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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
ALIMENTOS E TUTELA JURISDICIONAL
AUTOR
LUIZ CLAUDIO SILVA JARDIM MARINHO
ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO
RIO DE JANEIRO 2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
ALIMENTOS E TUTELA JURISDICIONAL
Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto A Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil Por: Luiz Claudio Silva Jardim Marinho
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RESUMO A obrigação alimentar pode derivar de diversas fontes ou causas
jurídicas, sendo pertinente, ao direito de família, a obrigação alimentar decorrente do casamento ou união estável, do poder familiar e a derivada da relação de parentesco. A ação de alimentos consubstancia o instrumento processual de que se vale o credor para obter a satisfação de sua pretensão de direito material e que sofreu inequívoca e direta influência causada por alterações interpretativas provocadas no direito de família após a nova ordem introduzida pela Constituição Federal de 1988, a merecer uma leitura consentânea com a nova realidade legislativa e principiológica. Os dispositivos da lei de regência – Lei nº 5.478/68 - devem ser interpretados e compreendidos dentro de princípios e garantias constitucionais que não podem ser afastadas ou mitigadas pelo intérprete, sobretudo diante da natureza assistencial e da finalidade da obrigação alimentar, a merecer a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 11.232/05, no sentido de afastar a necessidade de um processo autônomo de execução. Urge que se aperceba dessa nova realidade legislativa e comportamental para que se possa alcançar o equilíbrio na fixação do valor a partir da análise da equação: possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado.
4METODOLOGIA
O presente trabalho buscou analisar as espécies de obrigação
alimentar e os critérios e pressupostos que norteiam sua fixação, observando
as diferenças entre as hipóteses e a forma de se alcançar algo próximo ao que
seja (ou pareça) justo, na medida em que justiça consubstancia valor subjetivo
e individual, cambiante ao tempo e em conformidade com a formação pessoal
de cada indivíduo.
O estudo que ora se apresenta foi levado a efeito a partir do método
da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em diversos tipos
de publicações, como livros e artigos, revistas e outros periódicos
especializados, além de publicações oficiais da legislação e da jurisprudência.
Por outro lado, como também é fácil perceber, a pesquisa foi
empreendida através do método dogmático positivista, uma vez que se
pretendeu identificar as diversas fontes e formas de obrigação alimentar
existentes no ordenamento jurídico e o tratamento conferido a cada uma delas,
sob o ponto de vista específico do direito positivo brasileiro e com fundamento
exclusivo na dogmática desenvolvida pelos estudiosos que já se debruçaram
sobre o tema anteriormente.
Trata-se, ainda, de uma pesquisa aplicada, porque almeja produzir
conhecimento para aplicação prática, mas também qualitativa, porque procura
compreender a realidade a partir da interpretação e qualificação dos
fenômenos estudados; identifica-se, ainda, com a pesquisa exploratória,
porque buscou proporcionar maior conhecimento sobre a questão proposta,
além da pesquisa descritiva, porque visou a obtenção de um resultado
puramente descritivo, sem a pretensão de uma análise crítica do tema.
5SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 6
CAPÍTULO I
DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR..........................................................................8
1.1 - CLASSIFICAÇÃO..................................................................................9
1.2 - CARACTERÍSTICAS............................................................................10
1.3 - ESPÉCIES............................................................................................13
1.4 - ALIMENTOS GRAVÍDICOS.................................................................14
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS DE FIXAÇÃO – ANÁLISE DO BINÔMINO NECESSIDADE
X POSSIBILIDADE............................................................................................16
CAPÍTULO III
ALIMENTOS E TUTELA JURISDICIONAL......................................................22
3.1 - DA AÇÃO DE ALIMENTOS.....................................................................23
3.2 – DA EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS........................................................28
CONCLUSÃO....................................................................................................32
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................34
6INTRODUÇÃO
O Direito, em sua matriz existencial, se destina a regular a vida em
sociedade, com o objetivo de tornar pacífica a convivência entre os cidadãos.
E, como toda ciência social, sofreu – e ainda sofre - grandes
transformações conceituais a partir da evolução e complexidade das relações
intersubjetivas.
As relações familiares não passaram imunes às mudanças de
comportamento da sociedade e à nova ordem introduzida pela Constituição
Federal de 1988.
A família passa por uma releitura de valores e, nesta perspectiva,
sobreleva observar que o afeto substituiu a patrimonialidade intrínseca à família
liberal burguesa.
A ordem jurídica inaugurada com a Constituição Federal de 1988
alçou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil, o que se observa pela leitura do artigo 1º, II,
reconhecendo, ainda, novos modelos de família, formadas pelo casamento,
pela união estável, a família monoparental e a família formada por situações
que envolvem tutela, guarda e adoção.
Mas não é só.
A proibição de discriminação dos filhos havidos dentro ou fora do
casamento e a consagração do princípio da igualdade entre homens e
mulheres (artigo 226, §§ 5º e 6º, da Constituição Federal) provocou a
necessidade de se repensar o Direito de Família, desconstruindo dogmas para
construir uma nova e moderna doutrina sobre o assunto.
Mesmo porque a dignidade da pessoa humana se erigiu em valor
máximo na nova ordem constitucional, o que impõe uma nova análise dos
institutos.
7O atual Código Civil, em vigor a partir de janeiro de 2003, consolidou
as profundas alterações nas relações intrafamiliares, privilegiando o afeto como
seu elemento norteador, exigindo decisões coerentes com a principiologia de
eticidade, socialidade e operalidade, que nortearam o projeto de lei de Miguel
Reale.
A propósito das mudanças de paradigmas nas relações familiares e
no próprio Direito de Família, leciona Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, 2008, p.
XI):
Há consideráveis mudanças nas relações de família, passando a dominar novos conceitos em detrimento de valores antigos. Nesta visão, têm mais relevância o sentimento afetivo que o mero convívio. Em tempos que não se distanciam muito, recorda-se como se insistia na convivência do casal, mantendo-se muitos casamentos apenas formalmente, pois nada representavam no seu conteúdo pessoal e afetivo.
