP).

Todavia, mesmo partindo-se dessa premissa, há que se

diferenciar aqueles vícios gravíssimos, nos quais o

desrespeito às formalidades legais implicam violação aos

princípios constitucionais direta ou reflexamente (nulidade

absoluta), daqueles outros decorrentes da não-

observância de formas estabelecidas no interesse

exclusivo da parte, vale dizer, que não importam

atentados à própria função jurisdicional.

A depender justamente dos interesses envolvidos na

nulidade, se prevalentemente públicos ou privados, é que

se deverá cunhar de absoluto ou relativo um vício que

inquine o processo. Se as formas são estatuídas no

preponderante interesse das partes, cabe a elas

verificarem se o seu desatendimento causa gravame a

sua esfera jurídica, oferecendo impugnação. Ao revés, se

o que se sobressai é o interesse público na tutela das

liberdades individuais, não há, para as partes, qualquer

disponibilidade, daí se dizer que as nulidades absolutas

não estão sujeitas a prazos preclusivos, não se

convalescendo nem mesmo ante a coisa julgada,

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porquanto atentatórios à própria função jurisdicional, à

própria qualidade da jurisdição prestada.

O direito, e isso é consabido, lida com abstrações.

Ninguém ousa dizer, por exemplo, que as hipóteses de

incompetência absoluta não encartam nulidades

absolutas. Jamais, todavia, para esses casos, foi

requerida pelos órgãos judiciários a demonstração de

efetivo prejuízo. Em outras palavras, o prejuízo decorre

da violação singela ao quanto preceituado na

Constituição ou na lei. Assim, processo desse jaez é

considerado nulo, mesmo que à defesa tenha sido

assegurado incensurável contraditório e inexistam sequer

indícios da imparcialidade do órgão judicante.

No caso vertente, o juízo negou aplicação ao disposto no

art. 212, caput e par. único do CPP, procedendo, desde

logo, à inquirição das testemunhas, sem, antes, deferir a

possibilidade às partes. Afastou-se o juízo, assim, do

comando legal, que determina seja sua iniciativa

eminentemente complementar, vale dizer, supletiva da

atuação das partes, e não substitutiva, como parece se

afigurar sempre que sonegadas às partes a produção

probatória, violando, dessa forma, como, aliás,

escorreitamente dispôs a defesa, o princípio

constitucional do acusatório (art. 129, I, da CF). O caráter

complementar da atuação judicial, finda a inquirição das

testemunhas pelas partes, ainda assim, deve ser

interpretado com parcimônia, para dele não se extrair

possa o juiz, genericamente, estender o conjunto

probatório, substituindo autor e réu em seu mister. Assim,

uma interpretação consentânea com o princípio

acusatório informa que somente poderá o juízo proceder

à inquirição das testemunhas sobre fatos que, para ele,

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não tenham se quedado claros, mas que já tenham sido

agitados pelas partes.

Essa deve ser interpretação conforme a Constituição,

porque conforme ao princípio acusatório, do dispositivo

legal. Isso, porque não há como negar que admitir a

figura de um juiz inquisidor é, concomitantemente, admitir

um juiz comprometido psicologicamente com a prova,

tanto ao produzi-la, quanto ao valorá-la.

Primeiro, porque, p.e., ao dirigir suas perguntas às

testemunhas, quando nada de concreto existe acerca do

crime, senão a tese acusatória, age, porque de modo

diverso não poderia mesmo ser, impelido pela visão que

tem dos fatos narrados na denúncia (formulada pela

acusação), o que significa dizer possa consubstanciar,

desde que assuma sobredita tese, uma extensão da

acusação, a comprometer-lhe o devido alheamento em

relação ao caso penal. Isso se intensifica quando se tem

em vista que, no processo penal, vige o princípio da

presunção de inocência e seu corolário “in dubio pro reo”,

a imporem à acusação um amplíssimo, senão mesmo

integral, ônus probatório, derivando daí a desnecessidade

ou a própria inutilidade de que o juiz produza prova que

venha a favorecer à defesa, o que poderia, caso se

vislumbrasse a pertinência da possibilidade, vislumbrar-se

ser a atuação oficiosa do juiz instrumento paritário às

partes. Dessa forma, embora seja mesmo um delírio

exigir-se um juiz sem predisposições, ser humano que é,

ao final, para os efeitos de igualdade e imparcialidade

reclamados, o que importa, precisamente, é não ter sua

atuação constituído mecanismo de extensão do conjunto

probatório.

