UMA REVISÃO SOBRE RECEPTORES OPSÔNICOS E NÃO OPSÔNICOS

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RUBS, Curitiba, v.1, n.3, p.12-16, abril/jun. 2005 artigo original \ uma revisão sobre receptores opsônicos e não opsônicos 59 UMA REVISÃO SOBRE RECEPTORES OPSÔNICOS E NÃO OPSÔNICOS OPSONIC AND NONOPSONIC RECEPTORS: A REVIEW LILIANE ROSKAMP 1 , MARIÂNGELA PEGORARO 2 , PAOLA ROSA LUZ 3 , SANDRA CRESTANI 4 , ROGÉRIO SAAD VAZ 5 1 Especialista em Endodontia pela USP e aluna do curso de especialização em Imunologia do UnicenP. 2 Bióloga e especialista em Genética Humana pela PUC-PR e aluna do curso de especialização em Imunologia do UnicenP. 3 Bióloga pela UFPR e aluna do curso de especialização em Imunologia da UnicenP. 4 Bióloga pela Faculdades Integradas Católica de Palmas e aluna do curso de especialização em Imunologia do UnicenP. 5 Doutorando em Biotecnologia pela UFPR e professor dos cursos de farmácia e Medicina do UnicenP. RESUMO O objetivo deste trabalho foi verificar o atual conhecimento sobre os receptores de célu- las que participam da fagocitose, um mecanismo crucial de defesa envolvido na resposta imu- ne inata. Embora não exista uma classificação clara e definida para os mesmos, estes recepto- res são geralmente classificados como opsônicos e não opsônicos. O primeiro grupo é repre- sentado pelas opsoninas, moléculas responsáveis por envolver o patógeno a fim de facilitar a fagocitose pelas células fagocíticas, ou através da ativação da cascata do complemento. No segundo grupo, o contato e ativação são feitos através de receptores, através de interações célula-célula, sem a facilitação promovida pelas opsoninas. Mais estudos são necessários para compreender o exato papel de cada receptor no processo imune para que se possa estabele- cer uma classificação mais acurada. Palavras-chave: fagocitose; opsonização; receptores opsônicos; receptores não opsônicos. 1 INTRODUÇÃO O revestimento de um microorganis- mo com moléculas que favorecem sua des- truição pelos fagócitos é conhecido como opsonização. As opsoninas (facilitadores da fagocitose) são proteínas que recobrem as bactérias tornando-as mais fagocitáveis. As principais proteínas envolvidas nesta fun- ção são: IgG, frações C3b e C3bi do siste- ma do complemento e fibronectina. Os patógenos revestidos de anticor- pos são reconhecidos por células efetoras acessórias através de receptores para a porção Fc. Essa ligação ativa o fagócito e leva à lesão ou destruição do patógeno. Receptores específicos para as proteínas opsonisadoras estão presentes na parede dos macrófagos, que se ligam ao comple- xo opsonina-bactéria, fagocitam a bactéria e as matam através de mecanismos oxida- tivos e enzimáticos. Algumas bactérias, como E. coli e Pseudomonas são fagocita- das independente de serem opsonisadas, pois se ligam diretamente a receptores nos macrófagos. Já os neutrófilos, embora ex- pressem receptores opsônicos similares, não possuem a maioria dos receptores in- dependentes das opsoninas para a fagoci- tose. (1) Neste trabalho abordaremos os prin- cipais receptores envolvidos na fagocitose detalhando seus principais aspectos, bem como a correspondente via fagocítica.

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UMA REVISÃO SOBRE RECEPTORES OPSÔNICOS E NÃO OPSÔNICOSOPSONIC AND NONOPSONIC RECEPTORS: A REVIEWLILIANE ROSKAMP1, MARIÂNGELA PEGORARO2, PAOLA ROSA LUZ3, SANDRA CRESTANI4, ROGÉRIO SAAD VAZ5

1Especialista em Endodontia pela USP e aluna do curso de especialização em Imunologia doUnicenP.2Bióloga e especialista em Genética Humana pela PUC-PR e aluna do curso de especializaçãoem Imunologia do UnicenP.3 Bióloga pela UFPR e aluna do curso de especialização em Imunologia da UnicenP.4Bióloga pela Faculdades Integradas Católica de Palmas e aluna do curso de especializaçãoem Imunologia do UnicenP.5Doutorando em Biotecnologia pela UFPR e professor dos cursos de farmácia e Medicina doUnicenP.

