UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO … · 2011. 4. 3. · incentivando-me na...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” “PROFESSORA, EU QUERO APRENDER”: A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM LUANA CARVALHO DE MELO ORIENTADORA SIMONE FERREIRA Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

“PROFESSORA, EU QUERO APRENDER”:

A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E

PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE

APRENDIZAGEM

LUANA CARVALHO DE MELO

ORIENTADORA

SIMONE FERREIRA

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

“PROFESSORA, EU QUERO APRENDER”:

A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E

PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE

APRENDIZAGEM.

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicopedagogia. Por: Luana Carvalho de Melo

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AGRADECIMENTOS

A todos os professores, corpo docente da

Universidade Candido Mendes e Faculdade Integrada “A Vez

do Mestre”, à professora Simone de Oliveira Ferreira pela

orientação e revisão dos textos, à Suzana pelo auxílio e

acolhida durante todo o curso. Aos colegas que, direta e

indiretamente, contribuíram para a confecção deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho aos meus pais, Antonio e

Terezinha Helena, por estarem sempre ao meu lado,

incentivando-me na realização dos meus sonhos. Ao meu irmão

e amigo Fernando, por sua amizade. Aos meus sobrinhos

Matheus, Anna Beattriz e Carlos Eduardo, por tornarem meus

dias bem mais coloridos. Ao Pablo, meu noivo, por toda amizade,

carinho, amor e respeito dispensados a mim ao longo desses

quase seis anos de convivência. Também as professoras Marliza

Bodê de Morais e Jonê Carla Baião, coordenadoras do Projeto

Ações Docentes de Inclusão do Departamento de Ensino

Fundamental do CAp - UERJ, pela amizade, parceria e

confiança.

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RESUMO

Este trabalho tem como objeto de estudo os grupos de apoio (turmas de

Recuperação de Recuperação Paralela) como forma de atuação [psico] pedagógica

junto à crianças com dificuldade na aprendizagem. Tem como objetivo dialogar

acerca do desejo de aprender na escola, na família e da importância dos jogos em

sala de aula. A pesquisa pauta-se na observação de alunos do 3º e 4º anos de

escolaridade (com idade entre oito e dez anos) que são indicados por suas

professoras de turma a participarem dos grupos de Recuperação Paralela. Para tal,

utilizando-se de observações cotidianas relatadas em Diários de Bordo; fotografias;

descrição do campo pesquisado e documentos (textos diversos) que ajudaram na

reflexão do tema. Os pressupostos teóricos que orientam esse estudo estão

pautados nas concepções de Alicia Fernández, Rubem Alves, Simaia Sampaio,

Maria Lúcia Weiss, entre outros.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada destinou-se a contribuir para um esclarecimento maior

acerca do tema abordado, tornando o assunto mais compreensível e agradável para

os leitores.

Os leitores terão um trabalho monográfico pautado em documentos (diferentes

textos) que irão auxiliar na reflexão dos itens abordados: o desejar na aprendizagem

e os jogos como um estímulo à aprendizagem.

Utilizou-se como referência, bibliografias, observações cotidianas (relatadas

em Diários de Bordo do 3º e 4º anos de escolaridade), fotografias (imagens de

atividades desenvolvidas nas turmas de Recuperação Paralela).

Torna-se importante ressaltar que, tal abordagem é de fundamental

importância no processo de construção da prática pedagógica e psicopedagógica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

O DESEJAR NA APRENDIZAGEM 10

CAPÍTULO II

O JOGO EM SALA DE AULA: UM ESTÍMULO À APRENDIZAGEM 24

CAPÍTULO III

TECENDO DIÁLOGOS: A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E

PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM 33

CONCLUSÃO 38

BIBLIOGRAFIA 38

ANEXOS 41

ÍNDICE 42

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objeto de estudo os grupos de apoio (Recuperação

Paralela) como forma de atuação [psico] pedagógica junto à crianças com

dificuldades na aprendizagem.

O trabalho surge a partir de reflexões acerca de como a Recuperação Paralela

acontece na prática (no cotidiano escolar) e da possibilidade de ser utilizada como

um instrumento de “real” recuperação do educando, não servindo apenas para

alcançarem notas com a intenção de uma promoção ao final de um ano letivo.

Deseja-se compreender, a partir de um relato de experiência, a relação estabelecida

entre o real e o ideal de grupos de Recuperação Paralela.

Entende-se que para atuar com crianças que possuam algum tipo de

Dificuldade de Aprendizagem é necessário bem mais que dedicação; boa vontade e/

ou gostar do que faz. Paulo Freire, ressalta que “o professor não é pai, nem mãe,

mas sim, um profissional que lida com seres humanos em dimensões múltiplas”.

Desse modo, manter-se atualizado (a) / especializar-se é, de fato, importante.

Pretende-se, (ao optar trabalhar com o tema grupos de Apoio como forma de

atuação [psico] pedagógica junto à crianças que apresentam um ritmo diferenciado

de acompanhamento do ano de escolaridade que frequentam), assim como assinala

Alicia Fernández, apresentar o ensinante como alguém que proporciona a criança

um aprendizagem sem modelos a serem seguidos – como muitas vezes faz a escola.

Entende-se que a aprendizagem precisa ser construída / estimulada. É necessário

possibilitar as crianças estratégias pessoais de resolução (seja em relação a

matemática e/ou a Linguagem). Percebe-se a Recuperação Paralela como uma

possibilidade e proposta para crianças que tenham Dificuldade de Aprendizagem e

os jogos como alternativa para o desejo de aprender na escola.