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Certamente, a gestão das provas constitui uma das vigas

mestras do processo penal. Com efeito, e isso em muito

maior medida para a acusação, em face do princípio da

presunção de inocência e seu corolário “in dúbio pro reo”

já referidos, toda a argumentação trazida à baila pelo

Ministério Público, para que esteja revestida da

necessária idoneidade, vale dizer, para que possa servir,

argumentativamente, ao convencimento judicial, deve

encontrar-se amparada por provas; de modo contrário, de

nada vale. Daí por que se aduzir deva o juiz, em relação à

gestão da prova, manter-se inerte, evitando constitua, a

partir de sua atuação oficiosa, uma possibilidade de prova

em favor da acusação.”

Voto do Ministro OG FERNANDES (relator designado

para o acórdão), que se destaca:

“A Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação

do art. 212 do Código de Processo Penal, introduzindo

uma nova metodologia de inquirição das testemunhas, ao

prever que "as perguntas serão formuladas pelas partes

diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas

que puderem induzir a resposta, não tiveram relação com

a causa ou importarem na repetição de outra já

respondida."

A referida lei incluiu, ainda, o parágrafo único ao art. 212,

dispondo que apenas sobre "pontos não esclarecidos" é

lícito ao magistrado "complementar a inquirição."

Com efeito, afastou-se o sistema tradicional de produção

da prova oral, adotando-se, agora, o procedimento do

Direito Norte-Americano, chamado cross-examination , no

qual as testemunhas são questionadas diretamente pela

parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir,

sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os

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esclarecimentos remanescentes e o poder de

fiscalização.

Diante disso, surgiu a indagação: o parágrafo único da

referida norma processual inverteu a ordem de

formulação de perguntas às testemunhas, ou ela

permanece a mesma? Vale dizer, o juiz ainda possui o

poder de inquirir primeiro, ou a reforma alterou a ordem

para preservar-lhe maior imparcialidade?

A respeito do tema, colho a lição de Guilherme de Souza

Nucci:

Tal inovação, entretanto, não altera o sistema inicial

de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a

testemunha é o juiz, como de praxe e agindo como

presidente dos trabalhos e da colheita da prova. Nada

se alterou nesse sentido .A nova redação dada ao art.

212 manteve o básico. Se, antes, dizia-se que "as

perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as

formulará à testemunha", agora se diz que "as perguntas

serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha

(...)". Nota-se, pois, que absolutamente nenhuma

modificação foi introduzida no tradicional método de

inquirição, iniciado sempre pelo magistrado . Porém,

quanto às perguntas das partes (denominadas

reperguntas na prática forense), em lugar de passarem

pela intermediação do juiz, serão dirigidas diretamente às

testemunhas. Depois que o magistrado esgota suas

indagações, passa a palavra à parte que arrolou a

pessoa depoente. Se se trata de testemunha da

acusação, começa a elaborar as reperguntas o promotor,

diretamente à testemunha. Tratando-se de testemunha da

defesa, começa a reinquirição o defensor, diretamente à

testemunha.

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Após, inverte-se. Finalizadas as perguntas do promotor à

testemunha de acusação, passa-se a palavra ao defensor

(se não houver assistente de acusação, que tem

precedência). O mesmo se faz quando o defensor finaliza

com a sua inquirição; passa-se a palavra ao promotor e,

depois, ao assistente, se houver." (NUCCI, Guilherme de

Souza, Código de Processo Penal comentado, 8ª edição,

São Paulo: RT, 2008, p. 479/480).

Comungam de idêntico pensamento, Luís Flávio Gomes,

Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

A leitura apressada deste dispositivo legal pode

passar a impressão de que as partes devem,

inicialmente, formular as perguntas para que,

somente a partir daí, possa intervir o juiz, a fim de

complementar a inquirição. Não parece ser

exatamente assim. Basta ver, por exemplo, a redação do

art. 188 do CPP, a determinar que, no interrogatório, de

início as perguntas são formuladas pelo juiz que, depois,

consultará às partes se há algo a ser esclarecido. E

mesmo a atual redação do art. 473 do CPP, que, no

plenário do júri, determina a primazia do juiz de colher o

depoimento da vítima e das testemunhas, para depois

facultar às partes a formulação de perguntas. Afrontaria

mesmo nossa tradição conceder-se, desde logo, a

palavra às partes, para que o juiz, por último, pudesse

perguntar á testemunha. Melhor que fiquemos com a

fórmula tradicional, arraigada na "praxis" forense,

pela qual o juiz dá início às suas indagações para,

depois, facultar às partes a possibilidade de, também,

inquirirem a testemunha, desta feita diretamente, sem

a necessidade de passar, antes pelo filtro judicial".