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar o atual conhecimento sobre os receptores de célu-las que participam da fagocitose, um mecanismo crucial de defesa envolvido na resposta imu-ne inata. Embora não exista uma classificação clara e definida para os mesmos, estes recepto-res são geralmente classificados como opsônicos e não opsônicos. O primeiro grupo é repre-sentado pelas opsoninas, moléculas responsáveis por envolver o patógeno a fim de facilitar afagocitose pelas células fagocíticas, ou através da ativação da cascata do complemento. Nosegundo grupo, o contato e ativação são feitos através de receptores, através de interaçõescélula-célula, sem a facilitação promovida pelas opsoninas. Mais estudos são necessários paracompreender o exato papel de cada receptor no processo imune para que se possa estabele-cer uma classificação mais acurada.

Palavras-chave: fagocitose; opsonização; receptores opsônicos; receptores não opsônicos.

1 INTRODUÇÃO

O revestimento de um microorganis-mo com moléculas que favorecem sua des-truição pelos fagócitos é conhecido comoopsonização. As opsoninas (facilitadores dafagocitose) são proteínas que recobrem asbactérias tornando-as mais fagocitáveis. Asprincipais proteínas envolvidas nesta fun-ção são: IgG, frações C3b e C3bi do siste-ma do complemento e fibronectina.

Os patógenos revestidos de anticor-pos são reconhecidos por células efetorasacessórias através de receptores para aporção Fc. Essa ligação ativa o fagócito eleva à lesão ou destruição do patógeno.Receptores específicos para as proteínas

opsonisadoras estão presentes na parededos macrófagos, que se ligam ao comple-xo opsonina-bactéria, fagocitam a bactériae as matam através de mecanismos oxida-tivos e enzimáticos. Algumas bactérias,como E. coli e Pseudomonas são fagocita-das independente de serem opsonisadas,pois se ligam diretamente a receptores nosmacrófagos. Já os neutrófilos, embora ex-pressem receptores opsônicos similares,não possuem a maioria dos receptores in-dependentes das opsoninas para a fagoci-tose.(1)

Neste trabalho abordaremos os prin-cipais receptores envolvidos na fagocitosedetalhando seus principais aspectos, bemcomo a correspondente via fagocítica.

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1.1 Porção Fc das Imunoglobulinas

Existem vários receptores opsônicospara as subclasses de imunoglobulinas, es-pecialmente IgG. A IgG pode funcionar comoopsonina pela ligação do imunocomplexo comos receptores para porção Fc expressos nasuperfície de macrófagos e neutrófilos. O an-ticorpo também pode ativar o complemento,e quando o anticorpo e C3b opsonizam o pa-tógeno, a ligação é grandemente favorecida.A fagocitose pode ser grandemente potenci-alizada quando as bactérias já ativaram o com-plemento, pois C3b estará fixado às bactériaspermitindo a ligação das células de defesaatravés dos receptores para C3b. Os organis-mos que não ativam eficientemente o com-plemento serão opsonizados pelo anticorpo,que pode se ligar ao receptor para Fc no fa-gócito. Neutrófilos, macrófagos e outros fagó-citos mononucleares possuem receptorespara Fc em suas superfícies. Conseqüente-mente, se o anticorpo for ligado a um patóge-no, ele pode então se ligar ao fagócito atra-vés da porção Fc permitindo, assim, que opatógeno seja ingerido e destruído pelo fagó-cito – o anticorpo age como opsonina. Os fa-gócitos podem reconhecer materiais estra-nhos através do componente ativado C3b docomplemento ou através do anticorpo comoopsonina, mas a fagocitose será mais eficien-te se ambos estiverem presentes. Os recep-tores das imunoglobulinas são, também, mem-bros da superfamília das Ig, com dois ou trêsdomínios. Eles contém motivos de ativaçãoimune do receptor dependente de tirosina(ITAMs) ou motivos inibidores (ITIMs) que, porinteração com outras moléculas de membra-na (p.ex. cadeias ã) e cinases citoplasmáti-cas (p.ex. Syk) e/ ou fosfatases, regulam asvias complexas de sinalização. Além das res-postas efetoras (fagocitose, endocitose, cito-toxicidade dependente de anticorpo) diferen-tes receptores Fc também podem controlarnegativamente as cascatas inflamatórias efornecer uma ligação entre a imunidade inatae adaptativa.(1)

