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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE A Literatura Infantil e o despertar do gosto pela leitura Por Valeria Bittencourt Collin da Silva Orientador Prof Luiz Cláudio Lopes Alves Rio de Janeiro 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A Literatura Infantil e o despertar do gosto pela leitura

Por

Valeria Bittencourt Collin da Silva

Orientador Prof Luiz Cláudio Lopes Alves

Rio de Janeiro

2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A LITERATURA INFANTIL E O DESPERTAR DO GOSTO PELA LEITURA

OBJETIVOS:

O presente trabalho acadêmico tem como objetivos, não fornecer uma receita pronta de como despertar o gosto pela leitura, mas sim abrir mais um espaço para essa discussão, trazendo novas reflexões, levantando novas questões, mas principalmente despertar no professor a preocupação com esse tema tão relevante dentro de nossas escolas.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre presente nas horas de

conflitos e desânimos,

fortificando-me e dando–me forças para seguir.

Obrigado Pai!

A você Carlinhos que sempre me incentivou, me

deu carinho e compreendeu as minhas

ausências.Obrigado pelo seu imenso amor.

A minha família, pelo cuidado e carinho. Meus

pais, irmã, primas e familiares.

As amigas: Fernanda (s), Renata, Márcia,

Regina e Vânia, obrigada pelo coleguismo.

Ao professor orientador Luiz Cláudio, pelos

seus ensinamentos

Que Deus abençoe a todos!

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia à todos aqueles professores

que em sua labuta diária primam por uma educação

de qualidade, aperfeiçoando-se cada vez mais em

seu trabalho e utilizando a literatura infantil como

um dos pilares básicos para uma melhor formação

educativa.

Valeria Bittencourt

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RESUMO

O interesse em desenvolver o meu trabalho monográfico com este tema se deu por dois

fatores. O primeiro diz respeito ao fato de ter um enorme encantamento por esse tema, e vez

por outras encontro-me escrevendo as minhas próprias histórias infantis.

O segundo fator refere-se ao fato de perceber que encontra-se presente na nossa

sociedade uma grande preocupação com a promoção da leitura. Em vários setores vê –se

iniciativas que pretende aproximar a criança do livro. O poder público lança campanhas de

distribuição de livros, cria bibliotecas fixas e volantes, feiras de livros especializados, curso de

formação, etc. Todas essas ações com o intuito de trazer jovens e crianças para o “mundo” do

livro.

Entretanto, essa forma de promover a leitura encontra-se pontuada de equívocos, pois

considera apenas a compra de livros para bibliotecas e escolas como a solução final para se

trabalhar a promoção da leitura.

Procuro mostrar no meu trabalho, auxiliada por uma revisão bibliográfica e por

observar algumas práticas trabalhadas por alguns professores, as possibilidades de se trabalhar

a literatura infantil buscando a formação do leitor.

Inicio o trabalho, fazendo uma referência a história social da criança, e como aconteceu

a inserção da literatura na vida delas, que desde então apresenta um caráter moralizante com

forte cunho didático.

Em seguida apresento um rápido histórico da literatura infantil no âmbito internacional,

e como esta manifesta-se no Brasil, faço aqui uma retrospectiva histórica buscando refletir

sobre a ideologia que se encontra embutida nas obras literárias destinadas à criança.

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Faço ainda uma reflexão sobre como a escola e os professores podem mudar as suas

práticas contribuindo para desenvolver o gosto pela leitura na criança e no jovem.

Finalizo apontando algumas propostas de incentivo à leitura, que se apresenta longe do

que vem sendo praticado na escola ano após ano.

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METODOLOGIA

Para um melhor direcionamento das questões e assuntos aqui levantados um dos pontos tomados como ponto de partida foram as observa;ões feitas em salas de aula de escolas municipais e principalmente nas salas de professores. Percebe-se entre o corpo docente uma enorme dificuldade para se trabalhar com a literatura infantil já que os professores tem dificuldade em lidar com ela.

Constata-se que é ainda pequena a quantidade de professores que mantém hábitos de leitura. E são várias as questões que levam a isso, falta de tempo, justificada pelas enormes quantidades de escolas em que se tem que dar aula, falta de incentivo do poder público em despertar nos mesmos o gosto pela leitura através de capacita;ões e momentos específicos para isso, sem contar que esses professores em sua infância, muitas vezes não tiveram a oportunidade de encontrar mestres que despertassem neles o gosto pela leitura. Então como exigir desses que despertem nos alunos esse prazer? Daí ter sido dedicado um tópico especial para a formação do professor leitor.

Foram feitas várias leituras que clarearam as possibilidades de se trabalhar com a leitura dentro da escola , abrangendo alunos e professores, para se criara um ambiente prazeroso dentro de sala.

Não se pode deixar de citar também que foram feitas pesquisas explorativas e explicativas através da bibliografia consultada com forma de dar fundamento científico as discussões aqui feitas, daí a dedica;ao de vários capítulos aos fundamentos teóricos da literatura infantil através dos tempos.

Conclui-se o trabalho não colocando um ponto final na questão, mas amarrando idéias

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que com certeza terão conduzido a um maior aperfeiçoamento do trabalho dos

professores nessa área e despertando nos mesmos um maior interesse pela continuidade

dessa discussão.

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SUMÁRIO

Introdução 11

Capítulo I 14

Capítulo II 19

Capítulo III 28

Capítulo IV 36

Conclusão 46 Bibliografia 48 Índice 51 Anexos 52

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“Leitura é muito mais

do que decifrar palavras. Quem quiser parar pra ver Pode até se surpreender: Vai ler nas folhas do chão, Se é outono ou se é verão; Nas ondas soltas do mar, Se é hora de navegar; (...) Uma arte que dá medo É a de ler um olhar, Pois os olhos têm segredos Difíceis de decifrar”. Ricardo Azevedo

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INTRODUÇÃO

A concepção de criança é uma noção que vem sendo construída historicamente, e ao

longo dos anos vem sofrendo algumas alterações, essa concepção nunca apareceu de forma

homogênea, nem mesmo dentro de uma mesma sociedade ou de uma época.Assim, em uma

mesma sociedade pode-se ter várias formas de se considerar as crianças. A maioria das crianças

brasileiras, desde cedo se deparam com um cotidiano bastante adverso, com condições de vida

que as colocam frente ao trabalho, deixando de viver a sua infância.

Sônia Kramer (1997) nos mostra que costuma-se definir a infância como o contrário de

adulto, pela diferença de idade ou de maturidade. No entanto, dependendo de sua classe social,

ela pode exercer determinados papéis sociais que a distinguem de outras crianças que ocupam

outra posição na estrutura sócio-econômica. Daí a inadequação de se considerar a existência de

uma população infantil homogênea: ou seja, não se deve analisar a criança como natureza

infantil - numa concepção abstrata de criança- mas sim entendê-la em relação ao contexto

social. Além disso, o sentimento e a valorização atribuídos à infância, isto é, a consciência da

particularidade infantil, é determinada a partir do contexto histórico-político-social.