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(Comentários às reformas do Código de Processo Penal e

da Lei de Trânsito. São Paulo: RT, 2008, p. 302).

A propósito, veja-se ainda o comentário de Damásio de

Jesus, in verbis:

"De ver que, pelo disposto no parágrafo único, o Juiz será

o último a formular as perguntas, abordando pontos não

esclarecidos. Entendemos que o magistrado, em que

pese a redação do preceito citado, pode formular

perguntas a qualquer momento, até porque tal

proceder não terá o condão de gerar nulidade

processual ." (De Jesus, Damásio E., Código de

Processo Penal Anotado, Ed. Saraiva, 23ª Ed., 2009, pg.

191)

Outra corrente doutrinária e jurisprudencial sustenta que,

apesar de presidir a audiência, o magistrado não inicia a

inquirição das testemunhas, devendo deixar tal tarefa às

partes, cabendo-lhe tão somente complementar a

atividade probatória, se restarem pontos ainda a ser

esclarecidos.

Aliás, esse entendimento – de que o juiz somente poderia

perguntar depois das partes – foi acolhido pela Quinta

Turma desta Corte, no julgamento do Habeas Corpus nº

121.216/DF, Relator o Ministro Jorge Mussi, conforme se

vê pela leitura do seguinte trecho do voto condutor,

litteris:

Não obstante haja resistência pertinente às mudanças

procedidas na legislação processual penal, consoante

salientado por ocasião do deferimento da pretensão

sumária, é certo que com a nova redação dada ao aludido

dispositivo, "o juiz simplesmente poderá complementar

a inquirição sobre os pontos não esclarecidos,

cabendo-lhe ainda não admitir as perguntas que não

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tiverem relação com a causa ou importarem na

repetição de outra já feita" (SOUZA, JOSÉ BARCELOS

DE. Boletim IBCCrim. Novas leis de processo: inquirição

direta de testemunhas. Identidade física do juiz. ano 16,

nº 188, julho, 2008, p. 15).

Por oportuno, mister transcrever lição da autoria de

EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA , da obra Curso de

Processo Penal:

“A Lei 11.690/08 trouxe importante alteração no

procedimento de inquirição de testemunhas “Ali se prevê

que as perguntas das partes serão feitas diretamente à

testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem

induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou

importarem a repetição de outra já respondida (art. 212,

CPP). E, mais ainda, prevê que o juiz poderá

complementar a inquirição, sobre pontos eventualmente

não esclarecidos (art. 212, parágrafo único, CPP).

“Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a

um modelo acusatório de processo penal, no qual o juiz

deve assumir posição de maior neutralidade na produção

da prova, evitando-se o risco, aqui já apontado, de tornar-

se o magistrado um substituto do órgão de acusação.

Assim, as partes iniciam a inquirição, e o juiz a

encerra ” (11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.

370).

Ao dissertar quanto à colheita da prova testemunhal,

AURY LOPES JR. assinala:

"O antigo sistema 'presidencial ', onde as perguntas

eram feitas ao juiz e este as (re)formulava à testemunha,

felizmente foi abandonado com a nova redação do art.

212 do CPP" (Direito processual penal e sua

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conformidade constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2008, p. 602).

E comentado o dispositivo citado, assevera que "Agora as

perguntas serão diretas, com o juiz atuando como filtro,

regulador dessa comunicação, para evitar a indução ou

mesmo constrangimento de testemunha. Pela leitura do

parágrafo único, a atuação do juiz, somente se dará

sob os pontos não esclarecidos, ou seja, uma típica

atividade complementar, secundária, portanto " (p.

602).