O presente trabalho consubstancia estudo sobre a obrigação
alimentar em todos os seus contornos, efeitos e vicissitudes, objetivando
apresentar uma releitura consentânea dos alimentos, características, fontes,
vetores de fixação e da lei que regulamenta a ação de alimentos – Lei nº
5.478/68 – com a nova perspectiva constitucional, valendo realçar, como vetor
norteador do estudo, o disposto no artigo 229 da Constituição Federal, que
realça o dever dos pais de assistir, de criar e de educar seus filhos menores e o
dever dos filhos de ajudar e de amparar seus pais na velhice, na carência ou
na enfermidade, estabelecendo um dever moral de solidariedade no âmbito dos
vínculos jurídicos mais próximos das pessoas (GUILHERME CALMON
NOGUEIRA DA GAMA, 2008, p. 484).
O Código Civil regulamentou o Direito de Família no seu livro IV,
dividindo-o em dois títulos principais: Do Direito Pessoal e Do Direito
Patrimonial, incluindo neste título as disposições sobre os alimentos.
O exame da obrigação alimentar se complementa, ainda, com a
análise da Lei nº 5.478/68 e dos dispositivos processuais relacionados à
execução (artigos 732 c/c 475-J e artigo 733, todos do Código de Processo
Civil).
8CAPÍTULO I
DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
O direito a alimentos se fundamenta, no Direito de Família, no
princípio fundamental da solidariedade familiar (GUILHERME CALMON
NOGUEIRA DA GAMA, 2008, p. 489).
Alimentos, em sentido amplo, representam aquilo que a pessoa
necessita para sua manutenção (alimentação, vestuário, moradia, assistência
médica, transporte, educação, lazer etc).
Consubstanciam prestações para satisfazer as necessidades vitais
de quem não pode provê-las por si (ORLANDO GOMES, 1999, p. 81).
O conteúdo da obrigação alimentar, como assinalado, é o
indispensável para o sustento, educação, vestuário, assistência médica,
moradia, transporte, educação, lazer etc.
Seu fundamento reside, portanto, no princípio da solidariedade
familiar que deve nortear as relações entre os membros da família, tendo por
finalidade assegurar o direito à subsistência e à vida.
As decisões judiciais têm evoluído no sentido de humanizar as
relações familiares, reconhecendo o afeto como elemento norteador das
entidades e relações familiares.
A obrigação alimentar, de outra parte - e não poderia ser diferente -
consubstancia a face patrimonial do direito de família, provocando amiúde
acentuado desgaste nas relações afetivas, na medida em que enfeixa a face
patrimonial de relações fundadas no afeto.
Os alimentos se destinam, de qualquer modo, a atender
necessidades de quem não tem condições de prover, por si só, às próprias
exigências de manutenção e vida digna, não sendo, todavia, fonte de
ociosidade ou estímulo ao ostracismo.
91.1 – CLASSIFICAÇÃO
Os alimentos podem derivar de diversas causas jurídicas, o que os
faz adquirir características próprias. Podem ser classificados em:
- Alimentos legais ou legítimos – devidos em razão de expressa previsão legal.
Decorrem da existência de relação familiar entre as pessoas, abrangendo os
alimentos entre parentes e companheiros. São as hipóteses de alimentos
decorrentes do:
- casamento ou União Estável – previsão nos artigos 1.694, 1.702,
letra “d” e 1.704, todos do Código Civil.
- decorrentes do poder familiar - Os pais têm os deveres de guarda,
sustento e educação dos filhos, na forma determinada no artigo 1.566, IV. Com
a maioridade do alimentando, o dever alimentar busca fundamento na relação
de parentesco e se prorroga até os 24 anos de idade, critério empírico que
considera a idade na qual o alimentado deveria completar sua formação
educacional e se lançar definitivamente no mercado de trabalho, assegurando
sua própria subsistência.
- Decorrentes da Relação de Parentesco – artigos 1.696 a 1.698
(ascendentes, descendentes e irmãos unilaterais ou bilaterais). Nestas
hipóteses, em tese, os parentes são, reciprocamente, credores e devedores de
alimentos, concretizando-se a relação jurídico-alimentar com a presença do
binômio necessidade-possibilidade (GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA
GAMA, 2008, p. 534).
- Alimentos voluntários – resultam de uma declaração de vontade manifestada
por negócio inter vivos ou mortis causa e tem previsão no direito das
obrigações (557, IV – doação pura e 803 – constituição de renda) e no direito
das sucessões (1.920 – decorrentes de legado).
10- Ressarcitórios ou Indenizatórios – resultam como forma de reparação dos
danos materiais sofridos em razão de homicídio praticado pelo autor da ofensa
e prática de um ato ilícito – artigos 948, II e 950, ambos do Código Civil.
1.2 - CARACTERÍSTICAS
Os alimentos, como afirmado, merecem tratamento e proteção
especial do Estado, mercê de seu cunho assistencial, segundo o qual: os
alimentos são destinados a remediar necessidades cuja satisfação não pode
ser declinada nem adiada (LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, 1956, p.
337).
Eis o motivo pelo qual recebem tratamento especial, porquanto
guardam íntima correlação com a própria vida e dignidade da pessoa humana,
ostentando as seguintes características:
- Direito personalíssimo – cuida-se de direito inerente à própria
pessoa que o titulariza, não sendo possível transferi-lo a outrem, uma vez que
a obrigação alimentar se destina a assegurar a sobrevivência do alimentando.
O artigo 1.700 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a
obrigação, por si só, não se transmite aos herdeiros, mas sim a dívida vencida
e que será solvida de acordo com as forças da herança, tal como determinado
no artigo 23 da Lei nº 6.515/77.
Não se olvide, ainda, que a transmissão da obrigação aos herdeiros,
a que se refere o dispositivo legal, significa que a obrigação alimentar poderá
derivar de eventual relação de parentesco entre o alimentando e os herdeiros
do alimentante, a exigir, outrossim, a análise dos demais pressupostos de
cabimento.
- Indisponibilidade e Irrenunciabilidade – O direito não é apto a
renúncia ou cessão. O artigo 1.707 do Código Civil prevê que:
Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
11 O caráter de indisponibilidade afasta qualquer possibilidade de
transação, admitindo-se, todavia, convenção sobre o valor e modo de
pagamento da prestação.
Destaque-se, outrossim, que Projeto de Lei nº 6.433/09, de autoria
do Deputado Paes de Lita (PTC-SP), prevê a possibilidade de renuncia do
cônjuge ao direito de receber alimentos, o que, atualmente, é vedado pelo
artigo 1.707 do Código Civil. A proposta de alteração legislativa tramita em
caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Seguridade Social e
Família e de Justiça e Cidadania.