De acordo com Kramer, no modo de produção feudal, onde a criança era vista como um

mini-adulto, e estava ligada diretamente ao mundo dos adultos. O espaço da casa era destinado

ao trabalho, ao lazer e a moradia. Não havia sentimento de infância. Ninguém se interessava

em saber o que era bom para o desenvolvimento da criança, não havia uma pessoa específica

para educá-las As crianças de hoje, receberam essa concepção de mini-adulto.

Somente a partir do século XVI, com as descobertas científicas- que provocaram o

prolongamento da vida, ao menos nas classes dominantes- e a Revolução Industrial- que

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transferiu o trabalho para as fábricas- o sentimento de infância se modifica e , com ele, o

sentido da infância. A família torna-se nuclear e o recinto familiar cada vez mais privado, e

esta instituição- agora constituída de maior número de crianças- vai assumindo,

progressivamente, funções antes preenchidas pela comunidade.

A concepção burguesa de infância, localizada nessa transição do modo de produção

feudal para o modo de produção capitalista, corresponde a duas atitudes contraditórias que

caracterizam o comportamento dos adultos até os dias de hoje: uma considera a criança

ingênua, inocente e graciosa, e é traduzida pela “paparicação” dos adultos; e outra surge

simultaneamente à primeira, mas se contrapõe a ela, tornando a criança como um ser imperfeito

e incompleto, que necessita da” moralização” e da educação feita pelo adulto.

Logo, de acordo com Kramer, o sentimento de infância resulta numa dupla atitude com

relação à criança: preservá-la da corrupção do meio, e manter sua inocência desenvolvendo

seu caráter e sua razão. É nesse contexto, nessa valorização do sentimento de infância, no

sentido de preservá-la, que começa a surgir as primeiras obras literárias, destinadas à criança,

como veremos, no decorrer desse trabalho, essas obras surgem com o intuito de cumprir tal

propósito.

A literatura infantil aproxima-se da escola com o objetivo educativo, moralizante e em

alguns casos com um forte apelo nacionalista, procurando trazer nessas obras mensagens de

amor à pátria, o culto ao trabalho e a família.

Hoje, sabemos que a criança como todo ser humano é um ser social e histórico faz parte

de uma organização familiar que esta inserida em uma determinada cultura, em um

determinado momento histórico. A criança tem na família biológica ou não, um ponto de

referência, elas possuem natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam

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o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas

que lhes são próximas e com o meio ao qual pertencem.

No processo de construção do conhecimento, as crianças utilizam as mais diferentes

formas de linguagens e significados e cabe aqui perguntar, como a escola vem trabalhando no

sentido de desenvolver nas crianças- em especial naquelas que tem na escola a única momento

de contato com os livros- o gosto pela leitura, se a escola tem formado leitores ou se ao longo

desses anos ela tem contribuído para promover o distanciamento entre a criança e o livro, com

suas práticas didatizantes de leitura sem significado que aparecem nas cartilhas, nos livros

didáticos que acabam por retirar da criança o prazer que a leitura pode proporcionar.

E os professores, eles são leitores? Gostam de ler? É possível que um professor que não

trabalha bem a leitura – que não gosta de lê - possa desenvolver nos seu alunos o gosto pela

leitura? Algumas pesquisas constataram que a escola não tem formado leitores para a vida e

que logo que saem das escolas os alunos em muitos casos não conseguem interessar-se nem

pela leitura de jornais.

Esse quadro é preocupante, e uma das causas apresentada por Kramer é a formação

inadequada do profissional de educação.

Neste trabalho procurarei refletir sobre a importância da literatura infantil na formação

–na construção- do futuro leitor, como ela pode desenvolver na criança o gosto, o prazer pela

leitura. Para isto trabalhei em cima de uma revisão bibliográfica. No capítulo I faz-se um

panorama da história social da criança, permeando Idade Média, Feudalismo e Capitalismo. No

capítulo II da-se uma pincelada sobre a história da Literatura Infantil. No capítulo III comenta-

se o despertar do gosto pela leitura. O capítulo IV é destinado à responsabilidade que a escola

tem no incentivo a leitura.

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Capitulo I

Era uma vez...

Fazia tempo que Dona Benta não contava aos meninos uma história.

- Vovó secou, não tem mais suco - dizia Pedrinho. – Está como laranja chupada: bagaço só.

- Mas que história vocês querem? – perguntou Dona Benta.

- Conte a história de monteiro Lobato, vovó – pediu Pedrinho. –Afinal o que é que havia

de tão especial com ele?

- Mas conte da sua moda vovó. “Suprimindo todos os pedaços que habitualmente os

leitores pulam”.

E Dona Benta contou...

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I- Infância e história

De acordo com Faria (1997) a lógica que predomina nas relações dos homens com os

seus semelhantes, seja eles adultos ou crianças é determinada e constituída nas relações sociais,

que se constrói por intermédio das relações de produção de uma sociedade. Por isso, sustenta-

se que a criança é reconhecida pela sociedade de forma diversificada ao longo dos tempos, de

acordo com as determinações do meio de produção de cada época.

A sociedade medieval era ordenada a partir da organização familiar, nesta época , que

não havia sociedade civil, a igreja se encarregava de desenvolver, com a ajuda do Estado, a

função coercitiva e de legitimação onde se inseriam as políticas sociais. A marginalização

social visada pela assistência da igreja era produzida pelas próprias relações de produção, e

pelas contingências das Guerras e dos fenômenos naturais. No século XIII, houve um enorme

crescimento das cidades, o florescimento do comércio, e a perda do poder da igreja católica,

provocado pelo avanço do protestantismo, o que favoreceu uma maior participação do poder

laico do Estado.

No que diz respeito às crianças, na Idade Média não havia sentimento que distinguisse a

criança do adulto. Ela era considerada um mini-adulto já que não era oferecido tratamento

especial, e estas realizavam tarefas iguais a dos adultos, dificultando assim, sua sobrevivência.

As crianças eram encaminhadas para casas de outras famílias para aprenderem serviços

domésticos e o ofício desenvolvido por aquelas (elas aprendiam a partir da prática). Esta

situação se aplicava tanto para os filhos de famílias abastadas quanto para os filhos da plebe.

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Os colégios estavam “destinados” aqueles que iam ingressar na vida sacerdotal,

freqüentavam alunos de várias idades na mesma classe e o que importava realmente era o

conteúdo transmitido, sendo esta situação mais uma forma da criança se inserir no mundo

adulto.

A família não podia portanto nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. Isso não significa que os pais não amassem os seus filhos: eles se ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental. Nos meios mais ricos a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, da honra, do nome. ( Ariès, 1981, p. 231)

Nessa época não se escrevia diretamente para crianças, já que não havia um

reconhecimento dessa fase pela qual passa o homem. As primeiras produções datam do final

do século XIII. O interesse por essa faixa etária diferenciada, com interesse e necessidades

próprios, só acontece na metade da Idade Moderna.