Na mesma linha vide PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e

JORGE ASSAF MALULY, in Curso de processo penal, 4ª

ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 334; e MARCELLUS POLASTRI LIMA,

in Manual de processo penal, 2ª ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2009, p. 431-3. Não é demais destacar os

comentários à alteração procedimental feitos na

respeitável obra As reformas no processo penal, da qual

se extrai a lição de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES

FILHO, no sentido de que a referida mudança trouxe o

método de exame direto e cruzado da prova oral utilizado

também na Inglaterra e na Itália, abolindo o antigo

sistema presidencial quanto à formulação das perguntas

e reperguntas por parte do juiz, inerente ao processo

inquisitório, adotando, assim, o sistema adversarial anglo-

americano, consistente primeiramente no direct-

examination - por parte de quem arrolou – e

posteriormente no cross-examination - sendo submetido à

parte contrária, leia-se:

"A cross-examination constitui um traço saliente do

sistema processual da common law no tocante à

produção das provas e sempre foi visto pela doutrina

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deste WIGMORE, como o meio mais eficaz para a

descoberta da verdade" (São Paulo: RT, 2009, p. 285).

Aliás, naqueles países, o aludido método é considerado

elemento essencial e é tido como garantia fundamental

pela Constituição, sendo, ainda, salientado pelo citado

autor que no "cross-examination evidenciam-se as

vantagens do contraditório na coleta do material

probatório, uma vez que, após o exame direto, abre-se à

parte contrária, em relação à qual a testemunha é

presumidamente hostil, um amplo campo de investigação.

No exame cruzado, é possível fazer-se uma reinquirição a

respeito dos fatos já abordados no primeiro exame

(cross-examination as to facts), como também formular

questões que tragam à luz elemento para a verificação da

credibilidade do próprio depoente ou de qualquer outra

testemunha (cross-examination as to credit )" (p. 286).

E conclui:

"Trata-se, portanto, de mecanismos característicos de um

sistema acusatório puro, cuja função é fundamental não

somente para uma apuração mais correta dos fatos, mas

principalmente para atestar a correção do debate dialético

entre as partes, servindo igualmente à legitimação das

decisões " (p. 287).

Constata-se, então, que no caso vertente restou violado

due process of law constitucionalmente normatizado, pois

o art. 5º, inciso LIV, da Carta Política Federal, preceitua

que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal", e na espécie o ato

reclamado não seguiu o rito estabelecido na

legislação processual penal, acarretando a nulidade

do feito, porquanto, a teor do art. 212 do Código

Instrumental, a oitiva das testemunhas deve ser

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procedida com perguntas feitas direta e

primeiramente pelo Ministério Público e depois pela

defesa, sendo que na hipótese, o Magistrado não se

restringiu a colher, ao final, os esclarecimentos que

elegeu necessários, mas realizou o ato no antigo modo,

ou seja, efetuou a inquirição das vítimas, olvidando-se da

alteração legal, mesmo diante do alerta ministerial no

sentido de que a audiência fosse concretizada nos

moldes da vigência da Lei nº. 11.690/2008.

Quanto ao tema, aliás, mister lembrar o magistério de

ALEXANDRE DE MORAES, in verbis:

"O devido processo legal configura dupla proteção ao

indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção

ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito

formal, ao assegurar-lhe a paridade total de condições

com o Estado-persecutor e plenitude de defesa [...] O

devido processo legal tem como corolários a ampla

defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados

aos litigantes, em processo judicial criminal ou civil ou em

procedimento administrativo, inclusive aos militares, e aos

acusados em geral, conforme o texto constitucional

expresso" (Constituição do Brasil interpretada e

legislação constitucional . 5ª ed. São Paulo: Atlas,

2005, p.365).

Mais adiante o constitucionalista destaca que a "tutela

jurisdicional efetiva supõe o estrito cumprimento pelos

órgãos judiciários dos princípios processuais previstos no

ordenamento jurídico, em especial o contraditório e a

ampla defesa", sendo que não constituem "mero conjunto

de trâmites burocráticos, mas um rígido sistema de

garantias para as partes visando ao asseguramento de

justa e imparcial decisão" (p. 366).

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Então, além de a parte ter direito à estrita observância do

procedimento estabelecido na lei, conforme assegurado

pelo princípio do devido processo legal, sendo importante

relembrar que na espécie o paciente teve proferido

julgamento em seu desfavor, certo é que, diante do novo

método utilizado para a inquirição de testemunhas, a

colheita da referida prova de forma diversa, ou seja, pelo

sistema presidencial, indubitavelmente acarretou-lhe

evidente prejuízo.

