UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO LÉA PAZ DA SILVA FELICIANO · matemática: uma construção...

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO LÉA PAZ DA SILVA FELICIANO A LINGUAGEM E A ETIMOLOGIA DOS TERMOS UTILIZADOS NA MATEMÁTICA: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2013

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  • UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SO PAULO

    LA PAZ DA SILVA FELICIANO

    A LINGUAGEM E A ETIMOLOGIA DOS TERMOS UTILIZADOS NA MATEMTICA: UMA CONSTRUO HISTRICA

    DOUTORADO EM EDUCAO MATEMTICA

    SO PAULO

    2013

  • UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SO PAULO

    LA PAZ DA SILVA FELICIANO

    A LINGUAGEM E A ETIMOLOGIA DOS TERMOS UTILIZADOS NA

    MATEMTICA: UMA CONSTRUO HISTRICA

    Trabalho apresentado como exigncia parcial

    para a obteno do ttulo de Doutor em

    Educao Matemtica Comisso Julgadora

    da Universidade Anhanguera de So Paulo,

    sob a orientao do Prof. Dr. Ubiratan

    DAmbrosio.

    SO PAULO

    2013

  • Feliciano, La Paz da Silva. F348l A linguagem e a etimologia nos termos utilizados na

    matemtica: uma construo histrica. / La Paz da Silva Feliciano. -- So Paulo: Universidade Bandeirante Anhanguera, 2013.

    xv, 197 f.: il.; 30 cm.

    Tese (DOUTORADO) Universidade Bandeirante Anhanguera, 2013.

    Orientadores: Prof. Dr. Ubiratan DAmbrosio.

    Referncias bibliogrficas: f. 170-182.

    1. Matemtica. 2. Etimologia. 3. Histria. 4. Linguagem. I.DAmbrosio, Ubiratan. II. Universidade Bandeirante Anhanguera. IV. Ttulo.

    CDD 510.9

  • Banca Examinadora

    __________________________________________________ Prof. Dr. Ubiratan DAmbrosio [UNIAN]

    __________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista [UNINOVE]

    __________________________________________________ Profa. Dra. Claudia Georgia Sabba [UNINOVE]

    __________________________________________________ Profa. Dra. Maria Elisabette Brisola B. Prado [UNIAN]

    __________________________________________________ Profa. Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte [UNIAN]

  • Dedicatria

    minha me Maria Azinda, meu filho Willian,

    meu marido Robson e todas as minhas irms e

    irmos.

  • AGRADECIMENTOS

    So tantos os agradecimentos, pensando no caminho que percorri para chegar at aqui, tantos rostos me vm mente. Tantas palavras de incentivo, tantos

    gestos de carinho que tenho medo de no agradecer a todos que estiveram comigo,

    portanto agradeo a voc!

    Agradeo a Deus e Nossa Senhora pela esperana e f na vida e nas

    pessoas.

    Agradeo ao meu orientador Prof. Dr. Ubiratan DAmbrosio por ter acreditado

    em mim. Saber que estava comigo, como um pai olhando seu filho dar os primeiros

    passos, trouxe-me a segurana que precisava para concluir esse trabalho.

    Agradeo ao amor incondicional de minha me Maria Azinda, sua confiana

    e, principalmente, por suas oraes. Eu a Amo, Me!

    Ao meu marido Robson, por sua pacincia durante a execuo deste

    trabalho. E como foi preciso! Voc sempre esteve ao meu lado, nos momentos

    felizes, mas principalmente nos momentos de dor e lgrimas. Sou muito grata por

    isso. Deus nos uniu e esse amor continuar sempre!

    Ao meu filho Willian, por ser quem , pela ajuda, incentivo, pelas conversas

    sobre este trabalho e tambm sobre a vida. Alm de filho, voc realmente meu

    amigo. Amo-te incondicionalmente!

    minha famlia, meus irmos Jos Carlos, Maria do Carmo, Sebastio, Rita,

    Ceclia, Gabriel, Ulda e Solange. Agradeo irm de corao, minha prima Alice.

    Aos meus sobrinhos e, especialmente, a Caroline Fonseca e Joo Henrique e

    todos que torceram por mim. Valeu a pena. Agradeo, tambm, ao irmo de

    corao, meu cunhado Edson (in memorian) que to repentinamente deixou-nos.

    Saudades!

    Agradeo s professoras, doutoras Ana Maria Haddad Baptista, Claudia

    Georgia Sabba, Maria Elisabette Brisola B. Prado, Aparecida Rodrigues Silva

    Duarte, por compor a banca e pelas contribuies valiosas na qualificao deste

    trabalho.

    Agradeo a todos os amigos do doutorado da Universidade Bandeirante

    Anhanguera, especialmente ao professor Dr. Paulo Srgio Pereira da Silva, obrigada

    por toda ajuda e incentivo que me deu.

  • Enfim, agradeo a todos os amigos que no dia a dia, deram-me fora para

    continuar, principalmente amiga Jacy Floriano pelas conversas, pelo apoio e acima

    de tudo por sua amizade.

  • Combati o bom combate, terminei a minha corrida,

    guardei a f!

    II Timteo 4:7

  • RESUMO

    FELICIANO, La Paz da Silva. A Linguagem e a Etimologia dos Termos Utilizados na Matemtica: uma construo histrica. Tese de doutorado.

    Orientador: Prof. Dr. Ubiratan DAmbrosio. Doutorado em Educao Matemtica.

    Universidade Bandeirante Anhanguera, So Paulo, 2013.

    Estamos vivendo em uma poca em que a evoluo cientfica ocorre de forma

    rpida. Sabemos que esta evoluo est centrada no desenvolvimento do

    conhecimento que gera a todo instante, mais conhecimento. Porm, ao mesmo

    tempo em que observamos esta realidade, tambm devemos nos lembrar dos

    diversos problemas que a Educao vem enfrentando no que se referem aos

    processos de ensino e de aprendizagem nas escolas, principalmente, nas escolas

    pblicas, da cidade de So Paulo. um fato conhecido que muitos alunos esto

    aprendendo cada vez menos nos bancos escolares, principalmente na disciplina de

    Matemtica. Acreditamos que um dos fatores desta ocorrncia est no

    desconhecimento do significado dos termos utilizados, muitas vezes, sem uma

    pesquisa prvia sobre sua etimologia e histria. Portanto, esta pesquisa busca

    refletir as relaes existentes entre a lngua materna e a Matemtica. Iniciamos

    nossa pesquisa falando sobre a Histria Geral, alm da Histria da Matemtica e da

    Lngua Portuguesa, nesta, atemo-nos um pouco mais sobre o processo da

    linguagem e sua funo social. Para falar sobre etimologia buscamos a obra mais

    conhecida sobre a assunto, Etimologiae de Isidoro de Sevilha. Apresentamos,

    tambm, alguns filsofos e matemticos como Descartes, Leibniz, Frege, que

    tambm discutiram sobre o assunto. Por fim, construmos um material didtico com

    cento e vinte termos matemticos e sua etimologia, para que possa auxiliar o

    professor em sua prtica docente.

    Palavras-chave: Matemtica. Etimologia. Histria. Linguagem.

  • ABSTRACT

    FELICIANO, La Paz da Silva. Language and Etymology of the Terms Used in Mathematics: a historical construction. Doctorates thesis, advised by the

    Ph. D. Ubiratan DAmbrosio. Doctorate in Mathematical Education. Universidade

    Bandeirante Anhanguera, So Paulo, 2013.

    We live in a moment where the scientific development evolves quickly. It is

    known that this evolution is centered in the development of the knowledge that

    generates even more knowledge. Despite this reality, it is also important to bear in

    mind the several problems faced in the Educational area regarding the processes of

    teaching and learning in the schools, especially in the public ones in the city of So

    Paulo. It is a fact that many students at school learn less each day, particularly

    concerning Mathematics. We believe that one of the reasons for this is the

    unawareness of the meaning of the words used, most of the times without a previous

    research about their etymology and history. Therefore, this research aims at

    reflecting about the relations between the mother tongue and Mathematics. We have

    started our research talking about General History, besides Mathematics, History and

    Portuguese Language - in which we focus on the language process and its social

    function. To talk about etymology, we looked at the most famous work about the

    subject, Etimologiae by Isidoro de Sevilha. We also discuss some philosophers and

    mathematicians such as Descartes, Leibniz and Frege, who also discussed the

    subject. To bring to an end, we have built some didactic material containing a

    hundred and twenty mathematical terms and their etymology, in order to help the

    teachers in their practice.

    Keywords: Mathematics, Etimolody, History, Language.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Rede de caminhos para a construo da Histria ......................................... 31

    Figura 2 - Esquema de uma sentena temporal de Rusen............................................. 34

    Figura 3 - Esquema de uma sentena temporal de situaes histricas ...................... 35

    Figura 4 - Processo de construo da fala ........................................................................ 54

    Figura 5 Conceito e imagem do tringulo ...................................................................... 57

    Figura 6 Eixo das simultaneidades e eixo das sucesses........................................... 58

    Figura 7 Diagrama de estados de Chomsky.................................................................. 64

    Figura 8 Diagrama de estado de Lyons ......................................................................... 64

    Figura 9 rvore I: Estrutura da frase ............................................................................... 66

    Figura 10 rvore II:Estrutura da frase ............................................................................ 67

    Figura 11 rvore III: Estrutura da Frase ......................................................................... 67

    Figura 12 rvore IV: Estrutura da frase .......................................................................... 68

    Figura 13 rvore V: Estrutura da frase ........................................................................... 68

    Figura 14 - Etymologiae ....................................................................................................... 80

    Figura 15 - Origem do alfabeto latino................................................................................. 85

    Figura 16 - Tbua de Marsiliana (sec VII a.C.) ................................................................. 87

    Figura 17 - Esquema dos elementos de comunicao ................................................... 98

    Figura 18 Atividade sobre nmeros ordinais ............................................................... 105

    Figura 19 - Questo de prova da Etec-SP ...................................................................... 108

    Figura 20 - Capas dos livros de Descartes ..................................................................... 114

    Figura 21 - Capa do livro de Leibniz ................................................................................ 117

    Figura 22 - Polgono regular e o crculo .......................................................................... 120

    Figura 23 - Folha de rosto do livro "A linguagem do Clculo" ...................................... 125

    Figura 24 Paraleleppedo ............................................................................................... 133

    Figura 25 Tringulo ......................................................................................................... 134