No período de transição do feudalismo para o capitalismo, na Europa Ocidental,

ocorreram alterações nas relações sociais que tiveram reflexos na organização familiar, escolar

e no sentimento de infância. A criança nobre torna-se fonte de alegria dos adultos, surge um

sentimento de dor e piedade pelas crianças que morriam cedo e passou-se a conservar os

retratos dos filhos falecidos e vivos. A criança desde de então tem a sua alma tornada imortal e

inesquecível. Esta importância que passou a ser conferida à criança na Idade Moderna, estava

ligada a cristianização mais profunda dos costumes “É interessante ressaltar que a criança da

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plebe não se beneficiava deste tratamento: ainda vivia, em termos de valorização de sua

infância, como na idade média” ( Faria, 1997)

A função da educação era moralizante, pois alguns consideravam que a paparicação

prejudicam as crianças tornando-as mal educadas e mimadas. Coube também à escola a função

de disciplinar, a ela era permitida a pratica de castigo físicos tal como chicote (somente para o

plebe).

Aplicação do castigo físico associava-se à idéia da criança de natureza frágil

incompleta, justificando a autoridade do adulto sobre ela.O reconhecimento da infância é

marcado pelo uso do castigo físico e mudança do vestuário.

A partir da consolidação do Capitalismo e com surgimento de novas tecnologias

impulsionadas pela Revolução Industrial (Séc.XVIII), a criança demora a inserir-se no mundo

da produção, tendo em vista que ela não estava preparada para operar com as novas

tecnologias. Investiu-se então na escolarização e nos cuidados com a criança em geral, para

que posteriormente ela pudesse atuar no mercado de trabalho. Neste contesto, a criança

tornou-se alguém que precisava ser cuidada, escolaridade e preparada para atuação ulterior.

Instaurou-se então a escola primária para as classes populares, as secundárias, para os

filhos das classes hegemônicas, sendo critério para entrada o poder aquisitivo de cada família.

Ficando claro a estratificação social presente nesta época. Os filhos das classes populares não

tinham condições de progredirem nos estudos e às vezes não tinham possibilidade de

freqüentar a escola por terem de trabalhar desde cedo. A escola primária tinha a finalidade de

formar mão de obra, em contra partida, o ensino secundário visava à formação erudita,

preparando o jovem para assumirem cargos de poder.

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Essa nova valorização da criança ocorre devido a união familiar, que passou a priorisar

seu desenvolvimento do intelecto da criança e suas emoções. Segundo Zilberman (1988, p.

13),a literatura infantil e a escola aparecem com o objetivo de cumprir tal missão. Essa

aproximação entre escola e literatura infantil não é por acaso, até porque às produções

literárias são escritas por educadores, e pedagogos que tinham a intenção de educar.

Para escamotear as contradições existentes, a ideologia hegemônica prega a concepção

de criança “única e abstrata” - a criança burguesa – “ aquela que vai ser cuidada escolarizada e

preparada para atuação futura, como se todas as crianças tivessem acesso às mesmas

condições de vida e de ensino”. Este modelo universal e abstrato de infância, parece falacioso

e mistificado, uma vez que a criança é um ser histórico e social, fato que é negado pela

sociedade capitalista.

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Capítulo II

João e Maria

Agora eu era herói

E o meu cavalo só falava inglês

A noiva do cawboy era você além das outras três.

E eu enfrentava os batalhões,

Os Alemães e os seus canhões.

Guardava o meu bodoque

Ensaiava um rock para as matines.

Agora eu era um rei era um bedel e era também juiz.

E pela a minha lei, a gente era obrigado a ser feliz.

E você, era a princesa que eu fiz coroar,

E era tão linda de se admirar,

E andava nua pelo meu país.

Não, não fuja não, finja que agora eu era o seu brinquedo.

Eu era o seu pião, o seu bicho preferido.

Vem me de a mão a gente agora já não tinha medo.

No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido.

Agora era fatal que o faz de conta terminasse assim.

Pra lá desse quintal era uma noite que não tem mais fim.

E você sumiu no mundo sem me avisar.

E agora eu era um louco a perguntar.

O que é que a vida vai fazer de mim.

( Chico Buarque de Holanda )

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2.1- Um pouco da história da literatura infantil.

Segundo o documento Cadernos da TV Escola, do Ministério da Educação e do

Desporto, o conto de fadas ou maravilhosos (com ou sem fadas) têm suas origens em um

passado muito longínquo. Estes contos experimentaram muita repercussão durante os séculos

XVI e XVII, tendo sofrido grande declínio no século XVIII, quando apenas as “histórias que

surgissem de uma situação que pudesse ser explicada racionalmente eram valoradas”.

No início do século XIX, os ideais românticos reabilitam essas histórias recobertas de

encantamento e magia: histórias que num passado mais remoto eram contadas, tanto por

adultos, quanto para crianças. E nós, neste século XX que termina, cultivamos a fantasia, o

maravilhoso que nos chegam principalmente pelas mãos de Andersen, Perrault e dos irmãos

Grimm.

Estudiosos da literatura infantil vem mostrando uma enorme preocupação com os

rumos que esta literatura vem tomando na escola, e em casa. Principalmente porque esse

gênero além de ser prazeroso, é um tipo de arte que mistura palavras e ilustração que por ser

feito por um adulto possui cunho moralizante e doutrinador o que termina por esconder sob

esse véu sua voz e sua verdadeira forma de expressão.

Os primeiros livros destinados à criança só chegam ao mercado em meados do século

XVII. Algumas obras produzidas durante o classicismo francês. Tendo Charles Perraault

como um dos grandes impulsionadores da literatura infantil juntamente com La Fontaine e

Fênelon, seus livros provocaram um gosto inédito pelos contos de fadas, que logo se torna o

carro chefe da literatura infantil.

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O desenvolvimento desse gênero literário produzido para crianças, expandi-se na

França e na Inglaterra, devido as grandes transformações no campo político e social.

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2.II- A Literatura infantil no Brasil: passado e presente.

A preocupação com a leitura da faixa infanto-juvenil, no Brasil, se manifesta desde a

independência, quando autoridades do Império se dão conta da necessidade de produzir

materiais de leitura escolar para crianças.Após o advento da República, a preocupação vai

além dos limites da escola, ganhando conotações mais amplas.Assim, a produção de livros

naquela época tinha um forte apelo nacionalista, trazendo para dentro das histórias infantis a

ideologia vigente na época.