1.2 Receptores do complemento e proteí-nas de membrana relacionadas

A superfície de muitos tipos celularesexibe receptores do complemento. Os monó-citos e os macrófagos expressam uma varie-dade de receptores heterodiméricos para osprodutos de clivagem do C3 (CR1, CR2, CR3e CR4) e interagem com outros componentesdas vias clássica, alternativa ou induzida pelalectina de ativação do complemento.(1)

Os receptores de C3 são os receptores maisbem estudados até os dias de hoje. É impor-tante frisar que estes receptores não reconhe-cem o C3 circulante nativo e não são bloque-ados pelas proteínas plasmáticas normais.Existem receptores para C3b, iC3b, C3d eC3dg. Estes receptores exibem distribuiçõescelulares características, sendo o receptorC3b (denominado CR1) proeminente nos eri-trócitos, granulócitos, fagócitos mononuclea-res, linfócitos B e em 25% das células T nosseres humanos. Contrariamente, o receptorde C3bi (CR3) só é encontrado nas célulasfagocíticas. O receptor de C3d (CR2) está pre-sente nas células linfoblastóides, linfócitos Be numa porção de células T. Estes receptoresligam os vários fragmentos de C3. Se o com-ponente C3 estiver ligado a uma antígeno oupartícula-alvo, o antígeno ou alvo liga-se atra-vés do ligante de C3 à superfície das célulascom o receptor. Para as células fagocíticas, aligação do alvo à superfície do fagócito podeaumentar o processo de ingestão. O CR2(também denominado CR21) é um receptordos fragmentos C3d e C3dg do componenteC3. É encontrado nos linfócitos B, em algu-mas células T e nas células epiteliais nasais.(2)

CR3 media ambas fagocitoses de bactéria,opsônica e não opsônica.(3) É um receptor desuperfície heterodimérico com múltiplos ligan-tes os quais podem mediar a opsonização viacomplemento bem como a entrada não opsô-nica do Mycobacterium tuberculosis em ma-crófagos.(4) Contribui em para o recrutamentodas células mielomonocíticas através da ade-são aos ligantes induzidos pelo endotélio, in-

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cluindo a molécula de adesão intercelular-1(ICAM-1). CR3 é um receptor promíscuo comoutros ligantes além de iC3b, incluindo o fibri-nogênio. O papel de CR3 na fagocitose con-trolada foi bem estudado, e o mecanismo deingestão mediado por CR3 difere marcante-mente daquele mediado pelos receptores Fc.As respostas inflamatórias e secretoras tam-bém diferem depois da internalização depen-dente de anticorpo e complemento. Os recep-tores para o complemento contribuem com adepuração das células apoptóticas bem comocom as defesas do hospedeiro frente a infec-ções, mas também atuam como um receptor“seguro” para a penetração de organismoscomo micobactérias, pela interação direta comos ligantes microbianos, ou após a opsoniza-ção. Os mecanismos de ingestão das partí-culas revestidas com anticorpo são diferen-tes daqueles mediados por CR3. A internali-zação mediada por FcR procede através deum processo semelhante a um zíper, em quea ligação seqüencial entre receptores e ligan-tes direciona o fluxo de pseudópodos ao redorda circunferência da partícula. Os sítios de con-tato de CR3 são descontínuos para as partícu-las revestidas com complemento, as quais“afundam” no citoplasma do macrófago.(1)