    Figura 26 - De Margarita Philosophica, de Gregor Reisch, Strasburgo, 1504 ........... 138

  • Figura 27 ngulo Acutngulo ......................................................................................... 139

    Figura 28 Lado Adjacente .............................................................................................. 140

    Figura 29 ngulo agudo ................................................................................................. 140

    Figura 30 - Primeira pgina de Kitb almukhtasar f hisb al-jabr wa-l-muqbala .... 141

    Figura 31 Diagonal .......................................................................................................... 148

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Letras gregas ...................................................................................................... 86

    Tabela 2 - Radicais de origem grega ................................................................................ 94

    Tabela 3 Radicais de origem latina ................................................................................. 94

    Tabela 4 Prefixos de origem grega ................................................................................. 95

    Tabela 5 Prefixos de origem latina .................................................................................. 96

    Tabela 6 Radicais gregos ............................................................................................... 183

    Tabela 7 Radicais Latinos .............................................................................................. 190

    Tabela 8 Prefixos Gregos ............................................................................................... 195

    Tabela 9 Prefixos Latinos ............................................................................................... 196

  • SUMRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 6

    RESUMO ................................................................................................................................. 9

    ABSTRACT ............................................................................................................................ 10

    INTRODUO ...................................................................................................................... 16

    A Pesquisa ............................................................................................................................. 18

    CAPTULO 1 A HISTRIA ............................................................................................... 26

    1.1. A Histria da Matemtica ...................................................................................... 36

    CAPTULO 2 A LINGUAGEM .......................................................................................... 41

    2.1. Origem e histria da linguagem ........................................................................... 41

    2.2. A linguagem humana............................................................................................. 46

    2.3. A Lngua Portuguesa ............................................................................................. 48

    2.4. A linguagem e suas funes ................................................................................ 50

    2.5. Palavra .................................................................................................................... 51

    2.6. O Estruturalismo de Ferdinand Saussure .......................................................... 53

    2.6.1. Signo, Significado e Significante...................................................................... 57

    2.6.2. Sincronia e Diacronia ....................................................................................... 58

    2.7. O Gerativismo de Noam Chomsky ...................................................................... 61

    2.7.1. Gramtica dos Estados Finitos ........................................................................ 63

    2.7.2. Gramtica da Estrutura da Frase ou Estrutura Sintagmtica ...................... 65

    2.7.3. Gramtica Transformativa ................................................................................ 69

    CAPTULO 3 ETIMOLOGIA ............................................................................................. 71

    3.1. A Etimologia de Isidoro de Sevilha ...................................................................... 77

    3.2. O estudo da palavra aps Isidoro do Sevilha .................................................... 81

    3.3. Traduo e Transliterao .................................................................................... 84

    3.4. A etimologia e o ensino da Lngua Portuguesa ................................................. 90

  • 3.5. As dificuldades da compreenso da linguagem matemtica pelo

    desconhecimento de seus timos ............................................................................................... 98

    CAPTULO 4 - LINGUAGEM E MATEMTICA .............................................................. 110

    4.1. Descartes e a Linguagem ................................................................................... 113

    4.2. Leibniz e a Linguagem Universal ....................................................................... 117

    4.3. A linguagem de ao e as lnguas na Lgica de Condillac ............................ 124

    4.4. A Conceitografia de Frege .................................................................................. 128

    4.5. Wittgenstein e a Filosofia da Linguagem .......................................................... 130

    CAPTULO 5 A ETIMOLOGIA DOS TERMOS MATEMTICOS .............................. 135

    5.1. Os termos matemticos ...................................................................................... 138

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 165

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 171

    ANEXOS .............................................................................................................................. 183

    Anexo I ................................................................................................................................. 183

    Anexo II - Radicais Latinos ................................................................................................ 190

    Anexo III - Prefixos Gregos ............................................................................................... 195

    Anexo IV - Prefixos Latinos ............................................................................................... 196

  • 16

    INTRODUO Reconstituir o meu passado, primeira tarefa neste trabalho. Lembro-me das

    brincadeiras com meus irmos, nove filhos para criar, to pouco para dividir, s

    vezes, quase ou simplesmente nada, dias difceis aqueles para minha me, Maria

    distante de sua terra e de seus familiares, de seus pais queridos.

    Dona Maria e seu Laudelino so mais um exemplo de retirantes do serto

    nordestino, da Bahia de Jorge Amado, terra to quente que queima as vistas da gente e mata o gado e tudo quanto planta no cho. Seu Laudelino com sua malandragem de personagem de livro, prometeu sua inocente Maria que

    casariam e viriam somente passear em lua-de-mel na cidade grande de So Paulo;

    e no que ela acreditou! Tiveram aqui meus oito irmos e por ltimo eu, a mais

    nova de seis mulheres e trs homens.

    Crescemos, na periferia da regio Leste, dessa cidade, onde as dificuldades

    de saneamento bsico, transporte, educao e segurana at hoje so problemas

    sem soluo. Minha me tinha muito medo de que seus filhos no conseguissem ter

    uma vida melhor do que a dela; entre lavar, passar e trabalhar como costureira

    cuidava de todos com carinho e muito amor. Seus ensinamentos eram

    fundamentados no temor a Deus, o respeito famlia e ao prximo e

    responsabilidade para com os deveres escolares. Seu lema: estude, estude muito

    para melhorar de vida, pobre honesto s consegue as coisas estudando e

    trabalhando muito, ainda bem que confiei em sua sabedoria.

    Quando criana, j na escola, gostava de brincar de ser professora. Achava

    to bonito a Dona Emlia, minha professora do primeiro ano, escrever na lousa e

    corrigir nossos cadernos, confesso que no gostava muito de fazer tantas lies.

    Mas o tempo foi passando e, de fato, nem percebemos que a escola faz parte da

    nossa vida, simplesmente vamos passando de ano, e foi assim que aconteceu

    comigo. J no Ensino Mdio, tinha mais facilidade na disciplina de Matemtica do

    que qualquer outra, por isso minha escolha no Ensino Superior foi pela Licenciatura,

    seria ento professora de Matemtica.

    Minha experincia profissional como docente teve incio na escola pblica e,

    posteriormente, na escola particular. Meu filho Willian era um menininho de quatro

    anos, quando retornei Universidade, em 1995.

  • 17

    Aps a concluso da graduao, ainda com o pensamento de minha me na

    mente No pare de estudar. Nos dias de hoje para estar na frente preciso sempre estudar, cursei a especializao Lato Sensu em Psicopedagogia, afinal,

    acredito que para ser um bom professor, necessrio conhecer um pouco a respeito

    das pessoas para entender seu modo de pensar e agir, e no somente sobre o

    contedo de sua disciplina.

    Mas, eu queria mais, ir mais alm, ver acima das montanhas... Foi a que

    decidi continuar esse caminho. Voltei novamente para os bancos escolares, nas

    tardes dos idos de 2004, para cursar o Mestrado Profissional em Educao

    Matemtica. A deciso pelo Mestrado Profissional estava alicerada em minha

    escolha como docente; melhorar minha atuao em sala de aula. Nestas tardes na

    PUCSP, conheci excelentes professores e entre eles tenho que citar o Prof. Dr.

    Ubiratan DAmbrosio, meu orientador, com sua bondade, aceitou-me no mestrado e,

    posteriormente, com maior generosidade, acolheu-me neste doutorado.

    Foi nas aulas do Mestre Dr. Ubiratan DAmbrosio que me apaixonei pela

    Histria da Matemtica. Essa histria que nunca tinha ouvido falar, pois quando

    cursei a graduao essa disciplina no fazia parte do currculo. Mas a histria que o

    professor Ubiratan contava no era uma histria somente da Matemtica, era uma

    histria que tinha homens, animais, deuses, mitos que se misturavam com a

    realidade, uma histria que eu nunca tinha ouvido antes.

    As tardes eram deliciosas, ficvamos quietinhos somente ouvindo, bebendo

    daquele man de sabedoria. Foi assim que comecei a interessar-me mais sobre os

    fatos passados e tentar compreender o presente e tudo o que nos cerca. Para mim e

    minha famlia, terminar o mestrado foi um feito, no tinha a dimenso do que ser

    a primeira Mestra para uma famlia que durante tantos anos, passou por tanto

    sofrimento e dor. Realmente, no foi fcil, mas o esforo valeu a pena, minha me

    estava certa.

    Mas, como sempre tive em minha educao que devemos terminar o que

    comeamos, ao final do mestrado fiz uma promessa, em segredo, seria doutora um

    dia! E como diria meu sbio av: ningum precisa prometer nada, mas se prometeu

    obrigado a cumprir, c estou, cumprindo a promessa, com muito gosto, claro! E,

    como no poderia deixar de ser, tentando contar um pouco sobre a histria da

    histria que me encantou e, quem sabe plantar uma sementinha no corao de

    algum, assim como aconteceu comigo.

  • 18

    A Pesquisa A preocupao com a difuso do conhecimento remonta longa data. Conta-

    se a histria que Euclides (sec. 3 a.C.) mandou seu escravo dar trs moedas a um

    jovem que havia feito a pergunta: O que ganho por aprender esta coisa? logo aps

    ter aprendido sobre a primeira proposio da Geometria. Percebesse nesta atitude

    de Euclides sua indignao quanto ao aprendizado da poca, na suposta afirmao

    D trs moedas ao jovem, pois ele precisa ganhar do que aprende (CAJORI, 2007

    p. 62), justificamos a utilizao desta passagem na mesma pergunta do nosso aluno,

    atualmente, se eu aprender o que vou ganhar com isso?.

    Parece que nada mudou nesses 2300 anos. Passando pela evoluo e

    histria da humanidade, podemos perceber o quanto esta evoluiu dadas as

    descobertas de estudiosos, cientistas e curiosos ansiosos por continuar algo que

    estava em processo de construo ou simplesmente buscar um novo conhecimento,

    muitas vezes, no aplicvel prtica cotidiana ou a sua poca, mas que se fizeram

    teis e necessrios em tempos futuros.

    Estamos vivendo em uma poca marcada pelo progresso cientfico e

    tecnolgico, progresso que caminha a passos rpidos e largos. Essa evoluo

    cientfica est fundamentada na edificao do conhecimento humano, que ao longo

    da histria da humanidade paralela e indissociavelmente a Matemtica foi se

    construindo, aprimorando, transmitindo, propagando e disseminando novos

    conhecimentos para novos povos e regies.