Desta forma, a pesquisa pretende trazer uma inquietação em relação ao modo

como o Apoio pedagógico ocorre no cotidiano escolar; como é oferecido, de fato, aos

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alunos que frequentam os Anos Iniciais do ensino Fundamental. Tão logo, acredita-

se que este seja um instrumento que seja um estímulo ao desejo de aprender na

escola por meio dos jogos (do lúdico na aprendizagem). Para tal, pauta-se na

observação de alunos do 3º e 4º anos de escolaridade (com idade entre oito e dez

anos) que são indicados por suas professoras de turma – por meio de observações

diárias – a participarem dos grupos de Recuperação Paralela – crianças que

necessitam de um espaço a mais (diferenciado) de estudo / séquito intensivo, por

apresentarem um ritmo diferenciado de acompanhamento do ano de escolaridade

que frequentam – de uma escola pública regular (formal), locada no bairro do Rio

Comprido, Rio de Janeiro.

Para a realização do presente trabalho, foram utilizadas observações

cotidianas relatadas em Diários de Bordo (cadernos com registros sobre as aulas de

Recuperação Paralela) acerca dos grupos de Apoio do 3º e 4º anos de escolaridade;

entrevistas e/ou auto – avaliação com crianças que frequentam esses grupos;

fotografias; descrição do campo pesquisado e documentos (textos diversos) que

ajudarão na reflexão do tema. Faz-se, por entender que é de fundamental

importância no processo de construção teórico – metodológico, uma vez, que o

debate prática – teoria e teoria – prática conserva-se vivo no âmbito acadêmico,

escolar. Os pressupostos teóricos que orientam esse estudo estão pautados nas

concepções de Alicia Fernández, Maria Lúcia Weiss, Simaia Sampaio, Paulo Freire,

Winnicott, Rubem Alves, entre outros.

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CAPÍTULO I

O DESEJAR NA APRENDIZAGEM

“Mas do que ensinar (mostrar) conteúdos de conhecimentos,

ser ensinante significa abrir um espaço para aprender (...) O

ensinante é alguém que crê e quer que o aprendente

aprenda”.

Alicia Fernández (2001, p.30)

Esta epígrafe foi escolhida para ressaltar a importância social e afetiva que

representa o trabalho que o professor desenvolve em sala de aula.

Os professores, de modo geral, sabem o quanto interferem no processo de

aprendizagem dos alunos.

Quem não se lembra dos primeiros professores, das suas falas mais

recorrentes e dos desenhos feitos para presenteá-los?

Como aponta Paulo Freire (1996) a afetividade e a sensibilidade não podem

ser desconsideradas no processo educativo. O professor – como um dos primeiros

ensinantes - precisa garantir a criança que aprender é prazeroso, possível e que o

erro faz parte do processo de aprendizagem. Para tal, a criança necessita, também,

de estabilidade para sentir-se segura frente aos processos de aprendizagem.

“É preciso que o professor competente e valorizado encontre o prazer de

ensinar para que possibilite o nascimento do prazer de aprender” (WEISS,

2008, p.18).

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Atualmente, o professor tem o desafio de educar em uma sociedade cujas

transformações – tecnológicas, sociais etc. – se dão de forma acelerada. Nesse

sentido, Philippe Perrenoud afirma que “o papel essencial da escola é oferecer ao

educando ferramentas para dominar a vida e compreender o mundo”.

Desenvolver competências pessoais torna-se de grande valia na esfera do

processo ensino – aprendizagem, levando o professor a assumir um novo e

importante papel:

“(...) Semear desejos, estimular projetos, consolidar uma arquitetura que dê

valores que os sustente, e, sobretudo, fazer com que os alunos saibam

articular seus projetos pessoais com a coletividade na qual se inserem, sendo,

portanto competentes” (MORAN, 2009).

Uma boa relação aluno – professor – aprendizagem possibilita a criança um

desejo maior em aprender. Aprende-se para atender ao desejo do outro, aos próprios

desejos, para sobreviver.

DESEJO DE APRENDER

ALUNO

PROFESSOR

APRENDIZAGEM

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Os primeiros saberes e os primeiros vínculos humanos ocorrem no seio

familiar.

“Desde a idade mais tenra, nas trocas que faz com a mãe, a criança já está

realizando aprendizagens, ao mesmo tempo que vai construindo um estilo

próprio de aprender, modificando-o e ampliando-o na medida em que outras

intervenções vão acontecendo” (VISCA, 1987, p.75).

Tão logo, a participação da família na escola torna-se fundamental para que o

filho – aluno tenha um bom desempenho cognitivo / desempenho escolar.

Sabe-se que a dinâmica familiar vem sofrendo constantes transformações ao

longo dos anos. Os problemas vividos nas relações familiares – como a falta de

tempo, os desencontros, entre outros – têm se agravado. Desse modo, faz-se

necessário que a família reflita / reveja seus processos de relacionamento

interpessoais.

Um dos modos de contribuir para o bom desempenho escolar da criança é

quando os pais (família) qualificam a escola, participam com frequência de reuniões /

encontros e escutam os relatos das crianças sobre situações ocorridas nesse

espaço, mantendo sempre, um diálogo aberto. Segundo Freire (2002) o diálogo é

oposto ao antidiálogo, e este:

“(...) é desamoroso. É acrítico e não gera criticidade, exatamente porque

desamoroso. Não é humilde. É desesperançoso. Arrogante. Auto-suficiente.

No antidiálogo quebra-se aquela relação de simpatia entre seus pólos, que

caracteriza o diálogo. Por tudo isso, o antidiálogo não comunica. Faz

comunicados”.

Vínculos negativos – com a família, escola, professor – poderão impossibilitar

a construção da aprendizagem, levando ao chamado fracasso escolar.

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A formação inicial (e continuada) dos professores, os aspectos sócio-

culturais e a história de vida do aluno / aprendente são exemplos de variáveis que

influenciam no processo de aprendizagem.

Todavia, não se pretende com este trabalho procurar e / ou encontrar um

culpado para a não-aprendizagem escolar. Busca-se, a partir de alguns relatos de

fatos vividos com alunos que frequentam turmas de Recuperação Paralela, dialogar

acerca das diferentes perspectivas que levam algumas crianças – alunos a não

encontrarem [ou encontrarem] prazer em aprender.