O apelo em prol das obras de literatura infantil girava em torno das obras estrangeiras,

sendo Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel que traduzia e adaptava as obras estrangeiras para

crianças. Portanto, foi estes escritores, que fizeram com que os brasileiros do século XIX,

tivessem a oportunidade de conhecer histórias como:

... Contos seletos das mil e uma noites (1882), Robinson Crusoé (1885), Viagens de Hulliver, (1888), As aventuras do celebérrimo Barão de Múnchhausen (1891), Contos para filhos e netos (1894) e D. Quixote de La Mancha (1901), todos vertidos para a língua portuguesa por Jansen. Enquanto isso os clássicos de Grimm, Perrault e Andersen são divulgados nos Contos da Carochinha (1894), nas histórias da avizinha (1896) e nas Histórias da baratinha (1896), assinadas por Figueiredo Pimentel e editadas pela Livraria Quaresma (Lajolo e Zilberman, 1991, p.29).

Entretanto essas obras que estavam à disposição dos leitores, e para o seu consumo

mais direto, circulava na maioria das vezes em edições portuguesas e se apresentavam em um

português muito distante do nosso. Diante desse fato algumas campanhas surgiram com o

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intuito de nacionalização desse acervo literário europeu que estava destinados as nossas

crianças.

Nessa primeira fase literatura surge aliada a um projeto educativo e ideológico que via

no texto infantil e na escola uma forte aliado para a formação de futuros cidadãos. Algumas

histórias datadas dessa época (XIX) Traziam como tema central, o trabalho, o amor à Pátria e

a dedicação à família. Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1991) contam que estas obras

serviam como verdadeiras cartilhas; seus personagens centrais eram crianças que por meio de

suas aventuras incentivavam o amor à Pátria, desenvolviam noções de obediências e de prática

de deveres Civis. Objetivando que seus exemplos fossem seguidos pelos jovens leitores.

Assim, começa a ser publicadas às primeiras adaptações de clássicos da literatura

infantil universal, não uma literatura exclusivamente escolar, essa iniciativa de promoção da

literatura infantil expande-se e ganha força nos anos 20 com as obra de Monteiro Lobato, que

mostra uma grande preocupação com a literatura infantil e com as histórias que realmente

interessam às crianças. Publica “Narizinho arrebitado” (1921) que se torna o segundo livro

mais usado nas escolas primárias.Depois desde, segue uma série de aventuras dos netos de

Dona Benta, como também Os doze trabalhos de Hércules em 1994.

Nesse período, começa a haver um movimento de criação de redes de bibliotecas

públicas infanto-juvenis, iniciado em São Paulo em 1935, o que posteriormente se tornaria a

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato.

“Cultura é ter bibliotecas, ler, estudar. No dia em que todas as cidades do Brasil tiverem a sua biblioteca infantil, o Brasil estará a salvo de todos os males, porque todos os males do Brasil têm uma única causa: a ignorância

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dos adultos, justamente porque não lhes foi despertado o amor pela leitura quando crianças...(Lobato, 1990).

Nos anos 20, o Brasil começa a viver uma nova realidade, a transição entre um país

agro-exportador, para uma economia industrial dependente. Esta transição recebe apoio dos

cafeicultores, que via na industrialização a possibilidade de diversificar a atividade do café.

Essa nova economia trazia consigo uma grande mudança para a sociedade brasileira: o início

de um mercado interno, o crescimento de uma rede urbana, o aumento na demanda de bens de

produção e consumo. Os estabelecimentos industriais dão uma grande guinada e a

industrialização passa a ser uma realidade no país. Essa nova realidade brasileira, joga na vida

social, grupos e classes novas, com necessidades, hábitos, padrões de vida, valores e

ideologias novas.

De acordo com Ruth Rocha (1988), essa nova sociedade começa a fazer exigências e a

entrar em conflito com a antiga realidade do Brasil tradicional começando a exigir uma maior

participação na política e economia Nacional. Nesse momento surgem movimentos operários,

os donos de industrias pedem facilidades para suas fábricas, a classe média luta por progresso

econômico e social e surge dela intelectuais que trazem idéias “estranhas” para os horizontes

agrários, no âmbito militar surge o Tenentismo`.Esses novos setores sociais opõem-se cada

vez mais as oligarquias rurais e criticam a sua ética escravista de culto a desvalorização do

trabalho.

Esse tendência de mudanças tem o seu ponto culminante no advento do modernismo

nas artes e na literatura, e em 1922 a Semana de Arte Moderna em São Paulo, transforma em

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realidade o pensamento moderno, fazendo dos anos 20 e 30 os tempos que fizeram com que a

arte, a cultura nacional fosse comprometida com a realidade do país e do povo.

O Brasil começa a vivenciar novos tempos e pode-se dizer que estes fatores

contribuíram para que os escritores dessa época pudessem se deparar com um mercado cada a

cada vez mais favoráveis à produção de livros. Os fatores sociais que mais contribuem para a

consolidação desse momento, foi a ascensão da classe média, como conseqüência direta da

industrialização e da modernização econômica, o aumento do ingresso da classe popular nas

escolas e a nova postura da literatura e da arte, desencadeando um aumento do número de

consumidores de livros.

Após duas décadas a literatura infantil passa a oferecer um número considerável de

autores envolvidos com a literatura destinada à crianças e um acréscimo de leitores que

formam através da freqüência com que lêem as obras destinadas a eles consumidores em

potencial.

Ocorre que somente as mudanças gerais ocorridas no país nas décadas de 50 e 60

tiveram condições de alterar os processos de produção, circulação e consumo do livro infantil.

Até então, era quase natural conceber a leitura como comportamento restrito às elites.

Enquanto comportamento geral, das massas, o fenômeno é novo no Brasil, estando talvez

ainda como fala Perrotti:

“No que se pode chamar de “fase heróica”. Em outras palavras, lutamos com níveis prévios, como a alfabetização da imensa massa de brasileiros que não conseguiram e nem conseguem ir à escola, e com uma infra-estrutura educacional e cultural extremamente precária, com hábitos e atitudes arraigadas na cultura e que não são vencidos com facilidade”.(1990, p. 14).

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Porém, ocorreram alterações significativas no que se refere à leitura infanto-juvenil,

nos últimos anos consolidou-se no país uma literatura infantil diferente daquela que se

praticou entre nós até finais dos anos 60. Até então o cenário nacional vivia de formulas e

formas emprestadas à tradição moralizante e pedagogizante herdadas do século XVIII

europeu, quando a leitura para crianças aparece como forma impressa diferenciada. A partir

dos anos 70 uma produção com características novas começa a emergir e ganhar terreno,

indicando um novo modo de literatura direcionada para crianças, preocupado com a

dificuldade para a inserção da leitura na vida cotidiana do público a que se dirige, como

também com o aumento de interesse social pelo tema.

Tais questões, indicam a existência de uma preocupação à questão da literatura infantil

datada de tempos já distantes e que hoje, como enfatiza Amarilha (1997, p.40) se tornou uma

preocupação hegemônica que se direciona no sentido de buscar novos referências para a

leitura infantil, que já começa a indicar que o tratamento que vem sendo dada à promoção da

leitura no país está pontuados de equívocos que devem ser corrigidos, como os projetos que

pretendem inserir aleatoriamente a leitura na vida dos grupos infantis.