Tanto o CR1 quanto o CR3 são impor-tante no processo da fagocitose. Entretanto,eles também desempenham várias outras fun-ções. Ambos atuam como co-fatores para adegradação posterior de fragmentos de C3pela enzima sérica, fator I. O CR3 é um mem-bro da família da proteína integrina e desem-penha importante papel na aderência celular.Outra integrina, p150/95, liga-se a C3b e C3dge, foi identificada como CR4. Recentemente,foram identificadas várias crianças com defi-ciência de todas as proteínas relacionadas aoCR3. Elas apresentam uma história de sepa-ração tardia do cordão umbilical ao nascimen-to e freqüentes infecções cutâneas e dos te-cidos moles por uma variedade de microrga-nismos, particularmente estafilococos e Pseu-domonas aeruginosa. Os neutrófilos que ca-recem destes receptores não sofrem margi-nação normal, e as crianças afetadas apre-

sentam leucocitose pronunciada. Foram iden-tificados receptores para o componente c1qde C1 em neutrófilos e monócitos, na maioriados linfócitos B e numa pequena populaçãode linfócitos que carecem de marcadores decélulas T e B. Foi demonstrado que a ligaçãopor meio deste receptor ativa células para umavariedade de funções celulares, incluindo fa-gocitose e metabolismo oxidativo.(2)

1.3 Proteína C-Reativa

A Proteína C-reativa (PCR), assim cha-mada em razão de sua capacidade de se li-gar à molécula C do pneumoco, é considera-da uma opsonina e liga-se ao receptor Fc-gama. Quando ligada à bactéria, promove aligação do complemento, que por sua vez fa-vorece a ingestão da bactéria pelo fagócito.(1)

Ratos deficientes neste tipo de receptor fo-ram utilizados na intenção de avaliar o papeldestes receptores na fagocitose usando-sezymosan como ligante. A fagocitose do zy-mosan pelos macrófagos foi intensificada pelaopsonização com a PCR. Macrófagos de ra-tos deficientes nesses receptores não tiverama fagocitose intensificada. Revelou-se queestas proteínas são importantes no sistemaimune inato e podem ter sido precursoras naevolução das imunoglobulinas. O uso de re-ceptores Fc-gama pelo sistema imune inato eadaptativo provavelmente possui conseqüên-cias importantes no processamento e apre-sentação de antígenos a que estas proteínasse ligam.(5)

1.4 Fibronectinas

As fibronectinas são glicoproteínas damatriz extracelular encontradas sob duas for-mas básicas: solúveis, no plasma, e insolú-veis, nos tecidos. A fibronectina plasmática ésintetizada principalmente nos hepatócitos eestá envolvido com as atividades do sistemaretículo endotelial. A tissular é sintetizada pe-los fibroblastos e células endoteliais e estáenvolvida com a adesão, migração, diferenci-ação e crescimento celular. A fibronectina tam-

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bém pode contribuir para a ativação fagocitá-ria. Elas são encontradas quando os fagóci-tos são recrutados para o tecido conjuntivo eali ativados.(6) Falcone & Salisbury demons-traram que a fibronectina estimula a endoci-tose de complexos lipoproteícos de baixa den-sidade pelos macrófagos. (7)

1.5 Colectinas

As colectinas estão envolvidas na defe-sa imune inata, não adaptativa. Ligam-se aoscarboidratos de superfície de patógenos, in-duzindo a agregação e, desse modo, impe-dindo a infectividade ou mediando a fagocito-se através de receptores específicos nos fa-gócitos. As colectinas possuem duas funções,a primeira é ligar-se especificamente a car-boidratos estruturais na superfície do patóge-no. A outra função é sinalizar para outras mo-léculas e células, a fim de destruir o patóge-no. Algumas colectinas são: as proteínas A eD, encontradas na superfície luminal de célu-las epiteliais pulmonares e gastro-intestinais;a ligante de manose-lectina, a conglutinina ecolectina-43, produzidas no fígado. No ho-mem, concentrações séricas baixas de ligan-te de manose-lectina, resultante de mutaçõesna região do colágeno, são associadas comum defeito opsônico comum.(8)

As lectinas dos macrófagos contribuemà defesa do organismo por uma variedade demecanismos. Os receptores mais caracteriza-dos são o receptor de manose e o receptorde C3, estes podem mediar a fagocitose demicroorganismos patogênicos e induzir me-canismos intracelulares de destruição.(9)

1.6 Receptor de Manose

O receptor de manose é uma proteínade 175 Kda encontrada na superfície princi-palmente de macrófagos e células dendríti-cas, cujas funções incluem liberação de hi-drolases extracelular, internalização de pató-geno e captura de antígenos (endocitose efagocitose). Embora os macrófagos sejamcapazes de expressar inúmeras lectinas, es-

pecíficas para vários açúcares ligantes, o re-ceptor da manose (MR) é o melhor estudadoe pode exercer um papel singular na home-ostasia dos tecidos e na defesa do hospedei-ro. Esse receptor contém oito domínios do tipolectina C responsáveis pela endocitose e pelafagocitose de glicoconjugados manosilados ourelacionados.(1)