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1.1 Histórias de aprender – ensinar com alunos que frequentam

turmas de Recuperação Paralela

História 1

“Se pensássemos no problema de aprendizagem como

derivado só do organismo, ou só da inteligência, para seu

diagnóstico e cura, não haveria necessidade de recorrer à

família”.

Alicia Fernández

Janaína1 era uma boa menina. Morava com o pai, as irmãs, e Vanessa.

Já no primeiro ano de escolaridade (sete anos) foi indicada – por suas

professoras de turma – a participar do grupo de Apoio (turma de Recuperação

Paralela)2. As aulas tinham como foco um maior e melhor envolvimento com a língua

escrita e Janaína parecia demonstrar menos do que sabia e como apresentava

desatenção seu desempenho cognitivo / escolar ficava prejudicado. Participava das

atividades matemáticas (jogos) com grande entusiasmo. Mas, raramente levava os

trabalhos feitos para escola.

Possuía um relacionamento difícil com os seus colegas de turma e com as

suas professoras. Verbalizou, algumas vezes, que desejava morrer. Saía da sala de

aula sem avisar a professora e ficava perambulando por toda escola.

No segundo ano (oito anos), seu comportamento era o mesmo. Contudo, no

que diz respeito ao processo de aprendizagem, apresentou pequenos avanços na

1 Os nomes verdadeiros das crianças e dos adultos foram substituídos por nomes fictícios. Nesse texto, foram apresentados como Janaína, Vanessa, Luzia, Inês, Maurício e Vítor. 2 As aulas do grupo de Apoio (turma de Recuperação Paralela) acontecem, uma vez na semana, à tarde, com duração de três horas. As crianças participam dos encontros – quando indicadas por suas professoras de turma – por apresentarem um ritmo diferenciado de acompanhamento do ano de escolaridade que frequentam. São quatro indicações por turma, formando um grupo com doze crianças, que podem permanecer ou deixar o mesmo, segundo critérios do Projeto e da equipe que o compõe (são seis professoras e duas coordenadoras).

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leitura e na escrita. Lia com uma melhor entonação e usava mais a letra maiúscula.

Em relação à matemática, seu cálculo mental ficou mais elaborado, entretanto, ainda

usava os dedos para confirmar o resultado de uma operação. Realizava desafios

matemáticos com um pouco mais de autonomia, embora, solicitasse ajuda para

finalizar as tarefas.

Fez amizade com duas colegas da turma. Disputou a atenção de Luzia com

Inês. Enviava bilhetes ressaltando o quanto gostava de ter Luzia como amiga,

marcando brincadeiras e passeios para o final de semana, no qual, Inês não estava

incluída. Brigavam e ficavam “de bem” com frequência.

Aos nove anos (terceiro ano), embora extremamente agitada e bastante

teimosa era muito atenta a tudo que acontecia a sua volta. Durante uma atividade de

matemática com o dominó, venceu o jogo aproveitando um momento de distração da

colega (que deixara a peça / pedra virada). Ela jogou uma pedra (uma que a sua

colega não tinha) levando-a a “passar a vez”. Em relação ao eixo linguístico,

precisava organizar melhor o seu texto (parágrafo e pontuação) e concluir as tarefas

que lhe eram propostas.

As professoras mandavam bilhetes (informando sobre o seu comportamento

agressivo e sobre o pouco comprometimento com as tarefas escolares) solicitando a

ajuda da família.

“Tia” Vanessa, comparecia as reuniões / encontros com o núcleo pedagógico.

Algumas restrições, castigos... Nada parecia funcionar.

...

Essa é uma história, entre muitas outras, em que o desejo de aprender fica

escondido pela complexa relação da criança com a sua família.

O não aprender (ou resistência a aprender) manifesta-se como sintoma de

que algo não vai bem na dinâmica familiar.

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Aqueles que aprendem, por quê aprendem? As pessoas quando se referem

ao ato de aprender fazem sempre menção à inteligência como fator primordial e

parecem esquecer que o afeto e o apoio que a criança recebe em casa são, também,

importantes.

Alguns eventos - brigas na presença das crianças, pais que batem nos filhos

etc. – ocasionam problemas emocionais como insegurança, baixa auto-estima e

fobias.

Como já mencionado, o indivíduo inicia suas primeiras aprendizagens no seio

familiar. A família é a primeira (e mais importante) sala de aula na educação da

criança. Assim, aquelas que se encontram inseridas em um lar confuso e pouco

acolhedor, desenvolvem – tem mais chances de desenvolver – problemas /

dificuldades na aprendizagem.

Para Gabriel Chalita (2004) “a família é essencial para que a criança ganhe

confiança, para que se sinta valorizada, para que se sinta assistida”.

Janaína é fruto do relacionamento de seu pai (que na época era casado com

Vanessa) com a vizinha, que conheceu em um bar, no bairro onde residia.

Sua guarda pertencia oficialmente ao pai e raramente, mantinha contato com

a mãe. O pai, quando, alcoolizado, tentava bater na menina. Abandonada por sua

mãe – que verbalizava não querer criá-la – foi acolhida por Vanessa. Aliás, “tia”

Vanessa como gosta de chamá-la.

Vanessa era quem respondia pela educação da pequena Janaína, levando-a

para escola, ajudando-a nas tarefas e pesquisas escolares e, apesar de todo afeto e

carinho recebido de sua “tia” e suas irmãs ela não se reconhecia como parte da

família.

Desse modo, pode-se inferir que aspectos emocionais levaram-na a rejeitar os

conhecimentos escolares.

Alicia Fernández afirma que a tarefa essencial da família é promover “o

encontro com o prazer de aprender que foi perdido”. Corroborando com a ideia,

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entende-se que é necessário proporcionar as crianças que fracassam uma especial

atenção, para que assim, a auto-estima possa ser [re] construída.

Porém, não se pretende negar a importância da escola no ato de aprender.