”Trabalhar a promoção da leitura, inevitavelmente, passa pela formação do leitor, com uma pedagogia e uma teoria renovadas à luz da interdisciplinaridade e do resgate do homem, indivíduo, cidadão que precisa sentir-se sujeito histórico para interagir no ato de ler. E não apenas livros, mas imagens e outras linguagens com repertório de sua vivência e com o acervo cultural que lhe sustenta uma visão de mundo” ( Marly Amarilha, 1997, p. 23 ).

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Uma das críticas que apresenta a pesquisadora Amarilha é que a política pública de

incentivo a leitura resumiu-se apenas na compra de livros para bibliotecas e escolas, como

sendo esta uma solução final, imediata e prática, para o incentivo ao ato de ler. O livro

segundo Amarilha, pode ser um suporte fascinante para as informações fundamentais da nossa

cultura, e de culturas vizinhas ou distantes da nossa, mas ele corre o risco de cair em mãos de

quem não vê necessidade em ler, nem tão pouco encontra prazer nesta ação e isto pode ser

fatal. As políticas públicas que hoje ocorrem no Brasil para o incentivo a leitura devem esta

ancoradas em condições que considerem à leitura vinculada ao quadro geral do leitor e seu

contexto cultural. Estas políticas devem vê a leitura a parti de novas diretrizes para repensar

sua promoção, colocando-a em consonância com novas perspectivas culturais para a infância.

Como aponta Sônia Kramer (1993, p.92), para tanto, indispensável seria que as

políticas públicas se comprometessem assegurar ao professor, a partir da melhoria de suas

condições de vida e de trabalho, o acesso “a bibliotecas, núcleos de leituras e discussão,

grupos de estudos, e não como normalmente acontece, expondo-os a perspectivas

instrumentais e episódicas de formação para a leitura”.

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CAPÍTULO III

“O historiador foi inventado por ti, homem culto, letrado,

humanista; o contador de histórias foi inventado pelo povo,

que nunca leu Tito Lívio, e entende que contar o que se passou

é só fantasiar”. ( Machado de Assis)

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3.1- Como as crianças desenvolvem o gosto pela leitura.

“Não se trata de apresentar as obras de arte no contexto de seu tempo, mas de apresentar, no

tempo em que elas nasceram, o tempo que revela e conhece: o nosso”.

Walter Benjamin

.

As crianças são mergulhadas no maravilhoso mundo dos contos de fadas desde muito

pequenas, antes de entrarem para a escola através deles, antes de se iniciarem no universo da

palavra escrita, as crianças desfrutam da liberdade típica da linguagem oral, onde uma mesma

história pode ser recontada de diversas formas, ao sabor do momento.

O conto de fadas é um gênero literário, uma forma especial de se narrar histórias, nas

quais certo elemento se mantém: acontecem em lugares distantes, sem nome, obviamente

imaginário, são contados por um narrador anônimo que jamais se apresenta ao leitor, seus

protagonistas são vilões claramente caracterizados (uma linda princesa, uma terrível bruxa...) e

terminam, a maior parte das vezes, com final feliz.

Descrevendo dessa forma, estas histórias parecem simples e até previsíveis. Mas não o

são e não há quem não se emocione com um conto de fadas bem contado e ilustrado. Isso

porque, embora nos contornos claramente delineados dos contos de fadas tudo acontece num

espaço onde tudo pode acontecer. Isto é, a natureza e as pessoas formam um único corpo, os

personagens facilmente se transformam em animais e plantas, assim como qualquer ser do

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universo pode conter um jovem encantado preso a um feitiço. Tratam–se de um universo de

metamorfose constante onde o jogo das aparências, do tempo linear, da verdade abertamente

declarada forma textos cheios de surpresas e sutilezas.

Quando a criança é alfabetizada o professor se pergunta: E agora? O que posso fazer?

Afinal, já passaram da idade do conto de fadas! Na verdade o professor comete um equívoco

porque não existe verdadeiramente uma idade certa para ler um conto de fadas ou outro tipo de

narrativa. O bom livro, uma história bem contada pode e deve ser relida ao longo de toda a

vida. Ler e ouvir histórias são possibilidade que se tem para descobrir mundos de conflitos,

dos impasses, das soluções que todos vivemos e atravessamos, é viver tudo o que as narrativas

provocam em quem se ouve - com toda amplitude, significância e verdade que cada uma delas

fez ou faz descortinar, é através da história que a criança pode descobrir lugares, aprender

Ciências, Geografia, Filosofia, política sem precisar saber o nome disso ou daquilo e muito

menos achar que tem cara de “aula”... “Porque se tiver de deixar de ser literatura deixa de

ser prazer e passa a ser Didática” (Abramovich, 1999, p. 53).

Atualmente, de acordo com Machado (1996), a tendência seria a de se alcunhar obras

como as de Monteiro Lobato como literatura de fantasia. Ou seja, narrativas que contém certos

índices de “realidade”, mas que conservam vários elementos dos contos de fadas: um gênero

literário que oferece um mundo no qual o cotidiano apenas oculta um universo paralelo cheio

de magia e mistério, onde tudo pode acontecer, um final feliz ou um final desastroso.

Desse ponto de vista, a literatura nasce de um jogo com o leitor, um jogo no qual quem

lê precisa acreditar que o texto contém uma verdade, precisa fazer de conta que aquela história

poderia ter acontecido e emocionar-se com o destino dos personagens. Dentro desse jogo, cada

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gênero oferece um sabor, uma experiência diferente de leitura que não deve ser catalogada e

descriminada segundo critérios rígidos.

”Contar histórias sempre foi à arte de contá-las de novo e elas se perdem quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece quando ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece se esquece de si mesmo mais se grava nele o que é ouvido (...) Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim esta rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida, há milênios em torno das mais antigas formas de trabalho manual” (Benjamin, 1993, p. 205).

O aprendizado da leitura envolve um aspecto muito importante na formação da criança

leitora e que muitas vezes é posto de lado durante a sua formação escolar: o de colaborar para

que a criança torne-se um leitor crítico e atento em relação às idéias que os textos trazem

Por isso o professor deve ter cuidado de permitir que seus alunos exercitem-se na

descoberta da leitura e possam propor suas obras preferidas aos colegas, mesmo que sua

escolha contrarie o gosto próprio do professor. A leitura mesmo na vida cotidiana, nasce de

sugestões dos outros e de escolhas próprias. Ao libertar os alunos para que leiam o professor

estará lançando-os ao verdadeiro mundo da literatura.”Ler é experimentar a complexidade, a

multiplicidade: é avistar incontáveis paisagens secretas que se ocultam sob o suave manto da

vida cotidiana” (Cadernos da TV Escola, 1996.).

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3.2- A formação do professor leitor.