    Toda Geometria, Aritmtica e lgebra, unificada em uma nica cincia, a

    Matemtica e ensinada na educao bsica est fundamentada em grande parte

    nestes conceitos da Matemtica antiga. Da, pergunta-se: o que ganharemos

    estudando o passado se no conseguimos alterar a realidade que nos cerca?

    DAmbrosio (2005 p. 18) afirma que:

    a aquisio e a elaborao do conhecimento se do no presente, como resultado de todo um passado, individual e cultural, com vistas s estratgias de ao no presente projetando-se no futuro, desde o futuro imediato at o de mais longo prazo, assim modificando a realidade e incorporando novos fatos ,artefatos e mentefatos.

  • 19

    Ento, poderamos comear a pensar na produo do conhecimento de uma

    realidade que modificaria o futuro parte da educao como premissa para esse

    desenvolvimento? Ora, esta uma pergunta retrica, j sabemos sua resposta.

    Muito se tem questionado, observado e estudado nas obras de diversos

    pesquisadores em diferentes linhas do conhecimento e em diferentes pocas.

    A educao, em seu percurso evolutivo, coloca-se muitas vezes como um

    laboratrio para o desenvolvimento de pedagogias e ferramentas que tinham o

    objetivo de desenvolver a didtica nos processos de ensino procurando sanar estas

    inquietudes.

    O que se tem hoje, uma vasta coleo de ideias e pensamentos, criticados

    por uns e fortemente defendidos por outros, sobre como se do os processos de

    ensino e de aprendizagem nas escolas. Cada disciplina que compe o currculo

    escolar tem uma peculiaridade intrnseca em seu bojo de conhecimentos,

    naturalmente no podemos pensar que todas poderiam ser ensinadas da mesma

    forma.

    Particularmente, entre estas disciplinas, referimo-nos Matemtica. Saindo

    de uma viso totalmente positivista e cartesiana (digo aqui cartesiano a fim de

    lembrar que no passado utilizava-se este mtodo que ficou erradamente

    entendimento com um mtodo sem reflexo sobre suas implicaes e resultados)

    em que se encontrava a educao matemtica e sua forma de ensino e

    aprendizagem, poderemos alar novos voos que nos permitiro, qui, responder a

    pergunta do aluno de Euclides apresentada no incio desta discusso. Pergunta

    esta, to atual que, deixa-nos petrificados, tamanha a similaridade entre os seres em

    to diferentes pocas.

    Ser que a forma de ensinar daquela poca era to parecida com a nossa?

    O que poderamos fazer ou acrescentar em nossas reflexes para que esta pergunta

    fosse respondida? A cada instante que nos debruamos nestas interrogaes

    estamos tambm construindo a histria.

    Observamos que nosso sistema de ensino, em sua viso geral, bastante

    complexo no seu entendimento e em sua estrutura, ento como poderemos

    compreend-lo se nosso prprio modo de pensar tambm formado por estruturas

    complexas?

  • 20

    Halvy em sua explanao sobre a complexidade do pensamento afirma que:

    a partir do momento que um sistema complexo, nada evidente, porque tudo depende do olhar que lanado (relativismo), o todo e as partes evoluem de modo dialtico (sistemismo), o todo bem mais que a soma das partes (holismo) e o todo se compreende a partir de suas finalidades, independentemente de suas partes (teleologia). (HALVY, 2010, p. 13)

    Ento, se quisermos pensar nos processos de ensino e de aprendizagem da

    Matemtica de forma dialtica, devemos dar a esse processo as ferramentas

    necessrias para tal discusso. Atendo-nos tambm sala de aula, poderamos

    ponderar a quais ferramentas estamos nos referindo. Debruar-nos sobre a Histria,

    a Linguagem e a Etimologia de seus termos e, pensar na Matemtica, para ns,

    significa pensar na evoluo da humanidade que est inserida dentro da histria da

    Criao do Mundo; aparecimento do homem e sua linguagem; caracterstica prpria

    do ser humano; pensar em como ele desenvolveu o conhecimento necessrio sua

    subsistncia e como, nos mais de 3,5 milhes de anos ele evoluiu.

    A Linguagem e a Etimologia dos Termos Utilizados na Matemtica: Uma

    Construo Histrica uma proposta que tem o intuito de apresentar a origem

    etimolgica de alguns dos termos utilizados nesta disciplina e como esta se

    relaciona com a lngua materna, suas interdependncias.

    Mas, por que falar novamente sobre esta histria e a linguagem? Hoje, vemos

    a computao como algo to a nosso alcance, as novas tecnologias a cada dia,

    apresentam-nos um nmero cada vez maior de opes de ferramentas e conexes

    com o mundo. Mas, o quanto a humanidade caminhou at chegarmos aqui?

    Devemos mesmo esquecer o passado e pensar somente no presente e futuro? No

    existe presente sem passado e no vai existir futuro se no houver o agora, que

    ser passado no milsimo de segundo a frente.

    Para as pessoas, atualmente, parece que no h sentido falar sobre o mundo

    e humanidade, mas quando nos lembramos dos primeiros filsofos, sem qualquer

    conhecimento racional anterior a eles, pensando em questes como Deus,

    divindade, homem, lnguas e nomes, passa pelo nosso olhar um filme sobre tudo;

    sobre a criao do universo, os primeiros humanos, fome, as cidades e civilizaes,

    as primeiras invenes e a escalada da humanidade; subsistir e depois, a cada

    instante futuro, evoluir.

  • 21

    Falar sobre a Histria do Mundo abre espao para falar sobre a Criao do

    Universo, o aparecimento do homem e sua evoluo e; nesta evoluo discutir sobre

    a linguagem e a fala, sobre a inveno da escrita intimamente ligada linguagem.

    Pela inveno da escrita, podemos refletir, juntamente com o processo da fala,

    sobre o surgimento de um pensamento lgico e organizado que vai paulatinamente

    delineando o desenvolvimento da Matemtica. Portanto, a Matemtica se funde

    com a histria.

    Se a Histria da Matemtica, bem como a Histria da Humanidade, esto

    dentro do contexto da evoluo humana, tudo o que aconteceu no incio dos tempos

    foi nomeado pelo homem, como, ento, contar esta histria sem discutir o nome de

    cada coisa ou objeto? Assim sendo, o estudo da Etimologia dos termos

    matemticos nos dar ferramentas para entendermos seus conceitos, teorias,

    postulados e axiomas.

    Mas, para que falar novamente sobre histria dentro de um contexto da

    linguagem? Volto a questionar, atualmente em nosso sistema de ensino a disciplina

    de Matemtica tem sofrido srios ataques principalmente, no que se refere

    transmisso do conhecimento. Muitos alunos, bem como professores, tm uma viso

    distorcida do que a Matemtica e por que ela deve ser ensinada e aprendida.

    Quando DAmbrosio (2005) diz que a Matemtica D.O.I., porque ela

    Desinteressante, Obsoleta e Intil no nos causa mais estranheza como

    anteriormente causava, pois realmente estamos presenciando isso acontecer em

    nossa realidade, em nossa prtica, na nossa sala de aula.

    E, nessa prtica, ministrando aulas no ensino mdio e superior que

    buscamos pensar em uma proposta de pesquisa que auxiliasse os professores a

    tentar minimizar esse problema. Acreditamos, portanto, que este trabalho poder ser

    utilizado como uma ferramenta didtica nos processos de ensino e de aprendizagem

    tanto nas aulas do ensino fundamental e mdio como tambm na educao

    superior.

    Inserida no contexto histrico, a etimologia dos termos matemticos pode ser

    mais um elemento agregador prtica docente. Embora saibamos deste fato,

    concordamos com o etimlogo brasileiro Mario Eduardo Viaro (2011), pois poucos

    so os estudos feitos no Brasil e at mesmo fora dele, sobre esse assunto. A

    etimologia, uma vez considerada a quintessncia do conhecimento humano acerca

    da lngua, tem sido sistematicamente excluda da maioria dos discursos

  • 22

    contemporneos da cincia da linguagem. (AMSLER apud PINTO, 2008 p. 18).

    Vrios autores dizem que no necessrio conhecer o significado da palavra

    (semntica), mas, o seu sentido (lingustica). Pensamos, particularmente, que

    devemos alcanar a extenso que essas duas formas de pensar nos apresentam.

    Motivo este que trazemos como justificativa desta pesquisa, aliando histria da

    Linguagem e da Matemtica, com a etimologia de seus termos.

    Em defesa de um estudo e aplicao da etimologia dos termos no estudo da

    Matemtica tomarei de emprstimo a frase de Santo Agostinho quando falava sobre

    o tempo ? , 1

    (AGOSTINHO, 1980 11.14). Pois bem, sabemos ou pensamos saber o significado

    ou sentido, ou simplesmente temos um sinnimo para determinadas palavras ou

    termos, mas quando estamos diante de nossos alunos ser que isto o suficiente?

    Ser que simplesmente saber seu significado, que para ns tem sentido, o

    bastante?

    Muitas vezes, vemos-nos diante da interrogao de uma palavra que

    sabemos para ns e justificamos que a compreendemos e a conhecemos, mas que

    no sabemos como explic-la, dando apenas exemplos. Acreditamos, pela

    experincia, que muitas vezes isso no o bastante, posto que se oferea aqui,

    mais uma justificativa para proposta apresentada, talvez conhecer um pouco mais

    sobre a etimologia dos termos, sua construo ao longo do tempo, sua sincronia e

    diacronia, nos auxilie-nos como uma ferramenta a mais na construo do

    conhecimento, mais especificamente, na construo do conhecimento matemtico.

    Acreditamos que estudar e entender a etimologia das palavras importante

    para ampliar o vocabulrio, melhorar a ortografia e o conhecimento cientfico alm

    de desenvolver a compreenso da lngua materna. Estudar sobre a etimologia dos

    termos gregos e latinos tambm pode nos ajudar no aprendizado de outras lnguas

    que possuem as mesmas razes como o espanhol, o francs, o italiano etc.

    A principal inteno desta pesquisa contribuir para iluminar o ensino da

    Matemtica. Esperamos que este trabalho seja um ponto de referncia e reflexo

    sobre o processo de ensino e de aprendizagem. Portanto, nossa inteno est na

    1 O que , por conseguinte, o tempo? Se ningum me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me fizer a pergunta, j no sei.

  • 23

    construo de um material didtico que possa ser utilizado pelo professor de

    Matemtica em sua prtica docente.