- Intransmissibilidade – A intransmissibilidade dos alimentos constitui
consequência lógica de sua natureza personalíssima. Os alimentos são
intransmissíveis e a obrigação se extingue com o falecimento de algum
protagonista da relação jurídica, tendo o credor direito tão-somente ao crédito
das prestações vencidas até o falecimento do devedor e de acordo com as
forças da herança.
Vale dizer, o crédito do alimentando se limita ao patrimônio deixado
pelo devedor, não podendo suplantá-lo.
- Incompensável – Não é permitida a compensação dos alimentos
com dívidas pessoais do credor (artigos 373 e 1.707, ambos do Código Civil);
o que se pagou de alimentos não pode ser repetido ou compensado com
outros créditos.
Não é incomum o alimentante almejar deduzir da obrigação alimentar
eventuais gastos com o credor, como viagens, compra de peças de vestuário,
calçados, diversão etc, havendo remansoso entendimento no sentido de que se
trata de pagamento voluntário e incompensável com a obrigação principal.
- Irrestitutibilidade – Os alimentos provisórios recebidos durante a
ação judicial não podem ser devolvidos se a demanda vier a ser julgada
improcedente. Guarda íntima correlação com a característica da irrepetibilidade
dos alimentos.
12- Reciprocidade entre os parentes e os ex-cônjuges – Cuida-se de
característica expressamente prevista no artigo 1.696 do Código Civil, segundo
o qual:
O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em graus, uns em falta de outros.
- Alternatividade da obrigação – expressa no artigo 1.701 do Código
Civil. Significa que o alimentante pode fornecer prestação pecuniária ao
alimentando ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de
educação, quando menor de idade, podendo, inclusive, prestar alimentos como
a entrega de gêneros alimentícios, rendimentos de bens etc.
- Irretroatividade – Os alimentos são devidos a partir da data da
citação, consoante preceitua o parágrafo segundo do artigo 13 da Lei nº
5.478/68, não sendo possível obrigar o devedor a pagá-los por período anterior
ao ato de comunicação processual. A exigibilidade da obrigação tem como
termo inicial a data em que efetivada a citação para responder à ação de
alimentos.
- Variabilidade – esta característica guarda correlação com os
pressupostos de fixação da obrigação alimentar (possibilidade de quem paga e
necessidade de quem recebe), o que significa que qualquer alteração na
equação possibilidade-necessidade projetará efeito direito no valor da
obrigação. Em síntese, a pensão alimentícia pode variar de acordo com a
capacidade financeira de ambos ou com o incremento ou redução da
necessidade do credor.
- Ausência de solidariedade – não há solidariedade entre os
parentes. A obrigação alimentar é divisível, uma vez que a fixação deve ser
proporcional à capacidade contributiva do devedor (artigo 1.698 do Código
Civil).
- Imprescritibilidade – O direito aos alimentos é imprescritível, o que
não se confunde com a prescrição que incide sobre a exigibilidade das
13prestações, estas submetidas ao prazo prescricional de dois anos (artigo 206, §
2º, do Código Civil). A prescrição alcança, ademais, tão-somente a prestação
periódica anterior a dois anos e não o direito subjetivo do credor. Eis o motivo
pelo qual se afirma que a prescrição atinge a pretensão e não o direito
subjetivo.
1.3 – ESPÉCIES
O artigo 1.694, caput, e o parágrafo segundo do Código Civil adotou
classificação que inexistia no Código Civil revogado (1916) e que apresenta
distinção entre os alimentos em civis ou naturais.
Alimentos civis ou côngruos – são aqueles necessários para manter o padrão
de vida compatível com o alimentante. Destinam-se a manter a qualidade de
vida, a condição social, o status da família, de acordo, inclusive, com as
necessidades intelectuais e morais (artigo 1.704 do Código Civil), limitando-se
o valor da obrigação, todavia, à capacidade econômica da pessoa obrigada.
Alimentos naturais ou necessários – São aqueles indispensáveis à própria
sobrevivência do alimentando e que significam o mínimo para subsistência
(artigo 1.920 do Código Civil), excluindo-se qualquer destinação para
manutenção da condição social. Ostentam caráter assistencial e visam apenas
assegurar a sobrevivência do alimentando. O cônjuge considerado culpado
pela separação, pela nova diferenciação introduzida pelo atual Código Civil,
tem direito a alimentos naturais ou necessários, se não tiver qualquer parente
em condições de prestá-los e nem aptidão para o trabalho, (artigo 1.704,
parágrafo único, do Código Civil).
Os alimentos naturais derivam da aplicação do princípio da solidariedade e
dignidade da pessoa humana.
14
1.4 – ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Os alimentos gravídicos consubstanciam obrigação alimentar devida
pelo genitor a partir da gravidez da gestante e decorrem da exigência de
responsabilidade parental que deve existir desde a concepção; reafirmam a
igualdade de direitos e deveres entre os pais, dispensando até mesmo a
comprovação da viabilidade da gravidez.
A Lei nº 11.804 de 5.11.2008, dentro da tutela de proteção à
dignidade da pessoa humana, disciplinou o direito de alimentos da mulher
gestante com a finalidade de proteger os direitos do nascituro, consagrando o
princípio da proteção integral.
O artigo 2º do Código Civil preceitua que a personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida, mas coloca os direitos do nascituro
sob proteção especial e efetiva da ordem jurídica.
A lei assegura à gestante, em síntese, o direito de receber alimentos
desde a concepção até o parto.
Os alimentos gravídicos se destinam a suportar o pagamento de
despesas correspondentes ao período de gestação como alimentação especial,
assistência médica e psicológica, exames médicos, internação, procedimento
cirúrgico, medicamentos, cuidados especiais etc.
O escopo da norma se dirige à tutela da mãe e do nascituro.
No que tange ao aspecto processual, deve o Juiz fixar, liminarmente,
se convencido da existência de indícios de paternidade, os alimentos
gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, quando, então, serão
convertidos em pensão alimentícia em favor da criança (artigo 6º), podendo
ocorrer, inclusive, revisão do valor inicialmente fixado, uma vez que a natureza
das despesas são alteradas, da gestação para o sustento.
15Cuida-se, a rigor, de decisão a ser proferida em cognição sumária,
com base em indícios de paternidade, daí a necessidade de a gestante
apresentar alguma prova, mesmo que indiciária, conquanto não resolutiva, para
obter tutela em sua pretensão.