Tão pouco, deixar de apontar a responsabilidade que o professor possui em relação

ao processo de aprendizagem do aluno. Vale ressaltar, que o professor deve orientar

o educando, proporcionando-lhe construir significados. Só assim, ele dará sentido ao

que aprende.

Cabe ao ensinante, portanto, ensinar a pensar, ensinar sobre o pensar e

ensinar sobre a base do pensar...3

A história de Janaína revela o quão importante é a parceria família – escola

para que o sucesso na aprendizagem possa ser alcançado.

Deseja-se que esse relato torne clara a importância da aprendizagem que

ocorre no seio familiar e de que como as experiências vividas na infância podem

“marcar” um sujeito.

História 2

“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”.

Rubem Alves (2001)

Maurício, oito anos, está no terceiro ano de escolaridade do ensino

fundamental. Reside com a mãe, o pai e um irmão (mais novo). Durante sua

gestação, ocorreram problemas4 que levaram sua mãe a interromper suas atividades

profissionais e passar os noves meses de gravidez de repouso absoluto.

3 Ensinar a pensar – desenvolver habilidades cognitivas que permitam a otimização dos processos de raciocínio; Ensinar sobre o pensar – metacognição e autonomia e Ensinar sobre a base do pensar – incorporar objetivos de aprendizagem à construção de habilidades cognitivas ao planejamento. 4 Devido ao aborto espontâneo que sofrera durante sua primeira gravidez, os médicos aconselharam a mãe de Maurício a esperar um pouco até engravidar novamente. Como isso não ocorreu, a segunda gravidez – gestação de Maurício foi de risco. Porém, não tendo problema no parto e no pós-parto. .

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Foi indicado a participar do grupo de Recuperação Paralela, quando ainda

cursava o segundo ano, por apresentar desatenção; agitação; dificuldades no

domínio da leitura e escrita. Como apresentava uma lentidão para produzir (copiar e

fazer as tarefas), seu desempenho ficava comprometido.

No que se refere ao eixo matemático, revelou um grande prazer em trabalhar

com os jogos, embora, necessitasse de constante intervenção para finalizar as

tarefas.

Apresentava dificuldades de relacionamento com seus colegas. “Explodia”, às

vezes, por conta de comentários pejorativos e “brincadeiras” acerca da sua cor de

pele. Assistido por suas professoras lutou (e ainda luta) contra a intolerância /

preconceito de alguns colegas.

Sua mãe comparecia a todas as reuniões pedagógicas com as professoras e

ajudava-o com seus afazeres escolares.

Realizava com grandes dificuldades atividades avaliativas, quando inserido no

grupo / na turma, reclamando sempre do barulho, da conversa que, segundo ele, o

atrapalhava. Quando realizava as avaliações em outra sala (sozinho) apresentava

um desempenho melhor.

Em uma avaliação de Perfil Cognitivo, descartou-se, à presença de quadros

como dislexia e/ou disortografia. Contudo, verificou-se que seu desempenho era

compatível ao quadro de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade

(TDAH) e, assim, Maurício encontra-se em tratamento medicamentoso para o

referido transtorno. ...

A história pessoal e familiar do aluno são exemplos de variáveis que podem

influenciar no processo de aprendizagem, levando-o ao fracasso escolar. No entanto,

diferentemente do que pensa a escola, esta não é a maior (ou única) causa para o

fracasso.

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O fracasso escolar é causado por fatores diversos que impedem o bom

desempenho do aluno em sala de aula:

“A ansiedade vivenciada pelo aluno em situações de conhecimento novo, de

conhecimentos que ele acha que são difíceis, (...) exigência exagerada da

escola ou da família, (...) do clima negativo formado em sala de aula, e de

outras mais, leva-o a condutas diversificadas que atrapalham o já citado

processo de elaboração do conhecimento” (WEISS, 2008, p.22).

Lendo Gaiolas e Asas, de Rubem Alves (2001), sobre o que seria boa

educação e se os conteúdos dos programas oficiais se identificam com o ideal de

boa educação, percebeu-se que, de fato, há escolas que são gaiolas e há escolas

que são asas.

“Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte

do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o

seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm

um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o

voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas

amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem

para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce

dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser

encorajado”.

Por desejar encorajar o voo dos alunos, é que se pretende que a escola

promova boas situações de aprendizagem 5, repensando questões ligadas à

metodologia do ensino, à avaliação etc. Desse modo, problemas de aprendizagem

nascidos ao longo da história de vida do aluno não irão se agravar.

5 Nesse trabalho, será considerada boa situação de aprendizagem – conforme definição apresentada por Telma Weisz, no livro O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem – atividades planejadas, propostas e dirigidas com a intenção de favorecer a ação do aprendiz sobre um determinado objeto de conhecimento.

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Assim sendo, é importante ressaltar que alterações orgânicas, como o

Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), por exemplo,

não impedem as crianças / alunos de aprenderem. O que ocorre, é que, o

aprendente tem dificuldades de ter sucesso na escola devido aos efeitos (sintomas)

mais prejudiciais do transtorno. Adaptar algumas tarefas ajuda a amenizar esses

efeitos.

Vale ressaltar, que as atividades propostas precisam ser desafiadoras /

motivadoras não apenas para estudantes – como Maurício – com TDAH, mas para

todo o grupo.

História 3

“Os trabalhos escolares são provas para o caráter, não para a

inteligência. Quer se trate de ortografia, de poesia ou de

cálculo, está sempre em causa aprender a querer”.

Émile-Auguste Chartier

Vítor, oito anos, está no quarto ano de escolaridade do ensino fundamental.

Filho único, mora com o pai (militar) e a mãe (médica).

Os pais são presentes, participativos e extremamente preocupados com o seu

processo de aprendizagem, porém, Vítor apresenta dificuldade em se expressar,

revelando o quanto é dependente e sem autonomia.