Nesse passo, em que pese os judiciosos fundamentos

expostos no aresto hostilizado, o qual mesmo admitindo

que houve a inversão apontada pelo Ministério Público,

não anulou a audiência procedida em desacordo com o

art. 212 do Diploma Processual Repressivo, resta

suficientemente demonstrada a nulidade decorrente do

ato em apreço, em razão de evidente ofensa ao devido

processo legal, sendo mister reiterar que contra o

paciente foi proferida sentença condenatória, édito

repressivo que encontra suporte nas declarações

colhidas em desacordo com a legislação em vigor,

bem demonstrando que, a despeito de tratar-se ou

não de nulidade absoluta, houve efetivo prejuízo, quer

dizer, é o que basta para se declarar nulo o ato

reclamado, assim como os demais subsequentes, e

determinar-se que outro seja realizado dentro dos

ditames legais .

Eis a ementa do referido acórdão:

HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO

AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO

IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO

DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E

JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE

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FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART.

212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI

11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.

1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a

partir de agosto de 2008, determina que as vítimas,

testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e

primeiramente pela acusação e na sequência pela

defesa, possibilitando ao magistrado complementar a

inquirição quando entender necessários esclarecimentos.

2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no

mencionado ato, consignando que o Juízo Singular

incorreu em error in procedendo, caracteriza

constrangimento, por ofensa ao devido processo legal,

sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de

reclamação referente à apontada nulidade.

3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do

método acusatório, permite que a produção da prova oral

seja realizada de maneira mais eficaz, diante da

possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do

contexto das declarações colhidas, bem delineando as

atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é

evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da

respectiva forma.

4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar,

anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e

os demais atos subsequentes, determinando-se que outra

seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.

(HC 121.216/DF, Relator o Ministro Jorge Mussi, julgado

em 16.05.2009).

Não há dúvida de que a nova lei objetivou não somente

simplificar a colheita de provas, mas procurou,

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principalmente, garantir maior neutralidade ao magistrado

e conferir mais responsabilidades aos sujeitos parciais do

processo penal, que são, na realidade, os grandes

interessados na produção da prova.

No caso, observa-se que o Juiz de primeiro grau

concedeu às partes a oportunidade de questionar as

testemunhas diretamente. A ausência dessa fórmula gera

nulidade absoluta do ato, pois se cuida de regramento

jurídico cogente e de interesse público, portanto, seu

descumprimento afeta os princípios do devido processo

legal, da economia e celeridade processual, bem como da

prestação jurisdicional justa e imparcial.

Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do

art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido

uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma

interpretação sistemática, a não observância dessa regra

pode gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por

se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida

a possibilidade de o juiz efetuar as suas perguntas, ainda

que subsidiariamente para o esclarecimento da verdade

real, sendo certo que, no caso, o interesse protegido é

exclusivo das partes.

A propósito, Marcelo Polastri Lima (Manual de Processo

Penal, 2ª edição, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, pág.

867), explicita o seguinte:

Na verdade, a melhor forma de se identificar uma

nulidade relativa é por eliminação, ou seja, não sendo a

nulidade absoluta, por ser assim cominada ou por violar

ou transgredir o interesse público, e, não sendo caso de

mera irregularidade, teremos a nulidade relativa. E o que

vai nortear a diferenciação é o chamado princípio do

prejuízo, como bem identifica José Barcelos de Souza:

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É que, não ferido o interesse público nem estabelecida a

nulidade expressamente pelo legislador, o princípio da

relevância das formas é temperado pelo princípio do

prejuízo (irrelevância por falta de prejuízo)... desse modo,

inexistirá nulidade relativa (e o defeito será considerado

apenas como irregularidade) se ela vier a ser excluída

pela incidência do princípio da instrumentalidade.

O Código de Processo Penal esposou expressamente a

regra do prejuízo, art. 563, mercê da maior cópia de

regras jurídicas protetoras de interesses das partes,

notadamente do réu... a máxima do prejuízo não funciona

como uma impeditiva, vale dizer, não se aplica como

obstáculo à declaração de uma nulidade, mas, antes,

constitui o grande divisor de águas que separa nulidades

relativas de meras irregularidades, em se tratando de

formalidades estabelecidas no interesse de qualquer das

partes... (SOUZA, José Barcelos. Direito Processual Civil

e Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995, págs. 122-123).