Neste particular, deve ser ressaltado que os critérios norteadores de
fixação da obrigação alimentar são distintos da norma inserta no artigo 1.694
do Código Civil (possibilidade e necessidade), uma vez que se correlacionam
às despesas com a gestação, devendo o juiz observar, inclusive, se a gestante
possui plano de saúde, seu estado de saúde, se haverá custos de parto, se a
gestação demanda maiores cuidados, se envolve risco etc.
O artigo 11 estabelece a aplicação subsidiária da Lei nº 5.478/68 e
do Código de Processo Civil, devendo ser considerado, ainda, apesar do
silêncio da lei, a aplicação da principiologia extraída do Código Civil de 2002.
Os alimentos gravídicos, desta forma, se inserem no modelo de
tutela de dignidade da pessoa humana, tendo o condão de proteção da
genitora e do nascituro durante o período de gestação, assegurando-lhes o
mínimo indispensável para subsistência.
É preciso se afirmar, por derradeiro, que os alimentos gravídicos não
apresentam qualquer desconformidade com a teoria geral dos alimentos no
direito de família, em especial com relação à fonte da obrigação, na medida em
que a paternidade responsável se inicia com a gestação.
16CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS DE FIXAÇÃO
ANÁLISE DO BINÔMINO NECESSIDADE X POSSIBILIDADE
Os alimentos têm previsão no subtítulo III do capítulo VI do livro IV do
Código Civil, especialmente nos artigos 1.694 a 1.710.
A causa jurídica que lhe dá suporte é o vínculo de parentesco ou
marital (ou de união estável).
A obrigação alimentar – qualquer que seja sua fonte ou causa
jurídica – não prescinde da análise de seus pressupostos de cabimento e dos
critérios para a justa fixação.
Neste compasso, preceitua o parágrafo segundo do artigo 1.694 do
Código Civil que os alimentos devem atender as necessidades do credor para
viver de modo compatível com sua condição social, ressaltando o parágrafo
primeiro, ainda, que os alimentos devem ser fixados na proporção das
necessidades do alimentário e dos recursos do alimentante.
Cuida-se, com efeito, de positivação expressa da regra geral
segundo a qual são devidos alimentos civis e de que os alimentos devem ser
fixados de acordo com o denominado binômio necessidade – possibilidade,
referência para aferição do justo valor da obrigação alimentar a viger entre as
partes.
A necessidade é o principal elemento na análise da existência da
obrigação, porquanto inexistirá obrigação alimentar se não houver necessidade
do alimentando, o que se verifica a partir da idade do alimentando, sua
formação educacional, estado de saúde, padrão de vida, enfim condições
pessoais que permitam avaliar a possibilidade de sua reinserção no mercado
de trabalho e de assegurar a própria subsistência, assinalando-se, mais uma
vez, que os alimentos não se prestam a estimular a ociosidade.
17A obrigação alimentar, de qualquer sorte, é gravada com a cláusula
rebus sic standibus, o que significa que o valor deve ser mantido se não houver
qualquer alteração na situação fática envolvendo os protagonistas da relação
jurídica.
Em outras palavras, o valor só poderá ser modificado se houver
alteração das condições objetivas e subjetivas (possibilidade e necessidade).
A modificação na situação fática pode acarretar a exoneração ou
revisão da obrigação alimentar, para extingui-la, majorá-la ou reduzi-la, se
houver incremento ou mitigação da capacidade financeira de quem presta os
alimentos ou alteração significativa das necessidades do alimentando.
A revisão da obrigação alimentar, deste modo, é indispensável para
a preservação do equilíbrio na equação necessidade-possibilidade e decorre
da característica da variabilidade da obrigação alimentar.
Aliás, a necessidade de análise das possibilidades do devedor
ratifica a natureza divisível da obrigação e a impossibilidade de considerá-la
solidária, o que impede, inclusive, o ajuizamento da ação de alimentos em face
de apenas um dos devedores.
Isso porque cada devedor deve contribuir na exata medida de suas
possibilidades.
A partir de tais premissas e considerando a inexistência de tarifação
legal ou normativa, deve o juiz se manter atento às circunstâncias fáticas de
cada caso e, ainda, ponderado e equilibrado na análise do binômio
necessidade de quem pede e possibilidade de quem paga, para que possa
fixar o justo valor da obrigação alimentar.
Deve o juiz considerar, deste modo, as condições pessoais dos
envolvidos, a idade, o estado de saúde, a capacidade financeira, a formação
educacional, a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, o padrão de
vida, hábitos regulares etc, para fixar a obrigação alimentar consistente no
pensionamento em dinheiro e na periodicidade mais adequada, observada a
18possibilidade, ainda, de as partes transigirem quanto ao pensionamento in
natura ou em periodicidade diversa da mensal.
Neste particular, vale ressaltar que nada impede a fixação da
obrigação alimentar em período quinzenal, mensal, trimestral ou semestral,
resguardada a preservação de interesse dos incapazes.
Não resta dúvida, por outro lado e em algumas hipóteses, da
dificuldade de o juiz obter ampla cognição sobre a real capacidade econômica
do devedor. Eis o ponto nevrálgico a ser descortinado.
E tal fato ocorre, sobretudo, nas hipóteses de inexistência de vínculo
formal de trabalho pelo alimentante, hipótese em que o pagamento não poderá
ser efetuado através de mero e singelo desconto do percentual convencionado,
ou judicialmente determinado, em folha de pagamento ou sob a forma de
desconto em benefício previdenciário.
No caso de profissionais autônomos ou trabalhadores sem vínculo
empregatício formal, os rendimentos podem ser (e amiúde são) escamoteados
com o desiderato de reduzir o valor da contribuição.
Nestas hipóteses, infelizmente comuns na prática judiciária, deve o
juiz se valer de sua inteligência e ampliar o conhecimento acerca dos hábitos
do alimentante, o que pode ser feito através da expedição de ofícios às
administradoras de cartões de crédito e instituições financeiras para que
informem acerca da existência de movimentações financeiras em nome do
devedor.
É preciso estar atento, inclusive, para a eventualidade de o devedor
se valer de terceira pessoa para implementar suas movimentações financeiras,
utilizando-a como testa-de-ferro; ou, ainda, constituir pessoa jurídica com o
objetivo de lhe transferir todo o patrimônio amealhado, buscando mascarar sua
real e confortável situação financeira.
Nestas hipóteses, tem plena aplicação a denominada teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, na qual o credor deverá
demonstrar que a sociedade funciona como um alter ego do devedor.