Foi indicado a participar do grupo de Recuperação Paralela, ainda no 2º ano

de escolaridade, por precisar sempre de muita ajuda para concluir as tarefas

propostas e apresentar insegurança em relação aos novos conhecimentos.

Suas professoras pontuam a falta de iniciativa, o seu pouco esforço e o pouco

comprometimento com a aprendizagem.

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Quando chamado a concluir alguma tarefa (copiar e fazer), diz que não

consegue, que não sabe e chora muito.

No que se refere ao estudo da matemática observou-se que Vítor tem grande

prazer em resolver desafios matemáticos.

Sua dificuldade em relação ao estudo da Língua Portuguesa é apontada pela

família como “culpa” da escola que valoriza, em excesso, as questões relacionadas à

leitura e produção textual.

Durante um encontro com as professoras de turma do 3º ano, seu pai afirmou:

“Ele é muito bom com o cálculo, estudará no IME6 e não precisa trabalhar

com a leitura. Eu mesmo, da idade dele, não gostava de ler. Apanhava

para ler e hoje sou muito bem sucedido, conheço pessoas importantes,

mantenho contato com muita gente importante”.

Encaminhados pela escola, os pais de Vítor buscaram atendimento

psicopedagógico para uma avaliação acerca das dificuldades de aprendizagem

apresentadas.

Após três meses de acompanhamento – durante a apresentação do relatório

de diagnóstico – os pais de Vítor foram orientados pela psicopedagoga a procurarem

uma terapia familiar e a estimulá-lo a realizar as tarefas sem ajuda, para que ele

pudesse exercitar suas próprias escolhas, sem medo do erro.

Apesar das orientações, nada mudou...

Muitas vezes a escola ao perceber que algo na dinâmica familiar não vai bem,

solicita à família que procure ajuda, uma avaliação mais específica.

Algumas famílias ficam aborrecidas com a indicação / sugestão e acabam

culpando a escola por um eventual problema que a criança possa apresentar.

6 Instituto Militar de Engenharia do exército brasileiro.

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Sabe-se de muitas histórias de pais que tiram seus filhos da escola, por

exemplo, por discordarem das observações que foram feitas acerca das dificuldades

das crianças.

Sara Paín (1992), em relação à resistência da família em não prosseguir com

o tratamento psicopedagógico, afirma:

“Tratando-se uma criança, isto é, um ser em evolução, a superação

do sintoma tem um caráter de urgência, na medida em que está em

jogo seu próprio destino, já que a parada no desenvolvimento produz

deteriorações muitas vezes irrecuperáveis”.

Corroborando com Paín, entende-se que é preciso que a família ajude a

criança a superar suas dificuldades, atendendo suas solicitações, participando da

rotina escolar da criança, comparecendo a reuniões, e, sobretudo, qualificando a

escola.

Outro fator que interfere na aprendizagem do sujeito refere-se a famílias

superprotetoras, como a de Vítor, que impedem que a criança alcance (sozinho)

novas aprendizagens, o falar e o pensar de forma autônoma.

Vítor, ao lidar com algo novo, com uma atividade que tivesse certa dificuldade

(como a produção de texto), desistia das tarefas, não buscava resolvê-las,

parecendo não ter (ou ter perdido) o desejo em aprender. Tal sintoma ao ser

revelado parece apontar, segundo, Rivière (2002):

“(...) um membro de um grupo familiar, assume novo papel, que é

de transformar-se em um porta-voz e depositário da ansiedade de

seu grupo imediato – a família, tornando-se encarregado dos

aspectos patológicos da situação (...) ou seja, o porta-voz (doente) é

o veículo por meio do qual começa a se manifestar o processo

implícito causador da doença”.

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Desse modo, é importante que a família estimule o pensamento da criança,

permitindo-lhe que faça perguntas, ouvindo suas dúvidas, propiciando a autoria de

pensamento.

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CAPÍTULO II

O JOGO EM SALA DE AULA: UM ESTÍMULO À APRENDIZAGEM

“Todo profissional que trabalha com crianças sente que é

indispensável haver um espaço para a criança brincar e

assim melhor se comunicar, se revelar”.

Maria Lúcia Weiss (2008, p.73)

No capítulo anterior, a partir de relatos de fatos vividos com alunos que

frequentam turmas de Recuperação Paralela, observou-se que a aprendizagem

constitui-se em um processo – uma ação – que vai além da aprendizagem escolar,

não se restringindo somente à criança. O aprender envolve ao mesmo tempo

aspectos afetivos, cognitivos e biológicos que influenciam o desempenho escolar.

“A escola e a família como fatores externos podem ser consideradas fontes

de recursos ou de limites para a criança no seu processo de aprendizagem

e desenvolvimento” (MATURANA, 1997, p. 105).

Atualmente, a aprendizagem é considerada um processo tão importante para

o sujeito (para a sua sobrevivência) que, cada vez mais, as escolas buscam o

aperfeiçoamento a fim de proporcionar uma aprendizagem mais eficiente.

Concorda-se com Falcão (2003) quando este afirma:

“Educar visa influenciar a aprendizagem de alguém buscando a formação

de indivíduos para uma sociedade. O ato educativo é um procedimento cuja

intenção envolve o desenvolvimento de uma personalidade integrada, na

qual o indivíduo é visto como uma totalidade, por incluir no seu processo os

traços afetivos, os cognitivos e os volitivos”.

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A escola pensada como um espaço de vida – um lugar aprazível – possibilita a

formação de alunos (cidadãos) críticos, criativos e responsáveis.

“Viver é aprender e é por meio da aprendizagem que nos relacionamos,

amamos, sorrimos, choramos, pois, aprendizagem envolve emoção e

sentimento” (PORTO, 2009, p. 71).

Para tal, torna-se necessário que a escola promova boas situações de

aprendizagem, repensando questões ligadas à metodologia do ensino.

Pequenas atitudes – uma aula dinâmica, o respeito ao ritmo da criança etc. –

contribuem para que o aluno possa “lançar-se” frentes aos desafios impostos pela

escola e pela própria vida.