    Como nosso foco aqui falar sobre a Histria, Linguagem e Matemtica, este

    material ser composto por uma relao de cento e cinquenta termos matemticos

    com sua anlise morfolgica, sua etimologia e significado. No chamaremos esta

    pesquisa de dicionrio pois para tal precisaramos de uma quantidade muito maior

    de palavras do que a que nos propomos a apresentar aqui.

    Alm da construo deste material didtico, nosso interesse est em suscitar

    no leitor, a vontade de investigar mais a fundo, etimologia que envolve os termos

    que compem a Matemtica, pois que este no um material acabado, mas um

    aceno sobre uma possibilidade futura para aprofundamento.

    Para obter os resultados esperados, foi preciso elencar alguns objetivos

    especficos, destacados abaixo:

    Apresentar um panorama geral da utilizao da Histria na busca pelo

    conhecimento;

    Discutir sobre a origem e o desenvolvimento do processo da linguagem e

    escrita, tendo como foco as lnguas de origem indo-europeia;

    Analisar sobre a existncia das teorias lingusticas e sua relao com a

    Matemtica;

    Definir o significado da palavra Etimologia;

    Refletir sobre a relao existente entre a linguagem e a Matemtica;

    Relacionar o significado de alguns termos matemticos que esto presentes

    no cotidiano da sala de aula.

    Iniciamos esta pesquisa, falando um pouco, na apresentao, sobre a

    necessidade de certa contextualizao em nossa experincia docente,

    principalmente no que hoje chamamos de Ensino Mdio. Observamos no somente

    a Matemtica, mas todas as outras disciplinas, distantes de um contexto ou mesmo

    uma interligao entre elas, mais especificamente entre a Matemtica e a lngua

    materna bem como a relao entre estas e a histria.

    Sendo assim, o primeiro captulo apresenta uma discusso sobre a Histria;

    como ocorrem os processos de anlise e escrita de um fato histrico, sua utilizao

    como meio de desenvolvimento do ser humano cultural e socialmente, visto que a

    Histria nos fornece pistas do nosso passado que podem ser analisadas e

  • 24

    repensadas no momento presente com o objetivo de melhorar o processo decisrio

    que definir o nosso futuro. Nesse sentido, procuramos trazer a fala de alguns

    tericos e estudiosos do assunto para nos amparar, na construo de nossa

    pesquisa, como os historiadores Marc Bloch, Peter Burke, Jacques Le Goff alm de

    pesquisadores, historiadores de outras reas como Ubiratan DAmbrosio, Dirk Jan

    Struik entre outros.

    No segundo captulo, trazemos a anlise da Linguagem, iniciando com a

    Histria da Linguagem, refletindo sobre as teorias que falam acerca da origem e

    capacidade da linguagem no ser humano. Dentre estas teorias esto as de Charles

    Berlitz e Jean Jacques Rousseau. Este processo de construo da linguagem

    discutido desde a Antiguidade, no mundo helenstico, passando no somente por

    gramticos, mas filsofos e tericos como Santo Agostinho, Isidoro de Sevilha, So

    Tomas de Aquino, Leibniz, Saussure, Chomsky e muitos outros excepcionais

    pesquisadores. O estudo das lnguas e sua evoluo sempre foi motivo de muito

    debate entre os pesquisadores principalmente porque no se tem uma exatido

    quanto sua evoluo no tempo e tampouco s suas mudanas dadas pelos

    processos de trocas entre as lnguas. A Lngua Portuguesa um exemplo disto, pois

    se construiu sobre as bases do latim vulgar, mas tem uma gama de palavras que

    recebeu por emprstimo dos rabes, africanos, ndios e atualmente dos americanos.

    No captulo trs, faremos uma discusso sobre a anlise morfolgica das

    palavras, sua composio entre afixos (prefixos e sufixos) e radicais. Acreditamos

    ser necessria esta discusso, embora esse conhecimento seja rotineiro a um

    especialista em Lngua Portuguesa, para os profissionais da rea das exatas, mais

    particularmente na Matemtica isto no comum.

    certo que durante a formao escolar este contedo faz parte da grade

    curricular das escolas, mas, infelizmente ele no visto com a seriedade e

    profundidade que acreditamos ser necessrias para subsidiar o professor, em sua

    carreira docente, motivo este que apresentamos, neste captulo, alguns radicais e

    afixos preferencialmente ligados composio de palavras matemticas, deixando

    para os anexos uma lista mais detalhada dos mesmos.

    No captulo quatro, fizemos algumas reflexes sobre a linguagem e a

    Matemtica. O caminho escolhido foi buscar alguns filsofos, matemticos e tericos

    para apresentar suas teorias como a Linguagem Universal de Leibniz, a Linguagem

  • 25

    de Ao de Condillac, a Conceitografia de Frege e a Filosofia da Linguagem de

    Wittgenstein alm da discusso sobre a linguagem encontrada em Descartes.

    Atualmente, a Matemtica possui mais de 1200 termos ou verbetes

    relacionados a ela, estes termos foram cunhados em diferentes pocas e por

    diferentes autores e, embora tenhamos conscincia desse fato, e por este mesmo

    motivo, fizemos a opo de trabalhar somente com alguns desses termos,

    apresentando a composio morfolgica e etimolgica alm de seu significado, que

    a proposta do ltimo captulo.

  • 26

    CAPTULO 1 A HISTRIA

    Vede! No est escrito neste rolo? Lede, vs que o encontrareis nos dias que esto por nascer, se vossos deuses vos derem a inteligncia!

    Lede, crianas do futuro e aprendei os segredos deste passado, que para vs est to longnquo, mas que na verdade est to prximo!.

    Papiro de Anana (Vizir do Fara Seti II, governante do Egito na XIX Dinastia, 1293 a.C.)

    Iniciamos, este primeiro captulo, com algumas perguntas: Por que estudar

    Histria? Por que estudar Histria da Matemtica? Qual o objeto de estudo da

    Histria? O que um fato histrico?

    Marc Bloch2 (2001) responde a ltima questo, dizendo que o objeto da

    histria por natureza o Homem, citando o provrbio rabe Os homens se parecem

    mais com sua poca do que com seus pais Bloch acredita que estudando o Ser

    Humano pode-se entender sua histria e conclui que a incompreenso do presente,

    nasce fatalmente da ignorncia do passado.

    Poderamos, tambm, responder de forma simples e clara as duas primeiras

    questes: estudamos o passado para entender o presente e conjecturar sobre o

    futuro. Mas o que estaramos contribuindo para tal discusso, j apontada

    anteriormente, com esta resposta?

    Embora saibamos que no podemos prever o futuro, conhecer o passado

    pode nos fornecer alguns indicativos de nossos erros e acertos ante os

    acontecimentos, [...] a forma do futuro vislumbrada mediante a procura de pistas

    no processo de desenvolvimento passado, de forma que, paradoxalmente, quanto

    mais esperamos inovao, mais a histria se torna essencial para descobrir como

    ela ser (HOBSBAWN, 2006, p. 31).

    Utilizando a viso analtica de um fato, Bloch afirma que compreendemos um

    fato humano, qualquer que seja se j possuirmos a compreenso de outros fatos do

    mesmo gnero. (BLOCH 2001, p. 129)

    Esta compreenso se d observando a histria, pois se verifica que ao longo

    de sua evoluo o velho torna-se um novo remodelado, com novas cores e

    2 Marc Bloch (1886-1944) foi um historiador francs que juntamente com Lucien Febvre fundou a Escola do Annales (1929), movimento historiogrfico responsvel com incorporar as Cincias Sociais Histria, este movimento privilegia os mtodos pluralistas em detrimento da compartimentalizao das Cincias Sociais. (BLOCH, 2001)

  • 27

    imagens, parece que os captulos das eras so reprisados em contextos

    semelhantes, mas com diferenas prprias de seu tempo. Do incio da humanidade

    no temos muito a dizer, pois falta ao historiador os documentos, as fontes que

    podem ser definidas como tudo o que acessvel: cdigos, escritos, acadmicos ou

    no, inclusive ficcionais, fsseis, narrativas orais, e vestgios em geral, recorrendo

    hermenutica e semitica, inevitavelmente dando espao imaginao e

    fantasia. (DAMBROSIO, 2011 p. 02)

    De posse de tais ocorrncias, Le Goff (1990) afirma que o incio e o fim da

    histria do mundo e da humanidade no so cientficos, pois que do incio no

    temos registros e do fim no sabemos. Segundo ele, a origem do mundo tende ao

    mito e o fim cede lugar religio, escatologia. Por que, h ento tanta

    curiosidade sobre estes dois momentos que nos fogem o conhecimento? Ser que

    seramos mais donos de nossas vidas se soubssemos de onde viemos e para onde

    vamos? Estas inquietaes so encontradas desde a Antiguidade, nos legados dos

    grandes filsofos, mas ser que antes deles os homens pr-histricos j no

    olhavam para o cu e admirando suas estrelas j no pensavam nisso? Quem pode

    nos dar uma certeza de que ao se deparar com o nascimento e a morte, os

    primeiros habitantes deste mundo j no tinham as mesmas inquietudes que o

    homem atual? Talvez o homem de nossa era se sinta bem longe do homem do

    passado (BLOCH, 2001 p.61), mas ser que estamos to distantes assim deste

    passado? E como poderamos definir o passado?

    Existem inmeras respostas a esta pergunta, algumas mais enfticas; outras

    mais poticas, aceitamos a resposta de Hobsbawn ( 2006, p. 23): Passado e deve

    ser claramente uma seleo particular da infinidade daquilo que lembrado ou

    capaz de ser lembrado. Ento, a partir destas lembranas vamos partir do incio de

    tudo.

    Querendo conhecer um pouco sobre este incio, somos levados a buscar as

    diversas narrativas, pois que no temos documentos que comprovem a verdade dos

    acontecimentos descritos, narrativas estas que se confundem com mitos e crenas,

    principalmente religiosos. curioso perceber que, quando falamos sobre o futuro,

    retornamos novamente s crenas religiosas sobre a salvao do Homem. Mas,

    ento, o que temos, neste espao de tempo entre o incio e o fim?

    Temos, aproximadamente, seis mil anos de histria do homem, dos quais

    chegaram at ns poucos documentos dos primeiros cinco mil e quinhentos anos, se

  • 28

    pensarmos na quantidade de documentos que foram escritos depois da inveno da

    mquina de impresso3, no perodo moderno. Observamos aqui, que esta inveno

    foi um dos maiores marcos para o desenvolvimento da humanidade, pois, facilitou o

    acesso e disseminao do conhecimento a todos os povos e regies.