Os receptores de manose constituemuma família de quatro glicoproteínas (recep-tor tipo M para fosfolipase A(2), receptor demanose (MR), Dec-205 e Endo 180) sendocada um, um tipo de receptor transmembra-na com um domínio N-terminal rico em ciste-ína, um único domínio fibronectina e de oito adez domínios lectina tipo C (CTLDs). Porém,apesar da presença de domínios semelhan-tes esses receptores possuem atividade liga-dora divergente. East (10,11) sugerem que amaioria destes domínios não se liga a açúca-res, e que o Endo 180 se liga de modo cálcio-dependente à manose, fucose e N-acetilglu-cosamina mas não para galactose. Sendoassim os autores sugerem que cada receptorda família da manose tenha um conjunto dis-tinto de glicoproteínas ligantes in vivo.

Os ligantes endógenos incluem hidro-lases lisossomais e mieloperoxidase, enquan-to uma variedade de organismos pró e euca-rióticos expressam estruturas ricas em mano-se que servem como ligantes. Além disso, umdomínio N-terminal rico em cisteína do recep-tor da manose é uma lectina distinta para osglicoconjugados sulfatados expressos em al-tos níveis nos órgãos linfóides secundários(metalófilos marginais, macrófagos dos sinu-sóides subcapsulares e células dendríticas fo-liculares). Uma nova via de transporte do an-tígeno foi postulada, e através dela o MR so-lúvel ou associado “a célula T ou B, modulan-do suas respostas imunes”.(1)

1.7 Ativação do complemento pela via dalectina ligadora de manose (MB-lectina)

A via MB-lectina usa uma proteína simi-lar a C1q (uma colectina) que induz a cascatado complemento. A MBL é uma lectina do tipo

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C que se liga especificamente a resíduos demanose e a outros açúcares que estão aces-síveis e organizados em um padrão que per-mite sua ligação a muitos patógenos. A lecti-na ligadora de manose, como a C1q, é umamolécula formada por seis cabeças que for-mam um complexo com duas proteases zi-mogênicas, que no caso do complexo MBL,são as MASP-1 E MASP-2 similares a C1r eC1s. Quando o complexo MBL liga-se à su-perfície do patógeno, as MASP-1 e MASP-2são ativadas para clivar C4 e C2. Portanto, avia da MB-lectina inicia a ativação do comple-mento da mesma forma que a via clássica,formando convertase C3 a partir de C2b unidaa C4b.(6)

A regulação das funções efetoras indu-zidas pelo receptor de manose é complexa epode envolver fatores do hospedeiro e do mi-croorganismo invasor. É provável que o re-ceptor de manose tenha um papel dinâmicona resposta à infecção: pode agir como umreceptor clássico de reconhecimento na rea-ção padrão de fagocitose. Em contraste, o sí-tio de ligação da lectina no receptor de C3parece não possuir ligantes derivados do pró-prio organismo e pode ser um receptor verda-deiro do reconhecimento da resposta pa-drão.(9)

Apesar de não ser considerada uma dasproteínas da seqüência do complemento, aproteína de ligação da manose (MBP) é mui-to importante para o sistema complemento.Foram observados defeitos hereditários des-ta proteína particularmente em crianças cominfecções freqüentes e defeitos opsônicos. Aproteína possui um segmento caudal que seassemelha, do ponto de vista estrutural, a C1qe uma região da cabeça que se liga a resídu-os de manose presentes na superfície demuitos microrganismos. A proteína tende aformar um trímero. A MBP ligada pode ativara via clássica do complemento da mesma for-ma que o anticorpo ligado a C1 ativam a via,resultando finalmente em opsonização do mi-crorganismo.(2)

A expressão desse receptor está relaci-onada com o estado funcional dessas células

e é regulada por citocinas. Além do papel fun-damental de defesa do próprio, o receptor demanose provê uma ligação entre a imunida-de inata e a imunidade adquirida.(12)