19Não se pode desprezar, ainda, o exame dos sinais exteriores de
riqueza, o que significa que o local de residência, a marca e modelo do
automóvel, viagens turísticas, os restaurantes que frequenta, a utilização de
roupas de grife etc, podem indicar um padrão de vida incompatível com o valor
declarado dos rendimentos.
Não se desconsidere que tais sinais de riqueza não são de fácil
comprovação no curso de uma demanda. Todavia, a oitiva de testemunhas
pode auxiliar a busca pela verdade real, devendo a defesa técnica se mostrar
atenta ao desenvolvimento do processo, sobretudo aos pontos controversos e
a necessidade de comprovar suas teses.
As regras de distribuição do ônus da prova, no campo probatório
tradicional, se resolvem pelo disposto no artigo 333 do Código de Processo
Civil, segundo o qual compete ao autor a prova do fato constitutivo de seu
direito.
No caso de obrigação alimentar, todavia, não se pode trabalhar com
uma metodologia ortodoxa e sem atentar para a realidade social que salta aos
olhos.
A rigor, o artigo 2º da Lei nº 5.478/68 dispõe que o autor da ação de
alimentos deverá expor suas necessidades, comprovando, apenas, o
parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor.
O dispositivo legal não exige, deste modo, a prova resoluta da
capacidade financeira do devedor.
Isso ocorre porque não há como se impor ao alimentando a
comprovação dos ganhos efetivos do alimentante, mormente porque, em
muitas situações, ambos não mantêm qualquer convivência, diálogo ou
informações confidenciais.
A ruptura de um relacionamento afetivo, no caso de separação
judicial, é frequentemente marcada por disputas, mágoas e ressentimentos,
quiçá mais intensos do que o amor que uniu o casal.
20Não se pode exigir do credor, ademais, algo que ele não poderá
efetivamente comprovar, motivo pelo qual poderá o juiz proceder à inversão do
ônus da prova, para exigir do devedor a prova idônea de seus rendimentos e,
em caso de dúvida, se valer das informações fiscais e bancárias necessárias à
melhor cognição.
De qualquer modo, o Judiciário e o Ministério Público não podem se
acomodar com a mera informação prestada pelo alimentante; devem buscar
amplo conhecimento sobre a situação fática, sobre as necessidades do
alimentando, cotejando e ajustando o necessário, o indispensável e o
supérfluo, assim como as reais possibilidades do alimentante, com a quebra de
sigilo fiscal, bancário etc, com o único e primordial objetivo de que seja
proferida uma sentença materialmente justa.
Neste compasso, deve o Ministério Público observar e suprir a
eventual falta de diligência ou desatenção técnica da alimentanda, sobretudo
quando a questão envolver o interesse de incapaz.
Os agentes do Estado não podem se contentar com uma verdade
formal, ou seja, aquela extraída tão-somente das provas produzidas nos autos.
A primazia da dignidade da pessoa humana e a solidariedade existente nas
obrigações alimentares exigem uma atuação pró-ativa e com o objetivo de
trazer justiça ao caso concreto, quantificando a obrigação de acordo com a
natureza do vínculo e observados os pressupostos de fixação.
Maria Berenice Dias (2008, p. 482) realça, com acerto, que o valor da
obrigação deve ser fixado, ainda, com fundamento no princípio da
proporcionalidade, ressaltando que:
A regra para a fixação (CC, 1.694 § 1º e 1.695) é vaga e representa apenas um standard jurídico. Dessa forma, abre-se ao juiz um extenso campo de ação, capaz de possibilitar o enquadramento dos mais variados casos individuais. Para definir valores, há que se atentar ao dogma que norteia a obrigação alimentar: o princípio da proporcionalidade. Esse é o vetor para a fixação dos alimentos. Tradicionalmente, invoca-se o binômio necessidade-possibilidade, ou seja, perquirem-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante para estabelecer o valor da pensão. No entanto, essa mensuração é feita para que se respeite a diretriz da
21proporcionalidade. Por isso se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio: proporcionalidade-possibilidade-necessidade.
E, mais diante, conclui sobre os critérios de fixação (2008, p. 483):
Cabe ao juiz fixar os alimentos. Para isso, precisa dispor dos meios necessários para saber das necessidades do credor e das possibilidades do devedor. Não trazendo o alimentante informações sobre os seus ganhos, fixa a pensão por indícios que evidenciem seu padrão de vida.
Deve-se buscar, deste modo, todos os meios possíveis e legítimos
para a justa fixação do valor da obrigação.
Eis o principal valor a ser tutelado: a justiça, sem a qual de nada
adiantam leis, códigos, doutrinas, jurisprudências etc. A justiça, conquanto
subjetiva, é valor a ser perseguido por todos operadores do direito e todos
aqueles comprometidos com uma sociedade justa e ética.
22CAPÍTULO III
ALIMENTOS E TUTELA JURISDICIONAL
O direito à percepção de alimentos – como todo direito substancial –
necessita de proteção instrumental para sua fruição.
Vale dizer, de nada adianta a existência do direito subjetivo se não
houver uma forma judicial de protegê-lo ou repará-lo.
Se o alimentante não cumprir espontaneamente a obrigação, deverá
o credor buscar judicialmente o adimplemento da obrigação.
A ação de alimentos é o instrumento jurídico-processual apto à
deflagração da pretensão de percepção de alimentos quando o interessado
possui comprovação de plano da causa jurídica.
Sua previsão encontra ressonância na Lei 5.478 de 25 de julho de
1968, cuja longevidade decorre, sobretudo, da possibilidade de se imprimir
uma releitura teleológica dos dispositivos que frontalmente colidem com a nova
ordem constitucional e até mesmo pragmática, na medida em que a realidade
forense é diversa daquela que estimulou sua edição.
De qualquer sorte, a aplicação de legislação editada há mais de
quarenta anos se descortina possível tão-somente pela simplicidade de suas
normas e pela possibilidade de interpretá-las e aplicá-las em conformidade com
as novas diretrizes principiológicas.
Nesta perspectiva, deve o aplicador interpretar a Lei nº 5.478/68 com
os ventos democráticos e principiológicos da Constituição Federal de 1988 e
com o atual Código Civil, ambos fundados numa nova ordem na qual a
dignidade da pessoa humana e a eticidade se sobrelevam em detrimento de
interesses meramente patrimoniais.
233.1 – DA AÇÃO DE ALIMENTOS
A ação de alimentos possui procedimento especial, regulado pela
Lei nº 5.478/68, em que a prova da existência do dever alimentar (prova pré-
constituída) se afigura indispensável para que o interessado possa se valer de
seu rito concentrado, o que proporciona maior celeridade na entrega da
prestação jurisdicional.