    Sabe-se que muitos originais se perderam no tempo, principalmente nas

    diversas batalhas travadas entre os povos. Por esse motivo, o que temos sobre o

    passado, fruto de uma reconstruo de fragmentos de textos e narrativas de

    diversos autores que ao longo dos tempos contaram uma histria sobre a Histria.

    Segundo Bloch (2001) o dever do historiador colocar um fato em seu meio, em

    seu tempo, mas mesmo consciente do fato, nossa experincia cotidiana que nos

    serve para reconstituir o passado.

    Os homens vivem sua experincia humana integralmente, suas

    necessidades, ideias, sentimentos, valores, razes, entre outros, devem ser

    entendidas como o seu modo de vida, sua cultura.

    Consciente dessa afirmao e da existncia da subjetividade de quem

    escreve, acreditamos que entender a Histria (os relatos que chegaram at ns),

    sobre determinada cultura, poca ou sociedade, tem o papel de nos apresentar a

    evoluo da humanidade, possibilitando assim, o fortalecimento e aprimoramento do

    nosso conhecimento para que possamos viver em sociedade entendendo as

    mudanas que ocorreram e nos capacitando a alterar nosso meio ou transform-lo

    na medida de nossa necessidade, legtimo observar que a leitura da histria do

    mundo se articula sobre uma vontade de transform-lo (LE GOFF, 1990 p.11 )

    Sob esta tica, concordamos com Marx quando ao examinar um fato histrico

    diz que: Os homens fazem sua prpria histria, mas no como querem; no a

    fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam

    diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (MARX, 1996, p. 329).

    A palavra histria vem do grego antigo , em dialeto jnico, derivada da

    raiz indo-europia , ver. Gerando - testemunha em snscrito e

    em grego testemunha (aquele que v), em grego antigo significa procurar

    saber (LE GOFF, 1990). Como j mencionado, sabemos sobre o passado por aqueles que deixaram,

    de alguma forma, seu relato (testemunhas) e compete ao historiador (procurar

    3 Impresso - este sistema foi criado por Johannes Gutenberg (1398-1468) que utilizando uma prensa de madeira e tinta a base de leo (1439), permitiu a produo em massa de livros impressos.

  • 29

    saber) buscar o maior nmero de fontes originais possveis que corroborem com a

    veracidade dos relatos. Est claro que esta tarefa no uma tarefa fcil e muito

    menos simples,

    a medida que a histria foi levada a fazer dos testemunhos involuntrios um uso cada vez mais frequente, ela deixou de se limitar a ponderar as afirmaes [explcitas] dos documentos. Foi-lhe necessrio tambm extorquir as informaes que eles no tencionavam fornecer. (BLOCH, 2001, p. 95)

    Um estudo sobre a Histria nos leva a crer que olhar a humanidade sob essa

    tica no nos leva a um conceito formal e geral sobre tudo, percebe-se que ela

    necessita de outras cincias e tecnologias. As contribuies que todos os ramos do

    saber trazem a essa disciplina, levam a uma viso mais clara e geral das aes e

    transformaes humanas (PIMENTEL; HURBAN, 2003).

    Tentar reescrever a Histria parte da compreenso de uma primeira premissa

    que tudo histria; o que ocorreu h dois milhes de anos e o que ocorreu h um

    milsimo de segundo atrs, enquanto escrevia o incio deste pargrafo, histria.

    Uma segunda verdade que devemos aceitar que tudo sobre o que falamos no

    espao temporal, tambm histria, ela no est fundamentada somente nas

    guerras ou acontecimentos apresentados em livros ou filmes, ela est no cotidiano

    de cada ser esteja ele em qualquer parte do globo terrestre.

    Para escrever sobre todos estes elementos, podemos tentar construir uma

    Histria Geral, uma empreitada que acreditamos ser impossvel dada quantidade e

    diversidade de fatos que deveriam ser apresentados sem que incorrssemos no erro

    do esquecimento de algo que foi mais importante num determinado momento.

    Verificamos, ento, que no seria possvel concluir uma tarefa desta magnitude,

    ento poderamos escolher uma rea do conhecimento, por exemplo, a Fsica, a

    Astronomia, a Linguagem; talvez com esta escolha nos ocuparamos menos, nosso

    trabalho de pesquisa seria menor e mais fcil, quem sabe?

    Mas, pensar em uma disciplina envolve refletir sobre tudo o que fez parte de

    sua evoluo e ao final, veremos que tambm no conseguiramos levar a cabo uma

    tarefa deste porte. Ser ento que poderamos fazer uma pesquisa sobre uma

    regio geogrfica, talvez por ser menor e por termos uma indicao maior dos fatos

    que ocorreram nela poderamos escrev-la sem o medo de perder grandes

    acontecimentos sem afetar a construo de sua histria? Embora saibamos que

  • 30

    esta tarefa um pouco mais fcil, tambm reconhecemos que no seria possvel

    contar sobre tudo o que ocorreu numa determinada regio sem que as mesmas

    perdas ocorressem.

    Ento, poderamos escolher uma comunidade, uma tribo, uma famlia (sua

    gerao) e logo perceberamos que cairamos fatalmente no mesmo problema

    enfrentado anteriormente. Assim, o desespero pode tomar conta do historiador ao

    perceber-se parte de uma rede (uma ramificao no espao tridimensional visto a

    ineficincia de uma linearidade que no existe) de acontecimentos entrelaados que

    podem ou no fazer parte de sua prpria histria, mas que de alguma forma, ligam-

    se em um determinado momento.

    Como resultado destas reflexes, o historiador pode pensar ter resolvido o

    problema, escolhendo um nico fato ou pesquisa. A vida de uma pessoa como

    Gandhi ou um objeto como a construo da esttua do Cristo Redentor podem ser

    um exemplo, mas mesmo estes fatos, apresentam-se sobre numerosas facetas. No

    estudo sobre a vida de Gandhi, teramos o olhar de quem conviveu com ele, as

    pessoas que estavam sua volta, mas tambm h o olhar de quem estava ao longe

    ou de quem leu e analisou sua vida ao longo do tempo com base em sua histria

    seja ela contada ou escrita por quem a escreveu com uma linguagem mais

    rebuscada ou por aquele que simplificou a escrita etc. A vida de uma pessoa

    tambm no seria tarefa to simples por estes mesmos motivos, at mesmo porque,

    nem o prprio ser humano entende as razes de suas atitudes.

    Mas, ento, no poderemos construir uma Histria? Podemos, mas temos

    que entender que esta construo depende das respostas que vamos dando a cada

    pergunta que nos propomos a responder.

    Como j dissemos, o caminho do historiador vai sendo delineado ao longo de

    seu trabalho, dependendo de suas escolhas, a cada ponto de parada preciso

    decidir que rumo tomar, criando um caminho em rede onde cada n (A) nos leva a

    uma nova construo de conceitos (B), diferente do que aconteceria se tivesse

    escolhido (C)... Poderamos apresentar este caminho por uma rede de caminhos,

    conforme figura abaixo:

  • 31

    Figura 1 - Rede de caminhos para a construo da Histria

    Fonte: Elaborado pela autora

    Vemos, ento que a pesquisa histrica no deve priorizar um caminho fixo,

    pr-determinado, pelo qual teramos uma viso mecanicista, at mesmo maniquesta

    do fato analisado. As presses humanas so condicionantes nas escolhas do

    processo histrico, estas condies de carter social, poltico, literrio, cultural,

    econmico, religiosos etc. determinam o foco que daremos, enquanto

    pesquisadores, ao nosso objeto de estudo.

    Compreendamos que cada um faz a sua leitura histrica, com sua

    subjetividade; o fato ocorrido est materializado por objetos, por escritos e

    narrativas, porm essa compreenso se d somente no mundo das ideias, no

    consciente e inconsciente de cada um.

    A pesquisa em textos nos leva a acreditar que aquele fato ocorreu

    exatamente como est descrito, mas no podemos esquecer que o seu autor est

    carregado de experincias, crenas, ideologias. Este que escreve um ser cultural e

    social, logo, no podemos garantir que est despido de todo um contexto vivido, ao

    trmino de seu relato. Poderamos lembrar aqui vrios exemplos ao longo da histria

    da humanidade, mas nos absteremos desta tarefa por no achar oportuno suscitar

    tais discusses.

    Seguindo esta mesma linha de raciocnio, levantamos outra hiptese como

    contestao da veracidade dos escritos, pois, existem verdades transitrias,

    omitidas, escondidas ou desconsideradas, a traduo de textos escritos em outras

    lnguas uma destas hipteses. Se j achvamos a subjetividade do pesquisador

    um problema, a traduo nos leva a crer que um problema ainda maior, pois sendo

    o tradutor um ser cultural e social imbudo de todo um conhecimento adquirido ao

  • 32

    longo de sua vida, de se esperar que tambm a traduo possa ter muito da

    subjetividade daquele que traduz.

    Juntamente a essa questo, o tradutor, em algumas tradues, no encontra

    uma palavra ou termo que possa expressar o mesmo significado semntico da

    lngua de origem para a lngua de chegada. nesta digresso que o tradutor faz

    suas escolhas, muitas vezes sem o conhecimento da diacronia da linguagem

    utilizada no texto histrico. Logo, teramos que contar a histria das tradues,

    levando-nos a concluir que, a traduo tambm constri ou reconstri a histria.

    Se partirmos do pressuposto de que tudo histria, vislumbramos um

    universo de possibilidades ao qual podemos nos encontrar e tambm nos perder.

    Assim como Chomsky (1980) utiliza a Teoria das Cadeias de Markov4 para justificar

    a inadequao do uso da Teoria da Lingustica dos Estados Finitos, pois que a

    lngua no finita, podemos pensar tambm numa compreenso da Histria, neste

    mesmo sentido, pois que a construo destes acontecimentos pode nos levar a uma

    abordagem infinita como nas ramificaes de redes compostas pelos

    acontecimentos.

