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Cerâmica indígena do Brasil: Cultura material dos Paiter Suruí/RO e Asurini/Xingu/PA
Autor: Jean-Jacques A. Vidal.
Orientadora: Profa. Dra. Geralda Dalglish (Lalada)
Neste artigo, tratamos de um aspecto específico da cultura material dos índios
Paiter Suruí de Rondônia e Asurini do Xingu-PA, a cerâmica. Esta arte para
estes povos envolve muito mais do que apenas o fator cerâmico, pois sabemos
que em uma sociedade indígena a cultura material se insere em um universo
maior, que inclui as relações sociais, a relação com a natureza e com a
sobrenatureza. A arte, e mesmo as práticas tecnológicas, não ficam desligadas
destas outras dimensões.
As peças apresentadas representam um saber e no caso dos Suruí
envolve um ritual em sua produção. Estas peças são fabricadas somente
durante o período da seca, isto é, os meses de junho, julho e agosto, período
este mais adequado para obtenção das matérias primas como a argila extraída
do fundo do igarapé, das sementes para alisar as peças e da madeira para
queimar. São importantes também as técnicas, comportamentos, atitudes,
gestos e emoções, que envolvem esta prática artística.
Em 1986, visitei a cidade de Cacoal, em Rondônia, a convite da
indigenista Maria do Carmo Barcellos, com quem conversei muito sobre as
peças cerâmicas que os índios traziam para vender. Fiquei impressionado
naquele momento com a beleza da forma e a coloração das peças, sem
nenhuma decoração. Pensei na possibilidade de realizar um trabalho com eles
e fiquei muito contente, quando me convidaram para visitar a aldeia.
Como resultado dessa convivência, muito gratificante, com os Suruí,
especialmente pelo interesse que manifestaram em acompanhar e participar de
minha pesquisa, defendi em 2011 no IA/UNESP, a minha tese de mestrado: “A
cerâmica do povo Paiter Suruí de Rondônia: continuidade e mudança cultural,
1970-2010”. Para esse trabalho, além dos índios, pude contar com o apoio de
minha orientadora, Profa. Dra. Geralda Mendes F.S. Dalglish (Lalada) e, em
especial, da antropóloga Dra. Betty Mindlin, cujas obras sobre os Paiter Suruí
foram referência constante para entender a história desse povo e suas
características socioculturais. Esse trabalho também não teria sido possível
sem o acompanhamento altamente qualificado do líder e professor indígena,
Uraan Anderson Suruí.
Já a partir de 2010, houve o interesse de promover, de maneira mais
qualificada e em colaboração com os índios, a valorização da arte cerâmica
Suruí no meio urbano. Com o apoio de acadêmicos, galeristas, curadores e do
Museu do Índio – FUNAI (RJ), os índios Suruí conseguiram espaço e
oportunidade, segundo eles inovadoras, para participar de uma série de
eventos, todos relativos à sua arte mais relevante e diferenciada, a cerâmica.
Figura 1 - A ceramista Pamatoa Suruí modelando uma panela Itxira. Aldeia Gabgir – RO, da linha 14, 2014. Fotos Jean-Jacques Vidal.
Em 2015 tivemos a oportunidade de conhecer os Asurini do Xingu no estado do
Pará, povo que se distingue pela rica produção cerâmica, de forma bastante diferente
dos Paiter Suruí. Essa diferença nos leva a uma primeira constatação: a arte cerâmica
indígena é extremamente diversificada no que se refere tanto à tecnologia como ao
estilo, às formas produzidas, à decoração e às implicações sociais e cosmológicas
indissociáveis da atividade.
Figura 2 – Ceramista Asurini dando acabamento em peça cerâmica decorada. Aldeia do Koatinemo, Xingu-PA, 2015. Foto Jean-Jacques Vidal.