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou,

várias vezes, que a mera inversão da ordem de atos

procedimentais, por si só, não enseja nulidade do feito.

Mutatis mutandis, destaco os seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INVERSÃO

DA ORDEM DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS.

AUSÊNCIA DE NULIDADE. PREJUÍZO NÃO-

DEMONSTRADO PELA DEFESA. EXCESSO DE

PRAZO. PREJUDICADO. ORDEM PARCIALMENTE

CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.

1. A inversão na ordem de oitiva dos depoimentos das

testemunhas de acusação e defesa não gera nulidade,

especialmente se não for demonstrado nenhum prejuízo

para o paciente. Precedentes do STJ.

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2. Proferida sentença, resta prejudicado o habeas corpus

na parte em que se alegava excesso de prazo para

formação da culpa.

3. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão,

denegada.

(HC 83758/MT, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES

LIMA, DJe 03/08/2009) PROCESSO PENAL. HABEAS

CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 1. LEI. N.

10.409/02. INTERROGATÓRIO PRELIMINAR.

REALIZAÇÃO ANTES DA APRESENTAÇÃO DE

DEFESA PRÉVIA. INVERSÃO PROCEDIMENTAL.

NULIDADE. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DA DEFESA.

PREJUÍZO NÃO EVIDENCIADO. 2. INTERROGATÓRIO

PRELIMINAR. NOVA LEGISLAÇÃO. EVENTUAL

ANULAÇÃO INÓCUA. 3. ORDEM DENEGADA.

1. Não há que se falar em nulidade decorrente da

inversão dos atos processuais, com a realização de

interrogatório preliminar antes da defesa preliminar, ainda

mais se efetivada em virtude de pedido da própria defesa.

2. Não se decreta a nulidade do feito para determinar a

realização de medida pré-processual - interrogatório

preliminar da Lei n. 10.409/02 se não haverá qualquer

modificação na nova realização de atos, visto que a atual

legislação não mais prevê o interrogatório preliminar, mas

apenas a defesa escrita, a qual foi inicialmente

apresentada.

3. Ordem denegada. (HC 65838/BA, Relatora Ministra

MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 18/05/2009)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO

VIOLENTO AO PUDOR. EXECUÇÃO DA PENA ANTES

DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO.

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REITERAÇÃO DE PEDIDO. PREJUDICADO. OITIVA

DAS TESTEMUNHAS. INVERSÃO NA

ORDEM DOS DEPOIMENTOS. INOCORRÊNCIA.

AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. CONTINUIDADE

DELITIVA. ALEGAÇÃO DE FRAGILIDADE DE PROVAS

QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATERIAL

FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ESTREITA DO WRIT.

(...)

II - De outro lado, com relação à alegada nulidade pela

inversão da ordem de oitiva de testemunha, ressalte-se

que a e. Corte a quo, quando da análise do recurso de

apelação, observou a inocorrência da mencionada

inversão, tendo em vista que tal oitiva foi providência

requerida pelo assistente de acusação, na fase do art.

499 do Código de Processo Penal. Além do mais, cumpre

asseverar que, inexistindo prejuízo efetivo para o

acusado, a mera inversão da ordem dos depoimentos não

enseja nulidade do feito (Precedentes).

(...) (HC 90055/PR, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe

23/06/2008) Não se pode olvidar ainda o disposto no art.

566 do CPP: " não será declarada a nulidade de ato

processual que não houver influído na apuração da

verdade substancial ou na decisão da causa."

Na hipótese, em nenhum momento, o impetrante explica

qual o prejuízo causado à acusação ou à defesa pelo fato

de o juiz haver iniciado as perguntas às testemunhas

ouvidas, até porque sustenta, o tempo todo, a tese de

que se cuida de nulidade absoluta.