    Cada escolha feita pelo pesquisador, ento poderia nos levar a uma verso

    simplificada da Teoria do Caos5. Simplificada porque cada nova escolha na rede dos

    acontecimentos interfere no prximo caminho a ser tomado e nas escolhas feitas,

    alm do que, somos seres em constante aprendizado, seres inacabados, cada

    experincia vivida nica, no podemos dizer que duas pessoas que compartilham

    o mesmo conhecimento no mesmo momento o assimilam da mesma maneira, ou

    que dois acontecimentos (A) e (B) podem ser assimilados por uma mesma pessoa

    da mesma forma se forem apresentados por ordem diferente. Ou seja, se A for

    apresentado primeiro que B meu desenvolvimento mental, intelectual ou psquico

    no ser alterado mesmo que B seja apresentado antes que A? Acreditamos que as

    respostas a essa pergunta seja no, pois a ordem como so apresentados dois

    4 Na Teoria das Cadeias de Markov, uma teoria matemtica, os estados discretos (com parmetro geral de tempo) anteriores so irrelevantes para que se pode predizer os estados seguintes somente se o estado atual for conhecido. ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Cadeias_de_Markov. Aceso em 10/06/2013) 5 A Teoria do Caos uma teoria determinista que busca organizar, modular um fenmeno dentro de um estado desorganizado, dentro de uma superficial casualidade. Fonte: Brasil Escola, disponvel em: http://www.brasilescola.com/fisica/teoria-caos.htm. Acesso em: 15 jun. 2013.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Cadeias_de_Markovhttp://www.brasilescola.com/fisica/teoria-caos.htm

  • 33

    fatos a mim pode alterar o meu estado psquico alterando minha percepo e

    constituio emocional e intelectual do ocorrido.

    Nossos constructos mentais so desenvolvidos por cadeias entrelaadas que

    utilizam todas as experincias vividas pelo ser humano em suas diferentes fases da

    vida. A compreenso dessas experincias se encontra nos domnios da linguagem,

    logo a reconstruo da histria a pressupe. Porm, uma primeira anlise deve ser

    feita quanto linguagem; ela no neutra, pois contm toda uma herana,

    fundamentada em seus diferentes nveis de desenvolvimento. A linguagem

    cultural e tambm social, seu uso no apoltico tampouco apartidrio, haja vista a

    manipulao das massas que ocorreram e ainda continuam a ocorrer pelo poder da

    oratria e retrica.

    Diramos, ento, a todos os envolvidos em uma pesquisa, mesmo aqueles

    que somente a esto lendo, que preciso que se tenha um conhecimento, ainda

    que singelo, sobre a Linguagem, principalmente a Lingustica Histrica com seus

    elementos constitutivos embargados de interesses e composto por uma diversidade

    de manifestaes ao longo dos sculos.

    Este conhecimento necessrio, principalmente, quando tratamos das

    narrativas. Estas sero to mais aprofundadas quanto mais relatos e textos

    histricos forem analisados, pesquisados, colocados em paralelo com outros textos,

    relatos ou contextos da poca.

    Estejam o historiador e o fato em diferentes pocas ou no, a histria deve

    renunciar a todo e qualquer preconceito assim como o historiador deve abster-se de

    juzos de valor, no qual o eu interior pode falar mais alto do que o pesquisador ante

    o fato que descreve. Mas, se propusermo-nos a utilizao somente da narrativa

    como meio de construo, a Histria poder perder sua racionalidade e

    imparcialidade, pois que a narrativa faz parte do discurso em que a verdade muitas

    vezes perde o seu sentido prioritrio ante ao encanto da construo do fato.

    O historiador como um cientista deve ter como orientao a busca pela

    verdade, na realidade da poca em que pesquisa. Portanto, a comunicao e

    divulgao de seus resultados devem ser diretas e claramente fundamentadas em

    bases cientficas. O significado do fato histrico dado no por sua representao

    fazer sentido dentro de um texto, mas por ele, o fato, fazer parte de um processo

    histrico demonstrado pelo historiador (LOPES, 2004, p. 343).

  • 34

    Essas bases cientficas a que nos referimos so compostas por metodologias

    que devem englobar os esquemas de ao de forma produtiva com a prtica da

    pesquisa. Nesses esquemas de ao, podem estar inseridas teorias construdas

    pelos fatos histricos, por exemplo, para entender as alteraes ocorridas na Fsica

    do sculo XX, devemos conhecer a Teoria Geral da Relatividade de Einstein, mas

    para melhor compreender esta teoria, devemos trazer luz outras teorias que a

    precederam, como a teoria do espao e tempo de Newton.

    Vemos, ento, no exemplo acima, que uma teoria no nasce livre, h uma

    ligao entre duas (A) e (B) ou mais, seja pela ampliao de seu conceito (o

    smbolo utilizado como indicao de ordem, no de implicao lgica) ou pela

    negao ou contradio ( ) de suas leis. Tambm, devemos inserir nesta

    discusso, o fato de que uma teoria constituda em um campo geralmente se

    encontra em outros domnios do conhecimento como, por exemplo, leis matemticas

    explicando comportamentos biolgicos.

    Rusn (2010) em seu livro Reconstruo do Passado levanta uma questo

    muito importante quando falamos em pesquisas histricas: existem leis para a

    Histria ou no? Poderamos fazer outra pergunta concomitante a esta: existem

    modelos tericos que podem ser utilizados em uma pesquisa histrica? Uma das

    explicaes do autor a de que existem alguns esquemas de explicao racional ou

    cientfica que corroboraram com a construo histrica do fato.

    Nesse esquema, os efeitos temporais so expressos por narrativas

    compostas por um conjunto de sentenas com sentido e significado prprio de quem

    a escreve.

    Figura 2 - Esquema de uma sentena temporal de Rusen

    Fonte: RUSEN, 2010, p. 46

  • 35

    Nas sentenas histricas, todos os fatos merecem e devem ser explicados

    por situaes intermedirias e informaes adicionais, melhor representadas pelo

    modelo simplificado de argumentao histrica de Stegmuler (apud Rusen, 2010, p.

    46).

    Figura 3 - Esquema de uma sentena temporal de situaes histricas

    Fonte: STEGMULER apud RUSEN, 2010, p. 46.

    Em que 1 pode representar um sujeito, grupo de pessoas, um conceito, ou

    seja, um fato ocorrido, 2 determinado pela variao de 1 no tempo com a ajuda

    de uma informao adicional 2. Apontamos aqui, que 2 sem uma informao

    adicional, no representa a totalidade do fato, que ser melhor entendido com a

    utilizao de 2, e que 3 ser mais claramente compreendido se tivermos a

    informao adicional 3 e assim sucessivamente.

    Embora possamos pensar num modelo terico, sabemos que o mesmo no

    seria suficiente para a construo de todos os fatos histricos, pois que eles no so

    lineares, como j explicitamos, h vrias correntes quanto aceitao desses

    esquemas, contudo, acreditamos que os mesmos sejam vlidos no como um fim

    em si mesmo, mas como mais uma ferramenta de pesquisa que possa

    eventualmente responder a todas ou algumas das questes levantadas por

    DAmbrosio (1999, p. 109):

    1. O que realidade? 2. Como o indivduo recebe informaes que deflagram o processo

    cognitivo? Como funcionam os mecanismos sensoriais? O que memria? O que intuio?

    3. Como se d a comunicao? Quais so seus limites? Quais as consequncias da interao comunicativa?

    4. Como se d a gerao individual do conhecimento? 5. Qual o processo social de gerao do conhecimento?

  • 36

    6. Como o conhecimento j coletivizado se estrutura e validado como um corpo de conhecimento? O que verdade?

    7. Como o conhecimento reconhecido como elemento de poder? Quais os mecanismos de expropriao e de hierarquizao de conhecimento?

    8. Como se organiza a difuso do conhecimento? Como se disparte o conhecimento?

    9. Quais os interesses e filtros que canalizam esse dispartir? 10. Como tem sido quebrado o ciclo de gerao-organizao-

    expropriao-difuso ao longo da histria?

    Buscamos trazer estas questes para esta discusso por acharmos que esta

    pesquisa tem, em certa medida, os mesmos interesses do autor. Por exemplo,

    quando refletimos sobre a realidade, processos cognitivos, conhecimento, noes de

    poder etc. deparamo-nos invariavelmente com a Histria.

    Falar sobre a Histria Geral parece-nos um assunto de extrema importncia,

    mas este no nosso objetivo maior. Para situar nosso objeto de estudo dentro de

    um contexto histrico precisaremos delinear o nosso foco para uma linha de

    pensamento mais especfico que a Histria da Matemtica.

    1.1. A Histria da Matemtica

    Como j falamos sobre a Histria Geral, vamos, neste tpico falar sobre a

    Histria da Matemtica, neste caso, quem nos d outra excelente resposta nossa

    pergunta inicial: Por que estudar Histria e porque estudar a Histria da

    Matemtica? o pesquisador, Dr. Ubiratan DAmbrosio quando diz que: a histria

    da Matemtica um elemento fundamental para se perceber como teorias e prticas

    matemticas foram criadas, desenvolvidas e utilizadas num contexto especfico de

    sua poca (DAMBROSIO, 1997, p. 29), mas o autor nos alerta que no somente

    o conhecimento da histria que vai nos levar a resoluo de um problema atual.

    preciso entender toda a totalidade histrica desse conhecimento para que mudanas

    ocorram.

    Descartes (1978), apresenta-nos uma verso sobre a necessidade de

    conhecer a histria como uma conversa com aqueles que a escreveram, afirma que

    estas leituras seriam como palestras com os antigos, as palestras seriam viagens

    no tempo, mas alerta que preciso tomar cuidado para no se perder e ficar no

    passado ignorando o decurso atual.

  • 37

    Dirk Jan Struik (1985), em seu artigo sobre Por que estudar Histria da

    Matemtica nos apresenta os motivos que ele considera pertinentes para o estudo

    da Histria, motivos que em muitos momentos se fundem com as finalidades

    apresentadas por DAmbrosio. Para Struik, a Histria da Matemtica

    1) satisfaz o desejo de muitos de ns de sabermos como as coisas em Matemtica se originaram e se desenvolveram; 2) o estudo de autores clssicos pode oferecer uma grande satisfao em si mesmo, mas tambm pode ser um auxiliar no ensino e na pesquisa; 3) ela ajuda a entender nossa herana cultural, no somente atravs das aplicaes que a Matemtica teve e ainda tem na Astronomia, na Fsica e em outras cincias, mas tambm devido s relaes que ela teve e ainda tm com campos variados como a arte, a religio, a Filosofia e as tcnicas artesanais; 4) ela pode proporcionar um campo onde o especialista em Matemtica e os de outros campos da cincia podem encontrar interesse comum; 5) ela oferece um pano de fundo para a compreenso das tendncias em educao matemtica no passado e no presente; 6) podemos ilustrar ou tornar mais interessante o seu ensino e conversao com historietas. (STRUIK, 1985, p. 212).