Vale dizer, o manejo da ação de alimentos pelo procedimento da Lei
nº 5.478/68 somente é cabível quando o interessado possui prova pré-
constituída do fato gerador da obrigação alimentar (certidão de casamento,
certidão de nascimento etc).
Resulta daí a impossibilidade de o companheiro se valer, a princípio,
do rito da Lei nº 5.478/68 se não houver comprovação de plano da existência
da entidade familiar, devendo buscar, nesta hipótese, a via comum e ordinária
para deflagrar sua pretensão.
Nesta hipótese, não se desconsidere que poderá postular o direito
imediato ao recebimento de alimentos (provisórios), com fundamento no
instituto da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, a que se refere o artigo
273 do Código de Processo Civil, nos casos em que, existente prova
inequívoca, se convencer o juiz da verossimilhança da alegação da parte
autora.
O inciso II do artigo 100 do Código de Processo Civil estabelece a
competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando para a ação
em que se pedem alimentos, tendo revogado a regra inserta no artigo 26 da Lei
nº 5.478/68, segundo a qual é competente para as ações de alimentos o juízo
na qual reside o devedor.
A legitimidade para pleitear alimentos ou prestá-los pertence ao
cônjuge (ou companheiro) e aos parentes mais próximos, sendo certo que a
pretensão pode ser direcionada em face de outros parentes no caso de falta ou
incapacidade econômica (artigo 1.697 do Código Civil).
24Nestas hipóteses, a legitimidade na linha colateral é limitada aos
irmãos germanos ou unilaterais (parentesco de 2º grau na linha colateral).
O artigo 4º da Lei nº 5.478/68 determina que o juiz fixe, ao despachar
a petição inicial, os alimentos provisórios a serem devidos pelo alimentante até
o julgamento da demanda, destacando-se presumidas as necessidades do
menor.
Não tratou o legislador, com efeito, de conferir poder discricionário ao
magistrado, mas de lhe impor o dever de estabelecer provisoriamente o valor
da contribuição alimentar destinada a assegurar a subsistência do necessitado.
Os alimentos se destinam a assegurar o direito à vida e subsistência
e, portanto, sua relevância assume especial proteção do Estado, mercê do bem
jurídico que se encontra sob tutela.
Não se olvide, de outra parte, que o sustento da prole incumbe a
ambos os genitores, na exata medida de suas possibilidades financeiras.
Os alimentos provisórios ostentam natureza de antecipação da tutela
e são fixados liminarmente no despacho inicial proferido na ação de alimentos,
o que significa que o juiz, numa análise preliminar, antecipará para o início do
litígio aquilo que ele, em tese, concederia na sentença definitiva, louvando-se
nas afirmações prestadas pelo autor na petição inicial.
O artigo 6º da lei de regência determina que as partes devam estar
presentes à audiência de conciliação, instrução e julgamento, acompanhados
de suas testemunhas1 e produzindo todas as provas compatíveis com a
natureza da demanda.
O dispositivo demonstra a natureza concentrada do respectivo ato
processual, no qual o réu oferece resposta, as partes prestam depoimento
pessoal, produzem todas as provas e se manifestam em alegações finais,
ouvindo-se, em seguida, o Ministério Público para que, de imediato, seja
proferida sentença. 1 O artigo 8º da Lei nº 5.478/68 preceitua que as partes comparecerão à audiência acompanhados de, no máximo, três testemunhas, apresentando, nesta ocasião, as demais provas.
25O artigo 7º, por sua vez, ao dispor que o pedido deverá ser arquivado
no caso de não comparecimento do autor, é exemplo emblemático acerca da
necessidade de se interpretar a norma com os olhos voltados para a realidade
forense.
Consigne-se, de início, que, na verdade, não se trataria de
arquivamento do pedido, mas sim de arquivamento dos autos do processo. O
pedido é algo abstrato e os autos do processo documentam sua representação
física.
Mas não é só.
A providência adequada, pela melhor sistemática processual, não é
simplesmente determinar o arquivamento dos autos. Isso porque a relação
jurídica processual permaneceria “em aberto”, constando nos cadastros,
inclusive, como demanda sem qualquer andamento e sem sentença.
Arquivar provisoriamente os autos não resolve o direito material e
contraria a moderna filosofia processual, que exige, de alguma forma, a
conclusão da relação processual.
O Juiz deverá determinar, na verdade, a suspensão da decisão
liminar que fixou os alimentos provisórios, considerando o aparente
desinteresse do autor, e, em seguida, deverá determinar sua intimação para
dar andamento ao processo, no prazo de 48h, sob pena de extinção.
É o que determina o disposto no parágrafo primeiro do artigo 267 do
Código de Processo Civil.
Se a parte, regularmente intimada a fazê-lo, não der qualquer
impulso à relação processual, deverá o juiz julgar extinto o processo,
condenando-a no pagamento das custas e honorários do advogado constituído
pela parte adversa, procedendo-se ao arquivamento definitivo dos autos.
26A redação do artigo 13 preceitua que a Lei nº 5.478/68 se aplica às
ações de revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e suas
respectivas execuções.
A revisão, na verdade, não é da sentença, mas sim do valor do
pensionamento, a partir de uma alteração nos pressupostos fáticos, o que só é
possível se houver algum desequilíbrio no festejado binômio necessidade do
alimentando - possibilidade do alimentante.
O parágrafo segundo do respectivo dispositivo preceitua que os
alimentos, em qualquer caso, retroagem à data da citação, o que significa que,
a partir do momento em que o réu passa a ser devedor do valor
correspondente aos alimentos provisórios liminarmente fixados, a partir do
momento em que é comunicado da existência da demanda.
Os alimentos provisórios são substituídos por alimentos definitivos
quando fixados na sentença de mérito, prevalecendo, doravante, este valor
como efetivamente devido, mormente porque determinado após o exaurimento
da cognição da causa e quando o juiz já dispõe de todos os elementos para
aferir o justo valor da obrigação e formar sua convicção.
A sentença que fixa o valor da obrigação pode ser desafiada por
recurso de apelação desprovida de efeito suspensivo, a teor do que dispõe o
artigo 14, o que significa que os alimentos fixados na sentença (denominados
alimentos definitivos) passarão a ser imediatamente devidos pelo alimentante.