“O caminho se faz ao caminhar. Desse modo, cabe ao educador facilitar

situações para uma aprendizagem autodirigida, com ênfase na criatividade,

em lugar da padronização e dos currículos rígidos presentes na educação

tradicional. Mais do que programas que visam a resultados precisos

imediatos, é preciso contar com princípios metodológicos que favoreçam o

relacionamento (em suas diversas áreas), a sociedade, o indivíduo,

estimulando, e não tolhendo o ser criativo que habita em cada um de nós”

(BRITO, 2001, p.31).

Assim, acredita-se que a escola deva cumprir seu papel educativo de

promover o desenvolvimento / interação dos alunos. Desta feita, considera-se os

jogos como bom aliado para o desenvolvimento e um estímulo à aprendizagem.

Todavia, para falar sobre o jogo e a sua importância no contexto pedagógico e

psicopedagógico é preciso, antes de tudo, ressaltar que a variedade de jogos

conhecidos (simbólicos, faz de conta, cognitivos etc.) revela a multiplicidade de

26

26

fenômenos 7 incluídos nessa categoria e a dificuldade para se compreender o que

significa jogo e se há diferença entre o jogo e o material pedagógico, por exemplo.

Para Tizuko khishimoto, essa dificuldade é dada pelo emprego dos termos

jogo, brinquedo e brincadeira como sinônimos.

Reportando-se ao dicionário Aurélio, observar-se que o vocábulo brinquedo é

definido da seguinte forma:

“Brinquedo – (ê) sm. 1. Objeto para as crianças brincarem. 2. Jogo de

criança, brincadeira” (Holanda, 2008, p. 188).

Segundo Khishimoto (1994) essa situação reflete o pouco avanço dos estudos

na área. A autora, buscando evitar a indiferenciação dos referidos termos, entende:

“(...) Brinquedo como objeto, suporte de brincadeira; brincadeira como a

descrição de uma conduta estruturada, com regras, e jogo infantil para

designar tanto o objeto e as regras do jogo da criança (brinquedos e

brincadeiras)”.

Por ser uma categoria, com características amplas que assumem significados

diversos, o jogo foi estudado, também, por Piaget, Vygotsky e Winnicott.

As teorias desses autores contribuem com ideias (e experiências) permitindo

uma visão mais abrangente do tema proposto.

Jean Piaget (1978) caracteriza os jogos em três grandes tipos de estruturas:

a) jogos de exercícios, b) simbólicos e c) de regras.

7 Expressão utilizada por Tizuko Khishimoto (1994).

27

27

a) O jogo de exercício (0 a 2 anos), caracteriza o desenvolvimento pré-verbal,

no qual, tem início o jogo simbólico. Nesta fase a criança é egocêntrica –

individualista.

b) No jogo simbólico (0 a 2 anos - 0 a 6 anos), tem-se a presença do jogo de

faz de conta: A criança que desloca uma caixa de sapatos imaginando ser um trem,

por exemplo, está representando simbolicamente e satisfaz-se com uma ficção.

C) Por último, o jogo de regras (7 a 12 anos) que ao invés do simbólico

estabelece as regras que supõem, por sua vez, relações sociais. A regra é imposta

pelo grupo e qualquer violação implica em falta.

Vygotsky, em oposição à teoria Piagetiana, afirma que a criança (em cada

estágio do seu desenvolvimento) adquire meios para intervir de maneira adequada

em seu mundo e em si mesma, criando situações – estímulos auxiliares ou

“artificiais” – que podem ser modificadas pela ação do homem. A criança projeta-se

nas atividades adultas e ensaia (representa), através do brinquedo, papéis e valores:

professores, pai, mãe etc.

Para este autor, é incorreto definir o brinquedo como objeto de prazer para a

criança. Vygotsky aponta que há jogos que não são prazerosos, podendo causar,

inclusive, desprazer.

De acordo com Winnicott, o desenvolvimento intelectual, cognitivo e social

dependem fundamentalmente da relação da criança com o objeto transacional – um

paninho etc. – o ponto culminante do bom desempenho do indivíduo e a partir deste

a brincadeira de imitar. O brincar contribui para o desenvolvimento e para o

estabelecimento das relações grupais.

Winnicott ressalta que o brincar na infância atua como uma liquidação de

conflitos, e também como forma de comunicação - diálogo.

O estudo das teorias apresentadas acima, mesmo que de forma pouco

aprofundada, é de grande relevância, pois permite observar o valor que o jogo

adquire quando se trata do desenvolvimento da criança. Cada um dos autores

28

28

contribui, à sua maneira, ao apresentar pontos / aspectos relevantes acerca do

desenvolvimento infantil.

Para continuar a conversa sobre os jogos – sua importância em sala de aula –

solicita-se a todos que:

“Imagine suas salas de aula, seus alunos e alunas e traga-os à sua

memória lembrando-lhes os jeitos, os cheiros, os sorrisos, as implicâncias,

as angústias, as vestes e adereços, as peles, as palavras, as belezas (...)

Tente lembrar deles com paixão, com o envolvimento de quem sabe na

pele, no corpo e na alma o que é o cotidiano escolar e guarde

aquecidamente” (TINDADE, 2001, p.70).

De tal modo, deseja-se que o fragmento a seguir contribua para as suas

lembranças...