É função primordial da escola ensinar a ler. É função essencial da escola ampliar o

domínio dos níveis de leitura e escrita e orientar a escolha dos materiais de leitura. Cabe

formalmente à escola desenvolver as relações entre leitura e indivíduo para que desde cedo ele

possa despertar seus gostos pela leitura. E, tal trabalho só ira ocorrer se houver a presença

contínua do professor que deverá atuar como mediador. Amarilha em sua pesquisa sobre a

relação do professor com a leitura e o livro conclui que o professor é o mediador entre a

criança e o livro e que para que ele desenvolva essa mediação satisfatoriamente ele necessita

descobrir o livro e a literatura para si mesmo. O professor pode usar a sala de aula para ler

com seus alunos, formando desse modo o seu próprio repertório, “aluno-leitor é resultado de

pais leitores e, ou professores leitores” (Amarilha, 2000)

Para que o professor possa desenvolver o seu papel de mediador para que as crianças

desenvolvam os seus gosto pela leitura, é fundamental que ele, o professor seja um leitor. Um

professor que não leia, jamais trabalhará bem a leitura. Ele precisa ler muito, gostar de ler e

fazer com que as crianças leiam: precisa ler para eles, ler com eles e saber ouvir a leitura,

ainda tímida e descompassada, que seus alunos fazem do texto estudado ou dos textos que eles

próprios produzem.

“A nós, professores, cabe a tarefa de criar espaços para a literatura na escola na escola. Penso que, nessa tarefa, o que conta é a experiência de leitura individual de cada professor, e é só a partir dela que podemos criar atividades voltadas para o prazer e o jogo da literatura, já que as artimanhas criadas por nós, para seduzir os alunos para o mundo do livro (...), refletem

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a história pessoal de leitura de cada um. Para brincar com palavras, é preciso entrar no jogo”. ( Machado,1996, p.51.)

Uma das possíveis causas do precário trabalho realizado com crianças no incentivo a

leitura está ligada a também precária formação dos professores como indivíduos leitores.

É comum o uso, no segundo grau da literatura como estratégia no ensino da gramática,

dos estilos literários, etc. Marisa Lajolo (apud Oswald, 1997) chama esta estratégia de “educar

pela literatura”. Chamando a atenção para o cansativo trabalho de interpretação das leituras a

que são expostos os alunos através das fichas de leitura, que se baseiam em questionários onde

o leitor preenche seus dados de identificação, titulo da obra, o nome de personagens, lugar

onde se desenvolve a ação, o enredo, e em alguns casos pede-se que o aluno ou leitor dê a sua

impressão pessoal sobre a obra. Este tipo de trabalho torna o ato de ler mecânico, e

desestimulante para o aluno, por ser padronizado e ter a função de controlar e avaliar.

Essas fichas de leitura acabam transformando o texto literário em paradidáticos, o que

descaracteriza a dimensão de arte da literatura incluindo-se no circuito alienador da

mercadoria ( Oswald, 1997 ).Esse recurso direcionado para fins de avaliação é decorrente de

uma leitura imposta, obrigatória, que será cobrada tornando-se uma tarefa árdua, bem distante

do prazer que deve proporcionar toda obra literária.

“ O problema é que atividades sugeridas indiferenciadamente para muitos milhares de alunos, distribuídos em pacotes endereçados a anônimos e despreparados professores, passam a representar a varinha mágica que transformará crianças mal alfabetizadas e sem livros disponíveis, em bons leitores (...) Na rotina de tais atividades camuflam-se riscos sérios de alienação da leitura.”( Lajolo, 1997, p.72).

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Este tipo de leitura, padronizado, que não leva em conta a diversidade cultural do

aluno, futuros professores, acaba contribuindo para que a sua constituição de leitor não

aconteça. Essa didatização da literatura como ressalta Oswald (1997) desvia a literatura do seu

objetivo primeiro. Constata-se, portanto que no decorrer da escolarização a literatura vem

sendo trabalhada inadequadamente.

Entendemos que a leitura precise ser encarada como ato que por estar relacionado ao

gosto, seja simultaneamente significativo. Na formação de leitores este ponto precisa ser

valorizado. Kramer (1995) e Oswald indicam o fato de que a construção do gosto pela leitura

tem sido negada aos professores, em virtude do caráter instrumental, rigidamente ligado ao

ensino, racionalizador, que a leitura assume em formação, seja inicial, seja em serviço. Nesse

sentido elas defendem que a leitura deveria ser entendida, tanto por crianças quanto por

professores, como prática cultural.

Para que isso ocorra, Kramer (1995) enfatiza a necessidade da escola substituir as

atividades pedagógicas de leitura por práticas reais de leitura, “práticas revestidas de

significados e que se consolidem como experiências efetivas, e não como meros exercícios

para prestar contas à contabilidade escolar e suas exigências burocráticas” (p.153).

De acordo com Breves (2000, p.58), essa preocupação no que concerne à leitura e a

dificuldade de se formar leitores, não é necessariamente culpa do professor, ele, por meio de

sua ações pedagógicas, reflete apenas uma escola cuja concepção de construção do

conhecimento considera que, para aprender a ler e desenvolver o desejo pela a leitura, basta

apenas ler livrinhos fáceis, adequados à faixa etária, e provar que leu por meio de mecanismos

de controle, como o preenchimento de fichas que vem como suplemento do livro. Ainda

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segundo Breves, a leitura é considerada como um processo na qual o leitor participa com uma

aptidão que depende basicamente de sua capacidade de dar sentido aos sinais, compreendê-los,

e a leitura passa a ter um sentido atraente, contribuindo para povoar e enriquecer o imaginário

do leitor.

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CAPÍTULO VI

“Pediram para contar meus desejos...

Que eu dissesse quais são os meus sonhos para a escola do meu filho...

Os antigos acreditavam que as palavras eram seres encantados, taças mágicas,

transbordantes de poder. Os jovens também sabiam disto e pediam:

- A benção, meu pai...

Benção, bendizer...

A palavra dita com desejo não ficaria no vazio: era como sêmen, semente que faria brotar,

naquele por ela penetrado, o desejo bom por ela invocado.

E o pai respondia:

- meus desejos são poucos e pobres. Te desejo tanto bem que não basta o meu, (...) peço

que Deus te abençoe.

E então pelo milagre da fantasia, Tudo tornava possível. As palavras surgiam como cristais

de poesia, neurose, magia, oração, puro desejo.

É isto que acontece sempre o que o desejo fala e diz o seu mundo.

Viramos bruxos e feiticeiros e a nossa fala constrói objetos mágicos (...)

É só isso que desejo fazer: saltar sobre os limites que separam o possível existente do utópico

desejado, que ainda não nasceu É essa escola que desejo para o meu filho, (...) uma escola

que rebescubra a linguagem do utópico para descobrir a alegria de viver”.

( Rubem Alves)

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4.1- A responsabilidade da escola no incentivo a leitura.