O artigo 520, II, do Código de Processo Civil, caminha na mesma
trilha, ao preceituar que a apelação interposta contra a sentença que condenar
à prestação de alimentos será recebida somente no efeito devolutivo.
Busca-se, com tal metodologia, conferir maior efetividade e justiça às
decisões definitivas.
A redação do artigo 15 é merecedora de críticas.
27Segundo o dispositivo legal, a decisão judicial sobre alimentos não
transita em julgado, fazendo parecer ao intérprete literal que a sentença que
fixa os alimentos não forma coisa julgada, o que não é verdadeiro, na medida
em que a possibilidade de exoneração ou revisão não é da sentença, mas sim
da obrigação alimentar, o que ocorre em decorrência de alteração no substrato
fático (possibilidade e necessidade).
A sentença produz coisa julgada material e a possibilidade de revisão
do valor da obrigação decorre da alteração do binômio necessidade x
possibilidade, o que faz surgir uma nova causa de pedir e que não ofende a
soberania da coisa julgada.
Mesmo porque se cuida, a rigor, de relação jurídica continuativa,
cambiante e que flutua de acordo com as condições atuais das partes;
qualquer alteração da situação fática permitirá a revisão do valor para reduzi-lo
ou majorá-lo, sempre com o objetivo de que seja justo o valor da obrigação.
Eis o motivo pelo qual se afirma que a sentença que fixa os
alimentos é gravada com a cláusula rebus sic standibus, o que significa, em
síntese, que a obrigação deve ser mantida enquanto inalterada aquela situação
fática que a justificou.
A obrigação alimentar, como visto, pode ser prestada em valor
pecuniário ou in natura (quando envolver hospedagem, sustento, educação
etc), sendo certo que, neste caso, deverá contar com expressa concordância
do credor, na forma disciplinada no artigo 25 da Lei de Alimentos, que exige a
obrigatoriedade da concordância do credor.
A responsabilidade dos avós é subsidiária e complementar, sendo
necessário, inicialmente, verificar a possibilidade de os pais, devedores
originários, suportarem o pagamento da prestação e somente na eventualidade
de não terem condições de suprir total ou parcialmente as necessidades do
credor dos alimentos é que ocorrerá a responsabilidade subsidiária e
complementar dos avós.
28Controversa a possibilidade de ajuizamento da demanda diretamente
em face dos avós. Cristiano Chaves de Faria (2005, p. 48) sustenta que há
necessidade de exaurimento dos meios de cobrança dos alimentos em relação
aos pais para, somente depois, direcionar a pretensão em face dos avôs.
Maria Berenice Dias (2008, p. 421), por sua vez, entende que se
deve admitir a propositura conjunta em face dos pais e dos avôs ou nas
hipóteses em que demonstradas, de plano, a impossibilidade ou possibilidade
parcial dos devedores originários de suprir as necessidades do alimentante,
hipótese em que seria possível a inclusão imediata dos avós.
Deste modo, para se chamar os demais parentes (avós, netos ou
irmãos), deve ser prontamente comprovada a impossibilidade de os devedores
mais próximos suportar a obrigação de acordo com a necessidade do
alimentando.
A ação de alimentos possui, enfim, procedimento extremamente
simplificado, quiçá em decorrência da natureza dos bens sob tutela e da
própria concentração dos atos processuais, o que contribui para sua
longevidade.
3.2 – DA EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS
O inadimplemento da obrigação alimentar faz exsurgir o direito
subjetivo de o credor buscar a tutela jurisdicional para satisfação do crédito.
O presente estudo se correlaciona às execuções de alimentos
lastreadas em título executivo judicial (sentença condenatória ou
homologatória de acordo de pensionamento).
No sistema implantado pelo Código de Processo Civil de 1973, o
credor era obrigado a deflagrar uma segunda demanda – ação de execução –
dando azo ao surgimento de uma nova relação jurídico-processual, com nova
citação do devedor para pagar o débito ou oferecer resposta, podendo o
29condenado se valer, inclusive, da ação de embargos do executado, com todas
suas vicissitudes.
A Lei nº 11.232/05 teve a virtude de adotar um regime sincrético,
provocando a reunião em um único processo das ações cognitiva e execução,
criando a fase de cumprimento de sentença e dispensando a necessidade de
ajuizamento de ação autônoma de execução.
A ação de execução de alimentos sobrevive, contudo, nos casos em
que as partes celebraram acordo extrajudicial, hipótese em que o credor
deverá se valer do procedimento da execução por quantia certa contra devedor
solvente, em virtude da inexistência do crivo judicial na formação do título
executivo.
A execução de alimentos fixados em sentença (condenatória ou
homologatória) foi alcançada pela nova sistemática processual, sobretudo no
que se refere à cobrança de prestações vencidas há mais de três
mensalidades, hipótese em que o credor deverá se valer do cumprimento de
sentença a que se refere o artigo 475-J do Código de Processo Civil.
A execução da obrigação alimentar pode ocorrer, deste modo,
com fundamento nos artigos 732 c/c 475-J e 733, todos do Código de Processo
Civil, o que significa a possibilidade de eleição pelo credor do procedimento
através de mecanismo expropriatório ou pela prisão do devedor, fundada no
artigo 733 do CPC.
Todavia, para que o credor possa postular a prisão civil do devedor
como instrumento coercitivo para compeli-lo ao pagamento, deve a execução
se limitar à cobrança das três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da
demanda.
Isto porque se considera que a execução pelo rito do artigo 733 do
CPC, com a possibilidade de prisão civil, deve estar gravada pela atualidade
das prestações, o que demonstra a necessidade premente do credor,
sobretudo porque os alimentos se destinam à satisfação das necessidades
relacionadas à própria subsistência do alimentante.
30Em outras palavras, o credor que se manteve inerte por longo tempo
e sem se valer da tutela jurisdicional não ostenta a necessidade premente para
se valer de poderoso instrumento processual que permite a restrição do direito
de liberdade do devedor.
Tal entendimento resultou na adoção do verbete nº 309 pela Súmula
de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual:
O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
As prestações anteriores a três meses deverão ser buscadas através
do cumprimento de sentença a que se refere o artigo 475-J do Código de
Processo Civil, com a redação introduzida pela Lei nº 11.232/2005.
Nesta hipótese, o devedor condenado ao pagamento da obrigação
alimentar deve ser intimado para pagamento no prazo de quinze dias, findo o
qual será o valor do débito acrescido de multa no percentual correspondente a
10%, expedindo-se, em seguida, a requerimento do credor, mandado de
penhora e avaliação, tudo na forma disciplinada no artigo 475-J.