    Struik (1985),aponta-nos tambm que muitas vezes, pensar e reescrever

    esta histria pode no s ser um aliado para o desenvolvimento do conhecimento do

    passado. Em alguns casos, diz o autor, o reconstrutor dessa histria pode criar o

    novo a partir do passado ou de algum ponto do passado pode continuar o caminho

    ainda no percorrido.

    H ocasies em que alguma coisa realmente grande surge de estudos de registro de casos passados. O mais conhecido o trabalho de Hilbert sobre os fundamentos axiomticos da Geometria, baseado na busca dos pontos fortes e fracos dos Elementos de Euclides e na investigao quando necessrio at mesmo assimilao de outras contribuies atravs dos tempos, desde Arquimedes, Pappus at Pascal e Pasch. Nesse caso uma parte quase fossilizada da matemtica foi recriada com uma nova e esplndida vida. (STRUIK apud GAMA, 1985, p. 198).

    Embora seja tarefa do historiador apresentar os fatos ao leitor como eles

    realmente aconteceram, quando falamos em Histria do Mundo e Histria Antiga

    no podemos precisar com certeza sobre tudo o que aconteceu, muitos fatos so

    uma suposio daqueles que tiveram acesso parte do material encontrado, ou que

    s vezes o material disponvel no subsidia para uma perfeita interpretao.

    Exemplo disso so as antigas civilizaes ou mesmo alguns dos filsofos pr-

  • 38

    socrticos como Tales de Mileto que no deixou nenhum documento concreto, mas

    que sua obra discutida principalmente por Aristteles.

    Apontar os acontecimentos passados de forma conectada extremamente

    conflitante para o pensamento humano. Cada era, cada civilizao, cada cultura e

    cada poca teve seu desenvolvimento, sua forma de entender o mundo que o

    cercava. Apresentar a histria da humanidade, no significa apresentar uma

    linearidade na evoluo de todo o ser humano, pois que no houve linearidade.

    Pode-se sim, discorrer sobre uma certa linearidade individual de cada civilizao.

    Poderamos dizer que essa linearidade, aqui apresentada, se daria mais por

    um enfoque evolucionista, segundo Struik, do que gentico e fenomenolgico. O

    autor diz que o evolucionista

    v a Matemtica, e as cincias naturais em geral, como estado preliminar de uma viagem contnua de descobertas, comeando no passado e continuando at os dias de hoje, criando sempre sabedoria e entendimento crescentes. Tem havido altos e baixos, mas a longo prazo a tendncia tem sido para cima. Os resultados do passado so traduzidos na linguagem de hoje, o passado referido ao presente, e o resultado , em muitos casos, uma construo harmoniosa. (STRUIK, 1985, p. 200).

    Vimos, aqui, um pouco sobre alguns historiadores e seus pensamentos sobre

    como a Histria deve ser pesquisada. Em qualquer um dos casos, de consenso

    que seu estudo proporciona no somente o conhecimento do passado, mas a

    compreenso do presente e uma expectativa sobre o futuro.

    Futuro, que est conectado ao conhecimento do presente, que entendido

    por ns, como uma consequncia da compreenso do passado, e compreendemos

    o passado estudando-o, seja em nossa prpria casa ou nas instituies de ensino.

    Nestas, sob nosso ponto de vista, as informaes compartimentalizadas so

    oferecidas de forma fragmentada nas diversas reas do conhecimento, muitas vezes

    no refletindo uma preocupao com a construo integral do indivduo.

    A escola, conforme comenta DAmbrosio, ao longo de suas vrias obras, um

    local de transmisso e criao de conhecimentos, onde os objetivos so de ordem

    mais imediata, contrapondo a finalidade da Academia que tem como preocupao

    central elevar o homem.

    Mesmo havendo a inteno de uma interdisciplinaridade e

    transdisciplinaridade que eleve o ser humano de maneira a torn-lo um cidado

  • 39

    crtico e consciente de si e do seu lugar no mundo; e, embora verifiquemos a

    existncia de iniciativas que nos levem para este caminho, o que ainda se percebe

    que os planos de ensino, nas escolas, esto sendo confeccionados por especialistas

    cada vez mais isolados em suas especialidades.

    Podemos exemplificar o fato de alguns professores de Geografia no

    saberem o que os professores de Matemtica ensinam, ou professores de Lngua

    Portuguesa no terem a dimenso de sua disciplina para a compreenso da

    Matemtica, Fsica, Qumica, Biologia etc., ou mesmo que estas reas afins possam

    no se comunicar, embora esta comunicao deva estar centrada na linguagem.

    Kvasz nos traz a importncia da anlise dos fundamentos da Matemtica na

    historicidade de sua linguagem:

    This context draws our attention to problems such as: what linguistic innovations were accompanying a particular mathematical discovery; what the linguistic framework of a particular heuristics was; what linguistic means were used in a particular refutation. In turns out that the fundamental discoveries in the history of mathematics were closely connected with important linguistic innovations. The great discoverers were as a rule also great linguistic innovations6.(KVASZ, 2008, p. 6)

    Estes conhecimentos disciplinares na escola so definidos por DAmbrosio

    com um arranjo, organizado segundo critrios internos prpria disciplina, de um

    aglomerado de modos de explicar (saber), de manejar (fazer), de refletir, de prever,

    e dos conceitos e normas associados a esses modos. (1993, p. 82) Porm o autor

    salienta que se a histria for vista individualmente por cada um destes

    acontecimentos ela ter um carter reducionista, assim como cada disciplina o tem,

    se vista desta forma. Para ele, esta compartimentalizao ideolgica gerou srios

    problemas humanidade como conflito homem e natureza, divrcio mente e corpo,

    tenso e agressividade entre classes sociais, rivalidade entre naes (ib id).

    Portanto, no h como compreender a Histria da Matemtica sem que se

    compreenda a Histria Geral, composta por todas as outras histrias, pois, os

    6 Esse contexto atrai nossa ateno para problemas tais como: quais inovaes lingusticas estavam acompanhando uma particular descoberta matemtica; qual era o quadro lingustico de uma particular heurstica; qual meio lingustico foi usado em uma particular refutao. Acontece que as descobertas fundamentais na histria da matemtica estavam estreitamente conectadas com importantes inovaes lingusticas. As maiores descobertas foram por regra tambm as maiores inovaes lingusticas. (traduo livre)

  • 40

    acontecimentos, como j dissemos, no foram produzidos de forma linear, eles se

    deram no espao e no tempo, construdos pelo Homem, seja para suprir suas

    necessidades fsicas, pelo poder e pela ganncia ou, simplesmente, pela beleza e

    pelo amor arte e ao prximo.

  • 41

    CAPTULO 2 A LINGUAGEM

    Lnguas so o melhor espelho da mente humana. Leibniz

    2.1. Origem e histria da linguagem

    O homem primitivo j era dotado da capacidade da linguagem? Se no era,

    como se deu este desenvolvimento?

    Uma corrente de pesquisadores, principalmente amparada nas contribuies

    antropolgicas e paleontolgicas, afirma que o homem primata j possua uma

    linguagem articulada ligada conscincia e ao pensamento abstrato que a ela est

    associado (CLARKE, 1980). Portanto, a linguagem desempenha um papel

    importante na acelerao da evoluo humana.

    Isso no significa admitir que os homindeos j falassem como ns, h trs

    milhes de anos, mas que os mesmos j possuam configuraes fsicas em sua

    estrutura biolgica e fisiolgica que lhes permitiam emitir sinais sonoros que

    ultrapassassem os sinais dos animais. Os sons simples saiam da garganta, mas

    foram as modificaes da lngua e do palato, e sua articulao, as responsveis pelo

    desenvolvimento da fala.

    No se tem certeza quando se fala na criao e evoluo do homem, bem

    como no desenvolvimento de sua linguagem. O que existem so suposies e

    teorias. Charles Berlitz (1982) apresenta em seu livro, As lnguas do mundo,

    algumas dessas teorias sobre o desenvolvimento da linguagem, uma a de que

    talvez a lngua tenha comeado com gritos de alerta para os outros, tais como

    cuidado ou socorro ou que elas tenham se iniciado por instrues dadas pelo lder

    durante a caa ou outra atividade. Outra teoria seria a chamada Interjetiva ou

    teoria do , nela, supe-se que a linguagem tenha surgido para

    apresentar desagrado, fome ou prazer, evoluindo a partir da.

    A teoria das vozes dos animais ou teoria , tambm,

    apresentada por Berlitz (1982), estabelece que a raa humana desenvolveu um

    vocabulrio inicial a partir dos sons produzidos pelos animais de forma a poder

    identific-los. A onomatopaica ou teoria , sugere que a linguagem

    dos humanos deu-se da noo de objetos, aes e fenmenos com um som distinto

  • 42

    como bum para trovo e chu para a gua. Esta teoria vem da palavra

    que em grego significa dar nome ou cunhar palavras de modo a que

    ecoem um som (ou para uma impresso verbal de algo que visto). (BERLITZ,

    1982, p.9). Na Grcia antiga foram os estoicos que sustentaram esta teoria dando

    grande importncia s formas originais ou sons primitivos.

    Berlitz (1982) apresenta ainda a teoria yo-he-ho em que a linguagem

    produto da evoluo dos cantos ritmados que acompanham o trabalho em grupo e,

    como os humanos estavam dispostos em pequenos grupos familiares, a cada novo

    encontro, novas palavras e ritmos eram disseminados entre si, dando-se assim a

    evoluo da linguagem.

    A verso de Berlitz pode ser corroborada com os escritos de Leibniz que

    tambm aponta a origem da linguagem pela onomatopeia. Afirma que necessrio

    estud-la para que se entenda a relao e miscigenao dos povos: as lnguas,

    pelo fato de representarem os mais antigos monumentos dos povos, anteriores

    escrita e s artes, so as que melhor assinalam a origem dos parentescos e das

    migraes dos povos. (LEIBNIZ, 2000, p. 274).

    Jean-Jacques Rousseau, em seu livro, Ensaio Sobre a Origem das Lnguas

    (2010), nos apresenta outra forma (mais romantizada) de interpretar a origem da

    linguagem. Em uma de suas suposies, o homem utilizou a linguagem no por ter

    raciocinado, mas por ter sentido.