“A sociedade é uma grande rede tecida por várias mãos, as mãos dos homens de hoje

e de ontem, os quais a sua maneira, vêm dando seu ponto, seu nó nessa malha simbólica: a

cultura”.

Ivete Lara

Cada um desses nós é considerado um texto, uma leitura que só recebe um significado

quando lido por alguém, tornando a leitura uma atividade essencial a toda sociedade humana.

É aí que entra a escola em sua função formadora de leitores, é, nesse momento que ela deve

atuar como mediadora do processo de incentivo a leitura, fornecendo aos alunos meios para

que eles possam ampliar o seu universo de leituras . Segundo Ivete Walty (1996), Não basta

levar textos diversos para a sala de aula. Antes faz-se necessário buscar pequenas chaves que

ajudem o leitor (futuro) a penetrar no texto em busca de construção de sentidos.

É por intermédio da escola que normalmente acontece à iniciação do leitor, já que para

a grande maioria dos brasileiros, o contato com os livros só é possível exclusivamente por

meio dela. Por isso é tão importante que a escola selecione bons livros e os faça chegar até os

alunos, desenvolvendo trabalhos de aproximação da criança com a leitura, pois de maneira

geral os textos literários para crianças, narrativas ou poesias que vêm sendo usados na escola,

apresentam uma tradição utilitária, com finalidades didáticas e moralizantes, o encontro da

criança com o livro é imprescindível pelo efeito enriquecedor que desencadeia, e por isso, esse

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encontro deve ocorrer sem qualquer intenção de atividade de análise, discussão de textos ou

entrega de fichas de leituras, é de fundamental importância que o encontro da criança com o

livro aconteça pelo simples prazer que a leitura deve propiciar, sem que ele seja coagido a

prestar contas de sua leitura.

Para Ivete Walty, a escola pode aproximar os alunos da literatura, desenvolvendo

atividades com leituras descompromissadas, feita pelo simples prazer de ler. “A leitura não

deve vir acompanhada da noção de dever, de tarefa a ser cumprida, mas de prazer, deleite, de

descoberta e encantamentos” (Fanny Abramovich, 1999, p.143 ).

De acordo com o Referencial Curricular Nacional ( V. 3 p. 141), as práticas de leituras

para as crianças têm um grande valor em si mesma, não sendo sempre necessárias atividades

subseqüentes, como o desenho dos personagens, a resposta a perguntas sobre a leitura,

dramatizações de histórias, etc. Tais atividades só devem ser desenvolvidas, realizadas,

quando fizerem sentido e como parte de um projeto mais amplo, caso contrário, pode-se

oferecer uma idéia distorcida do que é ler.

Cabe também a escola criar espaços, estratégias para que as crianças possam

estabelecer interações afetivas com a prática da leitura, em que se valorizem experiências

significativas de linguagem entre os sujeitos, em função de seus contextos, de seus interesses e

expectativas. “Ler é acrescentar às experiências da própria vida as experiências dos outros”

( Lionel Bellenger,2000, p35 )

Nos primeiros anos de escola, contar e ler histórias são atividades importantes não

apenas para o desenvolvimento do vocabulário da criança nesses primeiros anos o contato com

a leitura, propicia à criança a descoberta do livro como um objeto especial, diferente dos

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outros brinquedos, mas também fonte de prazer, e que como afirma Martins (1988, p.43),

motivando-a para a concretização maior do ato de ler o texto escrito, que serve para informar,

fazer rir, para criar um jogo, para reconstruir um universo mágico,e por fim, serve para

estimular, por meio das potencialidades das crianças, o desejo e o gosto pela leitura.

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4.2- As possibilidades de se trabalhar com a leitura.

De acordo com Perroti (1990), as instituições que são especializadas em tornarem a

leitura atividade constante na vida da criança, devem desenvolver práticas que dissolvam a

imagem negativa que ao longo dos anos tais instituições desenvolveram sobretudo com

práticas inadequadas de incentivo à leitura. Como a coerção, o autoritarismo das práticas

escolares que levam ao desinteresse de crianças e jovens pela leitura.

Esse modelo de incentivo à leitura definida pelo professor é um dos principais

responsáveis pelo afastamento de crianças do mundo do livro. Esse modelo acaba por criar

uma imagem negativa da leitura, e afasta definitivamente a criança ou jovem do livro.

Pode se perceber como os professores trabalham com a leitura em sala de aula, geralmente as

crianças ficam restritas as leituras de textos das cartilhas que apresenta uma linguagem pobre e

descontextualizadas confusas, que tem por objetivo fixar as famílias silábicas. Trago aqui um

texto que a professora distribuiu para a turma com a finalidade de fixar fonemas.

XIXO E A CAIXA

Xixo colocou o xale e o peixe na caixa.

Xixo mexeu na caixa e falou:

- Some, xale!

E o xale sumiu da caixa.

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Xixi falou:

- Nada peixe!

E o peixe nadou na caixa.

Viva o Xixo!

Esse tipo de leitura, descontextualizadas da vida do aluno, é infelizmente a forma que a

grande maioria das escolas vêm encontrando para introduzir a criança no mundo da leitura.

Creio que este fato tem contribuído para o aumento do desinteresse pelo livro por parte das

crianças. Na verdade à escola com esse tipo de prática termina por deteriorar qualquer relação

positiva que a criança possa ter com o livro. Dessa forma, o gosto pela leitura se perde nas

escritas sem sentido, sem significado, alienadas da realidade social e fantástica que povoa o

mundo infantil”. ( Portes, 1993, p.45 ).

A leitura de histórias é, de acordo com a proposta do Referencial Curricular volume 3 (

p.143) um momento em que a criança pode entrar em contato com a forma de viver, pensar e

agir de diferentes culturas que viveram-vivem em tempos e espaços diferentes do seu e pode ,

a partir daí estabelecer relações com a sua forma de pensar e o modo de ser do grupo social a

que pertence.

Cabe às instituições escolares resgatarem o repertório de histórias que as crianças

ouvem em casa, e nos ambientes que freqüentam, já que elas representam uma rica fonte de

informações sobre a forma como a sua comunidade se constituiu.

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Ter acesso a uma literatura de qualidade é dispor de uma informação cultural que

alimenta a imaginação e desperta o prazer pela leitura. Contar e ler histórias devem ser uma

prática constante em todas às instituições escolares, já que, até as crianças que não sabem ler

convencionalmente, pode fazê-lo por meio da escuta da leitura do professor, ainda que não

possa decifrar todas as palavras, ouvir um texto já é uma forma de leitura.

A escola deve romper com o quadro atual da promoção da leitura, buscando envolver o

ato da leitura em práticas socializadoras onde a criança possa encontrar sentido no que lê.

Como fala Perrotti (1990), a escola deve também desenvolver práticas de promoção da leitura

que respondam a desejos efetivos de conhecimentos que se poderá gerar, mantendo com isso,

a imagem positiva da leitura junto a crianças e jovens.