1.8 Receptor de Varredura

São um grupo de moléculas estrutural-mente heterogêneas de, pelo menos, seis for-mas moleculares distintas. Esses receptoresreconhecem certos polímeros aniônicos e li-poproteínas acetiladas de baixa densidade.Alguns receptores de varredura reconhecemestruturas que são protegidas pelo ácido siá-lico nas células normais do hospedeiro. Es-tes estão envolvidos na remoção de hemáci-as velhas que perderam o ácido siálico, bemcomo no reconhecimento e na remoção de pa-tógenos.(6)

1.9 Receptores Toll-like (TRL)

Os receptores Toll-like (TLR) desempe-nham um papel crítico no inicio da respostainata do organismo à invasão de patógenos.Estes receptores reconhecem motivos estru-turais altamente conservados expressos so-mente em microorganismos patogênicos, cha-mados de receptores de reconhecimento pa-drão ou PAMPs (“pathogen–associated micro-bial patterns”). Os PAMPs incluem vários com-ponentes da parede celular microbiana, comoos lipopolissacarídeos (LPS), peptideoglica-nos e lipopeptídeos, bem como flagelina, DNAbacteriano e RNA viral dupla fita. A estimula-ção dos TLRs pelos PAMPs inicia a cascatade sinalização que envolve diversas proteí-nas, como MyD88 e IRAK Esta cascata de si-nalização leva a ativação da transcrição dofator NF-kB, o qual induz a secreção de cito-cinas pró-inflamatórias e citocinas efetorasque direcionam a resposta imune adaptati-va.(13)

Os TLRs são proteínas transmembra-nas caracterizadas por um domínio extra-ce-lular rico em leucina e uma cauda citoplasmá-tica que contem uma região conservada cha-mada de domínio do receptor Toll/IL-1 (TIR).

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Os TLRs são predominantemente expressosem tecidos envolvidos na função imune, taiscomo baço e leucócitos do sangue periférico,bem como naqueles expostos ao meio exter-no, tais como pulmões e trato gastro-intesti-nal. Já foram caracterizados 10 destes recep-tores em humanos e 9 em murinos, 7 dosquais já tiveram os seus ligantes identificados.Os TLR 2 são essenciais no reconhecimentode diversos PAMPs, incluindo lipoproteínasbacterianas, peptideoglicanos e ácido lipotei-cóico. Somente linhagem de células mielomo-nocíticas expressam TLR 2 nas suas mem-branas. Nas tonsilas, linfonodos e principal-mente no baço, centros germinativos de célu-las B ativadas expressam TLR 2. No sanguehumano, monócitos CD 14 expressam maiornível de TLR 2, seguido por granulócitos. CD15+ e células B CD 19+.Células T CD 3+ ecélulas NK CD 56+ não expressam TLR 2.TRL3 é implicado no reconhecimento de ví-rus RNA dupla fita; TRL4 é predominantemen-te ativado por lipopolissacarídeos e TRL5 de-tecta flagelina bacteriana. Recentemente,TRL7 e TRL8 têm sido mostrados por reco-nhecer pequenas moléculas sintéticas virais.Os TLRs 2 e 4 são independentemente esti-mulados por diferentes ligantes e podem ounão estar na superfície das células. Em mo-nócitos, estes receptores podem se encontrarna membrana plasmática ou intracelularmen-te, ao contrário das células dendríticas, ondeeles encontram-se associados ao Complexode Golgi, com grande concentração no cen-tro de organização dos microtúbulos. Em mui-tos casos, TLRs requerem a presença de umco-receptor para iniciar a cascata de sinaliza-ção. Um exemplo é TRL4 o qual interage comMD2 e CD14, uma proteína que existe nasformas solúvel e como uma proteína GPI an-corada à membrana, para induzir NF-kB naresposta à estimulação por LPS.(14, 15, 16, 17, 18)