Após o trabalho de campo entre os Asurini e a leitura de textos sobre os
significados dos grafismos aplicados em sua cerâmica (Müller, R.P. 1993,
2009) sentimos a necessidade de ampliar nossos horizontes e enriquecer o
nosso conhecimento sobre a diversidade da produção cerâmica ameríndia. A
primeira constatação é que não existe uma tradição cerâmica, mas uma grande
variedade de tradições, cada qual profundamente inserida em um contexto
sociocultural, ambiental e histórico específico.
Esta constatação, entretanto, não pode obscurecer que existem muitas
semelhanças na cerâmica ameríndia a serem registradas: o fato de ser uma
tarefa essencialmente feminina e uma atividade exclusivamente artesanal,
além de, apesar de algumas diferenças, ser elaborada com técnicas e
procedimentos bastante semelhantes.
Constatamos também que todas as sociedades amazônicas que
produzem cerâmica, possuem regras, a serem obedecidas na sua fabricação.
Outro fator comum, apesar das mudanças, adaptações e inovações, é o fato
dos índios atribuírem à atividade cerâmica uma posição privilegiada nas suas
respectivas culturas, sendo considerada, em alguns casos, como um definidor
de identidade para si mesmos e frente a outras etnias indígenas ou aos não-
índios. Verificamos também o papel importante da cerâmica na mitologia e
cosmologia indígenas, assim como sua íntima relação com o meio ambiente de
onde provem as matérias primas para sua confecção e muitos dos padrões
para sua ornamentação.
É importante lembrar que em todas as sociedades indígenas
amazônicas, os donos dos conhecimentos e das artes são seres sobrenaturais
com os quais é preciso negociar, geralmente através da atividade xamãnica
(Els Lagrou, 2009). Este é um aspecto fundamental da arte indígena.
São notórias as diferenças entre o processo de fabricação e o estilo das
peças cerâmica Suruí e Asurini do Xingu. Podemos verificar visivelmente estas
diferenças nas peças abaixo (figura 3, coleção particular Regina Polo müller) e
(figura 4, coleção particular Betty Mindlin).
Figura 3- Peça Asurini, Xingu –PA, 1978. Figura 4- peça Suruí – RO,1980.
As belas formas e a coloração de tons quentes, sem nenhuma
decoração intencional a não ser os matizes provenientes da própria matéria
prima muito apreciados entre os Suruí, agregam um valor estético as suas
peças e valorizam as suas formas. Sempre ficamos muito intrigados com a
perfeição das formas, acabamento e qualidade técnica da cerâmica Suruí.
Ainda mais por não possuir nenhuma decoração como acontece entre os
Asurini do Xingu. Constatamos em ambos os casos que todos os
procedimentos para a fabricação destas cerâmicas, são extremamente
elaborados e dirigidos especificamente para a obtenção de um resultado de
alta qualidade funcional e estética.
Referências Bibliográficas:
LAGROU, E. Arte Indígena no Brasil. Belo Horizonte: editora C/arte, 2009.
MINDLIN, B. Vozes da origem/ (seleção e organização) Betty Mindlin e Narradores Suruí; tradução e transcrição das gravações Antonio Ipokarã. Rio de Janeiro: Record, 2007.
___________ Diários da floresta. São Paulo: Terceiro Nome, 2006
___________Nós Paiter. Os Suruí de Rondônia. Petrópolis: Vozes,1985.
MÜLLER, R, P. Os Assurini do Xingu: história e arte . 2 ed.. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993.
____________ Ritual da Imagem: Arte Asurini do Xingu. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 2009.
SILVA, F. A. As tecnologias e seus significados: um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kayapó-Xikrin sob uma perspectiva etnoarqueológica.Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em antropologia social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP,2000.
VIDAL, J.J.A. A cerâmica do povo Suruí de Rondônia: Continuidade e mudança cultural 1970 – 2010. Tese de mestrado apresentada ao Instituto de Arte da Universidade Estadual Paulista “Julio De Mesquita Filho”. UNESP. 2011.
VIDAL, L. Grafismo indígena. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, EDUSP, 1992.