A escola tem grande peso na formação do leitor, já que nela o aluno adquire a

“habilidade” na prática de leitura. Por isso a escola passa a ter o grande compromisso de

despertar o gosto o prazer do “habito”de leitura. Ela deve atuar, segundo Perrenoud (1997), no

sentido de fornecer ao seu público o acesso ao livro, fomentando-lhe o livre descobrimento da

leitura, pois a criança necessita de liberdade para escolher os seus livros, devendo a escola

colocar a sua disposição títulos que atendam ao interesse dos seus alunos, proporcionando-lhe

o despertar para o prazer de ler.

Sônia Kramer (1999), em sua pesquisa intitulada Cultura Modernidade e Linguagem: o

que lêem e escrevem futuros professores e seus mestres, aponta algumas sugestões de como

trabalhar a leitura em sala de aula. Tais sugestões são justificadas, segundo Kramer, na medida

em que a leitura tem uma grande contribuição no processo de formação de sujeitos-

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professores que pensam e repensam o mundo criticamente, podendo dar a sua vida e a vida da

coletividade um novo sentido.

As sugestões que tal pesquisa aponta, esta direcionada aos gestores das políticas

públicas, às escolas de formação de professores e aos cursos de Letras e Pedagogia.

Cabe de acordo com Kramer, aos gestores das políticas públicas:

- “Elaborar programas de bibliotecas públicas ( fixas e volantes), garantindo um

bom acervo e funcionamento em horário adequado que viabilize o acesso de todos:

- Implementar políticas que incentivem a criação de rodas de leituras,com estrutura

e espaço adequados em instituições públicas, particulares e comunitárias

- Baratear os preços dos livros e fomentar a doação pelas editoras a esses espaços

criados.

- Substituir a ênfase nos livros didáticos pelos livros literários.

É responsabilidade das escolas de formação:

- lançar um novo olhar na forma como vem sendo organizado o currículo no que se

refere às disciplinas de linguagem, leitura e escrita;

- criar espaços para que os professores dessa disciplina realizem um trabalho

interdisciplinar,melhor aproveitando o tempo disponível com os alunos;

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- desenvolver o seu trabalho com a leitura de livros literários, como poesias,

clássicos da literatura brasileira, sem impor ao aluno datas, provas, resumos.

- procurar colocar nas bibliotecas, salas de leituras profissionais que gostem de ler

evitando colocar nesses espaços,profissionais que assumem uma posição negativa

com os livros;

- criar espaços reais de incentivo à leitura, possibilitando crianças e adultos a

possível leitura longe das obrigações curriculares;”

E, por último, os cursos de Letras e Pedagogia, devem rever as disciplinas responsáveis

pelo ensino da língua portuguesa e da literatura - as didáticas específicas, os métodos de

alfabetização de forma a que possam superar o seu caráter instrumental, fugindo de atividades

“didatizantes”, de forma que possam favorecer a formação de sujeitos leitores.

Segundo Kramer, as crianças aprendem a gostar de ler e escrever, quando são

introduzidos no mundo da literatura, lendo em situações e contextos de interação que os

possibilitem aprender com a literatura.

A pesquisa não apresenta uma fórmula para desenvolver nos sujeitos o gosto pela

leitura, por acreditar que a ação educativa é sempre coletiva, e que cabe às políticas, às escolas

de formação e universidades desencadear esse processo.

Despertar na criança o prazer da leitura é proporcionar-lhe novos caminhos para se

descobrir no mundo. Por isso faz-se necessário que as leituras destinadas às crianças sejam na

sua maior parte obras adequadas aos interesses e às experiências delas, que tragam temas que

permeiem a fantasia e a realidade do seu dia-a-dia. “Há tantos jeitos de a criança ler, de

conviver com a literatura de modo próximo, sem achar que é algo do outro mundo, remoto

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enfadonho ou chato...” (Abramovich, 1999, p163.) É só aproximá-las dos espaços onde o livro

se encontra de modo aberto, sem cobranças. De acordo com Abramovich se a criança passa a

ser a única culpada nos “tribunais” adultos por não ler, mais culpados são os adultos por não

proporcionar-lhe esse contato com o livro que abres caminhos, trilhas e pode levar ao mundo

encantado das letras.

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CONCLUSÃO

De uma maneira geral, a criança gosta de ouvir e contar histórias, e tem, na literatura

infantil, um excelente material para as suas criações que conseqüentemente ira lhe

proporcionar a construção de si mesma.

A literatura infantil está presente na pré-escola e nas séries iniciais, e a maioria dos

professores que atuam nessa área tem consciência da importância da leitura e do contato com

o livro tanto para as crianças que já concluíram, ou ainda estão iniciando o seu processo de

letramento.

No entanto, alguns professores ainda ignoram que o texto literário apresenta uma

enorme gama de elementos que se bem explorados, podem auxiliar tanto o processo de

alfabetização da criança, como na construção do sujeito leitor. Porém deve-se tomar o cuidado

para não se cometer o erro de achar que a literatura tem uma função didático-pedagógica, nem

de achar que ela deve ser a base para o processo de alfabetização: o que os professores devem

ter em mente é que a literatura possui algumas características que se bem trabalhadas pode

auxiliar o seu trabalho pedagógico. As experiências com a leitura podem proporcionar o

enriquecimento de experiências, o desenvolvimento da criatividade e do senso de criticidade, e

ainda é uma excelente oportunidade de vivência com a linguagem correta e artística. A escola

não deve julgar que esses textos literários possam exercer um imediato papel pedagógico

explícito. É claro que eles educam, mas não por força de uma relação imediatista e direta, mas

sim, através de uma convivência contínua e duradoura.

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No decorrer do meu trabalho pude perceber que o lugar que a literatura infantil ocupa

nos primeiros anos de escolarização é o de uma atividade rica de significados, e produtora de

sentido, para que a criança possa desenvolver essa atividade faz-se necessário que o professor

– que atua como mediador entre a criança e o livro para a grande maioria dos brasileiros -

selecione boas obras para dar continuidade à experiência afetiva que a criança desenvolve com

o livro, que ele ofereça obras que explorem o lúdico, levando, capacitando o sujeito leitor a

refletir criticamente sobre o mundo. Como nos diz Paulo Freire, “O importante não é ler

histórias alienadas e alienantes, mas fazer história e por ela ser feito”.

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ÍNDICE

Introdução 11

Capítulo I 14

1.1- História social da criança 14

Capítulo II 20

2.1- História da literatura infantil 20

2.2-História da literatura infantil no Brasil- passado e presente 22

Capítulo III 29

3.1- Como as crianças desenvolvem o gosto pela leitura 29

3.2- A formação do professor leitor 32

Capítulo IV 37

4.1- A responsabilidade da escola no incentivo a leitura 37

4.2-As possibilidades de se trabalhar com a leitura 40

Conclusão 46 Bibliografia 48

Índice 51

Anexos 52

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ANEXOS