    As teorias sobre a origem das lnguas, em sua maioria, afirmam que o homem

    comeou a falar para expressar suas necessidades, mas Rousseau interpela que o

    efeito natural das primeiras necessidades foi o de afastar o homem e no de os

    aproximar ( ib id p.103) pois para o povoamento da espcie, no mundo, era preciso

    que as pessoas se espalhassem, caso contrrio, todos viveriam somente em um

    lugar do mundo. De onde viria a origem da linguagem?

    Das necessidades morais, das paixes. Todas as paixes aproximam o homem, forados a se separarem pela necessidade de procurar os meios de vida. No foi a fome nem a sede, mas o amor, o dio, a piedade, a clera que lhes arrancaram as primeiras vozes. Os frutos no fogem de nossas mos, deles possvel alimentar-se sem falar, persegue-se em silncio a presa que se quer comer; porm, para comover um jovem corao, para repelir um agressor injusto, a natureza dita acentos, gritos, lamentos. Eis as mais antigas palavras inventadas e eis porque as primeiras lnguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metdicas. (ROUSSEAU, 2010 p.104).

  • 43

    Mas ao mesmo tempo em que Rousseau fala sobre o amor e o dio, o filsofo

    tambm concorda com a teoria das transformaes fisiolgicas e biolgicas como

    marco para a origem e evoluo da linguagem.

    Pensar sobre esta origem das lnguas nos transporta Grcia antiga, pois foi

    l que se estabeleceu o seu estudo, definido pela anlise da Linguagem, uma forma

    de sistematizar o conhecimento at ento transmitido de um indivduo para outro.

    A anlise da linguagem nessa poca era apresentada em trs direes,

    conforme cita Jos Herculano Carvalho (1970) em seu livro Teoria da Linguagem,

    estas trs direes representam diferentes perspectivas em relao ao mesmo

    objeto, so elas:

    1 Orientao filosfica, iniciada pelo sofista Protgoras, (480-410 a.C.) e posteriormente estabelecida por Plato e Aristteles. O foco das reflexes

    sobre a linguagem era resolver o problema que existe entre esta e a

    realidade, entre as palavras e os objetos que a designam.

    Para Plato, a linguagem uma criao humana (naturalismo lingustico),

    mas que provm da essncia das coisas que ela representa, e por causa disso,

    torna-se uma obrigao, uma lei para a sociedade (KRISTEVA,1969). Seus estudos

    sobre este tema so apresentados mais profundamente no dilogo de Plato

    conhecido como Crtilo (PLATO, 2001). Nesse dilogo, Plato debate sobre a

    origem da lngua, as palavras e o seu significado; a relao entre a linguagem e a

    natureza.

    Plato afirma que deve haver uma relao natural entre os nomes

    (elementos) e as coisas, assim sendo, os nomes seriam a demonstrao fontica

    destas coisas ou uma imitao delas. No pensamento de Plato, a linguagem o

    ser, o prprio ser se expressando (SANTOS, 2008, p. 185).

    Contudo, esta expresso advm do conhecimento que se tem desta coisa,

    logo h a necessidade de se refletir sobre aquilo que est sendo nomeado. A partir

    desta reflexo, poderemos combinar elementos quando necessrio, nomeando

    outras coisas, formando slabas, estas slabas combinadas formaro nomes e

    verbos que construiro o discurso ou a retrica. (CRATILO, 425a). Aqui, vemos mais

    claramente a preocupao de Plato em iniciar um debate sobre o processo da

    linguagem.

  • 44

    2 Decorrente da primeira tem-se a orientao lgica, principalmente representada por Aristteles e continuada pelos estoicos, nela a reflexo era

    direcionada para o correto exerccio da linguagem para alcanar a verdade

    (CARVALHO, 1970, p. 3). Verdade dita por regras a serem determinadas no

    discurso da razo; o discurso verbal.

    Aristteles foi mais incisivo ao se referir sobre esse assunto, em seu livro,

    (apud CARVALHO, 1970) dizendo que a fala a representao

    das experincias da mente e a escrita a representao da fala, em sua

    compreenso sobre a linguagem, faz um paralelo entre a escrita e a linguagem,

    afirmando que se os homens no tm a mesma escrita, ento no tem os mesmos

    sons da fala, mas que nem por isso, tornam-se diferentes quando se referem s

    experincias mentais, que afirmam serem as mesmas para todos.

    3 Orientao filolgica e gramatical, tambm originada em Protgoras, tinha como estmulo a necessidade da edio e compreenso de textos

    antigos o que posteriormente levou-os a uma normatizao do uso da fala e

    escrita nas argumentaes do discurso.

    Os estudos lingusticos que comearam no mundo helenstico foram

    absorvidos pelos romanos quando da ascenso do Imprio Romano e expanso do

    Cristianismo em todo o mundo, a estes trs povos, gregos, romanos e judeus, a

    Europa atual e grande parte do mundo moderno devem a origem de sua civilizao

    intelectual, moral, poltica e religiosa. (ROBINS, 1979, p. 35). Ao final do sculo IV,

    o Imprio Romano, dividido em dois, oriental e ocidental, viu tambm uma diviso

    lingustica, com o latim tornando-se uma lngua administrativa e erudita na poro

    ocidental e o grego sendo utilizado no lado oriental.

    O latim falado na parte ocidental do Imprio foi substituindo aos poucos as

    lnguas primitivas na maioria das provncias ocidentais, transformando-se, ao longo

    do tempo, nas lnguas chamadas romnicas ou neolatinas. Alguns gramticos e

    filsofos desta poca, tais como Varro, Prisciano e Quitiliano so os responsveis

    pelo estudo da lngua grega e do latim bem como as relaes que existiam entre

    elas.

  • 45

    Com a queda do Imprio Romano na Idade Mdia, o latim adquiriu maior

    prestgio por ser a lngua da literatura patrstica nos servios e administrao da

    Igreja Catlica, motivo pelo qual os trabalhos na rea da educao, tambm

    utilizavam essa lngua. Na poca medieval, a educao era dividida em duas

    partes7, a primeira parte () era formada pela gramtica, dialtica (lgica) e

    retrica e a segunda parte () era composta pela msica, aritmtica,

    geometria e astronomia. Estas sete reas de estudos ficaram conhecidas como as

    sete artes liberais. Deste perodo em diante, a preocupao dos estudiosos

    centrou-se na educao. Santo Agostinho, So Jernimo, Santo Isidoro de Sevilha

    so alguns pensadores deste perodo. A filosofia Escolstica, decorrente desta

    poca, procurou unificar todos os ramos do saber, tentando harmonizar as ideias da

    razo (filosofia aristotlica) com a revelao (f crist) tendo como um dos maiores

    pensadores desta poca So Toms de Aquino.

    Aps o fim da Idade Mdia, o Renascimento foi considerado como o incio de

    um novo mundo para o conhecimento humano. Neste perodo, Colombo descobriu

    novas terras dando incio expanso europeia por todo o globo terrestre, o saber

    gramatical foi disseminado e novos estudos lingusticos foram desenvolvidos em

    vrias lnguas. J no mais havia a predominncia do latim e do grego, mas uma

    preocupao com as vrias lnguas conhecidas; durante este perodo a gramtica do

    grego e a do latim foi assumindo a forma como hoje so conhecidas nos livros

    escolares.

    A expanso martima europeia e a inveno da imprensa fizeram crescer a

    procura por instruo. As informaes eram transmitidas com maior rapidez e para

    lugares mais distantes. A disponibilidade de textos, gramticas e dicionrios era

    muito maior do que anteriormente, fazendo com que as discusses e trocas de

    conhecimento entre tericos e estudiosos de diversos pases contribussem cada

    vez mais para o desenvolvimento das cincias. Nessa troca e disseminao de

    ideias em vrias lnguas, o latim perdeu sua posio como lngua internacional do

    saber e da autoridade, sendo atualmente uma lngua morta.

    7 Esta diviso em trivium e quadrivium foi feita por Bocio (500 dC), tradutor das obras de Aristteles para o

    latim.

  • 46

    Desde o perodo antigo at os dias atuais, muito se tem estudado nesse

    campo, principalmente aps o sculo XIX com o surgimento do Romantismo e o

    estudo das civilizaes antigas com sua literatura e lngua antiga, alm da filologia

    indo-europeia, germnica e romnica, destas, nasceu a Lingustica ou Cincia da

    Linguagem. No desenvolvimento dos estudos lingusticos, vrios campos de estudo

    tomaram para si a responsabilidade de tambm estud-la dando cada um sua

    contribuio, criando-se assim reas como a Psicologia da Linguagem, a Sociologia

    da Linguagem, a Antropologia Cultural (ligada Sociologia) e mais tarde, a Teoria

    da Comunicao (LYONS, 2011).

    2.2. A linguagem humana

    Apresentamos, at aqui, uma pequena introduo origem e histria da

    linguagem. Como j observamos, o que existem sobre este assunto so teorias,

    suposies acerca do tema. Mas, interessa-nos mais que identificar sua origem,

    mostrar como se deu a evoluo da linguagem humana, e para isso, ocuparemo-

    nos, em colocar o homem em atividade, ou seja, no um homem isolado, mas um

    ser social, que estabelece relaes com outros indivduos, relaes estas que se

    fundamentam essencialmente pelo uso da linguagem.

    Pensando dessa forma, que a linguagem faz parte da comunicao social e,

    conforme Clarke (1980), a linguagem provm da tomada de conscincia, a linguista

    Julia Kristeva expe:

    Se a linguagem a matria do pensamento, tambm o prprio elemento da comunicao social. No h sociedade sem linguagem, tal como no h sociedade sem comunicao. Tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para ser comunicado. (KRISTEVA, 1969, p. 18)

    Para a autora, a linguagem tem como uma de suas funes primordiais a de

    produzir e comunicar um pensamento. Mas seja de qual forma se deu a evoluo da

    linguagem, ela s existe se existir um outro que a entenda, conforme afirma um

    dos grandes estudiosos do grupo lingustico indo-europeu Ferdinand Saussure8 que

    define como lngua um sistema cujos termos so todos solidrios e em que o valor

    8 Ferdinand Saussure (1857-1913), linguista suo, escreveu o Curso de Lingustica Geral publicado postumamente.

  • 47

    de um no resulta seno da presena simultnea dos outros(SAUSSURE, 1978 p.

    5), ou seja, a lngua um cdigo que s pode ser entendido por quem o conhece e

    dele participa.

    A lngua que falamos uma lngua herdada por nossos antepassados, pelas

    geraes que as usavam antes de ns, e que ao longo da evoluo humana foi

    sendo aprimorada, alterada e adaptada por conquistadores, nmades etc.