De qualquer forma, ad argumentandum, impõe-se notar

que me filio ao entendimento de que "a ocorrência de

condenação não demonstra, por si, a relação causal

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exigida no verbete da Súmula nº 523/STF", nem

"transforma a natureza do error in procedendo. Caso

contrário, todos os errores, nas hipóteses de condenação,

seriam sempre de cunho absoluto. E, a nulidade relativa

passaria a ser mero elemento ou ornato de taxionomia

teórica, sem qualquer utilidade prática." (HC 34.611/SC,

Relator Ministro FELIX FISCHER, DJ 08/11/2004)

Nesse sentido:

Não é suficiente o simples fundamento de que a

condenação do paciente presume o seu prejuízo, pois,

em sede de nulidade relativa, é imprescindível a

demonstração concreta da lesão sofrida pela Defesa.

Aplicação do princípio "pas de nullité sans grief". (HC

27221/PR, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJ

04/08/2003)

Diante do exposto, divergindo da relatora, denego a

ordem de habeas corpus.

É o voto.”

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CONCLUSÃO

Como visto nos capítulos anteriores, a antiga redação do artigo 212 do

Código de Processo Penal dispunha que as perguntas das partes seriam

requeridas ao juiz, que as formularia à testemunha. Tratava-se da inquirição de

testemunhas através do sistema presidencialista, inquirição indireta ou

repergunta, em que apenas ao juiz incumbia dirigir-se à pessoa que estivesse

prestando depoimento. Com a alteração feita pela Lei nº 11.690, de 9 de junho

de 2008, passou o referido dispositivo a possuir nova redação a qual acendeu

na doutrina discussão em relação ao momento em que o magistrado deve

fazer as perguntas à testemunha, ou seja, se antes ou depois das partes. E se

porventura o procedimento correto for a formulação de perguntas direta e

inicialmente pelas partes, haveria nulidade em caso de inversão desta ordem?

Em caso positivo, de que natureza seria esta nulidade: relativa (sujeita à

preclusão e cujo reconhecimento demanda demonstração de prejuízo) ou

absoluta? Enfim, foram estas as dúvidas que surgiram no meio jurídico.

Para NUCCI, a nova redação do art. 212 do CPP "não altera o sistema

inicial de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a testemunha é o Juiz,

como de praxe e agindo como presidente dos trabalhos e da colheita da prova.

Nada se alterou nesse sentido. A nova redação dada ao art. 212 manteve o

básico"(NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 8

ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, p. 481.).

Do mesmo entendimento comungam Luis Flávio Gomes, Rogério

Santes Cunha e Ronaldo Batista Pinto (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério

Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de

Processo Penal e da lei de trânsito. São Paulo: RT, 2008, p. 302).

Assim, para esta corrente, a ordem permanece a mesma, vale dizer, o

juiz toma o depoimento da testemunha, as partes o seguem, inquirindo

diretamente e, caso necessário, o juiz complementará os esclarecimentos,

sempre na busca da verdade.

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Em outras palavras, diante das recentes alterações, somente teria sido

suprimido o sistema presidencial de reperguntas, e nada mais, ou seja,

continuaria o juiz sendo o primeiro a questionar a testemunha sobre o thema

probandum.

Interpretando-se literalmente o referido dispositivo, temos que, na nova

sistemática, as perguntas devem ser feitas direta e inicialmente pelas partes,

começando pela parte que arrolou a testemunha (direct examination) e depois

pela parte contrária (cross examination). Em seguida, verificando pontos não

esclarecidos, pode o juiz fazer suas perguntas à testemunha, complementando

a inquirição. Particularmente, entendo que esta complementação por parte do

juiz pode ser realizada não somente ao final dos blocos de perguntas feitas

pelas partes, mas, também, logo após a resposta da testemunha a cada uma

das perguntas de qualquer das partes, sempre que da resposta resultar algum

ponto não esclarecido que o magistrado reputar carente de complementação.

Além da função complementadora, manteve-se o papel de controle e de

fiscalizador do magistrado, devendo ele – logo após a pergunta da parte e

antes da resposta da testemunha – avaliar a indagação, indeferindo-a se ela

puder induzir a resposta, não tiver relação com a causa ou importar na

repetição de outra já respondida. Vê-se, portanto, ao contrário do que alegam

alguns intérpretes, que o juiz não foi reduzido, nesse momento importante da

atividade instrutória, a um mero convidado de pedra, guardando ele postura

ativa, porém imparcial, comedida e equidistante das partes, na produção

probatória. Parece-me que esta foi a intenção do legislador, que aboliu o

sistema presidencialista neste momento para homenagear o sistema de

inquirição direta, que se baseia no adversary system dos norte-americanos, em

que o magistrado se situa em posição secundária na produção probatória,

relegando-se às partes a atividade principal na produção de provas.