A multa consubstancia, ontologicamente, sanção pelo não
pagamento da obrigação alimentar a que o devedor foi condenado ou se
comprometeu por acordo homologado por sentença judicial.
O devedor poderá oferecer impugnação no prazo de quinze dias
contados da data de intimação para pagamento (artigo 475-J, § 1º, do CPC),
ficando limitado a arguir questões relacionadas a falta ou nulidade da citação,
se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título; penhora incorreta ou
avaliação errônea; ilegitimidade das partes; excesso de execução ou qualquer
causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como o pagamento,
compensação, transação, novação ou prescrição, desde que superveniente à
sentença (artigo 475-L do CPC).
A impugnação não ostenta, como regra, efeito de suspender o
prosseguimento da execução, ressalvada a possibilidade de concessão de
efeito suspensivo pelo juiz, se for verificada a relevância dos fundamentos do
31impugnante e a possibilidade de que a execução lhe cause dano grave, de
difícil ou incerta reparação (artigo 475-M), ficando o credor autorizado, neste
caso, a prestar caução idônea e suficiente e requerer o prosseguimento da
execução.
A execução com fundamento no artigo 733 do Código de Processo
Civil, por sua vez, admite a possibilidade de coação física.
Neste particular, deve ser salientado que a prisão do alimentante não
constitui pena, mas sim medida coercitiva destinada a compeli-lo ao
pagamento do débito alimentar.
O artigo 733 do Código de Processo Civil dispõe que a prisão pode
ser decretada pelo prazo de um a três meses.
O artigo 19 da Lei nº 5.478/68, por outro lado, preceitua que a prisão
pode ser decretada por até sessenta dias.
O conflito entre os prazos de prisão são evidentes.
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, firmou o entendimento,
segundo o qual deve ser aplicado o princípio da especialidade da lei de
alimentos, mormente porque o prazo menor é mais benéfico ao réu, sobretudo
quando se cuida de restrição ao direito de liberdade, não tendo a prisão,
ademais, natureza satisfativa da obrigação.
O credor dispõe, atualmente, de qualquer sorte, de inúmeros
instrumentos destinados à satisfação de seu crédito, podendo se valer,
inclusive, de penhora de quaisquer bens2 ou de bloqueio de ativos financeiros
existentes em nome do executado, no que se convencionou denominar
penhora on-line.
2 O inciso III do artigo 3º da Lei nº 8.009/90 preceitua que a impenhorabilidade do bem de família é inoponível ao credor de pensão alimentícia.
32CONCLUSÃO
A obrigação alimentar no Direito de Família se origina do poder
familiar, da relação de parentesco ou do matrimônio (ou união estável), não
sendo prescindível a cognição da classificação, características e espécies,
assim como dos pressupostos, para se alcançar uma justa fixação do valor
correspondente ao pensionamento mensal.
A fixação do valor da obrigação alimentar somente será justa na
medida em que o juiz buscar ampla e exauriente cognição sobre a situação
fática, mirando-se com prudência e equilíbrio na análise da capacidade
financeira de quem presta os alimentos, sendo certo que a imposição de valor
incompatível com os pressupostos da obrigação, se elevado, provocará
inevitável inadimplemento e necessidade de o credor se valer da tutela
jurisdicional para cobrança das prestações, com todas as vicissitudes
intrínsecas a uma demanda judicial.
A fixação de valor diminuto, por outro lado, consagrará injustiça e
colidirá com a paternidade responsável e dignidade da pessoa humana.
A fixação do valor justo passa, por vezes, por profunda análise sobre
a situação fática dos envolvidos e não se pode prescindir do ativismo judiciário.
Uma vez inadimplida a obrigação, por qualquer motivo, deve o titular
do direito subjetivo se valer da ação de alimentos regulada na Lei nº 5.478/68,
empregando-lhe uma leitura consentânea com a realidade forense e
principiologia inaugurada pela ordem constitucional de 1988 e corroborada pelo
Código Civil em vigor a partir de janeiro de 2003.
A instituição de um processo sincrético pela Lei nº 11.232/05
simplificou a execução dos créditos alimentares, conquanto mantida a ação de
execução autônoma para os créditos alimentares originados de títulos
executivos extrajudiciais.
Subsiste, outrossim, a execução com fundamento no disposto no
artigo 733 do Código de Processo Civil, restando possível a coerção pessoal
33(prisão civil) como instrumento idôneo a compelir o devedor ao cumprimento da
obrigação, desde que a demanda seja fundamentada no inadimplemento das
três prestações anteriores à data de distribuição da demanda.
Aliás, o entendimento acerca da limitação de três prestações como
fundamento da deflagração da execução pelo rito da coerção pessoal,
conquanto inexistente no ordenamento jurídico, restou consolidado pela edição
do enunciado nº 309 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, descortinando-se como medida de justiça por diferenciar o credor
premido pela necessidade daquele que se manteve inerte.
Isso porque a prisão do devedor de alimentos só deve ser decretada
se o credor necessitar dos alimentos, o que se convencionou evidenciado
quando a postulação se referir às três últimas prestações.
O credor que se acomoda com o inadimplemento e não busca de
imediato a tutela jurisdicional enfeixa comportamento incompatível com a
necessidade de que é gravada a obrigação alimentar e com a restrição à
liberdade do devedor.
Nesta hipótese, conquanto legítima a possibilidade de cobrança do
crédito, não haverá possibilidade de o credor se valer do procedimento da
coerção pessoal, podendo manejar a execução com fundamento no disposto
nos artigos 732 e 475-J, ambos do Código de Processo Civil, com expropriação
dos bens do devedor para satisfação do crédito.
A tranquilidade e a segurança das relações jurídicas se originam,
como observado, de uma justa e equilibrada fixação do valor da obrigação
alimentar, e, para tanto, deve o Juiz manter-se atento às circunstâncias fáticas
envolvidas para que possa arbitrar um valor justo e passível de atender as
necessidades de quem pede e adequado às possibilidades e capacidade
financeira de quem suporta a obrigação alimentar.
34BIBLIOGRAFIA
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BRASIL. Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968. Dispõe sobre a ação de
alimentos e dá outras providências. Atualizada até a Lei nº 10.741, de 1º de
outubro de 2003.
35BRASIL. Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo
Civil. Atualizado até a Lei nº 11.418, de 19.12.2006.