1.10 CD 14

O CD14 é um membro do complexo re-ceptor de lipopolissacarídeo (LPS) heteromé-rico, que também contem TLR 4 e MD 2. É

encontrado em células derivadas da linhagemde monócitos/macrófagos, bem como neutró-filos e linfócitos B. A proteína CD14 madura écomposta por 356 aminoácidos com 4 sítiosde ligação para N-glicosilação, e o gene quea codifica está situada no lócus 5q23-31. Tra-ta-se de uma proteína de membrana ancora-da a GPI (glicosilfosfatidilinositol), que agecomo receptor de reconhecimento de motivosbacterianos. Devido a ausência de domíniocitoplasmático, o CD14, mesmo ligado aoLPS, não é capaz de iniciar sozinho o sinal deativação transmembrana para indução da res-posta do NF-kB, ligando-se assim ao TLR 4que por sua vez transduz este sinal. Ele podetambém se associar ao TLR 2 ,em resposta àvarias infecções microbianas.(13,14,15)

Na sua forma solúvel, o CD 14 é impor-tante, pois as células epiteliais de tecidos quesão expostas ao meio exterior, tais como mu-cosa gengival e células epiteliais da bexiga ecólon, não expressam o CD 14 ligado à mem-brana. Por este motivo, dependem da sua for-ma citoplasmática para o reconhecimento demoléculas bacterianas, como o LPS e pepti-deoglicanos, através dos TLR 2 e TLR 4. CD14solúvel aumenta a produção de citocinas nes-tas regiões. A ligação do LPS com o CD 14acelera a presença de LBP, um lipídeo trans-feridor de proteína que move monômeros deLPS, fosfatidilinositol e outros fosfolipídiospara um sítio de ligação no CD 14.(19, 20)

2 DISCUSSÃO

O estudo sobre os receptores opsôni-cos e não opsônicos é um ramo da pesquisaque tem recebido uma grande contribuiçãonos últimos cinco anos. A cada dia que pas-sa, novas pesquisas vêm sendo publicadasem decorrência do aprimoramento das técni-cas de observação. Entretanto, tal classifica-ção nem sempre é definida de modo claro naliteratura, podendo inclusive apresentar-se demaneira aparentemente contraditória. Algu-mas vezes o mesmo receptor encontra-sedescrito ora como opsônico, ora como não op-

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sônico, em diferentes trabalhos. O fato é quealguns receptores mediam a fagocitose tantopela via opsônica quanto pela não opsônica.Experiências foram conduzidas para testar ahipótese de que a capacidade fagocítica opsô-nica e não opsônica possa ser alterada. Rei-chner (21) observaram que a resposta fagocíti-ca depende não somente da natureza da par-tícula fagocítica, como do local em que os ma-crófagos são ativados, sua resposta a agentesativadores e o mecanismo através do qual apopulação celular altera o seu potencial fago-citário.

3 CONCLUSÃO

De um modo geral, os receptores queparticipam do processo da fagocitose atravésda sua ligação com anticorpos ou fatores docomplemento são chamados de opsônicos, eaqueles cujo contato se dá célula a célula, peloreconhecimento direto do patógeno, de nãoopsônicos. Entretanto, tal distinção é feita ba-sicamente com fins didáticos, visto que a ca-pacidade fagocítica pode ser alterada. Maisestudos são necessários para compreender oexato papel de cada receptor envolvido nosprocesso da fagocitose e para que se possaestabelecer uma classificação mais acurada.O aprimoramento das técnicas para detecçãode receptores e análise de seu comportamen-to levará a um maior conhecimento na área daresposta imunológica inata e sua interação coma resposta adaptativa.

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Page 8: UMA REVISÃO SOBRE RECEPTORES OPSÔNICOS E NÃO OPSÔNICOS

RUBS, Curitiba, v.1, n.3, p.12-16, abril/jun. 2005

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ABSTRACT

The aim of this study is to verify the actualknowledge about the cell receptors involved infagocitosis, a crucial defense mechanism invol-ved in the innate immunity. Although, there is nota clear and definite classification for them, theyare usually classified as opsonic and non-opso-nic receptors. The first group is represented byopsonins, molecules that are supposed to invol-ve the pathogens in order to facilitate fagocitosisby fagocitic cells, or through activation of the com-plement cascade. In the second one, the contactand activation is made through receptors, by cell-to-cell interaction, without the facilitation promo-ted by opsonins. More studies are required to un-derstand the exactly role of each receptor in theimmune process and then, can be possible esta-blish a more accurate classification.

Key words: fagocitosis; opsonization; op-sonic receptors; non-opsonic receptors.