E foi exatamente nesse sentido que caminhou o STJ, conforme

recente decisão tomada pela sua Quinta Turma, no Habeas Corpus nº

121.216, cuja ementa se transcreveu anteriormente, além do posicionamento

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adotado, isoladamente, pela Ministra Maria Tereza de Assis Moura no

julgamento do Habeas Corpus nº 121.215, da Sexta Turma.

Colho ainda, no mesmo sentido, o seguinte precedente do TJRS:

Processual penal. Inquirição das vítimas e testemunhas

diretamente pela Magistrada condutora. Nulidade. A nova

redação legal do art. 212 do CPP, dando largo passo em

direção ao sistema acusatório consagrado na Lei Maior,

previu expressamente a subsidiariedade das perguntas

do Magistrado em relação às indagações das partes: do

juiz é exigido o julgamento justo e eqüidistante, de modo

tal que não pode ele ter compromisso com quaisquer das

vertentes da prova." (Apelação n. 70028349843, da 5ª.

Câm. Crim. do TJRS, rel. des. Amilton Bueno de

Carvalho, julgado em 18/03/2009)

Impende salientar que referido sistema não é novidade em nossa

legislação, dado que o CPP já previa o sistema da inquirição direta das

testemunhas no rito do Júri, quando de suas oitivas em plenário (art. 468,

antiga redação).

Não há de se negar que a modificação levada a efeito aumentou a

responsabilidade das partes, por estarem agora diretamente vinculadas à

iniciativa da atividade probatória, o que a nosso sentir implica garantia mais

efetiva do contraditório e da ampla defesa, o que espelha aperfeiçoamento do

sistema acusatório brasileiro.

Convém salientar, entretanto, que caso as partes convencionem em

audiência, registrando-se em ata, nada impede que se adote o sistema

presidencialista e a inquirição da testemunha inicialmente pelo magistrado.

Neste caso, a convenção entre as partes afastaria eventual alegação

de violação a seus direitos processuais. Enfim, a despeito do entendimento

esposado nas linhas anteriores, é certo que o tema ainda irá suscitar

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acaloradas discussões no seio doutrinário, reclamando ainda amadurecimento

jurisprudencial. O STJ já apontou pelo qual caminho irá provavelmente se

posicionar. Resta-nos agora aguardar o posicionamento da nossa Suprema

Corte de Justiça.

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BIBLIOGRAFIA

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen

Júris, 2009.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro:

Editora Lúmen Júris, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. Editoria Saraiva, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MENDONÇA, Andrey Borges de Mendonça. Nova Reforma do Código de

Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009.

JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado – 23ª ed. Ver.,

atual e ampl. de acordo com a reforma do CPP (Leis n. 11.689, 11.690 e

11.719/2008). São Paulo: Saraiva, 2009.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.84.

VADE MECUM Saraiva – 9ª ed. atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2010.

www.jusnavegandi.com.br.

www.lfg.com.br

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O Processo Penal Brasileiro 10

1.4. Origem 10

1.5. Sistemas Inquisitivo e Acusatório 14

1.6. Modelo Brasileiro e a Constituição de 1988 14

CAPÍTULO II - A Prova Oral no Processo Penal 17

2.1. A Nova Redação do Art. 212 do CPP 17

2.1.1. Interpretação Literal 18

2.1.2. Interpretação Histórica 19

2.1.3. Interpretação Teleológica – a ratio legis e a ratio legislatoris 20

2.1.4. Interpretação Sistemática –reforma do CPP 22

2.1.5. A máxima efetividade das normas constitucionais como guia

hermenêutico 24

2.2. O Poder Instrutório do Juiz – mitigação ou abolição do sistema

presidencialista 25

2.3. A Inobservância da ordem do artigo 212 do CPP – causa de

nulidade relativa ou absoluta 26

2.4. Jurisprudência 31

CONCLUSÃO 55

BIBLIOGRAFIA 59

ÍNDICE 60

FOLHA DE AVALIAÇÃO 61

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – INSTITUTO A

VEZ DO MESTRE

Título da Monografia: A MITIGAÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA

DIANTE DA NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL E SEU REFLEXO NA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Autor: ILKA TORRES DE SOUZA – K214325

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