29

29

2.1 Jogando também se aprende

Maio de 2009

Para a aula de hoje pensei em atividades que pudessem favorecer ao

desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Para tal, escolhi o Jogo

dos Dados. Esse jogo é uma ótima opção! Através dele podemos trabalhar

a ideia de adição / subtração e sistema de numeração decimal. Esse recurso irá possibilitar uma análise maior das diferentes estratégias

utilizadas pelos alunos. (...) “Anunciando” a tarefa pedi às crianças que

formassem duplas e pegassem, cada dupla, três dados. Expliquei que

faríamos quatro rodadas utilizando a adição e, que não poderiam deixar de

fazer o registro das informações como as descritas na tabela abaixo:

Jogador A (exemplo 1ª rodada):

+ + = 13 (1 dezena e 3 unidades)

Uma dupla que apresenta dificuldades em relação à soma e subtração –

que não conseguia fazer um cálculo mental, soma e/ ou subtração com

reserva / recurso (que não havia entendido muito bem o transporte - “vai

um”, “empresta um”) – compreendeu bem a proposta (recorrendo ao

material dourado que estava próximo), fazendo todos registros de forma

correta. Grata surpresa!

...

(Diário de Bordo de uma turma de Recuperação Paralela do ano letivo de 2009)

Nome

do

jogador

rodada

rodada

rodada

rodada

Total

De

pontos

A 13

B

6 3 4

30

30

O que se pode depreender desse fragmento? O jogo em sala de aula pode ser

considerado realmente um estímulo à aprendizagem? E, o jogo educativo

empregado no espaço da sala de aula é, de fato, jogo?

Uma das grandes dificuldades dos alunos que frequentam as séries iniciais do

ensino fundamental refere-se as atividades que envolvem as operações de adição e

subtração.

Em uma operação – como a descrita abaixo, por exemplo – os alunos, de

modo geral, “memorizam” (repetem, recitam) o que fazer:

13

+18

Três mais oito é igual a onze, fica um, “vai o outro um”. Um mais um, mais um

é igual a três. O resultado é trinta e um. .

Apesar de ter conseguido resolver esta operação, será que esse aluno saberia

explicar; dizer o que significa esse “vai o outro um”?

Deste modo, é importante que o professor “apresente” aos alunos diferentes

formas de calcular / diferentes estratégias de resolução.

Uma criança que frequente o segundo ano de escolaridade e que não tenha

compreendido a questão do transporte, pode resolver (utilizando a “conta armada” / o

“cálculo econômico”) a operação acima da seguinte forma:

13

+18

211

Tão logo, recorrer aos jogos (material dourado, dados, baralho, bingo etc.),

aos desenhos e as tabelas para efetuar um cálculo pode vir a ser uma boa

31

31

estratégia. São inúmeras as vantagens do jogo em grupo (ou mesmo, individual) na

sala de aula.

O jogo educativo surgiu no século XVI, servindo como suporte para a atividade

didática, objetivando a aquisição de conhecimentos.

Khishimoto afirma que, ainda que a distinção entre os dois tipos de jogos –

função lúdica e função educativa 8 – esteja presente na prática frequente dos

educadores, todo jogo é em sua natureza educativo.

No contexto pedagógico e psicopedagógico o jogo tem sido utilizado em

diferentes atividades (diagnóstico e intervenção) tendo em vista as possibilidades de

promover, por meio dele, o desenvolvimento e a aprendizagem.

O jogo é uma atividade que oferece inúmeras possibilidades para o professor

(e o psicopedagogo) encontrarem respostas para aquilo que a criança não consegue

verbalizar.

Constance Kamii (1985) afirma que Piaget – de quem era aluna e colaborada

– classificou os conhecimentos em três tipos: conhecimento físico, conhecimento

lógico-matemático e conhecimento social. O primeiro refere-se às propriedades

físicas do objeto (cor, forma etc). O segundo está ligado às relações que se

estabelece mentalmente e o conhecimento social (o nome das coisas, a escrita dos

números e outros). Contudo, afirma que os três conhecimentos não existem

separadamente.

Ao longo dos anos o ensino, em especial o da matemática, segue priorizando

o conhecimento físico e social esquecendo-se que para termos ideia de quantidade,

por exemplo, faz-se necessário estabelecer as devidas relações mentais.

Dessa forma, a falta de uma prática estimuladora (dinâmica, flexível) pode

levar a dispersão e ao desinteresse do aluno. Propor jogos em sala de aula e utilizar

8 Segundo Tizuko Khishimoto (1994, p. 19), o jogo possui duas funções: a) função lúdica: o jogo propicia a diversão, o prazer e até o desprazer quando escolhido voluntariamente e, b) função educativa: o jogo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber.

32

32

situações concretas para os problemas apresentados são atitudes que contribuem

para uma aprendizagem mais efetiva.

O jogo pode (e deve) ser utilizado para introduzir determinados conteúdos,

preparando o aluno para um estudo mais aprofundado das tarefas (itens) trabalhadas

anteriormente. Os professores precisam escolher, preparar os jogos com cuidado

para que a criança possa adquirir conceitos matemáticos (e de Linguagem)

importantes.

33

33

CAPÍTULO III

TECENDO DIÁLOGOS

A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E

PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADE DE

APRENDIZAGEM

“A escola precisa de três coisas fundamentais. Uma é que

todo mundo – rico, pobre, preto e branco, homem, mulher –

encontre ali seu lugar para aprender. Outra é que a escola

tem que ajudar a criança a perceber o mundo em que está

vivendo e a ela mesma. O terceiro ponto é que a escola não é

uma instituição que trata com alunos, mas trata com sujeitos,

que tem biografias, identidades e que estão se preparando

para viver o mundo hoje – e não o mundo amanhã”.

(Fernando Hernández)

Durante dois anos, uma jovem – estudante do curso de Pedagogia – atuou,

como bolsista de Iniciação à Docência do Projeto intitulado “Ações Docentes de

Inclusão”, observando alunos indicados a frequentarem as aulas de Recuperação

Paralela por apresentarem um ritmo diferenciado de acompanhamento dos

conteúdos estudados na série em que se encontravam.

Tal projeto, desenvolvido pelo Departamento de Ensino Fundamental de uma

escola pública do Rio de Janeiro, tinha (tem) como objetivo a implementação de um

trabalho pedagógico adequado às necessidades de aprendizagem das crianças /

alunos matriculados nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

A jovem observava os alunos em dois momentos: na sala de aula da turma e

também nos grupos de estudos, organizados por ano de escolaridade (1º ao 3º ano).

34

34

As atividades propostas envolviam jogos (baralho, dados, tabuleiro da centena

etc.), desafios matemáticos, reescritas e análises de textos (narrativos e

informativos).

Em um dos seus relatórios, sobre o grupo que frequentava as aulas da turma

de Recuperação Paralela do 3º ano, afirmou:

“Os alunos da Recuperação Paralela, pelo que venho observando há quase

dois meses, são assíduos e participativos (...) o fato de serem participativos

– principalmente nas atividades realizadas com o jogo ” Dinheiro do Mês” –

faz com que as propostas elaboradas pela professora e por mim, sejam

alcançadas”.

Pontuou, ainda:

“Tenho observado o amadurecimento dos alunos em relação ao

comprometimento de acolher tudo que a Recuperação Paralela tem a

oferecer a eles, aproveitando bem o tempo em que o grupo encontra-se

reunido”.

Esses dois fragmentos revelam um espaço propício ao diálogo; a formação e

a informação; espaço que não excluí: “desperta” nos alunos um desejo e um prazer

em aprender.

Assim pensa-se a Recuperação Paralela: como um instrumento de real

“recuperação”; possibilitando o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem

dos alunos.

Alícia Fernández ressalta que o professor / ensinante precisa ser apresentado

como alguém que proporciona a criança uma aprendizagem sem modelos pré-

estabelecidos / prontos para serem seguidos: A aprendizagem precisa ser construída

– estimulada.

Muitos imaginam que exista um processo único de ensino – aprendizagem.

35

35

Contudo, segundo Weisz (2000) esses processos ocorrem de maneiras

distintas, no qual, o processo de aprendizagem seria desenvolvido pelo aluno, e o

processo de ensino, pelo professor.

Tão logo, pode-se inferir que o processo de ensino precisa dialogar com o

processo de aprendizagem. Esse diálogo culmina em um planejamento de atividades

que favoreçam a ação do aluno sobre um determinado objeto de conhecimento.

Como relatado nos capítulos anteriores, boas situações de aprendizagem

precisam ser promovidas pelo professor (escola) para que o aluno, durante as

atividades, coloque em jogo tudo o que sabe e isso só será possível através de um

espaço que privilegie a troca de informações, discussões / debates, por exemplo.

“Crianças, em nossa prática, é estimulada, constantemente, a realizar

intercâmbios, interagindo com os diferentes objetos de conhecimento e com

os demais alunos e professores envolvidos no processo (...) Recorremos à

utilização de diferentes gêneros de textos, favorecendo a mais ampla

compreensão dos empregos sociais dos mesmos (...) Dedicamo-nos, em

suma, a investir na compreensão dos modos de apropriação dos novos

conhecimentos dos sujeitos da aprendizagem, fazendo uma ”escuta”

generosa dos depoimentos pessoais, dos comentários, das descobertas e

dos julgamentos emitidos pelos alunos, em nossos encontros”. 9

Tão logo, ao se pensar na Recuperação Paralela como uma possibilidade e

proposta para crianças com Dificuldade de aprendizagem, acredita-se que as

possíveis causas que acarretam o fracasso escolar sejam superadas através desse

espaço construído para uma dinâmica relacional sadia.

Assim, concorda-se com Franco (2000) quando este afirma:

9 ALVES, Maria Angélica (2000) – Texto do Projeto “Ações Docentes de Inclusão”.

36

36

“O conhecimento não está no sujeito nem no objeto, mas ele constrói

na interação do sujeito com o objeto. É na medida que o sujeito

interage (e, portanto) age sobre e sofre a ação do objeto que ele vai

produzindo sua capacidade de conhecer também o próprio

conhecimento”.

37

37

CONCLUSÃO

Desejou-se com este trabalho de monografia provocar uma inquietação em

relação ao modo como a Recuperação Paralela é percebida e, como esta é

oferecida, de fato, aos alunos que frequentam os Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, considerando-a como instrumento de real “recuperação” para o

educando que apresente dificuldades na aprendizagem, dificuldades de

relacionamento interpessoal e intrapessoal.

Ao longo desse estudo resgatou-se a importância do desejo de aprender (na

escola e na – pela – família), e dos jogos como estímulo ao desenvolvimento e

aprendizagem da criança.

Não se pretendeu, ao apresentar os relatos de experiência, buscar um

culpado para a não-aprendizagem escolar. Os fatos vividos com alunos que

frequentam turmas de Recuperação Paralela foram narrados com uma única

intenção: Levar a todos a refletir acerca das suas práticas (educativas, sociais,

afetivas etc.).

Assim, acredita-se que a escola ao promover mecanismos de inclusão

(respeitando as diferenças, o ritmo de cada aprendente) esteja possibilitando /

contribuindo para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem dos alunos.

Afinal, “(...) embora diferentes entre si, quem forma, forma e quem é formado forma-

se e forma ao ser formado. [...] não há docência sem discência, as duas se explicam

[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina a aprender”.10

10 FREIRE (1996, p.23).

38

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ANEXOS

FOTOS

Oficina 1º ano

(2009)

Recuperação Paralela – 3º ano - 2010

Recuperação Paralela – 3º - 2007 Recuperação Paralela – 1º ano – 2007

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42

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 10

O DESEJAR NA APRENDIZAGEM 10

1,1 – Histórias de aprender – ensinar com alunos que frequentam turmas de

Recuperação Paralela 14

CAPÍTULO II 24

O JOGO EM SALA DE AULA: UM ESTÍMULO À APRENDIZAGEM 24

2.1 – Jogando também se aprende 29

CAPÍTULO III 33

TECENDO DIÁLOGOS: A RECUPERAÇÃO PARALELA COMO POSSIBILIDADE E

PROPOSTA PARA CRIANÇAS COM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM 33

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA 38

ANEXO – FOTOS 41

ÍNDICE 42